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9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume ou qualquer
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às suas características gráficas, sem permissão expressa da Editora.
C392
100 casos clínicos em medicina :
esquematizados e comentados / Bruno Godoi, organizador ; Caio Nunes ...
[et al.], editores. – 2. ed. – Salvador : SANAR, 2018.
736 p. : il. ; 16x23 cm.
ISBN 978-85-5462-025-7
1. Medicina - Estudo de casos 2. Medicina - Concursos. I. Godoi, Bruno, org. II. Nunes, Caio, ed.
CDU: 616
ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO
1. Medicina: exames e sintomas de doenças.
2. Semiologia - Patologias.
Ficha Catalográfica: Fábio Andrade Gomes - CRB-5/1513
Editora Sanar Ltda.
Rua Alceu Amoroso Lima, 172
Caminho das Árvores
Edf. Salvador Office e Pool, 3º andar.
CEP: 41820-770 – Salvador/BA
Telefone: 0800 337 6262
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Sumário
1. Capa
2. Créditos
3. Ligas participantes
5. Autores
6. Agradecimentos
7. Introdução
9. Capítulo 1
10. Capítulo 2
11. Neurologia
1. Caso 01
2. Caso 02
3. Caso 03
4. Caso 04
5. Caso 05
6. Caso 06
7. Caso 07
8. Caso 08
9. Caso 09
10. Caso 10
11. Caso 11
12. Caso 12
13. Caso 13
14. Caso 14
15. Caso 15
16. Caso 16
12. Psiquiatria
1. Caso 17
2. Caso 18
3. Caso 19
4. Caso 20
5. Caso 21
6. Caso 22
7. Caso 23
13. Cardiologia
1. Caso 24
2. Caso 25
3. Caso 26
4. Caso 27
5. Caso 28
6. Caso 29
7. Caso 30
8. Caso 31
9. Caso 32
10. Caso 33
11. Caso 34
12. Caso 35
13. Caso 36
14. Caso 37
15. Caso 38
16. Caso 39
17. Caso 40
18. Caso 41
14. Endocrinologia
1. Caso 42
2. Caso 43
3. Caso 44
4. Caso 45
5. Caso 46
6. Caso 47
7. Caso 48
8. Caso 49
15. Gastroenterologia
1. Caso 50
2. Caso 51
3. Caso 52
4. Caso 53
5. Caso 54
6. Caso 55
7. Caso 56
8. Caso 57
9. Caso 58
10. Caso 59
11. Caso 60
12. Caso 61
13. Caso 62
16. Infectologia
1. Caso 63
2. Caso 64
3. Caso 65
4. Caso 66
5. Caso 67
6. Caso 68
7. Caso 69
8. Caso 70
9. Caso 71
10. Caso 72
11. Caso 73
12. Caso 74
13. Caso 75
1. Caso 76
2. Caso 77
3. Caso 78
4. Caso 79
5. Caso 80
6. Caso 81
7. Caso 82
8. Caso 83
9. Caso 84
18. Pediatria
1. Caso 85
2. Caso 86
3. Caso 87
4. Caso 88
5. Caso 89
6. Caso 90
7. Caso 91
8. Caso 92
9. Caso 93
19. Pneumologia
1. Caso 94
2. Caso 95
3. Caso 96
4. Caso 97
5. Caso 98
6. Caso 99
7. Caso 100
8. Caso 101
9. Caso 102
1. Caso 105
2. Caso 106
3. Caso 107
4. Caso 108
5. Caso 109
6. Caso 110
21. Extras
1. Caso 111
2. Caso 112
3. Caso 113
4. Caso 114
5. Caso 115
6. Caso 116
7. Caso 117
8. Caso 118
9. Caso 119
Liga Acadêmica de Saúde de Família e Comunidade Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos -
do Tocantins - LASFACTO Porto Nacional
Liga Acadêmica de Urologia do Hospital da Cidade Universidade Federal da Fronteira Sul (Campus
de Passo Fundo Passo Fundo)
AVE/AVC Acidente vascular encefálico / cerebral Variações AVCH - hemorrágico / AVCI - isquêmico.
Colangiopancreatografia retrógrada
CPRE
endoscópica
ECG Eletrocardiograma
ECO Ecocardiograma
EEG Eletroencefalograma
ENMG Eletroneuromiografia
FA Fibrilação atrial
IMC Índice de massa corporal Peso / Altura x Altura - VN = 18,5 -25 kg/m2.
NIHSS National Institute of Health Stroke Scale Escala sintomática de acidente vascular encefálico.
RX Radiografia
USG Ultrassonografia
VO Via oral
CAIO NUNES
Editor
Formado em Medicina pela UFBA. Residência em Radiologia/diagnóstico por Imagem –
INRAD-USP. Fellowship em Radiologia do Sistema Músculo Esquelético – IOT-USP. Especialista
em Radiologia pelo CBR/AMB.
DIEGO BARROS
Editor
Acadêmico de Medicina – UNEB. Fundador do Medicina Resumida.
BRUNO GODOI
Organizador
Acadêmico de Medicina da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Agradecimentos
Caio Nunes
Este trabalho foi na essência em equipe, ficando meu agradecimento a idéia do amigo Marco
Antônio, a organização do Diego Barros e ao toque final do Carlos Moura. Destaco que nosso
agradecimento principal fica para todas as ligas acadêmicas de medicina, formadas por estudantes
comprometidos em busca de uma formação de qualidade. Por fim a toda a equipe da Editora Sanar,
em especial ao Felipe Xavier, pelo empenho em tornar essa obra possível.
Diego Barros
Este livro, assim como minhas demais conquistas, merece ser dedicado aos meus pais. Pelo apoio
incondicional e, principalmente, pelo exemplo diário. Entretanto, não posso deixar de agradecer aos
seguidores do Medicina Resumida que me incentivam sempre, a Editora Sanar e ao Dr. Caio Nunes,
hoje meu amigo, pela oportunidade.
Estima-se que por volta do ano 400 a.C., Hipócrates, descrevera o baqueteamento dos dedos,
como um sinal importante para o diagnóstico de doença pulmonar crônica, câncer de pulmão e
doença cardíaca cianótica.* Como ele fez isso? Da maneira mais lógica, e que permanece atual, de se
aprender e solidificar o conhecimento médico: através da observação atenta, criteriosa, e
fundamentada dos sinais clínicos e suas associações com as doenças.
Obviamente que é importantíssimo ler as doenças e suas evoluções, mas é realmente de frente
com um caso real, com um problema a ser solucionado e todas as suas nuances que se ganha a
experiência e confiança necessárias para diagnosticar e tratar pessoas.
Você pode ler inúmeras vezes sobre o risco de rabdomiólise em usuários de estatinas por
exemplo, porém jamais esquecerá desta associação ao vivenciar um caso. Na prática médica você
lerá sobre as apresentações clínicas mais comuns das doenças, porém dificilmente patologias vem
sozinhas e de forma “clássica”. O paciente e a doença não leram o livro, costumamos dizer. Como
melhorar o tirocínio diagnóstico e sair do algoritmo trivial? Como ter perspicácia de que este ou
aquele caso está com uma evolução incomum?
Num universo de conhecimento infinito, sobre o qual se debruça a prática médica, precisamos ter
o bom senso de estudar e aprender um conjunto de habilidades que nos permita dar condutas sobre as
situações clínicas diversas. Mais importante que necessariamente saber o tratamento mais atualizado
sobre uma determinada patologia é saber onde posso encontrá-lo. No entanto precisamos ter em
mente como conduzir as situações mais comuns, e como tratar as urgências.
Pensando dessa forma e de maneira a expor o leitor, a mais de uma centena de situações reais e
seus desdobramentos que tivemos a idéia desse livro de casos.
O livro de casos clínicos foi formulado em conjunto pelas ligas acadêmicas de medicina de todo
o país, desta forma trazendo a maior diversidade de patologias e abordagens diagnósticas e
terapêuticas. O objetivo do livro não é trazer verdades universais sobre a condução deste ou daquele
caso clínico, mas estimular o raciocínio diagnóstico e a utilização das ferramentas disponíveis nos
mais variados serviços de saúde. Portanto propositadamente optamos por manter originais as
descrições dos casos, bem como seus desfechos, para que dessa forma possamos também vivenciar
um pouco da realidade de outros hospitais Brasil afora.
Observações interessantes veremos ao decorrer dos casos em relação aos regionalismos de como
descrever um achado de exame físico ou mesmo como descrever a história clínica. Esperamos que
dessa forma o livro contribua para um maior enriquecimento da cultura médica e torne mais “plano”
o nosso universo de comunicação.
Dessa forma, é nosso objetivo contribuir para uma formação médica melhor face as adversidades
e disparidades na qualidade do ensino médico no nosso país.
▏Observação: as condutas clínicas não devem se basear naquelas tomadas nos casos
apresentados. Existem nuances da prática médica que perpassam os livros e artigos e as decisões
são tomadas sempre frente ao caso real e a estrutura disponível. Consulte sempre a literatura mais
atualizada e os tratados médicos para embasar a sua conduta.
* Schwartz, Richards e Goyal 2006.
Modelo de apresentação dos casos clínicos
Liga Acadêmica que apresenta o caso.
Autores do caso.
Orientador(a)/Professor(a).
Instituição.
Os casos estão divididos em temas de áreas da medicina, que é identificado no início do capítulo
junto com os autores, a liga acadêmica, o orientador do caso.
História clínica
De forma resumida é apresentada uma história clínica com os dados essenciais para a resolução
do caso.
EXAME FÍSICO
O exame físico foi identificado em ícones para facilitar seu aprendizado.
Dados vitais.
Exame neurológico.
Exame do tórax e aparelho respiratório.
▏Observação: em alguns casos o exame pode estar organizado sob a forma do ABCDE do trauma,
ou pode conter adicionais como o exame psíquico.
Exames complementares
Pontos de discussão
Neste ponto listamos alguns pontos que podem ser desenvolvidos com o caso. Pontos que podem
ajudar a guiar seu aprendizado. Não se limite a estes, busque outras informações que ache importante
e te ajude na condução de outros casos semelhantes.
Discussão
Uma revisão sobre o caso e sobre o tema abordado, exemplificando porquê da conduta e
desfecho, bem como otratamento adotado.
Pontos importantes
Talvez uma das partes mais interessantes deste livro. São dicas práticas do dia a dia profissional,
algo fora dos guidelines e que pode te dar um pouco de tirocício diagnóstico e ajudar a passar um
pouco da experência de quem já vivenciou situações semelhantes.
Referências
Utilizadas para trazer mais informações e onde pode-se buscar detalhes da doença e do tratamento
abordados.
Capítulo 1
Após isso reflita sobre os problemas sugeridos pelos autores do caso. Leia a discussão e veja se
concorda com o diagnóstico e com a abordagem, leia os diagnósticos diferenciais e por fim os pontos
importantes que te darão preciosas dicas para o dia a dia profissional.
1. Merseth,K.K. (191). The early history of case-based instruction: Insights for teacher education today. Journal of Teacher Education, 42(4), 243-249.
2. Neufeld VR, Barrows HS. The ‘McMaster philosophy’: an approach to medical education. JMedEducat 1974; 49: 1040-50.
3. Johnson et al. An integrative review and evidence-based conceptual model of the essential components of pre-service education. Human Resources for Health 2013, Acesso em:
11:42
4. Weinberger SE, Pereira AG, Lobst WF, Mechaber AJ, Bronze MS: Competency-based education and training in internal medicine. Ann Intern Med 2010, 153:751-756.
Caso 01
LANA - Liga Acadêmica de Neurociências Aplicadas
Autores: Ana Flávia Souza Freire da Silva, Mariana Farias Costa e Sandro de Carvalho Oliveira.
Orientador(a): Dra. Lidiane Neri (Neurologista - Hospital Santa Izabel).
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
A.T.M., 29 anos, masculino, deu entrada em ambulatório de neurologia acompanhado pelo irmão,
que relatou história de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor do paciente em questão,
informando que o mesmo não conseguia estudar, era reprovado com frequência na escola e nunca
aprendeu a ler. O paciente relatou disfagia para alimentos sólidos e líquidos esporadicamente, sendo
que costumava se alimentar mais lentamente que o normal e apresentava soluços episódicos.
Queixava-se também de fraqueza nas mãos, não conseguindo segurar objetos pesados – apesar de
conseguir realizar tarefas diárias – e incapacidade de abrir as mãos após fechá-las. Em associação,
relatou episódios de queda da própria altura e ritmo intestinal obstipado, com fezes ressecadas. Nega
EXAME FÍSICO
Vigil, lúcido e orientado no tempo e no espaço; pupilas isocóricas e fotorreagentes; pares cranianos
(III, IV, V, VI, VII, IX, X, XI e XII testados) preservados; força muscular grau 4 distalmente em
membros superiores (MMSS), presença de miotonia em mãos; força muscular grau 5 em membros
inferiores (MMII) e proximalmente em MMSS; atrofia muscular nos pés e na face (músculos
temporal e masseter) e hipertrofia em MMSS; em repouso, tremores finos em todos os membros;
Reflexos tendíneos profundos grau 2 bilateralmente; sensibilidade, coordenação, equilíbrio e marcha
sem alterações; Mini Exame do Estado Mental de Folstein (MEEM): 23 (-2 orientação temporal e
espacial; -3 cálculo; -1 repetição; -1 comando). Observação: o paciente não sabe ler nem escrever.
Ritmo cardíaco regular. Ictus cordis invisível e impalpável. Bulhas rítmicas, normofonéticas, em 2
tempos sem sopros.
Plano, cicatriz umbilical presente, ausência de hérnias e de circulação colateral visíveis; ruídos
hidroaéreos presentes; timpânico, Espaço de Traube livre; flácido, indolor a palpação; ausência de
visceromegalias.
Atrofia muscular conforme descrito acima, pulsos presentes e simétricos nos quatro membros.
Ausência de baqueteamento digital, edema e cianose.
Sem sinais flogísticos.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Bastões 0,0% 0 - 5%
Urina tipo I
Bioquímica
Glicemia de jejum e creatinina séricas dentro dos padrões da normalidade.
Figura 1. Eletroneuromiografia dos 4 membros. MMSS e MMII: Descargas miotônicas de frequência
e amplitude variáveis, compatível com distrofia miotônica tipo I.
ECO Transtorácico: ECO com Doppler e mapeamento e fluxo a cores: normal; átrio esquerdo
34mm; fração de ejeção 84,95%.
Eletrocardiograma: Ritmo sinusal, sem anormalidades.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual diagnóstico mais provável?
2. Como explicar a fraqueza muscular do paciente?
3. Por que ocorre a miotonia nesses quadros?
4. Existe algum exame necessário para o diagnóstico? Se sim, qual?
5. Por que é importante investigar manifestações cardíacas?
6. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
Discussão
Esse jovem apresenta um caso típico de Distrofia Miotônica de Steinert (DMS), também
conhecida como Distrofia Miotônica tipo I, que consiste na mais comum dentre todas as distrofias
musculares dos adultos.
A DMS é uma doença neuromuscular que afeta diversos sistemas do organismo e que apresenta
grande variabilidade clínica, atingindo igualmente ambos os sexos, manifestando geralmente no
início da vida adulta, herdada de forma autossômica dominante. Ocorre uma mutação no gene DMPK
(Dystrophia Myotonia-Protein Kinase), localizado no cromossomo 19q13.3, levando ao aumento
anormal de repetições da trinca CTG. Essa distrofia apresenta herança autossômica dominante com
penetrância incompleta e expressividade variável.
O quadro do paciente em questão teve início na infância, com retardo no desenvolvimento
psicomotor e dificuldade para deglutir, a qual teve uma evolução progressiva. Como outras
manifestações clínicas, pode-se observar a fraqueza em grupos musculares superiores distais, a
obstipação e, principalmente, um sintoma que se destaca nessa doença é a miotonia. O fenômeno
miotônico é caracterizado como uma dificuldade para relaxar a musculatura das mãos após a
contração.
O envolvimento da musculatura esquelética é difuso, com predomínio da fraqueza e da atrofia nos
músculos distais dos membros, flexores cervicais, mastigatórios, faciais e bulbares. Posteriormente, a
musculatura ocular extrínseca também é afetada. Observa-se a debilidade da musculatura facial com
ptose palpebral, oftalmoplegia externa e disartria.
O envolvimento cardíaco é uma das características principais da evolução da doença, sobretudo
no que se refere aos distúrbios do ritmo e da condução, por isso a importância de realizar
investigação.
O diagnóstico da DMS é confirmado através de exames moleculares que procuram verificar o
tamanho da repetição da trinca de nucleotídeos, pela análise direta do tamanho da repetição CTG,
utilizando técnicas de Southern Blotting e PCR. Indivíduos normais apresentam cerca de 30
repetições, enquanto portadores de DMS têm mais de 50, podendo chegar a milhares de trincas
repetidas.
A conduta terapêutica para a distrofia miotônica é multimodal, incluindo medicamentos e
fisioterapia. Os medicamentos incluem a Fenitoína, a Quinina, a Procainamida ou a Nifedipina, que
aliviam a miotonia e as dores que são provocadas pela doença. A fisioterapia tem o objetivo de
melhorar a qualidade de vida dos portadores dessa doença, proporcionando o aumento da força
muscular, da amplitude dos movimentos e da coordenação. É importante destacar também o
aconselhamento genético, tanto para os indivíduos afetados como para os familiares ou casos pré-
sintomáticos.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PRINCIPAIS
Outras Doenças Neuromusculares
Distrofia fáscio-escápulo-umeral
Distrofia cintura-membros
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Semiologia do paciente com miopatia;
• Envolvimento multissistêmico da DMS;
• Diagnósticos diferenciais de fraqueza muscular;
• Métodos diagnósticos nas miopatias;
• Terapias sintomáticas para a miotonia;
• Aconselhamento genético para a família do paciente com miopatia genética.
PONTOS IMPORTANTES
• Apesar do vasto diagnóstico diferencial de fraqueza muscular, uma história e exame físico
bem feitos conseguem estreitar consideravelmente as hipóteses de diagnóstico;
• Apesar de menos frequentes, existem miopatias com acometimento preferencialmente
distal e neuropatias com acometimento predominantemente proximal;
• Os músculos das mãos e pés não costumam atrofiar quando as miopatias são distais,
diferente das fraquezas neurogênicas;
REFERÊNCIAS
1. JI Ibarra Lúzar, E Pérez Zorrilla, C Fernández García. Electromiografía clínica, Servicio de Rehabilitación. Fundación
Jiménez Díaz. Madrid.
2. Pacheco AS. Distrofia Muscular de Steinert, 2013. (Acessado em 12/12/2014).
3. Goldman L, Ausiello D. Cecil: Tratado de Medicina Interna. 23ª Edição. Rio de Janeiro: ELSEVIER, 2009. Capítulo 447.
4. Walters RJ. Muscle diseases: mimics and chameleons Pract Neurol 2014; 14:288-298.
Caso 02
LANA - Liga Acadêmica de Neurociências Aplicadas
Autores: Lohana Almeida, Bruna Alonso, Caio Fernandes e Adriana
Rodrigues.
Orientador(a): Dr. Daniel Farias (Neurologista; Hospital Santa Izabel).
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
76 anos, sexo masculino, pardo, natural de cidade do interior, motorista
de ônibus (aposentado), é atendido em ambulatório público com queixa de
esquecimento e labilidade emocional há três anos. Acompanhante refere
que o paciente vem cursando com estado de labilidade emocional (choros e
risos fáceis), associado a quadro de esquecimento para fatos recentes como
onde mora e se já se alimentou, porém com memória preservada para fatos
remotos. Em associação, relata também diminuição da audição e importante
redução de libido, não conseguindo manter relações sexuais.
Paciente hipertenso e diabético há muitos anos, com complicações
(catarata e neuropatia diabética), faz uso de insulina duas vezes ao dia e,
segundo seu endocrinologista, já há melhora da glicemia. Negou alergias.
Possui diagnóstico de angina instável. Em uso: carvedilol, captopril,
amitriptilina, sinvastatina e insulina, além de paracetamol com codeína, em
caso de dor.
Antecedentes Familiares: Mãe falecida por tumores vistos nas pernas
(não sabe qual tipo). Diabetes Mellitus em pai e irmãs gêmeas.
EXAME FÍSICO
Regular estado geral; lúcido, porém desorientado no tempo e no espaço;
corado; eupnéico; afebril.
FC: 70 bpm; FR: 18 ipm; PA: 160/90 mmHg; Tax: 36,5 oC.
Região frontal com discreta protrusão bilateral. Sem achados dignos de nota
em orelhas, nariz e cavidade oral. Ausência de linfonodomegalias palpáveis.
Tireoide sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Bastões 0,0% 0 - 5%
Bioquímica
Uréia 33 mg/dL 20 - 40mg/dL
Eletrólitos
Sódio 136 mmol/L 135 - 145 mmol/L
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
DISCUSSÃO
O caso em questão traz uma apresentação da Doença de Paget em um
dos principais sítios acometidos: crânio. Em associação, mostra o caso de
um paciente com outras patologias concomitantes, como hipertensão
arterial sistêmica descompensada, diabetes mellitus e complicações dessas
doenças (catarata, neuropatia diabética e angina instável). Situação comum
na clínica médica, por isso a importância de o médico saber correlacionar
cada sinal e sintoma às patologias suspeitadas ou confirmadas.
A doença de Paget, que corresponde a uma desordem osteometabólica,
se caracteriza por uma alteração óssea que se processa em três fases: a fase
lítica, com ação principalmente de osteoclastos que causa uma grande
reabsorção óssea; a fase mista lítica e blástica, em que os osteoblastos
tentam compensar a grande reabsorção óssea aumentando a deposição, o
que gera um grande remodelamento ósseo; e a fase esclerótica, na qual há
predomínio de formação óssea de caráter desorganizado com os ossos
acometidos mais esponjosos e frágeis.1-4
Clinicamente a doença se divide em duas formas, poliostóticas ou
monostóticas, baseado na quantidade de ossos envolvidos. Ela tem uma
predileção pelo esqueleto axial com 70% dos casos envolvendo pelve, 58%
a coluna lombar, 45% a coluna torácica e a coluna cervical 14%. O crânio é
envolvido em 45% dos pacientes. Ainda há envolvimento femoral em 55%
dos casos e tibial em até 32%.
De evolução tipicamente crônica, esta doença é mais comum em
homens e afeta pacientes com idade mais avançada, geralmente a partir dos
50 anos de idade, sendo, raramente, diagnosticada em pacientes com idade
inferior a 45 anos, com uma prevalência que aumenta consideravelmente,
com o avançar da idade.5
Embora a sua verdadeira etiologia seja desconhecida, sabe-se que há
influência de fatores genéticos e de fatores virais que desempenham papel
importante na fisiopatologia. As mutações genéticas ligadas à doença de
Paget descritas nos últimos anos foram relacionadas ao histórico familiar e
a síndromes como a hiperfosfatasia idiopática. Dos pacientes afetados, 15 a
40% tiveram um parente de primeiro grau com a doença de Paget.2
Numerosos estudos têm descrito famílias que apresentam herança
autossômica dominante e o risco em parentes de primeiro grau é de sete a
dez vezes maior que na população em geral. Chama atenção, na história, o
fato de o paciente relatar que a mãe apresentava “tumores vistos em
pernas”, que o paciente não soube especificar, mas pode ser uma
manifestação de Paget em outro sítio comum.
Na maioria das vezes, trata-se de uma doença assintomática cujo
diagnóstico é feito Casualmente após dosagem de rotina de fosfatase
alcalina ou exame radiográfico por outro motivo. Cerca de 30 a 40% dos
pacientes apresentam sintomas no momento do diagnótico, como no caso
em questão, em que houve acometimento de crânio frontal e parietal
bilateralmente, com expansão óssea que comprime estruturas próximas.
Dentre as estruturas envolvidas no caso, estão partes dos lobos frontais,
temporais e estruturas do sistema límbico, levando ao comprometimento da
memória, alterações emocionais e comportamentais, especialmente
relacionadas à desinibição secundária ao acometimento do lobo pré-frontal.
Desse modo, os sintomas não ósseos que ocorrem nesses pacientes são,
em geral, relacionados à compressão de estruturas adjacentes.
O sintoma mais comum é dor óssea/articular, que pode ser decorrente de
pseudofraturas ou osteoartrite secundária. Outras manifestações típicas da
Doença de Paget envolvem: complicações neurológicas (ex.: cefaleia,
epilepsia, demência, parkinsonismo, hidrocefalia, síndrome da cauda
equina, mielopatia, entre outras); complicações cardiovasculares (ex.:
insuficiência cardíaca de alto débito); hipercalcemia (especialmente nos
casos de imobilidade); Perda auditiva; Complicações ortopédicas; e
transformação maligna.
A perda auditiva apresentada pelo paciente, provavelmente decorre de
uma compressão do oitavo nervo craniano ao nível do canal auditivo, uma
vez que a surdez é relatada em cerca de 12 a 50% dos casos de Paget. Pode
haver compressão de outros nervos cranianos, levando à paralisia facial e
neuralgia trigeminal1,3. Do mesmo modo, compressão de nervo óptico pode
levar à diminuição de acuidade visual, então, mesmo que a perda de visão
do paciente em questão esteja atribuída à catarata, é importante analisar
alguma piora ou alteração do quadro (Figura 2).
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Neoplasias
Metástases osteoblásticas, particularmente da próstata e
da mama
Linfoma de Hodgkin
Condrossarcomas
Fibrossarcomas
Genéticos
Neurofibromatose
Clínicos
Hipoparatireoidismo
Osteomalacia
Osteodistrofia renal
Tuberculose
Demência Fronto-temporal
Mielofibrose
Mastocitose
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Anatomia do telencéfalo e suas funções;
• Semiologia neurológica na avaliação do estado mental;
• Síndrome pseudobulbar;
• Diagnósticos diferenciais de labilidade emocional e de
esquecimento;
PONTOS IMPORTANTES
• Apesar da importância da dosagem sérica de fosfatase alcalina,
valores normais não excluem o diagnóstico
REFERÊNCIAS
1. José FF, Pernambuco ACA, Amaral DK. Paget’s bone disease.
Einstein. 2008; 6 (Supl 1):S79-S88. (Acessado em 08/12/2014);
3. Poncelet, Ann. The Neurologic Complications of Paget’s Disease;
Journal of bone and mineral research. Volume 14, Supplement 2,
1999 Blackwell Science, Inc. (Acessado em 08/12/2014);
4. . Acessado em 20/11/2014
5. Alvares, LD, Fontelles MJ; Moura, PS. Doença de Paget óssea em
paciente jovem: Relato de caso. (Acessado em 08/12/2014);
6. Braga, F N; Braga M V; Neto, F A. Doença de Paget com
acometimento sacral: relato de caso. Radiol Bras vol.43 no.5 São
Paulo Sept./Oct. 2010;
7. Neto, J F; Brenol, J C. Doença Óssea de paget: Diagnóstico e
Terapêutica. Revista de Ciências Médicas PUCCAMP, Campinas
pág. 17-25, 1992;
8. . Acessado em 08/12/2014
9. Manual Merck Saúde para a família. Seção 5: Distúrbios dos ossos,
das articulações e dos músculos. Capítulo 48: Doença de Paget dos
ossos.
Caso 03
LANA - Liga Acadêmica de Neurociências Aplicadas
Autores: Lohana Almeida, Ana Flávia Souza e Wanessa Queiroz.
Orientador(a): Dr. Daniel Farias (Neurologista; Hospital Santa Izabel).
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
JESS, 32 anos, sexo masculino, natural do interior. Atendido em hospital
privado, com história de dor abdominal e diarreia persistente, com perda
ponderal de 8 kg (cerca de 15% do peso corporal habitual) há quatro meses.
Procurou atendimento médico após evoluir com dificuldade de deambulação,
associada a quadro de sonolência excessiva no momento da internação.
Antecedentes: familiares desconhecem antecedentes médicos
significativos. Paciente não pode informar porque encontra-se comatoso.
EXAME FÍSICO
FC: 120 bpm; FR: 18 ipm; PA: 110/60 mmHg; Tax: 38,2 oC.
Cabeça desviada para direita por paratonia, com úlcera de pressão em orelha
direita, sem achados dignos de nota em nariz. Cavidade oral com placas
esbranquiçadas em mucosa. Presença de linfadenopatia generalizada.
Tireoide sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Testes
Teste Rapido de HIV ELISA Western Blot
Líquor
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Como ocorre essa infecção?
3. Qual a relação entre HIV positivo e a doença?
4. Como explicar o rebaixamento do nível de consciência do paciente?
5. Como é realizado o diagnóstico dessa patologia?
6. Qual o tratamento para o caso?
DISCUSSÃO
A Toxoplasmose é uma doença sistêmica infecciosa causada por um
protozoário intracelular, o qual pode provocar infecção do Sistema Nervoso
Central (SNC) congênita ou adquirida, sendo transmitida através da ingestão
de carne crua ou mal cozida e por contaminação pelas fezes de gatos. A
doença se manifesta quando existe um grande número de células destruídas
pelos protozoários, causando uma hipersensibilidade no organismo.
A Neurotoxoplasmose é o acometimento cerebral, difuso ou com a
formação de abscessos discretos.
O estado de imunodepressão facilita a reativação da infecção latente,
constituindo-se como a infecção oportunista mais frequente no SNC em
indivíduos HIV positivo, ocorrendo, na maioria dos casos, encefalite focal.
O paciente do caso em questão apresentava monilíase oral, que é um achado
possivelmente indicativo de de imunosupressão.
Estima-se que 50% da população que apresenta títulos de anticorpos anti-
Toxoplasma desenvolvem a Neurotoxoplasmose, parâmetro utilizado como
importante fator de risco.
A apresentação clínica varia de acordo com a topografia e a quantidade
de lesões cerebrais, bem como com a presença de hipertensão intracraniana.
As crianças – forma congênita – podem apresentar febre, rash cutâneo,
hepatoesplenomegalia e convulsões logo após o nascimento; posteriormente,
podem apresentar coriorretinite, hidrocefalia ou microcefalia, calcificações
cerebrais e retardo no desenvolvimento neuropsicomotor. Na forma
adquirida, quando as condições de imunidade encontram-se preservadas, a
Toxoplasmose é assintomática ou subclínica, enquanto em pacientes
imunodeprimidos o foco parasitário, mantido quiescente por longos
períodos, pode entrar em atividade. Os sinais neurológicos podem
caracterizar quadro de encefalopatia metabólica (mioclonias e tremores), ou
de meningoencefalite (tal qual o caso em questão se apresenta),
manifestando-se com sinais de irritação meníngea, convulsões, ataxia,
alteração do nível de consciência, confusão mental e/ou coma.
O diagnóstico pode ser confirmado a partir dos dados clínicos, aliados ao
resultado do Líquido Cérebro-Raquidiano (LCR) e aos achados da
neuroimagem, os quais, se analisados isoladamente, não são característicos
para a doença. A Tomografia Computadorizada ou a Ressonância Magnética
de crânio podem evidenciar a presença de nódulos, muitas vezes com reação
inflamatória perilesional e edema acentuado, na região córtico-subcortical ou
nos núcleos da base. Os métodos diagnósticos mais utilizados para detecção
de anticorpos específicos no LCR são a Imunofluorescência indireta e a
Hemoaglutinação passiva.
O diagnóstico presuntivo é empírico e embasado na melhora dos
abscessos com o tratamento da toxoplasmose, o qual baseia-se na associação
de Pirimetamina (75-100mg, via oral, no primeiro dia e 50mg nos demais
dias); Sulfadiazina (4,0-8,0g/dia) e Ácido folínico (15mg/dia). Esse esquema
terapêutico deve ser mantido por, pelo menos, seis semanas, devendo ser
prolongado até que não existam mais sinais de atividade, como a captação de
contraste à Tomografia. Após a melhora das lesões, as doses de Sulfadiazina
são reduzidas para 2-4g/dia. Demais drogas são mantidas até recuperação
imune, considerada como atingida após seis meses do segundo CD4 acima
de 200. Outra alternativa para tratamento de Neutrotoxoplasmose é a
combinação sulfametoxazol e trimetoprima (bactrim). É importante ressaltar
que a morbidade devido ao uso dessas drogas é alta e inclui leucopenia,
trombocitopenia, rash cutâneo e febre.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PRINCIPAIS
Infecciosos
Neurotuberculose
Neurocriptococose
Neurossífilis
Neoplásicos
Metástases cerebrais
Tumor cerebral
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Anatomia aplicada de região cortical e subcortical encefálica
(entender as funções de cada estrutura);
REFERÊNCIAS
1. Nitrini R; Bacheschi A. A Neurologia que todo Médico Deve Saber. São Paulo, Atheneu, 2004.
2. Barsotti V; Moraes AT. Neurotoxoplasmose Como Primeira Manifestação da Síndrome de
Imunodeficiência Adquirida – Relato de Caso. Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v.7, n.2. p. 20 -
22, 2005.
3. Silva E; Gatti, L.L. Toxoplasmose em pacientes infectados pelo HIV. (Acessado em:
14/12/2014).
Caso 04
LANA - Liga Acadêmica de Neurociências Aplicadas
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Bastões 0,0% 0 a 5%
Bioquímica
Hemograma
PONTOS DE DISCUSSÃO
DISCUSSÃO
Vasculares
Infecciosos
Meningite;
Endocardite infecciosa.
Clínicos
Epilepsia;
Sarcoidose;
Pseudotumor cerebral.
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS/COMPETÊNCIAS
PONTOS IMPORTANTES
REFERÊNCIAS
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente, 63 anos, sexo masculino, pardo, natural e procedente de cidade
de grande porte é trazido por vizinho para emergência de hospital público
terciário apresentando queixa de fraqueza súbita e formigamento em
hemicorpo esquerdo, associados a fala embolada e turvação visual há cerca
de 3 horas. Nega cefaléia, náuseas, vômitos, perda de consciência, liberação
esfincteriana e crise convulsiva nas últimas horas. Refere ser portador de
hipertensão arterial sistêmica (HAS), arritmia não especificada e tabagismo,
estando em uso regular de ácido acetilsalicílico, atenolol e clortalidona.
Nega outras comorbidades ou alergias.
EXAME FÍSICO
PA: 125x75mmHg; FC: 69 bpm; FR: 15 ipm; Tax: 35,7 oC; saturação de
O2 (SO2) 95%; Hemoglicoteste (HGT): 103mg/dL (valor de referência: 70 -
140 mg/dl).
Hemograma
Bastões 0,0% 0 - 5%
Bioquímica
Uréia 33 mg/dL 7 - 18 mg/dL
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual diagnóstico mais provável do caso?
2. Quais são os objetivos iniciais do atendimento?
3. Qual plano terapêutico mais adequado?
4. Como deve ser feita a investigação diagnóstica?
5. Quais os possíveis diagnósticos diferenciais?
DISCUSSÃO
O paciente em questão apresenta um quadro típico de acidente vascular
encefálico (AVE), caracterizado por história de déficits neurológicos focais
de início súbito (hemiparesia e parestesia esquerdas, desvio de comissura
labial para direita, alterações visuais e disartria), que sugerem a ocorrência
de um insulto isquêmico (AVE isquêmico) ou hemorrágico (AVE
hemorrágico). As chances de ser um evento vascular aumentam ao se levar
em consideração a presença dos fatores de risco cardiovascular (HAS e
tabagismo). A ausência de cefaleia, vômitos, rebaixamento do nível de
consciência ou outros sinais e sintomas de hipertensão intracraniana torna o
diagnóstico de AVE isquêmico o mais provável clinicamente.
Na emergência, o objetivo inicial do atendimento é manter o paciente
estável, atentando-se para vias aéreas, respiração e circulação, o que visa
reverter possíveis quadros que contribuam para aumento da lesão cerebral.1
A saturação de O2 do paciente estava 95%, em ventilação espontânea, e os
dados vitais dentro dos valores de normalidade. O HGT de 103 mg/dl
excluiu hipo/hiperglicemia como possível causa dos déficits. Também foi
realizada TC de crânio sem contraste, que mostrou aumento de sinal em
topografia de ACM direita (Figura 1), afastando então possíveis causas
hemorrágicas e reforçando a suspeita de AVE isquêmico. Em seguida, foi
feita avaliação para determinar se o paciente era candidato a terapia
trombolítica com base no tempo de apresentação dos sintomas, que nesse
caso (3 horas) não excedeu a janela de trombólise de 4 horas e 30 minutos.2
No exame neurológico, foram confirmados os achados da história e foi
pontuado o National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS) de 6 para
realização adequada da trombólise.3
É mandatório solicitar HGT e TC de crânio sem contraste para avaliação
de AVE agudo. Outros exames imediatos são ECG, hemograma, enzimas
cardíacas (creatinofosfoquinase total e fração MB, troponina), eletrólitos
séricos, ureia, creatinina, tempo de protrombina (TP) com razão
normalizada internacional (RNI) e tempo de tromboplastina parcial ativada
(TTPA). Nos exames realizados não houve anormalidades significativas.2
Vale ressaltar que a terapia fibrinolítica para AVE isquêmico agudo não
deve ser adiada enquanto se aguardam os resultados dos estudos
sanguíneos, a menos que o paciente tenha recebido anticoagulantes ou se há
suspeita de uma anormalidade sanguínea ou trombocitopenia.
Pacientes com AVE isquêmico que cause dano neurológico mensurável,
acima de 18 anos e com início de sintomas há menos de 4 horas e 30
minutos, devem ser triados para trombólise. Critérios de exclusão incluem:
sintomas sugestivos de hemorragia subaracnóidea (HSA), punção arterial
em sítio não compressível na última semana, história prévia de hemorragia
intracraniana, pressão arterial sistólica acima de 185mmHg ou diastólica
acima de 110mmHg (que não sejam controladas com medicações
parenterais de imediato), evidência de sangramento ativo, diáteses
sanguíneas agudas, hipoglicemia (<50mg/dL), TC de crânio apontando
infarto extenso, cirurgia ou trauma de grande porte nos últimos 14 dias,
hemorragia gastrointestinal ou do trato urinário nos últimos 21 dias, infarto
agudo do miocárdio (IAM) nos últimos 3 meses (contra indicação relativa),
traumatismo cranioencefálico (TCE) ou AVE prévio nos últimos 3 meses
(contra indicação relativa) e crise epiléptica de início dos sintomas com
déficits pós-ictais residuais (contra indicação relativa). Caso o paciente
esteja entre 3 horas e 4 horas e meia do déficit, deve-se admitir os seguintes
critérios de exclusão relativos: idade acima de 80 anos, AVE grave (NIHSS
maior que 25), uso de anticoagulante oral e história de diabetes.1,3,4
A trombólise é realizada com uso da alteplase (t-PA), na dose de
0,9mg/kg, sendo a dose máxima de 90 mg. Inicialmente devem ser
fornecidos 10% da dose em bolus e o restante em infusão durante 1 hora.1,4
A medicação deve ser administrada em veia periférica exclusiva para tanto.
O paciente do caso apresentado preencheu os critérios de inclusão para
trombólise e não apresentou nenhum critério de exclusão, sendo então
trombolisado, sem intercorrências. A NIHSS foi realizada de acordo com o
protocolo de trombólise, e a pontuação do paciente na escala passou de 6
para 0, o que representa recuperação total dos déficits.
O acompanhamento subagudo e de longo prazo desse paciente deve
incluir fisioterapia, fonoaudiologia e exames para determinar a etiologia
precisa do AVEi com finalidade de iniciar profilaxia secundária, de modo a
evitar recorrências.
De forma simples, os AVEs isquêmicos podem ser classificados em:
cardioembólicos, secundários a aterosclerose de grandes vasos, secundários
a oclusão de pequenos vasos, secundários a outras causas determinadas e
indeterminados. Essa classificação é conhecida como TOAST (Trial of Org
10172 in Acute Stroke Treatment) e auxilia na escolha da melhor terapia
para prevenção secundária, uma vez que cada grupo de pacientes apresenta
mecanismos lesivos distintos, o que determina controle de fatores de risco
diferentes (HAS, diabetes, tabagismo, fibrilação atrial, hipercolesterolemia,
hiperhomocisteinemia, dentre outros). Exames de investigação necessários
incluem: ecocardiograma transtorácico e transesofágico, eletrocardiograma,
holter 24h, ultrassom doppler de artérias carótidas e vertebrais,
angiotomografia ou angiorressonância de vasos extra e intracranianos e
provas de trombofilias.5
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Metabólicos
Hipoglicemia
Hiperglicemia
Encefalopatia hepática
Enxaqueca hemiplégica
Hematoma subdural
Abscesso cerebral
Tumores intracranianos
Encefalopatia hipertensiva
Esclerose múltipla
Encefalite
Psiquiátricos
Transtornos fictícios
OBJETIVOS DE
APRENDIZADOS/COMPETÊNCIAS
• Semiologia neurológica no AVE;
• Atendimento inicial ao paciente com AVE agudo;
• Diagnósticos diferenciais de AVE na emergência;
• Terapia trombolítica para pacientes com AVEi agudo;
• Uso de exames laboratoriais no AVE;
• Uso de exames de imagem no AVE.
PONTOS IMPORTANTES
• Geralmente anamnese, exame físico, glicemia, saturação de
oxigênio e TC de crânio são suficientes para definir a terapêutica →
Não tem motivos para postergar.
REFERÊNCIAS
1. Martins HS et al. Emergências clínicas: abordagem prática. Manole, Barueri. 2013; 8ª ed.:792-
808.
2. Oliveira-Filho J et al. Guidelines for acute ischemic stroke treatment: part II. Arq
Neuropsiquiatr. 2012; 70 (8): 621-629.
3. Gross H, Sung, G, Weingart SD, Smith WS. Emergency neurological life support: Acute
Schemic Stroke. Neurocrit Care. 2012; 17: S29-36.
4. Jauch et al. Guidelines for the Early Management of Patients With Acute Ischemic Stroke.
Stroke. 2013; 44:870-947.
5. Adams HP et al. Classification of subtype of acute ischemic stroke: definitions for use in a
multicenter clinical trial. Stroke. 1993; 24: 35-41.
6. Ciccone A, Valvassori L, Nichelatti M, Sgoifo A, Ponzio M, Sterzi R, Boccardi E.
Endovascular treatment for acute ischemic stroke. SYNTHESIS Expansion Investigators. N
Engl J Med 2013 Mar;368(10):904-913.
Caso 06
Liga Acadêmica de Trauma e Emergências Clínicas
Autores: Manoel Vicente A. de S. Júnior, Cairo Soares da Silva e Eduardo
Santos Cruz.
Orientador(a) Dr. Jonas Eraldo de Lima Júnior (Especialista em Cirurgia
Geral pela UNICAMP e Cirurgia Plástica Pela USP. Professor do Curso de
Medicina do ITPAC-Porto e da Universidade Federal do Tocantins - UFT).
Instituição: Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos - Porto
Nacional.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
M. R. F., 60 anos, feminino, viúva, parda, aposentada, mora sozinha,
relatou que há 12 horas apresentou uma cefaleia súbita, em região occipital,
sem irradiação, seguida de vômito, crise convulsiva e desmaio. Foi
encaminhada com suspeita de possível acidente vascular encefálico e, ao ser
admitida, já havia sido medicada com analgésicos. Durante a transferência
recuperou a consciência, ainda queixando-se de cefaleia intensa. Há
apoximadamente nove meses apresentou cefaleia de alta intensidade (8 em
uma escala visual analógica de 1 a 10), de instalação insidiosa, localizada em
região occipital que irradiava para região temporal e fronto-orbitária
esquerda, dor em aperto, tendo três episódios por semana com intervalos de
um dia entre cada episódio, com pouca melhora após medicação (analgésicos
orais) e que piorava após atividade física extenuante e à noite. Referiu
também diminuição da acuidade visual (ambliopia) e epífora em olho
esquerdo. Não relatou fonofobia e/ou fotofobia. Sem queixas de febre.
No interrogatório sintomatológico, referiu diminuição da acuidade visual,
lacrimejamento, escotomas e dor ocular à esquerda, referiu ainda hipoacusia
em ouvido esquerdo, cefaleia e tontura, apresentando-se consciente,
orientada, memória preservada, com relato de sintomas depressivos.
Afirmou ser portadora de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) controlada,
negando outras comorbidades e com relato de abstinência tabágica há 10
meses.
EXAME FÍSICO
FC: 73 bpm; FR: 20 irpm; Tax: 36 oC; PA: 170 x 100 mmHg; IMC: 31,75
kg/m2.
EXAMES COMPLEMENTARES
Icon_exames.ai
Hemograma
Hemácias 3,62 tera/L 4,0 - 5,5 tera/L
VCM 78,73 fL 82 - 92 fL
HCM 26,24 pg 27 - 34 pg
Hemograma
Plaquetas 285.000 /mm3 150.000 - 400.000/mm3
Coagulação
Tempo de sangramento 1,00 min 1 - 3 min
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais os exames indicados para diagnóstico eficaz?
3. Quais as características correspondentes entre caso e literatura?
4. Quais as condutas mais apropriadas nesse caso?
5. Qual a importância de uma boa anamnese e exame clínico?
DISCUSSÃO
O conhecimento prévio da ampla diversidade de doenças do sistema
neurológico permite que etiologias pouco investigadas sejam conduzidas da
melhor forma. Os exames de imagem devem sempre ser solicitados em
casos de cefaleias súbitas, persistentes, refratárias ao tratamento,
quando ocorre mudança no padrão da dor, acompanhadas de alterações
neurológicas ou sensoriais importantes. Sinais de alerta, como déficits
neurológicos ou visuais progressivos, em casos de cefaleia são motivos
suficientes para solicitar exames de imagem. A investigação deve começar
com exame de tomografia computadorizada (TC), pela sua maior
disponibilidade e custo inferior. O uso do contraste é geralmente indicado
pelo radiologista, caso haja formações expansivas ou achados que
necessitem de melhor avaliação. Em situações em que a TC não for
suficiente na elucidação diagnóstica, a Ressonância Magnética (RNM)
mostra-se mais sensível. No caso em questão foi realizado estudo de RNM
cujas características de imagem são compatíveis com a hipótese de
meningioma, que se apresentam, geralmente, como sinal heterogêneo, baixo
em T1 e alto em T2, com intenso realce pelo contraste. Além disso, edema
vasogênico, sinal cauda dural e remodelamento ósseo são os achados
frequentes em alguns casos.6 O meningioma é um tumor que é classificado
como benigno, mas, por seu caráter expansivo se torna preocupante,
podendo afetar as atividades do paciente de forma silenciosa e maligna ao
comprimir estruturas importantes.
Segundo a literatura, os meningiomas são os tumores extra-axiais mais
comuns do sistema nervoso central, representando 14 a 20% dos tipos de
neoplasias intracranianas. São tumores benignos, mais comuns em mulheres
e adultos. Aderidos à dura–máter, podendo ser encontrados em qualquer
parte da superfície externa do cérebro ou no interior do sistema ventricular.
Seu aspecto morfológico está basicamente caracterizado em uma massa do
tipo arredondada, com base dural bem definida e que comprime o cérebro
subjacente, sua superfície é encapsulada com tecido fibroso fino, podendo
ter um aspecto bocelado ou polipóide. Meningiomas apresentam como
manifestação clínica mais comum a “cefaleia em aperto” e quando
asssociados à presença de edema podem manifestar também paresia,
mudança do status mental e déficits neurológicos focais.1
A presença de meningioma pode estar associada ao surgimento de
quadros depressivos nos pacientes. Em estudo feito com pacientes
diagnosticados e tratados, foi notado que houve melhora dos sintomas
depressivos após a retirada do tumor.3 Em outro estudo foi constatada a
melhora dos sintomas depressivos em pacientes submetidos à excisão
cirúrgica do tumor.5
Quanto ao caráter diagnóstico, utilizou-se a classificação de WHO para
tumores, sendo: WHO I (88 - 95% dos casos) meningioma, WHO II (5 - 6%)
meningioma atípico, WHO III (1%) meningioma maligno e WHO IV
(extremamente raro) para meningioma com degeneração sarcomatosa. A
ressonância magnética é o exame de escolha para diagnóstico e
caracterização do meningioma, assim como para detectar a “cauda dural”,
sendo esse um achado característico do mesmo.2 Os exames de TC e RM de
encéfalo mostram a localização, o grau de compressão e o grau de
contrastação do tumor. O meningioma maligno se caracteriza por apresentar
importante edema peritumoral, morfologia irregular, necrose, margens
tumorais indistintas, contrastação não homogênea e ausência de agregados
visíveis de cálcio.4
O tratamento desse tipo de neoplasia é a excisão cirúrgica caso seja uma
área bem delimitada. Porém, quando a ressecção não pode ser feita de forma
completa, pode-se optar por radioterapia externa como tratamento
associado.2
Ao exame físico da paciente, pode-se observar que a mesma apresentou
manifestações típicas quanto ao local em que está sendo acometido. O lobo
occiptal é responsável pela região do córtex visual, associação visual e por
funções relacionadas aos movimentos optocinéticos e fixação dos olhos. Foi
relatado pela paciente diminuição da acuidade visual, assim como dor no
local associado à epífora. Esses sinais clínicos se dão principalmente pelo
caráter compressivo do tumor. Foi evidenciada uma cefaleia de forte
intensidade que não cessava completamente com medicação, sendo esta a
queixa principal da paciente, relatada como “aperto na cabeça”. Esse é o
sintoma principal e o mais típico em pacientes com meningioma. Para isso, a
conduta médica foi tentativa de analgesia com uso de opiáceos, prevenção de
possível crise convulsiva com uso de benzodiazepínico, devido à massa
expansiva e programação da cirurgia para retirada da massa.
Para determinarmos um diagnóstico preciso, não devemos descartar a
associação da clínica com os exames de imagem, principalmente quanto à
sintomatologia de acordo com o local acometido e as características da
cefaleia apresentada. Nota-se de extrema importância uma anamnese bem
detalhada e registrada da história pregressa do paciente. A suspeita de um
possível acidente vascular cerebral só pôde ser excluída mediante a coleta de
um exame clínico bem elaborado e acurácia dos métodos diagnósticos
complementares.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Glioma do nervo óptico.
Meningocele.
Epilepsia.
Transtornos mentais.
OBJETIVOS DE
APRENDIZADOS/COMPETÊNCIA
• Identificar manifestações típicas do meningioma;
• Elencar os principais exames complementares;
• Conhecer os diagnósticos diferenciais.
PONTOS IMPORTANTES
• Atenção: um exame clínico bem feito descarta a necessidade de
uma gama de exames complementares.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
MC, 74 anos, cor branca, sexo masculino, vem encaminhado ao
ambulatório para avaliação da equipe de neurocirurgia por vir apresentando
há oito meses quadro de dor em região de colunas cervical e torácica, com
caráter progressivo e que se acentua quando em decúbito dorsal.
Acompanhado dessa dor o paciente relata que houve redução de força
muscular nos membros inferiores, com predomínio em membro inferior
esquerdo, também de caráter progressivo, queixando-se de dificuldade de
deambulação nos últimos dois meses. Associado ao quadro descrito acima, o
paciente refere perda de peso de aproximadamente 10 kg nos últimos quatro
meses.
EXAME FÍSICO
FC: 70 bpm; FR: 18 ipm; PA: 120/80 mmHg; Tax: 36,5 oC.
EXAMES COMPLEMENTARES
Pontos de Discussão
1. Como identificar uma síndrome de compressão medular?
2. Quais as principais hipóteses diagnósticas para o quadro apresentado
pelo paciente?
3. Qual a importância de solicitarmos exames complementares de
imagem?
4. A idade do paciente e as características de sua dor são relevantes para
a elaboração deste diagnóstico?
5. Qual a melhor conduta frente ao resultado dos exames de imagem
solicitados?
DISCUSSÃO
Diante do quadro clínico apresentado pelo paciente devemos levar em
consideração todas as informações expostas de modo a elencar algumas
possíveis hipóteses diagnósticas, baseadas no conhecimento epidemiológico
e etiológico da queixa e da progressão da doença apresentada pelo paciente.
Neste caso, chegar a um diagnóstico preciso apenas com as informações
clínicas torna-se tarefa de difícil realização frente à diversidade etiológica
responsável por esta determinada apresentação clínica.
Uma abordagem refinada e lógica é essencial para a investigação
apropriada, para a avaliação e conduta dos pacientes com suspeita de
patologia da medula espinal. Kuntz e colegas providenciaram previamente
um guia fundamental que permite ao médico realizar a avaliação de forma
gradual baseado na apresentação clínica (Figura 3). Com este algoritmo,
pacientes com possível doença na coluna podem ser avaliados baseando-se
na dor e suas características, na presença e na forma dos déficits
neurológicos e associada a sinais e sintomas sistêmicos. Com estas
informações associadas à avaliação radiológica e laboratorial você pode
prosseguir realizando um diagnóstico e, desse modo, prosseguir com uma
conduta cirúrgica ou clínica apropriada.1
A princípio devemos identificar que a sintomatologia de dor em região
cervical e torácica acompanhada de alterações neurológicas sugere
acometimento das raízes dos nervos ou até mesmo da própria medula
espinal, seja por um processo de compressão através do canal vertebral,
inflamatório, neoplásico, traumático entre outras etiologias que pode levar ao
acometimento dessa região e que através de uma análise clínica mais
minuciosa associada à história do paciente nos permitirá direcionar nosso
raciocínio diagnóstico.
A estenose medular pode envolver a região central ou lateral do canal
vertebral. Possui um diagnóstico clínico confirmado através de exames
complementares de imagem. Na estenose do canal cervical, os pacientes
apresentam dor radicular ou no pescoço e subsequentemente desenvolvem
progressiva radiculopatia e mielopatia. O curso dos sintomas pode ser
indolente ou de rápida progressão. Entretanto raramente a estenose do canal
cervical pode se manifestar como uma mielopatia progressiva sem dor.2-5
A estenose da região central da coluna lombar classicamente apresenta-se
com uma constelação de sintomas denominados como claudicação
neurogênica, caracterizados pela instalação inicial da dor seguida por
hipoestesia, parestesia e paresia dos membros inferiores que é tipicamente
induzida ao ficar em pé ou ao caminhar e aliviada ao se sentar. Claudicação
neurogênica deve ser diferenciada daquela de origem vascular, que consiste
de dor progressiva na panturrilha ao deambular associada a um decréscimo
dos pulsos periféricos e alterações crônicas dos tecidos das extremidades
distais.2-5
Já a estenose da região lateral ou do forame neural envolvendo a região
cervical ou lombar na maioria das vezes apresenta dor no pescoço ou nas
costas associado a dor radicular com alterações sensoriais ou motoras no
envolvimento da distribuição das raízes nervosas.2-5
O diagnóstico da estenose lateral ou central é confirmado através da
ressonância nuclear magnética ou tomografia computadorizada-mielográfica.
Ambas as estenoses, seja a lateral ou a central, são tratadas através de
descompressão neurológica cirúrgica.2-5
Apesar de tratarmos acima da clínica apenas dos processos de
compressão da região cervical e lombar da medula espinal, podemos
extrapolar estes sintomas para a região torácica também, obedecendo,
entretanto, aos níveis das raízes nervosas que emergem desta região,
consequentemente ocasionando a sintomatologia em locais diferentes, a
nível torácico do processo compressivo ou abaixo deste.
Desse modo podemos levantar nossa discussão iniciando-se pela idade,
que se torna de grande relevância ao considerarmos os dados
epidemiológicos e etiológicos, ou seja, estamos tratando de um paciente
idoso, onde a dor, a perda de força muscular com consequente dificuldade de
deambulação e a diminuição do peso são queixas frequentes e devem ser
diferenciadas de um processo de envelhecimento fisiológico ou patológico.
Sendo que a partir do momento em que determinamos que estas alterações
sejam patológicas, devemos então nos atentar quanto à origem desse quadro
e a qual especialidade médica ele deverá ser encaminhado para o tratamento
e acompanhamento de sua doença.
Neste caso levamos em consideração sua idade avançada, a sua perda de
peso significativa e a característica de sua dor como progressiva e associada
a déficits neurológicos para aventar a ideia de um processo neoplásico que
esteja ocasionando a compressão de sua medula, entretanto, ainda não
podemos excluir outras doenças, como as osteo-degenerativas, neuro-
degenerativas e musculoesqueléticas, entre outras que também podem cursar
com um quadro clínico álgico e de origem nesta região, antes da realização
de um exame de imagem complementar.
A característica da dor neste caso é de grande importância, visto que a
dor se apresenta como sintoma mais comum dos tumores envolvendo o
esqueleto axial e a medula espinal (extramedular ou intramedular). Dor nas
costas localizadas durante a noite ou ao se deitar é um grande indicativo de
lesão neoplásica da medula espinal. Os tumores da medula espinal
frequentemente se apresentam com dor difusa ou radicular que não é aliviada
com o repouso. Dor com origem no esqueleto axial usualmente se inicia
antes de qualquer dor radicular ou déficit neurológico. Em contraste,
tumores intramedulares e extramedulares da medula espinal também se
manifestam com dor, porém, essa dor tem um caráter insidioso em seu início
ou difusa, vagamente localizada na região onde se encontra o tumor. Dor
radicular ou déficit neurológico estão comumente presentes no momento em
que o tumor é diagnosticado.6
Desse modo, a conduta inicial após este raciocínio e hipótese diagnóstica
de lesão neoplásica envolvendo a medula espinal, é a solicitação de exames
de imagem a fim de se confirmar a sua hipótese diagnóstica, permitindo a
você elencar uma nova hipótese dessa vez mais precisa, podendo suspeitar
neste caso de tipos específicos de tumores que irão acometer determinada
região a ser evidenciado após os estudos radiológicos, o que lhe permitirá
fazer um planejamento cirúrgico mais adequado e preciso para a exérese
desta lesão.
Neste caso foi optado pela realização da ressonância nuclear magnética
como exame de imagem, que, como pode ser observado na seção de exames
complementares, confirmou nossa hipótese de lesão expansiva tumoral. No
entanto, nota-se que o próprio radiologista ao realizar o laudo elencou
possíveis tipos tumorais baseada nas características radiológicas associadas a
dados epidemiológicos de tumores que, como aquele descrito no laudo, são
extramedulares e intradurais, sempre levando em consideração a idade do
paciente e a localização da lesão bem como da progressão desse processo
neoplásico. É importante ressaltar que somente após o resultado do estudo
anatomopatológico você terá certeza do tipo de tumor.
Ao final deste caso, após o resultado do estudo anatomopatológico foi
evidenciado que o paciente possuía um neurofibroma, um tipo de tumor da
classe dos tumores da bainha dos nervos periféricos que possui as células de
schwann como células de origem e que quando isolado possui caráter
benigno. Lembrando que em pacientes com tumores da bainha dos nervos,
uma história cuidadosa associada ao exame físico da pele em busca de
estigmas da neurofibromatose é importante.7
Existem dois grupos de neurofibromas. O primeiro grupo inclui o tumor
solitário ou o tumor não–neurofibromatose tipo 1, o qual não é associado a
outros tumores como este.8 Este tumor tende a ter uma aparência mais
fusiforme.9 O segundo grupo dos neurofibromas, os neurofibromas
plexiformes, são vistos quase que exclusivamente em conjunto com a
Neurofibromatose tipo 1 (NF-1). Por isso a importância do exame físico
descrito acima.
Desse modo evidenciamos a origem da dor torácica deste paciente,
contudo, ainda não encontramos a origem da dor cervical relatada. Porém,
quando observamos o exame de imagem da região cervical, podemos notar
uma espondilouncoartropatia degenerativa com relativa estenose do canal
vertebral, ou seja, um processo degenerativo muito comum em pacientes
idosos e que, neste caso, estava determinando uma instabilidade cervical
responsável por uma compressão da face ventral do saco dural e da medula
espinal, levando ao quadro de cervicalgia relatado pelo paciente.
A partir deste diagnóstico, a conduta mais adequada determinada após
reunião clínica, foi a realização de uma artrodese cervical em um primeiro
tempo para o tratamento da instabilidade da região cervical referida, seguida
da exérese do neurofibroma em um segundo tempo cirúrgico.
Utilizamos este caso para exemplificar como se dá o raciocínio clínico
desde a queixa do paciente, através do exame físico, exames
complementares e que associado ao conhecimento teórico dos diversos
processos patológicos que levam a um quadro de compressão medular
direcionado aos respectivos dados clínicos do paciente, nos leva a realização
do diagnóstico correto.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Herniação do Núcleo Pulposo
Meningioma
Schwannoma
PONTOS IMPORTANTES
• Dor nas costas (cervical, torácica e lombar) assim como é uma das
queixas mais frequentes na medicina, é uma das queixas mais
menosprezadas;
Referências
1. In: Borenstein DG, Wiesel SW, ed. Low Back Pain: Medical Diagnosis and Comprehensive
Management, Philadelphia: WB Saunders; 1989:147-169.
2. Lindsley HB: Low back pain evaluation and Management. Compr Ther 1992; 18:23-26.
3. McCowin PR, Borenstein D, Wiesel SW: The current approach to the medical diagnosis of
low back pain. Orthop Clin North Am 1991; 22:315-325.
4. Frymoyer JW: Radiculopathies: Lumbar disc herniation. In: Frymoyer JW, ed. The Adult
Spine: Principles and Practice, 2ª ed. Philadelphia: Lippincott-Raven; 1997:1937-1946.
5. Frymoyer JW: Lumbar disk disease: epidemiology. Instr Course Lect 1992; 41:217-223.
6. Youmans Neurological Surgery / [edited by] H. Richard Winn. 6ª ed.
7. Lwu S, Midha R: Clinical examination of brachial and pelvic plexus tumors. Neurosurg
Focus 2007; 22(6):E5.
8. Cutler EC, Gross R: Neurofibroma and Neurofibrosarcoma of peripheral nerves. Arch Surg
1936; 33:733-779.
9. DaSilva AL, deSouza RP: Neurofibroma solitário do plexo braquial. Hospital (Rio) 1964;
65:853-859.
Caso 08
LANEC - Liga Acadêmica de Neurociências
Autores: Ana Carolina Andorinho de Freitas Ferreira, Luis Felipe Haberfeld
Maia
e Luzo Dantas Neto.
Orientador(a): Dr. Rogerio Pfaltzgraff Lima. (Neurologista, Médico do
Hospital Universitário Gaffrée-Guinle da UNIRIO).
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
GB, 28 anos, masculino, universitário, pardo, foi admitido no setor de
emergência, com quadro de cefaleia em pontadas, hemicraniana à esquerda,
sem irradiações. Relata que a dor é excruciante e apenas tem pequena
melhora quando em movimentos pendulares e caminhadas rotatórias. Não
apresenta fator de piora, exceto quando à exposição de som alto ou luz clara.
Refere que, em associação ao quadro, apresenta hiperemia conjuntival,
sudorese na face e rinorragia de pequena monta ipsilateral.
Segundo o paciente, este é o quinto episódio em uma semana. O quadro
tem duração de 60 minutos em média, impedindo-o de exercer suas
atividades cotidianas. Utiliza-se de Dipirona sódica e Paracetamol, sem
apresentar melhora.
Nega comorbidades, tabagismo ou etilismo.
EXAME FÍSICO
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Que aspectos devem ser explorados na anamnese de casos como
este?
2. Como buscar a diferenciação entre cefaleia primária e secundária?
3. De acordo com a história e o exame físico, em qual classificação a
cefaleia do paciente se encaixaria? Em qual tipo mais
especificamente?
4. Qual o tratamento abortivo da crise? E o profilático?
DISCUSSÃO
A anamnese é de extrema importância e pode tornar os exames de
imagem dispensáveis. Devem ser buscadas informações como: a área da dor
e eventual irradiação; idade de início; frequência e duração das crises;
fatores desencadeantes e atenuantes; sintomas associados; alterações no
padrão de sono; de peso e hábitos diários; interferência de fatores
ambientais; história de trauma e história de cefaleia familiar. No presente
caso, observa-se que o paciente é jovem (o que torna mais difícil a
possibilidade de malignidade), a cefaleia tem caráter de pontada (o que
sugere afecção de um nervo, que passa a ser estimulado espontaneamente), é
de grande intensidade e hemicraniana, entretanto, melhora discretamente
com movimentos pendulares e dura minutos (o que deixa menos provável a
persistência de um elemento mecânico subjacente à cefaleia). Há também
sinais concomitantes à dor: hiperemia conjuntival e rinorragia ipsilaterais
(sinaliza a conexão de receptores álgicos em paralelo à ativação de
mecanismos eferentes). A ausência de fatores sociais como tabagismo e
etilismo diminui o risco de causas vasculares adquiridas.
É preciso diferenciar as cefaleias primárias (Figura 1) daquelas
desencadeadas por agente externo que devam ser abordadas, até mesmo, em
critério de urgência. Cefaleia de origem repentina ou severa persistente, que
atinge o máximo em poucos segundos e que não tenha antecedentes
similares, justifica investigação de causa secundária. Outros indícios são:
idade superior a 40 anos, piora sucessiva da dor e existência de sinais
neurológicos focais afora aqueles referidos na aura da enxaqueca. A
elucidação de diferentes diagnósticos etiológicos será auxiliada pela procura
de sinais/sintomas sistêmicos, como: febre (infecções em geral, meningite,
arterite temporal); congestão nasal e coriza (sinusite); aumento da pressão
arterial e sudorese (feocromocitoma); náuseas e vômitos relacionados à
mudança de posicionamento da cabeça (massa intracraniana, como tumor ou
sangramento causando hipertensão intracraniana). A tomografia
computadorizada sem contraste é ótima para identificar presença de sangue e
massas em geral, mas a ressonância magnética tende a ser superior para a
visualização da fossa posterior, cujos tumores são mais prováveis de causar
cefaleia que os prosencefálicos.
O paciente apresenta cefaleia primária, subclassificada como cefaleia
trigêmino-autonômica, cujo protótipo é a presente Cefaleia em salvas
(Figura 1).
Tratamento:
1. Abortivo para crises:
a. Oxigênio a 100% em 10-12L/min por 15-20 minutos;
b. Sumatriptana 6mg subcutâneo é usado para encurtar a crise
para 10-15 minutos;
c. Sprays nasais de Sumatriptana 20mg e Zolmitriptana 5mg
são opções para os pacientes contrários a injeções subcutâneas.
2. Tratamento profilático:
a. Em curto prazo: Prednisona, 1mg/kg até 60 mg todos os
dias, reduzindo gradualmente durante 21 dias ou Verapamil, 160 -
960 mg/dia;
b. Em longo prazo: Verapamil 160 - 960mg/dia ou Lítio 400 -
800mg/dia.
O Topiramato 100 - 400 mg/dia, a Gabapentina 1.200 - 3.600mg/dia e a
Melatonina 9 - 12 mg/dia têm efeito não comprovado, mas de benefício
potencial.
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIA
• Realizar anamnese rápida e eficiente;
• Realizar exame físico rápido, direcionado e eficiente;
• Formular hipóteses diagnósticas;
• Formular diagnósticos diferenciais de cefaleias primárias e
secundárias;
Referências
1. Bajwa ZH, Wootton RJ.Evaluation of headache in adults. In: UpToDate, Post TW (Ed),
UpToDate, Waltham, MA. (Acessado em 4 de dezembro de 2014).
2. Green MW. In: Cefaleia. Rowland, LP. Merritt. Tratado de neurologia. 12ª ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2011 (pags31-34).
3. Piovesan EJ, Kowacs PA, Werneck LC. SUNCT syndrome: report of a case preceded by ocular
trauma. Arq Neuropsiquiatr 1996;54:494-497.
4. Goadsby PJ, Lipton RB. Hemicranias Paroxísticas, Síndrome do SUNCT e outras cefaléias com
características autonômicas, incluindo casos novos. Brain, 1997, 120: 193-209 (Resumido por
Paulo Carvalho Viana).
5. Headache Classification Subcommittee of the International Headache Disorders. Classifição
Internacional de Cefaleias – 3ª Edição, 2014 - ICHD-3 Portuguese translation: 1-166.
6. Braunwald F, Kasper H, Longo J. Harrison Medicina Interna: volumes I e II. 18ª ed. Mc Graw
Hill, 2013.
Caso 09
LANEC - Liga Acadêmica de Neurociências
Autores: Alexandre Bussinger Lopes, Caio Moreno Perret, Carla Ferreira
dos Santos.
Orientador(a): Dr. Pedro Thiago Alves.
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
O.A., 71 anos, masculino, branco, natural de cidade de grande porte,
aposentado, procurou o serviço de emergência queixando-se de dificuldade
de andar, movimentos involuntários e alucinações. Relata que os sintomas
foram piorando ao longo dos últimos três meses e que hoje não consegue
andar sem ter “paradas”. À noite tem tido dificuldade de levantar quando
acorda para urinar. Esposa nega que os movimentos se mantenham durante a
noite e refere que o paciente começou a ter alucinações visuais complexas e
esporádicas há dois meses.
Paciente com Doença de Parkinson (DP) diagnosticada há 15 anos em
uso de Levodopa 250mg + Carbidopa 25mg 1/2 comprimido às 7, 9, 11, 13,
15, 17, 19 e 21h e Pramipexol 0,125mg 2 comprimidos pela manhã, 1 a tarde
e 2 à noite. Hipertenso há 20 anos em uso de atenolol 25mg, de 12/12h e
Losartana potássica 50mg/dia. Para dormir, utiliza Diazepam – solução oral
2,5 mg/mL - 4 gotas à noite. Refere hiperplasia prostática benigna em
acompanhamento com o serviço de urologia. Nega demais doenças crônicas,
uso de medicamentos, cirurgias prévias, traumas, hemotransfusões, alergias,
DSTs, tabagismo, etilismo e história familiar de doença neurológica.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral (BEG), lúcido e orientado no tempo espaço, ansioso,
corado, hidratado, acianótico, anictérico, eupneico em ar ambiente. Perfusão
capilar periférica satisfatória. Longilíneo.
FC: 69 bpm; FR: 16 irpm; PA: 130 x 80 mmHg; Tax: 36,5 oC.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Hipótese diagnóstica mais provável.
2. Confirmação diagnóstica de DP e Manobras semiológicas especiais.
3. São necessários exames complementares para o caso? Se sim, quais?
4. Conduta.
DISCUSSÃO
1. Flutuações motoras, ora por alta concentração, ora por baixa
concentração disponível de Levodopa e alucinações por
Pramipexol:
A levodopa é a principal droga no tratamento da DP, porém provoca
efeitos colaterais como flutuações motoras e discinesias em cerca de 50%
dos pacientes em uso por 5 anos, especialmente em pacientes com início
precoce da doença. Os tipos de flutuação motora mais comuns são a
deterioração de final de dose (fenômeno de “wearing-off”),flutuações
aleatórias (“on-off”) e atraso de efeito (“delayed ons”).
O fenômeno wearing-off caracteriza-se por um encurtamento da duração
do efeito motor da levodopa, com os sintomas voltando em menos de 4 horas
(a meia vida da levodopa), antecipando a necessidade da dose seguinte. Caso
o paciente esteja tomando uma dose baixa de levodopa sem efeitos
colaterais, a dose pode ser aumentada. Porém, este aumento pode agravar os
efeitos secundários sem efetivamente aumentar a duração da dose. A
abordagem nesses casos é o encurtamento do intervalo interdose ao
administrar doses mais baixas. Os pacientes que ainda não estão recebendo
agonista dopaminérgico (DA) se beneficiarão com a introdução de uma das
drogas do grupo, como o pramipexol. Uma segunda opção seria um inibidor
da COMT, como a entacapona.
O fenômeno delayed on caracterizado pela demora de ação do fármaco.
No fenômeno on-off ocorre uma mudança brusca do estado de
mobilidade do paciente sem relação direta com o horário de tomada das
doses da levodopa. Nos estados off ocorre reaparecimento dos sintomas
devido à perda do efeito após algumas horas da ingestão; e nos on, a melhora
considerável na performance motora dos pacientes. É importante determinar
a relação dose/episódios de off numa visita ambulatorial prolongada.
O congelamento de marcha ou “freezing” pode ocorrer como um
fenômeno transitório no período off. Esta disfunção é a incapacidade
temporária e involuntária de se mover e um fator de risco para quedas. O
problema pode ocorrer a qualquer momento e, normalmente, dura alguns
segundos.
Em alguns casos, estes episódios podem ocorrer em tempos de efeito de
pico de levodopa devido à excessiva estimulação dopaminérgica. Este caso
retrata a discinesia, efeito oposto àquele de biodisponibilidade insuficiente.
A terapêutica consiste na redução da dose de levodopa. O uso do agonista
DA, apomorfina, é uma saída para os indivíduos com acinesia prolongada.
Discinesia ocorre em 30 a 40% dos pacientes tratados com levodopa
durante 5 anos e cerca de 60% em 10 anos. Consiste em movimentos
involuntários anormais que são geralmente coreicos ou distônicos, ou,
quando mais grave, balísticos ou mioclônicos. Discinesia geralmente aparece
quando o paciente está na fase on. É incomum que os sintomas mantenham-
se durante o sono. Ocasionalmente, podem ocorrer sob a forma de distonia
dolorosa, quando o paciente está no off, em especial na parte da manhã.
Discinesia da dose de pico é muito comum. Ela ocorre de 60 a 90
minutos após uma dose de levodopa. No início da doença, esta complicação
pode ser gerenciada através da diminuição da dose, do uso de uma forma de
liberação lenta, adicionando drogas como a amantadina ou reduzindo drogas
adjuvantes, tais como agonistas DA, selegilina ou drogas anticolinérgicas.
No entanto, em pacientes com doença avançada, reduzir a dose delevodopa
pode resultar em piora clínica. Nesta situação a dose de agonista DA deve
ser aumentada e a de levodopa diminuída, uma vez que são muito menos
propensos a induzir discinesia de levodopa.
O acometimento de funções cognitivas não é raro em pacientes com DP
avançada em uso de polifarmácia antiparkinsoniana. Sintomas como psicose,
alucinações, sonolência diurna, depressão e demência invariavelmente são
observados na prática clínica. Alucinações visuais são a manifestação mais
comum e cerca de 40% dos pacientes com DP avançada são afetados. É
importante pesar o risco/benefício das drogas antiparkinsonianas com
potencial efeito alucinógeno. As drogas podem ser excluídas do esquema ou
terem sua dose reduzida. A ordem proposta de retirada/diminuição se baseia
no quanto aquele paciente está se beneficiando da droga a ponto de justificar
os efeitos colaterais e – por isso – as drogas menos eficazes e menos
necessárias devem ser aquelas retiradas do esquema inicialmente. A figura a
seguir mostra a ordem sugerida de retirada/diminuição dos fármacos.
Crises oculógiras
Sinais cerebelares
Demência precoce
Liberação piramidal com sinal de Babinski
Exposição à metil-fenil-tetraidropiridina
Doença progressiva
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Síndromes parkinson-plus
Rigidez muscular em roda dentada
Doenças hereditárias
Doença de Huntington
Doença de Wilson
Anticonvulsivantes
Erogatmínicos
Agonistas dopaminérgicos
Discinesia psicogênica
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Tétrade clássica de Parkinsonismo;
• Novas manobras semiológicas para o diagnóstico de Doença de
Parkinson;
Motor Não-
Motor Relacionados
Relacionados
Motor Não-
Motor Relacionados
Relacionados
Perfomance motora
Distúrbios do sono
assimétrica durante esporte
REFERÊNCIAS
1. FERRAZ, H.B. Tratamento da Doença de Parkinson. Rev. Neurociências, São Paulo, v. 7, n. 1,
p. 06-12, 1999
2. ROCHA, Maria Sheila G. et al. Discinesias induzidas por levodopa em 176 pacientes com
doença de Parkinson. Arq. Neuro-Psiquiatr., São Paulo, v. 53, n. 4, Dec. 1995.
3. PROTÓGENES, M. Distúrbios do movimento induzidos por drogas. Revista Hospital
Universitário Pedro Ernesto, UERJ, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p.55-62, jan/jun de 2010
4. ELIA, A.E., LALLI, S., ALABNESE, A. Differential diagnosis of dystonia. Eur J Neurol 2010.
5. TARSY, Daniel. Motor fluctuations and dyskinesia in Parkinson disease. UpToDate 2014.
6. STOWE, R.L.,et al. Dopamine agonist therapy in early Parkinson’s disease. Cochrane Database
Syst Rev 2008.
7. SCHILLING, J.C., ADAMUS, W.S., PALLUK, R. Neuroendocrine and side effect profile of
pramipexole, a new dopamine receptor agonist, in humans. ClinPharmacolTher 1992.
8. CHEUNG, T., ZHANG, C. et al. Sustained relief of generalized dystonia despite prolonged
interruption of deep brain stimulation. Mov Dis; v28 i10 p1431-1434. Sep 2013.
9. SHULMAN, L.M., GRUBER-BALDINI, A.L., ANDERSON, K.E., et al. The evolution of
disability in Parkinson disease. MovDisord 2008; 23:790–796.
Caso 10
LANEC - Liga Acadêmica de Neurociências
Autores: Ana Carolina Andorinho de Freitas Ferreira, Luis Felipe Haberfeld
Maia e Luzo Dantas Neto.
Orientador(a): Dra. Tania Haberfeld.
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
R.S., 61 anos, masculino, foi admitido no serviço de emergência, com
quadro de cefaleia compressiva em região frontal e sem irradiações, de
instalação há três dias, sendo refratária a analgésicos e qualificada como
10/10 na Escala Visual Álgica (“pior dor que já senti na vida”). O quadro se
associava a hiporexia, com episódios de fezes diarreicas, evoluindo com
náuseas e vômitos no 2º dia.
Entre as comorbidades, registravam-se fibrilação atrial e estenose severa
de valva aórtica, as quais justificavam o uso de bloqueador não seletivo α1/
β1 12,5mg 12/12h, estatina 40mg/dia e anticoagulante na dose de 5mg
1x/dia.
O paciente relatava histórico de acidente vascular encefálico (AVE) com
degeneração hemorrágica havia um ano, AVE isquêmico e acidente
isquêmico transitório (AIT) cerca de três anos antes. Em decorrência desses
episódios, afirmava que mantivera apenas visão periférica em olho esquerdo,
a qual evoluiu para completa amaurose desde o último ano. Negava catarata
e glaucoma, mas usava colírio antagonista β1/β2 não seletivo e agonista α2
seletivo desde a época próxima ao ictus.
Trabalhava em restaurante como gerente. Cessara o tabagismo e
diminuíra o etilismo. Fumara cerca de dois maços de cigarro diários por 45
anos e, no momento, relatava consumo de aproximadamente três garrafas de
cerveja (cerca de 1.800 mL) por dia.
No 2º dia de internação, paciente ficou sonolento e confuso, deixando de
reconhecer a esposa.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Icon_exames.ai
Valores Obtidos
Laboratório Valores Referenciais
1ª Dia 2ª Dia
Hemograma
Hematócrito 39,3 % 34,4 % 42 - 54 %
12.000 células/mL
Sem bastonemia (desvio à 11.500 células/mL
Leucograma esquerda), discreta Sem desvio à esquerda e 4.500 - 10.500 células/mL
monocitose sem monocitose
(12% ref. 10%)
Coagulação
INR 2,65 2,21 -
Bioquímica
Bioquímica
Gama-GT 75 UI/L - 85 UI/L
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Explorar o diagnóstico neurológico sindrômico, topográfico e
etiológico.
2. Discutir anticoagulação.
3. Discutir as opções terapêuticas.
DISCUSSÃO
O paciente apresentava um quadro de cefaleia compressiva associado a
fezes diarreicas, náuseas e vômitos, reflexo fotomotor bradicórico e
completa amaurose à esquerda, hemianopsia superior do olho direito,
confusão mental evolutiva e sonolência. A soma deste conjunto indica uma
cefaleia secundária.
Pode-se cogitar etiologia vascular – devido ao surgimento abrupto e
possível compressão por coleção sanguínea intracraniana – ou neoplasia,
como causa para efeito de massa.
Analisando-se os achados clínicos, um processo expansivo é o principal
agente sugerido. Tal efeito expansivo, com elevação da pressão intracraniana
(PIC) representa uma ameaça à vida do paciente, sendo de extrema
importância a avaliação através de exames de imagem, como tomografia
computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RNM).
Exames de imagem são necessários nestes casos. O diagnóstico de
hematoma subdural crônico agudizado (Figura 1) necessita de tomografia
computadorizada sem contraste para confirmação. De acordo com a
literatura, aproximadamente 91% dos hematomas subdurais subagudos com
≥ 5mm de espessura foram identificados na TC1.
Figura 2. (A) Área de isquemia occipital antiga. (B) Modelo de vias ópitico e
as respectivas áreas de visão, sobreposto à região de isquema.
Ruptura de Aneurisma
Hemorrágicas
AVCH
AIT
Isquêmicas
AVCI
Outros
Demência
Meningite
Encefalite
Infecção gastrointestinal
Pseudotumor cerebral.
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIA
• Realizar uma anamnese e exame físico rápidos e eficientes;
• Elaborar diagnósticos diferenciais de emergências vasculares;
• Conhecer a evolução do hematoma subdural crônico agudizado;
• Conhecer a terapêutica do hematoma subdural crônico agudizado;
• Explorar métodos diagnósticos usados nas emergências encefálicas
vasculares.
PONTOS IMPORTANTES
• O hematoma subdural crônico nem sempre advém de traumatismos
confirmados na anamnese;
REFERÊNCIAS
1. Gentry LR, Godersky JC, Thompson B, Dunn VD. Prospective comparative study of
intermediate-field MR and CT in the evaluation of closed head trauma. AJR American journal
of roentgenology. 1988 Mar;150(3):673-82. PubMed PMID: 3257625.
2. Hylek EM, Singer DE. Risk factors for intracranial hemorrhage in outpatients taking warfarin.
Ann Intern Med. 1994 Jun 1:897-902.
3. Mayer S, Rowland L. Head injury. In: Merritt’s Neurology, Rowland L. (Ed), Lippincott
Williams & Wilkins, Philadelphia 2000. p.40
4. Doherty DL. Posttraumatic cerebral atrophy as a risk factor for delayed acute subdural
hemorrhage. Archives of physical medicine and rehabilitation. 1988 Jul;69(7):542-4. PubMed
PMID: 3389997.
Caso 11
Liga Acadêmica de Geriatria e Gerontologia
Autores: Camilla Mendes Tavares, Felipe Galvão de Macedo e Leilane
Soares Marques.
Orientador(a): Dr. Victor Falcão Macedo (Residência Médica em Geriatria
pela Universidade de Brasília e Titulado pela Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia).
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
83 anos, sexo feminino, parda, solteira, natural e procedente de cidade
de grande porte, com mais de oito anos de escolaridade, institucionalizada
há um ano, com relato de esquecimentos para fatos recentes e cotidianos,
discurso repetitivo e desorientação alopsíquica, evoluindo com
comprometimento da capacidade de realizar atividades instrumentais da
vida diária, como se localizar fora do próprio domicílio e sua habilidade de
tocar piano, além de certa negligência com o autocuidado (alimentação
precária e descuido com higiene), necessitando de supervisão e auxílio por
terceiros há, no mínimo, 3 anos. Antes desse período, não há relatos
confiáveis, pois morou nos Estados Unidos por 50 anos, sem convívio com
familiares. Na admissão, relatava sentimento de tristeza e hiporexia,
associada à perceptível perda ponderal não quantificada. Durante
acompanhamento, detectou- se perambulação noturna frequente, dificuldade
para conciliar o sono, sintomas depressivos, diálogos repetitivos e vagos.
História patológica pregressa sem relato de hipertensão, diabetes, tabagismo
ou doença cardiovascular.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral, acianótica, anictérica, afebril, hipocorada, emagrecida,
eupneica.
Peso: 42 Kg; FC: 70 bpm; FR: 20 rpm; Temperatura: 36.5 oC; PA (em
decúbito) 120 x 80 mmHg / (sentada) 120 x 80 mmHg;
TESTES E ESCALAS
Miniexame do Estado Mental (MEEM): 8/30 (ponto de corte de 26 para
escolaridade de 8 ou mais anos de estudo).
Fluência Verbal: 5 animais (escolaridade superior a 8 anos: > 13 animais /
escolaridade inferior a 8 anos: > 9 animais).
Atividades Básicas de Vida Diária (Katz): 00 - independente em todas as
funções.
Escala de Depressão Geriátrica (Yesavage): 8/15 (> 5 pontos: sugestivo
de depressão).
Miniavaliação do Estado Nutricional (MAN): 18,5 pontos (risco de
desnutrição).
Teste do Relógio: (Figura 1).
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hematócrito 38,5% 38 - 50%
Bioquímica
Uréia 33 mg/dL 21,9 - 59,9 mg/dL
Sorologias
Anti- HIV 1 e 2 negativo -
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais as manifestações clínicas mais relevantes?
3. Quais os principais diagnósticos diferenciais?
4. Qual a importância dos exames complementares para o diagnóstico?
5. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
Síndromes Demenciais são caracterizadas por uma associação de
declínio progressivo das funções cognitivas (memória, linguagem, gnosias,
praxias, funções executivas), do comprometimento funcional nas esferas
social e ocupacional, e das alterações comportamentais variadas
(agressividade, agitação, ansiedade, desinibição, perambulação, apatia,
sintomas depressivos). A presença desses sintomas repercute de forma
significativa nas atividades de vida diária do paciente, impondo limitações e
dependência.
O diagnóstico das síndromes demenciais é eminentemente clínico,
fundamentado no comprometimento da memória e, pelo menos, mais um
domínio cognitivo, como agnosia, afasia, apraxia ou disfunção executiva.
Entretanto, exames de neuroimagem, como tomografia computadorizada ou
ressonância magnética, e laboratoriais, ajudam no estabelecimento de
diagnósticos diferenciais e na exclusão de etiologias potencialmente
reversíveis (hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12, neurossífilis,
etc.). Cabe ainda, descartar delirium, uso de substâncias psicoativas e
transtornos psiquiátricos como responsáveis pelo prejuízo cognitivo e
funcional em curso.
As síndromes demenciais podem ser classificadas em degenerativas e
não degenerativas. As últimas são resultantes de processos infecciosos,
deficiências nutricionais, tumores do SNC, acidentes vasculares cerebrais,
dentre outras causas. As primeiras são representadas, principalmente, pela
Doença de Alzheimer e Demência por Corpúsculos de Lewy.
No caso em questão, a idade da paciente, a evolução gradual e insidiosa
dos sintomas, e o prejuízo cognitivo predominantemente amnéstico tornam
a Doença de Alzheimer a principal hipótese diagnóstica. Os achados de
anamnese, exame físico geral e neurológico não sugerem outras patologias
neurodegenerativas. A neuroimagem não demonstra alterações que
corroborem a possibilidade de doença cerebrovascular, tumores ou
implantes neoplásicos, hematoma subdural e hidrocefalia. Dos resultados
laboratoriais, a hipovitaminose de B12 se apresenta como causa possível ou
como comorbidade, ressaltando-se que não houve melhora cognitiva após
reposição adequada. A baixa pontuação no MEEM, bem como nos outros
testes e escalas, demonstra um desempenho cognitivo abaixo do esperado
para a escolaridade da idosa, com perdas em memória recente, orientação,
atenção, linguagem e funções executivas. Sua funcionalidade encontra-se
preservada para atividades básicas de vida diária, segundo escala de Katz,
mas já apresenta comprometimento funcional para atividades instrumentais,
presumido pela anamnese, porém mais difícil de ser mensurado nos idosos
institucionalizados.
A presença de sintomas afetivos, como depressão ou oscilações bruscas
no humor, associados à insônia, diminuição do apetite, apatia e negligência
com o autocuidado podem integrar a constelação de sintomas das diversas
síndromes demenciais, mas é importante afastar o diagnóstico de depressão
com sintomas cognitivos. Uma boa anamnese é fundamental nesse
contexto, pois a relação temporal entre os sintomas e a forma de instalação
dos mesmos permite a diferenciação entre quadros depressivos e
demenciais, mas algumas vezes será necessário um teste terapêutico com
antidepressivos. A resolução do déficit cognitivo com a remissão dos
sintomas de depressão contraria a possibilidade de demência. As alterações
do comportamento também são prevalentes na doença de Alzheimer, sendo
ansiedade, apatia, perambulação, atividades motoras repetitivas, agitação,
irritabilidade, agressividade e delírios, alguns exemplos.
A doença tem caráter progressivo, sem possibilidade de cura até o
momento, mas suas complicações podem ser retardadas e o seu curso
estabilizado com o tratamento, por meio de medidas não farmacológicas e
farmacológicas. Pode ser dividido em quatro estratégias:1 terapêutica
específica, com o objetivo de reverter os processos fisiopatológicos que
conduzem à morte neuronal;2 abordagem profilática, visando retardar o
início da demência ou prevenir declínio cognitivo adicional;3 tratamento
sintomático, que visa restaurar, ainda que parcial ou provisoriamente, a
capacidade cognitiva, as habilidades funcionais e o comportamento dos
pacientes;4 e terapêutica complementar, no tratamento das manifestações
não cognitivas, tais como depressão, psicose, agitação psicomotora,
agressividade e distúrbio do sono. Atualmente, a paciente está em uso da
trazodona 50mg à noite e do cloridrato de donepezil 10mg por dia, com
quadro clínico considerado estável.
PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS
DIFERENCIAIS
Demências neurodegenerativas
Doença de Alzheimer
Demências infecciosas
Neurossífilis
Complexo Demência-HIV
Demências tóxicas/nutricionais
Demência por Álcool
Demências vasculares
Outras causas
Hidrocefalia Normobárica
Neoplasias SNC
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Semiologia do idoso com o foco na aplicação de escalas geriátricas;
• Avaliação clínica para estabelecimento do diagnóstico de demência;
• Diagnóstico diferencial das demências;
• Papel dos exames complementares nas demências;
• Tratamento farmacológico e não farmacológico nas demências.
PONTOS IMPORTANTES
• Sempre atente para o diagnóstico diferencial entre os “3 D’s” da
geriatria: Demência / Delirium / Depressão.
REFERÊNCIAS
1. GALLUCCI NETO, José; TAMELINI, Melissa Garcia; FORLENZA, Orestes Vicente.
Diagnóstico diferencial das demências. Rev. Psiq. Clín., São Paulo, v. 32, nº 3, June 2005.
2. FORLENZA, Orestes Vicente. Tratamento farmacológico da doença de Alzheime. Rev. Psiq.
Clín., São Paulo, v. 32, nº 3, p. 137-148, 2005.
3. ARAÚJO, Cláudia Lysia de O.; Nicoli, Juliana Silva. Uma revisão bibliográfica das principais
demências que acometem a população brasileira. Rev. Kairós Gerontologia, v. 13, nº 1, São
Paulo, p. 231- 244, jun., 2010.
4. VASCONCELLOS, Alexandra; SILVA, Sandra Alves. Demência reversível: relato de caso.
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 3, nº 2, p. 132- 136, dez., 2008.
5. X.C.; Gorzoni, M.L.; Doll, J. 3ª. Edição. Grupo Editorial Nacional (GEN), 2011.
6. Manfrim, Aquiles; SCHIMIDT, Sérgio L. Diagnóstico diferencial das demências. In:
FREITAS: Elizabete Viana de et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan., 2006, p. 242- 252.
Caso 12
Liga Acadêmica de Neurociências
Autores: Guilherme Wertheimer, Davi Ferreira e Felipe Franco da Graça.
Orientador(a): Prof. Dr. Enrico Ghizoni (Neurocirurgião, UNICAMP).
Instituição: Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 75 anos de idade, sexo masculino e procedente de cidade do
interior, dá entrada no pronto socorro com dor em região lombar/sacral e
perda de força e sensibilidade em pé esquerdo. A dor lombar, apesar de
presente há cinco anos, apresentou piora nos últimos três meses, com padrão
de queimação na região posterior do quadril esquerdo e na altura das
vértebras L4 a S1, sem padrão inflamatório. A dor é constante, sem sinais de
alarme (dor ao repouso, emagrecimento, história prévia de câncer), com
piora após a deambulação e sem melhora após o uso de analgésicos. Ainda,
relata dor com queimação que se inicia no glúteo esquerdo e se irradia por
toda a face posterior do membro inferior esquerdo, até o pé, que piora
progressivamente com a deambulação até perda de força neste membro. A
dor e a perda de força o impedem de continuar a deambulação e melhoram
quando o paciente se senta, sendo que alguns minutos após o mesmo pode
iniciar a deambulação novamente. Nega alterações na quantidade e
qualidade das micções e defecações.
Dado a dor, encontra-se incapacitado de descer escadas ou se levantar
sozinho, o impedindo de realizar atividades básicas diárias como ir ao
supermercado, igreja e passeios, reduzindo assim de forma significativa sua
qualidade de vida.
Como antecedente, relata queda de telhado (cinco metros) há 40 anos
com fratura da vértebra C7, sem perda de consciência, alteração da
mobilidade da coluna ou sintoma neurológico relacionado até início do
quadro atual.
EXAME FÍSICO
Peso: 76 Kg, Altura: 1,67m, Índice de massa corporal (IMC): 27,3. Pulso: 80
bpm, FC: 80 bpm, FR: 18 irpm, Temperatura: 35 oC; PA: 120x70 mmHg
(deitado, em membro superior direito).
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a provável etiologia da estenose espinal lombar no caso?
2. O que explica a abolição dos reflexos patelar e aquileu esquerdos e
sintomas neurológicos no caso?
3. Como localizar a altura da lesão na coluna do paciente?
4. Qual a conduta terapêutica apropriada para o caso?
DISCUSSÃO
A estenose lombar é o estreitamento de qualquer parte do canal espinhal
lombar provocando compressão de estruturas neurais pelos ossos da coluna e
partes moles adjacentes. Apesar de existirem critérios numéricos para o
diagnóstico ser estabelecido, a presença de sintomas provenientes do
estreitamento é suficiente para o diagnóstico.
A estenose lombar pode ser congênita ou adquirida, sendo a doença
degenerativa a causa mais comum de estenose adquirida, principalmente na
população adulta e idosa (mais de 65 anos). O processo degenerativo inicia
com diminuição da altura do disco e desidratação levando a degeneração e
hipertrofia das facetas articulares, bem como hipertrofia ligamentar, além da
formação de osteófitos que reduzem o canal vertebral e/ou os recessos
laterais. No caso, o paciente provavelmente apresenta uma estenose espinal
lombar adquirida por degeneração proveniente de osteoartrose.
O sintoma principal evidenciado pelo paciente é a claudicação
neurogênica, caracterizada por dor na perna ou coxa, que se inicia
geralmente na região da nádega e, durante a deambulação, progride pelo
território do nervo isquiático (face posterior da coxa e perna) até os pés, com
melhora durante movimento de flexão lombar. Deve-se ressaltar cautela para
este sintoma não ser confundido com isquemia intermitentes do membro
inferior (claudicação vascular). Na claudicação neurogênica, o paciente
melhora com flexão do tronco, apresenta melhor desempenho ao subir
escadas e os pulsos periféricos estão sempre presentes, enquanto na
claudicação vascular não há melhora com flexão do tronco, o paciente
apresenta melhor desempenho ao descer escadas e os pulsos periféricos se
encontram reduzidos ou ausentes. Ainda, na claudicação neurogênica os
sintomas cursam de proximal (nádega) para distal (pés) enquanto na
claudicação vascular os sintomas cursam de distal (panturrilhas) para
proximal (coxa). A causa dos sintomas da claudicação vascular é a isquemia
da musculatura distal dos membros inferiores, enquanto que a principal
hipótese para a claudicação neurogênica seja a isquemia das raízes da cauda
equina dentro do canal vertebral.
A abolição dos reflexos patelar e aquileu do membro inferior e os
sintomas neurológicos observados podem ser explicados pela compressão
proveniente da estenose lombar. A dor experimentada pelo paciente de
irradiação pela parte posterior do membro através da coxa até o pé remete a
uma lesão de L4 a S1 (raízes que formam o nervo isquiático). A fraqueza do
quadríceps femoral esquerdo, paralisia do extensor curto e longo dos dedos
esquerdos remete acometimento de L4 para o primeiro e L5 para os últimos.
A alteração de sensibilidade nos pés também remete a L5 (dorso do pé) e S1
(sola ou borda lateral do pé) e a abolição do reflexo patelar está relacionada
com L4 e do aquileu com S1. A abolição ou redução de reflexos remete ao
acometimento do segundo neurônio motor, os sintomas apenas do membro
inferior esquerdo (MIE) e ausência de um nível sensitivo ou de sintomas
urinários praticamente descartam uma lesão medular, de primeiro neurônio
motor, torácica ou cervical. Desta forma, pelo exame clínico é possível
efetuar uma hipótese da localização da lesão lombar.
A história natural da doença normal é de progressão lenta do curso
clínico sem deterioração aguda. O tratamento não cirúrgico envolve
reabilitação espinal com fisioterapia para diminuição dos sintomas. Outras
estratégias como compressas quentes/frias, estimulação elétrica transcutânea,
ultrassom e imobilização lombar oferecem alivio temporário da dor.
Medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais ou acetomifeno podem ser
usados inicialmente, mas se não efetivos, podem ser escolhidos relaxantes
musculares e opióides. Se ainda não houver controle da dor radicular ou
paciente não puder ser submetido à cirurgia, injeções epidurais de
corticoides podem ser feitas, com controle temporário dos sintomas.
O tratamento cirúrgico é indicado para pacientes com sintomas
persistentes apesar do tratamento clínico. O objetivo da cirurgia é a
descompressão do canal espinal e forame neural através de laminectomias e
foraminotomias (ampliação dos foramens intervertebrais) parciais.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAS
PRINCIPAIS
Dores Lombares
Mecânicas
Degenerativas: Protrusão discal; Osteoartrite; Síndrome
facetaria; Estenose espinhal
Deformidades: Escoliose
Musculares
Síndrome miofascial
Espasmo
Metabólicas
Osteoporose
Traumática
Fratura por compressão
Lesão muscular
Tumores
Doença metastática;
Mieloma Múltiplo.
Doenças inflamatórias
Espondilite anquilosante;
Aracnoidite;
Artrite reumatóide.
Infecções
O Herpes zoster.
Reação de conversão
Psicose
Simulação
Abuso de substâncias
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIA
• Anatomia regional da coluna na estenose lombar;
• Semiologia das dores lombares;
• Diagnóstico diferencial das dores lombares;
• Avaliação do paciente com estenose lombar;
• Conduta para paciente com estenose lombar;
PONTOS IMPORTANTES
• Atenção para os “red flags” na avaliação de qualquer lombalgia;
• Nem toda lombalgia tem sua origem na coluna vertebral. Atentar
para possível doença retroperitoneal, aneurisma de aorta abdominal e
abscesso de psoas;
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 57 anos, sexo feminino, natural e procedente de cidade de
grande porte, admitida no pronto socorro com queixa de aumento da pressão
arterial (PA). Refere dificuldade de controle pressórico, mas é incapaz de
estimar quando se iniciou o problema. Faz uso de enalapril e
hidroclorotiazida. Filho relata que há 15 dias a mãe iniciou episódios de
perda de memória recente, como o esquecimento de locais frequentados,
recebimento de visitas, se já fez alguma tarefa doméstica e se tomou a
medicação. Mãe e filho negam déficits motores focais ou afasia. Paciente
refere apenas visão embaçada relacionada a episódios de elevação da PA.
Nega diplopia. Recentemente, as únicas mudanças na vida da paciente se dão
por difícil aceitação do casamento e saída do filho mais velho de casa há 2
meses. Paciente nega problemas psiquiátricos prévios, sem uso de outras
medicações até o momento. Encontra-se triste, com labilidade emocional,
mas sem déficits nas tarefas diárias e higiene pessoal.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral, desorientada no tempo e no espaço. Discurso repetitivo
com temática familiar. Corada, hidratada, afebril, acianótica, anictérica e
eupneica.
FC: 73 bpm; FR: 18 ipm; Temperatura: 36,6 oC; PA: 140/80 mmHg.
Ictus cordis não visível, palpável com 1,5 polpas digitais. Bulhas rítmicas e
normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
Tumores cerebrais são um grupo diverso de neoplasias provenientes de
diferentes células do Sistema Nervoso Central (SNC) ou de metástases de
tumores sistêmicos para o SNC. Os sintomas são provenientes de invasão
tumoral local, compressão de estruturas adjacentes ou aumento de pressão
intracraniana (PIC), além que as manifestações clínicas se relacionam a
função das áreas cerebrais acometidas. Os tumores intracranianos
apresentam manifestações clínicas gerais e focais, as últimas englobam
achados do exame neurológico como fraqueza muscular, perda sensorial,
afasia e disfunção visual. As manifestações clínicas gerais são cefaleia;
náusea, vômitos e síncope relacionados ao aumento da PIC; convulsões e
disfunção cognitivas. Os déficits neurocognitivos associados a tumores
intracranianos normalmente são sutis com queixas de letargia, falta de
energia, sonolência excessiva e falta de interesse nas atividades diárias que
pode ser diagnosticado como uma síndrome depressiva.
Desta forma, tendo em vista os achados na ressonância magnética,
prosseguiu-se biópsia estereotáxica da lesão com o seguinte resultado:
astrocitoma difuso de padrão histológico predominantemente gemistocítico.
Há vasos proliferados (o que corrobora patologicamente o significado das
alterações à perfusão). Não foram encontradas mitoses. Conclusão: Glioma
de alto grau (grau III da OMS nesta amostra).
O glioma é o tumor cerebral primário mais comum, podendo ocorrer em
qualquer idade, mas é mais frequente na faixa entre 45 - 75 anos em
pacientes brancos do sexo masculino. A doença tem progressão inexorável,
com sobrevida média de cerca de até 2 anos.
A RM é essencial para o diagnóstico no caso e apresenta uma série de
aplicações clínicas relevantes como a determinação do tipo tumoral;
diferenciação de um tumor primário de uma metástase solitária ou de um
linfoma; e a determinação do grau tumoral.
No exemplo da paciente após a administração de contraste venoso
(Figura 2), há realce heterogêneo, principalmente periférico, e a porção
central da lesão é hipocaptante (inferindo necrose). Também pôde-se
caracterizar a presença de componentes hemorrágicos no interior da lesão
pela RM. Portanto, trata-se de uma lesão expansiva, com hemorragia e com
necrose, bi-hemisférica, envolvendo o corpo caloso e lobos temporais,
medialmente. Além disso, no estudo de perfusional, observaram-se várias
regiões com aumento de rCBV (volume sanguíneo cerebral relativo), achado
este que indica alterações na microcirculação, que se associam com
neoangiogênese, evento que ocorre em neoplasias gliais, notadamente as de
alto grau. Assim, pela RM, fica a principal hipótese diagnóstica de neoplasia
glial primária de alto grau (que costuma ter este comportamento de cruzar de
um hemisfério ao outro pelo corpo caloso, aspecto em “asa de borboleta”),
com hemorragia e necrose. Outro fator condizente com neoplasia foi
espectroscopia que evidenciou aumento das relações colina/creatina e
colina/NAA (N-acetil aspartato) (relação acima de 2), inferindo alto turnover
celular, com proliferação de células e membranas. Além disso, o NAA
(marcador neuronal e axonal é habitualmente o metabólito mais abundante
do tecido cerebral normal) costuma estar reduzido em neoplasias, em razão
da destruição do tecido cerebral normal, contribuindo assim, sua diminuição
para o aumento da relação colina/NAA.
O diagnóstico diferencial pode ser feito pelo estudo perfusional, em que,
no presente caso, evidenciou-se aumento de rCBV ou seja, trata-se de uma
lesão hiperperfundida, achado que representa alterações na microcirculação
com neoangiogênese, habitualmente elevada em gliomas de alto grau. Além
disso, elevação perfusional também foi observada na substancia branca
perilesional, logo, esta substância branca apresenta sinais de infiltração
neoplásica, não sendo simplesmente edema vasogênico (portanto, afastando
a possibilidade de metástases, nas quais a lesão pode ser hiperperfundida,
porém, o tecido peritumoral não tem aumento do rCBV ). Pela localização,
corpo caloso, um outro diagnóstico diferencial a se considerar, nesta
topografia seria de linfoma de SNC. Entretanto, em se considerando paciente
sem imunossupressão, como no presente caso, o linfoma costuma ser uma
lesão sólida, compacta, habitualmente, sem hemorragia e sem necrose.
Os sintomas da paciente podem ser explicados pelos sítios anatômicos
envolvidos por esta neoplasia. As alterações de memória do presente caso,
mais provavelmente, decorrem da infiltração dos hipocampos, e assim,
comprometendo a função desempenhada por estas estruturas, que são
fundamentais para as memórias recentes. A lesão do esplênio do corpo
caloso pode causar inabilidade para ler em voz alta, entendimento de texto
escrito, e muitas vezes para nomear as cores.
Os gliomas são tumores cerebrais, desta forma o tratamento sintomático
deve incluir glicocorticoides, anticonvulsivantes e profilaxia contra trombose
venosa profunda. O tratamento definitivo para todos os gliomas é cirurgia,
radioterapia e quimioterapia. A remoção cirúrgica geralmente melhora a
função neurológica e reduz a dependência de corticosteroides, entretanto a
remoção completa de todo tumor visível é muitas vezes inviável pela
proximidade ou invasão de estruturas cerebrais importantes e a infiltração
microscópica da neoplasia nos tecidos adjacentes. A quimioterapia é
limitada por resistência intrínseca das drogas, e costuma ser bem tolerada
apresentando toxicidade mínima, e prolongando a sobrevida para apenas 15-
20% dos pacientes. O esquema terapêutico normalmente inclui a
temozolominda que é ativa em todos gliomas. Apesar do tratamento
agressivo a grande maioria dos pacientes apresenta recorrência da doença,
apresentando sobrevida curta. O diagnóstico diferencial principal no caso
seria de metástase, que são comumente múltiplas e presentes na transição
córtico-subcortical. Um outro diagnóstico diferencial para lesão com necrose
central seria de abscesso; entretanto, uma dica prática é que o componente de
necrose no abscesso restringe nas sequências em difusão; nos gliomas o
componente de necrose não restringe. Além disso, abscessos são
hipoperfundidos.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
PRINCIPAIS
Tumores Intracranianos
Infeção
Abscesso cerebral (bacteriano, fúngico)
Doença Vascular
Hemorragia intracraniana não tumoral
Patologias inflamatórias
Doença desmielinizante pseudotumoral
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIA
• Semiologia radiológica de tumores intracranianos;
• Diagnóstico diferencial de tumores intracranianos;
• Conduta frente glioma de alto grau.
PONTOS IMPORTANTES
• Quando pensar no diagnóstico de um glioma de alto grau?
Atualmente, a suspeição deste diagnóstico é feita após a realização do
exame de neuroimagem (RM sendo o exame mais específico).
Suspeita-se de glioma (notadamente de alto grau) nos casos em que
houver acometimento bi-hemisférico, envolvendo as fibras do corpo caloso;
presença de componente hemorrágico também eleva a suspeição.
Se houver componentes de hiperperfusão a etiologia é provavelmente
tumoral. E se houver hiperperfusão no tecido peritumoral, além dos limites
da área de realce aumentado pelo meio de contraste, o diagnóstico de glioma
é mais provável.
Sempre lembrar de que na suspeição de lesão tumoral glial do sistema
nervoso central, é importante realizar ressonância magnética com sequências
avançadas (espectroscopia e perfusão), as quais podem, diante do acima
exposto, caracterizar com bastante especificidade este diagnóstico.
REFERÊNCIAS
1. CECIL, R. L., GOLDMAN, L.; AUSIELLO, Dennis et al. Tratado de Medicina Interna. 22ª ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. 2 vs.
2. Brandão LA, Shiroishi MS, Law M. Brain tumors: a multimodality approach with diffusion-
weighted imaging, diffusion tensor imaging, magnetic resonance spectroscopy, dynamic
susceptibility contrast and dynamic contrast-enhanced magnetic resonance imaging. Magn
Reson Imaging Clin N Am. 2013 May;21(2):199-239.
3. Lukas RV, Nicholas MK. Update in the treatment of high-grade Gliomas. Neurol Clin. 2013
Aug;31(3):847-67.
4. Eric T Wong, Julian K Wu, MD. Jay S Loeffler, Patrick Y Wen, April F Eichler, Clinical
presentation and diagnosis of brain tumors. Em Uptodate, Waltham, MA, 2015.
Caso 14
Liga Acadêmica de Neurocirurgia “Prof. Dr. Carlos Tadeu Parisi de
Oliveira”
Autores: Maria Thereza Barsotti Badari, Natália Tiemi Ito e Thais Helena
de Oliveira.
Orientador(a): Dr. Renata Parissi Buainain (Médica Mestre em Neurologia -
USF).
Instituição: Universidade São Francisco - USF.
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente masculino, 32 anos, caucasiano, solteiro, natural e procedente
de cidade de médio porte, em acompanhamento no ambulatório de
neurologia há mais de 10 anos. Relata crises epilépticas há 22 anos,
iniciadas por cefaleia, mal-estar epigástrico, dor torácica, seguidas por
perda de consciência, queda e movimentos do tipo tônico-clônicos nos
membros superiores e inferiores, sem liberação de esfíncter vesical. Após as
crises apresenta desorientação e amnésia transitória. Nega crises durante o
sono e outras comorbidades. História familiar positiva para epilepsia.
Ao procurar o serviço há 10 anos, as crises ocorriam cerca de uma a três
vezes por mês com uso de Carbamazepina 200 mg, 1 comprimido de 8 em 8
horas e Fenobarbital 100 mg, 1 comprimido de 12 em 12 horas. Durante o
seu acompanhamento fez-se necessário ajustes periódicos das doses dos
fármacos anti-epilépticos. Houve melhora na frequência das crises nos
últimos 4 anos, para 5 episódios por ano, com a posologia da
Carbamazepina 200 mg (2 comprimidos de manhã, 2 comprimidos à tarde e
3 comprimidos à noite em associação com o Fenobarbital 100 mg (1/2
comprimido pela manhã e 1 comprimido e meio à noite). Há dois anos, foi
prescrito adicionalmente Clobazan 10 mg (1 comprimido durante à noite) e,
desde então, não houve mais crises. Atualmente está livre de crises há 1 ano
e 4 meses.
EXAME FÍSICO
FC: 62 bpm; FR: 18 irpm; PA: 120x84 mmHg; Temperatura: 37,3 oC.
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Há correlação da epilepsia com a alteração estrutural encontrada?
2. O paciente estava fazendo uso de subdose da Carbamazepina e por
isso não respondeu anteriormente ao tratamento?
3. O tratamento cirúrgico seria cabível?
DISCUSSÃO
Trata-se de um caso clássico de Epilepsia do Lobo temporal (ELT), com
Esclerose Mesial Temporal (EMT) pela presença de crises focais com
generalização secundária, desde a primeira década de vida, precedidas por
aura e com duração de aproximadamente um minuto. No pós-crise, há uma
amnésia e desorientação transitórias, porém, o exame físico inter-crítico não
revela alterações. A avaliação cognitiva não evidenciou um déficit
progressivo característico de uma alteração estrutural como pode ocorrer na
ELT. A tomografia computadorizada de crânio realizada também não
mostrou alterações. Porém, a ressonância magnética encefálica, método de
escolha para o diagnóstico da ELT, documentou a alteração estrutural da
EMT.
As crises epilépticas são definidas como manifestações clínicas que
refletem disfunção temporária de um conjunto de neurônios. Podem ser
focais, ou seja, com início em uma região restrita do encéfalo, ou
generalizadas, quando as descargas se originam concomitantemente nos
dois hemisférios. As crises focais podem ser classificadas em dois tipos:
sem perda de consciência (ou parciais simples) e com perda de consciência
(ou parciais complexas)1.
A epilepsia do lobo temporal (ELT) é a forma mais comum de epilepsia
focal na população adulta, sendo responsável por 40% de todos os casos de
epilepsia nesta população2,3. A epilepsia do lobo temporal mesial (ELTM)
corresponde a aproximadamente 60% dos casos de ELT2,5. A importância
clínica da ELTM decorre de sua alta prevalência e elevada proporção de
pacientes com crises epilépticas refratárias ao tratamento medicamentoso6.
A EMT é a etiologia encontrada em 50 a 70% dos pacientes com ELT
refratária ao tratamento clínico7. A EMT, do ponto de vista
anatomopatológico, é caracterizada por perda neuronal e gliose nessa região
e associa-se clinicamente com crises epilépticas focais. As crises são
geralmente precedidas por auras, que ocorrem em cerca de 20 a 90% dos
pacientes. Auras são manifestações sensitivo-sensoriais subjetivas que não
ultrapassam dois minutos. São exemplos: aura epigástrica (sensação de
náusea e mal-estar), medo, angústia, déjà-vu / jamais vu (sensação de
familiaridade/estranheza), alucinações olfativas e gustativas1.
A ELT apresenta início, em geral, na adolescência, com frequente
história de crise febril nos primeiros anos de vida. Pode gerar crises com
automatismos típicos do lobo temporal, com auras viscerais ou
experienciais e déficit progressivo de memória. A sensação de mal-estar
epigástrico ascendente representa o tipo de aura mais frequente, podendo
ser caracterizada pelo paciente como opressão ou dor na região epigástrica
e/ou torácica.
As crises devem ser avaliadas juntamente com outros dados do paciente,
como idade, anamnese, antecedentes pessoais, história familiar, exame
físico, análise de imagem e eletroencefalograma para definir o diagnóstico
sindrômico fundamental para elaboração de uma programação terapêutica.
EEG é capaz de responder a três importantes questões diagnósticas nos
pacientes com suspeita de epilepsia:
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
PRINCIPAIS
Síncope e crise de perda de fôlego
Distúrbios do sono
Desordens psiquiátricas
Intoxicação aguda
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIA
• Quadro Clínico da epilepsia do lobo temporal, especialmente a
esclerose mesial temporal, pela sua prevalência e importância dentro
das epilepsias;
PONTOS IMPORTANTES
• A importância do segmento de crianças que apresentaram crise
epilética febril;
REFERÊNCIAS
1. Valença LPAA, Valença MM, Velasco TR, Leite JP. Epilepsia do Lobo Temporal Mesial
Associada à Esclerose Hipocampal. J Epilepsy Clin Neurophysiol. 2006 Mar; 12(1):31-36.
2. Engel JJ, Peddley TA. Epilepsy: A comprehesive textbook. 2ª ed. Philadelphia: Lippincott-
Raven; 1997.
3. Gastaut H, Gastaut JL, Goncalves e Silva GE, Fernandez Sanchez GR. Relative frequency of
different types of epilepsy: A study employing the classification of the international league
against epilepsy. Epilepsia. 1975 Sep; 16(3) 457:61.
4. Engel Jr J. A proposed diagnostic scheme for people with epileptic seizures and with epilepsy:
Report of the ilae task force on classification and terminology. Epilepsia. 2001 Jun; 42(6); 796-
803.
5. French JA, Williamson PD, Thadani VM, Darcey TM, Mattson RH, Spencer SS, et al.
Characteristics of medial temporal lobe epilepsy: I. Results of history and physical
examination. Ann Neurol. 1993 Dec.;34(6):774-80.
6. Engel JJvNP, Rassmussen TB. Outcome with respect to seisures. In: Engel JJ, editor. Surgical
treatment of the epilepsy. 2ª ed. New York: Raven Press. 1993; 609-21.
7. Babb TLB WJ. Pathological findings in epilepsy. In: Engel JJ, editor. Surgical treatment of the
epilepsy. 1ª ed. New York: Raven Press. 1987; 511-4.
8. Wyler AR. Recent advances in epilepsy surgery: temporal lobectomy and multiple subpial
transactions. Neurosurgery. 1997 Dec; 41(6):12-1302.
9. Rassi Neto A, Centeno R, Amantéa AV, Da Silva DF, Muszkat M, Costa M, et al. Tratamento
cirúrgico das epilepsias. Rev. Neurociências. 2001; 9(3):118-26.
10. Yacubian, EMT. Tratamento da epilepsia na infância. Jornal de Pediatria. 2002 Aug; 78(1):
S19-S27.
11. Yacubian EMT. Proposta de Classificação das Crises e Síndromes Epilépticas. Correlação
Videoeletrencefalográfica. Rev. Neurociências. 2002; 10(2):49-65.
12. Betting LE, Kobayashi E, Montenegro MA, Min LL, Cendes F, Guerreiro MM, et al.
Tratamento de epilepsia: consenso dos especialistas brasileiros. Arq. Neuro-Psiquiatr. 2003
Dec; 61(4): 1045-1070.
13. Kwan P, Brodie MJ. Combination therapy in epilepsy: when and what to use. Drugs. 2006;
66(14):1817-29.
14. French JA, Faught E. Rational polytherapy. Epilepsia 2009 Sep; 50 (8):63-68.
15. Noachtar S, Rémi J. The role of EEG in epilepsy: a critical review. Epilepsy Behav. 2009
May; 15(1):22-33.
Caso 15
LABC – Liga Acadêmica de Aprendizado Baseado em Casos Clínicos
Autores: Elisa Benetti de Paiva Maciel, Isadora Ervilha Barros, Bruno
Bittencourt Procópio
Orientador(a): Catarina Amorim Baccarini Pires (Residência Médica em
Pediatria e Professora do Núcleo da Criança e do Adolescente no
IMES/UNIVAÇO)
Instituição: Instituto Metropolitano de Ensino Superior de Ipatinga
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
IEB, 15 anos, solteira, sexo feminino, caucasiana, procurou atendimento
particular com oftalmologista com quadro de visão turva e estrabismo,
havendo diminuição súbita da visão, perdurando 3 dias, com piora da visão,
paralisia de VI par craniano à esquerda e aparecimento de diplopia. A
paciente foi encaminhada ao neurologista e teve internação imediata.
Persistiu com quadro de cefaleia por uma semana e vertigem acompanhada
de náuseas (sem fatores desencadeantes), sensível a analgésicos. Nega febre
e perda ponderal. Nega quadro semelhante anterior, doenças prévias, alergia,
hemotransfusão, tabagismo. Histórico de mamoplastia com anestesia geral
uma semana antes do início dos sintomas.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Núcleo: reagente
Negativo
Nucléolo: negativo
Nota: Título de triagem: 1:80
Citoplasma: negativo
Resultados positivos da pesquisa de
Aparelho mitótico: negativo
anticorpos contra antígenos celulares
Fator anti-nuclear (HEp2) Placa metafásica cromossômica:
em células HEp-2 podem ser
reagente
encontrados em indivíduos sem
Conclusão: Padrão nuclear pontilhado
evidência clínica ou laboratorial
fino denso
aparente de doença autoimune.
Título 1:320
Retinografia Digital:
Papila de contornos imprecisos, borrados, coloração adequada, escavação
de difícil visualização; Mácula sem alterações. Vasos sem alterações
(Figuras 1 e 2).
DISCUSSÃO
O Pseudotumor Cerebral é uma patologia presente em 1:100.000 pessoas,
com uma incidência maior no sexo feminino, em que a chance passa a ser de
3,5:100.000. Em mulheres obesas, a tendência é aproximadamente 5 vezes
maior de aparecimento do pseudotumor, também conhecido como Síndrome
da Hipertensão Intracraniana Idiopática (HII).9
Alguns autores consideram a HII uma doença benigna por esta não
possuir expansão neoplásica celular ou alteração no conteúdo do líquor4, mas
como muitos pacientes podem evoluir o quadro com perda visual grave, a
definição de caráter exclusivamente benigno torna-se contraditória5. Os
sintomas apresentados pelos pacientes traduzem o aumento da pressão
intracraniana, sendo que a cefaleia generalizada diária é uma indicação forte
para a pesquisa de HII6.
Ainda que a cefaleia diária esteja presente na maioria dos pacientes,
cerca de 20% desses têm como sintomatologia inicial alterações visuais, o
que justifica o contato primário com o oftalmologista.2 O quadro clínico
pode envolver, então, cefaleia que pode ou não estar acompanhada por
náuseas e vômitos, diplopia horizontal ou vertical por paresia dos nervos
abducente e troclear, tinido pulsátil no ouvido, papiledema, visão com
obscurecimento transitório, distorção da visão central, perda do campo
periférico e perda visual súbita em casos de hemorragia sub-retiniana. 5
MANIFESTAÇÃO
Cefaleia
MANIFESTAÇÃO
Náuseas e vômitos
Diplopia
Tinido pulsátil
Hipoparatireoidismo Uremia - -
- Lúpus - -
DOENÇA
Neuropatia óptica isquêmica
Neurite óptica
Pseudoedema de papila
Encefalite
Meningite
Trauma
Melanose neurocutânea
Carcinomatose leptomeníngea
HABILIDADES/COMPETÊNCIAS
• Avaliação das características das cefaleias.
• Entendimento do mecanismo de aumento da pressão intracraniana.
• Aplicar os critérios de diagnóstico clínico para a HII.
• Enquadrar o paciente na melhor terapêutica.
DICAS PRÁTICAS
• A hipertensão intracraniana idiopática é uma condição na qual há
aumento do nível de LCR e ausência de ventriculomegalia ou
tumorações;
Neurologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Sexo feminino, 23 anos, solteira, natural de cidade de pequeno porte no
interior de Minas Gerais, compareceu a uma consulta neurológica, devido a
um quadro de incontinência urinária iniciada aos 13 anos de idade, sendo
que já havia passado por especialidades como a pediatria sem nenhum
diagnóstico confirmado. Relatou uma dor intensa na região lombar como
primeiro sintoma, esta aliviando espontaneamente após poucos dias. Ao
passar algumas semanas, começou a apresentar sensação de queimação nas
regiões sacral, genital e nos membros inferiores, principalmente na região
posterior. Desde então começou a urinar várias vezes ao dia, apresentando
inúmeros incidentes de micção involuntária. Este quadro permaneceu até
aos 23 anos, quando diagnosticado como uma causa idiopática. A qualidade
de vida da paciente encontrava-se bastante comprometida, tendo em vista
que a mesma estava evitando sair de casa para prevenir incidentes
miccionais.
EXAME FÍSICO
Paciente em bom estado geral; vigil; lúcida e orientada no tempo e
espaço; fácies atípica; normocorada; anictérico; acianótico; com mucosas
hidratadas e perfusão capilar preservada. Eupneica e normocardíaca.
Ao exame neurológico, apresentava discreta disestesia nos dermátomos
das regiões de S1 à S3, com forças e reflexos de membros inferiores
normais. Sem alterações ao exame dos pares cranianos e dos membros
superiores.
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Pela história, os exames físicos e complementares, qual é a doença
de base da incontinência urinária?
2. Qual a utilidade de se dosar os anticorpos antiaquaporina-4 para este
diagnóstico?
3. Há critérios de diagnóstico para a doença de base?
4. Como essa doença leva às lesões medulares?
DISCUSSÃO
A hipótese de uma doença neurodegenerativa foi levantada por ainda
não ter tido uma investigação adequada e pelo fato da incontinência urinária
ser uma sequela possível das doenças neurodegenerativas. Dentre essas
doenças, destacam-se a esclerose múltipla (EM) e a neuromielite óptica
(NMO). A NMO é uma doença de caráter autoimune, rara e grave, atinge o
sistema nervoso central (SNC), podendo iniciar com um espectro de mielite
(lesionando a medula), neurite óptica (lesionando o nervo óptico) ou com
ambas as lesões. Inicialmente a doença era considerada uma variação da
EM. 1
As principais apresentações clínicas são distinguidas por suas
localizações neuro-anatômicas: nervo óptico, medula espinhal, área
postrema (medula dorsal), diencéfalo, tronco encefálico e cérebro. O
envolvimento dos nervos ópticos e da medula espinal se manifesta como
neurite óptica ou mielite transversa. A neurite óptica normalmente
apresenta-se como perda da visão ou do campo visual de forma aguda em
um ou ambos os olhos, enquanto a mielite transversa pode apresentar uma
variedade de problemas motores, sensoriais ou esfincterianos. Uma
síndrome na área postrema é caracterizada por soluços intratáveis ou
náuseas e vômitos ocorrendo por 7 dias consecutivos ou 2 dias com uma
lesão diagnosticada pela ressonância magnética. Os sintomas agudos do
acometimento do tronco encefálico incluem disfunção do oculomotor,
sensorial ou cerebelar. As síndromes do diencéfalo incluem
hipersonolência, narcolepsia, anorexia, hipotermia, hiponatremia e
alterações comportamentais. As síndromes cerebrais incluem hemiparesia,
hipoestesia em hemicorpo, encefalopatia, perda de campo visual e perda de
visão cortical que são frequentemente associadas a lesões grandes. 3
A paciente do estudo apresenta como manifestação clinica da NMO a
incontinência urinária. Poucos estudos retratam essa manifestação clínica e
o acometimento do cone medular. Em um estudo em Buenos Aires,
avaliaram 27 pacientes com mielite extensa, desses, 10 diagnosticados com
NMO. Destes pacientes, 8 possuíam disfunção esfincteriana, sendo 3 com
incontinência urinária e 5 com retenção urinária. Dos 3 com incontinência
urinária, 1 apresentava mielite acometendo a lombar, 2 acometendo a
medula cervical, torácica e lombar (mielite extensa). 4
A NMO pode ser classificada em monofásica, quando não possui
recorrência de lesões, ou NMO recorrente. O intervalo entre as lesões pode
ser de dias, meses ou anos, mas em 60% dos pacientes a recorrência é anual
e em 30% dos pacientes em três anos. A maioria dos quadros de incidência
da doença há uma piora progressiva por vários dias com uma melhora lenta
nas semanas ou meses após o alcance máximo das manifestações clínicas.
No entanto, a recuperação geralmente é incompleta com 80% dos pacientes
seguindo com uma incapacidade precoce. A recuperação espontânea é
extremamente rara. 2
Podemos afirmar a NMO como o diagnóstico da paciente,
principalmente devido à positividade da sorologia antiaquaporina-4 (AQP4-
IgG). Todavia, a mesma teve uma evolução não esperada, visto que na
NMO monofásica não há sorologia positiva para AQP4-IgG, como
verificado na paciente.6
Este anticorpo foi descoberto em 2004 e é um marcador específico para
a doença, o que resultou em uma caracterização mais ampla e na
diferenciação da EM, esta que se apresenta de forma soronegativa. Portanto,
a partir de 2006 a dosagem do AQP4-IgG entrou para os critérios de
diagnóstico para a NMO.2 Os critérios foram desenvolvidos para a NMO
com dosagem de AQP4-IgG e NMO sem AQP-IgG. Esses critérios e as
principais características clínicas estão ilustrados na Tabela 1. Um
diagnóstico é fechado quando pelo menos uma das seis características
clínicas é encontrada com AQP4-IgG positivo.5
Mielite óptica
Mielite aguda
Síndrome da área postrema: soluços inexplicados ou
Principais
náuseas e vômitos
características clínicas
Síndrome do tronco encefálico agudo
Narcolepsia sintomática aguda
Síndromes cerebrais sintomáticas com lesões específicas
Esclerose múltipla
Doenças desmielinizantes Encefalomielite disseminada aguda
Adrenomieloneuropatia
Doença de Sjogren
Lupus eritematoso sistêmico
Doenças do tecido
Artrite reumatoide
conjuntivo, vasculites e
Esclerodermia
doenças autoimunes
Vasculite do SNC
Sarcoidose
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS
• Principais manifestações clínicas de doenças desmielinizantes, que
podem iniciar em pacientes pediátricos;
DICAS PRÁTICAS
• Quadros de disfunções esfincterianas sempre deve suscitar a
suspeita de causa neurológica;
REFERÊNCIAS
1. Akiba R, Oshitari T, Hirotaka Y, Baba T, Yamamoto S. Spontaneous Recovery of
Neuromyelitis Optica Spectrum Disorder during Pregnancy. Neuroophthalmology. 2015 Feb;
39(1): 30–33
2. Anadure R, Narayanan CS, Varadraj G. Recurrent Longitudinally Extensive Myelitis and
Aquaporin-4 Seronegativity – The Expanding Spectrum of Neuromyelitis Optica. Journal of
Clinical and Diagnostic Research. 2017 Abril; 11(4): OD05–OD07.
3. Bennett JL. “Finding NMO: The Evolving Diagnostic Criteria of Neuromyelitis Optica. Journal
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Society . 2017 Setembro; 36(3): 238–245.
4. Carnero EC, Hryb JP, Leguizamón F, Di Pace JL, Celso J, Knorre E, et al. Differential
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5. Wingerchuk DM, Banwell B, Bennett JL, Cabre P, Carroll W, Chitnis T, et al. International
Consensus Diagnostic Criteria for Neuromyelitis Optica Spectrum Disorders. Neurology, 2015
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6. Musubire A, Kaddumukasa M, Matovi S, Katabira E. Neuromyelitis optica in a Ugandan
woman: a case report. J Med Case Rep. 2013; 7: 177.
Caso 17
Liga Acadêmica de Fisiopatologia Clínica
Autor: Leonardo Gil Santana.
Orientador(a): Márcia Cristina Maciel de Aguiar (Mestre em Ciências
Sociais, Médica especialista em Psiquiatria, Docente da Universidade do
Estado da Bahia - UNEB e da Faculdade de Tecnologia e Ciências de
Salvador - FTC).
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Psiquiatria
HISTÓRIA CLÍNICA
26 anos, sexo masculino, pardo, concluiu o ensino fundamental, solteiro,
não tem religião, vem ao ambulatório de psiquiatria acompanhado por sua
mãe, que aponta como motivo da consulta o fato do paciente estar irritando-
se facilmente e dormindo pouco.
Mãe refere que ele iniciou tratamento psicológico aos 3 anos de idade,
tendo sido atendido por alguns psicólogos de modo descontinuado, que
diziam que ele tinha retardo mental. No início da adolescência, um
psiquiatra prescreveu um medicamento, mas o uso foi interrompido
posteriormente por sua genitora. A psiquiatra que o atendeu por duas vezes
não informou à genitora o diagnóstico do seu filho. Há um mês, iniciou
novo tratamento psicológico e o psicólogo solicitou acompanhamento
psiquiátrico. Mãe relata que aos 02 anos de idade, o paciente se comportava
de maneira repetitiva, pulando e batendo os braços como se fosse um
pássaro. “As pessoas diziam que ele tinha algum problema, que aquilo não
era normal”. Na escola não tinha amigos, ficava isolado, sofreu algumas
agressões físicas e verbais por parte de colegas. Sempre brincou sozinho.
Teve desenvolvimento da fala e marcha no tempo correto, entretanto,
apresenta escrita deficiente. Seguiu toda a sua vida escolar sendo ajudado
pelos professores nas avaliações, sempre orais, em função da dificuldade
apresentada com a escrita. Mesmo assim, precisou repetir dois anos.
Atualmente, não estuda e não quer trabalhar. Fez um curso breve de
computação.
Mãe coloca que ele descuida da sua higiene, precisando de alguma
supervisão. Quando em casa, se irrita com facilidade, se contrariado, e
limita-se a assistir televisão ou escutar, repetidas vezes, músicas de uma
determinada banda onde tem uma cantora que considera a sua musa.
Pergunto ao paciente sobre a musa e ele diz: “Meu sonho é um dia
encontrar com ela”.
Desde criança ele apresenta comportamentos repetitivos. Todos os dias
quando sua mãe sai de casa, dirige-se ao final de linha de ônibus, onde fica
toda a manhã, volta em casa para o almoço e retorna para o mesmo local à
tarde. Conhece todas as linhas de ônibus, o horário dos mesmos e também
todos os motoristas e cobradores, tendo boa relação com os mesmos.
Questiono ao paciente o motivo deste seu comportamento e diz: “Gosto de
ônibus, sei os horários, a cor, se um dia eu dirigisse um ônibus ninguém ia
pagar passagem”. Apesar da fixação pelo ônibus, só entra em um vazio, só
aceita sentar-se no fundo e junto a uma janela. Antes deste comportamento,
era interessado por árvores, pesquisando sobre as mesmas, tendo parado
com este tipo de comportamento aos 15 anos, o que substituiu pelo interesse
excessivo por ônibus.
Ainda refere a mãe do paciente: “Ele não atravessa a rua sozinho, queixa
que fica atordoado com barulhos dos carros, também não sabe lidar com
dinheiro. Ele sabe comprar qualquer coisa, mas se der o troco ele pega, se
não der, ele não pede. Ele precisa seguir horários rígidos para tudo, senão
fica muito nervoso. Quando não se interessa pelo assunto, o outro fala e ele
nada responde”. Reside com pais e um irmão mais velho. Não tem amigos.
Não tem nenhuma atividade de lazer fora do domicilio. Nunca namorou
nem pensa nisso. Relata relação forte com a mãe, sendo que só fica em casa
quando ela está. Relação distante com pai e irmão. Não apresenta doenças
crônicas, tabagismo, etilismo e convulsões. Sem história familiar de
transtorno mental.
EXAME PSÍQUICO
Paciente vestido adequadamente e higienizado. Não interage muito
durante a consulta, desvia o olhar, olha para o chão ou responde às
perguntas com os olhos fechados. Está orientado globalmente, com a
memória conservada. O pensamento é coerente, não foram detectadas ideias
delirantes ou alucinações. Só fala quando solicitado, compreende as
perguntas que lhe são feitas e responde às mesmas com coerência.A
linguagem é normal. Mostra-se um pouco inquieto durante o atendimento,
mexendo braços e pernas, mas mantendo-se sentado. Não apresenta
agressividade.
EXAME FÍSICO
FC: 82 bpm; FR: 14 ipm; PA: 118 x 68 mmHg; Temperatura: 36,8 oC.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. O que determinou o diagnóstico correto só tardiamente?
3. Foi necessário algum exame complementar?
4. Qual a conduta terapêutica recomendada?
DISCUSSÃO
O paciente do caso apresentado preenche os critérios diagnósticos para o
Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). O TEA é um transtorno do
desenvolvimento e deve estar presente desde o nascimento ou começo da
infância. No entanto, o TEA pode ser detectado tardiamente por conta das
demandas sociais mínimas, na mais tenra infância, e do intenso apoio dos
pais ou dos cuidadores nos primeiros anos de vida.
Encontramos no caso em estudo: dificuldade na comunicação e na
interação social (quando criança, brincava sozinho, fecha os olhos durante
uma conversa, isola-se socialmente, apresenta escrita deficiente, o outro fala
e ele nada responde), e padrões repetitivos e restritivos (quando criança
pulava e batia os braços com um pássaro, o interesse e fixação em árvores e
posteriormente em ônibus, escuta sempre as mesmas músicas, segue
horários rígidos para tudo). Além dessas características, os sintomas
iniciaram-se precocemente, foram observados a partir dos 2 anos de idade e
causaram prejuízos clinicamente significantes nas áreas sociais e
ocupacionais.
Neste caso específico, é interessante se atentar ao fato do paciente
apresentar alterações de comportamento desde a primeira infância, e apesar
de ter sido atendido por diversos profissionais da área de saúde mental, fora
diagnosticado erroneamente. Infelizmente, isto acontece com certa
freqüência se os prejuízos não são tão graves, ou seja, o paciente se
comunica e interage socialmente de algum modo. O diagnóstico de TEA é
essencialmente clínico baseado na observação dos sinais e sintomas
apresentados e na história referida pelos pais e/ou responsáveis. Não há
necessidade de exames complementares nos casos típicos. Em situações de
dúvida diagnóstica ou de necessidade do diagnóstico de outras morbidades
associadas, exames complementares podem ser solicitados.
O TEA é de etiologia multifatorial, ainda sem tratamento específico,
devendo o programa terapêutico instituído abarcar diversas áreas como o
comportamento, o aprendizado, o relacionamento familiar, etc, necessitando
de abordagem terapêutica multidisciplinar em saúde mental. Do ponto de
vista farmacológico, este paciente específico foi medicado com
Risperidona, 2mg à noite, na intenção de amenizar a irritabilidade e a
inquietação psicomotora.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
PRINCIPAIS
Deficiência intelectual e esquizofrenia com início na
infância.
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIA
• Anamnese psiquiátrica e exame psíquico;
• Transtorno do espectro autista: conceito, critérios diagnósticos e
manifestações;
PONTOS IMPORTANTES
Uma anamnese e um exame psíquico bem feitos são suficientes para dar
o diagnóstico.
REFERÊNCIAS
1. DSM-5. Transtornos do neurodesenvolvimento. In: Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais. American Psychiatric Association. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
2. Louzã Neto, M. R, Elkis, H. e cols. Psiquiatria Básica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
3. Dalgalarrondo, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª edição. Artmed,
2008.
4. National Institute of Mental Health. What Is Autism Spectrum Disorder? Acessado em: 26 de
Outubro de 2014 às 14 horas.
5. Austismo Realidade. Diagnóstico do autismo. Acessado em: 26 de Outubro de 2014 às 15
horas.
Caso 18
Liga Acadêmica de Psiquiatria e Saúde Mental
Autores: Heitor Amorim Muniz, Lígia Menezes Cavalcante, Míriam de
Fátima Cruz Almeida.
Orientador(a): Dr. André Férrer Carvalho (Psiquiatra, Universidade Federal
do Ceará - UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Psiquiatria
HISTÓRIA CLÍNICA
35 anos, sexo feminino, natural da zona urbana, procedente da zona
rural de cidade do interior. Separada há um ano. Católica praticante. Dona
de casa, nunca teve trabalho externo. Recebe pensão do governo. Cursou até
o primeiro ano do ensino médio. A paciente foi internada pela irmã, por
indicação de uma vizinha que reparou que esta estava muito triste. Relata
que já havia sido internada por quatro vezes nos últimos quatro anos, e que
se interna sempre que se encontra nesse estado. Queixa-se de solidão e
crises de choro. Paciente refere que sempre foi uma pessoa um pouco triste,
mas que isso não a impedia de resolver os problemas do dia a dia.
Considera que perdeu essa capacidade devido a episódios traumáticos da
sua vida, como a morte do pai quando era adolescente, a morte de um primo
quando já era adulta, e o fato de ter sido malsucedida em muitos
relacionamentos afetivos. Acredita que o fim dos relacionamentos se deve à
sua doença e à dificuldade que seus namorados tiveram em aceitá-la. Refere
que não consegue aceitar o fim do seu último relacionamento, uma união
estável que durou dois anos e terminou há cerca de um ano. Relata ter sido
rejeitada pelo marido, e que isso pode ser decorrente do fato dele ter
perdido muitos dias de trabalho para cuidar dela quando ela tinha crises. A
paciente explica que o acordava assustada muitas vezes durante a noite,
quando tinha pesadelos, e saía gritando pela casa. Afirma ainda que às
vezes tinha alucinações noturnas, quando parecia ver o teto de sua casa se
mover. Relata que se sente emocionalmente abalada por ter se mudado para
a zona rural e ter que morar sozinha. Questionada sobre a sua doença, diz
que não consegue controlar o que sente e que na maior parte do tempo está
triste, mas isso se alterna com estados de extrema alegria. Define sua
tristeza durante as crises como profunda. Quando está alegre, fica eufórica,
a ponto de suas vizinhas acharem que ela está “dominada por algum
espírito” (SIC). Refere que está internada há 5 meses e que não deseja
voltar para a zona rural e ficar sozinha em casa. A paciente nota uma
considerável melhora na sua saúde. Relata que ganhou 30 quilos depois que
se internou. Relata que há muito tempo faz uso de clorpromazina,
haloperidol e deprometazina. Nega acidentes. Nega HAS e DM. Nega
etilismo e tabagismo. Mãe, que tem 60 anos, apresenta transtorno
psiquiátrico que a paciente não soube precisar.
EXAME PSÍQUICO
Paciente apresenta higiene pessoal preservada, expressão facial conota
tristeza e abatimento. Não apresenta alterações da consciência. Possui
orientação autopsíquica preservada e é orientada quanto ao tempo e espaço,
hesitando apenas quando questionada sobre o endereço do hospital onde
está internada, explica que em virtude de ter lapsos de memória.
Apresenta capacidade de concentração preservada. Evoca episódios
antigos como algo acontecido recentemente, e, por algumas vezes, tem
dificuldade em estabelecer uma cronologia lógica entre os fatos.
Paciente relata não ter mais alucinações desde que foi internada.
Paciente apresentou labilidade emocional e chorou várias vezes durante
a entrevista.
Ao falar de relacionamentos antigos, apresentou leve agitação
psicomotora. Apresenta inteligência reduzida, não desempenhando mais
atividades como leitura, escrita e cálculos matemáticos simples como
anteriormente conseguia.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral, afebril, acianótica, anictérica, corada, hidratada.
FC: 82 bpm; FR: 14 ipm; PA: 128 x 78 mmHg; Temperatura: 37,5 oC.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Quais são os sinais e sintomas que ajudam a formar um diagnóstico?
2. Qual a influência da história de vida da paciente na história da
doença atual?
3. Quais os principais diagnósticos diferenciais?
4. Qual a conduta mais indicada?
DISCUSSÃO
Os transtornos bipolares têm prevalência estimada em 1% da
população1, e são divididos em duas entidades diagnósticas: transtorno
bipolar tipo I (episódios recorrentes de depressão maior com episódios de
mania) e transtorno bipolar II (episódios recorrentes de depressão maior
com episódios de hipomania). Os sintomas de ambos envolvem mudanças
no humor, na cognição e no comportamento.
A paciente foi diagnosticada com transtorno de humor bipolar tipo II
(THB-II). Esse transtorno se caracteriza por episódios hipomaníacos e
depressivos que se alternam. Na maior parte dos casos, um episódio
depressivo precede ou segue imediatamente um episódio hipomaníaco. O
episódio hipomaníaco apresenta similaridade com o episódio maníaco
(humor anormal, persistentemente animado, eufórico, expansivo,
excessivamente comunicativo ou irritável), todavia apresenta menor
gravidade e causa menor prejuízo social e funcional. Num episódio
depressivo temos um indivíduo que se apresenta, por exemplo, deprimido,
com pensamento lentificado fatigado e com sonolência.1
Um significativo fator de risco para o desenvolvimento do transtorno
bipolar é a história familiar. No caso apresentado acima, há o registro da
“doença mental” da genitora da paciente, o que pode ter contribuído para o
início da doença, por indicar uma possível predisposição genética.
As condições ambientais também contribuem para um momento de um
episódio bipolar. Acontecimentos estressantes podem preceder episódios
iniciais de bipolaridade, ativando uma vulnerabilidade preexistente e
tornando o indivíduo mais suscetível a futuros episódios. Devemos lembrar
que a paciente em questão afirma ter perdido a capacidade de suportar os
problemas do cotidiano depois da morte do seu genitor quando era
adolescente, o que se agravou com o falecimento de um primo, anos depois,
e com o insucesso de alguns relacionamentos afetivos, notadamente o
último, meses antes de sua internação.
Assim, é reconhecido que antecedentes familiares influenciam no
desenvolvimento da doença, mas fatores psicossociais como estresse e
traumas são mais importantes no desenvolvimento de transtornos de humor.
Isso porque eventos traumáticos podem causar mudanças neurobiológicas
permanentes no cérebro, relativas a neurotransmissores e sinalizadores, o
que culminaria numa alteração das funções neuronais.
Nos pacientes com THB-II notam-se problemas relacionados ao sono,
como insônia, despertares múltiplos e diminuição da necessidade de sono.
Esses fatos também foram registrados na história clínica da paciente, que
apresentou tais sintomas como causa do fim de uma união estável.
Um dos diagnósticos diferenciais é a Depressão Maior (DM) que se
caracteriza por um humor depressivo crônico, normalmente com
antecedentes familiares, sendo mais prevalente que o Transtorno de Humor
Bipolar. A DM é confundida com o THB em 50% dos casos2,3 porque na
maioria dos pacientes com THB o primeiro episódio é de depressão, e a
hipomania é subdiagnosticada. O THB é comumente diagnosticado mais
cedo que a DM, numa idade média de 30 anos, enquanto a idade média para
diagnóstico da DM é 40. Deve-se distinguir também o tipo I do tipo II: no
tipo I são mais prevalentes episódios maníacos e no tipo II os
hipomaníacos. Num estudo de seguimento de 10 anos se verificou que
pessoas diagnosticadas com THB-I estiveram deprimidas em 31% do tempo
e em mania ou estados mistos durante 9% do tempo, enquanto pessoas com
TBH-II estiveram em depressão em 50,3% do tempo e em hipomania em
1,3% do tempo.4 A ideação suicida é um grave problema associado à THB,
afetando de 14 a 59% das pessoas com esse transtorno, e de 15 a 19% delas
efetivamente comete suicídio.5 O Transtorno Distímico se assemelha à DM,
mas é uma depressão crônica mais leve. O Transtorno Ciclotímico se
assemelha ao THB-II, também apresentando períodos de depressão
alternados com períodos de hipomania, diferenciando-se do THB-II por ser
mais leve. Muitas vezes indivíduos diagnosticados com Transtorno
Ciclotímico são vistos pela sociedade como estando dentro do espectro da
normalidade, justamente pela baixa gravidade dos sintomas.
Os medicamentos que ajudam a controlar a doença são estabilizadores
do humor, antidepressivos, antipsicóticos de segunda geração e anti-
convulsionantes. Vários fatores influenciam na escolha da conduta
terapêutica. A terapia utilizada deve se adequar ao paciente e ao seu
transtorno (tipo I ou II), ao período em que a pessoa se encontra (mania,
depressão, misto ou hipomania) e à gravidade dos sintomas. Num episódio
misto é indicado que se suspenda o uso de antidepressivos, e o mais correto
é que sejam ministrados juntamente com estabilizadores do humor (Lítio,
Lamotrigina, Carbamazepina, Ácido Valpróico) para evitar uma virada
maníaca.6 A associação dos dois reduz em 50% a hipótese de se verificar
uma virada maníaca.7 O Lítio é considerado importante pelo seu efeito de
prevenção ao suicídio, e tem eficácia em todas as fases do THB. Em THB-
II temos como drogas de primeira linha o Lítio e a Lamotrigina8. O
principal meio de tratamento é a farmacoterapia, mas é interessante que se
alie a intervenções psicossociais, psicoeducação e psicoterapia.
Transtorno ciclotímico
Depressão maior
Transtorno bipolar I
Objetivos de aprendizado / competências
• Conhecimentos básicos sobre TAB;
• Entrevista psiquiátrica;
• Diagnóstico diferencial.
PONTOS IMPORTANTES
É comum que as pessoas cheguem numa consulta médica em uma das
seguintes situações:
Referências
1. Ebert, Michael H. Psiquiatria: diagnóstico e tratamento; trad. Maria Cristina Monteiro, Lucia
Porto e Alceu Fillmann. – Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.
2. Goodwin FK, Jamison KR – Manic-Depressive Illness: Bipolar Disorder and Recurrent
Depression. 2nd ed. New York, Oxford University Press; 2007.
3. Ghaemi SN – Why antidepressants are not antidepressants: STEP-BD, STAR*D, and the return
of neurotic depression. Bipolar Disorder 2008; 10: 957-968.
4. Judd LL, Akiskal HS, Schelter PJ et al. A prospective investigation of the natural history of the
long-term weekly symptomatic status of bipolar II disorder. Arch gen Psychiatry, 2003, 60:
261-269.
5. Abreu LN, Lafer B, Baca-Garcia E, Oqendo MA. Suicidal ideation and suicide attempts in
bipolar disorder type I: an update for the clinician. Rev Bras Psiquiatr 2009; 31: 271-280.
6. Malhi S, Adams D, Berk M. Medicating mood maintenance in mind: bipolar depression
pharmacotherapy. Bipolar Disord 2009; Suppl 2: 55-76.
7. Tamada RS, Issler CK, Amaral JA, Sachs GS, Lafer B. Treatment emergent affective switch: a
controlled study. Bipolar Disord 2004; 6: 333-7.
8. Yatham LN, Kennedy SH, Schaffer A, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety
Treatments (CANMAT) and International Society for Bipolar Disorders (ISBD) collaborative
update of CANMAT guidelines for the management of people with bipolar disorder: update
2009. Bipolar Disord 2009; 11: 225-255.
9. Dalgalarrondo, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, Artmed Editora 2008.
10. KAPLAN HI, Sadock BJ, et al. (2007). Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento
e psiquiatria clínica, Artmed.
11. Santin A, Ceresér K, Rosa A - Adesão ao tratamento no transtorno bipolar. Rev. Psiq. Clín. 32,
2005. Supl 1; 105-109,.
12. Yatham LN, Kennedy SH, O’Donovan C et al. Canadian Network for Mood and Anxiety
Treatments (CANMAT) guidelines for the management of patients with bipolar disorder:
consensus and controversies. Bipolar Disord 2005; Suppl 3: 5-69.
Caso 19
Liga Acadêmica de Psiquiatria e Saúde Mental
Autores: Lohana Pontes Machado, Mariana Bezerra Pinheiro de Oliveira e
Yago Mota Gondim.
Orientador(a): Dr. André Férrer Carvalho (Psiquiatra, Universidade Federal
do Ceará - UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Psiquiatria
HISTÓRIA CLÍNICA
61 anos, sexo feminino, divorciada, católica. Paciente iniciou quadro de
tristeza, com adinamia, apatia e insônia, de tal forma que passava o dia todo
na cama, recusando-se a alimentar-se e a tomar medicações. Sintomas
iniciaram há cerca de 4 meses, quando seu filho esquizofrênico cometeu
suicídio, jogando-se do alto de um prédio. A paciente fora submetida a
transplante renal há 8 anos por nefropatia diabética e toma medicações
desde então (Micofenolato Mofetil e Prednisona). Em consulta de
acompanhamento com nefrologista, afirmou que estava com a impressão de
que seu corpo estava apodrecendo. O nefrologista a encaminhou para o
serviço de urgência de psiquiatria, por conta dos sintomas depressivos e de
delírio. Ela tem sido negligente com o próprio cuidado. Parou de tomar as
medicações de costume, afirmando que queria morrer, apresenta ideação
suicida e tentou suicídio com um lençol. Há relato de episódio semelhante
há um ano e seis meses, tendo sido internada por quadro depressivo grave
com sintomas psicóticos. Fora medicada com Fluoxetina, sem melhora do
quadro. A medicação fora trocada para Venlafaxina com remissão parcial
dos sintomas. Paciente fala palavras sem nexo e repete que “nada vale a
pena”.
EXAME PSÍQUICO
Paciente não cooperativa, face entristecida, mal se move, não responde
ao cumprimento do examinador. Humor-afeto hipotímico. Mal cuidada, em
cadeira de rodas, de vestido frouxo até debaixo do joelho, chinela de dedo,
despenteada. Pensamento com curso lentificado e de conteúdo delirante.
Observam-se comportamentos tipicamente alucinatórios, como balbucios e
gesticulações com olhar observador para os membros superiores.
EXAME FÍSICO
FC: 68 bpm; FR: 16 ipm; Temperatura: 37,5 oC; PA: 138 x 88 mmHg.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais os principais sintomas da doença em questão?
3. Como é realizado o diagnóstico?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
A paciente tem um caso de transtorno depressivo recorrente, episódio
atual grave com sintomas psicóticos (CID-F33.3). O transtorno depressivo
é o transtorno de humor mais comum, afetando uma grande parcela da
população, no Brasil, a prevalência de depressão na população geral ao
longo da vida é de aproximadamente 18% ², com uma prevalência maior em
mulheres. A depressão no idoso é, geralmente, subdiagnosticada e
subtratada, porque os seus sintomas são, muitas vezes, aceitos como
normais para a idade; isso prejudica muito a qualidade de vida do paciente,
já que está associada ao maior risco de morbidade e de mortalidade, ao
aumento na utilização dos serviços de saúde, à negligência no autocuidado e
à adesão reduzida aos regimes terapêuticos que são elevados nessa faixa
etária. Esse tipo de transtorno do humor tem uma causa multifatorial, pode
ser desencadeado por problemas psicológicos ou emocionais de origem
variada, por alterações do funcionamento cerebral por causa biológica ou
genética ou ser secundário a enfermidades clínicas. A grande interação
entre esses fatores não permite que haja uma causa definida e primária.
O transtorno depressivo maior possui uma variedade de sintomas
afetivos, instintivos e neurovegetativos, ideativos e cognitivos, relativos
à autovaloração, à vontade e à psicomotricidade, podendo estar presentes
também sintomas psicóticos, como delírio e/ou alucinações. A paciente
apresenta sintomas afetivos, como o humor triste, o afeto hipotímico, a
apatia, diminuição da excitabilidade emotiva e afetiva; alterações instintivas
e neurovegetativas, como insônia; alterações ideativas, como pessimismo,
visão de mundo marcada pelo tédio, ideação e tentativa de suicídio;
alterações da volição e da psicomotricidade, como a permanência na cama
por todo o dia, a adinamia, falta de ânimo, o mutismo, ausência da fala, e
recusa à alimentação e à medicação. Além desses, também manifesta um
delírio de que seu corpo está apodrecendo, sendo caracterizado como um
sintoma psicótico, o que revela uma doença severa e de mau prognóstico.
O diagnóstico atual é realizado com base no Manual Diagnóstico e
Estatístico dos Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-V, 2013).
DSM V
DSM V
Apresentar pelo menos 5 critérios por duas semanas:
Humor deprimido na maioria dos dias;
Acentuada diminuição do prazer ou interesse em atividades na
maior parte do dia e que antes eram prazerosas;
Perda ou ganho de peso sem estar de dieta e/ou diminuição
acentuada do apetite;
Insônia ou hipersônia;
Agitação ou retardo psicomotor;
Fadiga e perda de energia quase todos os dias;
Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada quase
todos os dias;
Capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se ou indecisão
quase todos os dias;
Pensamentos de morte recorrentes, ideação suicida recorrente sem
um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico de
cometer suicídio.
PONTOS IMPORTANTES
O diagnóstico é principalmente clínico, com episódio depressivo bem
definido.
Sempre atente para os 3 D’s da geriatria: demência, depressão e
delirium. Distingui-los é mais fácil nos livros do que na prática.
Tendo em vista o risco aumentado de suicídio, uma hospitalização é
aconselhável.
É importante lembrar que comorbidades psiquiátricas em pacientes
clínicos levam a taxas mais altas de complicação e mortalidade. A atenção a
essas patologias pode contribuir para melhorar a qualidade de vida e a
longevidade desses pacientes.
O tratamento medicamentoso deve ser mais cuidadoso porque ocorrem
outras doenças e mesmo alterações normais da idade que podem interferir
no resultado do tratamento.
Referências
1. Bromet E, Andrade LH, Hwang I, Sampson NA, Alonso J, Girolamo G, et al. Cross-national
epidemiology of DSM-IV major depressive episode. BMC Medicine. 2011; 9(90)
2. Carvalho RA, Pupo MC, Mello MF. Terapia interpessoal: teoria, formação e prática clínica em
um serviço de pesquisa e atendimento em violência. Rev. bras. psicoter. 2011; 13(3):14-25
3. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2º ed. Artmed Editora.
2008. 440 p.
4. Duailibi K., Silva ASM, Modesto B. Como diagnosticar e tratar depressão. RBM Dez 13 V 70
N 12 págs.: 6-13
5. Fleck MP, Berlim MT, Lafer B, Sougey EB, Porto JAD, Brasil MA et al . Revisão das diretrizes
da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (Versão integral). Rev. Bras.
Psiquiatr. São Paulo Maio 2009 vol.31, supl.1, pp. S7-S17
6. Kaplan HI, Sadock BJ, Grebb JA. Compêndio de psiquiatria, Ciências do comportamento e
psiquiatria clínica. 9ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas 2007. 1.584 p.
Caso 20
Liga Acadêmica de Psiquiatria e Saúde Mental
Autores: Luiza de Amorim de Carvalho, Lara Aires Castro e Tafnes Varela
Martins.
Orientador(a): Dr. André Férrer Carvalho (Psiquiatra, Universidade Federal
do Ceará - UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Psiquiatria
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 28 anos, sexo feminino, solteira, aposentada por invalidez,
foi levada ao hospital por parentes por apresentar agressividade e falar
sozinha. Fonte da história: paciente e sua irmã. Sua história começou há 14
anos, quando iniciou quadro de introversão e restrição ao ambiente
domiciliar. Irmã refere que a paciente começou a ficar muito “zangada” e a
agir de forma agressiva. Evoluiu com sintomas depressivos, três tentativas
de suicídio e episódios esporádicos de psicose (delírio e alucinações de
conteúdo persecutório), tendo largado os estudos. Há 10 meses, após
episódio violento em seu bairro, iniciou quadros psicóticos mais frequentes,
acusando os familiares de tentativas de assassinato para com sua pessoa.
Antes da internação, a paciente não se alimentava, bebendo somente água,
cujo consumo chegava a mais de 5L/dia (potomania), recusando-se a tomar
as medicações por pensar que poderia ser envenenada e com higiene
pessoal prejudicada. Atualmente em uso de Haloperidol Decanoato (a cada
15 dias), Haloperidol e Cloridato de Prometazina (Fenergan) via oral. Foi
referida história de hipóxia neonatal e mãe refere uso de Bupirona durante a
gestação. Paciente nunca manteve relacionamentos amorosos nem relações
sexuais. Família nega história de abuso sexual e outras intercorrências
durante a infância.
EXAME PSÍQUICO
Paciente apresenta higiene levemente prejudicada, usando vestido e
sandálias, e irmã refere que a higiene pessoal da paciente é precária,
sobretudo a higiene íntima e cuidados com os dentes. Sua postura é curva e
sua expressão facial conota grande desconfiança e preocupação. Não
apresenta alterações da consciência. Possui orientação autopsíquica
preservada, porém é desorientada quanto ao tempo e espaço, só relatando
onde e há quanto tempo está depois de bastante estimulação. Apresenta
pouca capacidade de concentração (hipotenacidade), distraindo-se com
facilidade durante a entrevista (hipervigilância). Tem dificuldade de
evocação de episódios antigos e recentes, não estabelecendo cronologia
lógica entre os fatos e confundindo-se várias vezes ao longo da entrevista.
Paciente apresenta alucinações auditivas frequentes e visuais
esporádicas, sempre com conteúdo persecutório, de vozes afirmando que
estão tentando matá-la e de um vulto que a persegue. Demonstra
pensamento bastante desorganizado, está em delírio franco, afirmando que
tudo o que ocorre a sua volta é um complô para envenená-la e matá-la. Tem
lentificação, bloqueio e dissociação do pensamento com conteúdo
amplamente persecutório. Acusa médicos e enfermeiros do sexo masculino
de serem estupradores. Possui fala lentificada, por vezes associada à
mussitação. Responde as perguntas da entrevista de maneira imprecisa. Por
vezes o conteúdo de sua fala torna-se agressivo, dirigindo palavras de baixo
calão ao entrevistador e demais presentes na enfermaria, em tom de voz
elevado acompanhado de comportamento agressivo.
Exibe embotamento afetivo, hipomodulação afetiva e inadequação do
afeto, com humor irritável e com baixa tolerabilidade a frustações, muitas
vezes reagindo de maneira desproporcional a estímulos inócuos, como a
própria entrevista ou passagem de alguém pela porta da enfermaria. Por
vezes é apática. Alterna períodos de grande agitação psicomotora com
inibição psicomotora e estupor. Por vezes levanta-se do leito, caminha
agitadamente pelo quarto e enfermaria, restringindo-se posteriormente a
ficar debaixo de seus lençóis, onde permanece boa parte do dia. Troca
frequentemente de roupa, inclusive durante a entrevista. Apresenta
inteligência reduzida, não desempenhando mais atividades como leitura,
escrita e cálculos matemáticos simples como anteriormente conseguia.
Apresenta rigidez cognitiva.
EXAME FÍSICO
O exame físico não foi possível de ser realizado pela recusa da paciente
e agressividade que ela dirigia a qualquer examinador.
EXAMES COMPLEMENTARES
Não foram feitos exames complementares por recusa absoluta da
paciente.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o provável diagnóstico?
2. Quais seriam os diagnósticos diferenciais?
3. Quais são alguns fatores de risco?
4. Qual a conduta a ser estabelecida?
5. Qual o prognóstico dessa paciente?
DISCUSSÃO
A paciente apresenta um caso de esquizofrenia. Nesse mérito, a jovem
cursa com alteração do juízo de realidade, ou seja, com delírio,
acreditando que existam pessoas desejando assassiná-la. Os pacientes com
esse transtorno também cursam com percepções sensoriais de algo que não
existe, as chamadas alucinações: no caso dela, escuta vozes hostis e vê um
vulto também inamistoso. 90% dos pacientes cursam com delírio, 50% com
alucinações auditivas, 15% com alucinações visuais e ainda 5% com
alucinações táteis1. Outros achados também embasam o diagnóstico, como
redução na capacidade de concentração, perda de uma sequência lógica
temporal, fala lentificada e inadequação do afeto.
A esquizofrenia consta com dois tipos principais de sintomas, os
positivos, que são as alucinações e os delírios, e os negativos, como falta
de vontade, isolamento social, e embotamento afetivo, termo para
dificuldade de expressar emoções e sentimentos. A paciente apresenta
ambos os tipos de sintomas, sendo interessante destacar os sintomas
negativos precedendo os positivos na sua história, com a doença se
iniciando antes dos delírios e alucinações.
No DSM-IV (o manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais
dos Estados Unidos) e no CID 10, existem subtipos para a esquizofrenia.
No caso apresentado, o subtipo seria a esquizofrenia paranoide, por razão
da ideia persecutória da jovem. Esses pacientes são tensos, desconfiados e
até agressivos. O DSM-V, mais atualizado, abandonou a divisão em
subtipos para a esquizofrenia, entre outros motivos, pelo baixa valor
preditivo desta classificação clínica.
O diagnóstico diferencial da esquizofrenia inclui condições médicas
não-psiquiátricas como tumores cerebrais, epilepsia do lobo temporal,
doenças autoimunes ou induzidas por substâncias, como anfetaminas e
alucinógenos; transtornos do humor, sendo importante os sintomas afetivos
da esquizofrenia serem mais breves que os sintomas primários para excluir
esse diagnóstico; transtornos de personalidade, como a personalidade
esquizotípica, esquizoide e limítrofe (borderline), nesses com ausência de
data identificável de início e sintomas leves; perturbações
esquizofreniformes, com sintomas por menos de seis meses; e mesmo
simulações e transtorno factício.
A esquizofrenia tem marcante influência genética, mas fatores externos
também têm um papel importante no desenvolvimento dela. Eventos
traumáticos e estresse, em especial na infância, têm muita relação com
esquizofrenia, destacando-se o abuso sexual. Infecções maternas durante a
gestação e, como no caso relatado, hipóxia ao nascer, também têm relação
com o desenvolvimento da esquizofrenia.
A conduta abordada com o paciente tem como objetivo reduzir a
gravidade dos sintomas psicóticos, evitar a deterioração neural, já que os
surtos psicóticos podem se associar a neurotoxicidade, e apoio para o
paciente ter a vida mais funcional possível, já que a esquizofrenia não tem
cura. O tratamento deve incluir uma terapêutica farmacológica, com o uso
de neurolépticos (também chamados de antipsicóticos), muitas vezes
eficazes na redução ou eliminação de sintomas positivos e redução de
recorrências do surto. Tais medicamentos têm efeitos colaterais importantes
como sintomas extrapiramidais, reações distônicas agudas, ginecomastia,
galactorreia, amenorreia, ganho de peso. Embora a medicação seja
essencial, intervenções como a psicoterapia vem como importantíssimas
para a melhora clínica, devendo ser integrada ao regime medicamentoso. O
tratamento contínuo em ambiente amparador seria o ideal, sendo difícil em
situações como a da paciente ilustrada, por viver em situação de
vulnerabilidade social. A hospitalização é indicada para finalidades
diagnósticas, estabilização com medicamentos, em caso de ideação suicida
ou homicida, e comportamento bastante desorganizado ou inadequado.
A esquizofrenia não tem cura e mais de 50% dos pacientes tem evolução
desfavorável, com muitas hospitalizações, episódios de transtorno afetivo
maior, tentativas de suicídio e exacerbações. Apesar desse número, a
esquizofrenia nem sempre apresenta um curso deteriorante. 20 a 30% dos
pacientes são capazes de levar uma vida razoavelmente normal2.
Transtorno do humor
Transtorno obsessivo-compulsivo
Transtornos da personalidade
Simulação
Transtorno autista
PONTOS IMPORTANTES
• A história tem papel protagonista no diagnóstico, bem como a
observação da progressão dos sintomas e sua melhora, ou não, com a
instituição do tratamento adequado;
Psiquiatria
HISTÓRIA CLÍNICA
Homem de 24 anos, pardo, natural e procedente de cidade médio porte,
ensino médio completo, desempregado, é trazido pela mãe e avó materna ao
ambulatório de psiquiatria de um hospital universitário. A mãe se queixa
que o paciente não vinha dormindo bem nos últimos dois meses, sem,
entretanto, demonstrar sonolência no dia seguinte. Ele passava a noite
ouvindo música em volume alto e dançando, ora ia à janela e gritava,
levando a reclamações dos vizinhos. Outras noites, ele saía para caminhar
durante horas. Passou a faltar ao trabalho frequentemente, sendo demitido.
Durante o dia, quando está em casa, mostra-se agitado (“fica caminhando
de um lado para o outro”). Apesar de a mãe deixar as refeições prontas, o
paciente não se alimenta.
Sua mãe notou que ele frequentemente se comporta como se estivesse
falando com alguém, na ausência de outras pessoas. Ela afirma que ao ir à
rua, ele “mexe com os outros, diz que é dono do morro e que é pai de
santo”. Neste momento, o paciente interrompe: “porque uma vez eu deitei
para ele, agora vou ter que revelar meus segredos”. Fala alto e rápido.
Comenta espontaneamente sobre diversas mulheres com quem dormiu: “Já
passaram um milhão de mulheres na minha vida”. Diz que tem um segredo
para atrair as mulheres, “o perfume de malandro”. Relata saber falar outros
idiomas além do português, “sei falar inglês e espanhol”, e, a seguir,
mistura palavras do português com espanhol e fala um palavrão em inglês.
Afirma que um vizinho quer prejudicá-lo. A despeito da argumentação dos
familiares, o paciente não é dissuadido. Nega uso de drogas. Em seu
discurso, por vezes, é conduzido por rimas. Diz ter incorporado a entidade
“Zé Pilintra”. Queixa-se ainda de ter nascido na família errada, pois deveria
ter nascido em uma família rica. Recentemente, fez um churrasco para
diversos amigos, custeando tudo. Sua mãe ressalta, entretanto, que ele não
tinha dinheiro para isso, precisando se endividar. A avó conta que “ele canta
as mulheres, mesmo acompanhadas” e, por isso, o marido de uma vizinha o
ameaçou.
EXAME PSÍQUICO
Paciente vigil, orientado no tempo e no espaço, exaltação psicomotora,
poriomania, humor exaltado de tonalidade eufórica, redução da necessidade
do sono, premência da fala, assonância, alucinação auditiva, delírio
incongruente com humor (persecutório), delírios congruentes com humor
(grandiosidade delirante), prodigalidade, perda da inibição social normal,
falta de discernimento da gravidade da inadequação social e dos riscos ou
das consequências dos comportamentos hedonistas.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 14,2 mg/dL 12 - 18 g/dL
Hematócrito 44% 42 - 54 %
HCM 29,3 pg 26 - 32 pg
Basófilos 0% 0 - 2%
Eosinófilos 3% 1 - 5%
Mielócitos 0% 2 - 13%
Bastões 4% 1 - 5%
Monócitos 5% 3 - 10%
Bioquímica
Glicemia de jejum 82 mg/dL 65 - 99 mg/dL
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Como descartar causas orgânicas?
3. Como afastar uso ou abstinência de psicoativos?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
O paciente em questão apresenta quadro característico de mania do
transtorno bipolar tipo I. Primeiramente, deve-se colher dados da história
clínica como ocorrência de episódios anteriores, presença de sintomas
psicóticos, sinais de gravidade, padrão familiar, uso contínuo de
medicamentos, tratamentos prévios.
A mania afeta o humor e as funções vegetativas, como sono, cognição,
psicomotricidade e nível de energia. Em um episódio maníaco clássico, o
humor é expansivo ou eufórico, diminui a necessidade de sono, ocorre
aumento da energia, de atividades dirigidas a objetivos (por exemplo, o
paciente inicia vários projetos ao mesmo tempo), de atividades prazerosas,
da libido, além de inquietação e até mesmo agitação psicomotora. O
pensamento torna-se mais rápido, podendo evoluir para a fuga de ideias. O
discurso é caracterizado por prolixidade, pressão para falar e
tangencialidade. As ideias costumam ser de grandeza, podendo ser
delirantes. Geralmente a crítica está prejudicada e os ajuizamentos emitidos
se afastam da realidade do paciente1.
O diagnóstico pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-IV) requer humor persistente e anormalmente elevado,
expansivo ou irritável durando pelo menos uma semana. Além da alteração
de humor, pelo menos três (ou quatro, se o humor é irritável) dos seguintes
sintomas devem estar presentes: grandiosidade, necessidade diminuída de
sono, pressão para falar, fuga de ideias ou pensamentos correndo,
distratibilidade, aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação
psicomotora, envolvimento excessivo em atividades prazerosas2.
Atualmente, existem quatro tipos de psicofármacos disponíveis para a
terapêutica do transtorno bipolar. São eles: lítio, alguns anticonvulsivantes
(carbamazepina, ácido valpróico), alguns antipsicóticos típicos (haloperidol,
clorpromazina) e atípicos (aripiprazol, clozapina, olanzapina, quetiapina,
risperidona), e a eletroconvulsoterapia3.
Benzodiazepínicos como clonazepam e lorazepam são indicados como
adjuvantes no tratamento inicial para controle da insônia e agitação
psicomotora.
Transtorno esquizoafetivo
Transtorno de personalidade
• Semiologia psiquiátrica;
• Critérios diagnósticos de transtorno bipolar e manifestações mais
comuns na prática clínica;
PONTOS IMPORTANTES
Anamnese e exame psíquico são suficientes para estabelecer o
diagnóstico, na maioria das vezes. Repare que esse paciente foi levado pela
mãe para o atendimento. Comumente, pacientes com transtorno bipolar
procuram ajuda apenas quando se encontram na fase de depressão. Em
mania, não costumam perceber a gravidade do quadro, e a procura por
atendimento especializado vem dos acompanhantes, que percebem as
alterações de comportamento na rotina do paciente5.
São indicativos de transtorno bipolar: Idade precoce de início (<25
anos); gravidade do episódio (principalmente, a presença de sintomas
psicóticos); história familiar de transtorno bipolar.
É importante saber que o paciente deprimido pode ter depressão
unipolar ou bipolar. A depressão bipolar deve ser diferenciada da depressão
unipolar para permitir a instituição terapêutica adequada. Os
antidepressivos (AD) podem precipitar um episódio de mania em
aproximadamente 1/3 dos pacientes com depressão bipolar (virada
maníaca). Além disso, podem induzir estados mistos e ciclagem rápida. Os
AD tricíclicos e a venlafaxina apresentam maior risco de provocarem virada
maníaca. Por outro lado, a bupropiona e os inibidores seletivos da
recaptação de serotonina (ISRS) oferecem um risco menor.
Quando possível, os AD devem ser descontinuados durante o tratamento
de manutenção do transtorno bipolar ou, ao menos, devem ser associados a
estabilizadores do humor, a fim de minimizar o risco de virada maníaca.
Deve-se priorizar sempre o uso de estabilizadores de humor. Por isso,
deve-se sempre investigar ativamente a ocorrência de períodos anteriores
compatíveis com episódios de mania, assim como, a história familiar de
transtorno bipolar.
A evolução da doença é bastante característica, com episódios de
mania/hipomania intercalados por períodos de eutimia (humor normal),
podendo ocorrer, ainda, episódios de depressão. É, portanto, distinto do
curso crônico da esquizofrenia, sem recuperação. O paciente pode
apresentar humor irritável ao invés de eufórico. Pacientes do gênero
feminino, principalmente, costumam usar roupas extravagantes, curtas ou
decotadas e muito coloridas. A redução da necessidade do sono é uma
manifestação bastante característica, que auxilia no diagnóstico.
Referências
1. DEL PORTO, José Alberto. Conceito e diagnóstico. Rev. Bras. Psiquiatr. 1999, vol.21, suppl.1
[cited 2014-12-15], pp. 06-11.
2. Del-Ben, C. M., Vilela, J. A. A., Crippa, J. A. D. S., Hallak, J. E. C., Labate, C. M., & Zuardi,
A. W. (2001). Reliability of the structured clinical interview for DSM-IV-clinical version
translated into Portuguese. Revista Brasileira de Psiquiatria, 23(3), 156-159.
3. WORK GROUP on BIPOLAR DISORDER. Practice Guidelines for the Treatment of Patients
with Bipolar Disorder. In: American Psychiatric Association (eds.). Practice Guidelines for the
Treatment of Psychiatric Disorders. Compendium 2004. American Psychiatric Association,
Arlington, Virginia, pp. 525-612, 2004
4. Ribeiro, M., Laranjeira, R., & Cividanes, G. (2005). Transtorno bipolar do humor e uso
indevido de substâncias psicoativas. Rev Psiquiatr Clín,32(Supl 1), 78-88.
5. Alcantara, I., Schmitt, R., Schwarzthaupt, A. W., Chachamovich, E., Sulzbach, M. F. V.,
Padilha, R. T. D. L., ... & Lucas, R. M. (2003). Avanços no diagnóstico do transtorno do humor
bipolar. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 25, 22-32.
Caso 22
Liga Acadêmica Integrada de Neurologia e Psiquiatria
Autores: Filipe Jonas Federico da Cruz e Camilla Gonçalves dos Anjos.
Orientador(a): Dr. Valfrido Leão de Melo Neto (Psiquiatra pelo Instituto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPUB/UFRJ,
Coordenador e professor do Programa de Residência Médica em Psiquiatria
da UFAL).
Instituição: Universidade Federal de Alagoas - UFAL.
Psiquiatria
HISTÓRIA CLÍNICA
Identificação: APS, 35 anos, solteiro e sem filhos, evangélico
praticante, ensino médio completo, jardineiro desempregado.
Motivo da consulta: mudança de comportamento, com
heteroagressividade e recusa de água e alimentos há 5 dias.
Queixa Principal: “eu estava frente a frente com a TV, e dizendo a
verdade. Por isso que muita gente hoje tem ódio de mim”.
História da Doença Atual: paciente relata que foi levado de sua
residência pelo SAMU, acompanhado de sua irmã e escoltado pela polícia
militar para hospital psiquiátrico, em sua 8ª internação psiquiátrica, sendo a
3ª no hospital onde foi realizada a entrevista. A primeira internação neste
hospital foi em 2005, com duração de 1 semana e alta a pedido da família.
A segunda internação foi em 2011, com duração de 1 mês e alta hospitalar.
Todas as internações anteriores neste hospital ocorreram pelos mesmos
motivos: paciente escutava vozes não compartilhadas por outras pessoas,
falava sozinho, apresentava comportamento agressivo com familiares,
negligência da higiene pessoal, acreditava que queriam eliminá-lo, recusava
a alimentação e orava a noite inteira.
Nas internações de 2005 e 2011, as medicações utilizadas foram
Haloperidol (5mg 01 cp. VO), Prometazina (25mg 01 cp. VO), ambos duas
vezes ao dia e Clorpromazina (100mg 01 cp. VO) à noite. Após as
internações, o paciente recebia alta com prescrição de Haloperidol 5mg, 01
comprimido por via oral, 12/12h, administrado pela mãe, que por vezes,
colocava-o na comida, pois ele negava-se a tomar o comprimido. Negava-se
também a fazer o acompanhamento ambulatorial, pois dizia que não era
louco para tomar remédio ou ir ao médico.
O paciente acreditava ser o herdeiro do trono de Israel e afirmava que
esse fato fora revelado aos americanos com o bombardeio das Torres
Gêmeas no dia 11 de setembro de 2001. A partir dessa revelação, passou a
entender que sua vitória em um concurso de bumba-meu-boi aos 13 anos foi
a prova necessária para que os americanos percebessem que ele era “o
vaqueiro do tigre”, ou seja, o herdeiro de Israel.
Antecedentes Pessoais e Familiares: nasceu de parto normal (a termo)
em gestação sem intercorrências; DNPM normal; Sarampo quando criança.
Nega HAS e DM. Nega traumas cranioencefálicos ou cirurgias prévias.
Nega passado comicial. Nega etilismo e tabagismo. Segundo o paciente,
avó e tia paternas apresentam transtorno psiquiátrico que não soube
especificar. Adotado com 1 ano e 11 meses por tia paterna. Mantém relação
afetiva com o pai e desconhece a mãe biológica. Na infância e adolescência
irritava-se facilmente e teve poucas amizades, as quais se restringiam ao
âmbito da Igreja. Apresentava dificuldade de aprendizagem na escola.
Trabalhou em apenas um local como jardineiro, durante três anos, sem
assinatura de Carteira de Trabalho da Previdência Social. Não recebe
benefícios da previdência e se mantém com a ajuda da mãe em boas
condições de moradia.
EXAME PSÍQUICO
O paciente encontra-se há cerca de 2 meses no hospital onde se realizou
a entrevista. Iniciou o tratamento atual com Olanzapina. Houve falha
terapêutica e a clozapina foi usada como antipsicótico alternativo.
Encontramos o paciente deitado em colchonete no chão e o chamamos
para conversar. Ele vem prontamente. Postura algo encurvada, passos
firmes e rápidos, segurando uma caneca com a mão direita e mantendo o
balanço natural do membro superior esquerdo. Cabelos em desalinho, barba
mal aparada, vestindo roupas fornecidas pelo hospital, sem rasgos,
descalço, unhas aparadas, porém sujas, sem odor desagradável. Concorda
em acompanhar-nos até o consultório. Entramos numa sala de
aproximadamente 4m2, temperatura de 23 oC, sentamo-nos em cada lado da
escrivaninha e não houve interrupções da entrevista por terceiros. O
paciente sentou sem recostar-se na cadeira, mantendo as mãos sobre as
pernas, adotando uma posição confortável.
Chamamos o paciente pelo nome, nos apresentamos, estendemos a mão
e expusemos o objetivo da entrevista. Ele prontamente estende a mão para
nós e diz “tudo bem”. Mantém o olhar direcionado para os entrevistadores e
responde às questões de identificação sem solicitar repetição da pergunta. O
paciente não fala sozinho, nem movimenta os lábios sem emitir som como
se estivesse falando, não olha para trás repentinamente nem faz movimentos
de seguimento do olhar. Responde corretamente as informações sobre o dia,
mês, ano e local em que se encontra. Apresenta recordações autobiográficas
de longa data. Tenta demonstrar certa inteligência ao falar de forma
pseudocientífica quando questionado sobre antecedente pessoal de diabetes:
“acredito que não tenho diabetes porque toda ferida que eu corto, jogando
bola, sara”; já no final da entrevista chega a citar Martin Luther King com a
frase: “eu tenho um sonho”.
Durante toda a entrevista o paciente fala alto, aos brados e em grande
quantidade, em vários momentos mostra-se irritado, impaciente, curvando o
tronco para a frente ao falar, ao ponto de provocar medo nos
entrevistadores. Durante a entrevista gesticula bastante, segura o logotipo
do hospital pintado na camisa com punhos cerrados ao dizer que era uma
“câmera virtual”. Contudo, ao falar do pai adotivo demonstra ternura e
reduz o volume da voz “era ele quem eu chamava de pai e pra mim sempre
vai ser meu pai”; sorri ao falar das brincadeiras de infância “eu jogava o
FIFA, o jogo mais difícil que tem de jogar, o FIFA”; irrita-se ao ser
questionado se escuta vozes que lhe denigrem “minha filha, minha filha, eu
não sou louco minha filha”.
Por vezes utiliza palavras que não existem no dicionário ou utiliza
expressões pretensamente rebuscadas para denotar sua altivez: “Minha
infância eu estudava no colégio, ali na Ponta Verde. Então eu nunca fui um
homem do povo dizer ‘ele é um homem autístico, um homem de divulgação
estudantil, eu não fui esse homem que pudesse brilhar ali dentro’ ’’.
Quando solicitado que o mesmo explicasse como ocorreu o processo de
aprovação até se tornar o “herdeiro do trono de Israel”, o paciente
relacionou esse teste com uma suposta experiência de treinador de bumba-
meu-boi e falou:
“O tigre é o homem, o novo herdeiro do trono de Israel. Aquele boi foi
criado, aquele concurso foi todo bolado por eles. Eles quem? Os
americanos, né? Que sempre esteve nesse país. Mas não se apresentaram.
Até então eu não sabia de nada. Pra ver se realmente era aquele homem que
eles estavam atrás. Eu acho que eles procuravam provas, e ai eles
começaram a criar situações, né? Como se fosse uma isca... mas só que eu
tive de provar lá dentro, ganhando dos outros treinados”
O paciente continua construindo seu discurso com várias ideias que
chamam atenção:
“Aqui eu me sinto protegido. Apesar dos remédios, né? Que não
funcionam, né? Porque o homem que tem inteligência sã, ele não precisa se
abastecer de remédio. Ele não precisa. Ele é convicto em qualquer lugar de
sua mente em santidade. Eu acho que a minha mente é a mente de Deus.
Não a mente do mundo. A Bíblia diz que a mente do mundo é animal,
diabólica e irracional. Essa não é a sabedoria que vem do alto. “Na rua do
CRB (Clube de Regatas do Brasil – time de futebol local). É, porque, é , eu
perdi a chave, então...de casa, então eu voltei lá e sai né? E quando eu
voltei, tomei café, e aí minha mãe disse: Olhe! Tá muito perigoso, viu?
estão querendo matar eu, você, sua irmã e todo mundo, né? Tá todo mundo
preocupado. Aí eu saí pra porta do A.C., né? Porque ali lá existe uma
iluminação, em todo o canto, e na verdade não são iluminação, são
câmeras. Tem até uma placa grande como se fosse um negócio, uma câmera
grande, dizendo bem assim: você está sendo observado pelo poder público.
É algo desse tipo (...) É isso, viu, então eu acho que eles botaram câmera,
tem câmera por todo o canto, inclusive aqui dentro também tem.”(sic)
Não possui insight e as alterações do juízo se apresentam pelas
manifestações das vivências delirantes. Em certo ponto da entrevista, o
paciente relata que ao descobrir que ele e B., seu amor platônico, tinham
uma cabeça com o mesmo formato de “prego”, percebeu que eles eram
predestinados um ao outro e que também foram os responsáveis por revelar
uma mensagem aos americanos durante o episódio das Torres Gêmeas: “só
existia um só Deus, que atuava na pessoa do pai, do filho e do Espírito
Santo”. Essa construção nos mostra uma vivência de percepção delirante.
Outro tipo de vivência, a recordação delirante, pode ser vista quando nosso
paciente explica que foi no dia da queda das Torres Gêmeas que ele
descobriu que o concurso folclórico de bumba-meu-boi, realizado quando
ele tinha 13 anos, era um plano camuflado e arquitetado pelos americanos
para escolhê-lo como herdeiro do trono de Israel.
O pensamento desorganizado pode ser visto em vários momentos do
discurso, a exemplo do trecho:
“— Entrevistador: Mas o senhor lembra de ter ficado agitado ou brigado
com alguém?
— Paciente: Não, não teve nada disso. Apenas a PM ia me pegar de
manhã, não conseguiu, só a tarde. E nem quero, nem eu tô contra eles não,
tá entendendo? Eu acho que se acontecer alguma coisa, é pra eles tentar
botar em mente que eu não sou essa pessoa que eles estão pensando né?
Porque eu acho que vida só existe uma, e a esperança do povo, pior ainda.
Né? É melhor o povo me tendo vivo do que morto.”
O paciente mostra em suas colocações que tem dúvidas sobre a
publicação dos seus pensamentos:
“— Entrevistador: Você acha que os americanos podem saber o que se
passa na sua mente?
— Paciente: Rapaz, os americanos, eles tem aparelhos que botam na sua
mente e descobrem tudo. Se fizeram comigo, foi eu dormindo.”
SÚMULA PSICOPATOLÓGICA
Aparência Emagrecida e descuidada
Consciência Desperto.
Sensopercepção Sem alterações ao exame psíquico porém com relato de alucinação auditiva no passado
Humor Disfórico
Psicomotricidade Hipercinesia
Vontade Hipobulia
Pragmatismo Hipopragmático
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável para o caso?
2. Quais elementos da psicopatologia do paciente nos levam a hipótese
diagnóstica?
3. Quais as propostas de classificação do diagnóstico do caso, segundo
o novo DSM-V?
DISCUSSÃO
Hipótese Diagnóstica: Esquizofrenia.
Os Sintomas de Primeira Ordem de Kurt Schneider (percepção
delirante, alucinações auditivas, sonorização do pensamento, roubo do
pensamento e vivências de influência) e a súbita transformação qualitativa
de toda a existência do indivíduo caracterizam a Esquizofrenia. Nosso
paciente apresenta ideias delirantes que se estruturam a partir de vivências
como a percepção delirante - ideias sem relações lógicas que surgem após
atribuição de um significado patológico de autorreferência a uma percepção
normal do indivíduo. Tais ideias mantêm-se por um tempo maior que seis
meses e sem condições médicas gerais ou vigência de uso de substâncias
que justifiquem o quadro psicótico. Outros elementos da psicopatologia
reforçam a hipótese: neologismo patológico, ausência de insight, hipobulia
e prejuízo cognitivo secundário. Possui também alteração da identidade do
eu, com uma falsa orientação delirante ao se atribuir um título de “herdeiro
do trono de Israel”. Os frequentes e detalhados delírios persecutórios e de
grandeza sugerem a classificação desta Esquizofrenia como Paranoide. Por
outro lado, o paciente possui intensa desorganização do pensamento, um
comportamento imprevisível, com mudanças bruscas do humor que
surpreendem os entrevistadores, tendência solitária e prospecção limitada, o
que nos direciona à Esquizofrenia Hebefrênica. Segundo o CID-10, a
presença aspectos de mais de um subtipo sem clara predominância permite
o diagnóstico de Esquizofrenia Indiferenciada.
É importante ressaltar que segundo o DSM-5, há um abandono da
classificação da esquizofrenia em subtipos, valorizando-se o diagnóstico
dimensional, em que se busca destacar qual dimensão de sintoma é mais
prevalente no paciente (delírios e alucinações, desorganização do
pensamento ou alterações afetivas). Associa-se a essa análise um
diagnóstico especificador do curso da doença, no qual se evidencia
longitudinalmente a quantidade de episódios em 1 ano e transversalmente o
estado atual de atividade, remissão parcial ou completa.
Esquizofrenia Hebefrênica
PONTOS IMPORTANTES
• Faça sempre uma anamnese completa, lembrando-se de perguntar
sobre internações anteriores e adesão ao tratamento.
REFERÊNCIAS
1. Dalgalarrondo, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª ed. Porto Alegre:
Editora Artes Médicas do Sul; 2008.
2. Cheniaux, E. Manual de Psicopatologia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008.
3. American Psychiatric Association. DSM-5. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais. 5ª ed. Porto Alegre : ARTMED; 2014.
4. Organização Mundial da Saúde. CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde. 10ª rev. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1997.
5. Jaspers, K. Psicopatologia geral. 1 ed. São Paulo: Atheneu; 1979.
Caso 23
LIANU – Liga Acadêmica de Neurociências do UniCEUB
Autores: Ana Carolina da Bouza Ferreira, Carolina Victor Nazaré e Marcela
Barros Bomfim
Orientador(a): Ellen de Souza Siqueira (Médica Neuropediatra do Hospital
da Criança de Brasília)
Instituição: Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)
Psiquiatria
HISTÓRIA CLÍNICA
JPRS, 9 anos, sexo masculino, branco, foi levado pela mãe ao
ambulatório por queixa de dificuldade na escola.
A mãe relata que a criança nasceu de parto normal, a termo, sem
intercorrências na gestação. O desenvolvimento neurológico foi adequado.
A mãe queixa que a criança sempre apresentou agitação motora
significativa, dificuldade para se manter sentado por muito tempo; fala
muito; corre frequentemente, mesmo nos ambientes em que deve
permanecer sentado; tem dificuldades em esperar a vez em conversas e em
brincadeiras, interrompendo frequentemente. Além disso, é desorganizado
com seus pertences e os perde frequentemente; se dispersa com facilidade;
tem dificuldade para manter o foco em atividades escolares; não segue
instruções e é esquecido no cotidiano. A professora percebe as mesmas
características no ambiente escolar e a criança apresenta dificuldade no
aprendizado, estando ainda no nível pré-silábico na alfabetização.
EXAME FÍSICO
Paciente em bom estado de saúde e higiene, eupneico, normotermico,
normocorado, hidratado, acianótico, anictérico, fascies atípica, lúcido e
orientado no tempo e em espaço, interrompe frequentemente o examinador,
hiperativo, postura e marcha atípicas, sem posição preferencial no leito,
permanece irrequieto na cadeira, sem alterações no comportamento na fala
e no estado emocional. Dificuldade para obedecer a comandos. Ausência de
deformidades e movimentos involuntários. Mucosas hidratadas,
normocoradas, acianóticas, anictéricas, ausência de enantemas, lesões ou
cicatrizes.
Cadeias pré-auriculares, retroauriculares, suboccipitais, cervicais
posteriores e anteriores, submandibulares, submentonianas,
supraclaviculares, infraclaviculares, axilares, epitrocleanas, inguinais e
poplíteos não palpáveis.
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
A hipótese de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH) deve ser levantada ao consideramos os sintomas de hiperatividade,
impulsividade e desatenção, apresentados em um período maior que seis
meses1. Os sintomas se manifestam por uma falha na manutenção da
atenção pela hiperatividade e pela impulsividade, o que torna estes últimos
característicos desse transtorno neurobiológico 2.
O TDAH afeta cerca de 5 a 10% das crianças, mundialmente, com
maior prevalência no sexo masculino; além disso, o transtorno pode
persistir até a idade adulta em até 50% desses casos 3. Vale ressaltar que
estudos sugerem participação importante de agentes psicossociais que
atuam no funcionamento adaptativo e na saúde emocional geral da criança
no surgimento e na manutenção da doença, como desentendimentos
familiares e presença de transtornos mentais nos pais 4. Ademais, acredita-
se que alguns fatores de exposição materna durante a gestação podem
predispor ao transtorno, como consumo de álcool e/ou de tabaco 4.
Quanto à contribuição genética, sugere-se que ocorra também uma
contribuição substancial no transtorno, com um risco de desenvolvimento
de TDAH de duas a oito vezes maior nos pais das crianças afetadas do que
no restante da população. No entanto, nenhum gene ainda pode ser
considerado como necessário ou suficiente ao desenvolvimento do
transtorno 4. Assim, no presente caso, além da investigação clínica, é de
extrema importância a investigação de conflitos intrafamiliares, do
funcionamento do suporte emocional familiar, da existência de familiares
com o transtorno e do comportamento materno ao longo da gestação.
No que diz respeito ao diagnóstico do paciente, este é estritamente
clínico e baseia-se tanto na história clínica, avaliando o comportamento da
criança em diferentes locais (escola/creche, casa e casa de
familiares/amigos), quanto no exame físico naquele momento, em que o
paciente se encontra inquieto, interrompendo o exame várias vezes e
podendo apresentar-se disperso1. Nesse sentido, o DSM V estipulou
critérios para o diagnóstico de TDAH (5); são eles:
A 1.Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção (duração mínima de 6 meses):
a. Frequentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em
atividades escolares, de trabalho ou outras;
b. Com frequência tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas;
c .Com frequência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra;
d. Com frequência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas
domesticas ou deveres profissionais;
e. Com frequência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades;
f. Com frequência evita, antipatiza ou reluta em envolver-se em tarefas que exigem esforço
mental constante;
g. Com frequência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades;
h. É facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa;
i. Com frequência apresenta esquecimento em atividades diárias.
Algum prejuízo causado pelos sintomas está presente em dois ou mais contextos (escola,
C
trabalho e em casa, por exemplo).
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS
• Estudo semiológico do TDAH;
• Comorbidades e diagnósticos diferenciais do TDAH;
• Métodos diagnósticos do TDAH;
• Importância do envolvimento familiar na identificação e tratamento
do TDAH;
PONTOS IMPORTANTES
• A hipótese de TDAH deve ser levantada ao considerarmos os
sintomas de hiperatividade, impulsividade e desatenção.
REFERÊNCIAS
1. Barkley RA. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): guia completo e
atualizado para os pais, professores e profissionais da saúde. Porto Alegre: Artmed.
2. Andrade CRM,et al. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). 2011.
3. Hora AF, et al. The prevalence of ADHD: a literature review. Lisboa. 29(2): 47-62. [cited 2018
Fev 02] Available from: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492015000200004&lng=pt&nrm=iso.
4. Rohde, LA,Halpern R. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: atualização. Jornal de
Pediatria; 80(2): 61-70.
5. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual de Diagnóstico e Estatística de
Distúrbios Mentais. São Paulo: Manole, 2013.
6. Pastura G, Mattos P, Araújo APQC. Prevalência do transtorno do déficit de atenção e
hiperatividade e suas comorbidades em uma amostra de escolares. Arq Neuropsiquiatr; 65(4):
1078-83.
7. POSSA, MA, SpanembergL, Guardiola A. Comorbidades do transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade em crianças escolares. Arq Neuropsiquiatr; 63(2): p. 479-483.
8. Althoff RR, Rettew DC, Hudziak JJ. Attention-deficit/hyperactivity disorder, oppositional
desafiant disorder, and conduct disorder. Psychiatric Annals; 33(4): 245-252.
Caso 24
LACC - Liga Acadêmica de Cardiologia Clínica
Autores: José Maria Gonçalves Fernandes, Luciano Menezes dos Santos
e Maria Alayde Mendonça da Silva.
Orientador(a): Dr. Ivan Romero Rivera (Prof. da disciplina de Cardiologia da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal de Alagoas).
Instituição: Universidade Federal de Alagoas - UFAL.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
T.M.S., 17 anos, sexo feminino, solteira, natural e procedente de cidade de médio porte do estado
de Alagoas. Paciente com acompanhamento cardiológico em outra instituição, com investigação e
diagnóstico prévio, foi encaminhada à nossa Instituição para reavaliação e acompanhamento clínico.
Já tem diagnóstico de Síndrome de Down e refere antecedente de duas internações hospitalares por
broncopneumonia quando criança, além de dispneia e cianose a médios esforços, precordialgia e
“cansaço” noturno, com evolução progressiva nos últimos anos.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral, anictérica, acianótica, afebril ao toque, mucosas normocoradas e hidratadas,
eupneica.
PA: 110x70 mmHg; FC: 88 bpm; FR: 20 ipm; Tax: 37,5 oC.
Ritmo cardíaco regular sem sopros audíveis, com segunda bulha hiperfonética em seu componente
P2.
Semigloboso, normotenso, doloroso à palpação profunda em fossas ilíacas direita e esquerda. Ruídos
hidroaéreos presentes em todos os quadrantes.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemograma
HCM 29,2 pg 27 - 34 pg
Ecocardiograma
Átrio esquerdo 23 mm 27 - 38 mm
Volume sistólico 36 mL 54 - 99 mL
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Qual a sintomatologia clínica da Síndrome?
3. Quais os possíveis diagnósticos diferenciais do caso?
4. Qual a justificativa para o desenvolvimento da Hipertensão Arterial Pulmonar?
5. Qual o principal elemento causal para o desenvolvimento da Síndrome?
6. Quais as principais abordagens terapêuticas para a Síndrome?
DISCUSSÃO
O caso clínico da paciente em questão é bastante compatível com a caracterização clínica da
Insuficiência Cardíaca tendo como etiologia a Síndrome de Eisenmenger, a qual é uma desordem que
envolve vários sistemas orgânicos caracterizada por hipertensão arterial pulmonar, em consequência
de uma comunicação entre os lados direito e esquerdo do coração, provocando uma comunicação
entre as circulações pulmonar e sistêmica e de uma alta pressão da artéria pulmonar, que alcança, ao
menos, 2/3 da pressão sistêmica, o que pode ser notado em nosso caso.1 O diagnóstico no cateterismo
cardíaco é realizado quando a pressão média da artéria pulmonar se encontra persistentemente acima
de 25 mm Hg associada a pressão capilar pulmonar menor ou igual a 15 mm Hg e resistência
vascular pulmonar maior a 3 Woods.1,2
As cardiopatias congênitas acianóticas determinam inicialmente shunt de fluxo das câmaras
esquerdas para as câmaras direitas com sinais de hiperfluxo e insuficiência cardíaca. Se não tratadas e
com a persistência do fluxo, tardiamente tende a acontecer aumento da pressão e resistência arterial
pulmonar, com inversão do fluxo e cianose. Isto acontece principalmente com a comunicação
interventricular e persistência do canal arterial e mais raramente com a comunicação interatrial.1,3 No
caso da Síndrome de Down, as malformações cardíacas estão presente na grande maioria dos
pacientes, estando as três citadas entre as prevalentes, além do defeito do septo átrio-ventricular, o
qual não está presente na paciente em questão. Isto justifica uma maior correlação entre as duas
síndromes, Down e Eisenmenger. Em nossa paciente, notamos a comunicação interatrial e a
persistência do canal arterial.
Com o hiperfluxo pulmonar persistente e progressivo, ocorre inicialmente aumento da pressão
arterial pulmonar e posteriormente da resistência vascular pulmonar, situação irreversível e na qual o
tratamento cirúrgico de correção da malformação está contra-indicado, com alta mortalidade.2,3
Quanto à sintomatologia clínica, a Síndrome de Eisenmenger é caracterizada por cianose de
aumento gradual, dispneia, fadiga, síncope, pulsos periféricos palpáveis e filiformes, estase jugular,
hepatomegalia, edema periférico, distúrbios do ritmo cardíaco e do sistema de condução, arritmias
atriais e ventriculares, palpitações, eritrocitose, hemoptise, cefaleia e distúrbios visuais, além de
sinais de embolismo cerebral ou endocardite.2 Além disso, é importante ressaltar o acometimento
multissistêmico da Síndrome, com possíveis alterações hematológicas, gerando uma síndrome de
hiperviscosidade com alto risco de trombose, eventos cerebrovasculares, acometimento da circulação
coronariana, desenvolvimento de colecistite pelo impacto no metabolismo da bilirrubina,
complicações renais e reumatológicas, em consequência de hiperuricemia, disfunção glomerular e
proteinúria.2
Para a avaliação diagnóstica, são utilizados diversos exames, justamente por conta do
acometimento múltiplo que a Síndrome evidencia. Com isso, faz-se um eletrocardiograma, além de
uma radiografia de tórax e um ecocardiograma.1 Para complementação, pode-se pedir uma
tomografia computadorizada e uma ressonância nuclear magnética, ambas do tórax, as quais
permitem visualizar uma dilatação importante da artéria pulmonar, além de shunts esquerda-direita
ou bidirecionais1. Por último, pede-se um cateterismo cardíaco que mostra o aumento progressivo da
resistência vascular periférica, quantificando-a.1 Um teste de caminhada para avaliar a tolerância ao
exercício físico, hemograma, ferritina sérica, tempo de protrombina provas de funções hepática e
renal podem ser pedidos para definitiva conclusão diagnóstica1.
A abordagem terapêutica pode ser feita a partir de dois ângulos: farmacológico e cirúrgico. O
tratamento farmacológico fundamenta-se principalmente nas alterações fisiopatológicas do endotélio
vascular pulmonar observadas na hipertensão arterial pulmonar, utilizando-se fármacos de três
classes: prostaglandinas, antagonistas dos receptores de endotelinas e inibidores da 5-
fosfodiasterase1. Esta última classe é responsável pela vasodilatação, constituindo-se numa
importante ferramenta para a resolução da hipertensão arterial pulmonar.2
Para nossa paciente, optou-se pelo Sildenafil (inibidor da 5-fosfodiasterase) 20 mg, duas vezes ao
dia, observando melhora da sintomatologia clínica. A depender do quadro clínico do paciente, outros
fármacos podem ser utilizados, tais como digitálicos, diuréticos, antiarrítmicos e anticoagulantes.3 O
tratamento cirúrgico é indicado em pacientes com boa função ventricular esquerda com fração de
ejeção maior que 10% do ventrículo direito, nos quais é realizado o transplante de pulmão com
correção de defeito cardíaco congênito.1,2
Por último, chama a atenção a evolução precoce para Hipertensão Arterial Pulmonar, com níveis
sistêmicos (100 mm Hg), já quando a paciente apresentava 3 anos de idade, provavelmente devido à
Síndrome de Down associada, o que impediu a correção da malformação.
Tetralogia de Fallot
Ventrículo único
PONTOS IMPORTANTES
A Síndrome de Eisenmenger está relacionada a cardiopatias congênitas de hiperfluxo pulmonar e
inicialmente acianóticas.
Hipertensão arterial pulmonar associada a cardiopatias congênitas direcionam ao diagnóstico da
Síndrome.
O tratamento baseado na vasodilatação ajuda bastante na diminuição da Hipertensão arterial
pulmonar.
REFERÊNCIAS
1. Iveta, S. Eisenmenger syndrome a unique form of pulmonar arterial hypertension. Tropical Review. 2009; 110: 757-764.
2. Loureiro, MJ et al. Síndrome de Eisenmenger por canal arterial. Avaliação com ecocardiograma tridimensional. Rev. Port.
Cardiol., 2006; 25 : 253-255.
3. Simao, FA et al. Síndrome de Eisenmenger em paciente com comunicação interatrial: a propósito de um caso. Insuf. Card.,
Ciudad Autónoma de Buenos Aires, v.5, n.4, dez. 2010.
Caso 25
LACC - Liga Acadêmica de Cardiologia Clínica
Autores: Kamilla Lima do Nascimento e Maria Isabel Ciríaco Lima.
Orientador(a): Dra. Maria Alayde Mendonça da Silva e Dr. Ivan Romero
Rivera (Cardiologistas, Hospital Universitário Professor Alberto Antunes -
UFAL).
Instituição: Universidade Federal de Alagoas - UFAL.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 27 anos, sexo feminino, parda, natural e procedente de cidade
do interior do nordeste brasileiro, internada no hospital universitário na 28ª
semana de gestação, com queixa de cansaço e edema nos membros
inferiores.
Paciente, G2; P1 (prematuro); A0, refere dispneia progressiva aos
esforços iniciada no 1º trimestre da gestação, com evolução para dispneia
aos mínimos esforços e edema de membros inferiores, progressivo, no
momento atingindo o terço superior de ambas as pernas. Histórico de
faringoamigdalites recorrentes quando criança, sem tratamento e sem
diagnóstico associado. Nega outras doenças, traumatismos, transfusões
sanguíneas ou tratamento para outras patologias.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hematócrito 30,6% 34 - 47% em gestantes
Tipagem sanguínea AB Rh + -
Bioquímica
Glicemia 73 mg/dL 60 - 99mg/dL
Sorologias
VDRL não reagentes -
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. É necessário exame de imagem para confirmar o diagnóstico? Caso
sim, qual?
3. Qual a explicação da dispneia aos esforços e achados clínicos no
aparelho cardiovascular?
4. Qual a implicação da condição de gestante no caso clínico?
5. Qual o tratamento mais indicado?
6. Exame de imagem é necessário para confirmar a melhora do quadro
clínico pós-cirurgia? Caso sim, qual?
DISCUSSÃO
Essa gestante possui Estenose Mitral (EM) de etiologia reumática,
caracterizada pela resistência ao fluxo sanguíneo transmitral em razão do
espessamento e do comprometimento da mobilidade dos folhetos valvares,
decorrente principalmente de sequela reumática.1 A sintomatologia presente
na paciente, dispneia aos pequenos esforços, primeira bulha hiperfonética,
sopro diastólico, ambos no foco mitral, insuficiência cardíaca direita e
edemas de extremidades, junto com o histórico recorrente de
faringoamigdalites por Streptococcus beta-hemolíticos do grupo A
corroboram com a hipótese diagnóstica.
O ecocardiograma é o exame complementar mais importante para o
diagnóstico que possibilita a avaliação da gravidade anatômica e funcional
da EM. Dados relevantes nesse exame são a área valvar mitral aferida pela
planimetria e pelo Doppler e o gradiente diastólico transvalvar.4
Na fisiopatologia da EM, a elevação da pressão atrial esquerda leva ao
aumento da pressão venocapilar pulmonar, o que ocasiona dispneia aos
esforços, sendo tal sintoma cardinal da doença3. Em relação aos achados
físicos cardíacos, o sopro diastólico sendo a B1 proeminente, presente na
paciente, reflete a dificuldade que o fluxo de sangue encontra para passar
através de uma estrutura valvar estreita, durante o enchimento do ventrículo
esquerdo, na diástole.
Doenças cardíacas é a principal causa não obstétrica de mortalidade
materna no ciclo gravídico puerperal, com isso é necessário o conhecimento
das modificações hemodinâmicas fisiológicas da gestação. Há
descompensação cardíaca em valvopatas devido ao aumento de 40% do
débito cardíaco à custa do volume sistólico e aumento da frequência cardíaca
no segundo e terceiro semestre de gestação. Risco de tromboembolismo (TE)
em pacientes com lesão mitral devido ao estado de hipercoagulabilidade da
segunda metade da gestação. A valvopatia reumática corresponde a 50% das
causas de cardiopatias na gravidez. O prognóstico materno em grávidas
valvopatas vai se relacionar com: antecedentes de Insuficiência Cardíaca
(IC) e TE, sobrecarga de câmeras cardíacas, presença de fibrilação atrial,
disfunção ventricular, área valvar mitral e aórtica e presença de hipertensão
pulmonar.3
A EM é a valvopatia mais frequente na gravidez e sua primeira
manifestação clínica ocorre na gestação4. No caso da paciente, foram
percebidas tais manifestações durante a primeira gestação em 2009, e agora
em 2014, com a sintomatologia acentuada, como a sobrecarga do VD e área
valvar menor ou igual a 1,5cm2.
A partir do diagnóstico de EM, foi decidido manter a internação, com
repouso no leito, restrição hídrica, dieta hipossódica e tratamento clínico
com diurético (furosemida 20 mg EV três vezes por dia) e digitálico
(cedilanide 0,4 mg por dia). A paciente continuou sintomática, mesmo com
aumento da dose da medicação, sendo indicada intervenção mediante
Valvoplastia Mitral Percutânea por Cateter Balão (VMCB) pela técnica de
Inoue, cuja finalidade é permitir o aumento da área valvar pela insuflação do
balão na região estenosada, promovendo a melhora na passagem do fluxo
transvalvar.3 O procedimento foi realizado sem intercorrências e com
sucesso, com redução do gradiente diastólico transvalvar de 20 mmHg para
12 mmHg. Aliado à intervenção, também é necessário o tratamento
farmacológico com as seguintes classes de fármacos: diuréticos,
betabloqueadores, digitálicos, anticoagulantes; além da profilaxia de febre
reumática com Penicilina G Benzatina.4
Depois de executada a valvoplastia, é necessária a realização de exames
de imagem, especificamente do ecocardiograma, para quantificação da área
valvar e excluir significativas complicações como insuficiência mitral,
disfunção de VE e comunicação interatrial.5 O estudo ecocardiográfico
realizado no quinto dia após o procedimento mostrou área valvar mitral 1,5
cm2. Função sistólica do ventrículo esquerdo normal; refluxo discreto da
valva mitral e importante da valva tricúspide. Ainda com hipertensão arterial
pulmonar. PSTP: 40 mmHg. (Figuras 1, 2, 3 e 4). Após o procedimento, a
paciente evoluiu assintomática, em uso de furosemida 40 mg por dia, com
posterior retirada da medicação. E teve parto normal, sem intercorrências.
Figura 01. Imagem ecocardiográfica paraesternal longitudinal mostrando a
abertura valvar mitral.
Figura 02. Imagem ecocardiográfica apical de 4 câmaras (A4C) mostrando a
dilatação dos átrios.
Figura 03. Imagem ecocardiográfica A4C mostrando refluxo importante da
valva tricúspide.
Figura 04. Imagem ecocardiográfica A4C mostrando refluxo discreto da
valva mitrial.
Outras
Mixoma auricular esquerdo
Endocardite Infecciosa
Câncer de Pulmão
REFERÊNCIAS
1. Demarchi, Ferreira MM; Castelli, Bianchi J. Aspectos anatomopatológicos da Febre reumática.
RevSocCardiol Estado de São Paulo. 2005;1:18-27.
2. Diógenes, Bezerra MS; Carvalho AC. Cardite reumática: peculiaridades diagnósticas e
terapêuticas. RevSocCardiol Estado de São Paulo. 2005;1:71-8.
3. Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011; 5: 5-10, 15: 48-50, 21: 54-6.
4. I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 ArqBrasCardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67.
5. Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro. Área científica: Estenose Mitral.
[Acessado em 10/12/2014].
6. Boleto DP. Estenose mitral: revisão bibliográfica e análise da casuísta do HSM. Universidade da
Beira Interior. Faculdade de Ciências da Saúde. Mestrado integrado em Medicina. Junho de
2008. 40-41.
Caso 26
LACC - Liga Acadêmica de Cardiologia Clínica
Autores: Tâmarly Caroline Cavalcante Gonçalves, Halbate Barbosa Crima,
Maria Alayde
Mendonça da Silva e Ivan Romero Rivera.
Orientador(a): Dr. José Maria Gonçalves Fernandes (Cardiologista,
Universidade Federal de Alagoas - UFAL).
Instituição: Universidade Federal de Alagoas - UFAL.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
70 anos, masculino, solteiro, natural e procedente de cidade de médio
porte, encaminhado ao ambulatório de cardiologia com queixa de cansaço.
Paciente refere apresentar quadro de dispneia aos médios esforços e às
vezes de forma espontânea. Queixa-se também de tontura ao se levantar.
Hipertenso em uso de Hidroclorotiazida (25 mg) 1x/dia, tabagista durante
15 anos, parou há 40 anos.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hematócrito 40,7 % 37 - 49 %
Bioquímica
Glicose 82 mg/dL 60 - 110 mg/dL
Urina
Sem alteração
Ecocardiograma
Parâmetros Descritivos
Parâmetros Descritivos
Conclusão
Calcificação mitro-aórtica.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Qual a etiologia dessa patologia?
3. Qual importância do Eletrocardiograma e do Ecocardiograma no
caso?
4. Qual a principal preocupação com esta patologia?
5. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
Este senhor apresenta um quadro compatível com fibrilação atrial, uma
arritmia supraventricular na qual ocorre uma ativação atrial irregular, rápida
e desorganizada, levando os átrios a perderem sua capacidade de contração.
O eletrocardiograma na fibrilação atrial é caracterizado por1 ausência de
despolarização atrial organizada causando a substituição da onda P, típica
do ritmo sinusal, por um tremor de alta frequência da linha de base do
eletrocardiograma,2 frequência cardíaca geralmente entre 90-170,3
irregularidade no intervalo R-R4 e QRS estreito, a não ser em caso de
bloqueio de ramo associado.
Trata-se da forma mais prevalente de arritmia sustentada, sua incidência
aumenta progressivamente com a idade, tem uma prevalência discretamente
maior nos homens e está frequentemente associada a doenças estruturais
cardíacas, o que leva a prejuízos hemodinâmicos e complicações devido a
eventos tromboembólicos.
A importância dessa patologia depende de três fatores, os quais são:1
perda da contratilidade atrial,2 resposta ventricular acelerada inapropriada3 e
perda da contratilidade e esvaziamento deficiente do apêndice atrial, o que
leva à formação de trombos. Desta forma, os sintomas da fibrilação atrial
variam bastante, podendo o paciente ser assintomático (sem alteração
hemodinâmica), apresentar palpitações leves ou irregularidades no pulso, ou
palpitações graves, dispneia, desconforto torácico, intolerância a exercícios
físicos, fadiga, tonteira, sudorese fria, urgência urinária ou, ainda,
hipotensão, congestão pulmonar e sintomas de angina no peito.
A avaliação do paciente deve conter a investigação de possíveis causas
reversíveis da arritmia. Visto que, a fibrilação atrial pode ser desencadeada
por etiologias bem definidas tais como tireotoxicose, intoxicação alcoólica
aguda, hipertireoidismo, episódio vagotônico agudo e tromboembolismo
pulmonar. Ela também pode ser causada pela presença de cardiopatia
hipertensiva, doença arterial coronariana, cardiomiopatias, febre reumática
(valvulopatias), na recuperação de cirurgias de grande porte vascular,
abdominal ou torácica. Pode ainda ser causada por outras taquicardias
ventriculares, a eliminação dessas arritmias pode prevenir uma nova
ocorrência da fibrilação atrial. Além de todas essas patologias
desencadeantes a fibrilação atrial pode ter causa idiopática.
O eletrocardiograma é utilizado como um dos principais exames
diagnósticos, pois ele registra em seu traçado a ausência de atividade atrial
organizada e a irregularidade da reposta ventricular, típicos da fibrilação
atrial. O Ecocardiograma também é de grande importância, pois determina
se existe alguma cardiopatia estrutural que esteja desencadeado a fibrilação
atrial.
Clinicamente existem três tipos de fibrilação atrial os quais são:
OBJETIVOS DE
APRENDIZADOS/COMPETÊNCIA
• Semiologia cardiovascular;
• Diagnósticos diferenciais de taquiarritmias;
• Etiologias da fibrilação atrial;
• Evolução e complicação da fibrilação atrial;
• Características do eletrocardiograma na fibrilação atrial;
• Objetivos de tratamento da fibrilação atrial;
• Correlação entre fibrilação atrial e eventos tromboembólicos
• Fatores de risco para eventos tromboembólicos.
Pontos Importantes
• Fibrilação atrial identificada em pacientes idosos deve levantar a
possibilidade de hipertireoidismo ainda não diagnosticado;
REFERÊNCIAS
1. Castro Bienert, I.R., Definição, classificação, aspectos epidemiológicos e fisiopatologia da
Fibrilação Atrial. Plataforma MedicinaNet, 2009.
2. HARRISON’S Principles of Internal Medicine. 18th ed, McGraw-Hill Medical Publishing
Division, 2012.
3. Libby P, Bonow RO, Mann DL, Zipes DP. Braunwald’s heart disease: A textbook of
cardiovascular medicine, 8th edition. Philadephia; Lippincott; 2008.
4. Richard L. Page, M. D., Newly Diagnosed Atrial Fibrillation, N Engl J Med 2002, 351:2408-
16. Circulation. 2012; 126:860-865.
5. Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli Filho M, Grupi C, Atié J, Lorga Filho A, e cols. Sociedade
Brasileira de Cardiologia. Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Arq Bras Cardiol
2009;92(6 supl.1):1-39.
Caso 27
LACC - Liga Acadêmica de Cardiologia Clínica
Autores: Adriana Melo Barbosa Costa e Lívia Lays Januário Nascimento.
Orientadores: Dra. Maria Alayde Mendonça da Silva (Cardiologista,
Universidade Federal de Alagoas - UFAL) e Dr. Ivan Romero Rivera
(Cardiologista, Universidade Federal de Alagoas - UFAL).
Instituição: Universidade Federal de Alagoas - UFAL.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente do sexo masculino, 28 anos, natural e procedente de cidade do
interior, com história prévia de hipertensão arterial sistêmica (HAS),
dislipidemia e tabagismo em tratamento com inibidores da enzima
conversora da angiotensina (IECA), digitálico, betabloqueador, diuréticos e
hipolipemiante, foi encaminhado para avaliação cardiológica pré-operatória
de gastroplastia.
EXAME FÍSICO
PA: 90 x 60 mmHg; FC: 88 bpm; Peso: 125 Kg; Altura: 1,75 m; IMC: 40,8
Kg/m2.
Estase jugular presente.
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico clínico?
2. Qual o diagnóstico etiológico mais provável?
3. Seriam necessários outros exames para o diagnóstico?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada? Esse paciente seria um
possível candidato a um transplante cardíaco?
DISCUSSÃO
A insuficiência cardíaca associada à disfunção sistólica é uma das causas
mais frequentes de internação hospitalar no Brasil e as etiologias mais
frequentemente envolvidas são a cardiopatia isquêmica (30 %), hipertensiva
(21 %), valvar (15 %), chagásica (15 %), idiopática (8 %) e outras (11 %).1
Em áreas endêmicas, a cardiopatia chagásica crônica é a etiologia mais
frequente da insuficiência cardíaca que cursa com disfunção sistólica.1
A obesidade é considerada um fator de risco independente para a
insuficiência cardíaca2, entretanto, na avaliação pré-operatória sistemática de
obesos com indicação de gastroplastia o diagnóstico de insuficiência
cardíaca grave (Classe Funcional IV) não é usual e quando ocorre a doença
arterial coronária e não a obesidade é a etiologia mais frequente.3
Em pacientes com indicação para o procedimento, a gastroplastia
determina redução importante do peso corporal (em média 30 Kg nos
primeiros seis meses), com redução também importante na prevalência dos
fatores de risco cardiovascular (Hipertensão arterial, Dislipidemia, Diabetes
mellitus, Síndrome metabólica, Obesidade abdominal) porventura presentes
no pré-operatório4. Esse resultado positivo no controle da obesidade e das
inúmeras doenças a ela associadas, determina que a gastroplastia seja
atualmente o tratamento de escolha para obesos com IMC acima de 40
Kg/m2 ou com IMC acima de 35 Kg/m2 e com co-morbidades associadas.3
No presente caso, a história clínica e o exame físico apontaram para o
diagnóstico clínico de insuficiência cardíaca congestiva, em Classe
Funcional IV, descompensada, com indicação de internação para controle do
quadro, chamando a atenção para inúmeras possíveis etiologias: isquêmica,
hipertensiva, chagásica e a própria obesidade.1
Após compensação clínica, o paciente foi submetido a
cineangiocoronariografia que mostrou coronárias sem obstrução, afastando a
etiologia isquêmica da insuficiência cardíaca. A ausência de hipertrofia
ventricular esquerda ao ecocardiograma, associada à pouca idade do
paciente, sem evidências tampouco de HAS secundária, levou a
desconsiderar-se a possibilidade de uma cardiopatia hipertensiva, como
causa da disfunção sistólica. Além disso, os exames sorológicos foram
negativos para a Cardiopatia Chagásica Crônica, de forma que essa etiologia
também foi afastada. Permaneceu a obesidade como provável diagnóstico
etiológico.
A realização da gastroplastia poderia levar o paciente a uma perda de
peso acentuada, com melhora provável do seu quadro no que diz respeito à
obesidade abdominal, à dislipidemia e à síndrome metabólica, mas com
desfecho desconhecido quanto a grave disfunção sistólica que já
apresentava. Entretanto, nos seis meses seguintes, a compensação clínica
inicial, o paciente foi reinternado inúmeras vezes, por descompensação da
insuficiência cardíaca, recebendo, então, indicação de transplante cardíaco.
Sobreviveu 14 meses.
O presente caso evidencia que, apesar de pouco frequente em obesos, a
insuficiência cardíaca congestiva grave, com indicação de transplante, pode
ocorrer em obesos mórbidos com indicação de gastroplastia, mesmo ainda
jovens, impedindo assim o paciente de beneficiar-se do procedimento.
Cardiopatia Chagásica.
HAS grave.
• amiloidose;
• sarcoidose;
• hemocromatose;
• doença de Fabry.
IC de alto débito:
• anemia;
• tireotoxicose;
• Fístula arteriovenosa.
Hipertensão pulmonar associada com doença vascular
pulmonar.
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIA
• Possíveis etiologias e fatores precipitantes da Insuficiência Cardíaca;
• Semiologia cardíaca;
• Interpretação dos exames complementares cardiológicos;
• Observar a relação entre obesidade mórbida e insuficiência cardíaca
grave com indicação de transplante em paciente com estes
diagnósticos;
Pontos Importantes
O aumento do índice de massa corporal está associado a um aumento do
risco de insuficiência cardíaca.
Os pacientes portadores de Insuficiência cardíaca devem ser classificados
quanto à classe funcional:
REFERÊNCIAS
1. Kenchaiah S, Jane CE, Levy D, Wilson PWF, Benjamin EJ, Larson MG, et al. Obesity and the
Risk of Heart Failure. N Engl J Med. 2002; 347: 305-313.
2. Gualandro DM, Yu PC, Calderaro D, Marques AC, Pinho C, Caramelli B, et al. II Diretriz de
Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol 2011; 96(3
supl.1): 1-68.
3. Silva MAM, Rivera IR, Barbosa EMW, Crispim MAC, Farias GC, Fontan AJA et al. Frequência
de fatores de risco cardiovascular antes e 6 e 12 meses após gastroplastia. Rev Assoc Med Bras.
2013;59(4): 381–386.
4. I Diretriz Latino-Americana para o diagnóstico e tratamento da Cardiopatia Chagásica. Arq Bras
Cardiol. 2011; 97(2 supl.3): 1-47.
5. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Ayub-Ferreira SM, Rohde LE, Oliveira WA, Almeida DR, e
cols. Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca
Crônica. Arq Bras Cardiol 2009;93(1 supl.1):1-71.
6. Ribeiro ALP. Insuficiência cardíaca: Avaliação e manejo. Ministério da Saúde - Secretaria de
Atenção à Saúde.
7. Póvoa R, Souza D. Critical review of the electrocardiogram and echocardiogram on the
diagnosis of the left ventricular hypertrophy. Rev Bras Hipertens vol.15(2):81-89, 2008.
Caso 28
LACC - Liga Acadêmica de Cardiologia Clínica
Autores: Kamilla Lima do Nascimento e Maria Isabel Ciríaco Lima.
Orientador(a): Dra. Maria Alayde Mendonça da Silva e Dr. Ivan Romero
Rivera, Cardiologistas - Hospital Universitário Professor Alberto Antunes -
UFAL.
Instituição: Universidade Federal de Alagoas - UFAL.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Recém-nascido, sexo masculino, 15 dias de vida, nascido de parto
natural, assintomático foi encaminhado ao serviço de cardiologia realização
de estudo ecocardiográfico por ausculta cardíaca de sopro sistólico suave no
mesocárdio à avaliação pediátrica de rotina.
EXAME FÍSICO
FC:120bpm.
Sem alterações.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Ecocardiograma: situs solitus, concordância atrioventricular e
ventrículo-arterial, septos interatrial e interventricular íntegros, câmaras
cardíacas com dimensões e dinâmica normal e valvas atrioventriculares e
semilunares normais. Múltiplas massas tumorais foram observadas no
interior dos ventrículos e do átrio direito, de aspecto nodular e ecogenicidade
sugestiva de rabdomioma.
Figura 1. Imagem ecocardiográfica apical de quatro câmaras mostrando os
múltiplos rabdmiomas (*) no interior das câmaras cardíacas.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Quais os achados do estudo ecocardiográfico que confirmam a
hipótese de rabdomioma múltiplo?
2. RN com sopro assintomático tem bom prognóstico?
3. Qual a conduta em casos de rabdomioma múltiplo em recém-nascido
assintomático?
DISCUSSÃO
O sopro cardíaco inocente é um achado extremamente comum em
crianças normais e seu diagnóstico é exclusivamente clínico, sem
necessidade de exames complementares, exceto naqueles casos duvidosos.
Entretanto, deve ser enfatizado que o sopro inocente no neonato não é tão
frequente quanto em outras faixas etárias, sendo aconselhável uma
investigação clínica cuidadosa ou reavaliação frequente dentro das primeiras
semanas de vida. Um tipo de sopro inocente, comumente encontrado nesse
período, é aquele originado pela desproporção que normalmente existe entre
a artéria pulmonar central e seus ramos, sendo audível bilateralmente,
inclusive no dorso e com tendência ao desaparecimento precoce. De forma
semelhante ao encontrado em outras faixas etárias, o sopro de Still, audível
no 3o e no 4o espaço intercostal esquerdo, o sopro no foco pulmonar e o
sopro supraclavicular são modalidades de sopro inocente que também podem
ser detectados no RN, porém com menor frequência. Por outro lado, a
caracterização do sopro patológico deve ser baseada em três dados: na
maioria dos casos, esses sopros são rudes, quase sempre sistólicos e
usualmente localizados. São muitas as causas desse ruído patológico, sendo
as mais frequentes a comunicação interventricular (CIV), a persistência do
canal arterial (PCA), a estenose da valva pulmonar (EP) e a estenose da
valva aórtica (EAo).1
Um dos desdobramentos que se tem em relação a sopro cardíaco em RN
é que nem sempre o sopro assintomático tem bom prognóstico. Essa é uma
situação bastante peculiar, que requer avaliação clínica detalhada e
compreensão precisa da fisiologia cardiovascular neonatal. Pacientes
portadores de cardiopatias congênitas com hiperfluxo constituem um grupo
importante. No período neonatal, quando os defeitos são grandes e a
resistência vascular pulmonar é alta, as crianças costumam ser totalmente
assintomáticas. Entretanto, quando a resistência pulmonar diminui, é comum
o aparecimento de sintomas progressivos, do tipo dispneia e sudorese,
podendo evoluir para insuficiência cardíaca.1
No caso apresentado, o paciente teve achados ecocardiográficos
compatíveis com rabdomioma múltiplo. A incidência de tumores cardíacos é
muito baixa. Relatos na literatura referem-se a 1-2 por 10.000 nascidos
vivos, 90% desses tumores são benignos e 58% são rabdomiomas.
Rabdomioma também é conhecido como hamartoma do miocárdio e consiste
em miócitos imaturos.2 O quadro clínico encontra-se na dependência da
localização, tamanho da lesão, relação com estruturas adjacentes, fração de
ejeção e dimensões da câmara afetada, bem como da faixa etária.
Aproximadamente 12% dos casos são assintomáticos.3 No feto e na criança,
os rabdomiomas são os tumores cardíacos primários mais comuns,
correspondendo a mais de 60% dos tumores cardíacos neste grupo etário,
podendo ser massas únicas ou múltiplas. É excepcionalmente raro na
população adulta com poucos relatos na literatura. Aproximadamente 75%
dos casos são diagnosticados no primeiro ano de vida, sendo 1/3 abaixo do
primeiro mês. Ao exame apresentam-se como massas hipercogênicas,
textura homogênea, diâmetros variáveis e bordos regulares.4
A localização mais comum do tumor é o miocárdio ventricular e
geralmente são detectados no segundo ou terceiro trimestre da gestação,
quando as massas adquirem maiores diâmetros.5 A detecção de arritmia no
período antenatal torna mandatória a realização de ecocardiografia fetal.3 Em
90% dos casos de rabdomiomas fetais regridem antes do nascimento, o que
não ocorreu no caso apresentado6. Embora o paciente em questão tenha se
apresentado assintomático, sintomas como disfunção cardíaca por obstrução
do fluxo intracardíaco e arritmias.
O ecocardiograma com achados de massas únicas ou múltiplas,
hiperecogênicas, de textura homogênea, contorno regular, tamanho variável
e raramente apresentando derrame pericárdio sugerem rabdomiomas, sendo
mais encontrados nos ventrículos e septo interventricular, raramente
localizando-se nos átrios. No caso apresentado, o paciente possui massas
tumorais tanto em átrios, quanto em ventrículos.5
Os rabdomiomas podem-se apresentar associados a várias anomalias
congênitas como angiolipomas, hamartomas dos rins, rim multicístico e,
primordialmente, com esclerose tuberosa, este último sendo mais associado
as apresentações múltiplas. A esclerose tuberosa é uma doença genética,
autossômica dominante, que predispõe a formação de hamartomas (tumores
formados por células iguais às do tecido de origem) em diversos órgãos e
sistemas, principalmente no coração, no sistema nervoso central, e nos rins e
é caracterizada por Deficiência Mental, epilepsia e erupção facial tipo
adenoma sebáceo.4 Não havia na família nenhum sinal sugestivo de
Esclerose Tuberosa, mas com o resultado do estudo, a doença foi suspeitada
e aguarda realização de estudo genético dos pais para confirmação.5
Clínico
Sopro orgânico de cardiopatia congênita
(sopro inocente)
OBJETIVOS DE
APRENDIZADOS/COMPETÊNCIA
• Conhecer a anatomia cardíaca;
• Diferenças nas características entre rabdomioma, mixoma, fibromas,
hemangiomas e teratomas;
REFERÊNCIAS
1. Amaral F; Granzotti JA; Manso PH & Conti LS. Quando suspeitar de cardiopatia congênita no
recém-nascido. Medicina, Ribeirão Preto, 35: 192-197, abr./jun. 2002.
2. Juan Carlos Otero, M.D. Rabdomioma: tumor del corazón fetal. Diagnóstico prenatal. Rev
Colomb Obstet Ginecol v.56 n.2 Bogotá abr./jun. 2005.
3. I Diretriz brasileira de cardio-oncologia pediátrica da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq.
Bras. Cardiol. vol.100 no.5 supl.1 São Paulo May 2013.
4. Miana A A, Passos P H C, Whitaker J F, Loures J B L, Pimentel R C, Muniz A J, Borges A F,
Lima M A M, Lamin R F B - Tumores cardíacos: 10 anos de experiência. Rev Bras Cir
Cardiovasc 1997; 12 (1): 46-51.
5. Carvalho SEM, et al. Rabdomiomas cardíacos fetais: análise de cinco casos. Rev Bras Ginecol
Obstet. 2010; 32(4):156-62.
6. Salgado AA, Reis CASS, Silva VL, Castier MB. Papel da Ecocardiografia na Avaliação dos
Tumores Cardíacos e de Massas Cardíacas não Infecciosas. Rev Bras Cardiol. maio/junho.
2012; 25(3):230-240.
Caso 29
LCCV - Liga de Cirurgia Cardiovascular
Autores: Nathalia Ribeiro Pinho de Sousa, Tiago Araújo Monteiro e Bárbara
Laís Teixeira Figueirêdo.
Orientador(a): Dr. Heraldo Guedis Lobo Filho (Cirurgião Cardiovascular -
UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
63 anos, sexo feminino, aposentada, natural e procedente de cidade de
grande porte, divorciada, católica. Paciente admitida em hospital com queixa
de dor abdominal em epigastro de leve intensidade com progressiva
irradiação para o dorso. Sintoma tem se perpetuado por cerca de um mês, de
forma intermitente. Associado, paciente refere pulsação abdominal.
EXAME FÍSICO
Ictus cordis não palpável. Ausculta cardíaca revelou ritmo cardíaco regular,
com bulhas normofonéticas e sopro sistólico ejetivo (2+/6+) mais evidente
em foco mitral.
Exames complementares
Figura 1. Ultrassonografia de abdome: Aneurisma de aorta abdominal
parcialmente trombosado, com dimensões 10,6 x 5,8 cm.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a principal hipótese diagnóstica?
2. Aspectos epidemiológicos e fatores de risco do aneurisma de aorta
abdominal.
3. Quais são os sinais e sintomas típicos no caso?
4. Quais exames complementares são utilizados para o diagnóstico?
5. Citar a conduta adequada segundo gravidade do quadro.
6. Qual técnica cirúrgica usada para correção aneurismática, principais
complicações e prognóstico.
DISCUSSÃO
Trata-se de um caso de aneurisma de aorta abdominal. Com o atual
envelhecimento da população, os casos de aneurisma de aorta abdominal
(AAA) tem aumentado progressivamente a nível mundial. Estudos
epidemiológicos mostram uma prevalência dessa patologia entre 2% e 4% na
população geral. Com o progressivo aumento da idade ocorre elevação dessa
taxa: 3% aos 50 anos, 6% por volta dos 65 anos e 10% após os 80 anos de
idade. Quanto ao sexo, homens costumam ser mais acometidos. Além disso,
a mortalidade decorrente de AAA está diretamente relacionada ao seu
rompimento, podendo variar entre 23% a 63%, de acordo com o local da
ruptura, comorbidades do paciente, faixa etária e acesso a tratamento
adequado. Se levarmos em conta a mortalidade em procedimento cirúrgico
eletivo dessa patologia essa taxa decresce para 3%.
Quanto a etiopatogenia, o AAA está relacionado em 95% dos pacientes a
um processo degenerativo, principalmente aterosclerótico, na parede da
aorta. Dentre outras etiologias, pode-se citar trauma, sífilis, doenças do
colágeno (ex. síndrome de Marfan) e doenças inflamatórias (ex. vasculites).
Alguns fatores de risco associados à AAA são: idade acima de 50 anos,
hipertensão, hipercolesterolêmica, história familiar, aterosclerose e
tabagismo.
Em relação à apresentação clínica, aneurismas podem se apresentar de
forma variada, sendo assintomáticos entre 30,4 a 77,8% dos casos. Assim, a
maioria dos aneurismas são diagnosticados acidentalmente devido a exames
de imagens ou exames físicos rotineiros feitos por outros motivos.
Dependendo do tamanho e da localização dos aneurismas, esses podem
evoluir com dor abdominal de moderada intensidade. O paciente pode relatar
também massa abdominal pulsátil com crescimento progressivo e dor a
palpação. Isquemia de membros inferiores e dor lombar por irradiação
podem ser outros sintomas.
Exames de imagens, associados à detalhada anamnese e exame físico,
são componentes importantes no diagnóstico de aneurisma de aorta. A
radiografia da coluna lombar ou do abdômen podem revelar o esboço
calcificado do aneurisma, porém não são ferramentas de boa acurácia, pois
mostram apenas aneurismas de grande porte e calcificados. Além disso, a
visualização das estruturas vasculares é dificultada pelas alças intestinais e
pelos corpos vertebrais.
Em contrapartida, a ultrassonografia apresenta alta acurácia e baixo
custo, tornando-se útil para triagem diagnóstica e segmento. Todavia vale
ressaltar que este é um método examinador dependente.
Já a tomografia computadorizada abdominal, apesar de ser um método
mais caro e contraindicado em pacientes com déficit renal devido ao uso de
contraste, é mais precisa, comparativamente ao ultrassom, no diagnóstico e
na mensuração do aneurisma. Além disso, este método é essencial no
planejamento cirúrgico. Vale salientar que a angiorressonância magnética é
uma opção para pacientes com insuficiência renal que não podem utilizar
contraste iodado, sendo contraindicada apenas para portadores de próteses
metálicas e marca-passo.
Além desses, o uso da aortografia tem aumentado devido a sua
importância no tratamento endovascular do aneurisma. Mesmo assim, sua
importância na avaliação pré-operatória de um doente com AAA é
controversa, pois, apesar do benefício da descoberta de alterações vasculares
que podem alterar o procedimento cirúrgico planejado, ela pode indicar a
presença frequente e enganosa de trombos aneurismáticos.
Exames de imagem também têm relevância no rastreamento do AAA,
devendo ser cogitados em homens acima de 65 anos, pois mostram-se como
métodos de custo-efetividade vantajosos na diminuição da mortalidade
relacionada à ruptura. O rastreio para mulheres é controverso, sendo
preconizado para aquelas como idade superior ou igual a 65 anos que
possuem história de tabagismo ou casos de aneurisma na família.
Quanto a classificação, há o AAA de pequeno porte e de grande porte. O
AAA de pequeno tamanho (<5,5cm) possui velocidade de crescimento
menor que 0,5 cm em seis meses e é assintomático. Devido ao seu baixo
risco de ruptura, pode ser manejado sem cirurgia, sendo recomendado
acompanhamento por imagens semestral (4 e 5,4 cm) ou anual/bianual (3 e 4
cm). Nesses pacientes busca-se a modificações dos fatores de risco:
hipertensão arterial, tabagismo, dislipidemia e doenças cardíacas. Já o AAA
de grande tamanho (> 5,5 cm) possui crescimento maior que 0,5 cm em seis
meses, sendo sintomático e os associado a aneurismas em artérias ilíacas.
Nesses casos se orienta uma conduta cirúrgica.
Ao se optar por conduta cirúrgica, a técnica preferida tem sido
endovascular. Assim, realiza-se implante de endoprótese substituindo a
cirurgia convencional, o que traz menores taxas de mortalidade e paraplegia,
além de menor necessidade de hemotransfusão e redução do tempo de
internação hospitalar. Para técnica endovascular, é importante avaliar
condição física do paciente, aspectos anatômicos, especificações do
dispositivo e questões técnicas específicas, tendo como objetivos finais a
fixação segura e criação de selo hemostático entre enxerto e parede do vaso
nativo.
Dentre algumas contraindicações da técnica de endopróteses pode-se
citar: distância inferior a 1,5 cm entre as artérias renais e o aneurisma;
tortuosidade do colo proximal ou das ilíacas que dificulta a progressão da
prótese; calcificação extensa do colo proximal; colo proximal cônico ou com
trombo mural; estenose ou pequeno calibre das artérias ilíacas; distância
menor de 1,5 cm entre o aneurisma e a bifurcação das artérias ilíacas e
comprometimento extenso das artérias ilíacas pela doença aneurismática.
Algumas complicações desse procedimento são: sangramento
transoperatório, repercussões do aumento de pós-carga e lesão de isquemia e
reperfusão.
O prognóstico está relacionado com a idade avançada do paciente,
doença cardíaca, outras doenças vasculares periféricas, doença
cerebrovascular, tabagismo, hipertensão arterial.
Dissecção de aorta
Aneurismas tóraco-abdominais
Síndromes dispépticas
Úlcera péptica
Colelitíase
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIA
• Sinais e sintomas que podem surgir devido ao aneurisma;
• Métodos de imagens que facilitam o diagnóstico do AAA;
• Fatores de risco para aneurisma;
• Tipo de aneurismas e tratamento adequado para cada modalidade;
• Contraindicação para tratamento endovascular.
Pontos Importantes
• Aneurismas de aorta decorrem de alterações na parede vascular, seja
de etiologia aterosclerótica, infecciosa ou inflamatória.
• Sempre que identificar aneurismas abdominais em pacientes sem
fatores de risco para vasculopatia, pondere risco de doença vascular
primária (ex. arterite de Takayasu, aortite idiopática) bem como
aneurismas micóticos.
• O exame físico deve ser pautado numa ampla busca por outras
vasculopatias, começando pela medida da pressão arterial nos quatro
membros.
Referências
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Bárbara D´Agnoluzzo, Weingärtner Janaína, Shiomi Alexandre Y. Tratamento endovascular de
aneurismas da aorta abdominal em pacientes de alto risco cirúrgico. J. vasc. bras. 2009. Mar: 8(
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do Aneurisma da Aorta Abdominal na População Idosa da Cidade de Guarapari/ES. Arq Bras
Cardiol: Imagem cardiovasc. 2015;28(2):60-66.
5. Barros FS, Pontes SM, Roelke LH, Sandri JL, Zandonade E, et al. Rastreamento do aneurisma
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de Janeiro: Revinter,2000.p.148-157.
Caso 30
LCCV - Liga de Cirurgia Cardiovascular
Autores: Matheus Duarte Pimentel, Camylla Santos de Souza e Bruno
Gadelha Bezerra Silva.
Orientador(a): Dr. Heraldo Guedis Lobo Filho (Cirurgião Cardiovascular -
UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 20 anos, do sexo feminino, parda, natural e procedente de
cidade de grande porte. Procurou atendimento médico com história de
dispneia intensa que ocorria em repouso. Relata que desde a infância
apresenta quadros de dispneia que se iniciavam com esforços intensos, e que,
nos últimos anos, estes vêm ocorrendo em atividades cada vez menos
intensas, acompanhados de palpitações e de dor torácica em pontada, a qual
ocorria na região pré-cordial, de baixa intensidade, durava por volta de dez
minutos e irradiava-se para o lado esquerdo do pescoço. Nega cirurgias
prévias, hipertensão, dislipidemias ou diabetes.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Figura 1. Evidências de bloqueio AV de 1º grau em D2 (aumento do
intervalo PR). Presença de ondas R R’ em aVR e V1, respectivamente,
indicando presença de bloqueio incompleto de ramo direito.
Figura 2. Ao ecocardiograma observou-se dilatação significativa do átrio
direito, e presença de comunicação interatrial, do tipo Ostium Primum,
provocando importante repercussão hemodinâmica. Hipertensão pulmonar
discreta, com pressão de saída da artéria pulmonar de 45 mmHg e “claft” da
valva mitral com insuficiência moderada desta valva também foram achados
relevantes. (VE – Ventrículo Esquerdo; VD – Ventrículo Direito; AE – Átrio
Esquerdo; AD – Átrio Direito; CIA – Comunicação interatrial).
Pontos de discussão
1. Aspectos epidemiológicos das cardiopatias congênitas.
2. Tipos de comunicação interatrial.
3. Evolução natural dos defeitos do septo atrial
4. Aspectos semiológicos evidenciados nos pacientes com comunicação
interatrial.
5. Exames complementares utilizados para o diagnóstico.
6. Tratamento medicamentoso e indicações cirúrgicas para
comunicações interatriais.
7. Abordagem Cirúrgica.
Discussão
Durante a vida intra-útero, a presença do forame oval permite a
comunicação entre o átrio direito e o átrio esquerdo. Essa estrutura tem
importância fisiológica nesse período e, após o nascimento, comunicações
entre os átrios tendem a fechar pelo aumento da pressão existente no átrio
esquerdo. No caso de defeitos na separação entre as duas câmaras, levando a
qualquer tipo de abertura no septo atrial, tem-se constituído um defeito do
septo atrial (DSA).1,7,8,10
As cardiopatias congênitas constituem o grupo de maior incidência
dentre as diversas malformações congênitas existentes, atingindo oito em
cada mil recém-nascidos. Defeitos do septo atrial, por sua vez, têm
prevalência estimada de 1,64 ‰ em cada 100 nascidos vivos, apresentando
relevância importante em políticas de saúde, tanto pela possibilidade de
graves sintomas associados, quanto pela associação com outras
malformações congênitas.5,6,8
Há diversos tipos de DSAs, os quais podem permanecer
indiagnosticáveis até a fase adulta. Tais afecções diferenciam-se de acordo
com as estruturas do coração envolvidas e pela forma como elas se
desenvolvem durante o período embrionário.
O tipo mais frequente de DSA é o de Ostium secundum (80% dos casos),
que representa uma comunicação direta entre o átrio esquerdo e o direito,
localizado centralmente, na área da fossa oval. Mais comum em mulheres
(2:1), muitos pacientes não apresentam sintomas até chegar à idade adulta.
Pode resultar ou da morte excessiva de células da parte cefálica septo
secundum ou do desenvolvimento de um Ostium secundum anormalmente
grande.7,8,1,12,13
O segundo tipo mais frequente de DSA é o de Ostium primum (15% dos
casos), localizado na região imediatamente posterior às valvas
atrioventriculares, próximo ao crux cordis. Esse defeito ocorre quando a
porção mais inferior do septo atrial é deficiente e se funde incompletamente
ao coxim endocárdico. Pode ocorrer isoladamente ou associado a um defeito
de canal atrioventricular mais complexo.7,8,10,13
Por último, o terceiro tipo de DSA é o de seio venoso (5% dos casos),
geralmente localizado na junção entre o átrio direito e a veia cava superior.
Está quase sempre associado à drenagem anômala das veias
pulmonares.7,8,10,13
As cardiopatias congênitas desse tipo levam a desvio do fluxo sanguíneo
da esquerda para a direita, devido ao fato da pressão do átrio esquerdo ser
superior à da câmara correspondente no lado direito do coração. O grau de
desvio do sangue através de um DSA é defido pelo tamanho deste, bem
como por propriedades hemodinâmicas que podem alterar o enchimento
atrial durante a diástole. Afecções como estenose mitral e hipertrofia
ventricular esquerda podem levar ao aumento da pressão no átrio esquerdo,
com subsequente incremento ao fluxo sanguíneo desviado da esquerda para
a direita através do septo defeituoso.1-3,8,11
A presença dessas malformações é normalmente suportada sem grandes
sintomas na infância, podendo não ser diagnosticados precocemente. No
entanto, em adultos acima de 40 anos que não corrigiram o DSA, pode haver
aparecimento de dispneia aos esforços físicos, associada a palpitações e, em
casos mais graves, nos quais há doenças valvares, ou doença arterial
coronariana associada, insuficiência cardíaca congestiva pode desenvolver-
se.1-3,10,11,14
Defeitos do tipo ostium primum, previamente descritos, normalmente
ocorrem associados com defeitos no folheto anterior da valva mitral,
podendo levar à insuficiência desta estrutura. Distúrbios no sistema de
condução dos impulsos elétricos também podem coexistir, sendo o bloqueio
atrioventricular de 1º grau e bloqueio divisional ânterossuperior do ramo
esquerdo achados comuns nesses pacientes. A longo prazo, devido ao
aumento do fluxo sanguíneo ao átrio direito, pode haver dilatação importante
desta câmara cardíaca, cursando com aparecimento de arritmias, como flutter
e fibrilação atrial.2,3,7,11
Ao exame físico, os pacientes portadores de comunicações interatriais
apresentam normalmente impulsões sistólicas do VD bem proeminentes à
palpação na borda esternal esquerda, bem como um desdobramento amplo e
fixo de B2 à ausculta. Esse último achado ocorre devido à sobrecarga do
VD, sem que haja qualquer alteração desde som com a inspiração. Sopros
sistólicos nos focos mitral ou tricúspide também podem ser auscultados em
alguns pacientes, sobretudo naqueles com DSA do tipo ostium primum.
Ritmo cardíaco irregular também é achado relevante, pois pode indicar a
presença de fibrilação atrial. 2,3,7,11
Além do exame físico, diversos exames complementares podem ser
utilizados para elucidar o diagnóstico. A radiografia de tórax normalmente
ilustra um aumento nas câmaras direitas do coração, com dilatação da artéria
pulmonar e aumento da trama vascular do pulmão. Eletrocardiograma
geralmente ilustra ritmo sinusal, exceto nos casos mais avançados em que há
flutter ou fibrilação atrial, com sinais indicativos de sobrecarga das câmaras
cardíacas direitas, como aumento de onda P na derivação I e em V2, bem
como inversão de onda T nas derivações do lado direito do coração.
Hemibloqueio de de ramo esquerdo e aumento do intervalo PR também
podem ser evidenciados. O ecocardiograma é o exame de escolha para
confirmação diagnóstica, podendo mensurar a dilatação das câmaras
cardíacas, bem como o tamanho da comunicação interatrial. O uso de
dopplerecocardiografia também permite a avaliação do grau de desvio de
sangue da esquerda para a direita, além de outros imporatantes parâmetros
hemodinâmicos, como pressão no ventrículo direito e na saída da artéria
pulmonar. Ressonância magnética e tomografia computadorizada
também podem ser utilizadas, mas não são de escolha rotineiramente.
Cateterismo tem sua utilidade na verificação da resistência vascular
pulmonar e como medida intervencionaista para fechamento percutâneo de
DSAs, bem como pode ser associado à angiografia coronariana em pacientes
com fatores de risco para DAC.4,9,11,13
Defeitos pequenos (< 5mm) usualmente são assintomáticos. Em linhas
gerais, a conduta medicamentosa é muito mais para suporte em casos de
complicações como insuficiência cardíaca, arritmias, hipertensão arterial
sistêmica ou hipertensão pulmonar, eventos tromboembólicos ou
endocardite. Nos pacientes com desvio significante da esquerda para a
direita, e importante sintomatologia recomenda-se abordagem cirúrgica para
fechamento do defeito do septo atrial. Independentemente da idade, verifica-
se que os pacientes são beneficiados com o fechamento do DSA e que uma
abordagem intervencionista não aparenta aumentar os riscos de surgimento
de arritmias, mesmo nos pacientes acima de 40 anos.1,4,11
O acompanhamento dos pacientes submetidos a fechamento cirúrgico
deve ser feito com verificação do tamanho das câmaras cardíacas, da
presença de desvios residuais, realização de ECGs e terapia com
antiagregante plaquetários por pelo menos seis meses para reduzir o risco de
eventos tromboembólicos.4
Objetivos de Aprendizados / Competência
• Anatomia básica do coração e do septo interatrial;
• Tipos morfológicos de defeitos no septo interatrial;
• Fisiopatologia dos sintomas decorrentes da comunicação interatrial;
• Aspectos semiológicos mais comuns em pacientes com comunicação
intetratrial;
Referências
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114 (2006): 2190-7.
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7. Vesta, MO, Turk, Y, and Ziolkowski, K. “Types of atrial septal defects.”
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Caso 31
LCCV - Liga de Cirurgia Cardiovascular
Autores: Amanda Zíngara Teles Roza, Douglas Gonçalves Madeira
e Larissa Freire Alves Nogueira
Orientador(a): Dr. Heraldo Guedis Lobo Filho (Cirurgião Cardiovascular -
UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
75 anos, sexo feminino, parda, procedente de cidade do interior. Há três
anos, procurou a emergência por apresentar dispneia intensa em repouso, à
noite e recebeu “aerossol e oxigênio”. Após o episódio, procurou
atendimento médico com queixa de dispneia que ocorria aos pequenos
esforços (ex.: tomar banho). Relatou que desde os 40 anos apresenta dispneia
após esforços moderados (ex.: subir escadas), com piora progressiva. Iniciou
tratamento clínico e obteve melhora. Atualmente, refere dispneia que se
inicia aos médios esforços. Há um ano apresentou quadro de melena e
anemia e após exames, foi diagnosticada com angiodisplasia duodenal,
realizou-se então cauterização com bisturi de argônio. Apresenta hipertensão
arterial (HAS) diagnosticada há mais de vinte anos, diabetes melitus (DM)
diagnosticada antes do início do quadro atual e doença renal crônica (DRC)
estabilizada. Nega angina típica.
EXAME FÍSICO
Paciente em bom estado geral, lúcido e orientado no tempo e espaço.
Mucosas normocrômicas, escleras acianóticas e anictéricas.
Ecocardiograma (ECO)
5,7 m/s
Fluxo aórtico turbulento 1 m/s
(velocidade máxima)
Pontos de discussão
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Qual a razão das alterações nos exames complementares?
3. Qual a gravidade do caso?
4. Além dos achados nos exames complementares, existem outras
causas para o quadro?
5. Qual a relação do caso com a angiodisplasia duodenal?
6. Será necessário tratamento cirúrgico?
Discussão
O diagnóstico mais provável é estenose valvar aórtica (EAo). Essa é a
valvopatia adquirida mais frequente e acomete 4,5% da população acima de
75 anos.1 A enfermidade permanece assintomática durante vários anos, até
que surge um quadro de dispneia que evolui progressivamente e chega a
dificultar a realização de simples tarefas diárias. Outros sintomas comuns
são angina, que apesar de ausente na história clínica da paciente, está
presente em 35% dos casos de EAo; síncope e insuficiência cardíaca
congestiva. No exame físico, a ausculta cardíaca revela sopro mesossistólico
em crescendo-decrescendo (“sopro em diamante”) de forte intensidade,
audível sobre a área da aorta, com irradiação típica para as carótidas.
Os exames complementares corroboram o diagnóstico supracitado. O
ECG evidencia calcificação do tecido de condução através da manifestação
de bloqueio de ramo. Esse achado é confirmado pela imagem do ECO que
mostra as cúspides da válvula aórtica calcificadas e espessadas, com
mobilidade reduzida. O ECG aponta também sobrecarga ventricular e atrial
esquerda e o ECO, hipertrofia e déficit de relaxamento do ventrículo
esquerdo.
A obstrução da valva aórtica leva a uma sobrecarga de pressão, que
resulta em hipertrofia do ventrículo esquerdo. A hipertrofia e a diminuição
da complacência desenvolvem um relaxamento ventricular anormal. Com
isso, a elevada pressão do VE leva a uma sobrecarga atrial.
A velocidade máxima de 5,7 m/s e o gradiente transvalvar médio de 111
mmHg, juntamente com os achados já citados são suficientes para classificar
o caso apresentado como EAo grave. Na estenose leve, geralmente
assintomática, a velocidade do jato aórtico é menor que 3m/s, gradiente
menor que 25 mmHg e área valvar maior que 1,5 cm2. Na moderada, a
velocidade está entre 3 e 4m/s, gradiente entre 25 e 40 mmHg e área valvar
entre 0,8 e 1,5 cm2.1
Neste caso em específico, a EAo foi causada por calcificação da valva
devido degeneração senil. Entretanto, a doença também pode ser ocasionada
por anormalidades congênitas valvulares e febre reumática.
Na história da paciente foi relatado sangramento gastrintestinal por
angiodisplasia duodenal. A associação entre esse quadro e estenose aórtica é
chamada Síndrome de Heyde e foi descrita pela primeira vez por Edward
Heyde em 1958.5 Muitos estudos já foram realizados na tentativa de
comprovar e explicar essa correlação. A EAo desenvolve a doença de Von
Willebrand adquirida tipo 2A, que causa alterações na homesostase
predispondo ao sangramento da angiodisplasia intestinal. Essa hipótese se
baseia no fato de que com a troca valvar aórtica os sangramentos digestivos
param de ocorrer.
Em pacientes assintomáticos a cirurgia não é recomendada, mesmo com
o diagnóstico de EAo grave, sendo a terapia limitada ao tratamento das
complicações, como a insuficiência cardíaca. Quando os sintomas se
desenvolvem, a exemplo do caso, é indicada a substituição da válvula
aórtica. Entretanto, os riscos dessa cirurgia aumentam com a idade. Há
alguns anos foi desenvolvida a substituição valvar percutânea, um
procedimento que tornou possível a realização do tratamento em pacientes
de idade muito avançada.
OBJETIVOS DE
APRENDIZADOS/COMPETÊNCIA
• Anatomia básica do coração;
• Etiologia e patogênese da estenose valvar aórtica;
• Semiologia torácica na valvopatia;
• Interpretação do exames físicos e dos exames complementares;
• Evolução e complicações da EAo severa;
• Tipos de cirurgia de substituição valvar.
PONTOS IMPORTANTES
• Dispneia, angina, síncope e insuficiência cardíaca são os principais
sintomas;
• Sopro sistólico com irradiação para as carótidas é característico
dessa patologia;
REFERÊNCIAS
1. Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Barbosa MR, Piñero DJ, Sánchez CRM, et al. Diretriz
Brasileira de Valvopatias – SBC 2011/ I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011.
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2. Pastore CA, Pinho C, Germiniani H, Samesima N, Mano R e cols. Sociedade Brasileira de
Cardiologia. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Análise e Emissão de
Laudos Eletrocardiográficos (2009). Arq Bras Cardiol 2009;93(1 supl.1): 1-19.
3. Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.
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6. Katz M, Tarasoutchi F, Grinberg M. Estenose aórtica grave em pacientes assintomáticos: o
dilema do tratamento clínico versus cirúrgico. Arq. Bras. Cardiol. [serial on the Internet]. 2010
Oct [cited 2014 Dec 14]; 95(4): 541-546.
Caso 32
Liga Acadêmica de Cardiologia
Autores: Ana Clara Alves de Carvalho, Ádila Rios Gonçalves e Philippe
Iglésias Fróes Silva.
Orientador(a): Dr. Luiz Fernando Ferreira de Pinho (Especialista em
Cardiologia - Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC, Diretor Médico
da Clinica Bahia Imagem).
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente do sexo masculino, 65 anos, procura atendimento ambulatorial
por queixa de dor no membro superior direito iniciada há aproximadamente
01 ano, em queimação, de leve intensidade (3 - em escala de 0 - 10), quando
pratica atividade física extra-habitual (caminhada veloz, subir escadas). A
dor restringe-se ao membro superior direito, não apresentando irradiações e
não é sentida ao repouso. O paciente refere dislipidemia (não especificada)
de longa data. Pratica atividade física (caminhadas) de forma regular
mesmo na presença de sintomas. Seus hábitos alimentares são saudáveis,
evitando consumo excessivo de alimentos com alto teor calórico, frituras,
bebidas alcoolicas, produtos industrializados. Nega tabagismo e refere
alergia a aspirina e dipirona.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Como caracterizar a dor apresentada por este paciente?
2. É possível uma dor de origem anginosa manifestar-se
exclusivamente em membro superior direito?
3. O exame físico é capaz de identificar alguma alteração no paciente
com angina estável?
4. Como conduzir o diagnóstico por métodos de imagem de maneira
mais eficiente?
DISCUSSÃO
Trata-se de uma dor anginosa de localização atípica, que se manifesta
exclusivamente ao esforço, regredindo espontaneamente após a cessação da
atividade sendo, portanto, categorizada como angina estável. A dor
anginosa costuma se localizar na região retroesternal, podendo irradiar-se
para pescoço mandibula, membros superiores (mais o esquerdo), região
dorsal e cervical, porção superior do abdome.4 O não alívio da dor com
repouso ou com uso de nitratos sugere a possibilidade de infarto agudo do
miocárdio. A presença de sintomas atípicos, assim como um infarto agudo
do miocárdio sem dor, pode ocorrer em até 30% dos pacientes,
especialmente em jovens (25 - 40 anos), diabéticos e idosos (> 75 anos).4
Uma história clinica detalhada com descrição precisa dos sintomas
permite caracterização adequada da dor torácica devendo-se observar a
qualidade da dor (constritiva, aperto, peso, opressão, desconforto,
queimação, pontada, a localização (precordial, retroesternal, ombro,
epigástrio, cervical, hemitórax, dorso), a irradiação (membros superiores,
ombro, mandíbula, pescoço, dorso, região epigástrica), a duração
(segundos, minutos, horas e dias), os fatores desencadeantes (esforço físico,
atividade sexual, posição, alimentação, respiração, componente emocional,
espontânea), os fatores de alívio (repouso, nitrato sublingual, analgésico,
alimentação, antiácido, posição e apneia), os sintomas associados (sudorese,
náusea, vômito, palidez, dispneia, hemoptise, tosse, pré-síncope e síncope).1
Além disso, no contexto de dor torácica é fundamental levar em
consideração os fatores de risco para DAC entre os quais se incluem: faixa
etária elevada (> 65 anos), sexo masculino, hipercolesterolemia, tabagismo,
diabetes, hipertensão, historia familiar de doença arterial coronariana antes
dos 60 anos e aumento da circunferência abdominal.4 Desses critérios, o
paciente do caso relatado apresenta dois fatores não modificáveis, sexo e
faixa etária e dois modificáveis; a hipercolesterolemia e o aumento da
circunferência abdominal (cujo valor normal é de 102 cm para homens e 88
cm para mulheres).
É importante ressaltar que o exame físico de um paciente com angina
pectoris pode ser normal.1,4 Entretanto, durante o episódio anginoso, o
exame físico pode fornecer indícios valiosos a respeito da existência ou não
de DAC. Quando é possível realizar o exame físico do paciente na vigência
de dor, a presença de B3, B4 ou galope, sopro de regurgitação mitral,
desdobramento paradoxal de B2 e estertoração pulmonar bibasal indicam
achados sugestivos e preditores de DAC.1 Com a observação desses
aspectos, exames confirmatórios devem ser solicitados.
A enzima creatina fosfoquinase (CK) solicitada no caso é encontrada
predominantemente em células musculares como cérebro, musculo liso,
musculo cardiaco e musculo esquelético. É uma protéina dimérica que
possui como possiveis monomeros as moléculas B e M, gerando, portanto,
3 isomeros. Desses, o isomero que predomina no musculo cardíaco é a CK-
MB. Com isso, o valor diagnóstico da CK obtida isoladamente é reduzido
no diagnóstico de eventos cardiovasculares.5 É importante observar que a
CK-MB somente permanece elevada após o IAM por até 72h, com pico
entre 18 e 24h. De forma semelhante, a proteína C reativa (PCR) é
produzida em resposta às citocinas, que refletem um processo inflamatório
ativo sistêmico. A inflamação tem papel potencial no inicio, na progressão e
na desestabilização das placas de ateroma. A PCR ultrasensível tem tido
valor na cardiologia, sendo considerada atualmente uma ferramenta
essencial para tomada de decisões, já que é um marcador de processos
inflamatórios, estratificando o risco de eventos coronarianos.5
O diagnóstico da DAC (doença arterial coronariana) pode ser realizado
com exames não invasivos, porém alguns utilizados rotineiramente têm
utilidade limitada. O ECG solicitado frequentemente pode apresentar
alterações não específicas de DAC e, por outro lado, a ausência destas
alterações não exclui DAC. Ainda assim, tem papel importante na avaliação
de pacientes com dor torácica. A radiografia de tórax geralmente é a
primeira modalidade de imagem realizada nos pacientes com dor torácica
com a finalidade do diagnóstico diferencial com outras causas de origem
não cardíaca. O teste ergométrico é o método utilizado com maior
frequencia, visando especialmente à confirmação diagnóstica, seja por
critérios eletrocardiográficos e/ou dor, além de auxiliar na determinação
prognóstica e definição de conduta. O ecocardiograma permite a avaliação
em tempo real da motilidade ventricular, podendo demonstrar
anormalidades, reversiveis ou não, da motilidade segmentar, especialmente
quando a historia clínica e o ECG não são conclusivos.
O ecocardiograma de estresse tem papel muito importante no
diagnóstico de DAC, já que possibilita avaliar e detectar alterações da
contratilidade de todos os segmentos do ventrículo esquerdo associadas ao
esforço, além de ser excelente método para estratificação de risco em
pacientes com DAC conhecida. A angiografia coronariana é um método
invasivo ao qual alguns pacientes são submetidos, pois é o mais acurado
método para diagnóstico de lesões coronarianas obstrutivas e também, em
casos incomuns, causas não ateroscleróticas para angina, como espasmo
coronariano, anomalia coronariana, doença de Kawasaki e dissecção
primária da coronária. A ressonancia magnética nuclear cardiaca (RMC)
apresenta, hoje, funcionalidades similares às da ecocardiografia e às da
medicina nuclear. Em algumas situações, a RMC apresenta ainda
informações exclusivas, mais acuradas ou mais reprodutíveis, tais como
avaliação detalhada da anatomia e função ventricular, estudo da viabilidade
miocárdica e perfusão miocárdica durante estresse farmacológico. A
tomografia computadorizada com multi-detectores avalia a carga de placas
de ateroma, que é representada pela calcificação coronariana, e também
pode avaliar as obstruções coronarianas por meio da angiografia não-
invasiva.1
As lesões coronarianas são consideradas significativas quando há
obstrução de 01 ou mais artérias epicárdicas, com no mínimo estenose
maior que 70% do diametro arterial ou uma estenose maior que 50% do
diametro do tronco da coronária esquerda.1
Todos os indivíduos portadores de angina estável devem utilizar ácido
acetilsalicílico (AAS). Este medicamento, utilizado na dosagem de 75
mg/dia, reduziu em 34% os eventos primários (infarto do miocárdio e morte
súbita) e 32% os eventos secundários. Os hipolipemiantes devem ser
utilizados devido às evidências de redução de risco de morte e de IAM não
fatal nos estudos de prevenção primária e secundária. Betabloqueadores
(BB) são também medicamentos de primeira escolha, pois, em estudos
envolvendo idosos, observou-se redução significativa, aproximadamente de
32% de eventos cardíacos fatais e não fatais.1
No caso em questão, observando a alergia do paciente ao AAS, foi
prescrito Sinvastatina 20mg (1x ao dia), Succinato de Metoprolol 25mg (1x
dia) e Clopidogrel 75mg (1x dia). Solicitou-se, então, ultrassonografia
Doppler de carótidas e vertebrais para estratificar lesão ateromatosa
carotídea, e o paciente foi encaminhado para avaliação de eventual cirurgia
de revascularização do miocárdio.
Causas Cardíacas
Cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia diabética,
estenose aórtica.
OBJETIVOS DE
APRENDIZADOS/COMPETÊNCIA
• Reconhecer a dor torácica de carater anginoso com características
atípicas;
PONTOS IMPORTANTES
Permanecer atento para a possibilidade de angina estável diante de
paciente com dor torácica de características atípicas. É fundamental para
todo clínico, especialmente aqueles que atendem em emergências, para que
o diagnóstico seja dado de forma precoce e a intervenção seja resolutiva.
Ressaltamos a importância de conhecer a terapia farmacológica aplicada
nesses casos e individualizar esse tratamento para cada paciente. Nesses
casos, o uso do ácido acetilsalicilico tem papel fundamental na redução da
mortalidade e eventos cardiovasculares, sendo a primeira escolha, porém
deve ser contraindicado em hipersensibilidade conhecida (urticária,
broncoespasmo ou anafilaxia); úlcera péptica ativa; discrasia sanguinea ou
hepatopatia grave.2 Diante desse quadro, dispomos, atualmente, da
ticlopina, clopidogrel, warfarin dentre outros. O clopidogrel tem boa
eficacia na profilaxia de novos eventos isquêmicos, mas está relacionado a
um menor número de efeitos colaterais. É, portanto, uma otima alternativa
nos casos relacionados à intolerância ou alergia a aspirina.3
REFERÊNCIAS
1. Mansur AP, Armaganijan D, Amino JG, Sousa AC, Simao AF, Brito AX et al. Diretriz da
doença coronariana crônica angina estável. Arq Bras Cardiol. 2004; 83: 02-43.
2. Lorga Filho AM, Azmus AD, Soeiro AM, Quadros AS, Avezum Junior A, Marques AC.
Diretrizes Brasileiras de Antigregantes Plaquetários e Anticoagulantes em Cardiologia. Arq
Bras Cardiol. 2013; 101: 01-95.
3. Nicolau JC, Cesar LAM, Timerman A, Piegas LS, Marin-Neto, JA. Diretrizes da Sociedade
Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem
Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2001; 77.
4. Casagrande EL. Angina Pectoris e infarto agudo do miocárdio. Rev AMRIGS. 2002; 46 (1,2):
9-12.
5. Jarros IC, Zanusso Junior G. Avaliação de risco cardíaco e o diagnóstico do infarto agudo do
miocárdio no laboratório de análises clínicas. Rev Uningá. 2014; 19(3):05-13.
Caso 33
Liga Acadêmica de Cardiologia
Autores: Tarsila Santiago de Castro, Luana Leite Menezes Santos e Carolina
Trindade Freitas.
Orientador(a): Dr. Alan Gomes Montgomery Hamilton (Médico
Cardiologista com Residência de Clínica Médica pelo Hospital Santo
Antônio e Residência em Cardiologia pelo Hospital Santa Izabel - Preceptor
do Programa de Residência Médica em Cardiologia do Hospital São Rafael).
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente SLC, sexo masculino, 41 anos, casado, natural e procedente de
cidade de grande porte, apresenta-se na emergência com queixa de dor no
peito há cinco dias. Paciente tabagista e com história de cirúrgia bariátrica há
2 anos, refere que iniciou atividade física há pouco tempo e vem
apresentando queixa de dor torácica após início de atividade física. Relata
que frequentou a academia durante dois dias (sexta-feira e sábado) e
apresentou dor precordial no dia seguinte. Na segunda-feira, após o almoço,
apresentou dor em aperto em região precordial com melhora completa após
uso de 20 gotas de Simeticona (75 mg/mL) e 40 gotas de Buscopam (10
mg/mL). No dia seguinte, apresentou a mesma dor, porém de intensidade
leve. Ao voltar à atividade física dois dias depois voltou a apresentar dor
precordial com as mesmas características com escala de dor 1/10 e melhora
após sair da esteira. No atual dia da consulta, após almoço e uso de cigarro,
apresentou dor precordial, contínua com duração aproximada de 7 horas,
com períodos de melhora e piora da dor, sem remissão completa, o que o
motivou a procura da emergência. Nega tontura ou sudorese. Relata tosse
produtiva pela manhã, sem febre associada. Foi administrado Dipirona com
melhora parcial da dor. Refere dislipidemia e passado de obesidade mórbida.
Nega Diabetes Mellitus, Hipertensão Arterial Sistêmica, uso de
medicamentos e alergias.
EXAME FÍSICO
FC: 70 bpm; FR: 16 inc/min; PA: 175 x 100 mmHg; Saturação: 97%; Tax:
36,5 ºC.
EXAMES COMPLEMENTARES
Valores Obtidos
Laboratório Valores Referenciais
1ª Dia 2ª Dia 2ª Dia
(19:52h) (3:28h) (6:13h)
Hemoglobina 15,1 mg/dL 13,6 mg/dL 13,7 mg/dL 13,5 - 17,5 mg/dL
Mg++ 0,80 mEq/L 0,80 mEq/L 0,80 mEq/L 1,9 - 2,5 mEq/L
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais os sinais e sintomas dessa patologia?
3. Quais os fatores de risco dessa patologia?
4. São necessários exames de imagem para o diagnóstico? Caso sim,
quais?
5. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
No caso apresentado observamos um quadro de Infarto Agudo do
Miocárdio (IAM) com apresentação típica. O IAM tem como base a
isquemia miocárdica que acaba por desenvolver uma necrose tecidual. A dor
precordial constitui a manifestação clínica mais frequente do IAM sendo
caracterizada com dor típica (dor em aperto em região retroesternal)
apresentação presente em mais de 80% dos casos, associada a anormalidades
no ECG e marcadores cardíacos séricos elevados, como troponina e CK-MB.
Pacientes idosos, mulheres e diabéticos merecem atenção especial em dores
atípicas.
Por se tratar de uma doença multifatorial, pode estar associada a vários
fatores de risco, sendo os principais: tabagismo, hipertensão arterial
sistêmica, idade, diabetes mellitus e dislipidemia. Neste caso, o paciente
apresenta tabagismo e dislipidemia como fator de risco, porém por se tratar
de um paciente jovem, a ocorrência da doença torna-se menos comum, já
que apenas pacientes acima de 45 anos são classificados para como risco
aumentado para IAM.
Baseado nos resultados dos exames realizados, o paciente foi
diagnosticado com infarto agudo do miocárdio com supra de ST em parede
anterior. Foram realizados exames de ecocardiografia para avaliar o
prognóstico do paciente. Além do ecocardiograma, foi realizado o
cateterismo com objetivo terapêutico. No caso do paciente realizou-se uma
angioplastia da artéria DA com implantação de stent metálico e obtenção de
um excelente resultado angiográfico com fluxo epicárdico e tissular TIMI 3.
O ecocardiograma tem fundamental importância ainda por fornecer
informações não somente sobre extensão e prognóstico, mas também
fornecer informações sobre complicações mecânicas do IAM como
Comunicação Interventricular (CIV), ruptura de paredes, discinesias,
aneurismas, comprometimento de função valvar seja por isquemia de
musculatura papilar ou ruptura.
Diagnósticos Diferenciais Principais
Clínico
Síndrome Coronariana Aguda
Pericardite
Tromboembolismo Pulmonar
Cardiomiopatia de Takotsubo
Laboratoriais
Hipercalemia
Hipercalcemia
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Anatomia e eletrofisiologia cardíaca;
• Semiologia cardíaca no IAM;
• Característica do desconforto torácico;
• Diagnósticos diferenciais deIAM;
• Principais fatores de risco para doenças cardiovasculares;
• Procedimentos coronários de reperfusão;
• Uso dos exames de imagem, marcadores cardíacos e exames
laboratoriais no infarto agudo do miocárdio.
PONTOS IMPORTANTES
• Assim como nem toda dor torácica é isquêmica, nem toda isquemia
miocárdica gera precordialgia. Atenção para as apresentações
atípicas, especialmente em mulheres, diabéticos e idosos.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente ACVC, sexo masculino, 66 anos, casado, católico, jornalista,
procedente de cidade do interior, apresenta-se ao médico com queixa de dor
em ombro esquerdo há cinco dias. Paciente refere que há 10 dias passou a
apresentar dor em mão direita, que evoluiu também para ombro direito. Dois
dias após surgimento da dor no ombro, esta passou a ser mais intensa e se
associou à disfagia a alimentos sólidos. Diante do quadro, o paciente se
dirigiu à emergência ortopédica, onde lhe foi dado o diagnóstico de bursite,
sendo prescrito analgésico e repouso, não sendo necessário internamento.
Três dias após o episódio de piora da dor no ombro direito, o paciente passou
a apresentar dor de maior intensidade, agora em ombro esquerdo, associada à
dispneia, sonolência e hipotensão, o que o levou a procurar o atendimento de
emergência.
Antecedentes médicos: Cirurgia de mão com avaliação cardiológica de
baixo risco há 1 ano. Diabetes Mellitus tipo II há 26 anos, em uso de insulina
e Aspirina em uso contínuo.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral, lúcido e orientado no tempo e espaço, eupnéico, corado,
anictérico, acianótico.
FC: 100 bpm; FR: 17 inc/min; PA: 99 x 72 mmHg; Saturação 98%; Tax:
36,5 oC e IMC: 28,9 kg/m2.
Sem alterações.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais os sinais e sintomas dessa patologia?
3. São necessários exames de imagem para o diagnóstico? Caso sim,
quais?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
5. Quais as possíveis complicações?
DISCUSSÃO
No caso apresentado observamos um quadro de Infarto Agudo do
Miocárdio (IAM) com apresentação atípica. O IAM tem como base a
isquemia miocárdica que acaba por desenvolver uma necrose tecidual. A dor
precordial constitui a manifestação clínica mais frequente do IAM sendo
caracterizada com dor típica, apresentação presente em mais de 80% dos
casos, associada a anormalidades no ECG e marcadores cardíacos séricos
elevados, como troponina e CK-MB.
Apesar da predominância da apresentação de dor precordial, é importante
considerar a probabilidade de IAM diante da dor atípica, principalmente em
pacientes idosos, mulheres e diabéticos, pacientes estes que geralmente
apresentam pior prognóstico, necessitando assim de maior atenção
diagnóstica. Além disso, a apresentação atípica da dor pode frequentemente
se associar à dispneia, fraqueza, tontura, náuseas e/ou vômitos, tornando-se
assim necessária a averiguação da presença de outros sintomas.
Para a confirmação do diagnóstico foram realizados os seguintes exames
complementares:
Exame Finalidade
Avaliar o ritmo do coração e o número de batimentos por minuto. Permite a identificação
Eletrocardiograma de arritmias e distúrbios na condução elétrica cardíaca, o que pode ocorrer no IAM.
Glicemia: 700 mg/dL (<100 mg/dl) D-dímero: 1554,37 µg/mL (<0,5 µg/mL)
Exames Laboratoriais
Hemoglobina: 14,3g/dL (13,5-17,5 g/dL) LDL: 130 mg/dL (<100 mg/dL)
Função ventricular: VE: grande dilatação aneurismática apical, boa contratilidade médio basal inferolateral,
lateral, inferior, septal e anterior. Déficit sistólico global moderado (FE=35% met Simpsom). Presença de
Ecocardiograma 1
imagem ecodensa, fixa em porção inferoapical compatível com trombo. VD: função global preservada.
1. Artéria coronária direita dominante com estenose de 25-30% em terço médio e estenose de 50-75% em terço
distal, além de discretas irregularidades parietais nos demais segmentos; ramo descendente posterior com
estenose de 75-90% em terço médio, leito distal de pequena importância anatômica.
2. Tronco de coronária esquerda bifurcado, de bom calibre isento de lesões obstrutivas.
Cateterismo Cardíaco
3. Artéria descendente anterior com estenose de 75-90% em terço proximal, com fluxo distal lento; primeiro
(figura 2)
ramo diagonal precoce, importante, com estenose de 75-90% proximal; segundo ramo diagonal de moderada
importância anatômica, com estenose proximal segmentar de 90%.
4. Artéria circunflexa com estenose de 75% em terço médio para distal.
5. Ventriculografia esquerda não realizada por restrição médica ao volume de contraste empregado no exame.
Troponina I
2,89 3,59 3,59 3,92 3,02 2,46
(0-0,4 µg/L)
Enzimas Cardíacas
CK-MB
(0-4,94 2,19 2,60 2,60 3,19 3,91 2,90
ng/mL)
Figura 1. Eletrocardiograma.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Síndrome Coronariana Aguda
Pericardite
Tromboembolismo Pulmonar
Dissecção de aorta
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Anatomia e eletrofisiologia cardíaca;
• Semiologia cardíaca;
• Diagnósticos diferenciais de infarto agudo do miocárdio;
• Evolução e complicações do infarto agudo do miocárdio;
• Cirurgia de revascularização miocárdica;
• Uso dos exames de imagem, marcadores cardíacos e exames
laboratoriais no infarto agudo do miocárdio.
Pontos Importantes
• Este caso revela a importância do diagnóstico precoce do IM, o que
infelizmente não acontece sempre, como no caso deste paciente,
levando a complicações e potencial risco de morte;
REFERÊNCIAS
1. Goldman L, Ausiello DC. Cecil Tratado de medicina interna. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2008.
2. Porto CC, Porto AL. Exame Clínico: Porto & Porto. 7ª ed. – Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan,
2013.
3. Robbins & Cotran. Patologia: Bases patológicas das doenças. 8ª Edição. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2010.
Caso 35
Liga Acadêmica de Cardiologia
Autores: Priscila Camargo Sampaio e Raquel Santiago Mendes da Silva.
Orientador(a): Dr. Alan Gomes Montgomery Hamilton (Médico
Cardiologista com Residência de Clínica Médica pelo Hospital Santo
Antônio e Residência em Cardiologia pelo Hospital Santa Izabel - Preceptor
do Programa de Residência Médica em Cardiologia do Hospital São Rafael).
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
67 anos, sexo feminino, branca, divorciada, aposentada, natural e
procedente de cidade de grande porte, procura atendimento por dor torácica
há 2 horas. Paciente refere que estava bem, quando, há uma semana,
apresentou dor precordial que durou cerca de 30 minutos. Foi atendida em
Serviço de Emergência e medicada com anti-inflamatório não-hormonal por
via oral. Evoluiu com novos episódios de dor torácica de rápida duração. Há
cerca de 2 horas refere novo episódio de dor precordial. A dor é de forte
intensidade, tipo queimor, tem irradiação para membro superior esquerdo e
região cervical e não tem relação com esforço. Informa náuseas e vômitos
uma hora atrás. Nega dispneia, tosse, expectoração, dor ventilatório-
dependente, tonturas, síncope, palpitações, edemas e febre. Paciente tem
antecedente de hipertensão arterail (HAS), Diabetes Melitus (DM) insulino-
dependente, obesidade, dislipidemia, hipotireoidismo e insuficiência renal
não dialítica. Faz uso de Maleato de enalapril 10 mg, Besilato de anlodipina
10 mg, Metformina 850 mg, Glibenclamida 10 mg, Sinvastatina 20 mg,
Fluoxetina 20mg, Insulina NPH 30 UI, Levotiroxina 100 mcg. Refere
tabagismo, dos 18 aos 47 anos. Refere ainda genitor falecido por morte
súbita aos 80 anos e mãe viva, com 87 anos.
EXAME FÍSICO
FC: 68 bpm; FR: 28 ipm; Tax: 37 oC; PA: 92/64 mmHg (média de três
tomadas) 68 bpm; SatO2: 97%.
Sem alterações.
Sem alterações.
Sem alterações.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Figura 01. Supra de ST em V3R e V4R. O E.C.G mostrava ainda Supra de
ST em V1, V3R e V4R.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Identifique os dados relevantes do caso e construa uma lista de
problemas com respectivas suspeitas diagnósticas.
2. Indique os prováveis mecanismos fisiopatológicos envolvidos na
patogênese da dor torácica aguda.
3. Como conduzir um paciente de dor torácica na emergência?
DISCUSSÃO
Nesse caso, uma senhora de 67 anos, se encontra na emergência com
queixa de dor torácica (presente em 75 - 85% dos casos) acompanhada de
náuseas e vômitos, sendo que já possui diversas comorbidades (HAS, DM,
dislipidemia, tabagismo) que estão intimamente relacionadas aos eventos
cardiovasculares. A idade avançada, os altos níveis de LDL colesterol,
baixos níveis de HDL colesterol, DM, HAS e tabagismo, contribuem para a
elevação do Escore de Risco de Framinghan, que mede o risco de uma
pessoa apresentar angina, infarto agudo do miocárdio (IAM) ou morrer em
10 anos.
A paciente possui um aumento do trabalho cardíaco à custa de uma
hipertensão arterial e do excesso de peso, associando ainda possivelmente a
uma restrição coronariana secundária a aterosclerose, tem-se um aumento
das demandas miocárdicas excedendo as necessidades miocárdicas de
oxigênio.
No caso relatado, a paciente apresenta-se agora hipotensa, porém,
embora a hipotensão seja um fator prognóstico desfavorável já que
frequentemente está relaconado a uma maior extensão da área de infarto e
disfunção ventricular esquerda, neste caso, associada a IAM de ventriculo
direito pode não representar um mau prognóstico podendo não estar
relacionado a uma disfunção de enchimento, geralmente respondendo bem
aos volumes de enchimento. Além disso, por se tratar de IAM inferior e com
bradicardia podemos estar diante de um reflexo de Bezold Jarish que por
irritação diafragmática desevolve um reflexo vagal, respondendo bem a
drogas com efeito vagolítico.
A dor torácica aguda como a caracterizada na paciente em estudo, levam
a uma suspeita maior de infarto. Clinicamente a apresentação mais comum
do IAM se caracteriza por dor em região subesternal, de forte intensidade,
que pode irradiar-se para região cervical, MMSS, mandíbula, região
epigástrica, com duração maior ou igual a 30 minutos, geralmente não sendo
aliviada com repouso ou nitroglicerina. No exame físico da paciente chama a
atenção à hipotensão arterial e a taquipneia.
Durante a avaliação de qualquer paciente com suspeita de síndrome
coronariana aguda, deve ser afastada a suspeita de IAM devido ao alto risco
de letalidade, mas nos casos de angina é extremamente importante procurar
uma causa subjacente potencialmente tratável.
Buscando relacionar a náusea e os vômitos com o caso, alguns pacientes
que tem o IAM, apresentam sintomas atípicos, tais como náusea, vômitos,
dispneia, cansaço, palpitações ou síncope. Esses pacientes costumam ser
mulheres, diabéticos e idosos (semelhante a paciente do caso), o que pode
passar despercebido pela equipe de saúde e deixar de se diagnosticar um
IAM em curso.
A fisiopatologia do IAM se baseia basicamente na morte dos
cardiomiócitos causada pela isquemia prolongada, processo que migra da
camada subendocárdica até o a camada subepicardica. A isquemia
miocárdica ocorre quando as placas ateroscleróticas fixas se tornam
suficientemente graves para impedir o fluxo sanguíneo coronariano, ou, a
partir do momento em que um coágulo ou um vasoespasmo é superposto em
uma placa de aterosclerose menos grave.
O miocárdio estará sofrendo progressiva agressão representada
inicialmente pela área de isquemia (onde predominam distúrbios
hidroeletroliticos), seguido de lesão (alterações morfológicas reversíveis) e,
por fim, pela necrose (danos irreversíveis).
Para que seja feita a confirmação da suspeita de IAM, devem ser
solicitados: eletrocardiograma em 12 derivações e a dosagem de enzimas
cardíacas (sendo as Troponinas I e T as mais sensíveis e específicas para
necrose miocárdica) e a monitorização do paciente. Diagnosticado o IAM, o
plano terapêutico inicial consiste da utilização de: morfina, suplementação
de oxigênio, nitrato sublingual (cuidado! em casos de suspeita de infarto do
ventrículo direito ou de hipotensão não devem ser administrados), ácido
acetilsalicílico (AAS), betabloqueador, clopidogrel e heparina, lembrando
que as medicações não necessariamente precisam ser feitas nessa ordem e
nem em sua totalidade e, cada caso dever ser avaliado com suas
características únicas.
Possibilidade mais remota é a Síndrome de Takotsubo cuja
sintomatologia é muito parecida com o IAM, comum em mulheres e após
estresse e traumas. A doença de Takotsudo faz parte do quadro das
cardiopatias adrenergicas e que são marcadas pela existência de um fator
estressante na quase totalidade dos casos ou stress físico ou mais comumente
emocional, sendo observadas também em pacientes em stress pós-cirurgico
ou em internamentos em UTI. Desta forma, embora possível, o diagnóstico
de Síndrome de Takosubo é um diagnóstico de exceção, quando a
coronariografia é normal e o aspecto de abalonamento apical é observado na
Ventriculografia ou ecocardiograma. Não é infrequente os sintomas de IAM
se confundirem com dissecção de aorta que podem acometer as artérias
coronárias, mais comumente a coronária direita o que pode confundir o
diagnóstico de IAM de ventriculo direito ou inferior.
No caso em estudo algumas restrições devem ser lembradas. O ECG da
paciente indica IAM com supra ST de parede ínfero-posterior, pois há supra
em D2, D3 e Avf, e infra em V1, e V2. No entanto, quando há infarto na
parede inferior, devemos sempre suspeitar de infarto de ventrículo direito
(VD) e, então, solicitar as derivações V3R e V4R no eletrocardiograma. Ao
encontrar infra em V1 e V2, deve ser suspeitado supradesnivelamento do
segmento ST em parede posterior (V7 e V8) e solicitá-los no exame, como
ocorreu com a paciente.
Ao encontrar supradesnivelamento do segmento ST em V4R e V3R será
confirmado o acometimento de VD, justificando a hipotensão da paciente.
Sendo assim, é necessária a infusão de soro fisiológico para aumentar a pré-
carga cardíaca e, consequentemente, aumentar a força de contração
(mecanismo de Frank-Starling) e a contraindicação da morfina e do nitrato
(reduzirão ainda mais a pré-carga). Em relação ao beta-bloqueador, também
está contraindicado nesse caso, devido à bradicardia da paciente.
Após as medidas iniciais a paciente precisará de reperfusão coronariana,
realizada através de trombolíticos ou angioplastia primária, mas isto
dependerá diretamente do tempo e da presença de uma equipe para a
realização de angioplastia.
Faz-se extremamente importante compreender que esse é o tipo de
paciente que deve ser avaliado e tratado o mais rápido possível para evitar
complicações como ICC, arritmias e até mesmo uma Parada
Cardiorrespiratória (PCR).
No caso realatado a paciente apresenta-se hipotensa, porém embora a
hipotensão seja um fator prognóstico desfavorável já que frequentemente
está relaconado a uma maior extensão da área de infarto e disfunção
ventricular esquerda, neste caso, associada a IAM de ventrículo direito pode
não representar um mau prognóstico podendo não estar relacionado a uma
difunção de enchimento, geralmente respondendo bem aos volumes de
enchimento. Além disso, por se tratar de IAM inferior e com bradicardia
podemos estar diante de um reflexo de Bezold Jarish que por irritação
diafragmática desevolve um reflexo vagal, respondendo bem a drogas com
efeito vagolítico.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Diagnóstico diferencial de dor torácica
Dor isquêmica
Origem: CARDÍACA
Diminuição do suprimento de oxigênio:
• Aterosclerose importante;
• Trombose coronariana;
• Espasmo coronariano;
• Dissecção aórtica.
Aumento da demanda de oxigênio:
• Miocárdio hipertrófico;
• Taquicardia;
• Estenose aórtica;
• Ponte miocárdica;
• Miocardiopatia dilatada.
Origem: NÃO CARDÍACA
Diminuição do suprimento de oxigênio:
• Anemia;
• Hipoxemia;
• Hiperviscosidade.
Aumento da demanda de oxigênio:
• Hipertireoidismo;
• Taquicardia;
• Hipertermia;
• Ponte miocárdica;
• Alto estado inotrópico.
Dor não isquêmica
Origem: CARDÍACA
Pericardite.
Dissecção Aórtica.
Diagnóstico diferencial de dor torácica
Dor isquêmica
Muscular.
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Fisiopatologia da Doença Arterial Coronariana e suas manifestações
clínicas.
REFERÊNCIAS
1. Goldman L. Ausiello DC. Cecil Tratado de medicina interna. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2008.
2. Porto CC, Porto AL. Exame Clínico: Porto & Porto. 7ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan,
2013.
Caso 36
Liga Acadêmica de Cardiologia
Autores: Marina May Cedro, Natalia Freitas Figueiredo e Thiago Menezes
Barbosa de Souza.
Orientador(a): Dr. Luiz Fernando Ferreira de Pinho (Especialista em
Cardiologia, Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) - Médico
pesquisador da Oregon Health and Science University - USA).
Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
MVP, 51 anos, homem, testemunha de Jeová, procedente de cidade de
grande porte, dá entrada na emergência 15 dias após alta médica (admitido
da última vez por queixas de náuseas, êmeses pós-prandiais e aumento
doloroso de volume abdominal) Queixa-se de piora progressiva há três dias,
de edema de membros inferiores (MMII), dispneia aos mínimos esforços e
em repouso, além de ortopneia. Em associação, tosse seca e episódios de
escarro esbranquiçado. Traz diagnóstico prévio de doença de Chagas. Nega
precordialgia, palpitações ou síncopes. Durante internação, o paciente
evoluiu com escarros hemoptoicos e o acompanhante relata episódios de
surtos psicóticos.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hematócrito 46,3% 40 - 54 %
Coagulacão
Tempode Protrombina (TP) 42,58% 80 - 100%
Bioquímica
Glicemia 126 < 100 mg/dL
Fósforo 3 6 - 8 g/dL
Aorta 30 mm 28 a 37 mm
Atrio esquerdo 46 mm 30 a 40 mm
Ventriculo direito 26 mm 17 a 26 mm
Septo interventricular 8 mm 7 a 10 mm
Parede posterior 8 mm 7 a 10 mm
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual é a sua principal suspeita diagnóstica?
2. Qual é a provável etiologia da arritmia?
3. Qual é a causa da hepatomegalia?
DISCUSSÃO
Considerando os critérios de Framingham (Tabela 2), é possível fechar
um diagnóstico clínico de insuficiência cardíaca (IC), provavelmente
atribuída a uma miocardiopatia chagásica, considerando-se o diagnóstico
prévio. A presença de sintomatologia de insuficiência de ventrículos
esquerdo e direito (IVE e IVD) indica que se trata de uma insuficiência
cardíaca congestiva (ICC), também chamada de global, em classificação
funcional (CF) IV segundo os critérios da New York Heart Association
(NYHA) (Tabela 3). A fisiopatologia da IC nos diz que, com a redução do
débito cardíaco causada pela disfunção sistólica, temos o disparo de uma
série de respostas contra-regulatórias. Existe a participação do sistema
nervoso autônomo simpático, que age com conhecidos efeitos adrenérgicos
de aumento de frequência cardíaca (cronotropismo) e aumento da força de
contração miocárdica (inotropismo). Com relação às respostas hormonais,
existe ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, gerando
vasoconstrição periférica, aumentando a resistência vascular e elevando a
pós-carga. A complexa interação das respostas do corpo à insuficiência
cardíaca submete o coração doente a uma série de agravantes da sobrecarga
ventricular. Convém notar, portanto, que grande parte do tratamento
farmacológico da insuficiência cardíaca consiste em “freiar” as respostas
compensatórias do corpo, através da redução da função adrenérgica (ex.
beta-bloqueador) e da atividade do eixo renina-angiotensina-aldosterona (ex.
IECA). As câmaras cardíacas, submetidas a um trabalho excessivo, estão
sujeitas a uma piora progressiva do remodelamento e continuam evoluindo
com dilatação e diminuição do débito cardíaco. Essas alterações, embora
causem possível melhora inicial da sintomatologia, a médio e longo prazo
aumentam drasticamente a taxa de mortalidade. Posteriormente, outros
problemas surgem em decorrência dessa situação. A condução elétrica
através do miocárdio sofre profunda desorganização com o estiramento das
fibras, favorecendo fenômenos elétricos complexos e indesejados, com
formação de circuitos de reentrada e surgimento de ectopias. Uma das
arritmias mais frequentes, que decorre da sobrecarga do átrio esquerdo, é a
fibrilação atrial, presente em grande número de pacientes com IC. Nessa
situação de descontrole do ritmo atrial, a contração efetiva da câmara é
perdida e a estase sanguínea favorece a formação de trombos intracavitários.
Quando o paciente não é devidamente anticoagulado, trombos formados no
átrio esquerdo podem ganhar a circulação sistêmica e causar acidentes
vasculares encefálicos (AVE) ou outros fenômenos cardioembólicos. É
importante notar que, a depender da etiologia da IC, uma série de outros
distúrbios de condução podem estar presentes. Na miocardiopatia chagásica,
por exemplo, é muito comum o bloqueio do ramo direito (BRD) do feixe de
His, além de uma série de outras situações que podem predispor ao
surgimento de arritmias ventriculares.
Cardiomegalia Hepatomegalia
Paciente com doença cardíaca, porém sem limitações de atividade física diária não
Classe funcional I
provoca dispnéia, fadiga acentuada, palpitações nem angina no peito.
Paciente com doença cardíaca, que são assintomáticos quando em repouso, mas
Classe funcional II atividades físicas comuns apresentam dispnéia, fadiga, palmitações ou angina no
peito.
Pacientes com a doença cardíaca, que apresentam acentuada limitação nas atividades
Classe funcional III físicas. Eles se semtem bem em repouso, porém pequenos esforços provocam
dispnéia, fadiga acentuada, palpitações, sem angina do peito.
Pacientes com insuficiência cardíaca e que têm incapaciadade para executar qualquer
Classe funcional IV atividade física. Os sintomas de dispnéia, fadiga acentuada, palpitações e angina do
peito existem mesmo em repouso, e se acentuam com qualquer atividade física.
Classificação funcional da New York Heart Association (NYHA) para a
insuficiência cardíaca, com base em sintomatologia e qualidade de vida.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Para a dispneia: DPOC, asma, sedentarismo, obesidade.
Pontos Importantes
• O diagnóstico de ICC é clínico (vide critérios de Framingham);
ecocardiograma é um complemento;
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
C. C, 50 anos, sexo feminino, negra, obesa (IMC=33,68 kg/m2), dona de
casa, com diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica (HAS) há 15 anos,
em tratamento regular com Enalapril 20mg 8/8h, Hidroclorotiazida 25mg
24/24h, Nifedipina 20mg 8/8h e Metildopa 500mg 8/8h, com níveis
pressóricos de difícil controle e história prévia de dois acidentes vasculares
encefálicos (AVEs), refere, durante consulta de rotina, presença de dor
precordial, tipo pontada, sem irradiação, associada à dispneia e sudorese,
com duraçãode 20 minutos desencadeada após estresse emocional e aliviada
ao repouso. Refere ainda presença de cefaleia holocraniana de evolução
crônica, escala visual analógica de dor (EVA) 9/10, sem fatores agravantes e
atenuada com uso de Dipirona. Nega dorsalgia, dispneia, presença de sinais
focais, convulsões, uso de medicamentos simpaticomiméticos e/ou drogas
ilícitas e etilismo. Relata uso de cigarro por 10 anos e cerca de um maço por
dia o que confere uma carga tabágica de 10 anos-maço.
EXAME FÍSICO
Paciente em bom estado geral, lúcida e orientada no tempo e no espaço
(acerta dia, mês, ano e local), hidratada, hipocorada (+/4+), anictérica,
acianótica, eupneica em ar ambiente.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hematócrito 36,6% 37% – 47%
Bastões 4% 2-7%
Marcadores Cardíacos
CPK 45 U/L 25-155U/L
Troponina I Negativa -
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. É necessária a realização de exames complementares para o
diagnóstico? Caso sim, quais?
3. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
4. Quais são os erros mais cometidos ao aferir Pressão Arterial?
DISCUSSÃO
A crise hipertensiva constitui uma das situações de complicação da
Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) cuja fisiopatologia envolve um
desequilíbrio entre débito cardíaco e resistência vascular periférica1. É uma
entidade clínica onde há aumento súbito da PA (≥ 180 x 120 mmHg),
acompanhado de uma variedade de manifestações clínicas, as quais podem
ser leves (cefaleia, tontura, zumbido) ou graves (dispneia, dor precordial,
coma e até morte), com ou sem lesão aguda de órgãos-alvo2. Pode ser
subdividida em urgência e emergência hipertensiva. A primeira não
apresenta envolvimento de órgãos-alvo, a sintomatologia é leve e o risco de
morte iminente é atenuado, de modo que o tratamento pode ser realizado por
via oral3. Na segunda, há elevação abrupta da resistência vascular sistêmica
(comumente associada a um aumento não fisiológico de substâncias
vasoconstritoras como norepinefrina, angiotensina ou a vasopressina),
gerando forças de cisalhamento e desencadeando lesão endotelial, deposição
de plaquetas e fibrina, levando à isquemia (Figura 2) e sinais de lesão de
órgãos-alvo (como encefalopatia, infarto do miocárdio, angina instável,
edema agudo de pulmão, eclâmpsia, acidente vascular encefálico, dissecção
aórtica)4. Nesses casos, há requerimento de tratamento intensivo e
administração de drogas anti-hipertensivas parenterais (Figura 3), uma vez
que há risco de morte iminente associado a essas lesões5. O nível absoluto da
PA, em situação de emergência hipertensiva não é a circunstância de maior
importância, mas sim, o nível de acometimento e lesões nos órgãos alvo e a
condição clínica do paciente5.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Elevações de pressão arterial
Emergência hipertensiva
Urgência hipertensiva
Pseudocrise hipertensiva
Dor torácica
Cardíaca
Isquêmica:
• Angina instável;
• Angina estável;
• Infarto agudo do miocárdio (IAM).
Não isquêmica:
• Refluxo gastroesofagiano;
• Úlcera péptica;
• Espasmo gastroesofagiano.
Não esofagiana:
• Embolia pulmonar;
• Pneumotórax;
• Musculoesquelética.
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Semiologia cardiovascular;
• Apresentações clínicas das crises hipertensivas;
• Diagnósticos diferenciais de dor torácica e elevação da pressão
arterial;
Comer, fumar, ingerir bebida alcóolica ou cafeína antes Evitar essas ações pelo menos 30 minutos antes da
da aferição. aferição.
Compressão excessiva do estetoscópio sobre a artéria Colocar estetoscópio firmemente sem pressionar
braquial excessivamente.
Reavaliar a pressão sistólica antes de terminar a Desinflar totalmente o manguito; após 1 a 2 minutos
deflação do manguito reiniciar medição.
Pontos Importantes
Consistem emergências/urgências hipertensivas: acidente vascular
encefálico (isquêmico e hemorrágico), encefalopatia hipertensiva, síndrome
coronariana aguda, edema agudo de pulmão, eclampsia, hipertensão
acelerada-maligna.
REFERÊNCIAS
1. Martin JFV, Loureiro AAC, Cipullo, JP. Crise hipertensiva: atualização clínico terapêutica. Arq.
Ciência da Saúde 2004 out-dez; 11(4): 253-61.
2. Filho GSF, Lopes RD, Poppi NT, Guimarães HP. Emergências hipertensivas. Revista Brasileira
Terapia Intensiva 2008; 20 (3): 305 – 312, 2008.
3. Villacorta H. Crise hipertensiva. Revista da Sociedade De Cardiologia do Estado do Rio de
Janeiro, vol 12, jan/fev/mar, 1999.
4. Furtado RG, Coelho EB, Nobre F. Urgências e emergências hipertensivas. Medicina, Ribeirão
Preto, 36: 338-344, abr./dez. 2003.
5. Cherney A & Strauss S. Management of patients with Hypertensive Urgencies and Emergencies.
A systematic Review of the Litetature. J Gen Intern Med 17: 937 -945, 2002.
6. Libby P, Bonow RO, Mann DL, Zipes DP (eds). Braunwald’s heart disease: a textbook of
cardiovascular medicine. 8th ed. Philadelphia: Saunders / Elsevier; 2008.
7. Coelho OR, Almeida DA, Veti OM. Hipertensão Arterial sistêmica e angina instável.
HiperAtivo, vol 6, nº 1, Janeiro-Março de 1999.
8. Martins HS, Brandão Neto RA, Scalabrini Neto A, Velasco IT. Emergências clínicas.
Abordagem prática. 8ª edição, Manole, 2013.
9. Sociedade Brasileira de Hipertensão. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Rev Hipertens
2010; 13 (1): 08-66.
10. Ribeiro CCM & Lamas, JLT Comparação entre técnicas de mensuração de PA em um ou dois
tempos. Ver. Bras Enfermagem; Brasília 2012, jul-ago; 651 (4): 630 -6.
11. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arquivos Brasileiros de Cardiologia: I Diretriz de Dor
Torácica na Sala de Emergência, vol.79, suppl.2 , São Paulo, Aug. 2002.
12. Ferreira RF, Jazbik CE, Brandão AA. Emergências Hipertensivas. Revista Hospital
Universitário Pedro Ernesto, vol.8, nº 2 – Rotinas da Unidade Cardiointensiva, jul-dez 2009.
Caso 38
Liga da Insuficiência Cardíaca
Autores: Catarine Benta Lopes dos Santos, Júlia Santana Trombetta e
Tatiane Mayumi Yonamine.
Orientador(a): Dra. Thaize Brisolara Nogueira (Cardiologista na Fundação
Universitária de Cardiologia, Instituto de Cardiologia do Rio Grande do
Sul).
Instituição: Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre -
UFCSPA.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente masculino, 7 anos, procura atendimento hospitalar por
taquicardia e dor torácica. Há um ano ocorreu o primeiro episódio, no qual
apresentou frequência cardíaca de 240 batimentos por minuto (bpm),
associado à vertigem e à dor torácica em aperto, sem irradiações e sem
posição antálgica. Apresentava extremidades frias e lábios cianóticos.
Recebeu monitorização e através de um acesso venoso periférico foi
administrado adenosina - o que encerrou a taquiarritmia. Iniciou tratamento
profilático com propranolol 5mg 2x dia. Passados cinco meses teve um novo
episódio, associado a náuseas e a vômito. Recebeu o mesmo manejo da crise
anterior e aumentou-se o uso do propranolol para 10 mg manhã e 10 mg
noite. Paciente teve novo episódio seis meses depois, sem resposta à
adenosina, e com reversão com uso de amiodarona. Passou a usar
propranolol 10 mg manhã, 10 mg tarde e 10 mg noite. Paciente relata que as
crises ocorriam em momentos de maior ansiedade e agitação. Nega síncope.
EXAME FÍSICO
Estado geral regular, lúcido, orientado e coerente. Eupneico, hidratado e
acianótico.
FC: 100 bpm; FR: 12 ipm; PA: 90 x 60 mmHg; Tax: 36,7 oC.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. O paciente possui cardiopatia congênita? Nasceu com algum sinal
que tenha chamado a atenção da equipe médica, como cianose
importante, por exemplo?
2. O paciente possui história familiar de ocorrência de taquiarritmias?
Se sim, parente em qual grau e que tipo de anormalidade ele possuia?
3. Haverá algum problema na condução elétrica no coração deste
paciente, para justificar a ocorrência de um complexo QRS com tais
anormalidades e que justifiquem a recorrência de tais sintomas,
mesmo sob tratamento contínuo com beta-bloqueadores?
DISCUSSÃO
A história clínica desse paciente, que apresentou taquicardia de 240 bpm
e vertigem, associada a alterações no ECG - presença de onda delta nas
derivações V1-V4 e redução do intervalo PR - são fortemente sugestivas de
Síndrome de Wolff-Parkinson-White (SWPW), a forma mais comum de pré-
excitação ventricular.
A SWPW é uma entidade clínico-eletrocardiográfica caracterizada por
sinais de pré-excitação no ECG associada a episódios de taquiarritmia. Na
SWPW há um feixe acessório que faz um “by pass” no sistema cardíaco de
condução normal do indivíduo, levando à ativação ventricular precoce. A
taquiarritmia pode ocorrer porque, na maioria das vezes, esse feixe acessório
tem propriedade de fazer condução do estímulo de forma anterógrada (do
átrio para o ventrículo) e retrógrada (do ventrículo para o átrio). Esta
propriedade também pode estar presente no nódulo atrioventricular (AV),
completando o circuito necessário para causar taquicardia por reentrada
atrioventricular.2
Os achados eletrocardiográficos típicos da SWPW encontram-se
resumidos no quadro a seguir:1-3
• Frequência usual de 150 a 250 bpm;
Onda P • Ritmo regular, exceto no seu início e no seu término;
• Pode apresentar-se retrógrada, como demonstrado na figura 2, em que onda encontra-se
negativa nas derivações DII, DIII e AVF.
Outros achados • Alterações secundárias do segmento ST e da onda T que geralmente estão direcionadas
em uma direção oposta aos vetores delta e QRS normais.*
* Os itens selecionados representam as anormalidades do ECG em pacientes
com a forma de condução Wolff-Parkinson-White (WPW) causada por uma
conexão AV.
• Palpitações rápidas;
• Desconforto torácico;
• Tonturas;
• Dispneia;
• Astenia;
• Pré-síncope.
A síncope é um sintoma incomum, mas pode estar presente quando um
doente com taquiarritmia por reentrada atrioventricular (TRAV) desenvolve
fibrilação atrial (FA), que pode levar à instabilidade hemodinâmica se a
condução anterógrada desta arritmia se der pelo feixe acessório. Nesta
situação, pode ocorrer evolução para fibrilação ventricular com parada
cardíaca e morte súbita.4-7 Ocasionalmente, pode haver desconforto torácico,
o qual pode ser confundido com sintomas de isquemia miocárdica. No
exame físico, poderá ser encontrada intensidade de B1 constante, porém
diminuída, desdobramento de B2 normal e ondas “a” em “canhão” (o átrio,
ao bater assincronicamente com o ventrículo, se contrai no mesmo instante
que este último, o que resulta em uma contração atrial contra uma valva
tricúspide ainda fechada, ocasionando refluxo sanguíneo para veia cava
superior e para veia jugular, o que gera a onda “a” em “canhão”).
Wolff-Parkinson-White é uma síndrome de origem congênita ou
adquirida. Possivelmente, será congênita quando diagnosticada em crianças,
em recém-nascidos, em pacientes com cardiopatias congênitas: doença de
Ebstein, comunicação interatrial, Tetralogia de Fallot, coarctação de aorta,
transposição de grandes vasos e na presença em membros de uma mesma
família. Já a adquirida está mais relacionada a um diagnóstico pós IAM e
miocardiopatia. A SWPW é encontrada em todas as faixas etárias, desde o
período fetal e pré-natal até os idosos. A prevalência é maior em homens e
diminui com a idade, aparentemente devido a uma perda de pré-excitação.
As vias podem perder a sua capacidade de conduzir anterogradamente. As
crises de taquicardia, que começam geralmente na infância, podem
desaparecer, mas frequentemente recorrem.2,10
A fibrilação atrial (FA) paroxística é uma arritmia comum nos pacientes
com SWPW e pode ser observada em 30 a 40% deles. Na vigência da FA, os
impulsos atriais são conduzidos de forma rápida pela via anômala, podendo
induzir fibrilação ventricular (FV) e morte súbita, cuja ocorrência,
entretanto, é baixa (0,6% ao ano).8 Os pacientes com SWPW considerados
de risco para essas complicações são os que apresentam: período refratário
curto da via anômala (< 250ms), curto intervalo R-R entre dois QRS pré-
excitados (na vigência de FA) ou múltiplas vias acessórias.8
As recomendações para a abordagem de pacientes com SWPW e FA
baseiam-se na gravidade da doença (em função das características
eletrofisiológicas da via acessória) e na apresentação clínica da arritmia. É
importante destacar que o tratamento ablativo da SWPW reduz
sensivelmente a recorrência de FA no longo prazo, sugerindo a participação
importante da via anômala na gênese dessa arritmia. Por isso, a ablação por
cateter é considerada alternativa terapêutica primária para esses pacientes.8
Após ablação com sucesso, deve-se realizar revisão clínica com ECG e
avaliação de recorrência de sintomas em 3 meses, 6 meses e 1 ano. É
indicada alta cardiológica se não houver recorrência dos sintomas e ECG
normal.
Fisiopatologia
Bases anatômicas: foram descritos dois tipos de vias condutoras que
permitem ao estímulo atingir os ventrículos mais precocemente que o
habitual. Essas vias realizariam um curto-circuito pela região do nódulo AV,
de modo que o estímulo elétrico não sofreria o fenômeno fisiológico de
retardo em sua velocidade nessa estrutura, o que justificaria a rápida duração
do intervalo PR. As conexões são divididas em:2
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Cardiológicos
Fibrilação atrial
Flutter atrial
Taquicardia atrial
Bloqueio de ramo
Hipertrofia ventricular
Psicogênico
Ansiedade
Pânico
Referências
1. Braunwald E. Tratado de Doenças Cardiovasculares. 9° Ed. Bonow RO, Mann DL, Zipes DP,
Libby P, editores. Rio de Janeiro. Elsevier, 2013.
2. Sanches PC, Moffa PJ. Eletrocardiograma - Normal e Patológico - Tranchesi. 1° Ed. Rocca,
2001.
3. Kasper, DL. et al. Harrison Medicina Interna, v.2. 18ª. Edição. Rio de Janeiro: McGrawHill,
2013.
4. Josephson ME. Clinical cardiac electrophysiology. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams &
Wilkins; 2002.
5. Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Diretrizes para avaliação e tratamento de pacientes
com arritmias cardíacas. Arq Bras Cardiol. 2002;79.
6. Klein GJ, Bashore TM, Sellers TD, et al. Ventricular fibrillation in the Wolff-Parkinson-White
syndrome. N Engl J Med. 1979;301:1080-1085.
7. Pappone C, Santinelli V. Catheter ablation should be performed in asymptomatic patients with
Wolff-Parkinson White syndrome. Circulation. 2005;112:2207-215.
8. Zimerman LI, Fenelon G, Martinelli M, Grupi C, Atié J, Lorga Filho A, et al.Sociedade
Brasileira de Cardiologia. Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Arq Bras Cardiol
2009;92(6 supl.1):1-39
9. Marrakchi S, Kammoun I, Kachboura S.Wolff-Parkinson-White Syndrome Mimics a
Conduction Disease. Case Rep Med. 2014; 2014: 789537.
10. Oliveira MAD. Síndrome Wolff-Parkinson-White. Dissertação de Mestrado Integrado em
Medicina. Porto. 2012.
Caso 39
Liga Acadêmica do Coração da Bahia
Autores: Priscila Neri Lacerda, Adilson Machado Gomes Júnior e Beatriz de
Carvalho Lins Andrade Neta.
Orientador(a): Dr. Roque Aras Júnior (Cardiologista, Faculdade de Medicina
da UFBA).
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Homem de 62 anos, hipertenso há seis anos e com passado de acidente
vascular cerebral há 20 anos, comparece para consulta de rotina relatando
dispneia aos esforços há cerca de dois anos. Há um ano apresentou episódio
agudo de dor retroesternal em pontada, intensidade 9/10, intermitente,
associada a sudorese, com resolução espontânea após seis horas.
EXAME FÍSICO
PR: 85 bpm; FR: 19 ipm; Tax: 35,6 oC. PA: 166 x 54 mmHg.
EXAMES COMPLEMENTARES
Figura 1. Corte axial em RNM evidenciando falsa-luz com presença de
trombo na porção ascendente da aorta e “FLAP” intimal.
Figura 3. Corte coronal em RNM evidenciando aneurisma de aorta dissecado
com envolvimento de coronária direita, tronco braquiocefálico e subclávia
esquerda.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. São necessários outros exames de imagem para o diagnóstico? Caso
sim, quais?
3. Qual conduta mais apropriada para este paciente?
DISCUSSÃO
A principal suspeita diagnóstica para o caso apresentado é dissecção de
aorta (DA), considerando a história apresentada pelo paciente, compatível
com o quadro clínico clássico desta patologia: dor torácica incialmente
retroesternal, com posterior irradiação para região dorsal devido à
progressão da dissecção distalmente.4 A DA, caracterizada pela separação da
camada interna e média da aorta pelo fluxo sanguíneo, apresenta incidência
mundial de 2,6 a 3,5 casos por cem mil habitantes e tem a hipertensão
arterial sistêmica como o principal fator predisponente.5 O paciente com
quadro de dissecção aórtica clássica apresenta-se, em geral, com dor torácica
e dorsal de forte intensidade, que pode irradiar para cabeça, abdome ou
região lombar5. Em 4,5% dos pacientes, o quadro evolui sem dor na
apresentação inicial.5 Apesar de a hipertensão arterial constituir um fator de
risco para a DA, esta faz-se presente no início do quadro em apenas 36% dos
pacientes com dissecção do tipo A e 70% dos com tipo B.5 Nos demais
pacientes, a hipertensão não é evidente inicialmente devido ao quadro de
choque.5 A DA é considerada crônica quando o intervalo entre o surgimento
dos sintomas e o diagnóstico é superior a três semanas.1 O exame físico dos
pacientes com DA pode evidenciar alteração de pulsos periféricos devido à
obstrução de ramos da aorta, e diferença de pressão arterial em membros
superiores.4 O sopro diastólico em foco aórtico com irradiação cervical
bilateral, característico da insuficiência aórtica, pode ser observado neste
paciente pela frequente associação destas patologias.4 Em relação aos
exames complementares para confirmação do diagnóstico de DA, a
radiografia do tórax apresenta como constatação mais comum o alargamento
do mediastino, presente em cerca de 50% dos casos.5 A presença deste
achado no exame de radiografia do caso apresentado corrobora com a
principal suspeita de DA, sendo necessário outro método de imagem para a
confirmação diagnóstica desta patologia.1 Dado o período de evolução do
quadro de um ano, o raciocínio clínico pode ser direcionado para um evento
crônico, motivo pelo qual o ecocardiograma transesofágico, a tomografia
computadorizada (TC) e a ressonância nuclear magnética cardíaca (RNM)
tornam-se os principais exames de imagem a serem solicitados para esta
confirmação.3 Isto se deve à alta sensibilidade e especificidade desses
exames para o diagnóstico dos quadros crônicos de DA, devendo ser
solicitados de acordo com a disponibilidade do exame e a experiência da
equipe.3 É importante destacar que os guidelines mais recentes trazem a
RNM como o principal exame a ser solicitado nos casos crônicos de DA.5
No paciente do caso em questão, foi realizado o ecocardiograma
transesofágico, sendo evidenciada dissecção da aorta ascendente até aorta
abdominal, insuficiência aórtica moderada, hipertrofia excêntrica dilatada de
ventrículo esquerdo (VE), com disfunção diastólica tipo II e função sistólica
preservada. Foi realizada a ressonância magnética do coração que
evidenciou aneurisma de aorta com dissecção em espiral tipo A até a
transição toraco-abdominal, envolvendo coronária direita, tronco
braquiocefálico e subclávia esquerda; carótida comum emergindo da luz
verdadeira; falsa luz com grande trombo em porção ascendente; insuficiência
aórtica grave; função sistólica de VE preservada e disfunção sistólica de
ventrículo direito moderada. Dessa forma, após a confirmação através dos
exames de imagem destacados, o diagnóstico mais provável do caso é a
dissecção de aorta ascendente (DAA). A DAA raramente manifesta-se na
forma crônica, devido à gravidade e alta letalidade do evento agudo.
Contudo, neste caso, observa-se um paciente com DAA crônica, com um
ano de evolução, apresentando-se assintomático. Nestes casos, geralmente
ocorre um alargamento da parede da aorta devido ao fluxo de sangue na
secção da aorta dissecante e esta situação leva ao longo do tempo ao
alargamento do aneurisma.1 Devido ao alto potencial de complicações
(insuficiência aórtica aguda, infarto agudo do miocárdio, eventos cerebrais
isquêmicos, tamponamento cardíaco e exsanguinação), esses pacientes
devem ser indicados para tratamento cirúrgico como conduta mais adequada
sempre que possível.2
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Cardiovasculares
Cardiopatia isquêmica:
• Forma aguda:
• Infarto agudo do miocárdio;
• Angina instável.
• Forma crônica:
• Angina estável.
Pericardite
Tumor em mediastino
Respiratório
Tromboembolismo pulmonar
Pneumotórax hipertensivo
Pleurite
Dor Musculoesquelética
Gastrointestinal
Úlcera péptica ou úlcera perfurada
Colecistite
Pancreatite aguda
Perfuração/Ruptura esofágica
Psicogênica
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
JMCF, 74 anos, sexo masculino, casado, branco, católico, pedreiro
procurou atendimento médico com uma queixa principal de ‘’perda do
movimento dos braços’’.
Paciente relata que iniciou, há 6 horas, episódios de paresia em membro
superior direito, com duração de 15 minutos cada, enquanto assistia
televisão. Nega amaurose, parestesia, alterações no nível de consciência,
paresia em membro inferior ou outros sinais e sintomas associados.
Informou que em agosto de 2017 apresentou episódio semelhante a este com
subsequente realização de ultrassonografia com doppler das artérias
carótidas. A mesma evidenciou uma obstrução de 65%, sendo cogitada a
possibilidade de intervenção cirúrgica. Todavia, como o seu risco cirúrgico
era maior do que 3%, foi eliminado o potencial benefício da operação,
seguindo-se com o tratamento medicamentoso com estatinas, drogas anti-
plaquetárias e inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA), além
de mudanças no estilo de vida. Porém, o tratamento foi abandonado com
menos de 1 mês por motivos pessoais, não informados por ele.
Nega cirurgias anteriores, doenças comuns na infância, uso de drogas,
alergia e hemotransfusão; uso irregular de anti-hipertensivos (diagnosticado
há 16 anos), hipoglicemiante oral, antidislipidêmico, diurético tiazídico;
insuficiência cardíaca diagnosticada há 5 anos.
Pai faleceu aos 84 anos de AVC e mãe aos 86 de IAM. Esposa e filho (47
anos) saudáveis.
Tabagista de 250 maços/ano, estilista social, nega prática de atividades
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
VCM 86 fL 80 - 100 fL
HCM 28, 2 pg 28 - 32 pg
Eletrólitos
Função renal
Coagulograma
Lipidograma
Figura 2: Eletrocardiograma.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Com base na história e exames apresentados, qual a hipótese
diagnóstica?
2. Qual a doença de base que está conduzindo a esta manifestação
clínica?
3. Quais são os fatores de risco para o desenvolvimento desta doença?
4. Quais são os critérios para tratamento cirúrgico?
5. Como é realizada a cirurgia indicada neste caso?
6. Descreva o protocolo para o atendimento deste paciente, desde a sua
admissão até a alta.
DISCUSSÃO
A estenose de carótida extracraniana é uma importante causa de ataque
isquêmico transitório (AIT) e, posteriormente, acidente vascular encefálico
(AVE). Portanto, sua identificação precoce e tratamento adequado são
imprescindíveis para evitar novos eventos ou agravamento do quadro clínico
do paciente. O AIT consiste em um episódio transitório de disfunção
neurológica causada por isquemia focal do encéfalo, medula espinhal ou
retina na ausência de infarto agudo com duração de até 24 horas. Segundo as
Diretrizes para o Ataque Isquêmico Transitório da Sociedade Beneficente
Israelita Brasileira - Albert Einstein (2017), o mesmo deve ser tratado nas
primeiras 48 horas, pois é quando ocorre metade do risco de AVE isquêmico.
Faz-se, então, a estratificação de risco através do escore ABCD2, o qual
classifica pacientes de alto e baixo risco para evoluir com AVE.
Hemiparesia
2
C - Sintomas Clínicos
(Clinical Symptoms) Distúrbios da fala sem
1
hemiparesia
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Mononeuropatia
Polineuropatia
Coagulopatia
Hérnia de disco
Crises de enxaqueca
HABILIDADES/ COMPETÊNCIAS
• Estudo da semiologia neurológica;
• Diagnóstico diferencial entre Ataque Isquêmico Transitório (AIT) e
Acidente Vascular Encefálico (AVE);
DICAS PRÁTICAS
• É importante tratar precocemente a etiologia do AIT de forma a
evitar evolução para AVEi;
REFERÊNCIAS
1. Campos BAG, Filho WCP. Estenose de carótida extracraniana. Arquivos Brasileiros de
Cardiologia. São Paulo, 2004; 83(3): 528-32.
2. Lujan RAC, Lucas LA, Gracio, AF, et al. Tratamento endovascular da doença obstrutiva
carotídea. J Vasc Br. Porto Alegre, 2006; 5(1): 23-9.
3. Flumignan CDQ, Flumignan RLG, Navarro TP. Estenose de carótida extracraniana: revisão
baseada em evidências. Rev. Col. Bras. Cir. Rio de Janeiro 2017; 44(3): 293-301.
4. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Ayub-Ferreira SM, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia.
III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica. Arq Bras Cardiol. 200;93(1):1-71.
5. Alves M. Diretriz para Ataque Isquêmico Transitório. Sociedade Beneficente Israelita Brasileira.
2017.
6. Alves M. Diretriz para Ataque Isquêmico Transitório. Sociedade Beneficente Israelita Brasileira.
2017.
7. Henrique MD, Leça ACM, Coelho HLD, et al. Rev. Ciênc. Saúde Nova Esperança – Jun.
2014;12(1):104-9.
Caso 41
LACCV – Liga Acadêmica de Cirurgia Cardiovascular da Bahia
Autores: Adrielle Gobi Sabarin, Jéssica de Oliveira Santana Alves e Rafael
Viana dos Santos Coutinho.
Orientador(a): Nadja Cecília de Castro Kraychete (Especialista em Cirurgia
Cardiovascular pediátrica. Cirurgiã do Hospital Ana Nery e da Santa Casa da
Bahia)
Instituição: Universidade Federal da Bahia – UFBA
Cardiologia
HISTÓRIA CLÍNICA
N.R.R, 24 dias, masculino, nascido de parto cesário, com 39 semanas e 6
dias. Apresentou líquido amniótico sanguinolento, ápgar 2º/5°/10º minutos:
2/6/8. Evoluiu com desconforto respiratório (com melhora após uso de O2
com Halo 40%), sendo admitido na UTI pediátrica onde apresentou aumento
da frequência respiratória variando de 70-110 ipm. Foram realizados exames
laboratoriais, Ecocardiograma e Angiotomografia Computadorizada do
coração, arterial e venosa do tórax, e indicada transferência para hospital de
referência em cirurgia cardiovascular pediátrica. Manteve estabilidade
hemodinâmica até o dia de sua cirurgia em uso de prostaglandina. A mãe,
J.R.S (G1P1A0), 29 ANOS, relata ter descoberto a gravidez no quarto mês
de gestação e ter realizado 4 consultas de pré-natal. Nega contato com
animais, patologia, tabagismo, uso de drogas ou medicamentos. Refere
histórico familiar de cardiopatia congênita
EXAME FÍSICO
Paciente em regular estado geral; leve taquipneia; hidratado; ictérico
(2+/4+).
FC: 118 bpm, FR: 42 ipm; TA: 74x36 mmHg; SO2: 100%.
Nada observado
Nada observado
EXAMES COMPLEMENTARES
ECG: Paciente com taquicardia, FC:150
Evidencia-se desvio do eixo para direita (QRS Negativo em D1 e
positivo em aVF e negativo em aVL)
Paciente apresenta sinais de sobrecarga ventricular a direita (alteração
da morfologia normal de QRS de v1-v6, principalmente com R muito
positivo em V1 e S muito negativo em v6), além de onda S proeminente
em D1.
As alterações de sobrecarga ventricular podem ser normais nesse
paciente visto que se trata de um RN e, pela hemodinâmica do período
fetal, o coração direito tende a ser mais hipertrofiado no início da vida.
(FIGURA 1)
Figura 1. Eletrocardiograma
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. O que caracteriza a cardiopatia congênita apresentada pelo paciente
do caso?
2. Quais as repercussões sistêmicas dessa patologia?
3. Qual a importância do diagnóstico precoce e quais os achados de uma
coarctação identificada tardiamente?
4. Quais as medidas terapêuticas que devem ser empregadas para
pacientes com esse diagnóstico?
5. Qual seria a indicação e a conduta terapêutica empregada para o caso
descrito?
6. Quais as vantagens da não utilização de CEC no procedimento
cirúrgico desse paciente?
7. Por que foi induzida hipotermia e hipertensão durante o
clampeamento nesse paciente?
DISCUSSÃO
A coarctação da aorta consiste em um defeito congênito que é
representado por um estreitamento da aorta descendente localizado,
normalmente, na inserção do ducto arterial, distalmente a artéria subclávia.¹
Associada a ela, pode-se encontrar comumente válvula aórtica Bicúspide,
CIA e CIV.² Tal patologia representa 4 a 6% dos defeitos congênitos
cardíacos, sendo mais comum em homens.¹ A coarctação da aorta não causa
repercussões hemodinâmicas no período intrauterino, no entanto, com o
nascimento e posterior fechamento do forame oval e ducto arterial, o débito
cardíaco aumenta no lado esquerdo do coração o que, junto à obstrução
adiante na aorta, leva ao aumento de pressão na aorta proximal e de câmaras
esquerdas, bem como queda do fluxo de sangue na aorta distal à coarctação,
com comprometimento da perfusão tecidual para os órgãos abdominais,
medula espinhal e MMII.¹ Alguns mecanismos compensatórios se
desenvolvem para superar a obstrução da via de saída do VE, como
hipertrofia do ventrículo e desenvolvimento de ramos de irrigação colateral.¹
Existem repercussões sistêmicas variáveis de tal doença, pois as
manifestações clínicas decorrem do nível de estreitamento e da existência do
canal arterial persistente¹.
Esse estreitamento, por sua vez, pode ser derivado de hipoplasia tubular
nas formas “infantis”, por crescimento de uma prega /em forma de crista ou
prateleira no lúmen aórtico nas formas “adultas”, nos casos de formas
clássicas descritas, ou ainda pela associação de ambos. Os sinais e sintomas
podem aparecer imediatamente após o nascimento, como no caso relatado, e
geralmente estão associados a persistência do canal arterial. Em casos de
fechamento do canal, a menos que a coarctação seja muito grave, o
indivíduo apresenta-se assintomático até a vida adulta.³ No geral, os sinais e
sintomas são:
SINAIS SINTOMAS
• Cianose em porção
inferior do corpo
• Diminuição da • Taquidispnéia
pressão nos MMII
• Claudicações
• Insuficiência arterial • Extremidades frias
e suas manifestações
• Sopros sistólicos
• Hiperfonese da 2ª
bulha nas áreas
aórtica e mitral
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
SINAIS
• Estenose aórtica
• Atresia Aórtica
• Hipoplasia da Aorta
• Interrupção do arco aórtico
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS
• Estudos das manifestações clínicas e dos achados nos exames de
imagem da coarctação de aorta;
PONTOS IMPORTANTES
• Cianose, redução da amplitude dos pulsos e da pressão nas
extremidades inferiores, associada a desconforto respiratório é
indicativo de coarctação de aorta;
REFERÊNCIAS
1. Agarwala MD. Clinical manifestations and diagnosis of coarctation of the aorta. Post TW, ed.
UpToDate. Waltham, MA: UpToDate Inc. [cited 2018 Jan 31] www.uptodate.com.
2. Goldman L., Ausiello D. Cecil: Medicina. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
3. Kumar, V.; Abbas, A. K.; Fausto, N.; Aster, J. C. Bases patológicas das doenças. 8. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2010.
4. Agarwala MD. Management of coarctation of the aorta Post TW, ed. UpToDate. Waltham, MA:
UpToDate Inc. [cited 2018 Feb 02] Available from: www.uptodate.com.
5. Mavroudis C, Baker CL. Pediatric Cardiac Surgery 4 ed. Mosby. Philadelphia 2013.
6. Torrati, Fernanda Gaspar; DANTAS, Rosana Ap. Spadoti. Circulação extracorpórea e
complicações no período pós-operatório imediato de cirurgias cardíacas. Acta Paul Enferm, São
Paulo;25(3):340-345.
7. Sananes, Renée et al. Neurodevelopmental Outcomes After Open Heart Operations Before 3
Months of Age. The Annals Of Thoracic Surgery.93(5):1577-1583. Elsevier BV.
8. MOORE, K.L. - Anatomia orientada para a clínica. Guanabara Koogan, 2011.
9. Ebaid M, Afiune, JY. Coarctação da aorta: Do diagnóstico às complicações imprevisíveis.
Arquivo Brasileiro de Cardiologia, São Paulo; 71(5): 647-648.
10. VERGALES, Jeffrey et al. Coarctation of the Aorta - The Current State of Surgical and
Transcatheter Therapies. Current Cardiology Reviews, [s.l.], v. 9, n. 3, p.211-219, 1 ago. 2013.
Bentham Science Publishers Ltd.. http://dx.doi.org/10.2174/1573403x113099990032.
Caso 42
Liga Acadêmica de Endocrinologia e Metabologia
Autores: Larissa Baracho Macena, Priscilla Mota Coutinho da Silva e
Fernanda Barbosa Duarte.
Orientador(a): Dra. Francielle Temer de Oliveira (Profa. de medicina da
Universidade Tiradentes e Preceptora da Residência de Clínica Médica da
Fundação de Beneficência Hospital de Cirurgia).
Instituição: Universidade Tiradentes - UNIT/SE.
Endocrinologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Adolescente de 16 anos, sexo masculino, procura o serviço de urgência
com queixa de vômitos intermitentes com piora há 24 horas, além de
tontura e sonolência há dois dias. Notou que tais sintomas surgiram
associados a quadro de faringoamigdalite. Relata ainda que vem
apresentando polifagia, polidipsia, poliúria e emagrecimento (não
quantificado) há 2 semanas.
EXAME FÍSICO
FC: 80 bpm; FR: 12 ipm; Tax: 36,5 oC; PA: 110 x 80 mmHg; SatO2: 98%
(em ar ambiente).
Olhos encovados; linfonodos palpáveis bilateralmente em cadeia
submandibular; orofaringe hiperemiada, aumento de tonsilas palatinas com
presença de exsudato purulento.
Sonolento e orientado.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemograma
Bastões 0% -
Linfócitos 18,8% -
Eosinófilos 1,2% -
Bioquímica
Potássio 4,0 mEq/L 3,5 - 4,5 mEq/L
Urina
Teste da fita reagente Cetonúria 3+ -
Gasometria arterial
pH 7,20 7,35 - 7,45
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Com os dados do caso citado, qual é o diagnóstico?
2. A anamnese detalhada e o exame físico bem realizado são
suficientes para o diagnóstico?
3. É necessário mais algum exame complementar, além dos exames
relatados, para o diagnóstico?
4. Qual conduta deve ser realizada de imediato e como se dá o
tratamento até estabilização total do quadro agudo?
DISCUSSÃO
O quadro clínico apresentado trata-se de uma cetoacidose diabética
(CAD). É uma complicação aguda do Diabetes Mellitus (DM) caracterizada
por hiperglicemia, acidose metabólica, desidratação e cetose, na vigência de
uma insulinopenia e do excesso de hormônios contrarreguladores, como
glucagon, cortisol e catecolaminas. Acomete principalmente pacientes com
DM tipo 1 e geralmente é precipitada por quadros infecciosos,
principalmente pulmonares, omissão da insulinoterapia, desconhecimento
do diagnóstico de diabetes e situações de estresse agudo, como acidente
vascular encefálico (AVE), infarto agudo do miocárdio (IAM), pancreatite
aguda, traumas, choque, queimaduras, tromboembolismo pulmonar e
isquemia mesentérica, entre outras.
Como a insulina é um hormônio anabólico, sua deficiência favorece
processos catabólicos, como lipólise, proteólise e glicogenólise.
Consequentemente, há uma elevação dos níveis de ácidos graxos livres
(AGL). Através da oxidação, os AGL são convertidos em acetil-CoA.
Quando a produção de acetilCoA ultrapassa a capacidade de utilização
hepática, essa substância passa a ser convertida em corpos cetônicos (CC):
acetoacetato, acetona e beta-hidroxibutirato (principal CC da CAD). A
retenção plasmática dos CC provoca acidose metabólica com ânion gap
(AG) elevado.
A hiperglicemia é causada por diminuição da utilização periférica de
insulina, aumento da secreção hepática de glicose (glicogenólise e
gliconeogênese) e diminuição de sua excreção. Consequentemente, há um
leve aumento da osmolaridade plasmática, e posteriormente, desidratação
celular. Além disso, observa-se a glicosúria e a diurese osmótica que
induzem perda de volume extracelular. Estima-se uma perda de
aproximadamente 5 a 10% do peso corporal durante um episódio de CAD.
O quadro clínico que antecede a CAD é caracterizado por poliúria,
polidpsia, polifagia e astenia. Após a instalação da CAD, são observados
anorexia, náuseas e vômitos que agravam a desidratação, podendo chegar a
choque hipovolêmico. Cefaleia, mal-estar, parestesias e dor abdominal
também são comuns. Com a progressão da CAD, pode haver alteração do
nível de consciência, e menos comumente, coma. O exame físico revela
mucosas desidratadas e turgor cutâneo diminuído. Há taquicardia, hálito
cetônico e alterações do ritmo respiratório. Inicialmente ocorre taquipnéia,
seguida por ritmo de Kussmaul, podendo evoluir para respiração superficial
em casos mais graves e hipotensão arterial.
O diagnóstico definitivo de CAD consiste em demonstrar a presença de
hiperglicemia (geralmente acima de 250 mg/dl), acidose metabólica com
ânion gap elevado (pH < 7,2, bicarbonato < 15 mEq/L e AG > 14 mEq/L),
cetonemia e cetonúria.
Com relação aos outros achados laboratoriais, a ureia e a creatinina
podem estar elevadas pela desidratação e pelo aumento da proteólise. No
hemograma, o hematócrito pode se elevar por hemoconcentração.
Geralmente há leucocitose, mas apenas contagem leucocitária acima de
25.000 - 30.000/mm3 sugere um quadro infeccioso. A amilase e a CPK
podem estar elevados.
O sódio corporal total está diminuído por perda urinária. Entretanto, a
concentração plasmática pode estar elevada, normal ou diminuída. Se a
concentração estiver elevada, significa perda de água superior à perda de
sódio. Se a concentração estiver diminuída, pode ser por diluição ou por
hiperglicemia e seu efeito osmótico.
O potássio corporal total é sempre diminuído (em cerca de 5 mEq/kg),
mas a concentração sérica do íon pode ser normal, alta ou baixa.O
tratamento da CAD se baseia em três pontos-chaves, que incluem correção
hidroeletrolítica, insulinoterapia e tratamento das condições médicas
associadas.
A condução dos casos de CAD deve ser realizada conjuntamente a
cuidados intensivos, como: análise dos sinais vitais e obtenção de glicemia
capilar a cada 1 hora e de gasometria e eletrólitos a cada 4 horas.
O passo inicial do tratamento consiste na hidratação. Deve-se avaliar a
existência de hipotensão e os níveis de sódio plasmático, para assim julgar
se o soro utilizado será o soro fisiológico (SF) 0,9% ou 0,45% e se a infusão
será de 15 a 20 mL/Kg, em casos de choque, ou 4 a 14 mL/Kg/hora.
Quando a glicemia cair para níveis inferiores a 250 mg/dL, acrescenta-se o
soro glicosado 5% para compor uma proporção de 1:1 com o SF, mantendo
uma infusão de 150 a 250 mL/h.
A insulina deve ser aplicada imediatamente após a hidratação, porém
apenas iniciada se o potássio for maior 3,3 mEq/L. Administra-se insulina
regular, em bolus endovenoso (EV), 015 UI/Kg, seguida de infusão em
bomba de 0,1 UI/Kg/h, objetivando uma velocidade de queda dos níveis
glicêmicos de 50 a 75 mg/dL/h. Caso haja dificuldade com o manuseio da
bomba de infusão, a insulina pode ser utilizada por via intramuscular ou
subcutânea. Se não for alcançado o nível citado, ajustes na dose de insulina
devem ser realizados a cada hora. Quando a glicemia chegar ao nível de 250
mg/dL, a taxa de infusão deve ser reduzida pela metade, mantendo a
glicemia idealmente entre 150 a 200 mg/dL. Quando isto se associar a um
nível de bicarbonato sérico> 15 mEq/L e o pH> 7,3, a insulina regular SC
0,1 UI/Kg deve ser aplicada, interrompendo após uma hora a administração
da insulina venosa. Nesse momento, a dieta oral pode ser iniciada.
Além do tratamento básico da hidratação e correção da glicemia, pode
ser necessário a reposição de potássio, bicarbonato de sódio (apenas com
pH <7), fosfato e magnésio. Deve-se ficar atento a uma complicação do
tratamento da CAD, o edema cerebral. Ocasionado por uma rápida redução
da glicemia e infusão excessiva de soros hipotônicos. Porém, o edema
cerebral também pode ser uma consequência do quadro e não somente
resposta de um tratamento inadequado. A cetoacidose diabética é uma
condição perfeitamente tratável e mantém uma taxa de mortalidade em
cerca de 4%.
Cetoacidose alcoólica
Acidose urêmica
Pancreatite
Pontos importantes
• A tríade característica da CAD é hiperglicemia (glicose >
250mg/mL), acidose metabólica (pH < 7,35) e cetonúria;
Referências
1. Ramos AJS, Trujilho FR, Coral MHC, Ramos AJC, Araújo LAA, Vilar L. Emergências em
Diabetes. In: Vilar L, editores. Endocrinologia clínica. 5a ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2013, p.779-90.
2. Barone B, Rodacki M, Cenci MCP, Zajdenverg L, Milech A, Oliveira JEP. Cetoacidose
Diabética em Adultos – Atualização de uma Complicação Antiga. Arq Bras Endocrinol Metab.
2007; 519(9):1434-47.
3. Foss-Freitas MC, Foss MC. Cetoacidose diabética e estado hiperglicêmico hiperosmolar.
Medicina Ribeirão Preto. 2003; 36(1):389-93.
4. Hohl A, Bathazar APS. Diabetes Mellitus: cetoacidose. Projeto Diretrizes - Associação Médica
Brasileira e Conselho Federal de Medicina. 2005.
5. Gosmanov AR, Gosmanova EO, Dillard-Cannon E. Management of adult diabetic ketoacidosis.
Diabetes Metab Syndr Obes. 2014;30(7):255-64.
6. Silva GAR, Ottoni RP. Cetoacidose Diabética. In: Junqueira-Filho EA, Silva GAR, Eleutério
RS. SOS plantão: Emergências médicas da criança ao idoso. 1. ed - Rio de Janeiro:
MedBook;2013. p.320-24.
Caso 43
Liga Acadêmica de Endocrinologia e Metabologia
Autores: Larissa Baracho Macena, Priscilla Mota Coutinho da Silva e
Larissa Alves de Oliveira.
Orientador(a): Dra. Francielle Temer de Oliveira (Profa. de medicina da
Universidade Tiradentes e Preceptora da Residência de Clínica Médica da
Fundação de Beneficência Hospital de Cirurgia).
Instituição: Universidade Tiradentes - UNIT/SE.
Endocrinologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente, sexo masculino, negro, 37 anos, chega ao pronto-socorro
queixando de tontura e turvação visual há 10 horas. Relata ser portador de
hipertensão arterial desde os 17 anos, tendo iniciado tratamento apenas há 4
anos após episódio de acidente vascular encefálico hemorrágico (AVEh).
Afirma que desde o início do tratamento apresenta difícil controle da pressão
arterial (PA), mesmo em uso de quatro classes de anti-hipertensivos
(Carvedilol 50 mg/dia, Anlodipino 10 mg/dia, Hidralazina 200 mg/dia,
Captopril 150 mg/dia), necessitando procurar ocasionalmente o pronto-
socorro para controle de picos hipertensivos. Informa tabagismo e etilismo
desde os 15 anos de idade, além de história familiar de hipertensão de início
precoce.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Hematócrito 38%
Hemograma 36% - 50%
Bioquímica
Cálcio 9,6 mg/dL 8,5 - 10,2 mg/dL
Urina
Pontos de discussão
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais as indicações para investigação de hipertensão secundária?
3. Quais os exames são essenciais para confirmar o diagnóstico?
4. Qual a razão das alterações laboratoriais encontradas?
5. Como são manejados os pacientes com essa patologia?
Discussão
O paciente em questão possui o diagnóstico de Hiperaldosteronismo
Primário (HP), uma das causas mais comuns de hipertensão secundária. Essa
patologia abrange um grupo de desordens caracterizadas pela produção
excessiva de aldosterona independente da estimulação do sistema renina-
angiotensina-aldosterona (SRAA). Trata-se de uma desordem primária do
sistema adrenal, distinguível das formas de hiperaldosteronismo secundário
que ocorrem devido ao excesso de renina, como, por exemplo, a estenose de
artérias renais.
As duas principais etiologias do HP são o adenoma produtor de
aldosterona (APA ou Síndrome de Conn) e a hiperplasia adrenal bilateral
(HAB). A segunda tem apresentado prevalência superior nos estudos mais
recentes, representando 50 a 89% dos casos de HP.
A aldosterona age no túbulo contornado distal dos rins para estimular a
reabsorção de íons sódio e a secreção de íons potássio e hidrogênio. Sendo
assim, o excesso de aldosterona no organismo determina hipertensão,
hipocalemia (K < 3,5 mEq/L) e alcalose metabólica. A manifestação clínica
mais comum é a hipertensão moderada a grave, a qual se apresenta
frequentemente refratária ao tratamento. Menos de 50% dos casos
manifestam-se com hipocalemia e alcalose. Nesses pacientes, os sintomas
referidos incluem fraqueza, cãibras, parestesia, cefaleia, palpitações, poliúria
e polidpsia. Caracteristicamente, a hipervolemia não determina o
desenvolvimento de edema nesses pacientes, em razão do fenômeno de
escape mineralocorticoide.
O diagnóstico dessa condição se baseia em três etapas: screening,
confirmação e diferenciação etiológica. Na primeira etapa, o teste mais
utilizado tem sido a relação da concentração da aldosterona plasmática sobre
a atividade plasmática de renina (CAP/APR), o qual deve ser aplicado em
hipertensos jovens, casos de hipertensão grave ou refratária ao tratamento,
hipertensos com hipocalemia e hipertensos com história familiar de HP.
Caracteristicamente, os achados do HP revelam níveis reduzidos de renina
ou APR, associados a valores elevados de CAP, determinando a relação
CAP/APR maior que 25 (Figura 2). Em seguida, deve ser procedida a
confirmação da produção autonômica de aldosterona por meio de testes de
supressão da mesma. Na maioria dos centros, é realizada a coleta de
aldosterona na urina de 24 horas, após 3 a 5 dias de sobrecarga oral de sódio.
Esse teste é considerado sugestivo de HP diante de valores superiores a 12
microgramas, na presença de excreção urinária de sódio acima de 250 mEq.
Finaliza-se a investigação com exames para diferenciação etiológica do
HP, com base na premissa de que no adenoma existe uma redução do
número de receptores de angiotensina II e, na hiperplasia, aumento.
Procedimentos que manipulam o SRAA, como o teste de postura e o teste
terapêutico com Espironolactona, determinam elevação dos níveis de
aldosterona plasmática nos casos de HAB. O aumento dos valores dos
precursores da aldosterona auxilia o diagnóstico de APA. Entretanto, na
maioria das vezes, a investigação limita-se a diferenciar as formas unilaterais
e bilaterais, o que já é suficiente para direcionar a abordagem terapêutica.
Nesse sentido, realizam-se exames de imagem, sendo o de escolha a
tomografia computadorizada (TC) que diante de achados de lesões focais,
com diâmetro menor que 4 cm, além de densidade pré-contraste menor que
10HU e washout aos 15 minutos da infusão de contraste maior que 50%,
confirmam a presença de adenomas. Em presença de resultados
inconclusivos, vale ressaltar que o exame padrão ouro nessa etapa é o
cateterismo de veias suprarrenais, o qual envolve a mensuração de cortisol e
aldosterona em veias suprarrenais e em veia periférica antes e durante
infusão de Hormônio Corticotrófico (ACTH). Quando existe um adenoma, a
proporção aldosterona-cortisol do lado afetado é pelo menos cinco vezes
maior que no outro, que pode ser similar ao periférico, indicando supressão.
A hiperplasia tende a produzir valores similares em cada lado.
A abordagem terapêutica do HP depende do diagnóstico etiológico. A
adrenalectomia por via laparoscópica é reservada para casos de APA. Com a
cirurgia, a hipocalemia tende a se resolver, mas a hipertensão persiste em até
65% dos pacientes. O tratamento farmacológico é indicado para pacientes
com diagnóstico de HAB ou com grande risco cirúrgico, e baseia-se no uso
de Espironolactona, um antagonista do receptor mineralocorticoide. As
doses iniciais habitualmente empregadas variam entre 100 e 400 mg/dia e
devem ser utilizadas até correção da hipertensão e hipocalemia, sendo, então,
mantida uma dose média de 100 mg/dia. Outras alternativas incluem a
Eplerenona, antagonista do receptor mineralocorticoide com menos efeitos
colaterais, e a Amilorida, um diurético antagonista do canal epitelial de sódio
capaz de produzir natriurese sem expoliação de potássio. Outros anti-
hipertensivos podem ser associados a esses fármacos objetivando adequado
controle pressórico.
Figura 2. Fluxograma de diagnóstico do Hiperaldosteronismo.
Uso de diuréticos
Feocromocitoma
Hipotireoidismo/ Hipertireoidismo
Hiperparatireoidismo
Síndrome de Cushing
Coartação de aorta
Referências
1. Asp AA. Aldosteronismo primário In: McDermott MT. Segredos Endocrinologia. 5a ed. Rio de
Janeiro: Elsevier; 2010, p. 245-249.
2. Neres MS, Vilar L, Kater CE. Manuseio do Hiperaldosteronismo primário. In: Vilar L, editores.
Endocrinologia clínica. 5a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013, p. 502-516.
3. Nieman LK. Córtex suprarrenal. In: Goldman L, Ausiello D. Cecil Medicina. 23ª ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009, p. 1976-77.
4. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Rev Bras Hipertens 2010; 17(1): 44-51.
5. Kater CE. Hiperaldosteronismo primário: novas tendências. Revista Brasileira de Hipertensão
2002; 9(2): 165-173.
6. Carvalho A, Carvalho R. Hiperaldosteronismo primário: novas perspectivas. Revista Portuguesa
de Endocrinologia, diabetes e metabolismo 2008; 2: 63-78.
7. Passos VQ, Martins LAL, Pereira MAA, Kater CE. Hiperladosteronismo primário revisitado.
Revista Brasileira de Endocrinologia e Metabologia 2001; 45 (3):285-301.
Caso 44
LIMEN - Liga de Metabologia, Endocrinologia e Nutrologia
Autores: Anna Carolina de Alencar Araripe, Daniel Dias de Holanda Freitas
e Maria Allyce de Oliveira.
Orientador(a): Profa. Dra. Maria Cecília Martins Costa (Residência em
Endocrinologia pela UNIFESP-EPM e Mestrado em Ciências pela
UNIFESP-EPM, Atualmente vinculada à UNIFOR).
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Endocrinologia
HISTÓRIA CLÍNICA
18 anos, sexo feminino, natural e procedente de uma cidade de grande
porte, solteira, estudante (8º série), gestante de 12 semanas. Em consulta
ambulatorial de rotina apresentou queixa de descontrole glicêmico, sendo
então encaminhada para internação, devido aos riscos relacionados à
gestação. Paciente relata que foi diagnosticada com Diabetes Mellitus tipo 1
(DM1) aos 5 anos, em cetoacidose diabética (CAD), com rebaixamento de
sensório e sintomas prévios de polifagia, poliúria, polidipsia e perda de
peso. Nessa época, permaneceu em coma por 15 dias na Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) em hospital terciário, e dois meses na enfermaria para
controle da glicemia. Desde o diagnóstico de DM1, já passou por 15
internações por descompensação glicêmica devido à alimentação
inadequada e má aderência medicamentosa. Destas, três foram na UTI por
quadro de CAD. Refere na internação atual ardor miccional. Relata quadro
de infecção urinária prévio à gestação, bem como ciclos menstruais
irregulares de pouco fluxo. Nega outras comorbidades além da DM1. Nega
realização de pré-natal. Nega sangramentos transvaginais. Nega uso de
drogas ilícitas, etilismo e tabagismo. Pais vivos e saudáveis. Avó paterna
viva, com DM2. Avô paterno faleceu por coronariopatia. Nega histórico de
doenças autoimunes na família. Glicemia capilar na manhã da internação:
465 mg/dL. Medicamentos em uso: Insulina NPH 12UI antes do café da
manhã, 10UI antes do almoço, 10UI antes de dormir e Metformina 1000mg
à noite. Havia sido prescrito também Insulina Regular para correção de
hiperglicemia pré-prandial e realização de contagem de carboidratos, mas a
paciente costumava fazer correções apenas quando a glicemia estava acima
de 200mg/dL.
EXAME FÍSICO
FC: 86 bpm; FR: 18 ipm; Temperatura Axilar: 36 oC; PA: 110 x 80 mmHg.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 9g/dL 12 - 16 g/dL (mulheres)
Bioquímica
Glicose 29 mg/dL 70 - 99 mg/dL
Capacidade total de ligação do ferro 538,8 µg/dL 200 - 350 µg/dL (mulheres)
Urina
pH 5,0 5-6
Bilirrubinas Negativo -
Cetonas Traços -
Hemoglobina Traços -
Bactérias Moderadas -
Gasometria venosa
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Que implicâncias o diagnóstico da paciente traz para a gestação?
2. Qual a justificativa das alterações dos níveis séricos de glicose da
paciente?
3. A que se devem as alterações encontradas no sumário de urina?
4. Qual a conduta terapêutica apropriada para esse caso?
DISCUSSÃO
O diagnóstico de DM pode ser realizado através de dois resultados de
exames laboratoriais alterados, dentre eles: glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL,
glicemia de 2 horas após sobrecarga com 75 g de glicose ≥ 200 mg/dL ou
hemoglobina glicada ≥ 6,5% e em pacientes sintomáticos com glicemia
sérica ao acaso ≥ 200 mg/dL.1
Em crianças com quadro de poliúria, polidipsia e emagrecimento de
rápida progressão, deve-se suspeitar do diagnóstico de DM 1, que pode ser
posteriormente corroborado por níveis baixos de peptídeo C e presença de
autoanticorpos contra células beta pancreáticas.2 A CAD pode ser
manifestação inicial da DM 1 em 15 - 67% dos pacientes,3 como foi o caso
em questão, sendo clássicos sintomas de náuseas, vômitos, sonolência,
hálito cetônico, respiração rápida, torpor e, até mesmo, coma.3
Os seguintes exames devem ser solicitados para confirmar esse
diagnóstico, em especial quando se identifica um quadro clínico compatível
ou em uma situação em que estejam presentes concomitantemente vários
fatores que predispõem a CAD: gasometria venosa ou arterial; eletrólitos;
corpos cetônicos na urina ou sangue; hemograma; eletrocardiograma.4
O tratamento da CAD baseia-se no rastreamento dos fatores
precipitadores, na reposição volêmica agressiva, na correção dos distúrbios
eletrolíticos e no uso de insulina endovenosa.5
O caso descrito refere-se a uma paciente com DM pré-gestacional
descompensada, condição que agrega potenciais riscos maternos e fetais
desde o início da gestação.6 Os altos níveis séricos de glicose que atingem o
feto desde a organogênese estão associados a significativo risco de
malformações do sistema cardiovascular, do trato gastrointestinal, do
sistema nervoso central e do sistema esquelético. Destaca-se a Síndrome da
Regressão Caudal (SRC), que é 200 vezes mais prevalente nos filhos de
mulheres com DM pré-gestacional quando comparada aos filhos de
mulheres não diabéticas.7 A SRC consiste em anomalias dos sistemas
urinário e genital, da espinha lombossacral e das extremidades inferiores.8
No que se refere às complicações maternas, gestantes com DM 1
descompensada apresentam maior risco de desenvolver agravamento das
vasculopatias de base, infecções, cetoacidose, aborto, pré-eclâmpsia e parto
prematuro.9
No resultado do sumário de urina, constatou-se piúria e hematúria, que,
associados ao ardor miccional relatado pela paciente, corroboram para o
diagnóstico de Infecção do Trato Urinário (ITU), posteriormente
confirmado pela urinocultura positiva para E. coli. Apesar de a paciente ter
se apresentado sem sinais clínicos de acidose, a investigação para CAD
pode ser justificada pelos potenciais riscos desta condição, especialmente
em uma paciente com DM1 descompensada desde início da gestação e com
evidência de ITU.
Dos fatores desencadeantes que predispõem a CAD, 30 a 40% são por
infecções.10 Além destas, a própria gestação, má aderência dietética e
medicamentosa, estresse agudo, abuso de álcool e de drogas e uso de
determinados medicamentos, como corticosteroides, α e β bloqueadores e
diuréticos favorecem a evolução para CAD. A detecção precoce desses
fatores reduz a morbidade e mortalidade desta complicação.11
Crianças e adolescentes com DM1 necessitam de uma abordagem mais
dinâmica devido às mudanças decorrentes do desenvolvimento físico e
psicológico. O seguimento de uma dieta adequada, associada a atividades
físicas e a ajustes frequentes da insulinoterapia são fundamentais para a
otimização do controle glicêmico. Tendo isso em vista, a finalidade do uso
de medicamentos adjacentes ao tratamento insulínico é o de reduzir níveis
glicêmicos pós-prandiais.12
A Metformina, em uso pela paciente previamente e durante a gravidez,
potencializa a ação da insulina, uma vez que aumenta a captação periférica
de glicose. Seu uso pode ser indicado para: manejar a DM1, reduzindo as
doses de insulina durante o tratamento, especialmente na adolescência, ou
em casos de sobrepeso com mau controle glicêmico associado a sinais de
síndrome metabólica.12 Observa-se que a utilização desse medicamento
durante a gestação ainda não é consensual, apesar de alguns serviços
especializados manterem o uso mesmo diante do diagnóstico de gestação.13
Pelos riscos maternos e fetais, o controle da DM1 na gestação deve ser
ainda mais meticuloso, sendo recomendado os seguintes alvos: glicemia
pré-prandial de 60 - 99 mg/dL e pós-prandial de 100 - 129 mg/dL.1 Ao
mesmo tempo, alterações glicêmicas decorrentes das alterações hormonais
fisiológicas do período gestacional podem dificultar o alcance dessas metas
glicêmicas.
Diagnósticos diferenciais principais
Clínicos
Diabetes Mellitus tipo 2
Pancreatite crônica
Carcinoma pancreático
Fibrose cística
Endocrinológicos
Excesso de GH
Síndrome de Cushing
Feocromocitoma
Medicamentosos
Corticoide
Ciclosporina
Tacrolimo
Pontos importantes
• A CAD não é exclusiva de DM tipo I, podendo ocorrer também no
DM tipo II;
Referências
1. American Diabetes Association. Standarts of Medical Care in Diabetes. Diabetes Care, 2015
Jan; 38(1): p. 59.
2. LOPEZ FA, CAMPOS JÚNIOR D. Tratado de pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. In:
PROCÓPIO LE, NETO CRS. Diabete melito na infância e adolescência. 2ª ed. São Paulo:
Manole; 2010. p. 811-816.
3. PICON PX, MAROSTICA PJC, BARROS E. Pediatria-consulta rápida. In: CAMPOS TD,
ENECAVE RH. Endocrinologia. 1° ed. Porto Alegre: Artmed; 2010. p. 486-488.
4. KITABCHI AE, UMPIERREZ GE, MILES JM, FISHER JN. Hyperglycemic crises in adult
patients with diabetes mellitus. Diabetes Care, 2009 Jul; 32(7): 1335-1343.
5. SIBAI BM, VITERI O. Diabetic Ketoacidosis in Pregnancy. Obstetrics Gynecology, 2014;
123(1): p. 167-178.
6. VILAR L, KATER CE, NAVES LA, FREITAS MC, BRUNO OD. Endocrinologia Clínica. In:
NEGRATO CA, MONTENEGRO RM, GOMES MB, GOLBERT GA, JOVANOVIC L.
Diabetes mellitus e gestação. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013. p. 699-710.
7. REZENDE J, MONTENEGRO CAB. Obstetrícia Fundamental. In: MONTENEGRO, CAB,
BRAGA A, REZENDE J. Diabetes Melito. 12ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013.
p. 571-572.
8. SUBTIL D, COSSON M, HOUFFIN V, VAAST P, VALAT A, PUECH F. Early detection of
caudal regression syndrome: specific interest and findings in three cases. Eur J Obst Gynecol
Rep Biol, 1998; 80(1): p. 109-112.
9. GOLBERT A, CAMPOS MAA. Diabetes melito tipo 1 e gestação. Arq Bras Endocrinol Metab,
2008 Mar; 52(2): p. 307-314.
10. PIVA J, CZEPIELEWSKI M, GARCIA PCR, MACHADO D. Perspectivas atuais do
tratamento da cetoacidose diabética em pediatria. J Pediatr, 2007 Nov; 83(5): p. 119-127.
11. BARONE B, RODACKI M, CENCI MCP, ZAJDENVERG L, MILECH AD, OLIVEIRA
JEP. Cetoacidose diabética em adultos: atualização de uma complicação antiga. Arq Bras
Endocrinol Metab, 2007; 51(9): p. 1434-1447.
12. GABBAY, MAL. Adjuvantes no tratamento da hiperglicemia do diabetes melito tipo 1. Arq
Bras Endocrinol Metab, 2008; 52(2), p. 279-287.
13. MAGANHA CA, VANNI DGBS, BERNARDINI MA, ZUGAIB M. Tratamento do Diabetes
Melito Gestacional. Rev Assoc Med Bras, 2003; 49(3): p. 330-334.
Caso 45
LIMEN - Liga de Metabologia, Endocrinologia e Nutrologia
Autores: Evandro Oliveira Galvão Filho, Liana Teixeira Dourado Figueiredo
e Luiza Caracas.
Orientador(a): Profa. Dra. Ana Karina de Melo Bezerra Sodré (Residência
em Endocrinologia USP e Doutorado em Endocrinologia USP; Profa. do
Curso de Medicina da UNIFOR).
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Endocrinologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente do sexo feminino, 17 anos, estudante, solteira, natural e
procedente de cidade de grande porte. Procurou atendimento médico, pois a
mãe notou aparecimento de pelos mais escuros e grossos desde a infância,
com intensificação da pilificação corporal marcadamente após a puberdade,
principalmente em face, raiz das coxas e região lombar, muito semelhante às
suas tias maternas. Referia ainda quadro de estresse, estando em
acompanhamento psicológico. Não relatava consanguinidade entre os pais.
Sua menarca ocorreu aos 9 anos e seus ciclos menstruais sempre foram
irregulares, estando regulares atualmente em virtude do uso de
anticoncepcional oral. A paciente possuía diagnóstico de síndrome dos
ovários policísticos (SOP) já em tratamento, porém com refratariedade do
quadro.
Trouxe na primeira consulta exames laboratoriais, colhidos anteriormente
que mostrava testosterona total, androstenediona e 17-hidroxiprogesterona
(17 OHP) bastante elevados, mesmo em uso de anticoncepcional oral.
EXAME FÍSICO
Ao exame físico geral não apresentava sinais ou sintomas relevantes. Pelos
em excesso, principalmente, nas coxas. Escala de Ferriman-Gallwey 16.
Presença de acne.
Peso: 46,8 Kg; Altura: 1,57 m; IMC: 18,94 Kg/m2; FC: 86 bpm; FR: 18 ipm;
Temperatura Axilar; 36 oC; PA: 110 x 80 mmHg.
EXAMES COMPLEMENTARES
Anti- TPO
Negativos Negativos Negativos Negativos* -
e Anti- TG**
Pontos de discussão
1. É possível que a SOP esteja relacionada com as alterações
apresentadas pela paciente? Se sim, como? Causa? Consequência?
2. Será que “pelos em excesso” está relacionado com a SOP? Ou outra
patologia? Ou duas patologias concomitantes?
3. Por que a paciente continuou com hormônios androgênicos elevados
mesmo com tratamento para SOP?
4. É relevante avaliar o estado psicológico desta paciente? Por quê?
DISCUSSÃO
A paciente em questão vinha sendo tratada com anticoncepcional oral
para SOP, no entanto, mesmo com a terapia adequada não houve melhora
dos sinais e sintomas. Além disso, já apresentava exames laboratoriais que
mostravam hormônios androgênicos bastante aumentados, o que nos fez
suspeitar de outras patologias que cursam com quadro semelhante, ou seja,
acne e hirsutismo. Como o exame físico e os exames de imagem não
mostraram presença de massas adrenais ou ovarianas que pudessem explicar
o caso e, como a 17 OHP estava bastante elevada, levantou-se a hipótese
diagnóstica de hiperplasia adrenal congênita (HAC) em sua forma não
clássica (FNC21); doença mais comum em pacientes na adolescência ou
vida adulta e que cursa com quadro clínico bastante semelhante à SOP, sendo
muitas vezes subdiagnosticada.
A HAC é caracterizada por deficiência de uma das enzimas da
esteroidogênese adrenal e como o defeito fundamental ocorre na síntese do
cortisol, resulta em elevação do ACTH e subsequente hiperplasia e
hiperestimulação dos córtices das adrenais, produzindo um excesso de
precursores esteroides, que não requerem a enzima afetada para sua síntese e
com efeito androgênico pronunciado.1 A incidência aumentou
consideravelmente após a introdução da pesquisa da 17 OH progesterona no
teste do Pezinho, estando próxima de 1:10.350 nascidos-vivos, como visto
em um estudo brasileiro de rastreamento de neonatos.2
A HAC se apresenta de formas clínicas distintas de acordo com o grau da
expressão do gene da enzima, podendo ser dividida em duas: forma clássica
e forma não clássica (leve diminuição da atividade da enzima), sendo a
primeira subdividida ainda em perdedora de sal (PS) (grave diminuição da
atividade da enzima) e virilizante simples (VS) (moderada diminuição da
atividade da enzima).
Figura 1. Síntese dos hormônios adrenais.
Hirsutismo idiopático
Neoplasias adrenais
Neoplasias ovarianas
Hipertecose de ovário3
Referências
1. Costa-Barbosa, Flávia A., Mariana Telles-Silveira, and Claudio E. Kater. “Hiperplasia adrenal
congênita em mulheres adultas: manejo de antigos e novos desafios.” ArqBrasEndocrinolMetab
58 (2014): 2.
2. Silveira EL, Santos EP, Bachega TA, van der LindenNader I, Gross JL, Elnecave RH. The actual
incidence of congenital adrenal hyperplasia in Brazil may not be as high as inferred - an
estimate based on a public neonatal screening program in the state of Goiás. J
PediatrEndocrinolMetab. 2008;21:455-60.
3. Marcondes, José Antonio M. Hirsutismo: diagnóstico diferencial. ArqBrasEndocrinolMetab,
Dez 2006, vol.50, no.6, p.1108-1116. ISSN 0004-2730.
4. BARRA, Cristina Botelho; SILVA, Ivani Novato; PEZZUTI, Isabela Leite and JANUARIO,
José Nélio. Triagem neonatal para hiperplasia adrenal congênita. Rev. Assoc. Med. Bras.
[online]. 2012, vol.58, n.4, pp. 459-464. ISSN 0104-4230.
Caso 46
LAAH - Liga Acadêmica de Anatomia Humana
Autores: Karina Kelly Mendes Negromonte e Simone Cristina da Silva.
Orientador(a): Dr. Thiago Demétrio Nogueira Costa e Silva (Cirurgião de
cabeça e pescoço pelo Hospital das Clínicas da USP e Prof. substituto do
curso médico da UERN).
Instituição: Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN.
Endocrinologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 78 anos, feminina, branca, natural de cidade do interior do
nordeste, procurou o serviço ambulatorial de hospital terciário por conta de
aumento do volume na região cervical anterior. Queixava-se de sintomas
compressivos (disfagia para líquidos associada à dispneia ocasional que
piora com os médios esforços) e perda de 6 Kg em 5 meses. Possui como
antecedentes pessoais a hipertensão arterial sistêmica controlada e
osteoartrose. A paciente trouxe uma endoscopia digestiva alta (EDA) que se
mostrou inocente.
EXAME FÍSICO
FC: 88 bpm; FR: 16 rpm; PA: 140 x 80 mmHg; Peso: 69 kg; Altura: 162 cm.
Paciente em uso de prótese dentária, sem lesões suspeitas ou fatores
obstrutivos em cavidade oral e orofaringe. Laringoscopia direta mostra
mucosa de bom aspecto em hipofaringe e laringe. Pregas vocais móveis e
sem alterações.
Sinais de congestão venosa se extendendo ao hemitórax direito. Tireoide
palpável com nódulos bilaterais de cerca de 3,0 cm, componente
mergulhante à direita. Consistência fibroelástica, indolor e móvel à
deglutição. Ausência de linfonodomegalia.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Mulher: 12 - 16 g/dL
Hemoglobina 12,12 g/dL
Homem: 13,5 - 17,5 g/dL
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Bioquímica/Imunologia
Hormônio estimulante da tireoide
2,23 Um/L 0,4 - 4,2 mU/L
(TSH)
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o provável diagnóstico?
2. Quais outros exames deveriam ser solicitados?
3. O que justificaria o quadro de disfagia e dispneia da paciente?
4. Qual conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
A paciente foi encaminhada por uma endocrinologista com diagnóstico
de bócio multinodular tóxico e foi prescrito uso de tapazol 10mg. Em
decorrência das queixas de dispneia, foi solicitada radiografia de tórax. Ao
exame físico do pescoço, a paciente apresentava nódulos palpáveis e, por
isso, foi requisitado a USG de tireoide. Com o resultado desta, que
apresentou bócio multinodular com nódulos maiores que um centímetro, foi
realizado a PAAF que demonstrou benignidade dos nódulos. Em relação aos
exames laboratoriais, percebeu-se função tireoidiana normal afastando a
hipótese diagnóstica de hipertireoidismo. A tireoglobulina elevada destaca as
dimensões aumentadas da tireoide.
Na radiografia de tórax temos alargamento do mediastino, suspeito para
tumor, e desvio acentuado da traqueia para o lado contralateral. Diante disso,
foi realizada uma tomografia (TC) de tórax para diagnóstico diferencial de
massas mediastinais que evidenciou massa tireoidiana no lobo direito se
insinuando para o mediastino posterior, comprimindo a traqueia e o esôfago.
Então, concluímos que a paciente apresenta um caso raro de bócio
mergulhante (BM) para mediastino posterior.
Com o intuito de conhecer a relação do bócio tireoidiano com os vasos
intratorácicos, optou-se por uma angiotomografia, que evidenciou grande
massa sólida no mediastino superior à direita, aparentemente originando-se
do lobo direito da tireoide sugestivo de um volumoso bócio nodular
mergulhante, promovendo efeito de massa, comprimindo o lobo superior do
pulmão direito e levando a compressão e redução do calibre do terço médio
da traqueia. Observou-se, também, íntima relação com o tronco
braquiocefálico e com as porções proximais da artéria carótida comum e
subclávia direita, sem sinais de invasão.
A avaliação do risco cirúrgico da paciente pelo American Society of
Anesthesiologist (ASA) foi II. Com isso, foi indicada uma abordagem
cirúrgica cervicotorácica combinada, sendo o acesso cervical feito através de
cervicotomia por incisão a Kocher e o acesso intratorácico por meio de
toracotomia ântero – lateral direita seguida de toracostomia com drenagem
pleural fechada. Em decorrência do porte cirúrgico (8 horas de cirurgia) e
pela impossibilidade de luxação e rotação do bócio pela via cervical, optou-
se por sacrificar o nervo laríngeo direito e realização de traqueostomia de
proteção.
Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a paciente apresentou boa
evolução no pós – operatório até o segundo dia, quando evoluiu com
aspiração broncopulmonar após dieta pastosa. Complicou com pneumonia
hospitalar seguida de sepse. Nova EDA e TC de tórax afastaram a
possibilidade de fístula esofágica. Entretanto, foi constatado um divertículo
de Zenker que não havia sido visualizado em endoscopia digestiva alta,
realizada anteriormente.
Após este episódio, foi iniciado dieta por sonda nasoenteral e
antibioticoterapia por sete dias (vancomicina e meropenem), com boa
evolução hospitalar. A peça cirúrgica retirada foi enviada para a avaliação
anatomopatológica e confirmou o bócio coloide multinodular benigno.
Atualmente, a paciente encontra-se em bom estado geral, com resolução de
sintomas compressivos, sem cânula de traqueostomia, dieta via oral
exclusiva, deglutição preservada, com rouquidão, sendo acompanhada por
fonoaudióloga e em programação de abordagem endoscópica do divertículo
de zenker.
Figura 4. Toracotomia evidenciando bócio tireoidiano.
Disfagia
Refluxo gastroesofágico, estenose de esôfago,
megaesôfago, câncer (CA) de esôfago, CA de estômago.
Alargamento no mediastino
Timoma, tumores germinativos, linfomas, cistos
mediastinais, tumores neurogênicos, cisto tímico,
carcinoma, lipoma, linfagioma, adenoma de paratireoide,
granuloma.
Referências
1. Arranz AO, Fustegueras JAB, López SR ,Gómez MS, Arranz IO, Kissle JJO. Best Approach for
Posterior Mediastinal Goiter Removal: Transcervical Incision and Lateral Thoracotomy. Arch
Bronconeumol. 2014;50(6):255–257.
2. Quevedo KA, Navarro JC, Aragón CJ, Martínez EP, Badia JGS, Zarza AG, et al. Bocio
intratorácico. Revisión de la literatura médica. Cir Esp 2010;88(3) : 142–145.
Caso 47
Liga Acadêmica de Clínica Médica
Autores: Viviane Maria Maiolini, Natália Martins Bernardes e Cauê Cedar
Borges da Silva Reis.
Orientador(a): Dr. Julio Cesar Tolentino Junior (Especialista em Clínica
Médica e Cardiologia - Prof. Assistente da Clínica Médica IV do Hospital
Universitário Gaffrée e Guinle da UNIRIO).
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO
Endocrinologia
HISTÓRIA CLÍNICA
JSF, 38 anos, casado, sexo masculino, branco, natural e residente de
cidade de médio porte no interior, procurou atendimento apresentando como
queixas principais: “inchaço e falta de ar”.
Ao ser admitido em hospital universitário, apresentava quadro de edema
de membros inferiores, progredindo para abdome e face, associado à
palpitação, dispneia aos pequenos esforços, ortopneia e dispneia paroxística
noturna de início há dois meses e piora nos últimos três dias prévios à
internação hospitalar. Concomitantemente iniciou náusea, sem vômito,
diarreia líquida de pequeno volume cerca de seis vezes por dia, sem sangue,
muco ou pus, com coloração amarelada e tenesmo. Acompanhando o
quadro, relata dor abdominal em hipogástrio, sem irradiação, obtendo
melhora com compressa morna sobre o abdome e analgésicos. Neste período
observou aumento da região cervical anterior e coloração amarelada dos
olhos. Perda ponderal de 12 kg nos últimos três anos, sem hiporexia. Nega
alteração da coloração da urina e aspecto sugestivo de acolia fecal, prurido
cutâneo ou febre até o momento da internação. Relatou história de
“pneumonia” há três semanas tratada com levofloxacino, obtendo melhora
dos sintomas. Nega quadro semelhante anterior, doenças prévias, cirurgias,
alergias ou hemotranfusões, tabagismo, etilismo e tireoideopatias, neoplasias
ou cardiopatias na família.
EXAME FÍSICO
FC: 133 bpm; FR: 20 irpm; PA: 110 x 60 mmHg, Temperatura: 36,5 oC.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 14,7g/dL 12 - 17g/dL
Basófilos 0% 0 - 1%
Eosinófilos 0% 1 - 5%
Monócitos 9% 4 - 10%
Eletrólitos
Sódio 137mEq/L 135 - 145mEq/L
Função Renal
Ureia 139mg/dL 10 - 50 mg/dL
Função Hepática
TGO / AST 520 U/L 12 - 38 U/L
Mulheres: 8 - 41 U/L
Gama-GT 146 U/L
Homens: 12 - 73 U/L
Função Pancreática
Amilase 28 U/L 28 - 100 U/L
Função Pancreática
Amilase 28 U/L 28 - 100 U/L
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Proteínas
Proteínas Totais 5,6 g/dL 6,5 - 8,1 g/dL
Coagulograma
INR 2,89 ≤1
Perfil Lipídico
Colesterol 77mg/dL desejável <200 mg/dL
Outros
LDH 537 U/L 240 - 480 U/L
DISCUSSÃO
A hipótese de tireotoxicose com crise tireotóxica (“tempestade
tireoidiana”) deve ser aventada se considerarmos sinais e sintomas bem
sugestivos como insuficiência cardíaca num contexto compatível com
doença de Graves (exoftalmia + sopro à ausculta de tireóide).
O quadro clínico de tireotoxicose abrange sinais e sintomas como:1
Sintomas Sinais
Hiperatividade, irritabilidade e disforia Taquicardia; fibrilação atrial
Palpitações Bócio
Poliúria Ginecomastia
Termorregulação Pontos1
37,2 - 37,7 oC 5
37,8 - 38, 2 oC 10
38,3 - 38,8 oC 15
Critérios de Burch and Wartofsky – Variáveis
38,9 - 39,3 oC 20
39,4 - 39,9 oC 25
40 oC 30
Leves: agitação 10
≥ 140 25
Presente 10
Presente 10
Struma ovarii
(teratoma ovariano com tecido tireoideano)
Tireoidite subaguda
Tireoidite silenciosa
Tireotoxicose gestacional
Pontos importantes
• Quadros infecciosos podem anteceder crises tireotóxicas;
• Tireotoxicose é diferente de hipertireoidismo;
• Os sinais clássicos da oftalmopatia de Graves são proptose e edema
periorbital; lentidão ao piscar olho pode ser evidente devido à
retração palpebral;
• A proptose pode ser bilateral simétrica ou assimétrica, ou até mesmo
unilateral;
Referências
1. Braunwald E, Fauci AS, Hauser SL, Kasper DL, Longo DL, Jameson JL. Harrison Medicina
Interna. 18th ed. Rio de Janeiro: Artmed; 2013.
2. Martins HS, et al. Emergências Clínicas Abordagem Prática. 9th Ed. São Paulo: Manole; 2013.
3. Burch HB, Wartofsky L. Life-threatening thyrotoxicosis: thyroid storm. Endocrinol Metab Clin
North Am: 1993; 22: 263-277.
4. Brent GA. Clinical practice. Graves’ disease. N Engl J Med 2008; 358:2594.
5. Davies TF. New thinking on the immunology of Graves’ disease. Thyroid Today 1992; 15:1.
6. Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Associação Médica Brasileira e
Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes. Doenças da tireoide: utilização dos Testes
Diagnósticos; 2004.
7. Wildemberg LEA, et al. Cardiomiopatia dilatada reversível relacionada a hipertireoidismo. Arq
Bras Endocrinol Metab vol.51 no.9 São Paulo Dec. 2007.
8. Polikar P, Burger AG, Scherrer U, Nicok P. The thyroid and the heart. Circulation 1993;
87:1435-41.
9. Klein I, Ojamaa K. Thyroid hormone and the cardiovascular system. N Eng J Med 2001;
344:501-9.
10. Ojamaa K, Klemperer JD, MacGilvray SS, Klein I, Samarel A. Thyroid hormone and
hemodynamic regulation of b-myosin heavy chain promoter in the heart. Endocrinology 1996;
137:802-8.
Caso 48
Liga Acadêmica de Clínica Médica de Pernambuco
Autores: Marttina Carolline de Moura Ferreira Gomes e Cynara Karolina
Rodrigues da Cruz.
Orientador(a): Dr. Rodrigo Agra Bezerra dos Santos (Clínica Médica e
Endocrinologia,
Prof. Auxiliar da UPE Campus Garanhuns).
Instituição: Universidade de Pernambuco - UPE.
Endocrinologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Mulher, 41 anos, parda, residente em cidade do interior do nordeste
brasileiro, vem ao ambulatório após atendimento em emergência com quadro
de náuseas e vômitos associado à tontura há aproximadamente seis meses.
Relata escurecimento progressivo da pele nos últimos meses e perda de peso
significativa (15 kg em dois meses), há relatos de hiponatremia durante os
atendimentos anteriores. Refere anorexia, astenia e alopecia, além de deter
permanecido em coma por duas semanas. Nega cefaleia, diarreia, dor
torácica e edema. Durante atendimento em emergência com quadro de
obnubilação, hipotensão, hiperpigmentação difusa de pele e mucosas, com
hiponatremia e hipoglicemia foi iniciado tratamento com corticoide
inicialmente venoso em regime de internamento e posteriormente recebeu
alta em uso de hidrocortisona 15 mg/dia.
EXAME FÍSICO
Estado geral regular, consciente, corada, afebril, hidratada.
Hiperpigmentação global e homogênea; manchas hipercrômicas nas regiões
palmar e plantar. Alopecia com predominância na região axilar, pubiana e
em MMII.
EXAMES COMPLEMENTARES
Bioquímica / Imunologia
Sódio 137 mEq/L 135 - 145 mEq/L
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico?
2. Qual a principal causa desta patologia?
3. É uma doença comum?
4. Há relação da hiperpigmentação da pele com o quadro ou este é
um fator isolado?
5. Como tratar?
DISCUSSÃO
Apesar do quadro inespecífico, os dados clínicos e laboratoriais
(hipotensão, hiperpigmentação cutânea, episódios anteriores de
hiponatremia, aumento do ACTH) fizeram da insuficiência de
glicocorticóides (falência / insuficiência adrenal) a principal hipótese para
esse caso.
O quadro inicial, flagrado na emergência, era bastante inespecífico. Há
vários diagnósticos diferenciais para redução do nível de consciência:
acidentes vasculares cerebrais, trauma ou infecção do SNC, sepse,
intoxicação exógena, distúrbios hidroeletrolíticos, etc.
Mesmo após obtenção do dado laboratorial de hiponatremia as
possibilidades diagnósticas ainda são extensas, como síndrome de secreção
inapropriada do hormônio antidiurético, uso de diuréticos de alça,
hipotireoidismo, insuficiência adrenal, síndrome cerebral perdedora de sal,
entre outras.
O dado da anamnese que direcionou o pensamento para insuficiência
adrenal foi o escurecimento progressivo da pele (hiperpigmentação),
particularmente o contraste entre aspecto atual da paciente e fotos pessoais
anteriores ao surgimento dos sintomas. Outros dados como náuseas,
anorexia, hipotensão e hipoglicemias reforçaram a suspeita de insuficiência
adrenal primária ou doença de Addison.
A falta crônica de glicocorticoide leva aos sintomas inespecíficos
apresentados pela paciente, como mal-estar geral, fraqueza, inapetência,
perda de peso, queixas gastrintestinais (náuseas, vômitos, dor abdominal e
diarreia alternada ou não com constipação intestinal). São sintomas comuns
em muitas outras doenças, mas a insuficiência adrenal deve ser sempre
considerada no diagnóstico diferencial.1
A paciente apresenta quadro típico de insuficiência adrenal primária, a
também chamada de doença de Addison. Ela corresponde à falência do
córtex da glândula adrenal (com sua consequente redução volumétrica,
notada pela TC abdominal da paciente) em produzir os hormônios cortisol e
aldosterona. É uma condição pouco frequente, com prevalência entre 0,45 -
11,7 casos por 100.000 habitantes. Após a introdução de terapia
antituberculosa eficaz, a autoimunidade tornou-se a principal causa de
insuficiência adrenal primária em países desenvolvidos. Estudo realizado em
São Paulo demonstrou que a etiologia autoimune é a mais prevalente (39%),
seguida de paracoccidioidomicose (28%), tuberculose (11%) e
adrenoleucodistrofia (7,3%). Outras causas de insuficiência adrenal primária
são infecções virais, histoplasmose, hiperplasia adrenal congênita, neoplasias
malignas metastáticas, hemorragia adrenal e medicamentos.2
O pico da incidência da doença fica em torno dos 40 anos, mas pode
ocorrer em qualquer idade. A insuficiência adrenal primária só provoca
sintomas quando já há destruição de pelo menos 90% das adrenais, pelo que
frequentemente as queixas instalam-se lentamente, o que dificulta o
diagnóstico e propicia a instalação abrupta de um quadro de insuficiência
adrenal aguda ou crise addisoniana. Os sintomas mais frequentes, apesar de
inespecíficos, refletem a falta de cortisol pela falência da adrenal.
Principais manifestações e achados laboratoriais frequentes na doença de Addison (em
ordem decrescente de prevalência)
Amenorreia Hipercalcemia*
Hipocortisolismo
Síndrome poliglandular autoimune, paracoccidioidomicose, tuberculose,
adrenoleucodistrofia, hemorragia suprarrenal, induzido por fármacos.
Endocrinologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente feminina, 50 anos, agricultora. Há 2 anos, vinha apresentando
episódios diários, com duração aproximada de 30 minutos, de cefaleia
parietal de caráter latejante, 10/10 em escala da dor, palpitações, náuseas,
vômito e sudorese. Além de hipertensão arterial sistêmica de difícil
controle. Referia como fator de melhora o uso de dipirona e nenhum fator
de piora. Negava alergias, coagulopatias, etilismo e tabagismo.
Fazia uso de Hidroclorotiazida 25mg/dia, Losartana 50mg/dia,
Propanolol 40 mg/dia, Doxasozina 2 mg/dia, Sinvastatina 40mg/dia e
Pantoprazol 40mg/dia. Nega etilismo e tabagismo.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
1.
LABORATORIAIS
HEMOGRAMA Normal
COAGULOGRAMA Normal
LABORATORIAIS
EXAME QUALITATIVO
Normal
DE URINA
UROCULTURA Negativa
2.
LABORATORI CATECOLAMINAS
SÉRICAS AIS
295 pg/mL (VR: até 84
Epinefrina
pg/mL)
3.
METANEFRINAS URINÁRIAS
4.
METANEFRINAS PLASMA
5251,52 pg/dL (VR < 65 pg/dL)
5.
NORMETANEFRINAS PLASMA
1011 pg/dL (VR < 196 pg/dL)
DISCUSSÃO
A paciente em questão apresentava hipertensão arterial sistêmica (HAS)
de difícil controle, que surgiu aos 48 anos, e isso nos leva a pensar em uma
HAS de etiologia secundária.
A prevalência de hipertensão arterial sistêmica de etiologia secundária
na população adulta é de aproximadamente 5% a 10% ¹. A etiologia mais
frequente é o feocromocitoma, que causa de 0,1% a 0,5% dos casos de
hipertensão arterial². Eles são tumores usualmente benignos que se
desenvolvem na glândula adrenal ³, ocorrendo em todas as faixas etárias,
embora seja uma doença mais frequente em adultos, preferencialmente
entre a terceira a quarta décadas de vida 4. Deve-se atentar que cerca de
10% são tumores extra-adrenais 5.
São tumores secretores de catecolaminas que surgem das células
cromafins da medula adrenal e dos gânglios simpáticos 6. Até hoje,
aproximadamente 10 genes e síndromes familiares (síndromes de
endocrinopatias múltiplas tipos IIa e IIb, neurofibromatose e doença de Von
Hippel–Lindau) são relacionados com o surgimento de feocromocitomas 7.
A suspeita do feocromocitoma ocorre, em sua maioria, com crises
hipertensivas e sintomas paroxísticos (50% dos casos) sugestivos de um
ataque de pânico inexplicado ou de uma hipertensão de difícil controle. 6
A tríade clássica de sintomas de pacientes com feocromocitoma é
cefaleia, sudorese e taquicardia. Quase metade desses pacientes tem
hipertensão paroxística, enquanto a outra metade parece ter hipertensão
essencial ou pressão sanguínea normal. A maioria dos pacientes não tem os
três sintomas clássicos e aqueles com hipertensão essência podem ter
sintomas de paroxísticos. 6
A hipertensão arterial é a manifestação mais comum de
feocromocitoma, surgindo em cerca de 90% dos doentes 8. Contudo, outros
sinais e sintomas podem ocorrer, como: palidez, náusea, dor abdominal,
dispnéia, tontura, vômitos, tremores, dor torácica (tipo angina),
embaçamento visual, poliúria pós-crise, convulsão, rubor facial, dor nucal,
urticária, acidente vascular cerebral hemorrágico, flushing, calafrios e dor
óssea 4.
Pacientes que apresentam sintomas sugestivos de feocromocitoma,
assim como aqueles assintomáticos que apresentam hipertensão arterial sem
causa definida, mas que possuem anormalidades em exames de laboratório
ou alteração no eletrocardiograma (ECG) causado por níveis altos de
catecolaminas, ou com evidência radiográfica ou por ressonância que
indiquem feocromocitoma, devem ser investigados 9.
A investigação se inicia com as catecolaminas e metanefrinas urinárias
em exame de urina de 24 horas e posteriormente, se forte suspeita, são
avaliadas as metanefrinas plasmáticas 6. Entretanto, os níveis desses
marcadores podem se apresentar normais em períodos de normotensão.
Portanto, é importante que se avaliem laboratorialmente esses pacientes em
episódios hipertensivos. Um ou mais dos seguintes níveis: norepinefrina >
170 mcg / 24 horas, epinefrina > 35 mcg / 24 horas, dopamina > 700 mcg /
24 horas, normetanefrina> 900 mcg / 24 horas ou metanefrina> 400 mcg /
24 horas, são fortemente sugestivos de feocromocitoma 6. Entretanto, já
que estes testes bioquímicos não são específicos, a repetição pode auxiliar
no diagnóstico correto 9.
Além disso, como confirmação, é possível realizar o teste de supressão
de clonidina, pois é seguro e confiável na diferenciação de hipertensão
neurogênica da hipertensão causada pelo feocromocitoma, pois a clonidina
suprime a atividade nervosa simpática e norepinefrina plasmática na
hipertensão neurogênica, mas não em pacientes com feocromocitoma, assim
os níveis avaliados não se modificam nesses pacientes. Beta-bloqueadores
devem ser evitados 48 horas antes do teste, pois podem evitar a supressão
de catecolaminas e agravar hipotensão e bradicardia induzida pela
clonidina. Resultados falso-positivos podem ocorrer em pacientes que
fazem uso de diuréticos ou antidepressivos tricíclicos 6.
A cromogranina A, que é armazenada e liberada de grânulos secretores
de células neuroendócrinas e aumenta nesses casos, pode ser utilizada, mas
não é uma indicação específica de feocromocitoma, pois pode ser observada
em outros tumores neuroendócrinos. Além disso, é possível observar
também os níveis plasmáticos de neuropéptido Y, que aumentam
significativamente em pacientes com feocromocitoma. A excreção urinária
de ácido vanilmandélico (VMA) durante 24 horas é outra opção
diagnóstica, mas que tem má sensibilidade e especificidade diagnóstica em
relação aos outros testes. Devido a melhora dos testes que avaliam as
catecolaminas e metanefrinas os testes de provocação como os testes de
glucagon, fentolamina, histamina, metoclopramida e tiramina raramente são
utilizados 6.
Após confirmação bioquímica é necessário prosseguir com a localização
do tumor. Em feocromocitomas esporádicos, tanto a tomografia
computadorizada (TC) quanto a ressonância magnética (RM) são altamente
sensíveis. A escolha entre ambos é realizada considerando o custo e o fato
de que na TC há certa exposição à radiação, mas há baixo risco de efeitos
adversos, como exacerbação da hipertensão e que a utilização da RM não
há a exposição a radiação e contraste, mas é um exame mais caro que pode
distinguir o tumor de outras massas adrenais 5. A RM é indicada
principalmente em crianças e pacientes grávidas 9.
Se tanto a TC quanto a RM são negativas, mas ainda há a presença de
evidencias clinicas e bioquímicas do tumor é necessário, primeiramente,
reconsiderar o diagnostico e se alta suspeita é possível realizar a
cintilografia de 123-I-metaiodobenzilguanidina (MIBG). Esse exame é
indicado em pacientes com feocromocitomas adrenais grandes com risco
aumentado de malignidade ou paraganglioma com risco aumentado de
tumores múltiplos e malignidade, porém não é indicativo de cirurgia 5.
Já a biópsia guiada por imagem deve ser evitada devido complicações
relacionadas, como dificuldade aumentada da operação, hipertensão grave,
hematoma, dor intensa e atraso no tratamento cirúrgico 6.
A escolha de uma conduta correta pra cada paciente é de extrema
importância, uma vez que a abordagem terapêutica adequada permite que o
potencial de cura do feocromocitoma seja muito elevado. Nesse contexto, a
suprarrenalectomia laparoscópica é o método de escolha no tratamento do
feocromocitoma, sendo muito importante a realização de controlo
sintomático pré e intraoperatório 10.
As complicações intra operatórias na cirurgia do feocromocitoma
incluem: hipertensão arterial grave pela indução anestésica, hipotensão,
stress cirúrgico ou manipulação do tumor, instabilidade hemodinâmica pela
insuflação abdominal (aumento nos níveis de catecolaminas séricas por
aumento do tónus simpático, aumento da resistência vascular periférica e
redução do retorno venoso), arritmias cardíacas, hipotensão perioperatória,
e hipoglicemia 8.
Com o objetivo perioperatório de diminuir o efeito pressor das
catecolaminas a nível sistêmico, usa-se comumente a fenoxibenzamina (um
bloqueador alfa com meia-vida de 24 horas iniciado cerca de 7 dias antes da
cirurgia). A fenoxibenzamina produz hipotensão ortostática e taquicardia
reflexa, e após a excisão tumoral contribui significativamente para a
hipotensão instalada no pós-operatório imediato 8.
O prazocin é outro medicamento usado para controlar os sintomas no
feocromocitoma. Ele possui ação seletiva de bloqueio alfa 1, e uma meia
vida reduzida em relação à fenoxibenzamina. Contudo, os pacientes que
recebem prazocin podem não encontrar bloqueio alfa adequado no
momento da intervenção.
Ambos os medicamentos de bloqueio alfa periféricos permitem a
predominância de taquicardia, que precisa ser combatida com a
administração de beta-bloqueadores 11.
Vale relembrar que durante a cirurgia de feocromocitoma, dois estágios
podem ser realizados: hipertensivo e hipotensivo (observado uma vez que o
tumor foi eliminado e há níveis reduzidos de catecolaminas circulantes,
associados à ação de drogas vasodilatadoras) 11.
A crise hipotensiva apresenta tantos riscos e complicações quanto o
hipertensivo. Uma vez instalada, pode ser importante e difícil de tratar 11.
Devido a isso, antes de completar a remoção do tumor, o anestesista
deve estar preparado para lidar com hipotensão, com canais venosos de
grande calibre, líquidos para reabastecer o volume e medicamentos
vasoconstritores específicos. Pelo menos 2 litros de solução fisiológica e às
vezes colóides são necessários para impor um volume suficiente após a
vasodilatação que ocorre de forma agressiva, mesmo durante a cirurgia. A
persistência da hipotensão responde à presença de fármacos utilizados pré-
operatóriomente como tratamento rotineiro do feocromocitoma 11.
Por esta razão, os medicamentos vasoconstritores não são sempre o
melhor tratamento nesta fase. Manter o volume sanguíneo adequado e os
controles hemodinâmicos relevantes nas unidades de terapia intensiva
podem ser os cuidados pós operatórios mais adequados. Alguns pacientes
podem não apresentar sintomas após a ressecção e serem prontamente
externados 11.
A paciente do caso relatado foi submetida à adrenalectomia
videolaparascópica direita (Imagem A e B). O procedimento ocorreu sem
intercorrências e a paciente teve alta hospitalar três dias após o
procedimento.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE
FEOCROMOCITOMA
hipertensão
angina enxaqueca arterial pós-
cirúrgica
crise
taquiarritmias hipertensiva
paroxísticas relacionada a
medicamentos
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Estudo semiológico do feocromocitoma;
• Diagnósticos diferenciais que levam ao feocromocitoma;
• Sintomatologia característica do feocromocitoma (tríade do
feocromocitoma) e confirmação diagnóstica;
PONTOS IMPORTANTES
• Os feocromocitomas são a causa de 0,1% a 0,5% dos casos de
hipertensão arterial 2;
REFERÊNCIAS
1. Malachias MVB. 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arquivos Brasileiros de
Cardiologia. 2016; 107(3):67-73.
2. Malachias MVB. Feocromocitoma – diagnóstico e tratamento. Rev Bras Hipertens. 2002 Jun
17; 9(2):160-64.
3. Mayo Clinic. (2017). Feocromocitima. [Acesso em 15 de janeiro de 2018].
4. Pereira MAA, Souza BF, Freire DS, Lucon AM. Feocromocitoma. Arq Bras Endocrinol Metab.
2004;48(5):751-75.
5. Nardozza Jr A, Zerati MF, Reis RB. Urologia Fundamental. 1ª ed. São Paulo: Planmark, 2010.
6. Young WF, Kaplan NM. (2013) Apresentação clínica e diagnóstico de feocromocitoma.
UpToDate. [Acesso em 15 de janeiro de 2018].
7. Blake MA. (2017) Feocromocitoma. Medscape. [Acesso em 15 de janeiro de 2018].
8. Costa L, Gomes AT. Feocromocitoma. Arquivos De Medicina. 2008;22(6):177-87.
9. Phillips, R.A. Feocromocitoma. O Jornal de Hipertensão Clínica. 2002; 4(1): 62-72.
10. Branco MCA. Tratamento cirúrgico do feocromocitoma. FMUC Medicina: Teses de
Mestrado; 2013 Fev. 76p.
11. Vásquez NB. Feocromocitoma: Manejo Peri-operatorio. Revista Medica de Costa Rica y
Centroamerica. 2014;71(609):159-64.
12. Kumar V, Abbas AK, Fausto N, Aster JC. Robbins e Cotran, bases patológicas das doenças. 8
ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010. p. 1167-1169.
13. Lloyd RV, Osamura RY, Klöppel G, Rosai J. WHO Classification of Tumours of endocrine
organs. 4 ª edição. EUA: WHO; 2017.
Caso 50
LACIR - Liga Acadêmica de Cirurgia
Autores: Mateus de Oliveira Torres, Fernanda Ferreira Rios e Camila Matos
Pedreira.
Orientador(a): Dr. Jorge Luiz Andrade Bastos (Prof. Associado IV do
Departamento de Anestesiologia e Cirurgia da Faculdade de Medicina da
Bahia - UFBA).
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
32 anos, sexo masculino, natural e procedente de cidade do interior.
Relata que há cerca de 03 meses vem apresentando dor em cólica, de forte
intensidade, em hipocôndrio direito com irradiação para todo abdome
superior e dorso. Informa que alguns episódios melhoravam com o uso de
analgésicos orais. Todavia, em diversas ocasiões foi atendido em unidade de
emergência e realizou analgesia intravenosa, devido à intensidade da dor.
Relata que as crises dolorosas vêm associadas a náuseas e vômitos, e são
desencadeadas pela ingestão de alimentos gordurosos. Nega icterícia, colúria
e acolia fecal. Ritmo intestinal e aspecto das fezes normais.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemograma
Coagulação
Tempo de protrombina 13,3 segundos 10,7 - 14,3 segundos
Bioquímica
Glicemia em jejum 83 mg/dL 70 - 99 mg/dL
Urina
Sedimento urinário Sem alterações -
Figura 1. Ultrassonografia do abdome: cálculos móveis (com hiper-
refringência e projeção de sombra acústica) no interior da vesícula biliar que
apresenta paredes finas e regulares.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. É necessário exame de imagem para o diagnóstico? Caso sim, qual?
3. São observadas alterações laboratoriais? Qual a importância desses
exames?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
A presença de cálculos na vesícula (litíase biliar) é uma das doenças mais
comuns do aparelho digestório e constitui um importante problema de saúde
pública. Estima-se que 10% a 15% da população adulta têm ou terão
cálculos biliares.1 Alguns autores afirmam que esse valor pode chegar até
20%,2 enquanto outros relatam que nas mulheres esse valor seja de 24%.3
Além dos problemas relacionados à saúde, a colelitíase também acarreta
grandes custos financeiros, avaliados em torno de 6,2 milhões de dólares
gastos anualmente só nos Estados Unidos. No Brasil, é a doença cirúrgica
abdominal mais comum em idosos, sendo sua incidência relacionada à
progressão da idade, com prevalência na população geral de 9,3%.4 Dessa
forma, é raro o diagnóstico de litíase vesicular na criança, começando a ser
identificada na adolescência, apresentando um marcado acréscimo na
incidência entre 35 - 55 anos. Nota-se uma incidência aumentada em
multíparas e em obesos.2
Os cálculos são concreções cristalinas que se formam dentro da vesícula
biliar pelo acúmulo de componentes da bile. O desenvolvimento desses
cálculos ainda não está firmemente estabelecido. Há mecanismos distintos
para explicar sua ocorrência. Admite-se que há uma hipersecreção de
colesterol pelo fígado, resultando em uma supersaturação na bile e formação
de pedras. Isso seria devido a um aumento da captação hepática de
colesterol, um decréscimo na produção hepática de sais biliares e síntese de
éster de colesterol para formação da lipoproteína de muito baixa densidade
(VLDL) associada com um desarranjo na absorção intestinal de colesterol e
sais biliares.3 Pacientes obesos, diabéticos, uso de anticoncepcional oral,
gravidez, envelhecimento e perda ponderal acentuada são estados os quais
propiciam ao aumento da produção de colesterol.2 Admite-se ainda que os
cálculos podem ser formados devido a uma dismotilidade da vesícula biliar.
Mais de 70% dos cálculos são formados pela precipitação de colesterol e
cálcio (colesterol puro corresponde a menos de 10%). Pedras pigmentares
são causadas por concentrados de fragmentos da bile e produtos da
degradação da hemoglobina, em geral em pacientes com hemoglobinopatias,
como a doença falciforme.5
Diante desse conhecimento prévio sobre epidemiologia e formação dos
cálculos na vesícula, ficará mais fácil o entendimento sobre a história natural
da doença. Temos um paciente masculino de 32 anos com uma dor em cólica
no hipocôndrio direito há cerca de três meses. Todavia, deve-se lembrar de
que a maioria dos casos de colelitíase (40 - 60%) são assintomáticos,
podendo ser achados esporádicos em exames de imagem na busca por outras
patologias.2 Para ser sintomático, o cálculo deve obstruir uma via de saída do
fluxo da vesícula biliar, como, por exemplo, o ducto cístico ou o infundíbulo
da vesícula. A cólica biliar, como referida pelo nosso paciente, causada por
um bloqueio temporário do fluxo biliar, tende a ocorrer após uma refeição,
em decorrência da contração da vesícula biliar causada pela secreção de
colecistocinina (CCK) pela mucosa gástrica após a ingestão de alimentos
gordurosos. Se não ocorrer essa obstrução ou se o cálculo passa livremente
pela via biliar até o duodeno sem impactar durante o trajeto, particularmente
na papila biliar, o paciente será assintomático.5 A definição de cólica biliar é
mais bem descrita pelos critérios de Roma: uma tríade composta de dor
constante, localizada no epigástrio ou no quadrante superior direito, durando
30 minutos ou mais.6
A dor biliar é a principal queixa na maioria dos pacientes sintomáticos
com cálculos biliares. Caracteriza-se como uma dor visceral de localização
em hipocôndrio direito ou epigástrio e com frequência irradia-se para ombro,
escápula, ou, como no caso desse paciente, para o dorso e abdome superior,
em decorrência da irritação nas terminações do plexo celíaco. A
característica da dor é ser constante, e não intermitente, assim, o termo cólica
é, em realidade, “inadequado”.
Não temos o relato na história clínica, contudo, de uma crise típica que
consiste em dor que aumenta durante 15 min à 1 h, e que permanece em
platô durante 1h ou mais e depois, diminuindo lentamente. Em 1/3 dos
pacientes, a dor tem início súbito e menos frequentemente, o alívio é
também súbito. A dor que dura mais de 5 - 6h deve sugerir colecistite aguda
associada.2
Critérios Diagnósticos Para Colecistite Aguda3
Sinal de Murphy
Sinais locais de Inflamação
Massa, dor, desconforto em QSD*
Febre
Leucocitose
Cardiopatias
Pancreatite
Dispepsia funcional
Hepatite
Pontos importantes
• Paciente com cólica biliar suspeitar de doença calculosa biliar;
• Cólica biliar será aquela dor contínua, em quadrante superior direito,
que dura 30 min ou mais;
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente, 70 anos, do sexo feminino, parda, procedente de cidade do
interior. A paciente relata que há quinze anos foi diagnosticada como
portadora de hepatite C crônica. Nesse período, realizou tratamento com
medicamentos Interferon e Ribavirina, porém, não alcançou resposta viral
sustentada. Há quatorze meses uma ultrassonografia (USG) de abdome
revelou nódulo hepático no segmento IVa. Tomografia computadorizada
(TC) mostrou que o nódulo era predominantemente sólido,
hipervascularizado e com área apresentando eliminação precoce do contraste
(Wash-out) nas fases tardias. Nega dor e aumento do volume abdominal,
edema e icterícia. Apresenta diabetes mellitus tipo 2 há cinco anos. Refere
operação cesariana há 30 anos e transfusão de sangue há 34 anos. Nega
alergia medicamentosa, tabagismo e etilismo. Epidemiologia negativa para
esquistossomose e doença de Chagas.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral e nutricional, lúcida e orientada no tempo e no espaço,
mucosas normocrômicas, acionóticas e anictérica. Eupnéica e afebril.
Hemograma
Hemoglobina 13,6 g/dL 12 - 16 g/dL
Hematócrito 35,6 % 35 - 47 %
Segmentados 58 % 40 - 80 %
Eosinófilos 13 % 1-6%
Monócitos 9% 2 - 10 %
Linfócitos 19 % 20 - 40 %
Bioquímica
Glicemia 223 mg/dL ≤100 mg/dL
Enzimas Hepaticas
Pontos de discussão
1. Qual a mais provável via de infecção pelo vírus da hepatite C (VHC)
dessa paciente?
2. Pacientes com infecção pelo vírus da hepatite C que alcançam
resposta viral sustentada (RVS) terão menos riscos de desenvolverem
carcinoma hepatocelular (CHC)?
3. É necessária biópsia hepática para realizar o diagnóstico de CHC
antes do tratamento cirúrgico?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada para o caso: ressecção
hepática ou transplante hepático?
DISCUSSÃO
É difícil definir qual a via e quando a paciente teve contato com VHC,
porém a história de transfusão de sangue anterior ao ano de 1992 fala a favor
de transmissão parenteral. O uso de drogas injetáveis, transfusão de sangue
antes de 1992 e relação sexual com um usuário de drogas injetáveis são os
principais fatores de risco para infecção do VHC. Portanto, é fundamental
realizar exames de triagem nesses grupos de pacientes.
A infecção por VHC é uma causa importante de doença crônica do
fígado em todo o mundo. Aproximadamente 2% da população mundial está
infectada com VHC. O impacto a longo prazo é variável: desde alterações
mínimas até extensa fibrose, cirrose e progressão para o CHC. O risco de
desenvolvimento de CHC em pacientes com infecção VHC que alcançam
RVS com Interferon e Ribavirina reduz pela metade. Em 2012, Tamori et al.
em seu estudo mostrou que a incidência cumulativa de desenvolvimento de
CHC em 10 anos foi reduzida de 21,8% para 5,1% nos pacientes que
atingiram RVS. No entanto, o risco de CHC não desapareceu.
O CHC é o quinto câncer primário mais comum em todo o mundo, e a
terceira causa mais comum de mortes relacionadas ao câncer, com cerca de
600.000 pacientes que morrem da doença anualmente. O diagnóstico de
CHC pode ser difícil e, muitas vezes, requer a utilização de uma ou mais
modalidades de imagem. O diagnóstico precoce é fundamental para o
sucesso do tratamento terapêutico. Contudo, o CHC é frequentemente
diagnosticado no final de seu curso devido à ausência de sintomas
patognomônico. Como resultado, muitos pacientes já têm a doença em
estágio incurável, quando diagnosticados pela primeira vez. A sobrevida
mediana após o diagnóstico é de aproximadamente 6 a 20 meses. Tumor
grande, invasão vascular, status funcional pobre e metástases estão
associados a um pior prognóstico.
A maioria dos pacientes com CHC são assintomáticos ou apresentam
sintomas associados à doença de base. Ascite, encefalopatia, icterícia, ou
sangramento de varizes são algumas das complicações frequentemente
associadas à extensão do tumor. Alguns pacientes podem ter dor abdominal,
perda de peso, saciedade precoce ou massa palpável no abdome superior.
Eventualmente pode haver ruptura tumoral com sangramento intraperitoneal,
provocando distensão e dor abdominal aguda associado com queda
hemoglobina e hipotensão. Esses sintomas muitas vezes indicam uma lesão
em fase avançada.
Manifestações paraneoplásicas não são infrequentes e podem auxiliar na
suspeição diante de paciente cirrótico. Caracterizam-se, principalmente, por
policitemia, hipercalcemia, hipoglicemia e diarreia aquosa significativa.
Os exames laboratoriais geralmente são inespecíficos, as transaminases
séricas, fosfatase alcalina, gama-glutamil-transpeptidase são frequentemente
anormais, porém em um padrão inespecífico.
Os níveis elevados de AFP podem ser vistos em pacientes com doença
hepática crônica sem CHC. Nem todos os tumores secretam AFP, e as
concentrações séricas são normais em até 40% dos CHCs pequenos.
Pacientes com cirrose e valores persistentemente elevados de AFP têm um
risco aumentado de desenvolver CHC, em comparação com aqueles que
possuem níveis normais ou flutuantes.
A abordagem de diagnóstico de uma lesão hepática sólida é determinada
pelo tamanho da lesão. Os nódulos menores do que 1 cm devem ser
acompanhados com USG de abdome em intervalos de três a seis meses. As
lesões maiores que 1 cm de diâmetro devem ser avaliadas com ressonância
magnética (RM) ou TC helicoidal com contraste. A biópsia é realizada
quando não se consegue fazer o diagnóstico através dos exames de imagem.
Na TC e RM, uma massa hipervascular na fase arterial e radiolúcida na
fase venosa (realce arterial com “Wash-out”) (Figura 1) fala a favor de
CHC. Um desses achados associados à AFP > 500 mcg/L, no contexto
clínico apropriado, é geralmente suficiente para estabelecer o diagnóstico de
CHC sem necessidade de biópsia hepática. O aumento da AFP em um
paciente com um nódulo hepático, também é sugestivo de CHC.
Neste caso, a paciente apresenta os sinais clássicos de CHC na TC, além
de elevação de AFP (> 500 mcg/L), dos valores persistentemente elevados
de AFP, sendo suficientes para confirmar o diagnóstico de CHC. Dessa
forma, não há necessidade de biópsia hepática. A paciente está assintomática
e as enzimas hepáticas sofreram discretas elevações, porém tal situação
clínica é compatível com o quadro de pacientes com CHC na fase precoce,
como é o caso da paciente.
Como o diagnóstico foi confirmado seguindo todos os pré-requisitos, o
segundo passo é definir a melhor conduta terapêutica. As possíveis opções
de tratamento para pacientes com CHC incluem: ressecção cirúrgica,
transplante hepático, quimioembolização e terapia ablasiva local. A cirurgia,
seja através de ressecção hepática ou transplante de fígado, é a melhor opção
para o aumento das oportunidades de cura. A quimioembolização é realizada
com o objetivo de reduzir a massa tumoral para proporcionar a realização ou
melhorar o resultado da terapia definitiva. Os pacientes idealmente
adequados para a ressecção são aqueles com CHC confinado ao fígado, sem
evidência radiográfica de invasão vascular do fígado, função hepática
preservada e nenhuma evidência de hipertensão portal.
Nódulos displásicos
Colangiocarcinoma
Metástase hepática
PONTOS IMPORTANTES
• Pacientes com história de transfusão de sangue antes de 1992 devem
realizar exames de triagem para hepatite C crônica;
Referências
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Caso 52
LACIR - Liga Acadêmica de Cirurgia
Autores: Felipe Mathias Carvalho de Souza, Tayanne Andrade Magalhães e
Ticiana Sant’Anna Brito.
Orientador(a): Dra. Talita Barreto Macêdo.
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
62 anos, masculino, pardo, natural de cidade do interior do nordeste
brasileiro. Há cerca de um ano, o paciente procurou atendimento em um
hospital público de alta complexidade, com queixa de disfagia a alimentos
sólidos. Há aproximadamente três meses, paciente relata redução das
dejeções, mal-estar ao alimentar-se e distensão abdominal. A disfagia vem
piorando progressivamente e há um mês é acompanhada de episódios
persistentes de vômitos para alimentos sólidos, pastosos e líquidos, com
restos alimentares. Foi internado há uma semana, com piora do quadro.
Refere perda de 15 kg em seis meses, fraqueza em membros inferiores,
ausência de dejeções associados a pouca ingesta de alimentos.
Refere passado de etilismo, durante aproximadamente 40 anos, com uso
de bebidas fermentadas e destiladas, abstêmio há oito anos. Nega tabagismo.
Nega febre, cansaço, hematêmese, palpitações, dispneia, alteração da
coloração da urina, disúria, poliúria, oligúria, uso de medicações.
EXAME FÍSICO
Paciente em péssimo estado geral, acianótico, anictérico, corado, afebril,
caquético.
Pulso radial: 70 bpm; PA: 90x60 mmHg - braço esquerdo e sentado; FR: 16
irpm; Temperatura Axilar: 36,6 oC; Peso: 50,6 kg; IMC: 16,75 Kg/m2.
Ausência de déficits.
Hemograma
Hemoglobina 14 g/dL 13,5g/dL - 17,5g/dL
Bioquímica
Glicemia 103 mg/dL < 100 mg/dL
Coagulação
TP (tempo de protrombina) 96% 70 - 100%
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Revisão sobre Doença de Chagas e Megaesôfago Chagásico;
2. Diagnóstico de megaesôfago chagásico;
3. Método terapêutico do megaesôfago chagásico.
DISCUSSÃO
Os órgãos primeiramente afetados na Doença de Chagas em sua forma
crônica são coração, esôfago e cólon, sendo difícil o achado do
Trypanossoma Cruzi intracelular nesses órgãos. A resposta imunológica
exagerada (níveis de anticorpos humorais e resposta linfocitária
proliferativa) ao T. Cruzi não está presente nesses pacientes.1 As áreas de
risco para transmissão vetorial da doença de Chagas são Nordeste (AL, BA,
CE, MA, PB, PE, SE, PI, RN), Centro-oeste (DF,MS,MT,GO), Sudeste
(MG,SP), Sul (PR, RS) e Amazônia Legal.2 Existem variações geográficas
na prevalência e tipos de manifestações da doença crônica, mas, no Brasil, a
cardiopatia e a doença megálica são comuns e o paciente com frequência
tem os dois tipos de envolvimento, sem sintomas sistêmicos como febre ou
linfadenopatia.1 Cerca de 20 a 30% dos indivíduos progridem, ao longo de
10 a 30 anos,com envolvimento cardíaco, digestivo ou ambos.3
Os distúrbios gastrointestinais são a segunda complicação mais comum
associada à doença de Chagas, sendo mais prevalentes na América do Sul
(região central do Brasil) do que na América do Norte e Central. No Brasil, o
megaesôfago chagásico é a manifestação digestiva mais comum da doença
de Chagas. Ainda que a mortalidade dos pacientes seja baixa, há um
importante comprometimento da qualidade de vida.4
Os sintomas do megaesôfago chagásico são indistinguíveis da acalásia
idiopática e incluem disfagia, sensação de fastio após comer ou beber apenas
pequenas quantidades, dor no peito e regurgitação. Tais sintomas podem ser
explicados pela redução da quantidade das células nervosas do gânglio
mioentérico, o plexo de Auerbach (desnervação parassimpática). A
hipertrofia das glândulas salivares secundária à hipersalivação não é
comum.1 Tosse e sufocação noturna podem estar presentes causadas por
broncoaspiração de alimentos regurgitados.5 Uma complicação comum em
casos avançados é a aspiração com pneumonia secundária, caquexia e perda
de peso.
O diagnóstico de Megaesôfago Chagásico pode ser dado através da
história clínica do paciente, com as queixas de disfagia progressiva, quadros
regurgitativos e a perda ponderal secundária à disfagia, podendo chegar até a
configurar um quadro de desnutrição grave. Associada à história clínica, o
diagnóstico de Cardiopatia Chagásica é essencial para diferenciar o
Megaesôfago Chagásico de uma Acalásia Idiopática, como no caso. Por fim,
um exame de imagem pode ser utilizado para confirmar a suspeita
diagnóstica. O exame mais indicado, de acordo com a literatura,6,7 é o exame
radiológico contrastado com bário; entretanto, devido às limitações do
Hospital no qual o paciente do caso estava internado, o mesmo foi submetido
a uma radiografia comum (Figura 1), com visualização de uma dilatação da
área esofágica, confirmando o diagnóstico de Megaesôfago Chagásico.
Estudos manométricos mostram espasmo do esfíncter esofágico e
movimentos peristálticos incoordenados. A endoscopia deve ser realizada
para excluir a presença de malignidade. Entretanto, todos esses achados
relatados anteriormente são indistinguíveis da acalásia idiopática. Os valores
sorológicos positivos para Doença de Chagas dependerão da prevalência da
formação de anticorpos na população em geral.1
O estudo radiológico torna possível distinguir os vários estágios de
acometimento esofageano. Esse estadiamento pode ser feita segundo a
Classificação de Rezende:5
Esôfago de calibre aparentemente normal.
Grupo I Trânsito lento. Pequena retenção de
contraste.
PONTOS IMPORTANTES
• O diagnóstico diferencial de disfagia é vasto sendo acalásia uma das
possibilidades.
Referências
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2008;248(6):986-93.
Caso 53
Liga Acadêmica de Gastroenterologia
Autores: Ana Beatriz Fernandes Sobreira, Douglas de Sousa Sobral e
Edvirgens Maria dos Santos Matos.
Orientador(a): Dra. Andrea Benevides Leite (Gastroenterologista -
Universidade de Fortaleza).
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Masculino, 51 anos, pardo, agricultor, casado, natural e procedente de
cidade do interiror do nordeste brasileiro, católico. Paciente refere
hematêmese associada à melena. Nega constipação, icterícia, náuseas e
vômitos. Refere de antecedente epidemiológico banho em rios com
caramujos.
EXAME FÍSICO
FC: 74 bpm, FR: 16 ipm; PA: 110/70 mmHg; Tax: 36,5 oC.
Sem achados dignos de nota em orelhas, olhos, nariz e cavidade oral.
Ausência de linfonodomegalias palpáveis.
Ausência de artrite.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemograma
Bioquímica
Sódio 142 mEq/L 135 – 145 mEq/L
INR 1,37 -
TAP 1,28 -
Ur 38 mg/dL 10 - 50 mg/dL
DISCUSSÃO
O caso em questão é referente a um paciente que apresenta
esquistossomose mansônica (EM), uma doença parasitária causada pelo
trematódeo Schistosoma mansoni.1
Clinicamente, as manifestações da doença variam de acordo com sua
fase da evolução. A fase aguda da doença pode ser tanto assintomática
como sintomática, sendo essa representada pela dermatite cercariana,
caracterizada pela formação de um exantema maculo-papular pruriginoso
dois a três dias após a invasão do parasita, e pela febre de Katayama, que se
instala de quatro a oito semanas após a invasão cutânea, caracterizando-se
por febre, linfadenopatia generalizada, hepatomegalia e eosinofilia
significativa.2
O paciente em questão apresenta quadro compatível com a fase crônica
da doença, na qual as principais manifestações clínicas são dor abdominal
em cólica, diarreia sanguinolenta, anemia, hepatoesplenomegalia,
hipertensão portal e varizes esofágicas com sangramento. O quadro clínico
varia desde a ausência de alterações hemodinâmicas acentuadas até formas
clínicas severas com hipertensão portal, hipertensão pulmonar,
glomerulopatias, forma pseudoneoplásica, neuroesquistossomose, forma
panvisceral e outras associações mórbidas.2
A principal complicação da EM é a hipertensão portal, que, nos casos
avançados, se caracteriza por hemorragia, ascite, edema e insuficiência
hepática severa. Nesses casos, o prognóstico é, quase sempre, o óbito, visto
que, apesar do tratamento, a fibrose e a cirrose que acontecem em torno do
granuloma são irreversíveis.3
Uma análise minuciosa da história do paciente é necessária para o
diagnóstico, pois é através dela que se poderá reconhecer fatores de risco,
como exposição à água ou a alimentos potencialmente contaminados,
banhos em lagoas com caramujos, viagens a áreas endêmicas, entre outros.
O paciente em questão apresenta um fator de risco positivo para a doença.
A ocorrência de sinais e sintomas compatíveis com as formas agudas da
infecção, em associação a achados do exame físico, são elementos
essenciais para o diagnóstico presuntivo da EM.3
Diante da suspeita de EM, sendo ela baseada nos dados clínicos e
epidemiológicos, está indicada a realização da avaliação laboratorial. A
constatação da presença de ovos nas fezes é o modo mais empregado na
prática clínica. Em princípio, já é possível detectar a presença de ovos de S.
mansoni nas fezes a partir do 40º dia após o contágio. Métodos
imunológicos podem ser utilizados. A pesquisa de ovos em tecidos, através
de biópsia retal ou hepática, constitui um método auxiliar menos usual,
sendo reservado para o esclarecimento diagnóstico em situações
particulares.3 Importante lembrar que, nas formas agudas como na febre de
Katayama, a pesquisa de ovos pode ser negativa, pois pode não ter havido
tempo hábil para a ovodeposição. Outro exame costumeiramente feito em
regiões remotas do país é a reação intradérmica, porém, em área endêmicas,
apresenta pouca valia diagnóstica, visto que apenas identifica quem teve
contato com o parasita.
A utilização de exames de imagem é destinada, no geral, para a
avaliação do comprometimento causado pela infecção pelo S. mansoni,
visto que permite a identificação de alterações anatômicas dos órgãos
afetados pelo parasita. Os principais exames são a ultra-sonografia do
abdômen, a esplenoportografia transparietal e a endoscopia digestiva alta.3
A terapêutica da doença difere conforme os seus diferentes estágios
evolutivos. A Fase inicial (dermatite cercariana) deve ser tratada com anti-
histamínicos locais e corticosteroides tópicos, os quais propiciam alívio do
prurido. Para os quadros de febre toxêmica indica-se repouso, hidratação
adequada, uso de antitérmicos, analgésicos e antiespasmódicos. Na fase
crônica, devem ser contempladas medidas para melhorar o quadro diarreico
(quando presente) e os fenômenos dispépticos. Um tratamento específico é
necessário, estando disponíveis duas drogas, que se equivalem quanto à
eficácia e a segurança, o Praziquantel e o Oxaminiquine. A dosagem do
praziquantel é 50 mg por quilo de peso corporal (mg/Kg) em adultos e 60
mg/kg para crianças até 15 anos, enquanto a oxamniquine é administrável
na dosagem de 15 mg/kg de peso para adultos e 20 mg/kg para crianças até
15 anos.1,2
O acompanhamento do paciente, para a verificação de cura, deve ser
realizadao no 4° mês após tratamento. O método empregado para este fim é
o exame de fezes, que deve ser realizados com pelo menos três amostras
sequenciais colhidas em dias distintos, com intervalo máximo de 10 dias
entre a primeira e a última coleta.3
PONTOS IMPORTANTES
• É necessário observar a procedência e hábitos do paciente, visto que
em certas regiões, como no nordeste brasileiro, a doença é endêmica;
Referências
1. BRASIL, Ivelise RC et al. Esquistossomose hepática como achado ocasional de fígado de
doador para transplante. Medicina (Ribeirão Preto. Online), v. 46, n. 2, p. 178-182, 2013.
2. LONGO, DL et al. Manual de Medicina de Harrison. AMGH Editora, 2013.
3. VITORINO, RR et al. Esquistossomose mansônica: diagnóstico, tratamento, epidemiologia,
profilaxia e controle. Rev Bras Clin Med São Paulo, v. 10, n. 1, p. 39-45, 2012.
Caso 54
Liga Acadêmica de Gastroenterologia
Autores: Sérgio Mateus Rodrigues Costa, Nathacia Oliveira Gonçalves e
Daniel de Sousa Sobral.
Orientador(a): Dra. Andrea Benevides Leite (Gastroenterologista -
Universidade de Fortaleza).
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
35 anos, feminino, parda, natural e procedente de cidade de grande
porte, há 30 dias refere episódios intermitentes de epigastralgia, náuseas e
vômitos, mas que cediam com analgésico comum. Dando entrada na
emergência de hospital terciário, com dor progressiva e intensa no andar
superior do abdome, com irradiação para o dorso, associada a náuseas e
vômitos, a dor diminuiu com dipirona, mas não cessou, não melhora com os
vômitos e piora com a alimentação. Paciente nega febre, sangramento ou
alteração nas funções fisiológicas.
EXAME FÍSICO
Ausência de artrite.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 15,3 g/dL 11,5 – 16,0 g/dL
Bastões 2% 0 - 5%
Bioquímica
TGO/AST 442 U/L 0 - 32 U/L
Eletrólitos Normal -
Glicemia Normal -
Urina
Hemoglobina 2+ -
Proteína 1+ -
Glicose Normal -
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Bilirrubina Negativo -
Nitrito Normal -
Urocultura Negativo -
Coagulação
Tempo de Protrombina Normal -
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico e etiologia mais provável para este caso?
2. Como se faz o diagnóstico?
3. Qual a conduta terapêutica mais adequada para o caso acima?
4. Qual a provável etiologia?
DISCUSSÃO
Essa paciente tem um caso muito sugestivo de pancreatite aguda (PA).
Pancreatite aguda é um processo inflamatório das enzimas pancreáticas,
dentro do próprio pâncreas.1 A pancreatite aguda tem vários fatores
etiológicos (Tabela 1), mas a colelitíase e o álcool são, juntos, responsáveis
por mais de 80% dos casos da doença,1 sendo a colelitíase mais importante
na forma aguda. O principal sintoma é a dor abdominal, de início aguda,
que atinge o platô em 10 a 30 minutos, mas persistindo contínua por mais
de 4 horas a dias. Localizada na região epigástrica, de forte intensidade,
podendo ter irradiação para o dorso e associada a náuseas e vômitos, na
maioria dos casos, assim como a paciente sentiu. Tabela 1: Etiologias da
pancreatite aguda:
Etilogias definidas
Colelitíase
Etilismo
Hipertrilgiceridemia
Pós-CPRE
Drogas
Autoimune
Hereditária
Trauma
Infecções
Hipercalcemia
Pós-operatório
Etiologias controversas
Disfunção do esfíncter de Oddi
Pâncreas divisum
Na admissão Na admissão
Idade > 55 anos Idade > 70 anos
Colecistite aguda
Apendicite aguda
Isquemia mesentérica
Dissecção aórtica
Urológicos
Insuficiência renal
Ginecológicos
Gravidez ectópica
Clínicos
Peritonite
Cetoacidose diabética
Anorexia nervosa
PONTOS IMPORTANTES
• A TC está mais indicada para a avaliação da evolução da doença e
de possíveis complicações.
Referências
1. Gastrologia e Hepatologia, Jose Milton, 1ª ed. Cap38 - Pancreatite Aguda, Pag.739-763, 2010.
2. Cecil Medicina, L. Goldman, 23ed. Cap147 - Pancreatite, Pag. 1229-1239, 2009.
3. Fundamentos da Cirurgia Digestiva, F. Sérgio, et al., 1ed. Cap24 - Pancreatite Aguda, Pag. 221-
235, 2010.
4. Moradpour D., Blum H.E. Abdominal Pain. in Siegenthaler W. Differential Diagnosis in
Internal Medicine 1st english Edition, 2007.
5. Wu BU, Banks PA. Clinical Management of Patients with Acute Pancreatitis. Gastroenterology
2013;144:1272-1281.
6. Antonio C. Guimarães-Filho, Maria Cristina A. Maya, Paulo Roberto F. Leal, Andre de S.
Melgaço. PANCREATITE AGUDA: ETIOLOGIA, APRESENTAÇÃO CLÍNICA E
TRATAMENTO. Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ. Ano 8, Janeiro /
Junho de 2009; 61-69.
7. UHL W; WARSHAW A; IMRIE C; BASSI C; MCKAY CJ; LANKISCH PG; CARTER R; DI
MAGNO E; BANKS PA; WHITCOMB DC; DERVENIS C; ULRICH CD; SATAKE K;
GHANEH P; HARTWIG W; WERNER J; MCENTEE G; NEOPTOLEMOS JP & BÜCHLER
MW. IAP guidelines for the surgical management of acute pancreatitis. Pancreatology 2: 565-
573, 2002.
8. WILSON C; MCARDLE CS; CARTER DC & IMRIE CW. Surgical treatment of acute
necrotizing pancreatitis. Br J Surg 154: 1119-1123,1988.
9. José Sebastião dos Santos ; Jorge Elias Júnior ; Sandro Scarpelini1 & Ajith K. Sankarankutty.
Pancreatite aguda: atualização de conceitos e condutas. Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio:
URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS DIGESTIVAS 36: 266-282, abr./dez. 2003.
Caso 55
Liga Acadêmica de Gastroenterologia e Hepatologia
Autores: Bruno Oliveira Pedreira, Beatriz Martinelli Menezes Gonçalves e
Beatriz Silva Brito.
Orientador(a): Dr. Américo N. Lisboa Filho (Gastroenterologia e
Hepatologia).
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente sexo masculino, 46 anos, com diagnóstico prévio de doença
crônica parenquimatosa do fígado (DCPF) de etiologia alcoólica deu
entrada no hospital de referência após episódio de hemorragia digestiva alta
varicosa sendo realizado tratamento endoscópico com sucesso. Durante o
internamento evoluiu com piora de edema de membros inferiores e aumento
do volume abdominal associado com lesões eritemato-bolhosas em face
anterior de perna direita. Associado ao quadro passou a apresentar alteração
do ciclo sono-vigília, déficit de atenção e alteração da personalidade.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 8,1 mm/dL 12,8 - 17,8 g/dL
Hematócrito 23.7% 35 - 47 %
Bioquímica
Bilirrubina Total 2,17 mg/dL 0,20 - 1,00 mg/dL
Coagulação
Tempo de Protrombina 33 segundos 12 - 18 segundos
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Qual a provável doença de base?
3. Qual a razão da alteração das plaquetas no hemograma?
4. É necessário exame de imagem para o diagnóstico? Caso sim, qual?
5. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
Trata-se de um caso característico de encefalopatia hepática (EH)
secundária a insuficiência hepática crônica, no qual o paciente cirrótico
apresentou os dois principais fatores predisponentes: infecção e hemorragia
digestiva alta (HDA), abrindo o quadro com alteração de sono e vigília,
déficit de atenção e alteração da personalidade. A etiologia da EH é
multifatorial e não completamente entendida. Apesar dos níveis séricos de
amônia não corresponderem com os sintomas, a hiperamonemia está
fortemente vinculada à neurotoxicidade e consiste em um dos principais
alvos terapêuticos.
A compreensão das diferentes formas de tratar a EH passa pelo
entendimento dos diferentes sítios de metabolismo da amônia. Os rins,
músculo, cérebro, intestino e fígado exercem papel crucial neste
metabolismo e merecem atenção no momento da escolha terapêutica e da
detecção de fatores precipitantes.
Diante desta relação “amônia-neurotoxicidade” pode-se compreender a
classificação da encefalopatia hepática em 3 tipos (A, B e C). (Tabela 1)
Tabela 1. Nomenclatura estabelecida no 11º Congresso Mundial de Gastroenterologia, Viena
Tipo Caracterização
A Associada à falência hepática aguda
Episódica:
Precipitada;
Espontânea;
Recorrente.
C
Persistente:
Leve;
Acentuada;
Dependente de Tratamento.
Mínima
O paciente em questão encontra-se em regular estado geral. A
hipotensão e descoramento despertam clinicamente para a possibilidade de
uma alteração volêmica, corroborada pelos exames laboratoriais. O paciente
encontra-se bicitopênico, tanto por consequência do sangramento abundante
decorrente da hemorragia digestiva alta quanto pelo hiperesplenismo
esperado no contexto de hipertensão portal.
O quadro abrupto e flutuante de alteração do sono vigílio associado com
identificação de flapping e resposta verbal confusa ao exame físico, em um
paciente portador de doença crônica parênquimatosa do fígado (DCPF),
sugere fortemente o diagnóstico de EH, o qual é eminentemente clínico. A
realização de exames complementares serve para afastar demais causas
metabólicas, como a uremia, ou exames de imagem para afastar processos
infecciosos ou expansivos do sistema nervoso central.5,6
Após o diagnóstico é possível classificar a Síndrome da Encefalopatia
Hepática desse paciente através dos critérios de nomenclatura estabelecida
no 11º Congresso Mundial de Gastroenterologia em Viena, sendo
caracterizada como uma encefalopatia hepática do tipo C, na forma
episódica (precipitada), classificado como grau II (Tabela 2).1,2
Tabela 2. Critérios de West Haven
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Infecção do Sistema Nervoso Central (SNC).
Distúrbios Psiquiátricos.
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Semiologia do aparelho gastrointestinal e neurológico;
• Diagnósticos diferenciais de alterações abruptas de atenção;
• Uso de tratamento correto no paciente com encefalopatia hepática;
• Atenção aos sinais de risco e fatores desencadeantes para EH.
PONTOS IMPORTANTES
• Compreender a localização anatômica do fígado associada a sua
irrigação pelo sistema porta, permitindo a depuração de toxinas, a
exemplo da amônia, antes que alcancem a circulação sistêmica.
REFERÊNCIAS
1. Bittencourt, Paulo Lisboa, et al. “Encefalopatia hepática: relatório da 1ª reunião monotemática
da Sociedade Brasileira de Hepatologia; Hepatic encephalopathy: report 1st monothematic
meeting of the Brazilian Society.”GED gastroenterol. endosc. dig 30.Supl. 1 (2011).
2. Damiani, Daniel, et al. “Encefalopatias: etiologia, fisiopatologia e manuseio clínico de algumas
das principais formas de apresentação da doença.” Rev Bras Clin Med. São Paulo 11.1 (2013):
67-74.
3. Perazzo, Juan Carlos, et al. “Hepatic encephalopathy: An approach to its multiple
pathophysiological features.” World journal of hepatology 4.3 (2012): 50.
4. MUMTAZ, Khalid et al. Precipitating factors and the outcome of hepatic encephalopathy in
liver cirrhosis. Journal of the College of Physicians and Surgeons Pakistan, v. 20, n. 8, p. 514,
2010.
5. Ferenci, P. Hepatic Encephalopathy in adults: Clinical manifestations and diagnosis. Uptodate.
Julho, 2014.
6. FERENCI, P. Clinical manifestations and diagnosis of hepatic encephalopathy. Uptodate.
Setembro, 2010.
7. STRAUSS, Edna. Encefalopatia Hepática–Atualização Terapêutica. Gazeta Médica da Bahia, v.
76, n. 2, 2008.
8. FERENCI, P. Treatment of hepatic encephalopathy. Uptodate. Julho, 2010.
9. Refining the Ammonia Hypothesis: A Physiology-Driven Approach to the Treatment of
Hepatic Encephalopathy. TAPPER, ELIOT ET AL, MAY 2015:90(5):646-658, MAYO
CLINIC PROC.
Caso 56
LACan - Liga Acadêmica de Cancerologia
Autores: Adson Justino da Silva, Matteo de M. Napolitano e Erica Alves da
Silva.
Orientador(a): Dra. Michele Samora de Almeida (Oncologista Clínica -
Universidade Federal
de São Paulo - UNIFESP).
Instituição: Universidade Anhembi Morumbi - UAM.
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
52 anos, feminino, queixa-se de dor abdominal progressiva há seis
meses. Paciente refere que não responde a analgesia, acompanhada de
eventuais episódios de náuseas e vômitos e perda de 10 kg (15,7%), desde o
início do quadro. Há 3 meses evoluiu com icterícia e acolia fecal tendo
procurado o pronto socorro. Possui hipertensão arterial sistêmica (HAS) em
uso de Atenolol, Enalapril e Anlodipino; valvopatia mitral devido à febre
reumática, arritmia e varizes em membros inferiores. Nega diabetes mellitus
(DM), etilismo, tabagismo e hepatite. Pais com HAS e DM, caso de câncer
na família.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Bioquímica
Amilase 48 U/L 28 - 100 U/L
Marcadores tumorais
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico?
2. Quais exames de imagem são necessários?
3. Qual(is) a(s) possível razão da alteração dos exames de função e
lesão hepática?
4. Qual a conduta terapêutica?
DISCUSSÃO
A paciente acima possui neoplasia de pâncreas. Estes são classificados
em neuroendócrinos e exócrinos, sendo que 95% dos tumores de pâncreas
exócrinos correspondem a adenocarcinoma.1 Apesar de serem conhecidos
pela sua agressividade, no Brasil, essa doença não figura entre as mais
prevalentes causas de câncer, sendo responsável apenas por 4% das mortes
por neoplasia maligna.2 Os fatores de risco mais importantes são o
tabagismo e alcoolismo, este último relacionado com pancreatite crônica,
assim como o consumo elevado de gorduras e carnes também estão inclusos
por aumentarem o risco de carcinoma pancreático. A hereditariedade
também pode ser observada em 5-10% dos casos, além de mutações no
gene K-ras são encontrados em, aproximadamente, 90% dos casos.3
Os cânceres de pâncreas em fase inicial normalmente não cursam com
quaisquer sinais ou sintomas. Estes surgem, geralmente, em fases mais
avançadas da doença, sendo eles: icterícia, em sua maioria consequência da
compressão do ducto biliar, que nos tumores de cabeça de pâncreas,
normalmente, surgem como primeiros sinais acompanhado de prurido,
enquanto os de corpo ou calda cursam como sinal tardio; colúria, acolia
fecal; dor em abdômen ou dorso sendo comum nos tumores de calda ou
corpo de grande volume por compressão de outros órgãos e estruturas
adjacentes como veia porta e cava, estômago e duodeno.3
A icterícia merece uma atenção especial para os possíveis diagnósticos
diferenciais, sendo definida como coloração amarelada da pele, conjuntiva e
palato. Ela se torna clinicamente aparente quando a bilirrubina (Br) sérica
atinge níveis superiores a 2mg/dl.4 As possíveis causas de icterícia são pré-
hepático com hiperbilirrubinemia indireta, hepatocelular ou pós-hepático
com predomínio de hiperbilirrubinemia direta. A icterícia e acolia fecal que
a paciente apresenta são dados importantes que favorecem com
hiperbilirrubinemia direta. Logo, as causas mais prováveis são as
hepatocelular e pós-hepáticas, uma vez que as pré-hepáticas geralmente são
quadros hematológicos de anemia hemolítica, que não são sugestivas com
as queixas da paciente. Sendo assim, alguns dos possíveis diagnósticos
diferenciais de icterícia são a coledocolitíase, onde há uma icterícia
intermitente com picos alternados; a colangite onde há ainda febre,
calafrios, confusão mental. Se o paciente refere anorexia, cefaleia, náuseas,
intolerância a alimentos, mialgia e febre no período que precede a icterícia
favorece o diagnóstico de hepatite viral. Além disto, é preciso verificar o
uso de medicamentos, como pirimidazina e neurolépticos, que podem
acarretar icterícia. A correlação com idade e antecedentes pessoais ajudam a
pensar em diagnósticos mais frequentes para idade, o exame físico é
fundamental, uma vez que, a hepatomegalia pode sugerir uma insuficiência
cardíaca ou uma cirrose, e a palpação de massas de uma doença maligna. É
importante a realização dos diagnósticos diferenciais de icterícia, uma vez
que eles têm tratamento bastante diferentes. Sendo que 50 a 55% dos
diagnósticos diferenciais de icterícia podem ser feitos com exame clínico
minucioso.4
Dentre os diferentes exames laboratoriais, a dosagem de marcadores é
importante. O C 19-9 é uma glicoproteína não específica de neoplasia
maligna, podendo também estar elevada em casos benignos e quando
possuem valores elevados (> 1.000 U/ml), são patognomonicos de câncer
pancreático e podendo também demonstrar doença em estágio avançado.3
Ela tem sensibilidade e especificidade de aproximadamente 72,4% para
doenças malignas.5 Logo, diante de diferentes diagnósticos cabíveis ao
caso, foi realizado USG de abdome seguida de TC de abdome, onde
observa-se uma massa infiltrativa localizada na cabeça do pâncreas e um
nódulo secundário em segmento hepático VII. Para confirmação do
diagnóstico foi realizado uma punção aspirativa por agulha fina (PAAF)
guiado por ecoendoscopia e encaminhado para o anatomopatológico, sendo
o diagnóstico de adenocarcinoma pancreático.
A conduta é dependente do estadiamento, e este pode ser realizado
segundo a União Internacional de Combate ao Câncer (UICC) da seguinte
forma:
T - Tumor primário3
Não evidenciado: ausência de imagem e
T0
citologia negativa.
N - Linfonodos acometidos3
M - Metástase3
M0 Ausência de metástase à distância
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Pancreatite crônica
Tumor de Frantz
Câncer periampular
Pseudotumor Pancreático
Cisto pancreático
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Diagnósticos diferenciais de adenocarcioma de pâncreas;
• História clinica minuciosa para melhor esclarecimento do caso;
• Uso de exames de imagem, como ultrassonografia e TC para melhor
esclarecimento dos sintomas;
PONTOS IMPORTANTES
• Com o advento da tomografia, não é infrequente o achado de
massas pancreáticas em pacientes assintomáticos: cuidado com os
incidentalomas.
REFERÊNCIAS
1. American Cancer Society. Pancreatic Cancer 2014. Atlanta, Ga: American Cancer Society;
2014.
2. É. J. S. d. S. B. A. M. D.-F. e. I. A.-F. Enio Campos Amico, “Diagnóstico, estadiamento e
tratamento cirúrgico do adenocarcinoma de pâncreas,” ABCD Arq Bras Cir Dig, pp. 192-200,
2008.
3. Lopes A, Chammas R, Iyeyasu H. Oncologia para Graduação. 3º edição. São Paulo, Lemar
2013; 56: 438-443.
4. Camila A. P., Ana Carolina A. G., Alessandra D., Priscila B., Camila C. M., Roberto A. P., “A
importância da semiologia no diagnóstico diferencial das icterícias aliada a exames
complementares”, Arquivos Médicos do Hospital e Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo, pp 113-117, 2008.
5. D. J. J. B., M. J. T. R., M. A. R., J. C. M., M. C. P., C. R. M. e G. J. O., “Rendimiento
diagnóstico del marcador tumoral CA 19-9 en la diferenciación entre patología bilio-
pancreática benigna y maligna,” Revista chilena de cirugía, vol. 65, 2013.
6. Porta M. et al. Exocrine pancreatic cancer: symptoms at presentation and their relation to
tumour site na stage. Clin Transl Oncol. 2005 Jun;7(5):189-97.
Caso 57
Liga Acadêmica Camiliana de Diagnóstico por Imagem
Autores: Célia Luiza de Lima Rodrigues, Gustavo Garcia Marques e
Guilherme Delicato Pedroso.
Orientador(a): Dr. Luiz de Abreu Junior (Radiologista, Dr. em Ciências pela
FMUSP, Título de Especialista em Diagnóstico por Imagem pelo Colégio
Brasileiro de Radiologia / AMB, Prof. do Curso de Medicina do Centro
Universitário São Camilo).
Instituição: Centro Universitário São Camilo.
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Homem, 24 anos de idade, casado, professor, natural e procedente de
cidade de grande porte, apresentou dor abdominal difusa e progressiva,
mais acentuada no hipocôndrio e flanco esquerdo, com náuseas há dois
dias, negando antecedentes mórbidos prévios.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o possível diagnóstico?
2. Pensando-se nesse diagnóstico, o que seria esperado obter em um
hemograma e em um exame de urina tipo 1?
3. O que seria esperado dos valores de proteína C reativa e da
velocidade de hemossedimentação?
4. O que seria esperado nos exames de imagem?
DISCUSSÃO
Mediante o quadro clínico (localização da dor) considerou-se a
possibilidade de alteração relacionada ao tubo digestivo (diverticulite /
apendagite) ou alteração que comprometesse a loja do rim esquerdo ou
esplênica. Para auxílio na comprovação das hipóteses levantadas, optou-se
então por realizar uma tomografia computadorizada do abdome e da pelve.
Nos abdomes agudos inflamatórios (a apendicite aguda é o protótipo
dessa condição), são esperados aumento moderado da contagem de
leucócitos totais (15.000/mm3), com predomínio de neutrófilos.1
Leucocitose superior a 20.000/mm3 pode ser indicativa de complicações
como abcesso e/ou peritonite (Goulart, 2012).2 Como se trata de um quadro
inflamatório, também são esperadas elevação da velocidade de
hemossedimentação (VHS) e da proteína C reativa, elementos importantes
em uma resposta inflamatória. Mediadores inflamatórios, especialmente a
interleucina e o fator de necrose tumoral (FNT), fazem com que os
hepatócitos produzam proteínas que são reagentes de fase aguda, tais como
o fibrinogênio e a proteína C-reativa. O fibrinogênio é muito eficiente em
neutralizar as cargas de ácido siálico das hemácias, deixando a VHS
elevada.3
O exame de urina tipo I geralmente encontra-se normal, mas não é rara a
presença de hematúria e leucocitúria discretas, principalmente nas
apendicites retrocecais e pélvicas.2 Radiografias simples apresentam baixa
sensibilidade para o diagnóstico da apendicite aguda. As radiografias de
tórax e do abdome centrada nas cúpulas diafragmáticas são úteis,
especialmente nas crianças, para afastar o diagnóstico de afecções
pleuropulmonares que podem cursar com dor abdominal. No adulto, as
radiografias simples são importantes para o diagnóstico diferencial com
outras causas de abdome agudo, como por exemplo, os quadros perfurativos
de vísceras ocas (pneumoperitônio).3 Na apendicite aguda alguns sinais
radiográficos podem ser encontrados: níveis hidroaéreos em ceco e/ou íleo
terminal, apagamento da linha do psoas à direita, escoliose da coluna
lombar com concavidade direita (antálgica), íleo paralítico localizado, alça
intestinal sentinela bloqueando o processo apendicular.4 Porém, como já
exposto previamente, tais achados são encontrados de forma inconsistente
nos casos de apendicite aguda, podendo ainda ser observados em outras
condições.
A ultrassonografia pode ser utilizada para a avaliação da apendicite
aguda, sendo especialmente útil na avaliação de crianças, indivíduos
magros e gestantes.1 Não utiliza radiação ionizante e, portanto pode ser
repetida quantas vezes necessário. É um método operador dependente;
dessa forma, a experiência do examinador pode impactar na eficiência do
diagnóstico. Há alguns fatores que limitam a eficácia do método para o
diagnóstico, dentre eles acentuada interposição gasosa intestinal e pacientes
com biótipo obeso, em ambos os casos por atenuar o feixe sonoro.
Apêndices de localização retrocecal podem também ser de difícil
caracterização ao estudo ultrassonográfico.
A tomografia computadorizada do abdome e da pelve é de grande valia
na avaliação do paciente com abdome agudo. Apresenta elevada
sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de apendicite aguda e de
outras causas de abdome agudo inflamatório (diverticulite, por exemplo).1 É
particularmente útil nos doentes obesos, para os quais o ultrassom é
bastante limitado. O exame de tomografia computadorizada pode ser
realizado com protocolo simplificado e dedicado ao estudo do abdome
agudo inflamatório, através da introdução retal do contraste iodado. A TC é
capaz de identificar ainda as complicações, tais como, perfurações e
formação de abscessos.
Os achados tomográficos mais comuns são:
Cirúrgicos
Obstrução intestinal
Intussuscepção
Diverticulite
Apendagite epiplóica
Urológicos
Cólica ureteral
Pielonefrite
Infecção urinaria
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
O caso clínico apresentando é pitoresco uma vez que uma doença
inflamatória comum (apendicite) ocorreu em um indivíduo com uma
anormalidade congênita (vício de rotação). Tal fato, que resulta em um
posicionamento diferente das alças intestinais na cavidade abdominal,
modificou o padrão de sintomatologia habitual da apendicite aguda:
esperamos, nesses casos, dor localizada na fossa ilíaca direita (local
esperado para o apêndice). Nosso paciente apresentava dor no andar
superior do abdome à esquerda. Os dados clínicos e laboratoriais sugeriam
o diagnóstico de abdome agudo inflamatório. Muito importante, nesse caso
em particular, é a avaliação cuidadosa da radiografia simples de abdome,
que demonstrava um aspecto não habitual da distribuição gasosa colônica.
Em casos complexos como esse, a TC tem papel fundamental na melhor
definição diagnóstica.
PONTOS IMPORTANTES
• Avaliar com cuidado as radiografias simples de abdome obtidas no
contexto do abdome agudo. Lembrar que serão especialmente úteis
para o diagnóstico do pneumoperitônio (abdome agudo perfurativo)
e eventualmente para o diagnóstico de obstrução intestinal. As
radiografias simples têm baixa sensibilidade para o diagnóstico
diferencial nos abdomes agudos inflamatórios;
Referências
1. Coelho, JCU: Aparelho digestivo: clínica e cirurgia: volume 1 / Julio Cezar Uili Coelho. 3 ed.
São Paulo : Atheneu, 2006.
2. Goulart, RN et al. Achados principais de exames laboratoriais no diagnóstico de apendicite
aguda: uma avaliação prospectiva. ABCD, arq. bras. cir. dig., São Paulo, v. 25, n. 2, June 2012.
3. Dani, R: Gastroenterologia essencial / Renato Dani. 3. ed. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan,
2006
4. Souza, VCT de: Coloproctologia / Virginio Cândido Tosta de Souza. 4. ed. Rio de Janeiro:
Medsi, 1999
5. Zissin R, Rathaus V, Oscadchy A, Kots E, Gayer G, Shapiro-Feinberg M. Intestinal malrotation
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6. Dilley AV, Pereira J, Shi EC, Adams S, Kern IB, Currie B, Henry GM. The radiologist says
malrotation: does the surgeon operate? Pediatr Surg Int 2000; 16: 45-49.
Caso 58
Liga de Medicina Clínica Dr. Paulo Marcelo Martins Rodrigues
Autores: Roberto César de Carvalho Filho, Ana Jéssica Andrade Gomes,
Maurício Yukio Ogawa
e José Otílio Nicolau de Oliveira.
Orientador(a): Dr. José Otílio Nicolau de Oliveira (Medicina Interna -
Hospital Geral de Fortaleza).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente, feminina, 60 anos, aposentada (antes trabalhava na roça),
casada, dá entrada em hospital do interior com queixa de icterícia e perda de
apetite. A paciente, previamente hígida, conta que, há 4 meses, iniciou
quadro de hiporexia, seguido de prurido intenso. Evoluiu cerca de 1 mês
depois com icterícia progressiva, não-flutuante, colúria e acolia fecal, além
de dor intensa, contínua, em região epigástrica, sem irradiação, que piorava
após a alimentação e melhorava com o uso de sintomáticos. Refere perda de
cerca de 9kg (de 60kg para 51kg) desde o início do quadro. Foi submetida a
uma drenagem de vias biliares para tentativa de alívio do quadro de icterícia
e encaminhada a hospital terciário na capital para investigação do quadro e
tomada de decisão terapêutica. Nega febre. Nega comorbidades. Nega casos
semelhantes na família. Nega história de câncer na família.
EXAME FÍSICO
Estado geral bom, acianótica, ictérica (2+/4+), afebril ao toque, hipocorada
(+/4+), hidratada, cooperativa e ativa no leito.
Sem alterações.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 10,6 mg/dL 12-16 mg/dL
Bioquímica
TGO 75 U/L 0 - 22 U/L
Alfafetoproteína 1,8 0 - 15
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a principal hipótese diagnóstica para o caso?
2. Quais os principais diagnósticos diferenciais?
3. Quais seriam as características semiológicas do fígado ao exame
físico?
4. Baseado na clínica e nos exames laboratoriais, a hiperbilirrubinemia
é direta ou indireta? Por que? Qual o próximo passo na investigação
laboratorial?
DISCUSSÃO
A paciente em questão apresentava um colangiocarcinoma hilar
(também denominado tumor de Klatskin). Este é um tumor que se
desenvolve, em geral, em pacientes com idade avançada (entre 50 e 70
anos, porém 2/3 dos casos ocorre em pacientes acima de 65 anos). Alguns
fatores de risco para o desenvolvimento de colangiocarcinoma foram
identificados, tais como colangite esclerosante primária, doença policística
do fígado, colelitíase/hepatolitíase, hepatites virais, cirrose avançada,
síndrome de Lynch e papilomatose biliar.
No início, o indivíduo é assintomático até que o tumor atinja um
tamanho considerável, a partir do qual surgem sintomas como dor em peso
em hipocôndrio direito, perda de peso, astenia e icterícia.
A icterícia, no colangiocarcinoma, apresenta um padrão obstrutivo e tem
caráter progressivo, ou seja, piora com o curso da doença. O paciente
apresenta hiperbilirrubinemia direta (caracterizada como a presença de
bilirrubina direta maior ou igual a 30% da bilirrubina total), com colúria,
acolia fecal e prurido. Às vezes, o paciente se queixa de escurecimento e
aumento da espessura da pele, sendo esses sintomas explicados pela
impregnação da pele com os sais biliares e pelo ato repetido de coçar a pele,
respectivamente. A presença de hepatomegalia não é um achado frequente,
assim como ascite.
Com relação aos exames laboratoriais, observam-se elevadas
concentrações de bilirrubina, fosfatase alcalina e gama glutamil transferase
(gama GT). Apesar de não haver marcadores específicos para a doença,
sabe-se que o CEA e o CA 19-9 podem estar aumentados na bile e no soro
desses pacientes. Em pacientes com colangite esclerosante, por exemplo,
valores de CEA > 5,2 ng/mL e CA 19-9 > 180 U/mL possuem, juntos,
sensibilidade de 100% e especificidade de 78% para o diagnóstico de
colangiocarcinoma.
A tomografia computadorizada de abdome mostra uma lesão hipodensa,
hipovascular (nos estudos com contraste venoso), porém com captação de
contraste durante a fase portal. No caso apresentado a lesão varia do mais
comum, apresentando realce heterogêneo já na fase arterial do estudo. Já a
colangiorressonância mostra um tumor hipointenso em T1 e hiperintenso
(com centro hipointenso) em T2, além de um espessamento da parede do
ducto biliar. O diagnóstico definitivo, entretanto, é dado pela biópsia.
O diagnóstico precoce é raro e, muitas vezes, incidental, devido à de
sintomas no começo do quadro. O prognóstico é ruim, principalmente
porque o diagnóstico é tardio e, na maioria das vezes, o paciente apresenta-
se com invasão de estruturas vasculares do hilo hepático, obstrução grave
de ductos biliares ou metástase à distância. Desse modo, a sobrevida média,
nos casos tratados com cirurgia, é de 40% em 5 anos.
O tratamento depende da localização do tumor e do seu estadiamento.
Tumores intra-hepáticos têm indicação de hepatectomia. Tumores extra-
hepáticos distais são tratados como um tumor periampular, fazendo-se a
pancreatoduodenectomia. Já os tumores peri-hilares são tratados com
hepatectomia parcial (segmentos IV e V) e anastomose biliodigestiva
bilateral. Em caso de impossibilidade de tratamento cirúrgico, seja por falta
de condições clínicas do paciente para suportar uma cirurgia de grande
porte, seja pela extensão da doença ao diagnóstico, pode-se optar pela
drenagem da via biliar para alívio da icterícia, por via endoscópica ou
percutânea.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Diagnóstico diferencial de icterícia
Hiperbilirrubinemia indireta
• Hemólise extravascular;
Aumento da produção de bilirrubina • Extravasamento de sangue aos tecidos;
• Hemólise intravascular.
• Insuficiência cardíaca;
Diminuição da captação hepática de • Shunts portossistêmicos;
bilirrubina
• Síndrome de Gilbert (alguns pacientes);
• Drogas: rifampicina, probenecida, contraste (bunamiodyl).
• Síndrome de Crigler-Najjar tipos I e II;
• Síndrome de Gilbert;
Deficiência de conjugação da
• Neonatos;
bilirrubina • Hipertireoidismo;
• Etinil-estradiol;
• Doenças hepáticas: hepatite crônica, cirrose avançada, Doença de
Wilson.
Hiperbilirrubinemia direta
Diagnóstico diferencial de icterícia
• Coledocolitíase;
• Tumores intrínsecos e extrínsecos (ex.: colangiocarcinoma);
• Colangite esclerosante primária;
Colestase extra-hepática
(obstrução biliar) • Colangiopatia relacionada à SIDA;
• Pancreatite aguda e crônica;
• Procedimentos invasivos na via biliar;
• Doenças parasitárias (ex.: ascaridíase).
• Hepatites virais;
• Hepatite alcoólica;
• Esteatohepatite não alcoólica;
• Hepatite crônica;
• Cirrose biliar primária;
Colestase intra-hepática
• Drogas: esteroides alquilados, clorpromazina, arsênico;
• Sepse e estados de hipoperfusão;
• Doenças infiltrativas: amiloidose, linfoma, sarcoidose, tuberculose;
• Nutrição parenteral total;
• Colestase pós-operatória;
• Gravidez;
• Doença hepática em estágio terminal.
Objetivos de aprendizagem/competências
• Abordagem do paciente com icterícia;
• Diagnósticos diferenciais de icterícia obstrutiva;
• Tipos de cirurgia nos tumores de vias biliares;
• Uso de exames de imagem nos tumores de vias biliares.
PONTOS IMPORTANTES
• A incidência de câncer de vias biliares aumenta com a idade. O
paciente típico apresenta, em geral, idade entre 50 e 70 anos;
Referências
1. Vezozzo, DCP, Kikuchi, LOO, Carrilho, FL. Tumores Hepáticos e de Vias Biliares. In: Martins,
MA, Carrilho, FL, Alves, VAF, Castilho, EA, Cerri, GC, Wen, CL. Clínica Médica, Volume 4:
Doenças do Aparelho Digestivo, Nutrição e Doenças Nutricionais. Barueri, SP: Manole, 2009.
2. Carr, TI. [Tumores do Fígado e do Trato Biliar]. In: Dan L, et. al. Medicina Interna de Harrison.
New York: The McGraw-Hill Companies, 2011.
3. Lowe, RC, Afdhal, NH, Anderson, CD. Epidemiology, pathogenesis e classification of
cholangiocarcinoma. In: Tanabe, KK (editor). UpToDate, 2014 (acessado em 10 de dezembro
de 2014).
4. Lowe, RC, Afdhal, NH, Anderson, CD, Kowdley, KV. Clinical manifestations and diagnosis of
cholangiocarcinoma. In: Tanabe, KK (editor). UpToDate, 2014 (acessado em 10 de dezembro
de 2014).
Caso 59
Liga de Emergência
Autores: Rafael Diogo Carneiro de Araújo, Taís Castelo de Oliveira e
Emmanuel Apollo
de Macedo Ferreira.
Orientador(a): Dr. Francisco Romel Lima de Araújo (Cirurgião geral,
Instituto Dr. José Frota - IJF).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
M.S.S, 70, feminino, natural e procedente de cidade do interior, casada
há 50 anos, dona de casa, católica, analfabeta. Paciente relata que há oito
dias notou o aparecimento de massa em região periumbilical, dolorosa, não
redutível, associado a quadro de náuseas seguidas de vômitos e dor
abdominal difusa. Paciente também relata aumento do volume abdominal
concomitantemente ao quadro anterior relatado e ausência de eliminação de
flatos e fezes. Paciente evoluiu com sinais flogísticos em região
periumbilical, com extensão para hipogastrio, procurando então
atendimento médico em hospital secundário, sendo depois transferida para
hospital terciário. Nega febre, linfonodomegalias, perda ponderal, diarreias,
diminuição do nível de consciência ou outras queixas.
Relata história de histerectomia há muitos anos (não soube precisar data
específica) por causa desconhecida.
EXAME FÍSICO
Estado geral regular, anictérica, algo febril, acianótica, normocorada,
hidratada, com fácies de dor, sem linfonodomegalias palpáveis.
FR: 16 ipm; FC:114 bpm; PA: 150X90 mmHg; FR: 16 rpm; T: 38 oC.
Hemograma
Homens: 13,5 - 18,0 g/dL
Hemoglobina 10,1 mg/dL
Mulheres: 11,5 - 16,4 g/dL
Homens: 40 - 54%
Hematócrito 32,1%,
Mulheres: 36 - 47%
Bioquimica
Proteína C-reativa 404 mg/L Inferior a 6 mg/L
40_1
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Quais fatores contribuem para o diagnóstico da patologia?
2. A presença de uma possível hérnia pode prejudicar o descobrimento
de outros processos patológicos?
3. Diante de uma situação de uma potencial emergência abdominal
cirúrgica, devemos aguardar o resultado de exames
complementares?
4. Qual conduta deve ser tomada quando a história clínica e o exame
não confirmam o diagnóstico?
5. É necessário o uso de métodos diagnósticos complementares?
6. Qual terapêutica deve ser realizada?
7. Por que é preciso compreender os diferentes modos de manifestação
da doença e qual grupo de risco deve ser associado à sua
prevalência?
DISCUSSÃO
Paciente evoluiu com quadro sugestivo de abdome agudo obstrutivo,
sendo este uma emergência médica e com necessidade de intervenção
cirúrgica imediata. Então, a paciente foi submetida a uma laparotomia
exploradora, onde foi estabelecido o diagnóstico.
A paciente do caso descrito apresenta um quadro de Abdome Agudo
causado por Apendicite encontrada em uma hérnia incisional. Durante a
laparotomia exploradora foram encontradas quatro saculações herniárias
contendo alças intestinais, ceco e um apêndice necrótico indicativo de
apendicite grau III.
A apendicite trata-se de uma emergência clínica e uma das causas mais
comuns de dor abdominal aguda.1 O apêndice é uma formação em forma de
dedo de luva que se projeta do ceco, aproximadamente a 2,5 cm abaixo da
válvula íleo-cecal, na coalescência das três tênias colônicas, marco
importante para achá-lo durante as intervenções cirúrgicas. Seu processo
inflamatório acarreta em apendicite que é definida como uma inflamação do
revestimento interno do apêndice vermiforme, que se espalha para suas
outras partes. Esta condição é uma doença cirúrgica comum e urgente com
manifestações multiformes, generosa sobreposição com outras síndromes
clínicas e morbidade significativa, que aumenta com o atraso no
diagnóstico.1
Classicamente, a apendicite aguda inicia-se por um quadro de dor
abdominal vagamente localizada na região do epigástrio ou periumbilical,
seguida de anorexia, náuseas e vômitos. Na evolução do processo, a dor
migra para a região do quadrante inferior direito, mais precisamente na
fossa ilíaca direita em um ponto denominado ponto de Mc Burney.3
Contudo, deve-se lembrar que essa apresentação clássica está presente
apenas em 50% dos casos. Naqueles casos nos quais o apêndice localiza-se
em posição anômala, o quadro pode ser diferente, o que acaba por dificultar
o diagnóstico precoce.3 Ao exame físico, costuma-se encontrar sinais de
irritação peritoneal, como: defesa abdominal, rigidez abdominal
involuntária, dor à descompressão brusca (Sinal de Blumberg positivo).
Outros sinais também podem ser encontrados e, assim como os anteriores,
não são patognomônicos de apendicite aguda: Sinal do psoas (dor à
extensão da coxa direita), sinal do obturador (dor à rotação interna da coxa),
sinal de Rovsing (dor no quadrante inferior direito quando se palpa o
quadrante inferior esquerdo) e sinal de Dunphy (aumento da dor quando o
paciente tosse).3
No caso relatado, a paciente referia quadro de náuseas, vômitos e dor
abdominal difusa. Adultos na faixa etária acima dos 50 anos costumam
referir dor mais severa e às vezes alteração do hábito intestinal
(constipação). O exame físico mostra mais distensão abdominal, quando
comparado com os pacientes adultos jovens. Tais sintomas e sinais foram
também evidenciados na história da paciente, corroborando o diagnóstico
de apendicite.3 Sinais flogísticos presentes em região periumbilical sugerem
quadro inflamatório.
Apesar da tentativa de alguns profissionais em definir o diagnóstico de
apendicite apenas com exames de imagem, o diagnóstico da apendicite
aguda é eminentemente clínico, a partir de uma anamnese bem construída e
de um exame físico detalhado. Naquelas situações em que a história clínica
e o exame físico não forem suficientes para elucidar o diagnóstico, duas
condutas podem ser seguidas: a observação clínica com o paciente
internado e a solicitação de exames complementares.3 A observação clínica
deve ser realizada em períodos curtos de tempo, reavaliando a evolução do
paciente que deverá permanecer em jejum, com hidratação endovenosa e, se
possível, apenas com sintomáticos. Deve-se buscar o controle de
parâmetros clínicos.
Nos exames laboratoriais, pode-se evidenciar uma leucocitose (>10.000
células/mm3 de sangue), que apesar de útil, é um indicador inespecífico
quando isolado, pois em mais de 70% dos casos de dor por outras causas no
quadrante inferior direito, esse fato também ocorre. A Proteína C-reativa
elevada é um marcador inespecífico de inflamação, contudo, medidas
sequenciais desta proteína em adultos mostraram que o uso desta estratégia
aumenta a sensibilidade do diagnóstico de apendicite aguda. Proteína C-
reativa elevada, em conjunto com leucocitose e neutrofilia, é descrita como
de alta sensibilidade (97 a 100%).3 O Exame de urina tipo I pode estar
alterado e mostrar, piúria, proteinúria e até hematúria. Não existe, até o
presente momento, nenhum exame laboratorial patognomônico para
diagnóstico de apendicite aguda.
A paciente do relato não apresentava leucocitose (leucócitos: 9.480
células/mm3 de sangue), contudo, tinha Proteína C-reativa elevada (404
mg/L) e neutrofilia (neutrófilos: 8.152 células/mm3 de sangue).
A Radiografia simples, geralmente, não traz grandes benefícios
diagnósticos no início do quadro de apendicite, mas, com a progressão da
inflamação, pode mostrar significativas informações radiológicas, dentre
elas:4
• Pneumoperitônio;
• Obstrução intestinal.
O exame radiográfico da paciente apresentava um padrão de obstrução
intestinal com íleo paralítico e alça sentinela, causado pela presença das
hérnias abdominais. A localização do apêndice inflamado dentro do saco
herniário resultou no mascaramento da apendicite e, consequentemente, dos
sinais radiográficos típicos da patologia.
A ultrassonografia é um bom recurso para diagnósticos de formações
dolorosas na fossa ilíaca direita, principalmente, na dúvida de presença ou
não de coleções purulentas. Tem baixo custo, mas sua desvantagem
principal é ser técnico-dependente.4
A Tomografia Computadorizada, especialmente a técnica helicoidal, tem
maior acurácia do que a ultrassonografia e é um bom recurso para
diagnóstico de apendicite aguda. Possui a vantagem de não ser operador-
dependente e como, desvantagens principais, a exposição à radiação, o
custo elevado e possível alergia ao contraste.4
Atualmente, a laparoscopia diagnóstica em casos de suspeita de
apendicite aguda tem sido reservada para aqueles casos em que existe
dúvida diagnóstica e principalmente para pacientes do sexo feminino em
idade reprodutora, quando além de diagnóstica a laparoscopia poderá ser
terapêutica, particularmente em se tratando de patologias ginecológicas.3
No tocante ao tratamento, apesar de alguns autores questionarem o
momento da apendicectomia, se imediata ou se terapia antibiótica primeiro,8
a cirurgia ainda continua como único meio curativo da patologia.2 A
videolaparoscopia vem sendo cada vez mais utilizada na remoção do
apêndice e vários estudos mostram vantagens e desvantagens do método
quando comparado com a apendicectomia clássica.3
Hérnias incisionais são a causa mais comum de complicações pós-
operatórias em cirurgias abdominais com incidências entre 3.8 a 20%.5
Geralmente, seu desenvolvimento é no período pós-operatório imediato,
sugerindo que fatores locais (infecção, tensão, técnica) são responsáveis. No
entanto, podem desenvolver-se tão tarde quanto 10 anos após a cirurgia,
podendo surgir a partir de pequenas hérnias não detectadas anteriormente.6
Supõe-se que a paciente, portanto, desenvolveu hérnias incisionais devido à
histerectomia abdominal realizada.
A hérnia incisional torna-se uma emergência médica quando há
estrangulamento do tecido herniário, reduzindo o suprimento de oxigênio e
nutrientes aos componentes do saco herniário. Caso não tratatada, a hérnia
estrangulada pode causar a morte do tecido herniário e intensa inflamação
intra-abdominal.
O surgimento de apendicite dentro de sacos herniários é de 0,0008% dos
casos na literatura,7 porém existem dificuldades no diagnóstico, pois o
conteúdo herniário mascara a identificação de uma provável causa de
apendicite aguda, como no caso descrito, no qual a apendicite não se
apresentou de forma totalmente clássica. Além disso, a simultaneidade de
um quadro infeccioso pela apendicite aguda com comprometimento
vascular do conteúdo herniário leva a complicações intra-abdominais do
ponto de vista de aumento de morbidade e mortalidade. Nessa situação, o
procedimento cirúrgico da hérnia incisional fica comprometido em virtude
do processo infeccioso, dificultando, assim, o fechamento primário da
hérnia com próteses. Em vista disso, apesar da baixa incidência dessa
apresentação de apendicite aguda, é necessário ressaltar que esse
diagnóstico deve ser levado em conta com quadro abdominal agudo em
pacientes com grandes hérnias abdominais, já discorridos acerca de sua
incidência em cirurgias abdominais, pois o retardo no diagnóstico pode
acarretar consequências graves ao paciente.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Adenite mesentérica
Anemia Falciforme
Anexite
Colecistite aguda
Diverticulite de Meckel
Doença de Crohn
Gastroenterocolite
Hérnia Inguinal
Infecção urinária
Invaginação intestinal
Neoplasia de ceco
Pancreatite
Peritonite urinária
Prenhez ectópica rota
Psoite à direita
Trombose mesentérica
Pontos importantes
• O diagnóstico diferencial de dor abdominal aguda é bastante amplo,
no entanto, um bom exame físico pode determinar uma conduta
cirúrgica em detrimento da solicitação de um exame de imagem.
• Em fases iniciais a apendicite não necessariamente apresentará dor
em fossa ilíaca direita.
Referências
1. Sandy Craig, MD.Appendicitis. Medscape. 2014 Jul 21
2. Freitas RG, Pitombo MB, Maya MCA, Leal PRF. Apendicite aguda. Revista Hospital
Universitário Pedro Ernesto. 2009;8(1):38-51.
3. Pronto-socorro : medicina de emergência / editores Herlon Saraiva Martins, Maria Cecília de
Toledo Damasceno, Soraia BarakatAwada. 3ª ed. Barueri, SP: Manole, 2013. Vários autores.
Bibliografia. ISBN 978-85-204-3275-4.
4. Nelson Fontana Margarido. Apendicite aguda: Condutas diagnósticas e terapêuticas. ln:
Margarido N F. PROACI: Programa de atualização em cirurgia. 1.ed. Porto Alegre: RS:
ARTMED/PANAMERICANA EDITORA LTDA; 2005. P. 73-104.
5. O’Dwyer, P.J. and Courtney CA. Factors involved in abdominal wall closure and subsequent
incisional hernia. Surgeon. 2003; 1: 17–22.
6. David C Brooks, MD. Overview of abdominal wall hernias in adults. UpToDate. 2014.
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236–238).
8. FLUM DR, ET AL. clinical practice. acute appendicitis – appendectomy or the “antibiotics
first” strategy. n engl j med 2015 may 14; 372(20):1937-43.
Caso 60
LATJ – Liga Acadêmica de Trauma de Joinville
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Função Renal
EXAMES LABORATORIAIS (pós-gastrectomia)
Hemograma
Eletrólitos
379
DISCUSSÃO
Neoplasia
Úlcera esofágica
Aneurisma aórtico
OBJETIVOS DE APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS
1. Diagnósticos diferenciais;
2. Complicações possíveis e risco de mortalidade;
3. Compreender como associar exames complementares ao
exame físico e à história clínica.
PONTOS IMPORTANTES
REFERÊNCIAS
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Lactente de 10 meses, sexo feminino, terceira filha de pais não
consanguíneos. Pai hígido e mãe com relato de adenomiose e ovários
policísticos. Irmãos com 11 e 6 anos, ambos com histórico de intolerância à
lactose e Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE), hoje hígidos, com
dieta livre e assintomáticos. Sem história familiar de doenças hereditárias.
Fruto de gravidez não planejada, bem aceita, vigiada, complicada por
sangramento vaginal de primeiro trimestre e polidramnia. A mãe fez uso de
utrogestan e ácido fólico no primeiro trimestre de gestação, além de sulfato
ferroso no período gestacional conforme prescrição médica. Relatou ainda
infecções do trato urinário (ITU) de repetição durante a gestação, fazendo
uso terapêutico de cefalexina e profilático de nitrofurantoína.
Parto prematuro com 37 semanas por cesariana, devido à polidrâmnio,
índice de Apgar 8/9 (1° e 5° minutos, respectivamente). Medidas
antropométricas adequadas para idade gestacional: Peso: 2.910 g;
Comprimento: 47.5 cm; Perímetro Cefálico: 34 cm. Ficou em incubadora
aquecida com oxigênio complementar por 3 horas devido a desconforto
respiratório ao nascer.
Permaneceu saudável e assintomática enquanto amamentada
exclusivamente ao seio materno. Aos 4 meses e 15 dias de vida introduziu-se
à dieta frutas (banana, mamão e pera), apresentando distensão abdominal,
irritabilidade, sudorese, transtorno do sono e diarreia/constipação associados
ao consumo desses alimentos. Apresentou sintomas semelhantes após a
administração de drogas na forma de xarope doce. Aos 5 meses e meio
iniciou a ingestão de papa salgada (chuchu, batata, abóbora, inhame, cará,
cenoura, beterraba), com boa aceitação.
EXAME FÍSICO
Pressão arterial: 140x80 mmHg; FC: 100 bpm (normocárdico); FR: 35 ipm;
afebril.
DISCUSSÃO
O caso relatado neste estudo refere-se a uma criança de 10 meses, que
evoluiu com quadro de distensão abdominal, irritabilidade, sudorese,
transtorno do sono e diarreia/constipação após introdução de frutas em sua
dieta, que ocorreu aos 4 meses e 15 dias de vida. Estes sintomas
correspondem àqueles mais prevalentes citados pela literatura em pacientes
com intolerância hereditária à frutose (IHF).1
Figura 1. Estrutura química da frutose
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS
• Estudo semiológico da IHF;
• Confirmação diagnóstica;
• Diagnósticos diferenciais;
• Condutas terapêuticas.
PONTOS IMPORTANTES
• A IHF é uma patologia rara, de caráter autossômico recessivo,
causada devido à deficiência da isoenzima aldolase B, responsável
pelo metabolismo da frutose.
REFERÊNCIAS
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pesos adequados para a idade gestacional com 48 horas de vida (dissertação de mestrado).
Botucatu: Universidade Estadual Paulista; 2001.
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10. Lopes AI, Almeida AG, Costa AE, Costa A, Leite M. Intolerância hereditária à frutose. Acta
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Hereditária à Frutose: A Propósito de Dois Casos Clínicos. Acta Pediatr 2002;33(3):213-6.
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that cause hereditary fructose intolerance in the American population. J Inherit Metab Dis
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13. Steinmann B, Gitzelmann R. The diagnosis of hereditary fructose intolerance. Helv Paediatr
Acta 1981;36(4):297-316.
14. Cross NC, de Franchis R, Sebastio G, Dazzo C, Tolan DR, Gregori C, et al. Molecular analysis
of aldolase B genes in hereditary fructose intolerance. Lancet 1990;335(8685):306-9.
15. Fernandes J, Saudubray J, van den Berghe G, Walter JH. Inborn metabolic diseases: diagnosis
and treatment. 4th ed. Berlin: Springer-Verlag GmbH; 2006.
16. Marcason W. Is Medical Nutrition Therapy (MNT) the Same for Hereditary vs Dietary
Fructose Intolerance? J Am Diet Assoc 2010;110(7):1128.
Caso 62
LIGA DE ANATOMIA CLÍNICA E CIRÚRGICA DA BAHIA
Autores: Gilson Rodrigues e Kamilla Rosales Costa.
Orientador(a): Dr. João Gonçalves S. Neto (Cirurgião geral).
Instituição: Universidade Salvador (UNIFACS)
Gastroenterologia
HISTÓRIA CLÍNICA
LPC, 30 anos, sexo masculino, solteiro, negro, ensino superior completo
em administração, desempregado, natural e procedente de grande porte.
Paciente relata enterorragia associada à dor abdominal tipo cólica,
graduada em 10, numa escala de 0 a 10, com início há dois dias, com piora
após ingestão de alimentos. Narra síncope que durou cerca de 30 minutos,
além polidipsia. Nega alterações na ingesta de alimentos, disfagia, prurido e
dor anal, ascite, vômitos, hematêmese e distensão abdominal. O paciente
afirma ter utilizado paracetamol e chá de boldo, sem mudança no quadro.
Na sequência de perguntas, o paciente relata mal-estar, além de tontura e
sonolência há dois dias. Nega demais alterações nos outros sintomas
questionados. Paciente refere intolerância à lactose, diabetes mellitus tipo 2
e enxaqueca. Faz uso de lactase; não faz uso do medicamento para DM há
um ano e informa ainda que usa paracetamol quando cefaleia. O paciente
informa que fez uso de paracetamol durante três semanas de forma
continua, antes do episódio de enterorragia. Paciente nega uso de
substâncias psicoativas. Refere alimentação rica em proteína, gordura e
açúcares; pobre em fibras e vitaminas. Refere ter pais hipertensos e
diabéticos, bem como tio com histórico de neoplasia colorretal. O paciente
informa estar desempregado há dois anos e desde então apresenta dieta
alimentar desregulada atribuída ao acontecido. Refere estar apreensivo com
a doença que o acomete, pois não tem noção do que está acontecendo com o
seu corpo, mas espera que melhore após a consulta com o médico.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Eritrograma
Eritrócitos 4,5milhões 4.5 – 6.1
Hematócrito 41% 40 – 54
VCM 82fL 80 – 98
HCM 27pg 24 – 33
CHCM 35g/dL 28 – 41
Leucograma
Leucócitos 12.800/MM³ 3.600 – 11.000
Basófilos 0 0 - 200
Plaquetograma
Plaquetas 300.000/MM³ 140.000 – 360.000
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Diante dos dados clínicos e exames complementares, como
diagnosticar a doença em questão?;
2. Quais os fatores de risco?;
3. Qual a relação entre divertículos e Câncer de intestino? ;
4. Qual a relevância dos exames de imagem para realizar o
diagnóstico?;
5. Qual a conduta deve ser tomada após realizado o diagnóstico?
DISCUSSÃO
A Doença Diverticular dos cólons (DD) pode ter apresentações diversas.
Caracteriza-se pela presença de herniações da camada mucosa do intestino
através da parede muscular nas áreas de fragilidade intestinal (pontos de
penetração dos vasos retos), resultando em divertículos, associada à
manifestação de sinais e sintomas. Quando se apresentam em grande
número recebem o nome de diverticulose e com a instalação de um
processo inflamatório, nomeia-se diverticulite1.
A grande maioria dos portadores de diverticulose apresentam-se
assintomática, mas alguns podem apresentar sintomas como dor abdominal,
mudança do hábito intestinal e outros sintomas intestinais. Cerca de 75%
dos portadores da DD apresentam a forma simples da doença, enquanto que
os demais apresentam alguma complicação, como: fístulas, obstruções,
peritonite ou sepse. O desenvolvimento da DD complicada é observado
com maior frequência em tabagistas, obesos, com dieta pobre em fibras e
pacientes que fazem uso de AINES, incluindo o Paracetamol2.
A formação dessas saculações associam-se ao aumento do tempo de
trânsito intestinal, assim como da pressão intraluminal. Dentre os hábitos
que interferem demasiadamente nessas condições, a alimentação parece
estabelecer-se como uma causa potencial, essencialmente, no que se refere
ao consumo de fibras reduzido. Fato introduzido como hipótese para a
doença diverticular pelos estudiosos Painter e Burkitt, e que ganhou
credibilidade posteriormente. Desse modo, o conhecimento da baixa
incidência da patologia nos indivíduos que possuíam uma dieta rica em
fibras o transforma em um fator de risco evitável3.
Até os 50 anos de vida, a DD é mais prevalente em homens. Entretanto,
a sua maior incidência é verificada em mulheres com idade igual ou
superior a 80 anos. A doença apresenta baixa incidência em jovens e tem a
obesidade com grande fator de risco. Os divertículos são mais comuns no
cólon sigmoide, provavelmente devido ao menor calibre deste segmento do
intestino grosso, o que pode ser explicado pela Lei de Laplace4:
P=K.T
R
Equação da Lei de Laplace (P: pressão; K: constante; T: tensão na parede;
R: Raio do cólon).
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Síndrome do intestino irritável
Apendicite aguda
Colite pseudomembranosa
Ectasia vascular
Neoplasia colorretal
HABILIDADES/COMPETÊNCIAS
• Entender a doença diverticular e seu diagnóstico;
• Reconhecer os diagnósticos diferenciais como possibilidade diante
de quadros clínicos como o do caso;
DICAS PRÁTICAS
• Ter ciência da resposta de três perguntas essenciais sobre qualquer
doença: “O que é? ”, “Por que? “ e “ O que posso fazer? “;
REFERÊNCIAS
1. DAMIÃO, AOMC; FEITOSA, F; CARLOS, AS; HASHIMOTO, CL; MISZPUTEN, SJ.
Diverticulose, doença diverticular e diverticulite. RBM V67 Especial Como Diagnosticar e
Tratar 2010; 123-134.
2. [cited 2017 Dez 23.] Doença diverticular.
3. MUGLIA, Valdair Francisco. Doença diverticular dos cólons: evolução da abordagem
terapêutica e papel da tomografia computadorizada nos quadros agudos. Radiol Bras. 2017
Mar/Abr;50(2):IX–X.
4. MURPHY, T; HUNT, RH; FRIED, M; KRABSHUIS, JH. World Gastroenterology
Organisation Practice Guidelines: Doença Diverticular, 2017.
5. REZENDE, JM. À sombra do plátano: crônicas de história da medicina [online]. São Paulo:
Editora Unifesp, 2009. Curar algumas vezes, aliviar quase sempre, consolar sempre. pp. 55-59.
ISBN 978-85- 61673-63-5.
6. SALLES, RLA. Doença diverticular dos cólons e diverticulite aguda: o que o clínico deve
saber. RevMed Minas Gerais 2013; 23(4): 490-496.
Caso 63
Liga Acadêmica de Medicina Interna
Autores: Adriana Dantas Lopes, Isabelle Sampaio Lisboa e Nathália Costa
Monteiro.
Orientador(a): Dr. Saulo Maia d’Avila Melo.
Instituição: Universidade Tiradentes - UNIT.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Homem, 44 anos, natural e procedente de cidade de grande porte, dá
entrada no serviço de emergência com queixas de febre e dores em membros
inferiores há 6 dias, com piora destes sintomas e do estado geral nas últimas
24 horas. Febre de início súbito e irregular. A mialgia era localizada em
panturrilhas bilateralmente, com piora à palpação, sem edemas. Informa que
sua residência fica próxima a esgotos a céu aberto e que há muitos ratos em
volta do seu domicílio. Não há relato de contato com pessoas ictéricas ou de
vizinhos com quadro clínico semelhante.
Previamente era saudável e negava queixas do aparelho respiratório,
gastrintestinal, urinário e neurológico, além disto, não fazia uso prévio de
medicações ou de drogas ilícitas.
Nos últimos dias, queda do estado geral, anorexia, diminuição da
ingestão de líquidos com redução do débito urinário. Além de episódios de
tosse com rajas de sangue.
EXAME FÍSICO
Regular estado geral, lúcido, orientado, taquipneico, desidratado ++/4+,
ictérico ++/4+.
FC: 129 bpm; FR:29 irpm; PA: 80x50 mmHg; SpO2: 94%; Temperatura
axilar: 37,8 oC.
Hemograma
Hemoglobina 10,4 g/dL 14 - 18 g/dL
Bioquímica
Ureia 114 mg/dL 10 - 40 mg/dL
Eletrólitos Normais -
Coagulação
Tempo de protrombina (TP) 15,6 segundos 12,5 - 15,5 segundos
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Causas de febre e mialgia aguda?
2. Quando suspeitar dessa doença? Existe um perfil de pacientes mais
susceptíveis?
3. É necessário notificar a doença para fins epidemiológicos?
4. Qual o tratamento mais apropriado?
DISCUSSÃO
O paciente apresentou uma síndrome febril aguda, mais especificamente
a síndrome de Weil (icterícia + insuficiência renal + manifestações
hemorrágicas) secundária a infecção por leptospirose.
A leptospirose é uma doença febril aguda causada por bactérias do
gênero Leptospira, de caráter sistêmico, que acomete o homem e os animais.
Sua ocorrência é favorecida pelas condições ambientais vigentes nas regiões
de clima tropical e subtropical, onde a elevada temperatura e os períodos do
ano com altos índices pluviométricos favorecem o aparecimento de surtos de
caráter sazonal.2
É reconhecida como uma doença emergente em países desenvolvidos e
considerada um importante problema de saúde pública em países tropicais
em desenvolvimento, devido à má infraestrutura sanitária em áreas de
aglomeração urbana.3,4
O período de incubação da doença varia de 1 a 30 dias, com início
abrupto, podendo variar de formas assintomáticas e subclínicas a quadros
graves associados a manifestações fulminantes. Didaticamente, a
leptospirose é divida em fases evolutivas: fase precoce (fase leptospirêmica)
e fase tardia (fase imune).5 A icterícia é um indicador de mau prognóstico, e
possui uma coloração alaranjada intensa (icterícia rubínica), aparecendo
cerca de 3 a 7 dias após o início da doença.5
A apresentação clínica súbita tendo como principais dados semiológicos
a febre, mialgia e icterícia poderiam levar o médico a pensar em diversas
patologias; todavia, as condições de moradia do paciente - em contato com
ratos -, características da icterícia e exames laboratoriais demonstrando
insuficiência renal com nível de potássio normal levaram a um grau de
suspeição elevado para leptospirose (Tabela 1). Um dado importante no
raciocínio diagnóstico é reconhecer que poucas condições clínicas febris se
caracterizam por mialgia pronunciada em panturrilhas. A presença deste
sintoma fortalece a hipótese diagnóstica, mas sua ausência não afasta.
No serviço de emergência, diante da suspeita clínica de leptospirose e da
gravidade, foi introduzida penicilina cristalina, hidratação rigorosa, droga
vasoativa, suporte nutricional, controle glicêmico, analgesia e antitérmico,
oxigenoterapia, acesso central, sonda vesical de demora, e, em seguida, feita
a transferência para unidade de terapia intensiva.
Evoluiu com anúria e piora da função renal associada a níveis séricos
elevados de Creatinofosfoquinase (CPK): 16.625 UI/L (valor normal: < 190
UI/L)1, e estabelecido diagnóstico de rabdomiólise, sendo instituída
hemodiálise. Em seguida, fez insuficiência respiratória grave necessitando
de ventilação mecânica invasiva com relação PaO2/FiO2= 127 (PaO2/FiO2
normal > 301) com radiografia do tórax apresentando infiltrado bilateral
(Figura 3), sendo diagnosticada Síndrome de Angústia Respiratória Aguda
(SARA).
Desenvolveu discrasia sanguínea com epistaxe, equimoses e hemoptise,
persistindo grave comprometimento renal e respiratório, e choque séptico,
vindo a óbito no décimo segundo dia de internamento.
As complicações inerentes à leptospirose são consequências do
acometimento de diversos sistemas como renal, pulmonar, cardíaco,
hematológico, nervoso, dentre outros.5 O paciente pode desenvolver
insuficiência respiratória aguda (síndrome da hemorragia pulmonar aguda e
síndrome da angústia respiratória aguda - SARA).5 A insuficiência renal
aguda é geralmente caracterizada por ser não-oligúrica e hipocalêmica.5
O índice coletado na gasometria, associado à radiografia de tórax e ao
quadro clínico do paciente fecham o diagnóstico de SARA, desenvolvida
primariamente pela leptospirose. A lesão pulmonar decorrente de uma
capilarite difusa leva ao extravasamento de líquido e sangue para os
alvéolos.6 Surgem infiltrados hemorrágicos no pulmão que podem se
expressar clinicamente com hemoptise, insuficiência respiratória, tosse,
dispneia, podendo levar a morte6.
Os principais fatores envolvidos na patogênese da insuficiência renal
aguda na leptospirose são ação nefrotóxica direta da leptospira e ação das
toxinas com indução da resposta imune. Alterações hemodinâmicas, icterícia
e rabdomiólise também estão associadas à gênese da insuficiência renal
aguda (IRA) na leptospirose. Pode ser observada hipotensão, devido à
redução da resistência vascular sistêmica e à desidratação. Níveis elevados
de bilirrubinas levam a alterações da função renal com diminuição da
filtração glomerular e da capacidade de concentração urinária. Os principais
mecanismos de insuficiência renal secundária à rabdomiólise são
vasoconstrição renal, obstrução tubular e toxicidade direta da mioglobina.7
A leptospirose é uma doença de notificação compulsória no Brasil e, para
isso, há critérios para definição dos casos (suspeito, confirmado e
descartado) da doença (Tabela 1).3,5 Essas definições objetivam uniformizar
o registro epidemiológico da doença, reduzindo a incerteza do profissional
ao classificá-la. Não há registro de confirmação sorológica do patógeno no
caso clínico apresentado. No entanto, o diagnóstico foi estabelecido por
critérios clínico-epidemiológicos, conforme definição do Ministério da
Saúde 2010.5
Tabela 1. Definição de caso para notificação
Caso Definição
Paciente com febre, cefaleia e mialgia, apresentando, pelo menos, um dos critérios abaixo:
1. Antecedentes epidemiológicos sugestivos nos 30 dias anteriores à data de início dos
sintomas:
Exposição a enchentes, alagamentos lama ou coleções hídricas;
Exposição a fossas, esgoto, lixo e entulho;
Risco ocupacional: coleta de lixo, catador de material para reciclagem, limpeza de
córregos, trabalho em água ou esgoto, manejo de animais, agricultura em áreas alagadas;
Suspeito
Vínculo epidemiológico com um caso confirmado por critério laboratorial;
Residir ou trabalhar em áreas de risco para a leptospirose.
2. Apresentar, pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas:
Sufusão conjuntival;
Sinais de insuficiência renal aguda;
Icterícia e/ou aumento de bilirrubinas;
Fenômeno hemorrágico.
Tabela 1. Definição de caso para notificação
Critério clínico-epidemiológico: Todo caso suspeito que apresente febre e alterações nas funções
hepática, renal ou vascular, associado a antecedentes epidemiológicos (descritos na definição de
caso suspeito), que, por algum motivo, não tenha coletado material para exames laboratoriais
específicos, ou esses tenham resultado não reagente, com amostra única coletada antes do 7º dia de
doença.
Caso Definição
Teste de ELISA IgM não reagente em amostra sanguínea coletada do 7º dia de início
dos sintomas;
Duas reações de micro coagulação não reagentes (ou reagentes sem apresentar
Descartado soroconversão, nem aumento de 4 vezes ou mais nos títulos), com amostras sanguíneas
coletadas a partir do primeiro atendimento do paciente, com intervalo de 2 a 3 semanas
entre elas;
Diagnóstico laboratorial confirmado para outra doença.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Diagnósticos diferenciais de leptospirose, conforme
a fase de apresentação
Fase precoce
Dengue
Malária
Riquetsioses
Outros
Fase tardia
Hepatites virais agudas
Dengue hemorrágica
Hantavirose
Febre amarela
Malária grave
Febre tifoide
Endocardite
Riquetsioses
Pneumonias
Pielonefrite aguda
Sepse
Meningite
Outros
Fonte: Guia Leptospirose: Diagnóstico e Manejo Clínico / Ministério da
Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, 2009.
Febre aguda
Gripe
Dengue
Hepatite viral
Malária
Febre tifoide
Leptospirose
Riquetsiose
Febre hemorrágica
Febre amarela
Sepse
Mialgia aguda
Gripe
Hepatite C
Malária
Rabdomiólise
Dengue
Leptospirose
Hantavirose
Febre amarela
Miopatia alcoólica
Miopatia medicamentosa
REFERÊNCIAS
1. Porto C. Vademecum de Clínica Médica. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2012.
2. Mourão MPG, Lacerda MVG de. Manual de Lepstospirose: Fundação de Medicina Tropical
Doutor Heitor Vieira Dourado. Acessado em 2014 Dez 15.
3. Goldman L, Ausiello D. Cecil Medicina. 23 ed. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus; 2009.
4. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia Leptospirose: diagnóstico e
manejo clínico. Ministério da Saúde, 2009.
5. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância
Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8 ed. Brasília: Ministério da
Saúde, 2010.
6. Hartskeerl R A, Collares-Pereira M, Ellis W A. Leptospirosis is an Existing and Growing Public
and Veterinary Health Problem. Clinical Microbiology and Infection. European Society of
Clinical Microbiology and Infectious Diseases, 2011.
7. Daher E de F, Abreu KLS de, Junior GB da S. Insuficiência Renal Aguda associada à
leptospirose. J Bras Nefrol. 2010. Vol 32 nº 4.
8. Ferreira T, Costa V, Pereira N. Diretrizes para Diagnóstico e Tratamento de Leptospirose.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.
Caso 64
LAMIB - Liga Acadêmica de Medicina Intensiva da Bahia
Autores: Agnes Neves Santos, Luis Augusto Souza de Carvalho e Ricardo
Zantieff.
Orientador(a): Dr. Dimitri Gusmão Flôres (Intensivista, Hospital
Universitário
Prof. Edgard Santos - UFBA).
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
65 anos, sexo masculino, deu entrada na emergência com queixa de
febre, calafrios e tosse há quatro dias. Refere que neste período a
temperatura axilar chegou a atingir 40 oC, apresentou um episódio de
vômito, relata diminuição no volume urinário e prostração. Nega cefaleia,
disúria, diarreia ou lesões de pele. Paciente portador de rim único,
hiperplasia prostática benigna, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e
gastrite. Em uso de doxazosina, losartana e omeprazol.
EXAME FÍSICO
FC: 114 bpm; FR: 24 ipm; Temperatura axilar: 38,5 oC; TA: 98 x 62 mmHg.
Sem achados dignos de nota em orelhas, olhos, nariz e cavidade oral.
Ausência de linfonodomegalias palpáveis.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemoglobina 11,3 g/dL 12,8 - 17,8 g/dL
Bastões 10% -
Bioquímica
Sódio 137 mmol/L 135 - 145 mmol/L
Gasometria
pH 7,39 7,35 - 7,45
FiO2 21% -
Figura 1. Radiografia de tórax em PA do paciente.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a principal hipótese diagnóstica para o caso?
2. Que dados da história, exame físico e exames laboratoriais
sustentam essa hipótese diagnóstica? E que achados apontam para a
gravidade?
3. Esse paciente tem indicação de internamento? Por quê?
4. Quais são os exames recomendados para seguimento deste paciente?
5. Qual a conduta terapêutica mais adequada?
6. Quais as metas no tratamento do paciente?
7. Quais as possíveis complicações diante de tal quadro?
DISCUSSÃO
Pelo quadro descrito deve-se suspeitar que o paciente apresenta um
processo infeccioso. Sinais como febre, leucocitose, taquicardia e
taquipneia apontam para uma resposta inflamatória sistêmica e são fortes
indícios para este quadro. Como visto no quadro abaixo, a presença destes
achados somados à tosse e à ausculta, que indicam um provável foco
infeccioso pulmonar, nos permite fechar o diagnóstico de Sepse.
Por definição, sepse é a resposta sistêmica a uma infecção de qualquer
etiologia (bacteriana, viral, fúngica) em algum sítio (pulmão, vias urinárias,
hematológica, etc.). Nesta condição, a infecção desencadeia uma resposta
imunológica exacerbada que pode levar a disfunções orgânicas longe do
sítio infeccioso.
Do ponto de vista clínico, é importante o conhecimento das diversas
interações entre o homem e os microorganismos, para uma melhor definição
do diagnóstico. Estes conceitos são abordados no quadro abaixo:
Definições Úteis ao Entendimento da Sepse
Colonização: presença da bactéria em um tecido sem causar alterações locais
ou sistêmicas
Sepse: SIRS desencadeada por uma infecção. Seu diagnóstico é dado com a
presença de dois dos quatro critérios já citados na vigência de uma infecção
documentada ou suspeita.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Sepse Grave e Choque Séptico7
Cardiovascular
Insuficiência cardíaca descompensada
Choque cardiogênico
Pulmonar
Embolia Pulmonar
Abdominal
Pancreatite Aguda
Metabólico
Crise tireotóxica
Crise Addisoniana
Anafilaxia
Intoxicação aguda
Síndromes hipertérmicas
Neurológico
Encefalopatia
Hemorragia Subaracnóidea
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Definições de infecção, SIRS, SEPSE, SEPSE grave e choque
séptico;
• Fisiopatologia da sepse;
• Diagnósticos diferenciais de febre na urgência;
• Achados clínicos que podem sugerir a etiologia da sepse;
• Evolução e complicações da sepse/ sepse grave/ choque séptico;
• Metas no tratamento do paciente séptico.
PONTOS IMPORTANTES
• Achados clínicos, laboratoriais e sinais de disfunção orgânica são
critérios diagnósticos para sepse;
Referências
1. Bone RC1, Balk RA, et al. Definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of
innovative therapies in sepsis. The ACCP/SCCM Consensus Conference Committee.
American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine. Chest. 1992
Jun;101(6):1644-55.
2. Shapiro N1, Howell MD, et al. The association of sepsis syndrome and organ dysfunction with
mortality in emergency department patients with suspected infection. Ann Emerg Med.
2006;48(5):583-90
3. Taniguchi LU, Bierrenbach A, et al. Sepsis-related deaths in Brazil: an analysis of the national
mortality registry from 2002 to 2010. Crit Care. 2014; 5;18(6):608.
4. Dellinger RP1, Levy MM, et al. Surviving sepsis campaign: international guidelines for
management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013; 41(2):580-637
5. Rivers E1, Nguyen B, et al. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and
septic shock. N Engl J Med. 2001; 8;345(19):1368-77.
6. Ait-Outfella H, Bige N, et al. Capillary Refill Time exploration during septic shock. Intensive
care Med, 2014. Jul; 40(7): 958-64.
7. Martins, HS. Sepse na emergência. Martins, HS (Ed). Emergências Clínicas: abordagem
prática. 8 ed. Barueri, SP: Manole, 2013.
Caso 65
LAMIB - Liga Acadêmica de Medicina Intensiva da Bahia
Autores: Daniely Souza Silva, Erika Patricia Barbosa Correia e Vinícius
Luiz Menezes Jesus.
Orientador(a): Dr. Marcelo Martinez Pinheiro de Lemos (Intensivista
pediatra, Hospital Irmã Dulce).
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 7 anos, sexo feminino, parda, natural e procedente de cidade
do interior, previamente hígida, iniciou quadro de febre e astenia; fez uso de
analgésico – dipirona sódica. Dez dias após o quadro descrito, a paciente
evoluiu, com pápulas, que se tornaram vesículas e, por último, lesões
bolhosas difusas em lábios e mucosa oral. Deu entrada em emergência de
unidade hospitalar de média complexidade, onde recebeu hidratação e
analgesia, feita também com dipirona sódica. Apresentou piora do quadro
inicial com presença de febre (38,8 oC) e aumento das lesões que
acometeram cerca de 90% da superfície corporal. Foi transferida para
unidade hospitalar de alta complexidade onde foi iniciado antibioticoterapia
com oxacilina, hidratação e analgesia com paracetamol. Transferida para o
centro de terapia intensiva (CTI) para monitorização.
Três dias após entrada em CTI, paciente evolui com febre persistente (41
o
C), Leucocitose com predomínio de formas jovens, radiografia de tórax
(RX) com imagem de condensação à direita, queda da saturação periférica
de oxigênio (SatO2), com necessidade de ventilação mecânica. Pressão
Arterial Média (PAM) invasiva evidenciou quadro de hipotensão. Houve
pouca resposta à ressuscitação volêmica realizada com soro fisiológico
(esquema de 60 mL/kg em 30 minutos). Gasometria evidenciou piora global
dos parâmetros, apresentando piora da oxigenação, aumento da pressão
parcial de dióxido de carbono (PaCO2), queda do bicarbonato, piora da
relação da pressão parcial de oxigênio e fração inspirada de oxigênio
(PaO2/FiO2) e queda de hemoglobina. Foi realizada intubação orotraqueal e
mantida em ventilação mecânica (VM). Cinco dias após entrada em CTI,
novo RX evidenciou infiltrado bilateral em bases pulmonares e aspiração de
cânula de traqueostomia apresentou sangue vivo em quantidade moderada.
Houve piora dos padrões hemodinâmicos com taquicardia, hipotensão e
hipoperfusão tecidual, sem resposta à fluidoterapia inicial. Diante do quadro,
foi iniciada noradrenalina em 0,05 mcg/kg/min. Feito transfusão de uma
bolsa de concentrado de hemácias. Permaneceu em Ventilação Mecânica
Invasiva (VMI) de modo controlado, com parâmetros ventilatórios elevados.
Manteve diurese adequada, sem estímulo. Apresentou hemocultura positiva
para Klebisiella pneuminae. O esquema de antibiótico foi alterado de
oxacilina para piperacilina + tazobactam, vancomicina e amicacina. Foi
realizada sedação com midazolan e recebeu morfina. Doze horas após o
quadro descrito e as medidas terapêuticas instituídas, paciente evoluiu com
melhora, sem uso de droga vasoativa, com bons níveis tensionais.
EXAME FÍSICO*
* Na admissão
FC: 112 bpm; FR: 22 irpm; TA: 110X70 mmHg; Tax: 38,8 oC.
Valores Obtidos
Valores
Laboratorio
Admissão 10 dias Referenciais
8 dias após 9 dias após
CTI após
Hemograma
Hemoglobina 9,9 11,3 12,3 11,4 11,0 - 16,0 g/dL
Eosinófilos - 0 1 1 1-5%
Coagulação
RNI 1,25 1,61 1,6 - -
Bioquímica
Na 139 142 148 148 135 - 145 meq/L
Ureia 13 23 41 32 15 - 45 mg/dL
Gasometria
pH 7,414 7,184 7,381 - 7,350 - 7,450
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico provável?
2. Qual quadro sindrômico a paciente apresentou durante internamento?
3. Como proceder diante de um quadro de sepse pediátrica?
4. O que caracteriza o quadro de choque?
DISCUSSÃO
1. NET
A necrólise epidérmica tóxica (NET) tem como patogênese uma resposta
de hipersensibilidade tardia à fármacos, infecções virais e neoplasias1
(Tabela 1). O diagnóstico é realizado a partir de história clínica e no aspecto
encontrado no exame físico2 e confirmado a partir de biópsia de pele que
evidencia derme com mínimo infiltrado de células inflamatórias, predomínio
de linfócitos TCD4+, e necrose da epiderme e a junção derme-epiderme
mostra alteração vacuolar a bolhas subepidérmicas. O quadro clínico é
caracterizado inicialmente com lesões máculo-papulosas que se transformam
em vesículas e, posteriormente, em bolhas. O centro das lesões pode ser
vesicular, purpúrico ou necrótico. O desprendimento da pele a partir da leve
fricção caracteriza o sinal de Nikolsky e pode estar presente na NET. Nessa
patologia, mais de 30% da pele é comprometida e o paciente pode se
comportar como um grande queimado. A criança do caso apresentado possui
quadro compatível com o de NET, tendo presença de lesões cutâneas que
evoluíram de máculas à bolhas, comprometimento de mucosas, sinal de
Nikolsky e surgimento do quadro a partir do uso de um fármaco(dipirona)
com piora à sua reintrodução e melhora à suspenção do mesmo. O
tratamento da NET é feito a partir da retirada do fármaco causador da reação
e devem-se efetuar medidas de suporte e sintomáticos com hidratação e
reposição de eletrólitos, cuidado especial de temperatura ambiental,
manipulação cuidadosa e asséptica e manutenção de acesso periférico.
Devido à gravidade do quadro, o paciente com NET deve ser precocemente
reconhecido e encaminhado para unidades que possam oferecer cuidados
intensivos e, se possível, unidades de queimados.1
Tabela 1. Principais Agentes Etiológicos
Envolvidos
Medicações: Sulfadiazina, sulfametoxazol-trimetoprim,
fenobarbital, fenitoína, carbamazepina, alopurinol,
penicilinas, sulfassalazina, fenilbutazona.
2. SIRS/SEPSE
Os pacientes normalmente desenvolvem a sepse a partir de um foco
infeccioso principal, a exemplo do pulmão, trato urinário ou pele.3 Como as
bactérias estão implicadas em cerca de 90% dos casos, lança-se mão de
terapias direcionadas para diferentes tipos destes agentes patogênicos.4
Por definição, sepse é um acometimento sistêmico, deletério, na presença
de infecção que leva à sepse severa (disfunção orgânica secundária a
infecção).5 No caso apresentado, a paciente tinha dois focos possíveis de
infecção: pele e pulmão. O primeiro relacionado ao quadro de NET, no qual
o paciente se assemelha ao grande queimado, com perda da barreira de
proteção da pele e, portanto, com maior risco de infecção à infecção. O
segundo foco, que é o pulmonar, foi confirmado por cultura de lavado
brônquico, positivo para K. pneumoniae e pode estar relacionada à
ventilação mecânica ou broncoaspiração antes da intubação orotraqueal.
A sepse pediátrica leva em consideração os valores de leucocitose e
leucopenia corrigidos pela idade (nos pacientes em idade escolar – 6 a 12
anos – leucocitose ocorre > 13.500 e leucopenia < 4.500).6 Além deste, a
paciente apresentou outros critérios diagnósticos de sepse, como febre
(temperatura central > 38 oC), hiperglicemia na ausência de diabetes
(glicemia > 120 mg/dL), hipoxemia arterial (PaO2/FiO2< 300), creatinina
>0,5 mg/dL, RNI >1,5 e trombocitopenia (plaquetas < 100.000/mm).5,7
O tratamento da sepse pediátrica tem como princípio fundamental a
iniciação rápida de antibióticos de amplo espectro. O esquema de antibiótico
deve ser administrado por via intravenosa e, preferencialmente, na primeira
hora de suspeita da sepse.5 A paciente iniciou uso de betalactâmico
(oxacilina) ainda no hospital de origem e no CTI, o espectro de ação foi
ampliado com introdução de um esquema composto por betalactâmico
(piperacilina + tazobactam), glicopeptídeo (vancomicina) e aminoglicosídeo
(amicacina) com o objetivo de cobrir os patógenos mais prováveis.
3. Choque
Choque é uma síndrome clínica caracterizada por alterações circulatórias
e metabólicas, que refletem incapacidade do organismo em suprir os tecidos
com sangue oxigenado.8 O choque é diagnosticado a partir de um conjunto
de sinais e sintomas, tais como taquicardia, má perfusão capilar, diminuição
do débito urinário e alterações do estado mental. A função circulatória
relaciona-se com volume sanguíneo, função cardíaca e tônus vascular e o
choque pode resultar de alterações em quaisquer desses parâmetros, podendo
ser classificado, dentre outros, como hipovolêmico, cardiogênico ou
distributivo respecitiamente.8 A hipovolemia é a causa mais comum de
falência circulatória na criança.9
A paciente do caso clínico exposto apresentou sinais e sintomas de
choque como taquicardia, má perfusão tecidual, confirmada por hipóxia a
partir de PAM e hipotensão. Tal quadro de choque pode ser caracterizado
como hipovolêmico, já que pacientes com NET podem se comportar como
grandes queimados e perderem grandes quantidades de volume; entretanto,
também pode ser caracterizado como choque séptico já que a criança possui
foco infeccioso pulmonar confirmado e suspeita de infecção de pele, pela
perda da barreira protetora com o quadro de NET.
A monitorização é de extrema importância nos quadros de choque. Os
parâmetros que devem ser monitorados incluem frequência cardíaca, pressão
arterial sistólica, pressão arterial média, débito urinário, pressão venosa
central, saturações de oxigenação venosa mista e lactato.3 Quando o
tratamento do choque é iniciado, deve-se monitorizar o perfil hemodinâmico
do paciente. A ressuscitação a partir da administração de fluidos pode
ocasionar diminuição da frequência cardíaca e aumento da pressão de
perfusão.
O reconhecimento precoce bem como o manejo e reversão do quadro e
choque estão diretamente relacionados a diminuição da mortalidade pelo
choque em crianças. O tratamento do choque tem como objetivos tratar a
doença de base, aumentar a oferta e o consumo de oxigênio pela célula,
repor o volume circulante, corrigir fatores inotrópicos negativos, aumentar
contratilidade cardíaca e diminuir a resistência vascular periférica.10
Pacientes em choque necessitam de um ou dois acessos vasculares que
permitam infusões de grandes quantidades de coloides ou cristaloides e a
administração de fármacos. Devido à má perfusão periférica que ocorre no
choque, um acesso central geralmente é realizado, que pode ser da subclávia,
da jugular interna ou da femoral. A punção da veia femoral passou a ser mais
utilizada pelos pediatras intensivistas e tem alto grau de sucesso e poucas
complicações em crianças.11
A reposição volêmica deve ser iniciada precocemente no quadro de
choque; segundo a recomendações pediátricas do Surviving Sepse
Campaign, a reposição pode ser feita tanto com cristaloide quanto com
colóide. A ressuscitação deve ser feita com 20 mL/kg/5-10 minutos em bolus
de solução cristaloide isotônica ou o equivalente de coloide. Após cada bolo,
o estado hemodinâmico do paciente deve ser reavaliado para sinais de
reversão ou manutenção do choque. Caso não ocorra a reversão do choque
na primeira hora, deve-se prosseguir com infusão de 20 mL/kg de SF a cada
15 minutos e considerar suporte farmacológico à circulação. No caso
apresentado, a paciente não apresentou melhora com reversão do choque a
partir da ressuscitação volêmica, necessitando de terapia farmacológica. Tal
tratamento utiliza drogas vasoativas que podem ser vasodilatadores e
vasopressores (efeitos na resistência vascular sistêmica), inotrópicos (efeitos
na contratilidade cardíaca) e cronotrópicos (efeitos na frequência cardíaca).
Na paciente do caso apresentado, iniciou-se o uso de noradrenalina (um
potente vasopressor), com o objetivo de restaurar e manter a perfusão de
órgãos vitais. A reposição volêmica continua sendo o principal e primeiro
tratamento do choque séptico e deve ser adequada para evitar efeitos
deletérios de vasoconstricção da noradrenalina. Além disso, como a
noradrenalina possui pouca ação na falha miocárdica, um paciente
inadequadamente expandido e com baixo débito em uso de noradrenalina
pode parecer hemodinamicamente estável, quando na verdade, possui déficit
de perfusão em órgaõs-alvo.12
Auto-imunes
Penfigóide bolhoso
Pênfigo Vulgar
Congênitos
Epidermólise bolhosa
Hiperceratose epidermolítica
Infecciosos
Varicela-zoster
Varicela simples
Impetigo
Síndromes de hipersensibilidade
Síndrome de Stevens-Johnson
Referências
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Johnson Syndrome and Toxical Epidermal Necrolysis in Intensive Care Medicine. Revista
Brasileira de Terapia Intensiva2006:18:3:292-297.
2. Rezende LRC, Pena FM, Sueth DM, Berto DN, Gusmão CB. Toxic epidermal necrolysis: a case
report. Case Reports. 2006;28(3):199-203. Piva JP, Garcia PCR. Medicina intensiva em
pediatria. 2ª edição. São Paulo. revinter. 2014.
3. Neudeck BL, Rogers PD. Sepsis. In: Helms RA, Quan DJ, Herfindal ET et al. Textbooks of
therapeutics: drug and disease management. 8th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &
Wilkins, 2006, p. 2159-71.
4. Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A et al. Surviving sepsis campaign: International guidelines for
management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med 2013;41:580-63.
5. Goldstein B, Giroir B, Randolph A. International pediatric sepsis consensus conference:
definitions for sepsis and organ dysfunction in pediatrics. Pediatr Crit Care Med 2005;6(1):2-8.
6. Levy MM, Fink MP, Marshall JC et al SCCM/ESICM/ACCP/ATP/SIS: 2001
SCCM/ESICM/ACCP/ATP/SIS International Sepsis Definitions Conference. Crit Care Med
2003 Apr.; 29(4):530-38.
7. Mtaweh H, Trakas EV, Su E, et al. Advances in monitoring and management of shock. Pediatr
Clin Noth Am 2013; 60(3): 641-54.
8. Black RE, Cousens S, Johson HL et al. Global, regional, and national causes of child mortality
in 2008: a systematic analysis. Child Health Epidemiology Reference Group of WHO and
UNICEF. Lancet 2010: 375: 1969-87.
9. Venkataraman ST, Thomson AE, Orr RA. Femoral vascular catheterization in critically ill infants
and children. Clin Pedriatr 1997; 36:311-19.
10. Venkataraman R, Kellum JA. Sepsis: updatein the management. Adv Chronic Kidney Dis
2013; 20(1):6-13.
Caso 66
Liga Acadêmica de Medicina Intensiva
Autores: Bruna de Moura Renz, Mariana Almudi Souza e Karina
Abreu Vieira da Cunha.
Orientador(a): Dr. Rafael Botelho Foernges (Médico Especialista em
Medicina Intensiva pela Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre - MEC, Médico-Chefe da UTI
do Hospital Santa Cruz, Prof. do curso de Medicina na Universidade de
Santa Cruz do Sul).
Instituição: Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
D.S.G, 54 anos, feminino, diabética, dislipidêmica e asmática. Relata
inapetência, diarreia mucosanguinolenta de odor fétido, náuseas, vômitos e
febre há três dias após ingesta de alimento de procedência desconhecida.
Paciente procurou atendimento em unidades de saúde em duas ocasiões no
seu município de origem, sendo prescrita hidratação ambulatorial e
sintomáticos. No terceiro dia do início dos sintomas, voltou à Emergência
do seu município hipotensa e taquicárdica. Foi transferida para a Unidade
de Terapia Intensiva (UTI) devido à hipotensão refratária à infusão de 1000
ml de cristaloide com solução fisiológica 0,9% e já com noradrenalina a 0,4
mcg/kg/min em acesso periférico iniciado ainda na cidade de origem.
Quinze outros familiares apresentaram sintomas semelhantes com menor
severidade. Refere diarreia em grande quantidade com pus e perda do
controle esfincteriano.
Foi iniciado antibiótico endovenoso na chegada (Amoxacilina com
Clavulanato em dose anaerobicida). Puncionado acesso venoso central, feito
mais 30ml/kg de Ringer Lactato. Constatada pressão venosa central (PVC)
de 5 mmHg. Realizada intubação endotraqueal e iniciou-se Hidrocortisona
50 mg de 6/6 horas.
Em exames inicias na UTI, apresentou hiperlactatemia. Já em ventilação
mecânica, a saturação venosa de O2 estava em 72%. Além disso, os exames
demonstraram acidose metabólica, HCO3 de 13,6 e excesso de bases (EB)
de – 10,5. Optado por troca precoce do antibiótico para Ceftriaxone, de
modo a melhorar a cobertura empírica para Salmonella spp.; e Metronidazol
para manter a cobertura anaerobicida. Evoluiu para choque refratário, oligo-
anúria e foi a óbito 18 horas após dar entrada na UTI com nora a 2,4
mcg/kg/min, em assistolia.
EXAME FÍSICO
FC: 130 bpm; 24 ipm, SO2 96% (com oxigênio a 2 litros/minuto); PAM: 54.
Temperatura axilar: 38,1oC.
Sem achados dignos de nota em orelhas, olhos, nariz e cavidade oral. Sem
linfadenomegalias palpáveis.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 11,5 13,5 +- 1,5
Mielócitos 8% -
Metamielócitos 24% -
Bastonetes 44% 1 - 3%
Segmentados 8% 40 - 70%
Bioquímica
Ureia Normal -
Sódio Normal -
Magnésio Normal -
Potássio Normal -
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Bilirrubinas Normal -
TGO Normal -
TGP Normal -
Gama GT Normal -
Gasometria venosa
pH 7,30 7,35 - 7,45
pO2 45,3 25 - 40
pCO2 29,7 41 - 51
HCO3 14,5 22 - 26
Gasometria arterial
pH 7,34 7,35 - 7,45
pCO2 25,3 35 - 45
HCO3 13,6 22 - 26
Exames bateriológicos
Hemocultura Positiva Salmonella spp (Não Typhi)
Coprocultura
Cryptosporidium spp;
Negativo
Campylobacter sp.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. É necessário mais algum exame para o diagnóstico?
3. A conduta terapêutica no início do caso foi adequada?
DISCUSSÃO
A Conferência de Consenso de Sepse,1 realizada em 1991, buscou
determinar a padronização de definições sobre a sepse, com o objetivo de
aumentar a precisão e rapidez diagnóstica. Os seguintes termos foram
definidos:
Referências
1. American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Consensus
Conference Committee: ACCP/SCCM Consensus Conference: Definitions for sepse and organ
failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepse. Crit Care Med, 1992;20:864-
874.
2. Mead P, Slutsker L, Dietz V, et al. Food-related illness and death in the United States. Emerg
Infect Dis 1999;5:607-25.
3. Brasil. Ministério da Saúde. FUNASA. CENEPI. Mortalidade Brasil – 2004. Brasília:
CENEPI/FUNASA; 2004.
4. Hohmann, EL. Nontyphoidal salmonellosis. Clin Infect Dis. 2001; 32: 263–269 Salmonella
spp.-Foodborne pathogenic microorganisms and natural toxins handbook-Center for Food
Safety & Applied nutrition- In: www.cfsan.fda.gov/~mow/chap1.html.
5. Martin GS, Mannino DM, Eaton S et al - Epidemiology of sepsis in the United States from
1979 through 2000. N Engl J Med, 2003;348:1546-1554.
6. Angus DC, Wax RS - Epidemiology of sepsis: an update. Crit Care Med, 2001;29;
(Suppl7):S109-S116.
7. Friedman G, Silva E, Vincent JL - Has the mortality of septic shock changed with time? Crit
Care Med, 1998;26:2078-2086.
8. Varon J, Marik PE - Multiple Organ Dysfunction Síndrome. In: Irwin RS, Cerra FB, Rippe JM-
Intensive Care Medicine. Lippincott-Raven Philadelphia, 1999;2044-2048.
Caso 67
LACM - Liga Acadêmica de Clínica Médica
Autores: Luiza Lapolla Perruso, Jonathan Oliveira de Medeiros e Laerte
Romualdo Santos.
Orientador(a): Dr. João Marcello de Araújo Neto (Hepatologista, vinculado
ao Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ, como professor
adjunto).
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
32 anos, feminino, parda, natural e residente de cidade do interior,
previamente submetida a dois transplantes renais (há 15 e 10 anos,
respectivamente). Em vigência de terapia imunossupressora (Micofenolato
360 mg 1 comprimido (cp) por via oral (VO) de 12/12h e Sirolimus 1 g VO
1x ao dia), com histórico de histoplasmose disseminada, colite por
citomegalovírus (CMV) e tuberculose pulmonar e intestinal. Refere há seis
dias cefaleia de forte intensidade (que caracterizou com a nota 7 em 10),
latejante, frontal e unilateral (à direita). Refere, ainda, paresia
fasciobraquiocrural à esquerda, com flacidez. Nega o alívio do sintoma com
analgésicos comuns, bem como irradiação da dor, vômitos, febre,
convulsão, incontinência urinária ou fecal, síncope ou turvação visual.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Bioquímica
Potássio (K+) sérico 3,1 mEq/L 3,6 - 5,2 mEq/L
TAP% 110,0 -
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais os fatores de risco que a paciente apresenta e como eles
podem influenciar nas hipóteses diagnósticas?
3. É necessário exame de imagem para a conclusão do diagnóstico?
4. É indicada, neste caso, uma punção liquórica?
DISCUSSÃO
A história da paciente é fundamental para a formulação de hipóteses
diagnósticas nesse caso. Trata-se de uma paciente imunossuprimida há 15
anos, já submetida a dois transplantes renais e que já apresentou diversas
infecções oportunistas clássicas do paciente imunossuprimido (colite por
CMV, histoplasmose disseminada, tuberculose extra-pulmonar). Sendo
assim, faz-se necessário adicionar às hipóteses diagnósticas aquelas que são
mais prevalentes em pacientes imunossuprimidos. A clínica da paciente é
de dano neurológico focal, com paresia fasciobraquiocrural e flacidez à
esquerda, além de cefaleia de forte intensidade. É pouco provável que se
trate de uma síndrome meníngea, dadas as ausências de sinais clássicos
como febre e irritação meníngea e o quadro clínico tão característico de
lesão focal, mas essa hipótese não pode ser descartada.
Convém ressaltar que, havendo a dúvida sobre a síndrome meníngea na
paciente referida, a punção de líquor estaria contraindicada, a princípio,
devido à presença de sinais neurológicos focais. Neste contexto, algumas
situações clínicas merecem especial atenção, pois, para a investigação das
mesmas, não é indicado proceder imediatamente com a punção lombar,
dado o alto risco de herniação de estruturas cerebrais, sendo necessário
realizar primeiro uma Tomografia Computadorizada de crânio (TCC).1
São elas:
Contraindicações clínicas relativas à punção
lombar
Convulsões
Contraindicações clínicas relativas à punção
lombar
Tuberculomas, criptococomas
Síndromes meníngeas
Meningites bacterianas (pneumococo, hemófilos,
meningococo)
Neurocriptococose
Neurotuberculose
Meningites virais
Objetivos de aprendizado/competências
• Semiologia neurológica detalhada como principal ferramenta de
diagnóstico de síndromes neurológicas;
Pontos importantes
• Antes de proceder com a punção lombar, é prudente buscar sinais de
hipertensão intracraniana em pacientes com apresentação clínica
sugestiva;
Referências
1. Ziai WC, Lewin JJ. Update in the Diagnosis and Management of Central Nervous System
Infections. NeurolClin 26 (2008) 427–468.
2. Senzolo M, Ferronato C, Burra P. Neurologic complications after solid organ transplantation.
Transpl Int. 2009;22(3):269-278.
3. Marchiori PE1, Lino AM, Machado LR, Pedalini LM, Boulos M, Scaff M. Neuroinfection
survey at a neurological ward in a Brazilian tertiary teaching hospital. Clinics (Sao Paulo).
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4. First MR. Long term complications after transplantation. Am J Kidney Dis. 1993; 22(3):477-
486.
5. Olson JE, Janney CA, Rao RD, Cerhan JR, Kurtin PJ, Schiff D, et al. The continuous increase
in the incidence of primary central nervous system non-Hodgkin lymphoma: a surveillance,
epidemiology, and end results analysis. Cancer. 2002; 95: 1504-10.
6. Abrey LE, Yahalom J, DeAngelis LM. Treatment for primary CNS lymphoma: The next step. J
ClinOncology. 2000;18:3144-50.
Caso 68
Liga Acadêmica de Anatomia Clínico-cirúrgica do Rio Grande do Norte
Autores: Beatriz Ferreira Dias Xavier, Aline Gobett Cardoso Feliciano e
Matheus Augusto Araújo Castro.
Orientador(a): Dr. Francisco Pignataro Lima (Professor Doutor do
Departamento de Patologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte).
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 17 anos, estudante, solteiro, natural e procedente de cidade
de grande porte. Relata que desde os 9 anos de idade apresenta convulsões,
durante as quais, perde a consciência. Os episódios consistem em forte e
generalizada contração da musculatura, acompanhada de sialorreia e
sudorese profusa, por vezes havendo perda do controle dos esfíncteres
externos, e são precedidos por lipotímia e, em algumas ocasiões, vômitos. O
intervalo entre a ocorrência dos episódios de convulsão é variável, podendo
ser de alguns dias ou de meses, tendo o último ocorrido há 5 dias antes da
admissão, com um intervalo de 4 meses do anterior.
Posteriormente às convulsões o paciente apresenta cefaleia holocraniana
de progressiva intensidade, de caráter pulsátil e que cede com o uso de
analgésicos. Além disso, fica sonolento e costuma dormir por várias horas.
Nega febre, astenia, alterações de peso ou diplopia; nega diarreia ou
constipação; nega queixas urinárias; nega angina, palpitações ou dispneia;
não apresenta alterações do sono, de sensibilidade ou de motricidade, nem
amnésia.
Nasceu de parto cesariano, a termo, sem complicações. Alega ter tido
varicela e caxumba quando criança. Afirma ter recebido as vacinas da
infância, com exceção da vacinação contra Hepatite B. Nega cirurgias e
internações prévias. Nega etilismo e tabagismo. Reside com pai e mãe em
casa de alvenaria sem esgotamento sanitário. Possui um cachorro e galinhas
em seu domicílio, além de alguns porcos mantidos no quintal da
propriedade. Nega banhos em lagoas e contato com tossidores de longa
data. Refere consumo de frutas e verduras provenientes de horta cultivada
na propriedade onde reside e afirma lavá-las apenas com água antes de
ingeri-las.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Apresentou como alteração apenas eosinofilia relativa.
Sorologias
Pesquisa de anticorpos anti-HIV com o teste rápido (método Biomanguinhos), tendo resultado não reagente; pesquisa de
hepatite B (anti-HBs, anti-HBcIgM, anti-HBcIgG e HBsAg), com resultados não reagentes; sífilis (FTA-ABS IgG, FTA-ABS
IgM e VDRL), com resultados não reagentes; anticorpos IgM e IgG para toxoplasmose, também não reagentes.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Quais as principais hipóteses diagnósticas?
2. Qual a epidemiologia e fatores de risco para a doença em questão?
3. Quais exames são necessários na investigação dessa patologia?
4. Quais os principais achados sugestivos dessa patologia no exame de
imagem?
5. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
6. Tratamento medicamentoso e indicações cirúrgicas.
DISCUSSÃO
O paciente em questão possui neurocisticercose, a qual é uma das
formas clínicas da cisticercose, sendo causada pela ingestão de ovos do
platelminto Taenia solium (T.solium) e posterior alojamento de seu
cisticerco em tecidos humanos. A ingestão desse ovo se dá através da água
ou de alimentos (comumente frutas e verduras) contaminados pelas fezes de
portadores de teníase, estando então esta patologia relacionada a hábitos
higiênicos e condições sanitárias.
Os ovos da T. solium eclodem no estômago, estimulados pelo ácido
gástrico, liberando o embrião hexacanto, o qual penetra ativamente na
corrente linfo-hematogênica e migra para diversos sítios anatômicos,
podendo ser o sistema nervoso central (SNC) um desses sítios. Outra forma
menos comum de adquirir cisticercose é pela auto-infecção, decorrente do
refluxo de proglotes gravídicas do conteúdo intestinal do indivíduo
infectado pela T. solium até o estômago.
Dos indivíduos que possuem neurocisticercose, muitos são
assintomáticos, e nos indivíduos sintomáticos os achados clínicos são
dependentes do tamanho, da quantidade e da localização dos cistos, além da
resposta imune do hospedeiro, induzida pelo parasita. As manifestações
clínicas mais comuns incluem convulsões, cefaleia, demência, alterações
psíquicas, hipertensão intracraniana, hidrocefalia, síndrome medular e
meningite.
Quanto à conduta terapêutica atual desta patologia, tanto o albendazol
quanto o praziquantel são considerados opções terapêuticas eficazes na
terapêutica etiológica da neurocisticercose, sendo indicada esta terapêutica
para pacientes sintomáticos, apresentando cistos viáveis, múltiplos, em
topografia encefálica intraparenquimatosa e com positividade das provas
imunológicas para cisticercose no líquido cefalorraquidiano (LCR). O
tratamento tem como propósito a redução dos fenômenos
neuroimunológicos relacionados com a doença, podendo ser administrado
em associação com dexametasona na dose de 6 mg/dia a fim de amenizar a
reação inflamatória frequente na terapia parasiticida.
Dependendo da localização anatômica e da natureza do quadro clínico
de cada paciente, pode-se ainda utilizar antiepilépticos para controlar as
crises epilépticas, diuréticos para o manejo da hipertensão intracraniana ou
abordagens cirúrgicas, a depender da localização dos cistos, persistência dos
sintomas após tratamento medicamentoso ou em casos de hipertensão
intracraniana, hidrocefalia e efeito de massa significativos.
Os principais exames a serem solicitados para a determinação
diagnóstica de neurocisticercose são o exame do LCR e a tomografia
computadorizada. O LCR indicativo de neurocisticercose caracteriza-se
pela eosinofilorraquia e positividade da reação de fixação do complemento.
Com o advento de novas técnicas imunológicas, como ELISA e EITB,
maior precisão foi atribuída à análise liquórica.
Os achados de neuroimagem dependem do estágio de desenvolvimento
da larva. Lesões císticas hipodensas, de contorno bem delimitado e com
escólex no seu interior correspondem ao cisticerco vivo, ou forma ativa, que
após um período de três a seis anos se degenera. Quando isso ocorre, a lesão
adquire aspecto hipodenso com reforço em anel ou isodenso com reforço
homogêneo na fase contrastada. Na sequência ocorre a deposição lenta de
sais de cálcio. O intervalo entre a morte do cisticerco e a visualização
radiológica da calcificação é de 25 meses.
Critérios diagnósticos:
Granuloma micótico
Glioma cístico
Glioblastoma
Distúrbios metabólicos
Malformação vascular
Neoplasia intracraniana
Anomalias congênitas
Outros
Toxoplasmose
Êmbolos sépticos
Epilepsia
Hematoma
Pontos importantes
• Cistos no parênquima ou lesões crescentes são a forma mais comum
de neurocisticercose;
Referências
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Philadelphia: Elsevier; 2015. p. 4334-4345.
3. Takayanagui OM, Leite JP. Neurocisticercose. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina
Tropical [internet]. Maio 2011 [citado em 19 jan 2015]; 34(3): [pag. 283-290].
4. Takayanagui OM, Martinez R. Citicercose. De: Tavares W, Marinho LAC, editores. Rotinas de
Diagnóstico e Tratamento das Doenças Infecciosas e Parasitárias. 3ª ed. São Paulo: Atheneu,
2012.
Caso 69
Liga de Medicina Clínica Dr. Paulo Marcelo Martins Rodrigues
Autores: Roberto César de Carvalho Filho, Luiza de Amorim de Carvalho,
Renata Allana da Costa Pereira e José Otílio Nicolau de Oliveira.
Orientador(a): Dr. José Otílio Nicolau de Oliveira (Medicina Interna -
Hospital Geral de Fortaleza).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente, masculino, 64 anos, vigilante noturno, casado, deu entrada em
hospital com queixa de um “incômodo na cabeça”. A acompanhante refere
que há 16 dias o paciente chegou a casa com um quadro de astenia,
adinamia, anorexia e cefaleia em região temporal bilateral (de moderada
intensidade, em pontada, com irradiação para a região cervical), associando
o quadro a um episódio gripal há 4 dias. Relatava, ainda, sensação febril
com tremores pelo corpo, porém não chegou a medir a temperatura. Ainda
nesse mesmo dia, horas depois, foi encontrado com quadro de agitação
psicomotora, irritabilidade, agressividade e confusão mental, evoluindo com
afasia de compreensão. Nega presença de paralisia facial ou perda de força
durante esse episódio. Chegou à emergência do referido hospital por volta
de 15h, evoluindo 5 horas depois com fraqueza de MMII e dificuldade para
deambular. Nega perda de consciência e vômitos. Durante o internamento,
permaneceu com fraqueza muscular e passou a apresentar espasticidade,
confusão mental, comportamentos estranhos e sensação de morte.
Comorbidades: HAS e DM há 7 anos. Nega história recente de trauma. Dias
antes do início do quadro, o paciente apresentou tosse com expectoração
purulenta, rinorreia, febre não mensurada e cefaleia em região temporal
bilateralmente. Além disso, durante o internamento, passou, ainda, a “sentir
que seu intestino estava apodrecendo”. Evoluiu com piora dessa sensação,
passando a considerar-se morto [a acompanhante refere que ele pede
constantemente para que “acendam uma vela para o seu sepultamento”].
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 16 mg/dL 12 - 17 mg/dL
Bioquímica
Ureia 42 mg/dL 10 - 50 mg/dL
Coagulação
Tempo de protrombina 15,4 seg 10,7 - 14,3 segundos
Líquor
Sorologias
VDRL Não reagente -
Celularidade
Leucócitos 61 células/mm3 0 - 5 células/mm3
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a principal hipótese diagnóstica para o caso?
2. Quais os principais diagnósticos diferenciais?
3. Diante da história e do exame físico, qual o provável sítio da lesão?
4. Que exames você pediria para confirmar sua hipótese?
5. Qual o tratamento indicado para esse paciente?
DISCUSSÃO
No caso apresentado acima, destacam-se alguns pontos. O paciente,
idoso (acima de 60 anos), apresentou um quadro agudo de febre não
mensurada, cefaleia intensa em região temporal, alteração de
comportamento (passando a ser mais agressivo), confusão mental e afasia
de compreensão. Cerca de 5 horas depois, evoluiu com paresia em MMII e
dificuldade para deambular. Com essa história, chama a atenção o tempo de
evolução do quadro para o surgimento da fraqueza muscular. Paresias
agudas, em geral, têm origem traumática ou vascular, mas também podem
ter origem infecciosa. Doenças infecciosas e intoxicações entram no
diagnóstico diferencial das paresias subagudas, enquanto que as etiologias
autoimunes, inflamatórias, neoplásicas, compressivas e metabólicas são
mais presentes nas etiologias crônicas. Sendo assim, pelo tempo de
evolução, a fraqueza desse paciente deve ter origem traumática, vascular
ou, menos comumente, infecciosa. Seguindo o raciocínio, a acompanhante
negou história de trauma, o que desfavorece essa hipótese para explicar o
quadro.
Ainda na abordagem da fraqueza, também é importante definir o sítio da
lesão. Ao exame físico, o paciente encontra-se agitado, desorientado no
tempo e espaço, com afasia de Wernicke, fraqueza muscular em MMII
bilateralmente (2+/5+), com espasticidade em MMII e reflexo patelar
aumentado (3+/4+) sem clônus, indicando a presença de uma lesão de
primeiro neurônio motor. Como houve alteração de comportamento do
paciente (citado na história como um comportamento mais agressivo) e
afasia de Wernicke, é considerável pensar em uma lesão de lobo temporal
ou de sistema límbico, ficando como principais hipóteses um acidente
vascular cerebral (AVC) ou uma infecção por herpes vírus simples tipo 1
(HSV-1). Desse modo, é importante solicitar uma tomografia
computadorizada de crânio para confirmar ou excluir o diagnóstico de AVC
e iniciar tratamento empírico com aciclovir endovenoso, pois a encefalite
por HSV-1 apresenta elevada morbidade e mortalidade quando o tratamento
não é instituído precocemente.
O paciente em questão apresentava o diagnóstico de encefalite por
herpes vírus simples do tipo 1 (HSV-1). Essa entidade é a causa mais
comum de encefalites esporádicas fatais pelo mundo inteiro. A doença é
caracterizada pelo surgimento súbito de febre, cefaleia, convulsões, sinais
neurológicos focais e rebaixamento do nível de consciência. É considerada
uma emergência médica, tendo em vista sua alta mortalidade e morbidades.
70% dos casos evoluem para óbito se não instituído o tratamento imediato.
Nos EUA, o HSV-1 é responsável por cerca de 10%-20% dos casos de
encefalite viral.
Com relação às rotas de infecção, o HSV-1 pode atingir o sistema
nervoso central (SNC) de 3 maneiras:
Abscesso cerebral
Empiema subdural
Síndrome de Reye
Neurossífilis
Neuro-Behçet
Leucodistrofia adrenal
Encefalopatia hepática
Hipotireoidismo
Hematoma subdural
Objetivos de aprendizagem/competências
• Abordagem do paciente com fraqueza muscular;
• Diferenciação, através do exame físico, dos diferentes sítios de
lesão que cursam com fraqueza muscular;
PONTOS IMPORTANTES
• Encefalite por HSV-1 é a causa mais comum de encefalites
esporádicas fatais nos EUA, podendo atingir qualquer faixa etária;
Referências
1. Mutarelli, EG. Exame do Sistema Nervoso. In: Benseñor, IM, Atta, JA, Martins, MA.
Semiologia Clínica. São Paulo, SP: Sarvier, 2002.
2. Miller, Marc L. Approach to the paciente with muscle weakness. In: Targoff, IN, Shefner, JM.
UpToDate, 2014. Acessado em: 09 de dezembro de 2014.
3. Asismos, AW. Evaluation of the adult with acute weakness in the emergency department. In:
Hockberger, RS. UpToDate, 2014. Acessado em: 09 de dezembro de 2014).
4. Marchiori, PE, Lucato, LT, Santos, GT. Neuroinfecções. In: Martins, MA, Carrilho, FL, Alves,
VAF, Castilho, EA, Cerri, GC, Wen, CL. Clínica Médica, Volume 6: Doenças dos Olhos,
Doenças dos Ouvidos, Nariz e Garganta, Neurologia e Transtornos Mentais. Barueri, SP:
Manole, 2009.
5. Machado, LR. Processos Infecciosos do Sistema Nervoso. In: Nitrini, R, Bacheschi, LA. A
Neurologia Que Todo Médico Deve Saber. Rio de Janeiro, RJ: Atheneu, 2008.
6. Klein, RS. Herpes simplex virus type 1 encephalitis. In: Hirsch, MS. UpToDate, 2014.
Acessado em: 11 de dezembro de 2014.
7. Malucelli, DS. Labirinto do não. Considerações sobre a síndrome de Cotard (Dissertação). Rio
de Janeiro, RJ: Universidade Veiga de Almeida, 2012.
8. Nicolato, R, Pacheco, J, Boson, L, Leite, R, Salgado, JV, Teixeira, AL, et al. Síndrome de
Cotard associada ao uso de ecstasy. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 2007; 56 (1): 64-66.
Caso 70
Liga Acadêmica de Clínica Médica
Autores: Marlos Luiz Villela Moreira, Eliana Akemi Komino e Vanessa
Cristina Colares Lessa.
Orientador(a): Profa. Dra. Denise Duprat Neves (Profa. associada de
Pneumologia da UNIRIO).
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 33 anos, feminina, negra, solteira, natural e procedente de
cidade de grande porte no Brasil, recepcionista em unidade de saúde, procura
atendimento relatando que, há mais de um mês, vem apresentando tosse
produtiva, febre vespertina, sudorese noturna e emagrecimento. Relata que
há cerca de dois meses desenvolveu quadro de “pneumonia” (figura 1),
sendo tratada com amoxicilina por 10 dias, com alguma melhora do quadro.
Não realizou controle clínico ou radiológico.
Relata viroses comuns na infância e amidalectomia aos 3 anos de idade.
Nega asma ou pneumonias prévias. Relata que uma tia, com quem mantinha
contato nos fins de semana, faleceu de doença pulmonar infecciosa há dois
anos, não sabendo informar qual. Nega tabagismo e etilismo.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico atual mais provável?
2. É necessário mais algum exame para o diagnóstico? Se sim, qual(is)?
3. Qual a conduta terapêutica mais apropriada caso se confirme a
hipótese diagnóstica?
4. O que mais deve ser feito em relação ao caso?
DISCUSSÃO
Esta paciente apresenta um caso típico de tuberculose. Dentre os motivos
para tal afirmação, destacam-se dados epidemiológicos importantes como a
alta prevalência da doença em grandes aglomerações urbanas no Brasil, ao
emprego da paciente em um posto de saúde, facilitando o contato próximo
com doentes e, pela idade da paciente, faixa etária comum de casos de
tuberculose. Além desses pontos, temos os dados clínicos clássicos – tosse
produtiva crônica, febre vespertina prolongada, sudorese noturna e
emagrecimento – para suspeita diagnóstica, além de um quadro arrastado por
mais de três semanas, que é reforçado pela persistência da condição clínica
após o uso de antibióticos.
Pela queixa principal e raciocínio clinico exposto, é necessária uma
radiografia de tórax para melhor esclarecimento do quadro atual da paciente.
Para confirmação diagnóstica, é imprescindível solicitar um exame de
escarro para baciloscopia direta pelo método de coloração Ziehl-Neelsen ou
Auramina, evidenciando a presença de BAAR (bacilos ácido álcool
resistentes) e, se possível, a realização da cultura para o Bacilo de Koch
(Mycobacterium tuberculosis) para a confirmação bacteriológica.
Além destes dois exames, pode ser feito um hemograma para investigar e
quantificar possível anemia por doença crônica – pois a paciente está
hipocorada – e para investigação da série branca para o diagnóstico
diferencial com infecções bacterianas, que ocorrem com elevada leucocitose
e desvio à esquerda, o que não se observa habitualmente na tuberculose.
Atualmente, devido ao aumento da incidência de casos concomitantes
entre tuberculose e infecção pelo HIV, é mandatória a realização de ao
menos um teste rápido anti-HIV.
É importante ressaltar que o teste tuberculínico (PPD) não deve ser
considerado como confirmação diagnóstica isoladamente. Devido a sua
baixa especificidade, ele é mais utilizado para triagem da infecção latente.
A conduta inicial proposta foi realizada, observando-se:
Além disso, devem ser dadas orientações quanto ao contato com outras
pessoas, cuidados e orientação sobre os efeitos adversos mais comuns e as
interações medicamentosas. Deve-se realizar hepatograma, especialmente
nos etilistas e nos que possuem história de doença hepática, visto que alguns
dos medicamentos são hepatotóxicos; notificar o caso às autoridades
sanitárias por meio de formulário próprio e examinar os comunicantes
domiciliares, especialmente aqueles dos casos com BAAR positivos, as
crianças e os imunodeprimidos, caso existam.
Algumas observações merecem ser ressaltadas:
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAS
PRINCIPAIS
Infecciosos
Infecções das Vias Aéreas Superiores
Abscesso pulmonar
Não infecciosos
Sarcoidose
Granulomatose de Wegener
Neoplasias pulmonares
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Semiologia do aparelho respiratório;
• Diagnósticos diferenciais de queixas respiratórias comuns;
• Quadro clínico, evolução e tratamento da Tuberculose Pulmonar;
• Importância dos exames radiológicos e da interpretação dos mesmos
para o diagnóstico das síndromes pulmonares;
Referências
1. III Diretrizes para Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Acessado
em: 09/12/2014.
2. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Acessado em: 10/12/2014.
3. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil / Ministério da Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – Brasília:
Ministério da Saúde, 2011. Acessado em: 29/03/2015.
4. Controle da Tuberculose: Uma Proposta de Integração Ensino-Serviço. Acessado em:
30/03/2015.
Caso 71
Liga de Estudos em Doenças Infecciosas
Autores: Elaine Chaves Gadelha, Leonardo Duarte Sobreira Luna e Paulo
Henrique
Mariano Alencar.
Orientador(a): Dr. Roberto da Justa Pires Neto (Médico infectologista, Prof.
Adjunto do
Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
66 anos, masculino, branco, natural e procedente de uma cidade no
interior do nordeste do Brasil, vem há 2 meses apresentando quadro de
febre persistente (não mensurada), adinamia, hiporexia, perda ponderal de
14 kg nesse período, “dor nas pernas”. Nega tosse, dispneia, dor abdominal,
náuseas e vômitos, síncope, cefaleia. Diurese e evacuações sem alterações.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemoglobina 7,4 g/dL 11,4 - 18,0 g/dL
HCM 23,4 pg 27 - 32 pg
Leucograma
Leucócitos 2.300/mm3 4.000 - 10.000/mm3
Blastos 0% 0%
Eosinófilos 1% 1 - 4%
Linfócitos atípicos 0% 0%
Monócitos 16% 4 - 8%
Bioquímica
AST 14,0 U/L 0 - 38 U/L
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Quais as principais hipóteses diagnósticas, considerando o quadro de
febre do paciente?
2. Que exames complementares são importantes para confirmar sua
hipótese?
3. Como relacionar o achado de hepatoesplenomegalia ao exame físico
com as alterações do hemograma?
4. Como a epidemiologia pode influir na abordagem diagnóstica desse
caso?
DISCUSSÃO
Trata-se de um paciente idoso que apresenta um quadro de febre
prolongada (mais de uma semana), de caráter persistente, associado à
perda ponderal importante, hiporexia e adinamia. Ao exame físico é notório
o achado de hepatoesplenomegalia, e nos exames complementares observa-
se uma pancitopenia e leve hipoalbuminemia.
Na abordagem do paciente com esse quadro, é importante investigar
características epidemiológicas (doenças febris frequentes na região em que
vive e histórico de viagens), história familiar (outros indivíduos da família
com os mesmos sintomas e história de neoplasias na família), hábitos do
paciente, doenças prévias (provável recidiva) e medicações em uso. A partir
dos dados obtidos nesse caso podemos pensar como hipóteses diagnósticas
principais: doenças infectocontagiosas crônicas, como esquistossomose,
leishmaniose, tuberculose miliar, histoplasmose, brucelose e malária
crônica ou neoplasias, como as hematológicas (linfomas e leucemias) e as
metástases ósseas de outros tumores, pois podem cursar com as alterações
encontradas na história e exame físico.
Em pacientes com pancitopenia, um exame de fundamental importância
para o esclarecimento diagnóstico é o mielograma, pois permite avaliar a
celularidade da medula, buscando possíveis alterações citológicas
características das neoplasias hematológicas, bem como presença de
infiltração. No paciente em questão, foi solicitado mielograma (Figura 1),
cujo resultado evidenciou a presença de formas amastigotas de Leishmania,
confirmando a hipótese de leishmaniose visceral.
Figura 1. Amastigotas de Leishmania. Macrófago no centro e alguns
eritrócitos. Aspirado de medula óssea.
Tuberculose miliar
Esquistossomose
Brucelose
Malária crônica
Endocardite bacteriana
Doenças hematológicas
Leucemias
Linfomas
Anemia hemolítica
Mielofibrose
Linfohistiocitose
Outros
Medicações
PONTOS IMPORTANTES
• A epidemiologia no diagnóstico das doenças infecciosas é essencial,
por isso sempre lembrar a área de procedência e perguntar sobre o
histórico de viagens;
Referências
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância
Epidemiológica. Manual de vigilância e controle da leishmaniose visceral / Ministério da
Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – 1.
ed., 5. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014.120 p.: il.
2. Bern C, Joshi AB, Jha SN, Das ML, Hightower A, Thakur GD et al. Factors associated with
visceral leishmaniasis in Nepal: bed-net use is strongly protective. Am J Trop Med Hyg 2000;
63: 184–188.
3. Silva MR, Stewart JM, Costa CH. Sensitivity of bone marrow aspirates in the diagnosis of
visceral leishmaniasis. Am J Trop Med Hyg 2005; 72: 811–814.
4. Badaro R, Reed SG, Barral A, Orge G, Jones TC. Evaluation of the micro enzyme-linked
immunosorbent assay (ELISA) for antibodies in American visceral leishmaniasis: antigen
selection for detection of infection-specific responses. Am J Trop Med Hyg 1986; 35: 72–78.
5. Sundar S, Rai M. Laboratory diagnosis of visceral leishmaniasis. Clin Diagn Lab Immunol
2002; 9: 951-95.
Caso 72
LIMI - Liga de Medicina Interna e Emergência
Autores: Carolina Dornellas Costa Lima, Emanuele Tavares Sales de
Araújo
e Lais Neves Solon Carvalho.
Orientador(a): Dr. Aglaerton Silva Pinheiro (Clínico Geral, Hospital Geral
Waldemar de Alcântara).
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente do sexo masculino, 33 anos, pardo, casado, procedente de
cidade de grande porte, aposentado (trabalhou em produção de carvão), dá
entrada ao hospital com queixa de “inchaço na barriga”. Paciente refere ter
iniciado, há 5 meses, quadro de edema em membros inferiores, oligúria e
dispneia aos pequenos esforços. É hipertenso e portador de insuficiência
cardíaca congestiva (ICC) há 6 anos, em uso de espironolactona 50 mg,
digoxina 0,5 mg e enalapril 10 mg. Apresenta história de internações
prévias devido à ICC. Nega cirurgias, alergias e uso de outros
medicamentos. Pai falecido por câncer (não especificado pelo paciente) e
mãe falecida por cardiopatia. Ex-tabagista, fumou durante 18 anos, parando
há 3 meses; etilista leve; sedentário. Paciente evoluiu com taquicardia e
dispneia intensa devido a flutter atrial (logo resolvido), sendo iniciado
clexane 40 mg, foi diminuida digoxina para 0,25 mg e aumentada a dose de
caverdilol para 6,25 mg.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral, acianótico, anictérico, afebril, eupneico, hipocorado
(1+/4+), hidratado e orientado.
Sem alterações.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 7,9 g/dL 13,5 - 17,5 g/dL
Bioquímica
Uréia 29 mg/dL 10 - 41 mg/dL
Imunologia
Sorologia para Chagas Não reagente Não reagente
Liquido ascítico
Proteínas totais 2,2 g/dL < 3,0 g/dL
Linfócitos 64 % < 50 %
Monócitos 18 % < 20 %
Ausência de elevação de
Eletroforese de proteínas Pico monoclonal (gamaglobulina)
gamaglobulinas
DISCUSSÃO
A pericardite constritiva é uma patologia rara caracterizada por um
espessamento fibrótico do pericárdio, responsável pela restrição do
enchimento diastólico das câmaras cardíacas.1-4 A sua etiologia é
desconhecida na maioria dos casos (42%), sendo atribuída a uma pericardite
viral que passou clinicamente despercebida. Embora a prevalência da
tuberculose tenha vindo a diminuir nos últimos anos nos países
desenvolvidos, associada aos avanços na terapêutica antibacilar, continua a
ser a principal causa de pericardite nos países em vias de desenvolvimento.
Dentro das causas não tuberculosas, destacam-se a cirurgia cardiovascular,
a radioterapia, as neoplasias (pulmão, mama, linfoma de Hodgkin), as
doenças do conectivo (artrite reumatóide, lupus eritematoso sistêmico) e,
mais raramente, outras infecções (bacterianas, fúngicas, parasitárias), a
insuficiência renal crônica em hemodiálise, a pericardite pós-infarte agudo
do miocárdio, a síndrome pós-pericardiectomia, o traumatismo torácico ou
o hemopericárdio, dentre outros.1-6
A pericardite constritiva evolui ao longo de três estádios: um estádio
inicial de pericardite aguda com derrame pericárdico e deposição de fibrina;
um estádio subagudo com organização e reabsorção do derrame; e um
estádio crônico com fibrose e espessamento do pericárdio e deposição de
cálcio, com a consequente obliteração do espaço pericárdico.1 O diagnóstico
de pericardite constritiva é um desafio clínico, pelo fato desta patologia
mimetizar a miocardiopatia restritiva.7 Baseia-se na apresentação clínica, no
ecocardiograma transtorácico e/ou na ressonância magnética nuclear, no
cateterismo cardíaco e, em último recurso, na toracotomia.3-4 É confirmado
perante a presença de alterações hemodinâmicas características, associadas
a um espessamento do pericárdio superior a 3mm.7 As manifestações
clínicas dessa entidade resultam da diminuição do débito cardíaco (fadiga,
emagrecimento, perda de massa muscular), da congestão venosa sistémica
(ascite, edema dos membros inferiores e sintomas abdominais inespecíficos,
como anorexia, dispepsia, empachamento pós-prandial e/ou flatulência) e
da congestão venosa pulmonar (tosse, dispneia de esforço e/ou ortopneia).
O derrame pleural e a elevação do diafragma pela ascite podem contribuir
para a dispneia.1,8 A pericardite constritiva associada à pericardite aguda
pode, esporadicamente, reverter espontaneamente. No entanto,
habitualmente, evolui com progressiva diminuição do débito cardíaco e
insuficiência renal e hepática.
O tratamento de eleição é a pericardiectomia associada à terapêutica
médica para alívio sintomático.4 Em doentes com pericardite tuberculosa, a
pericardiectomia realizada antecipadamente pode prevenir a ocorrência de
um processo inflamatório ao nível do miocárdio, bem como a fibrose e a
calcificação do pericárdio.9 A terapêutica antibacilar deve ser iniciada 2 a 4
semanas antes da cirurgia e prolongada até 6 a 12 meses depois.1,2 Alguns
autores10 afirmam que a associação com corticoides tem um impacto
favorável na sobrevivência. No entanto, o uso de antibacilares não previne o
desenvolvimento de pericardite constritiva em doentes de países em vias de
desenvolvimento com extenso derrame pericárdico crônico de etiologia
indeterminada.11 Nosso paciente iniciou o teste terapêutico com rifampicina
150mg, isoniazida 75 mg, pirazinamida 400 mg, etambutol 275 mg e
prednisona 1 mg/kg.
Diagnósticos diferenciais principais
Cirrose cardíaca
Tamponamento cardíaco
Cardiomiopatia restritiva
Hemocromatose
Pericardite urêmica
Sarcoidose
Estenose tricúspide
Pontos importantes
• Em qualquer síndrome congestiva, a presença de turgência de
jugulares sugere uma etiologia cardíaca até que se prove o contrário;
Referências
1. Spodick DH. Pericardial Diseases. In: Braunwald E. Heart Disease – A Textbook of
Cardiovascular Disease. WB Saunders Company 6th ed. 2001;50:1823-76.
2. Manning WJ. Pericardial Disease. In: Goldman L, Bennet JC. Cecil Textbook of Medicine. WB
Saunders Company 21st ed. 2000;65:347-53.
3. Moosdorf R. Indications, results and pitfalls in the surgery of constrictive pericarditis. Herz
2000;25:794-8.
4. Myers RB, Spodick DH. Constrictive pericarditis: clinical and pathophysiologic characteristics.
Am Heart J 1999;138 (2 Pt 1):219-32.
5. Kutoloski KS, Salvucci TJ, Dennis C. Tuberculous pericarditis. J Am Osteopath Assoc
1996;96:253-6.
6. Chen WT, et al. Clinical response of tuberculous pericarditis to medical treatment: a
retrospective survey. Chung Hua I Hsueh Tsa Chih Taipei 1996;58:7-11.
7. Mehta A, Mehta M, Jain AC. Constrictive pericarditis. Clin Cardiol 1999;22:334-44.
8. Trotter MC, et al. Pericardiectomy for pericardial constriction. Am Surg 1996;62:3047.
9. Ryoke T, et al. Subacute tuberculous pericarditis with fibroelastic constriction diagnosed upon
pericardiectomy. Jpn Circ J 2000;64:389-92.
10. Mayosi BM, et al. Interventions for treating tuberculous pericarditis. Cochrane Database Syst
Rev 2000;CD000526.
11. Dwivedi SK, et al. Antitubercular treatment does not prevent constriction in chronic
pericardial effusion of undetermined etiology: a randomized trial. Indian Heart J 1997;49:411-
4.
Caso 73
Liga Acadêmica de Saúde de Família e Comunidade do Tocantins
Autores: Marco Aurélio Leão Beltrami, Natália Beltrami e Rafael Pereira
Rabelo Mendes.
Orientador(a): Dra. Seyna Ueno Rabelo Mendes (Especialista em Medicina
de Família e Comunidade pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família
e Comunidade, Secretaria Municipal de Saúde de Tocantins).
Instituição: Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos - Porto
Nacional.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente do sexo masculino, 51 anos, comparece à unidade básica de
saúde, com queixa principal de dor intensa em membros superiores de longa
data. Negou fatores de piora ou de melhora. Negou outras queixas exceto
inúmeras manchas hipocrômicas em MMSS e tronco, há cerca de 10 anos,
sem melhora, mesmo após uso de automedicação com “pomadas”.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
Sem alterações.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Quais são os diagnósticos diferenciais?
2. São necessários exames complementares?
3. Qual a conduta terapêutica mais adequada?
DISCUSSÃO
Conforme a Portaria 3.125 do Ministério da Saúde: “O diagnóstico de
caso de hanseníase é essencialmente clínico e epidemiológico. É realizado
por meio da análise da história e das condições de vida do paciente e do
exame dermatoneurológico, que identifica lesões ou áreas de pele com
alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos
(sensitivo, motor e/ou autonômico)”.1 Não sendo, portanto, necessários
exames complementares.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um caso de
hanseníase é caracterizado por apresentar um ou mais dos critérios a seguir:
lesões de pele com alteração da sensibilidade; acometimento de nervo(s)
periférico(s); e baciloscopia positiva. Porém, baciloscopia negativa não
afasta o diagnóstico de hanseníase, já que determinadas formas da doença
como indeterminada, tuberculóide e algumas dimorfas têm baciloscopia
negativa.2
Na forma clínica Dimorfa, as lesões neurais são precoces, assimétricas e,
com frequência, levam a incapacidades físicas. A pesquisa de Bacilos álcool-
ácido resistente (BAAR) pode ser negativa ou positiva com índice bacilar
variável. As lesões compreendem placas eritematosas, manchas
hipocrômicas com bordas ferruginosas, manchas eritematosas ou
acastanhadas, com limite interno nítido e limites externos imprecisos, placas
eritemato-ferruginosas ou violáceas, com bordas internas nítidas e limites
externos difusos (lesões foveolares). A infiltração assimétrica da face, dos
pavilhões auriculares, e a presença de lesões no pescoço e nuca são
elementos sugestivos desta forma clínica.3
O Ministério da Saúde define que a forma clínica Dimorfa, com mais de
cinco lesões de pele e mais de um nervo comprometido recebe classificação
operacional Multibacilar e seja tratado com Poliquimioterapia Multibacilar
em 12 doses, composta por Rifampicina (600mg, 1 vez por mês,
supervisionada), Dapsona (100mg 1 vez por mês supervisionada + 100mg, 1
vez ao dia auto-administrada) e Clofazimina (300mg, 1 vez por mês
supervisionada + 50 mg, 1 vez ao dia auto-administrada).4,5
O tratamento de Neurite Hansênica preconizado é feito com Prednisona 1
mg/Kg/dia, observando-se os cuidados a serem realizados com a
corticoterapia prolongada (prevenção de estrongiloidíase, hipertensão
arterial, diabetes, obesidade, insuficiência renal e osteoporose) e
acompanhado por equipe multidisciplinar, incluindo fisioterapeuta.2
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Dermatológicos
Linfomas
Psoríase
Farmacodermias
Eritemas figurados
Neurológicos
Neuropatias periféricas do diabetes
Alcoolismo
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 3.125. Brasília – DF, 2010.
2. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de
Atenção Básica. Vigilância em saúde: dengue, esquistossomose, hanseníase, malária, tracoma e
tuberculose. Brasília – DF, 2007.
3. ALVES, CJM; BARRETO, JÁ; FOGAGNOLO, L; CONTIN, LA e NASSIF, PW. Avaliação do
grau de incapacidade dos pacientes com diagnóstico de hanseníase em Serviço de Dermatologia
do Estado de São Paulo. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Baurú, 2010.
4. ARAUJO, Marcelo Grossi. Hanseníase no Brasil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop.Uberaba , v. 36, n.
3, June 2003.
5. Sobrinho RAS, Mathias TAF, Gomes EA, Lincoln PB. Avaliação do grau de incapacidade em
hanseníase. Revista Latino-americana de Enfermagem. São Paulo, 2007.
Caso 74
LIAPEG - Liga Acadêmica de Pediatria de Garanhuns
Autores: Eduardo Pontes Miranda, Maysa Gomes Ferreira de Araújo e
Steffany Kardinally Cabral de Assis.
Orientador(a): Antônio Oliveira da Silva Filho (Especialista em Pediatria e
Professor de Pediatria e Infectologia Pediátrica da Universidade de
Pernambuco).
Instituição: Universidade de Pernambuco.
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente masculino, 4 meses. Deu entrada no ambulatório de pediatria
acompanhado pela mãe, que relatou o início de quadro de “febre e bolhas
pelo corpo” há 2 dias. Previamente hígido, iniciou quadro de febre alta
(42°C) com remissão após uso de Paracetamol, sem outros sintomas. Após
24h, apresentou outro episódio febril associado ao aparecimento de lesões
vesicobolhosas em perna esquerda que após 12h se disseminaram por todo
o corpo associado a rash cutâneo difuso.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o possível diagnóstico?
2. Como ocorre a transmissão?
3. Quais doenças são diagnósticos diferenciais possíveis para o quadro
clínico apresentado pelo lactente?
4. Quais exames são necessários para o diagnóstico?
5. Qual abordagem terapêutica deve ser tomada?
DISCUSSÃO
A febre Chikungunya é uma infecção viral causada pelos vírus
chikungunya (CHIKV) de RNA cadeia simples, gênero Alfavírus e classe
Togaviridae. Seus principais vetores são os mosquitos Aedes aegypti e
Aedes albopictus, capazes também de transmitir o vírus Zika e o vírus da
dengue1. O Aedes aegypti está bem adaptado às configurações urbanas e
amplamente distribuído nos trópicos e subtrópicos ao redor do mundo.
Prefere o hospedeiro humano e se reproduz facilmente em lixo. O Aedes
albopictus, também conhecido como o mosquito tigre asiático, pode
sobreviver a ambientes mais temperados do que o Aedes Aegypti, portanto,
tem uma maior distribuição de potencial, mesmo sendo considerado um
vetor relativamente ineficiente. 2
Existem 3 formas de transmissão: vertical, transfusional e horizontal. Os
casos de transmissão vertical podem ocorrer quase que exclusivamente
durante a gestação, provocando infecção neonatal grave; a transmissão por
via transfusional é rara. O caso em questão ilustra um exemplo de
transmissão horizontal por meio da picada de mosquitos vetores, que pode
atingir crianças e adultos3.
As mulheres grávidas infectadas com o vírus Chikungunya não
apresentam risco maior de doença atípica ou grave. A transmissão materno-
fetal do vírus Chikungunya foi descrita e a infecção materna do vírus
Chikungunya foi associada ao aborto espontâneo. O risco de transmissão
materno-fetal é maior quando as mulheres grávidas são sintomáticas
durante o período intraparto (dois dias antes do parto, dois dias após o
parto). Durante este período, a transmissão vertical ocorre em
aproximadamente metade dos casos. A via de parto cesárea não protege
contra a transmissão vertical. O vírus Chikungunya não foi detectado no
leite materno, e a transmissão através da amamentação não foi relatada1.
A infecção por CHIKV tem reemergido como um problema de saúde
pública tanto em países de clima tropical quanto temperado. Estudos
relatam que em áreas endêmicas ou epidêmicas de infecção por
Chikungunya, tal vírus deve ser levado em consideração no diagnóstico
diferencial de crianças pequenas que apresentam manifestação cutânea
bolhosa febril4.
O período de incubação do vírus não muda de acordo com a idade do
paciente, sendo, em média, de 2-7 dias, variando de 1 até 12 dias.
Entretanto, as manifestações clínicas e a sua forma de apresentação difere
entre lactentes, crianças e adultos, principalmente em relação à magnitude
da sintomatologia, podendo ser desde assintomática ou oligossintomática
até uma doença mais grave e potencialmente fatal10. Existem poucos estudos
disponíveis na literatura sobre infecção por chikungunya na população
pediátrica, limitando os dados disponíveis sobre os achados clínicos,
laboratoriais e terapêuticos disponíveis1.
Diferentemente das manifestações clínicas observadas nas crianças
maiores e nos adultos, a infecção por chikungunya nos lactentes parece ser
bastante específica e representa um grupo de alto risco de manifestações
atípicas e/ou graves. Tais achados incluem manifestações cutâneas
vesicobolhosas e úlceras, complicações neurológicas, aumento de
aminotransferases, dentre outras5. Nos menores de seis meses, parece haver
uma multiplicidade de manifestações cutâneas com vesículas, bolhas e
lesões hiperpigmentares. As manifestações clínicas mais frequentes incluem
febre e alterações cutâneas, seguidas por irritabilidade, vômitos e
artralgia/artrite6.
É importante saber que as alterações dermatológicas nas crianças
também são diferentes nos adultos. Nas crianças, as lesões pigmentares são
as mais comuns, seguidas de lesões vesicobolhosas e lesões
maculopapulares. As lesões vesicobolhosas são mais comuns em lactentes,
embora raramente sejam relatadas em adultos. Essas lesões apresentam-se
simétricas, flácidas e contendo fluido seroso claro sem eritema perilesional;
são geralmente vistas em extremidades, principalmente nos membros
inferiores, incluindo nádegas e coxas. Desenvolvem-se 2-3 dias após a febre
e retrocedem em 6-10 dias7.
Quando a manifestação cutânea predominante é a erupção
maculopapular generalizada, observa-se eritema com ilhas de pele normal,
principalmente 2-3 dias após o início da febre, que começam no tronco e
depois se espalham centrifugamente envolvendo rosto, palmas e plantas,
poupando as regiões de mucosas. A maioria diminuiu em 4-5 dias, mas em
alguns casos podem ocorrer descamação da pele, com um quadro parecido
com a síndrome da pele escaldada estafilocócica8.
A erupção maculopapular é outra característica comum que não difere
significativamente dos adultos, exceto que nas crianças se desenvolvem
mais cedo, 1-2 dias após a febre em comparação com 4-6 dias em adultos.
Pode ser na forma de máculas eritematosas, erupção cutânea morbiliforme
ou eritema generalizado com ilhas de pele normal. A dengue também pode
produzir um quadro clínico semelhante, mas a principal manifestação
clínica que a difere são as fortes dores nas articulações, que muitas vezes
podem estar acompanhadas de edema. A dengue pode coexistir com a
infecção por chikungunya e uma exclusão sorológica é importante4.
Os principais achados laboratoriais em lactentes com Febre
Chikungunya são anemia, alteração do leucograma, aumento de
celularidade no LCR e das aminotransferases. Alguns estudos relatam
também linfopenia, neutropenia e trombocitopenia e, com menor frequência
aumento da celularidade do LCR, aminotransferases elevadas, CPK elevada
e leucopenia9.
Através da reação em cadeia da polimerase de transcrição reversa em
tempo real (qPCR) com detecção do RNA viral ou sorologia para o vírus
Chikungunya, estabelece-se o diagnóstico de chikungunya. A qPCR com
intuito de detectar o RNA do vírus Chikungunya deve ser realizada em
pacientes que se apresentam com 1 a 7 dias após o início dos sintomas.
Caso o resultado seja positivo, o diagnóstico de infecção pelo vírus
Chikungunya é estabelecido. Já se o resultado for negativo, deve-se realizar
os testes sorológicos para o vírus Chikungunya através do ensaio de
imunoabsorção enzimática (ELISA) ou anticorpo fluorescente indireto
(IFA)10.
No caso de indivíduos que se apresentam com ≥ 8 dias após o inícios
dos sintomas, devem ser realizados os testes sorológicos (ELISA ou IFA)
para o vírus Chikungunya. Se o resultado for positivo, o diagnóstico é
estabelecido. É importante ressaltar que os testes diagnósticos para infecção
pelos vírus da dengue e da Zika também devem ser realizados5.
Durante os primeiros cinco dias após o início dos sintomas a qPCR
fornece excelente sensibilidade e especificidade para detecção do RNA do
vírus Chikungunya 11. Após 5 dias após o início dos sintomas (com
intervalo de 1 a 12 dias), os anticorpos imunoglobulina IgM anti-
chikungunya começam a estar presentes e podem permanecer por até três
meses (2). Já os anticorpos IgG persistem durante anos e começam a
aparecer por volta de duas semanas após o início dos sintomas.
Diante de um quadro com evolução clínica atípica ou caso a febre
permaneça por mais de cinco a sete dias, deve-se considerar a possibilidade
de infecção dupla (12). Existem relatos na literatura de associações entre
chikungunya e dengue , chikungunya e febre amarela , chikungunya e
ameba , chikungunya e vírus Zika9.
Não há, até o momento, tratamento específico para a infecção pelo
CHIKV. A terapêutica se baseia em medidas de suporte, incluindo
hidratação, analgesia, uso de antitérmico e cuidados com as lesões cutâneas.
A erupção máculo-papular pode ser tratada com anti-histamínicos e
aplicação tópica de analgésicos, como loção de calamina. Casos de
hipermelanose podem ser conduzida com curto ciclo de corticóide tópico1.
É recomendado que cada instituição tenha protocolo clínico para
monitoramento sistemático da dor, utilizando escalas específicas, além
medidas para controle álgico dos lactentes nas enfermarias. A Febre
Chikungunya é uma doença autolimitada, tendo baixa letalidade13.
Em relação à prevenção, sabe-se que não há vacina disponível, portanto,
a principal prevenção consiste em minimizar a exposição aos mosquitos. Os
mosquitos Aedes mordem principalmente durante o dia, mas também à
noite; eles se reproduzem em água parada, particularmente em recipientes.
Medidas para evitar mordidas de mosquito incluem medidas de proteção
pessoal e controle ambiental. Os indivíduos com chikungunya podem
reduzir a propagação da infecção para outros, seguindo as precauções para
evitar mordidas de mosquito durante a primeira semana de doença, que
consiste no período provável de viremia. A transmissão do vírus
Chikungunya através da amamentação não foi relatada; As mulheres podem
ser encorajadas a amamentar, mesmo em áreas onde circula o vírus
Chikungunya 14.
No caso relatado, durante o manejo clínico, foram solicitadas sorologias
para Dengue e Febre Chikungunya, IgM e IgG e orientado o uso de dipirona
gotas, no caso de dor ou febre, hidratação via oral e seio materno livre. Foi
iniciado Cefalexina, na dose de 100 mg/kg/dia, além do uso de sabonete
antisséptico, pois o lactente apresentou infecção cutânea secundária. O
resultado das sorologias vieram positivas para Febre Chikungunya e
negativas para dengue. Após a consulta, a criança ainda apresentou febre,
aferida em 39 °C, por mais dois dias. Então apresentou considerável
melhora clínica, sem febre, melhora do rash com regressão das lesões
vesicobolhosas, com evolução para lesões descamativas laminares de
coloração acastanhada após 72h da primeira consulta.
PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS
DIFERENCIAIS
Dengue
Hepatite C
Adenovírus
Zika
Sarampo
Mononucleose Infecciosa
Rubéola
Malária
Enterovírus
Leptospirose
Infecção meningocócica
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS
• Abordagem investigativa de lactente febril com exantema macular
difuso;
• Abordagem terapêutica.
PONTOS IMPORTANTES
• Em áreas endêmicas, casos lactentes com febre de início súbito
acompanhada de manifestações cutâneo-bolhosas devem ter como
diagnóstico diferencial Febre Chicungunya;
REFERÊNCIAS
1. Burt FJ, Rolph MS, Rulli NE, et al. Chikungunya: a re-emerging virus. Lancet 2012;379:662–
671.
2. Weaver SC, o vírus Lecuit M. Chikungunya e a disseminação global de uma doença transmitida
por mosquitos. N Engl J Med 2015; 372: 1231.
3. Roth A, Mercier A, Lepers C, et al. Concurrent outbreaks of dengue, chikungunya and Zika
virus infections - an unprecedented epidemic wave of mosquito-borne viruses in the Pacific
2012-2014. Euro Surveill 2014; 19.
4. Ritz N, Hufnagel M, Gérardin P. Chikungunya in Children. Pediatr Infect Dis J. 2015; 34: 789-
91.
5. 5. Ratsitorahina M, Harisoa J, Ratovonjato J, et al. Outbreak of dengue and Chikungunya
fevers, Toamasina, Madagascar, 2006. Emerg Infect Dis 2008; 14:1135.
6. Sebastian MR, Lodha R, Kabra SK. Chikungunya infection in children. Indian J Pediatr.
2009;76:185-9.
7. Robin S, Ramful D, Zettor J, Benhamou L, Jaffar-Bandjee MC, Rivière JP, et al. Severe bullous
skin lesions associated with Chikungunya virus infection in small infants. Eur J Pediatr.
2010;169:67-72.
8. Seetharam KA, Sridevi K, Vidyasagar P. Cutaneous Manifestations of Chikungunya Fever.
Indian Pediatr. 201249: 51-3.
9. Waggoner JJ, Gresh L, Vargas MJ, et al. Viremia and Clinical Presentation in Nicaraguan
Patients Infected With Zika Virus, Chikungunya Virus, and Dengue Virus. Clin Infect Dis
2016; 63:1584.
10. Centers for Disease Control and Prevention. Is it Chikungunya or Dengue? [cited 2016 Out
24].
11. Panning M, Grywna K, van Esbroeck M, et al. Chikungunya fever in travelers returning to
Europe from the Indian Ocean region, 2006. Emerg Infect Dis 2008; 14:416.
12. Gould LH, Osman MS, Farnon EC, et al. An outbreak of yellow fever with concurrent
chikungunya virus transmission in South Kordofan, Sudan, 2005. Trans R Soc Trop Med Hyg
2008; 102:1247.
13. Valamparampil JJ, Chirakkarot S, Letha S, Jayakumar C, Gopinathan KM. Clinical profile of
Chikungunya in infants. Indian J Pediatr. 2009;76:151-5.
14. Pan American Health Organization. Preparedness and Response for Chikungunya Virus:
Introduction in the Americas; 2011.
Caso 75
LATJ – Liga Acadêmica de Trauma de Joinville
Autores: Dr. Milton Sérgio Bohatch Júnior; Nayme Hechem Monfredini.
Orientador(a): Dr. Murilo Pilatti (Especialista em Cirurgia Geral. Professor
de Clinica Cirúrgica na Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE.
Coordenador da Residência Médica em Cirurgia Geral do Hospital
Municipal São José. Coordenador da Liga Acadêmica de Trauma de
Joinville - LATJ).
Instituição: Hospital Municipal São José; Universidade da Região de
Joinville – UNIVILLE
Infectologia
HISTÓRIA CLÍNICA
EP, sexo masculino, 36 anos, casado, pardo, procurou atendimento com
as queixas principais de “dor e inchaço na perna direita”.
Paciente refere queda de nível, 3 metros, há 7 dias com trauma contuso
em face anterior do joelho direito e escoriações leves pelo corpo. Ao
procurar assistência médica, foi submetido à avaliação inicial para
politraumatizados sem achados significantes em outra topografia que não a
do membro inferior direito. Queixava-se de dor e apresentava impotência
funcional do membro referido. Foi medicado com sintomáticos e foi
submetido a artrocentese do joelho direito com saída de liquido
serohemático em um serviço de pronto atendimento local. Após 3 dias,
evoluiu com hiporexia, fadiga, piora da dor e do edema em MID, com
extensão do processo inflamatório para terço médio distal da coxa, associado
a discreta hiperemia e episódios febris não termometrados.
EXAME FÍSICO
Na admissão, o paciente apresentava-se em regular estado geral; vigil; lúcido
e orientado no tempo e espaço; sem agitação psicomotora; anictérico,
acianótico, desidratado +/4, hipocorado +/4.
FC: 140 bpm; FR: 24 ipm; PA: 96 x 52 mmHg; temperatura: 36,1oC; satO2:
99% em ar ambiente.
EXAMES COMPLEMENTARES
FUNÇÃO RENAL
Mulheres: 0,6-1,2
mg/dL
Creatinina 1,96 mg/dL 2,64 mg/dL -
Homens: 0,7-1,4
mg/dL
HEMOGRAMA
Razão de normatização
internacional- INR 1,0 1,79 - 2,0-3,0
(coagulação)
Tempo de
tromboplastina parcial 29,1 segundos 126,6 - 24-40 segundos
ativado (KTPP)
Proteína C reativa
39,1 mg/dL - - 0,8 mg/dL
(PCR)
FUNÇÃO RENAL
Valor obtido (1º dia de Valor obtido (1º dia de
Coleta Valor obtido (2º dia) Valor de referência
manhã) tarde)
Excesso de Base (BE) -16,4 mEq/L -22 mEq/L -20,7 mEq/L -2 a +2 mEq/L
Fatores predisponentes Após cirurgia abdominal ou perineal Espontânea ou após traumas mínimos
INFECCIOSAS
Gangrena gasosa
Erisipela
Celulite
Herpes Zoster
NÃO INFECCIOSAS
Carcinomas inflamatórios
Dermatite de contato
Celulite de Wells
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS
• Estudo clínico de infecções complicadas pós trauma e seus
respectivos riscos de mortalidade;
PONTOS IMPORTANTES
• Quadros infecciosos devem ser estudados minuciosamente até que se
descarte a possibilidade de Fasciíte necrotizante;
Nefrologia / Urologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Masculino, 38 anos, casado, natural e procedente de cidade de grande
porte. Paciente previamente hígido chega ao pronto socorro com queixa de
dor lombar à direita, em cólica, de forte intensidade com irradiação para o
flanco direito e para testículo ipsilateral, sem fatores de melhora, associada à
disúria, polaciúria e hematúria macroscópica há cerca de uma hora. Refere
ainda sudorese, náuseas e vômitos. Pratica atividade física regularmente, é
etilista ocasional e tem uma dieta rica em proteínas. Nega tabagismo.
EXAME FÍSICO
FC: 100 bpm; FR: 20 ipm; T: 36,5 oC; TA: 134x92 mmHg.
Ausência de linfonoadomegalias palpáveis.
Sem particularidades.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 15 g/dL 10 - 20 g/dL
Hematócrito 45% -
Urina
Densidade 1.025 1.005 - 1.035
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Qual a explicação para os sinais e sintomas apresentados pelo
paciente?
3. Quais exames complementares confirmam o diagnóstico e o que
podemos identificar de alteração neles?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada na emergência?
5. Quais os diagnósticos diferenciais?
DISCUSSÃO
O diagnóstico mais provável é de litíase urinária. O caráter súbito da dor,
sua irradiação, a faixa etária e os achados do exame físico corroboram essa
hipótese. A ultrassonografia de abdome confirmou o diagnóstico.
A litíase renal é uma afecção de alta incidência na população jovem com
ocorrência de duas a três vezes maior em pacientes do sexo masculino.
Estima-se que cerca de 5% da população total brasileira é acometida pela
nefrolitíase. A probabilidade de um paciente desenvolver a litíase urinária é
diferente em cada população, bem como em cada região do Brasil. Isso
acontece devido à cultura e hábitos alimentares distintos, sobretudo dieta rica
em proteínas, o que aumenta a disponibilidade para formação dos cálculos.
Além disso, a doença é de grande morbidade e representa grande custo
social, pois afeta mais indivíduos entre 20 a 60 anos.
O quadro clínico típico de litíase renal é uma dor lombar em cólica que
pode ter irradiação. A irradiação para testículo ipsilateral, indicando que o
cálculo está alojado na porção distal do ureter. Quando o cálculo estiver
localizado na porção superior do ureter, a dor se irradia anteriormente; e
quando estiver localizado na junção ureterovesical, os principais sintomas
são a frequência e urgência urinárias. A disúria e a polaciúria sugerem a
eliminação uretral do cálculo. Hematúria macro ou microscópica ocorre na
maioria dos pacientes com cólica renal, embora sua ausência não exclua o
diagnóstico de litíase renal. Dor à punho- percussão da região lombar direita
decorre da obstrução da via urinária pelo cálculo, causando distensão da
cápsula renal.
Os exames de imagem confirmam o diagnóstico de litíase renal, indicam
a posição, o tamanho do cálculo e evidenciam complicações, como
hidronefrose. A tomografia computadorizada das vias urinárias é o exame
padrão-ouro por apresentar alta sensibilidade e especificidade para o
diagnóstico de litíase urinária. Quando indisponível, a ultrassonografia
(Figura 1), feita por radiologista experiente, é uma alternativa barata e isenta
da exposição à radiação. Em locais onde ambos os exames estão
indisponíveis, a radiografia simples de abdome é capaz de identificar
cálculos radiopacos maiores.
No caso em questão foi instituída analgesia com antiespasmódico e
dipirona, além de hidratação com soro fisiológico intravenoso. Avaliado pelo
urologista da emergência, foi indicada ureteroscopia para retirada do cálculo.
A conduta para os pacientes acometidos pela litíase urinária requer uma
combinação clínico-cirúrgica. O tratamento específico depende, sobretudo,
da localização, do tamanho e da natureza do cálculo, além da presença de
complicações como sangramento e/ou sepse. Se o exame de imagem
identifica cálculos menores do que 10 mm, o tratamento é analgesia e
hidratação intravenosa e oral para estimular a eliminação dos mesmos. Caso
os cálculos possuam mais do que 10 mm ou se há suspeita de infecção e/ou
obstrução urinária associada, é necessária avaliação urológica para
descompressão imediata das vias urinárias. Os métodos utilizados podem ser
cirúrgicos, como uretoscopia e nefrolitotomia percutânea (emissão com laser
de hólmio, através de uma incisão no flanco) ou não cirúrgico, como
litotripsia extracorpórea (fragmentação in situ do cálculo, através de ondas
de choque).
É importante salientar que além dos cálculos causados pela
hipercalcemia, mais comuns, existem os formados por hiperoxalúria nos
casos em que há grande ingesta de alimentos ricos em oxalato, insuficiência
pancreática, derivação jejunoileal para o tratamento da obesidade ou
acometimento do intestino delgado pela doença de Crohn (devido à maior
absorção do oxalato, há maior chance de precipitação e formação de
cálculo). É importante observar também os casos de cistinúria, que é uma
doença genética causada por um erro inato no metabolismo, causando perda
dos aminoácidos dibásicos, cistina, lisina, arginina e ornitina pela urina. Isso
faz com que o portador de cistinúria tenha sucessivos cálculos renais de
cistina formados nas vias urinárias.
Os principais diagnósticos diferenciais da litíase renal são:
Colecistite aguda
Obstrução intestinal
Diverticulite
Apendicite
Isquemia intestinal
Calcificações pancreáticas
Calcificações da articulação costocondral
Hérnia de Disco
Referências
1. PORTO, Celmo Celeno. Semiologia Médica. 6ª ed. Guanabara Koogan, 2013. p909 e p910.
2. BRAUNWALD, Eugene; FAUCI, Anthony S.; HAUSER, Stephen L.; KASPER, Dennis
L.;LONGO, Dan L.; JAMESON, J. Larry - Harrison Medicina Interna - 2 Volumes - 18ª Edição,
Editora Artmed, Rio de Janeiro, 2013.
3. BENDHACK, D.A.; DAMIÃO, R. Guia Prático de Urologia. Rio de Janeiro: Sociedade
Brasileira de Urologia, 1999. P97 a p107.
4. Gary C Curhan, Mark D Aronson, Glenn M Preminger, UpToDate, nov.2014.
Caso 77
Liga Acadêmica de Fisiopatologia
Autores: Alana Rodrigues da Silva e Thiago da Silva Machado.
Orientador(a): Dra. Maria Olinda Nogueira Ávila (Nefrologia e Medicina
Intensiva, Hospital
São Rafael, Hospital da Bahia e UNEB).
Instituição: Universidade do Estado da Bahia - UNEB.
Nefrologia / Urologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente do sexo masculino, 40 anos, homossexual (mesmo parceiro há
4 anos) e usuário ocasional de cocaína inalatória. Foi admitido no Serviço
de Emergência, com queixa de oligúria, urina escura, fraqueza, dores
musculares há 24h. Há 48h da admissão tinha feito uso de cocaína
inalatória, seguida de agitação psicomotora intensa, sem convulsão, perda
de consciência ou febre. Negou uso de outras drogas associadas, como
álcool ou anfetaminas. Referiu hepatite A há quatro meses, sem necessidade
de internação hospitalar (diagnóstico confirmado por sorologia). Sem
história prévia pessoal ou familiar de HAS, DM ou nefropatias.
EXAME FÍSICO
PA: 150x100 mmHg; FC: 120 bpm, rítmico FR: 16 ipm; T. axilar: 36.5 oC.
Ausência de achados relevantes.
Sem edemas.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 11,3 13,5 para homem
Neutrófilos 77% -
Eosinófilos 1,5% -
Linfócitos 15% -
Bioquímica
Bilirrubinas Normal -
TP Normal -
Transaminases Normal -
Cocaína na urina
1.682 Positivo > 300
(método FPIA)
Urina
Densidade 1.015 1.008 - 1.018
pH 6,0 -
Glicose 50 Ausente
Urocultura Negativa -
Sorologias / Imunologia
AgHBs Negativo -
Anti-HBs Negativo -
Anti-HCV Negativo -
Anti-HIV Negativo -
HTLV1-2 Negativo -
FAN Negativo -
C3 Normais -
C4 Normais -
CH50 Normais -
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a causa da disfunção renal apresentada pelo paciente?
2. Quais são os dados clínicos e laboratoriais que sugerem o
diagnóstico da questão 1?
3. Quais os diagnósticos diferenciais possíveis?
4. Quais as principais medidas terapêuticas para este caso?
DISCUSSÃO
Trata-se de um jovem, previamente hígido, que apresentou Injúria Renal
Aguda (IRA) secundária a rabdomiólise por uso de cocaína inalatória. Esse
quadro é muito comum em homens, jovens, negros e após uso da
substância. A rabdomiólise é uma síndrome aguda e potencialmente fatal
caracterizada pela desintegração do músculo esquelético resultando em
liberação de elementos da célula muscular, como mioglobinas e creatinina
quinase, na corrente sanguínea e na urina. Ela pode ser induzida por
exercício físico intenso, por abuso de drogas, devido a estado de mal
epiléptico, traumatismos graves, cirurgia e comas prolongados, além dos
casos secundários a alcoolismo, deficiência de potássio, barbitúricos,
venenos, cetoacidose diabética, insolação, envenenamento por monóxido de
carbono (CO) e insuficiência cardíaca congestiva.
Nesse caso, a cocaína é descrita como causa de rabdomiólise,
provavelmente, devido a mais de um mecanismo: isquemia muscular por
vasoconstrição induzida pela droga; toxicidade muscular direta; hipertermia
e aumento da atividade muscular por agitação motora ou convulsão.1-3 A
manifestação clínica clássica da rabdomiólise inclui mialgia aguda,
fraqueza muscular e pigmentúria devido à mioglobinúria associadas a
enzimas musculares séricas elevadas. Esse quadro é apresentado pelo
paciente, mas sudorese e prostração são sinais que também podem
acompanhar.
A Insuficiência Renal Aguda por rabdomiólise causada pela cocaína em
nada difere das demais causas conhecidas de rabdomiólise. Ela é
responsável por cerca de 5% a 7% dos casos de IRA. As causas associadas
ao uso de drogas ilícitas mais frequentes são heroína e cocaína, com cerca
de 20% com superdoses de cocaína complicadas por rabdomiólise. A lesão
renal decorre da interação da mioglobinúria com as proteínas de Tamm
Horsfall causando obstrução nos túbulos; lesão tubular proximal pelo ferro
livre do pigmento “heme” e desidratação quase invariavelmente associada.4
A tríade clínica clássica é: injúria renal aguda, urina escura com cilindros
granulosos pigmentados e elevação de CPK (CPK acima de 5.000 aumenta
2,4 vezes o risco de IRA). As peculiaridades da apresentação clínica da IRA
por rabdomiólise são: FE Na < 1% (diferentemente das demais necroses
tubulares agudas - NTA), aumento muito rápido da creatinina sérica
(aproximadamente 2,5mg/dl por dia) e de potássio (acima de 1mEq/L por
dia). Também ocorrem hiperfosfatemia, hipocalcemia e hiperuricemia.4
O paciente evoluiu com HAS e proteinúria que não fazem parte do
quadro clínico da IRA por rabdomiólise, motivo pelo qual o paciente
acabou sendo submetido à biópsia renal. Esta foi compatível com a suspeita
de rabdomiolise (mioglobina com reação giganto-celular) e não evidenciou
glomerulopatias, que justificassem a proteinúria, vista no sumário de urina.
A proteinúria tornou-se ausente com a evolução do quadro, sem qualquer
tratamento específico. A ausência de lesões glomerulares e a evolução
autolimitada da proteinúria sugerem uma origem tubular e não glomerular
para a mesma. A proteinúria tubular poderia ser consequente a algum grau
de nefrite intersticial aguda (NIA) associada à rabdomiólise ou
contaminante da cocaína. Porém o paciente não apresentou febre, rash
cutâneo, eosinofilia ou infiltração do interstício renal por eosinófilos,
características clínicas da NIA.
Glomerulopatias como glomeruloesclerose segmentar e focal colapsante
associada ao HIV e secundárias a vírus de hepatite B e C ou a doenças
autoimunes foram descartadas não só pelas sorologias negativas para os
respectivos vírus, como também pela biópsia renal.
A principal medida terapêutica neste caso onde o paciente tem CPK
acima de 15.000 U/L é a hidratação intravenosa agressiva com salina 0,9%
(1.000ml a 2.000ml/h) para obtenção de 200 a 300ml/h de diurese até os
valores de CK na urina caírem. Acredita-se que a alcalinização urinária (pH
> 6,5) previne a precipitação dos pigmentos heme com as proteínas de
Tamm – Horsfall e formação de cilindros. Além disso, a alcalinização
minimizaria a liberação do ferro livre da mioglobina e a conversão da
hemoglobina em methemoglobina, que é mais nefrotóxica.5 Dessa maneira,
inibe a peroxidação lipídica e diminui o risco de hipercalemia. Outra
substância que pode ser utilizada é manitol que é um diurético osmótico,
expansor de volume e varredor de radicais livres. Mas ainda não existe
nenhum estudo clínico prospectivo que apoie ou refute seus benefícios no
manejo da rabdomiólise.6
Glomerulopatias secundárias
Objetivos de aprendizado/competências
• Fisiopatologia da rabdomiólise por cocaína;
• Diagnóstico de IRA por rabdomiólise;
• Diagnósticos diferenciais de IRA em usuário de cocaína;
• Tratamento da IRA por rabdomiólise.
Pontos importantes
• Por definição (The Kidney Disease: Improving Global Outcomes –
KDIGO) IRA em adultos é definido por um dos seguintes:
a. Aumento da creatinina sérico > ou igual 0,3mg/dL dentro
de 48h;
b. aumento na creatinina sérica maior ou igual a 1,5x o valor
de base (conhecido ou presumido) ocorrido nos últimos 7 dias;
c. redução do débito urinário < 0,5mL/Kg/h por 6 horas.
Referências
1. Nzerue CM, Hewan-Lowe K and Riley LJ Jr. Cocaine and the kidney: a syntese of
pathophysiologic and clinical perspectives. Am J Kidney Dis, 2000; 35(5): 783-95.
2. Fokko, J, NDT, 2000, 15: 299-301.
3. Lombard J, Wong Brandon, Young J H. Acute Renal Failure due to rhabdomyolysis associated
with cocaine toxicity. The Western Journal of Medicine, 1988; 148: 466-8. UptoDate, 2014.
4. Zager R. Studies of mecanism and protective maneuvers in myoglobinuric acute renal failure.
Lab. Invest. 1989; 60: 619-29.
5. Zager et col. The influence of mannitol on myoblobinuric acute renal failure. J Am Soc
Nephrol, 1991; 2: 848-55.
6. Brown CVR , Rhee P, Chan L, Velmahos GC. Preventing renal failure in patients with
rhabdomyolysis: do bicarbonate and mannitol make a difference? J Trauma, 2004, 56:1191.
7. Jemima Albayda, Lisa Christopher-Stine. Identifying statin-associated autoimune necrotizing
myopathy. Clev Clin J Med, Dec 2014(81);12:736-741.
Caso 78
Liga Acadêmica de Nefrologia da São Camilo
Autores: Carla Herrmann Monteiro, Mayara Ramos Buccolo e Felipe Fuchs
Rodrigues.
Orientador(a): Dr. Ho Chi Hsien (Nefropediatra - Centro Universitário São
Camilo).
Instituição: Centro Universitário São Camilo.
Nefrologia / Urologia
HISTÓRIA CLÍNICA
M.E.C.S, feminino, 2 anos e 10 meses, 15kg, natural e procedente de
cidade de grande porte, em tratamento de leucemia linfoide aguda tipo B,
sem marcadores de gravidade. Paciente granulocitopênica, com cateter
central para quimioterapia. Apresentando picos febris há 20 dias, queda do
estado geral, turvação da urina há 2 dias, apesar do uso de antibiótico de
amplo espectro.
FC: 100 bpm; FR: 18 ipm; PA: 86x58 mmHg; Tax: 36,7 oC.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Eritrócitos 2,99 (x 106/mm3) 3,9 - 5,3 (x 106/mm3)
Bioquímica
Glicose 80 mg/dL até 99 mg/dL
Urina
pH 7,0 7,0
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o provável diagnóstico? Por que apresenta febre?
2. Quais os exames complementares necessários para o diagnóstico?
3. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
Após 21 dias de antibioticoterapia, com persistência da febre e as
condições do exame de urina, foi realizada uma tomografia para investigação
(Figura 1) e pesquisa para fungo positivo na urina.
Figura 1. Tomografia da Pelve - O achado na tomografia evidenciou
presença de área de infartos renais bilaterais, maiores e mais numerosos à
esquerda com múltiplos abscessos (principalmente no rim esquerdo).
Não houve regressão das lesões após 60 dias de anfotericina B IV, então
foi realizada uma punção aspirativa e biopsia (Figura 2) que mostrou
presença de granulomatose com pseudohifas.
Figura 2. Biópsia renal - Hifas e Esporos de Candida sp. coradas pelo
método de PAS.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Nos casos de pacientes imunossuprimidos febris devem
afastar toda as infecções oportunistas como bactérias,
vírus, tuberculose, fúngica e outros.
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
Em pacientes críticos com múltiplos acessos venosos, manter vigilância
infecciosa, cuidados locais dos cateteres e manter somente cateteres
necessários.
PONTOS IMPORTANTES
Nos pacientes imunossuprimidos ou críticos, a observação atenta de
parâmetros clínicos é de vital importância, pois os sinais sutis são
indicadores de agravo infeccioso mesmo antes de alterações laboratoriais.
Sempre manter atento aos agentes oportunistas.
REFERÊNCIAS
1. GABE C, ALMEIDA DR, SIQUEIRA LO. Avaliação de eventos infecciosos oportunistas em
crianças portadoras de leucemias. Rev Bras Hematol Hemoter. 2009 Abr-Dez; 31(2): 74-79.
2. LAMEGO RM, CLEMENTINO CDM, COSTA LBÂ, OLIVEIRA JMM, BITTENCOURT H.
Transplante alogênico de células-tronco hematopoiéticas em leucemias agudas: a experiência de
dez anos do Hospital das Clínicas da UFMG. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010 Mai-Sete;
32(2): 108-115.
3. BORDUCCHI MMD, KERBAUY J, OLIVEIRA SRJ. Linfoma/Leucemia de células T do
adulto. Rev. Assoc. Med. Bras. 1999 Mar; 45(1): 63-70.
4. KUMAR V, ABBAS KA, FAUSTO N, ROBBINS LS. Bases patológicas das doenças. 7.ed. Rio
de Janeiro: Elsevier; 2005. p.85-86.
Caso 79
Liga Acadêmica de Nefrologia
Autores: Renata Oliveira Santos, Mayle Gomes Ferreira de Araújo e Laura
Beatriz de Mesquita Gouveia.
Orientador(a): Dr. Flávio Teles de Farias Filho (Nefrologista, prof. adjunto
da disciplina de nefrologia da UNCISAL e da UFAL).
Instituição: Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas -
UNCISAL.
Nefrologia / Urologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 3 anos e 11 meses, sexo masculino, pardo, natural e
procedente do interior. Deu entrada em serviço de urgência após ser
encaminhado por pediatra, devido ao aparecimento de edema periorbitário e
nos membros inferiores (MMII), redução do volume urinário, urina escura e
elevação dos níveis pressóricos. Há 15 dias havia apresentado quadro típico
de varicela, adquirida através de contato direto com seu irmão mais velho e
estava em fase de cicatrização das lesões, porém uma das lesões localizada
no pé esquerdo apresentava secreção amarelada sugerindo infecção
secudária. Negava outros sintomas (SIC pela mãe da criança).
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 7,9 g/dL 10 - 12 g/dL
Segmentados 33,6% 40 - 80 %
Basófilos 0,9% 0 - 2%
Bioquímicos
Ureia 56,5mg/dL 20 - 40 mg/dL
Urina
Proteína ++/++++ Ausente
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável? E suas implicações clínicas
2. Quais as prováveis etiologias?
3. Qual tratamento que deverá ser instituído?
4. Qual o prognóstico esperado?
DISCUSSÃO
O paciente desse caso apresenta uma clássica tríade sintomatológica,
composta por hematúria importante, edema na região periorbitária e nos
MMII e quadro hipertensivo. Essa tríade configura um dos principais sinais
clínicos da síndrome nefrítica, sendo nesse paciente subclassificada como
Glomerulonefrite Difusa Aguda (GNDA). Quando em crianças, o quadro de
síndrome nefrítica possui uma boa resposta ao tratamento, o que indica que
o quadro pode ser revertido desde que as solicitações terapêuticas sejam
seguidas corretamente, mesmo com a perda significativa da função renal. A
síndrome nefrítica leva a lesão do endotélio: resposta imune devido à
inflamação1 desencadeada pela presença de antígenos no parênquima renal
que passam a ser depositados sob a forma de imunocomplexos, em todo
espaço glomerular. Após esse primeiro passo ocorre ativação da via
alternativa do sistema complemento, com recrutamento de neutrófilos,
liberação de proteases e substâncias oxidantes, que alteram a barreira de
filtração glomerular e reduzem a superfície filtrativa, levando ao quadro de
hematúria, seguido de redução do ritmo de filtração glomerular.
A síndrome nefrítica tem maior prevalência em crianças de 2 a 10 anos e
em casos de epidemia pode chegar a uma incidência de 5-10%, sendo os
casos pós infecção estreptocócicas os mais comuns. Na infecção pela
varicela o próprio vírus pode ser o agente causador, mas também pode
ocorrer infecção secundária pelas lesões gerados pelo estreptococo. No
paciente em discussão, os marcadores de infecção estreptocócica (ASLO)
não foram dosados o que torna possível duas hipóteses para a GNDA:
Causada pelo próprio vírus da varicela, ou por conta de infecção pós
estreptocócica devido a manifestação secundária de quadro típico de
piodermite desenvolvido em decorrência do quadro de varicela apresentado
anteriormente pelo paciente.
Tratamento deve ser conservador, o paciente será submetido a dieta
hipossódica e restrição hídrica, uso de anti-hipertensivos e de diuréticos de
alça. Imunossupressores e corticosteroides não apresentam eficácia
comprovada, exceto nos casos com perda rápida e progressiva de função
renal.4 O prognóstico é bom, a recuperação completa do caso pode ser
visualizada em cerca de 95% dos pacientes,2 sendo pior nos adultos e nos
que mantem níveis pressóricos elevados a longo prazo.
A prescrição médica a este paciente foi composta de dieta hipossódica,
restrição hídrica (700ml/dia), furosemida 40mg (1/2 comprimido/dia),
nifedipina 20mg (1/2 comprimido/dia), sulfato ferroso VO 27 gotas 12/12h
(125mg). Não houve perda de função renal significativa.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Nefrológico
Glomerulonefrite pós estreptocócica
Glomerulonefrite membranoproliferativa
Glomerulonefrite crescêntica
Clínico
Lúpus Sistêmico Eritematoso
Púrpura de Henoch-Scholein
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Importância da história clínica;
• Semiologia nefrológica;
• Análise laboratorial;
• Papel do sistema imunológico no desenvolvimento da síndrome
nefrítica;
Pontos importantes
• Qualquer paciente pediátrico que adentre o pronto socorro com
edema agudo de pulmão merece investigação para GNDA.
REFERÊNCIAS
1. Rennke HG, Denker BM. Patogênese das principais doenças glomerulares e vasculares. In:
Fisiopatologia renal: princípios básicos. São Paulo: Livraria Médica Paulista. 2009; (2):227-
276.
2. Sociedade Brasileira de Nefrologia. A síndrome nefrítica em pediatria. 2010 [página online].
3. Carvalho MFC, Franco MFF, Soares VA. Glomerulonefrites primárias. In: Riella MC.
Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
2003; 22(4):402-423.
4. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Diretrizes do tratamento de glomerulopatias. J Bras Nefrol.
2005; 27(2):1-35.
5. Garcia CD, Barros VR. Síndrome Nefrítica. In: Ferreria JP. Pediatria diagnóstico e tratamento.
Porto Alegre-RS: Artmed. 2007; 21(1):199-202.
Caso 80
Liga Acadêmica de Nefrologia
Autores: Renata Oliveira Santos, Andréa Vanessa da Cunha Lima e Luiz
Guilherme Finotti C. de Almeida.
Orientador(a): Dr. Flávio Teles de Farias Filho (Nefrologista, prof. adjunto
da disciplina de nefrologia da UNCISAL e da UFAL).
Instituição: Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas -
UNCISAL.
Nefrologia / Urologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente 25 anos, sexo feminino, portadora de doença renal crônica com
necessidade de terapia renal substitutiva há 2 anos, de etiologia a esclarecer,
há três meses procurou atendimento médico após fazer uso de Litocit®
(citrato de potássio) num final de semana quando passou a apresentar
redução do volume urinário acompanhado de cólicas renais intensas e
escurecimento da urina. Refere histórico prévio de múltiplas infecções
urinárias desde a infância. Nega hipertensão e diabetes.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 9,1 mg/dL 10 - 12 mg/dL
Segmentados 65% 40 - 80 %
Bioquímica
Ácido úrico 8,27 mg/dL 2,4 - 5,7 mg/dL
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável? E suas implicações
2. Houve benefício com o uso do citrato de potássio?
3. Qual importância dos exames complementares?
4. Como deve ser seu tratamento?
DISCUSSÃO
Inicialmente houve suspeita de um quadro de nefrolitíase, devido ao
intenso quadro álgico referido,1 porém por ser uma paciente renal crônica e
não ter histórico de nefrolítiase anterior nem predisposição genética essa a
hipótese tornou-se menos provável, sendo descartada nos exames de
imagem. A leucocitose com desvio para esquerda (bastões), mesmo sem
febre, chama atenção para um quadro infeccioso. Considerando os achados
tomográficos citados, de provável duplicação ureteral, corrobora-se para a
hipótese de pielonefrite uma vez que esse tipo de mal-formação é
acompanhada de refluxo vesico-ureteral, o que facilita infeções do trato
urinário. A dor pode então ser explicada pela distensão e irritação da
cápsula renal pelo processo inflamatório e os achados sequelares nos rins
pelo histórico de infecção urinária recorrente. Apesar do exame padrão-ouro
para diagnóstico de refluxo vesico-ureteral ser a uretrocistografia. Outros
achados tomográficos sugerem nefropatia por doença do refluxo
vesicoureteral: retração segmentar do parênquima renal, ocasionada pela
atrofia do córtex, adelgaçamento da papila e dilatação pielocalicial.5 Na
nefropatia do refluxo são comuns sintomas como dor abdominal,
inapetência, episódios febris (principalmente quando associados com
infecção urinária), gastroenterocolites e até quadros de toxemia. A
sintomatologia ocorre em decorrência da falha de “válvula” anatômica que
acaba permitindo o refluxo da urina e colabora com o transporte de
bactérias para os ureteres ou rins, ocasionando os recorrentes quadros
infecciosos.6
Ao fazer uso do citrato de potássio, a paciente acabou realizando ingesta
excessiva de potássio. Esta medicação está contraindicada em pacientes
com IRC: alto risco para instalação de um quadro de hipercalemia e até
parada cardíaca (por arritmias).
A síndrome do refluxo vesical é um defeito congênito,merece ser
lembrada precocemente na vigência de infecções urinárias de repetição em
crianças, a fim de reduzir o risco de nefropatia por refluxo e consequente
lesão renal permanente. O tratamento da condição envolve
antibioticoterapia nos quadros de infecção confirmada, bem como
antibiótico profilático em casos específicos. É prudente o paciente ser
acompanhado com equipe de cirurgia urológica visto a possível necessidade
de intervenção.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Nefrológicos
Litíase renal
Pielonefrite aguda
Hidronefrose
Tumor renal
Infecção urinária
Cistite
Bexiga neurogênica
Clínicos
Colecistite
Ginecológicos
Gravidez ectópica
Cisto ovariano
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Semiologia do aparelho urinário;
• Diagnósticos diferenciais de refluxo vesical urinário bilateral;
• Mecanismo de formação do cálculo renal;
• Efeitos da automedicação;
• Tratamento aplicado;
• Importância dos exames complementares.
Pontos importantes
• Paciente jovens com disfunção renal crônica merecem atenção
especial para possíveis etiologias ocultas como doenças
imunológicas e alterações anatômicas;
REFERÊNCIAS
1. Carvalho M. Nefrolitíase. In: Riella MC. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolítcos.
RJ: Guanabara Koogan 2003; 26:507-18.
2. Gomes J, et al. Urolitíase e cólica renal: Perspectiva terapêutica em urologia. Portugal: Acta
médica portuguesa 2002; 15:369-80.
3. Keddis MT, Rule AD. Nephrolithiasis and loss of kidney function. USA: Curr Opin Nephrol
Hypertens. Jul 2013; 22(4): 390–396.
4. Oliveira CMC, et al. Ectopia renal cruzada com fusão: Relato de dois casos e revisão da
literatura. Fortaleza – CE: J Bras Nefrol 2012;34(3): 283-87.
5. Nahas WC, et al. Refluxo Vésico-Ureteral e Nefropatia do Refluxo. SP: J Pediat 1985; 10(7):
121-126.
6. Hospital Sírio Libanês. Refluxo Vesicoureteral. São Paulo [página online], acesso em 11/2014.
Caso 81
Liga Acadêmica de Nefrologia
Autores: Renata Oliveira Santos, Mayle Gomes Ferreira de Araújo e Laura
Beatriz de Mesquita Gouveia.
Orientador(a): Dr. André Falcão Pedrosa Costa (Nefrologista, prof. adjunto
da UNCISAL e da UFAL).
Instituição: Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas -
UNCISAL.
Nefrologia / Urologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 28 anos, sexo masculino, pardo, estudante, solteiro. O
paciente é renal crônico e está em programa de hemodiálise há 19 anos. Há
aproximadamente três anos refere fraqueza muscular proximal, prurido
generalizado e progressivo, além de deformidade e dores ósseas em
membros inferiores (MMII) que são agravadas após movimentos, ambos de
natureza contínua. Também passou a notar alterações na forma de seu tórax.
Como antecedentes, a mãe do paciente diz que o paciente, aos cinco anos
de idade, apresentou edema de face e de MMII. Relata também que aos oito
anos foi evidenciada proteinúria, sendo orientado quanto à dieta. Mas não há
relato de seguimento. Aos nove anos, foi diagnosticada doença renal crônica
(DRC) e iniciado programa hemodialítico. Nunca foi submetido a
transplante renal.
EXAME FÍSICO
Paciente lúcido, deambulando com marcha de pequenos passos, eupneico,
afebril, anictérico, mucosas hidratadas e hipocoradas ++/4.
FC: 110 bpm; FR: 29 irpm; PA: 130x90 mmHg. T. axilar: 37,5 oC.
Sem alterações.
Valores Obtidos
Valores
Laboratorio
Referenciais
Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5
Hemograma
Hemoglobina 7,5 g/dL 6 g/dL 8,36 g/dL 8,5 g/dL 8,1 g/dL 13,5 - 18 g/dL
Bioquímica
Fósforo 4,4 mg/dL 3,7 mg/dL 5,6 mg/dL 6,2 mg/dL 3,9 mg/dL 2,5 - 5,6 mg/dL
Cálcio 9,5 mg/dL 6,9 mg/dL 7,9 mg/dL 8,9 mg/dL 8,9 mg/dL 8,5 - 10,2 mg/dL
Fosfatase alcalina 32,6 U/L 104,3 U/L 1041,5 U/L 452,6 U/L 40 U/L 65 - 300 U/L
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a fisiopatologia deste acometimento ósseo?
2. Qual o conceito atual de desta doença e quais seus subtipos mais
frequentes?
3. Quais as causas do semelhantes desta doença?
4. Qual padrão ouro para o diagnóstico?
5. Quais os efeitos atribuídos à paratireoidectomia?
6. Como conduzir após a paratireoidectomia?
DISCUSSÃO
Por ser portador de Doença Renal Crônica (DRC) e fazer hemodiálise há
19 anos, o paciente pode apresentar complicações musculoesqueléticas
diversas, dentre elas amiloidose por beta2microglobulina, calcificação extra-
óssea, osteonecrose e infecções musculoesqueléticas, causando toda a gama
de sinais e sintomas apresentados. Todos os distúrbios do metabolismo do
fosfato e do cálcio que acabam por produzir uma ampla variedade de
anormalidades ou complicações no sistema musculoesquelético decorrentes
da própria deterioração da função renal ou de seu tratamento compõem a
osteodistrofia renal.2
A osteodistrofia renal pode ser manifestada precocemente na DRC
quando ocorre retenção de fosfatos que aumentará a sua ligação com o
cálcio. A redução da 1,25 hidroxicolecalciferol (calcitriol) causará redução
na absorção intestinal de cálcio, ambos levarão, assim, à redução da
calcemia, mecanismo fisiopatológico para o aumento do paratormônio
(PTH) – hiperparatireoidismo. A resistência óssea à ação do PTH, devido à
acidose e outros fatores, amplificará a magnitude da elevação do PTH.
Inicialmente, tal quadro produzirá aumento da excreção de fósforo, mas
contribuirá para perda progressiva de néfrons (teoria do “trade off”). Na
manutenção de níveis elevados do PTH, ocorrerá estímulo aos osteoclastos e
consequente aumento da reabsorção óssea, fibrose da medula, fragilidade
óssea e deformidades. Pode ocorrer uma forma localizada de reabsorção
mais acentuada, conhecida como tumor marrom, caracterizado por:
depósito de hemossiderina, focos hemorrágicos, áreas císticas e estroma
fibroso. Tal tumor é revertido com a correção do hiperparatireoidismo.2
Os distúrbios minerais e ósseos são praticamente universais na DRC e
eles incluem alterações minerais (níveis séricos de cálcio, fósforo),
alterações clínicas (fraturas, dores ósseas, prurido); e calcificações
vasculares. A chamada osteodistrofia renal refere-se às alterações
histológicas ocorridas no tecido ósseo. Essas alterações são bem delineadas
no paciente referido pelo caso.
A osteodistrofia renal pode ser classificada da seguinte forma:
Amiloidose
Osteomalácia
Espondiloartropatias
PONTOS IMPORTANTES
• A biópsia óssea deve ser utilizada nos casos em que a prática clínica,
exames de imagem e marcadores bioquímicos não forem capazes de
fornecer um diagnóstico preciso.
REFERÊNCIAS
1. Carvalho AB. Osteodistrofia renal. J. Bras. Nefrol. 2004; 26 (3 suppl 1): 29-39.
2. Cardoso FNC, et al. Contribuição da análise radiológica no hiperpatireoidismo secundário. Rev.
bras. reumatol, 2007; (3) 207-211.
3. Gonçalves MDC, Rodrigues ASS. Cirurgia do hiperparatireoidismo. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2002;29(3):166–76.
4. Martin LNC, Kayath MJ. Abordagem Clínico-Laboratorial no Diagnóstico Diferencial de
Hipercalcemia. Arq Bras Endocrinol Metab. 1999;43(6):472–9.
5. Vieira WP, Wagner K, Gomes P, Frota NB. Manifestações Musculoesqueléticas em Pacientes
Submetidos à Hemodiálise. Rev bras Reum. 2005;45(6):357–64.
Caso 82
LACan - Liga Acadêmica de Cancerologia
Autores: Marcella Boldrin dos Santos Coelho, Paula Cabral de Mendonça
Cavalcanti
e Rita de Cássia Araújo Rocha.
Orientador(a): Dra. Michele Samora de Almeida (Oncologista Clínica -
Universidade Federal
de São Paulo - UNIFESP).
Instituição: Universidade Anhembi Morumbi - UAM.
Nefrologia / Urologia
HISTÓRIA CLÍNICA
27 anos, masculino, procedente de cidade de grande porte, relata ter
observado aumento progressivo do volume do testículo esquerdo, após
acidente de moto, com início há cerca de 8 meses. Nega comorbidades;
refere fratura de fêmur direito e tíbia esquerda no acidente citado. Irmão com
história de neoplasia não especificada, pais hígidos.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 15,7 g/dL 13,5 - 17,5 g/dL
VCM 87,5 fL 81 - 95 fL
HCM 30,1 pg 26 - 34 pg
Eritroblastos 0 -
Promielócitos 0 -
Metamielócitos 0 -
Bastões 0 -
Linfócitos atípicos 0 -
Células anormais 0 -
Bioquímica
DHL 433 Até 275
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual é a importância do marcador BHCG?
2. Qual é a conduta terapêutica mais apropriada?
3. Trata-se de doença maligna ou benigna?
DISCUSSÃO
O diagnóstico desse paciente, após orquiectomia (testículo esquerdo) foi
seminoma espermacítico na primeira análise e seminoma clássico na revisão
de lâminas. Os cânceres testiculares são os tumores sólidos mais comuns,
afetando homens entre 15 e 35 anos.1 São tumores de células germinativas
em 95% dos casos, mas significam somente 1% dos cânceres em homens.
Sua origem é pouco compreendida, embora alguns fatores genéticos ou
ambientais sejam suspeitos e tenha sido observado um aumento contínuo de
sua incidência em países industrializados.4
Os tumores de célula germinativa possuem um padrão histológico
predominante ou podem representar uma mistura entre múltiplos tipos
histológicos. Para as propostas terapêuticas, são subdivididos em seminoma
e não-seminoma. Os seminomas, em 80% dos casos diagnosticados na fase I,
são sensíveis à quimioterapia e radioterapia e o prognóstico é favorável na
maioria dos casos, ainda que tenha ocorrido metástase.3
Os cânceres testiculares cursam com queixa clínica mais frequentes de
nódulo unilateral ou inchaço. Atualmente, o ultrassom dos testículos deve
ser realizado mesmo na presença de um tumor clinicamente evidente. O
diagnóstico definitivo é sempre estabelecido pelo exame histopatológico
após orquiectomia, que deve ser realizada sempre por via inguinal e nunca
violando bolsa escrotal. Como os resultados anatomopatológicos
encontrados nesse caso foram conflitantes, seria necessário uma nova
análise, dessa vez imunohistoquímica, para confirmar o diagnóstico.
Hemograma completo, creatinina, eletrólitos e enzimas hepáticas devem
ser obtidos. Os seminomas não possuem um marcador tumoral específico,
mas em alguns casos produzem um pouco de gonadotrofina coriônica –
fração beta. No estágio I a concentração desta glicoproteína deve voltar ao
normal após a cirurgia de retirada do testículo. Se isto não acontecer, é
sugestivo do câncer já estar no estágio II, devendo normalizar o BHCG com
a quimioterapia ou radioterapia.3
A orquiectomia inguinal é o tratamento inicial para câncer de testículo e
com ela são atingidas excelentes taxas de cura para os indivíduos nos
estágios iniciais, independentemente do tipo de tratamento adotado. A
cirurgia do tumor primário deve ser realizada antes de qualquer tratamento
adicional.6
Muitas opções de tratamento são consideradas, especialmente no estágio
I, mas o padrão-ouro são as Carboplatinas, fármacos antineoplásicos também
utilizada no tratamento desse paciente. Este fármaco é da classe dos Agentes
Alquilantes, em que o grupo alquil-reativo forma ligações com os ácidos
nucléicos, resultando em uma reação cruzada ou quebra da cadeia de DNA,
o que previne a replicação dos ácidos nucleicos. Desta forma, os agentes
citotóxicos danificam todas as moléculas celulares, causando dano do DNA
e destruindo as células cancerígenas.5
O paciente permanece em seguimento e três anos após a cirurgia foi
realizado estadiamento com raio-x de tórax e tomografia computadorizada
de tórax, abdome e pelve; não foram encontradas alterações.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Hérnias
Varicoceles
Hidroceles
Orquiepididimites
OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Anamnese e história da doença;
• Exame físico dos testículos;
• Análise dos marcadores alterados em seminomas; Uso de imagens
para diagnóstico de seminomas;
• Tratamento;
• Diagnósticos diferenciais.
Pontos importantes
• Apesar de raros, os seminomas são os cânceres de testículo mais
comuns;
Nefrologia / Urologia
HISTÓRIA CLÍNICA
71 anos, sexo masculino, pardo, portador de cirrose hepática por doença
alcoólica do fígado (CHILD B) e carcinoma hepatocelular (CHC) internado
eletivamente em hospital público terciário na clínica cirúrgica em pré-
operatório de hepatectomia por CHC. Foi internado na UTI em pós-
operatório (PO) imediato de hepatectomia esquerda (retirada dos segmentos
2, 3 e 4 do fígado), evoluindo com quadro de hipotensão não responsiva a
volume, iniciando o uso de drogas vasoativas.
EXAME FÍSICO
Sem alterações.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 10,0 g/dL 12,8 - 17,8 g/dL
Monócitos 7,9% 4 - 8%
Bioquímica
TTPa 27s 24 - 45s
TP 72% 70 - 100%
Gasometria
pH 7,30 7,35 - 7,45
Urina
Proteína + Ausente
Leucócitos ++ Ausente
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico da gasometria arterial?
2. Qual a etiologia das alterações na gasometria arterial?
3. Qual a resposta fisiológica esperada?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
O paciente apresentado no caso tem um pH de 7,30, indicando a
existência de uma concentração elevada de [H+] no plasma, ou acidemia.
Diante de um quadro de acidemia, deve-se buscar um distúrbio de acidose,
que poderá ser metabólico, respiratório ou misto. Para isso, avalia-se o
componente metabólico, representado pelo bicarbonato (HCO3-), e o
respiratório, representado pela pressão parcial de gás carbônico no sangue
(pCO2). A gasometria do paciente indica um bicarbonato de 14,0 mmol/L
(abaixo de 22,0) e uma pCO2 de 29,2 mmHg (abaixo de 35), evidenciando
acidose metabólica como distúrbio primário. Na acidose metabólica, a
resposta compensatória fisiológica é a hiperventilação, com o objetivo de
reduzir a pCO2. Para saber se a hiperventilação apresentada pelo paciente
encontra-se dentro do esperado para o grau de acidose metabólica que ele
apresenta, deve-se calcular a pCO2 esperada. O cálculo da pCO2 esperada
pode ser feito através da equação de Winter:
pCO2 = (1,5 x HCO3-) + 8 ± 2
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Acidose Metabólica com AG aumentado
Acidose lática
Diarreia
Fístula ou drenagem intestinal do intestino delgado
Derivação ureteral
Miscelânea
Recuperação de cetoacidose
Nutrição parenteral
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Interpretação da gasometria arterial;
• Fisiopatologia do equilíbrio ácido-base;
• Identificação de distúrbios ácido-base simples ou mistos;
• Diagnósticos diferenciais de acidose metabólica;
• Classificação da acidose metabólica de acordo com o AG;
• Uso do bicarbonato de sódio na acidose metabólica;
• Conduta terapêutica na acidose lática.
PONTOS IMPORTANTES
• A acidose metabólica deve-se ao aumento da produção de ácidos,
diminuição da excreção de ácidos ou perda de álcalis ou acúmulo de
ácidos;
REFERÊNCIAS
1. Halperin ML, Kamel KS, Goldstein MB. Fluid, Electrolyte, and Acid-Base Physiology: A
Problem-Based Approach. 4th edition. Philadelphia, Elsevier, 2010.
2. Kraut JA, Madias NE. Metabolic acidosis: pathophysiology, diagnosis and management. Nat
Rev Nephrol 2010; 6:274-85.
3. Riella, MC. Princípios da nefrologia e distúrbios hidroeletróliticos. 5th ed. Rio de Janeiro,
Guanabara Koogan, 2014.
4. Goldman L, Schafer, Al. Cecil: Tratado de Medicina Interna. 24th Ed. Rio de Janeiro, Elsevier,
2014.
5. ROCHA, PN. Acidose Metabólica. In: Luciano Fochesatto Filho; Elvino Barros. (Org.).
Medicina Interna na Prática Clínica. 1ed.Porto Alegre: Artmed editora LTDA, 2013, p. 539-
549.
6. Rocha, PN. Uso de Bicarbonato de Sódio na Acidose Metabólica do Paciente Gravemente
Enfermo. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 31, p. 297-306, 2009.
7. Rocha, PN . Abordagem Diagnóstica dos Distúrbios do Equilíbrio Ácido-Base. In: Thomaz
Cruz. (Org.). Crises Endócrinas e Metabólicas. 1 ed. Salvador: Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia, 2010, p. 177-186.
Caso 84
LIRACIR - Liga de Raciocínio Clínico Cirúrgico
Autores: André Luiz Monteiro dos Santos Marins, Leonardo Henrique
Lopes Lima
e Lucas Gonçalves de Oliveira.
Orientador(a): Dr. Marcelo Esteves Chaves Campos (Membro Titular da
Sociedade Brasileira de Urologia, Urologista e Prof. da Universidade José
do Rosário Vellano - UNIFENAS/BH).
Instituição: Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS/BH.
Nefrologia / Urologia
HISTÓRIA CLÍNICA
21 anos, sexo masculino, comparece ao pronto-socorro com dor escrotal
intensa à direita que se iniciou, subitamente, 3 horas após praticar natação.
Relata que, na última hora, a dor irradiou também para o abdômen inferior,
associada a náuseas e vômitos. Apresenta andar fletido. Ausência de febre e
outros sinais sistêmicos. Nega traumas, queixas urinárias e manipulação da
genitália.
EXAME FÍSICO
PA: 130x90 mmHg; FC:101 bpm; FR: 23 irpm; Tax: 36,4 oC.
Sem particularidades.
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. É necessária a solicitação de exames de imagem?
3. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
No caso em questão, a suspeita é de torção do cordão espermático.
Trata-se de uma emergência cirúrgica que pode ocorrer em qualquer idade e
apresentar-se de duas formas: torção extravaginal e torção intravaginal. A
primeira é mais frequente em recém-nascidos e, provavelmente, inicia-se na
fase uterina, durante a descida do testículo para a bolsa testicular. A
segunda é a forma clínica mais comum, mais frequente na puberdade e
ocorre devido a deformidades anatômicas que levam à instabilidade do
órgão e, consequentemente, à rotação livre do testículo. O quadro clínico
acima corresponde a uma torção intravaginal, que acomete um em cada
4.000 indivíduos com menos de 25 anos, faixa etária na qual o paciente está
inserido.1-3
Assim como um pêndulo que, ao fazer a rotação em seu próprio eixo,
leva à torção de sua corda, quando o testículo sofre rotação, torce o cordão
espermático, como mostrado na Figura 4. Esse evento é comumente
chamado de torção testicular. No entanto, do ponto de vista anatômico, o
nome mais adequado é torção do cordão espermático. Como consequência,
ocorre uma redução do retorno venoso, seguida de uma diminuição do fluxo
arterial, resultando em sofrimento e em perda de função do órgão.1,2
Figura 4. Mecanismo da torção.
Hidrocele reacional.
Infecção
Orquidoepididimite
Gangrena de Fournier
Isquemia
Torção do apêndice testicular
Trauma
Trauma testicular contuso ou penetrante
Outros
Púrpura de Henoch-Schönlein
Pontos importantes
• Em quadros de orquialgia súbita, a torção testicular deve ser
investigada;
Referências
1. Nogueira VH, Vila F, Osório L, Cavadas V, Teves F, Sabel F, et al. Torção do cordão
espermático: aspectos de diagnóstico e terapêutica. Rev Int Androl. 2009; 7(1): 28-33.
2. Mosconi A, Claro JFA, Andrade E, Vicentini F, Paranhos MLS. Escroto agudo. Rev Med. 2008;
87(3): 178-83.
3. Jesus, LE. Escroto agudo. Rev. Col. Bras. Cir. 2000; 27 (4): 271-278.
4. YUSUF GT, Sidhu PS. A review of ultrasound imaging in scrotal emergencies. J. Ultrasound.
2013; 16(4): 171-178.
5. Dénes FT, Souza NCLB, Souza AS. Escroto Agudo: diagnóstico e tratamento. Projeto
Diretrizes. 2006.
6. Ringdahl E, Teague L. Testicular Torsion. Am Fam Physician. 2006; 74 (10): 1739-1743.
Caso 85
Liga de Estudos em Pediatria e Neonatologia
Autores: Leonardo Cavalcante e Manuela Fabrício de Oliveira Cunha.
Orientador(a): Dr. Lício de Albuquerque Campos (Médico Pediatra,
Nutrólogo, Prof. adjunto da Faculdade de Medicina da UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Pediatria
HISTÓRIA CLÍNICA
Criança, sexo feminino, foi avaliada aos 26 dias de vida. Segundo a mãe,
o recém-nascido mamava avidamente e sentia muita fome, tendo sido
introduzido desde os primeiros dias uma complementação com fórmula. Na
época, o recém-nascido (RN) apresentava irritabilidade, golfadas frequentes
e sono muito irregular. A mãe foi orientada a oferecer somente o leite
materno. Contudo, não conseguindo o aleitamento exclusivo, voltou ao uso
de uma fórmula polimérica, sendo prescrito concomitantemente ranitidina e
domperidona. Mantendo o quadro clínico com muita irritabilidade e choro
constante, foi iniciada uma fórmula com hidrolisado proteico. Após 20 dias,
mantinha um ganho de peso inadequado, com uma melhora parcial dos
sintomas. Assim, com 3 meses iniciou fórmula a base de aminoácidos e
manteve o leite materno. Durante esse período de avaliação foram
realizados exames não conclusivos. Com a introdução da fórmula à base de
aminoácidos teve uma melhora progressiva do ganho ponderal e dos
sintomas antes apresentados (vide gráfico). A gravidez ocorreu sem
interocorrências e com pré-natal adequado. Parto a termo, cesáreo, Apgar
9/9, Peso ao nascer: 2.850g, Estatura ao nascer: 50 cm. A vacinação em dia.
Pais saudáveis, sem consanguinidade. Não há casos de alergias respiratórias
em familiares.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. O que é e como ocorre esse tipo de alergia?
2. Em quem ocorre esse tipo de alergia e como identificar?
3. É possível evitar ou retardar o surgimento dos sintomas?
4. Como tratar ou proceder em casos semelhantes?
DISCUSSÃO
A alergia ao leite de vaca é um tipo comum de alergia alimentar, sendo
esse um termo utilizado para descrever reações adversas a alimentos
dependentes de mecanismos imunológicos, mediados ou não por IgE. Os
alimentos mais comumente envolvidos na alergia alimentar, além do leite de
vaca, são: soja, trigo, ovo, amendoim, crustáceos e peixes.
A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é mais comum em crianças
até 3 anos de idade,1 embora possa ser diagnosticada em qualquer faixa
etária. Cerca de 2/3 das crianças com APLV têm antecedentes de atopia em
familiares do primeiro grau, corroborando a hipótese de predisposição
genética à alergia. Observou-se que fatores como prematuridade, infecções
da mucosa intestinal nos primeiros meses de vida ou contato precoce e
esporádico com a proteína do leite de vaca, predispõem a criança à APLV. O
início dos sintomas na APLV está relacionado à ingesta de leite de vaca pelo
lactente, e, em alguns casos, este pode ser sensibilizado e apresentar sinais
clínicos devido à ingesta de leite de vaca pela mãe e à exposição do recém-
nascido aos antígenos através do leite materno.
O aleitamento materno exclusivo durante 4 a 6 meses parece ser um
fator protetor tanto desta como de outras alergias alimentares.2
A APLV apresenta um quadro sintomático variável na infância,
dependendo do tipo de resposta imunológica, e as reações podem ser
imediatas, mediadas por IgE, ocorrendo de minutos até 2 horas após a
ingestão do alimento, ou tardias, não mediadas por IgE, ocorrendo 48 horas
ou até 1 semana após o contato. Um mesmo indivíduo pode apresentar os
dois tipos. Os sintomas mais comuns envolvem trato gastrointestinal, pele e
sistema respiratório. Dentre os digestivos, os mais frequentes incluem
vômito e regurgitação (53,5%), cólica (34%), diarreia (18,9%), constipação
(15,7%), sangue nas fezes (14,5%) e diarreia com sangue (6,3%). Dentre as
manifestações extraintestinais, destacam-se os sintomas sistêmicos, como
perda de peso, anorexia e irritabilidade (24,5%), os cutâneos, como
dermatite atópica e urticária (18,2%), e os respiratórios, como
broncoespasmo e tosse crônica (19,5%).3
Uma boa história e exame físico são essenciais para o diagnóstico. Além
disso, a dosagem de IgE específica para as proteínas do leite de vaca e o
teste cutâneo podem ser úteis na investigação, entretanto, devido sua alta
sensibilidade e baixa especificidade, permitem apenas detectar a
sensibilização nas alergias IgE-mediadas,4 não podem servir como critério
de diagnóstico isolado. A pesquisa da IgE específica está indicada em casos
de elevado risco para anafilaxia, nas lesões cutâneas extensas e na vigência
de uso de medicação que interfira no resultado do teste cutâneo, como os
anti-histamínicos. Deve-se lembrar de que resultados negativos não afastam
o diagnóstico, já que a APLV pode não ser mediada por IgE.
Caso o paciente possua sintomas gastrointestinais persistentes, baixo
ganho ponderal e anemia ferropriva, a endoscopia digestiva alta e baixa com
múltiplas biópsias pode ser indicada, para buscar outras patologias que não
a APLV.5
Se as manifestações clínicas forem relevantes, a dieta de exclusão da
proteína do leite deve ser iniciada na criança ou na mãe, em caso de
aleitamento materno exclusivo, mesmo em casos de IgE específica negativa.
Faz-se a dieta de exclusão por 2 a 4 semanas para observar a melhora
dos sintomas. Não ocorrendo resposta, é improvável que se trate de APLV.
Contudo, uma vez confirmado o diagnóstico, a dieta de exclusão deve ser
mantida por 12 a 18 meses nos pacientes menores de 1 ano e, por 3 a 12
meses, nos maiores de 1 ano. Após esse período, a criança tem de ser
reavaliada.
O teste de provocação oral (TPO) é confiável para estabelecer ou excluir
o diagnóstico de alergia alimentar ou para verificar a aquisição de tolerância
ao alimento. Durante o teste a criança deve ingerir o alimento em doses
crescentes, sob observação médica, para que se possa verificar a ocorrência
ou não de reações adversas, documentar a natureza dos sinais e sintomas
observados e a quantidade de alimento necessária para deflagrá-los. A
criança deve ter realizado rigorosamente a dieta de exclusão nas semanas
anteriores e ter evitado anti-histamínicos nos últimos 10 dias.8
A substituição do leite de vaca pode ser feita com fórmula de hidrolisado
proteico ou, a partir do 6 mês de vida, com fórmula de soja.7 Caso não haja
melhora clínica, principalmente nos casos de manifestação gastrointestinal,
deve-se tentar a fórmula de aminoácidos. Em crianças maiores, convém
planejar uma dieta de alimentos sólidos que supra as necessidades
nutricionais, retirando o leite de vaca e derivados. Não é recomendada a
substituição do leite de vaca pelo de outro animal, como cabra ou ovelha,
devido a possibilidade de reação cruzada.6
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Intolerância secundária à lactose;
Gastroenterocolite aguda;
Doença celíaca;
OBJETIVOS DE
APRENDIZAGEM/COMPETÊNCIA
• Aprender a identificar sintomas de um quadro de alergia a leite de
vaca;
Pontos importantes
• Quando do surgimento dos sintomas, observar se eles aparecem com
a alimentação à base de leite e seus derivados e se os mesmo somem
com a suspensão ou restrição desses alimentos;
• Não substituir leite de vaca por leite de outros animais como, por
exemplo, o de cabra, pois a maioria das proteínas do leite tem
estrutura semelhante o que pode continuar provocando reações
alérgicas;
REFERÊNCIAS
1. Sicherer SH. Epidemiology of food allergy. J Allergy Clin Immunol 2011;127:594–602.
2. Koda, Y. K. L.; Barbier, D. Alergia à Proteína do Leite de Vaca. Pediatria, São Paulo ,1985;
Volume 7(2): 62-66.
3. Vieira et al. BMC Pediatrics 2010, 10:25.
4. Solé D et al. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2007. Rev Bras Alerg Imunopatol
2008, 31 (2): 64-89.
5. Koletzko et al JPGN Volume 55, Number 2, August 2012.
6. Projeto Diretrizes: Terapia nutricional no paciente com alergia ao leite de vaca – julho de 2011.
7. www.fleury.com.br
8. Koletzko S, Niggemann B, Arato A, Dias JA, Heuschkel R, Husby S, et al. Diagnostic
Approach and Management of Cow’s-Milk Protein Allergy in Infants and Children: ESPGHAN
GI Committee Practical Guidelines. JPGN 2012;55:221-9.
Caso 86
Liga de Estudos em Pediatria e Neonatologia
Autores: Renata Leal Meneses, Thaís Fontes de Magalhães e Maurício
Yukio Ogawa.
Orientador(a): Dr. Robério Dias Leite (Infectologia Pediátrica - Hospital
São José de Doenças Infecciosas - Fortaleza, CE).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Pediatria
HISTÓRIA CLÍNICA
Lactente de 3 meses, sexo feminino, natural e procedente de cidade de
grande porte, chega ao hospital com história de febre há três dias e
aparecimento de exantema petequial e purpúrico há dois dias, choro
persistente e irritabilidade. Nascida de parto vaginal, a termo, sem
intercorrências. Mora em casa de alvenaria com boas condições hidro-
sanitárias. Foi internada e, após o 15º dia de internação e evoluindo com
melhora do estado geral, voltou a apresentar febre, além de um episódio
convulsivo tônico-clônico generalizado.
EXAME FÍSICO
FR: 76 irpm (normal para a idade: até 50 irpm); T: 35,8 oC; FC: 160 bpm
(normal para a idade: 100-160bpm).
Discreto abaulamento de fontanela, edema em olho esquerdo.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 6,5g/dL 9,5 - 12,5g/dL*
Hematócrito 19,1% -
Bastões 6% -
Segmentados 62% -
Linfócitos 20% 4 - 8%
Monócitos 12% -
Punção lombar
Células 938/mm3 - Neutrófilos 91% -
Ultrassonografia transfontanelar:
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Qual o provável agente etiológico?
3. Quais síndromes esta paciente apresenta?
4. O que aconteceu após o 15º dia de internação?
5. Quais exames poderiam confirmar a hipótese?
DISCUSSÃO
A paciente do caso apresenta meningite meningocócica complicada pela
formação de um empiema subdural.
A doença meningocócica é uma infecção bacteriana aguda, sendo o
agente etiológico a Neisseria meningitidis (meningococo), um diplococo
gram-negativo, aeróbio, imóvel, pertencente à família Neisseriaceae. A
composição antigênica da cápsula polissacarídica permite a classificação do
meningococo em 12 diferentes sorogrupos: A, B, C, E, H, I, K, L, W, X, Y
e Z. Os sorogrupos A, B, C, Y, W e X são os principais responsáveis pela
ocorrência da doença e, portanto, alvo do desenvolvimento das vacinas para
a prevenção dessa enfermidade.1,2
Quando se apresenta na forma de doença invasiva, caracteriza-se por
uma ou mais síndromes clínicas, sendo a meningite meningocócica a mais
frequente delas e a meningococcemia a forma mais grave.
O meningococo é o principal agente causador de meningite bacteriana
no Brasil, onde a doença meningocócica é endêmica, com ocorrência de
surtos esporádicos. Os coeficientes de incidência têm se mantido estáveis
nos últimos anos, com aproximadamente 1,5 a 2,0 casos para cada 100.000
habitantes. Acomete indivíduos de todas as faixas etárias, porém
aproximadamente 40 a 50% dos casos notificados ocorrem em crianças
menores de 5 anos de idade. Os maiores coeficientes de incidência da
doença são observados em lactentes, no primeiro ano de vida. A letalidade
da doença no Brasil situa-se em torno de 20% nos últimos anos. Na forma
mais grave, a meningococcemia, a letalidade chega a quase 50%. Desde a
década de 1990, os sorogrupos circulantes mais frequentes no Brasil foram
o C e o B. Após um período de predomínio do sorogrupo B, observa-se, a
partir de 2005, um aumento no número e na proporção de casos atribuídos
ao sorogrupo C em diferentes regiões do país. Em meados de 2010, devido
ao aumento de circulação do sorogrupo C e à alta incidência da doença
observada em crianças, a vacina meningocócica conjugada contra o
sorogrupo C foi introduzida no calendário de vacinação da criança.2
A doença meningocócica invasiva ocorre primariamente em pessoas
suscetíveis recentemente colonizadas por uma cepa patogênica. Inúmeros
fatores de risco têm sido associados, tais como: infecções respiratórias
virais recentes (especialmente influenza), aglomeração no domicílio, residir
em quartéis, dormir em acampamento militar ou em alojamentos de
estudantes, tabagismo (passivo ou ativo), condições socioeconômicas
menos privilegiadas e contato íntimo com portadores. O risco de
desenvolver doença invasiva entre contatos domiciliares de um doente é
cerca de 500 a 800 vezes maior que na população geral. Asplenia anatômica
ou funcional, deficiência de properdina, de C3 e de componentes terminais
do complemento (C5 a C9) também estão associadas a um maior risco de
desenvolvimento de doença meningocócica.2-4
A maior incidência da doença meningocócica ocorre em crianças abaixo
de 5 anos e em lactentes entre 3 e 12 meses, faixa etária do caso
apresentado.3
O quadro de meningite pode se instalar em algumas horas, iniciando
com intensa sintomatologia, ou mais paulatinamente, em alguns dias,
acompanhado de outras manifestações geralmente indistinguíveis de outras
meningites bacterianas. Em lactentes com meningite, como a criança do
presente caso clínico, a pesquisa de sinais meníngeos é extremamente difícil
e a rigidez de nuca nem sempre está presente. Nestas circunstâncias, deve-
se realizar o exame cuidadoso da fontanela anterior, que pode estar abaulada
e/ou tensa. Sinais e sintomas inespecíficos como febre, irritabilidade,
gemência, inapetência e vômitos são comuns. A meningite meningocócica é
a forma mais frequente de doença meningocócica invasiva e associa-se, em
cerca de 60% dos casos, à presença de lesões cutâneas petequiais bastante
características. Adicionalmente, deve-se estar atento pois um exantema
maculopapular, não petequial, difícil de distinguir de um exantema de
origem viral e geralmente de curta duração pode estar presente no início do
quadro em até 15% das crianças com meningococcemia.1,2
Embora não tenha havido identificação de Neisseria meningitidis no
líquor, pode-se considerar que este seja o agente etiológico do presente
caso, visto que a criança apresentou erupção cutânea petequial e purpúrica e
a bacterioscopia demonstrou diplococos Gram negativos. Tal quadro
preenche critério laboratorial inespecífico de doença meningocócica, de
acordo com o Guia de Vigilância do Ministério da Saúde.2
De acordo com a Classificação de Wolfe e Birbara, a doença
meningocócica pode se manifestar desde formas benignas até formas graves
e potencialmente letais: bacteremia sem sepse, meningoencefalite,
meningococcemia sem meningite e meningite com ou sem
meningococcemia. A meningococcemia sem meningite consiste na presença
de sepse com toxemia, exantema, mal-estar geral, cefaleia, fraqueza,
hipotensão e leucocitose. Na meningite com ou sem meningococcemia, há
cefaleia, febre, sinais meníngeos e líquor turvo, com grau variável de
consciência e reflexos normais.5
Essa doença é de grande importância clínica, pois, se não tratada,
rapidamente pode evoluir para choque séptico, falência de múltiplos órgãos
e óbito em 24 horas. O diagnóstico precoce através do quadro clínico e de
exames laboratoriais, além da instituição do tratamento adequado, é
importante para a redução de complicações, de sequelas e da mortalidade.3
Complicações neurológicas podem ocorrer a qualquer momento no
curso da doença e incluem: alteração do estado mental, edema cerebral com
hipertensão craniana, déficits focais, ataxia, anormalidades
cerebrovasculares, déficit neuropsicológico e atraso no desenvolvimento,
hidrocefalia, disfunção hipotalâmica e o próprio empiema subdural.6
Ao que tudo indica os casos que evoluem com formação de coleção
subdural quando o agente etiológico é o meningococo se concentram em
lactentes abaixo de seis meses de vida. A ocorrência de convulsão e o
ressurgimento da febre podem ser indicativos do desenvolvimento de
coleção subdural nessa lactente. Além desses sinais, deve-se suspeitar de
efusão subdural durante o tratamento de uma meningite quando há
persistência ou ressurgimento de abaulamento de fontanela, queda do nível
de consciência, desenvolvimento de hemiparesia e aumento do perímetro
cefálico.7
O empiema subdural é uma coleção purulenta localizada entre a dura-
máter e a aracnoide, e pode expandir-se no espaço subdural até encontrar
limites como a foice cerebral, a tenda do cerebelo e a base do cérebro.8 Com
seu crescimento, há aumento da pressão intracraniana e interrupção do
fluxo do líquido cefalorraquidiano (LCF), o que justifica o abaulamento de
fontanela e a hidrocefalia que podem ocorrer na doença. A expansão do
empiema também pode comprimir localizações específicas no cérebro,
acarretando déficits neurológicos focais.
Em crianças e lactentes, o empiema subdural ocorre mais comumente
como complicação de meningite. O método diagnóstico mais utilizado para
sua detecção precoce é a tomografia computadorizada de crânio.9
Recomenda-se que o empiema subdural seja drenado através de aspiração
com agulha, acompanhado da administração de antibiótico local.10
É importante distinguir empiema subdural de efusão subdural. A grande
diferença é que a efusão subdural representa um líquido estéril, resultado,
por exemplo, do aumento da permeabilidade vascular, enquanto o empiema
representa um abscesso. Essa diferenciação pode, em vários casos, ser
guiada pela causa: a efusão pode ser causada por traumas e o empiema pode
ser resultado de infecções.
Tal distinção é de fundamental importância, pois a conduta será
diferente. É importante destacar, também, que alguns exames, como a
“ultrassonografia cerebral”, são uma importante ferramenta para a
diferenciação, já que em alguns casos a manifestação clínica pode vir a ter
aspectos semelhantes.8,11
A paciente do caso, ao ser admitida e devido à suspeita de
meningococcemia, foi tratada com ceftriaxona, dexametasona e manitol.
Após evidência de coleção subdural na tomografia computadorizada de
crânio, no 15º dia de internação, foi realizada aspiração da coleção com
agulha através da fontanela. A criança evoluiu com melhora do estado geral
e sem febre, recebendo alta sem sequela.
Antes do advento da antibioticoterapia, a mortalidade nos casos de
meningite complicada por empiema subdural aproximava-se de 100%. Com
o tratamento adequado, hoje, a mortalidade é de 6 a 35%. O aumento da
sobrevida, porém, veio acompanhado de uma grande incidência de
complicações a curto e longo prazo: cerca de 55% dos pacientes apresentam
déficits neurológicos no momento da alta hospitalar.8 O reconhecimento da
doença, seu diagnóstico rápido e tratamento precoce são fundamentais para
melhorar o prognóstico do paciente e dar-lhe uma chance de sobreviver com
pouca ou nenhuma sequela.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Doença Meningocócica
Meningite de outras etiologias
(viral, fúngica, por protozoários)
Febres hemorrágicas
(dengue, febre amarela, hantavirose)
Febre maculosa
Leptospirose
Malária
Endocardite bacteriana
Empiema subdural
Meningoencefalite
Convulsão febril
Infartos cerebrais
Abscesso cerebral
Hidrocefalia adquirida
Hemorragia intracraniana
Hematoma subdural
OBJETIVOS DE
APRENDIZAGEM/COMPETÊNCIA
• Reconhecer sinais clínicos que levem à suspeita clínica do
diagnóstico da doença meningocócica no lactente;
Pontos importantes
• O diagnóstico da doença meningocócica no lactente é desafiador,
pois os sintomas são muito inespecíficos. A identificação de
exantema petequial e purpúrico deve ser procurada com exaustão,
pois pode ser discreto no início;
REFERÊNCIAS
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2001; N Engl J. Med.344 (18):1378-1388.
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Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
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Neurocirurg 11(1):13-16, 2000.
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empyema in infants. J Neurosurg Pediatr 6(2010), pp. 38-42.
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Vol. 5, No. 6; 2013. Acesso em 03 nov. 2014.
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bacterial meningitis: an underappreciated problem. Pediatr Infect Dis J. 2011;30(1):3.
Caso 87
Liga de Estudos em Pediatria e Neonatologia
Autores: Adriele Mourão Vieira, Leonardo Cavalcante e Mariana Neves
Fonteles.
Orientador(a): Dr. Lício de Albuquerque Campos (Médico Pediatra,
Nutrólogo, Prof. adjunto da Faculdade de Medicina da UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Pediatria
HISTÓRIA CLÍNICA
15 anos, feminino, parda, natural e procedente de cidade do interior do
Ceará, estudante. Sua queixa principal é de “manchas avermelhadas” no
corpo inteiro. Paciente relata que apareceram máculas eritematosas e
arredondas no corpo todo há cerca de 2 semanas, tendo surgido
primeiramente nos braços e, posteriormente, no restante do corpo. As lesões
apresentavam leve descamação no momento da consulta. Refere ainda 4
dias de febre no início, mensurada em torno de 38 oC, que melhorou com o
uso de paracetamol. Relata também mialgia e cefaleia. Inicialmente foi
aventada a hipótese de um exantema por um processo viral, mas devido à
persistência do quadro clínico foi iniciado anti-histamínico. Relata ter tido
varicela, mas nega sarampo, caxumba, rubéola e outras VPI. Paciente refere
que sua menarca ocorreu aos 12 anos. Foi constatado que possui vida sexual
ativa, mas não fazendo uso de preservativos. Nega HAS (Hipertensão
Arterial Sistêmica), DM (Diabetes Mellitus) e atopias na família. Mãe refere
que filha tem alimentação muito desregulada, alimentando-se apenas de
biscoitos, salgadinhos e afins.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral, orientada, afebril no momento, anictérica, acianótica,
normocorada e eupneica. Pele e mucosas: normocoradas. Lesões de pele
tipo maculopapuloeritematosas, pruriginosas, menores de 1 cm de diâmetro,
não confluentes, a nível de tronco, membros superiores e inferiores,
comprometendo regiões palmo-plantares.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. É necessário exame de imagem para o diagnóstico? Caso sim, qual?
3. Qual a importância do teste rápido para essa patologia?
4. Quais são os meios de transmissão?
5. Qual o diagnóstico diferencial para esse caso?
6. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
A paciente foi contaminada pela bactéria Treponema pallidum,
causadora da sífilis. A sífilis é uma doença que pode ser transmitida por
meio de relações sexuais desprotegidas, transfusões sanguíneas de sangue
contaminado ou mesmo da mãe para o filho durante o parto ou gravidez
(transmissão vertical). Normalmente, surgem algumas feridas nos órgãos
sexuais, cerca de 1 semana a 20 dias após a relação sexual sem preservativo
com um parceiro que seja infectado. Essas feridas não causam dor, nem
prurido ou ardência e podem, inclusive, desaparecer sem deixar marcas e
não apresentar pus. Na evolução da doença, manchas em outras várias
partes do corpo podem aparecer. A doença pode permanecer assintomática
por meses ou anos, até surgirem complicações mais graves como paralisia,
danos cerebrais e problemas cardíacos, podendo, inclusive, levar ao óbito.
Caso não haja uma evidência concreta de sinais e sintomas, deve ser
realizado um teste laboratorial ou teste rápido. Os testes rápidos para sífilis
são um meio aplicado pelo Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais
(DDAHV) para aumentar a cobertura diagnóstica e a assistência a essa
doença. Os testes rápidos consistem em testes treponêmicos que permitem a
determinação visual qualitativa da presença de anticorpos IgG e IgM anti-
Treponema pallidum em amostras de sangue total coletadas a partir de
punção digital, sem necessidade de estrutura laboratorial e possibilitando
resultados em, no máximo, meia hora. Os testes são gratuitos e estão
disponíveis em todo o território brasileiro. A sorologia não-treponêmica
(VDRL), através de titulação, possui sensibilidade de 78% na fase primária,
elevando-se nas fases secundária (100%) e latente (cerca de 96%). Caso
exista mais de 1 ano de evolução, a sensibilidade cai progressivamente,
estagnando-se, em média, em 70%. A especificidade do teste é de 98%.
Após iniciado o tratamento, o VDRL apresenta queda progressiva nas
titulações, podendo resultar reagente por longos períodos, mesmo após a
cura da infecção (cicatriz sorológica). A penicilina ainda é o principal
tratamento para essa infecção. Não é necessário exame de imagem para o
diagnóstico da doença.1,2
Estágios da doença
Após a infecção com a bactéria, há um período de incubação que dura
cerca de 21 dias. A partir disso os sinais começam a aparecer, dividindo-se
em estágios.
Primeiro estágio: lesão única, pequena e vermelha que rapidamente vira
cancro. As lesões da vagina e do ânus podem passar despercebidas e há a
cicatrização com 4 ou 8 semanas, mesmo sem a realização de tratamento.
Segundo estágio: se as lesões do primeiro estágio não forem tratadas,
depois de um período que varia de 3 semanas a 3 meses, há o surgimento de
lesões que se espalham por todo o corpo. Estas lesões podem ser discretas
ou apresentar descamação e afetam, em geral, as palmas e plantas dos pés.
Há queda capilar, aparecimento de placas vermelhas nas superfícies
mucosas e condiloma latum (placas elevadas nas virilhas, coxas, axilas ou
embaixo dos seios). Outros sintomas podem ser: febre, cansaço, dores
articulares e musculares, dor de cabeça e gânglios aumentados. Também
podem ser afetados os olhos, o sistema nervoso central, as articulações e
alguns órgãos, como fígado e rins.
Fase de latência: não há alterações ao se fazer o exame físico e a
infecção é detectada pela sorologia.
Terceiro estágio: os sinais e sintomas podem se desenvolver de 3 a 10
anos após a infecção inicial. Pode haver lesões tumorais solitárias,
conhecidas como gumas, na pele, boca, garganta ou até mesmo nos ossos.
As que se encontram na pele podem até serem indolores, mas as dos ossos
causam uma dor constante. Existe uma probabilidade de haver
envolvimento do sistema nervoso central (neurosífilis), podendo causar
vertigem por envolvimento do VIII par craniano (otossífilis), tabes dorsalis
e demência. Outro envolvimento característico desta fase é o aneurisma de
raiz de aorta por lesão dos vasa-vasorum, muitas vezes assintomático.
Sífilis congênita: é resultante da disseminação hematogênica da gestante
infectada não tratada ou inadequadamente tratada para o feto por via
transplacentária (transmissão vertical), que pode ocorrer em qualquer fase
gestacional ou estágio da doença materna, tendo maiores índices de
disseminação nos estágios inicias, quando há mais espiroquetas do
Treponema pallidum na circulação, e quanto maior a duração da exposição
do feto no útero.4
Nas primeiras semanas de vida os efeitos são semelhantes ao que ocorre
na sífilis secundária, podendo haver bolhas, descamação, vermelhidão,
placas mucosas e condiloma latum (muito infeccioso). Há alteração no
sangue, como anemia, plaquetas baixas e aumento de leucócitos e os sinais
característicos são dentes mal formados, aspecto facial típico e tíbia em
sabre.3
Pelo relato da paciente, ela se enquadra no segundo estágio, pois
apresenta lesões no corpo todo, especialmente na palma das mãos e na
planta dos pés. Febre, mialgia, cefaleia e a descamação das lesões na pele
também contribuem para enquadrá-la no segundo estágio da infecção.
A eficácia da penicilina para o tratamento da sífilis foi bem estabelecida
através de 50 anos de experiência clínica, ensaios clínicos e série de casos,
tanto no tratamento tanto da sífilis adquirida, em suas várias fases, como da
congênita.5
É essencial o correto diagnóstico e tratamento da sífilis para minimizar
as chance de sequelas e permitir o crescimento e desenvolvimento
adequados das crianças.
Penicilina G Intervalo entre as Controle de cura
Estadiamento
Benzatina séries (sorologia)
1 série*
Sífilis primária Dose total: Dose única VDRL mensal
2.400.000 UI IM
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Farmacodermia;
Sarampo;
Rubéola;
Eritema Polimorfo;
Hanseniase wirchoviana;
Colagenoses.
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Entender os estágios da sífilis;
• Reconhecer a importância do teste rápido no diagnóstico da doença;
• Saber como proceder frente a uma infecção por Treponema
pallidum;
PONTOS IMPORTANTES
• Sífilis primária não é exclusiva de genitália; pode ocorrer em ânus e
cavidade oral;
Pediatria
HISTÓRIA CLÍNICA
10 anos, sexo feminino, natural e procedente de cidade de grande porte.
A mãe relata incontinência urinária contínua com perdas em pequenas
quantidades, observando gotas de urina na roupa íntima. Informa que a
paciente desenvolveu controle miccional aos três anos, deixando de usar
fraldas, porém passando a apresentar a queixa supracitada. A paciente
apresenta desejo e controle miccionais normais e urina normalmente. Nega
urgência miccional, disúria ou esforço para iniciar a micção e relata
episódios de prurido genital. Procurou atendimento médico previamente,
sendo informada que o controle miccional total seria adquirido
posteriormente, o que não ocorreu. Mãe informa ser a paciente previamente
hígida, exceto por dois episódios de infecção urinária febril ao 1 ano e 2
anos de idade. Foi submetida a antibioticoterapia e nega maiores
investigações.
EXAME FÍSICO
Estado geral bom, orientada, hidratada, normocorada, afebril. Ausência de
dismorfismos.
Pulso: 70 bpm; FR:18 ipm; Temperatura axilar: 37,5 oC, PA: 98 x 62mmHg.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais exames são necessários para o diagnóstico?
3. Qual a importância do exame físico detalhado neste caso?
4. Quais são as principais formas de tratamento?
5. Por que a nefrectomia foi a técnica de escolha para este caso?
DISCUSSÃO
A paciente do caso tem diagnóstico de duplicidade ureteral com ureter
ectópico. É um caso de malformação congênita induzida por um gene
autossômico dominante, com penetrância incompleta, sendo mais incidente
no sexo feminino. Esta malformação se inicia a partir do desenvolvimento
de dois brotos metanéfricos no ducto mesonéfrico, os quais darão origem
aos dois ureteres. Se o broto anômalo for mais caudal em relação ao broto
normal, terá uma inserção mais superior e lateral na bexiga, com maior
probabilidade de refluxo vesicoureteral. Caso seja mais cefálico, segundo a
lei de Weigert-Meyer, este terá inserção ectópica, a qual pode estar na
vagina, no útero ou na vulva, sendo essa última a localização encontrada na
paciente.
A história clínica é marcada pela incontinência urinária contínua, porém
com preservação do desejo e do controle miccional. Esta incontinência se
deve à localização anômala do ureter, que se abre no orifício anormal entre
a vagina e a uretra encontrado no exame físico da criança e não pela
incompetência dos esfíncteres. Observa-se, portanto, a importância do
exame físico detalhado, de modo a verificar a existência desse orifício e, se
presente, afastar outros diagnósticos diferenciais.
Quando a localização do orifício se encontra em órgãos internos, o
diagnóstico só poderá ser feito através de exames complementares, tais
como Urorressonância.
No exame físico, deve ser pesquisada a presença de anomalias
medulares – espinha bífida, meningocele ou mielomeningocele (o que
poderia se associar com uma disfunção do trato urinário inferior de origem
neurogênica), de orifícios anômalos na região perineal e/ou de massas
palpáveis no abdome. Na paciente não há alterações no exame físico além
do orifício do ureter ectópico.
Com relação aos exames complementares, foi realizada uma
ultrassonografia que mostrou dilatação do polo superior esquerdo,
sugerindo duplicidade ureteral. A partir do orifício anômalo foi injetado o
contraste para a realização da radiografia, a qual mostrou tratar-se do ureter
e confirmou o diagnóstico de duplicidade ureteral esquerda completa. Com
a cintilografia renal com DMSA, observou-se ausência de função no polo
superior esquerdo.
O tratamento é cirúrgico, podendo-se proceder com reimplante ureteral
no polo afetado ou nefrectomia. No caso da paciente citada, procedeu-se
com nefrectomia do polo superior esquerdo (Figura 4) devido à ausência de
função deste. A cirurgia foi realizada por via videolaparoscópica e ocorreu
sem complicações, tendo a paciente recebido alta após 48 horas de pós-
operatório.
Sinéquias labiais
Bexiga neurogênica
Micção disfuncional
Bexiga hipoativa (Lazy bladder)
Objetivos de aprendizado/competências
• Embriologia do sistema urogenital e possíveis malformações;
• Semiologia urogenital na duplicidade ureteral com ureter ectópico;
• Diagnósticos diferenciais de incontinência urinária na infância;
• Tipos de cirurgia para correção de duplicidade ureteral com ureter
ectópico;
Referências
1. Thomas, DMF; Duffy, PG; Rickwood, AMK. Duplications anomalies, ureterocoeles and
ectopic ureters. In: Rickwood, AMK; Madden, NP; Boddy, SM; editors. Essentials of
paediatric urology. United Kingdom: Informa Healthcare; 2008. p. 93-108.
2. Thomas, DMF; Duffy, PG; Rickwood, AMK. Urinary incontinence. In: Steinbrecher, HA;
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Informa Healthcare; 2008. p. 93-108.
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children: a report from the standardization committee of the international children’s continence
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5. Hoebeke, P.; Bower, W.; Combs, A.; De Jong, T.; Yang, S. Diagnostic evaluation of children
with daytime incontinence. J. Urol. 2010, 183:699.
6. Nevéus, T.; Von Gontard, A.; Hoebeke, P.; Hjalmas, K.; Bauer, S.; Bower, W.; Jorgensen, T. M.;
Ritting, S.; Walle, J. V.; Yeung, C. K.; Djurhuus, J. C. The standardization of terminology of
lower urinary tract function in children and adolescents: report from the standardisation
committee of the international children’s continence society. J. Urol. 2006, 176:314.
7. Von Gontard, A.; Baeyens, D.; Hoecke, E. V.; Warzak, W. J.; Bachmann, C. Psychological and
psychiatric issues in urinary and fecal incontinence. J. Urol. 2011, 185:1432.
Caso 89
LAPED - Liga Acadêmica de Pediatria
Autores: Mariana Vilela de Carvalho, Felipe de Oliveira Bertucci e Sayuri
Yatabe.
Orientador(a): Dra. Patrícia Fernandes Barreto Machado Costa (Profa.
assistente em Pneumologia Pediátrica pela UNIRIO. Especialista em
Pneumologia Pediátrica pela Associação Médica Brasileira, Sociedade
Brasileira de Pediatria e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO.
Pediatria
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente masculino, 5 anos de idade, iniciou, há 6 dias, tosse, rinorreia
clara e febre não aferida. Há dois dias vem apresentando dispneia com piora
da tosse e febre. Nesta ocasião, foi levado ao pronto atendimento,
realizando radiografia de tórax (Figura 1), que evidenciou hipotransparência
no terço superior de hemitórax direito, sendo portanto indicada
hospitalização. Após início do antibiótico, houve piora da dispneia com
queda da saturação de oxigênio (85%), e associou-se palidez cutânea,
distensão abdominal e vômitos, sendo o paciente transferido para unidade
de tratamento intensivo.
EXAME FÍSICO
FC: 168 bpm; FR: 61 irpm; Tax: 35,8 oC, PA: 90 x45 mmHg, saturação
92%.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 8,1 mg/dL 11,0 - 13,0 mg/dL
Hematócrito 26 % 36 - 44 %
Bastões 22% -
Linfócitos 12% -
Bioquímica
Sódio 135 mEq/L 135 - 145 mEq/L
Gasometria arterial
pH 7,15 7,35 - 7,45
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável para o paciente?
2. Quais as complicações identificadas no caso apresentadas pelo
paciente do ponto de vista respiratório e hemodinâmico?
3. Existe relação destas complicacões com o agente etiológico
identificado?
4. Diante do exposoto qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
O caso clínico ilustra a forma clássica de apresentação das pneumonias
comunitárias graves na infância. Neste caso, observamos as três principais
complicacões - derrame pleural, pneumonia necrotizante e sepse.
Em relação à etiologia bacteriana, o pneumococo Streptococcus
pneumoniae destaca-se como o principal agente etiológico causador de
pneumonia, seguido pelo Staphilococcus aureus, Haemophilus influenzae e
germes atípicos.
Na pneumonia bacteriana, distúrbios gastrointestinais podem estar
associados, caracterizados por vômitos, hiporexia, diarreia e íleo paralítico.
A distensão abdominal pode ser proeminente, em virtude da dilatação
gástrica causada pelo gás deglutido, que leva à dor abdominal. As
complicacões acontecem independente do agente etiológico, porém há
alguns agentes com muita frequência, como o Staphilococcus aureus. A
hipoxemia é um importante preditor de gravidade e mortalidade pela doença
e a caracteriza como muito grave.
A partir dos anos 1990, começaram a surgir relatos de infecções por
Stafilococcus aures Meticilino-Resistentes (MRSA) associadas à
comunidade (CA-MRSA) em pacientes sem fatores de risco identificáveis
para aquisição de MRSA, ou seja, que não tinham contato frequente, direto
ou indireto, com serviço de saúde que pudesse explicar a infecção por
MRSA associada aos cuidados de saúde.
Os CA-MRSA já foram descritos em varias regiões do globo, entre elas
o Brasil. Além de infectarem indivíduos sem fatores de risco aparentes,
essas cepas tem perfil de resistência e virulência peculiares. Quanto à
resistência, são menos resistentes a outras classes de antimicrobianos não-
betalactâmicos do que os tradicionais MRSA. Em relação à virulência, essas
cepas possuem amplo espectro de genes que comandam a produção toxinas,
entre elas a Panton Valentine Leucocine (PVL), uma exotoxina associada a
infecções graves de pele e partes moles, bem como a pneumonia
necrotizante (embora seu exato papel na patogenia dessas infecções não
tenha sido totalmente esclarecido).
Ao contrário de MRSA, que tradicionalmente apresenta origem
hospitalar, o MRSA de comunidade (CA-MRSA) geralmente atinge
crianças jovens (a maior incidência foi em crianças com idade inferior a
dois anos), sendo que as infecções invasivas registradas nos últimos anos
ocorreram mais frequentemente em crianças com pneumonia mais severa
ou que apresentavam casos de empiema associado.
De acordo com um estudo realizado no Christus Spohn Memorial
Hospital nos EUA, os casos de Ca-MRSA são definidos como pneumonia
em qualquer indivíduo que tenha uma infecção por MRSA e que não
apresenta os seguintes fatores:
Referências
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for the Treatment of Methicillin-Resistent Staphylococcus aureus Infections in Adult and
Children. IDSA Guidelines. January 4, 2011.
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previously healthy children Pediatric Critical Care Medicine, Vol. 10, Nº 3 327, 2009.
3. DIAZ, E; FERNANDEZ, I. M; JIMENEZ, L. RODRIGUEZ, M. SURANI, S. Is Methicillin-
Resistant Staphylococcus aureus Pneumonia Epidemiology and Sensitivy Changing?. The
American Journal of The Medical Sciences. Vol 343, Nº 3, p 196-198. Março 2012.
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Brasileiro de Pneumologia. 2007; Vol. 33, Supl. 1, S 31-S 50.
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FLORET, D.; VANDENESCHB, F.; ETIENNEB, J.; LINA, G. Pragmatic management of
Panton–Valentine leukocidin-associated staphylococcal diseases. International Journal of
Antimicrobial Agents, Vol. 38 , p.457– 464, 2011.
7. IWAMOTO, M.; MU, Y.; LYNFIELD, R.; BULENS, S.N.; NADLE, J.; ARAGON, D.; PETIT,
S.; RAY, S.M.; HARRISON, L.H.; DUMYATI, G.; TOWNES, J.M.; SCHAFFNER, W.;
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8. LOPEZ, M.B.; GONZALEZ, C.G.; ORELLANA, M.A. Staphylococcus aureus abscesses:
methicillin-resistance or Panton-Valentine leukocidin presence? Arch Dis Child 2013, Vol. 98,
p.608-610, Junho 2013.
9. MIMICA, M.J; CAIO M. F. MENDES, C.M.F. Diagnóstico laboratorial da resistência à
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11. QIAO, Y.; DONG, F.; SONG, W.; WANG, L.; YANG, Y.; SHEN, X. Hospital- and
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12. SHILO, N; QUACH, C. Pulmonary Infections and Community Associated Methicillin
Resistant Staphylococcus aureus: A Dangerous Mix?. Pediatric Respiratory Reviews. Vol 12, p
182-189. 2011.
Caso 90
LIMC - Liga de Medicina da Criança
Autores: Beatriz de Oliveira Freire, Bruna Viana Vieira e Bruno Yoshimitsu
Cavichioli Sato.
Orientador(a): Dr. Marcelo Feitoza Soares (Alergologia pediátrica).
Instituição: Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto
Central - FACIPLAC.
Pediatria
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente do sexo masculino, 1 ano e 5 meses, pardo, acompanhado pela
mãe, deu entrada no pronto atendimento infantil (PAI). Foi relatado que, há
2 meses, iniciou quadro de tosse produtiva com secreção pouco volumosa,
aspecto viscoso e coloração esverdeada, associado à dispneia em repouso e
febre leve de 37,9 oC recorrente. Procurou atendimento no qual foi
diagnosticado com pneumonia em fase inicial e iniciou tratamento com
Amoxicilina. Após 7 dias sem redução dos sintomas alterou-se o tratamento
para Amoxicilina com Clavulanato por 10 dias. Com apenas melhora
parcial do quadro retornou ao hospital sendo medicado com Azitromicina.
Sem a resolução esperada, realizou uma consulta com alergista onde se
levantou a suspeita de bronquite, medicando-o com Propionato de
Fluticasona e Salbutamol, ambos por via inalatória. No entanto, a
acompanhante relata que o paciente persiste com a sintomatologia inicial.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 11,3 g/dL 10,5 - 14,0 g/dL
RDW 16 11 - 16
Leucograma
Leucócitos 8.500/mm3 4.000 - 14.000/mm3
Pontos de discussão
1. Quais são os dados epidemiológicos mais relevantes?
2. Qual o diagnóstico mais provável e seus agentes etiológicos?
3. Quais os exames necessários?
4. Por que o hemograma não apresentou sinais de infecção?
5. Qual a conduta terapêutica apropriada?
Discussão
A pneumonia é a causa mais grave de infecção respiratória aguda (IRA),
sendo responsável por altas taxas de internação e óbito, principalmente nos
países em desenvolvimento - de cinco a dez vezes maiores do que nos
países desenvolvidos. O Brasil encontra-se entre os quinze países com o
maior número estimado de pneumonia. A pneumonia é mais incidente nas
crianças menores de 5 anos, especialmente nos lactentes.1-3,6 Estudos em
escala mundial correlacionam uma maior incidência de morte por
pneumonia em crianças que residem na zona rural e também naquelas com
mães de baixa escolaridade. Em países em desenvolvimento, os principais
fatores de risco definitivos são: nutrição deficiente, baixo peso ao nascer,
vacinação desatualizada, desmame precoce, poluição e aglomerações.6
Esse paciente apresenta o diagnóstico de pneumonia comunitária, pois
por definição, Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) é caracterizada
pelas manifestações clínicas na comunidade ou em até 48 horas após a
internação hospitalar.5 Os principais critérios diagnósticos são tosse e
dispneia, esta evidenciada pela taquipneia. No caso desse paciente, criança
entre 12 meses e 59 meses, o valor de referência da frequência respiratória
deve ser ≥ 40 irpm.1 Dentre os critérios de gravidade preconizado pela OMS
a presença de tiragens intercostais identifica a pneumonia como grave. Para
a pneumonia muito grave os sintomas são cianose central, dispneia grave e
a incapacidade de ingerir líquidos. É necessário apenas um sinal ou sintoma
para classificar em grave ou muito grave.4
Em crianças com idade entre 4 meses e 4 anos, os principais agentes
etiológicos da PAC são: vírus sincicial respiratório, parainfluenza,
influenza, adenovirus, rinovirus, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus
influenzae, Staphylococcus aureus, Mycoplasma pneumoniae e
Mycobacterium tuberculosis.1,3
Para o diagnóstico de pneumonia deve-se solicitar uma radiografia de
tórax em PA e perfil e exames laboratoriais, tanto específicos
(hemocultura), quanto inespecíficos (hemograma completo).3 Nesse
paciente, a radiografia de tórax evidenciou uma consolidação em lobo
inferior esquerdo, melhor evidenciado em perfil. O hemograma não
característico para pneumonia pode ser explicada pela antibioticoterapia
prolongada. No entanto, a presença de eosinofilia é explicada por um
quadro de asma associado. Pacientes asmáticos podem fazer pneumonias
com mais facilidade, pois as infecções de vias aéreas podem predispor a
crises. Logo, é importante em um paciente asmático e com IVAS sempre
observar e tratar as exacerbações das crises. No paciente em questão foram
trocando os antibióticos, mas não foi dado atenção ao tratamento da crise de
asma concomitantemente no início. É necessário sempre tratar rinite junto
com asma se o paciente for asmático e tiver rinite associada. A despeito da
necessidade de hemocultura, esta não foi realizada, pois a antibioticoterapia
já havia sido iniciada.
A terapia para a PAC é determinada pelos agentes mais freqüentes por
faixa etária. Para esse paciente em questão, o algoritmo terapêutico consiste
em iniciar o tratamento com Amoxicilina ou Penicilina Procaína ou
Eritromicina em caso de suspeita de bactérias atípicas. Se em 48 não houver
melhora do quadro, deve-se alterar o esquema para Amoxicilina com
Clavulanato ou Cefalosporina de 2ª geração. Na internação, devido à
gravidade do caso, a primeira opção a ser utilizada é Penicilina Cristalina
ou Ampicilina. Em casos muito graves, utiliza-se a associação de Oxacilina
mais Cloranfenicol ou Oxacilina mais Ceftriaxona. Se, após 48 horas, o
paciente não apresentar melhora ou se houver agravamentos - derrames,
abscessos, imunodepressão ou pneumococo resistente -, deve-se considerar
a associação de Vancomicina mais Ceftriaxona.1
Bronquiolite;
Asma aguda;
Pneumopatias crônicas;
Atelectasia;
Corpo estranho.
Pontos importantes
• O diagnóstico é clínico, não espere que os exames complementares
diagnostiquem para você;
Referências
1. Carvalho CMN, Marques HHN. Recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria para
antibioticoterapia em crianças e adolescentes com pneumonia comunitária. Rev Panam Salud
Publica/Pan Am J Public Health, 2004;15(6):380-7. Brazil.
2. Ferreira S, Sant’anna CC, March MFBP, Santos MARC, Cunha AJLA. Lethality by pneumonia
and factors associated to death. J. Pediatr. 2014;90:92-7. Brazil.
3. Ibiapina CC, Alvim CG, Rocha FG, Costa GA, Silva PCA. Pneumonias Comunitárias na
Infância: Etiologia, Diagnóstico e Tratamento. Rev Med Minas Gerais. 2004;14(1 Supl.1):S19-
S25. Brazil.
4. Jornal Brasileiro de Pneumologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na
comunidade em pediatria. J Bras Pneumol. 2007;33 (Supl 1):S31-S50.
5. pneumoatual.com.br [Internet]. Brasil: Pneumonia Adquirida na Comunidade; [updated 2007
Fev; cited 2014 Nov 26].
6. Rudan I, Boschi-Pinto C, Biloglav Z, Mulholland K, Campbell H. Epidemiology and etiology
of childhood pneumonia. Bulletin of the World Organization. 2008 May; 86(5): 408-16. 12.
Caso 91
LIMEN - Liga de Metabologia, Endocrinologia e Nutrologia
Autores: Davi Rocha Macambira Albuquerque, Marcos Paulo Ildefonso
e Rennan Teixeira de Araújo.
Orientador(a): Profa. Dra. Ana Karina de Melo Bezerra Sodré (Residência
em Endocrinologia USP e Doutorado em Endocrinologia USP; Profa. do
Curso de Medicina da UNIFOR).
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Pediatria
HISTÓRIA CLÍNICA
Feminino, 3 meses e 20 dias, natural e procedente de cidade de grande
porte. A mãe refere que a paciente nasceu de parto cesáreo a termo, após
gravidez que evoluiu sem intercorrências e que, ao nascimento,
diagnosticou-se defeito de linha média, que compreendia fissura labial
(lábio leporino) e fissura palatina (goela de lobo), além de um tumor de
base de língua. O tumor foi removido rapidamente, mas o resultado
anatomopatológico foi inconclusivo, mostrando apenas escassas células
foliculares, em meio a material coloide e estroma. Em virtude da cirurgia, a
família postergou a realização do Teste do Pezinho para cerca do vigésimo
dia de vida e, como esse exame mostrou TSH muito elevado, foi orientada a
repetir TSH e T4 Livre (T4L) com urgência, sendo novamente encontrado
TSH bastante elevado e T4 livre baixo.
EXAME FÍSICO
Peso: 6,3kg (próximo do percentil 50 para a idade); confirmada a
presença de fissura labial e palatina. Sem alterações nos demais sistemas.
EXAMES COMPLEMENTARES
Pontos de discussão
1. Quais os possíveis diagnósticos?
2. O que causa essa condição?
3. Qual o quadro clínico dos pacientes acometidos?
4. Qual seria o provável desfecho do caso se não tivesse sido feito o
Teste do Pezinho?
5. Quais as condutas diante do diagnóstico mais provável?
6. Qual a importância do Teste do Pezinho?
7. Quais os tipos de exames adequados para investigar o local de
deficiência hormonal?
Discussão
Em uma paciente de 28 dias de vida com altos níveis de TSH no Teste
do Pezinho e no sangue periférico se confirma o diagnóstico de
hipotireoidismo primário, cuja primeira hipótese etiológica seria o
hipotireoidismo congênito (HC), englobando todas as suas causas.
Entretanto, a paciente em questão foi submetida inadvertidamente à retirada
de tumor de base de língua, que se tratava de tireoide sublingual, dado que
não foi corretamente interpretado a partir do anatomopatológico e o que
pode ter levado ao hipotireoidismo, o qual seria caracterizado como
iatrogênico (HI).
A presença de tecido tireoidiano fora do seu local habitual é um evento
raro que ocorre em cada 100.000 a 300.000 pessoas, sendo o sítio mais
prevalente a base da língua (cerca de 90% dos casos) e com predominância
no sexo feminino (relação mulheres-homens entre 3:1 a 7:1), o que
converge para a apresentação do caso da paciente. Essa anomalia do
desenvolvimento embrionário é uma importante causa de HC, juntamente
com a agenesia de tireoide e a disormonogêse, embora exista a
possibilidade de haver função normal da glândula nos portadores dessa
condição. Alguns estudos apontam a coexistência de tecido tireoidiano
ectópico e uma glândula tópica e funcionante no mesmo paciente. Ou seja,
apesar da ectopia tireoidiana, não podemos assegurar que a paciente
apresentava hipotireoidismo antes da retirada cirúrgica da massa sublingual.
As principais causas de hipotireoidismo decorrem, sem dúvida, de
alguma alteração estrutural ou funcional da glândula tireoide que chamamos
de hipotireoidismo primário, como no caso da nossa paciente. Entretanto o
HC também é causado menos frequentemente por defeitos na hipófise
(hipotireoidismo secundário) ou no hipotálamo (hipotireoidismo terciário).
Nossa paciente estava assintomática à época do teste de triagem, talvez
por não ter havido tempo suficiente para manifestações clínicas, entretanto
mesmo no HC, os sintomas podem ser pouco expressivos, uma vez que o
T4 materno é capaz de ultrapassar a barreira placentária e que muitas
crianças podem ter algum tecido tireoidiano funcionante.
Embora o quadro clínico do hipotireoidismo congênito ou perinatal
possa não ser exuberante ou não ajude na definição da etiologia, já é
amplamente conhecido que quando não se diagnostica o hipotireoidismo ou
quando não se trata o bebê precocemente ou com o acompanhamento
adequado, essas crianças têm o crescimento e desenvolvimento mentais
seriamente comprometidos, além de poderem apresentar hipotonia
muscular, dificuldades respiratórias, cianose, icterícia prolongada,
constipação, bradicardia, anemia, sonolência excessiva, choro rouco, hérnia
umbilical, alargamento de fontanelas, mixedema, sopro cardíaco,
dificuldade na alimentação com deficiente crescimento de peso e estatura,
atraso na dentição, retardo na maturação óssea, pele seca e sem elasticidade.
O aspecto clínico mais marcante do HC é, sem dúvida, o atraso no
desenvolvimento neuropsicomotor e, em última instância, o retardo mental
irreversível, por outro lado, totalmente prevenível em face do diagnóstico
precoce e tratamento adequado.
A administração oral de L-T4 (levotiroxina) sódica é o tratamento de
escolha. A Academia Americana de Pediatria recomenda a dose de 10-15
mcg/kg/dia, a qual deve ser iniciada o mais precocemente possível. Estudos
apontam que, com essas doses, as concentrações de T4L se normalizarão
em 3 dias e as de TSH em duas a quatro semanas.
A única forma de administração aprovada é em comprimidos por via
oral, os quais devem ser macerados, dissolvidos com pequena quantidade de
água e administrados pela manhã, idealmente em jejum, e os pacientes
devem permanecer mais 30 minutos sem alimentação, já que alimentos,
especialmente que contenham soja, ferro ou cálcio interferem na absorção
do hormônio.
A idade de início do tratamento, a dose de L-T4 administrada e o
monitoramento do tratamento são essenciais para o desenvolvimento
cerebral do paciente com HC. Existe uma relação inversa entre a idade do
diagnóstico/tratamento e o quociente de inteligência. Crianças detectadas
pelos programas de triagem neonatal e tratadas nas primeiras semanas de
vida geralmente têm QI normal, embora alguns estudos mostrem alguns
déficits cognitivos. O monitoramento do tratamento é realizado através da
dosagem do TSH e T4 livre e a Academia Americana de Pediatria
recomenda que devem ser realizado periodicamente de acordo com a idade
da criança, a não ser em situações de aderência inadequada ao tratamento,
resultados de TSH alterados ou em caso de mudança de posologia da
medicação, momentos em que se pode aumentar a frequência dos testes.
Datas e valores utilizados no monitoramento do tratamento do HC
Após 2 - 4 semanas do início do T4L
Pontos importantes
• Sempre confirme se os neonatos já realizaram os testes de
rastreamento de doenças congênitas e quais foram os resultados;
Pediatria
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente J.L., sexo feminino, 6 anos, natural e procedente de cidade do
interior. Genitora relata que, há dois anos, a menor começou a apresentar
dor de cabeça leve, tipo pontada diariamente, geralmente à noite. No
mesmo período, apresentava episódios de perda da capacidade de segurar
objetos, perda da firmeza momentânea. Ainda no mesmo ano, cursou com
alteração da marcha tendo sido avaliada por um ortopedista. Apresentou
desvio de comissura labial para o lado direito e hemiparesia do lado
esquerdo.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 13,1 g/dL 10,5 - 14,0 g/dL
HCM 24,9 pg 27 - 34 pg
RDW 13,7% 11 - 16
Leucograma
Leucócitos 10.600/mm3 4.000 - 14.000/mm3
Bastonetes 0% 0 - 450/mm3
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a principal diferença na fisiopatologia do acidente vascular
encefálico em crianças e adultos?
2. Qual doenças podem estar relacionadas como fator causal?
3. Há influência genética sobre a ocorrência da possível patologia
associada?
4. Existe tratamento curativo? Qual?
DISCUSSÃO
A ocorrência de AVC pediátrico depende de uma etiologia multicausal,
tais como: anormalidades cardíacas (congênita ou adquirida), doença
hematológica, coagulopatias, vasculite, anomalias vasculares, infartos
venosos, infecções, desordens metabólicas, condições genéticas,
vasoespasmo, trauma e outras causas; e está associada à doença de base na
maioria dos casos.
No que diz respeito às desordens de cunho hematológico, a doença
falciforme é a causa mais comum de acidente vascular cerebral em
crianças, com uma taxa muito mais elevada do que aquelas observadas em
crianças sem a doença. Outros distúrbios trombóticos hereditários ou
adquiridos têm sido associados com AVC pediátrico, incluindo: anemia
(especialmente a deficiência de ferro), síndrome antifosfolípide, resistência
anormal da proteína C ativada (normalmente relacionada com a mutação no
Factor V de Leiden), deficiência de proteína C e proteína S, deficiência de
antitrombina III, mutação do gene da protrombina, níveis elevados de
lipoproteína (a), elevação de homocisteína.
A trombofilia consiste numa tendência à trombose em virtude de
alterações hereditárias ou adquiridas da coagulação ou da fibrinólise, que
levam a um estado pró-trombótico. A investigação laboratorial tem sido
baseada na investigação das vias plasmáticas de anticoagulação
(deficiências de antitrombina, proteína C, proteína S), na pesquisa de
disfibrogenemia e na presença de anticoagulante lúpico e anticorpos anti-
fosfolípides. Foram introduzidos novos testes, tais como, a resistência à
proteína C ativada, atribuída ou não à presença da mutação do fator V de
Leiden; a hiperprotombinemia atribuída à presença de mutação do gene da
protrombina; e a hiperhomocisteinemia atribuída a deficiências enzimáticas
e ou vitamínicas. O tratamento da trombofilia é realizado por meio do uso
de heparina (administrado por via intravenosa), a heparina de baixo peso
molecular (administrado em injeções debaixo da pele), varfarina
(administrado por via oral), anti-vitamina K, fibronolítico ou cirúrgico.
O diagnóstico do AVC é complexo e exige uma atenção redobrada do
profissional que atende essa criança em especial para as faixas etárias
pediátricas mais jovens em virtude de os sintomas serem pouco específicos
de uma forma geral. Sequelas neurológicas e comprometimentos
neuropsicomotores de longo prazo são comuns, estando intimamente
ligados à doença de base e à extensão das lesões cerebrais. As taxas de
recorrência são altas, justificando diagnóstico precoce e medidas
preventivas primárias ou secundárias para reduzir essas complicações.
Esquemas de tratamento padrão ainda não foram propostos para o manejo
de AVC em crianças. Um melhor treinamento dos médicos generalistas e
especialistas, principalmente pediatras, sobre o reconhecimento precoce de
sinais e sintomas pode contribuir para diagnósticos mais rápidos, assim
como para a redução de sequelas.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Ataque isquêmico transitório
Enxaqueca
Convulsões
Síncope/Pré-síncope
Intoxicação/Causa metabólica
Alterações Metabólicas
Hipoglicemia
Encefalopatia Hepática
Encefalopatia Pulmonar
Hiponatremia
Intoxicações
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• História clínica detalhada;
• Semiologia neurológica;
• Diagnósticos diferenciais de AVC na urgência;
• Evolução e complicações do AVC em pediatria;
• Utilização dos exames de imagem e laboratoriais no AVC.
Pontos importantes
• Diante de AVCi na população pediátrica, sempre considere a
possibilidade de anemia falciforme;
REFERÊNCIAS
1. FILHO, E. M.; CARVALHO, W.B. de;. Acidentes vasculares encefálicos em pediatria. Jornal
de Pediatria. Vol.85, nº6. Porto Alegre Nov./Dec. 2009. Acessado em: 14 de novembro de
2014.
2. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Cecil Tratado de Medicina Interna 23ª edição. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009.
3. MATUSHITA, H.; MATUSHITA, T. T.; CARDEAL, D.; ANDRADE, F.. Doenças cérebro-
vasculares na infância. Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria. 2014
Maio/Ago;18(2):165-175. Acessado em: 20 de novembro de 2014.
Caso 93
LAGH – Liga Acadêmica de Gastroenterologia e Hepatologia
Autores: Cecília Silva de Paula Faria, Diego Drummond Tanos Lopes e
Isabela Melo Barros
Orientador(a): Catarina Amorim Baccarini Pires (Especialista em Pediatria,
Neonatologia e Terapia Intensiva Pediátrica. Professora do Departamento da
Criança e do Adolescente no Instituto Metropolitano de Ensino Superior)
Instituição: Instituto Metropolitano de Ensino Superior, Ipatinga/MG
Pediatria
HISTÓRIA CLÍNICA
PHMB, 22 anos, solteiro, sexo masculino, leucoderma, natural e
procedente de cidade do interior, relatando dor em região sacral desde os 15
anos. A dor, iniciada pela primeira vez após atividade física, era de grande
intensidade, persistente e pior pela manhã. Devido à história familiar
positiva para doença autoimune, buscou atendimento médico. Então, foi
solicitada ressonância magnética (RNM) de articulações sacroilíacas e
pesquisa do HLA-B27 e, de acordo com o resultado dos exames foi
instituído o tratamento farmacológico e não farmacológico, porém paciente
não seguiu adequadamente a terapêutica proposta. Por isso, desenvolveu
dores articulares em joelhos e punhos de características semelhantes às dores
anteriormente referidas. Paciente afirma que, geralmente, os sintomas
surgem sem fator desencadeante, exceto a prática de futebol, cursando com
diminuição da amplitude de movimentos (não consegue encostar as mãos
nem nos joelhos), associado à piora do sintoma álgico e a rigidez articular,
além de mudança do temperamento desde o início da doença, se tornando
mais irritado, principalmente nos períodos de crise em que não consegue se
levantar da cama. Além disso, relata que a dor piora consideravelmente
quando faz uso de bebida alcoólica.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
DISCUSSÃO
A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é uma das doenças crônicas mais
comuns na infância, caracterizada por iniciar em crianças e/ou adolescentes
com idade inferior a 16 anos e ter uma duração de 6 ou mais semanas,
causando uma inflamação sistêmica prolongada que culmina na destruição
e/ou diminuição da função de algumas articulações1. O acometimento é
comum na fase pré-escolar e é raro antes dos seis meses de idade3. A
classificação vigente é de 1997, proposta pela International League for
Associations of Rheumatology (ILAR), com base na idade de início, número
e tipo de articulações envolvidas, presença de marcadores sorológicos, sinais
sistêmicos e sintomas1:
Artrite sistêmica
1: Subtipos da AIJ
Oligoartrite extensa Afeta mais de 4 articulações após os 6 primeiros meses da doença. Geralmente
aparece antes dos 6 anos e apresenta-se com uma artrite assimétrica nas articulações
do membro inferior (ancas, joelhos e tornozelos). 50% cursa com monoartrite1.
Oligoartrite persistente Mesmas características da classificação anterior, porém afeta 4 ou menos articulações
durante o decurso da doença1.
Poliarticular com FR Poliartrite simétrica (5 ou mais) que afeta maioritariamente as pequenas articulações
positive das mãos e pés, joelhos, tornozelos, coluna cervical e ATM. Caracterizado pela
presença de FR e IgM em pelo menos duas ocasiões, com mais de 3 meses de
intervalo1. Pode haver artrite agressiva4.
Poliarticular com FR Poliartrite assimétrica (5 ou mais). Não apresenta FR e IgM positivos e está
negative frequentemente associado à presença de anticorpos antinucleares positivos1. Pode
manifestar sintomas sistêmicos4.
Psoriática Oligoartrite assimétrica e Psoríase, ou artrite com de pelo menos 2 dos critérios
maiores: parente de primeiro grau com psoríase ou onicólise e dactilite1.
Relacionada à entesite Artrite e/ou entesite com no mínimo duas características seguintes: Dor em
articulação sacroilíaca e/ou dor inflamatória em coluna lombossacra, HLA-B27
postivo, uveíte anterior aguda, início após 6 anos e em menino ou história de
espondilite ancilosante, artrite relacionada à entesite, sacroileíte com doença
inflamatória intestinal, síndrome de Reiter ou uveíte anterior aguda em parente de
primeiro grau6.
Indiferenciada Não preenche critérios para nenhuma categoria ou se encaixa em duas ou mais
categorias1.
PCR1 Anticorpos1
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Espondiloartropatias Artrite Séptica Artrites Reativas
Raquitismo
• Diagnósticos diferenciais;
• Manejo do paciente pós diagnostico.
DICAS PRÁTICAS
• A AIJ está entre as doenças crônicas mais comuns da infância.
• Seu desenvolvimento decorre de expressão e interação de fatores
genéticos e ambientais.
• O diagnóstico é clínico.
• Exames laboratoriais auxiliam na quantificação da inflamação e
acompanhamento da evolução da doença.
REFERÊNCIAS
1. Soares ARCS. Artrite Idiopática Juvenil: da etiologia ao tratamento. Porto. Dissertação
[Mestrado em Medicina Dentária] – Universidade Fernando Pessoa; 2015.
2. Sztainbok FR, Serra CRB, Rodrigues MCF, Mendonza E. Doenças Reumáticas na adolescência.
J Pediatr (Rio J) 2001;77(Supl.2):234-244;
3. Castro TDM, Obana FK, Martins MFM, Andrade CAF. Efeitos Adversos Metabólicos dos
Glicocorticóides no Tratamento da Artrite Idiopática Juvenil: uma Revisão Sistemática. Revista
de Saúde 2010 Jul/Dez; 1(2):31-42;
4. Sakamoto AP, Peracchi AB, Terreri MTRA, Len CA. Artrite Idiopática Juvenil. Pediatria
Moderna 2013 Set; 49(9):398-402;
5. Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente do Departamento de
Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto FMRP-USP. Crescimento
na Artrite Idiopática Juvenil [cited 2018 Jan 29].
6. Roberto MA, Terreri MTRA, Len C, Muccioli C, Hilário MOE. Uveíte na artrite idiopática
juvenil. Jornal de Pediatria 2002;77(1):62-66.
Caso 94
Liga Acadêmica de Clínica Médica da Paraíba
Autores: Everton Camilo Vasconcelos da Nóbrega e Hélita Bezerra Freitas.
Orientador(a): Maria Enedina Claudino de Aquino Scuarcialupi (Médica
Pneumologista, Profa. da Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba).
Instituição: Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba.
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
73 anos, masculino, encaminhado ao ambulatório de especialidades com
queixas de falta de ar e tosse seca há 3 anos. Conta que há 6 meses passou a
apresentar dispneia aos moderados esforços. Ultimamente vem notando uma
piora progressiva, inicialmente apresentando dispneia aos médios esforços e
mais recentemente aos mínimos esforços e, por vezes, em repouso. Ao longo
de 6 meses refere tosse seca persistente e importante diminuição na
tolerância ao exercício. Possui antecedentes de tabagismo (150 anos/maço).
Refere dor torácica, edemas em membros inferiores, inapetência, perda de
peso (10kg em 6 meses). Nega febre, expectoração, roncos, exposições
ocupacionais, uso álcool/drogas ilícitas, pirose, epigastralgia, vômitos,
diarreia, apneia do sono. Uso regular dos broncodilatadores formoterol e
tiotrópio.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Icon_exames.ai
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Gasometria arterial
pH 7,44 7,35 - 7,45
Espirometria:
Pre-Farm. Pos-Farm. Pos-Pre
Parâmetro Prev.
CALC. %TEO CALC. %TEO %
CVF (L) 3.67 1.98 53.82 2.00 54.51 0.69
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o provável diagnóstico para o caso em questão?
2. Qual(ais) exame(s) confirmariam a hipótese diagnóstica?
3. Qual a razão das alterações na espirometria?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
O tabagismo continua a ser um grave problema de saúde pública mundial
e, embora sua magnitude e impacto relativo varie entre diferentes
populações, é considerado a principal causa evitável de morte em vários
países.1
Os grupos de doenças pulmonares que abrigam a maioria das doenças do
aparelho respiratório correspondem às seguintes categorias (Quadro 1):
doenças obstrutivas e distúrbios restritivos. O primeiro grupo é caracterizado
por processos que envolvem a obstrução brônquica, redução do fluxo
expiratório e aprisionamento de quantidade excessiva de ar no pulmão. O
segundo grupo inclui uma variedade de processos que acometem
principalmente o interstício pulmonar, resultando em uma diminuição da
elasticidade e da expansão pulmonar.
Nos distúrbios obstrutivos, o ar em excesso no interior dos alvéolos traz
como conseqüência a redução na retração elástica e o aumento da resistência
das vias aéreas. Já nos distúrbios restritivos ocorre o inverso, o
acometimento do parênquima pulmonar, aparelho neuromuscular
respiratório e/ou caixa torácica provoca um aumento da retração elástica do
parênquima pulmonar e redução da resistência das vias aéreas. Ambos
englobam entidades de diferentes características clínico-patológicas.
Distúrbios obstrutivos
Asma
Bronquiectasia
Bronquiolite
Distúrbios restritivos
Doenças Intersticiais do pulmão
Distúrbios restritivos
Diminuição dos volumes pulmonares
CV e CPT diminuídas
VEF1/CVF normal
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Doenças pulmonares intersticiais
associadas ao tabagismo (smoking related
interstitial lung disease)
Pneumonia intersticial descamativa
Neoplasias
Câncer de pulmão
Tumores de traqueia
Enfisema
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Anatomia e fisiologia pulmonar;
• Semiologia torácica nos distúrbios obstrutivos e restritivos;
• Compreensão dos parâmetros específicos das provas de função
pulmonar nos distúrbios obstrutivos, restritivos e combinados;
REFERÊNCIAS
1. World Health Organization. WHO report on the global tobacco epidemic, 2009: implementing
smoke-free environments. Geneva: World Health Organization; 2009.
2. American Thoracic Society: Idiopathic pulmonary fibrosis: diagnosis and treatment.
International consensus statement. American Thoracic Society (ATS), and the European
Respiratory Society (ERS). Am J Respir Crit Care Med 2000, 161:646-664.
3. Rabe KF, Hurd S, Anzueto A, Barnes PJ, Buist SA, Calverley P, Fukuchi Y, Jenkins C,
Rodriguez-Roisin R, van Weel C, Zielinski J: Global Initiative for Chronic Obstructive Lung
Disease. Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive
pulmonary disease: GOLD executive summary. Am J Respir Crit Care Med 2007, 176:532-555.
4. Wiggins J, Strickland B, Turner-Warwick M. Combined cryptogenic fibrosing alveolitis and
emphysema: the value of high resolution computed tomography in assessment. Respir Med.
1990;84(5):365-9.
5. Grubstein A, Bendayan D, Schactman I, Cohen M, Shitrit D, Kramer MR. Concomitant upper-
lobe bullous emphysema, lower-lobe interstitial fibrosis and pulmonary hypertension in heavy
smokers: report of eight cases and review of the literature. Respir Med. 2005;99(8):948-54.
6. Hiwatari N, Shimura S, Takishima T. Pulmonary emphysema followed by pulmonary fibrosis of
undetermined cause. Respiration 1993; 60: 354–358.
7. Cottin V, Nunes H, Brillet PY, Delaval P, Devouassoux G, Tillie-Leblond I et al. Combined
pulmonary fibrosis and emphysema: a distinct underrecognised entity. Eur Respir J.
2005;26(4):586-93.
8. Dias OM, Baldi BG, Costa AN, Carvalho CRR. Combined pulmonary fibrosis and emphysema:
an increasingly recognized condition . Jornal Brasileiro de Pneumologia 2014;40(3):304-312.
Caso 95
LACan - Liga Acadêmica de Cancerologia
Autores: Rita de Cássia Araujo Rocha, Joyce Aparecida Lira e Erica Alves
da Silva.
Orientador(a): Dra. Michelle Samora de Almeida (Oncologista Clinica,
Universidade Federal
de São Paulo - UNIFESP).
Instituição: Universidade Anhembi Morumbi - UAM.
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
54 anos, masculino, procedente de cidade de grande porte, pedreiro,
viúvo. Paciente vem à consulta com queixa de dispneia progressiva há 1
ano, no momento aos pequenos esforços, acompanhado de tosse com
secreção esbranquiçada e halitose. Nega febre, hemoptise e refere
emagrecimento de 9Kg em 7 meses (13,6%), caracterizando síndrome
consuptiva. Já diagnosticado com hiperplasia prostática benigna em uso de
Doxazosina à noite. Ex-tabagista há 3 meses (120 anos-maço), etilista
social. Nega diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, asma,
arritmia, cirurgia prévia. Nega historia familiar de câncer.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
1 Amostra 2 Amostra
Baciloscopia Negativa Negativa -
Espirometria
CVF 3,12% 83%
DISCUSSÃO
O paciente possui neoplasia de pulmão. Esta é uma das principais causas
de morte no mundo e, segundo o INCA, a estimativa de novos casos em
2014 foi de 16,79 a cada 100 mil homens e 10,72 a cada 100 mil mulheres.1
O risco para o desenvolvimento de câncer de pulmão ocorre devido a
uma interação entre a susceptibilidade individual e o agente etiológico. O
tabaco é o agente principal da gênese tumoral, pois induz a um acumulo de
anormalidades genéticas e epigenéticas que levam a lesões invasivas e pré-
invasivas, aumentando de 20-30 vezes as chances em relação ao não
fumante. Mas, apesar deste ser o maior causador, outros agentes como
asbesto, dieta e poluição também estão presentes na formação tumoral.2
São classificados, principalmente, como pequenas células e não
pequenas células. Dentre as não pequenas células estão os
adenocarcinomas, de células escamosas e de grandes células. Comumente
são detectados em estágios avançados, pois a sintomatologia em estágios
iniciais dificilmente ocorre. É altamente letal sendo sua razão de
mortalidade/incidência, aproximadamente, 0,86.1 Os sintomas mais comuns
são tosse, dispneia, hemoptise e dor torácica e os locais mais frequentes
para acometimento metastático à distância são, o sistema nervoso central,
fígado, ossos e adrenais.
O diagnóstico definitivo ocorre após a biópsia que pode ser feita pela
broncoscopia ou punção transcutânea guiada por TC. A broncoscopia é o
exame mais utilizado, pela maior segurança, avaliação de cordas vocais,
carina principal e a extensão de brônquio normal até o inicio do
acometimento neoplásico que auxiliará no estadiamento e programação
cirúrgica.2
O laudo da biópsia do paciente descreveu um adenocarcinoma invasivo
acinar mucossecretor. Este subtipo de adenocarcinoma representa 70% dos
tumores ressecados e consiste de diferentes tipos histológicos complexos e
heterogêneos. São tipicamente sólidos ou em sua maioria sólida e
frequentemente apresentam aerobroncogramas.3 O anatomopatológico tem
grande importância, pois além de concluir o diagnóstico também é utilizado
para escolha do melhor tratamento e do prognóstico do paciente.
Outros exames complementares são necessários após a confirmação. A
TC de abdome, a ressonância magnética do encéfalo e a cintilografia óssea
e/ou PET-CT.2 Estes são importantes para realizar o estadiamento, que
determinará a extensão anatômica do câncer através do sistema TNM. Esta
classificação baseia-se em:
T - Características do tumor primário4
M - A presença de metástase4
M0 Sem metástases à distância conhecidas.
Câncer Oculto (TX, N0, M0) - As células cancerosas são vistas em uma
amostra de catarro ou outros fluidos pulmonares. mas o câncer não é
detectado em outros exames, de modo que sua localização não pode ser
determinada.
Estágio 0 (Tis, N0, M0) - É o câncer localizado, chamado de câncer in situ, limitado à camada mais superficial que recobre as vias aéreas.
Estágio IA (T1a/T1b, N0, M0) - Tumor com menos de 3 cm sem comprometimento de linfonodos regionais ou outros órgãos.
Estágio IB (T2a, N0, M0) - O tumor tem entre 3 - 5 cm de diâmetro. Não há comprometimento de linfonodos regionais ou outros órgãos.
Estágio IIA (T1a/T1b, N1, M0; T2a, N1, M0; T2b, N0, M0) - O tumor se espalhou para os linfonodos do mesmo lado do tumor primário,
mas não atingiu o mediastino nem outros órgãos.
Estágio IIB (T2b, N1, M0; T3, N0, M0) - Tumor maior que 5 cm que se espalhou para os linfonodos hilares, ou brônquios, ou pleura, ou
vias aéreas, ou mediastino, ou pericárdio, ou outros órgãos distantes.
Estágio IIIA (T1 to T3, N2, M0; T3, N1, M0; T4, N0 ou N1, M0) - Tumor de qualquer tamanho que atinge os linfonodos do mediastino
do mesmo lado, mas não outros órgãos distantes.
Estágio IIIB (qualquer T, N3, M0; T4, N2, M0) - Qualquer tamanho de tumor que infiltrou extensamente os linfonodos, mas não atingiu
outros órgãos ou tumor que invadiu mediastino, coração, grandes vasos, traqueia, esôfago, espinha dorsal ou desenvolveu novos nódulos
na mesma região do tumor ou derrame pleural com células tumorais, mas sem metástases mais distantes. Pacientes que tenham derrame
pleural com células tumorais são tratados como estágio IV.
Estágio IV (qualquer T, qualquer N, M1a; qualquer T, qualquer N, M1b) - Qualquer tumor que tenha atingido órgãos distantes
(metástases à distância).
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Infecciosos
Tuberculose pulmonar
Micetoma
Cisto hidático
Abscesso pulmonar
Pneumonia crônica
Imunológicos
Síndrome de Weger
Síndrome de Goodpasture
Neoplásicos
Hamartoma
Metástase à distância
Outros
DPOC
Asma
Insuficiência Cardíaca
Infarto pulmonar
Objetivos de aprendizados
• Semiologia pulmonar;
• Epidemiologia do câncer pulmonar;
• Orientar o paciente assiduamente para cessar o tabagismo;
• Sintomatologia tardia, sendo necessário diagnóstico precoce;
• Exames complementares que auxiliam na suspeita e no diagnóstico;
• Estadiamento da neoplasia pulmonar;
• Diagnósticos diferenciais para pesquisa;
Pontos importantes
• A presença de queixa de dispneia, tosse e síndrome consumptiva
associada ao tabagismo de longa data sugere neoplasia de pulmão;
Referências
1. Instituto Nacional do Câncer (Brasil). Estimativas 2014: Incidência de Câncer no Brasil /
Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, Coordenação de Prevenção e
Vigilância.. Rio de Janeiro: INCA, 2014.
2. Lopes A, Chammas R, Iyeyasu H. Oncologia para Graduação. 3º edição. São Paulo, Lemar
2013; 50: 390-400.
3. Gardiner N, Jogai S, Wallis A. The revised lung adenocarcinoma classification – an imaging
guide. J Thorac Dis 2014; 6(S5): S537-S546. doi:10.3978/ j.issn.2072-1439.2014.04.05.
4. Vieira S C. et al. Oncologia Básica. 1º edição. Teresina, PI: Fundação Quixote, 2012; 2: 23-40.
5. National Lung Screening Trial Research Team. Reduced lung-cancer mortality with low-dose
computed tomographic screening. N Engl J Med. 2011; 365: 395–409.
Caso 96
Liga Acadêmica de Infectologia com Foco em AIDS
Autores: Carolina Mazza de Menezes, Barbara Britto Oliveira e Deusa
Kaizer da Costa.
Orientador(a): Alberto dos Santos de Lemos (Mestre em Medicina -
Doenças Infecciosas
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ).
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO.
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
P.C.S, homem, 54 anos, pardo, natural e procedente do interior do
sudeste do Brasil, dá entrada em hospital de referência com queixa de ferida
na perna.
Refere que, há um ano, surgiram múltiplas lesões ulceradas localizadas
em abdome, tronco e flancos. Nos últimos 18 meses, evoluiu com perda
ponderal de 7 kg. No segundo semestre do ano anterior, relata piora do
quadro, apresentando astenia, tosse seca, odinofagia, disfagia, dor e edema
frio nos tornozelos. Neste mesmo período, referiu febre de 40° C, mas não
sabendo informar quantos episódios nem o horário dos mesmos.
EXAME FÍSICO
Normal.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 9,5 mg/dL 12,00 - 16,00g/dL
Imunológicos
Fração de complemento C3 189,2 70 - 150
VDRL Negativo -
TPHA Negativo -
HTLV Negativo -
Pontos de discussão
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais exames são necessários para o diagnóstico?
3. Qual a razão para as alterações nos exames laboratoriais
(hemograma e leucograma)?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
Discussão
O paciente apresenta um quadro de histoplasmose disseminada causada
pelo fungo dimórfico Histoplasma capsulatum, acometendo principalmente
pele e glândula adrenal direita. A doença é adquirida pela inalação dos
conídeos, presentes no solo ou nas fezes de aves e morcegos, os quais
chegam intactos aos alvéolos pulmonares, estimulando a resposta
inflamatória do hospedeiro. Células mononucleares e macrófagos presentes
nos pulmões são inaptos para destruir o patógeno. Desse modo, o fungo se
multiplica no interior dessas células, atinge os linfonodos para-hilares e
mediastinais e, a partir de então, ganha a circulação sistêmica, provocando
quadros inflamatórios em diversos órgãos.
Em um indivíduo imunocompetente, de duas a três semanas após a
infecção, o sistema imune responde, estimulando a produção de anticorpos
específicos e a formação de granulomas com necrose caseosa central, que
posteriormente originam fibromas e calcificam, conseguindo conter a
disseminação do fungo. O paciente do caso, no entanto, apresenta a forma
disseminada da doença, em que há resposta imune do tipo Th2 com
capacidade de inibir a resposta protetora Th1, o que explica a eosinofilia
encontrada nos exames laboratoriais. Com isso, os granulomas não se
formam adequadamente, permitindo elevada proliferação de macrógafos,
altos títulos de anticorpos e evasão do patógeno do foco de infecção. A
evolução da doença é, assim, progressiva e disseminada.
Nesse tipo de infecção pode haver acometimento de órgãos ricos em
macrófagos, como baço, medula óssea, fígado, linfonodos e adrenais. Na
tomografia computadorizada (TC) do paciente foi encontrado um nódulo na
glândula adrenal direita (imagens não disponíveis), contribuindo ainda mais
para a hipótese diagnóstica de histoplasmose disseminada. Essa situação
ocorreu devido a uma possível condição de imunodepressão do paciente,
ainda que ele seja HIV negativo. Houve também acometimento da medula
óssea que se manifestou pela linfopenia encontrada nos exames
laboratoriais, além da presença de múltiplas lesões cutâneas polimórficas
(pústulas e úlceras, principalmente) em face, tórax, abdome e flanco.
O padrão na tomografia, neste caso, assemelha-se muito ao da
tuberculose miliar, pois há uma disseminação da doença sem a adequada
resposta imune.
O diagnóstico baseia-se no achado do fungo em secreções e/ou tecidos e
na sorologia específica. Neste caso, o fungo foi encontrado em esfregaço de
exsudato das lesões cutâneas e no exame histopatológico, através de biópsia
das lesões que continham granulomas epitelióides com microorganismos
visíveis no interior de células fagocíticas, a partir de colorações especiais
(Gomori-Grocott e PAS). Além disso, o exame sorológico foi também
positivo para histoplasmose, contribuindo para a confirmação da hipótese
diagnóstica.
A terapêutica adotada para a infecção disseminada foi de itraconazol na
dose de 200mg/dia, aumentada após um mês para 400mg/dia, por ainda
existirem algumas lesões ulceradas, e uso contínuo por 1 ano. Com a
persistência da histoplasmose na medula óssea, optou-se pelo uso conjunto
de anfotericina B desoxicolaco e itraconazol.
Leishmaniose visceral
Criptococose disseminada
Paracoccidioidomicose
Linfomas
Esporotricose
Sífilis
Paracoccidioidomicose
Tuberculose
Carcinoma espinocelular
Pontos importantes
• Histoplasmose não é doença exclusiva de imunodeprimido.
Depende, além da imunidade, da carga fúngica adquirida;
Referências
1. Ferreira S.M., Borges A.S., Histoplasmose; Revista da Sociedade Brasileira de Medicina
Tropical 42(2):192-198, mar-abr, 2009.
2. DeMonbreum WA. The cultivation and cultural characteristics of Darling’s Histoplasma
capsulatum. Am J Trop Med 1934; 14:93-125.
3. Dodd K, Tompkins EH. A case of histoplasmosis of Darling in a infant. Am J Trop Med 1934;
14:127-137.
4. Severo LC. Micoses Sistêmicas. Condutas em Pneumologia 2001:453-456.
5. Dismukes WE. Histoplasmose. Cecil Tratado de Medicina Interna 1997; 20: 2004-2008.
6. Ozols II, Wheat LJ. Erythema nodosum in an epidemic of histoplasmosis in Indianapolis. Arch
Dermatol 1981; 117: 709-712.
7. Mandell, Douglas, and Bennett´s Principles and Practice of Infectious Diseases 7th Edition.
Caso 97
Liga Acadêmica de Clinica Médica PUC-PR
Autores: Letícia Grazielly Wagner e Thalyta Kepka.
Orientador(a): Dra. Orjana Freitas (Pneumologista - PUCPR).
Instituição: Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR.
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 84 anos, feminina, viúva há 10 anos, procedente de cidade de
grande porte. Aposentada, trabalhou com cultivo de algodão durante a maior
parte da vida. Apresenta nível de escolaridade baixo, alfabetizada.
Atualmente reside com uma das filhas, mas mantém independência e
autonomia.
Comorbidades:
EXAME FÍSICO
FR: 24 mrpm, FC: 88 bpm, T(ax): 35,9 graus. PA: 140x80 mmHg.
Membro inferior direito com edema até coxa 2+/4+, panturrilhas livres, sem
sinais de empastamento, Membro inferior esquerdo com edema de MMII +/4
(Figura 3).
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Quais diagnósticos a paciente apresenta?
2. Que fatores podem contribuir para a dispnéia?
3. Uma condição pode estar agravando o quadro clínico, qual seria?
4. Como explicar os achados de imagem? Existem outras possibilidades
que não a pneumonia para os achados de imagem?
DISCUSSÃO
Trata-se de uma paciente ex-tabagista (fator de risco para doença
pulmonar obstrutiva crônica), que apresentou um quadro de pneumonia,
possuindo ainda algum grau insuficiência cardíaca diastólica (pela
hipertrofia do ventrículo esquerdo). Todos esses fatores já contribuem para a
dispnéia. Porém a paciente apresenta um quadro de insuficiência respiratória
e que não tem apresentado melhora significativa mesmo em uso da terapia
antibiótica. Além disso nos últimos dias apresenta uma trombose venosa
profunda no membro inferior direito. Portanto deve-se pensar que além de
todas essas condições citadas a paciente pode estar apresentando um quadro
de tromboembolia pulmonar.
O TEP é uma das principais causas de óbito intra-hospitalar, chegando a
levar a óbito aproximadamente 10% dos pacientes internados. Além disso,
junto com as consequências da trombose venosa profunda, é motivo de
grande morbidade em decorrência de síndrome pós-trombótica e da
hipertensão pulmonar secundária que pode desenvolver.
A maior parte dos trombos, que causam embolia pulmonar, é proveniente
de veias profundas proximais dos membros inferiores (TVP), e ocorrem por
meio de lesão endotelial, estase sanguínea e hipercoagulabilidade (tríade de
Virchow), associados a fatores genéticos e adquiridos que também tem
contribuição importante na fisiopatologia da doença. Sabe-se que sem
profilaxia adequada, 40 a 60% dos pacientes clínicos e cirúrgicos de alto
risco acabam desenvolvendo trombose venosa profunda (TVP) e uma
parcela destes pacientes desenvolverá tromboses mais proximais, com maior
risco de embolia pulmonar.
Seu diagnóstico é um desafio em qualquer pronto-socorro, pois sem
tratamento adequado a mortalidade pode superar os 30%, pensando assim,
observamos ser uma doença de grande importância clínica, já que seu
desfecho depende basicamente do reconhecimento rápido e da agilidade no
tratamento.
Nesse caso o diagnóstico foi presuntivo de TEP, uma vez que a paciente
apresenta trombose venosa profunda. Para o diagnóstico da embolia
pulmonar o melhor exame nesse caso seria uma angiotomografia pulmonar.
Porém de qualquer forma a paciente já necessita do uso de anticoagulação,
pela própria TVP.A anticoagulação é o fundamento do tratamento bem
sucedido. Inicia-se a anticoagulação com um fármaco parenteral – heparina
de baixo peso molecular (HBPM), heparina não-fracionada (HNF) ou
Fondaparinux.
Após qualquer episódio de TEP/TVP, como regra, mantemos o
tratamento anticoagulante via oral prolongado, seja ele com um antagonista
de vitamina K (Varfarina) ou com um inibidor do fator Xa (Rivaroxabana).
Alguns fatores como a gravidade do quadro clínico no início, a extensão das
sequelas pulmonares ou da TVP e o estado clínico do paciente podem ser
considerados para a ampliação do tratamento, que pode durar de três meses a
duração indefinida.
A Varfarina, antagonista da vitamina K, classicamente utilizada na
profilaxia secundária, necessita de pelo menos cinco dias de uso para que
exerça seu efeito completo, mesmo que o tempo de protrombina e o RNI,
usados para monitorização, aumentem mais rápido que isso. Além desse
inconveniente, há necessidade do controle periódico do RNI, que sofre
alteração com a mudança do padrão alimentar do paciente, com o uso
concomitante de outros medicamentos e com outras situações clínicas.
Como novidade do mercado farmacológico, o uso da Rivaroxabana
(Xarelto®), um anticoagulante que atua na inibição do fator de coagulação
Xa, vem sendo ampliado para o campo da TVP e do TEP devido ao seu
rápido inicio de ação, sua facilidade posológica, seu baixo risco de
interações medicamentosas e pela não necessidade de controle do RNI.
Contudo, este aumento no uso do medicamento para estes fins, vem
acompanhado do retorno de alguns pacientes aos ambulatórios com
reincidência ou ainda com complicações hemorrágicas na vigência do
tratamento profilático.
Apesar da complexidade no uso da Varfarina, alguns profissionais tem
optado por este tratamento, já que na vigência de uma hemorragia o controle
com reposição de vitamina K é possível, diferente do uso com Rivaroxabana
que ainda não apresenta antídoto utilizável.
A TVP tem maior probabilidade de ocorrer em pessoas com fatores de
risco, que são: idade, trombofilias, cirurgias, traumatismos, gravidez e
puerpério, imobilidade ou paralisia, TVP prévia, câncer, reposição hormonal,
AVC prévio, infeções graves, quimioterapia, obesidade, infarto do
miocárdio).
Outras situações são importantes no desencadeamento da trombose:
cirurgias de médio e grande porte, infecções graves, traumatismo, a fase
final da gestação e o puerpério. Uma situação que obrigue a uma
imobilização prolongada (paralisias, infarto agudo do miocárdio, viagens
aéreas longas) deve-se ficar atento à possibilidade dessa patologia. Entre as
condições predisponentes é importante citar ainda a idade avançada e os
pacientes com anormalidade genética do sistema de coagulação.
A TVP pode ser de extrema gravidade na fase aguda, causando embolias
pulmonares muitas vezes fatais, onde ocorre a migração dos êmbolos para o
pulmão, causando obstrução.
Os principais problemas na fase crônica, após dois a quatro anos, são
causados pela inflamação da parede das veias que, ao cicatrizarem, podem
levar a um funcionamento deficiente destes vasos sanguíneos.
Suspeita-se desse diagnóstico quando um paciente apresenta clínica
típica, associado muitas vezes aos fatores de risco já citados. Porém nem
sempre os sintomas são muito exuberantes, fazendo com que seja difícil a
confirmação. A mesma pode ser feita com um Ecodoppler (padrão ouro),
que poderá demonstrar dilatação e conteúdo hipoecóide sugerindo trombo
agudo.
OBJETIVOS DE
APRENDIZADOS/COMPETÊNCIA
Cascata de coagulação
Pontos importantes
• Atente para a trombose venosa profunda que surge em pacientes sem
fatores de risco óbvios; ela pode ser o sinal para uma trombofilia
primária ou secundária;
REFERÊNCIAS
1. Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. Acesso em dezembro/2014.
2. O’Donnell M, Weitz JI. Thromboprophylaxis in surgical patients. Can J Surg. April 2003:129-
35.
3. N Engl J Med 2012; 367:1979-1987 nov 28.
Caso 98
Liga Acadêmica de Clínica Médica
Autores: Letícia Grazielly Wagner e Natália Cotta.
Orientador(a): Dra. Orjana Freitas (Pneumologista - PUCPR).
Instituição: Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR.
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 74 anos, masculino, oriental, natural e procedente de cidade
de grande porte, professor de ensino médio aposentado. Vem à consulta
ambulatorial com a queixa de tosse seca, associada à dispneia aos esforços
extra-habituais (subir escadas) e chiado, quando procurou assistência
médica.
Relata que os sintomas apareceram há 3 semanas. A tosse era seca e se
apresentava em crises; melhorava com o uso de broncodilatadores. Nega
febre, nega secreção, porém relata sintomas de rinite alérgica. Evolui com
mudança do padrão da tosse e da voz.
Faz uso de dipropriato de beclometasona, captopril (orientado a
suspensão do mesmo, sem melhora da tosse), rosuvastatina cálcica,
anlodipino, metformina, AAS. Hipertenso e dislipidemico. Nega alcoolismo
e tabagismo. Uma filha tem o diagnóstico de asma. Outra filha com história
de glioblastoma. Histórico de AVC prévio, porém sem sequelas
significativas.
EXAME FÍSICO
Bom estado geral e nutricional, lúcido e orientado no tempo e espaço,
mucosas normocrômicas, acionóticas, anictérico. Eupnéico, afebril.
EXAMES COMPLEMENTARES
Pré % %
Indice Pós 1 Variação Min Prev Max Unids
BD Prev Prev
VEF1 1,88 63 1,98 66 5 2,23 2,99 3,75 1
VEF1/CFV 68 - 68 - -0 69 77 84 %
DISCUSSÃO
O paciente em questão apresenta um tumor que obstrui 90% da traquéia.
Os tumores primários da traqueia são raros, representando apenas 0,3% de
todos os tumores.3
A incidência destes tumores é inferior a 0,2 por 100 000 habitantes e 180
vezes menos frequente do que os tumores do pulmão.2 É possível que a
raridade dessa patologia se deva ao fluxo turbulento que ocorre na traqueia e
protege a mucosa do depósito de carcinogénios inalatórios.1 Também
podemos associar ao fato de que esses tumores não possuem sintomas
específicos, resultando em um diagnóstico frequentemente tardio. Quando o
diagnóstico é feito em tempo, apresentam bom prognóstico. Entretanto,
quando esses tumores se tornam inoperáveis, causam asfixia e morte do
paciente.
Os principais sintomas do tumor traqueal são tosse, dispneia, presença de
sibilo ou estridor e muitas vezes presença de sangue no escarro.
Os tumores primários de traquéia são definidos como aqueles que
aparecem entre a cricoide e a carina. São primários porque têm origem do
mesmo lugar onde se instalam. Comumente esses tumores estão localizados
no terço inferior da traqueia, sendo o carcinoma mucoepidermoide e o
carcinoma de células escamosas os tipos histológicos mais frequentes.
Tumores secundários são em sua maioria metástases ou invasão direta de
tumores próximos a traqueia, como pulmão e esôfago.
Na investigação desse tipo de patologia, uma radiografia de tórax na
admissão do paciente já pode ser útil. A radiografia do tórax pode mostrar
uma massa mediastínica ou paratraqueal.2 O tumor pode ser
desenhado/contornado por ar, que é mais facilmente observado numa
película mais penetrada.3 Pulmões hiperinsuflados podem ser observados,
mas isto é mais comum com obstrução das vias aéreas inferiores. A
tomografia computadorizada é importante e de grande valor para o
estadiamento cirúrgico.1 Uma espirometria é útil no sentido de diagnosticar
padrões obstrutivos e auxiliar na topografia da obstrução. A broncoscopia é
mandatória, pois só ela confirma de forma segura o diagnóstico, permitindo
localizar a lesão e avaliar a sua extensão.1 Quando associada a uma biópsia,
permite identificar a origem e o tipo de tumor.
Conduta terapêutica: o tratamento varia de acordo com o diagnóstico.
Para os tumores primários benignos ou malignos pequenos, o tratamento
normalmente é cirúrgico e consiste na retirada da área comprometida da
traqueia. Para os tumores malignos mais extensos, na maioria das vezes o
tratamento é endoscópico e paliativo. Por meio de uma broncoscopia é
possível realizar a ressecção do tumor, com o objetivo de impedir a
obstrução do fluxo de ar. Outro tratamento possível é a colocação de uma
prótese dentro da própria traqueia, para manter abertura suficiente para a
ventilação. Existem poucos estudos randomizados sobre tumores de traqueia,
sendo que ainda não se chegou a um consenso se a radioterapia teria alguma
vantagem sobre a ressecção cirúrgica da lesão. Porém quase sempre a
cirurgia é indicada para esses casos, salvo com contraindicações absolutas.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Clínicos
Asma
Insuficiência cardíaca
Pneumonite
Reação alérgica
OBJETIVOS DE
APRENDIZADOS/COMPETÊNCIA
• Anatomia regional da traqueia;
• Diagnósticos diferenciais de tosse seca;
• Manifestações clínicas de tumor de traqueia e sua incidência.
Pontos importantes
• Sintomas inespecíficos não podem ser descartados. Investigue
sempre!
REFERÊNCIAS
1. Maria João Marques, Renato Sotto -Mayor. Tratado de Pneumologia. Vol. II, 2003: 1273-7.
2. Houston HE, Payne WS, Harrison EG Jr, Olsen AM.Primary cancers of the trachea. Arch Surg
1969;99:132 -40.
3. G John Gibson, Duncan M Geddes, Ulrich Costabel,Peter J Sterk, Bryan Corrin. Respiratory
Medicine. Third Edition. Vol. two, 1056-63.
4. Bhattacharyya N. Contemporary staging and prognosis for primary tracheal maligna a
population–based analysis. Otolaryngol Head Neck Surg 2004; 131 (5):639-42.
Caso 99
Liga Acadêmica de Anatomia Clínico-cirúrgica do Rio Grande do Norte
Autores: Isaac Felipe Leite Braz e Rodrigo do Carmo Silva.
Orientador(a): Prof. Dr. Felipe Costa de Andrade Marinho (Pneumologista
na UFRN).
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN.
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
C. N. S. R., feminino, 77 anos, residente em município da faixa litorânea
do nordeste brasileiro. Paciente comparece a atendimento ambulatorial
referindo piora, nos últimos quatro meses, de um quadro de dispneia
progressiva que possui há mais de 20 anos. Não procurou atendimento
especializado previamente para esclarecer a dispneia crônica. Relata que,
agora, apresenta dispneia aos mínimos esforços, dispneia paroxística
noturna e ortopneia. Associado ao quadro, queixa-se de edema em membros
inferiores, principalmente esquerdo, associado à intensa dor local. Refere
tosse seca esporadicamente, sem outras queixas. É sedentária. Nega
tabagismo, diabetes mellitus, dislipidemia, terapia de reposição hormonal,
câncer em atividade, imobilização, pós-operatório recente, trauma recente e
condições médicas agudas.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 11,6g/dL 12,00 - 16,00g/dL
Bastonetes 2% 0 - 8%
Bioquímica
Glicemia 118mg/dL 70 - 99mg/dL
Eletrólitos Normais -
Figura 1. Angiotomografia computadorizada do tórax evidenciando falha de
enchimento nas artérias pulmonares e em ramos segmentares e
subsegmentares, indicativo de TEP, e discreto derrame pleural em
hemitórax esquerdo.
Figura 2. Radiografia de tórax evidenciando cardiomegalia e dilatação do
tronco pulmonar.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Existe alguma correlação entre as queixas referentes ao membro
inferior esquerdo e os sintomas respiratórios?
2. Qual é o diagnóstico mais provável?
3. Quais os fatores de risco para esta patologia?
4. Que conduta diagnóstica deve ser tomada?
5. Qual a conduta terapêutica mais adequada?
DISCUSSÃO
A paciente em questão apresenta um quadro de manifestações
respiratórias simultâneas a sinais e sintomas dos membros inferiores. Com
essa percepção, o pensamento que se segue deve questionar se tais
comemorativos são isolados ou se estão correlacionados entre si. Nesse
contexto, os dados da história clínica e exame físico devem chamar a
atenção para a provável coexistência de trombose venosa profunda (TVP) e
tromboembolia pulmonar (TEP), uma vez que até 40% dos casos de TVP
cursam com TEP associada.8
Essa frequente concomitância decorre do fato de a TEP ser a
complicação aguda de maior incidência da TVP, sendo potencialmente fatal:
o trombo que bloqueia o fluxo sanguíneo no interior de uma veia profunda
da perna, coxa ou pelve (90% dos casos acometem membros inferiores) se
desprende, de modo que o retorno venoso o conduz às câmaras cardíacas
direitas, alcançando, em seguida, a artéria pulmonar.2,8 A impactação do
êmbolo na circulação arterial pulmonar pode causar um distúrbio na relação
ventilação/perfusão - surgem áreas que são ventiladas, mas
inadequadamente perfundidas. Além disso, certos mediadores liberados
pelas plaquetas atuam provocando vasoconstrição, o que aumenta a
resistência pulmonar, contribuindo para o surgimento da hipóxia,
exteriorizada na queixa de dispneia.8
Ademais, de acordo com sua prevalência, os sintomas de TEP incluem
dispneia ao repouso ou aos pequenos/médios esforços (73%); dor pleurítica
(44%); dor com ou sem edema em panturrilha (44%); tosse (37%);
ortopneia (28%); chiado (21%) e hemoptise (13%). No entanto, o paciente
pode se apresentar oligossintomático.7
Cumpre ressaltar, ainda, que as manifestações clínicas apresentadas pela
paciente devem nos direcionar para outros diagnósticos diferenciais, haja
vista que os sintomas e sinais do quadro são inespecíficos. Diante disso, a
consideração dos fatores de risco de TEP é fundamental, pois nos permite a
determinação da probabilidade pré-teste dessa condição. Tal informação nos
dará mais confiança no diagnóstico e, também, irá nos orientar na conduta
para sua confirmação por meio de exames complementares.4
Principais fatores de risco para embolia
pulmonar5,6
Idade > 65 anos
Trombofilias
Obesidade
Síndrome metabólica
Poluição atmosférica
Imobilização
Pós-operatório
Trauma
Câncer
Câncer +1
Hemoptise +1
Uma pontuação > 6 (seis) neste escore sugere alta probabilidade de TEP.
Pontuação < 2 (dois), uma baixa probabilidade. E pontuação ≥ 2 e ≤ 6,
probabilidade intermediária. | Atualmente, o escore de Wells para TEP é
mais frequentemente usado considerando-se 4 pontos como ponto de corte,
permitindo a classificação dicotômica de TEP em provável e improvável.4
A herança familiar também tem grande valia, uma vez que história de
TVP em parentes de primeiro grau aumenta a suscetibilidade para
fenômenos tromboembólicos venosos.3
Aliado à avaliação clínica e ao escore de Wells, recomenda-se que a
abordagem inicial do paciente envolva os exames “de rotina”, os quais não
possuem finalidade diagnóstica (apenas avaliação do estado geral) e cujos
principais achados são:8
Pneumomediastino
Tamponamento cardíaco
Pneumotórax
Pericardite aguda
Tumores torácicos
Asma aguda
Tuberculose pleuropulmonar
Bronquiectasias
Pontos importantes
• Em pacientes com suspeita de TEP, lembre-se de investigar seus
fatores de risco!
Referências
1. Terra-Filho M, Menna-Barreto SS. Recomendações para o manejo da tromboembolia
pulmonar: diagnóstico diferencial. J Bras Pneumol. 2010; 36(1): 15-16.
2. Rollo HA, Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Castiglia V. Uso rotineiro da flebografia no
diagnóstico da trombose venosa profunda dos membros inferiores. Cir Vasc Angiol. 1986; 2:
7-12.
3. Bezemer ID, van der Meer FJ, Eikenboom JC, Rosendaal FR, Doggen C. The value of family
history as a risk indicator for venous thrombosis.J. Arch Intern Med. 2009; 169(6): 610.
4. Goldhaber SZ, Bounameaux H. Pulmonary embolism and deep vein thrombosis. Lancet. 2012;
379: 1835-46.
5. Kyrle PA, Eichinger S. Deep vein thrombosis. Lancet. 365: 1163-74.
6. Goldhaber SZ, Grodstein F, Stampfer MJ, Manson JE, Colditz GA, Speizer FE, et al. A
prospective study of risk factors for pulmonary embolism in women. JAMA. 1997; 277(8):
642.
7. Stein PD, Beemath A, Matta F, Weg JG, Yusen RD, Hales CA, et al. Clinical characteristics of
patients with acute pulmonary embolism: data from PIOPED II. Am J Med. 2007; 120(10):
871.
8. Cavalcanti EFA, Martins HS. Clínica Médica dos Sinais e Sintomas ao Diagnóstico e
Tratamento. Barueri: Manole, 2007.
9. Mendonça MR, Jorge TCB, Albuquerque FN. Tromboembolismo pulmonar: como eu trato.
HUPE. 2009; 8(2): 67-76.
10. Góes-Junior AMO, Mascarenhas F, Mourão GS, Elkis H, Pieruccetti MA. Tratamento de
tromboembolismo pulmonar por aspiração percutânea do trombo - relato de caso. J Vasc Bras.
2010; 9(3): 190-5.
Caso 100
LAAH - Liga Acadêmica de Anatomia Humana
Autores: Sandro Alex Pereira Rolim de Araújo e Mariana Alves Granjas
Dantas.
Orientador(a): Dra. Laura Janne Lima Aragão (Pediatra Pneumologista -
IMIP / PE, Mestra em Saúde da Criança e Adolescente).
Instituição: Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN.
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Lactente masculino, 9 meses, admitido no serviço de doenças
respiratórias com picos febris diários, tosse seca, por vezes produtiva, em
antibioticoterapia oral. Internado com diagnóstico de pneumonia.
Antecedentes patológicos: Aos 2 meses, anemia e otite media aguda à
direita; aos 3 meses, bronquiolite; aos 4 meses, adenomegalia cervical
abscedada; aos 6 meses, broncopneumonia com derrame pleural à direita não
drenado. Relato de contato, aos 5 meses, com familiar extradomiciliar em
tratamento para tuberculose. Genitora fazia referência que a cicatriz da BCG
formava pequena úlcera com remissão espontânea, processo que permaneceu
até o nono mês de vida. Antecedentes pré-natal e neonatal: Genitora teve
doença hipertensiva específica da gestação, infecção por gardenerella e
ureoplasma tratadas. VDRL e HIV negativos. G1/P1, parto cesáreo, a termo
sem intercorrências peri-natal. Aleitamento materno exclusivo. Vacinação
atualizada.
EXAME FÍSICO
Estado geral regular, acianótico, anictérico, febril, hipocorado, astênico,
taquidispneico.
P: 09 Kg; Estatura: 72cm; FC: 145bpm; Tax: 37,9 oC; PA: 70 x 60mmHg;
FR:56 irpm.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
C4 23 mg/dL 12 - 36 mg/dL
HIV Negativo -
* NBT (Nitrobluetetrazolium).
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Como evoluiu o caso?
2. Baseado na evolução quais exames deveriam ser solicitados?
3. E quais condutas tomadas?
4. Qual conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
Aos 10 meses, com pneumonia, febre diária, perda de peso, anemia,
relato de contato com bacilo de Koch suspeito e não resposta aos antibióticos
convencionais; iniciou-se teste terapêutico com esquema E-1 para
tuberculose. Obteve melhora, ficando com febre intermitente. Chamava
atenção o fato das radiografias de tórax de controle não apresentarem
melhora radiológica nos meses subsequentes.
Com um ano e um mês surgiu episódio de otite média aguda bilateral
supurada tratada, sendo posteriormente instituída profilaxia com
sulfametoxazol-trimetoprim dose plena diária, ocasião que ficou afebril,
melhorando do quadro geral. Apresentou posteriormente três amidalites
bacterianas sucessivas; com 1 ano e 6 meses, apresentou gânglio cervical
esquerdo aumentado de volume, lobulado, não móvel, associado a pequenos
gânglios em regiões cervical direita, inguinal e hepatoesplenomegalia.
Exames: Paul-Bunnel, anticapsídeo viral IGM, sorologia para toxoplasmose
e citomegalovírus negativas.
Completando 1 ano e 7 meses, evoluiu com novo episódio de pneumonia.
Internado novamente iniciaram-se vários esquemas de antibióticos venosos
sem melhora. Realizadas hemoculturas, lavado broncoalveolar, por
broncoscopia, sendo todos inconclusivos. Após 15 dias, persistia com febre
diária, tosse, desconforto respiratório que evoluiu para insuficiência
respiratória. Transferido para UTI pediátrica foi submetido à ventilação
mecânica assistida. Iniciados antifúngicos e medicações para tuberculose
multirresistente, pois novas radiografias de tórax e tomografia evidenciaram
padrão micro nodular em pulmões. Realizou culturas, sorologias para germes
específicos e inespecíficos sendo todos negativos. Novo teste tuberculínico
não reator. Realizou biópsia pulmonar a céu aberto (Figura 3.) com
histopatológico confirmando Granulomatose com Poliangeíte
(Granulomatose de Wegener) (Figura 4). Iniciou ciclofosfamida, porém pela
sua evolução progressiva e grave, foi ao óbito.
Figura 3. Biópsia aberta: imagem do intra-operatório.
Dispneia
Padrão Micro-Nodular Na TC
Tuberculose e Imunodeficiência
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente, 22 anos, sexo masculino, previamente hígido, iniciou há quatro
semanas quadro de dor pleurítica em hemitórax esquerdo, associado a
quadro de tosse seca, febre de até 38oC e sudorese noturna. Procurou
atendimento médico, apresentando à admissão no pronto-socorro.
EXAME FÍSICO
T: 38,0 oC; PA: 110x70 mmHg; FC: 110 bpm; FR: 26 rpm; SatO2: 95% em ar
ambiente.
Ausência de linfonodomegalias.
Ausência de sinais focais.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 13,5 g/dL 13,5 - 18g/dL
Bastões 2% -
Bioquímica
Creatinina 0,8 mg/dL 0,7 - 1,3mg/dL
Gasometria
pH 7,43 7,35 - 7,45
BE -1 -2 a +2
Pontos de Discussão
1. Como você descreveria a radiografia de tórax?
2. Qual seria a sua próxima conduta?
DISCUSSÃO
Na radiografia de tórax, foi visualizada opacidade ocupando 1/3 inferior
do hemitórax esquerdo, resultando em velamento do seio costofrênico
ipsilateral. Observe que existe uma curva voltada para cima e para o
mediastino (parábola de Damoiseau). Considerando essas alterações
radiológicas e a propedêutica descrita acima, podemos afirmar que
estamos diante de um caso de derrame pleural (DP). É interessante citar
que, para haver a obliteração do seio costofrênico na radiografia em PA, é
necessária a presença de 100 - 250 ml de líquido pleural. A radiografia em
Laurell (incidência em decúbito lateral com raios horizontais) é ainda mais
sensível, podendo detectar DP inferiores a 50 ml, além de avaliar se o
derrame encontra-se ou não septado. Quando septado, existem adesões entre
as pleuras parietal e visceral, impedindo o reposicionamento do líquido após
mudança de decúbito. Caso permaneça a dúvida, a ultrassonografia e a
tomografia de tórax (especialmente na janela de mediastino) são decisivas
nesse aspecto.
Como estamos diante de um caso de derrame pleural a esclarecer, é
mandatória a realização de toracocentese diagnóstica. Excepcionalmente,
derrames pequenos podem ser observados, considerando pequenos aqueles
que, na radiografia de tórax em decúbito lateral, têm espessura inferior a 1
cm (ou 10 mm).
Uma vez realizada a toracocentese, o objetivo inicial é a caracterização
do derrame pleural como transudato ou exsudato (Tabela 1). Em algumas
situações, a toracocentese fornece o diagnóstico de imediato, como ocorre no
empiema, no quilotórax e no hemotórax. Nos transudatos, não há
envolvimento primário da pleura, não havendo necessidade de futuros
estudos do líquido pleural ou biópsias pleurais. O diagnóstico deve ser
conduzido na direção de doenças que cursam com aumento da pressão
hidrostática, diminuição da pressão oncótica, diminuição da pressão no
espaço pleural ou comunicação com a cavidade peritoneal. Nos exsudatos, o
derrame pleural é, em geral, consequência de processos infecciosos,
inflamatórios ou neoplásicos da pleura e estudos mais detalhados do líquido
serão indicados conforme a suspeita clínica.
Tabela 1. Tipos de Derrame Pleural
Transudato
Insuficiência cardíaca congestiva (ICC) Glomerulonefrite
Cirrose Mixedema
Síndrome nefrótica Embolia pulmonar
Diálise peritonial Sarcoidose
Obstrução da veia cava superior Condição hipoalbuminêmica
Exsudato
Tabela 1. Tipos de Derrame Pleural
Miscelânia:
Doenças infecciosas
Síndrome de Meigs
Doenças neoplásicas
IRC com hemodiálise
Embolia pulmonar
Síndrome de Dressler
Doenças colágeno-vasculares
Síndrome das unhas amarelas
Doenças gastrintestinais
Linfangioleiomiomatose
Pontos de Discussão
1. Com base nos resultados acima, como você classifica este líquido
pleural considerando os critérios de Light? Justifique.
2. Cite duas doenças que são compatíveis com os resultados do líquido
pleural acima.
3. Você teria pedido mais exames, além dos descritos acima, no líquido
pleural para confirmação do diagnóstico? Justifique.
Discussão
A presença de pelo menos um critério de Light é compatível com o
diagnóstico de exsudato, líquido pleural de caráter inflamatório. Os três
critérios de Light disponíveis na literatura são:
Tromboembolismo pulmonar
Referências
1. Seiscento M, Conde MB, Dalcolmo MM. [Tuberculous pleural effusions]. J Bras Pneumol.
2006;32 Suppl 4:S174-81.
2. Light RW, Macgregor MI, Luchsinger PC, Ball WC Jr. Pleural effusions: the diagnostic
separation of transudates and exudates. Ann Intern Med. Oct 1972;77(4):507-13.
3. Light RW, Erozan YS, Ball WC Jr. Cells in pleural fluid. Their value in differential diagnosis.
Arch Intern Med. Dec 1973;132(6):854-60.
4. Ali HA, Lippmann M, Mundathaje U, Khaleeq G. Spontaneous hemothorax: a comprehensive
review. Chest. Nov 2008;134(5):1056-65.
5. Light RW. Clinical practice. Pleural effusion. N Engl J Med. Jun 20 2002;346(25):1971-7.
Caso 102
LIGAPI - Liga Acadêmica de Pneumologia e Terapia Intensiva
Autores: Mônica Maria Costa do Rêgo Álvares, Thaís Pinheiro Honorato e
Layrianne de Sá Barbosa.
Orientador(a): Dr. Fernando Sergio Studart Leitão Filho (Residência em
Clínica Médica e Pneumologia pela UNIFESP - Dr. em Ciências da Saúde
pela UNIFESP).
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 65 anos, ex-tabagista (60 anos-maço), refere há três dias
sensação de febre não aferida, queda do estado geral, adinamia, aumento da
dispneia, aumento da produção de escarro e mudança de coloração (passou
de mucoide para amarelado).
Relata que recebeu diagnóstico de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
(DPOC) há 2 anos. No momento, vem em uso de formoterol 12 mcg, 2x/dia
+ inalação 3x/dia (Soro Fisiológico (SF) 0,9% 05 ml + fenoterol 05 gts +
ipratrópio 30 gts), com melhora parcial dos sintomas. Em virtude da piora
clínica, os familiares decidiram trazê-lo ao Pronto Socorro (PS) para ser
avaliado.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Normal
Bioquímica
Normal
Gasometria
pH 7,28 7,35 - 7,45
Outros Exames
Troponina Negativa -
DISCUSSÃO
A radiografia mostra indícios de hiperinsuflação (hipertransparência
difusa, aumento do número de arcos costais projetados sobre os campos
pulmonares, retificação das cúpulas diafragmáticas, aumento do espaço
retroesternal e do diâmetro ântero-posterior do tórax).
O diagnóstico é compatível com um caso de caso de exacerbação aguda
de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (EADPOC), uma vez que o
paciente apresenta os critérios de Anthonisen (aumento da dispneia basal,
aumento da purulência e do volume do escarro expectorado). Pode ser
decorrente de causas infecciosas ou não infecciosas. No caso em questão, a
presença de febre e escarro purulento indicam etiologia infecciosa. Outro
conceito para se ter em mente é que a exacerbação infecciosa clássica da
DPOC é, na verdade, uma traqueobronquite, tendo como principal
diagnóstico diferencial a pneumonia, aqui excluída, em virtude de não haver
alterações radiográficas compatíveis (presença de nova opacidade ou novo
infiltrado radiológico). Além disso, os achados à ausculta pulmonar mostram
alterações difusas, o que também fala contra o diagnóstico de pneumonia,
que cursa com alterações localizadas à propedêutica respiratória.
Não há indícios para se pensar em síndrome coronariana aguda, uma vez
que o eletrocardiograma (ECG) não identificou achados compatíveis e a
troponina mostrou-se normal. Tromboembolismo venoso pode representar
uma causa de exacerbação não infecciosa de DPOC, entretanto, esse
diagnóstico é improvável, uma vez que o paciente apresenta baixa
probabilidade clínica (escore de Wells < 4) e o D-dímero mostrou-se ainda
dentro da faixa de normalidade (< 500 ng/ml).
A exacerbação infecciosa de DPOC exige naturalmente a prescrição de
antibióticos, como o uso de quinolonas respiratórias (levofloxacino ou
moxifloxacino). Devem ser utilizados broncodilatadores em doses repetidas
(fenoterol + ipratrópio a cada 20 minutos - até 3 doses e, em seguida, até
4/4h horas até estabilização do quadro). Corticosteroides sistêmicos também
devem ser utilizados, uma vez que promovem a recuperação mais rápida da
função pulmonar e das trocas gasosas. Não há consenso quanto à melhor
dose ou via de administração; por outro lado, nos casos mais graves,
geralmente se opta pelas apresentações endovenosas (hidrocortisona ou
metilprednisolona), posteriormente substituídas por curso de prednisona por
mais alguns dias (entre 5-14 dias). Nos episódios de EADPOC evoluindo
com acidose respiratória aguda, está formalmente indicada a utilização de
ventilação não invasiva (na ausência de contraindicações), já que está
associada à redução do trabalho respiratório, manutenção e recrutamento dos
volumes pulmonares, além de redução da dispneia. Isso explica, porque a
VNI, quando corretamente empregada, reduz o risco de intubação
orotraqueal, também contribuindo para redução do tempo de internação
hospitalar e diminuição de mortalidade.
Observe que o paciente possui sinais de disfunção do ventrículo direito,
representados pela turgência jugular, desdobramento e hiperfonese de B2,
hepatomegalia e edema de MMII, o que é compatível no caso acima com o
diagnóstico de cor pulmonale descompensado. Assim, de acordo com a
diretriz GOLD (Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease,
2014) e o II Consenso Brasileiro de DPOC (2004), a identificação de cor
pulmonale faz com que esses pacientes sejam classificados como DPOC
estádio IV, independentemente dos valores de VEF1 pós-broncodilatador
(volume expiratório forçado no primeiro segundo da manobra de capacidade
vital forçada), observados à espirometria.
A presença de hipoxemia crônica, segundo o GOLD, também classifica
esses pacientes como estádio IV. É verdade que o paciente encontra-se
hipoxêmico no momento, o que pode ser explicado pela piora transitória da
função pulmonar e das trocas gasosas decorrente do próprio episódio de
exacerbação. Assim, a prescrição ou não de O2 domiciliar dependerá da
evolução clínica do paciente durante a internação atual.
Conforme as diretrizes e consensos atuais, o tratamento do paciente pode
ser otimizado, devendo incluir os seguintes medicamentos:
Tromboembolismo venoso
Diagnóstico excluído, pelo fato de o escore de Wells
revelar baixa probabilidade clínica (<4) e o D-dímero
ainda se encontrar dentro da normalidade (< 500ng/ml).
Referências
1. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Global strategy for the diagnosis,
management and prevention of chronic obstructive pulmonary disease. Bethesda: NHLBI/WHO
workshop report; 2014; Available from: www.goldcopd.com.
2. Jardim JR, de Oliveira JC, Nascimento O. II Consenso Brasileiro sobre Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica - DPOC. Jornal Brasileiro de Pneumologia. 2004; 30 (S.5):9-41.
3. Studart, Fernando Sérgio; Duarte, Alípio M. Exacerbação aguda de Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica. In: Fábio Freire José; Letícia Sandre Vendrame. (Org.). PROTERAPÊUTICA - Ciclo 2
/ Volume 1. 1º ed. Porto Alegre: Artmed, 2014, p. 9-37.
4. Studart, Fernando Sergio; Motta, Eduardo M. Insuficiência Respiratória Aguda e Ventilação Não
Invasiva. In: Júlio César Gasal Teixeira. (Org.). Unidade de Emergência - Condutas em
Medicina de Urgência. 3º ed. São Paulo: Atheneu, 2013, v. 01, p. 257-269.
5. Fernandez, J.J.; Studart, Fernando Sergio. Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. In: Júlio César
Gasal Teixeira. (Org.). Unidade de Emergência - Condutas em Medicina de Urgência. 3º ed. São
Paulo: Artmed, 2013, v. 01, p. 293-304.
6. Studart, Fernando Sergio. Exacerbações de DPOC. In: Carlos Alberto de Castro Pereira; Marcelo
Alcântara Holanda. (Org.). Medicina Respiratória. 01º ed. São Paulo: Atheneu, 2013, v. 1, p.
775-784.
Caso 103
Liga Acadêmica de Clínica Médica de Pernambuco
Autores: Cynara Karolina Rodrigues da Cruz, Erb Gama Cambrainha
Monteiro e Marttina Carolline de Moura Ferreira Gomes.
Orientador(a): Dr. Rodrigo Agra Bezerra dos Santos (Clínica Médica e
Endocrinologia, Prof. Auxiliar da UPE Campus Garanhuns).
Instituição: Universidade de Pernambuco - UPE.
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
J. V. B., feminino, 36 anos de idade, branca, casada, professora,
procedente de cidade do interior. Vem apresentando crises de edema e dor
nos tornozelos, cefaleia enxaquecosa e sintomas constitucionais há mais ou
menos um ano. A paciente relata que há aproximadamente 1 ano procurou o
serviço de emergência com queixa de edema quente inicialmente em
tornozelo esquerdo evoluindo para o direito e forte cefaleia (3+/4+). Relata
história de internações recentes por quadro semelhante sendo medicada para
os sintomas e concedida a alta posteriormente. Informa que durante a
primeira internação devida a forte cefaleia foi solicitado uma punção do
líquor sem nenhuma alteração. Após a primeira alta foi encaminhada para
avaliação de um angiologista que solicitou uma ultrassonografia com
Doppler dos membros inferiores, que não mostrou sinais de trombose
venosa profunda. Ainda relata ter percebido, neste mesmo período, o
surgimento de telangectasias com nódulos endurecidos na região maleolar
associado à artralgia. Durante esse mesmo episódio deu entrada no pronto-
socorro, sendo atendida por um reumatologista que diante de um quadro de
atrite periférica de tornozelos associado aos achados de eritema nodoso e
sintomas constitucionais solicitou imagem tomografia de tórax com que
demonstrou múltiplas linfonodomegalias mediastinais bem como peri-
hilares bilateralmente. A paciente foi então submetida à toracotomia para
biópsia de linfonodos mediastinais. Após procedimento, apresentou novas
crises de cefaleia associadas a episódios eméticos, dando entrada
novamente no pronto-socorro.
EXAME FÍSICO
T: 37 oC; FC: 92 bpm; PA: 130x90 mmHg; FR: 13 ipm; pulso radial cheio,
simétricos.
EXAMES COMPLEMENTARES
C4 22.7 16 - 45
Anti-DNA Negativo -
Sorologia viral
HIV Não reagente -
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a principal hipótese diagnóstica?
2. Qual a possível etiologia?
3. Quais os critérios para Síndrome de Loefgren?
4. Qual o melhor exame de imagem para diagnóstico da doença em
questão?
5. Qual a importância da ECA no diagnóstico?
6. Qual o principal exame para o diagnóstico?
7. Quais indicações para terapêutica?
DISCUSSÃO
A sarcoidose também conhecida como doença de Besnier-Boeck-
Schaumann é uma doença inflamatória crônica de causa ainda não bem
elucidada que se caracteriza pelo acúmulo de linfócitos e macrófagos em
diversos órgãos, formando os granulomas não caseoso que promovem
desarranjos teciduais. Acomete preferencialmente mulheres na faixa etária
entre 20-40 anos de idade.
Apesar de ainda ser tida como de causa desconhecida, acredita-se que
possa ser originada por algum agente ambiental - infeccioso ou não - que
provoque uma reação imunológica anômala.
Por ser o pulmão o órgão mais afetado (>90% dos casos) a tomografia
computadorizada, em destaque utilizando-se contraste, por ser mais sensível
que a radiografia simples, pois detecta adenomegalias mediastinais e
subcarinais enquanto a radiografia de tórax pode evidenciar anormalidades
que, geralmente, acompanha a fase de evolução da doença: Estágio I:
Adenopatia hilar sem infiltrado no parênquima; Estágio II: Adenopatia hilar
acompanhada de infiltrados nos parênquimas; Estágio III: Infiltrado
parenquimatoso difuso na ausência de adenopatia hilar; Estágio IV: Fibrose
pulmonar (“faveolamento” +/- retração hilar).
Cerca de 50% dos pacientes apresentam doença autolimitada, com
remissão espontânea após dois a cinco anos, e nestes o tratamento nem
sempre se faz necessário. Por outro lado, no restante dos casos a evolução
tende a ser crônica e pode levar à destruição orgânica irreversível.
A sarcoidose pode ser detectada em indivíduos assintomáticos,
comumente através de uma radiografia de tórax de rotina. O achado clássico
é a adenopatia hilar bilateral simétrica, com ou sem infiltrado pulmonar
associado.
A Síndrome de Loefgren é uma das formas de apresentação aguda da
sarcoidose e caracteriza-se pelo seguinte complexo: febre, atrite periférica
migratória caracteristicamente de tornozelos, achados radiológicos de
adenopatia hilar bilateral e eritema nodoso em mulheres.
A dosagem dos níveis séricos da ECA (enzima conversora de
angiotensina I e II) tem sido relatada como relevante na sarcoidose. Tal
achado, contudo, possui baixa sensibilidade e especificidade, e por isso tem
utilidade limitada para o diagnóstico da doença. Quando os valores são
muito elevados (> 50% do limite superior da normalidade), pode-se
fortalecer a hipótese diagnóstica diante de um quadro clínico compatível,
uma vez que valores mais altos aumentam a especificidade. Na sarcoidose,
os níveis da ECA estão elevadas pelo fato desta enzima ser produzida pelo
granuloma sarcoidótico sob influência dos linfócitos T e possui ação
quimiotáxica para macrófagos, aumentando sua função fagocítica. Essa
enzima também pode ser encontrada em outras enfermidades como a
pneumonite por hipersensibilidade, tuberculose miliar, beriliose, silicose.
O achado patológico de granuloma não caseoso não sela o diagnóstico
de sarcoidose sem outras correlações clínico-laboratoriais. A biópsia deve
ser feita, preferencialmente, utilizando-se material cutâneo quando há
acometimento da pele. Na ausência desse acometimento, o pulmão é o local
mais indicado para a realização do procedimento.
Existem poucos estudos controlados com metodologia adequada que
guie o tratamento da sarcoidose. A grande maioria dos pacientes não
necessita de tratamento. A intervenção terapêutica é recomendada nos casos
de sarcoidose sintomática e praticamente se baseia no uso de corticoide. O
tratamento e a intensificação de imunossupressão são guiados pelo órgão
alvo acometido. Nos casos de sarcoidose pulmonar, a abordagem depende
principalmente de três fatores: se há presença de sintomas, grau de
comprometimento pulmonar evidenciado no teste de função pulmonar ou
progressão radiográfica. De uma maneira geral, pacientes assintomáticos
não necessitam tratamento, exceto se: piora progressiva da função pulmonar
evidenciada em espirometrias seriadas em intervalos trimestrais a
semestrais, ou se alterações radiográficas forem progressivas ou ainda
desenvolvimento de sinais de hipertensão pulmonar.
Meningite
Doenças Vasculares
Doenças Renais
Tuberculose
Pontos importantes
• Mnemônico de diagnóstico diferencial para eritema nodoso
(ERITEMAS):
Estreptococcia;
Retocolite ulcerativa/Crohn;
Tumor;
Sarcoidose.
Referências
1. ROBBINS & COTRAN. Patologia: Bases patológicas das doenças. 8ª Edição. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2010.
2. KASPER, Dennis L., JAMESON, J. Larry - HARRISON – Medicina Interna - 2 Volumes -17ª
ou 18ª edição. Editora Artmed, Rio de Janeiro 2009.
Caso 104
LAP - Liga Acadêmica de Pediatria da UFJF
Autores: Ana Carolina Guedes de Paiva, Mariana Machado Pinheiro e
Petrus Ferreira Renó
Orientador(a): Marta Cristina Duarte (Professora da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Juiz de Fora; Orientadora da Liga Acadêmica
de Pediatria da UFJF; Pediatra e Especialista em Pneumologia, Alergia e
Imunologia pelas Sociedades Brasileiras de Pediatria,
Pneumologia/Tisiologia e Alergia/Imunologia)
Instituição: Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF
Pneumologia
HISTÓRIA CLÍNICA
DBS, sexo feminino, 4 anos, branca, natural e residente de cidade de
médio porte, veio ao pronto atendimento junto com a mãe, com queixa de
tosse produtiva e secreção espessa esverdeada. A mãe relata que tais
sintomas acompanham a paciente desde o nascimento, com piora nos
últimos meses. A criança, nascida a termo com peso 2.520 g, foi
diagnosticada com situs inversus totalis ainda no período neonatal pois
apresentou desconforto respiratório ao nascimento, necessitando de
internação em terapia intensiva neonatal e uso de pressão positiva contínua
em vias aéreas. A mãe ainda relatou que a paciente possuía história de
doenças respiratórias de vias aéreas superiores e inferiores, já tendo sido
diagnosticadas previamente como rinite alérgica e asma, além de ter tido
dois episódios de pneumonia no último ano, ambos tratados em ambiente
hospitalar. Calendário vacinal em dia.
EXAME FÍSICO
Paciente em bom estado geral; afebril; ativa; cooperativa; acianótica;
anictérica; normocorada; normohidratada.
14,600 Kg (Z= -0,4); Estatura: 101 cm (Z= -0,7); IMC: 14 (Z= -0,71); FC:
104 bpm; FR: 26 ipm; SpO2: 96% em ar ambiente.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. De acordo com o quadro clínico e exame radiológico simples do
tórax com a presença de situs inversus, qual hipótese diagnóstica
deve ser considerada?
2. Existe algum escore que pode ser utilizado para o diagnóstico
clínico?
3. Quais as complicações esperadas da doença, principalmente se o
diagnóstico for tardio?
4. Qual prognóstico da doença?
DISCUSSÃO
Discinesia ciliar primária (DCP) é uma hipótese que deve ser
considerada frente ao caso apresentado. É uma doença genética autossômica
recessiva, com uma incidência variável de 1:2.200 a 1:40.000 nascidos
vivos1. Nesta doença, há um comprometimento da ultraestrutura e/ou da
função ciliar, cursando com alterações do transporte mucociliar e levando à
inflamação e infecção crônica em trato respiratório superior e inferior
(pulmões, seios paranasais, ouvidos), além da possibilidade de infertilidade
e situs inversus totalis. A infertilidade ocorre devido ao fato da estrutura da
cauda dos espermatozoides ser semelhante à ciliar, havendo então alteração
da motilidade espermática2. Todos os locais onde há presença de epitélio
ciliado podem sofrer acometimentos, inclusive ouvido médio, ducto
eferente, tuba uterina, endométrio e prolongamento das células retinianas3.
O situs inversus totalis está associado à DCP devido ao fato da lateralidade
visceral, durante desenvolvimento embriológico, ser atribuída a
movimentos ciliares. O defeito nas funções ciliares, portanto, podem
interferir na disposição dos órgãos, motivo pelo qual 50% dos pacientes
com DCP apresentam situs inversus1.
Sobre o quadro clínico, alguns indicadores específicos e gerais podem
auxiliar na suspeita da doença. A história familiar de DCP associada ao
situs inversus deve servir de alerta para o diagnóstico. Além disso, deve-se
atentar para alguns acometimentos em períodos distintos da vida, a saber1:
Tabela 1. Acometimento da DCP em momentos distintos na vida.
Período Neonatal Infância Vida adulta
Rinorreia desde o nascimento, Asma atípica e resistente ao Além dos parâmetros anteriormente citados,
desconforto respiratório sem causa tratamento, otite média grave, observar infertilidade masculina, gravidez
aparente no recém-nascidos a termo, hipoacusia, tosse crônica e ectópica e subfertilidade feminina1.
cardiopatia congênita complexa, produtiva, rinossinusite e
desordens de lateralidade. bronquiectasias idiopáticas.
N: normal; +: leve; ++: moderado; +++: intenso. LI: lobo inferior; LS: lobo
superior. HIV: vírus da imunodeficiência humana
PICADAR
O paciente tem tosse secretiva diária, que iniciou na Sim - complete o escore de PICADAR.
primeira infância? Não - PARE. O escore de PICADAR não é
indicado para pacientes sem tosse úmida.
Escore total
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
• Fibrose Cística;
• Imunodeficiências primárias e secundárias;
• Síndrome de Young.
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS
• Entender o quadro clínico da discinesia ciliar primária para a
possibilidade de suspeita desde o período pré-natal à vida adulta;
PONTOS IMPORTANTES
• Em pessoas com história familiar de DCP e/ou com situs inversus
deve-se suspeitar de DCP;
REFERÊNCIAS
1. Olm, Mary Anne Kowal, Elia Garcia Caldini, and Thais Mauad. Diagnóstico de discinesia
ciliar primária. Jornal Brasileiro de Pneumologia. 2015;41.3:251-263.
2. Santos JWA, et al. Discinesia ciliar primária. Jornal de Pneumologia. 2001;27.5:262-268.
3. Toledo MF, Adde FV. Discinesia ciliar primária na infância. J Pediatr (Rio de J). 2000;76.1:9-
16.
4. Behan L, Dimitrov BD, Kuehni CE, Hogg C, Carroll M, Evans HJ, et al. PICADAR: a
diagnostic predictive tool for primary ciliary dyskinesia. European respiratory jornal.
2016;47.4:1103-1112.
5. Adde FV, Rozov T. Teste da sacarina em crianças. J Pneumol. 1997;23.2:66-70.
6. Olm MAK, Adde FV, Silva Filho LVFD, Rodrigues JC. Discinesia ciliar primária: quando o
pediatra deve suspeitar e como diagnosticar? Rev Paul Pediatr. 2007;25(4):371-6.
Caso 105
LACIR - Liga Acadêmica de Cirurgia
Autores: Felipe Furtado Leite, Wiviam Suzany Ferreira Carvalho e Roberto
Menezes.
Orientador(a): Dr. Daniel Leite Mesquita (Cirurgião Ortopédico - Residente
Pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia - Hospital Santa Izabel).
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Emergências e Trauma
HISTÓRIA CLÍNICA
L.R.F., 31 anos, masculino, contador, natural e procedente de cidade de
grande porte, encaminhado para hospital pela equipe do serviço de
atendimento móvel, vítima de assalto a mão armada, na região da estrada
velha do aeroporto há, aproximadamente, uma hora antes de chegar à
unidade, com três perfurações por arma de fogo (PAF) em braço esquerdo e
uma em antebraço direito, fratura exposta de úmero esquerdo e de ulna
direita (com orifício de entrada e saída apenas em antebraço). Paciente
alerta/vigil, queixa-se de dor intensa em locais da PAF, nega desmaio. Perda
de sangue sem reflexos em hemodinâmica, realizada hemostasia por
compressão pela equipe de atendimento pré-hospitalar.
Figura 1. (A) Braço esquerdo com três perfurações por arma de fogo; (B).
Perfuração de saída em antebraço direito, visualiza-se lesões em epiderme
por estilhaços.
AVALIAÇÃO PRIMÁRIA
Geral: Regular Estado Geral, lúcido e orientado, corado, taquipneico,
afebril.
Dados Vitais: FC: 92bpm; FR: 24 ipm; PA: 140 x 80 mmHg; sp02: 96%.
A (vias aéreas): Vias aéreas pérvias (VAP), traquéia centralizada e
móvel sem enfisema subcutâneo, sem uso de colar cervical;
B (respiração e ventilação): Murmúrios vesiculares bem distribuídos
(MVBD), sem ruídos adventícios (RA), expansibilidade preservada e
simétrica;
C (circulação): Bulhas rítmicas normofonéticas (BRNF) em dois
tempos, sem sopros, pele quente, pulso radial cheio, forte e simétrico, tempo
de enchimento capilar menor que dois segundos (TEC < 2s);
D (avaliação neurológica): Glasgow 15, pupilas isocóricas
fotorreagentes;
E (exposição completa): sem outros sangramentos e/ou lesões visíveis.
Realizada prevenção de hipotermia;
Antecedentes Pessoais (HISTÓRIA SAMPLA): sinais vitais estáveis.
Nega alergia alimentar e medicamentosa, uso de medicamentos e doenças de
base (Hirpentensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus). Ingeriu alimento
há aproximadamente 2 horas.
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Fratura exposta – sua definição e classificação.
2. Conduta cirúrgica desenhada para o caso e técnica e método
utilizado.
3. Violência urbana como uma triste e endêmica realidade brasileira.
DISCUSSÃO
A definição de fratura exposta (fx) atualmente possui um conceito
ampliado e é entendida como “uma grande lesão de partes moles com um
osso fraturado no meio” ou de forma mais pragmática como “fratura óssea
com perda da continuidade da epiderme e comunicação com o meio
externo”. O Tratado de Fratura de Rockwood aborda a definição: “Quando a
ruptura da pele e tecidos moles subjacentes permite a comunicação direta
com a fratura e seu hematoma”.1 É importante ressaltar que o diagnóstico
deve ser clínico e radiológico.
A classificação da fratura exposta é contemplada pela escala de Gustilo e
Anderson (GA) que gradua a mesma em um crescente de pior prognóstico. A
escala de GA é internacionalmente utilizada para comunicação médica bem
como é amplamente empregada no Brasil nas regulações e transferências de
pacientes.2-4
A classificação mais frequentemente utilizada para classificar fraturas
abertas encontrada na literatura foi a de GA com 78,5% das escolhas entre
especialistas. A classificação da AO-ASIF (Arbeitsgemeinschaftfür
Osteosynthesefragen – Association for the Study of Internal Fixation) foi
evidenciadaem 22,9% das fontes.2 Assim optamos pela classificação GA
neste caso.
Quadro 1.Escala de Gustilo e Anderson
Normalmente cominuta,
Grave com
III A Usualmente > 10cm Alta possivel cobertura do osso com
esmagamento
partes moles
Imagem pós-operatória
Figura 3. Radiografia de braço esquerdo.
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
Compreender o uso do ATLS como forma de
atendimento padronizado no trauma;
PONTOS IMPORTANTES
A avaliação primária do trauma por técnica do ABCDE é o método
proposto pelo ATLS (Advanced Trauma Life Support® – Suporte Avançado
de Vida no Trauma) que prioriza identificar lesões que comprometem a vida
do paciente e, concomitantemente, estabelecer condutas para a estabilização
dos sinais vitais e tratamento dessas alterações. Esse programa sistematizou
o atendimento inicial ao doente traumatizado, melhorando
consideravelmente o prognóstico.
Utilizar a escala de GA é importante, mas é imprescindível levar em
consideração situações específicas caso a caso. Por exemplo, ferimentos
pequenos com grande poder de infecção (vide acidentados em zona rural,
presença de fezes em curral que contaminam o foco da fratura exposta)
levam a uma classificação GA automaticamente para III.
Deve-se tratar todo paciente, vítima de trauma, como grave e
potencialmente de alto risco. Não esquecer a abordagem completa e
seguimento crucial do ATLS e é necessário entender a relevância da atuação
de uma equipe multidisciplinar e relação sincronizada com todos. A
integração das ações torna-se importantíssima e com o desfecho benéfico
para aquele que é nossa missão: o paciente.
REFERÊNCIAS
1. Chapman, MW. Fraturas expostas. In: Rockwood CA, Green DP, Bucholz RW. Fraturas em
adultos. São Paulo: Manole; 1993. p.221-62.
2. Como são tratadas as fraturas expostas da tíbia no Brasil? Estudo transversal.
BALBACHEVSKY, D. et al. Acta ortop. bras. [online]. 2005, vol.13, n.5 [cited 2014-11-16],
pp. 229-232.
3. Gustilo RB, Anderson JT.PreventionofInfection. In: The treatment of one thousand and twenty-
five open fractures of long bones: retrospective and prospective analyses. J. Bone Joint Surg
AM; 1976. p.453-458. Acesso em: 13 nov. 2014.
4. Gustilo RB, Mendoza RM, Williams DN. Problems in the management of type III (severe) open
fractures: a new classification oftype III open fractures. J Trauma 1984; 24: 742-6. Acesso em:
13 nov. 2014.
5. Juliana S. As 50 cidades mais violentas do mundo: Brasil tem 16 na lista. 2014. (São Paulo).
Revista Infomoney (Ed.). Acesso em: 13 nov. 2014.
6. Kobayashi M, Watanabe Y, Matsushita T. Earlyfull range of shoulder and elbow motion is
possible after minimally invasive plate osteosynthesis for humeral shaft fractures. J Orthop
Trauma. 2010;24(4):212-6.
7. Livani B, Belangero WD. Bridging plate osteosynthesis of humeral shaft fractures. Injury, Int. J.
Care Injured. 2004;35:587-595. Acesso em: 13 nov. 2014.
8. Matter P. Historyofthe AO and its global effect operative fracture treatment. Clin Orthop Relat
Res. 1998;347:11–8. Acesso em: 13 nov. 2014.
9. Renato L. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
2014. ISSN 1983-7364. Acesso em: 16 nov. 2014.
10. Zhiquan A, Bingfang Z, Yeming W, Chi Z, Peiyan H, MD. Minimally Invasive Plating
Osteosynthesis (MIPO) of Middleand Distal Third Humeral Shaft Fractures. J Orthop Trauma.
2007;21:628-633.
Caso 106
LAEME - Liga Acadêmica de Trauma e Emergências Médicas
Autores: Mateus Medeiros, Oddone F. M. Braghiroli e Ricardo Zantieff.
Orientador(a): Prof. Dr. André Gusmão Cunha (Médico pela UFBA,
Residência em cirurgia geral e do aparelho digestivo na UNICAMP,
Mestrado pela UFBA).
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Emergências e Trauma
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 22 anos trazido pelo serviço móvel de emergência com
relato de lesão por projétil de arma de fogo (PAF) em coxas e nádegas há
cerca de 2h.
AVALIAÇÃO PRIMÁRIA
Dados Vitais: FC: 151 bpm; ritmo cardíaco regular; FR: 20 ipm; SatO2
100 % (sob máscara não reinalante); PA: 84x46 mmHg (o serviço de
transporte realizou reposição volêmica com 500 ml de cristaloide, com
resposta à infusão).
A (vias aéreas): Vias aéreas pérvias (contactante), sem colar cervical.
B (respiração e ventilação): Ausência de lesões visíveis em tórax,
expansão simétrica, murmúrios presentes e simétricos à ausculta.
C (circulação): Pulsos filiformes, descorado, pele fria, com ferimentos
sangrantes (pequena quantidade) em coxas e nádega esquerda.
D (avaliação neurológica): Escala de coma de Glasgow 15, sem
déficits motores, pupilas isocóricas e fotorreagentes.
E (exposição completa): lesões múltiplas por arma de fogo (Figura 1).
Figura 1. Lesões por PAF encontradas durante avaliação primária.
AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA
• S: Refere dor no local das lesões e nega perda de consciência,
vômitos;
• A: Nega alergias;
• M: Nega uso de medicações;
• P: Nega comorbidades, cirurgias/internações prévias;
• L: Última refeição há cerca de 7h;
• A: Paciente refere que durante fuga foi baleado (tiros disparados
por alguém que estava atrás dele).
Sem outras lesões visíveis em couro cabeludo, face, extremidades,
articulações e dorso. Abdome flácido e pouco doloroso à palpação
profunda. Sem sinais de fratura pélvica instável ou lesão ureteral. Coxas
sem edema ou hematomas significativos.
Evolução: paciente apresentou resposta transitória à reposição volêmica,
com subsequente aumento da frequência cardíaca (151bpm), queda da
pressão (60x36mmHg) e taquidispneia. Encaminhado para centro cirúrgico
para realização de laparotomia, onde foi evidenciado grande hematoma
retroperitoneal. Após inventário minucioso da cavidade, a origem do
sangramento não foi localizada. Os cirurgiões resolveram aplicar
compressas pela cavidade abdominal, fechar o abdome (cirurgia de redução
de danos) e transferir o paciente para um leito de unidade de terapia
intensiva.
Radiografia de pelve em incidência anteroposterior.
EXAMES COMPLEMENTARES
Figura 2. radiografia de pelve em AP. Fratura em ilíaco esquerdo, próximo a
imagem sugestiva de PAF.
Pontos de discussão
1. Quais são as prioridades na avaliação primária deste paciente?
2. Qual o provável sítio de sangramento?
3. Qual o padrão de resposta à expansão volêmica?
4. Como deve ser guiada a expansão volêmica deste paciente?
5. Qual deve ser o fluido usado para a expansão?
6. Algum exame complementar precisa ser solicitado para avaliar o
abdômen?
7. Qual o momento de indicar a conduta cirúrgica?
DISCUSSÃO
O paciente apresentado acima é vítima de politrauma, portanto, o
primeiro ato a ser feito é a abordagem pelo método ABCDE. Esta
abordagem é muito didática e eficiente, porque lista uma ordem de
prioridades ao paciente atendido, segundo a capacidade que as lesões têm
de levar a vítima ao óbito e a velocidade que atingem isto, além de
determinar a ordem das intervenções.
Diante da descrição do caso, fica claro que o paciente se encontra num
cenário bastante perigoso, em choque. Choque é uma condição sindrômica,
configurada basicamente, por má perfusão tecidual. No trauma, o choque é
hipovolêmico hemorrágico até prova contrária,1 porém atenção especial
deve ser dada ao pneumotórax e tamponamento cardíaco.
O manejo do choque hipovolêmico hemorrágico envolve a identificação
do grau de choque do paciente para determinar se haverá ou não
necessidade de transfusão de hemoderivados.
Perda Sanguinea (ml) até 750 750 - 1.500 1.500 - 2.000 > 2.000
Perda Sanguinea
até 15% 15 - 30% 30 - 40% > 40%
(% Volume Sanguineo)
Moderadamente
Estado Mental/SNC Levemente ancioso Ansioso, confuso Confuso, letargico
ansioso
Tamponamento Cardíaco
Hemotórax Maciço
Tórax
Ossos longos
Sangramento Externo
Objetivos de aprendizado / competências
• Reconhecimento de choque hemorrágico no trauma e seus
principais locais;
Pontos importantes
As prioridades do atendimento do paciente vítima de politrauma não
mudam em nenhuma situação, portanto, a avaliação inicial deve sempre
seguir o protocolo do “ABCDE”;
O politraumatizado com choque tem, até que se prove o contrário,
hemorragia e, o sítio mais provável é o abdome;
Atenção para identificação precoce do paciente que demandará
transfusão maciça e, em especial, para o uso adequado dos hemoderivados
na proporção 1:1:1 (CH, PFC e plaquetas);
O controle da hemorragia é ponto chave na conduta do choque
hemorrágico;
Atenção redobrada ao retroperitônio, visto que o FAST não consegue
identificar hemorragias oriundas deste compartimento anatômico;
A cirurgia de redução de danos deve ser considerada em pacientes que
caminham para a tríade letal do trauma: acidose + coagulopatia +
hipotermia. São necessários 3 tempos: a primeira cirurgia, a estabilização
das condições hemodinâmicas na unidade de terapia intensiva e a segunda
abordagem cirúrgica, para um eventual reparo definitivo.
Referências
1. American College of Surgeons Committee on Trauma (2014) Advanced trauma life support
program for doctors, 9th ed. American College of Surgeons, Chicago.
2. Bickell WH, Wall MJ, Pepe PE, Martin RR, Ginger VF, Allen MK, et al. Immediate versus
delayed fluid resuscitation for hypotensive patients with penetrating torso injuries. N Engl J
Med. 1994 Oct 27;331(17):1105–9.
3. Stern SA, Dronen SC, Birrer P, Wang X. Effect of blood pressure on hemorrhage volume and
survival in a near-fatal hemorrhage model incorporating a vascular injury. Ann Emerg Med.
1993 Feb;22(2):155–63.
4. Rippey JCR, Royse AG. Ultrasound in trauma. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2009
Sep;23(3):343–62.
5. Pohlman TH, Walsh M, Aversa J, Hutchison EM, Olsen KP, Lawrence Reed R. Damage control
resuscitation. Blood Rev. 2015 Jan 17.
Caso 107
LAEME - Liga Acadêmica de Trauma e Emergências Médicas
Autores: Daiane Brito, Ricardo Zantieff e Oddone F. M. Braghiroli.
Orientador(a): Prof. Dr. André Gusmão Cunha (Médico pela UFBA,
Residência em cirurgia geral e do aparelho digestivo na UNICAMP,
Mestrado pela UFBA).
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Emergências e Trauma
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 61 anos, sexo feminino, portadora de hipertensão arterial
sistêmica e diabetes mellitus, deu entrada na emergência do hospital de
referência de queimados, trazida pelo serviço móvel de urgência, com relato
de resgate na residência em chamas há 1h e 45 minutos. Paciente se
encontra agitada, confusa e refere fortes dores pelo corpo.
EXAME FÍSICO
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a principal hipótese diagnóstica para o caso?
2. Esse paciente tem indicação de internamento? Qual sua gravidade?
3. Qual a abordagem inicial mais adequada a este paciente?
4. Quais as metas no tratamento do paciente?
5. Quais as possíveis complicações diante de tal quadro?
DISCUSSÃO
Segundo a história descrita pelo atendimento móvel de urgência e as
lesões encontradas na paciente não será difícil perceber que trata-se de um
paciente com múltiplas queimaduras. Por definição as queimaduras são
feridas traumáticas causadas, na maioria das vezes, por agentes térmicos,
químicos, elétricos ou radioativos. Atuam nos tecidos de revestimento do
corpo humano, determinando destruição parcial ou total da pele e seus
anexos, podendo atingir camadas mais profundas como tecido celular
subcutâneo, músculos, tendões e ossos.
Classificação de Queimaduras
• Queimaduras faciais;
• Queimadura das sobrancelhas e vibrissas nasais;
• Deposito de fuligem na orofaringe;
• Faringe vermelha e edemaciada;
• Escarro com resíduos carbonáceos;
• História de confinamento em ambiente incendiário ou explosivo.
Caso não seja mais possível realizar a intubação orotraqueal pode-se
optar por outras manobras como cricotireoidostomia ou traqueostomia.
No paciente em questão, apesar das queimaduras faciais ele não
apresentava estridor ou rouquidão, que são sinais mais indicativos de uma
via aérea já comprometida. A intubação orotraqueal não foi necessária
sendo feita apenas a suplementação de oxigênio.
Garantir a efetiva oxigenação é uma etapa essencial da abordagem ao
queimado, uma máscara não reinalante deve ser instalada objetivando uma
oximetria de pulso próxima a 100%. A inalação de monóxido de carbono ou
outros gases tóxicos podem dificultar as trocas gasosos levando a
carbonarcose ou desencadeando broncoespasmo.
O paciente queimado pode evoluir com choque hipovolêmico, não por
perda sanguínea, mas sim pelo edema tecidual criado. Devido a
fisiopatologia da queimadura, que cursa com inflamação sistêmica, aumento
da permeabilidade vascular e extravasamento de líquido para terceiro
espaço, a reposição volêmica agressiva é a base do tratamento inicial.
O volume de líquido infundido deve ser calculado através de uma forma
específica, Fórmula de Parkland, segundo a qual o total de fluido (em
mililitros) fornecido nas primeiras 24h após o trauma deve ser a
multiplicação de quatro vezes o peso do paciente (em kg) pelo percentual de
superfície corporal queimada - Volume[ml] = 4 x Peso x Superfície corporal
queimada x 100. Metade deste volume deve ser infundido nas primeiras 8h
após a queimadura e a outra metade nas 16h subsequentes. Preconiza-se que
esta reposição seja feita com soluções cristaloides.
Para a adequada infusão do aporte volêmico, a obtenção de ao menos 2
acessos venosos calibrosos é imperativa e, caso acessos periféricos não
estejam sendo alcançados, não se deve hesitar em tentar acessos venosos
centrais, intraósseos ou dissecção venosa. A avaliação da perfusão é
fundamental e deve ser feita através do débito urinário. A sondagem vesical
é, portanto, essencial.
É interessante ressaltar que a avaliação neurológica pode estar
prejudicada pela hipóxia, intoxicação por monóxido de carbono ou outros
gases, além de eventuais lesões cerebrais associadas.
Por fim, deve-se expor o paciente, não apenas para quantificar a
queimadura, mas também buscar lesões que não foram identificadas. Retirar
anéis, pulseiras, relógios e quaisquer outros objetos que, com o
desenvolvimento do edema, possam estrangular e causar isquemia ao
membro ou extremidade.
A perda de integridade da pele prejudica a capacidade do corpo em reter
calor e água, com isso, além da evaporação cutânea aumentada, o paciente
queimado fica em risco para hipotermia. Para prevenir esta condição é
importante que o paciente seja coberto com manta térmica e, se possível,
que a solução infundida seja aquecida.
Uma vez terminada a avaliação inicial do paciente queimado, é
importante atentar para outros aspectos que envolvem este paciente. A
analgesia, por exemplo, deve ser feita sempre que possível objetivando um
maior conforto ao doente. Podem ser utilizados não narcóticos e narcóticos
venosos de ação imediata, conforme a rotina do serviço. A prevenção e
reversão de distúrbios hidroeletrolíticos também deve ser lembrada. Devido
à extensa destruição celular, hipercalemia e até rabdomiólise podem ser
observadas. A depender da situação da queimadura, imunização antitetânica
se faz necessária.
Todo paciente grande queimado deve ser encaminhado para um serviço
especializado e seu tratamento final deve ser feito por uma equipe de
cirurgia plástica. Queimaduras de segundo e terceiro grau devem,
obrigatoriamente, ser desbridadas retirando a pele necrosada em centro
cirúrgico, respeitando as técnicas assépticas. Caso necessário, enxertos de
pele podem ser utilizados para melhorar a cicatrização. Os cuidados com o
curativo devem seguir o protocolo de cada unidade, porém de forma geral
deve ser trocado constantemente. Cuidados especiais devem ser tomados
com queimaduras em articulações, uma vez que no processo final da
cicatrização há retração e muitas vezes perda de função do membro.
Síndrome de Stevens-Johnson;
Pontos importantes
• A abordagem do grande queimado também deve seguir a sequência
ABCDE preconizada para o paciente politraumatizado;
Referências
1. American College of Surgeons Committee on Trauma (2014) Advanced trauma life support
program for doctors, 9th ed. American College of Surgeons, Chicago.
2. Alharbi et al., Treatment of burns in the first 24 hours: simple and practical guide by answering
10 questions in a step-by-step form, World Journal of Emergency Surgery (2012) 7:13.
Caso 108
Liga Acadêmica de Semiologia e Medicina Interna
Autores: Agnes Neves Santos, Ítala Gomes e Santos e Yanne Rocha Ramos.
Orientador(a): Prof. Dr. Edgar Marcelino de Carvalho Filho (Reumatologia
e Imunologia UFBA).
Instituição: Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Emergências e Trauma
HISTÓRIA CLÍNICA
32 anos, masculino, negro, deu entrada em unidade de pronto
atendimento com queixa de inchaço em regiões de lábios e olhos, náuseas,
dispneia e tontura há 01 hora. Refere que após ingesta de crustáceos sempre
apresentava náuseas e prurido, com melhora após uso de anti-histamínico.
Refere ingestão de caranguejo há 02 horas. Refere ingesta de bebidas
alcoólicas e passado médico de rinite alérgica e asma.
EXAME FÍSICO
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Qual a etiologia?
3. São necessários exames complementares para o diagnóstico?
4. Que outras manifestações clínicas poderiam ocorrer?
5. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
O jovem em questão apresenta um quadro provável de choque
anafilático. A anafilaxia é um diagnóstico clínico que se torna altamente
provável se um desses critérios estiver presentes:
a. início agudo (minutos a poucas horas após contato com
prováveis alérgenos) com comprometimento de pele, mucosa ou
ambos associado a comprometimento do sistema respiratório ou
cardiovascular;
b. presença de dois ou mais dos seguintes sintomas depois do
contato com o provável alérgeno: prurido, rash cutâneo, dispneia,
hipotensão, vômitos, diarreia e ou dor abdominal;
c. redução da pressão arterial.
No presente caso, o paciente apresentou reação urticariforme, edema
palpebral e labial, dispneia, náuseas, taquicardia e hipotensão após ingesta
de crustáceos – provável agente etiológico. Além de alimentos, os
principais agentes causais são medicamentos e venenos de insetos. Os sinais
e sintomas mais frequentes nos episódios de anafilaxia são apresentados no
quadro a seguir, sendo as manifestações cutâneas as mais frequentes.
Sinais e Sintomas de Anafilaxia
Cutâneos/subcutâneos/mucosas
Sistema respiratório
Sistema respiratório
Aparelho cardiovascular
Hipotensão, sensação de fraqueza, taquicardia, vertigem, síncope, estado mental
alterado.
Sistema gastrintestinal
Náusea, dor abdominal em cólica, vômitos, diarreia.
Outros
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Reações vasovagais
Síndromes flush
Carcinoides
Pós-menopausa
Alcoólicas
Síndromes de restaurante
Glutamato monossódico
Sulfitos
Cardiogênico
Endotóxico
Reações vasovagais
Urticária pigmentosa
Leucemia basofílica
Doenças não-orgânicas
Pânico
Estridor
Síndrome de Munchausen
Miscelânia
Angioedema hereditário
Vasculite urticariforme
Feocromocitoma,
Outros
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Atendimento inicial do paciente na emergência baseado no suporte
básico e avançado de vida.
Pontos importantes
• O diagnóstico de reação anafilática é clínico;
• Em caso de dúvida diagnóstica pode ser solicitado triptase sérica
seriada;
REFERÊNCIAS
1. Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia, Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Anafilaxia: Diagnóstico. Projetos Diretrizes, 2011.
2. Solé D, Ivancevich JC, Borges MS, Coelho MA, Rosário NA, Ardusso LRF. Anaphylaxis in
Latin America: a report of the online Latin America survey on anaphylaxis (OLASA). Clinics
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3. Simons FE, Ardusso LR, Bilo MB, et al. 2012 Update: World Allergy Organization Guidelines
for the assessment and management of anaphylaxis.Curr Opin Allergy Clin Immunol
2011;12(4):389-99.
4. Lieberman P, Nicklas RA, Oppenheimer J, Kemp SF, Lang DM. The diagnosis and
management of anaphylaxis practice parameter: 2010 Update. J Allergy Clin Immunol 2010;
126:477-480.e42.
Caso 109
Liga de Emergência
Autores: Karen Lopes Cunha, Marcos André Araújo Accioly Filho,
Raimundo Martins Gomes Júnior e Francisco Rômulo Sampaio Lira.
Orientador(a): Dr. Francisco Romel Lima de Araújo (Cirurgião geral,
Instituto Dr. José Frota - IJF).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Emergências e Trauma
HISTÓRIA CLÍNICA
F.L.P.L, 30 anos, sexo masculino. Deu entrada no pronto socorro vítima
de autolesão (tentativa de suicídio) por arma branca com instrumento
perfurocortante na região cervical anterior no plano da cartilagem cricoíde,
com objeto fixo no local. Foi ofertado O2 sob máscara de Venturi e acesso
venoso periférico (1500 ml de cristaloide), durante o transporte por serviço
móvel de urgência para hospital terciário de referência.
AVALIAÇÃO PRIMÁRIA
A: Paciente verbaliza. Ausência de sangue nas vias aéreas superiores.
Mínimo de escape aéreo ao tossir. Sem colar cervical. Lesão sangrante na
zona II cervical anterior (Figura 1).
B: Sem lesões visíveis em tórax, expansão simétrica, murmúrio presente
à ausculta.
C: FC: 100 bpm. PA: 145X100mmHg. Pulsos periféricos presentes e
simétricos.
D: Glasgow 15, pupilas isocóricas e fotorreagentes; sem déficits.
E: Ausência de outras lesões.
Figura 1. Ferimento por arma branca em zona II de região cervical anterior
com extensa perda sanguínea.
AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA
Anamnese:
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Quais as possíveis estruturas que foram lesionadas?
2. Quais as indicações de se fazer intubação? Neste caso é necessário?
3. O objeto contundente deve ser retirado ou não?
4. Qual a conduta terapêutica mais adequada para o caso?
DISCUSSÃO
O paciente descrito no caso teve um traumatismo cervical perfurante
com comprometimento de vias aéreas. As lesões críticas que afetam a via
aérea devem ser reconhecidas e abordadas durante a avaliação primária, e
representam de 5 a 10% de todas as injúrias traumáticas. A lesão de
traqueia, em especial, é incomum e potencialmente fatal, e frequentemente
passa despercebida no exame inicial. A maioria dos doentes com esta lesão
morre no local do acidente. Aqueles que chegam vivos ao hospital
apresentam um índice de mortalidade elevado, frequentemente devido a
lesões associadas.1
O pescoço é uma pequena região anatômica que representa 1% da
superfície corporal,2 mas que possui inúmeras estruturas vitais, como vasos,
nervos, órgãos do sistema respiratório e digestórios, os quais se dispõem de
forma bem próxima e estão intimamente relacionados.3 A lesão dessas
estruturas, porém, nem sempre se apresenta com sinais ou sintomas
evidentes, o que pode protelar o seu diagnóstico, condicionando uma maior
morbidade e mortalidade. Portanto, uma injúria isolada pode produzir
múltiplos efeitos, potencialmente letais, principalmente se relacionado à
hemorragia ou obstrução de vias aéreas.1
Lesão de esôfago
Pneumomediastino
Pontos importantes
• O traumatismo cervical perfurante representa de 5 a 10% de todas
injurias traumáticas;
Referências
1. ATLS - Suporte Avançado de Vida no Trauma para Médicos. 7. ed. Editora Elsevier, 2004.
2. SARRA, Luis et al. Traumatismos penetrantes de cuello. Rev Cubana Cir, Ciudad de la
Habana, v. 46, n. 1, marzo 2007.
3. DEMETRIADES, Demetrios et al. Complex Problems in penetrating neck trauma. Surgical
Clinics of North America. V. 76,issue 4, 1 August 1996, pages 661 – 683.
4. BAHTEN, Luiz Carlos Von et al. Ferimentos cervicais: análise retrospectiva de 191 casos. Rev.
Col. Bras. Cir., Rio de Janeiro, v. 30, n. 5, Oct. 2003.
5. WILKINSON, Douglas A; SKINNER, Marcus W. Manual de Abordagem Primária ao Trauma.
Ed. Standard 2000.
6. REAL, M. V et al. Traumatismo Cervical Perfurante Caso Clínico. Acta Pediatrica. Port 2004;
Nº1; Vol 35; 63-65.
7. Phillips JB. The penetrating neck wound: a few points. Internet J. Surg. 2002; 3: 2.
Caso 110
Liga de Angiologia e Cirurgia Vascular
Autores: Priscila Ferreira de Lima e Souza, Mônica Taynara Muniz
Ferreira, Victor Cordeiro Zarate Júnior e João Edison de Andrade Filho.
Orientador(a): Dr. João Edison de Andrade Filho (Título de Especialista em
Cirurgia Vascular pela SBACV e AMB - Preceptor da Residência Médica
de Angiologia e Cirurgia Vascular da UFC).
Instituição: Universidade Federal do Ceará - UFC.
Emergências e Trauma
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente E.R.M., masculino, pardo, 33 anos, natural e procedente de
Fortaleza/CE, portador do vírus HIV em Terapia Antirretroviral (TARV),
renal crônico dialítico realizando hemodiálise através de cateter implantado
em veia femoral comum esquerda há 15 dias. Admitido no Hospital
Universitário Walter Cantídio (HUWC) com quadro de febre, dor e
hiperemia em sítio de punção femoral esquerda há três dias, além de edema
moderado no membro inferior ipslateral. Foi submetido a antibioticoterapia
endovenosa com Vancomicina para tratamento de infecção relacionada ao
cateter de hemodiálise implantado em região inguinal. Durante a internação
hospitalar evoluiu com piora significativa do quadro de dor e do edema no
membro inferior esquerdo com empastamento importante na panturrilha.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. O acesso para a diálise pode representar algum risco para o
desenvolvimento da trombose venosa profunda? É comum TVP
associada ao uso de cateter para diálise em veia femoral?
2. O quadro apresentado inicialmente deve-se a um processo normal
frente às comorbidades apresentadas pelo paciente?
3. O quadro clínico apresentado pelo paciente no caso relatado é
patognomônico de alguma doença?
4. Quais são os principais sinais e sintomas da Trombose Venosa
Profunda (TVP)? Quando suspeitar da doença?
5. Como estabelecer e confirmar o diagnóstico da TVP?
6. Que medidas devem ser tomadas diante da confirmação da
trombose?
DISCUSSÃO
A Trombose Venosa Profunda (TVP) é uma patologia na qual há
formação de trombos em veias profundas do sistema circulatório, que
podem limitar o seu fluxo sanguíneo. Ela se configura como uma das
complicações tardias associadas ao uso de cateter em pacientes com Doença
Renal Crônica (DRC) submetidos à hemodiálise (HD) e a frequência dessa
complicação pode ser associada ao sítio de acesso do cateter, sendo a veia
femoral (VF) descrita na literatura como um sítio de alto risco.1 A gravidade
e repercussão dessa doença na sociedade, no entanto, não podem ser
atribuídas apenas a sua alta prevalência, mas também devido ao curso
natural dessa doença e suas opções terapêuticas. Os portadores de DRC
necessitam de terapia de substituição renal (TSR) para o resto de suas vidas,
a forma ideal de TSR, o transplante renal, é inacessível para a maioria dos
pacientes, sendo a diálise a forma predominante no manejo da DRC.2,3
Para realização da HD é necessário acesso a vasos sanguíneos capazes
de proporcionar fluxo sanguíneo extracorpóreo rápido. Cateteres para
diálise usualmente possuem no mínimo dois lumens, um lúmen para levar o
sangue até a máquina de diálise e outro para fazer a devolução do mesmo
após seu processamento, permitindo, assim, que o fluxo sanguíneo seja
contínuo. O cateter duplo-lúmen como acesso para a hemodiálise está
relacionado a maiores índices de complicações e mortalidade, em
comparação a Fistula arterio venosa.4-6 Logo, o uso de cateter como acesso
vascular permanente é pouco indicado devido ao risco de infecção,
susceptibilidade a eventos trombóticos e fluxo sanguíneo inadequado. As
características do cateter têm importante associação com a ocorrência de
TVP, o exemplo mais evidente é o diâmetro do cateter. Cateteres de maior
diâmetro estão associados à maior risco de desencadear um quadro de TVP
em relação a cateteres mais finos, juntamente com seu local de inserção.7
Os acessos centrais são fatores de risco para TVP, na medida em que a
cateterização da veia causa uma injúria ao vaso, que cicatriza deixando
áreas de fibrose. Em associação a isso, o rápido fluxo associado à HD causa
turbulência, o que estimula a proliferação endotelial, potencialmente
desencadeando a estenose do vaso. Estase do fluxo sanguíneo também pode
ocorrer, a depender do diâmetro do cateter em relação ao diâmetro do vaso,
pois o diâmetro do cateter determinará se o sangue fluirá livremente ao
redor do cateter ou se ele irá estagnar. Logo, cateteres de maior diâmetro,
como os utilizados para hemodiálise são mais prováveis de causar
trombose. O mau posicionamento, infecção do cateter e história prévia de
TVP, são outros fatores que aumentam o risco de trombose associada a
cateter.8-11 Além do cateter muitos pacientes renais crônicos frequentemente
apresentam outros fatores de risco para desenvolvimento de TVP tais como:
idade, imobilização e síndrome nefrótica.12,13 Dessa forma, eles estão
expostos a mais de um desses fatores e o risco de desenvolver essa
complicação, portanto, é bastante alto. A TVP em membros inferiores pode
ser subdividida em duas categorias: trombose venosa distal, quando o
trombo permanece confinado as veias da panturrilha, e trombose venosa
proximal, quando a trombose envolve as veias ilíacas, femorais e poplíteas.
Essa última tem maior importância clínica, por estar mais comumente
associada ao tromboembolismo pulmonar.
A princípio, diante da história patológica pregressa de portador do vírus
HIV, foi levantada a hipótese de o atual quadro apresentado pelo paciente
estar relacionado a alguma infecção oportunista ou coinfecção, entretanto
foi descartado diante dos resultados negativos de sorologias. Ressalta-se
que nesta investigação sorológica foi realizada pesquisa para
citomegalovírus, uma vez que este vírus está relacionado a infecções em
pacientes imunossuprimidos com consequente lesão renal.
Como havia sinais sugestivos de infecção (hiperemia, calor e dor) na
região inguinal esquerda em sítio de implante de cateter de hemodiálise em
veia femoral, optou-se por iniciar tratamento antibioticoterápico com
Vancomicina e retirada do cateter, implantando-o em outra veia. Apesar da
melhora dos sinais flogísticos na região inguinal o paciente evoluiu com
piora da dor além de aumento significativo do edema (nitidamente
assimétrico) no membro inferior esquerdo.
Diante dos sintomas de dor intensa e edema assimétrico no membro
inferior esquerdo optou-se pela investigação ultrassonográfica com Doppler
do sistema venoso, confirmando a suspeita de Trombose Venosa Profunda
(TVP) Aguda no membro inferior esquerdo.14
É importante salientar que a presença do cateter de hemodiálise significa
um corpo estranho no interior do sistema venoso, podendo levar a lesão
endotelial e representando, sem dúvida, um fator de risco para trombose
venosa profunda. Não são raros os casos de TVP em veia femoral
relacionados a cateter de hemodiálise local.
O quadro clínico apresentado pelo paciente descrito neste relato de caso
não é patognomônico de nenhuma doença específica. O paciente apresenta
tanto achados relacionados ao quadro infeccioso (infecção de sítio de
implante de cateter de hemodiálise), bem como sinais e sintomas sugestivos
de trombose venosa, necessitando, entretanto, descartar os principais
diagnósticos diferenciais, principalmente pelo fato de o paciente apresentar
inúmeras comorbidades, entre elas a insuficiência renal e o fato de ser
portador do vírus HIV.
A literatura sugere que os principais achados (sinais e sintomas)
relacionados a um quadro de Tromboembolismo Venoso são: edema
assimétrico; dor espontânea; dor à palpação da musculatura; dor à palpação
dos trajetos venosos profundos; hipertermia sistêmica; aumento da
consistência da musculatura da panturrilha (empastamento da panturrilha),
além da diminuição da mobilidade da mesma (Sinal da Bandeira); trajetos
venosos superficiais visíveis e aumentados (Sinal de Pratt).14 Perceba que os
sinais e sintomas apresentados pelo paciente relatado neste corroboram o
diagnóstico da TVP.
Dentre os principais fatores de risco relatados para a Trombose Venosa
Profunda podemos citar: idade avançada, imobilidade, varizes, TVP prévia,
doenças neoplásicas, trauma, cirurgia, trombofilias, gestação, uso de
anticoncepcionais orais, insuficiência cardíaca congestiva, obesidade,
desidratação, insuficiência renal, diabetes, entre outros.15
É importante ressaltar que durante o processo de anamnese, já se pode
identificar os fatores de risco para TVP. Existe ainda outra ferramenta que
pode ser utilizada para auxiliar essa investigação através dos Critérios de
Wells, em que se classificaria o fator de risco em baixo, moderado ou alto,
tendo em consideração o estado clínico do paciente.
Escore de Wells
Critérios Pontos
Supeita de tromboembolismo venoso 3.0
Hemoptise 1.0
Malignidade 1.0
Probabilidade de EP
Escore Interpretação do risco
%
0-2 3.6 Baixa
Celulite
Linfangite
Sistêmica
Edema sistêmico
Vascular
Tromboflebite Superficial
Linfedema
Outras causas
Trauma
Síndrome compartimental
Lipedema
Cisto de Baker
Pontos importantes
• Edema unilateral (assimétrico) em membro inferior deve fazer
pensar em TVP;
Referências
1. Salgado NF, José D, Brito DA. Doença Renal Crônica: A Grande Epidemia Deste Milênio
Chronic Kidney Disease: The Great Epidemic of This Millennium. J Bras Nefrol. 2006;
XXVIII (Supl. 2):1–5.
2. Sesso RC, Lopes AA, Saldanha F, Lugon JR. Relatório do censo brasileiro de diálise de 2010. J
Bras Nefrol. 2011;33(4):442–7.
3. Diálise CB De, Alberto A, Saldanha F, Emmanuel A. Censo Brasileiro de Diálise. J Bras
Nefrol. 2010;32(4):380–4.
4. Suhocki P V, Conlon PJ, Knelson MH, Harland R, Schwab SJ. Silastic cuffed catheters for
hemodialysis vascular access: thrombolytic and mechanical correction of malfunction. Am J
Kidney Dis. 1996 Sep;28(3):379–86.
5. Pastan S, Soucie JM, McClellan WM. Vascular access and increased risk of death among
hemodialysis patients. Kidney Int. 2002 Aug;62(2):620–6.
6. Cetinkaya R, Odabas A, Unlu Y. Using cuffed and tunnelled central venous catheters as
permanent vascular access for hemodialysis: a prospective study. Ren Fail. 2003;25(3):431–8.
7. Fan PY, Schwab SJ. Vascular access: concepts for the 1990s. Journal of The American Society
Of Nephrology. 1992. p. 1–11.
8. Evans RS, Sharp JH, Linford LH, Lloyd JF, Tripp JS, Jones JP, et al. Risk of symptomatic DVT
associated with peripherally inserted central catheters. Chest. 2010 Oct;138(4):803–10.
9. Saber W, Moua T, Williams EC, Verso M, Agnelli G, Couban S, et al. Risk factors for catheter-
related thrombosis (CRT) in cancer patients: a patient-level data (IPD) meta-analysis of clinical
trials and prospective studies. J Thromb Haemost JTH. 2011;7:312–9.
10. Grove JR, Pevec WC. Venous thrombosis related to peripherally inserted central catheters. J
Vasc Interv Radiol JVIR. 2000;11:837–40.
11. Van Rooden CJ, Schippers EF, Barge RMY, Rosendaal FR, Guiot HFL, Van Der Meer FJM, et
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thrombosis in hematology patients: a prospective study. Journal of Clinical Oncology. 2005 p.
2655–60.
12. Chen TY, Huang CC, Tsao CJ. Hemostatic molecular markers in nephrotic syndrome. Am J
Hematol. 1993;44:276–9.
13. Anderson F, Spencer F. Risk factors for venous thromboembolism. Circulation. 2003;107(23
Suppl 1):9 – 16.
14. Maffei F.H.A.: In: Doenças Vasculares Periféricas, 4ª Edição, Medsi, Rio de Janeiro, 2008.
15. Kumar,V; Abbas, A. K; Fausto, N. Robbins & Cotran:Patologia -Bases Patológicas das
Doenças. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
16. Staico, R., Vaz, V., Cesar, F., Feres, F., Abizaid, A., Mattos, L. & Souza, J. E. (2004).
Heparina não fracionada e de baixo peso molecular: equivalência na intervenção coronariana.
Caso 111
Liga Acadêmica de Cirurgia Geral
Autores: Stephani da C.S.Freire da Silva e Daniele Franca de A. Borges.
Orientador(a): Dr. Marcos G. Adriano Junior (Cirurgião Oncológico -
Hospital Sancta Maggiore/Prevent Senior - São Paulo/SP).
Instituição: Universidade Anhembi Morumbi - UAM - São Paulo/SP.
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente com 57 anos de idade, feminino, casada, costureira, natural e
procedente de cidade de grande porte, compareceu ao consultório do seu
ginecologista para exames de “rotina”. Realizou ultrassonografia
transvaginal que mostrou a presença de uma massa pélvica. Foi encaminhada
a um cirurgião oncológico que solicitou tomografia computadorizada de
abdome total e ressonância nuclear magnética de pelve. Sem queixas
clínicas. Refere evacuações com uso de laxantes desde jovem. Nega náusea,
vômitos, melena ou hematoquezia. Nega pirose ou disúria. Não há sintomas
ginecológicos. Acompanhamento anual com seu ginecologista e sempre sem
alterações nos exames de imagem. Medicações em uso: Puran 50mcg/
Sinvastatina 20mg/ Enalapril 20mg (manhã)/ Anlodipino 5mg (manhã).
Antecedentes pessoais: Hipertensão/Hipotireoidismo/ Dislipidemia. Nega
cirurgias. Nega tabagismo e etilismo. Antecedentes Familiares: Irmã com
mieloma.
EXAME FÍSICO
BEG, orientada, fácies atípica, mucosas coradas, hidratada, escleróticas
anictéricas, eupnéica.
Sem particularidades.
EXAMES COMPLEMENTARES
Marcadores tumorais
CA 125 64 U/mL < 35U/mL
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. São necessários outros exames de imagem além da USG para o
diagnóstico? Caso sim, quais e porquê?
3. Qual o valor diagnóstico do marcador tumoral CA 125 nesses casos?
4. Qual a conduta mais apropriada?
DISCUSSÃO
Essa paciente apresenta uma massa pélvica, provável origem anexial,
com a necessidade de investigação clínica/cirúrgica. O diagnóstico de massa
anexial em mulheres com sintomatologia pélvica ou naquelas sem queixas
representa uma rotina na prática médica.1 Aproximadamente uma entre 10
mulheres serão submetidas a procedimento cirúrgico em virtude de massas
anexiais. Uma boa avaliação pré-operatória, com distinção entre massas
benignas ou malignas, resulta em mais pacientes encaminhadas a serviços de
referência em Ginecologia/Cirurgia Oncológica, com melhores resultados de
tratamento e maior probabilidade das condições benignas serem tratadas de
forma conservadora.6
A definição do risco de malignidade das massas anexiais deve ser
baseada em suas características aos exames de imagem, além da idade,
história familiar, sintomatologia, achados ao exame físico e níveis de
marcadores tumorais.1
A ultrassonografia transvaginal (USG transvaginal), tomografia
computadorizada (TC) e/ou ressonância magnética (RM) são recomendados
para diferenciar massas anexiais tanto ginecológicas benignas quanto
malignas, além de doenças não-ginecológicas. O USG transvaginal é a
modalidade de primeira escolha em pacientes com suspeita de massa
ovariana isolada, a RM é o mais apropriado para ajudar a esclarecer o
potencial maligno nesses pacientes, assim como a TC naqueles casos em que
há suspeita de doença extraovariana.2 Nesse caso era imprescindível realizar
uma Tomografia Computadorizada e uma Ressonância Magnética para
elucidar o diagnóstico.
Níveis elevados de CA125 em geral estão presentes nos casos de tumores
malignos, mas sua elevação não é sinal patognomônico de malignidade,
visto que qualquer condição peritoneal também pode aumentar seus níveis
séricos. Massas benignas ou tumores borderlines normalmente não o
elevam.6
Pelos achados em exames de imagens e com a elevação do marcador
tumoral (CA 125) esse caso foi conduzido com o possível diagnóstico de
tumor maligno de ovário, sendo assim também faz parte da propedêutica a
solicitação de Colonoscopia e Endoscopia Digestiva Alta, pelo risco de
metástase ovariana de neoplasias do trato digestivo. A possibilidade
diagnóstica de um tumor maligno de ovário deve sempre ser considerada na
presença de uma massa anexial, principalmente em mulheres na pós-
menopausa. Uma avaliação pré-operatória detalhada, considerando-se a
história clínica e os resultados dos exames complementares, são essenciais
para a condução correta desses casos.
Nos casos onde a história clínica e os exames complementares não
conseguem distinguir bem entre tumores benignos e malignos, opta-se pela
cirurgia para elucidação diagnóstica e, se possível, tratamento. A paciente foi
submetida a laparotomia exploradora para inspeção da cavidade e realização
de lavado peritoneal, assim como ressecção de massa anexial e análise
histológica da peça no intraoperatório (biópsia de congelação).1
Ao realizar a laparotomia, para surpresa da equipe de cirurgia
oncológica, não se tratava de um tumor de ovário e, sim, de uma massa
pedunculada em parede antimesentérica de intestino delgado,
macroscopicamente sugestivo de GIST. Foi realizada ressecção da lesão com
margens de segurança e biópsia de congelação, cujo resultado confirmou as
margens livres de neoplasia, porém sem definir exatamente o diagnóstico. O
resultado anatomopatológico (hematoxilina e eosina) mostrou Neoplasia
mesenquimal hipercelular, com células atípicas. Índice mitótico: 1/50 CGA,
com necrose em cerca de 50%, medindo 4,5cm no maior eixo, coincidente
com a borda cirúrgica de ressecção circunferencial. Invasões angiolinfática e
perineural não detectadas. Margem cirúrgica de ressecção livre de neoplasia.
Os GIST são os tumores mesenquimais mais comuns do trato
gastrointestinal. Cerca de 20% dos GIST malignos são diagnosticados em
fases avançadas, lesões que por um longo tempo são assintomáticas e
descobertas acidentalmente. O prognóstico depende do tamanho do tumor,
localização e número de mitoses por 50 campos microscópicos de alta
potência (avaliadas pelo patologista).3
A ressecção cirúrgica completa com margens livres é o tratamento
padrão para o GIST não-metastático, a única modalidade capaz de
proporcionar cura.Muitas vezes é necessária a cirurgia radical com
ressecções multiviscerais.
Figuras 4 e 5. Anatomopatológico de ressecção cirúrgica. Neoplasia
mesenquimal hipercelular. Hipótese diagnóstica de GIST.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Ginecológicas
Ovarianas (Benignos)
Cisto corpo lúteo
Cisto folicular
Luteoma (Gravidez)
Teratoma Maduro
Torção ovariana
Ovário Policístico
Cisto Tecaluteíno
Linfoma intestinal
Ovarianas (Malignos)
Tumor Boderline
Carcinoma Epitelial
Sarcoma
Não-Ovarianas (Benignos)
Gravidez Ectópica
Hidrosalpinge
Endometrioma
Leiomioma
Abscesso Tubo-Ovariano
Não-Ovarianas Malignas
Carcinoma Endometrial
Benignas
Apendicite/ Abscesso Apendicular
Divertículo Bexiga
Tumor Neural
Rim Pélvico
Cisto Peritoneal
Divertículo Ureteral
Malignas
Sarcoma Retroperitoneal
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIAS
• Semiologia pélvica e abdominal dos tumores pélvicos;
• Diagnósticos diferenciais de massa pélvica;
• Critérios diagnósticos nos tumores pélvicos e GISTs;
• Tratamento e prognóstico nos GISTs.
Pontos importantes
• A possibilidade diagnóstica de um tumor maligno de ovário deve ser
considerada na presença de uma massa anexial;
REFERÊNCIAS
1. Lima RA, Viotti LV, Cândido EB S-F AL. Management of the adnexal mass with suspect of
ovarian cancer. Femina. 2010;38(31).
2. Dodge JE, Covens AL, Lacchetti C, Elit LM, Le T, Disease C, et al. Management of a suspicious
adnexal mass: a clinical practice guideline. 2012;19:244–57.
3. Lach HC, Szczerbińska BK, Słomka M. Gastrointestinal stromal tumors: epidemiology , clinical
picture, diagnosis , prognosis and treatment. 2008;118(4):17–21.
4. Vianna KCM, Neto4 JZ. Tumor Estromal Gastrointestinal: Experiência no Tratamento da
Doença Localizada e Avançada no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.
Curitiba: Revista Brasileira de Cancerologia; 2012. p. 58(1): 47–56.
5. Valadão M. Novas perspectivas no tratamento do GIST. Revista Brasileira de Cancerologia;
2006. p. 52(4): 373–379.
6. Adriano Junior MG. Massas Anexiais Diagnóstico Diferencial. Sociedade Brasileira de Cirurgia
Oncológica. Boletim; 2014. p.12: 12-14.
Caso 112
LACan - Liga Acadêmica de Cancerologia
Autores: Rita de Cássia Araujo Rocha, Joyce Aparecida Lira e Erica Alves
da Silva.
Orientador(a): Dra. Michele Samora de Almeida (Oncologista Clínica -
Universidade Federal
de São Paulo - UNIFESP).
Instituição: Universidade Anhembi Morumbi - UAM.
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
54 anos, feminino, do lar, procedente de cidade de grande porte. Refere
“aumento de volume embaixo da língua” há 9 meses. Paciente relata que há
aproximadamente 9 meses começou a apresentar crescimento de massa em
região submandibular bilateral (maior à esquerda) com aumento progressivo
e levemente doloroso. O crescimento da massa também ocorreu para o
interior da cavidade oral, levando intensa disfagia (perda ponderal de 20kg
nos últimos 10 meses). Nega febre, disfonia ou sangramento.
Antecedentes: HAS, DM, ex-tabagista (36 anos-maço) e ex-etilista
social.
EXAME FÍSICO
Sem edemas.
Sem particularidades.
EXAMES COMPLEMENTARES
Tomografia computadorizada:
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o provável diagnóstico?
2. Quais os fatores de risco?
3. Qual a importância para do diagnostico precoce?
4. Qual o exame ouro para o diagnóstico?
5. Quais os tratamento empregados?
DISCUSSÃO
O caso em questão corresponde a um carcinoma espino celular (CEC)
de assoalho bucal. Trata-se de uma das doenças neoplásicas mais freqüentes
no Brasil, sendo que mais de 80% dos cânceres de boca são do tipo CEC.1
A prevalência é na raça branca, gênero masculino, na faixa etária de 50 a 60
anos. A localização mais comum é na língua e assoalho bucal. A
etiopatogenia consiste no fato de que múltiplos agentes carcinogênicos
atuando sobre o epitélio normal geram displasia, a qual se caracteriza pela
presença de atipias celulares e na perda da estratificação normal desse
tecido.2,3
É considerado um problema de Saúde Pública em que não se nota
melhora dos indicadores epidemiológicos ao longo do tempo, e sim uma
mudança no perfil dos pacientes acometidos, sendo estes cada vez mais
jovens e mulheres. Fato observado devido a mudança de hábitos da
população, como o aumento do consumo de álcool e tabaco cada vez mais
precocemente. Não há um agente carcinogênico isolado, mas sim uma
somatória de agentes associada à predispocisão do indivíduo. O câncer de
boca e orofaringe está relacionado principalmente ao tabagismo e etilismo,
podendo estar associado também à exposição solar, dieta e ao vírus HPV.1
As neoplasias de cavidade oral, em geral, são fáceis de serem avaliadas
devido à facilidade de visualização do conteúdo da boca. Todavia,
geralmente estas lesões são grandes quando diagnosticadas. Não existe
quadro clínico característico. A sua evolução é lenta e, inicialmente, pouco
dolorosa ou indolor. Os sintomas mais comuns são odinofagia, disfagia,
hemorragia, perdas inexplicáveis de dentes, desconforto oral, trismo e
otalgia. Ao exame físico, pode-se observar desde lesões com aspecto
mucoso até vegetantes, estas últimas as mais comuns, às vezes ulceradas e
com infecções bacterianas concomitantes. A lesão mais frequente é uma
úlcera endurecida. Pode ser infiltrativa ou verrucosa. Quando exofítica,
pode não penetrar nos tecidos adjacentes, diferentemente das lesões
ulceradas que penetram precocemente em músculo, osso ou pele. A
mandíbula e seu periósteo funcionam como barreiras naturais à
disseminação tumoral.3
Quando há grande suspeita de uma neoplasia, deve-se realizar uma
biópsia sob anestesia local logo que for afastado risco de sangramento
excessivo. Após isto, deve-se estadiar a extensão da lesão primária e avaliar
a possibilidade de metástases à distância ou outros tumores primários.3
Após o diagnóstico histológico, deve-se realizar o estadiamento do
tumor, a classificação do carcinoma de células escamosas segue os
seguintes critérios:1,2
T - Características do tumor primário4
Tx in situ.
T2 Tumor de 2 - 4.
T3 Tumor > 4
N0 Sem adenopatia.
N1 Único Ipsilateral.
M - A presença de metástase4
Mx Não diagnosticada.
M0 Sem metástase.
M1 Metástase à distância.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Mioblastoma de célula granular: lesão benigna, que pode ser
confundida por patologista, principalmente se o fragmento de biópsia
for pequeno;
Carcinoma basocelular;
Rabdomiossarcoma e lipossarcoma;
Linfomas;
Melanoma maligno;
OBJETIVOS DE
APRENDIZADOS/COMPETÊNCIAS
• Semiologia da cavidade oral;
• Características do câncer de boca;
• Orientar o paciente assiduamente para cessar o tabagismo,
alcoolismo e se proteger dos demais fatores de risco;
Referências
1. INCA/MS. Carcinoma Epidermóide da Cabeça e Pescoço. Revista Brasileira de Cancerologia,
2001, 47(4): 361-76.
2. Kimple AJ, Welch CM, Zevallos JP, Patel SN. Oral cavity squamous cell carcinoma-an
overview. Oral Health Dent Manag. 2014 Sep;13(3): 877-82.
3. Lawaetz M., Homoe P. Risk factors for and consequences of inadequate surgical margins in
oral squamous cell carcinoma (2014) Oral Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology and Oral
Radiology, 118 (6), pp. 642-646.
4. Basaran B, Ulusan M, Orhan KS, Gunes S, Suoglu Y. Is it necessary to remove submandibular
glands in squamous cell carcinomas of the oral cavity? Acta Otorhinolaryngologica Italica
2013;33(2):88-92.
Caso 113
Liga de Prevenção à Cegueira
Autores: Juliana Mika Kato, Luis Felipe Yassuyuki Ohnishi e Alex Haruo
Higashi.
Orientador(a): Dr. Pedro Carlos Carricondo (Médico oftalmologista, Chefe
do Pronto-Socorro de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da USP, São
Paulo/SP).
Instituição: Universidade de São Paulo - USP, São Paulo/SP.
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
68 anos, feminino, branca, natural e procedente de cidade de grande
porte, do lar, procura o pronto-socorro com queixa de dor ocular intensa e
baixa acuidade visual súbita no olho direito há 3 dias associada à cefaleia
hemicraniana direita, náuseas e vômitos. Nega história recente de trauma.
Refere episódios semelhantes de dor com melhora espontânea sem
tratamento. É hipertensa e faz uso de Losartan 100mg/dia e ácido
acetilsalicílico (AAS).
EXAME FÍSICO
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a principal hipótese diagnóstica?
2. Quais são os fatores de risco?
3. São necessários outros exames?
4. Quais os principais diagnósticos diferenciais?
DISCUSSÃO
A paciente apresenta um quadro clínico típico de glaucoma agudo
primário (GAP). Essa afecção manifesta-se em crises de dor intensa em
globo ocular, a qual pode irradiar para cabeça e/ou hemiface acometida,
levando à náuseas e vômitos. Na maioria dos casos a crise é unilateral. O
olho acometido fica hiperemiado, acompanhado de lacrimejamento,
fotofobia e diminuição da acuidade visual.
Ao exame oftalmológico sumário, nota-se congestão acentuada de vasos
conjuntivais e episclerais, ausência de secreção mucopurulenta, edema de
córnea (perda de brilho e transparência) e pupila em médio-midríase fixa. À
pressão bidigital, há assimetria de tensão entre o olho normal e o olho com
GAP.
Na história da paciente, podemos identificar alguns fatores de risco,
como sexo feminino e idade maior que 65 anos. Outros fatores não citados
na anamnese são etnia asiática e história familiar.
A hiperemia conjuntival e dor ocular podem confundir o examinador
quanto a um quadro de conjuntivite, uveíte, ceratite ou esclerite. No entanto,
conjuntivites cursam com secreção e não há baixa de acuidade visual; a
hiperemia das uveítes é pericerática e nenhuma dessas afecções alteram o
reflexo fotomotor. A dor hemicraniana pode sugerir um quadro de
enxaqueca, embora não haja nenhuma alteração oftalmológica.
Por se tratar de uma emergência oftalmológica, a paciente foi
encaminhada imediatamente ao serviço especializado para realização de
outros exames.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Oftalmológicos
Conjuntivite
Uveíte
Ceratite
Clínicos
Cefaleia hemicraniana (enxaqueca)
Cefaleia em salvas
Neurológicos
Meningite
Hemorragia subaracnoidea
EXAME OFTALMOLÓGICO
Acuidade visual
Olho direito (OD) Conta Dedos 10cm
Biomicroscopia:
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual a conduta inicial?
2. Qual o tratamento definitivo?
DISCUSSÃO
Através do exame de biomicroscopia observou-se uma câmara anterior
rasa, que é fator predisponente para fechamento angular agudo. A
gonioscopia confirmou uma alta pressão intraocular direita.
Com o diagnóstico de GAP, a conduta inicial no pronto-socorro foi
analgesia, instilação de colírios hipotensores (timolol e dorzolamida),
pilocarpina (para reversão do bloqueio pupilar), manitol endovenoso,
prednisolona e acetazolamida (para diminuição da produção do humor
aquoso).
Após o controle da crise, a paciente foi orientada a retornar em consulta
ambulatorial para o tratamento definitivo com iridotomia bilateral. Esse
procedimento cria uma comunicação da câmara posterior com a anterior e é
também realizado no olho contralateral profilaticamente.
OBJETIVOS DE
APRENDIZADO/COMPETÊNCIA
• Anatomia da câmara anterior do olho;
• Exame oftalmológico sumário;
• Diagnósticos diferenciais de olho vermelho;
• Diagnósticos diferenciais de dor ocular;
• Tratamento clínico do glaucoma agudo;
• Tratamento cirúrgico do glaucoma agudo.
Pontos importantes
• História e exame oftalmológico sumário são altamente sugestivos do
diagnóstico;
• A crise de glaucoma agudo é uma urgência oftalmológica e deve ser
prontamente encaminhada ao especialista;
REFERÊNCIAS
1. See JLS, Aquino MCD, Aduan J, Chew PTK. Management of angle closure glaucoma. Indian
Journal of Ophthalmology 2011;59(Suppl1):S82-S87.
2. Ohringer G, Burke T, Shaikh A. Unilateral headache and loss of vision BMJ 2014; 348:g1188.
3. Gordon-Bennett P1, Ung T, Stephenson C, Hingorani M. Misdiagnosis of angle closure
glaucoma. BMJ. 2006 Dec 2;333(7579):1157-8.
4. Saunders DC. Acute closed-angle glaucoma and Nd-YAG laser iridotomy. Br J Ophthalmol
1990;74:523-5.
Caso 114
Liga de Atenção Primária em Saúde
Autores: Vládia Sousa Meneses, Cássio de Carvalho Almeida e Laura de
Castro Sanches Barioni.
Orientador(a): Dr. Gentil Claudino de Galiza Neto (Patologia Clínica,
UNIFOR e UFC).
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
APS, 21 anos, sexo feminino, solteira, parda, estudante, natural e
procedente de uma cidade do interior comparece em atendimento
ambulatórial com o relato de sangramento transvaginal contínuo há 15 dias.
A paciente refere que sua história hemorrágica teve início aos 3 anos de
idade quando passou apresentar sangramentos cutaneomucosos. No início,
apresentava epistaxes de moderada a forte intensidade, bem como
sangramentos volumosos e desproporcionais aos traumas, tais como cortes
com objetos pontiagudos e extração dentária. Relata ainda o surgimento de
lesões hemorrágicas nas regiões de trauma mecânico e que desde a menarca
vem apresentando menstruações com o fluxo bastante aumentado, que se
estendem por longos períodos, chegando até 30 dias de duração.
Aos 16 anos, apresentou um quadro de intenso sangramento vaginal e
foi atendida em um hospital terciário, tendo realizado diversos exames sem
elucidação diagnóstica. Refere também que sua mãe apresenta quadro
hemorrágico semelhante ao seu, mas de menor intensidade.
Há 2 semanas vem evoluindo com sangramento transvaginal abundante,
com eliminação de grandes coágulos.
EXAME FÍSICO
Razoável estado geral, hipocorada (+++/4+), acianótica, anictérica, afebril,
taquipneica, taquicardica, adinâmica, orientada e cooperativa. Pele e
fâneros: Ausências de petéquias e equimoses
FC: 116 bpm; FR: 30 irpm; PA: 120x70 mmHg; Peso: 78 Kg.
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemácias 1,75 milhoes/mm3 4,20 a 5,40 milhões/mm3
Leucograma
Leucócitos - Global 3.980/mm3 4.000 - 10.000 céls/mm3
Coagulação
Antígeno de Von Willebrand 268,4% 50 - 160 %
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Fator de Von Willebrand >50% >50%
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico principal?
2. Quais os principais pontos da história clínica que auxiliam na
elucidação diagnóstica?
3. Quais são os principais exames a serem solicitados para fazermos o
diagnóstico?
4. Os exames laboratoriais (Tempo de Sangramento - TS, Tempo de
Tromboplastina Parcial Ativada TTPa e Tempo de Protombina- TP)
devem necessariamente ter alguma alteração?
5. No caso da paciente, qual o principal método terapêutico deve ser
utilizado?
6. Quais são os principais diagnósticos diferenciais?
DISCUSSÃO
O caso em questão trata-se de uma diátese hemorrágica com importante
repercussão clínica e de difícil diagnóstico. Para abordagem inicial foram
solicitados TS (alargado), TTPa (normal), TP (normal) e contagem de
plaqueta (diminuída). Os exames nos permitem afastar as hipóteses de
defeitos das cascatas da coagulação. Formularam-se então as hipóteses
diagnósticas de problemas relacionados à adesão plaquetária: qualitativa
(Doença de von Willebrand - DvW e Síndrome de Bernad Soulier) ou de
ordem quantitativa. É importante destacar que pacientes que apresentam
mais de 50.000 plaquetas dificilmente possuem sangramentos espontâneos,
ficando a hipótese de plaquetopenia menos provável para o sangramento
deste paciente.
Foram então solicitados, após o resultado desses exames iniciais, o Fator
de Von Willebrand (FvW) e o Fator VIII (FVIII), que se mostraram
compatíveis com a normalidade. Porém, mesmo com esses exames sem
alterações, a paciente apresentava constantes quadros hemorrágicos e uma
história familiar positiva de sangramentos, inclinando a hipótese para uma
condição geneticamente herdada.
Dentre essas condições, a Doença de Von Willebrand destaca-se devido
à grande frequência na população mundial. Essa condição patológica se
apresenta na incidência de 1 para cada 1000 nascidos vivos1 e é
paradoxalmente subdiagnosticada devido a necessidade de laboratórios
especializados, bem como da adversidade de apresentação clínica.
Nessa paciente, foi realizado, então, o teste terapêutico por meio da
reposição do FvW, levando à cessação total do quadro hemorrágico,
normalização do nível plaquetário e melhora do estado geral. Dessa forma,
diante de todas essas informações colhidas da paciente, foi definido o
diagnóstico como Doença de Von Willebrand.
A DvW apresenta 5 subtipos: tipo 1, de caráter autossômica dominante,
é a mais prevalente (80% dos casos) e apresenta-se com uma deficiência
parcial (quantitativa) nos níveis plasmáticos do FvW; o tipo 2 possui outros
subtipos (2A, 2B, 2N), que podem ser de caráter autossômico recessivo ou
autossômico dominante, apresentam-se com alterações qualitativas
(funcionais) do FVW; e o tipo 3 (rara), de caráter autossômico recessivo, é
caracterizada pela ausência do FvW.
Para segmento do caso dessa paciente, é necessária a realização de
novos exames, como a eletroforese do FvW, para a determinação da
classificação exata da patologia. No entanto, diante dos achados
laboratoriais (FvW e FVIII normais) e pela boa resposta terapêutica,
provavelmente a paciente é portadora do tipo raro 2N que cursa com a
maioria dos exames laboratoriais normais.
O principal método terapêutico para esse caso é a administração do FvW
sob demanda hemorrágica.
Diagnósticos Diferenciais Principais
Uso de AINES
Tromboastenia de Glanzmann
Hemofilias (A/B)
PONTOS IMPORTANTES
• Todo paciente que tenha quadro de sangramento de repetição deve
ser submetido a uma investigação global da coagulação;
Referências
1. Lillicrap, David. von Willebrand disease: advances in pathogenetic understanding, diagnosis,
and therapy. Blood. 2013, 122(23): 3735-3740.
2. National Heart Lung and Blood Institute, U.S Department of Health and Human Services. The
Diagnosis, Evaluation, and Management of von Willebrand Disease. 8th ed. 2007.
3. Rick, Margaret E Rick. Clinical presentation and diagnosis of von Willebrand disease. Up to
Date. 2013.
Caso 115
Liga Acadêmica de Cirurgia
Autores: Daiana Clara Bueno de Sousa Brandão, Paulo Filho Soares
Marcelino e Micaelly Nunes da Silva Madureira.
Orientador(a): Dr. Rademack Duarte Amorim (Ortopedista, Membro Titular
da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia).
Instituição: Universidade Federal do Piauí - UFPI.
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente do sexo masculino, 31 anos, pardo, casado, policial militar,
natural e procedente de cidade do interior, chegou a um hospital de alta
complexidade apresentando dor ao realizar movimentos durante
deambulação e falseios decorrentes de trauma indireto de joelho direito
durante partida de futebol.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Figura 1. Imagem ponderada em T2 com saturação de gordura em corte
sagital.
Figura 2. Exame de ressonância magnética (ponderado em densidade de
prótons corte sagital) mostrando em detalhe o ligamento cruzado anterior
(LCA) , em paciente normal.
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. São, realmente, necessários exames de imagem para o diagnóstico?
Em caso afirmativo, quais?
3. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
Esse paciente tem uma história clínica sugestiva de rotura de LCA,
decorrente de trauma indireto, dada por uma manobra de torção e
desaceleração súbita seguida de estalido. As lesões do LCA causam
instabilidade no joelho, redução da amplitude de movimento e atrofia do
quadríceps, estando associada principalmente a um mecanismo de trauma
indireto.
A articulação do joelho é considerada uma das maiores e mais
complexas estruturas da anatomia humana. Sua articulação é do tipo
gínglimo, permitindo o movimento de flexão, extensão e um certo grau de
rotação.1 Os ligamentos cruzado anterior e posterior formam o que se
denomina pivô central do joelho, cuja função é garantir a estabilidade
anteroposterior deste e, junto aos ligamentos laterais, a estabilidade
rotatória em extensão,2 mostrando que a instabilidade rotária está muito
associada aos ligamentos laterais, corroborando o achado de pesquisas
recentes sobre associação de rotura de LCA e lesão do ligamento
anterolateral (LAL) nesses mecanismos de trauma em que há rotação
medial do joelho.3
Existem inúmeros testes especiais para se testar a instabilidade do joelho
e integridade do ligamento cruzado anterior.4 Estes apresentam elevada
sensibilidade e especificidade para diagnóstico de lesão de LCA,
principalmente os testes de Lachman, gaveta anterior e “pivot-schift”.
Aponta-se que o exame físico direcionado deve ser iniciado pelo joelho não
lesionado para que se estabeleça o normal de deslocamento da articulação
deste paciente.
A ressonância magnética tem auxiliado na avaliação da integridade dos
ligamentos sendo, apesar do alto valor, um exame importante no
diagnóstico mais preciso sobre o local da lesão, presença de fragmentos,
lesão de outros ligamentos e condução da avaliação sobre possíveis
sequelas.5
No tratamento cirúrgico da ruptura completa do LCA deve-se levar em
consideração fatores relativos ao paciente, tais como idade, sexo, estilo de
vida, lesões do joelho concomitantes e expectativas para o futuro.2 Existem
dois tipos de reconstrução: as intra-articulares e as extra-articulares; as
primeiras são aquelas que introduzem dentro da articulação elementos
homólogos ou artificiais (implantes) com a finalidade de substituir os
ligamentos cruzados lesados ou insuficientes, e as extra-articulares são
aquelas que, reforçando os sistemas periféricos de estabilização do joelho,
exerceriam as funções de um ligamento cruzado anterior.6 No entanto,
recentemente, tem-se realizado o tratamento por técnicas de reconstrução
anatômica em banda simples ou dupla e reconstrução adicional de LAL
(Figura 3 e Figura 4).
A constante e intensa busca por aprimoramento nessa área da cirurgia do
joelho deve-se a existência de pacientes com instabilidade rotacional do
joelho após cirurgias tecnicamente adequadas, geralmente, consequente à
lesão do LAL não tratada.
No presente caso, realizou-se a reconstrução artroscópica dos LCA e
LAL, uma vez que está comprovado que o procedimento reconstrutivo
lateral adicional pode recuperar a função do LCA, diminuir a instabilidade
rotária do joelho e o índice de novas rupturas de LCA.
No pós-operatório imediato, paciente apresentou discreto edema e
derrame, extensão completa e flexão de 90 graus. E em um mês, evoluiu
com melhora da instabilidade, testes negativos e ganho completo de
amplitude de movimento.
É importante destacar a descoberta recente do LAL e a introdução da
nova técnica de reconstrução artroscópica de LCA e LAL que tem
demonstrado melhores resultados quando comparado às outras técnicas de
reconstrução.
Figura 3. Reconstrução do ligamento cruzado anterior e ligamento
anterolateral por via artroscópica.
Figura 4. Fase final de implantação e fixação proximal do ligamento
anterolateral.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Lesões meniscais;
Osteocondrite dissecante;
Osteocondromatose sinovial;
Osteonecrose.
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Anatomia do joelho;
• Semiologia na rotura do LCA;
• Diagnósticos diferenciais de rotura de LCA;
• Evolução da lesão de LCA e LAL;
• Nova técnica cirúrgica de reconstrução de LCA e LAL;
• Uso dos exames de imagem na rotura de LCA.
DICAS PRÁTICAS
• História e exames físicos típicos dão o diagnóstico;
• Em caso de dúvida diagnóstica, podem ser solicitados exames de
imagem como ressonância magnética e exame artroscópico;
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
M.L.C, sexo feminino, 22 anos, parda, está grávida pela primeira vez.
Iniciou o pré-natal quando estava na 9ª semana da gestação, referindo
somente náuseas ao iniciar o acompanhamento. Negava qualquer
antecedente pessoal ou familiar patológico. A paciente pesava 50kg e
apresentava pressão arterial (PA) de 100 x 60mmHg. No exame obstétrico
do início da gestação, o útero era compatível com a idade gestacional. Os
exames laboratoriais eram normais e a ultrassonografia, realizada com 15
semanas, confirmava a idade gestacional.
O acompanhamento pré-natal continuou normal até a 36ª semana,
quando passou a referir cefaleia intensa (8/10), turvação visual e
epigastralgia.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemograma
Hemoglobina 12,3g/dL 12 - 16,5g/dL
Bioquímica
LDL 1.200U/I 24 - 480 U/l
Urina
Bilirrubina Total (BT) 3,3mg/dL Até 1mg/dL
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Como investigar o quadro clínico da paciente?
3. O quadro da paciente é grave?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
DISCUSSÃO
A paciente apresenta um quadro clássico de pré-eclâmpsia grave, que
faz parte do espectro das síndromes hipertensivas na gestação.
A jovem, ao apresentar PA de 160 x 110mm, proteinúria de ++/4+, em
amostra isolada, e edema de MMII e de face na 36ª semana de idade
gestacional (IG), preenche os critérios diagnósticos de pré-eclâmpsia. Tais
critérios incluem hipertensão arterial e proteinúria significativa após 20
semanas de IG. É considerada hipertensa a mulher com pressão arterial
sistólica (PAS) de pelo menos 140mmHg e/ou pressão arterial diastólica
(PAD) de pelo menos 90mmHg. A proteinúria significativa é definida por
pelo menos 300mg de proteína detectada pelo exame de urina de 24h ou
pela presença de (1+) no método quantitativo de fita, em pelo menos, duas
aferições ou de (2+) ou mais em qualquer amostra isolada ou pela relação
proteína/creatinina > 0,30. É importante relatar, no entanto, que a ausência
de proteinúria não afasta completamente o diagnóstico de pré-eclâmpsia. A
presença de edema não é mais critério para o diagnóstico, apesar de esse
sinal, frequentemente, vir associado ao quadro. Como a paciente não
apresenta crises convulsivas do tipo tônico-clônico generalizada, ela não
tem eclâmpsia.
A propedêutica complementar na emergência consta da avaliação
materna e da avaliação fetal. Os exames laboratoriais maternos
evidenciaram hemólise (H= hemolysis), elevação das provas de função
hepática (EL= elevated liver enzymes) (TGO, TGP, bilirrubinas e LDH) e
plaquetopenia (LP= low platelets count), sugestivos de síndrome HELLP e
de elevação das provas de função renal (ureia e creatinina). A avaliação da
vitalidade fetal é feita pelo cardiotocógrafo (CTG) basal, perfil biofísico
fetal (PBF) e dopplerfluxometria.
Pelo fato de a paciente ainda manifestar alterações cerebrais (cefaleia) e
visuais (turvação visual), dor epigástrica, hipertensão significativa (PA >=
160x110 mmHg) e achados característicos da síndrome HELLP,
classificamos a pré-eclâmpsia da paciente como grave. Não é necessária, no
entanto, a presença de todos estes sintomas para a classificação. A presença
de, pelo menos, um deles já indica a gravidade do quadro.
É imprescindível notar também que, na presença de algum desses sinais
ou sintomas, a presença de proteinúria não é necessária para a confirmação
de pré-eclâmpsia.
Dado o diagnóstico é preciso conduzir o caso sempre reavaliando a
vitalidade materna e fetal. O tratamento ideal e definitivo para a pré-
eclâmpsia grave e para a Síndrome HELLP seria o parto, mas este é
dependente de alguns fatores, como a gravidade do caso, a idade
gestacional (IG), a presença ou não de complicações e o bem-estar fetal. Por
isso, é necessário individualizar a terapêutica para as síndromes
hipertensivas, em diversos momentos do ciclo gravídico-puerperal, visando
sempre à redução dos altos índices de morbi-mortalidade materna e fetal
por prevenção de complicações.
Para pacientes que apresentam IG maior ou igual 34 semanas (como é a
paciente do caso em questão) ou com IG menor que 34 semanas,
sintomáticas e com exames laboratoriais alterados e/ou com vitalidade fetal
comprometida ou outros sinais de gravidade, consideramos a resolução da
gestação como medida mais eficaz. Para tanto, deve-se iniciar: a hidratação
da paciente (máximo de 150ml/h SF 0,9%); o sulfato de magnésio 50% (1
ampola = 10ml), para profilaxia anticonvulsivante (dose de ataque de 4 a 6
g: 8 a 12 ml EV, diluído em 100 ml de solução glicosada 5%, em 30 min;
dose de manutenção de 1 a 2g/h: 12 a 24 ml em cada solução glicosada 5%,
28gts/min ou 84 ml/h, lembrando de manter a sulfatoterapia por 24h após o
parto ou após a última convulsão. No caso de intoxicação, utilize gluconato
de cálcio 10 ml EV lento); e a terapia anti-hipertensiva aguda (hidralazina 1
ampola de 20mg diluídos em soro fisiológico e fazer 5ml EV a cada 30
minutos ou nifedipina comprimido de 10 ou 20mg, de 30 em 30 minutos
por até 4 horas). Caso a vitalidade fetal estivesse comprometida ou já
houvesse presença de cicatriz uterina, optar-se-ia pela via cesárea de parto.
Porém, como no caso a vitalidade fetal está preservada, pode-se induzir o
parto vaginal com o uso de Misoprostol.
As síndromes hipertensivas da gravidez continuam a ser um dos
principais problemas de saúde para as mulheres e para os seus bebês. A pré-
eclâmpsia, tanto isolada como sobreposta na hipertensão (crônica) pré-
existente, representa o maior dos riscos. Embora o pré-natal apropriado,
com observação para sinais maternos de síndromes hipertensivas e a
possibilidade de manejo adequado da paciente, possa reduzir o número de
casos e a extensão dos maus resultados, a morbidade materno-fetal e
mortalidade ainda continuam elevadas. Alguns destes resultados adversos
são evitáveis, enquanto outros podem ser amenizados. Além disso, embora
alguns dos problemas que recém-nascidos enfrentam estejam relacionados,
diretamente, com a pré-eclâmpsia, uma grande proporção é secundária à
prematuridade que resulta do parto induzido, caso apropriado para fetos de
mulheres com indicação.
A profilaxia para a pré-eclâmpsia ainda está em aberto, mas está claro
que antioxidantes como vitaminas C e E não são efetivos para tal. Algumas
medidas podem ser aventadas como, por exemplo, para as mulheres com
uma história clínica de pré-eclâmpsia e parto prematuro de início precoce
com menos de 34 semanas de gestação ou pré-eclâmpsia em mais de uma
gravidez anterior, pode-se iniciar a administração de baixa dose diária de
aspirina (60 - 80 mg) e de cálcio (pelo menos 1,0 grama ao dia), no final do
primeiro trimestre, prosseguindo até 35 semanas de IG ou até o fim da
gestação.
No caso de baixa ingesta de cálcio, administrar o carbonato de cálcio
isolado na dosagem de 2 comprimidos por dia (cada comprimido de 1.250
mg equivale a 500 mg de cálcio).
Hepatite Viral
Pontos importantes
• Utilizar sulfato de magnésio em todas as gestantes com pré-
eclampsia grave como profilaxia anticonvulsivante;
Referências
1. Sociedade Brasileira de Cardiologia / Sociedade Brasileira de Hipertensão / Sociedade
Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;
95(1 supl.1): 1-51.
2. The American College of Obstetricians and Gynecologists. Hypertension in Pregnancy.
Obstetrics & Gynecology. 2013 Nov; 122 (5): 1122-31.
3. Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica, no 32. 1 ed. Brasília: Editora do Ministério
da Saúde; 2012.
4. Ministério da Saúde. Gestação de Alto Risco: Manual Técnico. 5 ed. Brasília: Editora do
Ministério da Saúde; 2010.
Caso 117
Liga Acadêmica de Hematologia Clínica
Autores: Daniela Tavares Costa, Bianca Carla Azevedo de Souza
e Tissiane Ribeiro de Almeida Lima.
Orientador(a): Dra. Isa Menezes Lyra (Hematopediatra - UFBA e
UNIFACS)
Instituição: Universidade Salvador - UNIFACS.
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
11 anos, sexo feminino, natural e procedente de Mata de São João – BA,
católica, ensino fundamental incompleto. Portadora de anemia falciforme e
antecedente de dois episódios de AVCi (2008 e 2012) com consequente
dificuldade para deambular e falar. Faz uso de Hidroxiureia (500mg/dia) e
realiza transfusões sanguíneas mensalmente há quatro anos.
Procura à equipe de Hematologia Pediátrica com queixa de dor torácica
súbita e de moderada intensidade. Genitora refere que a paciente apresenta
tosse com secreção amarelada há aproximadamente sete dias e apresentou
um episódio febril (38,9 oC) que cedeu com uso de Dipirona há dois dias da
admissão. Nega náuseas, vômitos, queixas gastrointestinais ou urinárias.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Laboratório Valores Obtidos Valores Referenciais
Hemoglobina 8,0 g/dL 12 - 16,5g/dL
Segmentados 49% -
Bastões 3% -
Linfócitos 31% -
Gasometria arterial
pH 7,48 -
pCO2 33 mmHg -
BE 1,1 mEq/L -
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais exames são necessários para o diagnóstico definitivo?
3. Quais são as alterações que podem estar presentes nos exames
laboratoriais e de imagem?
4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?
5. Há alguma maneira de prevenir a STA?
DISCUSSÃO
Essa jovem tem um caso clássico de Síndrome Torácica Aguda (STA),
quadro associado aos portadores da doença falciforme. A história é típica e
habitual em pacientes com anemia falciforme. Inicia-se com um quadro de
infecção do trato respiratório – tosse com secreção amarelada, febre,
sibilância, taquidispneia – e evolui com dor torácica e hipoxemia. Além de
uma anamnese bem-sucedida, há sinais no exame físico que ajudam no
diagnóstico e no manejo do tratamento, como: batimento da asa de nariz,
FC aumentada, presença de creptos e sibilos e diminuição do murmúrio
vesicular.
O diagnóstico de STA é definido por uma radiografia de tórax - com
novo infiltrado pulmonar - associada a pelo menos um sinal ou sintoma
supracitado em um paciente com anemia falciforme. Caso a STA seja
suspeitada clinicamente e a radiografia der negativa, devemos repetir o raio
X de tórax de maneira seriada até a definição do caso, pois muitos pacientes
podem ter radiografia normal à admissão e evoluir com infiltrado
posteriormente. No caso da paciente, o diagnóstico foi feito precocemente
pela clínica e pelo exame de imagem, além dos laboratoriais que revelaram:
leucocitose, baixos níveis de Hb, aumento da PCR, elevação de TGO, valor
Quick diminuído (TP = 57%) e, sob uso da máscara de Venturi a 50%.
A intervenção terapêutica precoce se faz necessária, pois a STA pode
cursar com diversas complicações, como insuficiência respiratória,
distúrbios neurológicos, sepse e até mesmo óbito. Assim, deve haver uma
monitorização contínua nas primeiras 48 horas com oxigenoterapia,
fluidoterapia, controle da dor, antibioticoterapia e transfusão sanguínea.
É essencial que o diagnóstico da anemia falciforme seja realizado no
período neonatal conforme preconizado pelo Ministério da Saúde, pois
possibilita o atendimento integral a criança com a implantação de medidas
profiláticas, seguimento regular e educação de pais e cuidadores para um
melhor entendimento da doença e identificação dos sinais de alerta para
situações de risco. Como não há um tratamento específico, a melhora da
sobrevida e da qualidade de vida desses pacientes se baseia em medidas
gerais e preventivas apresentadas, resumidamente, no quadro abaixo.
Medidas Gerais na Doença Falciforme
Imunização adequada.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS DE DOR TÓRÁCICA
Cardíaco
Taquicardia supraventricular
Flutter atrial
Pulmonar
Asma
Pneumonia
Pneumotótax
Gastrointestinal
Refluxo esofágico
Esofagite
Musculoesquelético
Costocondrite
Trauma
Deformidade torácica
Pontos importantes
• Pense em STA na presença de sintomas respiratórios associados à
febre e/ou dor torácica;
Priaprismo/Pulmonares (STA);
Hemólise;
Leg ulcer;
Infecção;
Osteonecrose;
Medular (isquemia);
OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Manejo do paciente com STA;
• Semiologia respiratória e interpretação de exames na STA;
• Diagnósticos diferenciais de dor torácica;
• Evolução e complicações da STA;
• Tratamento e prevenção da STA.
REFERÊNCIAS
1. ARAÚJO, Ana Queiroz de. Síndrome torácica aguda: revisão geral atualizada e uma proposta
de protocolo para diagnóstico e conduta. Monografia de Especialização em Pediatria –
Programa de Residência Médica em Pediatria do Hospital Regional da Asa Sul, Brasília, 2011.
Acesso em 14 de Outubro de 2014.
2. BRAGA, Josefina A. P.. Medidas gerais no tratamento das doenças falciformes. Rev. Bras.
Hematol. Hemoter. [online]. 2007, vol.29, n.3,pp.233-23. Acesso em 12 de Janeiro de 2015.
3. BRUNETTA, D.M, et al. Manejo das complicações agudas da doença falciforme. Simpósio:
Condutas em enfermaria de clínica médica de hospital de média complexidade - Parte 2,
Capítulo II. Acesso em 12 de Outubro de 2014.
4. GUALANDRO, S.F.M.; FONSECA, G.H.H.; GUALANDRO, D.M. Complicações
cardiopulmonares das doenças falciformes. Rev. bras. hematol. hemoter. 2007;29(3):291-298.
Acesso em 12 de Outubro de 2014.
5. NUZZO, D.V.P. D.; FONSECA, S.F. Anemia falciforme e infecções. Jornal de Pediatria- Vol.
80, Nº5, 2004. Acesso em 13 de Outubro de 2014.
Caso 118
Liga Acadêmica de Clínica Médica de Pernambuco
Autores: Egidio José Silva de Lima, Felipe Augusto Chaves Machado e
Wagner de Azevedo Herculano.
Orientador(a): Dr. Rodrigo Agra Bezerra dos Santos (Clínica Médica e
Endocrinologia,
Prof. Auxiliar da UPE Campus Garanhuns).
Instituição: Universidade de Pernambuco - UPE.
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
P.R.B, 57 anos, mulher, branca, casada, três filhos, evangélica, dona de
casa, natural e procedente de cidade do interior.
Queixa principal: “Tontura e dor nos ombros há cinco meses com
piora há 15 dias”.
Paciente refere dor contínua no cíngulo do membro superior irradiada
para região cervical que piora aos movimentos ativos e melhora com o uso
de analgésicos comuns, associado à tontura e náuseas. Dor articular em
ambos os joelhos, articulação coxofemoral esquerda, interfalangiana
proximal de ambas as mãos e cotovelos, de início gradual e aditivo. Relata
ainda rigidez matinal de +/- uma hora e refere que a dor melhora ao final do
dia.
Refere também que há cinco meses vem evoluindo com febre baixa,
perda de peso, anorexia, astenia. Relata um episódio de diminuição da
acuidade visual. Ao interrogatório sistemático a paciente fala ainda de
palpitações de início e término gradual há +/- dois anos.
Antecedentes pessoais: Diabetes Melitus tipo dois há seis anos (em uso
de insulina NPH/Regular), Hipertensão arterial sistêmica há +/- cinco anos
(em uso de Losartana), refere uso regular de sinvastatina 40mg/dia, nega
alergias, tabagismo e etilismo.
EXAME FÍSICO
Tax: 36,9 oC; PA: 160x90 mmHg em ambos os membros (deitada e em pé),
FR: 26 ipm; FC: 112 bpm.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hemograma
Hemoglobina 9,2 mg/dL 12 - 17 mg/dL
Bioquimica / Imunologia
PCR 4,8 mg/dL até 0,5 mg/dL
Anticorpo anticitoplasma de
Negativo -
neutrófilo (ANCA)
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual provável diagnóstico?
2. Hiperferritinemia nas doenças reumatológicas.
3. Qual a conduta no caso?
DISCUSSÃO
O caso em questão mostra uma paciente com artrite crônica de grandes e
pequenas articulações, simétrica, aditiva, com presença de rigidez matinal,
não deformante, que polpa interfalangeanas distais, associada à mialgia
simétrica e proximal sem fraqueza, associados com um dado peculiar: febre
prolongada.
Diante do quadro de febre prolongada associado com artrite importante
e hiperferritinemia, leucocitose e FAN/FR negativos, a principal hipótese
diagnóstica é Doença de Still do adulto. Assim como a maioria das doenças
reumatológicas, não existe um único exame capaz de selar o diagnóstico,
portanto as publicações acerca da doença costumam envolver critérios. Um
dos mais utilizados são os critérios de Yamaguchi (VIDE TABELA)
Para fechar os critérios são necessários cinco ou mais, sendo no mínimo
dois maiores e serem excluídos diagnósticos de infecção, neoplasias
malignas (especialmente linfomas), e doenças reumáticas. Nossa paciente
fez cinco critérios: 2 e 4 (os maiores) e 5, 8 e 9 (os menores).
Os demais exames laboratoriais serviram para exclusão dos outros
diagnósticos diferenciais.
No que diz respeito ao tratamento, a Doença de Still responde muito
bem aos anti-inflamatorios não hormonais. Outras medicações que fazem
parte do arsenal terapêutico são os glicocorticoides sistêmicos, os
imunomoduladores como o metotrexato e os agentes biológicos como os
bloqueadores de TNF-alfa.
Critérios Maiores
Febre de pelo menos 39 oC que dure pelo menos 1
semana
Linfadenopatia
Hepato e ou esplenomegalia
Polimialgia Reumática
Linfoma
Artrite Reumatóide
Endocardite infecciosa subaguda
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS E
COMPETÊNCIAS
• Padrão de acometimento articular na Doença de Still;
• Aplicabilidade dos critérios de Yamaguchi;
• Doenças associadas à Síndrome Hiperferritinêmica;
• Resposta terapêutica ao uso de corticoides.
Pontos importantes
• Dentre as doenças reumatológicas, Doença de Still é uma das que
mais se associam com febre prolongada juntamente com arterite de
células gigantes;
REFERÊNCIAS
1. DENNIS LK, ANTHONY SF, BRAUNWALD E, STEPHEN LH, LARRY J. Harrison
Medicina Interna. In: John JC, Peter EL, editors. Abordagem aos distúrbios articulares e
musculoesqueléticos. Rio de Janeiro: McGraw-Hill; 2006. P.2128-2136.
2. ROSÁRIO et al.: The Hyperferritinemic Syndrome: macrophage activation syndrome, Still’s
disease, septic shock and Catastrophic antiphospholipid syndrome. BMC Medicine 2013
11:185.
3. LISA AMl et al, Treatment of adult Still’s disease www.uptodate.com Topic 5595 Version 12.0.
Caso 119
Liga Acadêmica de Urgências e Emergências Médicas
Autores: Monique Pinheiro Nogueira, Elaine Cristina Lima Calu e Edinete
Nunes da Silva.
Orientador(a): Dr. Augusto Tadeu Barros de Sousa (Residência em
Ortopedia pelo Hospital Geral de Fortaleza e Sub especialidade de Cirurgia
do Ombro pela Universidade de São paulo - USP).
Instituição: Faculdade Santa Maria - FSM.
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
57 anos, masculino, destro, professor, pardo, deu entrada no pronto
atendimento com queixa de dor crônica em ombro esquerdo agudizada e
fraqueza no ombro esquerdo após queda de ortostase durante atividade
esportiva com apoio em mão espalmada com cotovelo estendido. A dor era
de intensidade moderada (2+/4+) e do tipo formigamento exacerbada pela
tentativa de mobilizar ativamente o ombro esquerdo e, também, associada à
dificuldade de realizar os movimentos de rotações, principalmente, externa,
extensão, flexão, abdução e adução do ombro lesionado. A dor tem
característica difusa e constante no ombro com irradiação para face lateral do
braço.
EXAME FÍSICO
Extremidades perfundidas.
EXAMES COMPLEMENTARES
Figura 1. Ressonância Magnética do Ombro Esquerdo.
Figura 2. Ressonância Magnética do Ombro Esquerdo: exame mostrando o
tendão do supra-espinhal normal (de outro paciente, assintomático).
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Qual o diagnóstico mais provável?
2. Quais os pacientes mais acometidos? E por quê?
3. Qual o exame complementar de imagem? E qual o mais preciso para
melhor caracterizar o diagnóstico do caso?
4. Qual a conduta apropriada para a reabilitação do ombro esquerdo?
DISCUSSÃO
O paciente tem diagnóstico de lesão completa do tendão supraespinal de
ocorrência traumática. A história é típica, houve uma ruptura do tendão
supraespinal, ou seja, um dos tendões que compõem o manguito rotador. A
função deste músculo e respectivo tendão é principalmente de rodar
externamente e abduzir o ombro. Caracterizou-se ainda uma tendinopatia do
subescapular sem lesão, mas que passou a dificultar a rotação do braço em
três eixos.
O manguito rotador (MR) é formado por quatro músculos que se
originam na escápula e se inserem nos tubérculos do úmero (supraespinal,
infraespinal, redondo menor e subescapular). Seus tendões tornam-se
confluentes entre si e a cápsula articular quando se aproximam de suas
inserções. O MR trabalha como unidade combinada para estabilizar a cabeça
do úmero na cavidade glenóide; o adjetivo rotador poderia perfeitamente ser
substituído por compressor, provavelmente o componente mais importante
entre as suas múltiplas funções. Ele comprime a cabeça umeral contra a
glenóide, aumentando a estabilidade, resistindo ao deslizamento e à
translação da mesma (nos sentidos ântero-posterior e ínfero-superior),
permitindo ainda alguma rotação em torno dos seus três maiores eixos
(ântero-posterior, médio-lateral e diáfiso-umeral), isoladamente ou em
conjunto. A estabilidade glenoumeral é mantida por estabilizadores estáticos
(labrum, ligamentos, cápsula e geometria óssea) e estabilizadores dinâmicos,
exclusivamente, garantida pelo MR.13,14 Entre os músculos do manguito
rotador, o supraespinal é um dos que estabiliza e comprime a cabeça umeral
e está ativo em qualquer movimento de elevação do membro superior.13,14 De
acordo com McLaughlin (1944), em um estudo de 75 pacientes com Lesão
do Manguito Rotador (LMR), descreve os diversos tipos de lesões
comumente encontradas e, através de abordagem superior, transacromial,
além da acromiectomia lateral, preconiza abordar a lesão completa em três
grupos: ruptura transversal - sutura direta borda a borda ou sutura transóssea;
ruptura longitudinal – sutura direta lado a lado; rupturas com retração ou
extensas – combinação de sutura direta lado a lado com sutura transóssea.15,16
Nesse caso, veremos como ruptura com retração medial do tendão.
As teorias que explicam a lesão do MR são impacto subacromial,
hipovascularidade na zona insercional tendínea e traumática. O tendão
degenerado é resultado da avascularidade ou carga excêntrica, o que levaria
a uma falência de suas fibras e consequente diminuição funcional, com isso
uma futura degeneração do tecido ou tendinose na qual as fibras paralelas do
tendão se rompem e tomam uma orientação desarrumada.4 Geralmente a
lesão pode ser observada entre o úmero e o acrômio, frequentemente, ocorre
uma lesão insercional formando-se uma lesão parcial e incompleta que com
o tempo aumenta até tornar uma ruptura máxima de toda espessura se não
for tratada, como no caso supracitado houve uma retração medial do tendão
supraespinal de 4cm, determinando o quadro de lesão aguda de tamanho
médio (2 a 5cm) do paciente, mas não logo tratada.
Em idosos o tendão tende a envelhecer e degenerar, formando
calcificações ou esporão ósseo, porque o tendão inflamado tende a depositar
sais de cálcio.2 Por fim, a lesão ocorreu no tendão mais utilizado e neste caso
a evolução da dor no membro superior esquerdo e os testes utilizados para
caracterização da aérea acometida foram positivos e determinaram o
diagnóstico. Havendo a necessidade do uso de exames de imagem iniciais
para avaliação de dor no ombro pós-traumático, como no caso do paciente
supracitado, são Radiografia Simples do Ombro (AP verdadeiro, Perfil
escapular e Axilar) e a Ultrassonografia. Ressaltando-se que o padrão ouro
para caracterizar retrações, lipossubstituição e atrofias é a Ressonância
Magnética.
Mosely & Goldie (1963) determinam a zona próxima à inserção do
tendão do supraespinal avascular; chamam-na de “zona crítica” e acreditam
que ela representa uma área de anastomose entre os vasos derivados do osso,
no ponto de inserção do tendão, e os vasos longitudinais derivados das
arteríolas musculares.9 Rowe (1963) orienta que se deve tentar o tratamento
conservador antes do tratamento cirúrgico.11 Heikel (1968) chama a atenção
para o reparo precoce da lesão, pois com o passar do tempo a degeneração e
a retração do tendão tendem a aumentar, dificultando o reparo cirúrgico da
lesão,10 essa como a situação do caso, já que houve uma retração medial do
tendão de 4cm. Rathbun & MacNab (1970) reportam que o aparecimento da
zona avascular do tendão do supraespinal precede as alterações
degenerativas e surge devido à constante pressão exercida pela cabeça
umeral, principalmente com o braço em adução.9 Neviaser & col. (1971)
preconizam um enxerto livre do tendão do bíceps, para auxiliar o
fechamento de grandes defeitos do manguito.12
Assim, os riscos e benefícios do tratamento cirúrgico e não cirúrgico
devem ser considerados e discutidos com o paciente. O tratamento não
cirúrgico oferece a vantagem de evitar a cirurgia e as suas complicações
inerentes (infecção, lesões nervosas e do deltóide). Suas desvantagens:
possibilidade de recorrência dos sintomas e, mais importante, o agravamento
da lesão e alterações degenerativas crônicas (atrofia, degeneração gordurosa
e retração dos tendões) que poderiam complicar um eventual tratamento
cirúrgico futuro e influenciar negativamente na qualidade de seu resultado
final. O tratamento cirúrgico oferece a possibilidade de alívio da dor e,
possivelmente, a prevenção de alterações crônicas.16-18
Como o diagnóstico foi determinado e a conduta foi intervenção
cirúrgica as condições do paciente devem ser cuidadosamente avaliadas. O
cirurgião ortopédico decidirá se existe uma indicação para intervenção
cirúrgica, dependendo da idade do paciente e de suas atividades diárias e
assim é levado para o centro cirúrgico para o reparo da lesão de forma aberta
ou artroscópica.
Na cirurgia, o ortopedista avalia a extensão da lesão e desbrida o tecido
lesionado, traciona o tendão e fixa no osso com implantes (âncoras) ou
sutura transóssea. Em base ao dano da lesão completa média do supraespinal
(transfixante) e para indivíduos com idade até 60 anos o cirurgião ortopédico
opta pelo reparo artroscópico devido suas vantagens, em relação ao reparo
por via aberta clássico, de não causar uma cicatriz e menor agressão ao
músculo deltóide permitindo reabilitação fisioterápica precoce no pós-
operatório, portanto provocam menores aderências no tecido conjuntivo.3,16-18
No pós-operatório o paciente deve manter uma órtese durante um período
que varia de 20 a 40 dias dependendo do tipo de cirurgia, o tamanho da lesão
e o protocolo usado pelo cirurgião.
Assim que você remover a órtese é necessário começar a fazer exercícios
de reabilitação para recuperar o movimento sem dor, recuperação da
amplitude articular e força muscular e, prescrever o uso de analgésicos, anti-
inflatórios, atuando aumentando o fluxo sanguíneo e diminuindo o processo
inflamatório1,4,5,8 e, consequentemente, a dor, facilitando assim a reabilitação.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Cirúrgicos
Lesão da articulação acrômio-clavicular
Radiculopatia cervical
Fratura clavicular
Contusões
Dor miofascial
Luxação do ombro
Lesões SLAP
OBJETIVOS DE APRENDIZADOS /
COMPETÊNCIA
• Anatomia regional do ombro e suas variações;
• Semiologia e Exame Físico em Ortopedia;
• Diagnósticos diferenciais de dor em ombro esquerdo;
• Evolução e complicações da lesão completa do tendão supraespinal;
• Tipos de cirurgias artroscópicas;
• Uso de antiinflamatórios e corticóides na terapia da lesão do tendão
supraespinal;
REFERÊNCIAS
1. Revista Reabilitar, volume 9 (25-29), 2000.
2. Hoppenfeld, S. – Propedêutica Ortopédica, Coluna e Extremidades – Atheneu: São Paulo, 1999.
3. Apley, A. G. &Solomon, L. – Ortopedia e Fraturas em Medicina e Reabilitação, 6º Edição –
Atheneu: São Paulo, 1998.
4. Adams, J. C. &Hamblen, D. L. – Manual de Ortopedia, 11º Edição – Artes Médicas: São Paulo,
1994.
5. Greve, J. M. D.&Amatuzzi, M. M. – Medicina de Reabilitação Aplicada à Ortopedia e
Traumatologia – Roca: São Paulo, 1999.
6. PORTO, Celmo Celeno - Exame Clínico: Base para a Prática Médica. 6ª Edição - Rio de Janeiro:
Guanabara-Koogan, 2008.
7. McLaughlin, H.L.: Lesions of the musculotendinous cuff of the shoul- der. I. The exposure and
treatment of tears with retraction. J Bone Joint Surg 26: 31-51, 1944.
8. McLaughlin, H.L. & Asherman, E.G.: Lesions of the musculotendinous cuff of the shoulder. IV.
Some observations based upon the results of surgical repair. J Bone Joint Surg [Am] 33: 76-86,
1951.
9. Rathbun, J.B. & MacNab, I.: The microvascular pattern of the rotator cuff. J Bone Joint Surg
[Br] 52: 540-553, 1970.
10. Gore, D.R., Murray, M. P., Sepic, S.B. & Gardner, G. M.: Shoulder muscle strength and range
of motion following surgical repair of full-thickness rotator cuff tears. J Bone Joint Surg [Am]
68: 266-272, 1986.
11. Hawkins, R.J., Misamore, G.W. & Hobeika, P.E.: Surgery for full-thick- ness rotator cuff tears.
J Bone Joint Surg [Am] 67: 1349-1355, 1985.
12. Neviaser, J.S. & Neviaser. T.J.: The repair of chronic massive rotator cuff of the shoulder by
use of a freeze-dried rotator cuff. J Bone Joint Surg [Am] 60: 681-684, 1978.
13. Jobe C.M.: “Rotator cuff disorders: anatomy, function, pathogenesis, and natural history”. In:
Norris T.R.: Orthopaedic Knowledge Update. Illinois, AAOS Shoulder and Elbow, p. 143-154,
2002.
14. Mileski R.A., Snyder S.J.: Superior labral lesions in the shoulder: pathoanatomy and surgical
management. J Am Acad Ortop Surg 6: 121-131, 1998.
15. Alpert S.W., Jobe F.W., Mcmahon P.J., et al: EMG analysis of deltoid and rotator cuff function
under varying loads and speeds. J Shoulder Elbow 99: 47-58, 2000.
16. Goutalier D.: “Pathologie de la coiffe des rotateurs”. In: Encyclopédie Médico Chirurgicale,
Paris Elsevier, p. 350, 1997.
17. Matsen F.A., Arntz C.T., Lippitt S.D.: “Rotator cuff”. In: Rockwood C.A., Matsen F.A.: The
shoulder. 2nd ed. Philadelphia, W.B. Saunders, p. 755-839, 1998.
18. Neer C.S.: Shoulder Reconstruction. Philadelphia, W.B. Saunders, p. 1-39, 1990.
Caso 120
LACIP – Liga Acadêmica de Cirurgia Plástica
Autores: Lucas Campos Barbosa e Silva, Paloma Aparecida de Freitas
Duarte, Rafael Valério Gonçalves..
Orientador(a): Gilberto Inácio Cardoso Neto (Médico Residente em
Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de
Minas Gerais).
Instituição: Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais.
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
M.R., sexo masculino, 89 anos, leucoderma, viúvo, comparece à
consulta ambulatorial de cirurgia plástica com “ferida no nariz que não
cicatriza”.
A ferida, localizada na base nasal lateral esquerda, surgiu há
aproximadamente nove meses e desde então apresenta crescimento
progressivo. Trata-se de lesão indolor, mas às vezes apresenta prurido e
ardor intenso (principalmente quando exposta ao sol), sendo eventualmente
acompanhada de hemorragia local. Nega fatores de melhora. Desde o seu
surgimento, não sofreu cicatrização, situação que preocupa o paciente e
seus familiares.
O paciente refere também que a pele de sua face e de seu pescoço
apresenta aspecto áspero e enrugado há muitos anos. Além disso, o paciente
relata exposição solar excessiva ao longo da vida, visto que trabalhou como
agricultor por 70 anos. Nega uso passado e presente de protetor solar. Nega
utilização de medicação tópica na ferida. Histórico médico de neoplasias de
pele inexistente.
Paciente é etilista e tabagista há aproximadamente 65 anos. Doenças
associadas: hipertensão arterial sistêmica (em tratamento, sob controle) e
insônia. Cirurgias prévias: hernioplastia inguinal em 1997 e apendicectomia
em 2000, ambas sem intercorrências. Nega alergia a iodo, a anestésicos
locais e a outros medicamentos. Nega histórico prévio e familiar de
distúrbios hemorrágicos.
Medicamentos em uso: hidroclorotiazida 50 mg MID. Paciente nega
imunossupressão e uso de imunossupressores.
Histórico familiar de hipertensão arterial sistêmica, câncer de esôfago e
diabetes mellitus tipo II. Nega histórico familiar de neoplasias de pele.
Paciente atualmente aposentado. Relata exposição solar moderada e não
segue precauções para se manter seguro do sol, como evitar horários de
pico e usar protetor solar.
EXAME FÍSICO
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Baseando-se apenas na história clínica e no exame físico, quais as
principais hipóteses diagnósticas para o caso em questão?
2. A partir dos exames complementares, qual a hipótese diagnóstica
mais provável?
3. Quais as principais características clínicas e prognósticas dessa
hipótese? Que estratégias propedêuticas podem ser utilizadas para
sua avaliação?
4. Quais condutas terapêuticas poderiam ser tomadas? Quais as suas
vantagens e desvantagens?
DISCUSSÃO
O estudo anatomopatológico realizado concluiu que a lesão se tratava de
um carcinoma espinocelular (CEC) de pele.
Carcinoma espinocelular, de células escamosas ou epidermoide é o
tumor maligno invasivo constituído pela proliferação de células espinhosas,
que pode surgir em qualquer local da pele, mas preferencialmente em áreas
expostas, como face, pescoço, braços e dorso das mãos. Entre as causas
estão: radiações (UVB, raios X), HPV, carcinógenos químicos (arsênico,
hidrocarbonetos), infecções crônicas e doenças congênitas (albinismo e
xeroderma pigmentoso). Além de causar mutações no DNA (sobretudo a
formação de dímeros de timina), a radiação ultravioleta pode reduzir a
resposta imunitária, contribuindo para o desenvolvimento da neoplasia. O
CEC pode iniciar-se em pele normal, mas origina-se mais comumente em
lesão pré-cancerosa1. Nesse caso clínico, ressalta-se o extenso histórico de
exposição solar desprotegida do paciente, que pode ter contribuindo
significativamente para o surgimento de ceratose actínica, lesão pré-
cancerosa que possivelmente evoluiu para a neoplasia em questão. A
ceratose actínica constitui a principal lesão precursora, sendo considerada
por alguns como forma inicial do CEC superficial. A incidência do CEC
aumenta com a idade, sendo 10 vezes maior em indivíduos acima dos 75
anos2, fato que vai de acordo com a idade bastante avançada do paciente.
Em geral, o tumor tem evolução rápida e origina metástases linfáticas e
viscerais precoces1. Deste modo, a abordagem rápida desse tipo de lesão é
crucial. O estudo anatomopatológico solicitado após a biópsia excisional
determinará o grau de invasão e o estadiamento da lesão, sendo essencial
para a determinação de futuras estratégias terapêuticas, caso a neoplasia
tenha originado metástases.
No caso descrito, o exame físico da lesão não sugeriu o acometimento
de planos profundos. Entretanto, no caso de suspeita de acometimento
ósseo, tecidos perineurais ou partes moles, deve-se optar também pelos
exames de imagem3. Nesse caso, a tomografia computadorizada (TC), com
uso de contraste venoso iodado, é o método de escolha para avaliação da
doença óssea, enquanto a ressonância nuclear magnética (RNM), com uso
de contraste venoso, é o método de escolha para avaliação de acometimento
perineural ou de partes moles3. Indica-se a avaliação de linfonodos para o
caso de adenopatia regional palpável ou achados suspeitos em exames de
imagem, através da punção aspirativa por agulha fina (PAAF) ou biópsia
central3. Deve-se considerar a avaliação de linfonodos sentinelas para certos
CECs de alto risco, para valor prognóstico3. Embora não haja evidências de
benefícios para a sobrevivência do paciente, a biópsia do linfonodo
sentinela pode ajudar a prever a recorrência regional em pacientes com
CEC de alto risco de cabeça e pescoço, mostrando-se também altamente
específica para metástases inguinais em pacientes com CEC no pênis3.
A inexistência de fungos ou outros parasitos na biópsia incisional foi
fundamental para a exclusão das hipóteses infectoparasitárias. Ressalta-se a
importância de estabelecer a paracoccidioidomicose como um diagnóstico
diferencial, visto a alta incidência da doença no Brasil. Além disso, no caso
em questão, o diagnóstico diferencial com leishmaniose tegumentar é muito
importante, dada a elevada incidência da doença em alguns estados
brasileiros.
As opções terapêuticas para o carcinoma espinocelular são cirúrgicas e
se baseiam na presença ou ausência de controle de margens2, conforme
tabela a seguir:
Cirurgia micrográfica (de Exérese cirúrgica com controle microscópico das margens.
Mohs) Excelente opção terapêutica, pois é eficaz e poupa bastante tecido
normal. Contudo, é de alto custo – visto que necessita de
integração laboratorial - sendo pouco disponível nos serviços
públicos.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
PRINCIPAIS
Lesões cutâneas ulceradas ceratóticas de difícil
cicatrização
Neoplásicas Carcinoma espinocelular (in situ ou
invasor)
Ceratoacantoma
Carcinoma de células basais ulcerado
Carcinoma de células basais metatípico
Melanoma
Fúngicas Paracoccidioidomicose
Blastomicose
Actinomicose
Retalho em V-Y
Retalho nasogeniano
Retalho frontal
OBJETIVOS DE APRENDIZADO /
COMPETÊNCIAS
• Diagnóstico diferencial de lesões cutâneas ulceradas, ceratóticas e
de difícil cicatrização;
PONTOS IMPORTANTES/DICAS
PRÁTICAS
• O principal diagnóstico de lesões ulceradas ceratóticas de difícil
cicatrização é o carcinoma espinocelular (CEC);
REFERÊNCIAS
1. Guedes, ACM. Carcinoma de células escamosas. In: Filho, Geraldo Brasileiro. Bogliolo –
Patologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016; 1355-1356.
2. Savassi-Rocha, PR; Savassi-Rocha, AL. Carcinoma espinocelular. In: Savassi-Rocha, Paulo
Roberto; et al. Cirurgia Ambulatorial. Rio de Janeiro: MedBook; 2013; 398-407.
3. DynaMed Plus. Ipswich (MA): EBSCO Information Services, 1995-2018. Record n°116909.
Cutaneous squamous cell carcinoma [updated on 2017-Oct-23; about 33 screens]. Acesso em:
14 mar. 2018.
4. Motley, R; Kersey, P; Lawrence, AA. Multiprofessional guidelines for the management of the
patient with primary cutaneous squamous cell carcinoma. Br J Dermatology, 2002, 146:18-23.
5. Laitana, FF; Teixeira, LF; Siqueira, EJ; Alvarez, GS; Martins, PDE; Oliveira, MP. Use of skin
flaps for nasal reconstruction after neoplastic resection. Rev Bras Cir Plást. 2012; 27(2):217-
22.
6. Tissiani, LAL; Alonso, N; Carneiro, MH; Bazzi, K; Rocco, M. Versatility of the bilobed flap.
Rev. Bras. Cir. Plást. 2011; 26(3): 411-7.
7. J Madison Clark. Skin Flap Design. Medscape. May 26, 2017.
8. Anthony P Sclafani. Bilobed Flaps Treatment & Management. Jun 05, 2017.
9. Jacob D. Steiger. Bilobed Flaps in Nasal Reconstruction. Facial Plast Surg Clin N Am 19, 2011;
107–111.
Caso 121
LIAPE - LIGA ACADÊMICA DE PEDIATRIA
Autores: Rodrigo Ribeiro de Almeida, Letícia Goes Santos e Rute de
Oliveira Farias.
Orientador(a): Dra. Ana Jovina Barreto Bispo (Pediatra).
Instituição: Universidade Tiradentes
Extras
HISTÓRIA CLÍNICA
Paciente de 4 anos e 6 meses de idade, pré-escolar, branca, sexo
feminino, terceira filha de pais saudáveis, não consanguíneos. Antecedentes
pessoais e familiares irrelevantes, sem histórico familiar conhecido de
doenças do foro reumatológico. Há aproximadamente um ano iniciou
quadro de lesões eritematosas violáceas, papulares, inicialmente em dorso
de mãos e dedos, em seguida observadas em face (predominantemente em
regiões malares e pálpebras) e pavilhões auriculares, com discreto edema
periorbitário. Procurou unidade básica de saúde local, na qual foi prescrito
Ivermectina durante 02 ciclos, na suspeita de escabiose. Pela persistência
das lesões cutâneas e surgimento de mialgia, artrite em joelhos, fraqueza
muscular de cintura escapular e pélvica, foi encaminhada ao Hospital
Universitário.
EXAME FÍSICO
EXAMES COMPLEMENTARES
Bastões 3% 0-7%
Monócitos 4% 2-10%
VHS 20 mm 3-25 mm
PONTOS DE DISCUSSÃO
1. Considerando os critérios diagnósticos de Bohan e Peter (1975)³, tal
caso teria um diagnóstico provável ou definitivo de Dermatomiosite
Juvenil (DMJ)?
2. Diante de efeitos secundários incomportáveis dos corticoides ou de
má resposta a eles, que medidas poderiam se adotadas?
3. Qual seria a conduta terapêutica apropriada para o caso?
Considerando seus mecanismos de ação, a corticoterapia poderia ser
utilizada?
DISCUSSÃO
Após a exclusão de outras etiologias, como infecciosas, metabólicas,
tóxicas, distróficas, endocrinológicas e de miopatias mitocondriais e por
corpúsculo de inclusão, devem ser levados em consideração os critérios
diagnósticos de Bohan e Peter (1975)³:
• Fraqueza muscular proximal e simétrica das cinturas pélvica e
escapular;
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Doenças reumáticas Lúpus eritematoso sistêmico (LES).
sistêmicas
HABILIDADES / COMPETÊNCIAS
• Compreender a história clínica da Dermatomiosite Juvenil;
• Entender como é feito o diagnóstico da Dermatomiosite Juvenil;
• Distinguir os principais diagnósticos diferenciais da
Dermatomiosite Juvenil;
DICAS PRÁTICAS
• Deve ser realizado exame clínico bem feito para que se excluam
outros diagnósticos, como na diferença entre linfonodo acometido
diretamente e o reacional;
REFERÊNCIAS
1. Compeyrot-Lacassagne S, Feldman BM. Inflammatory Myopathies in Children. Rheum Dis
Clin North Am 2007; 33(3):525-53. Pediatr Clin North Am 2005; 52(2):493-520, VI-VII.
2. Mendez EP, Lipton R, Ramsey-Goldman R, Roettcher P, Bowyer S, Dyer A et al. US Incidence
of Juvenile Dermatomyositis, 1995-1998: Results from the National Institute of Arthritis and
Musculoskeletal and Skin Diseases Registry. Arthritis Rheum 2003; 49(3):300-5.
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dermatomyositis symptom onset. Rheumatology 2008; 47: 526-9.
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8. Sogabe T, Silva CA, Kiss MHB. Clinical and laboratory characteristics of 50 children with
dermato/polymyositis. Rev Bras Reumatol. 1996; 36:351-9.
9. Sallum AM, Kiss MH, Sachetti S, Resende MB, Moutinho KC, Carvalho Mde S, et al. Juvenile
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35 patients. Arq Neuropsiquiatr. 2002;60:889-99. [pubmed/open access]
10. Pachman ML. Juvenile Dermatomyositis. In: Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson
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11. Ramanan AV, Campbell-Webster N, Ota S, Parker S, Tran D, Tyrrell PN et al. The
effectiveness of treating juvenile dermatomyositis with methotrexate and aggressively tapered
corticosteroids. Arthritis Rheum 2005; 52: 3570-8.
12. Sallum AM et al. Calcinose na dermatomiosite juvenil. Jornal de Pediatria Vol. 84, Nº 1, 2008
13. Clemente et al. Frequência elevada de calcinose em dermatomiosite juvenil: estudo de fatores
de risco. Rev Bras Reumatol 2012;52(4):545-553.
Table of Contents
Capa
Créditos
Sumário
Ligas participantes
Lista de Abreviaturas e Siglas
Autores
Agradecimentos
Introdução
Modelo de apresentação dos casos clínicos
Cap.1 - Raciocínio Clínico - Como tomar decisões
Cap.2 - Otimizando o estudo e aprendendo mais medicina
Neurologia
Caso 01
Caso 02
Caso 03
Caso 04
Caso 05
Caso 06
Caso 07
Caso 08
Caso 09
Caso 10
Caso 11
Caso 12
Caso 13
Caso 14
Caso 15
Caso 16
Psiquiatria
Caso 17
Caso 18
Caso 19
Caso 20
Caso 21
Caso 22
Caso 23
Cardiologia
Caso 24
Caso 25
Caso 26
Caso 27
Caso 28
Caso 29
Caso 30
Caso 31
Caso 32
Caso 33
Caso 34
Caso 35
Caso 36
Caso 37
Caso 38
Caso 39
Caso 40
Caso 41
Endocrinologia
Caso 42
Caso 43
Caso 44
Caso 45
Caso 46
Caso 47
Caso 49
Gastroenterologia
Caso 50
Caso 51
Caso 52
Caso 53
Caso 54
Caso 55
Caso 56
Caso 57
Caso 58
Caso 59
Caso 60
Caso 61
Caso 62
Infectologia
Caso 63
Caso 64
Caso 65
Caso 66
Caso 67
Caso 68
Caso 69
Caso 70
Caso 71
Caso 72
Caso 73
Caso 74
Caso 75
Nefrologia / Urologia
Caso 76
Caso 77
Caso 78
Caso 79
Caso 80
Caso 81
Caso 82
Caso 83
Caso 84
Pediatria
Caso 85
Caso 86
Caso 87
Caso 88
Caso 89
Caso 90
Caso 91
Caso 92
Caso 93
Pneumologia
Caso 94
Caso 95
Caso 96
Caso 97
Caso 98
Caso 99
Caso 100
Caso 101
Caso 102
Caso 103
Caso 104
Emergências e Trauma
Caso 105
Caso 106
Caso 107
Caso 108
Caso 109
Caso 110
Extras
Caso 111
Caso 112
Caso 113
Caso 114
Caso 115
Caso 116
Caso 117
Caso 118
Caso 119
Caso 120
Caso 121