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FOLHA DE ROSTO - Manual de Semiologia Médica.

pdf 1 13/01/2020 21:54:38

MANUAL DE
SEMIOLOGIA
C

Y
MÉDICA
CM

MY

CY

CMY

PRÁTICO OBJETIVO ATUALIZADO

ORGANIZADORES

Geison Vasconcelos Lira


Thayná Araújo Freire
Thays Araújo Freire

Manual_Semiologia_Medica.indb 3 25/01/2020 15:03:52


ANAMNESE E ENTREVISTA CLÍNICA

ANAMNESE E CAPÍTULO

ENTREVISTA CLÍNICA 3
Autoras:
Thayná Araújo Freire e
Thays Araújo Freire
Coautores:
Igor Abadessa da Igreja e
Pedro Gomes Cavalcante Neto

“Escute seu paciente, pois ele


vai contar‑lhe o diagnóstico.”
Sir William Osler

O que você irá ver neste capítulo:


✓ Introdução
✓ Roteiro de anamnese
• Identificação
• Queixa Principal
• História da Doença Atual – HDA
• Interrogatório Sintomatológico
• História Patológica Pregressa
• Medicações de Uso Habitual
• História Fisiológica
• Hábitos e Estilo de Vida
• História Psicossocial
• História Familiar
✓ Estratégias para uma boa entrevista clínica
✓ Medicina centrada na pessoa
✓ Referências

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Capítulo 3

1. INTRODUÇÃO

A anamnese (do grego ana, “trazer de novo” e mnesis, “memória”) é o


primeiro passo na abordagem de qualquer paciente. Seu conceito sur-
giu na Grécia, com Hipócrates (460-356 a.C.), e vem sendo aprimorado ao
longo dos séculos. É a habilidade médica mais importante para se chegar
ao diagnóstico correto, além de ser a ferramenta fundamental da relação
médico-paciente.

“A história clínica não é o simples registro de uma conversa; é mais


do que isso: o resultado de uma conversação com objetivos explí-
citos, conduzida pelo médico e cujo conteúdo vai sendo elaborado
criticamente por ele.”1

Dada sua importância, alguns estudos avaliaram o impacto da anamnese


no diagnóstico clínico (Tabela 1), comprovando que seu papel se sobressai
em relação ao exame físico e aos exames complementares.

Tabela 1. Papel da Anamnese, Exame Clínico e Exames


Complementares no Diagnóstico Clínico.

HAMPTON PETERSEN ROSHAN BENSEÑOR


SANDLER
ET AL. ET AL. E RAO ET AL.
Ano 1975 1979 1992 2000 2003
Número de
80 630 80 98 95
pacientes
Contribuição no diagnóstico (%)
Anamnese 82,5 56 76 78,6 40,4
Exame físico 8,75 17 12 8,2 29,4
Exames
8,75 23 11 13,2 29,5
complementares
Total 100 96 99 100 98,9

Fonte: Adaptado de Benseñor2.

Uma anamnese mal conduzida pode resultar em diagnósticos equivo-


cados, tratamentos inadequados, uso não direcionado dos recursos com-
plementares e desvalorização médica. Para tanto, seu ensino agrupa um

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ANAMNESE E ENTREVISTA CLÍNICA

conjunto de técnicas consagradas pelo tempo, que deve ser bem com-
preendido para melhorar sua precisão e acurácia.
Apresentaremos neste capítulo uma sistematização para condução da
anamnese, que facilitará o aprendizado principalmente dos estudantes de
medicina em formação. Vale ressaltar, contudo, que o roteiro de entrevista
é algo muito pessoal, que o profissional médico deve refinar ao longo do
tempo, de acordo com sua personalidade e experiência.

Tabela 2. As três funções da entrevista médica.

1. COLETA DE DADOS
Determinar e monitorar a natureza do problema
Objetivos

Permitir que o clínico estabeleça um diagnóstico ou recomende exames complementa-


res adicionais, sugira abordagens terapêuticas e preveja a natureza da doença

2. CONSTRUÇÃO DE RELACIONAMENTO
Desenvolver, manter e concluir o relacionamento terapêutico
Objetivos
Garantir a disponibilidade do paciente para fornecer informações de diagnóstico
Garantir alívio do sofrimento físico e psicológico do paciente
Garantir a disposição do paciente em aceitar o plano de tratamento ou um processo
de negociação
Garantir a satisfação do paciente e do clínico
3. EDUCAÇÃO DO PACIENTE
Realizar a educação do paciente e implementar planos terapêuticos
Objetivos

Garantir a compreensão do paciente sobre a natureza da doença


Garantir a compreensão do paciente dos procedimentos diagnósticos sugeridos
Melhorar a compreensão do paciente sobre as possibilidades de tratamento
Conseguir consenso entre clínico e paciente
Conseguir o consentimento informado
Melhorar os mecanismos de enfrentamento
Promover mudança de estilo de vida

Fonte: Adaptado de Shorey5 e Lipkin6.

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Capítulo 3

2. ROTEIRO DE ANAMNESE

2.1. Identificação

a) Nome (e como gostaria de ser chamado)


b) Idade
c) Sexo
d) Cor/raça
e) Estado Civil
f ) Profissão/Ocupação Atual e Anterior
g) Local de Nascimento
h) Procedência
i) Residência Atual e Anterior
j) Grau de Escolaridade
k) Nome da Mãe
l) Religião
m) Fonte da história

Permite traçar o perfil sociodemográfico, direcionando o raciocínio


diagnóstico para doenças próprias da faixa etária, de gênero, de zonas
endêmicas, bem como doenças relacionadas ao trabalho, além de permitir
a adaptação da linguagem ao nível de escolaridade do paciente. Quanto
à religião/espiritualidade, é importante questionar se faz parte de uma
religião e se é praticante, bem como se mudou de crença e o motivo para
tal mudança.

Exemplo:
Francisco de Assis Silva (“Chico”), 45 anos, masculino, pardo, casado, auxi-
liar de produção, natural de Massapê, procedente de Sobral, ensino médio
completo, filho de Maria das Graças Silva, católico não praticante. Fonte
da história: paciente.

2.2. Queixa Principal

Sintoma(s) referido(s) pelo paciente que motivaram o atendimento mé-


dico. Sugere-se sempre registrar, quando possível, com os próprios termos

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ANAMNESE E ENTREVISTA CLÍNICA

do paciente e definir o tempo de duração. Não se deve aceitar rótulos diag-


nósticos e, caso o paciente enumere várias queixas, deve-se perguntar qual
dela mais o incomoda no momento.

Exemplo:
“Crise de dor nas costas há 2 dias”.

2.3. História da Doença Atual – HDA

É a parte mais importante da entrevista, pois contém a narrativa, em or-


dem cronológica, dos eventos que determinam a doença atual. O primeiro
passo é determinar o sintoma-guia, que servirá como condutor da história.
Determina-se como sintoma-guia aquele que permite a reconstrução da
história com maior facilidade e precisão. Nem sempre é o mais antigo e
não necessariamente é único. A partir deste item, na descrição, devemos
sempre utilizar os termos técnicos apropriados.

Existem os seguintes atributos de um sintoma:

yy Início: destacando, além da data, se abrupto ou insidioso, bem como as


circunstâncias relacionadas.
yy Duração: aqui caberia uma ressalva. Importante diferenciar duração
da doença de duração do sintoma. Por exemplo, o paciente tem uma
dor torácica há 3 meses, mas ela vem em crises de 10 minutos. Isso é
importante para diferenciar dor cardíaca de dor não cardíaca. Este item
também inclui frequência da queixa.
yy Localização e irradiação
yy Qualidade
yy Intensidade
yy Evolução
yy Fatores desencadeantes, de melhora ou de piora: fatores desencadean-
tes e fatores de piora nem sempre são os mesmos. Por exemplo, quem
tem enxaqueca descreve como fator desencadeante a ingestão de cho-
colate. Entretanto, fator de piora seria exposição a luz.
yy Manifestações associadas.

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Capítulo 3

Além dos itens descritos, deve-se avaliar o impacto do sintoma no estado


geral do paciente e nas atividades fisiológicas, buscando na história altera-
ções do ciclo sono-vigilia, apetite, defecção e micção, bem como alterações
de peso no período. Encerra-se o relato com a situação dos sintomas no
momento atual.

Exemplo:
Refere dor lombar de início progressivo há cerca de três anos, caracteriza-
da como “em peso”, sem irradiação, desencadeada e agravada por esfor-
ço físico, como levantar peso, e aliviada com repouso e uso de 500 mg de
paracetamol. No início do quadro, a dor não atrapalhava seus afazeres,
sendo quantificada como 2-3 na escala numérica verbal (ENV). Surgia 1 ou
2 vezes por mês, durando 2-3 horas. Evoluiu com piora progressiva e, nos
últimos meses, passou a dificultar seus afazeres (5 na ENV), se tornando
mais frequente (2 vezes por semana) e durando o dia todo. Nega sintomas
associados, como fraqueza muscular, parestesias, alterações urinárias ou
gastrintestinais. Há dois dias, após ajudar no transporte de sacos de cimento,
apresentou crise intensa, que não cedeu. Caracteriza como ora em peso, ora
pulsátil. Acomete especialmente o lado direito da região lombar, irradiando
para face posterior da coxa até o joelho ipsilaterais, sem parestesia, perda de
sensibilidade ou fraqueza muscular. Não foi trabalhar, pois a dor é intensa
(8 na ENV). Melhora um pouco quando se deita de costas com as pernas
ligeiramente elevadas e com 400 mg de ibuprofeno. Nega perda de peso,
febre, náuseas. Eliminações fisiológicas.

2.4. Interrogatório Sintomatológico

Recomenda-se a coleta do Interrogatório Sintomatológico logo após


a HDA, pois serve para resgatar sintomas que passaram despercebidos
inicialmente e que, na verdade, fazem parte da HDA. Assim, nesta seção,
cabe questionar sintomas não relatados na HDA, também com termos
técnicos, e que podem (neste caso, devendo ser descritos na HDA) ou não
ter relação com a doença atual. Não é necessário repetir sintomas/sinais
relatados na HDA.

yy Geral: febre, sudorese, calafrios, astenia, adinamia, icterícia, palidez,


fraqueza, fadiga, anorexia, perda ou aumento de peso/período, peso
usual e atual;

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ANAMNESE E ENTREVISTA CLÍNICA

yy Pele e fâneros: prurido, fotossensibilidade, rash, alterações de pigmenta-


ção, alterações do revestimento cutâneo, presença de lesões dermatoló-
gicas elementares (placa, mancha, vesícula, bolha, nódulo etc.), alopécia,
hipertricose, alterações dos cabelos e pelos, alteração ungueal, alteração
da sudorese, uso de tintura para cabelo;
yy Cabeça e pescoço: dor, cefaleia, alterações dos movimentos, nodulações,
adenomegalias, disfonia;
yy Aparelho Ocular: dor ocular, fotofobia, diplopia, xeroftalmia, sensação
de corpo estranho, lacrimejamento, nistagmo, escotomas entre outros;
yy Aparelho Auditivo:, trauma, lesões da pele, otalgia, otorreia, otorragia,
zumbido, acúfenos, hipoacusia;
yy Nariz e Cavidades Paranasais: alterações da olfação, rinorreia, obstrução
nasal, crises esternutatórias e epistaxe;
yy Cavidade Bucal e Anexos: lesões de mucosa oral, halitose, disfagia,
disfonia, odinofagia, xerostomia, rouquidão, diseugias, sialose;
yy Aparelho Respiratório: dor ventilatório dependente, dispneia, ortop-
neia, trepopneia, platipneia, dispneia paroxítica noturna, tosse, expec-
toração, vômica, hemoptise, alterações da forma do tórax, sibilância,
cornagem etc.;
yy Aparelho Cardiovascular: dor precordial, palpitações, dispneia, disp-
neia paroxística noturna, ortopneia, edema, cianose, palidez, sudorese,
hemoptoicos;
yy Aparelho Digestivo: alterações de forma do abdome ou do apetite; dor,
sialorreia, halitose, disfagia, odinofagia, pirose, regurgitação, náuseas,
vômitos, icterícia, intolerância alimentar, hematêmese, hematoquezia,
plenitude gástrica, empachamento pós-prandial, diarreia, disenteria,
esteatorreia, constipação, flatulência, tenesmo, dor anal, disquezia etc.;
yy Aparelho Renal e Urinário: alterações miccionais (hesitação, urgência,
modificação do jato urinário, retenção urinária, incontinência), alteração
do volume e do ritmo urinário (oligúria, anúria, poliúria, disúria, polaci-
úria, frequência, noctúria, nictúria, enurese), alterações da cor da urina
(hematúria, hemoglobinúria, mioglobinúria, porfirinúria, urina turva),
alterações do cheiro da urina, odor, edema, dor lombar, etc.

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Capítulo 3

yy Aparelho Genital Feminino: alterações da frequência e do fluxo do


ciclo menstrual (amenorreia, hipermenorreia, irregularidades), cólicas,
tensão pré-menstrual, data da última menstruação, corrimento, prurido,
disfunções sexuais;
yy Aparelhos Genital Masculino: distúrbios miccionais, dor testicular, pria-
pismo, corrimento uretral, disfunções sexuais;
yy Sistema Osteoarticular e Muscular: dor, rigidez pós-repouso, sinais
inflamatórios, crepitação articular, deformidades, restrição de mobili-
dade, tofos, nódulos, alterações da força e do tônus muscular, atrofia
muscular, hipertrofias, miotonias, tetania, cãibras;
yy Sistemas Hemolinfopoiéticos: palidez, sangramentos, estados de hiper-
coagulabilidade, adenomegalias, febre, exposição a agrotóxicos;
yy Sistema Endócrino: alterações do desenvolvimento físico e sexual,
sinais/sintomas relacionados ao hipertireoidismo como taquicardia,
perda ponderal, sudorese, irritabilidade e insônia, sinais/sintomas rela-
cionados ao hipotireoidismo como bradicardia, ganho ponderal, sono-
lência, apatia, hipersensibilidade ao frio e mixedema.
yy Sistema Nervoso: distúrbios da motricidade e da sensibilidade, altera-
ções do olfato, audição, visão, equilíbrio, nível de consciência, disfunções
esfincterianas, de sono-vigilia e de funções corticais superiores.
yy Saúde Mental: história de transtorno mental ou sofrimento psíquico.

2.5. História Patológica Pregressa

Aqui descrevemos, também em termos técnicos, o relato das principais


informações relativas a processos patológicos anteriores, que podem guar-
dar relação direta ou indireta com a doença atual e, portanto, auxiliam no
raciocínio clínico e no diagnóstico diferencial.

a) Comorbidades: doenças ainda em atividade (descrever tempo de


diagnóstico e acompanhamento atual)
b) Doenças preexistentes: questionar sobre as principais doenças da
infância (varicela, caxumba, rubéola, sarampo, meningite, hepatite,

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ANAMNESE E ENTREVISTA CLÍNICA

poliomielite, coqueluche) e outras doenças mais frequentes em nossa


população (tuberculose, gota, pneumonia)
c) Alergias
d) Imunizações
e) Internações (período e motivo da internação)
f) Transfusões (tipo, época, motivo)
g) Intervenções cirúrgicas (tipo, época, complicações e resultados)
h) Doenças Sexualmente Transmissíveis
i) Traumatismos (época, tratamento realizado e consequências)
j) Viagens recentes
k) Contato com doentes nos últimos meses

Exemplo:
Hipertenso, em tratamento há 5 anos, com bom controle pressórico; glau-
coma em seguimento com oftalmologista. Varicela aos 7 anos e caxumba
aos 9 anos. Calendário de imunizações atualizado. Refere um internamento
prévio há 1 ano por pneumonia adquirida na comunidade. Apendicectomia
aos 20 anos. Viagem recente (há 4 meses) para São Paulo. Nega alergias,
transfusões, traumatismos, doenças sexualmente transmissíveis e contato
com doentes nos últimos meses.

2.6. Medicações de Uso Habitual

Medicamentos utilizados rotineiramente em domicílio, posologia (dose,


intervalo e período), duração do tratamento, motivo e efeitos adversos. Em
algumas situações, pode-se sugerir nomes de medicamentos, mas o ideal
é conferir os receituários médicos ou embalagens.

Exemplo:
• Losartana 50 mg, 12/12h, há 5 anos
• Andolipino 10 mg, à noite, há 3 anos
• Colírio a base de timolol, duas vezes ao dia
• Omeprazol 20 mg, em jejum, para proteção gástrica

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Capítulo 3

2.7. História Fisiológica

Inclui gestação e nascimento, desenvolvimento neuropsicomotor e de-


senvolvimento sexual. Cabe aqui ressaltar que é necessário bom senso nos
questionamentos. A história de gestação, nascimento e desenvolvimento
neuropsicomotor ganha importância muito maior no paciente pediátrico
do que no paciente idoso.

a) Gestação e nascimento: parto eutócico ou distócico, uso de fórceps,


cesárea, nascimento a termo, peso e tamanho ao nascer, número de
irmãos;
b) Desenvolvimento neuropsicomotor: Início da marcha, fala e denti-
ção, calendário vacinal atualizado, aproveitamento escolar;
c) Desenvolvimento sexual: aparecimento da puberdade (mamas e
pelos pubianos), número de filhos. Para mulheres, questionar sobre
menarca, menstruação (frequência, duração e regularidade do ciclo
menstrual, quantidade do fluxo e alterações, tensão pré-menstrual,
dismenorreia), gestações (número, evolução, complicações, realização
de pré-natal), partos (normais/cesáreas), abortos (número, período
da gestação; se espontâneos ou provocados, com medicação ou com
técnicas invasivas), e época do climatério/menopausa;
d) Atividade sexual: número de parceiros, relações/tempo.

Exemplo:
Nascido(a) de parto normal, a termo, sem intercorrências; cinco irmãos
e duas irmãs; não sabe especificar início da marcha, dentição, mas cita
desenvolvimento neuropsicomotor adequado, quando comparado aos
colegas da mesma idade. Não sabe informar sobre vacinas.
Pubarca aos 11 anos, sexarca aos 16 anos. Três filhos. Refere atividade sexual
apenas com a esposa uma vez por semana.

2.8. Hábitos e Estilo de Vida

Nesse momento, devemos questionar sobre quatro principais hábitos


de vida: tabagismo, etilismo, sedentarismo e alimentação. Também se pode
investigar hábitos de higiene e de sono. Ao questionar sobre a quantidade

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ANAMNESE E ENTREVISTA CLÍNICA

de bebida ou fumo, uma dica é estimar valores acima da média para deixar
o paciente mais à vontade a dizer a verdade.

a) Atividade física (tipo e frequência)


b) Tabagismo: fumante ativo ou passivo, atual ou pretérito, número de
cigarros por dia; início e quando parou; tipo de cigarro (industrial ou
artesanal); carga tabágica.

c) Etilismo: número de doses, tipo de bebida, início e quando parou.


As questões de rastreamento mais utilizadas são as do questionário
CAGE (o consumo de álcool é considerado de risco a partir de 2 res-
postas afirmativas):
Cutting down [redução do consumo]
Annoyed [aborrecido] quando criticado
Guilty feelings [sentimento de culpa]
Eye-opener [necessidade de beber para se sentir bem pela manhã].

Alguns questionamentos mais abertos podem ajudar, como: “Qual é o


seu consumo de bebidas alcoólicas?”, “Você já teve algum problema rela-
cionado com bebida?”.3

Exemplo:
Sedentário, tabagista desde os 20 anos (fuma 20 cigarros industriais por
dia, carga tabágica 25 maços-ano). Nega etilismo.

2.9. História Psicossocial

A descrição da história psicossocial auxilia na abordagem terapêutica,


principalmente ao esclarecer questões financeiras e redes de suporte, mas
também pode esclarecer diagnósticos com base em algumas situações
específicas. Cabe questionar sobre renda e estrutura familiar, atividades
sociais, condições de habitação (número de moradores, tipo de construção,
água encanada, energia elétrica, esgoto sanitário e coleta de lixo, número de

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Capítulo 3

cômodo e banheiros), uso de fogão a lenha, contato com animais, banhos


em açudes, contato com o barbeiro e reação ao adoecimento.
Sobre as respostas emocionais ao adoecimento, Kübler-Ross descre-
veu cinco estágios de resposta à perda ou ao luto antecipatório de morte
iminente. São eles: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão ou
tristeza e aceitação. Também é importante conhecer essa dimensão do
paciente para ressignificar a abordagem terapêutica.

Exemplo:
Mora com a esposa e uma filha, em casa de alvenaria, quatro cômodos
(um banheiro), com água encanada, energia elétrica, saneamento bási-
co e coleta de lixo regular. Tem 2 animais de estimação em domicílio (um
gato e um cachorro vacinados). Nega banhos em açude e não conhece o
barbeiro. No momento, a renda da casa se resume ao salário que recebe (2
salários mínimos), pois a esposa está desempregada. Sente-se aflito por seu
problema de saúde, pois teme perder o emprego se a dor não se resolver.

2.10. História Familiar

Devemos relatar sobre pais, irmãos, cônjuges, filhos ou outros parentes,


ou contactantes, que tenham problemas de importância clínica, doenças
hereditárias, familiares ou infectocontagiosas. Sobre os parentes vivos,
descrever o estado habitual de saúde e, quando apresentar problemas
clínicos, relatar se há acompanhamento e a idade de diagnóstico. Sobre
parentes já falecidos, questionar sobre causas de morte e idade ao falecer.

Exemplo:
Pai já falecido, aos 98 anos, por causas naturais. Mãe, 87 anos, diabética,
hipertensa e cardiopata. Esposa, 43 anos, hígida. Cinco irmãos: um irmão
hipertenso, uma irmã com diagnóstico de câncer de mama aos 45 anos,
uma irmã em tratamento para depressão e um irmão já falecido, aos 55
anos, por causas externas (colisão carro-carro). Sem outros relatos de im-
portância clínica.

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ANAMNESE E ENTREVISTA CLÍNICA

3. ESTRATÉGIAS PARA UMA BOA ENTREVISTA CLÍNICA3-5,7

Prepare o ambiente
Pergunte-se como está o seu humor e a sua atenção antes de começar. Não deixe que
preocupações pessoais interfiram na sua postura durante a entrevista.
Certifique-se de que o local é o mais tranquilo e confortável possível.
Evite interrupções durante a conversa.
Mantenha poucos obstáculos entre você e o paciente.
Se possível, sente-se de maneira que seus olhos fiquem no nível do paciente.
Revise o prontuário antes de iniciar.

Seja cordial
Cumprimente o paciente e os acompanhantes, se possível com um aperto de mãos.
Apresente-se e diga sua função.
Use sempre um tratamento formal, exceto no caso de crianças ou adolescentes.
Avalie constantemente sua postura, gestos, contato visual e tom de voz.
Neutralize estereótipos negativos ou preconceitos.

Mantenha a confidencialidade
Deixe o paciente decidir se os visitantes ou os familiares devem permanecer durante a
conversa. Por exemplo: “Eu me sinto à vontade se a sua acompanhante permanecer co-
nosco durante a entrevista, mas quero ter certeza de que a senhora concorda com isso”
ou “A senhora prefere conversar comigo sozinha ou seu acompanhante pode participar?”.

Guie a entrevista
Comece com perguntas mais amplas, como: “Como posso ajudá-lo hoje?”; “O que moti-
vou sua vinda hoje?”.
Evite perguntas tendenciosas, como: “Você veio hoje por causa do diabetes, não foi?”.
Faça várias perguntas, mas uma por vez, e ofereça respostas com múltiplas escolhas:
“Qual das seguintes opções melhor descreve sua dor: em pressão, em queimação, em
pontada ou de outro tipo?”.
Delimite claramente as demandas do paciente. “Se entendi bem, hoje você vem para o
controle do diabetes e por causa da coluna... Vamos começar pelo diabetes.”.
Negocie o conteúdo da consulta. Frases que podem ser úteis: “Não temos como abordar tu-
do isso hoje, é melhor que esse outro assunto seja visto com mais tempo em outra ocasião.”.
Sempre direcione os questionamentos ao paciente em primeiro lugar. Para acompanhan-
tes que interrompem, você pode usar frases como: “Isso que seu acompanhante diz é o
que você sente?” “Qual é sua opinião sobre isso?”.

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Capítulo 3

Escute o paciente
Evite interrupções frequentes na fala do paciente, e, quando o fizer, que seja com o intui-
to de direcionar o fluxo do relato;
Utilize habilidades verbais e não verbais para encorajá-lo a continuar falando, como inclinar
o corpo para frente, fazer contato visual e usar frases como “continue” ou “estou ouvindo”.

Seja empático e paciente


Utilize respostas como “Isso parece tão perturbador” ou “Você deve estar sentindo-se
muito triste”, “Percebo que você está sofrendo”, “Entendo como se sente”;
Mantenha uma distância emocional com o paciente, uma vez que essa distância é tera-
pêutica (permite pensar e decidir de maneira mais analítica e moderada);
Tenha paciência: conscientize-se de que um idoso, por vezes, demora mais tempo para
se locomover e expressar alguns fatos.

Garanta a compreensão do paciente


Conheça o nível de escolaridade do seu paciente e mantenha um diálogo de forma com-
preensível por ele;
Garanta que ele está entendendo, no decorrer da entrevista, tudo que está sendo di-
to. Utilize frases como “Tudo bem até aqui?”, “O senhor tem alguma dúvida até agora?”.

Pergunte sobre as emoções a respeito da doença


Se o paciente não mencionar o impacto da doença, faça uma sondagem pessoal mais
ampla do tipo: “Como a doença afetou você?” ou “Como você reagiu a ela?”;
Investigue as emoções do paciente, direta ou indiretamente, perguntando-lhe: “Como
você se sentiu a respeito disso?” ou “Muitas pessoas se sentiriam frustradas se algo as-
sim acontecesse”.

Deixe questionamentos mais constrangedores para o final


História sexual: “Quando foi a última vez que você teve contato físico íntimo com outra
pessoa?”, “Esse contato incluiu relação sexual?”, “Você tem relações sexuais com homens,
mulheres ou ambos?”, “Você usa preservativos?”.
História da saúde mental: “Você já teve alguma doença mental ou problemas emocio-
nais?”, “Você já se consultou com um psicólogo ou com um psiquiatra?”, “Já foi medicado
por causa de problemas emocionais?”, “Você ou algum parente já foi internado em razão
de problemas mentais ou emocionais?”;
Uso de drogas lícitas e ilícitas: “Você já usou durante sua vida: maconha, cocaína, estimu-
lantes prescritos por médico, metanfetaminas, sedativos, calmantes?”.
Violência doméstica: “Uma vez que os maus-tratos são uma ocorrência habitual na vida
de muitas mulheres, farei algumas perguntas de rotina”, “Você está em um relacionamen-
to no qual já foi agredida ou ameaçada?”.

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ANAMNESE E ENTREVISTA CLÍNICA

Informe que a entrevista está finalizando


É importante informar ao paciente que o tempo da consulta está finalizando para que
ele possa elucidar quaisquer dúvidas remanescentes. “Você tem alguma dúvida sobre os
assuntos conversados?”, “Gostaria de pergunta algo mais?”, “Há algo que não conversa-
mos e o senhor gostaria de contar?”;
Faça um resumo do relato do paciente. Isso comunica ao paciente que você está ouvindo
atentamente a história dele e identifica o que você sabe e o que você não sabe.

Compartilhe a decisão
Deixe o paciente perceber que a decisão e a responsabilidade são compartilhadas en-
tre ele e o profissional. Diga frases como “É importante que me diga o que pensa sobre
isso”, “O senhor tem mais alguma sugestão?”, “O senhor está disposto a cumprir as orien-
tações?”, “Estou realmente interessado em seu ponto de vista, especialmente porque é
você quem vai ter que viver com a nossa decisão sobre esse tratamento”, “O senhor vê
alguma dificuldade em seguir esse tratamento? Há algo que possamos fazer para que
esse plano de tratamento seja mais fácil de seguir? Gostaria de conversar com alguma
outra pessoa sobre esse tratamento?”.

Pratique promoção de saúde e prevenção de doenças


Faça a recomendação explícita de realização de testes preventivos e vacinação;
Promova conscientização sobre comportamentos de risco, como tabagismo, etilismo,
sedentarismo, prática sexual desprotegida. “Todos, às vezes, fazemos coisas que não são
boas para nós mesmos. Pode ser algo como deixar de colocar o cinto de segurança ou
beber mais do que pensamos ser adequado. Que comportamentos você tem que talvez
o coloquem em situação de risco?”, “O que tem feito ultimamente que, na sua opinião,
pode estar contribuindo para sua saúde ou para sua doença?”;
Pratique entrevistas motivacionais. “O que é mais importante para você?”, “O que você
espera ser diferente em sua vida daqui a alguns anos?”.

4. MEDICINA CENTRADA NA PESSOA7

“O bom médico trata a doença; o grande médico


trata o paciente que tem a doença.”
Sir William Osler

O termo “medicina centrada na pessoa” surgiu em oposição ao termo


“medicina centrada na doença”, base do “modelo médico convencional”,
que, apesar da grande influência, tem sido frequentemente questionado
por simplificar a condição de estar doente.

67

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Capítulo 3

O método clínico centrado na pessoa foi concebido na década de 1980 e


surgiu da necessidade de colocar o indivíduo, e não a doença, no centro do
atendimento médico. O entendimento das queixas com base nas opiniões
da própria pessoa foi chamado de “diagnóstico abrangente”, em oposição
ao entendimento baseado na avaliação centrada na doença, chamado de
“diagnóstico convencional”.
Apesar de ser pensado no contexto da medicina de família, suas mensa-
gens também são de grande importância para todas as disciplinas médicas
e para outras profissões no campo do atendimento à saúde. Ser centrado
na pessoa significa levar em consideração o desejo da pessoa de infor-
mação e de participar da tomada de decisões e as formas de responder
apropriadamente.
Inicialmente, proposto em seis componentes, recentemente foi re-
formulado, após uma década de avaliação, em quatro componentes. O
componente anterior, “Sendo Realista”, passou a ser visto como um co-
mentário sobre o contexto a partir do qual o método clínico centrado na
pessoa toma forma. O componente “Incorporando Prevenção e Promoção
da Saúde” foi concebido como parte dos processos incluídos nos outros
componentes.

O MÉTODO CLÍNICO CENTRADO NA PESSOA


1º. Explorando a saúde, a doença e a experiência da doença
• Avaliar o conceito de saúde: entender o significado de saúde para aquela pessoa;
• Avaliar o processo da doença (disease): história clínica, exame físico, exames laboratoriais;
• Avaliar a experiência da doença (illness): Sentimentos, Ideias, Funcionamento e Expec-
tativas.
Sentimentos: Quais são os sentimentos da pessoa em relação a sua doença? (Princi-
palmente os medos)
Ideias: Quais são as ideias da pessoa a respeito do que sente? Vê como uma forma de
punição?
Funcionamento: Quais são os efeitos da doença no funcionamento da pessoa? Limita
suas atividades diárias? Atrapalha seus relacionamentos? Exige mudanças no seu estilo
de vida? Prejudica a qualidade de vida?
Expectativas: Quais são as expectativas em relação ao médico? O que ela acha que
a ajudaria a lidar com a doença? Ela esperava receber algum tratamento especifico?

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ANAMNESE E ENTREVISTA CLÍNICA

O MÉTODO CLÍNICO CENTRADO NA PESSOA


2º. Entendendo a pessoa como um todo
• Integrar os conceitos de doença e experiência da doença, incluindo a conscientização
quanto ao estágio em que a pessoa está no ciclo da vida e seu contexto de vida.
• Entender a estrutura da personalidade da pessoa, principalmente seus mecanismos de
defesa (negação, projeção, sublimação, racionalização), qual o papel da espiritualidade
na sua vida, qual desequilíbrio a doença causa na estrutura familiar e no contexto so-
cioambiental em que está inserido.
3º. Elaborando um plano conjunto de manejo dos problemas
• Definir o problema. Algumas vezes será necessário rotular o problema para que a pes-
soa entenda a causa, o que esperar em termos de progressão ou evolução e o qual se-
rá o resultado;
• Estabelecer metas de tratamento e/ou manejo. É necessário entender as expectativas
e ideias das pessoas sobre o tratamento; é importante também explicar claramente to-
das as opções, com suas múltiplas vantagens e desvantagens;
• Identificar os papéis a serem assumidos por ambos. O nível de participação da pessoa
pode flutuar dependendo da sua capacidade emocional e física. Alguns podem estar
doentes demais ou muito sobrecarregados pelo fardo de sua experiência de doença;
outros podem achar que tomar decisões sobre o tratamento é muito complexo e con-
fuso, por isso, deixam a tarefa para o médico. O importante é sempre deixar claro que
existe uma responsabilidade mútua.
• Encontrar um consenso. É imprescindível obter consenso sobre o manejo terapêutico,
de forma que ele reflita necessidades, valores e preferências individuais, bem como evi-
dências científicas e diretrizes.
4º. Intensificando o relacionamento entre pessoa e médico
Todas as relações humanas e, em especial, as relações terapêuticas são influenciadas pe-
los fenômenos de transferência e contratransferência. Transferência é o fenômeno pelo
qual as experiências passadas que um indivíduo mantém em seu inconsciente se pro-
jetam nas suas novas experiências. Contratransferência é um processo também incons-
ciente que ocorre quando o médico responde ao processo de transferência do paciente
de uma forma semelhante a que usou em experiências anteriores. O médico precisa ter
autoconhecimento para identificar com precisão os dois processos e utilizá-los a seu fa-
vor, a fim de fortalecer a relação com o paciente.
Defende-se uma relação de compaixão, cuidado, empatia e confiança, com compartilha-
mento de poder, onde o médico se torne agente de cura e esperança.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 69 25/01/2020 15:03:54


Capítulo 3

REFERÊNCIAS

1. Porto CC. Como fazer uma boa entrevista clínica. Rev Med Minas Gerais. 2017; 26: e-1842.
2. Benseñor IM. Anamnese, exame clínico e exames complementares como testes diagnósticos.
Rev Med (São Paulo). 2013; 00(4): 236-41.
3. Bickley LS, Szilagyi PG. Bates, propedêutica médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-
gan; 2018.
4. Carrió, FB. Entrevista clínica: habilidades de comunicação para profissionais de saúde. Porto
Alegre: Artmed; 2012.
5. Shorey JM, Spollen JJ. Approach to the patient. UpToDate. [Internet]. [acesso em 4 ago 2019].
Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/approach-to-the-patient.
6. Lipkin M, Putnam S, Lazare A. The Medical Interview. New York: Springer-Verlag; 1995.
7. Stewart M, Brown JB, Weston WW, Mcwhinney IR, Mcwilliam CL, Freeman TR. Medicina centrada
na pessoa: transformando o método clínico. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2017.

70

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Sinais vitais

CAPÍTULO

SINAIS VITAIS
5
Autora:
Ana Raquel Ferreira de Azevedo
Coautores:
Geison Vasconcelos Lira,
Frederico Eduardo Ribeiro Bezerra Monteiro e
Pedro Gomes Cavalcante Neto

O que você irá ver neste capítulo:


✓ Mapa mental dos principais sinais e sintomas
✓ Introdução
✓ Semiotécnica
• Pressão Arterial
• Frequência Respiratória
• Frequência Cardíaca
• Pulso Arterial
• Temperatura
✓ Medicina baseada em evidências
✓ Caso clínico
✓ Referências

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1. MAPA MENTAL DOS PRINCIPAIS SINAIS E SINTOMAS

RESPIRAÇÃO DE
KUSSMAUL
“PEIXE FORA D’ÁGUA”

Manual_Semiologia_Medica.indb 102
RESPIRAÇÃO
DE CHEYNE
STOKES CONTÍNUA
RESPIRAÇÃO IRREGULAR
DE BIOT REMITENTE
MAPA MENTAL

PADRÕES FEBRE INTERMITENTE


RESPIRATÓRIOS (Tax>37,8°C) RECORRENTE
ANORMAIS

< 16 IRPM, REGULAR BRADIPNEIA


HIPERTERMIA Temperatura central > 40°C

RESPIRAÇÃO TEMPERATURA
> 20 IRPM, REGULAR TAQUIPNEIA
HIPOTERMIA Temperatura retal < 35°C
APNEIA
SINAIS
VITAIS HIPERTENSÃO

BISFIRIENS PULSO PRESSÃO SINAL DE OSLER


BÍFIDO ARTERIAL
DICRÓTICO
ALTERNANTE
HIPOTENSÃO
PARADOXAL HIATO
ALTERNANTE AUSCULTATÓRIO
PARVUS E TARDUS
ORTOSTÁTICA PÓS-PRANDIAL

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Sinais vitais

2. INTRODUÇÃO

A avaliação dos sinais vitais é uma etapa de fundamental importância no


exame físico de qualquer paciente. Eles são indicadores das condições de
saúde de uma pessoa, sendo sua mensuração um meio eficiente e rápido de
avaliar essas condições ou identificar a presença de problemas. A avaliação
possui uma semiotécnica simples e possibilita sua realização de maneira
rápida e eficaz. Avaliar os sinais vitais consiste em mensurar: pressão arterial,
frequência respiratória, frequência cardíaca, pulso arterial e temperatura.

3. SEMIOTÉCNICA

yy Pode-se avaliar o paciente em ortostase ou decúbito dorsal, conforme


seja mais cômodo para ele;
yy Lembrar das alterações fisiológicas dos sinais vitais com mudança de
decúbito e posicionamento dos membros;
yy Em algumas circunstâncias, a avaliação em duas ou mais posições dife-
rentes se faz obrigatória para melhor elucidação diagnóstica.1

3.1. Pressão Arterial

A pressão arterial(PA) é uma medida indireta da onda de pressão que se


propaga através da árvore arterial, em decorrência das contrações cardíacas.
Na prática clínica, utiliza-se o esfigmomanômetro e o estetoscópio para
realizar a aferição indireta da PA. Os esfigmomanômetros possuem algumas
variações: aneroides, digitais e de colunas de mercúrio.2,3

3.1.1. Medida da Pressão Arterial Sistêmica

I. Preparo do paciente2,3,4,5

yy Explique o procedimento ao paciente;


yy Oriente-o a não conversar durante o procedimento;
yy Deixe-o em repouso mínimo de 5 minutos em ambiente calmo.

103

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Capítulo 5

yy Certifique-se de que o paciente NÃO:


• Está com a bexiga cheia;
• Praticou exercícios físicos há menos de 60 minutos;
• Ingeriu bebidas alcoólicas, café ou alimentos;
• Fumou nos 30 minutos anteriores.

yy Posicione corretamente o paciente:


• Sentado, pernas descruzadas, pés apoiados no chão, dorso recos-
tado na cadeira e relaxado;
• Braço na altura do coração, livre de roupas, apoiado, em supina-
ção e cotovelo ligeiramente fletido.

II. Determinação da PA sistólica pelo método palpatório (Figura 1)2,3,5,6

yy Localizar as pulsações da artéria braquial por meio da palpação;


yy Colocar o manguito envolvendo todo o braço e sem deixar folgas,
2 a 3 cm acima da fossa cubital;
yy Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a arté-
ria braquial;
yy Palpar o pulso radial;
yy Fechar a válvula de escape de ar e insuflar o manguito até que a
pressão exercida sobre o braço seja suficiente para interromper o
fluxo sobre a artéria radial. Neste momento, o pulso radial desa-
parece;
yy Abrir a válvula e desinsuflar o manguito lentamente. O reapareci-
mento do pulso radial corresponderá à PA sistólica;
yy Assim que o pulso for detectado, a válvula poderá ser totalmente
aberta para permitir o esvaziamento da bolsa de ar do manguito.

104

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Sinais vitais

Figura 1. Método palpatório de determinação da PA.

Fonte: Autor.

III. Determinação da PA sistólica e diastólica pelo método auscutatório


(Figura 2)2,4,5,6

yy Após determinar a PA sistólica pelo método palpatório, feche a


válvula, palpe a artéria braquial na fossa cubital e coloque o dia-
fragma do estetoscópio sem compressão excessiva;
yy Inflar rapidamente o manguito até ultrapassar em 20 a 30 mmHg
o nível estimado da pressão sistólica, obtido pela palpação;
yy Abrir levemente a válvula e liberar o ar lentamente, de maneira
contínua, com velocidade de 2mmHg por segundo, até o completo
esvaziamento da bolsa;
yy Inicialmente, nenhum som será auscultado, pois o manguito exerce
uma pressão acima da pressão arterial sistólica, interrompendo o
fluxo de sangue pela artéria braquial. Quando o valor da pressão do
manguito for igual ao valor da pressão arterial sistólica do paciente,
o sangue começará a fluir pela artéria, porém de forma conturbada
porque a parede da artéria está comprimida. Este fluxo de sangue
anormal é chamado de fluxo turbulento e determina um ruído que
pode ser auscultado;

105

Manual_Semiologia_Medica.indb 105 25/01/2020 15:03:56


Capítulo 5

yy O primeiro ruído auscultado denomina-se I som de Korotkoff e


corresponde à PRESSÃO ARTERIAL SISTÓLICA;
yy Em seguida, auscultam-se batidas regulares;
yy Quando a pressão do manguito for igual à pressão arterial diastó-
lica, a pressão sobre a artéria deixará de existir e o fluxo de sangue
voltará ao seu estado normal, que é laminar. Este tipo de fluxo não
gera ruído. Será auscultado, então, um abafamento do ruído – cor-
respondendo ao IV som de Korotkoff –, seguido pelo completo
desaparecimento do ruído – V som de Korotkoff;
yy O V som de Korotkoff corresponde à PRESSÃO ARTERIAL DIASTÓ-
LICA;
yy Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo do último som para con-
firmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida
e completa;
yy Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a pressão
diastólica no abafamento dos sons (IV som de Korotkoff ) e anotar
valores da sistólica/diastólica/zero;
yy Anotar os valores pressóricos exatos sem “arredondamentos” e o
braço no qual a pressão arterial foi aferida;
yy Informar os valores de pressões arteriais obtidos para o paciente
e interpretá-los. Para isso, utilizam-se os parâmetros da VII Diretriz
Brasileira de Hipertensão Arterial de 2016,6 como mostra a Tabela 1.

Tabela 1. Classificação da PA segundo a VII Diretriz Brasileira de Hipertensão.6

VII DIRETRIZ BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL, 2016


Pressão arterial Pressão arterial
Classificação
sistólica (mmHg) diastólica (mmHg)
Normal ≤ 120 ≤ 80
Pré-Hipertensão 121 a 139 81 a 89
Hipertensão Estágio 1 140 a 159 90 a 99
Hipertensão Estágio 2 160 a 179 100 a 109
Hipertensão Estágio 3 ≥ 180 ≥ 110
Quando a PAS e a PAD situam-se em categorias diferentes, a
maior deve ser utilizada para a classificação da PA
Fonte: Malaquias.6

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Sinais vitais

Figura 2. Método auscultatório de determinação da PA.

Fonte: Autor.

IV. Cuidados na aferição da pressão arterial4,8,9,10

yy O manguito do esfigmomanômetro deve ter o tamanho adequado.


Uma regra prática para a escolha do manguito é a seguinte: tama-
nho do manguito = 2/3 do comprimento do braço(80% do com-
primento e 40% da circunferência);
yy Se durante a aferição da PA houver algum erro técnico ou em caso
de dúvida quanto aos valores obtidos, deve-se desinsuflar com-
pletamente o manguito, aguardar 1 a 3 minutos e somente depois
repetir a aferição;
yy Cuidado com o hiato auscultatório! O hiato auscultatório consiste
no desaparecimento dos sons na ausculta durante a deflação do
manguito, geralmente entre o final da fase I e o início da fase II dos
sons de Korotkoff. Tal achado pode subestimar a verdadeira pressão
sistólica ou superestimar a pressão diastólica;
yy Em idosos, lembrar de pesquisar o sinal de Osler por meio da mano-
bra de Osler! A manobra de Osler consiste na insuflação do man-
guito no braço até o desaparecimento do pulso radial. Se a artéria
radial permanecer palpável após esse procedimento, sugerindo
enrijecimento, o paciente é considerado Osler-positivo. Esse sinal

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Manual_Semiologia_Medica.indb 107 25/01/2020 15:03:56


Capítulo 5

pode sugerir a presença de pseudo-hipertensão, caracterizada por


nível de pressão arterial falsamente elevado em decorrência do
enrijecimento da parede da artéria;
yy A medida da pressão arterial geralmente é realizada no braço,
porém, em circunstâncias especiais, pode ser feita no antebraço ou
na perna. Na perna será usada a artéria pediosa ou a tibial posterior;
yy Na primeira avaliação, as medidas devem ser obtidas em ambos
os braços. Em caso de diferença, sempre utilizar como referência o
braço com o maior valor para as medidas subsequentes;
yy Na primeira consulta, a pressão arterial deve ser medida na posição
deitada, sentada e em pé. Nas consultas posteriores, a necessidade
será determinada pelo médico.

3.2. Frequência Respiratória

A frequência respiratória (FR) é um dado semiológico muito importante,


sendo utilizado como critério de gravidade na classificação de várias doenças
pulmonares e extrapulmonares. Obtém-se contando o número de incursões
respiratórias por minuto (i.p.m.). Deve-se contar durante todos os 60 segun-
dos. Lembrando que essa contagem deve ser feita com discrição, sem que
o paciente perceba, pois a simples percepção de que sua respiração está
sendo contada desperta ansiedade e o faz aumentar a frequência respirató-
ria. Um artifício que pode ser utilizado é palpar o pulso radial ou posicionar
o estetoscópio sobre o tórax do paciente, simulando estar realizando outro
exame, enquanto se observam as incursões respiratórias.
Estas são variáveis, em um minuto, mesmo em indivíduos saudáveis. A
Tabela 2 abaixo mostra os valores de normalidade para adultos.11,12

Tabela 2. Valores de referência da FR para adultos.

VALOR DA FR INTERPRETAÇÃO
12-20 i.p.m Normal
< 12 i.p.m Bradipneia
> 20 i.p.m Taquipneia
0(zero) i.p.m Apneia
Fonte: ROCCO, 2011 ;
17

108

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Sinais vitais

3.3. Frequência Cardíaca2,4

A frequência cardíaca(FC) é dada pela contagem dos ciclos cardíacos ou


batimentos cardíacos por minuto (b.p.m.), com auxílio do estetoscópio com
o diafragma posicionado no precórdio. É importante frisar que frequência
cardíaca é diferente de frequência de pulso. Esta é contada palpando-se
pulsos arteriais periféricos.
A FC também é variável, mesmo em adultos saudáveis. A Tabela 3 abaixo
mostra os valores de referência para adultos.

Tabela 3. Valores de referência da FC para adultos.

VALOR DA FC INTERPRETAÇÃO
60-100b.p.m Normal
<60 b.p.m Bradicardia
>100 b.p.m Taquicardia

Fonte: ROCCO, 201117.

3.4. Pulso Arterial

É o nome dado às oscilações rítmicas de volume que ocorrem nas ar-


térias, repetidas a cada ciclo cardíaco, decorrentes da variação cíclica da
pressão do sangue contida no território arterial (pressão arterial). A cada
ciclo cardíaco, devido à sístole do ventrículo esquerdo, cria-se uma “onda
de choque” a partir da raiz da aorta que se propaga pelos outros vasos do
sistema arterial, tanto os centrais (pulsos centrais) quanto os periféricos
(pulsos periféricos). Lembrando que os pulsos centrais são o carotídeo e
femoral. Todos os demais pulsos palpáveis são periféricos.4
A avaliação dos pulsos arteriais requer técnica para saber palpá-los
corretamente e conhecimento das características básicas que devem ser
investigadas na avaliação. Essas características são:1,2

yy Frequência: quantidade de ondas de pulso por minuto. Em pacien-


tes não portadores de arritmias cardíacas ou doença arterial perifé-
rica, a frequência de pulso coincide com a frequência cardíaca. Faixa

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Capítulo 5

de normalidade: 60-100 ondas por minuto. Abaixo de 60, considera-se


bradisfigmia. Acima de 100, considera-se taquisfigmia;

yy Ritmo: é dado pela sequência de pulsações. Se elas ocorrem em inter-


valos iguais, diz-se que o ritmo é regular. Se os intervalos são variáveis,
trata-se de ritmo irregular;

yy Amplitude ou Magnitude: sensação captada pela palpação a cada pul-


sação. Relaciona-se diretamente com o grau de enchimento da artéria
durante a sístole e seu esvaziamento durante a diástole. Classifica-se
em amplo (magnus), mediano ou pequeno (parvus). Pode haver varia-
ção na amplitude do pulso, caracterizando tipos específicos de pulsos,
conforme é apresentado na Tabela 4;

yy Simetria: palpam-se simultaneamente as mesmas artérias contralate-


rais e comparam-se as sua amplitudes. Classifica-se em simétrico ou
assimétrico;

yy Tensão ou Dureza: é avaliada pela compressão progressiva da artéria


e está diretamente relacionada à pressão diastólica. Se for pequena a
pressão necessária para interromper as pulsações, caracteriza-se pulso
mole. Se a pressão necessária, porém, for grande, trata-se de pulso duro.
Este significa hipertensão arterial;

Cuidado: não confunda pulso duro com endurecimento da parede do


vaso. São entidades distintas!

yy Formato: o formato do pulso expressa a análise do seu contorno. A


percepção dos diferentes contornos pela palpação é difícil e exige muita
prática. Entretanto, estudos invasivos possibilitam o reconhecimento de
grande variedade de pulsos. Como cada formato de pulso(ou tipo de
onda) tem um significado clínico, é importante conhecê-los.2,4

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Sinais vitais

Tabela 4. Tipos de Pulsos.

TIPOS DE PULSOS DE ACORDO COM O FORMATO


Formato Características clínicas Exemplo
• Pulso amplo, com dois componentes per-
ceptíveis durante a sístole
PULSO • Sinonímia: Pulso de Corrigan ou Pulso em • Insuficiência Aór-
BISFERIENS martelo d’água tica
• Geralmente acompanhado de outros sinais
periféricos de insuficiência aórtica
• Sinonímia: “Pico e Domo”
• Pulso amplo com dois componentes sis-
tólicos
PULSOS • O primeiro componente é decorrente da
DE fase de ejeção rápida, sendo limitado no
DUPLOS PULSO momento em que se estabelece a obstrução • Hipertrofia Mio-
PICOS BÍFIDO dinâmica ao fluxo sanguíneo. Segue-se o cárdica
segundo componente, de ejeção mais len-
ta, com configuração de um domo
• Geralmente, de difícil detecção à beira do
leito
• Quando presente, implica gravidade
• Estados de baixo
• Raro
débito
• Caracteristicamente, apresenta um pico
PULSO • Tamponamento
na diástole
DICRÓTICO cardíaco
• Pode ser diferenciado dos anteriores devido
• Insuficiência Car-
ao maior intervalo entre os picos
díaca Congestiva
TIPOS DE PULSOS DE ACORDO COM A VARIAÇÃO NA AMPLITUDE
Tipo Características Exemplos
• Alterna amplitude maior e menor com a mesma fre-
quência
PULSO • Mais perceptível no pulso radial
ALTER- • Um dos sinais mais precoces de disfunção ventricular • Insuficiência Car-
díaca Congestiva
NANTE • Alteração de intensidade das bulhas e dos sopros
• Sensibilizado pela posição sentado ou em pé
• Quanto mais intensos os achados, maior a disfunção

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Capítulo 5

TIPOS DE PULSOS DE ACORDO COM O FORMATO


TIPOS DE PULSOS DE ACORDO COM A VARIAÇÃO NA AMPLITUDE
Tipo Características Exemplos
• Sinonímia: Pulso de Kussmaul • Tamponamento
• Diminui a intensidade ou desaparece com a inspiração Cardíaco
PULSO
• Denominação errônea: na verdade, é uma exacerba- • Pericardite Cons-
PARA-
ção de um fenômeno natural(queda da pressão com tritiva
DOXAL
a inspiração) • Asma severa ou
• Pesquisado melhor através da aferição da PA DPOC
• Sinonímia: Pulso Anacrótico
• Caracterizado por amplitude diminuída e retardo da
PULSO elevação do pulso, que se encontra lentificado
PAR-
• Pode ser mascarado pelas alterações decorrentes da • Estenose aórtica
VUS E
TARDUS idade
• Quando presente, implica severidade da lesão
• É um sinal de desenvolvimento tardio
Fonte: Modificado de PAZIN-FILHO, A. 200415

Os pulsos arteriais rotineiramente palpados são: carotídeos, femorais,


radiais, braquiais, dorsais do pé e tibiais posteriores. Veja a semiotécnica
para palpação de cada um.

a) Pulsos Carotídeos1

yy Localização: na altura da cartilagem tireóidea, abaixo e profundo do


músculo esternocleidomastoide;
yy Semiotécnica: Deve-se palpar delicadamente para não comprimir o seio
carotídeo, o que pode gerar bradicardia, parada cardíaca e desprendi-
mentos de placas ateromatosas.

NUNCA se deve palpar as duas artérias simultaneamente.

I. Paciente sentado e examinador à sua frente

Palpa-se com a polpa digital do polegar, que afasta a borda anterior


do músculo esternocleidomastoideo, ao mesmo tempo em que procura
profundamente as pulsações. A carótida direita é palpada com o polegar
esquerdo e vice-versa. As polpas dos dedos indicador e médio fixam-se
sobre as últimas vértebras cervicais, dando apoio.

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Sinais vitais

Figura 3. Palpação pulso carotídeo com examinador à frente do paciente.

Fonte: Autor.

II. Paciente sentado com a cabeça levemente fletida e examinador à


sua direita.

Palpa-se com as polpas digitais dos dedos indicador, médio e anular.

Figura 4. Palpação pulso carotídeo com examinador a sua direita.

Fonte: Autor.

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Capítulo 5

b) Pulsos Femorais12

yy Localização: região inguinocrural, abaixo do ligamento inguinal, na sua


porção média (triângulo de Scarpa);
yy Semiotécnica: Paciente em decúbito dorsal e examinador do lado que
será examinado.Com os dedos indicador, médio e anular, realiza-se uma
compressão de média intensidade sobre o triângulo de Scarpa.

c) Pulsos Radiais2,4 (Figura 5)

yy Localização: entre a apófise estiloide do rádio e o tendão dos flexores;


yy Semiotécnica: Paciente em posições variadas e examinador à direita do
paciente. Examinador usa a mão direita para examinar o pulso esquerdo
e vice-versa. Palpa-se com as polpas digitais do indicador e médio, impri-
mindo força de compressão variável, até que o impulso máximo seja
obtido.

Polegar fixa-se no dorso do punho do paciente.

Figura 5. Palpação pulso radial.

Fonte: Autor.

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Sinais vitais

d) Pulsos Braquiais2,4 (Figura 6)

yy Localização: medialmente ao tendão do músculo bíceps (sulco bicipital);


yy Semiotécnica: Paciente sentado ou em decúbito dorsal e o examinador
do lado que será examinado. Com a mão homolateral, segura-se o ante-
braço do paciente, realizando uma leve flexão sobre o braço e, com os
dedos indicador, médio e anular OU com o polegar da mão contralateral,
sente-se as pulsações da artéria.

Figura 6. Palpação pulso braquial.

Fonte: Autor.

e) Pulsos Dorsais dos Pés1 (Figura 7)

Também chamados de pulsos pediosos.


yy Localização: entre o 1º e o 2º metatarsianos;
yy Semiotécnica: Paciente em decúbito dorsal com leve flexão do joelho,
e examinador ao lado do membro que será examinado. Com uma das
mãos, fixa-se o pé do paciente em dorsiflexão. Com a outra, palpa-se o
pulso com os dedos indicador, médio e anular.

115

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Capítulo 5

É comum haver variações anatômicas dessa artéria, passando a não ser


palpável no local habitual. Neste caso, é necessário procurá-la em toda
a extensão do dorso do pé.

Figura 7. Palpação pulso pedioso.

Fonte: Autor.

f) Pulsos Tibiais Posteriores12 (Figura 8)

yy Localização: atrás do maléolo medial;


yy Semiotécnica: Paciente em decúbito dorsal com leve flexão do joelho
e examinador ao lado do membro que será examinado. Com a mão
homóloga, sustenta-se o calcanhar do paciente. Com a mão contrala-
teral, sentem-se as pulsações com os dedos indicado, médio e anular
posicionados na região retromaleolar medial, enquanto o polegar fixa-se
no maléolo lateral.

116

Manual_Semiologia_Medica.indb 116 25/01/2020 15:03:57


Sinais vitais

Figura 8. Palpação pulso tibial posterior.

Fonte: Autor.

3.5. Temperatura

Sabe-se que a temperatura do interior do corpo permanece quase cons-


tante, em uma variação de no máximo 0,6°C, enquanto a temperatura da
parte externa do corpo (que é a mensurada na prática clínica), ao contrário,
está sujeita a variações das condições ambientais. Pequenas variações na
temperatura normal são observadas de pessoa para pessoa, e, principal-
mente, em diferentes regiões do corpo. As principais regiões do corpo em
que se afere a temperatura são a axila, cavidade oral e cavidade retal. A
Tabela 5 mostra os valores de normalidade de cada região.8,11
Para aferir a temperatura, é necessário o uso de um termômetro clínico
de mercúrio, que registra temperaturas entre 35°C e 42°C. Antes de posicio-
nar o termômetro, é essencial fazer a higiene adequada do equipamento,
evitando umidade no local.8,11

Tabela 5. Valores normais de temperatura.

Temperatura Axilar 35,8 a 37°C


Temperatura Bucal 35,8 a 37,4°C
Temperatura Retal 35,8 a 37,8°C
Fonte: ROCCO, 201117

117

Manual_Semiologia_Medica.indb 117 25/01/2020 15:03:57


Capítulo 5

4. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS – MBE

Quadro 1. Principais variáveis de um teste diagnóstico.

REVISÃO RÁPIDA MBE


Se meu paciente tem uma doença, qual probabilidade de um teste
Sensibilidade
diagnóstico ser positivo?
Se meu paciente não tem uma doença, qual probabilidade de um
Especificidade
teste diagnóstico ser negativo?
Quantas vezes é mais provável encontrar um resultado, seja ele po-
sitivo ou negativo, em pessoas doentes em relação a pessoas sadias?
Razão de • Quanto maior a RV positiva = mais o resultado positivo aumenta
verossimilhança a probabilidade de doença.
• Quanto menor a RV negativa = mais o resultado negativo diminui
a probabilidade de doença.

Fonte: Autor.

O choque hipovolêmico é uma importante causa de morte e um diagnós-


tico comumente encontrado nas emergências dos hospitais. Seu diagnós-
tico rápido é de extrema importância,haja vista a gravidade dos desfechos
quando ele não é feito. Portanto, os achados semiológicos de suspeição
são muito importantes. Os pulsos e suas características podem auxiliar no
diagnóstico e a sua avaliação correta é de extrema importância.

Tabela 6. Avaliação de testes diagnósticos da relação


entre pulsos e choque hipovolêmico.

PULSOS E CHOQUE HIPOVOLÊMICO

Sensibilidade Especificidade Razão de Verossimilhança


Achado
(%) (%) Achado presente Achado ausente
Pulso carotídeo
95 22 SS SS
presente
Pulso femoral
95 67 2,9 0,1
presente
Pulso radial
52 89 SS 0,5
presente

* SS: Sem significância


Fonte: Modificado de McGee, Steven R.16

118

Manual_Semiologia_Medica.indb 118 25/01/2020 15:03:57


Sinais vitais

Taquicardia é um sinal inespecífico encontrado em várias doenças


diferentes. Processos infecciosos, arritmias, trauma, hipotensão, doen-
ças que estimulam a uma resposta inflamatória sistêmica, etc. podem
estar envolvidas na deflagração da taquicardia. Apesar de ser um achado
inespecífico, tem valor quando associado a outros comemorativos nos
exames físico e complementar, e pode ser utilizado para corroborar al-
guns diagnósticos.

Tabela 7. Avaliação de testes diagnósticos da relação entre


frequência cardíaca e desfechos específicos.

TAQUICARDIA – PREVENDO O RESULTADO EM RELAÇÃO A(À):

Sensibilidade Especificidade Razão de Verossimilhança


Achado
(%) (%) Achado presente Achado ausente
FC > 90 bpm
Mortalidade,
94 38 1,5 0,2
se trauma e
hipotensão
FC > 95 bpm
Mortalidade, se 97 53 2,0 0,1
choque séptico
FC > 100 bpm
Mortalidade, 45 78 2,1 SS
se pneumonia
FC > 100 bpm
Mortalidade,
6-9 97-98 3,0 SS
se infarto do
miocárdio
FC > 100 bpm
Complicações,
86 87 6,8 SS
se pancreatite
biliar
FC > 110
Mortalidade,
70 97 25,4 0,3
se hemorragia
pontinha

* SS: Sem significância


Fonte: Modificado de McGee, Steven R.16

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CASO CLÍNICO

História clínica

R. A. M., sexo feminino, 9 anos, procedente e residente em Sobral, interior do


Ceará, parda, estudante, comparece à emergência pediátrica acompanhada
da mãe, que relata que a paciente começou a apresentar febre não aferida
e dor no membro inferior direto (MID) há duas semanas.
A mãe relata que há 30 dias a paciente sofreu atropelamento por motocicle-
ta, ocasionando fratura proximal do fêmur direito. Foi submetida à cirurgia
ortopédica com fixação de haste no fêmur direito. Realizou tratamento com
antibiótico durante 7 dias (não sabe informar qual). Passou uma semana
sem intercorrências. Duas semanas após a cirurgia, iniciou quadro de dor
e edema no mesmo membro associado a febre não aferida, que a fez pro-
curar a emergência.Durante a internação, passou a apresentar desconforto
respiratório importante com tiragem intercostal e frequência respiratória
aumentada, com febre persistente de 38°C. A mãe relatava que a paciente
apresentava o quadro por ansiedade, que sempre fica nesse estado en-
quanto se encontra internada.
Foi encaminhada para Unidade de Terapia Intensiva, onde evoluiu com
insuficiência respiratória e injúria renal aguda, com necessidade de intu-
bação orotraqueal e hemodiálise de urgência. No dia seguinte, apresentou
hemartrose no joelho direito. No quarto dia de internação, foi a óbito por
parada cardiorrespiratória.
Medicações em uso: Dipirona, quando tem febre.
Antecedentes pessoais: Acidente automobilístico há 30 dias.
Hábitos: Sedentária.
Antecedentes familiares: Nega antecedentes importantes.

Exame físico (admissão)

Exame físico geral/Ectoscopia: regular estado geral, pálida, hidratada,


anictérica, acianótica, febril, eutrófica,taquidispneica.
Dados vitais: FC 151bpm, FR 59 irpm, Tax 38,5°C, PA 80x55 em decúbito no
membro superior direito (MSD).
Exame da cabeça e do pescoço: sem alterações relevantes.

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CASO CLÍNICO

Exame neurológico: sem alterações relevantes.


Exame do tórax e aparelho respiratório: tórax atípico, taquidispneica,
expansibilidade consideravelmente diminuída com retração subcostal e
intercostal, frêmito toracovocal normal, som claro pulmonar à percussão,
murmúrio vesicular presente e universal, sem ruídos adventícios.
Exame do sistema cardiovascular:precórdio normodinâmico, ausência
de turgência jugular patológica, ritmo cardíaco regular com aumento da
frequência, bulhas normofonéticas, em dois tempos, sem sopros.
Exame abdominal (incluindo aparelho genital):Abdome plano, ruídos
hidroaéreos presentes e fisiológicos, sem dor à palpação abdominal, flácido,
sem massas ou visceromegalias palpáveis.
Exame das extremidades e pulsos periféricos: Extremidades frias, pouco
perfundidas, pulsos periféricos palpáveis, filiformes e simétricos, sem cia-
nose. Tempo de enchimento capilar maior que 3 segundos.
Exame das articulações e sistema osteomuscular: Edema não depressível
na região proximal da coxa direita com eritema peri-incisional no local da
cirurgia prévia, apresentando calor e dor à palpação local.

Exames complementares

Hemograma completo: Hb 11,2 Ht 34% Leucócitos 22.500 Neutrófilos 59%


Bastões 11% Linfócitos 22% Plaquetas 140.000
Creatinina 1,9 Ureia 82 PCR 12,6 Gasometria arterial (pH 7,3 PO2 55 PCO2
34 BIC 15).

Pontos de discussão

1. Qual o sintoma-guia? E como investigá-lo?


2. Qual o diagnóstico sindrômico?
3. Qual o diagnóstico anatômico/topográfico?
4. Qual a principal hipótese de diagnóstico etiológico?
5. Quais os achados do exame físico que corroboram a hipótese?
6. Quais os diagnósticos diferenciais?

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CASO CLÍNICO

Discussão do caso

Os sinais vitais são pontos essenciais para a avaliação do paciente. A


partir deles, podemos constatar evidências clínicas de que o paciente se
encontra em estado de evolução para um desfecho ruim.
No caso clínico, temos uma paciente que realizou uma cirurgia ortopédica
e que seguiu corretamente o tratamento pós-operatório, mas evoluiu com
uma provável infecção de sítio cirúrgico. O primeiro sinal desse quadro é a
febre, que, pela história, seria o sintoma-guia para chegar no diagnóstico
infeccioso, que foi notada precocemente, porém não recebeu a importância
que merecia. Os sinais clínicos mostravam que a paciente apresentava piora
do estado geral, vistos através dos sinais vitais, com aumento da frequência
respiratória e cardíaca. Isso levanta a hipótese de sepse, já que a paciente
apresentava sinais de SRIS (Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica),
tendo critérios de febre, taquicardia, taquipneia e leucocitose, associado a
um provável foco infeccioso.13,14
A sepse é um conjunto de manifestações sistêmicas graves em resposta a
um quadro infeccioso. É uma entidade com um prognóstico ruim se não for
tratada de forma adequada, com evolução do quadro, se não tratado, para
disfunções orgânicas, estas com altos índices de mortalidade, tornando-se um
problema de saúde pública. Os protocolos recomendam uma série de medi-
das para a reversão do quadro, sendo antibioticoterapia precoce e hidratação
volêmica vigorosa as mais importantes para a estabilização do paciente.4
O processo inicial do quadro traz como diagnóstico anatômico a infecção
do sítio cirúrgico na coxa direita, com posterior evolução para sepse grave
e disfunção de rins, pulmões e fígado (constatados pela injúria renal aguda,
insuficiência respiratória e distúrbios da coagulação).13
Os achados do exame físico que corroboram a hipótese diagnóstica são
sinais flogísticos encontrados na coxa direita (edema, calor, rubor e dor), que
nos remetem a uma infecção, associados à febre e alteração dos sinais vitais.
Os diagnósticos diferenciais para sepse são normalmente aqueles que
evoluem com SRIS, como pancreatite, infarto agudo do miocárdio e cetoa-
cidose diabética ou sinais de hipovolemia, hipotensão, embolia pulmonar,
etc. A história clínica e exame físico normalmente são suficientes para afastar
os principais diagnósticos diferenciais.13

122

Manual_Semiologia_Medica.indb 122 25/01/2020 15:03:58


CASO CLÍNICO

Sintoma-guia: Febre
Diagnóstico sindrômico: Síndrome febril
Diagnóstico anatômico/topográfico: Membro inferior direito
Hipótese diagnóstica: Sepse por infecção de ferida operatória
Diagnósticos diferenciais:
• Reação transfusional sanguínea
• Hipotensão
• Perda aguda importante de sangue
• Embolia pulmonar
• Pancreatite aguda
• Cetoacidose diabética

Pontos importantes

1. Diante de uma síndrome febril com presença de sinais de infecção, é


importante ficar atento aos sinais vitais do paciente para diagnóstico
precoce de sepse.
2. O protocolo sepse deve ser aberto o quanto antes, haja vista a alta mor-
talidade em pacientes que não são conduzidos de forma adequada.
3. As principais condutas que modificam mortalidade nesses casos são a
antibioticoterapia precoce associada a reposição volêmica adequada.

123

Manual_Semiologia_Medica.indb 123 25/01/2020 15:03:58


Capítulo 5

REFERÊNCIAS

1. Bickley LS. Bates: propedêutica médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2018.
2. Benseñor IM. Semiologia Clínica. 1. ed. São Paulo: Sarvier; 2002.
3. Bickley LS. Bates: Propedêutica Médica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015.
4. Instituto latino americano de sepse. Campanha de Sobrevivência a sepse – Protocolo Clínico
Pediátrico. 3. ed. São Paulo: ILAS; 2019.
5. Lima NKC. Manobra de Osler: método e significado. Rev Bras Hiperten. 2002; 9(2): 199-200.
6. López M. Semiologia Médica: As bases do diagnóstico clínico. 5. ed. Rio de Janeiro: Livraria
e Editora Revinter; 2004.
7. Martinez JB, Dantas M, Voltarelli JC. Semiologia Geral e Especializada. Rio de Janeiro: Gua-
nabara Koogan; 2013.
8. Porto C. Celeno. Semiologia Médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014.
9. Porto CC, Porto AL. Doenças do coração. Prevenção e tratamento. 2. ed. Rio de Janeiro: Gua-
nabara Koogan; 2005.
10. Pickering TG. The influence of daily activity on ambulatory blood pressure. Am Heart J. 1988;
116: 1141-5.
11. Pickering TG, Pieper C, Schechter CB. Ambulatory monitoring and blood pressure variability.
London: Science Press; 1991.
12. Swatz MH. Tratado de Semiologia Médica: história e exame clínico. 7. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier; 2015.
13. Silva LR, Burns DAR, Campos Júnior D, Borges WG. Tratado de pediatria: Sociedade Brasileira
de Pediatria. 4. ed. Barueri, SP: Manole; 2017.
14. Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FL, Rodrigues CIS, Brandão AA, Neves MFT, et al. VII
Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras
Cardiol. 2016; 107(3): 1-83.
15. PAZIN-FILHO A; SCHMIDT A; MACIEL BC. Semiologia Cardiovascular: Inspeção, palpação e
percussão. Medicina, Ribeirão Preto, v. 37: 227-239, jul./dez. 2004.
16. McGee, Steven R. Evidence-based physical diagnosis. 4. ed. Philadelphia: Elsevier; 2018.
17. Rocco JR. Semiologia Médica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011

124

Manual_Semiologia_Medica.indb 124 25/01/2020 15:03:58


Exame da cabeça e do pescoço

EXAME DA CABEÇA CAPÍTULO

E DO PESCOÇO 7
Autora:
Ana Raquel Ferreira de Azevedo
Coautores:
Geison Vasconcelos Lira,
Frederico Eduardo Ribeiro Bezerra Monteiro e
Pedro Gomes Cavalcante Neto

O que você irá ver neste capítulo:


✓ Mapa mental dos principais sinais e sintomas
✓ Introdução
✓ Exame físico da cabeça
• Crânio
• Couro cabeludo
• Face
• Olhos
• Nariz e cavidades paranasais
• Orelha externa e pavilhão auricular
• Boca
✓ Exame físico do pescoço
• Exame das cadeias linfonodais
• Exame da tireoide
✓ Medicina baseada em evidências
✓ Caso clínico
✓ Referências

145

Manual_Semiologia_Medica.indb 145 25/01/2020 15:03:58


1. MAPA MENTAL DOS PRINCIPAIS SINAIS E SINTOMAS

AMBLIOPIA ESTRABISMOS
AMAUROSE PTOSE PALPEBRAL
DIPLOPIA OLHO VERMELHO

Manual_Semiologia_Medica.indb 146
NISTAGMO DOR OCULAR EXOFTALMIA
XANTOPSIA EPÍFORA ENOFTALMIA
IANTOPSIA PRURIDO ECTRÓPIO
CLOROPSIA ENTRÓPIO
MAPA MENTAL

FOTOFOBIA
OTORREIA ESCOTOMAS
OTORRAGIA
OTALGIA ANEIS DE KAYSER-
PRURIDO OLHOS FLEISCHER
DISACUSIA HALO SENIL RINORREIA
ACÚFENOS ORELHAS RINORRAGIA
VERTIGEM EPISTAXE
ESTERNUTAÇÃO
CABEÇA E HIPOSMIA
NARIZ
RINOFIMA
MACROCEFALIA PESCOÇO HIPERTROFIA
MICROCEFALIA CRÂNIO NARIZ EM SELA
ACROCEFALIA RUBICUNDEZ
ESCAFOCEFALIA
DOLICOCEFALIA LÁBIOS
BRAQUICEFALIA,
PLAGIOCEFALIA
LINFONODOS
CAVIDADE
ORAL LISA
LÍNGUA PILOSA
BENIGNIDADE MALIGNIDADE SABURROSA
FRAMBOESA
GEOGRÁFICA
LARINGE FARINGE ESCROTAL
MÓVEL ADERIDO MACROGLOSSIA
DOLOROSO INDOLOR TRÊMULA
FIBROELÁSTICO ENDURECIDO DISFAGIA GLOSSITE
SINAIS FLOGÍSTICOS COALESCENTES DISFONIA TOSSE
PIGARRO HALITOSE
RONCO

25/01/2020 15:03:59
Exame da cabeça e do pescoço

2. INTRODUÇÃO

As doenças da cabeça e pescoço são causas frequentes de atendimento


com o médico generalista. Conhecer a semiotécnica deste exame físico é,
portanto, de primordial importância para correta orientação diagnóstica
e terapêutica.

3. EXAME FÍSICO DA CABEÇA

Está compreendida no exame físico da cabeça a avaliação das seguintes


estruturas: crânio, couro cabeludo, face, olhos, nariz e cavidades paranasais,
orelha e pavilhão auricular e boca.1

3.1. Crânio

Avaliar forma, volume, postura, movimentos involuntários, abaulamen-


tos, retrações e deformidades. Realize a inspeção e palpação.1,2

Exemplo de descrição normal:


Crânio simétrico sem deformidades, abaulamentos ou retrações.

3.2. Couro cabeludo

Avaliar sensibilidade, temperatura, alterações de cor e textura, presença


de lesões e cicatrizes. Realize a inspeção e palpação.1,2

Exemplo de descrição normal:


Couro cabeludo sem alterações de sensibilidade, temperatura, cor e textura.
Ausência de cicatrizes.

3.3. Face

Avaliar pele, simetria, deformidades e sensibilidade.1,2 Veja Figura 1.


Exemplo de descrição normal:
Fácies atípica sem alterações de sensibilidade, cor, textura e forma.

147

Manual_Semiologia_Medica.indb 147 25/01/2020 15:03:59


Capítulo 7

Figura 1. Avaliação da face.

Fonte: Autor.

3.4. Olhos

Avaliar quantidade e implantação dos pelos das sobrancelhas, pálpebras,


cílios, fenda palpebral, aparelho lacrimal, globos oculares, conjuntivas, es-
cleras, córneas, movimentos dos olhos, íris, pupilas, tensão ocular, acuidade
visual, campo visual, reflexos oculomotores e fundo de olho.1,2

Exemplo de descrição normal:


Quantidade e implantação dos pelos das sobrancelhas, pálpebras e cílios
dentro da normalidade; ausência de hiperemia ou lesões oculares; acuidade
e campo visual preservados, pupilas isocóricas, reflexo fotomotor direto,
consensual e de acomodação presentes. Fundo de olho: nervo óptico róseo,
de limites bem definidos, área macular brilhante, fina, de coloração homo-
gênea, e vasos de limites nítidos, com calibre homogêneo.

3.5. Nariz e cavidades paranasais

Avaliar tamanho, forma, cor, mucosa, aspecto do vestíbulo, secreções,


sensibilidade.1,2

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Manual_Semiologia_Medica.indb 148 25/01/2020 15:03:59


Exame da cabeça e do pescoço

Exemplo de descrição normal:


Nariz e cavidades paranasais sem alterações da forma, cor, mucosa. Au-
sência de lesões.

3.6. Orelha externa e pavilhão auricular

Avaliar tamanho, forma, integridade, implantação.1,2

Exemplo de descrição normal:


Sem alterações da forma, integridade, implantação.

3.7. Boca

Avaliar mucosa, língua, palato, assoalho, orofaringe, tonsilas, observando


umidade, coloração, presença de lesões, dentição (grau de conservação da
arcada dentária: se está completa ou incompleta, se os dentes estão em
bom ou mau estado de conservação).1,2
Utilize dois abaixadores de língua unidos em uma das pontas formando
um ‘V’ para melhor avaliar a cavidade oral.1,2

Exemplo de descrição normal:


Boca sem alterações da forma e com integridade mucosa, língua, palato,
assoalho, orofaringe, tonsilas. Dentição completa em bom estado de higiene
e conservação.

4. EXAME FÍSICO DO PESCOÇO

O exame físico do pescoço compreende sua avaliação geral (musculatura,


postura, movimentação, batimentos ectópicos, volume, forma, simetria,
tumores), avaliação da coluna cervical e avaliação específica dos linfonodos,
tireoide e vasos cervicais.3,4

a) Linfonodos

Realizar palpação e inspeção, avaliando tamanho, aderência a planos


profundos e superficiais, localização, simetria, consistência, coalescência,

149

Manual_Semiologia_Medica.indb 149 25/01/2020 15:03:59


Capítulo 7

sensibilidade e alterações da pele circunjacente (fístulas, retrações, sinais


flogísticos, ulcerações).1,3,4

Exemplo de descrição normal:


1. Ausência de adenomegalias.
2. Adenomegalia única palpável em região cervical anterior com cerca de
1 cm no seu maior diâmetro, móvel, fibroelástica, não aderida a planos
profundos, indolor e sem alterações da pele circunjacente.

b) Tireoide

Realizar inspeção, palpação, ausculta.3,5

Exemplo de descrição normal:


Tireoide não visível, não palpável e sem sopros.

c) Vasos

Realizar palpação e ausculta das carótidas. Avaliar presença de turgência


jugular.1,2

Exemplo de descrição normal:


Carótidas palpáveis bilateralmente, simétricas e sem sopros. Ausência de
turgência jugular aos 45 graus.

4.1. Exame das Cadeias Linfonodais

4.1.1. Anatomia das cadeias linfáticas

Ao longo de toda a região cervical existem várias cadeias de linfonodos


bem definidas e interligadas. Cada órgão cervicofacial possui sua drenagem
preferencial para um grupamento específico de linfonodos, de acordo com a
sua anatomia. Ao longo dos anos, várias divisões das regiões cervicais foram
propostas, mas, em 1991, a American Academy of Otolaringology – Head and
Neck Surgery definiu uma classificação das cadeias linfonodais cervicais por
níveis anatômicos, que desde então se tornou a classificação padrão para
a Cirurgia de Cabeça e Pescoço.6,7

150

Manual_Semiologia_Medica.indb 150 25/01/2020 15:03:59


Exame da cabeça e do pescoço

Nessa classificação, os linfonodos são subdivididos em grupos, que são


nomeados e numerados:6-8
yy Submentonianos – Nível I
yy Submandibulares – Nível I
yy Jugular alto – Nível II
yy Jugular médio – Nível III
yy Jugular baixo – Nível IV
yy Trígono posterior – Nível V
yy Compartimento anterior – Nível VI

Figura 2. Trígonos cervicais.

Fonte: Autor.

4.1.2. Irrigação dos gânglios linfáticos4,6,7

yy Occipital e auricular: couro cabeludo, pavilhão da orelha e ouvido interno;

151

Manual_Semiologia_Medica.indb 151 25/01/2020 15:03:59


Capítulo 7

yy Submaxilares, amigdalianos e submentonianos: orofaringe, língua,


lábios, dentes e glândulas salivares;
yy Cervicais profundos e supraclaviculares: órgãos intratorácicos e intra-ab-
dominais.

4.1.3. Semiotécnica – palpação de linfonodos1,2

yy Paciente sentado e examinador posicionao atrás do paciente;


yy Não há uma ordem específica para avaliar as regiões. Orienta-se que
cada examinador padronize sua própria ordem para não se esquecer
de nenhuma região;
yy Pode-se palpar ambos os lados simultânea ou separadamente;
yy A palpação deve ser realizada com as polpas digitais e a face ventral dos
dedos médio, indicador e anular;
yy Apoiam-se os polegares sobre o músculo trapézio;
yy Para palpar as cadeias cervicais, mobiliza-se a cabeça para o lado que se
deseja avaliar a fim de relaxar a musculatura ipsilateral;
yy Para melhor palpar os linfonodos cervicais posteriores, pode-se apre-
ender o m. esternocleidomastoideo entre o polegar e dedo indicador e
médio de uma mão e palpar os linfonodos com a outra;
yy CUIDADO: ao palpar os linfonodos submandibulares, não confundir com
as glândulas salivares.

4.1.4. Cadeias linfáticas a serem palpadas1,2

yy Pré-auricular (Figura 3);


yy Retroauricular (Figura 4);
yy Subocciptal;
yy Submentoniana (Figura 5);
yy Submaxilar (Figura 6);
yy Cervical anterior (Figura 7);
yy Cervical posterior (Figura 8);
yy Supraclavicular.

152

Manual_Semiologia_Medica.indb 152 25/01/2020 15:03:59


Exame da cabeça e do pescoço

Figura 3. Palpação linfonodos pré-auriculares.

Fonte: Autor.

Figura 4. Palpação lindonodos retroauriculares.

Fonte: Autor.

153

Manual_Semiologia_Medica.indb 153 25/01/2020 15:03:59


Capítulo 7

Figura 5. Palpação lindonodos submentonianos.

Fonte: Autor.

Figura 6. Palpação linfonodos submaxilares.

Fonte: Autor.

154

Manual_Semiologia_Medica.indb 154 25/01/2020 15:03:59


Exame da cabeça e do pescoço

Figura 7. Palpação linfonodos cervicais anteriores.

Fonte: Autor.

Figura 8. Palpação linfonodos cervicais posteriores.

Fonte: Autor.

155

Manual_Semiologia_Medica.indb 155 25/01/2020 15:04:00


Capítulo 7

4.1.5. Avaliação dos linfonodos e descrição1,2,9

Durante a palpação dos linfonodos, deve-se avaliar as seguintes


características:

yy Localização: descrever conforme as regiões ou níveis cervicais e faciais


conhecidos.
Exemplo:
Linfonodo retroauricular; linfonodo localizado no nível cervical V a aproxi-
madamente 2 cm do músculo trapézio

yy Número: especificar a quantidade, sempre que possível. Quando não o


for, especificar se é único ou se são múltiplos.
Exemplo:
Linfonodo único; 3 linfonodos; linfadenopatia generalizada em região
cervical.

yy Dimensões: preferencialmente, registrar as 3 dimensões. Quando não


o for, registrar ao menos o maior diâmetro.
Exemplo:
Linfonodo medindo 2cm.

yy Superfície: especificar se os contornos são regulares ou irregulares.


yy Consistência: especificar se a consistência encontra-se fibroelástica
(normal), amolecida, endurecida, pétrea etc.
yy Mobilidade: especificar se são móveis ou fixos (aderidos a planos pro-
fundos).
yy Sensibilidade: avaliar se durante a manipulação manifestador ou se são
indolores. Sempre questionar a presença de dor antes da manipulação.
Quando presente, iniciar a palpação pela área mais distante do ponto
doloroso, e gradativa e delicadamente palpar a zona crítica.
yy Coalescência: quando forem múltiplos, especificar se os linfonodos se
encontram independentes ou coalescentes.
yy Relação com a pele adjacente: especificar quando houver comprome-
timento da pele circunjacente, como hiperemia, hipertermia, úlceras,
fístulas etc.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 156 25/01/2020 15:04:00


Exame da cabeça e do pescoço

4.2. Exame da Tireoide

Está compreendido nas etapas: inspeção, palpação e ausculta.

4.2.1. Inspeção

Habitualmente, a tireoide não é visível, com exceção de pacientes muito


emagrecidos. Para melhor visualização, o paciente deve estar sentado, es-
tendendo a cabeça para trás e solicitando que o mesmo degluta. Como a
glândula situa-se fixa à fáscia pré-traqueal, é esperado que ela se desloque
para cima ao pedir para o paciente deflutir. Nos aumentos difusos da glân-
dula, as duas faces laterais e a anterior do pescoço ficam uniformemente
abauladas.1,2,5

4.2.2. Palpação

A glândula tireoide é palpável em muitos indivíduos normais, apre-


sentando lobos com cerca de 3 a 5 cm no sentido vertical e o istmo com
diâmetro aproximado de 0,5 cm.1,5

PASSO 1: Localização da glândula

Para localizar a glândula tireoide, deve-se ter como referencial anatômico


as cartilagens tireoide e cricoide, tendo em vista que o istmo da glândula
tireoide encontra-se anatomicamente abaixo da cartilagem cricoide.2,5
O istmo da glândula pode ser examinado colocando-se o polegar direito,
horizontalmente, abaixo da cartilagem cricoide. Será possível perceber o
istmo quando o paciente deglutir. Ele apresenta consistência borrachosa e
mede cerca de 0,5 cm de largura. O istmo com tamanho aumentado, firme
ou com nódulos é uma indicação de anormalidade tireoidiana.5

Manobras Especiais
Na suspeita de bócio retroesternal ou mergulhante, pode-se lançar mão
da manobra de elevar os braços paralelos à cabeça com o pescoço esten-
dido. Esta manobra irá elevar o polo cefálico do bócio, fazendo-o aflorar
à fúrcula esternal, além de provocar ingurgitamento e congestão venosa
da face (sinal de Pemberton). A base para essa manobra é que o tamanho
da entrada do tórax já está reduzido pelo bócio, e a manobra de elevar os

157

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Capítulo 7

braços reduz ainda mais a entrada torácica e causa congestão e ingurgita-


mento venoso da face e, algumas vezes, distúrbio respiratório ou mesmo
síncope (raramente).1,2,5

PASSO 2: Palpação da tireoide

Método 11,2,5:
yy Paciente sentado e com o pescoço levemente fletido;
yy Examinador à direita e à frente do paciente;
yy Localiza-se a tireoide;
yy Posicionam-se os dedos polegar e indicador direitos em cada um dos
lados da traqueia e solicita-se que o paciente degluta. Sentirá a glândula,
bilateralmente, passando pelos dedos.

Para palpar os lobos individualmente:


yy Colocam-se os dedos indicador e médio da mão direita justapostos
para palpar o lobo esquerdo da glândula. O examinador posiciona-se
à direita do paciente;
yy De maneira análoga, faz-se para palpar o lobo direito;
yy Solicita-se que o paciente degluta.

Método 21,2,5:
yy Paciente sentado e com o pescoço levemente fletido;
yy Examinador à frente e levemente à direita do paciente;
yy Posiciona-se o polegar esquerdo sobre o lobo esquerdo da tireoide.
Os demais dedos da mão esquerda posicionam-se na lateral direita do
pescoço;
yy De maneira análoga, usa-se o polegar direito para palpar o lobo direito;
yy Solicita-se que o paciente degluta.

Método 31,2,5 (Figura 9):


yy Paciente sentado;
yy Examinador em pé atrás do paciente;

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Exame da cabeça e do pescoço

yy Solicita-se que o paciente fleta a cabeça para o lado a ser examinado,


com o objetivo de relaxar o músculo esternocleiodomastoideo;
yy Posicionam-se os dedos indicador e médio homolaterais ao lobo exa-
minado sobre a sua topografia para explorá-lo;
yy Posiciona-se o polegar homolateral atrás do pescoço;
yy Para sensibilizar a manobra, pode-se pressionar um dos lobos da tireoide
enquanto se examina o lobo contralateral. Essa manobra impulsiona o
lobo examinado para frente, facilitando a palpação;
yy A manobra é repetida para o outro lobo;
yy Solicita-se que o paciente degluta.

Figura 9. Palpação da tireoide com examinador atrás do paciente.

Fonte: Autor.

4.2.3. Ausculta

A ausculta da glândula tireoide ficará restrita àqueles pacientes com


suspeita de tireotoxicose, uma vez que o aumento do fluxo sanguíneo
poderá determinar a ocorrência de sopros sobre a glândula, associados ou
não a presença de frêmitos.2,5

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Manual_Semiologia_Medica.indb 159 25/01/2020 15:04:00


Capítulo 7

5. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS – MBE

Quadro 1. Principais variáveis de um teste diagnóstico.

REVISÃO RÁPIDA MBE


Se meu paciente tem uma doença, qual probabilidade de um teste
Sensibilidade
diagnóstico ser positivo?
Se meu paciente não tem uma doença, qual probabilidade de um
Especificidade
teste diagnóstico ser negativo?
Quantas vezes é mais provável encontrar um resultado, seja ele po-
sitivo ou negativo, em pessoas doentes em relação a pessoas sadias?
Razão de • Quanto maior a RV positiva = mais o resultado positivo aumenta
verossimilhança a probabilidade de doença.
• Quanto menor a RV negativa = mais o resultado negativo diminui
a probabilidade de doença.
Fonte: Autor.

O bócio é uma das apresentações clínicas das tireoideopatias, que nem


sempre é encontrado durante o exame físico; porém, quando é encontrado,
normalmente apresenta significado com necessidade de tratamento espe-
cífico para a causa. A palpação cervical auxilia no diagnóstico e pode trazer
benefícios para o paciente devidamente examinado, visto que as patologias
que cursam com esse achado normalmente são tratáveis.

Tabela 1. Avaliação de testes diagnósticos da relação entre bócio e palpação cervical.

RAZÃO DE
SENSIBILIDADE ESPECIFICIDADE VEROSSIMILHANÇA
ACHADO
(%) (%)
Achado presente
Sem bócio palpável
5-57 0-40 0,4
ou visível
Bócio palpável,
visível após
13 ____ SS
extensão do
pescoço
Bócio visível
e palpável em 43-82 88-100 23,6
posição normal
* SS: Sem significância
Fonte: Modificado de McGee, Steven R.18

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Manual_Semiologia_Medica.indb 160 25/01/2020 15:04:00


Exame da cabeça e do pescoço

A meningite é a infecção/inflamação das meninges que recobrem o


encéfalo e a medula óssea. As causas são variadas, podendo ser viral, fún-
gica, bacteriana, asséptica etc. Outro quadro importante que pode levar
à irritação meníngea é a hemorragia subaracnoidea. As complicações das
meningites podem ter prognóstico ruim, portanto seu diagnóstico precoce
se faz importante. Ao exame físico, podemos encontrar rigidez nucal e sinais
de Kernig e Brudzinski.

Tabela 2. Avaliação de testes diagnósticos da relação


entre sinais meníngeos e meningite.

RAZÃO DE
SENSIBILIDADE ESPECIFICIDADE VEROSSIMILHANÇA
ACHADO
(%) (%) Achado Achado
presente ausente
Rigidez nucal 20-52 69-81 1,5 SS
Sinal de Kernig 7-18 93-98 2,5 SS
Sinal de
7-14 94-98 2,2 SS
Brudzinski

* SS: Sem significância


Fonte: Modificado de McGee, Steven R.18

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CASO CLÍNICO

História clínica

M. C. S, sexo feminino, 73 anos, procedente e residente em Santa Quitéria,


interior do Ceará, parda, casada, aposentada, católica, com escolaridade até
a quarta série do ensino fundamental, comparece ao consultório médico
acompanhada do sobrinho, relatando queixa de “caroços no pescoço”.
A paciente relata que há dois meses apresentou quadro de infecção de via
aérea superior, evoluindo no mês seguinte com linfadenomegalia cervical
bilateral (em seu prontuário, é descrito o maior, à direita, com tamanho de
aproximadamente 20mm, de consistência tensa, elástica e dolorosa ao to-
que) associada à febre vespertina não aferida, quando realizou tratamento
com amoxicilina e clavulanato por 7 dias, apresentando discreta melhora
clínica, porém sem remissão completa do quadro. A paciente abandonou a
consulta. Após algumas semanas, a paciente recorreu ao serviço de emer-
gência apresentando febre de 39°C, normalmente ocorrendo no final da
tarde, adenomegalia cervical à direita com presença de eritema e dor, odi-
nofagia, anorexia e perda ponderal de 4kg no último mês. Foi submetida à
USG cervical e excisão do gânglio linfático à direita por agravamento dos
sinais inflamatórios.
Medicações em uso: Losartana 50mg (1-0-1).
Antecedentes pessoais: Hipertensa crônica controlada há 12 anos.
Hábitos: Ex-tabagista (15 maços/ano) há 13 anos.
Antecedentes familiares: Mãe falecida aos 82 anos por infarto agudo do
miocárdio, com história prévia de hipertensão arterial sistêmica. Não co-
nheceu o pai.

Exame físico

Exame físico geral / Ectoscopia: Regular estado geral, hipocorada (1/4+),


hidratada, anictérica, acianótica, febril, sobrepeso, eupneica, consciente,
orientada.
Dados vitais: FC 95bpm, FR 19 irpm, Tax 38°C, PA 130x90 em decúbito e
sentada, no MSE.

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CASO CLÍNICO

Exame da cabeça e do pescoço: Crânio normocefálico, ausência de re-


trações, cicatrizes e abaulamento no couro cabeludo. Cavidade oral sem
alterações. Pescoço com mobilidade diminuída por dor, principalmente à
direita. Linfadenomegalia cervical bilateral em cadeia anterior, com maior
linfonodo palpável com tamanho de 1 polpa digital e meia, de consistência
tensa, elástica, não aderida aos planos profundos, doloroso à palpação, com
eritema ao redor da área linfonodal.
Exame neurológico: Ausência de achados relevantes.
Exame do tórax e aparelho respiratório: tórax atípico, eupneica, expansi-
bilidade e frêmito toracovocal normais, som claro pulmonar à percussão,
murmúrio vesicular presente e universal, sem ruídos adventícios.
Exame do sistema cardiovascular: precórdio normodinâmico, ausência de
turgência jugular patológica, ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas,
em dois tempos, sem sopros.
Exame abdominal (incluindo aparelho genital): Sem alterações relevantes.
Exame das extremidades e pulsos periféricos: Extremidades bem perfun-
didas, pulsos periféricos palpáveis, cheios e simétricos, sem alterações de
cianose. Melanodermia em membros superiores.
Exame das articulações e sistema osteomuscular: Sem alterações rele-
vantes.

Exames complementares

Relatório histopatológico: infiltrado inflamatório agudo, necrose e presença


de granulomas.
Exames laboratoriais: Hb 11,1 g/dL, Ht 34%, VCM 92 fl, leucócitos 13.400,
neutrófilos 73%, Proteína-C Reativa 15,9 mg/dL.
Radiografia de tórax: sem alterações.
USG cervical: múltiplas adenopatias nas cadeias ganglionares laterocervi-
cais bilaterais, sugestivas de lesões secundárias.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 163 25/01/2020 15:04:00


CASO CLÍNICO

Pontos de discussão

1. Qual é o sintoma-guia? E como investigá-lo?


2. Qual é o diagnóstico sindrômico?
3. Qual é o diagnóstico anatômico/topográfico?
4. Qual é a principal hipótese de diagnóstico etiológico?
5. Quais os achados do exame físico corroboram a hipótese?
6. Quais são os diagnósticos diferenciais?

Discussão do caso

O caso clínico em questão trata de uma paciente do sexo feminino, ido-


sa, com queixa de linfadenomegalias cervicais bilaterais, dolorosas, sinais
inflamatórios, com tratamento prévio para outras infecções, com melhora
parcial do quadro e abandono do tratamento e das consultas. O sintoma-
-guia para o caso é a linfadenomegalia importante, que se apresenta de
forma crônica, com sinais inflamatórios, apresentando características be-
nignas, mas que precisam ser investigadas para confirmação da principal
hipótese diagnóstica.
É importante salientar nesse caso a relação temporal da linfadenomegalia,
uma vez que os casos mais comuns, como reação às infecções, normalmen-
te desaparecem de forma precoce junto ao processo infeccioso. Quando
encontramos casos mais tardios, é preciso ficar de olho nos diagnósticos
diferenciais, levando em consideração as características encontradas na
anamnese e exame físico, como o tamanho, evolução do crescimento, dor
à palpação, mobilidade ou aderência aos planos profundos, consistência,
bem como os achados de exames complementares.10,11
O quadro clínico trata-se de tuberculose ganglionar (diagnóstico etio-
lógico), o segundo tipo mais comum de tuberculose extrapulmonar (TEP).
Essa doença compromete, principalmente, os gânglios das cadeias cervicais
(diagnóstico anatômico), mais comumente a anterior, com um leve predomí-
nio à direita, como no caso descrito. Esses sinais corroboram o diagnóstico,
podendo ser comprovado por histopatológico. Normalmente, as mulheres
são mais acometidas (2:1).11

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Manual_Semiologia_Medica.indb 164 25/01/2020 15:04:00


CASO CLÍNICO

Os gânglios apresentam crescimento lento e evoluem de forma insidiosa.


No início, se apresentam de forma indolor e móveis ao exame físico. Na
história natural da doença, tendem a aumentar seu volume e coalescer,
aderindo aos planos profundos. Sem o devido tratamento, a massa pode
evoluir com fístula, drenando material soroso ou purulento.12-14
O diagnóstico é confirmado por meio de histopatologia, com o granuloma
descrito como o principal achado. O material pode ser obtido por biópsia
ou por punção aspirativa da massa ganglionar. O diagnóstico diferencial
deve ser feito com as doenças linfoproliferativas, viroses, lues, fases iniciais
de aids, etc.1,15
O tratamento da TEP ganglionar é realizado com o mesmo esquema de
drogas utilizado na tuberculose pulmonar, normatizado no Brasil com qua-
tro drogas específicas (rifampicina, isoniazida, etambutol e pirazinamida),
com tempo de tratamento divergente na literatura, normalmente durante
6 meses nos casos mais simples.16,17

Sintoma-guia: Adenomegalia cervical.


Diagnóstico sindrômico: Síndrome linfadenopática. Síndrome febril.
Diagnóstico anatômico/topográfico: Comprometimento da cadeia linfática
cervical anterior.
Hipótese diagnóstica: Tuberculose ganglionar.
Diagnósticos diferenciais:
• Neoplasia primária
• Metástase
• Linfadenite cervical
• Linfonomegalia reativa
• Vasculites
• Toxoplasmose
• Sarcoidose
• Doença da arranhadura do gato
• Doença de Kikuchi-Fujimoto

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CASO CLÍNICO

Pontos importantes

1. Diante de uma síndrome linfadenopática, deve-se excluir causas neo-


plásicas, principalmente em paciente susceptíveis, com fatores de risco,
pela grande morbimortalidade desse tipo de doenças;
2. O diagnóstico de certeza é feito através de biópsia excisional do linfo-
nodo acometido;
3. Linfonodos inflamatórios, não aderidos a planos profundos, dolorosos,
de consistência fibroelástica, falam a favor de doenças infecciosas.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 166 25/01/2020 15:04:00


Exame da cabeça e do pescoço

REFERÊNCIAS

1. López M, Laurentz JM. Semiologia médica: as bases do diagnóstico clínico. 4. ed. Rio de
Janeiro: Revinter; 1999. 2v.

2. Benseñor IM. Semiologia Clínica. 1. ed. São Paulo: SARVIER; 2002.

3. BatesB, Bickley LS, Hoekelman RA. Bates B – A Guide to Physical Examination and History. 5.
ed. Philadelphia: Lippincott; 1995.

4. Browse N. Propedêutica Cirúrgica Básica. Rio de Janeiro-São Paulo: Atheneu; 1980.

5. Maciel LMZ. O exame físico da tireóide. Medicina, Ribeirão Preto. 2007: 40(1): 72-7.

6. Salles JMP, Duarte IG. Pescoço. In: Fonseca FP e Savassi Rocha PR. Cirurgia Ambulatorial. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan; 1979.

7. Salles JMP, Paixão RM, Oliveira EL, Soares JMA. Cirurgia Cabeça e Pescoço. In: Petroianu A.
Lições de Cirurgia. Rio de Janeiro: Interlivros; 1997.

8. Seidel HM, Ball JW, Dains JE, Benedict GW. Mosby’s Guide to Fhysical Examination. 3. ed. Saint
Louis: Mosby; 1995.

9. Porto CC. Semiologia Médica. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019.

10. Rizzon CFC, Ott WP. Tuberculose: epidemiologia, diagnóstico e tratamento em clínica e saúde
pública. Rio de Janeiro: Medsi Ed. Médica e Científica Ltda; 1993.

11. Veronesei R, Focaccia R. Tratado de infectologia. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atheneu;
2015.

12. de Melo FAF, Afiune JB. Quimioterapia da tuberculose: bases condutas e procedimentos. J
Pneumol. 1993: 19: 73-81.

13. Lester TW. Extrapulmonarytuberculosis. ClinChest Med.1980; 1(2): 219-25.

14. Moura CCG, Afiune JB, Fiuza de Melo FA et al. Aspectos clínicos-laboratoriais de pacientes
portadores de tuberculose ganglionar, sem HIV (+), acompanhados em um centro de refe-
rência. J Pneumol. 1994.

15. Picon PD, Azevedo SNB, Rizzon CFC, Silva LCC, Oliveira MEM, Pinto JAF. Tuberculose de gânglios
linfáticos. In: Picon PD, Rizzon CFC, Ott WP (ed.). Tuberculose:epidemiologia, diagnóstico e
clínica em clínica e saúde pública.Rio de Janeiro: Medsi Ed. Médica e Científica Ltda; 1993.

16. Thornton GF. Extrapulmonary tuberculosis, excluding the Central Nervous system. In: Ross-
man MD, MacGregor RR. Tuberculosis: clinical management and new challenges. NewYork:
McGraw-Hill, Inc.; 1995.

17. Weg JG. Clinical forms of mycobacterial diseases. In: Fishman AP (ed.). Pulmonary diseases
and disorders. 2. ed. New York: McGraw-Hill; 1988.

18. McGee, Steven R. Evidence-based physical diagnosis. 4. ed. Philadelphia: Elsevier; 2018.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 167 25/01/2020 15:04:00


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

EXAME PULMONAR: CAPÍTULO

INSPEÇÃO E PALPAÇÃO 9
Autora:
Priscila Garcia Câmara Cabral Tavares
Coautores:
Ricardo Hideo Togashi e
José Augusto Costa Oliveira

O que você irá ver neste capítulo:


✓ O exame pulmonar
✓ Inspeção
• inspeção estática
• inspeção dinâmica
✓ Palpação
• Expansibilidade
• Frêmito toracovocal
• Frêmito brônquico e frêmito pleural
✓ Medicina baseada em evidências
✓ Caso clínico
✓ Referências

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Manual_Semiologia_Medica.indb 193 25/01/2020 15:04:02


Capítulo 9

1. O EXAME PULMONAR

Para realizar o exame físico do aparelho respiratório, é necessário um


ambiente adequado, com boa iluminação e silencioso.
yy O paciente deve estar com o tórax despido, na posição sentada, prefe-
rencialmente. Caso o paciente esteja impossibilitado de realizar o exame
nessa posição, opta-se pelo decúbito dorsal, lembrando que menos
informações serão obtidas.
yy O exame compreende quatro etapas, na seguinte ordem: inspeção,
palpação, percussão e ausculta.

“O exame físico é em grande parte um exercício


comparativo: cada região deve ser comparada com
a região semelhante do hemitórax oposto”.

2. INSPEÇÃO

É dividida em duas etapas: Inspeção Estática e Inspeção Dinâmica.

a) Inspeção Estática

As alterações encontradas durante o exame físico devem ser descritas


com maior precisão anatômica, por isso é importante dividir o tórax em
linhas e regiões para melhor referência anatômica.¹

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Manual_Semiologia_Medica.indb 194 25/01/2020 15:04:02


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

Figura 1. Linhas e Regiões do Tórax Anterior.

Linhas e Regiões do Tórax Anterior:


a) 02 Linhas Verticais: Linha Paraesternal e Linha Hemiclavicular.
b) 02 Linhas Horizontais: Junção manúbrioesternal (3ª. articulação costocondral) e Iní-
cio do apêndice xifoide (6ª. articulação costocondral)
c) Regiões:
1) Região esternal
2) Região supraesternal
3) Região supraclavicular
4) Região infraclavicular
5) Região mamária
6) Região inframamária

Fonte: Autor.

195

Manual_Semiologia_Medica.indb 195 25/01/2020 15:04:02


Capítulo 9

Figura 2. Linhas e Regiões do Tórax Lateral.

Linhas e Regiões do Tórax Lateral:


a) 03 Linhas Verticais: Linha axilar anterior, média e posterior
b) 01 Linha Horizontal: Início do apêndice xifoide (6ª. articulação costocondral), conti-
nuação da linha anterior
c) Regiões:
7) Região axilar
8) Região infra-axilar

Fonte: Autor.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 196 25/01/2020 15:04:02


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

Figura 3. Linhas e Regiões do Tórax Posterior.

Linhas e Regiões do Tórax Posterior:


a) 02 Linhas Verticais: Linha vertebral e linha escapular
b) 02 Linhas Horizontais: Borda superior da escápula e borda inferior da escápula
c) Regiões:
9) Região supraescapular
10) Região escapular
11) Região interescapulovertebral
12) Região infraescapular

Fonte: Autor.

197

Manual_Semiologia_Medica.indb 197 25/01/2020 15:04:02


Capítulo 9

A inspeção estática compreende:

yy Avaliação da forma do tórax


yy Presença de cianose (pesquisá-la na pele, unhas, lábios e mucosa oral)
yy Circulação colateral (comprometimento de veia cava superior)
yy Hipocratismo digital (indicativo de um quadro de hipoxemia crônica)
yy Alterações da parede torácica (cicatrizes, tumores, retrações, processos
inflamatórios).

Forma do Tórax

O tórax sem alterações mantém uma relação entre os diâmetros antero-


posterior e lateral de 1:2. Mesmo em pessoas livres de qualquer patologia,
a forma do tórax pode variar em relação a sexo, idade e biótipo.² A seguir,
são apresentadas as formas anormais mais frequentes:

a) Normal
b) Em tonel (enfisema): diâmetro anteroposterior igual ao lateral
c) Tórax infundibuliforme (pectus exacavatum): depressão acentuada no
nível do terço inferior do externo
d) Tórax caroniforme (pectus carinatum): saliência no nível do esterno, em
forma de pompo ou quilha de navio
e) Escoliose: desvio lateral do segmento torácico da coluna vertebral
f ) Cifose: encurvamento posterior da coluna torácica
g) Gibosidade

198

Manual_Semiologia_Medica.indb 198 25/01/2020 15:04:02


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

Figura 4. Tórax em Tonel e Cifose.

Fonte: Autor.

Figura 5. Tórax cariniforme (pectus carinatum).

Fonte: Autor.

199

Manual_Semiologia_Medica.indb 199 25/01/2020 15:04:02


Capítulo 9

b) Inspeção Dinâmica

Avalia o padrão respiratório, observando a frequência respiratória, tipo


respiratório, ritmo respiratório e presença de tiragem.4

yy Frequência Respiratória: Dado semiológico de grande utilidade, auxi-


liando, por exemplo, na classificação gravidade da insuficiência respi-
ratória. O número de incursões respiratórias por minuto (irpm), mesmo
em uma pessoa saudável, é variável, porém em repouso oscila entre 16
e 20. A frequência respiratória é classificada em:1,2
• Apneia: parada dos movimentos respiratórios ou parada respiratória.
• Eupneia: frequência respiratória normal e sem dificuldade respiratória.
• Taquipneia: aumento da frequência respiratória. Pode ou não ser
acompanhada de dispneia (sensação de desconforto respiratório ou
conscientização dos movimentos respiratórios).
• Bradipneia: diminuição da frequência respiratória.

yy Tipo Respiratório: Durante a avaliação do tipo respiratório, observa-se


a movimentação do tórax e do abdome, com o objetivo de reconhecer
em que regiões os movimentos são mais amplos. Em pessoas sadias, na
posição ortostática ou sentada, predomina a respiração torácica (movi-
mentação predominantemente da caixa torácica), e no decúbito dorsal
predomina a diafragmática (movimentação da metade inferior do tórax
e andar superior do abdome). Pode ser de três tipos: torácica, abdominal
e toracoabdominal.1

yy Ritmo Respiratório: A duração da inspiração é quase igual à expiração,


sucedendo-se os dois movimentos com a mesma amplitude, interca-
lados por leve pausa. Quando uma dessas características se modifica,
surgem os ritmos respiratórios anormais:1,2,4

yy Ritmos respiratórios anormais:


A) Dispneia

200

Manual_Semiologia_Medica.indb 200 25/01/2020 15:04:02


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

B) Respiração de Cheyne-Stokes: Fase de apneia seguida de incursões


respiratórias cada vez mais profundas até atingir um máximo, para
depois vir decrescendo até apneia.
C) Respiração de Biot: Apneia seguida de movimentos inspiratórios e
expiratórios anárquicos quanto ao ritmo e à amplitude.
D) Respiração de Kussmaul: amplas e rápidas inspirações interrompidas
por curtos períodos de apneia, após as quais ocorrem expirações
ruidosas e profundas, que, por sua vez, são sucedidas por pequena
pausa de apneia.
E) Respiração Suspirosa: é aquela na qual, vez por outra, interrompendo
a sequência regular das incursões respiratórias, surge uma inspiração
mais profunda seguida de uma expiração mais demorada.

Figura 6. Ritmos respiratórios anormais: a) Dispneia b) Respiração de


Cheyne-Stokes c) Respiração de Biot d) Respiração de Kussmaul.

Fonte: PORTO, 20191

201

Manual_Semiologia_Medica.indb 201 25/01/2020 15:04:02


Capítulo 9

yy Tiragem: Em condições normais, durante a inspiração, os espaços inter-


costais deprimem-se rapidamente. É mais visível na face lateral do tórax
dos indivíduos longilíneos e resulta do aumento da pressão negativa, na
cavidade pleural, durante a fase inspiratória. Na obstrução brônquica,
o parênquima correspondente àquele brônquio entra em colapso, ou
seja, sofre atelectasia e a pressão negativa daquela área torna-se ainda
maior, provocando assim a retração dos espaços intercostais, caracteri-
zando a impossibilidade do pulmão em acompanhar o movimento da
caixa torácica. A tiragem pode ser difusa ou localizada (supraclavicular,
infraclavicular, intercostal ou epigástrica).1

yy Material Necessário:
• Para realização da inspeção não é necessário nenhum material.

yy Dificuldades:
• Ambiente inadequado, com péssima iluminação.
• Paciente restrito ao leito.

yy Parâmetros de Normalidade

Tabela 1. Frequência Respiratória – Parâmetros de Normalidade.

FAIXA ETÁRIA FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA

Recém-nascidos 40-45 irpm

Lactentes 20-35 irpm

Pré-escolares 20-35 irpm

Escolares 18-35 irpm

Adultos 16-20 irpm

Fonte: Porto, 2019 1

202

Manual_Semiologia_Medica.indb 202 25/01/2020 15:04:02


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

yy Exemplo de Descrição Normal dos Dados Obtidos após Procedimento


Semiotécnico

Tórax atípico, sem abaulamentos, retrações, cicatrizes ou lesões derma-


tológicas, frequência respiratória 16 A 20 irpm, ritmicidade e amplitude
dentro da normalidade, expansibilidade preservada, tipo de respiração
torácica, sem uso de musculatura acessória, som claro pulmonar, murmúrio
vesicular e sons laringotraqueais (regiões do pescoço e fúrcula esternal) e
respiração brônquica nas zonas torácicas de projeção de grossos calibres.

3. PALPAÇÃO

Através da palpação, deve-se avaliar:

yy Parte Moles:
• Contraturas musculares
• Edema a nível de tórax anterior, lateral e posterior
• Enfisema subcutâneo

yy Temperatura
yy Pontos dolorosos
yy Presença de gânglios:
• Supraclaviculares
• Axilares

Manobras realizadas na palpação:

I) Expansibilidade

Os movimentos ventilatórios podem ser analisados através da simples


inspeção, mas com a palpação é possível identificar pequenas variações
da expansibilidade, sendo este um sinal precoce de anormalidade na caixa
torácica, pleura e pulmão adjacente.1,2,4

203

Manual_Semiologia_Medica.indb 203 25/01/2020 15:04:02


Capítulo 9

a) Expansibilidade dos Ápices Pulmonares (Lobos Superiores)

Figura 7. Expansibilidade dos Ápices Pulmonares (Lobos Superiores): região anterior.

Fonte: Autor.

Figura 8. Expansibilidade dos Ápices Pulmonares


(Lobos Superiores): região posterior.

Fonte: Autor.

204

Manual_Semiologia_Medica.indb 204 25/01/2020 15:04:03


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

yy Técnica:
• Paciente sentado, de frente para o examinador, com os braços penden-
tes. O médico deve colocar as mãos cobrindo a região supraclavicular
de cada lado, de modo que as pontas dos dedos venham apoiar-se no
músculo trapézio. Os dois polegares devem se juntar ao nível da linha
medioesternal na região infraclavicular. Para juntar os dois polegares,
faz-se uma pequena prega cutânea. O paciente passa então a respirar
profundamente e o médico observa o afastamento dos dois polegares.
Normalmente, o afastamento deve ser igual de um lado e do outro.
• Paciente sentado, de costas para o examinador, com os braços pen-
dentes. Colocam-se as mãos na base do pescoço do paciente de modo
que os polegares estejam em posição simétrica em relação à apófise
espinhal da vértebra, e os dedos repousam sobre as fossas supracla-
viculares. Solicitam-se inspirações e expirações profundas que provo-
cam um deslocamento das mãos, o qual deve ser idêntico em ambos
os hemitórax.

b) Expansibilidade do Lobo Médio e Língula

Figura 9. Expansibilidade do Lóbulo Médio e Língula.

Fonte: Autor.

205

Manual_Semiologia_Medica.indb 205 25/01/2020 15:04:03


Capítulo 9

yy Técnica:
Paciente sentado, de frente para o examinador, com os braços penden-
tes. As mãos devem alcançar até o côncavo axilar de cada lado, ao nível da
prega axilar posterior. Os dois polegares devem se juntar ao nível da linha
medioesternal através de uma prega cutânea.

c) Expansibilidade das Bases Pulmonares (Lobos Inferiores)

Figura 10. Expansibilidade das Bases Pulmonares (Lobos Inferiores).

Fonte: Autor.

yy Técnica:
É pesquisada tanto na parte anterior como na posterior do tórax. Na parte
posterior, o paciente deve permanecer sentado, de costas para o examina-
dor. Coloca-se a ponta dos polegares nas linhas paravertebrais, à altura do
12º arco costal, envolvendo com os outros dedos a face posterior da base
do tórax, com a mão espalmada e os dedos entreabertos. A solicitação de
realizar inspirações e expirações profundas provoca um afastamento simétri-
co das mãos, representando a expansibilidade dos segmentos pulmonares
posteriores. Na parte anterior, colocam-se os polegares na base do apêndice
xifoide e os outros dedos sobre os hipocôndrios. Ao realizar movimentos
das mãos, representa a expansibilidade dos segmentos pulmonares basais.

206

Manual_Semiologia_Medica.indb 206 25/01/2020 15:04:03


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

II) Frêmito Toracovocal

O frêmito toracovocal (FTV) corresponde às vibrações das cordas vocais


transmitidas à parede torácica. Estas vibrações são mais perceptíveis nos
indivíduos cuja tonalidade da voz é grave.1,2,4

Figura 11. A e B: Pesquisa do Frêmito Toracovocal.

Fonte: Autor.

207

Manual_Semiologia_Medica.indb 207 25/01/2020 15:04:03


Capítulo 9

yy Técnica:

A palpação é feita com a superfície palmar dos dedos das mãos. O pa-
ciente é solicitado a repetir em voz alta o número 33. Deve-se comparar a
intensidade das vibrações em regiões homólogas.

III) Frêmito Brônquico e Frêmito Pleural

O frêmito brônquico é a sensação palpatória de secreções acumuladas


nos brônquios de médio e grande calibre.
O frêmito pleural é a sensação tátil do ruído de atrito provocado pelas
duas superfícies rugosas dos folhetos pleurais e que muitas vezes precede
os derrames.

yy Material Necessário:
• Para realização da palpação, não é necessário nenhum material.

yy Dificuldades:
• Ambiente inadequado, com péssima iluminação.
• Paciente restrito ao leito.

yy Parâmetros de Normalidade

yy Expansibilidade Pulmonar: movimento simétrico das mãos em ambos


os hemitórax. Considerado anormal quando há diminuição da expan-
sibilidade torácica, podendo ser unilateral ou bilateral, localizada ou
difusa, patológica ou fisiológica.

yy Frêmito Toracovocal: normalmente é mais acentuado à direita e nas


bases pulmonares. O FTV está aumentado quando existe consolidação
do parênquima pulmonar (exemplo: pneumonia). O FTV está diminuído
nos derrames pleurais ou pneumotórax.

yy Exemplo de Descrição Normal dos Dados Obtidos após Procedimento


Semiotécnico

Tórax atípico, sem abaulamentos, retrações, cicatrizes ou lesões dermato-


lógicas, frequência respiratória 16 a 20 irpm, ritmicidade e amplitude dentro

208

Manual_Semiologia_Medica.indb 208 25/01/2020 15:04:03


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

da normalidade, expansibilidade preservada, tipo de respiração torácica, sem


uso de musculatura acessória, som claro pulmonar, murmúrio vesicular e sons
laringotraqueais (regiões do pescoço e fúrcula esternal), respiração brônquica
nas zonas torácicas correspondentes a brônquios de grossos calibres.

4. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS – MBE

Quadro 1. Principais variáveis de um teste diagnóstico.


REVISÃO RÁPIDA MBE
Se meu paciente tem uma doença, qual probabilidade de um teste
Sensibilidade
diagnóstico ser positivo?
Se meu paciente não tem uma doença, qual probabilidade de um
Especificidade
teste diagnóstico ser negativo?
Quantas vezes é mais provável encontrar um resultado, seja ele po-
sitivo ou negativo, em pessoas doentes em relação a pessoas sadias?
Razão de • Quanto maior a RV positiva = mais o resultado positivo aumenta
verossimilhança a probabilidade de doença.
• Quanto menor a RV negativa = mais o resultado negativo diminui
a probabilidade de doença.
Fonte: Autor.

A realização da primeira etapa semiológica do exame físico pulmonar é


fundamental para detectar anormalidades deste sistema que precisam ser
corrigidas imediatamente. Um ponto importante da inspeção é a mensuração
da frequência respiratória, que é considerada um dos quatro sinais vitais tradi-
cionais e deve ser observada por pelo menos 60 segundos, além de presenciar
padrões respiratórios incomuns, como a respiração de Cheyne-Stokes.1,5
A taquipneia é um valioso sinal diagnóstico e prognóstico em várias
condições. Como sinal de diagnóstico, a taquipneia aumenta as chances do
diagnóstico de pneumonia em pacientes ambulatoriais com tosse e febre. Já
em pacientes com estado mental alterado, a bradipneia (≤12 ciclos/minuto)
aumenta a probabilidade de intoxicação por opiáceos.5,6
O reconhecimento dos ritmos anormais respiratórios ajuda a avaliar o
prognóstico das diversas patologias. Como exemplo, em pacientes hos-
pitalizados, a respiração Cheyne-Stokes é um sinal preciso da disfunção
ventricular esquerda, especialmente em pacientes com idade ≤ 80 anos.5,7
A respiração de Kussmaul em criança com malária grave é um sinal de mau
prognóstico e prediz que há acidose metabólica respiratória.

209

Manual_Semiologia_Medica.indb 209 25/01/2020 15:04:03


Capítulo 9

Em pacientes com obstrução crônica ao fluxo aéreo, a respiração assín­


crona se correlaciona com menores volumes expiratórios forçados. Quando
esses pacientes desenvolvem sintomas respiratórios agudos, a presença
do padrão assíncrono também prediz um pior prognóstico, com maior
possibilidade de evoluir ao óbito ou necessidade de ventilação mecânica.5
A inspeção do tórax, inclusive as formas de tórax, é capaz de predizer
diversas condições clínicas. Diante de um tórax em barril, deve-se pensar em
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Além disso, deve-se ficar atento
quanto ao uso de musculatura acessória, que pode indicar DPOC, esclerose
lateral amiotrófica e tromboembolismo pulmonar. Outro ponto importante é
avaliar a expansão torácica; quando assimétrica, aumenta a probabilidade de
doença ipsilateral ao lado menos móvel, porém sua sensibilidade é baixa.1,9-11
A segunda etapa do exame, que é a palpação do tórax, tem limitação
porque a caixa torácica oculta muitas anormalidades subjacentes dos pul-
mões. As principais indicações são avaliar a presença de (1) sensibilidade
ou massas na parede torácica, (2) atrito pleural/fricções, (3) frêmito brônqui-
co, (4) excursão respiratória anormal e (5) frêmito tátil assimétrico. Diante
das seguintes alterações, devemos pensar primeiramente em algumas
afecções: a) o achado de expansão da parede torácica assimétrica eleva a
probabilidade de pneumonia unilateral em pacientes com tosse e febre;
b) a diminuição do frêmito tátil e a macicez à percussão no exame de um
paciente aumentam a probabilidade de derrame pleural subjacente.
A seguir, encontram-se as principais evidências relacionadas às principais
alterações encontradas nas duas primeiras partes do exame físico pulmonar.

Tabela 2. Achados na Inspeção e Palpação como Preditor de Afecções Diversas.

INSPEÇÃO E PALPAÇÃO
Razão de
Sensibili- Especifi- verossimilhança
Achado dade cidade
(%) (%) Achado Achado
presente ausente
Taquipneia (FR> 28/min) – Detecção de
pneumonia em pacientes com tosse e 7-36 80-99 2.7 0.9
febre.
Taquipneia (FR >30/min) – Preditor de
mortalidade hospitalar em pacientes com 41-85 63-87 2.1 0.6
pneumonia.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 210 25/01/2020 15:04:03


EXAME PULMONAR: INSPEÇÃO E PALPAÇÃO

INSPEÇÃO E PALPAÇÃO
Razão de
Sensibili- Especifi- verossimilhança
Achado dade cidade
(%) (%) Achado Achado
presente ausente
Bradipneia (FR <12/MIN) – Preditor de in-
toxicação por opiáceos em pacientes com 80 95 15.5 0.2
alteração do estado mental.
Cheyne-Stokes – em paciente hospitaliza-
33 94 5.4 0.7
do: sinal de disfunção VE – Todas as idades.
Cheyne-Stokes – em paciente hospitali-
32 96 8.1 0.7
zado: sinal de disfunção VE – < 80 anos.
Cheyne-Stokes – em paciente hospitali-
42 84 2.7 NS
zado: sinal de disfunção VE – 95> 80 anos.
Kussmaul em criança com malária grave
91 81 4.8 0.1
– preditor de acidose metabólica severa.
Respiração assíncrona em pacientes com
obstrução crônica – prediz morte ou uso 64 80 3.2 NS
de ventilação mecânica.
Movimentos abdominais paradoxais –
95 70 3.2 NS
sinal de fraqueza bilateral do diafragma.
Tórax em barril na detecção de DPOC. 65 58 1.5 0.6
Uso da musculatura acessória para de-
39 88 3.3 0.7
tectar DPOC.
Uso da musculatura acessória para detec-
81 83 NS 0.2
tar esclerose lateral amiotrófica.
Uso da musculatura acessória para detec-
17 89 NS NS
tar embolia pulmonar.
Assimetria do tórax em paciente com tos-
5 100 44.1 NS
se para detectar pneumonia.
Assimetria do tórax em paciente com
queixas respiratórias para detectar der- 74 91 8.1 0.3
rame pleural.
Diminuição do frêmito toracovocal na
82 86 5.7 0.2
detecção do derrame pleural.

Fonte: Adaptado de McGee5, Hoffman6, McGee7, English8, Mattos9, Lechtzin10 e Kalantri12.

211

Manual_Semiologia_Medica.indb 211 25/01/2020 15:04:03


CASO CLÍNICO

História clínica

I.R.R.S, 65 anos, sexo feminino, natural e procedente de Viçosa do Ceará, agri-


cultora, analfabeta, viúva. Comparece à consulta com queixa de “cansaço”.
Paciente refere que há mais de 10 anos iniciou quadro de dispneia aos
grandes esforços associada a tosse com expectoração hialina, diária/mati-
nal, não associada a outros sintomas. Em dois anos, a dispneia progrediu
para os pequenos esforços, o que a impede de exercer suas atividades
laborais. Há uma semana, piora da dispneia, agora em repouso, com tosse
de expectoração esverdeada em grande quantidade e febre não aferida.
Informa ainda episódio semelhante no mês anterior, com melhora após o
uso de antibiótico que não soube informar o nome.
Medicações em uso: metformina 1500 mg/dia; losartana 100 mg/dia; hi-
droclorotiazida 25 mg/dia.
Antecedentes pessoais: hipertensa e diabética há mais de 20 anos; G5P5,
partos vaginais. Nega cirurgias prévias e alergias.
Hábitos: ex-tabagista (carga tabágica: 30 maços/ano, fazia uso de cigarro
artesanal) e parou há dois anos. Nega etilismo.
Antecedentes familiares: mãe falecida aos 60 anos devido a infarto agudo.
Pai falecido aos 88 anos – não sabe a causa, acha que em decorrência da
idade. 5 irmãos vivos com hipertensão e diabetes.
História Psicossocial: vive com uma filha numa casa de alvenaria de 4 cô-
modos com saneamento básico. Quando jovem, vivia em casa de taipa e
cozinhava com fogão a lenha. Relata convívio familiar harmonioso. Tem
uma renda familiar de cerca de um salário mínimo.
Interrogatório Sintomatológico: Geral: febre. Aparelho respiratório: tosse,
dispneia progressiva, expectoração. Demais aparelhos sem queixas dignas
de nota.

Exame físico

Exame físico geral/Ectoscopia: Estado geral regular, normocorada, hidrata-


da, acianótica, anictérica e afebril, obesa, dispneica, consciente, orientado.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 212 25/01/2020 15:04:03


CASO CLÍNICO

Dados vitais: FC 90 bpm, FR 26 irpm, Tax 37,5°C, PA 150 x 90 mmHg, em


decúbito e sentado, no membro superior direito.
Exame da cabeça e do pescoço: ausência de achados relevantes.
Exame neurológico: ausência de achados relevantes.
Exame do tórax e aparelho respiratório:
yy Inspeção: tórax típico em barril.
yy Palpação: expansibilidade reduzida bilateralmente em ápices e bases
e frêmito toracovocal diminuído globalmente.
yy Percussão: hipersonoro à percussão.
yy Ausculta: murmúrio vesicular presente e reduzido universalmente e
com crepitações grossas bulhas em base direita.
Exame do sistema cardiovascular: precórdio normodinâmico, ausência de
turgência jugular patológica, ritmo cardíaco regular, bulhas hipofonéticas,
em dois tempos, sem sopros.
Exame abdominal (incluindo aparelhos genitais): abdome globoso por
adiposidade, sem abaulamentos, retrações ou cicatrizes, RHA presentes,
flácido e indolor, ausência de massas ou visceromegalias palpáveis, espaço
de Traube livre.
Exame das extremidades e pulsos periféricos: extremidades bem perfundi-
das, pulsos periféricos palpáveis, cheios e simétricos, sem cianose periférica
e presença de baqueteamento digital.
Exame das articulações e sistema osteomuscular: ausência de achados
relevantes.

Exames complementares

Exames laboratoriais: Hb 16 g/dL, Ht 50%, VCM 85 fl, leucócitos 17.800,


plaquetas 150.000, creatinina 0,9 mg/dL, ureia 26 mg/dL, sódio 140 mg/
dL, potássio 3,5 mg/dL, TGO 20 TGP 16 glicose 130 mg/dL
Radiografia de tórax: sinais de hiperinsuflação pulmonar, com consolidação
em base direita.

213

Manual_Semiologia_Medica.indb 213 25/01/2020 15:04:03


CASO CLÍNICO

Gasometria arterial: pH =7,20; PaCO2 = 74; PaO2: 90%; HCO3 = 26,


SatO2 = 84%
Espirometria: VEF1 (volume expiratório forçado no primeiro segundo)/CVF
(capacidade vital forçada) < 70%
yy Valor Pré-Broncodilatador (VEF1 51,21, e do CVF 78,63)
yy Valor Pós-Broncodilatador (VEF1 55,21, e do CVF 82,99)
Valores de referência: HB 13,5-18 g/dL; Ht 40-54%; VCM 82-98Fl; Leu-
cócitos 4.000-10.000/mm3, plaquetas 150.000-450.000/mm3; creatinina
0,7-1,3mg/dL; ureia 17-41mg/dL; sódio 135-145 mg/Dl; potássio 3,5-5
mg/dL; TGO até 40U/L;TGP até 41 U/L; glicose 60-99 mg/dL

Pontos de discussão

1. Qual é o sintoma-guia? E como investigá-lo?


2. Qual é o diagnóstico sindrômico?
3. Qual é o diagnóstico anatômico/topográfico?
4. Qual é a principal hipótese de diagnóstico etiológico?
5. Quais são os diagnósticos diferenciais?
6. Quais são os achados do exame físico que corroboram a hipótese?
7. Os dados do exame clínico são suficientes para confirmar ou excluir o
diagnóstico levantado?

Discussão do caso

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), importante causa de


morbimortalidade, é definida como uma doença respiratória prevenível e
tratável, caracterizada pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo,
que não é totalmente reversível. Esta obstrução é geralmente progressiva
e associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação
de partículas ou gases tóxicos, e o principal envolvido é o tabagismo.13,14
A limitação crônica do fluxo aéreo característica da DPOC é causada por
uma mistura de doença das pequenas vias aéreas (bronquite) e destruição

214

Manual_Semiologia_Medica.indb 214 25/01/2020 15:04:03


CASO CLÍNICO

do parênquima (enfisema). As contribuições relativas (predomínio do padrão


bronquítico ou enfisematoso) variam de pessoa para pessoa. A inflamação
crônica provoca alterações estruturais e estreitamento das pequenas vias
aéreas (remodelamento brônquico). A destruição do parênquima pulmonar,
também por processos inflamatórios, leva à perda de ligações alveolares às
pequenas vias aéreas e diminui o recolhimento elástico pulmonar; por sua
vez, essas alterações diminuem a capacidade das vias aéreas de permanece-
rem abertas durante a expiração (diagnóstico anatômico e topográfico).15,16
No caso em questão, estamos diante de um paciente com dispneia pro-
gressiva, sendo esta a queixa principal e definida como nosso sintoma-guia,
e o enquadramos em uma síndrome dispneica. Na avaliação da dispneia,
temos que caracterizar o início dos sintomas, duração, intensidade (grandes,
médios e pequenos esforços), associações com outros sinais e sintomas,
fatores de melhora e piora. Além disso, nossa paciente apresenta tosse
crônica associada ao quadro de dispneia.
Um diagnóstico clínico de DPOC deve ser considerado em qualquer
paciente que tenha dispneia, tosse crônica ou expectoração e uma história
de exposição a fatores de risco para a doença15 (ex-tabagista com carga ta-
bágica de 30 maços/ano). A dispneia é o sintoma inicial, sendo, na maioria
dos casos, progressiva, persistente e com piora aos esforços.16
No início da doença, o exame físico não ajudará no diagnóstico, mas nos
graus mais avançados do DPOC podemos observar tórax hiperinsuflado
(aumento do diâmetro anteroposterior: tórax em barril), tempo expirató-
rio prolongado, respiração com lábios semicerrados, uso de musculatura
acessória cervical e cintura escapular, diminuição dos sons respiratórios,
sibilos e, raramente, estertores crepitantes.14 Ficar atento a manchas ama-
relas nos dedos devido à nicotina e alcatrão da queima do tabaco, pois são
uma pista para o tabagismo contínuo e pesado. O baqueteamento digital
não é comum, mesmo com hipoxemia associada, e sugere comorbidades
como câncer de pulmão, doença pulmonar intersticial ou bronquiectasia.16
Diante de um quadro clínico sugestivo, a espirometria é fundamental
para ajudar no diagnóstico, demonstrando limitação do fluxo aéreo, ou seja,
VEF1 / CVF menor que 0,7 ou menor do que o limite inferior do normal, e
um VEF1 menor que 80% do previsto (pós broncodilatador) e geralmente
irreversível após a administração de um broncodilatador inalatório.13

215

Manual_Semiologia_Medica.indb 215 25/01/2020 15:04:04


CASO CLÍNICO

Atenção maior deve ser dada ao caso, quando foi dito que na última se-
mana houve piora da dispneia e tosse com expectoração. Isto é característico
da exacerbação aguda DPOC. Definida como piora aguda dos sintomas da
doença, caracteriza-se por 3 sintomas cardinais: piora da dispneia, aumen-
to de expectoração ou alteração da característica do escarro (purulento),
e piora da frequência e gravidade da tosse.17 Em relação ao diagnóstico
etiológico, cerca de 70% das exacerbações são de origem virais ou bacte-
rianas, e o restante é decorrente da poluição ambiental, embolia pulmonar
ou etiologia desconhecida.18
Não devemos nos esquecer dos diagnósticos diferenciais. A asma brôn-
quica é a doença com maior similaridade, porém difere em muitos aspectos,
desde a epidemiologia até o processo inflamatório e, principalmente, pela
resposta ao tratamento com corticoide inalatório. A bronquiolite é mais
comum em não tabagista, dispneia de progressão mais acelerada. Nas
bronquiectasias, os pacientes podem apresentar tosse, dispneia, secreção
abundante e cursar nas fases avançadas com hipoxemia e cor pulmonale.
Já a tuberculose, devido a sua alta prevalência no Brasil, sempre deve ser
pensada, e a pesquisa de BAAR no escarro e a radiografia de tórax confirmam
o diagnóstico. Na insuficiência cardíaca congestiva, encontramos estertores
finos em bases e aumento da área cardíaca no radiograma de tórax.13,16
Em resumo, estamos diante de uma paciente idosa, ex-tabagista, em fran-
ca exacerbação da DPOC, provavelmente em decorrência de uma pneumo-
nia, com saturação baixa de oxigênio, acidose respiratória. Devemos realizar
a monitorização cardiorrespiratória e iniciar os primeiros cuidados. A admi-
nistração de oxigênio suplementar visa atingir uma saturação de oxigênio
88 a 92% ou pressão arterial de oxigênio de 60 a 65 mmHg, geralmente com
uso de cateter nasal em baixo fluxo, mas ventilação mecânica não invasiva
pode ser utilizada, desde que o paciente não esteja com rebaixamento do
sensório nem apresentando vômitos. Na exacerbação, podem ser utilizados
agentes agonistas beta-adrenérgicos inalatório e anticolinérgicos, visando
melhorar o fluxo de ar. A terapia com glicocorticoides sistêmicos parece
ter um pequeno efeito benéfico, mas as diretrizes atuais sugerem o uso de
uma dose equivalente a 40 mg de prednisona por dia durante cinco dias.
A antibioticoterapia é recomendada apenas para os pacientes com maior
probabilidade de ter infecção bacteriana ou com exacerbação moderada
a grave (2 ou mais sintomas cardinais).

216

Manual_Semiologia_Medica.indb 216 25/01/2020 15:04:04


CASO CLÍNICO

Sintoma-guia: Dispneia
Diagnóstico sindrômico: Síndrome Dispneica
Diagnóstico anatômico/topográfico: Pulmão/Pequenas vias aéreas e pa-
rênquima pulmonar
Diagnósticos diferenciais:
yy Asma
yy Bronquiolite
yy Tuberculose
yy Insuficiência Cardíaca Congestiva
Hipótese diagnóstica: Exacerbação da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

Pontos importantes

1. A inspeção do tórax é dividida em duas etapas: inspeção estática e ins-


peção dinâmica;
2. Na inspeção dinâmica, deve-se avaliar a frequência respiratória, o tipo
respiratório, o ritmo respiratório e presença de tiragem;
3. Durante a palpação do tórax, avaliam-se as partes moles, temperatura,
pontos dolorosos e linfonodos, a expansibilidade torácica e o frêmito
toracovocal.

217

Manual_Semiologia_Medica.indb 217 25/01/2020 15:04:04


Capítulo 9

REFERÊNCIAS

1. Porto CC. Semiologia Médica. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019.
2. Lopez M, Laurentys-Medeiros J. Semiologia Médica: as bases do diagnóstico clínico. 5. ed. Rio
de Janeiro: Thieme Revinter; 2004.
3. Porto CC, Porto AL. Exame Clínico. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017.
4. Benseñor IM. Semiologia Clínica. São Paulo: Salvier; 2012.
5. McGee SR. Evidence-based physical diagnosis. 4th ed. Philadelphia, PA: Elsevier; 2018.
6. Hoffman JR, Schriger DL, Luo JS. The empiric use of naloxone in patients with altered mental
status: a reappraisal. Ann Emerg Med. 1991; 20: 246-52.
7. McGee SR. Cheyne-Stokes breathing and reduced ejection fraction. Am J Med. 2013; 126:
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nosis-and-staging/print.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 218 25/01/2020 15:04:04


EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

EXAME CARDIOVASCULAR
CAPÍTULO

– AUSCULTA 12
Autor:
José Augusto Costa Oliveira
Coautores:
Vicente Lopes Monte Neto,
Leandro Cordeiro Portela e
Raul Alexandre Vasconcelos

O que você irá ver neste capítulo:


✓ Mapa mental dos sinais e sintomas
✓ Propedêutica da ausculta cardíaca
• Características técnicas para uma boa ausculta
• Focos de ausculta
• Bulhas cardíacas
• Sopros
• Atrito pericárdico
✓ Medicina baseada em evidências
✓ Caso clínico
✓ Referências

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258
1. MAPA MENTAL DOS SINAIS E SINTOMAS

ECG
- Alterações inespecíficas
RAIO X DE TÓRAX - Dependente da doença

Manual_Semiologia_Medica.indb 258
- Cardiomegalia subjacente - Dieta hipossódica + repouso
- Coração em bota (VD) - Sinais de sobrecarga de VE, - IECAs
- Linhas B de Kerley VD ou átrios - Diuréticos
- Inversão do padrão vascular - Antagonista da aldosterona
- Betabloqueadores
MAPA MENTAL 

- Hidralazina + nitrato IC ESQUERDA


- Antagonista dos receptores da - Maioria dos casos
angiotensina II - Insuficiência ventricular esquerda
- Critérios de - Congestão pulmonar
Framingham: - Causas: IAM, cardiopatia hipertensiva,
2 Major ou 1 valvopatias.
Major + 2
- Pulso alternans minor DIAGNÓSTICO
- Turgência jugular patológica TRATAMENTO
- B1 hipofonética
IC MISTA
- B2 hiperfonética TIPOS QUANTO AO - Disfunção esquerda e
- Presença de B3 LADO AFETADO
EXAME FÍSICO direita
- Sopro sistólico em foco mitral
- Congestão pulmonar e
sistêmica
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

SÍNDROME CONGESTIVA
SISTÊMICA IC DIREITA
- Edema de MMII SINAIS E
- Insuficiência ventricular direita
- Aumento do volume SINTOMAS OUTRAS - Congestão sistêmica
abdominal CLASSIFICAÇÕES - Causas: DPOC, cor pulmonale,
- Dispneia por derrame miocardiopatias, infarto de VD
pleural
- Hepatomegalia
congestiva
SÍNDROME CONGESTIVA
PULMONAR QUANTO AO MECANISMO
- Dispneia aos esforços - IC Sistólica X IC Diastólica
- Ortopneia
- Dispneia paroxística QUANTO AO DÉBITO CARDÍACO
noturna - IC de baixo débito X IC de alto débito
- Tosse seca
- Asma cardíaca

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EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

2. PROPEDÊUTICA DA AUSCULTA CARDÍACA

2.1. Características técnicas para uma boa ausculta

yy Ambiente: deve ser calmo e silencioso, pois os ruídos cardíacos são


de baixa frequência se comparados aos do meio ambiente. Devemos
sempre considerar a privacidade do paciente, que se encontrará neces-
sariamente com o tórax descoberto. Logo, o ideal é realizar o exame em
ambiente livre de transeuntes.

yy Posição do paciente e do examinador: ambos devem ficar em posições


confortáveis. O paciente deve ser auscultado nas posições: deitada, sen-
tada e em decúbito lateral esquerdo, assim como em outras posições,
a critério do examinador, a fim de que se obtenha a melhor ausculta
possível. Contudo, a posição habitual é a de decúbito dorsal, com o tórax
desnudo. O médico deve estar à direita do paciente para examiná-lo,
assim como nos diversos outros sistemas. Caso o examinador deseje
auscultar com mais fidedignidade os ruídos dos vasos basais, o paciente
deve ficar na posição sentada, com o tórax levemente inclinado para
frente. No entanto, se a área que se deseja avaliar for a mitral, a melhor
posição é a de decúbito lateral esquerdo inclinado, com a mão esquerda
sobre a cabeça para não cobrir a região que será avaliada. Nessa posição,
a área mitral se aproxima ainda mais do tórax, tanto que é justamente
nessa posição que melhor se percebem os fenômenos auscultatórios
do famoso ruflar diastólico da estenose mitral.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 259 25/01/2020 15:04:06


Capítulo 12

Figura 1. Ausculta cardíaca em decúbito dorsal.

Fonte: Autor.

yy Escolha correta do receptor auscultatório: o receptor de diafragma é


melhor para auscultar os ruídos de alta frequência, enquanto a campâ-
nula, os de baixa frequência (ex.: terceira e quarta bulhas, ruflar diastólico
da estenose mitral).

yy Aplicação correta do receptor: a pressão sobre o tórax deve ser leve


o bastante apenas para não deixar nenhuma área sem contato íntimo
com a pele, impedindo, assim, que os sons do ambiente sejam captados.
Um erro comum até entre os mais experientes é auscultar o coração do
paciente sem solicitar ao paciente que deixe o tórax descoberto, colo-
cando o receptor do estetoscópio sobre a roupa e, consequentemente,
aplicando-se uma força maior do que a necessária. Por isso, é importante
lembrar que se a compressão da campânula for intensa, ela funcionará
como um diafragma.

yy Relação dos batimentos cardíacos com a respiração: um exemplo clás-


sico dessa relação é observado na maioria dos sopros originados no
coração direito. O motivo para esse fenômeno é o maior retorno venoso
de sangue para as câmaras direitas durante a inspiração.

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EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

2.2. Focos de Ausculta

Quadro 1. Focos de Ausculta Cardíaca.

FOCOS DE AUSCULTA CARDIACA


Está localizado entre o 4º-5º espaço intercostal (EIC), na linha he-
FOCO MITRAL
miclavicular esquerda, justamente na ponta do coração.
Encontra-se na base do apêndice xifoide, levemente voltado pa-
FOCO TRICÚSPIDE
ra a esquerda.
Dentre os focos clássicos, é o único auscultado à direita, localizan-
FOCO AÓRTICO
do-se no 2º espaço intercostal direito, junto ao esterno.
FOCO AÓRTICO Funciona quase como um espelho do foco aórtico, porém se loca-
ACESSÓRIO liza no 3º espaço intercostal esquerdo, também junto ao esterno.
FOCO PULMONAR Localiza-se no 2º espaço intercostal esquerdo, junto ao esterno.

Fonte: Mário Lopez1.

Figura 2. Focos cardíacos clássicos.

Fonte: Autor.

Existem vários outros focos, como os encontrados nas bordas ester-


nais direita e esquerda, regiões laterais do pescoço, endoápex ou me-
socárdio, regiões infra e supraclaviculares direita e esquerda, regiões

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Manual_Semiologia_Medica.indb 261 25/01/2020 15:04:06


Capítulo 12

interescapulovertebrais e tantas outras. Todavia, vale lembrar que essa


classificação guarda mais relação didática que prática, pois na realidade
toda região precordial deve ser auscultada, e não apenas os focos.

2.3. Bulhas Cardíacas

2.3.1. Características das bulhas cardíacas

Primeira bulha (B1)

O fenômeno que causa essa bulha acontece devido às vibrações das


estruturas cardiovasculares transmitidas como ondas sonoras produzias
pelo fechamento quase concomitante das duas valvas atrioventriculares
(mitral e tricúspide) – a mitral primeiro e, logo após, a tricúspide. Esse som
coincide com o ictus cordis e com o pulso central carotídeo, ou seja, um
marcador diferenciador entre as duas bulhas. Seu timbre é mais grave e
sua duração, maior, se comparado à segunda bulha cardíaca. É conhecida
pela onomatopeia TUM, que é mais audível no foco mitral. Em até metade
da população os dois componentes são ouvidos separadamente, o que
recebe o nome de desdobramento de B1, sem que haja nenhuma patologia.

Segunda bulha (B2)

O fenômeno que causa o ruído dessa bulha acontece devido às vibra-


ções das estruturas cardiovasculares transmitidas como ondas sonoras
produzias pelo fechamento quase concomitante das valvas sigmoides
(primeiramente a aórtica e logo após a pulmonar). O som proveniente do
fechamento aórtico se ausculta por quase todo o precórdio, diferentemente
daquele proveniente do fechamento pulmonar, limitando-se ao foco pul-
monar. Durante a expiração, ambas as valvas se fecham muito próximas
uma da outra, porém, durante a inspiração, devido ao fato de a pressão
intratorácica diminuir demasiadamente, gerando grande retorno venoso
e aumento do fluxo sanguíneo para as câmaras direitas do coração, ocorre
retardo no esvaziamento do ventrículo direito, atrasando o fechamento da
valva pulmonar. Esse processo gera o desdobramento inspiratório de B2,
recebendo a onomatopeia TLÁ. A segunda bulha é ouvida após o peque-
no silêncio (tempo decorrido entre uma bulha e outra; a saber, o grande

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EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

silêncio é aquele decorrido entre o final de B2 e início de B1). Seu timbre é


mais agudo e seco, dando a impressão onomatopeica de TÁ. É mais audível
nos focos basais.
Assim B1 e B2 são descritas dessa forma: TUM-TÁ, TUM-TÁ, TUM-TÁ.

Terceira bulha (B3)

Essa bulha é decorrente das vibrações da parede ventricular que subita-


mente sofre distensão devido à corrente sanguínea na fase de enchimento
rápido da diástole. É considerada um ruído protodiastólico (início da diás-
tole) de baixa frequência, mais audível em área mitral, e mais bem auscul-
tada com a campânula do receptor (justamente por ser um som de baixa
frequência) e o paciente em decúbito lateral esquerdo. Sua onomatopeia
é a pronúncia rápida da sílaba TU.

Quarta bulha (B4)

É um som fraco que se dá no final da diástole, ou pré-sístole; é decorrente


da parada súbita do fluxo sanguíneo advindo do átrio esquerdo, devido à
quantidade de sangue já presente no ventrículo esquerdo. É como se hou-
vesse um choque entre o sangue “estático” do ventrículo esquerdo com o
“dinâmico” proveniente do átrio homolateral.

Quadro 2. Momento da sístole e da diástole

MOMENTOS DA SÍSTOLE E DA DIÁSTOLE


PROTOSSÍSTOLE Terço inicial da sístole
MESOSSÍSTOLE Terço médio da sístole
TELESSÍSTOLE Terço final da sístole
HOLOSSÍSTOLE Todo o período da sístole
PROTODIÁSTOLE Terço inicial da diástole
MESODIÁSTOLE Terço médio da diástole
TELEDIÁSTOLE Terço final da diástole ou pré-sístole
HOLODIÁSTOLE Todo o período da diástole

Fonte: Exame Clínico – Porto²

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Capítulo 12

O objetivo de determinar os momentos dos ruídos é justamente para


separá-los entre sons sistólicos ou diastólicos e poder identificá-los dentro
de cada fase do ciclo cardíaco.

2.3.2. Ritmo e frequência do coração

Se houver apenas B1 e B2, chama-se de ritmo binário, o famoso “2T” da


expressão “RCR, 2T, BNF, SS”. Nos casos de presença de três bulhas, o ritmo
será chamado tríplice. Para contar a frequência cardíaca, basta ouvir o pre-
córdio por 1 minuto e identificar quantos ciclos cardíacos foram realizados.
Normalmente, varia entre 60-100 batimentos por minuto.

Quadro 4. Ritmos Tríplices.

RITMOS TRIPLICES
Ritmo em três tempos formado pelas duas bulhas cardíacas clássicas (B1 e B2) mais uma
outra bulha. Aqui não pode entrar na contagem como bulha um sopro, um estalido ou
um atrito. Esse terceiro ruído ocorrerá dentro da diástole, seja no seu início (protodiásto-
le), seja no seu final (telediástole ou pré-sístole).
É possível a existência de terceira bulha que não tenha significado patológico. Já o rit-
mo de galope é uma condição patológica e recebe esse nome porque lembra um cavalo
galopando. Sua onomatopeia fica dessa forma, lida paulatinamente: PÁ-TÁ-TÁ PÁ-TÁ-TÁ
PÁ-TÁ-TÁ. É audível com mais clareza usando-se a campânula nos focos mitral e tricúspi-
de, com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Em alguns casos, é mais palpável que
audível. Esse ritmo pode representar uma disfunção miocárdica.

Fonte: Mário Lopez1.

2.3.3. Fonese da 1ª bulha

a) Intensidade

É avaliada nas áreas mitral e tricúspide, local de origem dos sons do


fechamento das respectivas valvas. Existem vários fatores que influenciam
negativa e positivamente a percepção da intensidade da bulha. Vão desde
fatores intrínsecos às valvas, como condições anatômicas ou a sua posição,
até fatores extrínsecos, como obesidade ou enfisema pulmonar. Entretan-
to, dentre todos os fatores, a posição dos folhetos valvares no instante da
contração ventricular é o mais importante. Ora, se os folhetos estão muito
baixos, quando ocorre o início da sístole, as válvulas percorrerão uma dis-
tância maior, causando um impacto mais intenso. Em casos de aumento da

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EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

frequência cardíaca (ex.: hipertireoidismo, extrassístoles), ocorre hiperfone-


se de B1, pois a contração ventricular inicia-se com as valvas ainda muito
baixas. Nas estenoses mitrais, as válvulas se afastam ainda mais, causando
hiperfonese, desde que elas tenham ainda alguma mobilidade (ou seja,
ainda com pouca calcificação).
Já nas insuficiências cardíacas ou miocardites, como as pressões intra-
ventriculares se elevam mais lentamente (e, por conseguinte, as cúspides),
o som de B1 torna-se hipofonético. Outra causa de hipofonese de B1 é a in-
tensificação da calcificação das valvas, que ficam quase imóveis. Já nos casos
de febre, hipertireoidismo etc., a força de contração miocárdica fecha mais
rapidamente e com maior vigor as valvas, causando hiperfonese dessa bulha.
As alterações de parede torácica também podem determinar hiper ou
hipofonese. Se o paciente for magro, haverá pouco meio físico entre o
receptor e os ruídos, ouvindo-se sons hiperfonéticos. O oposto também é
verdadeiro, ou seja, em pacientes obesos, com grandes massas musculares
no tórax ou com alguma doença que aumente o diâmetro anteroposterior
do tórax, como no caso da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC),
pode ocorrer hipofonese de B1.

b) Timbre e tom

Na estenose mitral, a rigidez das valvas causa um tom mais agudo e um


timbre metálico ao se chocarem.

c) Desdobramento

Pode ser fisiológico em até metade da população. Se os componentes


estiverem muito distantes, a suspeita de Bloqueio de Ramo Direito (BRD)
pode ser aventada. Isso porque o atraso da condução elétrica de despo-
larização para o ventrículo direito atrasa a sua contração e, consequente-
mente, o seu esvaziamento, atrasando o fechamento da valva pulmonar.
Sua onomatopeia será: TLUM – TÁ – TLUM – TÁ.

d) Mascaramento

Como o nome sugere, ocorre uma sobreposição (sopro, por exemplo)


exatamente no momento de B1. Esse ruído novo é mais intenso que o
fisiológico e causa camuflagem.

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Capítulo 12

2.3.4. Fonese da 2ª bulha

a) Intensidade

B2 é melhor avaliada auscultando os focos basais. Diversos fatores in-


fluenciam a intensidade de B2, desde a posição das valvas no início do
seu fechamento até os fatores osteomusculares. Assim, como discutido
em B1, o principal fator é a posição das valvas durante o início da contra-
ção. Pelo mesmo princípio, quando o débito ventricular diminui, as valvas
pulmonar e aórtica ficam próximas do seu local de fechamento, causando
diminuição da intensidade. O contrário é verdadeiro, ou seja, quando
ocorre aumento do débito, como em algumas cardiopatias congênitas
(Persistência do Canal Arterioso – PCA, Comunicação Interventricular –
CIV), ocorre hiperfonese.
Nas estenoses valvares, o som fica hipofonético, pois a mobilidade
estará diminuída, dependendo do grau de calcificação valvular. Se hou-
ver HAS ou Hipertensão Pulmonar, haverá hiperfonese de B2 no foco
aórtico ou pulmonar, respectivamente, pois nessas situações às cúspides
fecham com mais força. Já as condições osteoarticulares são as mesmas
descritas em B1.

b) Timbre e tom

Essa bulha passa a ter caráter seco.

c) Desdobramento

Quando se estuda o desdobramento de B2, o foco escolhido é o pulmo-


nar, pois nele encontramos os 2 componentes. O desdobramento fisiológico
já foi descrito anteriormente, quando falamos sobre aumento do fluxo
sanguíneo durante a inspiração. Os patológicos são:
yy Constante: pode ser de origem mecânica ou elétrica. Sua onomatopeia
é TUM – TLÁ. Um exemplo é o BRD. Também pode ser variável, pois na
inspiração profunda o desdobramento pode ser acentuado. Esse é um
exemplo de causa elétrica. Outro desdobramento constante, porém,
fixo, é aquele da CIV, quando o sangue passa para a câmara de menor
pressão (VD) e causa retardo em seu esvaziamento.

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EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

yy Investido ou paradoxal: ocorre no Bloqueio de Ramo Esquerdo (BRE).


É encontrado durante a expiração. Esse nome é devido à inversão na
ordem dos componentes da 2ª bulha, ou seja, como ocorre atraso na
condução elétrica para o ventrículo esquerdo, essa câmara demora mais
para iniciar a sua contração, e, consequentemente, sua valva aórtica
demorará mais a se fechar.

2.3.5. Alteração da 3ª e 4ª bulhas

Não há diferenças estetoacústicas entre essas bulhas, e elas podem ser


encontradas em pessoas sadias. Quando possui significado patológico, po-
dem ser observadas em pessoas com coração mais complacentes (“moles”)
ou menos complacentes (“duros”). Se corações moles, o predomínio passa
a ser de B3; se duros, B4.

Quadro 5. Cliques e Estalos.

CLIQUES E ESTALIDOS
Ocorrem geralmente nas estenoses das valvas atrioventriculares.
a) E stalido de abertura mitral: caracterizado por um ruído seco,
agudo e breve. Pode ser até palpado, pois tem alta intensidade.
É audível com mais clareza em seu foco mitral, com o paciente
em DLE. Esse é o sinal que mais indica estenose mitral, porém
DIASTÓLICOS essa valva deve apresentar alguma mobilidade para que o exa-
minador escute o ruído.
b) E stalido de abertura tricúspide: seu local de ausculta é prin-
cipalmente em seu foco. Ocorre, assim como o estalido de
abertura mitral, na doença reumática com acometimentos
cardíacos.
São de origem vascular e de alta frequência (por isso, audíveis
com mais clareza quando o examinador usa o diafragma do re-
PROTOSSISTÓLICOS ceptor), agudos e intensos. O pulmonar é mais bem auscultado
(pulmonar e aórtico): em seu foco e pode denotar estenose pulmonar. Já o aórtico pode
ser auscultado desde o 4º EIE até a área mitral e pode representar
uma gama de alterações.
Podem ser decorrentes de uma brida pericárdica, caracterizada
MESOSSISTÓLICOS como um clique sistólico (alta frequência, agudo e seco) entre B1
E TELESSISTÓLICOS e B2. Mais audíveis nos focos apicais. Podem também representar
prolapso de valvas mitral e tricúspide.

Fonte: Mário Lopez1.

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Capítulo 12

2.4. Sopros

Iniciamos um dos pontos mais importantes de toda a ausculta cardía-


ca, que é a identificação e classificação dos sopros cardíacos. Os sopros
são decorrentes de alguma alteração do fluxo sanguíneo, como estenose,
dilatação ou qualquer obstáculo ou até mesmo comunicação entre duas
estruturas. Resumindo os mecanismos causadores dos sopros:

Aumento da velocidade da corrente sanguínea


Diminuição da viscosidade sanguínea
Estenose
Dilatação
Passagem do sangue sobre uma membrana livre.

Dentre eles, a velocidade sanguínea tem característica sinérgica com


todos os outros mecanismos, por isso pode ser solicitado ao paciente que
se realize algum exercício físico para aumentar a frequência cardíaca, com
o intuito de aumentar a intensidade do sopro.

2.4.1. Características semiológicas dos sopros

a) situação no ciclo cardíaco;


b) localização;
c) irradiação;
d) intensidade;
e) timbre e tom;
f) modificação com a fase da respiração, posição do paciente e exercício
físico.

a) Situação no ciclo cardíaco

É a primeira e a mais importante etapa na avaliação dos sopros cardíacos.


Deve ser definido se o sopro ocorre na sístole ou na diástole, e, para isso,
deve-se ter clara a diferenciação entre as duas primeiras bulhas. Se houver
alguma dúvida para saber qual bulha é aquela que está sendo auscultada,
uma opção é palpar o pulso carotídeo concomitante à ausculta. Aquela

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EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

bulha que coincide com a palpação do pulso representa o fechamento das


valvas atrioventriculares, ou seja, B1.
Podem ser sistólicos, diastólicos, sistodiastólicos ou contínuos.

Quadro 6. Sopros Cardíacos.

SOPROS CARDIACOS
• de ejeção:
São causados pela passagem do fluxo sanguíneo por estruturas
estenosadas (como as valvas aórtica e pulmonar) durante a sístole.
Características: iniciam praticamente após a B1, aguardando ape-
nas o fim da contração ventricular isovolumétrica. Inicialmente,
a ejeção é lenta, intensificando no meio e voltando a diminuir a
velocidade no final. É justamente por essa razão que o sopro (nos
casos das estenoses) ganha o aspecto crescente-decrescente. O
SISTÓLICOS sopro termina antes da B2. São encontradas na estenose aórtica
e na pulmonar.
• de regurgitação:
Surgem desde o início de B1, podendo até mesmo mascará-la.
Ocorrem devido a alguma insuficiência das valvas AV (mitral e tri-
cúspide) que não conseguem manter-se completamente fecha-
das, permitindo o refluxo sanguíneo para os átrios ou para o outro
ventrículo, nos casos de CIV. São holossistólicos, podendo reco-
brir até B2, e possuem intensidade semelhante do início ao fim.
Podem ser proto, meso ou telediastólicos, a depender da localiza-
ção dentro da diástole. Ocorrem nas estenoses atrioventriculares e
na insuficiência aórtica ou pulmonar. No caso das estenoses, o so-
pro é geralmente meso, pois é justamente o equivalente à fase de
enchimento ventricular rápido. Esse tipo de sopro tem o caráter de
ruflar devido a sua frequência mais baixa e ao seu tom mais grave.
DIASTÓLICOS
Já os sopros decorrentes da insuficiência aórtica ou pulmonar de-
correm do não fechamento eficaz dessas valvas, permitindo a re-
gurgitação (refluxo de sangue) durante a diástole. É um sopro que
se inicia logo após a B2. É mais comum no período proto, porém
pode se prolongar até o tele. Tem caráter aspirativo, pois possui al-
ta frequência, intensidade decrescente e tom agudo.
Como o nome já sugere, esses sopros podem ser auscultados em
todo o ciclo cardíaco, inclusive mascarando B1 e B2. Sua parte sis-
SISTODIASTÓLICOS
tólica é a mais intensa, ganhando a famosa expressão de “sopro em
OU CONTÍNUOS
maquinaria”. Encontrados na PCA, nas Fístulas Arteriovenosas – FAV
e em anomalias aortopulmonares.

Fonte: Mário Lopez1.

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Capítulo 12

b) Localização

Identifica-se auscultando todos os focos cardíacos, porém com muita


atenção, pois um ruído observado em uma área não quer dizer absoluta-
mente que ele tem origem ali.

c) Irradiação

O primeiro passo é avaliar o foco de maior intensidade; após, direciona-se


o receptor centrifugamente para as demais áreas e tenta seguir o padrão da
irradiação. Os fatores que influenciam a irradiação são a sua intensidade e
a direção da corrente sanguínea. Ora, quanto maior a intensidade, maior a
irradiação. De igual forma, a irradiação segue, geralmente, o fluxo sanguíneo.

d) Intensidade

Como a avaliação é demasiadamente subjetiva, o ideal é usar o sistema


de cruzes (+ a 6+). Alguns autores utilizam o sistema de 4 cruzes.

+: débil, necessitando de grande atenção


++: discreto, porém audível de imediato
+++: moderadamente intenso
++++: intenso, acompanhado de frêmito, somente audível quando o este-
toscópio se mantém em contato completo com a pele do paciente
+++++: audível mesmo quando o contato do estetoscópio é parcial com
a pele do paciente
++++++: pode ser auscultado sem que haja necessidade do contato de
qualquer parte do estetoscópio com a pele do paciente

A intensidade varia de acordo com a sua transmissão (pessoas obesas


ou com enfisema apresentarão sopros subestimados, por exemplo) ou o
seu mecanismo propriamente dito (velocidade do fluxo e volume). Nas co-
municações intraventriculares, por exemplo, quanto menor a comunicação,
mais intenso será o sopro, pois o sangue fluirá de uma câmara à outra com
velocidade maior. Agora, se o volume sanguíneo é pequeno, o sopro terá
igualmente intensidade menor.

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EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

e) Timbre e Tom

Juntos, formam a qualidade do som, que é determinada pelo volume e


tipo de mecanismo que causou o turbilhonamento sanguíneo. Pode receber
a denominação de rude, aspirativo, musical, piante, ruflar e tantos outros.

f) Modificação (manobras) com a fase da respiração, posição do


paciente e exercício físico

yy Respiração: Um bom exemplo dessa relação entre respiração e sopro é


quando há dúvidas se a origem do sopro advém de uma insuficiência
mitral ou tricúspide. Para auxiliar no diagnóstico, usa-se como ferra-
menta a manobra de Rivero-Carvallo. A manobra é simples e realizada
da seguinte maneira: o paciente fica em decúbito dorsal, enquanto
o examinador, à direita, aproxima o receptor junto à área tricúspide.
Deve-se dar atenção à intensidade do sopro durante a respiração fisio-
lógica. Solicita-se ao paciente que inspire profundamente, manobra que
aumenta o retorno venoso para o coração direito, e, em caso de defeito
valvar tricúspide, o sopro irá ser intensificado. Caso o sopro tenha sua
intensidade diminuída chamamos de manobra de Rivero-Carvallo nega-
tiva, ou seja, não houve intensificação do sopro no foco tricúspide, e o
sopro é de origem valvar mitral com irradiação para a área tricúspide.
yy Posição do paciente: Nos sopros basais, é válido solicitar ao paciente
que fique sentado, com o tórax levemente inclinado para frente. Já o
ruflar diastólico da Estenose Mitral (EM) fica mais audível em decúbito
lateral esquerdo.
yy Exercício físico: Aumenta a velocidade sanguínea e, consequentemente,
os sopros.

2.5. Atrito Pericárdico

Normalmente, os folhetos pericárdicos se deslizam um sobre o outro,


sem provocar vibração; porém, quando há algum processo inflamatório ou
fibrose, esse deslizamento pode causar ruídos.
É caracterizado conforme o seguinte:

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Capítulo 12

yy Situação: não guarda relação obrigatória nem com a diástole nem com
a sístole, podendo ser encontrado em ambas ou em apenas uma. Tam-
bém não tem relação com as bulhas. Pode ter reforço durante a sístole.
yy Localização: ponta e borda esternal esquerda.
yy Intensidade: variável, até mesmo sem nenhuma manobra.
yy Timbre e tom: também variável.
yy Mutabilidade: até mesmo dentro do mesmo dia o atrito pode mudar
de qualidade, situação improvável nos sopros.

Quadro 7. Ausculta do coração nos principais defeitos orovalvares


adquiridos e nas anomalias congênitas mais frequentes.

AUSCULTA DO CORAÇÃO NOS PRINCIPAIS DEFEITOS OROVALVARES


ADQUIRIDOS E NAS ANOMALIAS CONGÊNITAS MAIS FREQUENTES

O orifício mitral pode ser estreito, em condições congênitas, ou


tornar-se estenosado em situações adquiridas (febre reumática,
degeneração senil). Nessa situação, o fluxo sanguíneo do átrio
para o ventrículo sofre uma resistência, que traz consigo as ca-
racterísticas a seguir:
• B1: hiperfonética, metálica e seca.
ESTENOSE MITRAL
• B2: hiperfonética em foco pulmonar.
• Estalido de abertura mitral.
• Sopro mesodiastólico com reforço pré-sistólico audível ape-
nas no foco mitral. Representa o ruflar diastólico. É mais audí-
vel com a campânula e com o paciente em DLE. É mais intenso
após exercício físico.

Aqui ocorre o refluxo, a regurgitação do sangue do ventrículo


para o átrio durante a sístole, decorrente do mau fechamento
dessa valva. Também pode ser decorrente de febre reumática,
mas também de endocardite infecciosa, infarto agudo do mio-
cárdio, cardiomiopatias etc. O achado clássico é o sopro sistó-
INSUFICIÊNCIA
lico de regurgitação. Localiza-se na área de mesmo nome com
MITRAL
irradiação para região axilar ipsilateral. A intensidade será de
acordo com a quantidade de sangue refluído, podendo alcan-
çar 6+. O timbre e o tom são variáveis. Pode mascarar B1 e dei-
xar a B2 hiperfonética se houver aumento de pressão no terri-
tório pulmonar.

272

Manual_Semiologia_Medica.indb 272 25/01/2020 15:04:07


EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

Decorrente do estreitamento valvar, na passagem sanguínea en-


tre o ventrículo esquerdo e a aorta. A principal causa também é
a febre reumática, mas também pode ser decorrente de doen-
ça congênita em crianças e adultos jovens (valva bicúspide). Já
nos idosos, a principal causa é a degeneração senil. A alteração à
ESTENOSE AÓRTICA
ausculta é o surgimento de um sopro sistemático de ejeção, com
aumento da intensidade no foco aórtico. Tem irradiação para o
pescoço, seguindo a corrente sanguínea. Sua intensidade varia
de acordo com o estreitamento. Sua qualidade é rude. Será mais
audível com o paciente sentado.

Durante o enchimento ventricular, as valvas aórtica e pulmonar


devem encontrar-se fechadas, porém em condições patológicas,
como febre reumática, endocardite infecciosa, degeneração se-
nil ou dissecção aórtica, a valva torna-se insuficiente, permitindo
o retorno sanguíneo para o átrio direito. É um sopro diastólico,
INSUFICIÊNCIA
pode ocupar desde a proto até a holodiástole. Localiza-se nos
AÓRTICA
focos aórtico e aórtico acessório, com irradiação para região tri-
cúspide e até mitral. Tem alta frequência, possui caráter decres-
cente e qualidade aspirativa de intensidade variável, auscultado
com mais clareza na posição sentada e se o paciente realizar ap-
neia expiratória.

Você já deve ter percebido o padrão das lesões e o padrão aus-


cultatório decorrente. Então: na EP há uma dificuldade/resis-
tência ao fluxo sanguíneo quando esse passa através da valva
pulmonar pela artéria pulmonar, no sentido para os pulmões,
durante a sístole. Ela é comum na Tetralogia de Fallot. Pode ser
um estreitamento verificado a partir do infundíbulo do ventri-
ESTENOSE
cular direito (via de saída do ventrículo direito) ou ser de ori-
PULMONAR (EP)
gem da valva e/ou artéria pulmonar. O seu principal foco de
ausculta é justamente nessa área. Se a estenose for intensa, o
2º componente de B2 (fechamento pulmonar) será menos pre-
sente, causando hipofonese e desdobramento da 2ª bulha. O
sopro é sistólico, crescente-decrescente e inicia-se com o esta-
lido protossistólico.

A dilatação orovalvar dessa região é decorrente de vários fatores,


sobretudo em condições que aumentem a pressão pulmonar ou
INSUFICIÊNCIA em algumas situações específicas, como na síndrome de Marfan.
PULMONAR Esse sopro é audível após a B2, é diastólico e decorrente do re-
fluxo para o ventrículo direito (VD), localizado da área pulmonar
até a tricúspide.

273

Manual_Semiologia_Medica.indb 273 25/01/2020 15:04:07


Capítulo 12

Situação relativamente comum, é caracterizada por sopro sistó-


lico, porém não devido à passagem sanguínea entre o orifício, e
COMUNICAÇÃO
sim pela formação de uma estenose pulmonar “relativa” devido
INTERATRIAL
ao hiperfluxo sanguíneo para o VD. Está associado ao desdobra-
mento constante e fixo de B2.

Quanto menor o orifício de comunicação, mais interno o sopro. É


COMUNICAÇÃO
mais audível no mesocárdio e tem irradiação para o foco mitral.
INTERVENTRICULAR
A qualidade é em jato a vapor.

É caracterizado como um sopro contínuo, com localização na área


PERSISTÊNCIA DO
infraclavicular. É mais intenso na sístole e tem qualidade rude. É
CANAL ARTERIOSO
o famoso “ruído em maquinário”.

Fonte: Mário Lopez¹.

3. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS – MBE

Quadro 8. Principais variáveis de um teste diagnóstico.

REVISÃO RÁPIDA MBE

Se meu paciente tem uma doença, qual probabilidade de um teste


Sensibilidade
diagnóstico ser positivo?

Se meu paciente não tem uma doença, qual probabilidade de um


Especificidade
teste diagnóstico ser negativo?

Quantas vezes é mais provável encontrar um resultado, seja ele po-


sitivo ou negativo, em pessoas doentes em relação a pessoas sadias?
Razão de • Quanto maior a RV positiva = mais o resultado positivo aumenta
verossimilhança a probabilidade de doença.
• Quanto menor a RV negativa = mais o resultado negativo diminui
a probabilidade de doença.

Fonte: Autor

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Manual_Semiologia_Medica.indb 274 25/01/2020 15:04:07


EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

Tabela 1. Primeira e Segunda Bulhas Cardíacas.

RAZÃO DE
SENSIBILI- ESPECIFICI- VEROSSIMILHANÇA
ACHADO
DADE (%) DADE (%) Achado Achado
presente ausente
Primeira bulha cardíaca
Intensidade variável B1
Detecção da dissociação atrioven-
58 98 24.4 0.4
tricular
Segunda bulha cardíaca
Batida longa e fixa
Detecção de defeito no septo atrial 92 65 2.6 0.1
Batida paradoxal
Detecção de estenose aórtica sig-
50 79 NS NS
nificativa
P2 ruidoso
Detecção de hipertensão pulmo-
nar em pacientes com estenose 58-96 19-46 NS NS
mitral
Detecção de hipertensão pulmo-
38 98 17.6 NS
nar em pacientes com cirrose
P2 palpável
Detecção de hipertensão pulmo-
96 73 3.6 0.05
nar
B2 aumentada ou diminuída
Detecção de estenose aórtica sig-
nificativa em pacientes com sopros 44-90 63-98 3.8 0.4
de fluxo aórtico

Fonte: McGee³.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 275 25/01/2020 15:04:07


Capítulo 12

Tabela 2. Sopros e Doença Cardíaca Valvar.

RAZÃO DE
SENSIBILI- ESPECIFICI- VEROSSIMILHANÇA
ACHADO
DADE (%) DADE (%) Achado Achado
presente ausente
Sopro funcional
Detecção de achado normal na
67-98 70-91 4.7 NS
ecocardiografia
Sopro sistólico característico
Detecção de estenose aórtica leve
90 85 5.9 0.1
ou moderada
Detecção de estenose aórtica se-
83-98 71-76 3.5 0.1
vera
Detecção regurgitação mitral leve
56-75 89-93 5.4 0.4
ou moderada
Detecção de regurgitação mitral
73-93 61-76 2.6 0.3
severa
Detecção de regurgitação tricús-
23 98 14.6 0.8
pide leve ou moderada
Detecção de regurgitação tricús-
20-62 94-98 9.6 NS
pide severa
Detecção de defeito de septo ven-
90 96 24.9 NS
tricular
Detecção de prolapso da valva
55 96 12.1 0.5
mitral
Sopro diastólico característico
Detecção de regurgitação aórtica
54-87 75-98 9.9 0.3
leve e moderado
Detecção de regurgitação aórti-
88-98 52-88 4.3 0.1
ca severa
Detecção de regurgitação pulmo-
15 99 17.4 NS
nar

Fonte: McGee³.

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CASO CLÍNICO

História clínica

M.A.S, sexo feminino, 82 anos, natural e residente de Maracanaú, região


metropolitana do Ceará, parda, viúva, evangélica, com ensino fundamental
completo. Vem à consulta no pronto-atendimento, acompanhada pela no-
ra,com queixa de “falta de ar” há 7 dias, com piora significativa desde ontem.
Acompanhante relata que a paciente já se queixava de dispneia, há cerca de
3 anos, apenas aos moderados esforços, tais como caminhar duas quadras,
porém fazia sua própria refeição, banhava-se só e não aparentava dispneia
para realização de atividades básicas de vida diária e atividades instrumen-
tais. Após viagem de ônibus para visitar os filhos no interior do Estado,
iniciou quadro de tosse produtiva, associada à febre baixa. Os parentes
também notaram que ela apresentava dificuldade de dormir deitada, neces-
sitando ficar praticamente sentada para conseguir descansar. Foi medicada
com antitussígenos e xarope caseiro; no entanto, piorou do quadro no dia
seguinte, apresentando alteração do nível de consciência e intensa disp-
neia, motivo pelo qual os filhos trouxeram-na ao pronto-socorro da cidade.
Medicações em uso: Hidroclorotiazida 50 mg (1-0-0), Losartana 50 mg (1-
0-0) e Metformina 500 mg (1-1-1)
Antecedentes pessoais: hipertensa e diabética diagnosticada há 20 anos,
ambas compensadas. Queda da própria altura, com evolução para pequena
lâmina de hematoma subdural, optado, na ocasião, pela equipe de Neu-
rologia, por tratamento clínico. Varizes em ambas as pernas, com ferida
aberta de difícil cicatrização.
Hábitos: nega etilismo e tabagismo.
Antecedentes familiares: não recorda a idade nem a causa da morte dos
pais. Lembra-se apenas de que um irmão morreu de câncer, porém não
sabe qual tipo. Não sabe informar também quais doenças os demais irmãos
apresentam.

Exame físico (na admissão)

Exame físico geral/Ectoscopia: Mau estado geral, hipocorada (+/4+), de-


sidratada, cianose de extremidades, anictérica e febril ao toque, taquidisp-
neica, consciente, porém desorientada. Apresentando sobrepeso.

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CASO CLÍNICO

Dados vitais: FC 113 bpm, FR 36 irpm, Tax 38,6°C, PA 90x60 mmHg, em


decúbito e sentada, no membro superior direito.
Exame da cabeça e do pescoço: ausência de achados relevantes, exceto
por cicatriz causada por ferimento por arma branca em região cervical
anterior esquerda.
Exame neurológico: desorientação temporoespacial, miniexame do estado
mental (MEEM) não realizado, sem alterações de pares cranianos; massa
muscular, tônus e força preservada; sinal de Romberg negativo; déficit
de sensibilidade vibratória em membros inferiores, com preservação da
sensibilidade tátil superficial e térmica. Reflexos preservados. Marcha sem
alterações.
Exame do tórax e aparelho respiratório: tórax atípico, dispneica, expansi-
bilidade diminuída e frêmito toracovocal aumentado em base de hemitórax
direito, sons de roncos pulmonares também em base à direita, percussão
submaciça em base de hemitórax à direita, com murmúrio vesicular di-
minuídos nessa região. Presença de estertores em base, mais audível à
esquerda, e de sibilos.
Exame do sistema cardiovascular: ritmo de galope, pulso radial alternante.
Exame abdominal (incluindo aparelhos genitais): abdome semigloboso
por adiposidade, sem abaulamentos, retrações ou cicatrizes, RHA presentes,
flácido e indolor, ausência de massas ou visceromegalias palpáveis, espaço
de Traube livre. Genitália sem alterações.
Exame das extremidades e pulsos periféricos: extremidades mal perfun-
didas, com tempo de enchimento capilar de 4 segundos, pulsos periféricos
palpáveis, simétricos, porém filiformes. Presença de veias varicosas nos
membros inferiores.
Exame das articulações e sistema osteomuscular: ausência de achados
relevantes.

Exames complementares

Exames laboratoriais: Hb 8,7 g/dL, Ht 26%, VCM 113 fl, leucócitos 13.800,
plaquetas 300.000, creatinina 1,04 mg/dL, ureia 29 mg/dL, sódio 138 mg/

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CASO CLÍNICO

dL, potássio 3,3 mg/dL, TGO 32, TGP 21, glicose 80 mg/dL, TSH 2,89 µUI/mL,
sorologias virais e VDRL negativos
Tomografia de crânio: atrofia cortical difusa, sem outras alterações.

Pontos de discussão

1. Qual é o sintoma-guia? E como investigá-lo?


2. Qual é o diagnóstico sindrômico?
3. Qual é o diagnóstico anatômico/topográfico?
4. Quais são os diagnósticos diferenciais?
5. Qual é a principal hipótese de diagnóstico etiológico?
6. Quais são os achados do exame físico que corroboram a hipótese?
7. Os dados do exame clínico são suficientes para confirmar ou excluir o
diagnóstico levantado?

Discussão

Você inicialmente deve estar se perguntando o que um caso de pneumo-


nia está fazendo no capítulo de ausculta cardíaca. Se a suspeita inicial foi
pneumonia, você está no raciocínio clínico exato. Contudo, como explicar
os achados do sistema cardiovascular? Eles são consequências, causas ou
achados sem significado clínico para esse caso?
A insuficiência cardíaca é uma doença cada vez mais comum na nossa
população devido ao seu envelhecimento nas últimas décadas. Ela se
subdivide clinicamente em insuficiência ventricular direita ou esquerda
(ou até mesmo mista), o que determinará sinais e sintomas distintos. Pode
ser dividida ainda em sistólica (70%) e diastólica. Embora com manifes-
tações semelhantes, a insuficiência diastólica traz consigo um quadro
mais brando.
Existem várias causas etiológicas, desde infecciosas até uso de drogas
cardiotóxicas. Todavia, independentemente da etiologia inicial, a evolução
e fisiopatologia é a mesma. Em muitos casos, é impossível saber o fator
inicial, pois ele pode ter se dado há décadas, como no nosso caso, em que

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Manual_Semiologia_Medica.indb 279 25/01/2020 15:04:07


CASO CLÍNICO

a paciente já apresentava, há anos, dispneia, porém nunca era realizada


investigação, e, após uma descompensação, aqui causada pela infecção
pulmonar, apresentou sintomatologia franca. Quando o fator agressivo não
é retirado, como, por exemplo, uma pressão arterial elevada, ou quando o
paciente não faz uso de drogas cardioprotetoras (no nosso caso a paciente
nem sabia que apresentava insuficiência cardíaca), ocorre o que chamamos
de remodelamento cardíaco, ou seja, ocorre um remodelamento do tecido
miocárdico ventricular.
O organismo se protege dos sintomas da insuficiência aumentando a
força contrátil do miocárdio, e posteriormente até necessitando da ativação
do sistema renina-angiotensina-aldosterona, tudo isso para compensar a
carga hemodinâmica, para manter uma boa perfusão tecidual, porém chega
um momento em que as forças compensatórias não são mais suficiente
para manter a homeostase. Isso ocorre classicamente quando o paciente
desenvolve uma infecção, tipicamente a Pneumonia Bacteriana Adquirida
na Comunidade (PAC), o que ocorreu justamente com a nossa paciente.
Os sintomas vão desde os cardíacos até os extracardíacos. Os cardíacos
são: taquicardia (para compensar a sobrecarga); ritmos anormais, tais como
o ritmo de galope; sopros; intolerância aos esforços; hiperfonese de 2ª
bulha cardíaca; cardiomegalia; arritmias; pressão arterial convergente. Os
extracardíacos são decorrentes da congestão venosa: dispneia e tosse; he-
moptoicos; estertores pulmonares; fadiga; cianose; hepatomegalia; edema;
ingurgitamente jugular; derrames cavitários.
No caso supracitado, estamos diante de uma idosa que, após quadro de
PAC, iniciou dispneia intensa e outros sinais e sintomas. Temos, portanto, a
dispneia como sintoma-guia.
Inicialmente, pensamos ser devido ao quadro pulmonar, e isso é correto,
porém cabe-nos investigar se é de origem primária do pulmão ou secun-
dária ao coração ou outra alteração, como quadros hematológicos, ou até
mesmo uma junção de mais que uma causa, algo muito comum na prática
clínica diária.
Como o sintoma-guia é dispneia, esse fato nos faz pensar em insufi-
ciência ventricular esquerda. Como o ventrículo esquerdo não consegue
bombear sangue para a circulação sistêmica de maneira adequada, há,

280

Manual_Semiologia_Medica.indb 280 25/01/2020 15:04:07


CASO CLÍNICO

retrogradamente, congestão venocapilar no tecido pulmonar, causando


os sintomas extracardíacos já citados, como a dispneia.
A dispneia pode ter diversas formas:
a) Dispneia de esforço: como o nome sugere, é aquela que o paciente se
sente cansado após exercício físico, que antes realizava sem queixas;
pode ser graduada aos pequenos, médios ou grandes esforços; a nossa
paciente apresentava a dispneia aos moderados esforços;
b) Dispneia de decúbito: na posição de decúbito dorsal, o sangue re-
presado nos leitos venosos dos membros inferiores e esplâcnicos
chegam ao ventrículo direito, de onde é bombeado para o pulmão,
o que causa au­mento da congestão venosa nesse órgão. Note que a
paciente necessitou ficar sentada para dormir, o que denota grande
congestão venocapilar pulmonar;
c) Dispneia paroxística: ocorre mais durante a noite e, por essa razão, é
mais conhecida como dispneia paroxística noturna. Durante o sono,
o centro respiratório diminui a sua sensibilidade, o que faz com que
a paciente consiga inicialmente dormir, porém, pelo mesmo motivo
citado na dispneia de decúbito, o leito venovascular do pulmão se
encharca. No meio da madrugada, a paciente acorda com intensa
dispneia, necessitando sentar-se à beira do leito ou da cama para
conseguir respirar;
d) Dispneia periódica de Cheyne-Stokes: a paciente inicialmente apresen-
ta movimen­tos respiratórios cada vez mais intensos até um máximo,
então começa a diminuir, podendo ficar em apneia. Esse ritmo é cíclico
e caracteriza uma doença mais grave.

Nossa paciente também apresentou estertores em ambas as bases, po-


rém mais audível à esquerda (isso porque na base direita está formada uma
consolidação devido à PAC). Esses sinais são os mais precoces da congestão
pulmonar e o seu reconhecimento é fundamental para evitar iatrogenias,
tais com hiperidratação. Às vezes, pode estar associada a broncoespamos,
caracterizados como sibilos, dando o que chamamos de asma cardíaca,
apresentada pela nossa paciente.

281

Manual_Semiologia_Medica.indb 281 25/01/2020 15:04:07


CASO CLÍNICO

Como consequência da diminuição do débito cardíaco, podem surgir


sintomas decorrentes da má oxigenação cerebral. Esses sintomas podem
ser desde irritabilidade ou fadiga até alteração do nível de consciência. Aqui,
mais uma vez, notamos um sinal que é observado tanto na PAC como na
insuficiência cardíaca ventricular esquerda, fato que demonstra que várias
etiologias podem se sobrepor.
A paciente está taquicárdica, o que pode ser decorrente de um quadro
de sepse ou um mecanismo compensatório, na tentativa de manter um
débito cardíaco minimamente aceitável. Os pacientes poderão se queixar
de palpitações.
No exame físico dessa paciente, encontramos o ritmo em três tempos,
conhecido como ritmo de galope, ou seja, as duas bulhas cardíacas clássicas
(B1 e B2), mais uma outra bulha. Aqui não pode entrar na contagem como
bulha um sopro, um estalido ou um atrito. Esse terceiro ruído ocorrerá dentro
da diástole, seja no seu início (protodiástole) ou até no seu final (telediástole
ou pré-sístole). O ritmo de galope é um exemplo de 3ª bulha patológica e
recebe esse nome porque lembra um cavalo galopando. Sua onomatopeia
fica dessa forma, lida paulatinamente: PÁ-TÁ-TÁ PÁ-TÁ-TÁ PÁ-TÁ-TÁ. É audível
com mais clareza usando-se a campânula nos focos mitral e tricúspide, com
o paciente em decúbito lateral esquerdo. Em alguns casos, é mais palpável
que audível. Esse ritmo pode representar uma disfunção miocárdica.
O exame cardiovascular de nossa paciente também apresentou uma
alteração na palpação dos pulsos radiais, classificada como pulso alternante,
que é decorrente da variação do número de fibras que se contraem em
cada batimento. Quando poucas fibras se contraem, o pulso será fraco. O
oposto também é verdadeiro.
Diante do quadro exposto, temos como diagnóstico sindrômico: Sín-
drome dispneica. Anatômico/Topográfico: Coração e Pulmão e dentre as
etiologias que podem causar essa síndrome, ficamos com a Insuficiência
ventricular esquerda (aqui, investigar a causa primária: HAS? Isquêmica?
Viral?) e PAC por Streptococcus pneumoniae, respectivamente.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 282 25/01/2020 15:04:07


CASO CLÍNICO

Tabela 3. Insuficiência Cardíaca Congestiva – baixa fração de ejeção.

RAZÃO DE
SENSIBILI- ESPECIFI- VEROSSIMILHANÇA
ACHADO
DADE (%) CIDADE (%) Achado Achado
presente ausente
Sinais vitais
FC > 100 bpm em repouso 22 92 2,8 —
Respiração de Cheyne-Stokes 33 94 5,4 0,7
Exame pulmonar
Crepitações 10-29 77-98 — —
Exame cardíaco
Elevação da pressão venosa ju-
7-25 96-98 6,3 —
gular
Impulso apical supino lateral na
5-66 93-99 10,3 0,7
linha hemiclavicular
S3 galope 11-51 85-98 3,4 0,7
S4 galope 31-67 55-68 — —
Murmúrio de regurgitação mitral 25 89 — —
Outros
Hepatomegalia 3 97 — —
Edema 8-33 70-98 — —

Fonte: McGee³.

Sintoma-guia: Dispneia.
Diagnóstico sindrômico: Síndrome dispneica.
Diagnóstico anatômico/topográfico: Insuficiência ventricular esquerda.
Diagnósticos diferenciais:
yy Insuficiência ventricular direita
yy PAC isolada
yy Tuberculose
yy Asma
yy Lúpus Eritematoso Sistêmico
yy Sepse

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Manual_Semiologia_Medica.indb 283 25/01/2020 15:04:07


CASO CLÍNICO

Hipótese diagnóstica: Insuficiência ventricular esquerda descompensada


por PAC.

Pontos importantes

1. Diante de síndrome dispneica, deve-se sempre avaliar o coração e os


pulmões, em conjunto;
2. O tratamento da PAC unicamente não seria suficiente para o manejo
dessa paciente. Logo, a correta avaliação cardíaca iria demonstrar insufi-
ciência ventricular e consequente tratamento domiciliar de manutenção.
3. Sempre diferenciar a insuficiência ventricular esquerda da direita, e se
diastólica ou sistólica.

284

Manual_Semiologia_Medica.indb 284 25/01/2020 15:04:07


EXAME CARDIOVASCULAR – AUSCULTA

REFERÊNCIAS

1. López M, Laurentys-Medeiros J. Semiologia Médica: As bases do diagnóstico clínico. 5. ed.


Rio de Janeiro: Revinter; 2004.
2. Porto CC, Porto AL. Exame clínico. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
3. Mcgee S. Evidence-based physical diagnosis. 4th ed. Philadelphia, PA: Elsevier; 2018.

285

Manual_Semiologia_Medica.indb 285 25/01/2020 15:04:07


Exame do abdome: percussão e palpação

EXAME DO ABDOME:
CAPÍTULO

PERCUSSÃO E PALPAÇÃO 14
Autor:
Raul Alexandre Vasconcelos
Coautores:
Rafael Lopes Gurgel,
Caroline Evy Vasconcelos Pereira,
Priscila Garcia Câmara Cabral e
Thayná Araújo Freire

O que você irá ver neste capítulo:


✓ Mapa mental dos sinais e sintomas

✓ Palpação
• Técnica
• Manobras especiais de palpação
• Requisitos técnicos
• Etapas semiotécnicas
• Descrição da palpação normal
✓ Percussão
• Técnica
• Sonoridade do abdome
• Percussão hepática
• Espaço de traube
• Pesquisa de ascite
• Percussão renal
• Requisitos técnicos
• Etapas semiotécnicas
• Descrição da percussão normal
✓ Medicina baseada em evidências
✓ Caso clínico
✓ Referências

309

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310
1. MAPA MENTAL DOS SINAIS E SINTOMAS

MÉTODO DE TORRES-LEMOS

Manual_Semiologia_Medica.indb 310
POSIÇÃO DE
MÉTODO DE MATHIEU
SHUSTER
MÉTODO DA PINÇA
MAPA MENTAL 

ESPAÇO DE PALPAÇÃO PALPAÇÃO


HEPATIMETRIA
TRAUBE DO BAÇO DO FÍGADO

EPIGÁSTRICA
EXAME DO INGUINOESCROTAL
PERCUSSÃO PALPAÇÃO HERNIAS
FEMORAL
SINAL DE LAPINSKI ABDOME UMBILICAL
SINAL DE COURVOISIER-TERRIER
INCISIONAL
SINAL DE FOTHERGILL
MACICEZ MOVEL
SINAL DE PIPAROTE MANOBRAS
MANOBRAS ESPECIAIS
ESPECIAIS

SINAL DE JOBERT
SINAL DE TORRES-HOMEM SINAL DE BLUMBERG SINAL DA POÇA
SINAL DE GIORDANO SINAL DE DUNPHY SINAL ROVSING SEMICIRCULO DE SKODA
SINAL DO PSOAS SINAL DE GERSUNY TESTE DO RECHAÇO
SINAL DO OBTURADOR SINAL DE MURPHY

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Exame do abdome: percussão e palpação

2. PALPAÇÃO

Constitui uma etapa de fundamental importância na propedêutica ab-


dominal, pois, por seu intermédio, colhem-se informações essenciais para
a elaboração do raciocínio clínico com o fim de se realizar o diagnóstico.
Permite tanto a avaliação das características da parede abdominal e do
seu conteúdo quanto pode reforçar a relação médico-paciente por meio
do contato físico do examinador e o paciente.
Tem como objetivo os seguintes itens:
a) Avaliar o estado da parede abdominal;
b) Reconhecer as condições anatômicas das vísceras abdominais e detectar
alterações de sua consistência;
c) Explorar a sensibilidade abdominal.

Importante observar que, em condições normais, não se consegue dis-


tinguir, pela palpação, todos os órgãos abdominais. Com o objetivo de
sistematizar a palpação abdominal, seguiremos a seguinte ordem:
yy Palpação superficial;
yy Palpação profunda (Inclui a palpação dos órgãos abdominais);
yy Manobras especiais de palpação.

2.1. Técnica

A palpação deve ser realizada com o examinador em pé, ao lado direito


do paciente, em mesa de exame provida com um pequeno travesseiro que
apoie cabeça e ombros com membros superiores estendidos ao longo do
tronco, além dos membros inferiores estendidos e descruzados. As mãos
do examinador não devem estar frias, sendo recomendado aquecê-las. O
paciente deve ser orientado a se manifestar caso sinta dor ou qualquer
sensação desagradável; para isso o examinador também deve estar atento
às fácies do paciente durante a palpação abdominal.
Podem ser realizar as formas: mono ou bimanual, mono ou bidigital, e
com as mãos superpostas.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 311 25/01/2020 15:04:08


Capítulo 14

yy Palpação monomanual: Utilizada para avaliar a parede abdominal. O


examinador palpa com delicadeza toda a região do abdome. Toda a
face palmar da mão deve tocar o abdome do paciente. A tonicidade da
musculatura e a sensibilidade devem ser avaliadas durante o movimento
de flexão dos quatro dedos externos, exceto polegar, que comprimem
levemente a parede;
yy Palpação bimanual: Utilizada para avaliar o conteúdo abdominal. As
duas mãos podem atuar de modo ativo ou uma de modo ativo e outra
de modo passivo. Quando ambas atuarem de modo ativo, as extremida-
des distais dos dedos devem formar uma linha reta. A mão passiva deve
relaxar a parede abdominal e estabelecer um ponto de apoio;
yy Palpação com as mãos superpostas: Avaliação do conteúdo abdominal
em pessoas obesas ou para vencer uma contratura voluntária da parede
abdominal;
yy Palpação mono ou bidigital: Utilizada para localizar pontos sensíveis
na parede abdominal, explorar orifício herniários e determinar o sentido
de circulação colateral.

Figura 1. Palpação com as mãos superpostas.

Fonte: Autor.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 312 25/01/2020 15:04:09


Exame do abdome: percussão e palpação

2.1.1. Palpação superficial

Tem como objetivos avaliar a sensibilidade, a integridade da parede


abdominal e o grau de tensão. Inicia-se a palpação pela avaliação da tensão
da parede abdominal. Com a ponta dos dedos, produzem-se dois a três
abalos em cada local, percorrendo-se toda a região da parede abdomi-
nal de forma ordenada. Em condições normais, a tensão é ligeiramente
maior no centro do abdome do que nos flancos, devido aos músculos
retos abdominais.
O paciente com dor abdominal deve ser solicitado a localizá-la, para
que a palpação seja iniciada fora da área indicada como mais sensível.
Deve-se observar se a dor referida é à palpação superficial ou profunda,
se é localizada ou difusa; em casos de dor localizada, o examinador deverá
identificar se ela se situa em pontos relacionados ao comprometimento de
algum órgão (p. ex.: ponto epigástrico, ponto cístico, região apendicular,
pontos ureterais.).

Figura 2. Principais pontos de palpação do abdome.

Fonte: Autor.

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Capítulo 14

Quadro 1. Descrição dos principais pontos abdominais

PONTOS
LOCALIZAÇÃO IMPORTÂNCIA
ABDOMINAIS
Sensível nos processos inflama-
Gástrico Ao meio da linha xifoumbilical
tórios do estômago
Ponto de encontro do rebordo Dor neste ponto pode estar re-
Cístico costal direito e borda lateral do lacionado à processos inflama-
m. reto abdominal tórios, como colecistite aguda
Ponto de união do terço distal
Aumento da sensibilidade em
Apendicular (Ponto como terço médio da linha que
patologias associadas ao apên-
de McBurney) une a espinha ilíaca anterossu-
dice, como a apendicite aguda.
perior com a cicatriz umbilical.
Borda lateral dos músculos retos
Dor à palpação pode estar rela-
abdominal na altura da cicatriz
Pontos ureterais cionada à cólica renal e migração
umbilical e das espinhas ilíacas
do cálculo pelos ureteres.
anterossuperior.

Fonte: Adaptado de Lopez1 e Porto2

Além dos pontos dolorosos citados, é importante o examinador estar


atento a dores referidas, ou seja, que são provenientes de processos abdomi-
nais, mas que podem desencadear estímulo doloroso em regiões extra-ab-
dominais ou são processos extra-abdominais que desencadeiam estímulos
dolorosos na região abdominal. Destacando as seguintes situações:
a) Dor em ombro direito e (ou) dorso: Pode estar relacionada à colecistite
aguda;
b) Dor epigástrica: Pode estar relacionada à angina miocárdica;
c) Dor em ombro esquerdo: Pode estar relacionada à irritação subdiafrag-
mática esquerda, como abscessos ou peritonite localizada (Sinal de Kher);
d) Dor em saco escrotal: Pode estar relacionada à migração de cálculo renal
ao longo do trajeto ureteral.

A continuidade da parede abdominal é avaliada deslocando-se a mão


por toda a superfície da parede, buscando se há a presença de diástases
e hérnias.

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Exame do abdome: percussão e palpação

2.1.2. Palpação profunda

Tem como objetivo investigar os órgãos contidos na cavidade abdo-


minal, bem como massas ali existentes. Para que se cumpra seu objetivo é
necessário que a musculatura parietal esteja relaxada, sendo aconselhável
realizar a palpação na fase expiratória do ciclo respiratório com ângulo
formado fica por volta de 45°. Em condições normais não se consegue
distinguir o estômago, duodeno, intestino delgado, vesícula biliar, baço,
colón ascendente e descendente. O encontro de massas abdominais exige
do examinador avaliar as seguintes características:
yy Localização;
yy Forma;
yy Volume;
yy Sensibilidade;
yy Consistência;
yy Mobilidade;
yy Pulsatilidade.

2.1.3. Palpação do fígado

Existem várias técnicas utilizadas para a palpação hepática. O procedi-


mento fundamental consiste em palpar o hipocôndrio direito e o epigástrio,
executando a palpação junto ao rebordo costal direito coordenada com
os movimentos respiratórios. Durante a expiração, a mão do examinador
ajusta-se à parede abdominal, sem fazer compressão ou se movimentar.
Durante a inspiração, a mão do examinador, ao mesmo tempo em que
comprime, é movimentada para cima, buscando detectar a borda hepática.

Técnica 1: MÉTODO DE TORRES LEMOS

Com a mão esquerda colocada sobre a região lombar direita apoiando


as duas últimas costelas, o examinador traciona o fígado para frente e com
a mão direita espalmada sobre a parede anterior do abdome, tenta palpar
a borda hepática durante a inspiração profunda, com as falanges distais
dos dedos.

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Capítulo 14

Figura 3. Palpação do fígado: método de Torres Lemos.

Fonte: Autor.

Técnica 2: MÉTODO DE MATHIEU

O examinador posiciona-se à direita do tórax do paciente com as costas


voltadas para o seu rosto. A seguir, coloca as mãos paralelas sobre o hipo-
côndrio direito do paciente e, com as extremidades dos dedos fletidos, for-
mando garras, tenta palpar a borda hepática durante a inspiração profunda.

Figura 4. Palpação do fígado: método de Mathieu.

Fonte: Autor.

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Exame do abdome: percussão e palpação

Técnica 3: MÉTODO PINÇA

O examinador coloca a mão esquerda sobre o ângulo costolombar di-


reito do paciente, ficando o polegar na face anterior do abdome de modo
a formar uma pinça. A seguir, solicita-se que o paciente realize inspiração
profunda a fim de que se consiga palpar o fígado.

Técnica 4: RECHAÇO HEPÁTICO

Trata-se de uma variante da técnica de Lemos Torres e consiste em im-


primir com a mão direita pequenos golpes na parede anterior do abdome
visando impulsionar o fígado de encontro ao plano posterior, de modo que
a mão que golpeia poderá percebê-lo por ocasião do seu retorno à posição
original. Manobra executável na presença de ascite de grande volume.
O fígado normal pode ou não ser palpável. Se palpável em condições
normais, apresenta as seguintes características: distância do rebordo costal,
borda macia e de tamanho normal, superfície lisa, pouco doloroso ou indolor
(sensibilidade), ausência de sopros e ausência de refluxo hepatojugular. Essa
combinação de características, quando alterada, pode orientar o examinador
quanto ao processo patológico que esteja acometendo o paciente.

Quadro 2. Achados da palpação e ausculta hepática

CARACTERÍSTICA ALTERAÇÕES
• Fina
BORDA • Romba
• Normal
• Regular
SUPERFÍCIE
• Irregular
• Doloroso
SENSIBILIDADE
• Indolor
• Normal
CONSISTÊNCIA • Firme (Aumentada)
• Diminuída
• Presente
REFLUXO HEPATOJUGULAR
• Ausente
• Com sopro
AUSCULTA
• Sem sopro

Fonte: Adaptado de Lopez1 e Porto2.

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Capítulo 14

Quadro 3. Achados da palpação e ausculta hepática em algumas doenças

HEPATITE
ESTEATOSE ICC CIRROSE METÁSTASE CÂNCER
VIRAL

Borda Fina Romba Romba Romba Romba Normal


Superfície Regular Regular Irregular Irregular Irregular Regular
Doloroso Doloroso Doloroso
Sensibilidade Doloroso Indolor Doloroso
ou indolor ou indolor ou indolor
Consistência Diminuída Aumentada Aumentada Aumentada Aumentada Normal
Refluxo
Ausente Presente Ausente Ausente Ausente Ausente
Hepatojugular
Ausculta - - - - Com sopro -

Fonte: Adaptado de Bickley3 e Meneghelli4.

2.1.4. Palpação do baço

Ao contrário do fígado, que pode ser palpável em condições normais, o


baço somente é palpável em condições patológicas, quando atinge duas a
três vezes o seu tamanho habitual. Os princípios fundamentais são os mes-
mos para a palpação hepática, mas a região agora avaliada é o hipocôndrio
esquerdo. A técnica para a palpação do baço consiste em pôr o paciente
na posição de Schuster, que consiste em:
a) Posicionar o paciente em decúbito lateral direito;
b) Solicitar ao paciente realizar a extensão da perna direita;
c) Solicitar ao paciente realizar a flexão da coxa esquerda sobre o abdome,
em um ângulo de 90 graus;
d) Elevar o braço esquerdo, sobre a cabeça;
e) O examinador posicionado ao lado direito do paciente, pousa com al-
guma pressão sua mão esquerda sobre a área de projeção do baço,
deslocando-o para baixo, enquanto isso a mão direita executa a palpação
sincronizada com os movimentos respiratórios.

Para fins didáticos, as esplenomegalias devem ser classificadas segundo


Boyd em tipos:

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Manual_Semiologia_Medica.indb 318 25/01/2020 15:04:09


Exame do abdome: percussão e palpação

yy Tipo I: Baço palpável sob rebordo costal esquerdo;


yy Tipo II: Baço palpável logo abaixo do rebordo costal esquerdo;
yy Tipo III: Baço palpável até o plano horizontal ao nível da cicatriz umbilical;
yy Tipo IV: Baço palpável abaixo do plano horizontal do nível da cicatriz
umbilical.

Além do tamanho, é importante observar se a palpação esplênica é do-


lorosa, pois, caso seja, pode indicar processo inflamatório em sua cápsula
ou a vigência de infarto esplênico.
O elemento palpatório para diferenciar o baço de outras vísceras abdo-
minais é o reconhecimento de das duas ou três chanfraduras no seu bordo
interno, desde que a forma normal do órgão esteja conservada.

2.1.5. Vesícula biliar

Normalmente não é palpável, e somente o será caso apresente aumento


do seu volume, além da tensão da parede e da pressão em seu interior, pela
dificuldade de esvaziamento do seu conteúdo. A obstrução de saída da
vesícula geralmente se situa em nível de ducto cístico ou colédoco.
A vesícula biliar é palpável no ponto em que a margem inferior do fí-
gado cruza com a borda externa do músculo reto abdominal na região do
hipocôndrio direito, na topografia do ponto cístico. Aumentada e tensa,
será palpada como uma pequena formação arredondada, de superfície lisa
e com pequena mobilidade laterolateral. A palpação pode ser dificultada
por dor local.
Ela pode ser palpada pelo método de Mathieu, semelhante ao descrito
na palpação do fígado, ou então com a aplicação da mão direita, levemente
inclinada e espalmada, sobre o hipocôndrio direito, estando-se em pé ao
lado direito do paciente. Durante uma inspiração, as extremidades dos três
dedos centrais poderão identificar a vesícula biliar. É importante destacar
que, em caso de o paciente se encontrar com a vesícula biliar palpável e in-
dolor associado à icterícia, está caracterizado o sinal de Courvoisier-Terrier.
Este sinal indica uma obstrução crônica da vesícula, geralmente presente
em tumor periampular.

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Capítulo 14

2.1.6. Palpação de vísceras ocas

Algumas vísceras ocas podem ser acessíveis através da palpação profun-


da deslizante, como o ceco, o cólon transverso e o sigmoide. É importante
frisar que os movimentos devem ser no sentido contrário ao maior eixo da
víscera. Quando estes sítios retêm conteúdo fecal em seu interior, forma-se
um fecaloma, que assume a característica de uma massa abdominal palpável.
Na palpação do fecaloma, além da sua consistência elástica, consegue-se,
à descompressão brusca, realizar o deslocamento entre a parede intestinal e
o conteúdo fecal. Assim, o examinador sente a passagem de gases naquela
região, caracterizando o Sinal de Gersuny.

2.2. Manobras Especiais de Palpação

2.2.1. Descompressão brusca

Manobra realizada para pesquisa de irritação peritoneal. Realiza-se a


compressão da parede abdominal até o máximo tolerado e, após, a descom-
pressão brusca. Este sinal é conhecido como sinal de Bloomberg, quando
realizado no ponto de McBurney, e é positivo se ocorre um aumento súbito
da dor após a descompressão.

2.2.2. Sinal de Murphy

Examinador ao lado direito do paciente, posiciona o dedo indicador


e médio no ponto cístico, localizado na junção do rebordo costal direito
com a borda externa do músculo reto abdominal e solicita ao paciente que
realize inspiração profunda, o que promoverá uma descida do diafragma
e, consequentemente, do fígado e da vesícula biliar, fazendo com que ela
entre em contado com os dedos que comprimem o ponto cístico. Nos casos
de colecistite, o paciente terá uma pausa súbita inspiração devido à dor,
caracterizando o Sinal de Murphy.

2.2.3. Sinal de Rovsing

Ocorre quando há irritação peritoneal na região da fossa ilíaca direita.


O examinador realiza uma palpação profunda na região da fossa ilíaca

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Exame do abdome: percussão e palpação

esquerda, o que promove uma movimentação dos gases presente no cólon


descendente e transverso em direção ao colón ascendente, distendendo-o.
Isso promove uma piora da dor referida pelo paciente em fossa ilíaca direita.
Em processos inflamatórios, como apendicite, esse sinal pode ser positivo.

2.2.4. Sinal do obturador

Com o paciente em decúbito dorsal, posiciona-se a perna e a coxa do


paciente fletidas a 90° e realiza-se a rotação interna da coxa até o seu limite
máximo. Quando positivo, o paciente refere uma dor em região hipogástrica.
Isso significa que o M. Obturador, componente do assoalho pélvico, tem
sua fáscia irritada por um processo inflamatório (p. ex.: apendicite).

2.2.5. Sinal do Psoas

Para pesquisa deste sinal, posiciona-se o paciente em decúbito lateral,


direito ou esquerdo, conforme o lado que se queira avaliar, e executa-se
uma extensão forçada da coxa promovendo um estiramento das fibras do
psoas que, se estiverem inflamadas, desencadearão um estímulo doloroso
em região hipogástrica.

2.3. Requisitos Técnicos

yy Ambiente tranquilo, confortável, bem arejado e que resguarde a priva-


cidade do paciente;
yy Mesa de exame firme, resistente e larga;
yy Material para antissepsia das mãos.

2.4. Etapas Semiotécnicas

a) Certificar-se de que a temperatura das mãos não está fria;


b) Colocar o paciente com MMSS estendidos ao longo do tronco com um
pequeno travesseiro que apoie cabeça e ombros, e MMSS estendidos e
descruzados;
c) Expor o abdome do paciente;

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Capítulo 14

d) Com o abdome exposto, deve-se explicar o procedimento ao paciente


e perguntar se há alguma área do abdome dolorida;
e) Proceder à palpação superficial e profunda;
f ) Realizar a palpação hepática, do baço, da vesícula e de vísceras ocas;
g) Realizar as manobras especiais.

2.5. Descrição da Palpação Normal

Abdome flácido, indolor, sem massa palpável ou visceromegalias.

3. PERCUSSÃO

Constitui um complemento à palpação. Por seu intermédio, pode-se


identificar a presença de ar livre, líquidos e massas intra-abdominais. Tam-
bém é útil para dimensionar órgãos maciços como fígado e baço. Deve-se
iniciar sempre fora da área de maior sensibilidade, estendendo-se a todo
o abdome com a mesma intensidade.

3.1. Técnica

a) Com o dedo médio de uma das mãos em hiperextensão (flexímetro),


apoie a articulação interfalangiana distal firmemente na região a ser
percutida. Evite o contato da superfície a ser percutida com qualquer
outra região da mão;

b) Posicione o antebraço direito da outra mão próximo à superfície, com a


mão levantada. O dedo médio deve ficar parcialmente fletido, levantado
e suspenso, pronto para golpear;

c) Mantenha as articulações do ombro e cotovelo fixos e, com a mão que


irá percutir, golpeie com a ponta do dedo médio (plexor) o dedo médio
(plexímetro) que está apoiado na superfície, mirando na articulação
interfalangiana distal;

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Exame do abdome: percussão e palpação

d) O dedo que golpeia deve estar quase em ângulo reto com o dedo que
é golpeado. É recomendado que se mantenha as unhas curtas para não
se machucar ou, por ventura, machucar o paciente;

e) Afaste rapidamente o dedo que golpeia, para evitar abafar as vibrações


que foram criadas.

3.2. Sonoridade do Abdome

Podem ser encontrados os seguintes sons no abdome: timpanismo,


hipertimpanismo, macicez e submacicez. O timpanismo indica a existên-
cia de ar livre no interior do tubo digestivo, na cavidade peritoneal ou em
formação cística; é o som apresentado normalmente pelo abdome em,
praticamente, toda a sua extensão. A área de nítido timpanismo é conhe-
cida como espaço de traumbe. O som timpânico de uma determinada área
pode ser substituído por maciço ou submaciço se ela for ocupada por uma
estrutura sólida ou líquida. O hipertimpanismo, timpanismo de timbre
mais sonoro ocorre quando há um aumento do volume de ar na cavidade
abdominal ou no trato gastrintestinal, como nos casos de meteorismo,
obstrução abdominal, pneumoperitôneo. O som submaciço está presente
em locais com menor volume gasoso ou presença de um órgão maciço
nas proximidades, como na transição toracoabdominal à direita, sobre a
área de projeção do diafragma. O som maciço ocorre quando a percussão
é realizada sobre a projeção de um órgão sólido, como o fígado e o baço.

3.3. Percussão Hepática

a) Hepatimetria

Para se determinar o tamanho do fígado por meio da palpação, inicia-se


delimitando a sua borda superior por meio da percussão na linha hemi-
clavicular direita. O examinador inicia a percussão ao nível da clavícula e
continua até o nível de 4º ou 5º espaço intercostal, e desvia para fora fugindo
da região cartilagínea das últimas costelas, observando o som claro pulmo-
nar e delimita a borda hepática superior quando ocorre a transição para
o som submaciço. Para a delimitação da borda hepática inferior, inicia-se
a percussão na fossa ilíaca direita e vai em direção ao hipocôndrio direito.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 323 25/01/2020 15:04:09


Capítulo 14

Ao encontrar as últimas costelas, o examinador lateraliza sua percussão a


fim de fugir da região cartilagínea das últimas costelas, percutindo sem-
pre nos espaços intercostais. Ao encontrar um som maciço ou submaciço,
delimita-se a área inferior e mede a distância entre as duas bordas. O valor
de referência de hepatimetria para homens é de 10-12 cm e para mulheres
de 8-11 cm.

b) Sinal de Jobert

Representa a presença de ar na região hepática, que pode decorrer de


uma interposição de alça intestinal e pneumoperitôneo. É observado pelo
examinador quando ocorre a presença de som timpânico ou hipertimpânico
na região de projeção hepática.

c) Sinal de Torres-Homem

Ocorre quando o paciente refere dor abdominal em região do hipo-


côndrio direito quando o examinador realiza a percussão sobre a projeção
da área hepática. Está relacionado a processos infecciosos, como abscesso
hepático.

3.4. Espaço de Traube

Localiza-se na região entre a 9ª e 11ª costelas na região anterior do


abdome no hipocôndrio esquerdo, na área de projeção do fundo gás-
trico. Possui som timpânico, mas pode apresentar-se com som maciço
ou submaciço quando há presença de líquido ou massa. Em casos de
esplenomegalia, é uma região ocupada pelo baço e que produz um som
maciço ou submaciço.

3.5. Pesquisa de Ascite

A percussão abdominal constitui um excelente meio para a pesquisa de


ascite, presença de líquido livre na cavidade abdominal. Os principais sinais
que diagnosticam ascite são:

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Manual_Semiologia_Medica.indb 324 25/01/2020 15:04:09


Exame do abdome: percussão e palpação

a) Sinal do Piparote

A face palmar de uma das mãos é posicionada em um dos flancos do pa-


ciente e com a outra mão o examinador dispara “piparotes” no outro flanco
do paciente. O abalo produzido pelos piparotes é transmitido ao líquido
ascítico e percebidos pela palma da mão posicionada no flanco oposto. Para
que as ondas não sejam transmitidas ao lado oposto pela parede abdomi-
nal, o paciente ou um assistente posiciona a borda cubital da sua mão na
linha mediana do abdome. Esse sinal é característico de grandes ascites,
não sendo efetivo em ascites de médio ou pequeno volume.

Figura 5. Pesquisa de ascite: sinal de Piparote.

Fonte: Autor.

b) Semicírculos de Skoda

Com o paciente em decúbito dorsal, o líquido ascítico tende a se depo-


sitar nas regiões de flanco e hipogastro; assim, uma percussão realizada
desde o epigastro em direção aos flancos e andar inferior do abdome,
revelará uma transição do som timpânico para o maciço ou submaciço,
formando uma linha semicircular com concavidade voltada para região
epigástrica.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 325 25/01/2020 15:04:09


Capítulo 14

c) Macicez Móvel

Quando uma ascite de médio volume, o líquido livre na cavidade perito-


neal se acumula em flancos. Assim, a percussão dessa região se mostrará com
macicez ou submacicez. Posicionando o paciente em decúbito lateral, direito
ou esquerdo, o líquido livre se deslocará para a posição do decúbito e o lado
contralateral será esvaziado, apresentando, então, uma percussão timpânica.

3.6. Percussão Renal

Existem pontos na região lombar cuja palpação pode despertar dor, na


vigência de afecções renais e uretéricas, tais como pielonefrite, tuberculose
renal e litíase renal. Assim, em situações em que há algum processo inflama-
tório retroperitoneal, o abalo produzido por golpes com a borda cubital da
mão no ponto lombar costovertebral (no vértice do ângulo formado pela
última costela e a coluna vertebral) pode produzir dor – Sinal de Giordano.
A manobra deve ser realizada em diferentes alturas da região lombar,
tanto à direita quanto à esquerda, iniciando com manobras leves e aumen-
tando-se gradualmente a força. O sinal de Giordano é um achado inespe-
cífico do exame físico, tendo seu valor semiológico quando associado à
anamnese e ao exame físico.

Figura 6. Percussão renal: pesquisa do Sinal de Giordano.

Fonte: Autor.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 326 25/01/2020 15:04:09


Exame do abdome: percussão e palpação

3.7. Requisitos Técnicos

yy Ambiente tranquilo, confortável, bem arejado e que resguarde a priva-


cidade do paciente.
yy Mesa de exame firme, resistente e larga.
yy Material para antissepsia das mãos.

3.8. Etapas Semiotécnicas

a) Certificar-se de que a temperatura das mãos não está fria;


b) Colocar o paciente com membros superiores estendidos ao longo do
tronco com um pequeno travesseiro que apoie cabeça e ombros, e mem-
bros inferiores estendidos e descruzados;
c) Expor o abdome do paciente;
d) Com o abdome exposto, deve-se explicar o procedimento ao paciente
e perguntar se há alguma área do abdome dolorida;
e) Proceder à percussão de toda a região abdominal, em busca de alguma
anormalidade;
f ) Realizar a hepatimetria;
g) Realizar a pesquisa de ascite;
h) Realizar manobra de Giodano.

3.9. Descrição da Percussão Normal

Abdome timpânico, traube livre, ausência de hepatomegalia, hepatime-


tria de 10 cm e ausência de ascite.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 327 25/01/2020 15:04:09


Capítulo 14

4. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS – MBE

Quadro 4. Principais variáveis de um teste diagnóstico.

REVISÃO RÁPIDA MBE

Se meu paciente tem uma doença, qual probabilidade de um teste


Sensibilidade
diagnóstico ser positivo?

Se meu paciente não tem uma doença, qual probabilidade de um


Especificidade
teste diagnóstico ser negativo?

Quantas vezes é mais provável encontrar um resultado, seja ele po-


sitivo ou negativo, em pessoas doentes em relação a pessoas sadias?
Razão de • Quanto maior a RV positiva = mais o resultado positivo aumenta
verossimilhança a probabilidade de doença.
• Quanto menor a RV negativa = mais o resultado negativo diminui
a probabilidade de doença.

Fonte: Autor.

Tabela 1. Variáveis diagnósticas de alguns achados do exame físico do abdome

HEPATOMEGALIA E ESPLENOMEGALIA
Razão de verossimilhança
Sensibili- Especifici-
Achado Achado Achado
dade (%) dade (%)
presente ausente
Fígado
> 10 cm em percussão 61-92 30-43 NS NS
Fígado palpável abaixo RCD 48 100 233,7 0,5
Baço
Detectado à palpação 18-78 89-99 8.5 0,5
Traube ocupado 11-76 63-95 2,1 0,8

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Exame do abdome: percussão e palpação

PALPAÇÃO DA VESÍCULA BILIAR, BEXIGA E AORTA


Razão de verossimilhança
Sensibili- Especifici-
Achado Achado Achado
dade (%) dade (%)
presente ausente
Vesícula Biliar
Obstrução biliar em pacientes com
31 99 26.0 0,7
icterícia
Obstrução maligna em pacientes
26-55 83-90 2,6 0,7
com icterícia obstrutiva
Bexiga
Detectar > 400 mL urina 82 56 1,9 0,3
Aorta
Massa pulsátil epigástrica – Detec-
22-68 75-99 8,0 0,6
tar Aneurisma de Aorta Abdominal

PESQUISA DE ASCITE
Razão de
Sensibili- Especifici- verossimilhança
Achado
dade (%) dade (%) Achado Achado
presente ausente
Inspeção
Abaulamento de flancos 73-93 44-70 1,9 0,4
Edema 87 77 3,8 0,2
Palpação e percussão
Flancos timpânicos 80-94 29-69 NS 0,3
Macicez móvel 60-87 56-90 2,3 0,4
Piparote 50-80 82-92 5,0 0,5

Fonte: Adaptado de McGee7.

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CASO CLÍNICO

História clínica

P.H.S., sexo masculino, 25 anos, procedente e residente em Viçosa do Ceará,


pardo, solteiro, agricultor, católico, ensino fundamental incompleto. Vem
ao pronto-atendimento com queixa de “febre há 2 meses”.
O paciente refere que, há 2 meses, iniciou quadro de febre persistente, não
mensurada, inicialmente com dois picos diários, sem horário preferencial,
cedendo ao uso de antipiréticos comuns, intercalada por breves períodos de
apirexia (2-3 dias). Associado ao quadro de febre, refere astenia e hiporexia,
com perda ponderal estimada em 7 kg. Além disso, relata náuseas, sem vô-
mitos ou alteração do hábito intestinal, tosse seca, sem horário preferencial,
que piora ao decúbito dorsal e melhora ao uso de medicações caseiras. Há
um mês, o paciente também refere que notou aumento importante do
volume abdominal, apesar da perda de peso. Procurou atendimento no
PSF de origem, sendo solicitados exames laboratoriais.
Medicações em uso: TARV “3 em 1” (Tenofovir 300 mg, Lamivudina 300 mg
e Efavirenz 600 mg); Dipirona 500 mg, se febre.
Antecedentes pessoais: Paciente soropositivo, diagnosticado há 2 anos,
atualmente com carga viral indetectável. Nega outras comorbidades, ci-
rurgias e alergias.
Hábitos: Nega etilismo e tabagismo.
Antecedentes familiares: Mãe, 40 anos, sem relatos de importância clínica.
Pai falecido aos 50 anos por causas externas.

Exame físico

Exame físico geral/Ectoscopia: Estado geral regular, hipocorado (2+/4+),


desidratado (+/4+), acianótico, anictérico, febril ao toque, desnutrido, eup-
neico, consciente, orientado.
Dados vitais: FC 108 bpm, FR 16 irpm, Tax 38,1°C, PA 100x80 mmHg, em
decúbito e sentado, no membro superior direito.
Exame da cabeça e do pescoço: ausência de achados relevantes.
Exame neurológico: orientado em tempo e espaço, sem achados relevantes.

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CASO CLÍNICO

Exame do tórax e aparelho respiratório: tórax atípico, eupneico, expansi-


bilidade e frêmito toracovocal normais, som claro pulmonar à percussão,
murmúrio vesicular presente e universal, sem ruídos adventícios.
Exame do sistema cardiovascular: precórdio normodinâmico, ausência de
turgência jugular patológica, ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas,
em dois tempos, sopro sistólico pancardíaco, 2+/6+.
Exame abdominal (incluindo aparelhos genitais): abdome globoso, sem
abaulamentos, retrações ou cicatrizes, RHA presentes, flácido, macicez de
flancos, doloroso a palpação profunda difusamente, hepatimetria 15 cm,
espaço de Traube ocupado, hepatoesplenomegalia palpável (fígado pal-
pável a 3 cm do rebordo costal direito e baço palpável a 6 cm do rebordo
costal esquerdo).
Exame das extremidades e pulsos periféricos: extremidades bem perfun-
didas, pulsos periféricos palpáveis, cheios e simétricos, sem alterações de
cianose. Presença de edema nos membros inferiores com sinal do cacifo
2+/4+.
Exame das articulações e sistema osteomuscular: hipotrofia muscular.

Exames complementares

Exames laboratoriais: Hb 7,8 g/dL, Ht 19%, leucócitos 1.800, plaquetas


78.000, creatinina 0,9 mg/dL, ureia 22 mg/dL, sódio 127 mg/dL, potássio
4,1 mg/dL, albumina sérica 2,2 g/dL, globulina 6,8 g/dL, bilirrubinas totais
0,9 mg/dL (direta 0,52 mg/dL, indireta 0,38 mg/dL), TGO 52 U/L, TGP 55
U/L. Pesquisa de anticorpos contra o antígeno recombinante k39 positiva.
Sorologias virais para HIV e hepatites negativas.

Pontos de discussão

1. Qual é o sintoma-guia? E como investigá-lo?


2. Qual é o diagnóstico sindrômico?
3. Qual é o diagnóstico anatômico/topográfico?
4. Quais são os diagnósticos diferenciais?

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CASO CLÍNICO

5. Qual é a principal hipótese de diagnóstico etiológico?


6. Quais achados do exame físico corroboram a hipótese?
7. Os dados do exame clínico são suficientes para confirmar ou excluir o
diagnóstico levantado?

Discussão

Nosso paciente se apresenta com queixa principal de febre, que será


nosso sintoma-guia. Contudo, não estamos falando de qualquer paciente
com febre, mas de um paciente procedente de uma região endêmica de
várias doenças febris infecciosas, um dado importante da identificação do
paciente que contribui de forma muito significativa para nosso raciocínio
clínico. E, além disso, estamos falando também de um paciente soropositivo
com febre, uma informação muito valiosa sobre o status imunológico do pa-
ciente que corrobora o pensamento anterior de doenças febris infecciosas.
Além uma síndrome febril clássica, temos também um paciente com
síndrome consumptiva e tosse seca. Vale lembrar que a perda de peso é
considerada significativa quando maior que 5% do peso habitual no período
de 6 a 12 meses. Uma perda ponderal maior que 10% já corresponde a um
estado de desnutrição. Então, temos um paciente soropositivo, com febre,
tosse seca e perda de peso, de evolução subaguda (os sintomas se iniciaram
há 2 meses). Esse quadro clínico é muito sugestivo de uma doença que é
cerca de 100 vezes mais frequente nesse paciente do que na população em
geral: a tuberculose. Poderia e deveria ser nossa principal hipótese diagnós-
tica, mas o exame físico do nosso paciente não fortalece nosso raciocínio,
pois o exame pulmonar é normal e as principais alterações aparecem no
exame do abdome.
Temos um paciente desnutrido, hipocorado e com sopro sistólico pan-
cardiaco, portanto, anêmico. Além de um rico exame abdominal: abdome
globoso e com macicez de flancos, que se traduz clinicamente em presença
de ascite, e hepatoesplenomegalia palpável. Nesse momento, outro leque
de hipóteses diagnósticas deve estar em nossa mente: doenças febris in-
fecciosas, como a esquistossomose, a leishmaniose visceral, a malária e a
doença de Chagas, e doenças hematológicas, como as leucemias.

332

Manual_Semiologia_Medica.indb 332 25/01/2020 15:04:10


CASO CLÍNICO

Dentre as hipóteses levantadas, a história clínica e o exame físico dire-


cionam nosso raciocínio para a leishmaniose visceral, pela epidemiologia,
já que é doença endêmica no Estado do Ceará, e para as leucemias, que
até então não podem ser descartadas. Nesse momento, precisamos de
ajuda de alguns exames complementares. Pelos exames laboratoriais
apresentados no caso, temos duas alterações muito importantes: panci-
topenia e inversão da relação albumina/globulina. Precisamos de mais
algum exame? A rigor, nosso paciente tem indicação de uma punção as-
pirativa de medula óssea (mielograma) ou biopsia de medula óssea para
investigação da pancitopenia. Esses exames seriam mandatórios se um
outro exame apresentado no caso não estivesse disponível ou não fosse
esclarecedor, que é a pesquisa de anticorpos contra o antígeno recom-
binante k39, cujo resultado no nosso paciente foi positivo. O antígeno
k39 é uma sequência de aminoácidos clonada da Leishmania chagasi,
complexo donovani-específico. Portanto, podemos fechar o diagnóstico
de leishmaniose visceral.
A leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, é uma doença
infecciosa sistêmica causada por um protozoário do gênero Leishmania, con-
siderada doença de notificação compulsória em todo o território nacional.
No Brasil, o principal agente etiológico é a Leishmania chagasi, transmitida
pelo inseto vetor flebotomíneo chamado Lutzomyia longipalpis, popular-
mente conhecido como “mosquito palha”, “cangalhinha” e “birigui”. Apesar
de a grande maioria dos casos evoluir para a cura clínica, a letalidade ainda
é elevada em crianças e indivíduos acima de 60 anos, bem como em adultos
jovens, nos casos de coinfecção com o vírus HIV.
O diagnóstico é feito com base no quadro clínico e epidemiológico. Nos
exames de laboratório, as alterações que mais chamam a atenção são a
pancitopenia e a inversão da relação albumina/globulina. Outras alterações
são inespecíficas, como elevação discreta das aminotransferases hepáticas
e bilirrubinas. Os exames parasitológicos são considerados métodos de
referência no diagnóstico da leishmaniose visceral, mas necessitam de
procedimentos invasivos. A confirmação da doença pode ser feita pela
demonstração direta em esfregaços ou cultivo do parasito obtido de baço,
fígado, medula óssea ou linfonodos, com sensibilidade variando de 95 a
98% para o aspirado de baço, 76 a 91% para o de fígado, 52 a 89% para o
de medula óssea e 52 a 69% para o de linfonodos. Os testes sorológicos

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Manual_Semiologia_Medica.indb 333 25/01/2020 15:04:10


CASO CLÍNICO

para detecção de anticorpos, como a pesquisa de anticorpos para o antí-


geno recombinante k39, utilizam métodos sensíveis e específicos, de fácil
execução e interpretação, permitindo o diagnóstico acurado e rápido da
LV, principalmente nas localidades onde o acesso a exames laboratoriais
mais complexos é limitado.
O tratamento de escolha é o antimoniato de N-metil glucamina (glu-
cantime), na dose de 20 mg/kg/dia de 20 a 40 dias consecutivos, por via
intramuscular ou intravenosa. Por sua cardiotoxicidade, hepatotoxicidade
e nefrotoxicidade, é contraindicada em gestantes, cardiopatas, pacientes
com insuficiência renal e em uso de betabloqueadores. O tratamento de
segunda linha é feito com a anfotericina B (desoxicolato ou anfotericina
lipossomal). Para o tratamento da coinfecção Leishmania-HIV na forma
visceral, a anfotericina B lipossomal é a droga de primeira escolha.

Sintoma-guia: Febre.
Diagnóstico sindrômico: Síndrome febril, síndrome consumptiva.
Diagnóstico anatômico/topográfico: Sistema hematopoiético.
Diagnósticos diferenciais:
yy Leishmaniose visceral
yy Esquistossomose
yy Malária
yy Doença de Chagas
yy Leucemias
Hipotese diagnóstica: Leishmaniose visceral.

Pontos importantes

yy Durante o exame do abdome, o paciente deve ser avaliado em decúbito


dorsal com membros superiores estendidos ao longo do tronco com um
pequeno travesseiro que apoie cabeça e ombros, e membros inferiores
estendidos e descruzados;
yy No paciente com dor abdominal, a palpação abdominal inicia-se fora
da área indicada como mais sensível;

334

Manual_Semiologia_Medica.indb 334 25/01/2020 15:04:10


CASO CLÍNICO

yy Algumas doenças de vísceras abdominais podem se manifestar com


dor extra-abdominal, e diagnósticos diferenciais sempre devem ser
levantados;
yy Ao contrário do fígado, que pode ser palpável em condições normais, o
baço somente é palpável em condições patológicas;
yy Nas regiões endêmicas, em paciente com síndrome febril, hepatoesple-
nomegalia e pancitopenia, é mandatória a investigação de leishmaniose
visceral.

335

Manual_Semiologia_Medica.indb 335 25/01/2020 15:04:10


Capítulo 14

REFERÊNCIAS

1. Lopez M. Semiologia Médica: As Bases do Diagnóstico Clínico. 5. ed. Rio de Janeiro: Revinter;
2004.
2. Porto CS. Semiologia médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2014.
3. Bickley lS. Bates: Propedêutica Médica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015.
4. Meneghelli UG, Martilnelli ALC. Princípios de semiotécnica e de interpretação clínica do
abdômen. Simpósio semiologia, Capítulo IX. Medicina, Ribeirão Preto. 2014; 37: 267-85.
5. Cavalcante IJM, Vale MR. Aspectos epidemiológicos da leishmaniose visceral (calazar) no
Ceará no período de 2007 a 2011. Rev Bras Epidemiol. 2014; 17(4): 911-24.
6. Assis TSM, Braga ASC, Pedras MJ, Barral AMP, Siqueira IC, Costa, CHN, et al. Validação do teste
imunocromatográfico rápido IT-LEISH® para o diagnóstico da leishmaniose visceral humana.
Epidemiol Serv Saúde. 2008;17(2):107-16.
7. McGee, Steven R. Evidence-based physical diagnosis. 4th [edition]. Philadelphia, PA: Elsevier,
[2018]

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Exame neurológico: nervos cranianos

EXAME NEUROLÓGICO:
Capítulo

NERVOS CRANIANOS 17
Autores:
Thayná Araújo Freire e
Manuel Fortes Monteiro
Coautores:
Keven Ferreira da Ponte e
Thays Araújo Freire

O que você irá ver neste capítulo:


✓ Mapa mental dos sinais e sintomas
✓ Exame dos nervos cranianos
• Anatomia topográfica dos nervos cranianos
• Exame dos nervos cranianos
✓ Medicina baseada em evidências
✓ Caso clínico
✓ Referências

389

Manual_Semiologia_Medica.indb 389 25/01/2020 15:04:12


390
1. MAPA MENTAL DOS SINAIS E SINTOMAS

ANOSMIA AMAUROSE
DISOSMIA AMBLIOPIA
PAROSMIA PRESBIOPIA

Manual_Semiologia_Medica.indb 390
FANTOSMIA FOTOFOBIA
CACOSMIA
COPROSMIA
AGNOSIA
ACUIDADE
ALTERAÇÕES DA PAPILEDEMA
MAPA MENTAL 

MOTRICIDADE VISUAL
ATROFIA OPTICA
DA LINGUA HEMORRAGIAS
FUNDOSCOPIA
ALTERAÇÕES VASCULARES
NC I EXSUDATOS ALGODONOSOS
NC XII OLFATÓRIO NC II
HIPOGLOSSO ÓPTICO
CAMPO ESCOTOMAS
VISUAL HEMIANOPSIAS

FRAQUEZA NC XI
ACESSÓRIO
NEURALGIA DO NC III
PTOSE PALPEBRAL
GLOSSOFARÍNGEO NC IX NERVOS (OCULOMOTOR), ESTRABISMOS
DISARTRIA (GLOSSOFARÍNGEO) CRANIANOS IV (TROCLEAR) E NISTAGMO
DISFONIA VI (ABDUCENTE) DIPLOPIA
E X (VAGO)
DISFAGIA

NC VIII
ACÚSTICO NC III DISTÚRBIOS
NC VII (OCULOMOTOR) DAS PUPILAS
FACIAL
NERVO NERVO NC V
VESTIBULAR COCLEAR TRIGÊMEO
PARALISIA FACIAL PUPILAS GRANDES
PERIFERICA PUPILAS PEQUENAS
HIPOACUSIA SINDROME DE HORNER
NISTAGMO
ANACUSIA NEURALGIA DO PUPILAS DE ARGYLL
ATAXIA
FONOFOBIA TRIGEMEO ROBERTSON
VERTIGEM
ACÚFENOS

25/01/2020 15:04:12
Exame neurológico: nervos cranianos

2. EXAME DOS NERVOS CRANIANOS

2.1. Anatomia Topográfica dos Nervos Cranianos

Os nervos cranianos (NC) partem em doze pares do encéfalo em direção


aos órgãos dos sentidos e aos músculos, principalmente da cabeça e do
pescoço, sendo numerados em algarismos romanos no sentido rostrocaudal.
Dez dos 12 pares de nervos saem do tronco encefálico. O NC I (nervo olfa-
tório) e NC II (nervo óptico) são as exceções e partem, respectivamente, do
telencéfalo e diencéfalo. Esses dois pares são considerados nervos atípicos
por terem estrutura mais próxima do tecido cerebral do que propriamente
de nervos.

Figura 1. Anatomia dos nervos cranianos.

Fonte: Lynch1.

391

Manual_Semiologia_Medica.indb 391 25/01/2020 15:04:12


Capítulo 17

a) NC I: o nervo olfatório

O NC I é exclusivamente sensitivo, sendo responsável pela olfação. É


constituído por numerosos feixes de fibras nervosas que, originando-se na
região de cada fossa nasal (mucosa nasal), atravessam a lâmina crivosa do
osso etmoide e terminam no bulbo olfatório, uma região constituída de
substância cinzenta no rinencéfalo localizado sob o lobo frontal.2 O bulbo
olfatório continua-se posteriormente com o trato olfatório, de forma que
uma parte das fibras seguem em direção ao córtex olfatório do úncus e giro
para-hipocampal, enquanto outra parte vai fazer conexão com o sistema
límbico, na área septal.3

b) NC II: o nervo óptico

O NC II é exclusivamente sensitivo, responsável pela visão. É constituído


por um grosso feixe de fibras nervosas que conectam a retina ao encefálo.2
O feixe penetra no crânio pelo canal óptico e atravessa o quiasma óptico
até o corpo geniculado lateral, no tálamo. Finalmente, as fibras seguem
pelas radiações ópticas até o córtex visual, no lobo occipital. As meninges
intracranianas formam bainhas ao longo do trajeto intraorbital dos nervos,
permitindo a continuação do espaço subaracnóideo intracraniano até o
olho. Por isso, nos casos de elevação da pressão intracraniana, ocorre con-
sequente papiledema.4

c) NC III: o nervo oculomotor

O NC III é exclusivamente motor, participando da motricidade do globo


ocular, da contratilidade pupilar e da elevação da pálpebra. Parte de suas
fibras se originam no núcleo oculomotor no mesencéfalo, levando fibras
motoras aos músculos extraoculares, e outra parte no núcleo de Edinger-
-Westphal, também no mesencéfalo, levando fibras autonômicas paras-
simpáticas ao músculo esfíncter da pupila e músculo ciliar, que atuam na
contração pupilar e acomodação do cristalino, respectivamente.2 O nervo
passa pelo seio cavernoso e depois pela fissura orbital superior para iner-
var os músculos reto medial, oblíquo inferior, reto superior, reto inferior e
levantador da pálpebra.

392

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Exame neurológico: nervos cranianos

d) NC IV: o nervo troclear

O NC IV é exclusivamente motor, atuando na motricidade do globo


ocular (olhar para baixo e para dentro). Suas fibras se originam no núcleo
do troclear no mesencéfalo e circundam o tronco encefálico antes de seguir
pelo seio cavernoso. Em seguida, penetra na órbita através da fissura orbital
superior para então suprir o músculo obliquo superior.2,4

e) NC V: o nervo trigêmeo

O NC V é um nervo misto (predominantemente sensitivo, mas também


motor), cujas funções são essencialmente a sensibilidade da face e a mas-
tigação. A raiz sensitiva é formada por três ramos: oftálmico (V1), maxilar
(V2) e mandibular (V3), responsáveis pela sensibilidade somática geral da
face. As fibras oftálmicas penetram no crânio pela fissura orbital superior, as
maxilares pelo forame redondo, e as mandibulares pelo forame oval, para
se juntarem no gânglio trigeminal (ou gânglio de Gasser) e continuarem
como nervo trigêmeo até a ponte. A raiz motora é constituída por fibras
que acompanham o ramo mandibular, distribuindo-se aos músculos da
mastigação (temporal, masseter, pterigoide lateral, pterigoide medial), além
de suprir os músculos milo-hioideo, corpo anterior do digástrico, tensor do
véu palatino e tensor do tímpano.2,4

f) NC VI: o nervo abducente

O NC VI é exclusivamente motor, participando na motricidade do glo-


bo ocular (olhar para fora). É constituído por fibras que partem da ponte,
atravessam o seio cavernoso e penetram na órbita através da fissura orbital
superior, para inervar o músculo reto lateral.

g) NC VII: o nervo facial

O NC VII é um nervo misto (predominantemente motor, mas também


sensitivo), sendo responsável pela motricidade dos músculos da expressão
facial e sensibilidade gustativa dos dois terços anteriores da língua. Esta úl-
tima função fica a cargo de sua raiz sensitiva e visceral, o nervo intermédio.
O componente motor é formado por fibras que se originam no núcleo facial

393

Manual_Semiologia_Medica.indb 393 25/01/2020 15:04:12


Capítulo 17

na ponte, núcleo este formado por dois subnúcleos: superior e inferior. O


núcleo facial superior recebe fibras corticonucleares provenientes dos dois
hemisférios cerebrais e dá origem às fibras que inervam a musculatura do
andar superior da face. Já o núcleo facial inferior recebe fibras provenien-
tes unicamente do hemisfério contralateral e dá origem às fibras para a
musculatura do andar inferior da face. Isto explica por que as lesões que
acometem fibras corticonucleares unilaterais não geram paralisia no andar
superior, apenas inferior (paralisia facial central). O NC VII emerge do crânio
pelo forame estilomastoideo, atravessa a glândula parótida e distribui uma
série de ramos para os músculos mímicos, músculo estilo-hioideo e ventre
posterior do músculo digástrico.

h) NC VIII: o nervo acústico ou vestibulococlear

O NC VIII é exclusivamente sensitivo, dividido em um componente


vestibular e um componente coclear, cuja origem, função e conexão cen-
trais são diferentes. O componente vestibular é formado por fibras que
se originam dos neurônios sensitivos do gânglio vestibular, conduzindo
impulsos nervosos relacionados com o equilíbrio, coordenação e orienta-
ção no espaço. O componente coclear é constituído de fibras originárias
nos neurônios sensitivos do gânglio espiral, situado na cóclea, conduzindo
impulsos nervosos relacionados com a audição.2,4

i) NC IX: o nervo glossofaríngeo

O NC IX é um nervo misto e essencialmente visceral. Seu componente


mais importante é representado por fibras sensitivas viscerais, responsáveis
pela sensibilidade geral do terço posterior da língua, faringe, úvula, tonsila,
tuba auditiva, além do seio e corpo carotídeos. Seu componente motor
pertence à divisão parassimpática do sistema nervoso autônomo.4

j) NC X: o nervo vago

O NC X é também um nervo misto e essencialmente visceral. Emerge


do crânio pelo forame jugular, percorre o pescoço e o tórax, terminando
no abdome. Dá origem ao nervo motor mais importante da laringe (nervo
laríngeo recorrente) e a numerosos ramos que inervam também a faringe

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Manual_Semiologia_Medica.indb 394 25/01/2020 15:04:12


Exame neurológico: nervos cranianos

e formam os plexos viscerais da inervação autônoma parassimpática das


vísceras torácicas e abdominais. O NC IX e X deixam o crânio juntos, man-
têm-se próximos ao longo do trajeto no pescoço e suprem algumas das
mesmas estruturas.2,4

k) NC XI: o nervo acessório

O NC XI é um nervo exclusivamente motor, formado por uma raiz cra-


niana (ou bulbar) e uma raiz espinhal. O principal componente é a raiz es-
pinal, cuja função é inervar o músculo esternocleidomastoideo (ECM) e o
trapézio, responsáveis respectivamente pelo movimento de rotação da
cabeça e elevação dos ombros. A raiz craniana é distribuída principalmen-
te com o nervo laríngeo recorrente e sua contribuição é indistinguível da
contribuição do nervo vago.2,4

l) NC XII: o nervo hipoglosso

O NC XII é um nervo exclusivamente motor, responsável pela motrici-


dade da língua. Emerge do crânio pelo canal do hipoglosso, distribuindo-se
aos músculos intrínsecos e extrínsecos da língua.4

2.2. Exame dos nervos cranianos

Os nervos cranianos constituem apenas a parte periférica das vias fun-


cionais da extremidade cefálica. Da mesma forma que o sistema corticoes-
pinal ou piramidal, as vias motoras são constituídas de dois neurônios, um
central corticonuclear e um periférico núcleo-muscular (nervo craniano).
Já nas vias sensitivas, como nas vias somestésicas do tronco e membros,
encontramos três neurônios, cujo segmento periférico é o nervo craniano
e cujo segmento central é núcleo-cortical.
A avaliação dos pares cranianos tem uma organização própria para cada
par, de acordo com as funções específicas de cada um deles, as quais de-
pendem, portanto, da integridade tanto de seus componentes periféricos
como centrais. No decorrer do capítulo, vamos discutir detalhadamente
cada par.

395

Manual_Semiologia_Medica.indb 395 25/01/2020 15:04:12


Capítulo 17

Quadro 1. Avaliação dos nervos cranianos.

AVALIAÇÃO DOS NERVOS CRANIANOS


NC I (olfatório) Sensibilidade olfatória
NC II (óptico) Acuidade visual, campo visual e fundoscopia
NC III (oculomotor) Motricidade ocular extrínseca e reflexos pupilares
NC IV (troclear) e
Motricidade ocular extrínseca
NC VI (abducente)
Função sensitiva (sensibilidade da face), função motora (mastiga-
NC V (trigêmeo)
ção) e reflexos (reflexos corneano, esternutatório e mandibular)
NC VII (facial) Motricidade da face e gustação
Função auditiva (otoscopia e acuidade auditiva) e função vesti-
NC VIII (acústico) bular (reflexos vestíbulo-espinais, reflexos vestíbulo-oculares e
pesquisa de nistagmo)
NC IX (glossofaríngeo)
Deglutição, fonação, elevação do palato, reflexo do vômito
e NC X (vago)
NC XI (acessório) Motricidade dos músculos esternocleidomastoideo e trapézio
NC XII (hipoglosso) Motricidade da língua, trofismo e fasciculação

Fonte: Baseado em Campbell4 e Porto8.

2.1.1. Exame do nervo olfatório4,5

A olfação, até mais do que a gustação, tem a qualidade afetiva de ser


agradável ou desagradável, tornando-se mais importante para a seleção
dos alimentos. Tal capacidade de perceber e identificar diversos odores
difere de pessoa para pessoa.
A avaliação do nervo olfatório é simples e realizada com substâncias
diversas para testar o olfato. Uma parte dela começa na entrevista clínica,
onde devemos interrogar traumatismo cranioencefálico prévio, história de
tabagismo, infecção de via aérea superior recente, comorbidades, nutrição
e exposição a toxinas. É importante destacar que a maioria dos casos de
alteração do olfato é causada por obstrução intranasal, tendo a rinite e
sinusite crônicas como importantes causas desses distúrbios. Além disso,
um paciente com comprometimento do olfato pode queixar-se de perda
do paladar, já que a percepção do sabor é uma síntese de sensações deri-
vadas dos nervos olfatórios, órgãos gustatórios e outros órgãos sensoriais.

396

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Exame neurológico: nervos cranianos

Quadro 2. Distúrbios do olfato.

DISTÚRBIOS DO OLFATO
Anosmia Ausência do olfato
Hiposmia Diminuição do olfato
Hiperosmia Olfato excessivamente agudo
Disosmia Comprometimento ou defeito do olfato
Parosmia Perversão ou distorção do olfato
Fantosmia Percepção de um odor que não é real
Presbiosmia Diminuição do olfato devido ao envelhecimento
Cacosmia Odores indevidamente desagradáveis
Coprosmia Cacosmia com odor fecal
Agnosia olfativa Incapacidade de identificar ou interpretar odores detectados

Fonte: Autor. Baseado em Campbell4 e Larner7.

2.1.1.1. Roteiro para Avaliação do Nervo Olfatório

a) Orientações gerais:

yy Antes de avaliar o olfato, certifique-se de que as vias nasais estão deso-


bstruídas;
yy O teste do olfato é feito com estímulos não irritantes, para evitar o estí-
mulo simultâneo do nervo trigêmeo;
yy Cada narina deve ser examinada separadamente, com o paciente de
olhos fechados, enquanto, ao mesmo tempo, a outra narina deve ser
ocluída;
yy O lado com suspeita de anormalidade deve ser examinado primeiro;
yy Substâncias de teste: álcool, sabão, creme dental, cravo-da-índia, café,
canela, baunilha, entre outros.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro, calmo e sem odores.


yy Posição do paciente e do examinador: O paciente, deitado ou sentado,
deve estar de olhos fechados, e o examinador posicionado a sua frente.

397

Manual_Semiologia_Medica.indb 397 25/01/2020 15:04:12


Capítulo 17

yy Etapas do procedimento: Com o paciente de olhos fechados, o exami-


nador, posicionado do seu lado direito, irá testar cada narina separada-
mente. Avaliando primeiro o lado que apresenta alguma anormalidade,
o examinador aproxima a substância de teste à narina aberta, enquanto
oclui a outra. Pede, então, ao paciente para aspirar o odor pelo nariz e
indicar se está sentindo algum cheiro. Em caso afirmativo, o paciente
deve identificar a substância testada. O procedimento é então repetido
com a outra narina e os dois lados devem ser comparados.

c) Parâmetros de normalidade:

Espera-se que o paciente seja capaz de reconhecer os odores testados,


identificando-os. Contudo, a percepção do odor é mais importante que
a identificação exata. Dessa forma, a detecção da presença de um odor,
mesmo sem reconhecê-lo, exclui anosmia.

2.1.2. Exame do nervo óptico

2.1.2.1. Formação da Imagem

O aparelho sensorial da visão é constituído por órgãos receptores (retina)


e condutores dos estímulos visuais e por centros de percepção e interpre-
tação da informação (córtex occipital).3
As imagens são recolhidas na retina por meio de receptores periféricos,
chamados cones (responsáveis pela percepção de cores) e bastonetes (res-
ponsáveis pela visão noturna, visão periférica e sensação de movimento),
e conduzidas ao centro da visão no lobo occipital.8 Os bastonetes estão
dispersos por toda a retina, com exceção da região da mácula. Já os cones,
também presentes em toda a retina, concentram-se na mácula, de onde
90% das fibras do nervo óptico têm origem, formando o ponto de maior
acuidade visual.4 Por isso, os primeiros sinais de acometimento do NC II
refletem a função macular: comprometimento da visão de cores e da acui-
dade visual e escotoma central.
No que diz respeito à formação da imagem, o olho é opticamente equi-
valente a uma câmera fotográfica: um sistema de lentes (cristalino), um
sistema de abertura variável (pupila) e um filme (retina). A imagem formada
na retina é invertida; no entanto, nosso cérebro é treinado para convertê-la
para a posição correta.

398

Manual_Semiologia_Medica.indb 398 25/01/2020 15:04:12


Exame neurológico: nervos cranianos

A função do nervo óptico é testada examinando-se a acuidade visual e


o campo visual e realizando o exame oftalmoscópico ou exame de fundo
de olho.

2.1.2.2. Roteiro para Avaliação da Acuidade Visual3,6,8,9

Acuidade visual é o grau de aptidão do olho para discriminar a forma e


o contorno dos objetos, por meio do reconhecimento de dois pontos próxi-
mos. Ela é testada através de escalas impressas com caracteres de dimensão
variável, dentre as quais a mais utilizada é a escala de Snellen. Nessa escala,
em cada linha, na lateral esquerda da tabela, existe um número decimal,
que corresponde à medida da acuidade visual.

a) Orientações gerais:

yy Cada olho deve ser examinado separadamente, enquanto o outro per-


manece ocluído;
yy A escala deve ser colocada numa parede a uma distância de 6 metros da
pessoa a ser examinada (se ela estiver sentada, a distância é contada a
partir das pernas traseiras da cadeira) para que não ocorra acomodação;
yy Deve ser testada em condições que eliminem erros de refração, por isso,
pacientes que usam lentes devem ser examinados usando-as;
yy É importante observar se, durante a avaliação, o examinado apresenta
algum sinal ou sintoma ocular (lacrimejamento, inclinação persistente
de cabeça, piscar contínuo dos olhos, estrabismo, cefaleia, testa franzida,
olhos semicerrados). Estes sinais ou sintomas deverão ser anotados
como observação na ficha de resultado;
yy Todos os pacientes que não atingirem 20/25 devem ser retestados. Valerá
o resultado em que a medida da acuidade visual foi maior.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro, calmo e sem ofuscamento.


Deve-se evitar que a luz incida diretamente sobre a escala.
yy Posição do paciente e do examinador: O paciente, em ortostase ou
sentado, deve estar posicionado a 6 metros de distância da escala (que

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Manual_Semiologia_Medica.indb 399 25/01/2020 15:04:12


Capítulo 17

equivale a 20 pés de distância) e o examinador posiciona-se próximo à


escala para apontar os optotipos (caracteres).
yy Etapas do procedimento: O paciente permanece com o olho direito
aberto e oclui, com uma das mãos ou com cartão oclusor, o olho
esquerdo, enquanto o examinador aponta para os optotipos. Deve-se
iniciar pelos optotipos maiores, continuando a sequência de leitura até
onde a pessoa consiga enxergar sem dificuldade. O profissional deve
mostrar pelo menos dois optotipos de cada linha. Se o examinado tiver
alguma dificuldade numa determinada linha, deve-se, então, mostrar
um número maior de sinais da mesma linha. Caso a dificuldade continue,
é indicado voltar à linha anterior. A acuidade visual registrada será o
número decimal ao lado esquerdo da última linha em que a pessoa con-
siga enxergar mais da metade dos optotipos. Exemplo: numa linha com 6
optotipos, o examinado deverá enxergar no mínimo 4. O procedimento
é então repetido com olho esquerdo e os dois lados são comparados.

Figura 2. Escala de Snellen.

Fonte: Dahl17.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 400 25/01/2020 15:04:12


Exame neurológico: nervos cranianos

c) Parâmetros de normalidade:

A acuidade visual normal equivale a 1 ou 20/20, ou seja, aquilo que


uma pessoa com visão normal enxerga a 20 pés (6 m), o paciente também
enxerga a 20 pés. A escala varia até 1/10 ou 20/200 (o maior caractere), o
que significa que aquilo que uma pessoa com visão normal enxerga a 200
pés (60 m), o paciente só consegue enxergar a 20 pés (ou 6 m). Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), a classificação das deficiências visuais
de acordo com a classe de acuidade visual é a seguinte:
yy Normal – 20/12 a 20/25
yy Próximo do Normal – 20/30 a 20/60
yy Baixa Visão Moderada – 20/80 a 20/150
yy Baixa Visão Severa – 20/200 a 20/400
yy Baixa Visão Profunda – 20/500 a 20/1000
yy Próximo à Cegueira – 20/1200 a 20/2500
yy Cegueira Total – sem percepção de luz (SPL)

Quadro 3. Anormalidades da acuidade visual.

ANORMALIDADES DA ACUIDADE VISUAL

Sinônimo de cegueira seja qual for a causa, embora o termo seja mais
Amaurose utilizado para se referir à cegueira sem doença ocular primária ou secun-
dária a doença do nervo óptico ou do encéfalo.

Refere-se à diminuição da visão por um processo orgânico na ausência


de lesão demonstrável. Na ambliopia por desuso; por exemplo, ocorre de-
Ambliopia
ficiência visual em um olho causada por uso preferencial do olho oposto
em um paciente com estrabismo congênito.

É a hipermetropia progressiva, provavelmente por acomodação disfun-


Presbiopia
cional relacionada com a idade.

É a intolerância exagerada à luminosidade, que pode se manifestar co-


Fotofobia
mo dor.

Fonte: Autor. Baseado em Larner7.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 401 25/01/2020 15:04:12


Capítulo 17

2.1.2.3. Roteiro para Avaliação do Campo Visual3,4,6,8

O campo visual é o limite da visão periférica. Enquanto a visão macular


é nítida, as imagens periféricas não são, e os objetos são mais visíveis caso
estejam se movendo. Para avaliar o campo visual, o teste mais utilizado é
o Teste de Confrontação, em que o examinador e o paciente se colocam
um em frente ao outro, fixando os respectivos olhos (olho esquerdo do
examinador com olho direito do paciente e vice-versa).

a) Orientações gerais:

yy Cada olho deve ser examinado separadamente, enquanto o outro per-


manece ocluído, e depois repetir o procedimento com os dois olhos
abertos simultaneamente;
yy O paciente deve estar lúcido e cooperativo para que os resultados do
teste sejam mais precisos;
yy O examinador deve estar a uma distância de um braço de comprimento
do paciente (cerca de 60 cm);
yy O objetivo do teste de confrontação é determinar se o campo visual do
paciente é semelhante ou mais restrito que o do examinador.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro, calmo e sem ofuscamento.


yy Posição do paciente e do examinador: O paciente, em ortostase ou
sentado, deve estar posicionado a cerca de 60 cm do examinador, apro-
ximadamente na mesma altura, com o olho não examinado ocluído. O
examinador posiciona-se de frente para o paciente e também oclui um
de seus olhos (se o olho examinado do paciente será o direito, o paciente
oclui o olho esquerdo e o examinador oclui o olho direito).
yy Etapas do procedimento: O paciente permanece com o olho a ser
examinado aberto e oclui, com uma das mãos ou com cartão oclu-
sor, o olho contralateral. Estendendo cotovelos e dedos indicadores,
o examinador deve posicionar os dedos na periferia, a cerca de meio
metro do paciente. A visão do avaliador é o parâmetro. Deve-se, então,

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Manual_Semiologia_Medica.indb 402 25/01/2020 15:04:12


Exame neurológico: nervos cranianos

movimentar o dedo indicador lentamente, em todas as direções, até


que o paciente o detecte, percorrendo os quatro quadrantes do campo
visual, e solicitando ao paciente que “aponte para o dedo que se move”.
O procedimento é repetido com o outro olho, comparando os resultados,
e com os dois olhos abertos simultaneamente.

Figura 3. Teste de Confrontação.

Fonte: Autor.

c) Parâmetros de normalidade:

O campo visual normal estende-se de 90° a 100° temporalmente, cerca


de 60° nasalmente, de 50° a 60° superiormente e 60° a 75° inferiormente.
Apesar de haver variações individuais nos campos de visão devido à confi-
guração facial, à forma da orbita, à posição do olho na orbita ou ao grau de
projeção da sobrancelha e do tamanho do nariz, essa variação raramente
é significativa do ponto de vista clínico.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 403 25/01/2020 15:04:13


Capítulo 17

Quadro 4. Principais anormalidades do campo visual.

PRINCIPAIS ANORMALIDADES DO CAMPO VISUAL


São áreas de visão comprometida circundadas por visão normal, que
podem ser absolutos, quando a função visual está perdida, ou relativos,
quando a função visual está diminuída, mas não ausente. São repre-
sentados por manchas escuras. O escotoma fisiológico é o disco óptico,
denominado “ponto cego” da visão. Escotomas são sintomas, por isso
Escotomas
podem estar presentes em diversas doenças, variando sua localização e
sua forma. Causas: doenças da retina ou do nervo óptico, como a neu-
rite óptica, doenças cerebrais no polo occipital, doença ocular primária,
como glaucoma, dentre outras. Escotomas cintilantes são um tipo de
aura visual comum na enxaqueca.
Figura 4. Anatomia do nervo, trato, quiasma e lobo óptico.

Hemianopsias

Fonte: Autor. Baseada em Kahle10.

404

Manual_Semiologia_Medica.indb 404 25/01/2020 15:04:13


Exame neurológico: nervos cranianos

PRINCIPAIS ANORMALIDADES DO CAMPO VISUAL


É a visão comprometida em metade do campo visual de cada olho. Po-
dem ser homônimas, quando comprometem o campo visual correspon-
dente (metade direita ou esquerda em ambos os olhos), ou heterônimas,
quando comprometem metades contralaterais, sendo mais comumente
bitemporais e raramente binasais.
O termo hemianopsia faz referência ao campo visual perdido e não à he-
mirretina afetada. Por isso, a hemianopsia homônima esquerda resulta
de lesão no trato óptico direito, bloqueando a informação proveniente
da hemirretina nasal esquerda e da hemirretina temporal direita, levan-
do a perda dos dois campos visuais esquerdos. O inverso é verdadeiro
para a hemianopsia homônima direita.

Figura 5. Hemianopsias homônimas.


OE OD

Hemianopsias
(continuação)

A. Hemianopsia homônima esquerda

OE OD

B. Hemianopsia homônima direita


Fonte: Autor.

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Capítulo 17

PRINCIPAIS ANORMALIDADES DO CAMPO VISUAL


Já a hemianopsia heterônima bitemporal resulta de lesão no quiasma
óptico, bloqueando as informações provenientes das hemirretinas na-
sais esquerda e direita, cuja causa mais comum é o adenoma hipofisário.
Quando a lesão ocorre no nível das radiações ópticas, o defeito no campo
visual é uma quadrantopsia, que também pode ser homônima ou hete-
rônima e que se manifesta no campo visual contralateral ao lado da lesão.

Figura 6. Hemianopsias heterônimas.


OE OD

Hemianopsias
(continuação)

A. Hemianopsia heterônima binasal

OE OD

B. Hemianopsia heterônima bitemporal


Fonte: Autor.

Fonte: Autor. Baseado em Campbell4, Greenberg6 e Porto8.

2.1.2.4. Roteiro para a Fundoscopia3,4,6

O nervo óptico é o único que pode ser visualizado diretamente, o que


é feito através da fundoscopia, com o uso do oftalmoscópio. Durante o
exame de fundo de olho, são observados a papila óptica, o disco óptico, a
mácula, a retina e os vasos retinianos.
Iniciamos o exame oftalmoscópico pela observação da papila, que é
extremidade visível do nervo óptico. Ela se apresenta tipicamente como

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Manual_Semiologia_Medica.indb 406 25/01/2020 15:04:13


Exame neurológico: nervos cranianos

uma mancha rosa pálida, de forma arredondada, bordas nítidas, de cujo


centro emergem os vasos retinianos.

a) Orientações gerais:

yy Para melhor resultado, a fundoscopia deve ser realizada com o paciente


em midríase completa (o que pode ser obtido com uso de colírio midri-
ático);
yy A nitidez da imagem será obtida com a rotação do disco de lentes, adi-
cionando-se lentes negativas em olhos míopes, e positivas em hiper-
metropes.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente escuro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: O observador deve posicionar-se
de frente para o paciente.
yy Etapas do procedimento: Inicia-se o exame deixando em zero o poder
das lentes do oftalmoscópio, que será controlado pelo dedo indicador.
Tomando o oftalmoscópio com a mão direita, o examinador avalia com
seu olho direito o olho direito do paciente e vice-versa. Com o paciente
olhando para um ponto fixo a sua frente, o examinador, observando
pelo visor, dirige o feixe luminoso para a pupila do paciente. O obser-
vador deve, então, aproximar-se do paciente sem deixar de visualizar
a pupila, chegando até cerca de 1 a 2 cm da córnea, a partir de onde
verá a retina ou a papila do nervo óptico, ajustando a nitidez de acordo
com a necessidade e corrigindo a miopia ou hipermetropia do paciente.
Deve, então, avaliar a retina dividida em 4 quadrantes: nasal e temporal,
superior e inferior, e os achados devem ser registrados por quadrante.

c) Parâmetros de normalidade:

A papila óptica, de posição nasal, se apresenta como uma mancha rosa


pálida arredondada, de cujo centro emergem os vasos sanguíneos: artérias,
mais finas e menos calibrosas, com trajeto mais retilíneo e aspecto brilhante,
e veias, de maior calibre, mais tortuosas e de cor avermelhada mais inten-
sa. A mácula densa tem posição temporal e aparece como uma pequena

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Manual_Semiologia_Medica.indb 407 25/01/2020 15:04:13


Capítulo 17

mancha escura e desprovida de grandes vasos. Já a retina apresenta-se


com reflexo vermelho, é percorrida pelos vasos e mostra um reflexo central
(reflexo foveolar).

Figura 7. Manuseio do oftalmoscópio.

Fonte: Autor.

Figura 8. Retina normal.

Fonte: National Eye Institute11.

408

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Exame neurológico: nervos cranianos

Quadro 5. Anormalidades da fundoscopia.

ANORMALIDADES DA FUNDOSCOPIA

É o edema do nervo óptico por elevação da pressão intracraniana.


Edema de papila
Quando crônico, pode induzir atrofia do nervo óptico e danos per-
(papiledema)
manentes no campo visual.

É a palidez do nervo óptico, principalmente nasal, visualizada na fun-


Atrofia óptica doscopia. Pode ser resultado de doença do nervo óptico, bem como
da retina, do quiasma ou do trato óptico.

As alterações dos vasos retinianos mais comuns são os cruzamen-


Alterações
tos patológicos, estreitamentos, aumento da tortuosidade e microa-
vasculares
neurismas.

Extravasamento vascular superficial e linear (chama de vela), resul-


Hemorragias em
tante de permeabilidade vascular anormal ou oclusões venosas. Co-
chama de vela
mum na retinopatia hipertensiva.

Exsudatos Área de edema focal, visualizadas como manchas brancas, resultante


algodonosos de isquemia na microcirculação. Comum na retinopatia hipertensiva.

Fonte: Autor. Baseado em Campbell4, Larner7 e Jacomini12.

2.1.3. Exame dos nervos motores oculares: NC III (nervo


oculomotor), IV (nervo troclear) e VI (abducente)

O nervo oculomotor será discutido em dois momentos. Primeiramente,


junto com o nervo troclear e o nervo abducente na avaliação dos movimen-
tos oculares extrínsecos; posteriormente, na avaliação dos reflexos pupilares.
Ao avaliar o nervo oculomotor, estaremos testando a função de cinco
componentes da musculatura extrínseca: reto medial (adução); reto supe-
rior e oblíquo inferior (elevação); reto inferior (abaixamento); e elevador da
pálpebra superior. Ao teste do nervo troclear, avaliamos o músculo oblíquo
superior (abaixamento com adução e rotação interna, ou seja, olhar para a
ponta do nariz), e ao teste do nervo abducente, avaliamos o músculo reto
lateral (abdução).3

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Capítulo 17

Quadro 6. Distúrbios dos nervos motores.

DISTÚRBIOS DOS NERVOS MOTORES


A posição do bulbo do olho na órbita pode ser anormal, com protrusão
(exoftalmia, proptose) ou retração (enoftalmia). A exoftalmia geralmen-
te é bilateral, e, na maioria das vezes, é causada por doença da tireoide.
Exoftalmia e
Algumas das causas neurologicamente importantes de proptose uni-
enoftalmia
lateral incluem lesão expansiva da órbita, fístula carotideocavernosa,
trombose do seio cavernoso, meningioma da asa do esfenoide, menin-
gocele e mucormicose.
Na ptose, ocorre descida da pálpebra que pode cruzar a margem supe-
rior da pupila ou cobrir parcial ou totalmente a pupila. De forma unila-
teral leve a moderada é observada como parte da síndrome de Horner
Ptose ou na paralisia parcial do terceiro nervo (distúrbios neuromusculares,
palpebral como a miastenia gravis, a distrofia muscular ou a miopatia ocular). A
ptose cerebral é causada por lesões supranucleares, geralmente em
lesões isquêmicas, do hemisfério oposto e é mais comum nas lesões
do hemisfério direito.
Estrabismo pode ser definido como a não concordância dos eixos vi-
suais ou o defeito de posicionamento binocular, ou seja, o defeito de
posicionamento de um olho, relativamente ao outro. Pode ser congê-
nito, quando a causa é uma falha em mecanismos corticais, ou adquiri-
do, quando ocorre paralisia de um ou mais músculos oculares extrínse-
cos. O estrabismo adquirido pode ser ainda classificado em divergente
ou convergente.
Estrabismos • Estrabismo divergente: é o desvio do globo ocular para fora, devido
ao predomínio de ação do músculo reto lateral, e ocorre quando há
paralisia isolada no NC III. O paciente não consegue elevar o olho, nem
desviar o olhar para dentro;
• Estrabismo convergente: é o desvio do globo ocular para dentro (pa-
ra o nariz), devido ao predomínio de ação do músculo reto medial, e
ocorre quando há paralisia isolada no NC VI. O paciente não consegue
desviar o globo ocular para fora.
A visão humana binocular depende da fusão das imagens das duas
retinas pelo cérebro. Para que esta fusão ocorra, os olhos precisam de
uma motilidade sinérgica e harmônica que possibilite a função de fixar
rigorosamente o objeto focalizado. Se houver desarmonia entre o mo-
vimento dos dois olhos, apenas uma fóvea será estimulada e o estímulo
Diplopia
visual não será fundido pelo cérebro, gerando uma visão dupla (diplo-
pia). Esta diplopia devido ao desalinhamento (perda do paralelismo)
ocular é do tipo binocular, e desaparece ao fechar um dos olhos. Já a
diplopia monocular ocorre por defeito na geração da imagem na retina
(p.ex. deslocamento da retina) e persiste mesmo ao fechar o outro olho.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 410 25/01/2020 15:04:13


Exame neurológico: nervos cranianos

DISTÚRBIOS DOS NERVOS MOTORES


São movimentos oculares oscilatórios, rítmicos e repetitivos de um ou
ambos os olhos. Diante de paciente com nistagmo devemos investigar
se o nistagmo indica doença neurológica, pois existem tipos fisiológi-
cos de nistagmo, que não guardam significado patológico. Em se tra-
Nistagmo
tando de doença neurológica, devemos diferenciar causas centrais ou
periféricas. Costumam ter significado patológico, nistagmos com fase
rápida para cima ou para baixo ou com alternância de convergência-
-retração e periodicidade.
Consiste na fraqueza ipsilateral da adução ocular com nistagmo con-
tralateral do olho abdutor (nistagmo atáxico ou dissociado), mas com
Oftalmoplegia convergência preservada. Decorre de doenças que afetam o fascícu-
internuclear lo longitudinal medial. As doenças desmielinizantes são as principais,
mas também pode ocorrer por infarto, hemorragia, infecção, trauma,
vasculite ou outras.

Fonte: Autor. Baseado em Machado2, Gusmão3 e Campbell4.

2.1.3.1. Roteiro para Exame da Motilidade Ocular Extrínseca

a) Orientações gerais:

yy A avaliação da motricidade extrínseca depende da preservação da acui-


dade visual, pois comprometimento nessa função prejudica a fixação do
olhar, necessária em diversas manobras usadas no exame da motilidade
ocular;
yy Quando não há queixas oculares, e a probabilidade de anormalidades
é baixa, o exame da motilidade ocular limita-se à avaliação dos movi-
mentos de perseguição nas seis posições básicas do olhar (para cima,
para baixo e para os lados).

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: Solicita-se ao paciente que mantenha a cabeça
fixa e siga um alvo, habitualmente o dedo do examinador, apenas com

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Capítulo 17

o olhar. O alvo deve traçar lentamente uma grande letra “H” no ar para
que o paciente acompanhe o desenho.

Figura 9. Avaliação da motilidade ocular extrínseca.

Reto Obliquo Reto


superior inferior superior

Reto Reto Reto


lateral medial lateral

Reto Obliquo Reto


inferior superior inferior

Fonte: Autor.

c) Parâmetros de normalidade:

Espera-se que o paciente seja capaz de realizar todos os movimentos


solicitados e que eles permaneçam uniformes e conjugados durante todo
o exame.

2.1.4. Exame do NC III (oculomotor): avaliação dos reflexos


pupilares

Os reflexos pupilares fazem parte da motricidade intrínseca dos olhos


e são formados por centros e vias autonômicas. A via aferente das pupilas
tem origem no nervo óptico. As vias eferentes, contudo, dependem de
fibras simpáticas, responsáveis por realizar dilatação pupilar (midríase), e
de fibras parassimpáticas provenientes do núcleo de Edinger-Westphal,
parte do complexo nuclear do nervo oculomotor, responsáveis por realizar
a constrição pupilar (miose). Por isso, ao testar os reflexos pupilares estamos
testando principalmente o NC III, mas também o NC II e a inervação simpá-
tica. Três reflexos pupilares são importantes e devem ser testados: reflexo
fotomotor direto, o reflexo fotomotor indireto e o reflexo de acomodação
ou convergência do olhar.2-4 Além da pesquisa dos reflexos, a avaliação do

412

Manual_Semiologia_Medica.indb 412 25/01/2020 15:04:13


Exame neurológico: nervos cranianos

tamanho da pupila já pode orientar também sobre o acometimento das vias


de controle pupilar. A variabilidade do tamanho é muito ampla e função da
idade, da claridade do ambiente e do ponto de fixação do olhar. Contudo,
define-se em geral como normal para adultos, em ambientes claros, um
tamanho entre 2 e 6 mm. O termo miose (pupila pequena) costuma ser
utilizado quando o tamanho é inferior a 2 mm e midríase (pupila grande)
quando superior a 6 mm. O termo isocoria é empregado quando ambas
as pupilas têm tamanhos semelhantes, e anisocoria quando os tamanhos
diferem de > 0,4 mm. A anisocoria pode ser fisiológica, sendo mais fre-
quentemente patológica quando a diferença é > 1 mm.

Quadro 7. Distúrbios das pupilas.

DISTÚRBIOS DAS PUPILAS


Na paralisia do NC III, a pupila apresenta-se grande (midriática), com di-
minuição dos reflexos fotomotor e de acomodação, além de se associar
a anormalidades do movimento extraocular (oftalmoplegia com estra-
Pupilas
bismo divergente e diplopia binocular) e da posição palpebral (ptose).
grandes
A síndrome de Adie é a associação da anormalidade pupilar (aumento
unilateral da pupila, sem outros sintomas) e diminuição ou ausência de
reflexos tendinosos profundos, sobretudo nos membros inferiores.
Pupilas Normalmente, as pupilas são menores em idosos. As causas patológicas
pequenas mais importantes de miose são a síndrome de Horner e a neurossífilis.
É a disfunção simpática que causa ptose, miose e anidrose do lado afeta-
Síndrome do. Existem diversas causas: lesões do tronco encefálico, cefaleia em salvas,
de Horner trombose ou dissecção da artéria carótida interna, doença do seio caver-
noso, tumores apicais do pulmão, traumatismo cervical e outros distúrbios.
São o achado ocular clássico na neurossífilis e, quando presentes, cons-
Pupilas tituem indicação de teste sorológico. São pequenas, têm contorno irregu-
de Argyll
lar e dissociação dos reflexos fotomotor (reagem pouco ou não reagem)
Robertson
e de acomodação (reagem bem).

Fonte: Autor. Baseado em Guyton5, Greenberg6 e Larner7.

2.1.4.1. Reflexo Fotomotor Direto

Esse reflexo testa a aferência do nervo óptico no olho examinado e a


eferência do nervo oculomotor no mesmo olho.

413

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Capítulo 17

a) Orientações gerais:

yy Cada olho deve ser examinado separadamente;


yy O paciente deve fixar o olhar em ponto distante e não próximo;
yy A resposta da pupila normal à luz é a constrição imediata.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: Solicita-se ao paciente que mantenha o olhar
fixo em um ponto distante, enquanto o examinador incide um feixe
de luz (lanterna) em uma das pupilas. A luz examinadora deve incidir
obliquamente no olho. Observa-se, então, a resposta no mesmo olho.

c) Parâmetros de normalidade:

Espera-se a contração rápida da pupila no olho que recebeu o estímulo


seguida de ligeira dilatação de volta a um estado intermediário.

2.1.4.2. Reflexo Fotomotor Indireto

Esse reflexo testa a eferência do nervo oculomotor no olho contralateral,


que não está recebendo o estímulo luminoso.

a) Orientações gerais:

yy Cada olho deve ser examinado separadamente;


yy O paciente deve fixar o olhar em ponto distante e não próximo.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 414 25/01/2020 15:04:13


Exame neurológico: nervos cranianos

yy Etapas do procedimento: Solicita-se ao paciente que mantenha o olhar


fixo em um ponto distante, enquanto o examinador incide um feixe de
luz em uma das pupilas. A luz examinadora deve incidir obliquamente
no olho. Observa-se, então, a resposta no olho contralateral.

c) Parâmetros de normalidade:

Espera-se a contração rápida da pupila no olho que não recebeu o es-


tímulo seguida de ligeira dilatação de volta a um estado intermediário.

2.1.4.3. Reflexo de Acomodação ou Convergência do Olhar2,5

O olho normal jovem pode facilmente focalizar de perto e de longe os


objetos, isto é, ele pode alterar o foco ou acomodar. Quando a fixação muda
de um alvo longe para perto, cada olho acomoda e ambos convergem no
interesse de manter a visão binocular.
O ato de acomodação resulta de uma contração do músculo ciliar que
reduz o diâmetro do corpo ciliar e reduz a tensão nas fibras que susten-
tam o cristalino. Isto permite que cristalinos jovens retomem suas formas
originais de curvaturas acentuadas e poder óptico elevado para focalizar
objetos próximos sobre a retina. Quando a acomodação cessa, o múscu-
lo ciliar relaxa e retorna a sua configuração desacomodada, a tensão nas
fibras é novamente aumentada e o cristalino é tracionado no equador
aumentando assim sua distância focal. A presbiopia é a mais comum das
desordens refrativas da vida adulta, estando relacionada a diminuição da
amplitude de acomodação.

a) Orientações gerais:

yy Cada olho deve ser examinado separadamente;


yy O paciente deve fixar o olhar em ponto distante e não próximo.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 415 25/01/2020 15:04:13


Capítulo 17

yy Etapas do procedimento: Solicita-se ao paciente que relaxe a acomo-


dação olhando à distância e depois fixe o olhar em um objeto próximo,
que pode ser o dedo indicador do examinador.

c) Parâmetros de normalidade:

Esperam-se o espessamento do cristalino (acomodação), convergência


do olhar e miose.

2.1.5. NC V: exame do nervo trigêmeo

Vamos dividir o exame do quinto par craniano em três partes: exame


das funções motoras, exame das funções sensitivas e exame dos reflexos.

2.1.5.1. Exame das Funções Motoras do Trigêmeo

O exame da função motora consiste na avaliação dos músculos da


mastigação.

a) Orientações gerais:

yy Todos os músculos da mastigação devem ser testados.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: Solicita-se ao paciente que cerre os dentes,
enquanto o examinador palpa a borda anterior dos masseteres bilate-
ralmente para avaliar o volume e a força desses músculos. Em seguida,
o paciente é orientado a realizar protrusão e retração da mandíbula,
enquanto o examinador observa tendência a desvios. Por último, soli-
cita-se ao paciente que morda o abaixador de língua com os dentes
molares dos dois lados e as impressões da mordida são comparadas.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 416 25/01/2020 15:04:13


Exame neurológico: nervos cranianos

c) Parâmetros de normalidade:

Ao palpar os masseteres com o maxilar cerrado, espera-se o movimento


simétrico dos dedos para diante. Os movimentos de protrusão e retração
devem acontecer sem desvios, e as marcas de mordida no abaixador de
língua devem ser de profundidade semelhante. A fraqueza motora do ner-
vo trigêmeo unilateral causa desvio da mandíbula em direção ao lado da
fraqueza durante a abertura.

2.1.5.2. Exame das Funções Sensitivas do Trigêmeo

2.1.5.2.1. Roteiro para Exame da Função Sensitiva do Trigêmeo

a) Orientações gerais:

yy Sensações de tato, dor e temperatura são examinados da mesma forma


que outras partes do corpo;
yy Deve-se comparar a sensibilidade em cada divisão do nervo trigêmeo,
e a região perioral deve ser comparada à parte posterior da face para
excluir um padrão de casca de cebola.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado de olhos
fechados, o examinador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: Solicita-se ao paciente que se mantenha de
olhos fechados, enquanto o examinador percorre a face do paciente
com um chumaço de algodão. Tocando em áreas simétricas, o paciente
é orientado a indicar se os estímulos parecem semelhantes nos dois
lados. Também deve ser questionado se o paciente sente dor ao toque. A
temperatura é testada com recipientes contendo líquidos frios e mornos,
também em áreas simétricas e pesquisando se a percepção é semelhante
em ambos os lados.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 417 25/01/2020 15:04:13


Capítulo 17

c) Parâmetros de normalidade:

Espera-se que o paciente seja capaz de reconhecer o toque, sem relato


de dor, e a diferença de temperatura em ambos os lados da face.

2.1.5.3. Exame dos Reflexos do Trigêmeo

São testados os reflexos corneano, esternutatório e mandibular.

2.1.5.3.1. Roteiro Para Exame Do Reflexo Corneano

A aferência desse reflexo é mediada pelo ramo oftálmico (V1), e a efe-


rência pelo NC VII (nervo facial).

a) Orientações gerais:

yy Os estímulos devem ser aplicados na córnea superior, pois a córnea


inferior pode ter inervação do ramo maxilar (V2) em algumas pessoas;
yy Os estímulos devem ser orientados de baixo para cima ou dos lados para
o centro, de forma que o paciente não possa vê-los;
yy É preciso cuidado para tocar a córnea, e não a esclerótica.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: O examinador toca de leve a córnea superior
com um chumaço de algodão, repetindo o procedimento nos dois olhos.

c) Parâmetros de normalidade:

Em resposta ao estímulo, deve haver um piscar do olho ipsilateral (reflexo


direto) e do olho contralateral (reflexo consensual).

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Manual_Semiologia_Medica.indb 418 25/01/2020 15:04:13


Exame neurológico: nervos cranianos

2.1.5.3.2. Roteiro para Exame do Reflexo Esternutatório

A aferência desse reflexo é mediada pelo ramo oftálmico (V1), e a eferên-


cia pelo NC V, VII, IX e X e pelos nervos motores da medula espinhal superior.

a) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: O examinador toca com um chumaço de algo-
dão a membrana mucosa nasal.

b) Parâmetros de normalidade:

Em resposta ao estímulo, deve haver enrugamento do nariz, fechamento


dos olhos frequentemente uma expiração forçada semelhante a um espirro
débil.

2.1.5.3.3. Roteiro para Exame do Reflexo Mandibular

A aferência desse reflexo é mediada possivelmente pelo ramo mandi-


bular (V3) do trigêmeo, e a eferência, por sua porção motora.

a) Orientações gerais:

yy O manuseio correto do martelo de reflexos é feito segurando-se pela


sua extremidade distal com a ponta dos dedos indicador e polegar,
enquanto golpeia de leve, movimentando apenas o punho, o local a
ser estimulado ou a falange distal do dedo utilizado como plexímetro.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, com a
boca entreaberta, o examinador deve se posicionar à frente do paciente.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 419 25/01/2020 15:04:13


Capítulo 17

yy Etapas do procedimento: Enquanto o paciente permanece com a boca


entreaberta, o examinador posiciona seu dedo indicador ou polegar na
região mentual do queixo do paciente. O examinador, então, bate com
o martelo de reflexos na falange distal de seu dedo plexímetro.

c) Parâmetros de normalidade:

Em resposta ao estímulo, deve haver um espasmo ascendente da man-


díbula. Contudo, em indivíduos normais, o reflexo está minimamente ativo
ou ausente. O principal emprego da avaliação desse reflexo é diferenciar
hiperreflexia dos membros causada por lesão na coluna cervical, quando
o reflexo mandibular se encontra normal, de um estado de hiperreflexia
generalizado, quando o reflexo está aumentando, assim como todos os
outros reflexos.

2.1.6. NC VII: exame do nervo facial

O nervo facial inerva os músculos faciais, sendo assim responsável pela


mímica facial. Encarrega-se também pela sensibilidade visceral, a gustação,
de cerca de dois terços anteriores da língua.6

a) Orientações gerais:

yy Cada músculo facial é avaliado separadamente de acordo com os movi-


mentos descritos a seguir:
• Frontal: franzir a testa;
• Orbicular das pálpebras: apertar os olhos, de modo que fiquem bem
fechados;
• Orbicular dos lábios: fechar os lábios e assoviar;
• Bucinador: retrair os cantos da boca;
• Platisma: contrair os cantos da boca e a musculatura cervical super-
ficial.3
yy Em pacientes comatosos, pode-se estimular a resposta mímica facial,
através da compressão bilateral do ângulo da mandíbula ou região
supra-orbitária.3

420

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Exame neurológico: nervos cranianos

yy Para testar a sensibilidade gustativa, aplicam-se pontas de algodão


mergulhados em soluções de sabor doce, azedo, salgado ou amargo na
língua protraída. Pede-se, então, ao paciente que identifique o sabor.6
yy As lesões do nervo facial ou do núcleo do facial localizado na ponte
(paralisia facial periférica) determinam paralisia de todo o lado da face
e dificuldade de fechar olho ipsilateralmente à lesão. Por falta de anta-
gonismo muscular do lado afetado, a comissura labial sofre desvio para
o lado normal. Já as lesões corticonucleares (paralisia facial central)
determinam paralisia contralateral da porção inferior da face, poupando
a região frontal, sem perda da capacidade de fechar o olho.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: A primeira etapa do exame consiste na obser-
vação da face do paciente, à procura de assimetria das fissuras palpebrais
e das pregas nasolabiais em repouso.4 Em seguida, solicita-se ao paciente
que contraia os músculos faciais isoladamente e observa-se a simetria, os
desvios e o grau da força muscular. Para testar a sensibilidade gustativa,
aplicam-se pontas de algodão mergulhados em algumas soluções de
diferentes sabores na língua protraída e solicita-se, então, ao paciente
que os identifique.

c) Parâmetros de normalidade:

Na presença de fraqueza bilateral do nervo facial, o examinador será


capaz de forçar a abertura das pálpebras e dos lábios, quando este cerra os
olhos ou os lábios com força, ou fazer o ar escapar ao comprimir as boche-
chas do paciente, com relativa facilidade, quando este infla as bochechas.
Os pacientes com paralisia facial podem apresentar-se com disartria que
se acentua para os sons de “m”. Também pode verificar-se a perda da habi-
lidade de assobiar, adquirida previamente.

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Capítulo 17

Quadro 8. Reflexos mediados pelo nervo facial.

REFLEXOS MEDIADOS PELO NERVO FACIAL


Contração palpebral bilateral ao percutir a glabela. Em pessoas normais,
Reflexo do a estimulação repetitiva levará à diminuição de resposta. Para pesquisa
orbicular das desse reflexo, o examinador deve-se colocar atrás do paciente e, após
pálpebras solicitar que ele olhe para baixo, percute-se a glabela com um movi-
mento sagital, fora do seu campo visual.
Reflexo de Oclusão palpebral em resposta a um rápido movimento com mão em
piscar direção ao olho do paciente, porém sem tocá-lo.
Reflexo do Contração da musculatura perioral com protusão dos lábios em res-
orbicular
posta à percussão do lábio superior.
dos lábios
Este reflexo avalia o ramo olftálmico do nervo trigêmeo e o nervo fa-
Reflexo
cial. Com algodão, aplica-se um estímulo sobre a córnea do olho do
corneano
paciente. A resposta esperada o piscar dos olhos durante o estímulo.

Fonte: Autor. Baseado em Machado2, Gusmão3 e Greenberg6.

2.1.7. NC VIII: exame do nervo acústico

O nervo acústico ou vestibulococlear possui duas divisões, a vestibular


e a coclear, unidas em um só tronco. A divisão coclear é responsável pela
audição, sendo a função do nervo vestibular relacionado ao equilíbrio,
coordenação e orientação no espaço.4

2.1.7.1. Exame do Nervo Coclear

a) Orientações gerais

yy Para uma avaliação quantitativa e apurada é necessária a realização da


audiometria;
yy Os testes de Weber e de Rinne devem ser realizados com um diapasão
de 512 Hz;
yy Nas queixas de perda auditiva, caso o paciente não consiga escutar o
ruído dos dedos sendo esfregados, deve-se explorar o déficit auditivo
com o teste de Rinne e de Weber.

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Manual_Semiologia_Medica.indb 422 25/01/2020 15:04:14


Exame neurológico: nervos cranianos

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: O exame inicia-se com a inspeção otoscópica
dos canais auditivos e das membranas timpânicas. A acuidade auditiva
deve ser avaliada em cada orelha.

Quadro 9. Testes auditivos.


TESTES AUDITIVOS
Teste da Determinação da condução aérea e da acuidade auditiva. O paciente de-
voz falada e
sussurrada verá ocluir com o dedo o canal auditivo externo da orelha oposta.

Teste do roçar Determinação da condução aérea e da acuidade auditiva. O paciente de-


dos dedos ve ocluir a orelha contralateral.
Teste do tic-
tac do relógio Permite a avaliação da condução aérea em altas frequências.
Avalia tanto a condução aérea quanto a óssea.
A base do diapasão em vibração é aplicada de encontro à
mastoide (condução óssea) e, quando o som deixa de ser
percebido, o diapasão é colocado próximo ao conduto au-
ditivo externo (audição aérea).
• A resposta normal é ouvir o diapasão adjacente ao pavi-
Teste de lhão auditivo após o mesmo não ser mais audível sobre a
Rinne mastoide (condução aérea superior à óssea);
• No caso de perda auditiva neurossensorial parcial, o pacien-
te irá também ouvir o som conduzido por via aérea, após a
condução óssea não ser mais audível;
Teste do • Na perda auditiva de condução, a condução óssea será igual
diapasão ou superior à condução aérea.
Coloca-se o diapasão vibrando no vértice do crânio.
• Normalmente a vibração é percebida com a mesma inten-
sidade dos dois lados. Quando existe diferença na percep-
ção do som da vibração, fala-se de lateralização para o lado
de som mais intenso;
Teste de • No caso de perda auditiva de condução em uma das ore-
Weber
lhas, o som parecerá mais intenso no lado comprometido.
• Na perda auditiva neurossensorial unilateral, o som pare-
cerá mais intenso na orelha normal;
• Weber lateralizado à direita – perda auditiva neurossen-
sorial à esquerda ou perda auditiva de condução à direita.

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Capítulo 17

TESTES AUDITIVOS
Compara a audição do paciente com a audição do examinador,
que se presume normal. O examinador coloca o diapasão em
Teste do vibração em sua própria mastoide e, a seguir na do paciente.
Teste de • Na perda auditiva neurossensorial, o examinador ouvirá
diapasão
Schwabach
(continuação) o diapasão por alguns segundos a mais que o paciente;
• Na perda auditiva de condução, o paciente irá ouvir o dia-
pasão vários segundos além do examinador.

Fonte: Autor. Baseado em Gusmão3, Campbell4, Greenberg6 e Porto8.

Figura 10. Teste de Rinne.

Fonte: Autor.

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Exame neurológico: nervos cranianos

Figura 11. Teste de Weber.

Fonte: Autor.

Quadro 11. Anormalidades auditivas.

ANORMALIDADES AUDITIVAS
Perda auditiva parcial. A hiperacusia é a percepção anormal de sons, que
Hipoacusia e é mais frequente na paralisia do músculo estapédio devido a distúrbios
hiperacusia que afetam o nervo facial, mas pode ocorrer também em distúrbios psi-
quiátricos e como aura na crise epiléptica e na enxaqueca.
Anacusia Perda auditiva completa.
É a perda auditiva neurossensorial progressiva com o aumento da idade,
Presbiacusia
especialmente para altas frequências.
É a diferença na altura ou intensidade do mesmo som ouvido nas duas
Disacusia
orelhas, geralmente por disfunção da cóclea ou das vias auditivas centrais.
Fonofobia É a aversão a sons, principalmente sons altos, comum na enxaqueca.
É a percepção de ruído espontâneo, que não é originado no ambiente. Ge-
Zumbido, ralmente é ouvido apenas pelo doente e ocorre na ausência de estímulo
acúfeno
sonoro, mas pode ser objetivo (ou seja, também é ouvido por um obser-
ou tinitus
vador), se houver doença vascular ou mecânica como causa.

Fonte: Autor. Baseado em Campbell4 e Larner7.

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Capítulo 17

2.1.7.2. Exame do Nervo Vestibular

O exame da função vestibular à beira do leito inclui a avaliação de reflexos


vestibulospinais (hipermetria, teste de Romberg, testes de marcha), testes
de reflexos vestíbulo-oculares (reflexo oculocefálico, teste do impulso da ca-
beça, acuidade visual dinâmica e provas calóricas) e a pesquisa de nistagmo
(espontâneo, posicional ou após agitação da cabeça). Os testes de equilíbrio
e da marcha, incluindo teste de Romberg, utilizados para avaliar a função
vestibular, serão descritos mais detalhadamente em capítulo específico.

a) Orientações gerais

yy A hipermetria pode ser pesquisada durante o teste dedo-nariz, ao soli-


citar que o paciente feche os olhos enquanto realiza o teste;
yy Pacientes com vestibulopatia unilateral, tendem a cair em direção ao
lado da lesão durante o teste de Romberg com os olhos fechados;
yy Pacientes com vestibulopatia aguda têm dificuldade de caminhar em
tandem, com tendência a cair para o lado da lesão;
yy A pesquisa do reflexo oculocefálico (teste dos olhos de boneca) e as
provas calóricas são particularmente úteis na avaliação de pacientes
comatosos;
yy No teste dos olhos de boneca, a resposta à rotação da cabeça em uma
direção é a rotação dos olhos em direção oposta;
yy As provas calóricas são feitas com instilação de água fria no meato acús-
tico. Durante as provas calóricas de paciente comatoso, se o tronco
encefálico estiver intacto, a instilação de água gelada deve causar desvio
tônico dos olhos em direção ao lado testado;
yy A avaliação clínica do nistagmos fisiológico (optocinético) é feita moven-
do-se um alvo listrado diante do paciente para que ele “conte” as lis-
tras. Também podem ser utilizados movimentos rápidos de agitação da
cabeça para frente e para trás ou manobras específicas, como a manobra
de Dix-Hallpike;
yy A manobra de Dix-Hallpike tenta reproduzir a circunstância precipi-
tante da vertigem. O paciente encontra-se sentado em uma mesa com
a cabeça e os olhos dirigidos para a frente e, em seguida, é rapidamente
colocado em uma posição supina, com a cabeça além da borda da mesa,
45º abaixo da horizontal. O teste é repetido com a cabeça e os olhos

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Exame neurológico: nervos cranianos

do paciente voltados 45º para a direita e novamente com a cabeça e


os olhos voltados 45º para a esquerda. Os olhos devem ser observados
para verificar nistagmo, e pede-se ao paciente para observar o início, a
gravidade e o término da vertigem.4

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: O examinador deve realizar a pesquisa dos
reflexos vestibulospinais e vestíbulo-oculares e a pesquisa de nistagmo,
comparando as repostas obtidas com o lado das lesões.

c) Parâmetros de normalidade

Se houver hipermetria, a ausência de correção visual causa desvio do


membro avaliado lateralmente em relação ao alvo. No paciente em vigília,
com atividade cortical preservada, ocorre nistagmo induzido pelas provas
calóricas.

Quadro 12. Anormalidades vestibulares.

ANORMALIDADES VESTIBULARES
É o movimento oscilatório involuntário dos olhos, rítmicos e repetitivos.
Pode ser fisiológico (optocinético, rápido, em sentido oposto ao movi-
mento do teste utilizado) ou patológico.
Nistagmo • Nistagmo vestibular espontâneo: ocorre na direção da lesão, com fase
rápida em direção oposta;
• Nistagmo posicional: ocorre provocado por movimentos específicos da
cabeça (manobra de Dix-Hallpike).
É o desvio dos membros em testes com o paciente de olhos fechados, que
Hipermetria
pode ser causado por doença cerebelar ou vestibular.
É uma ilusão de movimento ou sensação de rotação/inclinação do corpo,
que gera uma sensação de desequilíbrio, frequentemente desencadeada
Vertigem
por movimento da cabeça e associada a manifestações autonômicas. É
um subtipo de tontura. Pode ter causa central ou periférica.
Ataxia Refere-se a falta de coordenação dos movimentos motores voluntários.

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Capítulo 17

ANORMALIDADES VESTIBULARES
São causas de síndrome vestibular periférica: vertigem de posicionamento
Síndrome paroxística benigna (VPPB), doença de Menière, neurite vestibular, vesti-
vestibular
bulopatia bilateral, colesteatoma, mastoidite, sarcoidose, uso de antibió-
periférica
tico ototóxico, neurinoma do acústico.
Associação de sintomas vestibulares (vertigem, náuseas, vômitos, desequi-
Síndrome librio, nistagmo) com sintomas de comprometimento do sistema nervoso
vestibular
central como diplopia e oftalmoparesia. São causas de síndrome vestibular
central
central, os acidentes vasculares encefálicos, esclerose múltipla e infecções.

Fonte: Autor. Baseado em Greenberg6, Larner7 e Kanashiro13.

2.1.8. NC IX e X: exame do nervo glossofaríngeo e do nervo vago

Os nervos cranianos IX e X cumprem-se com as funções relacionadas


à deglutição, à fonação e à proteção e modulação das vias respiratórias.
Esses dois nervos estão intimamente relacionados, tanto do ponto de vista
dos seus percursos anatômicos, como das suas funções, suprindo algumas
das mesmas estruturas. Não raramente são acometidos pelos mesmos pro-
cessos patológicos, acentuando assim a dificuldade de individualizar as
lesões de cada um. Deste modo, a avaliação destes dois nervos é realizada
em conjunto.4

a) Orientações gerais

yy O exame do NC IX é particularmente difícil porque a maioria das suas


funções são compartilhadas por outros nervos. Pode-se testar a sensi-
bilidade álgica e tátil da faringe, região tonsilar e palato mole, além do
reflexo de vômito, mediado em conjunto com o vago (aferência glos-
sofaríngea e eferência mediada por NC IX e X).4 Não obstante a extensa
distribuição e a importância do NC X, a sua avaliação a beira do leito é
difícil e oferece poucas informações;
yy Entre as disfunções desses pares cranianos, a disartria pode estar pre-
sente e afeta principalmente os sons “k”;6
yy O comprometimento das funções braquiomotoras do nervo pode resul-
tar em alteração do caráter da voz (voz anasalada) e ocorrência frequente
de disfagia.

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Exame neurológico: nervos cranianos

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: Testa-se a função motora solicitando ao
paciente que diga “ah” com a boca aberta, e o examinador observa o
movimento do palato. Em seguida, realiza-se estímulo na orofaringe
de cada lado com um abaixador de língua ou um cotonete para testar
o reflexo do vômito.

c) Parâmetros de normalidade

A resposta normal é a elevação completa e simétrica do palato e con-


trição e elevação da parte oral da faringe ao estímulo com o abaixador
de língua. Em casos de fraqueza unilateral da faringe há desvio da rafe
em direção ao lado normal. Nas lesões supranucleares unilaterais ocorre
preservação da função em razão da inervação corticonuclear bilateral.

Quadro 13. Anormalidades do glossofaríngeo e do vago.

ANORMALIDADES DO GLOSSOFARÍNGEO E DO VAGO


Distúrbio álgico que caracteriza por crises de dor lancinante originadas
Neuralgia do de um lado da região da garganta ou tonsilar, que se irradia ao longo
glossofaringeo do trajeto da tuba auditiva até a membrana timpânica, meato acústico
externo, atrás do ângulo da mandíbula e porção adjacente da orelha.1
Distúrbio da fala por deficiência do aparelho de fonação (paralisia, ataxia,
Disartria
tremor ou espasticidade) com função mental preservada.
Distúrbio do volume, tom ou qualidade da voz, que se manifesta como
Disfonia
rouquidão.
Dificuldade de engolir. Pode ser causada por doenças do trato gastroin-
Disfagia testinal, doenças vasculares, doenças do tecido conjuntivo ou distúrbios
neurológicos.

Fonte: Autor. Baseado em Campbell4 e Larner7.

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Capítulo 17

Quadro 14. Reflexos mediados pelo nervo vago.

REFLEXOS MEDIADOS PELO NERVO VAGO


Reflexo
Bradicardia causada pela compressão do globo ocular.
oculocardíaco
Reflexo da Ativado por estimulação da mucosa da faringe, da laringe, da traqueia
tosse ou da árvore brônquica.
Contração reflexa súbita do diafragma que causa inspiração vigorosa as-
Soluço
sociado a fechamento súbito da glote, produzindo o som característico.
Ativada a partir da estimulação da faringe, do palato, do esôfago, do es-
Vômito
tômago, do duodeno ou do trato gastrointestinal inferior.
Reflexo respiratório complexo com inspiração profunda e prolongada,
geralmente involuntária, pela boca aberta. Em geral, ocorre em caso
Bocejo
de sonolência e fadiga, mas também pode ser provocado por suges-
tão oumonotonia.
Provocado por estimulação do seio carotídeo ou do glomo carotídeo por
Reflexo do compressão da bifurcação da carótida. Causa diminuição da frequência
seio carotídeo cardíaca, queda da pressão arterial, redução do débito cardíaco e vaso-
dilatação periférica.

Fonte: Autor. Baseado em Gusmão3, Campbell4 e Greenberg6.

2.1.9. Exame do nervo espinal acessório (XI)

O nervo espinal acessório inerva o músculo esternocleidomastoideo


(ECM) e o músculo trapézio, e sua avalição corresponde ao teste da função
destes músculos.

a) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: O esternocleidomastoideo é testado solici-
tando ao paciente que gire a cabeça contra uma resistência fornecida
pela mão do examinador, posicionada sobre a mandíbula do paciente.
O trapézio é testado fazendo com que o paciente levante os ombros
contra uma resistência, observando qualquer assimetria.6

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Exame neurológico: nervos cranianos

b) Parâmetros de normalidade

A fraqueza do esternocleidomastoideo resulta em uma redução da ca-


pacidade de girar a cabeça para longe do músculo fraco.

2.1.10. Exame do nervo hipoglosso (XII)

O nervo hipoglosso é responsável pela inervação dos músculos da língua,


que são divididos em intrínsecos e extrínsecos. No contexto do exame neu-
rológico, destaca-se a ação dos extrínsecos, especialmente o genioglosso,
cuja contração bilateral impele a língua para fora, ação que é antagonizada
pelos músculos hioglosso e estiloglosso.

a) Orientações gerais

yy Deve-se atentar para situações de fraqueza facial, onde pode aparentar


falso desvio da língua.

b) Procedimento semiotécnico:

yy Condições do ambiente: Ambiente claro e calmo.


yy Posição do paciente e do examinador: Com o paciente sentado, o exa-
minador deve se posicionar à frente do paciente.
yy Etapas do procedimento: A motricidade lingual é explorada inicialmente
através da inspeção estática. Em seguida, solicita-se ao paciente que
exteriorize a língua e execute movimentos em diversas direções. Pode ser
testada a força enquanto o paciente empurra a língua contra o interior
da bochecha, e o examinador oferece uma resistência do lado de fora
da bochecha, usando um abaixador de língua.

c) Parâmetros de normalidade

A normalidade corresponde a ausência de desvios, atrofias, fasciculações


e capacidade de executar os movimentos da língua em diversas direções.
Nas lesões do nervo hipoglosso, verifica-se, no exame estático, uma língua
hemiatrofiada e desviada para o lado normal. Com a língua protraída, ocorre
o desvio para o lado paralisado, em decorrência à contração do genioglosso

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Capítulo 17

contralateral. Já nas lesões da via corticonuclear, há abolição da motricidade


voluntária da língua e preservação dos movimentos automáticos e reflexos,
com ausência de atrofia e fasciculações.3

3. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS – MBE

Quadro 15. Principais variáveis de um teste diagnóstico.

REVISÃO RÁPIDA MBE

Se meu paciente tem uma doença, qual probabilidade de um teste


Sensibilidade
diagnóstico ser positivo?

Se meu paciente não tem uma doença, qual probabilidade de um


Especificidade
teste diagnóstico ser negativo?

Quantas vezes é mais provável encontrar um resultado, seja ele po-


sitivo ou negativo, em pessoas doentes em relação a pessoas sadias?
Razão de • Quanto maior a RV positiva = mais o resultado positivo aumenta
verossimilhança a probabilidade de doença.
• Quanto menor a RV negativa = mais o resultado negativo diminui
a probabilidade de doença.

Fonte: Autor.

Tabela 1. Variáveis diagnósticas do teste de confrontação.

RAZÃO DE
SENSIBILI- ESPECIFICI- VEROSSIMILHANÇA
ACHADO
DADE (%) DADE (%) Achado Achado
presente ausente
Detecção de defeitos do campo visual – teste de confrontação
Defeito anterior (retina
11-58% 93-99% 5,7 0,7
ou nervo óptico)
Defeito posterior (quias-
ma óptico ou córtex oc- 43-86% 86-98% 9,6 0,4
cipital)

Fonte: Adaptado de McGee14.

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Exame neurológico: nervos cranianos

Tabela 2. Principais etiologias da paralisia de nervos cranianos.

ETIOLOGIA ISOLADA DE PARALISIA DOS


NERVOS CRANIANOS III, IV E VI
NC III NC IV NC VI MISTAS
Proporção (%) 31 11 45 13
Etiologia (%)
Trauma
13 34 11 18
craniano
Neoplasia 11 5 19 29
Isquemia 25 22 20 7
Aneurisma 17 1 3 11
Outros 14 8 21 19

Fonte: Adaptado de McGee14.

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CASO CLÍNICO

História clínica

M.J.D., sexo masculino, 55 anos, procedente de Sobral-CE, pardo, casado,


aposentado, católico, ensino médio completo. Veio à consulta com neuro-
logista devido à queixa de “dor no ouvido e no rosto” há 1 semana.
O paciente relata que, há 1 semana, iniciou quadro de otalgia intensa a
esquerda, associada a dor em hemiface correspondente, descrita como
queimadura, constante, agravada pela mastigação e sem fatores de alívio.
Refere também presença de acúfenos e perda auditiva do mesmo lado dos
sintomas. Nega febre, otorreia e queixas respiratórias. Já fez uso de dipirona
e anti-inflamatórios não esteroidais, sem melhora dos sintomas. Está em
uso de Amoxicilina-Clavulonato há 2 dias, prescrita pelo médico assistente
do Programa de Saúde da Família, por suspeita de otite externa, também
sem melhora do quadro.
Medicações em uso: Losartana 50 mg (1-0-1), Hidroclorotiazida 25 mg (1-
0-0), Levotiroxina 75 mcg (1-0-0), Amoxicilina-Clavulanato.
Antecedentes pessoais: Hipertenso e hipotiroideo. Varicela aos 20 anos.
Hábitos: Nega etilismo e tabagismo.
Antecedentes familiares: Mãe diabética e renal crônica dialítica. Pai já fa-
lecido por causas externas.

Exame físico

Exame físico geral/Ectoscopia: Estado geral regular, normocorado, hidra-


tado, acianótico, anictérico e afebril, eupneico, vigil, orientado.
Dados vitais: FC 70 bpm, FR 18 irpm, Tax 36,2°C, PA 130x90 mmHg (aferida
no membro superior direito, com o paciente sentado).
Exame da cabeça e do pescoço: presença de lesões vesiculares em pa-
vilhão auricular esquerdo. Otoscopia a esquerda revela edema e eritema
no canal auditivo externo, membrana timpânica sem sinais inflamatórios.
Adenomegalia submandibular esquerda, medindo cerca de 1,5 cm no seu
maior diâmetro, móvel, doloroso a palpação, de consistência fibroelástica.
Desvio de comissura labial para a direita.

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CASO CLÍNICO

Exame neurológico: orientado em tempo e espaço. Ausência de expressão


facial em toda a hemiface esquerda, com incapacidade de elevação da
comissura labial esquerda e incapacidade de encerramento da pálpebra
esquerda. Teste de Rinne normal em ambas as orelhas e teste de Weber com
lateralização para o ouvido direito. Pupilas normais. Reflexos tendinosos e
marcha preservados.
Exame do tórax e aparelho respiratório: tórax atípico, eupneico, expansi-
bilidade e frêmito toracovocal normais, som claro pulmonar à percussão,
murmúrio vesicular presente e universal, sem ruídos adventicios.
Exame do sistema cardiovascular: precórdio normodinâmico, ausência de
turgência jugular patológica, ritmo cardíaco regular, bulhas normofonéticas,
em dois tempos, sem sopros.
Exame abdominal (incluindo aparelhos genitais): abdome semigloboso
por adiposidade, sem abaulamentos ou cicatrizes, RHA presentes, flácido
e indolor, ausência de massas ou visceromegalias palpáveis, espaço de
Traube livre.
Exame das extremidades e pulsos periféricos: extremidades bem perfundi-
das, pulsos periféricos palpáveis, cheios e simétricos, sem cianose ou edema.
Exame das articulações e sistema osteomuscular: sem achados de signi-
ficância clínica.

Pontos de discussão

1. Qual é o sintoma-guia? E como investigá-lo?


2. Qual é o diagnóstico sindrômico?
3. Qual é o diagnóstico anatômico/topográfico?
4. Quais são os diagnósticos diferenciais?
5. Qual é a principal hipótese de diagnóstico etiológico?
6. Quais achados do exame físico corroboram a hipótese?
7. Os dados do exame clínico são suficientes para confirmar ou excluir o
diagnóstico levantado?

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CASO CLÍNICO

Quadro 16. Raciocínio diagnóstico em Neurologia.


..
.. ...

DIAGNÓSTICO SINDRÔMICO DIAGNÓSTICO ANATÔMICO DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO

Demencial Nervos cranianos


Síndrome Supratentorial Hemisférios cerebrais
Delirium V Vascular
cognitiva
Depressiva
Tronco encefálico
I Inflamatória
Infratentorial Nervos cranianos T Tóxica, trauma
Síndrome epiléptica Cerebelo
A Autoimune
Síndrome de hipertensão Medula
Anterior
Lateral
M Metabólica
intracraniana espinhal Posterior I Idiopática
Central
N Neoplásica
Síndrome meníngea
Raízes espinhais D Degenerativa
Plexos
Síndrome Motora Periférico Nervos E Epiléptica
deficitária Sensitiva Junção neuromuscular C Congênita
Músculo

Fonte: Autor. Baseado em Chaves18.

Discussão do caso

O paciente apresenta como queixa principal um quadro álgico e uma


paralisia facial, que serão nossos sintomas-guia. A caracterização da dor
deve ser feita questionando sua localização, qualidade, intensidade, duração,
progressão, fatores de melhora e de piora, bem como sintomas associados.
Pela descrição do paciente, trata-se de um quadro agudo de otalgia e de
dor em hemiface esquerda, que pode ser definida como dor neuropática
(“em queimação”, continua e sem fatores de melhora).
A paralisia facial é a perda de função motora nos movimentos da mímica
facial que pode ser do tipo central ou periférica. Paralisia facial central é
aquela advinda de distúrbios do sistema nervoso central, como um Aci-
dente Vascular Cerebral (AVC). Apresenta-se com perda dos movimentos
na metade inferior da hemiface, poupando os movimentos frontais. Já a
paralisia facial periférica compromete toda a hemiface e tem origem nos
distúrbios do nervo facial (NC VII). Sua principal apresentação é a paralisia
de Bell, cuja origem é idiopática. Outras causas de paralisia facial periférica
são infecções virais, diabetes, herpes zoster, tumores de parótida e do ân-
gulo ponto-cerebelar, doença de Lyme, entre outros. O paciente do caso

436

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CASO CLÍNICO

tem um comprometimento dos movimentos de toda a hemiface esquerda;


portanto, se caracterizando como paralisia facial periférica.
Além disso, durante a entrevista, foram ainda referidos sintomas auditivos
(acúfenos e perda auditiva). Entretanto, faz-se necessário o exame físico
para melhor entendimento dessa queixa.
O exame físico mostra, já na inspeção, lesões vesiculares em pavilhão au-
ricular esquerdo, otoscopia sem sinais de infecção da membrana timpânica,
e uma adenomegalia pequena com sinais puramente benignos (nódulo
móvel, doloroso, fibroelástico). Todos estes são sinais que falam a favor de
um quadro infeccioso. O exame neurológico confirma a paralisia facial peri-
férica e identifica o déficit auditivo como surdez do tipo neurossensorial (o
Teste de Rinne, que avalia perda auditiva condutiva, foi normal em ambas
as orelhas, e o Teste de Weber, com lateralização para o lado contrário da
perda auditiva). A união desses achados recebe o nome de Síndrome de
Ramsay Hunt,15 uma reação do herpes-zoster no gânglio geniculado, que
compromete os pares de nervos cranianos VII e VIII (perceba a história
pregressa de varicela na idade adulta).
Esse vírus tem tropismo por tecido ganglionar e, geralmente, permanece
em latência nos gânglios nervosos após a primo-infecção. Em situações de
falha na imunidade celular, o vírus latente acomete o nervo produzindo
uma erupção cutânea no dermátomo afetado. A paralisia facial é a sequela
mais comum da síndrome. Pode alcançar sua máxima intensidade dentro
da primeira semana de início da sintomatologia e apresenta como fatores
de mau prognóstico a idade superior a 50 anos e paralisia completa. No
que diz respeito ao diagnóstico, na maioria das vezes, é clínico. O trata-
mento da síndrome é feito com aciclovir, corticoide e medicações para
dor neuropática, como pregabalina. Distúrbios do sistema nervoso central,
colesteatoma, neuromas faciais e tumores da glândula parótida são diag-
nósticos diferenciais.

Sintoma-guia: Otalgia e paralisia facial periférica.


Diagnóstico sindrômico: Síndrome deficitária motora (motricidade facial)
e sensorial (perda auditiva).
Diagnóstico anatômico/topográfico: Supratentorial: NC VII e VIII.

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CASO CLÍNICO

Diagnósticos diferenciais:
yy Distúrbios do sistema nervoso central
yy Colesteatoma
yy Neuromas faciais
yy Tumores da glândula parótida
Hipótese diagnóstica: Síndrome de Ramsay Hunt

Pontos importantes

yy Os nervos cranianos (NC) partem em doze pares do encéfalo em direção


aos órgãos dos sentidos e aos músculos da cabeça e do pescoço;
yy Os pares que não partem a partir do tronco encefálico são o NC I (nervo
olfatório) e NC II (nervo óptico), que partem, respectivamente, do telen-
céfalo e diencéfalo;
yy São nervos mistos o NC V, VII, IX e X;
yy A avaliação dos pares cranianos tem uma organização própria para cada
par, de acordo com as funções específicas de cada um deles.

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Exame neurológico: nervos cranianos

REFERÊNCIAS

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14. McGee SR. Evidence-Based Physical Diagnosis. 4th ed. Philadelphia, PA: Elsevier; 2018.
15. Beraldin BS, Rayes TR, Rayes A, Muller AF. Síndrome de Ramsay Hunt: Relato de Caso. Arq
Catarin Med. 2008; 37(3): 84-6.
16. Werner L, Trindade F, Pereira F, Werner L. Fisiologia da acomodação e presbiopia. Arq Bras
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18. CHAVES, M. L. F., FINKELSTEIN, A., STEFANI, M. A. (Org.). Rotinas em neurologia e neurocirurgia.
Porto Alegre: ArtMed, 2008.

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