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Volume VI
SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2016
Educação Continuada em Anestesiologia
Copyright© 2016, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.
Diretoria
Antônio Fernando Carneiro
Ricardo Almeida de Azevedo
Tolomeu Artur Assunção Casali
Sérgio Luiz do Logar Mattos
Enis Donizetti Silva
Erick Freitas Curi
Rogean Rodrigues Nunes
Comissão de Educação Continuada
Marcos Antonio Costa de Albuquerque - Presidente e Coordenador do livro
Carlos Othon Bastos
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Auxiliar Técnico
Marcelo de Carvalho Sperle
Ficha catalográfica
S678e Educação Continuada em Anestesiologia / Editores: Antônio Fernando Carneiro, Marcos Antônio
Costa de Albuquerque, Carlos Othon Bastos, Ana Cristina Pinho Mendes Pereira e Rogean
Rodrigues Nunes
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2016.
184 p.; 25cm.; ilust.
ISBN 978-85-98632-35-3
Vários colaboradores.
AUTORES/COAUTORES
Carlos Eduardo da Costa Martins
•• TSA-SBA.
A história escrita da anestesia obstétrica remonta de 1.500 a.C. (Moisés). O início oficial
ocorreu em Edimburgo (Escócia), três meses após a demonstração de Morton. No Brasil,
em 1817, J.R. Picanço (Recife, PE) foi o primeiro médico a realizar uma cesariana em uma
escrava viva.
Apesar da grande contribuição à anestesia obstétrica, as publicações brasileiras não ex-
pressam a excelência e relevância de nossos profissionais. Assim, este livro vem preencher,
com lustro, uma lacuna em nossa literatura. Todas as seções importantes a serem discutidas
foram consideradas, abordando-se desde a própria história da especialidade na obstetrícia
até narrativas de operações fetais. O livro é composto de três áreas estruturais: fisiologia,
farmacologia e clínica obstétrica, implementadas em um contexto claro e atual, escritas pe-
los mais renomados colegas anestesiologistas brasileiros.
Boa leitura!
Prefácio | 11
Capítulo 01
A História e as Estórias da
Anestesia Obstétrica
Nilton Bezerra do Vale
A história e as estórias da anestesia obstétrica
Ao contrário dos ovíparos, cujos filhotes nascem em menos de três horas e já aptos
para se movimentarem e se adaptarem às condições ambientais, o nascimento dos ma-
míferos (vivíparos) é mais demorado (acima de seis horas), e os filhotes recém-nascidos
(RN) são desprotegidos e dependentes de cuidados permanentes de seus genitores. Sete
milhões de anos de evolução “humanoide” dotaram os australopitecinos de um padrão
anatômico ímpar: encéfalo grande e trino (reptiliano, límbico e humano) apto ao instinto,
à emoção, à imaginação e ao bipedalismo. Essa encefalização ensejou uma cultura própria
consequente de articulação da fala, da vocalização, da migração, da vida grupal e da uti-
lização de pedras como instrumentos úteis e complementares às ações das mãos1-5. Nos
primórdios, o parto da hominídea bípede era ato solitário, doloroso e dependente das leis
da sobrevivência, pois nela as forças instintivas menos a influenciavam em comparação
com os demais mamíferos.
Embora parir seja um ato fisiológico, a dor do parto vaginal também pode ser iatrogênica
por rotinas hospitalares, como apresentação fetal desfavorável; imobilização da parturiente
no leito; indução ou aceleração com ocitócicos; manobra de Kristeller e episiotomia. No
consenso obstétrico atual, o parto vaginal é considerado o método “natural” para o nasci-
mento do filhote do Homo sapiens e o parto cesariano, uma medida cirúrgica de uso cres-
cente, mas que pode ser salvadora para o concepto, quando há risco de vida para a mãe e/ou
para o feto2,6-8.
É mister deste breve histórico rever os passos mais importantes na evolução do conheci-
mento da anestesiologia na área obstétrica, por meio de uma análise linear temporal da His-
tória. É um legado dos pioneiros na arte de partejar com controle da anestesia, às novas ge-
rações de anestesiologistas, haja vista a necessidade da compreensão e respeito à indiscutível
contribuição das gerações passadas à evolução de conceitos e técnicas anestésicas. A busca
do hedonismo dos novos tempos sociais justifica a persistência de métodos intervencionis-
tas a partir da ligação crescente com outras áreas da ciência e também da separação factual
dos princípios religiosos dominantes. A atual integração da obstetrícia à anestesiologia, à
neonatologia e a outras áreas do conhecimento torna mais decisiva a atitude médica diante
de um parto normal ou distócico, facilitando ao obstetra assegurar conforto e segurança ao
binômio materno-fetal9-19.
Não se pode usar a história como escopo para predizer o futuro da melhor abordagem
anestesiológica no atendimento obstétrico para o terceiro milênio, pois ela não é uma pro-
fecia. No entanto, o conhecimento do desenrolar histórico da tocoanalgesia aponta para
contínuas mudanças nas táticas e técnicas, já que a medicina está estreitamente vinculada
à multicausalidade biopsicossocial e ao avanço tecnológico proporcionado pelo contato do
elemento humano com o ambiente, na busca do bem-estar da mãe e de seu concepto15,17,20.
Por razões puramente didáticas, dividimos a história da anestesia obstétrica em cinco
fases, em função de aspectos evolutivos da analgotocia, realçando as contribuições cientí-
ficas que mais influenciaram o status obstétrico atual: (I) os primórdios; (II) Era Cristã;
(III) século XIX após 1847; (IV) século XX e (V) Era Contemporânea.
IV FASE – Século XX
A partir do século XX, a assistência ao parto é feita cada vez mais nas maternidades em
função da crescente qualidade técnica do atendimento obstétrico: a clientela representava
40% dos partos na década de 1930. Ao lado de indispensáveis cuidados gerais de higiene,
acompanhamento psicológico, fisioterápico e nutricional, mantém-se o atendimento anes-
tesiológico da tocoanalgesia por bloqueio regional, mas ainda com preponderância da anes-
tesia geral inalatória na metade do século.
Maior segurança da cesariana e redução da mortalidade materno-infantil começam
a ficar mais evidentes após a Segunda Guerra Mundial, com a valorização da higiene das
mãos; o uso de sulfas (1933); a descoberta da penicilina (FLEMING, 1928) e sua providen-
cial industrialização a partir de 1943 (CHAIN e FLOREY), ao lado de rigorosas medidas
de assepsia e antissepsia6-9,15-17,45.
Em 1900, iniciam-se as primeiras aplicações obstétricas da anestesia espinhal com co-
caína hipobárica para o parto vaginal, por Kreis (Alemanha) e Mark (Estados Unidos), com
resultados insatisfatórios, em função do desconhecimento das interações entre as mudan-
ças hemodinâmicas da mulher grávida e as propriedades dos anestésicos locais injetados
no neuroeixo36,37,50,51-53. Na época, foi mínima sua aceitação na comunidade obstétrica, em
função do reduzido controle dos efeitos tóxicos, mesmo após administração mais cuidadosa
via peridural caudal do anestésico local por Stoeckel (1909)53. Somente após o trabalho de
Gray e Parsons (1912), detectou-se o bloqueio simpático como causa da grave hipotensão
durante a cesariana, que somente começou a ter correção mais adequada em 1927, com o
uso de efedrina por Labat, extraída da planta chinesa ma huang (Ephedra)54,55.
Referências
1. Maddox J. O que falta descobrir. Explorando os segredos do universo, as origens da vida e o futuro da espécie hu-
mana. 3ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p. 163-271.
2. Rosenberg KR, Trevathan WR. The evolution of human birth. Sci Am, 2001;285:72-7.
3. Bryson B. Breve história de quase tudo. Do Big Bang ao Homo sapiens. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
p. 247-475.
4. Gleiser M. A dança do universo: dos mitos da criação ao Big Bang, 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
p. 17-93.
Alterações Anatomofisiológicas
da Gestação
Jedson dos Santos Nascimento
Murilo Pereira Flores
Alterações anatomofisiológicas da gestação
Introdução
A gestação induz uma série de modificações anatomofisiológicas no organismo materno.
Tais modificações são adaptações necessárias para que a gestante possa atender adequada-
mente às demandas metabólicas da unidade feto-placentária e esteja preparada para a perda
sanguínea associada ao parto1,2 .
Em gestantes saudáveis, essas alterações não trazem maiores riscos para a saúde. Entre-
tanto, na presença de comorbidades prévias, mesmo subclínicas, as adaptações fisiológicas
da gestação acrescentam estresse adicional ao organismo materno já comprometido, amea-
çando a vida tanto da mãe quanto do feto3.
Dessa forma, é importante que o anestesiologista conheça detalhadamente a fisiologia da
gestação, uma vez que muitas alterações podem mimetizar condições patológicas. Ademais,
essas alterações impõem certas adequações no manejo anestésico, como veremos adiante1,2,3.
Alterações cardiovasculares
Após a concepção, o sistema cardiovascular materno passa por modificações importan-
tes e progressivas durante a gestação para que possa suprir de nutrientes e oxigênio o feto em
Alterações hematológicas
A gravidez normal está associada com importantes alterações hematológicas, cujo pro-
pósito é manter adequada oferta de oxigênio ao feto e prevenir sangramento excessivo asso-
ciado com o parto10.
O volume sanguíneo circulante sofre significativa expansão durante a gestação para
permitir uma perfusão adequada dos órgãos vitais e da unidade feto-placentária, além de
preparar a gestante para a perda sanguínea associada ao parto, que pode chegar a 2.000
mL sem que haja qualquer alteração na frequência cardíaca ou pressão arterial. Essa ex-
pansão volêmica começa da sexta a oitava semana e se estabiliza da 32a à 34a semana1. Ela
está intimamente relacionada com o crescimento fetal normal, uma vez que o crescimento
intrauterino restrito está associado com uma expansão plasmática insuficiente4.
A produção de eritrócitos também aumenta, gerando um acréscimo de 17% a 40% no
hematócrito. Como esse aumento não é proporcional ao incremento da volemia, instala-se
uma condição conhecida como “anemia fisiológica da gravidez”, com hemoglobina sérica
entre 11 e 12 g.dL -1 e hematócrito entre 33% e 38%. Essa hemodiluição diminui a viscosida-
de sanguínea, o que melhora a perfusão placentária e reduz o risco de eventos tromboembó-
licos. Entre as substâncias que estimulam a eritropoiese na gestação, estão a progesterona e
a somatotropina coriônica placentária. Para facilitar a transferência de oxigênio para o feto,
a curva de dissociação da oxi-hemoglobina está desviada para a direita pela maior produção
de 2-3-difosfoglicerato pelos eritrócitos1,4.
Além das alterações eritrocitárias e de volume plasmático, a gravidez traz profundas alte-
rações hemostáticas (Tabela 2.2). A gestação é considerada um estado pró-trombótico. Por
esse motivo, a gestante possui um risco quatro vezes maior que as mulheres não gestantes para
eventos tromboembólicos. Entretanto, o aumento nas concentrações de D-dímero na gesta-
ção tornam essa ferramenta pouco útil nesse contexto. Substâncias pró-coagulantes, como os
fatores I, VII, VIII, IX, X, XII, o fator de von Willebrand e o fibrinogênio são produzidos em
maiores quantidades na gestação. Os níveis de fibrinogênio podem dobrar ou até mesmo tripli-
car11. Ao mesmo tempo, substâncias fibrinolíticas, como os ativadores do plasminogênio, estão
diminuídas2. Isso se deve ao aumento nos inibidores dos ativadores do plasminogênio (PAI-1
e PAI-2), que têm sua produção aumentada pela placenta. O estado pró-trombótico atinge seu
ápice no momento do parto, em que substâncias pró-coagulantes são liberadas localmente
pela placenta, e retorna aos valores prévios à gravidez três a quatro semanas depois10,12.
A contagem plaquetária está reduzida em função da hemodiluição e de sua maior des-
truição. Ela gira em torno de 100.000 a 150.000 plaquetas.mm-3. Os níveis de proteína C
não se alteram ou aumentam discretamente, enquanto os níveis de proteína S decrescem. A
concentração de antitrombina permanece inalterada3,10.
Os níveis de leucócitos aumentam desde o primeiro trimestre, com pico na 30a semana,
atingindo cerca de 15.000 leucócitos.mm-3. Ocorre um predomínio de granulócitos, com
aumento de formas jovens3.
Sistema imunológico
As alterações imunológicas da gestação permitem o desenvolvimento de uma tolerân-
cia materna à presença de um feto semialogênico. Existe provavelmente uma redução da
resposta imune citotóxica, com preservação da imunidade inata e humoral. Tais alterações
resultam da ação de hormônios como a progesterona, o estrógeno e a relaxina. Tanto a pro-
gesterona quanto o estrógeno promovem a produção da citocina anti-inflamatória IL-10,
a qual inibe a resposta imune citotóxica. Tais alterações explicam a atenuação de doenças
autoimunes durante a gestação, como a esclerose múltipla e a artrite reumatoide2 .
Alterações respiratórias
O sistema respiratório passa por uma série de mudanças durante a gravidez, que são
mediadas inicialmente por alterações endócrinas e, posteriormente, resultam da elevação
diafragmática pelo útero gravídico. Tais modificações permitem ao organismo atender à de-
manda de oxigênio aumentada e proporcionam também uma eliminação eficaz de CO2 pelo
feto. O consumo de oxigênio aumenta em 30 a 50 mL.min-1, dois terços dos quais atendem à
demanda materna aumentada e um terço atende às necessidades do feto3.
Paralelamente ao aumento da demanda respiratória, existe uma elevação no volume mi-
nuto da ordem de 30% a 50%, causado, sobretudo, por um acréscimo no volume corrente,
em torno de 40%. Essa modificação se dá já no início da gestação e tende a permanecer
estável ou sofrer apenas aumento discreto nas semanas subsequentes1.
A progesterona tem papel importante nessas alterações, pois incita o centro respiratório,
tornando-o mais sensível ao estímulo do CO2 . Além disso, a resposta ventilatória à hipóxia
também está elevada. A frequência respiratória praticamente não se altera. Como resulta-
do do aumento do volume minuto, os níveis de PaO2 se elevam discretamente para quase
100 mmHg a 105 mmHg, facilitando a transferência de oxigênio para o feto. Da mesma
forma, a PaCO2 decresce de 40 mmHg para valores próximos a 33 mmHg, o que facilita
a eliminação do CO2 gerado pela mãe e feto, cuja produção aumenta em 30% a partir dos
valores pré-gestação. Esse estado de alcalose respiratória é compensado pela maior excreção
Aparelho gastrointestinal
Durante a gestação, o útero gravídico em crescimento desloca cranialmente o estômago
e as alças intestinais. Além disso, os níveis elevados de progesterona reduzem a motilidade
gastrointestinal e o tônus do esfíncter esofágico inferior e estimulam a produção placentá-
ria de gastrina, o que aumenta a acidez do conteúdo gástrico. Por conta dessas alterações,
ocorre aumento na pressão intra-abdominal e intragástrica, o que torna essas pacientes mais
propensas a náuseas e vômitos e à aspiração do conteúdo gástrico quando sedadas, a partir
da 16a semana de gestação1-3,15.
O perfil hepático também sofre algumas mudanças durante a gravidez, o que pode ser
confundido, muitas vezes, com condições patológicas. Alterações laboratoriais hepáticas
estão presentes em 10% das gestantes e não necessariamente traduzem doença. Comumen-
te, observam-se níveis reduzidos de albumina sérica, em função da expansão plasmática, e
aumento da fosfatase alcalina, pela sua produção placentária. Estas são alterações previstas
numa gravidez normal. Elevações de aminotransferases ou bilirrubinas, por sua vez, não
são esperadas e devem ser adequadamente investigadas. A presença de eritema palmar e
teleangiectasias é comum na gestação e resulta dos níveis elevados de estrógeno, que não são
totalmente metabolizados pelo fígado16.
Aparelho genitourinário
Na gestação, os rins são deslocados cranialmente e aumentam 1 cm de comprimento em
virtude do incremento no volume vascular e intersticial. A vasculatura renal é a primeira a
sofrer influência da vasodilatação sistêmica associada com a gestação. Isso leva ao incremento
do fluxo sanguíneo renal (FSR) em 50% a 85% e da taxa de filtração glomerular (TFG) em
40% a 65%. Como resultado, o clearance de creatinina aumenta em 25%, com redução de seus
níveis séricos para aproximadamente 0,5 mg.dL-1. A excreção de proteínas, inclusive albumi-
na, também se eleva. A glicosúria é um achado esperado durante a gravidez, em função do
incremento em sua filtração e da reabsorção tubular limitada. A elevada retenção de sódio nos
rins é importante para o aumento do volume plasmático na gestação. Apesar de sua filtração
glomerular elevada, a capacidade de reabsorção tubular está bastante aumentada1-3.
O sistema coletor renal torna-se mais dilatado em função do relaxamento promovido
pela progesterona, associado com a compressão ureteral gerada pelo útero gravídico. Tais
alterações resultam em hidroureteronefrose, predispondo a gestante a infecções do trato
urinário e nefrolitíase. O tônus vesical é reduzido, resultando em polaciúria, urgência mic-
cional e incontinência17.
Referências
1. Hill CC, Pickinpaugh J. Physiologic changes in pregnancy. Surg Clin North Am, 2008;88:391-401.
2. Chang J, Streitman D. Physiologic adaptations to pregnancy. Neurol Clin, 2012;30:781-9.
Anatomofisiologia placentária,
transferência de fármacos e fluxo
sanguíneo uteroplacentário
Simone Soares Leite
Anatomofisiologia placentária, transferência de
fármacos e fluxo sanguíneo uteroplacentário
“Thus in the womb the nascent infant laves
Its natant form in the circumfluent waves;
With perforated heart unbreathing swims,
Awakes and stretches all its recent limbs;
With gills placental seeks the arterial flood,
And drinks pure ether from its Mother’s blood.”
Canto I. The Temple of Nature,
Erasmus Darwin, 1803
Figura 3.1 – Estudos de embriões (1510-1513), por Leonardo da Vinci. À esquerda, um feto humano cercado
por uma placenta que apresenta múltiplas ligações com o útero. À direita, há desenhos detalhados da anato-
mia dos cotilédones, como observados nas placentas das vacas.
Figura 3.2 – Codilédone. A vilosidade-tronco mergulha na placenta a partir dos vasos da superfície fetal e
se divide em vilosidades intermediárias que, por sua vez, originam as vilosidades terminais. No segundo e
terceiro trimestre de gestação, as vilosidades terminais continuam a amadurecer, em resposta as exigências
fetais, e ocorre, por conseguinte, um aumento na quantidade e qualidade das trocas materno-fetais.
As vilosidades placentárias são compostas por três lâminas, com diferentes tipos de cé-
lula em cada uma. Os sinciciotrofoblastos e os citotrofoblastos cobrem toda a superfície da
“árvore vilosa” e são banhados pelo sangue materno no interior dos espaços intervilosos.
As células mesenquimais, as células Hofbauer e os fibroblastos estão localizados dentro do
estroma do núcleo viloso, entre os trofoblastos e os vasos fetais. As células Hofbauer, que
funcionam como os macrófagos fetais, sintetizam fatores pró-angiogênicos. As células vas-
culares fetais incluem as musculares lisas dos vasos, os pericitos e as células endoteliais4.
Estruturalmente, a placenta madura apresenta um formato discoide, com 3 cm de es-
pessura, 20 cm de diâmetro e cerca de 500 g, e possui um total de 15-28 cotilédones. O lado
fetal da placenta é brilhante por causa da membrana amniótica aposta. Nele são evidentes
o cordão umbilical fixo à placa coriônica e a irradiação, a partir da placenta, das artérias
umbilicais e da veia. O lado materno é rugoso e subdividido em até 35 lobos; os sulcos entre
Figura 3.3 – À direita a face fetal da placenta. À esquerda a face materna. Note o padrão disperso das ramifi-
cações dos vasos fetais (superfície fetal) na placa coriónica.
É importante destacar que a placenta das diferentes espécies exibe uma grande diver-
sidade entre as estruturas, que incluem diferentes organizações quanto ao tipo celular,
à forma e ao modelo de distribuição sobre o endométrio. A classificação de Grossner é a
mais comumente utilizada para categorizar o sistema placentário e se baseia no número
e tipo de lâminas teciduais presentes na barreira placentária, em cada espécie específica.
Assim, existem os seguintes tipos de placenta: epiteliocorial, típica das ovelhas; sindes-
mocorial; endoteliocorial, dos gatos e cães; hemocorial, dos seres humanos; endotelial e
a hemoendotelial 5.
Não apenas a estrutura, mas a função placentária varia entre as espécies. Assim, a extra-
polação dos resultados de estudos experimentais em animais para a prática clínica é muito
temerosa. Por exemplo, as ovelhas, que são a espécie animal mais utilizada nos estudos acer-
ca da transferência placentária, apresentam três lâminas maternas (epitélio, tecido conjunti-
vo e endotélio), que separam o sangue fetal do materno. Ao contrário, na placenta humana,
do tipo hemocorial, faltam essas lâminas, logo, as hemácias maternas entram em contato
direto com o trofoblasto fetal. Ou seja, substâncias capazes de atravessar a placenta humana
não o são nas placentas das ovelhas5.
A circulação placentária
A placenta recebe sangue dos sistemas materno e fetal, portanto, possui dois sistemas
circulatórios distintos, a circulação uteroplacentária e a fetoplacentária.
A primeira começa com o fluxo de sangue materno para o espaço interviloso através das
artérias espiraladas deciduais. A troca de oxigênio e nutrientes ocorre quando esse fluxo
alcança as vilosidades terminais, no espaço interviloso. O influxo sanguíneo materno em-
purra o sangue desoxigenado e pobre em nutrientes para as veias endomentriais e destas
para as veias uterinas. A circulação fetoplacentária permite que as artérias umbilicais (duas)
carreguem o sangue fetal, desoxigenado e pobre de nutrientes, do feto até os vasos principais
das vilosidades fetais. Após as trocas nutricionais e gasosas, a veia umbilical (uma) carreia o
sangue enriquecido de volta à circulação sistêmica fetal6.
Circulação fetoplacentária
A circulação fetal acontece em um sistema de vasos placentários e umbilicais. Cerca de
40% do débito ventricular fetal alcança a placenta através das artérias umbilicais, que se
ramificam por toda a placa coriônica. No entanto, antes de entrarem na placa coriônica,
essas artérias fazem um pequeno shunt sanguíneo, cujo objetivo é permitir a irrigação da
área em caso de infartos2 .
Os pequenos vasos derivados das artérias umbilicais adentram as vilosidades coriôni-
cas e aí formam uma rede de capilares em seus braços terminais (Figura 3.4). Nesse nível
ocorrem as trocas com o sangue materno contido no espaço interviloso (Figura 3.4). O
fluxo sanguíneo fetal é de 60-200 ml por minuto2 .
Dos leitos capilares venosos, os vasos sanguíneos se consolidam em ramos venosos suces-
sivamente maiores. Estes refazem seus caminhos através da placa coriônica e desembocam
na veia umbilical. Por fim, chega ao feto um aporte sanguíneo enriquecido2 (Figura 3.5).
Figura 3.4 – Observe o codilédone e os espaços intervilosos “banhados” pelo sangue materno. O sangue mater-
no atinge os espaços intervilosos com alta pressão (70-80 mmHg), formam os “jatos de Borrel” e, então, ocor-
rem trocas com o sangue fetal presente nas vilosidades. Após as trocas, o sangue desoxigenado, via orifícios,
retorna ao sistema venoso materno. E o sangue oxigenado se encaminha para o feto através da veia umbilical.
Circulação uteroplacentária
Em contraste com a circulação fetal, que ocorre por completo dentro dos vasos, o su-
primento materno para a placenta forma um lago sanguíneo não envolto pelas paredes dos
vasos. Em decorrência das atividades invasivas dos trofoblastos, cerca de 80-100 artérias es-
piraladas endometriais se abrem diretamente nos espaços intervilosos (Figura 3.4). Assim,
os vilos são banhados por, aproximadamente, 150 mL de sangue materno, e acontecem três
a quatro trocas por minuto2 .
Da placa coriônica o sangue se infiltra sobre as vilosidades terminais conforme ele retorna
para as vias venosas de escoamento localizadas na placa decidual da placenta (Figura 3.5)2.
A autorregulação dessa vasculatura é limitada, e os vasos encontram-se maximamente
dilatados nas gestações normais. Logo, o fluxo sanguíneo uterino é diretamente proporcio-
nal à pressão da perfusão uterina (pressão arterial - venosa uterina) e inversamente relacio-
nado à resistência vascular uterina7.
Fluxo Sanguíneo Uterino = (Pressão Arterial – Venosa Uterina)
÷ Resistência Vascular Uterina
Fisiologia placentária
A placenta apresenta diversas funções, entre elas1,2:
• de transporte (troca materno-fetal de substâncias) – oxigênio; dióxido de carbono; água;
glicose; lactato; aminoácidos; ácidos graxos livres; bilirrubina; eletrólitos e outros.
• metabólica – síntese de glicogênio; colesterol; ácidos graxos; estriol.
• imunológica – permite a passagem das imunoglobulinas G, mas não M.
• de excreção – ácido úrico e ureia.
• endócrina – síntese de gonadotrofina coriônica humana; lactogênio placentário
humano; tirotrofina coriônica humana; adrenocortitrofina coriônica humana; além
dos esteroides, como progesterona e estrógeno.
A camada da placenta encarregada da produção da maioria dos hormônios é
o sinciciotrofoblasto.
Outros fatores que afetam as trocas materno-fetais são: fluxo sanguíneo materno e fetal;
ligação placentária; metabolismo placentário; capacidade de difusão; ligação com as proteí-
nas plasmáticas fetais e maternas; idade gestacional e concentração proteica materna e fetal.
O gradiente de pH entre o meio fetal e materno também é relevante5.
Os anestésicos locais
A maioria dos agentes utilizados em anestesia atravessa a placenta por difusão simples,
logo, nesse processo, apenas a fração não ionizada dos fármacos entra em um equilíbrio
Os agentes anti-hipertensivos
Apesar de uma única dose de propranolol administrada 3 horas antes de uma cesariana
relacionar-se com uma razão feto/mãe (F/M) de 0,26, a administração prolongada desse
fármaco gera razões de um. Atenolol e metoprolol apresentam razões F/M de 0,94 e 1,0,
respectivamente. Com o uso crônico de atenolol é descrita uma razão de 0,385.
O esmolol apresenta, em ovelhas, uma razão F/M de 0,2. Em humanos, são descritos casos de
bradicardia fetal com seu uso e, consequentemente, a necessidade de cesariana de emergência5.
A clonidina e a dexmedetomidina apresentam razões F/M de 0,89 e 0,12, respectivamen-
te. Casos de bradicardia fetal já foram descritos com o uso de clonidina subaracnóidea para
analgesia de parto.
A hidralazina possui razão F/M de 1,0, e, em estudos in vitro, demonstrou vasodilatação
fetal. O nitroprussiato de sódio, por ser muito lipossolúvel, atravessa facilmente a barreira
placentária e pode causar toxicidade por cianeto no feto. A nitroglicerina possui uma razão
F/M de 0,185.
Os agentes vasopressores
A efedrina atravessa a placenta em maior intensidade que a fenilefrina e é submetida
a um menor grau de metabolismo precoce e/ou redistribuição no feto. Além disso, foram
observadas maiores concentrações de lactato, glicose e catecolaminas nos fetos cujas mães
foram tratadas com efedrina (versus fenilefrina). Esses dados sugerem que a maior acidemia
fetal observada com o uso materno de efedrina é advinda do aumento do metabolismo fetal,
secundário ao estímulo de seus receptores beta do sistema adrenérgico pela efedrina que
atravessou a placenta21.
Apesar da acidemia, a análise dos escores de Apgar e de avaliações neurocomportamen-
tais dos fetos nascidos de mães tratadas com efedrina ou fenilefrina é semelhante. Entretan-
to, não se sabe se essa acidemia fetal leve, descrita com o uso da efedrina, é de fato inócua,
pois pode correlacionar-se com distúrbios de aprendizagem em longo prazo. Portanto, re-
comenda-se a utilização de fenilefrina como agente de primeira escolha no tratamento da
hipotensão materna22 .
Figura 3.7 – Razão media de concentração de efedrina e fenilefrina na veia umbilical (VU) e na artéria
materna (AM), com seus respectivos percentis 10, 25, 75 e 90. Adaptada de: Placental Transfer and Fetal
Metabolic Effects of Phenylephrine and Ephedrine during Spinal Anesthesia for Cesarean Delivery. Anesthesiology
2009; 111:506-12.
Conclusões
A placenta é um órgão dinâmico e complexo, de cuja integridade e adequado funciona-
mento depende aguda e cronicamente o bem-estar fetal. Diversos fármacos utilizados em
anestesiologia podem interferir em sua função e na circulação uteroplacentária. Logo, todo
anestesiologista deve conhecer profundamente os efeitos individuais de cada fármaco nesse
órgão e em sua circulação. A escolha do agente inalatório, hipnótico, bloqueador neuromus-
cular e opioide a ser empregado nas cesarianas e também dos anestésicos locais utilizados
nesse contexto ou para analgesia de parto depende, além do conhecimento de farmacociné-
tica, do bem-estar fetal, do tempo médio previsto para o nascimento e da familiaridade dos
anestesiologistas e obstetras com cada técnica/fármaco.
Referências
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2. Carlson BM. Placenta and extraembryonic membranes. In: ______ Human embryology and developmental biol-
ogy. 4ª ed. Philadelphia: Mosber Elselvier, 2008. p. 131-51.
Alterações farmacológicas
induzidas pela gestação
Oscar César Pires
Guilherme de Oliveira Firmo
Alterações farmacológicas induzidas pela gestação
Introdução
O uso de fármacos é de grande importância para a saúde e o bem-estar humano, uma
realidade que ocorre também durante a gestação1.
Trabalhos referentes ao uso de fármacos em gestantes são oriundos de estudos epidemio-
lógicos em animais ou de relatos de casos, todos com limitações, visto que essa população de
pacientes é excluída dos ensaios clínicos por razões éticas2 .
Em muitas situações, fármacos são autoadministrados ou prescritos por médicos duran-
te a gestação. Essa prescrição exige que o médico compreenda as possíveis interações entre
o fármaco e a situação pela qual se encontra a gestante, com o objetivo de evitar efeitos
desastrosos, como a tragédia que ocorreu com o emprego da talidomida, para o tratamento
de náuseas e vômitos, entre 1950 e 1960, quando cerca de 10 mil crianças nasceram com
focomelia e outras alterações congênitas, alertando para os riscos da utilização de fármacos
durante a gravidez3. Por outro lado, o excesso de zelo por parte do médico pode deixar a
futura mãe órfã de recursos terapêuticos. Assim, deve-se ter sempre em mente que fármacos
administrados durante a gravidez têm como objetivo o benefício da gestante, sem produzir
complicações indesejadas ao concepto3.
Um estudo publicado em 2011, que investigou o uso global de fármacos durante a ges-
tação, com ênfase no primeiro semestre, descobriu que, nas últimas três décadas, o uso de
fármacos no primeiro trimestre de gestação aumentou mais de 60% e o uso de quatro ou
mais medicamentos mais do que triplicou. Essa prescrição aumentou com a idade e a esco-
laridade maternas4.
As alterações inerentes à gestante ocorrem geralmente na farmacocinética ou farmaco-
dinâmica, podendo acarretar efeitos adversos não apenas à gestante, mas também ao feto,
principalmente, porque poucas drogas apresentam estudos adequados para uso durante a
gravidez e lactação, acarretando orientação escassa tanto para médicos quanto para pacien-
tes, sendo a maioria dos fármacos utilizados off label durante a gravidez, além do que, grande
parte das monografias aconselha que fármacos não devem ser usados durante a gestação ou
lactação, principalmente em razão da possibilidade de custos com litígios5.
Conclusões
A necessidade do uso de fármacos pela gestante é uma realidade, porém, em razão das
alterações fisiológicas que ocorrem durante esse período da vida da mulher, respostas al-
teradas são observadas, principalmente aquelas que interferem na farmacocinética. Além
disso, a falta de estudos de fase IV durante a gestação dificulta a escolha da melhor terapia
farmacológica para essa população, fazendo com que as decisões sejam tomadas com base
em evidências esparsas de benefício tanto para a mãe quanto para o feto, limitando as op-
ções disponíveis na farmacopeia10.
Futuros esforços devem ser envidados para a produção de informações relevantes, obje-
tivando esclarecimentos sobre o uso da vasta quantidade de fármacos disponíveis e sobre
os quais pouco se conhece referente aos efeitos na gestante e no concepto. Esses estudos
poderão permitir que as mulheres se beneficiem dos mesmos efeitos terapêuticos durante a
gravidez como elas o fazem quando não estão grávidas.
Ocitócitos, uterotônicos
e uterolíticos
Clóvis Tadeu Bueno da Costa
Thiago de Freitas Gomes
Ocitócitos, uterotônicos e uterolíticos
Uterotônicos
Introdução
Os uterotônicos são fármacos capazes de aumentar o tônus uterino, indicados tanto para
a indução do parto quanto para a redução da intensidade da hemorragia no pós-parto.
A hemorragia puerperal (HP) define-se, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
como perda sanguínea maior ou igual a 500 mL, após parto vaginal, ou 1.000 mL, após cesa-
riana. Apesar de a incidência de HP estar diminuindo, continua sendo a causa mais frequente
de morte materna no mundo1. Anualmente, estima-se que 140 mil mulheres morram de HP,
ou seja, uma a cada 4 minutos. Além das mortes, a HP aumenta a morbidade materna por
causa de suas complicações, como distúrbios de coagulação; choque; síndrome da angústia
respiratória do adulto; perda da fertilidade e necrose pituitária (síndrome de Sheehan)2-3.
No Brasil, assim como nos países em desenvolvimento, predominam como motivo de
morte materna as causas obstétricas diretas, sendo as principais, em ordem decrescente:
hipertensão, hemorragias, infecções e abortamentos4.
Figura 5.1 - Razão de mortalidade materna por causas específicas de morte (por grupo de 100 mil nascidos
vivos). Brasil, 1990, 2000 e 2010*.
Ocitocina
A ocitocina é um nanopeptídeo secretado pelos núcleos supraópticos e paraventricula-
res do hipotálamo e estocado na hipófise posterior. Ela estimula a contração do músculo
uterino durante a gestação e também promove a ejeção de leite pelas glândulas mamárias.
Especula-se que, além desses efeitos, o hormônio aumenta o vínculo emocional entre a mãe
e o feto12 .
A ocitocina apresenta como mecanismo de ação um aumento da permeabilidade ao
sódio nas miofibrilas uterinas, estimulando indiretamente a contração da musculatura
uterina. O útero responde mais facilmente à ocitocina na presença de concentrações ele-
vadas de estrógenos. Com a evolução da gestação, ocorre aumento gradual de sua resposta,
chegando a um pico na 34ª semana e mantendo um patamar até o termo. As gestantes que
estão em trabalho de parto têm maior resposta à ocitocina em comparação com aquelas
que não estão, e apenas doses muito elevadas promovem contrações uterinas no início
da gravidez13 .
As contrações produzidas pela ocitocina sintética são semelhantes às que ocorrem du-
rante o parto espontâneo: ela aumenta a amplitude e a frequência das contrações uterinas
que transitoriamente diminuem o fluxo sanguíneo uterino e também diminui a atividade
cervical, causando dilatação e apagamento do colo uterino12 .
Alcaloides do ergot
O esporão do centeio ou ergot (Claviceps purpurea) é um fungo que cresce no centeio e
em algumas gramíneas e que contém uma variedade surpreendente de substâncias farma-
cologicamente ativas. O envenenamento pelo esporão do centeio, que no passado ocorria
frequentemente na Europa, estava associado com abortos, e ficou claro que essa substância
exercia poderosos efeitos sobre o útero. Em 1935, a ergometrina foi isolada e reconhecida
como o principal ocitócito do esporão do centeio.
A ergometrina e a metilergometrina (preparação semissintética) são os derivados do
ergot utilizados atualmente para a hemorragia puerperal que possuem perfis farmacológicos
e atividades semelhantes19.
O mecanismo de ação dessas drogas ainda não está bem esclarecido. Elas agem sobre os
receptores alfa-adrenérgicos e sobre os receptores de serotonina, produzindo rapidamente
contrações uterinas tetânicas19.
A ergometrina e a metilergometrina podem ser administradas por via oral, intramus-
cular e intravenosa, embora vários trabalhos contraindiquem seu uso venoso. Tem rápido
início de ação (2-3 minutos IM e 30-60 segundos EV), com duração clínica de 3 a 6 horas.
Após a administração, podem provocar náusea e vômito, provavelmente por meio de um
Prostaglandinas
As prostaglandinas da família E e F estão, cada vez mais, ganhando aceitação clínica
para o tratamento da atonia uterina, principalmente como terapia complementar à falha de
outros uterotônicos. Promovem vasoconstrição e aumento da atividade uterina22-23.
Seu mecanismo de ação está relacionado com o aumento do cálcio intracelular no mio-
métrio, gerando maior atividade da cadeia leve da actina. Tem como principais efeitos cola-
terais mal-estar; tremores; diarreia; náusea e vômito24.
A principal prostaglandina utilizada no tratamento da atonia uterina é a 15-metil pros-
taglandina F2 α , que tem sido utilizada como terapia complementar à não resposta de ou-
tros uterotônicos. A dose recomendada é de 250 μg intramuscular, podendo ser utilizada
diretamente no miométrio, com intervalos de 15 a 90 minutos, numa dose acumulada
de 2 mg (oito doses). Apresenta baixa efetividade em pacientes com corioamnionite e
deve ser evitada em pacientes asmáticos e com hipertensão pulmonar, por causa de sua
atividade broncoconstritora 25.
Uterolíticos
São classificados como uterolíticos os fármacos capazes de deprimir ou até inibir a ati-
vidade contrátil do miométrio. Podem agir impedindo a chegada do estímulo contrátil às
células miometriais ou mantendo-as refratárias à ação desses estímulos32-33.
Os uterolíticos são indicados no tratamento do trabalho de parto prematuro, que é defi-
nido como contrações uterinas regulares após a 20ª semana e antes da 37ª, com intervalos de
5 minutos ou menos, 2 cm de dilatação e esvaecimento cervical33. Embora partos pré-termo
correspondam a apenas 8% a 10% de todos os nascimentos, a prematuridade é responsável por
60% das mortes neonatais. O uso do tocolítico objetiva postergar o parto por, no mínimo, 48
horas, com o objetivo de acelerar a maturidade pulmonar por meio do uso de corticosteroides,
e/ou possibilitar a transferência da gestante para um centro de referência, quando não existem
condições adequadas para recepcionar, com segurança, o neonato pré-termo34.
Estudos sugerem que entre a 24ª e a 30ª semanas, a taxa de sobrevivência neonatal au-
menta de 2% a 3% para cada dia de permanência no útero. Dessa forma, justifica-se a preocu-
pação com a identificação de fatores de risco para o trabalho de parto prematuro, com busca
ativa do diagnóstico precoce dessa condição35.
Não há consenso quanto à idade gestacional mínima para o início da tocólise. Alguns
autores consideram 15 semanas como limite mínimo, baseados no fato de que, a partir desse
período gestacional, os abortamentos espontâneos decorrentes de alterações genéticas gra-
ves ou de malformações severas diminuem drasticamente36.
Uma metanálise publicada em 2009, com gestantes em trabalho de parto prematuro,
mostrou que os tocolíticos foram mais eficazes que o placebo/controle em atrasar o nas-
cimento por 48 horas (75-93% versus 53% do grupo placebo/controle) e por até sete dias
(61-78% versus 39% do grupo placebo/ controle), mas não para as gestações com 37 sema-
nas. Além disso, a administração de drogas tocolíticas não resultou em reduções estatisti-
camente significativas nos escores clínicos importantes, como insuficiência respiratória e
sobrevida neonatal37.
A terapia com uterolíticos apresenta contraindicações maternas e fetais (Tabela 5.3).
Os efeitos colaterais desses fármacos tendem a superar os benefícios quando são utiliza-
Diversas drogas têm sido testadas, porém ainda não existe um agente ideal, destituído de
efeitos colaterais. Um estudo que comparou as quatro classes de uterolíticos mais utilizados
(beta-agonistas, bloqueadores do canal de cálcio, sulfato de magnésio e AINES) mostrou
Beta-adrenérgicos
Os agonistas beta-adrenérgicos foram muito utilizados para a inibição do trabalho de
parto prematuro. Atualmente, seu uso está diminuindo na prática clínica diária. Destacam-
-se a terbutalina, o salbutamol e a ritodrina (único fármaco aprovado pelo Food and Drug
Administration, FDA) para inibir o TPP32,45.
Seu mecanismo de ação consiste na ligação e consequente estímulo dos receptores beta-2
adrenérgicos das células miometriais. Esses receptores determinam aumento na adenilcicla-
se, enzima responsável por catalisar a conversão de ATP em AMP cíclico, o que diminui o
cálcio livre intracelular, provocando o relaxamento do miométrio45.
Sulfato de magnésio
Seu mecanismo de ação como tocolítico permanece desconhecido. Provavelmente, se
deve à competição com o cálcio durante sua entrada da membrana celular miometrial45.
Em recente revisão sistemática, o sulfato de magnésio não apresentou benefícios quando
comparado com os demais tocolíticos (beta-adrenérgicos, bloqueadores do canal de cálcio
e inibidores da ciclo-oxigenase)45,51. Além disso, também não foi encontrado aumento no
tempo da gestação quando comparado com o placebo33.
Em outra revisão sistemática, em que foi comparado o sulfato de magnésio com grupo
controle/sem tratamento, não foi encontrada redução estatisticamente significativa nos par-
tos prematuros até 48 horas do início da terapia tocolítica; também não houve diferença na
incidência de eventos adversos maternos e fetais52 .
Referências
1. Manrique Munoz S, Munar Bauzà F, Francés Gonzalés S et al. Actualización en el uso de uterotónicos. Rev Esp
Anestesiol Reanim, 2012;59:91-7.
2. Su CW. Postpartum hemorrhage. Prim Care, 2012;39:167-87.
3. Kahn KS, Wojdyla D, Say L et al. WHO analysis of causes of maternal death: a systematic review. Lancet,
2006;367:1066-74.
Introdução
O trabalho de parto caracteriza-se por contrações uterinas rítmicas que aumentam em
intensidade e frequência, promovendo o esvaecimento e a dilatação da cérvice. Classica-
mente, é dividido em quatro períodos. O primeiro estágio vai do início até a dilatação total
(10 cm) e subdivide-se em duas fases: de latência e ativa. A fase de latência dura cerca de 8
horas sem intervenções. A fase ativa é assim denominada por promover dilatação cervical
mais rápida. Normalmente, inicia-se com dilatação entre 2 e 4 cm e dura em média de 2 a 6
horas. O período expulsivo, também denominado segundo período, tem duração de 2 a 3h
com analgesia de condução em primigestas, e de 1 a 2h na analgesia de multíparas. O tercei-
ro período é aquele que vai do nascimento à dequitação da placenta. A primeira hora após
a separação das membranas é conhecido como quarto período ou período de Greenberg1.
Os mecanismos que desencadeiam o parto ainda não são totalmente conhecidos. Durante
a gravidez, o útero, uma cavidade muscular, deveria ter contrações espontâneas. A progestero-
na secretada pela placenta, entretanto, suprime essa atividade, permitindo a presença e o de-
senvolvimento fetal durante toda a gestação. O desencadear do trabalho de parto é, portanto,
um conflito de interesses entre o bebê e a mãe2. No final do terceiro trimestre de gravidez, o
colo do útero vai, gradativamente, se adelgaçando e as contrações começam a surgir.
A experiência da dor é uma complexa e subjetiva resposta multidimensional a um estímulo
sensorial produzido durante a parturição. É um fenômeno intimamente relacionado com a
existência da espécie humana e suas relações interpessoais. Diferente de outras experiências
de dores agudas e crônicas, a dor no trabalho de parto não está associada com uma patologia,
mas sim com a experiência mais básica e fundamental, o início de uma nova vida. O motivo
pelo qual esse processo fisiológico causa dor tem sido objeto de debates filosóficos e religiosos.
A dor do trabalho de parto representa um aviso à mãe para que esta possa ter tempo suficiente
de buscar um lugar seguro e conseguir assistência necessária para o parto. A dor ocorre em um
contexto fisiológico e psicológico individual de cada mulher e também da sociedade e cultura
das quais ela faz parte. Essa cultura não inclui somente crenças e padrões de sua família e co-
munidade, mas também os sistemas de saúde, incluindo seu modelo de gestão.
O número de cesarianas é crescente no mundo inteiro. Especialmente no Brasil essas
cifras são explosivas. Nesse contexto, em que a sociedade moderna parece acreditar que a
dor da parturição é ruim e que seu alívio deve ser imediato3, a moderna anestesia regional é
cada vez mais capaz de oferecer qualidade, aliviando a ansiedade e a dor e evitando grande
parte das cesarianas eletivas com mínimas repercussões sobre mãe e feto.
A procura pelo parto sem dor
O trabalho de parto é mais difícil e álgico na mulher do que nas fêmeas de outros
mamíferos por causa do estrito acoplamento entre a pélvis feminina e o polo cefáli-
co fetal. Há 5 milhões de anos, nossos ancestrais australopitecos adotaram a postura
A analgesia e o parto
A história do parto através dos tempos e das culturas e o modo como ele é vivido – ex-
periência perigosa, dolorosa, satisfatória ou importante, embora acompanhada de certos
riscos – não podem ser separados do percurso da organização familiar, social e cultural. É
nesse contexto que a moderna anestesiologia está inserida. O crescimento do número de
cesarianas é um fenômeno global e pode ser explicado, em parte, por uma cultura que aceita
cada vez menos as perdas que podem ocorrer, mesmo nos processos fisiológicos e naturais
da parturição. O trabalho de parto é uma situação de estresse para mãe e o concepto. Sem
dúvida, o medo da dor e a ansiedade das longas horas de espera também são fatores prepon-
derantes na crescente taxa de cesarianas eletivas.
Por outro lado, a analgesia de parto foi historicamente relacionada com o aumento
na incidência dos partos cirúrgicos e instrumentados. Considerando o exemplo brasilei-
ro, em que as gestantes do setor privado têm um alto percentual de cesarianas, vemos
que a difusão das técnicas de analgesia regional para a população seria uma ferramenta
importante no estímulo ao parto vaginal. É evidente que, ao realizarmos um bloqueio
regional, interferimos no curso dos partos, conforme mostra a Tabela 6.2. Todavia, essa
interferência, quando comparada com outros fatores que levam uma mulher a escolher
uma cesariana, é mínima.
O papel do anestesiologista no
parto humanizado
Raquel da Rocha Pereira
O papel do anestesiologista no parto humanizado
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao
tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
(Carl G. Jung)
Introdução
Independentemente da classe social, do acesso ou não às informações e a um serviço
médico público ou privado, entre as grandes angústias que circundam o universo da mulher
que dará à luz em pleno século XXI, é o medo da dor, ou seja, do ritual de estresse e dor ao
qual vai se submeter para o nascimento de seu filho. Ainda que não seja um medo que a
paralise ao ponto de querer intervir no processo natural de seu parto, por meio de uma cesa-
riana, reflete-se como uma preocupação durante toda a gestação que fragiliza e compromete
o processo do parto/nascimento1.
O aumento indiscriminado do número de cesarianas e o uso rotineiro de procedimentos,
sem o respaldo de evidências científicas, como episiotomia, manobra de Kristeller, uso da
ocitocina e a não disponibilidade de analgesia de parto entre as técnicas de alívio da dor,
têm gerado críticas ao modelo hospitalar intervencionista, por serem situações que podem
deixar marcas profundas físicas e emocionais na mulher. Situações como essas, sem a anuên-
cia e/ou participação da parturiente nas decisões sobre seu parto, têm sido questionadas e
configuradas como violência obstétrica. Além de desvirtuar o importante papel do médico,
contribui para uma visão distorcida da sociedade sobre o processo fisiológico da parturição,
como sendo um “evento de risco”. A tecnocracia adotada até então, pelo modelo de assistên-
cia obstétrica no Brasil, em que a tecnologia dita e orienta as ações e condutas em detrimen-
to do fator humano na assistência, está sendo revista pela força da Medicina Baseada em
Evidências (MBE), que identificou distorções deletérias ao bem-estar da díade mãe-bebê2,3.
Humanizar a assistência no ciclo gravídico puerperal é acolher, respeitar a individualida-
de, empoderar com conhecimento a mulher para que exerça um protagonismo participativo
consciente. As diretrizes da política de humanização do parto emergem do princípio cons-
titucional de “dignidade da pessoa humana”, princípio esse que apresenta uma importante
densidade valorativa ao levar em conta o amplo sentido de dignidade, valor espiritual e moral,
uma participação consciente e responsável na própria vida3. Nele assenta-se a Constituição
brasileira, fundamentam-se garantias, direitos e deveres do cidadão e, consequentemente,
todas as atividades profissionais, independentemente de sua função técnica ou hierárquica4.
Nessa linha, o Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina (CFM), em seu
artigo IV e V, reconhece e valora a autonomia do paciente como princípio fundamental e
define que só é permitido, ao médico, decisão unilateral quando em situações de risco de
vida, ou seja, em caráter emergencial4-6.
O acesso à informação é um dos princípios básicos e que valora a política de humanização
do parto. A desinformação gera insegurança, medo e um olhar desfocado sobre o parto/nas-
cimento, elementos socioestruturais que, paradoxalmente, tornam as mulheres submissas
a seus temores no “liberto” ato fisiológico da parturição. A submissão pelo medo fortalece
Antropologia do parto
“O sentimento de felicidade flui quando o corpo e a mente estão libertos da dor e do
sofrimento pelo desconhecido.” (Pereira, 2005)
Histórico
Até a Idade Média, a parturição era um evento com participação só de mulheres, sem a in-
terferência da representação masculina do “saber médico”. A medicina preocupava-se apenas
com as doenças, e o ciclo gravídico-puerperal estava fora desse contexto, entregue aos cuida-
dos das parteiras. Um evento eminentemente feminino de relacionamento social e emocio-
nal, em que as mulheres com mais experiência, geralmente multíparas, se disponibilizavam a
ajudar, com seus conhecimentos, mulheres a partejar. Porém, com o objetivo de reduzir o alto
índice de morbimortalidade, alterou-se o modelo vigente, que passou a ser um evento médico,
que substituiu a representação feminina das parteiras, com seu apoio empático e afetivo ao
nascimento, e tornou o parto um evento técnico na busca de melhores resultados9.
A hospitalização do parto deslocou a mulher de seu posto de protagonista ativa para ceder
o comando do processo ao modelo biomédico, que passou a influenciar comportamentos e
decisões da mulher. Entretanto, como integrante de uma sociedade civilizada, ela utiliza-se
dos padrões socioculturais que são assimilados e aprendidos pelo “cérebro social” para atin-
gir com sucesso o objetivo fisiológico de partejar e nutrir a cria. A cultura, como uma “lente”
herdada, define a imagem que o indivíduo capta e pela qual compreende seu mundo, para
viver em consonância com os membros da sociedade, num processo de aculturação. Isso
garante a coesão e continuidade dos grupos humanos7,9.
O comportamento da mulher no período reprodutivo deriva dessa aculturação e dos
significados biológicos para a espécie. Nesse contexto, o medo da dor e suas representações
muito influenciam na mudança de comportamento e expectativas da mulher sobre a par-
turição. Ao se buscarem explicações para a dor, na antropologia cultural, são encontradas
interpretações primitivas para seu significado: na concepção dualista sobre o bem e o mal,
a dor era a representação do mal e do sofrimento, uma condição de dano-lesiva entendida
como provocada pelo inimigo9,10. Ironicamente, ousamos fazer um paralelo em que, apesar
dos avanços científicos, essa simbolização ainda perdura em pleno século XXI, quando nos
deparamos com altos índices desnecessários de cesárea, sem justificativa clínica, que, na
lógica primitiva, seria para se libertar o mais rápido possível “da coisa ruim” – a dor do tra-
balho de parto, que no conceito cultural dualista “poderia causar dano ao concepto”8,9,11,12 .
Humanização do parto
“Quanto mais o homem se aproxima da civilização, mas se afasta da intuição.”
(autor desconhecido)
As questões socioculturais representam grande influência em como a mulher encara o
evento da parturição. Rattner comenta que: “Desde que o parto migrou de dentro de casa
para o hospital, a mulher passou a imaginar que não tem competência para gerar e parir,
apesar de ser perfeitamente preparada pela natureza para isso”18. No Brasil, na década de
1990, já existia um grupo de mulheres que denunciavam a “violência” praticada à mulher
A participação do pai/acompanhante
O direito a um acompanhante de sua escolha é assegurado à gestante no Brasil desde
2005, com a Lei nº 11.108. As mulheres grávidas adquiriram o direito à presença de um
acompanhante nas consultas do pré e pós-natal e durante seu internamento na maternidade.
Um direito fundamentado em pesquisas que demonstram os benefícios para ao binômio
mãe-filho. Vários estudos comprovam as vantagens da presença de um acompanhante no
parto/nascimento; ele se torna o elo entre a equipe e a parturiente, gera sentimento de se-
gurança e apoio. Foi também identificado que mulheres que contaram com a presença de
um acompanhante apresentaram menor necessidade de analgésicos durante o trabalho de
parto, bem como se sentiram mais seguras e tranquilas no evento da parturição, com relatos
de satisfação pelo ambiente familiar proporcionado18,49,50 e redução nos índices de cesárea.
O nascimento de um filho consiste, para o casal grávido, numa experiência única e in-
tensa. A Lei do Acompanhante permitiu corrigir um desvio, que punia o pai protagonista
A linguagem da humanização
“Existe no silêncio uma tão profunda sabedoria que às vezes ele se transforma na mais
perfeita das respostas.” (Fernando Pessoa)
A capacidade de comunicação e de estabelecer diálogo se apresenta como uma das habili-
dades que mais diferenciam o homem dos outros animais. Para tal, utilizam-se de símbolos,
códigos e expressões psicossociais verbais (linguísticos) e psicobiológicos (seu comporta-
mento e expressão não verbal e paraverbal) para exercer essa importante função. Inúmeras
pesquisas mostram que as expressões não verbais e paraverbais influenciam mais as relações
interpessoais do que as verbais. O que define a importância do domínio desses elementos de
linguagem em determinadas profissões que necessitam de relacionamento entre as pessoas.
Como a saúde, pela relevante contribuição na percepção do outro e por ser esse um elemen-
to de comunicação importante nas relações de confiança entre médico e paciente e para a
aderência do paciente ao tratamento64,65.
A doença e a mudança de ambiente e hábitos com a hospitalização são elementos de
desconforto e estresse que colaboram para a exacerbação das emoções. Os cinco sentidos
entram em alerta sob o comando do sistema límbico, cria linguagens e gera comportamen-
tos. Nessas situações, ao sair da sua zona de conforto, como um “radar humano”, o paciente
observa e valora muito mais as expressões faciais (comunicação não verbal) e a entonação
da voz (comunicação paraverbal) que as próprias palavras (verbal) ditas pelo médico65,66.
Na humanização, a generosidade, o respeito, o acolhimento e a empatia são elementos
básicos, primordiais da assistência, porém, esses atributos só geram resultados se o elemento
comunicação estiver incorporado nas relações interpessoais entre quem dá e quem recebe
informação. É justamente nessa esfera que se observam os ruídos de comunicação, já que,
geralmente, a prática da assistência está primordialmente voltada para a esfera biológica, em
que é esquecido que por trás daquela sintomatologia existe um “ser” humano, com suas pe-
culiaridades que o tornam único. Assim, utilizar-se de todos os elementos de comunicação é
fundamental para a assertividade diagnóstica já que, às vezes, o que não é dito é denunciado
pelo corpo, o que pode mudar toda uma linha diagnóstica11,54,65.
Ao se lidar com a dor e o sofrimento, é fundamental desenvolver a capacidade de ouvir
e escutar, principalmente, perceber a linguagem que o corpo “fala” sem voz, que não se
deixa tolher pelas rédeas linguísticas culturais, e, por meio do silêncio denunciado pelas
expressões não verbais, desnuda as emoções mais profundas que fragilizam e comprometem
a cura8,26,64,67.
“Um gesto vale mais que mil palavras.” A comunicação verbal é uma importante fer-
ramenta do profissional da saúde, porém, cuidado, pois, por sua capacidade reveladora, as
palavras podem atuar como faca que corta ou fere. Os elementos de linguagem não verbais
no processo da parturição espelham as alterações emocionais e funcionais promovidas pelo
estresse e sofrimento emocional da mulher grávida. Assim, o acolhimento empático e res-
Considerações finais
A humanização ocupa seu verdadeiro significado ao utilizar-se das emoções, que são a
essência do ser humano, na construção de um espaço concreto que legitime o aspecto afeti-
Referências
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Introdução
A obesidade hoje é considerada um problema de saúde pública mundial (OMS). Houve
um aumento acentuado de sua prevalência nos últimos 30 anos, atingindo mais de 60 mi-
lhões de adultos e 9 milhões de crianças entre 6 e 19 anos1-2 . Em função de sua evolução
extremamente rápida no mundo, inclusive no Brasil, a obesidade pode ser comparada com
uma verdadeira pandemia3.
A obesidade pode ser classificada pelo índice de massa corporal (IMC), calculado pelo
peso, em quilogramas, dividido pelo quadrado da altura, de acordo com a Tabela 8.1.4
Tabela 8.1. – Classificação da obesidade – OMS 2010
Classificação IMC (Kg / M²) Risco de mortalidade
Sobrepeso ≥ 25
Obesidade ≥ 30
Obesidade Mórbida ≥ 35
Avaliação pré-anestésica
Por causa da maior dificuldade do manejo anestésico dessas pacientes e da maior asso-
ciação de comorbidades, a gestante obesa obrigatoriamente deve passar por avaliação pré-a-
nestésica, porém, em nossa realidade, o anestesiologista tem o primeiro contato com essas
pacientes já na hora do parto.
O relacionamento da equipe é fundamental para o sucesso da intervenção, portanto,
assim que a gestante obesa der entrada na maternidade, o contato com o serviço de
anestesia deve ser o mais precoce possível, para que se possa fazer um planejamento do
manejo anestésico10 .
Devemos focar nossa avaliação na história e no exame físico, dar prioridade ao sistema
respiratório, sistema cardiovascular e, principalmente, à via aérea e coluna lombar.
A definição do estado físico da ASA em gestante é controversa. A obesidade mórbida
é considerada uma doença sistêmica (metabólica) descompensada e, portanto, classificada
como ASA III. A obesidade não mórbida é classificada como doença sistêmica não descom-
pensada (ASA II)10.
O conhecimento das alterações fisiológicas é o melhor guia para manejarmos com segu-
rança a gestante obesa.
Alterações fisiológicas da gestante obesa e suas implicações na anestesia.
Sistema respiratório
O sistema pulmonar se adapta para atender às crescentes demandas de oxigênio e ven-
tilação na gravidez. Geralmente, o volume minuto aumenta em 50% a termo e a PaCO2
diminui para 34 mm/Hg, e embora a capacidade residual funcional (CRF), o volume de
reserva expiratória (VRE) e o volume residual (VR) sejam diminuídos por causa do deslo-
camento cefálico do diafragma pelo crescimento uterino, a capacidade pulmonar total não
é alterada pelo aumento na circunferência do tórax. O efeito de relaxamento do músculo
liso pela progesterona na gravidez pode diminuir a resistência das vias aéreas e melhorar a
função respiratória11.
A relação ventilação/perfusão está alterada (shunts intrapulmonares), podendo compro-
meter a oxigenação arterial.
A prevalência de asma está aumentada na população obesa. Existem especulações de que
o refluxo gastroesofágico possa ser a causa de asma em mulheres obesas.
As principais alterações no sistema respiratório estão listadas na Tabela 8.2.
Via aérea
A obesidade e a gravidez aumentam a dificuldade de intubação. A diminuição da
CRF diminui o tempo disponível para laringoscopia e intubação, pois ocorre hipoxe-
mia muito rapidamente.
Devemos avaliar cuidadosamente a via aérea antes de qualquer procedimento anestésico,
incluindo a medida de circunferência cervical; o índice de Mallampati modificado; a aber-
tura da boca; a distância tireomentoniana; a mobilidade cervical e a dentição. A gravidez
aumenta o edema das mucosas nasofaríngea, orofaríngea e laríngea. Rouquidão, dificuldade
de respirar pelo nariz e estridor sugerem edema de vias aéreas.
É importante traçarmos um planejamento para o manejo da via aérea. Na suspeita de via
aérea difícil, não descartar a possibilidade de intubação traqueal com a paciente acordada e
obter broncofibroscopia disponível.
Sistema cardiovascular
Hipertensão arterial é frequente na população obesa e está relacionada com o IMC.
Mesmo quando pacientes com hipertensão crônica são excluídas. A obesidade é um fator de
risco para o desenvolvimento de pré-eclâmpsia12-14. A incidência de pré-eclâmpsia duplica a
cada 5 - 7 kg.m² -1 acrescido ao IMC. A doença hipertensiva permanece a principal causa de
mortalidade materna13.
Para cada 100 gramas de tecido gorduroso armazenado, ocorre o aumento de 30 a 50
mL.min-1 no débito cardíaco, acompanhado da elevação do volume sanguíneo. A frequência
cardíaca aumenta proporcionalmente ao débito cardíaco, o intervalo diastólico está dimi-
nuído, assim como o tempo de perfusão do miocárdio, acarretando disfunção diastólica. A
gordura no tecido miocárdico afeta diretamente a condução e a contratilidade cardíaca15,16.
A síndrome da hipotensão supina, que acontece em decorrência da compressão dos gran-
des vasos intra-abdominais pelo útero gravídico, também pode acometer a paciente obesa,
devido à compressão dos vasos abdominais pelo tecido adiposo, e na gestante obesa mórbi-
da esse efeito é ainda mais pronunciado.
Sistema gastrointestinal
A combinação de obesidade, gravidez e alterações anatômicas e hormonais aumenta
muito o risco de regurgitação do conteúdo gástrico.
A frequência de refluxo gástrico está correlacionada com o aumento do IMC em mulheres17.
Alterações fisiológicas na gravidez normal incluem a diminuição do tônus do esfíncter
esofágico inferior; em mulheres em trabalho de parto, a motilidade gástrica diminui e o
esvaziamento pode cessar completamente; isso atualmente tem sido questionável.
No estudo de Robert Shirley18, com grávidas obesas e não obesas em trabalho de parto,
concluiu-se que o volume gástrico nas parturientes obesas era cinco vezes maior do que nas
não obesas.
Na eventualidade de anestesia geral, devemos estar atentos para os detalhes aqui mencionados.
A esteatose hepática é comum em indivíduos obesos, com incidência que varia entre 60%
e 90% entre pacientes obesos mórbidos e superobesos19.
Doença hipertensiva
A obesidade durante a gravidez vem, muito frequentemente, acompanhada de hiperten-
são arterial sistêmica, e a incidência de pré-eclâmpsia é muito maior que nas gestantes não
obesas. Estudos mostram que a incidência de hipertensão arterial varia de 0,9% a 9,25% no
grupo controle, para 7% a 79,3% em gestantes obesas, e a ocorrência de pré-eclâmpsia varia
de 6,2%, no grupo controle, para 4,5% a 42,9%, em gestantes obesas9,20,22,23.
Independentemente da presença ou não de pré-eclâmpsia, o excesso de massa corporal
provoca aumento da demanda metabólica com elevação do débito cardíaco. Existe risco au-
mentado para a ocorrência de disritmias cardíacas como consequência de hipertrofia; hipo-
xemia; infiltração de gordura no sistema cardíaco de condução; doença coronária; aumento
das catecolaminas circulantes e apneia do sono. A gestante obesa tem risco elevado para
falência cardíaca, portanto, uma avaliação detalhada dessas pacientes na consulta pré-anes-
tésica é de fundamental importância.
Hipercoagulabilidade
A incidência de tromboembolismo venoso (TEV) em parturientes obesas é maior que o
dobro da ocorrência em parturientes não obesas. A obesidade é um fator de risco indepen-
dente para trombose venosa profunda (TVP) 24.
Vários motivos podem ser citados para o incremento da incidência de formação de trom-
bos venosos:
a) aumento da estase venosa das extremidades inferiores – secundário à elevação da pres-
são da veia cava inferior, como resultado do aumento da pressão intra-abdominal;
b) a lesão vascular ocorre tanto no parto vaginal quanto no parto cesáreo;
c) estado hipercoagulável induzido pela gravidez – aumento de fibrina e fatores II, VII
e diminuição da proteína S e do sistema fibrinolítico;
d) diminuição da atividade fibrinolítica (reduzida em pacientes com uma combinação
de hiperlipidemia e resistência à insulina) e aumento dos níveis de fibrinogênio, que
se elevam proporcionalmente ao aumento do IMC;
e) aumento da produção de tromboxano, secundário à hiperlipidemia;
f) incremento da viscosidade sanguínea.
Técnicas anestésicas
A indicação da técnica anestésica depende do procedimento (parto vaginal ou cesariana)
e da urgência do caso. Devemos seguir os princípios da anestesia obstétrica das gestantes não
obesas. A avaliação prévia da gestante obesa é fundamental para o manejo anestésico delas.
Os riscos de complicações perinatal e cardiopulmonar e hemorragia intraoperatória
estão bastante aumentados nas pacientes obesas.
Independentemente da técnica anestésica escolhida, algumas medidas devem ser toma-
das para assegurar o bom andamento do ato anestésico-cirúrgico. Assim, são elementos
fundamentais o acesso venoso, a monitorização e o deslocamento do útero para a esquerda.
Apesar da dificuldade, devemos sempre tentar obter dois acessos calibrosos e, se neces-
sário, utilizar o acesso central. A monitorização correta deve ser utilizada. Para a medida
da pressão arterial, usar manguito de tamanho adequado, evitando a superestimação da
pressão arterial. A oximetria de pulso, frequência cardíaca e eletrocardioscopia completam
as medidas de segurança do ato anestésico-cirúrgico; na eventualidade de anestesia geral, o
uso do capnógrafo é imprescindível.
O deslocamento uterino para a esquerda deve ser utilizado mesmo no início da gravidez,
com o objetivo de realizar descompressão aortocava, seja por compressão uterina ou da pró-
pria parede abdominal.
Essas medidas de segurança são importantes, lembrando que, entre os possíveis pro-
blemas anestésicos da gestante obesa, incluem-se dificuldade técnica para a realização de
bloqueios, intubação traqueal e monitorização da mãe e do feto e complicações cirúrgicas
com intercorrências desagradáveis.
Anestesia regional
A anestesia regional na gestante obesa apresenta peculiaridades próprias com as quais o
anestesiologista deve estar familiarizado. Um trabalho de Hodgkinson e Husain29 descre-
veu aumento da propagação cefálica do anestésico local em pacientes obesos. Hogan30, por
sua vez, ressaltou um volume médio de liquor menor em pacientes com IMC elevado, o que
poderia explicar a diminuição da dose do anestésico local, em razão da menor diluição anes-
tésica. Outro estudo associou a queda do volume de liquor com a compressão do saco dural
pelo ingurgitamento do plexo venoso peridural e aumento da pressão peridural secundária
à compressão da veia cava inferior, com a redistribuição do retorno venoso dos membros
inferiores e da pelve31.
Uma pesquisa30 confirmou, por meio de ressonância magnética, que há diminuição do
volume de liquor em gestantes obesas. Greene31 propôs que a obesidade, por si só, não au-
menta a dispersão cefálica do anestésico, mas sim a posição de Trendelemburg. Independen-
temente do mecanismo, a dose do anestésico local a ser administrado deve ser titulada de
forma a conseguir um bloqueio que proporcione conforto para a paciente e o obstetra, sem
os inconvenientes de um bloqueio extenso, principalmente na presença de via aérea difícil.
Para qualquer técnica regional utilizada, uma avaliação minuciosa do sucesso do bloqueio
antes da incisão cirúrgica é muito importante na anestesia obstétrica e ainda mais importan-
te em gestantes obesas mórbidas32 .
A conversão da anestesia regional para anestesia geral pode ter consequências desastro-
sas para a paciente32 .
Raquianestesia
Apesar de produzir alguns riscos adicionais à gestante obesa, a raquianestesia é a téc-
nica preferida da maioria dos serviços de anestesia obstétrica, porque tem a grande van-
tagem de promover anestesia de início rápido e bloqueio de ótima qualidade. Pontos de
120 | Educação Continuada em Anestesiologia - Volume VI
referência anatômica, como o processo espinhoso vertebral e as cristas ilíacas, orientam a
realização do bloqueio neuroaxial. Infelizmente, esses pontos de referência estão ocultos
na paciente obesa. Se os processos espinhosos vertebrais, utilizados para definir a linha
média, forem difíceis de palpar, pode-se desenhar uma linha a partir do processo espi-
nhoso vertebral cervical até a posição mais superior da fissura glútea. É preferível utilizar
a punção na posição sentada.
Prever a profundidade do espaço subaracnóideo também é difícil. Contudo, a distância
entre a pele e o espaço epidural é maior conforme o IMC aumenta33.
Apesar de ainda não ser realidade em nosso país, alguns serviços utilizam o auxílio da
ultrassonografia para identificar a linha média, o espaço intervertebral e a distância entre a
pele e o espaço epidural com mais precisão, determinando o ponto de inserção da agulha
espinhal/epidural34. Agulhas padrão geralmente têm comprimento suficiente para alcançar
o espaço epidural e intervertebral.
Agulhas espinais ou epidurais mais longas, ocasionalmente, são necessárias em pacientes
obesas; muitas vezes é mais fácil utilizar uma agulha epidural como guia para uma agulha
espinhal mais flexível e com menor calibre.
Embora controversa, a distribuição cranial da analgesia e da anestesia tem sido corre-
lacionada com o IMC29. Muitas teorias têm sido utilizadas para explicar esse fenômeno.
Acredita-se que o aumento na pressão abdominal seja o mecanismo que diminui o volume
de liquor cefalorraquidiano (LCR) em pacientes obesas. Essa diminuição pode causar uma
distribuição mais extensa dos bloqueios espinhal e epidural. As nádegas grandes da paciente
obesa na posição de decúbito dorsal podem elevar a coluna lombar, e apenas isso pode resul-
tar em maior distribuição cranial. Independentemente da etiologia, deve-se tomar cuidado
quando se realiza um bloqueio espinhal em uma paciente obesa. Além da dificuldade de
quantificação da dose, a raqui produz anestesia por tempo limitado, sendo um inconveniente
na utilização dessa técnica, pois, nessas pacientes, o tempo cirúrgico é geralmente prolonga-
do. A dificuldade técnica, o risco do bloqueio torácico com comprometimento da dinâmica
respiratória e a incapacidade de prolongar o bloqueio são fatores limitantes da técnica.
A raquianestesia contínua pode ser utilizada como opção, em caso de punção inadvertida
com agulha de peridural.
Anestesia peridural
Mesmo considerando-se as dificuldades técnicas para a abordagem do espaço peridural
na gestante obesa, a anestesia peridural é a técnica de escolha se um cateter funcional já se
encontra instalado.
A anestesia peridural contínua tem sido realizada tanto para o parto vaginal como para o
parto cirúrgico35. Com ela é possível titular a anestesia, procurando ajustar a dose para obter
o nível desejado e a estabilidade cardiovascular com mínima interferência na ventilação e
nas condições clínicas gerais da paciente. Além disso, é possível programar analgesia con-
trolada pela paciente no pós-operatório.
Alguns serviços têm utilizado rotineiramente o auxílio da ultrassonografia nos bloqueios
espinhais realizados em pacientes obesos, o que ainda não é uma realidade em nosso país.
Anestesia geral
Sempre que possível, deve-se evitar a anestesia geral em gestantes obesas, a menos que
seja absolutamente necessária32 . A mortalidade materna é diminuída quando a anestesia
geral é evitada. A causa anestésica mais comum de morte materna é a dificuldade de aces-
so às vias aéreas. Alguns fatores contribuem para dificultar a visualização das estruturas
das vias aéreas, incluindo depósito de gordura na orofaringe, alterações nos tecidos moles e
edema de mucosa durante a gravidez. Como já se sabe, essas alterações anatômicas dificul-
tam a intubação – uma história de intubação traqueal anterior bem-sucedida não garante
resultados semelhantes. A classificação de Mallampati se modifica entre o primeiro e o
terceiro trimestres, bem como durante o trabalho de parto. O segredo para uma intubação
traqueal de sucesso é o posicionamento adequado da paciente10.
Dificuldade não antecipada no manejo das vias aéreas é mais comum nessa população
e tem sido sugerido que todas as parturientes com obesidade mórbida sejam classificadas
como possuindo vias aéreas problemáticas.
Se houver tempo, laringoscopia com a paciente acordada ou intubação por fibra óptica
pode ser prudente. Intubação nasal deve ser evitada em parturientes por causa do edema da
mucosa e risco de hemorragia. Máscara laríngea e novos dispositivos para intubação podem
salvar a vida de parturientes com dificuldade de acesso das vias aéreas. ML tem sido utili-
zado para cesariana eletiva em mulheres saudáveis em jejum, sem evidência de aspiração,
porém, é ainda bastante controverso37.
Além das dificuldades de visualização e identificação das estruturas das vias aéreas para
intubação traqueal, a confirmação do posicionamento adequado do tubo traqueal, através
Conclusão
A obesidade representa um problema de saúde que acomete cada vez mais mulheres em
sua fase reprodutiva. As comorbidades associadas à obesidade fazem da gestante uma pa-
ciente especial, representado um desafio para o anestesiologista.
A consulta pré-anestésica, com a realização de uma anamnese e exame físico detalhado,
com o objetivo identificar doenças associadas como hipertensão, diabetes, doenças corona-
rianas, entre outras, além De uma adequada avaliação da via aérea e da coluna vertebral, é
importante em decorrência da maior dificuldade de intubação traqueal e da realização do
bloqueio no neuroeixo.
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Epilepsia
A epilepsia é a doença neurológica mais comum na gestante e achado frequente na prá-
tica neurológica, afetando mais de 50 milhões de pessoas no mundo1. Seu diagnóstico é
meramente clínico, baseado na ocorrência de, pelo menos, dois episódios de convulsão2 .
As convulsões são manifestações clínicas, ocasionadas pela atividade paroxística anormal
de um grupo de neurônios, resultando numa variedade de apresentações que podem ser
atividades motoras localizadas, contrações musculares generalizadas, percepções sensitivas
alteradas ou até mesmo alucinações. Pode ou não ocorrer perda de consciência.
A epilepsia pode ser idiopática ou secundária a diversas patologias, desde alterações me-
tabólicas a neoplasias intracranianas. A ocorrência de crises convulsivas em gestantes com
diagnóstico de epilepsia aumenta cerca de 25%. Felizmente, a maior parte das gestações em
epiléticas tem desfecho favorável1,5. Por causa da complexidade de apresentações, as con-
vulsões podem ser separadas em dois grupos: convulsões parciais, localizadas e restritas a
apenas um lobo cerebral, frequentemente precedidas de aura e preservação da consciência; e
convulsão generalizada, também conhecida como “grande mal”, em que ocorre perda súbita
da consciência e manifestações bilaterais.
O episódio de convulsão em gestantes pode estar acompanhado de hipertensão arte-
rial; taquicardia; hipertermia; lesões traumáticas de partes moles; lesões neurológicas por
hipóxia e edema cerebral. Quando ocorre na forma de “grande mal”, torna-se dramática,
especialmente as crises prolongadas e recorrentes, com alta incidência de perda fetal. O tra-
tamento para o controle da crise deve ser instituído imediatamente. Deve ser fornecido O2 a
100% e garantida a via aérea, se possível, minimizando o risco de broncoaspiração. O diaze-
pam EV ou IM pode ser uma boa opção, pois está disponível em quase todo estabelecimen-
to de saúde. Caso não ocorra remissão, pode ser tentado fenobarbital 20 mg.kg EV6. Se as
convulsões persistirem, pode ser tentado midazolam ou propofol em infusão contínua, com
interrupção da gestação por cesariana emergencial, visando minimizar os danos ao feto. As
crises parciais em geral são bem toleradas pelos fetos, com bradicardia fetal transitória.
A terapia com anticonvulsivantes durante a gestação produz más-formações fetais
graves em aproximadamente 5% dos casos. Valproato e fenobarbital são as drogas anti-
convulsivantes mais teratogênicas, enquanto os novos agentes levotiracetan e topiramato
produzem menos males aos fetos7. As más-formações mais comuns estão relacionadas
com defeitos do tubo neural e cardiopatias congênitas. Podem ocorrer alterações menores,
como dismorfismos faciais, que estão descritos com o uso de qualquer droga dessa classe.
Anticonvulsivantes impedem a absorção do ácido fólico e causam deficiência de vitamina
K no feto, provocando também crescimento intrauterino retardado e hemorragias neona-
tais3. Portando, as doses dos anticonvulsivos devem ser ajustadas para o mínimo necessá-
rio a fim de impedir as crises.
A terapia anticonvulsivante durante a gravidez impõe algumas recomendações para o
manejo anestésico. Se for necessária condução de anestesia geral, essas pacientes podem
Doenças cerebrovasculares
Derrame – ocorrência súbita de disfunção cerebral de causa vascular – é uma das causas
mais comuns de internação e incapacidade de longa duração na população geral. Evento
raro em jovens, porém, grave quando ocorre em gestantes, sua incidência está aumentada
nesse grupo de pacientes, em comparação com as não grávidas, por causa de adaptações
fisiológicas da gravidez e comorbidades associadas, como diabetes gestacional, hipertensão
arterial gestacional e toxemia gravídica8.
Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) nas gestantes podem ser, como na população
geral, ataques isquêmicos transitórios (AIT), aqueles com disfunção cerebral com reso-
lução em até 24 horas; isquêmicos (AVCI), nos quais a condição fisiopatológica essencial
é a interrupção do fluxo sanguíneo cerebral com déficit prolongado; e os hemorrágicos
(AVCH). Diferenciar o AVCI de um AVCH é a providência primária em paciente com
quadro suspeito, através de exames de imagem do crânio. Como a incidência de AVC é
maior no pós-parto11, a ocorrência de malefícios ao concepto por causa da propedêutica
é muito pequena, podendo ser feita a TC de crânio com segurança. Durante a gestação,
porém, a TC contrastada deve ser evitada, dando-se preferência à RNM. Não existem
evidências de efeitos adversos aos fetos humanos expostos ao campo magnético, porém,
o gadolínio deve ser evitado durante esses exames8. A investigação diagnóstica pode ser
completada com segurança, através de ecocardiografia transtorácica e ecodoppler vascu-
lar para a localização de trombos.
No passado, acreditava-se na existência de tromboflebite cerebral como causa de derra-
mes na gravidez. Atualmente, foi demonstrado que 70% dos AVC em gestantes ocorrem no
território arterial9. A ocorrência de trombose venosa profunda na gravidez deve ser sempre
lembrada, pois a gestação e o puerpério são estados pró-trombóticos que associadas com
outros fatores predisponentes, como desidratação, infecção e imobilidade no pós-parto, au-
mentam o risco de ocorrência de tromboembolismo. Esta é a maior causa direta de morte
materna no Reino Unido10 (Tabela 9.1).
A ocorrência de cefaleia intensa súbita, déficit neurológico, confusão mental e rigidez
nucal pode estar relacionada com AVCH mascarado por pré-eclâmpsia/eclâmpsia, especial-
mente quando há proteinúria presente. Como nesses casos a conduta obstétrica mais fre-
quente é interromper imediatamente a gestação através de cesariana, durante a abordagem
do espaço subaracnoide para a condução da anestesia, deve ser observada a ocorrência de
hipertensão liquórica e/ou a presença de liquor hemorrágico.
A hemorragia subaracnóidea representa 3% dos casos de AVC, aproximadamente 85%
deles decorrentes de aneurismas intracranianos13. Caso seja abortada a técnica regional e
A incidência de aneurisma cerebral na população geral está entre 3,6% e 6%. Aproxima-
damente 1 em 10.000 gestações será complicada pela ruptura de aneurisma intracraniano,
mais frequente no segundo e terceiro trimestres14. Parece que a gravidez altera a história
natural de um aneurisma preexistente, e o tratamento durante a gravidez dos casos assinto-
máticos deve ser bem avaliado, pois a clipagem de aneurismas tem morbidade e mortalidade
sensivelmente superiores ao método de embolização endovascular. Mesmo nas pacientes
que apresentaram sangramento, a escolha recai sobre a técnica endovascular12 .
Não há consenso sobre a melhor opção de parto, se vaginal ou cesariano, mas os autores
parecem preferir a cesariana eletiva13. A técnica anestésica regional pode ser realizada com
segurança, desde que observados os cuidados relacionados com o uso de anticoagulantes e
controle pressórico. A técnica de anestesia peridural contínua via cateter deve ser encoraja-
da, caso a opção seja pelo parto normal, para diminuir o esforço da mãe durante a segunda
fase do trabalho de parto.
Tumores intracranianos
O diagnóstico de tumor cerebral na vigência de uma gestação é evento raro e coloca mãe e
concepto em risco de vida. O fato de ocorrer em pacientes jovens, passando por um período
muito especial de suas vidas, produz grande impacto emocional em pacientes e familiares,
daí a importância de abordar os casos com equipe multidisciplinar, envolvendo neurologia e
neurocirurgia, obstetrícia, anestesiologia, terapia intensiva e psicologia.
A abordagem terapêutica deve ser orientada para, primeiramente, preservar a mãe e, se-
cundariamente, o feto. Três fatores devem ser observados por ocasião de uma intervenção
neurocirúrgica: a gravidade do quadro neurológico; a idade gestacional e o tipo provável de
neoplasia15. Nos casos de quadro neurológico estável, a gestação deve ser seguida até pelo
menos a 34ª semana. Se for necessário corticoterapia para a diminuição do edema cerebral,
esta é segura e acelera a maturidade fetal.
Nos casos mais graves, que necessitarem de craniotomia durante a gestação, alguns deta-
lhes devem ser observados com relação aos cuidados anestésicos.
Miastenia grave
A miastenia grave (MG) é uma doença autoimune que afeta os receptores colinérgicos
nicotínicos na membrana pós-sináptica da junção neuromuscular, causando fadiga muscu-
Referência
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Cefaleia pós-punção
dural na gestante
José Francisco Nunes Pereira das Neves
Giovani Alves Monteiro
Mariana Moraes Pereira das Neves Araújo
Fernando de Paiva Araújo
Cefaleia pós-punção dural na gestante
Introdução
A anestesia subaracnóidea é uma modalidade anestésica barata, segura, confiável e que
produz anestesia rápida e satisfatória para cesariana1-3. A cefaleia pós-punção dural (CPPD)
é a mais antiga complicação dos bloqueios do neuroeixo e, ainda hoje, a mais prevalente, es-
pecialmente em gestantes. Desde 1898, o Dr. August Bier já relatava esse desagradável efeito
adverso ao descrever a intensa dor de cabeça, náusea e vômito que seu jovem paciente de 34
anos apresentou após um bloqueio subaracnóideo para desbridamento de ferida no pé. O
próprio Dr. August Bier, semanas depois, experimentou os sinais e sintomas desagradáveis
da CPPD ao ser submetido a raquianestesia experimental com cocaína com a ajuda de seu
assistente, o Dr. August Hidelbrand. Ele relatou intensa dor de cabeça que piorava com o
ortoestatismo e melhorava com repouso no leito. A cefaleia de Bier permaneceu por nove
dias após o bloqueio4.
Há mais de um século, a CPPD vem sendo descrita com o mesmo quadro clínico, porém,
seu tratamento pouco mudou ou evoluiu.
Incidência
A incidência de CPPD, em geral, apresenta resultados conf litantes, mas está dire-
tamente relacionada com o calibre e o tipo de agulha, experiência do anestesiologista,
tipo de procedimento realizado (punção lombar diagnóstica, anestesia, mielografia) e
a paciente em questão1. Quando se utilizam agulhas do tipo Quincke 26 Gauge (G), o
risco é de 2% a 12%; 25G, risco de 3% a 25%; 22G, até 40%5 . As agulhas ponta de lápis
são relacionadas com menor incidência de cefaleia; com as agulhas Whitacre 27G, a
incidência é de 1,7% a 3% 6 e, no caso de punção acidental da dura-máter, chega a 70%
em gestantes7.
Na população obstétrica, o risco de cefaleia é maior em comparação com outros grupos
por causa da faixa etária, do gênero e da maior pressão liquórica7-9.
Fisiopatologia
Mais de cem anos se passaram desde a declaração inicial de CPPD. É aceitável que os
sintomas se iniciam após a perda da homeostase liquórica pela perda de LCR através do ori-
fício de punção, resultando em diminuição de volume e pressão com estímulo de estruturas
sensitivas provocando dor. Concomitantemente, ocorre aumento do fluxo sanguíneo cere-
bral por vasodilatação arterial e venosa. A terceira explicação envolve o papel da substância
P (neurotransmissor e modulador ligado à percepção dolorosa) e a regulação de receptores
da neurocinina-1 (NK-1). Os sintomas se iniciam 12 a 48 horas após a punção e a duração é
autolimitada à média de 4 – 11 dias2, 6, 9-11.
Em condições normais, a pressão é de 5 a 15 cm H 2O no decúbito e 40 a 50 cm H2O no
ortoestatismo ao nível da punção lombar (L3-L4)5. A diminuição da pressão intracraniana
pela redução do volume liquórico leva ao início dos sintomas5,10,12-18. Na maioria das vezes, a
Fatores de risco
Os fatores de risco para o desenvolvimento de CPPD são:
• pacientes jovens;
• sexo feminino;
• gravidez;
• história de dor de cabeça;
• agulhas de grosso calibre;
• agulhas de ponta cortante;
• número de punções;
• habilidade/experiência do anestesiologista;
• utilização da via mediana de punção.
Os fatores de risco da CPPD se somam na gestante porque, além da gravidez, são mu-
lheres e, habitualmente, jovens9,14,18,20,21. A gestação envolve maior risco por causa da re-
dução do volume e do aumento da pressão do LCR no fim do período gestacional, além da
desidratação provocada pelas perdas durante o parto e a restrição na ingestão de líquidos.
Outro fato que contribui para o aumento do risco é a maior chance de punção acidental
da dura-máter22 .
O motivo que isoladamente mais contribui para a origem da cefaleia é a idade (adultos
jovens). No entanto, em crianças menores de 10 anos, a cefaleia é rara por causa de seu maior
volume proporcional de LCR. Recém-nascidos, por exemplo, chegam a ter 10 mL.kg-1 de
Diagnóstico
Os sinais e sintomas da CPPD são claros e bem definidos. A sintomatologia da CPPD se
inicia, habitualmente, entre 12 e 48 horas (66%) após a punção da dura-máter5. Quando a
dor de cabeça iniciar com menos de uma hora, a causa mais provável é o pneumoencéfalo,
principalmente se a técnica de localização do espaço peridural foi realizada com ar. A carac-
terística mais marcante é o início ou o agravamento da dor de cabeça com o ortoestatismo
e melhora dos sintomas com o decúbito. A Sociedade Internacional de Cefaleias classifica
como cefaleia postural quando os sinais e sintomas se iniciam após 15 minutos na posição
sentada ou em pé e melhoram em cerca de 15 minutos com o decúbito. A dor quase sempre é
bilateral, com distribuição frontal (25%), occipital (27%) ou ambas (45%). A paciente refere
dor pulsátil e em pressão5,11,12 .
Métodos de imagem, como ressonância nuclear magnética, demonstram desabamento
das estruturas cerebrais, distorção anatômica do quiasma óptico e do tronco cerebral e
obliteração das cisternas basilares. Tomografia computadorizada com mielografia pode ser
utilizada para encontrar o local de perda de LCR. Tais exames são utilizados para a exclusão
dos diagnósticos diferenciais7,12 .
Sintomas associados
Os sintomas associados dependem da intensidade da cefaleia. Podem ocorrer dor e rigi-
dez do pescoço e dos ombros em quase 50% dos casos e também é comum encontrar quadro
de náusea e vômito10.
Em casos mais graves, podem ocorrer sintomas neurológicos, que são sinais de gravida-
de da CPPD, como alterações auditivas e visuais. Os sintomas auditivos mais comuns são
diminuição da capacidade auditiva, zumbido e hiperacusia e os visuais são visão borrada,
dificuldade de acomodação, diplopia e fotofobia11.
Diagnóstico diferencial
• Cefaleia não específica.
• Exacerbação de cefaleia crônica.
• Cefaleia hipertensiva.
• Pneumoencéfalo.
• Sinusite.
• Retirada do uso crônico de cafeína.
• Meningite infecciosa ou química.
• Hematoma subdural.
Estratégias de prevenção
Existem várias técnicas de prevenção da CPPD, porém, o sucesso é extremamente variá-
vel e, geralmente, apresentam pouca eficácia25.
• Punção subaracnóidea
A prevenção da CPPD se inicia com cuidados antes da punção, como adequado po-
sicionamento e conhecimento anatômico e técnico26. A escolha da agulha é o ficr
técnico mais importante na prevenção da CPPD, e quanto menor o calibre, menor o
risco. Por outro lado, o uso de agulhas de fino calibre é tecnicamente mais difícil, com
aumento do risco de cefi-29.9 (l)6.7 (e)-2.4 (i)-7.9 (a po)7.9 (r p)1.6 (u)-23.9 (n)10.7 (ç)-5.4
20
Tratamento da CPPD
Sempre que houver o diagnóstico de CPPD, a paciente deve ser informada de sua causa,
suas características e opções de tratamento. Expor que a CPPD é uma complicação autoli-
mitada, que dura de 4 a 7 dias, é importante para tranquilizar a paciente14.
• Terapia postural
Quando a paciente desenvolve CPPD, ele deve ser mantido em posição confortável
durante o período de duração dos sintomas, embora repouso não apresente benefí-
cios na evolução da CPPD11.
• Terapia farmacológica
O tratamento farmacológico da CPPD é múltiplo e, geralmente, tem eficácia limita-
da. Uma série de fármacos é empregada e não existe um tratamento padrão-ouro. O
objetivo básico é: repor a perda da LCR; selar o local da punção; controlar a vasodi-
latação cerebral.
a. Metilxantinas (cafeína, aminofilina e teofilina)
São amplamente empregadas no controle e tratamento da CPPD, embora seus
efeitos sejam altamente variáveis. Seu mecanismo básico de ação consiste na regu-
lação da vasoconstrição cerebral, e a mais estudada e utilizada é a cafeína. Pode ser
utilizada por via venosa (não disponível no Brasil) e por via oral e possui meia-vida
de ação de 6 horas. É bem indicada em CPPD por diminuir os sintomas até a cura
espontânea, porém, sua ação pode não produzir resultados permanentes7. A dose
recomendada é de 400 a 600 mg ao dia, em intervalos de 6 horas. Uma xícara de
café oferece cerca de 50 a 100 mg de cafeína e refrigerantes contêm 35 a 50 mg5,25.
No entanto, as doses utilizadas no tratamento da CPPD são altas e podem levar ao
Conclusão
A melhor maneira de se evitar a CPPD é através da prevenção, com a utilização de agu-
lhas de fino calibre. As pacientes obstétricas representam um grupo de alto risco para o de-
senvolvimento de cefaleia e, por isso, devem ser explicados os benefícios e as complicações
da raquianestesia e anestesia peridural. Atenção para o diagnóstico correto da CPPD, que
deve ser realizado de acordo com as características definidas pela Sociedade Internacional
de Cefaleias. O tampão sanguíneo peridural deve ser realizado, preferencialmente, após fa-
lhas das medidas terapêuticas não invasivas.
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Introdução
Durante a gestação, diversas alterações ocorrem no organismo materno para garantir
o desenvolvimento do concepto – alterações fisiológicas da gravidez. O sistema imune se
adapta a essa nova condição e é capaz de proteger o concepto contra infecções e não de-
sencadear resposta imunológica contra o feto. De fato, se o sistema imune se mantivesse
inalterado, nenhuma gestação lograria sucesso1,4.
Entre as alterações fisiológicas da gravidez, a leucocitose merece atenção, podendo
ultrapassar 11 mil leucócitos sem representar resposta patológica. Esse aumento se deve,
principalmente, aos polimorfonucleados, mas formas imaturas podem surgir – mielócitos
e metamielócitos2 .
O aumento no número de células brancas não confere maior proteção contra infecções.
Há evidências de que a função dos neutrófilos está prejudicada, predispondo a infecções
durante a gestação. A resposta humoral parece estar inalterada3,6. Ainda sobre as alterações
imunológicas na gestação, é importante destacar aumento do número de células NK e ma-
crófagos no útero – fator local6.
O não desenvolvimento de imunidade contra o concepto é um processo complexo e de-
pendente de diversos mecanismos, entre os quais a separação anatômica feto/mãe, imaturi-
dade antigênica do feto e atenuação da resposta imunológica da mãe6.
Artrite reumatoide
A AR é uma doença sistêmica que cursa com inflamação crônica das articulações, aco-
metendo 0,5-1% da população, principalmente as mulheres7,8.
É caracteristicamente uma poliartrite simétrica, com períodos de remissão e exacerbação
dos sintomas7. O diagnóstico é baseado em achados clínicos, radiológicos e laboratoriais.
O tratamento é multidisciplinar e objetiva o alívio dos sintomas, a proteção funcional e a
melhora dos efeitos sistêmicos7.
Miastenia grave
É uma doença autoimune caracterizada por fraqueza muscular com piora durante o exer-
cício. As mulheres são mais acometidas, e o pico de incidência é entre os 10 e 20 anos26.
Existem vários graus de gravidade dessa doença; ela pode se manifestar como miastenia
ocular (a forma mais branda) até miastenia grave, com fraqueza generalizada e necessidade
de suporte ventilatório26.
A gênese dessa doença é a presença de anticorpos contra os receptores nicotínicos de
acetilcolina no músculo estriado. Os músculos lisos e cardíaco não são afetados. Até 10%
desses pacientes apresentam algum tipo de tumor ou hiperplasia do timo27.
O tratamento envolve timectomia, uso de imunossupressores, anticolinesterásicos
(neostigmina e piridostigmina) e até mesmo plasmaferese8. Gestantes que foram submeti-
das à timectomia parecem apresentar menos complicações durante a gravidez29.
Pacientes tratados com anticolinérgicos podem desenvolver crise colinérgica, resultado
do excesso de anticolinérgico associado com a pequena resposta ao fármaco. Os sintomas
envolvem fraqueza muscular, dispneia ou insuficiência respiratória, sudorese, broncorreia,
sialorreia e miose.
Os pacientes portadores de miastenia grave são sensíveis a medicamentos que poten-
cializem a fraqueza muscular – bloqueadores neuromusculares; quinidina; propranolol;
aminoglicosídeos; sulfato de magnésio e terbutalina30.
Durante a gravidez, um terço das pacientes apresentam melhora dos sintomas, um terço,
piora da doença e um terço, não tem alterações31. As gestantes possuem tendência a aborta-
mento, trabalho de parto prematuro e aumento da morbimortalidade materna e fetal32 .
Síndrome antifosfolipídica
É uma doença pró-coagulante que envolve trombose venosa e arterial e cursa com a
existência de dois anticorpos, o anticoagulante lúpico e a anticardiolipina. Esses anticorpos
podem ser encontrados em até 44% das portadores de LES, mas a prevalência de LES nas
pacientes portadoras da síndrome antifosfolipídica é de 8%35.
O diagnóstico é feito através da existência de trombose venosa recorrente, trombose arte-
rial ou abortamentos na presença de anticorpos anticardiolipina ou anticoagulante lúpico36.
A gestante com síndrome antifosfolipídica pode apresentar trombose venosa ou arterial
acometendo vasos de maior calibre, causando tromboembolismo pulmonar, infarto agudo
do miocárdio ou infarto no sistema nervoso central3.7 Até 23% dessas pacientes podem
Recomendações finais
A doença autoimune quando presente na gestação pode ser um grande desafio ao anes-
tesiologista. Os cenários de atuação podem ser semelhantes aos de uma gestação normal ou
até aqueles em que somos exigidos ao máximo – situações não usuais em locais nem sempre
preparados para receber casos complexos.
A gestação na paciente com doença autoimune deve ser considerada de risco e acompa-
nhada em serviço especializado em pré-natal de alto risco em centro de referência. O con-
ceito atual de acompanhamento pré-natal de alto risco é baseado na ação de equipe multi-
disciplinar, contexto em que o anestesiologista deve estar inserido. Também é importante a
realização do parto em centro de referência, onde os recursos de saúde especializados estão
à disposição da mãe e do recém-nascido.
A comunicação efetiva entre os membros da equipe e com a paciente é fundamental para
garantir agilidade e segurança. A comunicação eficiente entre os membros da equipe pro-
porciona antecipação, discussão e planejamento do caso. A comunicação com a paciente,
expondo claramente qual a situação da gestação, medidas e cuidados, é fundamental para
evitar futuros conflitos na relação médico-paciente. Devemos destacar a obrigatoriedade do
termo de consentimento assinado pela paciente ou responsável.
Por fim, esperamos que em um futuro próximo o entendimento da imunologia seja
maior e o manejo das doenças autoimunes seja mais eficiente, podendo assegurar melhor
desfecho gestacional.
Introdução
O trabalho de parto (TP) e o parto vaginal, expectativas fisiológicas da finalização da
gestação, são cada vez mais divulgados e defendidos, numa tentativa de contrapor um fato
filosoficamente paradoxal, que é o aumento do número de cesarianas nos últimos anos. O
parto domiciliar, realizado ou não por equipe médica, ressurge como opção ideal de huma-
nização do nascimento. Entretanto, o parto não é um processo previsível ou controlável e
há sempre o receio de um desfecho indesejável que pode representar uma lesão neurológica
irreversível ou mesmo óbito fetal.
Os custos crescentes do parto cirúrgico, o impacto social e familiar do dano neurológico,
o aumento do litígio judicial, a existência de má prática obstétrica, todos são fatores que
determinaram a evolução da monitorização do estado fetal intraparto.
A vigilância fetal no TP
Ausculta fetal intermitente
A ausculta fetal durante o TP é o método mais utilizado para o monitoramento da FCF
até os dias de hoje. Utilizava-se o estetoscópio de Pinard ou, atualmente, o sonar doppler11.
O método consta da ausculta da FCF antes, durante e depois da contração uterina. O Ame-
rican College of Obstetricians and Gynecologist se a Organização Mundial de Saúde conside-
ram aceitável a ausculta intermitente da FCF, com uma periodicidade regular de 30 e 15
minutos, no primeiro estágio do TP, e de 15 e 5 minutos no segundo estágio, nas gestações
de baixo e alto riscos, respectivamente. Os principais parâmetros observados da ausculta
fetal intermitente são FCF basal, acelerações transitórias espontâneas ou relacionadas com
movimento se contrações uterinas e desacelerações precoces, tardias e variáveis12 .
Propedêutica do líquido amniótico: amnioscopia e amniotomia
A amnioscopia é a técnica utilizada para a visualização do LA através das membranas,
por meio do amnioscópio. Necessita de colo uterino já dilatado e é realizada por médico
obstetra, que visualiza as características de coloração do líquido: LA claro sem grumos;
LA claro com grumos; LA tinto de mecônio e LA meconial(mecônio espesso)13. Mecô-
nio moderado a espesso está associado com escores de Apgar reduzidos, redução do pH
Tocografia
É o registro gráfico dos valores das alterações da pressão intrauterina na gravidez e no
parto. Da análise desses registros podemos estudar:
a. Tono: representa a pressão exercida pelas paredes do útero dentro da cavidade quan-
do estiverem ausentes as contrações ou no intervalo delas.
b. Pressão basal: é o menor valor pressórico registrado no intervalo de duas con-
trações. É a soma das pressões do tono uterino e abdominal materna. A faixa de
variação da normalidade é 10 a 20mmHg (método pneumático) ou 5 a 10mmHg
(método hidráulico).
Estimulação vibroacústica
Consiste na aplicação de um estímulo vibroacústico diretamente no abdome materno, o
que resulta em aceleração da FCF de fetos saudáveis27.
A estimulação sonora é frequentemente realizada com buzina, comprimida sobre o ab-
dome materno, na região do polo cefálico, com tempo de estimulação sonora de 3 a 5 segun-
dos. A resposta reflexa esperada do feto são movimentos e aceleração da FCF. O teste pode
ser definido como satisfatório e não satisfatório.
O teste satisfatório mostra aceleração de, pelo menos, 15bpm por, pelo menos, 15 se-
gundos, padrão monofásico ou bifásico. Não ocorrendo resposta satisfatória, o teste pode
ser repetido após um a três minutos, até duas vezes consecutivas. O feto, então, pode ser
classificado como ativo (resposta satisfatória), hipoativo (aceleração de FCF que dura
Novas tecnologias
Oximetria fetal de pulso
Esse método apresenta vantagens porque, em primeiro lugar, mede a hemoglobina, indi-
retamente a oxigenação dos tecidos, e, em segundo lugar, constitui técnica confiável, com a
qual os anestesiologistas estão familiarizados30.
Os sensores para oximetria de pulso fetal são colocados através do canal vaginal, aco-
plados junto ao polo cefálico, após ruptura das membranas, preso por sucção ou clipes. O
sensor mais comumente utilizado é mantido posicionado contra a cabeça fetal ou bochecha
com a pressão da cérvix.
As medidas médias de saturação são emitidas a cada 45segundos, e um feto humano tipi-
camente demonstra uma saturação de oxigênio em torno de 30% a 40% (PaO2 de 25mmHg
– sat.40%; PaO2 de 20mmHg – sat.30%). Modelos animais e estudos em humanos sugerem
que a acidose metabólica não ocorre até que a saturação de oxigênio tenha caído abaixo de
30% por pelo menos 10 minutos. A oximetria de pulso não prevê acidose metabólica preci-
samente em fetos com desacelerações variáveis durante o segundo estágio do TP.
A oximetria melhora a acurácia da avaliação do bem-estar fetal, mas necessita de
rotura de membranas, toque vaginal e manipulação materna e fetal. O Colégio Ame-
ricano de Obstetrícia e Ginecologia não recomenda a utilização da oximetria fetal no
parto, porque aumenta os custos, não traz benefícios aparentes e não reduz a incidência
de cesarianas 31.
Conclusão
Existe hoje recomendação do ACOG para substituir o termo sofrimento fetal por frequên-
cia cardíaca fetal não tranquilizadora, embora também pareça razoável a utilização do termo
estresse fetal. Entretanto, a unificação de termos utilizados para definir os traçados é de grande
importância, e uma nomenclatura de consenso deve ser adotada internacionalmente.
Obstetras acreditaram que, com a introdução da monitorização eletrônica fetal na ava-
liação do bem-estar fetal, haverá a redução da morbimortalidade perinatal, o que não foi
evidenciado em ensaios clínicos randomizados. Entretanto, apesar das limitações e dos pro-
blemas com a cardiotocografia contínua, esta ainda é bastante utilizada. Entre os métodos
expostos neste capítulo, ainda não se concluiu qual o exame ideal, isolado ou associado com
a cardiotocografia, para o diagnóstico preciso de sofrimento fetal, que deverá melhorar os
resultados perinatais sem aumentar a incidência de cesarianas.
O treinamento para adequada avaliação do bem-estar fetal intraparto deve fazer
parte do treinamento obstétrico, e estudos recentes sugerem a necessidade de aumentar
a capacidade dos profissionais nesse sentido, com ênfase no treinamento e na melhora
de suas habilidades.
Da mesma forma, os pais devem ser esclarecidos sobre o método de monitoração a ser
utilizado, evitando uma falsa sensação de segurança, visto que a utilização de qualquer teste
não garante que a hipóxia fetal não aconteça.
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Introdução
A cirurgia fetal é usada para tratar um número cada vez maior de condições letais e não
letais. A possibilidade de ocorrer, na cirurgia aberta, trabalho de parto prematuro ou ruptu-
ra prematura de membranas tem levado ao desenvolvimento de técnicas e procedimentos
com acesso cirúrgico mínimo.
O racional para a realização de intervenção fetal, até pouco tempo atrás, era corrigir uma
alteração no desenvolvimento que levaria à morte fetal ou neonatal e restaurar o desenvol-
vimento normal em uma extensão que fosse compatível com a sobrevivência e a qualidade
de vida.
A limitação da cirurgia para a correção de uma anomalia fetal é o risco considerável ao
qual a mãe é submetida. Por causa dessa limitação, a cirurgia fetal somente pode ser consi-
derada apropriada para um limitado número de situações, com pré-requisitos específicos
para a sua realização1.
A combinação do ultrassom, da ecocardiografia e da ressonância nuclear magnética
pode, agora, proporcionar uma análise extremamente sofisticada da presença ou ausência
de uma anomalia e também das características específicas dessa anomalia2 .
Existe também progresso significativo na nossa habilidade de manusear, com segurança,
a mãe e o feto e de corrigir defeitos anatômicos específicos. Mas, a despeito desse progresso,
a cirurgia fetal permanece controversa1. E cabe a indagação: a história natural das anomalias
fetais é alterada pela intervenção cirúrgica fetal? Em outras palavras, qual é o benefício para
um feto específico para se justificar o risco materno? De fato, a cirurgia fetal, como todas as
outras áreas da terapia cirúrgica, precisa ser validada por pesquisas bem conduzidas3.
O trabalho de parto prematuro é o calcanhar de Aquiles da cirurgia fetal1 e é diretamente
proporcional à perturbação da fisiologia fetal4.
Assim, não é surpresa que novas técnicas menos invasivas sejam desenvolvidas com o
objetivo de minimizar o risco de ocorrer essas e outras complicações.
Estresse fetal
Existem evidências consideráveis de que o feto pode experimentar dor. Não há somente
uma obrigação moral para prover analgesia e anestesia fetal, mas também foi demonstrado que
a dor e o estresse fetal podem afetar a sobrevida e o desenvolvimento neurológico do feto10.
Fatores que sugerem que o feto experimenta dor:
• Desenvolvimento neural – receptores nervosos periféricos se desenvolvem entre a
7ª e a 20ª semanas de gestação; as fibras aferentes do tipo C iniciam o seu desen-
volvimento na 8ª semana e se completam na 30ª semana. As fibras espinotalâmicas
(responsáveis pela transmissão da dor) desenvolvem-se entre a 16ª e a 20ª semanas e
as talamocorticais, entre a 17ª e a 30ª semanas de gestação10.
• Resposta comportamental – movimentos do feto em resposta ao estímulo externo
ocorrem precocemente na 8ª semana e existe reação ao som na 20ª semana de gesta-
ção. Resposta ao estímulo doloroso ocorre a partir da 22ª semana de gestação.
• Resposta fetal ao estresse – em resposta ao estímulo doloroso ocorre estresse fetal,
demonstrado por aumento das concentrações de cortisol e de β-endorfinas, movi-
Uropatia obstrutiva
A uropatia obstrutiva ocorre em 1 em cada 1.000 nascimentos vivos26. A obstrução do
trato urinário superior é associada com menos morbidade e mortalidade que a obstrução
inferior, que é usualmente causada por válvula da uretra posterior. A obstrução aumenta
a pressão na bexiga, resultando em alterações estruturais e funcionais, refluxo vesicoure-
teral, hidroureter, hidronefrose e risco de desenvolver insuficiência renal crônica durante
a vida 29.
Shunt fetal vesicoamniótico é a colocação de um cateter, usando uma agulha percutânea
guiada por ultrassom, dentro da bexiga fetal. A extremidade distal do cateter atravessa a pa-
rede abdominal anterior do feto e drena dentro da cavidade amniótica. Esse procedimento
é usualmente realizado sob anestesia local com lidocaína.
Fetoscopia
No pré-operatório, as pacientes são pré-medicadas com um tocolítico, frequentemente
indometacina, e recebem antibiótico profilático. Os procedimentos são realizados sob anes-
tesia local ou regional, dependendo da idade gestacional e da tradição do centro. Os pontos
de entrada dos trocateres são determinados com o auxílio de ultrassom, evitando atingir
a placenta, o feto e outros órgãos maternos. A despeito de um grupo relatar segurança32, a
abordagem transplacentária deve ser evitada7.
Para a cirurgia de fetoscopia, a anestesia materna mais usual é a infiltração de anestésico
local ou bloqueio regional10,30. Anestesia combinada raqui-peridural também minimiza as
alterações hemodinâmicas. Essas técnicas podem ser suplementadas com sedação ou remi-
fentanil. Técnicas locais ou regionais são, algumas vezes, dificultadas pela ansiedade materna;
em adição, elas podem não imobilizar adequadamente o feto. Um feto móvel pode deslocar
o endoscópio, resultando em sangramento, trauma fetal ou comprometimento da circulação
umbilical, que pode levar à morte fetal. O remifentanil, opioide de curta ação, é fácil de titular
e atravessa a placenta rapidamente, imobilizando o feto. Usando uma infusão contínua à taxa
de 0,1 mcg.kg-1.min-1, a imobilização fetal e a sedação materna foram obtidas13.
Acidose respiratória leve ocorre, mas a apneia materna pode ser evitada e boas condições
de operação, obtidas.
Anestesia fetal, hemostasia e imobilidade podem ser obtidas por injeção fetal direta (IM
ou por meio do cordão umbilical) com o uso de opioides, atropina e agentes bloqueadores
Tocólise
A tocólise é essencial durante a cirurgia fetal, e após a operação as intervenções fetais
são associadas com o trabalho de parto prematuro. Prejuízo do fluxo sanguíneo uterino ou
descolamento parcial da placenta pode ocorrer devido à manipulação uterina ou às incisões,
portanto, comprometendo o fluxo sanguíneo uteroplacentário. Mesmo pequenas interven-
ções (inserção de uma agulha para transfusão intrauterina, por exemplo) podem resultar em
contrações uterinas intensas, causando, assim, punção não intencional de outras estruturas.
A tocólise também é importante após a cirurgia porque contrações uterinas prematuras
podem ocorrer. A escolha do agente é determinada pelos efeitos adversos maternos37.
Sulfato de magnésio usado como terapia tocolítica tem diversos efeitos adicionais que
incluem aumento da sensibilidade aos relaxantes musculares despolarizantes e adespola-
rizantes e depressão do sistema nervoso central e, quando em concentrações tóxicas, pode
levar a edema pulmonar, paralisia respiratória, depressão miocárdica e parada cardíaca.
Anestesia
Complicações
Na Universidade da Califórnia, entre 1989 e 2003, em 87 histerotomias realizadas, en-
controu-se significante morbidade materna. Com a realização de tocólise múltipla com o
uso de nitroglicerina e reposição agressiva de fluidos, ocorreu edema pulmonar em 28% das
pacientes e 13% delas necessitaram de transfusão sanguínea36.
Conclusão
A cirurgia fetal é desafio para o anestesista, pois a viabilidade fetal depende da transmis-
são de oxigênio, por meio da placenta. A difusão de oxigênio no feto é atingida pelo fluxo
sanguíneo uterino e pela artéria umbilical. A manutenção da hemodinâmica e sua monito-
rização são essenciais para a manutenção do bem-estar materno e fetal.
Referências
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2. Coakley FV, Lopoo JB, Lu Y et al. Normal and hypoplastic fetal lungs: volumetric assessment with prenatal single-
-shot rapid acquisition with relaxation enhancement MR imaging. Radiology, 2000;216:107-11.
3. Lyerly AD, Cefalo RC, Socol M et al. Attitudes of maternal–fetal specialists concerning maternal–fetal surgery. Am
J Obstet Gynecol, 2001;185:1052-8.
4. Flake AW, Crombleholme TM, Johnson MP et al. Treatment of severe congenital diaphragmatic hernia by fetal
tracheal occlusion: clinical experience with fifteen cases. Am J Obstet Gynecol, 2000;183:1059-66.
5. Olutoye OA. Anaesthesia for the EXIT procedure: A review. South Afr J Anaesth Analg, 2009;15:17-21.
6. Paranjothy S, Griffiths JD, Broughton HK et al. Interventions at caesarean section for reducing the risk of aspiration
pneumonitis. Cochrane Database Syst Rev, 2010; (1):CD004943.