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EDITORES

Antônio Fernando Carneiro


Marcos Antônio Costa de Albuquerque
Carlos Othon Bastos
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Rogean Rodrigues Nunes

Volume VI

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2016
Educação Continuada em Anestesiologia
Copyright© 2016, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.

Diretoria
Antônio Fernando Carneiro
Ricardo Almeida de Azevedo
Tolomeu Artur Assunção Casali
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Enis Donizetti Silva
Erick Freitas Curi
Rogean Rodrigues Nunes
Comissão de Educação Continuada
Marcos Antonio Costa de Albuquerque - Presidente e Coordenador do livro
Carlos Othon Bastos
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Auxiliar Técnico
Marcelo de Carvalho Sperle

Ficha catalográfica
S678e Educação Continuada em Anestesiologia / Editores: Antônio Fernando Carneiro, Marcos Antônio
Costa de Albuquerque, Carlos Othon Bastos, Ana Cristina Pinho Mendes Pereira e Rogean
Rodrigues Nunes
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2016.
184 p.; 25cm.; ilust.

ISBN 978-85-98632-35-3
Vários colaboradores.

1. Anestesiologia – Estudo e ensino. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II. Carneiro,


Antônio Fernando. III. Nunes, Rogean Rodrigues. IV. Albuquerque, Marcos Antônio Costa de.
V. Bastos, Carlos Othon. VI. Pereira, Ana Cristina Pinho Mendes.
CDD - 617-96

O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).


Produzido pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Material de distribuição exclusiva aos médicos anestesiologistas.
Produzido em outubro/2016

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ
CEP 22251-080 - Tel.: (21) 3528-1050 - E-Mail: sba@sba.com.br - Portal: https://www.sbahq.org/
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EDITORES
Antônio Fernando Carneiro
•• TSA-SBA, Presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia;
•• Responsável pelo CET/SBA do Hospital Crer;
•• Vice-diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, GO;
•• Doutor em medicina pela Santa Casa de São Paulo, SP.

Marcos Antônio Costa de Albuquerque


•• TSA-SBA, Presidente da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Responsável pelo CET Menino Jesus de Praga do HU da Univ. Fed. de Sergipe;
•• Mestre e doutor em ciências da saúde.

Carlos Othon Bastos


•• TSA-SBA, Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Responsável pelo CET Integrado de Campinas;
•• Diretor Científico da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo - SAESP.

Ana Cristina Pinho Mendes Pereira


•• TSA-SBA, Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA;
•• Responsável pelo CET/SBA Serviço de Anestesia do Instituto Nacional de Câncer.

Rogean Rodrigues Nunes


•• TSA-SBA, Diretor do Departamento Científico da SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET Hospital Geral do Inamps de Fortaleza;
•• Mestre e doutor em anestesia; pós-graduado em cardiologia; pós-graduado em engenharia clínica;
•• Professor de medicina da UNICHRISTUS.

AUTORES/COAUTORES
Carlos Eduardo da Costa Martins
•• TSA-SBA.

Clóvis Tadeu Bueno da Costa


•• TSA-SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Ribeirão Preto.

Daniela Gabiatti Donadel


•• Membro ATV/SBA.

Eduardo Lopes Machado


•• Membro ATV/SBA.

Fátima Carneiro Fernandes


•• Professor Adjunto da FM/UFRJ e Instrutora Corresponsável CET Bento Gonçalves – HUCFF/UFRJ;
•• Mestre e Doutor em Anestesiologia – UFRJ;
•• Chefe do Serviço de Anestesiologia HMFM.

Fernando de Paiva Araújo


•• Anestesiologista do Hospital Monte Sinai, Juiz de Fora/MG.

Florentino Fernandes Mendes


•• TSA-SBA;
•• Prof. Adjunto e. Doutor de Anestesiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde (UFCSPA) - Departamen-
to de Clínica Cirúrgica;
•• Responsável pelo CET/SBA UFCSPA.
Giovani Alves Monteiro
•• TSA-SBA;
•• Instrutor Corresponsável CET da UFJF;
•• Anestesiologista do Hospital Monte Sinai - Juiz de Fora/MG.

Guilherme de Oliveira Firmo


•• TSA-SBA;
•• Instrutor do Programa de Residência Médica de Anestesiologia do Hospital Municipal de São José dos Campos/SP.

Jedson dos Santos Nascimento


•• TSA-SBA;
•• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Misericórdia da Bahia.

José Francisco Nunes Pereira das Neves


•• TSA-SBA;
•• Instrutor Corresponsável CET da UFJF;
•• Coordenador do Serviço de Anestesiologia do Hospital Monte Sinai, Juiz de Fora/MG;
•• Mestre em Saúde pela UFJF.

Mariana Moraes Pereira das Neves Araújo


•• Anestesiologista do Hospital Monte Sinai, - Juiz de Fora/MG;
•• Anestesiologista do Hospital Universitário da UFJF/MG;
•• Mestre em cirurgia pela UFRJ.

Murilo Pereira Flores


•• TSA-SBA;
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA Santa Casa de Misericórdia da Bahia.

Nilton Bezerra do Vale


•• TSA-SBA;
•• Professor de farmacologia e anestesiologia da UFRN ;
•• Conselheiro da Revista Brasileira de Anestesiologia;
•• Editor da Revista Potiguar de Anestesiologia.

Oscar César Pires


•• TSA-SBA;
•• Responsável pelo CET/SBA do Hospital Municipal de São José dos Campos/SP;
•• Doutor em Ciências e Mestre em Farmacologia;
•• Professor de farmacologia da Universidade de Taubaté .

Paulo Cezar Medauar Reis


•• TSA-SBA;
•• Presidente da SBA - gestão 1995;
•• Coordenador do Serviço de Anestesiologia da Santa Casa de Misericórdia de Ilhéus/BA.

Raquel da Rocha Pereira


•• Médica Anestesiologista Certificada na Área Atuação em Dor - SBA/AMB;
•• Membro do Serviço de Anestesiologia de Joinville - SAJ;
•• Preceptora da Residência Médica de Anestesiologia do CET/SBA/HMSJ/SAJ;
•• Preceptora da Residência Médica de Ginecologia; Obstetrícia da CET/ SES/MEC/ MDV;
•• Coordenadora da Liga de Anestesiologia da UNIVILLE;
•• Mestre em Saúde pela UNIVILLE (Universidade da região de Joinville).

Ricardo Pandolfi Sarmenghi


•• TEA-SBA;
•• Anestesiologista do Grupo Meridional S.A;
•• Anestesiologista da Santa Casa de Misericórdia de Vitória;
•• Anestesiologista do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves - HEIMABA.
Simone Soares Leite
•• TSA-SBA;
•• Responsável pelo CET/SBA Professor Bento Gonçalves (HUCFF/UFRJ) ;
•• Membro do Comitê de Obstetrícia da SBA, 2012-2014;
•• Mestre em anestesiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro .

Thiago de Freitas Gomes


•• TSA-SBA;
•• Instrutor corresponsável pelo CET-/SBA da Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto/SP;
•• Certificado na Área de Atuação em Dor SBA-AMB;
•• Anestesiologista da Equipe de Transplante Hepático da FMRP-USP.
INTRODUÇÃO

“A mais curta resposta é fazer.”


George Herbert (1593-1633)

A história escrita da anestesia obstétrica remonta de 1.500 a.C. (Moisés). O início oficial
ocorreu em Edimburgo (Escócia), três meses após a demonstração de Morton. No Brasil,
em 1817, J.R. Picanço (Recife, PE) foi o primeiro médico a realizar uma cesariana em uma
escrava viva.
Apesar da grande contribuição à anestesia obstétrica, as publicações brasileiras não ex-
pressam a excelência e relevância de nossos profissionais. Assim, este livro vem preencher,
com lustro, uma lacuna em nossa literatura. Todas as seções importantes a serem discutidas
foram consideradas, abordando-se desde a própria história da especialidade na obstetrícia
até narrativas de operações fetais. O livro é composto de três áreas estruturais: fisiologia,
farmacologia e clínica obstétrica, implementadas em um contexto claro e atual, escritas pe-
los mais renomados colegas anestesiologistas brasileiros.
Boa leitura!

Rogean Rodrigues Nunes


Diretor do Departamento Científico da SBA
Antônio Fernando Carneiro
Presidente da SBA
SUMÁRIO
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Capítulo 01
A história e as estórias da anestesia obstétrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Nilton Bezerra do Vale
Capítulo 02
Alterações anatomofisiológicas da gestação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Jedson dos Santos Nascimento e Murilo Pereira Flores
Capítulo 03
Anatomofisiologia placentária, transferência de fármacos e fluxo sanguíneo
uteroplacentário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Simone Soares Leite
Capítulo 04
Alterações farmacológicas induzidas pela gestação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Oscar César Pires e Guilherme de Oliveira Firmo
Capítulo 05
Ocitócitos, uterotônicos e uterolíticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Clóvis Tadeu Bueno da Costa e Thiago de Freitas Gomes
Capítulo 06
Efeitos do trabalho de parto e da dor sobre o binômio materno-fetal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
Carlos Eduardo da Costa Martins
Capítulo 07
O papel do anestesiologista no parto humanizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Raquel da Rocha Pereira
Capítulo 08
Anestesia na gestante obesa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Paulo Cezar Medauar Reis
Capítulo 09
Anestesia na gestante com doença neurológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
Ricardo Pandolfi Sarmenghi
Capítulo 10
Cefaleia pós-punção dural na gestante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
José Francisco Nunes Pereira das Neves, Giovani Alves Monteiro, Mariana Moraes Pereira das Neves Araújo e Fernando
de Paiva Araújo
Capítulo 11
Anestesia na gestante com doença autoimune . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Eduardo Lopes Machado, Daniela Gabiatti Donadel e Florentino Fernandes Mendes
Capítulo 12
Monitorização fetal durante o trabalho de parto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
Fátima Carneiro Fernandes
Capítulo 13
Anestesia para Cirurgias e Procedimentos sobre o Feto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Florentino Fernandes Mendes
PREFÁCIO

De forma inovadora, este ano, o livro da Comissão de Educação Continuada (CEC) se


apresenta de forma temática: Obstetrícia. Sua formatação resgata a necessidade dos aneste-
siologistas de uma breve revisão de pontos básicos, incluindo atual urgência no aprendizado
de analgesia de parto.
Esta obra é um divisor de águas pela inovação que foi proporcionada por colegas que,
obstinados, se dispuseram a destinar horas de seu tempo na escrita e revisão dos capí-
tulos. O sonho não acabou, e nasce a semente de resgate do futuro tratado de anestesia
para obstetrícia.
O sumário foi planejado de forma que incluísse uma abordagem geral, desde anatomia,
fisiologia e farmacologia até temas mais palpitantes, como analgesia de parto, monitorização
fetal e anestesia para cirurgia e procedimentos sobre o feto.
Este texto foi preparado com base em observações diárias das necessidades dos anes-
tesiologistas. Esperamos, com ele, preencher tão importante lacuna e levar capítulos con-
textualizados, de leitura fácil e que contemplem conhecimentos atualizados aos nossos
ilustres colegas.
Agradecemos aos colegas que envidaram esforços para elaborar cada capítulo e a Ana
Cristina Pinho e Carlos Othon, que se dedicaram com afinco para que a revisão dos ca-
pítulos fosse feita e otimizada para a conclusão do livro. À Diretoria da SBA, ao diretor
científico, Dr. Rogean Nunes, a Mercedes Azevedo, Marcelo Marinho, Teresa Libório e
Marcelo Sperle, nosso agradecimento e reconhecimento de todo o trabalho despendido
para que o produto final apresente excelente qualidade. Que o conteúdo possa contribuir
para a melhora da rotina dos profissionais da anestesiologia. Aquele que não continua
aprendendo perde a oportunidade de redescobrir novos horizontes.

Marcos Antônio Costa de Albuquerque


Carlos Othon Bastos
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Membros da Comissão de Educação Continuada da SBA

Prefácio | 11
Capítulo 01

A História e as Estórias da
Anestesia Obstétrica
Nilton Bezerra do Vale
A história e as estórias da anestesia obstétrica
Ao contrário dos ovíparos, cujos filhotes nascem em menos de três horas e já aptos
para se movimentarem e se adaptarem às condições ambientais, o nascimento dos ma-
míferos (vivíparos) é mais demorado (acima de seis horas), e os filhotes recém-nascidos
(RN) são desprotegidos e dependentes de cuidados permanentes de seus genitores. Sete
milhões de anos de evolução “humanoide” dotaram os australopitecinos de um padrão
anatômico ímpar: encéfalo grande e trino (reptiliano, límbico e humano) apto ao instinto,
à emoção, à imaginação e ao bipedalismo. Essa encefalização ensejou uma cultura própria
consequente de articulação da fala, da vocalização, da migração, da vida grupal e da uti-
lização de pedras como instrumentos úteis e complementares às ações das mãos1-5. Nos
primórdios, o parto da hominídea bípede era ato solitário, doloroso e dependente das leis
da sobrevivência, pois nela as forças instintivas menos a influenciavam em comparação
com os demais mamíferos.
Embora parir seja um ato fisiológico, a dor do parto vaginal também pode ser iatrogênica
por rotinas hospitalares, como apresentação fetal desfavorável; imobilização da parturiente
no leito; indução ou aceleração com ocitócicos; manobra de Kristeller e episiotomia. No
consenso obstétrico atual, o parto vaginal é considerado o método “natural” para o nasci-
mento do filhote do Homo sapiens e o parto cesariano, uma medida cirúrgica de uso cres-
cente, mas que pode ser salvadora para o concepto, quando há risco de vida para a mãe e/ou
para o feto2,6-8.
É mister deste breve histórico rever os passos mais importantes na evolução do conheci-
mento da anestesiologia na área obstétrica, por meio de uma análise linear temporal da His-
tória. É um legado dos pioneiros na arte de partejar com controle da anestesia, às novas ge-
rações de anestesiologistas, haja vista a necessidade da compreensão e respeito à indiscutível
contribuição das gerações passadas à evolução de conceitos e técnicas anestésicas. A busca
do hedonismo dos novos tempos sociais justifica a persistência de métodos intervencionis-
tas a partir da ligação crescente com outras áreas da ciência e também da separação factual
dos princípios religiosos dominantes. A atual integração da obstetrícia à anestesiologia, à
neonatologia e a outras áreas do conhecimento torna mais decisiva a atitude médica diante
de um parto normal ou distócico, facilitando ao obstetra assegurar conforto e segurança ao
binômio materno-fetal9-19.
Não se pode usar a história como escopo para predizer o futuro da melhor abordagem
anestesiológica no atendimento obstétrico para o terceiro milênio, pois ela não é uma pro-
fecia. No entanto, o conhecimento do desenrolar histórico da tocoanalgesia aponta para
contínuas mudanças nas táticas e técnicas, já que a medicina está estreitamente vinculada
à multicausalidade biopsicossocial e ao avanço tecnológico proporcionado pelo contato do
elemento humano com o ambiente, na busca do bem-estar da mãe e de seu concepto15,17,20.
Por razões puramente didáticas, dividimos a história da anestesia obstétrica em cinco
fases, em função de aspectos evolutivos da analgotocia, realçando as contribuições cientí-
ficas que mais influenciaram o status obstétrico atual: (I) os primórdios; (II) Era Cristã;
(III) século XIX após 1847; (IV) século XX e (V) Era Contemporânea.

14 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


I FASE – Os Primórdios (da Pré-história até o nascimento de Cristo)
Ao contrário dos ovíparos, em que os filhotes já nascem prontos para enfrentar as ad-
versidades do mundo, nos vivíparos, particularmente nos mamíferos, os filhotes nascem
imaturos e desprotegidos, necessitando de acompanhamento e defesa dos seus genitores.
Nos primórdios, a adaptação às leis evolutivas da sobrevivência era imperativo desde o
nascimento. Do ponto de vista paleoantropológico, a massa cinzenta dos hominídeos se
desenvolveu mais em relação à dos outros primatas depois que desceram das árvores e
passaram a andar eretos, há 4 milhões de anos. Observam-se, então, em nossos primeiros
ancestrais africanos (Australopithecus), importantes transformações anatômicas, como a
retificação da coluna e o estreitamento da bacia feminina, ao lado do aumento da massa
encefálica responsável pelo aparecimento da consciência da vida e da morte, exclusiva
da gênero Homo. Na mulher, a dor do parto tornou-se maior entre os primatas, em fun-
ção de um colo uterino mais resistente à dilatação e uma pelve adaptada gradativamente
ao andar bípede, inadequada ao parto vaginal. No entanto, a encefalização ensejou ser o
único animal dotado de poder de imaginação...1-13.
Trabalho de Melzack, através de entrevistas com parturientes, compara a dor do parto,
na primípara, com a da amputação de um dedo, a dor do câncer ou a cólica renal14. Após a
fase heroica da pré-história, o início da vida grupal muda a assistência ao parto, que passa
a depender da experiência das mais idosas e, posteriormente, do determinismo da crença
religiosa da comunidade ou, ainda, da participação de feiticeiros ou de parteiras. Como a
dor participa do sistema de defesa neuroimunológico a seus predadores naturais, no ato de
parir, ficou sempre em segundo plano a busca objetiva de uma analgesia para a parturiente.
Excetuando relatos mitológicos, não há caso médico grego de Hipócrates ou Teofrasto
(300 a.C.) nessa era pré-Cristã sobre o uso habitual de derivados ou extratos de plantas,
como etanol, ópio, cocaína, ma huang, hioscina, para amenizar o sofrimento do parto. Na
pré-história, a dor funcionava como fator de segurança durante a evolução do parto, incluin-
do o caráter de exorcismo religioso diante das divindades cultuadas1-10. A abordagem cro-
nobiológica demonstra a existência de fatores humorais e geofísicos intervenientes que tam-
bém justificam a maior taxa de nascimentos à noite ainda em nosso dias. A maior frequência
do parto no período noturno, a maior intensidade da dor à noite e a baixa luminosidade
protegiam o recém-nato (RN) contra os potenciais predadores do Homo sapiens15-23.
Na história e mitologia greco-romanas, há relatos bíblicos judaico-cristãos sobre a
glória e a maldição do parto na vida da mulher, desde sua expulsão do Jardim do Éden
bíblico. No relato do Gênesis sobre o nascimento de Eva, Adão beneficiou-se do sopro
sonífero de Jeová para a retirada de sua costela (Gên. 2,21), a primeira anestesia inala-
tória obstétrica! No mesmo texto bíblico (Gên. 3,16), descreve-se o caráter doloroso ou
laborioso do parto para Eva: “Darás luz a teus filhos com dor...”; e também fala da partu-
riente moribunda Raquel (esposa de Jacó) (Gên. 35,16), cujo concepto foi chamado de
“filho de minha dor”1-14,16,17-25 .
Na mitologia, o nascimento de Atena (Juno), deusa da guerra, foi dramático por não usar
as vias naturais, já que foi retirada da cabeça de Zeus (Júpiter), o maior deus do Olimpo, a
golpe de machado! O deus da beleza – Apolo – teve um relacionamento com uma mortal – a

A história e as estórias da anestesia obstétrica | 15


ninfa Corônis –, de cuja relação nasceria um filho, Asclépio (Esculápio), que se tornaria o Pai
da Medicina. A mitologia conta que Apolo mandou sua irmã Diana matar Corônis grávida
de seu amante mortal Ísquis com uma única flechada certeira. Compadecido por seu filho,
Apolo abre o ventre da mãe na lápide e tira-lhe o concepto: a primeira operação cesariana! O
deus entrega seu filho aos cuidados do centauro Quironte, que ensinaria a Asclépio a arte da
cura pelas ervas e pelo sangue de Medusa. Na Grécia (século IV a.C.), foi erguido o Santuá-
rio de Asclépio, destinado a rituais de cura, sendo sua esposa, Epione, considerada a deusa
da anestesia pelo seu poder em relação à dor12-18. Em Roma (715 a.C.), Pompílio proclamou
a Lex Regia, permitindo a abertura do ventre da mãe moribunda ou morta para a retirada do
feto vivo. Embora se acredite que o termo “cesariana” esteja relacionado com o nascimento
do imperador César, que foi extraído do ventre de sua mãe moribunda (Aurélia), a palavra
“cesárea” é derivada do verbo latino caedare (cortar)24.
Um achado arqueológico no México mostra a atroz face de angústia e desespero da es-
tatueta representando a deusa azteca Tlazolteotl em período expulsivo de parto. Curiosa-
mente, entre os índios brasileiros, quem recebe a maior atenção no pós-parto é o pai, que
fica deitado em uma rede (couvade, choco) alvo das visitas ao casal até cair o umbigo do
recém-nato28-30! Na legislação brasileira vigente, o pai biológico (também o adotivo) tem
direito a cinco dias de repouso pós-parto.
Quadro 1.1 – Cronologia escrita da anestesia obstétrica
Os primórdios
• 1.500 a.C. – Moisés (Gên., 2,21): mandou Deus um sono profundo a Adão; da
costela, formou uma mulher.
(Gên., 3,16): “Darás à luz com dor os filhos...!”
(Gên., 35,16): em Efrata, Belém, Raquel tem dores violentas de parto distócico, e
estando prestes a render o espírito, denominou o RN de Benomi, filho da minha
dor, o pai, Jacó, porém, chamou-o de Benjamin.
• 900 a.C. (Reis IV, 4,32): o primeiro relato de ressuscitação em uma criança.
Cananeia: “Eliseu pôs a boca sobre a do menino, encurvou-se sobre ele,
aquecendo-o. O menino bocejou sete vezes e abriu os olhos.”
• 586 a.C. – Jeremias (Jr., 4,31): “Porque ouvi uma voz como de mulher que
está em trabalho de parto, angústia de puérpera; é a voz da filha de Sião, que
está moribunda...”
• 754 a.C. – Isaías (13,8): “Os homens sofrerão e se contorcerão como mulher em
trabalho de parto.”
• 715 a.C. – O imperador Pompílio proclama a Lex Regia em Roma, que permitia a
abertura do ventre das parturientes recém-falecidas, para salvar o concepto vivo.
• 70 A.D. – João Evangelista (Apoc., 12,2): narra sobre “grávida que grita com as
dores de parto, sofrendo tormentos para dar à luz.”
Segundo vários autores1-29.

16 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


II FASE – Era Cristã (do nascimento de Cristo até o século XIX)
A história universal do parto continua a ser a mais dolorosa, a mais desumana das histó-
rias universais, segundo documentos milenares: a Bíblia cristã, o Talmud judaico, o Rig-Ve-
da hindu, a mitologia greco-romana, relatos árabes e chineses1,2,4,9,15,17,23-29. No entanto, a dor
tem seu caráter protetor contra agressões ambientais ao evitar potenciais lesões tissulares,
o que foi indispensável na evolução da espécie: Dolorem Deus homini fidelem custodem dedit
(Deus deu ao homem a dor como guarda fiel) (Haller). Segundo Goethe, o que faz a cons-
ciência do homem é a dor. Há aqueles que ainda resistem à analgotocia, pois maior alívio da
dor significava menor segurança, ou seja, a maior segurança exigiria menor alívio da dor.
Até o século XIX, faltavam trabalhos científicos que demonstrassem os benefícios de uma
tocoanalgesia bem conduzida, para o binômio mãe-feto, desde que não interferisse nos siste-
mas fisiológicos e neuroquímicos que norteiam a evolução do trabalho de parto6-9,14-16,17-20.
Embora a Idade Média seja reconhecida como um período de estagnação da ciência e da
medicina, em função da teocracia vigente, a Igreja, baseada na Lex Regia romana, restabe-
leceu a caesarea post mortem, permitindo extrair o feto sem tentar salvar a vida da mãe, para
atender a princípios religiosos: o batismo do RN pela água é imprescindível para a entrada
da alma no céu, liberando-o do pecado original.
Há um relato pioneiro, de 1500, na Suíça, do êxito de uma cesariana executada pelo
açougueiro J. Nüfer em sua mulher, com o apoio da população de seu vilarejo. No entanto,
até a cesariana feita pelo cirurgião Porro (Itália), em 1876, com a retirada fetal e histerec-
tomia subtotal, todas as parturientes (sem exceção) morriam por choque, hemorragia ou
peritonite! Justificava-se, pois, a recusa do cirurgião Amboise Parré de fazer cesariana em
parturientes vivas no século XVI9,11,17,19,25,30,31.
A precariedade da ciência médica no atendimento à parturiente caminhava pari-passu
com as grandes navegações oceânicas; a mudança gradativa da alquimia para a química;
o uso de plantas medicinais com propriedades analgésicas; o mecanicismo; a Revolução
Francesa e o predomínio do Império Britânico. Deve-se destacar a destruição da civilização
incaica na degola de Atahualpa pelo espanhol Pizarro, em 1532: há a banalização do hábito
de mascar folhas de coca (Erythroxylum coca), presente do filho do deus Sol (Manco Capac)
ao povo andino que, após seu translado para a Europa, permitiu a síntese da cocaína e o
início de uma nova era cirúrgica, com ausência de dor e manutenção da consciência17-19,30-37.
A invenção do conjunto seringa-agulha por Pravaz e Wood (1853), ao lado da agulha
para punção lombar (QUINCKE, 1891), em muito contribuiu para a difusão da anestesia
regional em obstetrícia39-41.
O éter já estava isolado no século XVI e sua inalação permitiu a primeira demonstra-
ção pública de seu efeito anestésico geral na manhã de 16 de outubro de 1846, no Hospital
Geral de Boston (Estados Unidos): a inalação do éter (létheon), controlada por Morton, ao
paciente Abbott para a exérese cirúrgica de um tumor facial, executada pelo cirurgião War-
ren, tornou-se a pedra angular na história da anestesia geral, permitindo, desde então, o ato
cirúrgico do paciente inconsciente, sem sofrimento perioperatório16-20,42-44.
O atendimento ao parto ainda era predominantemente domiciliar e com assistência
de parteiras leigas. Nos últimos três séculos, a importância das parteiras e da opção pelo

A história e as estórias da anestesia obstétrica | 17


parto domiciliar diminuiu gradativamente e aumentou a participação de parteiros e, pos-
teriormente, obstetras no atendimento ao parto, seja domiciliar, seja em casas de carida-
de, mas com monitoração bastante primária, como palpação do pulso ou uso isolado do
estetoscópio1-4,9,11,14-21,23-29.
O Quadro 1.2 apresenta a cronologia da anestesia obstétrica na Era Cristã.
Quadro 1.2 - Cronologia da anestesia obstétrica na Era Cristã
• 60 A.D. – Lucas (Lc., 2,7): “Deu à luz seu filho primogênito, enfaixou e reclinou
numa manjedoura.”
• 70 A.D. – Dioscórides: médico grego que usa a palavra anestesia (a = não + esthesis
= sensível).
• 80 A.D. – João (Apoc.,12,2): “Uma mulher grávida vestida de sol... clamava com
dores de parto sofria tormentos para dar à luz!”
• 500 A.D. – A Igreja Católica medieval restabelece a Lex Regia da cesárea post-mortem.
• 1532 – Degola do príncipe inca Atahualpa por Pizarro e liberação da folha de
Erythroxylum coca para uso da população indígena.
• 1543 – Vesalius: dissecação de cadáveres: intubação e ventilação artificial de animais.
• 1546 – Cordus: isolamento do éter sulfúrico - oleum vitrioli dulce.
• 1578 – Ambroise Paré: aconselha a cesárea apenas post-mortem.
• 1581 – Rousset: primeira cesárea realizada em parturiente viva, seguida da morte da
mãe (França).
• 1610 – Trautmann: cesárea seguida da morte da mãe, mas com o feto vivo
(Alemanha).
• 1616 – Harvey: descoberta da circulação sanguínea descrita em livro (De Motu
Cordis, 1628).
• 1720 – Gregoire: inauguração da primeira clínica obstétrica de Paris (Hôtel de Dieu).
• 1774 – Priestley: isolamento do O2, elemento básico no controle da hipóxia.
• 1792 – Curry: intubação traqueal às cegas pelo método tátil.
• 1803 – Setürner: isolamento da morfina, alcaloide da Papaver somniferum.
• 1816 – Laënnec: estetoscópio para melhor conseguir a ausculta torácica.
• 1818 – Mayor: uso de estetoscópio de Pinard para a ausculta fetal.
• 1828 – Poiseuille: manômetro de mercúrio para medir a pressão arterial.
• 1842 – Long: uso do éter para analgesia cirúrgica.
• 16/10/1846 – Morton: primeira demonstração hospitalar de anestesia geral por
inalação de éter para a extirpação de tumor facial (Boston, Estados Unidos).
• 19/1/1847 – J. Simpson: primeira tocoanalgesia inalatória com éter em parturiente
com defeito anatômico de bacia, com morte fetal (UK).
• 1847 – J. Simpson: primeira tocoanalgesia com clorofórmio em filha de médico.
• 11/4/1853 – John Snow: anestesia “à la reine” com inalação intermitente de
clorofórmio pela rainha Vitória para o nascimento de seu oitavo filho, Leopoldo, no
palácio de Buckinghan.
• 1860 – Niemann: isolamento da cocaína da folhas da Erythroxylum coca.
• 1884 – Karl Köller: primeira anestesia tópica com anestésico local (cocaína).
Segundo vários autores8,9,11,14-42 .

18 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


III FASE – Século XIX, após 1847
O início oficial da anestesia obstétrica ocorreu em Edimburgo (Escócia), três meses após
a demonstração de Morton da anestesia cirúrgica pela inalação de éter. Em dezembro de
1846, o obstetra escocês James Young Simpson assistira a uma amputação em paciente anes-
tesiado com éter por Liston que recebera o líquido volátil dos Estados Unidos, através do
cirurgião Bigelow, o qual assistira à pioneira demonstração anestésica de Morton. Simpson
foi o primeiro a usar o éter para alívio da dor no parto distócico de parturiente com defeito
pélvico (19/1/1847), embora não tenha evitado a morte do RN30,31.
Estabeleceram-se as bases científicas anti-infecciosas de higiene para a saúde da grávida,
juntamente com a capacitação da equipe médica, que são indissociáveis para o êxito do parto
e do puerpério (SEMMELLWEIS, 1847; PASTEUR, 1863; LISTER, 1867; KOCH, 1882).
Embora Grégoire tenha inaugurado a primeira clínica obstétrica em Paris (Hôtel Dieu), em
1720, somente no final do século XIX, se iniciou a grande mudança no atendimento à partu-
riente: início da transferência do atendimento domiciliar por médico de família ou parteiras
para as casas de caridade cristãs, que funcionavam como hospital-geral, substituindo grada-
tivamente as mulheres parteiras por obstetras9,11,12,18,40.
O método de tocoanalgesia inalatória mostrava-se eficaz e seguro, apesar da lenta e tem-
pestuosa instalação da analgesia, pois mantinha a parturiente em respiração espontânea,
sem afetar em demasia a contratilidade uterina e retardar a evolução do parto.
Duas semanas após uma noitada na residência de Simpson, em que ele e amigos inalaram
clorofórmio festivamente, iniciou-se seu uso médico por sugestão do químico Waldie, pois
o cheiro mais agradável proporcionava efeito mais rápido e mais suave em relação ao éter.
Em 8/11/1847, Simpson utilizou o clorofórmio para a analgesia do parto de Wilhelmina
Carstairs, filha de um médico. O método de inalação do clorofórmio obteve rápida difu-
são no meio obstétrico, após a introdução da tocoanalgesia clorofórmica de Simpson, em
Edimburgo35. Em 1853, iniciou-se a consolidação da anestesia obstétrica na Inglaterra, com
John Snow, por ter usado, de modo intermitente (sem abolição da consciência), o clorofór-
mio para analgesia do parto da rainha Victoria (34 anos) de seu oitavo filho, Leopoldo, e,
posteriormente, de sua filha Beatriz (1857), no palácio de Buckingham. A anestesia “à la
reine”, instituída pelo médico particular da rainha, Snow, consistia na inalação de 30 gotas
de clorofórmio embebidas no lenço real, a cada três minutos, o que abreviou o parto para
35 minutos. O aval real vitoriano venceu a resistência teológica à analgesia de parto (mal-
dição de Evano, livro do Gênesis) e popularizou o método anestésico na obstetrícia6,9,16,42-44.
Curiosamente, já em 1879, o viajante inglês Felkin presenciara, na África (Uganda), uma
cesariana a bom termo em parturiente anestesiada com vinho de banana e sem morte
materno-fetal...6,9,16,42 . Na realidade, a anestesia permitiu o avanço da técnica cirúrgica por
aumentar o tempo operatório com segurança materno-fetal, possibilitar melhor limpeza da
cavidade peritoneal e livrar a parturiente da agonia do choque e da dor.
No entanto, continuava elevada a mortalidade no pós-operatório por hemorragia, infec-
ção e peritonite, que somente começou a ser reduzida após a técnica de Kehr (1881), com
a sutura uterina e aceitação da teoria da contaminação bacteriana defendida por Pasteur
(1863). Em sequência, iniciou-se a adoção de severas medidas assépticas e antissépticas

A história e as estórias da anestesia obstétrica | 19


preventivas no campo operatório e nas mãos do cirurgião6,9,16,45. Destaque ainda para o uso
de luvas, defendido inicialmente por Halsted (1889), e as rigorosas medidas antissépticas
decorrentes dos trabalhos pioneiros de Semmelweis (1846), Lister (1867) e Koch (1882),
cuja utilização sistemática foi diretamente responsável pela notável redução da morbidade e
mortalidade em obstetrícia1-6,9,16,45.
Quadro 1.3 – Cronologia da anestesia obstétrica de 1847 até o final do século XIX
• 1817 – JC Picanço (Recife, PE): primeiro médico a realizar uma cesariana em uma escrava viva.
• 19/1/1847 – Simpson: realização do primeiro parto com a analgesia do éter em parturiente
com defeito pélvico, mas com morte fetal.
• 15/5/1847 – Semmelweiss: antissepsia das mãos dos médicos antes do parto, com ácido
clórico, para diminuir a incidência de febre puerperal (Viena).
• 8/11/1847 – Simpson: primeira tocoanalgesia com clorofórmio.
– John Snow: estudo do uso clínico do éter anestésico.
• 1848 – Rodrigo de Bivar: primeira analgesia de parto com clorofórmio no Brasil.
• 1849 – Pereira Pinto: “Considerações sobre a anestesia do parto” (Brasil).
• 1851 – Pravaz: invenção de agulha oca e seringa de vidro (França).
• 1853 – Wood: agulha hipodérmica para uso de morfina via hipodérmica.
• 13/4/1853 – J. Snow: primeiro anestesiologista obstétrico: uso de clorofórmio no parto da
rainha Victoria, no palácio de Buckingham (príncipe Leopoldo).
• 24/4/1859 – Silva Lima (Salvador, BA): clorofórmio para prenhez ectópica.
• 1863 – Pasteur: bases da infectologia contra a teoria da geração espontânea.
• 1867 – Lister: antissepsia com ácido carbólico para controle da infecção em obstetrícia.
– Inauguração do primeiro hospital da mulher em Nova Iorque (Estados Unidos).
• 1870 – Andrews: redução da hipóxia do N2O pela adição de O2 (33% a 66%).
• 1874 – Zweifel: análise do efeito depressor do clorofórmio sobre o feto (cf. Apgar, 1953).
• 1876 – Porro: cesárea + histerectomia subtotal, com possibilidade da sobrevivência da mãe,
até então imposssível.
• 1877 – Gilette: morfina VO no parto.
• 1881 – Kehr (Alemanha): cesárea segmentar com sutura do corpo do útero, com redução do
sangramento e da infecção (moderna cesariana).
• 1882 – Koch: alicerce científico da moderna microbiologia.
• 15/9/1884 – K. Köhler: trabalho sobre anestesia local oftalmológica com cocaína, no
Congresso de Oftalmologia em Heidelberg (Alemanha).
• 1885 – Halsted: anestesia infiltrativa com a assistência de Hall (EUA).
• 1889 – Halsted: luvas de borracha para proteger as mãos sensíveis de Miss Hampton, sua
dileta instrumentadora, com a ajuda da companhia de pneumáticos Goodyear Co. (um ato de
amor).
• 1891 – Quincke: produz a agulha com mandril e melhora a técnica de punção lombar.
• 1894 – Schleich: infiltração cocaínica da vagina para o parto.
• 1895 – Kirstein: inventa o laringoscópio para a laringoscopia e a introdução traqueal do tubo
para ventilação artificial.
• 1897 – Abel: isolamento da adrenalina da suprarrenal.
• 1896 – Riva-Rocci: elabora o método palpatório para a medição da PA.
• 16/8/1898 – Bier: primeira raquianestesia clínica: cocainização (3 ml) espinhal em seis
pacientes; primeiro relato de cefaleia (nove dias); pós-raquianestesia aplicada em si próprio
pelo assistente Hildelbrandt.
– Paes Leme: aplicação da primeira raquianestesia no Brasil (Rio de Janeiro).
– Hensen: anestesia balanceada: morfina + éter para histerectomia (Alemanha).
Segundo vários autores6,16,18,30-50.

20 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


No final do século XIX, apareceram os primeiros hospitais destinados ao tratamento
prioritário das doenças da mulher, resultando no surgimento das especialidades médicas
de ginecologia e obstetrícia, aptas ao tratamento dos distúrbios do aparelho reprodutor fe-
minino e à assistência ao parto. A monitoração era ainda feita precariamente, com ausculta
fetal (PINARD), observação da cor da mãe e do pulso (RIVA-ROCCI). Já há, no trabalho
de Zweifel (1874), uma preocupação com o efeito depressor do anestésico geral sobre a vi-
talidade fetal44.
Embora já existissem estudos pioneiros obre anestesia local, com o trabalho experimental
do médico peruano Moreno em Paris (1862), o reconhecimento da anestesia regional só ocor-
reu a partir de 1884: via tópica (KÖHLER); infiltrativa (HALSTED e HALL, 1885) e por via
espinhal, em Nova Iorque, com Corning (1885). A raquianestesia foi realizada, em 1898, por
Bier, na Alemanha; Sebastião Paes Leme, no Brasil (RJ), pela técnica de Quincke-Wynter; e
Tuffier, na França (1899)35-41. O único emprego obstétrico, na época, foi a técnica de infiltração
vaginal com cocaína, proposta por Schleich (1894)38. Na analgotocia, predominam a anestesia
inalatória sob máscara e alguns ensaios de anestesia por opioides por via oral46,47. Também
inicia-se a preocupação cirúrgica com as vias aéreas para a maior segurança do N2O e para
eventuais manobras de ressuscitação: a intubação traqueal por MacEvan (1878); o invento do
laringoscópio por Kirstein (1895); o emprego de O2 para a correção de hipóxia e da adrenalina
para controle hemodinâmico48-50.

IV FASE – Século XX
A partir do século XX, a assistência ao parto é feita cada vez mais nas maternidades em
função da crescente qualidade técnica do atendimento obstétrico: a clientela representava
40% dos partos na década de 1930. Ao lado de indispensáveis cuidados gerais de higiene,
acompanhamento psicológico, fisioterápico e nutricional, mantém-se o atendimento anes-
tesiológico da tocoanalgesia por bloqueio regional, mas ainda com preponderância da anes-
tesia geral inalatória na metade do século.
Maior segurança da cesariana e redução da mortalidade materno-infantil começam
a ficar mais evidentes após a Segunda Guerra Mundial, com a valorização da higiene das
mãos; o uso de sulfas (1933); a descoberta da penicilina (FLEMING, 1928) e sua providen-
cial industrialização a partir de 1943 (CHAIN e FLOREY), ao lado de rigorosas medidas
de assepsia e antissepsia6-9,15-17,45.
Em 1900, iniciam-se as primeiras aplicações obstétricas da anestesia espinhal com co-
caína hipobárica para o parto vaginal, por Kreis (Alemanha) e Mark (Estados Unidos), com
resultados insatisfatórios, em função do desconhecimento das interações entre as mudan-
ças hemodinâmicas da mulher grávida e as propriedades dos anestésicos locais injetados
no neuroeixo36,37,50,51-53. Na época, foi mínima sua aceitação na comunidade obstétrica, em
função do reduzido controle dos efeitos tóxicos, mesmo após administração mais cuidadosa
via peridural caudal do anestésico local por Stoeckel (1909)53. Somente após o trabalho de
Gray e Parsons (1912), detectou-se o bloqueio simpático como causa da grave hipotensão
durante a cesariana, que somente começou a ter correção mais adequada em 1927, com o
uso de efedrina por Labat, extraída da planta chinesa ma huang (Ephedra)54,55.

A história e as estórias da anestesia obstétrica | 21


O acesso espinhal via sacral ou lombar; o uso de adrenalina associado com os anestésicos
locais como a amida e a adição de glicose a 8% (raquianestesia hiperbárica) contribuíram
para a melhoria da qualidade da anestesia espinhal após a Segunda Guerra Mundial56-60. O
trinômio drogas (anestésicos e antibióticos), técnicas anestésicas espinhais mais adequa-
das e monitorização cardiorrespiratória mínima garantiu o atual progresso tecnológico na
assistência anestésica ao parto vaginal ou à cesariana, como o uso de anestesia peridural na
cesariana (GRAFFAGNINO, 1938)51,52,55.
A melhoria técnica iniciou-se com o conhecimento das vias da dor do parto (CLE-
LAND, 1938), o que permitiu uma analgesia espinhal contínua mais funcional 61,62 . A
introdução da peridural lombar, por sua vez, possibilitou doses adicionais de anesté-
sicos locais (cateter via agulha de Tuohy com ponta de Huber)63,64. A padronização da
raquianestesia hiperbárica, por Adriani e Roman-Vega (1943), com a raque em sela
para anestesia perineal, revalidou-a no período expulsivo do parto 65 . No entanto, a
anestesia geral balanceada para cesariana (indução com tiopental) e a narco aceleração
com tiopental no parto (IRVING, 1945) ainda eram os métodos dominantes na década
de 1940 66,67.
Há melhoria tecnológica nos monitores e aparelhos de anestesia com adequada mis-
tura e concentração de gases na cesariana. Os eletrocardiógrafos, eletroencefalógrafos
e oxímetros ainda não estavam devidamente adaptados ao centro cirúrgico e não pos-
suíam filtros eletrônicos apropriados para interagir com o bisturi elétrico. Nas peque-
nas maternidades do interior ainda era precária a monitoração, aliada a uma anestesia
inadequada, podendo ser supervisionada, por vezes, pelo obstetra, com expressões lú-
gubres, como: “O sangue está escuro... parou de sangrar...” A melhor qualidade e quan-
tidade das drogas de uso anestesiológico permitiu maior segurança da tocoanalgesia.
A troca da cocaína na prática anestésica pelos aminoésteres sem ação central, como a
procaína (BR AUN, 1905), especialmente, e a tetracaína (ULHMAN,1930) associada
à adrenalina 59.
O uso de tiopental para indução e intubação traqueal ou sedação no período expulsivo
(LUNDY, 1934) e de curare para facilitar a intubação (GRIFFITH, 1942) e a introdução
do retrator uterino (metilergonovina) como anti-hemorrágico uterino ensejaram novas
mudanças que se consolidaram com a permuta das sulfas pela penicilina (CHAIN & FLO-
REY,1942), o uso de melhores antissépticos e disponibilidade de líquidos mais adequados
para a reposição volêmica45,66-68.
O fato de o nascimento do príncipe Charles (1949) ter ocorrido após a inalação de tri-
lene por sua mãe, a rainha Elizabeth, demonstra a predileção dos ingleses, até então, pela
tocoanalgesia inalatória. No entanto, o nascimento do príncipe William (1992), de parto
vaginal, logrou êxito quando sua mãe (princesa Diana Spencer) apenas chupava cubos de
gelo durante as contrações. No Brasil, destaque para a tese de Bussara Neme (1947) sobre a
raquianestesia em obstetrícia70-71.
O Quadro 1.4 mostra a cronologia da anestesia obstétrica de 1900 até a fundação da
Sociedade Brasileira de Anestesiologia, em 1948.

22 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Quadro 1.4 – Cronologia da anestesia obstétrica, século XX
• 1900 – Marx (Estados Unidos) e Kreis (Alemanha) utilizam a raquianestesia no parto.
– Landsteiner: a classificação dos grupos sanguíneos ABO permite transfusão in vivo.
• 1901 – Cathélin & Sicard: peridural sacral para uso proctológico.
– Daniel de Almeida: divulgação da raquianestesia no Brasil (RJ).
• 1902 – von Steinbüchel: anestesia venosa para parto: morfina + escopolamina.
• 1903 – Braun: anestésico local + adrenalina = maior duração.
• 1904 – Einhorn: síntese de anestésico do tipo éster (procaína), sem ação central.
• 1905 – Braun: uso clínico da procaína.
• 1907 – Barker: raquianestesia hiperbárica: estovaína + glicose 5% (cf. Adriani, 1946).
• 1908 – Müller: bloqueio do pundendo via transperineal (cf. Wilds, 1954).
– Ombredanne: construção de máscara para anestesia inalatória.
• 1909 – Stoeckel: primeira anestesia peridural sacral para obstetrícia.
• 1910 – Gross: primeiro estudo da associação: anestesia local + geral inalatória.
• 1912 – Gray & Parsons: bloqueio simpático espinhal como determinante do grave quadro
hipotensivo da raquianestesia.
• 1921 – Pagés: bloqueio peridural lombar (método de identificação tátil do espaço epidural).
• 1923 – Tatun: proteção barbitúrica contra a convulsão pela cocaína.
– Greene: modificação da ponta da agulha espinhal (bisel não cortante).
– Barros Lima: primeira anestesia peridural no Brasil (PE).
• 1927 – Labat: efedrina (ma huang) para o controle da hipotensão.
– Gellhorn: infiltração perineal para o parto.
• 1928 – Fleming: descoberta da penicilina (cf. Chain-Rose, 1942).
• 1930 – Uhlmann: uso clínico da tetracaína – éster de ação prolongada.
• 1932 – Moir: ergot = metilergonovina hidrossolúvel como retrator utrerino.
• 1933 – Dogliotti: início do uso da dose teste na peridural (com anestesia local).
• 18/6/1934 – Lundy & Waters: tiopental para indução anestésica.
• 1937 – Seevers: tocoanalgesia inalatória com N2O.
– Soresi: bloqueio episubdural (punção única).
• 1938 – Graffagnino: introdução da anestesia peridural em obstetrícia.
– Cleland: descrição das vias da dor do parto (T10-12: fase inicial; S: período expulsivo).
• 1939 – Eisleb & Schaumann: introdução da meperidina (hipnoanalgésico).
– Mário d’Almeida e Santiago: primeiro serviço de anestesia do Brasil (RJ).
• 1940 – Lemmon: raquianestesia contínua com agulha flexível.
• 1942 – Edwards & Hingson: caudal contínua para parto (“cateter vesical”).
• 23/1/1942 – Griffith e Johnson: o curare permite o relaxamento abdominal e das cordas
vocais para intubação traqueal.
– Chain & Florey: generalização do uso clínico da penicilina.
• 1943 – Löfgren & Lundquist: síntese da amino-amida lidocaína.
• 1944 – Dick-Read: parto psicoprofilático.
– Tuohy: raquianestesia contínua com agulha com ponta de Huber.
• 1945 – Irving: narcoaceleração do parto com tiopental.
• 1946 – Adriani & Roman-Vega: revalidação do método intradural de Baker (G5%) =
(nupercaína) na parturiente sentada (raque em sela).
– Hingson: popularização da peridural lombar contínua no parto.
– Mendelson: vômito & aspiração = maior causa mortis da anestesia geral em obstetrícia.
• 1947 – Gordh: uso clínico da lidocaína (LÖFGREN, 1943).
– Neme: primeira tese sobre raquianestesia para cesariana no Brasil (USP).
• 1948 – Fundação da SBA no Rio de Janeiro.
Segundo vários autores7,8,47,48-71.

A história e as estórias da anestesia obstétrica | 23


V FASE – Era Contemporânea
No Brasil, a fase contemporânea iniciou-se em 1948, com a fundação da Sociedade Brasi-
leira de Anestesiologia (SBA), no Rio de Janeiro, destinada à divulgação e ao incremento da
anestesiologia em todo o território nacional77. Os encontros científicos serviriam de escopo
para a formação dos primeiros anestesiologistas especializados em anestesia obstétrica – em
lugar de exercer a função de anestesista, o obstetra apenas se restringiria a exercer sua função
primordial: o ato obstétrico-cirúrgico, delegando ao anestesiologista o controle analgésico,
motor e hemodinâmico da parturiente19-21,60,61,70.
A hipótese do mecanismo de ação dos anestésicos locais de Wagman e De Jong (1966)
– bloqueio do canal do sódio – e a explicação da menor cardiotoxicidade da ropivacaína em
relação à bupivacaína racêmica (CLARKSON e HONDEGHEN, 1985) – bloqueio mais
prolongado dos canais de sódio nas fases de ativação e de inativação – não só justificaram
maior segurança espinhal contínua com a lidocaína aquirálica como também promoveram
maiores cuidados no uso espinhal de amidas de ação prolongada, especialmente sua forma
racêmica (bupivacaína) por via peridural em dose única81-82 .
O salto de qualidade da anestesia obstétrica decorreu do extraordinário progresso da
química fina, por meio da invenção do plástico e dos polímeros, e, sobretudo, da síntese
crescente de novas drogas para o arsenal anestesiológico e obstétrico após confiável série de
pesquisas básicas, pré-clínicas e clínicas. Destacaram-se, na tocoanalgesia, os anestésicos
locais do tipo amida, como a bupivacaína racêmica (1956), e a ropivacaína levógira (1988),
por via peridural, que aliviam a dor do parto com menor bloqueio motor83-85.
Nos anos 1980, a analgesia duradoura – sem modificação motora ou hemodinâmica ma-
terna, com o uso de opioides (morfina, fentanil, sufentanil), por via espinhal, associados
com a bupivacaína – foi o grande avanço para a tocoanalgesia, pela maior segurança e menor
estresse ao binômio materno-fetal86-96. Atualmente, há nítida preferência pela anestesia
espinhal sobre a narcose da parturiente, seja por inalação intermitente de N2O, seja por
administração de agentes venosos (tiopental, cetamina, meperidina), em função do melhor
índice de vitalidade fetal97-103. Entre os obstetras, ainda prevalece a preferência pelo efeito
isolado da meperidina ou seu uso associado com analgésicos não esteroides104.
Vale lembrar que o vaporizador calibrado para o halotano foi elaborado, em 1956, para
facilitar o controle da inalação da parturiente para o parto sem dor102 .
A anestesia dissociativa com cetamina é mais indicada para pequenos procedimentos em
parturientes chocadas100,101.
Etomidato e propofol são usados como indutores anestésicos rápidos e hipnóticos de
curta duração.
A neuroleptoanalgesia e a anestesia analgésica ganharam destaque ao utilizar opioides
venosos sintetizados e o droperidol103.
A presença do fentanil como droga venosa de base na anestesia para cesariana de pacien-
te cardíaca é consenso entre os anestesiologistas brasileiros, pois a bupivacaína peridural
tem sua cardiotoxicidade aumentada na gravidez em função da progesterona105,106,111-117.
A melhor técnica tocoanalgésica continua sendo a anestesia peridural simples ou con-
tínua, com ou sem controle posológico pela paciente (PCA), para o acompanhamento do

24 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


parto vaginal. No entanto, a maior cardiotoxicidade da bupivacaína racêmica na gravidez
justificou a opção de uma dose menor ou a escolha da forma levogira (ropivacaína ou levobu-
pivacaína)107-110. Assim, para operação cesariana, ao lado do respeito ao jejum pré-operatório
(prevenção da síndrome de Mendelson), a preferência atual é pela raquianestesia (menor
dose), com agulha fina para reduzir a incidência de cefaleia, não prescindindo de adequado
tratamento anti-infeccioso e da técnica médico-cirúrgica111-113.
Na raquianestesia, durante o período expulsivo do parto ou na cesariana, a hipotensão é de
fácil controle e a incidência de cefaleia pós-punção na população jovem e saudável das grávidas
continua sob controle com o uso de repouso; hidratação; analgésicos não esteroides; cafeína;
punção peridural para o blood patch autólogo após 24 horas solucionam 96% do casos112,113.
Em 1981, Brownridge divulgou o promissor uso combinado de anestesia peridural e su-
baracnóidea na aplicação de anestésicos locais e opioides no neuroeixo, para assistência ao
parto, em função do melhor controle da analgesia e menor bloqueio motor com mínima
repercussão materno-fetal. No período expulsivo, a raque lombar simples é o método de
escolha em relação à peridural ou à anestesia combinada (anestésico local + opioide)114-118.
Numa época em que há boas perspectivas para a cirurgia fetal, há necessidade de uma ótima
monitoração perioperatória na cesariana (oximetria, ECG, FC e PANI)119-122. O tratamento da
hipotensão supina e de outras complicações está bem estabelecido, sobretudo na raquianes-
tesia (cristaloides, O2, vasopressores, antimuscarínicos, ocitócicos e retratores uterinos)123-128.
Há consenso quanto ao benefício neurológico da mais rápida retirada fetal após a instalação da
anestesia geral ou espinhal129,130. No entanto, o uso de cateter peridural facilita a deambulação
da parturiente (encurta o tempo para o delivramento), facilitando o bom êxito do parto sem
dor131,132. Assim, é preferência o uso de anestesia peridural contínua no trabalho de parto, mas
como opção secundária à subaracnóidea para a cesariana, pois a maior massa epidural neces-
sária pode facilitar o aparecimento de convulsão ou disritmias cardíacas107-109. Demonstração
experimental aponta menor cardiotoxicidade da ropivacaína e levobupivacaína em relação à
bupivacaína racêmica, atualmente comercializada no país. Nos dias atuais, O2, amiodarona,
solução coloide (intralipid) e solução hipertônica do NaCl a 7,5% IV têm se mostrado promis-
sores na reversão da intoxicação sistêmica da bupivacaína108,109,133,134.
É dada ênfase nas vantagens da anestesia espinhal combinada (raque + peridural) e na
abordagem multimodal com anestésicos e drogas aditivas associadas com a assistência anes-
tésica espinhal ao parto, em função da multiplicidade dos receptores envolvidos na analgesia
espinhal. Na busca da analgesia espinhal multimodal, tem se tornado rotina a associação de
anestésico local com opioide (morfina, fentanil ou sufentanil), clonidina e outros agentes. A
análise comparativa tem demonstrado melhor qualidade de analgesia da anestesia espinhal
combinada em relação ao uso isolado de anestésico local intratecal ou extratecal em doses
equipotentes. A clonidina pode aumentar um quadro hipotensivo por sua ação agonista
α2, não sendo uma boa opção na raquianestesia para cesariana. Ainda não há, no Brasil, o
midazolam sem preservativo para uso espinhal134-138.
O último avanço do século XXI é a nova abordagem do acesso peridural ou intratecal,
por meio de ultrassom em relação à via paramediana ou mediana, sobretudo em obesas ou
parturientes de coluna difícil139-141.

A história e as estórias da anestesia obstétrica | 25


Análises estatísticas oficiais discutem o exagerado aumento de partos cirúrgicos, que
confere ao Brasil o título de líder mundial de cesarianas. Embora múltiplos fatores (modis-
mo; estética; economia; cultura; saúde da mãe; fatores geofísicos etc.) interfiram na opção
pela cesariana, é a saúde do feto o fator determinante da opção cirúrgica. No entanto, a
possibilidade de a parturiente parir sem dor é um ato médico de alta segurança que tem
gozado da confiança da população nos últimos anos, bem como tem reduzido o número de
lesões neurológicas perinatais.
Sem dúvida, os avanços da anestesia contribuíram para a atual segurança da cesariana e
do parto natural, pois a mãe consciente e sem dor tem o importantíssimo contato imediato
com o RN (imprinting), em ambiente com alto controle anti-infeccioso, hemodinâmico e
psicológico, o que lhe garante, inclusive, alta hospitalar precoce e volta ao lar1-8.
Atualmente, há uma série de normalizações e algoritmos para o controle hemodinâmico
do binômio materno-fetal na vigência da anestesia regional ou geral que é treinada à exaus-
tão por médicos e residentes da especialidade nos centros de ensino e treinamento de anes-
tesiologia (CET) em todo o território nacional.
Hoje, mais de 90% dos partos são realizados em maternidades que deveriam estar mais bem
aparelhadas e com instrumental mais adequado, pois, além da demanda exagerada de parturien-
tes, sobretudo no sistema de saúde do país (SUS), nas maternidades de referência, necessita-se de
crescente avanço tecnológico, inclusive para eventual cirurgia fetal intrauterina142.
Não há consenso sobre a influência do bloqueio motor da anestesia espinhal sobre o desen-
volvimento do trabalho de parto. Inclusive, o estado “antiadrenérgico” que se estabelece após
a instalação da analgesia cirúrgica não é capaz de influir negativamente na evolução do parto.
As conclusões dos pesquisadores até agora não são definitivas, haja vista a multiplicidade de
fatores intervenientes em relação à parturiente, ao obstetra e ao anestesiologista143,144.
Devem ser destacadas algumas proibições da FDA americana para a anestesia da grávida,
também seguidas no Brasil. Dez anos após a proibição da talidomida (hipnótico), em razão
do alto risco de focomelia fetal, é vetada a anestesia peridural para cesariana com bupiva-
caína racêmica a 0,75%, em função de maior cardiotoxicidade; após 20 anos, também está
proibido o uso de microcateteres subdurais para a raquianestesia contínua, sobretudo, na
posição de litotomia, em função de relatos de casos da grave síndrome de cauda equina. Pro-
cura-se o melhor método de bloqueio espinhal que menos interfira na dinâmica do parto,
inclusive com possibilidade de manter a deambulação da parturiente na sala de parto. No
manuseio da paciente sob bloqueio espinhal, devem ser diminuídos os fatores que facilitem
a toxicidade (overdose, hipotensão, acidose, hipóxia); daí a preferência pela analgesia espi-
nhal multimodal com agulha fina. A anestesia geral fica destinada a casos especiais ou na
contraindicação do bloqueio espinhal146.
O Quadro 1.5 apresenta a cronologia da anestesia obstétrica no período contemporâneo.
Quadro 1.5 - Cronologia da anestesia obstétrica no período contemporâneo
• 1948 – Fundação da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), RJ.
– Ahlquist: descrição do conceito de receptores α e β adrenérgicos.
• 1949 – Bovet & Phillips: síntese e uso da succinilcolina, importante na IOT.
– Cleland: uso da peridural contínua (dois cateteres) no parto.

26 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


– Curbelo: uso da agulha de Tuohy para peridural contínua (sonda vesical).
• 1952 – Caldeyro y Barcia: efeito dos anestésicos inalatórios sobre a contração uterina.
– Takaoka: fabricação do primeiro miniventilador portátil do Brasil.
• 1953 – Apgar: índice de vitalidade fetal.
– Howard: posicionamento DLE para evitar a hipotensão supina (DLE); (cf.
Crawford, 1972).
– Vincent: ocitocina, primeiro polipeptídeo uterotônico.
• 1954 – Wilds: bloqueio do pudendo via transvaginal (cf. Miller, 1908).
• 1956 – Johnstone & Raventós: halotano no parto ou na cesárea com vaporizador calibrado
para facilitar o plano anestésico.
– Ekenstein: síntese da bupivacaína.
• 1958 – Lamaze: método psicoprofilático do parto.
– V. CBA (Recife): tema: “Raquianestesia e Anestesia Obstétrica”.
• 1960 – Gormely: tampão com sangue autólogo para tratamento invasivo da cefaleia pós-
punção (cf. DiGiovanni, 1970).
• 1961 – Gonçalves: uso de vasopressores na raquianestesia no controle da hipotensão arterial.
– Sellick: compressão da cartilagem cricoide na profilaxia de aspiração pulmonar de
conteúdo ácido estomacal.
• 1962 – Reis Jr.: primeira anestesia peridural contínua (cateter) no Brasil.
• 1963 – de Jong & Wagman: a anestesia local tem como mecanismo de ação o bloqueio dos
canais de sódio do nervo, a partir da injeção perineural.
• 1964 – Burt: audioanalgesia (música clássica) para analgesia de parto.
• 1968 – Wollman: pré-hidratação preventiva da hipotensão (cesárea).
– Duthie: bupivacaína no trabalho de parto.
• 1970 – Cole: eutonox (50% O2 e 50% N2O) antes do início da contração uterina (analgotocia).
– Di Giovanni: tampão sanguíneo - 12 ml de sangue no espaço peridural para aliviar a
cefaleia pós-raque (96% de êxito).
• 1972 – Little: cetamina em baixa dose (0,2 mg/kg) para a tocoanalgesia.
• 1973 – Nicoletti: bupivacaína no trabalho de parto (Brasil).
– Pert & Snyder: descrição dos receptores opioides.
– Crawford: tempos ID e UD (< 3 min) para anestesia geral na cesárea.
• 1974 – Eugênio: peridural contínua em trabalho de parto (tese UniCamp).
– Ralston &Snyder: efedrina, vasopressor misto (α e β), mais indicado para a correção
de hipotensão para manter a perfusão uteroplacentária.
• 1976 – Gutsch: efedrina profilática da hipotensão na cesárea.
• 1979 – Albright: estudo retrospectivo sobre a cardiotoxicidade obstétrica da bupivacaína 0,75%.
– Wang: anestésico local + morfina espinhal.
– Curelaru: bloqueio combinado raqui + peridural (dupla punção).
• 1981 – Scott: uso de morfina intratecal (droga única) para tocoanalgesia.
– Brownbridge: uso combinado de raquianestesia (opioide) + peridural contínua
(anestésico local) para cesariana.
– Moore: dose teste profilática antes da peridural (lidocaína + adrenalina).
• 1982 – Eisele: fentanil associado com o anestésico local espinhal na cesárea.
– Justins: fentanil extradural no parto.
– Coates e Mumtaz: bloqueio combinado raqui + peridurdal (agulha através de agulha).
• 1983 – Elias: uso de halogenados para cirurgia fetal intrauterina.
• 1984 – Clarkson & Hondeghen: estudo clássico sobre a cardiotoxicidade da
bupivacaína racêmica.

A história e as estórias da anestesia obstétrica | 27


• 1985 – Morishima: maior toxicidade da bupivacaína na gravidez.
• 1986 – Carvalho e Mathias: bupivacaína 0,5% em dose fixa de 30 ml para manter a qualidade
da analgesia para cesariana.
• 1987 – Takuo: oximetria de pulso para o controle da saturação de O2 na hemoglobina.
– Sprotte: modificação do orifício da agulha espinhal ponta de lápis.
• 1988 – Akerman: ropivacaína levógira com menor cardiotoxicidade.
– Phillips: uso do sufentanil no parto.
• 1989 – Vale e Silva: parto com parturiente estimulada a deambular (Brasil); peridural com
bupivacaína (10 mg) associada com o fentanil (100μg).
– Portela e Reis: anestesia analgésica pura com fentanil e O2 sem sofrimento fetal.
– Schell, Rigler & Ross: neurotoxicidade do anestésico local injetado por microcateter
intratecal.
• 1992 – Clemenceau: uso intratecal de midazolam como analgésico.
• 1993 – Schneider: potencial de neurotoxicidade da lidocaína 5% hiperbárica com agulha fina.
– O´Meara: clonidina espinhal na analgesia de parto.
• 1994 – Morgan: peridural contínua com bupivacaína 0,125% associada com o fentanil,
permitindo a deambulação da parturiente.
– Abouleish: uso de anestesia combinada (raquiperidural) no parto: opioide +
anestesia local.
• 1995 – Bouazil: prostigmine associada com a clonidina na analgesia espinhal.
• 2002 – Lee: resgate da fenilefefrina (α1) como vasopressor na cesariana.
• 2008 – Carvalho: ultrassom na punção espinhal em obstetrícia.
• 2013 – Shnider e Levinson’s. Anesthesia for Obstetrics, 5th ed. Lippincott.
• 2014 – Chestnutt’s. Obstetric Anesthesia Principles and Practice. 5th ed. Elsevier.
• 2015 – Datta-Kodaly-Siegal. Obstetric Anesthesia Handbook. 5th ed. Springer.
– Santos - Epstein - Chaudhuri. Obstetric Anesthesia. McGraw, 2015.
– Clark - Velde - Fernando. Oxford Textbook of Obstetric Anaesthesia. Univ Press, 2015.
– MacLennan - O’Brien - Macnab: Core Topics in Obstetric Anaesthesia, Cambridge.
Segundo vários autores5,7,8,80-146,147.
A leitura atenta da história evolutiva da anestesia obstétrica afasta a tendência simplória
de se imaginar que ela sempre foi como se pratica hoje. Os agentes anestésicos, as técnicas, o
instrumental, a monitoração e até as agulhas têm mais de um século entre avanços e recuos.
Não se deve esquecer do esforço dos pioneiros e suas notáveis conquistas anestésico-cirúr-
gicas, sob pena de repetir os mesmos erros do passado, pois é através do conhecimento da
história que o médico pode valorizar questões antropológicas, terapêuticas e sociais, pedra
angular da anestesiologia como a especialidade médica mais estreitamente ligada à ativida-
de obstétrica.
Desde 1993, portaria do Ministério da Saúde (MS) do Brasil formatou o tripé básico
no atendimento ao parto vaginal ou cesariano: obstetra, anestesiologista e neonatalogista.
Aliás, no atendimento obstétrico em serviço público, até o processo legal de licitação desti-
nado a evitar corrupção nas compras de material (insumos) e medicamentos pode determi-
nar a aquisição de material de baixa qualidade ao se optar pelo menor preço.
A OMS lançou um guia de assistência ao parto (1987) que inspirou o MS do Brasil a
elaborar um manual técnico para o “parto humanizado”, no Programa de Humanização
Pré-Natal e do Parto (2001). Para garantir o bem-estar materno-fetal e encurtar o tempo

28 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


de trabalho de parto, as “condutas humanizadas” no atendimento à parturiente preconizam
dieta livre, massagens, taquipneia durante as contrações, ambulação e micção espontânea
e proíbem episiotomia, punção venosa para hidratação ou uso de ocitocina e analgésicos,
como também analgesia via espinhal. Vale salientar que esse guideline da OMS foi revisado
em 2009 pela Universidade de Columbia (USA) e exigiu capacitação tecnológica e funcio-
namento por 24 horas no atendimento hospitalar emergencial à parturiente (Monitoring
Emergency Obstetric Care: A Handbook).
A segurança e o conforto da parturiente sempre dependerão do atendimento “humanís-
tico” nas maternidades, da capacidade e do conhecimento técnico-científico da equipe mé-
dica que a assiste no parto vaginal ou na cesariana. Se a atual taxa de cesariana no Brasil (>
40%) demonstra uma cultura pró-cesárea, também é verdade que ela mostra a confiança da
parturiente no trinômio obstetra-anestesiologista-neonatologista, pois, antes da cesariana
executada por Porro (Itália), há pouco mais de cem anos (1876), nenhuma parturiente so-
brevivia a esse ato cirúrgico! Além disso, o crescimento universal do número de operações
cesarianas diminuiu proporcionalmente as lesões neurológicas perinatais. Embora mais na-
tural, o parto vaginal é responsável por um grande número de tocotraumatismos e sequelas
neurológicas fetais definitivas. Entretanto, a anestesia geral permanece indispensável em
determinadas emergências obstétricas e nas contraindicações da anestesia espinhal.
No reino animal, a lei da sobrevivência evolutiva não deixa opção de viverem os mais
frágeis ou menos adaptáveis ao ambiente hostil. No Brasil, a obrigatoriedade oficial da pre-
sença do neonatologista na equipe obstétrico-anestésica tornou mais humana e mais segura
a sobrevivência dos prematuros nas UTIs pediátricas. No entanto, o progressivo aumento no
número de prematuros mostra que algo está incorreto na política da saúde materno-infantil
governamental. Embora grande parte da população fértil brasileira viva nos trópicos (Nor-
te-Nordeste) e apresente menor porte ósseo anatômico em relação às regiões temperadas, o
Ministério da Saúde (MS) ainda recomenda que os partos cesáreos só deveriam ocorrer, no
máximo, em 30% em todo o território nacional, baseando-se na média dos países europeus
ou na recomendação da OMS na Suíça (Portaria nº 2.816, de 29/5/1998, MS); a elevada taxa
de cesarianas traria consequências negativas à saúde da mulher. Essa portaria representa um
contrassenso do ponto de vista evolutivo, pois múltiplas razões justificam diferenças étnicas e
na estatura das brasileiras de norte a sul do país, sobretudo quando se compara o índice brasi-
leiro de cesárea com a baixa taxa de cesariana de parturientes do norte da Europa (clima frio
ou temperado): Suécia, Finlândia, Holanda (< 10%). No Nordeste, há deficiência na alimenta-
ção tropical por secas periódicas; marés baixas (± 1,60 m) com redução da disponibilidade de
peixes; excesso de calor com redução do sono total e, sobretudo, do sono paradoxal (REM),
com menos desenvolvimento corporal; maior força gravitacional incidente sobre os habitantes
nas regiões mais próximas à Linha do Equador, haja vista a maior estatura dos que habitam as
regiões temperadas do globo terrestre do Hemisfério Norte. Ainda assim, um relatório do MS
afirma que o estímulo econômico institucional ao parto vaginal declinou e as taxas de cesaria-
na do SUS caíram, de 32%, em 1997, para 24%, em 2000146-151. Na realidade, a incidência de
cesariana na Maternidade-Escola J. Cicco (UFRN - SUS) foi superior em comparação com a
de 40% no final do século passado; em 2012, atingiu 60%, ainda assim, inferior aos 70% dos

A história e as estórias da anestesia obstétrica | 29


hospitais privados (Natal, RN). A Organização Mundial de Saúde (OMS, 1985) recomenda
que os partos cesáreos não ultrapassem taxas de 5% a 15%. Nos EUA, 15% a 25% dos RN nas-
cem através de cesarianas, mas existe uma tentativa generalizada de diminuir essa incidência.
Na década de 1990, houve substituição gradativa da anestesia geral (22%) pela regio-
nal na cesárea: raquianestesia (47%); peridural (22%) e 9% na combinada raqui + peridu-
ral142-146. Segundo critérios da OMS, uma severa complicação obstétrica aguda, com risco de
vida à parturiente, torna-se um caso near-miss, pois não leva necessariamente à mortalidade
em função do êxito da terapêutica estabelecida. A melhoria do prognóstico no atendimento
obstétrico na maternidade, sobretudo nas parturientes ASA III, com graves disfunções or-
gânicas, patologias com severa morbidade ou near miss (histerectomia pós-parto, discrasia
sanguínea etc.) e com alta demanda de UTI, dependerá da qualidade do pré-natal e do pla-
nejamento anestesiológico e obstétrico145,146-151.
Os últimos séculos de avanço no atendimento obstétrico demonstram a necessidade de
reavaliar e atualizar continuamente nossos conceitos gerais e específicos em função de uma
deontologia pragmática que faça interface com uma acelerada tecnologia não médica que
contribuía para modificar o atendimento médico-hospitalar, como: o plástico; os polímeros;
o microchip; o automóvel; o telefone; o rádio; a TV e a eletricidade, entre muitos outros.
A moderna anestesiologia obstétrica prefere a anestesia espinhal (subaracnóidea ou pe-
ridural) como técnica para alívio da dor do parto de uma parturiente consciente e capaz de
interagir de imediato com o seu bebê!
A associação de drogas diluídas na peridural proporciona a tocoanalgesia efetiva com
bloqueio motor mínimo e sem depressão do recém-nascido no parto vaginal, enquanto a
raquianestesia com agulha fina deve ser a anestesia padrão para o parto cesariano.
Finalmente, a história e as estórias da anestesia obstétrica, como partes da história da
medicina, podem ser compreendidas dentro de um contexto específico espaço-tempo, pois
são também inerentes à história da própria sociedade, com suas forças políticas, sociais, eco-
nômicas e religiosas, ontem, hoje e amanhã.
Recente declaração conjunta de obstetras e anestesiologistas americanos (1992) afirmou
que, em nenhuma circunstância, deve ser aceitável que a parturiente padeça de dor grave,
passível de controle sob intervenção médica segura, análoga à esperança manifestada por
James Simpson há mais de 160 anos, de que a “ciência médica poderia abolir a dor do parto
de maneira agradável e segura”17,21,42,43,150-2 .
A prioridade no atendimento humanizado e tecnológico obstétrico-anestesiológico-neo-
natológico continuará determinante na salvaguarda do bem-estar, do conforto, da analgesia
e da segurança do binômio mãe-feto.

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34 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Capítulo 02

Alterações Anatomofisiológicas
da Gestação
Jedson dos Santos Nascimento
Murilo Pereira Flores
Alterações anatomofisiológicas da gestação

Introdução
A gestação induz uma série de modificações anatomofisiológicas no organismo materno.
Tais modificações são adaptações necessárias para que a gestante possa atender adequada-
mente às demandas metabólicas da unidade feto-placentária e esteja preparada para a perda
sanguínea associada ao parto1,2 .
Em gestantes saudáveis, essas alterações não trazem maiores riscos para a saúde. Entre-
tanto, na presença de comorbidades prévias, mesmo subclínicas, as adaptações fisiológicas
da gestação acrescentam estresse adicional ao organismo materno já comprometido, amea-
çando a vida tanto da mãe quanto do feto3.
Dessa forma, é importante que o anestesiologista conheça detalhadamente a fisiologia da
gestação, uma vez que muitas alterações podem mimetizar condições patológicas. Ademais,
essas alterações impõem certas adequações no manejo anestésico, como veremos adiante1,2,3.

Composição e peso corporal


Até o final da gestação, ocorre aumento na água corporal total entre 6,5 e 8,5 L. A água
contida no feto, na placenta e no fluido amniótico corresponde a aproximadamente 3,5 L.
O volume sanguíneo total sofre um incremento de 1.500 mL a 1.600 mL. Destes, 1.200
a 1.300 mL estão contidos no plasma e 300 a 400 mL contemplam aumento no volume
eritrocitário. A expansão de fluidos extracelulares é responsável, por si só, por um ganho
ponderal de 6 a 8 kg. Em decorrência disso, ocorre um aumento no volume de distribuição
de muitos fármacos1.
O aumento na água corporal total é mediado primordialmente pela maior retenção de
sódio e água. Alterações na regulação osmolar e no sistema renina-angiotensina-aldostero-
na resultam na reabsorção ativa de sódio nos túbulos renais e retenção hídrica. Durante a
gestação, a maior concentração de estrógeno estimula a produção de renina e angiotensina.
Existem, ainda, outras substâncias responsáveis pelo aumento da água corporal, como as
prostaglandinas, a deoxicorticosterona, a prolactina, o hormônio lactogênio placentário e
ACTH. A pressão ureteral aumentada em decorrência da obstrução mecânica pelo útero
gravídico pode também contribuir para a retenção de sódio4.
Durante a gestação, existe um aumento na excreção renal de albumina e outras proteí-
nas plasmáticas. A diminuição de sua concentração plasmática pode alterar a fração livre
de fármacos na corrente sanguínea. Ademais, há redução na pressão oncótica do plasma,
o que pode predispor a gestante a edema pulmonar em caso de aumento da pré-carga e
diminuição da permeabilidade capilar. Dessa forma, o manejo hídrico dessas pacientes deve
ser bastante judicioso1.

Alterações cardiovasculares
Após a concepção, o sistema cardiovascular materno passa por modificações importan-
tes e progressivas durante a gestação para que possa suprir de nutrientes e oxigênio o feto em

36 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


desenvolvimento de forma adequada (Tabela 2.1). Essas modificações, entretanto, podem
evidenciar doenças cardiovasculares não reconhecidas até então, resultando, assim, em
significativa morbimortalidade. Tais alterações tendem a retornar aos valores pré-gestação
entre 4 e 12 semanas após o parto2,4.
Tabela 2.1 - Alterações hemodinâmicas da gestação (adaptado de: Respiratory physiology in
pregnancy. Clin Chest Med, 2011;32:1-13)
Débito Cardíaco Aumenta 30% a 50%
Frequência Cardíaca Aumenta 15% a 20%
Volume Sistólico Aumenta 20% a 30%
Pressão Arterial Média Diminui até 5%
Pressão Venosa Central Não se altera
Resistência Vascular Sistêmica Diminui 20% a 30%
Índice de Volume Sistólico do Ventrículo Esquerdo Não se altera
Pressão Média da Artéria Pulmonar Não se altera
Pressão Encunhada da Artéria Pulmonar Não se altera
Resistência Vascular Pulmonar Diminui 30%
O volume sanguíneo materno sofre expansão durante a gestação para possibilitar uma
perfusão adequada de órgãos vitais, incluindo o útero e a unidade feto-placentária, e pre-
parar a gestante para a perda sanguínea associada ao parto. Essa perda pode chegar a cerca
de 2.000 mL sem que haja quaisquer alterações na pressão arterial e frequência cardíaca. A
partir da sexta a oitava semana, ocorre uma expansão rápida inicial no volume sanguíneo,
que atinge um platô por volta de 32 a 34 semanas, resultando em um aumento de 50%1,5.
Paralelamente ao aumento do volume sanguíneo, ocorre vasodilatação generalizada du-
rante a gestação. Essa vasodilatação, associada com a diminuição da resistência no leito pla-
centário, promove redução de 10% na resistência vascular sistêmica no início da gravidez,
que atinge um nadir de 35% abaixo dos valores basais entre 14 e 24 semanas, retornando
aos níveis prévios próximo ao termo3,4. Essa alteração é resultado da ação vasodilatadora
de uma série de substâncias, incluindo a progesterona, o estrógeno, as prostaglandinas e as
prostaciclinas. As prostaciclinas atenuam o efeito vasoconstrictor da angiotensina II e da
noradrenalina. Evidências mais recentes sugerem que o óxido nítrico pode estar relaciona-
do com a vasodilatação durante a gravidez, período em que sua produção está aumentada.
Outra substância importante na regulação da resistência vascular periférica na gravidez é a
relaxina, que atenua o efeito dos vasoconstritores derivados do endotélio, atingindo níveis
séricos máximos no primeiro trimestre e durante o parto. Além de efeitos na vasculatura, a
relaxina contribui para alterações no tecido conectivo, facilitando o relaxamento das estru-
turas da pelve para o parto4.
A queda no tônus vascular durante a gestação diminui tanto a pré-carga quanto a
pós-carga. A diminuição da pré-carga ativa os sistemas de retenção hidrossalina do or-
ganismo, resultando em expansão plasmática. A maior ativação do sistema renina-angio-
tensina-aldosterona promove retenção de sódio e água6,7. Durante a gravidez, esse sistema

Alterações anatomofisiológicas da gestação | 37


sofre alterações profundas. Observa-se aumento na concentração de renina devido a sua
produção extrarrenal, em sítios como ovários e placenta. Além disso, em resposta ao estró-
geno produzido pela placenta, há um incremento na síntese hepática de angiotensinogê-
nio, o que culmina com aumento nos níveis de angiotensina II e aldosterona. Entretanto,
as gestantes são mais resistentes aos efeitos vasopressores da angiotensina II e requerem
o dobro da concentração plasmática que mulheres não gestantes para desencadearem a
mesma resposta vasomotora8.
O tônus vascular diminuído promove ainda uma queda na pós-carga, o que permite,
juntamente com o aumento da volemia, uma elevação importante no volume sistólico6,7.
O débito cardíaco sofre acréscimo de 30% a 50%, que se inicia por volta da oitava a décima
semanas, atingindo o pico entre a 25ª e 30ª semanas. No início da gravidez, esse acréscimo
resulta, principalmente, do aumento do volume sistólico. A partir do terceiro trimestre, a
frequência cardíaca também contribui para o incremento no débito cardíaco com um pe-
queno aumento, entre 10 e 20 bpm. No início da gestação, o aumento do débito cardíaco é
proporcionalmente maior que o aumento no consumo de oxigênio materno para assegurar
um suprimento adequado durante a organogênese. Por consequência, com o avançar da gra-
videz ocorre um aumento gradual na diferença da concentração arteriovenosa de oxigênio,
que se aproxima dos valores pré-gestação no termo1,4.
Em última análise, a queda na resistência vascular sistêmica, associada com o aumento
no débito cardíaco, confere à circulação materna um caráter hiperdinâmico7.
O maior débito cardíaco permite melhor perfusão uterina, renal, das extremidades, das
mamas e da pele. Relativamente, ocorre menor perfusão esplâncnica e da musculatura es-
quelética. O fluxo sanguíneo renal corresponde a 20% do débito cardíaco materno. O fluxo
sanguíneo cutâneo chega a 10% do débito cardíaco e seu aumento permite a eliminação do
calor gerado pelo metabolismo fetal. As mamas recebem 2% do débito. O fluxo sanguíneo
uterino chega de 450 a 650 mL.min-1 próximo ao termo e corresponde a 20% a 25% do
débito cardíaco. O sistema arterial uteroplacentário não possui autorregulação, portanto,
sua perfusão é dependente da pressão arterial média materna. Em vista disso, é importante
prevenir e tratar adequadamente o bloqueio simpático durante a realização de anestesia
neuroaxial para que não haja comprometimento do suprimento sanguíneo fetal1,2 .
O débito cardíaco aumentado diminui o tempo de equilíbrio dos fármacos venosos com
seu sítio efetor, o que torna a indução anestésica mais rápida nestas pacientes1.
Durante o trabalho de parto, há um aumento adicional de 50% no débito cardíaco em
função da elevação do volume circulante em 300 a 500 mL a cada contração uterina. Após
o parto, há um redirecionamento de cerca de 500 mL de sangue que ocupava a vasculatura
uteroplacentária para outros leitos vasculares. Esse fenômeno é denominado autotransfusão
materna e, juntamente com a cessação da compressão aorto-cava, resulta em aumento ainda
maior do débito cardíaco, por volta de 60% a 80%, que persiste por 48h. Em seguida, começa
a declinar gradualmente nas 2 a 12 semanas subsequentes1.
Paralelamente à queda na resistência vascular sistêmica, ocorre diminuição na
pressão arterial desde a sétima semana, que atinge seu nadir na metade da gestação.
A partir de então, os níveis pressóricos voltam a subir, até atingirem níveis próximos

38 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


aos anteriores à gestação no termo 4. A queda na PA sistólica é de aproximadamente
5 mmHg e de 10 mmHg na PA diastólica. A resistência vascular pulmonar também
está reduzida, entretanto, a pressão arterial pulmonar não se altera. A pressão venosa
central permanece inalterada, sofrendo apenas pequena redução próximo ao termo (de
9 mmHg para 4 mmHg). A queda nas resistências vasculares permite a acomodação do
volume circulante aumentado1.
Nas extremidades inferiores, por outro lado, há um aumento de 10 mmHg para até 25
mmHg na pressão venosa em virtude da compressão da veia cava inferior e das veias femo-
rais pelo útero gravídico. Esse fator, em associação com o aumento da complacência venosa
periférica, resulta em edema periférico, desenvolvimento de veias varicosas, hemorroidas e
aumento no risco de tromboembolismo. Além disso, o engurgitamento de vasos peridurais
diminui o volume dos espaços peridural e subaracnóideo, reduzindo o volume de anestésico
necessário para atingir determinado nível de bloqueio neuroxial1,7.
A compressão da cava inferior é ainda mais acentuada na posição supina, levando à
diminuição no retorno venoso e no volume sistólico na ordem de 25% a 30%, com hi-
potensão. Esse fenômeno é conhecido “síndrome da hipotensão supina materna”. Seus
sintomas incluem palidez, sudorese, náuseas, vômitos, taquicardia e alteração no estado
mental. É mais comum no final da gestação, em virtude do grande volume uterino, e pode
ser revertido com o decúbito lateral esquerdo ou deslocamento do útero. Durante proce-
dimentos cirúrgicos em gestantes, deve-se lançar mão dessas manobras para manter um
retorno venoso adequado. Diversos estudos têm mostrado que o útero gravídico também
causa compressão no sistema arterial, reduzindo o fluxo na aorta e nas artérias ilíacas,
renais, ovarianas e lombares1.
Além da hipotensão supina, mulheres grávidas também estão mais propensas à hipoten-
são ortostática, em virtude da supressão na função do reflexo barorreceptor. Essa disfunção
pode ser resultado tanto da diminuição do tônus simpático quanto da redução da reativida-
de vascular na gestação9.
Ao longo da gestação, o coração sofre uma série de alterações estruturais e muitas
destas têm tradução ao exame físico. Ocorrem deslocamento cranial e rotação para a
esquerda do coração como resultado da elevação diafragmática pelo útero gravídico.
As próprias câmaras cardíacas sofrem um remodelamento significativo. Todas elas
aumentam em dimensão, sobretudo os átrios, que podem aumentar em até 40%. Esse
incremento no volume atrial, associado com o aumento na frequência cardíaca e a
maior concentração sérica de estrógeno, pode predispor a gestante a arritmias. Ocorre
elevação no volume diastólico final, porém, a pressão diastólica final não se altera. As
válvulas atrioventriculares aumentam em área, assim como aumentam também a espes-
sura ventricular e seu volume. A fração de ejeção, entretanto, não se altera. Pode ocorrer
regurgitação tricúspide e pulmonar leve em 90% das gestantes, porém, com pouca ou
nenhuma manifestação clínica1,2,4.
Alterações comuns ao exame físico incluem edema periférico, taquicardia, distensão ve-
nosa jugular e deslocamento lateral do ictus cordis. A presença de B3 e sopro sistólico paraes-
ternal pode ocorrer em 90% das gestantes e não representa achados patológicos. À radiogra-

Alterações anatomofisiológicas da gestação | 39


fia de tórax, pode-se observar aumento no índice cardiotorácico. O eletrocardiograma pode
revelar alterações como taquicardia sinusal e desvio do eixo elétrico para a esquerda1.

Alterações hematológicas
A gravidez normal está associada com importantes alterações hematológicas, cujo pro-
pósito é manter adequada oferta de oxigênio ao feto e prevenir sangramento excessivo asso-
ciado com o parto10.
O volume sanguíneo circulante sofre significativa expansão durante a gestação para
permitir uma perfusão adequada dos órgãos vitais e da unidade feto-placentária, além de
preparar a gestante para a perda sanguínea associada ao parto, que pode chegar a 2.000
mL sem que haja qualquer alteração na frequência cardíaca ou pressão arterial. Essa ex-
pansão volêmica começa da sexta a oitava semana e se estabiliza da 32a à 34a semana1. Ela
está intimamente relacionada com o crescimento fetal normal, uma vez que o crescimento
intrauterino restrito está associado com uma expansão plasmática insuficiente4.
A produção de eritrócitos também aumenta, gerando um acréscimo de 17% a 40% no
hematócrito. Como esse aumento não é proporcional ao incremento da volemia, instala-se
uma condição conhecida como “anemia fisiológica da gravidez”, com hemoglobina sérica
entre 11 e 12 g.dL -1 e hematócrito entre 33% e 38%. Essa hemodiluição diminui a viscosida-
de sanguínea, o que melhora a perfusão placentária e reduz o risco de eventos tromboembó-
licos. Entre as substâncias que estimulam a eritropoiese na gestação, estão a progesterona e
a somatotropina coriônica placentária. Para facilitar a transferência de oxigênio para o feto,
a curva de dissociação da oxi-hemoglobina está desviada para a direita pela maior produção
de 2-3-difosfoglicerato pelos eritrócitos1,4.
Além das alterações eritrocitárias e de volume plasmático, a gravidez traz profundas alte-
rações hemostáticas (Tabela 2.2). A gestação é considerada um estado pró-trombótico. Por
esse motivo, a gestante possui um risco quatro vezes maior que as mulheres não gestantes para
eventos tromboembólicos. Entretanto, o aumento nas concentrações de D-dímero na gesta-
ção tornam essa ferramenta pouco útil nesse contexto. Substâncias pró-coagulantes, como os
fatores I, VII, VIII, IX, X, XII, o fator de von Willebrand e o fibrinogênio são produzidos em
maiores quantidades na gestação. Os níveis de fibrinogênio podem dobrar ou até mesmo tripli-
car11. Ao mesmo tempo, substâncias fibrinolíticas, como os ativadores do plasminogênio, estão
diminuídas2. Isso se deve ao aumento nos inibidores dos ativadores do plasminogênio (PAI-1
e PAI-2), que têm sua produção aumentada pela placenta. O estado pró-trombótico atinge seu
ápice no momento do parto, em que substâncias pró-coagulantes são liberadas localmente
pela placenta, e retorna aos valores prévios à gravidez três a quatro semanas depois10,12.
A contagem plaquetária está reduzida em função da hemodiluição e de sua maior des-
truição. Ela gira em torno de 100.000 a 150.000 plaquetas.mm-3. Os níveis de proteína C
não se alteram ou aumentam discretamente, enquanto os níveis de proteína S decrescem. A
concentração de antitrombina permanece inalterada3,10.
Os níveis de leucócitos aumentam desde o primeiro trimestre, com pico na 30a semana,
atingindo cerca de 15.000 leucócitos.mm-3. Ocorre um predomínio de granulócitos, com
aumento de formas jovens3.

40 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Tabela 2.2 - Alterações hemostáticas na gestação (adaptado de: Hemostatic changes in nor-
mal pregnancy. Haematologica Reports, 2005;1(10):1-5)
Contagem Plaquetária ↓
Fatores II e V =
Fibrinogênio, fator de Von Villebrand, fatores VII, VIII, IX, X e XII ↑
Fator XI =/↓
Fator XIII ↑/↓
Antitrombina =
Proteína C =/↑
Proteína S ↓
D-dímero ↑
PAi ↑

Sistema imunológico
As alterações imunológicas da gestação permitem o desenvolvimento de uma tolerân-
cia materna à presença de um feto semialogênico. Existe provavelmente uma redução da
resposta imune citotóxica, com preservação da imunidade inata e humoral. Tais alterações
resultam da ação de hormônios como a progesterona, o estrógeno e a relaxina. Tanto a pro-
gesterona quanto o estrógeno promovem a produção da citocina anti-inflamatória IL-10,
a qual inibe a resposta imune citotóxica. Tais alterações explicam a atenuação de doenças
autoimunes durante a gestação, como a esclerose múltipla e a artrite reumatoide2 .

Alterações respiratórias
O sistema respiratório passa por uma série de mudanças durante a gravidez, que são
mediadas inicialmente por alterações endócrinas e, posteriormente, resultam da elevação
diafragmática pelo útero gravídico. Tais modificações permitem ao organismo atender à de-
manda de oxigênio aumentada e proporcionam também uma eliminação eficaz de CO2 pelo
feto. O consumo de oxigênio aumenta em 30 a 50 mL.min-1, dois terços dos quais atendem à
demanda materna aumentada e um terço atende às necessidades do feto3.
Paralelamente ao aumento da demanda respiratória, existe uma elevação no volume mi-
nuto da ordem de 30% a 50%, causado, sobretudo, por um acréscimo no volume corrente,
em torno de 40%. Essa modificação se dá já no início da gestação e tende a permanecer
estável ou sofrer apenas aumento discreto nas semanas subsequentes1.
A progesterona tem papel importante nessas alterações, pois incita o centro respiratório,
tornando-o mais sensível ao estímulo do CO2 . Além disso, a resposta ventilatória à hipóxia
também está elevada. A frequência respiratória praticamente não se altera. Como resulta-
do do aumento do volume minuto, os níveis de PaO2 se elevam discretamente para quase
100 mmHg a 105 mmHg, facilitando a transferência de oxigênio para o feto. Da mesma
forma, a PaCO2 decresce de 40 mmHg para valores próximos a 33 mmHg, o que facilita
a eliminação do CO2 gerado pela mãe e feto, cuja produção aumenta em 30% a partir dos
valores pré-gestação. Esse estado de alcalose respiratória é compensado pela maior excreção

Alterações anatomofisiológicas da gestação | 41


de bicarbonato, que tem seus níveis séricos reduzidos para 15 a 20 mEq.L -1, mantendo o pH
materno em níveis normais1,13 (Tabela 2.3).
Tabela 2.3 - Mudança na pressão parcial arterial dos gases na gestação (adaptado de: Respi-
ratory physiology in pregnancy. Clin Chest Med, 2011;32:1-13)
Não Grávida Terceiro Trimestre de Gestação
pH 7,4 7,43
PaO2 (mmHg) 93 101 - 106
PaCO2 (mmHg) 37 26 - 30
HCO3 sérico (mEq.L ) -1
23 17
O aumento no volume minuto (VM) é percebido como sensação de dispneia e pode
ocorrer em até 76% das gestantes, sendo denominada “dispneia fisiológica”, que é também
influenciada pela elevação do diafragma, aumento do volume sanguíneo pulmonar, anemia
e congestão nasal. Geralmente, o sintoma é leve1,13.
Com o avançar da gestação, o diafragma é elevado em 4 cm pelo útero gravídico, o que
diminui a complacência torácica, e a circunferência do gradil costal aumenta em 5 cm.
A complacência pulmonar, por outro lado, permanece inalterada. Além disso, os níveis
elevados de relaxina promovem queda da rigidez ligamentar, o que permite aumento no
ângulo subcostal de 68° para 103°. Como resultado, há uma redução de 5% na capacidade
pulmonar total (CPT) e de 10% a 25% na capacidade residual funcional (CRF), que se
inicia por volta da 20a semana. O volume de reserva expiratório (VRE) sofre decréscimo
de 15% a 20%, enquanto o volume residual (VR) cai 20% a 25% do basal. A CRF sofre
queda adicional de 30% na posição supina, em virtude do aumento da pressão abdominal
sobre o tórax1,13. Com o incremento no diâmetro do gradil costal e a elevação do diafrag-
ma, sua mecânica se torna mais eficiente e a extensão de suas incursões aumenta em 2 cm,
permitindo o acréscimo no volume corrente e na capacidade inspiratória6. A capacidade
vital não se altera na gestação5.
A despeito das modificações nos volumes pulmonares, a função pulmonar não sofre al-
terações durante a gravidez. O volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1),
a relação VEF1/CVF (capacidade vital forçada) e o pico de fluxo expiratório não se mo-
dificam. Portanto, os valores de referência são semelhantes aos utilizados para mulheres
não grávidas1,13.
A queda na capacidade residual funcional, associada com o aumento no consumo de oxi-
gênio em 30% a 60%, diminui a reserva materna e predispõe a gestante à hipoxemia precoce
em situações de depressão respiratória ou apneia. Nessas pacientes, o tempo para intubação
orotraqueal é limitado. A pré-oxigenação adequada, portanto, é crucial nesse contexto1.
Além das alterações pulmonares, a mucosa nasal a do trato respiratório se tornam edema-
ciadas e hiperemiadas pela ação do estrógeno e aumento da água corporal. Por conta disso,
a via aérea superior se torna mais friável, portanto, mais propensa a traumas e sangramentos
durante a manipulação, que deve ser o mais cuidadosa possível. Além disso, esse edema de
via aérea, associado com ganho ponderal e ingurgitamento mamário, torna a laringoscopia
difícil na gestante1.

42 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Já foi demonstrado um aumento no escore de Mallampati e na circunferência cervical
durante a gravidez, além de redução nos diâmetros da orofaringe, o que predispõe comu-
mente a gestante à obstrução na via aérea superior e a distúrbios respiratórios do sono6,13,14.

Aparelho gastrointestinal
Durante a gestação, o útero gravídico em crescimento desloca cranialmente o estômago
e as alças intestinais. Além disso, os níveis elevados de progesterona reduzem a motilidade
gastrointestinal e o tônus do esfíncter esofágico inferior e estimulam a produção placentá-
ria de gastrina, o que aumenta a acidez do conteúdo gástrico. Por conta dessas alterações,
ocorre aumento na pressão intra-abdominal e intragástrica, o que torna essas pacientes mais
propensas a náuseas e vômitos e à aspiração do conteúdo gástrico quando sedadas, a partir
da 16a semana de gestação1-3,15.
O perfil hepático também sofre algumas mudanças durante a gravidez, o que pode ser
confundido, muitas vezes, com condições patológicas. Alterações laboratoriais hepáticas
estão presentes em 10% das gestantes e não necessariamente traduzem doença. Comumen-
te, observam-se níveis reduzidos de albumina sérica, em função da expansão plasmática, e
aumento da fosfatase alcalina, pela sua produção placentária. Estas são alterações previstas
numa gravidez normal. Elevações de aminotransferases ou bilirrubinas, por sua vez, não
são esperadas e devem ser adequadamente investigadas. A presença de eritema palmar e
teleangiectasias é comum na gestação e resulta dos níveis elevados de estrógeno, que não são
totalmente metabolizados pelo fígado16.

Aparelho genitourinário
Na gestação, os rins são deslocados cranialmente e aumentam 1 cm de comprimento em
virtude do incremento no volume vascular e intersticial. A vasculatura renal é a primeira a
sofrer influência da vasodilatação sistêmica associada com a gestação. Isso leva ao incremento
do fluxo sanguíneo renal (FSR) em 50% a 85% e da taxa de filtração glomerular (TFG) em
40% a 65%. Como resultado, o clearance de creatinina aumenta em 25%, com redução de seus
níveis séricos para aproximadamente 0,5 mg.dL-1. A excreção de proteínas, inclusive albumi-
na, também se eleva. A glicosúria é um achado esperado durante a gravidez, em função do
incremento em sua filtração e da reabsorção tubular limitada. A elevada retenção de sódio nos
rins é importante para o aumento do volume plasmático na gestação. Apesar de sua filtração
glomerular elevada, a capacidade de reabsorção tubular está bastante aumentada1-3.
O sistema coletor renal torna-se mais dilatado em função do relaxamento promovido
pela progesterona, associado com a compressão ureteral gerada pelo útero gravídico. Tais
alterações resultam em hidroureteronefrose, predispondo a gestante a infecções do trato
urinário e nefrolitíase. O tônus vesical é reduzido, resultando em polaciúria, urgência mic-
cional e incontinência17.

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Alterações anatomofisiológicas da gestação | 43


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44 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Capítulo 03

Anatomofisiologia placentária,
transferência de fármacos e fluxo
sanguíneo uteroplacentário
Simone Soares Leite
Anatomofisiologia placentária, transferência de
fármacos e fluxo sanguíneo uteroplacentário
“Thus in the womb the nascent infant laves
Its natant form in the circumfluent waves;
With perforated heart unbreathing swims,
Awakes and stretches all its recent limbs;
With gills placental seeks the arterial flood,
And drinks pure ether from its Mother’s blood.”
Canto I. The Temple of Nature,
Erasmus Darwin, 1803

A placenta humana – visão histórica


Desde os primórdios da humanidade, a placenta desperta o interesse das pessoas. No
Egito antigo, a ela atribuíam-se poderes místicos extraordinários, como o alter ego ou o
gêmeo da criança. A placenta dos faraós era guardada e protegida durante toda a sua vida.
Após a morte, a “placenta real” era ritualmente cortada e com eles sepultada1.
Na fase helenística, a função placentária começou a ser estudada pelos filósofos, e estes
atribuíam a ela um papel na nutrição do feto. O conhecimento avançou principalmente du-
rante a Renascença. Leonardo da Vinci, em seu “Estudo de embriões” (1510-1513, caneta,
tinta sobre papel), apresenta a íntima ligação entre feto, placenta e útero (Figura 3.1). Contu-
do, é interessante que ele não tenha retratado o formato discoide da placenta humana, mas,
sim, a placenta multilobular das vacas, as quais, provavelmente, tinha maior acesso, já que,
naquela época, a Igreja proibia a dissecção1.

Figura 3.1 – Estudos de embriões (1510-1513), por Leonardo da Vinci. À esquerda, um feto humano cercado
por uma placenta que apresenta múltiplas ligações com o útero. À direita, há desenhos detalhados da anato-
mia dos cotilédones, como observados nas placentas das vacas.

46 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


No fim de 1500, surgiu o conceito da placenta como um órgão “purificador” do sangue.
E, ainda, foi reconhecida a separação entre a circulação fetal e a materna. Essas observações
foram confirmadas, 200 anos depois, através da injeção de cera colorida na circulação fetal1.
Atualmente, a placenta é reconhecida como o primeiro órgão fetal que se torna funcional
durante a gravidez. Ela possui um papel importante no desenvolvimento fetal e no bem-es-
tar materno, graças a seu mecanismo de transporte de substância, a sua ação no metabo-
lismo de substratos e na proteção fetal, e, ainda, a sua função endócrina1. Essas funções só
foram reconhecidas nos últimos 50 anos, com o desenvolvimento das técnicas de biologia
molecular, bioquímica e microanatomia.

A anatomia placentária humana


A palavra placenta, em latim, quer dizer “bolo”; em grego (plakóenta/plakoúnta) signi-
fica “plano” e, em alemão, “bolo de mãe” (mutterkuchen). Todos esses termos referem-se,
portanto, ao aspecto arredondado e plano da placenta humana. Ela é um órgão transitório,
presente apenas na infraclasse eutéria, que intermedeia as trocas fisiológicas entre a mãe e o
embrião ou feto.
A placenta é formada pela aposição das membranas fetais ou pela sua fusão com a mucosa
uterina. É constituída de partes fetais (córion viloso) e maternas (decídua basal) e represen-
ta um aloenxerto natural, resistente à rejeição.
A decídua (do latim deciduous = queda) é a camada funcional do endométrio gravídico,
e suas células são produzidas graças ao aumento de progesterona. De acordo com o local de
implantação do blastocisto, ela é dividida em três regiões: decídua basal, à frente do embrião
implantado, dará origem ao componente materno da placenta e será eliminada por ocasião
do parto; decídua capsular, que é a parte do endométrio oposta ao polo de implantação; e
decídua parietal, que corresponde ao resto do endométrio que recobre o embrião. A decídua
basal, então, é um componente da placenta madura que é revestido por uma concha externa
citotrofoblástica derivada do feto2 .
O componente fetal da placenta, que corresponde a quatro quintos desta a termo, é a
parte das vesículas coriônicas representadas pelo córion frondoso. Consiste na parede do
córion, chamada de placa coriônica, e das vilosidades que surgem a partir da placa2 . As
vilosidades coriais são de cinco tipos:
• vilosidades-tronco – são conectadas à placa coriônica e possuem um estroma
fibroso condensado com grandes e pequenos vasos. Com o avançar da gestação,
sua lâmina de trofoblastos é substituída por fibrina. Elas servem para apoiar as
estruturas da “árvore vilosa”. Possuem atividade endócrina restrita e um pequeno
papel nas trocas materno-fetais.
• vilosidades intermediárias imaturas – possuem um estroma reticular e células Ho-
fbauer, uma lâmina citotrofoblástica descontínua e vasos proeminentes. É o principal
local de trocas durante o primeiro e segundo trimestres de gestação.
• vilosidades intermediárias maduras – são longas, finas, com ramificações peri-
féricas. Dão origem às vilosidades terminais. É o principal local onde ocorrem as
trocas materno-fetais.

Anatomofisiologia placentária, transferência de fármacos e fluxo sanguíneo uteroplacentário | 47


• vilosidades terminais – se unem às vilosidades-tronco através das estruturas in-
termediárias. São semelhantes a cachos de uvas, com muitos capilares e sinusoides
extremamente dilatados. Na placenta a termo, são menores e com menos estroma.
Formam uma lâmina descontínua de citotrofoblastos e contêm 4-6 capilares fetais
por secção transversal. Nelas, os vasos capilares fetais e os sinciciotrofoblastos estão
separados apenas por uma fina membrana basal, o que as torna o local mais apropria-
do para as trocas por difusão. Na placenta normal madura, corresponde a 40% do
volume viloso e 50% da área de superfície total.
• vilosidades mesenquimais – são as mais primitivas, com estroma frouxo e capilares
pouco desenvolvidos. Sua função resume-se às primeiras semanas de gestação, em
que fazem quase toda a atividade endócrina3.
As vilosidades-tronco, que são as grandes estruturas dos codilédones, se dividem em 3-5
vilosidades imaturas ou maduras que, posteriormente, ramificam-se em 10-12 vilosidades
terminais. Algumas dessas flutuam livremente no espaço interviloso, enquanto outras se
ligam à decídua e conferem estabilidade estrutural à placenta3 (Figura 3.2).

Figura 3.2 – Codilédone. A vilosidade-tronco mergulha na placenta a partir dos vasos da superfície fetal e
se divide em vilosidades intermediárias que, por sua vez, originam as vilosidades terminais. No segundo e
terceiro trimestre de gestação, as vilosidades terminais continuam a amadurecer, em resposta as exigências
fetais, e ocorre, por conseguinte, um aumento na quantidade e qualidade das trocas materno-fetais.

As vilosidades placentárias são compostas por três lâminas, com diferentes tipos de cé-
lula em cada uma. Os sinciciotrofoblastos e os citotrofoblastos cobrem toda a superfície da
“árvore vilosa” e são banhados pelo sangue materno no interior dos espaços intervilosos.
As células mesenquimais, as células Hofbauer e os fibroblastos estão localizados dentro do
estroma do núcleo viloso, entre os trofoblastos e os vasos fetais. As células Hofbauer, que
funcionam como os macrófagos fetais, sintetizam fatores pró-angiogênicos. As células vas-
culares fetais incluem as musculares lisas dos vasos, os pericitos e as células endoteliais4.
Estruturalmente, a placenta madura apresenta um formato discoide, com 3 cm de es-
pessura, 20 cm de diâmetro e cerca de 500 g, e possui um total de 15-28 cotilédones. O lado
fetal da placenta é brilhante por causa da membrana amniótica aposta. Nele são evidentes
o cordão umbilical fixo à placa coriônica e a irradiação, a partir da placenta, das artérias
umbilicais e da veia. O lado materno é rugoso e subdividido em até 35 lobos; os sulcos entre

48 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


eles são ocupados pelo septo placentário, que surge da decídua basal e se estende em direção
à placa basal (Figura 3.3). O lado materno da placenta apresenta, ainda, restos de vasos ute-
rinos alterados pela penetração trofoblástica, pela substância fibrinoide, por restos celulares
e coágulos sanguíneos2,3.

Figura 3.3 – À direita a face fetal da placenta. À esquerda a face materna. Note o padrão disperso das ramifi-
cações dos vasos fetais (superfície fetal) na placa coriónica.

É importante destacar que a placenta das diferentes espécies exibe uma grande diver-
sidade entre as estruturas, que incluem diferentes organizações quanto ao tipo celular,
à forma e ao modelo de distribuição sobre o endométrio. A classificação de Grossner é a
mais comumente utilizada para categorizar o sistema placentário e se baseia no número
e tipo de lâminas teciduais presentes na barreira placentária, em cada espécie específica.
Assim, existem os seguintes tipos de placenta: epiteliocorial, típica das ovelhas; sindes-
mocorial; endoteliocorial, dos gatos e cães; hemocorial, dos seres humanos; endotelial e
a hemoendotelial 5.
Não apenas a estrutura, mas a função placentária varia entre as espécies. Assim, a extra-
polação dos resultados de estudos experimentais em animais para a prática clínica é muito
temerosa. Por exemplo, as ovelhas, que são a espécie animal mais utilizada nos estudos acer-
ca da transferência placentária, apresentam três lâminas maternas (epitélio, tecido conjunti-
vo e endotélio), que separam o sangue fetal do materno. Ao contrário, na placenta humana,
do tipo hemocorial, faltam essas lâminas, logo, as hemácias maternas entram em contato
direto com o trofoblasto fetal. Ou seja, substâncias capazes de atravessar a placenta humana
não o são nas placentas das ovelhas5.
A circulação placentária
A placenta recebe sangue dos sistemas materno e fetal, portanto, possui dois sistemas
circulatórios distintos, a circulação uteroplacentária e a fetoplacentária.
A primeira começa com o fluxo de sangue materno para o espaço interviloso através das
artérias espiraladas deciduais. A troca de oxigênio e nutrientes ocorre quando esse fluxo
alcança as vilosidades terminais, no espaço interviloso. O influxo sanguíneo materno em-
purra o sangue desoxigenado e pobre em nutrientes para as veias endomentriais e destas
para as veias uterinas. A circulação fetoplacentária permite que as artérias umbilicais (duas)
carreguem o sangue fetal, desoxigenado e pobre de nutrientes, do feto até os vasos principais
das vilosidades fetais. Após as trocas nutricionais e gasosas, a veia umbilical (uma) carreia o
sangue enriquecido de volta à circulação sistêmica fetal6.

Anatomofisiologia placentária, transferência de fármacos e fluxo sanguíneo uteroplacentário | 49


O fluxo sanguíneo uterino é de aproximadamente 600-700 ml.min-1 (10-12% do débito
cardíaco). Destes, 80% se dirige para o espaço placentário interviloso e 20% vai irrigar o
miométrio7. No termo, estima-se uma área de superfície de troca placentária aproximada
de 12 m2 e um comprimento total da rede capilar fetal de aproximadamente 320 km6. A
distância entre a circulação materna e fetal é de 5-11 μm2 .

Circulação fetoplacentária
A circulação fetal acontece em um sistema de vasos placentários e umbilicais. Cerca de
40% do débito ventricular fetal alcança a placenta através das artérias umbilicais, que se
ramificam por toda a placa coriônica. No entanto, antes de entrarem na placa coriônica,
essas artérias fazem um pequeno shunt sanguíneo, cujo objetivo é permitir a irrigação da
área em caso de infartos2 .
Os pequenos vasos derivados das artérias umbilicais adentram as vilosidades coriôni-
cas e aí formam uma rede de capilares em seus braços terminais (Figura 3.4). Nesse nível
ocorrem as trocas com o sangue materno contido no espaço interviloso (Figura 3.4). O
fluxo sanguíneo fetal é de 60-200 ml por minuto2 .
Dos leitos capilares venosos, os vasos sanguíneos se consolidam em ramos venosos suces-
sivamente maiores. Estes refazem seus caminhos através da placa coriônica e desembocam
na veia umbilical. Por fim, chega ao feto um aporte sanguíneo enriquecido2 (Figura 3.5).

Figura 3.4 – Observe o codilédone e os espaços intervilosos “banhados” pelo sangue materno. O sangue mater-
no atinge os espaços intervilosos com alta pressão (70-80 mmHg), formam os “jatos de Borrel” e, então, ocor-
rem trocas com o sangue fetal presente nas vilosidades. Após as trocas, o sangue desoxigenado, via orifícios,
retorna ao sistema venoso materno. E o sangue oxigenado se encaminha para o feto através da veia umbilical.

50 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Figura 3.5 – Representação do lado materno (parte inferior) e fetal da placenta (parte superior da figura),
este com o cordão umbilical. Através de duas artérias umbilicais o sangue desoxigenado atinge o lado pla-
centário fetal. Essas artérias sofrem sucessivas subdivisões; nas vilosidades terminais há arteríolas e vênulas.
Após as trocas materno-fetais o sangue retorna ao feto através dos grandes troncos venosos que formam a
veia umbilical. Do lado materno, as artérias espiraladas ao adentrarem a placa basal passam a possuir “orifí-
cios” que permitem a saída do sangue para os espaços intervilosos. Como as veias também possuem “orifí-
cios”, o sangue a elas retorna e, na placa basal, formam grande lagos sanguíneos venosos até atingirem as veias
uterinas no miométrio. Legenda: O2 = oxigênio. Adaptado de: de Jesús NR, Levy RA. Lúpus Eritematoso
Sistêmico e Avaliação do Bem-Estar Fetal pela Dopplervelocimetria. Rev Bras Reumatol 2005; 45: 164-8.

A circulação fetoplacentária é autorregulada, contudo, esse mecanismo é pouco conhe-


cido. A hipoglicemia e hipoxemia materna afetam o fluxo6. Os vasos umbilicais são sensíveis
a vários agentes vasodilatadores, como a serotonina, a angiotensina II e a ocitocina. A mus-
culatura lisa da parede dos vasos é também influenciada pelas substâncias produzidas pelas
células endoteliais vizinhas. Os próprios vasos umbilicais produzem uma serie de potentes
vasodilatadores, como a prostaciclina, o óxido nítrico, a prostaglandina E2 e o peptídeo na-
triurético atrial2 .
Em relação aos aspectos práticos da anestesiologia, vale lembrar que cerca de 75% do
sangue venoso umbilical passa através do fígado fetal. Assim, uma quantidade substancial
dos fármacos, administrados à mãe, que atinge o feto sofre metabolização antes de chegar ao
cérebro e ao coração (metabolismo de primeira passagem). Ademais, fármacos contidos no

Anatomofisiologia placentária, transferência de fármacos e fluxo sanguíneo uteroplacentário | 51


sangue venoso umbilical que atingem a veia cava inferior via ductus venosus serão diluídos
pelo sangue que retorna dos membros inferiores e das vísceras pélvicas do feto. Em resumo,
pode-se inferir que apenas uma pequena parcela dos fármacos administrados à mãe, em
bolus, alcançará a circulação fetal central7.

Circulação uteroplacentária
Em contraste com a circulação fetal, que ocorre por completo dentro dos vasos, o su-
primento materno para a placenta forma um lago sanguíneo não envolto pelas paredes dos
vasos. Em decorrência das atividades invasivas dos trofoblastos, cerca de 80-100 artérias es-
piraladas endometriais se abrem diretamente nos espaços intervilosos (Figura 3.4). Assim,
os vilos são banhados por, aproximadamente, 150 mL de sangue materno, e acontecem três
a quatro trocas por minuto2 .
Da placa coriônica o sangue se infiltra sobre as vilosidades terminais conforme ele retorna
para as vias venosas de escoamento localizadas na placa decidual da placenta (Figura 3.5)2.
A autorregulação dessa vasculatura é limitada, e os vasos encontram-se maximamente
dilatados nas gestações normais. Logo, o fluxo sanguíneo uterino é diretamente proporcio-
nal à pressão da perfusão uterina (pressão arterial - venosa uterina) e inversamente relacio-
nado à resistência vascular uterina7.
Fluxo Sanguíneo Uterino = (Pressão Arterial – Venosa Uterina)
÷ Resistência Vascular Uterina

Diminuem a pressão de perfusão uterina a hipotensão arterial sistêmica materna (pressão


sistólica menor que 25% da basal ou menor que 100 mmHg) e a compressão aortocaval, esta
pela diminuição do débito cardíaco decorrente da redução do retorno venoso (compressão
da veia cava inferior) e aumento da resistência vascular sistêmica (compressão da aorta).
A compressão aortocaval também aumenta a pressão venosa uterina, que é o principal
fator associado ao comprometimento do fluxo sanguíneo placentário nessas circunstâncias.
Outros fatores que aumentam a pressão venosa uterina são: taquissistolias uterinas, obser-
vadas com o uso de altas doses de ocitocina e cetamina; contração abdominal exagerada
(manobra de Valsalva) e deslocamento prematuro de placenta5,7.
As hipocapnias extremas (PaCO2 < 20 mmHg) diminuem o fluxo sanguíneo uterino
(FSU), assim como a hipercapnia e a hipoxemia materna. O aumento das catecolaminas en-
dógenas, independentemente do motivo, eleva a resistência vascular uterina e afeta o fluxo,
contudo, a circulação uteroplacentária, durante a gestação, apresenta menor sensibilidade a
estas5,7. Agentes vasopressores como fenilefrina, efedrina e metaraminol apresentam poucos
efeitos, clinicamente significativos, nessa circulação.
Em humanos, a administração da fenilefrina (agonista direto dos receptores alfa do
sistema adrenérgico), para o tratamento de hipotensão materna, correlaciona-se com
maiores pHs fetais e menores déficits de base, quando comparado com um agente predo-
minantemente agonista dos receptores beta-adrenérgicos (efedrina)8. Atribui-se o peque-
no efeito vasoconstrictor direto da fenilefrina na circulação uteroplacentária humana a
uma alteração do endotélio dependente da função da musculatura lisa vascular durante a

52 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


gestação9,10. Em ratos, a gestação aumenta o relaxamento das arteríolas uterinas mediadas
pelos receptores α 2 do sistema adrenérgico11.
Tiopental, propofol, etomidato e cetamina não afetam diretamente o FSU. Os agentes
inalatórios em concentrações moderadas diminuem ligeiramente a pressão materna, mas a
vasodilatação uterina por eles causada mantém o FSU.

Fisiologia placentária
A placenta apresenta diversas funções, entre elas1,2:
• de transporte (troca materno-fetal de substâncias) – oxigênio; dióxido de carbono; água;
glicose; lactato; aminoácidos; ácidos graxos livres; bilirrubina; eletrólitos e outros.
• metabólica – síntese de glicogênio; colesterol; ácidos graxos; estriol.
• imunológica – permite a passagem das imunoglobulinas G, mas não M.
• de excreção – ácido úrico e ureia.
• endócrina – síntese de gonadotrofina coriônica humana; lactogênio placentário
humano; tirotrofina coriônica humana; adrenocortitrofina coriônica humana; além
dos esteroides, como progesterona e estrógeno.
A camada da placenta encarregada da produção da maioria dos hormônios é
o sinciciotrofoblasto.

Mecanismos de transporte placentário


O transporte placentário de substâncias ocorre em ambas as direções (Figura 3.6) e pode
se dar por diversos mecanismos12:
• difusão simples – processo passivo, dependente de um gradiente de concentração,
não envolve gasto de energéticos. Mecanismo empregado no transporte de oxigênio
(O2), dióxido de carbono (CO2), sódio, cloreto, ácidos graxos e substâncias com peso
molecular menor que 1.000 daltons. A passagem placentária por difusão simples
segue a primeira Lei de Fick, a seguir:
Velocidade de difusão (Q /t) = K x área de superfície da membrana x diferença de
concentração materno-fetal/espessura da membrana
Em que: K = constante de difusão. Será tanto mais alta quanto maior for a lipossolubili-
dade da substância e menor o grau de ligação proteica, de ionização e o peso molecular.
• difusão facilitada – não há gastos energéticos, há a necessidade de um carreador, o
que a torna mais eficiente. É o mecanismo pelo qual moléculas de glicose ou de ácido
lático atravessam a placenta.
• transporte ativo – independe de gradiente de concentração. Por esse mecanismo são
transportados cálcio, ferro, aminoácidos e vitaminas A e C.
• filtração – processo simples pelo qual a água é transportada junto com outros solutos.
• pinocitose – ocorre com grandes moléculas. É o mecanismo pelo qual passam anti-
corpos da mãe para o feto.

Anatomofisiologia placentária, transferência de fármacos e fluxo sanguíneo uteroplacentário | 53


Figura 3.6 – Troca de substâncias entre a circulação materna e fetal através da barreira placentária. Legenda:
CO2 = dióxido de carbono, ch = carboidratos, aa = aminoácidos.

Outros fatores que afetam as trocas materno-fetais são: fluxo sanguíneo materno e fetal;
ligação placentária; metabolismo placentário; capacidade de difusão; ligação com as proteí-
nas plasmáticas fetais e maternas; idade gestacional e concentração proteica materna e fetal.
O gradiente de pH entre o meio fetal e materno também é relevante5.

Transferência placentária de gases e nutrientes


O transporte das moléculas de O2 da mãe para o feto depende de uma série de fatores:
razão entre o FSU e o fluxo sanguíneo umbilical; gradiente de pressão parcial de oxigênio e
status acidobásico fetal e materno (efeito Bohr).
A hemoglobina fetal possui uma afinidade pelo O2 (P50 = 21 mmHg) maior que a mater-
na (P50 = 30 mmHg), o que facilita o transporte5.
O efeito Bohr aumenta a transferência de O2 placentária, porque o CO2 torna o sangue
materno mais ácido e o fetal mais alcalótico, diferença que causa maior desvio da curva de
dissociação da oxi-hemoglobina materna para direita e da fetal para esquerda5.
A PaO2 fetal é normalmente de 40 mmHg, nunca maior que 60 mmHg, mesmo quando a
mãe respira oxigênio a 100%. Isso porque as trocas placentárias representam sangue venoso
e não arterial. No feto a termo, o consumo de O2 é de 6,8 ± 1,4 ml.kg-1 por minuto. A satura-
ção arterial de O2 fetal é de 60-70%5.
De fato, não é aconselhável ofertar altas frações inspiradas de O2 às mães em situação
de cesariana eletiva, sob raquianestesia, pois essa prática está relacionada com a geração
de radicais livres. Assim, na presença de hipóxia fetal seguida de reperfusão (tempo entre
a incisão uterina e o nascimento prolongado), podem ocorrer aceleração da formação de
peróxidos de lipídios e, consequente, injúria fetal. Por outro lado, não há efeitos benéficos
com essa prática, pois, nos ensaios clínicos, não foram demonstradas diferenças nos escores
de Apgar e avaliações neurocomportamentais fetal, nem maiores pHs umbilicais, quando se
utilizou O2 suplementar13,14.

54 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Nas cesarianas de emergência, sob raquianestesia, também não se observaram bene-
fícios, quanto ao bem-estar fetal, na oferta de oxigenioterapia suplementar à mãe, mesmo
em situações de “sofrimento fetal agudo”15. Todavia, Khaw e cols.15 não detectaram maior
formação de peróxidos de lipídios fetais associada com a oferta materna de altas frações
inspiradas de O2, nesses casos, emergenciais.
Nas cesarianas eletivas realizadas sob anestesia geral, o mesmo grupo de autores de-
monstrou que a oferta de sevoflurano em altas frações inspiradas de O2 (100% x 30 ou 50%)
melhora a oxigenação fetal, sem aumentar a peroxidação lipídica16.
Normalmente, existe uma pequena diferença na PCO2 entre o sangue materno e fetal,
o que favorece a transferência de CO2 do feto para a mãe. Esse rápido movimento do CO2
invoca o desvio do equilíbrio da reação da anidrase carbônica (princípio de LaChatelier),
que, por sua vez, produz maior difusão desse gás. A transferência de CO2 é também poten-
cializada pela produção de desoxi-hemoglobina no sangue materno (efeito Haldane)5.
A glicose é transportada ao feto por difusão facilitada. Os aminoácidos são transporta-
dos ativamente junto com o sódio, e os ácidos graxos, por difusão simples5.
Transferência placentária de fármacos
A permeabilidade placentária e os dados farmacocinéticos determinam a magnitude da expo-
sição fetal aos fármacos administrados à mãe. No entanto, estudar esse tema é complicado, pois
a diferença interespécies do tipo de placenta dificulta a extrapolação dos achados de estudos em
animais para a prática clínica. Estudos experimentais, em humanos, com a placenta in situ são
pouco éticos. Em geral, os dados a respeito da transferência placentária de fármacos são extrapo-
lados de medidas únicas de suas concentrações no lado fetal e materno (razão da concentração
do fármaco na veia umbilical e na artéria uterina) (Tabela 3.1). Todavia, a concentração materna
e fetal dos fármacos é influenciada por seu metabolismo materno, fetal e na própria placenta5.
Tabela 3.1 – Razão de transferência placentária, feto-mãe, dos fármacos. Quanto menor a
razão, menor a concentração do fármaco no feto5.
Fármaco Razão feto-mãe
Halotano 0,7-0,9
Isoflurano 0,7
Óxido nitroso 0,83
Tiopental 0,4-1,1
Cetamina 1,26
Etomidato 0,5
Propofol 0,5-0,85
Midazolam 0,76
Morfina 0,61
Fentanil 0,37-0,57
Alfentanil 0,3
Remifentanil 0,29-0,88
Sufentanil 0,81
Nalbufina 0,74- 0,97
Vecurônio 0,06-0,11
Pancurônio 0,19-0,26
Atracúrio 0,07
Atropina 0,93
Glicopirrolato 0,22
*Succinilcolina e neostigmina praticamente não atravessam a barreira placentária 5.

Anatomofisiologia placentária, transferência de fármacos e fluxo sanguíneo uteroplacentário | 55


Os princípios farmacocinéticos que regem a transferência placentária são apresentados
na Tabela 3.2.
Tabela 3.2 – Fatores farmacocinéticos que determinam a transferência mãe-feto dos fármacos5.
Transferência aumentada Transferência diminuída
Peso molecular (daltons) < 1000 > 1000
Carga Não carregada Carregada
Lipossolubilidade Lipofílica Hidrofílica
Relação pH e pKa Maior proporção de Maior proporção de
moléculas não ionizadas no moléculas ionizadas no
plasma materno plasma materno
Efluxo placentário na Ausente Presente
direção feto-mãe de
proteínas transportadoras
Tipo de ligação proteica Albumina (baixa afinidade) Alfa-1 glicoproteína ácida
(alta afinidade por fármacos
básicos)
Fração livre (não ligada às Alta Baixa
proteínas)
Notas: 1) A relação entre o pH (materno e fetal) e o pKa do fármaco determina a quantidade de fárma-
cos ionizados e não ionizados na circulação materna e fetal. 2) A concentração de albumina é maior no
feto (37 x 33 g.l-1) e a de alfa-1 glicoproteína ácida é maior na mãe (0,77 x 0,26 g.l-1)5 .

A captação de substâncias através da placenta é facilitada pelo fato de o feto apresentar


menor pH sanguíneo em relação à mãe (diferença de cerca de 0,1 U). Assim, os fármacos
básicos fracos, como os anestésicos locais e os opioides, atravessam a placenta em sua forma
não ionizada e se tornam ionizados na circulação fetal. O fenômeno de íon trapping explica
por que os fetos acidêmicos são mais “sensíveis” a esses fármacos. Nesses casos, a fração
ionizada dos fármacos é alta nos fetos e, assim, o fármaco, impedido de atravessar a placenta,
se acumula no lado fetal. A lidocaína (pKa de 7,8) é um bom exemplo do que pode ocorrer
em situações de acidemia fetal.
Supondo-se um pH materno estável em 7,45 e um pH fetal de 7,35-7,20, o seguinte cál-
culo pode ser feito: com pH de 7,35, ao ser atingida a situação de equilíbrio entre os dois
compartimentos, haverá, por unidade de volume, para cada 100 moléculas não ionizadas
de cada lado da membrana, 224 moléculas ionizadas na mãe e 282 no feto. Se, entretanto, o
pH fetal diminuir para 7,20, passarão a existir, para as mesmas 224 moléculas ionizadas no
lado materno, 398 moléculas no feto, o que corresponde a um aumento absoluto de 30% na
quantidade de moléculas de lidocaína no feto. Se o nascimento ocorrer com a criança ainda
acidêmica, à medida que a acidemia for corrigida, a lidocaína, presente em altas concentra-
ções no feto, passará da forma ionizada para a não ionizada. Isso explica por que pode haver
toxicidade nesse momento, já que o fármaco só é ativo em sua forma não ionizada12 .

Os anestésicos locais
A maioria dos agentes utilizados em anestesia atravessa a placenta por difusão simples,
logo, nesse processo, apenas a fração não ionizada dos fármacos entra em um equilíbrio

56 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


de concentração entre o lado materno e fetal5. Os anestésicos locais são bases fracas, com
relativo baixo grau de ionização, e são altamente lipossolúveis. No caso das aminoamidas,
os valores de pKa (bupivacaína = 8,1) são muito próximos do pH fisiológico materno. Já a
lidocaína apresenta pKa de 7,1. Como para a mesma relação de pH materno-fetal, quanto
maior o pKa do fármaco, menor a fração não ionizada, a transferência da lidocaína para o
feto é maior que a de bupivacaína17.
Demonstrou-se que, no caso de desequilíbrios acidobásicos materno-fetais, a bupivacaí-
na é também mais segura que a lidocaína por apresentar maior grau de ligação proteica, o
que diminui a passagem do fármaco para um feto acidêmico18.
Os enantiômeros da bupivacaína atravessam a barreira placentária no mesmo grau que
sua forma racêmica19. A bupivacaína racêmica e a ropivacaína, apesar das características far-
macocinéticas diferentes, apresentam o mesmo grau de transferência placentária20.

Os agentes anti-hipertensivos
Apesar de uma única dose de propranolol administrada 3 horas antes de uma cesariana
relacionar-se com uma razão feto/mãe (F/M) de 0,26, a administração prolongada desse
fármaco gera razões de um. Atenolol e metoprolol apresentam razões F/M de 0,94 e 1,0,
respectivamente. Com o uso crônico de atenolol é descrita uma razão de 0,385.
O esmolol apresenta, em ovelhas, uma razão F/M de 0,2. Em humanos, são descritos casos de
bradicardia fetal com seu uso e, consequentemente, a necessidade de cesariana de emergência5.
A clonidina e a dexmedetomidina apresentam razões F/M de 0,89 e 0,12, respectivamen-
te. Casos de bradicardia fetal já foram descritos com o uso de clonidina subaracnóidea para
analgesia de parto.
A hidralazina possui razão F/M de 1,0, e, em estudos in vitro, demonstrou vasodilatação
fetal. O nitroprussiato de sódio, por ser muito lipossolúvel, atravessa facilmente a barreira
placentária e pode causar toxicidade por cianeto no feto. A nitroglicerina possui uma razão
F/M de 0,185.

Os agentes vasopressores
A efedrina atravessa a placenta em maior intensidade que a fenilefrina e é submetida
a um menor grau de metabolismo precoce e/ou redistribuição no feto. Além disso, foram
observadas maiores concentrações de lactato, glicose e catecolaminas nos fetos cujas mães
foram tratadas com efedrina (versus fenilefrina). Esses dados sugerem que a maior acidemia
fetal observada com o uso materno de efedrina é advinda do aumento do metabolismo fetal,
secundário ao estímulo de seus receptores beta do sistema adrenérgico pela efedrina que
atravessou a placenta21.
Apesar da acidemia, a análise dos escores de Apgar e de avaliações neurocomportamen-
tais dos fetos nascidos de mães tratadas com efedrina ou fenilefrina é semelhante. Entretan-
to, não se sabe se essa acidemia fetal leve, descrita com o uso da efedrina, é de fato inócua,
pois pode correlacionar-se com distúrbios de aprendizagem em longo prazo. Portanto, re-
comenda-se a utilização de fenilefrina como agente de primeira escolha no tratamento da
hipotensão materna22 .

Anatomofisiologia placentária, transferência de fármacos e fluxo sanguíneo uteroplacentário | 57


A maior transferência placentária da efedrina pode ser explicada pelas diferenças em sua
estrutura molecular quando comparada com a da fenilefrina, contudo, ambas derivam da
feniletilamina. A efedrina não possui uma substituição hidroxil no anel aromático e apre-
senta substituição α-metil na cadeia etílica lateral. Assim, apresenta maior lipossolubilidade
que a fenilefrina.
Kee e cols.21 curiosamente observaram uma razão de concentração plasmática média de
efedrina na veia umbilical (VU)/artéria materna (AM) maior que um (Figura 3.7). Tal fato
é indicativo de que a efedrina não apenas atravessa mais a barreira placentária que a fenile-
frina, mas também que, na maioria dos casos, a concentração de efedrina na VU foi maior
que na AM. Os autores sugeriram que isso deveu-se ao fenômeno de íon trapping (pKa da
efedrina = 9,6), que pode ter gerado acúmulo de efedrina no feto em sua forma ionizada,
fenômeno este capaz de se alimentar, pois a própria efedrina causa acidemia fetal.

Figura 3.7 – Razão media de concentração de efedrina e fenilefrina na veia umbilical (VU) e na artéria
materna (AM), com seus respectivos percentis 10, 25, 75 e 90. Adaptada de: Placental Transfer and Fetal
Metabolic Effects of Phenylephrine and Ephedrine during Spinal Anesthesia for Cesarean Delivery. Anesthesiology
2009; 111:506-12.

Conclusões
A placenta é um órgão dinâmico e complexo, de cuja integridade e adequado funciona-
mento depende aguda e cronicamente o bem-estar fetal. Diversos fármacos utilizados em
anestesiologia podem interferir em sua função e na circulação uteroplacentária. Logo, todo
anestesiologista deve conhecer profundamente os efeitos individuais de cada fármaco nesse
órgão e em sua circulação. A escolha do agente inalatório, hipnótico, bloqueador neuromus-
cular e opioide a ser empregado nas cesarianas e também dos anestésicos locais utilizados
nesse contexto ou para analgesia de parto depende, além do conhecimento de farmacociné-
tica, do bem-estar fetal, do tempo médio previsto para o nascimento e da familiaridade dos
anestesiologistas e obstetras com cada técnica/fármaco.

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Anatomofisiologia placentária, transferência de fármacos e fluxo sanguíneo uteroplacentário | 59


Capítulo 04

Alterações farmacológicas
induzidas pela gestação
Oscar César Pires
Guilherme de Oliveira Firmo
Alterações farmacológicas induzidas pela gestação

Introdução
O uso de fármacos é de grande importância para a saúde e o bem-estar humano, uma
realidade que ocorre também durante a gestação1.
Trabalhos referentes ao uso de fármacos em gestantes são oriundos de estudos epidemio-
lógicos em animais ou de relatos de casos, todos com limitações, visto que essa população de
pacientes é excluída dos ensaios clínicos por razões éticas2 .
Em muitas situações, fármacos são autoadministrados ou prescritos por médicos duran-
te a gestação. Essa prescrição exige que o médico compreenda as possíveis interações entre
o fármaco e a situação pela qual se encontra a gestante, com o objetivo de evitar efeitos
desastrosos, como a tragédia que ocorreu com o emprego da talidomida, para o tratamento
de náuseas e vômitos, entre 1950 e 1960, quando cerca de 10 mil crianças nasceram com
focomelia e outras alterações congênitas, alertando para os riscos da utilização de fármacos
durante a gravidez3. Por outro lado, o excesso de zelo por parte do médico pode deixar a
futura mãe órfã de recursos terapêuticos. Assim, deve-se ter sempre em mente que fármacos
administrados durante a gravidez têm como objetivo o benefício da gestante, sem produzir
complicações indesejadas ao concepto3.
Um estudo publicado em 2011, que investigou o uso global de fármacos durante a ges-
tação, com ênfase no primeiro semestre, descobriu que, nas últimas três décadas, o uso de
fármacos no primeiro trimestre de gestação aumentou mais de 60% e o uso de quatro ou
mais medicamentos mais do que triplicou. Essa prescrição aumentou com a idade e a esco-
laridade maternas4.
As alterações inerentes à gestante ocorrem geralmente na farmacocinética ou farmaco-
dinâmica, podendo acarretar efeitos adversos não apenas à gestante, mas também ao feto,
principalmente, porque poucas drogas apresentam estudos adequados para uso durante a
gravidez e lactação, acarretando orientação escassa tanto para médicos quanto para pacien-
tes, sendo a maioria dos fármacos utilizados off label durante a gravidez, além do que, grande
parte das monografias aconselha que fármacos não devem ser usados durante a gestação ou
lactação, principalmente em razão da possibilidade de custos com litígios5.

Alterações maternas relacionadas com a farmacocinética


A farmacocinética se refere a absorção, distribuição, metabolismo e eliminação de fárma-
cos, parâmetros que se apresentam alterados durante a gestação.
Absorção
A elevação dos níveis de progesterona durante a gravidez retarda o esvaziamento gástrico
e a motilidade intestinal. Essas alterações podem reduzir o pico e prolongar o tempo de
concentração plasmática. Por outro lado, a redução da secreção ácida gástrica e o aumento
da secreção de muco eleva o grau de ionização de ácidos fracos e, consequentemente, reduz
sua absorção e eficácia, efeitos estes mais evidentes quando se utiliza dose única de determi-

62 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


nado fármaco. Essa redução na secreção de H+ também promove diminuição na ionização
de bases fracas, favorecendo sua absorção, visto que fármacos não ionizados são apolares,
apresentando maior lipossolubilidade, o que favorece a absorção.
Outro efeito da progesterona, a vasodilatação, favorece a absorção de fármacos ad-
ministrados pela via intramuscular, mostrando ser interessante quando necessita de
efeito rápido.
O aumento do débito cardíaco e do volume de ar corrente alveolar, característicos da
gestação, aumentam a absorção de fármacos administrados pela via inalatória.
Outro fator que interfere na absorção de fármacos durante a gravidez é a elevada incidên-
cia de náusea e vômito. Porém, a náusea apresenta menor prevalência em determinado pe-
ríodo do dia, como à tarde, então, um fármaco de dose única deve ser oferecido no momento
de sua menor ocorrência, ou seja, à tarde3.
Distribuição
O aumento do volume plasmático e do líquido extravascular que ocorre durante a
gestação, evidente pelo edema, turgência mamária e aumento do útero, faz com que
a água corporal sofra um incremento de aproximadamente 8 litros e 30% do volume
plasmático, acarretando elevação do volume de distribuição de fármacos hidrofílicos.
Entretanto, esse efeito é parcialmente compensado pela redução de proteínas plasmáti-
cas e pela presença de esteroides e hormônios placentários que competem pelo sítio de
ligação na albumina4.
Metabolismo
Durante a gestação, ocorre indução enzimática das isoenzimas do citocromo P450 he-
pático, responsáveis pelo metabolismo da maioria dos fármacos, provavelmente por causa
do elevado nível de progesterona circulante. Isso leva a uma rápida degradação metabólica,
especialmente de fármacos lipossolúveis5.
Excreção
Considerando os rins como o maior local de eliminação de fármacos do organismo e
que seu fluxo plasmático apresenta aumento de aproximadamente 100% durante a gestação,
acompanhado de elevação na taxa de filtração glomerular em 70%, isso resulta em elimina-
ção mais rápida de fármacos dependentes da função renal para serem expelidos quando em
comparação com a não grávida5.

Alterações fetais relacionadas com a farmacocinética


A passagem placentária de fármacos e seus níveis no feto depende de vários fatores, incluindo:
1. propriedades físico-químicas do fármaco
a) solubilidade lipídica – fármacos lipofílicos (não ionizados, apolares) se difundem
com facilidade através da placenta, enquanto aqueles altamente hidrofílicos (ioniza-
dos, polarizados) atravessam lentamente a placenta, alcançando baixas concentra-
ções no feto. Entretanto, em gradiente materno fetal elevado, compostos hidrossolú-
veis podem se apresentar em quantidades mensuráveis na circulação fetal.

Alterações farmacológicas induzidas pela gestação | 63


b) peso molecular – fármacos com baixo peso molecular, inferior a 600 dáltons, atra-
vessam a placenta com facilidade.
2. Porcentagem do fármaco que passa pela placenta, chegando à circulação fetal
a) transportadores placentários – podem bombear de volta um fármaco do sangue
fetal para o sangue materno.
b) capacidade de ligação proteica – afeta a transferência materno-fetal;
c) metabolismo placentário – apresenta capacidade de converter alguns fármacos
tóxicos para metabólitos não tóxicos ou vice-versa.
3. Tempo da exposição ao fármaco.
4. Distribuição em diferentes tecidos fetais.
5. Situação e estágio da placenta e do desenvolvimento fetal.
6. Resultado de combinações farmacológicas5,6.

Alterações maternas relacionadas com a farmacodinâmica


A farmacodinâmica se refere ao efeito do fármaco e à resposta do organismo, que, assim
como os parâmetros farmacocinéticos, podem se apresentar alterados durante a gestação5,6.
Os efeitos dos fármacos sobre órgãos como o coração, os pulmões, os rins e o sistema
nervoso central apresentam alterações pouco significantes durante a gestação, a não ser
pelas alterações fisiológicas características da gestação. Entretanto, geralmente as respostas
de órgãos relacionados com a reprodução, como a mama e o útero, podem estar alteradas5,6.

Alterações fetais relacionadas com a farmacodinâmica


O feto pode ser alvo do efeito de fármacos administrados à gestante. Exemplos incluem os
esteroides comumente empregados ​​para estimular a maturação pulmonar fetal e o fenobar-
bital, utilizado para o tratamento de epilepsia. Esses grupos farmacológicos, mesmo quando
utilizados a curto prazo, podem promover indução das enzimas hepáticas fetais e causar a glu-
curonidação da bilirrubina, reduzindo a incidência de icterícia no recém-nascido5,6.
Alguns fármacos podem exercer efeitos tóxicos sobre o feto, como os inibidores da enzi-
ma conversora de angiotensina, podendo causar danos renais irreversíveis relacionados com
a hipotensão fetal5.
Outros fármacos – como a talidomida e análogos da vitamina A ou a deficiência de folato
– podem ter efeitos teratogênicos por interferir na passagem de O2 ou de nutrientes através
da placenta, causando sofrimento aos tecidos fetais que mais rapidamente metabolizam5,6.
Teratogenicidade
Um fármaco, para ser considerado teratogênico, deve resultar em um conjunto carac-
terístico de más-formações, exercer seus efeitos em determinada fase do desenvolvimento
fetal e esses efeitos devem ser dose-dependentes7.
Centenas de agentes são considerados seguros para o feto, enquanto menos de 30
fármacos foram identificados como teratogênicos. Assim, o risco teratogênico durante a
gravidez, na ausência de qualquer exposição a agente sabidamente teratogênico, gira em
torno de 3%7.

64 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


De acordo com os efeitos que os fármacos produzem no feto, em 1979, o Food and Drug
Administration (FDA) classificou os fármacos em cinco categorias:
• Categoria A: estudos em humanos não mostram risco fetal. Exemplo: multivitami-
nas, sulfato de magnésio.
• Categoria B: estudos com animais não evidenciaram risco fetal, porém, não existem
estudos em seres humanos. Exemplo: amoxicilina, paracetamol etc.
• Categoria C: não existem estudos adequados em animais e seres humanos ou exis-
tem efeitos adversos fetais em estudos com animais, mas nenhum dado humano
disponível. Exemplo: morfina, atropina etc.
• Categoria D: há evidência de risco fetal, mas os benefícios podem compensar esses
riscos. Exemplo: aspirina, fenitoína etc.
• Categoria X: há comprovada teratogênese. Exemplo: estrógenos, talidomida, deriva-
dos do ácido retinoico etc.8.
Os principais fármacos e substâncias classificados na categoria X são: talidomida, que
causa focomelia; andrógenos e progestágenos, que causam virilização; tetraciclinas causam
manchas e deformidades nos dentes, além de retardo no crescimento ósseo; álcool causa
retardo no desenvolvimento; hormônio tireoidiano causa hipotireoidismo e bócio; isotreti-
noína causa más-formações cardíacas, craniofaciais e do sistema nervoso central; warfarin
causa retardo no desenvolvimento e má-formações nos olhos, no nariz e nas mãos; fenitoína
causa hipoplasia de falanges e fissura labial e palatina, além de microcefalia; a carbamazepi-
na leva a más-formações no tubo neural9.

Os fármacos mais consumidos e sua relação com a gestação


Analgésicos e antipiréticos: o paracetamol é considerado seguro nas doses recomenda-
das; o ácido acetilsalicílico pode agravar hemorragias do último trimestre da gestação, no
parto e em recém-nascidos por diminuição da adesividade plaquetária.
Antieméticos: a meclizina e a ciclizina são consideradas seguras, entretanto, existe
fraca associação entre meclizina e defeitos oculares congênitos. A prometazina e a meto-
clopramida podem estar associadas com o aumento da incidência de luxação congênita
do quadril.
Pirose: bloqueadores dos receptores H2, sucralfato e subsalicilato de bismuto são consi-
derados seguros. Antiácidos não absorvíveis, como hidróxido de alumínio ou trissilicato de
magnésio, podem ser opção, porém, se utilizados no início da gravidez, se relacionam com o
aumento potencial de riscos para má-formações.
Constipação: laxantes à base de farelo ou metilcelulose são opções, já os laxantes deno-
minados estimulantes podem apresentar atividade uterotônica, sendo contraindicados.
Estado gripal: anti-histamínicos não sedativos, como aloratadina, cetirizina e fexofena-
dina, e os sedativos, como clorfeniramina e difenidramina, podem ser utilizados.
Tosse: codeína e dextrometorfano podem ser opção.
Asma brônquica: os beta-agonistas de ação curta, como salbutamol, terbutalina e
fenoterol, promovem taquicardia materna e fetal, hiperglicemia materna e hipoglicemia
fetal. Simpaticomiméticos beta de ação prolongada, como o salmeterol, a cada 12 horas

Alterações farmacológicas induzidas pela gestação | 65


são opção. Os esteroides inalados, como dipropionato de beclometasona e budesonida,
também são úteis; já os esteroides orais se relacionam com o aumento da pré-eclâmpsia e
devem ser evitados.
Doenças cardiovasculares:
Hipertensão – metildopa é opção segura durante toda a gravidez, porém, seus efeitos co-
laterais incluem sonolência, depressão e hipotensão postural; betabloqueadores, mesmo
os considerados seletivos, não devem ser preferidos durante as primeiras 28 semanas
pelo risco de bloqueio dos receptores beta-2 uterinos e favorecimento da contratilidade
uterina nos casos de ameaça de abortamento. Nos casos de emergência hipertensiva, a
hidralazina é um fármaco útil.
Insuficiência cardíaca – a digoxina é a droga de escolha para flutter atrial ou fibrilação
atrial materna; a quinidina é relativamente segura durante a gravidez tardia, sendo útil
para tratar taquicardia supraventricular e arritmias ventriculares.
Anticoagulação – a heparina é o fármaco de escolha.
Trombolíticos – estreptoquinase, uroquinase e t-PA são fármacos considerados seguros.
Doenças do sistema nervoso central:
Epilepsia – mulheres com epilepsia têm um risco aumentado de ter más-formações fe-
tais, mesmo sem exposição a anticonvulsivantes. Fenobarbital, fenitoína e carbamazepina
podem ser utilizados durante a gravidez. Todas as três drogas têm alguns efeitos colaterais,
bem como a possibilidade de defeitos congênitos. O valproato é contraindicado durante a
gravidez. Todas as mulheres grávidas epilépticas devem receber ácido fólico durante toda a
gravidez para reduzir o risco de más-formações fetais.
Benzodiazepínicos: diazepam, lorazepam, midazolam e alprazolam não são relacio-
nados com anomalias fetais, mas, sim, com sedação transitória ao nascimento e possível
síndrome de abstinência quando em uso crônico pela gestante.
Antidepressivos: inibidores seletivos da receptação de serotonina, como a f luoxeti-
na e a sertralina não apresentam relação com más-formações fetais, porém, os antide-
pressivos tricíclicos, quando usados no primeiro trimestre, se relacionam com deformi-
dades nos membros.
Antipsicóticos: clorpromazina e outras fenotiazinas não aumentam o risco de más-for-
mações. Porém, recém-nascidos de mães esquizofrênicas apresentam risco aumentado para
más-formações. O uso de lítio se relaciona com bócio neonatal, depressão do SNC, hipoto-
nia e má-formação de Ebstein.
Diabetes Mellitus: insulina é escolha, pois os hipoglicemiantes orais causam hiperinsu-
linemia fetal e, portanto, não devem ser utilizados. Eles também aumentam a prevalência de
más-formações fetais se utilizados no início da gestação.
Distúrbios da tireoide: na tireotoxicose, o propiltiouracil é preferível ao carbima-
zol, devido à sua maior capacidade de ligação proteica, possibilitando menor trans-
ferência para o feto. Entretanto, insuficiência hepática associada com propiltiouracil
na gravidez pode direcionar para o uso de metimazol. Iodo estável e iodo radioativo
são contraindicados.

66 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Antimicrobianos:
Betalactâmicos, cefalosporinas e aztreonam – são seguros.
Eritromicina – a base é segura (pantomicina®), mas, na forma de estolato (eritromicina®,
ilosone® etc.), deve ser evitada por risco de hepatotoxicidade.
Cloranfenicol – é contraindicado pelo potencial de causar toxicidade da medula óssea
fetal e síndrome do bebê cinzento.
Tetraciclinas – devem ser evitadas devido à toxicidade para dentes e ossos.
Cotrimoxazol – deve ser evitado durante o primeiro trimestre, por causa do teor de
trimetoprim (inibe a síntese de ácido fólico) e, no terceiro trimestre, em razão do teor de
sulfonamida (desloca a bilirrubina da albumina, causando kernicterus).
Aminoglicosídeos – são ototóxicos para o feto e devem ser evitados.
Nitrofurantoína – se associa com a hemólise, assim, as quinolonas devem ser evitadas.
Tuberculostáticos (rifampicina, isoniazida e etambutol) – são seguros, no entanto, o
etambutol deve ser evitado durante as primeiras 6-8 semanas e suplementos de piridoxina
devem ser administrados com isoniazida.
Estreptomicina – apresenta ototoxicidade e deve ser evitada.
Antifúngicos (nistatina, miconazol e clotrimazol) – são usados p​​ ara monilíase.
Antivirais (aciclovir) – é seguro.
Antimaláricos (cloroquina) – é seguro.
Quinina – pode ser empregada no tratamento da malária resistente à cloroquina.
Primaquina – deve ser evitada, pois pode causar hemólise em indivíduos com deficiên-
cia de G6PD.
Anestésicos: nenhum dos agentes usados atualmente apresenta efeito teratogênico confirmado.
Vitaminas:
Vitamina K – em altas doses para a profilaxia contra a doença hemorrágica do recém-
-nascido pode resultar em hemólise, icterícia e hepatotoxicidade.
Vitamina A – em altas doses pode causar más-formações renais, defeitos do tubo neural
e hidrocefalia6 .

Conclusões
A necessidade do uso de fármacos pela gestante é uma realidade, porém, em razão das
alterações fisiológicas que ocorrem durante esse período da vida da mulher, respostas al-
teradas são observadas, principalmente aquelas que interferem na farmacocinética. Além
disso, a falta de estudos de fase IV durante a gestação dificulta a escolha da melhor terapia
farmacológica para essa população, fazendo com que as decisões sejam tomadas com base
em evidências esparsas de benefício tanto para a mãe quanto para o feto, limitando as op-
ções disponíveis na farmacopeia10.
Futuros esforços devem ser envidados para a produção de informações relevantes, obje-
tivando esclarecimentos sobre o uso da vasta quantidade de fármacos disponíveis e sobre
os quais pouco se conhece referente aos efeitos na gestante e no concepto. Esses estudos
poderão permitir que as mulheres se beneficiem dos mesmos efeitos terapêuticos durante a
gravidez como elas o fazem quando não estão grávidas.

Alterações farmacológicas induzidas pela gestação | 67


Referências
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10. Anger GJ, Piquette-Miller M. Pharmacokinetic studies in pregnant women. Clin Pharmacol Ther, 2008;83:184-7.

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Capítulo 05

Ocitócitos, uterotônicos
e uterolíticos
Clóvis Tadeu Bueno da Costa
Thiago de Freitas Gomes
Ocitócitos, uterotônicos e uterolíticos

Uterotônicos

Introdução
Os uterotônicos são fármacos capazes de aumentar o tônus uterino, indicados tanto para
a indução do parto quanto para a redução da intensidade da hemorragia no pós-parto.
A hemorragia puerperal (HP) define-se, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
como perda sanguínea maior ou igual a 500 mL, após parto vaginal, ou 1.000 mL, após cesa-
riana. Apesar de a incidência de HP estar diminuindo, continua sendo a causa mais frequente
de morte materna no mundo1. Anualmente, estima-se que 140 mil mulheres morram de HP,
ou seja, uma a cada 4 minutos. Além das mortes, a HP aumenta a morbidade materna por
causa de suas complicações, como distúrbios de coagulação; choque; síndrome da angústia
respiratória do adulto; perda da fertilidade e necrose pituitária (síndrome de Sheehan)2-3.
No Brasil, assim como nos países em desenvolvimento, predominam como motivo de
morte materna as causas obstétricas diretas, sendo as principais, em ordem decrescente:
hipertensão, hemorragias, infecções e abortamentos4.

Figura 5.1 - Razão de mortalidade materna por causas específicas de morte (por grupo de 100 mil nascidos
vivos). Brasil, 1990, 2000 e 2010*.

70 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Os principais fatores de risco para HP incluem terceiro período de trabalho de parto
prolongado; pacientes multíparas; gemelaridade; macrossomia fetal; episiotomia e história
prévia de hemorragia pós-parto5-6.
O diagnóstico de HP começa com o reconhecimento do sangramento excessivo e exame
clínico detalhado. Para facilitar o diagnóstico, foi criada uma regra mnemônica dos quatro
Ts (tônus, trauma, tecido e trombina), Tabela 5.12-7-8.
Tabela 5.1 – Regra mnemônica para a identificação de hemorragia puerperal2
Quatro Ts Causas
Tônus Atonia uterina
Trauma Lacerações,hematomas, inversão, rupturas
Tecidos Retenção placentária
Trombina Coagulopatias
O tratamento da HP inicia-se com o rápido diagnóstico do sangramento após o nasci-
mento e com o início imediato de manobras, por meio da utilização de uterotônicos; massa-
gem uterina; sutura de lacerações; drenagem de hematomas; retirada de restos placentários
e correção de distúrbios de coagulação9-10.
Os uterotônicos constituem o tratamento de primeira linha para a diminuição do san-
gramento da hemorragia puerperal. Estes podem ser administrados de forma profilática
ou terapêutica. Tem-se comprovado que a administração profilática relaciona-se com um
terceiro período de trabalho de parto mais curto, menor risco de hemorragia e menor quan-
tidade de uterotônicos adicionais. Atualmente, existem três grupos de fármacos com ativi-
dade uterotônica: ocitocina, alcaloides do ergot e prostaglandinas11.

Ocitocina
A ocitocina é um nanopeptídeo secretado pelos núcleos supraópticos e paraventricula-
res do hipotálamo e estocado na hipófise posterior. Ela estimula a contração do músculo
uterino durante a gestação e também promove a ejeção de leite pelas glândulas mamárias.
Especula-se que, além desses efeitos, o hormônio aumenta o vínculo emocional entre a mãe
e o feto12 .
A ocitocina apresenta como mecanismo de ação um aumento da permeabilidade ao
sódio nas miofibrilas uterinas, estimulando indiretamente a contração da musculatura
uterina. O útero responde mais facilmente à ocitocina na presença de concentrações ele-
vadas de estrógenos. Com a evolução da gestação, ocorre aumento gradual de sua resposta,
chegando a um pico na 34ª semana e mantendo um patamar até o termo. As gestantes que
estão em trabalho de parto têm maior resposta à ocitocina em comparação com aquelas
que não estão, e apenas doses muito elevadas promovem contrações uterinas no início
da gravidez13 .
As contrações produzidas pela ocitocina sintética são semelhantes às que ocorrem du-
rante o parto espontâneo: ela aumenta a amplitude e a frequência das contrações uterinas
que transitoriamente diminuem o fluxo sanguíneo uterino e também diminui a atividade
cervical, causando dilatação e apagamento do colo uterino12 .

Ocitócitos, uterotônicos e uterolíticos | 71


Na mama, a ocitocina provoca a contração das células mioepiteliais dos ductos alveola-
res, facilitando a ejeção do leite. Apesar de não possuir nenhuma atividade galactopoiética,
a não existência do reflexo de ejeção de leite gera falha na amamentação.
A ocitocina provoca a dilatação do músculo liso vascular, aumentando, assim, o fluxo
sanguíneo renal, coronariano e cerebral. A pressão arterial geralmente permanece inalte-
rada, porém, a administração de doses elevadas pode levar a quadros de hipotensão com
taquicardia reflexa. Esse hormônio possui também mínimo efeito antidiurético, todavia,
se administrado em grande volume, pode exibir efeito antidiurético mais aparente, levan-
do a um quadro clínico de intoxicação hídrica12 . A ocitocina pode ser administrada de
forma eficaz pelas vias intramuscular, intravenosa e intranasal. Na via oral, ela é degrada-
da pela quimotripsina presente no trato gastrointestinal, o que a torna ineficaz por essa
via de administração12 .
Esse fármaco apresenta uma meia-vida curta estimada entre 3 e 6 minutos e sua concen-
tração atinge o steady state após 40 minutos. É distribuída por todo o líquido extracelular
com mínima passagem placentária14-15.
A ocitocina é degradada pela ocitocinase, uma aminopeptidase glicoproteica pre-
sente no plasma cuja atividade aumenta com o desenvolvimento da gestação. Também
ocorre degradação hepática e renal com uma pequena parte excretada de forma inalterada
na urina16 .
Após administração intravenosa, a ocitocina apresenta início de ação imediato; se aplica-
da por via intramuscular, apresenta início de ação entre 3 e 5 minutos e resposta persistente
por 2 a 3 horas com menos efeitos colaterais14.
Não existe um consenso na literatura sobre qual dose deve ser utilizada tanto para a uti-
lização após parto normal ou cesariana. A via de administração pode variar entre IM ou IV
e as doses preconizadas vão de 0,35 UI até 80 UI15.
O que se observa é que a dose preconizada de ocitocina vem diminuindo com a realiza-
ção de novos estudos e pelo relato de óbitos maternos por instabilidade cardiovascular após
a utilização de altas doses IV desse fámaco16.
Trabalhos mostram que pequenas doses de ocitocina (ED 90 = 0,35 UI) são capazes de
promover contração uterina adequada durante cesarianas eletivas fora do trabalho de parto;
doses ED 90 = 2,99 UI são adequadas em cesarianas em pacientes em trabalho de parto.
Essa diferença ocorre porque quando se administra ocitocina exógena, há uma dessensibi-
lização dose-dependente do receptor miometrial. Desse modo, a exposição uterina a altas
doses de ocitocina pode levar à dessensibilização aguda do receptor e tornar o miométrio
menos sensível à ocitocina adicional14.
Por isso, a literatura atual mostra que doses não maiores que 5 UI devem ser utilizadas e
esta não deve ser administrada em bolus IV. A infusão inicial de bolus deve ser acompanhada
de uma solução de manutenção; doses altas iniciais não oferecem benefício clínico e devem
ser evitadas; se for observado que a ocitocina não está produzindo contrações efetivas, de-
ve-se usar outro uterotônico14.
Protocolos com essa visão são cada vez mais empregados na prática clínica atual, como o
aplicado pelo Harvard Medical School Department of Anesthesiology (Tabela 5.2)

72 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Tabela 5.2 – Protocolo do uso da ocitocina – “Regra dos três”
• 3 UI de ocitocina intravenosa administradas em, pelo menos, 15 segundos (dose inicial)*
• 3 minutos de intervalo. Se observado tônus uterino inadequado, utilizar resgate de 3 UI
• 3 doses de ocitocina podem ser utilizadas (dose inicial + 2 resgates)
• 3 UI ocitocina para dose de manutenção (3 UI/L a 100 mL.h-1)
• 3 outras opções farmacológicas podem ser utilizadas caso persista o tônus uterino ina-
dequado (ergometrina, 15-metil prostaglandina F2 α ou misoprostol)
*A dose inicial de 3 UI de ocitocina é efetiva para a contração uterina em pacientes em trabalho de parto ou
fora dele. Esta deve ser administrada sob a forma de infusão rápida em vez de bolus. A administração de oci-
tocina pode ser mantida por até 8 horas após o parto14.

Em pacientes com pré-eclâmpsia grave, mesmo doses reduzidas, como as apresentadas


anteriormente, podem desencadear alterações hemodinâmicas importantes, como queda
da pressão arterial, da resistência vascular sistêmica e do débito cardíaco, concomitantes
com o aumento da frequência cardíaca. Por isso, estudos sugerem que a dose de ocitocina
nesses pacientes deve ser reduzida para 1 UI13.
Em relação ao uso da ocitocina após o parto normal, não existe evidência científica de
que deva ser utilizada antes ou após a dequitação da placenta, não alterando a incidência de
hemorragia puerperal, a retenção de restos placentários ou o aumento do terceiro período
do trabalho de parto17.
O anestesiologista também deve estar atento à forma como a ocitocina é armazenada
em seu hospital, pois ela não perde atividade após 12 meses de fabricação se refrigerada
(4°-8°C), perde 3-7% de sua atividade a (21-25°C) e 9-19% de sua atividade a 30°C. Por
isso, doses adicionais da medicação podem ser necessárias, por causa de seu acondiciona-
mento inadequado18.

Alcaloides do ergot
O esporão do centeio ou ergot (Claviceps purpurea) é um fungo que cresce no centeio e
em algumas gramíneas e que contém uma variedade surpreendente de substâncias farma-
cologicamente ativas. O envenenamento pelo esporão do centeio, que no passado ocorria
frequentemente na Europa, estava associado com abortos, e ficou claro que essa substância
exercia poderosos efeitos sobre o útero. Em 1935, a ergometrina foi isolada e reconhecida
como o principal ocitócito do esporão do centeio.
A ergometrina e a metilergometrina (preparação semissintética) são os derivados do
ergot utilizados atualmente para a hemorragia puerperal que possuem perfis farmacológicos
e atividades semelhantes19.
O mecanismo de ação dessas drogas ainda não está bem esclarecido. Elas agem sobre os
receptores alfa-adrenérgicos e sobre os receptores de serotonina, produzindo rapidamente
contrações uterinas tetânicas19.
A ergometrina e a metilergometrina podem ser administradas por via oral, intramus-
cular e intravenosa, embora vários trabalhos contraindiquem seu uso venoso. Tem rápido
início de ação (2-3 minutos IM e 30-60 segundos EV), com duração clínica de 3 a 6 horas.
Após a administração, podem provocar náusea e vômito, provavelmente por meio de um

Ocitócitos, uterotônicos e uterolíticos | 73


efeito sobre os receptores D2 dopaminérgicos na zona quimiorreceptora do gatilho. Elas
promovem também grandes alterações no sistema cardiovascular, causando vasoconstrição,
hipertensão, aumento da pressão da artéria pulmonar e vasoespasmo coronariano, podendo
gerar dor anginosa; infarto agudo do miocárdio; edema agudo de pulmão; acidente vascular
encefálico e convulsões20.
Pacientes previamente hipertensos apresentam maior risco de efeitos colaterais do siste-
ma cardiovascular, embora pacientes normotensos também possam apresentar essa compli-
cação. A utilização concomitante de vasopressores pode desencadear eventos hipertensivos
de difícil controle, necessitando, muitas vezes, de vasodilatadores potentes, como nitrogli-
cerina e nitroprussiato de sódio. Deve-se evitar o uso de ergometrina e metilergometrina em
pacientes hipertensos, com história de doença vascular periférica, doença vascular corona-
riana e pré-eclâmpsia21.
A biodisponibilidade dos alcaloides do ergot depende muito da condição de armazena-
mento do medicamento. Todas as medicações são bastante instáveis se expostas a tempera-
turas elevadas. As ampolas devem ser acondicionadas sob refrigeração (temperatura entre
2° e 8°C) e protegidas da luz. As drágeas devem ser mantidas à temperatura ambiente, entre
15 e 30°C)18.
A ergometrina e a metilergometrina devem ser utilizadas após falha da utilização da oci-
tocina e devem ser administradas via intramuscular, evitando-se a via intravenosa, na dose
de 0,2 mg. Pode ser repetida após intervalos de 4 horas utilizando-se a mesma dose21.
A utilização concomitante de ocitocina e ergometrina como rotina para manejo do ter-
ceiro período do trabalho de parto está associada com a redução da hemorragia puerperal
quando comparada com a ocitocina na perda sanguínea acima de 500 mL. Em relação à
perda sanguínea acima de 1.000 mL, não existe diferença significativa entre os grupos. No
entanto, na utilização concomitante dos fármacos ocorre aumento dos efeitos colaterais,
como: elevação da pressão arterial e da incidência de náusea e vômito. Então, sua associação
deve ser ponderada21.

Prostaglandinas
As prostaglandinas da família E e F estão, cada vez mais, ganhando aceitação clínica
para o tratamento da atonia uterina, principalmente como terapia complementar à falha de
outros uterotônicos. Promovem vasoconstrição e aumento da atividade uterina22-23.
Seu mecanismo de ação está relacionado com o aumento do cálcio intracelular no mio-
métrio, gerando maior atividade da cadeia leve da actina. Tem como principais efeitos cola-
terais mal-estar; tremores; diarreia; náusea e vômito24.
A principal prostaglandina utilizada no tratamento da atonia uterina é a 15-metil pros-
taglandina F2 α , que tem sido utilizada como terapia complementar à não resposta de ou-
tros uterotônicos. A dose recomendada é de 250 μg intramuscular, podendo ser utilizada
diretamente no miométrio, com intervalos de 15 a 90 minutos, numa dose acumulada
de 2 mg (oito doses). Apresenta baixa efetividade em pacientes com corioamnionite e
deve ser evitada em pacientes asmáticos e com hipertensão pulmonar, por causa de sua
atividade broncoconstritora 25.

74 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Misoprostol
O misoprostol é um análogo sintético da prostaglandina E1 utilizado na indução do tra-
balho de parto e, em alguns casos, no tratamento da atonia uterina não responsiva a agentes
uterotônicos, embora a literatura mostre que sua utilização é menos efetiva que a adminis-
tração de ocitocina e ergometrina26.
Possui grande estabilidade térmica, não necessitando de refrigeração. Sua administração
não precisa de acesso venoso; por isso, pode ser utilizado em substituição à ocitocina e à
ergometrina em locais com poucos recursos27-28.
A dose preconizada na literatura é de 800-1000 μg, utilizadas por via retal. Não existem
contraindicações em relação à utilização, mas, assim como outras prostaglandinas, podem
causar efeitos colaterais, como febre; tremores; diarreia; náusea e vômito. O misoprostol
também é uma alternativa à utilização da 15 metil prostaglandina F2 α 29-31.

Uterolíticos
São classificados como uterolíticos os fármacos capazes de deprimir ou até inibir a ati-
vidade contrátil do miométrio. Podem agir impedindo a chegada do estímulo contrátil às
células miometriais ou mantendo-as refratárias à ação desses estímulos32-33.
Os uterolíticos são indicados no tratamento do trabalho de parto prematuro, que é defi-
nido como contrações uterinas regulares após a 20ª semana e antes da 37ª, com intervalos de
5 minutos ou menos, 2 cm de dilatação e esvaecimento cervical33. Embora partos pré-termo
correspondam a apenas 8% a 10% de todos os nascimentos, a prematuridade é responsável por
60% das mortes neonatais. O uso do tocolítico objetiva postergar o parto por, no mínimo, 48
horas, com o objetivo de acelerar a maturidade pulmonar por meio do uso de corticosteroides,
e/ou possibilitar a transferência da gestante para um centro de referência, quando não existem
condições adequadas para recepcionar, com segurança, o neonato pré-termo34.
Estudos sugerem que entre a 24ª e a 30ª semanas, a taxa de sobrevivência neonatal au-
menta de 2% a 3% para cada dia de permanência no útero. Dessa forma, justifica-se a preocu-
pação com a identificação de fatores de risco para o trabalho de parto prematuro, com busca
ativa do diagnóstico precoce dessa condição35.
Não há consenso quanto à idade gestacional mínima para o início da tocólise. Alguns
autores consideram 15 semanas como limite mínimo, baseados no fato de que, a partir desse
período gestacional, os abortamentos espontâneos decorrentes de alterações genéticas gra-
ves ou de malformações severas diminuem drasticamente36.
Uma metanálise publicada em 2009, com gestantes em trabalho de parto prematuro,
mostrou que os tocolíticos foram mais eficazes que o placebo/controle em atrasar o nas-
cimento por 48 horas (75-93% versus 53% do grupo placebo/controle) e por até sete dias
(61-78% versus 39% do grupo placebo/ controle), mas não para as gestações com 37 sema-
nas. Além disso, a administração de drogas tocolíticas não resultou em reduções estatisti-
camente significativas nos escores clínicos importantes, como insuficiência respiratória e
sobrevida neonatal37.
A terapia com uterolíticos apresenta contraindicações maternas e fetais (Tabela 5.3).
Os efeitos colaterais desses fármacos tendem a superar os benefícios quando são utiliza-

Ocitócitos, uterotônicos e uterolíticos | 75


dos por longos períodos. Em uma recente atualização, o Colégio Americano de Obstetras
e Ginecologistas reafirmou que as intervenções tocolíticas para reduzir a probabilidade de
parto prematuro devem ser reservadas para as gestantes em trabalho de parto com uma
idade gestacional em que o atraso no nascimento vai proporcionar benefícios ao recém-
-nascido. Como a terapia tocolítica é geralmente eficaz por até 48 horas, apenas mulheres
com fetos que se beneficiariam de um atraso de 48 horas no nascimento devem receber
tratamento tocolítico38-39.
Tabela 5.3 – Contraindicações para a tocólise
Morte fetal
Sofrimento fetal
Malformações fetais incompatíveis com a vida
Restrição do crescimento fetal
Rotura da bolsa aminiótica
Infecção amniótica (corioaminionite)
Descolamento prematuro da placenta
Placenta prévia sangrante
Síndromes hipertensivas
Diabetes insulino-dependente não controlado
Cardiopatias maternas
Hipertireoidismo não compensado
Anemia falciforme
Os uterolíticos podem ser classificados conforme seu mecanismo de ação, demonstrado
na tabela a seguir:
Tabela 5.4 – Classificação das substâncias uterolíticas
Antagonistas da ocitocina Atosiban
Agonistas beta-adrenérgicos Ritodrina, salbutamol, terbutalina
Indometacina, ácido acetilsalicílico, naproxeno,
Inibidores das prostaglandinas
fenoprofeno, ibuprofeno
Bloqueadores do canal de cálcio Nifedipina
Sulfato de magnésio –
Doadores de óxido nítrico Nitroglicerina

Diversas drogas têm sido testadas, porém ainda não existe um agente ideal, destituído de
efeitos colaterais. Um estudo que comparou as quatro classes de uterolíticos mais utilizados
(beta-agonistas, bloqueadores do canal de cálcio, sulfato de magnésio e AINES) mostrou

76 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


que, apesar de todos prolongarem o trabalho de parto, a diminuição na morbidade e morta-
lidade neonatal não foi estatisticamente significativa37-39.
Muitas vezes, é preciso realizar a anestesia na gestante sob terapia tocolítica ineficaz.
Portanto, para a adequada condução da anestesia, é necessário conhecer a farmacologia
dessas drogas e suas interações medicamentosas, particularmente com os anestésicos uti-
lizados rotineiramente39.

Antagonistas de receptor da ocitocina


O atosiban age competindo com a ocitocina no receptor das células miometriais, impe-
dindo o aumento do cálcio livre intracelular33. Estudos comparativos têm demonstrado que o
atosiban é tão eficaz quanto a ritodrina, o salbutamol e a terbutalina para inibir o TPP, sendo
mais seguro e mais bem tolerado que os beta-adrenérgicos40-42. Uma revisão da Cochrane, que
comparou o atosiban com o placebo em 1.695 pacientes, não encontrou vantagens nas taxas
de inibição do TPP e mortalidade neonatal. Esses resultados, apesar de contestados, foram
responsáveis pela proibição do uso do atosiban pelo FDA nos Estados Unidos43.
Em uma revisão sistemática e metanálise de estudos randomizados publicada em 2014 que
comparou os antagonistas do receptor de oxitocina (atosiban, barusiban) com o placebo para
inibição de trabalho de parto prematuro, o uso dessas drogas não reduziu o risco de parto
dentro de 48 horas após o início do tratamento, o risco de parto prematuro com menos de
28 semanas de gestação ou o risco de parto prematuro com menos de 37 semanas. Todos os
eventos adversos neonatais avaliados foram estatisticamente semelhantes nos dois grupos44.
Todavia, principalmente na Europa, o atosiban vem sendo utilizado por causa da baixa
incidência de efeitos colaterais e do efeito tocolítico semelhante aos dos beta-adrenérgicos33.
A dose de ataque do atosiban é realizada com a infusão, em 1 minuto, por via intravenosa,
de um frasco de 0,9 mL. A seguir, dois frascos de 5 mL são adicionados a 90 mL de soro
glicosado ou fisiológico. Essa infusão deve ser administrada na velocidade de 24 mL.h-1 em
3 horas. Os 28 mL restantes devem ser infundidos em 3 horas e meia. Se necessário, nova
solução pode ser preparada, com 10 mL de atosiban em 90 mL de soro, e infundida em 8
mL.h-1 por até 48 horas35.
Dentre os efeitos colaterais maternos, destacam-se: náusea, tontura e cefaleia. O atosi-
ban, aparentemente, não tem efeitos sobre o sistema cardiovascular também apresenta baixa
incidência de complicações fetais e neonatais35.

Beta-adrenérgicos
Os agonistas beta-adrenérgicos foram muito utilizados para a inibição do trabalho de
parto prematuro. Atualmente, seu uso está diminuindo na prática clínica diária. Destacam-
-se a terbutalina, o salbutamol e a ritodrina (único fármaco aprovado pelo Food and Drug
Administration, FDA) para inibir o TPP32,45.
Seu mecanismo de ação consiste na ligação e consequente estímulo dos receptores beta-2
adrenérgicos das células miometriais. Esses receptores determinam aumento na adenilcicla-
se, enzima responsável por catalisar a conversão de ATP em AMP cíclico, o que diminui o
cálcio livre intracelular, provocando o relaxamento do miométrio45.

Ocitócitos, uterotônicos e uterolíticos | 77


Os agonistas beta-adrenérgicos, porém, também agem em receptores beta-1, determi-
nando aumento do débito cardíaco; hipertensão arterial; edema agudo pulmonar; taquicar-
dia e aumento no consumo de oxigênio pelo miocárdio44,45.
Os efeitos colaterais da estimulação beta-2 são hiperglicemia e hipotensão arterial. Pode
também agir no SNC, causando cefaleia, tontura e tremor. Além disso, pode atravessar a
barreira placentária, determinando no feto e no recém-nascido taquicardia, hiperinsuli-
nismo, hipoglicemia e hipotensão arterial. O uso de drogas beta-2 adrenérgicas seletivas
(terbutalina e ritodrina) diminui, mas não elimina por completo, os efeitos colaterais36,44,45.
Recentemente, o FDA tornou obrigatório um aviso no rótulo da terbutalina informando
que a medicação não deve ser usada como tocolítico por período superior a 48-72h, por
causa dos riscos de efeitos colaterais maternos e fetais46.
Os agonistas beta-adrenérgicos podem ser administrados via venosa, oral ou subcutânea.
Sua meia-vida de eliminação está aumentada nas gestantes (em razão das alterações fisio-
lógicas típicas desse período) e, portanto, os efeitos cardiovasculares persistem por até 90
minutos após a última dose administrada. Assim posto, o simples retardo da anestesia por,
pelo menos, 3 horas, quando a situação materno-fetal assim permitir, minimiza a ação beta-
-adrenérgica cardiovascular, tornando o procedimento anestésico de mais fácil manuseio45.
Complicações também podem ocorrer em virtude de interações medicamentosas entre
drogas tocolíticas e técnicas anestésicas. Com a anestesia regional, a vasodilatação causada
pela estimulação beta-adrenérgica aumenta o risco de hipotensão. Estima-se que um inter-
valo de 15 a 30 minutos após a última dose de beta-agonista é necessário para a realização
segura de um bloqueio espinhal. A hipotensão associada com o bloqueio espinhal pode ser
tratada com efedrina na gestante em terapia tocolítica. Evidências na literatura sugerem que
a efedrina aumenta a pressão arterial e o débito cardíaco sem prejudicar a perfusão uteropla-
centária, mesmo na gestante em terapia com beta-2 agonistas45,46.
Quando houver indicação de anestesia geral, devem-se evitar agentes que causem taqui-
cardia (atropina, pancurônio) e agentes que precipitem arritmias (halotano), visto que essas
drogas potencializam o efeito cardiovascular dos beta-agonistas. Além disso, deve-se evitar
a hiperventilação, por causa do risco de desenvolvimento de hipocalemia nas parturientes47.
A hidratação deve ser criteriosa para evitar edema agudo pulmonar45.

Inibidores da síntese das prostaglandinas


São fármacos que atuam diminuindo a resposta tônica uterina às prostaglandinas por
inibição da enzima ciclo-oxigenase, necessária para a síntese de prostaglandinas a partir
do ácido araquidônico. Entre essas drogas, a indometacina é a mais utilizada e é indicada
para gestantes com contraindicações à terapia beta-adrenérgica. Sua eficácia tocolítica foi
demonstrada tanto como potencializadora dos beta-2 agonistas quanto de maneira isola-
da45-48. Em uma revisão sistemática de dois ensaios clínicos randomizados, publicada em
2015, que comparou a indometacina com placebo para o tratamento de trabalho de parto
prematuro, o uso de indometacina reduziu o risco de parto dentro de 48 horas após o início
do tratamento em ambos os ensaios, porém, os estudos da pesquisa apresentaram críticas
nas amostras e na metodologia48.

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Entre os efeitos colaterais maternos, podem destacar-se: náusea; refluxo gastroesofágico; vô-
mito e disfunção plaquetária. Como efeitos colaterais fetais, destacam-se oligoâmnio e o fecha-
mento precoce do ducto arterioso, principalmente quando a droga é utilizada após a 32ª semana.
A dose utilizada é por meio de supositórios de 100 mg a cada 12 a 24 horas, por três dias34.
Os bloqueios espinhais podem ser realizados com segurança em pacientes em uso de
drogas anti-inflamatórias49, porém, aumento no tempo de sangramento foi observado em
gestantes em uso de indometacina, e, nesses casos, a indicação do bloqueio espinhal deve ter
sua relação risco-benefício cuidadosamente avaliada45-49.

Bloqueadores do canal de cálcio


Exercem seu efeito tocolítico inibindo a entrada do cálcio extracelular através da mem-
brana citoplasmática e também impedem a liberação do cálcio intracelular do retículo sar-
coplasmático. A queda do cálcio intracelular diminui a interação actina-miosina e, conse-
quentemente, a contratilidade das células miometriais33-45.
A nifedipina é o bloqueador de canal de cálcio mais utilizado como tocolítico, por apre-
sentar maior efeito sobre a musculatura uterina45.
Quando comparada com a terapia beta-agonistas, esse fármaco apresentou menor taxa
de nascimentos nos primeiros sete dias de tratamento e redução mais expressiva na taxa de
nascimentos antes da 34ª semana45. Entretanto, recente revisão sistemática sobre o uso da
nifedipina demostrou a necessidade de maiores estudos clínicos controlados para se estabe-
lecer, com segurança, a utilização dessa classe de drogas como tocolíticos50.
A dose inicial sugerida de tratamento varia de 10 a 40 mg via oral, seguida de 10 a 20 mg
via oral a cada 4-6 horas, baseada no padrão de resposta das contrações45.
A nifedipina apresenta poucos efeitos colaterais maternos, sendo as mais comuns: náu-
sea, cefaleia, palpitação e taquicardia compensatória à vasodilatação periférica. A associação
com sulfato de magnésio pode causar fraqueza muscular, hipotensão arterial e diminuição
do débito cardíaco45,50.
A anestesia inalatória (halotano, isoflurano) pode exacerbar a vasodilatação periférica e
precipitar arritmias cardíacas. Também pode ocorrer atonia uterina no pós-parto imediato,
de difícil controle com ocitocina e prostaglandinas33-45.

Sulfato de magnésio
Seu mecanismo de ação como tocolítico permanece desconhecido. Provavelmente, se
deve à competição com o cálcio durante sua entrada da membrana celular miometrial45.
Em recente revisão sistemática, o sulfato de magnésio não apresentou benefícios quando
comparado com os demais tocolíticos (beta-adrenérgicos, bloqueadores do canal de cálcio
e inibidores da ciclo-oxigenase)45,51. Além disso, também não foi encontrado aumento no
tempo da gestação quando comparado com o placebo33.
Em outra revisão sistemática, em que foi comparado o sulfato de magnésio com grupo
controle/sem tratamento, não foi encontrada redução estatisticamente significativa nos par-
tos prematuros até 48 horas do início da terapia tocolítica; também não houve diferença na
incidência de eventos adversos maternos e fetais52 .

Ocitócitos, uterotônicos e uterolíticos | 79


Os efeitos colaterais mais frequentes são similares aos da terapia beta-agonistas: dor torácica;
edema agudo pulmonar; taquicardia; náusea e sedação. A administração simultânea dos betas-a-
gonistas e do sulfato de magnésio aumenta a incidência e a intensidade desses efeitos adversos45.
Durante a terapia com sulfato de magnésio, as concentrações sanguíneas devem ser cuida-
dosamente monitoradas e não devem ultrapassar 7 mg.dL-1. A partir desse valor, as gestantes
podem apresentar fraqueza muscular, dificuldade respiratória e disfunção ventricular. Além
da monitoração sérica, o débito urinário, a frequência respiratória, a pressão arterial e os re-
flexos tendinosos profundos também devem ser constantemente aferidos. O tratamento da
sobredose é realizado através da infusão venosa de cálcio (gluconato ou cloreto)45,52.
A dose inicial é de 4 a 6 g em 20-30 minutos, seguida de infusão contínua de 2 g.h-1. Essa
medicação é contraindicada para gestantes com miastenia gravis e, por apresentar eliminação
renal, sua dose deve ser cuidadosamente ajustada em pacientes com insuficiência renal34,45.
A realização de bloqueio espinhal na gestante em terapia tocolítica com sulfato de mag-
nésio pode aumentar a incidência de hipotensão arterial, porém, essa redução parece não
diminuir o fluxo uteroplacentário, nem piorar a oxigenação fetal. O sulfato de magnésio
também potencializa o bloqueio neuromuscular despolarizante e adespolarizante. A succi-
nilcolina pode ser usada em doses de até 1 mg.kg-1, enquanto os bloqueadores adespolari-
zantes devem ter sua dose cautelosamente reduzida. Além disso, o bloqueio neuromuscular
deve ser constantemente monitorizado com o estimulador de nervos periféricos36,44,45.

Doadores de óxido nítrico


Participam desse grupo a nitroglicerina (transdérmica e endovenosa) e o óxido nítrico.
Assim, a nitroglicerina pode ser ministrada via intravenosa, nas doses de 50 a 100 µg em bolus,
seguida de infusão de 1,5 a 2 µg.kg.min-1, e pela via transdérmica, por meio de adesivos com 10
mg cada. Essa dose pode ser repetida após 1 hora e pode permanecer no local por 24 horas36-45.
A nitroglicerina transdérmica isoladamente tem sido utilizada para inibição do TPP,
porém, ainda não existem evidências suficientes que justifiquem seu uso como tocolítico53.
Entre os principais efeitos colaterais da nitroglicerina estão hipotensão arterial e arritmias
cardíacas maternas que determinam a diminuição do fluxo sanguíneo uteroplacentário53.
Quando comparada com o placebo, a nitroglicerina transdérmica foi superior no prolon-
gamento do trabalho de parto por 48 horas53. Em outro estudo realizado com 238 gestantes,
o óxido nítrico foi comparado com os beta-agonistas (salbutamol ou ritodrina) e foi obtido
como resultado principal que a inibição do TPP foi mais eficaz no grupo que utilizou o
salbutamol e a ritodrina. Em contrapartida, o grupo que usou o óxido nítrico apresentou
como vantagens rápida eliminação da droga e, portanto, curta duração de efeitos após a
interrupção da infusão venosa54-55.

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82 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Capítulo 06

Efeitos do trabalho de parto e da


dor sobre o binômio materno-fetal
Carlos Eduardo da Costa Martins
Efeitos do trabalho de parto e da dor
sobre o binômio materno-fetal

Introdução
O trabalho de parto caracteriza-se por contrações uterinas rítmicas que aumentam em
intensidade e frequência, promovendo o esvaecimento e a dilatação da cérvice. Classica-
mente, é dividido em quatro períodos. O primeiro estágio vai do início até a dilatação total
(10 cm) e subdivide-se em duas fases: de latência e ativa. A fase de latência dura cerca de 8
horas sem intervenções. A fase ativa é assim denominada por promover dilatação cervical
mais rápida. Normalmente, inicia-se com dilatação entre 2 e 4 cm e dura em média de 2 a 6
horas. O período expulsivo, também denominado segundo período, tem duração de 2 a 3h
com analgesia de condução em primigestas, e de 1 a 2h na analgesia de multíparas. O tercei-
ro período é aquele que vai do nascimento à dequitação da placenta. A primeira hora após
a separação das membranas é conhecido como quarto período ou período de Greenberg1.
Os mecanismos que desencadeiam o parto ainda não são totalmente conhecidos. Durante
a gravidez, o útero, uma cavidade muscular, deveria ter contrações espontâneas. A progestero-
na secretada pela placenta, entretanto, suprime essa atividade, permitindo a presença e o de-
senvolvimento fetal durante toda a gestação. O desencadear do trabalho de parto é, portanto,
um conflito de interesses entre o bebê e a mãe2. No final do terceiro trimestre de gravidez, o
colo do útero vai, gradativamente, se adelgaçando e as contrações começam a surgir.
A experiência da dor é uma complexa e subjetiva resposta multidimensional a um estímulo
sensorial produzido durante a parturição. É um fenômeno intimamente relacionado com a
existência da espécie humana e suas relações interpessoais. Diferente de outras experiências
de dores agudas e crônicas, a dor no trabalho de parto não está associada com uma patologia,
mas sim com a experiência mais básica e fundamental, o início de uma nova vida. O motivo
pelo qual esse processo fisiológico causa dor tem sido objeto de debates filosóficos e religiosos.
A dor do trabalho de parto representa um aviso à mãe para que esta possa ter tempo suficiente
de buscar um lugar seguro e conseguir assistência necessária para o parto. A dor ocorre em um
contexto fisiológico e psicológico individual de cada mulher e também da sociedade e cultura
das quais ela faz parte. Essa cultura não inclui somente crenças e padrões de sua família e co-
munidade, mas também os sistemas de saúde, incluindo seu modelo de gestão.
O número de cesarianas é crescente no mundo inteiro. Especialmente no Brasil essas
cifras são explosivas. Nesse contexto, em que a sociedade moderna parece acreditar que a
dor da parturição é ruim e que seu alívio deve ser imediato3, a moderna anestesia regional é
cada vez mais capaz de oferecer qualidade, aliviando a ansiedade e a dor e evitando grande
parte das cesarianas eletivas com mínimas repercussões sobre mãe e feto.
A procura pelo parto sem dor
O trabalho de parto é mais difícil e álgico na mulher do que nas fêmeas de outros
mamíferos por causa do estrito acoplamento entre a pélvis feminina e o polo cefáli-
co fetal. Há 5 milhões de anos, nossos ancestrais australopitecos adotaram a postura

84 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


ereta. Para transmitir mais força motriz aos membros inferiores na posição bípede, a
seleção natural promoveu um notável estreitamento da pélvis feminina. Há cerca de
1,5 milhão de anos, com o surgimento da vida em sociedade e os primórdios da lingua-
gem, o encéfalo desenvolveu-se, aumentando consideravelmente seu perímetro2 . Esses
dois fatores fizeram com que o feto passasse a ocupar a maior parte da pélvis materna,
dificultando, sobremaneira, o trabalho de parto. A mecânica do parto nos humanos é
única e se tornou completa há 300 mil anos, com o desenvolvimento da rotação da ca-
beça fetal. O polo cefálico, que normalmente está na posição occipitotranversa, adota a
posição occiptoanterior, permitindo que os ombros se encaixem em posição transversa
na pélvis. Imediatamente após a saída do polo cefálico, os ombros giram para a posição
anteroposterior, facilitando o nascimento.
Durante toda a Idade Média, a dor da parturição foi tratada como um castigo divino
imposto a Eva pelo pecado original. O tratamento da dor era pecado e, como a Igreja era do-
minante durante todo esse período, o progresso científico foi postergado por séculos. A era
moderna da analgesia começou em 1847, quando o Dr. James Young Simpson administrou
éter e, posteriormente, clorofórmio às gestantes em sua cidade natal4. Coincidentemente,
250 anos antes, também em Edimburgo, o clero havia sentenciado uma puérpera, enterran-
do-a viva, por ter clamado a Deus alívio de suas dores durante o parto5.
Alguns anos depois, em 1853, John Snow administrou, com sucesso, clorofórmio à
rainha Vitória durante o nascimento de seu oitavo filho. Esse fato concedeu chancela real
à analgesia e acirrou as discussões religiosas, ganhando grande notoriedade por todo o
Reino Unido.
Outros métodos surgiram, como as repetidas injeções de altas doses de morfina e esco-
polamina. Essa técnica, chamada de Dä mmerschlaf ou twilight sleep, muitas vezes levava à
severa depressão respiratória materna e neonatal6.
Em 1847, Walter Channing afirmou que a transferência placentária de éter era insignifi-
cante, já que ele não conseguira detectar o odor do éter após o corte do cordão umbilical7.
Embora a passagem de drogas pela placenta tenha sido reconhecida em 1877, quando Paul
Zweifel comprovou a presença de clorofórmio nos vasos do cordão umbilical, efetivamente,
não ocorreu nenhuma alteração da prática clínica nas décadas seguintes.
Há mais de cem anos, em julho de 1900, o obstetra suíço Oscar Kreis foi o primeiro
a reconhecer as vantagens da anestesia regional em obstetrícia, quando administrou co-
caína espinhal e aliviou a dor de seis parturientes em período expulsivo8 . Somente em
1933, quando Cleland9 descreveu os princípios neuroanatômicos da inervação sensitiva
do útero, começaram a se desenvolver as bases dos bloqueios regionais para analgesia
de parto.
O uso frequente da raquianestesia por pessoas inexperientes e o costume de desprezar a
monitorização da gestante levaram a uma grande incidência de complicações e descrédito
pela técnica. Naquela época, a taxa de mortalidade em raquianestesia nos pacientes cirúrgi-
cos era de 1 em 1.000, muito superior às observadas com anestesia local ou geral10. Foram
relatadas taxas de mortalidade de 1 em 139 em cesarianas realizadas com anestesia espi-
nhal11. Greenhill12, naquele momento uma referência em anestesia obstétrica, concluiu que

Efeitos do trabalho de parto e da dor sobre o binômio materno-fetal | 85


a raquianestesia era a mais perigosa de todas as práticas anestésicas para mulheres grávidas
e repetidamente desestimulou seu uso.
As experiências negativas com anestesia regional resultaram no abandono das técnicas
de alívio da dor até 1950, período descrito como a “idade das trevas da anestesia obstétrica”4.
Foi nessa época em que o parto natural e a psicoprofilaxia foram amplamente defendidos
para evitar os graves efeitos colaterais associados com a anestesia13. O trabalho de Grantly
Dick-Read ganhou notoriedade e o conceito de parto natural foi muito difundido14.
Descrições dos bloqueios nervosos espinhais, peridurais lombares, caudais, paraverte-
brais e pudendos foram publicados entre 1900 e 19302 . A analgesia regional contínua, tal
como é praticada hoje, teve início em meados do século XX, quando Hingson e Edwards
publicaram a utilização da analgesia caudal contínua para parto em 194315. Entre 1940
e 1950, quando se estabeleceram os serviços de plantão 24 horas na anestesia obstétrica
nos Estados Unidos, ocorreu um relevante aumento na segurança materna. Embora os
primeiros casos de anestesia peridural lombar contínua tenham sido realizados com a
inserção de cateteres uretrais, outros artefatos de PVC foram posteriormente desenvolvi-
dos. Em 1962, Lee16 introduziu o primeiro cateter com orifício lateral com o objetivo de
reduzir o trauma da inserção17. Esse cateter foi aperfeiçoado com a adição de orifícios que
proporcionaram uma distribuição mais confiável dos anestésicos nos bloqueios peridu-
rais em gestantes.
O conhecimento das alterações fisiológicas durante a gestação e dos efeitos colaterais
dos bloqueios espinhais levou a maior segurança materna e fetal. A dosagem das con-
centrações de drogas no cordão umbilical permitiu ampla compreensão da transferência
placentária dos fármacos. Em 1953, a anestesiologista Virgínia Apgar18 introduziu um
escore para avaliar o recém-nascido. Com base em variáveis fisiológicas, o índice é uma
ferramenta simples, embora nem sempre confiável, para detectar os efeitos dos anestési-
cos sobre os recém-nascidos.
A descoberta dos receptores opioides espinhais, na segunda metade do século XX,
levou a sua ampla utilização por via peridural e intratecal. A combinação de opioides e
anestésicos locais diluídos tornou-se prática rotineira na analgesia moderna. Usando essas
soluções diluídas, Chestnute e cols.19 e, posteriormente, Vertommene e cols. 20 demonstra-
ram que a analgesia peridural não necessariamente aumenta a incidência de cesarianas e
partos instrumentados.

Influências sobre a mãe e o concepto


Um grande número de fatores psicológicos e físicos pode inf luenciar a intensidade e
a duração da dor do trabalho de parto. Os fatores físicos, que muitas vezes se inter-re-
lacionam, incluem: idade; paridade21; status clínico da mãe; condição do colo uterino
e proporção entre o tamanho do feto e o canal de parto. Geralmente, as primigestas
com mais idade têm trabalho de parto mais longo e doloroso que primigestas jovens22 .
As contrações uterinas nos estágios iniciais do trabalho de parto são mais intensas nas
primíparas que nas multíparas, situação que se inverte durante a evolução do trabalho
de parto.

86 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Existe uma íntima relação entre distocia e dor. Assim, fatores como posição anormal,
pelve estreita e um feto muito grande podem dar origem a um parto mais prolongado
e doloroso. Gestantes que atravessam todo o trabalho de parto e recebem indicação de
cesariana apresentam maior consumo de opioides sistêmicos23,24 do que aquelas com
parto por via vaginal. História de dismenorreia, fadiga, privação de sono e outras debi-
lidades maternas estão associadas com dor intensa 22 . Fatores psicológicos, como medo,
ansiedade25 e apreensão também estão relacionados com dor. A presença de membros
da família 26,27, educação para o parto durante o pré-natal e exercícios motivacionais al-
teram o comportamento de maneira favorável mesmo que não mudem definitivamente
a percepção álgica.
Embora o nível de dor e sofrimento associado ao trabalho de parto varie muito entre as
parturientes, existem poucos estudos sobre a prevalência, intensidade e qualidade da dor do
parto. Melzack e cols. utilizaram o Questionário McGill de Dor para mensurá-la (Figura 6.1)22.
Quatro mulheres nulíparas tiveram índice de dor (ID) maior do que multíparas. Diferenças
significativas também foram encontradas entre essas mulheres na qualidade sensorial da dor.
Embora os valores variassem de leve a lancinante, a pontuação média do ID das mulheres em
trabalho de parto era de 8 a 10 pontos maior do que os associados com a dor do câncer, dor do
membro fantasma ou neuralgia pós-herpética.

Figura 6.1 – Melzack e cols.22


Copyright Ronald Melzack, 1984, 1987. Reprinted with permission.

Mecanismos e vias da dor


• Receptores álgicos
Durante o primeiro estágio do trabalho de parto, os receptores químicos e mecânicos
do útero começam a ser estimulados28. O alto limiar dos receptores mecânicos é alcança-

Efeitos do trabalho de parto e da dor sobre o binômio materno-fetal | 87


do pela pressão intensa originada pelas repetidas contrações29. Os nociceptores químicos
são ativados nos estágios finais pela liberação de bradicinina, serotonina, acetilcolina e
íons de potássio30.
• Vias periféricas
A fase inicial de dilatação do colo uterino origina uma dor em cólica difusa e mal locali-
zada, portanto, do tipo visceral. Sequencialmente, o impulso nervoso é transmitido ao plexo
hipogástrico superior, médio e inferior e à cadeia simpática lombar e torácica, terminando
nos ramos comunicantes associados aos nervos espinhais T10-L128. O predomínio de trans-
missão é das fibras C de condução lenta.
No final do primeiro estágio e durante o período expulsivo, a dor passa a ter caráter
somático, gerado pela distensão e tração das estruturas pélvicas e perineais. Ela é trans-
mitida através do nervo pudendo pelos ramos S2-S430. Agora a sensação álgica é aguda e
bem localizada por causa da maior velocidade de condução das fibras Aσ e do pequeno
número de ramificações31.
• Vias centrais
Os estímulos nervosos durante o trabalho de parto são transferidos pelo SNC, através
das vias ascendente e descendente.
Vias ascendentes
Os neurônios aferentes chegam ao SNC pelo corno posterior da medula, na subs-
tância cinzenta, lâminas I a V de Rexed. A maior parte dos neurônios da lâmina I
recebe somente estímulos álgicos, por isso são denominados nociceptores espe-
cíficos, que, posteriormente, se projetam sobre os centros superiores do SNC. Na
substância gelatinosa (lâmina II) estão os interneurônios reguladores que modu-
lam a intensidade do estímulo, funcionando como um filtro de sinais. Neurônios
da lamina V, denominados WDR (ampla faixa dinâmica), respondem, de maneira
progressiva, primeiro aos estímulos não nociceptivos de baixa intensidade, que,
posteriormente, se convertem em estímulos dolorosos. Esses neurônios recebem
estímulos excitatórios de fibras mielinizadas Aβ, Aσ e a aferência polimodal no-
ciceptiva das fibras C. Assim, através da lâmina V, estão lançadas as bases neuro-
lógicas para o mecanismo da dor referida que ocorre durante o trabalho de parto.
Projeções da substância cinzenta cruzam em sentido anterior e contralateral na
direção da substância branca e então ascendem pelo trato espinotalâmico. Che-
gam ao tálamo, tronco cerebral e cerebelo31, em que se origina a percepção tem-
poroespacial. No hipotálamo e sistema límbico surgem as respostas simpáticas,
emocionais e afetivas da dor.
Vias descendentes
A eferência é originada no córtex sensorial primário e se projeta para a substância
cinzenta periaquedutal do mesencéfalo e para a região do núcleo rostral ventral do
tálamo. As projeções do tálamo entram na medula espinhal através do funículo dor-
solateral e terminam na substância cinzenta dorsal da medula espinhal32 .

88 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Tabela 6.1 – Mecanismo e vias da dor no trabalho de parto
Origem Mecanismo Via Local de ação

Útero Distensão, Aferente que acompanha Abdome


Colo Uterino alongamento e a via simpática T10-L1, superior
ruptura das fibras ramo dorsal T10-L1.

Tecido Periuterino Pressão associada ao Plexo lombo sacral L5-S1 Lombar


Região Lombosacra mau posicionamento inferior e coxa
fetal e bacia
platipelóide

Bexiga Pressão S2-S4 Área perineal e


Uretra e Reto sacral

Vagina Distensão e ruptura S2-4 somático Não


das fibras relacionado

Períneo Distensão e ruptura Pudendo (S2-4), Não


das fibras Genitofemural (L1-2), relacionado
Ileoinguinal (L1),
Nervo cutaneo posterior
da coxa(S2-3)

Bexiga Super distensão Aferente que acompanha a Suprapúbico


via simpática T11-L1

Efeitos na mãe e no feto


A dor e o dano tecidual produzidos pelo parto estão associados com efeitos diretos e
indiretos sobre mãe e feto. A estimulação acentuada dos sistemas respiratório e circulatório,
dos centros hipotalâmicos autonômicos, da função neuroendócrina, das estruturas límbicas
e do comportamento psicodinâmico podem produzir consequências deletérias. Muitas des-
sas respostas são atenuadas pelo alívio efetivo da dor.
A dor do parto é um poderoso estímulo respiratório, resultando em aumento significativo
da ventilação e do consumo de oxigênio. A hipoventilação compensatória entre as contra-
ções pode causar hipoxemia materna transitória. Em algumas situações, como na analgesia
sistêmica com opioides, pode ocorrer significativa hipóxia materno-fetal. A hiperventilação
causa alcalose respiratória severa e desvia para a esquerda a curva de dissociação da hemo-
globina materna, diminuindo, assim, a transferência de oxigênio para o feto.
A dor e o estresse ativam o sistema nervoso simpático, resultando no aumento das
concentrações plasmáticas de catecolaminas, na elevação do débito cardíaco e na pres-
são arterial sistêmica. Os níveis de epinefrina e norepinefrina aumentam de 200% a
600% durante o trabalho de parto33 , e esse aumento das catecolaminas está associado
Efeitos do trabalho de parto e da dor sobre o binômio materno-fetal | 89
com a redução do f luxo sanguíneo uterino34. Como a epinefrina é um tocolítico, há
evidências de que seja possível corrigir algumas disfunções do trabalho de parto com
analgesia eficiente 35 .
Independentemente do nível da dor, o trabalho de parto está associado com a estimu-
lação acentuada do sistema cardiovascular. As contrações uterinas deslocam o sangue
do útero para a circulação central, fenômeno conhecido como autotransfusão. Assim,
o aumento da volemia gera acréscimo no trabalho cardíaco. As contrações diminuem a
perfusão uteroplacentária, uma vez que o útero é perfundido apenas durante a sua diásto-
le. A parturiente saudável facilmente tolera o grande aumento do trabalho cardíaco, mas
gestantes cardiopatas, com hipertensão pulmonar ou pré-eclâmpsia grave, podem não to-
lerar essas alterações, originando sérias intercorrências clínicas. O feto hígido suporta as
mudanças do fluxo sanguíneo uterino e suas consequências na oferta de oxigênio, porém,
essas alterações podem ser muito prejudiciais em caso de insuficiência uteroplacentária.
Para essas mães e fetos de alto risco, a analgesia eficaz pode contribuir de maneira decisiva
para melhores prognósticos.
Finalmente, a dor intensa pode causar graves distúrbios mentais que podem interferir no
vínculo materno-neonatal e nas futuras relações sexuais, podem contribuir para a depressão
pós-parto22 e, muito raramente, para a síndrome do estresse pós-traumático36.
As drogas ministradas à mãe durante o trabalho de parto podem afetar o bebê por meio
da transferência placentária (efeito direto) ou de efeitos sobre a fisiologia e bioquímica ma-
terna (efeitos indiretos). O efeito direto é potencialmente importante para as drogas que
agem sistemicamente. Já para a analgesia regional, em que a transferência placentária de
drogas é menos relevante, os efeitos indiretos podem ser mais proeminentes.

A analgesia e o parto
A história do parto através dos tempos e das culturas e o modo como ele é vivido – ex-
periência perigosa, dolorosa, satisfatória ou importante, embora acompanhada de certos
riscos – não podem ser separados do percurso da organização familiar, social e cultural. É
nesse contexto que a moderna anestesiologia está inserida. O crescimento do número de
cesarianas é um fenômeno global e pode ser explicado, em parte, por uma cultura que aceita
cada vez menos as perdas que podem ocorrer, mesmo nos processos fisiológicos e naturais
da parturição. O trabalho de parto é uma situação de estresse para mãe e o concepto. Sem
dúvida, o medo da dor e a ansiedade das longas horas de espera também são fatores prepon-
derantes na crescente taxa de cesarianas eletivas.
Por outro lado, a analgesia de parto foi historicamente relacionada com o aumento
na incidência dos partos cirúrgicos e instrumentados. Considerando o exemplo brasilei-
ro, em que as gestantes do setor privado têm um alto percentual de cesarianas, vemos
que a difusão das técnicas de analgesia regional para a população seria uma ferramenta
importante no estímulo ao parto vaginal. É evidente que, ao realizarmos um bloqueio
regional, interferimos no curso dos partos, conforme mostra a Tabela 6.2. Todavia, essa
interferência, quando comparada com outros fatores que levam uma mulher a escolher
uma cesariana, é mínima.

90 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Tabela 6.2 – Alterações maternas produzidas pela analgesia regional que podem afetar o bebê
Hipotensão materna
Hipertermia materna
Potenciais efeitos
Maior necessidade de Ocitocina
desfavoráveis
Segundo estágio prolongado
Maior incidência de parto instrumentado
Menor stress materno e hiperventilação (efeitos adversos do
trabalho de parto)
Potenciais efeitos
Vasodilatação uterina a partir do bloqueio simpático
favoráveis
Redução nos casos de dessaturação de hemoglobina
Transferência de drogas pela placenta não importante
A analgesia locorregional é a técnica anestésica mais efetiva para a dor do parto, podendo
ser considerada o padrão-ouro da analgesia. Vários trabalhos de qualidade indiscutível, que
comparam a analgesia peridural com opioides sistêmicos, óxido nitroso ou ambos, demons-
traram menor escala de dor e maior satisfação materna com o uso dessa técnica37,38,39,40.
A analgesia melhora as performances cardiovascular e respiratória maternas e favorece
o equilíbrio acidobásico do feto34,41,42,43, tornando sua condução indicação máxima para os
casos de doença cardiovascular materna, síndrome hipertensiva da gestação e partos distó-
cicos. Como resultado, o uso dos bloqueios para a analgesia do trabalho de parto aumentou
progressivamente ao longo das últimas três décadas. Nos Estados Unidos, a porcentagem
das parturientes que recebe analgesia regional cresceu de 22%, em 1981, para 61%, em 2001,
nas maiores maternidades (> 1.500 partos/ano). No Reino Unido, aproximadamente um
terço das parturientes receberam analgesia regional entre 2008-200944,45. Tanto a Socie-
dade Americana de Anestesiologia (ASA) como o Colégio Americano de Obstetrícia e Gi-
necologia (ACOG) concordam que “dos muitos métodos farmacológicos utilizados para o
alívio da dor durante o parto, as técnicas de analgesia regional são as mais flexíveis, eficazes
e que proporcionam menor depressão do sistema nervoso central (SNC), permitindo uma
mãe participativa e um recém-nascido mais alerta”46. Assim, quando é necessário utilizar
um método farmacológico para tratar a dor de parto, é prioritário pensar nos bloqueios do
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Efeitos do trabalho de parto e da dor sobre o binômio materno-fetal | 93


Capítulo 07

O papel do anestesiologista no
parto humanizado
Raquel da Rocha Pereira
O papel do anestesiologista no parto humanizado
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao
tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
(Carl G. Jung)

Introdução
Independentemente da classe social, do acesso ou não às informações e a um serviço
médico público ou privado, entre as grandes angústias que circundam o universo da mulher
que dará à luz em pleno século XXI, é o medo da dor, ou seja, do ritual de estresse e dor ao
qual vai se submeter para o nascimento de seu filho. Ainda que não seja um medo que a
paralise ao ponto de querer intervir no processo natural de seu parto, por meio de uma cesa-
riana, reflete-se como uma preocupação durante toda a gestação que fragiliza e compromete
o processo do parto/nascimento1.
O aumento indiscriminado do número de cesarianas e o uso rotineiro de procedimentos,
sem o respaldo de evidências científicas, como episiotomia, manobra de Kristeller, uso da
ocitocina e a não disponibilidade de analgesia de parto entre as técnicas de alívio da dor,
têm gerado críticas ao modelo hospitalar intervencionista, por serem situações que podem
deixar marcas profundas físicas e emocionais na mulher. Situações como essas, sem a anuên-
cia e/ou participação da parturiente nas decisões sobre seu parto, têm sido questionadas e
configuradas como violência obstétrica. Além de desvirtuar o importante papel do médico,
contribui para uma visão distorcida da sociedade sobre o processo fisiológico da parturição,
como sendo um “evento de risco”. A tecnocracia adotada até então, pelo modelo de assistên-
cia obstétrica no Brasil, em que a tecnologia dita e orienta as ações e condutas em detrimen-
to do fator humano na assistência, está sendo revista pela força da Medicina Baseada em
Evidências (MBE), que identificou distorções deletérias ao bem-estar da díade mãe-bebê2,3.
Humanizar a assistência no ciclo gravídico puerperal é acolher, respeitar a individualida-
de, empoderar com conhecimento a mulher para que exerça um protagonismo participativo
consciente. As diretrizes da política de humanização do parto emergem do princípio cons-
titucional de “dignidade da pessoa humana”, princípio esse que apresenta uma importante
densidade valorativa ao levar em conta o amplo sentido de dignidade, valor espiritual e moral,
uma participação consciente e responsável na própria vida3. Nele assenta-se a Constituição
brasileira, fundamentam-se garantias, direitos e deveres do cidadão e, consequentemente,
todas as atividades profissionais, independentemente de sua função técnica ou hierárquica4.
Nessa linha, o Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina (CFM), em seu
artigo IV e V, reconhece e valora a autonomia do paciente como princípio fundamental e
define que só é permitido, ao médico, decisão unilateral quando em situações de risco de
vida, ou seja, em caráter emergencial4-6.
O acesso à informação é um dos princípios básicos e que valora a política de humanização
do parto. A desinformação gera insegurança, medo e um olhar desfocado sobre o parto/nas-
cimento, elementos socioestruturais que, paradoxalmente, tornam as mulheres submissas
a seus temores no “liberto” ato fisiológico da parturição. A submissão pelo medo fortalece

96 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


a cultura do parto como um evento médico, que autoriza a autonomia técnica de decisão e
as condutas intervencionistas, às vezes, desnecessárias7. O não saber, às vezes, dói na alma.

Antropologia do parto
“O sentimento de felicidade flui quando o corpo e a mente estão libertos da dor e do
sofrimento pelo desconhecido.” (Pereira, 2005)
Histórico
Até a Idade Média, a parturição era um evento com participação só de mulheres, sem a in-
terferência da representação masculina do “saber médico”. A medicina preocupava-se apenas
com as doenças, e o ciclo gravídico-puerperal estava fora desse contexto, entregue aos cuida-
dos das parteiras. Um evento eminentemente feminino de relacionamento social e emocio-
nal, em que as mulheres com mais experiência, geralmente multíparas, se disponibilizavam a
ajudar, com seus conhecimentos, mulheres a partejar. Porém, com o objetivo de reduzir o alto
índice de morbimortalidade, alterou-se o modelo vigente, que passou a ser um evento médico,
que substituiu a representação feminina das parteiras, com seu apoio empático e afetivo ao
nascimento, e tornou o parto um evento técnico na busca de melhores resultados9.
A hospitalização do parto deslocou a mulher de seu posto de protagonista ativa para ceder
o comando do processo ao modelo biomédico, que passou a influenciar comportamentos e
decisões da mulher. Entretanto, como integrante de uma sociedade civilizada, ela utiliza-se
dos padrões socioculturais que são assimilados e aprendidos pelo “cérebro social” para atin-
gir com sucesso o objetivo fisiológico de partejar e nutrir a cria. A cultura, como uma “lente”
herdada, define a imagem que o indivíduo capta e pela qual compreende seu mundo, para
viver em consonância com os membros da sociedade, num processo de aculturação. Isso
garante a coesão e continuidade dos grupos humanos7,9.
O comportamento da mulher no período reprodutivo deriva dessa aculturação e dos
significados biológicos para a espécie. Nesse contexto, o medo da dor e suas representações
muito influenciam na mudança de comportamento e expectativas da mulher sobre a par-
turição. Ao se buscarem explicações para a dor, na antropologia cultural, são encontradas
interpretações primitivas para seu significado: na concepção dualista sobre o bem e o mal,
a dor era a representação do mal e do sofrimento, uma condição de dano-lesiva entendida
como provocada pelo inimigo9,10. Ironicamente, ousamos fazer um paralelo em que, apesar
dos avanços científicos, essa simbolização ainda perdura em pleno século XXI, quando nos
deparamos com altos índices desnecessários de cesárea, sem justificativa clínica, que, na
lógica primitiva, seria para se libertar o mais rápido possível “da coisa ruim” – a dor do tra-
balho de parto, que no conceito cultural dualista “poderia causar dano ao concepto”8,9,11,12 .

Representação social do parto


Identidade cultural do parto
Conforme observa De Vore, “Os primatas têm, literalmente, um cérebro social”, ou seja,
existe no cérebro humano uma área disponível para assimilar e processar as informações
externas. Ele consegue identificar os padrões culturalmente aprendidos que diferem dos

O papel do anestesiologista no parto humanizado | 97


genéticos e ditar comportamentos e controles. Com a civilização, os conceitos sociais passa-
ram a estabelecer forte influência sobre o comportamento da espécie humana10.
A psicologia social denomina esse comportamento definido pela cultura como Repre-
sentação Social, que, como uma identidade, fornece um discurso coletivo. Expressa o posi-
cionamento, a consciência subjetiva dos espaços sociais, apresenta-se como um sentido de
compreensão dos fenômenos assimilados pelo senso comum. Constitui-se uma identidade
coletiva oriunda das percepções dos indivíduos, de suas interpretações e reações aos fatos
ou acontecimentos do cotidiano do mundo moderno13. Por exemplo, no Brasil, é costume
se indagar a uma grávida qual a preferência dela pela via de parto, se vaginal ou cesárea,
porém, a mesma pergunta será vista com espanto por uma grávida de qualquer outro país;
ela poderá interpretar como brincadeira ou uma piada de mau gosto.
A identidade cultural do parto/nascimento é de um evento complexo, de risco, que sem-
pre necessita da intervenção técnica do médico, o que, consequentemente, coloca a mulher
como coadjuvante no nascimento de seu filho. Essas intervenções desnecessárias, cultural-
mente adotadas e sem respaldo em evidências científicas, competem com toda a estrutura
inata/biológica da gravidez, rouba o protagonismo da mulher, alterando o equilíbrio biopsi-
cossocial da díade mãe-bebê14,15.
O ambiente hospitalar, quando regido apenas por modelos e condutas técnicas orientadas
por normas e rotinas rígidas, surrupia a identidade humana. O indivíduo adquire uma co-
notação pública de exposição que o torna apenas “mais um”. O processo da parturição nesse
ambiente inibe e coloca na vitrine sentimentos de fragilidade e temor que a mulher não quer
ver expostos. Gera comportamentos aversivos que geralmente se traduzem em vivências
frustrantes e traumatizantes, com repercussões de riscos como a depressão pós-parto. São
situações totalmente contornáveis, mas que castram a mulher em seu desejo mais íntimo de
“fêmea” – o de ser protagonista no nascimento de seu filho1,12,22 .
Cultura da cesárea
O simbolismo da semelhança do corpo como uma “máquina humana” parece respal-
dar o entendimento da cesárea como sendo um modo moderno, high-tech, possível de vir
ao mundo. Nesse contexto, com a concordância do médico, a cesariana “a pedido” alcan-
çou o status de “via normal cirúrgica”, programável e segura para o nascimento. Assim,
a “cultura da cesárea” parece ter sua convenção construída no senso social coletivo do
parto/nascimento como um “evento de risco”, no qual o médico, com seu conhecimento
técnico, em nome da segurança, é quem deve decidir, dar aval e resolver o que é melhor
para o binômio mãe-filho2,16,17.
A cesárea salva vidas e, sem dúvida, é um dos mais importantes avanços da assistên-
cia obstétrica, porém, nos últimos 20 anos, não há evidências de melhores resultados no
nascimento nos países com altos índices de cesárea. As evidências, ao contrário, atestam a
importância do respeito à fisiologia da parturição, para a qual os avanços da ciência devem
estar disponíveis e ser utilizados apenas para corrigir desvios18,19,22 . No Brasil, dados de
2010 apontam uma proporção maior que 50% de partos cesáreos e, ao estratificá-los,
encontramos, no setor privado, o alarmante índice de 82%, conforme dados fornecidos
pela ANS. Pesquisadores mostram que a raiz do crescente índice de cesariana no país

98 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


e no mundo está na formação intervencionista e na priorização dos interesses pessoais
dos médicos, enquanto outros abordam questões culturais e hábitos da mulher contem-
porânea19,20,23,24. Os crescentes índices preocupam os estudiosos, que identificam uma
nova modalidade de indicação cirúrgica para o nascimento, que é a “cesariana a pedido
materno”. Por agregar riscos, essa discussão tem tomado a atenção dos especialistas no
assunto, principalmente naqueles casos em que o procedimento foi realizado sem uma
clara razão ou indicação obstétrica, as chamadas CDMR, “cesáreas por solicitação mater-
na”. Entretanto, uma metanálise que pesquisou o assunto sob o ponto de vista da ética,
da liberdade de escolha e da autonomia da mulher sobre a via de nascimento do bebê não
conseguiu identificar consistência nos resultados. Foram inúmeras as controvérsias asso-
ciadas à realização da cesárea, em que se destacou o nível de desinformação da mulher
sobre os prós e contras do parto cirúrgico. Em sua conclusão, o estudo reforça a opinião
de alguns autores, de que a opção pela cesariana, por sua maior morbidade em relação
ao parto normal, deve ser compartilhada com a mulher, que deve estar bem informada
para uma decisão consciente12,18,25. A cesárea desnecessária (Quadro 7.1) programada por
outros interesses que não a saúde do binômio é uma situação que se configura como “(des)
humana”, que pune a díade mãe-bebê. O trabalho de parto como uma etapa transitória
adaptativa funciona, para a cria humana, como a lambida dos outros mamíferos, estímulo
tátil e neuroendócrino que “acorda” os órgãos e os sistemas vitais para a vida extrauterina.
Entre essas funções, destacamos a maturação pulmonar fetal, situação que, quando inter-
rompida sem fundamento clínico, provoca sofrimento e risco ao concepto2,3,26,27.
Quadro 7.1 – Motivos do aumento da cesárea desnecessária
1. A pouca informação da sociedade (casal) sobre os benefícios do trabalho de parto
e parto normal para o binômio materno-fetal.
2. Despreparo psicológico e cultural da mulher para o parto vaginal; baixa qualida-
de de informações durante o pré-natal.
3. Medo do sofrimento imposto pela dor durante o parto.
4. Pouco conhecimento sobre a segurança e os benefícios da analgesia de parto para
a díade mãe-bebê.
5. Valorização da formação cirúrgica na obstetrícia.
6. Maneira intervencionista e tecnicista que alguns profissionais atuam sem um
consistente respaldo científico.
7. Comodidade e controle da equipe médica.
8. Falhas na fiscalização do cumprimento da política de humanização do parto, com
abrangência, inclusive, sobre a rede privada.

A representação social da dor


A dor é um dos sintomas mais primitivos e vitais para a sobrevivência do homem.
Tem a importante missão de alertar o organismo para prevenir ou evitar situações que
possam alterar a vida ou causar danos. A percepção e o impacto fisiológico desse sinto-
ma dependem da interpretação biológica emocional e social formatada pela cultura no
cérebro primitivo19,20,28,29.

O papel do anestesiologista no parto humanizado | 99


A cultura dita a forma e a resposta comportamental à dor, em que cada grupo social e,
às vezes, até a família têm sua representação social que formaliza uma linguagem própria e
única. A mídia e os meios de comunicação, por meio de informação e/ou conteúdo simbó-
lico que neles trafegam, são importantes construtores das representações sociais e exercem
forte influência nos hábitos e costumes da sociedade10,19,22 .
Os elementos socioculturais fornecem uma identidade cultural à dor com impacto sobre
a autonomia da mulher e suas decisões. O medo e a desinformação estão fortemente relacio-
nados com as atuais representações sociais da dor na parturição e, dependendo do impacto
emocional por ela causada, se tornam matrizes de outros medos que influenciarão a escolha
da via de parto10,30.
A gestante biologicamente é a protagonista de seu ciclo gravídico-puerperal, por meio
do qual existe a necessidade fisiológica de partejar e vivenciar sua condição de fêmea com
um parto normal. Em sua grande maioria, essa é instintivamente a narrativa das mulheres
brasileiras, no início da gravidez. Entretanto, ao desconhecer os benefícios do trabalho de
parto (contrações) e da via de parto vaginal para seu equilíbrio e também o bem-estar de
seu filho, com a proximidade do evento, o desejo intrínseco vai sendo corroído pelo medo
do “monstro sem face” representado pelo sofrimento e dor do parto16. A desinformação, às
vezes, orienta a mulher para decisões equivocadas referenciadas por medos e temores, o que
faz com que ela acabe por abrir mão de seus sonhos e opte pela cesárea programada, porque
desconhece o direito às técnicas de alívio da dor, além de não sentir segurança, apoio e aco-
lhimento da equipe para um parto normal no nascimento do seu filho2,17,31.
Medo e dor estão intimamente ligados. As reações de medo podem ser evolutivamente o
“refinamento de reações mais primitivas de dor”. No entanto, os sinais relacionados com os
estímulos de dor são eficazes em gerar medo, porém, o estímulo doloroso em si não provoca
nenhum medo. É a associação do estímulo da dor e a interpretação do ambiente cultural a
esses estímulos que provoca e gera o medo. O medo da dor é determinante na escolha sobre
a via de parto, e a mudança de decisão das mulheres para a cesariana pode ocorrer no final
da gravidez ou durante o trabalho de parto11,30.
Em sua pesquisa, D’Oliveira (2002) considera haver quatro formas de violência contra
a mulher no processo da parturição: violência por negligência; violência verbal e/ou psico-
lógica; violência física e a violência sexual. Com certeza, a dor pode ser entendida como a
gênese de algumas dessas violências institucionais que colaboram para as representações
sociais sobre o parto como sendo um evento traumático e doloroso18,32 .

Humanização do parto
“Quanto mais o homem se aproxima da civilização, mas se afasta da intuição.”
(autor desconhecido)
As questões socioculturais representam grande influência em como a mulher encara o
evento da parturição. Rattner comenta que: “Desde que o parto migrou de dentro de casa
para o hospital, a mulher passou a imaginar que não tem competência para gerar e parir,
apesar de ser perfeitamente preparada pela natureza para isso”18. No Brasil, na década de
1990, já existia um grupo de mulheres que denunciavam a “violência” praticada à mulher

100 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


pelo modelo hospitalar tecnicista centrado na figura do médico e as práticas desnecessárias
intervencionistas da assistência sem respaldo em evidências científicas19,33,34.
O profissional que atua dentro dos preceitos da humanização respeita a individualidade
de seu paciente. Individualidade essa caracterizada pela identidade biológica, emocional e
social construída a partir de seu histórico de vida. O médico deve disponibilizar seus co-
nhecimentos com base nas recomendações e diretrizes da medicina baseada em evidências
científicas, assim, atuará com segurança e empatia para flexibilizar processos e protocolos
clínicos, com o objetivo de adaptá-los às necessidades de cada paciente. Personalizar, tornar
mais natural e humana a assistência35.
Reconhece-se o parto humanizado como um parto respeitoso, em que o médico percebe
e valora aquele momento como único, para a mãe, o pai e o filho, e se dispõe a ajudar, reali-
zando apenas os procedimentos necessários, num ambiente agradável, onde a mulher esteja
cercada de profissionais que lhe inspirem confiança e afetividade36.
A humanização na sua transversalidade política norteia os valores e princípios institucionais
fundamentados no amplo sentido humanístico das relações humanas, envolvendo sentimen-
tos, comportamentos éticos e aspectos socioculturais. As diretrizes estabelecidas integram o
saber técnico científico às dimensões das relações interpessoais e visam direcionar postura,
procedimentos e condutas dos profissionais envolvidos para: 1) atuar com empatia, equidade
e respeito à autonomia e aos direitos dos pacientes e familiares; 2) manter o diálogo ético entre
os sujeitos: profissionais, pacientes e familiares; 3) criar critérios normativos e estabelecer pro-
tocolos com base nas evidências científicas; 4) fomentar e estimular a capacidade humanística
de acolher e assistir o paciente, no exercício técnico da profissão1,37,38.
O movimento de humanização da assistência ao parto foi oficializado, no Brasil, pelo Minis-
tério da Saúde, no ano 2000, com o Programa Nacional de Humanização do Parto/Nascimento.
Atualmente, ele foi ampliado com base na Portaria 1.459, de 2011, com a Rede Cegonha, uma
rede de cuidados que tem como objetivo assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodu-
tivo e à atenção humanizada nas três esferas do ciclo gravídico puerperal: pré-natal; parto e puer-
pério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro, ao crescimento e ao desenvolvimento
saudáveis. Desde 2015, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) adotou os mesmos
critérios de atenção humanizada ao ciclo gravídico puerperal, para fazer frente aos altos índices
de cesariana, com a iniciativa do Parto Adequado. Para o sucesso dessas iniciativas, mudanças
de paradigma são necessárias e dependem de um esforço conjunto de profissionais e sociedade.
Porém, sabemos que essas transformações só se concretizarão com mudanças reais de postura
e da cultura institucional intervencionista em nome da ciência, na qual devem se debruçar os
profissionais de saúde para fazer valer as alterações necessárias, com base nas MBE3,39,40.
O envolvimento dos profissionais na assistência obstétrica permitirá promover e divul-
gar a atenção humanizada e, assim, construir a ponte técnica e social que fará, sem fissuras, a
transição do modelo atualmente vigente para o proposto pelas diretrizes da Rede Cegonha.
Dentre os cuidados preconizados, a gestante deve receber, durante as consultas no pré-na-
tal, informações que agreguem conhecimentos básicos para ela e seu filho. É com base em
informações e nas inter-relações que se definem o pré-natal, e esse deve servir também para
o diagnóstico emocional da grávida e do ambiente familiar que lhe circunda3,34,37,38.

O papel do anestesiologista no parto humanizado | 101


Extensivas ao âmbito hospitalar, as diretrizes do programa de humanização garantem à
gestante o direito a: 1) um acompanhante de sua escolha que deverá estar presente em todas
as etapas do processo do parto/nascimento e pós-parto imediato; 2) assistência respeitosa e
acolhedora, com condutas baseadas em evidências científicas; 3) direito ao manejo efetivo
da dor, incluindo analgesia de parto; 4) estabelecimento imediato do contato pele a pele; 5)
alojamento conjunto para manter, no pós-parto, o aleitamento materno exclusivo sob livre
demanda; 6) assistência ao recém-nascido prematuro, incluindo o modelo de “mãe-cangu-
ru”. A humanização fortalece as relações de confiança e empatia dos sujeitos, em todas as
esferas do ciclo gravídico-puerperal38,39,41.
A maternidade Darcy Vargas, de Joinville, foi uma das primeiras instituições a criar al-
ternativas mais humanas para o modelo de assistência hospitalar no parto/nascimento. Na
época, tornou-se referência no assunto, quando, em 1994, além de adotar os 10 passos para
o sucesso do aleitamento materno da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), intro-
duziu, entre suas práticas humanísticas de incentivo ao parto normal, o direito à analgesia
de parto e ao acompanhante no parto e na cesariana. Criou e estabeleceu critérios para a
cesárea humanizada, em que a parturiente era estimulada a manter, como no parto normal,
seu RN no contato pele a pele e aleitamento na primeira hora pós-parto (passo quatro da
IHAC), utilizando-se dos mesmos critérios de vitalidade do recém-nascido estabelecidos
pela Sociedade Brasileira de Pediatria, bem-estar da díade mãe-bebê. Essas práticas pro-
moveram melhorias nos indicadores institucionais, como redução do índice de cesárea e
de morbimortalidade e aumento substancial do índice de satisfação do cliente. O esforço
para a mudança de paradigma da assistência foi recompensado e, em 1996, a instituição foi
a primeira maternidade no país a receber o Título de Maternidade Segura, outorgado pela
OPAS, pela Unicef e pelo MS39,42 (Quadro 7.2).
Quadro 7.2 – IHAC (Iniciativa Hospital Amigo da Criança) - dez passos para o sucesso do
aleitamento materno
1. Ter uma norma escrita sobre aleitamento materno, que deve ser rotineiramente
transmitida a toda equipe do serviço.
2. Treinar toda a equipe, capacitando-a para implementar essa norma.
3. Informar todas as gestantes atendidas sobre as vantagens e o manejo da amamentação.
4. Ajudar a mãe a iniciar a amamentação na primeira meia hora após o parto.
5. Mostrar às mães como amamentar e como manter a lactação, mesmo se vierem a
ser separadas de seus filhos.
6. Não dar ao recém-nascido nenhum outro alimento ou bebida além do leite mater-
no, a não ser que tenha indicação clínica.
7. Praticar o alojamento conjunto – permitir que mães e bebês permaneçam juntos
24 horas por dia.
8. Encorajar a amamentação sob livre demanda.
9. Não dar bicos artificiais ou chupetas a crianças amamentadas.
10. Encorajar o estabelecimento de grupos de apoio à amamentação, para onde as
mães devem ser encaminhadas por ocasião da alta hospitalar.

102 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Modelo biomédico
O modelo biomédico intervencionista na assistência à saúde e a formação tecnicista do
médico têm sido apontados como impeditivos na implantação de práticas humanísticas
nas maternidades. Pesquisadores afirmam ser pouco resolutivo o discurso doutrinário de
incentivo ao atendimento humanizado se não forem identificadas e modificadas as causas
envolvidas na relação médico-paciente43,44.
A medicina, segundo Clavreul45 (1983), segue indiferente ao que dela se diz. A carac-
terística técnica da profissão contribui para não haver valorização das questões culturais e
emocionais na relação médico-paciente, de modo que é fundamental que o médico abdique
do discurso onipotente da decisão unilateral inerente à formação e integre-se à interdiscipli-
naridade da assistência humanizada que respeita a individualidade de cada um na constru-
ção de um todo46,47.
A proposta da assistência humanizada menos intervencionista no processo da parturição
pressupõe a valorização da experiência da mulher e seus familiares como núcleo social bási-
co, complementado com o acompanhamento e as orientações para a saúde, com segurança e
priorizando os aspectos preventivos, educativos e relacionais do processo parto/nascimento48.
Entretanto, a questão do uso indiscriminado de procedimentos intervencionista precisa
ser abordada em várias frentes: técnica, cultural e na graduação/formação do médico. Tor-
na-se também equivocada a generalização do discurso sobre as intervenções. O que deve
se questionar são os excessos e/ou aqueles procedimentos desnecessários, por não haver
base de evidência para adotá-los. Os avanços tecnológicos têm, sim, seu espaço quando se
busca promover/acompanhar um parto humano e seguro e que, com equidade, procure
respeitar o protagonismo da mulher e empoderá-la, ao afastar as adversidades que venham
comprometer o bem-estar físico e emocional no ritual da parturição. Este me parece ser o
grande desafio da humanização: ter gente cuidando de gente, e não “máquinas” cuidando
de “máquinas”, e criar condições específicas e flexíveis que agreguem ciência, tecnologia,
compreensão e afeto às habilidades técnicas do profissional que assiste os atores principais
no ato biopsicossocial da parturição7,47.

A participação do pai/acompanhante
O direito a um acompanhante de sua escolha é assegurado à gestante no Brasil desde
2005, com a Lei nº 11.108. As mulheres grávidas adquiriram o direito à presença de um
acompanhante nas consultas do pré e pós-natal e durante seu internamento na maternidade.
Um direito fundamentado em pesquisas que demonstram os benefícios para ao binômio
mãe-filho. Vários estudos comprovam as vantagens da presença de um acompanhante no
parto/nascimento; ele se torna o elo entre a equipe e a parturiente, gera sentimento de se-
gurança e apoio. Foi também identificado que mulheres que contaram com a presença de
um acompanhante apresentaram menor necessidade de analgésicos durante o trabalho de
parto, bem como se sentiram mais seguras e tranquilas no evento da parturição, com relatos
de satisfação pelo ambiente familiar proporcionado18,49,50 e redução nos índices de cesárea.
O nascimento de um filho consiste, para o casal grávido, numa experiência única e in-
tensa. A Lei do Acompanhante permitiu corrigir um desvio, que punia o pai protagonista

O papel do anestesiologista no parto humanizado | 103


ao impedir sua participação e vivência nas múltiplas emoções que povoam o indivíduo com
a chegada de seu filho. Os profissionais envolvidos devem estar preparados para acolher e
proporcionar ao casal um ambiente seguro, agradável e afetivo, contribuindo para que o
casal vivencie uma experiência positiva. A recepção e aceitação do pai no processo de assis-
tência trarão benefícios também para a equipe, que terá um aliado que fará a ponte técnica e
emocional entre os profissionais e a parturiente51,52 .

O parto e suas emoções


“Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”.
(William Shakespeare)
Achados reforçam o pressuposto de que o comportamento humano é oriundo não só de
influências biológicas e ambientais, mas também de suas origens no histórico filogenético.
O feto, desde os primeiros meses de vida uterina, recebe influência das emoções maternas,
interage com o meio intrauterino e extrauterino e vivencia o dia a dia da mãe. A vida emocio-
nal das experiências vivenciadas pelo feto parece ter continuidade e ressurgiria inconscien-
temente após o nascimento. O comportamento com base na perspectiva biológica evolutiva
tem função adaptativa que visa à perpetuação da espécie53.
Após uma saudável gestação, a criança, ao nascer, continua na dependência nutritiva/
emocional da mãe. Ela adentra para uma “segunda etapa da gestação”, na qual a mama, como
uma “placenta externa” a partir do leite humano, além de alimentar, continua a fornecer
nutriente para terminar a formação dos ainda imaturos órgãos/sistemas vitais: os sistemas
nervoso central, renal, imunológico e gastrointestinal. Essa função única e não reproduzida
em laboratórios explica a característica de especificidade presente no leite humano, ou seja,
a fórmula que ali se encontra é necessária e adequada àquela criança, para seu crescimento
e completo desenvolvimento saudável. Outra importante característica funcional desse pe-
ríodo de transição, para a díade mãe-bebê, é ser esta uma fase adaptativa, vital para a saúde
emocional e social do adulto humano. Ela se inicia na primeira hora pós-parto, com o objeti-
vo de adaptar o bebê ao novo ambiente, por meio da cascata emocional/afetiva que envolve
a produção e descida do leite para um completo desenvolvimento biopsicossocial54,55.
A primeira hora após o parto, a partir da maternagem, são criados sentimentos afetivos
gerados pela mãe no rito do nascimento e dão início ao apego/vínculo afetivo, fundamentais
para o desenvolvimento físico e emocional da criança. Uma relação afetiva única e duradou-
ra entre mãe e filho, vital para que eles se tornem adultos independentes e saudáveis56.
O parto objetivamente é um evento neuroendócrino sob o comando do eixo hipotálamo-
-hipofisário-adrenal e reage às influências externas. Literalmente, as emoções presentes no
parto/nascimento encontram-se à “flor da pele”, ou seja, interferem diretamente na cascada
hormonal no processo da parturição. O misto de comportamentos inato e aprendido da
mulher civilizada ante o evento da parturição torna o ato fisiológico/natural de gestar, parir
e amamentar a cria complexo e estressante. No cérebro primitivo, habitam as diretrizes do
inato instinto de fêmea, da espécie mamífera; já no cérebro social, o comportamento lógico
aprendido, com suas representações sociais e cultura impactando positiva ou negativamente
no evento fisiológico da parturição54,57.

104 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


A tocofobia é um termo utilizado para definir as emoções negativas e o comportamento
aversivo de mulheres grávidas diante do medo e do temor exacerbado do parto, que geral-
mente decorre de experiências anteriores malsucedidas, associadas com a dor e o sofrimen-
to no parto58.
Estudos apontam que as alterações bioquímicas de agravo ao feto são patrocinadas por
perturbações emocionais maternas, como fobias, sofrimento provocado pela dor intensa
ou trauma emocional, que aumentam a secreção de adrenalina e cortisol e tornam-se de-
letérias também ao feto. O feto reage com “escudo protetor” para fugir do efeito doloroso/
desconforto causado. Um impacto do qual ainda não se conhece a total dimensão, mas se
sabe que tudo passa pelo comportamento afetivo e o empoderamento da mulher diante
do evento da parturição59.
As emoções negativas que provocam estresse intenso materno, como o sofrimento oriun-
do da dor no trabalho de parto e a dor persistente pós-cesárea, têm sido apontadas como pre-
ditores da depressão pós-parto (DPP) e da dor crônica (DC). Outros estudos apontam que
mulheres que sofreram agressão física e/ou emocional antes e/ou durante o pré-natal estão
mais propícias a sofrer depressão pós-parto, além de terem parto prematuro. Os gatilhos de
DPP devem ser levados em consideração e investigados no pré-natal, durante o parto e no
pós-parto, como medos, sofrimento e dor intensa persistente, entre outros. A DPP preci-
sa ser encarada como um problema de saúde pública pelo seu alto índice de morbidade da
díade mãe-bebê. Não haverá criança saudável de mães de mente doente60,61.
Nesse contexto, é importante observar o claro comando do sistema límbico/emoções e
toda a sua fragilidade aos sentimentos aversivos que podem impactar e alterar etapas funda-
mentais do ciclo gravídico puerperal.
A recepção afetiva estabelecida pela mãe ainda no ninho do parto é fundamental para o
desenvolvimento saudável e a socialização da criança.
A adrenalina, a ocitocina e as endorfinas são hormônios presentes no turbilhão de emo-
ções do ritual do parto/nascimento e importantes para o estabelecimento do vínculo afeti-
vo na primeira hora pós-parto, ao manter a díade mãe-bebê desperta e enamorada. Assim,
ainda no ninho do parto, se estabelece, “sem ruídos”, no olho a olho, no contato pele a pele e
envoltos num misto de emoções, a comunicação/elo sem palavras. Cenário propício para a
maternagem/apego, processo de interação a ser construído pela mãe logo após o nascimento
que depende, essencialmente, da competência inata de recepção à cria e dos sentimentos por
ela gerados no parto. Um ambiente de afetividade e emoções que anuncia a vida e contami-
na a todos62-64.
O ambiente acolhedor e a postura empática e de apoio da equipe são necessários para
que esse momento único se concretize. A equipe precisa entender que, no ciclo gravídico-
-puerperal, o parto não deve ser encarado apenas como um ato técnico de extrair a criança
do ventre materno. Ele representa uma importante etapa, de todo um ritual fisiológico
comandado pelo comportamento inato da espécie, com importante significado biológico,
emocional e social para a díade mãe-bebê. Entretanto, para que aconteça em sua plenitu-
de, torna-se fundamental o respeito ao processo e também o entendimento dos profissio-
nais envolvidos sobre a abrangência de sua atitude e ações, para que o desfecho desejado

O papel do anestesiologista no parto humanizado | 105


aconteça. O papel de educador, provedor da informação/conhecimento do médico, na
preparação e no empoderamento da mulher e de seus familiares desde o pré-natal, é, sem
dúvida, fundamental6,62,64.

A linguagem da humanização
“Existe no silêncio uma tão profunda sabedoria que às vezes ele se transforma na mais
perfeita das respostas.” (Fernando Pessoa)
A capacidade de comunicação e de estabelecer diálogo se apresenta como uma das habili-
dades que mais diferenciam o homem dos outros animais. Para tal, utilizam-se de símbolos,
códigos e expressões psicossociais verbais (linguísticos) e psicobiológicos (seu comporta-
mento e expressão não verbal e paraverbal) para exercer essa importante função. Inúmeras
pesquisas mostram que as expressões não verbais e paraverbais influenciam mais as relações
interpessoais do que as verbais. O que define a importância do domínio desses elementos de
linguagem em determinadas profissões que necessitam de relacionamento entre as pessoas.
Como a saúde, pela relevante contribuição na percepção do outro e por ser esse um elemen-
to de comunicação importante nas relações de confiança entre médico e paciente e para a
aderência do paciente ao tratamento64,65.
A doença e a mudança de ambiente e hábitos com a hospitalização são elementos de
desconforto e estresse que colaboram para a exacerbação das emoções. Os cinco sentidos
entram em alerta sob o comando do sistema límbico, cria linguagens e gera comportamen-
tos. Nessas situações, ao sair da sua zona de conforto, como um “radar humano”, o paciente
observa e valora muito mais as expressões faciais (comunicação não verbal) e a entonação
da voz (comunicação paraverbal) que as próprias palavras (verbal) ditas pelo médico65,66.
Na humanização, a generosidade, o respeito, o acolhimento e a empatia são elementos
básicos, primordiais da assistência, porém, esses atributos só geram resultados se o elemento
comunicação estiver incorporado nas relações interpessoais entre quem dá e quem recebe
informação. É justamente nessa esfera que se observam os ruídos de comunicação, já que,
geralmente, a prática da assistência está primordialmente voltada para a esfera biológica, em
que é esquecido que por trás daquela sintomatologia existe um “ser” humano, com suas pe-
culiaridades que o tornam único. Assim, utilizar-se de todos os elementos de comunicação é
fundamental para a assertividade diagnóstica já que, às vezes, o que não é dito é denunciado
pelo corpo, o que pode mudar toda uma linha diagnóstica11,54,65.
Ao se lidar com a dor e o sofrimento, é fundamental desenvolver a capacidade de ouvir
e escutar, principalmente, perceber a linguagem que o corpo “fala” sem voz, que não se
deixa tolher pelas rédeas linguísticas culturais, e, por meio do silêncio denunciado pelas
expressões não verbais, desnuda as emoções mais profundas que fragilizam e comprometem
a cura8,26,64,67.
“Um gesto vale mais que mil palavras.” A comunicação verbal é uma importante fer-
ramenta do profissional da saúde, porém, cuidado, pois, por sua capacidade reveladora, as
palavras podem atuar como faca que corta ou fere. Os elementos de linguagem não verbais
no processo da parturição espelham as alterações emocionais e funcionais promovidas pelo
estresse e sofrimento emocional da mulher grávida. Assim, o acolhimento empático e res-

106 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


peitoso e a observação da linguagem não verbal sintetizam a forma como os profissionais
devem atuar67.
O papel do anestesiologista
“É nosso dever, bem como privilégio, utilizar todos os meios legítimos para remover
ou mitigar o sofrimento físico da mãe durante a parturição.” (Simpson, 1847)
A humanização procura restabelecer o rumo natural do processo da parturição e das
relações horizontalizadas dos atores na condução fisiológica do parto, incluindo a participa-
ção da parturiente e seus familiares nas decisões3. O sentido pessoal conferido à experiência
é intimamente relacionado com às representações que se têm sobre determinado fenômeno.
No Brasil, a cultura do nascimento como uma etapa dolorosa e de sofrimento deve ser en-
frentada. O desconhecimento sobre a fisiopatologia da dor, associado com as representações
sociais de medo e temor sobre o parto/ nascimento e os riscos agregados ao binômio, coloca
o anestesiologistas no centro das questões humanísticas na assistência ao parto/nascimen-
to. A dor é influenciada por inúmeros fatores, que vão desde questões emocionais, físicas
e culturais até as ambientais, experiências anteriores, bem como a preparação e o suporte
oferecidos na parturição66,68.
A dúvida medrosa, se vai conseguir vencer a intensidade dolorosa presente no parto,
se materializa com a proximidade do nascimento, estressa e altera o comportamento
emocional da gestante. Barbosa e col. (2003)69 identificaram que 93,9% das mulheres
pesquisadas que inicialmente não queriam cesárea, alteraram seus objetivos sobre o parto
vaginal para a opção cirúrgica do nascimento durante o trabalho de parto. Infelizmen-
te, situações como as dessas mulheres se repetem, com dano físico e emocional à díade,
com aumento dos riscos de dor crônica e depressão pós-parto. Assim, muitas mulheres
sucumbem aos fantasmas e medos e, literalmente, a única porta de saída, que se abre a sua
frente para fugir desses fantasmas, é a da cesárea. Infelizmente, esta é uma realidade ainda
frequente no país, pelo desconhecimento e visão equivocada por parte dos profissionais
de saúde e da própria população sobre o uso e os benefícios da analgesia de parto, para o
alívio da dor intensa do trabalho de parto, quando os métodos não farmacológicos não
surtem efeitos6,69.
A participação do anestesiologista, com as seguras técnicas recomendadas pelas evidên-
cias, com baixas doses de anestésicos locais e opioides, favorece um menor desgaste físico e
emocional da mãe, preserva as emoções e colabora para o sucesso do aleitamento materno
(apojadura/descida do leite precoce), ou seja, torna o parto vaginal mais humano11,54.
Participação no pré-natal
Na humanização a equipe médica envolvida precisa atuar como um coach, treinando,
educando, preparando, como fazem os técnicos de atletas. Assim, utilizando o sentido fi-
gurado, podemos dizer que o pré-natal deve ser encarado como um importante período de
nove meses de treinamento/preparação da “atleta da vida”. Logo nesse cenário de incertezas,
medos e temores oriundos de várias frentes, em que a dor torna-se a gênese de tantos outros
medos que precisam ser encarados, como não dar conta e prejudicar o bebê, o pré-natal deve
funcionar como um período de preparação e conhecimento, em que o profissional da dor

O papel do anestesiologista no parto humanizado | 107


pode muito contribuir para dirimir dúvidas e ajudar para o empoderamento da mulher e
suas representações sobre o processo da parturição.
O anestesiologista deve ter um envolvimento proativo nas atividades do pré-natal, com
participação nos grupos de casais grávidos e/ou consultas personalizadas, para dar informa-
ções à grávida e sanar tantas outras questões que gerem dúvida nesse período. O anestesio-
logista deve dar preferência a encontros individuais ou em pequenos grupos. É importante
que ele evite o monólogo e procure fazer a interlocução, em forma de diálogo, com palavras
de fácil entendimento e perguntas abertas. Vale fazer associações utilizando o sentido figu-
rado e o cotidiano para ilustrar respostas e questões técnicas, assim, ele facilitará o enten-
dimento da paciente e permitirá que ela explique melhor suas fragilidades emocionais. Em
linguagem acessível, o anestesiologista deve apresentar as recomendações e debater sobre
temas técnicos, visando desmistificar e derrubar interpretações equivocadas levadas por
outros profissionais e/ou leigos sobre o assunto abordado. E deve também fornecer opções
(portas de saídas) ao familiarizar a gestante com os procedimentos e as técnicas anestésicas.
Por se tratar de um procedimento anestésico, mesmo seguro e benéfico, gera medo oriun-
do de mitos, por isso, sugerimos que, nesses encontros, sejam abordados os seguintes tópicos
técnicos, entre outros: 1) a dor no trabalho de parto e suas repercussões na díade mãe-bebê;
2) métodos anestésicos seguros de alívio da dor; 3) Dor, o quinto sinal vital, como mensu-
rá-la - EVA; 4) o direito da mulher em solicitar ou negar a analgesia em qualquer fase do
trabalho de parto; 5) como as parturientes e seus bebês se beneficiam da analgesia de parto
com baixas doses de anestésicos locais e opioides; 6) as vantagens e os efeitos colaterais da
anestesia regional para a cesárea; 7) Por que fazer o desvio manual do útero; 8) o apoio do
anestesista ao contato pele a pele e ao aleitamento materno na primeira hora pós-parto25,30,70.
Avaliação pré-anestésica
O ambiente hospitalar altera comportamentos e põe em alerta o sistema límbico. Com
a proximidade do parto, essa situação de enfrentamento da realidade vai tomando corpo e
amedronta a parturiente, que se torna cada vez mais suscetível às alterações emocionais e
ambientais. A avaliação pré- anestésica coloca o anestesiologista frente a frente com esses
temores, assim, além de a anamnese permitir ao profissional conhecer dados clínicos, plane-
jar/indicar a anestesia, também serve para avaliar o perfil emocional da grávida, minimizar
medos e tirar dúvidas que ainda pairam relativas a sua área de atuação. Por isso, observe
sua paciente, suas expressões não verbais, inclua perguntas abertas no contato individual
da avaliação, elas podem trazer características, comportamentos ou problemas pessoais
que não se obtêm em grupo, bem como outros subsídios. São elementos que, se observados
adequadamente, fornecem informações importantes para estabelecer condutas anestésicas
específica a cada caso. Ou seja, condutas técnicas diferentes, para pacientes com o mesmo
padrão clínico e/ou obstétrico6,15,71.
O anestesiologista na assistência hospitalar
Fisiologicamente, o parto é um evento biológico e emocional, porém, entre os humanos,
ele agrega o caráter social que altera e modifica o comportamento da mulher. A lógica social
e suas representações são impactantes e devem ser levadas em consideração pela equipe

108 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


médica quando da elaboração dos protocolos clínicos e fluxos do atendimento, que devem
ser flexíveis para se adaptar à identidade biopsicossocial da parturiente22,45.
As evidências científicas apontam para um prejuízo metabólico patrocinado pela dor do
trabalho de parto que, apesar de fisiológica, gera respostas endocrinometabólicas específicas
à parturiente, com repercussões para o feto. O alívio da dor é um dos pilares de atuação nos
programas de humanização do parto. Nesse contexto, o anestesiologista, por ser o profissional
da dor, deve participar ativamente do planejamento e da implantação do modelo de gestão da
assistência humanizada na sua instituição, como: definir material e equipamento para uma
analgesia segura no PPP e na dor pós-operatória; participar da elaboração dos protocolos e
fluxos da assistência; promover treinamento e capacitação do corpo médico e de enfermagem
para uniformizar condutas sobre a dor como o quinto sinal vital e os métodos a serem adotados
para seu alívio, incluindo os não farmacológicos, com critérios de avaliação da satisfação e efe-
tividade, bem como definir o fluxo e a abordagem na gestão de risco relacionado com a dor30.
Atualmente, com a segurança das técnicas anestésicas e o uso de baixas doses de anesté-
sico e opioides na analgesia de parto, o anestesiologista deve garantir o direito e a autonomia
da mulher na escolha dos métodos de alívio da dor, como a analgesia de parto, no momento
em que melhor lhe aprouver, conforme guidelines, e não quando o obstetra indicar.
Assim, para um melhor resultado:
1. Estabelecer como critério para instalar a analgesia de parto - a dor referida pela par-
turiente; a paciente é quem indica.
2. Utilizar recurso metodológico para avaliar e/ou mensurar a dor, como a escala visual
analógica (EVA 0 - 10), e explicar o significado das faixas de dor (leve, modera e
intensa) e suas repercussões hemodinâmicas.
3. Personalizar a escolha da técnica ao valorizar as expressões verbais e não verbais,
associando-as à condição clínica e aos dados obstétricos (partograma).
4. Utilizar técnicas recomendadas pelas evidências, com baixas doses de anestésicos
locais associadas com opioides.
5. Permitir e estimular a deambulação e ingesta de líquidos claros.
6. Favorecer o pele a pele e apoiar a presença do acompanhante.
Na cesariana humanizada, o anestesiologista deve: 1) facilitar e introduzir o acompa-
nhante no ambiente; 2) utilizar bloqueios do neuroeixo com a associação da morfina para
promover o alívio da dor pós-operatória, que favorece a apojadura (descida do leite) e facilita
a prática do alojamento conjunto; 3) não sedar a parturiente; 4) facilitar e estimular o pele a
pele na sala cirúrgica e na SRPA.
Para finalizar, entendo que todos os elementos construtores multifatoriais fisiológicos,
emocionais e ambientais presentes no processo da parturição contribuam para aumentar a
subjetividade da dor, impondo, assim, ao médico anestesiologista a responsabilidade técni-
ca, empática e humana de um olhar mais amplo sobre o “ser que sofre”.

Considerações finais
A humanização ocupa seu verdadeiro significado ao utilizar-se das emoções, que são a
essência do ser humano, na construção de um espaço concreto que legitime o aspecto afeti-

O papel do anestesiologista no parto humanizado | 109


vo de todos os atores envolvidos, para uma assistência segura e humana de apoio à mulher,
no seu mais importante projeto de vida: o nascimento de seu filho.
A mulher grávida é produto de seu meio, e, diante da realidade cultural (des)humana do
parto normal, de fobia, sofrimento e dor, não haverá condições de ela, sem conhecimento e
informações, elaborar as mudanças necessárias para a travessia consciente e o domínio do
processo de todas as etapas da gravidez ao nascimento. O que obriga, na assistência huma-
nizada, o anestesiologista e todos os membros da equipe a adotarem uma postura empática,
mais participativa e humana, do pré-natal ao puerpério. A gestante precisa estar informada
e empoderada (com poder), para se despir de seus medos e temores e desfrutar do conheci-
mento baseado em evidências científicas, para a construção de seu plano de parto ambien-
tado às suas necessidades72 .
As evidências científicas respaldam as necessárias mudanças de paradigma, no modelo
de assistência obstétrica intervencionista. Paradigmas esses que decorrem não só da hos-
pitalização do parto ou da formação intervencionista do médico, mas, principalmente, do
carimbo de aceitação fornecido por uma sociedade cada vez mais programada e previsível
em seus hábitos e atitudes, destoante do comportamento inato da espécie, diante do proces-
so fisiológico da parturição. Entretanto, entendo que se faz necessário o esforço conjunto de
todos os atores sociais para essa importante mudança de paradigma, de impacto na condição
humana da espécie e sobre o que nos diferencia dos outros animais, a competência dos senti-
mentos e as emoções por eles geradas, desde a primeira hora de vida – o afeto/maternagem.

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O papel do anestesiologista no parto humanizado | 111


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112 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Capítulo 08

Anestesia na gestante obesa


Paulo Cezar Medauar Reis
Anestesia na gestante obesa

Introdução
A obesidade hoje é considerada um problema de saúde pública mundial (OMS). Houve
um aumento acentuado de sua prevalência nos últimos 30 anos, atingindo mais de 60 mi-
lhões de adultos e 9 milhões de crianças entre 6 e 19 anos1-2 . Em função de sua evolução
extremamente rápida no mundo, inclusive no Brasil, a obesidade pode ser comparada com
uma verdadeira pandemia3.
A obesidade pode ser classificada pelo índice de massa corporal (IMC), calculado pelo
peso, em quilogramas, dividido pelo quadrado da altura, de acordo com a Tabela 8.1.4
Tabela 8.1. – Classificação da obesidade – OMS 2010
Classificação IMC (Kg / M²) Risco de mortalidade

Normal 18,5 – 24,9 Baixo

Sobrepeso ≥ 25

Pré – Obeso 25 – 29,9 Aumentado

Obesidade ≥ 30

Obesidade classe 1 30 – 34,9 Moderado

Obesidade Mórbida ≥ 35

Obesidade Classe 2 35 – 39,9 Elevado

Obesidade Classe 3 ≥ 40 Muito elevado

A obesidade dificulta sobremaneira não só o manejo obstétrico, como também o manejo


anestésico dessas pacientes, e está associada com hipertensão arterial, diabetes gestacional,
pré-eclâmpsia e incidência elevada de cesarianas.
Nas pacientes submetidas à cesariana, as complicações pré e pós-operatórias incluem
maior perda sanguínea, tempo cirúrgico prolongado, maior incidência de infecção na ferida
operatória e maior tempo de internação hospitalar5.
Em relação à anestesia, a obesidade associada com a gestação nos traz algumas dificulda-
des: o tecido adiposo em excesso compromete as referências anatômicas e dificulta o acesso
venoso e os bloqueios praticados no neuroeixo. Aproximadamente 75% das gestantes obesas
requerem múltiplas tentativas na realização desses bloqueios6, e falha na introdução do ca-
teter epidural ocorre em quase 42% das gestantes com mais de 130 kg comparadas com 6%
de falha nos pacientes com peso normal7.
A incidência de manejo difícil da via aérea é maior nessas pacientes8.

114 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Anestesia geral, obesidade materna e cirurgia de emergência estão associadas com maior
mortalidade materna relacionada à anestesia.
Maior incidência de comorbidades, complicações associadas à gestação e procedimentos
obstétricos realizados em caráter de emergência tornam o risco anestésico aumentado9.
Na maioria das vezes, o óbito materno ocorre por dificuldade no manejo das vias aéreas,
sendo a realização mais difícil nas gestantes obesas.
O manejo anestésico dessas pacientes deve ser realizado preferencialmente por aneste-
siologistas experientes.

Avaliação pré-anestésica
Por causa da maior dificuldade do manejo anestésico dessas pacientes e da maior asso-
ciação de comorbidades, a gestante obesa obrigatoriamente deve passar por avaliação pré-a-
nestésica, porém, em nossa realidade, o anestesiologista tem o primeiro contato com essas
pacientes já na hora do parto.
O relacionamento da equipe é fundamental para o sucesso da intervenção, portanto,
assim que a gestante obesa der entrada na maternidade, o contato com o serviço de
anestesia deve ser o mais precoce possível, para que se possa fazer um planejamento do
manejo anestésico10 .
Devemos focar nossa avaliação na história e no exame físico, dar prioridade ao sistema
respiratório, sistema cardiovascular e, principalmente, à via aérea e coluna lombar.
A definição do estado físico da ASA em gestante é controversa. A obesidade mórbida
é considerada uma doença sistêmica (metabólica) descompensada e, portanto, classificada
como ASA III. A obesidade não mórbida é classificada como doença sistêmica não descom-
pensada (ASA II)10.
O conhecimento das alterações fisiológicas é o melhor guia para manejarmos com segu-
rança a gestante obesa.
Alterações fisiológicas da gestante obesa e suas implicações na anestesia.

Sistema respiratório
O sistema pulmonar se adapta para atender às crescentes demandas de oxigênio e ven-
tilação na gravidez. Geralmente, o volume minuto aumenta em 50% a termo e a PaCO2
diminui para 34 mm/Hg, e embora a capacidade residual funcional (CRF), o volume de
reserva expiratória (VRE) e o volume residual (VR) sejam diminuídos por causa do deslo-
camento cefálico do diafragma pelo crescimento uterino, a capacidade pulmonar total não
é alterada pelo aumento na circunferência do tórax. O efeito de relaxamento do músculo
liso pela progesterona na gravidez pode diminuir a resistência das vias aéreas e melhorar a
função respiratória11.
A relação ventilação/perfusão está alterada (shunts intrapulmonares), podendo compro-
meter a oxigenação arterial.
A prevalência de asma está aumentada na população obesa. Existem especulações de que
o refluxo gastroesofágico possa ser a causa de asma em mulheres obesas.
As principais alterações no sistema respiratório estão listadas na Tabela 8.2.

Anestesia na gestante obesa | 115


Tabela 8.2 – Principais Alterações nos Sistema Respiratório
Parâmetros Gestação Obesidade Combinação
Pa O2 ↓ ↓↓ ↓
Pa CO2 ↓ ↑ ↓
Sensibilidade CO2 ↑ ↓ ↑
Volume Minuto ↑ ↔ ou ↓ ↑
Distúrbio V/Q ↑ ↓↓↓ ↑↑
CRF ↓ ↓↓↓ ↓↓
VRI ↑ ↓ ↑
Indica: ↑ Aumenta; ↓ Diminui; ↔ Não Altera
Fonte: Adaptado de Saravanakumar et al 41.

Via aérea
A obesidade e a gravidez aumentam a dificuldade de intubação. A diminuição da
CRF diminui o tempo disponível para laringoscopia e intubação, pois ocorre hipoxe-
mia muito rapidamente.
Devemos avaliar cuidadosamente a via aérea antes de qualquer procedimento anestésico,
incluindo a medida de circunferência cervical; o índice de Mallampati modificado; a aber-
tura da boca; a distância tireomentoniana; a mobilidade cervical e a dentição. A gravidez
aumenta o edema das mucosas nasofaríngea, orofaríngea e laríngea. Rouquidão, dificuldade
de respirar pelo nariz e estridor sugerem edema de vias aéreas.
É importante traçarmos um planejamento para o manejo da via aérea. Na suspeita de via
aérea difícil, não descartar a possibilidade de intubação traqueal com a paciente acordada e
obter broncofibroscopia disponível.

Sistema cardiovascular
Hipertensão arterial é frequente na população obesa e está relacionada com o IMC.
Mesmo quando pacientes com hipertensão crônica são excluídas. A obesidade é um fator de
risco para o desenvolvimento de pré-eclâmpsia12-14. A incidência de pré-eclâmpsia duplica a
cada 5 - 7 kg.m² -1 acrescido ao IMC. A doença hipertensiva permanece a principal causa de
mortalidade materna13.
Para cada 100 gramas de tecido gorduroso armazenado, ocorre o aumento de 30 a 50
mL.min-1 no débito cardíaco, acompanhado da elevação do volume sanguíneo. A frequência
cardíaca aumenta proporcionalmente ao débito cardíaco, o intervalo diastólico está dimi-
nuído, assim como o tempo de perfusão do miocárdio, acarretando disfunção diastólica. A
gordura no tecido miocárdico afeta diretamente a condução e a contratilidade cardíaca15,16.
A síndrome da hipotensão supina, que acontece em decorrência da compressão dos gran-
des vasos intra-abdominais pelo útero gravídico, também pode acometer a paciente obesa,
devido à compressão dos vasos abdominais pelo tecido adiposo, e na gestante obesa mórbi-
da esse efeito é ainda mais pronunciado.

116 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


A gestante obesa sintomática deve ser avaliada e acompanhada por um cardiologista para
que possa ter sua função cardíaca otimizada antes do início do parto4.
As principais alterações no sistema cardiovascular estão listadas na Tabela 8.3.
Tabela 8.3 – Principais Alterações no Sistema Cardiovascular
Parâmetros Gestação Obesidade Combinação
Frequência cardíaca ↑ ↑↑ ↑↑
Débito cardíaco ↑↑ ↑↑ ↑↑↑
Índice cardíaco ↑ ou ↔ ↔ ↔ ou ↓
Volume sanguíneo ↑↑ ↑ ↑
Hematócrito ↓↓ ↑ ↑
RVS ↓↓ ↑ ↔ ou ↓
PAM ↑ ↑↑ ↑↑
Hipotensão supina Presente Presente ↑↑
Hipertrofia Hipertrofia
Morfologia VE Hipertrofia
Dilatação Dilatação
Atividade simpática ↑ ↑↑ ↑↑↑
Função sistólica ↔ ↔ ou ↓ ↔ ou ↓
Função diastólica ↔ ↓ ↓
PVC ↔ ↑ ↑↑
Pressão de artéria pulmonar ↔ ↑↑ ↑↑
Indica: ↑ Aumenta; ↓ Diminui; ↔ Não Altera
Fonte: Adaptado de Saravanakumar et al 41.

Sistema gastrointestinal
A combinação de obesidade, gravidez e alterações anatômicas e hormonais aumenta
muito o risco de regurgitação do conteúdo gástrico.
A frequência de refluxo gástrico está correlacionada com o aumento do IMC em mulheres17.
Alterações fisiológicas na gravidez normal incluem a diminuição do tônus do esfíncter
esofágico inferior; em mulheres em trabalho de parto, a motilidade gástrica diminui e o
esvaziamento pode cessar completamente; isso atualmente tem sido questionável.
No estudo de Robert Shirley18, com grávidas obesas e não obesas em trabalho de parto,
concluiu-se que o volume gástrico nas parturientes obesas era cinco vezes maior do que nas
não obesas.
Na eventualidade de anestesia geral, devemos estar atentos para os detalhes aqui mencionados.
A esteatose hepática é comum em indivíduos obesos, com incidência que varia entre 60%
e 90% entre pacientes obesos mórbidos e superobesos19.

Anestesia na gestante obesa | 117


Fatores de risco do diabetes melito
O diabetes melito está bastante relacionado com a obesidade. Na gestante obesa, a ocor-
rência de diabetes gestacional é muito frequente. Alguns estudos mostram que há uma va-
riação na gestante obesa de 7,1% a 44,8% contra 2,7% em gestante não obesa9,20.
Durante a gravidez, a placenta secreta hormônio contra insulina (por exemplo, lacto-
gênio placentário humano e gonadotropina coriônica humana), e a resistência à insulina
torna-se um problema crescente conforme a gravidez avança. Com a evolução da obesidade,
ocorre tolerância à insulina e à glicose, estabelecendo-se, então, uma íntima relação entre
obesidade, hipertensão arterial, dislipidemia e diabetes21.
Assim, nas gestantes obesas, é necessário fazer dosagens da glicemia e, se possível, co-
nhecer detalhes de sua evolução durante o período gestacional.

Doença hipertensiva
A obesidade durante a gravidez vem, muito frequentemente, acompanhada de hiperten-
são arterial sistêmica, e a incidência de pré-eclâmpsia é muito maior que nas gestantes não
obesas. Estudos mostram que a incidência de hipertensão arterial varia de 0,9% a 9,25% no
grupo controle, para 7% a 79,3% em gestantes obesas, e a ocorrência de pré-eclâmpsia varia
de 6,2%, no grupo controle, para 4,5% a 42,9%, em gestantes obesas9,20,22,23.
Independentemente da presença ou não de pré-eclâmpsia, o excesso de massa corporal
provoca aumento da demanda metabólica com elevação do débito cardíaco. Existe risco au-
mentado para a ocorrência de disritmias cardíacas como consequência de hipertrofia; hipo-
xemia; infiltração de gordura no sistema cardíaco de condução; doença coronária; aumento
das catecolaminas circulantes e apneia do sono. A gestante obesa tem risco elevado para
falência cardíaca, portanto, uma avaliação detalhada dessas pacientes na consulta pré-anes-
tésica é de fundamental importância.

Hipercoagulabilidade
A incidência de tromboembolismo venoso (TEV) em parturientes obesas é maior que o
dobro da ocorrência em parturientes não obesas. A obesidade é um fator de risco indepen-
dente para trombose venosa profunda (TVP) 24.
Vários motivos podem ser citados para o incremento da incidência de formação de trom-
bos venosos:
a) aumento da estase venosa das extremidades inferiores – secundário à elevação da pres-
são da veia cava inferior, como resultado do aumento da pressão intra-abdominal;
b) a lesão vascular ocorre tanto no parto vaginal quanto no parto cesáreo;
c) estado hipercoagulável induzido pela gravidez – aumento de fibrina e fatores II, VII
e diminuição da proteína S e do sistema fibrinolítico;
d) diminuição da atividade fibrinolítica (reduzida em pacientes com uma combinação
de hiperlipidemia e resistência à insulina) e aumento dos níveis de fibrinogênio, que
se elevam proporcionalmente ao aumento do IMC;
e) aumento da produção de tromboxano, secundário à hiperlipidemia;
f) incremento da viscosidade sanguínea.

118 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


A gestante obesa anticoagulada representa um desafio para o anestesiologista.

Técnicas anestésicas
A indicação da técnica anestésica depende do procedimento (parto vaginal ou cesariana)
e da urgência do caso. Devemos seguir os princípios da anestesia obstétrica das gestantes não
obesas. A avaliação prévia da gestante obesa é fundamental para o manejo anestésico delas.
Os riscos de complicações perinatal e cardiopulmonar e hemorragia intraoperatória
estão bastante aumentados nas pacientes obesas.
Independentemente da técnica anestésica escolhida, algumas medidas devem ser toma-
das para assegurar o bom andamento do ato anestésico-cirúrgico. Assim, são elementos
fundamentais o acesso venoso, a monitorização e o deslocamento do útero para a esquerda.
Apesar da dificuldade, devemos sempre tentar obter dois acessos calibrosos e, se neces-
sário, utilizar o acesso central. A monitorização correta deve ser utilizada. Para a medida
da pressão arterial, usar manguito de tamanho adequado, evitando a superestimação da
pressão arterial. A oximetria de pulso, frequência cardíaca e eletrocardioscopia completam
as medidas de segurança do ato anestésico-cirúrgico; na eventualidade de anestesia geral, o
uso do capnógrafo é imprescindível.
O deslocamento uterino para a esquerda deve ser utilizado mesmo no início da gravidez,
com o objetivo de realizar descompressão aortocava, seja por compressão uterina ou da pró-
pria parede abdominal.
Essas medidas de segurança são importantes, lembrando que, entre os possíveis pro-
blemas anestésicos da gestante obesa, incluem-se dificuldade técnica para a realização de
bloqueios, intubação traqueal e monitorização da mãe e do feto e complicações cirúrgicas
com intercorrências desagradáveis.

Anestesia para cesariana


A obesidade, isoladamente, aumenta de forma considerável, a incidência de cesariana,
além de complicações cirúrgicas, como maior perda sanguínea, tempo cirúrgico aumentado
e infecção da ferida operatória.
Em estudo, Weiss e col.25 mostraram uma taxa de cesariana em nulíparas de 20,7% nas
pacientes não obesas quando comparadas com 33,8% nas obesas e 47,4% nas obesas mórbidas.
Inquérito confidencial realizado entre 1979 e 2002, em que foram analisadas mortes
maternas em razão da anestesia, referiu o predomínio de morte em anestesia geral quando
comparado com anestesia regional26.27.
Em outro estudo, realizado por Hawkins28 nos EUA, verificou-se que o número absoluto
de óbitos decorrente da anestesia geral, embora baixo, não decresceu ao longo do tempo.
Concluiu-se que a anestesia regional é a opção mais segura para o binômio materno-fetal.
O posicionamento correto da gestante obesa e, principalmente, da obesa mórbida é fun-
damental para a realização segura do procedimento anestésico. Ela deve ser colocada em po-
sição de decúbito dorsal, com o tronco semielevado, deslocamento uterino para a esquerda,
independentemente da técnica anestésica escolhida. Na eventualidade de anestesia geral,
essa posição melhora a visão sob laringoscopia em pacientes obesos mórbidos. O efeito pode
Anestesia na gestante obesa | 119
ser ainda mais importante em parturientes com grandes mamas, que é um fator que dificulta
a visualização laringoscópica. O alinhamento horizontal entre o orifício externo do con-
duto auditivo e o manúbrio esternal facilita o trabalho respiratório e a intubação traqueal
dessas pacientes.
Pacientes que sofrem de apneia do sono e que estavam em uso de CPAP pré-operatório
devem continuar com seu uso no pré e pós-operatório.
A obesidade é um importante fator de risco para tromboembolismo venoso. Uma difi-
culdade frequentemente encontrada em pacientes obesas, principalmente nas obesas mór-
bidas, é a medida e o acompanhamento da pressão arterial. Em caso de impossibilidade
de medições corretas e continuas, especialmente em pacientes com hipertensão arterial
crônica e pré-eclâmpsia, não devemos descartar a possibilidade de utilizar medição arterial
contínua com cateter intra-arterial em artéria radial, que nos permite, se indicado, o contro-
le hemogasométrico.
É importante que, durante a consulta pré-anestésica, já se faça um planejamento adequa-
do da anestesia.

Anestesia regional
A anestesia regional na gestante obesa apresenta peculiaridades próprias com as quais o
anestesiologista deve estar familiarizado. Um trabalho de Hodgkinson e Husain29 descre-
veu aumento da propagação cefálica do anestésico local em pacientes obesos. Hogan30, por
sua vez, ressaltou um volume médio de liquor menor em pacientes com IMC elevado, o que
poderia explicar a diminuição da dose do anestésico local, em razão da menor diluição anes-
tésica. Outro estudo associou a queda do volume de liquor com a compressão do saco dural
pelo ingurgitamento do plexo venoso peridural e aumento da pressão peridural secundária
à compressão da veia cava inferior, com a redistribuição do retorno venoso dos membros
inferiores e da pelve31.
Uma pesquisa30 confirmou, por meio de ressonância magnética, que há diminuição do
volume de liquor em gestantes obesas. Greene31 propôs que a obesidade, por si só, não au-
menta a dispersão cefálica do anestésico, mas sim a posição de Trendelemburg. Independen-
temente do mecanismo, a dose do anestésico local a ser administrado deve ser titulada de
forma a conseguir um bloqueio que proporcione conforto para a paciente e o obstetra, sem
os inconvenientes de um bloqueio extenso, principalmente na presença de via aérea difícil.
Para qualquer técnica regional utilizada, uma avaliação minuciosa do sucesso do bloqueio
antes da incisão cirúrgica é muito importante na anestesia obstétrica e ainda mais importan-
te em gestantes obesas mórbidas32 .
A conversão da anestesia regional para anestesia geral pode ter consequências desastro-
sas para a paciente32 .

Raquianestesia
Apesar de produzir alguns riscos adicionais à gestante obesa, a raquianestesia é a téc-
nica preferida da maioria dos serviços de anestesia obstétrica, porque tem a grande van-
tagem de promover anestesia de início rápido e bloqueio de ótima qualidade. Pontos de
120 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI
referência anatômica, como o processo espinhoso vertebral e as cristas ilíacas, orientam a
realização do bloqueio neuroaxial. Infelizmente, esses pontos de referência estão ocultos
na paciente obesa. Se os processos espinhosos vertebrais, utilizados para definir a linha
média, forem difíceis de palpar, pode-se desenhar uma linha a partir do processo espi-
nhoso vertebral cervical até a posição mais superior da fissura glútea. É preferível utilizar
a punção na posição sentada.
Prever a profundidade do espaço subaracnóideo também é difícil. Contudo, a distância
entre a pele e o espaço epidural é maior conforme o IMC aumenta33.
Apesar de ainda não ser realidade em nosso país, alguns serviços utilizam o auxílio da
ultrassonografia para identificar a linha média, o espaço intervertebral e a distância entre a
pele e o espaço epidural com mais precisão, determinando o ponto de inserção da agulha
espinhal/epidural34. Agulhas padrão geralmente têm comprimento suficiente para alcançar
o espaço epidural e intervertebral.
Agulhas espinais ou epidurais mais longas, ocasionalmente, são necessárias em pacientes
obesas; muitas vezes é mais fácil utilizar uma agulha epidural como guia para uma agulha
espinhal mais flexível e com menor calibre.
Embora controversa, a distribuição cranial da analgesia e da anestesia tem sido corre-
lacionada com o IMC29. Muitas teorias têm sido utilizadas para explicar esse fenômeno.
Acredita-se que o aumento na pressão abdominal seja o mecanismo que diminui o volume
de liquor cefalorraquidiano (LCR) em pacientes obesas. Essa diminuição pode causar uma
distribuição mais extensa dos bloqueios espinhal e epidural. As nádegas grandes da paciente
obesa na posição de decúbito dorsal podem elevar a coluna lombar, e apenas isso pode resul-
tar em maior distribuição cranial. Independentemente da etiologia, deve-se tomar cuidado
quando se realiza um bloqueio espinhal em uma paciente obesa. Além da dificuldade de
quantificação da dose, a raqui produz anestesia por tempo limitado, sendo um inconveniente
na utilização dessa técnica, pois, nessas pacientes, o tempo cirúrgico é geralmente prolonga-
do. A dificuldade técnica, o risco do bloqueio torácico com comprometimento da dinâmica
respiratória e a incapacidade de prolongar o bloqueio são fatores limitantes da técnica.
A raquianestesia contínua pode ser utilizada como opção, em caso de punção inadvertida
com agulha de peridural.

Anestesia peridural
Mesmo considerando-se as dificuldades técnicas para a abordagem do espaço peridural
na gestante obesa, a anestesia peridural é a técnica de escolha se um cateter funcional já se
encontra instalado.
A anestesia peridural contínua tem sido realizada tanto para o parto vaginal como para o
parto cirúrgico35. Com ela é possível titular a anestesia, procurando ajustar a dose para obter
o nível desejado e a estabilidade cardiovascular com mínima interferência na ventilação e
nas condições clínicas gerais da paciente. Além disso, é possível programar analgesia con-
trolada pela paciente no pós-operatório.
Alguns serviços têm utilizado rotineiramente o auxílio da ultrassonografia nos bloqueios
espinhais realizados em pacientes obesos, o que ainda não é uma realidade em nosso país.

Anestesia na gestante obesa | 121


Os principais agentes anestésicos utilizados são a bupivacaína e a ropivacaína.
As principais vantagens da anestesia peridural são:
• menor risco de aspiração do conteúdo gástrico;
• boa estabilidade cardiovascular;
• possibilidade de analgesia pós-operatória por injeções pelo cateter.
• Como desvantagens temos:
• maior possibilidade de falha do bloqueio;
• hipotensão arterial;
• dificuldade de fixação do cateter;
• deslocamento frequente do cateter nas pacientes obesas;
• propagação excessiva de agentes anestésicos por redução do volume do espaço peridural.

Anestesia combinada raqui-peridural


Atualmente, a anestesia combinada raqui-peridural representa uma opção atraente para
a realização de procedimentos cirúrgicos, com possibilidade de tempo operatório prolonga-
do36, bem como algumas vantagens, como início rápido e bloqueio de excelente qualidade,
com a possibilidade de prolongar sua utilização no pós-operatório, além da utilização de
doses menores e melhor titulação do anestésico sem o risco de hipotensão arterial brusca.
É um desafio técnico para o anestesiologista a utilização dessa técnica em gestantes obesas.

Anestesia geral
Sempre que possível, deve-se evitar a anestesia geral em gestantes obesas, a menos que
seja absolutamente necessária32 . A mortalidade materna é diminuída quando a anestesia
geral é evitada. A causa anestésica mais comum de morte materna é a dificuldade de aces-
so às vias aéreas. Alguns fatores contribuem para dificultar a visualização das estruturas
das vias aéreas, incluindo depósito de gordura na orofaringe, alterações nos tecidos moles e
edema de mucosa durante a gravidez. Como já se sabe, essas alterações anatômicas dificul-
tam a intubação – uma história de intubação traqueal anterior bem-sucedida não garante
resultados semelhantes. A classificação de Mallampati se modifica entre o primeiro e o
terceiro trimestres, bem como durante o trabalho de parto. O segredo para uma intubação
traqueal de sucesso é o posicionamento adequado da paciente10.
Dificuldade não antecipada no manejo das vias aéreas é mais comum nessa população
e tem sido sugerido que todas as parturientes com obesidade mórbida sejam classificadas
como possuindo vias aéreas problemáticas.
Se houver tempo, laringoscopia com a paciente acordada ou intubação por fibra óptica
pode ser prudente. Intubação nasal deve ser evitada em parturientes por causa do edema da
mucosa e risco de hemorragia. Máscara laríngea e novos dispositivos para intubação podem
salvar a vida de parturientes com dificuldade de acesso das vias aéreas. ML tem sido utili-
zado para cesariana eletiva em mulheres saudáveis em jejum, sem evidência de aspiração,
porém, é ainda bastante controverso37.
Além das dificuldades de visualização e identificação das estruturas das vias aéreas para
intubação traqueal, a confirmação do posicionamento adequado do tubo traqueal, através

122 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


da auscultação dos sons respiratórios, pode ser dificultada por causa do tecido adiposo. A
verificação da intubação traqueal adequada deve ser obtida por meio da capnografia.
Existem outros motivos para evitar anestesia geral: a gestante obesa tem maior proba-
bilidade de ter DRGE e tem volume gástrico aumentado e pH baixo (controverso), o que
a coloca em risco para aspiração pulmonar e síndrome de Mendelson38. A laringoscopia e
a intubação traqueal são conhecidas por causarem hipertensão grave, principalmente em
mulheres com pré-eclâmpsia. A hipertensão continua sendo a causa principal de morbidade
e mortalidade maternas32 . A exposição fetal ao anestésico geral pode ser maior na gestante
obesa por causa do possível tempo adicional necessário para a retirada do feto.
Na eventualidade de anestesia geral, pré-oxigenação adequada ou desnitrogenação é
importante para minimizar a dessaturação do oxigênio na parturiente obesa. A técnica de
indução de sequência rápida deve ser aplicada para minimizar o risco de aspiração. Apesar
de, atualmente, ser bastante questionada a pressão cricoide (manobra de Sellick), ela ainda
é muito utilizada. A succinilcolina proporciona as condições mais rápidas para a intuba-
ção traqueal, porém, em caso de contraindicação da succinilcolina, outros bloqueadores
neuromusculares podem ser usados. O isoflurano, sevoflurano e desflurano são seguros em
gestantes obesas e têm a vantagem da mobilidade e da recuperação mais rápida. Devemos
ter atenção redobrada com as gestantes obesas na sala de recuperação pós-anestésica.

Analgesia para o trabalho de parto


As técnicas contínuas de bloqueio do neuroeixo são o método de escolha para a analgesia
do parto na gestante obesa.
A obesidade aumenta o grau de dificuldade técnica para a realização da anestesia regio-
nal, e é exatamente esse grupo que mais se privilegia de sua utilização, de maneira que as
barreiras técnicas encontradas não devem impedir a utilização da analgesia epidural nas
parturientes obesas. A analgesia do neuroeixo, quando cuidadosamente titulada, permite
manter a gestante alerta, com alta qualidade no alívio da dor e mínimo impacto sobre a
função pulmonar, hemodinâmica e física. Os métodos alternativos como anestesia ina-
latória com óxido nitroso ou opioide sistêmico, além de pouco utilizados, podem levar a
sonolência, obstrução de via aérea e hipoxemia. Pelo fato de as gestantes obesas terem risco
aumentado de cesariana não planejada, de sua via aérea ser de difícil manipulação e pela
complexidade na realização do bloqueio, a utilização da anestesia regional com implante de
cateter representa um dispositivo de segurança em caso de cirurgia em caráter de urgência
e emergência39.
A obesidade por si só aumenta a necessidade de parto cirúrgico, portanto, desde que
não haja contraindicação, a instalação precoce de um cateter espinhal ou epidural em toda
paciente obesa mórbida no início do trabalho de parto evita uma série de complicações. A
taxa de insucesso inicial no posicionamento do cateter pode ser muito elevada e é comum
a necessidade de múltiplas tentativas. A incidência de punção inadvertida da dura-máter é
maior, quando comparada com pacientes não obesas7.
Com o sucesso da punção lombar, o cateter deve ser introduzido 4 a 5 cm em direção ce-
fálica; faz-se a dose teste usual e, em caso de introdução intravascular desse cateter, pode-se

Anestesia na gestante obesa | 123


tentar uma segunda punção. Alguns serviços já utilizam rotineiramente o auxílio de ultras-
som para a localização do espaço intervertebral e da profundidade do ligamento amarelo.
Na gestante obesa, o risco de deslocamento do cateter é aumentado, portanto, uma boa
fixação é fundamental para o sucesso da técnica.
Uma alternativa à analgesia epidural, por causa de sua falha relativamente elevada na
população obesa e pela importância de se utilizar um cateter no caso de emergência, é a
analgesia subaracnóidea contínua. Jill M. Muyre relata a utilização de cateter subaracnóideo
em caso de emergência na gestante obesa. Quando ocorre a punção acidental do espaço
subaracnóideo, deve-se considerar a anestesia subaracnóidea contínua como alternativa;
sempre que possível devemos nos afastar da anestesia geral na gestante obesa.

Cuidados pós-operatórios e morbidade pós-parto


No pós-operatório imediato, para maximizar a oxigenação, devemos posicionar a pacien-
te na sala de recuperação pós-anestésica com cabeceira elevada, manter monitorização nas
primeiras 24 horas, principalmente oximetria de pulso para orientação de O2 suplementar.
A monitorização hemodinâmica é fundamental, porque o risco de sangramento intra-abdo-
minal é mais dificilmente diagnosticado na paciente obesa. Pacientes com apneia do sono
devem ser mantidas com CPAP, minimizando-se as atelectasias.
As complicações respiratórias são as mais comuns no pós-operatório de gestantes obesas.
Há maior risco de hipoxemia; atelectasia; pneumonia; cardiopatia e tromboembolismo pul-
monar, de modo que monitores de apneia e oximetria de pulso são prudentes nas primeiras
24 horas. A anestesia geral em obesas mórbidas gera muito mais atelectasia que em pacientes
não obesas40. O alvéolo permanece atelectasiado por um período de 24 horas, em média,
muito superior ao comparado com pacientes não obesas41. Episódios tromboembólicos são
a principal causa de morte materna no Reino Unido, sendo a obesidade um fator de risco
independente para TVP.
Estratégias farmacológicas e mecânicas são utilizadas para a tromboprofilaxia, e a dose de
heparina de baixo peso molecular ainda não está bem estabelecida na paciente obesa mórbida.
Quando a paciente está em uso de cateter epidural, é importante o conhecimento do
regime de anticoagulação que está sendo utilizado. Uma analgesia pós-operatória eficaz traz
uma série de benefícios à paciente e evita algumas complicações pós-operatórias. O uso de
opioides no neuroeixo se mostra mais eficaz do que seu uso endovenoso.

Conclusão
A obesidade representa um problema de saúde que acomete cada vez mais mulheres em
sua fase reprodutiva. As comorbidades associadas à obesidade fazem da gestante uma pa-
ciente especial, representado um desafio para o anestesiologista.
A consulta pré-anestésica, com a realização de uma anamnese e exame físico detalhado,
com o objetivo identificar doenças associadas como hipertensão, diabetes, doenças corona-
rianas, entre outras, além De uma adequada avaliação da via aérea e da coluna vertebral, é
importante em decorrência da maior dificuldade de intubação traqueal e da realização do
bloqueio no neuroeixo.

124 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


O risco de morte materna relacionada com a anestesia geral é muito mais alto quando
comparado com o bloqueio do neuroeixo, por maior dificuldade de acesso à via aérea e
maior risco de aspiração do conteúdo gástrico. A abordagem multidisciplinar coordenada,
envolvendo paciente, anestesiologista, equipe de enfermagem e obstetra, é extremamente
importante para minimizar o risco anestésico-cirúrgico e proporcionar conforto, tranquili-
dade e, principalmente, segurança para a paciente.

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Anestesia na gestante obesa | 125


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126 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Capítulo 09

Anestesia na gestante com


doença neurológica
Ricardo Pandolfi Sarmenghi
Anestesia na gestante com doença neurológica

Epilepsia
A epilepsia é a doença neurológica mais comum na gestante e achado frequente na prá-
tica neurológica, afetando mais de 50 milhões de pessoas no mundo1. Seu diagnóstico é
meramente clínico, baseado na ocorrência de, pelo menos, dois episódios de convulsão2 .
As convulsões são manifestações clínicas, ocasionadas pela atividade paroxística anormal
de um grupo de neurônios, resultando numa variedade de apresentações que podem ser
atividades motoras localizadas, contrações musculares generalizadas, percepções sensitivas
alteradas ou até mesmo alucinações. Pode ou não ocorrer perda de consciência.
A epilepsia pode ser idiopática ou secundária a diversas patologias, desde alterações me-
tabólicas a neoplasias intracranianas. A ocorrência de crises convulsivas em gestantes com
diagnóstico de epilepsia aumenta cerca de 25%. Felizmente, a maior parte das gestações em
epiléticas tem desfecho favorável1,5. Por causa da complexidade de apresentações, as con-
vulsões podem ser separadas em dois grupos: convulsões parciais, localizadas e restritas a
apenas um lobo cerebral, frequentemente precedidas de aura e preservação da consciência; e
convulsão generalizada, também conhecida como “grande mal”, em que ocorre perda súbita
da consciência e manifestações bilaterais.
O episódio de convulsão em gestantes pode estar acompanhado de hipertensão arte-
rial; taquicardia; hipertermia; lesões traumáticas de partes moles; lesões neurológicas por
hipóxia e edema cerebral. Quando ocorre na forma de “grande mal”, torna-se dramática,
especialmente as crises prolongadas e recorrentes, com alta incidência de perda fetal. O tra-
tamento para o controle da crise deve ser instituído imediatamente. Deve ser fornecido O2 a
100% e garantida a via aérea, se possível, minimizando o risco de broncoaspiração. O diaze-
pam EV ou IM pode ser uma boa opção, pois está disponível em quase todo estabelecimen-
to de saúde. Caso não ocorra remissão, pode ser tentado fenobarbital 20 mg.kg EV6. Se as
convulsões persistirem, pode ser tentado midazolam ou propofol em infusão contínua, com
interrupção da gestação por cesariana emergencial, visando minimizar os danos ao feto. As
crises parciais em geral são bem toleradas pelos fetos, com bradicardia fetal transitória.
A terapia com anticonvulsivantes durante a gestação produz más-formações fetais
graves em aproximadamente 5% dos casos. Valproato e fenobarbital são as drogas anti-
convulsivantes mais teratogênicas, enquanto os novos agentes levotiracetan e topiramato
produzem menos males aos fetos7. As más-formações mais comuns estão relacionadas
com defeitos do tubo neural e cardiopatias congênitas. Podem ocorrer alterações menores,
como dismorfismos faciais, que estão descritos com o uso de qualquer droga dessa classe.
Anticonvulsivantes impedem a absorção do ácido fólico e causam deficiência de vitamina
K no feto, provocando também crescimento intrauterino retardado e hemorragias neona-
tais3. Portando, as doses dos anticonvulsivos devem ser ajustadas para o mínimo necessá-
rio a fim de impedir as crises.
A terapia anticonvulsivante durante a gravidez impõe algumas recomendações para o
manejo anestésico. Se for necessária condução de anestesia geral, essas pacientes podem

128 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


requerer doses maiores de opioides, além de serem mais resistentes aos bloqueadores neuro-
musculares não despolarizantes4. A interrupção da medicação anticonvulsivante durante a
gravidez não torna a paciente mais suscetível à intoxicação por anestésicos locais, portanto,
analgesia epidural pode ser aplicada normalmente. Se estiver descartado processo expansi-
vo intracraniano como causa da epilepsia, tanto a técnica peridural como a subaracnóidea
estão bem indicadas para o parto cesáreo.

Doenças cerebrovasculares
Derrame – ocorrência súbita de disfunção cerebral de causa vascular – é uma das causas
mais comuns de internação e incapacidade de longa duração na população geral. Evento
raro em jovens, porém, grave quando ocorre em gestantes, sua incidência está aumentada
nesse grupo de pacientes, em comparação com as não grávidas, por causa de adaptações
fisiológicas da gravidez e comorbidades associadas, como diabetes gestacional, hipertensão
arterial gestacional e toxemia gravídica8.
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) nas gestantes podem ser, como na população
geral, ataques isquêmicos transitórios (AIT), aqueles com disfunção cerebral com reso-
lução em até 24 horas; isquêmicos (AVCI), nos quais a condição fisiopatológica essencial
é a interrupção do fluxo sanguíneo cerebral com déficit prolongado; e os hemorrágicos
(AVCH). Diferenciar o AVCI de um AVCH é a providência primária em paciente com
quadro suspeito, através de exames de imagem do crânio. Como a incidência de AVC é
maior no pós-parto11, a ocorrência de malefícios ao concepto por causa da propedêutica
é muito pequena, podendo ser feita a TC de crânio com segurança. Durante a gestação,
porém, a TC contrastada deve ser evitada, dando-se preferência à RNM. Não existem
evidências de efeitos adversos aos fetos humanos expostos ao campo magnético, porém,
o gadolínio deve ser evitado durante esses exames8. A investigação diagnóstica pode ser
completada com segurança, através de ecocardiografia transtorácica e ecodoppler vascu-
lar para a localização de trombos.
No passado, acreditava-se na existência de tromboflebite cerebral como causa de derra-
mes na gravidez. Atualmente, foi demonstrado que 70% dos AVC em gestantes ocorrem no
território arterial9. A ocorrência de trombose venosa profunda na gravidez deve ser sempre
lembrada, pois a gestação e o puerpério são estados pró-trombóticos que associadas com
outros fatores predisponentes, como desidratação, infecção e imobilidade no pós-parto, au-
mentam o risco de ocorrência de tromboembolismo. Esta é a maior causa direta de morte
materna no Reino Unido10 (Tabela 9.1).
A ocorrência de cefaleia intensa súbita, déficit neurológico, confusão mental e rigidez
nucal pode estar relacionada com AVCH mascarado por pré-eclâmpsia/eclâmpsia, especial-
mente quando há proteinúria presente. Como nesses casos a conduta obstétrica mais fre-
quente é interromper imediatamente a gestação através de cesariana, durante a abordagem
do espaço subaracnoide para a condução da anestesia, deve ser observada a ocorrência de
hipertensão liquórica e/ou a presença de liquor hemorrágico.
A hemorragia subaracnóidea representa 3% dos casos de AVC, aproximadamente 85%
deles decorrentes de aneurismas intracranianos13. Caso seja abortada a técnica regional e

Anestesia na gestante com doença neurológica | 129


escolhida a anestesia geral, as manobras de intubação traqueal podem aumentar a pressão
intracraniana e agravar o sangramento.
Tabela 9.1 – Fatores de risco para AVC na gestação
1. Hipertensão arterial
2. Toxemia gravídica
3. Hiperêmese gravídica
4. Diabetes
5. Trombofilia
6. Raça negra
7. Tabagismo
8. Cardiopatia
9. Lúpus (anticorpos anticardiolipina)

A incidência de aneurisma cerebral na população geral está entre 3,6% e 6%. Aproxima-
damente 1 em 10.000 gestações será complicada pela ruptura de aneurisma intracraniano,
mais frequente no segundo e terceiro trimestres14. Parece que a gravidez altera a história
natural de um aneurisma preexistente, e o tratamento durante a gravidez dos casos assinto-
máticos deve ser bem avaliado, pois a clipagem de aneurismas tem morbidade e mortalidade
sensivelmente superiores ao método de embolização endovascular. Mesmo nas pacientes
que apresentaram sangramento, a escolha recai sobre a técnica endovascular12 .
Não há consenso sobre a melhor opção de parto, se vaginal ou cesariano, mas os autores
parecem preferir a cesariana eletiva13. A técnica anestésica regional pode ser realizada com
segurança, desde que observados os cuidados relacionados com o uso de anticoagulantes e
controle pressórico. A técnica de anestesia peridural contínua via cateter deve ser encoraja-
da, caso a opção seja pelo parto normal, para diminuir o esforço da mãe durante a segunda
fase do trabalho de parto.

Tumores intracranianos
O diagnóstico de tumor cerebral na vigência de uma gestação é evento raro e coloca mãe e
concepto em risco de vida. O fato de ocorrer em pacientes jovens, passando por um período
muito especial de suas vidas, produz grande impacto emocional em pacientes e familiares,
daí a importância de abordar os casos com equipe multidisciplinar, envolvendo neurologia e
neurocirurgia, obstetrícia, anestesiologia, terapia intensiva e psicologia.
A abordagem terapêutica deve ser orientada para, primeiramente, preservar a mãe e, se-
cundariamente, o feto. Três fatores devem ser observados por ocasião de uma intervenção
neurocirúrgica: a gravidade do quadro neurológico; a idade gestacional e o tipo provável de
neoplasia15. Nos casos de quadro neurológico estável, a gestação deve ser seguida até pelo
menos a 34ª semana. Se for necessário corticoterapia para a diminuição do edema cerebral,
esta é segura e acelera a maturidade fetal.
Nos casos mais graves, que necessitarem de craniotomia durante a gestação, alguns deta-
lhes devem ser observados com relação aos cuidados anestésicos.

130 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


1. Posição – o útero gravídico não deve comprimir a veia cava inferior, sob risco de
hipotensão arterial e agravamento dos quadros de hipovolemia e choque. O decúbito
dorsal com lateralização para a esquerda sob coxim evita a compressão venosa. Nos
casos de abordagem da fossa posterior, o decúbito ventral é proibido. Nessa situação,
deve-se tentar o decúbito lateral.
2. Ventilação – a hiperventilação pulmonar é muito eficaz para diminuir o volume san-
guíneo cerebral e facilitar a exposição cirúrgica. Gestantes a termo são mais sensíveis
a essa manobra, e a hiperventilação grave (PaCO2 < 28 mmHg) resulta em isquemia
cerebral por vasoconstrição e desvio da curva de dissociação da oxi-hemoglobina
materna para a esquerda e consequente diminuição da oxigenação fetal. Monitoriza-
ção fetal durante o procedimento deve ser encorajada, a fim de identificar sofrimento
fetal por hipóxia.
3. Medicamentos – agentes halogenados produzem hipotonia uterina e podem preci-
pitar parto prematuro16. Anestesia venosa total parece segura para mãe e feto. Bolus
de corticosteroides são seguros, porém, seu uso prolongado pode precipitar hipoa-
drenalismo neonatal15. Manitol também pode ser empregado nessas pacientes, desde
que respeitada a dose máxima de 1 g.kg-1.

Neuropatia craniana e periférica


A paralisia idiopática do nervo facial, ou paralisia de Bell, é uma desordem comum em
todas as faixas etárias e é a mononeuropatia mais frequente. Mais comum em grávidas que
na população geral, como descrito pelo próprio Charles Bell, é mais frequente no terceiro
trimestre, tem curso benigno e com boa resposta a corticoterapia.
Radiculopatia lombossacral e neuropatia femoral, tibial e do cutâneo lateral da coxa,
que podem ocorrer devido ao trabalho de parto prolongado ou assistido por fórceps17, não
devem, entretanto, ser imputadas à técnica de analgesia de parto sem uma eletromioneuro-
grafia diagnóstica. Nos anos 1990, muitos relatos de síndrome da cauda equina relacionada
com anestesia raquidiana por microcateter desencorajaram a técnica18. A lombalgia –uma
queixa frequente das gestantes e em geral relacionada com as modificações impostas pela
gravidez – também não deve ser atribuída à anestesia.
Gestação em paciente acometida por lesão medular é incomum, porém, na ocasião do
parto, seja vaginal ou cesariano, esta deve, obrigatoriamente, receber analgesia e/ou aneste-
sia, apesar da falta de sensibilidade. A hiperreflexia autonômica deve ser evitada produzindo
bloqueio simpático suficiente para atingir o dermátomo de T6. A anestesia geral com halo-
genados pode ser utilizada, porém, requer nível muito profundo de anestesia e, eventual-
mente, utilização de betabloqueadores e vasodilatadores para o controle hemodinâmico.
Além do que, a anestesia geral não protege a paciente no período pós-operatório19, tornando
necessário o acompanhamento pós-parto em UTI.

Miastenia grave
A miastenia grave (MG) é uma doença autoimune que afeta os receptores colinérgicos
nicotínicos na membrana pós-sináptica da junção neuromuscular, causando fadiga muscu-

Anestesia na gestante com doença neurológica | 131


lar e fraqueza. Em adultos, atinge mais as mulheres com idade inferior a 40 anos. O nível de
comprometimento da força muscular é variável (Tabela 9.2) e o paciente pode apresentar
crises de exacerbação causadas por diversos fatores, como infecções respiratórias, estresse
emocional e trauma cirúrgico, mais comuns no primeiro trimestre e no puerpério. O trata-
mento de longo prazo inclui timectomia, terapia com anticolinesterásicos, corticosteroides
e imunossupressores, como azatioprina e ciclosporina A, que podem ser usados com segu-
rança em gestantes20.
Tabela 9.2 – Classificação de Ossermann e Genkins (1971)
I) Sinais e sintomas oculares apenas
IIa) Fraqueza muscular generalizada leve
IIb) Fraqueza generalizada moderada e/ou disfunção bulbar
III) Apresentação aguda fulminante e/ou falência respiratória
IV) Miastenia grave generalizada grave e tardia

Pacientes em tratamento com anticolinesterásicos, como a piridostigmina e a neostigmi-


na, podem apresentar crise colinérgica por causa da sobredose dessas drogas, que se apre-
senta com salivação excessiva; cólicas abdominais; urgência urinária; bradicardia e fascicu-
lações. O anticolinérgico deve ser descontinuado e administrada atropina e, eventualmente,
sedação com intubação traqueal21.
Caso uma paciente com MG necessite de cirurgia, o melhor momento seria com qua-
dro clínico estável, com pequena dependência de medicações. Infelizmente, o grupo
obstétrico é imprevisível, e numa eventual intervenção de urgência, devem ser preferidas
as técnicas anestésicas regionais. Anestesia peridural é segura nessas pacientes e garante
analgesia pós-operatória sem opioides. Pode ser usada com segurança também para anal-
gesia do parto vaginal 24.
Caso seja necessária a anestesia geral, a condução do caso pode ser um desafio para o
anestesiologista assistente. O uso de bloqueadores neuromusculares (BNM) nessas pa-
cientes é controverso. Tripathi e col. demonstraram que pacientes que usaram a piridostig-
mina na manhã da cirurgia apresentaram mais complicações respiratórias22 . Interromper
esse fármaco diminui o tempo de início de ação dos BNM e, consequentemente, podem
ser usadas doses menores para intubação traqueal 21. Pacientes com MG são resistentes à
succinilcolina, devido à diminuição dos receptores para acetilcolina, portanto, para intu-
bação em sequência rápida, deve ser preferido o rocurônio, porém, sua dose recomendada
de 0,9 a 1,2 mg.kg-1 deve ser diminuída 23. O uso de monitorização da transmissão neuro-
muscular pelo TOF deve ser obrigatório durante a cirurgia para assegurar regressão total
do relaxamento muscular (TOF > 90%) antes da extubação. Recentemente foi introduzi-
do na prática clínica o sugammadex, um quelante de BNM específico para o rocurônio,
com eficácia parcial para o vecurônio. O sugammadex reduz a quantidade de moléculas
livres de BNM, tornando possível a reversão do bloqueio neuromuscular 3 minutos após a
administração de vecurônio ou rocurônio, sendo eficaz inclusive em níveis profundos de
bloqueio em pacientes com MG21.

132 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Tentar predizer quais pacientes com MG apresentam risco de falência respiratória no
pós-operatório é difícil, porém, aquelas com histórico de problemas respiratórios prévios e
sintomas bulbares apresentam maiores chances23. Portanto, CTI de retaguarda com suporte
ventilatório parece conveniente para essas pacientes. Finalmente, a miastenia neonatal tran-
sitória pode ocorrer em cerca de 21% dos casos de miastenia materna, devido à passagem de
anticorpos pela placenta, independentemente da gravidade do caso25.

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Anestesia na gestante com doença neurológica | 133


Capítulo 10

Cefaleia pós-punção
dural na gestante
José Francisco Nunes Pereira das Neves
Giovani Alves Monteiro
Mariana Moraes Pereira das Neves Araújo
Fernando de Paiva Araújo
Cefaleia pós-punção dural na gestante

Introdução
A anestesia subaracnóidea é uma modalidade anestésica barata, segura, confiável e que
produz anestesia rápida e satisfatória para cesariana1-3. A cefaleia pós-punção dural (CPPD)
é a mais antiga complicação dos bloqueios do neuroeixo e, ainda hoje, a mais prevalente, es-
pecialmente em gestantes. Desde 1898, o Dr. August Bier já relatava esse desagradável efeito
adverso ao descrever a intensa dor de cabeça, náusea e vômito que seu jovem paciente de 34
anos apresentou após um bloqueio subaracnóideo para desbridamento de ferida no pé. O
próprio Dr. August Bier, semanas depois, experimentou os sinais e sintomas desagradáveis
da CPPD ao ser submetido a raquianestesia experimental com cocaína com a ajuda de seu
assistente, o Dr. August Hidelbrand. Ele relatou intensa dor de cabeça que piorava com o
ortoestatismo e melhorava com repouso no leito. A cefaleia de Bier permaneceu por nove
dias após o bloqueio4.
Há mais de um século, a CPPD vem sendo descrita com o mesmo quadro clínico, porém,
seu tratamento pouco mudou ou evoluiu.

Incidência
A incidência de CPPD, em geral, apresenta resultados conf litantes, mas está dire-
tamente relacionada com o calibre e o tipo de agulha, experiência do anestesiologista,
tipo de procedimento realizado (punção lombar diagnóstica, anestesia, mielografia) e
a paciente em questão1. Quando se utilizam agulhas do tipo Quincke 26 Gauge (G), o
risco é de 2% a 12%; 25G, risco de 3% a 25%; 22G, até 40%5 . As agulhas ponta de lápis
são relacionadas com menor incidência de cefaleia; com as agulhas Whitacre 27G, a
incidência é de 1,7% a 3% 6 e, no caso de punção acidental da dura-máter, chega a 70%
em gestantes7.
Na população obstétrica, o risco de cefaleia é maior em comparação com outros grupos
por causa da faixa etária, do gênero e da maior pressão liquórica7-9.

Fisiopatologia
Mais de cem anos se passaram desde a declaração inicial de CPPD. É aceitável que os
sintomas se iniciam após a perda da homeostase liquórica pela perda de LCR através do ori-
fício de punção, resultando em diminuição de volume e pressão com estímulo de estruturas
sensitivas provocando dor. Concomitantemente, ocorre aumento do fluxo sanguíneo cere-
bral por vasodilatação arterial e venosa. A terceira explicação envolve o papel da substância
P (neurotransmissor e modulador ligado à percepção dolorosa) e a regulação de receptores
da neurocinina-1 (NK-1). Os sintomas se iniciam 12 a 48 horas após a punção e a duração é
autolimitada à média de 4 – 11 dias2, 6, 9-11.
Em condições normais, a pressão é de 5 a 15 cm H 2O no decúbito e 40 a 50 cm H2O no
ortoestatismo ao nível da punção lombar (L3-L4)5. A diminuição da pressão intracraniana
pela redução do volume liquórico leva ao início dos sintomas5,10,12-18. Na maioria das vezes, a

136 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


perda liquórica é superior à produção. A fuga de LCR após a perfuração dural com agulhas
Quincke 25G ou maior gira em torno de 0,084 a 4,5 mL.min-1, contra uma produção de
apenas 0,35 mL.min-1.
A produção do liquor ocorre, principalmente, no plexo coroide no interior dos ven-
trículos laterais, por meio de um mecanismo de filtração semelhante ao que ocorre nos
glomérulos renais. São produzidos cerca de 0,35 mL.min-1, e cada adulto possui, em
média 0,5 mL.kg-1 de LCR 5 . Dos ventrículos laterais, ele passa pelo forame de Monro,
em direção ao terceiro ventrículo, e pelo aqueduto de Sylvius chega ao quarto ventrículo.
Percorre os forames de Lushka e Magendie até alcançar o grande espaço subaracnóideo,
que contém a maior quantidade de LCR. A reabsorção liquórica ocorre nas granulações
aracnóideas localizadas próximas ao seio sagital superior. A perda de 10% do volume li-
quórico já é capaz de causar sintomatologia da CPPD16.
Os principais pares cranianos envolvidos na gênese da CPPD são o ramo oftálmico do
nervo trigêmeo (V), na dor frontal; o glossofaríngeo (IX) e vago (X) na dor occipital; e os
nervos intervertebrais C1 a C3 na rigidez de nuca, dor cervical e nos ombros. A náusea é
atribuída à estimulação vagal. As alterações auditivas iniciam com a diminuição da pressão
da perilinfa, que se comunica diretamente com o LCR. A perilinfa e a endolinfa são fluidos
que transmitem as vibrações sonoras e as alterações da posição do corpo ao sistema vestíbu-
lo coclear. Alterações visuais decorrem do acometimento dos nervos envolvidos no controle
muscular extrínseco dos olhos (III, IV e VI), principalmente o abducente (VI), devido ao
seu longo caminho dentro da caixa craniana19.

Fatores de risco
Os fatores de risco para o desenvolvimento de CPPD são:
• pacientes jovens;
• sexo feminino;
• gravidez;
• história de dor de cabeça;
• agulhas de grosso calibre;
• agulhas de ponta cortante;
• número de punções;
• habilidade/experiência do anestesiologista;
• utilização da via mediana de punção.
Os fatores de risco da CPPD se somam na gestante porque, além da gravidez, são mu-
lheres e, habitualmente, jovens9,14,18,20,21. A gestação envolve maior risco por causa da re-
dução do volume e do aumento da pressão do LCR no fim do período gestacional, além da
desidratação provocada pelas perdas durante o parto e a restrição na ingestão de líquidos.
Outro fato que contribui para o aumento do risco é a maior chance de punção acidental
da dura-máter22 .
O motivo que isoladamente mais contribui para a origem da cefaleia é a idade (adultos
jovens). No entanto, em crianças menores de 10 anos, a cefaleia é rara por causa de seu maior
volume proporcional de LCR. Recém-nascidos, por exemplo, chegam a ter 10 mL.kg-1 de

Cefaleia pós-punção dural na gestante | 137


liquor; em contraste, os adultos possuem apenas 0,5 mL.kg-1. Nas pacientes com mais de 50
anos, a incidência de cefaleia é pequena e diminui com a longevidade14.
Os fatores de risco mais importantes, associados com o procedimento, são o calibre
e o tipo da agulha. Quanto mais grossa a agulha, maior a chance de desenvolver CPPD6.
Agulhas com ponta cortante quando comparadas com as de ponta não cortante do mesmo
calibre apresentam maior incidência de cefaleia10.

Diagnóstico
Os sinais e sintomas da CPPD são claros e bem definidos. A sintomatologia da CPPD se
inicia, habitualmente, entre 12 e 48 horas (66%) após a punção da dura-máter5. Quando a
dor de cabeça iniciar com menos de uma hora, a causa mais provável é o pneumoencéfalo,
principalmente se a técnica de localização do espaço peridural foi realizada com ar. A carac-
terística mais marcante é o início ou o agravamento da dor de cabeça com o ortoestatismo
e melhora dos sintomas com o decúbito. A Sociedade Internacional de Cefaleias classifica
como cefaleia postural quando os sinais e sintomas se iniciam após 15 minutos na posição
sentada ou em pé e melhoram em cerca de 15 minutos com o decúbito. A dor quase sempre é
bilateral, com distribuição frontal (25%), occipital (27%) ou ambas (45%). A paciente refere
dor pulsátil e em pressão5,11,12 .
Métodos de imagem, como ressonância nuclear magnética, demonstram desabamento
das estruturas cerebrais, distorção anatômica do quiasma óptico e do tronco cerebral e
obliteração das cisternas basilares. Tomografia computadorizada com mielografia pode ser
utilizada para encontrar o local de perda de LCR. Tais exames são utilizados para a exclusão
dos diagnósticos diferenciais7,12 .

Sintomas associados
Os sintomas associados dependem da intensidade da cefaleia. Podem ocorrer dor e rigi-
dez do pescoço e dos ombros em quase 50% dos casos e também é comum encontrar quadro
de náusea e vômito10.
Em casos mais graves, podem ocorrer sintomas neurológicos, que são sinais de gravida-
de da CPPD, como alterações auditivas e visuais. Os sintomas auditivos mais comuns são
diminuição da capacidade auditiva, zumbido e hiperacusia e os visuais são visão borrada,
dificuldade de acomodação, diplopia e fotofobia11.

Diagnóstico diferencial
• Cefaleia não específica.
• Exacerbação de cefaleia crônica.
• Cefaleia hipertensiva.
• Pneumoencéfalo.
• Sinusite.
• Retirada do uso crônico de cafeína.
• Meningite infecciosa ou química.
• Hematoma subdural.

138 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


• Hemorragia subaracnóidea.
• Pré-eclâmpsia/eclâmpsia.
• Trombose dos seios venosos.
Durante a avaliação de pacientes com história de CPPD, outras possibilidades de dor
de cabeça devem ser investigadas. Sempre verificar os sinais vitais e realizar um exame
neurológico básico. Está comprovado que, no período perioperatório, por causa de estresse,
ansiedade e outros fatores associados, há aumento na incidência e exacerbação de cefaleias
benignas, mas estas são bem menos intensas que a CPPD.
A incidência de cefaleia no período pós-parto pode chegar a 80%23. Pacientes com histó-
ria de cefaleia intensa antes da punção lombar possuem risco maior de desenvolver cefaleia
no perioperatório, principalmente na população obstétrica11,21,23.
Aparici e cols.24 descrevem um caso de hematoma subdural após anestesia espinhal para
cesariana que iniciou em 48 horas de pós-operatório, com quadro de cefaleia persistente,
refratária a tratamento com anti-inflamatórios, que evoluiu com rebaixamento do nível de
consciência, anisocoria e hemiparesia. A tomografia de crânio mostrou hematoma subdural
na região temporoparietal direita com efeito de massa.
Os casos de CPPD em tratamento que pioram o quadro clínico e perdem a característica
postural devem ser investigados, por meio de exames de imagem, em razão da possibilidade
de complicações hemorrágicas11,24.

Estratégias de prevenção
Existem várias técnicas de prevenção da CPPD, porém, o sucesso é extremamente variá-
vel e, geralmente, apresentam pouca eficácia25.
• Punção subaracnóidea
A prevenção da CPPD se inicia com cuidados antes da punção, como adequado po-
sicionamento e conhecimento anatômico e técnico26. A escolha da agulha é o ficr
técnico mais importante na prevenção da CPPD, e quanto menor o calibre, menor o
risco. Por outro lado, o uso de agulhas de fino calibre é tecnicamente mais difícil, com
aumento do risco de cefi-29.9 (l)6.7 (e)-2.4 (i)-7.9 (a po)7.9 (r p)1.6 (u)-23.9 (n)10.7 (ç)-5.4

20

Cefaleia pós-punção dural na gestante | 139


que o orifício de perfuração seja feito no sentido das fibras e sofra menor tração.
Porém, estudos atuais, com microscopia eletrônica, mostraram que as fibras coláge-
nas e elásticas não possuem orientação específica, o que contesta essa recomendação.
Outra característica é que o bisel das agulhas cortantes em contato com superfícies
ósseas podem deformar e aumentar o tamanho do orifício de punção na dura-máter,
levando a maior risco de CPPD10. Estudo publicado na literatura nacional avaliou a
incidência d49.2 (e c)60.5 (e)-2.3 (f)117.9 (a)-29.9 (l)6.7 (e)27.4 (i)-7.9 (ap(ó)-0.6 (s))6.7 -r qu

140 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI

it(c)-16.4 (r)2.6 ( ea c)-13.9 (a)-29.9 (l)-27.4 ((b)7.6 (r)2.6 ( 2s)-954 5 ( 2s)10.6 7 G


a paciente desenvolver cefaleia, poderá precisar de um segundo tampão sanguíneo
peridural. Complicações graves, como hematoma intratecal e aracnoidite, foram
relatadas após injeção acidental de grande volumes de sangue no espaço subaracnói-
deo, na tentativa de realizar o tampão sanguíneo peridural pelo cateter11,28.

Complicações do bloqueio espinhal


Os bloqueios do neuroeixo são considerados técnicas seguras de anestesia. Complicações
são raras, na maioria das vezes, benignas, e sua incidência gira em torno de 0,1% a 0,5%7,29.
• CPPD.
• Hematoma peridural.
• Hematoma subdural.
• Hematoma subcutâneo.
• Abscesso peridural.
• Aracnoidite.
• Meningite infecciosa ou química.
• Pneumoencéfalo.
• Dor lombar.

Tratamento da CPPD
Sempre que houver o diagnóstico de CPPD, a paciente deve ser informada de sua causa,
suas características e opções de tratamento. Expor que a CPPD é uma complicação autoli-
mitada, que dura de 4 a 7 dias, é importante para tranquilizar a paciente14.
• Terapia postural
Quando a paciente desenvolve CPPD, ele deve ser mantido em posição confortável
durante o período de duração dos sintomas, embora repouso não apresente benefí-
cios na evolução da CPPD11.
• Terapia farmacológica
O tratamento farmacológico da CPPD é múltiplo e, geralmente, tem eficácia limita-
da. Uma série de fármacos é empregada e não existe um tratamento padrão-ouro. O
objetivo básico é: repor a perda da LCR; selar o local da punção; controlar a vasodi-
latação cerebral.
a. Metilxantinas (cafeína, aminofilina e teofilina)
São amplamente empregadas no controle e tratamento da CPPD, embora seus
efeitos sejam altamente variáveis. Seu mecanismo básico de ação consiste na regu-
lação da vasoconstrição cerebral, e a mais estudada e utilizada é a cafeína. Pode ser
utilizada por via venosa (não disponível no Brasil) e por via oral e possui meia-vida
de ação de 6 horas. É bem indicada em CPPD por diminuir os sintomas até a cura
espontânea, porém, sua ação pode não produzir resultados permanentes7. A dose
recomendada é de 400 a 600 mg ao dia, em intervalos de 6 horas. Uma xícara de
café oferece cerca de 50 a 100 mg de cafeína e refrigerantes contêm 35 a 50 mg5,25.
No entanto, as doses utilizadas no tratamento da CPPD são altas e podem levar ao

Cefaleia pós-punção dural na gestante | 141


risco de insônia, ansiedade, arritmias cardíacas7 e passagem para o leite materno
com significativos efeitos neonatais11.
b. Triptanos
O sumatriptano é um agonista do receptor 5-HT que promove vasoconstrição
cerebral num mecanismo bastante semelhante ao da cafeína. Atualmente, vem
ganhando espaço no tratamento da migrânea e da CPPD5,21,22, no entanto, alguns
estudos não confirmaram benefícios na efetividade11.
c. ACTH (hormônio adrenocorticotrófico)
Deve ser administrado em infusão de 1,5 µg.kg-1, e seu mecanismo de analgesia é
postulado pelo aumento das endorfinas circulantes que elevam o limiar da dor e a
liberação de aldosterona, que promove a retenção de sódio e água, aumentando o
volume sanguíneo, que pode elevar a produção de LCR13,27.
d. Hidrocortisona
O mecanismo de ação é semelhante ao do ACTH, com aumento de endorfinas e
produção de LCR. Possui a vantagem de estar mais facilmente disponível e ser de
baixo custo. Pode ser utilizada no tratamento e na prevenção da CPPD. A dose
recomendada é de 100 mg EV a cada 8 horas por 24-48 horas13,27.
e. Fluidos intravenosos
Antigamente acreditava-se que o aumento da infusão de fluidos intravenosos ele-
varia a produção de LCR, no entanto, não existe nenhuma evidência que compro-
ve essa relação7,11.
f. Gabapentina
O uso de 300 mg, via oral, uma hora antes da cirurgia e 12 a 24 horas no pós-
-operatório diminui a incidência e gravidade da CPPD, da dor pós-operatória e do
consumo de morfina, sem efeitos colaterais importantes30.

• Tampão sanguíneo peridural


O tampão sanguíneo peridural foi, por décadas, considerado o melhor tratamento
para a CPPD. Hoje é recomendado em caso de falha da terapêutica não invasiva, por-
que o uso profilático oferece poucos benefícios e não altera a incidência, a duração e
a gravidade da CPPD11,16. Entre as terapias empregadas, é a que fornece os melhores
resultados, com cerca de 90% de resolução dos sintomas7,22 . É realizado através da in-
jeção autóloga e estéril de sangue no espaço da punção lombar ou logo abaixo, devido
à distribuição cefálica do sangue31. A forma com que a injeção de sangue peridural
contribui para a melhora dos sintomas é controversa: acredita-se que a formação do
coágulo sanguíneo promova um tampão em torno do orifício de punção lombar e,
com isso, diminua a perda liquórica5,7,10,15; também há a hipótese de que a compressão
pelo volume de sangue injetado (em média 15 a 25 ml) reestabeleça a pressão do
LCR, o que ameniza os sintomas5,10,15,22 . O sangue deve ser injetado lentamente, e
toda vez em que a paciente se queixar de dor forte, a injeção deve ser suspensa. O mo-
mento da indicação do tampão sanguíneo peridural é tema de discussão, mas pode

142 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


ser considerado na paciente em tratamento conservador sem melhora do quadro e
que apresenta sintomas de gravidade como: náusea, vômito, distúrbios auditivos e
visuais, com incapacidade de manter os cuidados com o recém-nascido. Sempre que
for realizar a técnica, obter consentimento informado5,13,15,31. As contraindicações do
tampão sanguíneo são as mesmas de qualquer punção lombar: sepse, infecção no
local da punção, coagulopatias e recusa da paciente. O tampão sanguíneo é um pro-
cedimento invasivo que não é isento de riscos e pode gerar sérios danos à paciente13.
• Solução salina peridural
A função da injeção salina peridural é produzir um efeito de massa em torno da du-
ra-máter e, com isso, reduzir e limitar os sintomas da CPPD. Soluções salinas são
baratas, estéreis e inertes ao organismo e existem vários métodos de administração:
infusão contínua de 600 ml a 1,5 litro em 24 horas iniciada no dia seguinte ao da
punção; infusão de 35 ml.h-1 por 24 a 48 horas após o início da cefaleia ou apenas um
bolus simples de 30 ml5.
• Cola de fibrina
A cola de fibrina tem sido utilizada no intuito de reparar a perfuração da dura-máter;
pode ser injetada cegamente ou guiada por métodos de imagem. Possui risco de de-
senvolver meningite asséptica.

Conclusão
A melhor maneira de se evitar a CPPD é através da prevenção, com a utilização de agu-
lhas de fino calibre. As pacientes obstétricas representam um grupo de alto risco para o de-
senvolvimento de cefaleia e, por isso, devem ser explicados os benefícios e as complicações
da raquianestesia e anestesia peridural. Atenção para o diagnóstico correto da CPPD, que
deve ser realizado de acordo com as características definidas pela Sociedade Internacional
de Cefaleias. O tampão sanguíneo peridural deve ser realizado, preferencialmente, após fa-
lhas das medidas terapêuticas não invasivas.

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Cefaleia pós-punção dural na gestante | 143


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144 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Capítulo 11

Anestesia na gestante com


doença autoimune
Eduardo Lopes Machado
Daniela Gabiatti Donadel
Florentino Fernandes Mendes
Anestesia na gestante com doença autoimune

Introdução
Durante a gestação, diversas alterações ocorrem no organismo materno para garantir
o desenvolvimento do concepto – alterações fisiológicas da gravidez. O sistema imune se
adapta a essa nova condição e é capaz de proteger o concepto contra infecções e não de-
sencadear resposta imunológica contra o feto. De fato, se o sistema imune se mantivesse
inalterado, nenhuma gestação lograria sucesso1,4.
Entre as alterações fisiológicas da gravidez, a leucocitose merece atenção, podendo
ultrapassar 11 mil leucócitos sem representar resposta patológica. Esse aumento se deve,
principalmente, aos polimorfonucleados, mas formas imaturas podem surgir – mielócitos
e metamielócitos2 .
O aumento no número de células brancas não confere maior proteção contra infecções.
Há evidências de que a função dos neutrófilos está prejudicada, predispondo a infecções
durante a gestação. A resposta humoral parece estar inalterada3,6. Ainda sobre as alterações
imunológicas na gestação, é importante destacar aumento do número de células NK e ma-
crófagos no útero – fator local6.
O não desenvolvimento de imunidade contra o concepto é um processo complexo e de-
pendente de diversos mecanismos, entre os quais a separação anatômica feto/mãe, imaturi-
dade antigênica do feto e atenuação da resposta imunológica da mãe6.

Sistema imunológico patológico


As doenças autoimunes são resultado da produção de anticorpos contra tecidos do pró-
prio organismo que, equivocadamente, não são reconhecidos como próprios. Esse desequi-
líbrio na imunidade pode alterar negativamente a implantação do blastocisto e/ou o curso
da gestação1,5.
Com exceção da artrite reumatoide (AR), as doenças autoimunes estão associadas com
desfecho gestacional adverso: abortamento, trabalho de parto prematuro, ruptura prematu-
ra de membranas e baixo peso ao nascer. De fato, abortamento ou complicações maternas
na gestação podem ser o primeiro indício de uma doença autoimune subjacente5.
O diagnóstico e o correto manejo das doenças autoimunes na gestação são de extrema
importância, pois o acompanhamento pré-natal eficiente pode assegurar o melhor desfe-
cho gestacional 5.

Artrite reumatoide
A AR é uma doença sistêmica que cursa com inflamação crônica das articulações, aco-
metendo 0,5-1% da população, principalmente as mulheres7,8.
É caracteristicamente uma poliartrite simétrica, com períodos de remissão e exacerbação
dos sintomas7. O diagnóstico é baseado em achados clínicos, radiológicos e laboratoriais.
O tratamento é multidisciplinar e objetiva o alívio dos sintomas, a proteção funcional e a
melhora dos efeitos sistêmicos7.

146 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


No tratamento, são usadas drogas não modificadoras do curso da doença: AINES, anal-
gésicos, opioides e corticoides, e drogas modificadoras da doença: metotrexate, sulfassalazi-
na, leflunomida, antimaláricos, azatioprina e d-penicilamida7.
A coluna lombossacra é acometida em 5% dos casos e dificulta o bloqueio neuroaxial.
Em até um terço dos pacientes, a coluna cervical é alvo da doença, predispõe a subluxação
atlantoaxial e pode causar compressão medular e/ou comprometimento do fluxo da artéria
vertebral com comprometimento neurológico7,8,15. A doença na coluna cervical pode vir
acompanhada de rotação e desvio da linha média da laringe, além de escoliose da traqueia.
Mais rara é a atrite da cricoaritenoide. Mais comum em pacientes com artrite generali-
zada e de longa data, apresentam disfagia, dispneia, rouquidão, estridor, obstrução de vias
aéreas e sensação de corpo estranho na orofaringe7,10. A artrite da articulação temporoman-
dibular (ATM) pode restringir a abertura oral e dificultar a intubação7,8.
A doença cardiovascular é responsável por 50% das mortes relacionadas com a AR 9, ma-
nifestando-se por pericardite; miocardite; arterite coronariana; aceleração da aterosclerose;
fibrose de válvulas cardíacas e alteração do sistema de condução. Essas alterações não são
incomuns, e estima-se que um terço dos pacientes possuem algum grau de derrame de peri-
cárdio, por exemplo7.
No sistema respiratório, pode haver derrame pleural; nódulos pulmonares; fibrose pul-
monar e osteocondrite intercostal com restrição ventilatória e diminuição da capacidade
vital7. Existe alteração da relação ventilação/perfusão, diminuição da oxigenação arterial7 e
hipoxemia no exercício.9
Hematologicamente, o achado mais comum é anemia de doença crônica, e guarda rela-
ção direta com a atividade da doença. Também pode surgir leucopenia10,11.
A AR geralmente apresenta remissão dos sintomas durante a gestação, provavelmente
por motivos hormonais e imunológicos próprios da gravidez. Após a segunda semana do
parto, ocorre retorno da doença na intensidade pré-gestação em 90% dos casos8.
A gravidez da paciente com AR controlada é comparável com a que não possui o diag-
nóstico. A doença em atividade afeta, de modo independente, o desfecho gestacional, com
maior taxa de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia, cesarianas, baixo peso e prematuridade12,13,14.
A anestesia durante a gestação pode ocorrer para o parto (analgesia de parto ou
cesariana) ou para as complicações da AR (perfuração intestinal, abcesso pulmonar,
abcesso cerebral)7.
No pré-operatório, é importante definir a atividade, a extensão e os efeitos sistêmicos
da doença9. Devido às alterações na ATM e coluna cervical, essas pacientes devem ser con-
sideradas portadoras de via aérea difícil. A abertura oral deve ser avaliada7,9,13. Diante da
necessidade de intubação, devemos ter em mãos dispositivos de via aérea difícil e garantir
o posicionamento ótimo. A intubação com fibrobroncoscópio é o método mais seguro9,15.
As pacientes intubados com fibrobroncoscópio têm menos complicações respiratórias no
pós-operatório imediato que aquelas com laringoscopia direta (1% x 16%)10.
Especial cuidado deve ser dado à coluna cervical. A manipulação suave minimiza o risco
de luxação atlantoaxial. Havendo subluxação atlanto-ocipital, devemos pesquisar sintomas
neurológicos com a alteração do posicionamento cervical antes da indução anestésica7.

Anestesia na gestante com doença autoimune | 147


Ainda devemos repor corticoide quando necessário11. A paciente com AR deve ser
considerada como imunodeprimida em virtude dos fármacos utilizados ou pela possí-
vel leucopenia7.
O posicionamento do paciente deve ser revisado e adequado conforme as limitações de
movimento e extensão dos membros7,11. Durante o trabalho de parto podem ocorrer luxa-
ções com facilidade8,9. Na anestesia geral, devemos garantir proteção ocular efetiva devido
ao risco de ceratoconjuntivite.
A anestesia regional deve sempre ser considerada, pois evita o manejo da via aérea,
grande desafio da paciente com AR 9. O bloqueio pode ser mais difícil na presença de aco-
metimento da coluna9 e existe maior frequência de bloqueio subaracnóideo alto (cerca de
1,5 nível mais alto) 11.
Nessas pacientes, a menor concentração plasmática de proteínas e aumento da alfa-1-gli-
coproteína causa alteração da fração livre de alguns fármacos. Pode ser fator protetor no
caso do anestésico local, porque menor quantidade do anestésico fica na forma livre9.
Essas pacientes possuem maior predisposição à depressão respiratória, e a vigilância
no pós-operatório deve ser mantida9. A depressão ventilatória é multifatorial, causada por
opioides e pelas alterações pulmonares próprias da AR 9.

Lúpus eritematoso sistêmico


Entre as doenças autoimunes que atingem mulheres em idade reprodutiva, o lúpus erite-
matoso sistêmico (LES) é a mais comum. As mulheres são 10 vezes mais suscetíveis que os
homens. O pico de incidência abrange a segunda e a terceira décadas de vida, aproximada-
mente o início e o auge da vida reprodutiva da mulher16.
É uma doença inflamatória crônica multissistêmica, com sintomas muito variados:
fadiga; febre; artralgia; mialgia; rash malar; lesão de mucosas; comprometimento renal,
pulmonar e neurológico16.
A gestante lúpica pode ter complicações maternas e fetais. Do ponto de vista materno, há
risco de exacerbação do LES; nefrite; pré-eclâmpsia; parto prematuro; indução de parto e
cesarianas. Para o concepto, há risco de abortamento e morte fetal; insuficiência uteropla-
centária; crescimento intrauterino restrito; prematuridade e lúpus neonatal16,17.
Por muito tempo acreditou-se que a gestação era um fator isolado implicado nas exa-
cerbações do LES. Atualmente, essa associação é questionada devido à dificuldade na
diferenciação entre o LES e outras patologias específicas da gestação16. As exacerbações
são mais comuns em mulheres com pouca adesão ao tratamento ou com pelo menos três
exacerbações prévias18.
As gestantes lúpicas que apresentam nefrite possuem maior risco de complicações.
Podem desenvolver proteinúria, e esse achado eventualmente é confundido com a pré-e-
clâmpsia. No entanto, até 30% das gestantes lúpicas apresentarão também pré-eclâmpsia,
sendo esse achado mais comum naquela que possuir comprometimento renal prévio19.
Corticoides guiam o tratamento do LES. A hidroxicloroquina é a opção mais acei-
ta modernamente, enquanto agentes citotóxicos e AINES não costumam ser usados
na gestação20,21,22 .

148 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Deve ser estabelecido um plano de parto. O anestesiologista deve conhecer as condições
clínicas da mãe, intercorrências do pré-natal, uso de medicamentos e complicações gesta-
cionais ou do próprio lúpus.
Essas gestantes podem ter pericardite, mesmo que assintomática 23 . Atentar para al-
terações eletrocardiográficas, história de dispneia, taquicardia e até mesmo isquemia
ou infarto do miocárdio causadas por vasculite coronariana ou algum grau avançado
de aterosclerose.
Pode haver também comprometimento valvular (vegetações, regurgitação e estenose),
com indicação de antibioticoprofilaxia para endocardite bacteriana quando a paciente se
encontra em alto risco (história de endocardite prévia, doença cianótica congênita não re-
parada, próteses valvulares ou transplante cardíaco com valvulopatia)24,25.
Outra forma de comprometimento vascular que interfere na anestesia é a hipertensão
pulmonar – prevalência de até 43% com o decorrer do tempo14. Nessas pacientes deve-se ter
cuidado com o bloqueio simpático da anestesia neuroaxial. A opção da anestesia peridural
titulada em uma paciente bem monitorizada é plausível em alguns casos.
A gestante com lúpus pode ainda apresentar alterações neurológicas periféricas ou auto-
nômicas (até 25% dos casos), vasculite, alterações psiquiátricas e convulsões23.
Por fim, buscar sempre alterações laboratoriais como anemia, plaquetopenia e coagulo-
patia e avaliar a necessidade de uso de corticoide suplementar.

Miastenia grave
É uma doença autoimune caracterizada por fraqueza muscular com piora durante o exer-
cício. As mulheres são mais acometidas, e o pico de incidência é entre os 10 e 20 anos26.
Existem vários graus de gravidade dessa doença; ela pode se manifestar como miastenia
ocular (a forma mais branda) até miastenia grave, com fraqueza generalizada e necessidade
de suporte ventilatório26.
A gênese dessa doença é a presença de anticorpos contra os receptores nicotínicos de
acetilcolina no músculo estriado. Os músculos lisos e cardíaco não são afetados. Até 10%
desses pacientes apresentam algum tipo de tumor ou hiperplasia do timo27.
O tratamento envolve timectomia, uso de imunossupressores, anticolinesterásicos
(neostigmina e piridostigmina) e até mesmo plasmaferese8. Gestantes que foram submeti-
das à timectomia parecem apresentar menos complicações durante a gravidez29.
Pacientes tratados com anticolinérgicos podem desenvolver crise colinérgica, resultado
do excesso de anticolinérgico associado com a pequena resposta ao fármaco. Os sintomas
envolvem fraqueza muscular, dispneia ou insuficiência respiratória, sudorese, broncorreia,
sialorreia e miose.
Os pacientes portadores de miastenia grave são sensíveis a medicamentos que poten-
cializem a fraqueza muscular – bloqueadores neuromusculares; quinidina; propranolol;
aminoglicosídeos; sulfato de magnésio e terbutalina30.
Durante a gravidez, um terço das pacientes apresentam melhora dos sintomas, um terço,
piora da doença e um terço, não tem alterações31. As gestantes possuem tendência a aborta-
mento, trabalho de parto prematuro e aumento da morbimortalidade materna e fetal32 .

Anestesia na gestante com doença autoimune | 149


O manejo farmacológico dessas gestantes é complexo. Normalmente precisa haver
ajuste da dose do anticolinesterásico em uso. Esses medicamentos são uterotônicos e deve
haver monitorização da atividade uterina7. Deve-se monitorar também a função respira-
tória, visto que há elevação diafragmática com o avanço da gravidez. O uso de sulfato de
magnésio em uma gestante miastênica pode aumentar exageradamente a fraqueza mus-
cular, sendo contraindicado33.
Os anticorpos maternos atravessam a placenta e em 16% dos nascimentos desenvolve-se
miastenia grave neonatal31. Esse quadro costuma se resolver em até quatro semanas.
Essas pacientes devem se consultar com o anestesiologista antes do parto, quando será
avaliado o grau de comprometimento muscular, principalmente o respiratório.
O uso de opioides deve ser cuidadoso. São pacientes sensíveis aos efeitos sobre a função
ventilatória; algumas vezes é melhor evitá-los e proceder com técnicas de analgesia e anes-
tesia baseadas unicamente em anestésicos locais34.
A diminuição da atividade da colinesterase plasmática faz com que os anestésicos locais
aminoésteres tenham seu tempo de meia-vida prolongado, e quando usados em doses altas
podem ter efeito tóxico.
Nas cesarianas, a técnica de escolha costuma ser o bloqueio neuroaxial, a menos que a
paciente tenha uma função bulbar ou pulmonar muito comprometida, a ponto de piorar
durante a anestesia, nesse caso, a anestesia geral é a técnica de escolha34. Nas pacientes com
função pulmonar moderada, pode-se usar BiPAP para suporte ventilatório.
A succinilcolina tem efeito imprevisível, mas as doses usuais costumam ser suficientes34.
Os anticolinesterásicos usados pela paciente diminuem a atividade da colinesterase plasmá-
tica e podem aumentar a duração da succinilcolina.
Bloqueadores neuromusculares não despolarizantes devem ser usados de forma racional.
Quando necessário, optar por doses baixas de drogas de curta duração e proceder à moni-
torização da junção neuromuscular28. Obter uma quantificação do TOF antes do bloqueio
para servir como guia de recuperação. Essas pacientes podem ter uma quantificação de TOF
baixa mesmo não bloqueadas.
A equipe deve estar preparada para a necessidade de suporte ventilatório no pós-opera-
tório – todo material de via aérea deve estar próximo e a paciente deve ter sido informada
sobre essa possibilidade.

Síndrome antifosfolipídica
É uma doença pró-coagulante que envolve trombose venosa e arterial e cursa com a
existência de dois anticorpos, o anticoagulante lúpico e a anticardiolipina. Esses anticorpos
podem ser encontrados em até 44% das portadores de LES, mas a prevalência de LES nas
pacientes portadoras da síndrome antifosfolipídica é de 8%35.
O diagnóstico é feito através da existência de trombose venosa recorrente, trombose arte-
rial ou abortamentos na presença de anticorpos anticardiolipina ou anticoagulante lúpico36.
A gestante com síndrome antifosfolipídica pode apresentar trombose venosa ou arterial
acometendo vasos de maior calibre, causando tromboembolismo pulmonar, infarto agudo
do miocárdio ou infarto no sistema nervoso central3.7 Até 23% dessas pacientes podem

150 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


ter trombocitopenia e um pequeno número poderá ser acometido por uma forma grave da
doença, a síndrome de Asherson’s – trombose em múltiplos órgãos e sistemas38.
O concepto pode sofrer morte intrauterina por infartos placentários múltiplos, nor-
malmente entre o segundo e terceiro trimestres39. Após o parto, a criança não costuma
apresentar complicações, mas há descrição de alguns casos de trombose neonatal (comu-
mente cerebral)40.
Essas pacientes costumam ser tratadas com baixas doses de aspirina e heparina (redução
de 54% dos abortamentos e óbitos fetais)41. O manejo deve ser individualizado e a anticoa-
gulação plena pode ser necessária36.
O manejo anestésico é semelhante ao das pacientes lúpicas. O anestesiologista deve
buscar a coexistência de doenças autoimunes, o envolvimento de outros órgãos, fenômenos
tromboembólicos e lembrar que raramente os anticorpos antifosfolipídicos podem causar
deficiência de fatores de coagulação, situação em que o bloqueio neuroaxial é relativamente
contraindicado. A paciente sem essa suspeita e que apresentar apenas prolongamento no
KTTP pode ser submetida a bloqueio espinhal, visto que essa alteração não costuma estar
associada com aumento de sangramento42 .
Na paciente em uso de heparina não fracionada, esperar pelo menos 4 horas para o
bloqueio após a última dose da medicação. Naquela em uso de heparina de baixo peso
molecular, deve-se aguardar 12 horas e, na eventualidade de anticoagulação plena, es-
perar pelo menos 24 horas. Estudos sugerem o uso de tromboelastografia para guiar a
segurança do bloqueio 43.
Em algumas pacientes, a abrupta alteração hemodinâmica causada pelo bloqueio su-
baracnoide pode comprometer o bem-estar do concepto, principalmente naquelas em que
existe a suspeita de infartos placentários. Nessas pacientes, sugere-se o uso de anestesia
peridural titulada. Na eventualidade de anestesia geral, buscar a profilaxia de fenômenos
tromboembólicos através do uso de botas de compressão e deambulação precoce42 .

Púrpura trombocitopênica autoimune – PTA


Nessa doença, anticorpos do tipo IgG são responsáveis pela destruição das plaquetas,
causando plaquetopenia e sangramentos44. Até 8% das gestantes podem ter algum grau leve
ou moderado de trombocitopenia. A incidência da PTA é muito menor, aproximadamente
0,01%, nas gestantes45.
O diagnóstico é feito através de uma contagem plaquetária menor que 100 mil.mm 3 -1
e na biópsia de medula óssea com a presença de megacariócitos em quantidade normal
ou aumentada.
Quando a gestante desenvolve plaquetopenia extrema (menos de 20 mil.mm 3 -1) é proto-
colado o uso de corticoide. Contagem plaquetária menor que 50 mil indica o uso de corticoi-
de durante o parto46. Algumas pacientes portadoras de PTA prévia que engravidam podem
desenvolver plaquetopenia grave e refratária ao uso de corticoide e imunoglobulina, nesses
casos, a esplenectomia é indicada47.
Há maior risco de hemorragia neonatal nessas crianças, já que os anticorpos atravessam
a barreira placentária. Não existe consenso sobre qual a melhor via de parto48.

Anestesia na gestante com doença autoimune | 151


É importante ter em mente o manejo anestésico dessas pacientes, levando em considera-
ção as alterações de coagulação e o risco inerente da anestesia geral na gestante.
O maior risco da anestesia neuroaxial nessas condições é o hematoma peridural. Coa-
gulopatia franca é contraindicação absoluta para esse tipo de anestesia, e o anestesiologista
deve sempre avaliar repercussões clínicas (sangramento gengival, equimoses, hematoma) e
alterações laboratoriais comuns nessas pacientes.
Alguns pesquisadores acreditam que gestantes previamente hígidas, mas plaquetopêni-
cas (pré-eclâmpticas ou portadoras de PTA) podem ser submetidas à anestesia neuroaxial
desde que não tenham evidências clínicas de alteração da coagulação49.
Alguns fatores podem guiar a decisão do anestesiologista durante a escolha da melhor
técnica anestésica: sinais clínicos de sangramento, contagem plaquetária recente, função
plaquetária e fatores de coagulação. O risco-benefício do bloqueio neuroaxial sempre deverá
ser levado em conta, principalmente nas gestantes – grupo de alto risco de via aérea difícil.
Existem algumas recomendações que visam minimizar o risco de acidente vascular nas
punções peridurais: (a) colocação precoce do cateter, enquanto apresentar boa contagem
plaquetária; (b) técnica mediana; (c) agulha e cateter pequenos; (d) infusão de solução sali-
na antes do cateter para distender os espaços.
Após bloqueios neuroaxiais, o anestesiologista deve avaliar a paciente seguidamen-
te, com intervalos de 1 a 2 horas, buscando alterações que sugiram hematoma peridural
e não remover cateteres em pacientes que tenham desenvolvido plaquetopenia após
sua instalação 49-51.

Recomendações finais
A doença autoimune quando presente na gestação pode ser um grande desafio ao anes-
tesiologista. Os cenários de atuação podem ser semelhantes aos de uma gestação normal ou
até aqueles em que somos exigidos ao máximo – situações não usuais em locais nem sempre
preparados para receber casos complexos.
A gestação na paciente com doença autoimune deve ser considerada de risco e acompa-
nhada em serviço especializado em pré-natal de alto risco em centro de referência. O con-
ceito atual de acompanhamento pré-natal de alto risco é baseado na ação de equipe multi-
disciplinar, contexto em que o anestesiologista deve estar inserido. Também é importante a
realização do parto em centro de referência, onde os recursos de saúde especializados estão
à disposição da mãe e do recém-nascido.
A comunicação efetiva entre os membros da equipe e com a paciente é fundamental para
garantir agilidade e segurança. A comunicação eficiente entre os membros da equipe pro-
porciona antecipação, discussão e planejamento do caso. A comunicação com a paciente,
expondo claramente qual a situação da gestação, medidas e cuidados, é fundamental para
evitar futuros conflitos na relação médico-paciente. Devemos destacar a obrigatoriedade do
termo de consentimento assinado pela paciente ou responsável.
Por fim, esperamos que em um futuro próximo o entendimento da imunologia seja
maior e o manejo das doenças autoimunes seja mais eficiente, podendo assegurar melhor
desfecho gestacional.

152 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


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Anestesia na gestante com doença autoimune | 153


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154 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Capítulo 12

Monitorização fetal durante


o trabalho de parto
Fátima Carneiro Fernandes
Monitorização fetal durante o trabalho de parto

Introdução
O trabalho de parto (TP) e o parto vaginal, expectativas fisiológicas da finalização da
gestação, são cada vez mais divulgados e defendidos, numa tentativa de contrapor um fato
filosoficamente paradoxal, que é o aumento do número de cesarianas nos últimos anos. O
parto domiciliar, realizado ou não por equipe médica, ressurge como opção ideal de huma-
nização do nascimento. Entretanto, o parto não é um processo previsível ou controlável e
há sempre o receio de um desfecho indesejável que pode representar uma lesão neurológica
irreversível ou mesmo óbito fetal.
Os custos crescentes do parto cirúrgico, o impacto social e familiar do dano neurológico,
o aumento do litígio judicial, a existência de má prática obstétrica, todos são fatores que
determinaram a evolução da monitorização do estado fetal intraparto.

Avaliando o risco fetal durante o TP


Há décadas, estudos sugerem que o risco fetal intraparto é considerável. A questão que
permanece é o método ideal de avaliação precisa desse risco. Em 1963, Bonham e Butler
(The First Report of the 1958 British Perinatal Mortality Survey) reviram o laudo de autópsia
de cerca de 1.400 recém-natos e concluíram que em torno de 30% dessas mortes decorriam
de asfixia intrapartum1.
De acordo com relatório da World Health Organization 2005, as mortes neonatais ocor-
ridas no intraparto respondem por quase 10% dos óbitos de crianças abaixo de 5 anos2 . Em
2007, nos países desenvolvidos, os natimortos intrapartos eram raros, enquanto nos países
em desenvolvimento, até 50% deles morrem no intraparto3.
Modelos animais consubstanciam a hipótese de que eventos intraparto podem levar a
sequelas neurológicas a longo prazo. Estudos com cobaias e macacos mostraram padrão de
dano similar ante a hipóxia intraútero4.
Há situações que apontam para risco aumentado de eventos adversos no intraparto, que
incluem complicações clínicas maternas, fetais ou do intraparto. Estudos mais antigos re-
latam que as gestantes de alto riscoconstituem20% da população grávida, porém, sua prole
representa 50% dos casos de morbidade e mortalidade perinatal5.
A magnitude do risco no período intraparto fetal tem sido amplamente discutida. Em
2003, The American College of Obstetricians and Gynecologists (ACGO) Task Force on Neo-
natal Encephalopathy and Cerebral Palsy concluiu que 70% das injúrias neurológicas fetais
decorrem de eventos anteriores ao TP. Exemplos dessas situações são as injúrias congê-
nitas, exposição química, infecção e trombose/coagulopatia fetal. Cerca de 4% dos casos
de encefalopatia neonatal resultam somente de hipóxia intraparto, uma incidência de apro-
ximadamente 1,6/1.0006. Cerca de 25% dos fetos podem ter fatores de risco anteparto e
intraparto para injúria neurológica.
Ainda está por ser definida como a tecnologia crescente poderá diagnosticar e ajudar a
tratar com precisão a injúria intraparto.

156 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Encefalopatia neonatal: acidemia hipóxica e paralisia cerebral
A encefalopatia neonatal (EN) pode resultar de muitas condições e 70% dos casos decor-
rem de eventos anteriores ao TP.
A acidemia hipóxica pode ocorrer em qualquer ponto da gestação (anteparto ou intra-
parto). O grau de injúria neurológica dependerá da natureza do insulto, do grau de maturi-
dade do cérebro e seu suprimento vascular no momento da agressão. O feto a termo sofre a
agressão principalmente à substância branca subcortical e córtex cerebral. Com frequência,
envolve o córtex motor, notadamente de membros superiores. A mais frequente consequên-
cia dessa injúria é a diplegia ou a quadriplegia espástica7.
A injúria hipóxica/hipotensiva mais grave atinge áreas mais profundas do cérebro; os
fetos pré-termo respondem à hipoperfusão com lesão de substância branca periventricular,
região que envolve fibras descendentes do córtex motor. A lesão é chamada leucomalácia-
periventricular e é visível na ultrassonografia craniana. Já a injúria moderada mais prova-
velmente atingirá os membros inferiores. As sequelas incluem, além das plegias, os déficits
cognitivos e visuais7.
No entanto, o conceito de paralisia cerebral (PC) define uma desordem motora de origem
cerebral caracterizada por início precoce, postural ou de movimentos anormais que não são
atribuíveis a doença progressiva identificável. A quadriplegia espástica, especialmente asso-
ciada com uma desordem de movimento, é o único tipo de PC associado com a interrupção
aguda de fluxo sanguíneo. A PC atáxica ou puramente discinética, especialmente quando
está associada com dificuldade de aprendizagem, hemiparesias, hemiplegias e diplegias, ge-
ralmente tem origem genética ou condições outras, como trauma, infecção e coagulopatias
e não é causada por asfixia intraparto ou periparto8-10.

A vigilância fetal no TP
Ausculta fetal intermitente
A ausculta fetal durante o TP é o método mais utilizado para o monitoramento da FCF
até os dias de hoje. Utilizava-se o estetoscópio de Pinard ou, atualmente, o sonar doppler11.
O método consta da ausculta da FCF antes, durante e depois da contração uterina. O Ame-
rican College of Obstetricians and Gynecologist se a Organização Mundial de Saúde conside-
ram aceitável a ausculta intermitente da FCF, com uma periodicidade regular de 30 e 15
minutos, no primeiro estágio do TP, e de 15 e 5 minutos no segundo estágio, nas gestações
de baixo e alto riscos, respectivamente. Os principais parâmetros observados da ausculta
fetal intermitente são FCF basal, acelerações transitórias espontâneas ou relacionadas com
movimento se contrações uterinas e desacelerações precoces, tardias e variáveis12 .
Propedêutica do líquido amniótico: amnioscopia e amniotomia
A amnioscopia é a técnica utilizada para a visualização do LA através das membranas,
por meio do amnioscópio. Necessita de colo uterino já dilatado e é realizada por médico
obstetra, que visualiza as características de coloração do líquido: LA claro sem grumos;
LA claro com grumos; LA tinto de mecônio e LA meconial(mecônio espesso)13. Mecô-
nio moderado a espesso está associado com escores de Apgar reduzidos, redução do pH

Monitorização fetal durante o trabalho de parto | 157


do sangue arterial umbilical, aumento da incidência de convulsão neonatal, aumento do
parto cirúrgico e da admissão na UTI neonatal. No entanto, a presença de mecônio tem
um valor positivo preditivo pobre e sensibilidade igualmente pobre em prever resultados
neonatais adversos13.
A amniotomia é a técnica utilizada para a ruptura artificial das membranas âmnicas,
com o objetivo de determinaras características do LA14. O procedimento é realizado atra-
vés da identificação da cérvice uterina e das membranas amnióticas pelo exame bidigital,
introduzindo-se um instrumento de plástico ou metálico (amniótomo) que perfura a
membrana amniótica14.
As principais complicações da amniotomia são prolapso de cordão umbilical, compres-
são do cordão com aumento da frequência de desacelerações fetais, ruptura de vasa prévia,
hemorragias, infecções ascendentes e desconforto durante a realização do procedimento.
Entretanto, poucos estudos têm enfocado esses riscos14. De forma geral, a amniotomia deve
ser evitada.
Frequência cardíaca fetal eletrônica
A maioria dos métodos contemporâneos inclui o registro da FCF, como a eletrocardio-
grafia fetal, de forma intermitente ou contínua. Através de modelos experimentais, podem-
-se descrever alguns fatores que afetam a regulação da FCF. Fatores humorais e neuronais
participam dessa regulação. A maturação do sistema nervoso parassimpático se faz tardia-
mente durante a gestação, o que determina FCF maiores nos períodos mais precoces da
gravidez. Barorreceptores respondem ao aumento da pressão arterial e os quimiorrecep-
tores respondem à hipóxia e hipercapnia para modular a FCF através do SNA. A atividade
cortical cerebral e a atividade hipotalâmica afetam a FCF através dos centros de integração
na medula oblonga. Observações clínicas e modelos animais ajudam a estabelecer uma cor-
relação entre a FCF e o resultado perinatal15.
A monitorização eletrônica simultaneamente registra a FCF e as contrações uterinas,
permitindo relacionar a frequência e o padrão da FCF basal com as contrações uterinas.
Cardiografia fetal
A cardiografia fetal representa o registro gráfico da FCF ou do eletrocardiograma
fetal (ECG) obtido com o uso de sonar multifocado, que se apresenta como método
externo, ou o eletrodo no escalpo fetal como método interno, presente nos monitores
fetais atuais16, 17.
Em 2008, o National Institute of Child Health and Human Development uniformizou e
definiu os traçados da FCF duvidosos16. No mesmo ano, Marcones e cols. propuseram adap-
tações a essas definições, citando as categorias17:
Ѵ Categoria I: normal. Fortemente preditivo de estado acidobásico fetal normal.
Linha de base: 110 a 160 bpm.
• Variabilidade da linha de base: moderada.
• Aceleração: presente ou ausente.
• Desacelerações precoces: presentes ou ausentes.
• Desacelerações tardias ou variáveis: ausentes.

158 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Ѵ Categoria II: indeterminado. Não preditivo de estado acidobásico anormal, mas sem
adequada evidência para classificar como normal ou anormal.
Todos os traçados não inclusos nas categorias I e III.
Ѵ Categoria III: anormal. Preditivo de estado acidobásico fetal anormal no momento da
observação e, por isso, requer pronta avaliação.
Ausência de variabilidade da linha de base.
• Desacelerações tardias recorrentes.
• Desacelerações variáveis recorrentes.
• Bradicardia.
• Traçado sinusoidal.
O Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia e a Sociedade de Medicina Materno-
-Fetal dos EUA propuseram uma segunda etapa de conceitos-chave18. São eles:
Linha de base – FCF situado entre 110 e 160bpm com oscilações maiores que
5bpm/10minutos. Bradicardia com valores inferiores a 110bpm e taquicardia, acima de
160bpm.
Variabilidade da linha de base – a importância das flutuações da linha de base tem des-
pertado interesse na avaliação do bem-estar fetal. Essas oscilações sofrem influência de vá-
rios fatores, como prematuridade (principalmente abaixo de 32 segundos); ciclo de sono e
vigília fetais; anormalidades do ritmo cardíaco e do sistema nervoso fetal; efeitos de drogas
e fármacos; hipoxemia e acidose etc. A administração materna de antagonistas do receptor
beta-adrenérgico (propranolol) parece ter pouco efeito sobre a variabilidade. A frequência
e a amplitude dessas oscilações em um intervalo mínimo de minutos determinam padrões
de classificação que são:
• Oscilação ondulatória: amplitude de oscilação entre 10 e 25bpm e uma frequência
de 2 a 4 oscilações em 10 minutos. É o traçado normal, fisiológico.
• Oscilação saltatória: amplitude de oscilação de mais de 25bpm e uma frequência
acima de 4 oscilações em 10 minutos. Pode indicar um alerta ao obstetra de que estão
ocorrendo modificações súbitas na hemodinâmica fetal (talvez uma compressão do
cordão umbilical). Deve-se ter maior atenção, pois pode converter-se em padrão pa-
tológico subitamente.
• Oscilação comprimida: amplitude de oscilação de 5 a 10bpm e uma frequência de
5 a 10 oscilações observadas em 10 minutos. Esse traçado está associado com fetos
adormecidos, imaturidade fetal, efeito de fármacos (sedativos, anestésicos, paras-
simpaticolíticos), hipoxemia fetal. Significará um traçado patológico caso não haja
resposta à estimulação fetal externa (estímulo vibroacústico, por exemplo).
• Oscilação lisa: amplitude de oscilação inferior a 5bpm e uma frequência de osci-
lações ausente ou menor que 1 por minuto, observadas em 10 minutos de traçado.
Significa sofrimento fetal em qualquer etapa da gestação e no parto, excluindo a pos-
sibilidade de uso de substância depressora do SNC.
• Oscilação sinusoide: amplitude de 5 a 10bpm, duração de 15 a 30segundos, ritmo
fixo, regular e repetitivo. Pode ser decorrente de grave anemia fetal, anemia hemolíti-

Monitorização fetal durante o trabalho de parto | 159


ca, descolamento placentário, rotura de vasa prévia, transfusão feto materna ou feto
fetal, corioangioma placentário, isoimunização Rh com a mãe sensibilizada após a
administração de alfa prodina e butorfanol etc. 18.
Aceleração – é uma elevação repentina da FCF. Gestação com mais de 32 semanas – pico
com 15bpm acima da linha de base e duração variando de 15 segundos a 2 minutos (Figura
12.1). Gestação com menos de 32 semanas – pico de 10bpm e duração de 10 segundos a 2 mi-
nutos. Prolongada – maior que 2 minutos e menor que 10 minutos. Aparecem e desaparecem
em um intervalo menor que 10 minutos. Acelerações fetais são respostas fisiológicas no ante-
parto aos movimentos fetais. Representa saúde e capacidade de suportar o estresse do TP18.

Figura 12.1: Acelerações com mais de 15bpm acima da linha de base.

Desaceleração – a precoce é associada com a contração uterina; o pico da desaceleração


coincide com o pico da contração; a tardia está associada com a contração;o pico acontece
após o pico da contração uterina; a variável tem início repentino; o pico da desaceleração é
maior que 15bpm e a duração varia de 15 segundos a 2 minutos; a prolongada é um decrésci-
mo de 15bpm abaixo da linha de base e dura de 2 a 10 minutos, retornando à linha de base18.
• Simultâneas à contração uterina
• Desacelerações precoces: também conhecidas por DIPI ou DIP cefálico, são
quedas momentâneas da frequência que ocorrem e coincidem com as contra-
ções uterinas;aparecem e desaparecem a cada contração19(Figura 12.2). Não
são deletérias ao feto.

Figura 12.2 – Desacelerações precoces

160 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


• Desacelerações tardias: também conhecidas como DIP II ou DIP placentário,
são intrínsecas ao TP, ocorrem tardiamente às contrações uterinas e se apre-
sentam como uma queda gradativa e momentânea da FCF. O pico ocorre de 20
a 30 segundos após o pico da contração uterina e se traduz por uma queda das
trocas materno-fetais causada pela diminuição do aporte sanguíneo ao espaço
interviloso durante a contração. Essas desacelerações também podem resultar
da descompensação da circulação e falência miocárdica. Sugerem asfixia fetal e
associação com variabilidade ausente ou reduzida e é um sinal preciso de com-
prometimento fetal20.
• Não simultâneas à contração uterina
• Desacelerações variáveis: quedas transitórias não periódicas da FCF, sem
nenhuma correlação com as contrações uterinas, em um intervalo de tempo
menor que 10 minutos (Figura 12.3). Modelos clínicos e experimentais suge-
rem ser a oclusão do cordão umbilical, parcial ou completa, responsável por
essas desacelerações. São também conhecidas como DIP III ou DIP umbilical.
Podem representar brevidade de cordão, circular cervical, nó verdadeiro, pro-
lapso etc. Desacelerações variáveis alteram em profundidade, forma e duração.
Frequentemente, são súbitas em seu início e término, resultando em atividade
vagal mediada por quimiorreceptores e barorreceptores. Durante o segundo
estágio do trabalho de parto, desacelerações variáveis podem resultar na com-
pressão da cabeça fetal, porém, o feto saudável pode tolerar reduções da FCF
(não abaixo de 80bpm) sem descompensação21.

Figura 12. 3 – Desacelerações variáveis ou DIP umbilical

Tocografia
É o registro gráfico dos valores das alterações da pressão intrauterina na gravidez e no
parto. Da análise desses registros podemos estudar:
a. Tono: representa a pressão exercida pelas paredes do útero dentro da cavidade quan-
do estiverem ausentes as contrações ou no intervalo delas.
b. Pressão basal: é o menor valor pressórico registrado no intervalo de duas con-
trações. É a soma das pressões do tono uterino e abdominal materna. A faixa de
variação da normalidade é 10 a 20mmHg (método pneumático) ou 5 a 10mmHg
(método hidráulico).

Monitorização fetal durante o trabalho de parto | 161


c. Frequência: é o número de contrações ocorridas em 1 minuto. Os valores normais
oscilam de duas a cinco contrações.
d. Intensidade: medida em milímetros de mercúrio (mmHg), é o maior valor pressóri-
co obtido pela contração uterina a partir da pressão basal. Seus valores considerados
normais oscilam de 30 a 50mmHg, de acordo com a fase do TP.
e. Atividade uterina: é o valor obtido ao se multiplicar a frequência de contrações pela
média das intensidades obtidas no intervalo de 10 minutos, expressa em UM (unida-
des Montevidéu). Varia de 90 a 120UM.
f. Trabalho uterino total: é o somatório das intensidades das contrações obtidas do
início até o término do TP. Para isso, é necessário que iniciemos o TP (indução),
sendo a variação normal entre 6.000 e 8.000mmHg.
g. Movimento fetal ativo: É o registro gráfico dos movimentos ativos do concepto du-
rante o CTG.
Limitações da monitorização fetal cardíaca eletrônica
Apesar de modelos clínicos e experimentais sugerirem que a monitorização da FCF
precisamente reflete a vitalidade fetal22, existe controvérsia na avaliação da capacidade de
essa ferramenta melhorar os resultados fetais e neonatais durante o TP; ela parece que ela
elevou, nos últimos 40 anos, a incidência do parto cirúrgico.
Várias hipóteses têm sido formuladas para explicar a aparente falência da monitorização
intraparto em reduzir a incidência da paralisia cerebral.
1. Grande proporção de dano asfíxico começa antes do início do TP.
2. Eventos catastróficos (DPP, prolapso de cordão, rutura uterina etc.).
3. Proporção maior de sobrevivência de fetos de baixo peso.
4. Infecção associada com padrões anormais de FCF e subsequente desenvolvimento
de paralisia cerebral.
5. O grau de asfixia que causa dano permanente neurológico se aproxima daquele que
causa morte fetal, deixando estreita janela para intervenção.
As limitações da monitorização incluem um valor preditivo positivo pobre em distin-
guir entre traçados de FCF anormais e resultados anormais. Por conta dessa imprecisão, a
ACOG recomendou que traçados anormais sejam descritos com o termo estado fetal não
tranquilizador no lugar de asfixia periparto ou estresse fetal. Estudos retrospectivos sugeri-
ram que todos os fetos que apresentaram PC tinham desacelerações tardias e variabilidade
reduzida, mas nem todos os que apresentaram essas alterações tiveram PC em sua evolução.
Portanto, o uso da monitorização eletrônica cardíaca fetal em combinação com dados clíni-
cos e laboratoriais propõe aumentar a previsão e a prevenção da asfixia severa23.

Métodos suplementares de avaliação fetal


Microanálise do sangue do escalpe fetal
A vigilância do feto intraparto torna-se mais completa quando se associa um método
antigo, introduzido por Saling24, em 1966, à monitorização eletrônica da FCF, verificando a
presença da acidose e sugerindo a presença de comprometimento fetal.

162 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


O obstetra insere um endoscópio na vagina, faz uma pequena laceração no escalpe
ou nádega e usa um tubo capilar para coletar uma amostra do sangue capilar fetal. O
obstetra não pode realizar esse procedimento se há uma dilatação cervical mínima. Con-
traindicações relativas são a presença de membranas intactas e apresentação de vertex
não encaixada; coagulopatia fetal; infecção (herpes simples, corioamnionite, vírus da
imunodeficiência adquirida etc.); necessidade antecipada de muitas amostras, o que pode
significar trauma fetal significante.
Por meio da microanálise, avaliamos as condições de bem-estar fetal somente no mo-
mento da coleta, não tendo a microanálise nenhum valor prospectivo. Assim, há necessida-
de de nova coleta, repetindo-se as incisões fetais à apresentação fetal tantas vezes quantas
forem necessárias.
É, portanto, uma técnica em abandono pelos riscos e dificuldades técnicas, além de não
demonstrar redução nas taxas de cesariana ou asfixia perinatal25. Das medidas realizadas
pela microanálise, o pH é a mais fiel para traduzir o grau de oxigenação fetal. Considera-se
que uma medida de pH do sangue do escalpe fetal acima de 7,25 é aceitável e indica que o
paciente pode continuar em TP. Se as anormalidades no traçado continuam, uma repetição
da amostra é recomendada em 30 minutos. Um pH menor que 7,20 é considerado anormal,
e o parto será acelerado se uma segunda medida confirmar esse valor. Há condições que
podem levar a um falso positivo, como anormalidades no pH materno; amostra inadequada;
contaminação com fluido amniótico; amostra de outro tecido que não o escalpe fetal.
No transcorrer do TP, é aceitável pH de até 7,20 na fase final de dilatação e até 7,15 no
período expulsivo25.

Estimulação do escalpe fetal


O escalpe fetal pode ser digitalmente estimulado durante o exame vaginal (ou mesmo
beliscado com uma pinça de Allis) e essa resposta seria um reflexo indireto do estado aci-
dobásico fetal. O objetivo é incitar uma resposta simpática com aceleração cardíaca fetal
(15bpm de amplitude com duração de 15 segundos) que reflete um feto normoxêmico. Es-
tima-se que essa resposta está relacionada com o pH fetal de pelo menos 7,19. No entanto, a
ausência de uma resposta aceleratória não prediz comprometimento fetal26.

Estimulação vibroacústica
Consiste na aplicação de um estímulo vibroacústico diretamente no abdome materno, o
que resulta em aceleração da FCF de fetos saudáveis27.
A estimulação sonora é frequentemente realizada com buzina, comprimida sobre o ab-
dome materno, na região do polo cefálico, com tempo de estimulação sonora de 3 a 5 segun-
dos. A resposta reflexa esperada do feto são movimentos e aceleração da FCF. O teste pode
ser definido como satisfatório e não satisfatório.
O teste satisfatório mostra aceleração de, pelo menos, 15bpm por, pelo menos, 15 se-
gundos, padrão monofásico ou bifásico. Não ocorrendo resposta satisfatória, o teste pode
ser repetido após um a três minutos, até duas vezes consecutivas. O feto, então, pode ser
classificado como ativo (resposta satisfatória), hipoativo (aceleração de FCF que dura

Monitorização fetal durante o trabalho de parto | 163


menos de 15 segundos e/ou amplitude menor que 15bpm) e inativo (ausência de acelera-
ções da FCF)28.

Doppler velocimetria arterial umbilical


A velocimetria da artéria umbilical intraparto tem sido usada como adjunto à monitori-
zação da FCF (perfil biofísico fetal - PBF), quando há traçados com resultados duvidosos
(não tranquilizadores). O PBF tem sido recomendado como poderosa ferramenta para o
manuseio do período intraparto.
A doppler velocimetria permite avaliar a hemodinâmica fetal nas mais variadas situações
e o estudo dos vasos fetais arteriais e venosos no anteparto, especialmente o ducto venoso,
constitui exame importante na avaliação das alterações hemodinâmicas decorrentes da hi-
póxia fetal29.

Novas tecnologias
Oximetria fetal de pulso
Esse método apresenta vantagens porque, em primeiro lugar, mede a hemoglobina, indi-
retamente a oxigenação dos tecidos, e, em segundo lugar, constitui técnica confiável, com a
qual os anestesiologistas estão familiarizados30.
Os sensores para oximetria de pulso fetal são colocados através do canal vaginal, aco-
plados junto ao polo cefálico, após ruptura das membranas, preso por sucção ou clipes. O
sensor mais comumente utilizado é mantido posicionado contra a cabeça fetal ou bochecha
com a pressão da cérvix.
As medidas médias de saturação são emitidas a cada 45segundos, e um feto humano tipi-
camente demonstra uma saturação de oxigênio em torno de 30% a 40% (PaO2 de 25mmHg
– sat.40%; PaO2 de 20mmHg – sat.30%). Modelos animais e estudos em humanos sugerem
que a acidose metabólica não ocorre até que a saturação de oxigênio tenha caído abaixo de
30% por pelo menos 10 minutos. A oximetria de pulso não prevê acidose metabólica preci-
samente em fetos com desacelerações variáveis durante o segundo estágio do TP.
A oximetria melhora a acurácia da avaliação do bem-estar fetal, mas necessita de
rotura de membranas, toque vaginal e manipulação materna e fetal. O Colégio Ame-
ricano de Obstetrícia e Ginecologia não recomenda a utilização da oximetria fetal no
parto, porque aumenta os custos, não traz benefícios aparentes e não reduz a incidência
de cesarianas 31.

Eletrocardiografia fetal - análise do segmento ST


A técnica é menos invasiva que a microanálise do sangue fetal, porém, existe ainda a
necessidade de embutir um eletrodo no couro cabeludo do concepto. Monitores têm sido
desenvolvidos para o acompanhamento contínuo da FCF através da EF durante oTP31.
A EF, como no adulto, exibe as sondas P, QRS e T, correspondendo a eventos elétricos
do coração durante cada batida. A onda P representa a contração atrial; o complexo QRS, a
contração ventricular; e a onda T, a repolarização ventricular. A relação PR/RR e o segmen-
to ST chamaram atenção dos pesquisadores para avaliação do bem-estar do feto31.

164 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


A hipóxia fetal induz modificações na morfologia eletrocardiográfica do segmento ST e
da onda T, e a análise da forma do segmento ST aumenta a especificidade dos traçados de
FCF, mas não a sensibilidade.
Espectroscopia de luz próxima ao infravermelho
A espectroscopia é uma técnica óptica, não invasiva, que apresenta o potencial de medir
a oximetria fetal cerebral diretamente. Ela explora as características de absorção diferentes
entre a molécula de hemoglobina reduzida e oxigenada. Pode, então, detectar modificações
na relação entre o citocromo C oxidase reduzida e oxigenada e na relação entre a hemoglo-
bina oxigenada e desoxigenada na circulação cerebral32 .
Durante o TP, introduz-se um dispositivo de fibra óptica, envolvido por silicone, através
da cérvice uterina, que é colocado ao lado da cabeça fetal32 . Dessa forma, é possível realizar a
monitorização contínua intraparto das mudanças na hemoglobina oxigenada, desoxigenada
e total, permitindo o cálculo da saturação de oxigênio33. Atualmente, é a única técnica capaz
de observar as mudanças do fluxo sanguíneo cerebral durante o TP, podendo identificar
com mais precisão os fetos que estão verdadeiramente em risco para um dano cerebral, nos
quais a intervenção cirúrgica estaria indicada33.
Estudos sugerem que a leitura da espectroscopia é satisfatória em somente 50 a 65% dos
conceptos33. O pobre contato com a pele e os cabelos fetais grossos e pretos podem conduzir
uma penetração insuficiente da luz, causando leituras insatisfatórias. Além disso, mudanças
na posição da fibra óptica podem causar medidas errôneas33.
Espectroscopia por ressonância magnética de prótons
A espectroscopia por ressonância magnética e a ressonância magnética “convencional”
são métodos que se utilizam dos mesmos princípios físicos, diferindo na forma em que os
dados são processados e apresentados. Em vez das imagens anatômicas de ressonância
magnética a que estamos acostumados, as imagens de espectroscopia são representadas
por um gráfico que demonstra picos metabólitos que apresentam diferentes radiofrequên-
cias e intensidades.
A espectroscopia pode ser obtida a partir de diversos átomos, como hidrogênio, fósforo,
carbono, sódio e flúor. De maneira geral, do ponto de vista clínico, a espectroscopia mais
utilizada é a de hidrogênio, devido à abundância desse átomo no organismo. A espectrosco-
pia de prótons permite a distinção entre tecidos normais e anormais.
Os metabólitos identificados pela espectroscopia são: N-acetil-aspartato; colina; crea-
tina total; mioinositol; glutamato/glutamina; lactato e lipídios. Em geral, os metabólitos
não podem ser estudados em valores absolutos e sua avaliação é feita por meio de relações,
sendo, em geral, o denominador a creatina ou, menos comumente, a colina. Ainda deve-se
saber que a concentração dos metabólitos varia de acordo com a localização no encéfalo e
com a idade do paciente.
Essa técnica pode medir os níveis dos metabólitos N-acetil-aspartato, creatina, colina
e inositol em tecido neural neonatal e fetal. Sendo assim, informação metabólica pode ser
obtida de cérebros de humanos e animais, e investigações iniciais sugerem a capacidade de
mensurar a oxigenação cerebral fetal. Tem-se mostrado útil na avaliação da encefalopatia

Monitorização fetal durante o trabalho de parto | 165


isquêmica-hipóxica e em desordens metabólicas em pacientes pediátricos. Apesar de essas
medidas poderem ser correlacionadas com o nível de oxigenação tissular, a utilidade clínica
dessa técnica como meio de avaliação fetal permanece obscura.
Dosagem do lactato fetal intraparto
A dosagem do lactato no sangue do escalpe fetal se correlaciona bem com o nível do
lactato do sangue arterial do cordão umbilical34. Em situações em que a monitorização fetal
intraparto mostra situação não tranquilizadora, os níveis do lactato fetal podem ser usados
para revelar a condição real. A vantagem do lactato sobre o pH são a possibilidade de se
obter resultado em uma quantidade mínima de sangue, bem como poder diferenciar entre
acidose respiratória e uma acidose potencialmente deletéria, que é a acidose metabólica34.
O resultado é suscetível à má perfusão do escalpe pela presença de uma extensão
grande ou ainda devido a segundo estágio prolongado, que pode levar a níveis de lactato
falsamente elevados34.

Conclusão
Existe hoje recomendação do ACOG para substituir o termo sofrimento fetal por frequên-
cia cardíaca fetal não tranquilizadora, embora também pareça razoável a utilização do termo
estresse fetal. Entretanto, a unificação de termos utilizados para definir os traçados é de grande
importância, e uma nomenclatura de consenso deve ser adotada internacionalmente.
Obstetras acreditaram que, com a introdução da monitorização eletrônica fetal na ava-
liação do bem-estar fetal, haverá a redução da morbimortalidade perinatal, o que não foi
evidenciado em ensaios clínicos randomizados. Entretanto, apesar das limitações e dos pro-
blemas com a cardiotocografia contínua, esta ainda é bastante utilizada. Entre os métodos
expostos neste capítulo, ainda não se concluiu qual o exame ideal, isolado ou associado com
a cardiotocografia, para o diagnóstico preciso de sofrimento fetal, que deverá melhorar os
resultados perinatais sem aumentar a incidência de cesarianas.
O treinamento para adequada avaliação do bem-estar fetal intraparto deve fazer
parte do treinamento obstétrico, e estudos recentes sugerem a necessidade de aumentar
a capacidade dos profissionais nesse sentido, com ênfase no treinamento e na melhora
de suas habilidades.
Da mesma forma, os pais devem ser esclarecidos sobre o método de monitoração a ser
utilizado, evitando uma falsa sensação de segurança, visto que a utilização de qualquer teste
não garante que a hipóxia fetal não aconteça.

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Monitorização fetal durante o trabalho de parto | 167


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168 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Capítulo 13

Anestesia para Cirurgias e


Procedimentos sobre o Feto
Florentino Fernandes Mendes
Anestesia para Cirurgias e Procedimentos sobre o Feto

Introdução
A cirurgia fetal é usada para tratar um número cada vez maior de condições letais e não
letais. A possibilidade de ocorrer, na cirurgia aberta, trabalho de parto prematuro ou ruptu-
ra prematura de membranas tem levado ao desenvolvimento de técnicas e procedimentos
com acesso cirúrgico mínimo.
O racional para a realização de intervenção fetal, até pouco tempo atrás, era corrigir uma
alteração no desenvolvimento que levaria à morte fetal ou neonatal e restaurar o desenvol-
vimento normal em uma extensão que fosse compatível com a sobrevivência e a qualidade
de vida.
A limitação da cirurgia para a correção de uma anomalia fetal é o risco considerável ao
qual a mãe é submetida. Por causa dessa limitação, a cirurgia fetal somente pode ser consi-
derada apropriada para um limitado número de situações, com pré-requisitos específicos
para a sua realização1.
A combinação do ultrassom, da ecocardiografia e da ressonância nuclear magnética
pode, agora, proporcionar uma análise extremamente sofisticada da presença ou ausência
de uma anomalia e também das características específicas dessa anomalia2 .
Existe também progresso significativo na nossa habilidade de manusear, com segurança,
a mãe e o feto e de corrigir defeitos anatômicos específicos. Mas, a despeito desse progresso,
a cirurgia fetal permanece controversa1. E cabe a indagação: a história natural das anomalias
fetais é alterada pela intervenção cirúrgica fetal? Em outras palavras, qual é o benefício para
um feto específico para se justificar o risco materno? De fato, a cirurgia fetal, como todas as
outras áreas da terapia cirúrgica, precisa ser validada por pesquisas bem conduzidas3.
O trabalho de parto prematuro é o calcanhar de Aquiles da cirurgia fetal1 e é diretamente
proporcional à perturbação da fisiologia fetal4.
Assim, não é surpresa que novas técnicas menos invasivas sejam desenvolvidas com o
objetivo de minimizar o risco de ocorrer essas e outras complicações.

Avaliação pré-operatória materno-fetal


Os desafios gerais apresentados ao anestesista são:
1. Aqueles relacionados com qualquer ato anestésico realizado na mulher grávida.
2. Manter a estabilidade hemodinâmica materna e fetal durante a cirurgia.
3. Técnicas utilizadas para evitar o trabalho de parto prematuro.
4. Manter a homeostase materna considerando o uso de técnicas tocolíticas.
5. Manter a homeostas efetal.
6. Provisão de analgesia fetal durante a cirurgia.
Assim, antes da realização da cirurgia, história médica e exame físico completo, realiza-
dos por anestesista afeito à realização da anestesia obstétrica, devem ser obtidos com a mãe.
A coexistência de doenças cardíacas ou pulmonares significantes poderia excluir a mãe de
ser uma candidata ideal para a realização de histerotomias e laparotomias5.

170 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Em fetos nos quais a traqueia e o esôfago são comprimidos por uma massa cervical, po-
lidrâmnio é um achado comum6. Portanto, uma história obstétrica detalhada, incluindo o
número de amniorreduções, volume retirado e a presença de contrações uterinas ao tempo
da redução, deve ser obtida. Polidrâmnio massivo pode levar a trabalho de parto prematuro
requerendo amniorredução e/ou terapia tocolítica. Durante a cirurgia fetal, a terapia tocolí-
tica pode afetar o manejo anestésico5,6.
As alterações fisiológicas da gravidez, incluindo preocupações com o retardo do esvazia-
mento gástrico, deveriam ser consideradas, e precauções adequadas, como a administração
de citrato de sódio, ácido cítrico, antagonista de histamina-2 e metoclopramida no pré-ope-
ratório deveriam ser tomadas6.
Não existe benefício direto para a mãe com a realização desse procedimento e o risco
para ela é um propósito puramente altruístico7.
Os riscos maternos são similares aos associados com a cirurgia abdominal de grande
porte. Por causa do princípio da beneficência, também requer que os médicos atuem no
melhor interesse da mulher/mãe, e potenciais benefícios fetais precisam ser pesados contra
o real risco materno8.
Essas considerações e as possíveis complicações associadas com a cirurgia devem ser
esclarecidas antes da assinatura do consentimento para a realização da cirurgia.
A amniocentese tem um papel central na detecção de uma anormalidade cromossômica
subjacente. Em adição, a imagem fetal, incluindo a ecocardiografia, é crítica para avaliar a
função ventricular e o desenvolvimento do coração fetal. A falência cardíaca fetal poderia
se apresentar como hidropisia fetal (acúmulo de fluido em uma ou mais cavidades, como
couro cabeludo, tecido subcutâneo, pleura, pericárdio ou abdome). Teratomas cervicais, ou
cistos adenoides congênitos, podem se associar com hidropisia e piora do prognóstico fetal.
O peso fetal é estimado por ultrassom e usado para o cálculo da quantidade de fármacos
venosos que devem ser administrados durante a cirurgia9.

Estresse fetal
Existem evidências consideráveis de que o feto pode experimentar dor. Não há somente
uma obrigação moral para prover analgesia e anestesia fetal, mas também foi demonstrado que
a dor e o estresse fetal podem afetar a sobrevida e o desenvolvimento neurológico do feto10.
Fatores que sugerem que o feto experimenta dor:
• Desenvolvimento neural – receptores nervosos periféricos se desenvolvem entre a
7ª e a 20ª semanas de gestação; as fibras aferentes do tipo C iniciam o seu desen-
volvimento na 8ª semana e se completam na 30ª semana. As fibras espinotalâmicas
(responsáveis pela transmissão da dor) desenvolvem-se entre a 16ª e a 20ª semanas e
as talamocorticais, entre a 17ª e a 30ª semanas de gestação10.
• Resposta comportamental – movimentos do feto em resposta ao estímulo externo
ocorrem precocemente na 8ª semana e existe reação ao som na 20ª semana de gesta-
ção. Resposta ao estímulo doloroso ocorre a partir da 22ª semana de gestação.
• Resposta fetal ao estresse – em resposta ao estímulo doloroso ocorre estresse fetal,
demonstrado por aumento das concentrações de cortisol e de β-endorfinas, movi-

Anestesia para Cirurgias e Procedimentos sobre o Feto | 171


mentos vigorosos e esforços para respirar11. Esses achados sugerem que o eixo hipo-
tálamo-pituitária-adrenal do feto é funcional.
Não existe correlação entre os níveis de noradrenalina materna e fetal, o que sugere
ausência de transferência placentária de noradrenalina. Essa resposta do feto ao estresse é
independente da resposta materna e ocorre a partir da 18ª semana de gestação12 .
Existem implicações em longo prazo por não proporcionar analgesia fetal adequada,
como hiperalgesia e, possivelmente, aumento da morbidade e da mortalidade. Como qual-
quer outro procedimento, a provisão de analgesia depende da provável severidade da dor
associada com a intervenção. Contudo, a analgesia é recomendada sempre que houver trau-
ma cirúrgico direto ao feto.
Para a cirurgia aberta com a utilização de anestesia geral (com ou sem peridural), o feto
obtém anestesia por meio da placenta, contudo, a administração intramuscular de analgési-
cos também pode ser utilizada10,13.
Quando em longo tempo o bem-estar fetal é uma consideração central, a evidência da
existência de dor fetal é desnecessária para justificar a anestesia e a analgesia fetal8.
Outros propósitos, como prevenir os movimentos fetais durante a cirurgia14-16; obter
atonia uterina para melhorar o acesso cirúrgico; prevenir o descolamento de placenta15-18;
prevenir a resposta ao estresse associada com os piores desfechos fetais19,20 e possíveis efeitos
adversos comportamentais e no neurodesenvolvimento em resposta a dor21-23, também são
importantes e devem ser considerados.

Desenvolvimento da cirurgia fetal


O desenvolvimento que teve o mais profundo efeito sobre nossa abordagem para o feto
foi a introdução de uma técnica de imagem segura e não invasiva que permitiu a visualiza-
ção direta da vida fetal. As radiografias foram reconhecidas como sendo potencialmente
prejudiciais para o organismo em desenvolvimento. Radiografias simples rendem pouca in-
formação e a introdução de materiais radiopacos dentro do fluido amniótico (amniograma)
aumentou o risco de ruptura prematurada das membranas ou parto prematuro, sem possibi-
litar muito mais informações sobre o diagnóstico. A sonografia foi então desenvolvida. Esse
método permitiu acurado delineamento da anatomia fetal, normal e anormal, com detalhes
consideráveis e, posteriormente, possibilitou “imagens ao vivo e em movimento”. Ao con-
trário das técnicas anteriores, imagens de ultrassom não parecem ter nenhum efeito preju-
dicial para a mãe ou para o feto. Com o ultrassom pré-natal, o ultrassonografista pode fazer
observações sofisticadas do coração em desenvolvimento e de suas válvulas. Para avaliar o
crescimento, partes fetais passaram a ser medidas, e um número crescente de más-formações
anatômicas foram precisamente delineadas. A sonografia pode ser utilizada também para
guiar a agulha de punção na cavidade amniótica para a amniocentese ou para a aspiração
de urina fetal, de ascite ou de fluido cefalorraquidiano. Em tempo real, a ultrassonografia
pode orientar a cirurgia endoscópica fetal e garantir a aquisição segura de sangue e outros
tecidos fetais para biopsia (por exemplo, fígado, pele, músculo). Tais amostras permitem
o diagnóstico de doenças hematológicas e fetais, de defeitos enzimáticos que não podem
ser detectados somente por amniocentese. Além disso, mais recentemente, a ressonância

172 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


nuclear magnética prometeu não só a definição da anatomia fetal, mas também a definição
química real do tecido fetal sem necessidade de amostra invasiva24.
A tecnologia moderna permite o diagnóstico intrauterino, e a intervenção durante a vida
fetal passou a ser uma possibilidade de terapia para dar ao feto acometido uma possibilidade
de sobrevivência e de desenvolvimento9.
As técnicas utilizadas na cirurgia fetal, como histerotomia aberta, endoscopia fetal, pro-
cedimentos percutâneos guiados por imagens, foram primeiro desenvolvidas em modelos
animais para ser aplicadas no ser humano. A intervenção fetal tornou-se uma importante
opção para ser aplicada no feto que, caso contrário, pode não sobreviver à gestação ou que
poderia suportar significante morbimortalidade após o nascimento24,25.
As intervenções cirúrgicas fetais incluem:
1. Procedimentos minimamente invasivos (inserção percutânea de shunts em útero,
transfusão fetal intravascular); esses são os procedimentos mais comuns realizados.
2. Terapia de fetoscopia.
3. Histerotomias e cirurgias fetais intraútero.
4. Histerotomias e cirurgias fetais extraútero e intraparto.
Componentes da equipe para cirurgia fetal 25
• Líder de equipe
• Coordenador de cuidado
• Cardiologista pediátrico para realizar ecografia fetal
• Cirurgião fetal; usualmente cirurgião pediátrico
• Radiologista pediátrico
• Neonatologista
• Anestesista obstétrico
• Anestesista pediátrico
• Ultrassonografista

Procedimentos minimamente invasivos


Em contraste com a cirurgia fetal, que requer anestesia geral ou regional, os procedi-
mentos fetais minimamente invasivos não envolvem laparotomia materna ou histerotomia e
usam endoscópios ou agulhas para acessar o feto. Por causa da redução da dor, o aumento de
risco associado com a anestesia geral é injustificado. E esses procedimentos são usualmente
realizados somente com anestesia local17.
Não existem protocolos estabelecidos para a analgesia fetal durante a realização desses
procedimentos. Um grupo examinou o efeito da analgesia administrada diretamente ao
feto durante o procedimento minimamente invasivo e não encontrou redução da resposta
ao estresse26.
Embora doses padronizadas de fentanil administradas para analgesia materna durante o
parto mostrem-se geralmente seguras27.
A administração materna intravenosa de fentanil, com o objetivo de prover a analge-
sia fetal, via transferência placentária, pode ocasionar a administração de doses elevadas e

Anestesia para Cirurgias e Procedimentos sobre o Feto | 173


inseguras à mãe8. De fato, pode ocorrer hipoventilação se, para obter maior transferência
placentária, as doses maternas forem aumentadas significantemente17,18.
Durante a coagulação de vasos placentários com laser, baixas doses de remifentanil, ad-
ministradas à mãe, proporcionam imobilização fetal13,28.

Uropatia obstrutiva
A uropatia obstrutiva ocorre em 1 em cada 1.000 nascimentos vivos26. A obstrução do
trato urinário superior é associada com menos morbidade e mortalidade que a obstrução
inferior, que é usualmente causada por válvula da uretra posterior. A obstrução aumenta
a pressão na bexiga, resultando em alterações estruturais e funcionais, refluxo vesicoure-
teral, hidroureter, hidronefrose e risco de desenvolver insuficiência renal crônica durante
a vida 29.
Shunt fetal vesicoamniótico é a colocação de um cateter, usando uma agulha percutânea
guiada por ultrassom, dentro da bexiga fetal. A extremidade distal do cateter atravessa a pa-
rede abdominal anterior do feto e drena dentro da cavidade amniótica. Esse procedimento
é usualmente realizado sob anestesia local com lidocaína.

Síndrome da transfusão gêmeo-gêmeo


A síndrome da transfusão gêmeo-gêmeo é uma complicação séria da gravidez gemelar
em que existe somente uma placenta (gestação gemelar monocoriótica) e complica 10%
a 20% das gestações gemelares idênticas monocorióticas29. Isso é devido a um fluxo san-
guíneo desigual, por meio das anastomoses vasculares entre as duas circulações fetais com
grande vantagem para um gêmeo e risco de sobrecarga cardíaca e com o menor gêmeo sendo
relativamente hipoperfundido. Em adição ao desequilíbrio do balanço hemodinâmico,
existem volumes líquidos discordantes: o gêmeo beneficiário tem polidrâmnio severo e o
doador, oligodrâmnio severo e pode estar aderido à parede uterina. Ambos os gêmeos estão,
portanto, sob risco de comprometimento hemodinâmico severo, morte e parto prematuro.
A síndrome é diagnosticada por ultrassom. Em adição às complicações fetais, parturientes
com síndrome da transfusão gêmeo-gêmeo severa podem desenvolver, raramente, síndrome
em espelho, que é caracterizada por edema pulmonar; anasarca; albuminúria; hipertensão e
redução da concentração de hemoglobina, devido à hemodiluição. As manifestações geral-
mente refletem a severidade da patologia placentária fetal30.
Opções de tratamento incluem amniorredução (remoção de 1 a 4 litros de fluido am-
niótico em torno do gêmeo beneficiário). Isso é frequentemente realizado antes da 26ª se-
mana de gestação e requer procedimentos seriados até o nascimento. Embora essa seja uma
técnica relativamente simples e barata, que pode ser realizada com limitada experiência e
providencia potencial resgate para ambos os fetos, isso não afeta a doença subjacente. Existe
pouca melhora da condição fetal na doença avançada, e um ensaio clínico controlado de-
monstrou que a gravidez tratada com esse método tem maior probabilidade de evoluir com
paralisia cerebral30.
Recentemente, ablação com laser dos vasos da placenta tem aumentado o tratamento po-
tencial da síndrome da transfusão gêmeo-gêmeo severa. Isso envolve fetoscopia e fotocoa-

174 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


gulação a laser de vasos arteriovenosos na superfície da placenta gemelar, com atenuação das
consequências hemodinâmicas. Essa técnica prolonga a gestação, quando comparada com a
amniorredução. Revisão sistemática indica que a fetoscopia com ablação a laser foi associa-
da com melhora de desfechos para a sobrevivência fetal de um ou de ambos os gêmeos e a
redução do risco de morbidade do neurodesenvolvimento a longo tempo nos sobreviventes.
Ultrassom em tempo real permite localização de placenta, cordão umbilical e membrana
amniótica. Tecnicamente, o sítio anterior da placenta pode ser cirurgicamente mais exigen-
te. Contudo, a modificação dos instrumentos cirúrgicos, o posicionamento do paciente e a
criação de uma janela adequada para a cirurgia usando aminioperfusão ajudam na adequa-
da visualização da placa coriônica e da membrana intergêmeos. Riscos do procedimento
incluem: amniorrexe (ruptura prematura das membranas pré-parto) - 5%; sangramento
subcoriônico - < 1%; nascimento pré-termo; neuromorbidade; morte fetal dupla ou única.
Acompanhamento demonstra taxa de recorrência de 5%30.
Em muitos centros, raquianestesia, peridural ou anestesia raqui-peridural combinadas
são usadas. Alternativamente, anestesia local por infiltração da pele e do tecido subcutâneo
com lidocaína 1% (para baixo do miométrio) e sedação materna são usadas. Em adição à
sedação materna, a farmacoterapia também causa imobilização fetal30. Em estudo rando-
mizado controlado, Missant e cols. demonstraram que o remifentanil foi uma opção mais
segura do que o diazepam13.
A transfusão intrauterina para doenças de Rh é realizadas por punção direta dos vasos
fetais guiada por ultrassom sob anestesia local.

Fetoscopia
No pré-operatório, as pacientes são pré-medicadas com um tocolítico, frequentemente
indometacina, e recebem antibiótico profilático. Os procedimentos são realizados sob anes-
tesia local ou regional, dependendo da idade gestacional e da tradição do centro. Os pontos
de entrada dos trocateres são determinados com o auxílio de ultrassom, evitando atingir
a placenta, o feto e outros órgãos maternos. A despeito de um grupo relatar segurança32, a
abordagem transplacentária deve ser evitada7.
Para a cirurgia de fetoscopia, a anestesia materna mais usual é a infiltração de anestésico
local ou bloqueio regional10,30. Anestesia combinada raqui-peridural também minimiza as
alterações hemodinâmicas. Essas técnicas podem ser suplementadas com sedação ou remi-
fentanil. Técnicas locais ou regionais são, algumas vezes, dificultadas pela ansiedade materna;
em adição, elas podem não imobilizar adequadamente o feto. Um feto móvel pode deslocar
o endoscópio, resultando em sangramento, trauma fetal ou comprometimento da circulação
umbilical, que pode levar à morte fetal. O remifentanil, opioide de curta ação, é fácil de titular
e atravessa a placenta rapidamente, imobilizando o feto. Usando uma infusão contínua à taxa
de 0,1 mcg.kg-1.min-1, a imobilização fetal e a sedação materna foram obtidas13.
Acidose respiratória leve ocorre, mas a apneia materna pode ser evitada e boas condições
de operação, obtidas.
Anestesia fetal, hemostasia e imobilidade podem ser obtidas por injeção fetal direta (IM
ou por meio do cordão umbilical) com o uso de opioides, atropina e agentes bloqueadores

Anestesia para Cirurgias e Procedimentos sobre o Feto | 175


neuromusculares. Opioides fetais administrados por via intramuscular reduzem a resposta
ao estresse10,27,30.

Hérnia diafragmática e hidronefrose congênita


Hérnia diafragmática e hidronefrose congênita são exemplos de más-formações ana-
tômicas que interferem no desenvolvimento normal de órgãos. Se essas más-formações
anatômicas forem corrigidas antenatal, o desenvolvimento dos rins e dos pulmões deveria
acontecer normalmente25.
A habilidade para monitorizar o feto, por meio da gestação e durante uma intervenção
fetal, foi crucial para o desenvolvimento da cirurgia fetal como uma especialidade médica25.
A hidronefrose congênita foi a primeira anomalia fetal a ser considerada para interven-
ção fetal humana. Com o uso de ultrassonografia, sua fisiopatologia foi bem definida. Sem
intervenção, a obstrução da válvula uretral posterior causa retenção urinária. Isso gera hi-
dronefrose e prejudica o desenvolvimento renal normal e também leva a oligodrâmnio e
hipoplasia pulmonar, causando distresse respiratório durante o nascimento fetal. Essas se-
quelas fisiológicas foram documentadas em humanos e, subsequentemente, demonstradas
em experimentos animais, e são reversíveis pela simples descompressão da bexiga fetal32 .
A incidência de hérnia diafragmática congênita é de 1:2.400 nascimentos vivos. Isso
causa hipoplasia pulmonar por compressão do tecido pulmonar pelos órgãos da hérnia e
prejudica o desenvolvimento normal da vasculatura pulmonar. Até recentemente, a pos-
sibilidade disponível para um feto diagnosticado com hérnia diafragmática congênita era
expectante e limitava-se a terminar ou continuar a gravidez até o termo e realizar correção
cirúrgica pós-natal. Uma série de estudos de coorte usando modernos procedimentos de
fetoscopia indica que a hérnia diafragmática severa, com um risco alto de desenvolver hipo-
plasia pulmonar, pode ter uma melhora geral da sobrevivência com terapia uterina.
Estudos em animais têm indicado que a oclusão transitória da traqueia pode prevenir ou
diminuir os efeitos estruturais fisiológicos da hipoplasia pulmonar.

Histerotomias e cirurgias fetais intraútero


Acesso venoso de grosso calibre e linha arterial, em adição com a monitorização de ro-
tina, são indicados. Para evitar a compressão aortocava, a paciente é posicionada com des-
locamento do útero para a esquerda. Produtos do sangue devem estar em sala para pronta
administração materna ou fetal.
Indução – pré-oxigenação seguida por intubação com sequência rápida com propofol ou
tiopental, fentanil, succinilcolina ou rocurônio, realizada para assegurar a via aérea materna se-
gura. Após a intubação, um ultrassom é realizado para confirmar o bem-estar e a posição fetal.
Manutenção – altas concentrações de anestésicos voláteis são necessárias para propor-
cionar relaxamento uterino adequado para a manipulação fetal e, usualmente, resultam em
hipotensão. Contudo, a normotensão é necessária para manter adequada perfusão uteropla-
centária, e a administração de drogas vasoativas, como a efedrina, é mandatória. A infusão
de fenilefrina é também usada com o objetivo de manter a perfusão uteroplacentária30. Des-
flurano, isoflurano e sevoflurano podem ser usados para a manutenção da anestesia9.

176 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Estudo retrospectivo demonstrou que a administração de altas concentrações de agentes
voláteis por um período longo de tempo antes da histerotomia resulta em bradicardia fetal,
especialmente quando o desflurano foi usado33.
Baseados nesses achados, os autores sugerem a utilização de doses suplementares de pro-
pofol e remifentanil até pouco antes da incisão para a histerotomia e a utilização das altas
doses de anestésicos inalatórios somente para manter o relaxamento uterino33.
Anestesia neuroaxial tem sido administrada como uma alternativa para a anestesia geral para
o EXIT, acompanhada de infusão de nitroglicerina para alcançar o relaxamento muscular34,35.
Propofol e remifentanil podem ser usados em parturientes em que o uso de anestésicos
voláteis esteja contraindicado. Quando comparado com os anestésicos voláteis, o relaxamento
do miométrio após nitroglicerina, entretanto, não é facilmente titulável e pode se associar cm
hipotensão, taquicardia reflexa, taquifilaxia, meta-hemoglobinemia e cefaleia na paciente acor-
dada. O mais apropriado regime deveria ser individualizado para cada paciente9.
Considerando a quantidade necessária de relaxamento uterino, a hemorragia materna é
um problema nesses procedimentos. Grampos aplicados durante a histerotomia previnem
sangramento severo, mas uma aplicação inapropriada poderia implicar sangramento signi-
ficativo. Por isso, a preparação adequada deve incluir a possibilidade de transfusão intraope-
ratória. O banco de sangue deve ser notificado, pois mais unidades, além das reservadas para
o procedimento, podem ser necessárias.
Depois de o paciente ter recebido anestesia geral e a traqueia ter sido intubada, o campo
cirúrgico é preparado e colocado de forma estéril.
Todo esforço deve ser feito para não interferir com a placenta, porque isso poderia
causar ruptura e subsequente sangramento. Se ocorrer sangramento significante e ele
não for controlado, o nascimento imediato é, algumas vezes, requerido para a segurança
da mãe. Quando o procedimento fetal é completado, as membranas e o miométrio são
suturados em diversas camadas. Um cateter é colocado na cavidade uterina para permitir
a administração de ringer lactato e antibióticos. Para minimizar o estresse na linha de
sutura, o volume do fluido é usualmente mantido a um nível abaixo do normal7. Durante
o pós-operatório, é usualmente dado à mãe um curso de tocólise com sulfato de magnésio
por 24 horas. Em adição, indometacina oral é administrada por 48 horas. A manutenção
da tocólise até o nascimento é feita com nifedipina. Antibióticos profiláticos são conti-
nuados por 24 horas36.

Histerotomias e cirurgias fetais extraútero e intraparto


Durante o parto, o tratamento extraútero é utilizado principalmente para estabelecer via
aérea patente no manejo de fetos com potencial obstrução da via aérea. Isso é acompanhado
de perfusão placentária contínua e exteriorização parcial do feto até uma via aérea formal ser
estabelecida. Algumas indicações incluem:
1. Massa obstruindo via aérea superior (higromacístico, bócio de tireoide).
2. Síndrome de obstrução congênita da via aérea alta - o diagnóstico dessa síndrome é
realizado pela identificação de pulmões hiperecogênicos com volumes aumentados;
diafragma plano ou invertido; dilatação da árvore traqueobrônquica; ascite e outras

Anestesia para Cirurgias e Procedimentos sobre o Feto | 177


manifestações de hidropsia fetal não imune devido à obstrução completa ou quase
completa das vias aéreas superiores.
3. Anormalidades torácicas, hidrotórax, tumor.
Características das cirurgias extraútero e cesariana9.
Cirurgia Extraútero Cesariana
Tônus uterino Relaxamento máximo Relaxamento mínimo
Anestesia preferencial Geral Regional
Mínimo
Plano anestésico Profundo
Evitar depressão neonatal
Infusão de líquidos
Necessária Não necessária
Aquecidos intraútero
Anestesiologistas 1- Mãe e 1- Feto 1- Mãe
O procedimento extrauterino intraparto é acompanhado de intubação, traqueostomia
ou mesmo ressecção da lesão, enquanto a criança ainda mantém o suporte da placenta. O
manejo requer obstetras, anestesistas, otorrinolaringologistas e cirurgiões pediátricos. O
procedimento extrauterino é realizado durante a cesariana, antes do clampeamento do cor-
dão umbilical. Depois de realizada a histerectomia, somente a cabeça fetal e os ombros são
liberados para preservar o fluxo sanguíneo umbilical e prevenir a perda de calor evaporativo.
Esse tempo é utilizado para obter via aérea neonatal segura.
A circulação uteroplacentária pode ser mantida por aproximadamente 1 hora sem com-
prometer o feto. Uma complicação potencial é a hemorragia anteparto, ao tempo em que a
via aérea fetal está sendo assegurada, devido à necessidade de manter relaxamento uterino.
A anestesia geral é indicada. A mãe é preparada para a eventualidade de maior hemorragia
com monitorização instituída antes da cirurgia: dois acessos venosos calibrosos, linha arte-
rial, linha venosa central e disponibilidade de sangue. Uma sequência rápida de indução com
deslocamento uterino para a esquerda (para reduzir a compressão aortocava) é realizada
com a administração de altas frações inspiradas de agente anestésico volátil (isoflurano 2%
a 3%) para manter o relaxamento uterino. Outros agentes tocolíticos podem ser necessários
se existir relaxamento uterino inadequado. Agentes vasopressores são mandatórios para a
consequente hipotensão materna e para manter o fluxo sanguíneo uterino e proporcionar
bem-estar materno.
A anestesia fetal é obtida via transferência placentária de agentes anestésicos voláteis,
mas, ocasionalmente, paralisia muscular é necessária para assegurar imobilidade fetal. Uma
vez que a via aérea fetal tenha sido assegurada, o útero é contraído com uma infusão de
ocitocina. Monitorização rigorosa das contrações uterinas, parâmetros cardiovasculares e
controle de qualquer hemorragia são essenciais após a operação. Então, mãe e bebê poderão
requerer cuidados intensivos.
Originalmente projetado para permitir a remoção de clipes traqueais colocados no útero
para tratar fetos com hérnia diafragmática severa, os procedimentos fetais extraútero se expan-

178 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


diram para incluir indicações que vão além da via aérea comprometida, como outras anomalias
fetais, que poderiam ser melhoradas com a cirurgia fetal realizada com suporte placentário37-39.
O anestesiologista dedicado ao cuidado do bebê precisa garantir que exista um oxímetro de
pulso separado especificamente para a monitorização intraoperatória da oxigenação fetal duran-
te o procedimento extrauterino. O anestesiologista é responsável por preparar uma sala cirúrgica
adjacente especificamente para o recém-nascido. Essa segunda sala pode ser necessária se o
recém-nascido necessitar de procedimento adicional após a separação materna. A sala deve ser
adequadamente aquecida antes do nascimento do bebê. Além disso, a área de ressuscitação do
bebê deve ser equipada com aquecedores de calor radiante e aquecedores de ar forçado.
Antes da histerotomia, a monitorização contínua do feto pode ser obtida via ecocardiografia,
com informação precisa sobre frequência, enchimento e contratilidade cardíaca. Uma vez obtido
acesso para uma extremidade fetal, o probe do oxímetro de pulso é aplicado ao redor da mão e
a informação da saturação de oxigênio e da frequência cardíaca pode ser obtida e gravada. Por
causa da interferência da luz excessiva do ambiente, pode ser necessário cobrir o probe do oxíme-
tro de pulso com uma toalha. A leitura inicial do oxímetro de pulso fetal usualmente varia de 60%
a 70% e poderá aumentar, se o feto receber suplementação com oxigênio e intubação9,39.
Anestesia para cirurgia materno-fetal, em particular procedimentos extrauterinos e intrapar-
to, requer particular atenção para detalhes e coordenação entre cirurgiões e anestesiologistas.
Durante o procedimento, o relaxamento uterino efetivo é crucial para manter o fluxo sanguíneo
uteroplacentário. Isso é mais bem monitorizado por palpação no campo cirúrgico. Para prevenir
sangramentos a restauração do tônus uterino, esse relaxamento é essencial no fim do procedi-
mento. A duração do procedimento fetal pode variar, dependendo de sua complexidade9.
Embora a evidência de estudos em animais demonstre que as drogas anestésicas dadas
a um cérebro imaturo causem apoptose neuronal e subsequentes déficits de aprendizagem,
essa evidência é fraca em humanos40.
E é difícil determinar se a anestesia propriamente dita ou a condição subjacente é o fator
que contribui para a desabilidade de aprendizagem41.
Enquanto o suporte uteroplacentário é mantido, o bebê é parcialmente liberado - cabeça
e parte superior do tronco - e o procedimento crítico para a sobrevivência é realizado9. Isso
poderia incluir laringoscopia, intubação traqueal, traqueostomia, descompressão, ressecção
tumoral ou colocação de membrana39.
Manutenção da anestesia geral para a mãe com relaxamento uterino máximo para fa-
cilitar a liberação da cabeça fetal e para minimizar o risco de descolamento da placenta. E
aumento da fração inspirada dos anestésicos voláteis para duas a três CAM. Acompanha-
do de manutenção da pressão sanguínea materna dentro de 20% dos valores basais. Para
neutralizar o decréscimo da resistência vascular sistêmica que ocorre em decorrência das
altas concentrações de agentes anestésicos voláteis, a administração intermitente de agentes
vasoativos, como a efedrina, fenilefrina ou a infusão intravenosa de fenilefrina, é frequente-
mente usada durante o procedimento9.
Historicamente, a efedrina foi considerada o padrão-ouro para o tratamento da hipotensão
em anestesia obstétrica, devido aos bons registros de segurança, familiaridade42 e preservação
do fluxo uteroplacentário, que foi inicialmente demonstrado em estudos animais43.

Anestesia para Cirurgias e Procedimentos sobre o Feto | 179


O uso de α-agonistas puros, como a fenilefrina, foi previamente desencorajado por causa
das preocupações sobre o decréscimo do fluxo sanguíneo uteroplacentário44.
Contudo, evidências recentes demonstram que a efedrina atravessa a placenta em maior
extensão que a fenilefrina e também sofre metabolismo e redistribuição mais lenta na circu-
lação fetal. A resultante β estimulação no feto é responsável pelo aumento na incidência de
acidose neonatal observada com o uso45.
Em adição, uma metanálise de estudos comparando efedrina e fenilefrina não forneceu
nenhuma evidência que sugira que a fenilefrina diminua o fluxo sanguíneo uterino46. E
ambos os agentes são considerados vasopressores de escolha para o tratamento da hipoten-
são em anestesia obstétrica.
Embora os agentes anestésicos voláteis administrados à mãe possam atravessar a placenta
e chegar ao feto 47, suplementação intraoperatória, especialmente com opioides e relaxantes
musculares, pode ser necessária para o feto antes de o acesso direto ser obtido48.
A cirurgia fetal que envolve laparotomia e histerotomia, ou ambas, requer anestesia geral
ou regional8. Sabe-se que a anestesia regional não anestesia o feto49. E a anestesia geral é
mais comumente usada por que induz atonia uterina e imobilização fetal8.
A administração intramuscular de fentanil 20 (mcg.kg-1), atropina (mcg.kg-1) vecurônio
(0,2 mg.kg-1)30 ou rocurônio16 no feto poderia suplementar a analgesia e a imobilização.
Nas gestantes, o uso de anestesia geral associa-se com o aumento da morbimortalidade,
particularmente decorrente de complicações relacionadas com a via aérea50-52, e elevação do
risco de sangramento por atonia uterina53.

Tocólise
A tocólise é essencial durante a cirurgia fetal, e após a operação as intervenções fetais
são associadas com o trabalho de parto prematuro. Prejuízo do fluxo sanguíneo uterino ou
descolamento parcial da placenta pode ocorrer devido à manipulação uterina ou às incisões,
portanto, comprometendo o fluxo sanguíneo uteroplacentário. Mesmo pequenas interven-
ções (inserção de uma agulha para transfusão intrauterina, por exemplo) podem resultar em
contrações uterinas intensas, causando, assim, punção não intencional de outras estruturas.
A tocólise também é importante após a cirurgia porque contrações uterinas prematuras
podem ocorrer. A escolha do agente é determinada pelos efeitos adversos maternos37.
Sulfato de magnésio usado como terapia tocolítica tem diversos efeitos adicionais que
incluem aumento da sensibilidade aos relaxantes musculares despolarizantes e adespola-
rizantes e depressão do sistema nervoso central e, quando em concentrações tóxicas, pode
levar a edema pulmonar, paralisia respiratória, depressão miocárdica e parada cardíaca.

Anestesia
Complicações
Na Universidade da Califórnia, entre 1989 e 2003, em 87 histerotomias realizadas, en-
controu-se significante morbidade materna. Com a realização de tocólise múltipla com o
uso de nitroglicerina e reposição agressiva de fluidos, ocorreu edema pulmonar em 28% das
pacientes e 13% delas necessitaram de transfusão sanguínea36.

180 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI


Mais recentemente essas taxas diminuíram. Em 178 casos para reparo de meningomielo-
cele, a taxa de edema pulmonar foi de 5,1% e a de transfusão foi de 2,2%54.
Dados de morbimortalidade da Universidade da Califórnia37.
Histerotomias Endoscópicas Percutâneas Todas
N 79 68 31 178
Gestação (S) 25,1 24,5 21,1 24,2
Nascimento (S) 30,1 30,4 32,7 30,7
Intervalo (S) 4,9 6 11,6 6,5
Edema Pulmonar 22/79 (22,7%) 17/68 (25,0%) 0/31 (0%) 39/178 (21,9%)
Transfusão 11/87 (12,6%) 2/69 (2,9%) 0/31 (0%) 13/187 (7%)
PP 26/79 (32,9%) 18/68 (26,5%) 4/31 (12,90%) 48/178 (27%)
RPM 41/79 (51,9%) 30/68 (44,1%) 8/31 (25,8%) 48/178 (27%)
Corioaminiotite 4/79 (8,9%) 1/68 (1,5%) 0/31 (0%) 8/178 (4,5%)
PP = parto prematuro; RPM = ruptura prematura de membranas; (S) semanas.

Complicação da cirurgia fetal minimamente invasiva30.


Complicação Como pode ser minimizada
Sangramento Evitar placenta ao entrar no útero
Trabalho de parto prematuro Usar tocolíticos
Separação das membranas corioaminióticas Técnica cirúrgica
Ruptura prematura de membranas Problema mais comum.

Conclusão
A cirurgia fetal é desafio para o anestesista, pois a viabilidade fetal depende da transmis-
são de oxigênio, por meio da placenta. A difusão de oxigênio no feto é atingida pelo fluxo
sanguíneo uterino e pela artéria umbilical. A manutenção da hemodinâmica e sua monito-
rização são essenciais para a manutenção do bem-estar materno e fetal.

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