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ANESTESIA

VENOSA
Editores

Ismar Lima Cavalcanti


Fernando Antônio de Freitas Cantinho
Ronaldo Contreiras de Oliveira Vinagre

ANESTESIA
VENOSA

SAERJ
Sociedade de Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2004
Copyright © 2004 by Sociedade de Anestesiologia do Estado do
Rio de Janeiro
Todos os direitos reservados à SAERJ
Responsável
Carlos Eduardo Lopes Nunes

Editores
Ismar Lima Cavalcanti
Fernando Antônio de Freitas Cantinho
Ronaldo Contreiras de Oliveira Vinagre

Editoração Eletrônica
Ito Oliveira Lopes
Wellington Luís Rocha Lopes

Revisão
Gleris Suhett Fontella
Ficha catalográfica
D693d Anestesia Venosa/Ismar Lima Cavalcanti, Fernando Antônio de
Freitas Cantinho e Ronaldo Contreiras de Oliveira Vinagre;
Editores.
Rio de Janeiro: Sociedade de Anestesiologia do Estado do
Rio de Janeiro, 2004.
p. 354; 21cm. ; ilust.
ISBN 85-98045-02-0
Vários colaboradores.
1. Anestesia Venosa. 2. Anestesia. I. Sociedade de
Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro. II. Cavalcanti, Ismar
Lima. III. Cantinho, Fernando Antônio de Freitas. IV. Vinagre,
Ronaldo Contreiras de Oliveira
CDD - 617-96

Sociedade de Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro


Rua Paulo Barreto, 60 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ
CEP 22280-010
Tel. (21) 2541-6095 – www.saerj.org.br – e-mail: contato@saerj.org.br
DIRETORIA

Presidente
Dr. Carlos Eduardo Lopes Nunes
Vice-Presidente
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1º Secretário
Dra. Ana Maria da Costa Marques
2º Secretário
Dr. Fernando Antônio de Freitas Cantinho
1º Tesoureiro
Dr. Jorge de Albuquerque Calasans Maia
2º Tesoureiro
Dra. Deise Martins Rosa Gelli
Diretor Científico
Dr. Ronaldo Contreiras de Oliveira Vinagre

COMISSÃO CIENTÍFICA

Dra. Georgina Amelia Neves


Dr. José Abel de Almeida Neto
Dra. Maria Angélica Abrão
Dr. Rogério Fragoso de Oliveira Sarmento
EDITORES
ISMAR LIMA CAVALCANTI

Doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP


Título Superior em Anestesiologia – Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Responsável pelo CET/SBA do Hospital Geral de Nova Iguaçu
Diretor do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia - SBA
Certificado de Área de Atuação em Dor SBA-AMB

FERNANDO ANTÔNIO DE FREITAS CANTINHO

Instrutor Co-responsável pelo CET/SBA do Hospital do Andaraí


Segundo-Secretário da SAERJ

RONALDO CONTREIRAS DE OLIVEIRA VINAGRE

Instrutor Co-responsável pelo CET/SBA – Bento Gonçalves – HUCFF/ UFRJ


Diretor Científico da SAERJ
COLABORADORES
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Professor Adjunto de Anestesiologia – FCM/UERJ
Responsável pelo CET/SBA – HUPE/UERJ
Chefe da UDA Anestesiologia – HUPE/UERJ
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Anestesiologista Assistente do Serviço de Anestesiologia Clínica do Maranhão, TSA

CARMEN BAPTISTA DOS SANTOS


Co-responsável pelo CET Bento Gonçalves do Hospital Universitário Clementino Fraga
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Professor Assistente de Anestesiologia – FCM/UERJ
Co-responsável pelo CET/SBA – HUPE/UERJ
Preceptor da Residência Médica – HUPE/UERJ
FERNANDO SQUEFF NORA
Presidente da Sociedade de Anestesiologia do RS/SARGS
ISMAR LIMA CAVALCANTI
Doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP
Título Superior em Anestesiologia – Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Responsável pelo CET/SBA do Hospital Geral de Nova Iguaçu
Diretor do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia - SBA
Certificado de Área de Atuação em Dor SBA-AMB

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Professor Adjunto Doutor da Disciplina de Anestesiologia da Universidade Federal do
Maranhão. Responsável pelo Ambulatório de Dor do HUUFMa e do Serviço de Terapia
Anti-Álgica do Hospital do Câncer de São Luís-MA, TSA
JORGE DE ALBUQUERQUE CALASANS-MAIA
Mestre em Anestesiologia, UFRJ
Anestesiologista do Serviço de Anestesiologia da UFRJ
JOSÉ ABEL DE ALMEIDA NETO
Responsável pelo CET/SBA do Hospital da Piedade-RJ
Membro da Comissão Científica da SAERJ
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Certificado de área de atuação em Dor SBA-AMB
Editor-Chefe da Revista Brasileira de Anestesiologia
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Professor Colaborador de Anestesiologia na Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul - Campo Grande/MS
LEONEL DOS SANTOS PEREIRA
Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
LEVI AFONSO SOARES MAGALHÃES
Título Superior em Anestesiologia – Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Instrutor co-responsável do CET/SBA do Hospital Geral de Bonsucesso/MS
MARCOS AGUZZOLI
Diretor Social e de Marketing da Sociedade de Anestesiologia do RS/SARGS
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Título Superior em Anestesiologia - SBA
Anestesiologista do Hospital Municipal Cardoso Fontes
MARIA ANGÉLICA ABRÃO
Membro da Comissão Científica da SAERJ
Instrutora do CET/SBA - Bento Gonçalves -HCFF/UFRJ
PAULO DE ASSIS MELO
Professor Adjunto do Departamento de Farmacologia Básica e Clínica, ICB, CCS, UFRJ, –
Médico do Hospital Orêncio de Freitas, SUS, Niterói, RJ
PEDRO THADEU GALVÃO VIANNA
Professor Titular do Deptº de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu -
Universidade Estadual Paulista, UNESP - Presidente da SBA
ROBERTO TAKASHI SUDO
Mestre em Farmacologia, UFRJ. Doutor em Biofísica, UFRJ
Pós-Doutorado, Wake Forest University, USA. Prof. Titular de Farmacologia da FTESM,
Prof. Adjunto de Farmacologia da UFRJ.
Chefe do Laboratório de Acoplamento Excitação-Contração, UFRJ.
Chefe do Laboratório de Hipertermia Maligna, UFRJ
ROGÉRIO FRAGOSO DE OLIVEIRA SARMENTO
Instrutor do CET-INCa - Membro da Comissão Científica da SAERJ
RONALDO CONTREIRAS DE OLIVEIRA VINAGRE
Diretor Científico da SAERJ
Co-responsável pelo CET/SBA – Bento Gonçalves – HUCFF/UFRJ
TÚLIO CÉSAR AZEVEDO ALVES
Professor Titular da Disciplina de Farmacologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública (EBM) e da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) de Salvador – Bahia
Responsável pelo CET/SBA da Associação Obras Sociais Irmã Dulce
PREFÁCIO
Os dias que antecedem a finalização de um livro são geralmente muito
intensos para seus editores. As revisões, adequações, adaptações, correções
e uniformizações, consomem o tempo à exaustão, de tal forma que não há
como ocultar a sensação de dever cumprido na fisionomia dos que se encar-
regam desta tarefa.
Pude acompanhar o trabalho da Comissão Editorial da SAERJ, princi-
palmente nessas etapas finais do processo e, de antemão, gostaria de tornar
público o agradecimento de toda a Diretoria pela eficiência e desvelo com
que completaram a missão que lhes foi confiada.
Dupla vitória: consolida-se, com este terceiro livro, o projeto editorial
da SAERJ, ao mesmo tempo em que confirma-se o acerto da criação da mais
nova entre as Comissões Permanentes da SAERJ – a Comissão Editorial.
Tal como esperávamos, a iniciativa constituiu-se na pavimentação de um
caminho institucional para que a SAERJ cumprisse a proposta formulada em
2001 e iniciada em 2002, que consiste em editar um livro por ano, até que
completemos uma coleção contendo os principais temas da Anestesiologia.
O tema “Anestesia Venosa”, escolhido este ano por sua importância e
pela ampla utilização deste grupo de substâncias tão díspares, onde é a via
de administração, e não uma determinada característica farmacodinâmica, o
elo de ligação entre todas as drogas abordadas neste livro, é certamente uma
oportuna revisão.
Todos os capítulos procuraram enfocar a utilização prática destas subs-
tâncias, tendo como pano de fundo uma revisão farmacológica de cada uma
delas.
Como nos volumes editados anteriormente pela SAERJ, tivemos o apoio
financeiro da empresa CRISTÁLIA PRODUTOS QUÍMICOS E FARMA-
CÊUTICOS, sem que este apoio implicasse em interferências no conteúdo
editorial. A esta grande parceira, nossos agradecimentos.
Aos autores de capítulos, nosso reconhecimento pelo esforço voluntário
e nossa gratidão pelo engajamento crescente neste projeto editorial, fato que
nos faz antever a viabilidade do próximo volume da coleção, qualquer que
seja o tema eleito.
Essa certeza vem da constatação de que, hoje, o Projeto Livro SAERJ,
mais do que um compromisso da Diretoria, é ponto de honra para o sócio
que escreve e motivo de orgulho para o sócio que lê: uma meta coletiva, uma
travessia trabalhosa, cujo destino é construir a cada ano seu próprio cais.

Carlos Eduardo Lopes Nunes


Presidente da SAERJ
ÍNDICE
Interação de Drogas ....................................................................... 13

Barbitúricos ................................................................................... 25

Propofol ......................................................................................... 39

Etomidato ...................................................................................... 55

Diazepam ....................................................................................... 71

Midazolam ..................................................................................... 83

Cetamina ...................................................................................... 111

Morfina ........................................................................................ 135

Meperidina ................................................................................... 143

Fentanil ........................................................................................ 161

Alfentanil ..................................................................................... 181

Sufentanil ..................................................................................... 197

Remifentanil ................................................................................ 213

Clonidina ..................................................................................... 241

Demedetomidina .......................................................................... 263

Flumazenil ................................................................................... 287

Naloxona ...................................................................................... 301

Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos.................. 307

Anestesia Intravenosa .................................................................. 333


Interação de Drogas

Interação de Drogas
Ismar Lima Cavalcanti*

Introdução

O exercício da anestesiologia é marcado pela manipulação dos


conhecimentos sobre as interações medicamentosas. Cada vez mais os
doentes submetidos à anestesia fazem uso crônico de diversas classes de
medicamentos. Em decorrência disso, a utilização de agentes anestésicos
se fará em um organismo exposto cronicamente a fármacos que, ao
exercerem seu efeito farmacológico, promovem alterações fisiológicas que
modificarão as respostas aos anestésicos. Além disso, ocorrem,
concomitantemente, interações entre os agentes anestésicos entre si. O
contexto, então formado, é o resultado de uma equação, cujas variáveis são
as múltiplas interações simultaneamente ocorridas, quando da utilização de
diversos fármacos.
É importante ressaltar que na prática clínica da anestesia, a interação
de drogas sempre ocorre, e, na maioria das vezes, são desejáveis e concorrem
para a obtenção do nível anestésico desejado. Por outro lado, a ocorrência de
reações imprevisíveis está descrita e, embora raras, podem ter graves
conseqüências, causando complicações indesejáveis e até mesmo fatais.

* Doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP


Responsável pelo CET-SBA do Hospital Geral de Nova Iguaçu
Diretor do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia - SBA
Certificado de Área de Atuação em Dor pela SBA/AMB

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Anestesia Venosa

A melhor maneira de prevenir as reações indesejáveis e de bem


utilizar os efeitos desejáveis das diversas interações é conhecer a farma-
cologia das drogas em questão, além de avaliar e planejar adequadamente
o ato anestésico durante o período que o procede.

Conceito

A interação de drogas ocorre quando a ação de um fármaco é alterada


por outro. Esse processo pode causar a diminuição da eficácia terapêutica
ou o aumento da atividade de uma ou mais drogas. O aumento da atividade
dos fármacos pode acarretar reações tóxicas.

Fatores que afetam o efeito farmacológico das drogas

As respostas às drogas sofrem interferência de diversos fatores. As


variações biológicas individuais, determinadas por fatores genéticos, são
facilmente observáveis nas pesquisas clínicas. Somam-se às diferenças
orgânicas individuais as interferências do ambiente, do ritmo circadiano, do
clima e da dieta.
Dos fatores genéticos destacam-se os níveis de pseudocolinesterase,
que vão interferir no término da ação da succinilcolina e do mivacúrio e a
crise de porfiria quando da utilização de tiopental.
A ambiente interfere na ação das drogas. A hipotermia reduz a de-
gradação dos bloqueadores neuromusculares do grupo dos benziliso-
quinolínicos, como é o caso do atracúrio e do cisatracúrio, o que causa o
aumento da duração clínica desses agentes.
O ritmo circadiano modifica a resposta do organismo às drogas. A
sensibilidade aos hipnóticos está diminuída durante o período da manhã e a
sensibilidade aos anestésicos locais está aumentada à tarde.
O clima pode alterar as condições de armazenamento dos agentes, o
que resulta na alteração da biovalidade dos fármacos.
Poderíamos assim dizer que, durante uma anestesia, as interações
não são apenas resultado da relação direta entre duas ou mais drogas e
seus efeitos farmacológios, mas sim do resultado destas mais as
condições biológicas e ambientais que cercam o paciente durante o ato
anestésico.

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Interação de Drogas

Tipos de Interação

As interações medicamentosas são classificadas como: farmacêu-


ticas, farmacocinéticas e farmacodinâmicas.
Essa classificação é meramente didática, uma vez que a realidade
clínica é um conjunto de reações simultâneas.

1 - Interações farmacêuticas

As interações farmacêuticas são também denominadas interações


in vitro e se dividem em interações físicas, químicas ou físico-químicas.
Essas interações ocorrem antes da absorção dos fármacos pelo organismo
ou antes de sua administração venosa. As interações farmacêuticas ocorrem
pela diferença de formulação dos agentes e até mesmo conservantes e
diluentes e que, quando administrados simultaneamente, podem resultar na
interferência na estrutura química de um ou ambos os agentes.
Um exemplo clássico é o caso da associação de tiopental com
lidocaína na mesma seringa, resultando em precipitação da mistura e perda
do efeito farmacológico. Sabe-se também que a vitamina C inativa o
etomidato. Por essa razão, recomenda-se evitar a mistura de drogas na
mesma seringa.

2 - Interações farmacocinéticas

A farmacocinética trata dos processos de absorção, distribuição e


eliminação dos agentes farmacológicos. Pode-se assim dizer que as
interações farmacocinéticas ocorrem pela interferência de drogas nesses
processos, resultando em modificação do efeito farmacológico de outras
drogas utilizadas simultaneamente.

2.1 - Interferência de fatores hemodinâmicos

Fatores hemodinâmicos interferem tanto no início de ação quanto


na duração de ação dos fármacos, em especial para aqueles agentes
cujo término do efeito se dá basicamente por distribuição entre os
compartimentos fisiológicos orgânicos e têm pouca interferência sobre
os agentes cujo término do efeito se dá por meio da excreção e
metabolismo.

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Anestesia Venosa

Uma vez injetada na circulação sistêmica, a concentração da droga


que chega ao coração está diretamente relacionada à velocidade da injeção
e, inversamente, ao volume (retorno venoso) que chega ao coração no
período da injeção. A velocidade de distribuição das drogas aos tecidos
depende da concentração da droga no sangue arterial e do débito cardíaco,
assim como do fluxo sangüíneo tecidual. Por conseguinte, qualquer droga
que afeta o débito cardíaco alterará a velocidade de distribuição e o total da
droga distribuída.
Para uma mesma dose e velocidade de injeção, o efeito de uma
droga é mais intenso em indivíduos que têm o débito cardíaco reduzido, em
comparação aos hígidos.
A diminuição do débito cardíaco, em resposta à injeção venosa de
propofol, em associação ao remifentanil, causa aumento de sua concentração
arterial e cerebral, resultando em aumento de seus efeitos farmacológicos.
Outra situação semelhante é a potencialização de efeito do propofol, quando
administrado conjuntamente com o esmolol, causado pela diminuição do
débito cardíaco. No caso do propofol, caso a velocidade de injeção seja
constante, a diminuição do débito cardíaco acarreta a elevação da
concentração do agente no sangue arterial, o que resulta na exacerbação
dos efeitos farmacológicos e potencialização dos efeitos colaterais
cardiovasculares.
A absorção de uma droga, a partir de um meio intravascular, ou a
distribuição de um agente já presente no plasma também pode ser alterada
pelos fatores hemodinâmicos. É necessário destacar que as alterações
hemodinâmicas, resultantes do efeito de uma droga, podem alterar o efeito
farmacológico de outra administrada concomitantemente.
A administração venosa de adrenalina causa diminuição da duração
de um bloqueio peridural e aumenta a taxa de metabolismo hepático das
drogas pelo aumento do fluxo sangüíneo hepático. Por outro lado, o
propranolol causa diminuição do fluxo sangüíneo hepático, o que determina
a diminuição do metabolismo dos fármacos que são eliminados do organismo
pelo mecanismo da primeira passagem pelo fígado, como é o caso da
lidocaína.
Drogas com alta taxa de excreção hepática, tais como a lidocaína e
o propranolol, sofrem interferência marcante do fluxo sangüíneo hepático
para sua eliminação. Por conseguinte, a presença de agentes que diminuem
o fluxo sangüíneo hepático, como é o caso da cimetidina, de bloqueadores
dos receptores beta-adrenérgicos e do isoflurano determinam a diminuição

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Interação de Drogas

da depuração dos fármacos citados, resultando no aumento da duração do


efeito clínico ou causando manifestações de toxicidade àquelas drogas. A
hipotensão arterial ou a hipovolemia, ao diminuir o fluxo hepático, causa o
mesmo mecanismo.
A associação de adrenalina aos anestésicos locais causa vasocons-
tricção na região injetada o que acarreta o aumento da duração de ação do
efeito anestésico local.

2.2 - Interferência da ventilação

Durante a anestesia inalatória, o uso de broncodilatadores causa


diminuição da resistência das vias aéreas. Como resultado, ocorre aumento
da relação ventilação/perfusão. Em decorrência disso, se estabelece o
aumento da concentração alveolar dos anestésicos voláteis e aprofun-
damento do plano anestésico. Exatamente o oposto ocorre com o propranolol,
pelo aumento da resistência das vias aéreas.
A hipocapnia decorrente da hiperventilação pode retardar o
metabolismo de bloqueadores neuromusculares benzil-isoquinolínicos por
interferir na degradação de Hoffman, causando aumento da duração clínica
e do índice de recuperação.

2.3 - Interferência da ligação protéica

O efeito farmacológico de um agente é o resultado da ação da fração-


livre dessa droga no plasma. Após a injeção venosa, um agente, dependendo
de seu coeficiente de ligação às proteínas plasmáticas, terá maior ou menor
fração-livre no plasma e será disponível para a ação nos tecidos-alvo e
expressão de seu efeito farmacológico. Um agente farmacológico pode
causar dissociação de outro agente de seu sítio de ligação protéica. A asso-
ciação de Warfarin e fenilbutazona causa aumento do tempo de sangramento.

2.4 - Interferência do metabolismo hepático

A biotransformação hepática poderia ser resumida em dois processos:


fase 1, que se caracteriza pelos mecanismos de oxidação, redução e hidrólise;
e, fase 2, caracterizada pela conjugação, principalmente, a glicuronídeos e
sulfatos.

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Anestesia Venosa

O metabolismo hepático de fármacos pode ser alterado, resultando


tanto na sua estimulação quanto na sua inibição causada por um outro agente
farmacológico utilizado concomitantemente. A inibição do metabolismo
hepático é, em geral, resultado da competição entre duas ou mais drogas
pela mesma via metabóllica, enquanto que a estimulação se dá por
mecanismos de indução enzimática. As reações fase 1 são mediadas pelo
citocromo P-450. O citocromo P-450 apresenta mais de sessenta isoformas
que se enquadram em três grupos CYP1, CYP2 e CYP3. O citocromo P
3A4 é responsável pelo metabolismo de mais de 64 drogas, incluindo o
midazolam e o alfentanil. Um exemplo de interação por esse mecanismo é
a indução enzimática causada pela eritromicina que afeta o metabolismo do
midazolam e do alfentanil.
As potenciais interações entre drogas metabolizadas pelo mesmo
citocromo P-450 estão listadas na Tabela I.

Tabela I – Potenciais interações entre drogas metabolizadas pelo mesmo


citocromo P-450
CYPA2 CYP2C CYP3A3/4
Acetaminofen Diazepam Alprazolam
Cafeína Hexobarbital Astemizol
Imipramina Imipramina Corticosteróides
Fenacetin Mefenitoína Ciclosporina
Fenotiazinas Fenitoína Eritromicina
Teofilina Propranolol Fluoconazone
Warfarina Tolbutamina Ketoconazol
Warfarina Nifedipina
Terfenadina
Triazolam

2.5 - Interferência da função renal

Algumas drogas dependem quase que exclusivamente da função renal


para a sua eliminação. A galamina, um bloqueador neuromuscular, é o
exemplo clássico.
O metabolismo hepático de determinadas drogas resulta em
metabólitos tóxicos que dependem da eliminação renal. A função renal
precisa estar preservada a fim de que se possa garantir o término dos efeitos
desses metabólitos. Caso contrário, poderão ocorrer manifestações
sistêmicas de toxicidade.
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Interação de Drogas

3 - Interações farmacodinâmicas

As interações farmacodinâmicas ocorrem no local de ação das drogas.


O efeito farmacológico das drogas, de uma maneira geral, ocorre pela ligação
do agente a um receptor de membrana. Depois de ligada ao receptor, a
droga, na dependência de sua atividade farmacológica intrínseca, desencadeia
seu efeito. A maioria das drogas utilizadas clinicamente caracteriza-se por
possuírem seletividade relativa e desencadearem simultaneamente diversos
efeitos. Por esta razão, as interações farmacodinâmicas podem ser resultado
da ação das drogas no mesmo receptor, em receptores diferentes ou mesmo
produzirem efeitos sem a mediação de receptores.

3.1 - Ação no mesmo receptor

As interações mediadas pelo mesmo receptor fundamentam-se no


fato de os receptores de membrana serem estruturas protéicas altamente
específicas que respondem à ligação de moléculas fisiológicas, como os
neurotransmissores e hormônios. A condição básica para a ligação de drogas
aos receptores é a semelhança estrutural entre os fármacos e o agonista
endógeno. O estudo da ligação droga-receptor se baseia em duas teorias:
teoria da ocupação e teoria da velocidade. Na teoria da ocupação
observamos duas importantes propriedades: a primeira delas é a afinidade
da droga pelo receptor e a segunda é a atividade intrínseca, que é a
capacidade de a droga produzir efeito farmacológico em resposta a essa
ligação. Desses dois processos resulta que as drogas podem ser agonistas,
agonistas parciais e antagonistas, caso desencadeiem plenos efeitos, efeitos
parciais ou não causem efeitos. A morfina e a succinilcolina são drogas
agonistas, a nalbufina é um fámaco agonista parcial e a naloxona, a atropina
e os bloqueadoes neuromusculares adespolarizantes são agentes
antagonistas. É importante ressaltar que um agonista parcial administrado
após um agonista pode resultar em efeito antagonista. A teoria da
velocidade apresenta dois conceitos básicos: o primeiro diz que o início de
ação dos agonistas é mais rápido do que dos antagonistas e o segundo,
que diz que os antagonistas se dissociam do receptor mais lentamente
que os agonistas.
Após a ligação da droga ao receptor, os agentes podem causar o
mesmo efeito farmacológico, caso apresentem semelhante afinidade e
atividade intrínseca. Caso não haja coincidência entre a droga e o agonista

19
Anestesia Venosa

endógeno, ocorrerão diferentes intensidades de efeito e duração de ação.


Observamos que a acetilcolina relaxa o músculo liso vascular, contrai a
musculatura lisa da via aérea e intestino, e despolariza a placa motora, a
membrana pós-sináptica ganglionar e a membrana pós-sináptica de neurônios
do sistema nervoso central; enquanto que a atropina bloqueia todos os
receptores muscarínicos, previne bradicardia e bloqueio de condução
cardíaco, produz retenção urinária e causa glaucoma.

3.2 - Ação em diferentes receptores

A ação em diferentes receptores pode resultar no mesmo efeito


farmacológico ou efeito distinto. Os diferentes receptores podem estar
localizados na mesma célula ou em células diferentes do mesmo órgão ou
de órgãos diferentes e até mesmo de sistemas orgânicos diferentes.
Da ação em receptores diferentes surgem os conceitos de efeito
aditivo e potencialização. Quando duas drogas agem em receptores diferentes
e produzem o mesmo efeito, diz-se que ocorre o efeito aditivo. O efeito
aditivo ocorre quando duas drogas promovem o mesmo efeito, entretanto,
quando administradas concomitantemente, apresentam efeitos quan-
titativamente maiores. Por outro lado, quando uma das drogas não produz
efeito algum mas aumenta o efeito de outra droga utilizada concomitan-
temente, a interação é então denominada potencialização. Por exemplo,
podemos citar a cocaína, que potencializa os efeitos da nor-adrenalina. A
cocaína inibe a recaptação de nor-adrenalina para o terminal nervoso. Por
ser este o maior mecanismo de retirada da nor-adrenalina livre na fenda
sináptica, há um aumento da quantidade e um prolongamento da concentração
da nor-adrenalina nos sítios receptores.
Pode ocorrer ainda o antagonismo fisiológico ou também chamado
funcional, como no caso da utilização de adrenalina após a ocorrência de
liberação maciça de histamina. Os agentes irão interferir antagonicamente
sobre o balanço do sistema nervoso simpático.
O efeito aditivo também pode ocorrer na interação não mediada por
receptor. A utilização de anestésicos gerais e locais promove efeito
anestésico aditivo, pela modificação conformacional de macromoléculas
biológicas, especialmente proteínas e lipídios das membranas excitáveis.
Outro exemplo de efeito aditivo é a associação de opióides e benzodiaze-
pínicos.

20
Interação de Drogas

3.3 - Outros tipos de interação

É possível a ocorrência de interações farmacodinâmicas não ligadas


diretamente a receptores e estas ocorrem em outros pontos de ação das
drogas na biofase.

3.3.1 - Interações por inibição de mecanismos de transporte


local

Esse tipo de interação pode ocorrer nos terminais nervosos simpáticos.


No terminal nervoso adrenérgico ocorre a recaptação, por mecanismo ativo
de bomba, da noradrenalina liberada na fenda sináptica. Esse mecanismo é
inespecífico e aceita uma variedade de aminas: neurotransmissores
adrenérgicos, agonistas adrenérgicos exógenos e bloqueadores neuronais
adrenérgicos. O mecanismo de bomba é efetivamente bloqueado pela cocaína
e antidepressivos tricíclicos. Então, os efeitos de algumas aminas simpa-
ticomiméticas de ação direta, como a adrenalina e a noradrenalina, são
potencializados. Entretanto, os efeitos simpaticomiméticos de agentes de
ação indireta, como o metaraminol, e os efeitos de bloqueadores neuronais,
como a guanetidina, são inibidos.

3.3.2 - Interações por alterações na síntese e funcionamento


de membranas celulares

Alguns agentes, por alterarem a síntese e o funcionamento de


membranas celulares, podem causar interação. Efeito desse tipo na
membrana pré-sináptica da junção neuromuscular, causado por antibióticos
do tipo aminoglicosídeos e polimixinas, pode aumentar o grau de bloqueio
neuromuscular induzido por bloqueadores neuromusculares adespo-
larizantes.

Principais interações medicamentosas dos anestésicos venosos

Devido a necessidade da associação de diversos fármacos para a


obtenção da anestesia ideal, os processos interativos ocorrerão em grande
proporção. As principais interações entre os anestésicos venosos, com seus
respectivos mecanismos, estão listados na Tabela II.

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Anestesia Venosa

Tabela II – Principais interações entre os anestésicos venosos com seus


respectivos mecanismos
Agentes Resultado da interação Tipo de interação
Tiopental+Anestésico local Precipitação Farmacológica
Tiopental+ cetamina Precipitação Farmacológica
Tiopental+atracúrio Precipitação Farmacológica
Tiopental+succinilcolina Aumento metabolização Farmacológica
da succinilcolina
Tiopental+álcool (agudo) Aumenta a depressão Farmacodinâmica
Tiopental+álcool (crônico) Tolerância Farmacodinâmica
Diazepam+cimetidina ↑ meia-vida Farmacocinética
Diazepam+flumazenil Antagonismo Farmacodinâmica
Diazepam+cetamina Ação gabaérgica Farmacodinâmica
Diazepam+aminofilina Bloqueio da fosfodiesterase Farmacodinâmica
Morfina+cimetidina ↑ meia-vida Farmacodinâmica
Meperidina+IMAO Hipertensão arterial Farmacodinâmica
Etomidato+ ↓mioclonias Farmacodinâmica
benzodiazepínicos

Conclusão

Na anestesia venosa, a interação de drogas será um tema im-


portante até o dia em que se tenha descoberto o anestésico geral ideal.
Esse anestésico ideal poderia ser definido como aquele capaz,
isoladamente, de produzir hipnose, analgesia, proteção neurovegetativa e
relaxamento muscular. Mesmo a esse agente único ideal, as respostas
orgânicas individuais ainda se expressarão, o que poderá produzir respostas
diferentes. Talvez outro passo ainda seja necessário, caso este agente
ideal seja descoberto. Os avanços na farmacogenética quiçá poderão
reconhecer as características genéticas individuais de cada doente, e, a
partir disso, adaptar o anestésico ideal para cada paciente individual. Então,
o futuro aponta para a síntese do anestésico geral ideal e individual. Aí
sim, as interações poderão ser minimizadas. Entretanto, ainda assim,
permanecerão as interferências ambientais que ainda produzirão interações
importantes e também as interações entre esse anestésico geral e individual
e os medicamentos de uso crônico utilizados pelos pacientes. Isto sinaliza
que o tema interações medicamentosas ainda será, por vários anos, tema
importante de estudo para os anestesiologistas.

22
Interação de Drogas

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24
FARMACOLOGIA DA DOR

Capítulo 2
FARMACOLOGIA DA DOR

Luiz Fernando de Oliveira *

A dor é o sintoma que com maior freqüência leva o paciente a procu-


rar o médico. Apesar disso, seu controle é freqüentemente inadequado geran-
do insatisfação do doente. Várias razões podem ser apontadas para esse
resultado: a) subvalorização da queixa por parte do médico, com ausência de
preocupação com o tratamento; b) falta de obediência por parte do paciente
à prescrição, devido à insatisfatória relação médico-paciente e/ou efeitos
colaterais indesejáveis; c) prescrição de doses subterapêuticas de analgésicos,
devido ao receio de efeitos adversos graves e desconhecimento da sua far-
macologia
Na realidade os recursos terapêuticos atuais nos permitem controlar
com eficiência a dor aguda. A persistência da dor revela, quase sempre, uma
terapêutica analgésica mal conduzida. O mesmo não é possível dizer-se da

* Professor Titular de Anestesiologia da UERJ


Livre-Docente em Farmacologia pela UFRJ
Clínica da Dor do Hospital Universitário Pedro Ernesto - UERJ

37
DOR

dor crônica, contra a qual nem sempre se dispõe de métodos analgésicos


eficazes.
Apesar da variedade de recursos à nossa disposição, o tratamento
medicamentoso ainda é a arma mais simples e eficaz para o controle da dor,
desde que conduzido de forma coerente e eficiente.

1 - Medicamentos Analgésicos

Classicamente são divididos em dois grupos: os Analgésicos-


Antiinflamatórios e os Opióides (ou Hipnoanalgésicos). Os primeiros,
considerados erradamente como analgésicos “fracos” e de ação periférica, e
os segundos, como analgésicos “fortes”, de ação central e com elevado risco
de depressão respiratória e dependência. Na realidade, nem sempre os anal-
gésicos-antiinflamatórios são “fracos”, nem os opióides atuam exclusivamente
por via central ou necessariamente produzem depressão respiratória ou de-
pendência, quando usados corretamente.

1.1 - Analgésicos-antiinflamatórios (Antiinflamatórios Não-Esteroidais -


AINE)

São caracterizados pela propriedade comum analgésica, antipirética e


antiinflamatória. Faz exceção o paracetamol (p-acetoaminofenol), que não
apresenta efeito antiinflamatório nas doses habituais. Considerados como
medicamentos de ação principalmente periférica, apresentam perfil
farmacodinâmico, mecanismo de ação e eficácia analgésica semelhante.
Possuem mecanismo de ação periférica e central, ambos conseqüentes
da inibição da Ciclooxigenase, com subseqüente inibição da síntese de
endoperóxidos cíclicos e Prostaglandinas, mediadores da inflamação e da
hiperalgesia primária (periférica) (Fig. 1).
Os AINE’s de 1ª. geração bloqueiam tanto a COX-1 constitutiva quanto
a COX-2 induzida do endotélio e do macrófago, enquanto que os AINE’s
mais recentes (coxibs) bloqueiam seletivamente a COX-2. Embora a COX-2
seja primariamente induzida no macrófago, ela tem caráter constitutivo no
sistema nervoso e no rim. Recentemente foi descrita uma nova isoforma da
ciclooxigenase, a COX-3, aparentemente alvo da ação do paracetamol e da
dipirona.

38
FARMACOLOGIA DA DOR

Tanto o efeito analgésico quanto o antiinflamatório dos AINE são


usualmente moderados, apresentando efeito “teto”. Em algumas situações,
no entanto, quando utilizados por via parenteral, podem ser eficientes no
controle de dores de grande intensidade como, p.ex., a da cólica renal e a dor
pós-operatória.
Seu efeito analgésico não pode ser atribuído apenas à inibição da sín-
tese das Prostaglandinas periféricas. O paracetamol, que não inibe a
ciclooxigenase, em tecido inflamado nas concentrações terapêuticas, por exem-
plo, apresenta efeito analgésico comparável aos dos outros derivados. Além
disso, a potência analgésica não varia proporcionalmente com a potência
antiinflamatória. Trabalhos recentes demonstraram que os analgésicos-
antiiflamatórios atuam também no sistema nervoso central, inibindo a
hipersensibilidade espinhal e ativando mecanismos inibitórios descendentes
da nocicepção, por mecanismo dependente de prostaglandina (COX-2 de-
pendentes).

Figura 1 - Mecanismo celular de ação dos antiinflamatórios

Em virtude de um mecanismo de ação comum os AINE têm perfil


farmacodinâmico, terapêutico e toxicológico semelhantes. Todos, exceto o
paracetamol, podem levar à erosão da mucosa gastroduodenal e sangramento
digestivo (com menor freqüência e intensidade, os inibidores seletivos da COX-
2), a reações anafilactóides e à lesão renal com nefrite. Algumas diferenças

39
DOR

podem ser observadas na relação custo/benefício do tratamento, que apresen-


ta grande variação interindividual, como, p.ex., na incidência de epigastralgia e
sangramento digestivo, que parece ser maior com a aspirina e a indometacina.
Os inibidores da COX-2, como o celecoxib, o rofecoxib, o etoricoxib
e o valdecoxib, têm morbidade gastro-intestinal significativamente menor,
apresentando baixa incidência de erosão e sangramento digestivo, mas po-
dem acarretar lesão renal .

Tabela I - Principais derivados analgésicos-antiinflamatórios

I – Inibidores da COX-1 e COX-2


1. SALICILATOS ASPIRINA
DIFLUNISAL
2. INDÓIS INDOMETACINA
SULINDAC
3. ÁC. PROPIÔNICO IBUPROFENO
CETOPROFENO
NAPROXENO
4. ÁC. ANTRANÍLICO ÁC. MEFENÂMICO
5. ÁC. FENILACÉTICO DICLOFENACO
6. OXICAMS PIROXICAM
TENOXICAM
MELOXICAM
II- Inibidores da COX-2

NIMESULID
MELOXICAM
CELECOXIB
ROFECOXIB
ETORICOXIB
VALDECOXIB
III – Inibidores da COX-1 e COX-3
1. PIRAZOLÔNICOS DIPIRONA(Metamizol)

2. p-ACETOAMINOFENOL PARACETAMOL

A resposta analgésica dos analgésicos-antiinflamatórios é em geral


moderada e caracterizada por “efeito teto”, isto é, alcançado determinado
nível de analgesia, o aumento da dose não traz alívio adicional. Tradicional-
mente se explica essa característica pela natureza do mecanismo de ação, ca-

40
FARMACOLOGIA DA DOR

racterizado pela inibição de mecanismo facilitador da nocicepção, mas não


pela supressão da ativação do sistema nociceptivo. Assim, estímulos lesivos
de maior intensidade ainda seriam capazes de estimular os nociceptores dire-
tamente. Além disso, esses medicamentos têm curvas dose-efeito pouco in-
clinadas, em que a resposta terapêutica aumenta pouco com o aumento da
dose. Dor aguda de grande intensidade não é assim muitas vezes bem con-
trolada apenas com analgésicos-antiinflamatórios.
A atividade antiinflamatória também é limitada, sendo muito inferior à
dos corticóides, uma vez que não interferem com a produção ou ação de outros
mediadores inflamatórios como a Bradicinina, Leucotrienos, PAF, TNFa, IL-1,
etc. Na verdade, são mais eficientes naqueles casos onde a mediação é principal-
mente PG-dependente, como os processos ósteo-articulares, espasmo das vias
urinárias, contração uterina, traumatismos, etc. Processos inflamatórios das vias
aéreas, como rinite e asma, mediados principalmente por Leucotrienos e PAF, ao
contrário, podem até ser agravados pelo uso dos antiinflamatórios convencio-
nais. Novas drogas com propriedade mais geral de inibição da síntese de deriva-
dos de fosfolipídeo ou do ácido aracdônico poderão representar um considerá-
vel avanço na busca de antiinflamatórios mais eficazes.
A relação custo-benefício do tratamento com analgésicos-
antiinflamatórios é um aspecto importante a ser considerado sempre. A ma-
nutenção do tratamento vai depender de se observar uma efetiva e signifi-
cativa melhora do quadro álgico que compense a morbidade acarretada
por efeitos colaterais importantes como desconforto gástrico, possibilidade
de ulceração e sangramento digestivo, reações anafilactóides e nefrite
intersticial, especialmente quando usados, em doses antiinflamatórias, por lon-
gos períodos. Ao redor de 20 % dos pacientes tratados referem efeitos ad-
versos e cerca de 5 % interrompem o tratamento em função desses efeitos.
São utilizados principalmente por via oral ou retal, embora também
possam ser usados por via intramuscular ou intravenosa. Atualmente estão
disponíveis para uso parenteral a dipirona, o diclofenaco, o cetoprofeno, o
tenoxicam e o valdecoxib (sob a forma de parecoxib, sua pró-droga). A via
parenteral é reservada para os casos de dor intensa e no controle da dor peri-
operatória. A via venosa, embora tecnicamente mais difícil, é mais recomen-
dada, não só pela maior eficácia mas também por ser menos dolorosa, de-
vendo ser usada, de preferência, nos pacientes hospitalizados e quando múl-
tiplas administrações se fazem necessárias.

41
DOR

Tabela II - Efeitos colaterais dos Analgésicos-Antiinflamatórios

1. DIGESTIVOS - Epigastralgia, sangramento digestivo, náusea e enjôo.


Todos em maior ou menor grau, exceto Paracetamol
Inibidores da COX-2 têm menor morbidade gástrica
2. RENAIS - Retenção de água e sal, edema. Nefrite intersticial
Todos, inclusive Paracetamol
3. HEMATOLÓGICOS - Leucopenia. Anemia aplástica. Agranulocitose
Evento raro. Maior risco com Indometacina e Pirazolônicos, no trata-
mento crônico.
4. NEUROLÓGICOS - Síndrome de Reye. Confusão mental. Coma
(intoxicação)
Observado com a Aspirina
5. HEPÁTICOS - Insuficiência hepática. Necrose hepática
Na intoxicação com Paracetamol
6. DERMATOLÓGICOS - “Rash” cutâneo. Prurido
7. RESPIRATÓRIOS – Pioram Rinite e Asma

1.2 - Opióides (Hipnoanalgésicos)

Caracterizados por propriedade analgésica potente, efeito tranqüili-


zante (sedativo) e hipnótico, e tendência a produzir tolerância, dependência
psíquica e física, quando usados cronicamente.
Medicamentos de ação primariamente central destacam-se pela inten-
sa analgesia associada à depressão da consciência e das funções
neurovegetativas. Utilizados no controle da dor aguda de grande intensidade,
refratária aos antiinflamatórios, e no controle da dor crônica de natureza
neoplásica. Os opiáceos de baixa potência, como a codeína e o tramadol,
apresentam efeito analgésico aditivo aos analgésicos-antiinflamatórios, sendo
de grande utilidade na dor moderada à intensa.
Seu mecanismo de ação é fundamentalmente central. Interagem com
receptores específicos dos peptídios opióides (Receptores Opióides) distri-
buídos amplamente pelo sistema nervoso central e encontrados também nos
terminais nociceptivos. Pelo menos três tipos de receptores já foram identifi-

42
FARMACOLOGIA DA DOR

cados e clonados: ì, ê e ä. Em geral, esses receptores intermedeiam resposta


inibitória, via aumento da gK (hiperpolarização) e redução da gCa. Indireta-
mente, por mecanismo de derepressão inibitória, podem mediar efeito
excitatório.
Os opióides ativam mecanismos inibitórios na Formação Reticular do
Tronco Cerebral, na Medula Espinhal e no Sistema Límbico. Sua ação anal-
gésica deve-se a: a) ativação de mecanismo inibitório descendente (Sistema
Analgésico Central) originário na região periaquedutal (PAG) e que, através de
fibras noradrenérgicas originadas no Locus Coeruleus e fibras serotoninérgicas
originadas no núcleo giganto-celular, exercem controle inibitório sobre as
sinapses nociceptivas espinhais e reticulares; b) inibição direta da sinapse
nociceptiva espinhal; c) inibição direta dos terminais nociceptivos (efeito lo-
cal). Nas doses usuais, agem primariamente no nível central, deprimindo o
componente afetivo-emocional, inibindo a sensação aversiva, desagradável
(sofrimento) da dor.
Apesar de seu efeito analgésico potente, sua utilização terapêutica é
limitada por seus efeitos colaterais de risco, como dependência física, depres-
são da consciência (da sonolência ao coma), e depressão dos reflexos
neurovegetativos, com hipotensão postural e depressão respiratória que pode
variar da bradipnéia à apnéia.

Tabela III - Principais derivados Opióides

1. De baixa potência TRAMADOL


CODEÍNA
2. De alta potência MORFINA
MEPERIDINA (Petidina)
METADONA
OXICODONA
FENTANIL
SUFENTANIL
ALFENTANIL
REMIFENTANIL

43
DOR

Outros efeitos indesejáveis e que limitam seu uso, como a constipação


intestinal (para a qual não se desenvolve tolerância), náusea e vômito, sono-
lência, confusão mental e retenção urinária, podem ocorrer. A depressão res-
piratória e a dependência física dependem do modo de administração, sendo
normalmente resultado ou de sobredose (iatrogenia), ou de administração
prolongada (superior a uma semana). O risco de dependência física não é
impedimento para seu uso na dor neoplásica, mas obriga a cuidado nos
pacientes de dor “benigna”. Nunca é demais enfatizar que dependência física
não é sinônimo de Toxicomania, pois o que caracteriza esta é a dependência
psíquica com seu impulso para procura, obtenção e uso da droga em busca
de seus efeitos psicotrópicos.
Em virtude de seus efeitos colaterais de risco, mesmo nos casos em
que sua indicação é absoluta, freqüentemente, esses medicamentos são
subutilizados. Como resultado dessa prática, muitos pacientes são privados
do alívio que esses medicamentos podem propiciar.
O desconhecimento, tanto por parte de médicos quanto de enfermei-
ros, da farmacologia e farmacocinética desses medicamentos é o principal
responsável por sua utilização inadequada. Na verdade, quando utilizados ade-
quadamente, são medicamentos seguros, desde que sejam tomados os cuida-
dos de vigilância e controle necessários e sejam respeitadas as limitações ao seu
uso, como o modo de administração, a idade, grau de hidratação e volemia, e
presença de doença obstrutiva pulmonar crônica que, na maioria das vezes,
não impedem seu uso, mas impõem cuidados e observação permanente.
Podem ser utilizados pela via oral, subcutânea, intramuscular, intravenosa,
transdérmica e intra-raquiana (epidural ou sub-aracnóide). A via oral é a mais
recomendada, no tratamento crônico, como no caso da dor neoplásica. As vias
subcutânea, intramuscular e intravenosa são mais utilizadas na emergência e na
dor aguda. A via epidural é utilizada no controle da dor pós-operatória, em
alguns casos de dor crônica (dor neuropática) e no câncer terminal. A via
transdérmica (Fentanil) é reservada ao tratamento da dor neoplásica.

1.3 - Anestésicos Locais

Apresentam propriedade bloqueadora da condução nervosa, tanto


sensorial quanto motora. São empregados basicamente nos procedimentos
de bloqueio e infiltração para tratamento da dor aguda e crônica.

44
FARMACOLOGIA DA DOR

Atualmente, empregam-se apenas os anestésicos do grupo das amino-


amidas, em especial a lidocaína, a bupivacaína e a ropivacaína.
Seu mecanismo de ação caracteriza-se pela propriedade de bloquear a
corrente de sódio do potencial de ação nas membranas eletroexcitáveis. Os
anestésicos locais no pH celular apresentam-se tanto sob a forma ionizada
(catiônica) quanto não ionizada, ambas ativas. Na forma ionizada, interagem
com o canal de sódio estabilizando a forma inativa, não-permeável, elevan-
do o limiar de excitabilidade, alongando o período refratário efetivo e blo-
queando a despolarização.
Nos procedimentos infiltrativos, especialmente os de curta duração,
dá-se preferência à lidocaína a 1%. Atualmente usa-se também, com a finali-
dade de produzir anestesia superficial preparação transdérmica de mistura
eutética de lidocaína e prilocaína. Essa mistura apresenta longo tempo de
latência (mínimo de 60 min), mas, quando aplicada sob forma de curativo
oclusivo, pode propiciar analgesia local por até 3 a 4 horas.
Nos bloqueios centrais para controle da dor, especialmente no caso
do bloqueio ou infiltração peridural, a preferência é para a bupivacaína (de
0,125% a 0,25%) e para a ropivacaína a 0,2%, pela maior duração de efeito.
Na dor neuropática, a lidocaína venosa (1 a 2 mg/kg) propicia rápido
alívio da dor, mas que não é sustentado devido à farmacocinética muito
rápida da droga. Alguns estudos mostram que, nos casos em que a lidocaína
venosa é eficaz, a mexilitina, derivado de uso oral, com propriedades seme-
lhantes às da lidocaína, pode ser usada com algum sucesso.
No caso de bloqueio peridural, embora as doses utilizadas sejam
muito menores que aquelas normalmente utilizadas na anestesia, devemos
estar alerta para a possibilidade de sérias complicações, tanto devidas à
técnica (bloqueio simpático, hipotensão arterial, perfuração acidental da
duramáter, etc..) quanto às devidas à injeção intravascular acidental. Neste
caso, podemos ter, desde discretos sinais neurológicos como zumbido, gosto
metálico, até convulsão e parada cárdio-respiratória (no caso de injeção de
doses mais elevadas). A utilização dessas drogas, por via central, exige ma-
terial de ressuscitação bem como pessoal habilitado para lidar com essa
emergência.
O uso da associação de morfina com anestésico local (bupivacaína ou
ropivacaína), por via peridural, tanto em bolus quanto sob regime de PCA
(Analgesia Controlada pelo Paciente), é método muito eficaz para controle

45
DOR

da dor pós-operatória, surtos de agudização de dor neuropática e controle


da dor dos portadores de neoplasia metastática terminal.

1.4 - Medicação Coadjuvante

Outros medicamentos podem ser utilizados no controle da dor, como


adjuvantes ou drogas com ação analgésica específica. Estão, nesse caso, os
ansiolíticos, os antidepressivos tricíclicos, os antipsicóticos, os relaxantes mus-
culares de ação central, os corticóides, os anticonvulsivantes e os agonistas
alfa-2.
O objetivo da medicação coadjuvante deve melhorar a qualidade e/
ou a intensidade da analgesia, sem aumentar a morbidade do tratamento.
Nem sempre, no entanto, esse objetivo é plenamente alcançado, em virtude
de efeitos adversos novos, como sedação excessiva, hipotensão postural,
efeito atropínico, confusão mental, etc.

1.4.1 - Ansiolíticos e Antipsicóticos

Um dos erros cometidos mais freqüentemente é o abuso na prescri-


ção de benzodiazepínicos, podendo acarretar sedação excessiva, agravamen-
to da depressão e dependência. Entre esses, o bromazepam e o alprazolam
são os mais indicados, em pacientes de dor crônica, por não induzirem ou
agravarem depressão e terem menor efeito hipnótico. De qualquer forma,
esses medicamentos, inclusive os hipnóticos como o flunitrazepam e o
midazolam, devem ser usados sempre em ciclos curtos, por tempo limitado
não superior a 3 meses. Pacientes que requeiram medicação tranqüilizante ou
hipnótica por tempo maior são portadores de distúrbio emocional ou do
sono importante, e devem receber atendimento especializado.
Entre os antipsicóticos, a levomepromazina e a sulpirida são as drogas
mais usadas nos pacientes com dor. A sulpirida é uma boa alternativa, pelo
seu potencial ansiolítico e seu moderado efeito antidepressivo. Na adminis-
tração crônica, pode levar à galactorréa. Já a levomepromazina é utilizada
como agente indutor do sono, especialmente no idoso, apresentando ainda
propriedade potencializadora dos analgésicos. Devido a seu potente efeito
sedativo, não é recomendada para sedação diurna, inclusive pelo risco de
hipotensão postural.

46
FARMACOLOGIA DA DOR

1.4.2 - Relaxantes Musculares

Nos casos em que há espasmo muscular importante, o diazepam e o


clonazepam são os relaxantes musculares mais eficazes, superiores ao
carisoprodol e ao tiocolcosídeo. A tizanidina e a orfenadrina têm bom efeito
miorelaxante, embora aparentemente menos potentes que os
benzodiazepínicos. A orfenadrina tem a vantagem de não induzir sedação,
mas não deve ser usada junto com tricíclicos ou inibidores seletivos da capta-
ção da serotonina, pelo risco de crise serotoninérgica.

1.4.3 - Antidepressivos

Os derivados tricíclicos são úteis, nas dores com componente cen-


tral, como a dor neuropática, a dor do câncer terminal e as dores crônicas
em geral, nas quais possuem ação analgésica independente de seus efeitos
antidepressivos. Também aqui pacientes com depressão grave devem ser
orientados para tratamento psiquiátrico especializado. Entre os
antidepressivos, os de primeira geração, como a amitriptilina, a
clomipramina e a nortriptilina, são os mais indicados no tratamento adjuvante
da dor crônica e no tratamento específico da dor neuropática, associados
ou não aos anticonvulsivantes. Os inibidores seletivos da captação da
serotonina (ISCS), como a fluoxetina e a sertralina, não parecem produzir
os mesmos efeitos que aqueles, na dor, embora sejam superiores, no trata-
mento da depressão. Devido ao risco de desencadeamento de crise
serotoninérgica, não é recomendado o uso associado dos tricíclicos com
os ISCS. A introdução de um antidepressivo, especialmente os tricíclicos,
deve ser gradual, aumentando-se progressivamente a dose (a cada 5 a 7
dias) de modo a aumentar a adesão ao tratamento.

1.4.4 - Corticóides

Os corticóides (especialmente a prednisona, a betametasona e a


dexametasona) podem ser muito úteis, quando utilizados localmente por in-
filtração, associados a anestésico local, nas dores ósteo-articulares (bursites,
dor pós-traumática, distensão muscular), ou quando usados por via oral, nas
metástases ósseas e processos invasivos ou expansivos do SNC.

47
DOR

Na hérnia de disco e nas dores lombares por distensão, a infiltração


peridural ou paravertebral de anestésico local e corticóide de depósito (acetato
de metilprednisolona) propicia alívio rápido e intenso da sintomatologia do-
lorosa, encurtando o período de repouso e facilitando a fisioterapia. Até 3
(três) aplicações com intervalo de uma semana podem ser necessárias para a
remissão do quadro álgico. Na lombociatalgia por estenose de canal, o
corticóide peridural também é útil no tratamento dos surtos de dor, e deve
ser associado à fisioterapia.

1.4.5 - Anticonvulsivantes

Os anticonvulsivantes, como a carbamazepina, a oxicarbazepina, a


gabapentina e, mais recentemente, a lamotrigina, estão indicados no controle
da dor neuropática, especialmente quando esta apresenta componente fulgu-
rante ou em choque, como na neuralgia do trigêmeo. Na dor neuropática com
componente em queimação predominante, os tricíclicos têm se revelado me-
lhores, embora, em alguns casos, a associação com gabapentina ou carba-
mazepina tenha mostrado resposta superior, devendo ser tentada sempre que
não se consiga o alívio da sintomatologia com apenas um dos tipos de droga.

1.4.6 - Agonistas Alfa-2

A clonidina, agonista alfa-2, tem efeito analgésico por via epidural com-
parável ao da morfina, embora de menor duração, sendo recomendada em
substituição à morfina, nos casos de rápido desenvolvimento de tolerância,
ou em associação com a morfina, de forma a se obter uma melhor resposta
analgésica. Acarreta hipotensão arterial e sedação, devendo, por isso, ser
introduzida progressivamente. Por via venosa tem excelente, embora curto,
efeito analgésico, na dor neuropática da distrofia simpática reflexa e da neu-
ralgia pós-herpética. Infelizmente, por via oral, seu efeito analgésico é pouco
potente e ainda não foi plenamente demonstrado.

1.4.7 - Bloqueadores do Glutamato

A cetamina, bloqueadora do canal de cálcio do receptor NMDA, tem


potente efeito analgésico, especialmente na dor neuropática. Embora alguns

48
FARMACOLOGIA DA DOR

trabalhos apontem para a existência de efeito analgésico com doses baixas,


outros relatam alta incidência de efeitos adversos de natureza psicodisléptica.
Permanece como uma droga de exceção, no tratamento da dor crônica, indicada
apenas para casos selecionados e sob contínua vigilância. O mesmo pode-se
dizer do dextrometorfano, bloqueador NMDA não-competitivo, que, em es-
tudos experimentais de modelos de dor neuropática, apresenta efeito analgési-
co significativo. Estudos em pacientes humanos não são conclusivos, embora
sugiram que, em doses elevadas, podem ser úteis nesse tipo de dor.

2 - Escolha do Analgésico

A escolha do analgésico baseia-se nos seguintes princípios:

1. Intensidade da dor - Em geral, nas dores de pequena a moderada


intensidade (1 a 5 na Escala Analógica Visual - EAV), dá-se preferência aos
analgésicos-antiinflamatórios, enquanto, naquelas de grande intensidade,
(EAV>5) aos opióides. Esse critério não pode, no entanto, ser rígido. Como
orientação básica, recomendaria: a) iniciar o tratamento com AINE oral ou
parenteral, dependendo da intensidade da dor; b) associar opióide fraco como
a codeína ou tramadol em caso de insucesso e; c) substituição por opióide
potente como a morfina ou metadona, nos casos de dor intensa (EAV>7) ou
quando a opção anterior se mostrar ineficaz. Nesse caso, nossa primeira op-
ção deve ser a via oral. Apenas quando esta não é possível ou não dá o
resultado esperado, devemos optar pelas demais vias de administração.

2. Natureza da dor - Dores de origem inflamatória respondem bem


aos antiinflamatórios, embora, eventualmente, em casos de dor de maior
intensidade, possa ser necessária a associação de um opióide. Na dor central
ou neuropática, os opióides, em virtude do risco de tolerância e dependência,
no uso crônico, só devem ser usados nos surtos de agudização. Dores crô-
nicas ditas “benignas” normalmente são tratadas com AINE e drogas
adjuvantes. Em alguns casos, quando a dor é incapacitante, esgotadas todas
as outras formas de tratamento, podem-se utilizar opióides como a metadona
e a oxicodona oral no seu controle, evitando-se seu uso em pacientes com
história de abuso de drogas.

49
DOR

3. Risco - Pacientes com história de gastrite ou úlcera digestiva, ou


passado de sangramento digestivo têm contra-indicação para o uso de
antiinflamatórios. Pacientes com história de doença pulmonar obstrutiva ou
de idade avançada são contra-indicação relativa para o uso de opióides. O
uso crônico de AINE deve sempre ser acompanhado de monitoramento
dos efeitos digestivos, tendo em vista a freqüência e a gravidade dos epi-
sódios de ulceração e sangramento digestivos. Recomenda-se o uso associa-
do de inibidores da bomba de próton, como o omeprazol ou a utilização de
inibidores seletivos da COX-2, que apresentam menor risco de erosão gástri-
ca.

3 - Critérios de Administração

A prescrição do analgésico, como vimos, depende do tipo, intensida-


de e localização da dor. A OMS propôs, para o controle da dor no câncer,
uma escada de prioridades (Fig. 2), critério hoje aplicado também na dor
aguda. No caso de dores neuropáticas, no entanto, esse critério não é adequa-
do. Embora nossa primeira opção continue sendo os AINE, freqüentemente,
esse tipo de dor não responde de forma adequada a essas drogas, e sim aos
tricíclicos e/ou anticonvulsivantes, como vimos. A resposta aos opióides tam-
bém freqüentemente não é adequada, exigindo doses elevadas, com alta inci-
dência de efeitos colaterais.
Qualquer que seja a medicação escolhida, esta deve ser introduzida
progressivamente, a fim de reduzir o impacto dos efeitos adversos, aumen-
tar a adesão ao tratamento e permitir a titulação da dose adequada.
Devemos sempre lembrar que qualquer medicação, administrada em
doses adequadas, que não dê efeito satisfatório após 30 dias de administra-
ção, é INEFICAZ, e deve ser descontinuada, pois está apenas contribuindo
para aumentar a morbidade do processo terapêutico.

4 - Farmacovigilância

Um dos problemas que levam à descontinuidade do tratamento é a


resposta analgésica insatisfatória ou o aparecimento de efeitos adversos. Há
necessidade de permanente acompanhamento do tratamento, não só pela
necessidade de se corrigir a prescrição (ajuste da dose ou troca do medica-

50
FARMACOLOGIA DA DOR

mento), como de se detectar precocemente complicações como sangramento


digestivo, lesão renal, depressão respiratória, etc.
Assim, o médico, ou alguém de sua equipe, deve estar sempre dispo-
nível para o paciente, o que reforçará a relação médico-paciente e o elo de
confiança na equipe, parte essencial para o sucesso do tratamento.

Figura 2 - Escala Analgésica da OMS

5 - Princípios Gerais do Tratamento

Concluindo, alguns princípios gerais devem ser seguidos para se obter


o melhor resultado no tratamento da dor:

1 - Escolha do analgésico segundo a intensidade e o tipo de dor;


2 - Ajustamento da dose até alcançar o controle da dor ou torná-la
tolerável;
3 - Utilização sempre de esquemas regulares de administração do anal-
gésico. Evite esquema S.O.S.;
4 - Acompanhamento do tratamento, de modo a detectar precoce-
mente efeitos adversos ou necessidade de reajustar o esquema
terapêutico;
5 - Utilização de drogas adjuvantes sempre que necessário, mas evite
sedação excessiva.

51
DOR

6 - Bibliografia

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52
Barbitúricos

Barbitúricos
Carmen Baptista dos Santos*

Introdução

A anestesia venosa moderna nasceu com a introdução na prática


clínica do tiopental, descrito em 1934, que, por seu desastroso uso em
pacientes em estado de choque, durante a 2 a. Guerra Mundial, era
denominado como “o modo ideal de eutanásia”. Com o passar dos anos e
com a melhora no entendimento de suas características, passou então a ser
empregado como agente de indução ou de manutenção, associado a outros
anestésicos.
Até 1952, quando foi apresentado o tiamilal, nenhum outro agente
anestésico venoso fora lançado além do tiopental. A partir dessa data foram
propostos novos agentes, (Tabela I) na tentativa da melhoria do despertar,
da recuperação lenta e da depressão cárdio-respiratória causadas por essa
droga.

Estrutura Química

O ácido barbitúrico é o 2, 4, 6-trioxihexahidropiridamida (Figura 1) e


as modificações nas cadeias laterais 5 e 5, com a introdução de radicais

* Co-responsável pelo CET Bento Gonçalves do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
da Universidade Federal do Rio de Janeiro

25
Anestesia Venosa

Tabela I – Cronologia dos anestésicos


venosos introduzidos na prática clínica

1952 _______________ Tiamilal


1957 ____________ Metohexital
1957 _____________ Cetamina
1961 ____________ Propanidid
1964 _____________ Diazepam
1971 ______________ Alfatesin
1973 _____________ Etomidato
1977 ______________ Propofol
1978 ____________ Midazolam

alifáticos lhe conferem propriedades hipnóticas; o comprimento dessas ca-


deias vai determinar a duração de ação, tanto quanto a potência. O átomo
de oxigênio na cadeia 2, substituído pelo enxofre (S), produz os barbitúricos
de ação curta ou tiobarbituratos (tiopental, tiamilal), que têm um início e
ação mais curtos que os oxibarbitúricos (Figura 2).
O tiopental é uma droga sedativo-hipnótica, da classe dos barbitúricos,
cujos efeitos dependem da via de administração e da dose utilizada. Tem
caráter de ácido fraco, e, por isso, em pH estomacal, está em fase não-
ionizada, podendo ser lipossolúvel e, assim, absorvido rapidamente para a
corrente sangüínea. A lipossolubilidade tem um papel importante na
determinação da taxa em que um sedativo-hipnótico atinge o sistema nervoso

Figura 1 – Ácido Barbitúrico

26
Barbitúricos

Figura 2

Tiopental
Tiamilal

Metohexital

central, e a presença do átomo de enxofre na molécula dos tiobarbitúricos,


no lugar do oxigênio, contribui para a acentuação desse caráter nessas
substâncias.
Quimicamente é o ácido 2 tiobarbitúrico [5-etil 5 (1 metilbutil)], sendo
considerado padrão para comparação com outros agentes venosos. O
tioamilal é o mesmo ácido modificado pelo radical [5 alil.5 (1metil butil)] e o
metohexital é um oxi barbitúrico metilado ou [α dl.1 metil.5 alil.(1
metoxi.2.ácido pentanil) barbitúrico. São barbitúricos empregados na indução
anestésica, sendo sais de sódio solúveis em água e empregados a diluições
de 2,5%, 2,0% e 1% respectivamente, possuindo pH de 10 a 11, e por tal
razão não devem ser diluídos em Ringer lactato.
Se armazenado refrigerado, a solução de tiopental é estável por duas
semanas, enquanto a do metohexital, por seis semanas. São muitos os
hipnóticos propostos para o uso venoso, e para que se possam compará-los,
descreve-se como anestésico venoso ideal aquele que apresenta as seguintes
propriedades físico-químicas:

- Estabilidade e compatibilidade quando em solução;


- Compatibilidade tissular por extravasamento e ausência de irritação
venosa;
- Baixo potencial de liberação de histamina e reação de hipersen-
sibilidade;
- Início rápido de ação, sem atividade excitatória;
- Metabolização com metabólitos inativos;
- Dose sono relacionada à titularidade mínima não cumulativa;

27
Anestesia Venosa

- Ausência de depressão respiratória e cárdio vascular;


- Diminuição da pressão e metabolismo cerebrais;
- Rápido retorno da consciência e das funções cognitivas;
- Ausência de náuseas, vômitos, tonteiras, cefaléia, reações
psicomotoras e “ressaca” no pós-operatório.

Mecanismo de Ação

Atualmente admite-se que tanto os anestésicos venosos como os


inalatórios exercem seus efeitos hipnóticos e sedativos, por interação com
o ácido δ amino butírico, que é um neuro transmissor inibitório, e que
contrabalança a ação excitatória do sistema adrenérgico central. O receptor
GABA tipo A é uma glicoproteína formada por mais de cinco subunidades,
formando um complexo que, quando ativado, aumenta a condutância de
cloro, resultando na hiperpolarização da membrana pós-sináptica e na inibição
funcional do neurônio funcional pós-sináptico, contudo, as necessidades

Figura 3 – À esquerda, o receptor GABA A, e as subunidades onde


atuam os agentes venosos: à direita, o mecanismo de ação dos
barbitúricos através da ocupação do receptor GABA, e conseqüente
influxo do íon cloro para o espaço intracelular com hiperpolarização da
membrana, facilitando o efeito inibitório da célula pós-sináptica. O
glutamato e seu análogo n-metil d-aspartato (NMDA) são aminoácidos
excitatórios. Quando o glutamato ocupa o local de ligação no subtipo
+
NMDA do receptor glutamato, abre-se o canal e ocorre entrada de Na
+ ++
K e Ca , que levam a despolarização do neurônio pós -sináptico, início
do potencial de ação e ativação de outras vias. A Cetamina bloqueia os
canais, prevenindo a despolarização, inibindo assim, respostas excitatórias
do glutamato.

28
Barbitúricos

alostéricas (estruturais) para ativação do receptor são diferentes para os


agentes venosos e voláteis (Figura 3).

Farmacocinética e Metabolismo

É necessária a compreensão dos princípios básicos da farmacoci-


nética e posterior entendimento das ações farmacológicas e suas interações,
para que o anestesiologista estabeleça uma estratégia técnica com o
emprego de doses adequadas dos anestésicos e drogas coadjuvantes, de
uso venoso.
Embora a solubilidade lipídica facilite a difusão dos anestésicos através
da membrana celular, incluindo as barreiras sanguíneas e liquórica, é
conveniente lembrar que somente a forma não ionizada é capaz de atravessá-
las, e que a proporção entre as formas ionizadas e não ionizadas das
substâncias depende do pKa e do pH do líquido corporal. O rápido início de
ação do tiopental é explicado pela alta solubilidade sangüínea associado ao
débito cardíaco alto (20% do total), que perfunde o cérebro, sendo, entretanto,
importante o alto grau de histerese (relação entre a fração ligada ao tecido
cerebral e aos receptores não específicos do sistema nervoso central).
Contudo, os locais de ligação do sistema nervoso central são facilmente
saturados por uma pequena quantidade de tiopental (fração não ionizada),
enquanto o restante da droga difundida se ligará às proteínas plasmáticas, e
assim, somente a fração não ligada ficará disponível para captação e
metabolismo hepático, mas os estudos realizados quanto ao término do efeito
do tiopental demonstram que sua redistribuição é mais importante que o
metabolismo, não tendo se conseguido verificar uma depedência entre a
queda da concentração e a ligação às proteínas plasmáticas3 (Figura 4).
Os parâmetros farmacocinéticos dos principais indutores anestésicos
estão listados na tabela II, sendo que os estudos obedecem a diferentes
modelos farmacocinéticos, e, por isso, se torna difícil comparar os tempos

Tabela II – Farmacocinética dos agentes de indução


Droga Vc Vdss - Cl -1
T1/2ββ Extração Ligação Concentração
(l.kg -1 ) (l Kg-1 ) (ml.kg-1. min ) (h) hepática proteínas mínima
(%) plasmática
(µg.ml-1)
Tiopental 0.53±0,18 2,5 3,4 12,0 ± 5,5 0,15 83,4 ± 1,4 19,2±6,3
Metohexital 0,35± 0,10 2,2 ±0,7 11 3,9 ± 2,1 0,50 73 10
Etomidato 0,15± 0,03 2,5-4,5 18-25 2,9 ± 1,1 0,90 76,9 ± 1,0 0,307 ± 0,076
Propofol 0,35±0,16 2-10 20-30 1,9 ± 0,6 = 0(?) 96,8 1,07 ± 0.13

29
Anestesia Venosa

Figura 4 – O modelo farmacocinético do tiopental está demonstrado na


linha sólida e os triângulos representam o resultado da curva, após uso do
2
tiopental, em 12 pacientes cirúrgicos. O efeito inicial se deve a
distribuição no compartimento central(Vc), sendo que o mecanismo para
o término do efeito central é sua redistribuição(Vdss) por compartimentos
periféricos maiores e menos perfundidos (músculos, gordura).O balanço
entre a eliminação da droga nos compartimentos central e periférico, e a
quantidade restante no compartimento periférico que retorna ao cérebro
é que vai determinar seu término de ação.

para o início de ação ou o volume central (Vc), entretanto, o Vcs, para


todos, parece exceder o espaço intravascular.
Os barbitúricos são metabolizados no fígado e eliminados por
metabólitos solúveis em água, pela via renal. Os oxibarbituratos produzem
metabolitos ativos que prolongam sua ação.
Por possuírem meia vida (T1/2ββ) longa o tiopental, bem como os ben-
zodiazepínicos, quando administrados em infusão, alcançam sobredose de
três a cinco vezes as doses clinicamente recomendáveis, e o balanço entre
a velocidade de infusão e a eliminação acarretará equilíbrio entre
concentração plasmática e o volume de distribuição (Vdss) (Figura 5), o
que torna sua indicação específica a situações de hipertensão craniana,
sedação prolongada em unidades de terapia intensiva e tratamento
anticonvulsivante.
30
Barbitúricos

Figura 5 – Valores da meia vida como função da duração da infusão


para anestésicos venosos incluindo tiopental, com o prolongamento da
4
infusão . As meias vidas do tiopental e do diazepam são significantemente
maiores, se comparadas com a do etomidato, propofol e midazolam

O tiopental é metabolizado no fígado a hidroxitiopental e derivados


do ácido carboxílico, que são menos solúveis e têm menos atividade no
sistema nervoso central (SNC). Quando administrado em altas doses, sofre
reação de dessulfuração produzindo pentobarbital, que tem atividade
prolongada sobre o SNC, e o baixo clearance de eliminação (3 a 4 ml.kg-
1
. min -1) contribui para uma meia vida de eliminação longa (T 1/2β
de12h).Durante administração contínua prolongada, a concentração dos
tecidos se iguala à concentração cerebral, e, com o término dos efeitos
sobre o SNC, a eliminação se torna dependente da porção não linear do
metabolismo hepático (Figura 4). Doenças hepática e renal diminuem a
quantidade de proteínas plasmáticas mas aumentam a quantidade da fração
livre, aumentando, assim, os efeitos depressores central e cardiovascular.
O metohexital é metabolizado no fígado em derivados hidroxi inativos,
sendo seu clearence maior que o do tiopental (11ml.kg -1.h-1), sendo menos
dependente do fluxo sangüíneo hepático, que resulta numa meia vida de
excreção menor que a do tiopental (T1/2 β de 3 a 6h).

31
Anestesia Venosa

Farmacodinâmica

O principal efeito dos barbitúricos é a produção de hipnose, sendo


dose dependente a depressão do SNC, com efeito direto ou indireto nos
sistemas orgânicos maiores. A influência na hemodinâmica e metabolismo
cerebral, bem como na pressão intracraniana (PIC), é de particular
importância. Quando a complacência cerebral está reduzida, um pequeno
aumento no fluxo sangüíneo cerebral pode aumentar a sobrevida do órgão,
causada pela redução proporcional do metabolismo cerebral (CMRO2), e o
fluxo sangüíneo cerebral (FSC), resultando na diminuição da PIC.A
explicação para o efeito neuroprotetor inclui o papel bioquímico de
destruidores de radicais livres e estabilizadores da membrana celular (tiopental
e propofol). Igualmente, diminuem a pressão intraocular e a pressão arterial,
modificações essas que levam à diminuição da PIC que, contudo, é abolida
pela laringoscopia e intubação traqueal.
A ativação das ondas de alta freqüência (15-30 Hz) é característica
de doses em baixa concentração (efeito hipnótico); as concentrações
altas vão interferir nas ondas de baixa freqüência e desenvolvem períodos
de ondas isoelétricas. Relata-se que alguns hipnóticos (metohexital)
podem causar atividade eletroencefalográfica semelhante a convulsões,
mas possuem atividade anticonvulsivante. Ao se considerar a propriedade
epileptogênica do hipnótico, convém diferenciar entre epilepsia e
mioclonia. A atividade epiléptica refere-se a uma alteração súbita do
SNC, que desencadeia descargas de alta freqüência cortical e sub cortical
que se espalham para centros talâmicos, e a mioclonia resulta de um
desequilíbrio entre centros inibitórios e excitatórios subcorticais, produzido
por uma inadequada supressão desses centros, com doses hipnóticas de
alguns barbitúricos. Embora aumente a sensibilidade das vias aéreas, a
tosse e a irritação (broncoespasmo) em geral são provocadas por
manipulação em planos inadequados de anestesia e não por ação direta.
A depressão do sistema respiratório é caracterizada pela diminuição do
volume corrente volume minuto, tanto quanto um desvio transitório, para
a direita, da curva do CO2, com apnéia de 30 a 90 segundos, após injeção
em bolus.
No sistema nervoso periférico, produzem perda do reflexo baror-
receptor, diminuição da resistência periférica (nos vasos de resistência e de
capacitância), diminuição do retorno venoso, depressão miocárdica direta,
com efeitos profundos nos casos de hipovolemia. Esses efeitos tornam-se

32
Barbitúricos

03 - Barbitúricos.
Figura 6 – Concentração de tiopental versus: 1) tempo e 2) perfil
eletroencefalográfico no paciente idoso (esquerda) e no paciente jovem
(direita). A barra sólida horizontal representa a dosagem de tiopental. Os
círculos sólidos, a medida linear da concentração encontrada do tiopental,
e a linha sólida seguinte, a esperada pelo modelo farmacocinético. O eixo
3.
do perfil espectral foi invertido para melhor compreensão.
0
60 Tiopental medido 0 60 Tiopental medido
50 50
72 anos 27 anos 10
40 40
10
30 30
20 20 20
10 20 10
30
0 5 10 15 20 Tiopental 0 5 10 15 20
Tempo (minutos) µ g/ml Tempo (minutos)

acentuados em pacientes geriátricos e na presença de doenças cárdio-


vasculares pré-existentes.
Nos pacientes geriátricos, o modelo farmacodinâmico mostra que as
doses necessárias para indução diminuem, linear e significativamente, com
a idade, demonstrando também que a sensibilidade cerebral não modifica
com a idade, mas as modificações são devidas à distribuição do volume
central(Vc) que diminui exponencialmente com a idade1 (Figura 6).
A resposta neuro endócrina, com aumento da liberação de
hormônio antidiurético (secreção de vasopressina), é secundária ao
estímulo cirúrgico, e resulta do aumento da resistência periférica, com
diminuição da diurese. Igualmente, a tolerância à glicose pode ser
diminuída pelo stress cirúrgico, resultando em hiperglicemia. Os
barbitúricos não possuem ação analgésica intrínseca, sendo atribuída ação
antianalgésica tiopental.

Uso Clínico

As características e doses de indução estão contidas na Tabela III.


Como resultado de variáveis farmacocinéticas (ex: volumes de distribuição
e clearance diferentes) e farmacodinâmica (sensibilidade cerebral alterada),
as doses de indução devem ser individualizadas. Doenças pré-existentes,
medicação pré-anestésica e co-administração de fármacos diminuem a
necessidade de barbitúricos.

33
Anestesia Venosa

Tabela III – Doses e características dos hipnóticos e sedativos


comumente empregados em anestesia

Droga Dose de Início Duração Atividade Dor a Freqüência


indução (segundos) (minutos) Excitatória i n j e ç ã o Cardíaca
(mg.kg -1 )
Tiopental 3-6 <30 5-10 + 0-+ á
Metohexital 1-3 <30 5-10 ++ + á
Propofol 1,5 - 2,5 !5-45 5-10 + ++ 0 ou â
Midazolam 0,2-0,4 30-90 10-30 0 0 0
Diazepam 0,3-0,6 45-90 15-30 0 + / +++ 0
Lorazepam 0,03-0,06 60-120 60-120 0 ++ 0
Etomidato 0,2-0,3 15-45 3-12 +++ +++ 0
Ketalar 1-2 45-60 10-20 + 0 â á
Legendas: 0 - Nenhuma + - mínima ++ - moderada +++ - grave
á aumento â diminuição

Reações Adversas

Em relação às reações adversas dos anestésicos venosos, os estudos


enfatizam as pesqusas das ocorrências de reações anafiláticas agrupadas
de acordo com a classificação de Gell e Coombs como de tipo I, II, III e IV,
conforme o mecanismo químico desencadeante (Tabela IV).
Considerando-se o tiopental, a ocorrência de anafilaxia é considerada
incomum, envolvendo reações mediadas pela IgE 2,4 . As reações
anafilactóides, não imunológicas são baseadas na liberação direta de
histamina e acredita-se ser mais freqüente com o metohexital 1:16302,
posto que, para o tiopental, os relatos apresentam documentação nem
sempre claras. Demonstrou-se “in vitro”5 a liberação de histamina de
leucócitos de um paciente que desenvolveu colapso cardiovascular e rubor
cutâneo, sem evidências de hipersensibilidade mediada pela IgE. O relato
de um caso de colapso cardiovascular não imunológico9, bem documentado
pelas dosagens de histamina, α ε β triptase, C3 e C4 permite a
demonstração que “in vivo” a histamina é armazenada nos basófilos,
enquanto a triptase está localizada em concentrações clínicas significativas
nos grânulos secretores dos mastócitos. Assim, um aumento na
concentração plasmática de histamina pode refletir em degranulação de
mastócitos ou de basófilos ou ainda de ambos os tipos de células. A
hipotensão, nessas reações, pode ser ocasionada pela degranulação de
basófilos (aumento da dosagem de histamina) sem que obrigatoriamente

34
Barbitúricos

haja aumento de α e β triptase (degranulação de mastócitos) ou de C3 e


C4 (ativação do complemento). Durante anafilaxia sistêmica, os níveis de
beta-triptase começam a se elevar em 15 a 30 minutos após o início do
quadro e sua meia vida diminui em 2 horas. No caso de anafilaxia, os
níveis de beta-triptase estão intimamente correlacionados à hipotensão
arterial, conseqüentemente, hipotensão severa com dosagem de triptases
e de complementos (C3 e C4) normais caracterizam o quadro de reação
anafilactoide.
A injeção por via arterial produz uma intensa vasoconstrição dor de
forte intensidade. Pode ocorrer lesão nervosa permanente e gangrena,
devendo ser prevenida pela realização de bloqueio simpático cervical (gânglio
estrelado).
O tiopental produz uma aceleração na metabolização, por indução
enzimática das seguintes drogas: anticoagulantes orais, fenitoína, corticos-
teróides e vitamina K.

Contra-indicações

São consideradas contra-indicações para o uso do tiopental as


situações em que o paciente é portador de porfiria, estando esta em fase de
manifestação ou latente. Além destes, nos pacientes que, por algum motivo,
haja contra-indicação para anestesia geral, por qualquer manifestação ou
instabilidade de algum órgão ou sistema.

Tabela IV – Classificação das reações Imunológicas (Gell e Coombs)8

Reação Sinonímia Anticorpo MecaismoQuímico Exemplos

Tipo I Hipersensibilidade IgE Antígeno liga-se a IgE na superfície dos Anafilaxia


Imediata mastócitos e basófilos Eritema e anel
cutâneo

Tipo II Citotóxica IgG IgG e IgM ligam-se ao antígeno na Reação a transfusão


IgM membrana celular ativando o complemento Anemia hemolítica
com liberação de anafilatoxinas e Doença do Rh
destruição celular

TipoIII Complexo IgG IgG e IgM ligam-se ao antígeno na Doença do soro


Imune IgM fase líquida e deposita o Glomerulonefrite
complemento em pequenos casos
sangüíneos o complemento ativado com
destruição celular

TipoIV Hipersensibilidade Sem Sensibilização proveniente de linfócitos Dermatite de


Retardada envolvimento derivados do timo e liberação de contato
(Imunidade célula imunológico linfocininas Imunidade a
mediada) tuberculina

35
Anestesia Venosa

Tabela V – Ações do Tiopental


Sistema Diminuição da pressão arterial, taquicardia compen-
Cardiovascular satória, com doses altas (em bolus) depressão
miocárdica e colapso cardiovascular.

Sistema Respiratório Depressão respiratória, apnéia, diminuição da sensi-


bilidade ao CO2, (de curta duração) laringoespasmo e
broncoespasmo (relacionadas ao plano anestésico).

Sistema Nervoso Reação (excitação) paradoxal (relacionadas à idade).

Sistema Discreta diminuição do fluxo sangüíneo hepático,


Gastrointestinal náuseas e vômitos.

Hipersensibilidade Reações de anafilaxia e anfilactoide raras, liberação


direta de histamina.

Resumo

O tiopental é um indutor ainda empregado na prática clínica, embora,


quando em solução, seja instável, produzindo ainda depressão cardiovascular
e respiratória, e, em sua recuperação, sejam registradas tonteiras, sedação
e ressaca (Tabela V).
O metohexital, embora com recuperação mais rápida, produz maior
efeito excitatório, com mioclonia e soluços, sendo também a injeção mais
dolorosa que outros barbitúricos, e sua utilização é menor do que a do
tiopental.

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37
Propofol

Propofol
Rogério Fragoso de Oliveira Sarmento*

O desenvolvimento de novas drogas com propriedades aneste-


siológicas tem como objetivo a evolução da especialidade, beneficiando o
paciente através de qualidades específicas dessas drogas. Mas para ganhar
a confiança do anestesiologista, é necessária uma série de trabalhos científicos
em animais e em humanos, além de uma experiência prática que realmente
comprove os benefícios da droga.
Desde a sua introdução como agente hipnótico e sedativo, no final da
década de 801, o Propofol passou a ser usado por uma quantidade significativa
de anestesiologistas por se mostrar uma droga extrema eficiência naquilo a
que se propõe (hipnose e sedação), além de promover um despertar
praticamente isento de efeitos residuais e de possuir propriedades
antieméticas. Porém, como todas as drogas usadas em anestesiologia, para
o seu perfeito uso, é necessário um conhecimento adequado das suas
propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas.

I – Classificação farmacológica

O Propofol é um alquifenol com propriedades anestésicas1 (Figura 1)


e, por isso, possui a característica de ser lipossolúvel, que é fundamental

Instrutor do CET HCI - INCa


Membro da Comissão Científica da SAERJ

39
Anestesia Venosa

para todo agente anestésico poder entrar no SNC e agir nos seus sítios de
ação . Por outro lado, é insolúvel na água e por isso necessita ser solubilizado,
para facilitar o estoque e permitir a administração venosa2. A fórmula original
do propofol possuía o agente Cremofor, usado por décadas na emulsificação
de agentes lipossolúveis mas, devido à intensa dor à injeção e a relatos de
reação anafilática3, a fórmula foi mudada para uma emulsão lipídica. A nova
formulação diminuiu, mas não eliminou a dor à injeção, complicação freqüente
do uso do propofol, e os estudos realizados mostraram que a nova fórmula
apresentava características farmacocinéticas compatíveis com o uso clínico4.
Porém, pouco depois do lançamento, vários relatos de contaminação do
propofol foram publicados, inclusive com relatos de óbito. Em um relato
mais recente, cinco pacientes submetidos a eletroconvulsoterapia sob hipnose
por propofol apresentaram bacteremia por Stafilococus Aureus5.Em julho
de 1996,devido a esses episódios de contaminação, o fabricante original do
Propofol adicionou o agente antimicrobiano EDTA à formulação e, desde
então, nenhum outro relato de contaminação foi publicado, quando essa
formulação com EDTA foi utilizada. Outras formulações do Propofol
encontradas são: utilizando metabisulfito como conservante, uma formulação
com triglicerídeos de cadeias curta e média além de outras que estão em
desenvolvimento2.

Figura 1 – Estrutura química do propofol, 2-6-diisopropilfenol.

40
Propofol

II – Farmacocinética

As investigações iniciais com Propofol evidenciaram, em uma série


de animais, que esta droga produzia hipnose rapidamente, como o Tiopental,
e, por um curto período de tempo,com os animais retomando a coordenação
mais rapidamente que com o Thiopental6.
A concentração sangüínea e conseqüentemente a cerebral decli-
nam rapidamente após uma dose única, em “bolus” de Propofol, devido
à sua extensa distribuição e rápida eliminação (Figura 2). Estudos utili-
zando modelos farmacocinéticos de Propofol sugerem uma meia-vida
de equilíbrio entre o sangue e o cérebro, de 2 a 3 minutos, e uma meia
vida de distribuição ((t 1/2α), de 2 a 4 minutos.Por ser um composto
altamente lipofílico, o Propofol é extensivamente distribuído para os
tecidos mais bem perfundidos e em seguida redistribuído para tecidos
menos perfundidos como os músculos e gordura, de uma forma bem
semelhante ao Tiopental. A farmacocinética de eliminação do Propofol

Figura 2 – Concentração sangüínea do propofol após uma


1
dose de indução de 2,5 mg/kg

41
Anestesia Venosa

já foi descrita, utilizando-se modelos bi e tricompartimentais. No


bicompartimental, os autores relatam uma meia vida de eliminação (t1/2β)
de 1 a 3 horas, já, no tricompartimental, a eliminação terminal (t1/2γ) é
estimada em 3 a 6 horas, refletindo um retorno lento do Propofol dos
tecidos pouco vascularizados.
O Propofol é extensivamente metabolizado no fígado, produzindo
glucoronídeos hidrossolúveis e conjugados sulfatados, os quais são eliminados
pela urina. Pelo fato de o clearance superar o fluxo sangüíneo hepático,
uma forma de metabolização extra-hepática é sugerida.
Devido ao seu perfil farmacocinético, para a manutenção da hipnose,
é mais vantajoso o uso em infusão contínua do que bolus repetidos,
evitando, assim, os chamados “picos e vales” e diminuindo a quantidade
de propofol utilizada, além de prevenir a depressão respiratória, evitar a
instabilidade cardiovascular e propiciar um despertar mais rápido. Apesar
de os modelos farmacocinéticos sugerirem que a meia vida terminal de
eliminação (t1/2γ) aumenta significativamente após infusões prolongadas,
devido ao acúmulo da droga em tecidos pouco vascularizados,
principalmente no tecido gorduroso, que serviriam de depósito da droga
após o término da infusão, existe uma discrepância entre os estudos e o
perfil clínico e, de uma forma geral, em uma infusão de propofol bem
conduzida, o despertar ocorrerá em 5 a 15 minutos após o término da
infusão.
Um estudo multicêntrico determinou que a dose necessária para perda
dos reflexos ciliares, em 95% de pacientes sem co-morbidades e não pré-
-1
medicados, foi de 2,5 µg.kg 7. As doses de infusão contínua dependerão
dos objetivos da manutenção e da administração concomitante, ou não, de
outros agentes anestésicos (Figura 3). Para a manutenção de uma sedação,
doses de 25 a 100 µg.kg-1.min-1 serão suficientes, enquanto que, se o propofol
for parte de uma anestesia venosa total, serão necessárias doses de 75 a
300 µg.kg-1.min-1.
Com o objetivo de otimizar a administração da droga, foram
criados equipamentos que atingem uma concentração plasmática alvo
baseada na farmacocinética do propofol e em fatores que sabidamente
influenciam nesta, como idade e peso. As concentrações plasmáticas
-1
alvo para a hipnose vão de 2 a 6 µg.ml e, para sedação, de 0,5 a 1,5
-1
µg.ml .

42
Propofol

Figura 3 – Concentrações plasmáticas de propofol necessárias para uma


série de procedimentos . (J Clin Anesth.1993,5 (supl.1);14S-21S)

10 Limites terapêuticos
Concentração de propofol

6
µg/ml)

0
Sedação AVT: Pequena: Grande: AVT:
Propofol/ Propofol/ Propofol/ Propofol/
opióide N20 N20 somente

III – Efeitos sistêmicos

a) Cardiovasculares

A alteração cardiovascular mais importante com o uso do propofol é


a diminuição da pressão arterial. Esse efeito foi investigado em alguns
estudos8,9 e a conclusão foi de que, em pacientes pré-medicados, a dose de
-1
indução de 2 µg.kg de propofol leva a uma diminuição da pressão arterial
em torno de 30%. As alterações na freqüência e no ritmo cardíaco costumam
ser insignificantes. Na análise das causas dessa diminuição da pressão arterial,
a diminuição da resistência vascular periférica assume importância
fundamental, já que nem o débito cardíaco, nem o volume sistólico sofrem
alterações significativas.
Obviamente, essas alterações hemodinâmicas serão mais pronunciadas
em pacientes hipovolêmicos, em idosos, ou com qualquer patologia que os
torne mais susceptível a efeitos vasodilatadores. Apesar do propofol dever
ser usado com cautela em pacientes cardiopatas, sua administração com

43
Anestesia Venosa

opióides constitui uma prática segura e garante proteção contra um aumento


da atividade simpática, em pacientes com insuficiência coronariana10.
Quando comparado com outros indutores, o propofol, na dose de 2
mg/kg, evidenciou uma queda na pressão arterial mais acentuada do que o
tiopental na dose de 4-5 mg/kg11 e que o etomidato na dose de 0,3 mg/kg12.

b) Respiratórios

O Propofol é um profundo depressor respiratório. Após a indução,


uma apnéia de até 30 seg. de duração foi evidenciada em até 83% dos
pacientes13. Além da apnéia, o propofol evidenciou uma diminuição no volume
corrente, na velocidade do fluxo inspiratório e na capacidade residual
funcional14.
Clinicamente, a depressão respiratória é manifestada por um aumento
do CO2 expirado e, além disso, o propofol também parece diminuir a resposta
ventilatória ao aumento do CO2, porém um estímulo doloroso diminui a
depressão ventilatória do propofol 13.
Devido a sua rápida ação e à diminuição dos reflexos ao manuseio
das vias aéreas, o propofol é o agente de escolha para introdução da máscara
laríngea.
O propofol tem se mostrado um indutor eficaz, em pacientes asmáticos,
por diminuir episódios de broncoconstrição15.O mecanismo pelo qual, o
propofol previne a broncoconstricção parece ser a atenuação da ação
vagal.Esse mecanismo que torna o propofol juntamente com a cetamina os
agentes de escolha para indução em pacientes asmáticos só é visto com a
formulação em emulsão lipídica, já que Brown R.H. e cols16 mostraram que
a fórmula com metabisulfito não atenua o mecanismo vagal de bronco-
constrição.

c) Hepáticos e renais

Os estudos realizados, analisando possíveis alterações hepáticas com


o uso do Propofol, não encontraram disfunção evidenciada pelo aumento
das enzimas hepáticas (TGO,TGP e fosfatase alcalina) durante os 15 dias
após anestesia geral com Propofol e óxido nitroso. O Propofol também não
foi implicado em disfunção renal, em um estudo analisando alterações da
uréia e da creatinina, após o seu uso1.

44
Propofol

d) Coagulação

Apesar de a emulsão lipídica da fórmula do Propofol ter sido implicada


em possíveis alterações na coagulação, os estudos realizados não
evidenciaram alterações no tempo de protrombina, no TAP, no fibrinogênio,
nos produtos de degradação da fibrina e na contagem e função plaquetárias,
após o uso do propofol, evidenciando uma segurança da droga em relação à
coagulação17.

e) Imunológico

A ação do Propofol no sistema imunológico, é controversa. Por um


lado, existem evidências científicas de que o propofol associado à emulsão
lipídica levaria a uma disfunção no sistema retículo endotelial, resultando em
uma diminuição da resposta imune e em depleção das atividades
antioxidantes, em pacientes graves2. Além disso, foi evidenciado que o
Propofol, assim como o midazolam, diminuia a produção de interleucina 8, o
que contribuiria para supressão do sistema imunológico e tornaria os pacientes
predispostos à infecção18. Por outro lado, também existem evidências de
que o propofol ofereceria uma utilidade terapêutica no tratamento da
endotoxemia, resultando em efeitos benéficos, em pacientes críticos19.
Em relação a reações alérgicas, após a substituição do Cremofor da
fórmula original, o propofol não foi mais implicado, o que foi comprovado
por estudos que não demonstraram aumentos significativos da histamina
plasmática, da imunoglobulina ou do complemento C320.

f) Sistema Nervoso Central (SNC) – FARMACODINÂMICA

Assim como a maioria dos agentes anestésicos venosos, o propofol


leva a uma depressão dose-dependente da atividade do SNC. Em pequenas
doses, o propofol leva a graus variáveis de sedação que progridem para
perda da consciência ou hipnose, com doses mais elevadas.
Estudos experimentais demonstraram que os efeitos do propofol no
SNC se devem à potencialização dos efeitos inibitórios do ácido g-
aminobutírico (GABA), da mesma forma que os barbitúricos,
benzodiazepínicos e o etomidato21. Mananami H. e colaboradores22
demonstraram que o propofol evoca uma corrente de íons cloreto nos
neurônios, da seguinte forma: duas ou mais moléculas de propofol se ligam

45
Anestesia Venosa

ao receptor GABAA aumentando a condutância dos íons cloreto, os quais


reduzem a excitabilidade dos neurônios e, conseqüentemente, inibem à
excitação pós-sináptica no SNC.
Em pacientes sem patologia no SNC, o propofol reduz o fluxo
sangüíneo cerebral em até 51% e a diminuição do consumo metabólico
cerebral pode chegar a 36%23. Apesar do propofol levar a uma diminuição
da PIC, seu efeito cardiovascular com diminuição da pressão arterial média
leva a uma diminuição da pressão de perfusão cerebral24. Os efeitos do
propofol no SNC não levam à perda da autoregulação cerebral nem à
diminuição da resposta ao CO2, mesmo em doses suficientes para levar a
um silêncio elétrico ao EEG 25 . Apesar de o propofol ser usado
extensivamente em neuroanestesia, como parte fundamental da anestesia
venosa total, existem poucos estudos, tanto em animais quanto em humanos,
que demonstrem sua eficácia em melhorar o prognóstico de pacientes
com patologias no SNC26.

IV – Uso em situações especiais

a) Em idosos

Nos idosos, o clearance do propofol é significativamente menor do


que em pacientes mais novos, o que pode ser explicado pelas diminuições
do débito cardíaco e do fluxo sangüíneo hepático27. A diminuição do
compartimento central dos idosos faz com que doses menores de indução
-1
sejam necessárias nessa população de pacientes ( 1,25-2,25 mg.kg X 1,5-
-1
3,0 mg.kg ) 28.

b) Em crianças

Em crianças, o propofol foi estudado como agente indutor e a dose


estabelecida foi de 1,6-3 mg/kg29. Ao contrário dos idosos, por apresentar
um maior volume de distribuição, a dose de indução necessária em crianças
pode ser até 50% maior do que em adultos e a dose de manutenção em
infusão contínua pode ser aumentada em 25 a 50%. Em crianças,
geralmente ocorre uma queda da pressão arterial em torno de 10-25%, e
vários estudos sugeriram que a indução com propofol leva a uma queda
da freqüência cardíaca de 10-20%30. Durante a cirurgia de estrabismo, a
incidência de bradicardia secundária ao reflexo oculocardíaco é maior em

46
Propofol

Figura 4 – Concentrações médias plasmáticas em um paciente jovem,


após uma dose de 2,5 mg/kg e em pacientes idosos, após uma dose
27
corrigida na proporção de 5/4
10
Concentração Plasmática de Propofol (µg ml-1)

Média dos Valores

Controle
Idosos
1

10 -1

-2
10

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24

Tempo

crianças que recebem infusão de propofol do que nas que recebem


anestésico inalatório31.
Uma das grandes vantagens do propofol é a sua rápida recuperação
e o seu efeito antiemético, o que favoreceria seu uso em anestesia pediátrica
ambulatorial. Mirakur32 relatou um tempo de despertar significativamente
menor, em crianças que receberam propofol (11 a 14 minutos), comparado
com o tiopental (16 a 22 minutos).Watcha e colaboradores31encontraram
uma redução importante dos tempos para a deambulação e alta, além de
uma menor incidência de vômitos no período pós-operatório de cirurgia para
correção de estrabismo, com uma infusão contínua de propofol, em
comparação com as técnicas balanceadas ou inalatória.

47
Anestesia Venosa

A) Em gestantes

O propofol foi extensamente estudado em gestantes submetidas a


cesarianas, principalmente em comparação com o tiopental. Na maioria dos
-1
estudos, doses de 2-3mg/kg de propofol foram comparadas com 4-5 mg.kg
de tiopental seguido por manutenção com N2O-isoflurano, e os resultados
evidenciaram uma maior queda da pressão arterial nas gestantes induzidas
com propofol, além de uma maior proteção à laringoscopia. Não houve
diferença, quando os índices de Apgar foram comparados, e a recuperação
materna foi mais rápida no grupo do propofol33,34. Apesar dos valores
semelhantes no índice de Apgar, o propofol, como todos os indutores
anestésicos, atravessa rapidamente a placenta, e, se for infundido por um
tempo prolongado, antes do nascimento, ou em doses elevadas (> 150
-1 -1
µg.kg min ), está associado à depressão neonatal35.De uma forma geral, o
propofol se mostrou como uma opção para o uso em anestesia obstétrica.
Apesar de também estar presente no leite materno de gestantes
induzidas com propofol, as concentrações são baixas e não estariam
relacionadas à depressão dos lactentes36.

V – Efeitos colaterais

a) Náuseas e vômitos

A presença de náuseas e vômitos no pós operatório é uma morbidade


que interfere não somente no bem estar do paciente mas também no tempo
de internação e no retorno da alimentação, além de poder comprometer
diretamente o resultado cirúrgico, no caso de cirurgias plásticas de face e
bucomaxilofaciais. A cirurgia geral com propofol é a menos associada com
náuseas e vômitos, quando comparada com qualquer outra técnica de
anestesia geral, fato que sugeriu uma atividade antiemética da droga37.
Borgeat A. e colaboradores38 mostraram, em um estudo prospectivo
e randomizado, que doses subhipnóticas de propofol (10 mg) foram muito
mais eficientes em tratar as náuseas e vômitos, no pós operatório de cirurgias
ginecológicas, abdominais e ortopédicas, do que em um grupo placebo (81%
no grupo tratado com propofol x 35% no grupo placebo), sendo o primeiro
trabalho que evidenciou que o propofol apresentava atividade antiemética,
sugeriram um mecanismo de modulação das vias subcorticais para essa
atividade.

48
Propofol

b) Dor à injeção

A presença de dor durante a injeção de propofol varia de 28 a 90%


dos casos. Mesmo após a mudança na fórmula original do propofol, do diluente
cremofor para a emulsão lipídica, a dor permaneceu, evidenciando que esta
se deve à própria droga e não à formulação39.
Como estratégias para diminuir a dor à injeção venosa, nós temos: a) a
opção por veias calibrosas na fossa antecubital, ao invés das veias no dorso da
mão, que apresentam a maior incidência de dor; b) a mistura de lidocaína com
o propofol, que também leva a uma diminuição da dor, principalmente se usado
-1
em uma dose de 40 mg em adultos e 0,2 mg.kg em crianças40 , além da
opção de uma dose prévia de um opióide, seja alfentanil ou fentanil.

c) Fenômenos excitatórios

O propofol, diferentemente do etomidato, raramente leva ao


aparecimento de fenômenos excitatórios, nas doses habitualmente usadas,
porém mioclonias, movimentos espontâneos e soluços já foram descritos.

VI – Uso clínico

a) Anestesia venosa total

As características farmacocinéticas e farmacodinâmicas do propofol


fizeram com que ele fosse muito estudado como agente hipnótico, não
somente como agente indutor mas também em infusão contínua. A
possibilidade de uma droga venosa ser utilizada por períodos prolongados,
sem que isto aumentasse o tempo de despertar e sem um aumento na
incidência de náuseas e vômitos no pós-operatório, levou a uma verdadeira
revolução na prática diária da anestesia. Situações em que a manutenção
da anestesia com um agente halogenado poderia apresentar algum efeito
não desejado passaram a ter um substituto à altura, do ponto de vista de
hipnose, e a possibilidade da associação com drogas analgésicas criou
definitivamente uma modalidade de anestesia cada vez mais usada na prática
clínica diária – a anestesia venosa total.
A infusão do propofol mais um opióide foi descrita pela primeira vez
em 198541, quando associado ao fentanil com bons resultados na manutenção
dos parâmetros hemodinâmicos e no plano anestésico. As características

49
Anestesia Venosa

farmacodinâmicas similares (rápido início e curta duração de ação) entre o


propofol e o alfentanil levantaram à hipótese de que estes fossem os agentes
ideais para a anestesia venosa total. Estudos clínicos demonstraram que
esses agentes utilizados simultaneamente produziam um nível de anestesia
satisfatório desde a indução, incluindo a intubação, na manutenção e um
rápido despertar, com os pacientes se mostrando totalmente alerta após
12,8 a 18,9 min42,43. Mesmo obtendo bons resultados, era notória a diferença
entre o propofol e o alfentanil, relacionada ao tempo de infusão, pois a meia
vida contexto sensitiva do alfentanil fazia com que essa droga tivesse de ser
desligada antes do propofol, de acordo com o tempo de administração. A
introdução do remifentanil concretizou de vez a realidade da anestesia venosa
total, pois a sua associação com o propofol se mostrou muito eficiente na
principal vantagem desta técnica, que é a qualidade do despertar.

b) Sedação em UTI

A sedação no paciente na unidade de terapia intensiva é fundamental


para o seu conforto e segurança. A ação vasodilatadora do propofol, com
conseqüente queda da pressão arterial, torna o seu uso problemático, no
paciente hemodinâmicamente instável. Em uma comparação com o
midazolam, Grounds e cols44 encontraram níveis de sedação considerados
satisfatórios, em 91% dos pacientes que usaram propofol, contra 81% no
grupo do midazolam, e o tempo médio de extubação após o término da
infusão foi significativamente menor no grupo do propofol, 20 min X 237 min
no grupo do midazolam. Outros estudos também demonstraram um menor
tempo de extubação após tempos prolongados de sedação, em comparação
ao midazolam45,46. Um interessante efeito colateral foi encontrado após
infusões prolongadas (dias) de propofol44, a presença de urina de coloração
esverdeada, sem relação com disfunção renal, e que rapidamente desaparecia
após o término da infusão do propofol. A presença de fenóis foi implicada
pela coloração verde-escuro na urina.

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Propofol

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53
Etomidato

Etomidato
José Abel de Almeida Neto*

Histórico

O etomidato foi sintetizado em 1964 por Paul Janssen, na Bélgica.


Estudos em animais, no início da década de 70, mostraram ser um hipnótico
potente, desprovido de propriedades analgésicas, para uso intravenoso. O
tempo de hipnose está relacionado à dose administrada, isto é, dobrando-se
a dose, dobra a duração da ação. Em 21 de março de 1972, A. Doenicke
realizou a primeira anestesia com o etomidato1. A dose utilizada foi baixa e
“o efeito foi o suficiente para uma pequena cirurgia ambulatorial, não sendo
notado nenhum efeito significativo no sistema cardiovascular ou respirató-
rio”2. Posteriormente, Doenicke avaliou a droga em 2500 pacientes, não
relatando qualquer caso de reação alérgica3. Em 1983, ano em que o etomidato
teve sua aprovação para uso clínico nos Estados Unidos, Ledingham e Watt4
relataram, num estudo retrospectivo de 4 anos, um aumento de mortalidade,
de 25 para 44%, com a introdução do etomidato, em vez de benzodiazepínicos,
como agente sedativo, em infusão contínua, nos pacientes internados em
unidades de terapia intensiva.
O escore de gravidade dos pacientes foi considerado constante du-
rante os 4 anos do estudo. A causa das mortes foi infecção, levando à

* Responsável pelo CET/SBA do Hospital da Piedade - RJ


Membro da Comissão Científica da SAERJ

55
Anestesia Venosa

suspeita de que a supressão adrenocortical poderia ser um fator determinante,


o que ficou confirmado por estudos in vitro5. Com essas evidências, o
etomidato deixou de ser usado como agente de sedação, em infusão contí-
nua, e tem sido empregado até hoje como agente indutor anestésico.

Características Físico-químicas

O etomidato é um derivado imidazólico, o sulfato de R-(+)-etil-1-(1-


feniletil)-1 H-imidazol-5-carboxilato. (Figura 1)

Figura 1 – Etomidato

Estruturalmente não é relacionado a outro anestésico de uso


endovenoso6. Possui 2 isômeros óticos, dos quais somente o isômero
dextrógiro possui atividade anestésica. O núcleo imidazólico propicia ao
etomidato, assim como o midazolam, hidrossolubilidade em pH ácido e
lipossolubilidade em pH fisiológico6. A solução aquosa de etomidato é ins-
tável em pH fisiológico, sendo, por isso, formulado numa solução a 0,2%,
contendo 35% de propileno glicol (pH 6,9), o que contribui para a alta inci-
dência de dor à injeção, irritação venosa e hemólise7. Uma nova emulsão
lipídica (etomidato – lipuro) tem sido usada na Europa, apresentando uma
menor incidência de efeitos indesejáveis, comparada à formulação original
com propileno glicol7. O etomidato parece ser compatível com todas a
medicações intravenosas comumente usadas durante a indução, exceto o
vecurônio, e é estável à temperatura ambiente, por 2 anos8.

Farmacocinética

O etomidato, assim como todo anestésico venoso lipossolúvel, obe-


dece a um modelo farmacocinético tricompartimental. Tem uma meia vida
de distribuição de 2,7 minutos, uma meia vida de redistribuição de 29 minu-

56
Etomidato

tos e uma meia vida de eliminação de 2,9 a 5,3 horas9. O volume de distri-
buição é de 2,5 a 4,5 l.kg-1 9. No pH fisiológico de 7,4, cerca de 75% do
etomidato estão ligados a proteínas plasmáticas, principalmente à albumina,
independentemente da concentração da droga. A redução da concentra-
ção de albumina plasmática resulta num importante aumento da fração ati-
va de etomidato no plasma6. A metabolização é rápida e ocorre por hidrólise
do grupo éster, por enzimas microssomais hepáticas e esterases plasmáticas,
resultando em ácido carboxílico, que é metabólito inativo.
Cerca de 85% de uma dose única de etomidato administrada por via
venosa é excretado pela urina e aproximadamente 13% são eliminados por
via biliar. Menos de 3% são excretados não metabolizados pela urina. O
clearence hepático é equivalente a 60% do fluxo sangüíneo hepático, portan-
to, a meia vida de eliminação sofre grande influência da perfusão hepática.
Doenças hepáticas ou renais que diminuem as proteínas plasmáticas podem
causar um aumento na potência do etomidato, pelo aumento da fração livre
da droga, entretanto, não modificam o início ou a duração do efeito clínico8.
As crianças têm um volume do compartimento central maior que os
adultos, por isso necessitam de uma quantidade maior da droga, em relação
ao peso, para a indução da anestesia10. As concentrações plasmáticas do
etomidato em recém-natos, em cujas mães foi administrado o etomidato, su-
gerem que a meia vida de eliminação da droga é de 6 horas, significando que
não existem alterações importantes no tempo de eliminação relacionadas à
idade10.
Os pacientes geriátricos têm uma série de alterações na composição
corporal, assim como alterações na fisiologia hepática, renal e hematopoiética,
que alteram a farmacocinética do etomidato11. Há diversas alterações na
composição corporal associadas à idade, como, por exemplo, redução do
compartimento central, devido a diminuição da água corporal total, redução
do compartimento periférico de equilíbrio rápido, pela diminuição da massa
magra e aumento do compartimento periférico de equilíbrio lento, pelo au-
mento da gordura corporal12. Essas alterações, associadas à redução da
albumina, nos pacientes idosos, levam ao aumento do pico plasmático, quando
se administra um bolus ou uma infusão rápida de etomidato11. Adicional-
mente, o aumento da gordura corporal acarreta um aumento do volume
total de distribuição e, possivelmente, aumento no tempo de ação do
etomidato. O volume e o fluxo sangüíneo hepáticos diminuem de forma
gradual com o envelhecimento, podendo haver redução de até 40% ao final
da 9a década. O principal efeito dessas alterações é a diminuição do clearence

57
Anestesia Venosa

do etomidato. O envelhecimento reduz o fluxo sangüíneo renal, a taxa de


filtração glomerular e o clearence de creatinina, acarretando o aumento
de concentração e um retardo na eliminação do etomidato, nos pacientes
geriátricos.

Farmacodinâmica

Sistema Nervoso Central

O principal efeito do etomidato no sistema nervoso central é a hipno-


se. Atualmente se sabe que anestésicos venosos, como, por exemplo, o
etomidato e o propofol e também anestésicos inalatórios têm ação nos re-
ceptores GABA A . Baixas concentrações de etomidato potencializam o
efeito do GABA no receptor GABA A (efeito modulador), o que leva a um
aumento da condutância dos íons cloreto, levando a uma inibição pós
sináptica, enquanto altas concentrações de etomidato ativam diretamente o
receptor GABA A (efeito ativador)23. (Figura 2). As subunidades beta 2 e
beta 3 do GABA A são altamente sensíveis ao etomidato, sendo responsá-
veis pelo seu efeito modulador e ativador. A distribuição desigual de recep-
tores GABA A no sistema nervoso central poderia ser a explicação para
efeitos regionais distintos do etomidato na gênese de mioclonias ou efeitos
neuroprotetores regionais, que serão discutidos mais adiante .

Figura 2 – Receptor GABA A

Canal iônico
Provável sítio de ligação
para o etomidato

58
Etomidato

O início da ação do etomidato ocorre entre 5 e 15 segundos e é


equivalente a um tempo de circulação braço-cérebro, mesmo tempo obser-
vado quando se usa propofol e cetamina8. Uma dose de 0,25 mg.kg-1 de
etomidato induz o sono em 10 a 15 segundos, em pacientes não pré-medica-
dos. A duração do efeito de uma dose única é curta e relacionada linear-
mente à dose administrada8. Pacientes idosos necessitam cerca de 50% da
dose, em relação a adultos jovens. Arden e cols13 estudaram o efeito da
idade na farmacodinâmica do etomidato, em pacientes com idades varian-
do entre 22 e 82 anos, e não encontraram aumento da sensibilidade cere-
bral nos idosos, concluindo então que a menor dose necessária à indução
nos idosos seria, em parte, devido ao menor volume de distribuição da dro-
ga nesse grupo de pacientes. A indução da anestesia com etomidato reduz
a pressão intraocular em 30 a 60% por aproximadamente 5 minutos. A
possibilidade das mioclonias induzidas pelo etomidato provocarem aumento
da pressão intraocular, em pacientes com lesões penetrantes do globo ocu-
lar, foi aventada14, entretanto, Famewo e cols15 encontraram redução da
pressão intraocular, apesar da ocorrência de mioclonias.
O etomidato, assim como os barbitúricos e o propofol, reduz a pres-
são intracraniana. Os barbitúricos, devido as suas ações depressoras da
função cardíaca, reduzem a pressão arterial média, mesmo em pacientes
normovolêmicos, comprometendo, dessa forma, o fluxo sangüíneo colateral
em regiões isquêmicas cerebrais. O propofol tem o mesmo efeito na pres-
são arterial média, podendo levar à redução na pressão de perfusão cere-
bral. O etomidato, ao contrário do que acontece com os barbitúricos e o
propofol, reduz a pressão intracraniana, sem alterar ou aumentando a pres-
são arterial média, mantendo, dessa forma, a pressão de perfusão cerebral.
Cremonesi e cols16 avaliaram os efeitos do etomidato em injeção venosa
única e em infusão contínua, em cães normoventilados, encontrando redu-
ção da pressão intracraniana, em todos os animais, de maneira transitória.
Após 15 minutos da interrupção da administração do etomidato, os valores
da pressão intracraniana voltaram aos níveis iniciais. O mecanismo da
redução da pressão intracraniana pode ser explicado pela redução do fluxo
sanguíneo cerebral e volume de sangue intracraniano induzidos pelo
etomidato. Além da redução da pressão intracraniana, o etomidato, em in-
fusão contínua, reduz o consumo cerebral de oxigênio mais do que o fluxo
sangüíneo cerebral, aumentando efetivamente o suprimento de oxigênio ce-
rebral17. Alguns autores17 se referem a este fato como o mecanismo domi-
nante na proteção contra isquemia cerebral proporcionada pelo etomidato,

59
Anestesia Venosa

entretanto, outros consideram outras teorias, como a indução de hipotermia


moderada, redução na liberação de glutamato ou diminuição de atividade
neuronal18.
A literatura é controversa se o etomidato tem ou não efeito
neuroprotetor. Alguns autores, em estudos em animais, têm confirmado a
eficácia do etomidato na atenuação dos efeitos da isquemia cerebral19 ,
enquanto outros, não20. Num estudo in vivo21, em pacientes submetidos a
cirurgias para correção de aneurismas cerebrais, ocorreu isquemia cere-
bral, em 3 dos 11 pacientes estudados, levando à especulação de que o
etomidato teria alguma ação vasoconstritora além daquela resultante da
supressão metabólica cerebral. Esse estudo é concordante com o de ou-
tros autores que observaram uma alta incidência de lesões isquêmicas, quan-
do a artéria cerebral média era clampeada por mais de 14 minutos e 100%
de infarto, quando o tempo de oclusão era de mais de 30 minutos22. Alguns
pacientes apresentaram hemólise provocada pelo propileno glicol contido
no etomidato. Nesses pacientes, foi então aventada a hipótese de que a
isquemia cerebral poderia ter sido ocasionada pela inibição da síntese de
óxido nítrico ou sua ligação com a hemoglobina livre, o que explicaria a
vasoconstrição em áreas já pouco perfundidas, ocasionando lesões
isquêmicas irreversíveis23.

Sistema Cardiovascular

O etomidato, comparado com outros agentes de indução venosa, pro-


duz efeitos mínimos nos parâmetros cardiovasculares. A maioria dos estu-
dos utilizando o etomidato, na dose de 0,2 a 0,3 mg.kg-1, como agente indutor,
em pacientes saudáveis, demonstou alterações de 10%, ou menos, na fre-
qüência cardíaca, pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica, pres-
são arterial média, pressão venosa central, pressão arterial pulmonar, pres-
são capilar pulmonar, resistência vascular pulmonar, resistência vascular
sistêmica8; no volume sistólico, índice cardíaco. Criado e cols24 avaliaram
os efeitos hemodinâmicos em 36 pacientes saudáveis, com uma dose de
indução de 0,45 mg.kg-1 de etomidato (150% maior que a dose usual) e
encontraram redução significativa no volume de ejeção sistólica, que era
compensado pelo aumento da freqüência cardíaca. A diminuição da pres-
são arterial média, encontrada pelo autor em maior intensidade que a redu-
ção das resistências vasculares sistêmica e pulmonar, poderia ser conseqü-
ência do inotropismo negativo do etomidato, nessas doses utilizadas. Colvin

60
Etomidato

e cols25 avaliaram alterações cardiorespiratórias, em 12 pacientes portado-


res de doenças valvulares aórtica e mitral, com uma dose de indução de 0,3
mg.kg-1, encontrando uma redução de 19% na pressão arterial sistêmica.
O índice e a freqüência cardíacos permaneceram estáveis, estando a que-
da da pressão arterial, portanto, relacionada à redução da resistência vascular
sistêmica encontrada nesse grupo de pacientes. O etomidato tem demons-
trado boa estabilidade cardiovascular, em pacientes portadores de doença
coronariana e em pacientes que serão submetidos à angioplastia e
cateterismo cardíaco; não apresenta efeito significativo na contratilidade
miocárdica e melhora a oferta de oxigênio ao miocárdio. A indução
anestésica, com 0,3 mg.kg-1 de etomidato, aumenta em 19% o fluxo
sangüíneo coronariano, sem aumentar o consumo de oxigênio. Cheong e
cols 26 compararam os efeitos hemodinâmicos do sevoflurano associado ao
fentanil com a associação etomidato - fentanil, durante a indução anestésica,
de 20 pacientes portadores de doença coronariana, com boa função
ventricular esquerda, submetidos a revascularização do miocárdio, e en-
contraram 10% de redução na pressão arterial média, no grupo do etomidato,
e 25% de redução, no grupo do sevoflurano. O índice cardíaco reduziu 2%,
em ambos os grupos, e a resistência vascular sistêmica reduziu 16%, no
grupo do etomidato, e 22%, no grupo do sevoflurano.
Uma desvantagem importante do etomidato é a ausência de efeito
analgésico, o que resulta em hipertensão arterial e taquicardia, secundárias
à estimulação simpática decorrente das manobras de intubação traqueal.
Essa resposta hiperdinâmica, embora breve, pode aumentar a pressão
intracraniana e o trabalho miocárdico, anulando, assim, algumas proprieda-
des hemodinâmicas benéficas do etomidato, principalmente nos pacientes
portadores de baixa reserva cardíaca ou de patologias que cursem com
hipertensão intracraniana.
Inoue e cols27 observaram uma bradicardia importante, com associ-
ação do fentanil e do vecurônio ao etomidato. O mesmo acontece, quando
se utiliza a associação do etomidato com fentanil e succinilcolina28.

Sistema Respiratório

O etomidato exerce efeitos mínimos sobre a ventilação. Em pacien-


tes não pré medicados, a administração de um bolus de 0,3 mg.kg -1 pro-
duz uma diminuição do volume corrente, com um aumento compensatório
da freqüência ventilatória. Ocasionalmente, após uma injeção rápida de 0,3

61
Anestesia Venosa

mg.kg-1 , pode ocorrer um breve período de apnéia, que dura, em média,


20 segundos. Doses de 0,45 mg.kg- 1 levam a uma redução do volume cor-
rente, sem aumento compensatório da freqüência respiratória, levando a
uma hipercapnia moderada. Com essa dose, observa-se ainda um aumento
do gradiente alvéolo arterial do O 2 e do shunt que leva a uma diminuição
moderada, porém significativa da pressão arterial de O2 e da saturação de
O229. Pacientes pré medicados com benzodiazepínicos ou opiáceos geral-
mente apresentam, na indução da anestesia, uma apnéia de curta duração
(menos de 1 minuto). O etomidato não altera o tono broncomotor. Tosse ou
soluços, geralmente de curta duração, podem ocorrer com o uso do etomidato,
sendo abolidos ou reduzidos com o uso prévio de opióides ou benzo-
diazepínicos.

Uso Clínico

Em Crianças

O etomidato pode ser usado como medicação pré anestésica, por


via oral ou retal, e como agente indutor venoso em pacientes pediátricos.
Lauretti e cols30 compararam os efeitos do midazolam xarope, na dose de
0,5 mg.kg-1, com o etomidato xarope, na dose de 1,3 mg.kg-1, em medica-
ção pré-anestésica por via oral de crianças, com idades variando de 1 a
3 anos, submetidas a procedimentos ambulatoriais. Os autores descreve-
ram serem ambas as drogas eficazes como medicação pré-anestésica
em crianças, sendo que os pacientes do grupo do etomidato tiveram uma
recuperação mais rápida, propiciando alta hospitalar mais precoce. A uti-
lização do etomidato como medicação pré anestésica, por via retal, na
dose de 6,5 mg.kg-1, foi estudada em pacientes com idades variando de 6
meses a 6 anos, promovendo sedação adequada e ausência de efeitos
colaterais8.
O uso clínico do etomidato venoso na população pediátrica ainda
não foi bem documentado nos Estados Unidos. Esse fato levou a agência
reguladora para utilização de medicamentos (FDA) a desaconselhar o uso
clínico em crianças abaixo de 10 anos, no território americano31. Publica-
ções recentes, no entanto, atestam a segurança e eficácia do etomidato em
pacientes pediátricos31. A utilização do etomidato venoso, em pacientes
pediátricos, na dose de 0,1 a 0,2 mg.kg-1, para procedimentos de curta dura-
ção, mostraram como principais efeitos adversos a dessaturação de 02,

62
Etomidato

vômitos, mioclonias e dor à injeção31. Kay32 utilizou o etomidato em pacien-


tes com idades variando entre 6 horas e 15 anos e descreveu como princi-
pais efeitos colaterais a dor à injeção e mioclonias .

Em Adultos

O etomidato é uma excelente opção como agente indutor da


anestesia, em pacientes comprometidos hemodinamicamente, com risco
de isquemia coronária e em portadores de doenças neurológicas. Clinica-
mente, apresenta uma estabilidade hemodinâmica bem melhor do que
outros agentes venosos, como o tionembutal e o propofol. Pacientes com
qualquer etiologia de choque podem ser induzidos de maneira segura com
o etomidato8. Pacientes com risco potencial de isquemia ou doenças
valvulares se beneficiam com indução anestésica de etomidato associado
a um opióde. O etomidato é útil em neuroanestesia, por diminuir o fluxo
sangüíneo cerebral e o consumo de O2 cerebral. Como seria de se espe-
rar, a redução do fluxo sangüíneo cerebral leva à diminuição da pressão
intracraniana. Em contraste com os barbitúricos, os efeitos metabólicos
do etomidato são regionais. O etomidato não libera histamina em pacien-
tes saudáveis ou em asmáticos33, embora já sejam descritas reações
anafilactóides com o seu uso34. O uso do etomidato é controverso nos
pacientes com porfiria. Alguns autores35, 36 consideram segura a utiliza-
ção em porfiria intermitente aguda, enquanto outros37 relataram ser o
etomidato porfirinogênico em infusão contínua em ratos, desaconselhando
seu uso em pacientes susceptíveis.

Efeitos Adversos e Complicações

Mioclonias

Um dos maiores inconvenientes do uso clínico do etomidato são as


mioclonias observadas na indução anestésica. A incidência de mioclonias é
alta, podendo ocorrer em 50 a 80% dos pacientes não pré medicados, ha-
vendo uma redução ou desaparecimento, quando se administra benzo-
diazepínicos ou opiáceos como medicação pré-anestésica. A velocidade de
injeção não tem influência na incidência das mioclonias. Uma possível ex-
plicação para a ocorrência das mioclonias é a desinibição transitória de
estruturas subcorticais durante a transição do estado de consciência para

63
Anestesia Venosa

o de inconsciência. Isto provavelmente resulta do início de ação não sincro-


nizado da droga nos diferentes “sites” do sistema nervoso central, o que
poderia ser causado por diferenças na afinidade ou na distribuição regional
do receptor GABAA no sistema nervoso central ou, ainda, por diferenças
locais de fluxo sangüíneo, com distribuição desigual da droga no sistema
nervoso central. A teoria da desinibição subcortical também é suportada
pelo desaparecimento de mioclonias após a pré medicação com
benzodiazepínicos e fentanil, ambos com efeitos inibitórios em estruturas
subcorticais38.
Doenicke e cols38, num estudo em voluntários, observaram que pe-
quenas doses de etomidato (25 e 50 µg.kg-1) não produziam mioclonias
(Figura 3).

Figura 3 – Incidência de mioclonias com diferentes doses de etomidato

100%
Incidência de Mioclonia (%)

80%

60%

40%

20%

0%
25 50 75 100 200 300
Dose de Etomidato (µg icg -1)

No mesmo estudo, os autores observaram que a administração prévia de


-1
placebo ou 50 µg.kg de etomidato, antes da indução com um bolus de 0,3 mg.kg-1
de etomidato, reduziu a incidência de mioclonias, de 75 para 25%, no grupo pré
tratado com etomidato (Figura 4).

64
Etomidato

Figura 4 – Incidência de mioclonias em pacientes pré tratados com


etomidato ou placebo

80 Pré-tratamento com placebo

Pre-tratamento com etomidato

60
Percentagem

40

20

0
Nenhuma Leve Moderada Severo Total

Embora as mioclonias lembrem crises convulsivas, eletroence-


falogramas realizados durante mioclonias induzidas pelo etomidato não es-
tão associados a ondas compatíveis com atividade epileptiforme, no traça-
do eletroencefalográfico39.

Supressão Adrenal

Em 1983, Ledingham e Watt4 relataram um aumento da taxa de


mortalidade em pacientes, internados em unidades de terapia intensiva,
sedados com infusão contínua de etomidato e altas doses de morfina.
Este fato foi atribuído a baixos níveis de cortisol causados pela supressão
da síntese deste pelo etomidato. Estudos posteriores indicaram que esse
fato se devia à supressão do córtex adrenal e que ocorria também com a
utilização de doses únicas de etomidato40,41. Essas alterações se devem a
uma inibição da conversão de colesterol em cortisol, por inibição das rea-
ções de hidroxilação de enzimas mitocondriais, em particular, a beta
hidroxilase, por uma interação entre seu radical imidazol e o citocromo
P-450.
65
Anestesia Venosa

Há uma redução, tanto nas taxas do cortisol quanto nas de aldosterona,


em aproximadamente 30 minutos após uma dose única de indução do
etomidato. A supressão da síntese de cortisol, nesses casos, se estende por
um curto período de 2 a 6 horas após a indução42. Alguns autores têm
sugerido a administração de esteróides antes da indução anestésica com
etomidato43, entretanto, uma dose única de etomidato não tem demonstrado
qualquer efeito clínico adverso como resultado da inibição transitória da
síntese de cortisol44. Os únicos relatos de conseqüências importantes do
efeito do etomidato na inibição da produção de corticosteróides foram com
o uso, em perfusão contínua, por dias ou semanas, em unidades de terapia
intensiva, não havendo relatos de repercussões clínicas importantes com
uma dose única em bolus.

Náuseas e Vômitos

Náuseas e vômitos ocorrem em 30 a 40% dos pacientes induzidos


com o etomidato. Essa incidência é alta, comparada ao tiopental, que está
em torno de 10 a 20%, e ao propofol que apresenta incidência menor que a
encontrada com o tiopental. Pierre e cols45 avaliaram, em estudo duplo
cego, a incidência de náuseas e vômitos pós operatórios, em 164 pacientes
induzidos com etomidato, em emulsão lipídica, comparados com o propofol,
em anestesia balanceada com isoflurane e fentanil. Os autores não encon-
traram diferença na incidência e náuseas após as duas primeiras horas do
término da anestesia, nos dois grupos, entretanto, o grupo do etomidato
apresentou incidência maior de náuseas que o do propofol, num período pós
operatório mais tardio ( 6 a 24 horas). Os autores admitem também que, em
cirurgias com maior risco de náuseas e vômitos pós operatórios, pacientes
induzidos com propofol terão uma menor incidência de náuseas e vômitos,
comparados com os induzidos com o etomidato.

Dor a Injeção

A incidência de dor à injeção do etomidato é alta e ocorre em cerca


de 62% dos pacientes. Essa incidência diminui quando se utilizam veias
mais calibrosas e pela administração prévia de um opióide. A mistura de
lidocaína à solução não é aceita por todos os autores como uma estratégia
útil para diminuir a dor causada pela injeção do etomidato. A hiperos-
-1
molaridade da formulação com propileno glicol (4900 mosmol.kg ) pode cau-

66
Etomidato

sar lesão direta do endotélio vascular, resultando na liberação de histamina


para a circulação, enquanto a dor pode ser atribuída à estimulação de re-
ceptores dolorosos e irritação vascular46.

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69
Diazepam

Diazepam
Levi Afonso Soares Magalhães*

Uma gama de agentes atua no sistema nervoso central, atenuando


sua função, produzindo sonolência e calma. Os benzodiazepínicos fazem
parte desse grupo, sendo os mais amplamente utilizados na atualidade.
Os benzodiazepínicos pertencem ao grupo de substâncias que têm
limitada capacidade de depressão central profunda. Usados isoladamente,
podem até instituir o coma, em altas doses, entretanto, esse e outros
fenômenos, como anestesia cirúrgica, depressão respiratória e falência
cardiovascular só ocorrem quando utilizados em associação a outras
substâncias depressoras do sistema nervoso central. São normalmente
usados como sedativos, amnésicos, ansiolíticos, relaxantes musculares e
anticonvulsivantes.
Em meados de 1950 houve o surgimento de uma nova classe de
fármacos, com ação tranqüilizante, as 1,4 – benzodiazepinas, possuidoras
de ação semelhante sobre o sistema nervoso central. Hoffmann La Roche
dedicou-se à pesquisa desses compostos, sendo que os testes obtidos no
Departamento de Farmacologia do Dr. Lowell Randall acenaram para a
descoberta de um novo grupo de substâncias, com características superiores
às já existentes1.

* Título Superior em Anestesiologia – Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Instrutor co-responsável do CET/SBA do Hospital Geral de Bonsucesso/MS

71
Anestesia Venosa

Pesquisa subseqüente, promovendo acréscimos na estrutura química


inicial das benzoheptoxdiazina, levou à síntese e posterior liberação para
uso clínico do clordiazepóxido. A pesquisa incessante promoveu a substituição
na estrutura química do clordiazepóxido, sendo sintetizado em 1959 o
diazepam. O novo fármaco mostrou, em testes laboratoriais, ser de três a
dez vezes mais potente que o seu antecessor; recebeu o nome de Valium®
e foi comercializado a partir de 1963.

Classificação Farmacológica

O diazepam pertence ao grupo farmacológico dos benzodiazepínicos,


por possuir na sua estrutura o núcleo que os caracteriza. É composto de um
anel benzeno, fundido a um composto diazepínico de sete membros, com
característica anelar. Em virtude dos benzodiazepínicos possuírem um
substituinte 5 – aril (Anel C) e um anel 1,4 diazepina, passaram a ser
denominados de 5 – aril – 1,4 benzodiazepina2.

O acréscimo dos seguintes elementos compõe a estrutura química


do diazepam:

- CH3 no R1
= O no R2
- H no R3
- Cl no R7
- H no R2

72
Diazepam

Farmacocinética

O diazepam ainda é um dos benzodiazepínicos mais comumente usados


em todo o mundo. Seus efeitos estão relacionados à sua ação quase exclusiva
no sistema nervoso central. Os mais marcantes são a sedação, a hipnose,
relaxamento muscular, amnésia e atividade anticonvulsivante.
As suas vias de administração podem ser intravenosas, bucal (oral
ou sublingual), intramuscular e, em preparações especiais, por via retal. Na
via intravenosa obtém-se uma concentração plasmática mais alta e mais
rápida que nas outras vias. A administração por via oral é de absorção
variável, podendo demorar até duas horas para atingir a concentração
plasmática ideal. A via sublingual evita o metabolismo de primeira passagem
pelo fígado. A administração por via intramuscular se caracteriza por
absorção irregular, mais lenta que a via oral, bastante dolorosa e, em alguns
casos, pode provocar necrose muscular.
Em situações especiais, tais como no tratamento da crise convulsiva,
em crianças pequenas com acesso venoso difícil, é possível usar a via retal
para administrar o diazepam, sendo formulado, usando propilenoglicol a 50%
em água3.
De todos os benzodiazepínicos, o diazepan possui uma das mais altas
solubilidades lipídicas, o que confere ao fármaco um grande volume de
distribuição, em torno de 2,0 l.kg-1. Essa característica o permite atravessar
rapidamente a barreira hemato-encefálica, assim como distribuir-se aos
tecidos gordurosos periféricos, apresentando uma meia vida superior a 24
horas. Possui, portanto, dois modelos compartimentais de distribuição, que
são: o compartimento sangüíneo central e o periférico composto de gordura
e músculo. No plasma, 95% apresentam-se combinados às proteínas
sangüíneas, com a depuração plasmática acima de 10 ml.kg-1.min-1. No
sistema nervoso central, que é o seu principal local de ação, o nível desejado
da droga é rapidamente atingido, tendo em vista que a região é altamente
vascularizada2.
A distribuição para o compartimento periférico determina a duração
da ação do diazepam. Na mulher, o volume de distribuição é discretamente
maior que no homem, entretanto, não há variância em relação ao clearance
plasmático e à meia vida.
O diazepam sofre metabolização pelo sistema de oxirredutazes do
Citocromo P-450, através das enzimas 3A4, 2C8 e 2C9, que promovem N-
demetilação, produzindo, assim, um metabólito ativo, o nordiazepam. Este,

73
Anestesia Venosa

por sua vez, é hidroxilado, formando oxazepam, que sofre imediata


glicuronidação através de um processo de conjugação. Há ainda a
possibilidade de hidroxilização do diazepam pelo Citocromo P-450, 3A4,
formando o temazepam, que possui atividade metabólica de menor
intensidade. Esses metabólitos exibem limitada atividade farmacológica, uma
vez que são rapidamente conjugados e excretados.
Os produtos do metabolismo do diazepam são excretados, na maior
parte, através dos rins, sendo um terço como oxazepam, um quinto conjugado
como nordiazepam, 4-hidróxi-diazepam e temazepam. A meia vida de
eliminação do diazepam diminui com a elevação da idade e a presença de
obesidade. Se há elevação da meia vida do diazepam, inversamente, o
clearence plasmático diminui. A ação do diazepam no sistema nervoso
central pode sofrer maior interferência devido à redistribuição do que pela
metabolização. A cinética de redistribuição do diazepam é complicada pela
circulação enterohepática, pois há absorção de produtos do metabolismo
deste no tubo digestivo, produzindo um segundo pico plasmático de 6 a 12
horas após a administração inicial4.

Farmacodinâmica do Diazepam

Apesar dos benzodiazepínicos exercerem efeitos qualitativamente


semelhantes, existem diferenças quantitativas na sua farmacodinâmica.
Existem evidências de que mecanismos de ação distintos para os efeitos
sedativo-hipnótico, ansiolíticos, anticonvulsivantes, amnésicos e relaxantes
musculares estão relacionados às subunidades específicas do receptor
GABA A.
O local de ação do diazepam no sistema nervoso central situa no
receptor de neurotransmissores inibitórios diretamente ativados pelo ácido
gama amino-butírico (GABA), que são proteínas ligadas à membrana e que
se dividem em GABA A e GABA B. O primeiro é composto de cinco sub-
unidades que se organizam para formar um canal cloreto integral, sendo
que, apenas nesse receptor, o diazepam atua através de uma ligação em
local específico, diferente do local onde o GABA age. Portando, o diazepam
é um modulador de ação GABA e não um ativador direto do receptor GABA
A. Em síntese, aumenta a corrente de cloreto gerada pela ativação dos
ativadores GABA A, com elevação da freqüência de abertura deste canal
de cloreto. O aumento do influxo de íons cloro e hiper-polarização celular
produzem menos geração de potencial de ação2.

74
Diazepam

As ações periféricas do diazepam praticamente se restringem à ação


no aparelho cardiovascular e relaxamento muscular.

Ação no Sistema Nervoso Central

O diazepam afeta a atividade em todo neuro-eixo, entretanto, com


diferentes graus de diferenciação. Dependendo da dose, o diazepam varia
da sedação à hipnose, podendo chegar ao estupor, sem, no entanto, produzir
efeitos anestésicos. Porém, com doses pré-anestésicas, é possível que ocorra
amnésia anterógrada, podendo, com isso, criar a ilusão de anestesia prévia.
A descoberta de uma base molecular para os numerosos sub-tipos de
receptores talvez possa explicar as ações tão distintas desse fármaco.
A tolerância ao diazepam, assim como aos demais benzodiazepínicos,
é controversa, existindo estudos que evidenciam o desenvolvimento de
dependência ao fármaco. Em relação a seu efeito anticonvulsivante, o
diazepam possui atividade menos seletiva, quando comparado a outros
benzodiazepínicos como o clonazepam, nitrazepam e nordazepam, podendo,
inclusive, desenvolver tolerância, com o uso prolongado.
No que concerne à analgesia, seu efeito parece estar muito mais
relacionado à geração de amnésia, sem, entretanto, causar hiperalgesia.
Quanto ao seu efeito sobre a respiração, deve-se ficar atento, quando usado
em crianças, idosos, alcoólatras e hepatopatas.
Na dose clínica usual, quando utilizado como medicação pré-
anestésica, há depressão da respiração, com diminuição dos estímulos
hipóxicos, efeito que pode ser mais exacerbado em pacientes portadores de
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), favorecendo a instalação
da carbonarcose4. O diazepam associado a opióide pode produzir apnéia,
porém, mesmo nas intoxicações exógenas, a necessidade de suporte
ventilatório acontecerá principalmente quando existir a associação do
diazepam ao álcool ou a outras drogas2.
Nas Apnéias do Sono Obstrutivas (ASO), qualquer tipo de depressor
do sistema nervoso central está contra-indicado, inclusive o diazepam.
No sistema cardiovascular, a ação benzodiazepínica, nos indivíduos
saudáveis, é mínima. Em doses pré-anestésicas, o diazepam reduz a pressão
arterial e aumenta a freqüência cardíaca 4; há uma diminuição no trabalho
ventricular esquerdo e no débito cardíaco. Ainda promove o aumento do
fluxo coronariano, provavelmente às custas da elevação nas concentrações
intersticiais de adenosina2. O diazepam não apresenta ação tóxica, tanto

75
Anestesia Venosa

hepática quanto renal5. No trato gastrintestinal o diazepam protege par-


cialmente as lesões causadas pelo estresse, diminuindo a produção de suco
gástrico. Esses sinais e sintomas estão relacionados à ansiedade, sendo a
ansiólise um dos efeitos desse fármaco2.

Uso Clínico

Em pacientes saudáveis

A fim de que se obtenha a ação máxima indicada e esperada, é de


extrema importância que a escolha, tanto do fármaco quanto da via de
administração, obedeça aos critérios clínicos que o momento impõe, seja no
tratamento da ansiedade, como anticonvulsivante, no relaxamento muscular
e/ou como sedativos-hipnóticos.
A administração do diazepam pode ser realizada pela via bucal
(sublingual e oral), intramuscular, retal e intravenosa. As propriedades físico-
químicas e farmacocinéticas contribuem deliberadamente para o uso clínico
deste fármaco. Sua absorção plena e o seu tempo de ação o caracterizam
como um agente de longa duração, ou seja, com meia vida acima de 24
horas.
A via sublingual pode ser usada, obedecendo sempre a criteriosa
indicação clínica, pois, depois de absorvido, o diazepam não sofre o
metabolismo de primeira passagem, mas para que isto realmente ocorra é
fundamental que a mucosa esteja íntegra e úmida a fim de que não haja
interferência na absorção e ação farmacológicas.
A ação por via intramuscular, com certeza, não é a mais indicada,
sendo desaconselhada em virtude de ser extremamente dolorosa no local
da injeção e de poder causar necrose do músculo envolvido. A absorção é
irregular, acarretando incerteza na resposta clínica. Há relatos de atenuação
desse quadro, quando essa via é utilizada em pacientes atléticos com
musculatura e vasculatura desenvolvidas.
A via retal, objeto de trabalhos científicos, tem como indicações
clínicas a sedação pré-anestésica e ação anticonvulsivante em crianças,
quer seja por estratégia terapêutica ou por dificuldade de acesso venoso,
num quadro de crise convulsiva. Necessita de formulação adequada,
específica para essa via de administração, com propilenoglicol a 50%,
devendo estar acondicionado em recipiente de vidro, pois o plástico o adsorve,
e ser estocado no máximo por dois meses. As outras formulações existentes

76
Diazepam

no mercado não são indicadas para esta via de absorção, devido as


dificuldades de absorção comprometedoras do resultado desejado.
A administração do diazepam pela via oral é a mais comumente
utilizada e não sofre qualquer interferência pela ação do suco gástrico,
atingindo o pico plasmático em 60 minutos. Por via venosa, o pico plasmático
é atingido no máximo em 15 minutos após a administração.

Doses comumente usadas do Diazepam

USO VIA DOSE

Pré-medicação oral 0,2 a 0,5 mg.kg-1


(máximo 15mg)
Sedação IV 0,04 a 0,2 mg.kg-1
Indução IV 0,3 a 0,6 mg.kg-1

O comportamento clínico do diazepam nos adultos jovens e idosos


apresenta variações devido a alterações na sua meia vida de eliminação e
no seu volume de distribuição, podendo esses valores serem até duas vezes
maiores nos idosos sem, entretanto, existirem diferenças significativas no
clearance nos dois grupos estudados6. Os pacientes idosos apresentam maior
sensibilidade aos efeitos promovidos pelo diazepam, sendo essas respostas
clínicas mais pronunciadas quando múltiplas doses são necessárias, podendo
estar relacionadas à presença de metabólitos que potencializam o efeito do
fármaco original7.
O uso clínico do diazepam na terapia anticonvulsivante é histórico e
de eficácia comprovada na doses de 5 a 10 mg IV, podendo ser repetido a
cada 15 minutos, numa dose total máxima de 30 mg. Atualmente, com a
descoberta de outros grupos farmacológicos mais ativos no tratamento das
convulsões de origem epilética, o uso do diazepam se restringe apenas aos
episódios convulsivos de instalação aguda, relacionados à estimulação
química ou elétrica do sistema nervoso central8.
Nas doenças espásticas de origem medular, o diazepam promoveu
uma contribuição clínica relevante, porém não sem riscos de ações colaterais,
como depressão respiratória por ação central em pacientes normalmente
debilitados pela sua doença neurológica original, o que o levou, nesses casos,
a ser abandonado como estratégia terapêutica.
O seu uso em gestantes em trabalho de parto, nas doses terapêuticas

77
Anestesia Venosa

(10mg/IV), contribuiu para depressão fetal em recém – natos, com menores


índices de Apgar 9. O diazepam atravessa a barreira placentária e é
excretado no leite materno.
Em anestesia, o diazepam foi usado pela primeira vez em 1964, como
agente indutor na Neuroleptoanalgesia, recebendo essa associação a
denominação de “Anestesia Valium® Combinada”, sendo que, desde então,
o diazepam passou a ser usado em diferentes associações com finalidades
anestésicas, como droga adjuvante para intervenções diagnóstico -
terapêuticas (endoscopias, cateterização cardiovascular, procedimentos
radiológicos, radiodiagnóstico e demais investigações por imagem), para
sedação pós-operatória e em pacientes com suporte ventilatório mecânico,
pois alia as propriedades sedativo-hipnóticas, amnésicas, relaxantes
musculares e ansiolíticas10.
A sedação pelo diazepam pode causar depressão respiratória, mesmo
em pacientes previamente saudáveis, por redução da resposta do centro
respiratório ao estímulo pelo CO2, ocorrendo diminuição do volume minuto,
da ventilação alveolar, do pH, da PO2 arterial, e elevação do PCO2 arterial,
sendo esse efeito potencializado quando a via de administração é venosa e
o paciente se encontra debilitado. Esse quadro é minimizado durante a
indução anestésica por ser mandatória a oxigenação e a ventilação assistida
e/ou controlada, sendo sempre preconizada vigilância plena com
monitorização apropriada e oxigenoterapia10.
Nos pacientes pediátricos assim como nos adultos, o uso do diazepam
é amplamente empregado, por ter características previsíveis e eficácia
comprovada. Tem sido usado como ansiolítico, sedativo ou hipnótico. Por
via intravenosa, em doses variando de 0,2 a 0,4 mg.kg-1, permite uma
indução suave, embora lenta. Seus efeitos são duradouros, permanecendo
por até 24 horas, em virtude da ação sedativa promovida por seus
metabólitos, dentre eles o desmetil-diazepam 11. O diazepam, quando
utilizado com finalidades pré-anestésicas, por via oral, na dose de 0,1mg.kg-1,
pode ser dissolvido em pequenas quantidades de líquidos de sabor agradável,
de forma a interferir minimamente no volume gástrico residual. A via
intramuscular deve ser descartada devido à possibilidade de ocorrer
necrose muscular.
Alguns autores preconizam o uso do diazepam nas doses de 0,2 a
0,4mg.kg-1 em associação com a cetamina, com finalidades aditivas e, como
forma de minimizar o comportamento excitatório deste último fármaco, usado
com freqüência em pediatria12.
78
Diazepam

Em hepatopatias

O fígado, por ser o principal órgão na inativação das drogas, pode se


tornar alvo dos efeitos adversos, fato pouco freqüente devido a sua grande
reserva funcional. Na doença hepática crônica, é necessário intenso
comprometimento do fígado para que ocorra interferência no metabolismo
do diazepam, mas, na doença aguda, tanto o metabolismo como a ação do
diazepam sofrem alterações. Nos hepatopatas, em decorrência da diminuição
plasmática das concentrações de albumina e α¹ globulinas, a fração livre
plasmática do diazepam é maior e, por conseguinte, seus efeitos mais intensos
e prolongados. A presença de icterícia, conseqüência da elevação dos níveis
de bilirrubina plasmática, pode deslocar o diazepam de sua ligação com a
albumina, aumentando a fração livre da droga. Nas hepatopatias há maior
volume de distribuição do diazepam. Estas alterações funcionais podem
prolongar a ação do diazepam por até três vezes, seja por menor
biotransformação do fármaco original e de seus metabólitos ativos, como
pelo maior volume de distribuição.O uso crônico do diazepam não parece
interferir nas atividades enzimáticas do Citocromo P-450, como ocorre com
o clordiazepóxido5. A inibição enzimática encontrada nas hepatopatias
relacionadas ao uso de etanol e decorrente do uso de bloqueadores H²,
como cimetidina ou ranitidina, favorece a ação mais intensa do diazepam,
sendo, nesses casos, necessário o ajuste da dose, reduzindo a 1/3 da dose
recomendada.

Em nefropatias

Na doença renal, o diazepam tem seus efeitos mais pronunciados e


prolongados devido ao fato de o fármaco e seus metabólitos serem solúveis
em água e eliminados pelos rins. Também, devido ao aumento da fração
livre da droga decorrente da hipoproteinemia presente nesses casos. Como
conseqüência dos fatos anteriormente citados, ocorre acúmulo de
oxazepam (um dos metabólitos do diazepam), conjugado ao ácido
glicurônico, que passará a ser eliminado pela bile, sendo então metabolizado
pela microflora do trato gastrintestinal em oxazepam, onde é reabsorvido,
gerando sua reciclagem, com os efeitos benzodiázepinicos mais
pronunciados13.

79
Anestesia Venosa

Em doenças neurológicas

O uso do diazepam em pacientes com doença neurológica encefálica


se manifesta com profunda hipnose, podendo induzir um grave estado
comatoso. Essa deteriorização de origem farmacológica compromete
avaliações clínicas seqüenciais do paciente, mascarando situações
diagnósticas e prognósticas.

Em doença pulmonar

Os pacientes portadores de doenças pulmonares crônicas ou agudas


poderão ter agravamento de sua função respiratória, em decorrência da
ação central do fármaco, com a precipitação de um quadro de insuficiência
respiratória. Devido aos riscos inerentes ao uso do fármaco, sua indicação
deverá ser criteriosa, e, quando indicada, acompanhada de monitorização,
com oximetria de pulso, gasometria arterial, capnometria, freqüência
respiratória, volume corrente e volume minuto10.

Efeitos Adversos

Doses plasmáticas elevadas e constantes do diazepam produzem


tontura, fadiga, lentidão na reação, incoordenação motora, confusão mental
e motora e amnésia anterógrada2.
As alterações cognitivas são menos intensas do que o comprometimento
motor. As habilidades psicomotoras relacionadas à condução de veículos
automotores estão bastante comprometidas e devem ser evitadas14. A
associação do diazepam com etanol potencializa os efeitos anteriormente
citados, existindo uma relação direta dose-efeito mais pronunciada em idosos.
Merece atenção a participação dos metabólitos do diazepam através do ciclo
entero-hepático – mecanismo de rebote – após a administração da dose inicial,
ocorrendo um fenômeno tardio conhecido como “ressaca diazepínica”.
A incidência de reações adversas alérgicas, hematológicas e
hepatotóxicas, relacionadas aos benzodiazepínicos, é muito baixa,
principalmente quando relacionadas ao diazepam2. Durante um tratamento
clínico, apenas um pequeno número de pacientes aumenta a ingestão do
fármaco. Já em dependentes químicos, o uso abusivo do diazepam faz parte
de um padrão, objetivando potencializar os efeitos do álcool e/ou opióides,
ou para reduzir a toxicidade da cocaína2.

80
Diazepam

Referências Bibliográficas

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81
Midazolam

Midazolam
Edmar José Alves dos Santos*
Alfredo Augusto Vieira Portella**

O midazolam é um medicamento com atuação depressora sobre o


sistema nervoso central (SNC), vastamente utilizado, apresentando ampla
variedade de aplicação em anestesiologia e terapia intensiva. Produz seus
efeitos como decorrência da sua atuação nos receptores benzodiazepínicos1,
a exemplo de outros fármacos da mesma classe, proporcionando ansiólise,
amnésia anterógrada, sedação, hipnose, efeito anticonvulsivante e relaxa-
mento muscular1-3.

Estrutura química

O midazolam foi sintetizado em 1976 por Fryer e Walser,


constituindo-se no primeiro benzodiazepínico hidrossolúvel para uso clínico.
Apesar de relatos sobre o uso do diazepam em anestesiologia desde 1966,
o processo de síntese do midazolam marcou seu desenvolvimento como o
primeiro benzodiazepínico a ter, como foco principal, o uso em aneste-
siologia3. O midazolam é pertencente à classe farmacológica dos 5-aril-1,4-

* Professor Assistente de Anestesiologia – FCM/UERJ


Co-responsável Pelo CET/SBA – HUPE/UERJ
Preceptor da Residência Médica – HUPE/UERJ
** Professor Adjunto de Anestesiologia – FCM/UERJ
Responsável pelo CET/SBA – HUPE/UERJ
Chefe da UDA Anestesiologia – HUPE/UERJ

83
Anestesia Venosa

benzodiazepínicos, caracterizados pela fusão de um anel benzeno a um anel


diazepínico (benzodiazepínico), e a presença de um anel aril como substituto
na posição 5 do anel diazepínico (figura 1), característica comum à maioria
dos benzodiazepínicos em uso clínico. Difere dos demais benzodiazepínicos,
por possuir um anel imidazólico fundido na posição 1 e 2 do anel diazepínico
(figura 1), característica que compartilha apenas com o flumazenil1.
A característica de solubilidade do midazolam, única entre os
benzodiazepínicos, é dada pelo seu anel imidazólico que, ao permanecer
aberto em pH ácido abaixo de 4, confere à droga hidrossolubilidade, e, em
pH fisiológico (pH de 7,4; maior que 4), fecha-se, transformando o midazolam
em medicamento muito lipofílico. Essa propriedade faz com que o midazolam
seja comercializado em solução aquosa, com pH ajustado para 3,5, através
do uso de ácido clorídrico e hidróxido de sódio, prescindindo do uso de
propileno glicol. Dessa forma, diferente do que ocorre com o diazepam, não
causa dor à injeção, nem predispõe ao desenvolvimento de flebite1-3. Seu
perfil de solubilidade permite, ainda, sua administração eficiente e eficaz
por via intravenosa ou intramuscular, além da via oral, e através das mucosas
oral (sublingual) e nasal4-6.
O anel imidazólico é o local primário de metabolismo da molécula do
midazolam, sendo responsável pela sua curta meia-vida de eliminação e
duração de efeito1.
O midazolam é comercializado em duas apresentações para uso oral:
comprimidos sulcados de 15mg, para uso oral ou sublingual, e formulação
em xarope sabor morango com 2mg.ml-1, para uso pediátrico; e três
apresentações injetáveis: ampola de 3ml com 5mg.ml-1, ampola de 5ml com
1mg.ml-1 e ampola de 10ml com 5mg.ml-1.

Farmacocinética

O midazolam é classificado como de ação curta, por seu rápido início


de ação e término de efeito, quando comparado aos demais benzodiaze-
pínicos3. Sua alta lipossolubilidade em pH fisiológico faz com que sua
farmacocinética possa ser representada por um modelo bi ou
tricompartimental, este último caracterizado por um compartimento central
(plasma), tecidos ricamente vascularizados (cérebro, pulmão, coração) e
que recebem maior percentual da droga inicialmente, e tecidos menos
perfundidos (muscular e gorduroso) que funcionam como depósitos nas
infusões prolongadas1-3. A redistribuição do midazolam dos tecidos menos
84
Midazolam

Figura 1 – Representação esquemática da fórmula química do


midazolam. Observa-se a estrutura básica da classe farmacológica dos 5-
aril-1,4-benzodiazepínicos e a presença do anel imidazólico fundido nas
posições 1 e 2. I – anel imidazólico; B – anel benzeno; D – anel
1
diazepínico e A – anel aril .

perfundidos para o compartimento central se dá de forma mais lenta do que


sua eliminação a partir do plasma, permitindo, assim, que possua uma meia-
vida sensível ao contexto favorável ao seu uso em infusão contínua, ao
contrário dos demais benzodiazepínicos disponíveis para uso clínico7-9.
Contudo, apresenta perfil farmacocinético sensível ao contexto, menos
favorável do que o propofol, a cetamina e o etomidato (figura 2)2.
A partir de sua administração no compartimento central (plasmático),
ocorre uma latência de tempo de 2 a 3 minutos (histerese) para observação
de mudança no padrão de atividade elétrica ao eletroencefalograma,
denotando o tempo necessário para equilíbrio da concentração da droga
entre o plasma e o sítio efetor. O midazolam situa-se como intermediário
entre o diazepam e o lorazepam, em termos dessa velocidade de equilíbrio,
contudo, é cerca de seis vezes mais potente que o primeiro, fato este não
permitir ser perceptível, clinicamente, a diferença entre os dois fármacos,
com relação ao tempo de início dos seus efeitos3.
Apresenta amplo volume de distribuição, situando-se entre 1,1 e 1,7 l/
kg, depuração plasmática elevada, ao redor de 6,4 a 11 ml.kg-1min-1 e meia-
vida de eliminação de aproximadamente 1,7 a 2,6 horas (Tabela I)1-3, 10.
85
Anestesia Venosa

Figura 2 – Representação gráfica da meia-vida sensível ao contexto do


midazolam, em comparação às do propofol, cetamina, etomidato e
tiopental

A biodisponibilidade e o tempo para início dos efeitos são variáveis na


dependência da via de administração (Tabela I), contudo, a depuração e a
meia-vida de eliminação não se alteram de maneira significativa independente
da via de administração, apesar da última estar um pouco aumentada após
administração intravenosa4, 11, 12.
A biodisponibilidade, após administração por ingestão oral, é pequena,
decorrente da extensa taxa de metabolização de primeira passagem intestinal
e hepática, ficando em torno de 40% (20 a 50%); aumenta para 70,5%,
após administração sublingual e para 87% (70 a 100%), após administração
intramuscular (Tabela I)1, 4, 6.

- Metabolismo

O principal local de metabolização do midazolam é o fígado, onde é


submetido aos processos oxidativo (fase 1: hidroxilação) e de conjugação
(fase 2) no nível dos microssomos hepáticos. Decorrente do processo de
oxidação, o midazolam é metabolizado em 1’-hidroxi-midazolam, que
representa aproximadamente 70% do total da dose administrada, e em 4-
hidroxi-midazolam e 1’,4-di-hidroxi-midazolam, que representam apenas 4 a

86
Midazolam

1, 4, 6
Tabela I – Parâmetros farmacocinéticos do midazolam
Via de Administração Venosa Muscular Oral Sublingual
Biodisponibilidade (%) 100 87±13 40±10 74,5
Início de ação (min) 0,5-2 2-25 20-30 5-10
Ligação protéica (%) 94-96 N N N
T1/2α (min) 1,8-5,4 ——- ——- ——-
T1/2β (h) 1,7-2,6 1,1-4,5 N N
T1/2γ (h) 4-15 ——- ——- ——-
Volume de distribuição (l/kg) 1,1-1,7 N N N
Depuração plasmática (ml/kg/min) 6,4-11 N N N
N= não há alteração significativa relacionada à via de administração.

6%. Todos os metabólitos são conjugados ao ácido glucurônico, produzindo


seus respectivos glucuronatos, tendo como via de eliminação final os rins1,
11
.
O midazolam é uma droga classificada como intermediária, em relação
à sua taxa de extração hepática. Diferente do propofol, que possui alta
extração hepática e dependência do fluxo sangüíneo hepático, como
determinante da sua taxa de metabolização, e do tiopental, que possui baixa
extração hepática e dependência, primariamente, da capacidade metabólica
intrínseca pelo complexo enzimático P-450, o midazolam tem sua taxa de
metabolização influenciada pelas três variáveis: fluxo sangüíneo hepático,
capacidade de metabolização intrínseca hepática e fração de ligação às
proteínas2.
O 1’-hidroxi-midazolam possui em torno de 50% da atividade do
midazolam13, podendo contribuir significamente para o seu efeito em algumas
situações específicas (insufuciência renal)14, 15, contudo, por apresentar uma
taxa de depuração maior do que a da droga mãe, não contribui, habitualmente,
para a duração do seu efeito.
O metabolismo do midazolam se dá através do complexo citocromo
P-450 (CYP), tendo como principais enzimas as CYP3A4 e CYP3A5.
Apesar de a CYP3A4 ser a enzima mais abundante e a principal envolvida
na metabolização do midazolam, a CYP3A5 pode responder por 30 a 50%
do processo. Ambas enzimas estão sujeitas à existência de polimorfismo,
apresentando mais de um alelo. Conquanto o polimorfismo para a CYP3A4
não pareça ter um papel importante na sua atividade enzimática, o alelo *3
da CYP3A5 correlaciona-se com redução importante da sua síntese protéica.

87
Anestesia Venosa

Dessa forma, homozigotos CYP3A5*3/*3 apresentam quantidades diminutas


da enzima CYP3A5, em comparação aos heterozigotos CYP3A5*1/*3 ou
aos homozigotos CYP3A5*1/*1. A metabolização e a taxa de depuração
do midazolam apresenta grande variabilidade interindividual, podendo esse
polimorfismo da CYP3A5 responder, parcialmente, por essa inconsistência10-
12, 16-20
.
As enzimas da subfamília CYP3A são amplamente encontradas na
mucosa intestinal, sendo responsáveis pela metabolização do midazolam
neste local. Após administração oral, estima-se que a taxa de extração
intestinal seja de 43±24% e a hepática, de 44±14%. Dessa sorte, o
intestino tem papel semelhante ao fígado, no metabolismo de primeira
passagem do midazolam, respondendo pela sua pequena biodisponibilidade
por essa via, aproximadamente 30%11, 12.
Não obstante a pequena perfusão da mucosa intestinal, estima-se
que, após administração venosa, o intestino responda por 8,2 ± 11,5%
da depuração plasmática do midazolam12.
A farmacociética do midazolam pode ser alterada por: características
antropométricas (idade, sexo, obesidade), estados patológicos (insu-
ficiência hepática ou renal, hipotireoidismo e hipoproteinemia) e interação
com outros fármacos.
Com relação à idade, foram demonstrados um aumento na meia-
vida de eliminação e uma redução na depuração plasmática, esta corrigida
pelo peso, em neonatos. Há, então, um aumento da depuração plasmática
até 2 a 3 anos, quando ela se mostra máxima, e uma diminuição até
aproximadamente aos 16 anos, quando assume os valores encontrados
nos adultos13. Os pacientes geriátricos apresentam uma tendência de
aumento da meia-vida de eliminação e de queda da depuração do
midazolam, contudo, sem atingir diferença significativa em relação aos
adultos jovens, não parecendo estar relacionado às alterações
farmacocinéticas do midazolam, mas sim, a fatores farmacodinâmicos, o
aumento de sensibilidade ao uso deste fármaco nesta população geriátri-
ca 21-23 .
O sexo feminino apresenta discreta queda da depuração e aumento
da meia-vida de eliminação. Esse efeito só se torna mais relevante nos
estados de indução metabólica, como no uso concomitante de rifampicina,

88
Midazolam

quando ocorre indução do metabolismo do midazolam, significativamente


maior em homens do que em mulheres24, 25.
Nos pacientes obesos ocorre aumento do volume de distribuição e da
meia-vida de eliminação, embora a taxa de depuração plasmática permaneça
inalterada. Essas características interferem na estratégia clínica, sendo
necessário o cálculo de uma dose de indução, a partir do peso real, e o
cálculo para infusão contínua, considerando o peso ideal, já que a depuração
não está alterada26, 27 .
Os pacientes com insuficiência hepática apresentam, principalmente,
redução da taxa de extração e aumento da meia-vida de eliminação, sendo
adequado reduzirem-se as doses administradas.
Na insuficiência renal, ocorre redução da ligação protéica, o que pode
contribuir para um aumento da taxa de metabolização do midazolam, pela
maior disponibilidade da droga livre no plasma1,. Contudo, o efeito mais notado
é o acúmulo dos metabólitos, principalmente seu derivado glucoronato do
1’-hidroxi-midazolam, que depende de eliminação renal. Apesar de possuir
apenas 10% da potência do midazolam, estudos demonstraram acúmulo
significativo em pacientes de terapia intensiva, sedados com midazolam em
infusão contínua, necessitando de tempo prolongado de recuperação da
função cognitiva, mesmo quando os níveis plasmáticos do midazolam e do
1’-hidroxi-midazolam já não eram mais detectáveis8, 9, 10, 14.
Nas situações de hipoproteinemia, o aumento da fração livre da droga,
por redução da ligação protéica, justifica o ajuste da dose de indução. Com
relação à taxa de metabolização, na dependência da doença de base
causadora da hipoproteinemia, esta pode estar inalterada, diminuída ou
aumentada1, 2.
Na interação com outros fármacos, no que diz respeito às alterações
farmacocinéticas, ocorre tanto aumento da taxa de metabolização, por
aumento da atividade enzimática do CYP3A, como redução da taxa de
metabolização, através da redução da atividade do CYP3A ou por competição
pelo sítio de metabolização.
A rifampicina, a carbamazepina e a fenitoína promovem ativação
enzimática do CYP3A, aumentam a taxa de extração hepática do midazolam
e promovem redução dos níveis sistêmicos, do seu efeito e da sua duração 10,
24
.
Os antifúngicos (cetoconazol, itriconazol e fluconazol), os antibióticos
macrolídeos (eritromicina e claritromincina), as estatinas (atorvastatina,
lovastatina e simvastatina), nefazodona e o propofol reduzem a atividade

89
Anestesia Venosa

metabólica do CYP3A, aumentam os níveis plasmáticos do midazolam e a


duração do seu efeito10, 28-30. Diferente do diazepam, o midazolam não parece
ter sua metabolização alterada pelos antagonistas do receptor da histamina
do tipo H2 (cimetidina, ranitidina)3. A fluoxetina e a fluvoxamina inibem com
menor intensidade a metabolização pelo CYP3A, e sua importância sobre o
efeito final do midazolam depende da associação de outras variáveis
concomitantes27.
O fentanil promove uma inibição competitiva pelo CYP3A4,
promovendo redução da metabolização e aumento da duração e do efeito
do midazolam. Esse efeito pode ocorrer com outros substratos do CYP3A,
como a ciclosporina, vincristina, terfenadina, astemizol, cisaprida, nifedipina
e felodipina, apesar de nem todos estarem adequadamente documentados
através de publicações científicas31.

Farmacodinâmica

O midazolam exerce seus efeitos sobre o SNC, através da ligação


aos receptores benzodiazepínicos localizados no complexo do receptor do
ácido gama amino-butírico (GABA) do tipo A (GABAA)1, 32, 33.
O GABAA é um receptor integral de membrana, associado a um
canal iônico. É formado por cinco subunidades protéicas homólogas. Sua
organização pentâmera glicoprotéica cria um canal iônico que surge do justo
posicionamento de suas subunidades. Existem 20 subunidades descritas,
divididas em oito famílias: α1 a 6, β1 a 4, γ1 a 3, δ, ε, π, ρ1 a 3 ε ψ (Ver
tabela II e figura 3)34, 35.
O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso
central. Os receptores GABAA estão situados nas membranas dos neurônios
efetores excitatórios. Quando o GABA se liga ao seu receptor, provoca
uma mudança na estrutura tridimensional da molécula do GABAA, promove
a abertura do canal iônico e o aumento da condutância ao cloro. O influxo
de cálcio na célula ocasiona a hiperpolarização celular, secundária ao
aumento, em módulo, da negatividade do potencial de membrana. A
hiperpolarização celular causa uma hiporresponsividade aos estímulos
excitatórios (despolarizantes), constituindo a origem eletrofisiológica do efeito
inibitório sobre o SNC1, 2, 3.
Ao ligar-se ao receptor benzodiazepínico, o midazolam promove o
aumento na freqüência de abertura do canal iônico a uma mesma concentração
de GABA, potencializando seu efeito inibitório e aumentando o período refratário

90
Midazolam

da membrana celular a um novo potencial de ação, através do aumento da


condutância ao âníon cloro. O midazolam depende da presença do
neurotransmissor inibitório GABA para desencadeamento dos seus efeitos
depressores sobre o SNC, não promovendo a abertura direta do canal de
cloro, diferente do mecanismo de interação dos barbitúricos, que não só
promovem a abertura direta dos canais de cloro, independente da presença de
GABA, como aumentam a duração de abertura dos canais, em altas
concentrações, permitindo grande e continuado influxo de íon cloro. O meca-
nismo de atuação farmacodinâmica dos benzodiazepínicos é o responsável
pelo seu efeito teto sobre a depressão do SNC e sua relativa segurança,
dificilmente levando à apnéia permanente e óbito, em indivíduos jovens e sadios,
mesmo em doses elevadas1. Contudo, essa segurança pode não existir em
algumas situações, que merecem cuidado especial: 1) nos pacientes geriátricos;
2) nos pacientes obesos mórbidos; 3) naqueles muito debilitados (estado físico
ASA P3 a P5); 4) portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
ou de apnéia obstrutiva do sono; e 5) na associação farmacológica com outros
medicamentos depressores do SNC (álcool, barbitúricos, opióides)1–3, 25–30.
Embora o principal mecanismo de ação do benzodiazepínico, e o mais
extensamente estudado seja aquele mediado por sua ligação ao seu receptor
no complexo GABAA, outros mecanismos são propostos para explicar sua
ação depressora sobre o SNC: 1) diminuição da captação de adenosina,
potencializando seus efeitos inibitórios; 2) diminuição do influxo de cálcio e da
neurotransmissão, extrusão das vesículas dependentes de cálcio, e 3) inibição
dos canais de sódio sensíveis à tetrodotoxina1, 36,.
Há muita controvérsia, ainda, sobre a real disposição espacial das
estruturas que compõem o receptor benzodiazepínico, contudo, a teoria mais
atual propõe que o nicho de ligação para essa classe de droga seja formado
a partir da interação das subunidades alfa e gama do receptor GABAA
(figura 3). Trabalhos que corroboram com esta proposição demonstram que
a subunidade gama é essencial para a modulação do receptor GABAA pelos
benzodiazepínicos, já que, nesses estudos in vitro, receptores formados
apenas a partir de subunidades alfa e beta possuíam resposta normal ao
GABA sem, contudo, terem sua ação modulada pelos benzodiazepínicos 1,
31–35
. Entretanto, a subunidade alfa é responsável pela especificidade de
ligação do benzodiazepínico ao seu receptor; a subunidade alfa6, por exemplo,
parece estar relacionada à ansiólise proporcionada pelo midazolam, conquanto
receptores GABAA, contendo esse tipo de subunidade, apresentam perda
da afinidade de ligação pelo diazepam32, 37 .

91
Anestesia Venosa

As diversas combinações possíveis na formação pentâmera do


receptor GABAA (Tabela II), como estudado em ratos, e sua distribuição
diferenciada nas diversas áreas do SNC, podem correlacionar-se com as
diferenças farmacodinâmicas encontradas entre os diversos
benzodiazepínicos, fruto da especificidade de cada droga à determinada
subunidade. A composição mais abundante do complexo do receptor GABAA
é: alfa1-beta2-gama2. Um mesmo receptor GABAA pode ser formado por
diferentes subunidades alfa ou gama mas, habitualmente, por apenas uma
mesma subunidade beta.

Figura 3 – Modelo esquemático da composição do receptor GABAA e


sua inserção na membrana plasmática. Observe sua composição mais
freqüente: duas subunidades alfa1, duas subunidades beta2 e uma gama3,
formando em seu interior o canal iônico permeável ao cloro. Encontram-
se representadas, em vermelho, as localizações prováveis de ligação para
o GABA e os benzodiazepínicos

O efeito clínico desencadeado com administração dos


benzodiazepínicos correlaciona-se com a taxa de ocupação do receptor
pelo agonista. Quando a taxa de ocupação é inferior a 20%, ocorre ansiólise;
entre 30% e 50%, a resposta obtida é a sedação, e, em taxas de ocupação
acima de 60%, verifica-se hipnose38.

92
Midazolam

Tabela II – Principais tipos de receptores GABA e sua distribuição.


A

Subtipo do Presença relativa


Localização
receptor (%) no SNC do rato

α 1β2 γ 2 43 Em todas as áreas cerebrais.


Interneurônios do hipocampo e córtex e
células de Purkinje.
α 2 β 2/3γ 2 18 Células piramidais do hipocampo e
medula espinhal.
α 3β nγ 2/γ 3 17 Neurônios colinérgicos e
monoaminérgicos.
α 2βn γ 1 8 Glia de Bergman e sistema límbico.
α 5β 3γ 2/γ 3 4 Células piramidais do hipocampo.
α 6 βγ 2 2 Células cerebelares.
α6βδ 2 Células cerebelares.
α4βδ 3 Giro dentado do hipocampo e tálamo.

Tabela III – Correlação entre concentração plasmática e


efeito do midazolam
Efeito Desperto Sedado Hipnose

Concentração Plasmática (ng/ml-1) < 50 50-100 100-200

O uso freqüente ou continuado dos benzodiazepínicos conduz ao


desenvolvimento de tolerância, ou seja, o organismo passa a necessitar da
administração de doses cada vez maiores para manter a mesma intensidade
de efeito. O mecanismo exato através do qual a tolerância se desenvolve
ainda é fruto de pesquisa, contudo, tanto a redução do número de receptores
GABAA (“down regulation”), como a diminuição da eficiência no seu
acoplamento, relação entre a ligação do benzodiazepínico ao seu receptor e
o aumento de condutância ao íon cloro, são propostos como possíveis39, 40.
A suspensão do benzodiazepínico após seu uso prolongado pode
motivar sintomas de abstinência, caracterizados por ansiedade e insônia.
Após um período variável dessa suspensão, também por um mecanismo de
facilitação da atividade GABAérgica, aumento do número de receptores
disponíveis (“up regulation”) ou da sua sensibilidade à ligação pelo agonista,

93
Anestesia Venosa

pode ocorrer resposta exagerada à posologia previamente utilizada. Os


mecanismos de tolerância e abstinência são a exemplificação dos processos
farmacológicos associados ao desenvolvimento de dependência química aos
benzodiazepínicos, que podem ocorrer a partir de duas semanas de uso
regular3, 10, 39.
O midazolam é desprovido de efeito analgésico, por via sistêmica,
mas vários estudos têm demonstrado um papel no seu uso pela via
subaracnóidea ou peridural. O substrato farmacológico para essa aplicação
do midazolam é a ativação dos receptores GABA A presentes em
interneurônios medulares na substância gelatinosa, promovendo a
hiperpolarização dos neurônios sensitivos de segunda ordem e a redução da
passagem de potenciais secundários aos estímulos nociceptivos41-46.

- Ação sobre o SNC

O midazolam causa redução do fluxo sangüíneo cerebral (FSC), do


consumo cerebral de oxigênio (CMRO2), mantendo normal a relação entre
FSC e CMRO2, e da pressão intracraniana (PIC). A redução no FSC pode
chegar a 34% com uma dose de 0,15 mg.kg-1, 10.
Como os demais benzodiazepínicos, aumenta o limiar convulsivo para
intoxicação com anestésicos locais, apresentando, pois, efeito protetor. Seu
papel sobre a excitabilidade do SNC faz dele uma medicação anticon-
vulsivante, podendo ser utilizado, inclusive, por via intramuscular, para inter-
romper as crises47.
O uso do midazolam como pré-medicação está associado ao
desenvolvimento de hipotermia no peri-operatório, principalmente em idosos.
Esse efeito é secundário às alterações no centro termorregulador
hipotalâmico e à redução da vasoconstrição cutânea reflexa ao frio48.

- Ação sobre o aparelho cardiovascular

Os benzodiazepínicos não causam, habitualmente, grandes


repercussões hemodinâmicas, sendo a mais consistente uma redução da
resistência vascular sistêmica. A redução da pressão arterial com o
midazolam é mais intensa do que com os demais benzodiazepínicos, sendo
similar àquela causada pelo tiopental. O midazolam possui efeito inotrópico
negativo, cuja intensidade possui correlação com a dose administrada, e
está associado à sua ação sobre os canais de cálcio do tipo L. Esse efeito já

94
Midazolam

foi demonstrado em humanos e em modelos animais, sendo discreto em


pacientes hígidos, e pronunciado nos pacientes hipovolêmicos ou gravemente
enfermos10, 49, 50. A associação de midazolam e fentanil produz efeito
sinérgico na depressão sobre o aparelho cardiovascular, podendo causar
hipotensões severas51.

- Ação sobre o sistema respiratório

O midazolam causa depressão respiratória central, acarretando


diminuição do volume corrente e da ventilação minuto. Após indução
anestésica, com dose de 0,15mg.kg -1 , a incidência de apnéia é de
aproximadamente 20% e a elevação no CO2, ao final da expiração (CO2ET),
é em torno de 15%. A depressão respiratória é pronunciada em pacientes
geriátricos, com doença pulmonar obstrutiva crônica ou com enfermidades
graves (ASA III a V). A atuação do midazolam sobre os quimiorreceptores
parece reduzir, de maneira mais importante, a resposta ventilatória à hipóxia
1, 52
. Essa redução permite um efeito sinérgico da ação depressora respi-
ratória, quando da associação com opióides7, 53.

Uso Clínico

As principais indicações clínicas para o uso do midazolam, em anes-


tesiologia, são: a ansiólise, a sedação e a hipnose. Esses três efeitos se
manifestam na dependência da dose administrada, havendo grande
variabilidade interindividual. Assim, para um indivíduo, uma determinada
dose pode ser apenas ansiolítica, enquanto, para outro, a mesma dose pode
causar hipnose ou, até, depressão respiratória. Essa característica faz com
que a melhor forma de administração do midazolam seja através da titulação
em etapas, até alcançar o efeito desejado. Lembrar que em alguns pacientes,
como: geriátricos, naqueles com estado físico ASA III a V e hepatopatas,
haverá necessidade de redução da posologia e maior cuidado de obser-
vação15, 21-23.
O midazolam, por seus efeitos ansiolítico e amnésico, tem enorme
aplicação como medicação pré-anestésica. Proporciona ao paciente
tranqüilidade, diminuição das manifestações sistêmicas secundárias ao
estresse (taquicardia, hipertensão arterial, aumento do consumo miocárdico
de oxigênio), redução da incidência de náusea e vômito pós-operatórios e
melhor satisfação global com o procedimento. O efeito amnésico, evitando

95
Anestesia Venosa

o registro das situações como: o tempo de espera até o início do procedimento,


o transporte até o centro cirúrgico e as rotinas hospitalares como a
monitorização e a venóclise, contribui de forma determinante para a
satisfação do paciente, evitando memórias desagradáveis que possam agir
negativamente em futuras abordagens médico-cirúrgicas54. Habitualmente,
é conseguido por utilização, em adultos hígidos, da dose de 0,1mg.kg -1, por
via oral, 30 a 60 minutos antes do início do procedimento. A administração
por via sublingual está relacionada a maior biodisponibilidade da droga,
levando, freqüentemente, aos níveis de sedação mais intensos.
A sedação constitui em outra aplicação do uso do midazolam. O
efeito sedativo, com pacientes apresentando graus de sedação de três a
cinco na escala de Ramsay, está habitualmente indicado no período ime-
diatamente anterior à indução anestésica, durante procedimentos diagnósticos
realizados sob sedação (endoscopia digestiva alta, exames radiológicos) ou
durante procedimentos cirúrgicos realizados com anestesia locorregional e
sedação. Doses tituladas de 2mg (0,03 a 0,1mg.kg -1), por via venosa, são
adequadas. É importante aguardar de 2 a 3 minutos entre as doses, tempo
necessário à observação do efeito (histerese). Nos casos necessários, pode-
se administrar o midazolam por via intramuscular, em doses de 0,07 a
0,1mg.kg-1. A sedação contínua pode ser obtida pelo uso de infusão contínua
de 0,03 a 0,1 mg.kg-1 .h-110.
Cabe ressaltar que é cada vez mais freqüente o pedido para
realização de sedação em pacientes, para pequenos procedimentos,
em locais remotos ao centro cirúrgico ou mesmo em consultórios
médicos. Em todos os casos, devem ser observados os limites técnicos
relacionados ao nível desejado de sedação e às condições física e
material do local onde o procedimento vai ser realizado, bem como os
critérios para alta e encaminhamento do paciente ao domicílio Brasil,
mantendo-se fiel às resoluções 1.409/199455 e 1670/2003 56 do Conselho
Federal de Medicina. A sedação é um processo contínuo de depressão
do nível de consciência, podendo evoluir de um estágio ao outro, de
forma inesperada e imprevisível, sendo responsabilidade do aneste-
siologista o conhecimento dessa imprevisibilidade e a adequação do
meio a qualquer intempérie56.
Nos eventos diagnósticos ou naqueles cirúrgicos realizados sob
anestesia local ou regional, em que o agente sedativo principal é o propofol,
o uso de pequenas doses de midazolam (< 5mg) acelera a perda de
consciência, sem alterar o tempo de despertar57.

96
Midazolam

Naqueles procedimentos sob anestesia local ou regional, o uso do


midazolam está relacionado ao aumento do limiar convulsivo durante
intoxicação sistêmica por anestésico local, constituindo um fator pro-
tetor3,4. A adequada titulação da droga e a suplementação de oxigênio
são essenciais, já que a hipóxia e a acidose, decorrentes de eventual
depressão respiratória, são fatores agravantes da toxicidade por anes-
tésicos locais. O midazolam pode ocasionar inibição da metabolização
da lidocaína, dessa forma, concorrendo para níveis sistêmicos mais
elevados e maior risco de manifestações tóxicas 58. Entretanto, alguns
autores discordam desse efeito, tendo encontrado resultados confli-
tantes 59 .
O midazolam pode, ainda, ser usado como agente indutor (hipnótico),
mas habitualmente é preterido pelo propofol, etomidato ou tiopental. Essas
medicações proporcionam maior rapidez de início de ação e menor duração
de efeito, quando comparadas ao midazolam. A dose de indução é de 0,15
a 0,4mg.kg-1.
O midazolam é muito usado para sedação de pacientes sob
ventilação mecânica, em ambiente de terapia intensiva. Doses de infusão
de 0,03 a 0,2mg.kg-1.h-1 são utilizadas, precedidas ou não de dose de
ataque, na dependência da gravidade do paciente, não sendo administrada
naqueles com maior instabilidade hemodinâmica7-9. Apesar do midazolam
possuir boa estabilidade hemodinâmica, sua associação com fentanil está
correlacionada à potente depressão cardiovascular, devendo ser titulada
com cautela7. A meia-vida sensível ao contexto do midazolam, única
entre os benzodiazepínicos, porém inferior ao propofol, etomidato e
cetamina, é favorável ao seu uso, em infusão contínua. Contudo, após
infusões muito prolongadas, além de 24 horas, podem ser necessárias
até 20h para o paciente despertar (redução de 80% na concentração
plasmática, após 24h em nível profundo de sedação: Ramsay 5 ou 6)8.
Nas infusões muito prolongadas, pode haver participação do 1’OH-
midazolam no efeito sedativo do midazolam, bem como pode ocorrer
seu acúmulo e do seu sal glucoronato de 1’OH-midazolam, nos pacientes
com insuficiência renal, prolongando, em muito, o tempo de despertar,
mesmo após os níveis plasmáticos do midazolam já não serem mais
mensuráveis 14. Estudos comparativos sobre a sedação de pacientes
mecanicamente ventilados, em ambiente de terapia intensiva, demonstram
que, para períodos menores de 48 horas de sedação, o propofol seria
superior ao midazolam60, 61.

97
Anestesia Venosa

- Idosos

É importante lembrar que, em pacientes geriátricos, deve-se


administrar doses reduzidas (Tabela IV) e de forma titulada, mantendo
observação direta pelo risco de sobredose e depressão respiratória. Essa
maior suscetibilidade é decorrente da maior sensibilidade farmacodinâmica
dos pacientes geriátricos ao midazolam. Esse efeito é potencializado por
características farmacocinéticas como: a redução do volume de distribuição,
a redução da taxa de depuração plasmática e a redução da ligação às
proteínas plasmáticas, que disponibilizam maior concentração da fração livre
da droga no plasma e, portanto, capazes de ação mais intensa sobre o sítio
efetor62.

- Crianças

A sedação em anestesia pediátrica é ponto fundamental da assistência,


consistindo em terapêutica crucial à redução da ansiedade ao ambiente
inóspito e do medo do afastamento dos pais, fatores de estresse importante,
nas crianças. Associados ao medo, seguem-se o choro, a hipersecreção, a
hiper-reatividade das vias aéreas e o vômito, todos eventos indesejáveis. A
sedação propicia uma criança mais colaborativa, um ambiente de trabalho
mais harmonioso, maior capacidade de ajuda por parte dos pais e maior
satisfação destes6. Contudo, os pacientes pediátricos merecem algumas
considerações especiais para ajuste adequado da posologia e escolha da
via de administração do midazolam6.
Cuidado adicional deve ser tomado com as crianças menores de seis
meses, principalmente neonatos e prematuros, pois há características
farmacocinéticas desfavoráveis e os efeitos depressores sobre a ventilação
podem ser imprevisíveis. Essas crianças só devem receber pré-medicação
em ambiente cirúrgico e sob vigilância direta do anestesiologista. Os neonatos
e prematuros estão ainda sujeitos à hipotonia, hipotermia e hipoglicemia
secundárias ao uso do midazolam3.
Afora essa faixa etária, em geral, os pacientes pediátricos necessitam
de doses proporcionalmente maiores do que os adultos, para observação
dos efeitos sedativos desejados.
A sedação dos pacientes pediátricos pode ser conseguida através de
inúmeras vias de administração: oral, mucosa oral, mucosa nasal, retal,
intramuscular e venosa6, 13, 63, 64. As vias orais são as mais utilizadas em

98
Midazolam

nosso meio. Quando um acesso vascular já está disponível, a via venosa


também é utilizada. A via nasal, apesar de não muito utilizada, constitui
excelente alternativa à via oral. A via intramuscular é pouco aceita para
este fim, restringindo seu uso em associação com cetamina ou à utilização
do midazolam como agente anticonvulsivante, em pacientes sem acesso
vascular. A via retal não faz parte da nossa cultura social e médica, não
sendo, pois, considerada.
Para administração por via oral, existe uma formulação em xarope,
que é comercializada em nosso meio com sabor “morango”, de mais fácil
aceitação pelas crianças. Proporciona adequada sedação, tornando as
crianças mais cooperativas para com a indução inalatória. A dose habitual
-1
é de 0,5mg.kg .
Para as vias sublingual ou nasal, utiliza-se a apresentação comercial
injetável (5mg.ml-1), podendo ser diluída para 1mg.ml-1 em soro fisiológico,
em glicose ou suco, quando para uso oral, para torná-la mais palatável. A
dose habitual é de 0,2mg.kg-1 e o início de ação é rápido. A via nasal está
relacionada à menor aceitação pela criança, caracterizada por choro e
agitação, secundários à ardência e à maior incidência de vômito, por ser
menos palatável do que o xarope utilizado por via oral6, 63.
A administração por via intramuscular tem o inconveniente da dor à
injeção, mas pode ser a única alternativa, na criança avessa às outras
abordagens. A associação do midazolam com a cetamina, pela via muscular,
pode ser uma alternativa para indução anestésica.
O midazolam pode ser titulado por via venosa, para sedação em
crianças maiores submetidas aos procedimentos cirúrgicos sob anestesia
geral, mas raramente é utilizado para indução anestésica.
Na sedação dos pacientes pediátricos sob ventilação mecânica, em
terapia intensiva, o midazolam é o agente de escolha, já que o propofol está
relacionado a casos fatais por septicemia65.

- Gestação e Lactação

Os estudos em animais (coelhos e ratos) não evidenciaram


teratogenicidade com o uso do midazolam, em grávidas. Todavia, não
existem estudos em humanos no 1º e 2º trimestres da gestação, tornando
seu uso desaconselhável. Há relatos da associação entre o uso de diazepam
no 1º. trimestre e o nascimento de crinças com lábio leporino e fenda
palatina66.

99
Anestesia Venosa

É consenso a não utilização do midazolam durante o trabalho de parto


ou cirurgia cesariana, pela possibilidade de depressão neurológica no recém-
nascido, com depressão respiratória, hipotonia, hipotermia e hipoglicemia.
Contudo, estudo avaliando sua utilização por via oral, na dose de 15mg, ou
por via intramuscular, na dose de 0,05mg.kg-1, trinta minutos antes da
realização de cesariana, não evidenciou níveis plasmáticos no sangue materno,
no sangue venoso ou arterial do cordão umbilical, nem alterações
psicomotoras no recém-nascido que pudessem ser atribuídas ao
midazolam67,68. Ao contrário, o uso do midazolam como agente indutor, em
doses de 0,2 a 0,3mg.kg-1, resultou em complicações neonatais, relacionadas
à depressão do SNC, não devendo ser utilizado como agente hipnótico para
indução de anestesiageral, em cesariana 69-71.
O midazolam é excretado no leite materno, sendo um fator de
preocupação para anestesiologistas e neonatologistas o risco potencial da
ingestão pelo recém-nascido. Embora alguns trabalhos demonstrem ser
mínima a exposição, quando os neonatos são amamentados após 6 horas da
ingestão de midazolam pela mãe, a Academia Americana de Pediatria
considera seu uso como de risco potencial. Há risco adicional em neonatos
prematuros, naqueles com história de apnéia ou com história de morte súbita
na família65.

Tabela IV – Principais regimes posológicos para o midazolam


Paciente Objetivo Dose de Midazolam Via de Administração
(mg.kg-1)
Adulto Sedação 0,07-0,1 (7,5-15mg) Oral, Sublingual
0,07-0,1 Intramuscular
0,03-0,1 Venosa
Sedação contínua 0,03-0,1 (por hora) Venosa
Indução 0,15-0,4 Venosa
0,07-0,1 (7,5mg) Oral, Sublingual
Geriátrico Sedação 0,025-0,05 Intramuscular
ASA III-V 0,02-0,07 Venosa
Indução 0,1-0,2 Venosa
0,5-0,75 Oral
Pediátrico 0,2 Sublingual, nasal
Sedação 0,08-0,2 Intramuscular
0,4-0,75 Retal
0,05-0,15 Venosa
Sedação contínua 0,06-0,12 (por hora) Venosa

100
Midazolam

Patologias Associadas

- Hepática

No paciente portador de patologia hepática, ocorre redução da taxa


de metabolização do midazolam, prolongando sua meia-vida e sua duração
de efeito. Há necessidade de ajuste posológico, utilizando-se menores doses
do midazolam e fazendo doses tituladas até o efeito desejado. Nos pacientes
com insuficiência hepática moderada a grave, o midazolam pode des-
mascarar ou agravar a encefalopatia, induzir ao coma medicamentoso ou à
parada respiratória.

- Renal

O paciente com insuficiência renal apresenta redução da fração de


ligação do midazolam às proteínas, aumento do seu volume de distribuição
e de sua metabolização à 1’OH-midazolam. Contudo, a eliminação renal
do 1’OH-midazolam e do glucoronato de 1’OH midazolam está reduzida,
proporcionando prolongamento do efeito sedativo, principalmente após
infusões prolongadas14.

- Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica – DPOC

Os paciente com DPOC são mais suscetíveis à depressão respiratória


pelo midazolam, apresentando menor perfil de segurança. Esses pacientes
já apresentam resposta ventilatória à hipercapnia alterada, facilmente
desenvolvendo apnéia, quando têm comprometida sua resposta ventilatória
à hipóxia deteriorada pelo uso do midazolam27, 52.

- Obesidade mórbida

Os pacientes com índice de massa corporal (IMC) superior a 30


apresentam, com maior facilidade, eventos apneicos e obstrutivos, após
sedação com benzodiazepínicos. Como o midazolam apresenta efeito
hipnótico mais pronunciado, torna-se, particularmente, menos seguro26, 27.
Alguns pacientes com IMC maiores (maior de 40) podem já não tolerar o
decúbito dorsal a zero grau, ou mesmo, apresentarem patologias cardíacas

101
Anestesia Venosa

e respiratórias que, eventualmente, se agravem com a sedação e a hipo-


ventilação causadas pelo midazolam. Esses pacientes podem se beneficiar
da abstenção do uso do midazolam ou de outros sedativos no pré-operatório.

- Apnéia Obstrutiva do Sono

Todos os pacientes com história de distúrbios ventilatórios relacionados


ao sono, em especial os geriátricos, obesos ou portadores de DPOC, devem
ser pré-medicados apenas sob supervisão direta no centro cirúrgico.

- Hipotireoidismo

Há relatos na literatura de prolongamento dos efeitos sedativos do


midazolam, em pacientes com hipotiroidismo não compensado. Esse
prolongamento do efeito parece ser secundário à redução da metabolização
pelo complexo CYP3A, pelos níveis diminuídos de T4 livre ou pelos níveis
elevados de TSH72.

Efeitos adversos e complicações do uso

Os efeitos adversos mais comuns com o uso do midazolam estão


associados à depressão respiratória e suas complicações. Efeitos
cardiovasculares são, habitualmente, de menor importância. Contudo, podem
ocorrer repercuções maiores em casos específicos, secundariamente aos
eventos ventilatórios (hipoventilação levando à hipóxia, aumento de
hipertensão pulmonar pré-existente e cor pulmonale) ou na associação
com opióides, em pacientes criticamente enfermos.

- Tolerância

O uso contínuo ou repetido do midazolam está associado ao


desenvolvimento de tolerância, que se caracteriza pela necessidade de
maiores quantidades da droga, para manter o efeito desejado. A redução
na taxa de ligação e na resposta dos receptores benzodiazepínicos e GABAA
parecem ser os mecanismos relacionados à tolerância. Ajustes freqüentes
nas velocidades de infusão são necessários, para manter o mesmo nível de
sedação, nos pacientes sedados no CTI7.

102
Midazolam

Após a interrupção do uso contínuo do midazolam, verifica-se aumento


da sensibilidade dos receptores, podendo ocorrer exacerbação dos seus
efeitos, caso seja reutilizado logo após pequeno período de tempo da sua
suspensão.

- Dependência e Abstinência

A dependência química compreende a falta relativa de uma droga


para o equilíbrio das funções orgânicas, após período de tempo de uso
suficiente para suscitá-la. Após a ocorrência da dependência, a retirada da
droga pode ocasionar a síndrome de abstinência, onde os sintomas
relacionados à sua indicação clínica (no caso, ansiedade ou insônia) ou
outros relacionados à liberação dos sistemas excitatórios do SNC,
cronicamente inibidos pelo midazolam, podem concorrer para sintomatologia.
No caso do midazolam, a suspensão abrupta do seu uso pode correlacionar-
se com ansiedade, síndrome do pânico, insônia, diarréia e tremores.
Habitualmente, duração de tratamento superior a duas semanas são
necessárias para desenvolvimento de dependência, sendo aconselhada a
redução gradual da posologia, nos pacientes tratados por longos períodos
com midazolam7, 73.

Controvérsia

Vários estudos têm sido publicados sobre o uso do midazolam por via
subaracnóidea, como adjuvantes para analgesia pós-operatória ou analgesia
para o parto. Dois estudos publicados recentemente por Tucker et al44, 45
avaliaram a eficácia e segurança do midazolam por via intratecal. Um deles
avaliou o midazolam em associação com anestésico local e fentanil, em
estudo prospectivo com 1100 pacientes, dos quais 547 receberam midazolam
2mg subaracnóideo. O midazolam aumentou a duração do bloqueio motor e
sensitivo, bem como o tempo até a primeira solicitação de analgésicos e o
consumo total de analgésicos no pós-operatório. Não foi constatada a adição
de qualquer efeito colateral pela associação do midazolam, comparado ao
grupo que não o recebeu45. O outro estudo avaliou 60 pacientes em trabalho
de parto com analgesia espinhal, utilizando midazolam 2mg, fentanil 10µg
ou a associação de ambos. O midazolam potencializou a analgesia
proporcionada pelo fentanil, sem adicionar efeitos adversos44.

103
Anestesia Venosa

Apesar dos resultados interessantes observados e da aparente


segurança na utilização do midazolam, sem preservativos, por via
subaracnóidea, a submissão desses trabalhos motivou a redação de dois
editoriais e um artigo especial, por parte da revista, nos quais e os editores
se mostram extremamente preocupados com a falta de evidências de peso,
a partir de trabalhos sobre toxicidade em animais, que justifiquem os estudos
clínicos publicados, à luz dos conceitos éticos atuais41, 42, 43.
O ponto é que os dados em modelos animais são conflitantes; há
estudos em coelhos, demonstrando neurotoxidade74, 75, e estudos em ratos,
ovelhas e porcos, evidenciando segurança76, 77. O estudo em ovelhas e porcos,
de Johansen et al foi publicado ao mesmo tempo e na mesma revista que os
trabalhos de Tucker et al., não tendo sido utilizado pelo grupo do Tucker
como informação de segurança para nortear seus estudos.
Até o momento, o uso do midazolam em raquianestesia tem de ser
considerado, exclusivamente, experimental. A licença concedida pelo
Ministério da Saúde não prevê a utilização por via subaracnóidea, tornando
qualquer uso por essa via como de caráter experimental, devendo se
enquadrar às normas éticas previstas pela Resolução 251 de 1997, do
Conselho Nacional de Saúde, sobre “Pesquisas com Novos Fármacos” que,
entre outras coisas, prevê a documentação consolidada de dados
experimentais até a fase anterior de pesquisa que se pretende-se realizar78.

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109
Cetamina

Cetamina
Kleber Machareth de Souza*
Ronaldo Contreiras de Oliveira Vinagre**

Introdução

Cetamina ou Cloridrato de Cetamina é um anestésico dissociativo,


não barbitúrico, de ação rápida, que é utilizado tanto para anestesias em
seres humanos quanto em animais. O seu uso em seres humanos vai desde
a utilização pediátrica, em adultos, passando pela anestesia odontológica e
pela psicoterapia experimental.
A Cetamina produz um efeito dissociativo, que pode causar desde
sintomas semelhantes à paranóia até a depressão. O uso como droga recre-
ativa ou experimental, na psiquiatria, pode levar a efeitos alucinógenos e a
alterações da percepção, estando relatadas freqüentemente sensações de
“fora do próprio corpo” ou “sensações de morte iminente”.
Possui uma molécula semelhante à da fenciclidina, sintetizada no
final da década de 50 por Maddox, sendo introduzida na prática clínica em
1958-1959 por Greifenstein e Johnstone. O fármaco apresentava elevada
incidência de efeitos colaterais psicomiméticos, no período pós-anestésico
imediato.

* Professor Colaborador de Anestesiologia na Faculdade de Medicina da Universidade Federal


de Mato Grosso do Sul - Campo Grande / MS
Título de Habilitação em Dor – SBA/AMB
** Co-responsável pelo CET/SBA - Bento Gonçalves – HUCFF/UFRJ
Diretor Científico da SAERJ

111
Anestesia Venosa

A ciclohexamina, um congênere da fenciclidina, foi utilizada clinica-


mente em 1959 por Lear, caindo rapidamente no ostracismo, pois apresen-
tava menor poder analgésico e maior incidência de efeitos colaterais
psicomiméticos em relação à fenciclidina.
A cetamina foi sintetizada por Calvin Stevens, em 1962, no Laborató-
rio Park Davis, sendo denominada inicialmente de “C1-581”. Como outras
substâncias utilizadas na anestesiologia, a Cetamina inicialmente teve um
emprego recreativo. Após observações realizadas em 19651 por Domino,
Chidiff e Corssen, de que também produzia analgesia, com publicação de
artigo publicado no mesmo ano, teve seu emprego clínico.
Em 1970 teve sua utilização clínica aprovada nos Estados Unidos
pelo Food And Drugs Administration (FDA) para uso em seres humanos.
Logo após sua introdução no mercado, tornou-se rapidamente difundida, em
especial, devido ao apelo de se tratar de um fármaco dotado de caracterís-
ticas monoanestésicas. No entanto, seus efeitos colaterais, em especial os
psicomiméticos, acabaram por se tornar um fator limitante ao emprego clí-
nico em larga escala. (Figura 1) A cetamina é considerada como a primeira
droga desenhada e utilizada em larga escala para utilização em anestesia
venosa total.

ESTRUTURA QUÍMICA - A cetamina, um derivado fenciclidínico, é uma


arilciclohexamina que apresenta um núcleo quiral originando dois isômeros
ópticos. Possui elevada lipossolubilidade, sendo também solúvel em água,
apresentando pKa de 7,5. (1)

112
Cetamina

FARMACOCINÉTICA

A cetamina é um composto hidrossolúvel, não requerendo solventes


adicionais, formulada como ácido leve (pH 3,5-5,5), com pKa de 7,5, alta
lipossolubilidade, aproximadamente 10 vezes a do tiopental, baixo peso
molecular e média ligação proteica, sendo extensamente metabolizada no
fígado pelo sistema enzimático microssomial P450. Devido a essa alta
lipossolubilidade, possui rápido início de ação, oferecendo hipnose e
analgesia.
A sua molécula é uma mistura racêmica na proporção 1:1, que possui
um centro quiral, oferecendo duas moléculas isoméricas: um isômero levogiro,
a cetamina S(+) e um isômero dextrogiro, a cetamina R(-). O isômero S(+)
da cetamina possui potência analgésica e anestésica superiores às do isômero
R(-) e a própria mistura racêmica, a despeito de possuir perfil farmacocinético
e farmacodinâmico semelhantes a ambos. De maneira geral, é utilizado o
cloreto de benzetônio como conservante, tanto para a mistura racêmica,
como nas apresentações recentes do isômero S(+), já apresentado para uso
em distribuição comercial.
Após sua administração venosa, a cetamina apresenta fase α, com
duração de 45 minutos, meia vida plasmática de 10 a 15 minutos e fase β de
2,5 horas. O término de seu efeito clínico ocorre mediante sua redistribuição,
partindo SNC para os tecidos periféricos e por meio da biotransformação
hepática do metabólito I (norcetamina).
A cetamina é extensamente metabolizada pelo fígado, utilizando a via
microssomial enzimática do citocromo P-450, tendo como primeiro metabólito
a norcetamina, que apresenta de 1/3 a 1/5 da potência original da cetamina.
Sua biotransformação inclui N-dealquilação (metabólito I), hidroxilação do
anel ciclohexanona – (metabólito III e IV), conjugação com ácido glicurônico
e dehidratação dos metabólitos hidroxilados, formando os derivados
ciclohexenos – (metabólito II - dehidronorcetamina).
-1
Possui um alto índice de “clearance” hepático (1 l.min ), como tam-
-1
bém um alto volume de distribuição (3. l.kg ), resultando em uma meia-vida
de eliminação em torno de 2 a 3 horas. A norcetamina, principal metabólito,
por sua vez, sofre hidroxilação e glicuronização, sendo seus metabólitos
excretados pelas vias biliar (5%) e renal (90%). Apenas 4% da cetamina
são excretados por via renal de forma inalterada2. Portanto, uma possível
inadequação na eliminação renal tem pouco efeito cumulativo da cetamina
no organismo humano.

113
Anestesia Venosa

FARMACODINÂMICA

A neurofarmacologia da cetamina é complexa; com o fármaco apre-


sentando mecanismos de ação multimodais3:
1. bloqueia de forma não competitiva os receptores NMDA;
2. bloqueia de forma não competitiva os receptores não-
NMDA próprios ao glutamato;
3. interage com receptores opióides µ e κ em nível espinhal, e µ,
em nível supra-espinal;
4. bloqueia receptores colinérgicos muscarínicos e nicotínicos;
5. interage com receptores monoaminérgicos, ativando as vias des-
cendentes monoaminérgicas e serotoninérgicas inibitórias do pro-
cesso nociceptivo;
6. apresenta ação anestésico-local símile, bloqueando os canais de
sódio voltagem dependente na fibra neuronal.

A cetamina produz depressão dose-dependente do sistema nervoso cen-


tral, levando ao estado conhecido como “anestesia dissociativa”, caracterizada
por analgesia profunda e amnésia, apesar de que, com doses baixas, alguns
pacientes podem estar conscientes e manterem reflexos ativos. O mecanismo
proposto para o estado de catalepsia, encontrado na maioria dos pacientes, seria
a inibição de vias talamocorticais e estimulação do sistema límbico. É usada
mais freqüentemente pela via venosa, apesar de também ser utilizada pela via
nasal, oral ou retal. É utilizada como pré-medicação, principalmente em crian-
ças, e ainda como sedação, em pequenos procedimentos associados à anestesia
local. Após pré-medicação com benzodiazepínico, pode ser utilizada como dro-
-1
ga única indutora de anestesia geral, nas doses de 1 a 3 mg.kg , por via venosa,
-1
ou de 4 a 8 mg.kg , quando injetada por via intramuscular. Uma vez administra-
da em dose terapêutica única, leva à inconsciência em aproximadamente dois
minutos, quando utilizada a via venosa, e em quatro minutos, quando é aplicada
por via intramuscular. Quando introduzida pela via nasal, a cetamina pode levar
de 5 a 15 minutos para apresentar seus efeitos, enquanto pela via oral ou retal o
tempo pode variar de 10 a 25 minutos. A cetamina apresenta ação anestésica
caracterizada por fenômenos dissociativos, pela amnésia e por analgesia. Tanto
os fenômenos dissociativos, psicomiméticos como os efeitos amnésicos e anal-
gésicos são dose-dependente2. Os efeitos psíquicos podem ser atenuados ou
mesmo eliminados com a utilização simultânea de benzodiazepínicos, barbitúricos
e propofol.

114
Cetamina

Apresenta duração de ação entre 10 a 20 minutos, sendo o tempo


total de recuperação entre 60 a 90 minutos, quando utilizada pela via
venosa, podendo chegar a 120 minutos, quando introduzida por via oral
ou retal. Quando administrada em doses fracionadas ou em regime de
infusão contínua, seu tempo total de recuperação encontra-se aumenta-
do2. A janela terapêutica para manutenção de inconsciência, em adul-
-
tos, varia de 0,6 a 2mg.ml 1, enquanto, em crianças, a variação é de 0,8
a 4 mg.
Trabalhos recentes têm atribuído à cetamina uma propriedade anti-
agregante plaquetária, por inibição do inositol trifosfato (IP3)4 e, mediante
estudos experimentais, atividade anti-inflamatória, em situações onde a
endotoxemia encontra-se estabelecida, inibindo o aumento das citocinas e
ativação neutrofílica5.

- Efeitos Analgésicos

Efeitos analgésicos são alcançados com doses subanestésicas de


0,1 a 0,5 mg.kg-1, por via venosa, e concentrações plasmáticas entre 85 e
-1 -1
160 ng.ml-1. Pequenas doses em infusão contínua, como de 4mg.kg .min ,
proporcionam analgesia pós-operatória semelhante à da morfina, em infu-
-1
são venosa de 2mg.h . Têm sido observados efeitos analgésicos que po-
dem ser atribuídos à ação preemptiva da cetamina, explicada inicialmente
pela atividade bloqueadora nos receptores NMDA. Essa atividade parece
ser também responsável pela analgesia obtida com a cetamina, em paci-
entes que apresentam, nas situações de dor crônica, resistência ao trata-
mento com morfina, com baixa ou mesmo nenhuma resposta analgési-
ca6,7. No entanto, essas ações dependentes da atividade bloqueadora nos
receptores NMDA ainda são controversas, existindo estudos que falha-
ram, ao tentar demonstrar a ação preemptiva da cetamina, quando utiliza-
da antes da incisão cirúrgica8.

- Efeitos no Sistema Circulatório

Apesar de apresentar ação depressora cardíaca direta, a cetamina


promove estimulação cardiovascular com aumento da freqüência cardíaca
e da pressão arterial secundárias à estimulação simpática e inibição da
recaptação de catecolaminas, tanto em nível central, como periférico. É
capaz de promover ainda aumento adicional da pressão da artéria pulmonar

115
Anestesia Venosa

(efeito que parece estar atenuado em crianças)2. Existem evidências suge-


rindo que a cetamina atenua a atividade dos barorreceptores, por ação inibi-
tória dos receptores NMDA nos núcleos do trato solitário.
Aumentando o trabalho cardíaco e o consumo de oxigênio pelo
miocárdio, a cetamina interfere negativamente no balanço entre a oferta e o
consumo de oxigênio, não sendo recomendada a sua utilização, conseqüen-
temente, em pacientes com doença coronariana severa ou descompensada.
Em contraste com a estimulação cardiovascular secundária, a cetamina
possui propriedades intrínsecas depressoras do miocárdio, que somente se
tornam aparentes no paciente grave, com suas reservas de catecolaminas
depletadas.
Como a cetamina pode aumentar também a pressão da artéria pul-
monar, seu uso é contra-indicado em pacientes adultos com baixa reserva
de ventrículo direito.

- Efeitos no Sistema Respiratório

Em doses clínicas, a cetamina não promove depressão respiratória


significativa, mantendo as vias aéreas preservadas, diferentemente da mai-
oria dos anestésicos utilizados por via venosa, para indução de anestesia.
Deve ser enfatizado, entretanto, que o uso da cetamina não elimina a neces-
sidade de intubação traqueal, quando esta é mandatória, por exemplo, no
paciente com estômago cheio. Devido a pouca intensidade na depressão
respiratória, a cetamina promove, com facilidade, a transição da ventilação
controlada para a respiração espontânea, porém a sua característica de
aumentar a produção de secreções pode levar à ocorrência de laringoes-
pasmo, após a extubação.
É dotada de ação broncodilatadora indireta mediada pela ativida-
de simpaticomimética e, acredita-se, mediante ação broncodilatadora
direta intrínseca; sendo, portanto, a cetamina considerada como a droga
de escolha para indução venosa de anestesia, em presença de bron-
coespasmo, assim como uma boa indicação para uso, em pacientes que
apresentam elevado risco de broncoespasmo, per e pós-indução da
anestesia2. Além disso, a cetamina tem sido utilizada em sub-doses
anestésicas, para tratar broncoespasmo per-operatório, e usada em adi-
ção com o midazolam, para promover sedação e analgesia em pacientes
asmáticos.

116
Cetamina

- Efeitos no Sistema Nervoso Central

Uma importante consideração sobre o uso da cetamina está relacio-


nada à incidência de reações psicomiméticas como alucinações, pesadelos
e alterações cognitivas e da memória recente. As manifestações
psicomiméticas podem se estender por até algumas horas do período pós-
anestésico imediato. Há relatos de manifestações recorrentes após 24 ho-
ras de sua utilização. A incidência desses fenômenos cognitivos é menor na
população idosa (acima dos 65 anos) e quando administrada por via intra-
muscular. Esses efeitos parecem apresentar correlação com distúrbios
afetivos-motivacionais previamente presentes, bem como presença de estí-
mulos verbais, visuais e táteis, presentes em excesso durante o período de
recuperação na SRPA.
A incidência dessas reações encontra-se em torno de 12%, sendo
dose dependente, podendo ser reduzida através da administração prévia de
benzodiazepínicos, barbitúricos ou propofol.
A Cetamina tem sido tradicionalmente contra-indicada para pacien-
tes com a pressão intracraniana aumentada ou para pacientes que apresen-
tam uma diminuição da complacência cerebral devido à expectativa de que
aumente o consumo cerebral de oxigênio, aumente o fluxo sangüíneo cere-
bral e, conseqüentemente, a pressão intracraniana. Entretanto, existem evi-
dências recentes de que doses de indução venosas da Cetamina diminuem a
pressão intracraniana, em pacientes com trauma cerebral, quando utilizadas
ventilação controlada e sedação com propofol. De forma semelhante, a
utilização prévia de barbitúrico, o tiopental ou benzodiazepínicos, pode inter-
romper o aumento do fluxo sangüíneo cerebral induzido pela Cetamina. Ape-
sar, ainda, da Cetamina poder levar a atividades mioclônicas e, ao eletro-
encefalograma, ocorrerem atividades semelhantes à atividade convulsiva, a
cetamina, na realidade, apresenta atividade anticonvulsivante.
Trabalhos recentes têm atribuído à cetamina propriedade anti-
agregante plaquetária por inibição do inositol trifosfato (IP3)4 e, mediante
estudos experimentais, atividade anti-inflamatória, em situações onde a
endotoxemia encontra-se estabelecida, inibindo o aumento das citocinas e
além de ativação neutrofílica5.

USO CLÍNICO

O uso clínico da cetamina esteve por muitos anos relacionado à ne-

117
Anestesia Venosa

cessidade de anestesia, diante de circunstâncias adversas para o uso de


outras drogas anestésicas, quando estas poderiam acrescentar riscos aos
procedimentos. Situações em que o paciente encontrava-se com o estôma-
go cheio ou em condições hemodinâmicas precárias, como hipovolemia, por
exemplo, sempre foram associadas ao uso da cetamina. Poderíamos citar
outras situações em que se recorria à cetamina, como exemplo, as induções
de anestesia geral em cesarianas, extrações de feto com auxílio de fórceps
ou ainda sedações ou indução de anestesia geral em crianças, além de
analgesia em pacientes queimados para realização de curativos.
Atualmente, a utilização da cetamina extrapola, em muito, essas indi-
cações. Possui indicação para uso no neuro-eixo e adição a outras drogas,
na anestesia geral, para potencializar a analgesia tanto no per como no pós-
operatório9-11.
O uso da cetamina, em pacientes hemodinamicamente instáveis, re-
presenta uma boa opção de escolha devido a sua atividade simpaticomimética
intrínseca. A ação adrenérgica promovida pela cetamina é mediada por
mecanismos centrais (2/3 da ação simpaticomimética) e periféricos (1/3 da
ação simpaticomimética). Em pacientes portadores de grave disfunção
ventricular, o uso de benzodiazepínicos precedendo a administração de
cetamina mostra-se capaz de prevenir a ação adrenérgica central da cetamina,
mantendo, entretanto, seu mecanismo simpaticomimético periférico. O re-
sultado é a manutenção global do tônus simpático, sem a presença de efei-
tos indesejáveis associados à hiperestimulação simpática12.
A diminuição da atividade inflamatória quimiotáxica, bem como a
produção de citocinas observada no estados de sepse e após fenômenos
isquêmicos coronarianos e vasculares cerebrais por parte da cetamina,
têm se mostrado, através de recentes estudos, uma promissora vanta-
gem associada ao uso da cetamina como agente anestésico, nessas situ-
ações 5 .
Nos pacientes pediátricos submetidos a exames diagnósticos através
de cateterismo cardíaco, o uso da cetamina associada a benzodiazepínicos é
capaz de promover adequada hipnose e analgesia, além de possibilitar a
manutenção dos mecanismos direcionais do fluxo sangüíneo das eventuais
mal formações cardíacas congênitas. Acrescenta-se ainda a possibilidade
de se administrar a cetamina como medicação pré-anestésica através de
diversas vias: venosa; intramuscular; oral e retal12.
Pacientes queimados se beneficiam do uso da cetamina, devido à
promoção de hipnose e potente analgesia produzida. A realização de cura-

118
Cetamina

tivos subseqüentes confere menor toxicidade associada ao uso da cetamina,


quando comparado a exposições repetidas aos agentes halogenados. A re-
dução na incidência das dores de natureza crônica, em especial as dores
neuropáticas, presentes com alguma freqüência nesses pacientes, após o
total processo de recuperação, também representa uma vantagem no uso
repetido da cetamina, nos freqüentes curativos realizados.
A cetamina apresenta-se com agente anestésico de escolha, na
indução anestésica de pacientes portadores de hiper-reatividade das
vias aéreas ou doença asmática ativa, devido a sua ação broncodilata-
dora 12 .
A sedação em pacientes pouco cooperativos, portadores de deficiên-
cia mental, pode ser realizada com a cetamina, seja por via venosa, seja por
via intramuscular12.
Em recente revisão literária realizada por Subramaniam e colabora-
dores, envolvendo aspectos quantitativos e qualitativos do uso da cetamina
como agente adjuvante venoso associado aos opióides, ficou demonstrado
que essa droga, em dose única venosa, foi capaz de reduzir o consumo de
opióide, no período trans-operatório, em 7 dos 11 estudos avaliados. A infu-
são venosa de cetamina, de forma contínua, promoveu redução no consumo
de opióide, seja administrado por via venosa, seja administrado por via
peridural, em 6 dos 11 estudos. A revisão em questão demonstrou que o uso
da cetamina, em baixas doses, não apresentou efeitos colaterais com inci-
dência estatisticamente significativa. Finalmente, Subramaniam e colabora-
dores concluíram que o uso de baixas doses de cetamina é seguro e eficaz
como técnica adjuvante, quando associado à técnica padrão de analgesia
por opióides13.
O uso da cetamina como agente capaz de promover adequada
analgesia pós-operatória tem sido demonstrado através de sua administra-
ção via PCA, em associação com analgésico opióide, visando não só à me-
lhora da qualidade da analgesia, que passa pelo conceito da analgesia
multimodal, como também à redução dos efeitos colaterais dos opióides e à
promoção da inibição da tolerância aguda aos fármacos opióides11.
O uso da cetamina na terapêutica da dor crônica mostrou-se válido
através de outra extensa revisão literária (agosto 1966 a agosto de 2002)
realizada por Hocking e colaboradores e ser eficaz no combate a dor cen-
tral, quando administrada por via parenteral ou por via oral, no controle
álgico associado à síndrome dolorosa regional complexa, quando adminis-
trada por via peridural, além de apresentar efeitos positivos no combate à

119
Anestesia Venosa

fibromialgia (diminuição da tensão muscular e dos números de trigger


points). Mostra-se também eficaz no controle da dor isquêmica (apresen-
tando analgesia dose-dependente), no controle da dor neuropática não es-
pecífica, na dor fantasma e na neuralgia pós-herpética. Mais estudos ainda
se mostram necessários, porém o uso da cetamina mostra benefícios, em
especial, as situações álgicas crônicas refratárias à terapêutica convencio-
nal, apresentando-se ainda como opção de terceira linha14. Estudos recen-
tes com administração de cetamina intra-articular, visando ao controle da
dor associada à gonartrose de joelho, têm produzido resultados interessan-
tes, com melhora da dor subseqüente. Acredita-se que esse efeito ocorra
devido ao bloqueio local dos receptores NMDA, levando à inibição da ex-
pressão do gene c-Fos junto ao corno dorsal medular15, 16.
Doses de Cetamina utilizadas variam de acordo com o quadro abaixo:

INTRADÉRMICA _______________________ 25 - 100mg


SUBCUTÂNEA _________________________ 25 - 50mg
MUSCULAR _____________________________ 1 - 5 mg.kg-1
VENOSA ______________________________ 0,5 - 3 mg.kg-1
PERIDURAL ____________________________ 5 - 150mg
CAUDAL _________________________________ 0,5 mg.kg-1
SUBARACNÓIDE ______________________ 0,5 - 50mg

É importante lembrar que as doses preconizadas devem ser reduzi-


das, em pacientes portadores de doença hepática e com comprometimento
da função renal, devido a sua farmacocinética específica e à presença de
metabólito ativo (norcetamina).

EFEITOS ADVERSOS

A cetamina promove, secundariamente, a sua ação simpaticomi-


mética, aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio, devendo ser
administrada com cautela em pacientes coronariopatas portadores de
miocardiopatia isquêmica. Estudos recentes têm demonstrado efeito
cardioprotetor da cetamina, em pacientes submetidos à revascularização
do miocárdio17.
O aumento da pressão intracraniana e do metabolismo cerebral aca-
bam por inviabilizar o uso da cetamina como agente anestésico de escolha

120
Cetamina

em neurocirurgia intracraniana. Trabalhos recentes demonstraram que a


cetamina é capaz de promover proteção cerebral, por inibir a ação das pro-
teínas pró-apoptose cerebral, além de impedir o influxo de cálcio intracelular,
por ação bloqueadora não competitiva dos receptores NMDA18.
A cetamina não promove efetiva proteção das vias aéreas, em paci-
entes susceptíveis à broncoaspiração. Estimula ainda a secreção salivar,
aumentando a incidência de broncoespasmo2.
A manifestação de efeitos psicomiméticos é dose-dependente, o que
acaba limitando o uso da cetamina como agente anestésico único.

CETAMINA - S(+)

A melhor compreensão dos mecanismos neurofarmacológicos da


cetamina, bem como o grande salto farmacológico que representou o estu-
do da estereoisomeria da cetamina racêmica acabou por estabelecer “dois
novos agentes farmacológicos” na essência da palavra: a cetamina levogira
e a cetamina dextrogira. Tal avanço acabou por nos revelar vantagens e
desvantagens dos respectivos isômeros, assim como identificar os respon-
sáveis pelos efeitos “bons” e “maus” da cetamina racêmica, se nos dermos
a liberdade de assim classificá-los19.
Dentro desse contexto, ressurge a cetamina na prática anestesiológica,
agora em sua formulação enantiômera levogira, expandindo e desvendando
novas possibilidades, seja na anestesiologia em geral, seja na terapêutica
dos processos dolorosos crônicos19.

121
Anestesia Venosa

PECULIARIDADES FARMACOLÓGICAS DA CETAMINA


LEVOGIRA

O preconceito criado pela cetamina racêmica, em grande parte asso-


ciado aos efeitos psicomiméticos por ela desencadeados, acabou se trans-
formando em novas e promissoras formas de se utilizar o fármaco, agora
sintetizado, utilizando somente o isômero que aparentemente exacerba os
efeitos benéficos e afasta os efeitos indesejáveis.
A cetamina levogira pode ser utilizada como agente anestésico único,
mas também, e principalmente, como agente coadjuvante no arsenal anes-
tesiológico, associada a outras drogas indutoras da anestesia geral, opióides,
tanto para reforçar a analgesia perioperatória, como oferecer um incremen-
to na analgesia pós-operatória, esta principalmente pelo maior enfoque
farmacológico multimodal que cada vez mais se mostra como ideal nessas
circunstâncias.
A cetamina racêmica atua predominantemente junto aos receptores
NMDA, promovendo tanto analgesia como anestesia. Seu perfil farma-
codinâmico, para com os demais receptores e seus efeitos eletrofisiológicos,
é pouco representativo clinicamente; a exceção cabe aqui à sua ação junto
aos receptores colinérgicos.
A ação da cetamina levogira para com os demais receptores que não
receptores NMDA além de seu efeito eletrofisiológico junto aos canais de
sódio voltagem dependentes tornam multimodal sua ação analgésica e
anestésica, apresentando importância clínica relevante que extrapola seu
mecanismo de ação junto e tão somente para com os receptores NMDA.
É importante lembrar que, apesar da estereoseletividade da cetamina
levógera junto aos demais receptores, sua ação farmacológica global é dose-
dependente e dose-teto, em especial para com os efeitos colaterais a ela
relacionados11.

1 - Cetamina Levogira e Receptores NMDA

A cetamina levogira apresenta 4 vezes maior estereoseletividade pelo


receptor NMDA do que a formulação dextrógera, o que justifica uma maior
potência analgésica e anestésica da cetamina levogira em relação à cetamina
dextrogira e, particularmente, à cetamina racêmica. Essa estereoseletividade
da cetamina levogira envolve todos os subtipos de receptores que caracte-

122
Cetamina

rizam os receptores NMDA (subtipo Epsilon-1/Epsilon-2/Epsilon-3/Epsilon-


4 e Zeta-1), sendo de igual afinidade para com todos. Grande parte da
ação analgésica da cetamina levogira deve-se à sua ação junto aos recepto-
res NMDA, sendo a maior estereoafinidade da cetamina levógera respon-
sável pela maior potência analgésica e anestésica, em relação à cetamina
racêmica.
A grande vantagem, no entanto, se deve à, agora não desprezível,
ação da cetamina levogira para com os demais receptores já citados, o que
aumenta ainda mais as potências analgésica e anestésica.
É improvável que os efeitos psicomiméticos estejam envolvidos com
o receptor NMDA, pois há uma relação inversa entre afinidade NMDA e
efeitos psicomiméticos7, 20.

2 - Cetamina Levogira e Receptores Não-NMDA Próprios ao


Glutamato

O óxido nítrico é encontrado tanto em nível segmentar medular, como


em nível supra-segmentar; o que reforça a presença deste receptor em
ambas as regiões do SNC.
Ainda não se conseguiu quantificar qual a magnitude da estereoafi-
nidade da cetamina levogira, para com esses receptores em relação à
cetamina racêmica, porém é certo que a formulação levogira apresenta
maior estereoafinidade21.

3 - Cetamina Levógira e Receptores Opióides

A cetamina levógira apresenta 4 vezes mais afinidade pelos recepto-


res µ que a cetamina dextrógera. Acredita-se que a cetamina dextrógera
apresente uma maior afinidade pelo receptor κ que a cetamina levógira,
justificando-se assim, ao menos em parte, seu maior potencial em produzir
efeitos psicomiméticos.
A cetamina levogira apresenta afinidade 10 vezes maior pelo recep-
tor NMDA do que pelo receptor µ, e 20 vezes mais afinidade pelo receptor
NMDA que pelo receptor κ.
Estudos “in vitro” têm demonstrado que a cetamina levogira é ca-
paz de deslocar opióides fracos (etorfina por ex.) dos receptores µ, deno-
tando nítida ação competitiva do fármaco; o que expressa mecanismo
agonista não desprezível pelo receptor µ22,23.

123
Anestesia Venosa

4 - Cetamina Levogira e Receptores Colinérgicos

Os receptores colinérgicos muscarínicos possuem 5 subtipos de re-


ceptores (M1/M2/M3/M4/M5); é o receptor colinérgico muscarínico subtipo
M1 ao qual a cetamina levógera apresenta maior afinidade24,25.

5 - Cetamina Levogira e Receptores Monoaminérgicos e


Serotoninérgicos

A cetamina levogira apresenta maior afinidade por receptores


monoaminérgicos, tanto em nível segmentar medular, como em nível supra-
segmentar, em relação à cetamina dextrogira.Sua ação junto aos receptores
monoaminérgicos é expressa por sua afinidade com os receptores á-2, o
que, por si só, já contribuiria para sua ação analgésica. Sua maior afinidade
pelos receptores serotoninérgicos reforça sua ação anti-nociceptiva, porém
é capaz de promover uma maior incidência de efeitos colaterais como náu-
seas e vômitos26, associados aos receptores 5HT.

6 - Cetamina Levógira e Ação Anestésico-local Símile

A ação anestésico-local símile da cetamina levogira é dose-depen-


dente. In vitro a potência da cetamina levogira em bloquear os canais de
sódio-voltagem-dependentes é similar à da lidocaína, estando a fibra neuronal
em seu estado de repouso.
In vivo, a cetamina levogira apresenta capacidade de conversão dos
canais de sódio do estado de repouso a inativo, em cerca de 8 a 10 vezes, já a
lidocaína apresenta potencial de conversão em torno de 50 vezes.
A potência da cetamina levogira é freqüência e voltagem dependen-
tes para com a membrana neuronal.
Somente a partir de 30mg, via raquidiana, é que a cetamina levógera
começa a apresentar efeito anestésico-local símile significativo, a concen-
-1
tração ideal seria em torno de 5ng.ml ; porém doses dessa magnitude no
espaço raquidiano são capazes de promover efeitos colaterais em demasia,
em virtude da elevada biodisponibilidade27, 28,29.

VIAS DE ADMINISTRAÇÃO

As vias para a administração da cetamina S(+) são as mesmas da

124
Cetamina

cetamina racêmica, ou seja: intradérmica, subcutânea, intramuscular, veno-


sa, retal, intranasal e oral; chegando às vias que utilizam o neuro-eixo, como
a peridural, a subaracnóide e a caudal. As vias que utilizam o neuro-eixo
começaram a ser estudadas a morfina começou a ser utilizada no início da
década de 70. O retardo nas pesquisas e observações clínicas referentes ao
uso de a cetamina racêmica deve-se ao fato da cetamina ser comercializada
com conservantes químicos, enquanto a morfina era preparada por labora-
tórios que não utilizavam conservantes em sua formulação. A cetamina
inicialmente possuía como conservante o clorobutanol que devido as suas
propriedades tóxicas ao ser humano, após alguns anos, foi substituido pelo
cloreto de benzetônio, que, em concentrações elevadas, apresenta também
caracteristicas tóxicas. Após uma série de estudos ficou estabelecido que,
nas doses empregadas como conservantes nos frascos de cetamina, o cloreto
de benzetônio não apresentava toxicidade, inclusive quando utilizado no neuro-
eixo. Com a morfina firmando-se cada vez mais como o analgésico padrão,
mas com a ocorrência de efeitos colaterais não só preocupantes, como a
depressão respiratória, mas também desagradáveis, como prurido, náuseas,
vômitos e a retenção urinária, a cetamina passou, no início da década de 80,
a despertar novamente a curiosidade de alguns pesquisadores, no que dizia
respeito a sua utilização no neuro-eixo. Novos estudos foram feitos com o
objetivo de testar a toxicidade do conservante e de verificar se injeções
repetidas da cetamina também não poderiam ser responsabilizadas por le-
sões neurológicas, quando a substância era utilizada no neuro-eixo. Ne-
nhum estudo conseguiu demonstrar a toxicidade não só do cloreto de
benzetônio, nas doses empregadas, como também de doses repetidas da
cetamina, em nervos isolados e em modelos de estudos que utilizaram ani-
mais, inclusive macacos.

PERSPECTIVAS EM ANALGESIA

“Nós podemos estar contribuindo para a perpetuação da dor no


período pós-operatório através do uso isolado de largas doses de
opióides no período trans-operatório”. 29
“O uso associado de cetamina venosa em baixas doses durante
anestesia geral balanceada e no período pós-operatório combinado a
morfina visando o controle álgico; pode diminuir a incidência de dor
residual em até 6 meses.”6

125
Anestesia Venosa

1 - Analgesia Preemptiva

Diversos estudos têm obtido sucesso em demonstrar redução do con-


sumo de analgésico no período trans-operatório e pós-operatório de cirurgi-
as nas quais se administrou cetamina levogira previamente à incisão cirúrgi-
ca 31-33 .
A ação preemptiva da cetamina levogira parece ser nítida, através do
-1 -1
uso de baixas doses e de forma contínua (5µg.kg min ) por via endovenosa.
Por via peridural tem demonstrado ação preemptiva, porém na razão dose-
dependente associada ao conceito dose teto34-36.
O uso contínuo de opióides, cujo efeito analgésico apresenta curta
duração de ação (remifentanil e em menor intensidade alfentanil), tem de-
monstrado ser capaz de induzir o fenômeno denominado de tolerância agu-
da ao opióide. Fenômeno semelhante se observa com opióides de longa
duração de ação (morfina e metadona), quando utilizados por períodos pro-
longados, em geral, na terapêutica de fenômenos nociceptivos de natureza
crônica, como, por exemplo, as dores presentes nas diversas formas de
neoplasias37-39.
O fenômeno acima descrito ocorre devido ao grande influxo neuronal
de cálcio, mecanismo este presente quando o opióide atua junto aos re-
ceptores µ por tempo suficiente para que haja um aumento da
biodisponibilidade da proteína-C-kinase que acabará induzindo uma gran-
de liberação de aspartato e glutamato junto ao terminal sináptico (sistema
pró-nociceptivo).
É a ação do aspartato e do glutamato junto aos receptores NMDA
que acabará levando à indução à tolerância aguda aos opióides, ao desen-
volvimento de hipersensibilidade central e à hiperalgesia; acarretando a ne-
cessidade de doses cada vez maiores de opióides, freqüentemente não
correlatas ao estímulo álgico vigente (sistema pró-nociceptivo)34-39.
O uso de subdoses de cetamina levógera acabará por bloquear os
receptores NMDA, inibindo a indução do mecanismo acima descrito.
Como resultado, teremos um menor consumo de analgésicos no
período trans-operatório e no período pós-operatório. É importante lem-
brar que a cetamina levógera deve ser utilizada em doses sub-analgési-
cas, sendo esta talvez a grande vantagem deste fármaco, com maior
seletividade e potência junto aos receptores afins; excluindo-se assim a
possibilidade de manifestação de efeitos colaterais psicomiméticos que,
como vimos atrás, especialmente para com a cetamina levógera, que se

126
Cetamina

mostra dose-dependente.A cetamina levogira deve ser administrada du-


rante todo o período em que se estiver infundindo o opióide, sendo que
recentes trabalhos demonstraram uma redução em até 6 meses da dor
residual pós-operatória37,39.
Outro fator a se considerar é que o uso exclusivo de opióide como
medicação analgésica durante o período perioperatório pode gerar, devido à
hiperalgesia central, a perpetuação da dor residual pós-operatória por um
período que varia de dias até meses.
Estudos comparativos demonstram uma redução no consumo de
opióide que pode variar de 45% a 85%. A retirada da cetamina levogira
ainda no período trans-operatório, mantendo-se a infusão contínua de opióide,
pode induzir a um estado de hiperalgesia rebote34-39.

2 - Analgesia Per-operatória

2.1 - Uso Retal e Intramuscular

O uso retal mostrou-se pouco promissor, com elevada incidência de


efeitos colaterais (sialorréia, agitação). A dose preconizada gira em torno
-1
de 0,75mg.kg ; sendo que os melhores resultados são obtidos com a quando
-1
associação de midazolam (0,075mg.kg ), também por via oral, de forma
concomitante40.
-1
O uso intramuscular (1mg.kg ) demonstrou adequada analgesia trans-
operatória, quando comparado à administração da cetamina levógera via
-1
peridural sacra (1mg.kg ); técnica que também se mostrou satisfatória. Po-
rém, a analgesia no período pós-operatório foi inadequada quando compara-
da à administração da cetamina levógera via peridural sacra41.
De qualquer forma, são escassos os relatos na literatura onde se
avalia o uso da cetamina levógera via oral e intramuscular.

2.2 - Uso Venoso

O uso venoso em baixas doses (5µg.kg-1.min-1) foi capaz de reduzir


de forma significativa o consumo de opióide e também de halogenado no
período trans-operatório, evidenciando, assim, a inibição do sistema pró-
nociceptivo, com bloqueio da hipersensibilidade central e conseqüente
hiperalgesia37,38.

127
Anestesia Venosa

2.3 - Uso intratecal:

Não houve melhora quantitativa e qualitativa no período pós-operató-


rio; observou-se; no período trans-operatório; redução na dose total do anes-
tésico local utilizado, com menor tempo de bloqueio motor.
Deve-se ressaltar a elevada incidência de efeitos colaterais (sono-
lência e tonturas), motivo pelo qual optou-se por interromper o estudo clíni-
co comparativo.
Os relatos presentes na literatura são limitados a dois estudos envol-
vendo o uso da cetamina levogira no neuro-eixo. As doses utilizadas foram
extremamente elevadas, havendo, portanto, a necessidade de maiores estu-
dos, envolvendo doses menores, a fim de que se torne possível obter uma
conclusão acerca do assunto28,29.

2.4 - Uso Peridural

Cabe aqui uma ressalva histórica ao uso da cetamina racêmica no


neuro-eixo, prática esta iniciada através de estudos clínicos realizados na
década de 70, quando se administrou cetamina racêmica com conservante
no espaço peridural42-44.
Durante os primeiros estudos surgiram alguns casos sugestivos de
comprometimento neuronal, fato este que levou à interrupção de todos os
estudos em andamento. Posteriormente se descobriu que a substância com
potencial neurotóxico era o conservante (cloreto de benzetônio e/ou
clorobutanol) e não a cetamina racêmica em si44,45.
Com o advento da cetamina levogira, os estudos com a cetamina
racêmica sem conservante, via peridural, vêm sendo gradativamente subs-
tituídos por estudos com a cetamina levógera sem conservante; o grande
desfio parece estar na obtenção da dose próxima à ideal para uso via peridural
da cetamina levógera.
Na literatura em geral não há referências abordando o assunto. Em
nosso serviço, dois estudos apontaram para uma redução significativa no
consumo de agentes halogenados no período trans-operatório. As doses
foram de 50mg como dose padrão, em todos os pacientes do grupo cetamina
levógera sem conservante envolvidos em estudo clínico comparativo, e de
30mg de cetamina levógera sem conservante associados a 1mg de morfina,
também associação padrão, utilizados nos pacientes que participaram do
grupo descrito num estudo clínico comparativo44-46.

128
Cetamina

3 - Analgesia Pós-operatória

A analgesia apresentada pela cetamina levogira no período pós-ope-


ratório tem se mostrado uma grata surpresa; em particular, quando adminis-
trada por via peridural, aliás, via esta a única que até o presente momento
tem sido utilizada com relativa freqüência no controle das dores no período
pós-operatório.

3.1 - Via Peridural

Tudo indica, até o presente momento, ser uma técnica cujos resulta-
dos têm-se mostrado extremamente satisfatórios. A analgesia é dose-de-
pendente (em geral doses padronizadas e nunca inferiores a 30mg) e, quan-
do associada à morfina, os resultados são ainda mais animadores; a incidên-
cia de efeitos colaterais não difere estatisticamente das técnicas vigentes
nas quais se utiliza opióide como analgésico único, o padrão qualitativo e
quantitativo da analgesia também têm se mostrado adequado13,46,47,48.
O grande desafio está na obtenção da dose adequada de morfina; um
estudo comparativo entre 50mg e 75mg de cetamina levogira sem
conservante, via peridural, para analgesia pós-operatória de colecistectomia,
demonstrou-se que a dose de 75mg não foi capaz de melhorar quantita-
tivamente e qualitativamente a analgesia pós-operatória, porém houve uma
maior incidência de efeitos colaterais44.
Tudo leva a crer que a dose da cetamina levogira peridural gire em
torno de 50mg, quando utilizada isoladamente e em torno de 30mg, quando
associada à morfina (1mg).
Os estudos clínicos cujo objetivo seja estudar a obtenção da dose
adequada são pouco presentes, tanto na literatura nacional como internaci-
onal. É nesse patamar que encontramos o desfio, já que muitos estudos
realizados já demonstraram a eficácia da cetamina levogira via peridural
associada à baixa incidência de efeitos colaterais.

3.2 - Via Parenteral


-1 -1
O uso de baixas doses de cetamina-S(+), em torno de 5µg.kg min ,
no período trans-operatório tem se mostrado eficaz na redução e no contro-
le da dor pós-operatória, reduzindo o consumo total de opióide forte durante
todo o período em que se faz necessário50.

129
Anestesia Venosa

Observa-se ainda uma menor necessidade de opióide forte durante


as primeiras 24 a 48 horas do período pós-operatório de cirurgias abdomi-
nais de grande porte, quando se associa a cetamina-S(+) à morfina por via
venosa, através da utilização de PCA, sem que se tenha observado, com
isso, aumento associado de efeitos psicomiméticos11, 51.

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133
Morfina

Morfina
Judymara L Gozzani*

Histórico

A morfina começou a ser empregada na anestesia por volta de 1960.


Foi a época do desenvolvimento da cirurgia cardíaca e vários desafios se
impunham para seu sucesso. Entre eles estava a anestesia. Dois aspectos
eram relevantes, a necessidade de administrar uma anestesia segura para
os pacientes e mantê-los vivos no pós-operatório. Nesse período, os pacien-
tes sobreviviam ao ato cirúrgico e morriam de insuficiência respiratória logo
depois. Começou então a prática da traqueostomia profilática ou manuten-
ção do tubo traqueal e ventilação mecânica. Para permitir que o paciente
tolerasse o tubo traqueal com desconforto mínimo e sem reflexo de tosse
começou-se a administrar morfina venosa. No início, a administração de
morfina venosa foi cercada de grande cuidado, porque havia receio de que
poderia ser acompanhada de instabilidade circulatória. Rapidamente obser-
vou-se que os pacientes toleravam muito bem o opiáceo. Gradualmente, a
dose de morfina foi sendo aumentada, ultrapassando àquelas relatadas na
literatura. Como os pacientes eram ventilados mecanicamente, não desen-
volviam nem hipóxia nem hipercapnia e as repercussões circulatórias eram
raras. Essas observações motivaram o uso de morfina, em grandes doses,

*Certificado de Atuação na Área de Dor - SBA-AMB


Editor-Chefe da Revista Brasileira de Anestesiologia

135
Anestesia Venosa

por via venosa, para a realização de anestesia1. Lentamente as doses de


morfina aumentaram de 0,5mg para 3 mg.kg-1, sem aparente repercussão
circulatória importante.
Com o uso continuado da técnica, apareceram algumas limitações do
emprego da morfina como parte integrante da técnica anestésica e em 1971
Lowestein publicou-as2:

1- Falta de hipnose durante a anestesia, com lembranças de eventos


intra-operatórios;
2- Depressão circulatória quando adjuvantes eram administrados
concomitantemente à morfina;
3- Liberação de catecolaminas e bloqueio incompleto da resposta a
estímulos anestésicos e cirúrgicos, ambos associados a aumento de consu-
mo de oxigênio pelo miocárdio;
4- Hipotensão;
5- Liberação de hormônio antidiurético;
6- Lesão neurológica permanente.

A lista não incluiu o aumento da necessidade de volume, nos pacien-


tes que recebiam de 3 a 11 mg.kg-1 de morfina, e a rigidez torácica.
Com exceção da lesão neurológica permanente, que não foi confir-
mada pelas evidências, as outras observações mereceram muitas pesquisas
subseqüentes.
Embora a morfina, como componente analgésico da anestesia veno-
sa, tenha sido substituída por opióides sintéticos, continua sendo usada em
várias situações, no período cirúrgico, e foi a grande impulsionadora dos
estudos que esclareceram o mecanismo de ação desse grupo farmacológico.
A morfina pode ser sintetizada em laboratório, entretanto, é obtida da
cápsula da semente da papoula, como um dos alcalóides do exsudato leitoso
do ópio. Os alcalóides representam 25% do peso do ópio e são divididos em
duas classes químicas: fenantreno e benzilisoquinolina. O principal fenantreno
é a morfina, com quantidades menores de codeína e tebaína. A benziliso-
quinolina mais importante é a papaverina.
Os derivados naturais e sintéticos do ópio são utilizados como analgé-
sicos há milhares de anos, porém somente no século passado, na década de
70, seu mecanismo de ação foi esclarecido.
A identificação dos receptores opiáceos ou opióides de seus ligantes
endógenos e a demonstração do potente efeito analgésico de micro-inje-

136
Morfina

ções de morfina na substância cinzenta peri-aquedutal foram passos funda-


mentais para o entendimento da farmacologia desse grupo de analgésicos.

Receptores opióides

No início das pesquisas, 3 receptores opióides foram identificados: o


µ, o κ e o δ; mais recentemente, um quarto receptor e seu ligante foram
descritos. Este novo receptor foi isolado por estudos de clonagem de DNA
e como não mostrou qualquer afinidade pelos ligantes opióides conhecidos
foi denominado de receptor “órfão”. A forma humana deste receptor foi
designada pela sigla ORL1 (opioid receptor like). Na seqüência de expe-
rimentos, seu ligante endógeno foi identificado como sendo um peptídeo de
17 aminoácidos, denominado de orfanina FQ ou nociceptina.
Os receptores opióides diferem entre si: nas propriedades
farmacológicas; na sua distribuição no sistema nervoso central, periférico e
em outros tecidos; na afinidade com os peptídeos opióides.
O receptor µ tem a morfina como protótipo ligante exógeno. Apre-
senta-se em dois subtipos, o µ1 e o µ2. Quando estimulado, o µ1 produz
analgesia e seus ligantes endógenos são a metionina e a leucina encefalinas.
O subtipo µ2 não possui, aparentemente, ligante endógeno e é responsável
por depressão respiratória, bradicardia, dependência física, euforia e
obstipação intestinal.
O receptor δ modula a atividade do receptor µ, constituindo comple-
xos integrados.
O receptor κ também possui dois subtipos, designados com os índices
1 e 2 e, quando estimulado, produz analgesia, sedação, disforia, efeitos
psicomiméticos e inibição da liberação de vasopressina com aumento de
diurese.
O receptor ORL1 é expresso difusamente no sistema nervoso, sen-
do provável que participe em diversas ações fisiológicas e comportamentais.
Os receptores opióides possuem ligantes endógenos que pertencem
a quatro famílias; de acordo com sua molécula precursora:
Pré-pró-opiomelanocortina;
Pré-pró-encefalina;
Pré-pró-dinorfina;
Pré-pró-nociceptina.
Pré-pró-opiomelanocortina é uma grande molécula, encontrada no
lobo intermediário e anterior da hipófise, bem como em outras áreas do

137
Anestesia Venosa

encéfalo, e ao ser clivada produz betaendorfina, hormônio adrenocorticotrófico


(ACTH) e hormônio melanotrófico (MSH). A betaendorfina é um
polipeptídeo com 31 aminoácidos que contém em sua terminação a seqüên-
cia da metionina encefalina e outras endorfinas menores.
A segunda família de precursores é a pré-pró-encefalina, que dá ori-
gem a metionina encefalina, leucina encefalina, octapeptídeo e heptapeptídeo.
As duas primeiras são pentapeptídeos encontrados nas terminações nervo-
sas do trato gastrintestinal e em diversas áreas do sistema nervoso central,
como o corno dorsal da medula espinhal e tronco encefálico.
A terceira família é representada por pré-pró-dinorfina, que dá ori-
gem a dinorfina 1 a 8, dinorfina 1 a 17, alfa-neo-dinorfina e beta-neo-dinorfina.
A quarta família tem como molécula precursora a pré-pró-nociceptina
que, quando clivada, dá origem à nociceptina e à nocistatina. Embora esta
última não se ligue ao receptor ORL1, antagoniza a ação da nociceptina e
desempenha importantes papéis ligados à memória, aprendizagem e
nocicepção.

Mecanismo de ação

Os opióides agem ligando-se a receptores específicos denominados


mu, delta e kappa. Em situação fisiológica, esses receptores ligam-se aos
três grupos de peptídeos opióides endógenos (beta-endorfina, leucina e
metionina encefalina e dinorfina). Estudos imuno-histoquímicos do RNA
mensageiro para os propeptídeos permitiram a identificação dos neurônios
que contêm os diferentes opióides. Nos mamíferos, as concentrações mais
elevadas de beta-endorfina aparecem no tecido hipofisário, intestino delga-
do e placenta. As encefalinas foram localizadas em muitas áreas do sistema
nervoso, principalmente nas relacionadas com vias curtas, sugerindo ativi-
dade em interneurônios. Elas são encontradas nas lâminas I e II do corno
dorsal da medula espinhal, no tronco encefálico, tálamo, hipotálamo, gânglios
da base, corpo amigdalóide, hipocampo, córtex cerebral, medula adrenal,
trato gastrintestinal, corpo carotídeo, gânglios simpáticos, neurônios pré-
ganglionares parassimpáticos e retina. A dinorfina foi identificada no
hipotálamo, medula oblonga, medula espinhal e trato gastrintestinal. Pesqui-
sas em busca do ligante endógeno do receptor µ, sobre o qual a morfina
atua, levaram à descoberta de dois outros peptídeos opióides endógenos que
foram denominados de endomorfina 1 e 2. O precursor desses agonistas µ
ainda não foi identificado.

138
Morfina

Os medicamentos opióides atuam ligando-se aos receptores endógenos


e modificando a recepção, transdução e transmissão do sinal nociceptivo.
Quanto à ligação ao receptor, os opióides dividem-se em agonistas do
receptor µ, que incluem a codeína, a morfina, a metadona, a meperidina, a
hidromorfona, a oxicodona, o fentanil, o alfentanil, o sufentanil, e o remifentanil.
Os antagonistas são representados pela naloxona e naltrexona, e os agonistas
kappa-antagonistas µ ou agonista parcial abrangendo nalbufina, nalorfina,
levalorfano, pentazocina, butorfanol, dezocina e buprenorfina.
O mecanismo molecular de analgesia dos opióides é a sua ligação à
proteína G acoplada ao receptor. Esta proteína contém sete regiões
transmembranas com o terminal amina, do lado externo, e o terminal carboxi,
do lado interno. Esta ligação inibe a ação da adenilciclase, diminuindo a
síntese de AMP cíclico intracelular, aumenta a condutância do íon potássio
para dentro da célula e inativa os canais de cálcio controlados por voltagem.
Estas ações resultam na redução da liberação de neurotransmissores.
A resposta à ação dos opióides é variável. Considerando os agonistas
do receptor µ, muitas dúvidas surgiram, já que somente 1 gene que codifica
este receptor foi identificado.
Os fundamentos da genética moderna baseiam-se no reconhecimen-
to de que os genes são codificados no DNA, entretanto, nem todos os pares
codificados no gene são expressos na proteína codificada por ele. Obser-
vando essas variações que podem produzir proteínas funcionais diversas,
verificaram-se 7 variações funcionais do receptor µ, já descritas, e outras
tantas aguardando descrição formal. Essas variações não são apenas de
interesse de pesquisadores e provavelmente tenham um papel na grande
variabilidade da resposta humana aos opióides. Além dessas variações, ob-
serva-se também diferença na densidade de receptores opióides no encéfalo
humano3.
Além do receptor, sistemas enzimáticos podem interferir na ação dos
opióides. O sistema citocromo P-450 mono-oxigenase (CYP) influencia a
resposta a grande número de fármacos, incluindo opióides. Duas enzimas
desse sistema, a CYP2D6 e a CYP3A4, são responsáveis por grande parte
dessa atividade, influenciando a atividade analgésica da codeína, tramadol e
metadona.
A origem da variabilidade da resposta analgésica aos opióides pode
estar nas variantes do receptor µ, nas diferenças de densidade do receptor
no encéfalo, no nível de atividade de enzimas como a CYP2D6 e em fatores
clínicos relacionados à dor, como intensidade, duração e ansiedade.

139
Anestesia Venosa

Não só a resposta analgésica, mas também o aparecimento de tole-


rância aos opióides é motivo de grande atenção dos pesquisadores.
A tolerância é definida como um conjunto de alterações que resultam
na diminuição de um ou vários efeitos da droga, ao longo do tempo. Elucidar
esse mecanismo é um desafio, já que seu controle é de suma importância.
Como se os fatores físicos envolvidos na tolerância aos opióides não fossem
suficientemente complexos, há evidências de que um animal que desenvol-
veu o fenômeno de tolerância à morfina, em determinado ambiente, não o
exibe em outro4. Em relação à tolerância aos opióides, são elementos im-
portantes3:

- atividade do receptor NMDA (N-metil D aspartato);


- concentração intracelular de magnésio;
- atividade da proteino-cinase Cγ;
- atividade de óxido-nítrico sintetase;
- acoplamento do receptor opióide µ à proteína G;
- densidade do gangliosídeo GM1 na membrana neuronal;
- internalização do receptor opióide µ.

O glutamato é um dos neurotransmissores mais importantes no siste-


ma nervoso central e, em particular, na via nociceptiva. Ele pode ligar-se ao
receptor metabotrópico e ao receptor ionotrópico. O receptor metabotrópico,
quando ativado, modula a atividade celular, através da proteína G, e segundo
o mensageiro. O receptor ionotrópico apresenta-se sob a forma de receptor
cainato AMPA e NMDA. Destes, o receptor NMDA é de suma importân-
cia no processo de tolerância aos opióides. O estímulo nociceptivo prolon-
gado ativa o receptor NMDA com conseqüente influxo de cálcio para den-
tro do neurônio. Quando o influxo de cálcio ocorre, há translocação e ativa-
ção da enzima proteinocinase C, aumento de óxido nítrico dentro da célula e
baixa responsividade do receptor opióide µ. Os animais tratados com morfi-
na ou outro opióide têm respostas menores aos estímulos nocivos. Se, no
entanto, bloqueia-se a ação opióide com seu antagonista, a naloxona, o ani-
mal não exibe a resposta normal ao estímulo nocivo mas sim, uma resposta
aumentada (hiperalgesia). A hiperalgesia induzida pelo opióide pode ser pre-
venida pela co-administração de substância antagonista do receptor NMDA.
Se camundongos são tratados com morfina por período de 6 dias e depois a
morfina é retirada, eles manifestam hiperalgesia térmica e mecânica. A
evidência de que esse efeito depende do receptor µ é a de que camundon-

140
Morfina

gos que não apresentam resposta analgésica à morfina não desenvolvem a


hiperalgesia induzida por ela5,6.
A proteinocinase C, isoforma γ (PKCγ), uma das pelo menos 12
isoformas existentes, desempenha papel na hiperalgesia induzida por opióides
e na tolerância a eles. Injeções repetidas de agonista seletivo do receptor µ
no líquor de ratos associam-se ao desacoplamento do receptor de morfina
da proteína G. Como esta proteína é o mediador de, no mínimo, parte da
ação analgésica, seu desacoplamento resulta em tolerância ao opióide. Nos
camundongos em cujos neurônios não se encontra PKCγ não ocorre esta
dessensibilização do receptor de morfina in vitro e in vivo, não se obser-
vando também o fenômeno de tolerância7.
Teoria sobre a tolerância aos opióides propõe que a internalização do
receptor µ a iniba. Há evidências de que a PKCγ iniba essa internalização,
podendo ser este um dos seus mecanismos relacionados à tolerância aos
opióides8.
O óxido nítrico é um neurotransmissor incomum; por ser um gás,
difunde-se facilmente dentro e entre as células e também desempenha pa-
pel relevante no mecanismo de hiperalgesia. O óxido nítrico apresenta-se
sob diversas isoformas, e duas, no mínimo, são importantes na modulação
da dor. A óxido nítrico sintetase neuronal tipo1 é a enzima predominante na
região supra-espinhal e a tipo 2, na medula espinhal. A inibição dessas duas
isoformas provoca efeitos opostos.
A regulação diminuída da óxido nítrico sintetase tipo 1 previne o de-
senvolvimento de tolerância à morfina, já a regulação diminuída da tipo 2
bloqueia a analgesia da morfina. Qual sistema predomina em seres huma-
nos, com diferentes doenças é matéria para estudo 9.

Uso clínico

A morfina tem características de eficácia, segurança e flexibilidade


que favorecem seu uso clínico em diversas situações de dor aguda, crônica
e oncológica. Desde situações clínicas como o infarto agudo do miocárdio,
trauma e dor pós-operatória, a indicação da morfina para controle da dor é
padrão ouro. No tratamento da dor oncológica de intensidade moderada ou
grande, ela é também o fármaco recomendado pela Organização Mundial
de Saúde. Entretanto, na anestesia venosa, ela foi substituída por opióides
sintéticos de maior potência e melhor perfil farmacocinético para essa indi-
cação.

141
Anestesia Venosa

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142
Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

Anestesia Venosa Total em


Procedimentos Ambulatoriais

Autoria: Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Elaboração Final: 27 de janeiro de 2009
Participantes: Albuquerque MAC, Auler Júnior JOC, Bagatini A,
Sales PCA, Santos EJA, Simoni RF, Vianna PTG

O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal


de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar
condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas
neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta
a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.

1
Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA:


Foram realizadas múltiplas buscas na base de dados PubMed (National Library
of Medicine) para identificação de artigos com melhor desenho metodológico,
seguidas de avaliação crítica de seu conteúdo e classificação de acordo com
a força da evidência. De acordo com as normas do Oxford Centre for Evidence
Based Medicine, foram selecionados preferencialmente revisões sistemáticas
da literatura e ensaios clínicos randomizados. As buscas foram realizadas
no período de agosto de 2007 a abril de 2008. Para as buscas no PubMed,
foram utilizadas diferentes combinações de termos abertos (random*; anesthetics;
anaesthesia; anesthesia; intravenous; parenteral; venous; inhalation; inhalatory;
ambulatory; outpatient; day; surger*; surgical; procedure e propofol) e termos
do vocabulário controlado (“Anesthesia, Intravenous”[MeSH]; “Anesthesia,
Inhalation”[MeSH]; “Propofol”[MeSH]; “Ambulatory Surgical Procedures”[MeSH];
e “Randomized Controlled Trial”[Publication Type]). Foram selecionados os
estudos que compararam anestesia venosa total com anestesia inalatória
em pacientes submetidos a procedimento ou cirurgia ambulatorial.

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:


A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.
B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.
C: Relatos de casos (estudos não controlados).
D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos
fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVO:
Avaliar as vantagens e as desvantagens da anestesia venosa total em relação
à anestesia inalatória e/ou balanceada em pacientes submetidos a procedimentos
ambulatoriais.

CONFLITO DE INTERESSE:
Os conflitos de interesse declarados pelos participantes da elaboração desta
diretriz estão detalhados na página 5.

2 Anestesia Venosa Total em Procedimentos Ambulatoriais


Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

INTRODUÇÃO

A anestesia venosa total (AVT) é uma técnica de anestesia


geral que utiliza fármacos administrados unicamente por via
endovenosa. Ela se distingue da anestesia inalatória e/ou
balanceada (AI) pela ausência total de qualquer agente
inalatório, inclusive de óxido nitroso1(D). A popularização da
AVT vem ocorrendo, em parte, em decorrência do
desenvolvimento de fármacos modernos com propriedades
farmacocinéticas e farmacodinâmicas que permitem sua
utilização em infusão contínua. Além disso, novos conceitos
de modelos farmacocinéticos compartimentais e o
desenvolvimento de sistemas computadorizados para
administração das drogas facilitaram o controle infusional desses
anestésicos.

Dentre os fármacos usados em AVT, destacam-se o propofol


e os opióides sintéticos de ação curta, como o remifentanil.
Em adultos, a indução anestésica com propofol é mais rápida
que a indução inalatória, mesmo quando são usados agentes
voláteis com baixos coeficientes de partição sangue-gás2(B). O
remifentanil é um agonista opióide sintético estruturalmente
relacionado ao fentanil, mas é ímpar entre os opióides devido à
presença de ligação éster. Este fato o torna suscetível à rápida
hidrólise pelas esterases inespecíficas presentes no sangue e nos
tecidos. O remifentanil é o primeiro opióide de ação ultracurta
para uso como complemento à anestesia geral, venosa ou
inalatória2(B).

Atualmente, é possível controlar de maneira rápida e precisa


a infusão dos fármacos, promovendo indução anestésica suave,
com manutenção confiável e controlável durante a cirurgia,
além de um despertar curto e previsível. Essa possibilidade pode
ser vantajosa frente ao contexto médico atual de promover, cada
vez mais, um serviço de saúde consciencioso, o qual aponta em
direção ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento de
procedimentos menos invasivos associados à recuperação
anestésica mais rápida do paciente e ao menor tempo de
internação.

Anestesia Venosa Total em Procedimentos Ambulatoriais 3


Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

AVT PARA PROCEDIMENTOS (5,1% versus 16,6%, com NNT = 9 para evitar
AMBULATORIAIS um episódio de uso de terapia antiemética). Da
mesma forma, a incidência de náusea após a
Alguns princípios guiam a anestesia para alta hospitalar (13,5% no grupo AVT e 21,5%
cirurgia ambulatorial. Ela deve ter início e no grupo AI, com NNT = 12 para evitar um
recuperação rápidos, promovendo boa episódio de náusea após a alta) e de vômitos
estabilidade cardiovascular e respiratória e não após a alta (5,9% no grupo AVT e 15,6% no
causando efeitos colaterais adversos, como grupo AI, com NNT = 10 para evitar um
náuseas e vômitos, que prejudiquem a alta episódio de vômito) foram inferiores nos
hospitalar no dia do procedimento. Nos pacientes que usaram propofol4(A).
procedimentos ambulatoriais, duas técnicas
distintas de anestesia geral são comumente RECUPERAÇÃO PRECOCE
usadas: a AVT e a AI. No entanto, comparações
entre o anestésico inalatório e o venoso são A recuperação precoce pode ser definida
complexas em decorrência das diferenças como o tempo necessário para abertura dos olhos
farmacocinéticas e da dificuldade de mensurar e obediência a comandos. Foram encontradas
a concentração do fármaco venoso em tempo duas revisões sistemáticas publicadas sobre o
real, em comparação à concentração alveolar assunto, com resultados diferentes entre os
mínima dos anestésicos inalatórios3(A). Para agentes avaliados5,6(A). A avaliação de estudos
realização de anestesia nos procedimentos publicados até 1994 demonstrou que não houve
ambulatoriais, os anestesiologistas devem ter diferença para obedecer a comandos entre os
conhecimento das resoluções nº 1409/94 e pacientes que receberam desflurano ou propofol.
1802/06 emitidas pelo Conselho Federal de A diferença no tempo para alta foi, em média,
Medicina. 17 minutos menor no grupo que recebeu
propofol. Comparando-se a recuperação da
NÁUSEAS NO PÓS-OPERATÓRIO anestesia com sevoflurano e com propofol foram
detectadas diferenças significativas favorecendo
Em revisão sistemática que incluiu o sevoflurano quanto ao tempo para acordar,
resultados de 18 estudos, foram analisados dados resposta aos comandos, extubação e orientação.
combinados sobre a incidência de náuseas e Não houve diferença quanto ao tempo até a alta.
vômitos pós-operatórios com uso de anestésicos
inalatórios (isoflurano, desflurano e sevoflurano) O tempo para recuperação precoce foi
e anestésicos venosos (propofol). A incidência significativamente menor com desflurano ou
de náuseas foi menor com AVT (14,1%) do sevoflurano, quando comparado ao isoflurano
que com AI (25,8%), com Número Necessário ou propofol4(A). No entanto, níveis residuais
para Tratar (NNT) = 9 para evitar um episódio de fármacos usados na medicação pré-
de náusea. Também houve benefício para o grupo anestésica, tais como opióides e bloqueadores
AVT na redução da incidência de vômitos (5,2% neuromusculares, podem promover interações
versus 14,1%, com NNT = 11 para evitar um com os anestésicos e interferir na recuperação
episódio de vômito) e para o uso de antiemético precoce4(A).

4 Anestesia Venosa Total em Procedimentos Ambulatoriais


Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

HIPOTENSÃO E DEPRESSÃO RESPIRATÓRIA estabelecido em dois aspectos em favor do


propofol: pacientes apresentam preferência
O sevoflurano foi comparado ao propofol, e subjetiva após a recuperação (por se sentirem
observou-se que a hipotensão e a depressão melhor), e a incidência de náuseas e vômitos é
respiratória apresentaram incidência similar nos menor3,7(A)8(D).
dois grupos, mas náuseas e vômitos foram mais
frequentes nos pacientes anestesiados com SÍNTESE DA EVIDÊNCIA
sevoflurano3(A).
Embora a recuperação precoce tenha sido mais
TEMPO PARA INDUÇÃO ANESTÉSICA rápida com o sevoflurano e o desflurano, em
comparação ao propofol, a diferença média não é
Foi comparada a indução da anestesia com considerada clinicamente significativa (1-2
a técnica inalatória utilizando sevoflurano (AI) minutos). Por outro lado, o propofol traz
com a indução venosa usando propofol importantes benefícios em relação ao tempo para
(AVT)7(A). Concluiu-se que a AVT foi mais alta hospitalar e redução de incidência de efeitos
rápida (57 segundos) do que a AI (84 segundos). colaterais no pós-operatório, especialmente náuseas
Nos pacientes que receberam AI, a pressão e vômitos nas primeiras 24 horas. Assim, a escolha
arterial ficou mais estável, e a incidência de de anestésicos para a manutenção da anestesia
eventos adversos respiratórios foi menor. O deverá ser guiada pelo treinamento e experiência
tempo para abertura ocular foi de 5,2 minutos individual dos anestesiologistas, bem como pelas
com a AI e de 7 minutos quando foi empregada rotinas e pelos equipamentos disponíveis nos
a AVT. Os pacientes consideraram mais hospitais, porque a droga anestésica parece ter
agradável a indução da AVT com o propofol. pequena influência na cirurgia ambulatorial4(A).

Alguns estudos têm demonstrado que os CONFLITO DE INTERESSE


tempos de recuperação, extubação e elegibilidade
para alta da sala de recuperação, de transição Albuquerque MAC, Auler Júnior JOC,
entre a fase 1 de recuperação para a fase 2, bem Bagatini A, Sales PCA, Santos EJA, Simoni
como para alta hospitalar são semelhantes RF e Vianna PTG são membros do Advisory
quando comparadas a AVT com propofol e a Board da AstraZeneca do Brasil Ltda. e
AI com sevoflurano ou desflurano. O diferencial participaram do Curso do Projeto Diretrizes da
entre uma técnica e outra está mais bem AMB a convite da AstraZeneca.

Anestesia Venosa Total em Procedimentos Ambulatoriais 5


Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

REFERÊNCIAS review. Anesth Analg 2004;98:632-41.

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sevoflurane and desflurane: a systematic Anaesthesiol 1998;11:595-600.

6 Anestesia Venosa Total em Procedimentos Ambulatoriais


Meperidina

Meperidina
João Batista Santos Garcia*
Carlos Eduardo Claro dos Santos**

I – Classificação Farmacológica e Estrutura Química

Inicialmente sintetizada como um agente anticolinérgico, devido a sua


estrutura química semelhante à atropina (amina terciária composta por um
anel aromático ligado a uma base orgânica), a meperidina revelou-se um
fármaco com propiedades analgésicas de relevância, sendo o primeiro opióide
sintético aprovado para utilização em humanos1. (Figura1)
Em 1946, Way descreveu sua atividade anestésico-local ao observar
que a meperidina a 1% tinha a capacidade de inibir as fibras sensitivas do
nervo ciático, em rãs de laboratório, aproximadamente com mesma
velocidade da cocaína a 1%2. A propriedade de associar dois mecanismos
de ação, analgésico e anestésico local, tem permitido sua utilização por
diferentes vias (espinhal, peridural, venosa, intrarticular).
O hidrocloro de meperidina é um opióide sintético relacionado às
fenilpiperidinas (hidrocloro de etil 1-metil 4-fenilisopenicotato), com um peso
molecular de 247 daltons e uma lipossolubilidade intermediária entre a morfina

* Professor Adjunto Doutor da Disciplina de Anestesiologia da Universidade Federal do


Maranhão. Responsável pelo Ambulatório de Dor do Huufma e do Serviço de Terapia Anti-
Álgica do Hospital do Câncer de São Luís-MA, TSA.
** Anestesiologista Assistente do Serviço de Anestesiologia Clínica do Maranhão, TSA.

143
Anestesia Venosa

Figura 1 – Estrutura química.

e o fentanil (coeficiente de partição óleo/água de 38,8 comparado com 1,4


de morfina e 813 do fentanil)3.
As preparações comerciais da meperidina são muito solúveis em água
e álcool, com um pH que oscila entre 3,5 e 6 e apresenta ponto de ebulição
de 186°c a 189°c. Apresenta incompatibilidade física e química com solu-
ções que contenham aminofilina, barbitúricos, heparina sódica, sulfato de
efedrina, succinato sódico de hidrocortisona e metilprednisolona, sulfato de
morfina, bicarbonato de sódio e tiopental sódico3.

II – Farmacocinética

A meperidina apresenta uma biodisponibilidade de 50 a 60%, após


administração oral, devido ao seu efeito de primeira passagem pelo fígado.
Os níveis sangüíneos de normeperidina, seu principal metabólito, são muito
mais elevados, quando se utiliza a meperidina oral, quando comparada com
a terapêutica parenteral. Tem início de ação mais rápido que a morfina,
alcançando pico analgésico após 60 minutos da administração oral, 40 a 60
min após administração subcutânea e 30 a 50 min após injeção intramuscular.
Pela via intravenosa, o efeito analgésico máximo é atingido em 4 a 5 minu-
tos e a concentração plásmatica necessária para produzir analgesia
satisfatória varia entre 100 a 800 ng.ml-1 (média de 500 ng.ml-1)1. A duração

144
Meperidina

da analgesia é de 2 a 4 horas, sendo também menor do que a da morfina.


O seu volume de distribuição situa-se em torno de 3 a 5 l.kg-1 e sua
taxa de ligação protéica é de 60 a 80%, ligando-se principalmente à albumina
e à α-1 glicoproteína ácida1. (Tabela I)
Atravessa a barreira hamato-encefálica, distribuindo-se no líquido cefalo-
raquidiano. Também está presente na placenta e no leite materno1.

Tabela I – Características farmacocinéticas da meperidina

Pka ...................................................................................... 8,5


Ligação protéica ......................................................... 60 a 80%
Volume de distribuição ................................................ 3 a 5l.kg-1
Clearence plasmático ................................... 10 a 17ml.kg-1.min-1
T1/2α ......................................................................... 2 a 11min
T1/2β .............................................................................. 3 a 5 h
Coeficiente de sol. óleo/água ............................................... 38,8

A metabolização da meperidina processa-se por 2 vias principais


no fígado: hidrólise a ácido meperidínico e N-desmetilação a normeperidina,
com posterior hidrólise a ácido normeperidínico. Os metabólitos ácidos
sofrem posterior conjugação com ácido glicurônico 4,5. (Figura 2)
A eliminação se realiza por via renal e 50% dos metabólitos se
encontram na urina até 24 horas após sua administração, sendo que 2% são
eliminados “in natura”4,5.
Figura 2 – Metabolismo da Meperidina

145
Anestesia Venosa

II.1 – Farmacocinética da Normeperidina

A normeperidina é um metabólito farmacologicamente ativo da


meperidina, com meia-vida de eliminação longa (t1/2β=8 a 12horas), com
metade da potência analgésica da meperidina e com propriedades
estimulantes do sistema nervoso central(SNC). O acúmulo de normeperidina
pode ocorrer após administração prolongada e repetida de meperidina,
especialmente na presença de insuficiência renal, quando o t1/2β pode
alcançar valores descritos até de 34,4 horas6.
Apesar dessa meia-vida longa, o acúmulo em paciente saudáveis ocorre
geralmente após 3 a 6 dias de uso, quando é atingido o estado de equilíbrio.
Kaiko e col. propõem que a relação entre a concentração plasmática
de normeperidina e meperidina pode ser um indicador importante de possíveis
efeitos excitatórios sobre o SNC. Quando essa relação for maior que 1, os
pacientes estão mais sujeitos ao aparecimento de convulsões, mioclonia e
hiperreflexia7.

III – Farmacodinâmica

1 - Analgesia

A meperidina é um analgésico opióide agonista µ e kappa com


potência analgésica 10 vezes menor que a morfina, e exerce seus efeitos
farmacológicos principais sobre SNC e elementos neurais do intestino8.
Utilizada em altas concentrações (5%), a meperidina tem revelado
possuir atividade anestésica local. As características físico-químicas da
meperidina (pka, lipossolubilidade e peso molecular), assim como sua estrutura
molecular semelhante aos anestésicos locais (bloqueia canais de sódio), podem
explicar, em parte, essa atividade, mas o mecanismo exato pelo qual ela
interfere com a condução nervosa permanece desconhecido. Esse efeito
anestésico local não pode ser revertido com o uso de naloxona, sugerindo
que seja mediado por receptores não-opióides8.
Vários estudos aletórios e duplamente encobertos demonstraram que o
uso de dose única de 50mg de meperidina não foi mais eficaz que placebo
em produzir analgesia. Quando a dose foi de 100mg, apenas 30% dos
pacientes estudados alcançaram analgesia efetiva, similar a 10mg de morfina
pela via intramuscular 9,10,11,12,13,14,15,16.

146
Meperidina

2 - Efeitos sobre a musculatura lisa

Devido a sua estrutura química semelhante à atropina e à papaverina,


postulou-se um efeito espasmolítico sobre a musculatura lisa, porém tal efeito
não ficou totalmente comprovado por testes laboratoriais. Autores
observaram reversão de espasmos de intestino grosso de cobaia, induzida
quimicamente após aplicação direta de solução de meperidina. Por outro
lado, testes em segmentos intactos de intestino de cachorro e porções de
duodeno de coelhos mostraram que a meperidina aumenta o tônus e peristalse,
ao mesmo tempo que diminui o volume do órgão17.
Estudos revelaram que tanto a morfina quanto a meperidina causam
aumento na pressão biliar. Doses equianalgésicas de morfina (0,125mg.kg-1)
e meperidina (1,25mg.kg-1) pela via intravenosa causaram espasmos
prolongados do esfincter de Oddi. Radnay e col. demonstraram que 1mg.kg-1
de meperidina intravenosa aumentou a pressão biliar em 52,7% e 0,125mg.kg-1
de morfina em 61,3%18,19.
A aplicação direta de meperidina em ducto biliar comum e vesícula
biliar de cobaia mostrou que, em baixas concentrações, a meperidina dimi-
nui a resposta à estimulação, entretanto, em concentrações elevadas, au-
menta o número de contrações espontâneas. Tal efeito não é revertido com
o uso de naloxona, sugerindo um mecanismo de ação opióide-independen-
te 20 .
Jasani e col. compararam os efeitos do uso de 50mg de meperidina e
1 mg de hidromorfona, para tratamento de cólica ureteral, e demostraram
menor necessidade de utilização de outras medicações no tratamento da
dor (68% x 31%), menor número de pielografias (54% x 28%), menor nú-
mero de admissões hospitalares (49% x 25%) e melhor qualidade de
analgesia, quando a hidromorfona foi utilizada21.

3 - Efeitos respiratórios

Inicialmente postulou-se que a meperidina teria menor efeito depressor


respiratório que os outros analgésicos opióides, o que não se comprovou.
Mesmo com a utilização de doses equipotentes duas vezes maiores de
morfina, a meperidina ainda apresentou maior efeito depressor, que começa
a se manifestar após 20 a 30 minutos da administração intravenosa22.
Vários autores relatam depressão respiratória em neonatos, após suas
mães terem recebido meperidina durante o trabalho de parto23,24.
147
Anestesia Venosa

4 - Efeitos sobre o SNC

A meperidina causa analgesia, sedação e euforia igual à produzida por


doses equianalgésicas de morfina. Também está relacionada ao aparecimento
de náuseas e vômitos(por estimulação direta da zona quimiorreceptora do
gatilho, situada na área postrema do bubo), além de miose e inibição do
reflexo da tosse.
Embora a atividade excitatória da meperidina tenha sido atribuída por
vários autores como conseqüência de sua ação bloqueadora da recaptação
de serotonina, as evidências científicas mostram que esse feito seria devido
ao seu metabólito normeperidina.
Leander e Carter demonstraram um efeito convulsivante tanto da
meperidina quanto da normeperidina administradas por via parenteral, que
parece não ser desencadeado pela ativação de receptores opióides, uma
vez que não pode ser revertido por antagonistas. Parece que as convulsões
são mediadas por uma população de receptores diferentes, não envolvidos
com analgesia e depressão respiratória. Isso diferencia a meperidina dos
outros opióides, que pode, ter outros mecanismos neurotóxicos. Clinicamente,
sabe-se que o uso de naloxona, durante convulsões causadas por meperidina
e seus metabólitos, não é efetivo e até está relacionado à exacerbação do
quadro7,25.

5 - Aparelho cardiovascular

A meperidina está relacionada à liberação de histamina, com


conseqüente hipotensão ortostática. Tem efeito inotrópico negativo,
diminuindo a contratilidade miocárdica, porém, diferentemente dos outros
opióides, aumenta a freqüência cardíaca por causa de seu conhecido efeito
parassimpaticolítico8 .

IV – Uso da Meperidina em Situações Especiais

Pelas suas características farmacocinéticas de metabolismo e excreção,


em situações onde há alterações das funções hepáticas e/ou renais, a
meperidina apresentará comportamento peculiar.
Os estudos comparando a farmacocinética da meperidina, em indiví-
duos cirróticos e saudáveis, revelaram um aumento da meia-vida(T1/2β)
em indivíduos cirróticos, chegando a 11,4 horas(variação de 8,3 a 18,7 ho-
148
Meperidina

ras), já, nos indivíduos normais, o T1/2β foi de de 5,2 horas (variando de 4,2
a 8,7 horas)26.
Após indução hepática com fenitoína, a meia-vida de eliminação da
meperidina diminuiu de 6,4 para 4,3 horas, mas a taxa de ligação protéica, o
volume de distribuição e o clearance renal não se alteraram. Nesses paci-
entes, a taxa de acúmulo de normeperidina foi mais elevada, com maior
risco de ocorrência de efeitos excitatórios do SNC27.
Como a eliminação dos metabólitos da meperidina é realizada prin-
cipalmente por via renal (apenas 2% da droga é eliminada inalterada),
o acúmulo da normeperidina pode ocorrer precocemente nos pacien-
tes com deterioração da função renal. Recomenda-se que os pacien-
tes com taxa de filtração glomerular entre 10-50 ml.min -1 devem rece-
ber 75% da dose total de meperidina e pacientes com falência renal
grave (taxa de filtração glomerular<10ml.min-1) devem receber 50%
da dose total 28.
Em pacientes com anemia falciforme, observou-se, após a adminis-
tração intravenosa de 100 mg meperidina, um pico de concentração sérica
de 0,32µg.ml-1, muito inferior ao apresentado em indivíduos sem a doença,
cuja concentração plasmática máxima foi de 0,72 µg.ml-1. Os pacientes
com anemia falciforme alcançaram níveis plasmáticos de apenas 44% do
valor de indivíduos controle, gerando analgesia insuficiente, o que limita o
uso da meperidina nessa população. A cronicidade e os períodos de exa-
cerbação freqüentes da doença causam indução enzimática e tolerância,
com conseqüente prejuízo do efeito analgésico, pela diminuição das con-
centrações séricas de meperidina livre. Concomitantemente, há aumento
dos níveis de normeperidina, gerando maior possibilidade de efeitos
colaterais, como convulsões29,30.

V – Efeitos Adversos e Complicações

A meperidina apresenta complicações específicas inerentes ao seu


uso, como a síndrome serotoninérgica, a toxicidade pela normeperidina
e o delírio pós-operatório. Também compartilha com os demais opióides
nos efeitos adversos (próprios dessa categoria de fármacos), nos
variados sistemas orgânicos, como a depressão respiratória, náuseas e
vômitos, prurido, espasmo de musculatura lisa, dependência física e
psíquica, etc.

149
Anestesia Venosa

1 - Síndrome Serotoninérgica

A síndrome serotoninérgica é uma complicação iatrogênica causada


por agentes farmacológicos que aumentam a atividade das vias
serotoninérgicas no organismo e caracteriza-se por instabilidade autonômica,
excitabilidade neuromuscular e alteração do estado mental31. (Tabela II)
A estimulação periférica do sistema serotoninérgico provoca
vasoconstricção, agregação plaquetária, contração uterina, aumento da
peristalse intestinal e broncoconstricção. No SNC, gera alteração de
comportamento, atenção, função cardiovascular, percepção dolorosa, controle
motor, temperatura, sono, apetite e função sexual31.
A serotonina não é capaz de cruzar a barreira hemato-encefálica e é
sintetizada tanto central quanto perifericamente. As plaquetas acumulam
serotonina sintetizada pelas células cromafins do intestino, sendo a única
fonte periférica de serotonina. O núcleo magno da rafe é composto por
nove núcleos menores envolvidos com a produção central de serotonina.
Esses núcleos formam um grupo inferior caudal, que envia axônios excitatórios
à medula espinhal (vias descendentes), e um grupo superior rostral, que
envia projeções ascendentes inibitórias ao tálamo e regiões corticais (vias
ascendentes). As vias ascendentes estão envolvidas com a regulação do
sono e sincronização da atividade dos neurônios corticais. As vias
descendentes estão envolvidas com a antinocicepção, e, quando estimuladas,
inibem os neurônios do trato espino-talâmico, produzindo analgesia32.
A síntese de serotonina se inicia quando o triptofano ingerido cruza a
barreira hematoencefálica e entra nos neurônios para ser hidrolizado (etapa
limitante do processo) e posteriormente decarboxilado à serotonina que fica
armazenada em vesículas e pode ser liberada na fenda sináptica, com a
despolarização dos neurônios pré-sinápticos. A serotonina é removida da
fenda por recaptação ou degradação pelas monoaminooxidases (MAO),
que estão presentes na membrana mitocondrial. Existem duas isoformas de
MAO: a MAO-A, que metaboliza preferencialmente a serotonina, e a MAO-
B, que metaboliza as catecolaminas e está presente no cérebro. Nos
neurônios serotoninérgicos, encontram-se MAO-A e MAO-B na mesma
quantidade31,33.
O sistema serotoninérgico tem um grande número de receptores em
cada um dos sistemas neurotransmissores. Os mais estudados incluem os
5-HT1 (subtipos A,B,C,D,E e F), 5-HT2 (subtipos A,B e C), 5-HT3, 5-HT4,
e há vários outros subtipos ainda em investigação (5-HT5,5-HT6,5-HT7).

150
Meperidina

Tabela II – Sintomatologia da síndrome serotoninérgica

Comportamento/ Sistema
Neuromuscular
Cognição Autonômico
Confusão e delírio Taquicardia Tremor
Hipomania Hipertensão Ataxia
Ansiedade Sudorese Rigidez muscular
Agitação Diarréia Mioclonia
Euforia Náusea Nistagmo
Insônia Salivação Hiperatividade
Cefaléia Rubor facial Disartria
Convulsões Cólica abdominal
Coma Hiperpirexia

Receptores 5-HT1A desempenham papel importante na fisiopatologia da


depressão (hipoatividade desses receptores) e ansiedade (hiperatividade
desses receptores). Nos vasos cerebrais, encontramos principalmente o
subtipo 5-HT1D envolvido na patogênese das cefaléias tipo migrânea. O
tono vasomotor é mediado pelos receptores 5-HT2, já que, perifericamente,
são encontrados nas grandes artérias e veias. Os subtipos 5-HT2A e 5-
HT2C são encontrados no cérebro e medeiam os efeitos excitatórios da
serotonina. O receptor 5-HT2B está presente no sistema gastrointestinal,
útero e endotélio da musculatura lisa vascular. Próximo ao centro da êmese,
encontramos o subtipo 5-HT3, que pode ser bloqueado pelos antieméticos
(ondansetrom e metroclopramida). O trato gastrointestinal é rico em
receptores 5-HT4, que modificam a peristalse34.
A síndrome serotoninérgica é a mais aguda manifestação do exces-
so de serotonina na fenda sináptica e os critérios diagnósticos incluem
pelo menos três das seguintes manifestações: agitação,confusão mental,
tremor, hiperreflexia, ataxia, diarréia e febre. Recente aumento da dose
de agentes serotoninérgicos ou adição de agente dopaminérgico pode es-
tar presente na história clínica. Infecção, distúrbios metabólicos, intoxica-
ção por substâncias ou suspensão abrupta são condições que precisam
ser descartadas antes que o diagnóstico de síndrome serotoninérgica seja

151
Anestesia Venosa

feito. A excitabilidade neuromuscular inclui mioclonia, rigidez muscular,


tremor, hiperreflexia das extremidades inferiores e ataxia. São freqüentes
pupilas não fotorreagentes, nistagmo, sinal de Babinski e clônus bilateral.
A instabilidade autonômica provoca diaforese, elevação da temperatura,
hipertensão, taquicardia; e hipotensão pode ocorrer em alguns casos 31,33.
Há vários mecanismos farmacológicos propostos que podem explicar
a síndrome serotoninérgica: 1- aumento da síntese de serotonina; 2-maior
liberação de serotonina na fenda; 3-inibição da recaptação; 4-inibição do
metabolismo da serotonina; 5-estimulação direta dos receptores 5-HT pós-
sinápticos; 6-hipersensibilidade dos receptores pós-sinápticos; 7-diminuição
da atividade dopaminérgica, acompanhada de pequeno aumento da atividade
serotoninérgica por um dos mecanismos acima. A meperidina age através
da inibição da recaptação da serotonina31,33.
Estudos em animais demostraram ser necessário que haja elevação do
nível de serotonina em 60%, para que a toxicidade da meperidina seja
potencializada pelos inibidores da MAO35.
O primeiro relato de caso de síndrome serotoninérgica causada pela
meperidina foi feito por Mitchell36.O paciente era médico, em tratamento
com iproniazida, conhecido inibidor da MAO, que recebeu 100 mg de
meperidina por via intramuscular. Em 20 minutos o paciente começou a
apresentar náuseas, contração da musculatura da coxa, cianose, reflexos
tendinosos exacerbados, clônus bilateral e sinal de Babinski positivo.
Teoricamente, os fatores predisponentes para a síndrome são danos ao
endotélio pulmonar e vascular, hipertensão, aterosclerose, hipercolesterolemia
e doenças do tecido conectivo, que são condições associadas à diminuição
da atividade da MAO-A, com prejuízo da capacidade de metabolização da
serotonina31.
Há importante variabilidade genética no metabolismo da serotonina,
comprometendo a atividade das isoenzimas MAO. Alguns autores mostram
que, aproximadamente, 7% da população podem ser de indivíduos me-
tabolizadores lentos de serotonina37,38.
Medicamentos que sabidamente inibem o citocromo P450 (enzima
CYP2D6) e bloqueiam a recaptação seletiva de serotonina, como a fluoxetina,
paroxetina, sertralina e citalopram, podem elevar a concentração de serotonina
na fenda. Quando a meperidina é usada cocomitantemente a esses fármacos,
há o risco da síndrome ser desencadeada39.
O tratamento da síndrome serotoninérgica é primariamente de suporte
e consiste em resfriamento externo, lavagem gástrica com carvão ativado e

152
Meperidina

diálise, no caso de overdose de substâncias. Usualmente, a síndrome se


resolve com a suspensão da medicação desencadeante. A recuperação de
70% dos pacientes ocorre em 24 horas, enquanto 40% necessitam de ad-
missão em unidade de terapia intensiva e 25% necessitam de intubação. Os
benzodiazepínicos são a medicação de escolha para controle das mioclonias
e da rigidez muscular. A falha no controle dessas crises impõe a necessida-
de do uso de bloqueadores neuromusculares não despolarizantes, acompa-
nhado de intubação orotraqueal. Betabloqueadores com propriedades de
agir sobre receptores 5-HT1A, como o propranolol, e pindolol são indicados
principalmente quando taquicardia e hipertensão estão presentes31.

2 - Toxicidade pela Normeperidina

A clínica de toxicidade pela normeperidina se manifesta por agitação,


tremor, mioclonias e crises convulsivas tipo grande mal e aparecem quando
a concentração sangüínea de normeperidina se situa entre 450-800 ng.ml-1.
Em pacientes com níveis plasmáticos elevados de meperidina e norme-
peridina, é possível que a meperidina mascare os efeitos excitatórios da
normeperidina. A naloxona não reverte os efeitos tóxicos da normeperidina,
podendo até exacerbá-los, como já discutido anteriormente. No caso de
suspeita de toxicidade, a administração de meperidina deve ser suspensa e,
habitualmente, a função neurológica retorna ao normal em 2 a 3 dias, de-
vido à longa meia-vida de eliminação da normeperidina. A toxicidade pela
normeperidina pode ser prevenida, evitando-se a administração prolongada
de meperidina, especialmente em pacientes com comprometimento da fun-
ção renal. Em situações em que a administração contínua de opióides seja
necessária, deve-se fazer a opção por analgésicos como a morfina5.

3 - Alterações do humor

Kaiko e col. relatam importantes alterações de humor provocadas pelo


uso prolongado da meperidina. Em estudo realizado em 67 pacientes com
câncer, submetidos a tratamento cirúrgico e recebendo meperidina no pós-
operatório, o humor foi avaliado através de 15 frases pareadas separadas
por números. No grupo da meperidina, 12 das 15 frases tinham valor nega-
tivo, no segundo dia de estudo; no outro grupo, 13 das 15 frases tinham valor
positivo e não se observaram mudanças significativas de humor do primeiro
para o segundo dia de tratamento. Sabe-se que alterações de humor, medo,
153
Anestesia Venosa

raiva e ansiedade têm influência na percepção de dor e sofrimento, sendo


importante argumento contra o uso continuado da meperidina7.

4 - Dependência

Vários autores têm citado o potencial de drogadição com o uso de


meperidina. A dependência física e sintomas de abstinência são tão intensos
quanto à morfina, mas a dependência precoce e sintomas mais sérios de into-
xicação fazem da meperidina uma droga mais perigosa para o desenvolvi-
mento de drogadição. Nos pacientes que apresentam euforia, a chance de
vício é bastante elevada e há relatos de que, após apenas algumas vezes de
uso, já se instala uma vontade imperiosa de não viver sem a droga40.
Rasor e Crescraft avaliaram casos de internação hospitalares devido a
drogadição e encontraram 457 indivíduos assumidamente viciados em
meperidina. Destes, 288 tornaram-se dependentes após contato com a
meperidina sem qualquer uso prévio de outra substância. Observaram ainda
um número desproporcionalmente elevado de profissionais da saúde (186
pacientes, 64,6%). Em outro estudo, Wallot e Lambert observaram que a
meperidina era o opióide preferido entre médicos drogadictos canadenses.
O caráter lipofílico, com fácil e rápido acesso ao sistema nervoso central,
efeito intenso e de curta duração, são caracteres que talvez expliquem a
preferência pela meperidina41,42.

5 - Delírio pós-operatório

O delírio é uma das complicações mais comuns após operações, em


indivíduos idosos, e está associado a maior morbidade, recuperação mais de-
morada, maior permanência e a elevados custos hospitalares. Alguns estudos
demonstram que medicações como os opióides são consideradas como fato-
res de risco para o seu aparecimento, e a meperidina tem um lugar de desta-
que nesse aspecto, especialmente por conta de seu metabólito normeperidina
que tem meia-vida longa e efeito cumulativo após administrações repetidas43.

VI – Uso Clínico da Meperidina Intravenosa

A meperidina intravenosa tem sido utilizada para tratamento da dor


aguda pós-operatória moderada a intensa, sendo administrada em bolus,
segundo demanda, infusão contínua ou em sistema de analgesia controlada
154
Meperidina

pelo paciente(ACP). Quando utilizada em ACP, a concentração plasmática


mínima efetiva situa-se entre 455+/-174 ng/ml8.
A administração endovenosa deve ser realizada lentamente e as solu-
ções contendo meperidina devem ser bem diluídas (1mg.ml-1). A velocidade
de infusão deve variar em função da intensidade da dor e da idade do paci-
ente. Em sistema de ACP, administra-se dose em bolus de 5-15 mg, com
intervalo de 5-15 min, até obtenção de analgesia satisfatória. Pode-se usar
infusão contínua em um ritmo de 5-40 mg.h-1, com limite máximo de 200-
300 mg em 4 horas8.
Durante a anestesia, tem sido utilizada através de bolus lentos e infusão
contínua, titulando-se a dose segundo as necessidades do paciente, a
medicação pré-anestésica utilizada, o tipo de anestesia empregado e a natu-
reza do ato cirúrgico. Para o uso como medicação pré-anestésica, deve ser
administrada 30 a 90 minutos antes do ato anestésico, em doses de 50 a 100
mg, por via intramuscular ou subcutânea, em adultos. Em crianças, a dose
varia de 0,5 a 1 mg.kg-1 8.
Devido a seu efeito anticolinérgico, diminui secreções e pode facilitar
procedimentos endoscópicos, daí seu largo uso pelos endoscopistas, que
muitas vezes ignoram seus efeitos colaterais e suas interações40.
Quando utilizada para tratamento de cefaléia do tipo migrânea, age por
um curto período e parece aumentar a necessidade de consultas ao pronto
socorro. Cefaléia rebote pode ocorrer em 3 a 5 dias, e pode estar relacionada
à meia-vida da normeperidina40.
A meperidina é muito utilizada no tratamento do tremor pós-anestésico,
cujo mecanismo fisiopatológico ainda não foi completamente elucidado.
Alguns fatores de risco podem estar implicados em sua gênese, como
hipotermia, estresse, dor não controlada, inibição dos reflexos espinhais e
diminuição da atividade simpática. Vários medicamentos são utilizadas no
tratamento dessa complicação e incluem opióides, doxapram, tramadol,
clonidina, propofol e fisiostigmina. Os opióides são os mais intensamente
estudados e, entre eles, a meperidina tem sido considerada a droga mais
eficaz. Evidências sugerem que os receptores kappa desempenham papel
importante na modulação do tremor pós-operatório. Isso explica a
superioridade da meperidina sobre os opióides preferencialmente µ agonistas
como a morfina, fentanil, sufentanil e alfentanil. O potencial analgésico do
tramadol parece ser pouco mediado por sua ação nos receptores µ , pelos
quais apresenta pequena afinidade. O seu efeito nos receptores 5-HT3 e
nos receptores noradrenérgicos é importante na ativação das vias

155
Anestesia Venosa

descendentes inibitórias, produzindo antinocicepção. Sabe-se atualmente que


esses receptores de serotonina desempenham um papel no controle da
temperatura corporal e que, ao ativarem o núcleo magno da rafe, têm efeito
inibitório sobre o tremor pós-operatório. A partir desses dados, alguns estudos
clínicos foram conduzidos e verificou-se que o tramadol seria eficaz no
tratamento do tremor. Dose de 1 mg.kg-1 de tramadol se revelou superior a
0,5mg.kg-1 de meperidina, nos primeiros 30 minutos após sua administração,
sem alterações hemodinâmicas, excesso de sedação ou outros efeitos adversos.
Vale ressaltar que mais de 50% dos pacientes que receberam meperidina
tiveram recorrência do tremor, 10 minutos após a dose inicial44.
Atualmente, as indicações de utilização clínica da meperidina são cada
vez menores. A Joint Commission on Accreditation of Health Care
Organizations americana tem tomado atitudes no sentido de desencorajar
o uso da meperidina nas novas diretrizes para tratamento da dor pós-
operatória, e várias unidades de saúde fazem sérias restrições ao seu uso,
sendo removida do arsenal terapêutico, em algumas delas. O analgésico
considerado padrão-ouro no tratamento da dor pós-operatória intensa, pela
via parenteral, continua sendo a morfina40.
Concluindo, a meperidina vem se tornando um marcador negativo para
muitas instituições que avaliam de forma rigorosa o tratamento da dor, sendo
considerada um obstáculo para que serviços de terapia anti-álgica funcionem
adequadamente. É uma medicação obsoleta e perigosa, que deve ser utilizada
com cautela e de forma não rotineira.

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159
Fentanil

Fentanil
Alfredo Augusto Vieira Portella*
Edmar José Alves dos Santos**

Estrutura Química

O fentanil N-(1-fenetil-4-piperinil) proprionanilida foi sintetizado em


1960 por Paul Janssen1,2. Surgiu do desenvolvimento de uma série de pes-
quisas que conduziram a um melhor entendimento da estrutura química e
mecanismo de interação dos opióides e seus receptores. Esses estudos
tinham a finalidade de alcançar a produção de medicações mais potentes e
com maior índice de segurança do que a morfina. Assim, evoluindo o
rearranjo molecular a partir da meperidina e passando pela fenoperidina,
chegou-se finalmente ao fentanil 1.

Figura 1 – Representação da estrutura química do fentanil

* Professor Adjunto de Anestesiologia – FCM/UERJ Responsável pelo CET/SBA – HUPE/UERJ


Chefe da UDA Anestesiologia – HUPE/UERJ
** Professor Assistente de Anestesiologia – FCM/UERJ Co-responsável Pelo CET/SBA –
HUPE/UERJ Preceptor da Residência Médica – HUPE/UERJ

161
Anestesia Venosa

Classificação

O fentanil é um opióide sintético pertencente ao grupo químico das


fenilpiperidinas (meperidina, alfentanil, sufentanil, remifentanil). Atua como
agonista pleno em receptores opióides (µ, δ e κ)2,3.

Farmacodinâmica

Exerce seus efeitos farmacológicos através da ligação aos recepto-


res opiódes (µ, δ e κ), apresentando potência analgésica de 50 a 100 vezes
superior à morfina2)
3
Tabela I – Receptores opióides e ação clínica mediada pelo fentanil
Receptor Ação
µ Analgesia supra-espinhal e espinhal, sedação, bradicardia,
miose, depressão respiratória, prurido, retenção urinária, náu-
sea e vômito.
δ Analgesia supra-espinhal e espinhal, depressão respiratória.
κ Analgesia supra-espinhal e espinhal, diurese, disforia.

Os receptores opióides pertencem farmacologicamente à família dos


receptores acoplados à proteína G. Especificamente atuam através da proteína
inibitória (Gi), tendo como efeitos secundários intracelulares: 1) inibição da enzima
adenilato-ciclase (AC) e síntese do AMPc; 2) abertura dos canais de K+ e
hiperpolarização celular; e 3) redução das correntes de Ca++ através dos canais
de Ca++ voltagem dependentes, reduzindo os níveis intracelulares de Ca++2.
No encéfalo, o fentanil exerce seus efeitos no nível das amígdalas,
formação reticular mesencefálica, substância cinza periaquedutal e núcleo
ventral do bulbo. Na formação reticular e no bulbo, ativam os feixes inibitó-
rios descendentes, mediando a liberação de nor-adrenalina e serotonina, na
substância gelatinosa medular, através do funículo dorso-lateral. Esse efei-
to está relacionado à desinibição do sistema inibitório opióide, que é media-
do por neurônios GABAérgicos que mantêm inibição tônica sobre neurônios
liberadores de opióides endógenos.
No nível da medula espinhal, o fentanil atua na substância gelatinosa,
exacerbando o mecanismo inibitório segmentar (mecanismo do portão de
Melzac), atenuando ou inibindo a passagem do estímulo nociceptivo. Exer-
ce seus efeitos, tanto no nível pré-sináptico, inibindo a liberação de
162
Fentanil

Figura 2 – Representação esquemática da interação do fentanil com os


receptores opióides

neurotransmissores (glutamato e substância P), como no nível pós-sináptico,


levando à hiperpolarização celular e à redução da resposta dos receptores
AMPA (aspartato), NMDA (glutamato) e NK (neurocinina) à ativação
pelo glutamato e substância P, prevenindo, desse modo, a ocorrência do
processo de somação dos potenciais de ação e sensibilização central à dor.
Vários estudos procuraram correlacionar a concentração plasmática
ao efeito analgésico do fentanil e ao seu efeito depressor da ventilação
(resposta ventilatória à hipercarbia, ventilação minuto ou ocorrência de
apnéia), a maioria deles relacionada ao uso do fentanil para analgesia pós-
operatória ou realizados em voluntários sadios2.
Observou-se existir um lapso de tempo entre a concentração
plasmática e o efeito farmacológico medido através da alteração da ativi-
dade elétrica cortical ao eletroencefalograma. Essa diferença de tempo
(histerese) corresponde ao tempo necessário ao equilíbrio entre a concen-
tração do fentanil no plasma e no sítio de ação. Foi estimado em 3 a 5
minutos durante o início da infusão, quando aferido durante a infusão contí-
nua de fentanil a uma taxa de 150 µg.min-1 ao longo de 5 minutos, ou de 10
a 20 minutos, para retorno aos padrões basais, após o seu término. A histerese
é maior na administração por injeção em dose única e quanto maior for a
dose total infundida4.
163
Anestesia Venosa

Figura 3 – Histerese: Correlação entre a concentração plasmática


do fentanil e alteração eletroencefalográfica 4

Fentanil Freqüência de
corte espectral
-1
[ng.ml ] [Hz]

[min]
-1
Infusão do Fentanil µg.kg ]
Fentanil [µ
[150µg.min ]
-1

Esses estudos determinaram a concentração plasmática analgésica


efetiva mínima (CpAEM) como sendo de 0,6ng.ml-1, contudo, apresentan-
do grande variabilidade individual (0,23 a 1,18ng.ml-1). Em conjunto, os vá-
rios estudos apontam para uma concentração plasmática analgésica efeti-
va em repouso como sendo entre 0,6 a 3ng.ml-1 (variação individual: 0,2 a
8ng.ml-1). Para analgesia efetiva durante deambulação, tosse ou realização
de fisioterapia, são necessárias concentrações plasmáticas mais elevadas2.
Com relação à depressão ventilatória, definida como redução na res-
posta ventilatória ao dióxido de carbono, da ventilação minuto ou necessi-
dade de tratamento com naloxona, esta se correlacionou com concentra-
ções plasmáticas de fentanil entre 1 e 3 ng.ml-1, demonstrando relevância
clínica acima de 2 ng.ml-1 2.
Esses dados, em conjunto, apontam para o uso de concentrações
plasmáticas analgésicas de fentanil limitadas a 2 ng.ml-1.
Ainda como ação do fentanil no sistema nervoso central e seu efei-
to analgésico, ocorre redução dose-dependente da concentração alveolar
mínima (CAM) dos anestésicos halogenados, até um efeito teto ao redor
de 10ng/ml; redução das concentrações de óxido nitroso e redução da
concentração plasmática do propofol, capazes de abolir o movimento a
determinado estímulo nociceptivo.
164
Fentanil

Tabela II – Farmacodinâmica: relação entre concentrações plasmáticas


2,5
de fentanil e seus efeitos
Efeito Concentração Plasmática (ng/ml-1)
Analgesia efetiva mínima 0,6
Analgesia plena 1,5-5
Redução de 50% da resposta
ventilatória ao CO2 1,5-3
Redução (%) da CAM do isoflurano
54 2
63 3
75 6
82 10
Apnéia >7
Analgesia cirúrgica em associação com
N2O 70% 15-25
Inconsciência (não consistente) 15-25

(4)
Tabela III – Índice terapêutico
ED50 LD50 Índice terapêutico
(µg.kg-1) (µg.kg-1) (LD50/ ED50)
0,011 3,1 277

As concentrações plasmáticas, para observação de determinado efeito


com o uso de fentanil, variam com diversos fatores, entre eles: 1) idade,
estado físico e funções hepática e renal do paciente; 2) intensidade do estí-
mulo; e 3) associação com outros fármacos2,6.

Figura 4 – Variação das necessidades de fentanil conforme a faixa


etária. Administração de fentanil na dose de 30µg.kg-1 e percentual de
6
pacientes inconscientes

165
Anestesia Venosa

Efeitos nos Sistemas e Aparelhos

Sistema Nervoso Central

O fentanil parece causar alterações mínimas no fluxo sangüíneo ce-


rebral, no metabolismo cerebral de oxigênio ou na pressão intracraniana.
Ele produz rigidez muscular por ação em receptores opióides µ su-
pra-espinhais no nível do núcleo rafe da ponte e no tronco cerebral. Esse
fenômeno pode ser potencializado pela dose administrada, velocidade de
infusão, idade do paciente (mais idosos estão mais predispostos) e pelo uso
de óxido nitroso. Habitualmente ocorre redução da complacência torácica
que, por vezes, é intensa, o suficiente para impedir a ventilação espontânea
ou controlada, necessitando de tratamento com barbitúricos, naloxona ou
bloqueadores neuromusculares6.
O aparecimento de mioclonias é secundário ao bloqueio de vias
motoras inibitórias corticais, não correspondendo à alteração epileptiforme
ao eletroencefalograma.
A ocorrência de prurido não está associada à liberação de histamina
e costuma estar limitada à face, podendo ser generalizada. Possui incidên-
cia semelhante à morfina e ao alfentanil, em doses eqüipotentes.
Os pacientes que recebem uma dose de 1,5 µg.kg-1 de fentanil po-
dem apresentar tosse logo após a sua administração. Esse efeito tem inci-
dência de 28% e mecanismo de ação desconhecido7.

Aparelho Cardiovascular

Em estudos com coração isolado ocorre depressão de 50% da


contratilidade miocárdica, por ação direta do fentanil em concentrações de
10 µg.ml-1. Como a dose de 75 µg.kg-1 em humanos está relacionada à con-
centração plasmática de 50 ng.ml-1, não há redução da contratilidade miocár-
dica na prática clínica4.
A estabilidade hemodinâmica, com o uso do fentanil, foi um grande
marco na amplificação do seu uso na prática clínica. Dose de 7 µg.kg-1
acarreta apenas discreta redução da freqüência cardíaca. Doses de 20 a
75 µg.kg-1 causam redução de aproximadamente 15% da pressão arterial
média, freqüência cardíaca, resistências vasculares sistêmica e pulmonar e
pressão de oclusão capilar, sem alteração clinicamente significativa do débito
cardíaco, mostrando-se adequadas mesmo em pacientes com disfunção

166
Fentanil

contrátil miocárdica de moderada a severa. Não há liberação significativa


de histamina mesmo com doses de até 50 µg.kg-1.
Doses de 100 µg.kg-1 proporcionam um bloqueio neurovegetativo in-
tenso, mantendo inalterados os níveis plasmáticos de nor-adrenalina, cortisol,
hormônio do crescimento e glicose, em resposta ao estresse cirúrgico.

Aparelho Digestivo

O uso de fentanil está associado ao retardo no esvaziamento gástri-


co, à lentidão do trânsito intestinal e ao aumento do tônus do ducto biliar.
Há indução de náusea e vômito, com incidências variáveis na dependên-
cia da dose, via de administração, predisposição prévia do paciente e associa-
ção com outras medicações nauseantes. Esse efeito parece ser mediado no
nível central, através da ação do fentanil em receptores δ na zona postrema do
bulbo (zona do gatilho) e potencializado pelos efeitos sobre o trato gastrintestinal.

Aparelho Urinário

Ocorre retenção urinária com o uso do fentanil, secundária à inibição


das fibras autonômicas sacrais, por estímulo dos receptores µ. Sua incidên-
cia é bastante variável nos diversos estudos, vários dos quais têm sua ava-
liação prejudicada pelo uso de sonda vesical no pós-operatório.

2
Tabela IV – incidência de náusea e vômito, prurido e retenção urinária
VIA DE Náusea e Prurido % Retenção
ADMINISTRAÇÃO Vômito % Urinária %
Venosa contínua 20-60 0-30 40-45
Venosa contínua + PCA 30-40 7-13 ——
Analgesia controlada
pelo paciente (PCA) 20-60 0-40 ——
Pele 50-60(10-90) 4-39 3-27
Peridural 20-30 0-85 12 (0-50)
Subarcnóidea 0-10 0-50 30
Oral 40 20 ——
Nasal <1 (pequena
casuística) —— ——

167
Anestesia Venosa

Farmacocinética

O fentanil, após administração venosa, segue um modelo


tricompartimental. Em dose única, apresenta pico de ação de 3 a 5 mi-
nutos e curta duração do efeito, determinada pela sua intensa
redistribuição. Sua alta solubilidade lipídica facilita sua passagem atra-
vés das membranas biológicas e atribuiu amplo volume de distribuição,
contribuindo, assim, tanto para o início quanto para o término de seus
efeitos. Após injeção venosa, é rapidamente distribuído aos tecidos ri-
camente vascularizados (pulmão, cérebro e coração), apresentando re-
dução de 80% da concentração plasmática inicial, após 5 minutos e
99%, em uma hora2. O pico de concentração no tecido muscular é de 5
minutos e, no tecido gorduroso, de 30 minutos. A liberação lenta do
fentanil, a partir do tecido gorduroso, está relacionada à sua meia vida
de eliminação prolongada. O acúmulo com administração de doses re-
petidas ou infusão contínua da medicação são capazes de prolongar, em
muito, o tempo de reversão dos seus efeitos 2.
No plasma, apresenta fração ligada às proteínas (α1-glicoproteína
ácida e albumina), de 84%, ligação aos eritrócitos, de 40% e fração ionizada
maior de 90%, em pH fisiológico (pH 7,4). Na presença de acidose, ocorre
redução da ligação às proteínas , maior quantidade da medicação livre para
atuar no sítio de ação e aumento da intensidade dos seus efeitos2. Sua
maior ionização durante a acidose aumenta sua fração ionizada, pode levar
ao seqüestro iônico no sistema nervoso central e ao prolongamento dos
seus efeitos2.
Apresenta metabolização hepática intensa, com apenas 6% da dose
administrada excretados pela urina. Sua alta taxa de extração hepática
faz com que sua depuração seja primordialmente dependente do fluxo
sangüíneo hepático. A metabolização se dá por N-dealquilação a Nor-
fentanil e hidroxilação a hidroxi-proprionilfentanil e hidroxi-pro-
prionilnorfentanil. Seus metabólitos parecem não possuir atividade clini-
camente significativa2,8.
As características farmacocinéticas do fentanil fazem com que ele
possua uma meia-vida sensível ao contexto (definida como o tempo neces-
sário para a queda da concentração plasmática de uma medicação, após
infusão contínua, à metade daquela, ao final da infusão) não favorável à sua
utilização em infusão contínua, sendo preterido por alfentanil, sufentanil ou
remifentanil9.

168
Fentanil

4
Tabela V – Características fisicoquímicas e farmacocinéticas do fentanil

Parâmetro Valor
pKa 8,4
% não ionizado pH 7,4 8,5
Coeficiente de lipossolubilidade (octanol:água) 816
Ligação proteica (%) 84
Depuração (ml/min/kg) 10-20
Taxa de extração hepática 0,8-1,0
Volume de distribuição Vdss(l/kg) - estado de equilíbrio 3-5
Meia-vida de distribuição rápida (T1/2α - min) 1-2
Meia-vida de distribuição lenta (T1/2β - min) 20-30
Peso molecular 528,29

Figura 5 – Meia vida sensível ao contexto do fentanil em comparação


9
ao alfentanil, sufentanil e remifentanil

A dose analgésica efetiva, a concentração plasmática alcançada, o


tempo para início e pico máximo de efeito, a duração do efeito analgésico e
a incidência de efeitos colaterais podem variar com a dose, a forma e a via
de administração da droga.
Na administração por via peridural, a concentração plasmática na
qual ocorre analgesia é de 1 a 2 ng.ml-1, muito semelhante àquela que pro-
duz analgesia por via venosa. Vários estudos demonstram que o efeito
169
Anestesia Venosa

analgésico do fentanil peridural é mediado principalmente por seu efeito sistêmico


2
. Contudo, a administração do fentanil, no nível torácico, no segmento cor-
respondente ao estímulo nociceptivo cirúrgico (neste caso a redução pode
chegar a 50%) e associação com adrenalina 1:300.000 parecem reduzir a
concentração plasmática analgésica efetiva por via peridural em relação à
via venosa, favorecendo à existência de uma ação espinhal da medicação.
Com relação à associação com adrenalina, o efeito analgésico pode estar
potencializado pela sua ação em receptores alfa-adrenérgicos2.
Ocorre dispersão cefálica do fentanil peridural, com pico de concen-
tração no nível cervical, após 20 minutos, e de magnitude em torno de 10%
da dosagem administrada2.
Ao contrário do que ocorre com a via peridural, o fentanil adminis-
trado por via subaracnóidea parece exercer parte dos seus efeitos em re-
ceptores opióides medulares. A concentração plasmática analgésica efeti-
va é de 0,49 a 0,72ng.ml-1, inferior àquela necessária por via venosa2.

Tabela VI – Farmacocinética do fentanil administrado por diferentes


2
vias para analgesia pós-operatória

VIA DE Dose ou Dose média Concentração Efeito


ADMINISTRAÇÃO velocidade horária plasmática
(µg) (ng.ml-1) Início(min)Término (h)

Venosa contínua 1-4µg/kg/h 99 0,6-2,3 3-5 indefinida


Venosa contínua +
PCA 0,08-1,0µg.kg-1h-1 44-128 0,6-1,54 3-5 indefinida
+ bolos 7-50µg
Analgesia controlada
pelo paciente (PCA) 20-50µg 48-83 0,7-2,1 3-5 indefinida
Pele 25-100µg.h -1 100 1-2 840-1680 72-96
Peridural 50-100µg —— 0,3-0,86 15 2-4
Subarcnóidea 10-30µg —— 0,49-0,72 5-15 1-5
Mucosa oral 7-10µg.kg-1 200 —— 4 0,5-3,5
Nasal 27µg.5min-1 106 —— 16 ——

Uso Clínico

INTRODUÇÃO

Graças ao melhor conhecimento das propriedades farmacocinéticas


e farmacodinâmicas dos opióides, a cada dia aumenta o número de
anestesiologistas que os utilizam nas suas técnicas de anestesia e analgesia.
170
Fentanil

Apesar de o sufentanil, o alfentanil e o remifentanil estarem dispo-


níveis no Brasil, o fentanil, sintetizado em 1960, continua a merecer a
preferência dos anestesiologistas. Essa preferência se deve, provavel-
mente, não somente às suas características farmacológicas, mas também
a dois outros importantes e prioritários fatores: 1- sendo o mais antigo
derivado da 4-anilinopiperidina utilizado em anestesia, possibilitou que os
anestesiologistas adquirissem grande experiência no seu uso e pleno do-
mínio das suas indicações e contra-indicações; 2- quando comparado com
os outros opióides, o fentanil apresenta o mais baixo custo inicial e final,
característica esta de alta relevância para o atual modelo de assistência
médica nacional.

Vias de Administração

Dependendo do objetivo a ser atingido, o fentanil poderá ser adminis-


trado por várias vias, entre as quais as mais comuns são: parenteral
(intravenosa, intramuscular e subcutânea), espinhal (epidural e subaracnóidea),
transmucosa (oral, nasal e retal) e transdérmica (Tabela VI).

Intravenosa

A intravenosa é a mais utilizada pelos anestesiologistas, e as indica-


ções mais freqüentes para uso do fentanil por esta via são:
1) Sedação e analgesia - na dose de 0,5 a 1 µg.kg-1, para proporcio-
nar sedação e analgesia no pré-anestésico, principalmente se o paciente
apresenta dor pré-operatória intensa (por exemplo, fraturas múltiplas); como
conduta para analgesia pós-operatória, ou para a realização de procedi-
mentos pouco dolorosos (por exemplo, curetagem uterina, curativo, drena-
gem de abscesso). A dose preconizada deverá ser diluída e injetada lenta-
mente, e repetida a cada 5 minutos até que seja atingido o efeito clínico
desejado. Apesar de essas doses serem baixas e independentemente de o
procedimento ser rápido e/ou de baixa complexidade, pela possibilidade de
ocorrer depressão respiratória, é indispensável que o paciente seja
monitorizado com cardioscópio, aparelho de pressão arterial e oxímetro de
pulso; esteja disponível o material para assistência ventilatória, que seja
administrado por profissional habilitado10,11.
2) Indução da anestesia - são recomendadas doses de 5 a 10µg.kg-1,
com a finalidade de proporcionar proteção neurovegetativa e minimizar

171
Anestesia Venosa

os efeitos cardioexcitatórios resultantes das manobras de laringoscopia


e intubação traqueal. É importante lembrar que o fentanil possui uma
latência média de 4 minutos, motivo pelo qual é necessário aguardar
esse tempo após a injeção, a fim de que a laringoscopia seja realizada
somente quando for atingido o seu pico ação. Nessas doses, por desen-
volver intensa rigidez muscular, o fentanil deverá ser administrado asso-
ciado a um relaxante muscular, sendo imprescindível instituir regime de
ventilação controlada manual ou mecânica. Doses de 50 a 150 µg/kg-1,
associadas a um relaxante muscular adespolarizante desprovido de efeito
vagomimético importante (por exemplo, pancurônio), têm sido utilizadas
com sucesso em pacientes instáveis hemodinamicamente, portadores
de grave disfunção ventricular e com conseqüente baixa fração de
ejeção. É necessário ressaltar que, devido ao fraco efeito hipnótico do
fentanil, o paciente poderá apresentar memorização do período
transoperatório, o que poderá ser minimizado pela administração
concomitante de baixas doses de benzodiazepínicos (midazolam), hip-
nóticos ou agentes voláteis12-14.
3) Manutenção da anestesia – nas técnicas de anestesia balanceada,
nas quais o anestésico principal é um agente volátil, associado ou não ao
óxido nitroso, doses intermitentes de 0,5 a 2,0 µg.kg-1 de fentanil intravenoso
são administradas a cada 30 a 45 minutos, para adequar o plano de anestesia
ao estímulo cirúrgico, sem que seja necessário aumentar a concentração do
agente inalatório. Muito embora possa ser utilizado em infusão contínua (1
a 4 µg.kg-1h-1), para manutenção da anestesia, o fentanil é preterido pelo
remifentanil, sufentanil ou alfentanil, que possuem meia-vida sensível ao
contexto menor do que o dele15-18.

Intramuscular

A administração intramuscular de fentanil em doses variáveis de 1 a


3 µg.kg-1 tem sido utilizada na pré-medicação, na analgesia pós-operatória,
ou para realização de procedimentos pouco dolorosos e de baixa complexi-
dade. Para aumentar a intensidade da sedação e/ou da analgesia do fentanil,
concomitantemente, poderão ser administradas pequenas doses de
benzodiazepínicos (midazolam) ou hipnóticos (propofol) por via venosa, ou
de agentes inalatórios não irritantes das vias aéreas através de máscara
facial ou laríngea10,16,19.

172
Fentanil

Subcutânea

Essa via é útil para analgesia pós-operatória e as doses de fentanil


variam de 0,5 a 2 µg.kg-1. Entretanto, como a absorção subcutânea é lenta,
ela deve ser evitada, quando se requer um efeito imediato do fentanil. A via
subcutânea está contra-indicada nos pacientes com vasoconstricção peri-
férica de qualquer origem (dor intensa, hipotensão, hipovolemia, hipotermia,
etc), pois a velocidade de absorção estará ainda mais reduzida.

Epidural e Subaracnóidea

A administração espinhal de opióides é uma técnica plenamente


consolidada e universalmente aceita, principalmente para proporcionar
analgesia pós-operatória e analgesia de parto. A via espinhal e a intravenosa
são, atualmente, as mais importantes e freqüentes vias de administração de
opióides. O opióide poderá ser administrado por via espinhal, em uma só
dose em bolus; em uma dose inicial em bolus e doses intermitentes subse-
qüentes; ou em uma dose inicial em bolus seguida de infusão contínua,
com ou sem bolus intermitentes. Com essa finalidade, o fentanil em bolus
é utilizado em doses de 50 a 100µg por via epidural e de 10 a 30µg por via
subaracnóidea, as quais proporcionam analgesia por um período de 4 a 6
horas. A analgesia epidural é de melhor qualidade, quando o fentanil é ad-
ministrado associado a um anestésico local em baixa concentração (p.e.
ropivacaína 0,2% ou bupivacaína 0,125%), do que quando é administrado
isoladamente. Essa associação permite o uso de menores doses de opióide
e de menores concentrações do anestésico local; proporciona menor inci-
dência e menor intensidade de efeitos colaterais e produz bloqueio motor
desprezível. Para infusão epidural contínua, o fentanil deve ser diluído a
0,001% (10 µg.ml-1 = 500 µg em 500 ml) e a dose preconizada varia de 1 a
4 µg.kg-1.h-1 (cerca de 4 a 10 ml-1h-1). A adição de um anestésico local é
recomendável e a concentração final deverá ser de 0,1% (1 mg.ml-1 = 500
mg em 500 ml) para a bupivacaína ou de 0,2% (2 mg.ml -1 = 1000 mg em
500 ml) para a ropivacaína. A adição de adrenalina 1: 200.000 à solução de
anestésico local com fentanil aumenta a intensidade e a duração do blo-
queio neural, além de reduzir o nível plasmático dos dois agentes e, conse-
qüentemente, a incidência e a intensidade dos seus efeitos indesejáveis20-24.
A administração subaracnóidea contínua de opióides, muito embo-
ra seja tema de vários estudos, ainda não atingiu o mesmo nível de desen-

173
Anestesia Venosa

volvimento que a via epidural contínua, motivo pelo qual seu uso e
aceitabilidade ainda sofrem restrições25,26. Nos bloqueios epidurais ou
subaracnóideos com finalidades cirúrgicas, o anestésico local é utilizado
em concentrações elevadas (ropivacaína 1% ou bupivacaína 0,5%), para
proporcionar bloqueio motor eficaz, e geralmente é associado a um opióide
(morfina, sufentanil ou fentanil). Quando indicado, o fentanil é emprega-
do nas mesmas doses anteriormente citadas para analgesia pós-operató-
ria ou analgesia de parto 27,28. Recentemente, com a finalidade de apro-
veitar os benefícios de ambas as técnicas, tem sido preconizado o uso
simultâneo dos bloqueios subaracnóideo e epidural, por meio de uma
punção única, o que se consegue em quatro etapas: 1) punção do espaço
epidural; 2) punção subaracnóidea com a agulha introduzida através da
agulha epidural; 3) injeção subaracnóidea de opióide e/ou anestésico lo-
cal; 4) retirada da agulha de raque e passagem de cateter através da
agulha epidural. As principais vantagens da técnica combinada são: 1)
rápida instalação do bloqueio subaracnóideo; 2) possibilidade de aumen-
tar o nível e/ou a duração do bloqueio através do cateter epidural, com
finalidade cirúrgica ou para analgesia pós-operatória; 3) evitar o uso
subaracnóideo de microcateteres e de suas complicações. Essa técnica
tem despertado maior interesse em obstetrícia, entretanto, ainda não atin-
giu a popularidade adquirida pela subaracnóidea ou pela epidural, quando
empregadas separadamente 29,30.
Os principais efeitos colaterais do fentanil espinhal (prurido, náu-
seas, vômitos, retenção urinária, depressão respiratória e sonolência) são
mais freqüentes e mais intensos quando ele é administrado pela via
subaracnóidea do que pela epidural20,31.

Transmucosa

Quando administrado através da mucosa nasal ou da sublingual, por


serem esta ricamente vascularizadas e por eliminarem o metabolismo da
primeira passagem hepática, o fentanil atinge níveis plasmáticos mais rapi-
damente do que quando administrado por via intramuscular ou transdérmica.
A dose administrada, entretanto, não proporcionará o nível plasmático de-
sejado se o fentanil se diluir na saliva e/ou for deglutido32.
Recentemente foi desenvolvida uma apresentação do fentanil em
forma de pirulito para administração transmucosa oral, a qual foi bem acei-
ta, principalmente pelos pacientes pediátricos33-38.

174
Fentanil

Apesar dos avanços obtidos com a administração de morfina sob a


forma de supositórios, a má aceitabilidade pelo paciente e a imprevisibilidade
da dose que será absorvida restringem a administração transmucosa retal
de opióides39.
As principais indicações para administração transmucosa de fentanil
são: pre-medicação, analgesia pós-operatória e tratamento de dor crônica
40-42
.

Transdérmica

O fentanil, graças à sua alta potência e à alta lipossolubilidade, foi o


primeiro opióide a ser disponibilizado para aplicação por meio de adesivo
transdérmico. Comercializado com o nome Durogesic®, os adesivos con-
têm fentanil nas doses de 2.5, 5.0, 7.5 ou 10 mg, que liberam 25, 50, 75 ou
100 µg/h, capazes de proporcionar, respectivamente, concentrações
plasmáticas médias de menos de 1.0, 1.0, 1.5, e 2.0 ng.ml-1. O Durogesic®
está indicado no tratamento da dor crônica e contra-indicado para trata-
mento da dor aguda, inclusive pós-operatória, pois a absorção do fentanil é
lenta e seu nível plasmático máximo só é atingido 18 a 24 horas após a
aplicação do adesivo43-47.
Outras vias de administração de opióides continuam sendo inves-
tigadas. Merecem destaque, por exemplo, o emprego do sufentanil através
de óvulos vaginais e a administração do fentanil por inalação como métodos
de analgesia48,49.

Indicações

O fentanil está indicado em procedimentos em regime ambulatorial


ou hospitalizado de caráter eletivo ou de urgência, de curta, média ou longa
duração; de pequeno, médio ou grande porte, com ou sem necessidade de
intubação traqueal ou circulação extracorpórea. Não existem restrições ao
uso do fentanil quanto à idade, peso, sexo e estado físico dos pacientes.
Entretanto, graças ao seu perfil farmacocinético e farmacodinâmico, ele
está especialmente indicado em pacientes de alto risco como cardiopatas,
nefropatas e septicêmicos, entre outros50. Inclusive, quando houver contra-
indicação absoluta de anestesia regional (recusa da paciente, infecção no
local de punção, alterações da coagulação, estenose mitral grave e outras
cardiopatias, neuropatias etc), a realização de cesariana sob anestesia ge-

175
Anestesia Venosa

ral induzida com 5 a 10 µg.kg-1 de fentanil é segura para a mãe e para o


concepto51,52.

Contra-indicações

Estando o anestesiologista plenamente habilitado e havendo re-


cursos materiais adequados, pode-se afirmar que não existem contra-
indicações absolutas para uso do fentanil. Entretanto, em alguns paci-
entes (toxicômanos e portadores de focos epileptóides), deve-se anali-
sar criteriosamente a relação risco-benefício para indicar o emprego do
fentanil.

Vantagens

As principais vantagens do fentanil em anestesia e analgesia resul-


tam das suas propriedades farmacológicas e são, entre outras, potente ação
analgésica, excelente estabilidade hemodinâmica, discreto efeito inotrópico
negativo, discreta redução da resistência vascular periférica, discreta libe-
ração de histamina, eficaz redução da CAM dos agentes inalatórios, poten-
te ação antitussígena e possui antagonista específico.

Inconvenientes

Os efeitos indesejáveis do fentanil também dependem das suas pro-


priedades farmacológicas, e os mais importantes são: 1) memorização
transoperatória devido à sua fraca ação hipnótica, o que pode ser corrigido
com a administração de benzodiazepínicos (midazolam, diazepam), hipnóti-
cos (tiopental, etomidato, propofol) ou agentes inalatórios (N2O, halotano,
enflurano, isoflurano, sevoflurano, desflurano); 2) depressão respiratória
residual, que pode ser corrigida com o uso de prótese ventilatória ou de
antagonista opióide (naloxona).

Antagonista

A naloxona é atualmente o principal antagonista opióide puro para


uso em anestesia. Graças à sua eficácia em antagonizar os efeitos dos
opióides, a naloxona ganhou grande popularidade e tornou-se indispensável
no arsenal do anestesiologista. Entretanto, não obstante sua eficácia, o uso

176
Fentanil

da naloxona não é isento de riscos e complicações, devidos à sua ação


simpaticomimética.
Vários relatos demonstraram que a administração indevida de doses
elevadas de naloxona provoca hipertensão arterial, taquicardia ventricular,
fibrilação ventricular, edema agudo pulmonar, acidente vascular cerebral,
parada cardíaca e/ou óbito53-57. Considerando que sua principal utilidade é
antagonizar a depressão respiratória do opióide, sua administração deve ser
feita após excluir a hipocapnia e/ou a curarização, como causas da apnéia
ou da hipoventilação. A fim utilizar apenas a dose necessária para reverter
a depressão respiratória, manter ação analgésica residual e evitar que ocor-
ram manifestações sipaticomiméticas indesejáveis, a administração da
naloxona deve ser feita da seguinte forma: 1) diluir para 20 ml o conteúdo
de uma ampola (0,4 mg) de naloxona; 2) injetar por via venosa, a cada 3
minutos (tempo de latência), 1 ml da solução (20 µg), até que a freqüência
respiratória atinja, no mínimo, 14 incursões por minuto e se mantenham
níveis adequados de saturação periférica de oxigênio; 3) injetar por via
intramuscular, em dose única, a soma das doses administradas por via ve-
nosa.

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Anestesia Venosa

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Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

Anestesia Venosa Total para Sedação

Autoria: Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Elaboração Final: 27 de janeiro de 2009
Participantes: Albuquerque MAC, Auler Júnior JOC, Bagatini A,
Sales PCA, Santos EJA, Simoni RF, Vianna PTG

O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal


de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar
condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas
neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta
a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.

1
Projeto Diretrizes
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DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA:


Foram realizadas múltiplas buscas na base de dados PubMed para identificação
de artigos com melhor desenho metodológico, seguidas de avaliação crítica
de seu conteúdo e classificação de acordo com a força da evidência. De
acordo com as normas do Oxford Centre for Evidence Based Medicine, deu-
se preferência às revisões sistemáticas da literatura e ensaios clínicos
randomizados. As buscas foram realizadas entre agosto de 2007 e abril de
2008. Para as buscas no PubMed, foram utilizadas diferentes combinações
de termos abertos (random*; anesthetics; anaesthesia; anesthesia; intravenous;
parenteral; venous; inhalation; inhalatory; sedation; ketamine; clonidine;
meperidine; midazolam; dexmedetomidine; etomidate e propofol) e termos
do vocabulário controlado (“Anesthesia, Intravenous”[MeSH]; “Anesthesia,
Inhalation”[MeSH]; “Propofol”[MeSH]; “Benzodiazepines”[MeSH]; “Cloni-
dine”[MeSH]; “Dexmedetomidine”[MeSH]; “Ketamine” MeSH]; “Eto-
midate”[MeSH]; “Ambulatory Surgical Procedures”[MeSH]; e “Randomized
Controlled Trial”[Publication Type]). Dependendo do procedimento avaliado,
termos específicos foram combinados para a busca (“Radiology, Inter-
ventional”[MeSH]; “Radiography, Interventional”[MeSH]; “Urogra-
phy”[MeSH]; “Diagnostic Imaging”[MeSH]; “Tomography”[MeSH];
“Magnetic Resonance Imaging”[MeSH]; “Orthopedics”[MeSH]; “Orthopedic
Procedures”[MeSH]; “Colonoscopy”[MeSH]; “Endoscopy, Gastrointes-
tinal”[MeSH] e “Endoscopy, Digestive System”[MeSH]). Foram selecionados
os estudos que compararam diferentes classes de drogas venosas e anestésicos
voláteis em pacientes submetidos a procedimento ou exame diagnóstico com
uso de sedação.

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:


A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.
B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.
C: Relatos de casos (estudos não controlados).
D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos,
estudos fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVO:
Avaliar as vantagens e as desvantagens da anestesia venosa total (AVT)
em relação à anestesia inalatória e/ou balanceada (AI) com a finalidade
de sedação do paciente.

CONFLITO DE INTERESSE:
Os conflitos de interesse declarados pelos participantes da elaboração
desta diretriz estão detalhados na página 8.

2 Anestesia Venosa Total para Sedação


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INTRODUÇÃO

A anestesia venosa total (AVT) é uma técnica de anestesia


geral que utiliza fármacos administrados unicamente por via
endovenosa. Ela se distingue da anestesia inalatória e/ou balanceada
(AI) pela ausência total de qualquer agente inalatório, inclusive
de óxido nitroso1(D). A popularização da AVT vem ocorrendo,
em parte, devido ao desenvolvimento de fármacos modernos com
propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas que permitem
sua utilização em infusão contínua. Além disso, novos conceitos
de modelos farmacocinéticos compartimentais e o desenvolvimento
de sistemas computadorizados para administração das drogas
facilitaram o controle infusional desses anestésicos.

Dentre os fármacos usados em AVT, destacam-se o propofol e


os opióides sintéticos de ação curta, como o remifentanil. Em
adultos, a indução anestésica com propofol é mais rápida que a
indução inalatória, mesmo quando são usados agentes voláteis
com baixos coeficientes de partição sangue-gás2(B). O remifentanil
é um agonista opióide sintético estruturalmente relacionado ao
fentanil, mas é ímpar entre os opióides devido à presença de ligação
éster. Este fato o torna suscetível à rápida hidrólise pelas esterases
inespecíficas presentes no sangue e nos tecidos. O remifentanil é
o primeiro opióide de ação ultracurta para uso como complemento
à anestesia geral, venosa ou inalatória2(B).

Atualmente, é possível controlar de maneira rápida e precisa a


infusão dos fármacos, e promover uma indução anestésica suave,
com manutenção confiável e controlável durante a cirurgia, e um
despertar curto e previsível. Essa possibilidade pode ser vantajosa
frente ao contexto médico atual de promover, cada vez mais, um
serviço de saúde consciencioso, o qual aponta em direção do
desenvolvimento e aperfeiçoamento de procedimentos menos
invasivos associados à recuperação anestésica mais rápida do
paciente e ao menor tempo de internação.

SEDAÇÃO

A sedação é um método controlado para reduzir o nível de


consciência. Existem vários níveis de sedação, variando de leve

Anestesia Venosa Total para Sedação 3


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até a anestesia geral, que se distinguem entre características estão associadas à popularização
si pela capacidade do paciente em manter crescente do seu uso em procedimentos
reflexos protetores e vias aéreas patentes. Como endoscópicos5(A).
não existem limites precisos separando os
diferentes níveis de sedação, o paciente pode Em estudo concluiu-se que o uso de propofol
transitar rapidamente para níveis mais promoveu sedação de qualidade superior à do
profundos de sedação. Por isso, o profissional midazolam para realização de exames
deve estar capacitado para manejar todos esses endoscópicos 6(A). Em avaliação cega, os
níveis, inclusive de anestesia geral, mesmo que pacientes sedados com propofol apresentaram
a intenção inicial tenha sido apenas a sedação menor tempo de recuperação (14 ± 9 minutos
leve. versus 25 ± 8 minutos, p<0,01), melhor
qualidade da recuperação (8,7 ± 1,3 versus 6,3
Muitos procedimentos e exames médicos são ± 1,1 pontos, p<0,01) e capacidade
invasivos, dolorosos ou trazem desconforto e psicomotora para dirigir mais precoce (p<0,01)
ansiedade aos pacientes. A sedação é um método do que aqueles que receberam associação de
utilizado para alívio da dor e manejo do paciente, midazolam e meperidina7(A).
aumentando as chances de sucesso técnico do
procedimento. No entanto, diferentes drogas Em pacientes submetidos a ultrassonografia
estão disponíveis no mercado, e a escolha por endoscópica, o propofol foi comparado à
determinado fármaco deve ser feita com base associação de midazolam e meperidina. O
no conhecimento de critérios de segurança e propofol demonstrou início da sedação mais
eficácia. rápido (3,9 versus 8,0 minutos; p<0,001) e
menor tempo de recuperação (18,6 versus 70,5
ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA minutos; p<0,001). Os pacientes que
utilizaram esse medicamento demonstraram
Os procedimentos endoscópicos do aparelho maior taxa de capacidade de passar da cama
digestivo são comumente realizados com para maca ao final do exame (71,1% versus
sedação, para conforto do paciente, redução das 29,7%; p<0,001) e adquiriram condições de
respostas hemodinâmicas e facilitação técnica alta mais precocemente (76,3% versus 8% e
do exame. Contudo, a sedação pode predispor 100% versus 16,2%, aos 15 e 30 minutos,
ao desenvolvimento de hipoxia 3(C). Clas- respectivamente; p<0,001) 7(A). Não foi
sicamente, os benzodiazepínicos (em especial o obser vada diferença estatisticamente
midazolam) foram utilizados associados ou não significativa em relação à incidência de
aos opióides (principalmente a meperidina na depressão respiratória (saturação O2 < 90%),
sedação para realização dos diferentes nem de variáveis hemodinâmicas.
procedimentos endoscópicos). Com a introdução
do propofol, e diante de suas características Um estudo randomizado avaliou a ação
farmacocinéticas associadas a rápido início de sinérgica do midazolam combinado com o
ação, término de efeito e fácil titulação, propofol, em comparação com o propofol
inúmeros trabalhos avaliaram seu uso em isolado, durante a endoscopia digestiva alta. A
comparação à técnica tradicional4(A). Essas associação com o midazolam reduziu o

4 Anestesia Venosa Total para Sedação


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consumo de propofol necessário para sedação houve diferenças entre as técnicas com relação
satisfatória, porém comprometeu a recuperação à estabilidade hemodinâmica, depressão
dos pacientes submetidos à endoscopia digestiva respiratória, ou incidência de hipoxia (saturação
alta. Os pacientes que receberam apenas de O2 < 90%)4,11(A).
propofol tiveram tempo médio para recuperação
anestésica de 19 ± 7 minutos e escore de Com resultados semelhantes aos observados
recuperação pós-anestésica de 8,0 ± 1,1 para ultrassonografia endoscópica, a sedação
minutos, enquanto os pacientes que receberam com propofol foi superior à associação de
a combinação de midazolam e propofol midazolam e meperidina para realização de
demoraram 25 ± 8 minutos em média para CPRE, propiciando início e término de efeito
recuperação, com escore de 7,3 ± 1,2 (p<0,05 mais rápidos e consistentes, além de condição
e p<0,001, respectivamente). A qualidade e de alta mais precoce7(A). Da mesma maneira, a
eficácia da sedação foram similares nas duas associação de propofol com midazolam reduziu
técnicas8(A). o consumo total de propofol, mantendo similares
os escores de cooperação e tolerância ao exame.
Outro estudo comparou o uso de infusão Contudo, a associação das drogas levou a maior
alvo-controlada de propofol e a associação tempo de recuperação. Pacientes que receberam
midazolam e propofol na sedação de pacientes a combinação de drogas apresentaram maior
submetidos à ultrassonografia endoscópica. O redução dos níveis de pressão arterial sistólica e
propofol em infusão alvo-controlada se diastólica (21 ± 11% e 13 ± 7%, respec-
demonstrou eficaz e seguro, não ocorrendo tivamente) quando comparados a pacientes que
depressão respiratória clinicamente significativa. receberam apenas propofol (15 ± 9% e 9 ±
A associação de pequenas doses de midazolam 4%, respectivamente; p<0,05)8(A).
(0,02 mg/kg) não reduziu o consumo global de
propofol e não comprometeu a eficácia da A eficácia e a segurança do propofol em
sedação, nem o tempo e a qualidade da pacientes geriátricos (> 80 anos), com
recuperação9(A). comorbidades importantes e submetidos à
CPRE, foram avaliadas. Nesses pacientes de alto
COLANGIOPANCREATOGRAFIA RETRÓGRADA risco, a sedação com propofol mostrou-se
ENDOSCÓPICA superior àquela feita com a associação de
midazolam e meperidina, propiciando melhor
A colangiopancreatografia retrógrada cooperação (p<0,01), tempo de recuperação (22
endoscópica (CPRE) é um procedimento ± 7 minutos versus 31± 8 minutos; p<0,01)
complexo que exige sedação adequada. Alguns e escore de recuperação (8,3 ± 1,2 versus 6,1
estudos demonstraram que o propofol foi ± 1,1; p<0,01)12(A). Apesar de não haver
superior ao midazolam durante a CPRE, diferenças quanto a variáveis hemodinâmicas e
promovendo melhor sedação (97,5% versus depressão respiratória durante o exame, no
80%; p<0,01)10(A), recuperação mais rápida período de recuperação, a associação midazolam/
(p<0,01)4,10,11(A), melhor satisfação do paciente meperidina demonstrou maior potencial para
(p<0,05) e do endoscopista (p<0,01)10(A), e causar hipoxia (saturação O2 < 90%) do que o
melhor colaboração do paciente4,11(A). Não propofol12(A).

Anestesia Venosa Total para Sedação 5


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COLONOSCOPIA Porém, outros estudos trazem resultados


controversos. Em estudo randomizado,
Da mesma forma que na endoscopia demonstra-se que os pacientes que receberam
digestiva alta, a sedação na colonoscopia tem sedação apenas com propofol receberam também
sido empregada com objetivo de minimizar maiores doses globais dessa droga, apresentando
desconforto do paciente e facilitar a realização também sedação mais profunda em comparação
do exame. Diferentes drogas e combinações de com pacientes que receberam a associação de
anestésicos têm sido avaliadas. Alguns estudos fentanil/propofol, midazolam/propofol ou
sugerem que a sedação com propofol, associada midazolam/fentanil/propofol17(A). Apesar da
ou não a pequenas doses de midazolam (2 a 3 utilização de propofol proporcionar sedação mais
mg), é superior à sedação com midazolam rápida (p<0,0002) e profunda (p<0,001) e
associada a opióides (meperidina, fentanil ou menor manifestação álgica (p<0,002), ela
nalbufina)13 -16(A). representou maior tempo para recuperação
(p<0,001) e para alta hospitalar (p<0,01) em
Pacientes que receberam apenas propofol relação às três associações. Foi demonstrado,
apresentaram sedação mais rápida e profunda ainda, que o remifentanil também possui
(2,1 minutos versus 7,0 minutos; p<0,0001), algumas vantagens em relação ao propofol. O
além de apresentarem despertar, recuperação remifentanil proporcionou melhor analgesia,
plena (14,4 versus 33,0 minutos; p<0,0001) menor desconforto e despertar mais rápido do
e alta hospitalar (40,5 versus 71,1 minutos; que a sedação com propofol18(A). Por outro lado,
p<0,0001) significativamente mais precoces do o propofol proporcionou melhor qualidade de
que os pacientes que receberam associações com sedação e amnésia, e menor incidência de náusea
benzodiazepínicos ou opiáceos. O grupo do e vômito18(A).
propofol apresentou melhor resposta aos testes
psicométricos e de satisfação global (p<0,05), A sedação na colonoscopia foi avaliada,
sem diferença clinicamente significativa em utilizando-se a associação de sevoflurano com
relação às variáveis hemodinâmicas e depressão óxido nitroso a 67% ou a combinação de
respiratória13,14(A). midazolam, fentanil e propofol. As duas técnicas
apresentaram boa qualidade de sedação, porém
A comparação de propofol associado a a associação venosa apresentou despertar mais
midazolam versus midazolam associado a precoce (2,2 minutos), enquanto que a técnica
nalbufina demonstrou diferença importante no inalatória permitiu retorno mais rápido da
tempo de recuperação e alta (17 minutos versus função cognitiva, em 30 a 90 minutos19(A).
93 minutos; p<0,001) a favor do uso de
propofol. A sedação sinérgica também tornou o RESSONÂNCIA MAGNÉTICA EM PACIENTES
procedimento confortável para maior número PEDIÁTRICOS
de pacientes (81% versus 50%), apesar de menor
taxa de amnésia completa. A qualidade da A ressonância magnética é um exame
sedação do ponto de vista do endoscopista e os indolor, que possui duração média variando entre
parâmetros cardiorrespiratórios foram similares 30 e 90 minutos para realização completa e que,
entre as técnicas15(A). em algumas circunstâncias, pode requerer

6 Anestesia Venosa Total para Sedação


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movimentação do paciente. Assim, os principais respiratória. Nesse caso, foi utilizada dose de
objetivos da sedação durante esse exame seriam indução, considerada alta, ao final do
promover imobilidade, segurança e conforto ao procedimento.
paciente da faixa etária pediátrica enquanto é
realizado um exame diagnóstico de boa O uso de cetamina antes da indução com
qualidade. A escolha da técnica anestésica propofol preserva a estabilidade hemodinâ-
depende de vários fatores próprios do paciente e mica, sem alterar a duração e a qualidade da
da duração do exame. Técnicas que podem ser recuperação22(A).
utilizadas incluem a ansiólise, a AVT e a AI. A
AI é a mais utilizada para este procedimento, PROCEDIMENTOS ORTOPÉDICOS
mas a AVT se constitui numa boa alternativa.
A desinsuflação do manguito pneumático
Em estudo randomizado, foram comparados após procedimento ortopédico produz a liberação
sedação profunda induzida por anestesia com de radicais livres, relacionados com
propofol ou com associação de pentobarbital, aparecimento de lesão de isquemia-reperfusão.
midazolam e fentanil. A sedação de pacientes
pediátricos com propofol demonstrou menor Pacientes submetidos à cirurgia de joelho sob
tempo para indução (9 ± 4 minutos versus anestesia intratecal receberam sedação com
17 ± 6 minutos; p<0,01), tempo para propofol ou midazolam. Após tempo médio de
recuperação (17 ± 8 minutos versus 34 ± 19 isquemia de 70 minutos, a produção de radicais
minutos; p<0,01), tempo total de sedação e livres aumentou significativamente nos 5 e 20
tempo para alcançar o status funcional basal do minutos de reperfusão no grupo do midazolam,
que a sedação com midazolam/pentobarbital/ mas não no grupo do propofol23(A).
fentanil20(A).
Os efeitos da anestesia com propofol ou
No entanto, estudo demonstrou que apesar sevoflurano na produção de radicais livres de
do propofol proporcionar menores tempos de oxigênio durante a artroplastia de joelho também
indução (4 ± 1,9 minutos versus 11 ± 4 foram avaliados, onde os níveis de MDA
minutos; p<0,01), despertar (18 ± 4,72 versus reduziram significativamente 30 minutos após
27 ± 19 minutos; p<0,05) e alta (27 ± 6,5 a retirada do torniquete no grupo do propofol.
versus 39 ± 24,3 minutos; p<0,05) quando No grupo do sevoflurano, ocorreu elevação dos
comparado à sedação com dexmedetomidina, níveis de MDA no mesmo período24(A). Assim,
seu uso foi associado com maior incidência podemos concluir que a infusão de propofol
de hipotensão arterial (pressão arterial média de correlaciona-se com menores níveis plasmáticos
67 ± 5,9 mmHg versus 74 ± 9,3 mmHg; de radicais livres de oxigênio após isquemia,
p<0,05) e depressão respiratória (frequência quando comparada ao uso de midazolam ou
respiratória de 20 ± 4 movimentos/minuto sevoflurano23,24(A).
versus 24 ± 3,2 movimentos/minuto;
p<0,05) 21(A). Ressaltamos que a dose de Nos atendimentos de urgência, pacientes que
propofol utilizada nesse estudo pode ter necessitam de procedimentos de redução de
influenciado a maior incidência de depressão fraturas e deslocamentos se beneficiam de uma

Anestesia Venosa Total para Sedação 7


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sedação adequada. O nível de sedação e depressão podem ser mais susceptíveis a hipoxia. Na
respiratória associados ao uso de propofol ou sedação de crianças para ressonância
metohexital em ambiente de pronto-socorro foi magnética, o propofol se mostrou superior à
avaliado, e conclui-se que as duas técnicas podem associação de pentobarbital, midazolam e
ser consideradas de igual eficácia, promovendo fentanil, ou à dexmedetomidina quanto ao
sedação segura e hemodinamicamente estável, tempo de indução e recuperação. Para a
com incidência equivalente de depressão realização da ressonância magnética, a
respiratória25(A). cetamina pode ser associada ao propofol sem
apresentar efeitos hemodinâmicos importantes
Pacientes idosos podem apresentar respostas ou interferência na qualidade de recuperação.
diferentes aos anestésicos. A sedação com Desse modo, é uma alternativa válida ao uso
propofol proporcionou tempo de despertar e da AI. Em procedimentos ortopédicos que
tempo de recuperação precoce (abertura ocular necessitam de isquemia, a sedação com
sob comando) semelhantes entre pacientes propofol promoveu menor liberação de radicais
geriátricos de 65 a 85 anos, ou jovens (20 a 50 livres de oxigênio, resultando em menor
anos), durante raquianestesia para proce- agressão à célula submetida ao processo de
dimentos ortopédicos. Contudo, o tempo para isquemia-reperfusão. A redução de fraturas e
recuperação psicomotora dos pacientes luxações também pode ser realizada de forma
geriátricos foi significativamente maior, quando eficaz e segura com propofol, contudo, esse
comparado ao dos pacientes jovens, com anestésico deve ser usado com cautela em
normalização das funções somente após 120 pacientes idosos.
minutos26(A).
CONFLITO DE INTERESSE
SÍNTESE DA EVIDÊNCIA
Albuquerque MAC, Auler Júnior JOC,
Para sedação em procedimentos endos- Bagatini A, Sales PCA, Santos EJA, Simoni
cópicos, o propofol é eficaz e seguro e, portanto, RF, Vianna PTG são membros do Advisory
o fármaco recomendado nestas condições Board da AstraZeneca do Brasil Ltda. e
clínicas. Cuidados maiores são necessários em participaram do Curso Projeto Diretrizes da
pacientes com idade superior a 80 anos, que AMB a convite da AstraZeneca.

8 Anestesia Venosa Total para Sedação


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Anestesia Venosa Total para Sedação 9


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10 Anestesia Venosa Total para Sedação


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Anestesia Venosa Total para Sedação 11


Alfentanil

Alfentanil
Maria Betania Dalcomo Azevedo*

Alfentanil foi sintetizado como um opióide com uma duração de efei-


to mais curto que o fentanil, em 19761. Seu uso clínico data do início dos
anos 80. Derivado do fentanil, pertence à família de opióides sintéticos oriun-
dos da fenilpiperidina. Sendo um agonista do receptor µ, apresenta típica
analgesia reversível pela naloxona e os efeitos colaterais dessa classe de
opióides, tais como sedação, náusea e depressão respiratória. O alfentanil é
10 vezes mais potente que a morfina e tem um quarto a um décimo da
potência do fentanil, em comparações tendo como base miligramas2. É
comercializado sob a forma de cloridrato1 e sua estrutura química pode ser
vista na Figura 1.
Figura 1 - Estrutura química do alfentanil

* TSA/SBA
Anestesiologista do Hospital Municipal Cardoso Fontes

181
Anestesia Venosa

Farmacocinética

Seguindo-se a uma administração intravenosa (IV), as concentra-


ções plasmáticas do alfentanil podem ser descritas pelos modelos
farmacocinéticos bicompartimental ou tricompartimental4. Sua DE50 e DL50
em mg.kg-1 foram determinadas como 0,044 e 47,5, respectivamente, com
uma margem de segurança/ índice terapêutico de 10801.
Alguns aspectos diferem sua farmacocinética de seus congêneres.
Seu rápido início de ação tem como explicação o fato de o alfentanil
ser uma base mais fraca que os demais opióides e apresentar uma mo-
derada lipossolubilidade em relação à morfina, fentanil e sufentanil. O
pΚa do alfentanil é 6,5, sendo que os dos outros opióides é muito próxi-
mo ou acima de 7,4. Conseqüentemente, em pH fisiológico, aproxima-
damente 90% desse fármaco livre no plasma está na sua forma não-
ionizada. Essas características o levam a cruzar a barreira hemato-
encefálica com maior rapidez, proporcionando seu rápido início de ação.A
sua meia-vida de equilíbrio sangue-cérebro é de 1,1 minutos, sendo mais
rápida do que a do fentanil e sufentanil, os quais têm essa meia-vida em
torno de 6,4 a 6,2 minutos, respectivamente. A menor solubilidade lipídica
e a alta ligação protéica principalmente à α1- glicoproteina ácida confe-
re ao alfentanil um menor volume de distribuição 2.
Sua concentração plasmática se reduz rapidamente após uma
dose em bolus ou uma infusão de curta duração. Cerca de 90% da
dose administrada deixa o plasma em 30 minutos. Esse rápido declínio
inicial é principalmente devido à distribuição do alfentanil para tecidos
ricamente perfundidos. Ele é rapidamente distribuído com meias vidas
de distribuição rápida e lenta de 1,0 - 3,5 minutos e 9,5 – 17 minutos
respectivamente. O pequeno volume de distribuição em estado de equi-
líbrio (0,4-1,0 l.kg-1) limita a sua distribuição e acumulação nos tecidos
e é responsável pela meia vida de eliminação curta do alfentanil ape-
sar de seu clearance ser menor do que o do fentanil 4. Seu volume de
distribuição parece ser 4 vezes menor do que o do fentanil e seu
clearance é 6,4 ml.kg -1.min -1 ( 4-9 ml.kg -1.min -1 ), menor que o do
fentanil, portanto, maior quantidade está disponível para o metabolis-
mo hepático 2. Sua meia-vida de eliminação, em torno de 84 a 90 minu-
tos, é consideravelmente mais curta do que a do fentanil e sufentanil 2.
As principais vias de metabolismo do alfentanil são similares àquelas
do sufentanil e incluem N-dealquilação oxidativa e O-demetilação,

182
Alfentanil

hidroxilação aromática e formação de éter glicoronídeo. A extração hepá-


tica varia de 0,3 a 0,5. N-dealquilação oxidativa produz seu maior metabólito
que é o noralfentanil. Outros metabólitos incluem desmetilalfentanil e desme-
tilnoralfentanil, que possuem mínima ou nenhuma atividade opióide intrín-
seca. Menos de 1% de alfentanil aparece inalterado na urina devido a sua
ligação protéica, reabsorção tubular e metabolismo hepático4.
Várias tentativas para desenvolver ajustes confiáveis de infusão,
visando conseguir e manter específicas concentrações plasmáticas de
alfentanil, são devidas à ampla variedade interpessoal em sua far-
macocinética, refletindo variabilidade no clearance hepático plasmático
intrínseco. Nesse aspecto, parece que a variabilidade na população na
atividade da P-450 3A3/4 (enzima da P-450 responsável pelo clearance
e metabolismo do alfentanil) seja a explicação para a variabilidade
interindividual nas concentrações plasmáticas do mesmo. Alterações
na atividade P-450 podem ser as responsáveis pela habilidade da
eritromicina em inibir o metabolismo do alfentanil com um efeito opióide
resultante prolongado 3. Concomitante administração de atorvastatina,
que também é metabolizada pela mesma via, não altera a farmacocinética
do alfentanil, em pacientes sob cirurgia eletiva 5. A atividade da P-450
3A3/4 é mais alta nas mulheres, influenciada por níveis hormonais de
esteróides, mas os clearances do alfentanil não foram diferentes duran-
te o ciclo menstrual, sugerindo nenhuma alteração na atividade da P-
450 3A3/4 6 .
A meia-vida de eliminação está cerca de 30% prolongada nos
idosos e parece ser muito mais curta (cerca de 40 minutos) em crianças
nas idades de 5 a 8 anos 2. Sendo a ligação protéica similar, parece que a
diminuição do percentual de tecido adiposo, em criança, seja responsá-
vel pela meia vida curta de eliminação 3.
A interação da moderada lipossolubilidade e meia-vida de elimina-
ção curta sugerem que ambos – redistribuição e eliminação – são impor-
tantes fatores no término do efeito do alfentanil. Após uma dose em bolus,
a redistribuição será o mecanismo mais importante, mas após doses altas,
repetidas doses menores ou infusão contínua, a eliminação será a
determinante mais importante na duração de seus efeitos.
Após infusão contínua, em termos de meia vida contexto-sensitiva,
deve-se preferir o alfentanil ao sulfentanil, para infusões acima de 8 horas
de duração. O alfentanil tem um declínio mais lento em sua concentração
plasmática, comparado ao sufentanil, após infusões contínuas maiores que

183
Anestesia Venosa

8 horas, apesar de sua meia vida de eliminação curta. Sufentanil tem uma
farmacocinética mais favorável para infusões que tenham esse tempo de
duração. Essa diferença entre os dois agentes pode ser explicada pelo fato
de o modelo farmacocinético do sufentanil ter um compartimento periférico
amplo que continua a ser provido por sufentanil, após o término de sua
infusão, contribuindo para a redução mais rápida na concentração de seu
compartimento central. Ao contrário, o volume de distribuição do alfentanil
equilibra-se rapidamente e a distribuição periférica advinda de seu compar-
timento central não contribui significativamente para a redução da concen-
tração plasmática, após descontinuar sua infusão3,4.
Propofol diminuiu o clearance de eliminação do alfentanil em 15%, a
meia-vida de distribuição rápida em 68% e a meia-vida de distribuição lenta
em 51%, em um estudo de infusão contínua dos dois fármacos em voluntá-
rios humanos saudáveis.As alterações hemodinâmicas induzidas pelo
propofol podem ter uma influência importante na farmacocinética do
alfentanil7.
3,4
Tabela I - Características farmacocinéticas do alfentanil

pΚa 6.5
Percentual não ionizado (pH 7,4) 89%
Percentual de ligação proteica 92%
-1
Clearance (ml.min ) 238
Volume de distribuição (l) 27
Coeficiente de partição (octanol/água) 145
Meia - vida de eliminação (h) 1.4 – 1.5
Meia - vida contexto-sensitiva: 4 horas de infusão (min) 60
Equilíbrio em sitio-efetor (sangue-cérebro) (min) 1.4
Volume de distribuição no compartimento central (l.kg-1) 0.1 – 0.3
Volume de distribuição no estado de equilíbrio (l.kg-1) 0.4 – 1.0

Farmacodinâmica

Analisando o efeito do alfentanil, através do eletroencefalograma


(EEG), ocorre, no sistema nervoso central, uma típica e generalizada len-
tidão. Concentrações plasmáticas de 1400 ng.ml-1 são associadas ao início
de atividade de ondas δ e produzem menos sincronização do que o fentanil
e sufentanil. Podem aumentar a atividade epileptiforme do EEG, em paci-
184
Alfentanil

entes com epilepsia intratável do lobo temporal que se submetam à anestesia


geral 2. Neuroexcitação induzida por opióides e raramente atividade
convulsivante podem resultar em aumentos regionais do metabolismo cere-
bral4. Aumentos regionais na utilização de glicose, induzidos por doses altas
de alfentanil, no rato, são associados não apenas à atividade epileptiforme
como também a lesões neuropáticas4.
Alfentanil pode produzir intensa rigidez muscular acompanhada de per-
da da consciência. Essa rigidez, estudada em eletromiografia, não se restringe
à parede torácica. Músculos do pescoço, extremidades e abdominais também
podem ser afetados. Estudos em ratos sugerem que núcleos específicos da
formação reticular e a própria substância cinzenta periaquedutal sejam os me-
diadores da rigidez muscular do alfentanil2,3.
Não interfere com a pressão intracraniana e fluxo sangüíneo cere-
bral2, mantendo a reatividade vascular ao CO2. Diminui a concentração
alveolar mínima dos agentes inalatórios em percentuais variáveis de acordo
com a dose administrada. Diminui a pressão intraocular.
A analgesia proporcionada pelo alfentanil tem sido utilizada em trata-
mento de dor pós-operatória e relacionada ao câncer. Estudos utilizando mo-
delos laboratoriais de dor e realizados em voluntários normais tentam relaci-
onar concentrações plasmáticas e eficácia das doses administradas, entre-
tanto, necessidades individuais variam amplamente. Para analgesia pós-ope-
ratória, a média em concentração plasmática é 10 ng.ml-1 mas a faixa de
variação está entre 2 a mais de 40 ng.ml-1. Estudos clínicos mostram que em
pacientes submetidos à infusão contínua intravenosa de alfentanil, a concen-
tração plasmática média para o alívio da dor, de moderada a severa, foi de
aproximadamente 40 a 80 ng.ml-1 2. A tolerância aguda ao efeito analgésico
do alfentanil, em infusões contínuas, depende da participação de múltiplos
sistemas de adaptação que incluem receptores da colecistocinina e sistema
óxido-nítrico-N-metil-D-aspartato.Drogas que inibam a função desses siste-
mas atenuam o desenvolvimento dessa tolerância em ratos14.
Produz depressão respiratória que usualmente não pode ser separa-
da de seu efeito analgésico. Depressão respiratória em humanos pode ocor-
rer com concentrações plasmáticas tão baixas quanto 20 ng.ml-1 2 .
Quanto aos efeitos cardiovasculares assim como seus congêneres, o
alfentanil é influenciado por medicação pré-operatória, pelo agente relaxante
muscular escolhidos, pelo método de administração e pelo grau de esti-
mulação cirúrgica. De um modo geral, a freqüência cardíaca e pressão
arterial não sofrem influência ou diminuem levemente, quando utilizado como

185
Anestesia Venosa

agente único. Entretanto, quando utilizado associado a hipnóticos, como,


por exemplo, o tiopental, a redução da pressão arterial média pode ser de
40%. Pode causar bradicardia, mas esse efeito é abolido por atropina ou
pela combinação com agente relaxante muscular com efeito vagolítico, tais
como pancurônio e rocurônio. Comumente utilizado com propofol, em
anestesia intravenosa total, ambos os fármacos atuam centralmente, pro-
duzindo bradicardia. Não parece ter efeito inotrópico negativo à semelhan-
ça do fentanil2.
Causa náuseas e vômitos que, em um estudo em voluntários, mostrou
serem de resolução mais rápida que os induzidos por fentanil e morfina2.
Muitos outros fatores estão associados a náuseas e vômitos. Eles incluem
idade (ocorrência de vômito é maior em pacientes pediátricos), sexo femini-
no, cirurgia durante os primeiros 8 dias do ciclo menstrual, obesidade, história
de enjôos, ansiedade, gastroparesia, laparoscopias, duração da cirurgia e
deambulação. Aumenta a pressão do trato biliar.

Uso clínico

Devido às suas características farmacocinéticas, destacando-se seu


rápido início e término de ação e boa analgesia, o alfentanil é usado em
várias situações clínicas e, dependendo do tipo de procedimento cirúrgico,
como agente único ou combinado a outros fármacos, sendo também usado
para prover analgesia pós-operatória e em dor relacionada ao câncer.
Em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos com duração
de 30 minutos ou menos, por exemplo, procedimentos ambulatoriais, diag-
nósticos, urológicos e ginecológicos, o alfentanil é administrado em dose
única ou fracionada. A ventilação espontânea é mantida quando doses de 5
a 11 µg.kg-1 são injetadas lentamente1.
Quando doses de 50 a 100 µg.kg-1 foram seguidas de uma infusão
contínua, com doses que variaram de 0,5 a 2,5 µg.kg-1.min-1, houve uma
notável estabilidade cardiovascular durante a cirurgia, quando compa-
rada com administrações de doses fracionadas ou anestesia inalatória.
Doses para indução variam entre 125 a 225 µg.kg-1, dependendo da ida-
de, estado físico e pré-medicação administrada 1.
Em anestesia balanceada, em adultos, quando se opta por infusão
contínua de alfentanil, a dose em bolus de indução está entre 10 a 50 µg.kg-1,
seguida de uma infusão de 25 a 100 µg.kg-1.h-1. Quando a escolha é por
agente único, a dose inicial em bolus é de 50 a 100 µg.kg-1 , seguida de uma

186
Alfentanil

infusão de 150 a 600 µg.kg-1.h1 (dados não publicados).


Usualmente, em pacientes adultos hígidos, na indução de um proce-
dimento anestésico após a administração de um hipnótico e do relaxante
muscular escolhido, uma dose em bolus entre 50 a 100 µg.kg-1 é eficaz em
abolir as respostas hemodinâmicas à laringoscopia e intubação. Importante
salientar que sua administração deva ser feita após o relaxante muscular
porque, devido ao seu rápido início de ação, pode, na ausência do relaxante,
levar à rigidez muscular. Doses suplementares, quando necessárias, são
utilizadas de acordo com os estímulos per-operatórios e variam entre 500 a
1000 µg, associadas ao agente inalatório escolhido em anestesia balancea-
da (dados não publicados).
Pode ser utilizada também em uma indução de seqüência rápida.
Após pré-oxigenação, administra-se o relaxante muscular, em doses de rá-
pida atuação, seguido de hipnótico; aguarda-se de 1 a 2 minutos entre a
administração do relaxante e administra-se o alfentanil 50 µg.kg-1, proce-
dendo-se, a seguir, à intubação traqueal (dados não publicados).
As concentrações plasmáticas requeridas para suplementar a
anestesia com óxido nitroso a 66%, em humanos, foram determinadas. Os
pacientes receberam uma dose, em bolus, de 150 µg.kg-1 seguida de uma
infusão que foi mantida entre 25 a 150 µg.kg-1.h-1, de acordo com as respos-
tas dos pacientes ao estímulo cirúrgico, e foram traçadas as curvas efeito
concentração. As concentrações necessárias para suplantar as respostas
somáticas, autonômicas e hemodinâmicas ao estímulo, em 50% dos pacien-
tes, foram 475, 279 e 150 ng.ml-1 para intubação traqueal, incisão da pele e
fechamento da incisão, respectivamente2.
Em anestesia intravenosa total (AIVT), uma indução com 25 a 50
µg.kg-1 de alfentanil e 0,5 a 1,5 mg.kg-1 de propofol seguida por infusões de
0,5 a 1,5 µg.kg-1.min-1 de alfentanil e 80 a 120 µg.kg-1.min-1 de propofol
produz completa anestesia em pacientes ventilados com ar e O 2, com ou
sem óxido nitroso, para uma ampla gama de procedimentos cirúrgicos.
Embora existam alternativas ao propofol, seu perfil farmacocinético, curta
duração de ação, propriedade antiemética e associação com uma sensação
de bem estar geral pelos pacientes no pós-anestésico tornaram essa asso-
ciação muito usada pelos profissionais em anestesiologia4.
Em pacientes hígidos, doses de cerca de 120 µg.kg-1 produzem in-
consciência em 2 a 2,5 minutos. Se houver pré-medicação, por exemplo,
com lorazepam 0,08 mg.kg-1, as doses de alfentanil requeridas estão entre
40 a 50 µg.kg-1 2.

187
Anestesia Venosa

Doses de 150 a 300 µg.kg-1 administradas rapidamente produzem


inconsciência em 45 segundos. Após essa indução, a manutenção da
anestesia pode ser feita com uma infusão contínua de 25 a 150 µg.kg-1.h-1,
combinada com um agente inalatório3.
Usado como suplemento para manter anestesia geral, pode ser útil
em procedimentos cirúrgicos de curta duração, particularmente em cirurgi-
as ambulatoriais. Nesse sentido, doses de 5 a 10 µg.kg-1 podem ser segui-
das com doses suplementares de 3 a 5 µg.kg-1. Quando necessária, inicia-
se uma infusão contínua de 25 a 100 µg.kg-1.h-1, com 60 a 70% de óxido
nitroso ou infusão de propofol3 .
Altas doses de alfentanil como agente anestésico único – podem
ser usadas para cirurgia cardíaca. Neste caso, as concentrações plasmáticas
para suplantar as respostas hemodinâmicas à laringoscopia e à esternotomia
foram 700 a 830 ng.ml-1 e 1200 a 1800 ng.ml-1 respectivamente.A dose
total média de alfentanil usada foi de 1030 ± 240 µg.kg-1 30,31. Infusão con-
tínua em cirurgia cardíaca é de cerca de 150 a 600 µg.kg-1.h-1, dosagem
que diminui, se associada a uma boa pré medicação ou a outro agente
anestésico de escolha3.
A sedação e analgesia controladas pelo paciente, com o alfentanil, são
usadas em várias situações. Uma sedação com doses, em bolus, de 4,8 mg
de propofol e 12 µg de alfentanil foi eficaz e segura em pacientes geriátricos
ambulatoriais submetidos a colonoscopia eletiva8. Uma dose, em bolus, de 15
µg.kg-1 seguida de anestesia local com lidocaína a 2%, com adrenalina a
1:80000 e uma infusão de 0,05 µg.kg-1 .min-1 proveu uma ampla aceitação e
conforto a pacientes adultos ambulatoriais submetidos a cirurgia do terceiro
molar9,10. A dose média total de alfentanil (2,6 mg), em pacientes com quei-
maduras, submetidos a curativos cirúrgicos, foi eficaz em prover analgesia11.
Pacientes sedados em UTI, submetidos a procedimentos invasivos
tais como aspiração do tubo endotraqueal, foram comparados, utilizando-se
o índice bispectral (BIS) naqueles em controle, sedados com midazolam e
fentanil e outros nos quais uma dose em bolus de 15 µg.kg-1 foi adiministrada.
Quando houve a aspiração do tubo, a dose de alfentanil marcantemente
reduziu o aumento nos valores do BIS, pressão arterial e freqüência cardí-
aca observados após a aspiração traqueal no grupo controle. A monitoriza-
ção com o BIS em UTI pode ajudar a melhorar a analgesia proporcionada
pelo alfentanil durante eventos invasivos12.
Muito embora existam outras opções em dor pós operatória após
ressecção pulmonar ou lobectomia, uma técnica, utilizando lidocaína e uma

188
Alfentanil

dose inicial, em bolus, de 10 µg.kg-1 administradas pelo cateter peridural


em T5 –7 seguida de infusão contínua de 400 µg.h-1 de alfentanil, melhorou
a função pulmonar e reduziu a necessidade de maior analgesia, quando
comparada à infusão lombar de alfentanil 13.
Pacientes idosos têm suas alterações anatômicas e fisiológicas
inerentes à idade. Freqüentemente associadas a comorbidades, fazem
uso de uma ampla gama de medicações, muitas das quais têm a mesma
via de metabolização que o alfentanil, portanto, tornando passível o
aumento em duração da ação e efeitos colaterais desse fármaco. Nes-
ses pacientes, é difícil preconizar dose com base em µg.kg-1.
Dadas as suas características, o alfentanil pode ser usado para
atenuar ou abolir estímulos álgicos agudos, tais como a realização de
bloqueios peri ou retrobulbar, em cirurgia intraocular, em pacientes
ambulatoriais e idosos. Esses pacientes que receberam 0,015 mg.kg -1
de midazolam associado a 5 µg.kg1 de alfentanil relataram maior con-
forto e menos ansiedade durante a realização dos bloqueios supra-
mencionados 15. Cento e vinte pacientes com média de idade de 73
anos, submetidos a facectomia, com anestesia peribulbar, foram divi-
didos em 4 grupos que receberam solução salina, 1mg de midazolam,
500 µg de alfentanil ou 0,5 mg de midazolam associado a 250 µg de
alfentanil. Relataram que a dor ao bloqueio foi suportável em todos os
grupos, mas, no grupo em que houve a associação de midazolam e
alfentanil, foi menor ainda a sua percepção. Todas as sedações IV
reduziram a SpO2 face ao grupo que recebeu a solução salina. Nove
pacientes tiveram a SpO2 ≤ 90% e todos receberam alfentanil com ou
sem midazolam, 15% dos pacientes nos quais foi administrado alfentanil
desenvolveram dessaturação importante clinicamente. A sedação
intravenosa, com midazolam ou alfentanil ou em combinação, reduz a
percepção e a lembrança da dor bem como as respostas hemodinâmicas
da anestesia peribulbar 16.
Pré medicação com alfentanil IM foi administrada a 90 pacientes
geriátricos, para a realização de bloqueio peribulbar para facectomias, em
regime ambulatorial. Foram comparados alfentanil 12,5 µg.kg-1 injetados no
músculo deltóide ou glúteo com placebo, 15 minutos antes do bloqueio
peribulbar. As concentrações de alfentanil foram significantemente maio-
res no grupo deltóide, durante o estudo, e foram atingidas mais rapidamente
neste grupo. Somente o alfentanil injetado no músculo deltóide reduziu a
dor (verificada com a escala visual) associada ao bloqueio peribulbar 17.

189
Anestesia Venosa

Uma comparação foi realizada entre remifentanil, administrado em


dose de 0,5 µg.kg-1, durante 30 segundos, acompanhada de uma infusão de
0,1µg.kg-1.min-1, e alfentanil 10 µg.kg-1, durante 30 segundos, seguida de
infusão de solução salina, para observar as respostas cardiovasculares à
indução da anestesia e intubação em idosos. A anestesia foi induzida com
propofol, rocurônio e isoflurano a 1% e com óxido nitroso a 66%. Ambos os
fármacos, similarmente, atenuaram as respostas à laringoscopia e à intubação,
mas a incidência de hipotensão confirma que ambos devem ser usados com
precaução, em idosos18.
A anestesia intravenosa total (AIVT), em cirurgia geriátrica, foi compara-
da, utilizando propofol e S-cetamina ou propofol e alfentanil.A média de idade foi
70 anos e o objetivo do estudo foi averiguar a resposta endócrina ao stress cirúr-
gico, efeitos circulatórios e recuperação. As cirurgias foram para colocação de
prótese ortopédica. Consideráveis diferenças foram encontradas na resposta
endócrina ao stress, nos dois grupos. Com relação às respostas endócrinas e
circulatórias, a AIVT com propofol e S-cetamina teve propriedades
simpaticomiméticas com efeitos circulatórios positivos e levou a uma moderada
estimulação endócrina. Neste caso, deve-se pensar naqueles pacientes com
hipotensão, hipotireoidismo ou insuficiência adrenocortical porque esse tipo de
anestesia poderá se benéfico a esse grupo de pacientes. Por outro lado, AIVT
com propofol e alfentanil em doses de alfentanil, na indução, de 25 µg.kg-1 e
manutenção de infusão de 75 ± 25 µg.kg-1.h-1, reduziu a resposta endócrina ao
stress e isso pode ser benéfico em pacientes com hipertensão e estados de
hiperfunção endócrina. Ambas as técnicas foram acompanhadas de efeitos
colaterais típicos tais como sonhos, recuperação demorada, ventilação reduzida e
vômitos, cujos efeitos devem ser levados em consideração19.
Em crianças, as condições para intubação traqueal foram observadas,
utilizando a associação de halotano e succinilcolina 2 mg.kg-1 e halotano e
alfentanil na dose de 20 µg.kg-1. Em 100% das crianças nas quais foi utilizado
o succinilcolina, as condições foram ótimas para a intubação, enquanto, nas
do grupo que recebeu alfentanil, esse percentual foi de 94,7%, com a vanta-
gem de que o uso do alfentanil atenuou as respostas cardiovasculares ineren-
tes à intubação20. As condições para intubação traqueal também foram estu-
dadas em 120 crianças com idades entre 3 e 12 anos, comparando 3 grupos:
um grupo, no qual foi utilizado propofol 3 mg.kg-1 e succinilcolina 1 mg.kg-1;
um segundo grupo, no qual foram utilizados propofol na mesma dose anterior-
mente descrita e alfentanil 10 µg.kg-1; um terceiro grupo, no qual foram utili-
zados sevoflurane a 8% e 60% de óxido nitroso. As crianças que receberam

190
Alfentanil

propofol e succinilcolina ou sevoflurane tiveram, de modo geral, melhores


condições de intubação que as do grupo do alfentanil, no qual, de 40 crianças,
apenas 21 tiveram condições satisfatórias21.
O uso de alfentanil e fentanil associados ao propofol foi observado
em 100 crianças com média de idade de 4,95 ± 0,26 anos, para cirurgias de
curta duração (50 ± 0,01 min). Pacientes do grupo do alfentanil receberam
uma dose, em bolus, de 50 µg.kg-1 e uma infusão contínua de 0,50 µg.kg-
1
.min-1 enquanto as do grupo do fentanil receberam uma dose, em bolus, de
5 µg.kg-1 acompanhada de uma infusão contínua de 0,16 µg.kg-1.min-1. Em
todas foi administrado propofol nas mesmas doses, em bolus de 1 mg.kg-1
e infusão contínua de 0,1 mg.kg-1.min-1.O estudo mostra que o alfentanil
permite um melhor controle da anestesia cirúrgica e assegura uma boa
analgesia durante todo o procedimento cirúrgico, sem o risco de depressão
respiratória no período pós-operatório imediato22.
A anestesia intravenosa total entre alfentanil e remifentanil associados
ao propofol foi comparada em 60 crianças. A dose de alfentanil foi, em bolus,
de 50 µg.kg-1 e infusão contínua de 1 µg.kg-1.min-1 e as de remifentanil, em
bolus, 1 µg.kg-1 e infusão contínua de 0,25 µg.kg-1.min-1. As doses de propofol
foram, em bolus, de 2 mg.kg-1, acompanhadas de 3 formas de infusão de 10,
8 e 6 mg.kg-1.h-1.O relaxante muscular utilizado foi o mivacúrio. Foram ob-
servados as alterações nas doses dos fármacos, os tempos para interromper
a anestesia e extubação, as respostas verbais, a recuperação da ventilação, a
orientação e a qualificação, para enviar as crianças à sala de recuperação
pós-anestésica. Dados demográficos, duração da cirurgia e anestesia foram
similares entre os dois grupos. Tempos para extubação e permanência na
sala de recuperação pós-anestésica foram significantemente mais curtos no
grupo do remifentanil, comparados ao do alfentanil, e a qualidade de desper-
tar da anestesia foi melhor no grupo do remifentanil 23.

Uso clínico em alterações clínicas

Doença hepática pode significativamente prolongar a meia-vida de eli-


minação do alfentanil. Pacientes com insuficiência hepática moderada devido a
cirrose têm uma ligação reduzida a α1- glicoproteína ácida e um clearance
plasmático em torno da metade, face a um paciente controle. Esta alteração
resulta em um marcante aumento na meia vida de eliminação para cerca de
219 minutos versus 90 minutos nos controles25. O consumo de álcool aumenta
as necessidades de doses de alfentanil para prover adequada analgesia. Em

191
Anestesia Venosa

uma comparação entre 2 grupos de mulheres, nos quais o grupo 1 foi de


mulheres que ingeriam álcool diariamente e o grupo 2 não o fazia, a média
de necessidade total de alfentanil, no grupo 1, foi de 3,7 ± 1.2 µg.kg-1.min-1,
enquanto, no grupo 2, essa média foi de 1,9 ± 0,4 µg.kg-1.min-1 26. Em doen-
ças colestáticas ou nos portadores de insuficiência renal não existe altera-
ção no clearance ou meia-vida de eliminação do alfentanil 3, muito embora,
em crianças submetidas a transplante, hepático a dose de alfentanil que ser
reajustada porque ambos – volume de distribuição e meia-vida de elimina-
ção – aumentaram no período pós transplante 27.
Doença renal também diminui a ligação protéica do alfentanil, mas
não interfere em clearance plasmático diminuído ou na meia-vida de elimi-
nação prolongada, e isto foi verificado em crianças que se submeteram a
transplante renal27,28,29.
Pacientes portadores de doença de Crohn necessitaram de uma média
maior de dosagem de alfentanil (2,48 µg.kg-1.min-1) em face de pacientes
controles (1,35 µg.kg-1.min-1) submetidos a cirurgias abdominais, entretan-
to, a meia vida de eliminação, clearance plasmático total e volume de distri-
buição em estado de equilíbrio foram similares entre os dois grupos. A
concentração plasmática média, na qual 50% dos pacientes não apresenta-
ram resposta aos estímulos cirúrgicos, foi mais alta no grupo da doença de
Crohn (359 ng.ml-1) do que no grupo controle (199 ng.ml-1) 32.
Obesidade está associada a 50% de diminuição do clearance do alfentanil,
bem como a uma meia-vida de eliminação prolongada (172 minutos)2.
A farmacocinética do alfentanil, à semelhança do fentanil, é afetada
pelo bypass cardiopulmonar. Sua eliminação é prolongada primariamente
devido a distribuição aumentada.Tendo uma razão de extração hepática
baixa, as reduções induzidas pelo bypass, no fluxo sangüíneo hepático, não
contribuem muito para sua alteração durante o mesmo. Importante frisar
que a fração livre do alfentanil permanece constante, apesar das comple-
xas alterações nas concentrações de ligação proteica durante esse proce-
dimento. Ao contrário do fentanil, o alfentanil não é retido pelos componen-
tes do bypass cardiopulmonar33,34.

Efeitos adversos e complicações

Depressão respiratória recorrente, rigidez muscular, náuseas e vô-


mitos estão entre os mais comuns efeitos adversos e complicações apre-
sentados pelo alfentanil.

192
Alfentanil

Dosagem deste fármaco deve ser criteriosamente titulada quando


associada a agentes venosos e/ou inalatórios, tendo como objetivo prevenir
a ocorrência de hipotensão e bradicardia. Essa mesma precaução deve ser
tomada com relação a alguns medicamentos que são usados pelos pacien-
tes, principalmente na população idosa. Alguns medicamentos diminuem o
fluxo sangüíneo hepático e/ou têm a mesma via de metabolização que o
alfentanil, portanto, prolongando sua meia-vida de eliminação.
Um estudo, comparando a influência da dexmedetomidina e clonidina
no metabolismo microssomal do alfentanil, em humanos, mostra que a
clonidina, embora potencialize o efeito do alfentanil, não interfere em sua
oxidação. Entretanto, ao contrário, a dexmedetomidina e seu isômero L-
medetomidina são potentes inibidores do metabolismo microssomal do
alfentanil, nos humanos35.
Existem relatos de atividade pro-convulsivante e recomendação de
que, em pacientes que tenham epilepsia, seu uso deva ser feito com pre-
caução ou mesmo abolido24.
Distonia aguda foi descrita após administração de alfentanil a um
paciente com doença de Parkinson não tratada. Isto pode refletir uma habi-
lidade dos opióides em diminuir a transmissão dopaminérgica central e su-
gere cautela na administração de alfentanil nesse tipo de paciente3.

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195
Sufentanil

Sufentanil
Leonel dos Santos Pereira*

Introdução

Os opióides são drogas cada vez mais intensamente empregadas em


anestesia, fruto, basicamente, da estabilidade cardiovascular e da
previsibilidade na recuperação, conferida pelas moléculas introduzidas mais
recentemente. O sufentanil chegou-nos na esteira da busca por opiáceos
com essas características, como o alfentanil e, mais recentemente, o
remifentanil. A introdução deste, no entanto, eclipsou parcialmente a
popularidade que o sufentanil vinha arrebanhando, contudo a analgesia
residual e a possibilidade do uso no neuro-eixo mantém o sufentanil como
sendo uma droga interessante no arsenal farmacológico do anestesiologista.

Características Farmacológicas

Apesar de ser utilizada desde a antiguidade para fins de analgesia e


com fins anestésicos, sobretudo, a partir da década de 50, somente no final
dos anos 70 descobriu-se o mecanismo de ação dessas drogas. Naquela
época, diferentes pesquisadores demonstraram que os opióides agiam em
receptores específicos distribuídos no sistema nervoso central (SNC). Na
verdade, essa atividade se dá em diferentes tipos e subtipos de receptores

* Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro


Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

197
Anestesia Venosa

(Tabela I) e tanto as ações terapêuticas quanto os efeitos colaterais são


conseqüência da ocupação desses sítios1-2.

Tabela I – Estimulação x efeitos produzidos pela aplicação de


2
agonistas em diferentes receptores
µ1 µ2 k δ
Analgesia Analgesia Analgesia Analgesia
Miose Depressão Respiratória Disforia Depressão Respiratória
Efeito Bradicardia Dependência Física Sedação Dependência Física
Retenção Urinária Constipação Miose Retenção Urinária

Todos os opióides têm em comum sua ação analgésica ligada à


estimulação dos receptores Mu (µ). Evidentemente, tais receptores não
existiriam no organismo para que, um dia, usássemos opiáceos. O que essas
drogas fazem é ocupar o mesmo sítio destinado a peptídeos endógenos
(endorfinas e encefalinas) que produzem analgesia. Portanto, administra-
mos drogas que apresentam uma estrutura próxima a desses ligantes, daí
obtermos alívio da dor.
Atribui-se à molécula dos opióides uma conformação em formato de
T (figura 1). A porção transversa corresponde à estrutura da fenilpiperidina
e o eixo vertical, a um anel aromático hidroxilado. Moléculas com estruturas
próximas a esta configuração são capazes de se ligar aos receptores opióides
e promoverem analgesia3.

Figura 1 – Estrutura do receptor e a configuração espacial dos


3
agonistas .

198
Sufentanil

A morfina é uma molécula natural com propriedades analgésicas, já


os opióides introduzidos a partir de 1960 são sintéticos, derivados da
anilopiperidina, originária da fenilpiperidina (figura 2).

Figura 2 – Diferentemente da morfina, a fenilpiperidina é uma molécula


mais flexível, em função do menor número de anéis aromáticos, o que
permitiu, a partir de sua manipulação, a criação de diferentes opióides.
Sufentanil e alfentanil foram sintetizados quase simultaneamente na déca-
da de 70, porém o alfentanil surgiu para uso clínico nos anos 80, e o
remifentanil, na década seguinte

O sufentanil é um derivado tienil do fentanil e, como os outros deri-


vados dessa família, possui elevada lipossolubilidade que lhe confere rápi-
da passagem pela barreira hemato-encefálica. Tem alta estereoespecifi-
cidade, com uma afinidade pelo receptor µ 7,7 vezes maior que a do fentanil,
podendo ser empregado tanto por via parenteral quanto no neuro-eixo.
Comparativamente é o de maior potência clínica em relação à morfina4
(Tabela II).

199
Anestesia Venosa

Tabela II – Potência Clínica dos Agonistas Opióides*

Droga Potência Clínica


Morfina 1
Fentanil 50 - 100
Sufentanil 250 - 1000
Remifentanil 220 - 470
* Tomando-se a morfina como padrão, o sufentanil é o opióide de uso clínico com maior
potência. Os dados referentes ao remifentanil foram extrapolados do trabalho de Glass e
cols que o avaliou em relação ao fentanil (Adaptado de: Glass PSA, Hardman D, Kamiyama
Y e Cols. Preliminary pharmacokinetics and pharmacodynamics of an ultra-short-acting
opioid: Remifentanil (GI87084B). Anesth Analg 1993;77:1031-10355).

Farmacocinética e Farmacodinâmica

Farmacocinética nos fala da absorção, distribuição, metabolismo e


excreção de uma droga. Uma vez administrada, ela irá produzir seus efei-
tos e o entendimento de como essas respostas acontecem diz respeito à
farmacodinâmica. No entender de Stoelting6, farmacocinética é o que o
organismo faz com a droga e farmacodinâmica, o que a droga faz com o
organismo.
Quando aplicamos sufentanil, queremos que ele ocupe os recep-
tores opióides, promovendo analgesia e amortecendo as respostas sim-
páticas, atenuando ou abolindo os picos pressóricos e as variações de
freqüência cardíaca. Portanto, o que se busca é alcançar uma concen-
tração efetiva da droga nos receptores onde, afinal, será desencadeada
a ação terapêutica. O inconveniente é que não conseguimos mensurá-la
em nível do receptor e acabamos utilizando medidas plasmáticas, pela
facilidade de colher amostras7. Scott e Stanski8 contornaram essa limi-
tação, ao conseguir correlacionar níveis circulantes de alfentanil e
fentanil, em idosos, com o traçado eletroencefalográfico (EEG). Segun-
do eles, o momento em que ocorrem as alterações EEG coincide, com o
pico sérico do opióide ou está muito próximo dele, tanto na indução
quanto após a interrupção da infusão.
Após injetarmos uma quantidade de sufentanil, o que acontece com
ele? Inicialmente temos uma elevação da concentração na circulação, que
decai rapidamente, seguindo sua distribuição pelo organismo. Ele só agirá
200
Sufentanil

se estiver livre para isso. Então, quanto maior for sua ligação protéica,
menor será sua disponibilidade. Para atingir o SNC, deve estar na forma
não ionizada, de modo que alterações no equilíbrio ácido/base e o seu pró-
prio pKa alteram essa oferta. Por outro lado, quanto maior seu volume de
distribuição, menor sua concentração efetiva no receptor. O resultado final
será o somatório de inúmeras variáveis, principalmente aquelas ligadas às
condições clínicas do paciente, e o comportamento poderá ser inconstante.
A Tabela III compara as características farmacocinéticas dos derivados da
anilopiperidina.

Tabela III – Farmacocinética dos agonistas opióides


Fentanil Sufentanil Alfentanil Remifentanil
pK a 8,4 8,0 6,5 7,3
% Não Ionizado (pH 7,4) 8,5 20 89 58
% Ligação Proteica 84 93 92 66-93
Clearence (ml.min-1) 1530 900 238 4000
Volume de
Distribuição (Vd) 335 123 27 30
½ Vida Eliminação -
t½ β (horas) 3,1 – 6,6 2,2 – 4,6 1,4 – 1,5 0,17 – 0,33
½ Vida Contexto/
Sensível (min)* 260 30 60 4

* A ½ Vida Contexto-Sensível foi calculada a partir de um tempo de infusão de 4 horas


(Adaptada de Stoelting RK. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of injected and inhaled
drugs. In: Pharmacology & physiology in anesthetic practice. 3ed Lippincott – Raven.
Philadelphia 1999).

A alta lipossolubilidade, ao contrário do pKa e do percentual de ionização


elevados, favorece a penetração do sufentanil no SNC. Esse fator se refle-
te no aumento da t½ β (3,5 x 2,2 horas) e do Vd apresentado por pacientes
obesos, quando comparados aqueles com os de peso normal9. O estudo
farmacocinético do sufentanil, em pacientes geriátricos (idade média de 77
± 5 anos) e adultos (idade média de 41 ± 15 anos), não evidenciou diferen-
ças significativas quanto t½ β , clearance plasmático e volume total de dis-
tribuição, havendo apenas redução no volume inicial de distribuição10. Os
achados quanto à t½ β se chocam com os apresentados por Hudson e cols
que apresentaram dados apontando o prolongamento desse parâmetro em
idosos submetidos à cirurgia sobre a aorta abdominal11. Este fato é repre-

201
Anestesia Venosa

Figura 3 – Simulação em computador da meia-vida contexto sensível


para diferentes opióides. Note-se que infusões de curta duração não
guardam diferenças significativas entre si e que o fentanil, ao contrário do
remifentanil, não tem características adequadas para essa forma de
administração6

sentativo de como as características individuais influenciam na análise de


dados e realça a necessidade de se acompanhar clinicamente a resposta à
infusão de fármacos. O fato mais marcante daquele estudo foi a diferença
entre os grupos quanto à necessidade de naloxona, para antagonizar a de-
pressão respiratória (85,7% dos idosos x 16,6% dos adultos) atribuída a
alterações farmacodinâmicas, já que eram justificadas por seus achados
farmacocinéticos10-11.
A ligação protéica do sufentanil, feita primordialmente com a
glicoproteína ácida á1e albumina, é a mais elevada dentre os agonistas opióides,
existindo não mais do que 20% da dose aplicada disponível na forma livre.
Recém e neonatos apresentam uma fração livre maior12, mas, paradoxal-
mente, cirróticos, que geralmente apresentavam hipoproteinemia e redução
da perfusão hepática, não mostraram diferenças expressivas do clearence
nem da t½ β, em relação ao grupo controle13.
Tanto sufentanil quanto os demais derivados da anilopiperidina apre-
sentam um clearence elevado, com alta taxa de extração hepática dessas
drogas. Desse modo, alterações no fluxo sangüíneo esplâncnico deveriam
202
Sufentanil

se refletir nos parâmetros farmacocinéticos, já que o seu metabolismo, com


exceção para o remifentanil, é primordialmente dependente da N-demetilação
e hidroxilação hepática9,11.
A geração de opióides pós fentanil incorporou a infusão contínua como
forma de administração. Em função dessa mudança, o conhecimento estan-
que de dados de farmacocinética pode não explicar, convincentemente, o
comportamento da droga, quando infundida ao longo de um determinado
tempo, daí valorizar-se o conceito de meia-vida contexto sensível. Ela re-
presenta o tempo necessário para que a concentração plasmática caia em
50% após a interrupção da administração do fármaco, relacionando-a com
a duração da infusão (figura 3). Em parte, ela explica alguns comportamen-
tos não esperados e adiciona o tempo de infusão como variável fundamental
para esse entendimento6.
A meia-vida contexo-sensível é um parâmetro dinâmico onde distri-
buição e metabolismo se combinam. Se compararmos o t½β do sufentanil e
do alfentanil, sem considerarmos o tempo de infusão, esperaríamos uma
recuperação mais rápida com o alfentanil (t½β entre 1,4 e 1,5 h x 2,2 a
4,6h). Entretanto, com infusões acima de 8 horas, a recuperação do sufentanil
se faz mais prontamente. O Vd do sufentanil é bem maior do que o do
alfentanil, o que significa dizer que sua distribuição é mais ampla, e, conse-
qüentemente, uma vez interrompida a administração, ele será, não só
metabolizado, mas continuamente redistribuído, fazendo com que a con-
centração plasmática caia mais aceleradamente, diferentemente do
alfentanil. Só haverá repercussão clínica quando se acumula um volume
significativo da droga. Daí a importância do tempo.

Metabolismo

O metabolismo do sufentanil, como dos demais opióides exceto o


remifentanil, é hepático. Assim, o organismo trabalha no sentido de trans-
formar drogas lipossolúveis em hidrossolúveis e elimináveis pelos rins. A
inativação do sufentanil acontece rapidamente por N-dealquilação, que
gera produtos inativos, e O-demetilação. Este último tem como subproduto
o desmetil sufentanil, com aproximadamente 10% da atividade da molé-
cula original. Apesar da excreção renal ser inferior a 1% da dose total, a
co-existência de insuficiência renal aumenta a chance de depressão res-
piratória pelo acúmulo dos metabólitos, a despeito da fraca atividade des-
tes 6 .

203
Anestesia Venosa

Uso Clínico

A dose preconizada para o sufentanil é bastante ampla, variando, na


indução, de 1 a 30µg.kg-1 e de 0,1 e 0,5 µg.kg-1.min-1 para infusão, na de-
pendência do tipo de cirurgia e das condições clínicas do paciente. Embora
passíveis de utilização em qualquer tipo de procedimento, a idéia de se
empregar um opióide nos remete, habitualmente, para procedimentos de
maior repercussão endócrino-metabólica. Como componente de uma
anestesia combinada com agentes inalatórios, em cirurgias de médio porte,
usa-se trabalhar com doses de até 5µg.kg-1, enquanto em pacientes de ele-
vado risco cardiovascular, onde o impacto da estimulação simpática deve
ser atenuado, tende-se a maiores quantidades, sobretudo, se não estão as-
sociados agentes hipnóticos.

1. Efeitos Cardiovasculares

Os opióides são equivalentes quanto à preservação da contratilidade


miocárdica e, amiúde, observa-se uma redução do cronotropismo, resultan-
te da estimulação vagal. Embora mantendo a função contrátil, diversos tra-
balhos apontam “escapes” na pressão arterial (PA), dependendo do mo-
mento de observação e dose14-19.
Perreault e cols14, trabalhando com sufentanil em baixas doses
(1µg.kg-1) associado ao N2O (66%) para colecistectomia, avaliaram PA e
freqüência cardíaca (FC) em pacientes classificados entre ASA 1 e 3.
Mesmo com uma posologia moderada, a pressão caiu após a dose inicial e
houve 2 episódios de bradicardia. Em outro estudo15, após sufentanil (1µg.kg-1)
ou fentanil (5µg.kg-1 em média), comparou-se a variação de PA e FC em
diferentes momentos da cirurgia. No grupo que recebeu sufentanil, encon-
trou-se uma redução tensional de 15 a 25% que se manteve da indução até
o fechamento da pele e uma resposta hipertensiva acompanhando a
extubação. O grupo que recebeu fentanil manteve-se estável no período
inicial, mas evoluiu com hipertensão a partir do fechamento da pele. Quan-
to a FC a redução foi, em média, semelhante ao trabalho anterior, sendo
necessário tratamento em 20% dos casos.
Um estudo multicêntrico canadense16 envolveu 616 pacientes, idade
média 46 ± 0,6 anos e estado físico entre 1 e 3, que receberam 1µg.kg-1.h-1 de
sufentanil. Doses adicionais entre 10 e 25µ do opióide e suplementação
com agente volátil foi empregada em 43% dos casos, para se alcançar

204
Sufentanil

“estabilidade hemodinâmica”. A hipotensão arterial e bradicardia foram os


efeitos adversos mais encontrados (Tabela IV). Quem recebeu apenas
sufentanil apresentou, em média, FC mais baixa durante a maior parte das
cirurgias, tornando-se significativa em relação aos valores da indução 1
minuto após a intubação. Em 21 casos de bradicardia, 4 corresponderam a
uma FC abaixo de 10 bpm ou parada sinusal maior que 20 segundos. A
hipotensão arterial foi registrada em 6% dos casos, sendo necessário, em 2
deles, reposição hídrica vigorosa e vasopressor. Nos demais, o equilíbrio foi
restabelecido após a incisão cirúrgica.

Tabela IV – Efeitos adversos relacionados ao uso de sufentanil


Número de Pacientes*
n %
Hipotensão 37 6,01
Bradicardia 21 3,41
Tórax Duro 18 2,92
Vômitos 13 2,11
Náuseas 10 1,62
Taquicardia 8 1,30
Hipertensão 6 0,97
Tosse 2 0,32
Reação Cutânea 1 0,16
Irritação Venosa 1 0,16
Laringoespasmo 1 0,16
Outros 11 1,79
* No universo de 616 pacientes estudados não houve diferença significativa entre os que
tiveram a anestesia complementada com halogenados. (adaptado de: Murkin JM. Sufentanil
anaesthesia for major surgery: the multicentre Canadian clinical trial. Can J Anaesth
1989; 36:343-349)

Stanley e deLange17 compararam os efeitos hemodinâmicos entre


pacientes que receberam sufentanil (200 µg.min-1) ou fentanil (400 µg.min-
1
) notando uma diferença significativa na PA, durante a indução no grupo
sufentanil. Outro trabalho18, comparando 15 µg.min-1 de sufentanil e 100
µg.min-1, infundidos em 10 minutos, na indução, para revascularização do
miocárdio, encontrou, nos que receberam sufentanil, discreta redução e,
nos medicados com fentanil, moderado aumento na pressão arterial média
205
Anestesia Venosa

(PAM), pressão capilar pulmonar e resistência vascular pulmonar. Não


houve, contudo, diferença significativa.
Pacientes coronariopatas mas com função ventricular mantida (fra-
ção de ejeção = 0,4) foram intubados em seqüência rápida com a combina-
ção de sufentanil 7 µg.kg-1 e succinilcolina 1,5 mg.kg-1. A técnica anestésica
resultou numa redução de 24% na PAM e 23% na resistência vascular
sistêmica (RVS), que se manteve até o 5º minuto pós intubação. O índice
cardíaco (IC), que permaneceu estável até esse momento, caiu 18%. Não
houve alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia. Embora os
resultados fossem satisfatórios, os autores sugerem moderação no empre-
go da técnica naqueles com baixa reserva miocárdica ou que tenham redu-
ção do volume circulante19.
A experiência do sufentanil em pacientes pediátricos é divergente20-21.
Um grupo de crianças com idade entre 1 mês e 3 anos, operadas para corre-
ção de cardiopatia congênita complexa, recebeu 15 µg.kg-1 de sufentanil ao
longo de 1 minuto. Conquanto 75% das crianças apresentassem insuficiência
cardíaca congestiva, compensada com digital e diurético, não houve episódi-
os de hipotensão descritos. Em duas crianças, a elevação da PA, acima de
20% dos valores basais, foi corrigida com a introdução de N2O20. Em outra
experiência21, menores entre 4 e 12 anos submetidos à cirurgia cardíaca re-
ceberam 5, 10 ou 20 µg.kg-1 de sufentanil durante 2 minutos, para indução da
anestesia. A pressão sistólica elevou-se significativamente após a intubação,
nos 3 grupos, a diastólica, nos que receberam 5 µg.kg-1, e a FC, nos grupos de
5 e 10 µg.kg-1. Houve ainda aumento da pressão sistólica, diastólica e da FC
após a incisão e esternotomia, nos 3 grupos, porém sem significado estatísti-
co. Os autores concluem que o sufentanil em bolus, independentemente de
dose, não foi capaz de suprimir a resposta cardiovascular, não sendo uma boa
opção como agente único para cirurgias cardíacas.
A hipotensão encontrada em alguns pacientes não é explicada pelo
aumento da histamina circulante. Fentanil (100 µg.kg-1) e sufentanil (15 µg.kg-
1
) foram comparados quanto às alterações hemodinâmicas e liberação de
histamina. Os grupos se equivaleram na redução da PAM e da RVS, porém
não houve aumento da concentração sérica de histamina22. Os opióides são
capazes de inibir a descarga simpática central além de promoverem o incre-
mento do estímulo vagal, dessa maneira, amortecem também as respostas
adaptativas à hipotensão como a taquicardia e a vasoconstrição periférica. A
elevada lipossolubilidade do sufentanil permite que ele penetre rapidamente
no SNC, manifestando-se de imediato sobre o efluxo simpático14,16.

206
Sufentanil

Fatores adjacentes ao uso do sufentanil influenciam no equilíbrio


hemodinâmico16,21,23-25. A PA é dependente da FC e da relação volume circulante
(conteúdo)/leito vascular (continente). O sistema nervoso simpático (SNS) ga-
rante o tônus dos vasos sangüíneos, mantendo estável a PA mesmo na vigência
de algum grau de hipovolemia, e, quando se desfaz esse equilíbrio, as manifes-
tações clínicas se apresentam. Retrações do volume circulante podem estar
evidentes como nos sangramentos, queimaduras ou nas perdas para 3º espaço,
e, nesses casos, a reposição volêmica e a redução da dose do opióide minora-
rão o impacto do sufentanil sobre o sistema nervoso autônomo16,25.
Os bloqueadores neuromusculares e medicação pré-anestésica interfe-
rem na atividade do SNS. Ao se compararem as conseqüências sobre FC, PAM,
RVS e IC da curarização com pancurônio ou vecurônio, em pacientes que rece-
beram morfina-escopolamina ou lorazepam como pré-anestésico e foram
anestesiados com sufentanil (10 µg.kg-1), observou-se que o pancurônio aumen-
tou a FC na indução e, após, todos os itens estudados se elevaram. Os que
tomaram lorazepam e vecurônio tiveram a FC estável, mas queda na PAM e IC.
A presença do lorazepam atenuou as respostas hipercinéticas24. Pancurônio e
vecurônio são bloqueadores neuromusculares do mesmo grupo (aminoesteróide),
que se diferenciam entre si pela ausência de um grupamento metil quaternário no
anel A do núcleo esteroidal no vecurônio, tornando 20 vezes menor sua atividade
vagolítica. O pancurônio possui um efeito “atropina-like”, por sua ação especifi-
camente nos receptores muscarínicos cardíacos, além de promover um aumento
dos níveis circulantes de catecolaminas6. Dependendo do grau de interferência
do curare como sistema nervoso autônomo, poderemos mascarar ou elevar as
implicações hemodinâmicas dos opióides. Já os benzodiazepínicos reduzem a
atividade do eixo hipotálamo-hipófise adrenal, reduzem os níveis plasmáticos e
atenuam as ações das catecolaminas, potencializando a ação dos narcóticos6,25-
26
.
O uso de β-bloqueadores no pré-operatório favorece a hipotensão e
a bradicardia, por diminuir os mecanismos compensatórios 24-25. Thomson e
cols24 encontraram uma diferença na FC de 6 e 25 bpm, respectivamente,
entre os que a usavam, ou não, no período pré e pós-indução com sufentanil
(10 µg.kg). Nesse estudo, 80% dos que precisaram fenilefrina eram usuá-
rios crônicos de β-bloqueadores. A interação medicamentosa deve ser pe-
sada para uma escolha racional das medicações anestésicas.
Embora a estabilidade cardiocirculatória seja mais habitual, também são
relatados casos de picos hipertensivos durante a intubação e na incisão cirúrgi-
ca. A mensuração das catecolaminas circulantes, após o uso de fentanil (100

207
Anestesia Venosa

µg.kg-1) quanto do sufentanil (15 µg.kg-1), elevaram somente a concentração


sérica da noradrenalina. Esse pico foi máximo e se manteve entre o 6º e 10º
minuto após a injeção do opióide, retornando aos valores basais depois da
intubação. Esse achado, segundo os autores, justificaria os achados
hemodinâmicos26. A resposta endócrino-metabólica, após a infusão de sufentanil
(20 µg.kg-1) para cirurgia cardíaca com circulação extra-corpórea (CEC), mos-
trou que nenhuma dosagem hormonal ou de catecolaminas elevou-se até inici-
ar-se a CEC. Durante esse período, houve importante aumento da noradrenalina,
que correspondeu à elevação concomitante da PAM (figura 4)27. Howie e cols
encontraram apenas elevação nos níveis séricos de dopamina, em estudo se-
melhante, porém com doses de sufentanil maiores (20 µg.kg-1). Também seus
achados hemodinâmicos foram equivalentes entre os 2 grupos.
Estudos clínicos podem reproduzir resultados divergentes na medida
que não existe uma homogenidade absoluta entre os pacientes estudados.
Entretanto, fica patente que existe uma variação hemodinâmica e ela au-
menta o risco de eventos isquêmicos, principalmente, no caso de cirurgias
cardíacas durante ou após a CEC.

Figura 4 – Relação entre os níveis de noradrenalina plasmática (em escala


27
logarítima) e pressão arterial média durante a circulação extracorpórea
PAM (mm Hg)

-1
Noradrenalina Plasmática (pg.ml )

208
Sufentanil

1. Efeitos Sobre o SNC

Caracteristicamente, os opióides são fármacos de baixo poder hipnó-


tico, contudo, o sufentanil, em doses elevadas (acima de 10 µg.kg-1), tem
sido empregado como agente único, para anestesia sem relatos de desper-
tar per-operatório15-20,23,27.
Apesar da excreção renal de metabólitos do sufentanil ser inferior a 1%
da dose total e da fraca atividade deles, a insuficiência renal aumenta a chance
de depressão respiratória6. Embora doses baixas de sufentanil apresentem rápi-
da inativação pela redistribuição da droga, pode existir um efeito cumulativo em
pacientes com insuficiência renal que recebam quantidades significativas da
droga, seja por infusão contínua ou administração isolada. A implicação desse
acúmulo sobre a atividade elétrica cerebral foi estudada experimentalmente por
Castro e cols28 que demonstraram que a margem de segurança do sufentanil é
elevada quando comparada a do fentanil. Nesse estudo, a dose de sufentanil
que desencadeava crise convulsiva foi 1000 vezes maior que a dose analgésica
e a do fentanil, apenas 160. Este dado é referendado por Rao e Cols que relata-
ram o aparecimento de crise convulsiva após a injeção venosa de 30 ml de
fentanil29. Bovill e Cols30 estudaram o EEG em pacientes anestesiados com
sufentanil (15 µg.kg-1) para cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea,
não detectando qualquer alteração significativa no traçado.
Os potenciais evocados somestésicos e auditivos são pouco modifi-
cados pelos opióides de uma maneira geral, sendo plausível o emprego do
sufentanil para sua realização31.
Albanese e cols32 demonstraram, em pacientes com traumatismo
craniano que receberam sufentanil 1µg.kg-1 infundidos em, no mínimo, 6
minutos, uma queda de 24% na PAM, que se acompanhou do aumento de
53% na pressão intracraniana e redução de 38% da perfusão cerebral. Uma
justificativa para esses achados poderia ser o aumento da perfusão cerebral
já comprovada em cães com sufentanil em diferentes doses33. Em pacien-
tes que necessitem de um aprofundamento do grau de sedação ou analgesia,
deve-se evitar administração de bolus. Caso seja preciso fazê-lo rapida-
mente, é mais seguro associar outras drogas.

Conclusões

• O perfil do sufentanil é próximo ao do fentanil, tendo como principal


vantagem o poder hipnótico superior.

209
Anestesia Venosa

• Apesar de habitualmente o comportamento hemodinâmico ser es-


tável, podem acontecer episódios de hipo ou hipertensão. A hipotensão é
mais comum nas doses em bolus, no uso associado a benzodiazepínicos,
nos tratados com β-bloqueadores.
• Picos hipertensivos são mais prováveis durante ou após CEC.
• O uso de sufentanil, em pacientes com traumatismo cranioencefálico,
deve ser cauteloso, pelo risco de aumento da pressão intracraniana e da
diminuição da perfusão cerebral.

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212
Remifentanil

Remifentanil
Ronaldo Contreiras de Oliveira Vinagre*

O Cloridrato de Remifentanila ou, como é mais simplesmente co-


nhecido, Remifentanil, é um agonista sintético do receptor opióide µ, apre-
sentando todas as características da classe dos opióides derivados da
fenilpiperidina, isto é analgesia intensa, relativa estabilidade hemodinâmica,
depressão respiratória, rigidez muscular, náuseas, vômitos e prurido. Foi
identificado inicialmente como GI 87084B, descrito em 1990, e a estratégia
usada para concebê-lo, de forma que apresentasse potência semelhante
aos demais opióides e tivesse sua ação encerrada através de metabolização
por esterases não específicas, foi semelhante, por exemplo, à estratégia
utilizada para conseguir o mesmo efeito com o bloqueador beta esmolol, ou
seja, a introdução de uma união metil-éster no anel da piperidina, fazendo
com que a molécula passasse a ser hidrolisada por esterases não específi-
cas nos tecidos e no plasma. Portanto, o Remifentanil difere das demais
substâncias de sua classe, empregadas na anestesia, por apresentar carac-
terísticas farmacocinéticas que contrastam com os outros opióides que es-
tão associados, quando utilizados em doses anestésicas ótimas, a um pro-
longamento de seus efeitos e uma recuperação lenta ocasionada por acu-
mulação e redistribuição no organismo, possuindo uma metabolização dife-
rente de todas as outras. Além da metabolização diferenciada, os metabólitos

* Co-responsável pelo CET/SBA – Bento Gonçalves – HUCFF/ UFRJ


Diretor Científico da SAERJ

213
Anestesia Venosa

produzidos possuem uma atividade extremamente baixa, não exercendo


ações efetivas sobre órgãos e sistemas1-3. (Figura 1)
Estudos com objetivo de avaliar a capacidade de reversão do
Remifentanil pela naloxona confirmaram que essa reversão ocorre de for-
ma semelhante aos outros opióides4.
Em julho 1996, a agência reguladora para utilização de medicamen-
tos dos Estados Unidos (FDA) liberou o uso da droga no território norte-
americano, configurando-se como uma das drogas mais rapidamente libe-
radas após ter sido sintetizada. Essa velocidade na aprovação do uso do
Remifentanil fez com que, diferentemente do que normalmente ocorre, so-
mente de 1997 em diante começassem a surgir os resultados de trabalhos
clínicos em grande escala envolvendo a substância, tanto nos Estados Uni-
dos como na Europa.
Com a continuação dos estudos, houve a comprovação de que o
Remifentanil não se liga de forma significativa a outros subtipos de recep-
tores opióides, principalmente os mais estudados nesta relação, os recepto-
res κ e δ, inclusive com alguns estudos demonstrando que não existem
evidências de que essa ligação ocorra. Da mesma forma, não existem evi-
dências de que o Remifentanil possua qualquer afinidade por outros recep-
tores ou canais iônicos, além da que possui pelos receptores opióides3.
A apresentação é feita em pó liofilizado, acondicionado em frascos
ampolas e deve ser reconstituído imediatamente antes de sua utilização
venosa. Depois de reconstituído, permanece estável por 24 horas, podendo
ser utilizado em infusões contínuas com solução de glicose a 5%, Ringer
Lactato ou Soro Fisiológico a 0,9%.

Figura 1 – Estrutura do Remifentanil (GI87084B).O grupo ácido


propanóico metil-éster na posição 1 da estrutura do anel da piperidina que
1
é hidrolisado no sangue e tecidos está destacado .

214
Remifentanil

Farmacocinética do Remifentanil

- Introdução

A alta velocidade no início e no término da ação do Remifentanil faz


com que seja especialmente bem visto para o uso através de infusão contí-
nua, tornando possível a antecipação e rápida resposta às alterações no
per-operatório, de acordo com a demanda dos pacientes, principalmente
por apresentar características não acumulativas, mesmo em infusões pro-
longadas.
Isto contrasta significativamente com os outros opióides, quando a
utilização em doses analgésicas ótimas é prejudicada pela preocupação
com a acumulação, redistribuição e, conseqüentemente, com os efeitos
adversos.
Tradicionalmente os opióides agonistas do receptor µ, como, por exem-
plo, fentanil e alfentanil, possuem uma ampla distribuição, com significativa
captação pelo tecido adiposo e pelos tecidos pouco perfundidos. Conse-
qüentemente, após a interrupção da infusão desses opióides, com a
redistribuição pelo compartimento central, efeitos adversos poderão ocor-
rer, notadamente, depressão respiratória, bradicardia e hipotensão, o que
irá requerer vigilância e monitorização constantes no período pós-operató-
rio.
Se essa característica favorece o Remifentanil, deve-se levar em
consideração que, como os outros membros de sua classe, ele produz alte-
rações hemodinâmicas durante a anestesia, proporcionando diminuição de
até 15 a 20% da pressão arterial, com um grau moderado de bradicardia5.
Esses efeitos, em pacientes hemodinamicamente compensados previamente,
podem ser benéficos, diminuindo o sangramento per-operatório, porém, em
pacientes com o equilíbrio hemodinâmico comprometido, podem levar a
aumento da instabilidade circulatória. Ainda, pela sua alta velocidade de
ação, pode ser muito útil para o controle de alterações hemodinâmicas, nos
momentos da intubação traqueal e incisão da pele6.
O Remifentanil possui potência analgésica aproximadamente oito
vezes superior ao do alfentanil em infusão contínua7, mas com um início de
ação semelhante. Devido a sua potência, pode tanto ser titulado ao final da
anestesia, para proporcionar analgesia pós-operatória com respiração es-
pontânea, como também pode causar perda da consciência. Como os de-
mais opióides, pode produzir rigidez muscular e depressão respiratória.

215
Anestesia Venosa

- Distribuição

A distribuição do Remifentanil pode ser descrita por teorias utilizan-


do dois7, 8 ou três modelos de compartimento farmacocinético9. Ambos os
modelos, tanto de dois como de três compartimentos, descrevem um com-
partimento central, a circulação sanguíüea, uma perfusão rápida pelos teci-
dos, através dos quais o Remifentanil é distribuído rapidamente. Junto a
isso, há os compartimentos periféricos que compreendem o tecido adiposo
e outros tecidos menos perfundidos, nos quais a droga irá ser distribuída
mais lentamente. (Figura 2)

Figura 2 – O diagrama acima mostra a distribuição e eliminação


9
conforme o modelo de três compartimentos .

A farmacocinética do Remifentanil foi estudada por vários pesqui-


sadores, tendo Egan e colaboradores publicado, em 1993, um estudo com
dez voluntários saudáveis, com idade entre 18 e 40 anos, que mostra, em
infusões de 1 a 8 µg/kg/min, sinais de uma distribuição como a que ocorre
em modelo de dois compartimentos na primeira hora de infusão. Já com a
infusão ultrapassando a primeira hora, o modelo de três compartimentos
parece demonstrar de forma mais fiel o que ocorre na distribuição.
A lipossolubilidade do Remifentanil é menor do que a do fentanil
e do sufentanil, sendo similar a do alfentanil. Apesar da distribuição
para o segundo compartimento ser muito rápida, a distribuição para o
terceiro compartimento é relativamente limitada, sendo aproximadamente
de 5% do disponível no compartimento central, isto é, do total disponí-
vel, empregado na infusão10. Isso contrasta com o que ocorre com os
demais opióides, principalmente quando são administrados por períodos
prolongados, quando uma quantidade significativa da droga acumula-se
no terceiro compartimento11,12. Conseqüentemente, podem ser obser-
vados sinais clínicos de redistribuição desses opióides após a interrup-
ção da infusão dos mesmos.

216
Remifentanil

O volume total de distribuição é também menor com o Remifentanil,


devido a sua menor lipossolubilidade em comparação com os demais opióides.
Enquanto o Remifentanil apresenta o Volume de Distribuição (VD) de 0,39
-1
± 0,25 l.kg , o alfentanil, por exemplo, apresenta o VD de 0,52 ± 0,l.kg-1.
Devido ainda a sua baixa lipossolubilidade, ocorre rápida passagem pela
barreira hematoencefálica, acarretando rápido equilíbrio entre as concen-
trações no sangue e no cérebro.
Aproximadamente 70% da dose do Remifentanil liga-se às proteí-
nas plasmáticas, dos quais 66% estão ligados a glicoproteína ácida-a1 ?Esse
grau moderado de ligação às proteínas plasmáticas também contrasta com
os demais opióides que apresentam uma ligação com as proteínas do plas-
ma mais intensa, podendo ultrapassar a 90%13.

- Metabolismo

A rápida hidrólise do Remifentanil por esterases não específi-


cas no sangue e nos tecidos é responsável pelo seu perfil farma-
cocinético único e vantagens clínicas associadas. Como observamos
anteriormente, a responsabilidade por esse mecanismo de meta-
bolização é a existência de um grupo metil-ester, o que torna a hidrólise
possível pelas esterases não específicas. Após a hidrólise, a molécula
da droga é dividida em dois metabólitos: o principal, GR 90291, um
ácido carboxílico, denominado ácido remifentanil, que ocorre em con-
centração superior a 95% do produto da metabolização; apresenta uma
potência de 1:270 a 1:4600 menor do que a do Remifentanil e tem
uma meia-vida de eliminação que varia de 88 a 137 minutos, sendo
recuperado na urina sem sofrer transformação em concentração apro-
ximada de 88%. O outro produto do metabolismo, que ocorre por
dealquilação da molécula do Remifentanil, em torno de 2%, é o
metabolito conhecido como GR 94219, decorrente de N-dealquilação,
e que até o momento, de acordo com os estudos disponíveis, aparente-
mente não possui efeitos significativos em relação aos efeitos do
opióide. Além desses metabólitos, aproximadamente 1,5% do
Remifentanil utilizado é excretado pela urina, sem sofrer metaboli-
zação 5.
Na figura abaixo, observamos as duas vias de metabolização do
Remifentanil e seus metabólitos:

217
Anestesia Venosa

- Eliminação

As características de eliminação do Remifentanil podem ser des-


critas através de taxas de declínio bi ou tri-exponenciais, refletindo a eli-
minação através de, respectivamente, dois ou três compartimentos. As
meias-vidas dos componentes exponenciais individuais são: t ½α 0,94 ±
0,57 minutos a 1,96 ± 0,57 minutos5,9; t½ β, 5,3 ± 1,5 minutos a 14,4 ± 7.8
minutos9,14, e quando um terceiro componente é detectado, t½ γ, 25 minu-
tos15 a 137 minutos9. A contribuição de um terceiro compartimento para
as características farmacocinéticas do Remifentanil é pequena, aproxi-
madamente 5%.
A meia-vida de eliminação do remifentanil é de 3,8 a 8,3 minutos.
Diante da opinião crescente de que a meia-vida terminal de eliminação não
reflete, de modo adequado, a curva de diminuição da concentração de dro-
gas que têm a sua distribuição e eliminação estudadas através de três com-
partimentos farmacocinéticos complexos16, acredita-se que a meia-vida
contexto-dependente (meia-vida contexto-sensitivo ou ainda meia vida sen-

218
Remifentanil

sível ao contexto, isto é, o tempo necessário para que a concentração


sangüínea de uma droga, no compartimento central, diminua 50% após a
interrupção de uma infusão programada, para manter uma concentração
plasmática constante por um determinado período de tempo) seja mais efi-
ciente para demonstrar o comportamento do Remifentanil. A meia-vida
contexto-dependente do Remifentanil é de 3 a 5 minutos, portanto, menor
do que a meia-vida de eliminação.
Westmoreland e colaboradores9 apresentam resultados de análises
computadorizadas de meias-vidas contexto-dependentes de remifentanil,
sufentanil, alfentanil e fentanil. Após infusões contínuas, 240 minutos mos-
tram que as meias-vidas contexto-dependentes desses agentes foram de:
3,65 minutos, 33,9 minutos, 58,5 minutos e 262,0 minutos respectivamente,
demonstrando que o Remifentanil apresenta um perfil, quando comparado
aos demais opióides, de ausência de acúmulo, quando infundido por tempo
prolongado. Em 1995, um novo estudo, dessa vez realizado por Kapila e
colaboradores, veio corroborar esses resultados, observando-se um grupo
de 30 pacientes submetidos a infusões de três horas de duração17.
A baixa lipossolubilidade do Remifentanil significa que ele rapida-
mente atingirá o equilíbrio através da barreira hematoencefálica. Os efeitos
do Remifentanil no EEG são pareados com a sua concentração arterial.
Durante a anestesia, velocidade de ação, duração curta e rápida
eliminação permitem fácil titulação da taxa de infusão, tornando o contro-
le dos níveis de anestesia pareados com as necessidades individuais dos
pacientes a cada momento da cirurgia. O estado de equilíbrio é rapida-
mente alcançado após o início da infusão ou alteração da taxa desta.
Aproximadamente, 80% do equilíbrio na infusão é alcançado entre 5 e 8
minutos10.
O rápido e previsível término da ação do Remifentanil, assim como
a sua característica não acumulativa, a despeito do tempo de infusão ou da
dose utilizada, fazem com que seja necessária a sua continuidade até o final
da cirurgia. Em longas infusões existem relatos, próprios aos opióides, de
taquifilaxia, com necessidade do aumento da taxa de infusão, principalmen-
te em infusões que se prolonguem por períodos superiores a 3 – 5 ho-
ras18,19. Outro fenômeno observado, comum aos opióides de grande potên-
cia e duração mais curta, é o efeito hiperalgésico que começa a ser melhor
estudado e parece estar relacionado à interrupção súbita do efeito analgé-
sico do opióide sem que haja nenhuma outra oferta de bloqueio dos recep-
tores nociceptivos.

219
Anestesia Venosa

Figura 4 – Representação gráfica mostrando que o os efeitos do


Remifentanil no EEG acompanham sua concentração arterial.
15
(Egan e colaboradores, 1994)

Quadro comparativo entre os opióides

FENTANIL SUFENTANIL ALFENTANIL REMIFENTANIL


LATÊNCIA 1 – 2 minutos 1 – 3 minutos 30 segundos 30 segundos
PICO DE AÇÃO 3 – 4 minutos 5 – 6 minutos 1 – 2 minutos 1 minuto
DURAÇÃO 30 minutos 30 minutos 15 minutos 5 – 10 minutos

EQUIVALÊNCIA 100 µg 15 µg 750 µg 10 µg


DE DOSES

Farmacodinâmica do Remifentanil

- Introdução

De uma maneira geral, todos os opióides agonistas dos receptores µ


possuem efeitos semelhantes, portanto, a compreensão da farmacodinâmica
é essencial para determinar e comparar suas potências. A potência dos
opióides é freqüentemente relacionada à potência da morfina, a qual, por

220
Remifentanil

sua vez, é referida normalmente após uma única injeção. O primeiro pro-
blema que observamos é que os opióides podem tanto ser utilizados através
de injeção única como podem ser infundidos continuamente, inclusive atra-
vés de programações de infusão alvo-controlada, com o objetivo de atingir
uma determinada concentração alvo ou uma concentração ideal para atin-
gir o efeito desejado20. Podemos observar que, devido as formas de utiliza-
ção dos opióides, a potência poderá variar de acordo com o modo de admi-
nistração da droga, sendo então preferível considerar que a potência do
opióide é determinada pela sua capacidade de promover alívio da dor. Po-
rém, como alívio da dor é muito subjetivo, várias outras formas de determi-
nar a potência dos opióides têm sido utilizadas, como, por exemplo: a capa-
cidade de supressão do espectro no EEG, incluindo a perda da consciência;
a inibição de movimentos à incisão da pele ou ainda através do grau de
depressão respiratória que pode causar. A dose/concentração necessária
para essas mensurações de efeitos varia de opióide para opióide, mas a
potência relativa dos diferentes opióides parece variar de forma uniforme,
seja qual for a forma de medida utilizada.
O Remifentanil produz efeito analgésico que aumenta de acordo
com a elevação da dose utilizada. Estudado em voluntários, após uma única
injeção o Remifentanil, mostrou ser de 20 a 30 vezes mais potente do que
o alfentanil5. Da mesma forma que o alfentanil, o aumento da potência
analgésica segue uma linha paralela ao aumento da depressão respiratória.
A capacidade do Remifentanil induzir a perda da consciência também foi
comparada com o alfentanil, em um estudo duplo cego que mostrou que
50% da dose efetiva necessária para perda da consciência com o
-1
Remifentanil era de 12 µg.kg e com o alfentanil era de 176 µg.kg-1, con-
firmando a maior potência do Remifentanil com o alfentanil, quando utiliza-
do em uma única dose21.

- Efeitos Hipnóticos

O Remifentanil, quando administrado em dose única, como único


agente de indução em pacientes sem pré-medicação, nas doses de 4-6 µg.kg-1,
produz inconsciência em 50 a 70% desses pacientes. Nessas doses, porém,
o Remifentanil causa alta incidência de rigidez muscular e apnéia, tornan-
do a técnica desaconselhável. O sinergismo do Remifentanil com outras
drogas hipnóticas é muito útil, proporcionando perda da consciência rápida
e suave. Utilizado com o Isoflurano, o Remifentanil, em doses que alcancem
221
Anestesia Venosa

uma concentração sanguínea de 1,37 ng.ml-1 (equivalente a uma taxa de


infusão de aproximadamente 0,07µg.kg-1min-1), diminui a CAM deste anesté-
sico inalatório em 50%. Da mesma forma, alcançando concentrações
plasmáticas de 4,5 ng.ml-1 (equivalente a uma taxa de infusão de 0,2 µg.kg-
1
.min-1) somado ao propofol, em infusão alvo-controlada para alcançar uma
concentração plasmática de 2 µg.ml-1, produz inconsciência e analgesia sufi-
cientes para atenuar a resposta hemodinâmica à incisão da pele e com menos
alterações hemodinâmicas como hipotensão e bradicardia, quando utilizado
com propofol, em infusão alvo-controlada para atingir concentração de 4
µg.ml-1. Portanto, a administração do Remifentanil, quando feita com outras
drogas, deve ser cuidadosa e as doses de ambos devem ser bem tituladas e
diminuídas para que se evite a incidência de efeitos colaterais e até mesmo
para contenção de custos, otimizando a utilização das drogas.

- Efeitos Respiratórios

Como já foi dito anteriormente, da mesma forma que outros opióides,


a administração do Remifentanil resulta em depressão respiratória e au-
mento da resistência de vias aéreas, efeitos esses que são dose-dependen-
tes. Não havendo estímulos externos, uma infusão de 0,05 a 0,1µg.kg-1.min-1
causou diminuição de 50% do volume minuto em voluntários que respira-
vam com uma concentração de 8% de CO2 inspirado22. Certamente, como
também ocorre com outros opióides, a intensidade da depressão respirató-
ria resultante da administração do Remifentanil depende não só da dose,
mas também de outros fatores, como idade, estado físico, presença de dor
e outros estímulos. A primeira vantagem do Remifentanil sobre os demais
opióides é que, sendo utilizado durante anestesia, com o paciente em venti-
lação controlada e com doses clínicas que realmente produzam depressão
respiratória, permite que em 10 minutos, em média, após a interrupção da
infusão, o paciente respire espontaneamente e adequadamente sem riscos
de ocorrer nova queda da respiração. Se houver necessidade, a depressão
respiratória é prontamente revertida pela naloxona22.

- Efeitos Circulatórios

Em comum com os outros opióides, o Remifentanil também provoca


hipotensão e bradicardia. Doses de até 2 µg.kg-1 produzem alterações mínimas
na pressão arterial sistêmica e na freqüência cardíaca5. Comparado ao alfentanil

222
Remifentanil

como droga indutora, sem outras drogas associadas, doses menores ou iguais a
-1
10 µg.kg de Remifentanil e 200 µg.kg-1 do alfentanil produzem efeitos seme-
lhantes, ou seja, causam uma diminuição de 10 a 40% da pressão arterial sistólica
e diminuição semelhante na freqüência cardíaca22. Em todos os estudos, as
variações hemodinâmicas parecem ser dose-dependentes. Ocasionalmente, ocor-
reram maiores diminuições, do que o esperado, na pressão arterial, quando
outras drogas eram utilizadas, como, por exemplo, o propofol ou o tiopental,
devido ao sinergismo que leva à diminuição da freqüência cardíaca de17 a
23%23 sendo revertida pela administração de atropina. A diminuição da pres-
são arterial não foi maior do que a encontrada com o propofol utilizado isolada-
mente24. A utilização do Remifentanil não resulta em liberação de histamina
em doses de até 5 µg.kg-1 25. A infusão de Remifentanil na dose de 1
µg.kg-1.min-1 demonstrou abolir a resposta ao estresse (avaliado através das
concentrações inalteradas da adrenalina e da noradrenalina) após esternotomia.

Efeitos Sobre o Tecido Muscular

A rigidez muscular é um efeito farmacológico conhecido dos opióides.


O Remifentanil provoca uma rigidez muscular intensa, quando usado como
droga única, em doses altas na indução da anestesia, maior do que a obser-
vada tanto com o fentanil como com o alfentanil26, devido a isso, seu uso,
nessas circunstâncias, não deve ser recomendado. Quando comparado em
doses eqüipotentes, a incidência e severidade da rigidez muscular são se-
melhantes entre o Remifentanil e o alfentanil27. Não há relatos de que
-1
doses menores que 2 µg.kg , quando administradas em período superior a 1
minuto, tenham causado rigidez muscular. Acredita-se que o mecanismo da
indução da rigidez muscular por opióides envolva receptores no tronco ce-
rebral e gânglios da base, sendo revertida pela naloxona26, 27. A administra-
ção de doses menores do Remifentanil com a utilização de um opióide con-
vencional, como o tiopental ou o propofol, para induzir a anestesia, não
produz rigidez muscular significativa.

Efeitos no Sistema Nervoso Central

O Remifentanil causa supressão do EEG na dependência da dose utili-


zada, como já vimos anteriormente. Seus efeitos sobre o fluxo sangüíneo cere-
bral são semelhantes aos relatados com os outros opióides, sendo utilizado com
sucesso em pacientes com aumento de pressão intracraniana submetidos a

223
Anestesia Venosa

cirurgias28. A velocidade do fluxo sangüíneo cerebral diminui significativamente,


em pacientes que recebem doses altas (doses de 5 µg.kg-1 seguidas de infusão
de 3 µg.kg-1.min-1), mas não se alterou com doses moderadas (doses de 2 µg.kg-
1
seguidas de infusão de 1 µg.kg-1.min-1). Entretanto, mostra uma normalização
mais rápida do fluxo sangüíneo cerebral e do EEG do que os outros opióides.
Estudos em seres humanos, utilizando Remifentanil e Óxido Nitroso, revelaram
que a reatividade vascular cerebral ao CO2 era mantida intacta e o fluxo sanguí-
neo cerebral era semelhante ao encontrado em anestesias com isoflurano/N2O
ou com fentanil/ N2O29. Ostapkovich e colaboradores demonstraram que paci-
entes sob anestesia com remifentanil/ N2O apresentavam padrões ao EEG se-
melhantes a pacientes sedados com midazolam30. Convulsões não foram relata-
das durante a administração da droga em seres humanos.

Uso Clínico do Remifentanil

- Uso em Adultos

A utilização do Remifentanil como droga única não é, de maneira


geral, considerada como viável na indução de anestesia geral. Entretanto,
seu uso em combinação com N2O, tiopental ou propofol, para a indução de
anestesia geral, é avaliado por alguns estudos que demonstraram a sua
capacidade de reduzir a dose do hipnótico necessária para proporcionar
perda da consciência32, 33.
A infusão de bolus do Remifentanil (2 µg.kg-1), seguida de infusão
-
contínua de 25 µg.kg-1.min 1 com tiopental (25 a 100 mg) leva à perda da
consciência na maioria dos pacientes de cirurgias eletivas32. O uso do
-1
propofol (1mg.kg ) combinado com “bolus” de Remifentanil (1µg.kg-1) e
infusão contínua com doses de 0,5 a 1µg.kg-1.min-1, proporcionam perda da
consciência em um tempo médio de 4 minutos34. Para abolição dos reflexos
durante a intubação traqueal, comparações de doses do Remifentanil de-
-1
monstraram que a dose de 1µg.kg , em injeção única (“bolus”), é superior
à dose de 0,5µg.kg-1, com o objetivo de diminuir a resposta hemodinâmica à
intubação34. Estudo comparativo realizado por Philip e colaboradores mos-
trou que a injeção de 1 µg.kg-1, seguida de infusão de 0,5 µg.kg-1.min-1. de
Remifentanil era mais eficiente do que 20 µg.kg-1, seguido de infusão de
2µg.kg-1.min-1 do alfentanil em controlar a resposta hemodinâmica provocada
pela intubação traqueal33. A capacidade do Remifentanil em interagir de
forma a potencializar drogas hipnóticas foi demonstrada também em inves-

224
Remifentanil

tigações que avaliaram a necessidade de isoflurano, através da observação


-1
da diminuição da CAM35. A concentração de remifentanil 1,2 ng.ml dimi-
nuiu a CAM do isoflurano em 50 %, sem maiores diminuições até se alcan-
çar a concentração de 32 ng.ml-1, concentração esta elevada para a prática
clínica, sugerindo a existência de um efeito teto na diminuição da CAM do
isoflurano, como ocorre com o alfentanil e o fentanil36, 37.
A indução com o Remifentanil pode dispensar a injeção inicial
(“bolus”), sendo iniciada apenas com a infusão contínua. Essa forma de
utilização torna a indução mais lenta e suave, sem que ocorra, na maioria
das vezes, bradicardia intensa e mesmo hipotensão, observadas quando
utilizadas as dose em “bolus”. Alguns estudos referem que a utilização do
glicopirrolato ou da atropina, previamente ao início da administração do
remifentanil, principalmente quando este é utilizado em “bolus”, reduz a
incidência de bradicardia. A eliminação do “bolus” na indução da anestesia
evita ainda a depressão respiratória abrupta, a ocorrência de rigidez mus-
cular e a perda de reflexos e da consciência subitamente.
Para a manutenção da anestesia após a intubação traqueal, a infusão
deverá ser titulada de acordo com as necessidades inerentes a cada paci-
ente e com a anestesia empregada. Quando infundido continuamente com
outros anestésicos, como o propofol, a dose deve ser reduzida para preve-
nir efeitos sinérgicos com potencial risco de depressão cardiocirculatória.
O Remifentanil pode ser utilizado também como adjunto na sedação
de pacientes submetidos a cirurgias sob anestesia regional. Existem relatos
de sedação com o Remifentanil durante a realização de bloqueios oftálmi-
cos, em doses de 0,2 µg.kg-1.min-1 mas, concomitantemente, esses estudos
mostraram uma incidência de depressão respiratória em 14 % dos pacien-
tes submetidos à técnica, o que torna seu uso, nessas situações, pelo menos
com essa dose, preocupante. Durante procedimentos em que anestesia re-
gional foi realizada, com sedação associada ao Remifentanil em doses de
0,05 a 1 µg.kg-1.min-1, a sedação alcançada foi satisfatória, sem a ocorrên-
cia de depressão respiratória ou rigidez muscular. Para que sejam evitadas
essas complicações, a dose de Remifentanil pode ser ainda menor (0,01 a
0,05 µg.kg-1.min-1), quando associada ao midazolam, este também em doses
muito reduzidas. Apesar de ser útil associado ao midazolam, esta associa-
ção apresentou uma incidência maior de náuseas e vômitos do que a asso-
ciação propofol/midazolam.
O término de ação rápido significa também um final de analgesia
rápido e sem resíduo analgésico no pós-operatório. Há necessidade de oferta

225
Anestesia Venosa

analgésica antes do despertar do paciente, que pode ser feita através de


anti-inflamatórios, analgésicos/anti-térmicos, cetamina e opióides em bai-
xas doses ou ainda com infiltração ou bloqueios utilizando anestésicos lo-
cais. É importante que todas as medidas analgésicas devam ser efetivadas
alguns minutos, entre 20 a 30, antes do despertar do paciente, pois este, ao
despertar, não terá qualquer efeito analgésico residual do Remifentanil.
Alguns estudos demonstram uma atividade hiperalgésica do
Remifentanil, que pode ser abolida ou atenuada com a utilização de anal-
gésicos potentes antes ou durante a anestesia, mesmo no neuro-eixo. Das
drogas utilizadas para diminuir esse efeito hiperalgésico, a cetamina tem
demonstrado uma eficácia importante, utilizada tanto por via peridural (de
30 a 50 mg) como por via venosa, em baixas doses (de 0,5 a 1 mg.kg -1),
antes da indução da anestesia. A utilização do Remifentanil no pós-opera-
tório é também uma opção aventada. A maior dificuldade com essa técnica
é a necessidade de cuidados intensivos na monitorização do paciente, o que
não é rotineiramente fácil de se obter em todas as salas de recuperação
pós-anestésica38.
Outro aspecto importante é a ocorrência de tolerância ao opióide,
acarretando taquifilaxia durante seu uso prolongado, ocorrência especial-
mente observada e estudada com a utilização do Remifentanil em cirurgias
que ultrapassam a duração de 5 horas. Algumas investigações têm obser-
vado que a utilização de outros opióides e da cetamina, em baixas doses,
antes da indução ou ao longo da anestesia, diminui e posterga essas ocor-
rências39-41. Pelas características do Remifentanil, é importante que o pe-
ríodo pós-operatório seja visto como uma outra etapa da anestesia, em que
teremos de lidar com uma situação que nos diz respeito diretamente e que
não poderemos simplesmente considerá-la como um período “pós-anesté-
sico”, sem qualquer relação com a anestesia. O uso do Remifentanil traz de
volta para o anestesiologista a responsabilidade maior nesse período, que é
proporcionar conforto ao paciente, analgesia e equilíbrio hemodinâmico que,
na maioria das situações, está comprometido pela dor e pelas conseqüên-
cias que essa dor provoca em todo o organismo, no pós-operatório38.
Seu uso em cirurgias ambulatoriais mostrou um despertar rápido e
suave, como seria de se esperar, inclusive quando comparado ao alfentanil.
Além dessa característica, menos pacientes do grupo do Remifentanil res-
ponderam ao estímulo cirúrgico, quando comparados ao grupo do alfentanil.
Tremores estão diminuídos na anestesia com Remifentanil, quando com-
parada à anestesia com fentanil ou alfentanil, sendo que a incidência de

226
Remifentanil

náuseas e/ou vômitos não apresentou diferença significativa, porém é mui-


to diminuída com a associação do propofol à anestesia42.
O Remifentanil pode ser usado sob ventilação espontânea, desde que
sejam obedecidas as normas básicas para a utilização de opióides, ou seja, a
dose deve ser bem titulada e a monitorização constante. Naturalmente não
há espaço, quando existe a intenção da manutenção da ventilação espontâ-
nea, para a utilização de injeção em “bolus” do Remifentanil. As doses
usadas são bastante baixas, sendo observados os primeiros sinais de depres-
são respiratória a partir da dose de 0,125 µg.kg-1.min-1 e a dose correspon-
-
dente a ED 50 para depressão respiratória está estimada em 0,087 µg.kg-1.min
1
. Na dependência da droga adjunta utilizada, a depressão respiratória pode
estar mais ou menos associada, sendo, então, muito importante a monitorização
constante e a titulação seqüencial da dose ótima empregada43.
O uso do Remifentanil em neurocirurgia apresenta um perfil seme-
lhante ao do fentanil, sendo tão eficiente quanto este em abolir as respostas
aos estímulos neurocirúrgicos. Entretanto, existe uma crescente necessida-
de de aumento da infusão ao longo do tempo cirúrgico e de resgate com
isoflurano, com aumento da concentração deste, nos pacientes que rece-
bem fentanil.
O uso do Remifentanil associado ao N2O, em regime de hiper-
ventilação com hipocapnia, mostrou ser uma técnica adequada para
neurocirurgia, por apresentar efeitos irrelevantes na circulação cerebral e
oferecer um despertar rápido, suave e sem riscos de depressão respiratória
e, conseqüentemente, hipercapnia, com as alterações circulatórias cere-
brais esperadas que podem ocorrer no pós-operatório, quando outros opióides
sujeitos à redistribuição são utilizados.

Uso Clínico em Crianças

O perfil farmacocinético do Remifentanil, nas crianças, não parece


apresentar diferenças significativas do perfil em adultos, numa correlação
de peso-corrigido. O primeiro estudo realizado para avaliar a farmacocinética
em crianças foi feito em 1995 por Davis e colaboradores, com 13 crianças
de 2 a 12 anos44. Nesse estudo, após a indução da anestesia, começou a
ser infundida, por uma veia periférica, uma dose de 5 µg.kg-1.min-1. A
farmacocinética do Remifentanil foi então estudada com análise
espectrométrica de cromatografia de massa de amostras de sangue colhi-
das seqüencialmente até 240 minutos. Foi observado na maioria das crian-

227
Anestesia Venosa

ças (11/13) que a farmacocinética do Remifentanil era caracterizada por


uma depuração plasmática alta (45,3 ± 16,9 ml.min-1.kg-1), similar aos valo-
res peso-corrigidos encontrados nos adultos.
Diferentemente do que ocorre com os outros opióides, o Remifentanil
possui uma depuração plasmática maior em crianças com idade entre 2 e
6 meses, quando comparada a dos adultos.
Um estudo clássico, com 129 crianças submetidas a cirurgias de
estrabismo, das quais 68 receberam Remifentanil associado ao óxido
nitroso, em “bolus” inicial de 1 µg.kg-1, seguido de infusão de 1 µg.kg-1min-1,
demonstrou que o Remifentanil é tão eficiente quanto o alfentanil,
isoflurano ou propofol para proporcionar anestesia satisfatória com esta-
bilidade hemodinâmica e rápida recuperação45. Munoz e colaboradores,
em estudo comparando a infusão de Remifentanil em crianças e adultos,
necessária para suprimir as respostas cardiovasculares à incisão da pele,
mostrou que a concentração necessária nas crianças era de, pelo menos,
duas vezes a necessária em adultos46. Apesar desses resultados, aceita-
se, de forma geral, que as doses apropriadas para anestesia, em crianças
com idade entre 2 e 12 anos, são semelhantes às doses recomendadas
aos adultos. Alguns estudos avaliaram a utilização do Remifentanil em
situações específicas: Davis e colaboradores estudaram o uso do
Remifentanil, comparando-o ao fentanil, em crianças submetidas a
adenoidectomia e amigdalectomia, em regime ambulatorial. No grupo em
que foi usado o Remifentanil, a extubação foi mais rápida, mas com ocor-
rência de dor mais intensa no pós-operatório47. O pesquisa realizada por
Galinkin e colaboradores estudou crianças com menos de 9 semanas de
vida submetidas à piloroplastia, demonstrando que o uso do Remifentanil/
N2O não levava à ocorrência de apnéia, o que ocorria no grupo anestesiado
com halotano48. Nas cirurgias oftálmicas para correção de estrabismo,
houve menor incidência de hipoxemia no pós-operatório e não foi neces-
sário o uso de naloxona, que foi utilizada em 20 % das crianças em que o
fentanil foi utilizado, da mesma forma que a incidência de náuseas e vô-
mitos foi menor também no grupo do Remifentanil49,50.

Uso Clínico em Pacientes Geriátricos

Estudos clínicos têm mostrado que os pacientes geriátricos são mais


sensíveis aos efeitos do Remifentanil do que os pacientes mais jovens,
observação que é consistente com a experiência clínica de outros opióides51.

228
Remifentanil

A farmacocinética está alterada quando comparada ao paciente adulto jo-


vem, ocorrendo diminuição tanto da depuração plasmática (33%) quanto
do volume de distribuição (25%) do Remifentanil, que aumenta com a
idade do paciente52, 53. O paciente idoso apresenta uma lentificação da pas-
sagem do Remifentanil pela barreira hemato-encefálica e, conseqüente-
mente, um retardo no início de ação.
Apesar de a droga ser bem tolerada no paciente idoso, a incidência
de efeitos adversos cardiovasculares (hipotensão, hipertensão ou bradicardia)
é um pouco mais alta do que em pacientes jovens, o que reflete a maior
sensibilidade desse grupo aos opióides. Em pacientes geriátricos, saudá-
veis, com idade superior a 70 anos, o Remifentanil atinge maiores concen-
trações do que no paciente adulto jovem. Essas concentrações mais eleva-
das, combinadas com a maior sensibilidade do idoso aos opióides, pode
resultar em hipotensão inicial 52.
Mesmo apresentando a depuração plasmática reduzida (29ml.min-
1
.kg ) comparada à depuração dos adultos jovens (39ml.min-1kg-1), o des-
-1

pertar ocorre em aproximadamente 10 minutos após a interrupção da infu-


são. A anestesia pode ser iniciada e mantida preliminarmente com uma
infusão calculada em 50 % da dose teórica, para um paciente jovem, com o
mesmo peso, e ajustada de acordo com a necessidade individual de cada
paciente a cada momento cirúrgico.
Um estudo, comparando anestesia com Remifentanil/N2O e isoflurano/
N2O/fentanil, em pacientes submetidos a laminectomias, mostrou que o pri-
meiro grupo apresentava despertar mais rápido, com menor efeito psicomotor
residual, porém com maior incidência de náuseas e vômitos54. A utilização
associada ao óxido nitroso mostrou um tempo de recuperação duas vezes
maior, em pacientes com mais de 60 anos, comparada a pacientes com idade
inferior a esta, com uma mesma média na velocidade de infusão 55.

Uso Clínico em Situações Especiais

- No Paciente Obeso

A obesidade sempre representa um problema para o cálculo da


dose ideal de anestésicos, com a restrição ventilatória causada pelo peso
do paciente tendendo a agravar a depressão respiratória inerente a dro-
gas depressoras da respiração. Junto a isso, o volume de sangue circulante
está aumentado no obeso, apesar de grandes quantidades retidas no teci-

229
Anestesia Venosa

do adiposo estarem mal perfundidas. Com infusões prolongadas ou utili-


zação de doses repetidas, ocorre acúmulo no tecido adiposo e subseqüen-
te toxicidade, devido à redistribuição após a interrupção da infusão. Por-
tanto, sempre podem ser esperadas alterações na farmacocinética e na
farmacodinâmica das mais variadas drogas nos pacientes obesos. Com-
parações feitas com pacientes cirúrgicos obesos e não obesos indicaram
alterações na farmacocinética do Remifentanil em pacientes obesos, re-
lacionando melhor as doses ao peso ideal do que ao peso total (ou real) do
paciente56.
Os efeitos adversos encontrados nos pacientes obesos não diferem
de forma significativa dos encontrados nos não obesos, quando doses cal-
culadas pelo peso ideal são utilizadas. Quando da utilização de doses maio-
res, são observadas as alterações relacionadas à sobredose da droga, ou
seja, hipotensão e bradicardia, e, no período pós-operatório, náuseas, vômi-
tos e a ocorrência de tremores.

Na Paciente em Trabalho de Parto

A anestesia peridural é considerada, até os dias de hoje, como o


“padrão ouro” para anestesiar gestantes cuja proposta inicial é o parto por
via baixa. Variações, como a associação da raquianestesia com a anestesia
peridural vêm ganhando espaço, porém, em situações específicas, a utiliza-
ção tanto da peridural como da anestesia combinada raque/peridural po-
dem estar contra-indicadas ou podem ser inexeqüíveis.
Alguns estudos foram feitos com o objetivo de avaliar a capacidade
do Remifentanil em produzir anestesia na gestante, como também existem
alguns relatos em que a droga foi usada como agente opcional para analgesia,
pela impossibilidade de utilização de outra técnica ou ainda como opção
para se conseguir realizar o bloqueio peridural em pacientes pouco coope-
rativas, que foram então sedadas com o Remifentanil para que o bloqueio
pudesse ser efetivado57. Foram feitos ainda relatos de anestesia geral em
parturientes com patologias graves, como cardiopatias e tumor intracraniano,
que foram anestesiadas com infusão contínua de Remifentanil para reali-
zação de cesareana58-60.
A depuração plasmática do Remifentanil na gestante é maior do
que a observada em adultos e, como os outros opióides, atravessa rapida-
mente a barreira placentária, (com uma relação da concentração na veia
umbilical/artéria uterina de 0,88 ± 0.78), mas é rapidamente metabolizado

230
Remifentanil

ou redistribuído pelo feto (relação concentração na artéria umbilical/veia


umbilical de 0.29 ± 0.07)61.
A utilização de doses bem tituladas, com monitorização constante dos
sinais vitais da mãe não mostraram alterações significativas da respiração nem
nas gestantes nem nos fetos, não havendo informações na literatura de neces-
sidade de uso regular de antagonistas quando da utilização do Remifentanil
nessas situações, uma vez respeitadas as características da droga. Mesmo
assim, é prudente a interrupção da infusão do Remifentanil pelo menos 15
minutos antes do nascimento. Estudos que perseguiram a observação da dose
ideal para analgesia de parto observaram que há uma faixa bastante larga na
possibilidade da utilização com resposta variável na analgesia. Doses que vari-
-1
aram desde a injeção em bolus de 0,2 à 0,8 µg.kg foram utilizadas com infu-
sões que variaram de 0,025 à 0,20 µg.kg-1.min-1, quando foram observadas,
com as doses maiores, sonolência e queda na saturação de oxigênio à oximetria
de pulso, que rapidamente eram revertidas com a diminuição das doses. Não
foram observadas alterações no pH medido no cordão umbilical, sem sinais,
portanto, de acidose fetal. Doses maiores ainda foram associadas à maior inci-
dência de náuseas, alterações do equilíbrio e da visão nas gestantes.
Segundo o que se observa nos estudos disponíveis com a utilização
da técnica que oferece analgesia controlada pela paciente, a analgesia
satisfatória é conseguida com um consumo médio de 0,07 µg.kg -1.min-1 e
com uma injeção em “bolus” de 0,4 µg.kg-1, administrada mais lentamente,
ao longo de um minuto62, 63.

Utilização no Paciente com Insuficiência Hepática

A farmacocinética e a farmacodinâmica do Remifentanil não estão


alteradas no paciente com insuficiência hepática, pois não dependem da
metabolização hepática. Esses pacientes que receberam tanto doses bai-
xas como doses altas de Remifentanil, apresentaram concentrações
plasmáticas semelhantes a dos pacientes sem disfunção hepática, inclusive
com a depuração plasmática de ambos os grupos também semelhantes64.
A recuperação da depressão respiratória causada pelo Remifentanil
é semelhante em pacientes com e sem insuficiência hepática, porém
Dershwitz e colaboradores, em estudo com voluntários portadores de insu-
ficiência hepática, relataram ter encontrado depressão respiratória e anal-
gesia com concentração plasmática 40 % menor do que a observada em
indivíduos sem insuficiência hepática65.

231
Anestesia Venosa

- Utilização no Paciente com Insuficiência Renal

Como no paciente com insuficiência hepática não ocorrem altera-


ções significativas na farmacocinética e na farmacodinâmica também não
ocorre no paciente com insuficiência renal, em contraste com o que acon-
tece com os outros opióides. Portanto, o uso do Remifentanil nesses paci-
entes mantém a previsibilidade dos efeitos e não provoca acumulação ao
final da infusão, com a meia-vida de eliminação semelhante nos pacientes
com e sem insuficiência renal (4,1 ± 0,8 minutos para os pacientes sem
insuficiência renal e 4,5 ± 0,7 minutos para os pacientes com insuficiência
renal) 66.
No entanto, infusões muito prolongadas, utilizadas em cirurgias de
longa duração ou mesmo em regimes de sedação utilizados em terapia in-
tensiva, o metabólito GR 90291, (ácido remifentanil), que possui parte de
sua excreção por via renal, pode ter sua meia-vida de eliminação prolonga-
da. A importância clínica desse acúmulo não está estabelecida, acreditan-
do-se que seja apenas uma constatação farmacocinética na insuficiência
renal, e simulações feitas com programas de computador, com dose de
infusão de 2 µg.kg-1.min-1, em um período de 12 horas, não mostraram o
metabólito em concentração suficiente para produzir qualquer efeito opióide
significativo67. É importante ter em mente que, mesmo com o acúmulo do
metabólito, este é cerca de 4600 vezes menos potente do que o Re-
mifentanil68. Após a hemodiálise foi observada pequena diminuição na de-
puração plasmática e um prolongamento da meia-vida de eliminação do
Remifentanil, provavelmente devido a redução do volume de distribuição,
com pouco significado clínico67.
O Remifentanil apresenta ainda, como efeitos no sistema urinário,
diminuição da excreção do hormônio anti-diurético e retenção urinária

Efeitos Adversos e Complicações

Estudos de avaliação toxicológica foram feitos em animais de labo-


ratório, utilizando cobaias, ratos, coelhos e cães, com doses até 2500 vezes
maiores que as recomendadas para uso em “bolus” em seres humanos, na
prática clínica (2 µg.kg -1 ). Os efeitos adversos observados com o
Remifentanil durante os estudos de segurança pré-clínicos foram os mes-
mos previsíveis, que podem ocorrer com os demais opióides, como o fentanil
ou o alfentanil. Portanto, de forma semelhante aos demais opióides, o

232
Remifentanil

remifentanil, quando administrado em grandes doses, por via venosa, pro-


voca depressão respiratória severa e, se os animais não forem ventilados
artificialmente, ocorrerá a morte.
Doses administradas por via venosa, de aproximadamente 25 vezes
as doses necessárias para produzir analgesia em seres humanos, foram
infundidas por duas semanas em ratos (5 µg.kg-1.min-1), causando um au-
mento reversível na glicose plasmática de até 54%. Esse efeito não ocor-
reu em outros animais, da mesma forma em ratos, quando outros analgési-
cos foram utilizados pelo mesmo período de tempo.
O único achado toxicológico consistente associado à administração
do Remifentanil foi micro-hemorragia reversível, identificada no cérebro
de cães, mas não em ratos. Estudos adicionais em animais de experimen-
tação indicaram que hipóxia e anóxia podem causar danos nos capilares
da vasculatura cerebral e subseqüentes hemorragias. Nesses estudos que
verificaram as micro-hemorragias cerebrais em cães foram identificados
alguns cães que, recebendo o Remifentanil, tornaram-se hipóxicos por
depressão respiratória sem suporte ventilatório imediato e adequado. Nos
cães ventilados adequadamente não foram observadas as micro-hemor-
ragias69.
Os estudos que avaliaram pré-clinicamente cacinogenicidade não
demonstraram efeitos associados a alterações celulares com esse tipo de
ocorrência.
Em relação à mutagenecidade, não existem evidências de que o
Remifentanil, usado nas doses clinicamente indicadas, apresente qualquer
efeito de toxicidade genética.
Sobre o desenvolvimento embrionário e reprodução, a exposição de
ratos a doses altas do Remifentanil, de 5 mg.kg-1, portanto, cerca de 5000
vezes a dose preconizada em “bolus” em seres humanos, por um período de
4 a 10 semanas, causou degeneração testicular e hipoespermia que regrediu
2 semanas após a interrupção da infusão. A possibilidade do Remifentanil
ser responsável por infertilidade em pacientes do sexo masculino é não
mensurável e irrelevante devido a utilização de doses baixas na prática clínica
e a exposição ser por curto período de tempo. Não existem evidências de que
o Remifentanil possa provocar infertilidade em mulheres, alterar o sistema
reprodutivo ou mesmo a lactação. Não existem evidências de que o
Remifentanil possa ser excretado através do leite materno.
Como a formulação do Remifentanil possui glicina, este é inapro-
priado para uso tanto no espaço subaracnóide como no peridural. A utili-

233
Anestesia Venosa

zação de glicina nesses locais pode causar dor, agitação e perda da fun-
ção motora.
A tolerância aguda ao Remifentanil, que é mais aparente do que
com outros opióides, pelo seu início de ação, distribuição, metabolização e
eliminação muito rápidos, faz com que, a partir de um determinado momen-
to da infusão, haja necessidade do aumento da dose utilizada. A ocorrência
dessa tolerância com conseqüente necessidade do aumento da dose duran-
te a infusão é assunto ainda controverso, apesar de esperado e já relaciona-
do ao uso do Remifentanil. Aparentemente, de acordo com alguns obser-
vadores, a partir de tempos que podem variar entre 3 a 5 horas de infusão,
começa a ser observada a necessidade em se aumentar a concentração do
Remifentanil 70-72, 73,74.
Outro aspecto que merece atenção quando da utilização do
Remifentanil é a analgesia no período pós-operatório, quando a ocorrência
de hiperalgesia pela descontinuação súbita da analgesia oferecida pelo
opióide pode ocasionar dor de grande intensidade, comprometendo a esta-
bilidade dos sistemas do paciente no pós-operatório. É importante ter sem-
pre em mente que a analgesia, quando o Remifentanil é utilizado, deve ser
iniciada antes da interrupção da infusão do opióide75, 76.
Sendo uma droga relativamente recente, o nível de satisfação medi-
do, em estudo muticêntrico envolvendo 123 anestesiologistas italianos que
realizaram um total de 1295 anestesias em pacientes classificados como
ASA I – IV, apresentou os seguintes resultados:
- satisfação na indução da anestesia: 64,7% consideraram o
Remifentanil como uma droga ótima enquanto 32,2% considera-
ram como boa;
- na manutenção da anestesia, 60,6% consideraram a droga como
ótima e 34,7% a consideraram boa;
- para o despertar, as opiniões foram: 55,9% consideraram o
Remifentanil como uma ótima droga e 36,2% a consideraram
boa.
Os efeitos adversos mais incidentes nesse estudo foram: tremores,
em 14,5% pacientes; náuseas e vômitos pós-operatórios, em 7,7% , assim
como rigidez muscular na indução em 4,1% e agitação em 4,5% dos paci-
entes77.
Os efeitos adversos e complicações do Remifentanil são inerentes a
sua própria classe farmacológica, comportando-se como um típico agonista
dos receptores µ. Podem ser observados, portanto: diminuição ou perda da

234
Remifentanil

consciência, bradicardia, hipotensão, náuseas, vômitos, tremores, rigidez


muscular e depressão respiratória. Os dados disponíveis atualmente indi-
cam ser o Remifentanil uma droga bem tolerada para o uso clínico, sendo
seus efeitos adversos limitados ao curto espaço de tempo necessário para
interromper a infusão ou adequá-la à dose necessária para aquele paciente,
naquele determinado momento.

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239
Anestesia Venosa

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240
Clonidina

Clonidina
Túlio César Azevedo Alves*

Introdução

Embora os anestesiologistas veterinários já utilizem há duas décadas


os agonistas α2-adrenérgicos, como a xilazina e a medetomidina, somente
agora, a clonidina, droga desse grupo, começa a ser utilizada no homem, na
prática clínica anestesiológica, como adjuvante da anestesia. Inicialmente, a
clonidina foi introduzida como descongestionante nasal e depois como medi-
cação anti-hipertensiva, mas, por promover sedação, hipnose e analgesia,
começou a ser utilizada por anestesiologistas europeus, no início da década
de 1990, na medicação pré-anestésica, na anestesia geral e em anestesias
raquídeas.

Classificação Farmacológica

A clonidina, um composto imidazolínico (figura 1), é um agonista parcial


dos receptores α2-adrenérgicos, exibindo seletividade de 200:1 para os
receptores α2, em relação aos receptores α1-adrenérgicos1. Os agonistas
α2-adrenérgicos estão divididos em três grupos: imidazolinas, feniletilaminas
e oxalozepinas2.

* Professor Titular da Disciplina de Farmacologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Públi-


ca (EBM) e da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) de Salvador – Bahia
Responsável pelo CET/SBA da Associação Obras Sociais Irmã Dulce

241
Anestesia Venosa

Figura 1 - Estrutura Química da Clonidina

Farmacocinética

Após administração por via oral, a absorção da clonidina é rápida e


quase completa (70% a 80%), ocorrendo entre 20 a 30 minutos e atingindo
nível sérico máximo dentro de 60 a 90 minutos. As doses recomendadas
variam entre 2 a 5 µg.kg-1, 90 minutos antes do início do procedimento anes-
tésico-cirúrgico1,2. Em função da alta lipossolubilidade, esse fármaco atra-
vessa a barreira hemato-encefálica, distribuindo-se amplamente no sistema
nervoso central, onde interage com receptores α2-adrenérgicos, em nível
espinhal e supra-espinhal. Apresenta grande volume de distribuição aparente
(2 l.kg-1). A meia-vida de eliminação varia de 9 a 12 horas. Pelo menos
metade da dose administrada pode ser recuperada de modo inalterado na
urina, podendo-se verificar aumento da meia-vida desse fármaco na presen-
ça de insuficiência renal4,5; a outra metade é metabolizada no fígado em
metabólitos inativos2,4,5.
Por via intravenosa, a clonidina é utilizada em vários esquemas
posológicos5. Uma dose em bolus, variando de 2 µg.kg-1 a 4 µg.kg-1, segui-
da de infusão contínua de 2 µg.kg-1h-1, tem sido utilizada em nosso serviço.
Pode, também, ser utilizada por via retal, em crianças com biodis-
ponibilidade de 95%6.
Após administração por via peridural, a clonidina é rapidamente ab-
sorvida, atingindo pico de concentração plasmática em torno de 30 minutos,
coincidente com o nível máximo de analgesia. A meia-vida de eliminação é
lenta, cerca de 13 horas, comparada com a duração de três a cinco horas
do efeito analgésico. No entanto, existe correlação muito forte entre a con-

242
Clonidina

centração desse fármaco no fluido cérebro-espinhal e a duração da


analgesia7,8,9 . A clonidina também tem sido administrada no espaço
subaracnóideo, onde produz efeitos mais intensos e seletivos do que aque-
les observados com doses semelhantes no espaço peridural2 .

Farmacodinâmica – Mecanismo de ação

Ao contrário dos analgésicos opióides, que foram introduzidos na


prática clínica antes do conhecimento dos receptores ou dos seus mecanis-
mos moleculares de ação, os agonistas dos receptores α2-adrenérgicos fo-
ram introduzidos na prática clínica, após estudos extensivos da biologia dos
seus receptores, sua localização e suas funções10,11.
Os receptores adrenérgicos foram classificados inicialmente por
Ahlquist (1948) em alfa (α) e beta (β). O desenvolvimento de antagonistas
seletivos dos receptores alfa resultou na divisão em dois subtipos: alfa 1
(α1) e alfa 2 (α2). O prazosin bloqueia seletivamente os receptores a1,
enquanto a ioimbina bloqueia seletivamente os receptores α210.
Duas nomenclaturas distintas reconhecem a existência de, pelo me-
nos, três subtipos de receptores α2: a nomenclatura baseada em estudos
farmacológicos (α2A, α2B e α2C) e a nomenclatura baseada em estudos
de biologia molecular (α2c2, α2c4, α2c10)11. Esta última utiliza o critério da
localização cromossômica do gene para o subtipo do receptor. Os α2-re-
ceptores podem ser pré ou pós-sinápticos. Os pré-sinápticos regulam a
liberação de noradrenalina e ATP através de mecanismo de retroalimentação
negativo. Assim, quando ativados por α2-agonistas, inibem a liberação de
noradrenalina. Já a ativação dos α2-receptores pós-sinápticos situados na
musculatura lisa dos vasos promove vasoconstrição. Os α2-receptores são
encontrados no sistema nervoso central e periférico. São encontrados, tam-
bém, em tecidos não-neuronais, como plaquetas, fígado, pâncreas, rins, olhos,
onde exercem funções fisiológicas específicas. Os receptores α2 estão fun-
cionalmente ligados a uma proteína G intermediária. Esta proteína possui
três subunidades denominadas alfa, beta e gama. Diferenças na seqüência
de aminoácidos da subunidade alfa dão origem a mais de 20 espécies de
proteínas G. Pelo menos quatro diferentes espécies estão funcionalmente
ligadas aos receptores α2, incluindo a Gi1, Gi2, Gi3 e Go. Essas proteínas,
responsáveis pela sinalização celular, acoplam o adrenorreceptor α2aos seus
sistemas efetores, que podem ser um canal iôntico ou uma enzima12,13. Os
mecanismos moleculares de ativação dos receptores α2-adrenérgicos têm

243
Anestesia Venosa

sido tema de vários estudos. Quando ativados por um agonista, os α2-


adrenorreceptores inibem a enzima adenilato-ciclase, com diminuição subse-
qüente de AMP cíclico (AMPc) intracelular9-13. A diminuição dos níveis de
AMPc (segundo mensageiro) parece atenuar a ativação das proteínas-alvo
reguladoras, ao impedir sua fosforilação11. Mudanças no estado de fosforilação
alteram a resposta biológica da célula8,9. Em muitos casos, porém, a diminui-
ção da produção de AMPc não é suficiente para mediar os efeitos dos a2-
adrenoceptores. Um outro mecanismo efetor é o efluxo de potássio (K+)
através de um canal ativado; essa alteração na condutância da membrana ao
íon K+ pode hiperpolarizar a membrana excitável e suprimir a descarga
neuronal10-14. A ativação dos α2-adrenorreceptores pré-sinápticos pode, ain-
da, bloquear a entrada de cálcio no terminal nervoso. Essa ação pode ser
responsável pelos efeitos inibitórios que os agonistas α2 exercem sobre a
exocitose de neurotransmissores, como a noradrenalina12,13,14.
Apesar das evidências que apoiam a teoria da ocupação dos recep-
tores α2-adrenérgicos, não se exclui a participação de outros mecanismos
de ação para os efeitos farmacológicos da clonidina. Recentemente, têm-
se alcançado progressos substanciais na caracterização das propriedades e
funções farmacológicas dos receptores imidazolínicos15. Provavelmente, o
avanço mais importante deveu-se à identificação da agmatina como ligante
endógeno dos receptores imidazolínicos I 1 e I 216. Algumas drogas, com
atividade agonista sobre os receptores I 1, estão sendo usadas como anti-
hipertensivas. Acredita-se que o mecanismo de ação desses fármacos deve-
se à ativação dos receptores I 1 no sistema nervoso central17.
Os receptores I 1 têm elevada afinidade para diversos agonistas dos
receptores α2-adrenérgicos, incluindo a clonidina, rilmenidina, tizanidina e
moxonidina. Em muitos casos, a estimulação dos receptores I 1 e α2-
adrenérgicos produz respostas fisiológicas semelhantes18-20. As evidências
indicam que a atividade hipotensora da clonidina e outras imidazolinas é
mediada pelos receptores imidazolínicos, existindo boa correlação entre o
grau de hipotensão e o número de receptores imidazolínicos ocupados, mas
não com o de α2-receptores20.

Farmacodinâmica – Ações Farmacológicas

Sistema Nervoso Central

O efeito sedativo e, algumas vezes, o de hipnose são observados

244
Clonidina

com a utilização da clonidina, independentemente da via administrada21-


27,33-35
. A sedação e a hipnose são dose-dependentes, apresentando a sedação
início rápido, em torno de 20-30 minutos. A ativação dos receptores α2-
adrenérgicos no SNC, com diminuição da liberação de noradrenalina, pare-
ce ser a causa do efeito sedativo-hipnótico dos agonistas desses recepto-
res36. O locus coeruleus é a principal região do SNC envolvida com o
efeito sedativo dos agonistas dos receptores α2-adrenérgicos8-10 As princi-
pais vias noradrenérgicas ascendentes e descendentes originam-se dessa
importante área. A ativação dos receptores α2 dessa área produz supres-
são de sua atividade, resultando em aumento da atividade de interneurônios
inibitórios, como o da via do ácido gama-aminobutírico (GABA), o que de-
termina depressão do SNC. Após administração peridural, doses de clonidina
iguais ou superiores a 700 µg produzem sedação intensa, que persiste por 4
a 6 horas26,27. Por outro lado, não se observa efeito sedativo evidente, quando
se utiliza a clonidina, por via peridural, em infusão contínua de 20 µg.h-1 37,
embora Eisenach e col (1995)38 demonstrassem esse efeito sedativo, quan-
do utilizaram a clonidina, em infusão contínua de 30 µg.h-1. Curatolo e col
(1997)39, ao estudarem, em voluntários, os efeitos da clonidina, também
verificaram efeito sedativo significante. Outra característica dos α2-
agonistas é o efeito ansiolítico, comparável ao dos benzodiazepínicos40. No
entanto, altas doses dessa droga podem determinar respostas ansiogênicas,
por causa da ativação dos α1-receptores41. O efeito analgésico dos agonistas
α2-adrenérgicos é decorrente de sua ação em locais periféricos, supra-
espinhal e, principalmente, espinhal, incluindo ativação dos receptores α2
pós-sinápticos das vias descendentes noradrenérgicas e dos neurônios
colinérgicos42 e liberação de óxido nítrico26,27 e de substâncias tipo
encefalina43. Diferentes regiões do cérebro, como o núcleo dorsal da rafe,
área cinzenta periaquedutal e locus coeruleus, são considerados os locais
de ação no SNC para o efeito analgésico da clonidina29. Estudos recentes
têm demonstrado que essa droga também apresenta papel importante na
modulação da dor, inibindo a condução nervosa através das fibras A δ e
C44,45. A clonidina também apresenta ação analgésica, ao ativar os α2-
adrenorreceptores da substância cinzenta da coluna dorsal da medula espi-
nhal. Existe efeito sinérgico entre os opióides e a clonidina em relação à
analgesia, com diminuição das doses necessárias e da incidência dos efei-
tos colaterais de cada droga46. No entanto, a potente ação analgésica da
clonidina não é revertida pela naloxona, um antagonista opióide, o que é
indicativo de que os dois grupos de drogas provocam analgesia por meca-
245
Anestesia Venosa

nismos diferentes46. Por causa das ações no SNC, a clonidina reduz as


doses dos anestésicos, mas com efeito-teto23, por apresentar propriedades
agonistas parciais e ativação dos α1 -receptores, o que poderia antagonizar,
funcionalmente, a ação agonista dos a2 no SNC. Com os α2-agonistas mais
seletivos, como a dexmedetomidina, seria esperada uma redução, em pro-
porção maior, da concentração alveolar mínima (CAM) dos anestésicos
inalatórios, como demonstrada em animais30,31. Entretanto, os resultados
iniciais, com a dexmedetomidina, no homem, têm sido conflitantes em rela-
ção à possibilidade de maior redução da CAM dos halogenados, com os
autores encontrando redução de 47% a 90% da CAM do isoflurano47,48,
mas de apenas 17% do sevoflurano49. Os α2-agonistas parecem reduzir a
pressão intraocular50, pela combinação de dois mecanismos: vasoconstrição
das arteríolas eferentes do processo ciliar e aumento da drenagem aquosa
secundária à diminuição do tônus vascular simpático, podendo ser utilizados
em pacientes com glaucoma. Com a dexmedetomidina, apesar da droga
apresentar atividade proconvulsivante, não há relato de ocorrência de con-
vulsão no homem.

Sistema cardiovascular

A ação dos agonistas α2-adrenérgicos sobre o sistema cardiovascular


pode ser classificada como periférica e central. A ativação dos α2-
adrenoceptores pré-sinápticos, nas terminações nervosas periféricas, inibe
a exocitose da noradrenalina, explicando, parcialmente, o efeito hipotensor
e bradicardizante dos agonistas desses receptores51. No entanto, a ativa-
ção dos receptores α2 pós-sinápticos, na musculatura lisa dos vasos
sangüíneos arteriais e venosos, produz vasoconstricção52-54. No SNC, a
ativação dos receptores α2 do centro vasomotor diminui o efluxo simpático,
diminuindo as catecolaminas circulantes, com potencialização da atividade
nervosa parassimpática, induzindo, dessa forma, redução na pressão arteri-
al52,55. Embora o núcleo do trato solitário seja o principal local para a ação
dos agonistas α2 no SNC, outros locais também são importantes, como o
núcleo reticular lateral, o locus coeruleus e o núcleo motor dorsal do vago55-
58
. No endotélio das paredes vasculares, a estimulação dos α2-receptores
provoca vasoconstrição. Essa ação explica as hipertensões transitórias que
ocorrem após a injeção venosa rápida de clonidina e que se opõem à ação
vasodilatadora resultante dos efeitos centrais da droga59. Na circulação
coronariana, a estimulação dos α2-receptores produz vasoconstrição das

246
Clonidina

pequenas artérias, mas o efeito predominante é de vasodilatação, produzi-


da, possivelmente, pela liberação de óxido nítrico, no endotélio das artérias
coronarianas ou de adenosina60. A administração da clonidina, por via
subaracnóidea, pode determinar efeito bifásico sobre a pressão arterial:
doses menores (150 µg) induzem hipotensão, enquanto doses mais eleva-
das (450 µg) determinam hipertensão61. O efeito hipotensor decorre, pro-
vavelmente, da ação simpaticolítica da clonidina no SNC, e o efeito
hipertensor é decorrente da ação periférica desse fármaco sobre os α2-
receptores pós-sinápticos e α1-receptores. Apesar de o conjunto de evi-
dências que relaciona a ativação dos receptores α2-adrenérgicos com o
efeito hipotensor dos agonistas desses receptores, não se exclui a participa-
ção de outros mecanismos de ação15. Algumas drogas, com atividade
agonista sobre os receptores imidazolínicos I 1, estão sendo usadas como
anti-hipertensivos. Acredita-se que o efeito desses fármacos seja decor-
rente da ativação desses receptores no SNC17. Os receptores I 1 têm ele-
vada afinidade para diversos agonistas dos receptores α2, incluindo a
clonidina, sugerindo que a ativação desses receptores parece desempenhar
papel importante no efeito hipotensor desses fármacos18-20. A intensidade
da hipotensão, induzida pela clonidina, por via peridural, parece estar relacio-
nada ao nível do dermátomo onde é administrada27. Em níveis torácico
baixo e lombar, a administração peridural da clonidina não aumenta a inci-
dência de hipotensão arterial62 mas, quando a administração é feita em
nível torácico alto, observa-se incidência aumentada desse efeito63,64. Es-
ses resultados podem ser decorrentes da maior inibição dos neurônios sim-
páticos pré-ganglionares que suprem o coração, quando a administração da
clonidina é feita em nível torácico alto, determinando, desse modo, uma
alteração mais profunda sobre a pressão arterial27,65. A freqüência cardía-
ca é reduzida em graus variáveis, após a administração dos agonistas α2 -
adrenérgicos27. Essa ação pode ser explicada pela ativação dos α2-recep-
tores pré-sinápticos das terminações nervosas periféricas, com redução da
exocitose da noradrenalina e pelo efeito simpatolítico da clonidina sobre o
SNC51,55,62. A clonidina diminui as descargas nas fibras pré-ganglionares
simpáticas do nervo esplânico, bem como nas fibras pós-ganglionares dos
nervos cardíacos66,67. Por outro lado, estimula o fluxo parassimpático, o que
pode contribuir para a redução da freqüência cardíaca, em conseqüência
do aumento do tono vagal, bem como para a redução do impulso simpáti-
co24,67. A ativação dos receptores imidazolínicos situados no núcleo reticular,
provavelmente no núcleo do trato solitário, parece também contribuir para

247
Anestesia Venosa

a bradicardia determinada pelos α2-agonistas68. Embora a clonidina dimi-


nua a condução atrioventricular, a ocorrência de bradiarritimias intensas e
persistentes não são freqüentes, mesmo com o uso crônico da droga69. A
atropina é a droga de escolha para o tratamento dos episódios de bradicardia6,
sendo necessárias, alguma vezes, doses elevadas desse medicamento70. A
hipotensão arterial por α2-agonista é facilmente corrigida pela administra-
ção de a 1-adrenérgicos, como a efedrina, que apresenta resposta
vasoconstritora aumentada na presença dessas drogas71.

Sistema Respiratório

Embora os α2-agonistas adrenérgicos possam causar hipoxemia em


animais, esse efeito não é comumente observado no homem72. No entanto,
a clonidina pode induzir depressão respiratória, quando administrada em
doses muito elevadas73, embora Marruecos e col (1988)74 não conseguis-
sem demonstrar esse efeito. Os autores acreditam que os α2-agonistas, em
doses terapêuticas, possam causar depressão respiratória leve, equivalente
àquela que pode ocorrer durante o sono fisiológico75. Não potencializam a
depressão respiratória induzida pelos opióides76.

Sistema Endócrino

As drogas α2-agonistas, ao diminuírem a estimulação simpatoadrenal,


diminuem a resposta ao estresse cirúrgico77. A presença do anel imidazólico
nos α2-agonistas inibe, de forma moderada, a liberação de ACTH, mas
sem produzir conseqüências importantes78. Inibem diretamente a liberação
de insulina das células Β pancreáticas, mas sem determinarem hiperglicemia
importante77.

Sistema Gastrointestinal

A clonidina apresenta importante efeito antisialagogo, que pode ser


útil, quando utilizada na medicação pré-anestésica, embora possa ser causa
de queixa (boca seca) pelos pacientes. A estimulação dos receptores α2-
adrenérgicos, no trato gastrointestinal, pode aumentar a absorção de cloreto
de sódio e de líquido e inibir a secreção de bicarbonato79. Essa ação pode
explicar o efeito da clonidina sobre a diarréia, em pacientes diabéticos com
neuropatia autonômica80.

248
Clonidina

Sistema Termorregulador

Os agonistas α2-adrenérgicos podem alterar as respostas termor-


reguladoras, incluindo o tremor81. A clonidina exerce ação inibitória so-
bre o centro termoregulador do hipotálamo, decorrente da redução da
liberação de noradrenalina em terminais pré-sinápticos 82. A droga não
impede a ocorrência de hipotermia por redistribuição após a indução da
anestesia83 .

Sistema Renal

No sistema renal, induzem efeito diurético, observado em homens e


animais21. Há evidências de que esses fármacos inibem a liberação do
hormônio antidiurético84, além de antagonizarem a ação desse hormônio no
túbulo renal85 e aumentarem a taxa de filtração glomerular86. Outro meca-
nismo sugerido para explicar o efeito diurético é representado pela libera-
ção do fator natriurético atrial87. Diferentemente dos opióides, não apre-
sentam efeito de retenção urinária. O tratamento pré-operatório com
clonidina (4 µg.kg -1) previne as alterações renais que podem ocorrer após
cirurgias cardíacas88.

Uso Clínico

As principais indicações da clonidina em anestesiologia são: medica-


ção pré-anestésica; adjuvantes da anestesia inalatória, venosa e regional; e
analgesia.
A clonidina, na dose de 2 a 4 µg.kg -1, é utilizada na medicação pré-
anestésica em adultos e crianças, por apresentar efeito sedativo, hipnótico,
ansiolítico e antisialagogo.
Quando utilizada por via oral, na dose de 3 a 4 µg.kg -1, a clonidina
diminui, em adultos e crianças, a resposta excitatória simpática, caracteri-
zada por aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca, que pode
ocorrer no momento da intubação traqueal89,90 e durante a fase inicial da
anestesia, com o desflurano91 e com a cetamina92. Hipertensão e taquicardia
associadas à intubação traqueal podem ter pouca importância em crianças
e adultos hígidos, mas o bloqueio dessas respostas à intubação traqueal
pode ser muito importante em pacientes com alterações cardíacas e hiper-
tensão.

249
Anestesia Venosa

Ao potencializar a ação dos anestésicos, tanto no adulto como na


criança, diminuindo a concentração alveolar mínima dos inalatórios
halogenados93,94 e as doses necessárias dos venosos60,95, o uso da clonidina
diminui, conseqüentemente, o custo das anestesias.
A clonidina, por via oral, aumenta, em até duas vezes, a duração do
bloqueio sensitivo e motor da tetracaína96 e da lidocaína97, mas não da
bupivacaína34, quando utilizadas por via subaracnóidea. A incidência de
bradicardia pode aumentar com o uso associado de opióides35.
Os α2-agonistas também podem ser utilizados como drogas adjuvantes
durante a anestesia. A clonidina é utilizada na dose inicial de 2 a 6 µg.kg-1,
seguida de infusão de 2 µg.kg-1h-1. Deve-se ressaltar que as doses iniciais
dos α2-agonistas devem ser realizadas, pelo menos, 10 minutos antes da
indução anestésica, para que os níveis plasmáticos das drogas sejam ade-
quados, ao se iniciar a anestesia. Por via venosa, as ações farmacológicas
e de potencialização dos anestésicos são semelhantes às observadas com o
emprego de clonidina por via oral60,98,99 , mas pode ocorrer maior incidência
de bradicardia e de hipotensão, responsivas, respectivamente, à atropina e
à efedrina (pequenas doses).
O uso de agonistas α2 durante a anestesia de pacientes coronariopatas
ainda não está perfeitamente estabelecido, pois, ao lado dos nítidos benefí-
cios, como o de evitar e mesmo tratar episódios hipertensivos ou de
taquicardia, que podem provocar isquemia miocárdica60, podem determinar
hipotensão arterial, que também pode desencadear isquemia miocárdica.
Em pacientes com doença coronariana, submetidos a cirurgia não cardíaca,
o emprego do mivazerol, na dose inicial de 4 µg.kg -1, seguido de infusão
contínua de 1,5 µg.kg -1.h -1, durante a cirurgia e até 72 horas do pós-opera-
tório, diminui, embora não significativamente, a proporção de infarto do
miocárdio e de morte de causa cardíaca101.
Na Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA), os efeitos
cardiovasculares dos α2-agonistas, associados à diminuição da freqüên-
cia de tremores, podem ser importantes na diminuição da incidência de
episódios de isquemia miocárdica. Também há de se considerar que a
necessidade de analgesia no pós-operatório diminui com o emprego intra-
operatório dessas drogas. A ocorrência de sedação com os α2-agonistas,
nas doses habituais, parece não aumentar o tempo de permanência dos
pacientes na SRPA.
A clonidina também tem sido utilizada, por via peridural, no trata-
mento da dor de câncer, especialmente naquela que não responde à terapia

250
Clonidina

com opióides. A dose utilizada é de 10 a 50 µg.h -1, através de infusão


peridural contínua102.
Como já observado com os opióides lipofílicos, como sufentanil e
fentanil, a clonidina, na analgesia peridural, por sua elevada lipossolubilidade,
também requer doses que se aproximam das doses sistêmicas, por causa
da rápida absorção e elevada ligação à gordura peridural27. Por outro lado,
há necessidade de doses muito menores de clonidina, por via subaracnóidea,
como ocorre com o fentanil e o sufentanil27.
Na anestesia regional, a clonidina pode ser utilizada como adjuvante,
tanto em bloqueios raquídeos como nos periféricos. Assim, a adição de
clonidina, na dose de 1 α2 µg.kg -1, ao anestésico local, para bloqueio de ner-
vos periféricos, aumenta a duração da anestesia cirúrgica em, aproximada-
mente, 75% e a analgesia pós-operatória em até 200% 27,102. Durante a
anestesia regional intravenosa, a associação de clonidina, na dose de 1 µg.kg
-1
, à lidocaína a 0,5%, na dose de 200 mg, aumenta a intensidade da analgesia
nas primeiras 2 horas do pós-operatório e diminui a necessidade de analgési-
cos nas primeiras 24 horas, sem aumentar a ocorrência de efeitos colaterais,
como sonolência, hipotensão e bradicardia103. Na anestesia subaracnóidea
ou peridural, a clonidina, respectivamente, nas doses de 1 µg.kg -1 e 2 a 4
µg.kg -1, dobra a duração de anestesia cirúrgica e do bloqueio motor e melho-
ra a qualidade do bloqueio anestésico, com boa atividade sedativa27,35,102.
No bloqueio peridural sacral, em crianças, a adição de clonidina, na
dose de 1 µg.kg -1 ao anestésico local, dobra a duração da analgesia no pós-
operatório, sem que ocorram alterações hemodinâmicas importantes104,105.
A clonidina também tem sido utilizada isoladamente, por via peridural,
na dose de 8 a 10 µg.kg -1, para diminuir as doses necessárias dos anestési-
cos venosos e inalatórios durante a anestesia geral, aumentar a estabilidade
hemodinâmica durante a anestesia e prolongar a analgesia no pós-operató-
rio62,64. Devido a esses efeitos, o custo da anestesia também diminui. Há
que se considerar que o custo da clonidina no Brasil é baixo em compara-
ção com o de outros países, como Estados Unidos. Por outro lado, a clonidina,
em doses elevadas, pode causar sedação mais duradoura no pós-operató-
rio, o que pode retardar a alta do paciente da Sala de Recuperação Pós-
Anestésica.
Na analgesia pós-operatória, a clonidina é mais efetiva, quando utili-
zada por via subaracnóidea, seguida da via peridural, e após, pela via veno-
sa106-108, de maneira dose-dependente102. Sua ação analgésica aumenta,
quando em associação com opióides102.

251
Anestesia Venosa

Os resultados iniciais, em relação à analgesia no pós-operatório com


o uso intra-articular (joelho) da clonidina, foram satisfatórios, com aumento
da duração da analgesia e diminuição da necessidade de analgésicos no
pós-operatório109. O mesmo não ocorreu durante anestesia local para ci-
rurgia de hérnia inguinal, quando o uso associado do anestésico local à
clonidina em pequenas doses (0,5 µg.kg -1), não diminuiu o consumo de
analgésicos no pós-operatório33, apesar de diminuir o escore da dor nas
primeiras duas horas do pós-operatório110.
O uso da clonidina como um dos componentes do bloqueio peribulbar,
em pacientes para cirurgia de catarata, parece não ser adequado, por não
produzir sedação, não diminuir o tempo de instalação da acinesia (inabili-
dade para movimentar os olhos nas quatro direções), não alterar a pres-
são intraocular e não diminuir o consumo de analgésicos nas primeiras 24
horas111. Segundo Eisenach e col (1996)27, para explicar a interação da
clonidina com os anestésicos locais nos bloqueios regionais, são sugeridos
dois mecanismos possíveis: a clonidina atuaria tanto diretamente, ao blo-
quear a condução do estímulo nas fibras Aδ e C45, aumentar a condutância
ao potássio em neurônios isolados112 e intensificar o bloqueio de condu-
ção dos anestésicos locais44, 113; como indiretamente, ao reduzir a absor-
ção dos anestésicos locais, através de efeito vasoconstritor mediado pe-
los receptores α2 pós-sinápticos, localizados na musculatura lisa de vasos
peridurais21.
Em relação ao uso da clonidina em anestesia obstétrica, observou-
se, na anestesia peridural do trabalho de parto, que a adição de clonidina, na
dose de 37,5 mg, à bupivacaína a 0,125% não altera a duração da analgesia,
enquanto doses de 75, 120 e 150 µg dobram a duração da analgesia114. Os
autores não observaram, com a adição da clonidina, alterações fetais, do
bloqueio motor e da pressão arterial materna, mas verificaram sedação
transitória e redução da freqüência cardíaca materna, nas doses acima de
100 µg. Frente aos resultados obtidos, os autores sugerem ser a dose de 75
µg de clonidina apropriada para uso associado à bupivacaína, para analgesia
do trabalho de parto.
Os efeitos da adição da clonidina ao anestésico local durante anestesia
peridural para cesariana não parecem ser diferentes dos que ocorrem na
população não obstétrica. Assim, com a adição, ocorre aumento da duração
dos bloqueios sensitivo e motor115. A ocorrência de sedação é dose-depen-
dente, após bolus iguais ou maiores a 100 µg, mas parece não ocorrer em
doses iguais ou inferiores a 50 µg.

252
Clonidina

O uso isolado da clonidina, por via subaracnóidea, na dose de 50 a 200


µg, para analgesia do trabalho de parto, parece ser eficiente, aumentando a
duração e a qualidade da analgesia, de forma dose-dependente (45 - 140
minutos), com a ocorrência de sedação, cuja intensidade também é dose-
dependente. No entanto, com a dose de 200 µg ocorre maior incidência (58%)
de hipotensão, que necessita de correção com efedrina116. Frente aos resul-
tados obtidos, os autores não recomendam doses subaracnóideas maiores do
que 100 µg, para analgesia do trabalho de parto.
Em conclusão, a clonidina e os demais α2-agonistas representam
aquisição importante para a prática clínica da anestesiologia, por apre-
sentarem adequada relação custo/benefício, podendo ser empregados na
medicação pré-anestésica, como drogas adjuvantes durante a anestesia
geral e regional e no tratamento da dor aguda e crônica de origem malig-
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260
Clonidina

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261
Dexmedetomidina

Dexmedetomidina
Roberto Takashi Sudo*
Jorge de Albuquerque Calasans-Maia**

I - Introdução

Dexmedetomidina, agonista dos receptores α2-adrenérgicos, é o


enantiômero farmacologicamente ativo da medetomidina. Assim, como a
detomidina, a medetomidina faz parte de uma família de moléculas com
estrutura imidazolínica. A molécula da medetomidina possui um centro
estereogênico (figura 1) e seus enantiômeros levo e dextro foram separa-
dos por conversão da forma racêmica para uma mistura de seus dois
isômeros e estes, separados por técnica de cristalização 1.
Estudo mais recente demonstrou que apenas o enantiômero dextro,
dexmedetomidina, é farmacologicamente ativo2. A dexmedetomidina é uma
base que reage com diversos ácidos orgânicos e inorgânicos para formar os
seus respectivos sais, tais como, cloridratos, sulfatos, nitratos, maleatos,
citratos, benzoatos, salicilatos entre outros.

* Mestre em Farmacologia, UFRJ


Doutor em Biofísica, UFRJ
Pós-Doutorado, Wake Forest University, USA
Prof. Titular de Farmacologia da FTESM
Prof. Adjunto de Farmacologia da UFRJ
Chefe do Laboratório de Acoplamento Excitação-Contração, UFRJ
Chefe do Laboratório de Hipertermia Maligna, UFRJ
** Mestre em Anestesiologia, UFRJ
Anestesiologista do Serviço de Anestesiologia da UFRJ

263
Anestesia Venosa

Figura 1 – Medetomidina e seus dois enantiômeros. A L-medetomidina


apresenta pouca atividade agonista α2.

O trabalho de separação dos enantiômeros com o aparecimento da


dexmedetomidina foi realizado, nos anos 80, pelo Dr. Arto Karjalainen e
cols, da Orion Corporation Farmos, Oulu, Finlândia, com colaboração da
Universidade de Oulu, na Finlândia3. Inicialmente foi patenteado na Europa,
em 1987, e comercializado pela Orion Corporation Farmos, Oulu, Finlân-
dia. Posteriormente foi registrado no United States Patent Office sob o
número 4910214, em 15 de julho de 1988. Liberada pelo F.D.A., em 17 de
dezembro de 1999, sob o número 021038, para uso restrito aos centros de
terapia intensiva, como sedativo, de uso não superior a 24 horas. No Brasil,
seu uso comercial foi liberado no segundo semestre de 2000.

II - Propriedades físico-químicas

O cloridrato de dexmedetomidina é um pó branco, solúvel em água, com


constante de ionização (pKa) de 7,1. A dexmedetomidina (figura 2) é formulada
como um líquido claro, incolor, inodoro, isotônico, com pH entre 4,5 e 7,0. A solu-

Figura 2 – Estrutura Química da Dexmedetomidina

264
Dexmedetomidina

Tabela I – Propriedades físico-químicas da dexmedetomidina


Dexmedetomidina
Composto imidazolínico
Dextro isômero ativo da medetomidina
Nome genérico: cloridrato de dexmedetomidina
Nome químico: monocloridrato de (+)-4-(S)-[1-(2,3-dimetilfenil)etil]-1H-imidazol
Constante de ionização (pKa) de 7,1
Solução límpida e incolor com pH entre 4,5 e 7,0
Sem conservantes ou aditivos e estabilizantes químicos
Peso molecular: 236,7
Fórmula Molecular: C13H16N2•HCL

ção estéril e apirogênica não contém preservativos, aditivos ou estabilizadores4.


Suas propriedades físico-químicas estão apresentadas na Tabela I.

III - Farmacodinâmica

III.1 - Mecanismo de ação

A dexmedetomidina é um agente agonista α2 superseletivo. Sua


seletividade para o receptor α2 em relação ao receptor α1 é de aproximada-
mente 1600:1. A Tabela II mostra as relações de seletividade α2:α1 de
algumas drogas com atividade agonista α2.

Tabela II – Seletividade α / α
2 1

Agonistas α α1
Seletividade α 2 /α
Dexmedetomidina 1600
Medetomidina 1200
Mivazerol 400
Clonidina 220
I-medetomidina 23

A dexmedetomidina é um sedativo com propriedades analgésicas,


ansiolíticas e simpaticolíticas. Seu mecanismo de ação envolve a ativação de
receptores α2 pré-sinápticos (figura 3), diminuindo a liberação de noradrenalina

265
Anestesia Venosa

por meio de um mecanismo de retroalimentação negativa. Atuando na região


pós-sináptica, a dexmedetomidina promove vasoconstrição, ativando princi-
palmente receptores situados na musculatura lisa dos vasos. Após a interação
com os receptores α2 , a dexmedetomidina ativa uma proteína-G que, por sua
vez, promove a transdução e amplificação de uma série de sinais intracelulares.
Esse processo modula a atividade efetora celular5. De uma forma geral, a
ativação de receptores α2-adrenérgicos no cérebro e na medula espinhal causa
hipotensão, bradicardia, sedação e analgesia6. Como todo agonista α2-
adrenérgico, a dexmedetomidina atua nos três subtipos desses receptores (α2A,
α2B e α2C). Respostas específicas para cada subtipo estão ilustradas na Ta-
bela III. As ações ou respostas mais importantes na anestesia são aquelas
mediadas pelos receptores α2A.

III.2 - Efeitos farmacológicos

Sedação
Sedação é um efeito provocado pela dexmedetomidina e seu meca-
nismo de ação foi melhor compreendido a partir do trabalho de Correa-
Sales e cols., em 19927. Estes pesquisadores evidenciaram um local de ação
específico, porém, não o único responsável por este efeito. No cérebro, o
locus coeruleus apresenta alta densidade de receptores α2 que, uma vez
ativados, desencadeiam, por meio da ativação da proteína-G, aumento da

Figura 3 – Mecanismo de ação pré-sináptico da dexmedetomidina

266
Dexmedetomidina

Tabela III – Efeitos farmacológicos resultantes da ativação dos subtipos


de receptores α2-adrenérgicos provocados pela dexmedetomidina.

α2
Principais ações da dexmedetomidina nos subtipos de receptoresα
α2A
Controle cardiovascular central
Contração arterial (pós-sináptica)
Inibição da liberação noradrenalina no Sistema Nervoso Central
Sedação, ansiólise, analgesia
Prolonga efeito dos anestésicos (“anesthetic sparing effect”)
α2B
Resposta pressórica periférica - Contração arterial (pós-sináptica)
Ação antitremor (“anti-shivering”)
α2C
Diminuição da CAM de anestésicos e ação anestésica
Comportamento (ex: envolvimento com distúrbios de ansiedade)
Inibe liberação de NOR (pré-sináptico)
Contração venosa (pós-sináptica)

condutância ao K+. O efluxo de K+ hiperpolariza a célula, reduzindo a


condutância e o conseqüente influxo de Ca++, como mostra a Figura 4. Isso
modifica a neurotransmissão no locus coeruleus. Promove também dimi-
nuição dos níveis centrais de noradrenalina6.

Analgesia

Usando técnicas eletrofisiológicas, ficou evidenciado que a


noradrenalina inibe os potenciais excitatórios resultantes do estímulo de fi-
bras aferentes Aδ e C à substantia gelatinosa no corno dorsal da medula,
através da ativação dos receptores α2-adrenérgicos (provavelmente o tipo
α2A)8. Esses efeitos foram revertidos pela ioimbina, antagonista nos recep-
tores α2-adrenérgico, o que comprova a importante função destes recepto-
res na modulação espinhal da dor. É provável que a hiperpolarização dos
terminais nervosos das vias aferentes e das células de projeção central da
dor, provocadas pela estimulação de receptores α2-adrenérgicos, também
modulem a liberação e ação de outros neurotransmissores.

267
Anestesia Venosa

Figura 4 – Mecanismo de ação dos agonistas α2-adrenérgicos, que expli-


ca sedação, no locus coeruleus. Com o agonista ligado ao receptor, ocor-
re facilitação do acoplamento da proteína-G, resultando na inibição dos
canais de Ca++ voltagem dependentes e ativação dos canais de K+.

Desta forma, a estimulação de receptores α2-adrenérgicos pode ini-


bir a liberação da substância P, importante peptídeo da neurotransmissão da
dor6. Além disso, a injeção no espaço peridural de clonidina, um agonista
α2-adrenérgico, provoca aumento da concentração liquórica de acetilcolina,
o que demonstra envolvimento do sistema colinérgico na nocicepção9.
O efeito analgésico da dexmedetomidina está também relacionado
às vias noradrenérgicas descendentes originadas de células localizadas nas
áreas A5, A6 (locus coeruleus) e A7 (subcoeruleus) na ponte. Na
regulação da nocicepção, a noradrenalina liberada na região dorsal da me-
dula estimula os receptores α2, amplamente distribuídos nessa região, quer
seja no terminal pré-sináptico (vias aferentes Aδ e C) como nas células que
originam o sistema espino-talâmico de projeção central da dor (figura 5).

Função motora

A dexmedetomidina prolonga a duração do bloqueio motor induzido


pela administração intratecal de anestésicos locais10. Esse efeito pode ser

268
Dexmedetomidina

Figura 5 – Vias ascendente e descendente da dor

Sistema noradrenérgico
descendente

resultante de uma interação sinergística da dexmedetomidina como um ver-


dadeiro anestésico local. Essa hipótese provém de experimentos realizados
em nervos ciáticos de ratos em que a guanfacina e clonidina, também
agonistas α2-adrenérgicos, produziram um bloqueio tônico e fásico reversí-
vel da condução nervosa11. Em outro estudo, foi demonstrado que a clonidina
aumentou a hiperpolarização de neurônios, tornando o potencial
transmembrana mais negativo, ou seja, diminuindo a margem de segurança
para deflagração do potencial de ação12. Sudo e cols. mostraram, no Con-
gresso Anual da Sociedade Americana de Anestesiologia, em 2003, experi-
mentos que evidenciaram a ação da dexmedetomidina no aumento da dura-
ção do bloqueio motor induzido pela levobupivacaína13,14. Esse efeito não
dependeu do local de administração da dexmedetomidina, uma vez que tan-
to a aplicação espinhal como a sistêmica prolongaram significativamente a
duração do bloqueio motor. O mecanismo do prolongamento do bloqueio

269
Anestesia Venosa

motor também não pode ser completamente compreendido nesses traba-


lhos, porém, parte dele foi antagonizado pela ioimbina.
A relação entre função motora e o sistema noradrenérgico descen-
dente no corno ventral da medula, que pudesse explicar a ação da
dexmedetomidina, ainda não foi devidamente elucidada. A musculatura
esquelética é inervada por neurônios motores somáticos que originam no
corno anterior da medula. Esses neurônios são chamados de neurônios mo-
tores inferiores que, por sua vez, são classificados como alfa neurônios ou
gama neurônios. O alfa neurônio é responsável direto pela força muscular
que, por sua vez, são controlados pelos impulsos sinápticos aferentes ao
corno ventral da medula. Existem apenas três origens de impulsos para um
alfa neurônio motor (figura 6). A primeira é proveniente de células do gânglio
da raiz dorsal, cujos axônios inervam o fuso muscular. A segunda origem é
dos impulsos de motoneurônios provenientes da região cortical, enquanto a
terceira, dos impulsos originados de interneurônios na medula, que podem
ser excitatórios ou inibitórios15.

Figura 6 – Inervação muscular pelo neurônio motor inferior e as três


15
origens de impulsos nervosos.

270
Dexmedetomidina

Fibras noradrenérgicas provenientes do locus coeruleus e


subcoeruleus terminam na região onde estão localizados os alfas neurônios
motores no corno ventral da medula, local onde também estão presentes
receptores adrenérgicos. A malha sináptica que envolve as fibras
noradrenérgicas não está estabelecida. É possível que o sistema
noradrenérgico descendente seja facilitador da atividade motora através de
ação agonista α1 e que as ações agonistas em receptores α2 na medula
tenham um efeito inibitório16. A função motora, resultado de ação voluntária
ou reflexa, sofre ação do sistema noradrenérgico proveniente do cérebro.
De acordo com experimentos de Ono e Fukuda, em 1995, agonistas α2-
adrenérgicos inibem o efeito facilitador noradrenérgico descendente16 em
nível supramedular
Palmeri e cols, em 1999, fizeram uso de clonidina (um agonista α2-
adrenérgico) intravenoso, para estudar excitabilidade de motoneurônios
medulares, em humanos. Seus resultados sugerem que a ação do agonista
α2-adrenérgico no locus coeruleus pode servir como um mecanismo de
ação que promove inibição de motoneurônios medulares com conseqüente
diminuição do tônus muscular17. A dexmedetomidina promove essa ação
supramedular, mesmo quando administrada por via subaracnóide, conforme
experimento de Talke e cols. em 200318.

Sistema cardiovascular

A dexmedetomidina pode mediar diferentes efeitos cardiovas-


culares4,6,19,20. Induz seus efeitos simpaticolíticos, através de receptores α2-
adrenérgicos no sistema nervoso central (receptores α 2A), e efeitos
vasoconstritores, através dos receptores α2-adrenérgicos pós-sinápticos
periféricos na musculatura lisa vascular (receptores α2B).
Estudo de Talke e cols. mostrou que a dexmedetomidina induz
vasoconstrição periférica de forma independente. Essa vasoconstrição pode
ser evidenciada com doses 5 a 15 vezes menores que aquelas utilizadas no
uso clínico21. Nesse estudo, voluntários acordados e sem qualquer alteração
cardiovascular receberam doses crescentes de dexmedetomidina ocasio-
nando diminuição da pressão arterial. Entretanto em pacientes sadios que
foram anestesiados, onde o tônus do sistema nervoso simpático está diminu-
ído, doses crescentes de dexmedetomidina, aumentaram a pressão arterial,
atestando, a hipótese de mediação da vasoconstrição periférica. Clinica-
mente, em pacientes acordados com infusão contínua, a dexmedetomidina
271
Anestesia Venosa

promove uma resposta bifásica, com uma diminuição da pressão arterial


média, com posterior aumento devido a doses crescentes. Em doses muito
altas a dexmedetomidina promove aumento das resistências vasculares
sistêmica e periférica e diminuição do débito cardíaco22. Quando adminis-
trada uma dose inicial de 1 µg.kg-1 em infusão durante 2 minutos, a
dexmedetomidina diminui a freqüência cardíaca, o que coincide com a dimi-
nuição dos níveis plasmáticos de noradrenalina. O efeito simpaticolítico da
dexmedetomidina é um dos responsáveis pela diminuição da freqüência car-
díaca. Uma outra explicação para esse efeito pode ser o aumento da ativi-
dade vagal. Em altas doses, a diminuição da frequência também é devida à
diminuição do débito cardíaco22.

Sistema respiratório

O sistema respiratório permanece sem alterações, mesmo com altas


doses de dexmedetomidina. A oxigenação arterial não se altera, provoca
poucos efeitos ventilatórios, não causando alterações importantes no CO2
expirado e promove broncodilatação22,23. Aumento da frequência respiratória
pode ser observado em pacientes acordados recebendo doses crescentes
de dexemedetomidina22.

Outros efeitos
A ativação de receptores α2-adrenérgicos em outras áreas do corpo
promove diminuição da salivação, diminuição da contratilidade gastrointestinal,
contração da musculatura lisa vascular, inibição da liberação de renina, aumento
da filtração glomerular, aumento da secreção de sódio e água nos rins,
diminuição da pressão intraocular e diminuição da liberação de insulina do
pâncreas6,24-26. No sistema nervoso central, estudos mostram um possível
efeito neuroprotetor, prevenindo a morte neuronal tardia após isquemia focal
e diminuição do volume isquêmico total em até 40%27,28. Em animais
experimentais, a dexmedetomidina reduziu em mais de 40% o fluxo sangüíneo
cerebral e não afetou o consumo metabólico regional de oxigênio (CMRO2)29-
31
. A dexmedetomidina diminui a pressão intracraniana, na presença de
hipertensão, em modelo animal32 e em humanos. Talke e cols. mostraram
que a dexmedetomidina não afetou a pressão lombar do líquido cefa-
lorraquidiano, em pacientes submetidos a ressecção transfenoidal de tumor
pituitário33.

272
Dexmedetomidina

Alguns dos efeitos mediados pelo uso da dexmedetomidina têm sido


evidenciados ao longo dos anos. A diminuição da concentração alveolar
mínima (CAM), com conseqüente diminuição da necessidade de anestési-
cos halogenados, foi estudada por Segal e cols. em 1988; Doze e cols. em
1989; Regan e cols., em 1989 e Doze e cols., em 199034-37. A dexme-
detomidina reduziu de forma progressiva a CAM do isoflurano, potencializou
o efeito sedativo e hipnótico induzido pelo midazolam e reduziu a dose do
propofol necessária na indução anestésica38,39.
Talke e cols. descreveram que a administração simultânea de
dexmedetomidina com rocurônio aumentou o bloqueio neuromuscular em
humanos. Esse efeito foi conseqüente a um mecanismo farmacocinético
que aumentou a concentração plasmática livre do rocurônio, por um proces-
so não esclarecido e não devido a um efeito direto na transmissão
neuromuscular40. Nós verificamos que a exposição de dexmedetomidina na
musculatura esquelética não alterou a resposta muscular ao estímulo tetânico
no diafragma na preparação clássica frênico-diafragma de ratos (dados não
publicados).
Martins e cols. pesquisaram, por meio de tromboelastografia, a coa-
gulação sangüínea em pacientes que receberam infusão de dexmedetomidina
e relataram um efeito anticoagulante, porém sem manifestação ou reper-
cussão clínica, pois os valores obtidos estiveram dentre dos limites conside-
rados normais41.

IV - Farmacocinética

Karol e Maze, em 2000, descreveram que a dexmedetomidina é rapi-


damente distribuída com t½á de aproximadamente 6 minutos. A meia vida de
eliminação t½β é em torno de 2 horas após administração intravenosa e
intramuscular, e de 5 horas após aplicação transdérmica4. A concentração
plasmática máxima, após injeção intramuscular e administração oral, é atin-
gida em aproximadamente 2 horas42. O volume de distribuição (Vss) é de
1,61 ± 0,26 l.kg-1 e o clearance (Cl) de 0,64 ± 0,14 l.h-1.kg-1. Este Cl é
praticamente constante, se forem utilizadas as doses indicadas para uso
clínico, que mantêm o nível plasmático dentro da janela terapêutica. Os
parâmetros farmacocinéticos não diferem quanto a idade, sexo e etnias4.
Além disso, a farmacocinética da dexmedetomidina não é afetada diante de
disfunção renal. Estudo de De Wolf e cols, em 2001, mostrou que os
parâmetros farmacocinéticos não se mostraram alterados após utilização

273
Anestesia Venosa

de dexmedetomidina, em pacientes com disfunção renal severa. Porém,


esses autores verificaram que, apesar da meia vida de eliminação da
dexmedetomidina nestes pacientes ser discretamente menor que em paci-
entes sadios, o efeito sedativo foi mais prolongado nos doentes renais43.
Cerca de 93,7% de dexmedetomidina ligam-se às proteínas plasmáti-
cas. A ligação protéica dessa droga não é modificada na presença de fentanil,
teofilina, digoxina, lidocaína, fenitoína, warfarin, ibuprofeno e propanolol4.
A ligação às proteínas plasmáticas e o Cl da dexmedetomidina, na
disfunção hepática, estão diminuídas, porém, a meia vida de eliminação está
aumentada. Assim, diante de uma disfunção hepática, como mostra a Tabe-
la IV, a dose de dexmedetomidina deve ser reduzida proporcionalmente ao
grau de comprometimento hepático44.
A dexmedetomidina, comparada à clonidina, atravessa menos a bar-
reira placentária, uma vez que a concentração materna de dexmedetomidina
decresce mais rápido do que a da clonidina 45. Além disso, apesar da
dexmedetomidina ser mais lipofílica que a clonidina, que teoricamente au-
mentaria a transferência placentária, Ala-Kokko e cols, 1997, demonstra-
ram que a lipossolubilidade aumenta a retenção de dexmedetomidina em
tecido placentário, que reduziria a fração livre da droga para a passagem
transplacentária45.
A dexmedetomidina sofre extensa biotransformação (metilação e
glicorunidação) hepática. Após infusão venosa, 95% de seus metabólitos
são excretados na urina e 4% recuperados nas fezes. Seus principais
metabólitos são o N-glicuronídeo de dexmedetomidina (34%) e glicuronídeo
de hidroxi N-metil dexmedetomidina (14,5%).

Tabela IV – Farmacocinética da dexmedetomidina na presença de


disfunção hepática.
Farmacocinética da dexmedetomidina na disfunção hepática
Cl (l.h-1) t½ β (h) Lig. Ptn (%)
Normal 39 2,1 93,7
Leve 28,8 3,9 87,9
Moderada 24,9 5,4 86
Grave 20,6 7,4 82
Cl: Clearance, t½β: Meia vida de eliminação, Lig Ptn: Ligação a proteínas
plasmáticas4.

274
Dexmedetomidina

V - Usos clínicos da dexmedetomidina

Várias aplicações clínicas da dexmedetomidina têm sido investigadas


e relatadas ao longo dos anos. Essas indicações variam desde uma sedação
pré-anestésica à coadjuvante em anestesias para cirurgia de grande por-
te.
Dexmedetomidina deve ser sempre infundida por meio de uma bom-
ba de infusão. Cada frasco-ampola apresenta 2 ml da solução cloridrato de
dexmedetomidina com 100 µg.ml-1. A solução padrão deve apresentar uma
concentração final de 4 µg.ml-1. Preconiza-se uma dose de ataque com
infusão de 1 µg.kg-1, por 10 minutos, seguida de infusão de manutenção que
varia de 0,2 a 0,7 µg.kg-1.h-1. Esse regime de infusão pode ser modificado de
acordo com a resposta desejada e para minimizar efeitos colaterais.

Pré-medicação

O uso da dexmedetomidina como pré-anestésico tem sido muito es-


tudado. Vários regimes foram propostos para utilização, como administra-
ção intravenosa ou via intramuscular minutos antes da indução46,47. Porém,
além do efeito sedativo, que é necessário, a diminuição da pressão arterial e
bradicardia podem ocorrer como efeitos indesejáveis. Outros efeitos, como
a diminuição da dose de hipnóticos durante a indução, queda da concentra-
ção sérica de hormônios ligados ao estresse cirúrgico e diminuição da CAM
dos anestésicos inalatórios, podem acontecer quando a dexmedetomidina é
utilizada na pré-anestésia. Outros efeitos indesejáveis, como sedação ex-
cessiva e xerostomia, também podem ser observados.

Cirurgia cardíaca

Poucos trabalhos envolvendo cirurgia cardíaca e dexmedetomidina


foram publicados, entretanto, devido as suas propriedades simpaticolíticas,
a dexmedetomidina pode ser um medicamento atrativo para cirurgias
coronarianas. Ela diminui a concentração plasmática de norepinefrina, me-
lhora a proteção à resposta pressórica na entubação endotraqueal, diminui a
taquicardia com conseqüente diminuição do consumo de oxigênio pelo
miocárdio, porém pode gerar hipotensão não desejada48. Wijeysundera e
cols. recentemente fizeram um estudo meta-análise sobre a influência dos
agonistas α2-adrenérgicos, na prevenção de complicações cardiovasculares,

275
Anestesia Venosa

no período per-operatório, chegando à conclusão de que essa classe de


drogas diminui a mortalidade e risco de infarto durante cirurgias vasculares
e cardíacas49.

Endarterectomia de carótida em pacientes acordados

Uma das vantagens da endarterectomia de carótida, em pacientes


acordados, é poder acompanhar o estado neurológico durante todas as eta-
pas da cirurgia. Para tal, utiliza-se anestesia regional, por meio de bloqueio
cervical e agentes sedativos, como coadjuvante ao bloqueio cervical. As-
sim, devido às propriedades sedativas e simpaticolíticas da dexmedetomidina,
esse medicamento tornou-se uma opção para esse tipo de cirurgia como
sedativo principal. Essa opção foi analisada por Bekker e cols. 2004, em
estudo com 66 pacientes. Metade dos pacientes receberam uma dose de
ataque de 0,5 µg.kg-1 de dexmedetomidina durante 15 minutos e manuten-
ção de 0,3 µg.kg-1.h-1. A outra metade recebeu solução salina. A pressão
arterial média, assim como os níveis de catecolaminas plasmáticas, foram
menores nos pacientes, utilizando infusão de dexmedetomidina. Outra con-
clusão foi que o uso da dexmedetomidina promoveu menor flutuação do
nível de sedação durante o procedimento. Promoveu uma recuperação da
função cognitiva mais rápida que no grupo controle que necessitou do uso
de midazolam e fentanil, o que ajuda na detecção precoce de alterações
neurológicas nesses pacientes50.

Cirurgia bariátrica

Uma das maiores preocupações para o anestesiologista em cirurgia


bariátrica é a dificuldade de manter vias aéreas pérvias no momento da
indução da anestesia, imediatamente antes da entubação traqueal.
Como afirmado anteriormente, a dexmedetomidina tem a capacidade
de promover sedação sem depressão respiratória significativa. Isso pode
ser propício àquelas situações onde fosse necessária a entubação com o
paciente acordado. Além disso, a dexmedetomidina possui propriedades
simpaticolíticas e de minimizar o consumo de anestésicos inalatórios, poden-
do assim ser útil em melhorar o tempo de recuperação da anestesia dos
pacientes com obesidade mórbida. Essa vantagem foi descrita por Sudré e
cols., em 2004, comparando o uso da dexmedetomidina com um opióide, o
remifentanil, como coadjuvante na anestesia geral para cirurgias em obesos

276
Dexmedetomidina

mórbidos. Entretanto, esses autores, avaliando os tempos de abertura ocu-


lar, reinício de respiração espontânea e de extubação, mostraram que o
remifentanil encurta essas etapas da recuperação anestésica51.

Craniotomias com pacientes acordados

Está cada vez mais freqüente a necessidade de anestesia para pro-


cedimentos intracranianos. Testes neurocognitivos que requerem a coope-
ração dos pacientes fazem com que o anestesiologista tenha um papel im-
portante, provendo um adequado nível de sedação e analgesia, sem interfe-
rir de forma importante na função neurológica. Para esses procedimentos,
várias técnicas utilizando outras drogas, com ou sem infusão de opiódes,
foram utilizadas. Porém, a preocupação com depressão respiratória sempre
esteve presente. Devido as suas propriedades e por não proporcionar de-
pressão respiratória, a dexmedetomidina foi utilizada com bom resultado.
Na literatura recente, a dose de ataque para a craniotomia variou de 0,5 a 1
µg.kg-1. Vinte minutos depois foi instituída dose de manutenção de 0,01 a 1
µg.kg-1.h-1 52. Bekker e cols., em 2001, após anestesiar o paciente para ci-
rurgia de neoplasma cerebral, com propofol, fentanil e manutenção com
N2O e sevoflurano, utilizou, inicialmente, infusão de dexmedetomidina na
dose de 1 µg.kg-1 por 30 minutos e manutenção de 0,4 µg.kg-1.h-1 que
variou após retirada do sevoflurano entre 0,2 e 0,1 µg.kg-1.h-1 durante a fase
de testes cognitivos, com paciente acordada. A retirada do tumor também
foi realizada sem intercorrências, com paciente acordado, monitorizado com
BIS (80-95)53. Ard e cols., 2003, utilizaram essa técnica com pacientes
pediátricos, para mapeamento de áreas corticais e testes neurofisiológicos54.

Pediatria

A grande maioria dos artigos publicados recentemente sobre o uso


da dexmedetomidina em pediatria registringe-se àqueles pacientes interna-
dos em centros de terapia intensiva com a principal finalidade de promover
sedação. Apesar de ainda não estar aprovada pela Agência Federal de
Drogas nos Estados Unidos (FDA – Federal Drug Agency), para uso em
pediatria, dezenas de relatos de casos foram publicados, aumentando consi-
deravelmente seu uso diante de diversas indicações. Joseph Tobias, profes-
sor de anestesiologia, do departamento de saúde infantil da Universidade de
Misouri, tem usado, com considerável sucesso, a dexmedetomidina em pa-

277
Anestesia Venosa

cientes pediátricos55,56. Nesses relatos, Tobias e cols. utilizaram dexmede-


tomidina em crianças que variaram de 10 meses a 14 anos de idade, para
suporte sedativo em paciente com ventilação controlada mecânica; sedação
pós-operatória no CTI, para cirurgia de fixação de coluna para correção de
escoliose; como droga per-operatória para induzir hipotenção controlada,
sedação para gastroduodenoscopia; reversão de síndrome de abstinência
devido abuso de droga ilícita e controle de delirium e tremores pós-operató-
rios. As taxas de infusão contínua variaram de 0,2 a 0,7 µg.kg-1.h-1. Não
utilizaram dose de ataque, porém, chegaram a administrar dose bolus quan-
do acharam necessário uma sedação mais profunda (0,5 a 0,6 µg.kg-1 em 2
minutos). Nesses casos, os autores não relataram efeitos colaterais impor-
tantes, porém Berkenbosch e Tobias, em 2003, relataram bradicardia seve-
ra na sedação de uma criança com cinco semanas de vida, com defeito de
septo atrioventricular, em uso de digoxina. A associação de dexmedetomidina
com digoxina fez a freqüência cardíca reduzir logo após a dose de ataque e
durante infusão contínua. A recuperação da freqüência aconteceu durante
a primeira hora após a retirada da dexmedetomidina57. Serlin, em 2004, por
sua vez, relatou a necessidade de estudos mais rigorosos e controlados com
o uso da dexmedetomina na população pediátrica. Ressalta que o uso desse
medicamento como sedativo, em pacientes internados no CTI, é seguro,
fazendo com que as indicações aumentem. Assim, com novos estudos, a
aplicação clínica da dexmedetomidina poderá ser melhor delineada58.

Tratamento de síndrome de abstinência

Muitos pacientes internados em centros de terapia intensiva (CTI)


sofrem com algum tipo de dependência química, com conseqüente desen-
volvimento de síndrome de abstinência. Essa dependência pode ser por uso
prolongado de sedativos e opióides, como também por etilismo e uso de
drogas ilícitas como cocaína. A assistência a esses paciente é delicada, pois
envolve intensa monitorização, com possibilidade de freqüentes interven-
ções.
Alguns estudos mostraram que o uso da dexmedetomidina é benéfica
no tratamento desses pacientes, seja durante a fase de desintoxicação agu-
da como no auxílio do tratamento da síndrome de abstinência.
O uso prolongado de benzodiazepínicos e opióides, em pacientes gra-
ves internados no CTI, pode gerar dependência química com dificuldade na
hora de redução das doses. Maccioli, em 2003, relatou o uso da

278
Dexmedetomidina

dexmedetomidina, em paciente que desenvolveu septicemia pós cirurgia


abdominal, permanecendo no CTI com ventilação controlada e sedação com
infusão contínua de lorazepam e morfina durante 42 dias. Com a melhora do
quadro clínico e a retirada do sedativo e do analgésico, sintomas de absti-
nência, como taquipnéia, taquicardia e agitação, apareceram. Foi iniciado
dexmedetomidina com dose de 1 µg.kg-1 durante 20 minutos seguida de
dose de manutenção de 0,7 µg.kg-1.h-1. Essa dose foi gradativamente redu-
zida nos próximos 7 dias de tratamento, após o qual foi retirado o suporte
ventilatório. Não houve sinal de síndrome de abstinência59.
Finkel e Elrefai60, em 2004, relataram o mesmo problema com paci-
ente de 8 meses de idade, vítima de síndrome de Hunter, recebendo grandes
doses contínuas de fentanil e midazolan. A tentativa de diminuir as doses
desses medicamentos para uma transferência de hospital causavam intensa
agitação, taquicardia e hipertensão. Para desintoxicação aguda,
dexmedetomidina foi utilizada, com dose de ataque de 1 µg.kg-1 durante 10
minutos, seguida de infusão contínua com taxa que variou de 0,2 a 0,7 µg.kg-
1 -1
.h . Após 7 dias, a criança não manifestou agitação e pôde ser transferida.
Maccioli, em 2003, também relatou o uso da dexmedetomidina em
paciente com estado hiperadrenérgico e agitação psicomotora devido into-
xicação por cocaína. Dexmedetomidina foi administrada também com dose
de 1 µg.kg-1 durante 20 minutos, seguida de dose de manutenção de 0,7
µg.kg-1.h-1 durante 36 horas, trazendo controle do estado hiperadrenérgico59.
Com relação à intoxicação por álcool, experimentos em ratos mos-
tram que a dexmedetomidina pode também ser uma alternativa no trata-
mento da síndrome de abstinência, provavelmente, devido ao seu efeito
neuroprotetor no sistema nervoso central61,62.

VI - Efeitos adversos e complicações

Bradicardia e hipotensão são os efeitos adversos mais freqüentes,


que podem ser agravados com um inadequado manejo de reposição
volumétrica, seja durante cirurgia ou no pós-operatório. O aumento do tônus
vagal associado a uma redução do tônus simpático central conjuntamente
com reflexo de baroreceptores a uma hipertensão transiente podem expli-
car a bradicardia. A hipertensão pode ocorrer logo após o início da dose de
ataque ou decorrente de aumentos progressivos da taxa de infusão, causa-
da por estimulação de receptores á2-adrenérgicos pós-sinápticos na muscu-
latura lisa dos vasos, causando vasoconstrição. Outros efeitos promovidos

279
Anestesia Venosa

pela dexmedetomidina são a xerostomia uma diminuição da função intesti-


nal e a possibilidade de sedação excessiva.
Jorden e cols., em 2004, relataram 3 casos de dose excessiva aciden-
tal de dexmedetomidina, onde um paciente, durante cirurgia, recebeu 192 µg
durante 20 minutos e dois outros pacientes, no pós-operatório, receberam,
respectivamente, uma taxa de infusão 4 em vez de 0,4 µg.kg-1.h-1 e 0,5
µg.kg-1.min-1 em vez de 0,5 µg.kg-1.h-1. O efeito de maior repercussão foi
uma sedação excessiva sem maiores problemas hemodinâmicos63. O uso
de dexmedetomidina, em pacientes em uso de medicamentos cardiológicos
ou que tenham repercussão na pressão arterial e freqüência cardíaca, pode
trazer efeitos deletérios. Como descrito anteriormente, a associação de
dexmedetomidina com digoxina ocasionou uma bradicardia severa num paci-
ente de cinco semanas de vida, com defeito de septo atrioventricular, levan-
do a freqüência cardíaca de 133 para quase 40 batimentos por minutos57. A
associação de dexmedetomidina com medicamentos cronotrópicos negati-
vos ou aqueles com efeitos vagais podem levar a uma assistolia, como des-
crito em paciente com miastenia, em uso de piridostigmine64. Assim, pre-
cauções devem ser tomadas e ter em mente que a administração de
dexmedetomidina, em pacientes em uso de medicamentos cronotrópicos
negativos como digitais, bloqueadores de canais de cálcio e beta
bloqueadores, é uma contra-indicação relativa.
A dexmedetomidina ainda é considerada uma droga nova. Seu uso
está em expansão, porém estudos de sua utilização em casos expecíficos,
frente a possíveis complicações, é que vão realmente delimitar o espectro
de suas indicações.

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285
Flumazenil

Flumazenil
Maria Angélica Abrão*

Introdução

Na década de 1970 foram pesquisados compostos com afinidade para


os receptores benzodiazepínicos que apresentassem atividade ansiolítica e
anticonvulsivante destituídos, porém, dos efeitos sedativo e relaxante
muscular. Dentre esses compostos foi sintetizado por Hunkeler, em 1979, o
Flumazenil, uma imidazobenzodiazepina, primeiro composto antagonista
específico das benzodiazepinas( BZD)1-2.
De fato, o flumazenil é um agonista-antagonista com atividade agonista
fraca 3.
Sua introdução clínica teve início em 1987, sendo a primeira droga
capaz de reverter prontamente todos os efeitos centrais das BZD, quer
seja usada antes, durante ou após o agonista4.
Essa droga trouxe um novo conceito de sedação agonista-antagonista,
com a qual o término dos efeitos depressores dos BZD no sistema nervoso
central pode ser obtido imediatamente, como em um procedimento planejado.
Deve, portanto, fazer parte do arsenal terapêutico, sempre que os BZD
forem usados5.

* Membro da Comissão Científica da SAERJ


Instrutora do CET/SBA - Bento Gonçalves -HUCFF/UFRJ

287
Anestesia Venosa

I - Estrutura Química e Propiedades Físico-Químicas

O flumazenil é um derivado imidazobenzodiazepina, com estrutura


molecular semelhante a do BZD mas com características físico-química
diferente (figura1). É uma base fraca, menos lipofílica que o midazolam e
solúvel em água. As preparações comerciais em ampolas de 0,1mg/ml
possuem um ph em torno de 4. Não obstante essas diferenças, ambas as
drogas são capazes de penetrar rapidamente no sistema nervoso.

Figura 1

Flumazenil
Midazolam

II - Farmacocinética

Rapidamente absorvido, seu início de efeito clínico ocorre após 1 minuto


da administração da droga. A meia-vida de distribuição após injeção IV é
pequena , menos de 5 minutos, em função de sua boa lipossolubilidade, baixa
captação pelas proteínas plasmáticas e alto volume de distribuição. É
rapidamente metabolizado no fígado, por hidroxilação, em derivado do ácido
carboxílico e posteriormente conjugado ao ácido glicurônico. Seu metabólito
é totalmente inativo, ao contrário do midazolam. A excreção de 90-95%
desse metabólito é feita pela urina e o restante pelas fezes. Menos de 0.1%
da droga é excretada in natura pela urina. Sua meia vida de eliminação gira
em torno de 1 hora, com duração do efeito clínico menor que 2 horas. A
meia-vida curta de eliminação é devido ao alto grau de extração hepá-
tica(60%) e ao rápido clearance.
O flumazenil, pela via oral, tem uma meia-vida de absorção de 0.3
horas, com baixa biodisponibilidade (16%) devido ao seu extenso clearance
hepático. Nos pacientes com diminuição da função hepática, seu efeito pode
estar prolongado, sendo portanto necessária a diminuição da dose em
pacientes hepatopatas. Idade, sexo e insuficiêcia renal não alteram a sua
farmacocinética. O flumazenil não interfere na biodisponibilidade e na
farmacocinética dos BZD e vice-versa.

288
Flumazenil

Tabela I – Parâmetros farmacocinéticos do flumazenil

Clearance 13-16 ml .min-1.kg-1


Meia-vida de eliminação 0.8- 1.15 h
Volume de distribuição 0.63-1.23 l.kg1
Concentração plasmática efetiva 10-20 mg.l-1
Dose em bolus 200-1000 µg
Duração de ação 30min
Taxa de infusão 400µg.h-1

G.R. Park, V. Navapurkar e P. Ferenci. The role of flumazenil in the


critically ill. Acta Anaesthesiol Scand, 1995; 39: supplementum
108,23-34

III - Farmacodinâmica

- Mecanismo de Ação

Os receptores dos BZD estão situados difusamente no cérebro, com


maior concentração no córtex, sistema límbico e córtex cerebelar. Esses
receptores estão acoplados aos receptores do ácido gama-aminobu-
tírico(GABA), um neurotransmissor inibitório. Estruturalmente é composto
por uma molécula tetramérica localizada na membrana pós-sináptica,
circundando o canal do íon cloro. A ativação dos receptores benzodiazepínicos
causa uma alteração estrutural nos receptores GABA, facilitando o seu
acoplamento. A abertura dos canais de cloro causa o influxo deste íon para
a célula tornando-a hiperpolarizada e dificultando a propagação do pontencial
de ação (figura 2). Portanto, as drogas BZD potencializam o efeito inibitório
do GABA.

Existem três tipos de ligantes nos receptores benzodiazepínicos:

1- Agonistas: potencializam o efeito do GABA, aumentando a inibição.


São compostos pelas drogas benzodiazepínicas.
2- Agonistas-inversos: diminuem o efeito do GABA. Representados
pelas β-carbolinas, possuem efeito ansiogênico e convulsivante.
3- Antagonistas: ligam-se ao receptor mas não possuem atividade
intrínseca. Flumazenil é o antagonista específico. (figura3)

289
Anestesia Venosa

Figura 2 – Modelo do complexo receptor GABA-BZD- Canal de Cloro.


Acima - Vista hipotética do receptor-canal com as subunidades α e ß.
Abaixo - Corte transversal do complexo, mostrando o receptor GABA em
seu estado de repouso e ativado, com o canal fechado e aberto,
respectivamente. A subunidade ß contém o sítio ligante do GABA
(área larga e oval) e talvez os sítios alostéricos para barbitúricos e uma
classe particular de anticonvulsivantes (2 círculos pequenos). As
subunidades α contêm os receptores BZD com seus sítios de
acoplamento para agonistas, agonistas- inversos e anatagonistas
(3 círculos redondos sobrepostos). Os sítios alostéricos interagem com o
do receptor GABA e com o canal de cloro.

Os diferentes efeitos clínicos dos BZD, como ansiolítico, sedativo e


anticonvulsivante, dependem do grau de ocupação desses receptores. Assim,
a ocupação de 20% produz o efeito ansiolítico, enquanto a sedação é causada
por 30 a 50% e a hipnose requer 60%. A afinidade pelo receptor também
varia conforme o BZD utilizado, chegando a diferenças de até 100 vezes.
A capacidade de antagonismo desses efeitos pelo flumazenil
dependerá do tipo do BZD utilizado(curta ou longa duração), da dose
administrada e do intervalo de tempo entre a administração do agonista e do
antagonista. Essas considerações simples irão determinar a intensidade e a
duração do efeito do antagonista6-7.
A reversão, pelo flumazenil, dos efeitos dos BZD ocorre de maneira
inversa ao seu aparecimento e contrária à dose. Exemplificando: é necessária
290
Flumazenil

Figura 3 – Representação esquemática de três classes de ligantes ativos


no receptor BZD. Adaptado de Möhler H, Richards Jg: The
benzodiazepine receptor: A pharmacological control element of
brain function. Eur J Anaesthesiol Suppl 2: 15-24, 1988
Agonista Antagonista Agonista Inverso

uma dose alta de flumazenil para reverter a ansiólise produzida por baixa
dose de midazolam. Ao contrário, a hipnose, que é obtida em dose elevada
do BZD, fica revertida com pequena dosagem do antagonista.

Tabela II - Efeitos Recíprocos Dose-Dependente Entre


Benzodiazepínicos e Flumazenil

Adaptado de Amrein R, Hetzel W, Bonetti EP,et al: Clinical


pharmacology of Dormicum and Anexate. Resuscitation 16:S5-27,
1988.

291
Anestesia Venosa

O flumazenil antagoniza todas as drogas benzodiazepínicas, tanto os


agonistas quanto os agonistas-inversos, como também algumas drogas não
BZD. Não é efetivo nas depressões do sistema nervoso central produzidas
pelo opióides, barbitúricos, cetamina ou etomidato, que não atuam nos
receptores benzodiazepínicos. Uma atividade agonista moderada, capaz de
produzir efeito anticonvulsivante, pode ser observada com o flumazenil assim
como um efeito agonista inverso, que pode ser observado tanto em crianças
quanto em adultos8-9-10. As ações dos BZD podem ser antagonizadas
tituladamente conforme a concentração relativa das duas drogas, agonista-
antagonista. Como resultado, é possível a reversão parcial de uma hipnose
profunda em sedação leve.
O flumazenil tem como característica uma baixa toxicidade intrínseca.
O índice terapêutico (IT) definido como a relação entre a dose média letal
(LD50) e a dose média efetiva (ED50) traduz a toxicidade de um
medicamento. O IT do flumazenil está calculado em 3212, valor 10 vezes
maior que o do midazolam (267) e 300 vezes o do thionembutal ou propofol
(10,7 e 10 respectivamente), mostrando a ampla margem de segurança da
droga antagonista11.
Investigações farmacológicas e experiências clínicas indicam que a
dose efetiva mínima de reversão situa-se em 0,007 mg.kg-1 12. Essas baixas
doses terapêuticas podem ser explicadas pela alta afinidade do flumazenil
com o receptor BZD, pela baixa ligação às proteínas plasmáticas e pela
rápida concentração atingida no SNC. A dose de reversão do flumazenil irá
depender da droga benzodiazepínica utilizada, porém, segundo dados da
literatura, a dose efetiva mínima pode variar entre 0,2 e 0,4mg. A dose deve
ser aplicada de maneira titulada, nunca em bolus. Estudos utilizando
midazolam e flunitrazepan em anestesia geral comprovaram uma reversão
efetiva com 0,4mg de flumazenil13-14-15. Quando comparado ao midazolam,
doses maiores de flumazenil foram necessárias para reverter os efeitos
sedativos do diazepam16-17. A reversão da sedação com infusão contínua de
midazolam necessitou de doses maiores de flumazenil que variaram entre 2
e 3 mg18. A duração média do antagonismo obtido com o flumazenil é de 30
minutos. A sedação residual ou ressedação pode ocorrer nos casos em que
foi usado BZD de longa duração (lorazepam, diazepam),grandes doses de
BZD ou infusões contínuas, pelo fato de o flumazenil possuir uma meia vida
de eliminação curta (0,8 a 1,2 h). Nos casos de sedação residual, indicam-se
injeções repetidas ou infusão contínua de 0,1- 0,4 mg,kg-1 até a sua abolição
completa. Em pacientes ambulatoriais sedados com BZD, cita-se um período

292
Flumazenil

de 2 horas de observação para a detecção de sedação residual. Pacientes


sedados com flunitrazepam para anestesia locoregional e que receberam
0,4mg de flumazenil 15 minutos após apresentaram reversão significativa
da sedação por 30 minutos. Outras funções como hipotonia desapareceram
em 5 minutos, enquanto os efeitos do flunitrazepam, na orientação no tempo
/espaço e resposta colaborativa, foram totalmente revertidos por um período
de 4 horas19. O antagonismo das BZDs pelo flumazenil pode falhar nas
funções intelectuais mais complexas enquanto antagoniza mais efetivamente
a hipnose20.

- Efeito no sistema cardiovascular

O flumazenil não produz efeitos negativos nos parâmetros car-


diovasculares, apresentando boa tolerabilidade, quando aplicado sozinho ou
na reversão dos BZD. Em um estudo clínico com pacientes submetidos a
cateterismo cardíaco, sedados com diazepam (dose média 11,4 ± 4,4mg),
seguido de reversão com flumazenil (0,24 ± 0,1mg), não foram observadas
diferenças significativas na freqüência cardíaca, pressões sistêmicas e
pulmonares, pressão diastólica final de ventrículo esquerdo, índice cardíaco
e resistência vascular periférica21. A queda de 10 a 15 % da pressão arterial
freqüentemente encontrada nas sedações com midazolam são corrigidas
após o uso de flumazenil. Uma ligeira elevação dos parâmetros hemo-
dinâmicos pode ocorrer após o despertar, porém sem manifestar hipertensão
de rebote, podendo ser usado com segurança em pacientes com risco
cardiológico elevado22.
A avaliação dos efeitos hemodinâmicos do flumazenil, em pacientes
coronariopatas, foi obtida em experimento clínico onde a droga foi injetada
sem o uso prévio de BZD e comparada com placebo. Os autores concluíram
que o flumazenil, neste tipo de paciente, não é capaz de produzir instabilidade
hemodinâmica ou efeitos sedativos como os BZD, devendo ser usado com
cautela em pacientes que apresentem episódio agudo de isquemia
coronariana23.

- Efeitos no sistema respiratório

O flumazenil, ao contrário dos BZD, não deprime a respiração, não


sendo capaz de produzir apnéia. A capacidade de reverter a depressão
respiratória causada pelo BZD é conflitante em alguns estudos. As diferenças

293
Anestesia Venosa

obtidas em diversos estudos podem ter sido causadas pelas metodologias


empregadas ou pelo uso concomitante de opióides. Em um estudo clínico
duplo cego, com 60 pacientes, foram medidos a capacidade vital e o volume
expiratório forçado, antes da anestesia, com midazolam e, após a reversão,
com flumazenil ou placebo. A capacidade vital e o volume expiratório
forçado retornaram aos valores normais cinco minutos após a administração
do flumazenil mas mantiveram-se alterados no grupo placebo24. A reversão
da sedação não abole completamente a depressão respiratória. Em
pacientes críticos sedados em ventilação mecânica, o flumazenil
comprovadamente ajuda no desmame do respirador, tanto pela melhorara
do nível de consciência quanto pela ausência da depressão do reflexo da
tosse causado pelo BZD25.

- Efeitos no cérebro

O fluxo sangüíneo cerebral (FSC) e o consumo metabólico de oxigênio


pelo cérebro (CMRO2) não são alterados pelo flumazenil, em indivíduos
sadios. Ao contrário, em pacientes com trauma craniano, onde há instabilidade
da pressão intracraniana, o flumazenil não deve ser usado. Em um estudo
clínico com pacientes submetidos a craniotomia para ressecção tumoral , o
FSC e o CMRO2 foram medidos antes e após o uso do flumazenil 0,01mg/
kg. A anestesia foi realizada com midazolam, fentanil, óxido nitroso e
pancurônio. Os autores concluíram que o FSC e o CMRO2 não se alteraram
após o uso do flumazenil26. A pressão intracraniana (PIC) medida em
pacientes com trauma craniano e sedados com midazolam elevou-se após o
uso do flumazenil, somente nos casos em que a PIC já se encontrava instável
ou elevada antes do seu uso. O pico da elevação deu-se aos cinco minutos,
desaparecendo aos trinta minutos após a sua administração27. Nos casos
onde há perda do mecanismo de auto-regulação cerebral devido a lesão
tecidual por trauma ou compressão tumoral, com pressão intracraniana acima
de 20 mmHg, a reversão do BZD deve ser feita através da diminuição
gradual da sua dosagem, sem a utilização do flumazenil. O flumazenil reverte
as alterações na atividade elétrica espontânea cerebral produzidas pelo BZD.

- Pressão intraocular

O flumazenil não altera a pressão intra-ocular, mas reverte a sua


diminuição causada pelas BZD.

294
Flumazenil

V - Uso Clínico

De uma maneira geral, o flumazenil está indicado nas situações onde a


sedação induzida pelos BZD é muito profunda ou longa, devendo ser,
completamente ou transitoriamente, interrompida. A síntese dessa droga ampliou
a utilização clínica dos BZD tornando-a mais segura e previsível, principalmente
nos procedimentos de curta duração , como é o caso das cirurgias e
procedimentos diagnósticos ambulatoriais. O conceito de sedação midazolam-
flumazenil, duas drogas de efeito rápido e de curta duração, intensificou ainda
mais as sedações ambulatoriais, permitindo iniciar o procedimento com um
paciente não pre-medicado e oferecendo a possibilidade de alta precoce,
colaborando, assim, na diminuição dos custos hospitalares.
Outra área de aplicação do flumazenil é a unidade de tratamento
intensivo (UTI), onde um paciente mantido em sedação prolongada pode
ser acordado para desmame do respirador ou mesmo para uma avaliação
clínica. Cuidado é necessário ao acordar abruptamente pacientes com tubo
orotraqueal, pela resposta de stress que eles poderão desenvolver nessa
situação. Nesses casos, é necessário dispor de drogas sedativas que possam
ser usadas de emergência28.
Sobredose de BZD, intencionais ou não, constitui indicação para a
aplicação do flumazenil, quando ele pode, ao mesmo tempo, definir o
diagnóstico e oferecer uma “janela” para acesso à consciência do paciente
intoxicado. Nas intoxicações, a melhor resposta ao tratamento com flumazenil
ocorreu no uso isolado do BZD ou na sua associação ao álcool29, embora,
nessa associação, a reversão ocorra mais lentamente30. Efeitos adversos,
como agitação, ansiedade e convulsão, podem ocorrer após o uso do
flumazenil, principalmente nos casos de intoxicação dupla.
A dose do flumazenil para o tratamento das intoxicações é um pouco
maior, iniciando com 0,5 a 3 mg e seguida de repiques de 0,3 a 0,5mg. Doses
acima de 5 mg não são efetivas, devendo-se, nesses casos, reavaliar a droga
ou a causa da intoxicação.
Na encefalopatia hepática, o uso do flumazenil estaria baseado no
antagonismo ao aumento patológico de substâncias endógenas similares aos
BZD, que facilitariam o efeito inibitório do GABA, e o aumento de receptores.
Em um estudo de meta-análise, realizado com 641 pacientes cirróticos com
encefalopatia, houve comprovação da melhora clínica e eletroencefalográfica,
após o uso do flumazenil. O efeito porém parece ser temporário, faltando
ainda estudos sobre a sobrevida32.

295
Anestesia Venosa

Em crianças, o flumazenil pode ser usado com segurança. Em um


estudo clínico com 107 crianças na faixa etária média de 6 anos, o flumazenil
foi aplicado para a reversão de sedação com midazolam, para procedimen-
tos de curta duração. Os procedimentos constavam de endoscopia e bron-
coscopia, sob sedação com midazolam na dose de a 0,18 mg.kg-1. O
flumazenil era aplicado ao término do procedimento na dose inicial de
0,01mg.kg-1 (0,2 mg máximo) com 1 minuto de intervalo. A dose máxima
era de 0,05mg.kg-1 (1 mg máximo).
Resposta completa ou parcial à reversão foi obtida em 96% das crianças
submetidas ao tratamento. Efeitos adversos ocorreram em 35% dessas
crianças, não sendo eles atribuídos totalmente ao flumazenil. A maioria dos
efeitos adversos constou de choro excessivo, tonteira, náusea, febre e cefaléia.
Sedação residual foi observada em 7 pacientes entre 1 a 5 anos, que ocorreu
1 hora após a aplicação do flumazenil. Foi explicada pela utilização de doses
maiores dos BZD, porém sem afastar a possibilidade de diferença farma-
codinâmica do flumazenil nessa faixa etária. Alerta-se para a necessidade de
acompanhamento clínico até 2 horas após a reversão da sedação33. A variação
individual na resposta aos BZD é igual para o flumazenil, porém outras causas
de reversões incompletas devem ser lembradas.
Respostas parciais do flumazenil, em anestesia, podem ser causadas
pelo uso concomitante de opióides e agentes inalatórios. Fatores como edema
cerebral e distúrbios metabólicos devem ser considerados como contrários
ao despertar do paciente em UTI. Doses inadequadas do flumazenil, excesso
de BZD ou o tipo de efeito que se deseja reverter constituem fatores
predisponentes34.

VI - Efeitos Adversos e Complicações

Os efeitos adversos, após o uso de flumazenil, estão na faixa de 20%,


com incidência similar para os diversos tipos de aplicações. O efeito colateral
mais freqüente é a náusea (10,8%) que ocorre mais freqüentemente após o
uso do flumazenil em anestesia geral. Outros efeitos como tremores,
lacrimejamento, movimentos involuntários e ansiedade têm uma incidência
menor que 1%35. A baixa incidência de reações adversas enfatiza o alto
índice terapêutico dessa droga.
Crises convulsivas podem estar associadas à reverssão dos BZDs.
Os fatores predisponentes incluiriam intoxicações duplas com drogas
convulsivantes, principalmente os antidepressivos tricíclicos, história de crises

296
Flumazenil

convulsivas e o uso crônico de BZD para sedações. Quando usado em


anestesia, não é comum observar esse efeito colateral31. Inversamente, a
ligeira atividade agonista do flumazenil poderia exercer um mecanismo de
compensação, atenuando tanto os efeitos convulsivos quanto os efeitos
colaterais da reversão do BZD, de uma maneira geral.
O flumazenil pode desencadear uma síndrome de abstinência,
considerando-se pacientes de risco aqueles que fazem uso crônico do BZD
como sedativo ou no controle da epilepsia. A síndrome de abstinência ao
BZD é composta por disforia, sudorese, tremor, vômitos e ansiedade. Deve-
se usar o flumazenil com extrema cautela nesses pacientes36 .
Episódios de ansiedade que podem seguir a antagonismo das sedações
com BZD poderiam sugerir uma resposta de stress com aumento dos
neurohormônios adrenérgicos. Entretanto, estudos clínicos não comprovaram
tal hipótese37-38, fato que aprova o uso do flumazenil em pacientes sa-
bidamente cardiopatas.
A re-sedação ou sedação residual é definida como um declínio no
estado de alerta máximo alcançado com o flumazenil. Significa que a droga
reversora deixou de ocupar o receptor, cedendo lugar ao agonista. Con-
siderando-se que o flumazenil é uma droga de curta duração, face aos BZD,
as sedações residuais devem ser portanto, consideradas. Sedação residual
profunda, onde a depressão da consciência retorna aos níveis iniciais, foi
observada em 1 a 3% dos pacientes anestesiados. Ela ocorre com maior
freqüência no tratamento da sobredose de BZD (65%)34.

VII - Conclusão

O flumazenil é uma droga que antagoniza com segurança os efeitos


dos benzodiazepínicos. Seu uso possibilitou a aplicação mais ampla das drogas
BZD. O conhecimento da sua farmacologia, assim como a do BZD, drogas
intimamente relacionadas, possibilita o manuseio correto para a obtenção de
seus efeitos desejáveis e o cuidado com os escassos, porém importantes
efeitos colaterais e reações adversas.

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300
Naloxona

Naloxona
Paulo de Assis Melo*

1 - Introdução e Propriedades Químicas

O termo opiáceo ou opióide se aplica a qualquer substância, seja


endógena, natural ou sintética, que reproduz os efeitos da administração de
morfina e esses efeitos são antagonizados pela naloxona. O entendimento
mais recente dos mecanismos de ação dos opiáceos, sejam eles naturais ou
sintéticos, foi enormemente impulsionado pelo desenvolvimento de molécu-
las sintéticas capazes de antagonizar seu efeito. Entre elas estão os antago-
nistas opióides chamados de antagonistas opióides puros, que são derivados
sintéticos da morfina, a saber, a naloxona, a naltrexona e a nalmefene. Fo-
ram e são importantes ferramentas no desenvolvimento dos conhecimentos
farmacológicos dos opiáceos naturais e sintéticos, bem como no estudo da
fisiopatologia da dor. O uso da naloxona, na prática da anestesia clínica,
mostrou ser ferramenta valiosa, oferecendo segurança, nos cuidados de
pacientes que recebem doses elevadas de morfina ou mesmo outros opiáceos
sintéticos, muitas vezes mais potentes que a morfina. Neste capítulo abor-
daremos as principais propriedades e características da naloxona. Ela é um
derivado sintético da morfina e sua molécula possui um núcleo fenantrênico
com pequenas alterações químicas que a faz muito semelhante à molécula

* Professor Adjunto do Departamento de Farmacologia Básica e Clínica, ICB, CCS, UFRJ, –


Médico do Hospital Orêncio de Freitas, SUS, Niterói, RJ

301
Anestesia Venosa

do alcalóide natural (ver figura 1). Assim como a naloxona, os antagonistas


sintéticos, a saber, naltrexona e a nalmefene, têm também características
químicas semelhantes à naloxona e à morfina.

Figura 1 – Estrutura química da morfina e da naloxona

Morfina Naloxona

2 - Mecanismo de Ação e Farmacodinâmica

A naloxona possui afinidade pelos mesmos receptores da morfina,


que são mu, kappa e delta. Esses receptores estão acoplados às proteínas
G nas membranas celulares dos órgãos alvos dos opióides, nos diferentes
tecidos. Quando ativados pelos agonistas, desencadeiam várias reações,
em nível intracelular, que afetam canais iônicos, a fosforilação de proteínas
e passos e processos ainda pouco compreendidos. Essa ativação leva ao
aparecimento do efeito biológico nos diferentes níveis do Sistema Nervoso
Central (SNC), seja dos mecanismos de ação analgésica ou de seus efeitos
no centro do vômito da respiração e outras áreas. Assim como a morfina, a
naloxona tem a mesma afinidade pelos receptores opióides, sendo, no en-
tanto, desprovida de atividade intrínseca ou eficácia. Em razão dessa pro-
priedade, este antagonista é chamado de antagonista opióide puro. Ao se
ligar ao receptor, a molécula da naloxona ocupa o receptor ou desloca o
agonista opióide de seu sítio, impedindo o aparecimento de seu efeito, sem,
no entanto, ativar os mecanismos celulares que decorrem da ligação de um
agonista opióide nesse receptor. Quando administrada na ausência de um
agonista, ou sem o paciente estar ativando o seu sistema analgésico central
ou estar recebendo algum opióide, a naloxona é praticamente inerte. Há
estudos experimentais sugerindo que ela possa afetar o processo de aquisi-
ção e desaparecimento da memória recente, em pacientes que não recebe-

302
Naloxona

ram morfina2. Nestes pacientes que receberam previamente morfina ou


outros opióides, a administração intravenosa desse antagonista irá reverter
de forma dramática, os seus efeitos dentro de 2 a 3 minutos. Nos pacientes
deprimidos, por terem sido tratados com doses elevadas de opióides, a ad-
ministração de naloxona irá restaurar a respiração, dilatar as pupilas que
estavam mióticas, restabelecer a motilidade intestinal e também recuperar o
nível de consciência. Nos indivíduos que têm seu comportamento normal
dependente de receberem diariamente opióides, à administração de naloxona
ou outro antagonista puro, aparecerá um quadro de agitação e a síndrome
de abstinência. A administração crônica de naloxona, mesmo em doses ele-
vadas, não parece induzir ou precipitar o aparecimento de tolerância ou
síndrome de abstinência, após a interrupção da administração.

3 - Farmacocinética e Uso Clínico

A naloxona deve ser administrada por via intravenosa e seu efeito


aparece dentro de 1 e 2 minutos. Na dose de 0.4 mg, esse efeito terá
duração de 60 a até 120 minutos. Devido a sua alta taxa de biotransformação
hepática, faz-se necessária a administração de doses repetidas para se re-
verter o efeito depressor dos opióides previamente administrados. Reco-
menda-se infusão de 3 a 10 microgramas.kg-1.min-1 e incrementos progres-
sivos, com injeções de 20 a 40 microgramas, até se recuperar completa-
mente a capacidade de ventilação. A vantagem oferecida por essa forma
de administração é a de se restabelecer funções vitais, sem se fazer desa-
parecer o efeito analgésico do opióide. Doses acima de 0.8 mg poderão ter
maior duração de efeito até 4 horas. Usando-se doses mais elevadas, em
muitos pacientes, mesmo tomando esses cuidados, recupera-se satisfatoria-
mente a ventilação, porém sem analgesia. Se administrada por via oral a
naloxona não apresenta efeito terapêutico, enquanto seu análogo – a
naltrexona – é melhor empregada por esta via.
O principal uso da naloxona é na reversão do efeito associado aos
agonistas endógenos (endorfinas e encefalinas) ou às substâncias opióides
exógenas administradas. Ela é primariamente indicada para o tratamento de
doses elevadas de opióides. A naloxona, em doses elevadas, reverte dra-
maticamente a depressão causada por “overdose” de heroína. Em baixas
doses reverte os efeitos colaterais da administração epidural de opióides,
sem fazer desaparecer os efeitos analgésicos. Há trabalhos na literatura
demonstrando o uso da naloxona, no tratamento da obesidade, na constipa-

303
Anestesia Venosa

ção intestinal, pelo uso crônico de alcalóides do ópio (tintura de ópio, morfi-
na, codeína). Nas últimas décadas se demonstrou que a naloxona pode ser
usada na reversão do choque séptico e da isquemia cerebral, no entanto,
esses usos precisam ser confirmados em estudos mais aprofundados.

4 - Interações e Efeitos Colaterais

A naloxona antagoniza o efeito anti-hipertensivo da clonidina. Ela


precipita sintomas da síndrome de abstinência, nos pacientes dependentes
de opióides. Nos pacientes anestesiados, a reversão abrupta, pela adminis-
tração de doses elevadas de naloxona, produz desaparecimento da analgesia,
taquicardia, hipertensão arterial e arritmias. Nesses casos, se a elevação
de pressão arterial e os distúrbios do ritmo cardíaco forem acentuados, pode
ocorrer edema agudo de pulmão.

Tabela I – Propriedades e Dados de Interesse da Naloxona


Indicações Reversão dos efeitos sistêmicos dos opióides
Doses no Adulto 0,04 - 0,4 mg em injeções fracionadas IV a cada 3-4 min.
-1
Doses Pediátricas: Injeções IV de 1 a 10 microgramas.kg aumentando
as funções a cada 2-3 min, até se atingir 0,4 mg
Latência e Duração De curta latência e duração de 20 a 60 min que é dose dependente
Eliminação Cerca de 95% da substância sofre biotransformação
hepática e têm eliminação renal
Uso Clínico Reversão do efeito de opióides em anestesia
Tratamento da Intoxicação aguda (overdose) e
crônica pelos opióides

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Pharmacology. Philadelphia, J.B. Lippincott Company, 133-142, 1992.
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Naloxona

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Norwalk, Appleton & Lange, 512-531, 2001

305
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

Farmacocinética,
Farmacodinâmica e
Equipamentos
Fernando Squeff Nora*
Marcos Aguzzoli**

“ No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade


Quando uma coisa tem um preço, pode-se por, ao invés dela,
qualquer outra como equivalente,
Mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto,
não permite equivalente, então ela tem DIGNIDADE ”

I. Kant - 1785

Histórico

A síntese do tiopental, em 1934, representou um marco da anestesia


venosa que, após esse evento, passou por diversas etapas. A despeito das
características farmacocinéticas do tiopental e de outros fármacos venosos
sintetizados a partir de então, poucos eram os conhecimentos a respeito das
vias e sistemas de administração, sistemas de administração, biodisponi-
bilidade, início e término de ação, metabolismo e excreção das drogas
venosas.

* Presidente da Sociedade de Anestesiologia do RS/SARGS


** Diretor Social e de Marketing da Sociedade de Anestesiologia do RS/SARGS

307
Anestesia Venosa

Várias drogas venosas foram sintetizadas desde então, mas a síntese


do propofol, em 1977, e o início da sua difusão e administração no Brasil,
por volta de 1990 alteraram de vez a história da anestesia venosa em nosso
país e no mundo. Até então as drogas venosas eram administradas e o
efeito era apenas observado. Pouco se sabia sobre como interferir no
desfecho farmacodinâmico ocasionado por uma droga uma vez administrada.
Foram então descritos conceitos farmacocinéticos importantes e o correto
entendimento do comportamento das drogas no corpo humano começou a
ser delineado. O conceito de meia vida contexto dependente, descrito por
Hugues em 1992, determinou o entendimento do término de ação das drogas
venosas utilizadas em infusão contínua. Isto fez com que a anestesia venosa
total fosse incrementada e os problemas farmacocinéticos do propofol e,
mais tarde, de outras drogas, começassem a ser minimizados.
A anestesia venosa total foi impulsionada de forma mais rápida a
partir de 1994 com o auxílio de novas drogas e do conhecimento acerca do
comportamento farmacocinético e farmacodinâmico dessas drogas. Por
volta de 1996 começaram a surgir relatos sobre as vantagens da utilização
em infusão contínua das drogas venosas quando comparadas às infusões
intermitentes em bolus.
À medida que o organismo humano começou a ser compreendido
como um ou mais compartimentos nos quais as drogas são administradas,
surgiram diversas descrições de como as drogas se comportavam dentro
desses compartimentos. Surgia a definição de concentração exemplificada
pela fórmula:

Dose administrada / Volume do compartimento

Figura 1

308
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

Para a melhor compreensão da fórmula acima, basta se imaginar um


copo de água e um Sonrisal®. Quando este é diluído dentro de meio copo de
água, o número de partículas dele para cada ml de água será maior que a
mesma quantidade ou dose em um copo de água cheio. A quantidade de
Sonrisal® é o que denominamos de dose. O número de partículas resultantes,
por ml de água, diluídas dentro do copo, é chamado de concentração. O
copo de água é o análogo do volume do compartimento, ou seja, o volume
que dilui a droga que foi administrada.
De acordo com esses fundamentos básicos, vários sistemas compu-
tadorizados de administração de drogas venosas têm sido descritos.

Conceitos

Anestesia venosa total: Modo de anestesia onde somente drogas


venosas são utilizadas. Pode ser realizada com auxílio de sistemas de infusão
de drogas ou em bolus. A administração em bolus pode ser única ou de
forma repetida, intermitentemente, de acordo com as necessidades clínicas
do procedimento. Sistemas de infusão contínuos foram desenvolvidos e,
para auxiliar na administração das drogas venosas, foram criadas bombas
de infusão. As bombas de infusão podem ser manuais – quando a bomba
administra drogas, tomando como base o peso do paciente previamente
informado e da dose desejada que foi informada. Algumas bombas manuais
calculam apenas a vazão desejada em ml.h-1 ou em ml.min-1. Nesse caso, o
cálculo deve ser feito pelo anestesiologista, de acordo com a diluição da
droga utilizada. O sistema mais moderno de infusão contínua de drogas
venosas chama-se Infusão Alvo Controlada. Trata-se do uso de bombas de
infusão monitorizadas por sistemas computadorizados onde, em vez de se
determinar a dose a ser administrada, informa-se a concentração plasmática
desejada. A bomba de infusão, através de cálculos matemáticos e de alguns
aspectos demográficos do paciente, previamente informados, calcula uma
taxa de infusão da droga suficiente para manter a concentração plasmática
desejada. Alvo de muitas críticas, esses sistemas estão disponíveis no mundo,
para diversas drogas, com os mais variados índices de performance de
erro. As maiores críticas a esses sistemas referem-se à variabilidade far-
macocinética e interpessoal das drogas venosas e dos sistemas de
gerenciamento incorporados nas bombas – Os chamados “Modelos Far-
macocinéticos”.

309
Anestesia Venosa

O conceito de administração de drogas venosas com infusão alvo


controlada segue esses fundamentos. No Brasil, o único sistema de infusão
alvo controlado disponível é o de propofol, onde bombas de infusão compu-
tadorizadas especificamente equipadas com o modelo farmacocinético do
propofol administram a droga, a fim de se obter uma concentração plas-
mática desejada e previamente determinada. Já estão disponíveis sistemas
de infusão alvo-controlados para o sufentanil, remifentanil e propofol, com
variáveis farmacocinéticas diferentes do modelo de Marsh descrito para o
modelo que dispomos no país.
Para que o funcionamento e as funções básicas dessas bombas sejam
adequadamente compreendidos, faz-se necessário o conhecimento de alguns
conceitos farmacológicos básicos.

Conceitos Farmacológicos Relevantes

Quando uma droga é administrada através de uma veia periférica,


em uma determinada dose em mg.kg-1 ou em µg.kg-1, obtemos um efeito
que será maior ou menor, de acordo com o volume que vai diluir essa droga,
entre outras variáveis, pois este determinará uma concentração resultante.
É fácil imaginar então que:
Um determinado efeito desejado ou indesejado depende muito mais
da concentração final que foi gerada do que da dose inicial administrada.

Figura 2

Formas de administração de drogas

Administração Venosa Concentração


• Bolus µg.ml-1 ou ng.ml-1
− µcg.kg -1

− mg.kg-1
• Infusão Contínua Efeito
Biofase
− µg.kg-1.min-1
− mg.kg-1.h-1

310
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

De acordo com a figura 2, quando uma droga é administrada, ela gera


uma concentração em determinado período de tempo, determinando um efeito.
Quando uma droga é administrada em bolus ela gera, inicialmente, uma
concentração elevada que sobe rapidamente; segue-se um período em que
ela decai rapidamente, momento no qual ela se mantém em concentrações
plasmáticas adequadas ao efeito desejado. Momentos após, a concentração
começa a declinar até alcançar concentrações plasmáticas sub-clínicas.
Clinicamente, o início de ação é rápido e o término da ação ocorre
principalmente pela redistribuição da droga para compartimentos corporais
que não exercem sua ação primária. Por exemplo, o propofol, administrado
em bolus na dose de 2,5 mg.kg-1, atinge uma concentração plasmática 5
vezes maior que a necessária para induzir hipnose em um paciente adulto.
Seu início de ação é rápido e o término de sua ação ocorre à medida que o
propofol começa a ser redistribuído para outros locais, fato que é responsável
pela diminuição da concentração inicial dentro do receptor GABA e sinais
clínicos de despertar. O metabolismo se encarregará de manter a concentração
plasmática de propofol em níveis sub-clínicos. Da mesma forma que a hipnose
ocorre rapidamente, os efeitos colaterais também aparecem por causa da
sobredose inicial a que o paciente é submetido.
Quando a droga é administrada em infusão contínua, como observamos
também na figura 1, obtemos uma concentração plasmática constante, pois,
à medida que a droga está se redistribuindo e sendo metabolizada, nova oferta
de droga está sendo realizada, mantendo-se, dessa forma, a concentração
plasmática determinada e dentro de parâmetros clínicos. (figura 3).

Conceitos farmacológicos relevantes:

1) Volume de distribuição: São considerados 3 volumes básicos


para efeito de cálculo. Volume de distribuição no compartimento
central e dois volumes para segundo e terceiros compartimentos.
O volume do compartimento central é utilizado para o cálculo da
dose inicial em bolus e os demais para os cálculos das doses de
manutenção.
A dose de indução é calculada pela fórmula que segue:
Dose=Vdss x Cp desejada, sendo: Vdss: Volume de distribuição
do propofol no pico de equilíbrio e Cp desejada: Concentração
plasmática desejada, ou seja, aquela que é escolhida pelo
anestesiologista.
311
Anestesia Venosa

Figura 3 – Simulação das concentrações plasmáticas (linha vermelha) e


no local efetor(linha verde) geradas a partir de uma dose, em bolus de
propofol, de 2.5 mg.kg-1, em um paciente adulto. A concentração
plasmática gerada após o bolus, chega a 11µg.ml-1. A concentração no
local efetor chega a 4 µg.ml-1. Concentrações plasmáticas em torno de
3-4 µg.ml-1 têm sido relacionadas com BIS de 50-60, indicando hipnose
que varia de moderada a profunda com essas concentrações.

2) Ke0: Variável que determina a velocidade na qual um fármaco


é transferido do plasma para o compartimento de ação. Com
base nessa variável, a bomba pode calcular quanto tempo deverá
transcorrer para que a concentração plasmática seja a mesma
da concentração no local de ação.
3) Histerese: É o conceito farmacológico que diz: o equilíbrio entre
a concentração plasmática e a concentração dentro do local de
ação é dado pela fórmula: T1/2Ke0 x 4,32. Sendo T1/2 Ke0 o
tempo para o propofol alcançar metade da concentração que
está sendo mantida no plasma, dentro do compartimento de ação.
Assim, se multiplicarmos esse tempo por 4,32, obteremos o tempo
para que as concentrações plasmáticas e no local de ação se
igualem. A bomba de propofol alvo-controlada incorpora em seu
sistema o modelo descrito por Marsh, que determina um T1/
2Ke0 de 2,6 minutos. Dessa forma, o tempo para que o propofol
alcance a mesma concentração no compartimento plasmático e

312
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

no local de ação estará sempre em torno de 10 a 12 minutos. Se


o valor do Ke0 descrito pelo modelo for diferente, o tempo de
pico de ação é alterado.
4) Coeficientes de velocidade de trocas entre os demais
compartimentos (K12,K21,etc): Dessa forma, a bomba pode
calcular as velocidades e os tempos de fluxos de trocas entre
um compartimento e outro. Com bases nessas constantes e no
clearance de metabolismo das drogas, é possível determinar qual
o regime de manutenção de infusão que deve ser adotado, a fim
de manter a concentração que o anestesiologista determinou para
o compartimento central. Com bases nessas variáveis, a bomba
pode calcular a velocidade de distribuição do fármaco, para os
demais compartimentos, calculando, dessa forma, como manter
a concentração plasmática constante. Da mesma forma, com
ajuda do clearance do fármaco, pode-se calcular o tempo de
despertar, associando-se esse valor a equações exponenciais
complicadas que não poderiam ser realizadas pelo homem, de
forma contínua.
5) Clearances: Através dessas variáveis, a bomba pode calcular
os coeficientes de saída da droga de cada compartimento e de
metabolismo, utilizando mais algumas equações exponenciais.
Quando injetamos um fármaco intravenoso, o fazemos
dentro do primeiro compartimento ou compartimento central
e é nesse local que está contido o compartimento do local de
ação das drogas ou compartimento de efeito. Portanto, para
que ocorra o início de ação, com possibilidade de observação
clínica do efeito das drogas, faz-se necessário que a droga
abandone o compartimento central e penetre no local de ação.
Quando a droga em estudo é um hipnótico como o propofol, o
receptor GABA é o seu local de ação. Quando for um opióide,
os receptores opióides espalhados pelo sistema nervoso central
e periférico são os locais de ação. O terceiro compartimento
é o responsável pelo acúmulo das drogas com posterior
liberação destas para o plasma, portanto, o desenvolvimento
de um sistema de administração de drogas, que tenha em sua
programação a depuração da droga deste e de outros
compartimentos, facilita o manejo clínico dos pacientes durante
a fase de recuperação.

313
Anestesia Venosa

6) Meia-vida Contexto Dependente: Essa é a variável farma-


cocinética mais importante, quando drogas intravenosas são
estudadas em infusão contínua. Seu conceito é: tempo para que a
concentração plasmática de uma droga diminua em 50%, a partir
do momento em que a infusão é interrompida. Na prática, quando
realizamos uma infusão de 1 hora de duração com propofol, com
um regime de infusão que manteve uma concentração plasmática
de 4µg.ml-1, devemos esperar em torno de 20 minutos para que a
concentração diminua para 2µg.ml-1 a partir do momento em que
interrompemos completamente a infusão do propofol. Assim, a
meia vida sensível ao contexto, para o propofol, é de 20minutos.
Diferente do conceito de meia-vida, que utiliza em seu cálculo
apenas a variável beta (meia-vida de eliminação), a meia-vida
sensível ao contexto utiliza, em seu cálculo, 3 variáveis: Beta, Pi e
alfa. Portanto, correlaciona-se melhor com o que se observa na
prática clínica, pois calcula meias-vidas de distribuição e de
eliminação. Ver na figura 4 uma ilustração das meias-vidas contexto
dependentes de remifentanil e alfentanil.

Figura 4

314
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

A figura 4 ilustra o tempo em que ocorre a queda das concentrações


plasmáticas(linha vermelha) e no local efetor(linha verde) de alfentanil e
remifentanil para a metade daquelas as quais eles vinham sendo mantidos, durante
infusões de 60 minutos, a partir do momento em que estas são interrompidas.

Farmacocinética Aplicada à Anestesia Venosa

Talvez em nenhuma outra especialidade seja tão importante o


conhecimento farmacocinético como em anestesia, principalmente pela
mudança a nós propiciada nos últimos anos, com o advento de novos
monitores e drogas de ação ultracurta. O adequado conhecimento da droga
irá beneficiar o paciente quanto ao resultado que desejamos obter,
antecedendo o que irá ocorrer.
Com o aumento significativo do número de cirurgias ambulatoriais
nos últimos anos, bem como a minimização do trauma cirúrgico, com o
advento das cirurgias minimamente invasivas, tornou-se necessário termos
alternativas para proporcionar resultados ao nosso paciente. Talvez em busca
do que chamamos de qualidade total, podemos pensar que a anestesia
moderna esteja baseada em três fundamentos:

Preditividade
Controle
Segurança

É necessário que sejamos íntimos do comportamento da droga que


estamos administrando em nosso paciente, a fim de que possamos obter as
metas acima mencionadas. O comportamento farmacocinético de uma droga
pode mudar profundamente, se fizermos uma infusão contínua da droga em
vez de dar uma dose de bolus apenas. Um exemplo clássico disso pode ser
dado por um opióide como o alfentanil, pois, apesar de ser um opióide de ação
curta, ao ser colocado em infusão contínua, sua eliminação poderá ser muito
retardada, tanto que o sufentanil, em doses equipotentes, será eliminado antes,
se compararmos infusões de até seis horas de duração.
Pensando em infusão contínua, como deve ser a “identidade” de
uma droga?
O ideal é que a droga consiga se ligar rapidamente ao sítio de efeito,
acumular pouco no organismo e, além disso, ter uma eliminação muito rápida.
Pensando nessas características, vamos começar a rever alguns conceitos

315
Anestesia Venosa

importantes de farmacocinética e, principalmente, correlacionar esses


conceitos à infusão contínua.
Sabemos que, ao injetar uma droga em nosso organismo, ela será
diluída em um volume de distribuição que pode variar de forma muito
importante conforme idade, peso, sexo e outras características pertinentes
a cada paciente. Se injetarmos apenas uma dose de bolus em nosso paciente,
o que irá acontecer é que um pico plasmático será gerado, após isso se
seguirá uma fase de decréscimo rápido da droga e uma fase de decréscimo
lento, com posterior eliminação desse agente terapêutico. O que difere, ao
colocarmos a droga em infusão contínua, e por que opióides como o alfentanil
mudam tanto suas características em função da infusão?
Toda a infusão contínua moderna se baseia não somente na dose de
bolus, mas sim, no modelo do algoritmo BET (Bolus + Eliminação + Trans-
ferência) proposto por Kruger-Tiemer, de que existe, além da eliminação da
droga, transferência entre os diversos compartimentos do organismos. Esse
algoritmo é aplicado em conjunto com o modelo aberto de três compartimentos,
que prevê que em nosso organismo existam tecidos de rica, média e pobre
vascularização. Um vez que tomamos conhecimento desses compartimentos
diversos que existem em nossa economia, é fácil imaginar que exista uma
troca dinâmica entre esses compartimentos, de tal forma que, após um certo
tempo, irá ocorrer um equilíbrio entre o que o organismo está recebendo no
primeiro compartimento, o que está mandando para o órgão efetor, como está
distribuindo para o segundo e terceiro compartimentos e o que está eliminando.

Figura 5

316
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

No esquema representado acima, podemos notar que existem


constantes de velocidades para movimentação entre os compartimentos.
Então, chamamos de Ke0 a velocidade com que uma droga se movimenta
em direção ao órgão efetor, assim como K10, a velocidade de eliminação
da droga. As outras constantes K12, K21, K13e K31 são as velocidades de
movimentação das drogas em uma direção ou outra entre os compartimentos.
Cada droga possui características distintas de movimentação. Além dessas
características, também é importante lembrar que cada droga tem a
capacidade de ser eliminada pelo organismo determinada por seu clearence.
Desse modo, podemos então determinar que a identidade da droga, para
melhor conveniência farmacológica em termos de infusão contínua, é dada
por:
T1/2 Ke0 baixo, pois, mais rapidamente se liga ao sítio efetor;
Volume de distribuição no terceiro compartimento baixo, pois,
dessa maneira, a droga não irá se acumular no organismo e assim terá
rápida eliminação;
Clearance alto, pois, dessa maneira, será eliminada rapidamente,
uma vez que volte ao compartimento central.
Usando novamente os opióides como objeto para exemplificar o que
acabamos de definir, iremos comparar as características farmacocinéticas
dos opíóides disponíveis.

Opióide Vd3 (l)* Clearance (l.h-1) t1/2 Keo (min)


Alfentanil 10,48 21,36 1,1
Fentanil 275,6 36,4 5,8
Sufentanil 88,3 61,3 5,8
Remifentanil 5,4 156,3 1,1
*Vd3 = volume de distribuição no terceiro compartimento

Esta comparação nos mostra por que uma droga tem características
melhores para infusão. Se a droga acumula pouco, elimina rápido e se liga
muito rapidamente ao sítio efetor, ela terá a capacidade de ter um pico de
ação rápido, além de ser eliminada rapidamente, e isto confere um perfil
muito bom para a infusão contínua.
Conforme a tabela de características farmacocinéticas dos opíóides
acima, podemos verificar que o alfentanil, apesar de ter uma velocidade de
ligação ao sítio efetor igual ao do remifentanil, o seu volume de distribuição
no terceiro compartimento é maior e o seu clearance é exponencialmente
317
Anestesia Venosa

menor, portanto, ele terá ligação rápida, acumulará pouco, mas sua eliminação
é muito ruim, em termos de infusão contínua. Isto também torna o sufentanil
uma droga para infusão, apesar de ser um opióide de ação intermediária,
ter características de eliminação melhores que o alfentanil, pois, apesar do
seu t1/2 Ke0 e seu Vd3 serem maiores, o seu clearance é praticamente
três vezes maior que o do alfentanil.
Em termos práticos, conhecer a droga é muito importante, pois
verificamos que muitas vezes a pressa em realizar a laringoscopia nos levará
a ter uma resposta autonômica muito intensa, uma vez que a resposta de
proteção que procuramos ainda não pode ser gerada, pois o pico de ação do
opióide ainda não foi atingido. Dessa forma, podemos concluir que, para
realizar uma manobra de intubação rápida, pelas características
farmacocinéticas, o alfentanil e o remifentanil são indicados para prevenir
uma resposta hemodinâmica intensa.
Saber trabalhar com a droga correta, no momento oportuno, é que
vai nos levar a atingir a janela terapêutica, que é aproveitar o máximo de
efeito que a droga pode nos dar, em combinação com o mínimo de efeitos
deletérios. A janela terapêutica também pode ser descrita para a interação
medicamentosa, pois, quando colocamos drogas como propofol e um opióide,
podemos atingir o nosso objetivo de uma anestesia adequada, com uma
dose um pouco maior de uma ou outra droga, mas a correta correlação nos
dará o melhor resultado. Veja a figura abaixo:

Figura 6
Concentração remifentanil (ng.ml-1)

µg.ml-1)
Concentração propofol (µ

318
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

Reparem que a melhor relação de tempo de despertar está no correto


vínculo de dose entre o opióide e o hipnótico, pois maiores doses de um ou
de outro irão prolongar o tempo de despertar, apesar de estarmos trabalhando
dentro de limites terapêuticos.
É muito importante lembrar que, quando pensamos em infusão
contínua de drogas, não devemos pensar apenas em dose de bolus para
calcular o tempo de decréscimo da droga, pois, como vimos, existem várias
condições farmacocinéticas que irão culminar para que a droga elimine
mais rápida ou mais lentamente. O correto conceito para a infusão contínua
é o tempo de meia-vida-contexto-dependente. Esse conceito, em
conjunto, com as características farmacocinéticas, nos mostram que,
comparando doses equipotentes de opióides como alfentanil (150 ng/ml) e
remifentanil (6 ng/ml), conforme podemos visualizar na figura 4, ocorrerão
tempos de decréscimo extremamente diferentes após o término de sua
infusão. Podemos notar que o pico de ação e a histerese da droga são muito
semelhantes, mas, se compararmos agora o t1/2 contexto-dependente das
duas, veremos a grande diferença em termos de infusão.
O conceito de dose de bolus vale, portanto, para correlacionarmos
com t1/2 de eliminação, e infusão contínua deve ser correlacionada com t1/
2 contexto-dependente.

Desvendando o que é um Modelo Farmacocinético

Modelo farmacocinético é a descrição das características farma-


cocinéticas ou dos atributos farmacocinéticos de um fármaco. Nada mais é
do que a descrição dos tempos de trocas entre cada compartimento corporal,
taxas de metabolismo e de entrada e depuração de cada um desses
compartimentos. Pode ser descrito de acordo com uma variável farma-
cocinética que esteja intimamente relacionada a um desfecho clínico. Por
exemplo, Ke0 e início de ação. Através dessas características são apresentados
os padrões de comportamento de um fármaco no corpo humano. Esses
modelos passaram, ao longo dos últimos anos, por uma estruturação profunda
a partir da qual, regras para a determinação de um modelo devem ser seguidas.
Há critérios definidos para que um modelo farmacocinético seja válido. São
eles:
1) Critérios para a seleção do modelo farmacocinético;
2) Critérios para a definição da população de pacientes;
3) Critérios para a definição de um modelo de sítio de efeito;

319
Anestesia Venosa

4) Critérios para a seleção da concentração alvo;


5) Critérios para a seleção do tempo para alcançar a concentração alvo;
6) Critérios para a seleção da concentração de despertar.
O modelo precisa ainda ser descrito em uma revista especializada e
reconhecida no meio médico

Critérios para Seleção do Modelo Farmacocinético

1. O comportamento farmacocinético da droga deve ser linear com


a faixa terapêutica definida por doses que foram aprovadas para
uso terapêutico;
2. O modelo, adaptado para representar uma amostra da população
(adulto ou pediátrica), deve ser publicado em uma revista
reconhecida no meio;
3. Idealmente, o modelo deve surgir de estudos que representem a
população de forma caracterizada (idade, peso,sexo, altura, índice
de massa);
4. O modelo deve ser validado para estudos específicos de infusão
venosa contínua, com índices de performance aceitáveis
(Bias<30%), mostrando elementos objetivos para a manutenção
de determinado alvo.

Critérios para Definição da População de Pacientes

1. Características dos pacientes (idade, peso, índice de massa, altura,


sexo);
2. Forma de comportamento da infusão com insuficiências hepática,
renal e cardíaca;
3. Fatores associados: Pré-medicação, drogas administradas em
conjunto, tratamentos paralelos que possam interferir (opióides,
inibidores ou aceleradores enzimáticos);
4. Tipo de aplicabilidade da droga anestésica: determinar a duração
de infusão permitida e uso, ou não, em sedação e UTI.

Critérios para Definição de um Modelo de Sítio de Efeito

1. ke0 deve ser validado SIMULTANEAMENTE com o


correspondente modelo farmacocinético;

320
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

2. Ke0 pode ser determinado a partir de um efeito farmacodinâmico


mensurável de uma droga anestésica como a resposta eletroen-
cefalográfica cortical (índice bispectral, frequência média, potencial
evocado, etc);
3. O modelo farmacocinético e farmacodinâmico que contêm um valor
de Ke0 deve ser validado em estudos realizados com infusão
contínua e nas populações de pacientes nas quais os modelos estão
sendo testados.

Critérios para Seleção das Concentrações Alvo

As faixas das taxas de concentrações utilizadas são estabelecidas


através de estudos feitos em vários campos da anestesia:
1. Anestesia mais profunda ou mais superficial, sedação com
ventilação espontânea ou controlada;
2. Tipo de paciente: jovem, idoso, debilitado...;
3. Tipo de cirurgia: variabilidade de estímulos cirúrgicos;
4. Momento da cirurgia: incisão, intubação, fechamento da pele,
manutenção, esternotomia, tração peritoneal...;
5. Interação medicamentosa: pré-anestésicos, sedativos e outros
hipnóticos, opióides, agentes inalatórios.

Critérios para Seleção do Tempo para Alcançar a Concentração Alvo

O tempo necessário para obter a concentração alvo desejada


pode ser escolhido de acordo com:
1. Tipo de paciente: o alcance da concentração alvo deve poder ser
controlada para que possa ser obtida mais lentamente nos pacientes
idosos ou debilitados;
2. Droga utilizada: por exemplo, o remifentanil(tem Ke0 alto), que
tem um rápido início de ação, cujo tempo destedeve poder ser
alterado, a fim de se evitar rigidez de tórax, etc...

Critérios para Seleção da Concentração de Despertar

A concentração de despertar deve ser regulada na bomba, de acordo


com valores obtidos pela média populacional dos trabalhos publicados,
levando-se em conta a interação farmacológica utilizada em cada um.

321
Anestesia Venosa

Assim, deve ser possível alterar esse valor nas bombas, de acordo
com o comportamento de cada paciente

Administração das Drogas

Existem basicamente duas maneiras de administrar uma droga


intravenosa em nosso organismo:
Bolus (individual ou intermitente);
Infusão contínua (manual ou alvo controlada).
A figura abaixo mostra as diferentes maneiras de realizarmos
infusão intravenosa, correlacionada com dose e janela terapêutica de
uma droga.
Figura 7

Podemos notar que o pico plasmático gerado pela droga em bolus na


representação acima, foi muito alto, em relação à janela terapêutica, já, nos
bolus intermitentes, conforme damos doses subseqüentes, ocorre tendência
de acúmulo, além de gerar picos plasmáticos subseqüentes cada vez maiores,
o que acarretará problemas de eliminação.
A infusão contínua privilegia picos plasmáticos menores e constância,
em relação à janela terapêutica, o que facilitará a eliminação dessa droga,
uma vez que sua infusão for interrompida. Podemos notar a correta posição
da droga em relação ao efeito desejado, não ultrapassando o limite superior

322
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

(dose eficaz 95) da janela terapêutica, o que nos ajuda a diminuir os efeitos
indesejados uma vez que, ultrapassando esses limites, a possibilidade de
surgirem para-efeitos é tanto maior quanto mais droga se acumula no
organismo.

Bombas de Infusão

Temos dois modos de realizar uma infusão de drogas através de


bombas:

Manual

Infusão manual é todo o tipo de infusão em que se usam dispositivos


do tipo bombas infusoras, que não sejam providas de modelo farmacocinético
incorporado. Não se deve confundir, portanto, infusão manual com dose de
bolus com uma medicação.

Alvo controlada

É uma bomba de infusão que possui um modelo farmacocinético


incorporado, para a infusão de uma droga. Esse modelo farmacocinético
interage com a bomba de infusão e com a interferência do anestesiologista
quanto à seleção de dose (alvo) e de acordo com os dados que o aneste-
siologista fornece para a bomba, em relação ao perfil do paciente. Cada vez
que modificamos a dose, ou seja, o alvo, ocorre um cálculo realizado pela
bomba para que, se a dose for a maior, seja lançada um pequeno bolus na
corrente sangüínea; se for a menor, a bomba interrompe a infusão para
somente reinfundir quando a dose que ela deva infundir já está em acordo
com a nova dose plasmática solicitada, religando automaticamente. Além
disso, mantendo concentrações de infusão constantes, a tendência é que o
fluxo da bomba em ml.h-1 seja diminuído, evitando, assim, o acúmulo no
terceiro compartimento. Essa bomba costuma mensurar as doses em µg/ml
de sangue, baseando-se em concentração de droga no nível plasmático. As
bombas manuais costumam ter sua unidade de medida em fluxo, como ml.kg-
1 -1
.h ou µg.kg-1.min-1. Além disso, as bombas de infusão alvo-controladas
costumam adicionar um monitor incorporado, que é a chamado dose de
efeito. A dose de efeito nada mais é do que uma inferência do modelo
farmacocinético, em relação ao sítio efetor do paciente em questão, no qual

323
Anestesia Venosa

estamos realizando a anestesia. A importância desse monitor que a bomba


nos fornece é que existe uma correlação muito grande entre a dose que o
paciente perdeu a resposta, durante a indução, e sua recuperação, isto é,
sabendo usá-lo, temos um monitor acoplado em nossa bomba.

Tipos de Bombas em Relação ao Equipo Utilizado

Existem basicamente dois tipos de bombas, em relação ao tipo de


equipo utilizado para dose prime, (preenchimento do dispositivo até o acesso
venoso), das drogas:

Bombas que utilizam equipos específicos sejam eles de seringa


ou de equipo;
Bombas de seringa que utilizam apenas um equipo de extensão
comum.
Aqui no Brasil, ainda é pouco comum a utilização de bombas de
seringa que utilizam apenas um extensor além da seringa para a dose prime.
O uso é mais comum de bombas que necessitam de dispositivos específicos
para serem adaptados, o que encarece a infusão das drogas, uma vez que,
por ser especificamente fabricado para aquele tipo de aparato, sua produção
é muito cara.
Para se ter uma idéia, as bombas de seringa perfazem um total de
cerca de 5% dos aparatos infusores, em nosso país, enquanto, no continente
europeu, que utiliza anestesia venosa em larga escala, a proporção de bombas
de seringa que utilizam extensores comuns para a dose prime é em torno de
60%.

Como Montar o Sistema para Infusão com Bombas de Seringa:

Podemos montar com os equipos ligados a torneiras de três vias, de


duas formas:
Soro + Equipo + 3 torneiras de 3 vias + extensão + acesso
venoso

Notem que uma torneira se destina ao propofol, outra para o


remifentanil, e a mais proximal é para o uso de outras drogas necessárias
durante a cirurgia. (figura 8)

324
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

Figura 8

A segunda maneira é:
Soro + Equipo + 1 torneira de três vias + extensão + 2 torneiras de
três vias + acesso venoso

Nesse tipo de montagem, temos a torneira para administração de


drogas mais proximal ao equipo de soro, enquanto que as torneiras para

Figura 9

325
Anestesia Venosa

administração do hipnótico e do opióide estão mais proximais ao paciente


(figura 9). Isso permite diminuir ainda mais o espaço morto para infusão,
tornando-a mais precisa. Uma vez que encerrada a infusão, o sistema não
contém mais droga residual. Este tipo de montagem, no entanto, torna
obrigatória a troca dos extensores em cirurgias subseqüentes, pois, mesmo
com uso de dispositivos de válvulas unidirecionais para evitar refluxo, poderá
haver contaminação não aparente em 3% dos casos.

Tipos de Dispositivo de Extensão e Correlação com


Gasto Anestésico

O tipo de dispositivo extensor a ser utilizado é de extrema importância,


pois poderá acarretar um desperdício de droga extremamente grande, uma
vez que a dose prime pode variar conforme a extensão e o diâmetro interno
do equipo a ser utilizado. Como mais comumente, utiliza-se o equipo de 120
mm de extensão. Vejamos um comparativo entre equipos de 120 mm, mas
com diâmetro interno diferente. (figura 10).
Enquanto o perfusor da esquerda está adaptado a uma seringa
de 10 ml, o da direita, de diâmetro interno menor, está adaptado a uma
seringa de 5 ml.Veja-se que a diferença de volume, somente tomando
em conta o diâmetro interno do extensor, chegou a 6,5 ml, e isso
Figura 10

326
Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos

representa somente espaço morto entre a seringa e o acesso venoso


do paciente. Quanto menor o diâmetro interno do equipo adaptado à
seringa, menor é a dose prime e, por conseqüência, menor é o gasto
gerado. Agora imagine-se essa repercussão em termos de gasto de
drogas em um universo pequeno como cem procedimentos anestésicos:
100 X 6,5 ml = 650 ml de droga não utilizada no paciente. Multiplica-
se isso pelo custo dessa droga em ml, e ver-se-á como isso pode se
tornar significativo. Medidas de economia como esta é que fazem a
diferença para adequar o preço da anestesia venosa em relação à
inalatória.

Remifentanil

O mais novo agente opióide disponível no mercado é um derivado 4-


anilidopiperidínico cuja potência é semelhante a fentanil. Diferente dos demais
agentes disponíveis, tem término de ação bastante rápido e, semelhantemente
ao alfentanil, início de ação rápido. Não é metabolizado, sendo degradado
por enzimas plasmáticas e teciduais. O metabólito resultante da degradação
não apresenta atividade clínica relevante.
A escolha pelo analgésico opióide, para utilização em anestesia geral,
passa por diversos aspectos. Assim, a escolha do opióide a ser utilizado,
baseada apenas na duração do procedimento, não é recomendada. Todos
os fatores responsáveis pela avaliação clínica do paciente devem ser
levados em consideração, além da idade, estado físico, tipo de cirurgia,
intensidade de dor, plano para o tratamento da dor pós-operatória, tipo de
instituição, tipo de internação e, finalmente, perfil de recuperação desejado.
As vantagens e desvantagens dos agentes de ação curta estão exempli-
ficadas abaixo.

Vantagens Desvantagens
Melhor titulação Precisa infusão constante
Menor incidência apnéia PO* Requer cálculos
Infusão contínua Requer bomba infusão
Menor flutuação nas Cp** Analgesia PO* insuficiente
Preditividade maior
*PO = pós operatório
**Cp = concentração plasmatica

327
Anestesia Venosa

O remifentanil não difere dos demais opióides, quando os aspectos


farmacodinâmicos são avaliados. Assim, ele deprime a ventilação, de forma
concentração dependente. Bradicardia e hipotensão ocorrem em maior ou
menor intensidade, de acordo com a dose e forma de administração. Por
isso, não se recomenda de forma rotineira a utilização de doses em bolus.
Devido ao Ke0 rápido, o início de ação é igualmente rápido, o que faz com
que ele possa ser utilizado em infusão contínua. Doses iniciais de 0,3 ou
0,4µg.kg-1min-1 alcançam concentrações plasmáticas suficientes para
oferecer uma boa proteção aos reflexos de laringoscopia e intubação
orotraqueal em menos de 2 minutos. O término de ação independe do tempo
de infusão e dura entre 5 e 11 minutos. Por isto, analgesia suplementar deve
ser prontamente instituída. Tem sido apontado como o agente de escolha,
em cirurgia ambulatorial em que técnicas de despertar rápido estejam
indicadas. Associado a hipnóticos inalatórios ou venosos, tem sido descrito
como uma excelente opção de sinergismo com os hipnóticos, diminuindo as
doses necessárias para a obtenção e manutenção de hipnose.

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331
Anestesia Intravenosa: Técnicas

Anestesia Intravenosa:
Técnicas
Pedro Thadeu Galvão Vianna*

Introdução

Recentemente, a anestesia intravenosa total (AVT) e a balanceada


têm sido muito utilizadas como técnicas de anestesia geral. Isso é motivado
pela introdução de novos fármacos, cujas características farmacocinéticas
permitem administração intravenosa contínua, assemelhando-se à técnica
inalatória. Por outro lado, trabalhos atuais têm demonstrado existir diminuição
da morbidade e mortalidade, quando essas técnicas são utilizadas (empre-
gando opióides no intra e pós-operatório), em pacientes de alto risco, tanto
adultos1, quanto recém-natos2. Nestes últimos, os estudos de Anand3,4
demonstraram que a dor é um grande fator de estresse e as respostas
endócrinas e metabólicas poderiam desempenhar papel importante nas
complicações intra e pós-operatórias. Um estudo marcante sobre o tema5
foi realizado em recém-nascidos gravemente enfermos, portadores de
cardiopatias congênitas e que foram submetidos a cirurgia cardíaca corretiva:

* Professor Titular do Deptº de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu -


Universidade Estadual Paulista, UNESP
Presidente da SBA

333
Anestesia Venosa

um grupo foi anestesiado com altas doses de sufentanil e outro, com a


associação halotano e morfina. Os neonatos que receberam anestesia com
sufentanil tiveram redução significante da resposta à β-endorfina,
noradrenalina, adrenalina, aldosterona, ao glucagon e cortisol; já a resposta
à insulina e a relação insulina/glucagon foram maiores durante a cirurgia.
No grupo anestesiado com halotano associado à morfina, os pacientes tiveram
intensa hiperglicemia e acidemia láctica. No grupo do sufentanil, houve menor
incidência de sepse, acidose metabólica, coagulação intravascular disseminada
e ausência de mortalidade, contra 4 mortes, entre os 15 recém-natos sob
anestesia superficial pelo halotano. Mutch e col.6 também demonstraram
haver maior estabilidade hemodinâmica e menor incidência de isquemia
miocárdica pós-operatória nos pacientes submetidos a endarterectomia, sob
anestesia intravenosa total com propofol e alfentanil, que nos indivíduos
submetidos à anestesia com isofluorano.

Equipamentos – bomba de infusão

Em nosso meio, a anestesia intravenosa pode ser realizada por meio


de bomba de infusão baseada em fórmula idealizada por Vianna e Vane7,
igualando a massa ao volume da droga, ou seja:

Massa volume
60* x P x D = ml / hora *
C

C = Concentração da droga µg.ml-1


P = Peso corporal do paciente (kg)
D = Dose a ser infundida µg.kg-1.min-1
* constante (60 minutos = 1 hora, no caso de mg.kg-1.h-1 a constante
é igual a 1(de 1 hora).

A bomba de infusão que contém essa fórmula facilita o uso da


anestesia intravenosa com infusão contínua porque, ao se introduzir a
concentração da droga, conforme o peso do paciente e a dose a ser
infundida, o equipamento faz, automaticamente, a conversão da
velocidade em ml/hora.

334
Anestesia Intravenosa: Técnicas

Anestesia Intravenosa Balanceada

Esta é uma maneira antiga e bastante difundida de se fazer anestesia


geral. Isto se torna fácil de entender, pela inexistência do anestésico ideal
capaz de produzir, simultaneamente, hipnose, analgesia, relaxamento
muscular e diminuição dos estímulos neuro-humorais8. Essa técnica foi
iniciada com a introdução do bloqueador neuromuscular d-tubocurarina e,
no presente, revitalizada com os opióides mais recentes, tais como: fentanil,
alfentanil e sufentanil. A associação do opióide à anestesia inalatória tem
diversas vantagens. A primeira é na indução anestésica, minimizando os
efeitos simpático-estimulantes decorrentes da intubação traqueal. A
administração do opióide (5 a 10 µg.kg-1 de fentanil - 0,5 a 2 µg.kg-1 de
sufentanil ou 30 a 50µg.kg-1 de alfentanil), para atingir esse objetivo,
necessita de período de latência (3 a 5 minutos para o fentanil ou sufentanil
e 1 a 2 minutos para o alfentanil). Outro efeito dos opióides é determinar
a redução da dose da droga hipnótica. Em geral, os opióides possuem
sinergismo com os hipnóticos, porém essa ação é mais acentuada com o
sufentanil, que possui, dentre os opióides, o maior efeito sedativo. Outra
vantagem é a potencialização da CAM (concentração alveolar mínima)
dos anestésicos inalatórios (Tabela I).

Tabela I – Redução da CAM de isoflurano

Fentanil* CAM i% Sufentanil* CAM i%


0 1,2 - 0 1,4 -
1 0,75 39 0,1 0,83 44
2 0,55 54 0,2 0,59 60
3 0,45 69 0,5 0,33 78
6 0,3 75 1,0 0,21 86
10 0,22 82 1,4 0,17 89
* Conc. (ng.ml-1) - Mc Ewan e col, 1993(9) e Brunner e col, 1994(10).

É importante destacar que doses pequenas de fentanil (atingindo-se a


concentração plasmática de 2 ng/ml = a infusão de 1,8 µg.kg-1.h-1) ou
sufentanil (0,2 ng/ml de concentração plasmática = a infusão de 0,3 µg.kg-
1 -1
.h ) reduzem a CAM dos anestésicos inalatórios em 50 a 60 %; aumentando-

335
Anestesia Venosa

se a concentração plasmática dos opióides, esta potencialização torna-se


progressivamente menor até que o aumento do opióide não resulte em
diminuição da CAM do anestésico inalatório, isso sendo conhecido como
efeito teto (“ceiling effect”)9,10. A anestesia balanceada é uma boa indicação
para procedimentos com grandes variações de estímulos, como, por exemplo,
em cirurgias intracavitárias abdominais, em que podem existir grandes trações
de órgãos. Esses estímulos podem ser bloqueados com a injeção antecipada
de opióides, neste caso, também devendo ser obedecido o período de latência
da ação da droga; caso o estímulo já esteja atuando, o melhor seria o emprego
de alfentanil, que possui o menor tempo de latência (1 a 1,5 minutos). Os
opióides podem também ser utilizados associados ao protóxido de nitrogênio,
neste caso, a droga mais utilizada é o alfentanil, cuja concentração plasmática
média ± desvio padrão= 50 % de resposta (Cp50) já foi determinada por
Ausems e col11, segundo o estímulo anestésico-cirúrgico (Tabela II).

Tabela II

Estímulos CP50 ng.ml-1


(média + desvio padrão)

Intubação traqueal 475±28


Incisão da pele 279±20
Sutura da pele 150±23
Cirurgia na mama 270±63
Cirurgia no abdome inferior 309±44
Cirurgia no abdome superior 412±135

Em procedimentos extracavitários com duração menor que 3


horas, pode também ser utilizado o sufentanil na concentração plasmática
de aproximadamente 0,5 ng.ml-1, correspondendo ao “bolus” inicial de
0,5 µg.kg-1, seguido da infusão de 1,1 (30 min), 1,0 (1a hora), 0,9 (2a hora)
e 0,8 µg.kg-1.h -1 (3ª hora) e 0,7 nas horas subseqüentes.
Na técnica de anestesia balanceada, é imprescindível a utilização de
bloqueadores neuromusculares adespolarizantes (BNM). Para se evitar
depressão respiratória pós-operatória, as infusões podem ser interrompidas
entre 20 a 40 minutos antes do término da cirurgia; esse período de interrupção
pode ser antecipado, quando houver infusão com duração prolongada.

336
Anestesia Intravenosa: Técnicas

Considera-se recuperado o paciente cujas concentrações plasmáticas


atingiram 125 ng.ml-1, para o alfentanil; 1,5 ng.ml-1, para o fentanil e 0,25
ng.ml-1, para o sufentanil12. Deve ser salientado que o tempo de recuperação
do fentanil é muito maior do que o do alfentanil ou mesmo o do sufentanil.

Anestesia Intravenosa Total (AVT)

Esta técnica originou-se com o aparecimento dos hipnóticos


(principalmente o propofol e o midazolam) e dos opióides alfentanil e sufentanil,
com meia-vida curta. Atualmente, está sendo empregado o opióide remifentanil
de meia-vida muitíssimo mais curta. Entretanto, outras drogas podem ser
utilizadas com um número infinito de combinações como a sugerida
recentemente por Hui e col13 - associação propofol com cetamina; neste caso
haveria neutralização de efeitos, com manutenção da pressão arterial do
paciente em níveis normais. Isso mostra a complexidade dessas associações
e seria como se estivéssemos utilizando uma nova droga com farmacocinética
e farmacodinâmica diferentes das que lhes deram origem. Entretanto, sem
dúvida, a associação mais popular é o alfentanil-propofol. Enquanto o alfentanil
produz analgesia e redução dos estímulos neuro-humorais, com estabilidade
hemodinâmica, o propofol determina hipnose e amnésia. Deve também ser
destacado o sinergismo dessa associação. Segundo Vinik e col14, este é de
aproximadamente 40%, porém, neste particular, o sinergismo entre midazolam
e alfentanil é mais acentuado, cerca de 180%.
Vantagens da AVT: evita a poluição ambiental da sala de cirurgia,
causada pelos agentes inalatórios, com todas as conseqüências que esta
acarreta para a equipe anestésico-cirúrgica. Determina maior estabilidade
hemodinâmica e redução do estresse cirúrgico. A AVT tem sido indicada
nos pacientes com antecedentes com suspeita de terem o gene capaz de
desencadear o quadro de hipertermia maligna. Outra indicação é o emprego
da AVT com propofol, nos pacientes ou cirurgias com grande probabilidade
de náuseas e vômitos15.
Desvantagens da AVT: prolongamento do período de recuperação,
mas este pode ser minimizado com o emprego dos conhecimentos da
farmacocinética da droga. Outro temor é a recuperação da consciência
pelo paciente durante a AVT; este é diminuído com o uso de fármacos
hipnóticos e amnésicos como o propofol ou midazolam. Há também
variabilidade individual dos pacientes em relação à farmacocinética e
farmacodinâmica das drogas intravenosas, requerendo maior atenção do

337
Anestesia Venosa

anestesiologista para a determinação da concentração ideal para cada


paciente.

Técnica da anestesia intravenosa

A anestesia intravenosa pode ser realizada por simples injeção em


“bolus” e repetida quantas vezes se fizerem necessárias, segundo os critérios
do anestesiologista. Isto irá determinar os denominados “picos” (doses
elevadas) e “vales” (doses subterapêuticas). Para exemplificar, cita-se o
exemplo de um hipotético paciente cujo ato anestésico foi realizado com
“bolus” intermitentes de alfentanil, resultando em níveis inadequados de
concentração plasmática (abaixo de 250 ng.ml-1) no maior período da
anestesia (Figura1).

Figura 1 – Paciente M, 50 anos, 60kg, “bolus” inicial de 30 µg.kg-1,


seguido de “bolus” de 10 µg.kg-1

No mesmo paciente, caso fosse usada a técnica de infusão contínua


e mesma quantidade total de alfentanil, o resultado seria níveis plasmáticos
mais próximos de 250 ng.ml-1 (Figura 2).
Para se obter uma concentração plasmática previsível e com níveis
aproximadamente constantes, é utilizada a técnica denominada “Anestesia
intravenosa controlada por computador” (AICC). Consiste esta, na utilização
de programas farmacocinéticos instalados em microcomputadores que
estarão ligados à bomba de infusão através de uma interface; desse modo,
a velocidade da bomba de infusão será comandada pelo computador; esse é
o sistema mais evoluído para se realizar anestesia intravenosa contínua. O
grande inconveniente da AICC é o elevado custo dos equipamentos.

338
Anestesia Intravenosa: Técnicas

Figura 2 – Paciente sexo masculino, 50 anos, 60 kg, “bolus” = 30 µg.kg-


1
, infusão = 2,1 µg.kg-1. min-1 e 1,29 µg.kg-1 .min-1
(duração = 30 minutos cada infusão)
CONC PLASMÁTICA DE ALFENTANIL (ng.ml-1)

Para minimizar essa dificuldade, Bailey16 sugeriu o cálculo prévio da


infusão intravenosa de determinada droga, baseado nos seus atributos
farmacocinéticos, de tal modo que seja possível manter a concentração do
fármaco em níveis plasmáticos aproximadamente constantes.
Fundamentalmente, o programa realiza a solução do sistema de equações
diferenciais pelo método das diferenças-finitas, também conhecido como
método de Euler. Por outro lado, as equações que regem o fenômeno podem
ser obtidas pelo princípio da conservação de massa, ou seja, a cada instante,
a quantidade total de droga que chega a um compartimento menos a
quantidade total que sai é igual à variação da quantidade da droga no interior
do compartimento. A linguagem de programação é o BASIC. A grande
vantagem dessa técnica é prescindir do uso do computador acoplado à bomba
de infusão e esta, ao doente. Os cálculos para se obter a concentração
desejada do fármaco seriam previamente determinados; guiado, por esses
cálculos, o anestesiologista, após a injeção do “bolus”, teria condições de
controlar manualmente a bomba de infusão ou gotejamento da droga.
Calcados nas considerações de Bailey16, foram criados, em nosso meio
programas para microcomputadores17, que realizam os cálculos acima
citados. Para os que não dispõem de computador, elaboraram-se tabelas
com o mesmo objetivo (Tabelas IV,V,VI,VII). Estas são fáceis de serem
utilizadas. Partindo-se de um “bolus” inicial, começa-se a infundir a droga
(µg.kg-1.min-1 ou µg.kg-1.h-1) conforme a concentração plasmática desejada;

339
Anestesia Venosa

a velocidade da infusão é mantida por 30 minutos, sendo posteriormente


substituída a cada 60 minutos. A tabela do alfentanil apresenta a concentração
plasmática de 100 ng.ml-1 (que é a mais usada). Para atingirem-se esses
valores, a velocidade da infusão varia em função do peso corporal do paciente.
Exemplo: para paciente de 70 kg de peso corporal, o “bolus” será de 2100
µg e a infusão de 2,2 µg.kg-1.min-1, durante 30 minutos, e de 1,4 µg.kg-1.min-
1
, nos próximos 60 minutos, e após igual período, 1,2 µg.kg-1.min-1 e assim
sucessivamente.

Infusão alvo controlada (TCI)

A inflexibilidade do sistema de infusão manual e a complexidade dos


cálculos matemáticos necessários ao regime de anestesia alvo controlada
induziu ao uso do computador para controlar a administração de drogas
anestésicas. Surgiu assim uma bomba computadorizada denominada
Diprifusor, que usa um modelo farmacocinético de propofol para calcular
uma concentração plasmática alvo. O modelo opera em tempo real para
gerar uma taxa de infusão calculada a fim de atingir e manter uma
concentração sangüínea predita e selecionada pelo anestesiologista. O
Diprifusor é um módulo que contém dois microprocessadores funcionando
com diferentes software.
A disponibilidade do equipamento comercial (Diprifusor) com controle
computadorizado da concentração sangüínea de propofol tem focalizado a
atenção para a técnica de anestesia infusão alvo controlada (TCI). O
equipamento de TCI pode rapidamente atingir e manter a concentração
alvo desejada da droga. Permite, também, que essa concentração alvo seja
modificada quando requerida pela situação clínica. Entretanto, enquanto a
concentração sangüínea pode ser aumentada rapidamente para níveis mais
elevados, a queda dessa concentração, para níveis menores, depende dos
parâmetros farmacocinéticos da droga infundida.Essa diminuição obedece
a um processo multiexponencial.
A capacidade para produzir concentrações sangüíneas variáveis de
propofol, em resposta à intensidade de estímulos cirúrgicos variáveis
durante a cirurgia, é a maior vantagem do TCI. Essa aparente habilidade
para controlar a profundidade da anestesia é, contudo, uma ilusão desde
que o plasma ou sangue não é o lugar de ação dos anestésicos hipnóticos.
Estes atuam no sistema nervoso central. Entretanto, não podemos coletar
amostra da concentração do fármaco diretamente do sítio de efeito ou

340
Anestesia Intravenosa: Técnicas

biofase. Nesse caso, temos de usar conceitos teóricos e técnicas de


modelos farmacocinéticos e farmacodinâmicos para obtermos uma
estimativa da concentração no sítio de efeito. Esses valores podem ser
obtidos por meio de programas de computador.
Há uma demora temporal entre a concentração da droga no plasma
ou sangue e o equilíbrio dessa concentração no sítio de efeito. Esse equilíbrio
é rápido, para o tiopental, propofol, alfentanil e remifentanil, e mais demorado,
para fentanil e sufentanil. A biofase ou compartimento no sítio de efeito
(Keo) é, em termos físicos, muito pequeno, porque corresponde a 1/10 000
do volume do compartimento central. A meia-vida do Keo é representada
por K1/2eo e é definida como o tempo para o compartimento no sítio de efeito
chegar a 50 % da concentração plasmática, quando a concentração plasmática
é mantida constante. Para drogas com K1/2eo curta duração, o equilíbrio
entre o plasma e o compartimento no sítio de efeito será rápido (exemplo:
alfentanil ou tiopental), enquanto o equilíbrio será prolongado para aqueles
com longo Keo . Como exemplo pode ser citada a morfina. Em termos práticos,
pode ser usado o Keo no TCI. A desvantagem potencial dessa conduta é o
inevitável aumento da concentração plasmática, quando o alvo é aumentado.
Isto seria particularmente aumentado no começo da anestesia, quando não
há nenhuma droga no corpo − exemplo da indução − e são usados altos
níveis de concentrações do fármaco (elevado TCI), no sítio de efeito.
Entretanto, na prática, essa desvantagem não tem sido comprovada. Deve
ser lembrado que, na infusão manual, esta é iniciada com a injeção de um
“bolus” e, com isto, níveis elevados de concentração plasmática do fármaco
são atingidos.
Junto com o uso de um sistema identificador para o propofol, o duplo
processador aumenta consideravelmente a segurança do sistema.Esse tipo
de Infusão Alvo Controlada permite ao anestesiologista infundir o propofol
baseado na concentração sangüínea predita, em lugar da taxa de infusão
dependente da resposta do paciente. A taxa de infusão requerida, para
produzir e manter os valores preditos de concentração sangüínea, são
calculadas automaticamente pelo microprocessador. Na nossa experiência,
após uso prévio de opióide, a concentração alvo de indução é de 2 µg.ml-1.
A manutenção deverá variar entre 4 e 3 µg.ml-1, desde que associado a um
opióide.

341
Anestesia Venosa

Principais drogas utilizadas

Propofol

As características farmacocinéticas e farmacodinâmicas fizeram


dessa droga o hipnótico de escolha para a indução ou manutenção, tanto
de anestesias balanceadas quanto de anestesias intravenosas totais 18.
Essa preferência tem aumentado em anestesias ambulatoriais e, mais
recentemente, nas anestesias pediátricas. Suas propriedades antieméticas,
antipruriginosas e sedativas19 fizeram desse hipnótico o parceiro ideal
para ser usado em associação com os novos opióides, principalmente o
remifentanil. De modo semelhante aos demais anestésicos, há, no intra-
operatório, grande variabilidade de resposta dos pacientes ao propofol.
Desse modo, a administração desse fármaco deve ser ajustada às
necessidades individuais de cada paciente 20 . Os fatores que mais
contribuem na modificação dessas necessidades são: idade, peso,
condições clínicas pré-existentes, associações com outras drogas
depressoras do sistema nervoso central e, principalmente, o tipo de
estímulo cirúrgico.

PROPOFOL NA INDUÇÃO DA ANESTESIA

O início do efeito é dose-dependente: 1 - 2 mg.kg-1 dura 5 a 10 min.


A idade interfere intensamente com a DE50 de indução que é maior
para as crianças até 2 anos (DE95 2,88 mg.kg-1) e menor para os idosos.
Doses subhipnóticas produzem sedação e amnésia.
Dose anestésica, em voluntários não estimulados, foi de 2 mg.kg-1.
Produz sensação de bem estar geral. Alucinações e fantasias sexuais
foram relatados após o propofol.
As concentrações plasmáticas para abolir as respostas aos estímulos
são:

ao comando verbal Cp50 = 3,5 µg.ml-1


à incisão da pele Cp50 = 16,0 µg.ml-1
com medicação prévia
de lorazepam (1-2mg)+N2O 66% Cp50= 2,5 µg.ml-1
com medicação prévia
de morfina (0,15mg/kg)+N2O 66% Cp50 = 1,7 µg.ml-1

342
Anestesia Intravenosa: Técnicas

pequenas cirurgias:
propofol + N2O 66% 1,5-4,5 µg.ml-1
grandes cirurgias:
propofol + N2O 66% 2,5-6,0 µg.ml-1
O acordar ocorrerá com: 1,6 µg.ml-1
Orientação com: < 1,2 µg.ml-1
Não deve ser esquecido que a idade afeta estas concentrações.

MANUTENÇÃO

Após a indução, pode-se manter a anestesia com bolus de 10 a 40


mg a cada poucos minutos. Como essas doses devem ser dadas freqüen-
temente, é mais adequando usar-se a infusão contínua.
Existem vários esquemas de infusão para atingir-se a concentração
sangüínea adequada. Usualmente necessita-se de 100 a 200 µg.kg-1.min-1.
A taxa é titulada segundo cada paciente e o estímulo cirúrgico. Opióides tais
como morfina, fentanil ou alfentanil reduzem as necessidades de propofol.
A concentração sangüínea para inibir a consciência é de 2,5 a 4,5
µg.ml-1 e, quando combinada com N2O, a concentração para manter
anestesia cirúrgica é de 2,5 a 8 µg.ml-1. Concentrações semelhantes são
necessárias na associação com opióides. O conhecimento desses níveis e o
perfil farmacológico do propofol possibilitaram a criação de sistemas
automáticos de liberação dessa droga, permitindo sua infusão contínua e
mantendo nível estável de anestesia.
Para procedimentos de curta duração (< 1 h), a vantagem da rápida
recuperação, ausência de náusea e vômito, torna vantajosa a anestesia com
propofol. Porém, em procedimentos longos, os resultados, quanto ao tempo
de recuperação e incidência de náusea e vômitos, são semelhantes aos da
anestesia com tiopental e isoflurano, com a desvantagem do custo do propofol.

SEDAÇÃO

Durante procedimentos cirúrgicos

As taxas de infusão, para sedação em anestesia regional de pacientes


sadios, são de 30 - 60 µg.kg-1.min-1. Para pacientes com mais de 65 anos e
com diversas patologias, essa dose deverá ser reduzida. É importante titular
a taxa de infusão para cada paciente.

343
Anestesia Venosa

Na unidade de terapia intensiva


O perfil farmacológico do propofol permite fácil titulação do nível de
sedação e rápida recuperação, independente do tempo de infusão. Infusões
em torno de 30 µg.kg-1.min-1 geralmente produzem amnésia. Há estudo
mostrando sedação em UTI por 4 dias e recuperação da consciência em 10
min após parada da infusão. A taxa de recuperação e a diminuição da
concentração sangüínea da droga é similar, de 24 a 96 horas, mostrando que
não existe tolerância, apesar de haver relatos contrários. A concentração
sangüínea necessária para sedação e o despertar são similares.

EFEITOS COLATERAIS E CONTRAINDICAÇÕES

Dor à injeção
É semelhante ao etomidato e ao methohexital, porém, a incidência é
maior do que com o tiopental. Ela pode ser evitada, usando-se veias de
calibre maior e adicionando-se lidocaína à injeção.

Mioclonia
É mais comum com propofol que com tiopental, mas, em menor
freqüência que as encontradas com a injeção de etomidato ou methohexital.

Apnéia
É comum e a incidência é semelhante ao do tiopental ou methohexital,
porém, é mais prolongada. Essa depressão respiratória aumenta sinergi-
camente com o uso de opióides.

Hipotensão
É a complicação mais comum e é aumentada pela adição de opióides.
Por outro lado, são bem conhecidos os efeitos colaterais dessa droga,
causando: depressões cardiocirculatória e respiratória, vasodilatação periférica
e dor no trajeto venoso da injeção.
Para minimizar essas complicações, as seguintes normas são reco-
mendadas, quando for utilizado o propofol:
1. utilizar técnica asséptica, pois o diluente é ótimo meio de cultura bacteriana;
2. a prévia administração de 1 a 2 ml de lidocaína a 1% minimizará o
efeito doloroso da injeção;
344
Anestesia Intravenosa: Técnicas

3. os pacientes deverão estar hidratados antes da administração do


“bolus” ou da infusão rápida;
4. as doses do “bolus” ou das infusões devem ser reduzidas em 25 %
a 50 %, em pacientes idosos ou debilitados;
5. durante a indução, o uso associado de benzodiazepínicos e/ou
opióides potencializará os efeitos do propofol. Nesta situação, é recomendável
que as doses dessa droga sejam reduzidas;
6. é mais seguro que a dose de indução seja administrada lentamente,
reduzindo os efeitos depressores respiratórios e cardiovasculares.

Tabela III – Concentrações plasmáticas de propofol


segundo as diversas técnicas anestésicas
Técnica Concentrações plasmáticas
µ g.ml-1)

AVT: propofol/opióide 2-4
AVT: propofol 6-9
Propofol/óxido nitroso:
Pequenos procedimentos 2,5-5
Grandes procedimentos 3-7

Tabela IV
*1 2 3 4 5
**30 ***39 110 181 254 324
**31 – 90 52 106 160 216 269
**Duração em minutos das ***taxas de infusão (µg.kg-1.min-1) para manutenção de
anestesia venosa contínua segundo os atributos farmacocinéticos de Shafer e col l8.
“Bolus” de 3 mg.kg-1

*1 2 3 4 5
**0 -30 ***35 92 150 208 266
30 - 90 38 82 125 170 212
-1 -1
**Duração em minutos das ***taxas de infusão (µg.kg .min ) para manutenção de
anestesia venosa contínua segundo os atributos farmacocinéticos de Marsh et
-1
al.(1991).“Bolus” de 3 mg.kg .

345
Anestesia Venosa

Tabela V – Infusão contínua de propofol para as faixas etárias de


4 a 12 anos de idade (segundo os atributos farmacocinéticos de
Short e col25)

Minutos Conc. plasmática(µg kg-1)*


de
Infusão 3* 4 5 6 7 8 9
Infusão (µg.kg-1.min-1)**

0-30 190** 260 330 400 470 540 615


30-90 160 220 270 320 380 430 490
90-150 150 200 250 300 360 410 440
150-210 140 190 240 290 340 390 420
210- 140 180 230 280 330 410 420
“Bolus” = 2,5 mg.kg-1

Uso em pediatria
A utilização desse anestésico venoso, em crianças, foi descrita em
21
1985 e daí para cá tem aumentado a popularidade do seu emprego em
pacientes nessa faixa etária, principalmente pelo uso da máscara laríngea,
especialmente em cirurgia ambulatorial ou procedimentos diagnósticos fora
do centro cirúrgico. Marsh e col21 estudaram os parâmetros farmacocinéticos
do propofol em crianças (idade entre 1 e 9 anos), obtendo volume de
distribuição menor e “clearance” maior do que os encontrados em adultos.
Short e col 22 revisaram os atributos farmacocinéticos dos autores
supracitados(21) e conseguiram anestesia satisfatória, quando a concentração
plasmática atingiu 6.6 µg/ml (474 µg.kg.-1min.-1 de infusão de propofol
associados a N2O a 66%). Os atributos farmacocinéticos desses autores
foram recentemente avaliados, usando-se o BIS como monitor da
profundidade da hipnose e a concentração sangüínea do propofol aos 20, 40
e 60 de anestesia. A conclusão a que se chegou foi uma melhor performance,
quando se utilizaram os atributos farmacocinéticos de Marsh23

Opióides

Fentanil: devido às suas características farmacocinéticas, grandes


doses (10 a 15 ng.ml-1 de concentração plasmática) são acompanhadas de

346
Anestesia Intravenosa: Técnicas

recuperação prolongada, estando somente indicadas em procedimentos com


previsibilidade de recuperação também prolongada. Pode ser utilizado, na
anestesia balanceada, na concentração plasmática de 2 a 3 ng.ml-1,
potencializando a anestesia inalatória, porém, a depender da duração da
infusão, a recuperação pode estar retardada. De modo semelhante aos
demais opióides, o fentanil pode causar bradicardia (antagonizada pela
atropina); rigidez muscular (revertida pelos bloqueadores neuromusculares);
depressão respiratória (antagonizada pela naloxona); náuseas e vômitos,
devidos à estimulação da zona de gatilho quimiorreceptora, localizada na
área postrema no assoalho do 4o ventrículo, próximo ao centro respiratório;
diminuição da motilidade gastrintestinal e retardo do esvaziamento gástrico.

Alfentanil: é um opióide 5 a 10 vezes menos potente que o fentanil,


porém, com rápido início de ação e curta duração de efeito. Por causa
dessas características, é muito utilizado tanto na técnica de anestesia
balanceada como na AVT12.
Para se atingir a concentração plasmática em torno de 500 ng.ml-1, é
necessário administrar-se um “bolus” de 30 a 50 µg.kg-1 de alfentanil. O
alfentanil poderá ser usado em infusão contínua, associado ao protóxido de
nitrogênio. O autor utiliza essa técnica em grandes procedimentos
extracavitários. O objetivo é atingir e manter aproximadamente constante a
concentração plasmática de alfentanil em 100 ng.ml-1 (Tabela VI) através
de infusão contínua da droga.

Tabela VI – Infusão contínua de alfentanil em adultos com o objetivo de


manter a concentração plasmática em aproximadamente 100 ng.ml-1 24
Minutos Peso do Paciente (kg1)*
de
Infusão 30* 40 50 60 70 80 90
Infusão (µg.kg-1.min-1)**

0-30 1,3** 0,9 0,6 0,4 0,3 0,2 0,1


30-90 0,9 0,7 0,5 0,4 0,4 0,3 0,3
90-150 0,8 0,6 0,5 0,4 0,3 0,3 0,2
150-210 0,7 0,5 0,4 0,3 0,3 0,3 0,2
210- 0,7 0,5 0,4 0,3 0,3 0,3 0,2
(“Bolus”=30µg kg-1)
347
Anestesia Venosa

A depender do estímulo cirúrgico, essas anestesias podem ser


complementadas com “bolus” de 5 a 10 µg.kg-1. Conforme se salientou
anteriormente, a infusão de alfentanil deve ser interrompida 20 a 30
minutos antes do término da cirurgia. Isto porque o período de
recuperação será mais rápido e também porque o estímulo da sutura da
pele é menor que os outros estímulos cirúrgicos (Tabela II). A
recuperação anestésica é obtida quando os níveis plasmáticos de alfentanil
atingem 50 ng.ml-1. O alfentanil tem sido utilizado em pacientes pediátricos
a partir dos estudos de Gorenski e col25. Em relação ao observado em
pacientes adultos, o volume de distribuição é menor e o “clearance” é
maior, por isso, nos pacientes de faixa etária entre 1 e 18 anos, o “bolus”
deve ser, no mínimo, 50 µg.kg-1 e a recuperação anestésica tem menor
duração. Em cirurgia cardíaca, tem-se utilizado a concentração
plasmática de 500 µg.kg-1. (Tabela VII).
Sufentanil: é muito potente, ou seja, possui 5 a 10 vezes a potência
do fentanil. Deve-se também considerar que a relação à dose letal/dose
terapêutica é de 25.0008. É utilizado em “bolus”, na indução anestésica, na
concentração de 0,5 a 1 µg.kg-1. Em cirurgias cardiotorácicas, as doses
podem ser aumentadas para 1 ou 2 µg.kg -1 ; nessas cirurgias, as

Tabela VII – Infusão contínua de alfentanil para as faixas etárias de 1 a 18


24
anos de idade (segundo os atributos farmacocinéticos de Goresky e col )

Minutos Conc. plasmática(µg.kg-1)*


de
Infusão 250* 300 350 400 450 500
Infusão (µg.kg-1.min-1)**

0-30 2,6** 3,3 4,0 4,7 5,4 6,1


30-90 2,2 2,7 3,1 3,6 4,0 4,5
90-150 2,0 2,5 2,9 3,3 3,7 4,1
150-210 2,0 2,4 2,8 3,2 3,6 4,0
210-270 2,0 2,4 2,8 3,2 3,6 3,9
270-330 2,0 2,4 2,8 3,1 3,5 3,9

“Bolus” = 50 µg.kg-1

348
Anestesia Intravenosa: Técnicas

Tabela VIII – Infusão contínua de sufentanil para adultos


26
(Segundo os atributos farmacocinéticos de Bovill e col )

Minutos Conc. plasmática(ng. ml-1)*


de
Infusão 0,5* 0,75 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
µ g.kg-1.min-1)**
Infusão (µ

0-30 0,2** 0,7 1,0 2,2 3,2 4,2 5,2


30-90 0,5 0,9 1,0 1,9 2,5 3,1 3,8
90-150 0,5 0,8 1,2 1,6 2,2 2,8 3,3
150-210 0,5 0,7 1,1 1,5 2,0 2,5 3,0
210-270 0,5 0,7 1,0 1,4 1,9 2,3 2,8
270-330 0,5 0,7 0,9 1,4 1,8 2,3 2,8

“Bolus” - 1 µg.kg-1

concentrações plasmáticas podem ser mantidas entre 2 e 3 ng.ml-1. Utiliza-


se µg.kg-1.h-1 com a finalidade de se evitar números muito fracionados. As
principais vantagens sobre os demais opióides é o maior efeito sedativo e a
maior capacidade em reduzir os estímulos neuro-humorais causados pelo
estresse26. Esta ação sedativa é bastante desejável, pela possibilidade de o
paciente ficar consciente durante o ato anestésico-cirúrgico.

Recentes Avanços na Técnica da Anestesia Intravenosa

Avaliação da intensidade da sedação e hipnose

Atualmente existe no mercado um Monitor de Eletroencefalografia


(EEG) microprocessado, destinado a medir a profundidade da hipnose e da
sedação. Esse equipamento é denominado Bispectral Index ou simplesmente
BIS. Na prática, são usados sinais originários da região frontal, que são
“digitalizados” e, em seguida, esses sinais são filtrados para evitar a
interferência de artefatos. Daí, o sinal é analisado para detectar-se a
supressão do sinal, ou supressão abrupta. Este sinal sofre a transformação
rápida de Fourier para atingir o Bispectrum. A soma desses parâmetros dá
origem ao Bispectral Index ou simplesmente BIS (Figura 3). Este é constituído

349
Anestesia Venosa

de escala de 100 a O. A escala próxima de 100 mostra um indivíduo acordado,


ou seja, que não sofreu a influência de qualquer droga hipnótica. À medida
que a escala é reduzida, aumentam os níveis de sedação, sendo 70 considerada
como sedação leve e abaixo de 60 níveis profundos de hipnose. Isto é válido
tanto para a indução quanto para a recuperação anestésica27.

Remifentanil
É o mais recente opióide a ser empregado em clínica. Em 1991 foi
publicado o primeiro trabalho sobre essa droga, hoje existem mais de 70
publicações sobre o assunto. O remifentanil é um opióide derivado da
fenilpiperidina. A principal característica dessa droga é ser um éster e possuir
uma cadeia lateral metil-éster que é rapidamente metabolizado por esterases,
não especificas, sangüíneas e teciduais. O grande metabólito do remifentanil é
o G90291A que é 800-2000 vezes menos potente que a droga original. O

Figura 3 – Fluxograma para calcular-se o “bispectral index” (BIS)27

350
Anestesia Intravenosa: Técnicas

efeito das esterases sobre o remifentanil causa menor variabilidade nos


parâmetros farmacocinéticos entre pacientes e esses parâmetros são pouco
alterados pela idade, obesidade ou insuficiência hepática e renal.
O remifentanil possui uma potência muito similar ao fentanil. É 20-
30 vezes mais potente que o alfentanil, para a injeção em bolus e 10-20
vezes para infusões contínuas. Em outras palavras, remifentanil 1.5 µg.kg-
1
é equipotente a 32 µg.kg-1 de alfentanil, produzindo uma magnitude e
duração de analgesia de aproximadamente 10 minutos. Semelhante aos
demais agonistas puros (fentanil, alfentanil e sufentanil), o remifentanil
causa analgesia (seu efeito clinicamente mais importante), redução da
CAM dos anestésicos inalatórios, sinergismo com as drogas hipnóticas e
boa estabilidade hemodinâmica; em doses superiores a 2 µg.kg-1, produz
mínimas alterações hemodinâmicas e, em doses superiores a 5 µg. kg-1
não causa liberação de histamina. Como característica dos µ agonistas
pode produzir náusea, rigidez muscular, prurido e depressão respiratória.
Do mesmo modo que os outros µ opióides, seus efeitos são revertidos pela
naloxona. A principal característica, que o diferencia dos demais opióides,
é a duração de efeito extremamente curta como resultante da sua rápida
metabolização. Na circulação, remifentanil é rapidamente hidrolisado pelas
colinesterases não especificas do plasma e dos tecidos (t 1/2ß =12-25 min),
produzindo vários metabólitos inativos.
Devido aos efeitos extremamente curtos do remifentanil, as doses
são melhor administradas por infusão contínua. Quando uma taxa de infusão
tão alta quanto 2 µg.kg1.min-1 é mantida até a realização da última sutura
cirúrgica, a ventilação espontânea é recuperada em aproximadamente 7
minutos. A desvantagem potencial do remifentanil é também relacionada
a sua curta duração de ação. Com a recuperação rápida, o paciente pode
experimentar dor no pós-anestésico e o anestesiologista deve ter um
esquema de analgesia preemptiva. Outro inconveniente é a possibilidade
catastrófica da interrupção acidental da infusão de remifentanil, no intra-
anestésico.
Em suma, o remifentanil possui propriedades farmacocinéticas únicas,
tais como, rápido tempo de ação (pequena latência- similar ao alfentanil = 1
a 2 minutos) e rápida recuperação, independente da duração da sua
administração. Com esta última propriedade, torna-se uma droga de fácil
manuseio, tanto em anestesias de curta duração, mas que requerem intensa
analgesia, quanto para períodos prolongados, sem o anestesiologista
preocupar-se com uma recuperação prolongada28.

351
Anestesia Venosa

Tabela IX – Interação entre alfentanil (concentração plasmática 85


-1 -1
ng.ml ) e o propofol (concentração sangüínea de 3,5 µg.ml ) para a ob-
tenção do menor tempo de recuperação.

Duração da infusão (min)

0-1 1-10 10-30 30-60 60-120 120-160


Propofol
Dose Bolus (mg.kg-1) 1,0 - - - - -
Taxa de infusão
µg.kg-1.min 0 180 140 100 100 100
Concentração µg.ml-1 1,5 2,5 - 3,0-3,5 - -
Alfentanil
Dose Bolus (mg.kg-1) 30 - - - - -
Taxa de infusão
µg.kg-1.min 0 0,35 0 0,35 0,28 0,24
Concentração ng.ml-1 345 175 - 85-100 - 85-100

Interação de drogas

Estudos têm sido realizados para quantificar o sinergismo existente entre


propofol e opióides. O mais importante trabalho para avaliar a interação
farmacodinâmica entre essas duas drogas foi realizado por Vuyk e col29. Usando
infusão do propofol e do alfentanil controlada pelo computador, os autores
determinaram a interação dessas drogas em relação à supressão das respostas
hemodinâmicas aos estímulos da cirurgia. Nessa pesquisa, verificou-se que a melhor
interação entre o propofol e o alfentanil, para se obter a mais rápida recuperação
da anestesia, era obtida quando atingia-se a concentração plasmática de 85 ng.ml-
1
de alfentanil associada ao propofol, na concentração sangüínea de 3,5 µg.ml –1.
Para conseguir essas concentrações, a tabela abaixo deve ser obedecida:

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