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Terapia de reposição

de testosterona
Editores Autores
Marcelo Langer Wroclawski Leonardo Seligra Lopes
Wagner Eduardo Matheus Fernando Nestor Facio Junior
Cristiano Mendes Gomes Adriano Fregonesi
Leonardo Seligra Lopes Bruno Chiesa Nascimento
Leonardo Eiras Messina
Marcelo Cabrini
Rafael Favero Ambar
Terapia de reposição
de testosterona

Editores
Marcelo Langer Wroclawski
Wagner Eduardo Matheus
Cristiano Mendes Gomes
Leonardo Seligra Lopes

São Paulo
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
CPU : condutas práticas em urologia : terapia de
reposição de testosterona / Leonardo Seligra
Lopes... [et al.] ; editores Marcelo Langer
Wroclawski, Wagner Eduardo Matheus, Cristiano
Mendes Gomes, Leonardo Seligra Lopes. --
São Paulo : Grupo Planmark, 2023.
-- (CPU: condutas práticas em urologia)

Outros autores: Fernando Nestor Facio Junior,


Adriano Fregonesi, Bruno Chiesa Nascimento, Leonardo
Eiras Messina, Marcelo Cabrini, Rafael Favero Ambar.
ISBN 978-65-87763-29-3

1. Homem - Saúde e higiene 2. Hormônios masculinos


3. Testosterona 4. Urologia I. Lopes, Leonardo
Seligra. II. Facio Junior, Fernando Nestor.
III. Fregonesi, Adriano. IV. Nascimento, Bruno
Chiesa. V. Messina, Leonardo Eiras. VI. Cabrini,
Marcelo. VII. Ambar, Rafael Favero. VIII. Wroclawski,
Marcelo Langer. IX. Matheus, Wagner Eduardo.
X. Gomes, Cristiano Mendes. XI. Série.Leonardo Seligra.
CDD-616.6
23-154008NLM-WJ-100
CDD-616.6
23-173409NLM-WJ-100

Índices para catálogo sistemático:


1. Urologia : Medicina 616.6
Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415

Condutas Práticas em Urologia - Terapia de reposição de testosterona

© 2023 Planmark Editora Eireli


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opinião da SBU ou da Planmark Editora EIRELI. 13737 - out23
autores
Leonardo Seligra Lopes
CRM 121.946
Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC); Residência em Cirurgia Geral e Urologia pela FMABC; Especialização
em Andrologia e Reprodução Humana pela FMABC e Instituto Ideia Fértil; Fellow do European Committee of Sexual Medicine pela
Sociedade Europeia de Medicina Sexual (ESSM); Mestre e Doutorando em Ciências da Saúde pela FMABC; Membro do Departamento de
Andrologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU); Secretário Geral da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual
(ABEMSS); Coordenador do Grupo de Medicina Sexual da Disciplina de Urologia do Centro Universitário FMABC; Membro Internacional das
Sociedades American Urological Association (AUA), European Association of Urology (EAU), Confederación Americana de Urología (CAU),
Sociedade Latinoamericana de Medicina Sexual (SLAMS) e International Society for Sexual Medicine (ISSM)

Fernando Nestor Facio Junior


CRM 59.659
Doutor em Urologia pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP); Professor e Responsável Ambulatório de Saúde
Masculina da Fundação Faculdade Regional de Medicina de Rio Preto (FUNFARME) e FAMERP; Pós-Doutorado em Medicina Sexual Johns
Hopkins University – Baltimore, USA; Presidente da Sociedade Latino-Americana de Medicina Sexual (SLAMS)

Adriano Fregonesi
CRM 67.067
Livre-Docente Disciplina de Urologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Coordenador Disciplina de Urologia Unicamp;
Professor Associado Urologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, SP

Bruno Chiesa Nascimento


CRM 150.591
Urologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP); Grupo de Medicina Sexual da
Divisão de Urologia da FMUSP; Fellowship em Medicina Sexual e Andrologia pelo Memorial Sloan Kettering Cancer Center, NY, USA

Leonardo Eiras Messina


CRM 45.050
Professor de Urologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – Sorocaba; Mestre em Ciências pela Escola Paulista
de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp); Coordenador do Departamento de Saúde Sexual e Reprodutiva da
Sociedade Brasileira de Urologia (SBU-SP)

Marcelo Cabrini
CRM 119.761
Médico Urologista; Membro titular da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU-SP); Doutor em Urologia da Escola Paulista de Medicina
da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp); Post-Doctoral Fellow Medicina Sexual - Johns Hopkins; Membro Departamento
Comunicação da SBU-SP

Rafael Favero Ambar


CRM 145.668
Andrologista do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE) e da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC);
Vice-Coordenador do Departamento de Cirurgia Peniana da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual (ABEMSS)

5
sumário
Prefácio............................................................................................................................................ 8
Prefácio.
Introdução.......................................................................................................................................10
Introdução ....................................................................................................................................10
Capítulo 1
Diagnóstico do hipogonadismo masculino......................................................................
masculino......................................................................12
12
Introdução....................................................................................................................................................................................... 12
Formas/causas............................................................................................................................................................................... 12
Sintomas e desafios................................................................................................................................................................... 15
Diagnóstico formal...................................................................................................................................................................... 15
Conclusão........................................................................................................................................................................................ 16

Capítulo 2
Diagnósticos complementares para o melhor manejo do paciente
hipogonádico................................................................................................................................
hipogonádico ................................................................................................................................18
18
Introdução.......................................................................................................................................................................................18
Síndrome metabólica (SM)......................................................................................................................................................18
Diabetes melito (DM)................................................................................................................................................................. 19
Obesidade........................................................................................................................................................................................ 21
Apneia do sono (SAOS)............................................................................................................................................................. 21
Depressão....................................................................................................................................................................................... 22
Saúde óssea.................................................................................................................................................................................. 24

Capítulo 3
Vias de reposição de testosterona....................................................................................
testosterona....................................................................................26
26
Reposição via injetável............................................................................................................................................................ 26
Reposição via transdérmica....................................................................................................................................................27
Reposição via oral.......................................................................................................................................................................28
Reposição via subcutânea por implantes (pellets)...................................................................................................28
Outras formas de reposição..................................................................................................................................................28

Capítulo 4
Monitoramento da terapia de reposição de testosterona (TRT).
(TRT)...........................30
......................... 30
Saúde prostática.......................................................................................................................................................................... 31
Hematócrito....................................................................................................................................................................................32
Efeitos cardiovasculares...........................................................................................................................................................32
Efeitos adversos..........................................................................................................................................................................32

6
Capítulo 5
Opções de tratamento do paciente com desejo de fertilidade.
fertilidade..............................34
............................ 34
Tratamentos alternativos dos baixos níveis sérios de testosterona............................................................... 35
Conclusão.......................................................................................................................................................................................38

Capítulo 6
Manejo clínico e terapêutico após uso e abuso de esteroides
anabolizantes...............................................................................................................................39
anabolizantes ............................................................................................................................ 39
O paciente deseja parar de usar EAA?.............................................................................................................................40
Por que o paciente quer parar de usar EAA?................................................................................................................. 41
Conclusão....................................................................................................................................................................................... 43

Capítulo 7
TRT e doença cardiovascular: Segurança e acompanhamento..............................
acompanhamento..............................44
44
O uso da testosterona é ou não prejudicial ao coração?........................................................................................ 44
Qual foi a reação das Sociedades de Urologia e Endocrinologia em relação aos estudos que
relatavam que a testosterona era prejudicial ao coração?.................................................................................... 46
Quais são as evidências existentes na literatura sobre a relação entre os níveis séricos de
testosterona e o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares?................................................46
Quais são as evidências existentes na literatura sobre a relação entre a testosterona e outros
fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares?.......................................................47
Qual é a atual evidência científica sobre se a terapia de reposição de testosterona
aumenta ou não o risco cardiovascular em homens com deficiência de testosterona?........................48
Conclusão.......................................................................................................................................................................................49

Capítulo 8
TRT e HPB/LUTS: Segurança e acompanhamento.
acompanhamento.......................................................50
.....................................................50
Homens com níveis de testosterona mais altos têm maior incidência de HPB?.......................................50
O que pedir de exames prostáticos antes da TRT?................................................................................................... 51
A TRT tem efeitos diretos na próstata?.......................................................................................................................... 51
A TRT aumenta o PSA?............................................................................................................................................................ 52
A TRT leva ao aumento do volume prostático e piora de LUTS?....................................................................... 52
Como devemos avaliar e seguir a próstata de homens em uso de TRT?...................................................... 53
Conclusão....................................................................................................................................................................................... 53

Capítulo 9
TRT e câncer de próstata: Segurança e acompanhamento.....................................
acompanhamento.....................................54
54
TRT causa câncer de próstata?........................................................................................................................................... 54
TRT no homem com câncer de próstata......................................................................................................................... 55
É seguro fazer TRT pós-prostatectomia ou radioterapia.......................................................................................56
Conclusões..................................................................................................................................................................................... 57

7
prefácio
Em 2022 criamos o “CPU – Condutas práticas em urologia” que busca, atra-
vés de um texto direto e conciso, auxiliar no manejo do paciente no dia a dia
do urologista, ao enfrentarmos situações em que precisamos de uma resposta
rápida e objetiva.
A grande procura pelos fascículos sobre litíase urinária, diagnóstico e trata-
mento clínico da HPB mostrou que esse tipo de publicação preenche um espaço
importante da educação médica continuada, com conteúdo extremamente rico,
mas ao mesmo tempo de fácil consulta. Neste 3.°ºnúmero, abordamos um dos
temas mais polêmicos e mais “quentes” da urologia: a terapia de reposição da
testosterona!

8
Os editores se esforçaram para viabilizar esta obra, escrita brilhantemente
por 7 autores reconhecidos por sua expertise no tema. Agradecemos os Drs.
Leonardo Seligra Lopes, Fernando Nestor Facio Junior, Adriano Fregonesi, Bruno
Chiesa Nascimento, Leonardo Eiras Messina, Marcelo Cabrini e Rafael Favero
Ambar pelo esmero e dedicação em prol da nossa Sociedade, e por comparti-
lharem conhecimento de maneira tão clara e prática.
Não tenho dúvida de que, ao lidar com pacientes hipogonádicos (e seus
diagnósticos diferenciais) e encarar os questionamentos que circundam a TRT,
os urologistas poderão frequentemente consultar esta ferramenta, a fim de
propiciar a melhor conduta possível, nos mais variados cenários.
Boa leitura!

Marcelo Wroclawski

9
introdução
A testosterona é um hormônio que tem importante função
em diversos sistemas desde o desenvolvimento embrionário
até a maturidade do indivíduo do sexo masculino. Diferenciação
sexual, desenvolvimento das células germinativas testiculares
e função reprodutiva masculina, metabolismo ósseo e muscular,
condições neuropsíquicas envolvendo humor e memória, estí-
mulo e modulação na função prostática, desenvolvimento dos
caracteres secundários como pelos corporais, modulação do sis-
tema cardiovascular, além dos sabidos efeitos na sexualidade
em relação a libido e função erétil tornam esse hormônio em
importante marcador da saúde masculina, inclusive envolvido
na gênese e evolução de diversos distúrbios patológicos como
síndrome metabólica, depressão, obesidade, entre outros.
O urologista é considerado por muitos indivíduos como o
“médico do homem” e cada vez mais assumimos esse papel que
facilita a entrada do paciente no sistema de saúde e permite
um momento oportuno de identificação de fatores de risco e
potencial rastreamento de doenças muito prevalentes e que
condicionam pior ou melhor prognóstico na saúde global desses
indivíduos nos diversos cenários em que intervenções precoces

10
podem ser essenciais no tratamento a médio e longo prazo, prin-
cipalmente no contexto atual com o aumento da sobrevida dos
homens e consequente “envelhecimento” da população.
Nos últimos anos a constante evolução do conhecimento sobre
a fisiologia da testosterona e a fisiopatologia do hipogonadismo
masculino nos fez reconhecer que devemos atuar muito além do
diagnóstico e tratamento do distúrbio androgênico do envelhe-
cimento masculino (DAEM). O surgimento de novas evidências a
respeito das modalidades de tratamento e seus efeitos faz com
que cada vez mais valorizemos a complexidade da ação androgê-
nica e metabólica da testosterona no homem e compreender que
o hipogonadismo masculino vai além do DAEM e a ação do urolo-
gista é muito mais do que uma reposição de testosterona (TRT).
Nos próximos capítulos traremos uma revisão do que temos
de mais atual e relevante na literatura científica de um tema
ainda com muitas controvérsias e múltiplas práticas carentes de
padronização, porém de uma maneira que entendemos facilitar
o dia a dia do urologista de forma prática no contexto desde o
diagnóstico do homem hipogonádico até o seu adequado trata-
mento e acompanhamento.

11
Capítulo 1

Diagnóstico do
hipogonadismo masculino
Introdução
A prevalência de níveis baixos de testosterona na população masculina é
significativa e aumenta com a idade. Não está claro, no entanto, se isso se dá
apenas pelo envelhecimento, pelo acúmulo de doenças/comorbidades (como
ganho de peso, uso de medicações e estilo de vida não saudável problemáti-
cos, dentre outros), ou pela combinação de ambos.
O hipogonadismo masculino é uma síndrome clínico-laboratorial causada
pela deficiência de androgênios, com impacto na saúde e na qualidade de vida
de milhões de homens. Seu diagnóstico tem desafios tanto laboratoriais, em
que se carece de um valor de corte aceito de maneira unânime pelas diferen-
tes associações, quanto clínicos, com sintomas subjetivos e diversos no seu
espectro de manifestações.
A falta de diagnóstico de hipogonadismo é problemática, pois impede o
paciente de ter acesso ao tratamento ideal, comprovadamente benéfico. De
maneira similar, a reposição hormonal equivocada pode levar à piora da função
gonadal e à real necessidade de reposição hormonal contínua a partir de então.
Este capítulo visa explorar de maneira prática os critérios diagnósticos do
hipogonadismo.

Formas/causas
O hipogonadismo masculino pode se dar por um distúrbio primariamente
testicular (hipogonadismo primário, hipogonadismo hipergonadotrófico) ou

12
secundariamente a um baixo estímulo central. Em sua forma secundária, dis-
túrbios do eixo hipotalâmico-hipofisário-testicular interferem na estimulação
apropriada dos testículos pelos hormônios luteinizante (LH) e folículo esti-
mulante (FSH). A tabela 1 resume as principais causas de ambas as formas,
incluindo causas congênitas, adquiridas e funcionais.
A dosagem de testosterona não é algo recomendado para todos os homens,
mas é indicada em uma parcela considerável deles. Homens com sintomas de
hipogonadismo (como disfunção erétil e alteração da libido, dentre outros) e
com fatores de risco (Tabela 1) devem ter seu nível de testosterona avaliado.
No entanto, não existe um valor de corte consensual no mundo, com diferen-
tes associações considerando diferentes níveis como valor de normalidade. A
tabela 2 resume os valores citados por algumas sociedades médicas.
Parte desta divergência ocorre por interferência de diversos fatores, por
exemplo:
1. Grande variação das medidas com a técnica de imunoensaio: é a téc-
nica mais comum no Brasil e sua variabilidade é elevada, ao redor de
20%. A técnica com maior precisão é a cromatografia líquida-espectro-
metria de massa, mas é menos disponível comercialmente no Brasil.
2. Grande variabilidade intra-indivíduo: em estudo com aproximadamente
120 homens, apenas 40% dos que tinham a primeira medida deficitária
tiveram todas as medidas alteradas. Outro fator que interfere no nível
aferido é o momento do dia em que a coleta foi feita, por conta da inter-
ferência do ciclo circadiano. De maneira geral, medidas matinais são mais
elevadas. Essa variação é mais pronunciada em homens jovens do que
nos mais idosos.
3. Polimorfismo dos receptores de androgênios (repetições CAG): o poli-
morfismo de receptores de testosterona interfere na sensibilidade des-
ses ao hormônio. De acordo com o número de repetições CAG no éxon-1
do receptor androgênico, altera-se a atividade transcripcional dos recep-
tores, podendo gerar um efeito biológico mais ou menos proeminente
para o mesmo nível de testosterona.

13
Tabela 1. Causas de hipogonadismo primário e secundário

PRIMÁRIO SECUNDÁRIO

Orgânico ou clássico Orgânico ou clássico


Funcional Funcional
Congênito Adquirido Congênito Adquirido
Síndrome de
Anorquia Varicocele Idade avançada TCE Desnutrição
kallmann

Cromossomopatias Prolactinoma Opioides,


Doenças crônicas
(síndrome de Trauma Hemocromatose e doenças da anabolizantes e
sistêmicas
klinefelter) hipófise psicotrópicos

Déficit síntese de Torção de Exercício


Corticosteroide Idiopático Tumores cerebrais
testosterona testículo excessivo

Desgenesia
QT/RT Abuso de álcool - Excesso de ferro HIV/aids
gonadal

Abuso de
Criptorquidia Orquite Drogas e fármacos - Sarcoidose
maconha

Falência Obsidade, MetS


- - -
testicular e DM
HIV/aids, síndrome da imunodeficiência adquirida pelo vírus da imunodeficiência humana;
MetS, síndrome metabólica; QT, quimioterapia; RT, radioterapia; TCE, trauma cranioencefálico.

Tabela 2. Níveis de testosterona total considerados baixos/anormais


ISSM (2016) BSSM (2017) AUA (2018) ENDO (2018) EAU (2022) SBU (2017)
Níveis “baixos”
< 350 ng/dL 231-345 ng/dL < 300 ng/dL < 350 ng/dL 232-346 ng/dL
consistentes
AUA, American Urological Association; BSSM, British Society for Sexual Medicine;
EAU, European Association of Urology; ES, Endocrine Society; ISSM, International Society for
Sexual Medicine; SBU, Sociedade Brasileira de Urologia.

Pela somatória destes e de outros aspectos, é recomendado que uma


medida de testosterona total (TT) seja sempre realizada pela manhã em jejum
e, se baixa, que seja repetida para ser confirmada.
Vale ressaltar que apesar da compreensão de que a fração livre da testos-
terona é a mais biologicamente ativa, por uma mistura de limitações das téc-
nicas disponíveis para sua aferição e falta ainda maior de um consenso quanto
aos valores de referência, sua aferição está indicada principalmente em casos
de dúvida clínica com a testosterona total limítrofe e em condições associadas

14
a um aumento da globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG). Quando
solicitada, a testosterona calculada através de SHBG e albumina é superior às
medidas de dosagem direta disponíveis no Brasil.

Sintomas e desafios
A gama de sintomas atribuídos ao hipogonadismo é ampla e diversa
(Quadro 1). Além disso, seus sintomas são compartilhados por outras doenças
prevalentes nos dias atuais como depressão, hipotireoidismo, distúrbios do
sono, estresse crônico, dentre outros. Na prática, questionários clínicos que se
baseiam nesses sintomas possuem uma baixa especificidade (30%-60%) em
identificar indivíduos com níveis séricos baixos de testosterona.

Quadro 1. Sintomas de hipogonadismo

Gerais - Sintomas cognitivos (memória e concentração), sintomas


depressivos, irritabilidade, ganho de gordura, perda de músculo, redução do
rendimento no trabalho, redução de resistência e rendimento físico, fraqueza
muscular, fadiga, baixa energia e piora da qualidade do sono.

Sexuais - Disfunção erétil, diminuição de libido e redução das ereções


noturnas.

Diagnósticos associados – Osteoporose e hiperglicemia.

Diagnóstico formal
O diagnóstico de hipogonadismo é feito apenas em pacientes com níveis
baixos de testosterona total confirmados por segunda medida, associado à
presença de sintomas. Dessa maneira, mesmo que um paciente tenha um qua-
dro clínico muito sugestivo, ele não é um candidato à terapia de reposição de
testosterona (TRT) se os níveis de TT estiverem normais.

Confirmação do diagnóstico e
cuidados antes do início da TRT
Durante investigação diagnóstica, recomenda-se a dosagem exclusiva de
TT, evitando-se custos e exames desnecessários para muitos homens. Caso

15
resultado anormal, como já colocado, será necessário repetir a dosagem e,
neste momento, deve-se complementar a investigação com a coleta de outros
exames, como o LH, o hematócrito (Ht) e o antígeno prostático específico
(PSA), para homens acima dos 40 anos de idade.
O LH ajuda na diferenciação entre hipogonadismo primário e secundário,
e pode ter impacto na escolha da forma de terapia de reposição hormonal,
pois se o LH estiver aumentado há falência testicular não respondedora a
estímulo com citrato de clomifeno. A aferição do Ht é fundamental para
identificar homens que já apresentem uma elevação (Ht > 50%), algo que
costuma ser potencializado com a TRT e pode exigir até a sua suspensão
durante o seguimento, como será discutido em outros capítulos. Nesse cená-
rio de elevação de Ht antes do início da TRT, é recomendado que se solicite
uma avaliação clínica ou hematológica e se retarde o início da reposição. Já
a dosagem do PSA visa identificar casos de homens que potencialmente
tenham câncer de próstata.
Outros exames complementares têm sua utilidade, mas em cenários mais
específicos. A tabela 3 resume esses exames e em que situações eles podem
ser solicitados.

Tabela 3. Exames complementares e indicações

Exame Cenário indicado


FSH Pacientes com interesse em preservar fertilidade
Pacientes com fatores de risco para SHBG elevado, idade avançada, hipertiroi-
SHBG
dismo, hepatopatias, tabagismo, dentre outros
Estradiol Pacientes com sintomas mamários ou ginecomastia
Prolactina Pacientes com queda de libido e TT baixa ou duvidosa
Ressonância magnética de sela Se hipogonadismo secundário e prolactina elevada e/ou sintomas de massa
túrcica em pituitária
Cariótipo Pacientes com hipogonadismo hipergonadotrófico inexplicado

Conclusão
O hipogonadismo é entidade clínica e laboratorial de diagnóstico desafia-
dor. O fluxograma abaixo resume de uma forma prática como abordar casos
suspeitos, SHBG auxiliando no seu diagnóstico formal e preparo para início da

16
reposição hormonal segura. A compreensão das nuances dos níveis séricos e
complexidade da sintomatologia seguem sendo muito importantes na prática
clínica para que não se prive um paciente que necessita de reposição hormonal
do tratamento adequado, enquanto se evita o início de TRTs desnecessárias.

Fluxograma prático de abordagem de casos suspeitos

Paciente com sinais, sintomas


ou condições associadas ao
hipogonadismo

Dosagem de TT

TT baixa ou duvidosa

LH baixo ou
no limite
Nova TT inferior de RNM se
normalidade Dosagem de hipogonadismo
LH
prolactina secundário e
Hematócrito
PSA e TR se > 40 prolactina elevada
Exames (Tabela 3) e/ou sintomas de
Diagnóstico massa em pituitária
confirmado:
Suspeita de câncer discutir
de próstata tratamento
Hematócrito
> 50%

Encaminhamento para
investigação complementar.
Aguardar para TRT,
suporte clínico

17
Capítulo 2

Diagnósticos complementares
para o melhor manejo do
paciente hipogonádico
Introdução
Os urologistas habituaram-se ao cuidado da saúde masculina e do hipo-
gonadismo relacionado às queixas sexuais. Entretanto, a testosterona atua
através do receptor androgênico na medula óssea (hematopoiese), no osso
(osteogênese), no cérebro (humor e cognição), além do tecido adiposo e mus-
cular. Os resultados do European Male Ageing Study (EMAS), com mais de
3.200 homens entre 40 e 79 anos de idade, mostrou maior prevalência de
hipogonadismo em indivíduos com sobrepeso ou obesidade. As recomendações
atuais indicam a avaliação laboratorial de rastreamento de outras situações
clínicas que podem estar associadas ao hipogonadismo.
A relação causa-efeito entre déficit de testosterona, composição corporal
e distúrbios metabólicos sistêmicos vem sendo revista em relação à etiologia
que hoje denomina-se hipogonadismo funcional. As recomendações interna-
cionais inclusive orientam o tratamento das doenças de base com potencial
reversibilidade do hipogonadismo, enquanto algumas condições podem ser oti-
mizadas ou eventualmente tratadas com a TRT, quando indicada corretamente
e aplicada de maneira individualizada.

Síndrome metabólica (SM)


A prevalência da SM em homens adultos é de aproximadamente 40% nos
EUA e 10% na Europa. Devido à elevada associação entre síndrome metabólica

18
e disfunções sexuais masculinas, recomenda-se abordagem integrada das duas
condições.
EAU, ISSM e Endocrine Society recomendam dosagem de testosterona de
rastreamento para homens com SM independente de sintomas específicos.
A AUA não faz essa recomendação. Assim, na avaliação da saúde do homem
faz-se necessário esse diagnóstico para o manejo do hipogonadismo funcional
secundário.
Os critérios que definem SM apresentam variações nos valores de referên-
cia de cada componente, nas diferentes entidades médicas. A definição mais
utilizada é a da NCEP-ATP III e orienta o diagnóstico de síndrome metabólica
na presença de três dos cinco fatores descritos no quadro 1. Já a IDF (2005)
traz referências mais rígidas de cintura abdominal, que variam de acordo com
as diversas origens étnicas: europeus 94, sul-asiáticos, sul-americanos e afri-
canos 90, japoneses 85 cm; e em relação ao valor da glicemia de jejum, sendo
considerados alterados valores ≥ 100 mg/dL.

Quadro 1. Componentes da SM em homens segundo a NCEP-ATP III

Componentes Níveis
Obesidade abdominal (circunferência) > 102 cm
Triglicerídeos ≥ 150 mg/dL
HDL colesterol < 40 mg/dL
Pressão arterial ≥ 130 mmHg (sistólica) ou ≥ 80 mmHg (diastólica)
Glicemia de jejum ≥ 110 mg/dL*

*A presença de diabetes melito não exclui o diagnóstico de SM.


SM, síndrome metabólica.

Diabetes melito (DM)


A associação de hipogonadismo e diabetes está bem documentada na lite-
ratura. Baixos níveis de testosterona estão relacionados com risco de DM tipo
2 (DM2). Trabalhos mais recentes consideram a TRT como tendo potencial
efeito protetor para indivíduos com resistência periférica à insulina, reduzindo
o risco de desenvolver DM e eventualmente revertendo o quadro como publi-
cado em estudo recente denominado T4DM.

19
EAU, ISSM e Endocrine Society recomendam dosagem de testosterona de
rastreamento para homens com DM independente de sintomas específicos.
A AUA não faz essa recomendação. Assim como na síndrome metabólica,
na avaliação da saúde do homem faz-se necessário esse diagnóstico para o
manejo do hipogonadismo funcional secundário.

No indivíduo assintomático, é recomendado utilizar como critério de diag-


nóstico de DM a glicemia plasmática de jejum ≥ 126 mg/dL, a glicemia 2 horas
após uma sobrecarga de 75 g de glicose ≥ 200 mg/dL, ou a HbA1c ≥ 6,5%. É
necessário que dois exames estejam alterados. Se somente um exame estiver
alterado, ele deverá ser repetido para confirmação (Quadro 2).
Quadro 2. Diagnóstico laboratorial de diabetes melito

Critérios Normal Pré-DM DM2


Glicemia de jejum (mg/dL) < 100 100 a 125 > 125
Glicemia 2h após TOTG (mg/dL) < 140 140 a 199 > 199
HbA1c (glicada, %) < 5,7 5,7 a 6,4 > 6,4

Na presença de sintomas inequívocos de hiperglicemia, é recomendado que


o diagnóstico seja realizado por meio de glicemia ao acaso ≥ 200 mg/dL.
Também se diagnostica DM na presença de glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL
e HbA1c ≥ 6,5% em uma mesma amostra de sangue.
É recomendado o rastreamento para todos os indivíduos com ≥ 45 anos de
idade, mesmo sem fatores de risco, e para indivíduos com sobrepeso/obesi-
dade que tenham pelo menos um fator de risco adicional para DM2 (Quadro 3).

Quadro 3. Critérios de rastreamento do DM2 em adultos assintomáticos

• Idade a partir de 45 anos


• Sobrepeso ou obesidade
• +1 fator de risco entre os seguintes:
 História familiar de DM2 em parente de 1.o grau
 Etnias de alto risco (afrodescendentes, hispânicos ou indígenas)
 Doença cardiovascular
 Hipertensão arterial
 HDL < 35 mg/dL
 Triglicérides > 250 mg/dL
 Sedentarismo
 Presença de acantose nigricans
 Indivíduos com HIV
 Indivíduos com pré-DM

20
Obesidade
O hipogonadismo está associado a alterações da composição corporal,
como diminuição da massa magra e aumento da massa de gordura, prin-
cipalmente a visceral. Frequentemente observa-se uma correlação inversa
entre o índice de massa corpórea (IMC) e os níveis de testosterona e estu-
dos corroboram a relação do ganho de peso como fator preponderante no
desenvolvimento da deficiência de testosterona. Vários fatores são rela-
cionados à fisiopatologia, entre eles a aromatização da testosterona e sua
conversão em estradiol, redução dos níveis de leptina e o estado inflama-
tório sistêmico com aumento de TNF-α e isoleucinas. O parâmetro mais
utilizado na definição de obesidade é o IMC, que é calculado dividindo-se
o peso do paciente pela sua altura elevada ao quadrado (Quadro 4).
EAU e ISSM recomendam dosagem de testosterona de rastreamento
para homens com obesidade independente de sintomas específicos, AUA e
Endocrine Society não fazem essa recomendação.

Quadro 4. Diagnóstico de obesidade

IMC (kg/cm2) Diagnóstico

< 18,5 Baixo peso

18,5 a 24,9 Adequado

25 a 29,9 Sobrepeso

30 a 34,9 Obesidade grau I

35 a 39,9 Obesidade grau II

≥ 40 Obesidade grau III

Apneia do sono (SAOS)


A apneia obstrutiva do sono é uma condição que deve ser avaliada pre-
viamente à TRT, pois algumas referências indicam grau de piora dos sinto-
mas após o início da reposição hormonal.

21
Os fatores predisponentes para SAOS são: obesidade, principalmente
central; anormalidades craniofaciais, como hipoplasia maxilomandibular;
aumento do tecido mole e do tecido linfoide da faringe; obstrução nasal;
anormalidades endócrinas, como hipotireoidismo; acromegalia; e história
familiar. Os fatores associados são: hipertensão arterial sistêmica (HAS),
hipertensão pulmonar, arritmias cardíacas relacionadas ao sono, angina
noturna, refluxo gastroesofágico, prejuízo na cognição e na qualidade de
vida e insônia.
O estudo polissonográfico (PSG) de noite inteira, realizado no laborató-
rio sob supervisão de um técnico habilitado em polissonografia, constitui o
método diagnóstico padrão para a avaliação dos distúrbios respiratórios do
sono (Quadro 5).

Quadro 5. Critérios diagnósticos de SAOS no adulto

A + B + D ou C + D

A. No mínimo uma das queixas:


 Episódios de sono não intencionais durante a vigília, sonolência excessiva diurna, sono não reparador, fadiga
ou insônia.
 Acordar com pausas respiratórias, engasgos ou asfixia.
 Companheiro relatar ronco alto e/ou pausas respiratórias no sono.
B. Polissonografia com ≥ 5 eventos respiratórios/h de sono. Evidência de esforço respiratório durante todo ou
parte de cada evento.
C. Polissonografia com ≥ 15 eventos respiratórios/h de sono. Evidência de esforço respiratório durante todo ou
parte de cada evento.
D. O distúrbio não pode ser mais bem explicado por outro distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas,
uso de medicações ou outras substâncias.

Depressão
Ainda não está bem estabelecido o papel da testosterona na depressão,
uma vez que os sintomas são convergentes e sugestivos de um ou outro
diagnóstico, principalmente na população mais idosa, quando o hipogona-
dismo é mais prevalente. A depressão e a ansiedade podem levar ao hipo-
gonadismo. Existe uma relação inversa entre os níveis de testosterona e
intensidade da depressão, o que está relacionado aos receptores cerebrais e
sugere associação entre as duas condições. Entretanto, vários são os efeitos

22
da testosterona sobre o SNC: modulação do humor, concentração, memória
e sensação de bem-estar.
A depressão quando avaliada em nível primário tem maior índice de
subdiagnósticos que advém de fatores relacionados aos pacientes e aos
médicos. Os pacientes podem ter preconceito em relação ao diagnóstico de
depressão e descrença em relação ao tratamento. Os fatores relacionados
aos médicos incluem falta de treinamento, falta de tempo, descrença em
relação à efetividade do tratamento, reconhecimento apenas dos sintomas
físicos da depressão e identificação dos sintomas de depressão como uma
reação “compreensível”.
Além do diagnóstico de episódio depressivo, existem outras apresen-
tações de depressão com sintomas menos intensos, porém com grau de
incapacitação similar, que são muito frequentes nos serviços de atenção pri-
mária. São elas a distimia e o transtorno misto de ansiedade e depressão,
que devem ser bem diferenciados. Para auxiliar no rastreamento e correto
encaminhamento desses pacientes existem métodos de avaliação sugeridos
nos quadros 6 e 7.
Pacientes com depressão devem ser investigados para hipogonadismo e
nos casos de sintomas sugestivos e níveis normais de testosterona se faz
primordial o diagnóstico diferencial.

Quadro 6. Perguntas para rastreamento de depressão

Teste de duas questões (sim para as duas: sensibilidade = 96%, especificidade = 57%)

1. Durante o último mês você se sentiu incomodado por estar para baixo, deprimido ou sem esperança?
2. Durante o último mês você se sentiu incomodado por ter pouco interesse ou prazer para fazer as coisas?

Escala de Goldberg para detecção de depressão (sim para 3 ou mais: sensibilidade = 85%, especificidade = 90%)

1. Você vem tendo pouca energia?


2. Você vem tendo perda de interesse?
3. Você vem tendo perda de confiança em você mesmo?
4. Você tem se sentido sem esperança?
(se sim para qualquer uma, continue...)
5. Você vem tendo dificuldade para se concentrar?
6. Você vem tendo perda de peso (devido a pouco apetite)?
7. Você tem acordado cedo?
8. Você vem se sentindo mais devagar?
9. Você tende a se sentir pior de manhã?

23
Quadro 7. Critério diagnóstico de episódio depressivo segundo CID-10

Sintomas fundamentais

1. Humor deprimido
2. Perda de interesse
3. Fatigabilidade

Sintomas acessórios

1. Concentração e atenção reduzidas


2. Autoestima e autoconfiança reduzidas
3. Ideia de culpa e inutilidade
4. Visões desoladas e pessimistas de futuro
5. Sono perturbado
6. Apetite diminuído

Episódio leve: 2 fundamentais + 2 acessórios

Episódio moderado: 2 fundamentais + 3 a 4 acessórios

Episódio grave: 3 fundamentais + > 4 acessórios

Saúde óssea
As atuais evidências sugerem que a mineralização óssea requer níveis dos
hormônios sexuais dentro da faixa normal. A possível associação entre hipo-
gonadismo leve e osteopenia/osteoporose é fraca. Entretanto, hipogonadismo
grave é frequentemente associado com perda óssea e osteoporose, indepen-
dentemente da idade do paciente. O papel da testosterona na densidade mine-
ral óssea é ainda maior em pacientes com diabetes, que estão em maior risco
de hipogonadismo e fratura óssea.
As recomendações da AUA, EAU, ISSM e Endocrine Society recomendam
investigação de hipogonadismo em casos de densitometria óssea com baixa
densidade ou sinais de osteopenia/osteoporose. As recomendações da EAU
sugerem realizar um estudo de densitometria óssea ao diagnóstico de hipo-
gonadismo, antes do tratamento, e posterior seguimento anual, enquanto a
AUA deixa como opcional. As outras sociedades não fazem nenhuma reco-
mendação. Os quadros 8 e 9 indicam como identificar pacientes suspeitos de
alteração óssea.

24
Quadro 8. Sinais clínicos de possível osteoporose ou fraturas ósseas

Alterações de altura
Cifose
Distância costela-pelve (< 3 dedos)
Perda dentária

Quadro 9. Exames laboratoriais para descartar outros distúrbios do metabolismo do cálcio/


fósforo

Cálcio sérico
Vitamina D
PTH
PTH, paratormônio.

A densitometria óssea deve sempre ser realizada em diferentes locais do


esqueleto, habitualmente na coluna lombar e colo femoral, e permite o diag-
nóstico de osteopenia ou osteoporose quando o T-score está entre -1,0 e -2,5
ou abaixo de -2,5, respectivamente.
O risco de fratura pode ser avaliado usando uma ferramenta on-line cha-
mada FRAX® (https://www.sheff ield.ac.uk/FRAX/). Essa ferramenta é capaz
de prever o risco de fratura em homens tanto quando os valores de DMO são
incluídos ou não, permitindo identificar pacientes com alto risco de desenvol-
ver fraturas e escolher opções terapêuticas.

25
Capítulo 3

Vias de reposição de testosterona


As formas de reposição de testosterona atualmente aprovadas pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e disponíveis no Brasil compreendem
uma série de drogas, abrangendo diferentes vias de administração.

Reposição via injetável


São as mais utilizadas no Brasil, devendo ser avaliadas em relação aos even-
tos adversos, custo-benefício e critérios de segurança a cada perfil de paciente.
Entre as formulações injetáveis, temos as drogas de ação curta e as de ação
longa.
As injeções de testosterona por via intramuscular têm absorção direta-
mente na corrente sanguínea, evitando a primeira passagem pelo fígado e a
consequente hepatotoxicidade.
Inicialmente foram preparados sais de curta ação, como o cipionato,
enantato ou propionato. Todas com ação de uma a duas semanas, variando
muito na absorção e resposta clínica dos pacientes.
Como desvantagem, essa forma de injeção apresenta concentração irregular
de testosterona, com picos suprafisiológicos na primeira semana e queda acen-
tuada nas semanas subsequentes. Consequentemente, pode haver oscilações do
humor, libido e instabilidade emocional. Além disso, o risco de aumento do hema-
tócrito é maior nos homens que recebem esse tipo medicação de curto prazo.
Na modalidade de testosterona de curta ação temos os seguintes produtos
comerciais e princípios ativos:
1. DEPOSTERON®: cipionato de testosterona 200 mg.
2. DURATESTON® 250 mg/mL: cada mL contém: propionato de testosterona
30 mg, fempropionato de testosterona 60 mg, isocaproato de testoste-
rona 60 mg, decanoato de testosterona 100 mg.

26
Procurando estabilizar a absorção da testosterona e evitar os picos supra e
infrafisiológicos, foi desenvolvido o undecilato de testosterona. Trata-se de uma
apresentação de ação longa que mantém o nível hormonal por cerca de 12 sema-
nas, em que cada ampola de 4 mL contém 1.000 mg (correspondente à 631,5 mg
de testosterona). Mais recentemente, o mercado brasileiro passou a contar com
opções de medicamentos genéricos e similares do undecilato de testosterona
sob os seguintes nomes comerciais: DAEM®, HORMUS®, NEBIDO®, ATESTO®.

Reposição via transdérmica


A apresentação em gel da testosterona está disponível no Brasil desde
2014.
Temos disponível o ANDROGEL®, embalagem com envelopes de 10 mg/g
de testosterona com 5 g por sachê, ou a versão em pump, na concentração de
16,2 mg/g, em frasco com 88 g.
O gel é rapidamente absorvido pelo estrato córneo da pele, criando um
reservatório nos tecidos subcutâneos de onde a testosterona é liberada con-
tinuamente por 24 horas, após uma única aplicação diária. Os estudos mos-
tram melhora dos níveis séricos de testosterona com um excelente perfil de
segurança.
A dose inicial recomendada é 1 sachê (5 g do produto ou 50 mg de testos-
terona) ou 2 pumps (2,5 g do produto ou 40,5 mg de testosterona), aplicado
uma vez por dia, geralmente no mesmo horário, de preferência na parte da
manhã. A dose diária deve ser ajustada caso a caso, pelo médico, dependendo
da resposta clínica e laboratorial de cada paciente, não podendo ser superior a
2 sachês ou 4 pumps por dia.
A aplicação tópica deve ser feita pelo próprio paciente em pele limpa, seca
e saudável, nos ombros, braços ou abdome.
Como efeito colateral, podemos observar reações cutâneas alérgicas. Além
disso, devemos orientar os pacientes para evitar contato com crianças e mulhe-
res logo após a aplicação do gel, pois há o risco de transferência de testosterona.
O sucesso dessa via de administração exige boa adesão ao tratamento e cons-
tância no uso do gel. Vale ainda ressaltar que as dosagens hormonais de controle
devem ser realizadas aproximadamente 2 horas após a aplicação do gel.
As diretrizes da EAU, ISSM e Endocrine Society recomendam a formulação
transdérmica como melhor opção para início de TRT.

27
Reposição via oral
A medicação oral disponível comercialmente no Brasil é a mesterolona
25 mg. Ela é um derivado do metabólito mais ativo da testosterona, a
5α-di-hidrotestosterona (DHT). Dessa maneira, não tem todos os efeitos do
hormônio natural, com efeitos anabólicos fracos.
Em comparação com a testosterona, apresenta apenas 40% de atividade
anabólica; 100% da atividade androgênica; ausência de hepatotoxicidade; não
promove a aromatização em estrógenos e praticamente não inibe a secreção
de LH e FSH. Seu efeito tem duração de 12 horas.
A posologia recomendada no início do tratamento é de um comprimido três
vezes ao dia. Após melhora clínica, pode ser reduzida a dosagem. Na manuten-
ção do tratamento, pode ser usado um comprimido uma ou duas vezes ao dia,
por vários meses.
Entre os efeitos adversos temos: dor abdominal; acne; alopecia; dor de
cabeça; ereções penianas frequentes e priapismo.
Essa opção é pouco utilizada atualmente, principalmente pela escassez de
dados científicos que comprovem melhora clínica do quadro de hipogonadismo.

Reposição via subcutânea


por implantes (pellets)
Os implantes de testosterona têm sido amplamente discutidos no Brasil,
nos últimos anos, porém sem nível de evidência científica satisfatória.
Na Europa e Estados Unidos já são utilizados mesmo que correspondendo
a menos de 5% do volume de prescrição, devido à existência de formas
comerciais disponíveis. No Brasil não existe um produto comercial liberado
pela Anvisa, estando assim restrito a poucas opções de formas manipuladas
e ainda necessitando de comprovação de segurança e eficácia, pelo risco de
contaminação e dúvidas em relação à farmacodinâmica e biodisponibilidade
da medicação nessa via de administração.

Outras formas de reposição


Existem outras apresentações de testosterona, tais como subcutânea,
intranasal e oral, que ainda não são comercializadas no Brasil.

28
Tabela das medicações disponíveis no Brasil

Via de Nome Substância/dose Uso/duração Vantagens Desvantagens


administração comercial

INJETÁVEL DAEM® Undecilato de 3 meses (75 a Manutenção dos Dor no local da


HORMUS® testosterona 1.000 90 dias) níveis séricos com aplicação, requer
NEBIDO® mg menos picos, longa aplicador da
ATESTO® duração, adesão ao injeção, alto custo,
tratamento impossibilidade
de interromper o
tratamento a curto
prazo

DEPOSTERON® Cipionato de A cada 14-21 Menor custo Variação dos


testosterona 200 dias níveis séricos,
mg injeções múltiplas,
aumento do risco
de policitemia,
custo elevado

DURATESTON® Propionato de A cada 14-21 Menor custo Variação dos


testosterona 30 dias níveis séricos,
mg, fempropionato injeções múltiplas,
de testosterona aumento do risco
60 mg, isocaproato de policitemia
de testosterona
60 mg, decanoato
de testosterona
100 mg

ORAL PROVIRON® Mesterolona 25 mg 1 comprimido Uso oral Dificuldade


de 8/8 horas em manter
concentração
sérica.
Baixo potencial de
melhora clínica

TRANSDÉRMICO ANDROGEL® Gel de testosterona Diário no Reproduz ciclo Alergia cutânea,


hidroalcóolico sachê período da circadiano, possível
1% ou pump 1,62% manhã doses flexíveis, transferência
administração durante contato
simples,
possibilidade de
interromper o uso
rapidamente

29
Capítulo 4

Monitoramento da terapia de
reposição de testosterona (TRT)
O monitoramento da TRT deve se basear em melhora clínica e laboratorial
dos níveis séricos desse hormônio.
Os níveis médios de testosterona total atingidos com a reposição devem
permanecer acima de 300 ng/dL e abaixo de 900 ng/dL, ou seja, níveis
eugonádicos.
Em geral, as reavaliações devem ser realizadas trimestralmente no pri-
meiro ano e a seguir semestral ou anualmente, dependendo do paciente. A
depender do método de reposição escolhido, o momento do início do controle
laboratorial se altera, sendo recomendado a coleta de exames após duas a
quatro semanas nas reposições com gel, após a 3.a ou 4.a dose nas reposições
intramusculares de curta duração e entre as primeiras 2-3 aplicações, com dez
semanas de intervalo, nas intramusculares de longa duração (Quadro 1).
Se não houver melhora clínica, apesar da elevação dos níveis séricos da
testosterona, pode-se considerar a suspensão do tratamento ou mudança da
forma da TRT, além de investigar outras causas desencadeantes dos sintomas.
Em caso de não elevação sérica dos níveis de testosterona, a troca da moda-
lidade de reposição é recomendada.
Faz parte do acompanhamento do homem submetido à TRT exames labo-
ratoriais avaliando a testosterona total, estradiol, hematócrito, hemoglobina,
PSA, toque digital da próstata, avaliação do tamanho prostático, glicemia e
perfil lipídico.
Sintomas do trato urinário inferior, ginecomastia, hipersensibilidade das
mamas, início ou piora da apneia obstrutiva do sono e reações adversas com a
forma utilizada de reposição devem ser analisadas em cada consulta.

30
Quadro 1. Métodos de reposição e controle laboratorial

Método de reposição Controle laboratorial


Gel 2 a 4 semanas
Intramuscular curta duração 3.a ou 4.a aplicação
Intramuscular longa duração 2.a ou 3.a aplicação

Saúde prostática
A avaliação urológica com toque retal e PSA deve ser realizada antes do
início da TRT.
O aumento médio do PSA varia entre 0,3 e 0,4 ng/mL no início do trata-
mento com testosterona. Aumentos acima de 1,4 ng/mL são raros. Entre as
formas de reposição, a testosterona intramuscular é a que pode provocar mais
frequentemente o aumento do PSA, embora não significativo. Essa elevação é
mais comum em pacientes com níveis muito baixos de testosterona.
Caso ocorra aumento expressivo, a reposição deve ser descontinuada e
o paciente deve ser reavaliado, com realização de biópsia prostática quando
necessário.
Em relação ao tamanho da próstata, a reposição pode aumentar o volume
da glândula, mas com pouca repercussão nos sintomas miccionais. Nos casos
da piora desses sintomas, a terapia deve ser reavaliada e até suspensa. Em
pacientes com dificuldades miccionais graves não devemos prescrever a TRT.
O tratamento da hiperplasia prostática benigna e o posterior início da TRT em
pacientes com deficiência de testosterona é uma alternativa nesses casos.
Os pacientes com câncer de próstata de baixo risco, curados há mais de um
ano e com PSA indetectável, que sejam hipogonádicos e sintomáticos, podem
considerar a TRT. Nesses casos, os pacientes devem ser informados que os efei-
tos em longo prazo ainda são desconhecidos e necessitam de mais investigação.
Devido à falta de dados consistentes baseados em evidências sobre segu-
rança, o possível uso da TRT em homens hipogonádicos sintomáticos previa-
mente tratados para câncer de próstata deve ser amplamente discutido com
os pacientes e limitado a indivíduos de baixo risco. Nesses pacientes, formas
de reposição de curta duração devem ser privilegiadas, possibilitando a queda
rápida dos níveis séricos caso a retirada da terapia se faça necessária pela
constatação de uma recidiva.
Outras evidencias são discutidas em capítulo posterior.

31
Hematócrito
A reposição de testosterona pode provocar elevação do valor do hemató-
crito para acima de 50%.
Preparações injetáveis promovem essa elevação muito mais frequente-
mente que as formulações transdérmicas (44% vs. 3%-18%, respectivamente).
Se o hematócrito for maior que 54%, o tratamento deve ser revisto ou sus-
penso até que o nível volte ao normal, principalmente em casos com alto risco
cardiovascular.
Quando são usadas aplicações intramusculares de longa duração que não per-
mitem a suspensão do tratamento, a possibilidade de sangria deve ser discutida
com o paciente, sendo encaminhado ao hematologista. Mais recentemente, tem
surgido na literatura indícios de que quadros de apneia obstrutiva do sono não
diagnosticados estão associados a casos de hiperglobulia em vigência de TRT.

Efeitos cardiovasculares
Vários estudos mostraram que níveis baixos de testosterona são mais pre-
ditivos de doenças cardiovasculares que níveis mais elevados. Ainda assim, a
literatura atual não nos permite afirmar de maneira inequívoca se a TRT modula
esse risco, seja aumentando-o ou reduzindo-o.
Desta forma, de maneira geral, os consensos internacionais apontam para a
segurança da TRT em pacientes com diagnóstico adequado de hipogonadismo
com níveis de normalização atingidos. Em homens com risco cardiovascular
elevado, no entanto, é prudente manter-se atento aos níveis de hematócrito
e, segundo a Sociedade Americana de Urologia, a TRT deve ser evitada nos pri-
meiros seis meses após um evento cardiovascular maior. Novas evidências são
discutidas em capítulo posterior.
O tratamento com testosterona é contraindicado em homens com insufi-
ciência cardíaca crônica grave porque a retenção de líquidos pode levar à piora
dessa condição.

Efeitos adversos
Ginecomastia: quadro raro, relacionado ao aumento dos níveis séricos de
estradiol devido à aromatização da testosterona. Pode ser tratada com ajustes
na dosagem da TRT ou associação de inibidores de aromatase.

32
Infertilidade: devido ao “feedback” extremamente negativo com a TRT, ocorre
uma diminuição na espermatogênese de mais de 98%, levando a quadro de
oligospermia e até azoospermia. A recuperação após o término da TRT pode
levar de 12 a 15 meses, embora nem sempre os níveis retornem ao normal.
Toxicidade hepática: pode ocorrer com testosterona oral, especialmente as
alquiladas, levando ao aparecimento de tumores malignos.
Perfil lipídico: a reposição de testosterona tem efeito incerto no perfil lipídico
dos pacientes.
Lesões de pele: eritema e prurido devido ao gel podem requerer suspensão do
tratamento.
Dor no local das injeções: principalmente na aplicação de testosterona de
longa ação, cujo volume é de 4 mL.
Atrofia testicular: com a TRT o tamanho e a consistência testicular diminuem.
O quadro 2 resume as indicações de avaliação clínica, laboratorial e radio-
lógica de acordo com o momento da reposição de testosterona independente
da via escolhida.

Quadro 2. Tempo de tratamento e avaliação clínico-laboratorial

Tempo de tratamento Avaliação indicada


Hb, Ht, PSA total, testosterona total.
Toque retal prostático.
Antes do tratamento
Avaliar sintomas miccionais (IPSS).
Considerar densitometria óssea.
Avaliar efetividade do tratamento.
2-3 meses
Verificar necessidade de ajuste da dose.
Avaliar alívio dos sintomas.
Hb, Ht, PSA total.
3/3 meses no primeiro ano
Situação miccional.
Apneia do sono.
Avaliar alívio dos sintomas.
Situação miccional.
Apneia do sono.
Anualmente após o primeiro ano Hb, Ht, PSA total, testosterona total, perfil lipídico.
Toque retal prostático.
Avaliar sintomas miccionais (IPSS).
Considerar densitometria óssea.

33
Capítulo 5

Opções de tratamento do paciente


com desejo de fertilidade
Para que haja produção adequada de espermatozoides, é imprescindível que
exista um ambiente testicular com níveis adequados de testosterona. Sabe-se
que os níveis de testosterona intratesticular são 50 a 100 vezes mais altos do
que os níveis séricos.
Em algumas situações, o eixo hipotálamo-hipófise-testicular (HHT) pode
não funcionar de forma adequada, o que acarreta diminuição da função testi-
cular, ou seja, diminuição da testosterona e consequentemente diminuição da
produção espermática.
Homens inférteis têm maior chance de ter baixos níveis séricos de testos-
terona, apresentar mais comorbidades e maior risco de morte do que pacientes
sem alterações de fertilidade. A infertilidade masculina pode ter diversas etio-
logias e, portanto, os parâmetros seminais podem representar o ponto final de
diferentes mecanismos fisiopatológicos.
Diversos trabalhos já demonstraram que células de Leydig disfuncionais são
capazes de diminuir a qualidade do sêmen por alterar o eixo LH – testosterona.
Níveis séricos de LH aumentados e a concentração normal de testosterona
podem ser indicativos de uma forma compensada (ou subclínica) de hipogo-
nadismo, em que a célula de Leydig só exerce sua função graças aos níveis
séricos aumentados de LH.
Em casos de terapia de reposição de testosterona, seja por via oral, intra-
muscular ou gel transdérmico, ocorre bloqueio do eixo HHT por feedback
negativo da testosterona em nível central. Esse processo leva à diminuição
acentuada da liberação de gonadotrofinas, acarretando diminuição ou parada
da espermatogênese, mesmo com níveis séricos adequados de testosterona.

34
Além disso, aproximadamente 90% dos homens tornam-se azoospérmicos
com o tratamento de reposição de testosterona. Mesmo após a interrup-
ção do tratamento, cerca de 35% dos homens sintomáticos apresentam
azoospermia irreversível. Sendo assim, quando a opção for tratar o paciente
com reposição de testosterona é importante consultá-lo sobre o desejo de
manter a fertilidade. Quanto maior o tempo de suplementação de testos-
terona, maior o impacto negativo na espermatogênese e menor a chance
de reversão desse quadro.

Tratamentos alternativos dos baixos


níveis sérios de testosterona
Moduladores seletivos de receptores
de estrogênio (SERMs):
Mecanismo de ação: os SERMs agem como antagonistas e agonistas de
receptores de estrogênio (E2), dependendo do tecido. Esses fármacos
potencializam a espermatogênese inibindo o feedback negativo do E2 ao
nível de sistema nervoso central, levando ao aumento dos níveis de FSH e
LH. O clomifeno, por exemplo, age como um antagonista de E2 no hipotálamo
e na hipófise. Dessa forma, há o aumento de GnRH, das gonadotrofinas e,
consequentemente, aumento do estímulo das funções espermatogênica e
esteroidogênica dos testículos. Quando utilizado em dosagem apropriada,
o citrato de clomifeno pode ser considerado uma alternativa eficiente e
segura à reposição exógena de testosterona. Os efeitos do clomifeno em
aumentar os níveis de testosterona parecem beneficiar a libido, função
erétil e função sexual. Os SERMs podem ser administrados oralmente uma
vez ao dia.
Efeitos colaterais: estudos clínicos demonstraram que o clomifeno é geral-
mente bem tolerado pelos pacientes, com efeitos colaterais moderados tais
como dor de cabeça, tontura, fotofobia, visão embaçada, diplopia, queda de
cabelo, ginecomastia, distúrbios gastrointestinais e fadiga. Pelo fato de
o clomifeno apresentar metabolismo hepático, pacientes com disfunção
desse órgão não devem ser tratados com essa substância.

35
Medicação disponível e dose: citrato de clomifeno, em doses de 25 a
50 mg, em dias alternados, para início de tratamento, e seguimento com
exames de controle mensalmente. Não há um consenso sobre a dose e o
uso é “off label”.

Inibidores de aromatase (IA):


Mecanismo de ação: os IAs bloqueiam a conversão da testosterona em
E2 pela inibição da enzima aromatase, consequentemente diminuindo os
níveis de E2 e limitando o feedback negativo desse hormônio no eixo HHT,
além de diminuir o “sequestro” de testosterona em tecidos periféricos.
Esses eventos podem direta e indiretamente aumentar os níveis séricos
de testosterona. A habilidade dos IAs em aumentar significativamente os
níveis séricos de testosterona em homens de todas as idades e a biodispo-
nibilidade oral dessas substâncias faz delas uma alternativa interessante
à reposição hormonal com testosterona exógena.
Efeitos adversos: os efeitos colaterais dos IAs podem incluir ondas de calor,
ganho de peso, insônia, prurido ocular, diminuição de libido, irritabilidade,
depressão, boca seca e dores articulares. O uso de IAs também já foi asso-
ciado com diminuição da densidade de mineralização óssea, devido ao efeito
supressivo nos níveis de E2.
Comentários: de acordo com um estudo de revisão de literatura, o trata-
mento de hipogonadismo de início tardio com IAs aumentou a testosterona
de forma similar à administração da própria testosterona. No entanto, não
foi observado o mesmo benefício clínico apesar da melhora dos níveis séri-
cos de testosterona. Além disso, a diminuição induzida dos níveis séricos
de E2, quando muito intensa, pode ter um impacto negativo, uma vez que
o E2 pode ser importante para a função erétil bem como para a composição
corporal masculina. Por outro lado, esse mesmo estudo mostrou que o uso
de SERMs pode ser uma alternativa mais promissora para o tratamento de
hipogonadismo de início tardio.
Medicação disponível e dose: anastrozol 1 mg, uso em dias alternados ou
diário, ou letrozol 2,5 mg, uso em dias alternados (menos utilizado no Brasil).
Não há um consenso sobre a dose e o uso é “off label” para ambas as opções.

36
Gonadotrofina coriônica humana (hCG):
Mecanismo de ação: outra opção de tratamento do hipogonadismo de
início tardio para pacientes que desejam manter a fertilidade é o uso de
gonadotrofinas exógenas. O tratamento mais comum é feito com hCG.
Por causa da sua similaridade com o LH, o hCG consegue estimular a
produção de testosterona pelas células de Leydig, sem suprimir comple-
tamente o eixo HHT. Embora a testosterona sozinha iniba a espermato-
gênese, o hCG pode estimular a espermatogênese devido a seus efeitos
positivos diretos nos testículos e pode ser usado em substituição ou
até como um tratamento adjuvante à reposição de testosterona para
manter a espermatogênese, a depender do protocolo utilizado. Assim,
em homens com hipogonadismo secundário, particularmente aqueles que
desejam preservar a fertilidade e/ou tamanho testicular, o tratamento
com hCG deve ser considerado, podendo ou não estar associado ao FSH,
a depender do protocolo utilizado.
Efeitos adversos: a maior desvantagem do tratamento com hCG é a fre-
quência das injeções e a dor no local da aplicação, além do alto custo.
Náusea, vômito e dor no peito também podem ser efeitos colaterais cau-
sados por esse fármaco.
Comentários: em alguns casos existe a recomendação para tratar o hipo-
gonadismo utilizando o hCG combinado com testosterona. É importante
ressaltar que esse tratamento deve ser amplamente discutido com o
paciente, já que existe a possibilidade de a testosterona interferir na
espermatogênese. Além disso, o paciente deve ter consciência de que
após o tratamento há possibilidade de retomar a espermatogênese,
mas nem sempre isso acontece, ou seja, existe a chance de permanecer
azoospérmico.
Medicação disponível e dose: Choriomon 5.000U, aplicar SC 1x/semana
(dose mais utilizada), devido a risco de perda da eficácia após reconstitui-
ção. Caso a dose seja fracionada, desprezar o restante da medicação.

A figura 1 resume as opções discutidas no capítulo em relação ao eixo


HHT e seus respectivos mecanismos de ação.

37
+, estímulo; -, retroalimentação negativa; , retroalimentação negativa do E2 sobre a
hipófise; E2, estradiol; FSH, hormônio folículo estimulante; GnRH, hormônio liberador de gona-
dotrofinas; HHT, eixo hipotálamo-hipófise-testículos; LH, hormônio luteinizante.
Figura 1. Terapias hormonais para o tratamento de hipogonadismo e mecanismo de ação no HHT.

Conclusão
Até o presente momento não existe um tratamento padrão disponível para tratar
homens com infertilidade e hipogonadismo. Podemos considerar que a testosterona
exógena é uma das possíveis causas de infertilidade masculina, uma vez que seu uso
é comum em homens em idade reprodutiva. Na verdade, esse fármaco tem efeito
contraceptivo e deve ser usado apenas por pacientes com hipogonadismo e que
não desejam mais ter filhos. O uso de testosterona sem a devida avaliação médica
e com diagnóstico incorreto podem causar infertilidade iatrogênica, uma vez que o
paciente pode apresentar redução ou até mesmo a parada completa da produção
espermática. Sendo assim, a conduta médica deve sempre ser discutida e esclarecida
com o paciente que ainda deseja manter seu potencial fértil. Os médicos precisam
ter conhecimento dos efeitos adversos que a testosterona pode causar e quando o
tratamento for necessário é importante avaliar o sêmen do paciente antes de iniciar
a terapia hormonal e considerar as alternativas disponíveis.

38
Capítulo 6

Manejo clínico e terapêutico


após uso e abuso de
esteroides anabolizantes
Existem poucos tópicos na medicina que geram mais controvérsia acadê-
mica do que o uso de esteroides anabólicos androgênicos (EAA) que aumen-
tam a circulação endógena de EAA para melhorar o desempenho atlético ou a
estética corporal. Até o presente não há evidências sobre a conduta adequada
na suspensão de EAA. É importante ressaltar a distinção entre terapia de repo-
sição com testosterona (TRT) para hipogonadismo e uso de EAA em dosagens
para alcançar efeitos acima do estado eugonadal.
Embora a maioria dos efeitos colaterais seja leve e reversível, o uso crônico
em altas doses de EAA pode causar danos permanentes ou potencialmente
fatais em diversos sistemas orgânicos.
Vale lembrar que no Brasil essas drogas têm proibição de livre comércio,
embora haja pessoas que importam esses medicamentos e posteriormente
comercializam em sites de compras pela internet. Algumas dessas drogas não
possuem registro na Anvisa, desse modo, pode ser caracterizado crime contra
a saúde pública.

Definições da utilização de testosterona na prática clínica


Uso indicado: deficiência androgênica: sintomas e/ou sinais de hipogonadismo + baixos níveis testosterona
documentada.
Uso indevido: uso na ausência de indicação comprovada e ou desinformação.
Abuso: uso por outras razões que não o tratamento médico: esportes, vaidade/estética, recreativa e/ou
profissional.

39
Principais esteroides anabólicos androgênicos: boldenona, metadona,
nortestosterona, metandienona, fluoximesterona, formebolona, nandrolona,
bolandiol, gestrinona, clostebol, oxandrolona, entre outros.

O paciente deseja parar de usar EAA?


Alguns homens não querem parar de usar EAA. Nesse cenário, o urologista
deve criar oportunidade de acolhimento e aconselhamento do paciente e infor-
mar sobre efeitos colaterais como:
1. Redução da fertilidade, que pode levar de um a dois anos para se nor-
malizar após descontinuidade do uso de EAA, com risco de infertilidade
definitiva;
2. Eritrocitose;
3. Dislipidemia;
4. Eventos cardiovasculares.

Alguns homens podem estar dispostos a interromper gradualmente o uso


de EAA. Nesses casos, pode-se administrar a testosterona intramuscular em
até duas vezes a dosagem de reposição habitual (TRT), com redução gradual,
escalonando para atingir a posologia fisiológica ao longo de vários meses. Com
isso, o paciente evita sintomas graves de abstinência de EAA como fadiga,
depressão, irritabilidade e sonolência.

Para os homens que desejam parar de usar EAA, existem várias opções
de manejo:
„ Suspensão imediata de EAA sem terapia médica;
„ Suspensão de EAA e início de tratamento com citrato de clomifeno;
„ Suspensão de EAA e início de tratamento com hCG;
„ Suspensão de EAA e início de terapia com testosterona conforme orien-
tação médica.

Para pacientes sintomáticos, quatro semanas de uso de testosterona via


injetável ou transdérmica podem ser necessárias para melhorar imediatamente
os sintomas de abstinência. Um modulador seletivo do receptor de estrogênio
(SERM), como o citrato de clomifeno (25 mg em dias alternados), deve ser

40
administrado simultaneamente com a testosterona, na tentativa de regularizar
o eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HHG) e, finalmente, aumentar a testos-
terona intratesticular. Após esse período, níveis hormonais séricos devem ser
avaliados. Se forem detectados níveis baixos de gonadotrofina ou testoste-
rona, sugere-se iniciar o uso de hCG por mais quatro semanas (1.000-3.000 UI,
três vezes por semana), simultaneamente ao tratamento diário com o SERM.
Em caso de ginecomastia durante uso de hCG, pode-se administrar o
anastrozol (1 mg/dia por seis meses) ou tamoxifeno (40 mg/dia por duas a três
semanas). Após oito semanas de hCG como tratamento adjuvante, níveis hor-
monais devem ser avaliados. Se a testosterona e a gonadotrofina estiverem
adequadas, o SERM pode ser reduzido para 50% da dose inicial durante dez
semanas, continuando até 12-16 semanas, ou até que o nível de testosterona
seja alcançado. Nesse ponto, se o nível de testosterona ainda estiver baixo e
o paciente permanecer sintomático, isso sugere insuficiência testicular.
Quando o paciente deixa de usar EAA, o urologista deve investigar pos-
síveis sintomas de disfunção sexual, bem como tratá-los adequadamente,
usando moduladores seletivos de receptores de estrogênio e inibidores da
fosfodiesterase tipo 5.

Por que o paciente quer parar de usar EAA?


A maioria dos homens que querem parar uso de EAA procura atendimento
médico por causa da infertilidade.
Recomenda-se monitoramento da testosterona e gonadotrofina a cada um
a três meses e análise do líquido seminal três a seis meses após normalização
da testosterona.
Para homens que usam EAA por ≤ 1 ano, a interrupção do uso de EAA pode
ser suficiente.
Para homens inférteis e com histórico recente de uso de altas dosagens
de EAA por > 1 ano, o tempo da normalização da gonadotrofina, testosterona
e a recuperação da espermatogênese podem ser prolongados. O início da tera-
pia com clomifeno ou gonadotrofina após descontinuação de EAA (> 1 ano
de uso) pode aumentar espermatogênese e fertilidade. O início de redução
gradual da testosterona não é recomendado em homens que buscam melho-
rar a fertilidade porque a terapia exógena com testosterona suprime o eixo
hipotálamo-hipófise-gonadal.

41
Pelo menos duas amostras basais de esperma obtidas (cada uma após
três a cinco dias de abstinência ejaculatória) devem ser submetidas à análise
do fluido seminal para avaliação da concentração, motilidade e morfologia do
espermatozoide.
Havendo oligoastenozoospermia severa, a recuperação de espermatozoide
testicular com possível microdissecção deve ser oferecida em conjunto com
a fertilização in vitro, como última chance de paternidade biológica. Uma vez
alcançada a gravidez, o paciente pode ser orientado sobre o reinício da TRT
com consideração especial para manutenção da fertilidade.

Histórico de uso de TRT ou EAA e tentativa de engravidar

Para todo o uso de TRT e EAA

Análise seminal, incluindo exames laboratoriais como: TT, LH, FSH e estradiol

Azoospermia/oligospermia grave Se oligospérmico: considerar criopreservação


FSH/LH baixos indetectáveis

HCG 3.000 UI QOD e clomifeno 25 mg QD por 3 meses. Considere adicionar 1 mg anastrozol a cada 7 dias

Após 3 meses, verificar análise seminal, TT, FSH, LH e estradiol

Se oligospérmico: considerar criopreservação


Azoospermia/oligospermia grave FSH/LH baixos
indetectáveis Se estradiol estiver alto, considerar adicionar
anastrozol 1 mg a cada 7 dias ou aumentar dose
para 2x por semana

Considerar a obtenção de cariótipo ou microdeleção Y, se paciente nunca envolvido com gravidez ou análise
seminal com espermatozoides

rhFSH 75-150 UI QOD interromper clomifeno, continuar HCG 3.000 UI QOD por 3 meses

Repetir análise seminal e laboratorial em 3 meses, se azoospermia persistente: considerar TESE/m-TESE

AS, análise do sêmen; EAA, esteroides androgênicos-anabolizantes; FSH, hormônio folículo estimulante;
HCG, gonadotrofina coriônica humana; LH, hormônio luteinizante; mTESE, extração de espermatozoides
testiculares por microdissecção; Q7 dias, quaque 7 die; QD, quaque die (uma vez ao dia); QOD, quaqua
altera die (dias alternados); rhFSH, hormônio humano recombinante folículo estimulante; SC, subcutâneo;
T, testosterona; TESE, extração de espermatozoides testiculares; TRH, terapia com testosterona.
Figura 1. Algoritmo para o tratamento da infertilidade induzida por EAA.

42
Conclusão
Portanto, dados sugerem falta de orientação aos pacientes por parte dos
prescritores de EAA em relação aos efeitos adversos em longo prazo.
A maioria dos homens que usam EAA por ≤ 1 ano recuperará a função nor-
mal do eixo hipotálamo-hipófise-testicular dentro de três a seis meses após
suspensão dessas substâncias e auxílio medicamentoso.
Homens que usaram EAA por > 1 ano podem apresentar dificuldade no
manejo e recuperação do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal.
O diagnóstico e o manejo do uso crônico de EAA requerem bom rela-
cionamento médico/paciente, análise clínica detalhada e tomada de decisão
compartilhada.
Finalmente, quando o EAA está associado a outras drogas ilícitas,
incluindo opioides, o manejo da síndrome de abstinência de EAA pode ser
mais difícil de administrar, exigindo abordagem multidisciplinar incluindo inte-
ração com psicólogos e psiquiatras.

43
Capítulo 7

TRT e doença cardiovascular:


Segurança e acompanhamento
O uso da testosterona é ou não
prejudicial ao coração?
Acreditava-se que a testosterona era benéfica ou, ao menos, que não cau-
sasse nenhum mal aos pacientes com doença cardiovascular até que, em 2010,
Basaria et al. publicaram um artigo relatando que a testosterona aumentava
o risco para doenças cardiovasculares. Duzentos e nove (209) idosos acima de
65 anos de idade, média de idade de 74 anos, com limitações de mobilidade e
hipogonádicos (testosterona total entre 100 e 350 ng/dL) foram randomizados
em dois grupos, para receber placebo ou testosterona tópica. Durante o curso
do estudo, o grupo testosterona teve altos índices de eventos cardiovascu-
lares quando comparado com o grupo placebo. Isso fez com que o estudo
fosse interrompido precocemente. No entanto, uma análise mais detalhada
do estudo revela que os eventos cardiovasculares eram inespecíficos e não
associados à doença cardíaca, que o experimento envolvia altas doses de tes-
tosterona e que se tratava de uma população frágil e com altos índices de
comorbidades como hipertensão, diabetes e obesidade. Os próprios autores
reconheceram que os eventos adversos não eram significativos.
No final de 2013 e começo de 2014, mais dois trabalhos colocavam em xeque
a segurança da reposição de testosterona em relação ao sistema cardiovascular.
Vigen et al. (2013), publicaram um estudo retrospectivo avaliando 8.507
pacientes e observaram que homens hipogonádicos tratados com testosterona

44
apresentavam índices maiores de acidente vascular encefálico, infarto do
miocárdio e morte. Os mesmos autores publicaram logo depois que haviam
cometido uma intepretação errônea dos dados e que na realidade os eventos
cardiovasculares em homens tratados com testosterona eram bem menores.
Além disso, os autores também relataram que 10% da população estudada era
de mulheres, gerando dúvida sobre a confiabilidade da base de dados utilizada.
Isso causou uma reação por parte de pesquisadores e associações médicas,
solicitando uma retratação por parte da revista, Journal of American Medical
Association.
Finkle et al. (2014), também em um trabalho retrospectivo de um banco
de dados norte-americano (Truven Health Marketscan Commercial Claims and
Encounters) com 55.593 pacientes compararam a incidência de infarto agudo
do miocárdio (IAM) nos 90 dias após iniciar a reposição de testosterona com
a incidência de IAM um ano antes do início dessa terapia de reposição. E com-
pararam também a incidência de IAM pré e pós uso de inibidores de PDE5
(tadalafila ou sildenafila) em 167.279 homens. Observaram que o risco relativo
(RR) para IAM em homens em TRT era de 2,19 quando comparado com eles
mesmos sem TRT. O risco relativo de IAM para pacientes que não usavam e
passaram a usar inibidores de PDE5 foi de 1,15. Chegaram à conclusão de que
homens idosos (> 65 anos de idade) e homens jovens com doença cardiovascu-
lar pregressa e que iniciaram a TRT apresentavam um risco substancialmente
aumentado de IAM.
Esse estudo também recebeu muitas críticas, como o fato de não terem
um grupo controle de homens não tratados e o grupo da TRT ter sido definido
como homens que receberam prescrição de testosterona, mas não foi confir-
mado se realmente receberam a medicação e quais níveis foram atingidos.
E, finalmente, no final de 2013 foi realizada uma revisão sistemática e
metanálise de estudos randomizados e controlados com placebo para ava-
liar a incidência de eventos cardiovasculares em pacientes em TRT. De 1.882
estudos, foram selecionados 27 artigos com 2.994 homens, na grande maioria
idosos. Esses homens apresentaram 180 eventos cardiovasculares. A TRT
aumentou o risco de eventos cardiovasculares, com um odds ratio (OR) de
1,54 e intervalo de confiança variando de 1,09 a 2,18. Também chegaram à
conclusão de que o OR era de 2,18 quando selecionados os trabalhos que não
eram patrocinados pela indústria farmacêutica e de 0,89 quando por elas

45
patrocinados. O Food and Drug Administration (FDA) posteriormente analisou
esse trabalho e não encontrou risco aumentado para eventos cardiovascula-
res em pacientes em TRT.
Apesar da falta de evidências científicas robustas associando TRT e
aumento de eventos cardiovasculares, o FDA, em 2015, colocou um aviso em
todos os produtos contendo testosterona alertando sobre a questionável
segurança cardiovascular da TRT.

Qual foi a reação das Sociedades de


Urologia e Endocrinologia em relação
aos estudos que relatavam que a
testosterona era prejudicial ao coração?
Em 2018, tanto a Sociedade de Endocrinologia Norte Americana quanto a
Associação Americana de Urologia publicaram em suas diretrizes que as evi-
dências científicas até aquele momento não evidenciavam um risco aumen-
tado para eventos cardiovasculares em pacientes em TRT, mas que ainda
não existia evidências científicas robustas para afirmar categoricamente que
pacientes em TRT estavam totalmente seguros. Sendo assim, ambas as dire-
trizes não recomendavam TRT para pacientes com antecedente de doença
cardiovascular.

Quais são as evidências existentes


na literatura sobre a relação entre
os níveis séricos de testosterona
e o risco de desenvolvimento de
doenças cardiovasculares?
Uma revisão sistemática e metanálise avaliando testosterona endógena
e mortalidade em homens selecionou 33 de 820 estudos. A idade média e
o nível de testosterona média dos indivíduos eram de 61 anos de idade e
487 ng/dL, respectivamente, e o tempo médio de seguimento de 9,7 anos.
Concluiu-se com esse estudo que níveis de testosterona endógena baixos
estavam associados a uma maior mortalidade geral e maior mortalidade
cardiovascular específica em homens.

46
Em 2018, outra metanálise avaliou 10.479 homens e relatou a associação
entre níveis abaixo do limite de testosterona e aumento da incidência de even-
tos cardiovasculares e mortalidade cardiovascular específica em um período de
seis anos.
Em 2019, um estudo dinamarquês avaliou 18.238 homens durante 15 anos e
observou que homens com baixa testosterona apresentaram mais IAM, AVC,
fenômenos tromboembólicos e mortalidade geral.
Outros dois estudos relataram que homens com níveis de testosterona
infra ou suprafisiológicos também apresentaram riscos mais elevados de even-
tos cardiovasculares quando comparados com os quartis intermediários, indi-
cando uma associação mais complexa entre níveis de testosterona e doença
cardiovascular.
De maneira geral, há um consenso de que níveis abaixo do limite inferior
de normalidade de testosterona estão associados a um maior risco cardiovas-
cular, o que é reconhecido em diretrizes como a da Sociedade Americana de
Urologia. No entanto, a causalidade dessa associação ainda é objeto de debate
na literatura científica.

Quais são as evidências existentes


na literatura sobre a relação entre
a testosterona e outros fatores de
risco para o desenvolvimento de
doenças cardiovasculares?
Obesidade: também de suma importância é saber que a obesidade está cor-
relacionada com o hipogonadismo e o hipogonadismo associado à obesidade,
gerando um ciclo vicioso e aumento das doenças cardiovasculares.
Resistência à insulina/diabetes: dois estudos de 2019, independentemente,
estabeleceram a relação entre baixos níveis de testosterona e resistência à
insulina/diabetes.
Um estudo randomizado duplo-cego observou que pacientes hipogonádicos
em TRT aumentaram a sensibilidade à insulina.
Sendo assim, existe um racional que aponta para um potencial efeito bené-
fico da normalização dos níveis de testosterona no controle de fatores de risco
cardiovasculares.

47
Qual é a atual evidência científica sobre
se a terapia de reposição de testosterona
aumenta ou não o risco cardiovascular em
homens com deficiência de testosterona?
Em 2015, Sharma et al. publicaram um estudo em homens em TRT.
Aqueles homens que apesar de estarem em TRT não conseguiram manter
níveis séricos normais de testosterona apresentaram incidência maior de
IAM, AVE e morte quando comparados com homens que conseguiram man-
ter os níveis séricos de testosterona. Verificou-se também que homens que
não conseguiram os níveis séricos adequados durante a TRT apresenta-
ram riscos cardiovasculares semelhantes aos pacientes hipogonádicos não
submetidos a TRT.
Outra investigação envolvendo 12 mil homens do sistema de adminis-
tração dos veteranos dos EUA observou que pacientes em TRT mantendo
concentrações séricas de testosterona dentro da normalidade apresentaram
menor risco de IAM e morte quando comparado a pacientes que apresenta-
vam níveis de testosterona abaixo do normal.
Uma pesquisa alemã acompanhou 805 homens por 12 anos (TRT), sem
doença cardiovascular prévia, e observou que a TRT reduziu a incidência de
novos eventos cardiovasculares em comparação com homens não tratados.
Um dos preditores de doença coronariana é a calcificação de placas na
artéria coronária. Um estudo conduzido por um ano em pacientes em TRT
não demonstrou aumento da calcificação das placas e nem aumento de
eventos cardiovasculares em comparação com o grupo não tratado.
Além disso, uma metanálise compilando 31 estudos randomizados e con-
trolados publicados entre 2010 e 2018, incluindo 2.675 pacientes em TRT e
2.308 em placebo, concluiu que a TRT não está associada ao aumento do
risco de morbidade ou mortalidade cardiovascular.
Para responder à pergunta sobre a segurança cardiovascular em
pacientes submetidos à reposição de testosterona, foi realizado o estudo
TRAVERSE. Foram incluídos 5.426 homens entre 45 e 80 anos de idade,
que apresentavam doença cardiovascular preexistente ou alto risco para
tais doenças. Além disso, os pacientes apresentavam sintomas de hipogo-
nadismo, com duas medições de testosterona total abaixo de 300 ng/dL.

48
Esses participantes foram randomizados em dois grupos: um grupo recebeu
testosterona gel transdérmica a 1,62% (com a dose ajustada para manter a
testosterona sérica entre 350 e 750 ng/dL), enquanto o outro grupo recebeu
um gel de placebo.
O objetivo principal do estudo foi avaliar a primeira ocorrência de even-
tos cardiovasculares (EVC), como morte decorrente de problemas cardio-
vasculares, infarto do miocárdio não fatal e acidente vascular cerebral não
fatal. A duração média do tratamento foi de 21,7 ± 14,1 meses, e o acompa-
nhamento teve uma média de 33,0 ± 12,1 meses.
A primeira ocorrência de EVC foi observada em 182 pacientes (7,0%)
no grupo que recebeu testosterona e em 190 pacientes (7,3%) no grupo
placebo (hazard ratio, 0,96; intervalo de confiança 95%, 0,78 a 1,17; p < 0,001
para não inferioridade). No entanto, foi constatada uma maior incidência de
fibrilação atrial, insuficiência renal aguda e tromboembolismo pulmonar no
grupo que recebeu testosterona.
Em resumo, em homens com hipogonadismo e risco cardiovascular, ou
mesmo com doença cardiovascular preexistente, a TRT não foi inferior
ao placebo em relação à incidência de eventos cardiovasculares maiores,
incluindo mortalidade. Entretanto, é importante destacar que foram
observadas algumas complicações específicas, como a fibrilação atrial,
insuficiência renal aguda e tromboembolismo pulmonar, no grupo tratado
com testosterona.

Conclusão
Algumas pesquisas metodologicamente questionáveis do passado gera-
ram preocupações sobre a segurança cardiovascular em pacientes submeti-
dos à reposição de testosterona. No entanto, estudos posteriores mostraram
que a terapia de reposição de testosterona parece ser segura, inclusive em
pacientes com doença cardiovascular preexistente ou com alto risco para tais
condições. Em geral, a TRT deve ser realizada com cautela em homens com
maior risco cardiovascular, evitando níveis de testosterona suprafisiológicos
e a ocorrência de policitemia.

49
Capítulo 8

TRT e HPB/LUTS: Segurança


e acompanhamento
A testosterona e seu receptor androgênico, peça-chave para sua atuação,
tem papel ativo nos eventos que levam à embriogênese da próstata e são
responsáveis por seu crescimento e sua fisiologia. Sendo assim, é compreensí-
vel que exista a preocupação de que a testosterona exógena possa estimular
células da próstata, levando eventualmente à exacerbação de condições como
a hiperplasia prostática benigna (HPB) e à piora de sintomas urinários.
Baseado em estudos históricos, que relacionam os efeitos andrógenos ao
crescimento prostático no homem adulto, até hoje existem advertências nos
suplementos de testosterona disponíveis em relação ao risco de piora da HPB
e de eventos como a retenção urinária.

Homens com níveis de testosterona mais


altos têm maior incidência de HPB?
„ Apesar de pacientes hipogonádicos mais jovens terem volumes da próstata
significativamente menores, a partir da meia-idade o volume prostático
aumenta mesmo em homens com deficiência androgênica, demonstrando
que outros fatores, como a idade, são importantes na fisiopatologia da HPB.
„ A ideia de que a testosterona não é suficiente para desenvolver sintomas
do trato urinário inferior (LUTS) e que a próstata pode ser protegida contra
variações e diferentes níveis circulantes de testosterona é sustentada pela
“teoria da saturação” dos receptores androgênicos. Um estudo transversal
com 2.308 homens eugonádicos entre 40 e 59 anos de idade demonstrou
que os níveis de testosterona não são correlacionados com HPB e LUTS.

50
„ A hipótese de um processo inflamatório prostático poder contribuir direta
ou indiretamente para desenvolvimento da HPB é outro conceito fisiopa-
tológico que independeria da ação da testosterona. Homens cujas biópsias
da próstata demonstram inflamação são significativamente mais propen-
sos a sofrer progressão da doença e possuem taxas mais altas de reten-
ção urinária aguda ou cirurgia relacionada à HPB.
„ Estudo experimental mostrou a presença de inflamação da próstata e da
bexiga em coelhos com síndrome metabólica, sendo exacerbada quando os
coelhos se tornaram hipogonádicos e retornando à linha de base quando
foram tratados com testosterona.
„ Estudo de caso-controle relatou que níveis séricos de T > 593,7 ng/dL
foram associados a uma redução de risco de HPB, sugerindo que níveis
mais altos de testosterona fisiológica poderiam até diminuir o seu risco.
„ As alterações no volume da próstata e no nível de PSA não foram signi-
ficativamente relacionadas à dose ou concentração de testosterona no
homem adulto em TRT.

O que pedir de exames


prostáticos antes da TRT?
„ PSA deve ser medido em homens com mais de 40 anos de idade antes do
início da TRT para excluir um diagnóstico de câncer de próstata. O toque
retal em homens com menos 40 ou mais de 70 anos de idade deve ser
discutido com os pacientes.
„ Para pacientes com PSA elevado no início do estudo recomenda-se repetir o
exame. Após confirmação, levantando-se a suspeita da presença de câncer
de próstata, uma avaliação mais formal, potencialmente incluindo o índice
de saúde da próstata (PHI) e biópsia de próstata com/sem ressonância mag-
nética, deve ser considerado antes de iniciar a terapia com testosterona.

A TRT tem efeitos diretos na próstata?


„ A TRT em homens com hipogonadismo tardio apesar de levar a um aumento
da testosterona sérica, não provocou um aumento significativo nos níveis
de testosterona ou di-hidrotestosterona (DHT) no tecido da próstata.

51
„ A teoria da saturação pode justificar a segurança da TRT em relação ao
volume da próstata ou PSA nesses homens considerando que a próstata
é relativamente insensível a mudanças na concentração de andrógenos
em níveis normais ou em hipogonadismo leve porque a ligação máxima do
andrógeno com seu receptor é facilmente alcançada.
„ Considerando a possível etiologia inflamatória da HPB, particularmente
evidente em pacientes com obesidade e distúrbios metabólicos, um
estudo experimental demonstrou que TRT normalizou marcadores infla-
matórios previamente elevados da próstata e melhorou os sinais de lesão
histológica da próstata, demonstrando possível efeito protetor da testos-
terona. Além disso, uma revisão concluiu que a TRT levou à melhora dos
componentes da síndrome metabólica e diminuição dos fatores pró-infla-
matórios da próstata (associado à síndrome metabólica) relacionados ao
agravamento dos sintomas do trato urinário inferior em homens com HPB.

A TRT aumenta o PSA?


„ A próstata é muito sensível a mudanças nos níveis de androgênio quando
a testosterona está baixa (níveis de castração) e, dessa forma, a TRT leva
a um aumento inicial do PSA, que acaba se estabilizando na faixa hipogo-
nadal baixa sem aumento adicional para níveis mais altos de andrógenos.
„ As metanálises que avaliaram o papel da TRT e a segurança na próstata
demonstraram que a TRT induziu apenas um aumento de curto prazo nos
níveis de PSA (principalmente quando administrada via intramuscular).
Por outro lado, quando estudos com duração superior a 12 meses foram
considerados, nenhum risco de câncer ou eventos relacionados à próstata
foram relatados.

A TRT leva ao aumento do volume


prostático e piora de LUTS?
„ Evidências não demonstram piora de LUTS associadas à HPB em homens
que receberam TRT. E em homens hipogonádicos com síndrome metabólica
a TRT pode levar à melhora ou estabilização de LUTS, associada a um
declínio significativo na velocidade do fluxo da artéria prostática.

52
„ Importante ressaltar que poucos estudos incluíram homens com LUTS
grave. Existe uma preocupação relacionada a pacientes com LUTS grave
(IPSS > 19), pois eles geralmente são excluídos dos estudos clínicos, limi-
tando, portanto, os dados de segurança em longo prazo da TRT nesse
cenário específico. As diretrizes clínicas atuais refletem essas preocupa-
ções em graus variados.
„ Diretrizes da Sociedade de Endocrinologia de 2010, para TRT não reco-
mendam o uso de testosterona em homens com LUTS grave, definido
como IPSS > 19. Segundo o guideline da Associação Europeia de Urologia
(EAU), o efeito da terapia com testosterona em homens com sintomas
graves do trato urinário inferior é limitado porque os pacientes geral-
mente são excluídos dos estudos clínicos.

Como devemos avaliar e seguir a


próstata de homens em uso de TRT?
„ Pacientes em uso de TRT deve ter seus níveis de PSA dosados.
„ O exame de toque retal pode detectar anormalidades da próstata que
podem estar presentes mesmo em homens com valores normais de PSA,
sendo obrigatório em todos os homens no início e durante a terapia com
testosterona.
„ A frequência de realização dos exames deve ser feita de acordo com as
diretrizes locais, assim como a decisão de indicar investigação, indicar
biópsia e interromper a TRT.

Conclusão
Estudos envolvendo homens hipogonádicos submetidos à terapia de tes-
tosterona evidenciou que a TRT é segura, com:
„ Ausência de alteração no fluxo urinário máximo (Qmax);
„ Ausência de aumento no resíduo pós-miccional;
„ Ausência de aumento no volume da próstata;
„ Melhora dos sintomas de armazenamento.

53
Capítulo 9

TRT e câncer de próstata:


Segurança e acompanhamento
Historicamente, sabe-se que a próstata não se desenvolve sem a testos-
terona. Além disso, a castração promove atrofia tecidual e regride o câncer de
próstata em seu estágio androgênio-dependente. Logo, parece lógico conside-
rar a testosterona, tanto endógena quanto exógena, como um dos possíveis
fatores etiológicos para o desenvolvimento do câncer de próstata (CaP), para
a progressão mais rápida do CaP incipiente não diagnosticado e recorrência do
CaP previamente tratado.  
Ainda assim, com o passar do tempo, a falta de evidências fez com que essa
ideia de que a testosterona seria prejudicial para a saúde da próstata perdesse
força, e dados recentes são capazes de demonstrar o contrário.

TRT causa câncer de próstata?


„ A terapia de reposição de testosterona em homens sadios não leva a um
aumento significativo do PSA.
„ Tecido prostático responde rápido à reposição de testosterona quando em
níveis extremamente baixos, mas em concentrações mais altas, passa a
não responder mais, possivelmente pela saturação de seus receptores.   
„ Revisão de 18 estudos prospectivos não demonstrou nenhuma relação
entre o nível de testosterona sérica dos indivíduos e o risco de desenvol-
ver câncer de próstata.
„ Metanálise com 25 estudos que compararam níveis de testosterona em
homens com e sem CaP encontrou quatro estudos em que os níveis de

54
testosterona sérica eram semelhantes e 15 estudos em que o grupo com
CaP tinha níveis séricos de testosterona menores.
„ Dados epidemiológicos têm mostrado que níveis mais baixos de testos-
terona estão associados às formas menos diferenciadas (mais agressi-
vas) de câncer de próstata.
„ A incidência de CaP em homens recebendo TRT não é maior que da popu-
lação geral, ou seja, a TRT não aumenta a sua incidência.  
„ Os pacientes devem ser informados sobre a ausência de evidências asso-
ciando a TRT ao desenvolvimento de câncer de próstata.

TRT no homem com câncer de próstata


Potenciais razões para realizar TRT e seus benefícios:
„ Os tratamentos curativos para CaP podem piorar a função erétil e os
níveis baixos de testosterona prejudicam ainda mais essa recuperação.
„ Após um eventual bloqueio hormonal e intermitência – 8% mantêm
níveis de castração após interrupção do bloqueio e apenas 51% retornam
aos níveis prévios de testosterona, sendo que o restante permanece
hipogonádico.
„ Alguns estudos sugerem menor risco de recorrência bioquímica em
homens com TRT previa e que foram submetidos a tratamento local de
câncer de próstata.
„ Melhora da qualidade de vida.

Por que temer?


„ Teoria da saturação – funciona para clones de células tumorais?
„ O CaP que se desenvolveu em ambientes hipogonádicos pode ser mais
agressivo. Nesse caso há dúvidas se esses seriam os melhores candida-
tos a receber testosterona.
„ Risco de recidiva bioquímica ou surgimento de metástase deve ser
discutido.
„ Ausência de dados de longo prazo em relação a sobrevida câncer espe-
cífica e global.

55
É seguro fazer TRT pós-prostatectomia
ou radioterapia?
„ Revisão com 14 estudos demonstrou que homens tratados de CaP de
baixo risco e risco intermediário com prostatectomia radical e submeti-
dos à TRT, não apresentaram taxa de recorrência maior após seguimento
de 3,4 anos.
„ Um estudo prospectivo com 850 homens operados de CaP pelo mesmo
cirurgião, comparou 152 homens hipogonádicos e retardo no retorno à
função erétil submetidos à TRT com pacientes sem TRT. Foram seguidos
por 3,5 anos e avaliados quanto à recorrência bioquímica. Os resulta-
dos mostraram que a TRT reduziu as taxas de recorrência bioquímica e
aumentou o tempo para a sua ocorrência, sem apresentar complicações
associadas, levantando a hipótese de um possível efeito protetor da
testosterona.
„ Estudo avaliou retrospectivamente 98 homens hipogonádicos com histó-
ria de CaP e tratados com radioterapia, que iniciaram TRT após 28 meses.
Um seguimento de 40 meses demonstrou apenas um pequeno aumento
do PSA e uma baixa taxa de recorrência bioquímica, semelhante à encon-
trada na população geral com CaP pós-radioterapia.  
„ Revisões consideram segura a TRT em homens com CaP de risco baixo
ou intermediário após terapia curativa, embora as principais diretrizes
não sejam concordantes. No entanto, concordam em não tratar pacientes
hipogonádicos com CaP de alto risco, mesmo controlados.
„ A diretriz da EAU sugere restringir a TRT a pacientes tratados de CaP
com baixo risco de recorrência (ou seja, PSA pré-operatório < 10 ng/mL;
escore de Gleason < 7 [ISUP 1]; cT1-2.ª) e o tratamento deve ser iniciado
após pelo menos um ano de seguimento com nível de PSA < 0,01 ng/mL.

É seguro fazer TRT em pacientes em vigilância ativa?


„ Existem poucos estudos sobre esse grupo de pacientes e o uso da TRT,
gerando muitas controvérsias. Mas o reconhecimento de que o CaP de
baixo risco tem baixo risco de morbidade e mortalidade, faz com que
essa prática ganhe cada vez mais adeptos. E os principais trabalhos

56
que avaliaram a TRT nesse cenário não demonstraram maior taxa de
progressão da doença.
„ Estudo prospectivo apresentado em 2020, com 86 homens submetidos
a TRT em vigilância ativa demonstrou que a TRT não causou alterações
significativas no PSA e não aumentou a taxa de conversão para terapia
definitiva durante o seguimento.
„ Ainda assim, a diretriz da EAU considera a terapia com testosterona con-
traindicada em homens com câncer de próstata ativo.

Seguimento:
„ Pacientes com câncer de próstata em terapia com testosterona devem
ter seus níveis de PSA monitorados no mesmo cronograma que os
homens sem deficiência de testosterona; no entanto, os médicos podem
optar por aumentar a frequência dos testes.
„ A recorrência de PSA em homens em TRT deve ser avaliada da mesma
forma que em homens não tratados. Uma discussão sobre o benefício de
interromper a terapia com testosterona deve incluir a possibilidade de
um declínio no PSA.

Conclusões
„ As evidências científicas até então não associam a TRT ao desenvolvi-
mento de CaP e consideram que pacientes hipogonádicos submetidos a
essa terapia não tem um risco aumentado dessa doença.
„ Se um CaP oculto não for detectado antes do início da terapia com tes-
tosterona, o tratamento pode desmascarar o câncer detectado por um
aumento precoce do PSA.
„ Evidências disponíveis, baseadas principalmente em séries de casos, com
tempo de seguimento limitado, levam à falta de consenso, mas sugerem
que (individualizado as recomendações por sociedade no quadro 1):
• TRT no CaP de risco baixo, tratado há > 1 ano e com PSA indetectável
– segura.
• TRT no CaP de risco intermediário – controversa.
• TRT no CaP de alto risco ou doença avançada – contraindicada.
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Diante de cenário inconclusivo e recomendações controversas, faz-se
necessária a aplicação de um termo de consentimento livre e esclarecido, após
paciente estar bem orientado sobre os riscos e benefícios da TRT no cenário de
casos tratados de CaP e ainda mais em situações de vigilância ativa.

Quadro 1. Resumo das diretrizes internacionais em TRT e câncer de próstata


ISSM (2015) Avaliar caso a caso
Recomenda TRT:
CMAJ (2015) CaP localizado e tratado, sem doença ativa
Contra TRT:
CaP metastático
CaP alto risco para recorrência
Recomenda TRT:
CaP localizado e tratado, sem doença ativa; baixo risco para recorrência
BSSM (2017) Contra TRT:
CaP metastático
CaP localmente avançado
Caso a caso
Recomenda a estratificação de risco de pacientes após o tratamento curativo de CaP
AUA (2018) Pacientes devem ser informados:
• Evidências inadequadas para quantificar a relação risco-benefício
Contra TRT:
• História de CaP
ES (2018) • Nódulo palpável na próstata
• PSA > 4 ng/mL ou > 3 ng/mL em pacientes de alto risco
Aconselhar:
CaP baixo risco de recorrência sem evidências de doença ativa, orientando, falta de dados
de segurança suficientes a longo prazo acompanhamento
Selecionar:
EAU (2022) • Gleason < 7
• pT1-2
• PSAT < 10 ng/mL  
• Após ano com nível de PSA < 0,01 ng/mL
CaP localizado: tratados (cirurgia, RTx ou BT). TRT pode ser segura:
RECOMENDAÇÕES • Risco baixo ou intermediário, sem sinais de recorrência bioquímica ou de progressão.
DAEM – SBU (2017)
CaP localizado for de alto risco, mesmo sem sinais de recorrência bioquímica ou de pro-
gressão, a TRT, não segura.     
(grau de recomendação: C)

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