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ANESTESIA VENOSA TOTAL

EDITORES

Nádia Maria da Conceição Duarte


Oscar César Pires
Carlos Eduardo Lopes Nunes
Edno Magalhães
Ricardo Francisco Simoni

ANESTESIA VENOSA TOTAL

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2011
Anestesia Venosa Total
Copyright© 2011, Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema,


sem prévio consentimento da SBA.

Diretoria SBA 2011:


Nádia Maria da Conceição Duarte
José Mariano Soares de Moraes
Sylvio Valença de Lemos Neto
Ricardo Almeida de Azevedo
Oscar César Pires
Antônio Fernando Carneiro
Airton Bagatini

Diagramação:
Ito Oliveira Lopes
Wellington Luís Rocha Lopes

Capa:
Maria de Las Mercedes G. Martin de Azevedo
Marcelo Azevedo Marinho

Revisão Bibliográfica:
Teresa Maria Maia Libório

Colaboradores:
Maria de Las Mercedes G. Martin de Azevedo
Marcelo Azevedo Marinho
José Bredariol Junior
Rodrigo Ribeiro Matos

Ficha catalográfica
M489 Anestesia Venosa Total
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2011.
248 p.; 25cm.; ilust.

ISBN 978-85-98632-11-7
Vários colaboradores.

1. Anestesia Venosa Total. 2. Anestesia. I. Sociedade Brasileira de


Anestesiologia. II. Duarte, Nádia Maria da Conceição.

CDD - 617-96

O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).


Produzido pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia, com o patrocínio da AstraZeneca do Brasil.
Material de distribuição exclusiva à classe médica.

1621462 – Produzido em maio/ 2011

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ
CEP 22251-080
Tel.: (21) 2537-8100 e 3528-1050 - Fax: (21) 3528-1099 - www.sba.com.br - e-mail: sba2000@openlink.com.br
AUTORES
1. AIRTON BAGATINI
• TSA/SBA
• Diretor do Depto. Administrativo da SBA (2011)
• Co-responsável pelo CET/SBA do SANE
• Coordenador da Perspectiva Médico Assistencial do Hospital Ernesto Dornelles

2. MARCOS ANTONIO COSTA DE ALBUQUERQUE


• TSA/SBA
• Presidente da Comissão Examinadora do TSA/SBA (2010)
• Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de Sergipe - SAESE (2011)
• Médico Anestesiologista do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe

3. MANOEL RODRIGUES MEDEIROS NETO


• TSA/SBA
• Membro da Comissão Examinadora do TSA (2011)
• Mestre em Imunologia pela Fiocruz

4. MARCOS AGUZZOLI
• Membro Ativo da SBA

5. FERNANDO SQUEFF NORA


• TSA/SBA
• Membro da Câmara técnica de Anestesiologia do Conselho
Regional de Medicina do RS – CRM/RS
• Membro da Comissão de Normas Técnicas da SBA (2011)

6. GUSTAVO NADAL ULIANA


• TSA/SBA
• Médico anestesiologista dos Hospitais Vita Curitiba e Vita Batel, Curitiba-PR

7. MARIA CRISTINA SIMÕES DE ALMEIDA


• TSA/SBA
• Doutor em Medicina pela Universidade Johannes Gutenberg-Mainz/Alemanha
• Prof. Adjunta do Depto. de Cirurgia da Universidade Federal de Santa Catarina

8. RICARDO ALMEIDA DE AZEVEDO


• TSA/SBA
• Secretário Geral da SBA (2011)
• Médico anestesiologista da Clínica de Anestesia de Salvador
• Co-responsável pelo CET/SBA HUPES-UFBA

9. JOSÉ EDUARDO BAGNARA OROSZ


• TSA/SBA
• Pós Graduando em Anestesiologia pela FMB-UNESP
• Co-responsável CET/SBA Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC
• Membro do Comitê de Anestesia Ambulatorial-SBA (2010-2012)
• Membro da World Society Intravenous Anesthesia – WSIVA
10. RICARDO FRANCISCO SIMONI
• TSA/SBA
• Mestre em Anestesiologia pela FMB-UNESP
• Co-responsável pelo CET/SBA Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas
• Membro da World Society Intravenous Anesthesia - WSIVA

11. RANGER CAVALCANTE DA SILVA


• TSA/SBA
• Instrutor do CET UFPR
• Mestre em Medicina e Cirurgia UFPR
• Anestesiologista do Hospital Vita Batel e Vita Curitiba - PR

12. RICARDO LOPES DA SILVA


• TSA/SBA
• Doutor em Clinica Cirúrgica pela FMRP-USP
• Responsável pelo CET/SBA da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba

13. FÁBIO AMARAL RIBAS


• TSA/SBA
• Co-responsável pelo CET/SBA do SANE Porto Alegre /RS
• Anestesiologista da equipe de transplante pulmonar da Santa Casa de Porto Alegre/RS
• Anestesiologista da equipe de transplante cardíaco do Instituto de Cardiologia de
Porto Alegre/RS

14. FERNANDO ANTÔNIO DE FREITAS CANTINHO


• TSA/SBA
• Instrutor Co-responsável pelo CET/SBA Dr. Rodrigo Gomes Ferreira
• Médico do Serviço de Terapia Intensiva do Hospital do Andaraí – Rio de Janeiro, RJ
• Especialista em Terapia Intensiva pela AMB

15. DANIELA BIANCHI GARCIA GOMES


• TSA/SBA
• Membro do Serviço de Anestesia Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba-PR
• Co-responsável do CET/SBA Hospital Universitário Cajuru PUCPR, Curitiba-PR
• Presidente do Comitê de Anestesia Pediátrica-SBA (2008-2010)

16. DÉBORA DE OLIVEIRA CUMINO


• TSA/SBA
• Coordenadora do Serviço de Anestesia Pediátrica do Hospital Infantil Sabará,
São Paulo-SP
• Médica anestesiologista da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
• Co-responsável do CET-SBA Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
• Membro do Comitê de Anestesia Pediátrica – SBA (2011-2013)

17. SÉRGIO BERNARDO TENÓRIO


• TSA/SBA
• Professor Assistente da Universidade Federal de Medicina do Paraná
• Membro do Serviço de Anestesia Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba-PR
18. ITAGYBA MARTINS MIRANDA CHAVES
• TSA/SBA
• Professor Aposentado da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
• Co-responsável pelo CET/SBA do Hospital Universitário da UFJF em Juiz de Fora - MG
• Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Anestesiologia

19. LEANDRO FELLET MIRANDA CHAVES


• TSA/SBA
• Co-responsável pelo CET/SBA do Hospital Universitário da UFJF em Juiz de Fora - MG
• Chefe do Serviço de Anestesiologia do Hospital Ascomcer em Juiz de Fora - MG
• Médico Anestesiologista do Hospital Albert Sabin em Juiz de Fora - MG

20. LUIS ANTONIO DOS SANTOS DIEGO


• TSA/SBA
• Professor Adjunto de Anestesiologia da Universidade Federal Fluminense
• Doutor em Anestesiologia pela UNESP - Botucatu
• Responsável pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa da Div. Anestesia do INC-MS
• Membro do Conselho Superior da SAERJ
• Presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia da SBA (2011)

21. PEDRO THADEU GALVÃO VIANNA


• TSA/SBA
• Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina
de Botucatu - UNESP
• Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA (2011)

22. DANIEL VOLQUIND


• TSA / SBA
• Membro da Comissão de Educação Continuada da SBA (2010-2012)
• Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Rio Grande do Sul - SARGS

23. DEISE MARTINS ROSA


• TSA/SBA
• Co-responsável pelo CET/SBA do Hospital Universitário Pedro Ernesto UERJ
• Médica anestesiologista do INCA
• Instrutora do Curso SAVA/SBA
APRESENTAÇÃO
Após seu lançamento como primeiro e-book, ou livro eletrônico, da
SBA no ano de 2010, o conteúdo do “Anestesia Venosa Total” foi revi-
sado e reaparece em formato tradicional, o velho e bom livro impresso.
Sucesso absoluto de acesso e download, o e-book continuará on
line, para o público cativo e adepto às publicações eletrônicas.
O que estamos fazendo, na verdade, é contemplar o gosto da, ain-
da, maioria dos leitores, e atender a um pedido especial de uma empre-
sa colaboradora, a AstraZeneca, que através do seu patrocínio, ofereceu
mais esta contribuição para os projetos da SBA dirigidos ao anestesista
brasileiro.
Agraciando uns e, certamente, sendo desaprovados por outros,
principalmente pelos que sabiamente defendem a causa da preservação
do meio ambiente, nos vemos e sentimos em meio a uma complexa tran-
sição de uso de uma ferramenta histórica, o papel, para outra que já é
hoje o nosso futuro, o conteúdo virtual.
De toda forma, continuamos orgulhosos pelo nosso trabalho, cujos
objetivos estão contidos e previstos na própria missão da SBA, que é pro-
mover a formação e a atualização técnico-científica dos seus associados.
Assim, mesclando fórmulas seculares com tendências futuristas, lhes
oferecemos as duas apresentações deste mesmo produto, que disseca
com acurácia o também meio novo meio velho tema Anestesia Venosa
Total.
Agradecemos aos autores, colaboradores e ao patrocinador deste
projeto por mais esta parceria de sucesso.
A você, associado da SBA, uma boa leitura!!

Rio de Janeiro, 12 de abril de 2011

Nádia Maria da Conceição Duarte


Presidente da SBA 2011
ÍNDICE
• Introdução
1. História da Anestesia Venosa Total
Airton Bagatini _________________________________________________________ 13

• Bases para Anestesia Venosa Total


2. Farmacocinética Aplicada
Marcos Antônio Costa de Albuquerque _____________________________________ 31
3. Farmacodinâmica
Manoel Rodrigues Medeiros Neto _________________________________________ 39
4. Sistemas de Perfusão
Marcos Aguzzoli e Fernando Squeff Nora___________________________________ 51
5. Modelos Farmacocinéticos – Avaliação Crítica
Fernando Squeff Nora ___________________________________________________ 59
6. Interação Propofol e Opióides
Gustavo Nadal Uliana ___________________________________________________ 73
7. Bloqueadores Neuromusculares em Anestesia Venosa Total
Maria Cristina Simões de Almeida ________________________________________ 83
8. Fármacos Adjuvantes em Anestesia Venosa Total
Ricardo Almeida de Azevedo______________________________________________ 91

• Monitorização
9. Métodos de Monitorização da Analgesia
José Eduardo Bagnara Orosz _____________________________________________ 99

• Situações Especiais
10. Anestesia Venosa Total na Obesidade Mórbida
Ricardo Francisco Simoni _______________________________________________ 109
11. Anestesia Venosa Total no Idoso
Ranger Cavalcanti da Silva ______________________________________________ 119
12. Anestesia Venosa Total nos Transplantes
Ricardo Lopes da Silva e Fábio Amaral Ribas ______________________________ 129
13. Sedação Venosa em Terapia Intensiva
Fernando Antônio de Freitas Cantinho ____________________________________ 137
14. Anestesia Venosa Total em Pediatria
Daniela Bianchi Garcia Gomes, Débora de Oliveira Cumino e
Sérgio Bernardo Tenório_________________________________________________ 153

• Anestesia Venosa Total Baseada em Evidências


15. Náuseas e Vômitos no Pós-Operatório
Itagyba Martins Miranda Chaves e Leandro Fellet Miranda Chaves ____________ 165
16. Cardioproteção
Luis Antonio dos Santos Diego __________________________________________ 187
17. Renoproteção
Pedro Thadeu Galvão Vianna ____________________________________________ 199
18. Neuroproteção
Daniel Volquind ________________________________________________________ 205
19. Infusão Alvo Controlada versus Contínua
Fernando Squeff Nora___________________________________________________ 213
20. Despertar Intra-Operatório
Deise Martins Rosa ____________________________________________________ 223
21. Simuladores de Anestesia Venosa
Ricardo Francisco Simoni _______________________________________________ 233
22. Análise de Custos na Anestesia Venosa Total
Daniel Volquind________________________________________________________ 239
23 O Futuro da Anestesia Venosa
Pedro Thadeu Galvão Vianna_____________________________________________ 243
Capítulo 1

História da Anestesia Venosa Total


Airton Bagatini

“A história da cirurgia é uma história dos últimos cem anos.


Iniciou-se em 1846, com a descoberta da anestesia e, portanto,
com a possibilidade da operação indolor.
Tudo o que existia antes eram apenas trevas de ignorância
de sofrimento, de tentativas infrutíferas na escuridão.
Mas a história dos últimos cem anos oferece o mais
extraordinário panorama de que a humanidade tem conhecimento.”
Bertrand Gosset

Introdução

Nossa história começa no ano de 1628, em que William Harvey publicou seu
histórico tratado Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus .1
Na verdade, seu trabalho foi precedido pelos estudos dos anatomistas da Renas-

História da Anestesia Venosa Total


cença, nos séculos XV e XVI, que sofreram influência dos antigos pensadores da
antiguidade. Por isso, necessariamente, é preciso conhecer a história da medicina
para compreender a anestesia balanceada e entender evolução dos conceitos de
farmacocinética e farmacodinâmica da anestesia venosa total (AVT).
A história da AVT remonta a 1656, quando Christopher Wren (1632-1723)
descreveu o uso de uma pena para introduzir a tintura de ópio na veia de um cão.
Embora a disponibilidade da seringa e da agulha, em 1853, tenha facilitado muito a
administração de drogas venosas, o uso da anestesia venosa somente se populari-
zou nas duas últimas décadas.2
A AVT sofreu diversos avanços desde o início de sua utilização. Com a
síntese dos primeiros anestésicos venosos e a introdução dos barbitúricos
(1921) e do tiopental (1934), a AVT evoluiu até o desenvolvimento da AVT com
auxílio de bombas com infusão alvo-controlada (IAC ou TCI, do inglês Target
Controlled Infusion), dispositivo elaborado pela Zeneca especificamente para
a administração do propofol. O primeiro modelo farmacocinético para uso em
IAC foi descrito por Schwilden, em 1981. Foi demonstrado, a par tir daí, que era
possível manter a concentração plasmática desejada de um fármaco utilizando-
se bomba de infusão gerenciada por computador 3.

A era dos desbravadores

Papiros médicos que datam de 30 séculos atrás registram ensinamentos de


Amothep, deus egípcio da medicina, segundo os quais a respiração e o “espírito” do ar
entram pelo nariz e vão para os pulmões e o coração, que os distribui para todo o corpo
através de dezenas de vasos - canais cheios de sangue - e assinalam a existência do
pulso em locais onde o coração pode ser sentido. Nessa época, já era sabido que pulso
arterial e batimento cardíaco se relacionavam.

13
Numa mistura de ciência, religião e magia, ao praticar medicina era usada
uma única palavra para músculos e vasos sanguíneos, pois acreditava-se que am-
bos eram responsáveis pelo movimento e pensava-se que os vasos sanguíneos
carreavam não só sangue mas também outras substâncias, como ar, água, sêmen,
urina e fezes4.
O sétimo século antes de Cristo (a.C.) constitui uma virada fundamental na histó-
ria da humanidade, pois foi nessa época que o homem começou a desenvolver coerên-
cia mental e a construir o método sistemático do argumento para expor ideias, numa
tentativa de explicar todos os fenômenos por causas naturais.
As ciências egípcia e babilônica eram primariamente voltadas para a solução de
questões práticas, sem maiores preocupações éticas. Os gregos, entretanto, elucu-
bravam por prazer, que consideravam a mais alta expressão da alma humana, sendo
a aplicação prática do conhecimento filosófico-científico mera consequência. Entre os
gregos - detentores da mais profunda influência sobre a cultura ocidental -, a fisiologia
e a medicina nasceram da filosofia. Por isso, os primeiros fisiologistas e médicos eram
filósofos-médicos, que realizaram importantes trabalhos de anatomia e de fisiologia, do
sexto século a.C. ao segundo século d.C4.
Para entender de forma coerente a evolução das ideias sobre a fisiologia cardior-
respiratória desde os gregos até os dias atuais, é necessário considerar que, como a
fisiologia nasceu da filosofia - sem experimentação -, todas as teorias sobre o compor-
Anestesia Venosa Total

tamento fisiológico dos seres vivos na antiguidade deviam ajustar-se aos princípios filo-
sóficos que as originaram. Era mais ou menos como “invente primeiro e prove depois”.
Sem a consideração desses aspectos, torna-se extremamente difícil compreender a
evolução do pensamento científico ocidental até nossos dias4.
O primeiro verdadeiro filósofo cientista grego foi Tales de Mileto (645-565 a.C.),
que fez muitas contribuições à matemática, geometria, astronomia e navegação. É
chamado de “pai da ciência” por ser a ele atribuído o início do estudo racional da natu-
reza. Muitos ensinamentos seus são válidos até hoje: “O que é difícil? Conhecer-se a si
mesmo. O que é fácil? Dar conselhos aos outros.” Como vemos, também entendia de
comportamento humano5.
Empédocles da Sicília (495-435 a.C.) acreditava que a respiração se fazia através
dos pulmões e também de todo o tegumento, ideia que Galeno (129-200 a.C.) manteve
até 600 anos depois. Para seus seguidores, o coração era o sítio da vida, concepção
que chegou até nós através de Aristóteles (384-322 a.C.). Era no coração que havia
mais calor, razão pela qual ele e os vasos estão em contínuo movimento. Esse “calor
inato”, intimamente identificado com a alma, era distribuído, pelo sangue, para todas
as partes do corpo a partir do coração. Para acalmar-lhe o fogo da atividade, da ira ou
do medo, os deuses presentearam-lhe os pulmões: o ar inspirado era levado ao coração
pelas veias pulmonares para esfriá-lo. Provavelmente, foi o primeiro a formular a teoria
do fluxo e refluxo (vai e vem) do sangue ao observar vasos seccionados de organismos
vivos4.
Diógenes da Apolônia (499-428 a.C.) foi o primeiro a descrever sistematicamente
o sistema vascular e o pulso arterial, pensando que as artérias continham ar em seu
interior (por isso o nome artéria)4.

14
A Escola Hipocrática

Hipócrates de Cós (460-373 a.C.), o pai da Medicina, foi a figura central do que
é chamado de Escola Hipocrática, que, além dos postulados éticos, começou a dar à
medicina uma conotação de corpo integrado por disciplinas, indo dos diagnósticos ao
tratamento e prognóstico. Provavelmente sua obra é mais reflexo de uma escola do que
de um homem isoladamente. Foi durante o período hipocrático, com seu culto a Asclépio
(Esculápio), deus de uma ordem de sacerdotes-médicos, que a medicina se separou
da filosofia. Foi o primeiro que colocou à prova a concepção racional dos filósofos
ao testá-la por meio da experiência, desenvolvendo o “método hipocrático”, conhecido
como indutivo. A escola hipocrática observava os eventos, mantendo-se cética quanto
ao inverificável, hesitante em teorizar além dos fatos observados, porém pronta para
generalizar a experiência6.
Na seção sobre o coração do livro de Hipócrates, Corpus hippocraticus, repete-se
as idéias de Empédocles, que defende que o coração é a origem do calor animal, sede
de um fogo inato, e que o propósito da respiração é esfriá-lo.

O pai da Biologia

História da Anestesia Venosa Total


Essas ideias foram encampadas, um século depois, por Aristóteles (384-322
a.C.), o pai da biologia - junto com Platão e Sócrates, considerado um dos fundadores
do método científico indutivo -, e, através de sua influência, persistiram por cerca de
2 mil anos. Aristóteles admitia, como Hipócrates, a existência de um pneuma, sopro,
calor inato, participante da alma, que se deslocava através das “veias”. Segundo ele,
coração e veias continham sangue, mas as artérias e os vasos pulmonares, somente
ar, e não pertenciam ao sistema circulatório. Descreveu a principal artéria que sai do
coração e a ela deu o nome de aorta, mas associava as veias do fígado com o braço
direito e as veias do baço com o braço esquerdo4.
Aristóteles defendia ideias opostas às dos democritanos - seguidores de Demó-
crito (470-400 a.C.), que desenvolveu os ensinamentos de Anaxágoras (500-428 a.C.)
-, as quais sustentavam, intuitivamente, hipoteticamente, serem todas as ações dos
organismos vivos resultados da interação de atomos (átomos - tomo = divisão, peda-
ço), substâncias concretas indivisíveis, incompassíveis, homogêneas e eternas, juntas
num espaço vazio - essa é a primeira realidade - de que todos os corpos, vivos ou não,
seriam compostos4.
A teoria atômica de Demócrito, a única alternativa à teoria “elevada” de Aristóte-
les, foi ignorada na Idade Média e vista erradamente como mecanicista e materialista,
negadora da existência de Deus, o que gerou cego combate a ela. O conflito entre
essas ideias continuou até o século XIX, quando o vitalismo foi sepultado como teoria
científica7.

Renascença

A partir de 1400 teve início, na Itália, o movimento cultural e político conhecido


como Renascença, uma busca pela emancipação (afirmativa individual) e expressão

15
(libertária humana), cujo renovado interesse pelas ciências e pelas artes desembocou,
nos três séculos seguintes, no método científico moderno, pois a Renascença “produ-
ziu” as melhores cabeças para a investigação da natureza. O pendor para o naturalismo
e o interesse pelas formas do corpo humano, representadas por artistas como Verroc-
chio, Mantegna, Michelangelo e sobre tudo Leonardo da Vinci, deram novo impulso aos
estudos anatômicos4.
Tendo sido eleito o mundo natural como a maior autoridade, representá-lo e inter-
pretá-lo sem amarras era o objetivo da ciência. Em vez de usarem as observações como
“prova” de determinada “verdade” assumida antes, procuraram tirar princípios gerais,
aplicáveis, a partir da observação do comportamento de eventos independentes, muito
raramente provocados, o que é chamado de empirismo. Foi aí que nasceu a ciência
moderna8.
Somente nos últimos 400 anos, religião e ciência se separaram como cami-
nhos do conhecimento. Foi na Renascença que o método científico, baseado em ob-
servação, experimentação, prova, contraprova e expressão matemática, trouxe de
volta a racionalidade à cultura. Diferentemente da religião, em que a verdade aceita
surge revelada como uma explosão ou geração espontânea, exposta através de um
dogma - sem necessidade de ser compreendida -, a verdade científica é muito mais
circunstancial e fluida, baseada em conhecimento acumulado gradualmente, como
uma cadeia de elos sequenciais, detectada pelos sentidos e aceita pela razão. Esse
Anestesia Venosa Total

conhecimento progride devagar e se cristaliza como teoria ou fato novo ao atingir “um
limiar” capaz de ser detectado pelo cérebro mais sensível à sua influência, alguém
capaz de percebê-lo, demonstrá-lo, interpretá-lo, formulá-lo, oferecendo-o ao mundo
de forma sintética e coerente4.
No século XVI, já se encontrava formado o ambiente para que entrassem em
cena os três homens que deram as bases de sustentação e começaram não só a criar,
mas a implantar o método científico moderno: André Vesálio (1514-1564), anatomista
e fisiologista; Galileu Galilei (1564-1642), físico e astrônomo; e William Harvey (1578-
1657), médico e fisiologista4.

O modelo circulatório de Harvey

O início do conceito moderno de circulação do sangue é atribuído, na sociedade


ocidental, a William Harvey, que, em um tratado publicado em 1628, Exercitatio ana-
tomica de motu cordis et sanguinis, apresentou provas convincentes de que o sangue
flui das artérias do coração para os tecidos e volta, ao longo das veias (Figura 1). Ele
não sabia como o sangue passava das artérias para as veias, pois formulou essa teoria
muito antes de Malpighi de Bolonha descobrir os capilares microscópicos e conectá-los,
mas ele deduziu que algum tipo de canal devia existir. Harvey baseou suas conclusões
sobre as experiências radicais em uma ampla variedade de animais e, em seguida,
mostrou os resultados e as explicações a seus colegas9.
A contribuição de Harvey foi de importância surpreendente. Antes de sua época,
não havia nenhum desafio sério para o ensino de Galeno, no início do segundo século
d.C. Ao argumentar, com base na anatomia, Galeno acreditava que o sangue passava
do lado direito para o lado esquerdo do coração, através de poros invisíveis no septo

16
muscular que separa os dois ventrículos. Um tanto paradoxalmente, Harvey negou pro-
vimento à existência desses septos cardíaco (“poros”), que eram amplamente aceitos,
mas nunca tinham sido vistos, ao mesmo tempo em que postulou a existência de com-
ponentes - os capilares -, que ele também não podia ver9.

História da Anestesia Venosa Total


Figura 1 - Ilustração de William Harvey: De motu cordis (1628). A figura 1 exibe as veias dilatadas no ante-
braço e na posição de válvula; a figura 2 mostra que se uma veia foi “ordenhada”, central e perifericamente
comprimida, no final, ela não vai se encher até que o dedo seja tirado. A figura 3 demonstra que o sangue
não pode ser forçado a circular na direção “errada”. Wellcome Institute Library, London.

Por intermédio desses - e de outros - ilustres sábios, a ciência deu mais um


grande salto: passou da fase em que a inteligência era governada pelos sentidos -
sinta antes e explique como pensa que é - para a fase em que os sentidos devem ser
governados pela inteligência - experimente antes e conclua depois. Para essa incrível
transformação, a humanidade precisou de 2.300 anos, desde o século VII a.C. até o
século XVII d.C 9.

Anestesia

O médico e farmacêutico americano Crawford Williamson Long (1815-1878)


foi o primeiro a usar o éter como anestésico durante uma intervenção cirúrgica.
Em 30 de março de 1842, Long fez com que o paciente James Venable inalasse os
vapores do éter e assim pôde ressecar um tumor em seu pescoço sem que o pa-
ciente sentisse qualquer dor. O preço do procedimento com anestesia foi de dois
dólares. Com o bom resultado obtido, Long passou a usar o éter em amputações
e em partos, mas não se preocupou em publicar os resultados de seus trabalhos.

17
Só o fez em 1849, quase três anos depois das publicações de William Thomas
Green Morton (1819-1868) 10.
Em 10 de dezembro de 1844, um dentista itinerante chamado Horace Wells
(1815-1848) assistia a uma demonstração com gás hilariante (óxido nitroso) em uma
feira em Connecticut (Estados Unidos), quando um espectador caiu, feriu a perna e
nada sentiu enquanto estava inalando o gás. Wells percebeu as propriedades anesté-
sicas do gás e tentou demonstrá-las em uma sessão pública para estudantes de me-
dicina de extração dentária sem dor. Mas foi malsucedido (o gás foi mal administrado
ou havia algum defeito), já que o voluntário sentiu dor e os estudantes que assistiam
gritavam que era uma farsa. O fracasso o perturbou a tal ponto que o levou ao suicí-
dio, em 1848.
Em 1846, o dentista William Thomas Green Morton fez uma demonstração
para John Collins Warren (1778-1856), um dos mais renomados cirurgiões ameri-
canos do século XIX, e teve melhor sorte na anestesia feita com éter, ministrada
ao paciente Edward Gilbert Abbott, o que mudou para sempre a história da cirur-
gia.
No dia 16 de outubro de 1846, na sala de operações do Hospital Geral de
Massachusetts, em Boston, surgiu, à luz do mundo, a narcose, a anestesia contra
a dor mediante a inalação de gases químicos. Provavelmente não é possível, a um
homem de nosso tempo, compreender a revolução estupenda que se iniciou naque-
Anestesia Venosa Total

le dia. Pouco antes dessa data, os pacientes eram submetidos a procedimentos


terríveis, como a pavorosa amputação de língua cancerosa, na qual no instante em
que o ferro em brasa pousava, chiando, na carne viva do coto de língua, o operado
tombava sem vida, fulminado pelo choque. Seu último grito continuava a ecoar na
sala, quando ele já se calara para sempre. Ora, pouco tempo depois, um rapaz jazia,
quieto, sem um grito, sem um movimento, sob o bisturi de Warren, anestesiado, in-
sensível à dor que torturara, antes dele, um número incalculável de seres humanos.
Graças a uma operação que durou um minuto, o mundo em que vivemos transfor-
mou-se. Uma luz jorrou das trevas, naquele dia, um clarão tão vivo que a princípio
nos deslumbrou 10.

A história da seringa e da injeção

Seringa é uma palavra que vem do grego, “syrinx”, e que significa “caniço”. De
acordo com a mitologia grega, Syrinx era o nome de uma ninfa que o deus Pã perseguia
e que ao desaparecer deixou em seu lugar somente caniços de bambu, que se asseme-
lham a uma seringa. Por mais que o conceito de seringa tenha sido descrito por Galeno
(129-199 d.C.), a ideia da seringa é originária do século XV, embora foram necessários
vários séculos para o dispositivo ser desenvolvido11.
Em 1657, foram conduzidos experimentos com seringa - como dispositivo,
pelos ingleses Christopher Wren (1632-1723) e Robert Boyle (1627-1691). Em maio
de 1844, o médico irlandês Francis Rynd (1801-1861) desenvolveu um gotejamento
através de uma agulha para a introdução de drogas na veia, dando base ao início da
criação da seringa. Charles Pravaz (1791-1853), em 1853, desenvolveu, na prática,
a primeira seringa, feita inteiramente de prata, e adaptou a ela a agulha de Rynd.

18
Alexander Wood (1817-1884) foi o primeiro a administrar medicamentos por meio
de uma seringa hipodérmica. Isso permitiu o uso de anestesia venosa pela primeira
vez. Depois dessas invenções originais, surgiram diversas seringas, algumas feitas
de metal combinado com vidro e outras de vidro apenas (como o modelo desenvol-
vido por Wulfing Luer, da França, e elaborado por Becton Dickinson, em 1989). As
primeiras seringas não eram descartáveis, por isso era necessário que fossem este-
rilizadas. As seringas descartáveis começaram a ser utilizadas somente na década
de 196011.
Foram necessários vários séculos, após o surgimento da ideia de uma seringa,
para que esse dispositivo fosse realmente desenvolvido. Com a invenção da seringa,
consequentemente, a introdução de medicamentos no corpo humano se tornou mais
simples, já que antes, para isso, era necessário fazer uma incisão. Atualmente, a se-
ringa e a injeção são bastante utilizadas na prática médica, tornando os procedimentos
mais rápidos e menos invasivos.

Anestesia venosa total

Entretanto, foi só em 1872 que Pierre Cyprian Oré de Lyons serviu-se desses no-
vos instrumentos, a fim de produzir anestesia através da injeção intravenosa de hidrato

História da Anestesia Venosa Total


de cloral. Várias mortes pós-operatórias lamentáveis conspiraram contra a aceitação
desse método1.
Seguiu-se outro hiato de 33 anos até a redescoberta da via intravenosa para
induzir a anestesia, e, embora um tanto irregular, a princípio, por causa da ausên-
cia de drogas realmente adequadas, a anestesia venosa, desde então, progrediu
a passo acelerado, ininterruptamente, embora sua culminância provavelmente não
tenha sido alcançada até hoje. O próximo estágio da evolução da história da anes-
tesia venosa envolveu o hedontal, um derivado do uretano, usado no tratamento da
insônia. Em 1909, em São Petersburgo, Krawkow e Fedoroff administraram o agente
na veia para produzir anestesia geral, fato que lhes conferiu popularidade na Rússia
e na Europa1,12.
De acordo com Adams, o “hedontal foi o primeiro agente anestésico para a
administração venosa a produzir anestesia cirúrgica razoavelmente adequada com
um grau moderado de segurança”13. A droga não apresentava hidrossolubilidade
suficiente, agia muito lentamente e tinha longa duração de efeito. Depois de relatar
o uso de hedontal para a anestesia venosa, a procura por outros possíveis anesté-
sicos venosos continuou. Em 1913, Noel e Souttar descreveram o efeito anestésico
do paraldeído, de administração venosa14. Três anos depois, Peck e Meltzer rela-
taram os resultados da administração venosa do sulfato de magnésio15. O álcool
etílico também foi usado na veia por Naragawa, em 1921, e por Cardot e Laugier,
no ano seguinte1.
Quatro anos depois, Burkhardt popularizou o uso intravenoso do éter dietílico
e do clorofórmio16. Destes, o éter dietílico em solução salina normal a 5% provou
ser o mais satisfatório dos dois, mas apesar de bons trabalhos de muitos países,
o método nunca obteve aceitação mundial. No mesmo ano, o cirurgião August Bier
descreveu a analgesia regional venosa com procaína, uma técnica que, após meio

19
século de esquecimento, foi reintroduzida na prática clínica com sucesso conside-
rável 17.
A introdução de tiopental na prática clínica, em 1934, marcou o advento da mo-
derna anestesia venosa, entretanto os barbitúricos não são indicados para infusões
contínuas, sendo o seu uso restrito ao momento da indução anestésica. Por esse
motivo, novos anestésicos venosos foram introduzidos na prática clínica para oferecer
alguns ou todos os efeitos desejados. Essas drogas foram sendo introduzidas gra-
dualmente, com diferentes graus de aceitação e com um número crescente de com-
postos e métodos de entrega superior ao do tiopental, por isto o uso de anestésicos
venosos continua a crescer18.
O futuro da anestesia venosa envolve o uso simultâneo de vários medica-
mentos, inclusive anestésicos inalatórios. Uma pesquisa realizada por Cohen,
em 1988, mostrou que a mor talidade em 100 mil casos em que uma anestesia
foi usada revela que a prática do uso de drogas anestésicas combinadas pode
ser mais segura que o uso de apenas um ou dois medicamentos isoladamente
e que as chances relativas de morrer em sete dias foi 2,9 vezes maior quando
uma ou duas drogas anestésicas foram utilizadas em vez de três ou mais 19.
Embora seja extremamente difícil interpretar esses dados, o emprego de várias
drogas pode ser benéfico para os cuidados anestésicos. A habilidosa combi-
nação de anestésicos múltiplos venosos não é apenas possível, mas também
Anestesia Venosa Total

preferível 20.

Barbitúricos

O tiopental foi introduzido clinicamente por Waters e Lundy e tornou-se


clinicamente preferido em razão de seu rápido início de ação e curta duração,
sem os efeitos estimulantes do hexobarbital 21. Embora criticado depois de mui-
tas baixas durante o ataque a Pearl Harbor como “a forma ideal de eutanásia
em cirurgia de guerra”, os barbitúricos continuaram a ser amplamente utilizados
na prática clínica 22. Apesar de muitos outros derivados de barbitúrico serem
sintetizados durante as últimas décadas, não foi obtido o sucesso clínico e a
popularidade esperada.

Propofol

O propofol é o anestésico venoso mais utilizado. Na década de 1970, para


substituir os derivados de fenol com propriedades hipnóticas, foi elaborado o 2,6-
di-isopropofol. O primeiro ensaio clínico, realizado por Kay e Rolly e relatado em
1977, confirmou o potencial do propofol como anestésico para induzir a aneste-
sia 19. O propofol é insolúvel em água e foi inicialmente preparado com cremophor
EL. Por causa de reações anafilactoides associadas com o cremophor EL nessa
formulação inicial de propofol, a droga foi convertida em uma emulsão. O propofol
é usado para estimular e manter a anestesia e a sedação dentro e fora da sala
de operação.

20
Benzodiazepínicos

Os benzodiazepínicos têm muitas características do anestésico ideal procuradas


pelos anestesiologistas. Os receptores benzodiazepínicos específicos foram descritos
quando foram encontrados ligantes que interagissem com um receptor central 23. A
descoberta e compreensão do mecanismo do receptor benzodiazepínico permitiram de-
senvolver muitos compostos químicos e produzir um antagonista específico para uso
clínico.
O diazepam foi sintetizado por Sternbach em 1959 na busca de um medicamento
novo e mais completo. Foi descrito pela primeira vez para uso em uma indução anes-
tésica venosa em 196524. O oxazepam, um metabólito do diazepam, foi sintetizado em
1961 por Bell. O lorazepam, um produto 2 ‘cloro-substituição de oxazepam, foi sinteti-
zado em 1971 na tentativa de produzir um benzodiazepínico mais potente. A próxima
grande conquista foi de Fryer e Walser, que sintetizaram, no ano de 1976, o midazolam,
o primeiro benzodiazepínico solúvel em água usado clinicamente25 e o primeiro produzi-
do principalmente para uso em anestesia26.

Fenciclidinas (ketamina)

História da Anestesia Venosa Total


A fenciclidina foi a primeira droga da classe a ser indicada para anestesia,
mas teve efeitos colaterais inaceitáveis. A cetamina foi sintetizada em 1962 por Ste-
vens e foi utilizada em humanos pela primeira vez em 1965 por Corssen e Domino.
A cetamina foi liberada para uso clínico em 1970 e ainda é empregada em várias
situações clínicas. Ela difere das drogas mais usadas para induzir a anestesia por-
que tem um efeito analgésico significativo. Normalmente não deprime os sistemas
cardiovascular e respiratório27, mas possui alguns efeitos psicológicos negativos
encontrados nas outras fenciclidinas.
A cetamina é composta de dois estereoisômeros, S(+) e R(-). O S(+) é mais
potente e está associado com menos efeitos colaterais. O interesse na cetamina au-
mentou recentemente por causa de seus efeitos sobre a hiperalgesia, a tolerância dos
opiáceos, a utilização em estados de dor crônica, o potencial efeito neuroprotetor, que
aumenta a popularidade da anestesia venosa total, e a disponibilidade (em alguns paí-
ses) de S(+) cetamina20.

Etomidato

As propriedades do etomidato incluem estabilidade hemodinâmica, depres-


são respiratória mínima e proteção cerebral, além do fato de sua farmacocinética
permitir recuperação rápida após uma dose única ou infusão contínua. Em ani-
mais, o etomidato também fornece ampla margem de segurança (ED50/LD50),
muito maior que a do tiopental (26,4 versus 4,6) 28. Essas propriedades benéficas
levou ao uso disseminado do etomidato na indução e manutenção da anestesia e
na sedação prolongada em pacientes críticos. O entusiasmo do anestesiologista
pelo etomidato foi reduzido, no entanto, pelos relatos de que a droga pode causar
inibição temporária de síntese de esteroides após doses únicas e infusões29. Esse

21
efeito combinado com outras desvantagens menores (por exemplo, dor durante
a injeção, tromboflebite superficial, mioclonias e alta incidência de náuseas e
vômitos) levou vários editoriais30 a questionar o papel do etomidato na moderna
prática anestésica. O uso da droga diminuiu significativamente após esses mani-
festos, mas tem se expandido por causa do resultado da redescoberta do perfil
fisiológico benéfico do etomidato combinado com a ausência de novos trabalhos
que descrevem significante supressão adrenal após uma dose de indução única
ou em breves infusões.

Agonistas a-adrenérgicos

Os agonistas a2-adrenérgicos proporcionam sedação, ansiólise, hipnose, analge-


sia e redução da ação do sistema nervoso simpático. O impulso inicial para o uso de
a2-agonistas em anestesia resultou de observações feitas durante a anestesia em pa-
cientes que receberam terapia com a clonidina31,32. Isso ocorreu logo após a descrição
da redução da concentração alveolar mínima do halotano33.
A dexmedetomidina é um a2-agonista mais seletivo, com seletividade 1.600 ve-
zes maior para o a2-receptor em comparação com o a1-receptor. Foi introduzida na
prática clínica nos Estados Unidos em 1999 e aprovada pelo FDA apenas como uso de
curto prazo (< 24 horas) em pacientes sob ventilação mecânica nos Centros de Terapia
Anestesia Venosa Total

Intensiva de adultos (CTI) 34. A dexmedetomidina está sendo usada em anestesia fora
dos CTI, em vários cenários, off label (para indicações clínicas diferentes das autori-
zadas), incluindo sedação e analgesia adjuvante na sala cirúrgica, sedação e melhora
de desintoxicação em unidades de internação e para outras aplicações em pacientes
adultos e pediátricos35,36.

Droperidol

O haloperidol foi o primeiro membro das butirofenonas sintetizado por Jans-


sen37 e se tornou o principal componente dos neurolépticos em neuroleptaneste-
sias. Em 1959, DeCastro e Mundeleer38 associaram o haloperidol com a fenoperi-
dina (um derivado da meperidina) e foi, então, elaborado o precursor para a prática
de neuroleptanestesia.
O droperidol, um derivado do haloperidol, combinado com o fentanil, um con-
gênere da fenoperidina, ambos sintetizados por Janssen, foi usado por DeCastro
e Mundeleer38 em uma associação que mostrou ser superior ao haloperidol e a
fenoperidina separados. Esta foi denominada neuroleptanestesia, que consistia em
produzir rápido início da analgesia e menor depressão respiratória e teria menos
efeitos colaterais, como os extrapiramidais. A combinação fixa de fentanil e drope-
ridol, comercializado como Innovar nos Estados Unidos, foi a principal droga usada
para a neuroleptanestesia.
O uso dessa técnica quase desapareceu na prática anestésica moder-
na. O principal emprego do droperidol em anestesia foi como antiemético e,
em menor medida, como sedativo e antipruriginoso. A bula do droperidol nos
Estados Unidos traz uma tarja preta sobre o potencial de arritmias fatais e

22
apresenta as seguintes recomendações: pode ser administrado apenas duran-
te monitorização contínua do eletrocardiograma. Com a retirada do droperidol
em cer tos países e cuidados mais rigorosos relativos à rotulagem de arritmias
potencialmente letais em outros, o uso desse medicamento diminuiu tremen-
damente. A potencialidade do risco de o droperidol, em doses baixas, causar
prolongamento do intervalo QT, arritmias e mor te tem sido contestada por vá-
rios editoriais, ar tigos e car tas que estão revendo os processos que levaram
a essa ação 39,40.

Opioides

O termo opioide refere-se amplamente a todos os compostos relacionados ao


ópio. A palavra “ópio” é derivada do grego “opos”, que significa “suco”, já que a droga
é retirada do suco da papoula (Papaver somniferum). Os opiáceos são drogas oriundas
do ópio e da morfina e incluem produtos naturais e a codeína, assim como muitos con-
gêneres semissintéticos derivados.
A primeira referência indiscutível ao ópio é encontrada nos escritos de
Teofrasto, no século III a.C. Durante a Idade Média, muitas utilizações do ópio
foram apreciadas. O ópio contém mais de 20 alcaloides diferentes. Em 1806,

História da Anestesia Venosa Total


Friedrich Wilhelm Adam Ser tüner (1783-1841) relatou o isolamento de uma
substância pura de ópio que ele chamou de mor fina em alusão a Mor feu, o
deus grego dos sonhos. Em meados do século XIX, a utilização de alcaloides
puros em vez de preparações de ópio bruto começou a se espalhar por todo o
mundo médico 41.
Além dos notáveis benefícios dos opioides, os efeitos colaterais tóxicos e a
potencial dependência desses medicamentos também são conhecidos há séculos.
Os analgésicos opiáceos sintéticos, sem efeitos colaterais, foram explorados, mas
muitos deles apresentam os danos dos opioides naturais. A busca de novos ago-
nistas de opioides levou à síntese de antagonistas dos opioides e seus compostos
com propriedades agonista/antagonista, o que ampliou as opções terapêuticas e
forneceu ferramentas importantes para explorar seus mecanismos de ação. Além
disso, novos métodos de administração desses fármacos, incluindo a analgesia
controlada pelo paciente (PCA) e as técnicas de infusão computadorizadas, têm sido
desenvolvidos41.
Os opioides podem ser classificados como naturais, semissintéticos e sin-
téticos. Os naturais podem ser divididos em duas classes de produtos químicos:
fenantrenos (morfina e codeína) e benzilisoquinolinas (papaverina). Os semissin-
téticos são derivados da morfina que sofreu várias alterações. Já os sintéticos
são classificados em quatro grupos, os derivados morfinanos (levorfanol), a difenil
metadona ou derivados (metadona, propoxifeno), o benzomorphans (phenazocine,
pentazocina) e os derivados da fenilpiperidina (meperidina, fentanil, alfentanil, su-
fentanil e remifentanil)41.
Os opioides podem ser também classificados como agonistas, agonistas par-
ciais, agonistas-antagonistas mistos e antagonistas com base na interação com recep-
tores opioides.

23
Os estudos bioquímicos foram realizados para purificar a proteína do receptor
opioide, mas não foram bem-sucedidos. Desde o início dos anos 1990, pesquisas
têm elucidado as estruturas moleculares e os mecanismos de transdução de sinal
dos receptores de opioides. Quatro cDNAs diferentes foram isolados, como membros
da família dos receptores de opioides42. Três deles foram definidos como μ, o e os
receptores K-opioide; o quarto receptor não está vinculado aos ligantes opioides de
alta afinidade. Mais tarde, um elemento chamado peptídeo nociceptina/orphanin FQ foi
identificado como um agonista endógeno do quarto membro da família dos receptores
de opioides43,44.
Os receptores μ estão localizados no cérebro e na medula espinhal 45 e
medeiam uma variedade de efeitos farmacológicos dos opioides. Além disso, a
classificação farmacológica do receptor μ, como μ1, μ2 e μ3, foi proposta. No
entanto, a identidade molecular desses receptores ainda precisa ser esclareci-
da.
A busca por um ligante endógeno que se une ao receptor μ com alta afinidade
e seletividade levou à descoberta de uma classe de novos opioides endógenos deno-
minados endomorphin-1 e endomorphin-246. Esses peptídeos são tetrapeptídeos com
a sequência Tyr -Pro-Phe-Trp e Tyr-Pro-Phe-Phe, respectivamente. Um gene endomorphin
ainda tem de ser clonado, e há muito a ser aprendido sobre a distribuição anatômica,
o modo de interação com receptores de opioides, a função in vivo e a eventual exis-
Anestesia Venosa Total

tência de outros peptídeos que são altamente seletivos para cada um dos receptores
opioides.

Bloqueadores neuromusculares

Em 1942, Griffith e Johnson 47 sugeriram que a d-tubocurarina (DTC) era


um medicamento seguro para ser utilizado durante a cirurgia, que proporciona-
va o relaxamento da musculatura esquelética. Um ano depois, Cullen 48 descre-
veu seu uso em 131 pacientes que receberam anestesia geral para cirurgia.
Em 1954, Beecher e Todd 49 relataram aumento da mor talidade de doentes
tratados com DTC em seis vezes, em comparação com aqueles que não tinham
recebido o relaxante. O crescimento da mor tandade era em razão da falta de
entendimento da farmacologia dos bloqueadores neuromusculares e seus an-
tagonismos. O efeito do bloqueio neuromuscular residual pós-operatório não
foi apreciado, e a orientação para a monitorização da força muscular não tinha
sido estabelecida.
A succinilcolina, introduzida por Thesleff50, Foldes e col.51 em 1952, mudou
drasticamente a prática anestésica. Seu rápido início de efeito e a duração das
ações ultracurtas eram ideais para a entubação traqueal rápida. Em 1967, Baird
e Reid52 reportaram, pela primeira vez, a administração clínica do pancurônio, um
aminoesteroide sintético.
O desenvolvimento dos bloqueadores neuromusculares de ação intermediária,
construído sobre o metabolismo dos compostos, resultou na introdução do vecurônio53,
um aminoesteroide, e do atracúrio54, um belzilisoquinolínico, para a prática clínica na
década de 1980.

24
O mivacúrio foi o primeiro bloqueador não despolarizante de curta duração intro-
duzido na prática clínica na década de 199055 e, logo em seguida, foi a vez do rocurô-
nio56, também um bloqueador não despolarizante, só que de duração intermediária, mas
que apresenta rápido início de efeito.
Outros bloqueadores neuromusculares têm sido aproveitados na prática clínica,
desde a utilização do DTC. Entre eles, estão incluídos: pipecurônio, doxacurium, cisa-
tracúrio e rapacurônio. Cada um representou um avanço ou melhoria sobre seus ante-
cessores.
Os bloqueadores neuromusculares devem ser administrados em indivíduos
anestesiados para proporcionar o relaxamento dos músculos esqueléticos. Eles não
devem ser usados para parar o movimento do paciente, porque eles não têm proprie-
dades analgésicas ou amnésicas. A consciência durante a cirurgia57 e na Unidade de
Terapia Intensiva (UTI)58 tem sido descrita em várias publicações. Os bloqueadores
neuromusculares são adjuntos valiosos para anestesia geral e devem ser usados
como tal.
A droga mais instigante dos últimos 50 anos na farmacologia clínica neuromus-
cular é denominada sugamadex. É o primeiro agente seletivo de ligação dos relaxantes
neuromusculares (“su” se refere a açúcar, “gammadex”, à estrutura da molécula de
ciclodextrina gama) e o mais novo tipo de agente de reversão existente. A combinação

História da Anestesia Venosa Total


de rocurônio com sugamadex pode substituir a succinilcolina para a indução de sequ-
ência rápida em anestesia e eliminar completamente a paralisia residual na sala de
recuperação 59,60.

Sistemas de distribuição de drogas venosas

O desenvolvimento tecnológico mais recente em anestesia venosa foi a intro-


dução de dispositivos informatizados de infusão contínua, utilizados pela primeira vez
por Helmut Schwilden61, em 1981. Por meio deles, foi demonstrada a capacidade de
se atingirem os níveis desejados de plasma de um medicamento anestésico venoso,
por meio da utilização de uma infusão controlada por computador, bomba operada
de acordo com a farmacocinética da droga. Esses esforços resultaram na liberação
da primeira bomba de infusão alvo-controlada (TCI) Em março de 1998, a edição da
revista Anaesthesia foi inteiramente dedicada a uma revisão da TCI e ao papel dos
dispositivos de TCI na prática clínica. Desde então, quase todo o mundo, com a notá-
vel exceção dos Estados Unidos, aprovou dispositivos de TCI para a administração de
drogas anestésicas62.
A última novidade em sistemas para aplicação de anestesia são dispositivos
de circuito fechado que administram drogas venosas durante a anestesia. Eles fo-
ram desenvolvidos para ministrar nitroprussiato de sódio e relaxantes musculares.
A falta de uma medida inequívoca da “profundidade da anestesia” tem dificultado
a concepção de sistemas de circuito fechado anestésico. A maioria deles tem sido
concebida com a ajuda do eletroencefalograma (EEG), utilizado como medida de
efeito anestésico. Schwilden desenvolveu sistemas de circuito fechado para infusão
de metoexital63,64 e propofol65 sobre a base da frequência mediana do EEG. Outros
pesquisadores têm elaborado o circuito fechado de sistemas baseados em outros

25
derivados do EEG (por exemplo, potenciais evocados auditivos66 ou o índice bispec-
tral [BIS]67).
O desenvolvimento de novas técnicas coincidiu com o de novas drogas. A indução
venosa tornou-se popular com a introdução do tiopental sódico, em 1934. No entan-
to, sua farmacocinética impediu que fosse amplamente empregado na manutenção da
anestesia.
Durante os últimos 50 anos, numerosos hipnóticos venosos (metoexital, 1957;
propanidid, 1957; altesin, 1971; etomidato, 1973; propofol, 1977), ansiolíticos (dia-
zepam, 1966; midazolam, 1978) e analgésicos (fentanil, 1959; cetamina, 1966; su-
fentanil, 1979; alfentanil, 1980; remifentanil, 1996; dexmedetomidina, 1999) foram
introduzidos. A tendência geral para o uso desses novos agentes tem sido fornecer
medicamentos que encurtem o tempo necessário para a recuperação de seus efeitos
Nesse contexto, o propofol e o remifentanil, novos medicamentos por via venosa, pro-
porcionam rápido início da anestesia, fase de manutenção estável e rápida recupera-
ção62.
Os sistemas de administração venosa de anestesia podem ser usados para de-
terminar a dose racional de drogas injetáveis utilizadas na prática clínica. Uma discus-
são mais aprofundada dos princípios de farmacocinética e farmacodinâmica pode ser
encontrada nos próximos capítulos deste livro.
Anestesia Venosa Total

Conclusão

Muitos medicamentos venosos diferentes estão disponíveis para o tratamento


de pacientes que necessitam de anestesia geral. A escolha de determinada droga deve
ser baseada na necessidade individual de cada caso - hipnose, amnésia e analgesia. A
seleção dos medicamentos deve levar em conta a fisiologia, a fisiopatologia ou as duas
situações, juntamente com a farmacologia de cada droga, para o uso individualizado em
cada paciente.
Um paciente em estado de choque, que requer a indução da anestesia, deve
receber uma droga que produza rápido início de efeito sem causar maiores prejuízos
hemodinâmicos. O conhecimento da farmacologia clínica de cada uma das drogas ve-
nosas anestésicas permite ao médico induzir e manter a sedação ou anestesia geral
de forma segura e eficaz. Não existe um único medicamento ideal para cada paciente
em particular, por isso, o anestesiologista deve utilizar sabiamente os medicamentos
adequados durante sua prática clínica.

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História da Anestesia Venosa Total

29
Capítulo 2

Farmacocinética Aplicada
Marcos Antônio Costa de Albuquerque

Introdução

O conhecimento da farmacocinética e farmacodinâmica, desde os princípios bá-


sicos, estendendo-se aos fármacos sedativo-hipnóticos, analgésicos opióides e não-
opióides, relaxantes musculares, associado ao aprendizado do manuseio da técnica de
anestesia venosa total, é condição essencial para execução adequada da técnica.
Farmacocinética é a relação entre a dose e a concentração, ou seja, tudo aquilo
que o organismo faz com o fármaco, desde a absorção até sua eliminação, e farma-
codinâmica é a relação entre a concentração e o efeito, portanto refere-se aos efeitos
que os fármacos fazem no organismo, sejam eles benéficos ou não. Trataremos neste
capitulo de aspectos relativos à farmacocinética aplicada à anestesia venosa total
(AVT).
Qualidade e segurança em anestesia tem sido motivo de discussão pelos
estudiosos da área. Focando a anestesia venosa, este binômio passa pela escolha
da forma de indução, pois dependendo da utilização de bolus, infusão manual ou
infusão continua, teremos comportamentos diferentes dos fármacos, que podem

Farmacocinetica Aplicada
variar de subdoses, doses adequadas (aquelas que estão dentro da janela terapêu-
tica) ou sobredoses.
Outro parâmetro que deve ser observado, quando se tem a finalidade de indu-
ção rápida, é que o fármaco escolhido deve ter velocidade alta e tempo de ação curto,
pois desta forma ele chegará ao receptor (sitio efetor – local onde o fármaco age)
mais rapidamente. Entretanto, esse fármaco deve ter pouco ou nenhum acúmulo para
ser eliminado e ao final da anestesia termos poucos ou nenhum metabólito ativo. Por
outro lado ligando-se a vertente da analgesia, impõe-se um planejamento adequado
de analgesia pós-operatória, principalmente se o opióide escolhido for o remifentanil.

Princípios básicos

Inicialmente devemos entender os conceitos farmacocinéticos fundamentais que


são volume (v) e clearance (Cl). Se certa quantidade de fármaco é introduzida no organis-
mo, e a seguir medirmos a concentração e o volume, obteremos proporcionalidade entre
a quantidade e a concentração:

Concentração = dose / volume

Ao estudar o volume de distribuição, necessitamos entender que o mesmo não


é necessariamente igual ao absoluto dos tecidos corporais, mas corresponde ao volu-
me aparente em que a dose do fármaco deveria misturar-se para obter a concentração
medida no plasma2.

31
Clearance é a capacidade que o organismo tem de remover o fármaco do san-
gue ou do plasma. É a constante de proporcionalidade que relaciona a velocidade de
remoção do fármaco pela concentração plasmática, representado pelas unidades volu-
me/tempo:

Velocidade de remoção do fármaco = clearance x concentração

O clearance descreve uma capacidade intrínseca do organismo, não uma veloci-


dade real de remoção do fármaco. Para fármacos com farmacocinética linear, o clearan-
ce é uma constante.
Podemos, então, observar que a infusão continua de fármacos venosos é basea-
da em duas equações importantes, que definem a dose de ataque, ou dose inicial, e a
taxa de infusão da manutenção, descritas anteriormente3.
Entretanto, o cálculo das concentrações requeridas de fármacos venosos para
alcançar uma concentração alvo, envolve diferentes fatores que devem ser conside-
rados. Primeiro, o plasma não é o sitio de ação dos fármacos venosos; o sitio onde
estes produzem seus efeitos é o cérebro. Para alcançar o sitio de ação, os fármacos
são redistribuídos do sangue para o cérebro. Ao mesmo tempo, fármacos estão sendo
Anestesia Venosa Total

também redistribuídos para outros tecidos do organismo3.

Modelo Unicompartimental2

É possível combinar volume a clearance para ter o modelo clássico de um compar-


timento. Para uma dada quantidade de fármaco, quanto maior for o volume de distribuição
menor será a concentração e vice-versa.
O processo de depuração do fármaco desse compartimento é de primeira ordem,
diretamente proporcional à concentração.
Para os fármacos que se comportam como modelo unicompartimental, para se
atingir uma concentração alvo constante (CT) devemos dar um bolus da CT/v com a fina-
lidade de atingir uma concentração inicial, e a seguir dar uma velocidade de infusão CT
x Cl, para mantê-la. Este esquema é o que utilizamos quando queremos a manutenção
da dose de ataque.

Modelo Tricompartimental1

Compartimento central é o local onde o fármaco é depositado inicialmente. É res-


ponsável pela determinação da concentração plasmática, quando uma dose ou massa
de um anestésico é utilizada. Quanto maior o compartimento central, menor a concen-
tração final, desde que mantida a mesma dose. Crianças têm compartimento central
maior que adultos e idosos. Esse é o motivo pelo qual se recomenda a utilização de
doses maiores na criança, quando comparadas com o adulto e com o idoso.
O segundo compartimento é representado pelo grupo de músculos, que corres-
pondem aos tecidos médio vascularizados.

32
O terceiro compartimento é o responsável pela captação do anestésico, em geral
lipossolúvel, pois esse compartimento é representado pela gordura. Esse compartimen-
to é o responsável por elevar a probabilidade de acúmulo de fármacos, após infusão
contínua1,2. O propofol possui um elevado volume de distribuição no terceiro comparti-
mento e tem forte tendência a acumular-se durante infusão contínua. Esse problema é
minimizado pela alta velocidade de metabolismo que o propofol apresenta. O fármaco
ideal para infusão contínua, entre outras características, deve ter um pequeno volume
no terceiro compartimento1,2.
Muitos fármacos usados em anestesia comportam-se como modelos de dois ou três
compartimentos. O recebimento e eliminação do fármaco são realizados pelo volume do com-
partimento central, e a distribuição e redistribuição pelos compartimentos periféricos. Inicial-
mente, neste modelo, o fármaco está presente apenas no compartimento central e com o
passar do tempo distribui-se para os compartimentos periféricos. O segundo compartimento
é o que se equilibra mais rapidamente com o plasma, representando o volume periférico rá-
pido; o terceiro é o volume periférico lento1,2. A soma destes volumes constitui o volume de
distribuição em estado de equilíbrio (Vdss). O Clearance central é também conhecido como
metabólico ou de eliminação, e os clearances que ligam os volumes periféricos ao volume
central são denominados de intercompartimentais ou de distribuição. Cada clearance inter-
compartimental é uma constante de proporcionalidade que relaciona o fluxo final de fármacos
para os compartimentos e o gradiente de concentração entre os compartimentos.

Farmacocinetica Aplicada
Assim como os volumes de distribuição não são volumes reais, a concentração
aparente nos volumes periféricos não é necessariamente igual à concentração verdadei-
ra do fármaco nestes locais. Os volumes de distribuição periféricos são determinados
de modo que, em estado de equilíbrio dinâmico, a concentração aparente é igual à
concentração plasmática.
De acordo com a teoria do modelo tricompartimental, o organismo humano pode
ser dividido, para fins didáticos, em três compartimentos distintos nos quais os fár-
macos são administrados. É a partir desse raciocínio que a maioria dos autores tem
descrito a dispersão de um fármaco no organismo. Um dos conceitos mais importantes
em AVT é o da concentração.
Como o fármaco é carreado pelo sangue para cada compartimento corporal, o
fluxo de entrada e saída para cada um desses compartimentos determina a concen-
tração. Portanto, os locais de maior débito cardíaco recebem o fármaco com mais
rapidez e em um primeiro momento. Encéfalo, rins, fígado, baço, coração, pulmões e
glândulas endócrinas são os primeiros locais a receberem os fármacos administrados e
são chamados de compartimento um ou central. Desses locais, os fármacos se distri-
buem para os músculos, denominados compartimento dois e, desses, para a gordura,
denominada compartimento três. À medida que ocorre passagem do fármaco entre um
compartimento e outro, por diferença de concentração, pode-se determinar constantes
de trânsito entre um compartimento e outro.
Quando um fármaco é administrado por meio de uma veia periférica, em uma
determinada dose, em mg.kg-1 ou em µg.kg-1, obtém-se um efeito que será maior ou
menor de acordo com o volume que diluir essa massa. Um efeito desejado ou indeseja-
do depende muito mais da concentração final e livre do fármaco do que da dose inicial
administrada.

33
Quando um fármaco é administrado, cria-se uma concentração em determinado
período de tempo, gerando um efeito. Quando o efeito guarda uma relação estreita
com a concentração, pode-se calcular o regime de infusão necessário para obter-se um
efeito clínico desejado e previamente programado. A limitação da técnica depende da
intensidade do estímulo gerado pela manipulação de cada cirurgião, distorção farmaco-
lógica em manter a concentração prevista próximo da medida real, alterações do volume
do compartimento central, erro na entrega do fármaco por parte da bomba de infusão e
desconexão ou perda do acesso venoso.

Biofase1,2

É também conhecido como local de ação. Portanto, é o local onde os fármacos


agem, independentemente de seus efeitos. Esses locais, em geral, são receptores
com barreiras biológicas determinadas por membranas protéicas. Isso faz com que os
anestésicos venosos, em sua maioria, sejam lipoprotéicos a fim de ultrapassarem es-
sas barreiras com mais rapidez para exercer a ação. Há, portanto, um retardo ou uma
latência entre a administração inicial de um fármaco e o aparecimento dos primeiros
efeitos. Isso ocorre porque o fármaco precisa sair do plasma, local onde é depositado
por meio de uma veia periférica e chegar até a molécula do receptor. Esse tempo será
tanto maior quanto menor a velocidade de passagem do medicamento do plasma para
Anestesia Venosa Total

o receptor. Daí o termo: Ke0.


O Ke0 determina a velocidade na qual um fármaco deixa o compartimento cen-
tral, onde foi administrado, e entra no compartimento de ação. Configura-se como uma
constante de velocidade de equilíbrio entre as concentrações do plasma e da biofase.
Quanto maior o Ke0, maior a velocidade de entrada de um fármaco no compar-
timento de ação. Por conseguinte, menor será o tempo gasto para que isso ocorra. As-
sim, fármacos com T1/2 Ke0 curtos possuem Ke0 altos e início de ação rápido e vice-
versa, denotando então que o T1/2 Ke0 representa o tempo para que ocorra a metade
do fenômeno de equilíbrio, se a concentração plasmática for mantida constante.
Por meio da manipulação do valor de Ke0 atribuído a um modelo farmacocinético
de um fármaco, é possível alterar o tempo de início de ação deste. Quando se utiliza
uma bomba de IAC que tem um Ke0 alto na descrição do modelo utilizado, o início de
ação do fármaco será mais rápido porque essa variável é utilizada no cálculo da dose
em bolus que a bomba vai administrar. Em conseqüência, esse sistema fará uma indu-
ção mais rápida, mas utilizará uma dose maior do fármaco, durante a indução. A pro-
babilidade de hipotensão arterial, quando se utiliza esse sistema com o propofol, por
exemplo, será maior. Se o software que gerencia o modelo tiver um Ke0 mais baixo, o
cálculo da dose em bolus será menor e a indução, mais lenta, diminuindo a intensidade
e a probabilidade de efeitos colaterais, como a hipotensão arterial4.

Histerese

É o tempo para que um fármaco atinja o equilíbrio entre a concentração plas-


mática e o local de ação, ou biofase. Por definição farmacológica, o equilíbrio entre
os compartimentos plasmático e a biofase, para fármacos venosos, corresponde

34
a 4,32 meias-vidas do fármaco. Assim, o produto T1/2 Ke0 x 4,32 corresponde
ao tempo de equilíbrio entre o compartimento plasmático e a biofase. O tempo de
histerese do propofol pode ser calculado de acordo com a T1/2 Ke0, que é de 2,4
minutos. Significa que as concentrações plasmáticas e no local efetor de propofol
estarão em equilíbrio, após um regime de administração contínuo, em torno de 12
minutos. Esse tempo será menor para os fármacos cujo T1/2 Ke0 for menor. Dos
opióides, o alfentanil e o remifentanil possuem T1/2 Ke0 de apenas 1 minuto.
São exemplos de opióides adequados para indução rápida. Uma forma de diminuir
o tempo de equilíbrio entre os compartimentos plasmático e efetor é aumentar a
dose de indução utilizada em bolus quando a bomba inicia a infusão. Toda bomba
de infusão alvo controlada (IAC) utiliza um cálculo inicial para administrar a pri-
meira dose de ataque. Essa dose é obtida pelo produto entre o volume de distri-
buição do fármaco, no compartimento central, e o alvo plasmático escolhido pelo
anestesiologista. Assim, quando é determinada uma IAC de propofol, com um alvo
inicial de 4 µg.mL -1, a dose inicial a ser administrada pelo sistema será 4 x Vdss
do propofol. Ou seja: 4 x 17 ou 20 = 68 a 80 µg.mL -1. O Vdss do propofol varia
de acordo com o modelo descrito, entre 17 e 20 litros. A dose de manutenção é
estabelecida por meio de cálculos mais complexos2,5-7.

Meia-vida Contexto-dependente1

Farmacocinetica Aplicada
A meia-vida contexto dependente, ou contexto sensitiva, foi descrita inicialmente
por Hughes em 1992 e determina o tempo para que ocorra a diminuição da concen-
tração plasmática de um fármaco, para a metade do valor em que este se encontrava
durante a infusão, a partir do momento em que a administração for interrompida. A
partir do ponto de equilíbrio entre concentração plasmática e na biofase, é possível
determinar em quanto tempo um fármaco deverá alcançar a metade da concentração
plasmática que ele mantinha, quando a administração foi interrompida. Esse conceito é
muito importante em IAC, pois faz com que um sistema dotado das variáveis farmaco-
lógicas necessárias para esse cálculo possa inferir o tempo de despertar ou de retorno
à ventilação espontânea, de acordo com o cálculo da concentração prevista a cada
momento. As limitações desse cálculo variam diretamente com a margem de erro do
modelo, uma vez que este não mede a concentração diretamente no plasma, apenas faz
uma inferência com base em cálculos matemáticos. Ainda, características do fármaco e
do paciente, bem como a associação com outros fármacos, podem alterar o resultado
clínico observado ou esperado. A meia vida contexto dependente é utilizada para estu-
dar os fármacos em infusão alvo controlada, e incorpora as meias vidas de eliminação,
de distribuição lenta e rápida. Já para a administração de bolus, considera-se apenas a
meia vida de eliminação.

Janela Terapêutica1

É a concentração plasmática em que o fármaco que está sendo administrado


situa-se entre Cp50 (concentração plasmática onde o fármaco exerce a sua função em
50% dos casos) e Cp95 (concentração plasmática onde o fármaco exerce a sua função

35
em 95% dos casos). O conceito de janela terapêutica foi introduzido para explicar que
a dose de fármacos administrados, em anestesia, não deve ser tão elevada ao ponto
dos efeitos colaterais serem tão intensos e nem tão baixa a ponto de aumentar o risco
de não serem suficientes para a ação a que foram propostos. Uma anestesia geral
com hipnóticos e opióides poderá ser realizada por meio de uma grande variedade de
combinações, entre elas: 1) concentração elevada de hipnótico + concentração baixa
de opióide; 2) concentração média de hipnótico e de opióide (efeito sinérgico máximo
entre ambos); e 3) concentração baixa de hipnóticos + concentração elevada de opióide.
Diversos trabalhos descreveram a janela terapêutica para o propofol, quando associado
aos diversos opióides8,9. O pioneiro, talvez, tenha sido um estudo de Vuyk J e col., de
1997, que descreveram a janela terapêutica do propofol, quando associado ao fentanil,
alfentanil ou sufentanil 8. A concentração de propofol, em µg.mL-1 no local efetor, onde
foram descritos os melhores tempos de recuperação, quando ele foi administrado junto
com o fentanil ou alfentanil ou sufentanil, foram, respectivamente, 3,7, 3,5 e 3,3. As
concentrações, em ng.mL-1, de fentanil, alfentanil e sufentanil foram mantidas, respec-
tivamente, em 2,1, 85 e 0,159.

Formas de Infusão dos Fármacos Venosos1

Bolus
Anestesia Venosa Total

Quando um fármaco é administrado em bolus, cria-se, em curto espaço de tem-


po, uma concentração acima da necessária para gerar o efeito desejado. Após, segue-
se um período em que a concentração declina com rapidez, até alcançar concentrações
plasmáticas abaixo das quais não há mais efeito clínico. Um fármaco administrado em
bolus tem o início e o término de ação igualmente rápidos. Isso ocorre, sobretudo, pela
redistribuição do fármaco para compartimentos corporais onde não exercem o efeito de-
sejado. Por exemplo, o propofol administrado em bolus, na dose de 2,5 mg.kg-1, atinge
uma concentração plasmática quatro a cinco vezes maior que a necessária para induzir
hipnose em paciente adulto. A concentração no local efetor de propofol, necessária
para indução de inconsciência, tem sido descrita por diversos autores e varia entre 1,1
e 4,7 µg.mL-1 10-12. Da mesma forma que a hipnose ocorre com rapidez, os efeitos cola-
terais também aparecem como conseqüência da sobredose inicial a que o paciente foi
submetido. Assim, dentre as desvantagens da administração de fármacos venosos em
bolus, pode-se citar o aumento da incidência de efeitos colaterais gerados pela elevada
concentração. Para fármacos administrados em bolus, após a administração do medica-
mento na corrente circulatória, há duas fases de distribuição e uma fase de eliminação.
As duas fases de distribuição são a inicial e a tardia, denominadas, respectivamente,
de distribuição rápida e lenta. A fase de eliminação é responsável pela depuração do
fármaco do organismo e ela depende dos processos fisiológicos de depuração, metabo-
lismo e excreção. Cada uma das fases de distribuição determina, respectivamente, uma
meia-vida. Assim, estão descritas três meias-vidas para os fármacos venosos: meia-vida
de distribuição rápida, lenta e de eliminação. A meia-vida de eliminação é calculada a
partir do momento em que o fármaco começa a ser metabolizado. Como o efeito clínico
depende da redistribuição para outros tecidos que não exercem ação, a correlação da

36
meia-vida de eliminação com o tempo de ação do fármaco, observado na clínica diária,
não coincide com o que está descrito pela literatura. Por isto, atualmente, recomenda-
se a utilização da meia-vida de eliminação apenas para fármacos utilizados em dose
única ou bolus.
Apesar da necessidade de uma dose de ataque ou de bolus, para produzir o efei-
to farmacológico desejado, em geral a mesma não pode ser calculada baseada no vo-
lume inicial de distribuição do fármaco (que é primariamente o volume sanguíneo), mas
deveria usar o volume aparente de distribuição, o qual representa o fármaco distribuído
para o equilíbrio com a biofase, denotando a necessidade de um volume maior3.

Infusão Contínua1

Quando o fármaco é administrado em infusão contínua, obtém-se concentração


plasmática constante, pois à medida que o fármaco sofre redistribuição e metaboliza-
ção, nova oferta de fármaco está sendo realizada, mantendo-se, assim, a concentração
plasmática desejada ou próxima dela. A infusão contínua de fármacos venosos pode ser
realizada de duas formas. A primeira, com auxílio de bomba de infusão manual. Nessa
situação, as doses a serem utilizadas são calculadas pelo anestesiologista que regula a
bomba de acordo com a necessidade. As limitações dessa técnica são as variações ge-
radas nas concentrações plasmáticas dos fármacos e a tendência, caso a infusão não

Farmacocinetica Aplicada
seja alterada, ao acúmulo de fármacos, podendo levar a resultados menos previsíveis.
A segunda, com auxílio de bomba de infusão dotada de um sistema de IAC. Nesse caso,
apenas a concentração-alvo desejada é informada à bomba que, por meio de sistema
computadorizado contendo o modelo farmacocinético do fármaco, controla a dose a ser
administrada de acordo com as mudanças de alvo informadas pelo anestesiologista.
Um modelo farmacocinético é a descrição da identidade do fármaco, pois é ele quem
descreve quais as velocidades de passagem entre os compartimentos corporais, meta-
bolismo e Ke0, entre outras informações.

Considerações Finais

Após a revisão da farmacocinética aplicada da anestesia venosa, é importante


que, quando da utilização de infusão contínua, a escolha dos fármacos seja fundamen-
tada naqueles que apresentem o seguinte perfil farmacocinético: Ke0 alto, T1/2 Ke0
baixo, volume de distribuição no terceiro compartimento baixo e clearance alto. Desta
forma, estaremos garantindo ao paciente um padrão anestésico com a utilização de
fármacos que agem rapidamente, se acumulam pouco e possuem eliminação rápida.

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4. Coetzee JF, Glen JB, Wium CA et al. – Pharmacokinetic model selection for target controlled infusions
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5. Shafer SL, Gregg K – Algorithms to rapidly achieve and maintain stable drug concentrations at the site
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169.
6. Glass PSA, Shafer SL, Jacobs JR et al. - Intravenous Drug Delivery Systems in Anesthesia, em: Miller
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7. Shafer SL, Schiwinn DA - Basic Principles of Pharmacology Related to Anesthesia, em: Miller RD -
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8. Vuyk J, Engbers FHM, Burn AG et al. - Pharmacodynamic interaction between propofol and alfentanil
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9. Vuyk J, Mertens MJ, Oolofsen E et al. – Proposal anesthesia and rational opioid selection: determi-
nation of optimal EC50-EC95 propofol-opioid concentrations that assure adequate anesthesia and a
rapid return of consciousness. Anesthesiology, 1997;87:1549-1562.
10. Macquaire V, Cantraine F, Schmartz D et al. – Target-controlled infusion of propofol induction with or
without plasma concentration constraint in high-risk adult patients undergoing cardiac surgery. Acta
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11. White M, Schenkels MJ, Engbers FH et al. – Effect-site modeling of propofol using auditory evoked
potentials. Br J Anaesth, 1999;82:333-339.
12. Struys MM, De Smet T, Depoorter B et al. - Comparison of plasma compartment versus two me-
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13. Nora FS, Aguzzoli M – Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos, em: Cavalcanti IL, Canti-
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14. Nora FS – Farmacocinética das Drogas Intravenosas, em: Turazzi JC, Cunha LBP, Yamashita AM et al.
– Curso de Educação à Distância em Anestesiologia, São Paulo, Office Editora, 2002;84-97.
Anestesia Venosa Total

38
Capítulo 3

Farmacodinâmica

Manoel Rodrigues Medeiros Neto

Capítulo da farmacologia que descreve a relação entre a concentração plasmática


dos fármacos e seus efeitos. Embora multifacetado, o estudo dos efeitos dos fármacos
pode ser dividido em três grandes áreas:
1. Transdução dos sinais biológicos (teoria dos receptores e de suas estruturas)
2. Desenvolvimento em farmacologia molecular
3. Avaliação clínica dos efeitos dos fármacos

1. Transdução dos Sinais

Mecanismos de Interação

Finda a farmacocinética – a viagem do fármaco – chega a hora em que sua ação


dinâmica começar. A este último compartimento, às portas da interação com o receptor,
dá-se o nome de BIOFASE ou FASE BIOLOGICAMENTE ATIVA.
Algumas teorias se ocupam do que aconteceria no momento da transdução do
sinal.

Farmacodinâmica
• Teoria da ocupação: a alteração conformacional persiste enquanto o sítio re-
ceptor estiver ocupado.
• Teoria de taxa: cada quantum de excitação, ou seja, a cada associação entre
agonista e receptor, se produziria uma mudança momentânea na permeabili-
dade ou no movimento iônico. O mecanismo de abertura de um canal iônico
envolve um complexo macromolecular constituído de uma porção receptora e
uma porção ionófora.
• Uma proposta alternativa sugere que uma mudança conformacional na molécula re-
ceptora resultaria no aparecimento de um canal iônico.

Outras ideias

Pela teoria da ocupação com relação não-linear entre a ocupação do receptor e a


resposta proposta por Stephenson (1956) tem-se que:
1. Um efeito máximo pode ser produzido por um agonista, mesmo quando somen-
te uma pequena proporção de receptores está ocupada.
2. A resposta não é proporcionalmente linear ao número de receptores ocupa-
dos.
3. Fármacos diferentes podem ter capacidades variáveis para iniciar uma respos-
ta e, consequentemente, ocupando proporções diferentes de receptores podem produ-
zir respostas iguais.
Denomina-se eficácia à capacidade de uma droga iniciar uma resposta assim que
ocupa o sítio do receptor. Um agonista que promova uma reposta máxima menor do que

39
a correspondente à ativação do sistema sob intervenção é denominado agonista parcial.
Mesmo quando um agonista parcial produz sua resposta máxima, o estímulo produzido
não é suficiente para gerar a resposta a ativação máxima potencial do sistema.
Um agonista pleno de grande eficácia produz resposta máxima numa concentra-
ção que não ocupa todos os receptores. Os receptores que assim permanecem deso-
cupados são chamados de receptores sobressalentes (receptores reservas ou spare
receptors). Agonistas plenos altamente eficazes podem produzir resposta máxima ocu-
pando 0,1% dos receptores - uma eficácia da ordem de 10.000.
As várias teorias evidenciam, infelizmente, o atual estágio de compreensão in-
completa sobre a formação do complexo receptor-fármaco e resposta resultante. Algu-
mas teorias são apropriadas para alguns sistemas fármaco-receptores, mas não apro-
priados para outros.

Gráfico 1. Relações entre ocupação do receptor e resposta ao fármaco


Anestesia Venosa Total

A magnitude das interações físico-químicas e sua relação


com o conceito de afinidade:

• Uma minoria é baseada em propriedades coligativas (p/ex: pH ou pressão


osmótica).
• A maioria ocorre por ligações covalentes e não covalentes (Van der Wals, pon-
tes de hidrogênio, entre outras) fármaco-receptor.
Os receptores existem naturalmente em dois estados que se alternam em rápido
equilíbrio: Ri (inativo) e Ra (ativado).

Ri Ra
A
A

O status inativo é, usualmente, o predominante.


Ao atuar sobre uma função fisiológica, os fármacos podem ser classificados de
acordo com seu perfil de ação.

40
• Agonistas
Promovem ativação do receptor, ou seja, possuem afinidade com atividade intrín-
seca.
• Ativação plena
• Ativação parcial (entre 0 e 100%, exclusive)
Um agonista parcial (agonista dual) é aquele que atua desencadeando uma res-
posta sub-máxima ao potencial do sistema; por isso pode ser denominado agonista
parcial ou antagonista (agonista dual). Uma vez que a atividade intrínseca (a) é a força
do estímulo farmacológico produzido pela ocupação do receptor, agonistas ativos geram
a=1, agonistas parciais 1>a>0 e antagonistas a=0.
Agonistas ligam-se a seus receptores (Ra) estabilizando-os em estado de ativa-
ção funcional plena ou parcial (complexo molecular Ra+Agonista).
Ri + Agonista (Ag) Ra-Ag
A

A partir do exposto, temos:

Farmacodinâmica
Começa a ficar claro que as relações entre fármaco e receptor podem ser repre-
sentadas tanto através de expressões matemáticas como de gráficos.
Na principal família de gráficos desta etapa, a percentagem do efeito máximo do
efeito de um fármaco é plotada como função do logaritmo da concentração deste. Este
é o procedimento padrão responsável pela clássica morfologia das curvas nos textos de
farmacologia. As vantagens são:

• Transforma uma curva hiperbólica em sigmóide


• Comprime a escala de doses
• Propociona um intervalamento regular entre as doses
• Retifica a linha
• Facilita a análise matemática
• A porção central da curva sigmóide, correspondendo às respostas de 20 a
80% da máxima, é um linha reta.

41
Observe abaixo as diferenças:

Gráficos 2 e 3: Aspectos morfológicos das curvas em


gráficos com plotagem simples e logarítimica

• Antagonistas
Anestesia Venosa Total

Bloqueiam a ativação do receptor por seus agonistas, ou seja, possuem afinidade


sem atividade intrínseca.
• Antagonista Competitivo: efeito mediado por gradiente relativo de concentração
– desloca a curva concentração efeito para a direita.
• Antagonistas competitivos interagem reversivelmente com seus receptores para
formarem um complexo que não elicita resposta. A interação antagonista-re-
ceptor, no entanto, é caracterizada por uma constante de dissociação como a
dos fármacos agonistas. Quando plotamos curvas de concentração de agonista
x ocupação de receptores por agonista (ou resposta produzida), na presença
de diferentes concentrações de um antagonista competitivo, obtemos curvas
de mesma morfologia, com mesma resposta máxima, com porções lineares
paralelas, mas com deslocamentos à direita ou à esquerda. Embora as curvas
log da concentração x resposta sejam deslocadas para à direita na presença do
antagonista competitivo, a resposta máxima permanece a mesma e a porção
linear permanece paralela àquela do agonista sozinho. O efeito do antagonista
pode ser sobrepujado por um aumento na concentração do agonista.
• Antagonistas competitivos simples (ACS) ligam-se a seus receptores indepen-
dentemente da conformação destes, sem afetar o equilíbrio entre as duas
formas, mas impedindo a mudança para a conformação ativa.
• ACS-Ri ACS + Ri Ra +ACS ACS-Ra
A
A A
A

• Antagonista Não Competitivo


• Efeito independente de gradiente relativo
• Rebaixa o nível máximo de efeito clínico pelo agonista

42
• Ligação estável e/ou irreversível
• Quando um antagonista forma uma ligação forte com o receptor, a taxa de dis-
sociação do complexo antagonista-receptor é tão lenta que é virtualmente zero.
Nesse caso, o antagonista é denominado de irreversível e o antagonismo não é
sobreposto pelo aumento na concentração do agonista. O grau de antagonismo
aumenta com o aumento na concentração de antagonista. A população de re-
ceptores disponível para a interação com agonista é reduzida e, portanto, a res-
posta máxima também é reduzida. A ocupação dos receptores pelo antagonista
irreversível pode ser reduzida pela presença simultânea de elevadas concentra-
ções do agonista ou de um antagonista competitivo. Antagonistas irreversíveis
podem ser utilizados para avaliar a afinidade e a eficácia do agonista.
• Antagonista Inverso: impede alterações conformacionais no receptor

Gráficos 4 e 5 : Aspectos gráficos da interferência de fármacos


afins na curva de dose/resposta.

Farmacodinâmica
Devemos considerar, atentamente, que as respostas induzidas pelas drogas não são
fenômenos “ tudo ou nada”. O aumento da dose pode elevar a resposta terapêutica e o
risco de toxicidade. Outros fatores em jogo são a interação droga-droga, com resultantes:
• Alteração da absorção
• Inibição do metabolismo
• Facilitação do metabolismo
• Competição para ligação a proteínas
• Alteração da excreção

• Receptores

Estruturas responsáveis pela transdução efetiva do sinal carreado pelo fármaco em


mensagem celular, dentre as quais as proteínas compõem a classe mais importante. São
ativados por interação com fármacos de estrutura química específica e modulam alguma
parte de um ou vários mecanismos celulares para promoverem uma resposta característica.
A ativação envolve uma mudança conformacional que pode resultar em uma alteração nas
propriedades da membrana celular, afetando, ou sua permeabilidade passiva ou suas pro-
priedades de transporte ativo, ou ainda pode estar relacionada à ativação de uma enzima.

43
Funções:
1. Acoplamento ao ligante apropriado (domínio de ligação).
2. Propagação do sinal regulador na célula alvo (domínio efetor).
3. Propagação do sinal.
4. Interação do receptor com proteína efetora (sistema receptor-efetor).
5. Proteína efetora: promove a síntese ou liberação de uma outra molécula
reguladora intracelular - segundo mensageiro (cascata catalítica com função amplifi-
cadora).
Do exposto, decorre um dos corolários mais famosos dos textos sobre o tema: o
efeito farmacológico ocorre devido à alteração de um processo fisiológico intrínseco e
não à criação de um novo processo.
Considerados sob prismas fisiológico e farmacológico temos:
• Receptores fisiológicos: interagem com agonistas naturais que carreiam informação
biológica (como p/ex hormônios, neurotransmissores, autacóides etc.) e, portanto,
podem ser estimulados por fármacos agonistas ou inibidos por antagonistas.
• Drogas que interagem com receptores no âmbito de sua função fisiológica
promoverão modulação desta função ao longo do seu espectro de ativida-
de.
• Receptores farmacológicos seriam aqueles que interagem com antagonistas
sintéticos que não carreiam informação biologicamente válida, representan-
Anestesia Venosa Total

do um alvo para inibição funcional por drogas antagonistas.

Famílias de receptores

Tipo 1 - Receptores ligados a canais (Figura 1)

• Denominados receptores ionotrópicos.


• Participam principalmente da transmissão rápida.
• São proteínas oligoméricas dispostas ao redor de um canal.
• A ligação do ligante e a abertura do canal ocorrem em milissegundos.
• Alguns exemplos: nAch, GABAA, NMDA.

Figura 1. Receptores ligados a canais

44
Tipo 2 - Receptores ligados à proteína G (Figura 2)

• Receptores metabotrópicos
• A proteína G é uma proteína de membrana que consiste em três subunidades
(abg), em que a subunidade a possui atividade GTPase.
• Existem vários tipos de proteína G que interagem com diferentes receptores
e controlam diferentes efetores.
• Alguns exemplos: mAch, adrenorreceptores, GABAB.

Figura 2. Receptores ligados à proteína G

Farmacodinâmica
Sistemas efetores acoplados à proteína G (Tabela I)

1- Adenilato ciclase – AMPc


Regulação celular via cAMP
• Metabolismo energético
• Divisão e diferenciação celular
• Transporte de íons proteínas contráteis no músculo liso
• 2- Fosfolipase C - fosfato de inositol
2 Fosfolipase A2 - ácido araquidônico
3- Canais iônicos
Tabela I. Cascata de efeitos

45
Tipo 3 - Receptores ligados a quinases

• Os receptores de vários hormônios (p. ex. insulina) e fatores de crescimento


incorporam a tirosina quinase em seu domínio intracelular.
• Têm efeito lento.
• Estão envolvidos, principalmente, em eventos que controlam o crescimento
e a diferenciação celulares, e atuam indiretamente ao regular a transcrição
gênica.
• Existem duas vias importantes:
• a via Ras/Raf/MAP quinase (divisão, crescimento e diferenciação celular);
• a via Jak/Stat ativada por citocinas - controla a síntese e liberação de media-
dores inflamatórios.
• Ex.: Fator de crescimento epidermal.

Tipo 4 - Regulam transcrição de DNA (Figura 3)

- Citossólicos solúveis ou proteínas intranucleares


- Em hormônios esteróides e tiroideanos
- Efeito muito lento
Anestesia Venosa Total

Figura 3. Esquema representativo da ação de fármacos com ação sobre o DNA

Ex.: Receptor para Glicocorticóides

Medeiam as ações de hormômios esteróides, tireóideos, vit. D, ácido reti-


A

nóico
Os receptores são proteínas intracelulares monoméricas
A A A

Ligantes lipofílicos
Atuam através da estimulação ou inibição da transcrição de genes resultan-
do em aumento ou diminuição da síntese de proteínas

46
Segundos Mensageiros (Figura 4)

A ligação entre um fármaco e seu receptor não promove efeitos imediatos.


Uma série de rápidos eventos bioquímicos tem início antes que o efeito final se
apresente. A estes eventos intermediários que ligam o acoplamento do fármaco,
na biofase, ao seu receptor e a ação farmacológica propriamente dita, denomina-se
Segundos Mensageiros. A compreensão do funcionamento desta cadeia interme-
diária de reações é de extrema importância porque alterações quantitativas e/ou
qualitativas nos seus componentes podem mudar completamente o perfil de ação
de um fármaco.
Muitos receptores de membrana se acoplam a sistemas de segundos mensagei-
ros através de proteínas G, as quais desempenham papel de moléculas regulatórias
intermediárias. Este processo consome energia provida sob a forma de fosfatos (GTP)
cuja hidrólise também é controlada por moléculas reguladoras. O efeito fisiológico é
determinado pela proteína G específica envolvida: estimulatórias (e.g., Gs, Gq) ou inibi-
tórias (e.g., Gi, Go). Proteínas G são heterotriméricas, compostas de três subunidades
– a, b e g, cuja ativação promove a dissociação em a e bg. A subunidade a da maioria
das proteínas G lhes confere especificidade entre receptores e efetores enquanto que o
dímero rg - outrora atribuído de função meramente estrutural – agora sabe-se que pode
desempenhar também papel de segundo mensageiro. O dímero bg atua também como
engate para que quinases regulatórias atuem otimamente no processo de fosforilação

Farmacodinâmica
de receptores de membrana.

Figura 4.Repertório de ações e segundos mensageiros

2. Desenvolvimento em Farmacologia Molecular

A farmacologia molecular aproveita-se do fato de que todas as proteínas, inclusi-


ve os receptores farmacológicos, são codificadas no genoma humano sob a forma de
seqüências específicas de ácidos nucléicos. Disso decorre que:

47
1. Pode-se estudar a estrutura intrínseca de um receptor (através da protômica).
Receptores mutantes podem ser criados e comparados em função com os
normais, permitindo estudos detalhados dos mecanismos de interação e o
“projeto” sob medida de fármacos mais específicas e eficazes. Proteínas G e
outros segundos mensageiros podem ser investigados da mesma maneira.
2. A busca ativa de seqüências nucleares específicas (relacionadas às de re-
ceptores já conhecidos por similaridade) pode levar à descoberta de novos
receptores e até mesmo novas famílias de receptores.
3. A interação fármaco-receptor pode ser estudada de forma isolada e específi-
ca. Desta forma novos fármacos podem ser sintetizados bem como pode-se
prever com maior precisão o efeito sob variantes estruturais destes recepto-
res.
Animais transgênicos e com receptores específicos suprimidos por engenharia
genética têm sido de grande valor na elucidação da função de receptores e proteínas.
Como resultado deste segmento de estudos, sabemos agora a localização precisa dos
sítios de ação de numerosos anestésicos. Infelizmente, as vitórias nesta área não se
estendem aos anestésicos inalatórios.

3. Avaliação Clínica dos Efeitos dos Fármacos


Anestesia Venosa Total

Neste segmento, trataremos dos aspectos gerais pertinentes à farmacodinâmica vi-


sando fornecer ao leitor elementos que o ajudarão a fazer uso adequado dos anestésicos
descritos individualizadamente nos capítulos a seguir.

Alguns princípios:

• Muitos fármacos possuem efeitos terapêuticos clinicamente significativos.


• Todos os fármacos exibem efeitos colaterais.
• Ambos efeitos são dose-dependentes.
• Todos os fármacos clinicamente úteis exibem uma janela terapêutica delimi-
tada:
• Pelo nível sérico mínimo, abaixo do qual não têm eficácia;
• Pelo nível sérico máximo, acima do qual causam efeitos colaterais inaceitá-
veis para seu uso terapêutico.

A relação entre as concentrações séricas máxima e mínima constitui o nú-


cleo do conceito de segurança para uso clínico de um fármaco.
Derivando para um índice que reflita o ponto médio de eficiência, numa de-
terminada população a ser tratada (50%), em relação ao mesmo ponto na curva para
efeitos colaterais (50%) ou efeito letal (50%), chegamos ao índice terapêutico que, não
obstante, pode ser obtido para qualquer outro percentual nas respectivas curvas.

Dos e letal 50 / Dose eficaz 50


Índice terapêutico 50% = ou
Dose efeito colateral 50 / Dose eficaz 50

48
Algumas outras definições

• Eficácia
• Capacidade de um fármaco produzir a resposta desejada.
• Potência
• Posição relativa da curva dose-efeito ao longo do eixo de dosagens.
• Usada para comparar compostos dentro das mesmas classes de drogas.
• Tem pouca significância clínica, a menos que a dose seja impraticavelmente
grande ou pequena para ser administrada.
• O mais potente dentre dois fármacos não é necessariamente clinicamente
superior.
• Exemplo: o fármaco L é o mais potente dentre todos; o M é um agonista par-
cial; N é menos potente (Gráfico 6).

Gráfico 6. Relações de potência plotadas num gráfico dose/resosta

Farmacodinâmica
• Concentração Efetiva 50% (ED50)
• Concentração da droga que induz um efeito clínico específico em 50% de
indivíduos.
• Dose Letal 50% (LD50)
• Concentração da droga que induz morte em 50% de indivíduos tratados.

Regulação dos receptores

Por fim, alguns fatores que modificam a ação dos fármacos por interferência dire-
ta ou indireta sobre os receptores e seus condicionantes de funcionamento:

1- Dessensibilização (taquifilaxia, refratariedade)

• Alteração nos receptores: doença.


• Perda de receptores: por exposição prolongada a agonistas. Ex: agonistas
b-adrenérgicos como broncodilatadores no tratamento da asma.

49
2- Super-sensibilização: Aumento da sensibilidade a agonistas do receptor após
redução de um nível crônico de estimulação. Ex: propranolol.

3- A alteração da produção endógena de uma substância pode afetar os recep-


tores.

4- A resposta pode também estar alterada devido a distúrbios do estado ácido-


base, desequilíbrios electrolíticos, alteração do volume intravascular e tole-
rância.

Consideraões Finais

• A maioria dos fármacos promove efeitos através de suas ações sobre recep-
tores.
• Existem 04 (quatro) vias de transdução de sinal.
• A interação entre um fármaco e seu receptor pode ser descrita matemática e
graficamente.
• Agonistas apresentam afinidade (kd) e atividade intrínseca (a).
• Antagonistas apresentam apenas afinidade.
• Antagonistas podem ser:
Anestesia Venosa Total

• Competitivos (alteram kd).


• Não-competitivos (alteram a), quando atuando conjuntamente com agonis-
tas.
• Agonistas dessensibilizam receptores.
• Antagonistas sensibilizam receptores.

Referências

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7th Ed, Philadelphia, Churchill Livingstone, 2010;479-513.
2. Buxton ILO - Pharmacokinetics and Pharmacodynamics, em: Goodman & Gilman’s the Pharmacologi-
cal Basis of Therapeutics, 11th Ed, New Yok, McGraw-Hill, 2006; 1-40.
3. Vuyk J, Engbers F, Groen-Mulder S - On the Study and Practice of Intravenous Anaesthesia, 1st Ed,
Kluwer, 2000; 17-58.

50
Capítulo 4

Sistemas de Perfusão

Marcos Aguzzoli
Fernando Squeff Nora

Conceitos e histórico

Denominamos sistemas de per fusão em anestesia venosa, todo o dis-


positivo que tiver a propriedade de intermediar a infusão de algum fármaco,
líquido, sangue e/ou expansores plasmáticos desde o recipiente que contém
a solução, passando pelos acessórios do sistema e dispositivos que façam a
entrega.
No passado tínhamos problemas de acesso à circulação, e as primeiras
experiências neste sentido datam do século XVII, após a descrição do sistema cir-
culatório por Harvey. Percival Christopher Wren dissolveu ópio em água e injetou-o
em um cão por meio de uma pena presa a uma bexiga, fazendo com que o animal
ficasse entorpecido, sem matá-lo. Em 1845 foi inventada a agulha oca, por Francis
Rynd, sendo a seringa funcional inventada por Charles Gabriel Pravaz, em 1853.
Uma vez que este problema de acesso estava começando a ser solucionado, o

Sistemas de Perfusão
novo foco era a administração de líquidos de forma precisa, iniciando pela seringa
e aparelhos movidos pela gravidade, o que levou ao desenvolvimento de bombas
que calculassem a infusão e regulassem a entrega de soluções ou fármacos a
serem infundidos.
Desde então, os sistemas de infusão têm evoluído de maneira importante, e o
advento das bombas de infusão manual e dos acessórios descartáveis nos possibilitou
a administração de medicamentos de forma mais segura e precisa. A evolução destes
sistemas foi em direção às bombas com gerenciamento farmacocinético de fármacos,
também chamadas bombas alvo controladas. Estes sistemas têm por objetivo esta-
belecer uma concentração plasmática no sítio efetor proposto (opióides e hipnóticos),
obedecendo a um modelo farmacocinético de gerenciamento e recalculando de forma
precisa toda a movimentação do fármaco pelos diferentes compartimentos do organis-
mo, sua redistribuição e eliminação, em vez de simplesmente estabelecer uma veloci-
dade constante de infusão.
O futuro parece ter a direção dos sistemas de alvo controle acoplados em
dispositivos de monitorização de atividade cerebral, para determinarmos em que
faixa de adequação anestésica desejamos trabalhar (sistemas de alça fechada).
Além disso, fármacos com características farmacológicas melhor delineadas pode-
rão nos fornecer maior precisão farmacocinética e farmacodinâmica, conduzindo,
assim, a melhorias em termos de precisão, desfecho clínico e segurança do ato
anestésico.
Desta maneira, poderemos enquadrar dentro da categoria de sistemas de per-
fusão: seringas, equipos, extensores, acessórios e bombas de infusão, sendo estas
últimas de maior complexidade.

51
Seringas

Na grande maioria das bombas de infusão que optam por seringas comuns, serin-
gas de vários volumes podem ser utilizadas, e não há restrições a marcas. Podem ser
escolhidas seringas que ofereçam melhor custo, com o objetivo de diminuir os gastos
relacionados aos insumos das infusões.
Em alguns casos, entretanto, algumas seringas apresentam alta resistência ao
avanço do seu êmbolo, o que pode resultar em erros ou paradas da infusão, caso a
bomba de infusão não tenha pressão suficiente para vencer esta resistência. Em algu-
mas bombas de seringa, ajustes de pressão já estão pré determinados para compensar
a resistência da seringa, conforme a marca utilizada, para que não ocorram erros de
infusão.

Equipos

Os equipos podem ser comuns, de soro, ou especiais, para bombas específicas.


Destes equipos especiais, alguns possuem partes elásticas para serem adaptados aos
roletes de determinadas bombas, enquanto outros possuem artefatos específicos de
encaixes, como espécies de clamps, para utilização em bombas de peristalse.
Habitualmente, o que ocorre é que cada equipo é específico para uma bomba
Anestesia Venosa Total

determinada, e raras são as bombas que funcionam com equipos se soro comuns.
Este tipo de equipo acaba por encarecer a infusão da medicação, tanto pelo seu
custo específico, pois a produção é limitada a um tipo específico de aparelho, como
por utilizar dose prime de grande volume, o que determina desperdício de fármaco na
linha de acesso.

Extensores

São os intermediários, que se localizam entre o equipo e o acesso ou dispositivo


de punção venosa, ou o sistema que vai desde a seringa da bomba até o dispositivo de
três vias, para acoplamento ao sistema venoso do paciente.
A grande diferença entre os extensores está no seu tamanho, geralmente varian-
do entre 20 e 150 cm de comprimento, além do seu raio interno.
Deve-se dar preferência aos de maior raio interno, para que não haja restrição ao
volume a ser infundido no paciente, pois estes têm o mesmo calibre do equipo de soro.
Os de menor raio interno são indicados para equipar as seringas de bombas de infusão,
pela vantagem de reduzida dose prime.

Acessórios

São os outros utensílios necessários à infusão, como as torneiras de três vias e


as válvulas unidirecionais.

Válvulas unidirecionais: Podem ser importantes para evitar contaminação da


solução a ser infundida. No entanto, isto perde importância na medida em que as

52
soluções são sempre descartadas, não reaproveitadas entre pacientes diferentes. É
importante ressaltar que válvulas unidirecionais podem não garantir isenção de refluxo
em até 3% dos casos, ou seja, possuem permeabilidade, ainda que pequena. Alguns
dispositivos de três vias têm estas válvulas incorporadas na sua construção.
Torneiras de três vias: São acessórios muito utilizados em anestesia venosa
total. Algumas apresentam um dispositivo de rosqueamento em sua construção, que
torna a sua fixação ao equipo mais segura. O posicionamento das torneiras na mon-
tagem do sistema de infusão poderá refletir maior ou menor gasto de fármacos, bem
como alterações do despertar e desfecho clínico ao término da operação.
Na figura 1 vemos as torneiras montadas juntas, sendo uma para o opióide, uma
para o hipnótico e uma terceira para a injeção de anestésicos adjuvantes e/ou medica-
ções que possam ser necessários, em situações específicas durante o procedimento.
Este tipo de configuração é útil, por exemplo, quando os braços do paciente precisarem
ficar ao longo do corpo, e o acesso não estará sendo visualizado diretamente. É mais
confiável, portanto, que montemos a disposição das torneiras nesta posição, a fim de
que possamos visualizar, caso haja alguma desconexão dos perfusores colocados junto
às torneiras. Em contrapartida, ao término da infusão teremos fármacos acumulados
no conjunto, e é de suma importância lavar o sistema para que não ocorram proble-
mas advindos deste acúmulo no extensor, entre as torneiras e o acesso venoso. Opiói-
des, como o remifentanil, acumulados nesta linha, poderão causar efeitos indesejados,

Sistemas de Perfusão
como bradicardia intensa, tórax rígido ou parada respiratória.

Figura 1. Esquema de montagem No 1


Soro + equipo + 3 torneiras de 3 vias acopladas + extensão + acesso venoso.

Na figura 2, vemos apenas uma torneira fazendo a ligação do equipo com a


extensão, enquanto as torneiras que receberão os extensores que comportam as
drogas hipnóticas e opióides estão conectadas diretamente ao acesso venoso. Nesta
circunstância, não existirá acúmulo de droga ao término da infusão. Esta montagem,
além de mais segura para a infusão, também evita desperdício dos fármacos. Contu-
do, quando os braços do paciente ficam ao longo do corpo, pode haver desconexão
entre o perfusor e a torneira, devido ao movimento da mesa ou contato com o cirur-
gião, não sendo esta a montagem mais indicada para estas situações.

53
Figura 2. Esquema de montagem No 2
Soro + equipo + 1 torneira de 3 vias + extensão + duas torneiras de 3 vias + acesso venoso

Bombas de infusão
As bombas de infusão podem ser divididas de várias maneiras:

Quanto ao seu funcionamento


Anestesia Venosa Total

Manual: É toda a bomba que trabalha com infusão em ml/Kg/h ou mcg/kg/min,


ou seja, não possui sistemas computadorizados para a administração de fármacos. É
importante ressaltar que os chamados sistemas de infusão manual referem-se a este
tipo de bombas de infusão, e não ao fato de infundirem a solução manualmente ou em
bolus.

Alvo controlado: É toda a bomba que possui gerenciamento farmacocinético


para a administração do fármaco, ou seja, existe um dispositivo que faz com que este
seja entregue, de acordo com um alvo estabelecido previamente pelo profissional, com
compensações momento a momento, de acordo com algoritmos complexos, para que
não haja acúmulo, propiciando o melhor desempenho para cada substância. Além do
aparato de gerenciamento, esta bomba deverá ter modelos farmacocinéticos especí-
ficos para cada medicação. Diversos equipamentos deste tipo estão disponíveis em
nosso mercado hoje em dia, e diferenciam-se basicamente por dois fatores:
• Presença de um ou mais modelos farmacocinéticos incorporados, seja para
a mesma medicação, como o propofol, ou para medicações variadas, como
o sufentanil e o remifentanil.
• Aceite de somente um tipo de seringa, por se tratar de um sistema de infusão
fechado, com seringa pré-carregada de laboratório. Estes sistemas podem ser
mais seguros, em função de identificarem o tipo de seringa por um microchip
contido na sua borda, que identifica a solução contida e a concentração em
que se encontra. A desvantagem deste sistema é que, por ter este sistema de
identificação do chip na borda da seringa, acaba por encarecer o sistema. Por
outro lado, uma grande vantagem é o fato de que, como a seringa já é preen-

54
chida de fábrica, não é necessário aspirar e/ou diluir a solução, diminuindo ou
praticamente eliminando o risco de contaminação da medicação.

Quanto ao acessório utilizado

Bombas de Seringa: São, habitualmente, as mais práticas e rápidas de se-


rem montadas. Etapas da montagem: aspirar o fármaco, conectar a seringa com um
perfusor e programar a bomba, conforme a vasão necessária para o objetivo a ser
atingido. Podem ser de infusão manual ou alvo controlado, e estão disponíveis em
sistemas abertos ou fechados de alvo controle. Quanto ao tipo de perfusor utiliza-
do, é extremamente importante ressaltar que o mesmo deverá ser longo o bastante
para atingir o acesso venoso, porém com diâmetro interno o menor possível, de ma-
neira a reduzir a dose de preenchimento do sistema e os custos relacionados. Para
se ter uma idéia, a simples troca de um dispositivo de paredes espessas por outro
com paredes mais finas de igual comprimento, poderá reduzir a dose prime de 8
ml para 1,5 ml. Se extrapolarmos este valor para 100 procedimentos, veremos que
será evitado o desperdício de 650 ml de medicação, o que representa uma econo-
mia substancial, principalmente se tratando de seringas pré-carregadas de fábrica,
onde o custo por ml de medicação é mais elevado (Figura 3).
Algumas bombas de seringa possuem regulagem de pressão, de acordo com a

Sistemas de Perfusão
marca de seringa a ser utilizada. É importante prestar atenção a este detalhe, mesmo
em seringas da mesma capacidade volumétrica, pois a taxa de infusão poderá variar
conforme o fabricante da seringa devido à resistência do material empregado. Quanto
ao volume, este tipo de bomba pode trabalhar com seringas de 5, 10, 20 ou 50 ml.

Figura 3. Tipos de extensão e perfusores com respectivas doses prime

55
Bombas de Equipo: Basicamente, o mecanismo de funcionamento pode ser
dividido em bombas de rolete e bombas de peristalse. Raramente estas bombas usam
um equipo de soro comum, sendo utilizados dispositivos específicos para cada uma.
Esta peculiaridade acaba encarecendo o sistema, e fazendo com que ultrapasse o pre-
ço de uma infusão alvo controlada, mesmo em sistema fechado. É típico deste tipo de
equipo uma dose de preenchimento generosa, o que acarreta um gasto de medicação
importante.
Com o advento das bombas de alvo controle, bombas de seringa começaram a
ser oferecidas comercialmente em escala mais larga, e por diversos fabricantes, com
ou sem alvo controle, o que facilitou muito a vida do anestesiologista, por serem bem
mais práticas para uso em bloco cirúrgico e também por diminuírem os custos.
Há pouco tempo atrás, as bombas de seringa no Brasil não chegavam a 5 por
cento do total de bombas de infusão disponíveis. Na América do Norte correspon-
diam a 30 por cento, enquanto na Europa, onde houve a criação dos sistemas de in-
fusão alvo controlada, perfaziam um total de 60 por cento dos aparatos disponíveis
para infusão de fármacos.
As bombas de equipo são mais úteis para administração de medicamentos
em unidade de terapia intensiva; para uso em bloco cirúrgico, têm espaço para ad-
ministração de substâncias vasoativas, ou controle fino na infusão de soluções para
pacientes críticos ou com idades extremas. Já as bombas de seringa são mais úteis
Anestesia Venosa Total

para a infusão de anestésicos.

Critérios desejáveis para aparelhos usados em


anestesia venosa total

1. Ser capaz de gerar grandes variações de velocidade de infusão, a fim de


facilitar tanto a indução quanto a manutenção da anestesia.
2. Possuir bateria recarregável para gerar energia continuamente, mesmo em
situações de desconexão com o sistema de alimentação principal de energia.
A interrupção de energia não deve limitar o desempenho ou acarretar perda
de informações contidas no aparelho. O aparelho deve ser capaz de indicar
a sua situação de carga.
3. O aparelho deve ser simples de operar, deve solicitar ações confirmatórias e
possuir recursos de cancelamento de maneira rápida. O software incorporado
deve conter informações de identificação de erros, a fim de impedir problemas
nos dados de entrada, evitando desta maneira infusões perigosamente altas.
4. O aparelho deve ser física e eletricamente forte, resistente à água e capaz
de sobreviver a abusos de ordem moderada. Os sistemas de controle e co-
municação internos não devem ser sensíveis a campos eletromagnéticos e
precisam estar de acordo com normas técnicas atuais de segurança elétrica
e mecânica.
5. Deve administrar infusões precisas durante todo o tempo operatório. A
grande maioria dos aparelhos tende a ser imprecisa, quando submetida
a infusões muito baixas. Se for o caso, é preferível diluir mais o fármaco,
para evitar a necessidade de taxas muito baixas infusões.

56
6. Deve prover alarmes relacionados a tamanho, fabricação incorreta, mau
posicionamento ou esvaziamento das seringas, situações de baixa pres-
são e oclusão do sistema, além de detecção de baixa carga de bateria e
mau funcionamento do mecanismo interno da bomba.
7. O aparelho deve fornecer informações relacionadas a todos os modos de
função, como a quantidade de substância infundida, velocidade de infusão,
dose total administrada e mensagens de alerta.
8. O sistema deve ser capaz de logar os dados de infusão, e ser controlado por
um computador em local remoto.

Características de um sistema de perfusão bem montado

1. Bombas de infusão alvo controladas, tanto para hipnóticos como para opi-
óides.
2. Extensores de equipo de diâmetro semelhante ao equipo de soro, para pro-
ver acesso rápido de fluídos.
3. Uso de, pelo menos, 3 torneiras de 3 vias, sendo uma para hipnótico, outra
para opióide e uma terceira para administração de medicamentos coadjuvan-
tes do ato anestésico.
4. Posicionamento das torneiras de hipnótico e opióide próximas ao acesso

Sistemas de Perfusão
venoso, para evitar resíduos de medicação no sistema de perfusão após o
término da infusão.
5. Uso de perfusores de diâmetro reduzido, para conectar as bombas de infusão
às torneiras de 3 vias, otimizando, assim, a administração dos fármacos.
6. Boa fixação do acesso venoso, com adaptação firme e segura entre os com-
ponentes de infusão, de preferência com conectores de tipo luer-lock.
7. Visualização contínua das conexões, como medida de segurança, no caso de
haver desconexões involuntárias durante o ato cirúrgico.

Referências

1. Egan TD - Aparelhos para Administração de Drogas Venosas e Controle Computadorizado: Perspectiva


Americana, em: White PF -Tratado de Anestesia Venosa, Porto Alegre, Artmed, 2001.
2. Kenny GNC, Sutcliffe N - Perspectiva Européia, em: White PF - Tratado de Anestesia Venosa, Porto
Alegre, Artmed, 2001.
3. Nora FS, Aguzzoli M - Farmacocinética, Farmacodinâmica e Equipamentos, em: Cavalcanti IL, Cantinho
FAF, Vinagre RCO - Anestesia Venosa. Rio de Janeiro, SAERJ, 2004;307-331.

57
Capítulo 5

Modelos Farmacocinéticos – Avaliação Crítica


Fernando Squeff Nora

Introdução

A anestesia venosa total sofreu diversas alterações à medida que o conhecimento


específico das variáveis farmacológicas determinadas e utilizadas durante o seu uso fo-
ram sendo desvendadas ao longo dos últimos anos. O conhecimento da farmacologia apli-
cada à anestesia venosa é um aspecto fundamental para o desenvolvimento da técnica.
Quando um fármaco é administrado, através de uma veia periférica, em uma
determinada dose, descrita em mg.kg-1 ou em µg.kg-1 obtem-se um efeito que depende-
rá da concentração gerada no plasma e no local efetor ou biofase. O efeito será mais
ou menos evidente de acordo com o volume de distribuição do compartimento central.
O volume de distribuição do compartimento central costuma diluir os medicamentos
gerando uma concentração final. Quem determina a intensidade de um efeito é a con-
centração e não a dose do fármaco. Assim, monitorizar a concentração gerada a partir

Modelos Farmacocinéticos – Avaliação Crítica


de um regime de infusão é mais adequado e fidedigno que monitorizar apenas a dose
administrada1.
Quando há uma forte correlação entre a concentração e o efeito, os esquemas
de dosagens dos fármacos podem ser calculados e a taxa de administração de um fár-
maco pode antecipar o efeito clínico do mesmo. Neste contexto, foram desenvolvidos
aparelhos ou bombas de infusão dotadas de informações relacionadas aos aspectos far-
macológicos dos fármacos a fim de desenvolver um regime de infusão capaz de manter a
concentração plasmática de um fármaco dentro de valores pré-estabelecidos. Com estes
sistemas, a regulagem da taxa de infusão é feita pela bomba de infusão de acordo com a
concentração desejada e determinada pelo anestesiologista. Um modelo farmacocinético
nada mais é do que a descrição do caminho ou da trajetória de um medicamento pelos
diversos compartimentos corporais a partir do momento em que este medicamento foi
administrado através de uma veia periférica. Compreende os tempos de saída do compar-
timento central para a biofase, as velocidades de trânsito entre os 03 compartimentos,
para um modelo tricompartimental, o clearance nos 03 compartimentos, as taxas de
depuração hepática e renal, bem como os cálculos de queda exponencial para determina-
ção dos tempos de recuperação durante uma infusão clínica. Nenhum destes sistemas
faz a mensuração direta do fármaco na corrente circulatória, mas todos eles fazem uma
medida preditiva das concentrações plasmáticas e no local efetor, resultantes a partir de
uma infusão de um determinado fármaco, de acordo com o modelo farmacocinético de
infusão utilizado. Desta forma, todos os modelos farmacocinéticos descritos possuem
uma margem de erro que determina o quanto a concentração prevista está distante da
concentração real, caso esta fosse medida no plasma diretamente.
Atualmente existem diversos modelos farmacocinéticos descritos para diversos
fármacos em anestesia. Cada um dos modelos apresenta uma performance de atuação
diferente. Esta performance é descrita na literatura quanto às concentrações geradas
e previstas pelas bombas de infusão, sendo comparadas às concentrações reais obti-
das2.

59
Definição de modelo farmacocinético

Modelo farmacocinético é a descrição das características farmacocinéticas ou


dos atributos farmacocinéticos de um fármaco3-5. Nada mais é do que a descrição dos
tempos de trocas entre cada compartimento corporal, taxas de metabolismo e de en-
trada e depuração de cada um destes compartimentos. Pode ser descrito de acordo
com uma variável farmacocinética que esteja intimamente relacionada a um desfecho
clínico. Por exemplo, Ke0 e início de ação. Através destas características são apresen-
tados os padrões de comportamento de um fármaco no corpo humano. Estes modelos
passaram, ao longo dos últimos anos, por uma estruturação profunda, onde regras para
a determinação de um modelo passaram a ser seguidas.

Objetivos de determinar um modelo farmacocinético

Quando um regime de infusão de um fármaco guarda uma relação estreita entre


a dose e a concentração é possível organizar modelos matemáticos que, através da
manutenção de uma taxa de infusão variável, no domínio do tempo, possam determinar
uma concentração plasmática resultante. Um modelo farmacocinético tem como obje-
tivo principal a manutenção de uma concentração plasmática e/ou no local efetor, pre-
viamente estabelecida pelo anestesiologista. A partir da determinação da concentração
Anestesia Venosa Total

plasmática ou da concentração no local efetor o equipamento dotado do modelo farma-


cocinético do fármaco utilizado é capaz de fazer uma infusão constante a fim de alcan-
çar as concentrações determinadas. À medida que as concentrações são alteradas pelo
Anestesiologista, através do botão de controle da bomba de infusão, a mesma aumenta
ou diminui a taxa de infusão de acordo com a concentração medida no momento da
alteração. Esta alteração da taxa de infusão é controlada pelo dispositivo de infusão e
é calculada a partir do modelo farmacocinético incorporado à bomba. Para cada modelo
farmacocinético existe um tipo de comportamento diferente para cada medicamento.
Desta forma, a manipulação farmacológica a fim de determinar um regime de infusão
pode ser alterada através da manipulação do modelo utilizado para a infusão, mesmo
para fármacos idênticos. Assim, um modelo farmacocinético pode fazer com que, atra-
vés da informação dos dados demográficos de um paciente, a indução anestésica seja
semelhante a outro paciente de características bastante diferentes. O exemplo clássico
são os extremos de faixas etárias. Quando administramos a mesma massa, em mg ou
µg, em pacientes com faixas etárias diferentes, por exemplo, 20 e 80 anos, a concen-
tração gerada a partir destas mesmas doses de fármaco serão diferentes para ambos
os pacientes. O paciente mais idoso terá uma concentração plasmática maior e, por-
tanto, maior repercussão clínica. O paciente mais jovem terá concentrações menores
e, portanto, menores repercussões clínicas. Caso os mesmos pacientes fossem anes-
tesiados com uma bomba de infusão alvo controlada, exceto modelo de Marsh para o
propofol, as doses iniciais calculadas pela bomba de infusão seriam diferentes e admi-
nistradas em doses menores no paciente mais idoso e em doses maiores no paciente
mais jovem a fim de determinar em ambos a mesma concentração final. O resultado
é um efeito clínico bastante parecido em ambos. Portanto, um dos objetivos de uma
bomba de infusão alvo controlada é a adequação das doses utilizadas de acordo com

60
o modelo farmacológico nelas incorporado gerando economia através da otimização de
fármacos provenientes de outros compartimentos diferentes do plasma ou do local de
ação. Durante a fase de recuperação, momento em que a concentração do fármaco é
maior no terceiro e segundo compartimentos, as bombas diminuem as taxas de infusão
a fim de utilizar, através do gradiente de concentração, fármaco destes compartimentos
que serão transferidos para o plasma e daí para o compartimento de ação. Quando a
concentração da bomba de infusão é diminuída, ela automaticamente interrompe a infu-
são, para somente depois de estabelecido o novo ponto de equilíbrio, re-iniciar a infusão
com uma nova taxa de administração. As bombas calculam estes tempos e as doses de
acordo com os modelos farmacológicos nelas incorporados. Importante salientar que
nenhuma bomba de infusão alvo controlada pode fazer a medida direta da concentração
plasmática do fármaco, a informação que elas disponibilizam é apenas o resultado da
aplicação de um modelo matemático testado em uma série populacional e em situações
clínicas diversas. Portanto, qualquer modelo de infusão apresenta uma margem de erro
que é a diferença entre a concentração prevista pelo equipamento e a concentração
real que seria obtida através da dosagem direta do medicamento presente no paciente.
Como a inferência destes modelos depende de diversos fatores associados a situações

Modelos Farmacocinéticos – Avaliação Crítica


clínicas distintas, foram publicadas normas para o desenvolvimento de um modelo a
fim de diminuir a margem de erro em cada uma das situações clínicas previstas e mais
frequentemente encontradas.

Normas mundiais para o desenvolvimento de um modelo farmacocinético

A) Seleção do modelo farmacocinético: O comportamento farmacocinético da dro-


ga deve ser linear com a faixa terapêutica definida por doses que foram aprovadas para
uso terapêutico4,5.
B) Definição da população: O modelo, adaptado para representar uma amostra
da população (adulto ou pediátrica) deve ser publicado em uma revista reconhecida no
meio. Idealmente o modelo deve surgir de estudos que representem a população de for-
ma caracterizada (idade, peso, altura, índice de massa). Forma de comportamento da
infusão na presença de patologias associadas tais como: insuficiência renal, hepática
ou cardíaca. Forma de comportamento da infusão mediante a presença de fatores as-
sociados tais como: pré-medicação, outros fármacos administrados em conjunto como
antibióticos, opióides, aceleradores e inibidores enzimáticos4,5.
C) Definição de um modelo de sítio de efeito: O modelo deve ser validado
para estudos específicos de infusão venosa contínua, com índices de performance
aceitáveis(Bias<30%), mostrando elementos objetivos para a manutenção de determi-
nado alvo, bem como a correlação desta com o efeito. Este efeito clínico pode ainda
ser observado em conjunto com o índice bispectral, para idealmente determinar pontos
de hipnose e recuperação da consciência. O Ke0 deve ser validado simultaneamente
com o correspondente modelo farmacocinético. O mesmo Ke0 pode ser determinado a
partir de um modelo farmacodinâmico mensurável de uma droga anestésica, como por
exemplo, a resposta eletroencefalográfica cortical (índice bispectral, freqüência média
ou potencial evocado). Da mesma forma, o modelo farmacocinético e farmacodinâmico
que contem um valor de Ke0 deve ser validado em estudos realizados com infusão

61
contínua e nas populações dos pacientes nas quais os modelos estão sendo
testados 4,5.
D) Seleção das concentrações alvo: A seleção da concentração alvo deve ser bem
estabelecida, de acordo com cada um dos desfechos clínicos desejados e observados a
cada momento, tais como perda do contato verbal, perda do reflexo palpebral, etc4,5.
E) Seleção do tempo para alcançar a concentração alvo: A determinação do tem-
po para um fármaco alcançar a concentração alvo deve ser determinada de forma clara
pelo modelo, pois esta variável é determinada diretamente pelas informações contidas
dentro do modelo farmacocinético desenvolvido. Assim, as faixas de concentrações alvo
recomendadas devem partir de estudos realizados nas diversas situações clínicas nas
quais as doses são recomendadas. Anestesia mais profunda ou mais superficial, du-
rante sedação ou anestesia geral, com ventilação controlada ou espontânea, bem como
tipo de paciente, idoso ou jovem, debilitado ou não. O tipo de cirurgia deve ser descrito
para a determinação de uma concentração alvo desejada estabelecendo-se o um cri-
tério de utilização de um determinado alvo para cada evento per-operatório tais como:
incisão, intubação orotraqueal, fechamento da pele, tração peritoneal, esternotomia e
tração de vísceras. Ainda, o tempo para alcançar uma concentração alvo determinada
deverá ser titulável e controlável de acordo com a necessidade clínica4,5.
F) Seleção da concentração de despertar: A determinação da concentração de des-
pertar deve ser informada para este modelo de acordo com estudos populacionais grandes
Anestesia Venosa Total

onde o modelo foi testado previamente durante a fase de desenvolvimento do mesmo.


O tempo de despertar, informado pelo modelo farmacocinético incorporado a bomba de
infusão deve ser estabelecido de forma adequada a cada situação clínica diferente e, sobre-
tudo, deve poder ser alterado de acordo com o perfil de cada paciente. A determinação da
concentração de despertar é clínica e variável em cada paciente. Os pacientes normalmente
apresentam concentrações de hipnóticos de despertar muito próximas das concentrações
onde eles perderam a resposta verbal. Esta variável, portanto, não depende apenas do cál-
culo farmacocinético dos fármacos e da fidedignidade do modelo farmacológico utilizado e
sim de diversas outras variáveis, entre elas: o grau de ansiedade inicial do paciente, utiliza-
ção ou não de opióides associados (doses, tipo de opióide e velocidade de administração),
outros hipnóticos associados durante a indução (por exemplo, midazolam) ou mesmo a
associação de anestésicos inalatórios a anestesia venosa total4,5.

Avaliar a performance de um modelo farmacocinético

De acordo com Varvel e col6. a performance de erro (PE) de cada modelo modelo
farmacocinético, para cada fármaco, pode ser determinada utilizando-se a fórmula que
segue:
PE(%) = Cm – Cp/Cp x 100*

*Cm = concentração medida e Cp = concentração prevista

Existem 04 medidas distintas de performance de um modelo farmacocinética4:


1. Media da performance de erro (MDPE)
2. Media absoluta da performance de erro (MDAPE)

62
3. Wobble
4. Divergência

Media da performance de erro: É o cálculo da performance de erro para cada


paciente a partir dos achados de infusões venosas alvo controladas, com determinado
modelo farmacocinético. A média é o resultado para a população estudada e representa
a média dos desvios obtidos das concentrações medidas em comparação as concentra-
ções previstas. Será POSITIVO quando a concentração medida EXCEDER a concentração
prevista. Significa que o modelo subestima a concentração medida, ou seja, a Cm será
maior que a indicada na bomba. Será NEGATIVO quando a concentração medida FOR
MENOR que a concentração prevista. Significa que o modelo superestima a concentra-
ção medida, ou seja, a Cm será menor que a indicada na bomba.
Media absoluta da performance de erro: Representa a medida de inacuracidade ou
de erro do sistema utilizado. Também é um resultado da média populacional e compara con-
centrações medidas e previstas do fármaco estudado, dentro de um modelo farmacocinético
de infusão alvo controlada. Representa o valor absoluto do erro em %. Indica em que per-
centual um fármaco se desvia do alvo, ou seja, atribui uma quantidade através de um valor

Modelos Farmacocinéticos – Avaliação Crítica


numérico. Será positivo ou negativo de acordo com o calculo da performance de erro.
Wobble: Representa o cálculo da variabilidade das performances de erro medi-
das em cada um dos pacientes.
Divergência: Representa o quanto são diferentes as medidas das concentra-
ções medidas longe do alvo estabelecido. Uma performance de erro pode indicar que
todos os pacientes tem medidas de concentração distantes do alvo, mas todas elas
próximas entre si, ou seja, pequena divergência. De outra forma, os resultados das per-
formances de erro de cada paciente podem estar longe do alvo e, alem disto, distantes
umas das outras, indicando uma divergência elevada.

Análise crítica dos modelos farmacocinéticos disponíveis

A maioria dos estudos vigentes tem procurado determinar as performances


de erro existentes com os modelos farmacocinéticos disponíveis. Entre os hipnóticos,
propofol é seguramente o fármaco que mais tem modelos farmacocinéticos de infusão
alvo controlada disponíveis, motivo pelo qual a análise que passo a descrever são feitas
para o propofol. Entre os opióides, o mais frequentemente estudado é o remifentanil, e
em um único modelo, descrito por Charles Minto7.
Para fins didáticos, os trabalhos costumam dividir as fases de infusão em 03:
inicial, intermediária e tardia. Servin e cols.4. detalham as performances de erro do pro-
pofol com 04 tipos diferentes de modelos farmacocinéticos, de acordo com cada fase,
como descrito a seguir:

Fase inicial de infusão (0-5min):


MARSH: Subestima a concentração medida (CM)
WHITE E SCHUTTLER: Superestimam a concentração medida (CM)
SCHNIDER: Superestima muito a concentração medida (CM)

63
Fase intermediária (25 – 120min):
MARSH: Subestima a concentração medida (CM)
WHITE, SCHUTTLER e SCHNIDER: Apresentam valores muito próximos da CM

Fase final (120 – 140min)


MARSH e WHITE: São melhores
SCHUTTLER: Superestima a CM
SCHNIDER: Subestima pouco a CM

De acordo com este estudo4, os modelos tiveram médias de performance de erro


(%) para o propofol de:

Marsh: + 2,3 (-31,6 a +33)


White: - 12,6 (-32,8 a +16,5)
Schuttler: - 6,2 (-32,4 a +17,9)
Schnider: - 0,1 (-21,5 a +33,5)

A tabela I é uma compilação de diversos estudos, com diversos fármacos, onde


foram avaliadas suas médias de performance de erro, quando utilizados em infusão
Anestesia Venosa Total

alvo controlada.

Tabela I. Média absoluta de performance de erro e média de performance de erro para


diversos fármacos com os respectivos autores e modelos farmacológicos avaliados.
AUTOR DO MODELO AUTOR DO
DROGA MDAPE (%) MDPE (%)
FARMACOCINÉTICO ESTUDO
ALFENTANIL Schuttler and Stoeckel Ausems et al 22-32
Schuttler and Stoeckel Schuttler et al 28 0
Maltre et al Raemer et al 53 +53
Scott et al Raemer et al 17 +1
Helmers et al Lemmens et al 24 +12
FENTANIL McClain and Hug Alvis et al 20 0
McClain and Hug 26 +11
McClain and Hug Glass et al 21 +4
McClain and Hug Shafer et al 61 +61
Scott et al Shafer et al 33 +19
McClain and Hug Vesells et al 40 40
SUFENTANIL Greeley et al Kern et al 43
Greeley et al Kern et al 32
REMIFENTANIL Minto Mertens et al 20 -15
Egan Mertens et al 21 1
TIOPENTAL Ghonelm and Van Hamma Vesells et al 50 -50
MIDAZOLAM Smith et al Kern et al 44
Smith et al Kern et al 32
Greenblatt et al Vesells et al 100 100
PROPOFOL Schuttler et al Schuttler et al 22 -12
Dyck et al Coetzee et al 20 42
Tackley et al Coetzee et al 20 -1
Marsh et al Coetzee et al 23 -6
Marsh et al Marsh et al 25 -18.5
Gepts et al Vesells et al 25 0
Gepts et al Glass et al 29 +5

Em resumo, pode-se dizer que:

64
• Com o PROPOFOL / MARSH (DIPRIFUSOR), a MDPE é normalmente po-
sitiva. Deve-se esperar, então, concentrações medidas maiores do que as
indicadas pela bomba.
• Com o REMIFENTANIL / MINTO, a MDPE é normalmente negativa. Deve-
se esperar, então, concentrações medidas menores do que as indicadas
pela bomba.

Equipamentos disponíveis no brasil para uso de modelos


farmacocinéticos

No Brasil diversos equipamentos que utilizam modelos farmacocinéticos para


infusão alvo controlada de anestésicos venosos. São eles:
Bomba Alaris PK® - Bomba de seringa de diversos tamanhos com calibragem e
identificação da seringa automáticos. Disponível para modelos de propofol, remifenta-
nil, sufentanil e midazolam. Possui os modelos de Marsh, Schnider, e Kataria para o
propofol. Possui o modelo Minto para o Remifentanil e Shafer para o sufentanil7,8. Tem
a vantagem de ser um equipamento que pode ser alimentado com novos modelos ou

Modelos Farmacocinéticos – Avaliação Crítica


adicionar-se modelos descritos de acordo com a necessidade de cada um. O modelo
Kataria de propofol é o único disponível para infusão de propofol em pediatria. Outra
vantagem é a utilização de propofol genérico, pois trata-se de uma bomba aberta. A
desvantagem é o custo do equipamento, que precisa ser adquirido.
Diprifusor® - Modelo de bomba de infusão mais antigo e utilizado no Brasil. Utiliza
o modelo descrito por Marsh e apenas para o propofol. Embora solicite dados relacio-
nados a idade e sexo do paciente, o regime de infusão não é alterado a partir destes
dados. Existem outros modelos de infusão de propofol, não incorporados a este equi-
pamento, que alteram o regime de infusão de acordo com estas informações. A vanta-
gem é que a empresa que detém os direitos sobre a única apresentação de propofol
compatível com este equipamento disponibiliza a bomba. A desvantagem é o custo do
propofol desta bomba, bem acima do propofol genérico, pois trata-se de um equipamen-
to fechado e de uso exclusivo de propofol desta empresa.
Bomba Fresenius Orchestra® - Este equipamento é uma base de infusão alvo
controlada onde podem ser acopladas até duas bombas de infusão alvo controladas. A
base disponibiliza 2 modelos de infusão de Propofol, 1 modelo de remifentanil e 1 de
sufentanil. Os modelos são os mesmos da bomba Alaris PK. A diferença entre ambas
é que a da Fresenius vem fechada e não permite que se adicionem outros modelos ou
qualquer atualização.
A empresa BBraun disponibiliza um equipamento para infusão alvo controlada
com a mesma configuração da Orchestra®.
O Brasil tem evoluído muito em infusão alvo controlada de fármacos venosos.
Hoje, temos disponível o que há de mais moderno em IAC, com a possibilidade de sis-
temas de infusão que podem ser atualizados com novos modelos. À medida que novos
modelos, para diversos fármacos, vão sendo lançados e publicados, é possível utilizá-
los cada vez mais e com mais segurança.
Desde 1997, com a introdução do modelo farmacocinético de Marsh incorporado
ao Diprifusor®, iniciamos um novo capítulo na administração de fármacos venosos e de

65
anestesia venosa total. A mudança do paradigma, através da introdução dos conceitos
de concentração plasmática em anestesia venosa total, ao invés da monitorização da
massa total de fármacos utilizados em função do peso foi decisiva para o entendimento
e avanço dos conhecimentos farmacológicos necessários para a utilização de modelos
farmacológicos em anestesia venosa total alvo controlada. Modelos dotados inicialmen-
te de controle do alvo plasmático, passaram a incorporar a variável Ke0 e, com isto pu-
deram oferecer aos usuários a possibilidade de monitorizar e controlar a concentração
no local efetor ou sítio de efeito.
Novos sistemas, chamados “abertos ou Open TCI” foram avaliados e lançados
no mercado para uso clínico em diversos tipos de equipamentos. Estes sistemas são
chamados “abertos” porque incorporam modelos farmacocinéticos de propofol e de ou-
tros medicamentos para utilização com qualquer apresentação farmacológica, diferen-
temente do Diprifusor®, que aceita apenas um tipo de seringa previamente preenchida
a 1 ou 2% de 50ml com uma única apresentação disponível.
Os novos sistemas de infusão, dotados de modelos farmacocinéticos abertos,
podem ser utilizados com uma ampla variedade de concentrações, com seringas que po-
dem variar de 10 a 50ml e de qualquer apresentação ou fabricante. Obviamente, estes
sistemas foram apresentados ao mercado com a promessa de serem de menor custo,
em comparação com as apresentações até então disponíveis, uma vez que permitem a
utilização de, por exemplo, propofol genérico.
Anestesia Venosa Total

Até o momento, 3 dispositivos estão comercialmente disponíveis no Brasil:

1) Alaris Asena PK – Cardinal Health, Alaris product, Basingstoke, UK


2) Base Primea – Fresenius, França
3) BBraun

A utilização destes equipamentos tem gerado controvérsias importantes, pois


quando são comparados com o Diprifusor® para a utilização de propofol, são observa-
das diferenças nas infusões. O entendimento das formas de infusão de um sistema que
incorpora um modelo farmacocinético de propofol diferente e com variações em compa-
ração com o Diprifusor® é crucial para a administração segura de anestesia venosa total
alvo controlada com estes novos equipamentos.
Todos os equipamentos vêm previamente carregados com modelos de remifentanil,
sufentanil e dois modelos diferentes de propofol. A Base Primea e a BBraun possibilitam a
utilização dos modelos MODIFICADOS de Marsh para o Propofol e o modelo de Schnider
em adultos. A Base Primea e a Alaris ainda oferecem um modelo pediátrico – descrito por
Kataria - para uso de propofol. O ponto de maior confusão é que para todos estes mode-
los é possível regular o sistema de infusão para administrar o fármaco com controle pelo
plasma ou pelo local efetor (exceto no modelo de Marsh da Asena PK).

Diferenças entre infusão alvo controlada pelo local efetor versus plasma

Os primeiros sistemas de infusão alvo controlados eram todos regulados pela


concentração plasmática desejada, ou seja, o anestesiologista regulava uma concen-
tração alvo no desejada plasma. Com este modelo de infusão há de se respeitar o

66
tempo de histerese entre as concentrações no plasma e no local efetor. O equilíbrio
entre o plasma e o local efetor é estabelecido por um tempo de retardo entre as duas
fases e é determinado pelo tempo que um fármaco leva para sair do compartimento
plasmático e penetrar no local efetor. A velocidade com que um fármaco é transferido
do plasma para o local efetor depende de diversos fatores, entre eles, o débito cardí-
aco e o fluxo sanguíneo cerebral ou de outros órgãos alvo. Propriedades farmacológi-
cas também interferem no tempo de transferência de um fármaco do plasma para o
local efetor, tais como, solubilidade e grau de ionização. O tempo de equilíbrio entre
local efetor e plasma pode ser descrito como uma equação matemática de primeira
ordem tipicamente quantificada e determinada como Ke0. Na verdade, este termo
se refere à saída do fármaco do compartimento de ação ou local efetor, mas como
o compartimento de ação representa um volume tão pequeno, costuma-se referir o
Ke0 como uma variável de velocidade de entrada e não de saída do compartimento
central. Como se não precisássemos de fato saber o quanto de fármaco entra ou sai
do compartimento de ação, uma vez que, por causa do negligenciável volume deste
compartimento, o equilíbrio entre a quantidade de fármaco que entra e sai é instan-
tâneo a cada momento. Por isto, o Ke0 é interpretado como a velocidade na qual um

Modelos Farmacocinéticos – Avaliação Crítica


fármaco sai do compartimento plasmático e estabelece um equilíbrio com o com-
partimento de ação ou local efetor. Quando uma bomba de infusão é utilizada com o
controle da infusão do fármaco no modo plasma, o sistema administra o fármaco de
modo a alcançar uma concentração plasmática acima da concentração do local efetor.
Instantes após este primeiro bolus, a bomba interrompe a infusão até que a concen-
tração no local efetor aumente. Momentos após, uma nova taxa de infusão é iniciada
de forma a estabelecer um equilíbrio entre as concentrações plasmáticas e no local
efetor. Neste modo de administração, a concentração plasmática é mantida sempre
acima da concentração no local efetor. Quando há necessidade de diminuir a concen-
tração plasmática, a bomba interrompe a infusão para que a concentração plasmática
diminua e isto faça com que a concentração do local efetor também decline. Neste
momento a concentração do local efetor poderá ficar maior que a do plasma. Quando
o modo efetor é utilizado para controlar a infusão algumas diferenças são estabe-
lecidas na forma de infusão e precisam ser bem compreendidas. A diferença maior
ente os modelos farmacológicos para infusão alvo controlada com controle pelo local
efetor é a forma como o modelo administra a magnitude de aumento da concentração
plasmática para encontrar a concentração desejada no local efetor. Ou seja, é como
raciocinar em contrário senso! Quando regulo o plasma, a bomba leva a concentração
do plasma até o valor estabelecido e o anestesiologista aguarda o tempo de equilíbrio
entre esta e o local efetor. Quando o anestesiologista regula a concentração no local
efetor desejada, a bomba administra e controla de forma autônoma qual a concentra-
ção plasmática deverá ser gerada para alcançar o local efetor que o anestesiologista
regulou. Cada modelo faz isto de forma diferente e o bolus inicial, a forma de infusão
subsequente e a concentração plasmática gerada a partir da determinação de cada
uma das variáveis farmacocinéticas descritas pelo modelo é que vão determinar o
“overshoot” inicial e subsequentes de cada modelo. Se o alvo no local efetor é diminu-
ído o sistema interrompe a infusão até que a concentração plasmática diminua. Neste
momento, a concentração no plasma poderá ser menor que no local efetor;

67
Assim, os sistemas de infusão alvo controlados incorporam modelos farmacoci-
néticos de infusão que podem determinar aumentos e diminuições, ou seja, respostas
mais rápidas ou mais lentas, de acordo com a magnitude de alterações das concentra-
ções plasmáticas cada vez que o anestesiologista regula um novo alvo no local efetor.
Quando uma bomba de infusão está equipada com um modelo que altera a concentra-
ção no local efetor de forma mais rápida, seja para cima ou para baixo, significa dizer
que a magnitude de alteração das concentrações plasmáticas gerenciadas pela bomba
será maior tanto para cima quanto para baixo. Na prática, quando o anestesiologista
aumenta o alvo da concentração no local efetor em um sistema dotado de um modelo
de alterações mais rápidas, a concentração plasmática gerada pela bomba será maior.
Estas alterações da forma de infusão e a maneira como o sistema calcula o overshoot
ou sobredose a ser administrada, a fim de alcançar a concentração no local efetor mais
rapidamente ou mais lentamente, dependem do Ke0. Se um Ke0 lento ou menor é utili-
zado, há necessidade de aumentar a sobredose ou overshoot do pico de concentração
plasmática, necessária para criar um gradiente de concentração entre local efetor e
plasma, suficientes para o alvo no local efetor desejado e regulado pelo anestesiologis-
ta. Quando uma infusão de propofol, utilizando o modelo de Marsh é realizada com Ke0
de 0,26, o pico de concentração plasmática é maior quando comparado ao Ke0 de 1,2.
Da mesma forma, o equilíbrio entre concentração plasmática e local de efeito ocorre
mais lentamente quando o Ke0 é menor ou mais lento(0,26).
Anestesia Venosa Total

Diferenças entre os modelos de Marsh e Schnider

Estes modelos têm sido incorporados em diversos equipamentos de infusão e


é de extrema importância o conhecimento a respeito deles uma vez que quando são
utilizadas modalidades de infusão alvo controlada na forma local efetor para uso de
propofol, as taxas de infusões de ambos serão completamente diferentes. O modelo
de MARSH tradicionalmente utilizado no Diprifusor® tem um Ke0 de 0,26min. o que
foi adicionado ao sistema nas gerações que foram sendo lançadas posteriormente ao
lançamento para que fosse possível a visualização da concentração no local efetor de
propofol. Mais tarde Struys e col publicaram que um Ke0 de 1,2min. utilizado com o
modelo de Marsh seria mais correto pois havia mais correlação com o BIS, ao invés de
utilizar um Ke0 de 0,26min. . Assim, hoje o Ke0 de 1,2 foi mantido nos sistemas que
utilizam o modelo de Marsh, com tempo de pico de efeito em torno de 1,6minutos. É
o chamado modelo de Marsh modificado. Esta combinação de modelo de Marsh com
Ke0 de 1,2min é utilizada na Base Primea. Isto dá a este sistema de infusão uma
possibilidade de alterar as concentrações plasmáticas de forma mais suave quando o
modo local efetor é utilizado. O modelo Schnider foi desenvolvido a partir de 24 volun-
tários e utiliza co-variáveis tais como peso corporal total, idade, altura e massa magra
no cálculo da infusão. Assim, o sistema altera parâmetros do modelo à medida que os
dados são informados à bomba de infusão. Após um bolus inicial, que será igual para
qualquer idade, peso ou altura de pacientes distintos, as taxas de infusão subsequen-
tes e de manutenção serão dependentes da idade do paciente. Neste modelo, a taxa
de eliminação é influenciada pelo cálculo do indice de massa corporal e não pela idade.

68
O modelo de Schnider incorpora um Ke0 de 0,456min e foi desenvolvido a partir de
uma combinação de modelos de farmacocinética e farmacodinâmica, a fim de melhorar
a correlação clinica entre uma infusão e o seu efeito. Assim, o pico de efeito também
é capaz de ocorrer em 1,69min. Compartimentos V1 e V3, no modelo de Schnider
são fixos, enquanto o tamanho de V2 é influenciado e muda de acordo com a idade.
Assim, o modelo de Schnider diminui o volume do segundo compartimento à medida
que a idade do paciente avança. Isto significa que o modelo de Schnider determina a
mesma dose em bolus inicial para todos os pacientes, independente da idade, peso e
altura. Mas a taxa de declínio da infusão de manutenção será determinada pela idade
do paciente e será menor quanto maior a idade do paciente, uma vez que o volume de
distribuição com segundo compartimento é alterado de acordo com a informação que
o sistema recebe da idade do paciente. A diferença é que o modelo de Marsh muda
a dose do bolus inicial de acordo com o peso, ou seja, quanto maior o peso, maior a
dose em bolus inicial. Isto não ocorre com o modelo de Schnider. Ainda, no modelo de
Schnider há um ajuste do K10, que é uma variável de eliminação do fármaco e que é
determinado pelo peso corporal total, altura e índice de massa magra, mas não pela
idade. Isto faz com que o sistema que inorpora o modelo de Schnider possa compensar

Modelos Farmacocinéticos – Avaliação Crítica


a infusão de manutenção de acordo com a taxa de eliminação dos pacientes. Assim, as
doses iniciais geradas e administradas pelo modelo de Marsh serão sempre superiores
às administradas pelo modelo de Schnider. Fica claro, também, que o modo de infusão
pelo local efetor, ao invês do plasma, é melhor utilizado no modelo Schnider, enquanto
o modo plasma controlado é melhor utilizado no modelo Marsh.

Métodos de estimativa de Ke0

O curso de tempo que estima a concentração no local efetor pode ser calculado
a partir de um efeito clínico mensurável. Estudos que correlacionam a concentração
plasmática e no local efetor com um efeito clínico podem ser realizados em uma po-
pulação após a administração de um bolus, de uma infusão contínua ou de ambos.
O resultado disto é a criação de um modelo que combina aspectos farmacocinéticos
e farmacodinâmicos. Quando dados farmacocinéticos e farmacodinâmicos não estão
disponíveis utiliza-se um modelo independente de parâmetros chamado “Tempo para o
pico de efeito” (TTPE) que é utilizado com a função de estimar um Ke0 para um grupo de
pacientes em um modelo farmacológico. Após qualquer dose em bolus de um fármaco,
o efeito clínico máximo ocorrerá quando a concentração no local efetor for máxima. O
efeito será máximo quando a concentração no local efetor cruzar o ponto máximo da
queda de concentração no plasma. Quando o modelo de tempo para o pico de efeito é
utilizado, existe a determinação de vários Ke0 para cada estimativa da concentração no
sítio de efeito. Quando o Ke0 estimado é menor, há uma menor concentração no local
efetor e o pico máximo de ação ocorre em tempo mais longo, comparativamente quando
o Ke0 observado é maior. A desvantagem de um sistema que utiliza este método de
estimativa do Ke0 é que o mesmo depende da observação do efeito máximo para a sua
determinação. Quando o Ke0 de 0,27 min é utilizado, o efeito máximo ocorre quando a
concentração no local efetor se iguala à plasmática, no cruzamento entre ambas, que
ocorre em torno de 0,6mcg.ml e em 90 segundos. Quando o efeito máximo ocorre com

69
Ke0 de 0,38seg, há a geração de uma concentração plasmática e no local efetor em
torno de 0,5mcg.ml e em 100 seg. Já quando o Ke0 gerado a partir da observação do
efeito máximo é de 0,47min, a concentração plasmática e no local efetor se igualam
quando as mesmas são de 0,4mcg.ml e com 120segundos. Ou seja, Ke0 menor gera
concentração máxima para o pico de efeito menor e em um tempo mais longo. Ke0
maior gera concentrações plasmático e no local efetor maiores e mais rapidamente para
gerar o efeito máximo observado.
Desta forma, a Asena PK utiliza um modelo de infusão onde o tempo para o
alcance do pico de concentração máxima é fixo, gerando um único Ke0 para cada
paciente. A Base Primea, por outro lado, utiliza um Ke0 fixo (0,456min), o que resul-
ta em um tempo diferente para cada paciente para que ocorra o alcance do pico da
concentração.

Cálculo da dose em bolus quando o modo TCI é utilizado e um novo


alvo é escolhido

A fórmula que segue é utilizada pelas bombas de infusão para alterar o alvo,
quando este é regulado pelo anestesiologista.
Dose em bolus(mg) = (Cp do novo alvo - Cp alvo antigo) x V1 / concentração fár-
maco na seringa
Anestesia Venosa Total

Onde, Cp=concentração plasmática e V1=volume do compartimento 1

Desta forma, a dose do bolus inicial é proporcional ao volume do comparti-


mento 1. No modelo de Marsh, V1 varia de acordo com o peso do paciente e é de
15,9 litros para um paciente de 70kg. O modelo de Schnider descreve um V1 fixo
de 4,27 litros independente do peso do paciente. O resultado disto é que quando
um novo alvo plasmático é escolhido utilizando-se o modelo Schnider no modo de
regulagem da infusão pelo plasma, a dose será sempre a mesma para todos os
pacientes. Quando o modelo Schnider é utilizado no modo de regulagem de um alvo
através do local efetor, o sistema implementa uma sobredose de fármaco cada vez
que o alvo é aumentado. Este aumento ou esta sobredose (overshoot) é calculado
de acordo com a idade, o peso e a altura do paciente e pode chegar até a 300%.
Por esta razão, quando utiliza-se o modelo Schnider, o melhor é utilizá-lo no modo
de controle pelo local efetor.
O modelo de Marsh, que possui um Ke0 de 0,26min (menor que Schinder), quan-
do utilizado no modo de controle pelo local efetor, causa uma sobredose menor que o
modelo de Schnider e em torno de 150%. Por outro lado, o grande V1 de Marsh, em
comparação ao modelo Schnider, causa um bolus inicial bem maior quando a indução
é feita com um alvo inicial de, por exemplo, 4mcg.ml em ambos os modelos. Em um
paciente de 70kg, o bolus inicial no modelo Marsh será de 172mg, enquanto que no
modelo Schnider será de 77mg.
A Base Primea ainda permite que seja utilizado o modelo Marsh com um Ke0
mais rápido e na ordem de 1,2min, o que resulta na formação de um overshoot menor
ou em menores sobredoses a cada alteração do alvo. Se o modelo de Marsh for utili-

70
zado no modo de controle pelo local efetor na Base Primea, para alcançar 4mcg.ml, o
sistema irá administrar 98mg para um homem de 70kg, 40 anos e 170cm9.

Referências

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Bras Anestesiol, 2008;58:179-192.
2. Glen JB, Servin F - Evaluation of the predictive performance of four pharmacokinetic models for propo-
fol. Br J Anaesth, 2009;102:626-632.
3. Nora FS, Simoni R - Remifentanil versus sufentanil em infusão contínua em intervenções cirúrgicas
videolaparoscópicas. Estudo comparativo. Rev Bras Anestesiol, 2009;59:127-128.
4. Servin F, Calazaa JB, Levron JC - Propofol, sufentanil and remifentanil in TCI. Bibliographical study of
anesthetic agents used in the Base Primea. Brezins, Fresenius Vial, 2003.
5. Glass PSA, Shafer SL, Reves JG – Intravenous Drug Delivery Systems, em: Miller RD – Anesthesia, 5th
Ed, Philadelphia, Churchil Livingstone, 2000;377-411.
6. Varvel JR, Donoho DL, Shafer SL - Measuring the predictive performance of computer-controlled infu-
sion pumps. J Pharmacokinet Biopharm, 1992;20: 63-94.
7. Minto CF, Schnider TW, Shafer SL - Pharmacokinetics and pharmacodynamics of remifentanil. II. Model
application. Anesthesiology, 1997;86:24-33.
8. Schnider TW, Minto CF, Shafer SL et al. - The influence of age on propofol pharmacodynamics. Anes-
thesiology, 1999;90:1502-1516.

Modelos Farmacocinéticos – Avaliação Crítica


9. Absalom AR, Mani V, De Smet T et al. Pharmacokinetic models for propofol-defining and iluminating
the devil inthe detail Br J Anaesth 2009;103:26-37.

71
Capítulo 6

Interação Propofol e Opióides


Gustavo Nadal Uliana

Na rotina médica atual, terapêuticas baseadas na associação de fármacos são


comuns. O tratamento das doenças coronarianas, hipertensão arterial sistêmica, dia-
betes mellitus, doenças pulmonares, entre outras, comumente baseia-se na associação
de fármacos com ações farmacocinéticas diferentes e efeito farmacodinâmico sinérgi-
co. Entendendo um pouco mais sobre estas interações, busca-se dar substrato para
otimizar o resultado anestésico final, através do aumento da eficácia, segurança e con-
forto ao paciente. Em nenhuma especialidade, como na anestesiologia, a manipulação
e associação de medicamentos é tão comum. As interações entre fármacos são a base
da prática anestésica, sendo que na anestesia venosa a compartimentalização entre
hipnose, imobilidade, analgesia e bloqueio da resposta adrenérgica torna este padrão
ainda mais evidente.
Altas doses de um fármaco administrado isoladamente apresentam pequena al-
teração do seu efeito clínico e aumento gradativo dos efeitos colaterais. O propofol
administrado em altas doses propicia concentrações plasmática e cerebral suficientes
para grandes estímulos, como manobras de laringoscopia e intubação traqueal, mas

Interação Propofol e Opióides


com repercussões altamente deletérias ao paciente.1 Os opióides, por sua vez, são
potentes fármacos analgésicos e importantes no bloqueio da resposta simpática, pro-
movendo imobilidade no paciente cirúrgico. Entretanto, mesmo em altas doses dificil-
mente possuem propriedades hipnóticas suficientes para uma anestesia cirúrgica1,2,
sendo que os principais relatos de consciência são decorrentes do uso de baixas doses
de anestésicos ou técnicas baseadas em opióides em pacientes críticos, como politrau-
matizados, pacientes com instabilidade hemodinâmica, pacientes de cirurgia cardíaca
e gestantes. Buscando justamente esta compartimentalização e potencialização dos
efeitos decorrentes da interação entre propofol e opióides é que associamos estes
fármacos.
Cientificamente e clinicamente comprovado, os anestésicos endovenosos, como
hipnóticos, opióides e benzodiazepínicos, combinam-se sinergicamente durante o ato
anestésico.3 Entretanto, uma grande variabilidade individual farmacocinética e farmaco-
dinâmica, e mesmo as interações farmacocinéticas e farmacodinâmicas entre drogas
co-administradas, impedem a adoção de um único regime para todos os pacientes. A
dose que é excessiva a um determinado paciente pode ser inadequada a outro.

• Classificando interação entre drogas

A interação entre dois ou mais fármacos pode revelar seus mecanismos de ação.
Vários estudos publicados destacam esta interação e efeitos clínicos dos fár-
macos anestésicos, como hipnose, imobilidade e analgesia. Hendrickx e col., em sua
revisão sobre a interação entre anestésicos, classificaram a interação produzida entre
duas drogas anestésicas como sinérgica, aditiva, infra-aditiva, sucessivamente, quando
o seu efeito combinado excede, iguala ou é menor que a soma dos efeitos das drogas

73
individualmente (Figura 1).4 Interações de fármacos que agem em um mesmo sítio de
ação habitualmente produzem um efeito aditivo. Os efeitos sinérgicos são decorrentes
de mecanismos e sítios de ação diferentes. Aproveitando-se destes conceitos, esta
interação nos permite o uso de doses menores de cada droga, potencializando seus
efeitos anestésicos e diminuindo seus efeitos colaterais. Isto nos proporciona uma re-
dução de custos e um aumento na segurança e conforto ao paciente.
Anestesia Venosa Total

Figura 1. Isóboles demonstrando efeito aditivo (vermelho), efeito sinérgico (azul) e efeito infra-aditivo (verde).
D1 e D2 são doses isoefetivas de duas drogas administradas isoladamente. E a administração destas duas
drogas em combinação de doses (d1 e d2) para atingir o mesmo efeito.

Para avaliarmos a atuação de um fármaco no organismo, nos baseamos em


modelos farmacocinéticos e farmacodinâmicos, com objetivo de irmos além de
uma simples avaliação dose-resposta. Os métodos experimentais mais primitivos
caracterizavam o comportamento de uma droga medindo em termos qualitativos,
a resposta do paciente após uma dose da droga. Atualmente separa-se o compor-
tamento de uma droga em componentes farmacocinéticos e farmacodinâmicos e
uma descrição quantitativa de cada um. Baseado nestes componentes torna-se
mais fácil o ajuste de uma taxa de infusão precisa e individualizada. O componente
farmacocinético descreve a relação entre a dose da droga administrada e a sua
concentração no organismo em função do tempo, envolvendo os fenômenos de
absorção, distribuição, metabolismo e eliminação do fármaco. Já o componente
farmacodinâmico descreve uma relação entre a concentração da droga no seu sítio
de ação e os seus conseqüentes efeitos clínicos. Devemos ter em mente que a
maioria dos fármacos não age no sangue e, com a utilização de modelos farmaco-
cinéticos adequados para aquele paciente, poderemos estimar sua concentração
no sítio de efeito.

74
• Interações farmacocinéticas entre propofol e opióides

Interações farmacocinéticas ocorrem quando a presença de um fármaco causa


uma alteração na farmacocinética de outro agente, geralmente levando a um aumento
de concentração e redução do seu clearence. Os mecanismos propostos para que es-
tas interações ocorram incluem a competição entre o propofol e os opióides por sítios
de ligação pulmonar, inibição pelo propofol do citocromo P450, e alterações hemodi-
nâmicas causadas pelo propofol. Concentrações mais altas de propofol alteram seu
próprio metabolismo por mudanças sobre o débito cardíaco5 e fluxo sanguíneo hepático.
Postula-se que o fentanil e sufentanil, por apresentarem taxa de extração mais eleva-
da, sofrem maior influência no seu clearence por mudanças na perfusão hepática.6
Algumas situações clínicas, como a hipotermia e hipoxemia, também podem alterar a
farmacocinética das drogas. Leslie e col. encontraram durante hipotermia moderada
(34ºC), concentrações sanguíneas de propofol 28% maiores em média, comparadas à
normotermia.7 Da mesma forma, a hipoxemia em coelhos induziu redução no débito
cardíaco e fluxo sanguíneo hepático total, resultando em acumulo de propofol no san-
gue e uma redução no seu clearence.8
Quando combinações de fármacos são utilizadas, as suas concentrações são
ligeiramente maiores que o esperado – da ordem de 15 a 40% maiores.9 Estas altera-
ções farmacocinéticas habitualmente são imperceptíveis. O que delineia uma redução

Interação Propofol e Opióides


das doses de infusão e concentração alvo são os parâmetros farmacodinâmicos que
monitoramos através de sinais clínicos e/ou de uma monitorização instrumentada.
Em seu estudo Pavlin e col. encontraram um aumento de 19-29% na concentra-
ção de propofol quando se associou alfentanil na concentração alvo de 40ng.mL-1 em
relação aos indivíduos que receberam a infusão de propofol isoladamente.10 Neste mes-
mo estudo, as concentrações de alfentanil também foram significativamente maiores
quando ele foi infundido juntamente com propofol, do que quando foi infundido sozinho.
Gepts e col. também encontraram concentrações plasmáticas maiores de alfentanil na
presença de propofol do que na sua ausência.11
Mertens e col. estudaram a farmacocinética do propofol em voluntários mascu-
linos e encontraram redução significativa no clearence de eliminação e no clearence
intercompartimental do alfentanil na presença de propofol, chegando a até 68% no
clearence de distribuição rápido.6 O mesmo grupo, estudando a influência do alfentanil
na farmacocinética do propofol, encontrou que o alfentanil diminuiu o clearence de eli-
minação do propofol, o clearence de distribuição, e o volume de distribuição periférico.12
Bouillon e col. demonstraram que a co-administração de propofol com remifenta-
nil causa redução de 41% no volume do compartimento central e clearence de redistri-
buição, e uma diminuição de 15% no clearence de eliminação do remifentanil.13 Remi-
fentanil aparentemente não alterou a farmacocinética do propofol. Já Ludbrook e Upton
sugeriram que o remifentanil pode reduzir o débito cardíaco e aumentar a concentração
de propofol arterial e no sítio de efeito.14
Pandin e col. comprovaram a acurácia de modelos farmacocinéticos propostos
para uma co-administração de propofol/sufentanil em infusão alvo-controlada por perío-
do prolongado (média de 762min) em cirurgias cervicofaciais.15 Este estudo corrobora
o proposto por Shafer16 e por Björkman17 que demonstraram não existir uma interferên-

75
cia substancial na farmacocinética do propofol e dos opióides quando o débito cardíaco
foi mantido em valores fisiológicos.

• Interações farmacodinâmicas entre propofol e opióides

Na verdade, quando se avalia a potência anestésica de um anestésico venoso, nós a


definimos em termos de concentração plasmática necessária para prevenir resposta em 50%
(Cp50) e 95% (Cp95) dos pacientes para incisão da pele, sendo este índice um guia para as
concentrações terapêuticas. As interações farmacodinâmicas resultam da combinação de
agentes anestésicos, causando efeitos clínicos mais exacerbados do que o esperado nas
mesmas concentrações, caso o fármaco fosse administrado isoladamente (Quadro I).

Quadro I. Efeitos do sinergismo propofol-opióide.


FARMACOCINÉTICOS FARMACODINÂMICOS
Aumento da concentração plasmática do Redução da resposta a estímulos como
fármaco laringoscopia e intubação
Redução do clearence intercompartimental Retorno mais rápido da consciência
Redução do clearence de eliminação Aumento da depressão ventilatória
Anestesia Venosa Total

Certas interações farmacodinâmicas com a associação do propofol com opióides,


que produzem a redução da Cp50 de propofol, para prevenir movimento em resposta
ao estímulo cirúrgico ou intubação traqueal são bem estabelecidas.18,19 Assim como a
depressão ventilatória e a perda de consciência.20
Struys e col. relataram que a Cp50 para prevenir resposta a estímulo nóxico foi 4,1mg.
mL-1 quando propofol foi usado isoladamente, 1,8mg.mL-1 quando associou-se remifentanil
2ng.mL-1 e apenas 1,7mg.mL-1 quando remifentanil na concentração de 4ng.mL-1 foi adminis-
trado.21 Esta interação farmacodinâmica sinérgica entre hipnóticos e remifentanil também foi
relatada por outros autores.22,23 Da mesma forma, Boillon e col. comprovaram o sinergismo
entre propofol e remifentanil durante a intubação.1 Quando combinados, propofol e remifen-
tanil, apresentaram efeito sinérgico sobre a ventilação, resultando em importante depressão
respiratória.24,25 Este fato é irrelevante durante uma anestesia com relaxamento muscular,
mas durante o período de recuperação isto torna-se um sério efeito colateral. Entretanto,
utilizando-se o efeito sinérgico do propofol e remifentanil, consegue-se uma boa qualidade
anestésica e com retorno mais rápido da consciência.23 Estudos determinam que os opióides
são ótimos analgésicos, reduzindo significativamente a concentração de propofol necessária
para bloqueio ao estímulo nóxico. Por outro lado eles têm pequeno efeito na perda e retorno
da consciência.26 Tentativas para se verificar a dose necessária de remifentanil em associa-
ção com propofol, sem bloqueio neuromuscular, necessária para atenuar a resposta à tosse
durante intubação traqueal, insuflação do cuff e aspiração traqueal, encontraram boas condi-
ções de intubação e ausência de tosse cerca de 75% do tempo, nas doses estudadas de 5,
10 e 15ng.mL-1 de remifentanil associado a dose de 3,5mg.mL-1 de propofol.27
Os estudos de Vyuk e col. sobre a interação entre propofol e opióides são bem
conhecidos. Utilizando-se propofol e alfentanil em doses variadas, os autores consegui-

76
ram observar a influencia do propofol nas doses de alfentanil na prevenção da resposta
ao estímulo nóxico28 e a influencia do alfentanil sobre doses ajustadas de propofol para
determinar as concentrações de propofol associadas com retorno da consciência, re-
dução de 10% na pressão arterial e freqüência cardíaca.29 Pavlin e col. relataram uma
redução de 46% (6.1 para 3.3µg.mL-1) na Cp50 de propofol com a co-administração de
alfentanil na presença de óxido nitroso.30
O grupo de Vuyk, utilizando simulações de computador, extrapolou os dados do seu
estudo da interação propofol/alfentanil para os outros opióides, sendo capazes de publicar
as combinações ótimas entre propofol e os outros opióides, não prevenindo apenas a res-
posta ao estímulo nóxico em 50% e 95% dos pacientes, mas também resultando em uma
recuperação mais rápida da anestesia.31 Estudos clínicos como o de Hentgen e col., também
buscando determinar a concentração ótima de propofol e sufentanil, para estabilidade hemo-
dinâmica, hipnose adequada e tempo de recuperação, também estão presentes na literatura,
comprovando-se que a concentração alvo de propofol necessária durante a cirurgia diminuiu
significativamente com o aumento da concentração de sufentanil.32 Da mesma forma, o fenta-
nil, um dos opióides mais utilizados na prática anestésica na concentração plasmática de 1ng.
mL-1, reduz a concentração de propofol necessária para bloqueio da resposta à laringoscopia,
intubação e incisão na pele em cerca de 31-34%. Concentrações de 3ng.mL-1 reduzem as
concentrações necessárias para os mesmos efeitos em 50 a 55%.18 Kazama e col. relataram

Interação Propofol e Opióides


uma redução de 44% na concentração plasmática de propofol na qual 50% dos pacientes não
respondiam à incisão da pele com a co-administração de fentanil.33
As interações farmacodinâmicas são tipicamente descritas usando modelos mate-
máticos. O modelo básico é aquele de uma isóbole. Isóboles são curvas de iso-efeito,
curvas que mostram as combinações de doses que resultem em um efeito similar.34 Assim,
o nosso objetivo consiste em encontrar o ponto ótimo desta interação entre os fármacos.
Isto pode ser conseguido com uma série de cálculos matemáticos complexos.3 Esta relação
dose-resposta entre os fármacos apresenta um efeito não linear, ou seja, mesmo altas con-
centrações de opióide não elimina completamente a necessidade de propofol para manter
uma adequada anestesia. Na verdade, esta associação de dois fármacos funciona como se
criássemos um fármaco novo, que da mesma forma apresenta uma curva dose resposta
sigmoidal (Figura 2).35 Altas doses do fármaco A com altas doses do fármaco B passam a
apresentar uma diminuição do seu efeito sinérgico e aumento de efeitos colaterais .

Figura 2. Os fármacos associados apresentam curva dose x resposta sigmoidal, como se fossem um novo
fármaco.

77
O response surface model busca simular as concentrações-alvo de cada um dos
fármacos, necessárias para produzir uma resposta clínica adequada (Figura 3).

Figura 3. Response surface model demonstrando a interação entre dois fármacos e as concentrações plas-
máticas efetivas (Cp25, Cp50, Cp75, Cp95).
Anestesia Venosa Total

Com este método faz-se um paralelo entre as mudanças de dose dos fármacos
e suas curvas de resposta, permitindo uma caracterização completa das interações far-
macodinâmicas. Utilizando-se a morfologia destas curvas de interação, podemos definir
se o efeito é sinérgico, aditivo ou infra-aditivo (Figura 1). Fidler e col. notaram que o nível
de interação é relativa entre o propofol e o remifentanil, sendo menor para sedação do
que para inibir a resposta à laringoscopia, e propuseram um modelo de interação flexível
entre fármacos para seus efeitos farmacodinâmicos.36 Este modelo nos permite pensar
que as combinações de doses podem ser feitas de forma assimétrica entre dois ou
mais fármacos, e desta forma fica demonstrado como pode variar desde uma interação
máxima até ausência de interação.
A monitorização instrumentada da profundidade anestésica, utilizando-se o índice
bispectral (BIS), tem sido cada vez mais utilizada. O efeito dos opióides associados ao
propofol sobre este índice ainda não foi definitivamente estabelecido. Estudo avaliando
a influência do fentanil, alfentanil, remifentanil e sufentanil em concentrações analgé-
sicas sob infusão alvo-controlada sobre o BIS, monitorando concentração no sítio de
efeito do propofol e valores do BIS, concluiu que a relação entre a concentração de
propofol no sítio de efeito e BIS foi preservada com ou sem opióides. Na presença de
um opióide, o momento de perda da consciência ocorreu com uma menor concentração
de propofol no sítio de efeito e um maior BIS50 (valor associado com 50% de probabili-
dade de perda de consciência), comparado com placebo.20 Embora clinicamente o efeito
hipnótico do propofol seja aumentado por concentrações analgésicas de opióides m-ago-
nistas, o BIS não mostrou este aumento de efeito hipnótico.20,21,32 Existem possíveis ra-
zões para o BIS não revelar a interação entre propofol e opióides, como a probabilidade
de que estruturas não corticais, indetectáveis pelo EEG, como o lócus cerúleos, estejam
envolvidas no mecanismo de efeito da droga.37

78
Em seu estudo, Nieuwenhuijs e col. verificaram que o índice bispectral é sensível
ao propofol, mas não ao remifentanil, mesmo quando estes agentes são combinados.24
Estão ainda em desenvolvimento métodos de aferição que integrem a potência de um
hipnótico e um opióide, para suprimir de modo sinérgico e compartimentalizado a res-
posta ao estímulo nóxico, o que pode reduzir o consumo de opióides, com consequente
maior estabilidade hemodinâmica e menor incidência de efeitos adversos.38,39

• Efeitos farmacodinâmicos diferentes = Cp50 diferentes

O conceito de concentração plasmática necessária para atingir determinado efei-


to em 50% dos pacientes (Cp50) tem sido estendido e apresenta valores diferenciados
para se atingir determinados efeitos clínicos, como perda de consciência, despertar,
respostas hemodinâmicas, tolerância à laringoscopia, intubação e retorno à ventilação
espontânea. Alguns estudos como o de Iwakiri e col., em laparotomia ginecológica, es-
tabelecem que, com concentrações diferentes de opióides, neste estudo o fentanil, os
efeitos farmacodinâmicos foram distintos, sendo que baixas concentrações resultaram
em analgesia pós-operatória insuficiente, de aparecimento precoce, e concentrações
mais elevadas resultaram em bradicardia e depressão ventilatória mais prolongadas.26
Albertin e col. encontraram Cp50 diferentes de remifentanil para manobras de intuba-

Interação Propofol e Opióides


ção traqueal e incisão da pele.40

• Escolha de fármacos

Ao pensarmos nas características ideais do fármaco para infusão, e para que


tenhamos efeitos farmacodinâmicos rápidos, como início precoce de hipnose, controle
rápido de respostas autonômicas às mudanças de estímulo cirúrgico e despertar preco-
ce, precisamos de algumas características farmacocinéticas favoráveis:
• Ligação rápida ao sítio de efeito gT½Ke0 baixo
• Acúmulo reduzido no organismo g baixo volume de distribuição no terceiro
compartimento
• Eliminação rápida g clearence alto

Estes são fatores de extrema importância na seleção dos fármacos a serem


utilizados para determinados fins. Os anestésicos que possuem estas características
apresentam uma previsibilidade maior de seus efeitos farmacodinâmicos, o que con-
cede uma margem de segurança maior ao anestesiologista, evitando, por exemplo, um
despertar prolongado ou uma depressão respiratória tardia. Devemos buscar a combi-
nação ótima, baseada no sinergismo máximo, ou seja, as menores doses de cada uma
das drogas e efeitos colaterais mínimos de cada, com menor tempo de recuperação,
além de menor custo.
Entretanto, as realidades locais e institucionais, da mesma forma que os parâmetros clí-
nicos, como idade do paciente, estado físico e composição corporal (obesidade), trazem grande
influência sobre a seleção de fármacos. Em procedimentos ambulatoriais muito curtos como
exames endoscópicos ou na punção lombar em pacientes pediátricos41, a associação de remi-
fentanil e propofol permite recuperação extremamente rápida com efeitos farmacodinâmicos

79
de curta duração. Porém pacientes submetidos a procedimentos ambulatoriais devem ser ana-
lisados de uma forma distinta de pacientes sob sedação prolongada em UTI. Por exemplo, pa-
cientes que permanecerão em intubação traqueal prolongada, objetivando-se uma emergência
progressiva da anestesia, e um nível de analgesia significativa de longa duração, teriam no fen-
tanil uma boa escolha, inclusive com custo mais baixo. Para procedimentos de curta duração, a
meia vida contexto dependente do alfentanil, sufentanil e fentanil são muito próximas, não tendo
diferença substancial na redução em 50% da sua concentração plasmática.
A seleção racional das doses apropriadas de propofol-opióide é em grande parte
dependente da farmacocinética do opióide. Porque o fentanil e seus congêneres po-
dem ser vistos como farmacodinamicamente similares em muitos aspectos, mas com
importantes diferenças farmacocinéticas, sendo o tempo de retorno à consciência de-
pendente, predominantemente, do opióide escolhido e da duração da infusão. Devemos
lembrar que nem sempre uma redução de 50% da concentração plasmática (meia vida
contexto-dependente) é o suficiente para determinado efeito clínico, como retorno à ven-
tilação espontânea. Então, fármacos como o sufentanil nos dão uma margem de erro
menor do que o remifentanil por exemplo, podendo causar um despertar prolongado
associado a uma maior depressão da ventilação.32
Na administração de opióides de mais longa duração (fentanil, sufentanil e alfen-
tanil), é prudente utilizar menor concentração alvo de opióide e maior concentração alvo
de propofol, o que poderíamos chamar de uma técnica hipnótica, porque a farmacoci-
Anestesia Venosa Total

nética do opióide é o fator limitante do processo de recuperação. Quando o efeito do


opióide é de curta duração (remifentanil), menor concentração alvo de propofol deve ser
utilizada, técnica baseada em opióide, porque o perfil farmacocinético do propofol é o
determinante primário do tempo de recuperação da consciência (Quadro II).

Quadro II. Diferenças entre técnicas anestésicas


HIPNÓTICA BASEADA EM OPIÓIDE
Maior concentração do componente hipnótico Maior concentração do opióide
Boa escolha para cirurgias prolongadas e/ou Boa escolha para cirurgias curtas
de pequeno estímulo e/ou de grande estímulo
Propofol é o fator limitante do despertar Farmacocinética do opióide é o
fator limitante do despertar
Pode usar opióides de mais longa duração em Remifentanil é o opióide de
baixas doses escolha
Diminui risco de consciência intra-operatória Melhor analgesia e bloqueio da
resposta adrenérgica
Reduz chance de despertar prolongado Maior estabilidade hemodinâmica
Reduz chance de depressão respiratória tardia Normalmente menor custo

A combinação de propofol e remifentanil está associada a tempo de despertar


mais previsível42, independentemente da duração de infusão, mesmo com possíveis
variações de concentração ótima para doses sub-ótimas.23

80
Mertens e col. ainda sugerem que, com a associação propofol/remifentanil em
cirurgias sem bloqueio neuromuscular significativo, pode-se utilizar concentrações alvo
de propofol relativamente mais baixas com concentrações relativamente altas de remi-
fentanil.
Tratando-se de cirurgias em que o bloqueio neuromuscular completo e um plano
anestésico mais profundo são necessários, advoga-se o uso de concentrações de pro-
pofol mais elevadas para reduzir o risco de consciência intra-operatória.23 A associação
de medicação pré-anestésica e monitorização do índice bispectral aumenta a margem
de segurança de uma boa hipnose.
Em resumo, a escolha racional da associação propofol-opióide, e de suas res-
pectivas dosagens e interações, passa pela avaliação completa de todas as variáveis,
como as condições clínicas do paciente, a natureza do procedimento e a realidade
macroeconômica da instituição, o que, certamente, contribuirá para a otimização do
resultado final do procedimento anestésico.

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82
Capítulo 7

Bloqueadores Neuromusculares Em
Anestesia Venosa Total
Maria Cristina Simões de Almeida

Os Bloqueadores Neuromusculares (BNM) ou simplesmente Relaxantes Muscu-


lares são substâncias que bloqueiam a transmissão neuromuscular (TNM), ocupando
principalmente os receptores nicotínicos musculares. Por mecanismos diversos eles im-
pedem que esses receptores modifiquem sua estrutura espacial, e como consequencia,
não há entrada de moléculas de sódio para o interior das células musculares, não ocor-
rendo a despolarização do sarcolema. Não havendo corrente na membrana das células
musculares, não ocorre estimulação dos receptores de sódio voltagem-dependentes,
que estão locados justapostos aos receptores nicotínicos musculares, com prejuízo na
entrada adicional de sódio, tão importante para a propagação da corrente até o sistema
de Golgi. A consequencia desses mecanismos em conjunto, é a ausência temporária da

Bloqueadores Neuromusculares em Anestesia Venosa Total


contração muscular1,2
Os BNM podem ser classificados de 3 modos: de acordo com a duração clínica,
com a estrutura química ou ainda conforme o seu mecanismo de ação (Tabela I).

Tabela I - Classificação dos BNM.


Duração Tempo BNM BNM Benzilisoquinolínicos Outros
clínica* (minutos) Esteroidais
Ultra-curta <12 Succinilcolina
Gantacurium
Curta 15-20 Mivacúrio
Intermediária 50-60 Vecurônio Atracúrio
Rocurônio Cistracúrio
Longa >50 Pancurônio Doxacúrio Galamina
Pipecurônio dTc Alcurônio
* tempo decorrido entre a injeção e recuperação de T1 em 25% apos 2x DE 95.
Adaptado de3

Dos conceitos estabelecidos sobre o mecanismo de ação dos relaxantes mus-


culares, o que de mais recente está publicado é um estudo com receptores nicotínicos
musculares clonados, onde os autores propõem uma nova explicação para os classica-
mente nominados “BNM adespolarizantes”. O mecanismo de ação para esses relaxan-
tes seria na verdade misto, isto é, adespolarizante ou despolarizante, na dependência
da quantidade de acetilcolina disponível na fenda sináptica 4.
Os BNM são drogas invariavelmente empregadas em associação com outros anes-
tésicos. Desta forma, observam-se, em maior ou menor grau, interações medicamento-
sas. As mais importantes são as ações sinérgicas ou aditivas com agentes inalatórios,
e com o sulfato de magnésio5-7, e mais recentemente se demonstrou em laboratório
com o etanol8. Embora “in vitro” se descreva a interação de anestésicos locais com

83
relaxantes9, autores não conseguiram demonstrar clinicamente uma potencialização do
cisatracúrio com lidocaína administrada em infusão continua10. Recentemente, no intui-
to de prolongar a acinesia para cirurgias de catarata, tem sido associadas pequenas
doses de BNM aos anestésicos locais em bloqueio retrobulbar11,12. No que tange ao su-
gammadex, testes em laboratório com cerca de 300 medicações usualmente prescritas
na clínica, só se mostrou significativa a interação com a flucloxacilina, o ácido fusídico
e o toramifeno, com capacidade de deslocamento da droga e com potencial dificuldade
de reversão13. Algumas interações medicamentosas figuram na tabela II.

Tabela II - Algumas interações medicamentosas com BNM adespolarizantes.

Potencialização do Referência Resistência ao relaxamento Referência


relaxamento
Succinilcolina 14 Anticonvulsivantes(uso crônico) 16
BNM adespolarizantes 15

Anestésicos voláteis 17 Esteróides 18


Sulfato de Magnésio 19
Anestésicos locais 6
Anestesia Venosa Total

Anestésicos venosos 20
Antibióticos 21
B Bloqueadores 22
Bloqueadores de canal 23,24
de cálcio

Além de suas ações nos músculos, estes fármacos também apresentam efeitos co-
laterais sistêmicos. Os mais graves estão relacionados à administração de succinilcolina, e
desses, pode-se citar a hipercalemia fatal na presença de algumas doenças neuromuscula-
res25,26. Igualmente importante é o desencadeamento de Hipertermia Maligna em pacientes
susceptíveis, e de recuperação prolongada no caso de alterações genéticas ou adquiridas da
colinesterase plasmática26,27. A succinilcolina tem um perfil único de rápida instalação e rápi-
da reversão, mas em decorrência dos efeitos indesejáveis, tem sua indicação basicamente
restrita às emergências médicas, como por exemplo no laringoespasmo, e no caso de pro-
cedimentos em pacientes com estômago cheio26. Alguns autores ainda a recomendam para
pacientes obesos mórbidos, na dose de 1mg.kg-1 calculado pelo peso real28.
Os efeitos cardiovasculares e pulmonares são praticamente insignificantes com
os BNM adespolarizantes mais recentes, mas quando observados, vê-se que são
devidos à liberação de histamina ou devidos aos efeitos vagais, registrados com os
compostos benzilisoquinolínicos e esteroidais respectivamente26,29,30. A liberação de
histamina está associada à injeção rápida e os efeitos vagais não guardam relação
com a velocidade da injeção, mas estão associados a doses elevadas dos relaxantes
esteroidais29,31-42.

84
As reações de hipersensibilidade são raras, e estatisticamente mais registra-
das com a succinilcolina e com o rocurônio, embora já tenham sido descritas com todos
os tipos de relaxantes, inclusive com o novo agente reversor, o sugammadex43-51. Pelas
características químicas das moléculas dos BNM, observa-se na maioria das vezes, a
reação de hipersensibilidade como resultado de uma reação cruzada com alimentos,
corantes ou com outros fármacos52. Recentemente foi publicado um interessante caso
de anafilaxia com rocurônio, cujos efeitos hemodinâmicos foram atenuados com a in-
jeção de sugammadex, colocando esta última droga como um possível adjuvante no
tratamento das reações anafiláticas com o rocurônio53.
Os BNM na Anestesia Venosa Total (TIVA) podem ser administrados basicamente
de 2 formas: em “bolus” e doses intermitentes, ou em infusão contínua. Para ambas
formas, se faz necessário ajustar as doses de acordo com a contração muscular regis-
trada no monitor da TNM. Para evitar a paralisia prolongada no período pós-operatório,
recomenda-se o uso da menor dose possível que promova o relaxamento adequado para
o tipo de cirurgia em questão3.

Bloqueadores Neuromusculares em Anestesia Venosa Total


Raramente se necessita um bloqueio neuromuscular muito profundo, e é considerado
um relaxamento adequado para cirurgias abdominais, quando T1 está em até 25%54, motivo
pelo qual se conceituou este grau de relaxamento como a “duração clínica” do relaxante.
Se a opção da manutenção do relaxamento for o uso de doses intermitentes de
BNM, recomenda-se administrar o relaxante somente quando houver algum sinal de
recuperação do bloqueio muscular, e a dose deve ser então, cerca de ¼ para BNM de
ação intermediária e de 1/10 para os de duração prolongada3.
A infusão continua é indicada com BNM adespolarizantes que apresentam pou-
co ou nenhum acúmulo, mais precisamente o atracúrio, o cisatracúrio, o mivacúrio, o
rocurônio e o vecurônio29,55,56. A exemplo do que se recomenda para uso de doses
intermitentes, a infusão continua deve ser iniciada após uma dose em “bolus”, somente
quando T1 mostrar algum sinal de recuperação3,56,57.
A succinilcolina não é indicada para infusão contínua, por induzir ao Bloqueio de
Fase II58.
As doses recomendadas para infusão contínua figuram na tabela III.

Tabela III - Doses de BNM para infusão contínua


BNM Dose (mg.kg-1.min-1)*
Mivacúrio 3-15
Atracúrio 4-12
Cisatracúrio 1-2
Rocurônio 9-12
Vecurônio 0,8-1
*doses requeridas para abolir 90-95% de T1 com TIVA.
Adaptado de3,30

Independente da forma de administração do BNM, o importante é que, no final do


procedimento, não haja bloqueio neuromuscular residual. Esta complicação traz riscos e

85
custos ao paciente e à instituição. Dentre as complicações pode-se salientar a diminui-
ção da resposta ventilatória à hipóxia e as alterações da deglutição nas fases precoces
da recuperação da anestesia59-63, assim como o aumento de infecções pulmonares no
período pós-operatório tardio64.
A monitorização subjetiva ou testes clínicos podem diminuir o risco do bloqueio
residual, mas não apresenta confiabilidade na detecção de graus pouco intensos de
curarização residual65,66. Assim, esse diagnóstico deve ser feito invariavelmente de for-
ma instrumentada com monitores da TNM que apresentem a forma de estimulação de
“train-of-four”(TOF)26,67,68.
Aceita-se hoje como recuperação da função neuromuscular, quando o valor de
TOF está 0,9 65,67,69. No entanto, mesmo com este grau de recuperação, alguns pa-
cientes ainda mostram sinais de comprometimento faríngeo ou da função respiratória
26,70-74
.
A reversão do relaxamento é obtida de duas formas: espontânea ou induzida.
Esta última pode ser obtida com os anticolinesterásicos, como a neostigmina, a piri-
dostigmina ou o edrofônio, ou se o relaxante for do grupo esteroidal, com o sugamma-
dex75,76. A dose do fármaco elegido para reversão, seja os anticolinesterásicos ou o
sugammadex, depende diretamente da profundidade do relaxamento69. Para neostig-
mina, a dose recomendada deve ser de até no máximo 60-80g.kg-1 e para o sugam-
madex de até 4mg.kg-1, embora doses mais elevadas já tenham sido empregadas77,78.
Anestesia Venosa Total

É preciso salientar que, graus profundos de relaxamento não devem ser revertidos
com neostigmina79. E é esta uma das grandes vantagens do sugammadex em relação
aos anticolinesterásicos convencionais, que inclusive pode mudar a “classificação” do
rocurônio como BNM de ação intermediária. Igualmente especula-se que, pela reversão
rápida do rocurônio mesmo em graus profundos de bloqueio, o binômio rocurônio e su-
gammadex possa substituir a succinilcolina em algumas situações80.
O sugammadex, uma variante da gama-ciclodextrina, forma um complexo na
relação de 1:1 com a molécula livre no plasma do rocurônio, e em menor grau com
a o vecurônio e pancurônio, revertendo o relaxamento de forma rápida, mesmo em
graus profundos de bloqueio neuromuscular75,77,81,82. Este complexo também engloba
outros componentes endógenos, como os glicocorticóides, hormônios sexuais e a
aldosterona, assim como a atropina, o verapamil, mas numa afinidade 700 vezes
menor do que aquela observada para as moléculas do rocurônio83. No que tange
às alterações sanguíneas após uso desse reversor, foram registrados aumentos da
glutamil-transferase e aspartato aminotransferase 84,85. Este complexo é eliminado
pelos rins86, mas na insuficiência renal, a forma de eliminação do complexo ainda não
está esclarecida69,87.
Efeitos colaterais têm sido registrados com os anticolinesterásicos, desde sia-
lorréia, até disrritimias cardíacas graves e parada cardíaca88,89. Com o sugammadex, os
efeitos colaterais até agora observados não mostram grande significação clínica.
O desenvolvimento do sugammadex é a maior inovação em anestesia dos últimos
anos, e os resultados apresentados são muito positivos77, mas a despeito dos excelen-
tes relatos, é preciso cautela, pois como bem citou J.M. Hunter, “…nós esperamos os
quase inevitáveis efeitos colaterais: não existe droga perfeita” 83.

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90
Capítulo 8

Fármacos Adjuvantes Em Anestesia


Venosa Total
Ricardo Almeida de Azevedo

Introdução

Adjuvante é todo composto ou medicamento que, ministrado com algum outro ou


adicionado a formula deste, reforça-lhe a ação1. Para que se possa fazer uma análise
mais detalhada sobre a função dos adjuvantes e em como eles a exercem é necessário
uma abordagem farmacodinâmica.
As principais ações farmacológicas dos fármacos utilizados na anestesia venosa
são o resultado de interações em receptores, sejam estes relacionados com o ácido
gama aminobutírico (GABA), nmetildaspartato (NMDA), opióides e alfa 2 adrenérgicos.
Estes têm a capacidade de reconhecer determinadas moléculas e com isso gerar uma
resposta celular2.

Fármacos Adjuvantes em Anestesia Venosa Total


Os receptores de canais iônicos e os acoplados à proteína G são os que direta-
mente atuam no mecanismo de ação dos anestésicos venosos. Como características
específicas de cada um, os receptores iônicos estão associados a respostas mais rápi-
das enquanto os associados à proteína G possuem respostas mais lentas3.
A anestesia envolve uma atuação em diversos receptores, mas principalmente os
que relacionam à ativação do GABA (inibitório) e inibição do glautamato (excitatório).
Em anestesia venosa podem ocorrer diferentes interações medicamentosas4:

• Fisicoquímicas: Dois fármacos quando misturados podem ser compatíveis ou


não.
• Farmacocinéticas: Quando há competição pelos sítios de ligação, podendo
alterar a disponibilidade, distribuição ou metabolismo.
• Farmacodinâmicas: Quando há modulação na sensibilidade do receptor, tor-
nando-o mais sensível a determinado composto.
• Fisiológicas: Quando fármacos que agem em receptores diferentes podem
produzir um mesmo efeito fisiológico.

Os adjuvantes podem ter ação sinérgica, quando multiplicam a potência e efi-


cácia de outro composto ou podem ter ação aditiva quando apenas adicionam efeitos
a outra substância administrada. Isto vai depender se o local de atuação envolve vias
similares, receptores diferentes ou localizados em regiões distintas do organismo5.
Os adjuvantes ainda podem ter atuação nos receptores agonistas, diminuindo
a possibilidade da ocorrência de dessensibilização (alteração na conformação) e
subssensibilização (decréscimo do número de sítios de ligação) que leva à tolerân-
cia6.
Apesar do papel principal exercido pelos receptores opióides na modulação da
dor, existem outros sistemas envolvidos como os serotonérgicos e adrenérgicos, onde
pode haver atuação dos compostos adjuvantes7.

91
Com relação ao propofol, os esquemas recomendados de infusão para se obter
condições satisfatórias de sedação e hipnose, variam se existem ou não complementa-
ção com óxido nitroso, benzodiazepínicos ou opióides. O uso combinado de midazolam
e propofol aproveita a vantagem da rápida recuperaão do hipnótico enquanto o benzo-
diazepínico reduz a recordação e ansiedade8.
O objetivo deste capítulo é mostrar as características de cada adjuvante e como
um pode ser utilizado para promover um melhor desempenho na técnica venosa de
anestesia.

Agentes alfa 2 adrenérgicos

Os Agonistas alfa 2 adrenérgicos possuem uma história de mais de três déca-


das em uso veterinário e posteriormente como descongestionante nasal e antihiperten-
sivo. Hoje, o interesse clínico por estes agentes expandiu-se com o conhecimento de
seus efeitos analgésicos, sedativos e hemodinâmicos que podem interferir na prática
da anestesia.
Após a classificação dos receptores adrenérgicos em alfa e beta, o conheci-
mento evoluiu bastante, sendo identificados os receptores alfa 1 e alfa 2 e este último
ainda sendo subdividido em alfa 2A, alfa 2B e alfa 2C. Estes subtipos são definidos
pela sua localização genética e neuronal, além da funcionalidade9. Todos os recepto-
Anestesia Venosa Total

res alfa 2 adrenérgicos, quando ativados, são capazes de inibir a adenilciclase. Outro
mecanismo efetor é o fluxo de potássio que pode hiperpolarizar a membrana excitável e
proporcionar supressão neuronal. Outra possibilidade de ação é a supressão da entrada
de cálcio inibindo, assim, a liberação de neurotransmissores10,11.
Parece provável que o subtipo alfa 2A medeie as propriedades anestésicas
e analgésicas; eles são encontrados principalmente no cérebro e medula e podem
provocar ações que incluem analgesia, sedação e efeitos hemodinâmicos, entre estes
bradicardia e hipotensão.
O receptor alfa 2B quando estimulado provoca vaso constricção, podendo levar
a hipertensão arterial.
O receptor alfa 2C está relacionado com a neurotransmissão dopaminérgica e
controle da temperatura.
Os compostos utilizados em anestesiologia são a clonidina e a dexmedetomidina.
A clonidina é um composto imidazólico, agonista parcial com uma relação de
aproximadamente 200:1 (alfa 2 – alfa 1). A absorção oral é rápida e quase completa.
A meia vida de eliminação é de 9 – 12 horas e 50% é metabolizada no fígado em me-
tabólitos inativos, sendo o restante excretado inalterado na urina. A dose de 0,5 a 2,0
microgramas/ kg é a mais utilizada em anestesia por via venosa12.
A dexmedetomidina possui uma relação alfa 2 – alfa 1 de aproximadamente
1600:1, tem uma rápida fase de distribuição, com uma meia vida de distribuição de
6 minutos e uma meia vida de eliminação de 2 horas. É eliminada quase que exclu-
sivamente através de metabólitos e possui uma taxa de ligação protéica em torno
de 94%. A dose sugerida é de uma infusão contínua de 1,0 micrograma/ kg durante
10 minutos, seguida de uma infusão de manutenção de 0,2 a 0,7 microgramas/ kg/
hora.

92
Aplicações Clínicas:
• Efeito sedativo: O lócus coeruleus é a região principal responsável por este
efeito. A sedação é dose dependente e possui um rápido início de ação13.
• Ansiólise: Capacidade de diminuir a ansiedade, que tem ação sinérgica com
benzodiazepínicos, podendo ser usado como pré-anestésico.
• Analgesia: Uma ação importante destes compostos é a sua capacidade de
reduzir as necessidades anestésicas, não só em anestesia venosa total,
mas também com inalatórios. O seu uso para anestesia pós-cirúrgica não
parece eficaz como agente único.

As evidências sugerem que os agentes alfa 2 adrenérgicos são poupadores de


anestésicos, tanto hipnóticos como analgésicos, fazendo com que se atinja o resultado
desejado com concentrações mais baixas; deste modo pode-se controlar melhor o nível
anestésico gerando um despertar mais rápido, previsível e tranqüilo14.

Agentes antagonistas dos receptores nmda

Fármacos Adjuvantes em Anestesia Venosa Total


Os receptores NMDA fazem parte de um grupo amplo ativados pelo glutamato,
sendo que o NMDA é o mais relevante para a anestesia. Eles controlam a entrada de
íons na célula onde o cálcio é o mais importante. Além deste, o magnésio e o zinco
também possuem sítio de ligação neste receptor3.
O receptor NMDA é o único canal iônico cuja probabilidade de abertura depen-
de da voltagem transmembrana, ou seja, ele é inoperante quando o neurônio está em
repouso. O Glutamato pré sináptico não consegue ativar o fluxo iônico de cálcio se a
membrana pós-sínáptica não estiver suficientemente despolarizada para remover o blo-
queio pelo magnésio15.
O receptor NMDA está envolvido em muitas ações fisiológicas, como: informa-
ções sensoriais, memória, aprendizagem, locomoção, regulação de tônus vasomotor e
pressão sanguínea, fisiologia da apoptose e morte celular secundária a isquemia. Alem
disto, possui uma ação específica na plasticidade neuronal associada à dor e aos es-
tados inflamatórios. Os fenômenos da facilitação e sensibilização central relacionados
com reflexos nociceptivos e hiperalgesia são intimamente ligados a este receptor16.

• CETAMINA

A Cetamina é um derivado da fenciclidina sintetizado em 1963. É um agente


antagonista não competitivo dos receptores NMDA. Produz um estado anestésico disso-
ciativo, gerando um desligamento cataléptico do paciente ao ambiente ao seu redor.
A cetamina é uma substância lipossolúvel e com baixa ligação protéica, o que
gera um volume de distribuição elevado (100 a 400 L). Após uma dose venosa de 2,0
mg.kg, ocorre inconsciência em 20 a 60 segundos e o despertar em 10 a 15 minutos. A
cetamina é metabolizada no fígado e somente 4% dela é eliminada inalterada na urina.
A norcetamina é o seu principal metabólico e possui uma potência entre 1/3 e 1/10
da droga mãe17.

93
A cetamina produz uma estimulação simpática central, gerando com isso au-
mento da pressão sanguínea, da freqüência cardíaca e do fluxo sanguíneo cerebral.
Como efeito colateral, podem acontecer delírios e alucinações durante a fase de
recuperação. Idade maior que catorze anos, sexo feminino, história de sonhos habitu-
ais, problemas psiquiátricos e doses excessivas estão associados a uma incidência
mais alta. Atropina e droperidol não alteram esta ocorrência, mas os hipnóticos, ben-
zodiazepínicops, anestésicos inalatórios e óxido nitroso a diminuem. Em laboratório,
demonstrou possuir ação anticonvulsivante18.
A cetamina possui uma ação sinérgica com os opióides o que melhora a modu-
lação da dor. Em doses subanestésicas (menor que 1,0mg. kg) já promove inibição do
receptor NMDA, o que pode provocar uma redução de 30 a 50% no consumo de anal-
gésicos no intra e pós-operatório19. Pode reduzir a ocorrência de hiperalgesia induzida
por opióides20.

• Sulfato de magnésio

O íon magnésio é um inibidor não competitivo do receptor NMDA, modulando,


então, vias nociceptivas, sedativas, anticonvulsivantes e anti-inflamatórias21,22.
O magnésio é um íon intracelular e sua concentração plasmática gira em torno de
1,6 a 2,3 mg.dl. O rim é o seu principal regulador23.
Anestesia Venosa Total

Existe atualmente um aumento no interesse do uso do magnésio em anestesia,


principalmente como adjuvante de fármacos analgésicos e sedativos. No entanto há
poucas evidências claras na literatura que demonstrem este benefício e há, portanto,
necessidade de mais estudos para comprovação destas ações24,25.
Estudo publicado recentemente, utilizando sulfato de magnésio na dose de 50mg
por via intratecal, apresentou redução da necessidade de uso de opióides no pós-ope-
ratório por até 36 horas26.
A dose normalmente utilizada como adjuvante em anestesia varia entre 30 a 50
mg.kg em bolus inicial, seguido de infusão contínua de 15mg.kg.hora27,28.
Como o sulfato de magnésio possui uma baixa capacidade em atravessar a bar-
reira hemato-encefálica, o seu efeito analgésico central fica limitado23.
O aumento do nível sérico de magnésio pode potencializar a ação dos bloqueado-
res neuromusculares29.

Droperidol

O droperidol é um antipsicótico neuroléptico que pertence à família das butiro-


fenonas, tendo sido descrito em 1963. Possui um rápido início de ação e uma meia
vida de 104 minutos. É quase completamente metabolizado e apenas 1% é eliminado
inalterado na urina. Possui uma ação prolongada sobre os receptores. Seu mecanismo
de ação se baseia no antagonismo dos estimulantes dopaminérgicos do córtex. Como
qualquer outro neuroléptico, pode produzir como sintomas a supressão de movimentos,
diminuição do interesse pelo que acontece à sua volta e contenção das emoções e
afetividade; em alguns pacientes, ainda pode produzir disforia, irritação e sensação de
morte30.

94
O droperidol possui efeito sedativo e hipnótico leves, que são dose dependente.
Pode produzir diminuição da pressão sanguínea por redução da pré- carga e ação alfa
bloqueadora. Tem uma ação antiemética e não deprime a respiração31.
Potencializa e prolonga a ação o efeito dos analgésicos de ação central. Mas devido
à evolução das técnicas e dos novos medicamentos, seu uso vem diminuindo gradativamen-
te. Porém ainda é um fármaco utilizado, principalmente pelo seu efeito anti-emético (0,5 a
1,25 mg) e por sua capacidade para controlar rapidamente quadros de agitação aguda32,33.

Óxido nitroso

O óxido nitroso (N2O) foi descoberto entre 1772 e 1774. Sua atividade analgési-
ca foi descrita em 1800. Desde então seu uso vem acontecendo.
É um gás inodoro e incolor; não é inflamável mas é comburente, inclusive na
ausência de oxigênio. Sua temperatura crítica é de 36,4ºC o que permite armazená-lo
em cilindros na forma líquida. A 15ºC e 1ATM, 1kg de líquido libera 543 litros de gás.
O N2O é mais denso que o ar e cerca de 34 vezes mais solúvel que o nitrogênio. Sua
Solubilidade no sangue se situa ao redor de 0,47 a 37ºC e 1ATM. A CAM do N2O é de

Fármacos Adjuvantes em Anestesia Venosa Total


104%, o que impede sua utilização como anestésico único. Praticamente não é metabo-
lizado pelo corpo34.
O óxido nitroso pode potencializar os anestésicos inalatórios, diminuindo até 60%
a CAM destes agentes. Este raciocínio é válido também para os anestésicos venosos,
porém a relação não é tão clara35.
Ainda não se tem uma idéia precisa de como o N2O produz analgesia, mas se
sugere uma anologia com os opióides; não se observa, no entanto, ação da naloxona
na reversão dos seus efeitos analgésicos36.
O N2O possui propriedades antagonistas NMDA similares às da cetamina, po-
dendo também diminuir a hiperalgesia induzida por opióides e a tolerância no pós-ope-
ratório37.
Não só a analgesia é uma realidade com o uso deste gás, mas também a amné-
sia, em concentrações acima de 30%. O interessante é que um número de pacientes
não a apresenta, mesmo com concentrações maiores, o que representa uma variação
farmacogênomica no uso do N2O35,38.
O óxido nitroso é um composto seguro para uso clínico, provoca poucos efeitos
cardiovasculares, basicamente uma vasoconstricção periférica moderada com pouca
repercussão na pressão sanguínea. Com relação à respiração, o N2O estimula a fre-
qüência, o que compensa a diminuição do volume corrente. Existe ainda controvérsia
se existe aumento na incidência de náuseas e vômitos no pós-operatório35. Seu uso
crônico pode levar a uma inativação da metionina sintetase, que supostamente poderia
ocasionar anemia megaloblástica, leucopenia, esclerose medular e teratogenicidade.
Mas é importante ressaltar que estas alterações necessitam de doses muito altas, por
período longo de tempo e que só foram descritas de forma experimental39.
Em resumo, o N2O apresenta grande vantagem por sua baixa solubilidade san-
gue-gás, propiciando rapidez no início de ação e eliminação, independentemente da
duração da sua administração. Por ter baixa potência analgésica, necessita ser ad-
ministrado em alta concentração, o que exige atenção ao risco de mistura hipóxica.

95
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97
Capítulo 9

Métodos de Monitorização da Analgesia

José Eduardo Bagnara Orosz

A dor é uma das piores sensações da existência humana. É também a mais


complexa delas. A percepção da dor, assim como suas consequências, é produto da
interação de múltiplos fatores. Sua intensidade pode variar conforme o humor, pode ser
afetada pela atenção que lhe é dedicada, influenciada por outras emoções, modulada
por características sociais de cada contexto, e é, por sua própria natureza, absoluta-
mente subjetiva. Sua prevenção e seu tratamento estão entre os direitos humanos
mais básicos.
Estudo realizado em 2001 pela Joint Comission on Accretidation of Healthcare
Organizations – JCAHO concluiu que o tratamento instituído para dor era inadequado,
e sugeriu a introdução de novos padrões de conduta, que exigem avaliação da dor de
forma pró-ativa, e intervenção pronta e efetiva.1
Para o paciente consciente, foi preconizado o uso de escore numérico, como a

Métodos de Monitorização da Analgesia


escala analógica de dor. Já para o paciente inconsciente, seja o internado em UTI ou o
submetido a anestesia geral, não havia um método padrão ouro. Na realidade não havia
sequer método cientificamente comprovado.
Anestesia é um estado de inconsciência, com ausência de reflexos aos estímulos
nociceptivos, amnésia e imobilidade.2
Analgesia, por sua vez, é um estado dinâmico. No campo da anestesiologia
clínica, a analgesia é promovida pelo emprego de fármacos específicos, com o obje-
tivo de suprimir ou atenuar a transmissão de informações da agressão sofrida pelo
organismo ao sistema nervoso central (SNC). É o que ocorre com o uso de anesté-
sicos locais em bloqueios. Mas também pode ser obtida através da modificação da
interpretação das informações que atingem o SNC, como ocorre pela ocupação dos
receptores opióides. É dinâmica porque há modificação constante do resultado da
soma entre dor e analgesia, uma vez que a dor é decorrência do estímulo nocicepti-
vo, que pode mudar de acordo com o momento cirúrgico, e a analgesia depende dos
efeitos dos anestésicos empregados. Efeitos estes que, por fatores farmacocinéticos,
também podem variar continuamente, sobretudo quando se empregam fármacos de
curta ou ultra curta duração.
Um dos maiores paradoxos da analgesia é que, por sua própria natureza, não
pode ser prevista, antecipada, ou predita, pois não conseguimos quantificá-la. O que po-
demos detectar é apenas a sua falta, por insuficiência ou mesmo ausência.3 Somente
a partir do momento em que existe um estímulo doloroso, ou nociceptivo, e interação
entre dor e analgesia, é que podemos estimar, indiretamente, quanto de analgesia está
sendo promovida. Se a analgesia é insuficiente a dor prevalece, e podemos notar esse
“saldo negativo” à medida em que surgem suas conseqüências: respostas autonômi-
cas, como as hemodinâmicas, ou somáticas, como a movimentação do paciente.
O grande desafio para o anestesiologista clínico é prover plano anestésico ade-
quado, que se oponha aos estímulos nociceptivos, a fim de neutralizar seus efeitos e

99
manter a homeostase. Enfrentamos na prática clínica duas dificuldades: a primeira é a
de não poder prever a analgesia oferecida pela técnica empregada; e a segunda é a im-
possibilidade de mensurar diretamente o estado do balanço entre a analgesia oferecida
e a intensidade do estímulo nociceptivo existente.
Na ausência de monitorização específica, presumimos que se há analgesia in-
suficiente ocorrem reações do organismo, que são notadas pela observação clínica ou
através da monitorização habitual. Ainda hoje, na prática anestésica diária, utilizamos
sinais clínicos indiretos, como freqüência cardíaca, pressão arterial, diâmetro pupilar,
sudorese e lacrimejamento.
Mas tais manifestações podem ser mascaradas, modificadas ou atenuadas por
diversos fatores, dificultando de tal forma sua detecção e interpretação, a ponto de
torná-las não confiáveis para balizar a administração dos anestésicos.3 Diversas situa-
ções clínicas podem fazer com que a administração da anestesia, baseada apenas em
parâmetros clínicos, seja tão perigosa quanto condenável.
Pacientes com comprometimento de estado geral ou reserva cardiovascular
diminuída podem vir a receber doses insuficientes de anestésicos e apresentar
consciência intra-operatória. Também o emprego de determinados fármacos, como
beta bloqueadores, pode mascarar manifestações clínicas, a ponto de não serem
diagnosticadas, permitindo que em momento de insuficiente analgesia, ocorram
respostas autonômicas e endócrino-metabólicas, que levem a hiperglicemia e aci-
Anestesia Venosa Total

demia.
Há, ainda, potencial influência da interação entre fármacos na modificação dos
parâmetros clínicos, impondo dificuldade adicional à leitura precisa do que ocorre com
o paciente. Administração perioperatória de esmolol, por exemplo, pode reduzir as ne-
cessidades de isoflurano e fentanil em cerca de 25%, diminuir respostas hemodinâmi-
cas e o consumo de morfina em 30%, por até 3 dias no pós-operatório, em pacientes
submetidas a histerectomia.4
O estímulo doloroso pode variar muito ao longo do tempo, e para opô-lo é neces-
sária postura pró-ativa, idealmente antecipando-se a ele. Na prática diária isso acaba
sendo feito de forma empírica, a partir do “feeling” e da experiência de cada profissio-
nal, já que não dispomos de instrumentação que auxilie na mensuração da intensidade
da analgesia provida pela técnica anestésica empregada.
Profundidade anestésica, ou plano anestésico, é definida como a probabilidade
de não-resposta à estimulação, que é implementada através da administração de fárma-
cos, e produção de concentração eficaz no plasma e nos receptores (ou sítios de efeito),
que seja suficiente para se opor à intensidade do estímulo agressor.
Hipnose profunda na ausência de analgesia adequada não previne respostas he-
modinâmicas a estímulos nociceptivos.2 Da mesma forma, plano analgésico profundo,
per se, não evita consciência intra-operatória e memória. No entanto, combinação de
adequada hipnose e suficiente analgesia pode garantir amnésia e supressão de respos-
tas endócrino-metabólicas e hemodinâmicas.
Além de prover a manutenção da analgesia, é imprescindível garantir ausência
de consciência intraoperatória. Quando há falha do componente hipnótico da anestesia
geral, o paciente pode apresentar memória intra-operatória.

100
Em anestesia geral, quando sob ação de bloqueadores neuromuscula-
res, a incidência de memória intra-operatória é de cerca de 0,1 a 0,2%, mas
pode chegar a 1% durante cirurgias de emergência, de pacientes com baixa
reserva cárdio pulmonar, de idosos, e em cesárea sob anestesia geral. 5 Pa-
cientes que apresentaram memória intra-operatória descreveram medo, sen-
sação de impotência e de desamparo. Em cerca de 30% dos casos relatam
ter sentido dor 6 , e até 50% desenvolve síndrome de estresse pós-traumático,
com distúrbios de compor tamento, do sono, depressão, ansiedade, ou ainda
alterações de personalidade, com prejuízos à vida pessoal, familiar e profis-
sional. 7,8 Tais manifestações à consciência intra-operatória são muito variá-
veis individualmente. 9
Além dos benefícios decorrentes da adequação do plano anestésico no intra-
operatório, há também consideráveis ganhos com recuperação mais rápida10, despertar
precoce, menor incidência de efeitos adversos11 e economia de recursos12, quando
implementamos ações que possibilitam administração adequada dos fármacos, evitan-
do tanto sub como sobre dosagem. Manutenção de plano anestésico excessivamente
profundo, associado a hipotensão arterial, também pode ser prejudicial, à medida em
que se relaciona com maior mortalidade pós operatória.13,14

Métodos de Monitorização da Analgesia


Parâmetros que Podem Ser Monitorizados para Adequação da
Analgesia

Assim como o EEG bruto é inútil para monitorizar a hipnose durante anestesia
geral, parâmetros clínicos puros que refletem o estado do sistema nervoso autônomo
também não se correlacionam isoladamente de forma confiável com analgesia. Altera-
ções na pressão arterial, frequência cardíaca, sudorese ou lacrimejamento, além do
diâmetro pupilar, recebem grande importância na estimativa clínica diária, mas nenhum
desses sinais pode ser considerado isoladamente para estimar plano anestésico ou dor
intra-operatória.15
Avaliar tais parâmetros supondo ativação simpática por estímulo nociceptivo,
por exemplo, nem sempre é verdadeiro. Diferentes tipos de dor desencadeiam res-
postas diversas. Tração de vísceras abdominais, por exemplo, pode levar a ativação
parassimpática, com respostas opostas.
Usado para tentar estimar profundidade de plano anestésico há décadas,
devido à facilidade de execução e de prescindir de exame instrumentado, o diâ-
metro pupilar pode se alterar como reflexo ao estímulo nociceptivo. A ativação
do sistema nervoso autônomo simpático determina, no indivíduo não anestesia-
do, dilatação pupilar e aumento de seu diâmetro. 15 No paciente anestesiado
a inibição do parassimpático é que leva à midríase, mas fármacos opióides
produzem supressão desse reflexo desde pequenas doses, tornando inútil essa
observação, pois plano anestésico que permita observar a resposta pupilar é
demasiadamente superficial para o período intra-operatório, e inadmissível na
prática anestésica, para virtualmente todos os procedimentos que envolvam es-
timulação dolorosa. 16

101
Pupilometria Dinâmica

Pode ser feita com o monitor chamado Procyon Vídeo Pupillometer – FIT 2000,
que avalia e grava as informações de forma automática e seqüencial.17 É usado em
pesquisa para avaliar duração de ação de alguns opióides, mas tem seu emprego
inviabilizado no paciente anestesiado, uma vez que os fármacos empregados influen-
ciam o estado das pupilas.18,19

Variabilidade da Frequência Cardíaca

A influência do sistema nervoso autônomo sobre a função cardíaca pode ser esti-
mada pela variabilidade na freqüência cardíaca, através da avaliação do intervalo R-R do
eletrocardiograma (ECG). Análise estatística espectral dessa variabilidade pode fornecer
quantificação contínua e não invasiva do tônus autonômico sobre o órgão, revelando au-
mento do controle da freqüência cardíaca relacionada à respiração, pelo sistema nervoso
autônomo simpático, após estímulo nociceptivo. Mas o método tem como limitação a
interferência e detecção de artefatos, e a necessidade de leitura por longo período para
calibração. Além disso, não é capaz de discriminar intensidades variáveis de ativação au-
tonômica, em função de mudanças na intensidade do estímulo doloroso.20
Anestesia Venosa Total

Pletismografia

Estímulo doloroso intenso induz redução substancial da amplitude da onda de


pulso medida pelo pletismógrafo, conseqüente à vasoconstricção simpática. Tal redu-
ção pode ser inibida pela administração de opióides, mas não se observou correlação
entre concentração plasmática do opióide e variação da intensidade de redução da
onda. Isso inviabiliza o uso na prática clínica, pois não permite observar flutuação do
plano anestésico no intraoperatório.21

Índice de Estresse Cirúrgico - SSI

Índice obtido através da combinação de frequência cardíaca e amplitude da ple-


tismografia de pulso, calculado a partir de fórmula matemática, continuamente. Vem
sendo proposto como forma de monitorizar a analgesia, já que tais variáveis sofrem
influência do tônus autonômico, alterado pelo estímulo nociceptivo. O índice cresce
com o aumento da intensidade do estímulo, mas em pacientes não submetidos a dor é
incapaz de prever reação à estimulação subsequente. Além disso, aparentemente teria
sua fidedignidade contestada em pacientes hemodinamicamente instáveis.22,23

Potenciais Evocados Auditivos

Potenciais evocados auditivos de média latência são captados após estímulo


auditivo discreto, e são modificados por estímulo doloroso de forma mais sensível que
outras formas de monitorização elétrica da atividade cerebral, como Índice Bispectral
(BIS) e Entropia. O único monitor disponível no mercado para monitorização de profundi-

102
dade de anestesia é o chamado AAI, ou A-Line Auditory Evoked Index. Seus valores são
apresentados em escala que vai de 0 a 100, com grande variação no indivíduo acorda-
do, e com sobreposição de valores encontrados no paciente anestesiado, de forma que
o método ainda demanda maior desenvolvimento para chegar à prática clínica.24

Eletroencefalograma Processado

Os efeitos do estímulo doloroso na monitorização processada do EEG têm sido


estudados de longa data, mas ainda não foram definidos claramente, e têm sido o prin-
cipal fator de confusão em seu uso clínico. Essa monitorização tem se mostrado efetiva
na prevenção de despertar e de memória intra-operatória. Mas não é bom preditor de
movimento em resposta à estimulação cirúrgica.25

Índice Bispectral – BIS

O valor do BIS se correlaciona bem com a profundidade de hipnose, mas não é


bom preditor de movimento em resposta à estimulação cirúrgica, apesar de já estar
bem estabelecida na literatura a comprovada influência da nocicepção sobre os valores

Métodos de Monitorização da Analgesia


apresentados pelo monitor26. Isso decorre do fato de ter sido dada maior importância
à hipnose no desenvolvimento do algoritmo usado pelo equipamento, já que esse era o
foco do fabricante no desenvolvimento da tecnologia.
Porém, se ao invés de considerar somente a leitura do valor do BIS, passarmos a
observar também os outros parâmetros mostrados pelo aparelho (que entram na com-
posição desse índice, e que por isso são calculados e exibidos na tela de forma mais
precoce), poderemos tirar proveito das informações oferecidas para inferir subseqüentes
elevações do BIS. Elevação do valor do BIS frequentemente acontece quando da estimula-
ção nociceptiva em planos insuficientes de analgesia, em decorrência de estimulação do
sistema reticular ascendente por sinais provenientes do trato espinotalâmico, que leva ao
encéfalo informações sobre a nocicepção periférica. Tais sinais tendem a causar super-
ficialização da hipnose, refletida nos parâmetros mais simples fornecidos pelo monitor,
como o SEF 95% (Spectral Edge Frequency 95, ou freqüência de borda espectral) e mos-
trada pelo gráfico de densidade de espectro de onda – DSA (Density Spectrum Array).
Observando mudanças na SEF 95% e DSA, podemos inferir ocorrência de estí-
mulos superiores ao que o plano analgésico do momento é capaz de conter, e antever
subsequentes elevações do BIS, em consequência de sinais conduzidos da periferia
para o encéfalo. Dessa forma, em muitos casos é possível intervir, providenciando ade-
quação do plano anestésico à intensidade dolorosa apresentada no momento e, assim,
prevenir eventuais conseqüências de insuficiente analgesia, como superficialização da
hipnose e ocorrência de memória intra-operatória. Elevações do valor da SEF 95% em di-
reção às freqüências mais altas do EEG, pela prevalência de ondas típicas do estado de
vigília (ondas alfa, com frequência entre 13 e 30Hz), permitem inferir possível condução
pela medula espinhal de informações do estímulo doloroso cirúrgico.
Da mesma forma, DSA mostrando alteração do padrão de predominância de on-
das cerebrais, migrando para faixas de freqüência mais altas (13 a 30Hz), observadas
normalmente no indivíduo acordado, permite supor existência de estimulação periférica

103
sendo conduzida centralmente, que tende a despertar o encéfalo, como reação primitiva
e natural no animal sob ameaça.
O aproveitamento dessas informações excede a utilização pretendida do monitor
de BIS, cujo objetivo é o de monitorizar hipnose. Apresenta-se como forma avançada de
utilização, útil como refinamento da técnica anestésica, e que, em última instância, não
deixa de ser monitorização da consciência, uma vez que analgesia insuficiente pode con-
duzir a superficialização da consciência, o que pode produzir memória intra-operatória.

Entropia

Entropia é uma medida quantitativa usada para determinar desordem ou alea-


toriedade num sistema fechado. A partir desse conceito usado em termodinâmica de-
senvolveu-se uma forma de análise do traçado de EEG, baseado na freqüência de suas
ondas, princípio do funcionamento do monitor de entropia fornecido pela GE Healthcare,
empresa que adquiriu a finlandesa Datex-Ohmeda, desenvolvedora dessa tecnologia.27
O módulo de entropia está disponível em alguns monitores do fabricante, e capta sinais
elétricos cerebrais a partir de eletrodos colocados na região frontal da cabeça. Calcula
a chamada entropia de estado, ou SE, a partir da faixa de freqüência entre 0,8 e 32 Hz,
que avalia atividade cortical. E a entropia de resposta, ou RE, a partir da faixa de freqü-
ência entre 0,8 e 47 Hz. A atividade da musculatura da região frontal gera freqüência
Anestesia Venosa Total

em torno de 47 Hz, incluída, portanto na geração do índice RE. Elevação da entropia de


resposta ocorre quando há plano anestésico inadequado e tendência a despertar, por
condução ao encéfalo de estimulação dolorosa periférica.28 Pela separação entre freqü-
ências provenientes de origens diferentes, consegue-se abreviar o tempo de resposta
a mudanças no estado cerebral. SE reflete estado cortical e tende a ser mais estável,
enquanto RE reage de forma mais rápida às mudanças na profundidade da hipnose, em
cerca de 2 segundos, oferecendo informação mais precocemente. Estimulação doloro-
sa eleva atividade muscular da região frontal, lida através da eletromiografia (EMG), e
parcialmente abolida quando do uso de bloqueadores neuromusculares.29 A diferença
entre entropia de estado e de resposta tem sido investigada como medida de nocicep-
ção, apesar dos resultados conflitantes. Como o resultado da subtração RE menos SE é
zero no paciente não estimulado, não pode ser usado como medida de estado de anal-
gesia, e valores obtidos não podem predizer resposta a estímulo subseqüente. Estudos
que compararam BIS, SE e RE concluíram que entropia é adequada à monitorização da
hipnose, sendo o BIS superior por ter apresentado 100% de especificidade, e ambos
deficitários na monitorização da analgesia,30 sobretudo quando empregamos concentra-
ções plasmáticas elevadas de opióides.31

Variação de Condutividade da Pele

Estimulação nociceptiva induz salvas de sudorese associadas a flutuações de


condutividade da pele, relacionadas à liberação de noradrenalina e respostas hemodinâ-
micas, com vasoconstricção no tecido celular subcutâneo. Variações da condutividade
da pele se correlacionam com estimulação nociceptiva em pacientes sedados ou anes-
tesiados, com alta sensibilidade e moderada especificidade.

104
Sudorese de causa emocional, como a que ocorre pela dor, é mediada por iner-
vação simpática da pele, e não é influenciada pela temperatura ambiente em condições
normais, mas sim por estímulos do córtex cerebral. A cada vez que essa inervação sim-
pática é estimulada, as glândulas sudoreicas são ativadas, há redução da resistência
elétrica da pele, e a condutibilidade se eleva. Isso cria um pico de condutância, cujo
tamanho é proporcional à intensidade do estímulo, ocorre em cerca de 1 a 2 segundos,
e não é influenciado por bloqueadores neuromusculares, drogas vasoativas ou mudan-
ças na volemia.32
Tais modificações elétricas da pele podem ser captadas por monitor específico
para esta finalidade, através de 3 eletrodos colocados nas regiões palmar ou plantar.
As informações são processadas, apresentadas em tempo real a cada segundo, sob a
forma de alterações da condutância da pele e de picos por segundo, em gráfico exibido
na tela do aparelho.1
Disponível no mercado sob a denominação Med-Storm Stress Detector™, o mo-
nitor dispõe de filtros de ruídos e artefatos, e alarmes de desconexão de eletrodos, e
foi certificado para uso no âmbito da Comunidade Econômica Européia, aguardando
aprovação da Food and Drug Administration norte americana. Leitura mostrando ausên-
cia de picos de condutância reflete estado de adequada ou ainda demasiada analgesia,

Métodos de Monitorização da Analgesia


enquanto elevação na condutância da pele demonstra plano anestésico insuficiente,
havendo necessidade de adequação à intensidade de estímulo vigente.
Limitações técnicas a seu emprego incluem presença de marca-passo e desfibri-
lador implantados. Suas vantagens são a objetividade, sensibilidade e especificidade
na detecção de respostas ao estímulo nociceptivo. A desvantagem é que, assim como
todos os demais métodos que objetivam monitorizar analgesia, não é capaz de predizer
reação a um estímulo, mas possibilita reconhecer, de forma mais precoce, uma inade-
quada analgesia, consequente à mudança na intensidade ou aparecimento de estimula-
ção dolorosa, que pode vir a ser rapidamente corrigida.
Auxilia, portanto, na adequação da analgesia às particularidades de cada pa-
ciente, de cada procedimento, e ao momento cirúrgico, possibilitando administração de
fármacos “sob medida” ou “sob demanda” de forma mais precisa, tendendo a reduzir
dose total utilizada, e, conseqüentemente, tempo de recuperação, incidência de efeitos
adversos e custos.
Seu mérito reside, portanto, na objetividade, sensibilidade, especificidade e ra-
pidez na avaliação e correção da profundidade da analgesia, através de monitorização
contínua e não invasiva. Além disso, possibilita quantificar a intensidade da estimulação
nociceptiva.
Limitação clínica a seu emprego é o uso de altas doses de atropina. Além disso,
em tese, o uso de clonidina também poderia influenciar a condutividade da pele.

Conclusão

Nenhum dos métodos disponíveis até o momento obteve sucesso absoluto, como
solução para monitorizar analgesia intraoperatória, pelo simples fato de que ainda não
são capazes de avaliar o potencial de analgesia oferecido pela técnica anestésica em-
pregada, e tampouco de predizer reação ao estímulo subseqüente.

105
Os que apresentaram maiores conquistas foram os que ofereceram a possibili-
dade de se avaliar de forma rápida as conseqüências imediatas de estímulos, frente à
situação vigente na anestesia geral, possibilitando correção a tempo de sua profundi-
dade analgésica. É o caso da entropia de resposta – RE, do BIS e da monitorização da
condutibilidade da pele, através do Med-Storm Stress Detector, sendo essa última, a
tecnologia que apresentou maiores sensibilidade e especificidade.
Uma vasta gama de informações, coletadas a partir de EEG, variações hemodi-
nâmicas e pletismografia de pulso, combinadas e integradas através de processamento
eletrônico, por monitores desenvolvidos com ênfase na nocicepção. Esse parece ser o
futuro da monitorização anestesiológica, que deverá colocar o componente primordial
da anestesia, a analgesia, sob o foco principal das atenções.

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Métodos de Monitorização da Analgesia


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107
Capítulo 10

Anestesia Venosa Total na Obesidade


Mórbida

Ricardo Francisco Simoni

Introdução

A anestesia venosa total (AVT) vem ganhando cada vez mais adeptos, não só no
Brasil, mas a nível mundial. Em setembro de 2007, na cidade de Veneza (Itália) aconte-
ceu o 1o Congresso Mundial de Anestesia Venosa Total TIVA-TCI (Total Intravenous Anes-
thesia – Target-Controlled Infusion), com a presença de especialistas dos 5 continentes.
Nessa ocasião foi criada a Sociedade Mundial de Anestesia Intravenosa (World Society
Intravenous Anesthesia – WSIVA), sob a chancela da Federação Mundial de Anestesiolo-
gistas (World Federation of Anesthesiologists). Esse fato coincide com o grande desen-

Anestesia Venosa Total na Obesidade Mórbida


volvimento da técnica TIVA-TCI nos países Europeus, Asiáticos e da América Latina.
Também é fato o aumento da prevalência da população obesa no mundo e, con-
seqüentemente, o número de procedimentos anestésico-cirúrgicos nesse tipo de pa-
ciente. Independentemente da técnica anestésica proposta, os principais objetivos no
perioperatório são: estabilidade hemodinâmica, rápida recuperação anestésica, baixo
efeito residual de hipno-analgésicos, baixa incidência de náusea e vômito e controle
eficaz da dor pós-operatória.
Um dos preceitos da AVT é manter estável a concentração plasmática por intermédio
de bombas de infusão do tipo manualmente-controlada ou alvo-controlada, promovendo
melhor estabilidade hemodinâmica e adequação anestésica no intra-operatório. As bombas
de infusão alvo-controladas levam vantagem nesse quesito, uma vez que variam automatica-
mente a taxa de infusão, com a finalidade de manter constante a concentração plasmática
do fármaco desejada, evitando, assim, o acúmulo de fármaco no compartimento periférico
(tecido adiposo e muscular) e a recuperação tardia.
Depois dessas considerações, não é de se estranhar que a técnica AVT-TCI venha
ganhando espaço e sendo mais indicada em pacientes obesos. Entretanto, os pacien-
tes obesos possuem diversas peculiaridades do ponto de vista farmacológico.
O objetivo desse texto é discutir as principais alterações farmacocinéticas da
obesidade, de modo que seja possível estabelecer certos parâmetros para condução
de AVT de maneira eficaz e segura nesse tipo de paciente.

Alterações Farmacocinéticas Na Obesidade

O paciente obeso mórbido possui composição corporal diferente do não-obeso.


No indivíduo obeso tanto a massa adiposa quanto a massa magra está aumentada.
O tecido gorduroso multiplica-se devido ao aumento da ingestão calórica (prin-
cipalmente de gorduras, doces e álcool), à diminuição do gasto energético (atividade

109
física diminuída), à maior adipogênese (níveis elevados de lipase lipoprotéica) e à menor
capacidade de oxidar gordura. Conseqüentemente, o volume do terceiro compartimento
está bastante aumentado no indivíduo com obesidade mórbida.
A massa adiposa é aumentada no paciente obeso. Entretanto, o fluxo sanguí-
neo por grama de tecido gorduroso é reduzido, se comparado com o indivíduo não
obeso. Porém, em números absolutos, o volume intravascular está ligeiramente
aumentado. Entretanto, não há diferença significativa entre o compartimento central
do obeso e do não-obeso.
Para dar sustentabilidade ao excesso de peso, há necessidade também de au-
mento da massa muscular (massa magra) em torno de 20 a 30%. Entretanto, esta
correlação linear entre peso corporal e massa magra é positiva até certo peso corporal.
Após esse peso crítico, a massa magra não aumenta.
Todas essas alterações na composição corporal promovem variações no compor-
tamento farmacocinético de muitos fármacos, principalmente dos altamente lipofílicos.
Em contrapartida, a depuração hepática e renal é normal ou aumentada
nesses pacientes. Porém, muitas vezes ocorre intensa infiltração gordurosa no
tecido hepático, podendo comprometer a depuração dos fármacos que depen-
dem do fígado para sua eliminação.
No obeso mórbido a atividade da pseudocolinesterase plasmática está aumenta-
da, favorecendo a depuração da succinilcolina.
Anestesia Venosa Total

A ligação dos fármacos a proteínas plasmáticas é um fator determinante em


sua farmacocinética. A afinidade dos fármacos ácidos à albumina não se altera
nos indivíduos obesos. Porém, a literatura permanece ainda controversa em re-
lação à concentração e atividade da alfa-1 glicoproteína, responsável pela ligação
dos fármacos básicos.

Propofol e Remifentanil na Obesidade Mórbida

Como o objetivo principal da anestesia no paciente obeso mórbido é sua rápida


recuperação anestésica, a preferência é utilizar fármacos com propriedades não-acumu-
lativas (Figura 1). Dentro da anestesia venosa, propofol e remifentanil se destacam por
possuírem tais características.

Figura 1. Fármacos para Obesidade

110
Propofol

O propofol é um anestésico venoso altamente lipofílico, de curta duração e com


excelente perfil para a recuperação anestésica.
Do ponto de vista da eliminação, na maioria das vezes a depuração plasmática de
propofol está inalterada ou aumentada. Quase em sua totalidade, o propofol é metabo-
lizado no fígado, porém outros órgãos também o metabolizam de maneira mais singela,
como é o caso dos pulmões e dos rins.
Embora o propofol seja um fármaco altamente lipofílico, ele não se acumula no
obeso mórbido, mesmo quando o cálculo para a dosagem utiliza o peso corporal total.
Isso se deve ao fato da depuração ser elevada e do fluxo sanguíneo para a gordura ser
proporcionalmente menor, quando comparado ao indivíduo não-obeso.
Se tratando de um anestésico de curta duração, portanto, com rápida recupera-
ção anestésica, baixo efeito acumulativo e altamente antiemético, o propofol é exce-
lente indicação para indução e manutenção de anestesia geral nos indivíduos obesos
mórbidos.

Anestesia Venosa Total na Obesidade Mórbida


Remifentanil

Dentre os opióides, o remifentanil é o único com metabolização órgão-independen-


te. Ele possui volume de distribuição bastante reduzido em todos os compartimentos.
Sua degradação é feita através de esterases plasmáticas e teciduais. Essas caracterís-
ticas lhe conferem uma meia-vida contexto-sensitiva extremamente curta, independente
da duração da infusão (4 a 6 minutos).
Para o paciente obeso mórbido, é o opióide com melhores características farma-
cocinéticas para promover rápida recuperação com pouca ou nula incidência de depres-
são respiratória no pós-operatório, uma vez que sua distribuição para o tecido gorduroso
(terceiro e maior compartimento) é bastante reduzida. Seu comportamento distributivo
é muito semelhante a fármacos hidrofílicos.
Entretanto, por ser eliminado rapidamente, não promove analgesia residual no pós-
operatório. A utilização desse agente requer planejamento agressivo da analgesia pós-ope-
ratória, até mesmo de forma preeemptiva, principalmente em cirurgias abertas do abdome
superior e em toracotomias.
Sendo seu volume de distribuição restrito em todos os compartimentos, limitan-
do-se basicamente ao compartimento central, a dose do remifentanil para indução, taxa
de infusão ou alvo plasmático, deve ser baseada no peso de massa magra do obeso
mórbido, além de adequado para sua idade.

Bloqueadores Neuromusculares Na Obesidade Mórbida

Como um dos principais objetivos da anestesia em pacientes obesos mórbidos é a


recuperação precoce, livre de efeitos residuais, deve-se dar prioridade a relaxantes mus-
culares de curta e intermediária duração, com eliminação órgão-independente. Então, os
bloqueadores neuromusculares de preferência são: succinilcolina, atracúrio, cisatracúrio
e rocurônio.

111
Peso Corporal Corrigido
PCC

PCC = Peso Ideal + 40% Excesso

Peso Ideal = altura (m)2 X 22


Excesso = Peso Real - Peso Ideal

Figura 2. Peso Corporal Corrigido

Como regra geral, para cálculo da dose de relaxante a ser empregada, pode-se utilizar
o peso de massa magra ou peso corporal corrigido (PCC) (Figura 2). Porém existem algumas
peculiaridades que serão abordadas a seguir.

Succinilcolina

A succinilcolina tem sido usada para facilitar a intubação traqueal há mais de 50


Anestesia Venosa Total

anos. O rápido pico de ação e sua ultracurta duração fazem desse relaxante uma excelen-
te escolha em pacientes obesos mórbidos, principalmente naqueles obesos que possu-
am preditores para intubação difícil.
A dose de succinilcolina necessária para obter rápido relaxamento e exce-
lentes condições de intubação deve ser calculada através do peso corporal total,
devido ao fato de que, na obesidade mórbida, a atividade da pseudocolinesterase
plasmática e o volume extracelular estão aumentados. Porém, com a dose calcula-
da pelo peso corporal total, a duração clínica do bloqueio é um pouco prolongada
(9 minutos), o que pode ocasionar dessaturação nos casos “não-ventila e não-in-
tuba”.

Atracúrio

Está bem indicado no paciente obeso mórbido por ser um relaxante com eli-
minação órgão-independente. Porém, a liberação de histamina após administração
de altas doses, e de maneira abrupta, pode causar repercussões respiratórias e
hemodinâmicas graves nos obesos com antecedentes de asma brônquica e ato-
pia.
A depuração plasmática do atracúrio não está alterada pelo aumento do peso
corporal, não havendo, portanto, diferença na meia-vida de eliminação entre pacientes
obesos e não obesos. Entretanto, quando a dose é baseada no peso corporal total,
a concentração média de atracúrio é maior no obeso em relação aos não-obesos, e
esta maior concentração está diretamente relacionada com aumento da incidência de
bloqueio residual.

112
No obeso mórbido, quando a dose de atracúrio é calculada a partir do peso corporal
total, a duração do bloqueio neuromuscular está aumentada. A duração de ação (15% de T1)
da dose de indução de 0,5 mg.kg-1 no obeso mórbido é dada pela fórmula abaixo (Figura 3).

Atracúrio no Obeso Mórbido


Tempo para Recuperação T1 15% na
Dose 0,5 mg.kg-1 (Peso Corporal Total)
0,294* Peso Corporal Total + 23,9min

Figura 3. Atracúrio no Obeso Mórbido

Cisatracúrio

Anestesia Venosa Total na Obesidade Mórbida


Não libera histamina, mesmo quando utilizado em altas doses. Sua eliminação é
feita através da hidrólise espontânea de Hoffman.
Recente artigo demonstrou o que acontece com a latência e a duração de
ação (T1 25%) do cisatracúrio em obesos mórbidos, quando a dose de indução for
baseada no peso corporal total e no peso ideal (Tabela I).

Cisatracúrio
Latência Duração Dose
(seg) (T1 25%) (mg)

Peso Real 132 74,6 32,2

Peso Ideal 182 45 11,2

Tabela I. Cisatracúrio.

Rocurônio

O rocurônio é boa escolha como relaxante nos obesos, por possuir volume de dis-
tribuição restrito e sua metabolização não produzir metabólitos ativos. Tem sido usado
como substituto da succinilcolina para realização de intubação traqueal em seqüência
rápida, pois em altas doses (0,9 a 1,2 mg.kg-1) promove ótima condição de intubação
dentre 60 a 90 segundos após a dose de indução.

113
Nos pacientes obesos mórbidos, quando a dose de indução é baseada
no peso corporal total, a latência é diminuída; entretanto, nesta situação, a
duração do bloqueio (T1 25%) é prolongada (Tabela II).

Rocurônio

Latência Duração Dose


(seg) T1 25%) (mg)

Peso Real 77 55,5 67

Peso Ideal 87,5 22,3 33

Tabela II. Rocurônio.

Anestesia Venosa Total com Infusão Alvo-controlada na Obesidade


Anestesia Venosa Total

Mórbida

É tendência mundial a realização da anestesia venosa total com a utilização de


infusão alvo-controlada de hipnóticos e opióides.
A infusão alvo-controlada no Brasil iniciou-se com o propofol em 1998, por
intermédio do Diprifusor. Esse equipamento nada mais é do que uma bomba de
infusão de seringa, altamente precisa, acoplada ao modelo farmacocinético do
propofol proposto por Marsh. Por aceitar somente um tipo de seringa, o equi-
pamento é altamente seguro, não existindo risco de administrar outro fármaco
acidentalmente.
A precisão de um sistema de infusão alvo-controlada é avaliada por critérios
propostos por Varvel e cols. desde 1992. São eles: MDPE, MDAPE, wobble e divergên-
cia (Figura 4). Um modelo farmacocinético é clinicamente aceitável quando a MDPE
fica entre 10-20% e a MDAPE entre 20-40%.

Critérios de Varvel

MDPE média do erro da performance (medida do viés)


MDAPE média absoluta do erro da performance (medida da precisão)
Wobble medida da variabilidade interpessoal
Divergência medida do erro no decorrer do tempo

Figura 4. Critérios de Varvel

114
Infusão Alvo-controlada de Propofol

O modelo farmacocinético de Marsh foi desenvolvido para a população não-obesa. A


performance desse modelo em predizer a concentração plasmática já foi avaliada em cirur-
gias de grande porte, cirurgia cardíaca, cirurgias ortopédicas e ginecológicas. Em cirurgia
geral a MDPE e a MDAPE ficaram com 16% e 24%, respectivamente. Esses valores positivos
indicam que a concentração plasmática de propofol é maior que a concentração predita.
Recentemente, a previsibilidade desse modelo farmacocinético do propofol foi
avaliada nos pacientes obesos mórbidos. Muitos autores recomendam que a dose de
propofol seja baseada no peso ideal, peso de massa magra ou pelo PCC. Entretanto,
recente estudo mostra que, para infusão alvo-controlada de propofol através do modelo
de Marsh, a utilização do PCC aumentaria muito o erro de previsibilidade do modelo. Em
outras palavras, a concentração predita pelo modelo é muito diferente da real concen-
tração plasmática, sendo inaceitável pelos critérios de Varvel (Gráfico I).

Gráfico I. Concentração predita vs. real.

Anestesia Venosa Total na Obesidade Mórbida


Com a finalidade de melhorar a previsibilidade do modelo, o peso que deve ser fornecido à
bomba de infusão alvo-controlada é o peso corporal total (Tabela III). Entretanto, deve-se ficar aten-
to às repercussões cardiovasculares que essa dose de propofol possa causar ao paciente.

Propofol TCI

Peso PCC p
Real
MDPE (%) -6,21 -32,6 0,003
MDAPE (%) 23,6 33,1 0,03
Wobble 7,96 5,9 0,465
Divergência -1,8 -1,5 0,194

Tabela III. Propofol TCI

115
Pelo fato do modelo farmacocinético de Marsh, desenvolvido para o propofol, não ser
específico para a população obesa, e por esses pacientes possuírem alterações significativas
em sua composição corporal, talvez seja mais prudente monitorar a consciência instrumental-
mente no intra-operatório (BIS, CSM, entropia), com o objetivo de ajustar de forma mais segu-
ra a dose-alvo de propofol, principalmente se o anestesiologista for inexperiente em TIVA-TCI.

Infusão Alvo-controldada de Remifentanil

Apesar de possuir padrão farmacocinético linear e fácil titularidade, o paciente se


beneficia quando o remifentanil é empregado sobre regime de infusão alvo-controlada,
principalmente na redução do consumo total desse agente ao final do procedimento.
O questionamento sobre o “melhor” peso do obeso mórbido para ser utilizado em
infusão alvo-controlada continua, quando o assunto é remifentanil.
O modelo farmacocinético desenvolvido para o remifentanil é o modelo de
Minto. Esse modelo leva em consideração as co-variáveis sexo e peso de massa
magra, para o cálculo da taxa de infusão para determinada dose-alvo estipulada.
Porém, observando a fórmula utilizada no modelo para o cálculo da massa magra,
se o peso do paciente for excessivo, a massa magra fica muito reduzida, e conse-
qüentemente a quantidade de remifentanil administrada é subestimada (Figura 5).
Anestesia Venosa Total

Modelo Farmacocinético de Minto


Cálculo do Peso de Massa Magra (PMM)

Masculino: PMM = 1,10 * Peso - 128* (Peso/Altura cm)2

Feminino: PMM = 1,07 * Peso - 148 * (Peso/Altura cm)2

Figura 5. Modelo de Minto para o remifentanil

Observando esse fato, um estudo propôs a utilização do peso crítico para infusão
alvo-controlada de remifentanil. Até um determinado peso corporal, o paciente aumenta
proporcionalmente sua massa magra; porém ultrapassado esse peso corporal, a massa
magra não aumenta. Esse peso corporal é chamado de peso crítico (Figura 6).

Peso Crítico
PC
Masculino: PC = 121 - (1,447 * Altura cm)
Feminino: PC = 121 - (1,211 * Altura cm)
Figura 6. Peso Crítico

Entretanto, a maioria das bombas de infusão alvo-controladas, disponíveis para


o remifentanil, já limitam o peso a ser informado ao peso crítico.

116
Outra maneira de “iludir” a infusão alvo-controlada de remifentanil seria o empre-
go, ao invés do peso, de uma altura fictícia dada pela seguinte fórmula (Figura 7).

Altura Fictícia
h Fict (men) = 128 xTBW x (6.68 x 103 + 216 x BMI)
- 1922 + 1.1 x 216 x BMI

TBW = Peso Corporal Total


BMI = IMC

Figura 7. Altura Fictícia

Com isso, massa magra também seria ajustada ao real peso do paciente. Porém,
tal fórmula se adapta somente a pacientes do sexo masculino.

Infusão Alvo-controlada de Sufentanil

Anestesia Venosa Total na Obesidade Mórbida


Para o sufentanil, o modelo que melhor se adapta ao paciente obeso mórbido é
o modelo de Gepts, conforme demonstra recente estudo.
Esse modelo não leva em consideração, para adequação da taxa de infusão, a
idade, sexo, peso, massa magra do paciente ou qualquer outra variável, uma vez que
Gepts não notou correlação dessas variáveis com o volume central (Vc), o volume de
distribuição no estado de equilíbrio (Vdss), depuração (Cl) e meia-vida de eliminação ter-
minal. Portanto, é um modelo farmacocinético fixo, que considera que o volume central
e periférico é igual para todos os pacientes, independente até mesmo do peso.
Mesmo quando empregado em regime de infusão alvo-controlada, existe risco
de acúmulo do sufentanil no paciente obeso, uma vez que esse fármaco distribui-se
amplamente para os compartimentos periféricos, especialmente na gordura. Com isso,
seu efeito clínico torna-se prolongado.
Sendo o tecido adiposo um compartimento de liberação lenta, o sufentanil promove
boa analgesia residual. Porém, existe risco aumentado de depressão respiratória no pós-
-operatório, principalmente em pacientes obesos mórbidos com apnéia obstrutiva do sono.

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Anestesia Venosa Total

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118
Capítulo 11

Anestesia Venosa no Paciente Idoso

Ranger Cavalcante da Silva

Introdução

Houve uma importante elevação do número de pacientes geriátricos cirúrgicos,


ao longo dos últimos 20 anos. Entre os idosos, a população que mais cresce é aquela
com mais de 85 anos, com estimativas de elevação em 275% entre 1960 e 19941.
Existem importantes modificações fisiológicas que ocorrem com o envelhecimen-
to. Hábitos de vida, como fumo e álcool, doenças associadas ao envelhecimento e a uti-
lização de múltiplos medicamentos, tornam a população geriátrica aquela com a maior
heterogeneidade fisiopatológica encontrada na prática clínica. Em seres humanos, há
um declínio linear das funções fisiológicas a partir da terceira década, processo que se
intensifica após a sétima década1. Pode-se perceber, claramente, o referido declínio,
utilizando-se o clearance da creatinina como exemplo (Figura 1). No paciente idoso,

Anestesia Venosa no Paciente Idoso


mesmo uma creatinina normal pode significar uma função renal limítrofe. O idoso perde
sua “reserva” fisiológica, sua capacidade de resposta máxima, ocorrendo também re-
tardo para atingir sua resposta máxima1.

Figura 1. Clearance da creatinina vs. Idade.

Em relação à anestesia venosa, parece não haver clara superioridade quando


comparada a outras técnicas anestésicas. Contudo, o adequado conhecimento das
alterações fisiopatológicas do idoso é fundamental, para a adequada condução de
qualquer técnica anestésica, particularmente a anestesia venosa. Existem importan-
tes modificações farmacocinéticas, bem como farmacodinâmicas, que precisam ser
levadas em consideração, sob risco de efeitos colaterais hemodinâmicos e sobre o
despertar.

119
Uma revisão do Departamento de Saúde Americano, publicada em junho de 1989, apresen-
tou um total de 1.600 reações adversas e 85 mortes, durante os primeiros 5 anos da introdução
do midazolam naquele país, quase todas associadas ao uso do medicamento em endoscopias
digestivas. O estudo demonstra, claramente, o desconhecimento em relação ao comportamento
farmacocinético e farmacodinâmico do midazolam no idoso, logo após sua introdução2.

Farmacocinética e Farmacodinâmica

Utilizando-se os modelos farmacocinéticos mais estudados, que são os de com-


partimentos ou hidráulicos, o idoso caracteriza-se por:
• A peso corpóreo
• A volume de distribuição em equilíbrio
• B do compartimento central (V1)
• B redução dos clearances entre compartimentos
• B clearances de eliminação

Abaixo, as tabelas I e II apresentam as diferenças encontradas para o propofol (Schut-


tler) e para o remifentanil (Minto), relativas ao volume central e ao clearance (Tivatrainer 7.5).

Tabela I. Diferenças farmacocinéticas do Propofol no idoso e jovem.


Anestesia Venosa Total

Propofol Jovem Idoso


Vc 8,3 L 6,3 L
Cl 86,4 L/h 32,4 L/h
Modelo Schuttler Tivatrainer 7.5 paciente 70 Kg 40 anos e 75 anos

Tabela II. Diferenças farmacocinéticas do Remifentanil no idoso e jovem.


Remifentanil Jovem Idoso
Vc 5,1 L 4,4 L
Cl 156,3 L/h 122,3 L/h
Modelo Minto Tivatrainer 7.5 paciente 70 Kg 40 anos e 75 anos

Estudando o comportamento plasmático de uma mesma infusão de propofol (Schuttler), en-


tre um paciente idoso e um paciente jovem, pode-se evidenciar, claramente, a diferença (Figura 2).
Na simulação acima, dois pacientes, um com 40 e outro com 75 anos, receber-
am uma infusão de propofol manual semelhante, porém as concentrações plasmáticas
alcançadas foram diferentes aos 5 minutos (5 mg/ml X 6 mg/ml), bem como após 30
minutos de infusão (3 mg/ml X 3,9 mg/ml). Com o prolongamento da infusão, a diferença
tende a se acentuar. O modelo farmacocinético utilizado na simulação (Schuttler), inclui
a idade como uma co-variável importante.
Opióides, como o remifentanil, também apresentam diferenças farmacociné-
ticas entre pacientes jovens e idosos. Abaixo, uma simulação utilizando o remifen-
tanil em infusão manual rigorosamente igual, tendo apenas a idade como variável
(Figura 3).

120

Figura 2. Simulação 1 - Tivatrainer 7.5.

Anestesia Venosa no Paciente Idoso


Figura 3. Simulação 2 - Tivatrainer 7.5.

Nas simulações acima, evidencia-se uma diferença maior que 20% na concentra-
ção plasmática de remifentanil alcançada após 30 minutos de infusão. Mais uma vez,
a única variável foi a idade. No estudo de Minto e col., a idade é mais importante que
o peso para o ajuste da velocidade de infusão3. Há uma redução de 20% no volume
central (V1) e de 30% no clearance de eliminação entre os 20 e os 80 anos3. Outros
opióides, como o sufentanil, alfentanil e fentanil, apresentam diferenças farmacocinéti-
cas menos importantes4.
Uma variável farmacocinética que também está alterada no idoso é o T1/2
Ke0, ou a constante de equilíbrio com o sítio efetor, que indica o intervalo entre a
administração do fármaco e o início do seu efeito. A constante de equilíbrio no idoso
é menor, quando comparada ao jovem, indicando um retardo no início de ação dos
fármacos3.

121
Abaixo, uma simulação com a infusão de remifentanil em um paciente idoso e em
um paciente jovem, mostrando o tempo necessário para que as concentrações, plasmá-
tica em vermelho e cerebral em verde, sejam iguais (Figura 4).

Figura 4. Simulação 3 - Tivatrainer 7.5.


Anestesia Venosa Total

Uma medida farmacodinâmica, a C50 (Concentração plasmática eficaz em 50%


dos pacientes) do propofol, para perda da consciência, foi de 2,35, 1,8 e 1,25 mg/ml
para pacientes com 25, 50 e 75 anos, respectivamente5. Os estudos farmacodinâmicos
também evidenciam diferenças importantes, entre idosos e jovens, para o remifentanil
(Figura 5)3. A variabilidade farmacodinâmica parece ainda maior e mais importante do
que as diferenças farmacocinéticas. Assim, as modificações farmacodinâmicas, com-
binadas às modificações farmacocinéticas, podem ter resultados imprevisíveis no pa-
ciente idoso.

Figura 5. Farmacodinâmica do Remifentanil vs. Idade.

122
Anestesia Manualmente Controlada X Anestesia Alvo
Controlada no Idoso

Sempre que se utiliza dispositivo para infusão alvo controlada, deve-se conhecer
o modelo farmacocinético que o acompanha. Alguns modelos farmacocinéticos, entre
eles o modelo de Marsh, não utilizam a idade como uma co-variável para cálculo de
infusão. Essa limitação impõe a necessidade de alguns ajustes, sob risco de efeitos
indesejáveis.
Na população geral, a infusão “alvo controlada”, quando comparada à in-
fusão manual, parece não apresentar grandes diferenças clínicas6. Estudo utili-
zando a análise retrospectiva de 1.759 pacientes demonstrou que a infusão alvo
controlada foi associada a maiores doses de propofol, e, consequentemente, a
maiores custos, quando comparada à infusão manual 6. Por outro lado, a infu-
são “alvo controlada” requer um menor número de intervenções que a infusão
manual 6. Cabe ressaltar o fato de que os estudos incluídos nesta pesquisa fo-
ram de qualidade metodológica ruim, com um número pequeno de pacientes,
retrospectivos e com objetivos diferentes. Cada instituição hospitalar tem um
perfil de custos e de reembolso próprios, sendo necessários estudos de custos
de aquisição e margens para reembolso, para que se possa ter uma visão mais

Anestesia Venosa no Paciente Idoso


próxima da realidade.
O paciente idoso, por suas características farmacocinéticas, pode necessi-
tar de ajustes da infusão manual com mais freqüência (10-8-6 mg/kg/min), pois a
mesma não foi estudada neste tipo de população7.
Abaixo, a simulação deixa clara a diferença, bem como a necessidade de ajuste
das infusões (Figura 6).

Figura 6. Simulação 4 - Tivatrainer 7.5.

123
Na simulação utilizou-se o esquema clássico de infusão, que preconiza um bolus inicial
de 1 mg/kg em 1 minuto, seguido por uma infusão decrescente 10-8-6 mg/kg/h a cada 10
minutos7.. O “alvo” projetado com essa infusão é de aproximadamente 3 mg/ml. Assim, o
comportamento da infusão no jovem, parece muito próximo do ideal, enquanto que no pacien-
te idoso, o “alvo” alcançado está sempre 20% a 30% acima do “alvo” projetado. Uma redução
em 20% ou 30% das doses administradas é suficiente para corrigir o “alvo” projetado. Porém,
quando prolongamos a infusão por um período superior a 2 horas, fica evidente a necessidade
de ajustes adicionais para baixo, na infusão para o paciente idoso. Abaixo, uma simulação de
infusão manual, com duração de 8 horas e alvo alcançado sem ajustes (Figura 7).

Figura 7. Simulação 5 - Tivatrainer 7.5.


Anestesia Venosa Total

O “alvo” inicial de 3,8 mg/ml passa para 5,4 mg/ml após 8 horas de infusão,
sem reduções na velocidade de infusão. No idoso, logo após a segunda hora, deve-se
iniciar o processo de titulação para baixo das doses administradas. Novamente, o alvo
inicialmente projetado situa-se por volta de 3 mg/ml.
Quando a opção for por infusão “alvo controlada”, com dispositivos que utilizem o modelo
Marsh (Ex. Diprifusor®), redução de “alvo” para indução, prolongamento do tempo para indução
e redução de “alvo’ para a manutenção, são estratégias utilizadas para minimizar a ausência
da co-variável idade no modelo8. Outra estratégia particularmente útil no paciente idoso é a da
utilização da monitorização da hipnose, por meio do índice bispectral (BIS). Com o BIS pode-se
acompanhar em tempo real, ou quase, a relação dose/resposta do paciente em questão.
Por fim, a principal mensagem que se deve manter é a de que o idoso tem par-
ticularidades farmacológicas, com um profundo impacto na condução de qualquer
técnica anestésica. O idoso é heterogêneo sob o aspecto fisiológico, sendo que a
idade, isoladamente, pode não ser o melhor indicador do estado fisiológico do pa-
ciente. Seu estado nutricional, hábitos de vida (fumo e álcool), bem como doenças
associadas, podem nos auxiliar na condução de qualquer técnica anestésica.

Casos Clínicos

Caso I. Obesidade

Paciente de 65 anos, feminina, hipertensa, diabética tipo II, com IMC de 43,
pesando 122 kg, submetida a cirurgia laparoscópica para obesidade. Imediatamente
antes da indução, apresentava pressão arterial de 160/110 mmHg e frequência car-
díaca de 84 batimentos por minuto.

124
Neste caso, a opção foi por uma combinação de propofol alvo controlado e re-
mifentanil em infusão manual (Tabela III). O peso utilizado para a infusão de propofol
foi o peso real da paciente (122 kg), o peso utilizado para o ajuste da infusão do re-
mifentanil foi corrigido em 25%. Imediatamente antes da indução, administrou-se me-
tadona por via endovenosa, 0,1 mg/kg do peso ajustado, para reduzir a hiperalgesia,
bem como para uma transição mais suave para o despertar, clonidina 150 mg, para
melhor controle pressórico e de freqüência cardíaca, bem como para menor consumo
de propofol. O tempo total de anestesia foi de 2 horas e 30 minutos. Para analgesia
pós-operatória, foram administrados, na indução, cetoprofeno e dipirona. A paciente
permaneceu por 70 minutos na sala de recuperação pós-anestésica, onde consumiu
5 mg de morfina para controle da dor.

Tabela III. Dados do caso I.

Anestesia Venosa no Paciente Idoso


Caso II. Troca Válvula Aórtica

Paciente de 75 anos, masculino, com dupla lesão aórtica, sem coronariopa-


tia obstrutiva; hipertenso com função cardíaca preservada. O planejamento pré-
operatório incluía extubação precoce em terapia intensiva, duração de circulação
extracorpórea de 50 minutos, sem hipotermia profunda. Optou-se por uma combi-
nação de propofol “alvo controlado” e sufentanil em infusão manual, associados
ao vecurônio como relaxante muscular (Tabela IV). A monitorização foi a habitual
(PAM, PVC, ECG, temperatura, oximetria de pulso e diurese), associada ao BIS.
Para o controle da dor pós-operatória, a opção foi a utilização de morfina em bom-
ba de PCA (analgesia controlada pelo paciente).

Tabela IV. Dados do caso II.

125
A duração total da CEC foi maior que a inicialmente proposta (1h e 10 min); o des-
mame ocorreu sem necessidade de qualquer fármaco vasoativo ou inotrópico, e não hou-
ve necessidade de transfusão sanguínea. Na unidade de terapia intensiva permaneceu
em ventilação mecânica por mais 50 minutos, quando foi extubado sem intercorrências.
Teve alta para o quarto no segundo dia de pós-operatório, permanecendo mais 3 dias no
hospital.

Caso III. Colecistectomia

Paciente de 85 anos, feminina, diabética tipo II, portadora de hipertensão arterial


sistêmica e colecistite aguda calculosa. Utilizava medicação anti-hipertensiva, hipoglice-
miante oral e pequena dose de benzodiazepínico para controle da insônia. Optou-se por
anestesia venosa total, com uma combinação de propofol alvo controlado (Diprifusor®) e
remifentanil em infusão manual (Tabela V). Como o procedimento cirúrgico era de curta
duração (50 min) e a pressão arterial e freqüência cardíaca estavam adequadas, não
foi utilizado qualquer adjuvante (Metadona ou Clonidina). Para controle da dor e melhor
transição para o despertar, administrou-se uma dose de morfina, de 4 mg, cerca de 15
minutos antes do término da cirurgia.

Tabela V. Dados do caso III.


Anestesia Venosa Total

Após o despertar, a paciente foi encaminhada para a sala de recuperação


pós-anestésica, onde recebeu dose adicional de morfina, 3 mg por via endovenosa,
sendo encaminhada para seu quarto depois de 2 horas. Depois de 24 h de pós-ope-
ratório, iniciou quadro de agitação psicomotora, associada a logorréia e desorien-
tação. Não havia sinais infecciosos no hemograma, nem desequilíbrio hidroeletro-
lítico, hipoxemia ou hipotensão; seu quadro álgico estava sob adequado controle.
O diagnóstico de síndrome de abstinência benzodiazepínica foi feito, quando se
reintroduziu esta medicação, associada a pequena dose de haloperidol. O quadro
apresentou melhora significativa nos dias subseqüentes e a paciente teve alta no
dia 4º dia de pós-operatório.

126
ANEXO I

Checklist da OMS. Para realização antes


de qualquer anestesia.

Antes da indução anestésica Antes de iniciar a cirurgia Antes do paciente sair da sala cirúrgica

L Confirmação sobre o paciente. L O cirurgião, o anestesista e a enfermagem O técnico de enfermagem confirma verbalmente com
Identificação do paciente. verbalmente confirmaram. a equipe:
Local da cirurgia a ser feita.
Identificação do paciente. L Nome do procedimento realizado.
Procedimento a ser realizado.
Local da cirurgia a ser feita. L A contagem de compressas, instrumentos e
L Sítio cirúrgico do lado correto. Procedimento a ser realizado. agulhas está correta (ou não se aplica).
L Não se aplica. L Revisão anestesista: há alguma preocupação em L Biópsias estão identificadas e com o nome do
L Checagem do equipamento anestésico OK. relação ao paciente? paciente.
L Preparo intestinal realizado.
L Revisão da enfermagem: houve correta
L Não se aplica. L Houve algum problema com equipamentos que
esterilização do instrumento cirúrgico? deve ser resolvido.
O paciente tem alguma alergia? Há alguma preocupação em relação aos
L Anotar temperatura corporal no pós-operatório.
L Não. equipamentos?
L Sim__________________________ .
O antibiótico profilático foi dado nos últimos 60
Há risco de via aérea difícil / Broncoaspiração? minutos?
L Não. Ass. Enfermagem
L Sim.
L Sim e há equipamento disponível.
L Não se aplica.
Há risco de perda sanguínea > 500ml (7ml/kg em Ass. Anestesiologista
Exames de imagem estão disponíveis?
crianças)?
L Não. L Sim.
Ass. Cirurgião
L Sim e há acesso venoso e planejamento para a L Não se aplica.
reposição.
Ass. Instrumentadora

Data_______/______ /________

127
Anestesia Venosa no Paciente Idoso
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Anestesia Venosa Total

128
Capítulo 12

Anestesia Venosa Total nos Transplantes


Ricardo Lopes da Silva
Fábio Amaral Ribas

O transplante é uma técnica cirúrgica que transfere um órgão de um indivíduo


para o outro, com a finalidade de restabelecer uma função que foi perdida. Os transplan-
tes podem ser realizados com doador vivo, como os renais e hepáticos, ou com doador
cadáver. Nos últimos anos a medicina do transplante evolui bastante, apresentando
resultados animadores, e uma das ciências que com sua evolução tem contribuído para
este feito é a anestesia.
No Brasil, em 2007, foram realizados 3.397 transplantes renais, 997 hepáticos,
136 cardíacos e 46 de pulmão1. Neste capítulo iremos abordar como a anestesia veno-
sa total (AIVT) pode contribuir nestas cirurgias de transplantes.

Anestesia para transplante renal

O rim apresenta basicamente cinco funções: eliminar as impurezas do sangue,

Anestesia Venosa Total nos Transplantes


regular a pressão arterial, produzir hormônios, participar na formação e manutenção
dos ossos e estimular a produção de glóbulos vermelhos. No paciente com insuficiên-
cia renal, o rim deixa de realizar suas funções, necessitando ser substituído através de
medicamentos e diálise ou de um transplante renal. As principais doenças que atacam
os rins são: hipertensão arterial, diabetes, infecções urinarias de repetição, calculose
renal, nefrites e malformações do aparelho urinário. Elas atuam de maneira silenciosa,
levando a uma perda renal lenta e progressiva. Os rins podem perder até 80% da sua
função antes que comece a apresentar sintomas. O transplante renal está indicado nos
pacientes com lesão grave e irreversível.
No passado, a técnica de eleição para anestesia no transplante renal era o blo-
queio de neuroeixo, peridural ou raquianestesia. Apresentava vantagens de não ne-
cessitar de fármacos com excreção renal ou nefrotóxicas; porém, a instabilidade he-
modinâmica produzida pelo bloqueio simpático, com o risco de comprometimento da
perfusão do novo rim, e a longa duração de alguns transplantes, eram suas principais
desvantagens2. Atualmente, com o desenvolvimento de novos fármacos, que indepen-
dem do metabolismo renal e produzem uma anestesia geral com adequada estabilidade
hemodinâmica, a técnica do bloqueio do neuroeixo foi substituída pela anestesia geral.
O manejo ideal da anestesia para transplantes deve assegurar uma boa estabi-
lidade hemodinâmica, garantindo a perfusão adequada do enxerto. Devido às suas ca-
racterísticas farmacocinéticas, o propofol e o remifentanil são capazes de proporcionar
este controle adequado dos parâmetros hemodinâmicos, juntamente com um despertar
rápido e seguro.
O propofol é uma substância com biotransformação hepática e extra-hepática,
que não tem sua meia vida contexto sensitivo alterada em pacientes renais crônicos,
possibilitando sua utilização em pacientes urêmicos por tempo prolongado, sem gerar
acúmulo e retardo no despertar. Entre suas vantagens, o propofol apresenta a capaci-

129
dade de atuar como antioxidante e varredor de radicais livres, produzindo proteção ao
rim transplantado. Este efeito benéfico nos rins submetidos a isquemia foi comprovado
em trabalho experimental realizado em suínos, que tiveram sua artéria aorta clampeada
acima da saída das artérias renais; no grupo anestesiado com propofol, a creatinina
plasmática no pós-operatório foi significantemente menor que no grupo anestesiado
com sevoflurano3. O propofol ainda apresenta as vantagens de proporcionar um desper-
tar precoce e de diminuir a incidência de náuseas e vômitos4.
O remifentanil é um fármaco de metabolismo muito rápido, com curta duração de
ação e com clearance extrarrenal, portanto seguro para os pacientes renais crônicos.
Seu principal metabólito, GR 90291, é de excreção renal; porém, devido a sua baixa
eficácia, 4.600 vezes menos potente que o remifentanil, este metabólito não apresen-
ta efeito clínico em pacientes anéfricos5. Com a utilização do remifentanil em infusão
controlada, podemos adequar facilmente o nível de analgesia ao momento cirúrgico,
possibilitando um melhor controle hemodinâmico. Nos pacientes anestesiados com re-
mifentanil, a principal preocupação deve ser com a analgesia no período pós-operatório,
devido à ausência de analgesia residual. A utilização de morfina na dose de 0,1mg/Kg,
30 minutos antes do término da cirurgia, com a manutenção deste opióide em infusão
continua de 0,5-1mg/h, irá garantir uma boa analgesia4.
O paciente renal crônico tem o tempo de esvaziamento gástrico prolongado, por-
tanto a indução da anestesia precisa ser realizada após um tempo de jejum adequado.
Anestesia Venosa Total

A intubação orotraqueal pelo método da sequência rápida é a mais adequada, princi-


palmente nos pacientes que não podem aguardar o tempo de jejum, porém para sua
realização é necessário um bloqueador neuromuscular com tempo de latência curto;
a succinilcolina que normalmente é utilizada para este fim, tem o inconveniente de
aumentar o potássio, que já está elevado em pacientes urêmicos. Na cirurgia de trans-
plante renal, a utilização do brometo de rocurônio na dose de 1mg/Kg proporciona uma
boa condição para intubação orotraqueal em apenas 60 segundos, sem o inconveniente
de aumentar o potássio. O cisatracúrio, por não ter seu tempo de ação prolongado nos
pacientes urêmicos, está indicado para manutenção do bloqueio neuromuscular. Nes-
tes pacientes, devido à acidose metabólica, à hipocalcemia e à hipomagnesemia, os
bloqueadores neuromusculares têm seu efeito aumentado, por isto a monitorização do
bloqueio neuromuscular é recomendada6.
Baseado no que foi exposto acima, podemos concluir que um protocolo de AIVT,
com propofol e remifentanil, é uma boa alternativa para a realização dos transplantes
renais.

Anestesia para transplante hepático

O fígado é um órgão que tem inúmeras funções metabólicas e sintetizadoras,


envolvendo os mais diversos sistemas. Dentre estas funções, podemos citar7:
• Atividade metabólica, que influencia diretamente na farmacocinética de inú-
meras medicações, dentre estas vários anestésicos;
• Atividade sintetizadora, com a produção de proteínas plasmáticas, como a
albumina, que influencia diretamente na farmacocinética dos anestésicos;
• Reservatório de sangue, com cerca de 15% do volume circulante, podendo

130
expelir 500 ml de sangue em segundos, em condições de estimulação sim-
pática;
• Síntese de fatores de coagulação (II, VII, IX e X) e estímulo à produção de
plaquetas;
• Regulação do metabolismo dos carboidratos, lipídios e aminoácidos.

Portanto, a insuficiência hepática tem consequências em quase todos os siste-


mas.
O paciente com hepatopatia terminal geralmente apresenta uma circulação hi-
perdinâmica, com resistência vascular baixa e índice cardíaco alto, devido ao elevado
numero de substâncias vasodilatadoras na circulação, como o oxido nítrico e o cGMP8.
Estes pacientes desenvolvem desequilíbrio na relação ventilação-perfusão, com
shunts intrapulmonares, e podem desenvolver hipertensão pulmonar. Importante res-
saltar que pacientes com pressão de artéria pulmonar superior a 50 mmHg têm contra-
-indicação à realização do transplante9.
A encefalopatia hepática é comum nos pacientes submetidos a transplante, sen-
do que nas hepatopatias fulminantes está associada a edema cerebral e hipertensão
intracraniana.

Anestesia Venosa Total nos Transplantes


A nível renal, a falência hepática leva a uma retenção de água e sal inapropriada,
com uma profunda vasoconstricção renal, que é conhecida como síndrome hepatorre-
nal.
No sistema gastrointestinal, devido à hipertensão portal, aparecem as varizes
esofagianas, responsáveis por sangramento digestivo alto e ascite. Estes pacientes
também apresentam um retardo no esvaziamento gástrico.
São pacientes susceptíveis a apresentarem discrasias sanguíneas devido ao dé-
ficit de fatores de coagulação e à trombocitopenia8.
O transplante hepático apresenta três fases bem distintas: pré-anepática, anepá-
tica e neo-hepática. Cada uma destas diferentes fases tem sua repercussão na farma-
cocinética das drogas anestésicas e merece uma atenção especial.
O fígado é responsável pela maior parte do clearance de propofol; porém, a taxa
de metabolismo deste anestésico (1,7-1,9 l min-1) excede o fluxo sanguíneo hepático
(1,5 l min-1), evidenciando a presença de metabolismo extra hepático10. Provavelmente,
o rim tem um papel importante na eliminação do propofol, com participação também
do intestino delgado e pulmão11. Por estas razões, a eliminação do propofol diminui
em aproximadamente 42% durante a fase anepática. Após a reperfusão, entretanto, o
fígado transplantado rapidamente inicia a metabolização deste fármaco. Esta redução
no metabolismo do propofol durante a fase anepática explica o aumento da sua concen-
tração plasmática nesta fase, recomendando uma redução na dose infundida. A infusão
de propofol deve ser guiada pela monitorização da atividade cerebral através do BIS,
evitando que ocorram momentos de plano anestésico profundo ou de superficialização
da anestesia.
O remifentanil é um opióide de ação ultracurta, com metabolização através de
esterases plasmáticas e teciduais. Sua eliminação, portanto, independe da atividade
hepática e renal. Esta propriedade elimina os riscos de efeitos indesejados, como acu-
mulo e depressão respiratória ao final da cirurgia5. Na fase de dissecção hepática,

131
devido à intensa perda sanguínea e excessiva reposição de fluídos, pode ocorrer hemo-
diluição, causando diminuição na concentração plasmática do remifentanil.
A AIVT é uma boa alternativa para as cirurgias de transplante hepático, sendo que
nos casos de insuficiência hepática aguda, onde habitualmente ocorre encefalopatia he-
pática com edema cerebral e hipertensão intracraniana8, a AIVT é, sem duvida, a técnica
anestésica de escolha; pois nesta situação, a utilização de halogenados aumentaria a
hipertensão intracraniana, comprometendo as condições clinicas do paciente.

Transplante pulmonar e cardíaco

Tanto no transplante cardíaco como no pulmonar, o acordar, o desmame e a extuba-


ção não são realizados imediatamente ao final da cirurgia. Isto se deve a uma incidência
ainda elevada de eventos respiratórios e cardíacos no pós-operatório imediato destas
cirurgias. Com isso, a anestesia venosa total (AIVT) não tem o objetivo tradicional de um
acordar rápido e tranqüilo, que habitualmente associamos a esta técnica anestésica. Ou-
tras vantagens postuladas à AIVT serão, portanto, discutidas neste texto.

AIVT no Transplante Pulmonar

Apesar da anestesia intravenosa não ter demonstrado claros benefícios sobre a


Anestesia Venosa Total

pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO²) e a fração de shunt, quando com-
parada à anestesia inalatória para as cirurgias torácicas, existem sugestões de indica-
ções para o uso de AIVT em uma série de circunstâncias nesta especialidade, incluindo
o transplante pulmonar. No quadro I, estão ilustradas algumas destas circunstâncias.

Quadro I. Situações nas quais a AIVT pode estar indicada na anestesia torácica12.

Situações cirúrgicas especiais


Cirurgia traqueal/carinal
Cirurgia redutora de volume pulmonar
Transplante de pulmão
Procedimentos endobrônquicos
Timectomia
Ambientes não ideais
Procedimentos fora do bloco cirúrgico

No transplante de pulmão, a anestesia inalatória pode ter diversas des-


vantagens. Durante o transplante, a insuficiência do ventrículo direito é uma
ocorrência possível e os efeitos cardiodepressores dos anestésicos inalatórios
podem ser indesejados. Além disso, o shunt intrapulmonar, bem como o espaço
morto dos pulmões nativos e dos recém transplantados, podem estar muito au-
mentados, levando a falta de precisão das medidas de concentração expiratória
dos anestésicos inalatórios. Devido a estes fatores, a anestesia tradicional para
o transplante de pulmão sempre foi opióide-baseada, incluindo doses normal-
mente baixas de anestésicos inalatórios. Esta não é uma situação ideal, pois

132
os opióides podem ter sua concentração muito variável durante esta cirurgia
(Quadro II).
Quadro II. Fatores que podem diminuir o nível de opióide
durante o transplante de pulmão.

Seqüestro no circuito da máquina de circulação extracorpórea (CEC)


Acúmulo no pulmão nativo, que será retirado
Captação pelo pulmão transplantado

Quando estas mudanças de plano acontecem, resultam em administração de


mais anestésico inalatório ou opióides de longa duração. Por outro lado, os modernos
anestésicos venosos, de rápida recuperação, podem suprir estas mudanças de plano
anestésico, sem o risco da depressão miocárdica ou do acúmulo, com seu, conseqüen-
te, prolongamento do despertar. Além disso, quando se utiliza a CEC, a anestesia ve-
nosa pode ser continuada sem interrupção nesta fase da cirurgia. Deve ser enfatizado
que com a CEC normotérmica, parcial e com o coração batendo, apenas uma parte do
DC passa pelo pulmão e está apta a captar anestésico inalatório.
Alguns exemplos de situações práticas em que a anestesia venosa é vantajosa

Anestesia Venosa Total nos Transplantes


no transplante de pulmão estão no quadro III.

Quadro III. Indicações da anestesia venosa no transplante de pulmão

Ventilação independente
Utilização de ventiladores sofisticados da terapia intensiva
Assistência circulatória parcial
Vigência de espaço morto aumentado
Vigência de fração shunt significativa

Anestésicos venosos

Propofol

Além das qualidades farmacocinéticas e farmacodinâmicas favoráveis para a AIVT,


existem diversos benefícios postulados ao propofol, em comparação à anestesia inalatória,
nas cirurgias torácicas. O propofol reduz a queda da função pulmonar após ressecções pul-
monares13 e inibe o aumento das catecolaminas e do cortisol após lobectomias14. Alguns
achados em cirurgias não torácicas podem se aplicar ao transplante de pulmão, como por
exemplo: a expressão de citoquinas pró-inflamatórias nos macrófagos do lavado broncoalve-
olar está mais baixa na anestesia intravenosa do que durante anestesia inalatória15.
No entanto, o impacto destes achados nos desfechos mais importantes do trans-
plante de pulmão, ainda não foi determinado. Além disso, estudos mais recentes com-
parando a infusão de propofol à utilização de desflurano ou sevoflurano em ventilação
monopulmonar, encontraram um padrão inflamatório mais significativo no lavado bron-
coalveolar quando a anestesia foi realizada com o propofol16,17.

133
Dexmedetomidina

A dexmedetomidina pode oferecer diversos benefícios fisiológicos úteis nas cirur-


gias torácicas. Ela reduz o consumo de oxigênio perioperatório18 e a resposta simpática
ao estímulo cirúrgico19. Nos estudos específicos na população cirúrgica torácica, o uso
deste fármaco, em conjunto com a anestesia epidural, reduz a necessidade do fentanil
epidural20 e resulta em diurese pós-operatória e índices favoráveis de filtração glomeru-
lar, sugerindo melhora da função renal21. Deve-se salientar que a taxa de mortalidade
do transplantado de pulmão que desenvolve insuficiência renal no pós-operatório, é
extremamente elevada.

Remifentanil

O rápido inicio de ação e a curta duração, tornam o remifentanil um fármaco ideal


para o manejo dos períodos de altos e baixos estímulos cirúrgicos, que caracterizam as
cirurgias torácicas. A analgesia epidural é utilizada nos pacientes receptores, de forma
que não existe necessidade de opióides de longa duração, pois a analgesia já está ga-
rantida com esta técnica.

AIVT no transplante Cardíaco


Anestesia Venosa Total

Em passado recente, o manejo anestésico tradicional para as cirurgias cardíacas


era baseado em altas doses de opióides de longa duração, basicamente porque estes
ofereciam grande estabilidade hemodinâmica, nas mais diversas situações clínicas. O
resultante período prolongado de ventilação no pós-operatório era aceito, acreditando-
-se que, além do conforto, o paciente estaria estável hemodinamicamente até a sua
emergência mais tardia. No entanto, esta prática tem sido questionada. Puxada inicial-
mente pelo conceito do “fast-track”, passou a ser rotina em muitos centros que reali-
zam cirurgias cardíacas, a utilização de dois regimes de anestesia, ambos sem as altas
doses dos opióides de longa duração: uma anestesia com componente inalatório mais
significativo e a anestesia venosa total. Quando a anestesia venosa é a utilizada, as
técnicas com propofol e remifentanil ou midazolam e remifentanil, são as mais freqüen-
tes. Algumas vezes a indução com o midazolam ou o etomidato é seguida da infusão de
propofol, em associação com o remifentanil22,23.
Logo se configurou a questão: até que ponto estas modalidades poderiam ser
aplicadas a pacientes mais graves, cirurgias mais complexas e de grande morbi-morta-
lidade pós-operatória, como os transplantes cardíacos?
Alguns dos possíveis benefícios da utilização desta técnica no transplante car-
díaco são:

a. A continuidade do tipo de anestesia durante a CEC.


b. A diminuição, pelo propofol, da apoptose celular induzida pela dopamina24.
c. O Efeito antioxidante do propofol, com possíveis conseqüências miocardio-
protetoras25.
d. A grande estabilidade hemodinâmica.

134
Algumas das barreiras à adoção desta técnica no transplante de coração são:

a. A ausência de necessidade de um acordar muito precoce.


b. O alto custo, quando comparada às técnicas tradicionais, sem impacto na
diminuição do custo pós-operatório, como no fast track.
c. A carência de evidências, mostrando alguma modificação nos desfechos
mais importantes, ou mesmo a falta de uma indicação impactante para a
sua utilização.
d. A Síndrome da infusão de propofol (PRIS): Uma síndrome rara, mas poten-
cialmente fatal, com o uso de infusões altas e prolongadas desta droga em
pacientes críticos. Caracteriza-se por acidose metabólica, plasma lipêmico,
hepatomegalia, rabdomiólise e alterações eletrocardiográficas, incluindo a
assistolia. A PRIS está habitualmente associada a infusões de propofol aci-
ma de 4mg/Kg/h e por mais de 48h, bem como a uso concomitante de cate-
colaminas endógenas ou glicocorticóides25.

Referências

Anestesia Venosa Total nos Transplantes


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Anestesia Venosa Total

136
Capítulo 13

Sedação Venosa Em Terapia Intensiva


Fernando Antônio de Freitas Cantinho

Sedação significa o ato de acalmar, tranquilizar. Além do emprego de fármacos


classificados como sedativos, o alívio da dor pelo uso de analgésicos opioides comu-
mente também promove sedação. A seguir, apresentaremos aspectos básicos e o uso
clínico da sedação venosa em terapia intensiva. Considerando conceitos atualizados,
nosso objetivo é expor condutas que ofereçam conforto ao paciente gravemente enfer-
mo, internado em Unidade de Tratamento Intensivo – UTI.

Considerações Iniciais

A comunicação direta com o paciente é a melhor forma de avaliação do seu grau


de conforto. Além disso, essa comunicação bem trabalhada traz em si uma fonte de
conforto1. Quando pacientes graves não podem se comunicar diretamente sobre sua
dor, há especial dificuldade em sua avaliação2.
A equipe multidisciplinar é importante. Os cuidados fisioterápicos contribuem na

Sedação Venosa em Terapia Intensiva


redução da dor provocada pela imobilidade prolongada. Atenções básicas, como higie-
ne, alimentação, hidratação, os níveis de ruído e luminosidade, devem ser observadas
para que não se tornem causas de desconforto3.
Frequentemente nas UTIs, estima-se com rigor dados que refletem o status car-
diovascular, renal, respiratório e, até mesmo, o nível de consciência. Todavia, se dá
pouco valor ao grau de conforto do paciente. Deve ser avaliado regularmente se há
conforto e ausência de dor, especialmente quando o paciente não pode verbalizar seu
desconforto devido à intubação traqueal. O estabelecimento e a adesão a protocolos
deverão colaborar para aumentar a qualidade da sedação implementada4, 5. É preciso
enfatizar que a dose terapêutica do sedativo ou analgésico varia de paciente para pa-
ciente; as doses recomendadas devem ser consideradas como um ponto de partida e,
posteriormente, ajustadas até que o paciente fique confortável1.
A sedação profunda para facilitar a tolerância ao tubo traqueal e a sincronização
com o ventilador foi uma rotina até recentemente. Ventiladores modernos estão equi-
pados com diversos modos de ventilação e dispositivos eletrônicos de disparo do fluxo,
o que, em grande parte, fez desaparecer problemas de sincronismo. A substituição do
tubo traqueal pela traqueostomia reduz o desconforto associado à via aérea artificial e
permite frequentemente que a sedação possa ser retirada. Mesmo com o uso de tubo
orotraqueal, é possível a manutenção de pacientes despertos e graves em ventilação
mecânica sem o emprego de sedação contínua6, 7, 8. Assim, a sedação moderna está
focada nas necessidades multifatoriais do paciente3.
O quanto se administra de sedativos e analgésicos, e por quanto tempo, é ques-
tão de grande importância na evolução dos pacientes, pois tanto as sobredoses como
as subdoses têm consequências potencialmente deletérias9. A supersedação pode au-
mentar o tempo de suporte ventilatório e prolongar o tempo de internação na UTI10.
A subsedação pode causar hipercatabolismo, imunosupressão, hipercoagulabilidade e
atividade simpática aumentada11.

137
Ansiedade, Agitação e Delirium

Ansiedade e desordens relacionadas – agitação e delirium – são evidentes na


maioria dos pacientes na UTI12. O denominador comum dessas condições é a ausência
do sentimento de bem-estar.
A ansiedade é caracterizada por sensação exagerada de medo, nervosismo ou
apreensão, sendo sustentada mais por questões emocionais do paciente do que por
questões objetivas.
A agitação é uma combinação de ansiedade e atividade motora aumentada.
Nos trabalhos e discussões atuais referentes à sedação em terapia intensiva, o
delirium tem sido um dos temas de maior destaque. Essa disfunção cerebral associa-
-se a conceitos que geram confusões e controvérsias, a começar pela sua definição.
Delirium tem diferentes significados em diferentes idiomas; há esforços internacionais
para padronizar a terminologia13. Embora dicionários médicos on line em português já
definam delírio como “alteração aguda da consciência ou da lucidez mental, provocado
por uma causa orgânica”14, 15, os dicionários de língua portuguesa descrevem delírio
como um estado de agitação, desvairamento, alucinação. Portanto, é importante que
fique bem entendido, delirium indica estados de disfunção cerebral aguda distintos
daqueles entendidos, classicamente, como delírio. Seu diagnóstico é complexo12. Hipo-
atividade e letargia, resultados normais do uso de diferentes sedativos, são, também,
Anestesia Venosa Total

manifestações comuns de delirium.


Considera-se a “Confusion Assessment Method for Intensive Care Unit – CAM-
ICU” como uma ferramenta válida para detecção do delirium, com alta sensibilidade
e especificidade12, 16. Site na Internet disponibiliza vídeo ilustrando a sua aplicação17.
Outra ferramenta empregada é o ICDSC – Intensive Care Delirium Screening Checklist5.
Resumidamente, delirium se caracteriza por alteração aguda do estado mental ou flutu-
ação do comportamento; há, também, dificuldade em focar e manter a atenção. Pode
haver desordens do pensamento (ilógico, desorganizado, incoerente) ou alteração da
consciência (hiperativa e hiperalerta, ou hipoativa e hipoalerta).
Delirium é uma síndrome específica que pode ter, ou não, a ansiedade como
componente18. Diversas condições clínicas levam ao quadro, como, por exemplo, a hipo
ou hipertermia, convulsão, intoxicação hídrica, toxinas, hipercarbia, hipoxemia, insufici-
ência hepática ou renal19. Considera-se que diversos fármacos podem causar delirium,
entre eles os inibidores da ECA, aminoglicosídeos, fenitoína, amiodarona e bloqueado-
res H219. Delirium mostrou-se um critério independente na previsão de maior mortali-
dade e de maior tempo de internação hospitalar, mesmo após o ajuste de co-variáveis
relevantes20, 21.
Com grande destaque em publicações mais recentes, os benzodiazepínicos são
também considerados como causadores de delirium16, 22, 23, 24. Estabelecer relação de
causalidade poderá ser difícil, pois esses fármacos são frequentemente administrados
para tratar quadros pré-existentes que podem ser consequência de delirium25. Além dis-
so, embora se reconheça a importância de distinguir se as alterações da consciência
e lucidez mental sejam efetivamente manifestações patológicas do delirium ou efeitos
farmacológicos dos diferentes sedativos5, não encontramos em toda literatura consulta-
da a metodologia que permite tal distinção.

138
O haloperidol e a quetiapina26 são indicados para o tratamento farmacológico do
delirium.

Objetivo da Sedação Medicamentosa

O objetivo da sedação em UTI é manter o paciente calmo, porém despertando


com facilidade. O desafio do médico na beira do leito é encontrar o equilíbrio entre a
agitação e o coma, ou seja, encontrar o que pode ser chamado de zona de conforto.
Os pontos de maior destaque em consenso existente27 incluem:

1- Considerar a dor e o desconforto como a causa primária de agitação e o tra-


tamento com opioide deverá ser a principal conduta inicial;
2- Utilizar ferramentas validadas dentro de protocolos para guiar a sedação;
3- Permitir a avaliação diária da necessidade de continuar ou interromper a
sedação;
4- Reconhecer a importância clínica do delirium;
5- Escores de sedação não se aplicam a pacientes inconscientes ou que este-
jam recebendo relaxantes musculares.

Sedação Venosa em Terapia Intensiva


O conceito de “analgesia-primeiro”, suplementada por sedação quando necessá-
ria, tem se mostrado efetivo em diversos estudos recentes 28, 29, 30, 31. Pacientes rece-
bendo “analgesia-primeiro” alcançam conforto e menos da metade requerem sedação
com propofol ou benzodiazepínicos. Essa abordagem pode facilitar a redução da perma-
nência na UTI e da duração da assistência ventilatória quando comparada a estratégias
tradicionais de sedação28, 32.
“Férias da sedação” envolve a interrupção da sedação até que o paciente acor-
de e obedeça a comandos. De outra forma, a sedação deverá ser reiniciada se forem
observados desconforto ou agitação associados à interrupção da sedação. Esse pro-
cedimento deverá, idealmente, ser realizado todos os dias. Tem sido demonstrado
que tal estratégia reduz o tempo de ventilação mecânica e o tempo de permanência
na UTI, sem aumentar eventos adversos como a auto-extubação33, 34.

Tabela I – Escore de Ramsay23.


1- Ansioso, irrequieto ou agitado
2- Cooperativo, orientado e tranquilo
3- Responde apenas aos comandos
4- Pronta resposta ao leve estímulo glabelar
5- Lenta resposta ao leve estímulo glabelar
6- Ausência de resposta ao leve estímulo glabelar

A escore de Ramsay, descrito em 197435, 36, foi o primeiro utilizado para avaliar a
sedação de pacientes em ventilação mecânica. Monitora mais o nível de consciência do
que o grau de agitação (Tabela I).

139
Tabela II – Escore RASS – Richmond Agitation Sedation Scale85.

Escore Conceito Descrição


+4 Combativo Muito combativo ou violento; risco imediato à equipe
+3 Muito agitado Puxa ou remove tubo(s) e cateter(es), ou
comportamento agressivo
+2 Agitado Movimentos frequentes sem objetivos ou assincronia
com o ventilador
+1 Irrequieto Ansioso ou apreensivo mas com movimentos não
agressivos ou vigorosos
0 Desperto e
calmo
-1 Sonolento Não plenamente acordado, mais acorda por > 10
segundos, fazendo contato visual ao estímulo da voz
do avaliador
-2 Leve sedação Acorda brevemente (< 10 segundos), fazendo contato
visual ao estímulo da voz do avaliador
Anestesia Venosa Total

-3 Moderada Movimenta-se ao estímulo da voz do avaliador, mas


sedação não faz contato visual
-4 Profunda Não responde à voz, mas responde ao estímulo físico
sedação
-5 Não desperta Não responde à voz nem ao estímulo físico

O escore RASS (do termo em inglês Richmond Agitation Sedation Scale; Tabela
II) avalia igualmente o grau de sedação e agitação, e oferece a vantagem de acom-
panhar alterações no nível de sedação em dias consecutivos37. Avaliações regulares
do nível de sedação com a RASS e da dor pela escala numérica estão associadas à
redução na incidência de dor e agitação, duração da ventilação mecânica e infecções
hospitalares38.
Uma nova escala de dor, a Escala de Dor Compor tamental, tem se mos-
trado confiável e válida na avaliação da dor no paciente que não se comunica.
Essa escala avalia os pacientes pela sua expressão facial, movimento dos
membros superiores e complacência com a ventilação mecânica. Representa,
provavelmente, um progresso no esforço de melhorar o confor to desse pacien-
te 39, 40.
Consenso alemão de 2010 aborda vários aspectos da analgesia, sedação e de-
lirium em terapia intensiva41. Apresenta interessantes observações quanto ao uso da
cetamina. Dependendo da dor e dos potenciais efeitos colaterais das medicações, a
cetamina poderá ser usada como um fármaco adjunto ou alternativo, mesmo quando
houver trauma cerebral e hipertensão intracraniana. Em vítimas de queimaduras, a ce-

140
tamina pode reduzir a hiperalgesia secundária e a necessidade de opioides; deve ser
preferida aos opioides para a analgesia durante procedimentos dolorosos em crianças
queimadas.
Dispositivos eletrônicos permitem uma outra forma de avaliação da sedação42,
porém considera-se que não servem para substituir os escores clínicos43. O EEG requer
pessoal especificamente treinado, não sendo de uso prático em UTI3. O índice bispectral
– BIS – é utilizado mais frequentemente em anestesia cirúrgica e tem sido investigado
em tratamento intensivo. Observa-se boa correlação entre o BIS e a escala de Ramsay
quando esta se encontra entre 1 e 5; em níveis mais profundos de sedação – Ramsay
6 – o BIS mostrou grande variabilidade11.

Fármacos Comumente Utilizados

A Tabela III apresenta doses habituais de ataque e manutenção, bem como


doses sugeridas na insuficiência renal, do midazolam, do propofol e do haloperidol.
A Tabela IV apresenta os mesmos dados referentes à morfina, fentanil e dexmedeto-
midina.

Sedação Venosa em Terapia Intensiva


Tabela III – Doses habituais de ataque e manutenção do midazolam, do propofol e do
haloperidol e suas doses sugeridas na insuficiência renal1,86.

Midazolam Propofol Haloperidol


Dose habitual 0,02-0,1 mg.kg-1 0,25-1,0 mg.kg-1 1-10 mg IM / IV
de ataque
Dose habitual 0,04-0,2 mg.kg-1.h-1 25-75 µg.kg-1.min-1 1-10 mg IM / IV
de manutenção cada 4-6 hs, p.r.n *
Clearance Sem alteração Sem alteração Sem alteração
Creatinina
30-50 ml.min-1
Clearance Sem alteração Sem alteração Sem alteração
Creatinina
10-30 ml.min-1
Clearance 0,01-0,05 mg.kg-1.h-1 Sem alteração Sem alteração
Creatinina
< 10 ml.min-1
Hemodiálise Diretriz não Sem alteração Sem alteração
determinada
CHP, CAVH-D, Diretriz não Sem alteração Sem alteração
CVVH-D ** determinada

* p.r.n = do latim pro re nata, que significa “conforme necessário”; dose máxima
recomendada do haloperidol: 80 mg.dia-1
** CHP = hemoperfusão contínua; CAVH-D = hemodiafiltração arteriovenosa contínua; CVVH-D = hemodiafil-
tração venovenosa contínua

141
Tabela IV - Doses habituais de ataque e manutenção do fentanil, da morfina e da dex-
medetomidina e suas doses sugeridas na insuficiência renal1, 87.

Fentanil * Morfina * Dexmedetomidina


Dose habitual de 0,375 µg.kg IV-1
2-15 mg IV 1 µg.kg-1
ataque
Dose habitual de 0,375 µg.kg-1 IV, 2-15 mg IV, de 0,2-0,7 µg.kg-1.h-1
manutenção cada 1-2 hs 2-4 hs, p.r.n **
Clearance Creatinina Sem alteração 1,5-12 mg IV, de Sem alteração
30-50 ml.min-1 2-4 hs, p.r.n **
Clearance Creatinina Sem alteração 1,5-12 mg IV, de Sem alteração
10-30 ml.min-1 2-4 hs, p.r.n **
Clearance Creatinina Sem alteração 1-8 mg IV, de Sem alteração
< 10 ml.min-1 2-4 hs, p.r.n
Hemodiálise 0,25 µg.kg-1 IV, 1-8 mg IV, de Sem alteração
cada 1-2 hs 2-4 hs, p.r.n **
CHP, CAVH-D, 0,25 µg.kg-1 IV, 1,5-12 mg IV, de Sem alteração
CVVH-D *** cada 1-2 hs 2-4 hs, p.r.n **
Anestesia Venosa Total

* Dose estimada para o adulto de peso médio


** p.r.n = do latim. pro re nata, que significa “conforme necessário”
*** CHP = hemoperfusão contínua; CAVH-D = hemodiafiltração arteriovenosa contínua; CVVH-D = hemodia-
filtração venovenosa contínua

Benzodiazepínicos

Os benzodiazepínicos são amplamente utilizados em UTIs pois apresentam se-


gurança no uso e a sedação é acompanhada de amnésia. Produzem menor comprome-
timento hemodinâmico que os anestésicos intravenosos. Todos são lipossolúveis em
algum grau, metabolizados pelo fígado e excretados na urina. As doses terapêuticas não
causam depressão respiratória em pacientes saudáveis, porém tal complicação pode
ocorrer em certos pacientes de UTI. No obeso, é sugerido que a dose inicial seja calcu-
lada de acordo com o peso real e a de infusão com o peso ideal44, 45. Devido ao menor
metabolismo, a dose necessária à adequada sedação pode ser diminuída no idoso, na
insuficiência hepática e na insuficiência cardíaca. Ainda que a meia-vida de eliminação
do diazepam seja de 20 a 50 horas contra 2 a 8 horas do midazolam, o tempo de recu-
peração clínica é o mesmo após doses únicas de cada fármaco46. A rápida captação do
diazepam do plasma para o tecido gorduroso explica tal fato.
O lorazepam tem o início de ação mais lento entre os benzodiazepínicos venosos; deve
ser lembrado que a forma injetável do lorazepam não é comercializada no Brasil. Pelo seu
longo tempo de ação, é mais adequado em pacientes que requerem sedação prolongada. O
lorazepam tem metabólitos inativos, mas apresenta menor clearance e maior meia-vida de eli-
minação que o midazolam3. O lorazepam foi identificado como um fator de risco independente

142
que pode contribuir para o desenvolvimento do delirium: pacientes tratados com lorazepam
por mais de 24 horas quase sempre desenvolveram a síndrome subsequentemente47.
O diazepam é o benzodiazepínico menos adequado devido ao risco de superseda-
ção com a administração repetida do fármaco. Infusão contínua deve ser evitada devido
ao risco de sedação prolongada causada pelo acúmulo do fármaco original e de seus
metabólitos hepáticos ativos48.
O midazolam é o benzodiazepínico de escolha para sedação de curta duração
pois é o que tem a maior lipossolubilidade, o início de ação mais rápido e a duração
mais curta entre todos os benzodiazepínicos venosos; é o que apresenta o maior clea-
rance, o que o torna o mais adequado à infusão contínua. Quando a infusão dura mais
que algumas horas pode haver sedação prolongada após a suspensão do agente. Esse
efeito resulta de múltiplos fatores como: acúmulo do agente no sistema nervoso central
– SNC, acúmulo do metabólito ativo (hidroxi-midazolam), especialmente na insuficiência
renal, inibição do citocromo P-450 (envolvido em seu metabolismo) por outras medica-
ções e insuficiência hepática.
A interrupção abrupta da administração de benzodiazepínicos pode produzir sín-
drome de abstinência consistindo de ansiedade, agitação, desorientação, hipertensão,
taquicardia, alucinações e convulsões48. É difícil a previsão do risco de ocorrer a síndrome

Sedação Venosa em Terapia Intensiva


de abstinência. Em pacientes mantidos com infusão de midazolam por muitos dias, a
transição com propofol – em dose média de 25 µg.kg-1.min-1 – 1 dia antes da extubação
planejada pode reduzir a incidência de agitação após a interrupção do sedativo49.
Doses excessivas de benzodiazepínicos podem causar hipotensão e depressão
respiratória. Preparações intravenosas de diazepam e lorazepam contêm o solvente
propileno-glicol para aumentar a solubilidade no plasma. O propileno-glicol pode causar
irritação local nas veias, o que é minimizado pela injeção em veias de grosso calibre.
Um bolus de propileno-glicol pode causar bradicardia e hipotensão; a administração pro-
longada pode levar à agitação paradoxal, acidose metabólica e à síndrome clínica que
mimetiza sepse grave. Quando se suspeita dessa intoxicação deve-se fazer a troca por
midazolam50 ou propofol, que não contêm este solvente1.

Propofol

O propofol é um agonista de curta duração do ácido g-aminobutírico e oferece um


plano de sedação que é facilmente controlável. É um agente sedativo de rápida ação, sen-
do usado para indução e manutenção de anestesia e sedação de curta duração. Seu uso
em UTI deve ser limitado devido ao risco de reações adversas, particularmente hipoten-
são. Causa sedação e amnésia, porém é desprovido de ação analgésica51. Pela sua curta
duração, é administrado em infusão venosa contínua. Mesmo após administração prolon-
gada, quando se interrompe sua infusão o despertar ocorre em 10 a 15 minutos52. Tem
mostrado maior eficácia que o midazolam quanto à qualidade da sedação e menor tempo
entre o término da infusão e a extubação. Em alguns estudos tem se correlacionado ao
menor tempo de permanência na UTI53, enquanto em outros a duração foi a mesma54. Ge-
ralmente, reduz o consumo total de oxigênio pelo organismo e na lesão neurológica reduz
a pressão intracraniana52. Outras condições nas quais o propofol tem sido usado incluem
o status epiléptico refratário55 e o delirium tremens56.

143
O propofol tem alta lipossolubilidade e é suspenso comumente em uma solução de
lipídios a 10% para aumentar a solubilidade plasmática. Essa solução lipídica é quase idêntica
àquela usada em nutrição parenteral e o conteúdo nutritivo da emulsão (0,1 mg de gordura.ml-1
ou 1,1 kcal.ml-1) deve ser considerado como parte do aporte nutricional diário. No obeso, alguns
autores recomendam que a dose deva ser estimada considerando o peso ideal52, 57, enquanto
outros recomendam o cálculo pelo peso real45. Não deverá ser necessário o ajuste de dose
na insuficiência hepática ou renal52. O propofol tem alto clearance, com o metabolismo princi-
palmente pela degradação hepática a glicuronídeos, que são excretados pela urina. Não sofre
acúmulo significativo e a velocidade de infusão deverá ser definida de acordo com a resposta3.
A hipertrigliceridemia ocorre em até 10% dos pacientes, especialmente após 3
dias de infusão contínua. Portanto, níveis séricos de triglicerídios devem ser monitorados
durante infusão prolongada. A hipertrigliceridemia pode provocar falsas reduções in vitro
da saturação arterial ou venosa mista de oxigênio58. A solução a 2% permite sedação com
menor oferta calórica e de volume. A emulsão também promove o crescimento bacteriano
e o emprego de técnica estéril imprópria na sua administração tem resultado em sur-
tos de reações hipertérmicas e infecção de ferida cirúrgica. Para suprimir o crescimento
bacteriano, as preparações comerciais do propofol contêm edetato dissódico (EDTA) ou
metabissulfito de sódio. O EDTA quela o zinco e a suplementação deste elemento deve
ser considerada quando a infusão do propofol dura mais que 5 dias. Reações alérgicas ao
sulfito são raras, porém mais comuns em pacientes com história de asma1, 27.
Anestesia Venosa Total

A síndrome de infusão do propofol é uma idiossincrasia rara, porém frequen-


temente letal. Caracteriza-se pelo início agudo de insuficiência cardíaca, bradicardia,
acidose lática, hiperlipidemia e rabdomiólise. O mecanismo fisiopatológico não é claro;
é provável que haja o comprometimento da oxidação de ácidos graxos e inibição da
fosforilação oxidativa na mitocôndria59. A síndrome está comumente associada à in-
fusão prolongada de alta dose do propofol, sendo descrita inicialmente em pacientes
que receberam infusão acima de 80 µg.kg-1.min-1. Todavia, há casos relacionados com
doses menores60, 61, 62. Embora ocorra em infusões que duram mais que 24 horas, há
diferentes casos descritos que ocorreram em salas de cirurgia, indicando que o início
mais precoce é possível63, 64, 65. O tratamento envolve a imediata suspensão do fármaco,
cuidados de suporte e marcapasso cardíaco quando necessário. A mortalidade supera
os 80% apesar dos esforços terapêuticos.
O propofol não está liberado para crianças abaixo de 3 anos de idade.

Haloperidol

O haloperidol é um sedativo muitas vezes adequado para o uso em pacientes


de UTI devido ao pequeno risco de depressão cardiorrespiratória. É efetivo em acalmar
pacientes com delirium. Produz efeitos sedativos e antipsicóticos, bloqueando recep-
tores dopaminérgicos D2 no SNC; reduz a atividade motora e promove um estado de
indiferença ao meio externo. Após dose intravenosa, a sedação é evidente em 10 a
20 minutos e o seu efeito dura horas. A prolongada duração de ação faz com que o
haloperidol não seja adequado à infusão contínua. A sedação não é acompanhada por
depressão respiratória e hipotensão arterial é incomum, a menos que o paciente esteja
hipovolêmico ou em uso de b-bloqueador.

144
Há ampla variação nos níveis séricos do fármaco após uma determinada dose.
Portanto, se não houver evidência de resposta sedativa após 10 minutos, a dose deve-
rá ser dobrada. Ausência de resposta à segunda dose deverá indicar troca para algum
outro sedativo.
O antagonismo à dopamina nos núcleos da base pode produzir reações extra-
piramidais, fenômeno raro quando o haloperidol é administrado por via venosa. O uso
associado de benzodiazepínicos reduz a incidência dessas reações. O haloperidol deve
ser evitado em pacientes com doença de Parkinson. Os efeitos adversos mais temidos
deste fármaco são a síndrome neuroléptica maligna e a taquicardia ventricular poli-
mórfica conhecida como torsades de pointes. A síndrome neuroléptica maligna é uma
reação idiossincrática rara que se apresenta com hipertermia, rigidez muscular severa
e rabdomiólise. A arritmia torsades de pointes é causada por fármacos que prolongam
o intervalo QT no ECG. Essa reação é relatada em até 3,5% dos pacientes que recebem
haloperidol venoso ou que apresentam história prévia de torsades de pointes.
O haloperidol é metabolizado no fígado gerando metabólitos com atividade míni-
ma; apenas 1% do fármaco é eliminado inalterado na urina.
A clorpromazina tem mecanismo de ação e indicações similares ao haloperidol.
Todavia, ela também apresenta efeitos muscarínicos, noradrenérgicos (a-1 e a-2), his-

Sedação Venosa em Terapia Intensiva


taminérgico (H1), serotoninérgico e inibe a captação de noradrenalina nos nervos sim-
páticos. Assim, a clorpromazina tem um espectro maior de efeitos adversos. Tem ação
sedativa mais fraca que o haloperidol, com incidência maior de depressão respiratória,
sendo raramente administrada em UTI3.

Opioides

A estimulação de receptores opioides promove analgesia, sedação, euforia, mio-


se, depressão respiratória, bradicardia, constipação, náusea, vômito, retenção urinária
e prurido. Conceitos equivocados sobre o potencial de adicção a opioides contribuem
parcialmente para o controle inadequado da dor1. Deve ser considerado que o uso de
opioide em paciente internado não causa adicção66 e que sua dose deve ser determi-
nada pela resposta do paciente ao invés da noção de um limite pré-determinado. No
obeso, a dose deve ser estimada considerando-se o peso ideal do paciente45.
Depressão respiratória e hipoxemia são incomuns quando os opioides são usados cri-
teriosamente1. A analgesia é frequentemente acompanhada por queda da PA e da frequência
cardíaca, efeitos resultantes da redução da atividade simpática e aumento da atividade paras-
simpática. Essas quedas são comumente brandas e bem toleradas, pelo menos na posição
supina. A queda da PA pode ser pronunciada em casos de hipovolemia ou insuficiência cardí-
aca (quando há um aumento da linha de base do tônus simpático), ou quando opioides são
administrados em combinação com benzodiazepínicos. A hipotensão normalmente responde
bem a reposição de volume ou a pequenas doses de vasopressores1.
Os opioides deprimem motilidade intestinal, podendo gerar quadro de expressiva
repercussão clínica no paciente de UTI. Naloxona via oral, em dose de 4 a 9 mg a cada
6 horas, pode antagonizar a hipomotilidade intestinal sem antagonismo ao efeito anal-
gésico sistêmico que doses maiores deveriam produzir1. Alvimopam e metilnatrexona

145
são agentes novos que bloqueiam os receptores µ intestinais enquanto poupam os
receptores do SNC67, 68; provavelmente estarão disponíveis para uso clínico em futuro
próximo. Reduzindo o efeito constipante dos opioides, permitem nutrição enteral mais
precoce e efetiva25.
Opioides podem promover vômito pela estimulação da zona quimiorreceptora do
gatilho na parte inferior do tronco cerebral. Todos se equivalem na habilidade de promo-
ver vômitos, mas quando um agente provoca vômito a troca pode algumas vezes aliviar
os sintomas1. Antieméticos, como a ondansetrona, e baixas doses de antagonistas
podem também aliviar os sintomas.
Opioides são, em geral, metabolizados primariamente no fígado e seus metabó-
litos excretados na urina.

Morfina

A morfina é um opioide ainda muito utilizado em UTIs. Seu emprego é clássico,


servindo de referencial para comparações com outros opioides. Promove liberação de
histamina, o que pode provocar vasodilatação e hipotensão. Tem clearance (16 ml.kg-
1
.min-1) superior ao do fentanil (13 ml.kg-1.min-1) e do alfentanil (6 ml.kg-1.min-1), porém
30% do fármaco é metabolizado em morfina 6-glicuronídeo, composto que é 13 vezes
mais potente que a morfina e tem tempo de ação similar. Um dos metabólitos, a mor-
Anestesia Venosa Total

fina-3-glicuronídeo, pode produzir excitação do SNC levando à mioclonia e convulsão.


Para evitar acúmulo desses metabólitos, a dose de manutenção da morfina deve ser
reduzida em até 50% em pacientes com insuficiência renal.

Fentanil

O fentanil apresenta ação mais rápida que a morfina, não tem metabólitos ativos e
é menos propenso a reduzir a pressão arterial. Sendo 600 vezes mais lipossolúvel que a
morfina, ele é captado muito mais rapidamente no SNC. O resultado é um início de ação
mais rápido, o que permite um ajuste mais precoce da dose de manutenção. Em dose igual a
1/100 da dose de morfina, promove analgesia equivalente1. O fentanil não provoca liberação
de histamina, sendo preferível à morfina no paciente com instabilidade hemodinâmica. Além
do esquema posológico apresentado na Tabela IV, para manutenção da analgesia o fentanil é
mais comumente administrado em infusão contínua, na dose de 0,5-2,0 µg.kg-1.h-1.
O fentanil é metabolizado no fígado em nor-fentanil, metabólito que é inativado
pela hidroxilação2. O fentanil não sofre acúmulo na insuficiência renal.

Remifentanil

O remifentanil apresenta o maior clearance entre os opioides (40 ml.kg-1.min-1),


com meia-vida de eliminação de 3-10 minutos, independente do tempo de infusão.
A eliminação do remifentanil independe da função do rim ou do fígado. Estudos têm
mostrado menor tempo de ventilação mecânica e alta mais precoce da UTI quando se
compara o remifentanil com outros opioides69. Essa vantagem precisa ser avaliada em
conjunto com o maior custo associado ao fármaco.

146
A infusão deve ser iniciada com 0,1-0,15 µg.kg-1.min-1 e ajustada em intervalos
de 5 minutos com incrementos de 0,025 µg.kg-1.min-1 de acordo com a resposta. Se não
for alcançada sedação adequada com 0,2 µg.kg-1.min-1 um sedativo adicional deverá ser
necessário. Há uma característica redução da PAM e da frequência cardíaca, porém es-
ses efeitos são mais significativos em infusões acima de 0,1 µg.kg-1.min-1. Há diversos
relatos de casos de tolerância aguda e sintomas precoces de abstinência70, havendo
necessidade de interrupção mais gradual. Há uma perda muito rápida da analgesia sen-
do necessário o emprego de um analgésico alternativo antes da retirada do remifentanil
quando ainda houver expectativa de forte estímulo doloroso3.

Agonistas a-2

Clonidina

A clonidina estimula receptores a-2 no núcleo reticular lateral do bulbo, reduzindo


a atividade simpática, causando sedação e analgesia profunda sem depressão respi-
ratória. Portanto, é segura em pacientes em ventilação espontânea. É particularmente
útil se a agitação for uma característica da retirada de benzodiazepínicos ou opioides3.

Sedação Venosa em Terapia Intensiva


Além dos efeitos sobre o SNC, pode provocar expressivas alterações hemodinâmicas.
Isso inclui um aumento inicial da PA, seguida por uma queda que é mais prolongada.
Pode ocorrer bradicardia. É administrada em bolus (50-150 µg três vezes ao dia) ou por
infusão. Após a retirada abrupta, pode haver crise hipertensiva de rebote. A meia-vida
de eliminação é de 8,5 horas, 50% dependente do fígado, gerando metabólitos inativos.
O restante é eliminado pelo rim, sendo sua eliminação marcantemente reduzida na
insuficiência renal3.

Dexmedetomidina

A dexmedetomidina é um agonista a2-adrenérgico altamente seletivo que apre-


senta ação ansiolítica, sedativa, analgésica e inibe o tônus simpático. Após uma dose
em bolus do fármaco, a sedação é evidente em alguns minutos e seu efeito dura menos
que 10 minutos. Devido à sua curta duração de ação, a dexmedetomidina é habitual-
mente administrada por infusão contínua. Quando houver risco aumentado de depres-
são respiratória induzida por fármacos, a dexmedetomidina deverá ser um sedativo
particularmente útil1.
Devido à estimulação a-adrenérgica, hipertensão branda em resposta à dose
inicial é observada em 15% dos pacientes. Esse efeito é comumente transitório e pode
ser minimizado aumentando-se o tempo de infusão da dose de ataque para 20 minu-
tos. O tempo de infusão não deve ultrapassar 24 horas. A dose deve ser reduzida em
pacientes com disfunção hepática1.
Efeitos adversos incluem hipotensão arterial em 30% e bradicardia em 80% dos
casos. A bradicardia pode ser severa em pacientes com mais de 65 anos e na presença
de bloqueios cardíacos avançados. Há o risco de “rebote simpático” após a retirada do
fármaco, similar àquela observada com a clonidina. Para minimizar esse risco, o tempo
de infusão não deve ultrapassar 24 horas1.

147
Um estudo gerou informações após a alta hospitalar e mostrou redução do tempo
de delirium ou coma, ao comparar a dexmedetomidina com o lorazepam71. A dexmede-
tomidina está aprovada pelo Food and Drug Administration somente para uso em até 24
horas em pacientes sob ventilação mecânica, em dose não superior a 0,7 µg.kg-1.h-1, o
que limita seu uso em pacientes de UTI. Os autores de um estudo recente – SEDCOM
trial23 – tiveram permissão de usar doses equivalentes ao dobro daquela aprovada e por
um período de até 30 dias de ventilação mecânica, avaliando-se a segurança e eficácia
desse regime de doses. Na comparação com o midazolam, foi observada redução na
incidência de delirium e no tempo de extubação. Todavia, estudo posterior21, que avaliou
a mesma amostra analisada no SEDCOM trial, concluiu que a maior duração do delirium
resultou em aumento do risco de morte e intubação prolongada, porém definiu que este
resultado foi independente quanto ao uso de midazolam ou dexmedetomidina.
De forma similar ao que foi observado em indivíduos saudáveis, pacientes graves
sedados com a dexmedetomidina poderão despertar com mais facilidade, serem mais
cooperativos e se comunicarem melhor do que aqueles que receberam benzodiazepí-
nicos72. Portanto, é necessário especial cuidado na atribuição de maior potencial dos
benzodiazepínicos em induzir delirium em pacientes graves, quando comparados com a
dexmedetomidina; o que poderá estar sendo observado são diferentes perfis da ação
normal dos fármacos.
O seu emprego foi descrito em casos de eclampsia73. Estudos que comparam o
Anestesia Venosa Total

custo da dexmedetomidina com o custo de outros agentes empregados na sedação em


terapia intensiva revelam que os menores tempos de ventilação mecânica, de internação
na UTI e no hospital podem compensar o gasto com a aquisição do fármaco74, 75. Um es-
tudo, que avalia o uso de sedativos sob infusão venosa em 174 UTIs norteamericanas,
revela que o uso da dexmedetomidina passou de 2,0% em 2001 para 7,2% em 2007,
primariamente pelo aumento do uso em pacientes de cirurgia cardíaca76.

Conclusão

Sedar um paciente em UTI atende a diferentes enfoques do atendimento com


qualidade. Promover conforto ao paciente grave extrapola princípios humanitários. A dor
e a ansiedade decorrem de distúrbios causados por diferentes agentes e condições.
Não obstante, dor e ansiedade também causam alterações clínicas77, 78, 79, 80. Causas
e consequências interagem e fecham um círculo vicioso que colabora para complicar a
evolução e agravar o prognóstico.
Cicely Saunders manifestou magnífica expressão definindo que “o sofrimento hu-
mano só é insuportável quando ninguém cuida dele”. A sedação do paciente gravemen-
te enfermo significa mais do que – pelo menos – tornar suportáveis a dor e a angústia
que, de outra forma, poderiam ser insuportáveis. Entende-se que o uso correto da seda-
ção poderá ajudar a romper um círculo vicioso e melhorar o prognóstico clínico daquele
que sofre81, 82. Não obstante, é imprescindível o cuidado para que a sedação não seja
mais profunda e demorada do que o necessário, ou seja, para que suas vantagens não
sejam sobrepujadas pelas desvantagens83, 84.
Sumarizamos esta apresentação considerando os seguintes conceitos:

148
• “Analgesia-primeiro” deverá colaborar para a reduzir a perda cognitiva gerada
por doses excessivas de sedativos;
• Para que sejam evitadas doses excessivas, deve-se suspender regularmente
a sedação e avaliar o nível de consciência, pois é importante que se verifique
a real necessidade do uso de sedativos para que o paciente esteja confortá-
vel; a suspensão diária é a mais recomendada;
• Delirium é diferente do conceito clássico de delírio, tem as mais diversas
origens, podendo, inclusive, estar relacionado ao uso de sedativos;
• Midazolam, lorazepam, propofol, haloperidol, morfina e fentanil são fármacos
utilizados comumente na sedação e analgesia em UTIs, há muitos anos;
• O remifentanil tem uso mais recente; a literatura reserva à dexmedetomi-
dina dados promissores; ambos estão sendo submetidos ao crivo de mais
estudos e experiência clínica para melhor definição de seus papéis nesse
contexto.

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152
Capítulo 14

Anestesia Venosa Total em Pediatria


Daniela Bianchi Garcia Gomes
Débora de Oliveira Cumino
Sérgio Bernardo Tenório

Introdução

A associação de um agente volátil a um opióide é considerada a técnica de


anes­tesia geral mais utilizada pelos anestesiologistas na população pediátrica, há vári-
as décadas. Mais recentemente, no entanto, a anestesia venosa total (AVT) tornou-se
possível, graças ao surgimento de hipnóticos e de opióides que apresentam perfis
farmacocinéticos favoráveis à infusão contínua (curta ½ vida de eliminação e menor
acúmulo no organismo)¹. Novos conceitos farmacocinéticos foram propostos, como o
tempo de ½ vida contexto-sensitivo, que considera a ½ vida de eliminação de uma
droga no contexto da duração de sua infusão, e conceitos farmacodinâmicos, como a
concentração da droga no sítio efetor. Isto proporcionou uma mudança na prática an-
estésica, onde se administrava drogas venosas de modo empírico e intermitente, para

Anestesia Venosa Total em Pediatria


meios cada vez mais precisos de administração contínua, visando obter uma concen-
tração sanguínea determinada.
Mas, apesar da rápida evolução com relação aos conhecimentos da AVT e da in-
fusão alvo-controlada para a manutenção da anestesia na população adulta, sua prática
na pediatria ainda é limitada.

Indicações

A AVT pode ser utilizada na criança como uma alternativa às anestesias inalatória
ou balanceada. Há situações, no entanto, em que a AVT pode ser considerada como a
técnica de eleição. Fazem parte deste grupo as crianças:

• Susceptíveis à hipertermia maligna².


• Com risco potencial de apresentar vômitos incoercíveis no pós-operatório.
• Submetidas a procedimentos neurocirúrgicos visando auxiliar o controle da
pressão intracraniana e a proteção do metabolismo cerebral.
• Submetidas a cirurgias de coluna com estudo do potencial evocado motor e
auditivo³ ou naquelas que se submeterão ao wake-up test.
Esta técnica vem sendo muito utilizada nas crianças que serão submetidas a
procedimentos diagnósticos ou terapêuticos de curta duração onde se preconiza manter
o paciente sob ventilação espontânea e com a via aérea pérvia, ou seja, nas manipu-
lações das vias aéreas onde a intubação traqueal impediria o acesso cirúrgico, nas
endoscopias digestivas, nos procedimentos radiológicos e oncológicos, como punção
lombar e aspiração da medula óssea4, nas cirurgias ambulatoriais e nos procedimen-
tos odontológicos. As unidades de terapia intensiva também utilizam esta técnica para
sedação ou analgesia prolongada5.

153
Vantagens e desvantagens da AVT

Em geral, as drogas utilizadas na AVT são consideradas menos tóxicas aos profis-
sionais da saúde por não poluírem o ambiente de trabalho.
A AVT e os sistemas de infusão alvo controlado podem ser usados para atin-
gir uma concentração no órgão efetor desejada, o que permite uma rápida indução
anestésica e uma maior previsibilidade do plano anestésico, do despertar e da recu-
peração da mesma. Previnem a administração de uma dose desnecessária da droga,
aumentando a segurança da anestesia e facilitando a recuperação dos reflexos prote-
tores da via aérea. Proporcionam uma maior estabilidade cardiovascular6 e uma maior
satisfação da criança e dos pais.
Porém, como qualquer técnica anestésica, a AVT na criança apresenta algumas
desvantagens, como a necessidade de uma veia canulada para a indução da anestesia
e de bombas de infusão compatíveis com a faixa etária, as restrições ao uso do propofol
em crianças menores de 3 anos de idade, a queixa de dor durante a infusão do propofol
e o risco de um controle inadequado da consciência no perioperatório, principalmente
no que se refere à população pediátrica, onde a monitorização da profundidade anesté­
sica não está adequadamente validada.
Como o fluxo sanguineo regional, a composição corpórea e suas propor-
ções variam durante o desenvolvimento. Por isso, a farmacocinética e a farmaco-
Anestesia Venosa Total

dinâmica das drogas acaba sendo mais complexa nesta população, o que impede
a extrapolação direta dos modelos descritos para os adultos. Os modelos farma-
cocinéticos podem estimar o tempo necessário para que a concentração no órgão
efetor (Ce) decline a um nível em particular, mas a Ce exata em que a criança
irá atingir o plano anestésico planejado não é bem conhecida nesta população.
Outro fator limitador para seu uso na população pediátrica é a disponibilidade de
softwares apenas para crianças saudáveis, maiores de 1-3 anos de idade ou de
10-15 Kg do peso corpóreo.

A farmacocinética e a AVT

A AVT, assim como a anestesia inalatória, tem como objetivos principais a ob-
tenção da insensibilidade à dor e da hipnose. Na AVT, este objetivo deve ser atingido
com drogas injetadas na veia em bolus, seguido de uma infusão contínua. Para
que isto ocorra, a droga administrada por via endovenosa deve atingir a circulação
sistêmica, atravessar a ciculação pulmonar e ser distribuída aos órgãos alvos e de-
mais sistemas. Todos estes órgãos e sistemas apresentam fluxo sanguineo variável,
atividade metabólica enzimática e proporções diferentes com relação à gordura e à
água. O volume de distribuição (VD) e o clearance são as duas variáveis farmacociné-
ticas necessárias para se calcular a quantidade inicial da droga (bolus) e a quantidade
infundida.
O VD corresponde ao volume aparente em que a dose administrada de um certo
fármaco se mistura para atingir dada concentração. Seu valor é obtido dividindo-se o
bolus da droga pela concentração:

154
V D = BOLUS/CONCENTRAÇÃO

Por exemplo, se após a injeção venosa de um bolus de 400mg de uma substân-


cia for obtida uma concentração sanguínea de 2mg/mL, tem-se um VD de 200mL.
Desta forma, se o VD de uma determinada droga é conhecido, pode-se calcular o bolus
necessário para se obter a concentração escolhida através da fórmula:

BOLUS = VD x CONCENTRAÇÃO

Com um VD de 200mL obtém-se uma concentração de 2mg/mL de uma droga


administrando-se um bolus de 400mg.
No entanto, com um bolus da droga obtém-se, apenas, a concentração inicial.
Para que se consiga manter esta concentração, é necessário infundi-la continuamente
em velocidade idêntica à da eliminação.
O clearance (Cl) é a variável farmacocinética utilizada no cálculo da velocidade
de infusão. É definido como o volume de sangue que é totalmente depurado de uma
droga em um determinado tempo. Como a eliminação de uma droga segue um mo­
delo exponencial, uma constante K de eliminação pode ser calculada. Desta forma,

Anestesia Venosa Total em Pediatria


o clearance de uma droga é obtido com o produto da constante K pelo volume de
distribuição.

CLEARANCE = K x VD0

Modelo monocompartimental

No modelo monocompartimental (Figura 1), calcula-se o bolus e a velocidade


de infusão de uma droga de modo simples, bastando conhecer o VD e o clearance,
ou a sua constante de eliminação K. Por exemplo, uma droga com clearance de
10mL/min e uma concentração sanguínea de 2mg/mL será eliminada do sangue
na velocidade de 20mg/min. Ou seja, como a cada minuto toda a droga (10mL) é
eliminada do sangue e como há 2mg da droga em cada mL, são perdidos, a cada
minuto, 20mg da droga. Portanto, a velocidade de infusão deverá ser de 20mg/min
para ser mantida a concentração de 2mg/mL. Logo, a infusão pode ser represen-
tada pela fórmula:

Infusão = Clearance x concentração desejada

ou

Infusão = K10 x VD x concentração desejada

No modelo monocompartimental, para que a concentração do fármaco seja man­


tida inalterada no sangue, é necessário que a velocidade de infusão seja igual ao mon­
tante eliminado.

155
Infelizmente, a maioria das drogas utilizadas em medicina não segue este mo­
delo monocompartimental. Em geral, as drogas anestésicas, e, em particular, as drogas
utilizadas na AVT, seguem um modelo tricompartimental.

Figura 1 - Modelo monocompartimental.


Anestesia Venosa Total


Modelo tricompartimental

O modelo tricompartimental pressupõe que a droga injetada em um comparti-


mento central se distribua para outros dois compartimentos 2 e 3 (Figura 2 ). No modelo
tricompartimental, bem como no modelo monocompartimental, a velocidade de infusão
pode ser dada pela fórmula:

Infusão = K10 x VD x concentração desejada

Porém, neste modelo, há alguns fatores complicadores para o cálculo da veloci-


dade de infusão. O principal deles é a existência de diversos clearances (portanto, de
vários K), uma vez que a droga, quando migra de um compartimento central 1 (sangue,
cérebro e fígado) para os compartimentos periféricos 2 (orgãos e tecidos bem perfun-
didos: músculos e vísceras) e 3 (órgãos e tecidos pobremente perfundidos), está sendo
“eliminada” do compartimento central e, quando ela retorna dos compartimentos per-
iféricos, está sendo “infundida” novamente ao compartimento central. Com isso, para
o cálculo da infusão da droga, é preciso conhecer os vários valores das constantes K
entre os três recipientes, além da constante K de eliminação (K10).
Uma das principais contribuições da farmacologia para o desenvolvi-
mento da AVT foi o cálculo das constantes de eliminação e de transferência
entre os diversos compar timentos do organismo. Os sofisticados programas
de computador incorporados em bombas de infusão tornaram possível a pro-
gramação de taxas de infusão necessárias para que se obtenha concentração
desejada.

156
Figura 2 - Modelo tricompartimental. Neste modelo, as drogas se comportam como se o organismo fosse
composto por 3 compartimentos: V1= compartimento central, V2 e V3= compartimentos periféricos.

Anestesia Venosa Total em Pediatria


AVT na população pediátrica - a farmacocinética na criança

Para entendermos o que muda na anestesia venosa total nesta faixa etária, é fun-
damental conhecer algumas peculiaridades relacionadas ao desenvolvimento fisiológico
e os fatores que interferem com os modelos farmacocinéticos, como a distribuição e a
eliminação das drogas.
Na população pediátrica ocorrem diversas alterações fisiológicas (na composição da
água e da gordura, na concentração de proteínas, no débito cardíaco, na atividade meta-
bólica e na capacidade de eliminação) que decorrem do desenvolvimento normal da idade, o
que leva a uma grande variabilidade interindividual da farmacocinética e da farmacodinâmi-
ca, dificultando a utilização dos modelos farmacocinéticos desenvolvidos para os adultos6.
As alterações que podem influenciar a farmacocinética e o metabolismo das
drogas seguem o processo de maturação dos órgãos e dos sistemas. Esse processo
pode ser dividido em, basicamente, três períodos, que vão do nascimento aos 15 anos
de idade. No período neonatal, as doses de anestésicos para atingir e manter a con-
centração alvo desejada devem ser, em geral, menores. Durante a infância (que corres­
ponde aos dois primeiros anos de vida) ocorre, por um lado, um aumento progressivo no
volume de distribuição (VD) e, por outro, uma rápida maturação do clearance. Portanto,
a dose (por unidade de Kg de peso corpóreo) necessária para atingir e manter a concen-
tração alvo desejada deve ser maior que a do adulto. Essas características também são
encontradas na criança na fase pré-puberal (dos 3 anos à puberdade), onde os volumes
são duas vezes maiores e o clearance intercompartimental 50% maior que o dos adul-
tos. Após a puberdade, os valores se assemelham aos do adulto.
Se, por um lado, as crianças saudáveis geralmente necessitam de doses maiores
de agentes intravenosos por unidade de peso corpóreo, e de elevadas taxas de infusão
para a manutenção das suas concentrações quando comparadas aos adultos, por outro

157
lado, os neonatos imaturos e as crianças em mal estado geral ou com disfunção de
órgãos podem precisar de doses menores da droga. Ou seja, o volume aparente em
que as drogas se distribuem variam individualmente entre as crianças, entre a mesma
criança nos diferentes estágios de desenvolvimento e entre as drogas5.
Atualmente, foram descritos diversos modelos farmacocinéticos em pacientes
de diferentes idades (Marsh e Kataria) que possibilitam o uso da AVT neste grupo de
pacientes.

Drogas e técnicas

As drogas mais comumente usadas para a AVT incluem: propofol, remifentanil,


alfentanil, sufentanil, cetamina, midazolam e, mais recentemente, a dexmedetomidina.
Os agentes com menores meia vida de eliminação são os que apresentam um
melhor perfil para infusão contínua. Dentre os hipnóticos, o Etomidato possui um perfil
adequado ao uso pediátrico, porém seu uso não é liberado para crianças abaixo de 10
anos de idade e sua utilização em infusão contínua determina alterações na liberação
do cortisol, promovendo depressão adrenocortical.

O propofol em infusão alvo controlada


Anestesia Venosa Total

Com os dados farmacocinéticos do propofol disponíveis para o paciente


pediátrico de diversas idades, foi possível o desenvolvimento de bombas de infusão
eletrônicas comandadas por softwares nos mesmos moldes das utilizadas nos pa-
cientes adultos7. O Paedfusor®, bomba de infusão alvo-controlada8,9 destinada es-
pecificamente ao paciente pediátrico, permite predizer a Ce do propofol, e prover
uma relação concentração-efeito com maior acurácia. Este modelo foi utilizado em 29
crianças com idades entre 1 e 15 anos submetidas a anestesia geral com propofol.
Observou-se boa correlação entre as concentrações previstas pelo modelo teórico e
as concentrações obtidas com a infusão com o equipamento. Esta correlação foi su-
perior à observada com o Diprifusor® utilizado nos adultos10. Recentemente foram de-
senvolvidas outras bombas de infusão alvo-controlada, mais apropriadas ao paciente
pediátrico que, baseados no modelo Paedfusor®, permitem atingir a Ce utilizando
seringas genéricas como, por exemplo o Alaris PK®.
Apesar dos modelos pediátricos permitirem a programação de uma dose em bo-
lus da droga, o tempo para que a mesma atinja o pico de concentração plasmática tem
sido demonstrado ser maior na criança que nos adultos (132 x 89 segundos, respecti-
vamente)11.

Peculiaridades do propofol na criança

Pelas suas qualidades farmacocinéticas, o propofol tem sido considerado o hip-


nótico de escolha para anestesia venosa total em crianças, estando associado a muitas
vantagens clínicas, como uma menor incidência de náuseas e vômitos no pós-opera­
tório12,13 e menos episódios de delirium do despertar, quando comparado à anestesia
inalatória14. O propofol pode ser usado com sucesso para sedação, para procedimentos

158
sob ventilação espontânea e para procedimentos de curta duração15. Seus efeitos no
sistema cardiovascular e no sistema nervoso central já estão bem documentados. A
hipotensão arterial é menos intensa nesta faixa etária, devendo-se tomar cuidado nas
crianças com cardiopatias congênitas cianóticas. No sistema respiratório, os efeitos de
sua administração em bolus são menos descritas nesta população, mas pode causar
depressão dose-dependente da ventilação minuto devido a sua ação na resposta dos
quimioreceptores a PaCO216.
Por não apresentar poder analgésico, é necessário sua associação com outros
agentes que apresentam este poder de ação.
Crianças saudáveis apresentam um VD 50% maior que o dos adultos e um
clearan­ce que pode ser duas vezes maior16, necessitando, portanto, de maiores quanti-
dades de propofol quando comparadas aos adultos, tanto para a indução (3 a 5mg/kg
versus 2 a 3mg/kg) quanto para a manutenção da anestesia. No entanto, as diferenças
no débito cardíaco, que podem afetar a distribuição da droga entre os compartimentos
e a alteração na eliminação desta pelos rins e pelo fígado, devem ser consideradas.
Como o sistema nervoso central é o órgão alvo para a ação hipnótica do propo-
fol, ele é conhecido como sítio efetor. O tempo necessário para que a concentração do
propofol no sítio efetor (Ce) se equilibre com a concentração plasmática (Cp) após um

Anestesia Venosa Total em Pediatria


bolus da droga é de aproximadamente 4 minutos. Conforme demonstrado por McCor-
mack17 na figura 3, grandes variações da Cp levam a pequenas variações na Ce. Esta
informação permite ao anestesista titular a taxa de infusão para minimizar os efeitos
indesejáveis decorrentes de sua rápida administração, como a depressão respiratória.
Sua infusão de forma mais lenta não altera o tempo para uma anestesia efetiva.

0
00:00 01:00 02:00 03:00 04:00 05:00 06:00 07:00

Fig 3 - Ce e Cp predito após uma dose em bolus de 5 mg/kg em criança de 20 Kg seguido de uma taxa de
infusão de 200-1000 ml/h. Adaptado da referência 03.

159
O esquema descrito por Roberts, Tackley e colaboradores para adultos saudáveis
(dose bolus de 1 mg/kg EV seguido de taxa de infusão de 10 mg/kg/h por 10 minutos,
8 mg/kg/h nos próximos 10 minutos seguidos de 6mg/kg/h, permite manter a concen-
tração plasmática de propofol em torno de 3 mcg/ml5, sendo altamente efetivo para esta
população, permitindo atingir o sitio efetor de forma rápida, manter a Cp durante a fase de
redistribuição da droga e, prevenir o acúmulo do propofol nos compartimentos periféricos
ao se trabalhar com taxas de infusão menores. Mas, quando este mesmo esquema foi
utilizado em crianças de 1 ano de vida e 10 kg, através do Paedfusor®, a concentração
atingida da droga foi de aproximadamente 2 mcg/kg, diminuindo com o passar da infusão,
permanecendo, desta forma, abaixo da concentração considerada efetiva.
Um estudo demonstrou que para se obter concentrações plasmáticas de 3mcg/mL de
propofol em crianças com idades entre 3 e 11 anos, após um bolus da droga, foi necessário
infusão de quantidades 50% maiores que as doses administradas nos pacientes adultos18 e
taxas de infusão de “19, 15 e 12mg/kg/h” a cada 10 minutos, conforme tabela I.

Tabela I - Infusão de propofol necessária para manter


concentrações plasmáticas de 3 mcg/kg.

Infusão/hora de propofol para se manter concentrações


plasmáticas de 3mcg/kg em crianças com idades entre 3 e 11 anos
Anestesia Venosa Total

0-15min 15-30min 30-60min 1-2h >2h

Dose 15mg/kg 13mg/kg 11mg/kg 10mg/kg 9mg/kg

Este estudo mostrou ainda uma ½ vida contexto sensitiva do propofol maior que
em adultos. Após uma infusão de 1hora e 4 horas a ½ vida do propofol foi de, respec-
tivamente, 10,4min e 19,6 min. Dados da literatura citam os valores de 6,7 min e 9,5
min na população adulta quando avaliada neste mesmo tempo (Figura 4).

Figura 4 - ½ vida contexto-sensitiva na criança e no adulto. Adaptado da referência 18.

160
Outra pesquisa analisou a resposta clínica em 2271 crianças, com idades inferio­
res a 3 anos, após um estudo piloto em 50 crianças que receberam diversas doses
de propofol em infusão contínua. Os autores observaram que as crianças com idades
inferiores a 1 ano necessitaram de maiores doses do propofol para o mesmo efeito
clínico7 (Tabela II). O despertar foi mais rápido nas crianças com idades entre 1 e 3
anos (11,2 min) e mais lento nas crianças com idades entre 0 e 6 meses (26 min). Os
efeitos colaterais observados nesta longa série de pacientes foram considerados pelos
autores de menor importância.

Tabela II – Esquema de dose de propofol em crianças


menores de 3 anos. Adaptado da referência 07.

Esquema de dose para propofol em crianças menores que 3 anos

0-10min 10-20min 20-30min 30-40min 1a hora Demais

< 3meses 25 20 15 10 5 2,5


3-6meses 20 15 xx xx 5 2,5
6-12meses 15 10 xx xx 5 2,5
1-3anos 12 9 xx xx xx 6

Anestesia Venosa Total em Pediatria


Dose em mg.kg-1.h-1. xx- não mensurado

Opióides

Vários opióides podem ser utilizados em infusão contínua. No entanto, o remifen-


tanil é o que apresenta as características farmacocinéticas ideais para a AVT.
O remifentanil apresenta rápido início de ação (em aproximadamente 5 minutos,
80% da sua concentração desejada já se encontra no sítio efetor) e pequeno VD. É uma
droga facilmente titulável e rapidamente metabolizada pelas esterases plasmáticas e
teciduais, independente dos fluxos sanguíneos renais e hepático, o que o torna um
excelente adjuvante ao propofol na AVT. Promove um rápido equilíbrio entre o compar-
timento central e o sítio efetor (t1/2 Ke0). Sua alta solubilidade lipídica proporciona um
rápido equilíbrio através da barreira hematoencefálica11. Apresenta meia vida contexto
sensitiva extremamente curta (3-5 min) e meia vida de eliminação também curta (< 6
min). A capacidade de ação das esterases teciduais é enorme, sugerindo que sua elimi-
nação ocorra a uma taxa constante, apesar da duração da infusão16.
Apesar do seu volume de distribuição ser maior nos neonatos e lactentes (diminu-
indo com o desenvolvimento), seu clearance é maior nesta população (também diminu-
indo com o passar da idade), desta forma, sua meia-vida de eliminação não é alterada
e mantém-se semelhante em todas as faixas etárias.
Seu metabolismo independe da função hepática e renal e pode ser usado com
segurança, mesmo no período anepático do transplante hepático ou no fígado imaturo.
As esterases teciduais estão presentes e completamente maduras ao nascimento.
Sua farmacocinética não se altera em crianças com deficiência da pseudocolinester-
ase. A hidrólise pelas esterases plasmáticas e teciduais inespecíficas gera um metabólito
praticamente inativo. Assim, a meia vida contexto sensível é pequena e não se altera após

161
infusões prolongadas nas crianças, diferente dos demais opióides19, conforme demonstra-
do na tabela III. O clearance do fentanil, do alfentanil e do sufentanil estão reduzidos em
neonatos e infantes devido à imaturidade hepática ou à limitada capacidade dos demais sis-
temas enzimáticos. Estas características farmacocinéticas estão em nítido contraste com
o perfil farmacocinético de outros opióides, tornando o remifentanil uma boa opção para
o uso em infusão contínua na população pediátrica. O sinergismo farmacocinético entre o
propofol e o remifentanil tem sido bem descrito e uma relação dose-dependente é evidente.

Tabela III - ½ vida contexto sensitiva dos opióides nas crianças (minutos).

1/2 VIDA CONTEXTO-SENSITIVA DOS OPIÓIDES NA CRIANÇA


(min)
Duração da infusão (minutos)
Opióides 10 100 200 300 600
Remifentanil 3a6 3a6 3a6 3 a6 3a6
Alfentanil 10 45 55 58 60
Sufentanil 20 25 35 60
Fentanil 12 30 100 200
Anestesia Venosa Total

A associação do propofol aos opióides pode tanto afetar a distribuição e a elimi-


nação dos opióides ao alterar o fluxo sanguineo regional e ao competir com enzimas
semelhantes, como promover um efeito poupador do propofol. Isto é particularmente
importante na população pediátrica ao diminuir a necessidade de grandes doses de
propofol e de grandes cargas de triglicerídeos de cadeia-longa, relacionado com a sín-
drome de infusão do propofol. O óxido nitroso e baixas doses de anestésicos voláteis
também agem sinergicamente com o propofol e os opióides.
Esquemas simples de infusão manual podem ser utilizados para os opióides,
conforme tabela IV5.

Tabela IV - Esquema de infusão manual de opióides. Adaptado da referência 05.

Droga Dose de ataque Taxa de infusão Concentração plasmática


(μg/kg) (μg/kg/min) (ng/ml)

Alfentanil 10-50 1-5 50-200


Remifentanil 0,5-1,0 0,1-0,5 5-10
(por 1-3 min)
Sufentanil 0.1-0.5 0.005-0,01 0.2 ng/mL sedação e analgesia
µg/kg µg/kg/min

1-5 µg/kg 0.01-0.05 µg/kg/min 0.6-3.0 ng/mL anestesia


Fentanil 1-10 0,1-0,2 ---

162
Cetamina

O grande clearance e a curta meia-vida contexto-sensitiva para infusões abaixo de


2 horas de cetamina racêmica em crianças tornam este fármaco uma boa escolha como
agente sedativo ou anestésico para procedimentos de curta duração.
A cetamina pode ser usada em bolus na dose de 1-2 mg/kg seguida de infusão
de manutenção de 0,1- 2,5 mg/kg/h. Dependendo do estado desejado (se analgesia,
sedação ou anestesia) pode ser adicionado bolus de 1–2 mg/kg ou, aumentada a taxa
de manutenção em mais 0,2 mg/kg/h.

Midazolam

O midazolam é utilizado em crianças para indução anestésica, como sedativo e, prin-


cipalmente, como medicação pré-anestésica, por possuir potentes propriedades ansiolíticas,
sedativas e amnésicas. Uma dose lenta em bolus de até 0,1 mg/kg, seguido por uma taxa de
infusão de 0,1 mg/kg/h, proporciona um grau de sedação basal, carecendo, muitas vezes, de
ajustes e doses adicionais. No entanto, deve-se ter cuidado com a dose em bolus em recém-
nascidos, lactentes e em crianças em estado crítico, pois a profundidade da sedação pode ser
extremamente variável, além de poder causar hipotensão. Sua meia vida de eliminação em

Anestesia Venosa Total em Pediatria


crianças é de 1,45 h ± 0,5, com taxa de eliminação variando entre 4,83 a 11,2 mL/kg/min.

Dexmedetomidina

É um alfa-2 agonista altamente seletivo, com propriedades ansiolíticas, sedativas e an-


algésicas. Não produz depressão respiratória e promove estabilidade hemodinãmica quando
administrado em infusão contínua, exceto em crianças hipovolêmicas ou com bloqueio cardíaco.
Apresenta um compartimento central (V1) de 1L/kg, ligação proteica de 93% e
clearance de 13mL/kg/min20.
A tabela V apresenta um esquema simples de infusão manual dos hipnóticos e
sedativos mais comumente utilizados em pediatria.

Tabela V - Esquema manual de infusão para hipnóticos e


sedativos mais comumente usados em pediatria.

Droga Bolus Manutenção Observação


Propofol 1 mg/kg 10 – 8 - 6 mg/kg/h* Concentração de 3 µg/ml no
adulto e de 2 µg/ml na criança
Propofol 1 mg/kg 113 – 11 - 9 mg/kg/h** Concentração de 3 µg/ml
na criança
Cetamina 1-2 mg/kg 0.1-2.5 mg/kg/h Menor dose para sedação
e analgesia
Midazolan 0.05-0.1mg/kg 0.1-0.3 mg/kg/h Dose maior para anestesia
*Iniciar com 10 mg/kg/h e diminuir o ritmo de infusão para 8 e 6 a cada 10 minutos, mantendo posterior-
mente em 6 mg/kg/h até o término.
** Iniciar com 13 mg/kg/h e diminuir o ritmo de infusão para 11 e 9 a cada 10 minutos, mantendo posterior-
mente em 9 mg/kg/h até o término.

163
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164
Capítulo 15

Náuseas e Vômitos No Pós-operatório

Itagyba Martins Miranda Chaves


Leandro Fellet Miranda Chaves

Introdução

Mais de 75 milhões de pessoas são submetidas à anestesia anualmente em


todo o mundo1 com uma incidência de 20 a 30% de náuseas e vômitos no pós-operató-
rio (NVPO), mas que pode chegar a até 70% a 80% em pacientes de alto risco2. São, por-
tanto, as complicações mais frequentemente observadas após a cirurgia3. Estima-se
que 0,2% de pacientes em regime de curta permanência/ambulatorial (CP) experimen-
tam NVPO intratáveis4. Muitos consideram esses sintomas tão ou mais desagradáveis
que a própria dor pós-operatória2. Cada episódio de vômito retarda a alta da Sala de
Recuperação Pós Anestésica (SRPA) em cerca de 25 minutos4. Contribuem para recu-
peração mais prolongada, maior permanência no leito hospitalar, aumento dos custos

Náuseas e Vômitos no Pós-operatório


e constituem a principal causa de re-internação após procedimentos de CP1. Em casos
mais graves, podem ocasionar fadiga muscular, rotura de esôfago, fratura de costelas,
enfisema subcutâneo, pneumotórax, aumento de tensão em fios de sutura com risco
de deiscência, aumento da pressão intracraniana (PIC), pneumonia aspirativa, anorexia,
desidratação e desequilíbrio hidroeletrolítico3-4.

Fisiopatologia

Náusea é definida como uma sensação subjetiva e desagradável, referida na fa-


ringe e abdome superior, associada ao desejo de vomitar. É usualmente acompanhada
de perda do tono gástrico, contração duodenal e refluxo do conteúdo intestinal para o
estômago. O vômito é a expulsão forçada do conteúdo gástrico através da boca, e é
acompanhado por forte e sustentada contração dos músculos abdominais, abaixamento
do diafragma e abertura do cárdia. Vômito seco é definido como contrações espasmó-
dicas e rítmicas dos músculos respiratórios incluindo o diafragma, músculos da parede
torácica e abdominal, sem a expulsão do conteúdo gástrico3.
O ato do vômito envolve três fases. A fase de pré - ejeção ou prodrômica é
caracterizada por sensação de náusea associada a sinais autonômicos de sudorese
fria, vasoconstricção, palidez, taquicardia e dilatação pupilar, mediados pelo simpático
e salivação, mediada pelo parassimpático. Esta fase é usualmente, mas não invaria-
velmente, seguida da fase de ejeção, que é representada pelo vômito seco ou vômito
propriamente dito. A contração dos músculos retos abdominais e do oblíquo externo, o
relaxamento do esfíncter esofagiano, o aumento da pressão intra-gástrica, a transmis-
são do aumento da pressão abdominal para o tórax, a peristalse reversa e a abertura da
boca resultam na expulsão do conteúdo gástrico, constituindo o ato do vômito propria-
mente dito. Os dois eventos motores que ocorrem no trato gastrointestinal (TGI) são de
particular interesse no reflexo do vômito: o relaxamento gástrico, servindo para confinar

165
ao estômago a toxina ingerida oralmente e a contração intestinal retrógrada, para retor-
nar qualquer conteúdo duodenal ao estômago, tornando-o mais disponível para ejeção.
A fase de pós-ejeção consiste em respostas autonômicas e viscerais que promovem o
retorno do organismo à fase quiescente, com ou sem náuseas residuais3.
A complexidade deste mecanismo é controlada pelo centro do vômito (CV), loca-
lizado na formação reticular parvocelular do bulbo, próximo ao núcleo do trato solitário
(NTS) e ao centro motor dorsal do nervo vago3, que é o responsável pela coordenação
da resposta eferente motora que integra as musculaturas respiratória e abdominal no
ato do vômito4. Este reflexo tem diversas vias aferentes que levam os estímulos eméti-
cos ao CV, podendo ser de origem periférica ou central.
As vias periféricas têm origem no TGI e o nervo vago (seguido de alguns aferentes
simpáticos) é o principal envolvido. Existem dois tipos fundamentais de fibras aferen-
tes: os mecanorreceptores4, localizados na parede muscular do intestino, podendo ser
ativados por contração ou distensão do TGI, e os quimiorreceptores4, localizados na
mucosa da parte mais alta do intestino, estimulados por irritações locais, soluções
ácidas, alcalinas, hipertônicas, temperatura ou fármacos, como a cisplatina e alguns
anestésicos3. Os estímulos eméticos originados em vísceras abdominais são transmi-
tidos através de aferentes vagais e simpáticos para o sistema nervoso central (SNC).
São eles, entre outros: tração visceral, obstrução intestinal, inflamação aguda (como
apendicite), íleo paralítico, dor visceral e doenças cardíacas como infarto agudo do
Anestesia Venosa Total

miocárdio e insuficiência cardíaca. Um fator comum na maioria destas situações é o


retardo no esvaziamento gástrico, resultando em distensão gástrica e aferência impor-
tante para o CV. Outros aferentes periféricos incluem estímulos provenientes da faringe
e mediastino. A informação obtida na periferia é transmitida pelos aferentes ao NTS e
à área postrema do bulbo3.
Também foi descrito um detector de estímulos aferentes no tronco cerebral (por-
tanto, de origem central) que é capaz de estimular diretamente o CV: a Zona Quimior-
receptora Gatilho (ZQG), localizada justamente na área postrema do bulbo, adjacente
ao 4º ventrículo. Esta região é altamente vascularizada, com capilares altamente fenes-
trados, facilitando a penetração de substâncias circulantes no cérebro. Além disso, a
barreira hematoencefálica neste local é quase ausente, não é efetiva, e a ZQG pode ser
facilmente estimulada por substâncias e toxinas circulantes no sangue ou no líquor3.
Outros aferentes centrais são representados por estímulos visuais, olfativos,
gustativos e a porção vestibular do VIII par craniano. O aparelho vestibular é importan-
tíssimo na indução de vômitos estimulados pelos movimentos, as denominadas cineto-
ses. Acredita-se que movimentos como a remoção do paciente da mesa cirúrgica para a
maca, a deambulação ou o retorno para casa dentro de um veículo após procedimento
de CP5 podem desencadear estímulo num sistema vestibular já sensibilizado por agen-
tes anestésicos, contribuindo para um aumento na incidência de NVPO3.
Distúrbios orgânicos como hipotensão severa (hipoperfusão da ZQG e CV), cefa-
léia (enxaqueca), hipóxia (estímulo de quimiorreptores carotídeos e também diretamen-
te do CV), elevação da PIC, otite média e alterações vasculares do labirinto são capazes
também de ativar a via aferente cortical (Figura 1)3,7.
O CV mantém conexões neuroanatômicas com as vias motoras responsáveis
pela resposta eferente somática e visceral do ato do vômito. Os estímulos eferentes

166
deixam o CV através do V, VII, IX, X e XII pares cranianos até o TGI e, através de nervos
espinhais, até o diafragma e musculatura torácica e abdominal, promovendo a fase de
ejeção previamente descrita3.
Múltiplos neurotransmissores (NT) e seus respectivos receptores estão envolvi-
dos na transmissão de impulsos à ZQG e CV e são os principais alvos da profilaxia e
terapia antiemética farmacológica multimodal4. Entre os NT encontrados, destacam-se
a acetilcolina, dopamina, serotonina ou 5 - hidroxitriptamina (5 - HT), histamina, subs-
tância P e outras neurocininas, além de encefalinas e opióides. Receptores colinérgicos
muscarínicos (M2) e de histamina (H1) são encontrados principalmente no labirinto e
núcleo vestibular, participando ativamente da gênese das cinetoses. A área postrema
é rica em receptores dopaminérgicos (D2), serotoninérgicos do subtipo 3 (5 - HT3) e de
opióides. O NTS por sua vez, é rico em receptores M2, H1, de encefalinas e de neuro-
cininas (NK - 1)4.
Na periferia, receptores D2 nas paredes da mucosa do estômago e intestino são
estimulados pela dopamina e, além do estímulo aferente para ZQG e CV, retardam o
esvaziamento gástrico, contribuindo para distensão e gastroparesia. Receptores 5 - HT3
existem também na periferia e são altamente sensíveis à secreção de serotonina pelas
células enterocromafins do TGI, constituindo importante aferência periférica aos cen-

Náuseas e Vômitos no Pós-operatório


tros superiores3-4. Drogas como a cisplatina e situações como cirurgias abdominais cau-
sadoras de isquemia em território esplâncnico e mesentérico são potentes estímulos
para secreção de 5 - HT pelas células enterocromafins, portanto com grande potencial
emetogênico3-7 (Figuras 1 e 2).

Figura 1 - Mecanismos relacionados a náuseas e vômitos. Traços (- - -): vias neuronais; pontilhados (...): fato-
res associados a NVPO; linhas (¬¬__): locais de ação dos antieméticos7.

167
Figura 2 - Representação esquemática da ZQG, CV, NTS, receptores, agonistas e antagonistas envolvidos no
reflexo do vômito (5-HT3 = serototina; Ach = acetilcolina; H1 = histamina; NK-1= neurocinina ou substância
P; D2= dopamina)4:
Anestesia Venosa Total

Diretrizes para o manuseio de nvpo

Em dezembro de 2007, foram publicadas Diretrizes para o Manuseio de NVPO


por uma força - tarefa organizada pela Sociedade Americana de Anestesia Ambulatorial.
Este consenso representa uma atualização, baseada em evidências, das diretrizes de
2003 e continua vigente, até a presente data8. São elas:

Primeira diretriz : identificando pacientes de risco para nvpo

Estimando-se os riscos individuais para NVPO, podemos identificar os pacientes


que mais se beneficiarão da profilaxia antiemética. Os principais fatores de risco estão
evidenciados na Tabela I.
O sexo feminino é o preditor mais importante de NVPO e do uso de antieméticos
de resgate9. A razão ainda não é completamente esclarecida, mas permanece após a
menopausa9.
Indivíduos frequentemente experimentam náusea quando fumam seu primeiro
cigarro, um efeito agudo e estimulante da nicotina, porém o uso crônico diminui a
incidência destes eventos à metade quando comparados aos não - fumantes no pós-
operatório. O mecanismo não é totalmente elucidado; acredita - se que o cigarro des-
sensibiliza os indivíduos aos estímulos eméticos9.
Alguns estudos apontam, secundariamente, fatores como pacientes jovens,
presença de ansiedade, história de enxaqueca, classificação ASA I, presença de sangue
ou secreções no estômago e dor pós-operatória (principalmente de origem pélvica ou
visceral)4 como de risco, porém com menores evidências8.

168
Tabela I - Fatores de risco para NVPO em adultos8.

Relacionados ao paciente: os mais importantes são:


Sexo feminino (estudo randomizado e controlado)
Não fumantes (estudo randomizado e controlado)
História anterior de NVPO / cinetoses (estudo randomizado e controlado)

Relacionados ao ato anestésico: os mais importantes são:


Uso de anestésicos voláteis (estudo randomizado e controlado)
Uso de óxido nitroso (revisão sistemática)
Uso intra (revisão sistemática) e pós-operatório de opióides (estudo rando-
mizado e controlado)

Relacionados ao ato cirúrgico:


Duração da cirurgia (cada 30 minutos de cirurgia aumentam o risco basal
de NVPO em 60%. Se o risco basal é de 10%, após 30 minutos ele aumen-
ta para 16% e assim sucessivamente)

Náuseas e Vômitos no Pós-operatório


Tipos de cirurgia: laparoscopias, laparotomias, neurológicas, cabeça e
pescoço, cirurgias de mama, plásticas estéticas, maxilofaciais, ginecológi-
cas, oftalmológicas (principalmente correção de estrabismo) e urológicas
(estudo prospectivo observacional)

O efeito emetogênico dos anestésicos inalatórios e dos opióides parece


ser dose dependente. Procedimentos cirúrgicos de longa duração sob aneste-
sia geral com grande exposição a agentes voláteis e alto consumo de opióides
pós-operatórios estão associados a um aumento considerável na incidência de
NVPO 8.
Alguns estudos sustentam que o tipo de cirurgia é um fator causal direto e inde-
pendente de NVPO, outros assinalam controvérsias em relação a este fato, portanto
existem ainda dúvidas a este respeito8.
Outros fatores de risco não são considerados independentes, mas podem au-
mentar o risco basal se associado a outros, como ansiedade, obesidade e antagonismo
neuromuscular com neostigmine em doses > 2,5mg8.
Modelos simplificados como os de Apfel et al.8 para adultos e Eberhart et al.8
para crianças mostram utilidade para a estratificação do risco de NVPO nestes grupos
de pacientes (Tabelas II e III).
Quando 0, 1,2,3 ou 4 critérios estão presentes, a incidência de NVPO é,
respectivamente, 10%, 20%, 40%, 60% ou 80%, independentes de qualquer outro
preditor.

169
Tabela II - Critérios de Apfel et al.8 para estratificação
do risco de NVPO em adultos.

Fatores de risco Pontos


Sexo feminino 1
Não fumantes 1
História de NVPO/ cinetoses 1
Uso de opióides 1
Total 0 ... 4

Em crianças, a dificuldade de avaliação de um sintoma tão subjetivo como náu-


sea foi responsável pela escassez de estudos consistentes sobre este parâmetro, de
modo que a diretriz em questão apresenta apenas consenso sobre vômitos pós-opera-
tórios (VPO) nesta faixa etária8.
Quando 0, 1,2,3 ou 4 critérios estão presentes, a incidência de VPO é, respecti-
vamente, 10%, 10%, 30%, 55% ou 70%, independentes de qualquer outro preditor.

Tabela III - Critérios de Eberhart et al. 8 para estratificação do risco de VPO em crianças.
Anestesia Venosa Total

Fatores de risco Pontos


Cirurgia > 30 min 1
Idade > 3 anos 1
Cirurgia de estrabismo 1
História anterior de VPO ou de NVPO dos pais 1
Total 0 ... 4

Outras cirurgias consideradas de risco em pediatria são adeno - amigdalecto-


mia, hernioplastias, orquiopexia, cirurgias penianas e cirurgias envolvendo o ouvido
médio4.
A utilização profilática de antieméticos só é recomendada quando o risco indi-
vidual do paciente é suficientemente alto (Ex: 2 ou mais critérios de Apfel). Porém, a
profilaxia liberal é apropriada em situações em que o vômito representa risco particular,
como fraturas de mandíbula com fixação, situações de aumento da PIC, cirurgias gástri-
cas/esofágicas ou quando o paciente expressa desejo veemente de não experimentar
NVPO8.

Segunda diretriz: reduzindo os fatores de risco basais para nvpo

As principais abordagens para redução dos riscos basais estão resumidas na


Tabela IV.

170
Tabela IV - Estratégias para redução dos riscos basais8.

Evitar anestesia geral e dar preferência à anestesia regional (estudo randomizado


e controlado)

Usar propofol tanto na indução quanto na manutenção da anestesia geral (estudo


randomizado e controlado, revisão sistemática)

Evitar o óxido nitroso (estudo randomizado e controlado, revisão sistemática)

Evitar anestésicos voláteis (estudo randomizado e controlado)

Minimizar o uso intra (revisão sistemática) e pós-operatório de opióides (estudo


randomizado e controlado, revisão sistemática)

Minimizar o uso de neostigmine (revisão sistemática)

Hidratação adequada do paciente (estudo randomizado e controlado)

Náuseas e Vômitos no Pós-operatório


O uso de anestesia regional, principalmente com bloqueios periféricos, reduz a
incidência de NVPO em adultos e de VPO em crianças8.
Quando a anestesia geral é necessária, o uso de propofol tanto na indução
quanto na manutenção da anestesia diminui a incidência de NVPO nas primeiras
24h9. No caso individual dos agentes voláteis (halotano, enflurano, isoflurano, sevo-
flurano e desflurano), não existem diferenças na incidência de NVPO entre eles9,10
(Figura 3).
O estudo multicêntrico IMPACT1 avaliou várias estratégias para reduzir NVPO em
5199 pacientes considerados de alto risco (2 ou mais critérios de Apfel). Os resultados
revelaram uma incidência de 59% de NVPO em pacientes expostos a anestésicos volá-
teis ou óxido nitroso. O uso de propofol reduziu o risco em 19% e a omissão do oxido
nitroso diminuiu o risco em 12%. A combinação de propofol e ar/oxigênio (anestesia
venosa total) teve efeitos aditivos e reduziu o risco em 25%. Estes resultados são cor-
roborados por revisão sistemática e metanálise que conclui que, evitando-se o óxido ni-
troso, a incidência de NVPO diminui consideravelmente2, e por um estudo randomizado
controlado, que evidenciou a participação causal de anestésicos voláteis na gênese de
NVPO precoces (0-2h), mas não tardios (2-24h)8.
Estudos randomizados, controlados e metanálises demonstram que os anti-infla-
matórios não seletivos, inibidores de COX - 2 e, de forma secundária, a cetamina e a
gabapentina11 possuem um efeito poupador de opiódes no pós-operatório, diminuindo a
incidência de NVPO relacionados ao uso dos mesmos8.
Metanálises demonstram que o uso de altas doses de neostigmine (>2,5mg) está
associado ao aumento de NVPO e que a redução da dose pode diminuir este risco8.
Metanálise de estudos randomizados e controlados concluiu que o oxigênio su-
plementar não apresenta efeito na redução de NVPO6, apesar de alguns estudos de-

171
Anestesia Venosa Total

Figura 3 - Incidência de NVPO após anestesia geral comparando-se o


agente utilizado na manutenção da anestesia.

monstrarem redução do risco de vômitos precoces8. Assim, as diretrizes vigentes não


recomendam a utilização de oxigênio suplementar no intuito de reduzir os riscos basais
de NVPO8.

Terceira diretriz: realizar profilaxia utilizando uma ou duas interven-


ções em adultos que apresentam risco moderado de nvpo

Antieméticos profiláticos são recomendados em pacientes de risco moderado a


alto para NVPO. As evidências disponíveis não indicam profilaxia antiemética em todos
os pacientes cirúrgicos. Segue uma descrição básica das principais classes de antiemé-
ticos utilizados, assim como seus respectivos mecanismos de ação.

Anti colinérgicos

A escopolamina é um antagonista competitivo da acetilcolina nos receptores M2.


A ação anti-espasmódica na fibra lisa do TGI pode contribuir parcialmente para sua
ação antiemética. A presença de receptores colinérgicos próximo ao CV e no aparelho
vestibular pode explicar sua particular eficácia na prevenção das cinetoses. As drogas
anti-colinérgicas parecem reduzir a excitabilidade dos receptores no labirinto, reduzindo
a condução nervosa na via vestibular cerebelar, ou ainda reduzindo o recrutamento de
estímulos na ZQG.

172
A escopolamina tem sido empregada com maior eficácia por via transdérmica sob
a forma de emplastro de 2,5 cm2 aplicado na região mastóidea retroauricular, contendo
1,5 mg e programado para liberar a droga na proporção constante de 5 μg/h durante 3
dias3. Seu início de ação em torno de 2 a 4h é lento, e a escopolamina transdérmica
deve ser aplicada na noite antes da cirurgia ou 4h antes do final da anestesia3. Apre-
senta efeitos colaterais como boca seca, sedação, distúrbios visuais, alterações de
memória, disforia, hipertermia e, ocasionalmente, confusão, desorientação, agitação
e alucinações, principalmente em idosos, onde seu uso deve ser cuidadoso ou mesmo
evitado3.

Anti - histamínicos

Os anti - histamínicos com ações bloqueadoras sobre o receptor H1 são os que


apresentam atividade antiemética e incluem a difenidramina, o dimenidrinato, a ciclizina
e a prometazina, entre outros. Embora os receptores H1 possam ser encontrados no nú-
cleo vestibular, NTS e núcleo motor dorsal do vago, faltam evidências de que apenas a
atividade histamínica esteja envolvida no mecanismo de ação destas drogas. É possível
que a atividade anticolinérgica muscarínica de alguns represente também um importan-

Náuseas e Vômitos no Pós-operatório


te papel antiemético. São drogas particularmente úteis na prevenção de cinetoses e em
pós-operatório de cirurgias envolvendo ouvido médio.
O efeito colateral mais frequente destes agentes é a sedação, mas podem ocorrer
também visão turva, diplopia, boca seca, incoordenação, ataxia, midríase e euforia3.

Dexametasona

A dexametasona constitui um dos melhores custos/riscos/benefícios entres as


drogas antieméticas, devido à sua grande potência aliada ao baixo custo e à quase
ausência de efeitos colaterais quando administrada em dose única. Alguns pacientes
relatam prurido ou ardência facial/genital durante injeção em bolus rápido, efeito atri-
buído ao seu tampão fosfato. Ela pode aumentar a glicemia mesmo em dose única.
Recomenda-se a monitorização em diabéticos.
Seu mecanismo de ação ainda permanece desconhecido, porém especula-se que
possa ser tanto periférico, diminuindo a secreção de serotonina intestinal12, como cen-
tral, ativando receptores glicocorticóides no NTS e modulando sua atividade na gênese
de NVPO. Seu início de ação é lento, em torno de 2h, por isso sua administração é
recomendada na indução da anestesia13.
Revisão sistemática e metanálise envolvendo 17 estudos e comparando a dexa-
metasona versus (vs.) placebo na incidência de NVPO após colecistectomias laparoscó-
picas concluiu que a primeira reduziu o risco relativo tanto de náuseas quanto de vômi-
tos em relação ao segundo, além de diminuir a severidade da dor pós-operatória14.

Butirofenonas

O droperidol e o haloperidol são butirofenonas com propriedades neurolépticas


usadas principalmente para o tratamento da esquizofrenia e psicoses. Sua ação antie-

173
mética potente deve - se ao bloqueio dos receptores D23. Possuem atividade bloquea-
dora alfa-adrenérgica moderada, podendo levar à hipotensão. Outros efeitos colaterais
incluem a sedação e efeitos extrapiramidais em doses mais elevadas.
Após 30 anos de uso como primeira linha em terapia antiemética com relativa
segurança, em dezembro de 2001, o FDA (Food and Drug Administration) emitiu nota
em relação ao prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma (ECG) com maior
susceptibilidade para o desenvolvimento de Torsade de Pointes (TdP) e morte súbita
após uso perioperatório do droperidol (FDA Black Box Warning for Droperidol)15. O me-
canismo proposto seria de um bloqueio nas correntes de potássio durante o período
de repolarização da fibra cardíaca, aumentando o intervalo QT e tornando a fibra mais
susceptível a uma despolarização no período refratário relativo, o que poderia ocasionar
uma série de arritmias ventriculares16. A entidade publicou casos de arritmias fatais e
não - fatais e recomendou cuidado na utilização do droperidol, assim como a monitoriza-
ção com ECG em 12 derivações por 2 a 3 h após o uso do mesmo16.
Com o passar do tempo, diversos estudos tem questionado as evidências do FDA
Black Box Warning for Droperidol por não se conseguir realmente relacionar o uso de baixas
doses da droga às fatalidades registradas15, além da raridade de tais eventos mórbidos.
Em estudo randomizado e controlado envolvendo 1028 pacientes que receberam
0,625 mg e 1,25 mg de droperidol, não foram registrados efeitos cardiovasculares ou
mortes súbitas ligados à terapia17. Metanálise subsequente de 76 estudos com 5351
Anestesia Venosa Total

pacientes submetidos a tratamentos com droperidol, em doses de 0,25mg a 5 mg, tam-


bém não relatou aumento no risco de arritmias ou morte súbita relacionados à droga
estudada.
Estudo retrospectivo da Mayo Clinic18 envolvendo 139.932 pacientes antes do
FDA Black Box Warning for Droperidol e 151.256 pacientes após o mesmo, não conse-
gui identificar casos de aumento de QT, TdP ou mortes relacionadas ao droperidol em
baixas doses no primeiro grupo, e apenas 2 casos(0,1%) no segundo, concluindo que
as recomendações do FDA são exageradas e desnecessárias.
Estudo randomizado e controlado de Charbit et al19 envolvendo voluntários sau-
dáveis, desta vez comparando o droperidol com o ondansetron, relatou aumento signifi-
cativo do intervalo QT em relação ao placebo em ambos os casos, porém sem maiores
efeitos colaterais.
As evidências atuais apontam em favor do benefício do uso de baixas doses de
droperidol (0,626 a 1,25 mg) em relação ao risco e ao custo, já que, nestas doses, a
potência antiemética é semelhante à de outros agentes mais caros, sem grandes efei-
tos colaterais. Cuidados devem ser tomados em pacientes portadores da Síndrome do
QT Longo Congênita, onde aventa-se a possibilidade de, inclusive, evitar-se a droga.
Interessante afirmar que, apesar do mesmo mecanismo de ação e mesma clas-
se, o haloperidol não foi envolvido na literatura em casos de TdP e morte súbita, portan-
to sem restrições ao uso pelo FDA13.

Antagonistas dos receptores serotoninérgicos

O ondansetron, granisetron, tropisetron e dolasetron são antagonistas altamente se-


letivos dos receptores 5 - HT3 encontrados no SNC, notadamente na área postrema e NTS,

174
e, perifericamente, nas terminações parassimpáticas (aferentes vagais) do TGI. O aumento
do ciclo de produção e liberação de serotonina pelas células enterocromafins do intestino
delgado sugere que esta resposta contribua para o efeito emético, possivelmente iniciando o
reflexo do vômito através da ativação de fibras vagais que, por sua vez, promoveriam aferência
à ZQG e CV3. O antagonismo destes agentes se dá, portanto, de forma central e periférica.
São mais eficazes quando administrados ao final do procedimento8. O dolasetron e o granise-
tron apresentam maior afinidade pelo receptor 5 - HT3 que o ondansetron, assim como meias
- vidas de eliminação mais prolongadas (dolasetron: 6,9 a 7,3 h; granisetron: 4,9 a 7,7 h e
ondansetron: 3,5 a 5,5 h). O perfil farmacodinâmico parece não diferir entre os agentes desta
classe, porém a maioria das pesquisas envolve o ondansetron, que tem um maior efeito anti
vômito do que anti náusea8. São considerados igualmente seguros e são relatados efeitos
colaterais como cefaléia, constipação e elevação transitória de enzimas hepáticas. Conforme
mencionado acima, o ondansetron possui capacidade semelhante ao droperidol em prolongar
o intervalo QT, porém sem nenhuma recomendação do FDA até o momento.

Terapia combinada

Adultos com risco moderado para NVPO devem receber um ou mais antieméticos

Náuseas e Vômitos no Pós-operatório


profiláticos. Em geral, a combinação de antieméticos de classes diferentes tem eficácia
superior à monoterapia. Drogas com mecanismos de ação distintos devem ser usadas
de forma combinada para otimizar os resultados. Antagonistas 5 - HT3, cuja ação anti
vômito é superior à ação antináusea (apesar da possibilidade de causar cefaléia), po-
dem ser combinados ao droperidol, que possui grande eficácia na ação anti náusea e
efeito protetor contra cefaléia8.
Estudo de Charbit et al19 concluiu que associação de droperidol com ondansetron em
voluntários sadios não levou a um prolongamento do intervalo QT estatisticamente superior
ao prolongamento causado pelo droperidol sozinho, sem maiores efeitos colaterais.
Revisão sistemática de NVPO abordando 3440 pacientes não demonstrou au-
mento do risco cardiovascular quando a combinação de droperidol e antagonistas 5
- HT3 foi utilizada17. A associação de antagonistas 5 - HT3 à dexametasona é altamente
eficaz em diversos cenários clínicos como profilaxia antiemética praticamente isenta de
efeitos colaterais8. Terapias combinadas utilizando o ondansetron associado à dexame-
tesona ou ao droperidol são as mais estudadas na literatura.
Em uma metanálise, Habib et al4 não encontraram diferença estatística na inci-
dência de NVPO quando um antagonista 5 - HT3 foi combinado ao droperidol ou à dexa-
metasona. Ambas as combinações obtiveram melhores resultados que o uso isolado
do antagonista 5 - HT3.
Em estudo amplo prospectivo, multicêntrico, usando modelo multifatorial, Apfel
et al1 avaliaram 3 intervenções antieméticas (4 mg ondansetron, 1,25 mg droperidol
e/ou 4 mg dexametasona) e 3 intervenções anestésicas diferentes na profilaxia de
NVPO. Seus resultados sugerem que antieméticos com diferentes mecanismos de ação
tem efeito aditivo, e não sinérgico, na prevenção de NVPO e que cada antiemético,
isoladamente, diminui o risco desses eventos em aproximadamente 25%. Revisão da
Cochrane20, incluindo 737 estudos e 103.237 pacientes, sobre drogas antieméticas
profiláticas, confirma a ação aditiva entre elas.

175
A literatura recente sugere que, quando em terapia profilática combinada, as do-
ses de droperidol não devem exceder 1 mg, as de dexametasona não devem ultrapassar
10 mg e o ondansetron utilizado até dose máxima de 4 mg 8.
Estudo isolado mostrou que a combinação de prometazina com ondansetron re-
duziu tanto a frequência quanto a severidade de NVPO em cirurgias envolvendo ouvido
médio8.
Estudo randomizado, controlado, duplo - cego, em 24 centros diferentes, anali-
sando 620 mulheres submetidas a videolaparoscopias ou mastoplastias com prótese
sob regime de CP salientou que a utilização da escopolamina transdérmica associada
ao ondansetron obteve melhores resultados em relação a NVPO que o uso isolado do
ondansetron5.
Estudo randomizado, duplo - cego, não - controlado com 268 pacientes compa-
rando 4 mg de ondansetron vs. 4 mg ondansetron + 1 mg haloperidol em população
cirúrgica diversa demonstrou que a associação é significativamente mais efetiva e de
maior duração na profilaxia de NVPO que o ondansetron sozinho21.
Estudo randomizado, controlado, duplo - cego, comparando placebo vs. 1,25 mg
droperidol vs. 2 mg haloperidol vs. 5 mg dexamentasona vs. 2mg haloperidol + 5 mg de-
xametasona em 400 mulheres submetidas à histerectomia vaginal vídeo - assistida sob
anestesia geral, novamente evidenciou a superioridade da combinação dos 2 últimos
antieméticos em relação aos usos dos outros isoladamente, sem diferenças nos efeitos
Anestesia Venosa Total

colaterais, como prolongamento de QT, sedação ou efeitos extra - piramidais13.

Situações em que faltam evidências ou elas são limitadas

A metoclopramida é um antagonista dos receptores D2 periféricos e centrais.


Revisão sistemática de 66 estudos envolvendo 6266 pacientes concluiu que a mes-
ma, em doses habituais (10 mg), não apresentou evidência de efeitos antináusea ou
antivômito, quando usada profilaticamente, comparada ao placebo. O mesmo não se
pode dizer, no entanto, sobre a eficácia de altas doses de metoclopramida em NVPO, já
estas doses são consideradas efetivas em quimioterapia e faltam estudos em relação
ao perioperatório22.
Os canabinóides (nabilona, dronabinol, tetrahidrocanabinol), apesar de promis-
sores no controle de náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia (NVIQT), não são
efetivos em NVPO8.
Conforme demonstrado em dois estudos randomizados, a prometazina 12,5 a 25
mg IV, administrada na indução da anestesia, apresentou alguma atividade antiemética8
no pós-operatório.
A efedrina 0,5 mg/kg IM, administrada ao término da cirurgia, também pode
apresentar atividade antiemética8.
Devido à falta de estudos consistentes, não existem evidências suficientes para
a recomendação de outras drogas antieméticas não citadas neste capítulo como agen-
tes de primeira linha em NVPO.
A tabela V mostra as doses preconizadas e o momento correto da administração
dos principais antieméticos, segundo as evidências científicas.

176
Tabela V - Doses dos antieméticos e momento ideal para sua administração
na profilaxia de NVPO em adultos8:

Fármaco Dose Evidência Momento de Administra- Evidência


ção
Dexametasona 4 - 5 mg IV RS Na indução ERC

Dimenidrinato 1 mg/kg IV RS, ERC Final da cirurgia ERC


Dolasetron 12,5 mg IV ERC Final da cirurgia ERC
Droperidol 0,625-1,25 ERC Final da cirurgia RS
mg IV
Efedrina 0,5 mg/kg IM ERC Final da cirurgia ERC
Granisetron 0,35-1,5 mg ERC Final da cirurgia ERC
IV
Haloperidol 0,5-2 mg IM RS
/ IV

Náuseas e Vômitos no Pós-operatório


Prometazina 6,25-25 mg IV ERC Na indução ERC
Ondansetron 4 mg IV ERC Final da cirurgia RS
Escopolamina Transdérmica RS Noite anterior ou 4h antes ERC
do final
Tropisetron 2 mg IV ERC Final da cirurgia Opinião
de expert
ERC = estudo randomizado controlado; RS = Revisão Sistemática

Profilaxia não farmacológica

Metanálise demonstrou eficácia antiemética de terapias como acupuntura e esti-


mulação elétrica transcutânea na profilaxia de NVPO8.
Revisão sistemática da Cochrane, envolvendo 40 estudos e 4858 participan-
tes, concluiu que a estimulação do ponto P6 no punho (“Nei Guan” - Figura 4) reduz a
incidência de náuseas, vômitos e a necessidade de antieméticos de resgate no perio-
peratório de uma forma similar a várias drogas estudadas, com pouquíssimos efeitos
colaterais23.
Estímulos de pontos localizados na mão da acupuntura coreana também se mos-
traram eficazes na redução pela metade da incidência de NVPO, segundo dois estudos
randomizados e controlados8.
As diretrizes para manuseio de NVPO da Sociedade Canadense de Ginecologia e
Obstetrícia recomendam que a estimulação elétrica transcutânea pode ser usada como
terapia adjuvante na prevenção de NVPO24.
Dois estudos prospectivos, duplos cegos e randomizados25,26 envolvendo pacientes
ASA I e II, submetidos a cirurgias laparoscópicas, evidenciaram incidência estatisticamen-

177
te menor de NVPO quando esses pacientes foram tratados com administração liberal de
cristalóides (30 a 40 ml/kg no intraoperatório) vs. estratégia restritiva (10 a 15 ml/kg no
intraoperatório). O mecanismo antiemético ainda é incerto, mas parece estar relacionado à
diminuição da secreção de 5 - HT3 a partir das células enterocromafins de uma mucosa do TGI
normoperfundida, o que não acontece em casos de hipoperfusão com isquemia esplâncnica
e mesentérica, onde o estímulo serotoninérgico aferente periférico é maior24-26. Além disso, a
hipotensão com baixa perfusão do CV pode desencadear resposta emética eferente.
Análise retrospectiva de 1032 pacientes no intraoperatório e 176 pacientes no
perioperatório onde foi usada sonda gástrica para aspiração de fluidos concluiu que o
uso rotineiro desta estratégia não reduz a incidência de NVPO27. Alguns subgrupos de
pacientes, porém, podem se beneficiar da técnica.
Não existem evidências adequadas para considerar a hipnose como modalidade
promissora na profilaxia antiemética não - farmacológica8.
Anestesia Venosa Total

Figura 4 - Ponto P6 (Nei Guan)

Quarta diretriz: realizar profilaxia antiemética com combinação de 2 ou


mais intervenções ou multimodal em pacientes com alto risco de nvpo.

Pacientes com alto risco devem receber profilaxia com terapia combinada ou multimodal
que incluam 2 ou mais intervenções. Drogas de diferentes classes devem ser selecionadas para
otimizar os resultados. Anestesia regional, principalmente através de bloqueios periféricos, deve
ser considerada. Se a anestesia geral for utilizada, os fatores de risco basais devem ser reduzi-
dos, quando possível. Terapias não farmacológicas e adjuvantes devem ser consideradas8.
A literatura tem demonstrado claramente a superioridade da combinação de agentes de
primeira linha em relação ao uso isolado de cada um deles. Revisões sistemáticas examinando
combinações terapêuticas duplas têm demonstrado eficácia semelhante entre antagonistas de
5 - HT3 + dexametasona ou droperidol + dexametasona ou antagonistas 5 - HT3 + droperidol.
Combinações duplas envolvendo a metoclopramida não foram capazes de reduzir a
ocorrência de NVPO de forma mais efetiva que os agentes de primeira linha isoladamente,
demostrando mais uma vez a ineficácia daquele agente na profilaxia em doses clínicas8.
Uma abordagem multimodal combinando profilaxia farmacológica e não farmacológica a
intervenções visando reduzir os riscos basais foi proposta por Scuderi et al28 em estudo envol-

178
vendo mulheres submetidas a cirurgias laparoscópicas sob regime de CP. O protocolo reuniu
as seguintes medidas: ansiólise pré - operatória; anestesia geral venosa total com remifentanil
e propofol; ausência de óxido nitroso ou bloqueadores neuromusculares (portanto sem neces-
sidade de neostigmine para reversão); hidratação venosa generosa (25 ml/kg de cristalóides);
combinação tripla de antieméticos (1 mg ondansetron + 0,625 mg droperidol + 10 mg dexame-
tasona) e 30 mg cetorolaco IV visando analgesia pós-operatória. O autor obteve 98% de resposta
completa (ausência de qualquer episódio de náusea ou vômito) neste grupo de terapia multimo-
dal, comparada a 76% de resposta completa entre os pacientes recebendo monoterapia e 59%
entre aqueles que receberam placebo associado aos cuidados anestésicos.

Quinta diretriz: realizar profilaxia antiemética em crianças com alto


risco para vpo

Estudos avaliando NVPO em crianças tem sido limitados à mensuração apenas


dos vômitos, já que a avaliação de náuseas torna - se difícil, dada sua subjetividade e a
dificuldade ou mesmo ausência de verbalização dependendo da faixa etária8.
A incidência de VPO em crianças pode ser duas vezes superior à dos adultos, o
que faz com que a prevenção seja extremamente importante. De forma semelhante aos
adultos, crianças com risco moderado a alto devem receber profilaxia combinada com

Náuseas e Vômitos no Pós-operatório


duas ou três drogas de classes diferentes8.
O ondansetron é o antiemético mais extensivamente estudado em crianças, sen-
do considerado droga de primeira linha e o único dos antagonistas 5 - HT3 aprovado para
uso em idade < 2 anos. Metanálises e estudos mais simples mostram a superioridade
desses agentes em relação ao droperidol e à metoclopramida8.
As doses de droperidol pediátricas, extrapoladas a partir das doses dos adultos
(0,625 – 1,25 mg) são de 10 a 15 μg/kg. Devido ao potencial de reações extrapiramidais
e altos níveis de sedação, essa droga é recomendada apenas em casos de falhas de pro-
filaxia de outros agentes em crianças internadas ou readmitidas devido a NVPO8.
Combinações envolvendo a metoclopramida não se mostraram superiores à mo-
noterapia8.
As doses pediátricas, assim como as combinações recomendadas estão dispos-
tas nas Tabelas VI e VII8:

Tabela VI - Doses de antieméticos para profilaxia de VPO em crianças8:


FÁRMACOS DOSES EVIDÊNCIA
Dexametasona 150 μg/kg até 5 mg RS
Dimenidrinato 0,5 mg/kg até 25 mg RS
Dolasetron 350 μg/kg até 12,5 mg ERC
Droperidol 10 a 15 μg/kg até 1,25 mg RS
Granisetron 40 μg/kg até 0,6 mg ERC
Ondansetron 50 - 100 μg/kg até 4 mg RS
Tropisetron 0,1 mg/kg até 2 mg RS
ERC = estudo randomizado controlado; RS = Revisão Sistemática

179
Tabela VII - Combinações sugeridas de antieméticos profiláticos em pediatria8:

Ondansetron 50 μg/kg + dexametasona 150 μg/kg


Ondansetron 100 μg/kg + droperidol 15 μg/kg
Tropisetron 0,1 mg/kg + dexametasona 0,5 mg/kg

Sexta diretriz: tratar pacientes com nvpo que não receberam profilaxia
ou nas situações de falha de profilaxia

Quando náusea e/ou vômitos ocorrem no pós-operatório, o tratamento deve en-


volver um antiemético de classe diferente da medicação profilática4,8.
Na ausência de profilaxia, o tratamento recomendado é com baixas doses de
antagonistas 5 - HT3. Estes agentes (que são mais eficazes contra vômitos do que náu-
seas) apresentam os estudos mais adequados em relação ao tratamento de NVPO já
estabelecidos. Suas doses, nesta situação, devem ser inferiores às profiláticas: ondan-
setron 1 mg, dolasetron 12,5 mg e granisetron 1 mg4,8.
Tratamentos alternativos compreendem a dexametasona 4-5 mg, o droperidol
0,625 mg ou a prometazina 6,25-12,5 mg4,8.
Propofol 20 mg IV, de acordo com a necessidade, pode ser considerado em pa-
cientes monitorizados na SRPA como medicação de resgate, com resultados similares
Anestesia Venosa Total

ao ondansetron. Entretanto, o efeito de baixas doses de propofol é, provavelmente, de


curta duração4,8. O antagonismo do receptor dopaminérgico D2 tem sido sugerido como
possível mecanismo para seu efeito antiemético3.
A repetição de drogas que foram administradas para profilaxia no tratamento
de NVPO já estabelecidos, nas primeiras 6 h, não confere benefício adicional. Após
as 6 primeiras horas, é possível que uma segunda dose de um antagonista 5 - HT3 ou
uma butirofenona (droperidol, haloperidol) tenha algum efeito, mas isto não tem sido
demonstrado em ensaios clínicos e deve ser reservado apenas para casos de falhas
de combinações triplas ou se não existirem outras alternativas de terapias de resgate.
Uma segunda administração de dexametasona ou escopolamina transdérmica não é
recomendada devido à longa duração destes agentes.4,8.
Concomitantemente,devemserexcluídosfatoresmecânicos/farmacológicoscausado-
res ou perpetuadores de NVPO, como analgesia controlada pelo paciente utilizando morfina
venosa, sangramento ativo de orofaringe irritando o estômago ou obstrução intestinal4,8.
Este consenso8 sugere um algoritmo para manuseio de NVPO apresentado na
Figura 5.

Náuseas e vômitos após a alta hospilar

Após procedimentos de CP, muitos pacientes não têm acesso ao tratamento de


náuseas e vômitos pós alta hospitalar (NVPAH), e esta entidade tem sido negligenciada
e objetivo de poucos estudos realmente consistentes. Revisão sistemática de estudos
envolvendo NVPAH após cirurgias de CP relatou incidência média de 17% de náuseas
(0-55%) e 8% de vômitos (0-16%)8.

180
Segundo avaliação preliminar em análise multivariada, alguns autores sugerem
que os preditores independentes para NVPAH podem diferir um pouco dos critérios
clássicos de Apfel, sendo sexo feminino, idade jovem, tempo cirúrgico maior que 1h,
uso perioperatório de opióides (incluindo oral) e história de NVPO na SRPA os mais re-
levantes9,29.
Estudo de White et al30, prospectivo e observacional, envolvendo 11 centros e
376 pacientes de alto risco para NVPO (2 ou mais critérios de Apfel), avaliou a efi-
cácia da utilização profilática de uma, duas, três ou mais drogas antieméticas em
cirurgias laparoscópicas ou plásticas estéticas sob regime de CP. A administração
de três ou mais antieméticos teve o impacto mais positivo até as primeiras 72h de
pós-operatório, tanto em relação à menor incidência de NVPO quanto em relação à
menor interferência funcional que esses sintomas trouxeram nas atividades diárias
dos participantes. O estudo também conclui que, a despeito da prevenção realizada
com mais de uma droga antiemética, a incidência dos sintomas em pacientes de alto
risco, inclusive interferindo no retorno à vida normal, ainda é relativamente alta e
pode ser diminuída proporcionalmente ao número de intervenções visando profilaxia
(Figura 6).
Estudo prospectivo, randomizado e duplo - cego comparando dois regimes an-

Náuseas e Vômitos no Pós-operatório


tieméticos profiláticos demonstrou resultados promissores na prevenção de NVPAH
após cirurgias laparoscópias ginecológicas sob regime de CP31. Todas as pacientes
apresentaram os 4 critérios de Apfel (80% de risco basal para NVPO). O grupo es-
tudado foi tratado com dexametasona 8 mg + ondansetron 4 mg IV na indução da
anestesia geral balanceada, seguido do uso oral de tabletes de 8 mg de ondanse-
tron na chegada à SRPA e também nas manhãs do primeiro e segundo dias de pós-
operatório em casa, independente dos sintomas. O grupo controle recebeu apenas
ondansetron 4 mg IV na indução anestésica. O grupo estudado apresentou redução
significativa de NVPO no período compreendido entre a 8ª a 120ª h de pós-opera-
tório (primeiros 5 dias), menor impacto negativo destes sintomas e retomada mais
precoce da qualidade de vida quando comparado ao grupo controle. Devido à sua
meia - vida curta de 3,5 a 5,5h, o ondansetron venoso em dose única tem eficácia
limitada na prevenção de NVPAH9,31.
Revisão sistemática de 58 artigos demonstrou que o uso de propofol na indução
e manutenção da anestesia vs. anestesia inalatória reduziu os riscos de NVPAH8,9.
Outros estudos randomizados e controlados menores mostraram eficácia tam-
bém da escopolamina transdérmica, com longa duração de ação, e da estimulação do
ponto P6 com acupuntura na prevenção de NVPAH8.

Novas terapias

Baixas doses de naloxona (0,25 μg/kg/min) reduzem NVPO e a necessidade de


antieméticos de resgate, quando comparadas ao placebo, e diminuem significativamen-
te os efeitos colaterais dos opióides, tanto em adultos quanto em crianças8.
A substância P, membro de uma família de neuropeptídeos chamada neurocininas,
é um peptídeo regulatório das células enterocromafins que se liga ao receptor NK - 1, pre-
sente tanto na periferia (TGI) quanto em nível central (ZQG, NTS e circuitos terminais do

181
Anestesia Venosa Total

Figura 5 - Algoritmo para manuseio de NVPO8.

reflexo do vômito, como o núcleo motor dorsal do vago), podendo estimular o CV4,9. A distri-
buição destes receptores em vários pontos do arco reflexo do vômito difere um pouco dos
outros e torna a terapia com seus antagonistas de interesse particular em NVPO. Eles têm
demonstrado atividade antiemética importante em estudos envolvendo esquemas altamen-
te emetogênicos de quimioterapias, irradiação, opióides ou movimento (cinetoses)9,32.
O aprepitant é o primeiro antagonista altamente seletivo do receptor NK - 1 disponível no
mercado mundial aprovado para uso e recomendado por consensos e diretrizes na preven-
ção de náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia (NVIQT)33. Desde então, seu uso
no perioperatório tem sido objetivo de vários estudos. É utilizado na forma oral e apresenta
meia - vida longa de 9-13 h32,33, com efeitos clínicos muitas vezes superiores a este tempo.

182
Náuseas e Vômitos no Pós-operatório
Figura 6 - Incidência de vômitos, náuseas e interferência funcional em 0-24h, 24-72h e 0-72h
após as cirurgias em função do número de antieméticos administrados30.

A eficácia do aprepitant foi comparada ao ondansetron em 2 estudos randomizados,


duplos - cegos, multicêntricos, fase III, envolvendo pacientes submetidos a cirurgias abdomi-
nais sob anestesia geral33,34. Pacientes (N=80533 e N=92234) receberam dose única oral de
aprepitant 40 mg ou 125 mg ou venosa de ondansetron 4mg antes da indução da anestesia.
Em análise final destes 2 estudos, o Aprepitant foi significativamente mais efetivo que o on-
dansetron nas 24 h após a cirurgia em prevenir náuseas e/ou vômitos e diminuir o uso de
medicações de resgate para o tratamento32. O aprepitant também foi mais eficaz que o ondan-
setron na prevenção de vômitos da 24ª a 48ª h após a cirurgia em ambos os estudos.
Estudo comparando a dexametasona venosa 10 mg associada ao aprepitant oral
40 mg ou ao ondansetron venoso 4 mg em neurocirurgias mostrou incidência cumulati-
va de vômitos em 48h de 16% no grupo aprepitant vs. 38% no grupo ondansetron, sem
diferenças, no entanto, na incidência ou escores de náuseas35.
O aprepitant tem grande potencial de impacto em pacientes de alto risco para NVPO,
em situações em que o ato do vômito pode aumentar a morbidade (ex: cirurgias com anasto-
moses no TGI, neurocirurgias, cirurgias com fixação da mandíbula, etc.) e também no trata-
mento de casos de vômitos refratários, por sua maior especificidade anti-vômito em relação
à náusea29,36. Sua meia - vida prolongada é particularmente promissora na prevenção de
NVPAH, sendo muito atrativo em procedimentos de CP10,36. A dose profilática recomendada
de 40 mg via oral é de fácil administração, pode ser incorporada à medicação pré - anestési-
ca, não é sedativa e não altera o intervalo QT do eletrocardiograma29,36. O aprepitant não é
recomendado para uso pediátrico, já que o perfil de segurança e a eficácia ainda não estão
estabelecidos nesta faixa etária32. A fórmula venosa do precursor do aprepitant (fosaprepi-
tant) foi recentemente aprovada para uso nos Estados Unidos e Europa em NVIQT32,36.

183
O palonosetron é um antagonista 5 - HT3 venoso de segunda geração altamente seletivo
e muito mais potente que os da primeira geração, aprovado pelo FDA para prevenção e tratamen-
to de NVIQT agudos e tardios. Sua meia - vida plasmática é longa e ultrapassa 40h37,38,39. Ele
atua de forma diferente do ondansetron e granisetron, ligando - se em região alostérica distinta
dos mesmos no receptor 5 - HT3 de uma forma pseudoirreversível, devido à sua afinidade 30
vezes maior que o granisetron e 100 vezes maior que o ondansetron. Além disso, alguns investi-
gadores sugerem também um possível processo de internalização do receptor determinado pelo
palonosetron, o que ajudaria também a explicar esta duração de ação tão prolongada37-39.
Apresenta efeitos colaterais benignos semelhantes aos antagonistas 5 - HT3 de primei-
ra geração, com um potencial de prolongamento do intervalo QT muito menor que o do ondan-
setron e dolasetron, podendo ser administrado com segurança inclusive em cardiopatas39.
Dois estudos recentes, randomizados, multicêntricos, duplos - cegos e placebo
- controlados de fase III foram publicados avaliando a eficácia do palonosetron. O pri-
meiro, envolvendo 28 centros e 544 mulheres internadas submetidas a procedimentos
ginecológicos sob anestesia geral balanceada, comparou 3 diferentes doses únicas de
palonosetron (0,025 mg, 0,050 mg e 0,075 mg) vs. placebo na prevenção de NVPO40.
A dose de 0,075 mg reduziu a incidência de vômitos, a intensidade de náuseas e a
necessidade do uso de medicações de resgate para o tratamento, particularmente nas
primeiras 24 h.
O segundo estudo, envolvendo 574 mulheres com > 2 critérios de Apfel submeti-
Anestesia Venosa Total

das a procedimentos ginecológicos e/ou abdominais sob anestesia geral, desta vez em
regime de CP, comparou as mesmas 3 diferentes doses únicas de palonosetron (0,025
mg, 0,050 mg e 0,075 mg) vs. placebo na prevenção de NVPO41. Foi observado um au-
mento linear dose - resposta na incidência de resposta completa em relação ao placebo
nas primeiras 24h (26% placebo vs. 43% 0,075 mg palonosetron), além da redução dos
escores de náusea com o palonosetron 0,075 mg vs. placebo, no mesmo período41.
Baseado nestes dois estudos, a dose venosa de 0,075 mg é a dose de palonosetron
atualmente aprovada pelo FDA para prevenção de NVPO38-41. O palonosetron parece reduzir a
magnitude e a severidade também das náuseas, propriedade que não parece ser tão proemi-
nente com os antagonistas de primeira geração38,41. De forma similar ao aprepitant, seu uso
ainda não está aprovado em pacientes pediátricos no período perioperatório39.

Conclusões

NVPO são muito comuns após a cirurgia, inclusive após a alta hospitalar1,30,31. Nem todos
os pacientes irão se beneficiar da profilaxia. A identificação de pacientes e situações de alto risco
deve ser a base para as estratégias de prevenção. Os custos para o tratamento são, na maioria
das vezes, superiores aos custos da profilaxia, principalmente em relação aos gastos indiretos.
A redução dos fatores de risco e o uso de terapias não - farmacológicas são as
intervenções que apresentam os menores efeitos colaterais8. Combinações de drogas
antieméticas devem ser utilizadas em pacientes de alto risco e tem caráter aditivo1. A
tendência é que o número de intervenções seja proporcional aos fatores de risco, inclu-
sive devendo-se utilizar as combinações triplas, quando indicado30,31.
A profilaxia de NVPO em crianças de risco moderado a elevado deve incluir um
antagonista 5 - HT3 e, pelo menos, uma segunda droga8.

184
Quando existe necessidade do tratamento, um antiemético diferente dos admi-
nistrados na profilaxia deve ser inicialmente escolhido. Episódio emético ocorrido após
6 h de pós-operatório pode ser tratado com qualquer droga usada na profilaxia, exceto
a dexametasona e a escopolamina transdérmica8.
Novas terapias, como o aprepitant oral e o palonosetron venoso, são conside-
ravelmente seguras e parecem ser especialmente atrativas em situações de alto risco
de NVPO, nos caso em que os vômitos podem representar aumento da morbidade, em
falhas de profilaxia e, principalmente, na prevenção de NVPAH após procedimentos de
CP, devido à sua excelente eficácia e às suas meias - vidas incomparavelmente mais
prolongadas que às dos agentes antieméticos habituais32-41.

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40. Kovac AL, Eberhart L, Kotarski J et al. A randomized, double-blind study to evaluate the efficacy and
safety of three different doses of palonosetron versus placebo in preventing postoperative nausea and
vomiting over 72-hour period. Anesth Analg 2008;107:439-444.
41. Candiotti KA, Kovac AL, Melson TI et al. A randomized, double-blind study to evaluate the efficacy and
safety of three different doses of palonosetron for preventing postoperative nausea and vomiting.
Anesth Analg 2008;107:445-451.

186
Capítulo 16

Cardioproteção
Luis Antonio dos Santos Diego

Introdução

A proteção de órgãos faz-se presente na prática clínica diária da medicina moder-


na, e especialmente em anestesiologia, devido à crescente complexidade dos procedi-
mentos cirúrgicos e invasivos, considerando-se ainda a relevante incidência de episó-
dios isquêmicos, com ou sem infarto do miocárdio, no período perioperatório.
O prolongamento da fronteira etária da população atendida também enseja re-
flexões sobre a proteção orgânica. Nesse sentido, faz-se necessária a compreensão,
cada vez maior, de seus mecanismos intrínsecos, de tal modo que medidas preventivas
eficazes, tanto na redução da morbidade, quanto da mortalidade, per e pós-operatórias,
possam ser implementadas pelo anestesiologista.
A genômica, mais recentemente1 , ensaia a identificação de pacientes com riscos
mais elevados de eventos adversos no período perioperatório, estendendo sobrema-
neira a fronteira do conhecimento na especialidade e a possibilidade futura de maior
controle.
O avanço tecnológico observado no campo de pesquisa da biologia celular e molecu-
lar durante as duas últimas décadas permitiu o estudo mais aprofundado de muitos fenô-

Cardioproteção
menos fisiopatológicos, e dentre eles destacam-se aspectos relacionados à morte celular
e a mecanismos endógenos de autoproteção. Também a farmacologia experimentou salto
qualitativo por igual motivo; a farmacodinâmica, em especial, cresce vigorosamente com
os detalhes possíveis da biologia molecular e da genética. Doutro modo, a pesquisa clínica
permite, considerando-se a metodologia científica e os princípios da bioestatística, que os
indícios observados na bancada do laboratório possam vir a ser confirmados, ou rejeitados,
em análise de resultados (desfecho).
Este capítulo, após breve introdução aos mecanismos celulares e fisiológicos da
cardioproteção, principalmente àqueles diretamente relacionados às ações dos agentes
anestésicos, irá apresentar sucinta integração da literatura sobre as evidências clínicas
da cardioproteção promovida por agentes anestésicos venosos.

Base celular e fisiológica da cardioproteção

Isquemia tecidual, isto é, comprometimento do aporte sanguíneo arterial a deter-


minado órgão, conduzirá à lesão celular, e infarto, principalmente em função do tempo
de isquemia e do metabolismo energético do órgão acometido. Intuitivamente, a re-
perfusão imediata traria o pronto restabelecimento das funções teciduais, entretanto
a fisiopatologia não obedece, muitas vezes, ao raciocínio lógico e, paradoxalmente,
poderá vir a ser este o momento de maior agravamento dos processos biológicos de-
terminantes do dano tecidual2,3. Conferiu-se o termo “lesão por isquemia-reperfusão”
a este fenômeno, por denotar a incapacidade de se diferenciar, clinicamente, uma da
outra, muito embora diferenças importantes entre elas existam; a reperfusão tecidual
faz-se necessária à apoptose celular por prover o substrato energético (ATP) fundamen-

187
tal a esse peculiar processo de morte celular – o que não ocorre com a necrose celular
estabelecida em processo isquêmico prolongado ou definitivo.
O preceito de que nenhum benefício orgânico poderia vir a ocorrer como conse-
quência do processo isquemia-reperfusão propriamente dito foi desconstruído, cien-
tificamente, a partir do pioneiro estudo experimental realizado por Murry e col.4 que
puderam, naquela ocasião, observar menor área de infarto do miocárdio em cães que
sofreram, como intervenção, quatro breves períodos de interrupção (5 min de isquemia
com 5 min de intervalo entre eles) do fluxo coronariano, aplicados imediatamente antes
de períodos mais prolongados (40 min). Empiricamente, comprovaram a existência de
mecanismos de adaptação endógena à isquemia. Desde então, o termo “pré-condi-
cionamento” (PC) vem sendo empregado para designar o efeito benéfico que determi-
nado estresse físico (pré-condicionamento isquêmico - PCI) ou com agente farmacoló-
gico (PCF), previamente infligido ao órgão alvo, pode proporcionar-lhe em decorrência
da maior tolerância adquirida a estímulos posteriores, mais duradouros e intensos.
Diversos pesquisadores5,6, sugeriram a existência de PC remoto (miocárdio), i.e., em
decorrência de ativação neurogênica (cardioproteção suscetível a bloqueio ganglionar) e
hormonal, mas ainda por vias muito pouco esclarecidas.
A resposta inflamatória local, decorrente da interação entre neutrófilos e células
endoteliais durante a reperfusão, também participa com o aumento de radicais livres de
oxigênio que desempenham relevante função apoptótica7. Citocinas são liberadas dos
Anestesia Venosa Total

órgãos lesados e estimulam moléculas de adesão, como, por exemplo, a molécula de


adesão intracelular-l (ICAM-l), e quimiocinas, como a proteína inflamatória macrofágica
2 (MIP-2) e a proteína quimioatrativa de monócito 1(MCP-l). As citocinas TNF-a e IL-1
parecem ter importante ação na isquemia-reperfusão renais (Haq e col.,1998). Meca-
nismo de up regulation da expressão da síntese de TNF-a facilita a expressão de genes
importantes na atividade pró-inflamatória e determina uma reação escalonada até a
apoptose celular, e consequente disfunção orgânica grave8. De outro modo, estímulos
de receptores de membrana acoplados a proteínas G despertam mecanismos que con-
duzem à hipertrofia e proliferação celular. Estes achados sugerem que os radicais livres
de oxigênio possuem ação central no controle entre vida e morte celular.
Durante isquemia-reperfusão, os radicais livres de oxigênio (RLO) provenientes da
cadeia de elétrons mitocondrial, ou da xantina oxidase, podem induzir peroxidação lipídica
de membranas (mitocôndria e retículo sarcoplasmático) dos miócitos9, vindo a compro-
meter o endotélio vascular, principalmente na produção de adenosina e óxido nítrico10.
Outras fontes de radicais livres incluem a oxidação de catecolaminas e o metabolismo
do ácido aracdônico. Neutrófilos ativados geram radicais livres de oxigênio via NADPH
oxidase e desempenham papel relevante na fisiopatologia da circulação extracorpórea,
por exemplo. Durante episódios isquêmicos, o comprometimento celular torna-se ainda
mais grave devido à exaustão de substâncias antioxidantes, como glutatião, catalases, e
superóxido-dismutase11.
O acúmulo de (H+) durante a isquemia estimula o sistema de troca Na+/H+ do
tipo 1 (NHE-1), que expulsa o H+ da célula, mas favorece o acúmulo de Na+. Este acú-
mulo de Na+ no intracelular poderá, por sua vez, favorecer o acúmulo de Ca++ devido
à disfunção da bomba Na+/Ca++12. Nakagawara e col.13, há duas décadas, demons-
traram propriedade inibitória do halotano e enflurano, dose-dependente, sobre a mobi-

188
lização do Ca++ em neutrófilos e sua correlação com o aumento de radicais livres de
oxigênio. O íon Ca++ atua como segundo mensageiro na ativação da NADPH oxidase,
fonte de radicais livres de oxigênio. Fröhlich e col.14 relataram que a ativação direta da
proteína cinase c (PKC) resultaria na geração de radicais livres de oxigênio, e que esse
processo não era modificado com a exposição a anestésicos voláteis. Nesse mesmo
ano, entretanto, Rehring e col.15, ao estudarem o pH em preparações de corações isola-
dos de ratos após estímulo de PCI, observaram diminuição da acidose, possivelmente
dependente de PKC e troca de Na+/H+.
A fase inicial do pré-condicionamento (“clássica”) permanece por cerca de duas
horas após o evento pré-condicionante, porém, esse primeiro estímulo irá determinar
uma nova fase do pré-condicionamento que pode permanecer por até 72 h e denomina-
se “second window of protection - SWOP”. Nessa fase, o processo determinará respos-
ta genômica e síntese16 protéica específica.
Inicialmente, o pré-condicionamento isquêmico (PCI) do miocárdio foi o mais estu-
dado. Entretanto, logo surgiram evidências de que diversos outros órgãos, além do cora-
ção, também seriam suscetíveis a mecanismo protetor semelhante, tais como: sistema
nervoso central17, musculatura esquelética18, pulmões19, fígado20 e intestino21.
Em condições de estresse e aumento na concentração de Ca++, poros não-es-
pecíficos, com permeabilidade transitória da mitocôndria (“mitochondrial permeability
transition pore” - mPTP), localizados na parte interior da membrana mitocondrial, tor-
nam-se, na reperfusão, permeáveis a proteínas que usualmente não chegam ao interior

Cardioproteção
da mitocôndria, determinando edema mitocondrial, disfunção da cadeia de elétrons e,
consequentemente, inibição da fosforilação oxidativa. Baines e col.22 admitem que es-
ses poros poderiam ser um dos possíveis alvos das vias sinalizadoras. Muitas dessas
vias envolvem proteínas cinases C (PKC) que compõem o sistema RISK (“reperfusion
induced salvage kinases”). São onze as isoformas conhecidas23, que podem ser ativa-
das, em sua maioria, por Ca++ ou lipídios (diacilglicerol, fosfatidilserina). A importância
de cada uma das isoformas como agentes mediadores ainda gera controvérsias sobre
sua ação como mediador, e também apresenta variações entre as espécies e órgãos
pesquisados. Outras proteínas cinases, como a G e A, também estão relacionadas ao
processo de PC. Tirosina-cinases também fazem contribuições ao PC de duas maneiras:
como receptor de membrana com ação de “gatilho” ativador de proteínas cinases C, ou
como receptor no citosol, atuando como mediador paralelo à PKC. Estes receptores de
tirosina parecem estimular proteínas cinases ativadas por mitogênese (“mitogen-acti-
vated protein kinase” - MPAK), que possuem diversas funções celulares, dentre elas a
de sinalização intracelular (Erk1/2, p38, JNK, BMK1, são exemplos de MPAK). Também
a cinase-fosfadil-inositol-3 (PI3K), estimulada por hormônio do crescimento e outros
fatores, pode ativar vias sinalizadoras do PC, principalmente a proteína serina-treonina
cinase, denomianada Akt, associada ao crescimento e sobrevivência celular. Tong e
col.24 demonstraram a ativação da cascata de PI3K-Akt em protocolo de PC; entretanto,
Tsang e col.25 estudaram corações de ratos diabéticos e observaram que este mecanis-
mo encontra-se deprimido. Outros mecanismos podem estar envolvidos, como o STAT-3
(“signal transducer and activator of trasncription-3”), relacionado principalmente com
SWOP e estímulo por TNF-a26. Essa via pode ser ativada pela janus-cinase (JAK) em uma
cascata que conduz o sinal pré-condicionante até o núcleo celular e a expressão genéti-

189
ca é então modulada. Interessante que, no SWOP, esse sistema promove a estimulação
do tipo “gatilho” (“upstream”) de óxido nítrico sintetase induzível (iNOS) e cicloxigenase-
2 (COX-2), conhecidos mediadores e efetores de proteção27.
Zaugg e col.28 utilizaram, também em cardiomiócitos, técnica de microscopia e
autofluorescência em modelo simulado de isquemia celular. Foram adicionados à pre-
paração diversos agentes bloqueadores, e estimuladores, de receptores de membrana
sarcoplasmática e mitocondrial, além de moduladores de vias sinalizadoras. Concluíram
que os anestésicos voláteis poderiam agir seletivamente em canais mitocondriais de
KATP após estimulação de proteína cinase C por diversas vias sinalizadoras. Esta con-
clusão, entretanto, ainda pode ser questionada quando se analisa o estudo de Notsu e
col.l29, realizado em cardiomiócitos submetidos à redução de ATP intracelular, e verifica-
se ação bloqueadora de ambos os canais K+ATP .
Os canais K+ATP apresentam, presumivelmente, a atribuição de regular as res-
postas celulares à isquemia em função da concentração intracelular de ATP30, ou seja,
são intrinsecamente ligados ao metabolismo energético celular. São dois os tipos
encontrados: sK+ ATP, no sarcolema, e mK+ATP, na membrana mitocondrial, este
último, de mais difícil estudo31. Ainda existem controvérsias sobre a maior ou menor
importância de cada um dos dois tipos de canais K+ ATP na mediação do PC, quer is-
quêmico, quer farmacológico32. Os canais sK+ ATP parecem ter maior participação no
PCI, enquanto os mK+ ATP estão mais relacionados ao PC farmacológico.
Anestesia Venosa Total

Enfim, são amplas as evidências de que o PCA não ocorre devido a único fator,
quiçá multifatorial, mas decorrente da ligação dos fármacos a receptores específicos
da membrana celular.

Evidências clínicas do pré-condicionamento anestésico

Já são numerosos os estudos em humanos que, de algum modo, abordam o tema


do pré-condicionamento (cerca de 150, dentre ensaios clínicos e metanálises no PubMed
em março 2010), o que denota a importância cada vez maior do tema. O intuito de muitas
dessas pesquisas é desvendar seus mecanismos celulares e moleculares, porém, até o
momento, o mecanismo específico da proteção permanece desconhecido. Por outro lado,
muitos desses trabalhos contribuíram para elucidar algumas das vias que conduzem o si-
nal extracelular iniciado pelo estímulo pré-condicionante (adenosina, bradicinina, opioides,
noradrenalina, anestésicos voláteis, etc.) até o sítio de ação intracelular.
O termo “pré-condicionamento anestésico”33 (PCA) vem sendo utilizado para de-
signar a ação protetora da qual se beneficia um determinado órgão, em regime de
isquemia-reperfusão, quando exposto a anestésicos voláteis. PCA foi primeiramente
estudado em corações de coelhos, por Haessler e col.34, e confirmado por Schlack e
col.35 em preparações de coração isolado de ratos. Em princípio, a proteção conferida
pelo PC diferencia-se de possíveis benefícios provenientes, exclusivamente, de suas
propriedades hemodinâmicas, isto é, do equilíbrio entre oferta e demanda de substrato
celular36,37. Os anestésicos voláteis possuem, portanto, propriedades específicas que
interferem na condução e desencadeamento dos fenômenos biológicos durante a reper-
fusão, de tal modo que podem alterar o curso dos processos fisiopatológicos e permitir
a redução dos danos teciduais decorrentes da lesão por isquemia-reperfusão38.

190
A partir da confirmação científica laboratorial do PCA, o paradigma que norteava
as pesquisas em anestesiologia, especialmente em anestesia inalatória, sofreu impor-
tante mudança. Até o início dos anos 1990 pensava-se no desenvolvimento de anestési-
cos mais seguros, de fácil manuseio e armazenamento, com início de ação e despertar
mais rápidos, fatores que favoreciam o maior desenvolvimento da cirurgia ambulatorial.
O aumento da competitividade no mundo globalizado também havia direcionado a ges-
tão dos recursos para uma relação custo-benefício mais favorável economicamente.
Anestésicos voláteis com propriedades farmacológicas direcionadas a esse perfil da
prática anestesiológica foram desenvolvidos e comercializados. A grande aceitação clí-
nica de anestésicos como o isoflurano, o sevoflurano e o desflurano, por suas caracte-
rísticas, segurança e conforto de administração, não favorecia maiores investimentos
no setor1 à procura de novos anestésicos. Entretanto, com as evidências laboratoriais
do PCA, descortinou-se um novo campo de estudo e pesquisa. A complexidade da lesão
isquemia-reperfusão, com o envolvimento de diversos tipos celulares, mediadores e
agentes sinalizadores, não mutuamente exclusivos e emergindo em diversos momentos
do evento, dificulta substanciarem-se as evidências laboratoriais em medidas terapêu-
ticas possíveis. Considerando estas dificuldades, Vinten-Johansen e col.39 discutem, à
luz de constatações científicas estabelecidas, novas possibilidades terapêuticas, tais
como o pós-condicionamento, ou seja, o controle da reperfusão em função de maior
proteção orgânica posterior ao insulto isquêmico letal.
Diversos pesquisadores40,41,42,43,44,45,46,47,48 vêm apresentando estudos clínicos na

Cardioproteção
tentativa de corroborar as inferências científicas laboratoriais, principalmente em rela-
ção aos anestésicos voláteis; todavia, o real impacto que a aplicação clínica dessas evi-
dências irá determinar na morbi-mortalidade impõe a necessidade de estudos clínicos
muito bem desenhados (multicêntricos com elevado número de pacientes e variáveis
bem controladas) e de difícil elaboração, uma vez que as variáveis se avolumam no dia-
a-dia da prática cirúrgica, e também metanálises49. Além da dificuldade inerente às ocor-
rências do período perioperatório50, outros fatores – autonomia do paciente, habilidade
cirúrgica, evolução da doença, idade e estados clínicos – interferem sobremaneira na
avaliação da eficácia da cardioproteção, tanto isquêmica quanto por anestésicos. Idade
mais elevada contribui para o aumento de radicais livres e, possivelmente, para maior
abertura dos canais mPTP no miocárdio51. O aumento da glicemia parece, também, im-
pedir a ativação dos canais mitocondriais KATP52.
Estudo clínico realizado por De Hert e col.53, ainda na primeira metade da corren-
te década, testou propofol e sevoflurano em quatro grupos de pacientes (n=50) subme-
tidos à revascularização do miocárdio em diversos esquemas: G I= somente propofol,
G II= propofol substituído por sevoflurano após esternotomia até início da CEC, G III=
propofol substituído por sevoflurano após término das anastomoses e G IV= propofol
até esternotomia, substituído por sevoflurano até o final; e acompanhou valores de
troponina I por 48 h e função cardíaca por 24 h no pós-operatório. Analisando os resul-
tados, observaram que as concentrações pós-operatórias de troponina I foram menores

1 Charley H. Mcleskey, Abbott Laboratories. Comunicação pessoal em palestra sobre História do Sevoflurano
- São Paulo, março/2006.

191
em G IV do que nos outros grupos e, ainda, o tempo de permanência do paciente na
unidade de terapia intensiva pós-operatória foi significativamente maior em G I. Dentre
suas conclusões, expressam a importância do uso continuado do sevoflurano durante
todo o procedimento para que os seus efeitos cardioprotetores possam ser clinicamen-
te considerados. Esse estudo apresentou-se de acordo com resultados preliminares
divulgados anteriormente54, os quais comparavam tanto a função cardíaca (análise das
alterações na dP/dt – max e efeitos no relaxamento isovolumétrico e a pressão sistólica
final) quanto a concentração de troponina I no pós-operatório (36 h), a qual apresentava-
se significativamente menor no grupo com anestésico inalatório.
Mais recentemente, De Hert55 e col., divulgaram os resultados dos estudos realizados
pelo grupo de estudos VACMAN (Volatile Anaesthetics and Cardioprotection Multicentre ANaly-
sis), do qual participaram, envolvendo 9 diferentes centros e 414 pacientes submetidos a
cirurgia de revascularização do miocárdio com circulação extracorpórea e análise comparativa
entre os efeitos de anestésicos voláteis (desflurano e sevoflurano) e TIVA (“Total IntraVenous
Anesthesia”). Nesse estudo multicêntrico, o desfecho primário observado foi a liberação de
troponina T no pós-operatório, que também, como a troponina I, é um marcador de injúria
miocárdica. Entretanto, a análise dos resultados se contrapõe àqueles anteriormente rela-
tados54, não evidenciando diferença significativa entre os valores de troponina T observados
em ambos os grupos. Nas considerações apresentadas na discussão dos resultados, os
autores realizam uma profunda reflexão sobre correlação entre os valores de troponina I e
Anestesia Venosa Total

T que possam discriminar a presença de dano miocárdio efetivo no pós-operatório. Nesse


mesmo estudo, ainda são feitas conjecturas sobre a validade da metodologia, uma vez que o
desenho do estudo não possuía qualquer controle sobre a seleção e utilização de outros fár-
macos anestésicos durante a indução e até mesmo a manutenção da anestesia durante todo
o procedimento. Ou seja, apesar da metodologia estabelecer um critério fixo de administração
de anestésico volátil (0,5 CAM por 30 min antes da isquemia e até 10 min após a reperfu-
são), o protocolo permitia uma grande heterogeneidade. Os próprios autores reconhecem a
fragilidade dos resultados em função da metodologia, a qual procurou, principalmente, facilitar
o recrutamento de sujeitos para a pesquisa ao não limitar o número de variáveis passíveis de
confundimento.
Outro ponto importante ao se investigar a cardioproteção por anestésicos é a mo-
dalidade de administração do fármaco. A grande variedade de protocolos nos estudos
clínicos, nos quais os anestésicos são administrados em momentos e concentrações
diversas56,57, parecem justificar a discrepância dos resultados. Frässforf e col.47 investiga-
ram a importância no modo de administração de sevoflurano na indução de pré-condicio-
namentos em pacientes submetidos à revascularização do miocárdio. Todos os três gru-
pos do estudo receberam anestesia venosa com sufentanil e propofol (alvo-controlada).
Exceto o grupo controle, no qual nenhum outro anestésico havia sido administrado, os
dois grupos restantes foram diferenciados pelo acréscimo de mais um ciclo de 5 minutos
de administração de sevoflurano (1 CAM) previamente à circulação extracorpórea. Ao final,
observou-se redução de troponina I no pós-operatório, tão-somente no grupo que recebeu
2 ciclos de sevoflurano.
Pagel58, em recente editorial, avalia o longo caminho que a cardioproteção, espe-
cialmente por anestésicos voláteis, ainda requer até quando se obtenha a comprovação
de sua eficácia na preservação miocárdica e melhoria do desempenho cardíaco.

192
Anestesia venosa total e cardioproteção

A anestesia venosa total caracteriza-se pela associação de agente hipnótico e


analgésico potente, sendo que, por suas características farmacocinéticas, o propofol
é o agente mais utilizado na prática clínica59. Associado, invariavelmente, a um dos
fármacos opioides com perfil farmacocinético mais adequado à infusão contínua, o
remifentanil permite indução e manutenção durante todo o procedimento e até no pós-
operatório imediato, se necessário.

Propofol

O propofol possui efeito inotrópico negativo, observado in vitro60, mas irrelevante


no uso clínico em pacientes sem grave disfunção cardíaca61. A redução na pressão ar-
terial comumente observada decorre, principalmente, da diminuição no tônus simpático
e, conseqüente, diminuição da resistência vascular sistêmica.
Ko e col.62 foram pioneiros em avaliar os efeitos diretos do propofol no fenômeno
isquemia-reperfusão, em modelo experimental, utilizando corações de ratos em prepa-
rações Langendoff, nos quais avaliaram sua influência mecânica, bioquímica e histo-
lógica. Verificaram que, após 25 min de isquemia global, houve melhora dos atributos
(recuperação da contratilidade, desidrogenase láctica e lesão histológica), quando da
exposição prévia ao propofol (100 μM). A discussão salienta a possível propriedade an-

Cardioproteção
tioxidante do propofol, já anteriormente apontada por Murphy e col.63, considerando-se
sua semelhança estrutural a outros “removedores” (scavengers) de radicais livres de
oxigênio, tais como a vitamina E, que reduz as ligações protéicas dissulfídicas e inibe a
peroxidação lipídica determinada pelo estresse oxidativo64,65,66.
Kawano e col.67,68, estudando miócitos de rato e cultura de células, verificaram
que propofol não atua nos canais KATP do sarcolema em doses compatíveis com o uso
clínico, mas talvez possa oferecer cardioproteção interferindo com os poros não-especí-
ficos, com permeabilidade transitória da mitocôndria (“mitochondrial permeability tran-
sition pore” - mPTP), localizados na parte interior da membrana mitocondrial, à seme-
lhança do mecanismo do pré-condicionamento isquêmico dos anestésicos voláteis. Em
condições de estresse celular, como isquemia-reperfusão, esses poros permanecem
abertos, comprometendo o potencial de membrana e determinando edema mitocondrial
e alterações nas cristas69. A ruptura da membrana libera citocromo C e outras molécu-
las pró-apoptóticas, além da depleção celular de ATP.
Em modelo experimental in vivo, Kobayashi e col.70 observaram redução da área
de infarto nos animais anestesiados com propofol em ambos os grupos (10 e 20 mg.kg-
1
) comparados com o controle.
Em humanos, Bein e col.71 compararam o efeito do sevoflurano em administra-
ção ininterrupta antes do início da circulação extracorpórea e administração contínua
durante todo o procedimento (cirurgia de revascularização do miocárdio, n=42) com
TIVA (propofol 3-4 mg.kg-1.h-1 e sufentanil 0,01 mcg.kg-1.min-1). Os desfechos primários
foram os níveis de troponina T e CK-MB (creatina cinase), além do índice de desem-
penho miocárdio (“MPI”) obtido com ecocardiografia transesofágica. Os resultados
mostraram que, em até 48 h no pós-operatório, o grupo anestesiado tão-somente

193
com propofol/sufentanil apresentou valores de troponina T superiores ao grupo que
utilizou sevoflurano de modo intermitente, mas semelhante àquele que o empregou
durante todo o procedimento. A análise ecocardiografia (MPI) não apresentou diferen-
ças entre os grupos, assim como o tempo de ventilação e permanência na UTI e de
internação hospitalar.

Opioides

Os efeitos cardioprotetores dos opioides em anestesia são há muito conheci-


dos72,73,74, entretanto, esses sempre foram considerados por suas ações em atributos
fisiológicos determinantes da oferta e demanda de oxigênio pelo miocárdio e/ou na bio-
eletrogênese e condução do estímulo cardíaco. Comparações sobre o uso clínico dentre
os opioides, atualmente disponíveis na farmacopeia vigente, ainda são pertinentes e
suscitam investigações sob novos aspectos75. Em relação à cardioproteção, decorrente
do pré-condicionamento do miocárdico, muito ainda há para ser investigado.
Receptores opioides o ocorrem em reduzidas quantidades em órgãos periféricos,
incluindo o coração76, onde exercem efeitos locais. Bolling e col.77 examinaram a intera-
ção de agonista o opioides e tolerância do miocárdio à isquemia em modelo experimen-
tal de corações isolados de coelhos. Esses estudos sugeriram a presença do subtipo
2 dos receptores o opioides e que seu estímulo poderia mitigar a resposta funcional
Anestesia Venosa Total

à isquemia do miocárdio. Estes receptores transmembrana (proteína G) alteram vias


intracelulares de transdução do sinal que, possivelmente, poderiam estar relacionados
com os canais KATP. Gross e col.78 sugeriram que a morfina, agonista não-seletivo de
receptores μ e o , administrada antes da reperfusão, possuiria efeito cardioprotetor,
reduzindo a área de infarto. A Naloxone ou o 5-HD (bloqueador mitoKATP 5-hydroxydeca-
noate) podem abolir esse efeito.

Conclusão

Apesar da demonstração experimental de que os anestésicos venosos possuem


propriedades cardioprotetoras, a translação para cenários clínicos ainda é decepcionan-
te, deixando em aberto a confirmação, baseada em evidências, do pré-condicionamento
anestésico em humanos. Os dados de experimentos laboratoriais utilizam, usualmente,
animais jovens, saudáveis e sem doenças crônicas79 que requerem emprego de fárma-
cos em uso crônico80, distanciando-se ainda mais da prática clínica.
Ludman e col.81 examinam os desenhos dos estudos clínicos sobre cardioproteção
realizados até o momento. Destacam, inicialmente, a precipitação da comunidade científi-
ca em trazer para a pesquisa clínica aspectos ainda conflitantes ou até mesmo inconsis-
tentes, observados nos estudos em animais. São diversos os fatores responsáveis por
estas dificuldades, havendo barreiras em ambas as fases, clínica e pré-clínica82.
Considerando esses obstáculos, a estratégia a ser seguida pela comunidade
científica, com o intuito de abreviar o tempo necessário ao acúmulo de evidências que
possam embasar a tomada de decisão clínica, é aprimorar os mecanismos de comuni-
cação entre todos os envolvidos, sejam os centros de pesquisa básica e clínica, sejam
os setores assistenciais e a indústria farmacêutica.

194
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Anestesia Venosa Total

198
Capítulo 17

Renoproteção

Pedro Thadeu Galvão Vianna

Introdução

A lesão isquêmica do rim é associada com alta morbidade e mortalidade do


paciente. Melhora na capacidade deste órgão para tolerar esta lesão isquêmica terá
implicações clínicas importantes. Até a presente data, os fármacos usados para pro-
teção renal têm apresentado resultados desapontadores. Com a pesquisa de Murry1
surgiu grande potencial na proteção de órgãos por meio do denominado pré-condicio-
namento isquêmico. Consistiu este estudo de 4 ciclos de 5 minutos, alternados entre
isquemia/reperfusão da artéria coronária antes da oclusão coronariana pelo período de
40 minutos. O resultado foi a redução na área de infarto em 75% no grupo de cães que
sofreram a influencia destes pequenos períodos de oclusões prévias e que passou a
ser denominado pré condicionamento (PC). Demonstrou-se haver PC isquêmico em pra-
ticamente todos os mamíferos2,3 e em vários órgãos, como coração, intestino delgado,
músculo esquelético, fígado, cérebro e rins. Sabe-se, também, que este PC tem dois

Renoproteção
períodos2. O primeiro é chamado de inicial, ou PC clássico, e produz proteção do órgão
imediatamente após o estimulo pré-condicionante; o segundo é o PC tardio, que surge
até 72 horas após o emprego do PC. Foi também observado que o PC isquêmico é ca-
paz de causar proteção tecidual em local distante daquele em que se realizou o PC2.
De interesse para a Anestesiologia é o acumulo de conhecimento acerca do mecanismo
molecular atuando no pré-condicionamento, mostrando a possibilidade de modulação
da isquemia/reperfusão via ação de fármacos, e, entre estes, os anestésicos inala-
tórios e os opióides (Tabela I)3. Este pré-condicionamento passou a ser chamado de
farmacológico.

Como age o pré-condicionamento isquêmico e/ou farmacológico?

A primeira e mais poderosa substância identificada foi a adenosina nucleosida


endógena. Em 1991, descobriu-se que a estimulação do receptor A1 é essencial para
a proteção do órgão no PC isquêmico, e a injeção venosa deste fármaco causou o PC
farmacológico, cujo resultado foi semelhante ao do PC isquêmico4. Posteriormente, foi
observado in vivo e in vitro que a estimulação do receptor A3, também contribuía para
o pré-condicionamento (PC). No PC, várias substâncias são liberadas, ativando com-
plexa cascata de substâncias, incluindo-se a cinase-fosfadil-inositol-3 (cinase PI3K), a
proteína cinase C (PKC), a proteína tirosina cinase (PTC) e as cinases mitógenas proteí-
nas-ativadas (MAPKs). Estas cinases irão inibir a abertura do poro com permeabilidade
transitória da mitocôndria (MPTP) via canal de potássio dependente da adenosina trifos-
fatona na mitocôndria (mitoK+ATP) e ROS (espécies reativas de oxigênio). Há, também,
a liberação de várias outras substâncias, como a bradicinina, os opióides endógenos,

199
Tabela I - Fármacos com capacidade para produzirem ou
inibirem o pré-condicionamento farmacológico (PCF)
Causam o PCF Inibem o PCF
Agonistas receptores da Adenosina Antagonistas dos receptores da Adenosina
Adenosina Teofilina, aminofilina, bamifilina
Aumentam a adenosina endógena
Dipiridamidamole
Abrem o canal de KATP Bloqueiam o canal de KATP
Nicorandil Glibenclamida
Diazoxido
Agonistas opióides Antagonistas dos receptores opióides
Morfina Naloxona
Fentanil
Remifentanil
Agonistas dos receptores a1 adrenérgicos Antagonistas dos receptores a1
adrenérgicos
Fenilefrina Fentolamina
Noradrenalina
Isoproterenol
Agonista do receptor a2 adrenérgico
Bradicinina
Inib enz conversora da angiotensina (ACE)
Captopril
Lisinopril
Antagonista do receptor Angiotensina II
Anestesia Venosa Total

Losartran
Anestésicos Inalatórios Anestésicos venosos
Isoflurano Tiopental
Halotano R-cetamina
Sevoflurano Pentobarbital
Enflurano
Desflurano
Doador de óxido nítrico
Nitroglicerina
Estatinas
Prevastatina
Etanol
Vinho (Resveratrol)
Corticosteroides Inibidores da Cox-2
Celecoxib
Eritropoetina e análogos

a noradrenalina e o ROS. Após a fase de liberação destas substâncias, é produzida no


espaço intracelular a enzima intracelular cinase C (PKC). A PKC é mediada via cinase-
fosfadil-inositol-3 (PI3 K). A PI3 K vai ativar a cinase serina/treonina denominada Akt.
Esta, por usa vez, inativa a cinase-3 pro-apoptótica glicogênio sintetase (GSK-3). Em
alguns modelos, a inibição da PKC irá abortar o pré-condicionamento (PC). Isto é suges-
tivo de que a PKC age no pré-condicionamento (PC), como mediador. Estão também en-
volvidas no processo do pré-condicionamento, subfamílias das MAPKs, como a cinase
com receptor extracelular (ERK), cinase c-jun (JNK) e a MAPK p38. No coração, o canal
de potássio dependente da adenosina trifosfato (canal de K+ ATP) é essencial ao meca-
nismo de proteção do pré-condicionamento. O canal de KATP abre-se com o declínio de
ATP. Há canais localizados no sarcolema (canal do sarcK+ ATP) e na mitocôndria (canal

200
da mitoK+ ATP). Ambos os canais são bloqueados pela glibenclamida, mas, somente a
mitoKATP é bloqueada pela 5-hidroxidecanoato (5-HD). O diazóxido abre o canal mitoK+
ATP com maior afinidade do que o sarcK+ ATP. Isto mostra que estes canais apresentam
diferenças farmacológicas. A administração de diazóxido mimetiza o pré-condicionamen-
to e o 5-HD causa inibição deste fenômeno. A proteção do rim, causada pelo pré-condi-
cionamento, pode ser completamente bloqueada pela administração da glibenclamida.
Isto demonstra a importância destes canais para o pré-condicionamento (PC).
Finalmente, os efetores finais do PC denominados proteínas do choque térmico
(“heat shock protein” – HSP) HSP27 e HSP70 são responsáveis pela inibição da troca só-
dio/hidrogênio, pela prevenção do edema osmótico e da destruição do cito-esqueleto.
Estes efeitos irão preservar a célula e evitar a apoptose, na fase da reperfusão.

Pré-condicionamento clássico ou farmacológico na isquemia-


perfusão renal5

O precursor do óxido nítrico, L-arginina, foi usado sob a forma de infusão e quan-
do injetado antes da isquemia-reperfusão causou proteção da função tubular e glome-
rular6. No pré-condicionamento renal, foi observado que houve aumento da expressão
indutora do óxido nítrico sintase (iNOS), do NOS endotelial (eNOS) e da expressão da
proteína do choque do calor (HSP25). O tratamento com Nþ-nitro –L- argenina (L-NNA),
que é inibidor da síntese de NO, torna o rim mais vulnerável ao episódio isquêmico7.
Modelo de intensa isquemia (nefrectomia à direita e isquemia do rim esquerdo durante

Renoproteção
45 minutos) e reperfusão causa intensa apoptose renal avaliada pela citometria do
fluxo. Entretanto, esta lesão foi atenuada no grupo de ratos submetidos ao pré-condicio-
namento e anestesiados pela associação de isoflurano e remifentani8. Trabalho experi-
mental encontrou proteção renal com o propofol, em episódio de isquemia e reperfusão
causado pelo clampeamento da aorta, durante 30 minutos, acima da bifurcação das
artérias renais. A creatinina plasmática no pós-operatório foi significativamente menor
no grupo de suínos anestesiados com propofol, quando comparado com o grupo aneste-
siado com sevoflurano9. Estudo “in vitro” mostrou que o propofol protegeu a célula renal
da lesão de isquemia e reperfusão. Esta proteção foi provavelmente devido ao efeito
pré-condicionante do propofol e possivelmente mediada pelos canais de KATP10. Estudo
realizado em nosso laboratório, em ratos, mostrou que com 25 minutos de isquemia
há proteção renal tanto com isoflurano quanto com propofol. Entretanto, esta proteção
desapareceu com ambos os anestésicos quando os animais foram submetidos à hiper-
glicemia transitória11.
O resveratrol é um composto fenólico, disponível na uva e no vinho, possuindo
diversas ações bioquímicas e fisiológicas, incluindo efeitos estrogênicos, antiplaquetá-
rios e antiinflamatórios. Foi demonstrado que o resveratrol tem ação protetora nos rins,
coração e cérebro após o episódio de isquemia-reperfusão. O possível mecanismo do
pré-condicionamento do resveratrol é o aumento da produção de NO12.
Atualmente, a eritropoetina (EPO) tem sido alvo das atenções dos pesquisadores
sobre a sua utilização como protetor de órgãos13. Relacionado a este efeito protetor
está o mecanismo de oxi-redução do óxido nítrico, do ROS (espécies reativas de oxigê-
nio) e dos fatores de crescimento induzidos pela hipoxia (“hypoxia inducible factor”- HIF

201
e o “vascular endotelial growth factor” –VEGF). Há, também, o envolvimento da EPO na
complexidade do episódio de isquemia/reperfusão. Estudos comprovam o efeito prote-
tor da eritropoetina no cérebro14 e no coração15. O mesmo aconteceu no rim16 quando
foram usados 300 U.kg-1 de eritropoetina, antes da isquemia (45 minutos de clampea-
mento bilateral das artérias renais) e após a reperfusão. A EPO causou proteção renal
avaliada pela histologia, pela concentração da creatinina plasmática e pela inibição da
ativação in vivo das caspases -3,-8 e -9. Do ponto de vista clínico, o resultado mais re-
levante nesta pesquisa, foi a proteção renal observada 30 minutos após a reperfusão.
Outra pesquisa17 mostrou que na isquemia-reperfusão a eritropoetina tem efeito prote-
tor renal com o aumento da HSP70. A hiperglicemia transitória bloqueia o efeito protetor
do pré-condicionamento produzido pelo isoflurano e pelo propofol. Estudo realizado no
nosso laboratório mostrou que a eritropoetina atenuou o efeito deletério da hiperglice-
mia, tanto na dose de 600 U.kg-1 quanto na dose elevada de 5.000 U.kg-1. Estas doses
foram injetadas aproximadamente 30 minutos antes do episódio da isquemia. Nos ratos
dos grupos em que se utilizou a eritropoetina, houve redução da apoptose e aumento
das células viáveis. Deve ser enfatizado que este efeito protetor tecidual da eritropoe-
tina é independente da sua ação hematopoiética. Isto foi demonstrado por Leist18, que
observou acentuado efeito neuroprotetor ao usar a EPO carbamilada (CEPO), que não
possui ação eritropoiética. Com os resultados da EPO e da CEPO, fica aberta a perspec-
tiva de novas estratégias terapêuticas na medicina regenerativa. Devido à capacidade
Anestesia Venosa Total

de proteger o rim e preservar a função renal, o tratamento com a EPO pode representar
novo alento na conduta para minimizar os efeitos das lesões causadas pela isquemia-
reperfusão.

Lesão do órgão pela reperfusão

Apesar da restauração do fluxo sanguíneo a um órgão isquêmico ser essencial


para prevenir dano celular irreversível, a reperfusão pode agravar a lesão celular. Sabe-
se que as consequências da isquemia, em diferentes tecidos, dependem de sua dura-
ção, e que muitas das lesões são desenvolvidas durante o estágio de reoxigenação,
decorrente da reperfusão tecidual. As mitocôndrias são alvos importantes dos danos
provocados pelos processos de isquemia e reperfusão. Nelas ocorrem diminuição das
atividades da nicotinamida adenina dinucleotídeo ligada com hidrogênio (NADH) desidro-
genase, do carreador de adenosina difosfato / adenosina trifosfato (ADP/ATP) e da ATP
sintetase, além do aumento na atividade da fosfolipase A2. Ocorre ainda, acentuado
acúmulo de cálcio e aumento da geração de radicais livres pelas mitocôndrias. A asso-
ciação destes eventos pode ser responsável pelas lesões e morte celular, decorrentes
da reperfusão, possivelmente por um fenômeno de transição de permeabilidade da
membrana mitocondrial interna. Foi demonstrada a eficácia de fármacos que atuam
neste fenômeno, tais como: superóxido dismutase, catalase, manitol, alopurinol, vita-
mina E, N-acetilcisteína, compostos quelantes de ferro, inibidores da enzima conversora
da angiotensina e antagonistas dos canais de cálcio. Entre as alterações celulares
causadas pela isquemia-reperfusão, estão as alterações do potencial de membrana,
o aumento da relação Ca++ /Na+ intracelular, o edema celular, a desorganização do
citoesqueleto de órgãos e tecidos, a diminuição da fosfocreatina e a acidose celular.

202
A impermeabilidade de membrana pode, também, ser afetada pela ação de radicais
livres. A permeabilidade mitocondrial é um fenômeno caracterizado por aumento não
seletivo na permeabilidade da membrana mitocondrial interna, mediada pelo cálcio e di-
versos agentes indutores, como por exemplo, as espécies reativas do oxigênio (radicais
livres). A presença do cálcio na matriz mitocondrial é o requisito mais importante para
a indução da permeabilidade da membrana. Tem-se observado que, sob determinadas
condições, ocorre aumento da permeabilidade das mitocôndrias seguido de intumes-
cimento osmótico da matriz. Em presença de cálcio, o grupo que sofre isquemia tem
intumescimento osmótico mitocondrial mais acentuado. O aumento do intumescimento
osmótico mitocondrial na isquemia poderia ser justificado pelo desequilíbrio na home-
ostase mitocondrial do cálcio, causado pelo tempo de isquemia19.

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203
Capítulo 18

Neuroproteção
Daniel Volquind

“Ensaios clínicos, examinando os efeitos neuroprotetores dos agentes anestési-


cos, têm falhado em traduzir as evidências experimentais.”

Introdução

A idéia de proteger o sistema nervoso central, com agentes anestésicos, data


de mais de três décadas, quando pacientes em risco para ocorrência de eventos isquê-
micos perioperatórios começaram a ser submetidos a procedimentos cirúrgicos para
clipagem de aneurismas cerebrais, ressecção de tumores cerebrais, endarterectomia
de carótidas e cirurgia cardíaca com circulação extra corpórea1,2.
A neuroproteção, assim definida como uma estratégia ou combinação de estra-
tégias que antagonizem, interrompam ou tornem mais lenta a sequência de injurias
bioquímicas e moleculares, pode evitar a progressão da lesão isquêmica neuronal para
um estado irreversível de morte celular3,4.
O uso de agentes anestésicos para promover neuroproteção foi descrito primei-
ramente com a administração de barbitúricos, quando Smith e Cols. demonstraram
que havia proteção do tecido cerebral com tiopental ao diminuírem o fluxo sanguíneo

Neuroproteção
cerebral, o metabolismo cerebral (CMO2) e a pressão intracraniana (PIC) em cães sub-
metidos à oclusão temporária das artérias carótida interna e cerebral média1.
Por muitos anos, a redução do fluxo sanguíneo cerebral e a diminuição do metabo-
lismo cerebral, evidenciado no eletroencefalograma (EEG) transoperatório pela supres-
são da atividade elétrica cerebral, foram os pilares da neuroproteção intraoperatória5.
O crescente aumento do entendimento da fisiopatologia da lesão isquêmica neu-
ronal, dos mecanismos de morte neuronal e das vias bioquímicas envolvidas neste
contexto, mostrou que a neuroproteção com fármacos anestésicos vai muito além da
redução da atividade metabólica cerebral.

Fisiologia do sistema nervoso central

O cérebro recebe 15% do débito cardíaco e é responsável por 20% do consumo


de oxigênio corporal. Em condições fisiológicas, recebe em torno de 50ml/100g/min
de sangue, distribuídos na proporção de 80% para o córtex e 20% para a substância
branca, através de 02 artérias carótidas, 02 artérias vertebrais e da circulação colateral
provida pelo Polígono de Willis.
Apresenta metabolismo essencialmente aeróbico, no qual utiliza glicose como
substrato energético na geração de ATP através do ciclo do ácido cítrico. A taxa me-
tabólica de consumo de oxigênio cerebral (CMO2) é de 3,0 – 3,8 ml/100g/min (50
ml/min).
O tecido cerebral apresenta alta taxa de consumo metabólico e muito baixa ca-
pacidade de reserva de energia. Aproximadamente 60% do consumo energético cere-

205
bral está relacionado a atividades de despolarização/repolarização, atividades estas
responsáveis pela manutenção e restauração dos gradientes iônicos, além da síntese,
transporte e recaptação de neurotransmissores. O restante da energia consumida pelo
cérebro está envolvido na manutenção da homeostase celular neuronal. Deste modo, o
cérebro é extremamente vulnerável à interrupção do suprimento metabólico de oxigênio
e glicose através das alterações no fluxo sanguíneo cerebral (FSC)6 .
Os mecanismos homeostáticos compreendem o acoplamento metabolismo/flu-
xo, a autorregulação da pressão arterial e a reatividade ao CO26.
A regulação do FSC, responsável pela manutenção da homeostase do tecido cere-
bral, sofre influência de variáveis como a pressão arterial média (PAM), pressão parcial
de dióxido de carbono arterial (PaCO2) e metabolismo cerebral.
O FSC sofre autorregulação, ou seja, apresenta capacidade de manter a circu-
lação cerebral constante entre PAM estimada de 65-150 mmHg, com uma apreciável
variabilidade interpessoal6. Por exemplo, nos pacientes cronicamente hipertensos, na-
queles com lesões ateromatosas de artérias carótidas internas ou com aumento da
pressão intracraniana estes limites desviam-se para direita. Quando a PAM está abaixo
ou acima destes limites, o FSC apresenta um comportamento passivo em relação à
PAM.
O FSC também apresenta uma regulação química relacionada á PaCO2 e varia
diretamente com as alterações da mesma, no intervalo de 25 a 70 mmHg. Ocorre
Anestesia Venosa Total

vasoconstricção com valores próximos a 35 mmHg (hipocapnia) e vasodilatação da vas-


culatura cerebral quando superam 45 mmHg (hipercapnia), produzindo repercussões no
volume sanguíneo cerebral (VSC) e alterações na sua fisiologia.
O acoplamento metabolismo/fluxo determina um aumento no FSC focal ou glo-
balmente, conforme o aumento do metabolismo cerebral. Pode ocorrer aumento do FSC
na região occipital, por exemplo, no caso de um estímulo visual; ou aumento do FSC de
forma global, quando o paciente apresenta elevação da temperatura corporal, devido ao
aumento do metabolismo cerebral como um todo.
O líquido cefalorraquidiano (líquor) encontra-se no espaço subaracnóideo, proven-
do uma camada fluida protetora entre o SNC e os tecidos que o circundam. Ele apresen-
ta uma íntima relação com a função cerebral, devido à sua função de regular o pH e os
eletrólitos, retirar os produtos do metabolismo e carrear nutrientes. O líquor apresenta
importante papel na manutenção da homeostase do SNC.
Nesta homeostase, definida pela doutrina de Monroe-Kellie, o crânio não disten-
sível, o VSC, o FSC e o tecido cerebral devem estar em equilíbrio. Qualquer aumento em
um destes componentes ou a presença de uma lesão (tumor, aneurisma, hematoma,
etc.), que exerçam efeito de massa, leva ao desequilíbrio e aumento da pressão intra-
craniana, com diminuição da complacência craniana e sofrimento isquêmico cerebral7.
O cérebro apresenta mínima capacidade compensatória a alterações na complacência
craniana, resultando em aumento da pressão intracraniana.
Aumentos na pressão intracraniana têm efeito direto em outra variável fisiológica
de controle do fluxo sanguíneo cerebral: a pressão de perfusão cerebral (PPC). A PPC é
definida como o valor pressórico da PAM subtraído da PIC (PPC= PAM-PIC), e deve estar
acima de 70 mmHg para assegurar a perfusão adequada do tecido cerebral. Na ausên-
cia da medida da PIC, pode-se utilizar a medida da pressão venosa central.

206
Mecanismos de isquemia e morte neuronal

A isquemia cerebral pode ocorrer em decorrência de instabilidade hemodinâmica


(choque), estenoses ou oclusões vasculares, vasoespasmo, trauma e parada cardior-
respiratória. É definida como global (completa), como nos casos de parada cardiorrespi-
ratória, e como isquemia focal (incompleta), devido à obstrução temporária ou definitiva
de uma artéria responsável pelo suprimento sanguíneo cerebral de determinada região,
compressão do tecido cerebral pelo instrumental cirúrgico (espátulas cerebrais) em
campo cirúrgico restrito pelo edema cerebral, hemorragias, efeito de massa intracrania-
no com hipertensão intracraniana, etc8.
Em ambas as condições, ocorrem morbidade e mortalidade neuronal em menor
ou maior intensidade, decorrentes de mecanismos como a necrose neuronal e a morte
celular apoptótica.
O entendimento destes mecanismos fisiopatológicos de morte neuronal foi deter-
minante para a possibilidade de direcionar as intervenções neuroprotetoras para as vias
metabólicas responsáveis pela injúria neuronal9.
Uma cascata de eventos é iniciada após a injúria isquêmica, conduzindo à exci-
totoxidade, ao estresse oxidativo neuronal e à despolarização peri-infarto. No momento
em que ocorre a privação de oxigênio e glicose pela insuficiência do suprimento sanguí-
neo cerebral, o conteúdo de ATP diminui rapidamente devido à diminuição da produção.
Como consequência, os processos dependentes de energia do ATP, como o transporte
ativo pela Na/K ATPase diminuem. Os canais iônicos dependentes de ATP para sua

Neuroproteção
abertura, como os de K+ e os de cálcio ativados pelo K+, são interrompidos logo após
o insulto isquêmico, promovendo hiperpolarização neuronal e silêncio elétrico. A perda
do transporte de eletrólitos celulares através da Na/K ATPase leva ao acúmulo de K+
fora dos neurônios e a subsequente lenta despolarização. Uma vez que o limiar desta
despolarização é alcançado, ocorre uma entrada de Na+ e Ca++ na célula e completa
perda de potencial de membrana9.
Esta despolarização é responsável pela liberação do excitotóxico glutamato dos
terminais nervosos, que vai ativar os receptores N-methyl-D-aspartato (NMDA) e os
receptores α-amino-3-hidroxyl-5methyl-4-isoxazole propionato (AMPA), aumentando a en-
trada de Na+ e Ca++ e a extrusão de K+ dos neurônios, através do acoplamento do
receptor de glutamato com os canais catiônicos10.
Durante o episódio isquêmico, a concentração de Ca++ citosólico aumenta mar-
cadamente devido à ativação de ambos receptores NMDA e dos canais de Ca++ volta-
gem dependente, bem como pelo bloqueio do transporte Na+ / Ca++ para o extracelu-
lar, desencadeando um proeminente papel no desenvolvimento da injuria isquêmica e
morte neuronal por necrose e/ou apoptose neuronal10.
A morte neuronal por necrose mediada pela excitotoxicidade é caracterizada pelo
rápido edema celular, condensação e piknose do núcleo, além de edema mitocondrial
e do retículo endoplasmático. A morte neuronal necrótica resulta em infiltração local do
cérebro por células inflamatórias, as quais se disseminam para os neurônios adjacen-
tes6.
A morte celular programada (apoptose) é um processo fisiológico que elimina um
determinado número de células neuronais durante o desenvolvimento. A apoptose é

207
caracterizada pela condensação da cromatina, involução da membrana celular, edema
mitocondrial e desestruturação do arranjo celular. Este processo não é acompanhado
de resposta inflamatória e limita a injuria ao redor dos neurônios que sobreviveram ao
insulto isquêmico inicial10.
As vias bioquímicas que conduzem à apoptose têm sido descritas e são caracte-
rizadas pela liberação mitocondrial do citocromo c, o qual é restrito ao citoplasma pela
membrana mitocondrial externa. No evento da injúria mitocondrial, a liberação do cito-
cromo c ocorre através dos poros da membrana externa; no citoplasma neuronal, este
interage com a enzima procaspase9 e o fator ativador da apoptose (FAA), iniciando uma
cascata de ativação enzimática, que resultará na formação de um apoptosoma6,9.
A liberação de várias proteínas pró-apoptóticas mitocondriais e sua redistribuição
no citosol neuronal, seguindo o insulto isquêmico, promovem a clivagem de substratos
protéicos, os quais são essenciais para o reparo do DNA e mostram que este é um pro-
cesso dinâmico, no qual os neurônios continuam a morrer por um longo período após o
início deste processo6.
O atraso da morte neuronal, demonstrada em isquemia global e também nas
isquemias focais, é dependente da gravidade do insulto, com neurônios morrendo ra-
pidamente e outros sobrevivendo ao insulto inicial, criando uma região de penumbra
isquêmica, que pode aumentar a extensão do infarto após a isquemia focal e são alvo
de estudos de estratégias neuroprotetoras, por apresentarem células neuronais passí-
Anestesia Venosa Total

veis de serem reparadas.


O reparo celular através da remielinização e reorganização por vias compensató-
rias, tais como o aumento da atividade de áreas cerebrais contralaterais ou adjacentes
não injuriadas, pode atenuar os efeitos a longo prazo da injúria isquêmica no desfecho
do paciente10.

Neuroproteção - quais são as evidências?

As estratégias para neuroproteção são baseadas no entendimento dos mecanis-


mos fisiopatológicos de isquemia e morte neuronal descritos acima.
O entendimento da cascata multidimensional da injúria oferece opções terapêuti-
cas e intervenções farmacológicas para reduzir a excitotoxicidade e a PIC11,12. Este con-
ceito consiste na combinação de fármacos ou um fármaco isolado que possa bloquear
diferentes mecanismos fisiopatológicos relacionados à injúria isquêmica13.
A manutenção da autorregulação do FSC, da PPC, e o controle metabólico cere-
bral (normoglicemia, normocapnia, hipotermia moderada e oxigenação adequada), são
intervenções neuroprotetoras com elevado nível de evidência.
O conceito de neuroproteção farmacológica inclui intervenções para aumentar o
FSC nos territórios isquêmicos, otimizar o metabolismo cerebral, controlar a PIC e inibir
a ativação dos mecanismos de excitotoxicidade10. Diminuir a duração do evento isquê-
mico, bloquear o fluxo iônico mediado pela liberação de glutamato, inibir a apoptose, os
fenômenos inflamatórios secundários, eliminar os radicais livres e promover o reparo
e crescimento tecidual, são estratégias desejadas para produzir neuroproteção. Quase
todas as etapas fisiopatológicas que conduzem à morte neuronal representam alvos
para os agentes neuroprotetores9.

208
Os anestésicos apresentam uma variedade de mecanismos de ação, tanto in
vitro quanto in vivo, associados à neuroproteção. Estes mecanismos parecem atuar
em cada etapa do processo fisiopatológico da lesão neuronal e incluem a inibição de
despolarizações espontâneas na área de penumbra isquêmica, redistribuição favorável
do fluxo sanguíneo cerebral, potencial antioxidante, antagonismo do receptor NMDA e
potencialização gabaérgica14.
O tipo de injuria, o intervalo de tempo entre esta e a intervenção neuroprotetora
e a intensidade do insulto isquêmico, determinam a efetividade de determinada terapia
neuroprotetora14.
A dificuldade em estudar os efeitos dos anestésicos como neuroprotetores é que
cada anestésico tem seu efeito próprio na vasculatura, no metabolismo e eletrofisiolo-
gia cerebral (potenciais evocados), na temperatura e na pressão arterial15.
A neuroproteção contra a injúria isquêmica, apesar dos vários bilhões de dólares
investidos ao longo de décadas em pesquisas, ainda apresenta pequeno progresso
quanto a uma terapia farmacológica que significativamente altere os desfechos após o
evento agudo. No entanto, algumas observações de estudos em laboratório demonstra-
ram que o propofol (2-6-diisopropilfenol) promove neuroproteção, se o fármaco estiver
presente no momento do insulto isquêmico16.
Efeitos neuroprotetores do propofol têm sido evidenciados em modelos animais,
enquanto os resultados em ensaios clínicos em humanos ainda não conseguiram evi-
dências suficientes de neuroproteção.

Neuroproteção
O propofol tem sido associado à redução da área de infarto isquêmico cerebral
e da necrose neuronal em modelos animais; no entanto, o efeito na apoptose neuronal
após eventos isquêmicos é desconhecida17.
Os possíveis efeitos neuroprotetores do propofol têm sido testados em diversos
modelos in vitro e in vivo, no entanto os resultados ainda são controversos. Deste
modo, o entendimento dos mecanismos de neuroproteção poderia identificar importan-
tes alvos terapêuticos e, possivelmente, uma eventual translação destes resultados
para uso em humanos18.
Em um estudo, Adembri e col. utilizando modelos in vitro e in vivo de ratos, apre-
sentaram um provável mecanismo de neuroproteção do propofol, administrando doses
de 100 mg/Kg, após oclusão da artéria cerebral média in vivo e deprivação de oxigênio
e glicose in vitro, através da prevenção do edema mitocondrial, o que diminuiria a exci-
totoxicidade neuronal19.
Engelhard e cols. demonstraram que o propofol pode prover neuroproteção sus-
tentada em modelos de ratos Sprague-Dawley masculinos submetidos a isquemia por
oclusão da artéria carótida ou choque hemorrágico.
O propofol inibiu o dano neuronal por 28 dias após isquemia incompleta com
reperfusão pós-injúria. O provável mecanismo neuroprotetor é o balanço em direção às
proteínas antiapoptóticas20.
A utilização de propofol como agente neuroprotetor mostrou resultados promisso-
res em um modelo in vitro de cultura tecidual cerebral (hipocampo), quando em combi-
nação com hipotermia (32oC) após injuria cerebral traumática21.
Em pacientes com elevação da PIC, apesar do propofol ter mostrado a diminui-
ção da taxa metabólica cerebral em 36%, da PIC em 30% e da PPC em menos de 10%,

209
manteve-se a autorregulação do FSC e a reatividade a PaCO2. No entanto, os efeitos
neuroprotetores atribuídos ao propofol não foram sustentados em casos de isquemia
moderada a grave por tempo prolongado22.
Em outro estudo, os efeitos do propofol não levaram à perda da autorregulação
do FSC nem à diminuição da resposta a PaCO2, mesmo em doses que resultaram em
silêncio elétrico no EEG (burst supression)23.
A avaliação quantitativa dos efeitos neuroprotetores do tiopental, propofol e ha-
lotano na isquemia cerebral em roedores (gerbil), estudada por Kobayashi e Cols., não
demonstrou superioridade do tiopental em relação ao propofol, bem como não houve
diferenças estatísticas em relação à duração das despolarizações isquêmicas. Neste
estudo, o propofol mostrou efeitos neuroprotetores quando promoveu supressão elétri-
ca do EEG ou BIS no intervalo entre 10-3024.
Em pacientes que sofreram traumatismo craniano com lesão cerebral associada,
estudos de fase III não apontaram nenhum fármaco com propriedade neuroprotetora,
incluindo os inibidores dos processos oxidativos celulares e da excitotoxicidade25.
As evidências, até o presente momento, mostram resultados desapontadores
quanto à atividade neuroprotetora do propofol em humanos, embora existam evidências
experimentais.
Estudos em desenvolvimento buscam a comprovação da atividade neuroprotetora
em humanos através do uso de fármacos. Um protocolo de revisão sistemática en-
Anestesia Venosa Total

contra-se em andamento na Cochrane Database Library, para estudar a neuroproteção


farmacológica e déficits cognitivos26.
Novos ensaios clínicos dirigidos para grupos específicos de pacientes devem ser
realizados, para que uma resposta a respeito da atividade neuroprotetora do propofol
seja oportunizada e possa demonstrar este benefício adicional aos nossos pacientes.

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211
Capítulo 19

Infusão Alvo Controlada Versus Contínua


Fernando Squeff Nora

Introdução

Os anestésicos venosos podem ser administrados, tanto através de uma dose


única, comumente em bolus, como através de múltiplas doses pequenas e intermiten-
tes, durante a indução e a manutenção da anestesia. Uma terceira via de administração
de anestésicos venosos foi proposta, a fim de diminuir a incidência dos chamados
picos e vales de concentração plasmática destes fármacos, comumente observados
durante as modalidades de infusão descritas até então. Assim, surgiu a anestesia ve-
nosa total com infusão contínua de fármacos. Os estudos mais recentes indicam que
quando esse tipo de anestésico é administrado através do método de infusão contínua,
com velocidade controlada, há uma série de vantagens em relação à sua administração
intermitente1.
Essas vantagens incluem:
1) Maior estabilidade hemodinâmica

Infusão Alvo Controlada Versus Contínua


2) Menor incidência de alterações hemodinâmicas dependentes do estímulo ci-
rúrgico
3) Redução na necessidade de suplementação com outros anestésicos ou fár-
macos vasoativas
4) Despertar mais rápido
5) Diminuição das necessidades de Naloxona ou de suporte ventilatório no pós-
operatório
6) Baixa incidência de para-efeitos
7) Menor dose total administrada, com conseqüente economia
8) Ausência de flutuações plasmáticas importantes com conseqüentes momen-
tos de picos e vales

A introdução dos métodos de infusão contínua de fármacos anestésicos ve-


nosos exigiu o desenvolvimento tecnológico, como projetos de bombas de infusão
extremamente sensíveis e seguras, e o desenvolvimento conceitual necessário para
o entendimento da farmacologia aplicada a esse método. Portanto, da mesma forma
que foram desenvolvidos vaporizadores cada vez mais seguros para a administração
de agentes inalatórios, na anestesia venosa total, é crucial a utilização de bombas
de infusão também seguras e, principalmente, fidedignas.
Os agentes anestésicos venosos mais utilizados em anestesia venosa total são
os hipnóticos/sedativos potentes e os opióides. Os bloqueadores neuromusculares
(BNM) também podem ser utilizados em infusão contínua, mas esta modalidade de
administração de BNM ainda é pouco utilizada.
A tendência dos anestesiologistas clínicos é a utilização de agentes venosos que
confiram um tempo rápido de início de ação e uma curta duração de efeito, levando a
uma recuperação anestésica rápida, após a interrupção da administração contínua des-
ses agentes. A anestesia venosa total visa prever, após a interrupção da administração

213
dos fármacos, um período de recuperação, na maioria das vezes, previsível e seguro.
O momento em que a infusão deve ser interrompida, durante administração manual de
fármacos venosos, é calculado de acordo com as características farmacocinéticas de
cada fármaco, que deve ser do conhecimento do anestesiologista. Nesta modalidade de
infusão, o anestesiologista associa estes conhecimentos aos aspectos clínicos e vai di-
minuindo a administração dos fármacos até que a recuperação ocorra. Até certo ponto,
esta diminuição na taxa de infusão é realizada de maneira empírica. Durante anestesia
venosa total com uso de bombas de infusão alvo controladas, o cálculo deste período
de recuperação, bem como o cálculo da forma de diminuir a taxa de infusão é estimado
pelo equipamento.

Conceitos Relevantes em Anestesia Venosa Tota

Os objetivos da anestesia geral são, entre outros, conferir aos pacientes um


estado de inconsciência, mantê-la de maneira adequada durante o tempo necessário
e permitir uma recuperação rápida para o estado de total consciência. O mesmo deve
ocorrer com a analgesia per-operatória, conferida pelos agentes opióides administra-
dos, igualmente em infusão contínua.
Atualmente, existe uma forte tendência em se compartimentalizar a anestesia,
tanto no que se refere à administração, quanto às formas de monitorização. Com as úl-
Anestesia Venosa Total

timas evidências em pesquisas envolvendo substratos anatômicos dos anestésicos ve-


nosos, tem sido proposto por diversos autores que estas substâncias devem ter locais
de ação em alvos anatômicos cada vez mais específicos, para facilitar a determinação
das suas ações2,3. Desta forma, a monitorização se torna cada vez mais simples, obje-
tiva e fidedigna. Um exemplo clássico, que tem sido citado por alguns autores, ocorre
com os agentes halogenados, que por não terem um substrato de ação anatômico úni-
co, trazem dificuldades na determinação da monitorização dos seus efeitos em estudos
experimentais e em seres humanos. Kissin I. descreveu que2: “....existem evidências
de que diferentes mecanismos moleculares levam a diferentes componentes da anes-
tesia. Em camundongos geneticamente modificados, a perda da sub-unidade Beta do
receptor GABAA resultou em significantes diferenças nas potências do Enflurano e do
Halotano para bloquear a resposta motora frente a um estímulo nociceptivo, mas o efei-
to hipnótico ficou inalterado....”
Por outro lado, quando utilizamos fármacos com substratos anatômicos para
seus sítios de ação bem definidos, podemos monitorizar suas ações de forma mais
fidedigna. A anestesia venosa tem procurado contemplar estas características, à me-
dida que utiliza o conceito de anestesia balanceada de forma bastante prática, ou
seja, quando desejamos obter hipnose, utilizamos hipnóticos, quando desejamos ob-
ter analgesia, utilizamos analgésicos e quando desejamos obter relaxamento muscu-
lar, utilizamos relaxantes musculares. Isto pode parecer bastante lógico, mas é difícil
determinar, durante a anestesia, quais destes fármacos devem ser indicados, de
acordo com cada alteração per-operatória que surge a todo o momento. Estes fatos
têm mudado, fundamentalmente, a maneira de interpretar os elementos da anestesia,
e precisam ser compreendidos na sua magnitude para que a anestesia venosa tenha
os resultados esperados.

214
Para atingir esses objetivos, o anestesiologista deve conhecer e manter os níveis
séricos terapêuticos dos fármacos anestésicos, baseado no conhecimento da farmaco-
logia dos agentes utilizados.

Princípios farmacocinéticos

Os textos clássicos de anestesiologia projetam os esquemas de infusão contínua


de anestésicos venosos, por intermédio da recomendação do cálculo da dose inicial em
bolus, como3:
Dose bolus = Vd1 x Cp (equação 1)
E o cálculo da dose de infusão, na fase de manutenção da anestesia venosa
contínua, como:
Infusão de manutenção = Cp x Cl (equação 2)
Onde; Vd1 = volume de distribuição do compartimento central; Cp = concentração
plasmática desejada; Cl = clearance sistêmico.
Importante ressaltar que, com o advento das bombas de infusão alvo controla-
das, onde o anestesiologista tem a possibilidade de regular a concentração plasmática
desejada, estes cálculos são realizados pelas bombas, como o exemplo que segue:

Infusão Alvo Controlada Versus Contínua


Se você deseja obter uma concentração plasmática inicial de propofol de 4µg.
ml , esta é a regulagem que vai ser colocada na bomba de infusão. Com base neste
-1

número e, como a bomba de infusão tem em sua programação o valor do Vd1 do propo-
fol, ela calcula qual a dose em bolus que deverá ser feita para obter esta concentração.
Como o volume de distribuição do propofol no compartimento central (Vd1) é de 16L,
a bomba multiplica 16 x 4 e administra 64mg ou 6,4ml de propofol a 1% rapidamente.
Como a maioria dos pacientes pesa entre 60 e 90 kg, estas doses costumam variar en-
tre 1,06mg.kg-1 e 0,71mg.kg-1. Logo a seguir, a bomba recalcula a dose de manutenção
com a fórmula da equação 2, para compensar a fração do fármaco que começa a ser
metabolizado, redistribuído e eliminado. Notar que a dose inicial, em bolus, é menor que
a descrita pela literatura, que varia em torno de 2 a 2,5mg.kg-1 durante a indução. Isto
é feito desta forma para que não ocorram picos exagerados de concentração plasmáti-
ca no momento da indução, uma vez que uma dose inicial, em bolus de 2,5mg.kg-1 de
propofol, pode gerar concentrações plasmáticas de até 15µg.ml-1, com maior incidência
de eventos adversos, como hipotensão, por exemplo.
A clássica descrição de uma técnica de infusão, visando obter uma concentração
sérica do fármaco anestésico venoso, conhecida e estável, baseada nas variáveis far-
macocinéticas acima descritas, é um grande avanço. Mas ainda há problemas, uma vez
que falha em sua aplicabilidade clínica e nos estudos farmacocinéticos com modelos
tri-compartimentais, pois as variáveis não incorporam a biofase, ou seja, não se pode
determinar qual a concentração do fármaco dentro do compartimento de ação de forma
fidedigna.
Com o advento das bombas de infusão alvo controladas, alguns modelos que des-
crevem as variáveis envolvidas nesta transferência de fármacos de um compartimento
para o outro têm sido utilizados com algum sucesso. Estas variáveis serão discutidas
a seguir para que possamos fazer o correto entendimento a cerca do funcionamento
destes sistemas de infusão de drogas venosas.

215
Antes da discussão de técnicas de anestesia venosa, é importante introduzir
alguns conceitos farmacológicos que facilitam o entendimento do anestesiologista clí-
nico, no que se refere a infusão contínua dos agentes anestésicos venosos: tempo de
equilíbrio, biofase, e context-sensitive half-time.

Tempo de equilíbrio

Tempo de equilíbrio (ke0) é o tempo decorrido entre a administração do fármaco,


por via venosa, e seu efeito máximo ou terapêutico, no sítio efetor. Esse parâmetro é
um determinante da dose necessária para indução anestésica com agentes venosos. O
Ke0 deve ser o mais rápido possível, fazendo com que os efeitos da dose inicial sejam
evidenciados clinicamente, logo após a administração do fármaco, evitando a possibi-
lidade da administração de doses subseqüentes, por interpretação errônea de que a
primeira dose foi clinicamente insuficiente, o que pode resultar em sobredose, com os
seus para-efeitos indesejáveis. Todos os anestésicos venosos, com exceção do mida-
zolam e da cetamina, possuem um rápido Ke0, em torno de 1 min. Esse tempo pode ser
influenciado pela velocidade da injeção, fato que se torna importante na comparação
entre os trabalhos científicos clínicos que avaliam o início de ação de fármacos.

Biofase
Anestesia Venosa Total

O plasma (compartimento central) não é o setor que, quando estimulado, resulta


na atividade farmacodinâmica dos fármacos anestésicos venosos. Mesmo que seja
conhecida a precisa concentração sérica do fármaco necessária para a obtenção de
determinado efeito, somente com o cálculo da dose em bolus, utilizando a equação 1,
não é possível avaliar a sua concentração no sítio efetor.
O sítio no qual o fármaco venoso exerce a sua atividade farmacodinâmica é
denominado de biofase (compartimento efetor). Para que um fármaco atinja a biofase,
é necessário que haja sua distribuição do plasma para o tecido que alberga a referida
biofase. Concomitantemente a esse acontecimento, o fármaco também é distribuído em
outros tecidos ou compartimentos do organismo. Dessa forma, a dose administrada em
bolus, com o objetivo da obtenção de um determinado efeito, não pode ser calculada
empregando o volume de distribuição inicial (Vd1), que inclui somente o volume plasmá-
tico, mas deverá ser calculada com base no volume dentro do qual o fármaco esta sen-
do distribuído no momento em que atinge uma situação de equilíbrio com a biofase.
Através da aferição contínua e concomitante da relação entre um determinado
efeito de um fármaco anestésico venoso (EEG) e a sua concentração plasmática, é pos-
sível correlacionar essa concentração com o efeito que produz por ativação da biofase.
Quando se correlacionam a concentração plasmática de propofol após uma rá-
pida infusão venosa e a monitorização simultânea, através do traçado de eletroence-
falograma (EEG), observa-se que a rápida elevação na concentração plasmática desse
fármaco não é acompanhada de uma concomitante alteração no EEG, o que caracteriza
uma histerese entre concentração plasmática e efeito do fármaco. Entretanto, existe
um tempo em que os dois, concentração e efeito, serão igualados. Este é o chamado
ponto de equilíbrio, e ocorre depois de igualadas as concentrações entre plasma e local

216
efetor. O tempo de histerese ou tempo de equilíbrio de um fármaco é determinado, por
definição farmacológica, multiplicando-se 4,32 vezes a meia vida de distribuição do
mesmo. Assim, o propofol, que tem uma meia vida de distribuição no compartimento
central de 2,3 min., completará o seu tempo de histerese em torno de 10 a 12 min.
O fentanil percorrerá este tempo em torno de 18min e o remifentanil em menos de 3
min.
A constante ke0 representa a velocidade de equilíbrio entre o fármaco exis-
tente no plasma e na biofase. A t1/2 ke0 é o tempo para que ocorra a metade do
fenômeno de equilíbrio. Um exemplo pode ser citado: a t1/2 ke0 para o fentanil é de
4,7 min.; se a concentração plasmática do fentanil, durante infusão contínua, for
mantida constante em 4 ng.ml-1, então 4,7 min após a infusão ter sido iniciada, a
concentração de fármaco na biofase será de 2 ng.ml-1 2,3. São consumidas quatro
meias-vidas (18 min) antes que seja atingido o equilíbrio na concentração de fárma-
co entre a biofase e o plasma.
O tempo necessário para atingir o pico máximo de efeito de determinado fármaco
anestésico venoso, após a administração de uma dose em bolus, é uma função da ke0
do fármaco e de sua distribuição pelos compartimentos do organismo. Um fármaco com
curto t1/2 ke0 apresentará uma rápida instalação do pico máximo de efeito. Um exemplo

Infusão Alvo Controlada Versus Contínua


da importância clínica desse fenômeno pode ser citado: durante a indução anestésica,
na qual for empregada uma técnica de indução rápida, é desejável a utilização de fár-
macos com tempo de início de ação curto, como no caso do tiopental (tempo de pico
máximo de ação de 100 s) e do alfentanil ou remifentanil (tempos de pico máximo de
ação de 82 s). A associação de fármacos com essas características farmacocinéticas
resultará em perda rápida da consciência, sendo que os dois fármacos exercem seu
pico de efeito máximo ao mesmo tempo, dessa forma abolindo mais intensamente as
respostas autonômicas secundárias às manobras de laringoscopia e intubação traque-
al. Por outro lado, se o fentanil (tempo de pico máximo da ação de 216 s) é administra-
do ao invés do alfentanil, ao mesmo tempo da administração do tiopental e da succinil-
colina, seu efeito não será máximo na ocasião do maior estímulo autonômico (intubação
traqueal), o que resultará em hipertensão arterial inicial, seguida de hipotensão arterial
secundária ao efeito máximo do fentanil na biofase, quando não existir mais o estímulo
adrenérgico. Estas são vantagens evidentes da utilização de sistemas de infusão alvo
controlado, uma vez que a infusão manual somente controla a infusão constante do
fármaco, e não faz os ajustes necessários, de acordo com as características farmaco-
lógicas de cada fármaco.
Quando os fármacos anestésicos venosos são administrados através de injeções
em bolus intermitentes, os intervalos entre as doses devem ter a duração suficiente
para que o pico máximo de efeito da primeira dose já tenha sido observado clinicamen-
te, antes da administração da dose subseqüente. Isso pode ser observado, em nível
clínico, quando duas doses de 2mg de midazolam são administradas com intervalos
entre si menores do que 1 minuto, isto é, antes da observação clínica do efeito máximo
da primeira dose. O resultado é que a segunda dose confere um grau de sedação muito
mais intenso do que o esperado após a administração da primeira dose.
O conhecimento da ke0 permite uma escolha racional do fármaco a ser emprega-
do e a oportunidade, em termos de tempo, para a sua correta administração.

217
Context-sensitive half-time

A meia-vida de eliminação (t1/2b) é definida como o tempo necessário para que a con-
centração de um fármaco venoso diminua em 50%. Infelizmente, o conceito de meia-vida de
eliminação não se enquadra de maneira matemática, quando é necessário calcular as meias
vidas de eliminação de múltiplos compartimentos, como ocorre na realidade clínica. No mo-
delo tricompartimental, as moléculas dos fármacos são administradas no compartimento 1,
ou central, podendo mover-se entre os compartimentos 1 e 2, por gradientes de concentração
e de acordo com as constantes k12 e k21 e, entre o 1 e 3, de acordo com as constantes k13
e k31, até que ele seja removido de forma irreversível do compartimento 1, a uma velocidade
determinada por outra constante, k10 (por convenção, toda fármaco metabolizado ou excreta-
do é considerado como presente em um compartimento 0). As constantes k demonstram a
velocidade do trânsito dos fármacos de um para outro compartimento.
A velocidade com a qual o fármaco é removido do compartimento central é direta-
mente proporcional à sua concentração nesse compartimento. O clearance do compar-
timento central, Cl1, é calculado através da equação, V1.k10.
A análise da capacidade de distribuição de um fármaco anestésico venoso, infundido de
maneira contínua, em um modelo tricompartimental, segue quase sempre a seguinte fórmula:
Pe-ct + Ae-at + Be-bt , com um p > a > b.
O P, p, A, a, B, b, definidos como uma função de distribuição em unidades com-
Anestesia Venosa Total

partimentais triexponenciais, podem ser manipulados algebricamente para calcular V1,


k10, k12, k21, k13, k31 em um modelo tri-compartimental.
Hughes e cols.4 introduziram o conceito de context-sensitive half-time, que é o
tempo requerido para a concentração de um fármaco no compartimento central diminuir
em 50% (half-time), após o término de um regime de infusão, programado para manter
uma concentração plasmática constante, por um determinado período de tempo.

Diferenças Entre uma Infusão Manual em Anestesia Venosa Total e


uma Infusão Alvo Controlada

Na administração clínica de fármacos anestésicos venosos, através de infusão


contínua, diversos aspectos são importantes, tais como:
1) Manutenção de uma concentração plasmática constante
2) Velocidade com que a concentração terapêutica pode ser obtida
3) Velocidade com a qual a concentração plasmática do fármaco diminui (com-
parada ao tempo de recuperação)
4) Correlação entre concentração x efeito
5) Possibilidade de estabelecer uma correlação clínica confiável com as doses
administradas e/ou com as concentrações geradas
Durante uma infusão alvo controlada, o anestesiologista determina o alvo plas-
mático desejado, ao invés da dose a ser utilizada. Esta é a primeira diferença entre os
dois sistemas de infusão. Através da determinação de um alvo plasmático, ou através
da determinação de uma concentração preditiva final no local efetor, as bombas de
infusão alvo controladas, dotadas de todas as informações farmacocinéticas do fárma-
co utilizado, iniciam um regime de infusão capaz de alcançar apenas a concentração

218
desejada, não mais do que isto. Através da manipulação de variáveis farmacológicas,
o sistema informa à bomba, por exemplo, quando o anestesiologista digita a idade do
paciente, que o volume de distribuição e/ou o Ke0 precisam ser alterados. Isto ocor-
re durante a anestesia venosa total com infusão alvo controlada para a maioria dos
modelos, exceto Marsh para o propofol. O modelo de Minto, descrito para a infusão
de remifentanil, altera o regime de infusão cada vez que é informada a idade, peso e
sexo do paciente. Pacientes mais jovens possuem volumes compartimentais maiores
que os pacientes mais idosos. Da mesma forma, pacientes mais idosos possuem um
T1/2Ke0 maior que os mais jovens. Estes dados são extremamente importantes para o
cálculo das doses iniciais, em bolus, que a bomba deverá administrar, bem como para
o cálculo das doses de manutenção subseqüentes. Portanto, um sistema de infusão
alvo controlado é capaz de gerar concentrações plasmáticas mais fidedignas e tituláveis
de maneira mais adequada. O resultado disto é uma diminuição dos efeitos adversos
relacionados a sobredose de medicamentos durante a indução anestésica. Um estudo
de Nora e cols.5, publicado na Revista Brasileira de Anestesiologia, exemplificou o fato
de que a idade é importante na administração de remifentanil. No referido estudo, dois
grupos foram avaliados. No grupo I iniciava-se a infusão de remifentanil 2 min. antes da
indução. No grupo II, iniciava-se a infusão de remifentanil, concomitantemente durante

Infusão Alvo Controlada Versus Contínua


a indução. Em ambos os grupos utilizou-se a mesma dose de infusão em bomba de
infusão manual. Para a nossa surpresa, o grupo onde a infusão de remifentanil era ini-
ciada mais tarde, gerou concentrações plasmáticas maiores. Estratificamos os grupos,
por idade, e descobrimos que ambos não eram homogêneos. O grupo onde a infusão
de remifentanil iniciava mais tarde apresentava uma média de faixa etária maior que o
outro, motivo pelo qual, a concentração final de remifentanil era maior, mesmo quando a
infusão iniciava mais tardiamente. Este estudo mostrou como a infusão alvo controlada
é importante, mesmo para um fármaco como o remifentanil.
Uma bomba de infusão alvo controlada pode ser regulada para fazer uma infusão
baseada na concentração plasmática, onde a concentração no local efetor é alcançada
secundariamente ou vice-versa. Quando se opta pela infusão alvo controlada, regulan-
do-se a bomba pela concentração no local efetor, o tipo de infusão é diferente e é de-
terminado através da manipulação da concentração plasmática pela bomba e não pelo
anestesiologista. Nesta modalidade de infusão deve-se ter cuidado, pois a concentra-
ção plasmática é elevada acima do necessário toda a vez que a concentração no local
efetor é elevada. Há mais risco de eventos adversos. Esta é uma situação impossível
de prever com o uso de bombas manuais.
As bombas manuais não corrigem os tempos de infusão quando há troca de se-
ringas, e também não diminuem gradativamente a velocidade de infusão à medida que
o tempo passa. Por este motivo, a chance de acúmulo é constante, caso o anestesiolo-
gista não tenha o cuidado de diminuir as doses de infusão. Uma bomba de infusão alvo
controlada faz o cálculo da queda exponencial dos fármacos utilizados através do uso
das variáveis farmacológicas acopladas ao equipamento, informando a taxa de infusão
durante todo o tempo. Assim, a probabilidade de acúmulo é menor, quando comparada
a uma infusão manual.
Modernamente, a correlação entre concentrações plasmáticas e no local efetor
de diversos fármacos tem sido estabelecida, fazendo com que exista a possibilidade

219
de relacionar a concentração a um dado efeito clínico desejado. Por exemplo, a concen-
tração no local efetor na qual a maioria dos pacientes despertam, após uma infusão
alvo controlada de propofol, varia em torno de 1,2µg.ml-1. Sabe-se ainda que, através
da aplicação de organogramas de tempo de recuperação, é possível calcular o tempo
em que isto deverá ocorrer para um dado paciente, calculando-se desta forma o tempo
previsto de despertar. Como há uma forte correlação clínica entre o tempo de desper-
tar e de perda do contato verbal, durante a indução e recuperação, é possível diminuir
a variabilidade clínica alterando-se, na bomba de infusão, o valor da concentração no
local efetor onde é esperada a recuperação do paciente. Isto fará com que a bomba
recalcule o tempo de despertar para um período que seja próximo do valor previamente
informado. Estas são possibilidades que uma bomba de infusão manual não tem como
prever6,7,8.
As bombas de infusão alvo controladas calculam o tempo de infusão restante,
caso o alvo seja mantido o mesmo, possibilitando estimar o gasto e oferecer apenas a
quantidade suficiente, evitando desperdício de medicamento.
Com o advento dos monitores de consciência, analgesia e relaxamento muscular,
é possível desenvolver sistemas de infusão onde as concentrações plasmáticas sejam
mantidas, de acordo com o grau de relaxamento, inconsciência e analgesia desejados.
Estes sistemas estão em desenvolvimento e representam um avanço, uma vez que são
sistemas de infusão com alças fechadas, onde apenas os monitores comandam as
Anestesia Venosa Total

bombas através da informação prévia dos dados clínicos desejados. Estes sistemas
jamais poderiam ser acoplados a estes monitores, caso a infusão fosse manual, pois a
correlação clínica ocorre com a concentração final e não com a dose utilizada. A mesma
massa de anestésico em pacientes distintos pode gerar concentrações completamente
diferentes e, portanto, gerar efeitos distintos e imprevisíveis.
Os sistemas de infusão alvo controlados possuem mecanismos de checagem de
infusão correta, e causam travamento absoluto do sistema de infusão, caso ocorra erro.
Ou seja, caso o volume de anestésico utilizado seja incompatível com o alvo estabele-
cido e a diluição informada, o sistema interrompe a infusão e o alarme é acionado. As
bombas manuais não possuem esta função de auto gerenciamento.

Conclusão

A infusão alvo controlada representa uma evolução em termos de infusão venosa


contínua de fármacos. A determinação de um alvo plasmático no local efetor determina
um grau de fidedignidade que não é possível alcançar com uma infusão manual. Mesmo
com a utilização de fórmulas matemáticas para a o cálculo do declínio dos fármacos, e
conseqüente alteração das taxas de infusão de uma bomba manual, o resultado é erráti-
co, porque os volumes, compartimentos e clearances se modificam para cada paciente.
A informação de dados populacionais é de extrema importância para o cálculo adequa-
do das taxas de declínio de infusão. A crítica sobre estes modelos de infusão é que eles
ainda são incapazes de medir as concentrações plasmáticas obtidas e informam estas
medidas através de cálculos matemáticos aproximados que, portanto, possuem uma
margem de erro. Ainda assim, a margem de erro destes modelos é infinitamente menor
que o de uma bomba de infusão manual.

220
Referências

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Bras Anestesiol, 2008;58:179-192.
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respostas circulatórias à intubação traqueal? Rev Bras Anestesiol, 2007;57:247-260.
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sessing level of consciousness during propofol sedation and hypnosis. Anesth Analg, 2000,91:1398-
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Anesthesiology, 1995;83:902-905.
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sia, 1998;53(supl 1): 82-86.

Infusão Alvo Controlada Versus Contínua

221
Capítulo 20

Despertar intraoperatório
Deise Martins Rosa

Introdução

Em 1950 Winterbottom publicou um relato de despertar intraoperatório (DIO) du-


rante anestesia geral inalatória com d-tubocurarina1. Em 2002 a Dra. Rowan foi sub-
metida a uma colecistectomia videolaparoscópica, sob anestesia geral venosa total
(AGVT), e vivenciou a experiência de estar acordada durante a cirurgia2. No relato da
Dra. Rowan estão ilustradas as sensações de um paciente que permanece acordado
enquanto está sendo operado. O fato de conhecer as etapas do procedimento cirúrgico
tornou a experiência particularmente traumática para ela. A dor da incisão na pele e
do pneumoperitôneo são relatadas em detalhes, assim como a angustiante sensação
proveniente da incapacidade de se movimentar.
Apesar das técnicas anestésicas serem completamente diferentes, assim como
a época em que os casos citados ocorreram, ambos têm pontos em comum: as pacien-
tes eram do sexo feminino, sentiram dor e não podiam se mexer. Existe, no entanto, um
ponto que é comum a todo e qualquer caso de DIO: anestesia insuficiente3, 4.
Mais de 50 anos se passaram, surgiram novos fármacos, os monitores torna-

Despertar Intraoperatório
ram-se cada vez mais modernos, mas essa intercorrência ainda se manifesta de forma
idêntica na perspectiva do paciente de agora e de 50 anos atrás. Onde está a falha?
Qual será o enigma? O que precisamos entender ou fazer para impedir que o DIO conti-
nue rondando nossos pacientes? Talvez ainda não existam respostas para todas essas
perguntas, mas a bibliografia tem nos oferecido a possibilidade de olhar para os com-
ponentes da anestesia geral (AG) de forma bastante esclarecedora.

DESPERTAR INTRAOPERATÓRIO E CONSCIÊNCIA INTRAOPERATÓRIA

Uma diferença fundamental deve ser estabelecida entre DIO e consciência in-
traoperatória (CIO). Embora ambos ilustrem situações de anestesia insuficiente, um
componente fundamental está presente em apenas um deles: a memória5. O paciente
cirúrgico que acorda durante o procedimento e não se lembra do evento teve um episó-
dio de despertar inconsciente (DIO). A CIO ocorre quando a experiência é registrada na
memória e as informações referentes a ela podem ser voluntariamente resgatadas pelo
paciente (memória explícita).
O diagnóstico de DIO e o de CIO são de difícil realização. Acredita-se inclusive que
ambas as intercorrências sejam muito mais freqüentes do que mostram os registros
da literatura5.
Para o diagnóstico de DIO é preciso que se mantenha o paciente com ao menos
um dos membros superiores livre da ação de bloqueadores neuromusculares (BNM).
Para isso, ou dispensa-se o uso do bloqueador, ou garroteia-se um membro superior
para isolá-lo da ação deste fármaco (técnica do antebraço isolado)5-7. Uma vez que a ati-
vidade motora está preservada, o observador verifica, durante a cirurgia, a resposta do
paciente a comandos verbais5. Os comandos são solicitações de que o paciente aperte

223
a mão do observador. A pesquisa é feita em intervalos regulares e é iniciada chamando-
se o paciente por seu primeiro nome. A seguir o observador segura a palma não parali-
sada do paciente e pede a ele que aperte sua mão. Caso haja resposta, solicita-se que
o paciente repita o movimento para que se confirme a percepção do comando. Neste
caso, é preciso que o diagnóstico se faça no período intraoperatório.
O diagnóstico de CIO é feito sempre através de entrevistas pós-operatórias e
merece alguns cuidados para que não haja resultados falsamente negativos8. Nas en-
trevistas, as seguintes perguntas são feitas ao paciente7:

1. Qual é a última coisa de que se lembra antes de dormir?


2. Qual é a primeira coisa de que se lembra ao acordar?
3. Lembra-se de algo entre esses momentos?
4. Sonhou durante a cirurgia?
5. Qual foi a pior coisa relacionada à sua cirurgia?

É fundamental que os pacientes sejam entrevistados mais de uma vez, em mo-


mentos diferentes do pós-operatório. Estudos mostram que um número significativo de
casos foi detectado com mais de uma semana após o evento8, 9.
A necessidade de contato (ainda que telefônico), após a alta hospitalar, eventual-
mente inviabiliza o diagnóstico de CIO9,10. Há casos em que alguns pacientes preferem
Anestesia Venosa Total

não participar das entrevistas11.


O diagnóstico inequívoco de CIO exige que o paciente relate eventos que indu-
bitavelmente tenham ocorrido no período intraoperatório, tais como conversas ou co-
mentários feitos pelos integrantes da equipe de profissionais envolvida na cirurgia7, 12.
Há situações em que o paciente tem dificuldade em diferenciar o que são lembranças
de eventos intraoperatórios, de outras que possam ter ocorrido no pós-operatório ime-
diato13. A ação residual de anestésicos presentes nos pacientes que se encontram na
sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) ou no CTI pode interferir com a orientação
temporal e dificultar o diagnóstico de CIO13.
Todos os casos de CIO devem ser acompanhados com seriedade pela equipe
médica. Esta é uma intercorrência que pode desencadear graves comprometimentos
psicológicos e comportamentais, havendo risco de incapacitação social e profissional
do indivíduo3.
Face à dificuldade nos diagnósticos de DIO e CIO, é possível que os registros
bibliográficos subdimensionem a incidência desses eventos. Ocorre, no entanto, que
mais importante do que diagnosticar é evitar que eles aconteçam.

Nocicepção e anestesia geral

Estímulos nocivos são informações sobre situações de dano tecidual real ou


potencial. Eles são fisiologicamente interpretados como uma agressão que ameaça a
integridade do organismo8, 14.
O sistema nervoso trabalha em total integração15. Em condições fisiológicas,
a informação desses estímulos é transportada da periferia para o centro (dos nervos
periféricos para a medula espinhal), para então ascender ao córtex. Durante o tráfego

224
pelo sistema nervoso, várias reações são desencadeadas na tentativa de impedir ou
diminuir as conseqüências daquele estímulo sobre o organismo.
O trauma cirúrgico é fonte de enorme quantidade de estímulos nocivos de diferen-
tes intensidades. No paciente anestesiado, as informações referentes à manipulação
cirúrgica devem ter seu tráfego impedido ao longo do sistema nervoso. Tal impedimento
tem por finalidade bloquear ou atenuar as reações cardiocirculatórias, respiratórias, mo-
toras e endócrinas, pois nestas circunstâncias elas são absolutamente prejudiciais.
Quanto maior a chegada de informações ao córtex cerebral, mais ativo ele preci-
sa estar para processá-las. Uma situação de “repouso” cortical depende, fundamental-
mente, de pouca aferência sensitiva7,16. No contexto anestésico-cirúrgico, córtex estimu-
lado é sinônimo de tendência à recuperação do estado de alerta e memória3. A eficácia
na prevenção contra o DIO/CIO depende, então, de ações farmacológicas em diversos
pontos do sistema nervoso, não apenas no córtex cerebral.

Avaliação clínica da profundidade anestésica

Se o que leva os pacientes ao DIO/CIO é a anestesia insuficiente, uma pergunta


deve ser respondida: como saber se a quantidade de anestésicos administrada durante
a cirurgia está adequada?
Em 1987 foi publicado um editorial por Prys-Roberts17 em que se chamava aten-

Despertar Intraoperatório
ção para a dificuldade na definição de profundidade anestésica. A partir do momento
em que a perda da consciência é um fenômeno de tudo ou nada, esse fator isolada-
mente não pode ser quantificado; ou o paciente está, ou não está consciente. Para
o estabelecimento de graus de profundidade anestésica, outros fatores deveriam ser
levados em consideração.
O organismo reage de diferentes formas a um estímulo nocivo. Em termos
didáticos, as respostas são divididas em sensitivas e motoras e subdivididas em
somáticas e autonômicas18. A resposta sensitiva somática é a percepção cons-
ciente do estímulo, ou seja, a sensação da dor. Pequenas doses de anestésicos
inalatórios ou de hipnóticos venosos conseguem evitar a memória ou o despertar
decorrentes de um estímulo nocivo, mas o paciente ainda pode ter reações motoras
a ele. É possível ainda que o paciente acorde por conta do estímulo, mas não tenha
lembrança do evento. A memória é mais sensível à ação de anestésicos do que o
estado de alerta12,16,18,19. Não se lembrar não significa que não aconteceu. Ausência
de lembrança e presença de resposta motora ainda é sinal de que a anestesia está
insuficiente.
Nas respostas motoras somáticas há participação dos músculos esqueléticos,
enquanto nas autonômicas estão envolvidos os que participam de funções autonômi-
cas, como a respiração. A quantidade de anestésicos necessária para evitar resposta
motora autonômica é maior do que a necessária para evitar a somática12,18. O paciente
que ainda não movimentou a musculatura esquelética pode já ter alterado seu padrão
ventilatório por conta de um estímulo cirúrgico.
As respostas adrenérgicas sofrem a influência de diversos fatores e nem sempre
representam as necessidades anestésicas5,7,8,12,18. Há relatos de DIO/CIO sem altera-
ções da pressão arterial ou da freqüência cardíaca20.

225
A partir desse raciocínio, Prys-Roberts definiu anestesia como sendo um estado
de inconsciência farmacologicamente induzido, em que o paciente não percebe (não
reage) nem se lembra da estimulação nociva17,18.
A profundidade anestésica passa a ser medida em função da probabilidade de
resposta de qualquer natureza à estimulação nociva, em uma relação inversamente
proporcional. Quanto menor a probabilidade de resposta, maior a profundidade anes-
tésica18. Essa é a principal diferença entre o sono fisiológico e a AG12,15,18. No sono
fisiológico o despertar ocorre imediatamente após uma estimulação nociva, ao passo
que na AG adequada, nem o mais intenso dos estímulos pode ser capaz de despertar
o cérebro. Enquanto as informações trafegam livremente pelo sistema nervoso central
durante o sono, na anestesia geral elas têm que ser impedidas de chegar ao córtex
cerebral.
Utilizando-se a definição de anestesia acima citada, podem-se concluir duas coisas:

• Amnésia é o alvo do componente hipnótico da AG;


• Ausência de resposta é o alvo do componente analgésico da AG. Os analgési-
cos são os responsáveis por impedir o trânsito das informações nocivas em
nível subcortical7.

O sinergismo entre hipnóticos venosos e opióides é facilmente demonstrado,


Anestesia Venosa Total

assim como o que ocorre entre estes e os inalatórios. O acréscimo de pequenas doses
de opióides a qualquer técnica de anestesia geral diminui significativamente a chance
de responsividade do paciente durante a cirurgia7,18,21.
Efeitos sinérgicos também estão presentes entre os bloqueios neuroaxiais e os
agentes hipnóticos7. Observa-se que a diminuição da aferência sensitiva promovida pe-
los bloqueios facilita a obtenção dos estados de hipnose ou sedação desejados durante
a cirurgia.
Evitar a ocorrência de DIO/CIO depende da estreita associação entre os compo-
nentes hipnótico e analgésico da AG21. Analgésicos isoladamente não garantem hipno-
se, mas não há como se manter hipnose estável sem a ação subcortical dos analgési-
cos18.

Unidades de potência dos agentes anestésicos

A unidade de potência dos agentes inalatórios é a CAM (concentração alveolar mí-


nima). Ela foi descrita por Eger em 1965 e se traduz na CAM de um anestésico inalatório
necessária para evitar que 50% dos indivíduos apresentem resposta motora a um estí-
mulo doloroso22. O estímulo padronizado para o estabelecimento da CAM em humanos
é a incisão cirúrgica inicial. Diferentes estímulos necessitam de diferentes doses para o
impedimento da resposta. As unidades criadas com base nesse conceito são:

• CAMACORDADO - criada por Stoelting e colaboradores em 1970, é a CAM


que permite a abertura ocular em resposta ao comando verbal em 50% dos
pacientes23. Seu valor costuma ser aproximadamente um terço do valor da
CAM;

226
• CAMINTUBAÇÃO - criada por Yakaitis e colaboradores em 1977, é a CAM
necessária para evitar resposta motora e tosse durante intubação traqueal
em 50% dos pacientes24. A intubação é um estímulo mais intenso do que a
incisão, o que exige que a CAMINTUBAÇÃO seja maior do que a CAM;
• CAMBAR – criada em 1981 por Roizen e colaboradores, é a CAM necessária
para bloquear a resposta adrenérgica à incisão na pele em 50% dos pacien-
tes, medida pela concentração plasmática de catecolaminas25.

Unidades de potência também foram estabelecidas para os agentes venosos.


A Cp50, que é a concentração plasmática necessária para a obtenção de diferentes
efeitos em 50% dos indivíduos, foi amplamente estudada com tiopental e propofol18.
No estudo de Kazama e colaboradores observou-se, por exemplo, que é necessária
uma concentração plasmática de propofol de 17,4 mcg.ml-1 para evitar que 50% dos
pacientes apresentem resposta motora à intubação traqueal, enquanto 10,0 mcg.ml-1
são necessários para evitar a mesma resposta à incisão cirúrgica inicial26.
Os agentes venosos são divididos em dois grandes grupos – hipnóticos e anal-
gésicos – e têm uma farmacologia completamente diferente da dos inalatórios. Após a
injeção em bolus, a droga apresenta um pico inicial em sua concentração plasmática,
seguida de um declínio decorrente de sua redistribuição18. Mudanças na concentração
plasmática são acompanhadas de flutuações no grau de depressão do sistema nervoso

Despertar Intraoperatório
central, o que torna difícil o ajuste da dose do anestésico em função do estímulo cirúr-
gico. Para uma anestesia geral venosa total é imprescindível que se utilizem infusões
contínuas ou alvo-controladas das medicações empregadas.
Tanto a CAM quanto a Cp50, acima citadas, levam em conta a administração
isolada dos fármacos. Na maioria das vezes, tanto os agentes inalatórios quanto os
hipnóticos venosos são associados a alguma substância que exerça função analgésica.
É facilmente esperado que a dose necessária para uma concentração plasmática de
propofol de 17,4 mcg.ml-1 seja acompanhada de grandes repercussões cardiocirculató-
rias8, assim como a administração da CAMBAR .
A imobilidade promovida pelos agentes inalatórios é mediada, principalmente,
por suas ações sobre a medula espinhal. Estudos em animais mostram que a adminis-
tração de inalatórios exclusivamente ao cérebro torna necessário o emprego de doses
bem mais elevadas para que não ocorram respostas motoras aos estímulos nocivos16.
Os hipnóticos venosos têm pouca ou nenhuma ação sobre a medula espinhal. Para a
utilização de doses compatíveis com uma anestesia segura e capaz de evitar respostas
do paciente a qualquer estímulo, tanto os agentes inalatórios quanto os hipnóticos ve-
nosos devem estar associados a um analgésico15.

Fatores de risco para o despertar intaoperatório

Algumas situações favorecem o aparecimento do DIO. Pacientes que apresen-


tam instabilidade hemodinâmica (cirurgia cardíaca, trauma, sepsis) são particularmente
susceptíveis a esta intercorrência3,13. A maioria dos anestésicos tem ações cardiocircu-
latórias depressoras, o que repercute negativamente na situação clínica desses pacien-
tes. As doses dos anestésicos administrados são reduzidas nesses casos para que os

227
sinais vitais do paciente se mantenham em valores aceitáveis ao longo da cirurgia.
Pacientes obstétricas que necessitam de AG também fazem parte do grupo de pacien-
tes com risco elevado para anestesia insuficiente13. Neste caso a preocupação reside em não
comprometer a viabilidade fetal com a ação dos anestésicos administrados à mãe.
O ajuste das doses de fármacos em função do peso é mais difícil nos obesos3.
Além disso, a preocupação com a depressão respiratória no pós-operatório tende a
fazer com que o anestesiologista seja ainda mais rigoroso na dose de anestésicos ad-
ministrada a eles.
Pacientes do sexo feminino, assim como usuários crônicos de álcool, analgési-
cos e tranqüilizantes são mais resistentes às ações anestésicas. Eles necessitam de
doses maiores para que se obtenham os mesmos efeitos3,7.
A utilização de agonistas simpáticos (adrenalina, efedrina, dopamina e outros)
que atravessam a barreira hemato-encefálica é acompanhada de estimulação tálamo-
cortical direta7. O sistema nervoso central encontra-se mais excitado, o que faz com que
as necessidades anestésicas sejam maiores nos pacientes que estão sob efeito des-
ses fármacos. Tal constatação apresenta-se de forma contraditória na prática clínica;
afinal, se o paciente encontra-se hemodinamicamente instável a ponto de necessitar de
agonismo simpático, a tendência é a de que ele receba menos drogas. Essas situações
representam um grande desafio para o anestesiologista, pois ao mesmo tempo em que
se precisa manter o status cardiocirculatório, precisa-se garantir a oferta de anestési-
Anestesia Venosa Total

cos em quantidade suficiente para que o paciente não apresente reação à cirurgia, nem
memória de eventos intraoperatórios.
Intubação traqueal difícil, principalmente quando não antecipada, é uma situação
que oferece risco para o despertar em momento inapropriado7. Embora a cirurgia ainda
não tenha começado, o paciente pode acordar durante a manipulação da via aérea.
O anestesiologista, preocupado em garantir condições adequadas de ventilação, não
atenta para o fato de que o efeito do hipnótico previamente administrado tenha termina-
do durante as manobras de laringoscopia e intubação.
Independentemente da técnica anestésica empregada, do tipo de cirurgia e do
perfil farmacocinético do paciente, a causa do DIO é sempre a mesma: anestesia insu-
ficiente; ou por conta de pouca oferta, ou por conta de muita necessidade.

Bloqueadores neuromusculares e dio

Os BNM começaram a ser utilizados nas AG no início da década de 19403. A


grande vantagem associada ao seu emprego reside no fato de que é possível obter
condições cirúrgicas ideais e total imobilidade utilizando-se menos anestésicos gerais7,
o que diminui os efeitos destes sobre os aparelhos cardiovascular e respiratório. Esta
vantagem traz em si a causa de todos os casos de DIO/CIO: oferta de anestésicos (hip-
nóticos e/ou analgésicos) em doses insuficientes. Estatisticamente o DIO/CIO é bem
mais incidente nos pacientes paralisados pelos BNM do que nos que não receberam
este tipo de fármaco8,9,11.
Anestesia cirúrgica é tradicionalmente definida como a supressão de movimentos
em resposta ao estímulo cirúrgico7. A principal forma de analisar clinicamente a insufi-
ciência de uma anestesia geral é através de movimentos3,4,8,9,11,13,18,20. Baseada nisso

228
está a criação das unidades de potência de todos os agentes envolvidos na AG.
A anestesiologia, como toda especialidade médica de caráter clínico, exige que
se façam diagnósticos e instituam-se tratamentos. O significado inequívoco da resposta
motora durante a cirurgia é: o organismo do paciente está percebendo o estímulo, pois
está reagindo a ele. Nesse momento é preciso que a causa da reação seja tratada,
pois se o paciente ainda não acordou, isso pode ser só uma questão de tempo caso o
estímulo permaneça.
Sabe-se que nem todo o indivíduo que se movimenta durante a cirurgia tem lem-
brança do evento5,12. Despertar e memória são funções cerebrais, enquanto a movi-
mentação origina-se a partir de reflexos medulares18. O que torna então o paciente
curarizado mais susceptível ao DIO/CIO? A movimentação intraoperatória significa que
a informação do estímulo nocivo não está devidamente impedida de trafegar pelo sis-
tema nervoso central. No momento da movimentação seu acesso ainda está em nível
medular, mas se algo não for feito, ela poderá ter acesso ao córtex. No paciente curari-
zado não é possível perceber o trânsito do estímulo através de estruturas subcorticais,
já que há um impedimento à demonstração de reações correspondentes aos reflexos
medulares8.
Testes de pesquisa de DIO mostram que a maioria dos pacientes que atende ao
comando verbal não tem lembrança do fato5. O mesmo ocorre nos casos de DIO inten-
cional para pesquisa de resultados cirúrgicos (wake up tests). Tal evidência ressalta a

Despertar Intraoperatório
importância da administração de doses anestésicas suficientes para impedir o movi-
mento, pois se elas forem capazes disso, deverão impedir o despertar8.
Se houve resposta motora algo precisa ser feito. O paciente que se movimentou
não precisa ser contido à mesa com BNM; ele precisa que seu organismo pare de per-
ceber, ainda que inconscientemente, o estímulo nocivo; ele precisa de mais analgesia.

Despertar intraoperatório e as técnicas anestésicas

Os inalatórios têm uma farmacologia única: possuem a mesma via para sua ad-
ministração e eliminação. Em função disso é possível o controle não só sobre a dose
oferecida, mas também sobre a que se pretende reduzir a cada momento.
A pressão parcial alveolar dos anestésicos inalatórios correlaciona-se estreita-
mente com a pressão parcial cerebral. A monitorização dos gases expirados revela a
quantidade de anestésicos no órgão alvo. Por melhor que seja a tecnologia empregada
nos equipamentos destinados à AGVT, nunca temos disponível a quantidade exata do
fármaco presente no cérebro8
A AGVT é mais trabalhosa do que a anestesia inalatória. Enquanto os aparelhos
de anestesia estão prontos para a utilização dos vaporizadores, na AGVT o médico terá
que se responsabilizar pelo preparo das soluções a serem infundidas.
Uma vez selecionada a dose, nem todas as bombas infusoras (BI) disponíveis
no mercado calculam automaticamente a velocidade de infusão necessária; caberá ao
anestesiologista a responsabilidade por esse cálculo.
Bombas de infusão dependem de energia elétrica. A desconexão acidental entre
a fonte de energia e a bomba nem sempre é sinalizada por alarmes. Algumas perdem
o suprimento elétrico e silenciosamente consomem sua bateria, até que ela acaba e a

229
bomba é desligada sem dar qualquer sinal. Bomba desligada é igual à interrupção da
administração de anestésicos, o que equivale à anestesia insuficiente. O anestesiolo-
gista que administra fármacos por BI tem que estar atento a este fato2,20.
Profissionais que trabalham com equipamentos devem ter familiaridade com o
seu manuseio8. No caso da opção pela AGVT, não basta dominar os conhecimentos far-
macológicos; é preciso estar à vontade com o manuseio da interface entre medicação e
paciente, que neste caso é a BI. Existem diferentes fabricantes de BI e cada uma delas
tem seus respectivos equipos. Se o anestesiologista não conhecer a BI disponível é
melhor não utilizá-la e optar por outra técnica.
O acesso venoso por onde estão sendo administradas as medicações anesté-
sicas deve estar permanentemente pérvio27. A veia escolhida deve suportar infusão
sob pressão das soluções em suas respectivas velocidades. A ruptura da veia, se não
for prontamente diagnosticada, levará à interrupção da administração dos fármacos e,
conseqüentemente, o paciente deixará de receber anestesia.
Mau funcionamento de equipamentos pode acontecer em qualquer técnica. Na
AGVT, a esse risco somam-se os referentes às falhas humanas13, como o erro na di-
luição ou no cálculo da velocidade de infusão das soluções. A obstrução em qualquer
ponto entre a solução de anestésicos e o plasma do paciente inviabiliza por completo o
sucesso da AGVT. Idealmente deve-se ter acesso a toda a extensão percorrida pela so-
lução, da BI ao sítio venoso. Nas cirurgias em que não haja pronto acesso aos membros
Anestesia Venosa Total

superiores, deve-se considerar a possibilidade de acesso em outra região, ou pensar se


realmente a AGVT é a melhor opção.

Conclusão

Desde o início do emprego da AGVT existe o questionamento à cerca da maior


incidência ou não de DIO/CIO com esta técnica11,28. Alguns autores acreditam que a
análise da fração de anestésico inalatório expirada garante a administração de quanti-
dade adequada de anestesia ao paciente. Segundo esses autores, a presença de pelo
menos 0,5 CAM é suficiente para manter hipnose13,29,30. A Dra. Rowan acredita que seu
episódio de CIO não teria ocorrido se estivesse recebendo anestesia inalatória2.
A facilidade na administração, no ajuste e na monitorização dos inalatórios é in-
questionável; mas seriam estas características suficientes para torná-los mais seguros
do ponto de vista do DIO/CIO? Estudos e evidências atuais têm mostrado que não8,28.
Qualquer técnica que privilegie adequadamente os componentes hipnótico e analgésico
pode cursar sem DIO/CIO.
Saber a concentração do anestésico no sistema nervoso não é garantia de ofer-
ta adequada. Como já foi mencionado, os anestésicos devem ser administrados em
quantidade suficiente para atender às necessidades de um determinado paciente, em
um determinado momento. A mesma dose no mesmo paciente, em momentos cirúr-
gicos diferentes, pode tornar-se insuficiente. As necessidades anestésicas são muito
menores, por exemplo, durante a manipulação visceral do que durante o fechamento da
parede abdominal. Não será 0,5 CAM que garantirá hipnose nos dois momentos, mas a
adequação do componente analgésico à intensidade do estímulo nocivo.
As próprias unidades de potência dos inalatórios trazem uma questão embutida

230
em sua definição: e quanto aos outros 50% dos indivíduos, qual será a CAM necessária
para eles? O mesmo pode-se dizer sobre a Cp50 dos venosos. O indivíduo que faz parte
da “outra metade” e vivencia uma experiência de DIO/CIO não tem 50% dos seus pro-
blemas atenuados por conta disso.
Atualmente a AG pode ser feita à luz de conhecimentos fisiológicos e farmacoló-
gicos antes pouco divulgados ou compreendidos. Reconhecer as necessidades individu-
ais dos pacientes cirúrgicos e interpretar corretamente seus sinais é a melhor profilaxia
contra uma intercorrência que ainda não pode ser tratada.

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1545
Anestesia Venosa Total

232
Capítulo 21

Simuladores de Anestesia Venosa


Ricardo Francisco Simoni

Os simuladores de farmacocinética são programas de computador que servem


como ferramenta didática para aprendizado dos principais conceitos de farmacocinéti-
ca, ilustrando de maneira prática e objetiva a cinética de um agente venoso.
Além disso, dependendo do programa e de sua versão, o usuário pode, atra-
vés de um computador portátil, controlar sistemas de infusão, captar dados do pa-
cientes de um ou mais monitores, e até mesmo reproduzir in vitro ou in vivo algum
modelo farmacocinético desenvolvido por ele próprio, tornando-o peça fundamental
na atividade investigativa e científica. Sendo assim, alguns programas são mais
simuladores, enquanto outros tendem a ser mais controladores de bombas e arma-
zenadores de dados.
O objetivo desse capítulo é apresentar os principais programas de controle/
simulação disponíveis, mostrando as vantagens e desvantagens de cada um deles,
assim como o link para download do mesmo.

I. Tivatrainer1

Simuladores de Anestesia Venosa


Sem dúvida, é o programa de simulação farmacocinética mais conhecido em
anestesia venosa. Através de uma interface muito amigável, permite simular (e inte-
ragir) a administração de vários hipnóticos e opióides de maneira prática e dinâmica
(Figura 1). Possui uma vasta biblioteca de fármacos e seu rerspectivo modelo farma-
cocinético atualizável pela internet.
Permite ao usuário introduzir os dados antropométricos do paciente, escolher o
agente venoso, o modelo farmacocinético e a maneira de administração (bolus, infu-
são manualmente-controlada e infusão alvo-controlada plasma ou efeito). Através de
curvas da concentração plasmática e do local de ação, juntamente com gráficos com-
partimentais, ilustra a cinética do fármaco em questão. Disponibiliza ainda a curva de
interação propofol-opióide, sendo essa a principal vantagem desse programa.
É muito útil como ferramenta didática, pois possibilita comparação numa mesma
tela dos diferentes modelos farmacocinéticos e suas características (volume de distri-
buição, clearance, t ½ e constantes), permitindo expor de maneira clara e objetiva os
principais conceitos da farmacocinética.
Dentre outras funções, possui um link com o PowerPoint permitindo apresentar o
gráfico das simulações nas palestras e apresentações sobre o tema. Disponibiliza a função
“SALVAR” para guardar essas simulações, as quais poderão ser utilizadas futuramente.
Esse programa não permite o controle de bombas de infusão, nem a coleta de da-
dos do paciente de monitores de anestesia, sendo assim um programa exclusivo para si-
mulação farmacocinética, ilustrando curvas de infusões e de interação propofol-opióides.
Está disponível no site da EUROSIVA (Sociedade Européia de Anestesia Venosa).
A versão 8.0 DEMO permite a simulação no período de até 15 minutos por 30 dias. A
versão FULL é comercializada por meio de download ou em Flash drive (Plug-in-Play).

233
Figura 1. TivaTrainer 8.0

II. Anestfusor2
Anestesia Venosa Total

Esse programa é mais dedicado ao controle de bombas de infusão e armazena-


mento de dados, sendo muito útil a pesquisa clínica. Entretanto, permite também a si-
mulação farmacocinética, não disponibilizando a curva de interação propofol-opióides.
Baseando-se no princípio de que as concentrações de fármacos no plasma e no
local de ação podem ser modeladas matematicamente, o ANESTFUSOR permite con-
trolar de maneira precisa a quantidade e a velocidade do fármaco infundido através de
bombas de infusão.
Através de um computador portátil, uma bomba de infusão, um adaptador e um
cabo, é possível realizar qualquer tipo de infusão (MCI ou TCI plasma ou efeito) com qual-
quer fármaco existente em sua biblioteca. São eles: propofol (Marsh, Schnider, Marsh
1.6, Kataria, Paedfusor, White), remifentanil (Minto), fentanil (Scott), midazolam (Green-
blatt), cetamina (Domino), dexmedetomidina (Dyck), rocurônio, cisatracúrio, atracúrio e
mivacúrio.
Além de controlar a infusão, esse programa também permite a captação e ar-
mazenamento de todos os dados do paciente e das alterações realizadas pelo usuário
durante a infusão (dose-alvo, por exemplo), exportando no formato EXCEL ou TXT. Essa
automatização é útil na pesquisa clínica, pois a coleta de dados está sujeita a menos
erros.
Através de um protocolo RS232, esse programa é capaz de controlar até quatro
bombas de infusão de maneira simultânea, captando e trasferindo simultaneamente
valores da farmacodinâmica (BIS, por exemplo) ao computador. Todo o histórico farma-
cocinético e farmacodinâmico da infusão do paciente é montado automaticamente.
O ANESTFUSOR é compatível com os seguintes periféricos:

234
- Base Primea Orchestra em conjunto com os módulos DPS (Fresenius-Kabi)
- Bomba Pilot Anaesthesia 2 (Fresenius-Kabi)
- Bomba Alaris TIVA MKIII (CardinalHealth)
- Monitor BIS A-2000, XP (Aspesct Medical System)
- Monitor CSM (Danmeter)
- Monitor Ioc-View (Morpheus Medical)
Esse programa é comercializado pela Universidade do Chile em 3 versões: AF II
Standart Simulação, AF II Standart Real e AF II Pro. Com a primeira versão só é possí-
vel realizar simulações (Figura 2). Na versão REAL é possível o controle de bombas de
infusão. Já a versão PRO permite ao usuário editar e modificar qualquer modelo farma-
cocinético, inclusive criar um novo modelo.

III. Rugloop3

O RUGLOOP foi desenvolvido pelo Departamento de Anestesiologia da Universi-


dade de Ghent (Bélgica) em colaboração com a DEMED engenharia. Consiste num pro-
grama capaz de controlar bombas de infusão, administrar fármacos venosos (MCI, TCI
plasma ou efeito), capturar dados e manejar modelos farmacocinéticos. É compatível
com diversos monitores, entre eles: DATEX AS/3, BIS Aspect A1000/A2000 e Anemon

Simuladores de Anestesia Venosa


HRV.
Tornou-se o programa mais utilizado na pesquisa clínica e o mais citado na
literatura de anestesia venosa. Além de controlar várias bombas de infusão ao mes-
mo tempo em qualquer modalidade de infusão (MCI, TCI plasma ou efeito), é capaz
de, simultaneamente, capturar sinais do BIS e dados hemodinâmicos do paciente
em tempo real.

Figura 2. ANESTFUSOR versão AF II Simulação

235
Anestesia Venosa Total

Figura 3. RUGLOOP

A versão RUGLOOP I permite somente a simulação, é gratuita e está aberta


para download (Figura 3). Já a versão RUGLOOP II é paga e disponibiliza ao usuário
todas as ferramentas de controle de bombas e captação de dados. Dependendo das
necessidades do usuário, é possível comprar vários pacotes, inclusive o programa como
módulo integrado ao monitor de anestesia (DATEX AS/3, por exemplo). Além disso, um
programa de análise estatística (LABGRAB) e uma versão para uso veterinário também
estão disponíveis.

IV. Stanpump4

Este programa foi desenvolvido pelo Prof. Dr. Steven Shafer da Universidade de
Stanford (EUA) e é pioneiro no controle de bombas para administração de fármacos em
infusão (bolus, MCI ou TCI plasma e efeito).
Desenvolvido numa plataforma bastante simples (DOS), é capaz de adminis-
trar vários fármacos usando modelos farmacocinéticos tricompartimentais (Figura
4). Também permite ao usuário simular infusões, editar e criar modelos farmacoci-
néticos. Todas as simulações e infusões podem ser salvas em arquivo independen-
te.
Embora desenvolvida em ambiente DOS, com uma interface pouco amigável, a
principal vantagem desta ferramenta é ser gratuita. Entretanto, a grande desvantagem é
que esse programa permite o controle de bombas de infusão de difícil acesso no Brasil,
como é o caso da Haward Pump 22, por exemplo.

236
Figura 4. STANPUMP

Referências

Simuladores de Anestesia Venosa


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ne/tivatrainer_main .htm>
2. SMB - Faculdad de Medicina Universidad de Chile - AnestFusor. Disponível em: <www.smb.cl/index.
html>
3. Demed Products – Rugloop. Disponível em:< www.demed.be/products.htm>
4. Stanford University. School of Medicine. Department of Anesthesia - Stanpump. Disponível em <http://
anesthesia.stanford.edu/pkpd/default.aspx>

237
Capítulo 22

Análise de custos na anestesia venosa total


Daniel Volquind

“ Price is what you pay. Value is what you get.” Warren Buffett

A medicina moderna apresentou avanços tecnológicos que foram incorporados à


prática diária e agregaram custos aos processos diagnósticos e terapêuticos. Se revisi-
tarmos a história da medicina, vamos verificar que a anestesiologia foi uma das espe-
cialidades médicas que mais evoluiu nos últimos 50 anos e tem sido equivocadamente
ligada ao aumento dos custos hospitalares.
Sabidamente, a composição dos custos globais de um paciente cirúrgico envolve
variáveis que vão desde o pagamento de impostos, aquisição de materiais médicos
hospitalares, órteses e próteses, hotelaria, salários, taxas de sala, custos de infraes-
trutura e até o custo da anestesia, nos quais se incluem os fármacos e os insumos
utilizados1.
A análise destas variáveis nem sempre é simples, na maioria das vezes é extre-

Análise de Custos na Anestesia Venosa Total


mamente complexa e sofre variações quantitativas em cada instituição hospitalar de
acordo com as regionalidades encontradas e com o tipo de financiamento, público ou
privado, das mesmas2.
O entendimento destas análises deve envolver a instituição em toda a sua com-
plexidade, criando uma interação entre todos os centros de custos (locais geradores de
custo, como por exemplo, o centro cirúrgico, centro de terapia intensiva, emergência,
entre outros), comissões gestoras, diretorias clínicas, técnicas e de enfermagem. O cor-
po clínico da instuição também deve ser parte destas discussões para poder entender
e trabalhar com as mesmas metas e projeções da instituição.
O surgimento da farmacoeconomia, definida como uma ciência dedicada ao es-
tudo dos custos ligados à aquisição e utilização de fármacos e suas repercussões
nos desfechos clínicos e econômicos, facilitou a visualização da anestesia no contexto
econômico global1,3.
As análises farmacoeconômicas são baseadas em modelos de probabilidade
para processos que evoluem no tempo de maneira probabilística. Um dos modelos
recomendados, embora apresente limitações, é o de Markov.
No entanto, a discussão relacionada ao custo de procedimentos e técnicas anes-
tésicas deve ser precedida pelo questionamento da qualidade do tratamento que que-
remos oferecer aos nossos pacientes4. Caso contrário, se apenas discutirmos custos
estaremos degradando a nossa especialidade.
A meta é reduzi-los, agregando tecnologia sem perdermos a qualidade da aneste-
sia a que nos propomos realizar. Ceder às pressões de gestores para que se faça a utili-
zação de fármacos e insumos mais “baratos” (na visão do gestor), os quais apresentam
claramente uma dúvida quanto à sua procedência, abre a oportunidade de aumentar os
riscos da anestesia, devido à sua eficiência duvidosa e à desnecessária exposição do
paciente. Devemos, então, entender a farmacoeconomia para podermos utilizar os ar-
gumentos necessários e obter as condições julgadas ideais para oferecermos qualidade
aos nossos pacientes.

239
A redução de custos é parte de qualquer planejamento estratégico nas mais di-
versas instituições, mas no caso da anestesiologia uma redução de custos diretos pode
significar o aumento dos custos indiretos relacionados à morbidade, aumento do tempo
de recuperação pós-anestésica e, por consequência, dos custos indiretos e globais no
processo anestésico cirúrgico.
Neste momento, faz-se necessário conceituarmos custo direto e indireto. O custo
direto é aquele relacionado à aquisição dos fármacos e insumos utilizados e o indireto
reflete o custo gerado pela repercussão da utilização daqueles, relacionados aos desfe-
chos clínicos, tempo de recuperação pós-anestésica, afastamento social e do trabalho,
necessidade de reintervenções, náuseas, vômitos, dor, etc1.
Deste modo, não podemos discutir a repercussão econômica da anestesia sem
analisá-la sob estes dois prismas.
Diversos estudos apontam os procedimentos anestésicos como sendo de baixo
custo quando analisados no contexto global. Dentre as diversas variáveis já menciona-
das no cálculo do custo, a anestesia concorre com 3 a 4% deste, embora ocorram va-
riações devido a questões regionais de contratualização e comercialização de fármacos,
equipamentos, insumos, trabalho médico, etc1,5. Em algumas situações a anestesia
pode chegar a 15% do custo global, mas ainda perfazendo um percentual pouco signifi-
cativo dentro do contexto custo.
Na composição isolada do percentual relacionado à anestesia, o anestesiologista
Anestesia Venosa Total

tem atuação em 50% do mesmo, ou seja, tem influência com as suas práticas somente
em 1,5 a 2% deste custo, sendo o restante relacionado às variáveis tais como energia,
salários, infraestrutura e impostos, às quais o profissional médico sofre ingerência.
Portanto, solicitar ao anestesiologista que utilize determinadas técnicas anesté-
sicas com o argumento de diminuir o custo da anestesia é injustificável, uma vez que a
repercussão no custo global raramente ultrapassará uma redução de 1%.
Por outro lado, o aumento dos efeitos adversos relacionados aos fármacos, a
permanência prolongada na sala de recuperação pós-anestésica e a ocorrência de náu-
seas e vômitos, aumentarão o custo global em uma proporção maior que a “economia”
realizada na anestesia6.
Podemos exemplificar a anestesia venosa total alvo controlada (TIVA\TCI) como
sendo uma técnica com custo direto elevado, quando comparada a outras técnicas, mas
apresentando um custo indireto baixo e muitas vezes até proporcionando economia
significativa, em comparação com a anestesia inalatória7.
Vejamos alguns dados coletados pelo autor em um hospital de grande porte: ao
realizarmos anestesia TIVA\TCI em pacientes neurocirúrgicos obtivemos um custo cinco
vezes mais elevado quando analisados, de forma isolada, os custos diretos em relação
à técnica inalatória balanceada; no entanto, a diminuição do tempo de internação no
centro de terapia intensiva, a ausência da necessidade de utilização de suporte ventila-
tório intensivo no pós-operatório pelo fato dos pacientes serem extubados ao final dos
procedimentos e a diminuição das complicações nosocomiais, promoveram uma econo-
mia de 40-50% no custo global destes pacientes, mostrando que a técnica anestésica
pode ser vista como um investimento em qualidade, proporcionando ao mesmo tempo
economia.

240
Seguindo o exemplo acima, podemos observar que o valor isolado de um fármaco
nem sempre reflete um aumento no custo total do paciente, e devemos analisar sua
repercussão quanto ao tempo de internação, diminuição de complicações (N/V) e à
diminuição de associação de fármacos, sejam como agonistas ou antagonistas farma-
cológicos8.
Outra análise realizada pelo autor faz referência aos procedimentos ambulato-
riais, que têm o seu custo pontuado pelo tempo de permanência hospitalar. O custo por
hora da sala de recuperação pós-anestésica é um dos maiores dentro da cadeia econô-
mica dos hospitais, por ter em média 70% do mesmo composto por elevado número de
profissionais envolvidos nesta etapa do atendimento6. Portanto, técnicas anestésicas
que prolonguem a permanência hospitalar, seja pelo tempo maior de recuperação ou
pela ocorrência de eventos adversos que necessitem de atenção dentro do hospital,
fazem da palavra otimização o verbete do momento.
À análise de custos diretos, na comparação do bloqueio subaracnóideo (BSA)
com TIVA/TCI, o BSA apresenta valores menores que a anestesia venosa alvo contro-
lada; mas quando colocamos a variável tempo de recuperação pós-anestésica como
comparativo, a importância dos custos indiretos aumenta. O tempo de recuperação pós-

Análise de Custos na Anestesia Venosa Total


anestésica, portanto, parece ser determinante nos custos, quando verificamos que a
TIVA/TCI apresenta uma recuperação quatro vezes mais rápida comparada com o BSA,
o que torna a técnica venosa total mais custo efetiva do que o bloqueio neuroaxial.
A utilização de fármacos de forma alvo controlada, que adicione previsibilidade
do tempo de despertar, segurança e estabilidade ventilatória e hemodinâmica, com a
customização da anestesia para cada paciente, reduz a ocorrência de efeitos adversos,
a permanência na sala de recuperação pós-anestésica e os custos hospitalares8.
O entendimento destes conceitos torna o anestesiologista integrado a este tipo
de análise, capacitando-o a argumentar com segurança frente à padronização de fárma-
cos junto às instituições.

Referências

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in a tertiary care hospital. Can J Anaesth, 1994;41:894-901.

241
Capítulo 23

Futuro da Anestesia Venosa

Pedro Thadeu Galvão Vianna

1. Novos Fármacos

No futuro surgirão fármacos que diminuirão a ansiedade sem sedação e depres-


são respiratória, analgésicos que não causarão náuseas e vômitos e hipnóticos que não
produzirão dor à injeção e não comprometerão a função cardiorrespiratória.
O sucesso do remifentanil, e o seu sui generis metabolismo pelas colinesterases
inespecíficas, tem estimulado o desenvolvimento de compostos com rápido metabolis-
mo. Destes compostos, o fármaco mais promissor é o THRX-918661. Este fármaco é
um moderador do receptor GABAA que é hidrolisado pelas esterases para metabólitos
inativos1. Caso seja confirmado o seu efeito no homem, poderá ser importante opção
para a técnica de anestesia venosa.
A farmacologia do bloqueio neuromuscular está vivendo uma fase revolucionária
com o emprego do sugammadex (Bridion®)2. Este fármaco é uma gama-ciclodextrina

Futuro da Anestesia Venosa


com a capacidade de englobar o bloqueador neuromuscular (BNM) esteróide, trans-
formando-o em complexo hidrossolúvel na relação 1:1, com maior afinidade para o
rocurônio > vecurônio >>pancurônio. Durante o bloqueio neuromuscular causado pelo
rocurônio, a administração venosa do sugammadex cria um gradiente de concentração,
favorecendo o movimento de moléculas do rocurônio da junção neuromuscular para o
plasma, resultando em rápida recuperação da função neuromuscular. O sugammadex é
seguro, bem tolerado pelo organismo, não se liga a proteínas e é inativo, em condições
biológicas. Em acréscimo, não tem nenhum efeito sobre a acetilcolinesterase e demais
receptores do organismo. A eficácia deste composto como antagonista do bloqueio
neuromuscular poderá eliminar complicações pós-operatórias causadas pelo bloqueio
neuromuscular residual.

2. Novos Usos de Antigos Fármacos

2.1 Novos modelos farmacocinéticos

Muitos modelos farmacocinéticos se aplicam melhor ao individuo saudável, mas


são inadequados para pacientes em condições especiais. Desse modo, são aguarda-
dos, no futuro, estudos farmacocinéticos abrangendo os diversos tipos de pacientes,
todas as faixas etárias e condições clínicas, até mesmo as diferenças entre sexo.
Neste assunto, o maior número de pesquisas está sendo realizada em crianças, idosos
e pacientes com obesidade mórbida. Infelizmente, não existe estudo que aumente de
maneira satisfatória a acuracia da anestesia venosa alvo-controlada (TCI), baseado nes-
tes estudos farmacocinéticos. Além disso, os atributos farmacocinéticos necessitam
se correlacionar com dados demográficos e parâmetros fisiológicos do paciente. Neste
sentido, a pesquisa de Kazama et al3 é exemplar, quando tenta correlacionar a dose de

243
indução de propofol com a idade ( r= 0.48), o peso ideal (r=0.41), o volume sanguíneo
central (r= 0.45) e o fluxo sanguíneo hepático (r= 0.23), do paciente. Quando a dose de
indução do propofol foi predita levando-se em conta todos os parâmetros associados,
esta correlação passou a ser de r=0.84.
A análise de dados farmacinéticos permite estabelecer modelo de TCI para crian-
ça, denominado Paedfusor®. A primeira pesquisa clínica com este equipamento foi
empregada em 29 crianças, com idades que variaram entre 1-15 anos, e que foram
submetidas a cateterismo cardíaco ou a cirurgia cardíaca4. Com relação ao Diprifusor®,
as principais diferenças estão nos atributos compartimento central (V1) e no clearance
(K10) (Tabela I).

Tabela I - Atributos farmacocinéticos de diversos modelos de propofol


Atributos Diprifusor5,6 Pedfusor4 Rigby-Jones7 Schuttler8
V1 ( mL.kg-1) 228 458 584 384
K10 (min-1) 0,119 0,062 0,038 0,073
K12 (min-1) 0,112 0,114 0,027 0,135
K13 (min-1) 0,042 0,042 0,023 0,060
K21 (min-1) 0,055 0,055 0,012 0,050
Anestesia Venosa Total

K31 (min-1) 0,003 0,003 0,001 0,002

2.2 Anestesia com o propofol usando a alça-fechada

Usando derivativos do eletroencefalograma (EEG) como medida do efeito hipnótico


e um modelo de distribuição, pode-se chegar a um equipamento com retro alimentação
para controlar e alterar a taxa da infusão do propofol, para manter o nível de sedação e
de anestesia constantes. Vários estudos usando a alça fechada têm sido descritos no
homem9,10. É possível que no futuro haja dispositivo comercial utilizando esta tecnologia.

2.3 Medida da concentração exalada de Propofol

As propriedades fisicoquímicas do propofol permitem a sua difusão através da


membrana alveolocapilar, tornando possível a mensuração do propofol eliminado pela
via pulmonar. Esta medida foi realizada usando a espectometria de massa, resultando
numa forte correlação entre o gás expirado e a concentração sanguínea (r= 0.78-0.98).
Desse modo, fica estabelecida a possibilidade futura do emprego de monitor para a
medida dos níveis de propofol expirado, em tempo real11,12.

2.4 Uso do propofol como protetor de órgãos aos episódios de isquemia e reper-
fusão

O propofol pode produzir proteção de órgãos, atuando como antioxidante e var-


redor de radicais livres13. O propofol tem uma estrutura química fenólica similar à da
vitamina E13. Radicais livres aumentam a formação de lipídios peróxidos na membrana

244
celular e participam de diversos processos patológicos, tais como isquemia, hipóxia te-
cidual e diabetes mellitus14. A varredura dos radicais livres de oxigênio reduz as ligações
sulfídricas nas proteínas e inibe a peroxidação lipidíca, induzida pelo estresse oxidativo
durante o período de isquemia e reperfusão do órgão. O propofol causa proteção ao
tecido cerebral pela inibição da peroxidação lipídica15, além de reduzir o acúmulo de lac-
tato e edema do tecido cerebral isquêmico em ratos hiperglicêmicos16. Foi observado,
também, que a diminuição da toxicidade e da apoptose celulares acontecem com doses
elevadas de propofol17. Em modelo de isquemia e reperfusão intestinal, o propofol redu-
ziu a intensidade da lesão da mucosa do intestino18. Em estudo realizado em plaquetas
de pacientes submetidos a cirurgia, comprovou-se o efeito antioxidante do propofol,
avaliado pela inibição da produção de peroxidase lipídica19. Os resultados desta redu-
ção da peroxidação lipídica pelo propofol também foram observados no miocárdio de
pacientes submetidos a cirurgia coronariana com circulação extracorpórea20. Os eritróci-
tos tiveram redução do estresse oxidativo, em pacientes submetidos a gastrectomia e
anestesiados com propofol. Após a cirurgia, a hemólise foi menor no grupo do propofol,
quando se comparou este a grupo de pacientes anestesiados com sevoflurano21. Em
cirurgia cardíaca, o propofol, na dose de 120 µg. kg-1. min-1, iniciada 10 minutos antes
da circulação extracorpórea, reduziu as concentrações de troponina I e elevou os índi-
ces cardíacos, quando comparado com isoflurano ou doses menores de propofol (60
µg. kg-1. min-1)22. Resumindo, estudos mostram que, após isquemia, o propofol diminui

Futuro da Anestesia Venosa


a insuficiência miocárdica, o tamanho do infarto e a degeneração histológica. Este
fármaco atenua o influxo do Ca++ na célula e suprime a atividade dos neutrófilos. Tais
informações sugerem que o propofol pode atuar na fase aguda da lesão de reperfusão,
reduzindo os radicais livres, o influxo do Ca++ celular e a atividade dos neutrófilos, sem
agir como agente pré-condicionante. Desse modo, a proteção foi observada quando o
coração foi tratado com o propofol somente na fase de reperfusão. A adição da gliben-
clamida, que é bloqueador do canal de KATP, não aboliu o efeito protetor do propofol.

2.5 Nova formulação para o Etomidato

Ao contrário de outros hipnóticos em uso clínico, o etomidato mantém boa estabi-


lidade cardiovascular em paciente gravemente enfermo. Mas o etomidato também inibe
a enzima 11 b- hydroxylase, causando supressão adrenocortical. A potencia da inibição
desta enzima é 100 vezes maior do que seu efeito hipnótico e a simples injeção em
bolus do etomidato é capaz de causar supressão da suprarrenal por 24 horas23. Assim,
está sendo apontado como muito promissor o análogo do etomidato o metoxicarbonil-
etomidato ou simplesmente, o MOC etomidato. Este análogo do etomidato, além de
causar boa estabilidade, é rapidamente metabolizado, tornando-se um hipnótico de efei-
to ultracurto e, o que é mais importante, não causa supressão da suprarrenal24

2.6 O uso de TCI de remifentanil

Há vários programas farmacocinéticos descritos para o remifentanil. Existem até


equipamentos comerciais que utilizam o TCI de remifentanil. O seu uso é recomendado
com a alegação de causar maior estabilidade hemodinâmica e reduzir o consumo deste

245
fármaco25. Entretanto, é um fármaco fácil de ser usado e com razoável preditibilidade.
A concentração plasmática alvo pode ser facilmente predita, multiplicando-se a concen-
tração da infusão do remifentanil pela constante29; por exemplo: quando é feita uma
infusão de remifentanil de 0.25 µg.kg-1.min-1, a concentração plasmática predita é 7,25
ng.ml-1. Acredita-se que o uso do TCI para o remifentanil, em substituição à infusão con-
tinua manual, talvez seja uma desnecessária complicação de algo bastante simples e
com ampla comprovação clínica.

3. Perspectivas

O uso da anestesia venosa, no futuro, terá imensos avanços no equipamen-


to, no método de monitorização ou no fármaco com excelente perfil farmacoci-
nético. Mas o maior avanço será a utilização das descobertas genômicas, que
darão ao anestesiologista a possibilidade de conduzir a técnica de anestesia ve-
nosa de maneira individualizada, e segundo a carga genética de cada paciente.

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Futuro da Anestesia Venosa

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