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Volume I
Ficha catalográfica
S678e Educação Continuada em Anestesiologia
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2011.
124 p.; ilust.
978-85-8114-040-7
Vários colaboradores.
CDD - 617-96
Produzido em outubro/2011
Volume I
Esta é uma publicação Direção executiva e comercial: Silvio Araujo | André Araujo
Coordenação editorial: Natalie Gerhardt
Designer: Irene Ruiz
Contatos: acfarmaceutica@grupogen.com.br | www.acfarmaceutica.com.br
São Paulo – (11) 5641-1870 | Rio de Janeiro – (21) 3543-0770
O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es) e não refletem necessariamente as opiniões da
editora e também do laboratório.
Educação Continuada em Anestesiologia
EDITORES
Daniel Volquind
TSA/SBA. Membro da Comissão de Educação de Educação Continuada da SBA. Professor da Uni-
versidade de Caxias do Sul – UCS. Anestesiologista da CAN – Clínica de Anestesiologia Ltda.
COLABORADORES
Glauber Gouvêa
TSA/SBA. MD, MSc, Anestesiologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – UFRJ. Anes-
tesiologista da Unidade de Transplante Hepático – UFRJ. Corresponsável pela Residência Médica em
Anestesiologia – CET Bento Gonçalves – HUCFF/UFRJ. Membro do Comitê Transfusional do HUCFF/
UFRJ. Mestre em Ciências Médicas – UFF.
PREFÁCIO
sumário
Capitulo 1
Controle da via aérea no paciente obeso mórbido....................................01
Bruno Mendes Carmona, Macius Pontes Cerqueira, Márcio de Pinho Martins, Waston Vieira Silva
Capitulo 2
Avaliação pré-anestésica.............................................................................25
André Marques Mansano
Capitulo 3
Equilíbrio acidobásico..................................................................................43
Geraldo Rolim Rodrigues Jr.
Capitulo 4
Fisiologia e farmacologia do sistema respiratório.....................................57
Leopoldo Muniz da Silva
Capitulo 5
Efeitos dos anestésicos inalatórios na resposta inflamatória pulmonar
após ventilação monopulmonar..................................................................65
Marcelo Teixeira dos Santos
Capitulo 6
Alterações cardiorrespiratórias da apneia do sono e suas implicações
anestésicas....................................................................................................71
Celso Schmalfuss Nogueira, Fabio Vinicius Benevenuto Feltrim, Mary Neide Romero
Capitulo 7
Mecanismos moleculares de neuroproteção dos anestésicos inalatórios........... 83
Glauber Gouvêa
Capitulo 8
Como avaliar criticamente a validade interna de um ensaio clínico
controlado de alocação aleatória em anestesiologia................................93
Simone Soares Leite
Capitulo 9
Atualização em anestesia para cirurgia torácica................................................. 107
Rosa Beatriz Amorim
Capítulo 1
Controle da via aérea no
paciente obeso mórbido
Bruno Mendes Carmona
Macius Pontes Cerqueira
Márcio de Pinho Martins
Waston Vieira Silva
Educação Continuada em Anestesiologia
Introdução
A obesidade é uma doença cuja prevalência cresce, principalmente, nos países desenvol-
vidos e naqueles em desenvolvimento. Como resultado, a cada dia se torna mais frequente
a presença de pacientes obesos nas clínicas e hospitais para realização de procedimentos
cirúrgicos ou diagnósticos sob anestesia.
Nos hospitais onde há programas de cirurgia bariátrica, geralmente existem protocolos e
condições específicas para a condução desses pacientes. Lidar com esse tipo de paciente
pode ser bastante arriscado.
Algumas alterações fisiopatológicas, principalmente as mecânicas e inflamatórias, tornam
o manejo da via aérea nesse grupo de pacientes desafiador. Além disso, a presença de
outras morbidades associadas (hipertensão, diabetes, hérnia de hiato, apneia obstrutiva do
sono etc.) pode contribuir para esse fato.1
Classificação da obesidade
A obesidade pode ser classificada pelo índice de massa corporal (IMC), calculado pelo
peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura, de acordo com a Tabela 1.1. Pacien-
tes com obesidade classe 1 geralmente não oferecem maior risco ao manejo perioperatório.
Entretanto, aqueles cujo peso é maior (obesos mórbidos) requerem considerações especiais
com relação ao preparo e quanto aos equipamentos necessários para o controle da via aé-
rea.2,3 O termo obesidade mórbida é usado na maioria dos trabalhos clínicos e será usado
neste capítulo, apesar de existir um grande estigma em relação a essa classificação. Hensrud
e McMahon propõem que os termos obesidade extrema, classe III, ou obesidade com com-
plicações clínicas sejam usados.4
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Educação Continuada em Anestesiologia
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Educação Continuada em Anestesiologia
IAH SAOS
Fatores Valor p
Radioterapia em pescoço 0,002
Sexo masculino < 0,001
Apneia do sono (SAOS) 0,005
Mallampati III ou IV 0,014
Barba 0,024
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Educação Continuada em Anestesiologia
Hagberg et al., em um estudo retrospectivo que envolveu 283 pacientes obesos, obser-
varam que 21 obesos mórbidos foram difíceis de intubar, entretanto, não se evidenciou falhas
de IT.48 Lavi et al. estudaram prospectivamente 204 pacientes, dos quais 105 eram obesos
mórbidos, e observaram que nos obesos a dificuldade para intubação foi maior, no entanto,
todos foram intubados e não houve diferenças entre os níveis de SaO2 ou tempo de LD.49
Sifri et al. avaliaram 1.435 IT realizadas em situações de emergência em um centro de trauma
nível 1, onde 17% foram em obesos ou obesos mórbidos, e a análise dos dados não mostrou
correlação entre o IMC e falhas na IT ou complicações a ela relacionadas.50
Acredita-se que os pacientes obesos, particularmente aqueles portadores da SAOS, são mais
difíceis de intubar que a população geral.51 Ezri et al. relataram intubação traqueal difícil (ITD) em
9 obesos em um grupo de 50 pacientes com obesidade mórbida. No grupo com ITD, 78% dos
pacientes eram portadores da SAOS.52 Siyam e Benhamou53 relataram uma incidência de ITD de
21,9% em pacientes com SAOS versus 2,6% no grupo controle (P = 0,05). Eles incluíam apenas
36 pacientes com SAOS em seu estudo, 92% do sexo masculino. Kim e Lee54 relataram uma taxa
de ITD de 16,7% nos pacientes com SAOS submetidos à uvulopalatofaringoplastia versus 3,3% no
grupo controle (P = 0,003). No entanto, esses pacientes não eram obesos, já que a média do IMC
para os pacientes com SAOS foi de 25,3 (± 3,3) e para o grupo controle o IMC era de 27,9 (± 2,9).
Estudo com 764 pacientes submetidos à anestesia geral sem patologia das vias aéreas não
mostrou uma correlação entre o IMC e a laringoscopia difícil.55 Brodsky et al.56 investigaram a
intubação difícil em 100 pacientes com IMC superior a 40 kg/m2. Houve uma falha de intubação
e 12 intubações problemáticas. Na análise de regressão logística, apenas a circunferência do
pescoço, sexo masculino e classificação de Mallampati previram a dificuldade para IT. A análise do
banco de dados de uma grande retrospectiva da Dinamarca, envolvendo 91.332 pacientes que
se submeteram à LD, revelou uma taxa de intubação difícil de 5,2%.57 Neligan et al.58 estudaram
180 pacientes obesos mórbidos submetidos à laringoscopia direta e intubação na posição de
rampa para a cirurgia bariátrica laparoscópica. A taxa de ITD foi de 3,3%. Houve uma incidência
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Educação Continuada em Anestesiologia
de 8,3% para laringoscopia difícil, definida por grau 3 ou 4 na classificação de Cormack e Lehane.
Não houve relação entre o diagnóstico da SAOS, a gravidade do IAH ou IMC e a dificuldade para
intubação. A dificuldade para laringoscopia e/ou IT ocorreu em pacientes do sexo masculino e
com classificação de Mallampati grau III ou IV. A média do IMC foi 49,4 com intervalo entre 36 e
77,5 kg/m2. Houve fraca associação entre o IMC maior que 35 kg/m2 e a intubação difícil.
O assunto permanece controverso e resultados diferentes foram observados por diferentes
autores. Juvin et al.59 observaram uma taxa de ITD de 15,5% em pacientes com IMC maior que
35 kg/m2 em comparação com 2,2% em pacientes com IMC menor que 30.60 Gonzalez et al.61
relataram que a incidência de dificuldade para IT foi de 14,3% em pacientes obesos em relação a
3% em pacientes não obesos (P = 0,03). Todos os pacientes foram intubados na posição olfativa
convencional. A obesidade mórbida ou a SAOS isoladamente não são capazes de predizer a ITD.
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Educação Continuada em Anestesiologia
Figura 1.3: Troop Elevation Pillow® (Mercury Figura 1.4: Trapézio de Simoni
Medical®)
Figura 1.5: Dimensões propostas para o Trapézio Figura 1.6: Trapézio de Simoni - paciente em
de Simoni posição ótima com ajuste sob a nuca
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Educação Continuada em Anestesiologia
podem melhorar a visualização da abertura glótica, facilitando a intubação traqueal. Dessa forma,
podem reduzir a possibilidade de hipoxemia grave durante o controle da via aérea.75,76
Figura 1.7: Máscara laríngea para intubação (MLI): Figura 1.8: Máscara laríngea para intubação (MLI)
Fastrach® com videocâmara: LMA C-trach®
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Evento Frequência %
ITD 1,5 a 8,5
Incapacidade para IT 0,1 a 0,6
Associação de VMD ou impossível e ITD 0,37
Impossibilidade de VMF 0,01 a 0,16
Incapacidade para IT e VMF 0,0002
VMF = Ventilação sob máscara facial; VMD = ventilação sob máscara difícil; IT = Intubação traqueal;
ITD = Intubação traqueal difícil.
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Educação Continuada em Anestesiologia
• Máscaras faciais
• Cânulas oro/nasofaríngeas
• Máscaras laríngeas
• Tubos traqueais e conectores
• Seringas, agulhas e cateteres venosos descartáveis
• Laringoscópio (cabos e lâminas)
• Guia para tubo traqueal e pinça condutora
• Dispositivo para cricotireostomia
• Seringas, agulhas e cateteres descartáveis específicos para os diversos bloqueios anes-
tésicos neuroaxiais e periféricos
• Máscara laríngea
• Intubação por laringofibroscopia
• Lâminas de laringoscópio alternativas
• Intubação às cegas
• Intubação retrógrada
É importante enfatizar que não existe uma lista rígida ou obrigatória com materiais neces-
sários para o controle da VAD. Os dispositivos e técnicas devem ser adaptados de acordo
com a realidade de cada serviço, incluindo materiais que sejam de uso diário, permitindo a
prática nos casos de rotina, facilitando o seu uso em situações emergenciais.94
A conduta mais prudente é a participação de dois anestesiologistas para indução
anestésica em obesos mórbidos. 95,96 A presença de outro anestesiologista poderá
significar a diferença entre o sucesso para melhorar a oxigenação ou o fracasso na
ventilação, com a possibilidade de causar danos irreparáveis. A ventilação a quatro
mãos pode melhorar a oxigenação enquanto outras medidas são preparadas. 97 Para a
situação na qual o anestesiologista não consegue ventilar adequadamente e também
não consegue fazer a intubação traqueal (situação não ventila/não intuba – NV/NI), é
fundamental chamar por ajuda.
Devem ser empregadas técnicas e/ou dispositivos que possam fornecer oxigênio imedia-
tamente, na maior concentração possível, até que seja possível restabelecer uma ventilação
adequada. Os DSG podem ser usados nessa situação.98 A máscara laríngea tem sido em-
pregada como técnica de resgate ventilatório nas situações NV/NI99, com taxa de sucesso de
94% para elevar a SaO2 acima de 90%.100 Enquanto dispositivos e/ou técnicas não invasivas
estão sendo tentadas, o material para acesso invasivo à via aérea deve ser preparado.101
Diversos algoritmos publicados sobre o tema sugerem diferentes abordagens com diver-
sas opções para o controle não emergencial da via aérea. Empregar um algoritmo simples
e objetivo facilita a tomada de decisões em situações de estresse, como ocorre na situação
NV/NI (Figura 1.13). Nessa circunstância, as opções tornam-se mais limitadas.102 O aneste-
siologista deve escolher os dispositivos ou técnicas que tenha maior habilidade e experiência.
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Educação Continuada em Anestesiologia
Caso não seja possível restabelecer uma ventilação adequada com métodos não invasivos,
não resta outra alternativa a não ser o acesso invasivo à via aérea.
Plano C:
Manutenção O2, venti- Reiniciar VMF O2 e Remarcar cirurgia
lação, remarcar cirurgia, ventilação Despertar paciente
despertar paciente
Falha oxigenação
ML Despertar paciente
Plano D:
Técnicas para situação Hipoxemia
NV/NI
Cricotirotomia
Figura 1.13: Algoritmo da Sociedade de Via Aérea Difícil do Reino Unido (DAS-UK)
Fonte: Henderson et al.
IT = Intubação traqueal; BFC = Broncofibroscopia; ML = Máscara laríngea; MLI = Máscara laríngea para intuba-
ção; VMF = Ventilação com máscara facial.
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Educação Continuada em Anestesiologia
• Simplicidade
• Menor distância entre a pele e a luz traqueal
• Maior facilidade para identificação das estruturas anatômicas
• Menor tempo para iniciar a ventilação
• Menor possibilidade de sangramento
• Menor taxa de complicações
Alguns conceitos são importantes para utilizar adequadamente essa técnica. A identifica-
ção das estruturas laríngeas é feita facilmente pela palpação em não obesos (Figuras 1.14
e 1.15). A obesidade é uma condição que dificulta bastante a identificação das estruturas
laríngeas. Apesar de apresentar maior dificuldade, mesmo em pacientes obesos é possível
identificar a cartilagem tireoide. É importante o exame e o reconhecimento dessa estrutura
para que técnicas percutâneas possam ser empregadas.
Recomenda-se a extensão da cabeça e do pescoço para facilitar a exposição da anatomia
dessa região, conforme representado na Figura 1.16.
Figura 1.14: Referências anatômicas para identifi- Figura 1.15: Referências anatômicas para
cação da membrana cricotireóidea identificação da cartilagem tireoide e membrana
cricotireóidea
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Educação Continuada em Anestesiologia
O acesso à via aérea pode ser feito por meio de diferentes técnicas, que podem ser clas-
sificadas para cricotirotomia conforme descrito na Tabela 1.7.
Com estilete
• Cateteres para VJTT
• Cateter reforçado para acesso transtraqueal à via aérea (Cook Medical Inc, USA)
• Dispositivo para via aérea emergencial – Wadhwa (Cook Medical Inc, USA)
• Ravussin (VBM Medizintechnik GmbH, Sulz, Germany)
• Patil/Arndt (Cook Medical Incorporated, USA)
• QuickTrach® I (VBM Medizintechnik GmbH, Sulz, Germany)
• Mini-Trach® II - Non Seldinger® Kit
• Cateteres que permitem ventilação convencional (com balonete)
• QuickTrach® II com balonete (VBM Medizintechnik GmbH, Sulz, Germany)
• Kit para cricotirotomia (PCK) Portex® e Nu-Trake®
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Educação Continuada em Anestesiologia
Figura 1.21: Agulha de Ravussin para VJTT – DI Figura 1.22: Cateter de Arndt com DI = 2 ou 3 mm
= 2 mm
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Figura 1.23: QuickTrach® I e QuickTrach® II com Figura 1.24: Kit Portex® - PCK
balonete – DI = 4 mm
Figura 1.25: Dispositivo para cricotirotomia em Figura 1.26: Kit de Melker – Diâmetro interno (DI)
adultos – Nu-Trake® entre 3,5 e 6,0 mm com e sem balonete
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Educação Continuada em Anestesiologia
A taxa de sucesso com o método varia entre 60% e 100%. Não existem estudos com-
parando especificamente a taxa de sucesso em indivíduos normais com pacientes obesos.
A obesidade é um fator complicador, pois altera a anatomia do pescoço e pode até mesmo
impossibilitar esse tipo de abordagem para o controle da via aérea.
Não é possível ventilar adequadamente por punção com cânula nº 13G. Flint et al. de-
monstram que o volume-minuto eleva com o aumento do calibre da cânula (20G versus 13G),
porém somente com dispositivos apropriados (manujet) é possível gerar fluxos adequados à
ventilação. Recomenda-se não usar dispositivos de baixa pressão (aparelho de anestesia, bolsa
ventilatória ou modulador de fluxo de O2 de Enk) para esse fim.111 Técnicas por punção permitem
oxigenar temporariamente o paciente com jatos de O2 sob pressão ou com equipamentos para
ventilação a jato transtraqueal de O2.112 Esse tipo de ventilação permite a melhora da oxigenação
até que seja obtida uma via aérea definitiva por cricotirotomia ou traqueostomia cirúrgica.113
Técnicas que empregam cânulas com maior DI, mas sem balonete, permitem a ventilação con-
vencional com sistema válvula-bolsa ventilatória (tipo Ambu) ou com circuito ventilatório do aparelho
de anestesia. Devido à retenção de CO2, elas devem ser empregadas por poucas horas.
Dispositivos com balonete permitem a ventilação mecânica convencional sem esse tipo de
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Educação Continuada em Anestesiologia
problema. Tradicionalmente, tem sido recomendado tempo de permanência da cânula por até
72 horas.114 Essa recomendação tem sido questionada em razão da falta de evidências científicas.
O risco de estenose subglótica após a cricotirotomia parece ser muito baixo.115 No entanto, caso
seja necessária a manutenção de prótese respiratória, indica-se uma traqueostomia eletiva.
Não existe estimativa adequada da taxa de complicações, em virtude do pequeno número
de casos descritos na literatura. Varia de acordo com a técnica empregada, com taxas de
23% no atendimento hospitalar em emergências, podendo chegar a 40%.116 Geralmente,
técnicas que empregam a punção da MCT apresentam menor risco de sangramento. Quanto
maior a cânula, maior o risco de lesões traumáticas e sangramento.
Para traqueostomia, a taxa de complicações graves no pós-operatório em obesos é maior.
Em análise multivariada, a obesidade mórbida foi fator de risco isolado para o aumento de
complicações da traqueostomia (risco relativo de 4,4, intervalo de confiança de 95% entre 2,1
e 11,7).117 Possivelmente, o mesmo se aplica às complicações da cricotirotomia em obesos.
Anestesiologistas preferem e apresentam maior facilidade no uso de dispositivos que
usem a técnica de Seldinger ou a punção por cateter da MCT.117,118 A taxa de sucesso da
cricotirotomia em atendimento pré-hospitalar é de 88%.119
O tempo para estabelecer uma ventilação efetiva depende do treinamento com esse mé-
todo. Por ser um método invasivo, dificilmente pode ser treinado em situações habituais. O
treinamento para técnicas invasivas pode ser feito em manequins, traqueia de animais ou
cadáveres em cursos específicos para o controle da via aérea. Esse tipo de treinamento per-
mite reduzir o tempo para iniciar a oxigenação e ventilação, assim como aumentar a taxa de
sucesso, podendo atingir 96% em 40 segundos ou menos.120
As principais complicações são: perfuração de esôfago, posicionamento incorreto da câ-
nula de cricotirotomia, obstrução por coágulos, enfisema subcutâneo e sangramento.121,122
Podem ser dividas em complicações imediatas ou tardias, conforme a Tabela 1.8.
Precoces Tardias
Asfixia Estenose traqueal
Hemorragia Hemorragia tardia
Enfisema subcutâneo /mediastinal Disfunção da deglutinação
Pneumotórax Obstrução da cânula
Peruração de esôfago Fístula traqueoesofágica
Lesão de corda vocal Alteração de voz
Ruptura de laringe Traqueomalácia
Broncoaspiração Infecção
Técnicas para controle invasivo da via aérea podem salvar vidas, portanto devem ser en-
sinadas e treinadas regularmente. O ideal é evitar que a situação NV/NI ocorra ou reduzir sua
incidência ao máximo. Isso pode ser conseguido com a instituição de programas para ensino
e treinamento específicos em VAD.123-125
Berkow et al. demonstraram uma redução na incidência do controle invasivo da via aérea
ao longo de 11 anos consecutivos após a introdução desse tipo de programa.126 Dessa
forma, pode-se reduzir a necessidade de medidas invasivas para controle da via aérea, dimi-
nuindo a morbiletalidade associada a esse tipo de procedimento.
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Educação Continuada em Anestesiologia
Assim como a intubação, a extubação deve ser feita em posição semissentada, com
elevação do dorso para melhora da dinâmica pulmonar.
Outros parâmetros para extubação devem ser usados, tais como:
Caso a IT tenha sido difícil ou exista edema de via aérea, a melhor opção é retardar a
extubação em algumas horas.
A extubação pode ser feita com maior segurança por um trocador de tubo que permite a
oferta de O2 e/ou rápida reintubação em caso de dessaturação grave (Figura 1.31).132
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Educação Continuada em Anestesiologia
Figuras 1.31 e 1.32: Trocadores de tubo com adaptadores Rapi-fit® que permitem conexão com o sistema respi-
ratório do aparelho de anestesia ou VJTT – Cook Critical Care (Bloomington, IN)
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24
Capítulo 2
Avaliação pré-anestésica
André Marques Mansano
Educação Continuada em Anestesiologia
Em 1949, o Dr. Alfred Lee propôs o que conhecemos hoje como avaliação pré-anes-
tésica (APA), depois de observar que os anestesiologistas se deparavam com pacientes
que não estavam no seu melhor estado de saúde no momento do procedimento cirúrgico.
Os benefícios da realização da APA são amplos. O anestesiologista tem a possibilidade
de iniciar ou otimizar eventuais tratamentos farmacológicos necessários ou encaminhar
o paciente a especialistas, quando conveniente. A solicitação de exames complementa-
res, quando bem indicada, é ferramenta importante na detecção de doenças no período
pré-operatório. Tais medidas, em conjunto, são capazes de prevenir cerca de 3% das
complicações perioperatórias graves. Além disso, a APA diminui a taxa de suspensão
cirúrgica em até 50%.
A oportunidade de estreitar a relação médico-paciente é única, momento no qual o mé-
dico pode dirimir todas as dúvidas do paciente e de seus familiares, discutir a respeito da
técnica anestésica a ser utilizada, valorizando a atividade do anestesiologista e diminuindo o
número de processos médicos.
26
Educação Continuada em Anestesiologia
Exames complementares
Há inúmeros protocolos institucionais que regem a solicitação de exames complementa-
res pré-operatórios. Não há dúvida de que a melhor conduta é individualizar a indicação de
exames complementares, de acordo com as doenças apresentadas pelo paciente e o tipo
de cirurgia e anestesia a que ele será submetido.
Um estudo mostrou que, dos 3.096 exames pré-operatórios considerados normais,
apenas 13 (0,4%) vieram fora da faixa aceitável antes da admissão (média de intervalo
de 2 meses). A maioria dessas alterações era previsível ao exame clínico. Por outro
lado, dos 461 testes com resultados fora da normalidade, 78 (17%) estavam foram da
faixa aceitável para a cirurgia, sugerindo que exames alterados devem ser repetidos na
véspera da cirurgia.
Hemograma
A prevalência de anemia em pacientes assintomáticos gira em torno de 1%, e esse nú-
mero é ainda menor quando se consideram anemias significativas em pacientes cirúrgicos.
Sugere-se a realização de hemograma àqueles pacientes acima de 65 anos que serão sub-
metidos a cirurgias de grande porte ou aos mais jovens cuja cirurgia tenha expectativa de
altas perdas sanguíneas.
27
Educação Continuada em Anestesiologia
Função renal
A prevalência de creatinina sérica elevada em pacientes assintomáticos e sem história
de nefropatia é de 0,2%, embora este número aumente com a idade, chegando a 9,8% em
pacientes entre 46 e 60 anos. A disfunção renal também é fator de risco independente para
complicações respiratórias pós-operatórias. Sugere-se a dosagem de creatinina sérica em
pacientes acima de 50 anos que serão submetidos a cirurgias de risco intermediário ou alto
ou que apresentem hipertensão arterial ou diabetes mellitus.
Eletrólitos
Glicemia
A maioria dos estudos bem controlados não encontrou relação entre risco operatório e
presença de diabetes, exceto nas cirurgias vasculares arteriais e em cirurgias coronarianas.
Apesar de algumas escalas de risco incluírem o diabetes como critério, não se sabe se a
hiperglicemia assintomática tem relação com morbimortalidade aumentada. Logo, a dosagem
de glicose sérica de rotina não está recomendada para pacientes saudáveis.
Apenas 0,1% dos pacientes saudáveis apresenta os testes de função hepática alterados,
não se justificando, portanto, as suas dosagens de forma rotineira.
Testes de coagulação
Eletrocardiograma
• com pelo menos um fator de risco que serão submetidos a cirurgia vascular;
• com doença vascular aterosclerótica que serão submetidos a cirurgia de risco intermediário
ou alto;
• sem fatores de risco que serão submetidos a cirurgia vascular;
• com pelo menos um fator de risco que serão submetidos a cirurgia de risco intermediário.
28
Educação Continuada em Anestesiologia
Radiografia de tórax
Provê poucas informações que possam auxiliar na identificação de paciente com maior
risco de complicações. Várias revisões foram feitas e tanto europeus quanto americanos não
recomendam a realização do exame em pacientes saudáveis. Uma metanálise mostrou que,
em uma série de 14.389 pacientes que realizaram radiografias de tórax no pré-operatório, em
10% houve alterações, das quais 90% eram esperadas. Apenas 0,1% de todas as radiografias
influenciou as condutas médicas. O Colégio Americano de Médicos recomenda o uso da ra-
diografia de tórax em pacientes com história de doença cardiopulmonar, naqueles com mais de
50 anos que serão submetidos a cirurgias de aorta abdominal ou cirurgias no abdome ou tórax.
• IAM recente (mais de 7 dias e menos de 30 dias) ou angina grave (classe III ou IV da So-
ciedade Canadense de Cardiologia);
• angioplastia recente;
• disritmias significativas (bloqueio atrioventricular [BAV] de alto grau, taquicardia ventricular
sustentada, arritmias supraventriculares).
Preditores intermediários
• Cardiopatia isquêmica, incluindo angina moderada (classes I e II), ou IAM anterior, determi-
nado pela história clínica ou ondas Q patológicas.
29
Educação Continuada em Anestesiologia
Preditores menores
Capacidade funcional
A capacidade funcional é um dos melhores preditores de risco operatório. É fundamental ava-
liar a tolerância ao exercício, mensurada em equivalentes metabólicos (METs). Um MET é definido
pelo consumo de 3,5 ml de O2/kg/min e reflete o consumo de O2 de uma pessoa sentada e em
repouso. Existem várias informações que podem, indiretamente, indicar a capacidade funcional de
um paciente e, quanto mais alta ela for, menor a probabilidade de complicações cardiovasculares:
Tabela 2.2: *Mortalidade acima de 5%; **mortalidade entre 1% e 5%; ***mortalidade abaixo de 1%
Risco inerente ao procedimento cirúrgico
Escalas de risco
Existem algumas escalas que estimam o risco cardíaco perioperatório. É importante res-
saltar que essas escalas foram desenvolvidas com base em estudos que não elencaram pa-
cientes com fatores de risco maiores, citados anteriormente, ou seja, avaliaram basicamente
pacientes de risco intermediário, não sendo fidedignas para, por exemplo, discriminar quem
precisa ou não de testes para avaliação de isquemia miocárdica.
Goldman publicou, em 1977, um estudo com 1.001 pacientes divididos em quatro gru-
pos baseados na soma de pontos referente aos fatores de risco presentes. A cada grupo foi
30
Educação Continuada em Anestesiologia
atribuído um risco cardiovascular. A principal limitação deste estudo foi a baixa prevalência de
pacientes submetidos a cirurgia vascular, além de não refletir a prática médica atual.
Escala de Destky
Destky et al. adicionaram, em 1986, angina e edema agudo pulmonar aos critérios de Goldman.
Eagle et al. publicaram, em 1989, um estudo no qual foram avaliados 254 pacientes
candidatos a cirurgia vascular e que foram submetidos a cintilografia miocárdica. Foram iden-
tificados 5 fatores de ricos para eventos cardiovasculares:
• IAM < 6m (10 pontos) ou • Suspeita de estenose aórtica crítica (20 pontos)
• IAM > 6m (5 pontos) • Ritmo não sinusal ou RS c/ ESSV no ECG
A) • Angina Classe III (10 pontos) ou (5 pontos) ou > 5 ESV no ECG (5 pontos)
• Angina Classe IV (20 pontos) • Idade > 70 anos (5 pontos)
• EAP na última semana (10 pontos) ou • Cirurgia de emergência (10 pontos)
• EAP alguma vez na vida (5 pontos)
Total de pontos:
Classe I = 0-15 pontos Classe III = > 30 pontos
Classe II = 20-30 pontos
31
Educação Continuada em Anestesiologia
2º passo:
1º Cenário (Classe I) Analisar o nº de variavéis de risco
Checar variáveis de risco
• Idade > 70 anos
• História de angina
• Diabetes
1ª situação
• Ondas Q patalógicas no ECG
0 a 1 variável - baixo risco (< 3% EC) = operar
• História de infarto do miocárdio
• Alteração isquêmica do ST
• HAS com HVE severa 2ª situação
• História de Insuficiência 2 ou + varáveis - risco intermediário (3 a 15% EC)
Figura 2.2: Adaptado de ACC/AHA Guideline Update on Perioperative Cardiovascular Evaluation for Noncar-
diac Surgery. J Am Coll Cardiol. 2002;39:542-553.
IAM – infarto do miocárdio; ESSV – extra-sístoles supraventriculares; ESV – extra-sístole ventricular; HAS –
hipertensão arterial sistêmica; HVE – hipertrofia ventricular esquerda; AHA – American Heart Association; EAP
– edema agudo dos pulmões; RM – revascularização do miocárdio; EC – eventos cardíacos; TN – teste não
invasivo; ICC – insuficiência cardíaca congestiva
32
Educação Continuada em Anestesiologia
• Idade.
• DPOC.
• Asma.
• Tabagismo.
• Obesidade.
• Apneia obstrutiva do sono.
• Hipertensão pulmonar.
• Insuficiência cardíaca.
• Infecção de vias aéreas.
O teste de função pulmonar mais utilizado na prática clínica é a espirometria. Alguns au-
tores alertam que os valores espirométricos usualmente apenas confirmam os achados já
detectados pela avaliação clínica. Por outro lado, além de estratificar a gravidade da pneumo-
patia, a espirometria oferece resultados importantes no que tange à resposta aos broncodi-
latadores. De qualquer forma, os resultados a seguir estão associados à maior incidência de
complicações respiratórias.
Tabagismo
Os pacientes tabagistas devem ser orientados a parar de fumar pelo menos oito semanas
antes do procedimento cirúrgico. Estudos mostraram que o abandono do cigarro por tempo
inferior a oito semanas pode, inclusive, aumentar o risco de complicações respiratórias.
33
Educação Continuada em Anestesiologia
anatômicas de vias aéreas causadas pelo bócio até incidência elevada de complicações intra-
operatórias, como hipotermia, hipotensão, depressão miocárdica, redução da resposta ventila-
tória à hipóxia e hipocapnia, embora esses dados derivem de estudos retrospectivos. Em um
extremo, o estresse cirúrgico pode desencadear o coma mixedematoso em pacientes com
hipotireoidismo grave. Cirurgias eletivas só devem ser realizadas com o paciente no seu estado
eutireóideo. O hipotireoidismo subclínico só deve ser valorizado quando o hormônio tireoestimu-
lante (TSH) estiver acima de 10 mU/dl. Cirurgias de urgência não devem ser adiadas em casos
de hipotireoidismo leve, mas a reposição hormonal deve ser prontamente introduzida.
Um exame radiográfico da região cervical pode auxiliar na avaliação da dificuldade de
intubação imposta pelo bócio.
Hipertireoidismo
• determinação do tipo de diabetes, visto que o tipo 1 cursa, em maior proporção, com
quadros de cetoacidose;
• avaliação de complicações como retinopatia, neuropatia periférica, neuropatia autonômi-
ca, nefropatia, doença coronariana, doença vascular periférica e hipertensão arterial;
• avaliação dos níveis glicêmicos usuais;
• avaliação da frequência e gravidade dos episódios de hipoglicemia;
• informações detalhadas sobre o tratamento hipoglicemiante;
• características do procedimento cirúrgico, como risco específico, agendamento e duração.
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Educação Continuada em Anestesiologia
Reposição de glicocorticoides
Pacientes com diagnóstico de insuficiência adrenal ou aqueles sob risco após suspensão
abrupta de glicocorticoides devem receber reposição hormonal, de acordo com o porte cirúr-
gico, durante a indução anestésica.
Critério RIFLE
Em 2006, Bellomo et al. validaram alguns critérios prognósticos relacionados com a fun-
ção renal. O conjunto de fatores recebeu o nome de RIFLE (do inglês Risk, Injury, Failure, Loss
e End stage renal disease), e esses fatores são estratificados como mostra a Tabela 2.3.
Tabela 2.3: Adaptado de The Second International Consensus Conference of the Acute
Dialysis Quality Initiative (ADQI) Group. Crit Care. 2004;8:R204.
Critérios RIFLE
Critérios Mortalidade*
Aumento da creatinina 1,5 vez ou redução de 25% no RFG
Risk 2,4
ou diurese < 0,5 ml/kg nas últimas 6 horas
Aumento da creatinina em 2 vezes ou redução de 50% no RFG
Injury 4,15
ou diurese < 0,5 ml/kg nas últimas 12 horas
Aumento da creatinina em 3 vezes ou redução de 75% no RFG
Failure 6,37
ou diurese < 0,5 ml/kg nas últimas 12 horas
Loss Perda completa da função renal por mais de 4 semanas
ESRD Perda completa da função renal por mais de 3 meses
RFG: Ritmo de filtração glomerular; ESRD: End stage renal disease.
*Risco relativo comparado com pacientes sem disfunção renal.
Critério AKIN
O critério AKIN (Acute Kidney Injury Network) foi adicionado ao critério RIFLE, com o termo
“lesão renal aguda” representando todo o espectro da insuficiência renal aguda (IRA). Com
isso foi suprida a principal limitação do critério RIFLE, que é a lenta elevação da creatinina
sérica em casos de IRA.
O critério proposto para IRA é a elevação abrupta (em menos de 48 horas) da creatinina séri-
ca em 0,3 mg/dl ou elevação relativa de 50% da creatinina ou diurese < 0,5 ml/kg/hora por mais
35
Educação Continuada em Anestesiologia
de 6 horas. A razão para a inclusão do critério pauta-se no fato de que elevações tão brandas
quanto 0,3 a 0,5 mg/dl da creatinina estão associadas a aumento da mortalidade em até 80%.
Cuidados perioperatórios
• Determinar o grau de insuficiência renal.
• Evitar fármacos nefrotóxicos (p. ex., aminoglicosídeos, anti-inflamatórios, contrastes radiológicos).
• Evitar fármacos de eliminação predominantemente renal.
• Corrigir as doses dos fármacos, quando apropriado.
• Pacientes com falência renal terminal: realizar diálise no dia anterior à cirurgia, evitando
estados hipervolêmicos e distúrbios hidroeletrolíticos, bem como complicações decorrentes
da uremia (p. ex., sangramento).
O paciente hipertenso
A hipertensão arterial não controlada ainda é a maior causa de cancelamento de cirurgias.
Estudos realizados na década de 1970 evidenciaram maior labilidade pressórica em pacien-
tes com hipertensão arterial grave durante a indução anestésica e a incisão cirúrgica. Algumas
metanálises foram realizadas e, embora os estudos não sejam suficientemente homogêneos,
recomenda-se que cirurgias eletivas sejam postergadas caso a pressão arterial sistólica ou
diastólica estejam acima de 180 ou 110 mmHg, respectivamente.
Antagonistas beta-adrenérgicos
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Educação Continuada em Anestesiologia
Aspirina
Anticoagulantes orais
Pacientes em uso de anticoagulantes orais (p. ex., varfarina) merecem atenção especial
no período pré-operatório. Se por um lado a manutenção da anticoagulação aumenta a inci-
dência de sangramento perioperatório, por outro a sua suspensão está associada ao aumen-
to dos fenômenos tromboembólicos.
São necessários aproximadamente 5 dias para ocorrer a normalização do coagulograma após
a suspensão do anticoagulante. Após a reintrodução, os níveis ótimos de anticoagulação são atin-
gidos após 3 a 4 dias. Portanto uma conduta razoável é utilizar heparina não fracionada (HNF) ou de
baixo peso molecular (HBPM) após a suspensão do anticoagulante oral. Assim, diminui-se o risco
de fenômenos tromboembólicos e garante-se maior flexibilidade no controle da anticoagulação. Vale
lembrar que a meia-vida da HNF é de 45 minutos e a da HBPM é de 4 a 6 horas, devendo ser sus-
pensas antes do procedimento cirúrgico por pelo menos 4 e 24 horas, respectivamente.
37
Educação Continuada em Anestesiologia
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Educação Continuada em Anestesiologia
Insulina
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Educação Continuada em Anestesiologia
Jejum pré-operatório
Os primeiros relatos sobre a necessidade de jejum pré-operatório foram de John Snow,
em 1847, após a ocorrência de uma série de óbitos causados pela aspiração do conteúdo
gástrico. As recomendações sofreram várias alterações até chegarem ao conhecido como
“jejum após a meia-noite” – o paciente estaria proibido de ingerir qualquer alimento ou líquido
durante pelo menos 8 horas.
Alguns estudos foram realizados e concluíram que o volume residual gástrico em pacien-
tes que ingeriram água ou líquidos sem resíduos (p. ex., suco de fruta sem polpa) não era
maior do que o de pacientes que estavam em jejum durante 8 horas. Isso trouxe mais con-
forto ao paciente, sem diminuir a segurança com relação ao risco de aspiração do conteúdo.
As recomendações atuais da ASA estão na Tabela 2.11.
Medicação pré-anestésica
O preparo farmacológico do paciente no período pré-operatório tem vários objeti-
vos, como diminuir a ansiedade, promover sedação e analgesia, reduzir o consumo de
anestésicos, diminuir a quantidade de secreções no trato respiratório, reduzir o volume
gástrico e aumentar o seu pH. Como regra geral, fármacos administrados pela via oral
(VO) devem ser empregados 60 a 90 minutos antes da cirurgia, podendo ser oferecidos
com 100 a 150 ml de água.
Benzodiazepínicos
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Educação Continuada em Anestesiologia
Agonistas adrenérgicos
Opiodes
Antiácidos
Os antiácidos não particulados (p. ex., citrato de sódio) são extremamente efetivos em
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Educação Continuada em Anestesiologia
Pró-cinéticos
0, sem efeito; +, efeito leve; ++, efeito moderado; +++ , efeito intenso.
Adaptado de Stoelting RK. Pharmacology and Physiology in Anesthetic Practice. Philadelphia: JB Lippincott; 1991.
Leitura recomendada
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Capítulo 3
Equilíbrio acidobásico
Geraldo Rolim Rodrigues Jr.
Educação Continuada em Anestesiologia
Química fisiológica
Muitos elementos importantes para a homeostase do meio interno encontram-se dissolvidos
em solução aquosa. É fundamental entender que essa solução é formada por uma mistura
uniforme de moléculas dissolvidas e pertencentes às várias substâncias que a compõem. O
solvente é o componente principal que, em soluções biológicas, é representado pela água; os
solutos são todos os outros componentes dos líquidos orgânicos. Esses elementos são en-
contrados nas formas ionizadas e não ionizadas, conforme apresentem carga elétrica ou não.1-3
Muitos fatores interferem na distribuição de uma substância entre os dois estados. Ácidos
e bases fortes apresentam-se, em sua maioria, no estado ionizado ou dissociado, enquanto
que ácidos e bases fracas encontram-se em diversos graus de dissociação.1-3
Brownsted-Lowry postulou uma definição com base no que os ácidos e as bases fazem.
Os primeiros são substâncias capazes de doar íons hidrogênio (H+) para a solução. As bases,
por sua vez, tendem a receber esses íons. Portanto, ácidos e bases denominados fortes são
aqueles que fornecem ou aceitam, respectivamente, grande quantidade de íons H+ na solu-
ção, e fracos, quando, respectivamente, o fazem em menor intensidade.1-3
Existe um fator importante nessa afirmação, pois ácidos ou bases fracas doarão ou aceita-
rão íons H+ de acordo com a quantidade existente desse cátion na solução. Esse fenômeno
químico é fundamental para a manutenção do equilíbrio das concentrações do íon H+ em uma
solução. Por isso, a classe de substâncias que previne grandes alterações nas concentra-
ções do íon hidrogênio é chamada de tampões e formada, geralmente, por ácidos fracos e
suas bases conjugadas, como, p. ex., ácido carbônico e seu sal (bicarbonato). O bicarbona-
to/ácido carbônico é o mais importante tampão extracelular. Outros tampões, presentes nos
espaços extra e intracelulares, são fosfatos, proteínas e hemoglobina.1-4
A enzima anidrase carbônica, presente no interior das hemácias e nas células tubulares re-
nais, acelera a reação de hidratação do dióxido de carbono (CO2), formando ácido carbônico:
HbO2 + H+ ⇄ HHb+ + O2
44
Educação Continuada em Anestesiologia
ao fenômeno da hemoglobina que, na presença do CO2, sob forma de íons H+, libera mais
facilmente O2 para os tecidos.
Diferentemente, o efeito Haldane descreve a influência do oxigênio sobre o transporte de
CO2 pela hemoglobina, isto é, na presença do O2, a hemoglobina aumenta a liberação de CO2.
A curva de dissociação da molécula de hemoglobina também pode explicar o efeito Böhr.
Nos tecidos, a presença do CO2 desvia a curva de dissociação da hemoglobina para a di-
reita, reduzindo sua afinidade pelo oxigênio e, assim, liberando-o mais rapidamente para os
tecidos. Nos pulmões, a curva é desviada para a esquerda, o que aumenta a afinidade da
molécula de hemoglobina pelo O2, facilitando, portanto, sua captação.
Química e quantitativamente, o efeito Haldane é mais importante que efeito Böhr, isto é, a
interferência do O2 no transporte de CO2 tem mais valor fisiológico que o CO2 no transporte
de O2 pela hemoglobina.1,3
pH = - log [ H+ ]
H2CO3 ⇄ H+ + HCO3-
Utilizando o conceito da lei da ação das massas a qual, versando sobre o equilíbrio de
uma reação química, conclui que, se forem multiplicadas as concentrações das substâncias
reagentes à direita da reação, e o resultante desse produto for dividido pela concentração do
reagente à esquerda, a resultante será uma constante denominada Ka:
[H+] [HCO3-]
Ka = _______________________
[H2CO3]
45
Educação Continuada em Anestesiologia
[H+] [HCO3-]
log Ka = log _______________________
[H2CO3]
[HCO3-]
log Ka = log [H+] + log _______________________
[H2CO3]
[HCO3-]
- log [H+] = - log Ka + log _______________________
[H2CO3]
[HCO3-]
- log [H+] = - log Ka + log _______________________
0,03(PCO2)
[HCO3 ]
pH = pKa + log ________________
-
[H2CO3]
Definição de pKa
Se nessa equação as quantidades de ácido carbônico e bicarbonato forem iguais, ocor-
rerá o seguinte:
pH = pKa + log 1
pH = pKa
46
Educação Continuada em Anestesiologia
Em vista disso, pKa é definido como o valor do pH. O ácido carbônico, ou um soluto
qualquer, encontra-se 50% dissociado e 50% não dissociado na solução. O pKa = 6,1
representa, portanto, o pH no qual o tampão ácido carbônico e sua base conjugada, bi-
carbonato, obtêm o máximo de poder de tamponamento. O conceito de pKa tem utilidade
prática para identificar como certa substância se comportará em diversos pH. Nesses
meios, um ácido fraco poderá ionizar-se mais ou menos, o que indicará qual será a maior
porcentagem não ionizada, que é a forma que atravessa a barreira lipoproteica das mem-
branas celulares (Figura 3.2).
Figura 3.2: Importância do pKa de um fármaco, geralmente ácido fraco, para indicar seu grau de absorção de
acordo com o pH do meio. Um ácido fraco com pKa = 4,4, ao ser administrado em pH extremamente baixo,
tenderá a doar menos protóns e ficará em grande parte sob a forma não ionizada e lipossolúvel, sendo, portanto,
mais absorvido.
Distúrbios metabólicos
Esse termo refere-se ao aumento ou à redução de bases circulantes no sangue. Significa que o
bicarbonato sérico está abaixo ou acima dos valores normais, independentemente da medida do pH,
que, como já ressaltado, identifica apenas a presença ou não de acidemia ou alcalemia.4 Nas Tabelas
3.1 e 3.2, encontra-se a nomenclatura tradicional para a identificação dos distúrbios metabólicos.4
47
Educação Continuada em Anestesiologia
Como a neutralidade elétrica no organismo deve existir, isso indica que não podem haver
diferenças significativas entre cátions e ânions. A definição da diferença de ânions, do hiato
aniônico ou até mesmo do Anion gap é a medida artificial da divergência presente entre os
mais importantes cátions e ânions, rotineiramente medidos. São eles: sódio (Na+), cloro (Cl-)
e HCO3- Embora alguns autores incluam o potássio (K+), porque ele também é comumente
medido a maioria não o considera. Assim, o hiato aniônico é com frequência calculado sem
incluir K+, como descrito a seguir:
O valor normal varia entre 12 ± 4 mEq.l-1. Dessa forma, se houver uma elevação de ânions
não mensuráveis, como lactato ou corpos cetônicos, o Anion gap aumentará. Estará, então,
caracterizada uma acidose gerada pelo aumento desses ânions, isto é, acidose com Anion
gap aumentado.7-9 (Tabela 3.2).
• Acidose láctica
A hipoperfusão tecidual, como vista nos estados de choque e hipovolemia, é causa mais
frequente desse distúrbio. A produção aumentada de lactato está ligada ao desvio do meta-
bolismo aeróbico para anaerobiose, cujo substrato principal, a glicose, é oxidado em piruvato,
o qual entra no ciclo de Krebs. Todavia, também eleva a produção de ácido láctico. Além dis-
so, a glicólise, por anaerobiose, produz apenas 2 moléculas de ATP, enquanto na presença
de oxigênio o mesmo substrato, glicose, é capaz de originar 36.3
Quando a concentração de lactato plasmático ultrapassa 5 ou 6 mmol.l-1, estabelece-se a
acidose láctica (o nível de lactato normal é de 2 mmol.l-1). Portanto, em situações de choque
ou hipovolemia, a restauração da perfusão pela oferta suficiente de líquidos deve trazer de
volta a aerobiose e reverter a acidose.10
48
Educação Continuada em Anestesiologia
Figura 3.3 Mecanismo de acidificação renal. Absorção e reabsorção tubular renal do íon hidrogênio (H+) e do
potássio (K+) na presença da enzima anidrase carbônica (AC)
Sendo:
No entanto, a reposição de bicarbonato pode ser estimada pela simples expressão do peso
em mmol. A solução de bicarbonato a 8,4% possui 1 mmol por mililitro, o que simplifica o cálculo.
Distúrbios respiratórios
Esse termo define somente aumento ou redução da pCO2 arterial, independentemente da medida
do pH, que, como já descrito, identifica apenas a presença ou não de acidemia ou alcalemia. Nas Ta-
belas 3.3 e 3.4 encontra-se a nomenclatura tradicional para a identificação dos distúrbios respiratórios.4
49
Educação Continuada em Anestesiologia
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Educação Continuada em Anestesiologia
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Educação Continuada em Anestesiologia
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Educação Continuada em Anestesiologia
Sistema cardiovascular
Pulmão
Alterações do equilíbrio ácido-base materno podem agir sobre o feto por interferirem na
circulação placentária ou por acidificarem o sangue da circulação fetal.
As mudanças respiratórias (acidose ou alcalose) maternas acompanham-se de alterações
similares no sangue fetal, devido à permeabilidade da placenta ao CO2. Em relação às altera-
ções metabólicas, a passagem pela placenta do íon H+ não se faz tão rapidamente.3
Estudos realizados em animais, principalmente quando anestesiados, mostraram que o
fluxo placentário pode estar diminuído na hiperventilação, alterando a saturação fetal de oxi-
gênio. A acidose materna, porém, pode aumentar a saturação fetal de O2.
53
Educação Continuada em Anestesiologia
piratória.6 Outros agentes, como propofol, podem até causar acidose metabólica, segundo
Burrow, 2004, independentemente da depressão respiratória.12
O paciente anestesiado beneficia-se com a alcalose respiratória moderada, quando se
obtém efeito analgésico máximo, diminuindo, com isso, a necessidade do agente inalatório e
também do bloqueador neuromuscular.3
As alterações vagais, após a reversão do bloqueio neuromuscular, são menos frequentes
e menos graves, e o paciente volta à normalidade respiratória mais precocemente. Há certa
proteção contra disritmias cardíacas.
No paciente idoso com aterosclerose cerebral e submetido à cirurgia de longa duração,
existe o risco de a vasoconstrição cerebral, provocada pela alcalose respiratória, induzir al-
terações de personalidade, as quais geralmente ocorrem no pós-operatório imediato, sendo
reversíveis em dias ou semanas.
Como os sinais e sintomas gerais mais comuns da alcalose metabólica são náuseas, vô-
mitos, confusão mental, obnubilação, desorientação, convulsão e coma, eles costumam não
ser evidenciados no paciente anestesiado. Quando a alcalose é associada à hipopotassemia,
o paciente pode, ainda, apresentar fraqueza muscular, astenia, depressão dos reflexos ten-
dinosos, íleo paralítico, distensão abdominal, taquicardia, disritmias cardíacas e sensibilidade
maior aos digitálicos.
A acidose respiratória inicialmente estimula o SNS, e há aumento da pressão arterial,
taquicardia e disritmias, principalmente com manipulação de estruturas próximas a centros
reflexogênicos. Sudorese fria e maior sangramento podem estar presentes. Se houver es-
timulação direta do coração, poderá ocorrer fibrilação ventricular.
Durante a anestesia, mesmo com o paciente totalmente imobilizado pela ação dos blo-
queadores neuromusculares e sob ventilação mecânica, poderão ser observadas repetidas
movimentações diafragmáticas, exigindo doses maiores de bloqueador neuromuscular. Al-
gumas vezes, segue-se a mesma exigência em relação aos agentes inalatórios, isto é, a
necessidade de dosagens mais elevadas.3
A acidose metabólica pode levar à depressão cardiovascular, com disritmias cardíacas e
alteração da pressão arterial, depressão do sistema nervoso central, causando obnubilação,
sonolência e inconsciência. Quando o pH arterial aproxima-se de 7.0, poderão surgir depres-
são dos centros respiratórios e sangramentos.
Considerações específicas
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Educação Continuada em Anestesiologia
• Cirurgia vascular
A utilização de clampeamento de grandes vasos, como ocorre nas cirurgias vasculares de
grande porte, induz o aparecimento de anaerobiose no território não irrigado e acidose metabólica,
posterior ao desclampeamento, devido à liberação de radicais ácidos para a corrente sanguínea.
Referências bibliográficas
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Philadelphia, Churchill Livingstone, 2009; 1557-72. Causative Factors. Anesthesiology. 2004; 101:239-41.
55
Capítulo 4
Fisiologia e farmacologia
do sistema respiratório
Leopoldo Muniz da Silva
Educação Continuada em Anestesiologia
58
Educação Continuada em Anestesiologia
Na superfície alveolar, existe tensão, resultado da força de atração das moléculas constituin-
tes da película fluida dos alvéolos. O surfactante pulmonar, produzido pelos pneumócitos tipo II
a partir de 28 a 33 semanas de gestação, é capaz de reduzir a tensão superficial dos alvéolos
e melhorar o trabalho respiratório. Na ausência de surfactante, a expansão pulmonar é dificul-
tada, sendo necessária pressão intrapleural de -30 mmHg para evitar colapso alveolar. Outras
condições também podem ocasionar redução do surfactante, como exposição prolongada a
elevadas frações inspiradas de oxigênio, circulação extracorpórea e tabagismo.
A cada ciclo respiratório, certo volume de ar entra e sai das vias aéreas durante uma inspiração
e uma expiração, respectivamente. Em situação de repouso, em um adulto saudável, aproxima-
damente 500 ml de ar entra e sai a cada ciclo, o que corresponde ao volume corrente. Além do
volume corrente, pode-se inspirar um volume maior de ar, por meio de uma inspiração profunda.
É o volume de reserva inspiratório, que corresponde a aproximadamente 3.000 ml de ar em um
adulto saudável. Além do volume normalmente expirado em repouso, pode-se expirar, ainda,
maior volume de ar, denominado volume de reserva expiratório, que corresponde a aproximada-
mente 1.100 ml. Após essa expiração profunda, o volume de ar que permanece no interior das
vias aéreas e alvéolos denomina-se volume residual, que é de aproximadamente 1.200 ml.
O volume de reserva inspiratório somado ao volume corrente equivale à capacidade ins-
piratória (aproximadamente 3.500 ml). O volume de reserva expiratório somado ao volume
residual equivale à capacidade residual funcional (aproximadamente 2.300 ml). O volume de
reserva inspiratório adicionado ao volume corrente e ao volume de reserva expiratório é igual
à capacidade vital (aproximadamente 4.600 ml ou 70 ml/kg). A soma dos volumes corrente,
de reserva inspiratório, de reserva expiratório e residual corresponde à capacidade pulmonar
total (aproximadamente 5.800 ml). Ao se subtrair do volume corrente aquele volume que per-
manece no interior do espaço morto anatomofisiológico (aproximadamente 30% ou 150 ml),
obtém-se o volume alveolar (350 ml). O volume-minuto representa o volume de ar que entra e
sai dos pulmões em um minuto. A frequência respiratória normal é de 12 a 16 irpm. Logo, o
volume-minuto normal está em torno de 7 l/min. Esse volume todo chega à árvore respiratória,
mas somente 70% dele chega de fato aos alvéolos. Os 30% restantes preenchem a traqueia
e a árvore brônquica, representando o espaço morto anatômico.
Controle da respiração
59
Educação Continuada em Anestesiologia
nhais que inervam os músculos. Impulsos iniciados pela estimulação psíquica ou sensorial do
córtex cerebral podem afetar a respiração. Em condições normais, o centro respiratório produz,
a cada 5 segundos, um impulso nervoso que estimula a contração da musculatura torácica e
do diafragma, fazendo-nos inspirar. A capacidade de aumentar e diminuir a frequência respira-
tória permite que os tecidos recebam a quantidade de oxigênio que necessitam e que o gás
carbônico seja removido adequadamente. Dessa forma, tanto a frequência quanto a amplitude
da respiração tornam-se aumentadas em razão da excitação do centro respiratório.
O centro respiratório é dividido em várias áreas ou zonas, sendo que cada uma tem fun-
ções específicas:
• Zona Inspiratória: é a zona responsável pela inspiração e apresenta células autoexcitá-
veis; dessa zona parte um conjunto de fibras (via inspiratória) que desce pela medula e se dirige
a vários neurônios motores responsáveis pelo controle dos diversos músculos da inspiração.
O impulso aferente proveniente dos receptores periféricos é transmitido via nervo vago e
glossofaríngeo e o impulso eferente é transmitido via nervo vago.
• Zona Expiratória: essa porção permanece inativa durante a respiração usual, mas du-
rante o esforço respiratório, como em atividades físicas, a zona expiratória torna-se ativa e
estimula a musculatura abdominal a participar da expiração.
• Zona Pneumotáxica: constantemente em atividade, tem como função principal inibir (ou
limitar) a inspiração; quando em atividade aumentada, a inspiração torna-se mais curta e a
frequência respiratória, consequentemente, aumenta.
• Centro Apnêustico: tem como função aumentar a duração da inspiração, apresentando
pequena influência sobre a zona inspiratória quando a zona pneumotáxica está funcionante.
• Zona Quimiossensível: está situada entre as zonas inspiratória e expiratória; quanto maior
sua atividade, maior será a ventilação pulmonar; essa zona aumenta sua atividade especial-
mente quando certas alterações metabólicas ocorrem, como aumento da PaCO2, aumento
de íons hidrogênio livres (redução de pH) e, em menor grau, redução de oxigênio; o aumen-
to dos íons hidrogênio constitui o maior estímulo da área quimiossensível, porém esse íon
atravessa a barreira hematoencefálica com dificuldade, o que faz com que alterações do pH
sanguíneo sejam menos eficazes como estímulo respiratório; o gás carbônico (CO2), que
atravessa com mais facilidade a barreira hematoencefálica, reage com a água lá presente
e, graças à enzima anidrase carbônica, rapidamente forma ácido carbônico, o qual, então,
dissocia-se, formando íon bicarbonato e íon hidrogênio livre, sendo esse último o que mais
excita a zona quimiossensível; logo, o mais potente regulador direto da ventilação pulmonar é
o pH liquórico – ocorrendo redução do pH, haverá forte estímulo respiratório hiperventilatório,
e, ao contrário, ocorrendo elevação, haverá potente estímulo hipoventilatório.
Em pacientes retentores crônicos de CO2, o controle do centro bulbar encontra-se hipos-
sensível ao CO2. Esses pacientes mantêm ventilação normal, mesmo com elevada PaCO2.
O pH liquórico acaba se tornando normal ou próximo do normal pela manutenção da norma-
lidade do pH sanguíneo às custas da retenção crônica de bicarbonato.
A estimulação da área quimiossensível pela hipóxia ocorre via receptores aórticos e carotí-
deos. Tais receptores transmitem o impulso nervoso para o centro respiratório via nervo glosso-
faríngeo (corpos carotídeos) e nervo vago (corpos aórticos). A diminuição dos níveis da pressão
parcial de oxigênio (PaO2) constitui o principal estímulo para ativação dos receptores periféricos
quimiossensíveis. A anemia ou intoxicação por monóxido de carbono não altera a quantidade
de oxigênio dissolvido no sangue e, dessa forma, não serve como estimulante dos receptores
periféricos para aumento da ventilação alveolar. Os receptores carotídeos são os principais
receptores periféricos envolvidos com a estimulação respiratória, principalmente com valores
de PaO2 menores que 60 mmHg. Contudo, no pós-operatório imediato, pacientes sob efeitos
de anestésicos inalatórios e opioides irão apresentar resposta ventilatória deficiente à hipóxia.
60
Educação Continuada em Anestesiologia
Trocas gasosas
61
Educação Continuada em Anestesiologia
mais favorável da curva de complacência do que os ápices, sendo mais ventiladas e também
mais perfundidas. A diferença entre ápices e bases é menos marcante para a ventilação do
que para a perfusão. A perfusão aumenta proporcionalmente mais do que a ventilação e as
áreas apicais tendem a apresentar maior relação ventilação/perfusão. No ápice pulmonar, os
alvéolos estão mais inflados e menos complacentes, devido à elevada pressão transpulmo-
nar, sendo menos ventilados durante a inspiração. Nas áreas dependentes, a pressão trans-
pulmonar menor ocasiona maior expansão durante a inspiração. As diferenças na relação
ventilação/perfusão dividem o pulmão em três áreas (zonas de West):
• Zona I (ápice) – área com espaço morto elevado, na qual a pressão alveolar oclui os ca-
pilares pulmonares. A pressão alveolar é maior do que a pressão arterial pulmonar e pressão
venosa pulmonar. Praticamente inexistente em indivíduos normovolêmicos e sadios.
• Zona II – nessa região, os capilares pulmonares apresentam fluxo intermitente e variável du-
rante o ciclo respiratório de acordo com o gradiente de pressão alveoloarterial. A pressão arterial
pulmonar é maior do que a pressão alveolar, que, por sua vez, é maior do que a pressão venosa.
• Zona III (bases) – o fluxo capilar pulmonar é contínuo. A pressão arterial é maior do que a
pressão alveolar e essa última é menor do que a pressão venosa. O fluxo é determinado pelo
gradiente de pressão arteriovenosa.
62
Educação Continuada em Anestesiologia
O CO2 afeta a curva, influenciando o pH intracelular (efeito Bohr) e, por meio do acúmulo de
CO2, formando compostos carbamino. Os baixos níveis de compostos carbamino têm o efeito
de deslocar a curva para a direita, enquanto níveis mais elevados causam desvio à esquerda.
• Efeitos do 2, 3 DPG – elevados níveis deslocam a curva para a direita, enquanto que
baixos níveis causam deslocamento para a esquerda.
• Temperatura – a hipertermia provoca deslocamento para a direita, enquanto que hipoter-
mia provoca deslocamento para a esquerda.
• Monóxido de carbono – a hemoglobina liga-se ao monóxido de carbono 240 vezes mais
rapidamente do que ao O2 e, portanto, a presença de monóxido de carbono pode interferir
com a hemoglobina e a aquisição de O2. Além de diminuir o potencial da hemoglobina para se
ligar ao O2, o monóxido de carbono também tem o efeito de desviar a curva para a esquerda.
Com o aumento do nível de monóxido de carbono, uma pessoa pode sofrer de hipoxemia
grave, mantendo PaO2 normal.
• Hemoglobina fetal – a curva de dissociação fetal é deslocada para a esquerda em rela-
ção à curva do adulto normal. Normalmente, as pressões arteriais de O2 fetal são baixas e,
portanto, o deslocamento para a esquerda aumenta a absorção de O2 da placenta.
63
Educação Continuada em Anestesiologia
crise aguda de broncoconstrição. A maneira mais adequada de utilizar β2-agonistas com o objetivo de
broncodilatação e com menos efeitos adversos é por via inalatória. O salbutamol ou fenoterol pode ser
utilizado na dose média de 2,5 a 5 mg, em 2 a 5 ml de solução fisiológica para nebulização. A admi-
nistração deve ser feita por meio de máscara facial acoplada a um fluxo de O2. O aparelho nebulizador
deve produzir gotas de tamanho adequado (5 a 15 µm) de forma a produzir gotículas que alcancem as
vias aéreas inferiores. Outro modo de administração seria por meio de aerossóis dosimetrados.
Maior seletividade β2 é alcançada pelo aumento da massa da cadeia lateral de carbono
alfa. Recentemente, dois novos agentes, formoterol e salmeterol, foram desenvolvidos e,
devido às suas propriedades lipofílicas, demonstram atividade por até 24 horas. Embora o
formoterol seja ligeiramente menos lipofílico do que o salmeterol, ele entra na membrana plas-
mática, sob a forma de depósito, de onde é gradualmente liberado para a fase aquosa para
reagir com o β-receptor, resultando em prolongada duração de ação.
Formoterol e fenoterol são os agentes com a maior atividade intrínseca. Esses agentes são con-
siderados como agonistas totais, enquanto que salmeterol e salbutamol seriam agonistas parciais.
O início de ação do formoterol é equivalente ao dos agentes de curta duração, como salbutamol e
terbutalina, enquanto que salmeterol é o β2-agonista com maior tempo de duração do efeito. Um
agonista total apresenta vantagens durante episódios de broncoconstrição intensa desencadeados
por um estímulo antagonista broncoconstritor. Nessa situação, pode ocorrer dessensibilização dos
receptores β2 em decorrência da ativação da proteína quinase C que irá fosforilar a proteína G e não
permitir o acoplamento do receptor. Em situações estáveis, entretanto, a ação broncodilatadora de
um agonista parcial seria igual e não inferior. A ocorrência de efeitos colaterais (taquicardia, hipocale-
mia, tremor) com o uso de agonistas parciais, como salbutamol e salmeterol, é menor, uma vez que
a possibilidade de ativar receptores β2 fora do tecido-alvo diminui com um agonista parcial.
As xantinas (teofilina e aminofilina) têm sido cada vez menos utilizadas no tratamento de
doenças que cursam com broncoconstrição, como a asma. Em doses convencionais e não
tóxicas, o efeito broncodilatador é discreto. O índice terapêutico de tais medicações é baixo.
Contudo, apresentam outros efeitos benéficos, como imunomodulação, estimulação do movi-
mento ciliar e da contratilidade diafragmática. O mecanismo de ação é por meio da inibição da
enzima fosfodiesterase, que degrada o AMP-cíclico (AMPc), elevando os níveis dessa subs-
tância. O AMPc promove relaxamento da musculatura lisa brônquica. As xantinas possuem
também a propriedade de antagonizar a adenosina, que apresenta ação broncoconstritora.
Contudo, esse efeito é discreto em doses convencionais. Atualmente, as xantinas não têm
mais sido utilizadas na terapia aguda de crises de broncoespasmo em asmáticos. Sua função
encontra-se somente na terapia de manutenção em virtude de sua ação imunomoduladora.
A bamifilina é uma nova xantina com menos efeitos colaterais, sendo menos tóxica e com
meia-vida mais longa, promissora como substituta da aminofilina em terapia de manutenção.
Leitura recomendada
Benumof JL. Respiratory Physiology and Respiratory Miller RD. Anesthesia. 5th Ed, Philadelphia, Churchill Li-
Function during Anesthesia. In: Miller RD. Anesthesia. 5th vingstone, 2000.
Ed, Philadelphia, Churchill Livingstone, 2000; 578-618. Murray IF, Nade JA. Textbook of Respiratory Medicine. 3rd
Duke J. Anesthesia Secrets. 3rd Ed, Denver, Elsevier, 2006. Ed, Philadelphia, Saunders, 2000.
Guyton AC, Hall JE. Guyton Physiology Review. 1st Ed, Stoelting RK. Pharmacology & Physiology in Anesthetic
Philadelphia, Saunders, 2005. Practice. 4th Ed, Philadelphia, Lippincott-Raven, 2005.
Guyton AC, Hall JE. Textbook of Medical Physiology. 11th Stoelting RK, Miller RD. Basics of Anesthesia. 5th Ed, In-
Ed, Philadelphia, Saunders, 2006. dianapolis, Elsevier, 2007.
64
Capítulo 5
Efeitos dos anestésicos
inalatórios na resposta
inflamatória pulmonar após
ventilação monopulmonar
Marcelo Teixeira dos Santos
Educação Continuada em Anestesiologia
66
Educação Continuada em Anestesiologia
67
Educação Continuada em Anestesiologia
68
Educação Continuada em Anestesiologia
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69
Capítulo 6
Alterações cardiorrespiratórias
da apneia do sono e suas
implicações anestésicas
Celso Schmalfuss Nogueira
Fabio Vinicius Benevenuto Feltrim
Mary Neide Romero
Educação Continuada em Anestesiologia
Introdução
A Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é a forma mais incidente dos distúrbios
respiratórios do sono. Nos Estados Unidos, estima-se que 2% das mulheres e 4% dos ho-
mens de meia-idade são portadores de SAOS.1 Contudo, a maioria dos pacientes não tem
diagnóstico e permanece sem tratamento.
Esses achados indicam que significante porção de indivíduos será programada para ci-
rurgias sem diagnóstico prévio e, como consequência, muitos pacientes serão anestesiados
sem os devidos cuidados, sem a avaliação da gravidade e a terapia necessária.
A SAOS pode ter forte impacto na qualidade de vida do paciente. Episódios recorrentes
de apneia, por vezes, resultam em hipoxia e hipercarbia, o que causa aumento do tônus sim-
pático, com impacto no sistema cardiovascular, alterações cognitivas – devido ao despertar
noturno periódico –, inadequado aprofundamento do sono e alterações na fase de rápido
movimento dos olhos (REM).
Os cuidados perioperatórios envolvem alterações no manuseio da via respiratória e com-
prometimento cardiovascular, principalmente nos casos mais graves e de longa duração.2
Definição e fisiopatologia
A SAOS é definida como uma pausa da respiração maior que 10 segundos durante o sono.
As desordens mais sérias dessa síndrome são definidas como 5 ou mais episódios de apneia/
ou hipopneia por hora, associadas a complicações respiratórias decorrentes da SAOS.3
A oclusão faríngea própria da SAOS resulta de um desequilíbrio de forças entre as pres-
sões positivas de estruturas perifaríngeas e intrafaríngeas, a pressão negativa inspiratória do
interior das vias aéreas e a complacência das paredes musculares da faringe. A compla-
cência faríngea é expressa pela mudança de dimensões da secção transversa desse órgão
por unidade de pressão e, caracteristicamente, encontra-se aumentada nos portadores de
SAOS, contribuindo para a colapsabilidade das paredes musculares no estado de sono.
A relação adequada entre as estruturas moles perifaríngeas e as ósseas de contenção da
faringe, bem como o bom funcionamento neuromuscular dos músculos faríngeos, determina a
estabilidade necessária para a manutenção da permeabilidade desse tubo muscular durante o
sono. O balanço perfeito entre a carga mecânica faríngea e o controle dinâmico neuromuscular
que existe nos pacientes normais costuma estar alterado na SAOS por diversos fatores. São eles:
• a forma da orofaringe;
• as condições e o volume das partes moles circunjacentes;
• a configuração craniofacial;
• o baixo posicionamento do osso hioide;
• a atividade neuromuscular;
• a instabilidade de controle respiratório;
• o efeito fisiológico do sono sobre as vias respiratórias superiores;
• o aumento da adesividade das paredes opostas da faringe, além de outros mecanismos
ainda não bem compreendidos.4
Prevalência
A SAOS é o mais prevalente distúrbio respiratório durante o sono, com uma incidência da
população geral estimada em 1 para cada 4 homens e 1 para cada 10 mulheres nos casos
moderados. Ela é mais prevalente no sexo masculino e em obesos.5
A despeito desses conceitos, a SAOS isoladamente não parece ser um fator de risco in-
72
Educação Continuada em Anestesiologia
dependente nos pacientes ambulatoriais, e sua importância como fator de risco em grandes
cirurgias também é incerta.
A associação da síndrome com múltiplas comorbidades causa aumento perioperatório de
arritmias, complicações respiratórias e suspeita-se que acarreta o aumento da incidência de
infarto agudo do miocárdio (IAM).6
A SAOS é associada com várias comorbidades: doença cardiovascular, incluindo IAM,
insuficiência cardíaca, disritmias, hipertensão arterial, doença cerebrovascular, síndrome me-
tabólica, obesidade e refluxo gastresofágico.7
73
Educação Continuada em Anestesiologia
• O questionário STOP (S: roncam alto; T: cansaço diurno; O: observação da parada respi-
ratória durante o sono; P: pressão arterial elevada).
• Ao incorporar quatro variáveis adicionais, com a sigla BANG:7 B: Índice de Massa Corporal
(MC, calculado como peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros) > 35
kg/m2; A: mais de 50 anos; N: circunferência do pescoço maior que 40 cm; G: sexo mas-
culino), o questionário STOP-BANG (ver Tabela 6.2)8 melhorou a sensibilidade. Sendo mais
eficiente que os questionários, Berlim e ASA checklist usados inicialmente.9,10
Questionário STOP
1. Ronco: você ronca alto (o suficiente para ser ouvido através de portas fechadas)?
Sim / Não
2. Cansaço: você frequentemente se sente cansado ou sonolento durante o dia?
Sim / Não
3. Observação: alguém já notou que você para de respirar durante o sono?
Sim / Não
4. Pressão arterial: você tem ou está sendo tratado de hipertensão arterial?
Sim / Não
Alto risco de SAOS: responder “sim” a 2 ou mais perguntas.
Baixo risco de SAOS: responder “sim” a menos de 2 perguntas.
STOP-BANG: pontuação-modelo
1. Ronco: você ronca alto (o suficiente para ser ouvido através de portas fechadas)?
Sim / Não
2. Cansaço: você frequentemente se sente cansado ou sonolento durante o dia?
Sim / Não
3. Observação: alguém já notou que você para de respirar durante o sono?
Sim / Não
4. Pressão arterial: você tem ou está sendo tratado de hipertensão arterial?
Sim / Não
5. IMC: superior a 35 kg/m2?
Sim / Não
6. Idade: superior a 50 anos?
Sim / Não
7. Circunferência do pescoço: maior que 40 cm?
Sim / Não
8. Sexo: masculino?
Sim / Não
Alto risco de SAOS: responder “sim” a 3 ou mais itens.
Baixo risco de SAOS: responder “sim” a menos de 3 itens.6
74
Educação Continuada em Anestesiologia
Questionário de STOP-BANG
ASA Checklist STOP Questionário
Berlim Questionário
Netzer et al., 2003 Gross et al., 2006 Chung et al., 2008 Chung et al., 2008
Médico-administrado Médico-administrado Autoadministrado Médico-administrado
Validado no contexto
Validado no período Validado no período Validado no período
dos cuidados primários e
perioperatório perioperatório perioperatório
perioperatórios
10 itens 14 itens 4 itens 8 itens
Três categorias:
Três categorias: ronco,
características pré-
sonolência diurna e Não há categorias Não há categorias
disponentes, sintomas da
condução
SAOS e reclamações
de alto risco, se houver de alto risco, se houver de alto risco, se houver 2 de alto risco, se houver 3
2 ou mais categorias de 2 ou mais categorias de ou mais itens de pontua- ou mais itens de pontua-
pontuação positiva pontuação positiva ção positiva ção positiva
Para IAH > 30 Para IAH > 30 Para IAH > 30 Para IAH > 30
Sensibilidade 87% Sensibilidade 87% Sensibilidade 80% Sensibilidade 100%
Especificidade 46% Especificidade 36% Especificidade 49% Especificidade 37%
PPV 32% PPV 28% PPV 30% PPV 31%
VAL 93% VAL 91% VPN de 90% VAL 100%
Para IAH > 15 Para IAH > 15 Para IAH > 15 Para IAH > 15
Sensibilidade 79% Sensibilidade 79% Sensibilidade 74% Sensibilidade 93%
Especificidade 51% Especificidade 37% Especificidade 53% Especificidade 43%
PPV 51% PPV 45% PPV 51% PPV 52%
VAL 78% VAL 73% VAL 76% VPN de 90%
Melhorar a sensibilidade
Complicado processo de Médico necessário para
Conciso, fácil de usar em comparação com o
pontuação concluir checklist
questionário STOP
IAH = Índice de apneia e hipoapneia; VPL = valor preditivo negativo; PPV = valor preditivo positivo.
75
Educação Continuada em Anestesiologia
da persistência dos sinais de hiperatividade simpática ainda não foi elucidado. Os níveis de
metabólitos das catecolaminas na urina permanecem altos, mesmo durante o dia, e existe
correlação entre essas concentrações e os baixos níveis de saturação da oxi-hemoglobina
durante os eventos. Os seios carotídeos parecem ser os responsáveis por manter o tônus
simpático elevado como resposta à hipoxia noturna.
A hipoxia e consequente ativação do simpático também desempenham papel importante
na manutenção dos elevados níveis de variabilidade da pressão arterial. O uso do CPAP
(continuos positive airway pressure) foi eficiente em reduzir os níveis pressóricos de pacientes
com SOAS e hipertensão arterial sistêmica.13
Hipercarbia e hipoxia e sua consequente descarga adrenérgica também podem estar na
origem da maior prevalência de arritmias cardíacas encontradas nesse grupo de pacientes,
entretanto, o tipo de arritmia e a sua real prevalência ainda são controversos na literatura médica.
Os sucessivos e recorrentes episódios de diminuição e normalização da oximetria e o
ambiente hipóxico resultante dessa variação favorecem a formação de espécies oxigênio-
-reativas e quantidades aumentadas de substância pró-inflamatórias, com consequente dis-
função endotelial e déficit no relaxamento vascular.14
Somado a isso temos o aumento de consumo de O2 pelo miocárdio, devido a taquicardia
provocada pela ativação do SNS. Esse cenário, na teoria, pode favorecer o aparecimento de
doença coronariana e eventos cardíacos isquêmicos. Entretanto, os estudos que tentam cor-
relacionar a doença da artéria coronária e a SAOS apresentam limitações importantes, pois
ambos compartilham vários fatores desencadeantes como obesidade, sexo masculino e idade.
76
Educação Continuada em Anestesiologia
A anestesia, assim como o sono, pode ser um fator desencadeante da obstrução das vias
aéreas superiores, pois induz a redução na ativação dos músculos dilatadores da faringe e do
volume pulmonar, com consequentes dificuldades na função das vias respiratórias no período
perioperatório. A posição sentada diminui a colapsibilidade passiva da faringe em pacientes
com SAOS anestesiados e sob bloqueio neuromuscular total.16
A posição sniffing (farejador) estruturalmente melhora a manutenção das vias respiratórias
faríngeas passivas em pacientes com SAOS e pode ser benéfica para a ventilação com más-
cara e intubação traqueal durante a indução da anestesia. O tamanho da colapsibilidade das
vias aéreas faríngeas é determinado pela interação entre as propriedades estruturais das vias
respiratórias faríngeas e a regulação neural dos músculos dilatadores da faringe.
A obesidade parece ter duas distintas influências mecânicas na colapsibilidade das vias
aéreas faríngeas.16 Em primeiro lugar, ocorre aumento dos tecidos moles ao redor da via aé-
rea faríngea dentro da caixa maxilomandibular, que ocupa e reduz seu espaço (desequilíbrio
anatômico da faringe). Em segundo, na obesidade, especialmente na central, há aumento da
gordura visceral com diminuição do volume pulmonar.
A colapsibilidade da parede faríngea é aumentada, ainda, pela diminuição do volume pul-
monar, possivelmente por causa da diminuição da tração longitudinal da traqueia. A compen-
sação neural para funcionamento das anormalidades estruturais durante a vigília é perdida
durante o sono, que leva à obstrução da faringe. A instabilidade do feedback negativo do
sistema respiratório pode acelerar o ciclo de fechamento e abertura da faringe. Conclui-se,
então, que a melhoria do desequilíbrio anatômico da faringe e manutenção do volume do
pulmão são as chaves para o manejo seguro das vias aéreas perioperatórias de pacientes
obesos com SAOS.17
Os fatores anatômicos que obstruam as vias aéreas, como hipertrofia das tonsilas ou das
adenoides, além de obesidade e hipoplasia mandibular, aumentam a possibilidade do colap-
so das vias aéreas. Anestesia tópica de boca ou nariz, por abolir a sensação das mucosas,
também promove SAOS. Nesse caso, fumantes são mais propensos à obstrução.
Fatores que aumentam a resistência das vias aéreas nasais e elevam a pressão inspira-
tória subatmosférica levam à piora do colapso, sendo este o fator precipitante mais comum
no Reino Unido.
Sessenta e seis por cento dos pacientes com intubação difícil inesperada, os quais con-
sentiram em se submeter a um estudo do sono, foram diagnosticados com SAOS pela polis-
sonografia. Logo, a seleção para SAOS deve ser considerada para encaminhamento a uma
clínica de sono para polissonografia.
Um estudo entre anestesiologistas canadenses demonstrou variação no acompanhamen-
to pós-operatório de pacientes com SAOS. A maioria dos pesquisados atesta que não exis-
tem protocolos departamentais e acredita que estas orientações iriam ajudá-los na prestação
de cuidados aos pacientes com SAOS.
Consequências respiratórias
O colapso parcial ou total das vias aéreas leva à hipoxemia e hipercarbia, o que pode
causar sérias consequências na saúde do paciente.
A pressão positiva contínua das vias aéreas (CPAP) é um dos métodos empregados nos pa-
cientes com SAOS graves. São usadas máscaras, circuitos respiratórios e bombas com pressão
entre 5 e 15 cmH2O. Casos de extrema gravidade podem necessitar de traqueostomia, que é o
único tratamento cirúrgico com o qual ocorre abolição completa dos episódios de apneia.
Os fatores mais potentes capazes de desencadear SAOS são a adiposidade, principal-
mente a central, o fato de ser do sexo masculino e a idade avançada.
77
Educação Continuada em Anestesiologia
A obesidade aumenta a colapsabilidade faríngea tanto pelo efeito mecânico dos tecidos
moles do pescoço sobre a faringe e da redução do volume pulmonar, que acontece nesses
pacientes, quanto por deterioração do controle neuromuscular, vinculado à ação de adipo-
cinas. Com o aumento progressivo da obesidade, a SAOS pode contribuir para instalação,
nesses pacientes, de hipoventilação alveolar, desenvolvimento de hipertensão vascular pul-
monar, cor pulmonale e insuficiência respiratória aguda.
A distribuição central da gordura responde também pela maior predominância do sexo
masculino no desenvolvimento da SAOS, enquanto a adiposidade periférica e a ausência
de testosterona possivelmente protegem as mulheres contra as apneias obstrutivas.18
O envelhecimento contribui para o aumento da prevalência da SAOS por meio do papel
na diminuição progressiva da complacência das vias aéreas superiores, com consequen-
te aumento da predisposição ao colapso. Portadores de sintomas mais graves costumam
acordar com sensação de sufocamento, refluxo esofágico, boca seca, espasmo da laringe e
vontade de urinar. Além desses sintomas, traumas repetidos determinados pelo ronco podem
levar à inflamação na mucosa e na camada muscular do palato mole, com a enervação da
mucosa das vias aéreas superiores, o que resulta na diminuição sensorial e motoratividade
na via aérea superior.
Avaliação pré-operatória
Após a SAOS ser identificada, o próximo passo é decidir o que fazer antes do procedi-
mento cirúrgico. Se a cirurgia não for uma urgência, deve-se enviar o paciente a um espe-
cialista em sono para fazer uma avaliação da gravidade. Há varias vantagens decorrentes
dessa conduta.
Se o diagnóstico for confirmado, a terapia com CPAP pode ser iniciada oferecendo a van-
tagem de adequar o nível de CPAP requerida no perioperatório.
78
Educação Continuada em Anestesiologia
Técnica anestésica
Não existem evidências que o risco perioperatório em pacientes com SAOS tenha relação
com o tipo ou a técnica anestésica empregada. O porte cirúrgico, no entanto, tem importân-
cia relevante.21
Anestesia regional com nível mínimo de sedação, a qual implica rápido despertar,
pode ser a escolha em determinadas cirurgias, mas é capaz de aumentar o risco de
hipoventilação.22
A intubação orotraqueal difícil deve ser esperada, portanto, técnicas alternativas e
material disponível devem ser providenciados. Dexmedetomidina, combinada a agentes
inalatórios, propicia condições intraoperatórias satisfatórias sem efeitos hemodinâmicos
adversos.24
Monitoração
A monitoração deve ser guiada pelo tipo de cirurgia e pelas comorbidades associadas.
O ECO transesofágico é útil na monitoração da função cardíaca, mas não pode ser usado em
cirurgias envolvendo as vias aéreas.
Alcalose metabólica pode resultar em hipoventilação, o que é indesejável nesses pacien-
tes. Dessa forma, a manutenção do bicarbonato em níveis basais é recomendada.
• Planejar a anestesia.
• Controlar rigidamente a via aérea visando com intuito de minimizar hipoxia secundária à
obstrução ou apneia.
• Sedar de maneira titulada e rigorosamente monitorada.
• Dar extrema atenção à pré-oxigenação e ter disponível uma máscara laríngea durante a
ventilação espontânea.
• Recomendar a realização de bloqueios em posição lateral, uma vez que a faringe é mais lar-
ga em posição lateral do que em posição supina, o que pode limitar a obstrução respiratória.
• Realizar anestesia com inalatórios ou venosos de eliminação mais rápida.
• Usar bloqueadores neuromusculares monitorados e antagonizados.
• Evitar opioides que podem exacerbar os sintomas na analgesia pós-operatória.
• Usar AINH ou bloqueios anestésicos é mais seguro nessa situação, em que efeitos adver-
79
Educação Continuada em Anestesiologia
80
Educação Continuada em Anestesiologia
Pré-operatório 2 agoniza
(adrenérgico clonidina, dexmedetomidina)
Pré-medicação sedativa Pré-medicação intraoperatória pode reduzir os
requisitos de anestesia e tem um efeito poupador
de opioides
Consulta anestésica pré-operatória para avaliação
SAOS: estratificação de risco, dos sintomas, das vias aéreas,
avaliação e otimização polissonografia
Formulação de anestesia gestão
Sniffing-posição23
Dificuldade de intubação Rampa da escápula à cabeça
Intra operatório
(8 vezes mais prevalente) Oxigenação adequada ASA algoritmo
de via respiratória difícil
Opioides: evitar ou minimizar
uso de agentes de curta duração
Opioide: relacionado à depressão
regional e analgesia multimodal (anti-inflamatórios
respiratória
não hormonais, paracetamol, tramadol, cetamina,
gabapentina, pregabalina, dexametasona)
Intra-operatório
Efeitos de transferência de sedação Uso de propofol para manutenção de anestesia
mais prolongada, sedativos intraveno- Uso de agentes anestésicos potentes insolúveis
sos e agentes anestésicos inalatórios (desflurano)
Sedação excessiva no atendimento Uso de capnografia para
anestésico monitorado monitoramento intraoperatório
Verifique a reversão completa do
bloqueio neuromuscular
Reversão de Pós-extubação obstrução das vias
Certifique-se de que o paciente esteja totalmente
anestesia aéreas e dessaturações
consciente e cooperativo antes da extubação
Tenha uma postura de cobrança
Litotripsia, superficial ou menor cirurgias ortopédi-
cas, utilizando técnicas locais ou regionais podem
ser consideradas para cirurgia do ambulatorial
Aptidão para a cirurgia caso do
Nenhuma exigência de opioides no pós-operatório
dia
em altas doses
Pós-operatório Transferência de acordo para instalação de interna-
imediato ção deve estar disponível
Mais tempo de acompanhamento na SRPA, com
Pós-operatório de eventos
monitorização da oximetria contínua e terapia PAP,
respiratórios em conhecidos e
pode ser necessário se os eventos recorrentes SRPA
suspeitos pacientes de alto risco
respiratórias ocorrem (desnaturação, apneia,
com SAOS
bradipneia, incompatibilidade sedação da dor)
Fonte: Seet E, Chung F. Management of sleep apnea in adults – functional algorithms for the perioperative period:
Continuing Professional Development. Can J Anaesth, 2010; 57:849-64.
81
Educação Continuada em Anestesiologia
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82
Capítulo 7
Mecanismos moleculares
de neuroproteção dos
anestésicos inalatórios
Glauber Gouvêa
Educação Continuada em Anestesiologia
Introdução
Desde a década de 1960, é sabido que os agentes inalatórios podem proporcionar algum
grau de neuroproteção.1 A capacidade que os anestésicos têm de diminuir a taxa metabólica
cerebral de O2 (CMRO2) foi considerada durante muito tempo como o principal mecanismo
neuroprotetor. Entretanto, a diminuição da CMRO2 não consegue explicar outros efeitos be-
néficos supostamente relacionados às drogas inalatórias.2 De fato, pesquisas recentes têm
mostrado que outros fatores estão envolvidos, e, nas duas últimas décadas, tem havido um
interesse maior a respeito dos mecanismos moleculares relacionados à proteção cerebral.
O objetivo desta revisão é detalhar os principais mecanismos e eventos moleculares envolvidos
na neuroproteção ocasionada pelos anestésicos inalatórios. A partir de um melhor entendimento
desses eventos, o anestesiologista poderá utilizar, de forma racional, algumas propriedades benéfi-
cas da técnica inalatória em procedimentos nos quais haja risco de isquemia/hipóxia (I/H) cerebral.
Conceitos e definições
De forma abrangente, pode-se definir neuroproteção como um conjunto de condutas
iniciadas antes, durante ou após um insulto I/H cerebral, com o objetivo primário de evitar ou
reduzir a área total de lesão neuronal irreversível (necrose).2 Alguns autores3 caracterizam as
condutas de acordo com o tempo preciso em que elas são realizadas. Sob esse aspecto, e
de forma prática, a intervenção pode ocorrer em três tempos:
84
Educação Continuada em Anestesiologia
85
Educação Continuada em Anestesiologia
quando há oclusão de uma artéria cerebral média, p. ex., na qual o hemisfério cerebral
ipsilateral fica comprometido.
Após cerca de cinco minutos de isquemia global, ocorre despolarização neuronal e morte
celular.2 Portanto, se não for revertida rapidamente, leva à lesão irreversível. Em contrapartida,
quando somente uma área específica de tecido cerebral é submetida à isquemia, ou seja,
isquemia regional, basicamente pode ocorrer dois tipos de desfecho:2
Do ponto de vista anatômico-funcional, a isquemia pode gerar uma zona central (core)
de necrose2, consequente à isquemia intensa ocorrida, e outra denominada de penumbra
isquêmica, geralmente localizada em torno da zona central e representada por neurônios
submetidos à isquemia de menor grau (principalmente devido à circulação colateral). Quando
ocorre no período intraoperatório, a atuação do anestesiologista pode ser determinante para
o prognóstico do paciente, uma vez que representa uma região de neurônios ainda potencial-
mente viáveis que temporariamente sustentam suas funções celulares por intermédio do fluxo
sanguíneo advindo da circulação colateral.
Vários fatores irão determinar o desfecho clínico:2,3 tempo de isquemia, temperatura cere-
bral, acidose local, níveis glicêmicos, idade e sexo do paciente, doenças associadas, circula-
ção colateral, entre outros. Por exemplo: sabe-se que pacientes do sexo feminino estão mais
susceptíveis em algumas situações de I/H cerebral.9 Isso parece ser um fator independente
da idade. A hiperglicemia deve ser evitada a todo custo, uma vez que piora o prognóstico do
paciente neurocirúrgico quando em situações de I/H. Embora não se tenha um número ideal
de glicemia para todas as situações em que haja risco de I/H cerebral, um estudo10 derivado
do IHAST, ou seja, uma análise post-hoc, mostrou que no perioperatório de cirurgia de aneu-
risma cerebral, os pacientes que obtiveram níveis de glicose acima de 152 mg/dL tiveram pior
prognóstico. Por outro lado, a hipoglicemia pode ser tão prejudicial quanto à hiperglicemia, e
a lesão neuronal relacionada à hipoglicemia pode se instalar de forma mais rápida ainda, se
não houver intervenção apropriada.
A lesão neuronal após um insulto I/H é um processo complexo e pode se prolongar por
dias ou até mesmo semanas. Por exemplo: muitas das células neuronais de áreas cerebrais
mais vulneráveis (hipocampo e núcleo estriado) começam a apresentar lesões características
de I/H somente 12h a 3 dias após ressuscitação, ou seja, restabelecimento do fluxo san-
guíneo. Tais lesões continuam a progredir e, por vezes, só se tornam realmente definitivas
após meses de evolução. Em muitas ocasiões, essas células susceptíveis irão “morrer” pelo
processo de apoptose, em vez de necrose.
A apoptose tem sido estudada extensivamente nas duas últimas décadas. Os eventos
subcelulares que se iniciam após um insulto isquêmico-hipóxico e que deflagram a apop-
tose estão sendo cada vez mais elucidados. Embora não sejam exatamente sinônimos, os
fenômenos de apoptose e morte celular programada guardam várias similaridades entre si
em relação aos processos subcelulares envolvidos. De especial interesse, podemos citar as
proteínas caspases e a proteína Bcl-2. As caspases são enzimas proteolíticas que contêm
radicais de cisteína em sua fórmula química e clivam outras proteínas com terminais de áci-
do aspártico. O nome caspase se origina do termo em inglês que justamente descreve essa
propriedade: cysteine-aspartic-acid-proteases. As mais estudadas são a caspase-8, 9 e 3.
As duas primeiras são chamadas de caspases iniciadoras e parecem ser ativadas em algumas
situações específicas, como em I/H e após reperfusão, quando algumas citocinas específicas
(como a interleucina 1-beta [IL-1β] e o fator de necrose tumoral alfa [TNF-α]) se ligam a recep-
86
Educação Continuada em Anestesiologia
tores transmembrana denominados “death domains”. Outros fatores intrínsecos que podem
ativar a caspase-9 incluem a presença de radicais livres e o aumento do influxo de cálcio.
Independentemente do estímulo, uma vez ativadas, as caspases iniciadoras irão clivar outras
proenzimas. A caspase-3 é ativada pelas outras duas, e é denominada de caspase efetora,
uma vez que deflagra o processo de proteólise intracelular generalizada, o que, por sua vez,
culmina no processo de morte celular programada. As caspases-3 clivadas irão estimular mais
caspases-9, deflagrando um processo de feedback positivo muitas das vezes irreversível. Em
contrapartida, a Bcl-2 é considerada uma proteína antiapoptótica, fazendo parte do controle
da permeabilidade da membrana externa mitocondrial. A Bcl-2, quando expressa em grandes
quantidades, favorece a maior sobrevida celular quando em situações de estresse.
O interesse maior dos pesquisadores seria tentar reverter de alguma forma os neurônios em
apoptose, de modo que a integridade celular fosse restaurada, em vez de evoluírem até a morte
programada. Apesar dos inalatórios poderem ter alguma influência benéfica e potencial sobre esse
mecanismo, um estudo recente11 demonstrou que a exposição de células neuronais de primatas
neonatos ao isoflurano em concentrações clinicamente relevantes levou à indução de apoptose
de maneira bastante significativa (13 vezes maior) em relação ao grupo-controle, no qual primatas
neonatos foram expostos somente ao ar ambiente. Os estudos em neonatos humanos ainda são
muito restritos. Portanto, o significado clínico desses achados ainda permanece obscuro.
Os efeitos dos anestésicos inalatórios sobre a neuroapoptose dependem, portanto, do con-
texto clínico, uma vez que em cérebros em desenvolvimento a apoptose parece estar exacerbada,
e em situações de I/H atuantes em cérebros já desenvolvidos ela pode ser potencialmente inibida.
Figura 7.1: A I/H cerebral ocasiona uma série de eventos celulares que culminam com o aumento do cálcio intra-
celular e exocitotoxicidade, levando, por fim, à lise celular
87
Educação Continuada em Anestesiologia
88
Educação Continuada em Anestesiologia
89
Educação Continuada em Anestesiologia
falograma (EEG), sendo que a CMRO2 diminui cerca de 50% quando ocorre BS. Alguns au-
tores titulam as drogas anestésicas de acordo com o EEG até ocorrer BS, quando se deseja
realizar proteção cerebral em situações específicas no intraoperatório (p. ex.: antes de uma
clipagem temporária durante cirurgia de aneurisma cerebral). Estudos em animais, entretanto,
sugerem que os benefícios da diminuição da CMRO2 se tornam menos evidentes quando o
tempo de isquemia é prolongado.
• Aumento do FSC – os inalatórios, em sua maioria, possuem propriedade intrínseca de
vasodilatação cerebral, ocasionando aumento do FSC. Racionalmente, isso poderia ser van-
tajoso em situações de isquemia. Entretanto, o estudo do FSC regional, ou seja, da área
específica submetida à isquemia (i. e., isquemia regional) não tem mostrado resultados con-
sistentes. Além do mais, o aumento do FSC geralmente ocorre de modo simultâneo a um
aumento do volume sanguíneo cerebral, o que pode ocasionar aumento da PIC em situações
de elastância cerebral comprometida.
• Canais mitocondriais de K+/ATP dependentes – como já foi descrito acima, esse efeito
parece ter maior importância na situação de pré-condicionamento. A maioria dos estudos
foi realizada em animais roedores, mostrando que os inalatórios agem como agonistas dos
canais de K+/ATP dependentes na membrana interna mitocondrial. Esses canais, quando
ativados, reduzem a concentração de cálcio intramitocondrial que ocorre durante isquemia
e otimizam o perfil energético intracelular pós-isquemia. As sulfonamidas são antagonistas
desses canais e, quando administradas concomitantemente com inalatórios em condições
experimentais, podem atenuar seus efeitos benéficos.
• Modulação da exocitotoxicidade – inibição da liberação pré-sináptica do glutamato e
também de alguns aminoácidos excitatórios na pós-sinapse. Em condições experimentais, a
adição de um bloqueador específico do transporte do glutamato atenua ou até mesmo elimi-
na os efeitos de pré-condicionamento dos agentes inalatórios.
• Regulação do influxo celular de cálcio – como já descrito anteriormente, em situações de
isquemia invariavelmente ocorre uma sobrecarga de cálcio intracelular. Supõe-se que os anes-
tésicos inalatórios atuem inibindo esse mecanismo por meio da interação com receptores de
glutamato, NMDA e AMPA. Estudos in vitro realizados com isoflurano mostraram que ele reduziu
a neurotoxicidade induzida por ativação dos receptores AMPA. Em condições experimentais, os
anestésicos inalatórios possuem propriedades antagonistas dos receptores NMDA, sendo que
o isoflurano e o sevoflurano inibem a exocitotoxicidade induzida pelo NMDA. Outros estudos
sugerem que um aumento leve do cálcio intracelular poderia ter alguma ação neuroprotetora.
Dessa forma, os inalatórios modulariam a resposta exacerbada do cálcio intracelular mediada
via receptores NMDA e de glutamato em vigência de isquemia, ajudando a manter uma con-
centração ótima de cálcio a fim de se conservar a homeostase celular.
• Mecanismos antioxidantes – situações de I/H cerebral podem ocasionar produção
de espécies reativas de oxigênio (ERO), com possibilidade de exacerbar a lesão neuronal.
Os anestésicos inalatórios poderiam ser benéficos inibindo a formação de ERO, aumentando
a sua eliminação (scavenging) e também inibindo a peroxidação lipídica. Entretanto, a maior
parte das pesquisas tem estudado os anestésicos venosos, como propofol ou tiopental.
O único estudo in vitro com anestésicos inalatórios foi com o isoflurano, e não demonstrou
neuroproteção relacionada ao mecanismo antioxidante.
• Inibição da apoptose – muito pouco se sabe a respeito dos possíveis mecanismos an-
tiapoptóticos dos inalatórios, sejam eles induzidos antes da isquemia (pré-condicionamento)
ou durante a isquemia. Os estudos realizados investigando essa hipótese utilizaram como
marcador de células apoptóticas a técnica de TUNEL (terminal deoxy transferase uridine tri-
phosphate nick end-labeling), que em tecido neuronal parece não conseguir diferenciar muito
bem necrose de apoptose. Em contrapartida, algumas evidências sugerem que os inalatórios
90
Educação Continuada em Anestesiologia
Conclusões
Uma série de evidências comprova que os anestésicos inalatórios possuem proprieda-
des neuroprotetoras. Acreditava-se que essas últimas estavam somente relacionadas com a
diminuição da CMRO2. Entretanto, estudos em animais mostraram que os anestésicos inala-
tórios atuam também na modulação de diversas reações moleculares desencadeadas pela
isquemia cerebral. Apesar do avanço das pesquisas, várias perguntas ainda permanecem
sem resposta:7,19
É provável que durante esta década, algumas dessas perguntas possam ser respondidas.
Isso refinaria ainda mais o conhecimento do anestesiologista a respeito das propriedades
neuroprotetoras dos anestésicos inalatórios, com uma perspectiva maior ainda de interferir de
forma positiva no prognóstico de pacientes sob risco de injúria cerebral intraoperatória.
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92
Capítulo 8
Como avaliar criticamente a
validade interna de um ensaio
clínico controlado de alocação
aleatória em anestesiologia
Simone Soares Leite
Educação Continuada em Anestesiologia
Introdução
A avaliação crítica da evidência científica consiste em analisar e classificar os estudos em
termos da sua qualidade para inclusão, ou exclusão, da informação adquirida mediante sua
leitura como complemento na decisão final sobre o paciente. Necessita-se da utilização de
critérios de avaliação rigorosos porque, em grande parte dos estudos publicados, há pouco
rigor metodológico e, por vezes, eles são pouco relevantes.1-3
Em anestesiologia, em geral, interessa a avaliação de estudos científicos que pretendem
estimar o efeito de um tratamento ou qualquer outra intervenção (técnicas ou procedimentos)
no curso de uma doença ou de uma situação clínica específica. Principalmente neste campo
de pesquisa, em que se utilizarão os resultados dos estudos para nortear as medidas clínicas
que serão adotadas nos pacientes em particular, faz-se necessário que os resultados encon-
trados nos estudos sejam legítimos.
A legitimidade dos resultados dos estudos depende da forma como uma pesquisa clínica é
desenhada e conduzida, e diversas medidas devem ser adotadas a fim de evitar-se a presença de
fatores de confusão. Fatores de confusão são diferentes da intervenção planejada, conhecidos ou
não, que podem predizer o desfecho e que se encontram mal distribuídos entre os grupos de com-
paração. Podem ser fatores prognósticos, características basais ou intervenções concomitantes.
Neste sentido, existe uma ordem hierárquica quanto à confiabilidade dos resultados dos
estudos, ou nível de evidência conferido por cada tipo de desenho, e, consequentemente, o
seu valor em gerar um impacto sobre as decisões clínicas. Em relação aos estudos em que
se avaliam estratégias de tratamento, ou profilaxia, a ordem hierárquica decrescente do nível
de evidência conferido pelos diversos tipos de desenhos é: revisões sistemáticas de estudos
controlados aleatórios com ou sem metanálises; estudos controlados aleatórios; revisões
sistemáticas de estudos de coorte; estudos de coorte; estudos de desfecho ou ecológicos;
revisões sistemáticas de estudos de casos e controles; estudos de casos e controles; série
de casos; relatos de casos; opinião de especialistas sem explicitar uma avaliação crítica ou
com base em estudos de fisiologia ou de princípios iniciais.4
94
Educação Continuada em Anestesiologia
Portanto, neste campo de pesquisa, os ensaios clínicos de alocação aleatória (ECA) são considera-
dos o padrão de excelência entre os estudos simples (não revisão), já que estes são experimentos nos
quais se isola a contribuição singular de um fator e mantêm-se constante, sempre que possível, os outros
determinantes do desfecho. Nos ECAs a seleção apropriada dos participantes, sua distribuição aleatória
nos diversos grupos de estudo e o controle rígido das cointervenções, das perdas e das exclusões ao
longo do seguimento do estudo tornam possível o controle dos fatores de confusão (Figura 8.1).
A seguir analisaremos a interpretação crítica dos ensaios clínicos de alocação aleatória que
pretendem apreciar o efeito de um tratamento, ou intervenção, em situações clínicas específicas.
Estas questões frequentemente são esclarecidas com uma leitura rápida do título, do
resumo e da introdução do artigo.
A pergunta chave de um estudo científico deve ser clara e obedecer ao formato PICO, em
que P refere-se ao paciente ou grupo de pacientes, com uma condição particular ou proble-
ma de saúde; a letra I, à intervenção de interesse; A letra C, à comparação ou alternativas à
intervenção (placebo, outros fármacos, cirurgia); e a letra O, ao outcome ou desfecho clínico
observado. Referências à pergunta que desencadeou o experimento são encontradas na
seção “Resumo” de um artigo. Este só merece ser submetido à apreciação quando pelo me-
nos 3 dos componentes PICO da pergunta do estudo forem semelhantes aos componentes
PICO da pergunta que desencadeou a busca por esse artigo (dúvida do leitor).
A descrição do tipo de estudo realizado (desenho) deve ser encontrada de maneira explícita
no título do artigo. Caso isso não ocorra, é possível se descobrir o tipo de estudo realizado por
meio da leitura da seção de métodos do resumo. Como já citado, quanto aos estudos nos quais
se avaliam estratégias de tratamento, ou profilaxia, os resultados advindos dos ECAs são os que
conferem maior grau de evidência e, consequentemente, apenas estes merecem ser lidos.
Além da pergunta do estudo, a hipótese testada pelos autores em um experimento deve
ser descrita explicitamente na seção «Introdução» do artigo, contudo quando isso não ocorrer,
pode-se desvendá-la a partir do desfecho primário avaliado, informação contida na seção
«Introdução» ou no cálculo amostral do estudo (seção «Pacientes e métodos»). Estudos em
que os autores não apresentam, a priori, a hipótese principal testada têm sua validade pro-
fundamente afetada, pois há o risco de os investigadores buscarem primeiro as possíveis
associações e, depois, discutir os “significados estatísticos” dos seus achados.
Apesar das recomendações dos editores, em muitos artigos os autores não apresentam
a hipótese testada, explícita ou implicitamente. Desbiens1 analisou todos os estudos publi-
cados no primeiro semestre de 2002, no Lancet, no New England Journal of Medicine, no
95
Educação Continuada em Anestesiologia
Journal of the American Medical Association e no Annals of Internal Medicine e observou que
em 64% dos estudos a hipótese analisada não havia sido descrita. Em apenas 54% dos es-
tudos ela e/ou o cálculo amostral foram relatados.
Além da hipótese testada e do cálculo amostral, os artigos também devem conter referên-
cia quanto aos detalhes do registro do estudo e da fonte onde o protocolo original pode ser
acessado. Esta informação geralmente é encontrada no início ou final da seção “Pacientes e
métodos”. É importante que se leiam o artigo original e, também, o seu protocolo para que
seja possível julgar se o estudo foi conduzido como originalmente planejado.
Ao analisar a qualidade dos ECAs indexados no PubMed de dezembro de 2000 a de-
zembro de 2006, Hopewell et al.2 constataram que em apenas 53% dos artigos o desfecho
primário foi descrito, e o cálculo amostral apareceu em apenas 45% dos artigos. Quanto ao
protocolo do estudo, só houve referência a ele em 1% dos artigos. Todavia foi observada uma
tendência, de 2000 para 2006, à melhora da descrição dos itens metodológicos.
Estudos nos quais os autores não relataram a hipótese principal testada (ou o desfecho
principal aferido), o cálculo amostral e em que não há referência ao acesso ao protocolo
original não são confiáveis, por conseguinte sua leitura deve ser abandonada logo de início.
Outro fator importante é a avaliação da originalidade do estudo, pois não há lógica em
esclarecer dúvidas quando estas não mais existem. Assim, só é válida a leitura de um artigo
marginalmente diferente de outro previamente publicado, e cujo resultado já é conhecido,
quando a população, a intervenção ou o desfecho aferido forem diferentes. Além disso, es-
sas diferenças devem relacionar-se com os nossos pacientes e serem capazes de produzir
um resultado distinto daqueles de estudos anteriores.5
96
Educação Continuada em Anestesiologia
Nos ECAs diversas estratégias metodológicas são empregadas a fim de reduzir os riscos
desses vieses, o que visa garantir a alta validade interna do estudo (Figura 8.2).
97
Educação Continuada em Anestesiologia
(critérios de inclusão e/ou exclusão) adotados. Esses critérios são planejados para aumentar
a homogeneidade entre os participantes do estudo e, então, fortalecer a validade interna dele.
Contudo, critérios muito rigorosos diminuem a validade externa do estudo e, consequente-
mente, a generalização dos resultados não pode ser feita. Por exemplo, ao comparar-se a
eficácia e a segurança do uso de efedrina com a fenilefrina na profilaxia de hipotensão após
raquianestesia em cesariana, um grupo de participantes homogêneas deve ser selecionado a
fim de diminuírem-se os fatores de confusão. Logo, a opção mais atraente é que se estudem
apenas pacientes sem comorbidades submetidas a cesarianas eletivas. Todavia, assim, só é
possível inferir-se conclusões acerca do agente profilático mais seguro do ponto de vista fetal
nas situações de baixo risco. Ou seja, os resultados desses tipos de estudos não podem ser
extrapolados para a população de maior interesse, que são os fetos “em sofrimento”.
Ainda sob este aspecto, existem estudos nos quais inicialmente avaliam-se a segu-
rança e a eficácia de um fármaco em uma população de alto risco (grupo de pacientes
homogêneos), mas, da mesma forma, estes resultados não podem ser extrapolados para
populações de risco intermediário ou baixo. Exemplifica bem este caso a questão do uso
dos agentes bloqueadores dos receptores beta-adrenérgicos na profilaxia de complica-
ções cardíacas em cirurgias não cardíacas. Nos estudos iniciais, em pacientes de alto risco
submetidos a cirurgias de alto risco, demonstrou-se que os benefícios do uso dos bloque-
adores dos receptores beta-adrenérgicos superavam os riscos. Entretanto, na população
de risco intermediário, os benefícios do uso desses agentes não foram tão superiores ao
risco por estes impostos.
Em geral, a norma mais aceita é a realização de estudos, inicialmente, em uma população
mais específica, e, caso os resultados obtidos sejam favoráveis ao uso da intervenção pro-
posta, a fim de generalizá-los, realizam-se estudos pragmáticos, com pacientes e profissio-
nais da saúde menos selecionados e protocolos de seguimento menos rígidos.
A atenção á localização em que um determinado estudo foi realizado é igualmente im-
portante, pois os achados não podem ser extrapolados. Como exemplos destacam-se os
estudos que avaliam o “melhor gatilho transfusional” ou a melhor estratégia de controle glicê-
mico em pacientes internados em unidades de tratamento intensivo. Os resultados destes
restringem-se à população analisada, que difere em diversos aspectos dos pacientes no
contexto perioperatório. Por conseguinte, para os anestesiologistas, esses estudos servem
apenas para gerar hipóteses que devem ser testadas mediante experimentos, no contexto
adequado. Em resumo, as informações obtidas de estudos realizados em uma localização
diferente, ou com uma população distinta, da do paciente sobre o qual está em julgamento
a utilização, ou não, de uma dada intervenção não devem ser consideradas na decisão final
sobre o paciente em questão.
Alocação
O próximo passo é a análise crítica dos critérios utilizados na alocação dos participantes
nos grupos de análise. A alocação deve ser feita por meio de um método aleatório imprevi-
sível. Em uma distribuição aleatória, cada participante tem uma probabilidade conhecida de
receber uma das intervenções em estudo antes de ser incluído no grupo respectivo, mas a
intervenção que vai receber é determinada pelo acaso e não deve ser passível de previsão
antecipada. A distribuição aleatória dos participantes garante que os fatores (conhecidos e
desconhecidos) que influenciam o desfecho estejam igualmente presente nos grupos estu-
dados. Os cuidados empregados a fim de garantir a distribuição aleatória no estudo são a
utilização de um método de geração da sequência de distribuição imprevisível e a distribuição
ocultada ou sigilosa.
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Educação Continuada em Anestesiologia
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Educação Continuada em Anestesiologia
Quando isso ocorre, as características basais mal equilibradas devem ser submetidas a ajus-
tes estatísticos específicos, o que não compromete a validade do estudo. Idealmente, os pes-
quisadores devem apresentar, na seção “Discussão”, uma análise de sensibilidade, em que
os resultados são apresentados com e sem os ajustes. Quando a direção e a magnitude do
efeito do tratamento não são afetadas pala análise de sensibilidade, as conclusões do estudo
são mais confiáveis.
Seguimento do estudo
Em um estudo, a intervenção pesquisada deve ser muito bem descrita a fim de garantir a
sua reprodutividade. Quando se pretende avaliar uma dada medicação, as doses empregadas
devem ser claras, e, no caso de titulação de doses, o método utilizado para tal precisa ser
descrito. Caso a intervenção investigada já seja conhecida e usada na prática clínica, é preciso
que se pesquise a utilização dela pelo grupo controle fora do protocolo do estudo.Esta situação
é definida como contaminação em ensaios clínicos aleatorizados e reduz a proporção de grupo
controle, uma vez que um percentual deste recebeu a intervenção. A contaminação faz que os
resultados observados tendam a subestimar o verdadeiro efeito do tratamento.
Na análise do seguimento do estudo, faz-se necessário garantir que, com exceção da
intervenção testada, todos os participantes foram tratados da mesma forma. Isto porque
algumas situações ao longo da condução da pesquisa podem mascarar o efeito real do
tratamento investigado. Muitas vezes a utilização de medidas ou medicações concomitantes
pode interferir no resultado, e tal conceito é definido como cointervenção.
Mesmo após a aleatorização, algumas fontes potenciais de perda de segmento devem ser
consideradas: alguns pacientes podem não ter a doença como se imaginava no começo do estu-
do (erro no recrutamento); outros abandonam a pesquisa; uns não aderem ao tratamento; e ainda
outros apresentam reações adversas ou perde-se o contato com eles. Nestes casos, a compara-
ção entre os grupos de estudo torna-se enviesada, mesmo que o delineamento esteja adequado.
Em relação aos participantes da pesquisa que não aderiram ao protocolo do estudo, a
abordagem intuitiva é de retirá-los da análise final. Todavia esta estratégia subverte a vanta-
gem da distribuição inicial aleatória nos grupos de estudo (Figura 8.3), impede uma visão mais
realista do impacto da intervenção testada e permite a introdução de vieses no estudo, o que
pode gerar conclusões errôneas. Chama-se análise per protocol quando apenas os partici-
pantes nos quais o protocolo foi seguido em termos de elegibilidade, intervenção e acesso
ao desfecho são incluídos na análise final (Figura 8.4).
100
Educação Continuada em Anestesiologia
O ideal, portanto, é que, para fins de análise estatística final, cada participante seja incluído
no grupo para o qual foi inicialmente destinado, independentemente de qual intervenção tenha
efetivamente recebido. Esta estratégia chama-se de análise por intenção de tratar (Figura 8.5).
Todavia a análise por intenção de tratar subestima o efeito tratamento, e, quando este é
danoso, a inclusão de pacientes que nunca usaram o tratamento pode fazê-lo parecer menos
perigoso. Ademais, nas situações em que a não adesão ao protocolo é diferente entre os
grupos, esta estratégia não evita os vieses.
Como já citado, qualquer não adesão ao protocolo do estudo pode afetá-lo, entretanto isso
é mais grave quando ocorre devido à falta de eficácia da intervenção analisada, ou a um perfil
de efeitos secundários muito desfavoráveis, ou, ainda, quando a adesão ao esquema de trata-
mento é particularmente complicada. Os autores devem descrever as razões da não adesão e
o leitor deve julgar se há ou não motivos para desconsiderar os resultados do estudo.
Também é inevitável que alguns participantes não terminem o estudo, especialmente se
a sua duração for longa. Nestas situações não há como aferir os desfechos de interesse
dos pesquisadores em todos os tempos do estudo. Estes pacientes podem ser excluídos
da análise final, o que compromete o poder do estudo, a similaridade inicial dos grupos e,
consequentemente, a precisão dos resultados. Outra estratégia possível é a utilização dos
últimos dados disponíveis, como, por exemplo, em um estudo de 2 anos de seguimento no
qual um paciente estava vivo após um ano, pode-se incluí-lo como sobrevivente na análise
de 2 anos. Esta extrapolação temporal de dados pode superestimar o efeito do tratamento e
minimizar os seus riscos.
Qual é a dimensão da taxa de desaparecimento a partir da qual o estudo fica compro-
metido, independente da estratégia empregada? Não existe uma resposta simples para esta
pergunta: quanto menor a taxa, melhor. Todavia, quando a taxa de desaparecimento é maior
101
Educação Continuada em Anestesiologia
que 20%, a validade do estudo fica definitivamente comprometida. Quando esta taxa é me-
nor que 20%, o risco de vieses é pequeno quando o número de participantes “perdidos” for
semelhante nos diversos braços do estudo e quando as suas características basais forem
análogas. Neste contexto, deve-se estar atento à apreciação detalhada do quadro descritivo
que os autores devem apresentar no início da seção “Resultados” (Figura 8.6).
Figura 8.6: Recrutamento, distribuição aleatória e seguimento do estudo. Razões da não adesão ao
protocolo e das perdas ocorridas durante o seguimento descritas de forma explícita
102
Educação Continuada em Anestesiologia
Estudo A Estudo B
Tratamento A Controle A Tratamento B Controle B
Pacientes 1000 1000 1000 1000
Perda de seguimento 30 (3%) 30 (3%) 30 (3%) 30 (3%)
Mortes em cada grupo 230 (23%) 400 (40%) 60 (6%) 60 (6%)
RRR sem considerar o pior desfecho 0,17/0,4 = 0,43 0,0/0,06 = 0
para os desaparecidos (43%) Sem redução
103
Educação Continuada em Anestesiologia
104
Educação Continuada em Anestesiologia
Continuação…
Referências bibliográficas
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105
Capítulo 9
Atualização em anestesia
para cirurgia torácica
Rosa Beatriz Amorim
Educação Continuada em Anestesiologia
Avaliação pré-anestésica
Avaliação do sistema respiratório
• Radiografia do tórax
No caso da obstrução de vias respiratórias por corpo estranho, a radiografia do tórax pode
apresentar-se normal, pode revelar imagem radiopaca do corpo estranho, ou até mesmo uma
hiperinsuflação pulmonar devido a efeito de válvula do objeto em questão.3 Pode ser obser-
vado colapso pulmonar distalmente ao brônquio obstruído.3,4
Pacientes de cirurgia torácica que possuem doenças cardíacas associadas são con-
siderados de alto índice de morbidade e mortalidade. Dependendo da cirurgia torácica
a ser realizada, esta deverá ser adiada por 4 a 6 semanas caso o paciente tenha se
submetido à cirurgia cardíaca, ou por 2 a 4 semanas se sofreu angioplastia coronariana
e/ou colocação de stent. Além disso, a anticoagulação pode ocasionar mais complica-
ções para a cirurgia torácica.1
Pacientes com infarto do miocárdio não devem ser submetidos à cirurgia torácica por um
intervalo de tempo menor do que 6 semanas.1,2
Pacientes com doença valvular cardíaca devem ser submetidos à correção da valvulopatia
antes da cirurgia torácica, pois é alto o risco de ocorrência de complicações cardíacas no
intraoperatório.1
Pacientes portadores de sopro cardíaco devem ser submetidos a, no mínimo, uma eco-
cardiografia transtorácica.2
Exame físico
Nas obstruções de vias respiratórias por corpo estranho, observam-se estridor, tosse,
dificuldade respiratória e pneumonias recorrentes.3,4
108
Educação Continuada em Anestesiologia
Monitoramento
Material
A ventilação monopulmonar é indicada de forma absoluta nos casos em que se deseja
evitar a contaminação do pulmão contralateral ao que está sendo operado por sangue, pus
ou material de neoplasia, como nos casos de hemorragia endobrônquica, fístula broncopleu-
ral, lobectomia e pneumectomia. As indicações relativas são a lobectomia baixa, a cirurgia
esofágica e alguns procedimentos de videotoracoscopia.6
O tubo de dupla luz é o método mais amplamente utilizado para a separação e a venti-
lação independente dos pulmões, como também a realização da ventilação monopulmonar.
Porém, é possível realizá-la com a introdução de um bloqueador brônquico no lado em que
se deseja colabar o pulmão.6
O tubo de dupla luz permite a intubação do brônquio esquerdo ou do direito, sempre
contralateral ao pulmão que será operado. Há, para isso, os seguintes tubos: de Carlens
(para a esquerda) e de White (para a direita), ambos com uma espícula que se apoia na
carina, e de Robertshaw para a esquerda ou para a direita, mas sem espícula que se apoie
na carina. Os tubos de dupla luz possuem dois balonetes para insuflação, um traqueal e
outro brônquico, que é o que realmente isola um pulmão do outro. Nos tubos cuja porção
brônquica fica à direita, o balonete brônquico possui uma abertura central para a ventilação
do lobo superior direito.6,7
Os tubos de Carlens e de White possuem numeração apropriada somente para pacientes
adultos: 35, 37, 39 e 41, correspondentes à circunferência externa do tubo em milímetros
(escala francesa). O tubo de Robertshaw possui três tamanhos para pacientes adultos: gran-
de, médio e pequeno, e um tamanho para adolescentes, extrapequeno.6,7
Os tubos de dupla luz devem ser trocados pelo tubo traqueal simples com o paciente
ainda anestesiado e relaxado, evitando-se trauma de corda vocal e ruptura de traqueia
devido a esforço por parte do paciente ou fechamento da corda vocal durante a retirada do
tubo de dupla luz.
109
Educação Continuada em Anestesiologia
Bloqueadores brônquicos
Posicionamento do paciente
A maioria das cirurgias de ressecção pulmonar é realizada com o paciente em decúbito
lateral. O braço virado para cima deverá ser fixado em um suporte em arco ou mesa auxiliar.
O braço voltado para baixo pode ser mantido estendido sobre uma braçadeira em ângulo de
90º ou flexionado em direção ao travesseiro da cabeça. A perna que fica para baixo deve ser
flexionada, e, a outra, estendida, mantendo a estabilidade do quadril.5
Sob a cabeça lateralizada, deve ser colocado um travesseiro ou coxim com altura corres-
pondente ao ombro, para que a coluna cervical fique alinhada à torácica. Uma auréola sobre
o travesseiro ou coxim permitirá que a orelha e o olho posicionados inferiormente fiquem livres
de compressões. Um coxim de tamanho adequado deve ser colocado sob o tórax na região
axilar, impedindo que o braço de baixo, os nervos e vasos sejam comprimidos, liberando a
expansão torácica durante a ventilação. Entre as pernas, na região dos joelhos, deve ser co-
locado coxim para evitar atrito e lesão pelo peso do membro que está por cima.
110
Educação Continuada em Anestesiologia
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Educação Continuada em Anestesiologia
Não podemos esquecer que a passagem do broncoscópio pela traqueia e sua manipula-
ção durante o procedimento podem causar edema significativo, o qual dificultará a respiração
após o procedimento. A administração intravenosa de dexametasona, 600 µg/kg/dia, em 4
doses durante o dia, é conduta adequada para evitar essa complicação.3
A inalação de corpo estranho é comum em crianças pequenas e adultos com distúrbios de
consciência. A retirada do corpo estranho é realizada por broncoscopia rígida, sob anestesia geral.3, 4
Deve-se tomar muito cuidado com a ventilação manual do paciente durante a indução
anestésica para que não se “empurre” mais o corpo estranho distalmente à sua posição
original, causando a obstrução de vias respiratórias menores com aprisionamento do ar, difi-
cultando a retirada do corpo estranho.3
Situação semelhante pode haver na presença de tumores em vias respiratórias, sendo neces-
sários os mesmos cuidados do corpo estranho quanto à indução e ventilação do paciente. Já em
relação à ressecção com laser, devemos utilizar a menor concentração de O2 possível e evitar o
óxido nitroso.3
Fístula broncopleural
Cirurgia indicada para pacientes que apresentam enfisema pulmonar, pode ser realizada
por técnica videotoracoscopia, promovendo menos lesão e menor incidência de dor no pós-
-operatório. Pode ser necessária a realização bilateral. O paciente deve ser intubado com tubo
de dupla luz e mantido em ventilação monopulmonar. O colapso do pulmão para ventilação
monopulmonar é lento na presença de enfisema; uma das técnicas para obtê-lo é a insuflação
de CO2 na cavidade pleural, na velocidade de 2 l/min. Mesmo assim, existe o risco de embolia
gasosa. Há quem adote o uso contínuo de óxido nitroso a 50% em oxigênio para conseguir o
colapso pulmonar. É importante limitar a pressão de insuflação e aumentar a fase expiratória da
ventilação, a fim de prevenir hiperinsuflação. O uso de PEEP está contraindicado. Essa limitação
na ventilação ocasiona hipercapnia, mas é bem tolerada por esse tipo de paciente. Por outro
lado, insuflação excessiva pode causar redução do retorno venoso e colapso cardiovascular.5
Estenose traqueal
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Educação Continuada em Anestesiologia
Controle da dor
A toracotomia é um procedimento que causa dor intensa, muitas vezes persistente, com
duração de meses ou até anos. A dor aguda pode ocasionar redução da capacidade venti-
latória e prejudicar a eliminação de secreções.9
O controle da dor pode ser conseguido com a associação de analgesia sistêmica e anes-
tesia regional.9
Revisão sistemática de 74 trabalhos randomizados demonstrou que a analgesia mais efetiva é
obtida com infusão contínua de anestésicos locais e opioides com o cateter epidural torácico, ini-
ciada no pré-operatório ou no intraoperatório, com continuidade nos 2 ou 3 dias de pós-operatório.9
Estudo realizado com cetamina em infusão contínua durante a anestesia e por 24 ho-
ras após a toracotomia resultou em melhora da dor aguda pós-operatória, mas não evitou
a dor crônica nos 4 meses de acompanhamento. A combinação de epidural torácica com
o inibidor COX-2 durante a cirurgia e nas 48 horas seguintes proporcionou melhora da
dor durante o repouso e ao tossir, mas não a do ombro, uma das maiores queixas após
toracotomia.9
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