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EDITORES

Sylvio Valença de Lemos Neto


Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Cláudia Regina Fernandes
Carlos Othon Bastos
Getúlio Rodrigues de Oliveira Filho

Volume IV

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2014
Educação Continuada em Anestesiologia
Copyright© 2014, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.

Diretoria
Sylvio Valença de Lemos Neto
Oscar César Pires
Ricardo Almeida de Azevedo
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Antônio Fernando Carneiro
Erick Freitas Curi
Getúlio Rodrigues de Oliveira Filho
Comissão de Educação Continuada
Marcos Antonio Costa de Albuquerque - Presidente e Coordenador do livro
Cláudia Regina Fernandes
Carlos Othon Bastos
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Auxiliar Técnico
Marcelo de Carvalho Sperle

Ficha catalográfica
S678e Educação Continuada em Anestesiologia / Editores: Sylvio Valença de Lemos Neto, Marcos
Antonio Costa de Albuquerque, Cláudia Regina Fernandes, Carlos Othon Bastos e Getúlio
Rodrigues de Oliveira Filho
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2014.
224 p.; 25cm.; ilust.

ISBN 978-85-98632-25-4
Vários colaboradores.

1. Anestesiologia – Estudo e ensino. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II. Lemos Neto,


Sylvio Valença de. III. Oliveira Filho, Getúlio Rodrigues de. IV. Albuquerque, Marcos Antonio
Costa de. V. Fernandes, Cláudia Regina. VI. Bastos, Carlos Othon.
CDD - 617-96

O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).


Produzido pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Material de distribuição exclusiva aos médicos anestesiologistas.
Produzido em outubro/2014

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36 – Botafogo - Rio de Janeiro – RJ
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EDITORES
Sylvio Valença de Lemos Neto
•• TSA/SBA - Presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia;
•• Instrutor corresponsável pelo CET S.Anest.Inst.Nac.de Câncer - INCA;
•• Diretor do HCI - Inst.Nac.de Câncer - INCA.
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
•• TSA/SBA - Presidente da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Responsável pelo CET Menino Jesus de Praga.
Cláudia Regina Fernandes
•• TSA-SBA, Secretária da Comissão de Educação Continuada – SBA;
•• Responsável pelo CET Hosp.U.Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará;
•• Professora adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
Carlos Othon Bastos
•• TSA-SBA, Membro da Comissão de Educação Continuada – SBA;
•• Diretor Científico da SAESP;
•• Responsável pelo CET Integrado de Campinas.
Getúlio Rodrigues de Oliveira Filho
•• TSA/SBA - Diretor do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET da Universidade Federal de Santa Catarina;
•• Professor Doutor de Anestesiologia do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Santa Catarina

AUTORES
Ana Carla Giosa Fujita
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Anestesia em Pediatria – SBA;
•• Instrutora Corresponsável pelo CET do HC-FMUSP;
•• Médica anestesiologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;
Médica anestesiologista do Hospital Infantil Sabará.
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
•• TSA-SBA, Presidente do Comitê de Medicina Perioperatória – SBA;
•• Responsável pelo CET S.Anest.Inst.Nac.de Câncer - INCA;
•• Coordenadora clínica do Serviço de Anestesiologia, Dor e Medicina Perioperatória do HC1/INCA;
•• Presidente da SAERJ.
Ana Karla Arraes von Sohsten
•• TSA-SBA, Presidente do Comitê de Hipertermia Maligna – SBA;
•• Instrutora Corresponsável pelo CET HR-HGV-HUOC de Pernambuco;
•• Coordenadora do Serviço de Anestesiologia do Real Hospital Português de Pernambuco;
•• Mestre em medicina pela Universidade de Pernambuco.
Ângela Maria da Silva
•• Professora doutora associada da disciplina de infectologia do Departamento de Medicina da Universidade Federal
de Sergipe.
Antônia Maria de Carvalho
•• Coordenadora do Serviço de Anestesiologia da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, da Universidade Federal
do Ceará.
Carlos Darcy Alves Bersot
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Hipertermia Maligna – SBA;
•• Responsável pelo CET Hospital Federal da Lagoa, Rio de Janeiro;
•• Membro Comissão Científica da SAERJ.
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
•• TSA-SBA, Presidente do Comitê de Anestesia Loco-Regional – SBA;
•• Instrutora Corresponsável pelo CET do Instituto Dr. José Frota;
•• Diretora Científica da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Ceará (SAEC).
Cláudia Regina Fernandes
•• TSA-SBA, Secretária da Comissão de Educação Continuada – SBA;
•• Responsável pelo CET Hosp.U.Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará;
•• Professora adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
Dalmo Correia Filho
•• Professor doutor da Universidade de Uberlândia.
Daniel Capucci Fabri
•• Pós-graduando da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva da Escola Paulista de Medicina -
UNIFESP .
Daniela Bianchi Garcia
•• TSA-SBA, Presidente do Comitê de Anestesia em Pediatria – SBA;
•• Médica anestesiologista do Hospital Pequeno Príncipe;
•• Preceptora dos residentes em anestesia pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe.
Danielle Maia Holanda Dumaresq
•• TSA-SBA;
•• Responsável pelo CET do Instituto Dr. José Frota;
•• Professora do curso de medicina Unichristus.
Débora Maia da Costa
•• ME3 no CET Hosp.U.Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará.
Eduardo Brigatto Sperling
•• ATV-SBA.
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Medicina Perioperatória – SBA;
•• Responsável pelo CET do Hospital São Francisco e do Instituto Sta. Lydia.
Enis Donizetti Silva
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Via Aérea Difícil – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET São Paulo-Serv.Méd.de Anest.S/C Ltda;
•• Presidente da Sociedade De Anestesia do Estado de São Paulo;
•• Membro do Comitê Gestor do CC HSL.
Florentino Fernandes Mendes
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Medicina Perioperatória – SBA;
•• Responsável pelo CET Univ.Fed.de Ciências da Saúde P.Alegre;
•• Professor adjunto doutor de anestesiologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da UFCSPA.

Francisco Elano Carvalho Pereira


•• Anestesiologista, mestrando do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Cirurgia da Universidade
Federal do Ceará.
Gastão Fernandes Duval Neto
•• Professor doutor, TSA-SBA, PhD; Presidente do Comitê de Saúde Ocupacional – SBA;
•• Chair of the professional wellbeing committee of WSFA;
•• Responsável pelo CET em Anestesiologia da Universidade Federal de Pelotas.

Geraldo Gonçalves da Silveira


•• Coordenador do Serviço de Anestesiologia do Hospital Universitário Walter Cantídio, da Universidade Federal
do Ceará.
Giovanni Menezes Santos
•• TSA-SBA, Presidente do Comitê de Distúrbios do Sono – SBA;
•• Especialista em terapia intensiva – AMIB; ASA member; IARS member.
Gustavo Rodrigues Costa Lages
•• TSA/SBA, Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor;
•• Coordenador do Centro de Dor e Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas da UFMG;
•• Anestesiologista do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG.
Heber de Moraes Penna
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Hipertermia Maligna – SBA;
•• Responsável CET Clínica de Anestesia de Goiânia;
•• Diretor Científico SAEGO.
Igor Furtado Soares Melo
•• ME2 no CET do Instituto Dr. José Frota.
Ivani Rodrigues Glass
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Anestesia Venosa – SBA;
•• Instrutora no CET Menino Jesus de Praga;
•• Mestre em biologia parasitária e doutoranda em ciências da saúde.
João Henrique Silva
•• TSA-SBA - Membro da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA do SANE/MEC;
•• Coordenador de anestesia do Hospital Moinhos de Vento.
João Hermínio Pessoa dos Santos
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET do Hospital Ofir Loiola;
•• Diretor de Defesa Profissional da SAEPA.
João Valverde Filho
•• TSA/SBA, Membro da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor;
•• Anestesiologista São Paulo Serviços Médicos de Anestesia, Doutor em Ciências FMUSP;
•• Diretor Centro de Tratamento da Dor Hospital Sírio Libanês em São Paulo.
Josenília Maria Alves Gomes
•• TSA-SBA;
•• Responsável pelo CET Dr. Oziel de Souza Lima;
•• Professora adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
Júlio Cezar Mendes Brandão
•• TSA-SBA - Secretário da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia – SBA;
•• Preceptor da residência médica de anestesiologia da Universidade Federal de Sergipe.
Leandro Mamede Braun
•• TSA-SBA, Presidente da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor – SBA;
•• Especialista em dor pela AMB - SBA;
•• Fellow of Interventional Pain Practice World Institute of Pain FIPP-WIP.
Ligia Andrade da Silva Telles Mathias
•• TSA/SBA;
•• Instrutora Corresponsável pelo CET Santa Casa de Misericórdia de São Paulo;
•• Professora Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Luís Antônio dos Santos Diego
•• TSA-SBA - Presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesiologia – SBA;
•• Professor da Universidade Federal Fluminense;
•• Doutor em anestesiologia pela UNESP, Botucatu, SP.
Luiz Augusto Carneiro Neto
•• ME2 no CET do Instituto Dr. José Frota.
Luiz Fernando dos Reis Falcão
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica – SBA;
•• Professor adjunto da disciplina Anestesiologia, Dor e Medicina Intensiva da Escola Paulista de Medicina,
Universidade Federal de São Paulo;
•• Pós-doutor pela Universidade de Harvard; Diretor científico do Grupo de Anestesiologistas Associados
Paulista (GA AP).
Marcelo Neves Silva
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Anestesia em Pediatria – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET do Instituto Materno-infantil de Pernambuco (IMIP).
Marco Aurélio Damasceno Silva
•• TSA/SBA, Membro do Comitê de Anestesia Ambulatorial – SBA;
•• Responsável pelo CET SEBA Jorge Eberienos.
Maria Ângela Tardelli
•• TSA-SBA, Co-Editora da Revista Brasileira de Anestesiologia – SBA;
•• Instrutora Corresponsável pelo CET Disc.Anest.Dor e Ter.Int.Unifesp/EPM;
•• Professora Associada da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva da Escola Paulista de Medicina –
UNIFESP.
Marisa Pizzichini
•• TSA-SBA, Presidente do Comitê de Anestesia Cardiovascular e Torácica – SBA;
•• Responsável pelo CET S.A. da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.
Melina Cristino de Menezes Frota
•• Anestesiologista do Instituto Dr. José Frota;
•• Fellowship em anestesiologia no Centro Hospitalar Universitário de Caen, França;
•• Diploma interuniversitário em técnicas ultrassonográficas em anestesia e reanimação pela Universidade de
Sorbone, Paris V, França.
Paulo Alipio Germano Filho
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Via Aérea Difícil – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET S.A.Hosp.Federal de Bonsucesso;
•• Mestrando em Anestesiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;
•• Membro da Comissão Científica da Sociedade de Anestesiologia do Estado Rio de Janeiro.
Pedro Paulo Kimachi
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Anestesia Loco-Regional – SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET São Paulo-Serv.Méd.de Anest.S/C Ltda.
Rafael Mercante Linhares
•• TSA-SBA, Membro do Comitê de Anestesia Loco-Regional – SBA;
•• Responsável pelo CET S.A.Hosp.Mun.Miguel Couto.
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
•• TSA-SBA, Presidente do Comitê de Anestesia Ambulatorial da SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET Santa Casa de Misericórdia de São Paulo;
•• Mestrado e doutorado pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Rosalice Miecznikowski
•• TSA-SBA, Presidente do Comitê de Via Aérea Difícil – SBA;
•• Instrutora Corresponsável pelo CET do Hosp.Regional da Asa Norte;
•• Médica do Hospital da Criança de Brasília.
APRESENTAÇÃO
Por que a educação deve ser continuada?
Diferentemente do que vivemos atualmente, no Brasil, o mundo atual proporciona infi-
nitas possibilidades de sucesso nos campos pessoal e profissional. O caminho mais rápido
para o sucesso é reavaliar o que ele significa para você e lembrar que nem todas as pessoas
dispõem das mesmas ferramentas e oportunidades na vida e que cada uma tem uma visão
diferente do que vem a ser o sucesso.
A realização pessoal e profissional não é nada fácil, especialmente, pelo fato de que a tão
sonhada realização depende, principalmente, de nós mesmos e das escolhas que fazemos ao
longo da vida, da forma como pensamos, sentimos e agimos a cada momento. A autorreali-
zação não é ponto de chegada, mas um caminho que decidimos percorrer em direção ao que
aspiramos ser, fazer e ter.
Educação deve ser algo que nos envolve, nos domine, nos faça ter o desejo do conheci-
mento, deve ser um problema de todos. Educação e cultura possuem um vínculo tão forte
que, às vezes, se confundem. São tão poderosas que caracterizam uma nação, uma profissão
e uma especialização.
A educação deve ser permanente, continuada, de qualidade, com conteúdo científico fo-
cado nas práticas de melhoria contínua da segurança do ato anestésico, possibilitando assim
alcançarmos padrões de excelência e de realização pessoal e profissional. Precisamos ter
na educação e no conhecimento científico a luz que nos guia rumo ao distanciamento da
escuridão do despreparo funcional.
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) define educação continuada como sendo
um processo permanente e constante de educação, que vem acompanhado de uma formação
básica que tem como principal objetivo atualizar e melhorar as capacidades das pessoas ou dos
grupos, ante mudanças técnicas e científicas perante as necessidades sociais propostas.

“Não há despertar de consciência sem dor.


As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo,
para evitar enfrentar a própria alma.
Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz,
mas sim por tornar consciente a escuridão.”
Carl Jung
Médico e pensador suíço (1875-1961)

Sigamos em frente, investindo em nós mesmos e, com certeza, alcançaremos o “sucesso”.

Dr. Sylvio Valença de Lemos Neto


Presidente da SBA
SUMÁRIO
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Capítulo 01
Anestesia em pediatria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Marcelo Neves Silva, Daniela Bianchi Garcia, Ana Carla Giosa Fujita

Capítulo 02
Anestesia regional através de cateteres de nervo periférico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha, Danielle Maia Holanda Dumaresq, Melina Cristino de Menezes Frota, Pedro
Paulo Kimachi, Rafael Mercante Linhares, Igor Soares Furtado Melo

Capítulo 03
Bloqueios periféricos no trauma e na emergência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Melina Cristino de Menezes Frota, Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha, Pedro
Paulo Kimachi, Rafael Mercante Linhares

Capítulo 04
Gerenciamento do centro cirúrgico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Luís Antônio dos Santos Diego, João Henrique da Silva, Júlio Cezar Mendes Brandão

Capítulo 05
Miopatias e anestesia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Ana Karla Arraes von Sohsten, Heber de Moraes Penna, Carlos Darcy Alves Bersot

Capítulo 06
Pré-condicionamento isquêmico remoto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Débora Maia da Costa, Francisco Elano Carvalho Pereira, Josenília Maria Alves Gomes, Cláudia Regina Fernandes

Capítulo 07
Cardiopatia chagásica e anestesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Ivani Rodrigues Glass, Ângela Maria da Silva, Dalmo Correia Filho

Capítulo 08
Uso da ultrassonografia no manejo da via aérea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Danielle Maia Holanda Dumaresq, Melina Cristino de Menezes Frota, Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha, Luiz
Augusto Carneiro Neto

Capítulo 09
Desflurano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Maria Ângela Tardelli, Daniel Capucci Fabri

Capítulo 10
Bem-estar ocupacional em anestesiologistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
Gastão Fernandes Duval Neto

Capítulo 11
Experiência e desafios na implantação de um programa de analgesia de parto em uma
maternidade pública no nordeste do Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
Cláudia Regina Fernandes, Antônia Maria de Carvalho, Geraldo Gonçalves da Silveira

Capítulo 12
Disritmias cardíacas e anestesia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Marisa Pizzichini, Luiz Fernando dos Reis Falcão, João Hermínio Pessoa dos Santos
Capítulo 13
Bloqueio epidural terapêutico para lombociatalgias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
Leandro Mamede Braun, João Valverde Filho, Gustavo Rodrigues Costa Lages

Capítulo 14
Uso dos bloqueadores neuromusculares no manuseio das vias aéreas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
Rosalice Miecznikowski, Paulo Alipio Germano Filho, Enis Donizetti Silva

Capítulo 15
O sistema gastrointestinal e sua relação com as alterações perioperatórias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
Florentino Fernandes Mendes, Ana Cristina Pinho Mendes Pereira, Eduardo Manso de Carvalho Andrade

Capítulo 16
Hipotermia em anestesia ambulatorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
Ricardo Caio Gracco de Bernardis, Eduardo Brigatto Sperling, Marco Aurélio Damasceno Silva, Ligia Andrade da
Silva Telles Mathias

Capítulo 17
Apneia obstrutiva do sono: um chamado à ação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
Giovanni Menezes Santos
PREFÁCIO
É com imensa satisfação que editamos o livro de Educação Continuada em sua versão
2014. A Sociedade Brasileira de Anestesiologia vem cumprindo seu papel de mantenedora
da atualização do conhecimento para seus associados.
O livro 2014 foi construído por colegas que trabalham em diferentes locais deste país e que
dedicaram algumas horas de seu lazer para escrever os capítulos – a eles nossos agradecimentos.
A confecção do livro passa por uma série de etapas, e delas participam os membros da
Comissão de Educação Continuada: a Dra. Cláudia Regina Fernandes e o Dr. Carlos Othon
Bastos, aos quais, desde já, agradeço o empenho.
A participação ativa da SBA é registrada no apoio de sua Diretoria e importante coo-
peração de seus dedicados e incansáveis funcionários, em especial Maria de Las Mercedes
Azevedo, grande ser humano que não mede esforços para ajudar a construir resultados posi-
tivos; Marcelo Sperle, na luta intensa pelo controle do recebimento dos originais e do envio
para a revisão ortográfica; Marcelo Marinho, pela qualidade da editoração, além do cuidado
técnico da revisão das referências bibliográficas realizada por Teresa Libório. Enfim, tudo
isso em prol de disseminarmos o conhecimento e proporcionarmos atualização aos colegas
associados.
O mundo passa por mudanças e precisamos fazer a diferença, colocar nossa energia para
a construção de melhores dias, e, para nós, anestesiologistas, a busca do conhecimento é
indispensável para evoluirmos na melhora da prestação de serviços à população.
Agradeço os anestesiologistas brasileiros que, mesmo diante de dificuldades, continuam
a fazer o melhor em benefício dos pacientes.

Dr. Marcos Antônio Costa de Albuquerque


Presidente da CEC/SBA 2014

Prefácio | 13
Capítulo 01

Anestesia em Pediatria
Marcelo Neves Silva
Daniela Bianchi Garcia
Ana Carla Giosa Fujita
Anestesia em Pediatria

Introdução
O Comitê de Anestesia Pediátrica tem como objetivo iniciar uma série de atualiza-
ções voltadas para doenças congênitas que possam auxiliar, de forma prática, seu ma-
nejo no intraoperatório.
Abordaremos, nesta edição, três doenças não tão comuns, mas que podem evoluir com
sérias complicações quando não tratadas adequadamente. Doenças que mostram a impor-
tância de uma abordagem correta por toda a equipe envolvida desde o primeiro atendimen-
to do recém-nascido (RN).

Gastrosquise e Onfalocele
Definição e Incidência
Apesar de as origens embriológicas da gastrosquise e da onfalocele serem diferentes,
ambas caracterizam-se pela ausência parcial ou total da parede abdominal, causando, nor-
malmente, herniação do intestino, mas também de outras vísceras sólidas, e apresentam
uma abordagem anestésica similar.
A gastrosquise é definida como um defeito da parede abdominal que ocorre la-
teralmente ao umbigo e, com frequência, à direita da cicatriz umbilical. A incidên-
cia é variável, de acordo com o banco de dados consultado. Há relatos de 1:10.0000
nascidos vivos que apresentam gastrosquise, na literatura nacional, e até 1:30.000 na
literatura americana1,2 .
Fatores maternos relacionados à maior incidência são: idade menor que 20 anos, primí-
paras, baixo nível socioeconômico e uso de drogas lícitas ou ilícitas (álcool, tabaco e cocaí-
na)3, substâncias que parecem causar efeito vasorreativo durante o período embriogênico.
Existem, ainda, casos associados com história familiar e alterações cromossômicas, mas o
papel de todos esses fatores ainda não está bem esclarecido4.
O cordão umbilical encontra-se intacto e as alças intestinais não são protegidas pela
membrana amniótica e ficam expostas aos efeitos lesivos do líquido amniótico durante a
vida intrauterina. Em 60% dos casos, o recém-nascido é prematuro e apresenta baixo peso
ao nascer, não havendo qualquer prova de relação genética. No entanto, apresenta baixa in-
cidência de anomalias associadas5.
A gastrosquise à esquerda já está associada à maior incidência de defeitos extraintestinais.
A onfalocele é definida como um defeito embriológico em que não ocorre o fechamento
da parede abdominal ao nível do cordão umbilical, mas herniação do intestino em sua base.
Sua incidência gira em torno de 1:10.000 - 6:10.000 nascidos vivos4.
Outras malformações congênitas (cardíacas - 10%; gastrointestinais - 25%; genituriná-
rias - 25%; neurológicas e cromossômicas, síndrome de Beckwith Wiedemann) são comuns
e estão presentes em 75% dos casos. A maioria dos recém-nascidos é de termo4.
As vísceras herniadas encontram-se envoltas por uma membrana amniótica peritoneal.

16 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Fisiopatologia
As consequências fisiológicas dos defeitos na parede abdominal são semelhantes em
ambas as lesões.
A principal característica da gastrosquise é o contato das alças intestinais com o líquido
amniótico, o que pode gerar um quadro de peritonite química, trauma direto das estruturas
herniadas, perda de calor e de líquidos pela exposição das alças intestinais, hipoproteine-
mia, edema, serosite e infecção das alças. Normalmente, nos pacientes que não são operados
imediatamente ao nascer, isso pode levar a hipotermia, SIRS/Sepse, acidose metabólica e
distúrbios hidroeletrolíticos. Outra característica do paciente é o alto risco de aspiração6.
Para evitar o aparecimento dessas complicações, o tempo entre o nascimento e a cirurgia
corretiva deve ser reduzido ao mínimo possível. O ideal seria que a correção cirúrgica ocor-
resse em sala ao lado da sala obstétrica. Sendo assim, para melhor prognóstico do recém-na-
to (RN), o diagnóstico intrauterino é fundamental. Quanto menor o peso ao nascer, maior
o grau de prematuridade e quanto mais extensos forem os defeitos da parede abdominal,
maior será a morbimortalidade7. Uma característica da patologia é o hipodesenvolvimento
do abdome.
Com relação à onfalocele, exceto pelo fato de as vísceras não estarem diretamente ex-
postas ao meio amniótico, o que fornece maior proteção quanto aos efeitos irritativos do lí-
quido amniótico, muitas alterações observadas decorrentes da gastrosquise também podem
ocorrer: perda de calor e perda hídrica; alterações hidroeletrolíticas; choque hipovolêmico
decorrente da transudação de fluidos; hipoproteinemia; aumento da pressão intra-abdomi-
nal após o fechamento da parede; além de hipoglicemia nos neonatos com visceromegalias.
Técnicas Cirúrgicas
O objetivo primário da cirurgia é o fechamento do defeito abdominal sem expor as vís-
ceras a as altas pressões intra-abdominais, o que poderia resultar em falência cardiorrespira-
tória; falência renal; disfunção hepática com alteração do clearance das drogas anestésicas
administradas; lesão isquêmica intestinal e até mesmo a morte4.
O tamanho do abdome em relação à lesão e a repercussão hemodinâmica que ocorre
durante a colocação das vísceras herniadas na cavidade abdominal determinarão o procedi-
mento cirúrgico. É recomendada a medição da pressão intra-abdominal (PIA) como fator
de segurança para a verificação da possibilidade de se fechar completamente a cavidade.
Quatro podem ser as técnicas:
1. Fechamento primário - é o tratamento preferido por oferecer menor risco de infec-
ção e outras complicações gastrintestinais; no entanto, pelo fato de o abdome ser
hipodesenvolvido, ele pode não conseguir acomodar o conteúdo herniado.
2. Fechamento da parede abdominal em estágios, em que o primeiro tempo consiste
em utilizar um silo com diminuição progressiva do defeito, na UTI, até a colocação
completa das vísceras abdominais dentro da cavidade.
3. Fechamento cutâneo.
4. Nas onfaloceles gigantes, que não é possível fechar, mesmo em etapas, realiza-se uma
instilação com sulfadiazina, que leva à epitelização da região e à cirurgia tardia.

Anestesia em Pediatria | 17
Preparo Pré-operatório
Um preparo pré-operatório adequado ao RN é essencial para o sucesso da cirurgia.
Uma série de medidas deve ser realizada:
• garantir pós-operatório em UTI;
• combinar o momento da cesariana com a equipe da cirurgia pediátrica, para que
esteja preparada para receber o RN;
• manter o RN com a cabeceira elevada;
• envolver, logo após o nascimento, as vísceras com campos estéreis embebidos com
soro fisiológico ou com plástico esterilizado, para minimizar a perda de calor e a
perda hídrica e diminuir o risco de infecção;
• introduzir sonda orogástrica ou nasogástrica de maior calibre possível para drenar o
conteúdo do estômago e prevenir a regurgitação e a broncoaspiração;
• puncionar a veia periférica e restaurar a volemia do paciente e o status oncótico
e eletrolítico (quanto menor o tempo entre o nascimento e a cirurgia, menor a
necessidade dessa restauração); geralmente, as necessidades hídricas iniciais são
maiores que 140 ml/kg/24h, devendo, se necessário, adicionar coloide (albumina)
ao cristaloide;
• o uso de antibiótico apropriado também é necessário para evitar o risco de septicemia;
• reservar hemocomponentes;
• se necessário, realizar punção venosa central sob anestesia geral, para evitar dis-
secção venosa ou punção com o RN acordado, o que minimiza os riscos inerentes
a tais procedimentos;
• enfaixar os membros superiores e inferiores para o melhor controle da temperatura;
• manter o ar-condicionado desligado até o RN estar com os campos cirúrgicos cobertos;
• exames laboratoriais em RN operados imediatamente após o nascimento não são
necessários e não se deve postergar a cirurgia por causa deles; já naqueles com tempo
mais longo entre a cirurgia e o nascimento, pode-se colher uma gasometria e corrigir
os possíveis distúrbios o mais rapidamente possível;
• todos os procedimentos realizados no paciente, como monitorização, punção de veia
periférica e indução da anestesia, devem ser realizados com luvas estéreis.

Preparo Perioperatório
Monitor/equipamentos
O paciente deve ser monitorizado com eletrocardiograma, oxímetro de pulso, capnogra-
fia, capnometria e pressão arterial não invasiva com manguito de tamanho compatível com
o paciente, além do controle da temperatura central.
A pressão venosa central pode ser utilizada como medida complementar nas crianças
com estado geral mais grave ou com malformações que possam comprometer a sobre-
vida4, embora seja menos fidedigna na faixa etária pediátrica. Importante monitorizar a
diurese, as perdas sanguíneas e a pressão intra-abdominal.

18 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Em virtude do alto risco de hipotermia, é essencial assegurar que a sala seja aquecida a
24ºC e que o RN esteja protegido por um sistema adequado de aquecimento, além de estar
em um colchão térmico, coberto com manta térmica.
A colocação das vísceras na cavidade abdominal pode comprometer a ventilação, au-
mentando a pressão nas vias aéreas e diminuindo a complacência pulmonar, de modo que
é fundamental usar um aparelho de anestesia adequado para ventilar essa população de pa-
cientes. O sistema circular aberto ou fechado pode ajudar em alguns momentos.
Indução
É importante lembrar-se das seguintes considerações:
• manter a sonda gástrica aberta e aspirá-la antes da indução anestésica;
• como o RN é considerado de estômago cheio, deve ser intubado em sequência rápida
ou acordado;
• a indução pode ser feita com sevoflurano em O2 e ar comprimido, sendo contrain-
dicada a utilização de óxido nitroso; como agente hipnótico, o propofol é uma boa
escolha, pois, além de ter rápido início de ação, pode auxiliar a IOT, aprofundando o
nível da anestesia;
• o opioide utilizado deve ser de ação longa ou intermediária (sufentanil ou fentanil), em
virtude da alta necessidade de ventilação artificial no pós-operatório e da obrigação
de usar a menor dose possível de anestésico inalatório; a metabolização dos opioides
geralmente é mais lenta que o esperado, pelo aumento da PIA no pós-operatório4;
• o uso de BNM não é essencial ao procedimento cirúrgico, podendo auxiliar na aco-
modação das alças intestinais após o fechamento da parede abdominal e facilitar a
ventilação mecânica; o uso da succinilcolina não está contraindicado, no entanto,
deve ser evitado, principalmente nos neonatos; caso o anestesista deseje utilizá-la,
sua administração deve sempre ser precedida de atropina.

Manutenção
Durante o procedimento cirúrgico, uma boa interação entre o anestesista e o cirurgião
é essencial.
A possibilidade de fechar a parede abdominal em um só tempo deve ser analisada pelo
anestesista, por meio da capacidade de manter a ventilação adequada ao paciente.
Considera-se ventilação adequada o volume corrente em torno de 5-6 mL/kg de peso corpó-
reo, com pressão intratraqueal máxima de 30 cmH20, desde que não ocorra retenção de CO28.
Durante o procedimento, o relaxamento muscular pode ser essencial para auxiliar
nesse fechamento.
Entre as complicações cirúrgicas descritas, pode haver elevação da pressão intra-abdominal
(PIA). O aumento excessivo da PIA pode causar alteração da irrigação dos órgãos; isquemia; oli-
gúria; translocação bacteriana e diminuição da perfusão dos membros inferiores. A diminuição
do retorno venoso pela compressão pode causar hipotensão e congestão dos membros inferiores9.
Sendo assim, a PIA deve ser mensurada durante o fechamento da parede abdominal,
tendo como objetivo determinar a tolerância ou não desse fechamento. Embora a PIA infe-

Anestesia em Pediatria | 19
rior a 20 mmHg seja considerada segura para o fechamento da parede abdominal, o aumen-
to da pressão intratraqueal para valores maiores de 30 mmHg não recomenda o fechamento
primário da parede.
PIA maior que 20 mmHg e aumento da PVC de 4 mmHg estão associados à redução do re-
torno venoso e do índice cardíaco, podendo levar à síndrome compartimental intra-abdominal.
Quando a pressão abdominal alcança 30 mmHg, não é recomendado o fechamento completo.
A PIA pode ser monitorada por meio de um cateter intravesical, pela observação de
edema e cianose em MMII ou pela monitorização da SaO2 pós-ductal acima e abaixo do
abdome (ou seja, na mão esquerda e no pé), que prediz alterações do fluxo sanguíneo10.
Pós-operatório
Ao término da cirurgia, o paciente deve ser encaminhado à UTI intubado e com bom
nível de hipnose e bloqueio neuromuscular, que auxiliarão na ventilação nas primeiras horas
e por até 48 horas, a depender do grau de evisceração. Alguns RN podem ser encaminhados
em ventilação espontânea.
A observação clínica e a monitorização devem ser mantidas na busca de sinais de altera-
ção hemodinâmica, síndrome compartimental ou infecção.
Deve-se manter a sonda gástrica até o funcionamento intestinal se normalizar.
É importante preservar a reposição hídrica e de glicose. Alguns neonatos necessitam se
alimentar por via endovenosa por um longo período, uma vez que a função intestinal pode
demorar semanas para retornar ao normal.

Estenose Hipertrófica de Piloro


Definição e Incidência
A estenose hipertrófica de piloro é uma afecção cirúrgica que ocorre em um RN a cada
400-500 nascidos vivos. Apresenta-se mais frequentemente em crianças do sexo masculino
(cinco homens para cada mulher) e nos primogênitos. A etiologia não é bem definida.
Apesar de haver clara associação familiar e de já ter sido feita a descrição de três lócus
genéticos envolvidos em sua ocorrência, existem observações populacionais que associam a
doença ao tabagismo materno, ao uso de eritromicina no período pós-natal e a crianças que
dormem em posição prona11.
Fisiopatologia
A análise patológica da doença mostra hipertrofia da camada muscular do piloro, es-
pecialmente das fibras circunferenciais, que funciona como obstrução mecânica ao esva-
ziamento gástrico e como bloqueio funcional decorrente do espasmo muscular das fibras
musculares já hipertrofiadas.
A apresentação clássica descrita na literatura é do recém-nascido, ou lactente, sem condi-
ções clínicas ou com malformações associadas que, entre a segunda e a oitava semanas de
vida, começa a apresentar vômito não bilioso em jato. É descrita também a palpação de uma
oliva muscular (pequena massa) entre a região epigástrica e o quadrante superior direito, além
de ondas peristálticas visíveis no abdome. Ao longo de poucos dias, o paciente, quando não

20 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


tratado adequadamente, evolui com quadro de desidratação, distúrbios metabólicos, perda de
peso, apatia e morte.
Os vômitos e a diminuição da ingesta inicialmente levam a criança à desidratação. Os exa-
mes de laboratório e de urina mostrarão alcalose metabólica (pela contração do volume sérico
e pela perda de hidrogênio no conteúdo gástrico); hipocalemia; hipocloremia e hiponatremia.
Pode haver hipocalcemia associada. Inicialmente, a urina será alcalina, na tentativa de pre-
servar o pH sanguíneo, e haverá mais perda de sódio e potássio. O potássio terá ainda maior
redução sérica pela troca com o íon H+ decorrente da alcalose. Com a evolução do quadro
clínico, a depleção eletrolítica leva à acidúria paradoxal, em que a criança, mesmo em alcalose,
não retém o íon H+. Finalmente, ocorre insuficiência renal pré-renal4.
O diagnóstico é feito com o auxílio da história do paciente, do quadro clínico e da ultras-
sonografia. Raramente se realiza um exame contrastado do trato digestivo. Atualmente, o
diagnóstico é mais precoce e os distúrbios hidroeletrolíticos são menores, sendo raro encon-
trarmos o quadro clínico completo12 referido anteriormente.
Preparo Pré-operatório
O tratamento cirúrgico é preconizado como tratamento padrão e definitivo. Apesar de ser
uma condição potencialmente letal, o tratamento cirúrgico não é considerado emergência.
Antes de ser levado ao centro cirúrgico, esse paciente deve ter a volemia restaurada e apresen-
tar diurese adequada e níveis séricos de cloro e potássio normalizados. A gasometria deve se
aproximar dos valores considerados normais para a faixa etária. É fundamental que a criança
apresente comportamento normal para a idade e que seja capaz de permanecer alerta13.
Indução e Manutenção
A grande maioria dos RN com estenose hipertrófica do piloro é encaminhada ao centro ci-
rúrgico com sonda gástrica aberta em sistema de aspiração contínua para minimizar o risco de
broncoaspiração. Caso contrário, uma vez na sala de operações, deve-se introduzir uma sonda
gástrica calibrosa e aspirar cuidadosamente o conteúdo gástrico. Após oferta de oxigênio a
100%, em situações normais, pode ser realizada indução anestésica em sequência rápida sob
anestesia inalatória ou venosa. A utilização de opioides deve ser a menor possível e, de acordo
com a discussão a seguir, as alternativas para a analgesia devem sempre ser consideradas.
É necessário também o controle da glicemia, uma vez que essas crianças podem apresen-
tar estoque de glicogênio baixo, dada a baixa ingesta nessa fase inicial da vida.
O procedimento cirúrgico consiste na dissecção da camada muscular do piloro, que
pode ser feita por uma pequena incisão no quadrante superior direito do abdome ou por via
laparoscópica (menos comum).
Analgesia
Esses pacientes apresentam maior risco de apneia e hipoventilação no pós-operatório e
alguns centros recomendam a monitorização contínua nesse período. Acredita-se que isso
ocorra pelo quadro de alcalose metabólica residual, fazendo com que o estímulo decorrente
do aumento do CO2 e da acidemia, para a manutenção da ventilação minuto, seja minimi-
zado. A alcalose metabólica associada a outros fatores, como hipotermia, prematuridade e

Anestesia em Pediatria | 21
uso de opioides, favorece a ocorrência de apneia no intra e no pós-operatório. Dessa forma,
o uso de opioides deve ser mínimo e a analgesia por outras drogas ou métodos, maximizada.
Entre as opções para analgesia, temos infiltração da ferida cirúrgica no início ou no final
do procedimento. Essa opção é bem segura, porém, não proporciona analgesia intraoperató-
ria quando realizada no fim do procedimento. A realização de bloqueio peridural via sacral
apresenta bons resultados, com a desvantagem de necessitar de grandes volumes de anes-
tésico local e da regressão precoce do bloqueio quanto mais cranial a região de interesse.
Autores descrevem a efetividade da peridural em nível torácico, mas as complicações, apesar
de raras, podem ser muito graves, havendo alternativas eficazes disponíveis. Uma possibi-
lidade descrita é o bloqueio bilateral da bainha do reto abdominal guiado por ultrassom,
um método seguro que utiliza pequena quantidade de anestésico local (0,3 mL/kg), com a
desvantagem de exigir equipamento e treinamento específicos, mas com excelente eficácia.
Uma pequena porcentagem dos pacientes vai necessitar de analgesia suplementar14.
Pós-operatório
A evolução pós-operatória costuma ser favorável. O paciente deve ser atentamente observa-
do após o término do procedimento quanto à ventilação. Se houver irregularidade, indica-se
a monitorização em ambiente intensivo. Uma pequena parte dos pacientes apresentará algum
episódio de vômito após o término da cirurgia, mas a maioria se recupera prontamente, com
boa aceitação alimentar e alta hospitalar no primeiro ou segundo dia de pós-operatório.

Referências bibliográficas:
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gui LC. Curso de Educação à Distância em Anestesiologia. São Paulo, Segmento Forma, 2005; 93-113.
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Lerman’s a Practice of Anesthesia for Infants and Children. 5th Ed. Philadelphia, Elsevier/Saunders, 2013; 746-765.
5. Bikhazi GB & Davis PJ. Anesthesia for Neonates and Premature Infants, em: Montoyama EK, Davis PJ. Smith’s
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22 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 02

Anestesia regional através de


cateteres de nervo periférico
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Melina Cristino de Menezes Frota
Pedro Paulo Kimachi
Rafael Mercante Linhares
Igor Soares Furtado Melo
Anestesia regional através de cateteres de nervo periférico
Introdução
Nas últimas décadas, tem havido crescente interesse nos bloqueios através cateteres de nervos
periféricos (BCNP). Essa técnica consiste em inserir o cateter por via percutânea e posicioná-lo
adjacente ao nervo periférico, para, assim, realizar a administração de anestésico local.

Figura 1– Representação esquemática do posicionamento perineural do cateter de nervo periférico em


nervo femoral.

Essa técnica possibilita a realização de injeções de anestésico suplementar quando da ex-


tensão do procedimento cirúrgico; injeção através de infusão contínua ou ainda através de
bólus regulares. Sua maior vantagem é, dessa forma, obter o prolongamento do efeito anes-
tésico, bem como propiciar analgesia pós-operatória de ótima qualidade. Quando o cateter
perineural é combinado com a bomba de infusão contínua portátil, pacientes ambulatoriais
podem experimentar um nível de analgesia pós-operatória semelhante ao concedido aos
pacientes hospitalizados1,2 .

Benefícios
Ao longo dos anos, diversos estudos evidenciaram os benefícios dos BCNP no controle
da dor. O uso de cateter para a analgesia contínua tem mostrado maior benefício em relação
ao uso oral ou parenteral de opioides. Além disso, tem também reduzido consideravelmente
a quantidade do consumo desses agentes, resultando em menores efeitos colaterais advindos
desses fármacos (sedação, náusea, vômitos e prurido). Há estudos que comprovaram que a
técnica contínua tem melhor controle da dor se comparar com os pacientes que receberam
uma única dose de anestésico local. Mostrou-se ainda superior às técnicas de analgesia sis-
têmica controlada pelo paciente (PCA)3.
Outras vantagens do uso dos BCNP são: menor tempo de reabilitação funcional; mobilização
precoce; menor tempo de permanência hospitalar e maior satisfação do paciente em relação à
analgesia pós-operatória4. O interesse do uso de bloqueios de nervos periféricos, associados ou
não à utilização de cateteres, tem crescido nos últimos anos ainda pelo seu potencial anti-infla-
matório, além da possibilidade de se abdicar do uso de técnicas neuroaxiais e suas complicações
de alta morbidade, principalmente quando existe uso de drogas anticoagulantes5,6.

Indicações
Os primeiros relatos dos BCNP descrevem seu uso para bloqueios anestésicos intrao-
peratórios e para o tratamento de soluços7-9. Posteriormente, artigos mostraram os BCNP

24 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


induzindo simpatectomia e vasodilatação para aumentar o fluxo sanguíneo após acidente
vascular, transferência e implantação de dedos, recuperação de membros, alívio de vaso-
espasmo da doença de Raynaud e tratamento de embolia periférica10-15. Após trauma, os
BCNP podem ser usados para fornecer analgesia durante o transporte para centros de trata-
mento distantes ou enquanto se aguarda o reparo da lesão1,16,17.
Embora não validados, estudos descrevem os BCNP para tratar dor crônica, como a síndro-
me de dor regional complexa, a dor de membro fantasma intratável, a dor do câncer em estágio
terminal e a neuralgia do trigêmeo. No entanto, segundo a maioria dos trabalhos, frequente-
mente, seu uso se concentra no período perioperatório e somente essa aplicação contínua de
anestésico local perineural está validada com ensaios clínicos controlados1,3,18-21 (Tabela 1).
Por causa dos riscos inerentes ao procedimento, o uso domiciliar dos BCNP em procedimen-
tos ambulatoriais é indicado em casos cirúrgicos com previsão de dor de mais difícil controle
com técnicas analgésicas menos invasivas, como analgésicos orais, técnicas de resfriamento e
aquecimento local, ou em pacientes com intolerância a analgésicos convencionais1,22-24.
Tabela 1 – Indicações para o uso de BCNP
Indicações da Utilização de BCNP
Analgesia pós-operatória intra-hospitalar
Analgesia pós-operatória ambulatorial
Simpatectomia e vasodilatação para aumentar a perfusão de membros reimplantados
Alívio de vasoespasmo da doença de Raynaud
Tratamento de embolia arterial periférica
Analgesia pós-trauma para remoção após acidentes
Síndrome de dor regional complexa
Dor do membro fantasma intratável
Dor oncológica terminal
Neuralgia do trigêmeo
Antes de escolhermos a técnica anestésica, temos que levar em consideração os fatores
inerentes ao paciente e, muitas vezes, contraindicar a técnica contínua. Entre esses fatores,
podemos citar: a recusa do paciente para realizar o BCNP; a não compreensão do paciente
sobre as instruções para a manutenção e o uso do cateter, principalmente quando se trata de
pacientes ambulatoriais; o perfil de coagulação do paciente, por causa do risco de hemato-
mas tanto na instalação do cateter como na sua remoção; a cooperação do paciente durante
a realização da punção do cateter, por causa da agulha utilizada ser mais calibrosa que a
agulha de bloqueio para injeção única de anestésico; o risco de infecção pós-operatória,
principalmente em pacientes com bacteremia; infecção em sítios próximos ao cateter em
pacientes usuários de drogas ou com higiene pessoal não adequada, em diabéticos descon-
trolados e outros fatores que permitam maior risco para infecção do cateter3.

Risco de infecção em cateteres perineurais


Estudos apontam que entre 23% e 57% dos cateteres de nervo periférico então colonizados,
resultando 0-3% de infecção localizada25-34. O micro-organismo mais frequentemente detecta-

Anestesia regional através de cateteres de nervo periférico | 25


do na superfície da pele e na colonização de cateter é o Staphylococcus epidermidis25-28 , enquan-
to o Staphylococcus aureus é o mais relacionado com infecções ou formação de abscesso25,26,29.
Entre os fatores de risco para infecção, podemos citar o longo período dos pacientes em
Unidades de Tratamento Intensivo (UTI). Tais estabelecimentos predispõem o paciente a
apresentar comprometimento da imunidade celular e possuem muitos pacientes politrau-
matizados que apresentam maior quantidade de espécies de bactérias na pele, se compara-
dos com outros pacientes26.
Outro fator de risco independente foi o tempo de permanência do cateter. Capdevila e
col. mostraram que duração maior que 48 horas foi um fator de risco independente para
inflamação local e infecção local relacionada ao cateter25.
A ausência de antibioticoprofilaxia também foi um fator de risco independente para in-
fecção local25,26,29. No entanto, a aplicação de apenas uma dose cerca de 30 a 60 minutos
depois na inserção do cateter parece não ser suficiente para tal proteção29.
O local de instalação do cateter também pode ser um importante fator de risco para colo-
nização bacteriana e inflamação local. Os sítios axilar e femoral estão associados com taxas
de 37% a 57% de colonização25,27, enquanto o cateter em região poplítea tem reduzidas taxas,
variando de 0 a 19%25,28,37. Esses achados podem estar relacionados com a densidade das
glândulas sebáceas na região axilar, o que dificulta a desinfecção local e aumenta a porcen-
tagem de micro-organismos36.
A Sociedade Americana de Anestesia Regional (ASRA) tece algumas recomendações
gerais para o controle de infecção (Tabela 2)35.
Tabela 2 – Recomendações da ASR A para controle de infecção por cateteres de ner-
vos periféricos
Maior Menor
Uso adequado de filtros de bactéria durante
Remover relógios e joias cateterização prolongada
Antes do procedimento, lavar as mãos com solução Prevenir furos no cateter
alcoólica
Posicionar campos cirúrgicos adequadamente Prevenir a manipulação do sítio de punção
Usar gorros e máscaras cirúrgicas
Usar luvas estéreis
Fazer seleção apropriada da solução desinfetante
Manter os campos estéreis
Usar técnicas adequadas para curativos
A técnica de tunelização de cateter para o BCNP permanece controversa. Porém, parece
ter benefício em diminuir movimentos clinicamente relevantes do cateter e talvez reduzir a
colonização de bactérias no sítio de instalação do cateter38.
BCNP com USG ou eletroestimulador
Ensaios clínicos randomizados sugerem que o uso da USG, se comparado ao eletroesti-
mulador, proporciona maior sucesso no procedimento proposto; menor chance de punção

26 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


vascular; redução no número de punções e na manipulação da agulha; maior conforto ao
paciente; menor dose de anestésico; menor consumo de morfina, proporcionando melhor
controle de dor pós-operatória39-41.
Estudo de Aveline e col. concluiu que nos BCNP o uso da USG combinado com o ele-
troestimulador, se comparado com o eletroestimulador sozinho, reduz as doses de anesté-
sico e consumo de morfina e melhora o tratamento da dor pós-operatória, enquanto outros
estudos sugerem que a técnica combinada (USG + ES) não tem grandes benefícios e pode,
inclusive, dificultar ainda mais a técnica anestésica42-45.
Ehlers e col. concluíram ainda que a USG, se comparar com o ES nos BCNP, tem alta
qualidade nos bloqueios com baixo custo, e recomenda que a instalação de cateter seja feita
de preferência com o uso da USG46.

Técnica por ultrassonografia


Bloqueio Interescalênico
• Objetivo
Posicionar o cateter de nervo periférico próximo aos troncos do plexo braquial, entre os
músculos escalenos anterior e médio.
• Posicionamento e técnica

Figura 2 – (A) Posicionamento do probe de ultrassonografia sobre os músculos interescalênicos. (B) Pun-
ção do espaço interescalênico com cateter na região perineural ao plexo braquial.

O posicionamento mais comum do transdutor linear de alta frequência (6 a 13 MHz) é trans-


versal ao eixo longitudinal; e a agulha deve ser inserida em plano, no sentido lateromedial.
Após a visualização do espaço, agulha de 50 mm é introduzida até a região perineural;
3 a 4 ml de anestésico local devem ser infundidos através da agulha para tornar mais fácil a
inserção do cateter.
Ainda sob visualização ultrassonográfica, o cateter é inserido de 2 a 3 cm no espaço inte-
rescalênico, na proximidade do plexo braquial.
Seguem a infusão do restante do volume de anestésico local previsto e a confirmação do
posicionamento correto do cateter.

Anestesia regional através de cateteres de nervo periférico | 27


Figura 3 – Posicionamento de cateter interescalênico com tunelização.

Bloqueio Supraclavicular
• Objetivo
Posicionar o cateter de nervo periférico próximo às divisões do plexo braquial na proxi-
midade da artéria subclávia em região supraclavicular.
• Posicionamento e técnica

Figura 4 – (A) Posicionamento do probe de ultrassonografia e agulha na região supraclavicular. (B) Pun-
ção da região supraclavicular com cateter na região perineural às divisões do plexo braquial.

O posicionamento do transdutor linear de alta frequência (6 a 13 MHz) na região supra-


clavicular é paralelo à clavícula. A agulha deve ser inserida em plano, no sentido lateromedial.
Após a visualização do espaço, agulha de 50 mm é introduzida até a região perineural;
3 a 4 ml de anestésico local devem ser infundidos através da agulha para tornar mais fácil a
inserção do cateter.
Ainda sob visualização ultrassonográfica, o cateter é inserido 2 a 3 cm na proximidade
das divisões do plexo braquial.
Seguem a infusão do restante do volume de anestésico local previsto e a confirmação do
posicionamento correto do cateter.
Bloqueio Infraclavicular
• Objetivo
Posicionar o cateter de nervo periférico próximo ao fascículo posterior à artéria axilar em
região infraclavicular.

28 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


• Posicionamento e técnica

Figura 5 – Posicionamento do probe de ultras-


sonografia em região infraclavicular.

Figura 6 – Punção infraclavicular com


posicionamento do cateter posterior à
artéria axilar.

Posicionamento com braço abduzido a 90 0 e transdutor linear de alta frequência (6 a 13


MHz) em posição paralela ao eixo longitudinal do corpo, abaixo e medial ao processo cora-
coide da clavícula. A agulha deve ser inserida em plano.
Após a visualização da artéria axilar, agulha de 100 mm é introduzida até a região pos-
terior desse vaso; 3 a 4 ml de anestésico local devem ser infundidos através da agulha para
tornar mais fácil a inserção do cateter.
Ainda sob visualização ultrassonográfica, o cateter é inserido 2 a 3 cm próximo ao fascí-
culo posterior do plexo braquial.
Seguem a infusão do restante do volume de anestésico local previsto e a confirmação do
posicionamento correto do cateter.

Figura 7 – Posicionamento e fixação do cate-


ter infraclavicular.

Anestesia regional através de cateteres de nervo periférico | 29


Bloqueio Femoral
• Objetivo
Posicionar o cateter de nervo periférico próximo ao nervo femoral, abaixo da fáscia ilíaca.
• Posicionamento e técnica

Figura 8 – Posicionamento do
transdutor de ultrassonografia
e da agulha abaixo do
ligamento inguinal transversal
à artéria femoral.

Figura 9 – Bloqueio do nervo femo-


ral com cateter posicionado abaixo
da fáscia ilíaca.

Posicionamento do transdutor linear de alta frequência (6 a 13 MHz) na região in-


frainguinal e transversal ao feixe vásculo nervoso. A agulha deve ser inserida em plano no
sentido lateromedial.
Após a visualização de veia, artéria e nervo femoral, agulha de 50 mm é introduzida entre
a fáscia ilíaca e o nervo femoral. Devem-se infundir 3 a 4 ml do anestésico local através da
agulha, de forma a empurrar o nervo femoral para baixo e separá-lo da fáscia ilíaca. Ainda
sob visualização ultrassonográfica, o cateter é inserido 2 a 3 cm nessa localização.
Seguem a infusão do restante do volume de anestésico local previsto e a confirmação do
posicionamento correto do cateter.

30 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Figura 10 – Posicionamento
e fixação do cateter femoral
com tunelização.

Bloqueio Isquiático Poplíteo


• Objetivo
Posicionar o cateter de nervo periférico próximo ao nervo isquiático, em torno de 10 cm
cefálico à fossa poplítea.
• Posicionamento e técnica

Figura 11 – Posicionamento
do transdutor 10 cm acima
da fossa poplítea transversal
ao fêmur com o paciente em
decúbito lateral.

Figura 12 – Bloqueio do
nervo isquiático com cateter
posicionado próximo ao nervo.

Anestesia regional através de cateteres de nervo periférico | 31


Posicionamento do transdutor de alta frequência (6 a 13 MHz) em torno de 10 cm cefáli-
co à fossa poplítea. Uma agulha de 50 ou 100 mm, a depender do tecido adiposo do paciente,
deve ser inserida em plano no sentido lateromedial.
Após a visualização do nervo isquiático entre os músculos semitendinoso e semimembrano-
so, o bíceps femoral e a introdução da agulha até a proximidade do nervo isquiático, devem-se
infundir 3 a 4 ml do anestésico local, de forma a expandir o espaço no qual se alojará o cateter.
Ainda sob visualização ultrassonográfica, o cateter é inserido 2 a 3 cm além da agulha.
Seguem a infusão do restante do volume de anestésico local previsto e a confirmação do
posicionamento correto do cateter.

Figura 13 – Posicionamento e
fixação do cateter isquiático poplíteo

Seleção bomba de infusão


Em geral, bombas de infusão eletrônicas têm alta precisão e taxas de infusão basal cons-
tantes (90%-100% do esperado). Dispositivos elastoméricos inicialmente têm taxa de infu-
são basal além da esperada (110%-150%), retorna à faixa esperada dentro de 2-12 horas e
novamente aumenta a taxa de infusão antes da exaustão do reservatório. Da mesma forma,
bombas spring-power têm, inicialmente, taxas de infusão acima do esperado (115%-135%
do esperado) e diminuem sua taxa progressivamente, com a exaustão do reservatório (70%-
75% do esperado)47-51. Há dados insuficientes na literatura para determinar se as bombas não
eletrônicas têm alguma influência clínica nas variações da taxa de infusão.
Algumas bombas têm a capacidade de administrar uma dose de infusão basal e doses em
bólus de anestésico local controlado pelo paciente, enquanto outras possuem apenas uma
dessas funções. Quando não há a opção de dose em bólus, doses maiores de opioides são ne-
cessárias para a analgesia de resgate. A anestesia regional controlada pelo paciente (ARCP)
fornece similar ou superior analgesia com menor consumo de anestésico, se comparado com
a infusão contínua. A ARCP é importante, sobretudo, para pacientes ambulatoriais, pois pode
ser adaptada para fornecer taxa de infusão basal mínima com o mínimo bloqueio motor, per-
mitir doses em bólus para analgesia de resgate e promover fisioterapia precoce47-50,52-57.
Se várias taxas de infusão, volume de bólus e bloqueio da bomba são desejadas, será
necessária uma bomba de infusão eletrônica. No entanto, a maioria das bombas não ele-
trônicas pode ser encomendada com diferentes taxas de infusão basal. Essa taxa será fixa
de fabricação, e não poderá ser ajustada. Já existe no mercado, nos Estados Unidos57, uma
bomba elastomérica com taxa basal ajustável.

32 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


A taxa de infusão ideal é altamente variável entre pacientes, sendo assim, o uso de taxas
variáveis com ajuste orientado por profissionais de saúde por telefone permite melhor oti-
mização da analgesia56,57.
Regimes de infusão
Os regimes de infusão propostos pela literatura incluem três modalidades: infusão con-
tínua isolada; infusão em bólus intermitente controlada ou não pelo paciente e associação
de infusão contínua basal com bólus intermitente de resgate quando o paciente sente dor.
Ilfeld e col. compararam esses regimes de infusão, em nível ambulatorial, em três trabalhos
duplos-cegos. Os dois primeiros descreveram estudos nos quais se comparavam esses regi-
mes de infusão, no pós-operatório de cirurgias ortopédicas com bloqueios realizados pelas
técnicas infraclavicular e ciática. Um grupo com infusão contínua, outro grupo com infusão
contínua associado com bólus de anestésico local controlado pelo paciente e outro grupo so-
mente com bólus controlado. Todos os pacientes tiveram alta com um mesmo reservatório
de anestésico local (ropivacaína 0,2%)53-55.
Em ambos os estudos, os grupos que fizeram uso de doses de anestésico local somente
em bólus controlado pelo paciente apresentaram maior duração de analgesia pela demora na
exaustão do recipiente de ropivacaína 0,2%. Apresentaram, porém, menor potência em analge-
sia, aumento de distúrbios no sono e menor satisfação, se comparado com o regime de infusão
com associação das técnicas. Na infusão combinada, houve ainda redução da taxa de infusão
basal contínua, fazendo com que houvesse menor consumo de anestésico, se comparado com
a técnica de infusão basal isolada. Estratégia essa que pode ser benéfica principalmente em
pacientes ambulatoriais nos quais há limitado reservatório com anestésico53,55.
O terceiro estudo compara dois grupos. O primeiro com infusão basal contínua de 8 ml/h e
doses de bólus de 4 ml controladas pelo paciente a cada hora. O segundo com infusão basal de 4
ml/h e doses de bólus de 6 ml. Ambos com ropivacaína 0,2%. Foi evidenciado, no estudo, que,
reduzindo a dose basal de 8 ml/h para 4 ml/h e aumentando a dose de bólus, foi obtida similar
analgesia, porém com maior incidência de incremento da dor e de sua intensidade; aumento
de distúrbios do sono e diminuição da satisfação com a analgesia. A redução da infusão basal
ainda aumentou o tempo disponível de analgesia pelo cateter pela maior demora na exaustão do
reservatório de anestésico local. O anestesista então tem de decidir se mantém a analgesia mais
eficaz por menor tempo ou a analgesia de menor aceitação por período maior54.

Escolha da solução
Muito se questiona, na literatura, sobre quais seriam a concentração, o volume e a massa
anestésica ideais para se obter maior tempo de analgesia, com menor incidência de paraefei-
tos tanto nos regimes de injeção única quanto nos regimes de infusão através de cateteres.
Importantes paraefeitos no que diz respeito a bloqueios de nervo periférico são o bloqueio
motor indesejável e a insensibilidade do membro bloqueado, principalmente para pacientes
em regime ambulatorial, nos quais esses bloqueios podem levar a dificuldade de movimen-
tação do membro, de deambular e risco de quedas domiciliares58.
Em um estudo recente, um cateter perineural em localização isquiática poplítea foi intro-
duzido e comparou-se a infusão da mesma massa, mas com diferentes concentrações e taxas

Anestesia regional através de cateteres de nervo periférico | 33


de infusão. Em um grupo, se utilizou ropivacaína a 0,2% com taxa de infusão basal contínua
de 8 ml/h com bólus de resgate de 4 ml disponível a cada 30 minutos. No segundo grupo,
se utilizou ropivacaína 0,4% com infusão basal contínua de 4 ml/h e bólus de resgate de 2
ml disponível a cada 30 minutos. Observou-se que a analgesia e a satisfação dos pacientes
foram similares em ambos os grupos, porém, no grupo da ropivacaína a 0,2% com maior
volume, houve maior incidência de insensibilidade do membro. Atribui-se esse resultado
ao fato de o nervo isquiático ser mais compacto e calibroso, de maneira que a solução basal
mais volumosa foi capaz de circundar mais intimamente e promover maior dispersão do
anestésico na proximidade do nervo e, assim, bloqueio foi mais intenso59.
Um estudo utilizando as mesmas soluções empregadas no estudo anterior, porém em
âmbito infraclavicular, foi reproduzido. Em um grupo, se utilizou ropivacaína a 0,2% com
taxa de infusão basal contínua de 8 ml/h com bólus de resgate de 4 ml disponível a cada 30
minutos. No segundo grupo, se utilizou ropivacaína 0,4% com infusão basal contínua de 4
ml/h e bólus de resgate de 2 ml disponível a cada 30 minutos. Observou-se que a analgesia
foi similar nos dois grupos, entretanto, a incidência de insensibilidade do membro foi maior
no grupo da ropivacaína a 0,4%. O BCNP em âmbito infraclavicular se comportou de forma
inversa ao BCNP do nervo isquiático em âmbito poplíteo. Especula-se que isso ocorreu por-
que, no bloqueio infraclavicular, a infusão mais volumosa e menos concentrada se dispersou
mais pelos três fascículos que circundam a artéria axilar, de modo que menor quantidade
de anestésico local se alojou em cada fascículo e, consequentemente, cada fascículo recebeu
menor dose de anestésico local e teve menos bloqueio e insensibilidade60.
Tabela 3 – Sugestões de doses e regimes de infusão para BCNP
Sugestão de soluções
Local Solução e Regime de Infusão
Membro superior:
Bólus inicial 20 ml (ropivacaína 0,5% ou bupivacaína 0,25%) + 8 ml/h infusão
• interescalênico
contínua (ropivacaína 0,2% ou bupivacaína 0,125%) + resgate de 4 ml a cada
• infraclavicular
hora (ropivacaína 0,2% ou bupivacaína 0,125% )
• axilar
Membro inferior: Bólus inicial 20 ml (ropivacaína 0,5% ou bupivacaína 0,25%) + 8 ml/h infusão
• femoral contínua (ropivacaína 0,2% ou bupivacaína 0,125%) + resgate de 4 ml a cada
• safeno hora (ropivacaína 0,2% ou bupivacaína 0,125%)
Bólus inicial 20 ml (ropivacaína 0,5% ou bupivacaína 0,25%) + 4 ml/h infusão
Membro inferior:
contínua (ropivacaína 0,4% ou bupivacaína 0,25%) + resgate de 2 ml a cada hora
• isquiático
(ropivacaína 0,4% ou bupivacaína 0,25%)

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36 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 03

Bloqueios periféricos no trauma


e na emergência
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Melina Cristino de Menezes Frota
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Pedro Paulo Kimachi
Rafael Mercante Linhares
Bloqueios periféricos no trauma e na emergência

Introdução
O trauma é considerado a maior causa de morbidade e mortalidade no mundo1. Essa con-
dição coexiste frequentemente com a dor aguda, secundária às lesões teciduais e à ativação
de nociceptores2. A dor, como definida pela Associação Internacional para o Estudo da Dor3,
interfere na recuperação dos pacientes, podendo comprometer suas vidas em vários aspectos.
Em um estudo feito por Berben e colaboradores, a dor apresentou alta prevalência nos
departamentos de emergência e trauma, chegando à incidência de 91% na admissão e de
86% na alta da emergência4. Outro aspecto que chama atenção é o fato de que a dor foi
considerada grave por uma grande quantidade dos pacientes.
Inúmeras demandas se sobrepõem ao manejo da dor no paciente vítima de trauma, fazen-
do com que, frequentemente, a dor nesse cenário não seja tratada adequadamente. Vários
fatores parecem contribuir e influenciar essa prática. Entre eles chama atenção a presença
de condições que implicam risco de vida, como choque hemorrágico e traumas cranioence-
fálico, abdominal e torácico5.
O receio de usar medicações analgésicas sistêmicas com potencial de desenvolvimento de
efeitos adversos indesejáveis, como sedação, depressão da consciência e da respiração, pode ser
um problema a ser considerado na fase inicial de atendimento ao paciente politraumatizado.

Resposta à Dor e ao Estresse Traumático


A resposta ao estresse e à dor ativa os sistemas imune e neuroendócrino, produzindo
uma ação inflamatória sistêmica, que gera aumento no consumo de oxigênio e ativação do
catabolismo. Mediadores inflamatórios estão envolvidos no desenvolvimento da dor e da hi-
peralgesia, entre eles as bradicininas; o potássio; as citocinas (interleucina-1b, ITL-8, ITL-6
e Fator de Necrose Tumoral); a substância P; a histamina; os íons hidrogênio; a serotonina;
os leucotrienos; a prostaciclina e as prostaglandinas6,7.
Tecidos traumatizados liberam agentes álgicos que excitam as fibras aferentes primárias
e estimulam o eixo hipófise-pituitária-adrenal. Hormônios de estresse, como cortisol, epi-
nefrina e aldosterona, hormônio do crescimento e corticotrófico são liberados, resultando
em hipertensão, taquicardia, aumento do consumo de oxigênio, estado de hipercoagulabili-
dade, supressão da imunidade, retenção de sódio e água.
Se essa reação ocorre de forma intensa, complicações graves, como sepse e falência de
múltiplos órgãos, podem se desenvolver. Essa fase inicial ocorre nas primeiras 24 horas e é
seguida pela fase hipermetabólica do trauma, que ativa a lipólise, a lise proteica e a cetogê-
nese nos próximos dois a cinco dias8.
Os estudos que investigam o papel da anestesia regional na resposta ao estresse pós-
-traumático são mais focados na utilização do bloqueio peridural. A investigação do
papel dos bloqueios periféricos na atenuação dessa resposta é menos consistente, mas a
literatura parece mostrar benefício, especialmente com algumas técnicas, como com o
bloqueio paravertebral9.

38 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Vantagens e Benefícios dos Bloqueios Periféricos na Fase Inicial do Trauma
O uso da anestesia regional (AR) no trauma determina excelente controle da dor, além
de modular a resposta ao estresse. A possibilidade de interromper ou amenizar o impulso
aferente doloroso parece estar associado a diversos benefícios10.
As vantagens da AR são inúmeras, conforme demonstrado na Tabela 111,12, entre elas
destaca-se a redução da necessidade de analgésicos opioides sistêmicos. Consequentemen-
te, diminui-se a incidência de efeitos derivados da utilização dos opioides, como depressão
respiratória, sedação, confusão mental e náusea, os quais podem ser complicadores quando
se deseja monitorar o estado mental e a perda volêmica em pacientes com traumatismo cra-
nioencefálico (TCE) ou politraumatizados.

Tabela 1 - Vantagens associada à anestesia regional na fase inicial do trauma


Vantagens da Anestesia Regional no Trauma
Redução da resposta ao estresse
Analgesia de sítio específico com menor repercussão hemodinâmica e alteração do sensório
Melhora das funções cardíaca e pulmonar
Retorno precoce da função intestinal
Menor tempo de permanência na UTI
Menor tempo de permanência hospitalar
Redução da incidência de dor crônica e síndrome pós-traumática

Vários estudos têm demonstrado que a AR torna mais rápida a recuperação, reduz o
tempo na Unidade de Terapia Intensiva e o tempo de internação hospitalar. As funções car-
díaca e pulmonar parecem melhorar com o emprego da AR. Além disso, ocorre também um
retorno mais precoce da função intestinal.
Os bloqueios periféricos podem ser realizados rapidamente e facilmente durante a fase
inicial do trauma, com o paciente ainda no departamento de emergência. Tal prática con-
tribuirá para reduzir a dor, determinando a analgesia em um sítio específico, para facilitar a
mobilização e proporcionar maior conforto ao paciente.
Sabe-se que a probabilidade de desenvolvimento da síndrome de estresse pós-traumático
e de dor crônica após um episódio de trauma é grande. Além das ações observadas em curto
prazo, a intervenção no processo álgico de forma precoce pode ter ações benéficas também
em longo prazo. Trevino e colaboradores mostraram que a cronificação da dor pode ter in-
cidência de 80% após quatro meses do episódio. Outro estudo verificou a presença de dor
crônica em 62% em um ano após o trauma.
Algumas causas comuns de dor crônica pós-trauma são cefaleia após TCE, síndrome de
estresse pós-traumático após lesões de extremidades, dor pós-lesão vertebral e dor fantasma
após amputação traumática.
No entanto, a despeito dos benefícios conhecidos oferecidos pela AR, os bloqueios anal-
gésicos ainda são subutilizados nas vítimas de trauma, especialmente durante a fase inicial10.

Bloqueios periféricos no trauma e na emergência | 39


Indicações e Técnicas para a Realização de Bloqueios
A analgesia deve fazer parte do processo de atendimento inicial e da reanimação do
paciente vítima de trauma11. Existem diversas técnicas de bloqueio periférico disponíveis
para aplicação a pacientes com essa afecção12,13. Evidentemente, sempre deve ser ponderado
o atendimento prioritário de situações mais urgentes, e a realização do bloqueio não deve
nunca ultrapassar o limite da segurança do paciente. Pacientes em situações graves podem
estar intoxicados, com alteração do estado mental, hemodinamicamente instáveis e não coo-
perativos. Os riscos e benefícios de cada técnica devem ser considerados e individualizados.
Tanto o estimulador de nervo periférico, o ultrassom ou a combinação dos dois podem
ser usados na execução dos bloqueios. A resposta motora provocada pelo neuroestimulador
pode ser dolorosa em alguns casos de fratura, mas não constitui contraindicação absoluta.
A realização de bloqueios guiados por ultrassom é eficaz e mais confortável por não causar
contrações musculares dolorosas secundárias à estimulação nervosa e, além disso, parece
reduzir o número de tentativas e promover início de ação mais rápido14,15.
Algumas sugestões para melhorar o conforto do paciente durante a execução dos blo-
queios são a infusão de pequenas doses de remifentanil (0,3 a 0,5 µg/kg e ketamina 0,2-0,4
mg/kg) para manter sedação em torno de 2 pelo escore de Ramsay.

Bloqueios Periféricos no Manejo do Trauma de Extremidades

Bloqueios de membro inferior


Fraturas de ossos longos estão associadas à intensa dor, especialmente antes da estabili-
zação, por causa de um número significativo de terminações nervosas no periósteo.
Os bloqueios periféricos proporcionam melhor analgesia, menor necessidade de opioi-
des no pós-operatório, menor interrupção do sono e maior satisfação, quando comparados
com métodos de analgesia intravenosa, incluindo a controlada pelo paciente12,16.
O suprimento nervoso do membro inferior é determinado por quatro nervos principais:
femoral, obturador e cutâneo femoral lateral, originados do plexo lombar, e o nervo isquiáti-
co, formado pela junção de fibras lombares de L4 e L5 e fibras sacrais (Figura 1).

Figura 1 – Representação esquemática do suprimento nervoso


do membro inferior proveniente do plexo lombar.

40 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


A analgesia em fraturas de membro inferior pode ser realizada por bloqueio lombar (fe-
moral, obturador e cutâneo lateral da coxa), tanto por via anterior (bloqueio femoral e blo-
queio da fáscia ilíaca) como por via posterior (compartimento do psoas). O nervo isquiático
pode ser bloqueado desde o nível do plexo sacro até a fossa poplítea.
As fraturas de fêmur representam uma boa parte das fraturas ósseas que chegam à emer-
gência. Os pacientes são em boa parte idosos e a analgesia, portanto, vai desempenhar papel
fundamental no melhor prognóstico deles, incluindo melhor função cognitiva quando se
utilizam técnicas de bloqueio periférico17. Apesar de o fêmur receber inervação múltipla, o
nervo femoral é predominante. A analgesia pode ser obtida através de bloqueio femoral por
injeção única ou por técnica contínua através de cateter18. Além de proporcionar excelente
analgesia, o bloqueio femoral pode auxiliar no posicionamento do paciente para a execução
de bloqueios neuroaxiais19.
O nervo femoral é facilmente visualizado por ultrassonografia. Posicionando-se um
transdutor de alta frequência em sentido transversal ao membro e abaixo do ligamento in-
guinal, observam-se com facilidade os vasos femorais20. Lateral à artéria femoral, imediata-
mente abaixo da fáscia ilíaca e acima do músculo iliopsoas, pode-se visualizar uma estrutura
hiperecogênica de formato triangular ou oval correspondente ao nervo femoral (Figura 2).
Pequenos movimentos laterais (“tilting”) do transdutor auxiliam na diferenciação com o
músculo iliopsoas e o tecido adiposo. A passagem através da fáscia ilíaca pode ser sentida
(“sensação do pop”) e a injeção de cerca de 20 ml de anestésico pode ser observada próximo
ao nervo. Assim, pode-se observar muito bem a dispersão do anestésico local, evitando-se a
eletroestimulação dolorosa.

Figura 2 – (A) Posicionamento transversal do transdutor em relação aos vasos femorais ao nível da região
inguinal. (B) Imagem ultrassonográfica resultante, em que se visualizam a fáscia ilíaca superiormente, o
nervo femoral lateralmente à artéria femoral, a veia femoral medialmente à artéria e o músculo iliopsoas
inferiormente. NF - Nervo Femoral; AF- Artéria Femoral.

O compartimento da fáscia ilíaca possui os três principais nervos oriundos do plexo


lombar: femoral, obturador e cutâneo lateral da coxa (Figura 3). O bloqueio desse com-
partimento é excelente opção em pacientes com fratura de quadril e fêmur11,21-23. Quando
realizado com base na anatomia de superfície, deve se utilizar uma agulha de ponta romba
e a punção de ser feita a 1 cm abaixo do ponto localizado entre a porção distal e medial

Bloqueios periféricos no trauma e na emergência | 41


da linha traçada entre a espinha ilíaca anterossuperior e o osso púbico. Com o avançar da
agulha, a sensação de dois “pops” durante a passagem pelas fáscias lata e ilíaca é verificada e
30-40 ml de anestésico local são injetados.

Figura 3 – Representação esquemática do compartimento da fáscia ilíaca contendo três dos principais
nervos do membro inferior: cutâneo femoral lateral, femoral e obturador. Entre a fáscia ilíaca e a fáscia lata,
os vasos femorais.

O ultrassom também pode ser usado para guiar a realização do bloqueio do compartimen-
to da fáscia ilíaca. Com o probe na posição transversal abaixo do ligamento inguinal, inicia-se a
visualização da mesma forma do bloqueio do nervo femoral. Após visualizar os vasos femorais,
desliza-se então o transdutor lateralmente, obtendo-se a visualização do músculo ilíaco reco-
berto pela fáscia ilíaca e mais externamente o músculo sartório (Figura 4).

Figura 4 – Visualização das estruturas durante a realização de bloqueio da fáscia ilíaca. Na região medial:
artéria femoral (AF); nervo femoral abaixo da fáscia ilíaca. Na região intermediária: músculo iliopsoas,
abaixo da fáscia ilíaca, e músculo sartório superiormente. Mais lateral: visão dos músculos iliopsoas, sartó-
rio e tensor da fáscia lata (TFL).

A fáscia lata é vista mais superficialmente, logo abaixo do tecido subcutâneo. A in-
jeção de cerca de 30-40 ml de anestésico local em concentrações analgésicas é realiza-
da logo abaixo da fáscia ilíaca (Figura 5). Tal prática normalmente permite o bloqueio

42 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


dos nervos femoral, cutâneo femoral lateral e, eventualmente, do ramo anterior do
nervo obturador.

Figura 5 – Técnica de bloqueio da fáscia ilíaca: com o probe na posição transversal, a injeção apropriada
de anestésico local abaixo da fáscia, ao nível do músculo iliopsoas, vai dispersar no sentido medial e lateral,
levando ao bloqueio dos nervos femoral e cutâneo femoral lateral.

O bloqueio isquiático é indicado em fraturas mais distais do fêmur, da perna, do


tornozelo e do pé24. Para fraturas proximais, o bloqueio do nervo femoral deve ser as-
sociado ao bloqueio isquiático, mas, nos casos de fraturas proximais que envolvem so-
mente a fíbula, basta que seja feita uma complementação com bloqueio do nervo safeno.
A abordagem poplítea para o bloqueio do nervo isquiático é preferível em situações de
lesões abaixo do joelho. Uma avaliação cuidadosa da possibilidade de desenvolvimento
de síndrome compartimental deve ser feita nessas fraturas distais da perna, com os ris-
cos e benefícios avaliados.
As fraturas de acetábulo determinam dor intensa à mobilização, o que torna difícil a
realização de bloqueios periféricos antes da cirurgia 25. Além disso, a passagem de cateter
de analgesia contínua em um local próximo do sítio cirúrgico pode ser um complicador se
realizada antes da cirurgia.
O bloqueio do plexo lombar no fim do procedimento cirúrgico de correção da
fratura mostrou ser uma técnica eficaz de analgesia, com redução do uso de opioi-
des sistêmicos.

A Tabela 2 mostra sugestões de analgesia por meio de bloqueios periféricos para as fratu-
ras mais comuns de membro inferior.

Bloqueios periféricos no trauma e na emergência | 43


Tabela 2 - Bloqueios analgésicos para as principais fraturas de membro inferior
Bloqueio indicado para
Fratura Inervação Considerações
analgesia

Bloqueio do plexo Usualmente é realizado no


Acetábulo Plexo lombar
lombar fim da correção cirúrgica
Inervação predominante
Femoral Bloqueio femoral
femoral;
Fêmur proximal Cutâneo femoral lateral ou
estimulação nervosa
Obturador bloqueio da fáscia ilíaca
desconfortável
Bloqueio femoral
Diáfise do fêmur Femoral + Maior contribuição
Fêmur distal isquiático Bloqueio isquiático isquiático
(transglúteo/subglúteo)
Bloqueio isquiático (sub-
Fraturas proximais Isquiático glúteo/poplíteo)
Tíbia/fíbula femoral +
Bloqueio femoral
Bloqueio isquiático
Cautela com pos-
Isquiático (poplíteo)
Fraturas da fíbula sibilidade de síndrome
safeno +
compartimental
Bloqueio safeno

Bloqueios de Membro Superior


Os traumas de ombro geralmente ocorrem após fortes impactos, como queda e aci-
dentes automobilísticos ou esportivos, e resultam frequentemente em luxação e lesão do
manguito rotador26,27.
O bloqueio interescalênico tem sido usado com alta taxa de sucesso para a manipulação
desses casos no departamento de emergência, determinando excelente analgesia e relaxa-
mento muscular (Figura 6)28.
Tem sido demonstrado que o tempo de permanência na emergência foi maior em pacien-
tes que receberam sedação para a redução de luxação de ombro quando comparado com os
pacientes nos quais se utilizou analgesia pelo bloqueio interescalênico.
A técnica interescalênica pode ser prejudicada pela presença de colar cervical, o que não
representa contraindicação à execução do bloqueio. Após cuidadosa avaliação do paciente e
retirada do colar com estabilização cervical, pode-se optar pela realização da técnica supra-
clavicular guiada por ultrassom, sem a necessidade de girar a cabeça do paciente.
As lesões de clavícula são, com frequência, encontradas em pacientes jovens, usu-
almente como resultado de impacto direto ou indireto em acidentes de trânsito ou
relacionados ao esporte29. A clavícula é inervada por raízes mais cefálicas em origem
(C4 a C6), e o uso de ultrassom pode auxilar na correta deposição do anestésico. É im-
portante lembrar a possibilidade de lesão do nervo supraclavicular ou mesmo do plexo
durante a manipulação para a correção cirúrgica, portanto, uma avaliação antes e após
o procedimento é recomendada 30.

44 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Assim como nas fraturas de fêmur, o uso de neuroestimulação nas lesões do braço pode
ser extremamente doloroso, e o uso da ultrassonografia confere, além de maior conforto ao
paciente, maior índice de sucesso à técnica.

Figura 6 – (A) Posicionamento transversal do transdutor na região cervical. (B) Imagem ultrassono-
gráfica resultante, com visualização dos músculos escalenos anterior (MEA) e médio (MEM); espaço
interescalênico com as raízes cervicais C5, C6 e C7 (setas largas); músculo esternocleidomastóideo
(MECM) superiormente.

Alguns problemas com a realização de bloqueio de membro superior no trauma agudo


são descritos e têm que ser discutidos caso a caso com a equipe para pesar o risco e o
benefício do bloqueio analgésico. O desenvolvimento de síndrome de Horner pode inter-
ferir na avaliação neurológica 31,32 . A paralisia diafragmática proporcionada pela técnica
interescalêncica e o risco de pneumotórax nos bloqueios supra e infraclavicular implicam
acometimento da função pulmonar33 e devem ser lembrados. Outro problema é que o
posicionamento no bloqueio axilar pode ser difícil de ser obtido em pacientes politrau-
matizados. Nesses casos, o bloqueio infraclavicular é ótima alternativa, pela possível re-
alização sem manipular o membro doloroso34. Apesar de menos comum que em fraturas
distais de membro inferior, a síndrome compartimental pode ser uma preocupação nas
lesões de rádio.
A maioria das lesões de membro superior é ortopédica, mas outros tecidos também
podem ser acometidos. A simpatectomia pode ser benéfica em casos de revascularização,
reimplante de extremidades e vasoespasmo35,36.
A indicação de técnicas de analgesia por bloqueio periférico em fraturas de membro su-
perior está listada na Tabela 3.

Bloqueios periféricos no trauma e na emergência | 45


Tabela 3 – Inervação predominante e bloqueios analgésicos indicados em fraturas de
membro superior.
Bloqueio indicado
Fratura Inervação Considerações
para analgesia

Grande potencial doloroso


Interescalênico
Ombro Plexo braquial Monitorização da função respiratória
Úmero proximal e Supraclavicular
Raízes de C5-C6
médio umeral (se trauma cervical Possibiliade de lesão no nervo radial
associado) em fratura diáfise úmero

Úmero distal Plexo braquial Supraclavicular Risco de penumotórax


Cotovelo Raízes de C7-C8 Infraclavicular

Plexo cervical Possibiliade de lesão no nervo


Clavícula Plexo braquial Interescalênico supraescapular e plexo braquial após
Raízes de C4-C6 fixação cirúrgica

Radio/Ulna Plexo braquial Supraclavicular ↑ Incidência de SC nas lesões de


Raízes de C5-T1 Infraclavicular rádio

Axilar
Plexo braquial Dificuldade de posicionamento no
Ossos da mão Bloqueio dos nervos
Raízes de C5-T1 bloqueio axilar
isolados
SC = Síndrome Compartimental.

Bloqueios Periféricos em Fraturas de Tórax


As fraturas de costelas são comuns após trauma fechado de tórax, aumentando a mor-
talidade quando existem mais de três costelas fraturadas. A dor impede a ventilação ade-
quada e reduz a habilidade de eliminar secreções, resultando em atelectasia e hipóxia. O
ponto-chave da terapia são uma boa analgesia, fisioterapia e mobilização37.
O bloqueio epidural torácico analgésico tem sido padrão ouro de analgesia nesses casos,
especialmente quando o acometimento é bilateral. No entanto, a porcentagem de pacientes
que recebem essa técnica de analgesia é bastante reduzida, por causa de uma série de difi-
culdades na execução, como instabilidade hemodinâmica, coagulopatia e associação com
fraturas de vértebra ou neurotrauma.

Bloqueio Paravertebral
O bloqueio paravertebral em bolus ou com colocação de cateter se apresenta como uma
excelente alternativa analgésica nos traumas torácicos, especialmente se o acometimento é
unilateral38,39. Alguns estudos não demonstraram vantagem na utilização do bloqueio epi-
dural torácico sobre o paravertebral40,41.
A técnica paravertebral consiste no bloqueio dos nervos espinhais no momento em
que eles deixam o forame intervertebral. O espaço intervertebral é a região em formato de
cunha que tem como borda superior o ligamento costotransverso e o processo transverso
da vértebra. Medialmente, o espaço é limitado pelo corpo vertebral e o forame interverte-
bral. Anterior e lateralmente, encontramos a pleura (Figura 7)42-44.

46 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Figura 7 – Espaço paravertebral e seus
limites anatômicos: ligamento costotrans-
verso, processo transverso e pleura.

O bloqueio é simples, não requer palpação de costelas fraturadas e é mais facilmente


realizado do que o bloqueio epidural. Além disso, é associado a poucas complicações e pode
ser feito em pacientes sedados, anestesiados e sob ventilação mecânica.
Pode-se realizar o bloqueio guiado por ultrassom45 em plano transverso (Figura 8) ou
sagital paramediana (Figura 9). Na primeira abordagem, um transdutor linear de alta fre-
quência é colocado lateralmente ao processo espinhoso, tentando-se identificar o processo
transverso. Move-se então o probe discretamente no sentido caudal para visualizar o espa-
ço paravertebral e a pleura imediatamente abaixo. Um bolus de anestésico local é injetado.
Uma boa pista da correta injeção do anestésico é o deslocamento pleural para baixo.

Figura 8 – Bloqueio paravertebral em plano transversal. (A) Posicionamento transversal do transdutor em


relação ao neuroeixo, lateral ao processo espinhoso. (B) Imagem ultrassonográfica resultante, visualizando-
-se o processo transverso (PT) medialmente (linha hiperecogênica curva e seu “cone de sombra”) e a pleura
inferiormente (linha hiperecogênica contínua).

Bloqueios periféricos no trauma e na emergência | 47


Figura 9 – Bloqueio paravertebral em plano sagital, visualizando-se os dois processos transversos superior e infe-
rior e a pleura visualizada como uma linha hiperecoica. A injeção do anestésico é feita no espaço paravertebral.

A natureza unilateral do bloqueio paravertebral oferece várias vantagens, como menor


bloqueio simpático e consequente hipotensão, menor incidência de retenção urinária e
maior facilidade de avaliação neurológica. Complicações46 são raras, mas descritas como
pneumotórax e difusão do anestésico para neuroeixo.
Um algoritmo da indicação de analgesia através do bloqueio paravertebral é proposto
para guiar o momento adequado da execução do bloqueio (Figura 10).

Figura 10 – Algoritmo para indicação de bloqueio paravertebral em trauma de tórax47.

48 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Bloqueio Intercostal
Outra opção de bloqueio para traumas torácicos é o bloqueio de nervos intercostais 48,
que pode ser realizado em qualquer nível ao longo da costela, mas usualmente é feito na
linha axilar posterior ou média (Figura 11). Após identificarmos as estruturas de refe-
rência conforme imagem a seguir, a punção deve ser realizada “em plano”, direcionada ao
sentido cefálico até ultrapassar cuidadosamente os músculos intercostais externo e inter-
no. Após aspiração negativa, injetam-se 3-5 ml em cada espaço intercostal e verifica-se a
hidrodissecção resultante.

Figura 11 – (A) Posicionamento longitudinal do transdutor em relação ao neuroeixo que corta transversal-
mente as costelas, ao nível da linha axilar média. (B) Imagem ultrassonográfica resultante, na qual visuali-
zam-se os músculos intercostais e a pleura inferiormente (linha hiperecogênica).

Nesse bloqueio, a visualização dos nervos intercostais é bastante difícil. Para ajudar na
identificação deles, pode-se utilizar o Doppler para facilitar a localização dos vasos intercos-
tais e, consequentemente, dos nervos intercostais49.

Limitações, Cuidados e Complicações


Gerais
A realização de bloqueio de nervos periféricos em situações relacionadas ao trauma en-
volve vários desafios, que vão desde a necessidade de treinamento específico e continuado
para maior proficiência até riscos associados aos procedimentos invasivos. Além disso, a
anatomia pode estar distorcida por lesões, fraturas e a presença de edema ou enfisema e,
portanto, os pontos de referência ficam menos evidentes.
A possibilidade de complicações relacionadas à anestesia regional, como infecção, hema-
toma, pneumotórax e toxicidade pelo anestésico local, deve ser sempre considerada9,10.

Bloqueios periféricos no trauma e na emergência | 49


Síndrome Compartimental
O trauma de extremidades pode resultar em síndrome compartimental (SC), quando o
edema e a pressão aumentada no compartimento muscular resultam em redução da circula-
ção, isquemia e necrose muscular.
Um dos sintomas mais alarmantes da SC é dor intensa. Desse modo, a analgesia em
pacientes suscetíveis poderia mascarar os sintomas e levar a um diagnóstico tardio. Pa-
cientes do sexo masculino, jovens, com menos de 35 anos, são a população mais acome-
tida. Os sintomas clássicos agudos da SC, conhecidos como cinco Ps (Tabela 4), devem
ser pesquisados, e uma avaliação criteriosa do membro deve ser feita imediatamente na
presença de algum deles, para que a melhor conduta seja tomada com rapidez. Um retar-
do na suspeita do desenvolvimento de SC em fraturas de ossos longos pode resultar em
prognóstico desastroso, culminando em amputação do membro, insuficiência renal por
rabdomiólise e arritmias cardíacas50-52 .
Tabela 4 – Principais sintomas relatados em caso de síndrome compartimental aguda
Sintomas Agudos da Síndrome Compartimental (5 Ps)

“Pain” (dor desproporcional à lesão e à flexão)


Parestesia
Pressão aumentada à palpação
Pulso ausente
Paralisia

Algumas fraturas, como de platô tibial ou quando há lesão extensa de tecidos moles,
estão associadas à maior incidência de SC (Tabela 5). Fraturas de fêmur e de tornozelo são
menos implicadas nesse quadro. A decisão em realizar uma analgesia prolongada deve levar
em consideração essa possível ocorrência em cada caso.
Tabela 5 – Principais lesões associadas à síndrome compartimental
Lesões Associadas à Síndrome Compartimental

Fratura de platô tibial


Fratura diafisária da tíbia
Fratura de rádio distal
Fratura diafisária do rádio e/ou ulna
Esmagamento de membros (“crush syndrome”)
Lesão extensa de tecidos moles

Uma avaliação constante e alto índice de suspeição, além da verificação frequente da


pressão no compartimento (Figura 12), são essenciais para o correto diagnóstico50.

Pressão superior a 30 mmHg em pacientes normotensos é consistente com SC. Esse mé-
todo de monitorização é de valor especial em pacientes sedados, confusos ou anestesiados.

50 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Figura 12 – Monitorização da pressão no compartimento muscular.

Coagulopatia e Anticoagulação
O paciente vítima de trauma geralmente apresenta risco de sangramento ou de coagu-
lopatia 53,54, pois a infusão de grande quantidade de volume durante a reanimação inicial
pode ocasionar hemodiluição. Por outro lado, pacientes com fratura de membros inferio-
res e com imobilidade prolongada estão em risco aumentado para a ocorrência de eventos
tromboembólicos, necessitando muitas vezes de estratégias de anticoagulação.
Apesar de pouca menção ao paciente com trauma agudo, as recomendações da Sociedade
de Anestesia Regional e Medicina da Dor devem ser seguidas, para decisão de se realizar ou
não o bloqueio e sobre o momento ideal de sua execução ou manipulação de catéteres em
pacientes que usam anticoagulantes55.
Para reduzir o risco de complicações em pacientes anticoagulados é essencial manter
boa comunicação entre a equipe médica e avaliar o momento e as condições adequadas para
a realização de bloqueios de nervos periféricos ou remoção de catéteres, evitando, assim,
procedimentos no auge da anticoagulação54.

Lesão Nervosa
A existência de lesão nervosa56 é uma contraindicação relativa à realização de bloqueios
periféricos, segundo os guidelines da Sociedade Americana de Anestesiologia.
A detecção da presença de lesão nervosa e a avaliação da extensão de comprometi-
mento neurovascular no paciente com trauma agudo podem ser difíceis de ser realizadas.
Aspectos médico-legais devem ser também considerados, sendo extremamente aconse-
lhado que a documentação do diagnóstico e do tipo da lesão nervosa pré-existente seja
feito de forma minuciosa.
O risco de dano direto pela agulha parece estar reduzido pelo uso da ultrassonografia.
No entanto, todos esses cuidados também devem ser evidenciados.

Bloqueios periféricos no trauma e na emergência | 51


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Bloqueios periféricos no trauma e na emergência | 53


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54 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 04

Gerenciamento do
centro cirúrgico
Luís Antônio dos Santos Diego
João Henrique da Silva
Júlio Cezar Mendes Brandão
Gerenciamento do centro cirúrgico
“Você não pode ensinar qualquer coisa para alguém, você pode somente ajudar
alguém a encontrar o conhecimento por si mesmo.”
Galileu

Introdução ao Gerenciamento da Eficiência


A organização de serviços de saúde é tarefa complexa, por muitos ainda considerada sub-
jetiva, apesar de, há tempos, Avedis Donabedian1 ter presenteado os gestores de serviços de
saúde com um modo didático de pensar e agir na gestão da qualidade desses serviços. Sua
consagrada tríade estrutura, processo e resultado tem contribuído para o gerenciamento da
qualidade no setor.
O primeiro item – estrutura – preocupa-se como o cuidado é organizado. Apesar de ser
muito importante em um sistema complexo, a estrutura falha, muitas vezes, em ser trans-
parente com os médicos individualmente. Talvez até mesmo porque haja certa dificuldade
no estabelecimento de sistemas “padrão ouro”2 . Em relação aos processos, isto é, como a
instituição está realizando seu trabalho para atingir os melhores resultados esperados, ainda
que possa ser mais fácil avaliar que os resultados (a consequência da atividade do serviço),
nem sempre são bem compreendidos pelos médicos e podem, também, colidir com o modo
de agir dos profissionais per se, os quais são mais focados, por formação, na outra ponta da
cadeia de produção da qualidade (resultados individuais).
Os blocos cirúrgicos, em seus variados modelos e objetivos, são unidades de relevante
importância nos diversos tipos de estabelecimento assistencial de saúde (EAS), tanto por
receber a alocação de vultosos recursos assistenciais, representando uma parcela significati-
va da disponibilidade econômico-financeira das organizações, quanto por também ser bem
geridos, responder por uma parcela considerável do lucro da organização. O fato marcante é
que são unidades de alto custo e, para bem cumprirem sua missão com padrão de excelência,
qualidade e segurança, os líderes institucionais deverão envolver todas as partes interes-
sadas (stakeholders)*, de modo que, cumpridos esses requisitos fundamentais, a eficiência
venha a ser privilegiada, em vez do desperdício.
Diante da complexidade das atividades médico-hospitalares, fica clara a necessidade de
se gerenciarem muito bem os processos para assegurar um bom sistema de gestão pela qua-
lidade, o qual deverá proporcionar resultados eficazes e eficientes. Entretanto, mudanças
em quaisquer organizações são, na maioria das vezes, percebidas como ameaça porque as
pessoas temem correr riscos em suas vidas profissionais. Em relação aos processos, peque-
nas alterações podem vir a incomodar, principalmente se são repentinas e virem, ao menos
num primeiro momento, a exigir mais trabalho da equipe. Há também muita resistência à
mensuração de resultados, mesmo com o ajuste do risco para os dados apurados, de modo a
refletir a complexidade ou gravidade das circunstâncias do paciente. Tal resistência advém
* Stakeholders – o termo pode ser traduzido para a língua portuguesa como “parte interessada” ou “interve-
niente”. É utilizado em diversas áreas, como gestão de negócios, e se refere às partes interessadas que podem
estar envolvidas no negócio (NA).

56 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


de sentimentos muitas vezes pessoais, como o constrangimento da comparação entre os
profissionais e o receio de divulgação de informações equivocadas por falhas no processo de
coleta e até mesmo pela presunção de possuir total autonomia.
Os estabelecimentos assistenciais de saúde, mais do que as empresas de outros setores,
mantiveram a estrutura organizacional imutável por décadas. Por conseguinte, as dificul-
dades atualmente observadas não são tão poucas, principalmente ao se considerarem as
grandes inovações tecnológicas, a mudança comportamental das gerações mais recentes e a
maior conscientização e informação da população.
Outro fator importante no desempenho e na qualidade do serviço prestado é a quantida-
de de procedimentos realizados em uma mesma instituição, geralmente também associada
ao número de leitos. Esta é uma modalidade da chamada eficiência de escala. Na busca por
melhores resultados, não se deve negligenciar a eficiência da alocação da tecnologia, princi-
palmente no modo como os insumos (inputs) são estrategicamente alocados. No Brasil, foi
criada, em 2011, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de
Saúde (Conitec)3, que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia
em saúde no âmbito do SUS. Essa comissão tem por objetivo assessorar o Ministério da
Saúde nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de tecnolo-
gias em saúde, contribuindo para o gerenciamento da eficiência.
O sistema pay-for-performance** (P4P) já é realidade nos Estados Unidos da América e se
baseia no princípio do “valor”, ou seja, na compensação financeira pela prestação de serviços
médicos em função do desempenho alcançado, vinculando o pagamento ao resultado obti-
do. No Brasil, ainda não é prática corriqueira e a remuneração segue padrões de pay-for-fee
(pagamento pela quantidade/qualidade do serviço prestado) ou por simples contratação,
tanto no setor público quanto no privado. Outras modalidades, como EAS administrados
por Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), parcerias público-
-privadas, etc., vão determinar padrões de gestão e gerenciamento da eficiência diferentes
do modo tradicionalmente abordado.

Gerenciamento da Utilização de Salas Cirúrgicas


O ambiente cirúrgico requer coordenação eficiente, além do esforço de um grande nú-
mero de profissionais envolvidos e de milhares de recursos que devem ser disponibiliza-
dos. Por isso, gestores de centros cirúrgicos procuram maximizar a taxa de utilização. A
almejada eficiência do centro cirúrgico só ocorrerá, porém, se também o anestesista estiver
envolvido no esforço comum, como na estimativa da duração do procedimento cirúrgico e
na flexibilização para possíveis emergências.
O planejamento cirúrgico depende de diversos fatores, como o tipo de cirurgia, o
tempo médio dos procedimentos, o tempo médio decorrido no preparo das salas cirúrgi-
cas entre os procedimentos, o tempo de funcionamento e condições facilitadoras, como
salas de recepção pré-operatória, pré-anestésica e recuperação pós-anestésica. Apesar de
ser possível controlar muitos desses fatores, sempre existirá certa imponderabilidade que
** Pay-for-performance– a expressão em língua inglesa pode ser traduzida como pagamento por desempe-
nho (NA).

Gerenciamento do centro cirúrgico | 57


pode intervir, sobremodo, no planejamento do mapa cirúrgico diário de um hospital. En-
tretanto, o impacto da ineficiência traz, na maioria das vezes, perdas diretas e indiretas
também aos anestesistas 4.
Em hospitais de ensino também a ineficiência no gerenciamento das salas cirúrgicas
acarreta prejuízos significativos, como a perda da oportunidade de treinamento dos médi-
cos em especialização e de realização de pesquisas clínicas5. Na verdade, o centro cirúrgico
é, para a maioria dos hospitais, uma excelente fonte de recursos e oportunidade de lucro.
Por conseguinte, o gerenciamento desse tipo de unidade (nos mais variados modos e utiliza-
ções) vai além de decisões táticas e operacionais, mas também estratégicas na organização.
Entretanto, muitos cirurgiões só focam nas decisões táticas quando programam seus proce-
dimentos e solicitam uma sala cirúrgica.
No dia a dia do centro cirúrgico, a eficiência dependerá de atitudes de melhoria tático-
-operacional, como a redução das horas subutilizadas e a melhor distribuição das cirurgias
no decorrer do dia para evitar a sobrecarga de utilização em determinado período.
O gerenciamento do centro cirúrgico não depende tão somente de sua exclusiva otimiza-
ção tático-operacional. Há que haver excelente interação com outros setores, como o setor
de internação e as unidades de pós-operatório (sala de recuperação pós-anestésica, unidades
de pós-operatório, terapia intensiva etc.). Nesse caso, o estabelecimento de uma relação sala
cirúrgica/leitos cirúrgicos adequada (ao menos uma sala para 15 leitos)6 e a aprovação de
protocolos e ferramentas de handoff *** que possam otimizar a disponibilização de leitos nas
unidades de pós-operatório vão contribuir para o melhor fluxo cirúrgico.
A otimização do planejamento tático deve considerar valores históricos de utilização por
determinado serviço cirúrgico e até mesmo por determinado profissional (anestesista, cirur-
gião e enfermeiro). As horas a mais de utilização por uma equipe cirúrgica vão impactar nos
custos com horas extras de profissionais de enfermagem e higienização, por exemplo, mas
também poderão ser um fator decisivo para o recrutamento e a retenção desses profissionais7.
O cancelamento de um procedimento programado só deve ocorrer caso não seja possível
realizá-lo de forma segura, e o gerente do centro cirúrgico deve fazer de tudo (obedecidos
os critérios de segurança do paciente) para que as equipes cirúrgicas tenham acesso à sala
cirúrgica e realizem os procedimentos programados. Importante atitude para que tal prática
não ocorra, é evitar o retardo no início do procedimento. Outras vezes, é necessário o rema-
nejamento de procedimentos programados para determinada sala cirúrgica, de modo que
outro procedimento de características mais adequadas possa vir a ser alocado.

Gerenciamento do Serviço de Anestesia


A organização e gestão dos “serviços” de anestesia são fatores importantes para o su-
cesso da gestão dos centros cirúrgicos e, por conseguinte, a gestão de toda a organização,
até mesmo porque a atuação do anestesista, na atualidade, não se restringe tão somente

***Handoff (USA) ou handover (GB) – é uma palavra da língua inglesa utilizada para expressar momentos
de transmissão (em redes sem fio, por exemplo) que, por analogia, também é empregada no setor de saúde
em momentos de transferência do paciente entre setores (do centro cirúrgico para a UTI, por exemplo) ou
de plantões (NA).

58 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


aos blocos cirúrgicos. Na verdade, a prestação de serviços de anestesia faz-se presente em
diversas outras unidades que possuem estruturas e processos diferentes daqueles com os
quais o anestesista habitualmente está mais familiarizado no bloco cirúrgico. Desse modo,
a atuação do anestesista vem se tornando cada vez mais abrangente, não só no maior número
de setores clientes, mas também na base mais ampliada de seus serviços, como avaliação
pré-operatória; serviços de dor e terapia intensiva.
A sedação e o uso de anestesia são processos complexos que devem ser integrados ao
planejamento da assistência ao paciente. Sedação e anestesia requerem avaliação comple-
ta e abrangente, monitorização contínua do paciente e critérios objetivos de recuperação.
Assim, a questão primordial é o entendimento de que o hospital deve possuir um sistema de
prestação de serviços de anestesia adequado à demanda da população de pacientes, aos ser-
viços clínico-cirúrgicos oferecidos e às necessidades dos profissionais de saúde. Além disso,
o serviço de anestesia, para atender com padrões de excelência8,9, deve cumprir todas as leis,
normas e regulamentos10, além de atender a possíveis situações de emergência e prover auxí-
lio uniforme na instituição, ou seja, o provimento de anestesia não deve sofrer restrições em
função de setores, sejam quais forem os motivos (p. ex., serviço ambulatorial que permite
menor ganho que o centro cirúrgico, ficando aquele sem atendimento em função de atendi-
mento prioritário neste; procedimento privilegiado em adultos em relação a crianças etc.).
São muitos os fatores que podem interferir nessa questão, mas um deles é o número ade-
quado de profissionais disponíveis para a assistência clínica atual e futura. Quando não há
nenhuma estimativa ou ela é mal calculada, os membros de determinado serviço podem vir
a ser selecionados para procedimentos com os quais não estejam especificamente habitua-
dos, habilitados ou treinados; podem vir a cancelar dias de folga, férias e até licença de saúde
e trabalhar mais horas do que o ideal e comprometer a segurança.
Serviços de anestesia devem estar sob a direção de um ou mais profissionais, conside-
rando a estrutura organizacional da instituição. De qualquer modo, a liderança deve ter
formação, conhecimento e experiência não só efetiva, mas também devidamente documen-
tada conforme as exigências legais e aquelas constantes da política institucional, de modo
que não tenha impedimento a assumir as responsabilidades profissionais inerentes, como
desenvolvimento; implementação e manutenção de políticas e procedimentos; supervisão
administrativa; monitoramento e revisão de todos os locais onde são administradas aneste-
sia e sedação; e adequação às políticas de qualidade da instituição.
A alta complexidade dos procedimentos impõe àquele que presta cuidado anestesioló-
gico o conhecimento das características de cada caso, assim como o desenvolvimento de
cada etapa, que pode estar relacionada com procedimentos operacionais padrão (POP), di-
retrizes, rotinas, algoritmos, fluxogramas, listas de verificação (checklists) etc. Ao iniciar um
procedimento, o anestesista já deverá ter em mente todo o planejamento da anestesia a ser
realizada e ter revisado todos os processos necessários ao bom desempenho do ato proposto.
Diversas barreiras são observadas diuturnamente, em todos os níveis, por aqueles que
se encontram em funções de gerenciamento: implementação e manutenção de políticas (p.
ex., política para obter consentimento de anestesia dos pacientes); diretrizes e protocolos
de procedimentos. Essas barreiras sobrevêm por simples desconhecimento do assunto, seja

Gerenciamento do centro cirúrgico | 59


por excesso de informação, falta de acesso ou dificuldade em comunicação. Discordâncias
da essência, assim como obstáculos pessoais em aceitar padronizações e falta de motivação,
são também observadas e vão dificultar o bom desempenho do líder e, possivelmente, com-
prometer os resultados.
Comportamentos conflituosos também podem ocorrer, e sua abordagem será revista
mais adiante neste capítulo. O que deve ser transparente e discutido de forma colaborativa é
o fato de que a implementação de políticas, protocolos etc. visam à redução de variabilidade
na prática clínica e prioriza o custo-efetividade na prática anestesiológica. Convém, então,
que a liderança promova pequenos encontros, com a participação ativa de todos os envolvi-
dos, e encontre um canal de comunicação efetivo, diretamente ligado ao fluxo de trabalho.

Gerenciamento dos Sistemas de Informação


A tecnologia utilizada no ambiente hospitalar e, em especial, no gerenciamento do cen-
tro cirúrgico deve tornar o fluxo de trabalho mais rápido e fácil para toda a equipe integrada
na assistência direta e indireta aos pacientes. As interfaces utilizadas devem ser familiares,
integradas, intuitivas, consistentes, acessíveis e codificadas adequadamente. Assim, objeti-
va-se menor índice de falhas, reduzindo o número de erros e melhorando a produtividade do
setor, além da perspectiva de diminuição dos custos11,12 .
O gerenciamento dos sistemas de informação tem sido introduzido no centro cirúrgico
no intuito de também documentar, de forma mais detalhada e segura, os procedimentos re-
alizados no setor. A integração das fontes de informação torna os dados específicos relacio-
nados a pacientes e demais fontes de dados da unidade hospitalar disponíveis e acessíveis.
Dessa forma, os dados devem ser introduzidos apenas uma vez e, a partir de então, estarão
disponíveis em várias plataformas para apoiar decisões em diferentes setores hospitalares e
ambulatoriais. Essa integração de elementos com base em inovações tecnológicas e no ge-
renciamento de informações clínicas diminui o tempo na busca e no envio de informações
e pode melhorar a segurança do paciente e os resultados esperados, suportando simultanea-
mente altos rendimentos do centro cirúrgico com a máxima flexibilidade.
Para o adequado gerenciamento dos sistemas de informação dos centros cirúrgicos deve-
mos levar em conta alguns pontos-chave11:
• aplicação da informatização com sistemas eletrônicos únicos ou que se comuniquem
bem, levando ao compartilhamento de dados, independentemente da interface utilizada;
• treinamento da equipe para uso da tecnologia inserida; programas especiais de trei-
namento e educação para a familiarização com as técnicas e o modo de utilização;
tais programas de treinamento devem ser contínuos e supor ações preventivas para
evitar problemas com dificuldades no uso no dia a dia da unidade;
• técnicas de segurança de dados, incluindo criptografia, criação de senhas comple-
xas, leitor de impressão digital ou outros modos de identificação de cada membro da
equipe com poucas chances de falha; assim, o acesso às informações será específico
a cada membro da equipe;
• economia de espaço, utilizando menos dispositivos com poucas funções e manten-
do o uso de dispositivos multitarefas; com menos utensílios no centro cirúrgico, a

60 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


limpeza poderá ser otimizada, o que levará à economia de tempo, espaço, trabalho
e dinheiro, além da diminuição possível das taxas de infecção hospitalar; uso de
consultoria em espaço de trabalho para ampla variedade de requisitos, incluindo
unidades de suprimento de teto, estática, elevação de equipamento e gerenciamento
de cabos inteligente;
• uso de estações de anestesia; os modernos aparelhos de anestesia englobam o con-
ceito de “estações”, que incluem o aparelho de ventilação mecânica, vaporizadores
microprocessados, monitores multiparamétricos, monitorização complementar,
bombas de infusão venosa alvo-controladas e prontuário eletrônico; com esse últi-
mo, os dados obtidos da monitorização, dos vaporizadores, das bombas de infusão
venosa, dos exames complementares e do prontuário do paciente podem ser usados
na elaboração da ficha de anestesia.
Com as novas tecnologias, cada medicação administrada ao paciente pode ser reco-
nhecida por meio de um leitor de código de barras acoplado à estação de anestesia e esta
poderá ir diretamente para a ficha anestésica. Tais aparelhos devem estar integrados a
toda a rede de informação do hospital, o que gerará informações novas em menor tempo,
poupando o tempo que seria usado para o preenchimento da ficha anestésica. Trabalhos
mostram que cerca de 10%-20% do tempo do procedimento cirúrgico é utilizado para o
preenchimento da ficha anestésica, mas, com esses novos aparelhos, o trabalho de pre-
enchimento será menor, o que ajudará o médico anestesiologista a prestar mais atenção
na realização da anestesia. Com o uso de aparelhos mais precisos e monitorização dos
níveis anestésicos (estimulador de nervo periférico, índice biespectral, analisador de
gases etc.), procede-se menor infusão de agentes anestésicos, que são usados de acordo
com a monitorização, evitando-se o uso excessivo, que implica diminuição do tempo para
despertar da anestesia, recuperação mais rápida, menor tempo na unidade de recuperação
pós-anestésica, maior rotatividade do centro cirúrgico, menores gastos e maiores margens
de lucro.
Soluções de gerenciamento de ciclo de vida incluem serviços de manutenção preventiva,
autodiagnóstico, serviços remotos, gestão de consumíveis, atualização e modernização. O
aviso automático sobre a falta de algum item na sala cirúrgica ou mesmo na farmácia poderá
disparar alertas preventivos para a solicitação de reposição precoce, baseada no número de
itens e na velocidade de consumo. O uso de leitores de códigos de barra acoplados aos siste-
mas de informações centrais é de grande utilidade.
O sistema de prontuário eletrônico integrado – com prescrição eletrônica, formulários
e processos eletrônicos, solicitação de interconsultas e pareceres de especialistas, gestão
integrada de marcação de consultas e exames, além de gestão documental – é artifício que
auxilia na melhoria da performance da unidade cirúrgica.
Dessa forma, o gerenciamento da tecnologia da informação no centro cirúrgico deve au-
mentar a segurança, a qualidade, a precisão e a eficiência da equipe cirúrgica. Também trará
vantagens relacionadas à diminuição do tempo de permanência dos pacientes nessa unidade
e favorecerá a diminuição dos gastos e o aumento da rotatividade.

Gerenciamento do centro cirúrgico | 61


Gerenciamento de Custos
Os recursos disponíveis para o tratamento cirúrgico de um paciente percorrem, até o
final exitoso do procedimento, um caminho pontilhado de diversos eventos econômicos,
os quais se iniciam com o provimento da estrutura física e de recursos humanos, de acordo
com o que foi estabelecido no plano de negócios, elaborado conforme a opção de mode-
lo assistencial pretendido pelos empreendedores, seja da iniciativa privada, seja do poder
público. Esse gasto inicial, que representa o valor de bens e serviços adquiridos pelo EAS,
com o objetivo de produzir outros bens ou serviços, deve se transformar em um custo efi-
ciente, ou seja, aquele gasto adequado dispendido para o fim almejado. Essas considerações
podem, em um primeiro momento, parecer desnecessárias. Entretanto, o emprego da pala-
vra “custo” é, muitas vezes, distorcido, e apenas sua acepção negativa, como um fator corro-
sivo de recursos, é observada por muitos stakeholders. Em verdade, o que se deve entender
é o processo em que o custo de um recurso venha a ser consumido de forma apropriada
e se traduza em benefício para o paciente. Para isso, o gerenciamento do centro cirúrgico
deverá privilegiar a agregação de valor ao procedimento médico-assistencial e, para tanto,
deverão ser consideradas as melhores práticas, evitando-se, sobremaneira, o desperdício e,
pior ainda, a ausência de benefício do tratamento cirúrgico do paciente.
Estudo realizado em 2008 pelo Banco Mundial (BIRD)12 ressalta a discrepância que
ocorre na alocação de equipamentos de alto custo no setor de saúde em algumas regiões
do Brasil, o que denota a ausência de coordenação. Esse mesmo estudo aponta a questão do
porte dos hospitais, ou melhor, que estes possuem número de leitos insuficientes, o que não
lhes permite operar eficientemente e com qualidade. Cerca de 60% dos hospitais possuem
menos de 50 leitos, bem aquém dos 150-250 necessários ao funcionamento otimizado. São,
portanto, subutilizados, deixando transparecer a ineficiência na prestação do serviço. O
que não significa que muitos desses pequenos hospitais não sobrevivam, pois, ainda assim,
recebem subsídios governamentais, muitas vezes extraorçamentários. Hospitais menores
tendem à ineficiência também porque, em escala reduzida, o “custo” unitário é maior.
É importante que o anestesiologista conheça alguns conceitos importantes sobre econo-
mia em saúde. Eficácia pode ser definida como o atributo de uma intervenção que funciona
em condições ideais, atingindo o máximo possível de benefício. Observe que, nesse caso, há
controle total da situação. Já o conceito de efetividade incorpora a prática assistencial, isto
é, o paciente, os profissionais, a instituição, o governo, enfim, o mundo real. Nem sempre
tudo que é eficaz é efetivo. Outro conceito importante é o de eficiência. Ao se dizer que um
produto ou serviço é eficiente, entende-se que ele é efetivo, com o menor custo possível.
Custos diretos são aqueles diretamente resultantes da intervenção e podem, didatica-
mente, ser subdivididos em médicos e não médicos. Exemplos de custos médicos diretos são
honorário da equipe cirúrgica, medicamento, órtese, prótese e material especial (OPME).
Já os custos não médicos são, por exemplo, custos com transporte do paciente após a alta
hospitalar. Os custos indiretos são aqueles que ocorrem quando há perda de produtividade,
como o cancelamento da cirurgia por um fator externo (o cirurgião adoeceu, por exemplo).
São três os principais tipos de análise econômica em saúde utilizados como ferramenta
para a tomada de decisão. A análise do custo-benefício vai contabilizar monetariamente

62 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


todos os custos (diretos e indiretos) e os benefícios auferidos (p. ex., valor da utilização da
sala cirúrgica, ganhos em OPME etc.).
Já a análise de custo-efetividade incorpora o resultado (desfecho), não monetaria-
mente, mas, sim, em eventos mórbidos evitados, ou seja, se produzir um benefício clínico
justificável para seu custo. Ainda mais apurada é a análise de custo-utilidade. Trata-se
de um tipo de análise de custo-efetividade que considera não só o benefício clínico, mas
a utilidade e o bem-estar do indivíduo. São estudos mais complexos que consideram as
preferências dos indivíduos.

Gerenciamento de Conflitos
Quase sempre os profissionais de saúde estão envolvidos numa rotina de trabalho ex-
tenuante por causa de diversos fatores, como acatar decisões de superiores hierárquicos,
realizar procedimentos diversos, conferir suas atribuições diárias, interagir no ambiente de
trabalho, comunicar-se adequadamente com colegas, pacientes e familiares. No ambiente
restrito do centro cirúrgico, considerado estressante, trabalham médicos, enfermeiros,
técnicos, auxiliares, administradores etc., e o convívio, respeitando hierarquias e regras,
associado a diferenças culturais, pode não ser fácil. Assim como em qualquer local de tra-
balho, preparar e gerenciar um ambiente hospitalar que mantém os resultados de qualidade
depende da interação entre as diversas equipes e o nível de habilidade de seus líderes. O
gerenciamento adequado dos diversos conflitos que ocorrem dentro desse ambiente será
fator decisivo na manutenção do equilíbrio para seu funcionamento apropriado.
O gerenciamento dos diversos conflitos existentes no centro cirúrgico depende de vários
fatores, incluindo conceitos como a importância das relações de hierarquia, a capacidade de
conviver e se relacionar com pessoas diferentes, a comunicação e a linguagem e o conhe-
cimento técnico, entre outros aspectos. Estes dependem de muitos fatores subjetivos e a
psicologia pode contar muito nesses momentos.

Comunicação
Os diversos profissionais de saúde envolvidos na gestão da operação de um hospital e,
em particular, do centro cirúrgico precisam de habilidades de comunicação eficazes. Eles
precisam assumir a responsabilidade de garantir que outros recebam a intenção correta
do sentido de suas mensagens e seus objetivos. Esse tipo de habilidade possui um impacto
direto e importante sobre a qualidade do atendimento ao paciente e melhora vários rela-
cionamentos. A comunicação deve incluir compreensão da linguagem usada nos hospitais
em base adequada. Os gerentes devem se relacionar com pacientes, colegas de trabalho e
funcionários. Os gerentes também devem ter consciência sobre a comunicação não verbal,
que ocorre por meio de expressões faciais e gestos com diversas partes do corpo.

Conhecimento Técnico
Os diversos tipos de habilidade e padrão técnico podem variar de acordo com a posição
do profissional. Os gerentes de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros profissio-
nais da saúde necessitam de subsídios que incluam conhecimentos, técnicas, habilidades,

Gerenciamento do centro cirúrgico | 63


destrezas e recursos para realizar suas atividades e liderar os outros colegas no centro
cirúrgico. Assim, um supervisor da área de fisioterapia precisa entender as habilidades
motoras, comportamentais e de comunicação que os terapeutas precisam para realizar seu
trabalho de forma eficaz. Os gerentes devem saber se um terapeuta se comunica efetiva-
mente com o paciente, familiares e outros profissionais ou se os relatórios são documenta-
dos de acordo com os procedimentos estabelecidos. Assim, os respectivos coordenadores
das diversas áreas terão como estabelecer parâmetros para nortear e entender padrões em
relação a condutas tomadas.

Delegação de Tarefas
Os gestores devem delegar tarefas para seus liderados. Esse tipo de habilidade envolve
muito mais do que a simples entrega de uma tarefa para um funcionário, por exemplo, mas
a consideração de suas habilidades e capacidades, bem como suas deficiências. Os gestores
devem ter compreensão clara sobre os conceitos e os resultados esperados, bem como a ma-
neira como a pessoa deve proceder antes de entregar a tarefa solicitada resolvida completa-
mente. O gestor eficaz delega tarefas e permite que o indivíduo tenha liberdade para utilizar
seu talento pessoal para completá-la. Entretanto, ele deve receber relatórios regulares sobre
o progresso e a evolução. Às vezes, um líder tem de fornecer orientação sobre o projeto ou
trabalhar com as pessoas, ajudando na realização de suas atividades, com a finalidade de
melhorar suas habilidades e rendimentos.

Relações Interpessoais
O tipo de trabalho, o local e o ambiente do centro cirúrgico está comumente associado a
circunstâncias estressantes, portanto, os gestores devem possuir habilidades interpessoais
bem estabelecidas para saber conduzir e conviver com os colegas, funcionários, familiares e
pacientes. Para tanto, exige-se a capacidade de desenvolver empatia com os outros, demons-
trar entusiasmo e manter atitude otimista em relação às atividades do dia a dia. As relações
interpessoais eficazes combinam vários outros tipos de habilidade, incluindo a comunica-
ção e a tentativa de resolução e gestão de conflitos presentes no cotidiano.
As unidades hospitalares e, em especial, o centro cirúrgico possuem funcionários com
diferentes níveis de qualificação, ensino, influências culturais, religiosas, preferências pes-
soais, experiências de treinamento e modo de formação técnica. Assim, é esperado que
surjam diferenças entre essas pessoas, que desenvolvem atividades e estão presentes em tal
ambiente. Os gestores devem ajudar os membros da equipe a negociar, solucionando seus
problemas e resolvendo conflitos da forma mais amigável possível. Os líderes devem ter boa
capacidade de negociação e conversa. A comunicação deve ser bem estabelecida e deve-se
evitar a transmissão de informações com duplo sentido ou de difícil entendimento. Entre as
habilidades para a adequada gestão de conflitos deve-se sempre aprimorar a capacidade de
comunicação e tentar um julgamento o mais imparcial possível, com a finalidade de facilitar
a compreensão e contar com a colaboração dos funcionários em todos os grupos e diferentes
profissões que trabalham no mesmo ambiente. A resolução de conflitos pode implicar ree-
ducação, revisão de políticas locais ou reformulação de diretrizes13.

64 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Em um estudo, Wisinski14 relaciona elementos da dinâmica de uma equipe com sua in-
teração e alcance de objetivos, enumerando, então, seis elementos essenciais: a participação
equilibrada de todos os elementos e a responsabilização de cada membro fazem parte desses
seis elementos e são a base da estruturação de uma equipe. Para fazer parte de uma equipe,
por vezes, os elementos têm de renunciar a sua posição pessoal em prol daquela, sendo es-
sencial avaliação constante que permita analisar resultados e corrigir lacunas. A responsa-
bilidade de cada membro em manter um bom relacionamento dentro da equipe, tentando
resolver conflitos pessoais e conscientes de que os erros individuais interferem no trabalho
e atingem todos, é fundamental.
Diversas pesquisas15 de clima organizacional identificaram o estresse como fator
importante no ambiente do centro cirúrgico. Baseados nesses resultados, foram criados
planos de ação para a minimização do estresse, denominado Atuação Positiva13 , que
consiste em:
• implantação de ginástica laboral por período indeterminado;
• motivação por meio de premiações;
• estreitamento da relação entre a liderança e os profissionais da linha de frente;
• diminuição da rotatividade de funcionários e fortalecimento da relação médico/equipe.

As situações de estresse e conflito sempre estarão presentes nas atividades que exerce-
mos, já que a equipe multidisciplinar está envolvida na manutenção do maior bem do ser
humano, a vida. Cabe às lideranças que representam a instituição estarem engajadas com
as equipes, para respaldar a condução dos conflitos diários. Como resultado, o ambiente
do centro cirúrgico se tornará mais ágil e efetivo e um local melhor para trabalhar, o que
determinará, certamente, melhor resultado para os pacientes.

Cuidados e Esterilização de Material


A central de material e esterilização (CME) é uma das unidades mais importantes
de um hospital, mas é desconhecida de muitos médicos, inclusive daqueles que, como
os anestesistas, cotidianamente utilizam os serviços do centro cirúrgico. Sob super-
visão da enfermagem, é uma unidade que presta apoio técnico16 a todas as unidades
assistenciais e é responsável pelo processamento e esterilização de material, como o
instrumental cirúrgico.
A padronização na validação do processamento de material e das superfícies é es-
sencial ao controle de infecção, e as condições ambientais necessárias a esse controle
nos serviços de saúde variam conforme os setores dos estabelecimentos assistenciais de
saúde (EAS)17.
São áreas críticas aquelas nas quais existe risco aumentado de transmissão de infecção,
procedimentos de risco são realizados, há pacientes imunodeprimidos e também a CME,
apesar de os pacientes não a frequentarem.
A Resolução nº 15, da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), de dezembro de 201218, apresenta as boas práticas para o processamen-
to de produtos para a saúde e classifica as centrais de material e esterilização conforme

Gerenciamento do centro cirúrgico | 65


sua capacidade de processamento (I – produtos não complexos; II – produtos complexos),
além de classificar os produtos e determinar o tipo de procedimento a ser realizado na
CME (Quadro 1).

Quadro 1 – Classificação de produtos para a saúde em relação ao seu processamento nas


Centrais de Materiais e Esterilização (CME), conforme a RDC (Anvisa) 15 3/2012
Tipos de produto
Características Exemplos
para a saúde

Estetoscópio
Produtos que entram em contato com pele ín-
Não críticos Termômetro
tegra ou não entram em contato com o paciente
Cubas “rim”
Cânula de Guedel
Produtos que entram em contato com pele não Máscara facial
Semicríticos
íntegra ou mucosas íntegras colonizadas Lâmina de laringoscópio
Válvulas respiratórias
Produtos para a saúde utilizados em proce-
dimentos invasivos, com penetração de pele
Instrumental cirúrgico
e mucosas adjacentes, tecidos subepteliais e
Críticos “Traqueias” do aparelho de anestesia
sistema vascular, incluindo todos os produtos
Acessórios de respiradores
para a saúde que estejam diretamente conecta-
dos com esses sistemas
Produtos para a saúde cujas superfícies internas Instrumental cirúrgico (tesouras
e externas podem ser atingidas por escovação cirúrgicas)
Não complexos
durante o processo de limpeza e tenham diâ- Cubas
metro superior a 5 mm nas estruturas tubulares Pinça de Magill
Produtos para a saúde que possuam lúmen
Instrumental com reentrâncias (p.
inferior a 5 milímetros ou com fundo cego,
Complexos ex., porta-agulhas)
espaços internos inacessíveis para a fricção
Agulhas especiais de punção
direta, reentrâncias ou válvulas

Na CME, o f luxo deve ser controlado desde o recebimento do material (sala de re-
cepção e limpeza); durante o preparo e a esterilização (sala de preparo e esterilização
e sala de desinfecção química, quando aplicável); na área de monitoramento do pro-
cesso de esterilização e na sala de armazenamento e distribuição do material esterili-
zado. Para tanto, é necessária uma barreira física que delimite a área contaminada da
área limpa.
Cada etapa do processamento do instrumental cirúrgico e dos produtos para saúde deve
seguir o Procedimento Operacional Padrão (POP), elaborado com base em referencial cien-
tífico atualizado e normatização pertinente. O material sujo e contaminado, ao ser enviado
para a CME, é submetido, inicialmente, a um processo de remoção da sujidade visível – or-
gânica e inorgânica – com o uso de água, sabão e detergente neutro ou detergente enzimá-
tico em artigos e superfícies. Se um artigo não for adequadamente limpo, isso dificultará os
processos de desinfecção e esterilização.

66 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Entende-se por descontaminação o processo de eliminação total ou parcial da carga mi-
crobiana de artigos e superfícies. Por desinfecção de alto nível entende-se o processo físico
ou químico que destrói a maioria dos microrganismos de artigos semicríticos, inclusive mi-
cobactérias e fungos, exceto um número elevado de esporos bacterianos.
Por esterilização entende-se o processo de destruição de todos os microrganismos
com a probabilidade de sobrevivência menor que 1:1.000.000. Os procedimentos devem
estabelecer registro do histórico do processamento do produto para a saúde e da sua
utilização, de modo que seja possível a rastreabilidade. Além disso, o monitoramento
do processo de esterilização com indicadores físicos deve ser registrado a cada ciclo
de esterilização.

Conclusão
Os médicos anestesiologistas devem conhecer os conceitos e processos que regem o ge-
renciamento do centro cirúrgico e se inteirar deles, para que haja o entendimento de que se
essa estrutura for bem gerida, implicará maiores ganhos diretos para o profissional, do tipo
financeiro, ou indiretos, do tipo mais tempo disponível para o lazer, para a família, além
de propiciar oportunidades de desenvolver seu trabalho com mais qualidade e segurança,
contribuindo para resultados positivos em relação aos pacientes, à própria qualidade de vida
e à melhor gestão financeira da organização na qual estão inseridos.

Referências bibliográficas:
1. Donabedian A. The quality of care. How can it be assessed? JAMA, 1988;260:1743-1748.
2. Wacther RM. Understanding patient safety. 2th Ed. New York, McGraw Hill, 2012.
3. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC. [Internet]. [acesso em 4 mai 2014]. Dis-
ponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/sctie/conitec .
4. Tsai MH. Ten tips in providing value in operating room management. Anesthesiol Clin, 2008; 26:765-783.
5. Dexter F, Ledolter J, Wachtel RE. Tactical decision making for selective expansion of operating room resources
incorporation financial criteria and uncertainty in subspecialities’ future workloads. Anesth Analg, 2005;
100:1424-1432.
6. Vecina Neto G, Malik AM. Gestão em Saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2011:215.
7. Macario A. Are your hospital operating rooms efficient? A scoring system with eight performance indicators. Anes-
thesiology, 2006;105:237-240.
8. Joint Commission International. Joint Commission International Accreditation Standars for Hospitals. 5th Ed.
[Chicago]: 2013.
9. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Brasil). Resolução nº. 136, de 25 jul 2013. Ações para a segurança do
paciente em serviços de saúde. Diário Oficial da União 26 de julho de 2013;Seção 1.
10. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução nº 1802 de 6 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a prática do
ato anestésico. Revoga a Resolução CFM n. 1363/1993. [acesso em 04/05/2014]. Disponível em: http://www.
portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2006/1802_2006.htm
11. International Organization for Standardization. ISO 12207: System and software engineering – software lifecycle
process. Genebra, 2008.
12. La Forgia GM, Couttolene BF. Hospital Performance in Brazil. The search for excellence. The word bank. Washing-
ton DC, 2008.
13. Pinter MG. Gerenciamento de Conflitos e Negociação no Bloco Cirúrgico, Atuação Positiva. Hospital Albert Einstein.
14. Wisinski J. Como Resolver Conflitos no Trabalho. Rio de Janeiro, Campus, 1994.

Gerenciamento do centro cirúrgico | 67


15. Pereira MCCMA. Dinâmicas e percepções sobre trabalho de equipa: Um estudo em ambiente cirúrgico. Tese [Mes-
trado em Medicina]; Universidade da Beira Interior. Faculdade de Ciências da Saúde, Covilhã; 2010.
16. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Brasil). Resolução nº 307, de 14 nov 2002. Regulamento técnico para
planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde.
Diário Oficial da União 18 nov 2002; Seção 1.
17. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Brasil). Resolução nº 50, de 21 fev 2002. Regulamento técnico para
planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde.
18. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Brasil). Resolução nº. 15, de 15 mar 2012. Requisitos de boas práticas
para o processamento de produtos para saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União 21 mar 2012;
Seção 1.

68 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 05

Miopatias e Anestesia
Ana Karla Arraes von Sohsten
Heber de Moraes Penna
Carlos Darcy Alves Bersot
Miopatias e Anestesia

Introdução
Miopatias são desordens estruturais e/ou funcionais dos músculos esqueléticos, resul-
tantes de uma variedade de etiologias. Anormalidades na estrutura ou no metabolismo da
célula muscular que levam a vários padrões de fraqueza muscular e, consequentemente, de
manifestações clínicas.
As miopatias devem ser diferenciadas das doenças do neurônio motor, das neuropa-
tias periféricas e das doenças da junção neuromuscular. Apesar de terem baixa preva-
lência na população em geral, podem levar a graves complicações durante procedimen-
tos anestésicos, como hipertermia maligna, rabdomiólise, crises miotônicas e piora da
função respiratória1.
As miopatias podem ser classificadas em duas categorias principais: hereditárias ou
adquiridas. O curso temporal, o padrão da fraqueza muscular e a ausência ou presença de
história familiar de miopatia ajudam a distinguir entre os dois tipos. O início dos sintomas
em idade precoce associado à longa duração da doença sugere o diagnóstico de miopatia
hereditária, enquanto um início súbito ou subagudo dos sintomas e em idade mais tardia su-
gere miopatia adquirida. As duas categorias apresentam ainda subclassificações, conforme
o Quadro 12 .

Quadro 1 - Classificação das miopatias


Miopatias congênitas
Distrofias musculares
Miopatias hereditárias Canalopatias
Miopatias metabólicas primárias
Miopatias mitocondriais
Miopatias inflamatórias
Miopatias adquiridas Miopatias tóxicas e induzidas por drogas
Miopatias associadas a doenças sistêmicas e infecciosas

Quadro clínico e diagnósticos gerais


A maioria das desordens musculares produz fraqueza e atrofia muscular, especialmente
da musculatura proximal, afetando, em menor grau de intensidade, os grupos musculares
distais. Algumas miopatias, como as distrofias musculares, desenvolvem-se precocemente;
outras, mais tardiamente. Algumas pioram progressivamente sem boa resposta ao trata-
mento; outras são tratáveis e permanecem estáveis ao longo dos anos.
O diagnóstico das desordens musculares é baseado em um tripé investigativo: dosagem
de enzimas específicas; estudos eletrofisiológicos e biópsia muscular, mas sempre precedido
de um exame neurológico completo e cuidadoso. Os dois primeiros exames são vistos como
procedimentos screening e o último, como definitivo, fornecendo, na grande maioria, um
diagnóstico mais exato e definitivo. Todos têm falhas e limitações e devem ser analisados

70 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


em conjunto com o quadro clínico e outros exames complementares específicos para cada
tipo de miopatia3. É frequente a necessidade de aconselhamento genético familiar.

Miopatias Hereditárias
Distrofias Musculares e Miopatias Congênitas
As distrofias musculares envolvem um grupo diverso de doenças, com herança genética,
caracterizadas por fraqueza muscular progressiva e degeneração muscular. Os músculos
envolvidos variam de acordo com o tipo de distrofia (Quadro 2)4,5.

Quadro 2 – Músculos envolvidos nas diversas distrofias


Tipo Músculos Envolvidos

Distrofia muscular de Becker Inicialmente, tronco e membros inferiores


Distrofia muscular de Duchenne Na fase avançada, toda a musculatura estriada

Distrofia muscular de Emery-Dreifuss Ombros, membros superiores e tornozelos

Distrofia muscular distal Mãos, antebraços e pernas

Face, ombros, membros superiores e, ocasionalmente,


Distrofia muscular facioescapuloumeral
membros inferiores

Distrofia muscular de cintura e membros Ombros e cintura pélvica

Distrofia muscular miotônica Face, mãos, pés e pescoço

Distrofia muscular oculofaringeana Pálpebras e faringe

A distrofia muscular de Duchenne (DMD) e a distrofia de Becker (DB) figuram entre


as mais prevalentes, ocorrendo por anormalidades ligadas ao cromossoma X em caráter re-
cessivo. O defeito genético inibe a produção normal de distrofina, proteína estabilizadora
muscular, essencial para manter a integridade do sarcolema, que, uma vez rompido, leva ao
aparecimento clínico da patologia. A DMD tem incidência de 30 casos para 100.000 nasci-
dos vivos e a DB, de 3-6 por 100.000 nascimentos de homens6.
O início dos sintomas na DMD ocorre na primeira infância como fraqueza muscular
e retardo do desenvolvimento motor. O atraso na deambulação até por volta dos 15
meses de vida pode ser o primeiro sinal. Seguem fraqueza progressiva dos membros
inferiores, pseudo-hipertrofia das panturrilhas e significativo aumento de CPK. Prati-
camente todos os pacientes são sintomáticos aos 5 anos. A atrofia muscular progressiva
e severa leva à perda da capacidade de deambular em torno dos 14 anos. Na DB, pela
perda da distrofina ser parcial, os sintomas se iniciam na adolescência ou na fase adulta
e têm evolução mais lenta. Nas duas, nas fases mais evolutivas, ocorrem cardiomiopatia,
arritmia cardíaca e falência respiratória com impossibilidade de desmame ventilatório.
A avaliação pré-operatória deve incluir provas de função pulmonar e rigorosa investiga-
ção do sistema cardiovascular 6,7.

Miopatias e Anestesia | 71
Por serem mais prevalentes, o registro de anestesias em portadores de DMD e DB tam-
bém é maior. As complicações anestésicas relatadas nesses pacientes podem ser divididas
em quatro grupos de manifestações:
1. Falência cardíaca intraoperatória;
2. Rabdomiólise e parada cardíaca por hipercalemia sem administração de succinilcolina;
3. Hipecalemia e parada cardíaca após o uso de succinilcolina;
4. Síndrome de Hipertermia Maligna (HM).
Os relatos de comprometimento cardiovascular grave foram, em sua maioria, de pacien-
tes submetidos à cirurgia de coluna, em que a causa pode ser atribuída a grandes perdas
sanguíneas ou à disfunção miocárdica previamente existente.
Em pacientes com DMD, as rabdomiólises na ausência de succinilcolina foram observa-
das durante exposição mínima na indução da anestesia e com uso de halotano. Os níveis de
potássio chegaram a 8 mEq/l. Dantrolene foi utilizado empiricamente após documentação
de acidose metabólica e respiratória, sem a presença de febre ou com discreto aumento de
temperatura. Relatos no período de pós-operatório foram confirmados quando do em-
prego de halotano, isoflurano e sevoflurano, tendo sido a evolução desfavorável na metade
dos casos. Há registros de casos semelhantes em portadores de DB em que o dantrolene
foi empregado; porém, sintomas de hipermetabolismo que precedessem a rabdomiólise e a
hipercalemia não ocorreram.
Nas evidências de rabdomiólise e parada cardíaca após succinilcolina, a maioria não
apresentava diagnóstico de miopatia por ocasião do evento, sendo investigado e firmado
secundariamente ao quadro. A mortalidade foi de 30%. Considerando a possibilidade de
anestesia em pacientes sem suspeição de miopatias, o uso da succinilcolina deve se limitar
a situações extremas, em que outras alternativas não estejam disponíveis para acessar as
vias aéreas6.
Casos suspeitos de hipertermia maligna têm sido reportados na DMD e na DB. Pacientes
com DMD desenvolveram febre inexplicada e taquicardia com o uso de halotano e outros
tiveram rabdomiólise sem hipercalemia. Na maioria dos casos, já havia diagnóstico prévio
de miopatia. A dificuldade em se estabelecer a verdadeira correlação entre as distrofias e
hipertermia maligna reside no fato de que as rabdomiólises e os quadros associados com-
partilham muitos sintomas de uma verdadeira crise de hipertermia maligna, e até mesmo os
quadros de hipertermia maligna são bastante variáveis; rabdomiólise e acidose lática podem
não existir8.
Parece não haver confirmação genética entre DMD e HM porque a mutação genética
da DMD encontra-se ligada ao cromossomo X, enquanto na HM está usualmente locada
no cromossomo 19. A existência da demonstração de testes positivos à contratura cafeína/
halotano em portadores de distrofia tem sido questionada; uma vez que já existe alteração
intrínseca do músculo distrófico, tornando-o mais sensível ao teste9.
A real preocupação da não utilização de agentes voláteis e succinilcolina em portadores
de distrofia talvez seja a prevenção da ocorrência de rabdomiólise e/ou hipercalemia, e não
a possibilidade de desencadear crise de hipertermia maligna.

72 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Está bem estabelecido que mutações no gene do receptor de ryanodina (RYR1) estão
associadas à suscetibilidade para HM9-11. Dessa forma, algumas miopatias congênitas, em
que as mutações genéticas também se localizam nesse mesmo gene, estão predispostas a
desenvolver crise de HM quando expostas aos agentes desencadeantes. A doença do núcleo
central (central core disease), a multiminicore disease e a miopatia por desproporção do
tipo de fibra encontram-se nesse grupo12,13.
A central core disease constitui uma rara miopatia hereditária autossômica dominante
que apresenta, histologicamente, núcleos centrais no interior da fibra muscular, preferen-
cialmente nas fibras do tipo I. A multiminicore disease é transmitida de forma autossômica
recessiva, apresenta grave comprometimento da musculatura axial e não há atividade enzi-
mática oxidativa do núcleo da fibra muscular em estudos histoquímicos14.
Ainda sabidamente associada à HM temos a síndrome de King-Denborough e a mio-
patia de Evans11. A síndrome de King-Denborough e a síndrome de Noonan comparti-
lham as mesmas características, como estatura baixa, pescoço alado, implantação baixa
das orelhas, pectus escavatum, criptorquidia; algumas vezes, surdez e/ou discrasia sanguí-
nea; exceto a miopatia, que ocorre somente na primeira. A herança genética ainda não foi
estabelecida e a maioria dos casos é esporádica, existindo um único registro de mutação
no gene do receptor RYR115.

Miopatias Mitocondriais
Por meio de processos que incluem o ciclo de Krebs, o transporte de elétrons na cadeia
respiratória e a fosforilação oxidativa; a mitocôndria é capaz de fornecer o principal subs-
trato energético molecular para as células16. Os distúrbios desses mecanismos fisiológicos
levam ao aparecimento das doenças mitocondriais, ocasionadas por mutações primárias ou
herdadas. O primeiro estágio da fosforilação, a conversão de NADH em NAD e o trans-
porte de elétrons constituem as etapas mais frequentemente acometidas nas anomalias
mitocondriais. As três principais formas de apresentação das doenças mitocondriais congê-
nitas são desordem multissistêmica infantil fatal; miopatias e encefalopatias, tendo as duas
últimas evoluções e prognósticos variáveis, conforme o uso de suplementos metabólicos,
as modificações dietéticas e, às vezes, o transplante de órgãos; esse último pode ser o único
tratamento definitivo. A incidência é estimada em 1 para 4.000 nascimentos17.
Atualmente, mais de 200 pontos de mutação no genoma mitocondrial estão reportados
e, por causa disso, as manifestações clínicas se mostram extremamente variáveis e podem se
apresentar em diferentes idades. Em geral, fraqueza muscular progressiva e intolerância ao
exercício são mais frequentes. Entretanto, pode haver debilidade da musculatura extrínseca
do olho, das pálpebras, da face e do pescoço. Em estágios mais avançados, dificuldade na fala e
na deglutição também tem sido relatada. O grau de intolerância ao exercício tem grande varia-
bilidade, indo desde problemas com o simples caminhar até aqueles que manifestam sintomas
somente com exercícios físicos extremos. Dor e lesão muscular resultam em rabdomiólise e
mioglobinúria, que podem culminar em insuficiência renal temporária ou permanente.
Uma vez que a deficiência na produção de ATP constitui o principal ponto de acome-
timento da doença, órgãos com altas demandas metabólicas como cérebro, coração e rins,

Miopatias e Anestesia | 73
quando atingidos, demonstram quadro clínico com cefaléia, deficiência auditiva, convul-
são, dificuldade de aprendizado e até retardo mental. Devem ser levadas em consideração
as cardiomiopatias e as anormalidades da condução cardíaca, como bloqueios de ramo e a
síndrome de Wolff-Parkinson-White. Podem ocorrer ainda insuficiência respiratória com
necessidade de suporte ventilatório, distúrbios gastrointestinais traduzidos por vômitos ou
disfagia inexplicada, deficiência pancreática exócrina e diabetes18. Pacientes com miopatias
ainda não esclarecidas merecem cuidados especiais, mesmo tendo o risco estimado de de-
senvolver hipertermia maligna ou rabdomiólise em torno de 1,09%19.
Um caso de teste positivo à contratura com cafeína e halotano em paciente portadora de
miopatia mitocondrial foi relatado, mas o emprego de anestésicos capazes de desencadear
crises não parece estar relacionado em caso de miopatias mitocondriais20.

Miopatias adquiridas
Miopatias Inflamatórias
As miopatias inflamatórias são um grupo de doenças raras (incidência anual de
1/100.000 nos EUA) que inclui a polimiosite (PM), a dermatomiosite (DM) e a miopatia
necrotizante auti-imune (MN). São doenças da fase adulta e acometem mais mulheres que
homens21. A dermatomiosite se apresenta como fraqueza muscular proximal de início agudo
ou insidioso, dolorosa, além de rush cutâneo característico nas superfícies extensoras das
mãos e dos dedos, calcificação subcutânea e prurido. Na polimiosite, os sintomas se limitam
ao tecido muscular e a disfagia aparece em um terço dos casos, assim como o quadro de fra-
queza na musculatura facial. A miopatia necrotizante se apresenta como fraqueza muscular
proximal progressiva, de início subagudo e sem rush cutâneo, geralmente mais severa que
na polimiosite.
Há aumento de incidência das doenças pulmonares intersticiais, que leva a dispnéia e
tosse22; desordens autoimunes, neoplasia e doenças cardiológicas, que geram defeitos na
condução e arritmias dos pacientes portadores de PM, DM e MN23.
Em relação ao diagnóstico laboratorial, a creatina kinase sérica (CK) está bastante au-
mentada (acima de dez vezes a taxa normal) na maioria dos casos de miopatia inflamatória.
Por causa das doenças pulmonares e cardíacas associadas, testes de função pulmonar e es-
tudos por imagem do tórax, assim como rigorosa avaliação cardiológica, estão indicados na
avaliação pré-operatória.
Miopatias Tóxicas Induzidas por Drogas
Várias drogas usadas na prática clínica podem levar à toxicidade do tecido muscular de
forma inesperada, gerando diferentes graus de manifestações clínicas: de sensação de des-
conforto e fraqueza muscular a danos permanentes. Pode haver elevação da CK e mioglobi-
núria em pacientes sem história prévia de doenças musculares.
A miotoxicidade induzida por drogas é causada por uma variedade de mecanismos:
lesão de organelas da fibra muscular, como mitocôndrias e lisossomos; alterações dos
antígenos musculares, que geram respostas imunológicas ou causam distúrbios hidro-
eletrolíticos e desequilíbrio nutricional na célula muscular. No entanto, a miopatia

74 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


tóxica deve ser um diagnóstico de exclusão, após serem afastadas as causas endócrinas,
as miopatias hereditárias e as diversas miopatias adquiridas24. Entre as possíveis subs-
tâncias que produzem as miopatias tóxicas, as mais comum são as estatinas (estudos
recentes mostram que cerca de 10% dos usuários apresentam mialgia como principal
efeito colateral) e os corticosteroides usados cronicamente, que levam à seletiva perda
dos filamentos de miosina 25,26 .
Quadro 3 – Principais substâncias envolvidas nas miopatias tóxicas e induzidas por drogas
Estatinas e fibratos Cloroquina
D-Penicilamina Hidroxicloroquina
Interferon Álcool
Procainamida Germanium
Zidovudina Corticosteroides
Colchicina Amiodarona
Vincristina Quinacrina

Miopatias Associadas a Doenças Sistêmicas e Infecciosas


Algumas doenças sistêmicas podem cursar tanto com disfunção da junção neuro-
muscular como com as miopatias. Diabetes mellitus, alcoolismo, insuficiência renal e
doenças neoplásicas, além de infecção pelo HIV, sepse e infecções fúngicas, estão entre
as principais entidades que podem causar fraqueza em diversos grupos musculares 27.
Não se pode esquecer que, com o avanço da medicina intensiva, um grande número
de pacientes sobrevive por longos períodos em ventilação mecânica e, muitas vezes, o
diagnóstico de fraqueza muscular pode ser negligenciado por causa da maior atenção ao
sistema cardiorrespiratório28 .
Como principais fatores predisponentes à miopatia associada a doenças sistêmicas en-
contram-se o tempo prolongado de ventilação mecânica, o uso de relaxantes musculares,
principalmente o pancurônio, e longos períodos de imobilidade. Do ponto de vista histoló-
gico, essa miopatia é caracterizada por variações anormais das fibras musculares, presença
de vacúolos, degeneração gordurosa e necrose muscular29. Essa necrose pode progredir para
rabdomiólise franca em muitos casos.

Conduta anestésica
O manejo anestésico de pacientes com patologias musculares é um desafio. Além das
respostas esporádicas imprevisíveis, como rabdomiólise e intenso catabolismo, podem
ocorrer complicações associadas à fraqueza muscular respiratória, miocardiopatia prévia e
alterações na anatomia das vias aéreas, entre outras.
Para identificar e minimizar os riscos, uma avaliação pré-anestésica minuciosa é funda-
mental. Portadores de miopatia devem ter diagnóstico baseado em aspectos clínicos, mas,
se possível, deve-se estabelecer o mecanismo molecular subjacente, identificado através do
exame histopatológico.

Miopatias e Anestesia | 75
Todos os pacientes portadores de miopatia devem ser investigados do ponto de vista car-
diológico. Em muitas miopatias, de fato, pode-se observar uma cardiopatia pré-clínica ou
uma cardiomiopatia dilatada manifesta, além de distúrbios de condução, encurtamento do
intervalo PQ , prolongamento do QT, especialmente em estágios avançados30,31.
A função respiratória e a capacidade do paciente para mobilizar secreções devem ser
avaliadas. Em estágios avançados, essas patologias são acompanhadas por insuficiência
respiratória; assim, adequado suporte ventilatório pós-operatório pode ser necessário e a
disponibilidade de uma unidade de terapia intensiva pós-operatória, prudente. Baseado no
grau de fraqueza da musculatura esquelética, a indução com via aérea em sequência rápida
pode prevenir a aspiração broncopulmonar.
A dosagem pré-operatória do potássio sérico basal e da creatina quinase em pacientes
com doenças musculares é importante para avaliar a integridade da membrana muscular,
por causa do risco aumentado de rabdomiólise. Considerar a não utilização de soluções
com lactato. Distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, alterações da coagulação e hiper-
glicemia devem ser rapidamente corrigidos.
É recomendado jejum mínimo de 6-8 horas para sólidos e de 2 horas para líquidos claros,
conforme recomendações habituais. Estudos sugerem que esses pacientes não só estão em
maior risco de aspiração do conteúdo gástrico, por causa da fraqueza muscular e dismoti-
lidade intestinal, mas também podem desencadear uma crise metabólica pelo inadequado
metabolismo da glicose32 .
Todas as técnicas anestésicas e drogas apresentam vantagens e desvantagens em pacien-
tes portadores de miopatias. Assim, os anestésicos voláteis são contraindicados apenas nas
miopatias congênitas com o risco associado de hipertermia maligna32 . Esses fármacos tam-
bém têm sido implicados em rabdomiólise e reações semelhantes a HM.
O uso de bloqueador neuromuscular despolarizante deve ser evitado em pacientes com
doenças neuromusculares. A succinilcolina é um gatilho reconhecido para desencadear HM
em pacientes suscetíveis. Além disso, pode levar à despolarização prolongada com liberação
de potássio para o meio extracelular e influxo de cálcio muscular, que aumentaria o risco de
rabdomiólise. Esses efeitos são mais proeminentes em pacientes com receptores de acetilco-
lina extrajuncional, como ocorre no paciente portador de DMD. Como os mesmos efeitos
podem ser desencadeados por anticolinesterásicos, estes também não são recomendados. A
recente introdução da gamaciclodextrina (sugamadex) oferece alternativa atraente nessas
circunstâncias. Se o bloqueio neuromuscular for necessário, um bloqueador neuromuscular
adespolarizante deve ser preferido.
A anestesia venosa total tem sido defendida por muitos autores como a técnica anes-
tésica mais segura, porém, o uso de propofol tem sido questionado por apresentar com-
ponente lipídico, que pode afetar a oxidação de ácidos graxos, e por seus efeitos diretos
sobre a função mitocondrial. Ambos podem predispor o paciente à síndrome de infu-
são do propofol, sendo essa caracterizada por acidose láctica, bradicardia, rabdomió-
lise e insuficiência renal. Embora seja mais frequente com infusões de maior duração
(> 48 horas), em pacientes suscetíveis, mesmo infusões de curta duração podem levar
ao quadro33-35 .

76 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


A ketamina não tem sido implicada como agente prejudicial, e suas propriedades analgé-
sicas podem ser um adjuvante nesses pacientes17.
Por fim, autores sugerem que esses pacientes deveriam ter prioridade para realizar o pro-
cedimento anestésico e todas as medidas profiláticas e terapêuticas para o adequado preparo
cirúrgico disponível. Mesmo em casos de extremo cuidado no intraoperatório, o acompa-
nhamento em unidade de terapia intensiva logo após a cirurgia é altamente recomendado.

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78 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 06

Pré-condicionamento
isquêmico remoto
Débora Maia da Costa
Francisco Elano Carvalho Pereira
Josenília Maria Alves Gomes
Cláudia Regina Fernandes
Pré-condicionamento isquêmico remoto

Introdução
O pré-condicionamento isquêmico remoto pode beneficiar o paciente cirúrgico. É
uma estratégia citoprotetora simples, barata e exequível em pacientes que se submeterão à
cirurgia de grande porte, com potencial insulto isquêmico de órgãos-alvo. Pesquisas estão
avançando e, em breve, saberemos quem são os pacientes que mais se beneficiarão com
esse procedimento.
O objetivo deste capítulo é discorrer sobre o conhecimento atual acerca do fenômeno de
pré-condicionamento isquêmico local e remoto, suas repercussões orgânicas e as evidências
científicas sobre os mecanismos de ação relacionados a esse fenômeno.

Pré-condicionamento isquêmico
O pré-condicionamento isquêmico (PCI) é definido por breves períodos de isquemia
tecidual, intercalados com reperfusão do respectivo tecido, que antecedem um período de
isquemia sustentada. Esse procedimento prepara e protege a célula contra eventuais danos
causados por um período de isquemia prolongada1.
Jennings, em 1960, discorreu pela primeira vez sobre reperfusão, sugerindo estratégias
cardioprotetoras para diminuir o grau de lesão miocárdica2 . Atualmente, reconhece-se que
o fenômeno de isquemia tecidual, seguida da reperfusão do referido tecido, complica uma
série de eventos, entre eles o infarto do miocárdio, o acidente vascular cerebral e os trans-
plantes de órgãos e tecidos, contribuindo para lesões tissulares, que estão associadas com o
aumento da mortalidade3. Em todas essas condições, a restauração do fluxo sanguíneo ade-
quado é o principal tratamento. No entanto, mesmo após a restauração do fluxo sanguíneo,
o dano tecidual persiste, em parte induzido pela própria reperfusão.
A investigação sobre a redução da lesão de isquemia–reperfusão (IR) ganhou grande
impulso após a publicação do estudo de Murry e col., em 1986, quando o fenômeno do
pré-condicionamento isquêmico foi descrito. Mediante estudo em coração de coelhos, os
autores demonstraram que a indução de isquemia leve, seguida por período de reperfusão,
tornou o coração mais resistente a posterior insulto isquêmico de potencialidade fatal, infe-
rindo que o pré-condicionamento isquêmico retarda a lesão letal no miocárdio que sofre de
isquemia prolongada4. Ao longo das últimas três décadas, outros autores têm demonstrado
o efeito protetor do pré-condicionamento isquêmico em outros tecidos5-8, no entanto, o co-
ração tem sido o órgão mais amplamente estudado.
A doença arterial coronariana, cursando com infarto agudo do miocárdio, é a principal
causa de morbidade e mortalidade em todo o mundo. A trombólise ou angioplastia
coronariana primária, para resolver a obstrução coronariana e o infarto agudo do
miocárdio, com o pronto restabelecimento do fluxo sanguíneo coronariano na artéria
acometida, continua sendo a intervenção mais eficaz para limitar o tamanho da área
afetada pelo infarto, reduzindo, assim, o remodelamento do ventrículo esquerdo (VE),
preservando a função do VE e melhorando os desfechos clínicos9,10. Paradoxalmente, o

80 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


processo de reperfusão do músculo cardíaco pode agravar a lesão miocárdica sustentada
durante a isquemia, fenômeno conhecido como “lesão de reperfusão miocárdica letal”10.
A cardioproteção induzida pelo pré-condicionamento isquêmico (PCI)4, com o objetivo
de reduzir o tamanho da área do infarto estabelecida mediante aplicação ao coração de
curtos episódios de isquemia/reperfusão (I/R), antes de um grave evento isquêmico, é
uma estratégia de tratamento invasivo, sendo aplicada diretamente sobre o miocárdio
em risco, que em algumas situações clínicas pode ser impraticável e/ou prejudicial.
No entanto, em pacientes com angina estável, foi demonstrado que três ciclos de dois
minutos de inflação e deflação do balão da artéria coronária manifestaram melhora da
contratilidade miocárdica e diminuição da dor torácica11.
O cérebro é outro órgão bem estudado acerca desse fenômeno. Estudos demonstram que
o PCI no cérebro consiste em uma fase precoce e uma tardia, nas quais diferentes respostas
neuroprotetoras podem ser extraídas em janelas de tempo específicas, ou seja, intervalo de
tempo entre o primeiro insulto subletal e o segundo insulto, normalmente letal. Há uma
fase rápida para a qual o efeito protetor dos fatores liberados é máximo, principalmente se a
janela entre os insultos inicial e final tiver cerca de uma hora de duração12-14. Nesse órgão, a
combinação de fatores liberados e a ativação de outras vias na segunda fase, definida como
pré-condicionamento tardio, conferem proteção máxima se a janela se prolongar por vários
dias após o insulto pré-condicionante, que tem demonstrado proporcionar neuroproteção
mais intensa e duradoura do que a primeira fase. Até o momento, compreende-se que o
PCI no cérebro engloba vários passos fundamentais, porém, ainda pouco conhecidos15,16,
durante os quais fatores desencadeantes são liberados em resposta a um insulto isquêmico
subletal de curta duração; vias de sinalização são ativadas pelos receptores dos fatores
desencadeantes; e a expressão de gene é orquestrada pelas vias de sinalização ativadas pelo
pré-condicionamento tardio. A ativação dessas vias resulta em células cerebrais com um
fenótipo altamente resistente a insultos isquêmicos17.
Outros cenários em que o PCI tem sido estudado são as cirurgias de grande porte.
Esse fenômeno se mostrou benéfico quando em situações que envolvem pacientes
submetidos a procedimentos invasivos ou de longa duração, que podem resultar em
um estado relativo de isquemia. Nesses casos, o resultado pós-operatório pode ser
melhorado através do PCI. Além disso, já foi sinalizado que esse fenômeno, em caráter
crônico, pode garantir proteção isquêmica e anti-inf lamatória a pacientes que sofrem
de síndrome metabólica, doença cardiovascular e cerebrovascular ou naqueles em risco
para ataques isquêmicos recorrentes18 .
A maioria dos modelos in vivo de PCI realizados em animais de experimentação é de
natureza invasiva e, portanto, impraticável em ambiente clínico. Entretanto, uma forma
modificada de PCI, denominada Pré-condicionamento Isquêmico Remoto (PCIR), que
será descrita a seguir, pode vir a ter alto valor de transposição para os mais diversos cenários
clínicos19. Nesse conceito mais recente, em estudos experimentais, episódios breves de I/R
aplicados a intestino delgado, rim, fígado ou até mesmo membros posteriores de animais
foram relatados como responsáveis por reduzir o tamanho do infarto do miocárdio20-22 . Esse
fenômeno já tem sido transposto para a clínica, em que breves períodos de I/R de membros

Pré-condicionamento isquêmico remoto | 81


antes do insulto orgânico têm sido associados a redução da lesão miocárdica em pacientes
submetidos à cirurgia cardíaca23,24.

Pré-condicionamento isquêmico remoto


O pré-condicionamento isquêmico remoto (PCIR), descrito pela primeira vez em 1993
por Przyklenk e col.25, implica uma série de curtos períodos não letais de isquemia interca-
lados por períodos de reperfusão em tecidos distantes, que resulta em um órgão-alvo mais
resistente a um evento isquêmico subsequente26-28.
O PCIR está ganhando interesse como método potencial para induzir resistência contra
lesão de isquemia–reperfusão em uma variedade de situações clínicas. Os rins são órgãos
bem estudados acerca desse fenômeno. Embora esses órgãos não estejam diretamente ex-
postos a lesões de isquemia–reperfusão, o PCIR pode preservar a função renal em pacien-
tes submetidos a intervenções cardíacas e vasculares, mediante bloqueio da produção dos
radicais livres, atenuando a resposta inflamatória envolvida na patogênese da Lesão Renal
Aguda (LRA)20,24,29. Os estudos sugerem que essa técnica tem um grande potencial para
diminuir a lesão isquêmica de outros órgãos-alvo em pacientes submetidos a intervenções
cirúrgicas de alto potencial isquêmico30.
Está estabelecido que o PCIR envolve ciclos de oclusão e restauração do fluxo sanguíneo
em um membro distante do sítio da citoproteção desejada. Repetidos ciclos de isquemia
temporária nessa área podem provocar a liberação de fatores de proteção solúveis no san-
gue, que podem ser entregues ao órgão-alvo, conferindo proteção ao insulto isquêmico19.
No entanto, não estão definidos o tempo de isquemia, o local, nem a frequência com a qual
o tecido deve ser submetido para que produza o efeito desejado.
No estudo pioneiro de Przyklenk 31, os autores originalmente desenvolveram a ideia e
apontaram os efeitos do pré-condicionamento regional do miocárdio, com manipulações no
mesmo leito vascular (o território da artéria coronária esquerda). Os autores demonstraram
que a oclusão transitória da artéria circunflexa promove subsequente proteção ao território
do miocárdio da artéria descendente anterior após insulto isquêmico potencialmente letal.
Esse achado induziu a hipótese de que certos mediadores transportáveis e outros sinais de
citoproteção são entregues pela circulação ao músculo miocárdio distante do local da isque-
mia. Embora o protocolo usado nesse estudo não possa ser considerado exemplo de verda-
deiro pré-condicionamento isquêmico remoto, ele forneceu base para pesquisas futuras. As
investigações nos anos subsequentes, realizadas especialmente em animais, apontaram que
episódios curtos de I/R aplicados ao rim32, à área esplâncnica33 e a membros34 são capazes
de induzir proteção a órgão distante, que será submetido a um período de isquemia prolon-
gada. Pensando na aplicabilidade clínica desse procedimento e na relação custo-benefício, a
melhor abordagem clínica seria o uso de técnicas não invasivas ou minimamente invasivas,
haja vista que o objetivo primordial é a redução de complicações e riscos relacionados a
qualquer procedimento35.
Em 1997, Birnbaum e col. 36 forneceram a base para os tratamentos minimamente in-
vasivos. Os autores demonstraram que a dimensão da área do infarto do miocárdio em
coelhos pode ser reduzida em até 65% pelo condicionamento aplicado sobre os músculos

82 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


flexores do membro inferior. Nesse mesmo ano, Oxman e col. 34 relataram a primeira téc-
nica não invasiva, com realização de ciclos de condicionamento com o membro inferior,
através da utilização de um torniquete elástico que comprime o membro e causa curto
período de isquemia. No modelo experimental, o autores encontraram diminuição sig-
nificativa na frequência de arritmias de reperfusão do coração de ratos. Entretanto, os
mecanismos cardioprotetores subjacentes permanecem obscuros, necessitando de mais
estudos para compreensão. Existe a hipótese de que o PCIR utiliza tanto as vias humorais
quanto neurais para transmitir o sinal cardioprotetor do tecido pré-condicionado remo-
tamente para o coração19.
Em estudo experimental, seguindo essa mesma dinâmica de teoria, seis ratos foram
anestesiados e submetidos in vivo a 30 minutos de isquemia coronariana seguida por 120
minutos de reperfusão miocárdica, no final dos quais a área infartada foi medida e expressa
como uma porcentagem da zona de risco. Nesse estudo, o PCIR foi induzido por três ciclos,
de 5 minutos cada um, de oclusão da artéria femoral esquerda intercalados com 5 minutos
de reperfusão antes da isquemia do miocárdio prolongada. Os animais foram divididos em
grupos, com ou sem oclusão da veia femoral (via humoral), com ressecção do nervo femoral
e/ou ressecção do nervo ciático (via neural). O objetivo era avaliar a participação de cada
componente (humoral e neural) isoladamente no mecanismo do PCIR. O grupo experi-
mental obteve área de infarto do miocárdio de menor extensão quando comparado com o
controle. A oclusão da veia femoral aboliu completamente o efeito do PCIR, assim como a
ressecção combinada do nervo femoral e ciático anulou o efeito cardioprotetor do PCIR.
Curiosamente, a ressecção isolada do nervo femoral ou ciático apenas eliminou parcial-
mente o efeito do PCIR. Esse estudo concluiu que o PCIR do membro reduziu a extensão
do infarto do miocárdio em ratos, demostrando que esse fenômeno depende tanto da via
neural quanto humoral, ou seja, parece que uma via depende da outra para a efetividade da
proteção celular36.
Esses achados em animais levantam a possibilidade de que a isquemia regional, de teci-
dos não vitais e mais acessíveis, pode proteger órgãos vitais localizados a distância. Publica-
ções posteriores apoiam a execução dessa técnica em seres humanos37.
Em 2002, Kharbanda e col. testaram a hipótese de que curtos períodos de isquemia in-
duzem o pré-condicionamento remoto e reduzem a lesão de I/R in vivo. Os autores usaram
um modelo humano de lesão endotelial I/R para testar se a isquemia a distância induz o
pré-condicionamento sistêmico em seres humanos conforme sugerido em publicações an-
teriores. Nessa mesma publicação, relataram o uso de um modelo experimental de infarto
do miocárdio para caracterizar se a isquemia do membro reduziria a lesão I/R. Os autores
concluíram que o PCIR previne a disfunção endotelial induzida pela I/R em humanos e
reduz a extensão da área do infarto do miocárdio em modelos experimentais, no caso, em
porcos. Mencionam que a isquemia transitória de um membro é um estímulo simples de
pré-condicionamento potencial para aplicabilidade clínica 38.
Estudos de Loukogeorgakise e col. 39,40 foram os pioneiros na utilização dessa aborda-
gem em voluntários humanos e, mais recentemente, em pacientes com doença corona-
riana estável. No estudo inicial 39, isquemia transitória e reperfusão do membro superior

Pré-condicionamento isquêmico remoto | 83


foram induzidas por um manguito colocado na parte superior do braço e inflado numa
pressão de 200 mmHg por 5 minutos e desinsuflado durante 5 minutos; tal processo foi
repetido três vezes. Esse estímulo de PCIR foi capaz de atenuar a disfunção endotelial
no braço contralateral, decorrente de um episódio de isquemia sustentada por 20 minu-
tos de inflação do manguito38. O mesmo modelo foi utilizado para reproduzir o conceito
de PCIR retardado, no qual a isquemia do membro superior confere melhoria na função
endotelial no braço contralateral 24 a 48 horas depois. Mais recentemente, usando esse
mesmo método, o fenômeno de pós-condicionamento isquêmico remoto (RIPost) foi
demonstrado em seres humanos voluntários saudáveis e em pacientes com doença coro-
nariana estável40.
A primeira tentativa de aplicar o conceito de PCIR no ambiente clínico foi descrita em
um estudo que compreendia apenas oito pacientes, no qual o PCIR de um membro não afe-
tou a CK-MB em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca eletiva37. No entanto, esse estudo
teve pouca repercussão, já que a CK-MB foi medida apenas 5 minutos após o desclampea-
mento da aorta.
A primeira aplicação com êxito do PCIR no cenário clínico foi realizada por Cheung e
col. 23, que relataram que um padrão de estímulo de PCIR com quatro ciclos de 5 minutos
de isquemia dos membros inferiores foi capaz de reduzir a lesão miocárdica e melhorar
a resistência das vias aéreas em 17 crianças submetidas à cirurgia cardíaca corretiva de
cardiopatia congênita.
Recentemente, demonstrou-se que o PCIR de três ciclos de 5 minutos de isquemia do
membro superior foi capaz de reduzir a lesão miocárdica, sendo comprovado por redução de
43% dos níveis séricos de troponina 72 horas após o evento isquêmico cardíaco em pacien-
tes adultos submetidos à cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio24.
O PCIR é uma modalidade de procedimento facilmente exequível, por causa da
possibilidade de uso de material amplamente disponível em nosso meio, como os me-
didores de pressão sanguínea arterial (tensiômetros) para induzir oclusão temporária e
restauração do f luxo sanguíneo em um braço ou coxa de pacientes, constituindo, assim,
um modelo de PCIR simples e bem descrito nos ensaios clínicos 38 . Outros autores rela-
taram previamente que pacientes tratados com PCIR apresentaram melhores fração de
ejeção e permeabilidade do enxerto, além de melhores parâmetros eletrocardiográficos
após cirurgia de revascularização do miocárdio 41. Outros estudiosos investigaram a
possível proteção pelo PCIR em cirurgias cardíacas e vasculares, mediante dosagem da
liberação de biomarcadores como a troponina sérica. Pois a liberação dessa substância
está relacionada não só com o miocárdio infartado, mas com outros eventos cardiovas-
culares no pós-operatório 42 .
A aplicabilidade dessa técnica também foi demonstrada em pacientes criticamente doen-
tes, com hemorragia subaracnóidea, e se mostrou segura e bem tolerada, sugerindo ser uma
terapia profilática viável para a proteção neuronal18.
Em 2008, Takagi e col. realizaram a primeira meta-análise sobre o assunto, constando de
quatro estudos disponíveis, com um total de 184 pacientes submetidos à cirurgia cardiovas-
cular42 . Eles inferiram que o pré-condicionamento isquêmico remoto reduz a liberação de

84 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


biomarcadores de lesão do miocárdio, no entanto, nenhuma análise em relação aos eventos
adversos foi realizada.
Em 2012, foram realizadas revisão sistemática e meta-análise com maior número de
ensaios clínicos randomizados, com o objetivo de avaliar se esse tipo de procedimento
melhora a evolução dos pacientes que sofrem de isquemia aguda ou que estão em risco
de isquemia durante um procedimento cirúrgico. Nessa meta-análise, foram incluídos 23
estudos, com um total de 2.118 pacientes. Os autores não observaram redução da mortali-
dade, alteração do tempo de permanência em Unidade de Terapia Intensiva, nem aumen-
to de permanência hospitalar entre os grupos tratado com ou sem PCIR. Com relação ao
efeito do PCIR sobre os eventos adversos cardiovasculares maiores, do tipo infarto do
miocárdio e elevação de biomarcardores de lesão miocárdica, foi observado que o PCIR
mostrou-se efetivo, interferindo positivamente. Nessa meta-análise, os autores inferiram
que o PCIR é uma técnica ainda experimental e até hoje não faz parte de protocolos de
tratamento padronizados. Embora os estudos sobre a liberação de biomarcadores mos-
trem resultados promissores, não há até hoje provas suficientes para recomendar o uso
rotineiro do PCIR para tratar lesão isquêmica. Os autores dessa meta-análise relataram
que grandes estudos ainda são necessários para investigar se o PCIR realmente melhora
os resultados clínicos e que essa técnica poderia ser usada com benefícios em pacientes
de alto risco 43.
Em relação às técnicas de condicionamento locais (IPC e IPOST), pré-condicionamento
isquêmico remoto pode ser aplicado antes da isquemia do órgão-alvo (pré-condicionamen-
to isquêmico remoto [R-IPC]) ou no início da reperfusão (pós-condicionamento isquêmico
remoto [R-IPOST]). Quando o local do condicionamento está a distância, os ciclos de con-
dicionamento podem ser aplicados durante uma nova isquemia do órgão-alvo, fenômeno
conhecido como pericondicionamento isquêmico remoto (R-IPER)26,44.
Embora Na e col.45 tenham formulado a ideia seminal e terminológica, os primeiros ex-
perimentos reprodutíveis com facilidade sobre esse tema foram publicados em 2003 por
Zhao e col.46. Um dos problemas de ambos, pré-condicionamento e pós-condicionamento, é
o prolongamento do tempo do procedimento, entre 15 e 20 minutos, normalmente.
Infelizmente, o pré-condicionamento remoto possui uma das grandes desvantagens
do pré-condicionamento local: a restrição às condições de isquemia eletiva e o prolonga-
mento do tempo operatório. Por isso não pode ser aplicado em ampla variedade de situa-
ções clínicas 44.
A Figura 1 demonstra a evolução do pré-condicionamento isquêmico remoto a partir
de um conceito inicialmente usado para obter a redução do tamanho da área do infarto
intramiocárdio. Seguindo essa descoberta inicial, observou-se que a isquemia breve e a
reperfusão de órgãos distantes ou remotos ao coração tinham capacidade de mediar subse-
quente redução do tamanho do infarto do miocárdio (ver setas tracejadas). O conceito foi
agora ampliado entre órgãos e tecidos não cardíacos que representam uma forma geral de
proteção interórgãos contra a lesão de isquemia–reperfusão (as setas pretas representam o
pré-condicionamento remoto, “apontando” para o órgão ou o tecido protegido e que ema-
nam do órgão ou tecido pré-condicionado).

Pré-condicionamento isquêmico remoto | 85


Figura 1 – Proteção entre os órgãos contra lesões de isquemia–reperfusão.
Fonte: Remote ischaemic preconditioning: underlying mechanisms and clinical application. Derek J. Hau-
senloy and Derek M. Yellon. The Hatter Cardiovascular Institute, University College London Hospital and
Medical School, 67 Chenies Mews, London WC1E 6HX, UK.

Mecanismos envolvidos no pré-condicionamento


Os mecanismos envolvidos no PCIR não estão completamente elucidados. Considerando
que o coração tem sido o órgão mais estudado, foi postulado que nesse fenômeno há três even-
tos inter-relacionados: 1) inicialmente acredita-se que haja manifestações no órgão remoto,
mediante formação de autacoides endógenos ou fatores que podem proteger o coração de uma
isquemia subsequente20-22; 2) a hipótese é que haja um sinal cardioprotetor transmitido do
órgão ou tecido remoto para o miocárdio; esse sinal compreende um fator que é transportado
a partir do órgão ou tecido remoto pela corrente sanguínea para o coração e/ou a ativação de
uma via neural que medeia o efeito cardioprotetor21,22; 3) a terceira fase compreende os eventos
que ocorrem no coração, que conferem o efeito cardioprotetor19.
Acredita-se que outros mecanismos implicados no pré e pós-condicionamento miocárdico
convencional tenham papel fundamental no pré-condicionamento isquêmico remoto20,21,47,48,
incluindo a liberação de autacoides cardioprotetores, como adenosine49 e óxido nítrico50,
a ativação do sistema imune inato51, a ativação da via da quinase e a inibição transitória da
permeabilidade do poro da mitocôndria52.
Nas últimas duas décadas, apesar de extensas pesquisas realizadas num esforço para
determinar o exato mecanismo envolvido no pré-condicionamento isquêmico, os caminhos
incluídos na transdução do sinal ainda não foram completamente compreendidos. Vários
agonistas que conferem proteção cardíaca foram reconhecidos, mas o mecanismo exato de
como eles obtêm proteção contra o insulto isquêmico permanece obscuro. A fase inicial,
ou pré-condicionamento precoce, não parece depender da síntese de novas proteínas, por

86 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


causa do rápido início e do não bloqueio do PCI quando há bloqueio da síntese de proteínas.
A segunda janela, no entanto, é mediada pela expressão de novos genes, em vez de pela
modificação pós-transdução de proteínas. Os mecanismos da segunda janela são diferentes
e não serão completamente discutidos nesta revisão. O leitor é remetido para excelentes
comentários sobre esse tema53.
Diversos estudos experimentais têm examinado o efeito do PCIR de um órgão ou tecido
no perfil de transcrição de genes no miocárdio54,55 e na resposta inflamatória56. Foi obser-
vado que a resposta inflamatória é suprimida e um perfil favorável de transcrição de genes
parece ser ativado mediante a proporção de um cenário anti-inflamatório e antiapoptótico.
A relevância dessa manifestação, que favorece o efeito cardioprotetor provocado pelo PCIR,
é incerta e requer investigações mais aprofundadas.
A constatação de que um período de reperfusão do órgão remoto após breve isquemia é
necessário sugere que esse período é preciso para que ocorra um washout, ou seja, um carrea-
mento, pela corrente sanguínea, de substâncias ou fatores humorais gerados pela isquemia do
pré-condicionamento, os quais são, então, posteriormente, transportados para o coração.
Essa hipótese foi consolidada em um estudo que relatou que o sangue retirado de um
coelho submetido ao PCI simultâneo de coração e rim poderia reduzir subsequentemente o
tamanho do infarto do miocárdio em 77% quando transfundido em coelhos não tratados57.
O que indica, portanto, a transferência de um ou mais fatores cardioprotetores humorais.
Os mesmos autores demonstraram que o efluente coronariano isolado de coração de coelho
tratado com um protocolo PCI padrão poderia reduzir o tamanho do infarto do miocárdio
em 69%58 e melhorar a recuperação da função do ventrículo esquerdo quando usado para
aspergir o coração de coelhos não tratados. Os pesquisadores, nesse estudo, não demonstra-
ram diferença nas concentrações de adenosina ou noradrenalina no efluente coronário dos
corações do grupo pré-condicionado versus grupo controle, sugerindo que nenhum desses
foram os fatores cardioprotetores humorais59.
Convincentes provas direcionadas ao mecanismo humoral para PCIR foram fornecidas
em um estudo experimental conduzido por Konstantinov e col. Nele foi realizado o PCIR no
membro de porcos que tinham recebido o coração de um doador. Esse procedimento foi capaz
de reduzir o tamanho do infarto do miocárdio no coração doado desnervado, fornecendo for-
tes indícios de que um mediador humoral foi responsável pela citoproteção, embora uma via
através do nervo sensorial aferente do membro não possa ser excluída55. Outro tipo semelhante
de estudo foi conduzido por Kristiansen e col.60, que demonstraram que corações excisados de
ratos pré-condicionados remotamente, por meio de isquemia de membros posteriores, foram
acometidos por infarto menor quando submetidos a um episódio sustentado de isquemia/
reperfusão do miocárdio. Estudos experimentais têm tentado identificar o fator humoral que
transmite o sinal do pré-condicionamento do órgão remoto para o coração. No entanto, a atual
identidade do mediador humoral permanece desconhecida. Outros estudos investigaram se
substâncias endógenas como adenosina61, bradicinina62, opioides63, PRGC (peptídeo relacio-
nado ao gene da calcitonina)64 e endocanabinoides65 são liberadas do órgão remoto durante a
isquemia do pré-condicionamento e transportadas para o coração na corrente sanguínea, em
que, em seguida, ativam vias intracelulares de cardioproteção.

Pré-condicionamento isquêmico remoto | 87


Estudos apontam vários receptores de adenosina como mediadores do efeito cardiopro-
tetor. A adenosina medeia suas diferentes ações cardiovasculares por meio de quatro subti-
pos de receptor conhecidos (A1, A2A, A2B e A3). Todos são expressos em diferentes tipos
de célula do coração e dos vasos sanguíneos, mas os receptores A1A (A1ARs) e A2ARs são
expressos apenas nos miócitos ventriculares do adulto66,67.
Em 1998, o laboratório do University College London Hospital and Medical School foi
o primeiro a envolver a adenosina como um fator subjacente e mediador potencial no ce-
nário da cardioproteção no PCIR, demonstrando que a administração de um antagonista
não específico do receptor de adenosina, o 8-sulphophenyltheophylline (8-SPT), antes do
protocolo do PCIR, poderia suprimir a redução da dimensão do infarto do miocárdio in-
duzida por um estímulo pré-condicionante em rim de coelho 61. Em um estudo produzido
posteriormente por Takaoka e col.68, foi demonstrado que o 8-SPT administrado após o
estímulo do PCIR renal também tinha a capacidade de bloquear a cardioproteção, sugerin-
do que a ligação da adenosina com o receptor no miocárdio é necessária para prover o efeito
citoprotetor. Essa descoberta foi apoiada pela elevação dos níveis plasmáticos de adenosina
coletadas no sangue da artéria carótida de coelhos submetidos ao PCIR, comparados com
aqueles tratados com PCI isolado.
Ding e col., em 2001, demonstraram que a secção do nervo renal aboliu o efeito car-
dioprotetor induzido por um estímulo pré-condicionante isquêmico renal, proporcionando
forte apoio à evidência do envolvimento de uma via neural. Os autores observaram que, du-
rante o estímulo pré-condicionante renal, a descarga nervosa aferente renal foi aumentada e
esse reforço na atividade neural poderia ser revogada pelo 8- SPT69.
Uma confirmação adicional da evidência de que a adenosina está envolvida na via neural
de cardioproteção foi fornecida por Liem e col., que descreveram que a administração prévia
de hexametônio (bloqueador ganglionar dos receptores nicotínicos) ou 8-SPT aboliu o efei-
to da redução do tamanho do infarto do miocárdio induzido por breve período de isquemia
e reperfusão mesentérica. Esses autores demonstraram que a administração de adenosina
no leito vascular mesentérico também conferiu cardioproteção, de forma que também foi
sensível ao hexametônio70. Os achados descritos sugerem que episódios breves de isquemia
do intestino delgado podem gerar adenosina, que, então, ativa os nervos sensoriais aferentes
mesentéricos. No entanto, os pesquisadores passaram a relatar que o 8-SPT administrado
após o estímulo pré-condicionante remoto também foi capaz de inibir a cardioproteção, su-
gerindo que a ligação com o receptor de adenosina no coração também deve ser necessária
para a proteção.
Um estudo experimental posterior forneceu a confirmação da evidência de uma via
neural mediada por adenosina, usando a isquemia de membros como estímulo ao pré-
-condicionamento. Dong e col. demonstraram que o efeito de limitação do infarto do
miocárdio ocasionado pelo pré-condicionamento remoto utilizando o membro posterior
de animais foi abolido pela dissecação do nervo femoral, sugerindo que uma via neural
intacta é necessária para a sinalização neural aferente sensorial do membro pré-condicio-
nado. A injeção de adenosina na artéria femoral também ocasionou redução do tamanho
da área do infarto71.

88 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Além da adenosina, a bradicinina (BK) é um dos mais importantes autacoides liberados
pelo miocárdio isquêmico e parece ser o principal gatilho endógeno do pré-condicionamen-
to. Schoemaker e van Heijningen demonstraram que a redução do tamanho do infarto do
miocárdio provocada por breves oclusões e reperfusão da artéria mesentérica poderia ser
abolida pela administração prévia de HOE140, um antagonista específico do receptor B2
de bradicinina. Curiosamente, eles concluíram que a administração intra-arterial mesen-
térica da bradicinina também foi capaz de conferir cardioproteção de uma maneira que era
sensível ao bloqueio ganglionar por hexametônio62 . Os autores sugeriram que a bradicinina
gerada durante o pré-condicionamento remoto intestinal pode estimular nervos mesenté-
ricos sensoriais, que, em seguida, conferem efeito cardioprotetor62 . Esses achados foram
confirmados em um estudo posterior por Wolfrum e col.72, que também observaram que a
ativação da proteína quinase C (PKC) do miocárdio por breve isquemia intestinal foi blo-
queada por HOE-140 e hexametônio, sugerindo que a PKC-1 atua no refluxo da bradicinina
e do caminho neural.
As evidências demonstram que a bradicinina também é responsável pela geração de
óxido nítrico (NO) e pela abertura dos canais de KATP mitocondriais. Isso resulta na gera-
ção de espécies reativas de oxigênio (ERO). A sinalização redox pelas ERO leva à ativação
de PKC, que resulta no pré-condicionamento. Esse fato contrasta com a atuação da adeno-
sina, que ativa o PKC diretamente, ignorando a via de sinalização redox73. O mecanismo
de transporte de elétrons mitocondriais parece ser responsável pela geração de ERO74. A
evidência deriva do bloqueio do sítio III da cadeia respiratória mitocondrial por um bloque-
ador Myxo-a, que interfere na geração de ERO74.
O estresse oxidativo parece desempenhar papel duplo na lesão de isquemia–reperfusão
miocárdica aguda. Sua ação prejudicial se dá como um mediador de lesão de reperfusão
letal. Por outro lado, acredita-se em uma função benéfica através da mediação de efeitos
cardioprotetores induzidos tanto pelo PCI quanto pelo pós-condicionamento75,76. Um es-
tudo realizado por Weinbrenner e col. sugere possível papel benéfico de sinalização para
as espécies reativas de oxigênio no ambiente de PCIR77. Esses autores observaram que um
eliminador de radicais livres foi capaz de abolir a proteção provocada por PCIR. Porém, se
os radicais livres são gerados nos órgãos/tecidos pré-condicionados ou no miocárdio até o
momento, não se sabe, exigindo estudos mais aprofundados.
A geração de NO ocorre pela ativação de receptores de BK nas células endoteliais, com
subsequente produção de NO, por meio da enzima óxido nítrico sintase (NOS) mediada
pelo cálcio. O NO estimula a guanilato ciclase a produzir cGMP, que, por sua vez, estimula
PKC78,79. A bradicinina tem sido amplamente estudada no quesito cardioproteção, especial-
mente em pacientes submetidos à angioplastia coronariana. Massoud e col. demonstraram
com sucesso que a BK pode ser efetivamente usada na prática clínica sem nenhum efeito
danoso, sendo muito útil como procedimento de PCI e, portanto, pode ser usada profilatica-
mente para atenuar a isquemia em pacientes selecionados submetidos à revascularização80.
Outros autores estudaram outros mecanismos. Feng e col., em 2006, relataram melhora
nas funções do ventrículo esquerdo e da microvasculatura, ambos resultantes do envolvi-
mento dos canais de KCa e KATP81. A ativação de receptores BKB2 induz influxo intracito-

Pré-condicionamento isquêmico remoto | 89


plasmático de cálcio, o qual abre os canais endoteliais de KCa. A hiperpolarização resultante
produz o relaxamento do vaso. Durante episódios isquêmicos, essa hiperpolarização impede
a sobrecarga intracelular de cálcio, proporcionando, assim, proteção cardíaca e microvascu-
lar. O envolvimento dos canais KATP foi sugerido pelo trabalho de Feng, com inibição pela
glibenclamida do pré-condicionamento induzida pela BK. Outros trabalhos também relata-
ram resultados similares82-84. Driamov e col., em 2007, descreveram os efeitos antiarrítmicos
da BK como forma de reduzir o número de extrassístoles ventriculares (ESVs), taquicardia
ventricular (TV) e fibrilação ventricular (FV). No entanto, esses autores especulam que a
BK é um mediador, em vez de ser o gatilho para o pré-condicionamento, assim como um
coração farmacologicamente pré-condicionado usando BK mostrou número semelhante de
ESVs e episódios de TV e FV85.
Nesse contexto, estudos anteriores têm implicado a ligação de canabinoides endógenos
ao receptor endocanabinoide CB2 no sistema de proteção contra a injúria de I/R miocár-
dica86. Estudo experimental mais recente demonstrou que antagonistas farmacológicos de
CB2 têm limitado os efeitos benéficos do PCIR no coração65. Os autores propuseram que
os endocanabinoides gerados pela isquemia intestinal podem entrar na corrente sanguínea,
transmitir e ativar receptores CB2 no miocárdio. Contudo, mais estudos são necessários
para testar essa hipótese.
Buscando explicações para o mecanismo do PCIR, estudos experimentais apontam para
a liberação do PRGC (Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina), um neurotransmis-
sor liberado por nervos sensoriais sensível à capsaicina, como um mediador potencial de
PCI87 e PCIR64,88. A via foi resumida da seguinte forma: o pré-condicionamento isquêmico
remoto intestinal gera óxido nítrico (NO), que estimula os nervos sensoriais sensíveis à cap-
saicina na vasculatura do intestino, liberando o PRGC para a corrente sanguínea (na qual se
tem documentado níveis aumentados no PCIR), o qual é então levado para o coração, onde
ativa o PKC-ε no miocárdio87,89.
Além dos mediadores e receptores já mencionados, tem sido postulado que a redução do
tamanho do infarto do miocárdio provocada pelo pré-condicionamento remoto em rins de
rato pode ser abolida pelo fármaco losartan, um antagonista do receptor de angiotensina I90.
No entanto, o mecanismo posterior de proteção continua a ser explorado.
Quanto à noradrenalina, os estudos são conflitantes quanto a sua atuação como media-
dora de cardioproteção no cenário do PCIR 58.
A acetilcolina (ACh) é outro importante mediador envolvido no pré-condiciona-
mento isquêmico. Receptores de acetilcolina, uma vez estimulados, levam à ativação
de receptores, que culminam na fosforilação de Akt (proteína quinase B, responsável
pela inibição da apoptose)91. Nesse contexto, são descritas vias que levam à geração de
óxido nítrico (NO), à ativação de PKG e à abertura dos canais K ATP mitocondriais 92 . A
geração resultante de espécies reativas de oxigênio (ERO) também ocorre e leva à esti-
mulação da PKC, semelhante ao induzido pela BK, resultando em cardioproteção91,93 .
Esses resultados indicam que a ACh (endógena ou exógena) pode desempenhar papel
importante na cardioproteção. No entanto, as implicações clínicas para os seres huma-
nos não têm sido exploradas.

90 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


O óxido nítrico desempenha papel importante na indução da cardioproteção provo-
cada pelo pré-condicionamento. Há cada vez mais evidências de que o NO desempenhe
papel de destaque tanto no desencadeamento quanto na mediação do pré-condiciona-
mento clássico. O breve episódio de isquemia–reperfusão causa aumento da produção de
NO por meio do óxido nítrico sintetase (NOS), que, por sua vez, ativa a proteína quinase
C3, a tirosina quinase e o fator nuclear kB (FN-kB), via monofosfato de guanosina cíclico
(cGMP) dependente93,94. Outros autores também demonstraram que o NO exógeno de-
sencadeia o efeito do pré-condicionamento, iniciando uma cascata de eventos que levam
à abertura de canais de KATP mitocondriais, os quais conduzem finalmente à formação
de ERO95.
Tem sido demonstrado que o NO atenua a lesão por reperfusão isquêmica mediante a
regulação dos níveis intracelulares das células miocárdicas de monofosfato de guanosina
cíclico (cGMP), independentemente da sinalização, por modificação reversível redox de
resíduos de cisteína via S-nitrosilação96. Estudos recentes sugerem que a S-nitrosilação não
só leva diretamente a alterações estruturais e funcionais de proteínas modificadas, mas ofe-
rece proteção para as células por S-nitrosilação de alguns tióis proteicos críticos, impedindo
nova modificação oxidativa pelas ERO. Isso leva à regulação redutiva das principais proteí-
nas cardíacas, como canais de cálcio do tipo L, retículo sarcoplasmático (RS) Ca2+-ATPase
(SERCA2a) e canal de liberação de Ca2+/receptor de rianodina (RyR2)97. O resultado é a
atenuação de correntes de cálcio em miócitos cardíacos na isquemia/reperfusão, levando à
redução da sobrecarga de cálcio em corações hipercontráteis98,99. Similarmente, em cora-
ções pré-condicionados, o aumento da S-nitrosilação da cadeia pesada e leve 1 da miosina
cardíaca tem sido reportado99. Sun e col. também relataram a S-nitrosilação do glicogênio
fosforilase100, que explica o PCI induzido pela atenuação da glicogenólise descrito por Weiss
e colaboradores101. Outros efeitos cardioprotetores resultantes de S-nitrosilação das prote-
ínas foram resumidos por Sun e col. e envolvem a remodelação do miocárdio, as defesas
antioxidantes e a regulação da transcrição97.
Com relação aos canais de potássio ATP dependentes, tanto os canais de KATP do sar-
colema do miocárdio quanto o mitocondrial também têm sido implicados como gatilhos
críticos ou mediadores no fenômeno cardioprotetor do PCI75. O paradigma atual propõe
que a ligação receptor–ligante à superfície da célula ativa a transdução de caminhos, que
terminam nas mitocôndrias e resultam na abertura dos canais KATP mitocondriais75. Isso
leva à geração de espécies reativas de oxigênio mitocondriais que medeiam a cardioproteção
através da ativação de quinases ou inibição da abertura do PTPm (poro de transição de
permeabilidade mitocondrial)102 . Esse paradigma de sinalização se aplica à configuração de
PCIR atualmente desconhecida, embora vários estudos têm relacionado a abertura desses
canais para PCIR usando antagonistas farmacológicos dos canais KATP, como glibenclami-
da e 5-hydroxydecanoate60,61,103.
Noma colocou como hipótese que a abertura do canal de KATP sarcolemal é induzida
por hipóxia, isquemia ou agentes farmacológicos. Isso encurta a duração do potencial de
ação cardíaco (PAC), acelerando a fase 3 (repolarização). Isso iria inibir a entrada de Ca2+
na célula, através de canais do tipo L, impedindo a sobrecarga de Ca2+104.

Pré-condicionamento isquêmico remoto | 91


Tal hipótese foi confirmada por Cole e col., quando demonstraram que o canal KATP
poderia melhorar a função ventricular em cobaias enquanto o antagonista dos canais não
seletivo de KATP (glibenclamida) atenuaria a redução do PAC105. Efeitos semelhantes sobre
o PAC foram relatados por outros pesquisadores em outras espécies106-108. As vias de sina-
lização precisas pelas quais os canais KATP sarcoplasmáticos são ativados durante o PCI
são desconhecidas. Liu e col. demonstraram que o processo de isquemia transitória abre os
canais KATP, seguido de ação sinérgica produzida pela fosforilação da PKC e ativação do
receptor de adenosina109. O acoplamento funcional da PKC com os canais de sarc KATP
também foi descrito por Light e col.110.
É sabido que a proteína quinase C (PKC) desempenha papel crítico como mediador do
sinal de pré-condicionamento na fixação de PCI com a isofroma PKC-1, sendo o principal
cardioprotetor75. Estudos experimentais ligaram a ativação da PKC ao fenômeno do PCIR,
demonstrando que a cardioproteção pode ser abolida pelo bloqueador não específico da
PKC, a queleritrina72,89,111.
Por enquanto, tem sido identificado um grupo de agonistas cardioprotetores da fosfo-
lipase C (PLC). A ativação deles causa a hidrólise d 4,5-fosfatidilinositol-bifosfato (PIP2),
gerando inositol 1,3,4-trifosfato (IP3) e diacilglicerol (DAG). Esse último age como segun-
do mensageiro para estimular a translocação da PKC, que, subsequentemente, atua como
mediador central do pré-condicionamento. Embora sejam conhecidas atualmente 11 iso-
formas de PKC, apenas a PKCε e a PKCη demonstraram submeter-se à translocação para
proporcionar PCI. Isso foi demonstrado pela primeira vez em coração de coelhos por Ping e
col., que mostraram que a ativação da PKC durante o PCI é isoforma seletivo e pode ocorrer
sem alterações demonstráveis na atividade total da PKC112 . Esse fato resolve a controvérsia
a respeito do papel da PKC no PCI, ou seja, os bloqueadores de PKC utilizados em estudos
negativos podem não bloquear as isoformas cruciais responsáveis pelo PCI.
Um alvo para hipóxia ativado pelo PKCε é o mPTP. Acredita-se que é o primeiro a inte-
ragir com os canais KATP mitocondriais, o que leva ao influxo de potássio. Isso desencadeia
o aumento do pH e a subsequente formação de ERO, que ativa mais PKCε, inibindo mPTP
(descrito a seguir). Outro alvo mitocondrial para a PKCε é o Bcl-2, associado à morte das
proteínas de domínio (BAD). Ela desempenha um papel antiapoptótico sob algumas condi-
ções de inibição da BAD113.
O mPTP é um canal não específico de alta condutância localizado na membrana mito-
condrial interna, cuja abertura nos primeiros minutos de reperfusão miocárdica medeia a
morte celular pelo desacoplamento da fosforilação oxidativa, levando à exaustão de ATP e
induzindo ao edema mitocondrial114. A prevenção de sua abertura no momento da reperfu-
são miocárdica exerce efeito cardioprotetor poderoso, além de ser um mecanismo que parece
apoiar outros fenômenos cardioprotetores endógenos do PCI e do pós-condicionamento115.
Um estudo experimental recente tem indiretamente implicado o mPTP em cardiopro-
teção através de PCIR, demonstrando que o pré-condicionamento remoto de um membro
pode reduzir o tamanho do infarto do miocárdio em um coração de rato, de forma que é
sensível a um bloqueador de opioide kappa116. Além disso, em cardiomiócitos, foi demons-
trado que o agonista k-opioide induz a abertura dos canais mPTP116. No entanto, evidência

92 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


mais direta é necessária para envolver a inibição da abertura do PTPm no coração como
importante mecanismo cardioprotetor na definição de PCIR.
Além da PKC, a proteína quinase A (PKA) também parece estar envolvida no mecanis-
mo do PCI, embora o papel exato da PKA ainda não esteja claro. Tem sido demonstrado que
os níveis de cAMP e PKA aumentam após o pré-condicionamento isquêmico, que provoca
a inibição de calpaína. As calpaínas formam um grupo de protease de cisteína dependente
do cálcio que está envolvido na hidrólise de proteínas estruturais durante a reperfusão, ou
seja, Alfa-fodrin (Alfa-fodrin é um dímero intracelular composto por uma subunidade alfa
e beta que se liga à actina. A rede de actina e fodrin situada abaixo da membrana plasmática
de células com funções secretoras é importante para o alinhamento de vesículas secretoras
para a membrana plasmática durante os processos de secreção).
A má regulação das calpaínas também está associada a várias desordens patológicas hu-
manas, incluindo distrofia muscular, câncer, doença de Alzheimer, injúria neurológica, dia-
betes e formação de catarata. Essa inibição da calpaína, portanto, resulta em diminuição na
quebra de proteínas do citoesqueleto da membrana e da fragilidade sarcolemal e, portanto,
uma proteção contra a apoptose. O efeito protetor da PKA é anulado pelo bloqueio beta-
-adrenérgico e farmacologicamente facilitado por agonistas beta. No entanto, ainda não está
claro se os receptores beta-adrenérgicos estão envolvidos nessa resposta, apesar do papel
importante do receptor alfa-1-adrenérgico na cardioproteção mediada pela PKC.
É relatado em outros sistemas que o PCI repetido pode levar ao acúmulo de AMPc e à
ativação direta da PKA, independentemente do receptor beta-adrenérgico, através da inibi-
ção da fosfodiesterase ou da sensibilização direta da adenilato ciclase. No entanto, Sanada
e col. atribuíram o papel cardioprotetor da PKA à ativação do p38MAPK e, independen-
temente da inibição da calpaína117,118, o p38MAPK provoca a fosforilação da HSP27, que
transloca nas bandas Z, aumentando, assim, a resistência do citoesqueleto para alterações
conformacionais e fragmentação. Assim, é possível que a PKA ofereça cardioproteção por
ambos os mecanismos (calpaína dependente e independente).
Finalmente, Manganello e col. demonstraram que a PKA fosforila, principalmente a
região switch I do G-α13, inibe sua ligação com o G-β-γ, levando à inibição do turnorver
G- α13 e à inativação de RhoA, que diretamente relaxa o músculo liso vascular e aumenta
o fluxo sanguíneo miocárdico regional83. Inibições Rho e Rho-quinase também foram
relatadas por ativar a síntese endotelial de NO, canais KATP e atenuar a produção de
superóxido, os quais têm sido reportados para proteger o miocárdio contra a lesão de is-
quemia–reperfusão.
Outro provável mecanismo implicado na gênese do PCI inclui os receptores de opioi-
des, conhecidos por estarem presentes nas regiões neuromusculares e nos miócitos cardí-
acos, especialmente receptores Delta. Os receptores Delta se ligam à proteína quinase C
(PKC) e à tirosina quinase via interações com PI3-quinase, radicais de oxigênio e canais
de K-ATP mitocondriais para proteger de lesão de isquemia–reperfusão. A liberação de
opioides de tecidos isquêmicos parece estar envolvida na via PCIR, uma vez que desempe-
nha um papel no pré-condicionamento direto. A inibição do receptor δ1 de opioide abole
o PCI direto e remoto77. Em 2002, Patel e col. foram os primeiros a demonstrar o papel

Pré-condicionamento isquêmico remoto | 93


dos opioides no PCIR. Eles demonstraram, num modelo experimental em ratos, que o
efeito cardioprotetor conferido pelo PCIR no intestino de ratos foi limitado pelo uso do
naloxone (antagonista não específico do receptor opioide)63. Em contraste, Aitchison e
col. não encontraram redução, mas aumento no tamanho do infarto após a ativação do
receptor k-opioide em ratos119. Coles e col. observaram efeito pró-arrítmico, e não efeito
antiarrítmico do receptor k-opioide em porcos120. Alguns autores afirmam, no entanto,
que os receptores k, e não os receptores δ, estão envolvidos na dimensão do infarto e no
efeito supressor de arritmias do PCI121,122 .
Parece que os opioides fazem parte da via humoral que regula o pré-condicionamen-
to. Essa opinião é corroborada pelo fato de a proteção contra a lesão de isquemia–reper-
fusão poder ser conferida através da utilização de soluções contendo opioides obtidos
do órgão pré-condicionado111.
Dickson e col. puderam proteger corações virgens de receptores contra infarto do mio-
cárdio, através de efluentes de coronárias de corações anteriormente pré-condicionados123.
Esse efeito pode ser bloqueado pela naloxona. A análise do efluente através de radioimuno-
ensaio revelou Leu- e Met-encefalinas. A administração exógena de Leu- e Met-encefalinas
em corações isolados e não tratados não resultou em nenhuma proteção. Portanto, concluiu-
-se que os opioides liberados podem não ter sido exclusiva ou diretamente envolvidos no
mecanismo de proteção.
Foi proposto, então, que os opioides endógenos gerados pelo órgão estimulado pelo
pré-condicionamento isquêmico remoto entram na corrente sanguínea, onde eles atuam
diretamente no miocárdio para conferir proteção cardíaca63, embora mais estudos sejam
necessários para investigar tanto essa proposta quanto para delinear as contribuições indi-
viduais de cada subtipo diferente de receptor para o PCIR.
A Figura 2 demonstra as potenciais vias mecanicistas subjacentes ao pré-condiciona-
mento isquêmico remoto (PCIR). O verdadeiro mecanismo pelo qual a isquemia transitó-
ria e a reperfusão de um órgão ou tecido conferem proteção cardíaca é atualmente desco-
nhecido, embora várias hipóteses tenham sido propostas: 1) a hipótese neural propõe que
o pré-condicionamento do órgão ou tecido remoto origina substâncias endógena, como
adenosina, bradicinina ou peptídeo, relacionadas com o gene da calcitonina (PRGC), que
então ativam um caminho neural aferente local, estimulando um caminho neural efe-
rente, que termina no coração e medeia a cardioproteção; 2) a hipótese humoral propõe
que a substância endógena (como adenosina, bradicinina, opioides, PRGC, endocanabi-
noides, angiotensina I) ou outro fator humoral ainda não identificado gerado no órgão
remoto ou tecido entra na corrente sanguínea e ativa o respectivo receptor no miocárdio,
recrutando, assim, os vários percursos intracelulares de cardioproteção implicados no
pré-condicionamento isquêmico; 3) a terceira hipótese propõe que a isquemia transitória
e a reperfusão de um órgão ou tecido provocam uma resposta protetora sistêmica, que
suprime a inflamação e a apoptose. Dados recentes sugerem que a ativação das proteínas
quinase ativadas por mitógenos (MAPKs) p38, ERK1/2 e JNK dentro do órgão remoto
também pode contribuir para a cardioproteção induzida pelo pré-condicionamento is-
quêmico remoto.

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Figura 2 – Potenciais vias mecanicistas subjacentes ao pré-condicionamento isquêmico remoto (PCIR).
Fonte: Remote ischaemic preconditioning: underlying mechanisms and clinical application. Derek J. Hau-
senloy and Derek M. Yellon. The Hatter Cardiovascular Institute, University College London Hospital and
Medical School, 67 Chenies Mews, London WC1E 6HX, UK.

Conclusão
Conclui-se, portanto, que estudos mais aprofundados precisam ser realizados para defi-
nir protocolos de utilização clínica do PCIR, inclusive para outros órgãos além do coração.
Tão bem como se faz necessário melhor entendimento sobre os mecanismos envolvidos
nesse fenômeno.

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100 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 07

Cardiopatia chagásica
e anestesia
Ivani Rodrigues Glass
Ângela Maria da Silva
Dalmo Coreia Filho
Cardiopatia chagásica e anestesia

Introdução
A doença de Chagas apresenta desafios durante o ato anestésico que incluem disfunção
sistólica severa, cardiopatia dilatada, arritmias ventriculares e relativa resistência aos ino-
trópicos e vasopressores1. Pode está associada ao comprometimento do cólon com o mega-
cólon e do esôfago com disfagia, que devem ser levados em consideração durante a consulta
pré-anestésica, no período transoperatório e no pós-operatório. Desse modo, poderá ser
realizada a técnica anestésica mais adequada ao tipo de intervenção e ao estado do paciente
e, assim, ser tomadas as medidas necessárias para cada caso2 .
A tripanossomíase americana constitui, ainda hoje, um problema socioeconômico na-
cional e regional. Essa endemia abrange uma região que vai do México até a Argentina,
principalmente, os países do Cone Sul da América. Entretanto, são registrados casos em
países não endêmicos, como os Estados Unidos e o Canadá e muitos países europeus, pela
migração de pessoas infectadas pelo Trypanosoma cruzi, em que a triagem para detectar a
doença de Chagas em doadores não era realizada até muito recentemente3 . Estima-se que
ainda existam 10 milhões de infectados na América Latina, dos quais 2 milhões somente no
Brasil, e cerca de 10 mil morrem todos os anos como resultado da doença4.
O sistema cardiovascular é responsável por grande parte dos eventos mórbidos ou fa-
tais no período perioperatório. O avanço da tecnologia permitiu que a propedêutica pré-
-operatória, a monitorização e a terapêutica se tornassem mais adequadas para esse grupo
de pacientes. Como a maioria das doenças cardiovasculares está relacionada com o enve-
lhecimento, a tendência atual é que haja mais pacientes cardiopatas submetidos aos mais
complexos procedimentos cirúrgicos.
Pacientes chagásicos com lesões no sistema nervoso autonômico periférico provavel-
mente têm resposta atípica às drogas colinérgicas e adrenérgicas, podendo, ainda, interferir
na acomodação pupilar e salivação. Existe também a probabilidade de que esses pacientes
tenham dificuldade em compensar as quedas do débito cardíaco promovidas por depressão
cardiovascular de natureza farmacológica, comum durante a administração de anestésicos5.
Verificar essas alterações e suas repercussões é de grande interesse clínico, considerando
que muitos pacientes chagásicos são submetidos à anestesia para tratamento cirúrgico de
lesões produzidas pela doença ou para a cura de doenças intercorrentes.

Características gerais da doença de chagas


A doença de Chagas é uma parasitose causada por um protozoário flagelado, o Trypa-
nosoma cruzi6, de natureza endêmica e evolução essencialmente crônica. É transmitida por
insetos hemípteros reduvídeos hematófagos. No sangue dos vertebrados, o T. cruzi se apre-
senta sob a forma de tripomastigota e nos tecidos, sob a forma amastigota. No tubo digestivo
dos insetos vetores ocorre um ciclo com a transformação das tripomastigotas sanguíneas
em epimastigotas, que, depois, se diferenciam em tripomastigotas metacíclicas, que são as
formas infectantes acumuladas nas fezes ou na urina dos insetos7,8.

102 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Mecanismos de Transmissão
Os mecanismos de transmissão da doença de Chagas se dão pelo vetor, por transfusão
de sangue e a transmissão congênita. As vias oral, acidental e por transplantes de órgãos são
consideradas alternativas às demais vias descritas9. A transmissão da doença pelo principal
vetor, Triatoma infestans, e por transfusão sanguínea tem sido interrompida em regiões en-
dêmicas do Brasil, e a incidência de novas infecções pelo T. cruzi em todo o continente tem
diminuído consideravelmente10.
A via de transmissão mais importante é a vetorial, que acontece pelo contato do homem
suscetível com as excretas contaminadas dos triatomíneos, também conhecidos como “bar-
beiros” ou “chupões”. Esses, ao picarem os vertebrados, em geral defecam após o repasto,
eliminando formas infectantes de tripomastigotas metacíclicos, que penetram pelo orifício
da picada ou por solução de continuidade deixada pelo ato de coçar7.

Manifestações Clínicas
A infecção pelo T. cruzi ocorre em duas etapas sucessivas, a fase aguda e a fase crôni-
ca. A fase aguda pode durar de 6 a 8 semanas10,11. Nessa fase da doença os sinais podem
aparecer no próprio lugar onde se deu a contaminação pelas fezes do inseto. Esses
sinais, quando presentes, aparecem aproximadamente de 4 a 6 dias após a infecção e
se caracterizam por um edema bipalpebral unilateral (sinal de Romaña) quando o T.
cruzi penetra na conjuntiva; ou quando, ao nível da pele, geralmente nos braços, nas
pernas ou no rosto, a lesão assemelha-se a um furúnculo ou a uma mancha avermelhada
(chagoma de inoculação). Quase sempre ocorre infartamento ganglionar satélite, pró-
ximo aos locais de porta de entrada. A manifestação mais comum é a febre, usualmente
prolongada, constante e não muito elevada7,8 . Essa forma somente é reconhecida em 1%
a 2% dos indivíduos infectados. Nessa fase, os sinais e sintomas podem desaparecer es-
pontaneamente, evoluindo para a fase crônica, ou progredir para formas agudas graves,
que podem levar ao óbito11.
A fase crônica pode se apresentar como forma indeterminada, cardíaca, digestiva ou
mista (cardiodigestiva)12 . A forma indeterminada é a mais frequente, ocorre em torno de
50% a 70% dos indivíduos infectados11,13. Os pacientes com essa forma apresentam sorologia
e/ou exames parasitológicos positivos para Trypanosoma cruzi, mas não manifestam sinto-
mas, sinais físicos ou evidências de lesões orgânicas (cardíacas e extracardíacas) ao ECG e
na radiografia de tórax, bem como em outros estudos radiológicos do esôfago e cólon10,11,14,15.
Enquanto alguns pacientes permanecem nessa forma indefinidamente, 30-40% destes de-
senvolverão a forma cardíaca após um período de 30-40 anos16-18.
A forma digestiva abrange as repercussões da doença no trato gastrointestinal, den-
tre as quais sobressaem as alterações de motilidade do esôfago e do cólon, resultando
em megaesôfago e megacólon endêmicos. Verifica-se aumento do diâmetro das vísceras
ocas em proporção ao estádio evolutivo da afecção. O acometimento do tubo digestivo
resulta da destruição de células neurais do plexo mioentérico, causando distúrbios de
motilidade, acalásia do esfíncter esofagiano inferior e do complexo muscular esfincte-
riano anal19.

Cardiopatia chagásica e anestesia | 103


Diagnóstico Laboratorial
O diagnóstico laboratorial da doença de Chagas pode ser feito por métodos parasito-
lógicos e imunológicos e por biologia molecular. Pode ser realizado mediante a pesquisa
do T. cruzi, pela busca do parasito por processos diretos e indiretos e, mais frequentemen-
te, pela resposta imune do hospedeiro através da detecção de imunoglobulina G (IgG)
anti-T. cruzi no soro de pacientes chagásicos crônicos por meio da realização de diversos
métodos imunológicos20.
Os critérios laboratoriais de definição de doença de Chagas na fase aguda são o crité-
rio parasitológico, definido pela presença de parasitos circulantes demonstráveis no exame
direto do sangue periférico, e o critério sorológico, a presença de anticorpos anti-T. cruzi
da classe IgM, particularmente quando associada a alterações clínicas e epidemiológicas
sugestivas da doença15.
Na fase crônica, os métodos parasitológicos baseados na detecção do parasita mostram
alta especificidade, mas são limitados em termos da sensibilidade por causa da baixa para-
sitemia, em que são detectados somente 20-50% dos indivíduos infectados, resultando em
alguns falsos-negativos20,21, o que implica pouco valor diagnóstico, tornando desnecessária
sua realização para o manejo clínico desses pacientes.
Considera-se indivíduo infectado na fase crônica aquele que apresenta anticorpos anti-T.
cruzi da classe IgG detectados por meio de dois testes sorológicos de princípios distintos
ou com diferentes preparações antigênicas15,20-23. Os testes mais em foco no momento são o
ELISA – teste imunoenzimático, a hemaglutinação indireta (HAI) e a imunofluorescência
indireta (IFI)24.
O diagnóstico molecular da doença de Chagas é atualmente realizado pelo método de re-
ação em cadeia de polimerase (PCR), um teste altamente sensível para a detecção do kDNA
do parasito, podendo representar importante método para os casos com resultados de testes
sorológicos duvidosos8.

Tratamento
O tratamento etiológico da doença de Chagas é formalmente indicado durante a fase
aguda e também tem sido recomendado na fase crônica recente, definida com menos de 10
anos de infecção, que, na prática, é restrita a crianças em idade escolar12 .
Para a fase crônica de maior duração, o tratamento tem sido indicado na forma indetermi-
nada e nas formas cardíacas leves e digestivas. Não há evidências de benefícios, nas formas
avançadas, quanto à sua evolução clínica. A regressão de lesões inflamatórias e fibróticas, já
observada em estudos experimentais, ainda não foi confirmada na clínica. No tratamento
etiológico, quando há negativação da sorologia, na fase crônica, esta ocorre tardiamente,
após 10 ou 20 anos de tratamento15.
No Brasil, o benzonidazol é a única droga atualmente disponível para o tratamento espe-
cífico da doença de Chagas. O nifurtimox, existente na América Central, pode ser utilizado
como alternativa em caso de intolerância ao benzonidazol. No caso de falha terapêutica com
uma das drogas, apesar de eventual resistência cruzada, a outra pode ser tentada. A dose
indicada varia de acordo com a idade12,15.

104 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Cardiopatia chagásica crônica
A cardiopatia chagásica crônica (CCC) ocorre quando o indivíduo, sintomático ou
não, apresenta anormalidades eletrocardiográficas sugestivas de comprometimento
cardíaco, sendo considerado frequentemente o primeiro indicador dessa patologia15 . O
acometimento cardíaco vai desde a presença de anormalidades silenciosas, registradas
em exames complementares sofisticados, até formas graves, como insuficiência car-
díaca refratária, arritmias complexas e sua combinação com distúrbios da condução
do estímulo atrioventricular e intraventricular, aneurismas de ventrículo, fenômenos
tromboembólicos ou morte súbita 25 . A doença de Chagas representa a primeira causa de
lesões cardíacas em adultos jovens economicamente produtivos nos países endêmicos
da América Latina10,11.
O bloqueio completo do ramo direito (BCRD) é um achado frequente, sendo con-
siderado alteração peculiar da cardiopatia chagásica quando associado com o hemi-
bloqueio anterior esquerdo. O acometimento do ramo esquerdo ou do fascículo pos-
terior esquerdo é raro, o bloqueio átrio-ventricular (AV) de graus variáveis é comum,
sendo pouco frequente o bloqueio AV total e extrassístoles ventriculares geralmente
são multifocais 26,27,28 .

Patogenia e Fisiopatologia
A história natural da cardiopatia chagásica começa quando a destruição de fibras
miocárdicas pelo processo inf lamatório e sua substituição por tecido fibroso atinge
um limite crítico, obrigando os ventrículos a se remodelarem ante a perda gradativa
dos elementos contráteis. Uma inf lamação crônica ativa, progressiva e fibrosante é
o substrato morfológico fundamental dos mecanismos patogênicos responsáveis pela
miocardite 25 . A disfunção biventricular, consequente das lesões miocárdicas, causa
inicialmente comprometimento regional, assemelhando-se ao que ocorre na cardio-
patia por obstrução coronária, mas, paulatinamente, verificam-se dilatação e hipoci-
nesia generalizada, conferindo o padrão hemodinâmico de cardiomiopatia dilatada à
cardiopatia chagásica crônica 27.
O frequente comprometimento do nó sinusal, do nó atrioventricular e do feixe de His,
por alterações inflamatórias, degenerativas e fibróticas, pode dar origem a disfunção si-
nusal e a bloqueios variados atrioventriculares e intraventriculares. Por serem estruturas
mais individualizadas, o ramo direito e o fascículo anterossuperior esquerdo são mais
vulneráveis e mais frequentemente afetados. Focos inflamatórios e áreas de fibrose no
miocárdio ventricular, especialmente em regiões posterior-lateral e inferior-basal, podem
produzir alterações eletrofisiológicas e favorecer o aparecimento de reentrada, principal
mecanismo eletrofisiológico das taquiarritmias ventriculares malignas, que acarretam
morte súbita mesmo em pacientes sem insuficiência cardíaca ou grave disfunção de ven-
trículo esquerdo27,29.
Para explicar a destruição de cardiomiócitos e a fibrose progressiva, quatro teorias prin-
cipais encontraram suporte anatomopatológico em pacientes e em modelos experimentais:
destruição direta pelo T. cruzi; teoria neurogênica, com destruição de células ganglionares

Cardiopatia chagásica e anestesia | 105


e lesões do sistema de condução; reações autoimunes cardíacas (humorais e/ou celulares)
e comprometimento microvascular (microespasmos, microtrombos, disfunção de células
endoteliais e aumento de atividade plaquetária)25. Dessa forma, o desenvolvimento da mio-
cardite dependeria de processos focais de necrose celular, sucessivos e progressivos, levando
a uma fibrose miocárdica reativa e reparativa, com hipertrofia de cardiomiócitos adjacentes.
Essa necrose poderia ser iniciada e perpetuada por fatores imunes e/ou alterações isquêmi-
cas da microcirculação25.
A ativação de células T consiste no tipo predominante de células em lesões inflamatórias
da cardiopatia chagásica crônica30. Além disso, a presença de citocinas pré e pró-inflamató-
rias (IL-4, IL-6, IL-12, TNF, IFN) tem sido encontrada no sangue periférico de pacientes
com a forma indeterminada e a forma cardíaca da doença de Chagas, induzida pela mem-
brana lipídica do T. cruzi31.
Um número significativo de estudos disponíveis na literatura apoia a hipótese de
que a resposta imune amplificada pelo processo inf lamatório e desencadeada de forma
consistente, seja pela persistência do parasito, seja pela resposta do hospedeiro aos au-
toantígenos, desempenhe um papel no desenvolvimento e na progressão da cardiopatia
chagásica crônica 32,33 .
A cardiomiopatia chagásica, entre todas as etiologias da doença, parece ser a que
traz o pior prognóstico para seus pacientes 34,35 . O tempo de evolução da doença é maior
que em todas as outras etiologias, com duração, muitas vezes, superior a 20 anos, de
forma que o coração pode otimizar todos os mecanismos compensatórios, mantendo
os pacientes assintomáticos ou oligossintomáticos por anos e mesmo décadas. Quando
o paciente descompensa, é porque o dano miocárdico suplantou todos os mecanismos
compensatórios, tornando a doença mais grave. Esse fato provavelmente não ocorre
na maioria das insuficiências cardíacas de outras etiologias, com evolução mais curta,
nas quais o tratamento para o prolongamento da vida permite que os mecanismos
compensatórios sejam otimizados e melhorem sua evolução36 . Os prováveis motivos
que justificam essa pior evolução em pacientes chagásicos são: mais extensa destruição
miocárdica, quando comparada com outras etiologias, como isquêmica, hipertensiva
ou idiopática 37; privação social 38; distúrbios de perfusão tecidual associados com dis-
funções autonômicas 39; severidade de arritmias ventriculares 40 e maior incidência de
disfunção ventricular direita41.

Estadiamento da Cardiopatia Chagásica Crônica


A disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo (VE) é o fator prognóstico mais
importante na cardiopatia chagásica crônica (CCC). Uma nova classificação para insu-
ficiência cardíaca, considerando-se a função sistólica do VE, obtida através da ecocar-
diografia – exame de eleição para avaliar a função miocárdica, que permite identificar
marcadores importantes –, foi adotada pelos Consensos Brasileiro e Latino-americano
de Insuficiência Cardíaca15. Essa classificação mostrou-se útil quando aplicada à CCC,
permitindo a identificação de subgrupos distintos do ponto de vista prognóstico e tera-
pêutico, conforme mostrado na Tabela 1.

106 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Tabela 1 - Estadiamento do comprometimento miocárdico na cardiopatia chagásica crônica
Estádios Eletrocardiograma Ecocardiograma Insuficiência Cardíaca
A Alterado Normal Ausente
B1 Alterado Alterado FEVE > 45% ausente
B2 Alterado Alterado FEVE < 45% ausente
C Alterado Alterado Compensável
D Alterado Alterado Refratário

A adoção dessa classificação para o estadiamento do acometimento cardíaco atende ade-


quadamente à necessidade de uniformização de condutas para o manejo do paciente com
CCC, em termos prognósticos e terapêuticos.

Tratamento das arritmias na cardiopatia chagásica


Arritmia Ventricular
A fase crônica da doença de Chagas é o momento em que ocorre a grande maioria das
arritmias e dos distúrbios de condução e é consequência direta da miocardite fibrosante
crônica desencadeada pelo T. cruzi42,43, com formação de cicatrizes e aneurismas25,42,43. As
arritmias ventriculares são as mais frequentes nos pacientes chagásicos e podem se manifes-
tar como ectopias isoladas ou formas repetitivas44.
Apesar de as arritmias ventriculares na doença de Chagas estarem associadas com maior
risco de morte súbita e mortalidade total44-48, ainda não há evidências conclusivas de benefí-
cio clinicamente relevante pelo tratamento com fármacos antiarrítmicos. A presença dessas
arritmias em pacientes assintomáticos com função ventricular preservada não necessita de
terapia. Quando sintomáticas em pacientes sem disfunção ventricular, o tratamento antiar-
rítmico pode ser individualizado49. A amiodarona tem sido considerada o melhor e mais se-
guro fármaco antiarrítmico em pacientes chagásicos47,50. O sotalol, outros betabloqueadores
e a propafenona são utilizados em casos selecionados. Em casos mais graves, as técnicas de
ablação do foco arrítmico por cateter ou cirurgia e, principalmente, o implante do cardio-
desfibrilador são possibilidades terapêuticas de caráter invasivo. Na presença de sintomas
importantes, com repercussão hemodinâmica (síncope, por exemplo), mas sem registro de
taquicardia ventricular sustentada (TVS), o estudo eletrofisiológico está indicado para a
avaliação dos sintomas e do risco de morte súbita27.
Arritmia Supraventricular
Nos pacientes chagásicos, a fibrilação atrial é a arritmia supraventricular mais comum,
sendo encontrada em 4% a 12% e tende a se apresentar cronicamente, associada com car-
diomegalia pronunciada e prognóstico sombrio. O controle da frequência ventricular pode
ser obtido com drogas que atrasem a passagem do impulso elétrico pelo nó AV, dando-se
preferência aos digitálicos e ao carvedilol, na presença de insuficiência cardíaca, e aos be-

Cardiopatia chagásica e anestesia | 107


tabloqueadores convencionais e bloqueadores de cálcio (verapamil e diltiazem) nos raros
casos em que a função ventricular é normal. A anticoagulação está indicada sempre que
a fibrilação atrial crônica estiver associada com cardiomegalia e insuficiência cardíaca ou
com episódios embólicos prévios. A droga de escolha é o warfarin, em dose suficiente para
manter o RNI (fator de normatização internacional) entre dois e três15.
Bradiarritmias
O tratamento de bradiarritmias não difere das recomendações para cardiomiopatias de
outra natureza. Vários estudos observacionais sugerem benefício dos marca-passos cardíacos
na cardiopatia chagásica crônica51,52. A presença de bloqueio atrioventricular e a disfunção do
nó sinusal são as principais indicações de implante de marca-passo. Uma situação importante
e geralmente observada em pacientes chagásicos é a associação entre distúrbios atrioventricu-
lares e arritmia ventricular frequente e complexa. Nesses casos, a terapia farmacológica antiar-
rítmica eficaz pode requerer o implante de marca-passo permanente, no intuito de prevenir
possíveis consequências indesejáveis de eventual bloqueio atrioventricular completo15.

Abordagem da gestante chagásica


A grande maioria das gestantes chagásicas é assintomática ou oligossintomática, sendo
portadoras das formas indeterminada ou cardíaca inicial. A CCC ocupa o segundo lugar
entre as cardiopatias presentes no ciclo gravídico-puerperal, atrás somente da cardiopatia
reumática. Gestantes chagásicas cardiopatas têm prognóstico estreitamente relacionado
com a gravidade da disfunção ventricular e a classe funcional no início da gravidez. Pa-
cientes que iniciam a gestação em classe funcional I e II geralmente chegam ao parto sem
intercorrências. Chagásicas em classe funcional III ou IV têm probabilidade de 25% a 50%
de morte materna53,54. Outros fatores relacionados ao prognóstico são a qualidade da assis-
tência pré-natal, as condições socioeconômicas e o uso de anticoagulantes.
Pacientes com insuficiência cardíaca e/ou arritmias graves devem ser desaconselhadas a
engravidar. As grávidas em tais condições, pela possibilidade de agravamento durante o de-
correr da gestação, requerem acompanhamento e cuidados especiais. A presença de cardio-
patia, desde que assistida e sem maior gravidade, não contraindica a gravidez. Na consulta
inicial da gestante chagásica cardiopata, devem ser solicitados, além dos exames de rotina, o
eletrocardiograma e o ecodopplercardiograma, para avaliar os distúrbios de condução e as
arritmias, as cavidades cardíacas e a função ventricular. Devem ser observadas as indicações
absolutas para o uso de drogas com ação sobre o sistema cardiovascular na gestante chagá-
sica, por causa do risco potencial de efeitos sobre o feto15,27.
Risco cirúrgico
Sabendo-se que os anestésicos têm ação depressora sobre a atividade cronotrópica e dro-
motrópica do coração, é possível que a interação entre a anestesia e a cardiopatia chagásica
possa desenvolver alterações cardiovasculares que aumentem o risco nesses indivíduos. A
ação depressora dos vários anestésicos sistêmicos sobre o coração é variável de um para o
outro e geralmente depende da dose administrada55,56.

108 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


A avaliação do risco cirúrgico no paciente chagásico tem sido feita com base nas informa-
ções disponíveis para cardiopatas não chagásicos. Entretanto, as características peculiares
da CCC, principalmente aquelas relacionadas com a presença de disfunção autonômica, ar-
ritmias complexas e bloqueios atrioventriculares e fasciculares, podem provocar respostas
diferentes, no chagásico, ao trauma cirúrgico.
Pacientes chagásicos com comprometimento miocárdico mais grave (classe funcional IV
com FEVE < 30%; disfunção sistólica moderada, porém com extrassistolia complexa; fibri-
lação atrial; dilatação importante de ventrículo esquerdo; BAVT e disfunção do nó sinusal)
têm maior probabilidade de apresentar complicações perioperatórias15. Essas complicações
podem ser consequência da ação dos agentes anestésicos sobre o miocárdio ventricular e
podem deprimir a função contrátil, induzir o aparecimento de arritmias cardíacas e dimi-
nuir a condução do estímulo no nó A-V e feixe de His.
Pacientes chagásicos em classe funcional IV precisam ser tratados antes de qualquer pro-
cedimento cirúrgico, exceto quando houver extrema urgência. Os pacientes que se enqua-
dram nas outras classes funcionais podem, a princípio, ser liberados para cirurgia, embora
seja desejável a adoção de condutas clínicas prévias que minimizem os riscos inerentes à
cirurgia, em cada caso.
Alguns indivíduos chagásicos portadores de bradicardia sinusal assintomática sugesti-
va de doença do nó sinusal necessitam de procedimento cirúrgico sob anestesia, que deve
ser realizado em uma unidade onde o marca-passo possa ser implantado em caráter emer-
gencial. Algumas situações predispõem fortemente ao aparecimento de BAVT durante o
ato cirúrgico, sendo recomendável, ou imperativo, o implante de marca-passo temporário
ou permanente antes do procedimento cirúrgico: paciente com síncopes que apresentam
BAV de 1º grau associado a bloqueio completo do ramo direito e hemibloqueio anterior
esquerdo; paciente portador de BAV total intermitente; paciente portador de BAV de 2º
grau Mobitz tipo II.
Pacientes com arritmias ventriculares complexas devem ser avaliados por meio do
Holter e operados após a instituição de terapêutica antiarrítmica adequada. Recomenda-
-se que, em procedimentos cirúrgicos de urgência em pacientes sem tratamento antiarrít-
mico prévio, seja utilizada lidocaína endovenosa (bolus de 100 mg, seguido de infusão de
1-4 g/minuto) para a prevenção de TVS. Quando constatados trombos murais, à ecocar-
diografia, em pacientes com fibrilação atrial, recomenda-se anticoagulação convencional
no pós-operatório15.
A simples condição de portador da doença de Chagas não contribui, de forma expressiva,
para aumentar o risco do paciente em relação à anestesia. Entretanto, quando se trata de pa-
ciente chagásico com cardiopatia, que pode estar associada à desnutrição, deve ser admitido
como grave risco e consequente elevada mortalidade5.

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112 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 08

Uso da ultrassonografia no
manejo da via aérea
Danielle Maia Holanda Dumaresq
Melina Cristino de Menezes Frota
Cibelle Magalhães Pedrosa Rocha
Luiz Augusto Carneiro Neto
Uso da ultrassonografia no manejo da via aérea

Introdução
O uso do ultrassom (US) vem ganhando cada vez mais destaque na anestesiologia mo-
derna por ser um método seguro, rápido, não invasivo e reprodutível com razoável facili-
dade. Além disso, possui inúmeras vantagens para sua utilização pelo fato de ser portátil e
oferecer imagens dinâmicas em tempo real1.
Com a disponibilidade cada vez maior nos serviços de emergência, unidades de tera-
pia intensiva e centros cirúrgicos, o ultrassom vem sendo amplamente utilizado na prática
clínica2, com o uso já bem estabelecido na anestesia regional e no auxílio para a punção
de acesso venoso central3. É importante que os anestesiologistas tenham conhecimento da
importância de sua aplicabilidade atual e futura.
O manejo da via aérea continua a ser uma das principais causas de morte e dano ce-
rebral em anestesia e em medicina de emergência 4,5 . Nos últimos anos, vários estudos
vêm demonstrando que a ultrassonografia é uma ferramenta simples, de grande im-
portância para avaliação e manejo da via aérea 6 . O método permite obter rapidamente
informações anatômicas importantes das vias aéreas que não seriam evidentes apenas
com o exame clínico2 . O uso do ultrassom tem se tornado útil como técnica não inva-
siva para avaliação de vias aéreas em anestesia, no departamento de emergência e em
cuidados intensivos 6 .
A ultrassonografia tem um largo espectro de aplicações clínicas. Dentre elas, podemos
destacar seu uso para identificar patologias de vias aéreas superiores, verificar o posiciona-
mento do tubo endotraqueal, avaliar o tamanho ideal do tubo endotraqueal, guiar a reali-
zação de traqueostomia ou cricotireoidostomia percutânea, detectar estenose subglótica e
estimar a probabilidade de estridor pós-extubação. Pode-se ainda avaliar o estado prandial
do paciente e parece ser um método promissor para identificar pacientes portadores de via
aérea difícil7,8.

Como obter as imagens ultrassonográficas


Seleção do Tipo de Transdutor
Os ultrassons são ondas sonoras que apresentam frequência superior a 20.000 Hz. Na
prática médica, os aparelhos de ultrassom possuem, habitualmente, frequência entre 2,5 a
15 MHz. Dependendo do tipo de transdutor utilizado, as ondas sonoras emitidas serão de
alta ou baixa frequência. Quanto maior a frequência da onda do ultrassom, melhor será a
resolução da imagem e menor será a capacidade de penetração nos tecidos. Por outro lado,
quanto menor a frequência da onda, maior a penetração nos tecidos, porém a resolução da
imagem será comprometida.
Existem dois tipos de transdutor mais comumente utilizados. O transdutor linear emite
ondas de alta frequência (7,5 – 15 MHz) e é o mais adequado para a avaliação das estruturas
superficiais das vias aéreas (2 – 3 cm de profundidade)2 . O transdutor convexo emite ondas

114 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


de baixa frequência (5 MHz), sendo mais adequado para a visualização de estruturas mais
profundas, como as da região submandibular e supraglótica, principalmente por causa de
seu maior campo de visualização. O transdutor microconvexo, um terceiro tipo de trans-
dutor, possui maior utilidade para a visualização da pleura através dos espaços intercostais.
Se tivermos que escolher apenas um tipo de transdutor, deve-se optar pelo linear de alta
frequência, pois ele permite a visualização das estruturas mais relevantes para o manejo das
vias aéreas.

Visualização ultrassonográfica de estruturas relevantes para o manejo da


via aérea
Durante a avaliação ultrassonográfica das vias aéreas, devemos nos lembrar principal-
mente de dois conceitos importantes: interface acústica e impedância acústica. O primeiro
diz respeito à fronteira entre dois meios com graus diferentes de resistência à propagação da
onda ultrassonora. Tal resistência é chamada, na ultrassonografia, de impedância acústica.
Outra informação essencial é que quanto maior for a diferença de impedância acústica entre
os dois meios de uma interface, mais reflexão ocorrerá e menor quantidade de ondas sonoras
será transmitida profundamente. Vale ressaltar que as imagens ultrassonográficas são cons-
truídas pelas ondas refletidas.
Assim, no estudo das vias aéreas, quando as ondas ultrassonoras encontram uma inter-
face “tecido–ar” (interface de alta diferença de impedância acústica), ocorre forte reflexão, o
que compromete a observação de estruturas mais profundas. Como resultado, no momento
em que o feixe encontra uma interface tecido-ar, uma “linha hiperecoica” (branca) brilhante
aparece, delimitando-a (Figura 1).

Figura 1 – Corte longitudinal que mostra a via aérea superior. A seta indica a interface existente entre
tecido e ar. Na figura do meio, observa-se a imagem ultrassonográfica; na figura à direita, o esquema mostra
a área tracejada, constituída de artefatos.

Várias estruturas podem ser visualizadas pelo ultrassom convencional (Tabela 1). No
entanto, a faringe posterior e a parede posterior da traqueia não podem ser vistas, por causa
da coluna de ar intraluminal que impede a passagem das ondas ultrassonoras.

Uso da ultrassonografia no manejo da via aérea | 115


Tabela 1 – Estruturas anatômicas que podem ser visualizadas ao ultrassom

Estruturas da Via Aérea Visíveis ao Ultrassom

Boca Epiglote Traqueia

Língua Laringe Esôfago

Orofaringe Cordas vocais Estômago

Hipofaringe Membrana cricotireóidea Pleura

Osso hioide Cartilagem cricoide Pulmões

É possível observar a via aérea através do US desde o mento até a região média da tra-
queia. A pleura e o diafragma também podem ser visualizados. Técnicas específicas, como
US transesofágico ou broncoscopia, podem ser necessárias para a avaliação da traqueia e dos
brônquios em sua totalidade.
Ao avaliar a via aérea através de ultrassonografia, encontramos diferentes níveis de eco-
genicidade, a depender do tipo de tecido que constitui cada estrutura6 (Tabela 2).

Tabela 2 – Ecogenicidade dos tecidos que compõem as estruturas da via aérea

Aparência Ecogênica das Principais Estruturas da Via Aérea

Tipo de estrutura Aparência ultrassonográfica

Óssea: mento, mandíbula, osso hioide Linha hiperecoica brilhante


e esterno com sombra acústica

Cartilaginosa: tireoide e cricoide Homogênea e hipoecoica

Músculo e tecido conectivo Heterogênea hipo e hiperecoica estriada

Glandular e tecido gorduroso Homogênea levemente hiperecoica

Interface tecido–ar Linha hiperecoica brilhante

Sonoanatomia da Via Aérea Superior


Assoalho da boca e da língua
A língua pode ser visualizada profundamente aos músculos do assoalho da boca e sua su-
perfície dorsal tem uma aparência curvilínea e hiperecoica, por causa da interface ar–mús-
culo. Se o transdutor é posicionado em plano transverso, posterior ao mento, seguindo em
direção ao osso hioide, podemos observar as camadas do assoalho da boca e dos músculos
da língua. Essa imagem vai apresentar uma sombra acústica de cada lado, determinada pela

116 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


mandíbula (Figura 2). Essa abordagem permite a pesquisa de possíveis processos patológi-
cos nessa região9.

Figura 2 – (A) Posicionamento transversal do transdutor convexo (baixa frequência) para visualiza-
ção do assoalho da boca e da língua. (B) Imagem ultrassonográfica resultante. (C) Sombras acústicas
decorrentes da mandíbula bilateralmente (linhas tracejadas). Superfície dorsal da língua (L). Palato duro
(linha contínua).

Para analisar essas estruturas longitudinalmente, o transdutor convexo (baixa frequên-


cia) deve ser posicionado em plano sagital na região submentoniana. Dessa forma, quase
toda a extensão do assoalho e a maior parte da língua poderão ser observadas. Duas sombras
acústicas formadas pela mandíbula e pelo osso hioide determinam os limites superior e in-
ferior da imagem (Figura 3).

Figura 3 – (A) Posicionamento longitudinal do transdutor convexo (baixa frequência) para visualização do
assoalho da boca e da língua. (B) Imagem ultrassonográfica resultante. (C) Sombra acústica do mento da
mandíbula (linha pontilhada). Língua (L). Sombra acústica do osso hioide (linha tracejada). Palato duro
(linha contínua).

Laringe
Por causa da localização superficial da laringe, a ultrassonografia com transdutor de alta
frequência proporciona imagens de melhor resolução do que a tomografia ou mesmo a res-
sonância magnética10.

A laringe apresenta diferentes imagens ultrassonográficas, dependendo da região obser-


vada (Tabela 3).

Uso da ultrassonografia no manejo da via aérea | 117


Tabela 3 – Níveis de abordagem ultrassonográfica da laringe
Nível de abordagem da laringe Estruturas visualizadas – imagem ecográfica
Supra -hióideo Gordura pré-epiglótica (GPE); linha hipoecoica da epiglote (EP)

Ao nível do osso hióide Osso hioide (setas) com sombra acústica

Infra-hióideo Músculos infra-hióideos (MIH); epiglote (EP); interface ar–tecido (AT)

Porção superior da tireoide Cordas vocais verdadeiras (CV); ligamento vocal (setas); glândula
tireoide (GT)

Cartilagem cricoide Cartilagem cricoide (CC) em forma de anel com glândula tireoide
(GT) na lateral

Osso hioide
O osso hioide é um ponto de referência importante que separa a via aérea superior em duas
regiões a serem estudas pela US: supra e infra-hioide. Pode ser visto no corte transversal como
uma estrutura linear hiperecoica, na forma de um “U” invertido com uma sombra acústica
posterior2 (Figura 4).

118 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Figura 4 – (A) Posicionamento do transdutor linear (alta frequência) em corte transversal da laringe ao
nível do osso hioide. (B) Imagem ultrassonográfica resultante. (C) Osso hioide (linha tracejada).

Membrana tireóidea
A membrana tireóidea fica entre a borda caudal do osso hioide e a borda cefálica da
cartilagem tireoide. Ela é uma janela sonográfica para a visualização da epiglote. Com o
transdutor de alta frequência posicionado em um corte transverso ao nível dessa membrana
é possível visualizar a epiglote.

Epiglote
A epiglote é vista através da membrana tireóidea. Apresenta-se como uma estrutura hipoecoica
curvilínea nos cortes parassagital e transverso. Sua borda superior é delimitada pela gordura pré-
-epiglótica e sua borda inferior, por uma linha brilhante de interface ar–tecido (Figura 5). Sua vi-
sualização parece ser facilitada na abordagem transversa com movimentos de angulação variáveis
do transdutor no sentido cefálico ou caudal. A protrusão da língua ou deglutição também pode
auxiliar na identificação da epiglote pela observação de um discreto movimento na base da língua.

Figura 5 – (A) Posicionamento do transdutor linear (alta frequência) em plano transversal ao nível da membrana
tireóidea. (B) Imagem ultrassonográfica resultante. (C) Músculos infraioides (estruturas hipoecoicas, tracejadas bila-
teralmente). Espaço pré-epiglótico. Epiglote (estrutura linear hipoecoica). Interface epiglote–ar (linha hiperecoica).

Cordas vocais
A cartilagem tireoide proporciona a melhor janela para a visualização das cordas vocais,
que são vistas formando um triângulo com uma sombra traqueal no centro. As cordas vo-
cais verdadeiras aparecem como duas estruturas triangulares hipoecoicas delineadas me-
dialmente pelos ligamentos vocais, observados como duas linhas hiperecoicas. Já as cordas
vocais falsas são vistas paralelamente com uma ecogenicidade diferente, por causa de maior
quantidade de gordura, mostrando-se hiperecogênicas (Figura 6).

Uso da ultrassonografia no manejo da via aérea | 119


Figura 6 – (A) Posicionamento do transdutor linear (alta frequência) em plano transversal ao nível da cartilagem
tireoide. (B) Imagem ultrassonográfica resultante. (C) Cartilagem tireoide (linha tracejada contínua em forma
de “V” invertido). Bordas livres das cordas vocais (linha contínua). Cartilagens aritenoides (círculos tracejados).
Membrana cricotireoide
A membrana cricotireoide se localiza entre a borda caudal da cartilagem tireoide e a borda
cefálica da cartilagem cricoide. É claramente visualizada em corte sagital, como uma linha
hiperecoica que liga as cartilagens tireoide e cricoide (Figura 7)2. A cartilagem cricoide tem
a aparência hipoecoica redonda na visão sagital e uma aparência em forma de arco no corte
transversal. No corte sagital, os anéis traqueais são visualizados como imagens arredondadas
hipoecoicas e se assemelham a um “colar de contas”.

Figura 7 – (A) Posicionamento do transdutor linear (alta frequência) em plano sagital médio da região
cervical. (B) Imagem ultrassonográfica resultante. (C) Cartilagem tireoide (estrutura tracejada). Membrana
cricotireoide (linha contínua). Cartilagem cricoide (estrutura pontilhada). Anéis traqueais (círculos cheios).
Interface tecido–ar (linha contínua hiperecoica abaixo da cartilagem cricoide e dos anéis traqueais).
Traqueia
A localização da traqueia na linha média do pescoço facilita bastante sua visualização ultras-
sonográfica em corte transversal11. Frequentemente, os primeiros seis anéis traqueais podem
ser visualizados pelo ultrassom quando o pescoço se encontra em extensão leve. A traqueia é
coberta por pele, tecido subcutâneo, músculos infra-hioides e glândula tireoide (Figura 8).

Figura 8 – (A) Posicionamento do transdutor linear em corte transversal da região cervical acima da
fúrcula esternal. (B) Imagem ultrassonográfica resultante. (C) Glândula tireóidea (linha tracejada). Porção
anterior dos anéis traqueais (linha contínua).

120 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Na visão transversal, os anéis traqueais se assemelham a um “U” invertido, destacado por
uma linha hiperecoica que corresponde à interface ar–mucosa. A cartilagem cricoide marca
o limite superior da traqueia e é vista como uma estrutura arredondada (Figura 9).

Figura 9 – (A) Posicionamento do transdutor linear em corte transversal da região cervical ao nível da
cartilagem cricoide. (B) Imagem ultrassonográfica resultante. (C) Porção da glândula tireoide (linha
pontilhada). Músculo infra-hioide (superiormente); cartilagem cricoide (linha tracejada); porção anterior
dos anéis traqueais (linha contínua).

Aplicações clínicas em anestesiologia


Predição de Dificuldade de Laringoscopia
Os testes clínicos utilizados atualmente como preditores de via aérea difícil (classifica-
ção de Mallampati, distância tíreo-mento, distância interincisivos, mobilidade do pesco-
ço) possuem de baixa a moderada sensibilidade12 . Além disso, existem algumas situações
em que o exame clínico das vias aéreas torna-se difícil ou impossível de ser realizado,
como em pacientes críticos de emergência (geralmente letárgicos, não cooperativos e in-
capazes de obedecer a comandos)13,14, pacientes com anomalias craniofaciais ou fraturas
maxilofaciais ou de coluna cervical. Em serviços de emergência, estudos mostram que so-
mente um terço dos pacientes submetidos à intubação endotraqueal obedece a comandos
simples e não se encontra com imobilização cervical13.
Há evidência ainda limitada na literatura atual quanto à eficácia da ultrassonografia na detec-
ção de via aérea difícil, porém, recentes estudos apresentam resultados promissores. Em pacien-
tes obesos, a quantidade de tecidos moles na região pré-traqueal medida com o ultrassom ao nível
das cordas vocais foi um bom preditor de dificuldade de laringoscopia7. A espessura dos tecidos
moles na região anterior do pescoço ao nível do osso hioide e da membrana tireioide também
foi eficaz para prever a via aérea difícil8. O método foi capaz de fornecer informações anatômicas
importantes das vias aéreas superiores que não seriam evidentes no exame físico, comprovando a
limitação do uso isolado dos testes clínicos para a triagem de via aérea difícil8.
Com a maior disponibilidade nos centros cirúrgicos e serviços de emergência, o uso do
ultrassom na avaliação das vias aéreas superiores pode antecipar imprevistos para o médico
anestesiologista ou emergencista, amenizando ou até mesmo evitando desfechos catastrófi-
cos diante da dificuldade de intubação endotraqueal não prevista pelo exame clínico.
Avaliação do tamanho ideal do tubo endotraqueal
Em crianças e adultos jovens, o ultrassom tem sido usado com sucesso como método
seguro para estimar o tamanho ideal do tubo endotraqueal. A avaliação é feita com base no
diâmetro subglótico da via aérea superior (Figura 10). Em pacientes idosos, a calcificação

Uso da ultrassonografia no manejo da via aérea | 121


das cartilagens da laringe gera uma sombra acústica na imagem do ultrassom que dificulta
a avaliação desse diâmetro15. A medida do diâmetro do brônquio principal também pode ser
usada para estimar o tamanho ideal do tubo duplo-lúmen endobrônquico.

Figura 10 – (A) e (B) Imagem ultrassonográfica que evidencia a traqueia em corte transversal (círculo
maior) e a medida de seu diâmetro, envolvida anteriormente pela glândula tireoide (linha tracejada); arté-
ria carótida à direita (círculo menor).

Confirmação da Posição do Tubo Endotraqueal


A confirmação da posição adequada do tubo endotraqueal pode ser feita de duas formas:
direta e indireta. A colocação do transdutor transversalmente na região cervical anterior
permite visualizar diretamente se o tubo é direcionado para a traqueia ou o esôfago (Figura
11). A visualização direta e em tempo real possibilita a identificação imediata da intubação
esofágica, antes que a ventilação seja iniciada acidentalmente para o estômago e aumente
consideravelmente o risco de broncoaspiração.

Figura 11 – (A) Imagem ultrassonográfica que evidencia a traqueia em corte transversal antes da intubação
endotraqueal. (B) e (C) Imagem ultrassonográfica da traqueia (linha tracejada) depois da intubação endo-
traqueal, em que se pode visualizar a região anterior do tubo (linha contínua).

A confirmação indireta é feita com o transdutor na linha axilar média através da visualiza-
ção do movimento da pleura e do diafragma, evidência dinâmica que indica expansão pulmo-
nar e, portanto, posição correta do tubo endotraqueal. A avaliação deve ser feita bilateralmente
para assegurar a não seletividade do tubo. No caso da intubação esofágica, a ventilação pelo
tubo resultará em imobilidade ou movimento paradoxal do diafragma. Entretanto, com essa
forma de avaliação, o risco de broncoaspiração não será evitado.
Ambas as formas citadas podem ser superiores aos métodos tradicionais em algumas situa-
ções. O uso do ultrassom tem vantagem sobre a capnografia nas situações em que o débito car-

122 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


díaco se encontra muito baixo. Tem vantagem ainda sobre a ausculta pulmonar em ambientes
bastante ruidosos16 e pode ser particularmente útil quando a passagem do tubo endotraqueal
não é visualizada diretamente, como em pacientes com Cormack Lehane 3 ou 4.
Avaliação do Estado Prandial
A aspiração do conteúdo gástrico consiste em complicação perigosa da intubação endo-
traqueal de urgência. O uso do ultrassom para detectar conteúdo gástrico foi evidenciado
em um estudo randomizado em que se examinou o estômago de indivíduos em jejum e
indivíduos em ausência de jejum. O estudo evidenciou a eficácia da técnica para detectar
pacientes com estômago cheio, enquanto apresentou confiabilidade moderada para detectar
pacientes com estômago vazio17.
Outro estudo identificou e quantificou o conteúdo gástrico em pacientes de UTI ime-
diatamente antes da intubação orotraqueal de urgência, através da ultrassonografia do qua-
drante superior esquerdo do abdome18. Dessa forma, a técnica pode ter utilidade na redução
do risco de eventos de broncoaspiração durante a intubação endotraqueal de urgência.
Predição de Estridor Pós-extubação
A ultrassonografia é uma ferramenta segura e não invasiva para a avaliação das cordas
vocais e da morfologia da laringe em pacientes intubados. Um estudo-piloto evidenciou
que, com o transdutor em posição transversal ao nível da membrana cricotireoide, a largura
da coluna de ar ao redor do tubo endotraqueal após o esvaziamento do cuff foi um potencial
preditor de estridor pós-extubação19. Entretanto, é necessário maior número de estudos para
identificar um ponto de corte ideal da medida da largura de ar ao redor do cuff que esteja
associado com o estridor pós-extubação.
Bloqueio dos Nervos Laríngeo Superior e Laríngeo Recorrente
A ultrassonografia pode ser útil para prover anestesia das vias aéreas durante intubação
acordada. O bloqueio do nervo laríngeo superior pode ser usado para fornecer anestesia
da região supraglótica. O mesmo é realizado identificando com o ultrassom o corno maior
do osso hioide e a artéria laríngea superior, o que facilita a deposição do anestésico local
entre ambos16.
O bloqueio do nervo laríngeo recorrente com a injeção de anestésico local, através da mem-
brana cricotireoide, fornece anestesia para as estruturas subglóticas. Quando baseada pelo
método da palpação, a identificação correta da membrana cricotireoide por anestesiologistas só
ocorre em 30% dos casos20. O ultrassom permite identificação rápida e segura da membrana,
que pode ser feita usando transdutor linear, em posição longitudinal, acima da fúrcula esternal.
A membrana cricotireoide é identificada pela sua ecogenicidade característica, com os músculos
cricotireoides situados lateralmente e a cartilagem tireoide, em posição cefálica21.
Identificação de Patologias de Vias Aéreas Superiores
Um bom conhecimento em anatomia das vias aéreas superiores pode auxiliar o anes-
tesista a usar o ultrassom em muitas patologias relacionadas às vias aéreas. A visualização
com o transdutor em plano transversal e sagital permite o diagnóstico de alterações glóticas,
supraglóticas e subglóticas, o que ajuda o anestesiologista no manejo da via aérea6.
Uso da ultrassonografia no manejo da via aérea | 123
O ultrassom pode ser usado para identificar condições inflamatórias de vias aéreas su-
periores, como epiglotite, e para avaliar a função das cordas vocais22 . Permite ainda o diag-
nóstico de sinusite, através da visualização de fluido no interior dos seios maxilares, tendo
importância para o planejamento da intubação nasal 23.

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124 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 09

Desflurano
Maria Ângela Tardelli
Daniel Capucci Fabri
Desflurano

Introdução
A popularidade dos anestésicos inalatórios decorre de sua fácil administração e da possi-
bilidade de seus efeitos serem monitorados não apenas por meio de sinais clínicos, mas atra-
vés de sua concentração expirada que fornece uma estimativa da concentração no sangue e
no sistema nervoso central.
O desflurano foi introduzido no Brasil recentemente, em 2013. Sintetizado na década de
1960, sua utilização na prática clínica ocorreu apenas em 1993, em decorrência de dificuldades
na produção e pela potência menor que os anestésicos similares. É um éter metil-etil fluorado
que difere do isoflurano por apenas um átomo. Um átomo de flúor substitui o átomo de cloro
no carbono alfa-etil do isoflurano, o que torna o desflurano totalmente halogenado com flúor.
Esse processo resulta em vários efeitos, como menor solubilidade no sangue e nos tecidos,
menor potência, maior estabilidade molecular e maior volatilidade (maior pressão de vapor)1,2.

Propriedades físicas
A Tabela 1 mostra os valores das diferentes propriedades físicas dos anestésicos halogenados1,2.
Tabela 1: Propriedades dos anestésicos voláteis
Propriedade Halotano Isoflurano Sevoflurano Desflurano

Peso molecular (g) 197 184,5 200 168


Densidade (g/mL) 1,86 1,50 1,50 1,47
Pressão de vapor (20 C) (mmHg)
o
244 240 160 669
Coeficiente de partição sangue/gás 2,4 1,4 0,65 0,45
CAM (30 – 60 anos) (%) 0,75 1,15 2,0 6,0

Pressão de vapor – a fluoração diminui a atração intermolecular, o que aumenta a pressão


de vapor que ultrapassa 1 atmosfera quando atinge 22,8 oC (ponto de ebulição). Essa carac-
terística faz necessária a utilização de nova tecnologia de vaporizador para o desflurano. O
vaporizador é elétrico e aquece o desflurano a 39 oC a uma pressão de 2 atmosferas.
Estabilidade molecular – a fluoração aumenta a estabilidade da molécula, o que aumenta
sua resistência tanto à biotransformação como à degradação pelo absorvedor de CO2. O mí-
nimo metabolismo do desflurano, 0,02% do captado, é constatado pela ausência de fluoreto
inorgânico no plasma e na urina e pela presença de trifluoroacetato em concentração de 1/10
a 1/5 do isoflurano1.
Os absorvedores de CO2, quando secos, podem degradar o desflurano e formar uma
quantidade considerável de monóxido de carbono. A utilização de cal sodada ou baritada com
quantidade de água ≥4,8% ou 9,7%, respectivamente, ou de absorvedores de CO2 formados por
bases bivalentes resulta em mínima degradação. Quando há monóxido de carbono no circuito,
o analisador de gases, se colocado no modo automático, indicará a presença de enflurano e de

126 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


mistura de gases. Nessa eventualidade, apenas quando o nível de carboxiemoglobina estiver
alto é que ocorrerá alguma queda na saturação periférica de oxigênio3.
Potência – o desflurano é cerca de 5 e 3 vezes menos potente que o isoflurano e o sevo-
flurano, respectivamente. Apesar de sua menor potência, sua concentração alveolar mínima
(CAM) permite a administração de altas concentrações de oxigênio, mesmo na presença de
óxido nitroso. Sua CAM é afetada pelos mesmos fatores que atingem a dos outros anestési-
cos voláteis. (Tabela 2)
Tabela 2: Idade e valores da CAM
Desflurano – Valor da CAM (%)
Idade (anos)
100% O2 (%) 60% N2O (%)
<1 8,95 - 10,65 ≈9 5,75 - 7,75 ≈7
1 - 12 7,2 - 9,4 ≈8 5,75 - 7,0 ≈ 6,4
18 - 30 6,35 - 7,25 ≈7 3,75 - 4,25 ≈4
30 - 65 5,75 - 6,25 ≈6 1,75 - 3,25 ≈ 2,5
>65 5,17 ± 0,6 ≈5 1,67 ± 0,4
Na coluna cinza estão os valores médios aproximados
CAM: concentração alveolar mínima

A CAM de despertar é 2,4% entre 20 e 30 anos. Isso representa cerca de um terço da


CAM para essa idade, o que significa potente efeito amnéstico.
A CAM para a retirada da máscara laríngea, sem eventos adversos de vias aéreas, é de
3,4% na criança entre 2 e 10 anos e 2,4% no adulto4,5.
Considerando que a CAM reflete os efeitos do inalatório mais na medula espinhal do que
no cérebro, o efeito cerebral do desflurano foi analisado por meio da curva de concentração-
-resposta para a diminuição da frequência de borda espectral no percentil 95 do espectro de
potência (SEF95), demonstrando que a C50 é 0,64 CAM6.
Solubilidade e farmacocinética – a solubilidade do desflurano no sangue é a menor entre
os agentes inalatórios, sendo seu coeficiente de solubilidade sangue/gás igual a 0,45 (Tabela
1). Sua solubilidade nos outros tecidos também é a menor (Tabela 3)1,2 . A consequência
da baixa solubilidade é que a variação (elevação ou diminuição) da concentração alveolar
na direção da concentração inspirada é mais ligeira, permitindo rápido aprofundamento e
superficialização do plano anestésico, traduzindo-se em fácil controle da anestesia.
A solubilidade do desflurano em plástico e borracha é igual à do sevoflurano e mais baixa
que a do isoflurano e do halotano.
Tabela 3: Coeficiente de partição tecido/gás dos anestésicos voláteis
Solubilidade Tecido/Gás Halotano Isoflurano Sevoflurano Desflurano
Cérebro 4,5 2,2 1,1 0,55
Músculo 7 3,6 1,7 0,78
Gordura 137 70 37 13

Desflurano | 127
Farmacodinâmica
Sistema Respiratório
Os efeitos respiratórios do desflurano são semelhantes aos do isoflurano, exceto pela
pungência, que é maior, por isso não é recomendado para indução, apesar de relatos de que
concentrações menores que 1 CAM não induzem irritação de vias aéreas, tosse e laringoes-
pasmo. Pacientes mais idosos ou administração de opióide são fatores que diminuem a irri-
tação; o contrário ocorre com o tabagismo. Concentrações que promovem irritação durante
a indução não são irritantes durante a manutenção com intubação traqueal ou máscara la-
ríngea2 . Semelhante aos halogenados deprime a ventilação, a resposta ventilatória à hipóxia
e à hipercarbia de modo dose-dependente. Apneia ocorre entre 1,5 e 2 CAM. A depressão
da vasoconstrição pulmonar hipóxica não tem repercussão sobre a oxigenação na ventilação
monopulmonar7. O desflurano não altera a resistência de vias aéreas em pacientes não fu-
mantes, mas pode aumentar em torno de 20% nos fumantes8. Em pacientes não fumantes, 1
CAM de desflurano tem o mesmo efeito broncodilatador que o isoflurano e o sevoflurano,
entretanto, se aumentar para 2 CAM, esse efeito não é mantido com o desflurano9.
Sistema Cardiovascular
O desflurano apresenta dois tipos de efeito no sistema cardiovascular: o direto e a res-
posta transitória consequente à ativação do sistema nervoso simpático. Os efeitos diretos
são semelhantes aos do isoflurano. Diminuem a contratilidade, o débito cardíaco e a pres-
são arterial média, de modo dose-dependente. A depressão da contratilidade é resultado
da diminuição do influxo de cálcio e a queda da pressão arterial ocorre pela diminuição
da resistência vascular periférica. A frequência cardíaca pode aumentar com concentrações
expiradas maiores que 1 CAM. O desflurano promove controle mais rápido das respostas
hemodinâmicas à estimulação cirúrgica do que o isoflurano. Não predispõe a arritmias ven-
triculares, nem sensibiliza o coração aos efeitos arritmogênicos da adrenalina.
A ativação simpática do desflurano se relaciona com a dose e com a velocidade de altera-
ção na concentração. Ocorre com concentração expirada maior que 1,25 CAM e com rápida
elevação na concentração inspirada. O resultado é o aumento transitório, por cerca de 3
minutos, da frequência cardíaca e da pressão arterial. Essa resposta pode ser prevenida por
incrementos mais lentos da concentração inspirada, assim como pela administração prévia
de opióides, clonidina ou bloqueadores beta-adrenérgicos2 .

Sistema Nervoso Central


Sobre esse sistema os efeitos do desflurano são semelhantes aos do isoflurano. Em seres
humanos, reduz a resistência vascular e o metabolismo cerebral e aumenta o fluxo sanguí-
neo cerebral e a pressão intracraniana, particularmente acima de 1 CAM. A autorregulação
vascular cerebral é mantida com 0,5 CAM e abolida com 1,5 CAM. A produção de líquido
cefalorraquidiano é ligeiramente maior com o desflurano.
O desflurano promove depressão dose-dependente do eletroencefalograma (EEG) com silên-
cio elétrico entre 1,5 e 2 CAM, independentemente da PaCO2. Diminui a amplitude e aumenta
a latência do componente cortical dos potenciais evocados somatossensitivos, e a maior dimi-

128 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


nuição ocorre com 0,7 CAM, mantendo a capacidade de medi-los até, pelo menos, 1,3 CAM. O
contrário ocorre com o componente medular dos potenciais evocados somatossensitivos, que é
mantido mesmo com 2 CAM. O potencial evocado motor neurogênico é mantido até 1 CAM.
Nas concentrações clínicas, o desflurano diminui os potenciais visuais e auditivos10-13.
O desflurano não apresenta evidência de atividade convulsiva no EEG.
Sistemas Hepático e Renal
O desflurano, como os outros éteres, mantém ou aumenta o fluxo sanguíneo na artéria
hepática enquanto diminui ou não se altera na veia porta.
O metabolismo mínimo e a rápida eliminação diminuem a possibilidade de hepatotoxicidade.
Em animais, o fluxo sanguíneo renal não se altera até 2 CAM de desflurano.
Sistema Neuromuscular
O desflurano produz relaxamento muscular semelhante ao isoflurano, mas seu efeito
sobre a intensificação do bloqueio neuromuscular é ligeiramente maior7.
Embora estudos in vitro demonstrem menor capacidade do desflurano e sevoflurano em
desencadear hipertermia maligna, os registros norte-americanos sugerem que não há dife-
rença entre os halogenados nesse aspecto.
Útero
O desflurano e o sevoflurano têm a mesma potência inibitória sobre as contrações induzi-
das pela oxitocina em miométrio isolado de ratas. O miométrio das grávidas é mais sensível
que o das não grávidas14. No miométrio humano isolado, os dois anestésicos a 0,5, 1 e 2 CAM
inibem, de modo dose-dependente, a frequência e a amplitude das contrações induzidas com
oxitocina. No entanto, com 1 CAM, o desflurano inibe menos a amplitude do que o sevoflura-
no. A duração da contração diminuiu com os dois anestésicos, apenas com 2 CAM15.

Proteção de Órgãos
Assim como os outros anestésicos voláteis, o desflurano também promove efeito cardiopro-
tetor a insultos isquêmicos, por mecanismo semelhante ao pré-condicionamento isquêmico.
Recente meta-análise mostrou que, em pacientes submetidos à revascularização do miocárdio
com ou sem circulação extracorpórea, o desflurano reduz a incidência de infarto do miocárdio
e a mortalidade no pós-operatório, a liberação de troponina, a necessidade de inotrópicos, o
tempo de ventilação mecânica, de estadia na UTI e de permanência hospitalar16.
A resposta imunológica da ventilação monopulmonar com liberação de mediadores in-
flamatórios nos alvéolos é atenuada na anestesia balanceada com desflurano, comparativa-
mente à anestesia venosa total17.
Quanto à proteção cerebral, o aumento da concentração de desflurano para 9%, para
produzir ondas de supressão, durante a oclusão temporária da artéria cerebral média, não
altera a oxigenação do tecido cortical. O contrário ocorre com os pacientes que receberam
tiopental para a supressão, sendo evidenciada a diminuição da oxigenação cortical18.
A administração de 1,2 CAM de desflurano e sevoflurano reduziu a mortalidade de sete
dias em animais com peritonite séptica induzida por perfuração cecal19.

Desflurano | 129
Toxicidade
A não detecção de íons fluoreto e níveis mínimos de trifluoroacetato resultantes do baixo
metabolismo do desflurano implicam na ausência de nefrotoxicidade e baixa possibilidade
de hepatotoxicidade, respectivamente. O desflurano, diferente do isoflurano, não está rela-
cionado com o aumento do nível de proteína beta-amiloide no liquor, biomarcador associa-
do com doença de Alzheimer e disfunção cognitiva 20.

Uso clínico
Sugestão de Administração
O desflurano é um anestésico indicado para a manutenção de anestesia de pacientes
adultos ou pediátricos.
A manutenção do plano adequado da anestesia com o desflurano, à semelhança dos outros
anestésicos, deve considerar a CAM adequada para a faixa etária. Para o propósito de hipnose,
manter a fração expirada em 0,7 CAM de anestésico volátil tem a mesma eficácia que a mo-
nitorização com o BIS para prevenir a consciência intraoperatória21. No paciente adulto, para
atingir esse objetivo, pode-se utilizar a regra dos 6-6-6, ou seja, após a indução da anestesia,
iniciar a manutenção com o vaporizador do desflurano em 6% (1 CAM), com fluxo de gases
(FG) (oxigênio/ar) de 6 L.min-1, durante 6 minutos. Depois desse tempo, passar o FG para 1
L.min-1 e manter o vaporizador em 6%. Utilizando o simulador Gasman®, observa-se que, nesse
esquema, o equilíbrio entre a fração expirada do desflurano e sua concentração nos tecidos ri-
camente vascularizados (TRV) se estabelece aos 10 minutos com valor ao redor de 4%, o que
significa aproximadamente 0,7 CAM. Se a opção for utilizar FG de 1 L.min-1 desde o início da
administração do desflurano, iniciar com o vaporizador em 12% por 6 minutos e então dimi-
nuir para 6%. Nesse esquema de administração do desflurano o equilíbrio entre fração expirada
e TRV também ocorre em 10 minutos, com valor ao redor de 3,5%. A fração expirada de 4% é
atingida aos 30 minutos. Se houver a necessidade de aprofundar o plano anestésico, recomenda-
-se aumentar a concentração liberada pelo vaporizador para 9% e o FG para 6 L.min-1 durante
1 a 2 minutos e então retornar o FG para 1 L.min-1; passados mais 2 a 3 minutos, retornar a
concentração do vaporizador para 6%. Se esse esquema for associado ao óxido nitroso, deve ser
considerado o efeito aditivo desse inalatório sobre a CAM do desflurano.
Se a opção for atingir rapidamente e manter a fração expirada em 1 CAM, outras técnicas
são sugeridas22 .
Recuperação da Anestesia
À semelhança dos outros voláteis ao término da anestesia, após desligar o vaporizador de
desflurano, é interessante aumentar o FG para 6 a 8 L.min-1 para acelerar a recuperação.
Estudos clínicos têm demonstrado que a recuperação com o desflurano apresenta tempo
de despertar e de retirada da cânula traqueal menor e mais previsível quando comparado
com isoflurano, sevoflurano e propofol7.
A rápida recuperação do plano anestésico com o desflurano implica alguns cuidados
que devem ser observados, como assegurar que a analgesia pós-operatória esteja efetiva ao
despertar e desligar o vaporizador após o término da cirurgia e dos curativos e quando há

130 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


a certeza de que a função neuromuscular está recuperada. Desligar o vaporizador quando
o bloqueio neuromuscular foi antagonizado pode colocar o paciente em risco de bloqueio
neuromuscular residual decorrente da rápida recuperação da consciência.
O rápido despertar com o desflurano é acompanhado de rápida recuperação dos reflexos
protetores de vias aéreas. O tempo para a recuperação desses reflexos não tem correlação
com a duração da anestesia, nem com o índice de massa corpórea 23.
Adultos anestesiados com menos de 2 CAM de desflurano e mantidos com máscara laríngea
não apresentam maior incidência de eventos adversos em vias aéreas que aqueles com sevoflurano24.
Pacientes adultos ambulatoriais apresentaram tempo de despertar e de recuperação das
funções cognitivas e da psicomotricidade mais rápido com o desflurano que com o sevoflu-
rano. Entretanto, essa diferença não resultou em alta mais precoce25.
Pediatria
Na criança, após a indução com sevoflurano, a manutenção da anestesia com desflurano
se associa com menor incidência de agitação grave no despertar, comparativamente à manu-
tenção com sevoflurano26. Autores que encontraram igual incidência de delírio no despertar
após o uso de desflurano e sevoflurano observaram que a duração do delírio é menor com o
desflurano27. A incidência de eventos respiratórios adversos após a retirada do tubo traqueal
não difere na anestesia mantida com desflurano, isoflurano e sevoflurano. Entretanto, após
a retirada de máscara laríngea, laringoespasmo e tosse foram mais frequentes nas crianças
que receberam desflurano, comparativamente ao isoflurano28.
Geriatria
Nos idosos, a recuperação é mais rápida e mais previsível com o desflurano, comparativa-
mente ao sevoflurano. Embora a recuperação das funções cognitivas pareça não diferir entre
os agentes, vários estudos mostram que o desflurano se associa com a redução da disfunção
cognitiva no pós-operatório de pacientes idosos29,30.
Obesidade
A eliminação do desflurano em obesos é mais rápida que do sevoflurano e igual à de pa-
cientes não obesos32 . A recuperação dos reflexos protetores de vias aéreas é mais imediata do
que com sevoflurano23. Os resultados da oximetria e da espirometria em pacientes com IMC
entre 25 e 35 kg.m-2, no pós-operatório de procedimentos superficiais com duração de até
120 minutos, foram melhores nos que receberam desflurano, comparativamente à anestesia
venosa total. Além disso, o aumento do IMV foi correlacionado com diminuição na função
pulmonar no grupo da venosa, mas não no do desflurano33.

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132 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 10

Bem-estar ocupacional
em anestesiologistas
Gastão Fernandes Duval Netos
Bem-estar ocupacional em anestesiologistas

Introdução
Inicialmente, é importante ressaltar que é de suma de importância a caracterização do
tema central deste capítulo, que é o bem-estar ocupacional. Para tanto, se torna necessária
sua definição. Bem-estar ocupacional em medicina foi definido pela Organização Mun-
dial da Saúde, em 2005, como: “A percepção individual do médico, de sua posição na vida,
incluída em um contexto cultural e em um sistema de valores, no qual sejam ponderadas
suas relações de gratificação, expectativa, conceito e crítica pessoal.”1
Por outro lado, outra definição pode ser aplicada ao termo: “Como me sinto mentalmente,
fisicamente e psicologicamente em cada momento de todos os dias, relativamente a minha ati-
vidade ocupacional, a minhas relações de convivência e ao meio ambiente profissional no qual
convivo?” A maneira de responder a essa questão pode ser por meio de uma análise introspectiva
sobre as dificuldades individuais e frustrações do profissional da anestesiologia no manejo das
situações ocupacionais consideradas estressantes ou se uma síndrome depressiva psicogênica já
se instalou, pelo fato de o profissional estar constantemente submetido a condições ocupacionais
estressantes (caráter de individualidade na capacidade de percepção do estresse ocupacional).
A situação de bem-estar ocupacional de um profissional da área da saúde é o entendi-
mento individualizado do efeito positivo ou negativo de fatores a que ele está submetido
durante a rotina da prática clínica.
O professor Hans Hugo Selye, em sua abordagem sobre a capacidade individual de esta-
bilização adaptativa, descreveu o estresse como a própria destruição insidiosa, resultado de
acumulativa fonte de depressão psíquica interna. Dessa maneira, é essencial entender que
cada um de nós possui seu limiar interno de capacitância para lidar, de maneira saudável,
com esse fenômeno. É importante compreender, com profundidade, que, por essa capaci-
dade possuir características de individualidade, não é comparativa com a de outros indiví-
duos submetidos à mesma situação; por causa disso, as atitudes gerais de estabelecimento
de condutas em relação à atividade clínica devem respeitar esse tipo de característica de
individualidade do profissional submetido às mesmas diretrizes, regimentos etc.2

Estresse ocupacional crônico


Estresse ocupacional crônico é definido como as reações físicas e emocionais que ocor-
rem quando as exigências profissionais excedem a capacidade, os recursos e as necessidades
do anestesiologista (distresse). O estresse excessivo que ultrapassa a tolerância do organismo
pode ocasionar graves consequências, como a piora no desempenho profissional (perfor-
mance), com repercussão na saúde mental e física do profissional, bem como na segurança
de seu paciente, além do comprometimento de sua vida familiar3.
Prevalência do Estresse Ocupacional Crônico
A incidência de estresse ocupacional na população médica é de 28% e, entre os anestesio-
logistas, essa incidência é claramente mais alta, situando-se em 50% na Europa e em 59% até

134 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


96% na América Latina. Resultados semelhantes foram encontrados em outras pesquisas que
relacionam o estresse ocupacional a diversos aspectos da complexa atividade profissional do
anestesiologista. A falta de controle sobre sua jornada de trabalho foi citada em 83% dos casos;
o comprometimento da vida familiar em 75%; os aspectos médicos e legais em 66%; os pro-
blemas de comunicação em 63% e os problemas clínicos em 61%4-8. O sistema de trabalho foi
citado em 58%; o manuseio de pacientes críticos em 28%; as situações de crise em anestesio-
logia/decisões de emergência em 23%; o lidar com a morte em 13%9; problemas relacionados
à forma de organização do trabalho em 42%; responsabilidades administrativas em 41%; con-
flitos pessoais em 35%; conflitos nas relações profissionais em 25%; conflitos fora do ambiente
de trabalho em 23% e problemas médico-legais em 2,8%9.
Entre os residentes de anestesiologia, os maiores problemas foram relacionados com o
manuseio de pacientes críticos, o óbito de pacientes e a dificuldade de equilibrar a vida pes-
soal e as exigências profissionais10-12 .
Consequências do Distresse Ocupacional no Anestesiologista
• Alterações do sono – fadiga
• Síndrome depressiva – burnout
• Dependência química – álcool – opioides – tranquilizantes – cocaína
• Suicídio – overdose
Com frequência, os anestesiologistas tendem a escolher a especialidade pela obtenção
de gratificação profissional mediante curto, mas intenso, contato com o paciente, que re-
sulta no desenvolvimento de capacidades técnicas manuais individuais, no conhecimento
e manuseio de alta tecnologia, no contato entre diferentes especialidades e no cuidado pe-
rioperatório de pacientes cirúrgicos com observação imediata dos resultados de suas ações
médicas. Por outro lado, frequentemente, existe um preço a pagar no enfrentamento dessa
realidade profissional, o que pode resultar na perda do controle autônomo do indivíduo,
fato que, para alguns, significa a transição do estresse positivo para uma situação patológica
descrita como distresse psicogênico. Figura 1
O distresse ou estresse negativo é o estresse em excesso, que ocorre quando a pessoa
ultrapassa seus limites e esgota sua capacidade de adaptação.

Figura 1 - Correlação entre estresse/ansiedade ocupacional e performance/eficiência profissional

Bem-estar ocupacional em anestesiologistas | 135


A situação de bem-estar ocupacional de um profissional da área da saúde é o entendi-
mento individualizado do efeito positivo ou negativo de fatores a que ele está submetido
durante a rotina da prática clínica.
O psiquismo e o corpo humano devem ser entendidos holisticamente, sem a possibilidade
de divisão dualística. Esse entendimento se baseia em estudos que utilizam imagens radioló-
gicas cerebrais elaboradas e microscopia eletrônica, que mostram que o fenômeno mental está
intimamente relacionado com alterações neuroquímicas centrais e vice-versa.
Informações importantes na área de suporte à saúde ocupacional do médico são forne-
cidas por meio de um sistema canadense, o Programa de Saúde do Médico, da Associação
Médica de Ontário. A Figura 2 mostra a casuística desse centro, evidenciando significan-
te desproporção entre as patologias somáticas e as psiquiátricas atendidas nesse sistema,
ressaltando o nítido predomínio de doenças psiquiátricas em relação às somáticas tratadas
nesse específico local (distresse ocupacional)13.

Figura 2 – Casuística do Programa de Suporte à Saúde do Médico Canadense

No Brasil, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um departamento ligado à


abordagem de médicos dependentes químicos (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas/
Uniad) apresentou uma casuística, mostrada na Tabela 1, que inclui 57 anestesiologistas, com
evidências clínicas de drogadição, tratados no departamento (dados de informação interna).
Tabela 1 – Casuística da Uniad/Unifesp (São Paulo), Centro de Tratamento de Médicos
(Uniad/Unifesp)
Drogas Total N (%) Uso alarmante N (%) Dependência N (%)
Álcool 20 (35,1) 7 (12,3) 12 (22,8)
Benzodiazepinas 20 (35,1) 3 (5,2) 17 (29,8)
Opioides 34 (59,6) 4 (7) 30 (52,3)
Cocaína e crack 3 (5,2) 3 (5,2) 0 (0)
Maconha 6 (10,5) 4 (7) 2 (3,5)
Anfetaminas 6 (10,5) 2 (3,5) 4 (7)
Inalantes 1 (1,8) 1 (1,8) 0 (0)

136 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


A Tabela 2 mostra a frequência de comorbidades psiquiátricas entre os anestesiologistas
dependentes químicos tratados na Uniad. Existe evidente correlação entre as patologias
psicogênicas (distresse) desenvolvidas durante a prática do médico anestesiologista e o es-
tabelecimento da dependência química.
Tabela 2 – Prevalência de comorbidades em dependentes químicos da Uniad/Unifesp
(São Paulo)
Diagnóstico de patologias psíquicas (ICD 10) n %
Total de casos de comorbidades 24 42,1
Depressão (F32 e F33) 12 21
Distúrbios de personalidade (F60) 6 10,5
Distúrbios bipolares (F31) 5 8,7
Distúrbios de ansiedade (F41) 4 7
Esquizofrenia (F20) 1 1,7

Características do Estresse Ocupacional Excessivo14


• A percepção psíquica do estresse possui características de subjetividade, já que o
mesmo fator de estresse pode ser percebido diferentemente por distintos profissio-
nais, principalmente em sua intensidade – características de individualidade.
• As instituições, os regimentos, as diretrizes e os ambientes de trabalho são fontes
permanentes de pressão psicológica para o anestesiologista.
• O estresse ocupacional permanente pode resultar em consequências psicológicas,
fisiológicas e comportamentais sérias, com graves repercussões na segurança do
paciente cirúrgico.
Consequências do Distresse Ocupacional no Anestesiologista
• Alterações do sono – fadiga
• Síndrome depressiva – burnout
• Dependência química – álcool – opioides – tranquilizantes – cocaína
• Suicídio – overdose
Definição interativa de fadiga
É considerada uma sequência de eventos que representam a contínua interacão entre o
profissional médico (caráter físico e/ou psíquico) e seu ambiente ocupacional.
A fadiga ocupacional (também chamada de exaustão, cansaço, letargia, estafa, apatia,
prostração, esgotamento e lassidão) pode ser diferenciada em nível físico e psíquico.
A fadiga física do médico anestesiologista pode ser definida como a incapacidade de man-
ter o pleno funcionamento de suas habilidades técnico-científicas normais, tornando-se, de
modo geral, claramente visível durante o exercício intenso da prática clínica, podendo variar
de um estado geral de letargia até uma sensação específica de grande exaustão física15. Em
paralelo, a fadiga mental (disfunção cognitiva) é vista como o principal agente causador de
erro médico e/ou incidentes críticos entre os anestesiologistas.

Bem-estar ocupacional em anestesiologistas | 137


A fadiga psicogênica se manifesta como sonolência, com incapacidade de concentração,
resultando, consequentemente, em incapacidade de realizar avaliações clínicas e tomar de-
cisões rápidas diante de situações muitas vezes emergenciais. Na atualidade, esse é o estado
psíquico que está causando impacto no desempenho dos médicos anestesiologistas e, de
maneira direta, colocando a segurança dos pacientes cirúrgicos em risco15.
Fatores de impacto da fadiga ocupacional em anestesiologistas na segurança
dos pacientes cirúrgicos
• Lapsos de atenção e incapacidade de mantenter a vigilância clínica.
• Redução da motivação.
• Dificuldade na solução de problemas clínicos.
• Confusão mental e de raciocínio.
• Elevado grau de irritabilidade.
• Lapsos de memória.
• Dificuldade de comunicação.
• Lento processamento das informações médicas.
• Elevação da latência de reação racional e motora.
• Indiferença psíquica ou perda de empatia.
A correlação entre a fadiga ocupacional entre os servidores da área da saúde (aneste-
siologistas) e a incidência de eventos adversos (incidentes críticos) está substancialmente
documentada na literatura, com numerosos estudos que indicam que a prática médica ex-
cessivamente extensa em duração contribui para elevados níveis de fadiga, com redução da
produtividade e efetividade do trabalho desse grupo de profissionais.
Os trabalhos enumerados a seguir mostram resultados baseados em evidências médicas
que confirmam essa correlação.
• Institute of Medicine. Sleep disorders and sleep deprivation: an unmet public heal-
th problem. March 21, 2006. Disponível em: http://www.iom.edu/Reports/2006/
Sleep-Disorders-and-Sleep-Deprivation-An-Unmet-Public-Health-Problem.aspx
(accessed May 3, 2011).
• Institute of Medicine. Resident duty hours: enhancing sleep, supervision, and safety.
December 15, 2008. Disponível em: http://www.iom.edu/Reports/2008/Resident-
-Duty-Hours-Enhancing-Sleep-Supervision-and-Safety.aspx (accessed May 3, 2011).
• Institute of Medicine. Keeping patients safe: transforming the work environment of
nurses. Washington, DC: National Academy Press, November 3, 2003. Disponível
em: http://iom.edu/Reports/2003/Keeping-Patients-Safe-Transforming-the-Work-
-Environment-of-Nurses.aspx (accessed May 3, 2011).
• Philibert I. Sleep loss and performance in residents and nonphysicians: a meta-
-analytic examination. Sleep, 2005;28:1.392-1.402.
• Levine AC, Adusumilli J, Landrigan CP. Effects of reducing or eliminating resident
work shifts over 16 hours: a systematic review. Sleep, 2010;33:1.043-1.053.
• Hughes RG, Rogers, AE: Are you tired? Sleep deprivation compromises nurses’ he-
alth – and jeopardizes patients. Am J Nurs, 2004;104:36-38.

138 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Vista de forma objetiva, a fadiga médica em anestesiologistas representa a incapacidade
de o indivíduo continuar a exercer sua atividade profissional, de maneira efetiva, utilizando
suas potencialidades mentais (cognitivas) e físicas.
Como anteriormente visto, a fadiga tem características de individualidade e é expres-
sa como um fenômeno de difícil e inequívoca identificação, consequentemente, de difícil
avaliação e abordagem clínica. Além disso, possui características acumulativas e, muitas
vezes, apresenta sintomatologias insidiosas.
A fadiga ocupacional é considerada fator latente na prevalência de erro médico, propi-
ciando a ocorrência de incidentes críticos que, ocasionalmente, resultam em consequências
graves e frequentemente evitáveis.
O estudo da fadiga ocupacional em ambiente experimental ou clínico é altamente com-
plexo, por causa de sua natureza multifatorial, isto é, essa patologia é influenciável por di-
ferentes tipos de personalidade e pela possibilidade de sobreposição de outras condições
patológicas associadas, como síndrome de burnout, dependência química, idealização de
suicídio e estresse psicogênico elevado. Contudo, a necessidade de estudar o referido fe-
nômeno e as melhores formas de controlá-lo em nossa prática médica é de fundamental
importância nos dias atuais.
No que se refere à fadiga ocupacional, secundária a longas horas de trabalho em medici-
na, alguns países estão adotando medidas profiláticas para prevenir e/ou corrigir o proble-
ma. Como um exemplo disso, a Associação de Anestesiologistas da Irlanda e Grã-Bretanha
produziu um documento com 25 laudas especificamente para lidar com o problema da
fadiga ocupacional em seus membros, fazendo recomendações sobre as questões de segu-
rança da manutenção da saúde ocupacional dos membros das equipes e da segurança dos
pacientes anestésico-cirúrgicos. Da mesma forma, o Colegiado Australiano e Neozelandês
de Anestesiologistas também produziu uma declaração sobre a fadiga ocupacional, na qual
os princípios e as responsabilidades específicas são individualmente definidos para aneste-
siologistas e as instituições responsáveis pelo desempenho da prática médica, entre os quais
os departamentos de anestesia e as direções clínicas e técnicas de hospitais, com o objetivo
de reduzir a fadiga e também os erros médicos resultantes dela16.
A carga horária (plantões e rotina clínica) exercida por residentes tem sido motivo de vários
estudos. Com pertinência, o Conselho de Acreditação para Educação Médica de Graduação
Americano implementou restrições em carga horária de médicos em treinamento clínico
básico (residências médicas), limitando os plantões em, no máximo, 30 horas e a jornada de
trabalho semanal em 80 horas. Em estudos subsequentes, essa atitude evidenciou que os ris-
cos para a segurança dos pacientes cirúrgicos e pessoais para o médico continuaram elevados,
principalmente para os residentes com plantões superiores a 24 horas17,18.
Em setembro de 2010, o conselho anteriormente referido publicou uma versão final
das novas diretrizes, que se tornou efetiva nos EUA em julho de 2011 (www.acgme-
-2010standards.org)19.
Em artigo publicado em novembro de 2007 no Joint Commission Journal on Quality
and Patient Safety, foi concluído que as evidências médicas sugerem, de maneira enfática,
que as jornadas de trabalho e os plantões prolongados em duração elevam, de maneira sig-

Bem-estar ocupacional em anestesiologistas | 139


nificante, a incidência de fadiga ocupacional nos profissionais da área da saúde, com conse-
quente diminuição na performance profissional do médico e queda da própria segurança,
bem como a do paciente cirúrgico. Esse artigo relatou que os residentes que trabalham em
regimes tradicionais, isto é, plantões recorrentes de 24 horas20:
• foram responsáveis por 36% a mais de eventos adversos preveníveis, quando com-
parados com os que trabalharam em regime de não mais de 16 horas consecutivas;
• cometeram cinco vezes mais erros diagnósticos em relação aos outros;
• apresentaram o dobro de fuga de atenção no desempenho de sua atividade clínica
durante a noite;
• sofreram 61% mais de acidentes perfurocortantes após a 20a hora consecutiva
de plantão;
• experimentaram 1,5 a 2 desvios standard negativos em sua performance, quando
comparados com a própria performance em repouso;
• reportaram intensa fadiga no momento do estabelecimento dos eventos críticos, que
resultaram na morte do paciente.
Em 2009, outro estudo identificou aumento no número de complicações durante a exe-
cução noturna de procedimentos médicos por profissionais com menos de seis horas de
sono contínuo21.
Com base nas informações científicas descritas anteriormente, os membros da American
Joint Commission recomendam algumas atitudes para as instituições responsáveis pelo con-
trole da qualidade da prática médica, visando, principalmente, diminuir os riscos correlatos
com a presença de fadiga nesse grupo de profissionais (regime rotineiro de trabalho e ca-
racterísticas dos plantões), entre os quais os incidentes críticos e erros médicos preveníveis,
protegendo, de forma objetiva, os pacientes cirúrgicos. Entre as referidas recomendações,
podemos enfatizar as seguintes22,23:
• alertar os diretivos das instituições de assistência médica, de maneira protocolar e
com base epidemiológica científica, para os riscos da fadiga ocupacional, salientan-
do, inclusive, a necessidade de adequação de jornadas de trabalho e plantões, tanto
em sua periodicidade como extensão em horas ininterruptas trabalhadas, com res-
peito aos limites da saúde ocupacional de cada indivíduo e em busca do aumento da
segurança do paciente tratado na instituição médica;
• enfatizar, em todas as oportunidades possíveis, a correlação, baseada cientificamente
em evidências expressas na literatura atual, entre a fadiga – fruto do estresse psico-
gênico ocupacional – e suas consequências e os cuidados dos pacientes cirúrgicos;
• estimular a participação efetiva de todos os membros da equipe para, democrati-
camente, estabelecer características de jornada de trabalho rotineiro e de plantões.
Essa forma permite projetar regimes de trabalho, minimizando a prevalência de fa-
diga ocupacional e suas consequências;
• criar, nas estruturas de suporte institucionais ao trabalho médico, um plano de aten-
ção às situações de fadiga ocupacional de seus componentes, como o estabelecimen-

140 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


to de fóruns de discussão e geração de mecanismos que resultem em ações reais e
efetivas sobre o tema;
• diminuir o uso constante de cafeína durante o atendimento médico;
• estabelecer, de forma rotineira, pequenos períodos de repouso durante o atendimen-
to médico (não mais que 45 minutos);
• valorizar, para a equipe médica, a importância da “higiene do sono” (qualidade), com
sugestão da prática de ioga ou de leitura extramédica antes de dormir e eliminação
de bebida alcoólica, café, nicotina e alimentação excessiva, que causam impacto sig-
nificante na qualidade do sono;
• promover oportunidades para os membros da equipe médica (anestesiologistas) ex-
pressarem suas impressões e propostas em relação à qualidade da saúde ocupacional
em seus ambientes de trabalho;
• criar sistemas de avaliação sistemática para os níveis de estresse ocupacional, como
também de suporte especializado para profissionais com alterações nessa área da
saúde profissional do médico (anestesiologista);
• criar sistemas de apoio financeiro no caso do impedimento temporário para a prática
médica por problemas de saúde ocupacional.

Conclusões24-32
Como foi visto anteriormente, a literatura médica tem evidenciado, ao longo do tempo,
que o ambiente de trabalho dos profissionais da área da saúde, incluindo o dos médicos
anestesiologistas, apresenta nível de estresse bem mais elevado, quando comparado com o
ambiente de outras atividades profissionais.
Esse grupo de profissionais (anestesiologistas) está constantemente exposto a situações
ocupacionais com elevado número de fatores estressantes, como sobrecarga de trabalho;
pressões sociais intensas; perda do papel claro de suas funções e limites; clamor afetivo cons-
tante do enfermo; possibilidade de acidentes no desempenho de suas funções (acidentes
perfurocortantes); contaminação por doenças infectocontagiosas; desvalorização de suas
opiniões e reivindicações. Esses fatores estressantes, físicos ou psíquicos, geram o aumento
de situações de erro médico e incidentes críticos no atendimento médico por parte desse
grupo de profissionais. Frequentemente, esse fato tem como fator etiológico as alterações
psíquicas patológicas do profissional, com consequentemente diminuição da segurança do
paciente cirúrgico.
Por sua vez, tem sido evidenciada a importância da intervenção de instituições ligadas
ao atendimento médico e dos próprios médicos no sentido de mudar essa situação, ou seja,
diminuir o elevado estresse ocupacional e suas patológicas consequências. Embora a inter-
venção institucional deva ser a preferencial no sentido de modificar a situação em pauta,
a ação combinada entre as instituições e os profissionais da área (médicos e enfermeiros)
mostra resultados positivos mais consistentes e permanentes, tanto no diagnóstico como na
profilaxia e no tratamento de seus componentes.

Bem-estar ocupacional em anestesiologistas | 141


Com o objetivo de reduzir o estresse ocupacional de anestesiologistas em nível institucio-
nal, as principais intervenções de seus diretivos devem estar focadas na necessidade de limitar
as rotinas de trabalho excessivas e a frequência e duração de plantões noturnos que estejam
fora de padrões aceitáveis e implementar uma cultura organizacional que vise ao estabeleci-
mento de um ambiente de trabalho saudável, baseado em justiça organizacional e participação
efetiva dos médicos anestesiologistas na implantação dos próprios regimes de trabalho, possi-
bilitando, dessa forma, uma associação saudável entre trabalho, família e vida social.
Os anestesiologistas possuem o dever ético de se manter física e psiquicamente sau-
dáveis durante a prática clínica, para garantir a segurança dos pacientes submetidos a
seus cuidados.

Alertas éticos – responsabilidades próprias


Canadian Medical Association Code of Ethics “Responsibilities to Oneself”.
Promover e manter a própria saúde física/psíquica, além do bem-estar ocupacional
• Solicitar o auxílio de colegas ou profissionais especializados para ajudar nos proble-
mas pessoais que interfiram na performance clínica.
• Proteger e incrementar a saúde e o bem-estar ocupacional, identificando fatores ge-
radores de estresse durante a prática clínica e a vida, estabelecendo estratégias para
abordar os referidos fatores.
American Society of Anesthesiologists “Guidelines for the Ethical Practice
of Anesthesiology”.
Os anestesiologistas têm a responsabilidade ética consigo mesmo de:
• obter e manter a competência e o conhecimento na especialidade. Essa responsa-
bilidade não termina com o fim da residência ou a obtenção de certificação pelas
instituições vingentes (American Board of Anesthesiology).
• controlar a qualidade da prática clínica em anestesiologia, que requer a manutenção
das capacidades físico/psíquicas em plena normalidade do profissional.
Todas as especialidades médicas estão relacionadas com um grau de estresse ocupacio-
nal. Entretanto, no caso da anestesiologia, esse fenômeno é significantemente mais elevado
em relação às outras especialidades.
A prática clínica tem se tornado cada vez mais segura, fazendo com que a expectativa
de pacientes e familiares ante os procedimentos anestésico-cirúrgicos seja de permanente
sucesso, incluindo os procedimentos complexos realizados em enfermos graves e idosos. Tal
expectativa eleva mais o nível de estresse ocupacional entre os profissionais dessa especia-
lidade. Esses fatos incentivam as demandas jurídicas contra o anestesiologistas oriundas de
pacientes, familiares, colegas e instituições. entre outras.
A prática da anestesiologia está caracterizada no motto da Canadian Anesthesiologists
Society – “Science, Vigilance, Compassion”.
O anestesiologista no século 21 é visto como um expert atualizado na literatura médi-
ca, na prática baseada em evidências, como um profissional constantemente vigilante em

142 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


relação a seu paciente, que mantém uma atitude de compaixão por todos os seres humanos
submetidos a sua atenção profissional.
Além das demandas enumeradas anteriormente, o anestesiologista está sujeito a fatores
estressantes adicionais, como imprevisíveis e excessivas horas de trabalho; mínimos perío-
dos de descanso; exposição frequente a perigos de toxicidade (agentes inalados) e radiação;
poluição auditiva e perda do contato com a luz natural.
Outro fato que gera intenso estresse ocupacional, embora raro, é a ocorrência de morte
ou evento crítico em pacientes durante a anestesia clínica. Esse estresse fica mais exacerba-
do quando ocorre com um paciente previamente hígido, em que não existia a probabilidade
de morte (uma cirurgia plástica estética, por exemplo). O anestesiologista pode se envolver
nessas situações em várias oportunidades, mesmo não estando preparado para isso, como
ressuscitação cardiorrespiratória e procedimentos invasivos.
Frequentemente, o impacto psicogênico dessas situações é internalizado pelo aneste-
siologista, fato que pode resultar em sequelas crônicas e acumulativas, como ansiedade e
depressão. A maioria das instituições de atendimento à saúde não possui suporte ao aneste-
siologista submetido a essa situação.
A fadiga é um dos mais prevalentes fatores na geração de estresse ocupacional
em anestesiologistas.
A Association of Anesthetists of Great Britain and Ireland (AAGBI) estabeleceu que
“Todo anestesiologista é reponsável por promover uma efetiva e segura anestesia, menten-
do-se alerta para os problemas de fadiga ocupacional.”
Muitas analogias têm sido feitas entre o anestesiologista e os pilotos de empresas aéreas,
embora, no que se refere ao limite de horas trabalhadas, a realidade da maioria dos países
é não possuir legislação sobre o regime de trabalho (horas trabalhadas) para os anestesio-
logistas, como acontece com os pilotos. Movimentos devem ser articulados no sentido de
estabelecer, por meio de instituições representativas, um modelo de regime de trabalho que
evite o aparecimento da fadiga ocupacional nesse grupo de profissionais.
Outro aspecto a ser salientado é o envelhecimento do anestesiologista, que resulta na
diminuição evidente da capacidade física, mental e sensorial. Esse fato deve ser contraba-
lançado pela experiência adquirida pelos mais velhos. Deve ser salientada a existência de
grande variabilidade interpessoal no processo de envelhecimento. Torna-se evidente que
os idosos podem cooperar muito em anestesias para cirurgias eletivas ou na formação de
residentes, sendo poupados de anestesias extremamente desgastantes, como um aneurisma
discecante em aorta torácica realizado às 2 horas da madrugada.
A AGGBI recomenda que “os regimes de plantão devem ser revistos após 55 anos
de idade”.
Além do descrito anteriormente, os anestesiologistas são mais sucetíveis a vários tipos de
patologia em relação às outras especialidades médicas:
• drogadição e suicídio – embora afetem apenas 3% de toda a comunidade médica,
estão presentes em 20% a 30% dos médicos dependentes químicos;
• entre os internistas, os anestesiologistas apresentam uma prevalência mais elevada
de suicídio (RR 1.45).

Bem-estar ocupacional em anestesiologistas | 143


A responsabilidade ética na promoção e manutenção do bem-estar ocupacional do anes-
tesiologista pode ser considerada em três grandes áreas:
• responsabilidade individual;
• responsabilidade instituicional;
• responsabilidade com outros colegas atuantes na área da saúde.

Responsabilidade individual
• Deverão estar alertas aos pontos frágeis de sua saúde que podem impactar em
vida profissional.
• Estar constantemente alerta para a qualidade de seu bem-estar ocupacional.
• Procurar por auxílio especializado se alterações na saúde forem detectadas.
• Estar constantemente alerta para o fenômeno de fadiga ocupacional, principalmente
se resultar em uma prática clínica insegura – informar o fato à instituição ou ao de-
partamento responsável.
• Evitar regimes de trabalho que resultem em fadiga.
• Aceitar o limite ou a modificação de seu regime de trabalho quando ele pode pôr em
risco a segurança dos pacientes.
• Manter um adequado seguro (suporte) no caso de impedimento da prática médica
por alteração de saúde ou do bem-estar ocupacional.

Responsabilidade institucional
O termo instituição se refere às autoridades da área da saúde ou da administração de
hospitais, faculdades e/ou departamentos de anestesiologia que possuam influência execu-
tiva na prática da especialidade, visando ao desempenho da especialidade em um ambiente
de bem-estar ocupacional.
• As instituições deverão ter controle e abordagem efetiva na promoção do bem-estar
ocupacional do anestesiologista que contemplem as diferentes necessidades dos pro-
fissionais (carácter de individualidade).
• As instituições devem possuir um sistema de suporte ao anestesiologista que procura
por auxílio para sua saúde física ou psíquica.
• A instituição deve promover assistência à saúde do médico de maneira confidencial.
• A instituição deve promover a assistência, se possível, em outra estrutura que não a
de origem do profissional enfermo.
• A instituição não deverá ser obrigada a promover suporte ao anestesiologista que se
nega ao atendimento proposto.
• A instituição deverá promover um ambiente ocupacional compatível com a manu-
tenção do bem-estar ocupacional dos profissionais atuantes na área – períodos de re-
pouso em ambientes adequados, alimentação saudável e uma sequência de plantões
que não resultem em excessive fadiga.

144 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


• As instituições deverão possuir um protocolo de suporte aos membros das equipes
médicas (anestesiologistas) envolvidos em atendimentos que resultaram em morte
de pacientes ou na geração de incidentes críticos.
• Os anestesiologistas portadores de deficiência que conseguem desempenhar a práti-
ca médica segura devem ser protegidos pelas instituições, por meio da proposta de
regimes de trabalho adequados para cada situação em especial.

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Bem-estar ocupacional em anestesiologistas | 145


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146 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 11

Experiência e desafios na
implantação de um programa
de analgesia de parto em
uma maternidade pública no
nordeste do Brasil
Cláudia Regina Fernandes
Antônia Maria de Carvalho
Geraldo Gonçalves da Silveira
Experiência e desafios na implantação de um
programa de analgesia de parto em uma maternidade
pública no nordeste do Brasil

A história da analgesia de parto


A dor do parto é uma das dores mais intensas que um ser humano pode sentir. Ela pode
estar acompanhada de grande sofrimento e ser fator desencadeante de transtorno do estres-
se pós-traumático1.
A história da medicina se confunde com a história da analgesia de parto, cujos relatos ini-
ciais datam do fim do século 19. A civilização ocidental deu um grande salto quando James
Young Simpson, professor de obstetrícia da Universidade de Edimburgo, Grã-Bretanha,
usou um anestésico inalatório, éter dietílico, para anestesiar uma mulher com deformida-
de pélvica durante o trabalho de parto2 . O uso desse anestésico ocorreu somente após três
meses da demonstração histórica da primeira anestesia geral descrita, realizada por William
T. G. Morton, em 1846, em Massachusetts, Estados Unidos, no Hospital Geral de Boston3.
A inovação praticada por Simpson provocou críticas de seus colegas contemporâneos,
gerou debate por mais de cinco anos e exerceu grande influência no futuro da anestesia obs-
tétrica. Ainda na Inglaterra há relatos de que John Snow, em 1853, administrou o anestésico
inalatório clorofórmio, na ocasião do parto do oitavo filho da rainha Vitória 2 .
No mundo oriental, especificamente no Japão, a analgesia peridural para parto se tornou
popular após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), no entanto, a descrição da primeira
analgesia de parto se deu já em 1916, quando Akiko Yosano, conhecida poetisa e escritora
japonesa, teve seu quinto filho sob analgesia. Foi-lhe administrada uma mistura de opioide
alcaloide e escopolamina para alívio da dor. Seu obstetra, o dr. Yuozo Ohmi, que havia estu-
dado na Universidade de Munique, levou a experiência da Alemanha para o Japão4.
No fim do século 19, passou-se a compreender a inervação das vísceras abdominais e a
aferência dolorosa no trabalho de parto. No início do século 20, o surgimento da anestesia
regional permitiu explorar seus efeitos. A partir de 1944, realizaram-se numerosos estudos
sobre anestesia caudal contínua, quando surgiram os primeiros cateteres2 . Em 1962, Lee
descreveu o primeiro cateter atraumático para uso em analgesia peridural contínua5. Na
década de 1980, houve difusão da técnica de analgesia peridural contínua para alívio da dor
durante o trabalho de parto com significativa satisfação materna6.
A partir da década de 1990, houve refinamento da técnica de analgesia peridural
contínua, com administração de baixas concentrações de anestésico local associado
a opioide lipofílico7,8 . No início do século 21, novas abordagens para o alívio da dor
do parto foram descritas, como analgesia regional combinada, com a administração
de opioide lipofílico no espaço subaracnóideo associado a anestésico local em baixas
concentrações no espaço peridural9,10.
A Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), da Universidade Federal do Ceará,
foi inaugurada em 1963. É uma maternidade terciária, referência para gestação de alto risco,
cuja missão é promover a formação de recursos humanos em ações de aprendizado, ensino,

148 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


pesquisa e extensão, buscando a excelência no atendimento global e humanizado à saúde
da mulher e do recém-nascido. Um dos princípios da MEAC é buscar a excelência da qua-
lidade nos serviços de saúde que presta à comunidade11. Contudo, até 2010, não havia um
programa institucional de analgesia de parto. O objetivo deste texto é descrever os passos
desenvolvidos para a construção e implantação de um programa de analgesia de parto em
uma maternidade de ensino terciária.

Os passos percorridos
Com base na motivação intrínseca de uma anestesiologista funcionária pública da
Universidade Federal do Ceará, com aprovação do comitê de ética da instituição, inicia-
ram-se o desenvolvimento e a implantação do programa de analgesia de parto mediante
os seguintes passos:
1. Buscou-se apoio dos gestores, pois, para a efetuação de qualquer mudança no status
vigente, é necessário o apoio político das forças que estão no poder de decisão. Então,
no dia 13 de julho de 2010, com a autorização da direção da MEAC e dos obstetras
de plantão e o consentimento das parturientes, foram realizadas quatro analgesias de
parto, juntamente com os residentes de anestesiologia da instituição12.
2. Iniciou-se um processo de sensibilização da equipe multiprofissional. Em se-
tembro de 2010, o fórum de discussão intitulado Analgesia de Parto: Proposta
Definitiva de Parto Humanizado, cujo objetivo foi discutir, de forma interdisci-
plinar, as repercussões do trabalho de parto e a analgesia de parto, foi realizado.
Foram discutidos temas relacionados com as alterações fisiológicas do trabalho
do parto e a fisiopatologia do estresse exacerbado; a definição de parto huma-
nizado; repercussões fetais do estresse durante o trabalho de parto; indicações
para a analgesia e técnicas mais utilizadas de analgesia de parto; possíveis com-
plicações decorrentes da analgesia e planejamento para a estruturação de proto-
colos para o desenvolvimento de um programa de analgesia de parto no Centro
de Parto Humanizado da MEAC.
3. Realizou-se um planejamento integrado com os setores envolvidos na implantação
do programa, com discussão orçamentária com os gestores, mediante descritivo de
necessidade de recursos humanos e recursos materiais, baseado na média do núme-
ro de partos vaginais praticados por mês. Após aprovação orçamentária dos recursos
materiais, ocorreram encontros com os responsáveis pela farmácia, que resultaram
na confecção de kits padronizados para a analgesia de parto, e reuniões de planeja-
mento com a chefia de enfermagem da sala de parto, a fim de definir e organizar o
material e treinamento de profissionais de enfermagem para auxílio durante o pro-
cedimento. Não houve necessidade de aquisição de materiais diferentes dos que já
existiam na MEAC para anestesia em obstetrícia.
4. Construção de protocolo (se encontra no final deste capítulo) – um grupo de anes-
tesiologistas da MEAC, juntamente com a autora do projeto, discutiu e construiu
um protocolo pormenorizado, em que descreve a importância do relacionamento

Experiência e desafios na implantação de um programa de analgesia de parto ... | 149


interprofissional com a equipe, especialmente o obstetra; a avaliação da parturiente;
a apresentação e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido; a che-
cagem do material necessário para analgesia de parto e o passo a passo da técnica
que descreve o material e os métodos utilizados, levando em conta todo o processo,
que se inicia com a interlocução da parturiente e finaliza com o terceiro estágio do
trabalho de parto e a retirada do cateter peridural.
5. Espaço físico e material utilizado – a MEAC possui um espaço físico denominado
Centro de Parto Humanizado, onde as parturientes permanecem com acompa-
nhantes em suítes individuais. A analgesia é realizada na própria suíte, com utiliza-
ção de técnica asséptica, inclusive com o uso de paramentação cirúrgica completa.
A organização e a aquisição de material advieram de setores do centro cirúrgico, da
central de material e da farmácia. Foi adquirido monitor multiparamétrico para ser
utilizado no momento da punção peridural e na administração dos fármacos.
6. A implantação do programa iniciou com a disponibilidade de um anestesiologista
para analgesia de parto um dia por semana, durante seis meses, no ano de 2011. No
ano de 2012, o grupo gestor da MEAC propôs a expansão para cinco dias na semana,
no período diurno.
7. Avaliação do processo e dos resultados – nos primeiros seis meses de implantação
do programa foi feito um estudo sobre os efeitos maternos e fetais da analgesia de
parto, comparando partos com e sem analgesia. Avaliou-se de forma qualitativa a
experiência materna em partos com e sem analgesia. Durante o processo de conso-
lidação do programa, em 2012, foi feita a estatística semanal e mensal do número de
analgesias de parto.
8. Educação continuada – estímulo à discussão de casos com obstetra, residente e in-
terno durante os plantões; confecção de banner afixado no Centro de Parto Huma-
nizado que aborda a importância e os benefícios da analgesia de parto. Discussão,
reavaliação e revisão do protocolo com grupo de anestesiologistas da instituição.
Apresentação dos resultados iniciais em sessão clínica integrada na MEAC (anes-
tesiologia, obstetrícia, neonatologia) e em congressos nacionais de anestesiologia.

Motivação para a implantação do programa


A inauguração da MEAC data de meados de 1963; a analgesia regional via cateter peri-
dural se difundiu no mundo na década de 1980. No entanto, até o ano de 2010, não se tinha
conseguido implantar um programa de analgesia estruturado. Houve tentativa de implanta-
ção institucional, no final da década de 1990, por alguns anestesiologistas e obstetras, entre-
tanto, houve muita resistência na época e não foi obtido êxito13. Vinte anos se passaram, que
representam duas décadas de atraso.
Para a construção de um serviço ou programa em saúde, inicialmente são necessários
motivação e um propósito firme em busca de um ideal. A motivação humana é o estudo dos
determinantes do pensamento e da ação; estuda “por que” o comportamento é iniciado,
persiste e termina, também as escolhas feitas14.

150 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


A anestesiologista – funcionária pública federal responsável pela residência médica em
anestesiologia dos hospitais universitários da Universidade Federal do Ceará, que ocupa o
cargo há seis anos – tinha uma inquietação em saber que os residentes concluíam os três
anos de residência médica sem a competência necessária ao desenvolvimento, com segu-
rança, de analgesia de parto. A possibilidade do desenvolvimento do ensino da técnica e da
vivência de uma assistência ao parto sem dor pelos residentes de obstetrícia e estudantes dos
últimos anos de graduação em medicina (internos) induziu a funcionária a articular estra-
tégias para a implantação de um programa de analgesia de parto na MEAC que se tornasse
sólido e arraigado. Com o pensamento de que, para a construção de algo concreto em saúde,
é necessário que haja análise estratégica das condições vigentes, planejamento, elaboração
de um plano de ação, monitoramento e avaliação dessas ações15, ela buscou, ao longo desses
dois anos, seguir essas linhas.

A humanização no parto
Embora a analgesia de parto seja uma intervenção descrita no mundo há mais de um sé-
culo, era uma estratégia relativamente nova para alguns profissionais da maternidade, então,
foi importante a compreensão de alguns profissionais de que o processo de humanização no
parto, além do acolhimento e do afeto, traz em conjunto a possibilidade de as parturientes
optarem por um parto sem dor. A humanização requer a implementação de um processo
interdisciplinar reflexivo acerca dos princípios e valores que regem a prática de diferentes
profissionais de saúde em busca de sua dimensão ética. Falar em humanização no ambiente
hospitalar pressupõe, além de tratamento digno, solidário e acolhedor por parte dos tra-
balhadores a seu principal alvo de trabalho – o doente/ser fragilizado –, uma nova postura
ética e relacional que permeie todas as atividades profissionais e processos de trabalho ins-
titucionais. Logo humanização significa considerar a essência do ser humano, o respeito
à individualidade e às diferenças profissionais, bem como a necessidade da construção de
um espaço concreto nas instituições de saúde o qual legitime o aspecto humano de todas as
pessoas envolvidas na assistência16.
A construção de uma nova práxis no espaço interdisciplinar, norteada por princí-
pios éticos e humanitários, desenvolve-se, basicamente, por meio do processo dialógico
e reflexivo. O diálogo, no entanto, não significa somente ouvir o outro, mas desafiá-lo,
problematizando a situação existencial, para uma possível transformação da realidade.
O diálogo não pode ser caracterizado como um ato passivo ou parcial, já que exige um
entrar sensível no mundo do outro, histórico e cultural, para compreender o movimento
dinâmico que se estabelece em torno do sujeito. É fundamental compreender e valorizar
a dimensão histórica e, ainda, notar que toda cultura que poderia ser considerada arcaica
e primitiva contém, nela própria, uma mistura de sabedoria, de verdades profundas, de
conhecimentos, erros e superstições17.
Na construção da implantação do programa de analgesia da MEAC, buscou-se a cons-
cientização de que o alívio da dor está inserido no contexto da humanização da assistên-
cia ao parto18. E, aos poucos, demonstrou-se a satisfação das pacientes com o alívio da
dor19, obtendo-se o apoio de enfermeiras, auxiliares de enfermagem, obstetras, residentes,

Experiência e desafios na implantação de um programa de analgesia de parto ... | 151


internos e doulas na implantação do programa. Foi-se adquirindo a confiança da equipe
multiprofissional ao demonstrar a possibilidade de deambulação e realização de todos os
exercícios para parto vaginal sem nenhuma limitação motora, em virtude das baixas doses
de anestésicos locais utilizadas atualmente20, além da satisfação da equipe interdisciplinar
na assistência a um parto tranquilo e sem sofrimento.
Na construção dessa nova lógica, a criação de protocolos e a normatização de material
para a realização do procedimento são fundamentais, especialmente em hospital escola,
onde a rotatividade de estudantes é uma constante. Na elaboração de protocolos, estabe-
lece-se que três fatores parecem ser os principais determinantes da prática clínica: 1) nível
da evidência científica; 2) sistema de saúde e contexto da prática profissional (acadêmico
versus não acadêmico) e 3) presença de facilitadores de adesão à boa prática. Facilitadores
locais de adesão às boas práticas são mecanismos implementados para assegurar que condu-
tas reconhecidamente benéficas, associadas com a redução da morbimortalidade, não sejam
esquecidas pelos profissionais de saúde. Entre elas se destacam: protocolos clínicos; rotinas
assistenciais; sistema de lembretes eletrônicos; modelos de prescrição sistematizados; re-
visão de pares e auditorias internas; retroalimentação de indicadores; fomento de líderes
locais, entre inúmeros outros. Os protocolos assistenciais são apenas um dos instrumentos
que promotores de saúde podem lançar mão para alcançar esse objetivo21, sendo essa estra-
tégia a escolhida para a sistematização da implantação do programa de analgesia de parto
na MEAC.

Desafios
Compreende-se que muito ainda se tem a avançar. A MEAC realiza, em média, 500 par-
tos por mês, e aproximadamente 250 são partos vaginais. Sabendo-se que ainda não se che-
gou aos 30% de analgesia para partos normais praticados na instituição, ainda se tem muito
a perseverar. Os objetivos a serem alcançados são: maior conscientização dos obstetras
sobre as possibilidades e os benefícios do parto vaginal com analgesia; maior envolvimento
dos anestesiologistas que atuam no período noturno e nos finais de semana; esclarecimento
da gestante nas consultas pré-natal 22 ou mesmo na sala de espera para referidas consultas23,
da possibilidade de um parto sem dor, ou seja, permanente educação continuada e contínua
monitorização e avaliação dos processos, no que diz respeito à vontade, à escolha da mulher,
fazendo desta a maior protagonista do parto já no período pré-natal.

Conclusões
Mediante motivação profissional, apoio dos gestores, análise estratégica das condições
de trabalho, planejamento, elaboração de um plano de ação, monitoramento e avaliação das
ações é possível estruturar e implantar um programa de analgesia de parto em uma materni-
dade escola pública, com grandes perspectivas de torná-lo sólido e perene.

Agradecimentos
À professora Zenilda Vieira Bruno, professora associada IV de ginecologia e obstetrícia
da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, e ao professor Carlos Augusto

152 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Alencar Júnior, professor de ginecologia e obstetrícia da Faculdade de Medicina da Univer-
sidade Federal do Ceará, ambos diretores da MEAC-UFC, o apoio institucional concedido
durante o período.

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14. Moreira H. Investigação da motivação do professor: a dimensão esquecida. Rev Educ Tecnol, 2011. Disponível em:
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19. Costa R, Figueiredo B, Pacheco A et al. Parto: expectativas, experiências, dor e satisfação. Psicol Saúde Doenças.
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20. Duarte NMC, Menezes AM, Lima LC et al. Estudo comparativo entre bupivacaína racêmica (S50-R50) a 0,125% e
bupivacaína em excesso enantiomérico de 50% (S75-R25) a 0,125% e 0,25% em anestesia peridural para analgesia
de parto. Rev Bras Anestesiol, 2008;58:5-14.
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so e do resultado. Rev Bras Promoç Saúde, 2012;25:344-355.
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unidade básica de saúde integrada à Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Promoç Saúde, 2013;26:63-70.

Experiência e desafios na implantação de um programa de analgesia de parto ... | 153


Protocolo de analgesia de parto praticado na Maternidade Escola Assis
Chateaubriand – Universidade Federal do Ceará
Autores
Cláudia Regina Fernandes; Manoel Cláudio Azevedo Patrocínio; Eleine Maria Moreira
Barbosa; Pablito Miguel Andrade Aguiar; José Nazareno de Paula Sampaio; Francisco
Eristow Nogueira.

Em 2013, a Organização Mundial da Saúde considerou as técnicas de analgesia peri-


dural e espinhal padrão ouro para o alívio da dor do parto.
Amedee Peret FJA . Pain management for women in labour: an overview of systematic reviews:
RHL commentary (last revised: 1 March 2013). The WHO Reproductive Health Library;
Geneva: World Health Organization

Critérios obstétricos/anestésicos para início da analgesia de parto


Interlocução com o obstetra responsável pelo caso e evidência precisa de trabalho de
parto em evolução
1. Colo uterino apagado > 50%.
2. Pelo menos 4 cm de dilatação do colo uterino.
3. Bem-estar fetal observado pela cardiotocografia.
4. Contrações rítmicas na frequência de 3 a 5 em 10 minutos.
5. Ausência de desproporção cefalopélvica.
Manter uma boa relação anestesiologista-paciente
1. Perguntar se a paciente deseja que execute o procedimento de analgesia de parto; se
sim, solicitar que ela assine o termo de consentimento livre e esclarecido.
2. Realizar avaliação materna: ausência de processo infeccioso e febre, ausência de his-
tória clínica de coagulopatia.
3. Não há necessidade de jejum.
Execução da técnica de analgesia de parto
1. Venóclise preferencialmente em membro superior esquerdo, jelco 20.
2. Soro glicosado 5% – 500 ml, para manter na veia; preparar o soro com equipo de
bomba de infusão, pois pode ser necessária a administração de ocitocina a posteriori.
3. Verificar a pressão arterial.
4. Monitorização da paciente com oximetria de pulso.
5. Paciente no leito, no centro de parto humanizado, sentada, com os pés apoiados na
escadinha, com as duas mãos sob os joelhos.
6. Lavagem cirúrgica das mãos do anestesiologista ou residente de anestesia que reali-
zará o procedimento sob supervisão, seguido de paramentação completa.
7. Antissepsia extensa da região dorsal da paciente com clorexidina alcoólica.

154 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Paciente que apresenta dilatação do colo uterino menor ou igual a 8 cm
1. Punção peridural, L3-L4 ou L2-L3, pela técnica de Dogliotti.
2. Administração de 10 ml de solução de levopubivacaína 0,1% associada a 100 mcg
de fentanil (2 ml de levobupivacaína 0,5% + 2 ml de fentanil 50 mcg/ml + 6 ml de
água destilada).
3. Introdução do cateter peridural; deixar sempre entre a marca 3 e 4 do cateter. Aspira-
-se o cateter com seringa de 5 ml para certificar que não vem sangue ou liquor.
4. Curativo do cateter, com atenção para não contaminar o orifício de entrada na pele
e a ponta. Passar na pele tintura de benjoim para a melhor fixação do esparadrapo.
Manter posicionamento do cateter em direção ao lado direito, já que a paciente geral-
mente se deita do lado esquerdo.
5. Doses adicionais de 10 ml de solução de levopubivacaína 0,1%, sem fentanil, devem
ser administradas a cada 1h30 ou 2h ou por solicitação da paciente.
6. Com essa concentração anestésica não há perda da função motora, como também
não há a sensação de dormência; assim, a paciente poderá deambular e fazer os exer-
cícios recomendados para a boa evolução do trabalho de parto.
7. Após 9 cm de dilatação do colo uterino ou no período expulsivo, já ultrapassando
1h30 da última dose, caso a paciente reclame de dor, realiza-se outra dose de levobu-
pivacaína a 0,1% (2 ml de levobupivacaína 0,5% + 8 ml de água destilada), adminis-
trada pelo cateter peridural. Certificar-se se realmente é dor; na maioria das vezes,
é sensação de peso na região pélvica e perineal. Com essa concentração, a maioria
das pacientes já apresenta discreta perda da força muscular nos membros inferiores e
discreta sensação de dormência na região sacral; entretanto, não há prejuízo da força
da prensa abdominal nem da sensação de puxos.
8. Após a realização do procedimento de analgesia, reavalia-se a paciente, em termos
de contratilidade uterina; se necessário, administram-se cinco unidades de insulina
em 500 ml de SG 5% intravenoso, em bomba de infusão, em velocidade de infusão
de 60 mL/h.
9. Especial atenção deve ser dada à não contaminação da ponta do cateter nas admi-
nistrações intermitentes; deve ser realizada a lavagem das mãos e utilizadas luvas
estéreis para manipulação do cateter ao administrar doses adicionais.
10. Após o nascimento do feto, o delivramento da placenta e a revisão do canal de parto,
retira-se o cateter peridural, inspeciona-se se a ponta está íntegra, realiza-se assepsia
no orifício do cateter, seguida de pequeno curativo. A paciente estará de alta da anal-
gesia, poderá se alimentar normalmente e ser encaminhada para a enfermaria. Não é
necessária hidratação adicional por parte da técnica anestésica.
11. A documentação da paciente, ficha de anestesia, deve ser devidamente preenchida,
inclusive anotando que o cateter foi retirado e a ponta se mostrava íntegra.

Experiência e desafios na implantação de um programa de analgesia de parto ... | 155


Paciente que apresenta dilatação do colo uterino maior ou igual a 9 cm
1. Punção subaracnóidea (raquianestesia), agulha 26 ou 27.
2. Administração de 2,5 mg de bupivacaína pesada 0,5% (0,5 ml) + 25 mcg de fentanil,
volume total 1,5 ml, em 15 segundos. Com essa técnica, obtém-se analgesia por um
período médio de 2h a 2h30.
3. Posicionamento da paciente em decúbito lateral esquerdo. Liberar para a realização
dos exercícios de parto.
Paciente em período expulsivo, com indicação de fórceps
1. Paciente portando cateter peridural. Administrar 5 ml de lidocaína 2% com adrena-
lina, pelo cateter, 5 minutos após liberar para a instrumentalização do parto.
2. Paciente sob analgesia por punção subaracnóidea; considerar a duração da analgesia
em até 2h30 após a punção.
Paciente sob analgesia de parto que evolui para a indicação de cesárea
1. No centro cirúrgico, certifica-se a perviedade do acesso venoso, administra-se soro
ringer lactato. Promove-se monitorização da paciente. Segue protocolo para aneste-
sia em cesárea
2. Paciente portando cateter peridural. Certificar-se de que o cateter está bem posi-
cionado; inspecionar boa fixação do curativo. Administrar 15 ml de lidocaína 2%
com adrenalina pelo cateter + 2 mg de morfina. Após 10 minutos, tempo em que
se prepara o material cirúrgico e a equipe cirúrgica se paramenta. Solicita-se que se
teste o nível do bloqueio; se necessário, administra-se mais 5 ml de lidocaína 2% com
adrenalina pelo cateter.
3. Paciente sob analgesia por punção subaracnóidea. É necessário realizar uma nova
punção com massa anestésica normalmente utilizada para a realização de cesárea
4. No fim da cirurgia, encaminhar para a sala de recuperação pós-anestésica.

Referências bibliográficas:
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labor analgesia: a systematic review and meta-analysis. Anesth Analg, 2013;116:133-144.
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ase the risk of cesarean section? A randomized trial. Am J Obstet Gynecol, 2006;194:600-605.
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obstetric patients with epidural analgesia/anesthesia. Anesthesiology, 2006;105:394-399.

156 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 12

Disritmias cardíacas
e anestesia
Marisa Pizzichini
Luiz Fernando dos Reis Falcão
João Hermínio Pessoa dos Santos
Disritmias cardíacas e anestesia

Introdução
A ocorrência de disritmia cardíaca (ou arritmia cardíaca) no perioperatório é um
evento relativamente comum, podendo o ato anestésico funcionar como gatilho para seu
aparecimento. Muitas disritmias são de caráter benigno e não necessitam de tratamento.
Se incorretamente tratadas, podem causar lesão adicional ao paciente, complicando o ato
anestésico-cirúrgico.
O conhecimento da eletrofisiologia cardíaca, o reconhecimento das disritmias e a
utilização correta das medicações antidisrítmicas e dos novos anticoagulantes, quando
necessário, são de extrema importância para o anestesiologista e a condução adequada
da anestesia.

Eletrofisiologia cardíaca normal1,2


Sistema de Condução Elétrica
A célula cardíaca tem a propriedade de gerar um potencial de ação de maneira espontâ-
nea chamado de automatismo cardíaco. Essa ativação espontânea resulta da despolariza-
ção diastólica causada pela rede de corrente interna durante a fase 4 do potencial de ação.
Uma sequência normal de sincronismo do átrio e do ventrículo requer rápida ativação das
células cardíacas. O mecanismo deve inativar mudanças rápidas na frequência cardíaca
e no tônus autonômico. O potencial de repouso, que é de -90 mV, na fibra cardíaca se
mantém inalterado até o instante em que a célula cardíaca seja ativada por um estímulo
elétrico originado pelo potencial de ação (Figura 1), que se apresenta com cinco fases,
descritas a seguir:
1. Fase 0 – Fase de despolarização rápida – ocorre por aumento da condução do íon Na+
pelos canais íon-específicos (rápidos). O meio intracelular se torna mais positivo em
relação ao meio extracelular, o qual passa de um valor igual a -90 mV para -30 mV.
2. Fase 1 – Fase de repolarização rápida precoce – caracterizada pela rápida inativa-
ção da permeabilidade ao Na++ com rápido efluxo de K+.
3. Fase 2 – Fase platô – não ocorre alteração no potencial de membrana. Fase longa na
qual ocorre o aumento de condutância de Ca++ nos canais lentos.
4. Fase 3 – Fase de repolarização precoce – ocorre queda do potencial intracelular, re-
lativamente rápida, até atingir valores de potencial de repouso, por causa da saída de
K+ para o extracelular. No final dessa fase, o potencial intracelular volta aos mesmos
-90 mV, porém com íons trocados: Na+ no intracelular e K+ no extracelular.
5. Fase 4 – Fase de despolarização diastólica – não apresenta modificações no poten-
cial, entretanto, pela ação da bomba Na+ / K+, íons Na+ são expulsos da fibra enquan-
to entram K+.

158 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Figura 1 – Potencial de ação (em milivolts) da fibra Purkinje do coração2 .

Os canais de geração do potencial de ação e as diferenças regionais observadas no coração


são resultado da permeabilidade seletiva de canais de íons distribuídos na membrana celular.
Esses canais íon-específicos para Na+ , Ca+ + e K+ atuam de maneira diferente e dependem da
fase do potencial de ação e do tipo de célula cardíaca: pacemakers (marca-passo) ou contrátil.
As células marca-passo têm características diferentes das células cardíacas contráteis. Elas
apresentam um potencial de repouso menos negativo que as contráteis e uma despolarização
adicional, resultado de novo estímulo elétrico supranormal. No músculo cardíaco normal, os
gradientes de concentração transmembrana de repouso para os íons K+ e Na+ são mantidos
pelo bombeamento ativo dos íons, assim como pela condutância seletiva da membrana para
esses íons. No estado de repouso, o sarcolema é muito mais permeável ao K+ do que ao Na+ e a
diferença de potencial transmembrana (Vm) de aproximadamente -90 mV (o interior da célula
sendo negativo em relação ao exterior) é causada primariamente pelo íon K+ .
Os canais rápidos de Na+ abrem-se muito brevemente (< 1 ms) durante mais de 99%
das despolarizações e são responsáveis pela fase 0 (curva ascendente e rápida) no sistema
de His-Purkinje e nos músculos ventriculares. Mutações no gene do canal de Na+ têm sido
associadas à síndrome de Brugada, síndrome do QT longo, doença de condução primária
do coração e cardiomiopatia dilatada. Os íons cálcio são os principais íons intracelulares e
regulam a atividade de outros canais de íons. São responsáveis pela fase 0 no nódulo sinoa-
trial (S-A) e nódulo atrioventricular (A-V); pela fase 2 nas células ventriculares contráteis
(prolongando o período refratário) e afetam a fase 4 da despolarização espontânea. Drogas
antidisrítmicas da classe IV têm como alvo os canais de cálcio. Os canais de K+ são subdivi-
didos em três categorias e mutações genéticas, podendo resultar em repolarização anormal.
Mutação em subunidades dos canais de K+ pode implicar fibrilação atrial familiar.
Sistema de Condução
Após ocorrer o potencial de ação, a propagação pelas células cardíacas vizinhas origina o
estímulo elétrico, que se direciona para estruturas especializadas que compõem o sistema de
condução, constituído de células marca-passo. O nódulo S-A é o local com declive mais ín-
greme na fase 4 da despolarização diastólica e é o marca-passo predominante do coração. Ele
está localizado na superfície endocárdica do átrio direito, na junção da veia cava superior e do

Disritmias cardíacas e anestesia | 159


apêndice atrial direito. Seu suprimento sanguíneo é obtido pelo ramo nodal do S-A da artéria
coronária direita (ACD). Lesões no nódulo S-A podem alterar o ritmo sinusal cardíaco.
Em adição ao nódulo S-A, o nódulo A-V e o sistema de Purkinje são também capazes de
gerar atividade automática. O impulso que foi gerado no nódulo S-A segue até o nódulo A-V,
onde é retardado por aproximadamente 70 a 100 ms. Esse nódulo é o regulador primário da
frequência ventricular na fibrilação e flutter atrial e está localizado na superfície endocárdi-
ca, no lado atrial direito do septo interatrial, próximo à válvula tricúspide e superior ao seio
coronariano. Ele é suprido pela artéria nodal A-V da ACD e por ramos septais da artéria
descendente anterior esquerda.
Na continuidade, o impulso elétrico percorre o feixe de His-Purkinje, que é irrigado
pelos ramos septais da artéria descendente esquerda e pela artéria coronariana anterior e
posterior. Os nódulos S-A e A-V são controlados pelo sistema autonômico, com prevalente
atividade parassimpática. Quando a geração de impulsos do nódulo S-A está prejudicada,
esses outros marca-passos assumem o controle.

Mecanismos das disritmias cardíacas


Anormalidades da Automaticidade
Fatores que reduzam a geração de impulsos nos sítios de marca-passo vão disparar im-
pulsos em áreas mais inferiores do coração. Digitálicos, drogas parassimpáticas e halotano
promovem atividade vagal, propiciando disritmias. Hipercarbia, hipóxia, intoxicação digi-
tálica e outros fatores que levem à formação de focos ectópicos podem também alterar a
automaticidade cardíaca.
Reentrada
Reentrada é um mecanismo fundamentalmente diferente dos mecanismos de automati-
cidade ou disparo na causa das disritmias. Movimentos circulares de reentrância ocorrem
quando uma onda de ativação se propaga em torno de um obstáculo anatômico ou funcional
e reativa o sítio de origem. Esse mecanismo pode ter como causa uma injúria tecidual que
promova um bloqueio unidirecional do impulso cardíaco ou uma condução lenta através de
uma via alternativa que se encontra com o bloqueio unidirecional repolarizado, resultando
em condução anterógrada do impulso.
Disparo
O retardo da fase de pós-despolarização pode resultar em disritmias de disparo, que,
muitas vezes, estão associadas à sobrecarga de Ca++ no meio intracelular e são dependentes
da frequência cardíaca. Um exemplo clássico dessa disritmia é a Torsades de Pointes.

Drogas antidisrítimicas
Os antiarrítmicos são habitualmente divididos em quatro classes, segundo suas princi-
pais propriedades eletrofisiológicas. Essa classificação proporciona um ponto de partida útil
para analisar os mecanismos envolvidos, entretanto, não é raro que determinada substância
de uma classe apresente ações interligadas ou típicas de outra classe. Além disso, algumas
medicações não se encaixam nessa classificação, que data de 1970 e é conhecida como clas-
sificação de Vaughan & Williams (Quadro 1).

160 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Quadro 1 – Classificação de Vaughan & Willians modificada por Harrison3
Classe Tipo Eletrofisiologia Exemplo
Bloqueia a condução; prolonga a dura-
Procainamida
IA Bloqueador do canal de sódio
ção do potencial de ação Quinidina
Bloqueia a condução; encurta a dura-
Lidocaína
IB Bloqueador do canal de sódio
ção do potencial de ação Mexiletine
Bloqueia a condução; não modifica aPropafenona
IC Bloqueador do canal de sódio
duração do potencial de ação Encainamida
Antagonista do sistema nervoso Propranolol
II Diminui a automaticidade
simpático: b-bloqueador Esmolol
Bloqueador do canal de sódio Amiodarona
Prolonga a duração do potencial de
III Bloqueador do canal de potássio Bretílio
ação; retarda a repolarização
a 1 agonista Sotalol
Verapamil
IV Bloqueador do canal de cálcio Bloqueia a condução
Diltiazem

Substâncias da Classe I
Apresentam como característica o fato de se coligarem a canais de Na+, voltagem e
tempo dependentes, inibindo-os. De acordo com a intensidade do bloqueio, são subdi-
vididos em IA, IB e IC, sendo moderados, fracos e fortes depressores da velocidade de
condução, respectivamente.
Classe IA
Quinidina, procainamida e disopiramida se equivalem em suas ações e são, hoje em dia,
muito pouco utilizadas. Apresentam importante potencial arritmogênico ao prolongarem o
intervalo QT do ECG, com consequente aumento na incidência de taquicardia ventricular
do tipo Torsades de Pointes. Quinidina e disopiramida estão disponíveis apenas para uso
oral, compartilham efeitos anticolinérgicos secundários, sobretudo no nódulo AV, e poten-
cial inotrópico negativo, esse mais intenso com a disopiramida. Apresentam razoável poten-
cial na reversão da fibrilação atrial, sobretudo a quinidina, mas não são drogas de primeira
linha, sendo substituídas por agentes da classe IC, propafenona e novas drogas.
A procainamida, por via intravenosa, eventualmente é utilizada na reversão da taqui-
cardia por reentrada na via acessória na forma antidrômica e na reversão da fibrilação atrial
em pacientes portadores de Wolf-Parkinson-White (WPW). A dose de 15 mg/kg, diluída
em 100 ml de SF0 9% e infundida num período de 30 minutos, é seguida por uma infusão
contínua de 1 a 4 mg/min.
Classe IB
A lidocaína como antiarrítmico é utilizada por via intravenosa ocasionalmente em dis-
ritmias ventriculares relacionadas a pós-infarto agudo do miocárdio, intoxicação digitálica
e cirurgia cardíaca, sendo ineficaz em disritmias supraventriculares. A lidocaína é adminis-
trada em bólus intravenoso de 1 a 1,5 mg/kg. As injeções devem ser dadas em intervalos de
5 a 8 minutos, quando necessário, numa dose total de 1,5 a 3 mg/kg. Quando há resposta
terapêutica, uma infusão de 1 a 4 mg/min deve ser iniciada para a manutenção da concen-
tração efetiva. Doses menores devem ser utilizadas em pacientes idosos e naqueles com

Disritmias cardíacas e anestesia | 161


insuficiência cardíaca ou choque. Apenas 10% da droga é excretado sem alteração na urina,
o restante é metabolizado. A meia-vida de eliminação é de aproximadamente 2 horas, ten-
dendo a aumentar com a infusão contínua por mais de 24 horas. Dentre os efeitos colaterais,
a neurotoxicidade causada por dose excessiva determina uma série de sintomas: sonolência,
visão turva, zumbido, tonteira, convulsão e depressão respiratória.
Classe IC
Encainamida, flecainamida e propafenona são os agentes do grupo IC mais conhecidos.
Entretanto, apenas o último é mais frequentemente utilizado. Trata-se de uma substância
disponível para uso oral, em comprimidos de 300 mg, e que tem como principal indicação a
reversão da fibrilação e do flutter atriais. A propafenona tem limitada absorção gastrintesti-
nal, em torno de 50%, e seus efeitos podem ser notados entre 1,5 e 2,5 horas após a ingestão
e duram até cerca de 8 horas em alguns pacientes. O metabolismo e a eliminação se fazem
por via hepática. Ela apresenta algum efeito β-bloqueador e inibidor do Ca++. Sua toxici-
dade se manifesta por um efeito inotrópico negativo moderado e, principalmente, por sua
capacidade em criar condições propícias para o desenvolvimento de reentrada ventricular. A
dose habitualmente utilizada na reversão da fibrilação atrial é de 300 a 600 mg, por via oral,
podendo, ao final da quinta hora, utilizar mais 300 mg.
Substâncias da Classe II
A característica desse grupo é o bloqueio β-adrenérgico. São drogas que, ao atenuarem o acli-
ve da fase 4, mostram-se eficazes na remissão da atividade ectópica, sobretudo nos átrios. Além
disso, diminuem o automatismo sinusal, alentecem a velocidade de condução e prolongam o pe-
ríodo refratário do nódulo A-V, efeitos que se traduzem clinicamente por redução da frequência
cardíaca. O agente mais utilizado é metoprolol por via intravenosa. Trata-se de um β-bloqueador
cardiosseletivo utilizado na dose de 5 mg em injeção intravenosa lenta, quando se deseja um
bloqueio β1 imediato. Suas principais indicações são: angina instável; no pós-infarto agudo do
miocárdio; na redução da frequência ventricular em casos selecionados de fibrilação atrial; como
agente de segunda linha na abordagem terapêutica das taquicardias supraventriculares e em
casos selecionados no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Por via oral, apresentam, ainda, uma
infinidade de indicações que fogem ao objetivo deste capítulo. Devemos atentar para os efeitos
colaterais decorrentes do bloqueio β: possibilidade de broncoespasmo em pacientes predispos-
tos; risco de bloqueio atrioventricular e agravamento da disfunção sistólica do VE preexistente.
Substâncias da Classe III
Os agentes da classe III têm como característica o fato de prolongarem a duração do
potencial de ação. Esse prolongamento tem como base o bloqueio de canais de K+, impor-
tantes na fase de repolarização do potencial de ação. Esse mecanismo mostrou ser bastante
eficaz no controle das disritmias por reentrada, ao produzir bloqueio bidirecional às custas
do prolongamento do período refratário.
Amiodarona
O protótipo desse grupo é a amiodarona, que apresenta capacidade de inibir vários ca-
nais, estendendo seu potencial antiarrítmico para além das fronteiras da classe III. Apresenta

162 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


efeito de bloqueio α, bloqueio β e muscarínico. Lentifica o automatismo sinusal e prolonga
os períodos refratários do nódulo AV, diminuindo a frequência cardíaca.
Pode ser usada por via oral ou intravenosa. Apresenta um T½ β extremamente longo, por volta
de seis meses. O habitual é uma impregnação com 5 mg/kg, em infusão de 15 minutos. Essa dose
pode ser repetida em 1 hora, caso o efeito desejado não tenha sido obtido. Em seguida, dependen-
do da necessidade, procedemos a uma infusão contínua para complementar a impregnação. Essa
infusão é da ordem de 15 a 20 mg/kg/dia e deverá ser mantida de 3 a 7 dias, dependendo se há ou
não interesse em manter dose oral de manutenção posteriormente.
Os efeitos colaterais inerentes a sua estrutura se fazem notar principalmente com o uso pro-
longado, o que limita muito sua utilização na profilaxia de episódios de fibrilação atrial, flutter
atrial e taquicardia ventricular. São eles: fibrose pulmonar de início lento, mas que pode ser
irreversível; microdepósitos na córnea, que determinam tonalidade azulada aos olhos; erup-
ções cutâneas fotossensíveis e pigmentação cinza azulada da pele; hipotireoidismo e, menos
comumente, hipertireoidismo, associados a seu elevado teor de iodo na fórmula (uma dose de
400 mg contém aproximadamente 148 mg de iodo), neuropatia periférica e hepatite aguda.
Sotalol
É um antagonista não seletivo dos receptores β-adrenérgicos, cuja atividade reside no L-
-isômero. Ao contrário de outros antagonistas β, prolonga a duração do potencial de ação e o in-
tervalo QT ao retardar a corrente lenta de saída de K+, um efeito característico da classe III. Está
disponível no Brasil apenas para uso oral (comprimidos de 80, 120, 160 mg) e é mais utilizado
no controle, em longo prazo, das reincidivas de FA e de TV não sustentadas. É mais bem tolerado
que a amiodarona, em relação aos efeitos a longo prazo, contudo, traz consigo os efeitos colaterais
do bloqueio β e a forte predisposição de causar TV do tipo Torsades de Pointes.

Substâncias da Classe IV
A característica do grupo é bloquear os canais de Ca++ voltagem dependentes do tipo L,
responsáveis pela fase 0 nos tecidos de resposta rápida.

Verapamil
Diferentemente dos derivados di-idropiridínicos (nifedipina, anlodipina), que se ligam
mais aos canais do tipo L da musculatura lisa dos vasos, o verapamil se coliga aos canais
de Ca++ do tipo L, presentes no tecido cardíaco. Dessa forma, é esperada uma ação volta-
da para os tecidos de resposta lenta. Assim, o verapamil deprime o automatismo sinusal
ao diminuir a despolarização diastólica lenta, reduz a velocidade de condução e prolonga
a refratariedade do nódulo AV. O resultado é a bradicardia. É um agente muito eficaz na
reversão da taquicardia atrial. Por via oral pode ser utilizado na profilaxia das taquicardias
supraventriculares, com exceção daquelas associadas à via AV acessória. É bem absorvido,
mas apresenta metabolismo de primeira passagem hepática de quase 80%, o que reduz bas-
tante sua biodisponibilidade. A dose oral habitual é de 80 mg a cada 6 ou 8 horas. A dose
habitualmente utilizada por via intravenosa, em pacientes adequadamente monitorizados, é
de 5 mg em injeção lenta de 3 a 5 minutos. Pelo bloqueio dos canais de Ca++, apresenta efeito
inotrópico negativo bem definido, que limita seu uso a pacientes selecionados.

Disritmias cardíacas e anestesia | 163


Outros Agentes sem Classificação Definida
Adenosina
A adenosina produz uma série de efeitos farmacológicos, tanto na periferia quanto no sis-
tema nervoso central (SNC), através de receptores próprios. São três os receptores envolvidos:
A1, A2 e A3. Através da ligação ao seu receptor A1, a adenosina produz: vasodilatação (in-
cluindo as coronárias); vasoconstrição renal; broncoconstrição; inibição da liberação de trans-
missor em muitas sinapses periféricas e centrais; neuroproteção na isquemia cerebral, além de
bloqueio da condução AV no coração. É justamente esse último efeito a base para seu uso como
agente antiarrítmico. Quando administrada por via intravenosa rápida, a adenosina começa
a agir em 20 segundos, é rapidamente captada pelas hemácias e desaparece da circulação em
60 segundos. Seu efeito consiste em romper os circuitos de reentrada que utilizam o nódulo
AV, como a reentrada nodal e a reentrada em via acessória, com exceção da reentrada por via
acessória antidrômica, situação em que qualquer inibidor da condução AV contraindica.
É utilizada na dose de 6 mg, por via intravenosa, em bólus rápido, seguida de infusão de
cristaloide. Essa dose pode ser dobrada e repetida em caso de insucesso4. Algumas vezes
é utilizada como método diagnóstico, já que, ao diminuir a condução AV, poderá ajudar a
diferenciar taquiarritmia atrial de flutter atrial.
Sulfato de magnésio
Utilizado após cardioversão elétrica em pacientes com taquicardia ventricular do tipo Tor-
sades de Pointes. Dose de 2 g, via intravenosa, em 2 minutos. Repetir a dose após 15 minutos.

Tratamento elétrico das disritmias


Marca-passo
O uso do marca-passo para tratamento das disritmias é imediato em seu início e término,
facilmente controlável, conveniente e seguro, além de não apresentar as toxicidades ineren-
tes às medicações.
Marca-passo transcutâneo
Entre os pacientes com bradiarritmias associadas à instabilidade hemodinâmica, o uso do
marca-passo transcutâneo é o procedimento de escolha, já que necessita apenas da aplicação
dos eletrodos na parede torácica externa, sendo considerado a forma mais rápida e fácil de
controle das disritmias. No entanto, há a necessidade de pulso elétrico com maior amplitude
e duração, o que provoca dor e desconforto ao paciente, sendo imprescindível a realização de
sedação e/ou analgesia. Os eletrodos são posicionados sobre o precórdio e o dorso à esquerda
ou, ainda, na região infraclavicular direita paraesternal e à esquerda na linha axilar média.
Marca-passo transvenoso
O marca-passo transvenoso permite, através de acesso venoso central, o posicionamento dos
eletrodos no interior das câmaras cardíacas, encunhado na parede do ventrículo direito. Pode ser
inserido pelas veias subclávias, jugulares, femorais ou braquiais. Para reconhecer o local onde se
encontra a ponta do cateter, é realizada verificação das ondas do ECG. As diferentes morfologias
no ECG refletem a atividade elétrica do local onde está inserida a ponta do cateter.

164 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Choque Elétrico
O choque pode ser sincronizado (cardioversão) ou não sincronizado (desfibrilação). Na
cardioversão, o momento do choque é desencadeado pelo complexo QRS do ECG. Isso evita
a liberação da descarga elétrica durante o período vulnerável da onda T. Na desfibrilação, o
choque é liberado sem vistas ao ECG.
A cardioversão elétrica representa o método indicado para o controle de pacientes que
mostrem quadro de instabilidade durante o episódio de taquicardia. Esse método consiste
na passagem de uma corrente elétrica contínua no tórax que despolariza todo o miocárdio
e faz com que o controle do ritmo cardíaco ocorra pelas células de maior automatismo no
coração, as células do nódulo sinusal. Portanto, é pouco eficaz nas disritmias em que o me-
canismo envolvido é o automatismo, uma vez que as células com automatismo exacerbado
podem novamente assumir o controle da frequência cardíaca.
A eficácia da aplicação do choque na reversão da disritmia depende da técnica adequada,
conforme a seguir:
• manter o paciente monitorizado, com acesso venoso calibroso, e, se possível, em
jejum por, no mínimo, seis horas;
• usar sedação e hipnose adequadas;
• colocar o paciente em decúbito dorsal horizontal e fazer tricotomia no local de apli-
cação das pás;
• aplicar gel ou interface condutora nas pás do cardioversor;
• ligar o sincronizador do cardioversor para o choque. Os cardioversores mais novos
reconhecem o complexo QRS, o que pode não ocorrer nos cardioversores mais
antigos, os quais podem identificar uma onda T como um complexo QRS. Nesse
caso, é importante mudar as derivações ou a posição dos eletrodos até a identificação
correta do complexo QRS;
• selecionar a energia do choque a ser aplicado;
• posicionar as pás: região infraclavicular e paraesternal direita e no apex cordis, sobre
a linha axilar anterior esquerda;
• aplicar pressão de 10 a 13 kg sobre as pás, através do apoio do tronco sobre o paciente;
• certificar-se de que nenhum dos integrantes da equipe está encostado no paciente ou
na maca e comunicar em voz alta a aplicação do choque;
• aguardar o aviso do cardioversor de que a carga está completa e, portanto, pode-se
iniciar o disparo do choque. Devem-se pressionar os botões de disparo e mantê-los
pressionados até a aplicação do choque.
A fibrilação ventricular requer desfibrilação. Taquicardias ventriculares rápidas reque-
rem desfibrilação quando complexos QRS individuais não são facilmente distinguidos das
ondas T. Esse padrão se assemelha a uma onda senoidal.
Nas situações de fibrilação atrial, flutter atrial, taquicardia supraventricular (TSV) e
taquicardia ventricular (TV) hemodinamicamente instáveis com complexos QRS distin-
tos é empregada a cardioversão. O grau de comprometimento hemodinâmico usualmente
determina a necessidade e a urgência para a seleção de tratamento com cardioversão ou
tratamento medicamentoso. A cardioversão é relativamente contraindicada quando a into-

Disritmias cardíacas e anestesia | 165


xicação digitálica está presente e deve ser usada com cautela em pacientes com doença do
nódulo sinusal, a menos que um marca-passo esteja instalado. O K+ deve estar normal para
a realização da cardioversão.

Conduta geral no tratamento das disritmias


A avaliação inicial do paciente com disritmia deve ser o desempenho hemodinâmico,
com medidas de pressão arterial e sinais de instabilidade hemodinâmica definida como: 1)
choque circulatório, hipotensão ou má perfusão periférica; 2) alteração do nível de cons-
ciência (síncope ou pré-síncope); 3) dor precordial (angina) ou 4) dispneia. O tratamento
deve ser instituído prontamente se a disritmia causar distúrbio hemodinâmico. Por outro
lado, a terapia agressiva também está indicada quando a disritmia é capaz de progredir para
aquelas mais graves ou quando pode levar à deterioração hemodinâmica.
As etiologias das disritmias perioperatórias mais comuns podem ser atribuídas a causas
simples e facilmente reversíveis, além de hipóxia, isquemia miocárdica, hipercapnia, hipo-
capnia, acidose metabólica e desvios eletrolíticos (particularmente K+ e Ca++). Desvios ma-
ciços de fluidos, perdas sanguíneas e suas reposições, desvios acido-básicos e uso de soluções
cardioplégicas em cirurgia cardíaca são associados a distúrbios eletrolíticos e disritmias.
A temperatura pode induzir a disritmia. A hipotermia invariavelmente leva a bradicardia
sinusal, fibrilação atrial ou flutter. Contudo, as disritmias ventriculares aparecem quando a
temperatura cai abaixo de 30 ºC. Por outro lado, na hipertermia maligna, a disritmia advém
de distúrbios metabólicos ácido-basicos. Nessa última situação, a taquicardia sinusal é um
achado precoce. Disritmias ventriculares também podem estar presentes.
Os agentes inalatórios, principalmente o halotano, podem ocasionar disritmias. O halo-
tano interage com as catecolaminas, causando disritmias ventriculares. Os anestésicos ina-
latórios, por afetarem a condução, frequentemente induzem ritmos juncionais. O relaxante
muscular pancurônio é vagolítico e pode estimular a atividade autônoma adrenérgica por
bloqueio inibitório de receptores muscarínicos localizados nos gânglios simpáticos. Doses
sucessivas de succinilcolina resultam em bradicardia sinusal, ritmos juncionais, disritmias
ventriculares e até assistolia. As disritmias preexistentes podem desaparecer sob anestesia
geral, embora o reaparecimento seja comum. Muitas disritmias são transitórias, não causam
prejuízo hemodinâmico e se resolvem com o passar do tempo. A manutenção de oxigenação
e ventilação adequadas, alteração de profundidade da anestesia, manutenção do equilíbrio
eletrolítico e diminuição dos reflexos inconvenientes são os meios habituais de tratamento.
Quando ocorrer comprometimento circulatório, suporte hemodinâmico farmacológico ou
mecânico pode ser necessário até o restabelecimento do ritmo sinusal.
Na presença de taquicardia, a causa subjacente deve ser imediatamente tratada. Neos-
tigmine, 0,25 a 0,5 mg IV, pode ser empregado, embora o início seja lento e a duração, mais
longa. Os bloqueadores β-adrenérgicos são utilizados para taquicardia sinusal. Metoprolol 5
mg EV ou esmolol, 0,1 a 0,5 mg/kg, pode ser utilizado. Doses similares são frequentemente
necessárias para taquicardias reentrantes envolvendo o nódulo A-V ou para a redução da
resposta ventricular na fibrilação atrial. A adenosina pode ser utilizada para a interrupção de
taquicardia em que o nódulo AV é parte do circuito reentrante. A cardioversão é necessária

166 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


sempre que a TV causa comprometimento hemodinâmico grave e a desfibrilação é realizada
na presença de fibrilação ventricular ou TV sem pulso.
Na presença de bradicardia, deve-se suspender o estímulo desencadeante. A atropina,
com seu efeito vagolítico, é de grande utilidade na dose usual, de 0,4 a 2 mg IV. O isoprote-
renol pode ser usado em infusão, 0,5 a 2 μg/min. Ocorre também aumento no inotropismo
que, associado ao efeito cronotrópico, pode aumentar o consumo de oxigênio miocárdico,
não devendo ser utilizado em pacientes com doença cardíaca isquêmica. A efedrina ou ou-
tras catecolaminas com propriedades β-adrenérgicas também podem ser usadas.

Principais disritmias5
Taquicardia Atrial Multifocal (TAM)
A frequência varia de 110-200 bpm, resultante de disparos aleatórios de vários focos
ectópicos dentro do átrio. Quando a frequência está abaixo de 100 bpm, denomina-se
marca-passo atrial mutável. Características (Figura 2): 1) ritmo irregular; 2) intervalos
PR e PP variáveis; 3) morfologia da onda P variável, pelo menos três diferentes, e 4) QRS
de duração normal. Está associada a pneumopatias na maioria dos casos, podendo ser
causada por descompensação cardíaca ou respiratória, tromboembolismo pulmonar, alte-
rações eletrolíticas e pacientes tratados agressivamente com β-agonistas e teofilina. Pode
evoluir para fibrilação atrial. O tratamento pode ser feito com verapamil, betabloqueador
e magnésio. Evitar digitais.

Figura 2 – O nódulo SA com alterações no automatismo, permitindo a expressão de marca-passos atriais,


que não seriam fixos, e sim mutáveis dentro da câmera atrial.

Disritmias Ventriculares5
Contração ventricular prematura
A reentrada do impulso elétrico ou o foco ectópico que origina o complexo prematuro locali-
za-se no miocárdio ventricular. Se apresentar a mesma forma no ECG, deve ser denominada mo-
nomórfica e, se tiver diversas formas, polimórfica (Figura 3). De acordo com sua inter-relação,
pode ser classificada como isolada, pareada, em salva, bigeminada, trigeminada, quadrigeminada
etc. As extrassístoles ventriculares podem ser estreitas (QRS < 0,12 s) e largas (QRS > 0,12 s).

Disritmias cardíacas e anestesia | 167


É frequente e não indica perigo quando não existe cardiopatia associada. No entanto,
quando aparece junto com insuficiência cardíaca congestiva (ICC), insuficiência coronaria-
na (ICO) ou estenose aórtica (EAo) pode representar o início de uma disritmia grave, como
a fibrilação ventricular.

Figura 3 – Contração ventricular prematura polimórfica.

Taquicardia ventricular (TV)


Disritmia ventricular rápida (Figura 4), geralmente associada a sintomas e sinais clí-
nicos dramáticos. Na sua presença, deve-se imediatamente verificar a presença de pulso.
A TV indica um grau extremo de irritabilidade do miocárdio ventricular e pode evoluir para a
fibrilação ventricular. Frequentemente, associa-se a cardiopatias com grave degeneração mio-
cárdica, como IAM, espasmo coronariano, aneurisma do VE, dilatação ventricular, miocardite
aguda, miocardiopatia chagásica, hiperpotassemia, estados anóxicos e outros. Na presença de
TV sem pulso devem-se iniciar as manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP)6. Caso
não seja tratada, pode degenerar em fibrilação ventricular fatal. Os sinais e sintomas de ins-
tabilidade hemodinâmica são: dor precordial, dispneia, diminuição do nível de consciência,
hipotensão arterial, choque, congestão pulmonar e infarto agudo do miocárdio.
Monomórfica
Ritmo ventricular com pelo menos três batimentos sucessivos, todos os complexos
possuem a mesma morfologia em cada derivação do ECG e frequência superior a 100 bpm
(Figura 4); pode ser dividido, de acordo com sua duração, em taquicardia sustentada ou não
sustentada, se o período da disritmia for ou não superior a 30 segundos, respectivamente.
Os fármacos utilizados são lidocaína, procainamida ou amiodarona.

Figura 4 – Taquicardia ventricular monomórfica.

Polimórfica
Ritmo ventricular com QRS de morfologia variável, pelo menos dois complexos QRS
têm morfologias diferentes na mesma derivação do ECG e frequência superior a 100 bpm.
Deve ser classificada também em sustentada e não sustentada se o período da disritmia for
superior ou inferior a 30 segundos, respectivamente. Possui conduta baseada na existência
prévia de intervalo QT longo e ocorrência de Torsades de Pointes (TdP).

168 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Taquicardia ventricular do tipo Torsades de Pointes (Tdp)
Taquiarritmia com QRS largo, polimórfica, autolimitada, com complexos QRS, parece
girar em torno da linha de base, dirigindo suas “pontas”, ou seja, a polaridade, ora para cima,
ora para baixo, adquirindo o aspecto de trançado (Figura 5). A frequência ventricular está
elevada, entre 200 e 250 bpm. Geralmente, é precedida por ciclos longo-curto (extrassístole
- batimento sinusal - extrassístole) e se relaciona com a presença de QT longo, que pode ser
congênito ou secundário a fármacos. O tratamento consiste em interromper a medicação
que prolongue o intervalo QT, corrigir alterações eletrolíticas, uso de magnésio endovenoso
e eventual uso de cardioversão. A Tdp costuma ser recorrente e, em pacientes refratários e
de alto risco, deve-se considerar implante de marca-passo e desfibrilador.

Figura 5 – Taquicardia ventricular do tipo Torsades de Pointes.

Fibrilação ventricular (FV)


Define a taquiarritmia, em que a estimulação ventricular ocorre numa frequência ex-
tremamente rápida, acima de 400 impulsos por minuto, e de forma bastante desordenada
(Figura 6). Esse ritmo pode ser precedido de taquicardia ventricular ou Torsades de Poin-
tes, que degeneram em fibrilação ventricular. Na FV, o processo de ativação ventricular se
encontra completamente caótico, resultando na perda da contração cardíaca eficaz. Nessa
circunstância, inexiste débito cardíaco e, em caso de não se processar a reversão ao ritmo
normal, a circulação sanguínea cessa, clinicamente, correspondendo à parada cardiorrespi-
ratória. O paciente que apresenta TV instável, TV sem pulso ou FV necessita de tratamento
não farmacológico com desfibrilação imediata e manobras de RCP.

Figura 6 – Fibrilação ventricular.

Flutter ventricular
Observam-se contrações eficazes de fibra ventricular e débito cardíaco que permitem
a sobrevida, ainda que por tempo limitado. Entretanto, o mais comum é a evolução para a
fibrilação ventricular.

Aberração de Condução
Um estímulo supraventricular encontra dificuldade de propagação regional no sistema
de condução, gerando um QRS com morfologia de bloqueio de ramo.

Disritmias cardíacas e anestesia | 169


Bloqueio de ramo
Pode ser direito ou esquerdo, causado por hipertensão arterial sistêmica, insuficiência coro-
nariana, valvulopatia, esclerose, calcificação, fatores mecânicos, hipertrofia ventricular esquerda,
miocardiopatias, doença de Chagas e defeitos congênitos do septo interventricular. Devem ter
complexo QRS com duração igual ou maior que 0,12 s como condição fundamental.
Os critérios foram assim definidos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia5:
Bloqueio de ramo esquerdo
• Ausência de onda “q” em D1, aVL,V5 e V6.
• Ondas R alargadas e com entalhes e/ou empastamentos médios-terminais em D1,
aVL,V5 e V6.
• Onda “R” com crescimento lento de V1 a V3, podendo ocorrer QS.
• Ondas S alargadas com espessamento e/ou entalhes em V1 e V2.
• Deflexão intrinsecoide em V5 e V6 > 0,05s.
• Eixo elétrico de QRS entre -30 e +60.
• Depressão de ST e T assimétrica em oposição ao retardo médio-termina l.
Bloqueio de ramo direito
• Ondas S empastadas em D1, aVL,V5 e V6.
• Ondas qR em aVr com R empastada.
• rSR ou rsR em V1 com R espessado.
• Eixo elétrico de QRS variável, tendendo para a direita no plano frontal.
• Onda T assimétrica em oposição ao retardo médio terminal.
Síndrome de Wolff-Parkinson White (WPW)
É uma doença congênita do sistema elétrico cardíaco, possui uma fibra muscular que co-
munica a musculatura atrial à ventricular, permitindo que haja condução elétrica por outro
caminho que não o normal (NAV). Por isso é denominada via anômala. Normalmente os
átrios e ventrículos só se comunicam eletricamente através do tecido de condução específi-
co (NAV). A presença de uma dupla conexão entre átrio e ventrículo determina a ocorrência
de uma taquicardia. Ocorre intervalo PR curto com presença de onda delta, que demonstra
padrão de despolarização ventricular precoce e anômalo por via acessória extranodal (Figu-
ra 7). O tratamento pode ser farmacológico ou ablação por radiofrequência da via acessória;
essa técnica tem alta eficiência com baixo índice de recorrência.

Figura 7 – WPW com ritmo sinusal e entalhe na onda delta (flecha) no ramo ascendente positivo do
complexo QRS.

Bloqueio atrioventricular
O período do início da onda P ao início do QRS determina o intervalo PR, tempo em
que ocorrem a ativação atrial e o retardo fisiológico na junção atrioventricular (AV), cuja
duração é de 0,12 a 0,20 s.

170 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Ele se traduz por um atraso de propagação ou impedimento completo do impulso supra-
venticular em ativar os ventrículos.
Bloqueio AV de primeiro grau
Nessa situação, o intervalo PR é superior a 0,20 s em adultos, para frequências cardíacas
inferiores a 90 bpm (Figura 8). É imprescindível para o diagnóstico que todos os impulsos
sejam conduzidos aos ventrículos, ou seja, a relação AV é de 1:1.

Figura 8 – Bloqueio AV de primeiro grau.

Bloqueio AV de segundo grau tipo I (Mobitz I)


O impulso sinusal sofre, por vezes, bloqueio total na condução aos ventrículos e a relação
AV não é mais 1:1
O alentecimento da condução AV é gradativo (fenômeno de Wenckebach); o intervalo
PR dos impulsos conduzidos é variável. Existe aumento progressivo do intervalo PR, até que
a condução AV fique bloqueada e um batimento atrial não consiga ser conduzido (Figura 9).

Figura 9 – Bloqueio AV de segundo grau tipo I (Mobitz I).

Bloqueio AV de segundo grau tipo II (Mobitz II)


A condução do impulso sinusal para os ventrículos apresenta interrupções periódicas
e totais a intervalos regulares. A diferença entre Mobitz I e II é que, nessa última, o tempo
de condução AV nos impulsos é constante. Existe uma claudicação súbita da condução
AV (Figura 10).

Figura 10 – Bloqueio AV de segundo grau tipo II (Mobitz II).

Bloqueio AV do terceiro grau ou BAV total (BAVT)


Define a existência de um impedimento total que o impulso atrial alcance e ative os ven-
trículos, fazendo com que um foco abaixo da região do bloqueio assuma o ritmo ventricular.

Disritmias cardíacas e anestesia | 171


Não existe, assim, correlação entre a atividade elétrica atrial e ventricular, o que se traduz no
ECG por ondas P não relacionadas com o QRS (Figura 11).
A frequência atrial é sempre superior à frequência ventricular, traduzindo-se no ECG
por ondas P em maior número que os complexos QRS/T. O BAVT pode ser intermitente
ou permanente.

Figura 11 – Bloqueio cardíaco de terceiro grau (BAVT). Ondas P regulares em 50 a 55 bpm; “ritmo de esca-
pe” ventricular regular em 35 a 40 bpm; não há relação entre as ondas P e o ritmo de escape.

Alterações do Ritmo Sinusal


Bradicardia sinusal
Na bradicardia sinusal, a frequência cardíaca encontra-se abaixo de 60 bpm, observando-
-se morfologia normal dos complexos do ECG. A cada onda P, há um complexo QRS.
A bradicardia sinusal geralmente não é patológica e pode ser secundária a causas ex-
trínsecas ao sistema de condução como: hipertensão intracraniana; reflexo vagal; fármacos
anestésicos, como os opioides; bloqueio simpático alto; hipotermia; fármacos diversos,
como os digitais e propranolol; e influências parassimpáticas.
Esta bradicardia não necessita de tratamento caso não de observe comprometimento
hemodinâmico. Na presença de deterioração hemodinâmica pode se empregar atropina
ou, como alternativa, marca-passo ou isoproterenol. Nos casos rebeldes ao tratamento com
atropina deve-se questionar o diagnóstico de bradicardia sinusal.

Taquicardia sinusal
Na taquicardia sinusal é observada à morfologia normal dos complexos do ECG. A
frequência cardíaca encontra-se acima de 100 bpm. Essa disritmia pode ser causada por
hipovolemia (mais frequente), hipóxia, hipercarbia, dor, febre, sepse e aumento do metabo-
lismo. O tratamento é a correção da causa base. Fármacos com atividade parassimpática ou
β-bloqueadores podem ser utilizados eventualmente no controle da frequência cardíaca em
pacientes com doença coronariana ou estenose mitral.
Disritmia sinusal
Na disritmia sinusal observa-se morfologia normal dos complexos do ECG. Contudo, o
intervalo RR é variável. A frequência cardíaca encontra-se dentro dos limites normais. Esse
tipo de disritmia não requer tratamento.

Eventos Ectópicos
Contração atrial prematura
A extrassistolia atrial com condução normal é observada como uma onda P prematura
e achatada. O intervalo RR é variável entre o complexo normal de base e a contração atrial

172 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


prematura. O complexo QRS, o seguimento ST e a onda T são normais. A extrassistolia
atrial pode ser muito precoce, ficando mascarada pela onda T.

Contração atrial prematura com condução aberrante


As disritmias supraventriculares com aberrância são um desafio para o diagnóstico diferen-
cial entre a origem supraventricular e ventricular. No ECG de 12 derivações deve-se avaliar a
presença de onda P, sua duração, regularidade e configuração do complexo QRS e eixo cardíaco.

Disritmias supraventriculares
Ritmo juncional
No ritmo juncional observa-se frequência cardíaca que varia entre 40 e 110 bpm. Ritmo
originado no nó atrioventricular, sem onda P ou com onda P invertida (após o QRS pela con-
dução retrógrada aos átrios). Complexo QRS, intervalo ST, onda T e intervalo RR são normais.
Constitui ritmo comum durante o período de anestesia, principalmente quando se em-
prega halotano. De forma rotineira, não é necessário tratamento; caso ocorra deterioração
hemodinâmica, pode-se bloquear o tônus parassimpático com atropina ou mesmo utilizar
vasopressores simpatomiméticos como a efedrina.
Taquicardia supraventricular (TSV)
Na taquicardia supraventricular, a frequência cardíaca pode chegar a 250 bpm. As ondas
P são anormais. Entretanto, elas são usualmente coincidentes com o QRS ou precedem as
ondas T de forma não discernível. O QRS é normal, a menos que haja condução aberrante,
caso em que um padrão de bloqueio de ramo direito está presente. É desafiadora a distinção
entre a TSV com aberrância de condução e a taquicardia ventricular.
Os mecanismos responsáveis pelo aparecimento e pela perpetuação das taquiarritmias
são a reentrada, o automatismo e a atividade deflagrada. A condição para o desencadea-
mento dessa disritmia pode refletir doença da válvula mitral, síndrome de Wolff-Parkinson-
-White ou doença cardíaca coronariana, hipertensiva ou congênita. Fatores precipitantes
pré-operatórios incluem ansiedade, fumo, álcool e cafeína. Os fatores precipitantes periope-
ratórios são a hipóxia e os anestésicos.
Flutter atrial
O flutter atrial se apresenta com frequência atrial de 250 a 350 bpm e onda P com padrão
serrilhado (onda F). O complexo QRS é normal, podendo ser vista condução aberrante. As
causas mais comuns são: doença da válvula mitral; tireotoxicose; doença miocárdica; hipóxia
ou sequelas de cirurgias cardíacas. As drogas antiarrítmicas do tipo IA podem interromper
o flutter. A cardioversão apresenta alta taxa de sucesso, levando ao ritmo sinusal normal. Di-
goxina, propranolol e verapamil interrompem ocasionalmente a disritmia, mas, comumente,
aumentam o grau de bloqueio AV, lentificando a frequência ventricular.

Fibrilação atrial (FA)


A FA é a mais comum das disritmias cardíacas sustentadas, com prevalência de 1,5% a 2%
na população geral. Está também associada com o aumento de eventos tromboembólicos.

Disritmias cardíacas e anestesia | 173


A combinação de estratégias para manter o ritmo sinusal, controlar a frequência cardíaca e
reduzir o risco de eventos tromboembólicos tem sido largamente utilizada. A FA é dividida
em subtipos baseados em sua duração:
1. Paroxística - episódios curtos com duração menor que sete dias.
2. Persistente - FA contínua e sustentada com duração maior que 7 dias.
3. Persistente de longa duração - FA continuada por mais de 12 meses.
4. Permanente - FA estabelecida e aceita.
A tromboprofilaxia da FA é o único tratamento comprovado que diminui a morta-
lidade dos pacientes. A warfarina é o anticoagulante oral (ACO) recomendado para
portadores de próteses valvares mecânicas com RNI alvo entre 2-3 (prótese aórtica) e
2,5-3,5 (prótese mitral). O desenvolvimento de novos anticoagulantes com ação direta
na inibição da trombina (dabigatran) e do fator Xa (apixaban e rivaroxaban) é indicado
em FA não valvar naqueles pacientes que não conseguem manter o RNI terapêutico
adequado. Eles têm a vantagem de o efeito anticoagulante ser previsível, não necessita-
rem de monitorização, de a interação com outras drogas ser mínima e a ação e reversão
serem rápidas.
O critério CHAD₂DS₂-VASc para estratificação de fatores de risco tromboembólicos
para pacientes portadores de FA se mostrou mais eficiente que o anteriormente utilizado,
CHAD₂DS₂, e serve de guia para a instituição da terapia anticoagulante7.

Coagulação intraoperatória em pacientes com FA


Pacientes com FA podem necessitar de interrupção temporária dos ACO antes da ci-
rurgia ou de procedimentos invasivos para manter um RNI < 1,5 ou normal antes de
um procedimento cirúrgico. Em procedimentos menores, em que o risco de sangramento
seja pequeno, devemos avaliar o risco da suspensão dos ACO comparado ao risco de um
evento tromboembólico.
Pacientes medicados com warfarina (meia-vida de 36-42 horas) devem interromper seu
uso cinco dias antes de procedimentos cirúrgicos. Se o ACO utilizado for a femprocumona,
a suspensão deve ser feita com 10 dias de antecedência da cirurgia, pois a meia-vida é de
96-140 horas. O uso de vitamina K, na dose de 1-2 mg, deve ser feito naqueles pacientes que
permanecem com RNI > 1,5. O manejo de doentes coronariopatas ou com FA de alto risco
para tromboembolismo pode ser problemático. Recomenda-se o uso de heparina de baixo
peso molecular ou heparina fracionada durante a suspensão dos ACO.

Controle do ritmo e da frequência cardíaca na FA8


O uso de betabloqueadores ou antagonistas do canal de cálcio não di-idropiridínicos é
indicado no controle da frequência cardíaca na FA. Em pacientes gravemente comprometi-
dos, o verapamil ou metoprolol pode ser administrado para a redução da rápida condução
do nódulo AV. A frequência ideal deve ser mantida em torno de 80 a 100 bpm. A amiodarona
é bem indicada em pacientes com disfunção ventricular esquerda grave. A bradiarritmia
grave deve ser primeiramente tratada com atropina (0,5-2 mg IV), mas alguns pacientes

174 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


podem necessitar de cardioversão de urgência ou de marca-passo temporário no ventrículo
direito (Quadro 2).
Quadro 2 – Indicação para cardioversão farmacológica e elétrica em pacientes com FA aguda

Indicação para cardioversão elétrica e farmacológica. Escolha das drogas antiarrítmicas para a cardioversão
farmacológica em paciente com FA aguda. Adaptado de 2012 update of the ESC Guidelines of the Manage-
ment of Atrial Fibrillation. European Heart Journal 2012;33:2.719-2.747.

Conclusão
A eletrofisiologia cardíaca varia de forma dinâmica em resposta a influências externas,
como tônus autonômico, equilíbrio eletrolítico e ácido base, isquemia ou estiramento do
miocárdio. Portanto, um coração normal pode apresentar, como resposta, alterações no
potencial de repouso, na velocidade de condução, nas concentrações de cálcio intracelular
e na repolarização, qualquer uma das quais pode criar disritmias ou alterar a resposta à
terapia antiarrítmica.
As disritmias cardíacas são causas importantes de complicação perioperatória, que pode
decorrer de etiologia primária ou de causas reversíveis. Deve ser prevenida pelo reconheci-
mento dos fatores de risco, monitorização adequada, escolha criteriosa de fármacos e remo-
ção de eventos precipitantes como hipóxia, acidose, distúrbios eletrolíticos e isquemia do

Disritmias cardíacas e anestesia | 175


miocárdio. Quando ocorre uma disritmia, além de avaliar esses pontos, é importante verifi-
car se existe complicação na anestesia ou cirurgia que possa tê-la desencadeado. O impacto
fisiológico das disritmias depende de duração, resposta ventricular e função cardíaca prévia.
A frequência cardíaca, o ritmo e o número de ondas P por QRS devem ser mensurados e
o risco que essa alteração representa para o paciente deve ser considerado para orientar a
melhor terapêutica.
A elucidação contínua dos mecanismos subjacentes ao comportamento elétrico cardíaco
normal e anormal, juntamente com a investigação clínica que delineia o uso de fármacos
e estratégias não farmacológicas, melhorou de forma significativa o tratamento das disrit-
mias. Estudos celulares, moleculares e genéticos continuam a aprimorar nossa compreensão
de seus mecanismos. É provável que esse novo conhecimento identifique alvos do fármaco
que se interponha de modo específico para aliviar eventos arrítmicos, para que possamos
continuar nossa evolução diagnóstica e terapêutica.

Referências bibliográficas:
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special contribution of the European Heart Rhythm Association. Eur Heart J, 2012;33:2.719-2.747.

176 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 13

Bloqueio epidural terapêutico


para lombociatalgias
Leandro Mamede Braun
João Valverde Filho
Gustavo Rodrigues Costa Lages
Bloqueio epidural terapêutico para lombociatalgias

Introdução
Lombalgia (dor lombar baixa) é definida como dor localizada na região inferior do dorso,
em uma área situada entre o último arco costal e a prega glútea, acompanhando ou não de
irradiação da dor para os membros inferiores1,2 . Quando irradia para o membro inferior até
um ponto distal ao joelho, denomina-se lombociatalgia2 . Pode ser definida também quanto
de acordo com a duração do episódio em: aguda, menos de 6 semanas; subaguda, entre 6 e 12
semanas; crônica, 12 semanas ou mais2,3.A dor lombar aguda pode se originar dos discos e
articulações intervertebrais, ligamentos e músculos. Espasmo muscular está frequentemen-
te associado. É a segunda causa mais frequente de procura ao médico no serviço de urgência,
ficando atrás apenas da gripe/resfriado. Acomete 80% da população em algum momento de
suas vidas. Noventa por cento desses pacientes melhorarão sem qualquer intervenção em 4
a 7 dias. O manejo inicial deve ser o mais simples, reservando tratamentos mais complexos
para os pacientes que não respondem.Analgésicos simples (paracetamol e dipirona, 1g a
cada 6hs) e em seguida (se não suficiente), os aintiinflamatórios não esteroidais (AINEs)
devem ser prescritos para alívio da dor. Orientações sobre o problema, auto cuidado, manter
se fisicamente ativo, tratamento e prognóstico devem ser oferecidas a todas as pacientes.
Evitar grandes esforços e mesmo repouso no leito por curto intervalo de tempo (2 a 4 dias),
nos casos de sintomas iniciais muito intensos também são recomendações comuns. O pa-
ciente deve ser reavaliado em 1 semana. Nesse periodo, a maioria terá melhorado. Caso isso
não ocorra, relaxantes musculares, TENS, terapia térmica, fisioterapia também podem ser
recomendados. Opióides fracos e, se insuficientes, fortes podem ser prescritos. 2-8.

Lombalgia e ciatalgias
A dor lombar crônica constitui uma causa freqüente de morbidade e incapacidade, sendo
sobrepujada apenas pela cefaléia na escala dos distúrbios dolorosos que afetam o homem.
Apenas em 15% dos casos consegue-se determinar precisamente a estrutura responsável
pela dor3,4,6. Diversas estruturas podem ser fonte de dor na coluna lombar: ânulo fibroso,
núcleo pulposo, facetas articulares, articulação sacroilíaca / ligamentos, dura mater, liga-
mentos espinhais, nervosespinhais, gânglio da raiz dorsal. As dificuldade da abordagem das
lombalgias e lombociatalgias decorrem de vários fatores, dentre os quais: a inexistência de
uma fidedigna correlação entre os achados clínicos e os de imagem; ser o segmento lombar
inervado por uma difusa e entrelaçada rede de nervos, tornando difícil determinar com pre-
cisão o local de origem da dor, exceto nos acometimentos radículo-medulares3. Tais fatos
fazem da caracterização etiológica da síndrome dolorosa lombar um processo eminente-
mente clinico, 3deixando os exames complementares para alguns casos especiais, confirma-
ção diagnóstico ou quando há possibilidade de cirurgia ou bloqueios.
Os bloqueios diagnósticos, sim, quando associados à avaliação clínica e de imagem podem
aumentar para 85% a chance de um correto diagnóstico da estrutura dolorosa, permitindo
um tratamento mais específico. Devem ser usados sempre que se propõe procedimentos in-

178 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


tervencionistas ou, em alguns casos, cirúrgicos, afim de se confirmar o diagnóstico e prever
resultado da intervenção (melhora da dor com o bloqueio teste)6. Quanto ao tratamento,
exercícios físicos (introduzidos gradualmente) são primeira linha, analgésicos fortes, trata-
mento interdisciplinar, avaliação de cirurgias e bloqueios, terapias não farmacológicas devem
ser considerados.Entretanto, algumas situações (red flags) necessitarão formalmente de uma
avaliação com métodos de imagem, ou intervenções imediatas2 – Tab. 1.
Tabela 1 Bandeiras Vermelhas no diagnóstico da dor lombar
Idade no início dos sintomas: < 20 ou > 55 anos
História de trauma
Dor não mecânica, constante e progressiva (sem
alívio com repouso)
Perda de peso inexplicável Avaliar tumor primário ou metástases, espe-
Histórico de câncer cialmente em pacientes > 50 anos.
Uso prolongado de corticóides Pesquisar fratura
Avaliar pacientes com febre > 38° C por mais
Abuso de drogas (especialmente venosa), HIV de 48hs, dor intensa em repouso, déficit
neurológico progressivo. Deve ser avaliada
Febre em caráter de urgência para excluir infecções
com abscesso peridural e discite.
Síndrome da cauda equina (início súbito de
retenção ou incontinência vesical e intesti-
nal), início súbito de alteração inexplicável
Sintomas neurológicos generalizados
de fraqueza bilateral nas pernas, dormência
em sela. Tal quadro exige avaliação de emer-
gencia e cirurgia.
Deformidade estrutural

Dez por cento dos pacientes apresentam persitência do quadro por mais de 12 semanas,
tendo seu processo doloroso cronificado. Os fatores psicossociais são importantes nesse
processo. A identificação de fatores de risco2,3,8 (Yellow flags) é fundamental para a aborda-
gem agressiva desses, incluindo terapia cognitivo-comportamental 2 . – Tab 2.
Tabela 2 Bandeiras Amarelas na Avaliação da Dor Lombar
Crença de que a dor nas costas é potencialmente nociva ou gra-
Atitudes e comportamentos
vemente incapacitante. Altas expectativas no tratamento passi-
inadequados frenta a dor
vo. Cinesiofobia: medo, evitação, níveis reduzidos de atividades.
Ganhos secundários Insatisfação no trabalho
Depressão, ansiedade, estresse, tendência ao desânimo, reclu-
Problemas emocionais
são social.
obesidade, tabagismo, grau de escolaridade, realização de traba-
Outras causas lhos pesados, sedentarismo, fatores genéticos e antropológicos,
hábitos posturais.

Bloqueio epidural terapêutico para lombociatalgias | 179


As dores lombares, finalmente, podem ser primárias ou secundárias (atribuída a uma pa-
tologia específica como: infecção, osteoporose, espondilite anquilosante, fratura. Afecções
localizadas neste segmento, em estruturas adjacentes ou mesmo à distância, de natureza a
mais diversa, como congênitas, neoplásicas, inflamatórias, infecciosas, metabólicas, trau-
máticas, degenerativas e funcionais, podem provocar dor lombar. A lombalgia inespecífica,
é a forma anatomoclínica inicial de apresentação e a mais prevalente das causas de natureza
mecânico-degenerativa3.

Dor radicular
Dor radicular lombossacra (também referida como ciática ou isquiática)8 é caracterizada
por dor que irradia por um ou mais dermátomo sacral ou lombar; podendo ou não ser acom-
panhado de outros sintomas radiculares como deficit de força ou sensitiva, nesses casos,
radiculopatia. Parestesia frequentemente está associada.7,8. A taxas de prevalência anualde
dor radicular na população geral é alta: 9,9-25%. É a condição mais comum de dor neuropá-
tica. A dor resolve completamente ou parcialmente em 60% a 80% dos pacientes dentro de 6
a 12 semanas do início dos sintomas. Entretanto, 30% mantém dor por 3 meses a 1 ano. As
mulheres parecem ter pior prognóstico em relação aos homens (odds 3,3 para dor crônica).
Em pacientes com menos de 50 anos, a hérnia de disco é a causa mais frequente. Após os
50 anos de idade, as causas mais frequentes de dor radicular são as alterações degenerativas
(estenose do forame intervertebral)8.
A dor pode ser causada por irritação, inflamação e/ou compressão da raiz nervosa8. Os
sintomas da hérnia de disco são resultado da herniação do núcleo pulposo sobre um ânulo
fibroso mecanicamente fraco O paciente descreve sua dor como penetrante, latejante ou em
queimação. A dor causada por hérnia de disco classicamente piora com a inclinação do tronco
para frente, ao acentar e ao tossir. De forma contrária, a dor radicular resultante de esteno-
se de canal espinhal, tipicamente, aumenta ao caminhar e melhora imediatamente ao fletir
o tronco8. A distribuição dos sintomas ao longo
de um dermátomo ajuda a determinar o nível
envolvido (Fig 1), embora haja grande variação
no padrão irradiação7,8. O dermátomode S1 é o
mais reproduzível. Quando presente, a distri-
buição da parestesia é mais específica8.
O teste de Lasègue verifica a mobilidade da
dura mater e da bainha dural sobre as raizes
de L4 a S2. A sensibilidade para o diagnóstico
de hernia de disco lombar varia de 0,6 a 0,97
com especificidade de 0,1 a 0,6. Espera-se re-
produzir os sintomas do paciente em decubito
ventral fletindo o membroinferior (joelho ex-
tendido) ao extender a o membro acometido
em 15 a 60 graus (Fig2).
Fig 1 – Representação dos dermátomos lombossacros.

180 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Fig 2 – Teste de Lasègue

Em suma, o diagnóstico de lombociatalgia parece estar justificado se o paciente rela-


ta dor radicular em um membro inferior combinado com um ou mais sinal neurológico
positivo que indique irritação da raiz nervosa ou déficit sensitivo ou motor. Conside-
rando que mais de 95% das hérnias discais lombares ocorrem ao nível de L4-L5 ou
L5-S1, o exame neurológico deve centrar-se nas raizes de L4 e, principalmente L5 e S1.
Tabela 3.
Tabela 3 – Sumário do exame neurológico das raizes de L4, L5 e S1
Nível Dormência Fraqueza Exame de
da Raiz Dor (quando Atrofia muscular rastreamento Reflexos
hérnia presente)
Lombar, quadril,
L3-L4 L4 antero-lateral da coxa,
medial da perna
Sobre a articulação
SI, quadril lateral da
L4-L5 L5
coxa e da perna, dorso
do pé
Sobre a articulação
L5-S1 S1
SI, quadril

Ressonância nuclear magnética é o exame de eleição para confirmar o diagnóstico


por apresentar melhor visualização de tecidos moles7,8 . A especificidade é baixa já que
pode-se identificar uma hernia de disco em aproximadamente 30% da população assin-
tomática. Além disso, uma hérnia de disco pode não aparecer na RNM de um paciente
com sintomas clínicos de síndrome radicular. Nessa situação a eletroneuromiografia
pode ajudar a diferenciar radiculopatia de lesões de nervos periféricos. Há pouco valor
prático de se realizar na fase aguda, salvo, quando há “bandeira vermelha”, tabela 1.
Está também indicada quando se pretende fazer alguma intervenção (bloqueios ou
cirurgia).O bloqueio seletivo da raiz é frequentemente recomendado para confirmar o
nível envolvido8 .

Bloqueio epidural terapêutico para lombociatalgias | 181


Indicações e vias de acessso
Os bloqueios epidurais estão indicados em diversas situações clínicas como parte impor-
tante do manejo intervencionista da dor, particularmente em síndromes dolorosas da colu-
na lombar. Os bloqueio epidurais estão indicados em situações agudas, crônicas e em dor
oncológica , porém, a indicação mais comum são nas lombociatalgias, que não responderam
aos tratamentos conservadores. Os tratamentos conservadores devem sempre estar presen-
tes dentro deum contexto multidisciplinar com uma abordagem multimodal que envolve
tratamento farmacológico, reabilitacional e psicológico. OS bloqueios epidurais podem ser
realizados também em pacientes com qualquer tipo de lombalgia, mesmo aqueles sem dor
radicular. Outras indicações incluem dor fantasma, fraturas vertebrais, estenose de canal
vertebral, neuralgia pós-herpética e outras.11,12
As principais contra-indicações a realização do bloqueio epidural são: Infecção local
punção, coagulopatia, uso de warfarin, sepsis, diabetes descontrolada, glaucoma agudo, in-
fecção coluna vertebral.
A filosofia dos bloqueios epidurais é baseada na premissa do depósito de corticoide no es-
paço epidural que gera concentrações mais elevadas daquele na área inflamada, o que seria
mais eficaz do que a administração sistêmica.12,13,14
O uso racional dos esteroides é baseado na sua potente ação anti-inflamatória. É postulado
que a redução do processo inflamatório se faz através da inibição da síntese ou liberação de
substâncias inflamatórias.15 Outros mecanismos mencionados são interrupção ou alteração
temporária dos impulsos nociceptivos, bloqueio atividade central neuronal medular, bloqueio
da atividade auto-sustentada no neuroeixo e efeito anestésico local.Desta forma os bloqueios
epidurais podem ajudar no alívio dos sintomas e melhora funcional destes pacientes possibili-
tando ou mesmo evitando uma cirurgia de coluna , já que a história natural da radiculopatia é
de uma tendência a resolução gradual dentro de um período de meses a anos.16
O bloqueio epidural no tratamento das lombociatalgias pode ser realizado por três
técnicas(vias) diferentes: via interlaminar, via caudal, via transforaminal. A decisão da téc-
nica a ser escolhida depende de diversos fatores como a disponibilidade de fluroscopia, a
presença de cirurgia prévia , experiência do medico entre outors fatores. Atualmente se
preconize que os bloqueios epidurais sejam sempre realizados com acompanhamento de
fluroscopia para maior eficácia e segurança na realização dos mesmos.17,18,19,20
A via caudal está melhor indicada em pacientes com cirurgia prévia, doença em múltiplos
segmentose com acomentimento bilateral e em níveis lombares inferiores. A via transfora-
minal é a via de mais difícil técnica , sempre necessita de acompanhamento fluroscópico,
está associada a melhores resultados e está indicada mais em pacientes com poucos níveis
afetados e de preferência com dor unilateral.21,22
A via interlaminar é a via clássica de bloqueio epidural anestésico. Apresenta o menores
graus de evidência em seus resultados no tratamento da dor radicular e deve ser a via de
escolha em mão menos experientes.17
A despeito de ser importante ferramenta no tratamentodas lombociatalgias muitas ques-
tões a respeito do bloqueio epidural ainda precisam ser resolvidas.: número de bloqueio
a serem realizados, volume ideal a ser injetado, corticoide de escolha(metilprednisolona,
triancinolona, dexametasona), via de escolha etc.

182 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Complicações
Complicações e efeito adversos associados aos bloqueios epidurais tem sido observados
e divididos em complicações menores e maiores.23,24 As complicações podem advir como
consequência do posicionamento da agulha (técnica), ou das medicações utilizadas25,26,27.
Segue algumas complicações relacionadas ao bloqueio epidural:
• Hematoma / abcesso
• Punção dural
• Aumento dor lombar / extremidade/local punção
• Injeção intravascular
• Infarto cerebral e cerebelar ou medular
• Paraplegia / quadriplegia
• Cauda equina
• Síndrome artéria espinhal anterior
• Hiperglicemia (0,3%)
• Supressão adrenal
• HAS (0,3%)
• Insônia (1,7%)
• necrose avascular
• rubor facial
• ganho peso
Em se tratando de um procedimento minimamente invasivo o bloqueio epidural lombar
tem se revelado um procedimento seguro nas mãos de médicos habilitados e experientes
tornando as complicações maiores e catastróficas eventos raros

Evidências
O acesso ao espaço peridural para injeção de fármacos para o alivio da dor decorrente
das doenças da coluna vertebral, apresentam vantagens e desvantagens com resultados va-
riados. Embora a dor por nocicepção seja a mais comum, freqüentemente são observados
doentes com radiculopatia e podem ser encontrados tanto na fase aguda quanto crônica 28.
O diagnóstico nosológico da doença é importante, como nocicepção, neuropatia, mielopa-
tia e miofascial, para que ocorram abordagens e medidas adequadas intervencionistas ou
farmacológicas (multimodal).
Manchikanti L et al, trataram lombalgia inespecífica sem hérnia de disco, sem doença
das facetas articulares ou radiculopatia, com injeção de lidocaína com corticóide ou somen-
te anestésico local por via peridural sacral, lombar ou interlaminar e observaram redução da
dor com melhor condição funcional em 50% dos doentes durante um ano29,30.
Após dois anos, observaram redução dos escores de dor e atividade funcional maior ou
igual a 50% em 72% dos doentes submetidos a injeção peridural lombar com lidocaína e, em
67% dos doentes que receberam injeções com corticóide31.
Doentes com historia recente de 6 a 12 semanas por compressão radicular foram subme-
tidos as cirurgias e obtiveram alivio da dor mais rápidos do que os doentes submetidos aos

Bloqueio epidural terapêutico para lombociatalgias | 183


tratamentos conservadores prolongados, porem, após 1 ou 2 anos não foram encontrados
diferenças entre os dois grupos tratados32,33.
Revisão recente refere que mais da metade dos estudos controlados apresentaram re-
sultados positivos entretanto, modestos para alívio temporário menores do que três meses
de duração; injeções transforaminais produziram melhores resultados quando comparados
as vias interlaminar ou caudal, e análises de subgrupos indicaram leve resultado positivo
no alívio da dor em doentes com hérnia de disco, comparados às doenças decorrentes de
estenose do canal vertebral 34,35.
Estudos observacionais após injeções de corticóide com ou sem anestésico local por via
transforaminal ou interlaminar, produziram alívio da dor lombar durante 2 semanas à 3 meses
(evidência sugestiva de resultados benéficos, entretanto são estudos não comparativos) 36.
Estudos controlados e aleatórios com injeções de corticóides guiados por fluoroscopia
por via interlaminar e transforaminal apresentaram resultados com baixa eficácia (a lite-
ratura não pode determinar se há eficácia ou não entre as intervenções e seus resultados),
assim como administração de corticosteróide com anestésico local comparado com injeção
somente de anestésico local por ambas as vias para dores lombares, dos membros inferiores
ou cervicais durante 3 semanas a 3 meses (a literatura não pode determinar se há eficácia
ou não entre as intervenções e seus resultados) 37. Há fraca evidência e recomendação para
uso de fluoroscopia para injeções por via peridural (evidência insuficiente da literatura para
estabelecer relação clínica e resultados decorrentes das intervenções) 37.
As principais complicações estão relacionadas a punção da dura, infecções no local da
punção, síndrome da cauda equina, deficit sensitivomotor, discite, granuloma peridural e reti-
nopatia (evidência sugestiva de resultados benéficos, entretanto são relatos de casos) 37.
A administração de corticosteróide por via peridural está associada com aumento da glice-
mia pós prandial em doentes diabéticos durante mais de 4 dias após o procedimento 38
Os procedimentos cirúrgicos e as condutas conservadoras são motivos de discussões e
pesquisas, e necessitam mais estudos comparativos de casos controlados 34.
Alguns estudos demonstraram por comparações indiretas , que as injeções de anestési-
cos locais podem produzir nos doentes que apresentam lombociatalgia, alívio das dores com
resultados significativos menores que 12 semanas 38 .
A administração de corticosteróides por via peridural é procedimento intensamente
realizado para o alívio da dor decorrente da coluna vertebral. Embora demonstrados por
diversos estudos controlados e randomizados, continuam considerados controversos quan-
do relacionados à segurança e à eficácia. Os resultados esperados em estudos controlados
e pacientes selecionados apresentaram efeito de curta duração menores do que três meses.
As abordagens por via transforaminal apresentaram resultados positivos ligeiramente me-
lhores comparados a administração por via peridural ou caudal com análises de subgrupos
apresentando melhores resultados para hérnia de disco lombar comparados com estenose
do canal lombar38,39 .
É muito comum os cirurgiões indicarem injeções de corticóides por via peridural ou
transforaminal como estratégia para adiar ou evitar o procedimento cirúrgico, e estas con-
dutas em alguns doentes podem prevenir cirurgias40 .

184 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Conclusão
O controle da dor decorrente da coluna vertebral é enfrentado por diversas estratégias
não farmacológicas, farmacológicas e cirúrgicas. O avanço terapêutico recente visa cuidar
das diferentes condições nosológicas e desenvolve técnicas diretas para intervir no sítio da
dor. Entretanto outros aspectos não podem ser esquecidos como o comprometimento fun-
cional e as características individuais de cada doente.
A natureza neuropática ou musculoesquelética das dores decorrentes da coluna vertebral
implicam na modificação freqüente de medidas analgésicas para facilitar a recuperação.
A administração de analgésicos por via oral quando provoca efeitos indesejáveis podem
ser substituídos ou associados às medidas terapêuticas por via espinal, possibilitando a de-
posição de substancias analgésicas diretamente ou próxima do local da dor para aumentar a
eficácia do alívio pretendido.
A literatura não esclarece vários aspectos importantes relacionados a dor neuropática e a
nocicepção crônica encontrada nestes doentes com lombociatalgia, como a combinação de
medidas e comparações entre as diferentes terapias.
Encontramos na literatura estudos controlados com recomendação moderada para a
injeção de corticóide por via peridural com ou sem anestésico local para o alivio da dor
decorrente da compressão radicular ou radiculopatia; o uso de radioscopia é fortemente
recomendado para a abordagem transforaminal.
Doentes com lombociatalgia apresentam aspectos complexos para o completo alívio da
dor, e o regime multimodal é fortemente recomendado

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186 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 14

Uso dos bloqueadores


neuromusculares no manuseio
das vias aéreas
Rosalice Miecznikowski
Paulo Alipio Germano Filho
Enis Donizetti Silva
Uso dos bloqueadores neuromusculares no
manuseio das vias aéreas

Introdução
A adequada ventilação sob máscara facial é a mais importante e fundamental habilidade
para o manuseio seguro das vias aéreas durante a indução anestésica. Por vezes, há dificulda-
des com a ventilação, contornadas, na grande maioria dos casos, com manobras de liberação
das vias aéreas e inserção de cânulas orofaríngeas ou nasofaríngeas. No entanto, em raras
situações, pode haver impossibilidade não prevista de ventilação sob máscara, com poten-
cial para complicações fatais. Por essa razão, muitos preferem administrar os bloqueadores
neuromusculares (BNM) após a confirmação da adequada ventilação sob máscara facial.
No entanto, a eficácia e a justificativa para essa prática1 são questionáveis, com fraca base
científica. Os trabalhos mostram que o uso dos BNM não torna a ventilação sob máscara
mais difícil2, ao contrário, a facilita3. Na publicação de Kheterpal e col.4, uma revisão de 50
mil anestesias, nos 77 pacientes nos quais foi impossível a ventilação sob máscara facial, 73
foram intubados com o uso de BNM.
Após o uso das doses plenas dos agentes indutores, sem a adoção dos BNM, o tempo para
que o paciente reassuma a ventilação espontânea poderá não ser rápido o suficiente para
que não ocorram danos associados à grave hipoxemia. O uso de doses menores de agentes
anestésicos venosos permitiria escape precoce. Por outro lado, a dificuldade na ventilação
poderia se dar pela inadequação do plano anestésico, caracterizando um risco para a venti-
lação sob máscara facial difícil5.
Há várias publicações que descrevem boas condições de intubação traqueal com aneste-
sia venosa total ou inalatória. A maioria não compara o grupo com e sem BNM e, quando o
faz, as condições de intubação são mais favoráveis com os BNM6. Na verdade, parece que a
não utilização dos BNM está associada à maior dificuldade de intubação e ao desconforto
pós-operatório para o paciente por lesões nas vias aéreas, as quais configuram as principais
queixas contra anestesistas – dados do Closed Claims Analisys7.

Bloqueador neuromuscular despolarizante: Succinilcolina


A succinilcolina foi, por décadas, o agente bloqueador neuromuscular de eleição para a
indução em sequência rápida. Contudo, com o surgimento do rocurônio e, mais recente-
mente, do sugamadex, antigos paradigmas são revisitados e questionados.
Os argumentos que amparam o sucesso da succinilcolina são: 1) curto início de ação; 2)
fasciculações como indicadores do início de ação; 3) condição ótima de intubação em 60
segundos; 4) recuperação precoce e segura da ventilação espontânea. Serão abordados os
elementos citados anteriormente e as opções amparadas pela literatura.
Curto Início de Ação e Condição Ótima de Intubação
Em uma revisão sistemática, Cochrane8 concluiu que o rocurônio utilizado em doses
de 0,9 a 1,2 mg/kg-1 apresenta condições equivalentes de intubação quando comparado

188 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


com a succinilcolina 1mg/kg-1. A presença de fasciculações determina o início de ação da
succinilcolina, dispensando o uso de monitorização da transmissão neuromuscular 9. Em
contrapartida, cabe ressaltar que, em relação ao rocurônio, somente com duas respostas, a
sequência de quatro estímulos é suficiente para obter boas condições de intubação10.
Curta Duração de Ação
Variabilidade individual quanto à duração clínica da succinilcolina foi observada no
estudo de Kopman e col. Com doses de 0,4; 0,6 e 1 mg/kg-1, a duração de ação média foi
nitidamente dose-dependente. Porém, a duração máxima de ação esteve entre 10 e 11 mi-
nutos em todos os três grupos11. Esse achado se justifica por variantes genéticas da butiril-
colinesterase. O impacto clínico foi constatado por Heier e col., sobre a grave dessaturação
que pode ocorrer após dose única de succinilcolina12 . A esse achado soma-se o aumento
do consumo de oxigênio decorrente da fasciculação. Em contrapartida, uma dose alta de
rocurônio pode ser revertida por sugamadex 16 mg/kg-1, e essa abordagem é mais rápida e
confiável que aguardar o término da ação da succinilcolina12,13. Até o momento, o sugama-
dex não está liberado para uso em gestantes.
A curta duração da succinilcolina é discutível como vantagem, uma vez que, em caso de
falha da intubação, a ventilação sob máscara pode também ser dificultada ou até impossível.
O conceito de despertar o paciente e retomar a ventilação surgiu há mais de 50 anos,
antes do surgimento de dispositivos supraglóticos, do fibroscópio e de videolaringos-
cópios como opções em que o relaxamento muscular representa fator facilitador, apesar
de não ser obrigatório. Além disso, é inviável em situações como anestesia geral para
cesariana de emergência, uma vez que o retardo do controle da via aérea pode agravar
o desfecho fetal.
Eventos Adversos
Cabe ressaltar os efeitos adversos da succinilcolina: mialgia; hipercalemia grave; desen-
cadeamento de hipertermia maligna; efeitos muscarínicos e bradicardia. Como desdobra-
mento para o controle da via aérea, destacam-se a rigidez de masseter, que pode impedir a
laringoscopia e a inserção de dispositivos supraglóticos, e a duração prolongada em pacien-
tes com deficiência de butirilcolinesterase.
Um bloqueador neuromuscular adespolarizante, com todos os pontos positivos da succ-
cinilcolina, sem seus efeitos colaterais e necessidade de reversor, ainda não está disponível.
Mesmo com o avanço representado pelo binômio rocurônio–sugamadex, não deve existir
uma falsa sensação de segurança. Ou seja, abolir a consciência e a ventilação do paciente
pode representar uma manobra perigosa para o controle da via aérea difícil.

Bloqueadores neuromusculares não despolarizantes


Essa classe de bloqueadores neuromusculares (BNMs) apresenta a propriedade de se
ligar de maneira competitiva aos receptores de acetilcolina. Isso ocorre por meio de ligação
das duas subunidades α do receptor colinérgico nicotínico N214,15.
No cenário do controle da via aérea, o BNM ideal deve ter o mais precoce início de ação,
o que corresponde a mais segurança. Com menor tempo para a intubação da traqueia, even-

Uso dos bloqueadores neuromusculares no manuseio das vias aéreas | 189


tos como regurgitação, broncoaspiração de conteúdo gástrico, despertar e sobredose de
fármacos cardiodepressores ocorrerão com menor frequência.
Diversos elementos vão influenciar a velocidade do início de ação, que corresponde di-
retamente à chegada das moléculas do fármaco à junção neuromuscular em número ne-
cessário para impedir a deflagração do potencial de ação. Esses fatores estão vinculados ao
paciente, ao BNM e à presença de fármacos associados.
Quanto ao paciente, o fator mais importante para a instalação do bloqueio é o débito
cardíaco, pois implica tempo circulatório entre o coração, os músculos laríngeos e o dia-
fragma16. Menor tempo para o início da ação é verificado em crianças pequenas, pois apre-
sentam maior débito cardíaco; o oposto se observa nos idosos. Há desdobramentos sobre
a forma de monitorização da transmissão neuromuscular, pois os músculos respiratórios
recebem maior fluxo sanguíneo que o adutor do polegar. Na prática, o início de ação é mais
bem monitorizado pela contração do músculo corrugador do supercílio17.
Em relação aos BNM, fatores como potência do fármaco, afinidade do organismo, taxa de
ligação ao receptor e dose empregada influenciarão o início de ação do bloqueio neuromuscular.
O bloqueio neuromuscular completo é obtido quando 90% dos receptores da placa
motora estão ocupados. O tempo de latência é inversamente proporcional ao número de
moléculas na biofase. A dose capaz de efetuar 95% de bloqueio neuromuscular é chamada
de DE95, e quanto menor a potência maior a DE95 e, por conseguinte, o número de moléculas.
Portanto, os agentes de menor potência apresentam maior velocidade de início de ação18.
Como Reduzir o Tempo de Início de Ação?
O emprego de técnicas alternativas no uso clínico dos BNM visa à manipulação mais
precoce da via aérea. Destacam-se as técnicas de doses fracionadas (priming dose); altas
doses de BNM; timing; combinação de diferentes BNM e o uso de sulfato de magnésio.
Doses fracionadas (dose priming)
O princípio dessa técnica consiste na administração de uma fração de 10% da dose de
intubação (subparalisante) e, depois de 3 a 6 minutos (o intervalo priming), a dose subse-
quente. O tempo necessário para o início de ação pode ser reduzido em 30 a 60 segundos.
A margem de segurança da junção neuromuscular é diminuída com a dose inicial, bloque-
ando de 50% a 70% dos receptores. A ação da dose paralisante é facilitada após o intervalo
priming19. Cabe ressaltar que apenas com 80% de receptores ocupados surgem os sinais de
fraqueza muscular. Outra justificativa é que a dose inicial seria capaz de atuar em receptores
pré-sinápticos, reduzindo a mobilização e a liberação de acetilcolina. Essa técnica não é isen-
ta de riscos, entre os quais se destacam: aspiração de conteúdo gástrico em pacientes com
estômago cheio; dispneia intensa após vecurônio e fraqueza muscular quando dose inicial
de 15% é empregada.
Timing
Quando a dose total do BNM é administrada antes da indução da anestesia, estamos
diante da técnica de timing. Cabe observar sinais de fraqueza muscular antes da injeção do
fármaco hipnótico. Particularmente, a presença de ptose palpebral, pois o músculo eleva-

190 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


dor da pálpebra tem sensibilidade correlata àquela do músculo diafragma. Problemas como
perda de reflexos protetores das vias aéreas e desconforto decorrente da fraqueza muscular
devem ser lembrados20. Uma variação dessa abordagem é a associação entre os BNM não
despolarizantes e despolarizantes, sequencialmente21.

Combinação de BNM
O princípio dessa técnica consiste na atuação pré-sináptica do primeiro BNM, para
inibir a mobilização e a liberação de acetilcolina. A seguir, o segundo BNM teria sua ação
facilitada nos receptores pós-sinápticos. Uma propriedade dos BNM é a afinidade variável
pelos receptores pós e pré-sinápticos.
Do ponto de vista farmacológico, podemos classificar os BNM não despolarizantes
de acordo com a estrutura química em benzilisoquinoleínicos e aminoesteroides. As
associações entre BNM acarretam efeito aditivo (agentes de mesma estrutura química)
ou sinérgico (agentes de estrutura química diferente), porém de intensidade imprevisí-
vel. Para alcançar 95% de bloqueio, basta somente um quarto da ED95 de cada fármaco
administrado conjuntamente, por exemplo, cisatracúrio 0,0125 mg/kg-1 com rocurônio
0,075mg/kg-1 22 .
Altas Doses de BNM
Tradicionalmente a infusão de duas vezes DE95 propicia boas condições de intubação
traqueal. Entretanto, a administração de três a oito vezes a DE95 visa alcançar as con-
dições ótimas em menos de 90 segundos. Com isso, os BNM de duração intermediária
comportam-se como de longa duração. Para o rocurônio 1,2 mg/kg-1 (quatro vezes a
DE95), oferece bloqueio neuromuscular completo em 55±14 segundos (média ± desvio
padrão) e duração clínica de 73±32 minutos23. Além disso, efeitos colaterais gerados pela
liberação de histamina (benzilisoquinoleínicos) e efeitos autonômicos (aminoesteróides)
são risco potencial.
Sulfato de Magnésio
O emprego de sulfato de magnésio (MgSO4) em dose igual ou superior a 30 mg/kg-1, no
mínimo 15 antes da administração de BNM não despolarizantes, propicia o encurtamento
do tempo de início de ação. Kim e col. demonstraram a associação do uso de MgSO4 e dose
priming com redução de 63% do tempo para o início de ação do rocurônio24. Em estudo
recente, Rotava e col. demonstraram que, em pacientes idosos, há o encurtamento do início
da ação do rocurônio, porém, com prolongamento da duração, compatível com os BNM de
ação longa25.
Para obter uma intubação em sequência rápida com segurança, os seguintes princípios
devem ser observados: pré-oxigenação; doses adequadas de agentes hipnóticos; intubação
entre 60 e 90 segundos e pressão sobre a cartilagem cricoide, com atenção para a dificuldade
potencial de visualização glótica.
Outro componente crítico para o controle da via aérea é evitar o bloqueio neuromuscu-
lar residual26,27. Para tanto, o uso rotineiro de monitores de transmissão neuromuscular e a
adequada reversão dos BNM representam elementos fundamentais28.

Uso dos bloqueadores neuromusculares no manuseio das vias aéreas | 191


Uso do Sugamadex
Estudos recentes têm mostrado que o uso de dose alta de rocurônio associada ao suga-
madex consegue a reversão do bloqueio neuromuscular mais precoce que o da succinilcoli-
na após indução em sequência rápida 29. Essa rápida reversão dos BNM com o sugamadex o
tem colocado como fármaco de resgate numa situação de não ventilo/não intubo (NVNI)
após administração de rocurônio. Ter à disposição o sugamadex parece trazer segurança e
até certo grau de confiança para o manuseio das vias aéreas. No entanto, há alguns pontos a
serem abordados.
Em seu trabalho de simulação de não ventilo/não intubo em manequim, Bisschops e
col. 30 mostraram que o tempo total para administrar o sugamadex após dose alta de rocurô-
nio foi de 6,7 minutos, seguidos de mais 2,2 minutos para sua ação esperada, totalizando 8,9
minutos para reversão completa da alta dose do rocurônio. Apenas 22% acertaram a dose;
56% a fizeram abaixo do recomendado e 22%, acima. A utilização de doses inferiores está
associada ao risco de recurarização31.
Em um relato de caso de uma situação não ventilo/não intubo feito por R. Curtis, para de-
monstrar o uso do sugamadex nesse contexto, não foi obtido êxito. A causa da situação NVNI
era obstrução após múltiplas tentativas de intubação em um paciente com lesão que já obstruía
as vias aéreas, em que inicialmente se considerou intubação acordado. O resgate eficaz foi al-
cançado com abordagem cirúrgica da via aérea obstruída32. Em um contexto de percepção de
uma situação de NVNI precocemente, o uso de sugamadex passa a ser uma opção a mais para
acelerar a recuperação da ventilação espontânea, o que não ocorreria se houvesse escolhido a
succinilcolina. A ventilação espontânea pode não retornar cedo o suficiente em pacientes que
receberam succinilcolina a ponto de evitar grave queda da saturação de oxigênio12.
Diante de dificuldades na ventilação sob máscara facial, em que não é possível optar pela
intubação traqueal, o sugamadex é escolha para o resgate da ventilação espontânea. Deve-se
ter em mente que haverá efeitos depressores da ventilação pelos outros fármacos adminis-
trados e que não se pode retardar a tomada de decisão para oxigenar o paciente, preconizada
por todas as diretrizes que tratam a situação NVNI. Diante de uma situação NVNI, pode
ser necessário abordagem invasiva da via aérea.

Conclusão
A conduta de checar a ventilação sob máscara facial antes da administração dos bloque-
adores neuromusculares não tem evidência científica e o uso desses agentes não só não a
dificulta como a facilita, podendo até ser fundamental, em alguns casos. Salvo, claro, as
situações em que tanto a indução anestésica quanto seu uso não sejam a melhor forma de
manuseio do paciente.
A disponibilidade do binômio rocurônio/sugamadex pode gerar uma sensação de segu-
rança no manuseio das vias aéreas danosa a todos os envolvidos. A confiança de fácil resolu-
ção diante da má evolução pode levar à redução no cuidado da avaliação pré-anestésica da
via aérea. Outros pontos de relevância estariam no uso do rocurônio/sugamadex em situa-
ções de obstrução das vias aéreas, em postergar um acesso invasivo e no tempo dispensado
para sua administração.

192 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


A não utilização de BNM para intubação traqueal está associada a sua maior dificuldade
e à maior incidência de desconforto pós-operatório para os pacientes.

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194 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 15

O sistema gastrointestinal
e sua relação com as
alterações perioperatórias
Florentino Fernandes Mendes
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Eduardo Manso de Carvalho Andrade
O sistema gastrointestinal e sua relação com as
alterações perioperatórias

Introdução
Entre as inúmeras alterações orgânicas que caracterizam o período perioperatório, as al-
terações gastrointestinais precisam ser levadas em consideração, pela potencial repercussão
sistêmica e interferência no desfecho pós-operatório. Diversos estudos têm demonstrado o
papel fundamental do intestino na propagação de doenças críticas1 e, atualmente, há uma
série de linhas de pesquisa que evidencia que, por meio de diferentes mecanismos fisiopato-
lógicos, esse órgão poderia atuar como o “motor” na origem e na propagação da sepse e da
resposta inflamatória sistêmica1,2 .
Considerando a resposta inflamatória, o intestino é um órgão complexo formado por
três estruturas: epitélio, tecido imune e flora comensal. A regulação, interação, mudança e
ativação dentro do complexo microambiente local têm impacto sistêmico, podendo mudar
o desfecho de pacientes com falência múltipla de órgãos.
Sabe-se que o sistema imune e a flora intestinal estão em constante evolução, permi-
tindo que o intestino desenvolva várias funções adaptativas para manter a homeostase
local. A parede intestinal é protegida por uma complexa flora comensal, por várias linhas
de defesa (tanto da imunidade inata quanto da adquirida) que, trabalhando em constante
interação, permitem o mais perfeito mutualismo entre o hospedeiro e os microrganismos
da flora intestinal.
Já está bem reconhecido o papel fundamental da flora intestinal na homeostase do hos-
pedeiro, mas sue desempenho ou influência da condição de saúde ou doença do indivíduo
começou a ser estudada e reconhecida há pouco tempo2 .
Embora haja grandes e importantes avanços clínicos e terapêuticos, a abordagem dos
pacientes com sepse e SIRS3 continua um grande desafio médico. Apesar da evolução nas
medidas de suporte, milhões de pacientes morrem a cada ano de choque séptico2 .
O objetivo deste texto é revisar o papel do intestino nas alterações perioperatórias que
são do interesse da anestesiologia.

Mucosa intestinal
A complicada arquitetura da mucosa do intestino tem uma superfície de troca de aproxi-
madamente 300 a 400 m2 2-5. A barreira intestinal tem funções desafiantes e que poderiam
ser consideradas conflitantes, pois, além de exercer mecanismos de defesa suficientes para
a proteção contra a passagem de grandes quantidades de microrganismos e substâncias do
meio externo, precisa atuar como uma estrutura com alta permeabilidade para absorver os
nutrientes necessários.

Epitélio
É o elemento fundamental para a função digestiva e a integridade do órgão2,3. A barreira
intestinal é formada pelos enterócitos, células colunares que formam uma camada única e

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que são unidas por complexas junções apicais (tight junctions). Essas junções constituem
uma barreira especializada de proteção, fecham os espaços paracelulares e permitem a cone-
xão com a superfície apical2 . Toda essa estrutura, junto com a secreção de mucina e agentes
antimicrobianos, previne e intervém na passagem direta de microrganismos, água, solutos e
células imunes pela mucosa intestinal2,3.
O epitélio é renovado constantemente por células tronco multipotentes que se originam
nas criptas de Lieberkuhn2 . Essas células-tronco dão origem a enterócitos de absorção, célu-
las caliciformes e células neuroendócrinas2 .
As células caliciformes (globet cells) secretam muco e formam uma película de gel na
superfície epitelial3. As células especializadas de Paneth, localizadas na base das criptas e
renovadas a cada três semanas2, secretam produtos antibacterianos, como α-defensina e
lisozima, regulam a densidade de microrganismos e protegem as células-tronco após expo-
sição a agentes bacterianos3.
As células M, estruturas especializadas responsáveis pela imunidade na mucosa 5, são
importantes na função imune pela capacidade de produzir citocinas ante estímulo inflama-
tório, ainda que na ausência de bacteremia ou translocação bacteriana.

Figura 1 – A barreira intestinal. Epitélio, células imunes e flora bacteriana comensal atuam juntos para
prevenir a invasão de substâncias potencialmente nocivas.

Flora comensal
A mucosa intestinal é colonizada por bilhões de bactérias luminais derivadas de mais
de 500 espécies diferentes2-4, entre as quais encontramos aeróbios, aeróbios facultativos e
bactérias anaeróbicas.

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Quando o objetivo é inibir a aderência de bactérias patógenas, a flora comensal interage com
o epitélio, alterando e aumentando a produção e a composição química do muco intestinal2,6.
A flora também tem a capacidade de induzir a produção de agentes bactericidas pelo epitélio,
com o objetivo de eliminar bactérias selecionadas. As células de Paneth, por exemplo, produzem
sustância bactericida (Ang4)7 que é liberada à luz intestinal em resposta a sinais de determinadas
bactérias, ajudando a manter a predominância de Gram-negativos na flora intestinal.
Em uma condição fisiológica, a microbiota também participa da produção de vitaminas,
da degradação de ácidos biliares e da digestão de nutrientes8.
Para alcançar perfeito mutualismo, o trato intestinal apresenta adaptações, sob vários
aspectos, à flora comensal. Quando essa relação é afetada, como em situações de imunode-
ficiência, pode predispor a doenças inflamatórias intestinais.

O intestino como órgão imune


O sistema imune tem papel complexo e fundamental na homeostase da mucosa intes-
tinal: intervém na prevenção do ingresso de patógenos no epitélio (e acesso à circulação
sistêmica)1,5, no balanço da resposta imune ante agentes infecciosos e na habilidade de não
reagir à imensa quantidade de antígenos presentes na luz intestinal4.
O tecido linfoide associado ao intestino (GALT) é o maior órgão linfoide do corpo5.
Aproximadamente 70% de todos os linfócitos do corpo humano estão concentrados no epi-
télio intestinal, e grandes quantidades de macrófagos e células dendríticas se encontram na
parede intestinal1.
O GALT é formado por1-5:
• linfócitos intraepiteliais;
• lâmina própria;
• gânglios linfoides mesentéricos presentes na lâmina própria, que podem também
estar associados a células epiteliais especializadas, Células M;
• placas de Peyer.
Imunidade inata – seus componentes estão localizados em lâmina própria e são capazes
de prevenir reações inflamatórias excessivas ante exposição da flora comensal na mucosa in-
testinal. Uma das importantes adaptações da imunidade inata, tendo como causa a diferen-
ça do microambiente no trato intestinal, acontece com a função dos macrófagos na lâmina
própria. Eles perdem a função de células apresentadoras de antígenos, convertendo-se numa
célula de potente atividade fagocítica e bactericida que ajuda eficientemente na prevenção
da passagem de bactérias à circulação sistêmica. Essa modificação permite que, apesar da
proximidade entre antígenos da luz intestinal e macrófagos, o epitélio intestinal apresente
mínimos sinais de inflamação.
Imunidade adaptativa – os linfócitos B e T (a maioria CD4+), localizados na lâmina
própria, constituem uma das principais linhas da imunidade intestinal. Mecanismos como
secreção de anticorpos IgA 2, eliminação de células infectadas pelos linfócitos T citotóxi-
cos e regulação quantitativa e qualitativa da resposta imune local são partes da imunidade

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adaptativa, pelo objetivo de manter um ótimo microambiente intestinal. Os linfócitos B
da mucosa (mais de 80% do total presente no organismo), que produzem IgA (cerca de 40
mg.Kg-1) e ajudam as células secretoras intestinais, servem como primeira linha de defesa na
superfície intestinal4,9.

O intestino e o processo inflamatório


O sistema imune e a flora intestinal se encontram em constante evolução, o que per-
mite ao intestino desenvolver várias funções adaptativas, a fim de manter a homeostase
local. Uma das mais importantes é a redução da produção de citocinas pró-inflamatórias,
que determinam efetiva atividade fagocítica e bactericida. Uma das mais fortes adaptações
acontece nos macrófagos intestinais, responsáveis pela remoção de células mortas, pelo re-
paro e pela remodelação das lesões teciduais, com o objetivo de manter a homeostase do
tecido intestinal4. Esse grupo celular se caracteriza pela menor seletividade na identificação
de receptores de patógenos (como os componentes dos lipopolisacarídeos, da fração Fc dos
receptores de IgA e de IgG e de receptores do complemento). Usualmente, a ativação desses
receptores leva à ativação celular e secreção de citocinas pró-inflamatórias, como FNT-α,
IL-1, IL-6, IL-8 e ativação de potente resposta imunológica adaptativa. No processo imune,
a fagocitose das células apoptóticas tem importância vital, o que causa alteração no compor-
tamento biológico dos macrófagos, que adquirem propriedades imunossupressoras.
Durante processos inflamatórios agudos, a degranulação de polimorfonucleares na mu-
cosa intestinal é rapidamente neutralizada pela produção de lipídios anti-inflamatórios, que
inibem a migração de neutrófilos.
Na mucosa intestinal, eosinófilos e mastócitos podem servir de ligação entre os siste-
mas imune e nervoso, através de interações com o sistema nervoso entérico e com a via de
secreção de citocinas e hormônios peptídicos, como sustância P, histamina e serotonina.
Essa interação poderia contribuir para a modulação da dor e para o início e a exacerbação da
inflamação intestinal1.
Mediadores da inflamação (FNT-α, IFN-γ, IL-3, IL-4) podem modular a permeabilidade
do epitélio intestinal, gerando mudanças nas junções intercelulares, por meio de mecanismos
ainda não bem elucidados. Um elemento importante, tanto para a integridade e a homeostase
intestinal quanto para o desenvolvimento de alterações estruturais que levam à doença, é o
oxido nítrico produzido pelos enterócitos, pelas células imunes e pela flora comensal9.
Em pacientes com sepse, a apoptose é estudada com o interesse de descobrir seu papel
na mortalidade. Estudos em modelos animais e achados de necropsia em humanos mos-
tram a existência de aumento seletivo da apoptose do epitélio intestinal e de linfócitos in-
traepiteliais3,10,11. É possível que o controle da apoptose intestinal influencie na sobrevida
à sepse, por meio da liberação de citocinas anti-inflamatórias e da supressão de citocinas
pró-inflamatórias12 .

Alteração do fluxo hepatointestinal durante a sepse


O f luxo sanguíneo hepatoesplâncnico corresponde a 23% – 30% do débito cardía-
co. Em estados de sepse ou choque séptico, observa-se importante variação do f luxo

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em função do débito cardíaco, do aumento da extração de oxigênio e do surgimento
de alterações anatômicas na circulação esplâncnica (44%)1. A vilosidade intestinal é
irrigada por uma única artéria, que se inicia na ponta da vilosidade e forma uma rede
de capilares na superfície, que, por sua vez, drenam em uma única veia central. Essa
organização estrutural, ao mesmo tempo em que viabiliza a difusão de moléculas vi-
tais como o oxigênio, favorece a ocorrência de hipóxia na vilosidade intestinal, mesmo
com reduções mínimas do conteúdo de oxigênio na macrocirculação ou do f luxo san-
guíneo esplâncnico13 .
Outra característica importante observada nos estados de sepse é a enorme variação na
saturação de oxigênio na superfície de diferentes segmentos intestinais, o que evidencia a
heterogeneidade da perfusão intestinal1.

Entendendo o intestino como o “motor” das doenças críticas


Há mais de 25 anos, Meakins e Marshall descreveram o intestino como o “motor” da
resposta inflamatória sistêmica11. Desde então, diversos estudos tentam definir o papel
do intestino no início e/ou na propagação das doenças críticas1,5. Várias hipóteses foram
estudadas, entre elas: a produção de mediadores pró-inflamatórios após a hipoperfusão
aumentaria a resposta inflamatória; a alteração na união das células epiteliais aumentaria
a permeabilidade e a ativação da cascata da inflamação; a produção de substâncias tóxicas
intestinais que, ao entrar em contato com os linfonodos mesentéricos, causaria alterações
pulmonares e aumento da apoptose epitelial após o quadro séptico10.
Apesar de importantes avanços acerca do conhecimento da fisiopatologia e do manejo da
sepse2, a compreensão do papel do intestino nesse cenário permanece um desafio. A morta-
lidade associada ao choque séptico permanece mundialmente elevada, apesar das múltiplas
medidas de suporte. Em necropsias, um achado comum é o aumento da apoptose no epitélio
intestinal e linfocitose2,10.
Clark e Coopersmith 2 descrevem dois mecanismos pelos quais o intestino pode iniciar
ou desencadear as alterações sistêmicas, que levam ao aumento da mortalidade: a perda
da função da barreira intestinal associada ao aumento de sua permeabilidade, permitindo
a translocação de bactérias, antígenos e endotoxinas da luz intestinal à circulação sistê-
mica por via hematogênica ou linfática, e a síntese maciça de mediadores inflamatórios
e toxinas produzidas no epitélio, com o potencial para causar, direta ou indiretamente,
alterações extraintestinais.

Alterações intestinais durante a sepse


O estado séptico determina mudanças sistêmicas e locais que podem perpetuar a res-
posta inflamatória. Como em toda doença crítica, observam-se redução significativa no
número de células do sistema imune, como os linfócitos intraepiteliais da mucosa intesti-
nal, e aumento expressivo da apoptose na lâmina própria e nas placas de Peyer10.
Não está claro o mecanismo pelo qual o estado séptico afeta a flora bacteriana intestinal,
mas os pacientes com SIRS têm menos bactérias anaeróbicas e mais bactérias patogênicas,
como estafilococos e pseudomonas14.

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Alterações gastrointestinais em outras comorbidades
Hepatopatia – existe estreita relação entre o fígado e o intestino. O sistema porta recebe
sangue do intestino e a função intestinal é afetada pelo fígado através da secreção de bile na
luz intestinal.
Os pacientes com cirrose hepática têm desequilíbrio da flora intestinal, com diminuição
de anaeróbios e aumento de aeróbios e de patógenos facultativos como o Clostridium6, além
de significativo aumento na circulação de endotoxinas bacterianas como lipopolisacarídeos,
lipoproteínas e lipopeptídios. A endotoxemia é a responsável pelo início do dano hepático e
leva à produção de citocinas e ao processo inflamatório6,8.
As complicações da cirrose – como infecções, encefalopatia hepática, peritonite bacte-
riana espontânea e disfunção renal – podem ter fatores intestinais em sua fisiopatologia,
como aumento da flora e disfunção do sistema imune e de fatores luminais que levam à
alteração da permeabilidade intestinal8.
Outros possíveis mecanismos de alteração do sistema intestinal durante a cirrose são
o retardo da motilidade intestinal, ocasionado pela alteração na circulação de hormônios
intestinais e peptídios, e a diminuição da síntese de anticorpos (IgA), lisozima e muco, que
propicia o surgimento de um ambiente acidótico propício ao crescimento bacteriano6. Por
conta desses mecanismos, há evidências de que alguns probióticos poderiam restaurar o
equilíbrio da microbiota, auxiliando no tratamento de complicações da doença hepática15.
Insuficiência Renal – o paciente submetido à terapia dialítica desenvolve um processo
inflamatório crônico que o torna suscetível a adquirir infecções com facilidade, e o sistema
gastrointestinal recebe pouca atenção como elemento a contribuir para essa condição. É
sabido que pacientes urêmicos apresentam aumento da microbiota intestinal aeróbica (106
bactérias.mL -1) e anaeróbica (107 bactérias.mL -1) no duodeno e jejuno, segmentos nos quais
existe pouca ou nenhuma flora intestinal em indivíduos saudáveis, e a síntese de toxinas pela
microbiota poderia ser causa de mortalidade durante a terapia dialítica16.

Considerações anestésicas
Manejo de Fluidos
Embora a definição da melhor estratégia permaneça incerta e controversa17, sabe-se que
a administração de fluidos no perioperatório tem papel importante no desfecho do pacien-
te18,19. A administração intravenosa de grandes quantidades de líquido no intraoperatório
ainda constitui prática bastante comum e, embora seja feita com os objetivos de expansão
do espaço intravascular, melhora da perfusão e da oxigenação tecidual e diminuição das
complicações pós-operatórias, é atualmente considerada conduta capaz de aumentar a mor-
bidade pós-operatória18.
Resultados perioperatórios apontam para uma administração de líquidos direcionada
por parâmetros hemodinâmicos, em contraponto à administração liberal, sem a considera-
ção de objetivos. Tem sido observado, especialmente na cirurgia colorretal, que uma condu-
ta individualizada, guiada por parâmetros hemodinâmicos minimamente invasivos deriva-
dos da monitorizarão cardíaca e do Doppler esofágico, melhora o desfecho dos pacientes18.

O sistema gastrointestinal e sua relação com as alterações perioperatórias | 201


O excesso de líquidos no perioperatório pode ocasionar aumento no tempo de esvazia-
mento gástrico18, alterações da permeabilidade intestinal e/ou alterações da cicatrização,
como deiscência anastomótica4.

Anestesia peridural
Estudos experimentais e clínicos têm atribuído à anestesia peridural benefícios no re-
sultado de cirurgias do sistema digestivo, como menor tempo de íleo, melhor qualidade da
analgesia, mobilização mais precoce, menor tempo para restabelecimento da via oral para
alimentação, maior tolerância ao exercício físico e melhor qualidade de vida 20-26.
A contratilidade do intestino é modulada por fatores neurais e humorais e pela intera-
ção entre os sistemas nervoso simpático e parassimpático. A anestesia peridural diminui o
tempo de íleo pós-operatório pela inibição do reflexo espinhal desencadeado pela dor, pelo
bloqueio da aferência nociceptiva e pelo bloqueio do simpático toracolombar, com preserva-
ção do funcionamento da inervação parassimpática. Diversos estudos desenhados para in-
vestigar a influência da analgesia peridural na duração do íleo após cirurgia gastrointestinal
mostram redução do tempo de íleo e maior eficácia do bloqueio em nível torácico quando
comparado ao bloqueio realizado em nível lombar24,25.
A hiperatividade simpática desencadeada pelo procedimento cirúrgico provoca
a inibição da motilidade. O predomínio da atividade parassimpática gastrointestinal
após os nervos torácicos e lombares simpáticos serem bloqueados pela anestesia peridu-
ral neutraliza a hiperatividade simpática, aumentando a estimulação dos movimentos
peristálticos do estômago, intestino delgado e cólon proximal (e reduzindo o tempo de
íleo, consequentemente)24-26 .
Em pacientes submetidos à laparotomia, a administração peridural de anestésico local,
quando comparada ao uso de opioides sistêmicos ou no espaço peridural, pode diminuir a
paralisia gastrointestinal ocasionada pelo manuseio das alças e por alterações de eletrólitos.
O uso de morfina peridural diminui o tempo de esvaziamento gástrico25.
Anestesia Peridural e Fluxo Sanguíneo Esplâncnico
O bloqueio simpático e suas consequências fisiológicas – como a redução dos níveis de
pressão arterial e frequência cardíaca – são diretamente proporcionais às doses de anestésico
local utilizadas e à extensão do bloqueio e produzem aumento significativo da capacitância
das veias mesentéricas. A dilatação da circulação esplâncnica que acompanha o bloqueio
torácico ou toracolombar não ocorre quando a anestesia se limita ao segmento lombar, que,
além de causar menor diminuição da pressão arterial, produz vasoconstrição das veias me-
sentéricas, prejudicando o fluxo esplâncnico21,22 .
Embora estudos sugiram que a diminuição na resistência da vasculatura esplâncnica e
o aumento do fluxo sanguíneo pelo bloqueio simpático possam interferir na anastomose,
melhorando a cicatrização e diminuindo deiscência anastomótica 20-24, uma metanálise,
com 562 pacientes incluídos, concluiu que não existe diferença significativa na ocorrência
de deiscência de anastomose em pacientes submetidos à anestesia peridural com anestésico
local, anestésico local e opioide ou opioide sistêmico ou peridural 27. Uma explicação para os
achados do estudo seria que, apesar do aumento do fluxo esplâncnico pela anestesia peridu-

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ral, este é acompanhado de uma redistribuição desse fluxo distante da zona de anastomose,
já que as veias junto a ela não têm a mesma capacidade de dilatação, ocasionando diminui-
ção do fluxo ao redor da anastomose21.
As variações da perfusão intestinal são um assunto relevante, pois estão associadas ao
aumento da morbidade e mortalidade27. No paciente crítico poderiam ser um ponto-chave
no aumento da permeabilidade da mucosa, na sepse e na falência múltipla de órgãos23.
Entre os efeitos da anestesia peridural estão as alterações da perfusão intestinal, por
meio do aumento ou da diminuição do fluxo esplâncnico. Vários estudos têm mostrado
que o bloqueio simpático após peridural torácica melhora o fluxo gastrointestinal e a per-
fusão da mucosa intestinal 23,24. Já Richards21 realizou uma revisão do efeito da anestesia
peridural na circulação esplâncnica e encontrou apenas dois estudos em humanos que
conseguiram medir diretamente o fluxo esplâncnico, com resultados divergentes. Um
deles concluiu que o bloqueio peridural produz a diminuição do fluxo sanguíneo na arté-
ria mesentérica inferior de até 80% relacionado com mudanças na pressão arterial média
e que não responde à fluidoterapia isolada, somente ao uso de medicamentos vasopresso-
res24, achado que seria de enorme implicação clínica. Estudos recentes em animais inves-
tigam o efeito protetor da anestesia peridural na sepse e no choque, através da prevenção
de vasoconstrição esplâncnica 24.

Uso de drogas vasoativas


É de vital importância no paciente com sepse grave o início do tratamento para diminuir
os efeitos das profundas alterações cardiovasculares que repercutem negativamente no fluxo
hepatoesplâncnico. Durante a sepse existem alterações histológicas na mucosa intestinal e
no fígado em resposta à hipoperfusão tecidual e ao aumento da demanda de oxigênio 4.
A vasculatura hepatoesplâncnica é prejudicada durante o choque séptico, o que poten-
cialmente leva a importante resposta inflamatória e, posteriormente, a síndrome de falência
orgânica. As drogas vasoativas são uma ferramenta terapêutica essencial também durante o
perioperatório, e a escolha da melhor droga é ainda controversa. Não existe evidência sufi-
ciente de que uma droga seja mais efetiva ou segura1.
Embora a dopamina apresente melhor perfil hemodinâmico4, existem diversos estudos
desenhados para verificar o uso de dopamina em doses baixas durante o choque séptico
que concluem que não há melhora da perfusão intestinal. O estudo de Nevière28 mostra
que ocorre diminuição do fluxo na mucosa intestinal em pacientes sépticos, porém, outros
determinam que esse efeito depende também da perfusão esplâncnica basal. Recentemente,
Jakob29 mostrou que a dopamina titulada até chegar ao aumento de 25% do débito cardíaco
induz ao aumento significativo no fluxo sanguíneo esplâncnico de 0,9 a 1,1 L.min-1.m2-1 que
se associa com diminuição do consumo de oxigênio esplâncnico.
Em pacientes sépticos, os resultados são controversos com o uso de altas doses de dopami-
na ou com dopamina e norepinefrina no fluxo esplâncnico. Diversos estudos concluem que a
dobutamina tem um efeito positivo no pH da mucosa intestinal e que, usualmente, aumenta
a perfusão esplâncnica1,30. A combinação de dobutamina com outras drogas (como a norepi-
nefrina) é utilizada por sua ação nos receptores β, melhorando a perfusão hepatoesplâncnica.

O sistema gastrointestinal e sua relação com as alterações perioperatórias | 203


A associação de drogas puramente α-agonistas, como a fenilefrina e a norepinefrina, leva a
diminuição do fluxo intestinal, maior consumo de O2 e diminuição no pH da mucosa.
Em pacientes sem resposta adequada à dopamina, o uso de epinefrina como droga única
poderia ser substituído pela associação de noradrenalina e dobutamina, já que restaura o pH
gástrico e limita o aumento da concentração de lactato arterial1.

Opioides
Os opioides endógenos (endorfinas, encefalinas e dinorfina) e exógenos diminuem a
atividade peristáltica do trato gastrointestinal. Os dois ativam os mesmos receptores no in-
testino, retardam o peristaltismo e alteram a atividade secretora, o transporte de eletrólitos
e fluidos e o esvaziamento gástrico30,31.
Os movimentos intestinais são regulados por mecanismos neuroendócrinos, endócrinos
e autócrinos. O sistema nervoso entérico intrínseco é formado pelo plexo mioentérico, que é
constituído por milhões de neurônios aferentes e eferentes, que liberam neurotransmissores
como acetilcolina, serotonina, peptídeo intestinal vasoativo e óxido nítrico. A quantidade
de serotonina no sistema gastrointestinal é essencial (95% do total está nesse órgão). Os
receptores 5HT1 e 5HT4 são importantes para a função de contratilidade intestinal.
O sistema nervoso extrínseco consiste num sistema autônomo simpático das fibras tora-
colombares e parassimpático do nervo vago. O intestino apresenta dois tipos de movimento
– segmentar e peristáltico. O movimento segmentar serve para misturar o conteúdo lumi-
nal; já os movimentos peristálticos envolvem o tônus muscular com o objetivo de movimen-
tar o conteúdo da luz intestinal.
O uso de agonistas de receptores opioides de forma aguda ou crônica contribui para o
surgimento de íleo pós-operatório e outras disfunções gastrointestinais. O íleo pós-opera-
tório é resultado de variáveis como a ativação simpática pelo estresse, o trauma cirúrgico,
a resposta inflamatória e a administração de opioides para o tratamento analgésico. É mais
comum após cirurgias abdominais ou pélvicas, mas pode acontecer após qualquer cirurgia
de grande porte. As disfunções intestinais causadas pelos opioides acontecem por sua ad-
ministração aguda ou crônica e é consequência direta das ações inibitórias dos opioides na
motilidade e secreção intestinal. Estudos sugerem que os opioides induzem constipação,
entre 40% a 90% dos pacientes em tratamento para dor crônica 31.
No sistema gastrointestinal foram localizados três tipos de receptor de opioides – mu,
delta e kappa. A morfina atua principalmente nos receptores mu que se encontram no siste-
ma nervoso central e periférico, além do sistema gastrointestinal. No intestino, a localização
varia com cada espécie e com a área intestinal estudada. Os receptores mu se encontram
distribuídos entre o plexo submucoso e o mioentérico, não existindo evidência de sua pre-
sença nas células da mucosa ou no músculo liso intestinal. A ativação dos receptores mu
inibe a liberação de neurotransmissores dos neurônios motores excitatórios, resultando
em movimentos intestinais não propulsivos. Em condições normais, a função dos opioides
endógenos não está totalmente esclarecida, mas parece desempenhar papel na modulação
da motilidade gastrointestinal, podendo, em condições de estresse, contribuir para o desen-
volvimento de íleo pós-operatório.

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Os opioides exógenos, via neuroeixo, também podem modular os movimentos gastroin-
testinais por meio da interação entre o sistema nervoso central e o intestinal. A morfina
também atua por via periférica, diminuindo a motilidade do estômago, do intestino delgado
e do intestino grosso.
Os receptores gastrointestinais também causam náuseas e vômitos, inibição do esvazia-
mento gástrico e dos movimentos peristálticos, aumentando o tempo do trânsito intestinal
e inibindo a secreção intestinal32,33.
A utilização de opioides como base para o controle da dor aguda perioperatória, espe-
cialmente na cirurgia gastrointestinal, vem sendo questionado no contexto de recuperação
acelerada proposto por projetos como o ERAS e o ACERTO.

Conclusão
O conhecimento dos intricados detalhes do funcionamento do sistema gastrointestinal
e suas implicações na resposta inflamatória e na sepse é importante para o entendimento e
para a condução de uma anestesia mais segura.

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O sistema gastrointestinal e sua relação com as alterações perioperatórias | 205


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206 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 16

Hipotermia em anestesia
ambulatorial
Ricardo Caio Gracco de Bernardis
Eduardo Brigatto Sperling
Marco Aurélio Damasceno Silva
Ligia Andrade da Silva Telles Mathias
Hipotermia em anestesia ambulatorial

Anestesia para cirurgias ambulatoriais


Definição
A anestesia ambulatorial é definida como todo procedimento anestésico em pacientes
submetidos à anestesia geral, regional ou combinada, para cirurgias, exames diagnóstico
ou procedimentos terapêuticos, com tempo médio de procedimento de 90 minutos, mas
pode alcançar de 3 a 4 horas de duração. A recuperação pós-anestésica e das funções físicas
e psíquicas deve ser rápida, visto que os pacientes precisam ter alta no dia da cirurgia, sem
pernoitar no hospital1.
A anestesia ambulatorial não é um procedimento recente, mas requer abordagem dife-
rente da qual muitos médicos estão acostumados quando preparam o paciente para a cirur-
gia ambulatorial. Estima-se que nas últimas quatro décadas as cirurgias ambulatoriais cres-
ceram de 10% para 70% de todos os procedimentos eletivos. O percentual de determinado
programa cirúrgico varia conforme a região do país e o tipo de hospital.
Os hospitais terciários exibem tendência a um percentual menor de procedimentos
ambulatoriais, enquanto os pequenos hospitais comunitários realizam até 80% de suas
cirurgias no setor ambulatorial. Não podemos ignorar a população de pacientes cirúrgico-
-ambulatoriais, que exige a necessidade de abordagem sistemática para garantir tratamento
apropriado, completo e seguro do número crescente de pacientes debilitados que retomam
para casa após o procedimento cirúrgico1.
Em 1984, com a criação da Society for Ambulatory Anesthesia (SAMBA), a anes-
tesia ambulatorial começou a ser vista como uma subespecialidade, em expansão, da
anestesiologia. Nos Estados Unidos, atualmente, mais de 70% de todas as cirurgias ele-
tivas são realizadas em regime ambulatorial, o que representa diminuição importante
do custo hospitalar1.
As técnicas anestésicas e o planejamento da anestesia ambulatorial devem levar em con-
sideração a segurança e o conforto do paciente e a recuperação da anestesia no menor tempo
possível, e a alta para casa em quatro horas tem sido considerada ideal.
Existem vantagens e desvantagens que devem ser consideradas pelo anestesiologista no
momento de sua escolha. É obrigatória a programação de alguma forma de analgesia pós-
-operatória, pelo menos para o período pós-operatório imediato1.
Existem poucos estudos que avaliam o impacto da hipotermia na recuperação dos pa-
cientes submetidos a procedimentos ambulatoriais, como o de Kim e col., em 2014, que
analisou o pré-aquecimento com fluidos e a ocorrência de hipotermia e tremor em cirurgias
ambulatóriais e verificou que o pré-aquecimento com fluido diminuiu a presença de hipo-
termia e tremor em cirurgias ambulatoriais de ginecologia e urologia 2 .
Lista e col., em 2012, avaliaram retrospectivamente 108 pacientes e verificaram o im-
pacto do aquecimento perioperatório no desfecho anestésico cirúrgico e concluíram que o
simples ato de monitorar a temperatura do paciente e mantê-lo normotérmico resulta em
conforto e menor tempo de recuperação pós-operatória3.

208 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Andrzejowski e col., em 2010, compararam dois sistemas de aquecimento de fluidos em
cirurgias ambulatoriais e concluíram que ambos foram eficazes na ocorrência de hipotermia
perioperatória e elevação da temperatura no pós-operatório4.
Torossian, em 2008, em trabalho de revisão, publicou um guia de orientação de con-
trole térmico no período perioperatório em etapas: a primeira no pré-operatório e antes da
medicação pré-anestésica, com questionamento ao paciente se estava confortável quanto à
temperatura e à realização de medida da temperatura oral. Se menor que 36°C, era iniciado
o aquecimento com dispositivo de fluxo de ar aquecido. No momento seguinte, a sala de
operação e os pacientes eram aquecidos 20 minutos antes da indução da anestesia. Foi re-
comendado o uso de dispositivos de aquecimento em todos os procedimentos com duração
superior a 60 minutos e uso de termômetro durante todo o procedimento (nasofaríngeo,
esofágico, vesical ou retal). No pós-operatório, também foi controlada a temperatura dos pa-
cientes até o momento da alta e usado um dispositivo de aquecimento ativo se a temperatura
do paciente estivesse menor que 36 °C5.
Sessler, 2010, orienta que se deve monitorar a temperatura em toda cirurgia com duração
superior a 30 minutos e a temperatura central deve ser mantida acima de 36 ºC. Também
informa que o sistema de aquecimento com fluxo de ar é o mais eficiente, com o menor custo
e seguro para essa finalidade6.
As publicações citadas, embora não sejam específicas para cirurgia ambulatorial, incluem
situações com tempo médio similar ao dos procedimentos ambulatoriais, assim, devem ser
consideradas para isso também.
A seguir, são abordados alguns aspectos relevantes da hipotermia e que devem ser recor-
dados antes da realização de procedimentos anestésicos ambulatoriais.

Hipotermia perioperatória
A temperatura corporal é regulada pelo equilíbrio entre a produção e a perda de calor.
A maior parte do calor do corpo humano é produzida em órgãos profundos, em seguida, é
transferido para a pele e, posteriormente, perdido no meio ambiente. Assim, a produção do
calor do organismo dependerá do metabolismo corporal e a perda derivará, principalmente,
da rapidez com que o calor pode chegar até a pele e a velocidade com que esse calor é perdido
da pele para o meio ambiente7.
O sistema termorregulador do homem mantém a temperatura corporal central em torno
de 37 ºC, assim, conserva as funções metabólicas. No paciente em estado de vigília, a tempe-
ratura central pode variar de 0,5 °C a 1 °C sem resposta do centro termorregulador8.
Durante o ato anestésico, é comum a ocorrência de hipotermia não intencional, com a
diminuição de 1 ºC a 3 ºC na temperatura, decorrente da inibição do centro termorregula-
dor e diminuição do metabolismo, induzida pela medicação anestésica e pela exposição do
paciente ao ambiente frio das salas cirúrgicas9. Essa faixa de variação da temperatura é mais
ampla no estado hipotérmico quando comparado ao hipertérmico9.
Definição de Hipotermia Perioperatória
A hipotermia é definida como temperatura corporal central menor que 36 °C e ocorre
frequentemente durante o procedimento anestésico, por causa da inibição do centro termor-

Hipotermia em anestesia ambulatorial | 209


regulador, do aumento da exposição corporal ao ambiente e da diminuição do metabolismo
e da produção de calor. É classificada em leve (34 ºC a 36 ºC), moderada (30 ºC a 34ºC) e
grave (menor que 30 ºC)7,8.
A hipotermia identificada pelo hipotálamo desencadeia mecanismos compensatórios
como vasoconstrição cutânea, termogênese sem tremor, tremores e alterações comporta-
mentais. A vasoconstrição cutânea é a primeira e mais importante resposta autonômica à
hipotermia, causando diminuição da perda de calor para o ambiente em 25%9.
Durante a anestesia e a cirurgia, vários fatores se combinam para interferir na termorre-
gulação normal: abolição das respostas comportamentais; aumento da exposição do pacien-
te ao meio ambiente; diminuição em 30% da produção de calor pela redução do metabolis-
mo; inibição da termorregulação central induzida pelos anestésicos e redistribuição interna
de calor no organismo. A condução, evaporação, convecção e irradiação contribuem para a
perda de calor para o ambiente durante a anestesia e a cirurgia8,9.
Entre os compartimentos central e periférico existe um gradiente de temperatura de 3 ºC
a 4ºC, tendo o compartimento central a temperatura mais alta. Esse gradiente é mantido por
meio da vasoconstrição, que cria uma barreira térmica entre os tecidos central e periférico8.
Fases da Hipotermia Perioperatória
A diminuição da temperatura corporal ocorre imediatamente após a indução de aneste-
sia geral ou regional, decorrente da redistribuição de calor do compartimento central para
o periférico9.
Primeira fase (redistribuição)
A redistribuição interna de calor no organismo após a indução anestésica é a causa mais
importante de hipotermia intraoperatória, sendo proporcional ao gradiente de tempera-
tura entre os compartimentos central e periférico. Muitos fatores alteram esse gradiente,
incluindo a temperatura ambiente, a quantidade de tecido adiposo e o uso concomitante de
fármacos anestésicos. Nas intervenções cirúrgicas com exposição das cavidades corporais,
ocorre maior perda de calor10,11.
A vasodilatação periférica transfere o calor central para a periferia e, subsequentemente,
para o ambiente onde o paciente se encontra. Na anestesia geral, a temperatura central dimi-
nui por causa do retardo do disparo da resposta de vasoconstrição, ante a presença da hipo-
termia. Com isso, ocorrem redução do gradiente entre as temperaturas central e periférica
e perda de calor para o meio ambiente. A maior parte desse calor perdido na anestesia geral
ocorre na primeira hora de anestesia e na ausência do uso de dispositivos de aquecimento
ativos, o que mostra que pode ocorrer também em cirurgias de pequeno porte, como em
anestesia ambulatorial. Essa diminuição pode ser de 1 ºC a 1,5 °C12 .
A redistribuição ajuda com aproximadamente 80% da perda de calor na primeira
hora de anestesia. A diminuição da temperatura central na anestesia geral provém da
redução do metabolismo decorrente da ação dos anestésicos, da exposição à tempera-
tura baixa da sala de operação, da administração de f luidos à baixa temperatura e da
aplicação de soluções para a assepsia da pele do paciente, com perda superior a 5% do
calor nessa primeira fase13 .

210 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


A Figura 1 representa o fenômeno de redistribuição de calor que ocorre após a indução
da anestesia7.

Ilustração mostrando a temperatura em cada Ilustração mostrando a temperatura em cada


um dos compartimentos do corpo antes da in- um dos três compartimentos do corpo após a
dução da anestesia. Adaptado de Sessler (1994) indução anestésica. Adaptado de Sessler (1994)

Segunda fase (linear)


Na segunda hora de anestesia sem o uso de dispositivos de aquecimento ativos, o pacien-
te pode apresentar diminuição de 1 °C a 2 °C da temperatura central. A redistribuição de
calor é responsável por 40% da diminuição da temperatura central para a periférica nessa
fase da anestesia. A maior parte do calor é perdida por causa da redução do metabolismo,
infusão de fluidos hipotérmicos endovenosos e exposição da superfície do corpo do paciente
e da ferida operatória ao ambiente14.
Terceira fase (platô térmico)
A terceira fase da hipotermia, plâto térmico, normalmente ocorre na terceira hora da
anestesia. O plâto é caracterizado pelo relativo equilíbrio da temperatura central, mesmo
com o prolongamento da anestesia por mais horas. A perda de calor continua, mas a tempe-
ratura é preservada por causa da restauração do equilíbrio do gradiente entre as temperatu-
ras central e periférica e da ativação dos mecanismos autonômicos termorreguladores. Na
fase do platô, a temperatura central pode alcançar entre 34 °C a 35°C14.
A Figura 2 representa a diminuição da temperatura durante a anestesia.

Figura 2 – Ilustração adaptada mostra o com-


portamento da temperatura central durante
a anestesia e as diferentes fases. Retirado do
trabalho da Dra. Kurz A, de 200813.

Hipotermia em anestesia ambulatorial | 211


Hipotermia e pré-operatório
Algumas características pré-operatórias dos pacientes são preditoras para hipotermia no
intraoperatório. De acordo com estudos encontrados na literatura, observa-se forte associa-
ção entre hipotermia, idade e IMC. Quanto aos outros fatores, como gênero e classificação
do estado físico (ASA), há escassez de publicação15.
A ocorrência de hipotermia excessiva nos idosos se deve à inadequação da ativação da
resposta das defesas termorregulatórias. Consistente com essa teoria, vários fatores de con-
trole termorregulatório nos idosos são menos eficientes que os dos jovens, como a vasocons-
trição, que é a primeira resposta autonômica ao frio e o limiar ao tremor. Os mecanismos
eferentes no recém-nascido e na criança são menos efetivos que nos adultos15.
Assim, extremos de idade, doença grave e efeito de fármacos podem provocar distúrbios
térmicos, mesmo em ambiente normal, e determinar resposta aberrante ou inadequada
quando ocorrerem alterações da temperatura ambiente15.

Hipotermia e eventos adversos


A hipotermia é um evento adverso frequente que ocorre em torno de 70% dos pacientes
no período perioperatório e pode ocasionar complicações. A implementação de medidas
para a prevenção e o tratamento da hipotermia, no período perioperatório, não apenas reduz
a experiência sensorial desagradável do paciente, como consiste em conduta eficaz no con-
trole das complicações associadas a esse evento7,9.
Algumas complicações são apresentadas no Quadro 1:
Quadro 1 – Complicações da hipotermia9,12
Alterações Tipos de Complicação
Isquemia miocárdica
Sistema
Hipertensão arterial
Cardiovascular
Taquicardia
Coagulopatia
Sistema de Coagulação Trombose venosa profunda
Ativação plaquetária
Sistema Imunológico Aumento da incidência de infecção no local cirúrgico
Hipocalemia
Hidroeletrolíticas Hipomagnesemia
Hipofosfatemia
Acidose metabólica
Hiperglicemia ou hipoglicemia
Resistência periférica à insulina
Endócrino-metabólicas
TSH - hormônio estimulante da tireoide
Corticoides
Insulina

212 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Até mesmo a hipotermia leve aumenta o nível sérico de catecolaminas, que leva a taqui-
cardia, hipertensão arterial, vasoconstrição sistêmica e desequilíbrio entre a demanda e a
oferta de oxigênio ao miocárdio, além de aumentar a irritabilidade miocárdica16.
A diminuição de 1,9 ºC na temperatura central triplica a incidência de infecção no
local da operação após ressecção de cólon e aumenta em 20% a duração da hospitalização,
o que também gera aumento dos custos hospitalares. Ainda não está estabelecido se a
hipotermia pode estar relacionada com infecção de outros locais, como pneumonia17,18.
Pacientes submetidos à cirurgia abdominal que apresentaram hipotermia perioperató-
ria tiveram permanência hospitalar prolongada e aumento da frequência de infecção de
ferida operatória19.
O tremor aumenta em 200% a 600% o consumo de oxigênio e promove descarga simpa-
toadrenal, podendo desencadear isquemia miocárdica em pacientes suscetíveis e aumentar
as pressões intraocular e intracraniana17,20,21.

Ação dos agentes anestésicos


A maioria dos anestésicos é vasodilatadora e todos alteram o controle central da tempe-
ratura, por meio do hipotálamo, inibindo a vasoconstrição termorreguladora tônica normal
do organismo e os tremores21.

Aspectos dos tipos de anestesia e risco de hipotermia


Anestesia Geral
A indução anestésica reduz 20% da produção metabólica de calor, além de abolir as res-
postas fisiológicas termorreguladoras normalmente desencadeadas pela hipotermia. Se a
temperatura não é mantida ativamente, a hipotermia tende a ocorrer 9.
A maioria dos anestésicos possui ação vasodilatadora e todos alteram o controle central
da temperatura, inibindo as respostas termorreguladoras contra o frio, como vasoconstri-
ção e tremores musculares11,13.
Os opioides e o propofol, por exemplo, diminuem, de maneira linear, o limiar de va-
soconstrição e tremores. Já os agentes halogenados diminuem de maneira não linear o
limiar de resposta ao frio. Consequentemente, em um paciente anestesiado, as respostas
termorreguladoras serão desencadeadas a uma temperatura mais baixa do que naquele
não anestesiado8,11.
Antes que a hipotermia desencadeie vasoconstrição periférica, esforços devem ser feitos
para aquecer o paciente e diminuir a perda de calor para o ambiente8.

Anestesia Regional
A anestesia subaracnóidea inibe o controle central termorregulador através do
bloqueio do sistema nervoso simpático periférico e dos nervos motores, que abolem
a vasoconstrição e os tremores. A redistribuição fica restrita aos membros inferiores
e continua sendo a principal causa de hipotermia perioperatória nesses pacientes. Sua
magnitude varia conforme o estado térmico inicial do paciente e pode ser atenuada
pelo aquecimento dos membros inferiores antes do início da anestesia. Como há menor

Hipotermia em anestesia ambulatorial | 213


redistribuição inicial em pacientes sob anestesia regional, a fase de hipotermia linear
será desencadeada à temperatura mais alta, resultando em uma temperatura 50% menor
do que sob anestesia geral14.
A fase de hipotermia linear se desenvolve com menor velocidade, uma vez que a taxa
de produção metabólica de calor permanece próxima ao normal. A presença e a extensão
dos bloqueios simpático e motor impedem o aparecimento de vasoconstrição termorre-
guladora e essa fase linear não é interrompida como acontece durante a anestesia geral.
Consequentemente, pacientes submetidos a intervenções cirúrgicas de grande porte sob
anestesia regional têm risco aumentado de desenvolver hipotermia grave. As regiões que
não estão sob bloqueios simpático e motor podem desencadear respostas termorregula-
doras se o limiar reduzido dos tremores for atingido e o paciente não for idoso ou não
estiver excessivamente sedado7.
Entretanto, tremores restritos às extremidades superiores do organismo são relativamen-
te ineficazes e insuficientes na prevenção de hipotermia adicional17.
Hipotermia decorrente de anestesia regional é frequente e depende mais da magni-
tude e da duração do procedimento cirúrgico do que das características do paciente.
Raramente a temperatura é aferida e a hipotermia é diagnosticada durante bloqueios
centrais, exceto quando já é esperada. Entre os vários locais de monitorização duran-
te a anestesia espinhal, constatou-se que medidas mais precisas são obtidas com a
temperatura retal por causa da vasoconstrição cutânea compensatória acima do nível
do bloqueio19.

Anestesia Combinada
Ela representa a situação de maior risco de hipotermia perioperatória não intencional.
A redistribuição inicial nas quatro extremidades leva rapidamente à hipotermia, e a fase
linear desenvolve-se sob maior velocidade. A anestesia regional per si diminui o limiar de
vasoconstrição e, quando sobreposta à anestesia geral, tem seu efeito somado. Como re-
sultado, a vasoconstrição é desencadeada mais tardiamente e sob menor temperatura. Por
outro lado, a anestesia geral inibe os tremores que poderiam aumentar a produção interna
de calor durante a anestesia espinhal. Mas o fator mais importante decorrente da associação
é a abolição da vasoconstrição nas extremidades inferiores por causa do bloqueio de nervos
periféricos. A vasoconstrição exclusivamente central é ineficaz e a temperatura continua a
declinar, não atingindo a fase de platô7.

Anestesia Local
A infiltração com anestésico local não causa bloqueio na condução dos estímulos do
sistema termorregulador perioperatório, mas alguns pacientes submetidos à anestesia local
também recebem sedação ou analgesia com opioides e/ou hipnóticos, como propofol, que
inteferem no funcionamento do sistema termorregulador. O midazolam é o único anesté-
sico entre os agentes anestésicos que aparentemente não altera o sistema termorregulador.
O risco de hipotermia deve ser considerado quando o paciente está sedado ou sob analgesia
com anestésico local14.

214 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Monitoração da temperatura
A temperatura corporal central deve ser monitorada e mantida ao redor de 36 ºC em
todo paciente submetido a procedimento com mais de 60 minutos de duração, em interven-
ções cirúrgicas de grande porte sob anestesia geral ou regional e procedimentos em que a
indução de hipotermia é indicada21.
A monitoração da temperatura central durante o ato anestésico proporciona detecção preco-
ce de hipotermia e pode facilitar o controle térmico durante e após o procedimento cirúrgico10.
O local de monitoração da temperatura deve ser cuidadosamente escolhido, de acordo
com o objetivo de controlar a temperatura do local cirúrgico ou visando à temperatura cen-
tral. Os mais utilizados são nasofaringe, membrana timpânica, oral, reto e esôfago. Outros
locais também utilizados são: bexiga, axila e artéria pulmonar15.
Medições realizadas na artéria pulmonar e no esôfago têm boa relação com a tempera-
tura do coração, enquanto medições realizadas na membrana timpânica e na nasofaringe
estimam bem a temperatura do sistema nervoso central15.
Podem-se obter medidas confiáveis da temperatura periférica com o uso de termômetros
axilar, vesical ou retal, que avaliam adequadamente a temperatura periférica, desde que o
paciente não esteja sob condições térmicas extremas15.
Em pacientes sob anestesia geral, em que foi utilizada máscara laríngea, podem-se uti-
lizar sensores acoplados em sua parte distal, para obter boa relação com a temperatura da
membrana timpânica, com variações de temperatura inferiores a 0,5°C21.
A temperatura axilar corresponde à central quando o braço está corretamente posiciona-
do em adução. Representa medida menos confiável que a vesical e a esofágica10.

Estratégias de prevenção de hipotermia


O método mais efetivo de manutenção de normotermia intraoperatória é a prevenção
por meio de aquecimento prévio e aquecimento pré-anestésico, com o objetivo de aquecer
o compartimento periférico em maior escala que o compartimento central. Assim, após a
indução anestésica, a redistribuição de calor será menor quanto menor o gradiente entre os
compartimentos central e periférico, resultando em menor hipotermia7,22 .
O aquecimento pré-anestésico diminui a redistribuição da temperatura por dois meca-
nismos: reduz a diferença entre as temperaturas periférica e central e induz a vasodilatação,
o que facilita a transferência de calor para o compartimento central, já que o periférico está
sendo ativamente aquecido22 .
O aquecimento pré-anestésico a 43 °C é eficaz na prevenção da redistribuição. Este ge-
ralmente não aumenta a temperatura central, porém sudorese e desconforto térmico podem
ocorrer se o aquecimento for superior a uma hora7.
Após a indução da anestesia, sem o aquecimento prévio, um período de hipotermia é
comum, mesmo se utilizado aquecimento ativo no intraoperatório22 .
Alguns fatores limitam o uso rotineiro do aquecimento pré-anestésico no centro cirúr-
gico. Entre estes, pode ser citado o tempo necessário de aquecimento, associado à potência
de calor do dispositivo de aquecimento que interfere na máxima eficácia do aquecimento
do paciente23,24.

Hipotermia em anestesia ambulatorial | 215


O uso da manta térmica com fluxo de ar aquecido é considerado o método mais efetivo
e rápido para aumentar a temperatura periférica do paciente; à temperatura de 42 ºC, au-
menta a temperatura central em 0,75 ºC por hora em média11. O paciente pode apresentar
sudorese, desconforto térmico e aumento do metabolismo por causa da elevação da tempe-
ratura corpórea13.
Com o uso do aquecimento pré-anestésico, a hipotermia após a indução tem início mais
lento e é menos intensa, uma vez que há aumento das temperaturas periférica e central, sem
alterar as taxas de produção metabólica8.

Métodos de aquecimento
Temperatura ambiente suficientemente elevada (> 23 ºC) mantém ou restabelece a nor-
motermia durante a anestesia, porém gera desconforto térmico para a equipe anestésico-
-cirúrgica e piora seu desempenho cognitivo7.
Estratégias de aquecimento ativo ou passivo devem ser empregadas7. Aquecimento
passivo é um método de baixo custo e eficaz. Consiste em cobrir e aquecer, durante o
intraoperatório, toda a superfície cutânea possível com o uso de lençóis, cobertores ou
mantas, para reduzir a perda de calor em 30%. O aquecimento com cobertores não gera
transferência adicional de calor, tornando-o apenas mais confortável11. A temperatura da
sala cirúrgica também é fator determinante na perda de calor, e deve-se evitar que fique
mais baixa que 22 °C12 .
Cobertores ou colchões com circulação de água são benéficos apenas quando colocados sobre
o paciente. Cobertores elétricos também podem ser utilizados. A vasodilatação periférica induzi-
da pelos agentes anestésicos proporciona transferência intercompartimental de calor, facilitando
o deslocamento do calor aplicado à superfície cutânea para o compartimento central12.
Sistemas que envolvem a circulação de ar aquecido são excelentes e diminuem perdas de
calor por irradiação. Esses aquecedores transmitem de 30 W a 50 W para a superfície cutânea11.
O aquecimento ativo, além de ser o método mais efetivo, pode reverter a hipotermia já insta-
lada. A área total a ser coberta é crucial. O aquecimento da região anterior é mais efetivo que o
da parte em contato com a mesa de operação, uma vez que pouco calor é perdido por condução9.
Existem no mercado mantas térmicas de corpo inteiro, de membros superiores ou de
membros inferiores, e, mais recentemente, são encontrados aventais térmicos, que têm o
formato de avental e cobrem do pescoço à altura dos joelhos, na região anterior e posterior
do corpo. Outro método utilizado são os cobertores elétricos. Estudos sugerem que sua efi-
ciência é semelhante ao sistema de ar aquecido. A utilização de vestimentas com circulação
de água aquecida consegue transferir mais calor para o organismo que os sistemas de circu-
lação de ar aquecido, aquecendo 0,4°C por hora, mais rápido9.
A infusão de soluções aquecidas é útil na manutenção da temperatura corporal central,
mas não funciona no tratamento da hipotermia13.

Recuperação anestésica e hipotermia


Na recuperação da anestesia ocorre a diminuição da concentração dos anestésicos no sistema
nervoso central e o organismo é capaz de iniciar novamente as respostas termorreguladoras11.

216 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Tremores são desencadeados para compensar o déficit perioperatório de calor e elevar
a temperatura central à custa do aumento da taxa metabólica e do consumo de oxigênio,
para que a temperatura corporal retorne ao índice de normalidade. Eles são extremamente
desconfortáveis ao paciente, o que justifica a prevenção e o tratamento, mesmo que todas as
outras complicações relacionadas à hipotermia não estejam presentes17.
O tratamento do tremor pós-operatório é realizado com o aquecimento cutâneo ativo e a
utilização de opioides, se necessário. Qualquer fármaco que diminua o limiar do tremor vai
tratá-lo de maneira efetiva. Opioides constituem os fármacos de primeira escolha, porque
causam pequena sedação e controlam a dor que, geralmente, coexiste com os tremores20.
O conforto térmico na sala de recuperação anestésica é prejudicado pela hipotermia. Os
pacientes geralmente se lembram da sensação de frio e dos tremores, relatando-os como
desagradáveis e, muitas vezes, os considerando pior que a dor cirúrgica17.

Conclusão
Os procedimentos ambulatorias são rotineiramente de curta duração e com alta hospi-
talar no mesmo dia, mas, de acordo com esta revisão, quanto aos cuidados com o controle
da temperatura, devemos monitorar todos os procedimentos com duração superior a 30
minutos, utilizar dispositivos de aquecimento ativos sempre que for identificada tempera-
tura central inferior a 36 °C e for possível iniciar o aquecimento pré-anestésico naqueles
procedimentos com maior risco de hipotermia.

Referências bibliográficas:
1. White PF, Eng MR. Ambulatory (outpatient) anesthesia, em: Miller RD, Eriksson LI, Fleisher LA et al. Miller’s
Anesthesia, 7th Ed. Philadelphia, Churchill Livingstone, 2010;2.419-2.459.
2. Kim G, Kim MH, Lee SM et al. Effect of pre-warmed intravenous fluids on perioperative hypothermia and shivering
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3. Lista F, Doherty CD, Backstein RM et al. The impact of perioperative warming in an outpatient aesthetic surgery
setting. Aesthet Surg J, 2012;32:613-620.
4. Andrzejowski JC, Turnbull D, Nandakumar A et al. A randomized single blinded study of the administration of pre-
-warmed fluid vs active fluid warming on the incidence of peri-operative hypothermia in short surgical procedures.
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Hipotermia em anestesia ambulatorial | 217


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218 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


Capítulo 17

Apneia obstrutiva do sono:


um chamado à ação
Giovanni Menezes Santos
Apneia obstrutiva do sono: um chamado à ação
A Sociedade Americana de Anestesiologia publicou recentemente suas diretrizes práti-
cas para o manejo perioperatório de pacientes portadores de apneia obstrutiva do sono1. Por
causa de sua importância, essas diretrizes merecem especial atenção por parte dos aneste-
siologistas envolvidos no atendimento desse grupo particular de pacientes. Por esse motivo,
examinaremos aqui os aspectos mais relevantes desse mal, objetivando uma interpretação
lúcida do texto e sua adaptação a nossa realidade.

Diretrizes, cuidados necessários


Em sua introdução, alguns elementos importantes acerca das diretrizes são elencados,
a saber: tem a função de auxiliar médicos e pacientes a tomar decisões concernentes à do-
ença; são recomendações que podem ser adotadas, modificadas ou rejeitadas, de acordo
com as necessidades clínicas e restrições presentes; além disso, não devem ser considera-
das padrão ou requisito absoluto. E também ressaltam que seu uso não assegura nenhum
resultado específico.
Aqui fica clara a prudência com a qual os próprios autores tratam as diretrizes. Não a de-
finem como regra rígida que deva ser obedecida sem levar em conta os aspectos particulares
dos pacientes e o meio em que estão inseridos. E tampouco garantem qualquer resultado es-
pecífico. Ou seja, uma ferramenta que pode ser útil, em especial se observadas as condições
para sua execução. Portanto, a conclusão óbvia que se segue é: não é uma verdade absoluta.

Definição
A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é caracterizada pela obstrução pe-
riódica, parcial ou total das vias aéreas superiores durante o sono. Isso causa despertares
repetitivos para reestabelecer a permeabilidade das vias aéreas, o que pode levar à hiper-
sonolência diurna e a outras manifestações de sono fragmentado, como agressividade ou
comportamento distraído em crianças. A obstrução das vias aéreas também pode causar
queda periódica da saturação de hemoglobina associada ao sono, hipercarbia ocasional e
disfunção cardiovascular. No período perioperatório, tanto os pacientes adultos quanto os
pediátricos com SAOS, mesmo se assintomáticos, representam um desafio especial, que
deve ser enfrentado para minimizar o risco de morbidade e mortalidade.

Avaliação pré-operatória
A avaliação pré-operatória deve ser realizada levando-se em conta os elementos de exame
clínico que elevam a suspeita de SAOS: índice de massa corporal >35 em adultos; percentil >
95% em crianças; circunferência do pescoço acima de 17 polegadas (43,18 cm) para homem
e 16 polegadas (40,64 cm) para mulher; anormalidades craniofaciais que acometem as vias
aéreas; obstruções anatômicas nasais; amígdalas que se aproximam da linha média. Além
disso, é importante a história de aparente obstrução de vias aéreas durante o sono, como:
ronco em especial, o que pode ser ouvido com a porta fechada; ronco frequente; pausas
respiratórias observadas durante o sono; acordar do sono com sensação de sufocamento;

220 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


despertar frequente durante o sono. Em pacientes pediátricos: vocalização durante o sono;
informe de familiares sobre sono inquieto; dificuldade respiratória ou esforço respiratório
durante o sono; terror noturno; posições não convencionais de dormir e enurese de início
recente. A história de sonolência é relevante, em especial se o sono diurno for frequente, a
ponto de o paciente dormir rapidamente diante de situações não estimulantes (ler, dirigir
automóveis) mesmo com sono “adequado”. Em pacientes pediátricos, a presença de relatos
de familiares ou professores de que a criança parece sonolenta durante o dia, é distraída
facilmente, é agressiva e irritável ou se tem dificuldade de concentração. Também a dificul-
dade de acordar no momento usual.
Na presença de dois ou mais sinais/sintomas descritos anteriormente, existe uma proba-
bilidade significativa de o paciente ter SAOS. A gravidade da SAOS deve ser determinada
pela polissonografia. Entretanto, se um ou mais dos seguintes sintomas observados forem
gravemente anormais – IMC e circunferência do pescoço aumentados, pausas respiratórias
aterrorizantes para o observador, o que paciente dorme em minutos sem ser estimulado e
sem outra explicação –, esses pacientes devem ser considerados como tendo SAOS grave.
Uma vez identificado o paciente portador de SAOS, o cirurgião, em conjunto com o
anestesiologista, deve decidir sobre:
1. conduzir o paciente somente com critérios clínicos;
2. requisitar polissonografia;
3. iniciar o tratamento para SAOS antes da cirurgia.
No caso de a avaliação pré-operatória não ser realizada, como nas cirurgias de urgência,
o anestesiologista e o cirurgião devem decidir pela instituição do tratamento específico
baseado em critérios clínicos. É bom lembrar que os critérios clínicos têm alto grau de sen-
sibilidade e baixo grau de especificidade, o que pode levar alguns pacientes a serem tratados
mais agressivamente do que o necessário, tendo em vista que o foco principal é a segurança.

Cirurgia ambulatorial ou em caráter de internação hospitalar


Alguns elementos devem ser considerados para definir se a cirurgia será ou
não ambulatorial:
• a gravidade da SAOS;
• anormalidades anatômicas e fisiológicas;
• doenças coexistentes,
• o tipo de cirurgia;
• o tipo de anestesia;
• a necessidade de opioides no pós-operatório;
• a idade do paciente;
• a qualidade da observação no pós-operatório;
• características do ambiente ambulatorial.
A decisão sobre qual regime é o mais adequado para a execução da cirurgia deve ser
tomado em conjunto por anestesiologista, cirurgião e paciente, levando-se em conta que a
segurança é um dos principais pilares do atendimento médico.

Apneia obstrutiva do sono: um chamado à ação | 221


Preparo pré-operatório
O uso do CPAP (continuous positive airway presssure) deve ser instituído, especialmen-
te se a SAOS é grave. Caso não haja boa resposta, o uso do NIPPV (non-invasive positive
pressure ventilation) pode ser utilizado. A perda de peso e os dispositivos de avanço mandi-
bular devem ser considerados, quando possível. Além disso, não deve ser esquecido que os
pacientes portadores de SAOS podem apresentar via aérea difícil e, portanto, ser conduzidos
conforme essa condição clínica. Os pacientes submetidos à uvulopalatoplastia ou cirurgia
de avanço mandibular permanecem sob risco de SAOS, exceto se os sintomas desaparece-
rem e a polissonografia for normal.

Conduta intraoperatória
Os pacientes portadores de SAOS têm maior propensão ao colabamento das vias aéreas e
à privação do sono. Além disso, são especialmente suscetíveis ao efeito depressor respirató-
rio de sedativos, opioides e anestésicos inalatórios. Portanto, a técnica anestésica empregada
deve levar em conta estas particularidades:
a) procedimentos de superfície podem ser mais bem conduzidos sob anestesia local ou
bloqueio regional, com sedação leve ou moderada;
b) o uso de sedação moderada demanda monitorização por capnografia, por causa do
risco de que a obstrução de via aérea passe desapercebida;
c) o uso de CPAP intraoperatório deve ser considerado nos pacientes que já fazem uso
dele e serão submetidos à sedação;
d) o uso de anestesia geral com a via aérea assegurada é preferível à sedação profun-
da sem proteção de via aérea, em especial nos procedimentos que mecanicamente
a comprometem;
e) os pacientes com SAOS devem ser extubados acordados, exceto se houver contraindicação;
f) o bloqueio neuromuscular deve estar completamente revertido antes da extubação;
g) quando possível, a extubação e a recuperação desses pacientes devem ocorrer em po-
sição lateral e semielevada.

Conduta pós-operatória
Considerando o risco do uso de opioides nesse grupo de pacientes, algumas condutas,
visando ao seu uso racional, devem ser consideradas:
• o uso de técnicas regionais analgésicas;
• o uso racional de opioides no neuroeixo, uma vez que sua distribuição rostral pode
causar depressão respiratória. Considerar que o uso de anestésico local puro pode
ser uma boa opção;
• se for utilizado o regime de analgesia controlada pelo paciente, a infusão basal de
opioide deve ser evitado ou usado com cautela extrema;
• o uso de analgésicos anti-inflamatórios não esteroides e outras formas de analgesia
(gelo, estimulação elétrica transcutânea), com o intuito de diminuir o uso de opioi-
des, deve ser considerado;

222 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV


• o uso concomitante de sedativos, como benzodiazepínicos e barbitúricos, deve ser
desencorajado, pelo risco de depressão respiratória e obstrução de vias aéreas;
• oxigênio suplementar deve ser administrado aos pacientes com SAOS, até que eles
sejam capazes de manter sua saturação de oxigênio próxima ao nível basal em ar am-
biente. O uso de oxigênio suplementar pode aumentar a duração dos episódios de
apneia e dificultar a detecção de atelectasia, apneia transitória e hipoventilação pelo
oxímetro de pulso;
• pacientes que fazem uso pré-operatório de CPAP ou NIPPV devem mantê-lo durante
a internação hospitalar, exceto se o tipo de cirurgia contraindicar. O uso do próprio
aparelho aumenta a adaptação do paciente;
• idealmente, os pacientes de alto risco perioperatório com SAOS devem estar em posi-
ção não supina durante o processo de recuperação;
• monitorização: pacientes hospitalizados com SAOS apresentam maior risco de com-
prometimento respiratório, por isso, após deixarem a sala de recuperação pós-anes-
tésica (SRPA), deveriam ser monitorizados com oximetria de pulso continuamente.
Isso pode ser feito em ambiente de cuidados intensivos, semi-intensivos ou mesmo em
enfermaria, desde que um profissional treinado o esteja acompanhando. Essa monito-
rização deve ser mantida pelo tempo que o paciente persista sob risco;
• caso haja episódios de obstrução grave das vias aéreas ou hipoxemia, a instituição de
CPAP ou NIPPV deve ser considerada.

Critérios para alta para locais não monitorados


Pacientes com SAOS têm risco perioperatório aumentado, por isso, não devem ser libe-
rados da SRPA para local não monitorado, quer seja leito hospitalar, quer seja seu domicílio,
até que não haja mais risco de depressão respiratória pós-operatória. Por sua propensão a
desenvolver a obstrução de vias aéreas ou depressão respiratória central, os pacientes por-
tadores de SAOS podem necessitar de maior permanência hospitalar. Para confirmar que o
paciente está apto a manter níveis adequados de saturação de oxigênio, ele deve ser observa-
do quando estiver calmo, de preferência dormindo e em ar ambiente.

Saos – classificação por critérios polissonográficos


Os resultados dos exames polissonográficos devem ser usados, quando disponíveis, para
determinar a gravidade da SAOS. Com esse intuito, utiliza-se o Índice de Apneia-Hipopneia
(IAH), que é o número de episódios de distúrbios respiratórios do sono por hora. Por causa
de variações que ocorrem nos critérios adotados pelos diversos laboratórios do sono, a força-
-tarefa que compõe as diretrizes americanas sugeriu a seguinte classificação:
Gravidade da SAOS Adultos IAH Crianças IAH
Nenhum 0-5 0
Leve 6 - 20 1-5
Moderada 21 – 40 6 - 10
Grave > 40 >10

Apneia obstrutiva do sono: um chamado à ação | 223


Conclusão
O paciente portador da SAOS representa um desafio à equipe multidisciplinar que o
assistirá durante o ato anestésico-cirúrgico. Como vimos, é uma síndrome que tem um nú-
mero expressivo de pacientes sob risco. Seu diagnóstico depende não só do médico e do
paciente, como de familiares e terceiros, que podem atestar fatos de que o enfermo não é
capaz, pois está dormindo. Também é necessário que o médico que o atenda tenha a pato-
logia em mente e procure ativamente por ela, uma vez que os sintomas são gerais e podem
passar desapercebidos. E encaminhe o paciente a um laboratório de sono, para definir a gra-
vidade da doença.
Além disso, como o cuidado é multidisciplinar, o cirurgião deve estar ciente dos riscos
e enviar o paciente ao anestesiologista para avaliação e realização da polissonografia em
tempo hábil para a cirurgia. As equipes de enfermagem e fisioterapia também têm papel crí-
tico no atendimento, pois esses pacientes demandam cuidados específicos, monitorização,
vigilância e suporte ventilatório não invasivo. Ao hospital cabe prover as condições mate-
riais e humanas para que esse cuidado se dê.
Concluímos ser este um trabalho de dimensões hercúleas, tendo em vista as várias inter-
-relações e complexidade do tema. Diante dele, quem melhor que nós, anestesiologistas,
líderes em segurança do paciente?
Esse é o desafio. Cabe a nós vencê-lo.

Referências bibliográficas:
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apnea. Practice guidelines for the perioperative management of patients with obstructive sleep apnea: an updated
report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Management of patients with
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224 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume IV

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