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VICENTE AMATO NETO I RONALDO CESAR BORGES GRYSCHEK

VALDIR SABBAGA AMATO I FELIPE FRANClsCO TUON

PARASITOLOGIA
UMA ABORDAGEM CLÍNICA
AVISO LEGAL

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PARASITOLOGIA
Uma Abordagem Clinica
Vicente Amato Neto
Professor Emérito da Faculdadede Medicina da Universidade de São Paulo
(Ex-professor Titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitarias)
Chefe do Laboratório de Investigação Médica-Parasitologiado Hospital das Clínicas
da Faculdadede Medicina da Universidade de São Paulo
Chefe do Laboratório de Parasitologia Médica do Instituto de Medicina Tropical
da Universidade de São Paulo

Ronaldo Cesar Borges Gryschek


Professor Doutor do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo
Chefe do Laboratório de Investigação Médica de Imunopatologia da Esquistossomose e
Outras Parasitoses (UM-OG) do Hospital das Clínicas da Faculdadede Medicina da
Universidade de São Paulo

Valdir Sabbaga Amato


Mestre e Doutor em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Faculdadede Medicina da
Universidade de São Paulo
Medico Assistente da IJivisão de Clínica de Moléstias Infecciosas e Parasitáriasdo Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Responsável pelo Ambulatório de Leishmanioses da Divisão de Clinica de Moléstias
Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da Faculdadede Medicina da
Universidade de São Paulo
Pesquisador-Colaboradordo Laboratório de Investigação Médica-Parasitologia
(LIM-46) do Hospital das Clínicas da Faculdadede Medicina da Universidade de São Paulo

Felipe Francisco Tuon


Médico
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P244

Parasitologia [recurso eletronico] : uma abordagem clinica! Vicente Amato Neto... [et al.]. - Rio de Janeiro : Elsevier,
201 l.
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ISBN 978-85-352-4966-8 (recurso eletronico)

1. Parasitologia médica. 2. Doenças parasitárias -


Diagnóstico. 3. Doenças parasitárias - 'lratamentrt 4. Livros
eletrônicos. L Amato Neto, Vicente, 1926-.

1143284. CDI): 616.96


CDU: 616.995.l

23.09. ll 29.09.]1 029982.


Colàôoracfores

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Juliana Busetti Mor¡
Designer

Alda Maria Da-Cruz


Médica lnfectologista, Proñessora Adjuntada Disciplina de Parasitologia da Faculdade de Ciências Médicas
daUniversidadedoFstadodoRiodelaneiro
Pesquisadora Associada do Laboratório de lruunoparasitologia do Instituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ

Alexandre .l. da Silva


Division of ParasiticDiseases, National Center for Zoonotic, Vectorborne Enterix: Diseases, Centers for Disease Control and
Prevention, Public Health Service, U. S. Department of Health and Human Services, Atlanta, Georgia, USA

Alexandre Leite de Souza


Médico da UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e Médico Colaborador do Laboratório LlM-56 e LIM- 12 da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Angel Escobedo
Chefe do Departamento de Microbiologiae Parasitologia, Hospital Pediátrico Universitário Pedro Barras, Havana, Cuba

Anis Rassi
Professor Emérito da Universidade Federal de Goiás
Diretor-Presidente do Anis Rassi Hospital

Anis Rassi Junior


Diretor Científico do Anis Rassi Hospital
Doutor em Cardiologiapela Universidade de São Paulo
Fellow em Cardiologiapela Universidade do Texas

Antônio Alci Barone


Professor Titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo

AventinoAlfredo Agostini
Professor Titular de Anatomia Patológica da Universidade de Passo Fundo
Colaboradores

Hélio Rodrigues Gomes


Doutor em Medicina
Médico do Centro de Investigações em Neurologia (UM-IS) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
edo Grupo de Doenças Infecciosas da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicasda Faculdadede Medicina da
Universidade de São Paulo

Hércules Moura
Médico, Doutor em Doenças Infecciosas e Parasitárias, Laboratório de Proteômica e Espectrornetria de Massas,
Division of Laboratory Sciencies, National Center of Environmental Health, Centers for Disease Control 8: Prevention
(CDC),Atlanta, Georgia, USA

Jeffrey Jon Shaw


Professor Titular do Departamento de Parasitologia, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo

José Rodrigues Coura


Professor Emérito da Faculdadede Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Pesquisador Titular, Chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do Instituto Oswaldo Cruz FIOCRUZ
-

Membro 'Fitular das Academias Nacionalde Medicina e Brasileirade Ciências

Jorg Heukelbach
Professor Adjuntoda Universidade Federal do Ceará
AdjunctProfessor da Universidade James Cook, Austrália
Diretor-Presidente da Fundação de Educação e Saúde Mandacaru, Fortaleza, CE

Kézia Katiani Gorza Scopel


Bióloga, Mestre e Doutora em Parasitologiapela Universidade Federal de lvlinasGerais
Bolsista de Pós-doutoradodo instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo

Léa Camillo Coura


Professora Emérita da Faculdade de Medicina da UFRJ
Membro 'fitular da Academia Nacionalde Medicina
Presidente do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Pesquisa Clinica Evandro Chagas da FIOCRUZ

Luciana Regina Meireles


Professora, Doutora!Pesquisadora, Laboratório de Protozoologia, Instituto de Medicina Tropical,
Universidade de São Paulo

Luciana Urbano dos Santos


Doutora em Parasitologia pela UNICAMP

Marcia Hueb
Médica Especialista em Clínica Médica, Mestre em Saúde e Ambiente, Doutora em Medicina Tropical
Professora Adjuntado Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Mato Grosso

Maria Cristina Carvalho do Espirito Santo


Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo
Professora Assistente da Disciplina de Molésüas Infecciosas e Parasitáriasda Faculdadede Medicina
de Volta Redonda (RJ), da UN IFOA
Colaboradores Vil -
Rubens Rodriguez
Professor Adjuntode Anatomia Patológica da Universidade de Passo Fundo

Reynaldo Dietze
Doutor em Doenças Infecciosas pela Faculdadede Medicina da Universidade de São Paulo
Coordenador do Núcleo de Doenças Infecciosas e Professor Associado da Universidade Federal do Espírito Santo
Associate Professor of Medicine, Duke University, EUA

Semiramis Guimarães Ferraz Viana


Professora Doutora Assistente do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual
Paulista (UNESP), Botucatu, SP
Mestre em Parasitologiapela UFMG e Doutora em Patologiapela Faculdadede Medicina., UNESP, Botucatu, SP

Sérgio Cimerman
Chefe da Primeira Unidade de Internação do Instituto de Infectologia E.n1ílio Ribas, São Paulo
Doutor em Infectologiapela UNIFESP

Silvio Fernando Guimarães de Carvalho


Doutor em Pediatria pela UFMG

Susana Angélica Zevallos Lescano


Doutora em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP

Tiana Tasca
Professora Adjuntada Faculdadede Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Valdir Sabbaga Amato


Mestre e Doutor em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Faculdade de Medicina da Urúversidade de São Paulo
Médico Assistente da Divisão de Clinica de Moléstias Infecciosas e Parasitáriasdo Hospital das Clínicasda Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo
Responável pelo Ambulatóriode Ieishmanioses da Divisão de Clinica de Moléstias Infecciosas e Parasitárias
do Hospital das Clínicas da Faculdadede Medicina da Universidade de São Paulo
Pesquisador-Colaborador do Laboratório de Investigação Médica-Parasitologia(LlM-46) do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Vicente Amato Neto


Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Ex-professor Titular do
Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias)
Chefe do Laboratório de Investigação Médica-Parasitologiado Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo
Chefe do Laboratório de Parasitologia Médica do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo
(página deixada intencionalmente em branco)
De certa feita, um bibliotecáriode famosa bibliotemem Nova
Iorque, assoberbado pelo crescimento exponencial do número
de publicações cieniiíicas, deu o seguinte conselho aos auto-
res: “esczreva somente se tiver alguma coisa para dizer e, se ti-
ver,diga logo".
O professor Vicente Amato Neto me solicitou 512a o pre-
fácio do livro Rvasitvíogía Uma Abordagem Clínica. escrito
-

por ele com o auxíliode cerca de cinco dezenas de colabora-


dores. Sinto-me muito honrado com essa deferência da par-
te de um autor dos mais prolíñcos na área da medicina
tropical, a quem estou
(página deixada intencionalmente em branco)
Doençasparasitárias são comuns em vários países que têm
condições facilitadoras.No Brasil, isso também acontece. Tais
enfermidades são aparentes conforme graus diversos de in-
tensidade e gravidade, criando proeminentes problemas no
âmbitoda saúde pública. Por isso, devem ser bem conhecidas,
sobretudo por parte de profissionais, que, em virtude de suas
atribuições diversificadas, convivem com elas.
Mesmo nas nações em desenvolvimento há compêndios
referentes à parasitologia, inclusive médica. Sem dúvida, de-
sempenham fLmções muito úteis, sendo bastante utilizados
por quem necessita de conhecimento aproftmdado o sufi-
ciente para o exercício de seus ofícios. Parece cabível, então,
contar também com um livro capaz de fornecer subsídios
fundamentais aos que
(página deixada intencionalmente em branco)
1- EpidemiobnineuxonouúadaspnsimseshunanaaJ
IefFeyIonShaw
2 -
Inmologia em pnsihlogia, l
AIdaMariaDa-Cntz

3- Amebíase, 17
Sentíramis Guimarães Ferraz Viana

4 - 0mm¡ amdm
Sumário

26 -
Doença por trematódeos teciduais exóticos e de importação, 199
Felipe Francisco Tuon

27 -
Teníases, 207
Ronaldo Cesar Borges Gtyschek

28 -
Neurocisticercose, 213
Hélio Rodrigues Gomes

29 -
Hidatidose, 219
Carlos Graef-Teixeím

30 -
Himenolepíase, 225
Ronaldo Cesar Borges Gryschek

31 -
Difllobotríase, 229
Ronaldo Cesar Borges Gqschek

32 -
Doença por cestódeos exóticos e de importação, 233
Felipe Francisco Tuon

33 -
Ascaridiase, 239
Ronaldo Cesar Borges Gryschek air' Susana Angélica Zevallos Lescano

34 -
Ancilostomiase, 245
Susana Angélica Zevallos lescano d» Pedro Paulo Chief¡

35 -
Estrongiloidíase, 251
Ronaldo Cesar Borges Gryschek

36 -
Tricuriase, 259
Susana Angélica Zevallos Iescano, Maria Cristina Carvalho do Espírito Santo é' Ronaldo Cesar Borges Giysahek

37 -
Enterobíase, 263
Susana Angélica Zevallos Iescano, Maria Cristina Carvalho do Espírito Santo ó* Ronaldo Cesar Borges Gtyschelc

38 -
Doença por nematódeos intestinais exóticos e de importação, 267
Felipe Francisco Tuon

39 - Larva migrans cutânea, 273


Alesmndre leite de Souza, Angel Escobedo é' Sérgio Cimerman
Sumário

54 -
Diagnóstico parasitoiógico das principais doenças parasitárias. 373
Kézia Katiam' 60m Scopel á- Marcelo Urbano Ferreira

S5 -
Diagnóstico em parasitoses -
exames sorológicos, 395
Heitor Franco de Andrade Iunior à Luciana Regina Meireles

56 -
Avanços no diagnóstico de doenças parasitárias teiediagnósüco e métodos moleculares, 403
-

Alas-andrej. da Silva

57 -
Orientações para viajantes sobre as parasitoses, 417
Felipe Francisco Tum:

indice, 425
(página deixada intencionalmente em branco)
Epicúemíobgía
e taxonomia das
parasitoses Humanas
Jeffrey Jon Shaw
Parasitologia -
uma abordagem clínica
Epidemiologia e taxonomia das parasitoses humanas
sendo cada vez mais utilizadaspara estudar e diferenciar ar- tes de infecção para humanos. Marcadores moleculares fo-
ganismasindistinguiveis do ponto de vista morfológica. Esses ram usados para estudar populações de Ascaris de humanos
estudos moleculares são importantes no desenvolvimentode e suínos, usando DNA mitocondrial. Assim, haplalipas de
testes/insmrrnentosfferramentasdiagnósticas e na definição mtDNA demonstraram que ocorria algum grau de infecção
de estratégias de controle. No próxima tópica serão apresen- cruzada entre porcas e homens. Uma segunda análise com
tadas alguns exemplos de estudos taxonômicos que levaram base na variação de alelos de seis 10a' não confirmou as resul-
a importantes conhecimentos sobre a epidemiologia de alguns tados preliminares e indicou que não havia infecção cruzada
parasitas humanas. entre homem e porcas. Esse resultado enfatizou a importân-
cia de selecionar diversos caracteres e não utilizarapenas um
caractere para classificação.
Um outro grupo de parasitas cuja taxonomia é contra-
versa é a dos causadores das leishmanioses. Por exemplo, o
parasita causador da leishmaniose visceral na Brasil foi de-
Cqrptosporidium. parvum é um parasita caccídea que par nominado Leishmania chagasi em 1937. Essa denominação
muitos anos foi considerado um agente causal de diarréia e sempre foi questionada em virtude da similaridade com o
gastrenterite agudas. Na primavera de 1993, um surto impar- causador da leishmaniose visceral na Europa, Leishmania
tante de diarréia por Cryptosporidium foi registrado em ínfantunr. Uma solução aceitável para essa questão foi utili-
Mihvaulcee. Cerca de 403 mil pessoas foram infectadas. A etio- zar o name L. (Leíshnrania) infanmmchagasr', sobretudo par
existirem algumas pequenas diferenças entre essas espécies e
logia dessa criptosparidiose foi atribuida, na início, ao Cryp-
as encontradas na AméricaLatina. Lerkhmania é um grupo de
tosporidium parvum. Posteriormente, a infectividade de
isolados de Crjptosporidium de htunanas e animais proveni- parasitas nos quais se utiliza o subgênera para ajudar na se-
entes de diferentes áreas foram estudadas utilizando-secarac- paração e classiñcação. A criação do subgênero L. fViannia)
terísticas biológicas e genéticas como análise de genes teve como base a presença de infecção em diferentes porções
multiloculares de loa' não-ligadas. Esses estudos demonstra- da intestino do vetor, um mosquito, e confirmada tanto por
meia de isoenzimas como por análises moleculares. Foi cons-
ram que (Íqlptosporidíunr de humanos não eram infectantes
tatado que as L. ( Viannia) não ocorre no Velha Mundo e que
para animais e eram distintos da ponta de vista genético, a
a gênero é composto de duas linhagens ñlogenéticas muito
que levou os autores a concluir que eles stavam lidando com distintas que se separaram há cerca de 90 milhões de anos.
uma nova espécie, daí por diante denominada Cryptospo-
Técnicas moleculares também auxiliarama compreensão da
ridiunr hominis. Outros estudos demonstraram que essa
taxonomia e epidemiologia da L. f M) braziliensrls.Essa espécie
espécie produz sintomas mais graves na homem que a é encontrada em toda a região tropical das Américas e ñcou
Cryptosporidium parvum. Issa explicaria por que não foram evidente que é composta de populações com diversos graus
encontradasfontes animais durante alguns surtos de diarréia
de variação genética conforme a região geográfica. isolados da
por Cryptasporidium.
Outra parasita comum dentre os causadores de diarréia é região amazônica mostraram maior grau de variabilidade
a (Martim. Por muitos anos acreditou-se que esse parasita era
genética, o que sugere que as espécies originais desenvolve-
ram-se ali e em seguida expandirarn-se para outras áreas da
a mesmo encontrada em humanos, cães e gatos, denomina-
continente.
do Giardia intestinalis. A eletroforese de isaenzimasde cepas
provenientes de diferentes hospedeiros revelou que o grupo
era heterogêneo, consistindo em pela menos sete linhagens ' 9 r

genéticas diferentes. Uma revisão das names e de suas prio-


ridades levou a denominar Girardi:: duodenafis a forma comu- Há muitos outros exemplos de como novas métodos
mente encontrada na homem e a considerar sinônimos as taxanômiws acopladas a marcadores moleculares ajudam a
nomes G. Iamblia e G. intestinalis. Além da G. duodenalis (li-
compreender a epidemiologia das doenças parasitárias. A
nhagem A), uma outra linhagem geneticamente distinta foi filogenia das vias metabólicas está sendo usada na desenvol-
encontrada na homem e denominada G. enterica. (linhagem vimento de novos medicamentos. Um exemplo interessante foi
B). A próxima questão é: espécies de Gicrrdia encontradas a achada de uma organela em parasitas, como Plasnmdium
em animais são as mesmas que as encontradas no homem? e Ítvcoplasma,denominada apicoplasta, que tem semelhança
G. duodenalis é encontrada em uma grande variedade de com os plastos de algas. A grande distância filagenéüca entre
animais domésticas, cães e gatos, mas G. criteria¡ parece ser a homem e as algas, bem cama suas grandes diferençasbio-
limitada a primatas, embora possa ser encontrada ocasional- químicas, sugere que essa organela pode ser um excelente
mente em cães. lssa demonstra que a infecção por Gíardía, alvo para novas drogas a serem desenvolvidas, que podem ter
pode ser antroponótica ou zoonóüca. Na entanto, esses mes- uma toxicidade muito menor para o homem. Hoje o grande
mas animais também são infectados por espécies de (Hardia ClCSíElñO é descobrir os caracteres genéticos dos parasitas
hospedeiro-específicas que não infectam o homem. Assim, é vinculadas àviruléncia, à patogenicidade e ao tropismo teci-
importante distinguir essas espécies das linhagens genéticas dual. A identificação e a classiñcaçãa carretas das parasitas
encontradas na homem. são requisitos básicos para essa tarefa. Além disso, esse ca-
Ascaris é um importante parasita intestinal. Por muitos nhecirnento é ñmdamental para a elaboração de métodos de
anos não se tinha certeza da importância de suínos como fon- controle.
É 4 Parasitologia - uma abordagem clínica
by restriction

ANDERSON, TJ.; IAENIKE, I. Host speciñcity, evolutionary relation-


ships and macrogeographicdifferentiation among Ascaris popu-
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LÁAURICIO, I.L.; GALTNT, MME; STOTHARD, LR.; MILES, MA.
Cxenelic typing and phvlogenv of theLeishmania danovaní complex

$ -
@Epzdêmiofogzú (fas parasitoses Humanas

A maioria dos capítulos relacionadoscom a epidemiologia de


doenças traz noções básicas desse assunto, nem sempre alber-
gando os dados críticos correntes. Definições relacionadas
com os termos comuns de epidemiologia, como prevalência,
incidência e outros, não serão discutidas aqui. Nosso objeti-
vo é colocar de forma crítica a situação atual das doenças pa-
rasitárias e encaixa-las no conceito atual das doenças.
Um termo que tem sido adotado mais recentemente é o
de doençasnegligenciadas. Esse termo não é significado de
doençaparasitária e nem mesmo de doença de paises em de-
senvolvimento. Embora esses dois fatores de risco estejam
bastante correlacionados, as doenças negligenciadas são
aquelas doenças"esquecidas". O termo "esquecida" diz res-
peito ao grau de pesquisa, avanço em terapêutica e profila-
xia, incluindo o desenvolvimento de vacinassobre doenças
cuja maior incidência ou prevalência ocorra em países em
desenvolvimento.
Epidemiologia e taxonomia das parasitoses humanas
Desde setembro de 2000, audaciosasmissões foram su- O aquecimentoglobal pode ser incriminado, de certa for-
geridas pelas Nações Unidas. Entre as mais desañadoras, ma, na ampliação de algumasdoenças,seja pelos seus vetores
como eliminar a fome e a pobreza, inclui-se o combate con- ou pelos hospedeiros. As próprias guerras mantidas em di-
tra a infecção pelo vírus da imunodeñciência humana (HIV) versos estados añicanos ou em regiões da América Latina têm

e contra a malária. O mais impressionante dessas missões é promovido a introdução de doenças em outros paises e a mi-
que nos parece ser mais fácil eliminar a pobreza e a fome do gração de vetores associados.
que doenças infecciosas. Isso é uma impressão advinda do
verbo utilizadopara cada missão, sendo “Eliminar” para po-
breza e num outro lado "combater” para o HIV-AIDS e a
malária.
No artigo publicado recentemente pela revista de maior Discute-se algumas medidas que poderiam ser usadas para
impacto em Medicina Interna, o New England Journal of Me- eliminação das doençasnegligenciadas ou, ao menos, redu-
dicine, Peter i. Hortez e colaboradores (entre eles, leifrey ção signiñcaüva de doentes. Uma das práticas é o tratamento
em massa da população, reduzindo o número de portadores
Sachs) ñzeram uma revisão sobre o impacto das 13 doenças
negligenciadasnas populações que as albergam, assim como e, em conseqüência, reduzindo o ciclo do parasito pelo sfetor,
as perspeclivas de erradicação ou redução do impacto delas e restringindo, nesses casos, a doença para o meio florestal ou

sobre as populações acomeüdas. até mesmo eliminando-a quando o hospedeiro principal é o


Entre as doenças negligenciadas estão leishmaniose,
13 homem. Essa técnica é chamada de quimioproñlaxia, como
a usada contra a malária para viajantes de áreas de alto risco,
ascaridíase, tricuríase, esquistossomose, filarioses, tracoma,
oncocercose, doença de Chagas, ancilostomíase,hanseníase, porém o nível de profilaxiadessa técnica para as doenças ne-
tripanossomiase africana, dracunculíasee úlcera de Buruli. gligenciadas seria a nível nacional. Um dos exemplos citados
Dentre essas 13, dez estão presentes no Brasil. de quimioproñlaxia é o tratamento em massa com dietilcar-
Com base em diversos manuscritos publicados recente- bamazina para a filariose. Esse tratamento dizimou a doença
na China, assim como foram obtidas reduções importantes
mente, Hortez pôde demonstrar a prevalênciaglobal dessas
no Egito. No Brasil, houve resultado importante em áreas do
doenças, assim como a dimensão da população em risco. Se
fizermos uma relação de doentes pela população de risco, Nordeste, sobretudo no Estado do Pernambuco, incluindo a
chegamos a um íI1d.iceinteressante a relação de doentes por
-
participação da população no controle e na educação a res-
expostos. Com esse índice, verificamos que algumasdoenças peito da doença.
atingem proporções alarmantes dentro de “pequenas” popu- As indústrias farmacêuticasdesempenharam papel im-
lações. Nesse fato, torna-se factível a maior probabilidadede portante na colaboração de programas de erradicação de
controle da doença,respeitando, é claro, os subsídios associ- algumas doenças negligenciadas. Empresas como Merck,
ados àquela comorbidade. Cito a doença de Chagas no Bra- GlaxoSmithKlinee Pñzer contribuíram mediante a distribui-
sil, onde se obteve importante redução da incidência na ção de drogas antiparasitárias, como albendazol, ivermectina
América Latina após o programa de controle desenvolvido e dietilcarbamazina.Entre as doençascontempladas por esse

pelos países do Cone Sul em 1991. Era estipulada uma pre- sistema incluíram-se oncocercose, ñlariose linfática, helmiil-
valência maior que a atual, embora os custos com cuidados tíases e tracoma, todas elas em diversos países affricanos.
ultrapassem 8 bilhõesde dólares e mais de 40 mil pessoas O que tem sido levado em consideração na quimio-
morram pela doença de Chagas. Sabe-se que, apesar dos raros proñlaxia é a presença de mais de uma doençanegligencia-
surtos de tripanossomiase americana por via oral, a expecta- da em uma mesma área, como ocorre em vários países da
tiva em relação à doença é muito boa, levando-se em conta a Áfricae América Latina. Assim, esquemas múltiplos de tra-
redução da taxa de transmissão do 'liypamsonra cruzi pelo tamentos poderiam trazer maior repercussão, além de asso-
controle do vetor. ciar maior beneñcio com redução de custos. Em um dos
esquemas propostos estariam associados ivermectina, al-
bendazol,praziquantel e azitromicina. Com esse esquema,
ancilostomíase,ascaridíase, tricuríase, esquistossomose,
ñlariose, tracorna e oncocercose poderiam ser exritáxreis. Além
O perfil das doençasparasitárias tem se alterado nos últimos do benefício do tratamento múltiplo, a associação das
anos. Algumas doenças têm apresentado expansão geográfi- drogas culminaria na diminuição de custos pelas vendas,
ca à custa de múltiplos fatores (humanos, geográñcos, climá- tornando-as mais acessíveis para o sistema de saúde dos di-
ticos), como a leishmaniose e a malária. Outras doenças têm versos governos.
se expandido graças ao aumento do movimento popula- Projeções de custo sobre essa quimioproñlaxiacogitam
cional, como viagens de ecoturismo para regiões tropicais, le- valores muito inferiores aos que são investidos no controle
vando doenças para novas áreas completamente distantes do da tuberculose e l-llV-AJDS.Desse ponto de vista, poderiam ser
foco endêmica, como difilobotríase, malária e leishmaniose. levados em conta recursos temporários para o controle das
Não deixamos de lado o aumento de algumas doenças sete principais doençasnegligenciadas,tornando pouco signi-
pelo simples fato de melhora nas técnicas diagnósticas, per- ficativa a interferência sobre outros programas, assim como
mitindo a identiñcação da doença até o nível de cepas, devi- contribuiriam para a redução de comorbidades às doenças
do ao aumento do uso de técnicas moleculares. consideradas de maior morbimortalidade na atualidade.
6 Parasitologia - uma abordagem clínica
Uma lacuna dessa quimioproñlaxia seriam as tripanos-
somíases e a leishmaniose. O controle de vetores é a forma
mais eficaz para essas parasitoses no momento. Além do
controle de vetores, que pode ser bastante difícil no caso da
leishmaniose e tripanossomíase africana, outra estratégia
muito importante seria o diagnóstico e o tratamento precoces.
Nesse sentido, alguns testes rápidos, a exemplo do antígeno
[(39, têm sido aplicados com sucesso. Infelizmente, a obten-
ção do diagnóstico precoce depende da aplicação desses testes
em massa, o que significa custos mais elevados. Essa dispo-
sição da busca de casos e tratamento precoce contrasta com
a atual, ainda dependente do fato de o paciente procurar a

ajuda médica apenas quando os sintomas já atingiram pro-


porção de doença avançada, aumentandoa mortalidade por
complicações infecciosas.
Além do diagnóstico precoce, o desenvolvimento de novas
drogas tem sido outro desafio. As drogas atuais fazem parte
de um panorama primitivo, com diversos efeitos adversos,
via de aplicação parenteral e prolongada, culminando em
abandono freqüente, complicações graves e interrupção pre-
coce levando a resistência, apesar das controvérsias sobre esse
assunto.
Várias drogas contra a doença de Chagas, tripanosso-
miase añicana e leishmaniose estão em desenvolvimento.
Apesar dos diversos estudos com drogas efetivas in vitro, o
alcance dessas drogas para estudos de fase ll ou lll parece
muito longe. 'Falvez dependamos de sorte, como no caso da
miltefosina, que foi inicialmente desenvolvida para o trata-
mento de neoplasia e mais tarde Croft e colaboradores, do
Departamento de ParasitologiaMédica da London School of
Hvgiene and 'Fropical Medicine, demonstraram sua ativida-
de contra Leishmania donovani. Posteriormente, foram obti-
dos excelentes resultados no tratamento da leishmaniose
visceral na Índia, embora a sua eficácia contra a leishmaniose
tegumentar americana tenha apresentado resultados menos
eficazes. A vantagem dessa droga tem sido o seu uso oral,
permitindo a sua disponibilidadepara tratamento extra-hos-
pitalar, além dos poucos efeitos adversos quando compara-
da com os tratamentos vigentes.

Apesar desse perñl animador sobre as doenças negligencia-


das em relação ao diagnóstico e quimioproñlaxia em larga
escala, encontraremos algumas barreiras muito primordiais:
1) Em primeiro lugar, há necessidade de estudos epidemio-
lógicos mais amplos para definir com acurácia a prevalência
nas diversas regiões do mundo tropical, evitando o desneces-
sário emprego de quimioproñlaida em áreas de baixa pre-
valência atualrnente. 2) Deñnição do melhor perñl de doenças
para cada região a ñm de
Epidemiologia e taxonomia das parasitoses humanas
(página deixada intencionalmente em branco)
Imunobgia em
parasitobgia
Alda Maria Da-Cruz
10 Parasitologia - uma abordagem clinica

A irnunologia é uma dência que historicamente está associa-


da a doenças
Os linfócitos T são maturados no timo onde ocorre a
recombinaçãodos segmentos gênicos [C constante, V va-
- -

riável, I junção e D diversidade) que darão origem ao re-


- -

ceptor da célula 'l' (TCR). O TCR do linfócito é composto de


cadeias a e B (linfócito 'l'aí3_) e um baixo percentual das célu-
las T irá apresentar as cadeias 7 e õ (linfócito
12 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Quando o antígeno é gerado no interior da célula (p. ex.,
vírus, ant:ígenos tumorais, antígenos externos liberados no
citosol) este é processado pelo proteossoma, onde será de-
gradado em peptídeos. Esses peptídeos serão transportados
para dentro do núcleo através de duas cadeias heterodíme-
ras, chamadas transportadoras, associadas ao processamento
de antígeno ("PAR do inglés transportar-associated antiga!!
processing) e localizadas na membrananuclear. No interior
do núcleo, esses peptideos (em média dez aminoácidos) se-
rão aooplados ao MHC l, sendo assim transportados para a
superñcie da célula, onde apresentarão antígenos a linfócitos
T CDSÊ
Os linfócitos T ativados passam a expressar a cadeia o( do
receptor de [B2, tomando-o completo a proliferar em respos-
ta a lL-2. Além da expansão cional, ocorre a diferenciação em
células com capacidade efetora. Dos órgãos linfóides esses
linfócitos migram para o sangue periférico e serão atraídos
para o sítio inflamatório,sendo direcionados pela ligação a
moléculas de adesão expressas no endotélio ativado e de
citocinas quimioatratixfas, as quimiocinas. Ao chegar ao sítio
inflamatório,esses linfócitos serão reapresentados aos antí-
genos, atzravés de macrófagos. O ambiente de citocinas ge-
rado durante a resposta imune inata e as interações celulares
vão ser
Imunologia em parasitologia «s-
A Resposta Imune a Protozoários infecção por R. faicípamm um excesso de produção de TNF-a
lntracelulares contribui para a gênese da malária cerebral. Assim, o excesso
de função efetora pode contribuir para a patogénese.
Ao entrarem no organismo, os protozoários são inespeci- Nas fases posteriores da resposta imune, as citocinas do
ficamente reconhecidos por receptores de reconhecimento- tipo 2 e as células regulatórias serão fundamentais para mo-
dular a resposta efetora, após esta controlar a infecção, tra-
padrão, localizados na superficie de células fagocíticas. Estes zendo o sistema imune para o patamar de homeostase. Esse
interagem com os padrões moleculares associados à mem- raciocínio pode ser compartilhado com outras infecções pa-
brana (PAMP, do ingléspartem-associated ntembranepatterns)
rasitárias ou doenças não-infecciosas.
presentes nos patógenos. Os PAMPs são estruturas comparti- Nas infecções intracelulares há pouca influênciade an-
lhadas por um grupo de patógenos, mas não estão presentes
nas células de mamíferos, permitindo com que o sistema
ticorpos especificos, já que os patógenos estão protegidos no
imune faça a distinão entre o próprio e o não-próprio. Vários ambienteinüacelular. No caso de infecções pelo 'lÍ cruzi, o re-
conhecimento por lgs específicas de proteínas da super-
receptores de fagócitos reconhecem patógenos: receptores de fície das células miocárdicas que compartilhamsemelhanças
manose que se ligam a resíduos de açúcar em glicoproteínas
estruturais com as do patógeno, pode levar à destruição das
e glicolipídeos, receptores scavenger que se ligam a lipopro-
teínas de baixa densidade; receptores para opsoninas, recep-
ñbras cardíacas. Mecanismos semelhantes podem ocorrer
tores 'Hill-like(TLR) que formam uma família de pelo menos
também com linfócitos T CDSÍ
ll membros e ao se ligarem a diferentes classes de patógenos
induzem sinalização intracelular, receptores acoplados à pro-
teína G que reconhecem patógenos, além de mediadora e re-
Interação de Parasitos com a Mucosa
Intestinal
ceptores para citocinas.
A interação com receptores leva à ativação do macrófago
e este passa a produzir citocinas pró-inñamatórias ("FNE-oe
Os parasitos que habitam o intestino podem manter-se livres
lL-l e lL-ó) e quimiocinas (CCL-Z-MCP-l, CCLLB-MIP-lor., no lúmen ou interagir com a mucosa, seja diretamente com

CCLS-RANITZS, lL-S). Quando ocorre a indução de lL-IS e o epitélio (na superficie ou interiorizando-se neste) ou pene-

de IL- 12, ativará células N K a produzirem [FN-Ye este atua- trando entre as microvilosidades,podendo mesmo atingir a
rá sobre os macrófagos ativando-os a produzir moléculas submucosa, lâminabasal ou corrente sangüínea.
microbicidas, como óxido nítrico e derivados de oxigênio, le- A aderência ao epitélio ocorre, sobretudo, por interação de
vando ao controle da infecção. Por ou1ro lado, se houver a lectinas a glicoconjugadospresentes na superficie da celula.
presença de lL-4, oriunda, por exemplo, de mastócitos ati- Além da lectina, a Giardia. também utiliza o disco suctorial e
vados, ou de lL-IO, o resultado será o prejuizo na ativação o batimento de seus flagelos para se fixar ao intestino. lá os

dos macrófagos,permitindo a manutenção do parasitismo e trofozoítos de E. histolytíca secretam cisteíno-proteinases que


a disseminação para outras células. auxiliamno rompimento da barreira mucosa e de matriz ex-
O ambientede fatores solúveis gerados durante a respos- tracelular e facilitam,juntamente com as lectinas, a aderência
ta imune inata propicia a entrada das células T especíñcas ge- ao epitélio do cólon. Especula-se que o efeito mitogênico das
radas nos linfonodos. A diferenciação dos linfócitos T CD4* lectinas possa atuar diretamente sobre as células da mucosa.
em células produtoras de citocinas do tipo l (lFN-y, lL-2, A lise do epitélio por substânciassecretadas pelo parasito con-
TNF-a) ou do tipo 2 [lL-4, lL-S, lL-IO, lL-l3] vai depender tribui para a reação inflamatória.No caso da amebíase, a se-
do ambiente de citocinas gerado durante a resposta imune creção de proteínas formadorasde poro (amebaporo) leva à
inata. Assim, as citocinas do tipo l favorecem a destruição do lise do epitélio por citotoxicidade. A liberação de lL-IB e ou-
patógeno, enquanto as do tipo 2 são permissivas à sua repli- tros mediadores inflamatórios(IL-ô, lL-S, fator estimulador
cação. O próprio IFN-'f pode levar à lise direta dos parasitos. da colônia de macrófagos e granulócitos GM-CSF) pela cé-
Os linfócitos T CDS* também exibem um padrão similarde lula epitelial, irá contribuir para o recrutamento de leucócitos
citocinas. Além disso, a indução de T CDS* por apresentação ea conseqüente reação inflamatória.
cruzada das vias de processamento de antígeno leva à expan- Os antígenos liberados no intestino são capturados pela
são desse subtipo de linfócito, o que contribuirá para a eli- célula M e vão ter na lâmina própria, rica em celulas do teci-
minação da célula parasitada por citotoxicidade direta, após do linfóide. As células M parecem estar envolvidas na apre-
o reconhecimento do antígeno na sua superfície. sentação de antígenos e conseqüente expansão de linfócitos
As infecções por determinados protozoários, como, por T e B. As células T intra-epiteliais estão aumentadas nas in-
exemplo, a Leishmania e o Taacoplasma,compartilham vários fecções por protozoários, como Giardia lamblia, Cfj/PÍOS-
aspectos de mecanismos efetores. No caso da leishmaniose poridium parvum e Entamoeba histolytica. Os linfócitos
visceral, tende a haver uma inibiçãodas funções microbicidas contribuem para ampliar o infiltrado inflamatório,produ-
por supressão da resposta imune. Já na leishmaniose tegu- zindo citocinas efetoras e efeitos diretos nas células. Há evi-
mentar, há ativação da resposta imune, mas esta não é sufi- dências que linfócitos 'l' ativados, particularmente os TCDS *,
ciente para controlar a infecção, parecendo ser necessária podem auxiliarna destruição de microvilosidades na giar-
uma melhor resposta qualitativa. Além disso, a produção de díase, prejudicando a absorção de nutrientes. Quanto às
IFN-'y e de células 'l' CDS* citotóxicas, a despeito de ativar o citocinas, sabe-se que o lFN-T pode ter ação anti-parasitária
macrófago, também pode levar à lise tecidual. 'Fambém na por ativar a produção de óxido nítrico, enquanto a lL-lO
14 Parasitologia -
uma abordagem clínica
exerce seus efeitos por contribuir para a manutenção da in-
tegridade do epitélio intestinal.
Os plasmócitos também estão aumentados, mas as lgs
predominantes podem variar com o patógeno ou a fase da
infecção. A IgA é considerada uma importante lg com efeito
protetor e a mudança para essa classe depende de citocinas
como "IGP-B, lL-IO, 1L--4, IL-5 e lL-6. Na amebíase, a lgA
secretária vem sendo associada à ação antiparasitária, assim
como na infecção por 'Irichomonas e Giardia.. A IgA pode
atuar nos mecanismos de ADCC, bem como mediando o
desprendimento de trofozoítos de
Imunologia em parasitologia 15

direcionados para aumentar a positividade sem comprome-


ter a especiñcidade ao antígeno, reduzindo assim os diagnós-
ticos falso-negativos e falso-positivos. ABBAS, AK.; UCIITTMÀN, AH. Cellular and Molecular Immunology.
Certos conceitos devem ser considerados quando da in- 6th. ed., Elsevier Science, Philadelphia, EUA, 2007.
terpretação de um exame sorológico. Algumas patologias AIMÚIO, MJ.; CAARVALHO, EM. Human schistosomiasis decreases
(p. ex., leishmaniose visceral, malária) podem levar à ativação immune responses to allergens and clinical manifestations of
policlonalgerando linfócitos B que produzem grandes quan- asthma. In: Parasites and allergy. Carpon M, Trotein F, ecls. Chem.
tidades de lgs não-relacionadascom a infecção primária, o Immunoblllergjr. Basel, Karger 90:29-44, 2006.
COURA, LR. Dinâmica das Doenças Infecciosas. Guanabara Koogan,
que pode gerar resultados falso-positivos. As associações a Rio de Janeiro, Brasil, 2005.
doenças imunossupressoras também podem interferir na res- FARTHING,NLG. Immune response-mediatedpathology in human
posta humoral, limitando o valor diagnóstico do teste intestinal parasitic infection. Hzrasire Immunol., v. 25, prp. 247-257,
sorológico. Em algumas patologias, a sorologia tende a se tor- 2003.
nar negativa após o tratamento, podendo ser utilizada para IANEVtTAY, C.; TRAVERS,P.; VTALPORT, NI.; SHLOMCHIK, M.
controle de cura (p. ex., leishmaniose). Em outras doenças, os Immunobiology: The Irnmune System in Health and Disease. 6th.
ed. Elsevier Science LtclJGarland Publishing, London, 2004.
anticorpos podem se manter no indivíduo por longos anos, MAIZELS, R.M.; YAZDANBAICIJSH,M. Immune regulation by hel-
na maioria das vezes em baixos títulos (p. ex., toxoplasmo-
minth parasitas: cellular and molecular mechanisms. hlature Rev.,
se). Logo, nem sempre um exame positivo significa doença v. 3, pp. ?33-743, 2003.
ativa. Esse aspecto tem diñcultado a aplicação de testes MMZELS, R.M. Infectious and allergy helmints, hygiene and host
-

sorológicos, sobretudo para infecção por determinados hel- immune regulation. (Íurr. Opin. Immunol., v. 17, pp. 656-661, 2005.
mintos. Por isso, na interpretação de um resultado sorológico PAUL, W. Fundamental Immunologv. Paul, W', ed., 5th ed. Lippincott-
é importante não apenas considerar se o teste é positivo ou Raven Publishers, Philadelphia, EUA, 2003.
não, mas se houve positivação ou aumento do título em dois SRINTVASAN,A.; MCSORLEX', SJ. Visualizing the immune response
to pathogens. Gun. Opin. Immunol., v. 16, pp. 494-498, 2004.
testes colhidos com intervalo médio de 15 dias.

Detecção de Antígenos
httpzffvlmmnbiologjcarizona.edufimmunologyfimmunologythtml
Os antígenos parasitárias podem ser detectados em tecidos, Site da Universidade do Arizona EUA [The Biology Project) que
-

fezes, escarro, líquor, etc. A metodologia mais empregada contém exercícios com tutorial, casos clínicos e ilustrações ani-
para a visualização do antígeno em tecido é a imuno-his- madas sobre estruturas e mecanismos irnunológicos.
toquímica, mas também a imunofluorescénciapode ser
empregada. Nos demais materiais biológicos o ensaio imuno-
enzimático, a imunofluorecénciaou a imunoprecipitação têm
sido utilizados.
(página deixada intencionalmente em branco)
/lmeõíase
Semíramis Guimarães Ferraz Viana
18 Parasitologia -
uma abordagem clínica

A amebíase é definida como a infecção sintomática ou as-


sintomática causada pelo protozoário intestinal Enmmoeba
Irístolytica. Este parasito vive na luz do intestino grosso do
hospedeiro, mas ocasionalmente pode penetrar a submucosa
e, pela circulação portal, pode alcançar o ñgado e daí atingir
outros órgãos.
Segundo as estimativas da Organização Mundial da Saú-
de, 50 milhões de novos casos e 100 mil óbitos são registrados
anualmente. Contudo, as maiores prevalências são observa-
das em áreas onde as condições sanitárias e socioeconômicas
da população são precárias. Entre as infecções parasitárias
causadas por protozoários, a amebíaseé a segunda principal
causa de óbitos, perdendo apenas para a malária.
A maioria das infecções por E. histolytica é assintomática,
mas uma pequena proporção dos indivíduosinfectados pode

apresentar sintomas associados à forma invasiva da doença.


A discrepância entre o grande número de indivíduos infec-
tados e apequena proporção que desenvolve sintomas tem
intrigado muitos pesquisadores. Diante das evidências reuni-
das ao longo de vários anos de estudos, hoje considera-se a
existência de duas espécies morfologicamente idênticas:
Enmmoeba dispar, não-patogénica, e E. histolytica, a espécie
potencialmente patogênica e capaz de determinar invasão in-
testinal e extra-intestinal.
O desenvolvimento de pesquisas genéticas e moleculares
tem permitido avanços no estudo de aspectos envolvidos nos
mecanismos que tornam E. h-istolyzica o único protozoário
intestinal deste gênero capaz de causar doença invasiva.
Amebíase 1

no03: ._0 35 E0

05 9 0 5 0.; 0 3 5 0 .6 9 50 0 2 .0 0.5390 0 50. 950 0 50.


SK .0235 _ÊE_ 90 01 N_ 3u0›
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_E_
:O
»DEU 50,50 _
»DE
ÉCDM 093 0.5
20 Parasitologia -
uma abordagem clínica
senta cromatina periférica composta de pequenos grânulos
escuros, uniformes quanto ao tamanho e à distribuição na
membrananuclear. Em geral, o cariossoma é central e delica-
do, e em algumas preparações é possível observar pequenos
grânulos de cromatina dispostos entre essa estrutura e a
membrananuclear. Observações feitas em microscopia ele-
trônica demonstram que os trofozoítos não apresentam
organelas como mitocóndria, retículo endoplasmáticoe apa-
relho de Golgi.
A forma cística costuma ser esférica, mas algumas vezes
pode apresentar aspecto oval. A dimensão do cisto pode va-
riar de 8 a 20 um de diâmetro, e a maioria apresenta medi-
das na faixade 10 a 15 um de diâmetro. Além disso, os cistos
ão envolvidos por uma parede cística e no citoplasmapodem
ser observados de um a quatro núcleos, vacúolos pequenos
e inclusões. É comum a visualizaão de vacúolosde glicogênio
no citoplasma dos cistos jovens ou imaturos. Nas preparações
a fresco, os núcleos são pouco nítidos; entretanto, quando
cotados com hematoxilinaférrica apresentam as mesmas ca-
racterísticas observadas na forma vegetatíva Além do núcleo
característico, estruturas escuras em forma de bastonete ou de
charuto podem ser visualizadas no citoplasma. Essas estru-
turas são denominadas corpos cromatóides e raramente são
observadas nos cistos maduros (cistos tetranucleados).

A amebíaseé responsável por cerca de 100.000 óbitos por ano,


sobretudo no México, América do Sul, Áírica e Índia. Além
da alta mortalidade, a infecção pode levar a considerável
morbidade em decorrência das formas invasivas, intestinal e
cama-intestinal.
Após a confirmação da existência de duas espécies distin-
tas, E. histolytiaz,patogênica, e B. dispor, não-patogênica, os
dados de prevalência e incidência registrados anteriormente
passaram a ser considerados com certas restrições, pois os le-
vantamentos epidemiológicos não incluíam a distinção entre
as infecções causadas por essas espécies. As informações re-
ferentes à morbidade e mortalidade não foram afetadas com
a redescrição das espécies, uma vez que as formas invasivas
estão associadas à infecção por E. hístolytica. Entretanto,
considerando que varios índices de prevalência e incidência
foram registrados em indivíduos assintomáticos, é provável que
a maioria dessas infecções seja decorrência da espécie não-
patogênica E dispor. Com isso, uma das principais prioridades
nas pesquisas com E.
Amebíase 21-
(tetranucleados) presentes na água e em alimentos conta- e colonizam os tecidos. Entretanto, é importante chamar
minados. A transmissão hídrica assume importânciaepide- atenção para o fato de que nos tecidos o parasito não é ca-
miológica, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde paz de formar cistos, o que ocorre apenas na luz intestinal
muitas vezes a água destinada ao consumo da população é (Figura 3-1).
contaminada por dejetos humanos e o tratamento é insuñ-
ciente.
A transmissão direta de pessoa a pessoa, por meio das
mãos contaminadas, é comum em ambientesde aglomeração
humana e desprovidos de condições sanitárias adequadas, Nas infecções por E.Iristolynlfa, cerca de 90% dos indivíduos
tais como creches, orfanatos, asilos, presídios, instituições são assintomáticos. Nesses casos, o parasito vive na luz do
para doentes mentais, etc. Além disso, a transmissão direta intestino como comensal, sem invadir os tecidos e é capaz de
assume importância entre homossexuais masculinos que em produzir cistos que são eliminados nas fezes do hospedeiro.
geral se infectam pelo contato oral-anal. Apenas uma pequena proporção dos indivíduos infectados
Apesar de alguns autores sugeriram a possibilidade de desenvolverá a doença,pois sob certas circunstâncias, o pa-
transmissão zoonótica, o homem ainda é a principal fonte de rasito pode invadir e colonizar a mucosa intestinal e, poste-
infecção envolvida na disseminação de E. íristolytica. riormente, alcançaro fígado e outros órgãos.
A mosca doméstica e as baratas, artrópodes importantes A despeito do número crescente de estudos, até o presente
como vetores mecânicos de patógenos intestinais, contri- os fatores que determinam a capacidade invasiva do parasi-
buem para a disseminação de cistos de E. histolytica, sobre- to ainda não foram totalmente elucidados. À semelhança de
tudo em áreas sem saneamento básico e com baixo padrão outras infecções parasitárias, os mecanismos etiopatogênicos
de higiene. na amebíase são multifatoriais, podendo ser determinados

O ciclo biológico de E. histolytica é direto e relativamente por fatores associados ao parasito (virulência e patogenici-
simples. Após a ingestão de cistos maduros, tem início o pro- dade das cepas), ao hospedeiro (resposta imune, estado nu-
cesso de desencistamento que ocorre na porção distal do íleo tricional, sexo, idade, associação à microbiota intestinal) e ao
e no ceco. Mediante a ação do suco gástrico e das secreções
ambiente gastrintestinal (interação com microbiota).
intestinais, forma-se uma fenda na parede de cada cisto, por
onde é liberada uma forma tetranucleada, que por divisão
binária dá origem a oito trofozoítos uninucleados. Esses tro-
fozoítos multiplicam-se por divisões bináriassucessivas e co-
lonizam o intestino grosso, sobretudo na região do ceco. No
lúmen intestinal os trofozoítos alimentam-se de bactérias e
detritos, e multiplicam-se indefinidamente. Muitos desses
trofozoítos passam por run processo de encistamento, quan-
do inicialmente o parasito diminui de tamanho e se arredonda,
transformando-se em uma forma denominada pré-cisto. Em
seguida, essa fomia dá origem a um cisto uninucleado, quan-
do ao seu redor é secretada uma membrana resistente e de
natureza glicoproteica, denominada parede cística. Após divi-
sões nucleares, esses cistos tomam-se tetranudeados e podem
ser excretados juntamente com as fezes do hospedeiro. Os
cistos tetranucleados são as formas infectantes do parasito e
costumam estar presentes nas fezes normais de indivíduos
assintomáticos.
Vale salientar que sob certas circunstâncias alguns tro-
fozoítos, por meio de seus movimentos e da liberação de
enzimas proteolíticas, invadem e colonizam a mucosa intes-
tina] e produzem lesões ao longo do epitélio do intestino gros-
so. Os trofozoítos invasivos apresentam hemácias, restos
celulares e hemoglobinanos vacúolos digestivos e, com fre-
qüência, são observados em fezes diarréicas de indivíduos
sintomáticos. Esses trofozoítos prosseguem invadindo os te- FIGURA 3-1 Ciclo biológico de Entamoeba histolytfco. 1, Cistos
cidos e podem, pela circulação portal, atingir o ñgado, que é maduros de Entomoebo são ingeridos por meio de água ou
o principal órgão acometido nas invasões extra-intestinais. alimentos contaminados. 2, Após a ingestão ocorre a excistação e
Posteriormente, o parasito pode chegar até aos pulmões, rins, formação de trofozoítos cuja multiplicação pode gerar novos
cérebro e pele. trofozoítos assim como novos cistos. Os trofozoitos podem causar
Muitos autores consideram que B. histolyttba apresenta doença intestinal e extra-intestinal (p. ex. fígado). 3, Cistos e
um ciclo não-patogênico, que ocorre na luz do intestino
trofozoítos são eliminados pelas fezes, e apenas os cistos
grosso, e um ciclo patogénico,quando os trofozoítos invadem apresentam capacidade de fechar o ciclo de nova infecção (4).
22 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Levando em conta as informações reunidas em diferentes invasiva, sobretudo no ligado, além da morte celular por ne-
investigações, tem sido possível eiqaandir o conhecimento so- crose lítica, o parasito pode induzir apoptose nas células-alvo.
bre a patogênese da amebíase, em especial sobre os fatores Segundo alguns autores, a apoptose pode ser um evento secun-
inerentes ao parasito. E. histolytica. é um parasito que apre- dário à liberação de fatores citotóxicos do parasito, como as
senta excepcional capacidade citolitica, e nas fomias invasivas proteínas formadoras de poros e as cisteína-proteases.
da infecção as lesões são produzidas em conseqüência de lise No que diz respeito aos fatores associados ao ambiente in-
celular, necrose dos tecidos e degradação da matriz extrace- testinal, ainda pouco se sabe sobre a interação de E histolytim
lular. Após inúmeros estudos para identificar e caracterizaras com a microbiota. Alguns experimentos demonstram que os
bases moleculares da reação citolítica, principal mecanismo trofozoítos interagem com diferentes espécies de bactérias e
patogênico na amebíase, demonstrou-se que entre as molé- que essa interação é mediada por leciünas do parasito que se
culas envolvidas no efeito CÍÍOÍÓJCÍCO estão proteínas específi- ligam a receptores específicos presentes na superfície das bac-
cas. Entre essas moléculas incluem-se proteínas de adesão, térias. Além disso, há evidências de que essa interação possa
proteínas formadorasde poros e cisteína-proteases, que atuam determinar um aumento na expressão da vimléncia do pa-
na patogenia da amebíase como importantes fatores de viru- rasito.
lência. l-lá evidências marcantes de que em certas cepas de E. Após a invasão, os trofozoítos multiplicam-se nos tecidos
e prosseguem determinando lesões nos órgãos atingidos. No
hístolytica. a presença dessas moléculas possa determinar di-
ferenças quanto à capacidade de causar doença. intestino grosso, a invasão da mucosa tem localização prefe-
Quanto às moléculas de adesão, são proteínas presentes rencial no ceco e retossigmóide, onde os trofozoítos progri-
na superficie do trofozoíto que, durante o processo de ade-
dem em direção à camada muscular (musculuris mucosas) e,
rência ao epitélio intestinal, reconhecem glicoproteínas na a seguir, à submucosa. A lesão inicial consiste em pequenas

membranada célula-alvo. Esse contato direto é mediado por elevações nodulares, semelhantes à cabeça de um alñnete e
lecitinas que se ligam especificamente a glicoproteínasconten- com bordas hiperêmicas e congestas. As vezes, em algims

do resíduos dos carboidratos galactose (Gal) e N -Acetil-D- pontos da mucosa, notam-se pequenas ulcerações superfi-
galactosarnina(CralNAC). Vários estudos têm demonstrado
que a inibição da lecitina GalfGalNAC torna o parasito inca-
paz de aderir e lisar as células do epitélio inteslinal. Assim, está
claro que a adesão dos trofozoítos às células-alvo é pré-requi-
sito para que ocorra a lise dos tecidos.
Após o contato com a célula do hospedeiro, o parasito li-
bera produtos capazes de alterar a integridade da membrana
da célula-alvo e promover a degradação dos tecidos. Alguns
desses produtos correspondem a proteínas que se inserem na
membrana plasmática da célula hospedeira e causam a for-
mação de canais ou poros que provocam a lise celular. Essas
proteínas, denominadas amebaporos, são pequenos pepüdeos
localizados em grânulos citoplasrnáticos, que o parasito libera
após o contato com a célula.
Além das arnebaporos, os grânulos citoplasmáticos con-
tém lisozima, fosfolipases e cisteína-proteases. Atualmente,
já se sabe que as cistema-proteases têm papel importante na
invasão dos tecidos, pois são capazes de degradar desde com-
ponentes do muco até proteínas relevantes da matriz extra-
celular, como laminina, ñbronectina e colágeno do tipo l.
Além disso, vários relatos têm associado a capacidade de in-
vasão de cepas do parasito, que exibem graus de virulência
distintos, à quantidade de proteases produzidaspelo parasi-
to. Assim, cepas patogênicas são capazes de liberar maiores
quantidades de proteases do que as cepas não-invasivas.
Somando-se a esses aspectos, vale destacar que algumas
dessas proteínas são imunogênicas, e com isso tem-se explo-
rado a possibilidadede emprega-las como marcadores para
o diagnóstico da infecção. Além disso, o papel como fatores
de virulência tornou-as alvo potencial para o desenvolvimen-
to de agentes terapêuticos e vacinas.
Diante do exposto, ê importante ressaltar que a atividade
citopática de E. histolytim é contato-dependente e pode ser
dividida em quatro etapas: a aderência, a citólise após o con-
tato, a fagocitose e a degradação intracelular. Na amebíase
Amebíase 23

alguns casos, a excreção de cistos ocorre durante um curto no apêndice. Os sinais e sintomas são semelhantes aos obser-
período e a infecção resolve-se de forma espontânea. Em ge- vados em casos de apendicite com outras eüologias.
ral, os casos assintomáticos permanecem nessa condição ao
longo de toda a infecção. Contudo, uma pequena parcela dos
indivíduos infectados desenvolve sinais e sintomas decorren- _Amebiase Extra-intestinal
tes da invasão intestinal e, algumas vezes, extra-intestinal.
Entre as localizações extra-intesünais, o fígado é o principal
órgão acometido, e na amebíase hepática destacam-se duas
Amebiase Intestinal formas clinicas: a hepatite amebianaaguda e a necrose coli-
quativa aguda, mais conhecida como abscesso hepático ame-
Na amebíase intestinal, duas formas clínicas destacam-se, biano. Pela circulação portal, sobretudo pela veia mesentérica
respectivamente, pela freqüência com que ocorre nas áreas superior, os trofozoítos chegam a esse órgão e causam necro-
endémicas e pela importância clínica: colite não-disentérica e se do parénquimahepático.
disenteria amebiana(colite disentérica). Previamente ao surgimento do abscesso hepático ame-
Juntamente com as formas assintomáücas, a colite não- biano, instala-se um quadro de hepatite amebiana aguda,
disentérica é uma das formas clínicas mais comuns em indi- que sob o aspecto clínico manifesta-se por hepatomegalia
víduos rmidentes em áreas endémicas, inclusive no Brasil. Essa moderada.
forma caracteriza-se por evacuações diarréicas ou não, com No tocante abscesso hepático amebiana, essa é a for-
ao
duas a quatro dejeções diárias, podendo o indivíduo eliminar ma extra-intestinal mais comum, sobretudo em indivíduos
fezes moles ou pastosas, e às vezes, com muco ou sangue. residentes no México, Egito, Índia, África do Sul e Ásia_ No
Durante a infecção, o indivíduo pode alternar períodos de Brasil, essa forma é rara; entretanto, na região Amazônica, a
funcionamentointestinal normal e quadros de diarréia. Além amebíasehepática ocorre com mais freqüência, mas não apre-
disso, sintomas intestinais, como flatuléncia, desconforto senta a gravidade e a intensidade verificadas, por exemplo,
abdominal e cólicas, estão presentes na maioria dos casos. no México. Em geral, nas regiões onde ocorre, essa forma clí-
Mais raramente, a febre pode acompanhar esses sintomas. nica predomina no sexo masculino, em particular, na faixa
A colite disentérica ou disenteria amebiana é uma forma etária de 20 a 50 anos.
clínica mais rara, mas tem sido observada em cerca de 10% Na maioria dos casos, a lesão é única e localizada no hi-
dos indivíduos com amebíaseintestinal. Essa forma apresenta pocôndrio direito. Sob o ponto de vista clinico, as manifes-
evolução aguda e, sob o aspecto clínico, assemelha-se à di- tações são inespecíñcas, mas essa forma caracteriza-se pela
senteria bacilar. Entre os sintomas atribuídos a essa forma tríade de sintomas que inclui febre, dor e hepatomegalia. A
destacam-se dores abdominais, cólicas intestinais intensas, diar- dor abdominal é um sinal observado em cerca de 90% dos
réia líquida com evacuações muc.ossanguinolentas e febre pacientes e, com freqüência, localiza-se no quadrante superior
moderada. As evacuações são freqüentes, variando de oito a direito. A febre é outro sintoma muito comum, podendo
mais de dez dejeções diárias e, nesses casos, os indivíduos ocorrer em até 999/43 dos casos. Somando-se a esses sinais, a
também apresentam Hatuléncia, inapeténcia, náuseas, vômi- hepatomegalia com dor à palpação é um dos sintomas mais
tos e desconforto abdominal. Às vezes o quadro de colite importantes nos casos de abscesso hepático e pode ser veri-
disentérica pode evoluir para formas agudas fulminantes, ficado em 90% dos pacientes. Além disso, os pacientespodem
caracterizadaspor diarréia mucopiossanguinolentaprofusa, se queixar de fraqueza, prostração, calafrios, suores, náuseas,

desidratação intensa, prostração geral, febre e dor abdominal vômitos, perda de peso e inapetência.
disseminada. As formas graves podem levar à morte, sobre- É. importante destacar que cerca de 50% dos pacientes com
tudo quando ocorrem em crianças e adultos imunodepri- abscesso hepático amebiano relatam história prévia de doença
midos. intestinal, mas em apenas 10-2096 dos casos é possivel detec-
O agravamento do quadro de colite disentérica se deve ao tar o parasito nas fezes.
extenso comprometimento do cólon, inclusive, devido à for- Entre as complicações advindas da amebíase hepática, a
mação de úlceras profundas, muitas vezes, determinando ruptura espontânea do abscesso nas cavidades peritonial,
perfurações intestinais múltiplas. Em geral, à perfuração in- pleural e pericárdica pode agravar o quadro, pois provoca a
testinal segue-se um quadro de peritonite aguda. disseminação do parasito para outras localizações como pul-
Além da colite fulminante, o ameboma e a apendicite mões e cérebro.
amebiana são outras complicações da forma disentérica. O A lesão necrótica do pulmão ou abscesso amebiana pul-
arneboma, muitas vezes confundido com uma formação monar pode ser resultante de disseminação hernatogênica ou,
tumoral, apresenta-se como massas granulomatosas, em ge- com mais freqüência, de extensão das lesões hepáticas. O
ral observadas nas regiões do ceco e retossigmóide. Essa le- quadro clínico é variável, mas em geral o paciente apresenta
são resulta da invasão da mucosa intestinal pelos trofozoítos, febre, dor torácica e tosse com expectoração de secreção cor
que além de determinar a necrose do tecido, induzem uma de chocolate. Em muitos casos, os pacientes co1r1 lesões pul-
resposta inflamatóriae edema do tecido. O ameboma provo- monares também tem sintomatologiahepática.
ca dor, sangramento e, com menos freqüência, obstrução in- As lesões no cérebro são raras, luas, quando ocorrem, a
testinal. evolução é rápida e fatal. Em geral, o abscesso amebiana ce-
A apendicite amebianaé o resultado de ulcerações na re- rebral acomete pacientes que estão na fase final da amebíase
gião ceco-apendicular associada a um processo inñamatório hepática ou pulmonar. A presença de trofozoítos no sistema
124 Parasitologia -
uma abordagem clínica
nervoso central é decorrente de disseminação hematogênica a
partir de focos intestinais, hepáticas ou pulmonares.
Em alguns casos, abscessos amebianos cutâneos podem
ser observados, sobretudo na região perianal e parede abdo-
minal. Essas lesões podem surgir devido à extensão de uma
colite amebianaaguda e à ruptura e drenagem de lesões in-
testinais e hepáticas.

Há muitos anos tem-se buscado novas alternativas que pos-


sibilitemo diagnóstico preciso da infecção por E. histolynka..
É importante chamar atenção para o fato de que a precisão
do diagnóstico não se restringe somente à detecção dos casos
sintomáticos, mas também à identificação das infecções as-
sintomáticas que, além de corresponderem a 90% dos casos
de amebíase, incluem grande número de indivíduos excreto-
res de cistos e, portanto, importantes fontes de
Amebíase 25

Outro fator fundamental no diagnósticoparasitológico da facilmenteconfundida::com trofozoítos. Ainda é importante


amebíaseintestinal está associado às características físicas das acrescentar que o método direto pode auxiliarna distinção
fezes. Assim, o aspecto e a consistência da amostra fecal for- entre as disenterias amebianae bacilar,pois nesse último caso,
necem informações sobre a forma evolutiva a ser pesquisada, no material a fresco, é possível observar a presença abundan-
uma vez que em fezes formadas e fezes diarréicas predomi- te de leucócitos e hemácias íntegros.
nam cistos e trofozoítos, respectivamente. Além disso, com Em amostras de fezes formadas, os cistos podem ser de-
essas informações o profissional pode orientar-se quanto às tectados em preparações a fresco pelo exame direto (com sa-
condições em que as amostras de fezes devem ser coletadas. lina ou lugol). Contudo, os métodos de concentração são os
Assim, deve-se estar atento ao fato de que, como nas fezes mais indicados, como, por exemplo, o método de centrífugo-
diarréicas encontram-se trofozoítos, que perecem rapidamen- flutuação em sulfato de zinco a 33% e densidade 1,18 (méto-
te (15-20 minutos), recomenda-se a coleta das amostras do de Faust e colaboradores) e o método de sedimentação por
fecais em recipientes contendo substâncias ñxadoras, como centrifugação com formol-éter (método de Ritchie). Em ge-
por exemplo, formol a 10%, MIF (mertiolato-iodo-formol) ral, na rotina para a identificação dos cistos, as preparações
ou SAF [acetato de sódio-ácido acético-formaldeído).As for- de fezes são coradas apenas com lugol. Entretanto, muitas
mas císticas são mais resistentes, porém se o tempo decor- vezes, surge a necessidade de realizar o diagnóstico diferen-
rente da coleta das fezes à análise do material ultrapassar 48 cial entre Entamoeba histaIyüca/Entamoeba dispar e outras
horas, sugere-se que a amostra seja mantida a 4°C, por no espécies de amebas, o que exige que a identificação dos cistos
máximo uma semana, ou que seja preservada em substân- seja feita em esfregaços corados com tricômio ou com
cias ñxadoras. hematoxilinaférrica.
A presença de muco e sangue nas fezes também merece
atenção durante a análise macroscópica do material, pois Pesquisa nos tecidos
pode sugerir um quadro de disenteria amebiana. Da mesma
fonna, fezes mucossanguinolentaspodem ser observadas em Nas formas invasivas da infecção por E. histalyríca, trofo-
caso de disenteria bacteriana, o que torna necessário o exame zoítos podem ser pesquisados em material obtido de lesões
rnicroscópico para a distinção entre os dois quadros. intestinais e extra-intestinais.
Outro aspecto importante a ser considerado no diagnós- A retossigmoidoscopia é um método que permite a obser-
tico da amebíaseintestinal é o fato de que indivíduos para- vação das lesões na mucosa e a curetagem das úlceras. O ma-
sitados não eliminam cistos de forma contínua. Essa terial curetado pode ser examinado logo após a coleta ou ser
eliminação caracteriza-sepor ser intermitente e denomina-se ñxado e corado com hematoxilinaférrica. O exame dessas
"período negativo", podendo durar, em média., dez dias. Isso preparações pennite a detecção de trofozoítos tissulares.
se deve ao fato de a eliminação dos cistos não ser contínua e Em caso de abscesso hepático amebiana,trofozoítos podem
o exame de uma única amostra de fezes poder gerar resulta- ser pesquisados em líquidos e exsudatos obtidos por punção
dos falso-negativos. Para compensar tais limitações, reco- das lesões. A coleta do material deve ser feita por profissional
menda-se para o diagnóstico de rotina o exame de pelo menos treinado, pois a punção pode levar a complicações como rup-
três amostras fecais obtidas em dias alternados. Com essa tura do abscesso, hemorragia e infecções bacterianassecundá-
conduta, a positividade do exame de fezes pode alcançar 90%. rias. Hoje recomenda-se que esse procedimento seja efetuado
Quanto aos métodos adotados para a pesquisa do para- com monitoramento por tomografia computadorizada ou
sito nas fezes, o exame direto a fresco seria o método mais por ultra-sonograíia.A aspiração do abscesso por agulha pos-
simples e rápido a ser adotado. O fato de analisar tuna quan- sibilitaa coleta da secreção purulenta com cor de chocolate,
tidade muito pequena de fezes consiste em importante li- que será examinada em preparações a fresco ou em esfregaços
mitação, pois reduz a sensibilidadedo método. A despeito corados com hematoxilinaférrica. Mais uma vez, a expe-
disso, o método pode ser útil quando as amostras fecais são riência do profissional é essencial para o diagnóstico,pois é
pastosas ou diarréicas com muco e sangue, pois permite a importante que o microscopista esteja apto a distinguir os
pesquisa de trofozoítos móveis, desde que as fezes sejam exa- trofozoítos de E. Izisrolyríca. de outras células presentes no as-
minadas logo após a evacuação. Nesses trofozoítos, muitas pirado, sobretudo macrófagos. Vale ressaltar que a punção é
vezes é possivel visualizar a diferença entre o ectoplasrna e o um método muito invasivo, e a recuperação de trofozoítos no
endoplasma,além da presença de xracúolos digestivos conten- conteúdo da lesão é muito diñcil, pois os parasitos se concen-
do hemácias fagocitadas. Ainda que o microscopista seja ex- tram, principalmente, no material localizado na periferia do
periente e capaz de identificar com segurança os trofozoítos abscesso. Diante disso, esse procedimento tem sido indicado
de E. histolytica, em geral, o exame direto se presta à orienta- somente em situações especiais, como, por exemplo,possibi-
ção e triagem, pois o diagnóstico deñnitivo requer a confec- lidade de ruptura espontânea do abscesso, diferenciação en-
ção de esfregaços corados com tiicômio ou com hematoxilina tre os abscessos amebianos e piogénicos e ausência de
férrica. Essas colorações permitem o diagnóstico diferencial resposta à terapêutica com antibióticos ou amebicidas.
com ounas espécies de amebas, pois facilitam a análise das
características morfológicas dos núcleos dos cistos e dos tro-
fozoítos, em especial, no tocante à disposição da cromatina Diagnóstico lmunológico
distribuída na membrananuclear e às características do ca-
riossoma. Além disso, essa conduta é importante, pois no Embora o diagnóstico parasitológico de fezes ainda seja a
exame direto células como leucócitos e macrófagospodem ser principal alternativa para o diagnóstico seguro e conclusivo
26 Parasitologia -
uma abordagem clínica
da infecção por E. histolytim, os métodos imunológicos po-
dem auxiliarprincipalmente no diagnóstico das formas
invasivas,
Amebíase 27

Nas infecções sintomáticas, o metronidazol é o medica- mental, sobretudo nas áreas endêrnicas. Em locais onde o sis-
mento mais eñcaz no tratamento das formas invasivas intes- tema de tratamento de água é deñcitário, recomenda-se a ñl-
tinais e extra-intestinais. Nos pacientes com colite disentélica tração ou a fervura da água a ser utilizada como bebida ou
aguda, a dosagem recomendada para adultos é de 750 a 800 no preparo dos alimentos e na lavagem dos vegetais crus. Vale
mg, três vezes ao dia, durante cinco a dez dias, e as crianças destacar que a cloração feita nas concentrações empregadas
podem ser tratadas com 500 mg, duas vezes ao dia, por cin- nos processos de desinfecção da água não é suficiente para
co a dez dias. Para o tratamento das formas hepáticas, esse inativar os cistos de E. histofytica. Além dos cuidados com a
mesmo quimioterápico é empregado em doses de ?'50 a 800 água, é importante dar destino correto às fezes humanas. As-
mg, três vezes ao dia, durante 10 a 14 dias, podendo em cer- sim, a existência de instalações sanitárias e de rede de esgoto
tos casos ser associado a amebicidas luminais. Em geral, o e o tratamento adequado dos esgotos sanitários são medidas
tratamento é feito por via oral, mas nos pacientes com maior relevantes para o controle das infecções por E. hzstob/tica e
gravidade a administração pode ser intravenosa. O percentual outros parasitas intestinais.
de cura com o metronidazol pode atingir taxas superiores a Outra medida importante consiste na identificação e no
90%. Entretanto, é preciso levar em consideração que o tra- tratamento precoce dos individuos infectados, sintomáúcos e
tamento pode causar efeitos colaterais, como náuseas, vômi- assintomáücos. Entre esses, destacam-se os indivíduos excre-
tos, vertigens, dores de cabeça e pancreatites ocasionais e, em tores de cistos, importantes como fontes de infecção, sobre-
alguns pacientes, complicações como toxicidade do sistema tudo quando exercem atividadm que facilitama disseminação
nervoso centraL Além disso, estudos in. *vivo têm demonstra- do parasito, como, por exemplo, a manipulação e o preparo
do que esquemas terapêuticos prolongados com essa droga de alimentos.
podem determinar efeitos carcinogênicos e mutagénicos.

STANLEY',S.I_.Ir. Amoebiasis. Lancer, v. 361, pp_ 1025-1034, 2003.


Considerando as características epidemiológicas da ame- STAUFEER, Kai.; RAVDIN,].I. Entamoeba bistolvtica: an update. Carr.
bíase, sobretudo no que diz respeito à transmissão fecal- Opín. Ínfétt Dis., v. 16, pp. 479-485, 2003.
oral, a profilaxiadeve incluir medidas de higiene pessoal, de TANYUICSEL,M.; PETRI,WEA. Ir. Laboratory diagnosis of amoebiasis.
Clin. Microbioi. Rev., v. 16, pp. 713-3729, 2003.
saneamento ambientale de educação sanitária, que possam
prevenir ou evitar a contaminação do meio ambientee a in-
gestão de água e alimentos contaminados com os cistos do
parasita.
Com relação às medidas de higiene pessoal, a lavagem das httpzffmmndpdrdc.govfdpdxfDefaulthtm
mãos é uma das medidas mais básicas e importantes para se apresenta informações básicas sobre as espécies de parasitas ini-
evitar a transmissão dos parasitas intestinais, inclusive E. portantes em Saúde Pública e disponibilizaimagens das formas
íristolytíca. evolutiva.; comumente identificadas com freqüência no diagnós-
Entre as medidas de saneamento ambiental,é essencial que tico parasitológico.
aágua destinada ao consumo humano seja potável e livre de httpzffummnatlasnnlcrlatlasialphabet
Atlas de parasitologia que, além das fotos, inclui aspectos básicos
contaminação fecal, pois a amebíaseé uma parasitose asso- sobre morfologia, biologia, distribuição geográñca e profilaxiados
ciada à veiculação hídrica. Sendo assim, o fornecimento de helmintcrs, protomários e artrópodes importantes em Saúde Pú-
água tratada à população é uma medida proñlática funda- blica.
(página deixada intencionalmente em branco)
30 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Com certa freqüência são detectados protozoários nos exa-


mes parasitológicos de fezes, aos quais não se atribui, até o
momento, ação patogênica. Eles têm importânciapelo fato de
sinalizarem exposição a parasitas por via hídrica ou alimen-
tos e também porque não há indicação de tratamento espe-
cífico para a erradicação desses agentes. Esses parasitas, ditos
comensais, albergam-se no trato digestório, respiratório ou
urogenital, fazendo parte da microbiota de seres humanos e
outros animais em todo o mundo, embora algumasespécies
possam variar em sua prevalênciapopulacional, em função
de fatores de risco regionais.
Embora abordados neste capítulo como não-patogênicos,
devemos lembrar que o avanço do conhecimento de biologia
molecular e as condições de imunossupressão podem levar ao
conhecimento de que espécies consideradas como comensais
tornem-se causadores de doenças, talvez fora do ambiente
onde são tidos como comensais.

Entamoeba Cali
São as amebas mais encontradas em seres humanos. São co-
mensais, não-patogênicos e devem ser diferenciados de Enta-
moeba histolytica, o que é feito levando-se em consideração
as dimensões de cistos (15 a22 um) e trofozoítos (20 a 30 um).
A presença de hemácias em vacúolos digestivos dessas amebas
é rara e a verificação dessa condição deve fazer suspeitar de
infecção por E. histalytica. Não é incomum o emprego de tra-
tamentos para amebíaseem pacientes que foram erroneamen-
te diagnosticados como portadores de Entamoeba Itistolytica
e com sintomas gastrintestinais.
Várias características de E. coli podem ser individualizadas
pelas colorações específicas.

Entamoeba hartmanm'
Possui cistos pequenos, menores de 1D um de
Outras amebas intestinais e protozoários comensais vu
É importante relatarmos aqui que dois casos de infecção Vive no intestino grosso, sendo raramente descrito fagoci-
do sistema nervoso central foram atribuídos a Iodamoeba. tando hemácias. Alguns podem ser mononucleados, ou ter até
Posteriormente, veriñcou-se que tratava-se de infecções por quatro núcleos, embora esteja presente em mais de 80% da
outras amebas de vida livre, Naegleria e Acanrhanweba, uma vezes como um protozoãrio binudeado.
em cada caso, amebas discutidas no Capítulo 14. Apresenta dimensões de 3 a 18 um de comprimento. Di-
ferentemente de outros comensais, algumas vezes atribuem-
se sintomas e sinais a esse protozoário. Acredita-se que entre
15% e 20% dos casos de portadores de D. jiagilis, apresentam
sintomas relacionados com a sua presença. Dentre esses sin-
Chüomastixmesnih' tomas, destacam-se diarréia, dor abdominal, fezes amolecidas
mucóides ou até mesmo hemorrágicas, Hatuléncia, fraqueza
'Prata-se de um flagelado encontrado com freqüência variá- e fadiga, náuseas coIr1 VÕIDÍÍOS e emagrecimento.
vel em exames de fezes. Tem corpo piriforme, irregular, me- A transmissão desse parasita ainda é discutível, mas pode
dindo de 1D a 20 um de comprimento; apresenta núcleo estar relacionada com a transmissão de outros parasitas in-
pequeno, próximo ao pólo anterior da célula, além de qua- testinais, como ovos de nematodas (Enterobius vermicularis,
tro flagelos. Reproduz-se por divisão binária e tem por ha- por exemplo) ou transmissão direta entre homens, como
bitat preferencial o cólon, sobretudo próximo do ceco. Sua descrito em homens que têm relação sexual com outros ho-
importância está na diferenciação com Giardia, discutida no mens, conforme descrito em studo de coorte.
Capítulo S. Assim como Giardia, Chilomastüc mesnili é um O tratamento dos casos sintomáticos pode ser feito com
protozoário flagelado e seus cistos medem de 6 a 10 pm. tetraciclina, 250 mg, quatro vezes ao dia, por sete dias, ou
metronidazol, 750 mg, três vezes ao dia, por dez dias.
Trichomonashominis
Enteromonas hominis
Esse protozoário flagelado mede de 7 a 15 pm de comprimen-
to, move-se com rapidez, habita o intestino e não produz cis- É um pequeno flagelado pouco encontrado em humanos.
tos. Sua ligeireza de movimentos dificulta a visualização. Mede de 4 a 10 pm de comprimento, é ovalado e tem três fla-
Apresenta quatro flagelos anteriores e um flagelo recorrente gelos anteriores e um flagelo posterior. Apresenta cistos com
que se origina anterionnente e percorre todo o corpo até a 6 a 8 um de diâmetro. Não é patogênico para o homem e em
porção posterior, formando uma membrana. geral é encontrado no intestino grosso como comensal.
Há poucas evidências de que esse agente seja patogênico
para o homem.
Retortamonas intestinalís
Trichomonas tenax Retartamonas intestinalis é outro Hagelado raramente presente
em humanos. Mede de 4 a 10 um de comprimento, com dois
'E tenax apresenta características estruturais mais semelhan-
tes a E vaginalis (Capítulo 6) do que T. hominis. Este
flagelos anteriores. 'lem cistos de 4 a 7 pm de diâmetro. Não
é patogênico para o homem e costuma ser encontrado no in-
protozoário flagelado também tem sido chamado de II testino grosso como comensal. Também está presente em
buccalis. Mede de 6 a 10 um de comprimento, e como E.
outros primatas não-domeslicados.
gingivalis, é encontrado na cavidade oral, quase sempre rela-
cionado com doençaperiodontal.
Há poucas evidências de que esse agente seja patogênico
para o homem.
BLlRGESS, DE. Trichornonadsand Intestinal Flagellates. In: Toplev 8-:
\Vilsonk Microbiology' and Microbial Infectious, vol. 5, Parasi-
Dientamoeba fragilís
nologjr, 9'** ed., 1998.
NULRTTNTSZ-PALOMO,A; ESPINOSA CANTELLANO, M. Intestinal
Embora esse parasito seja considerado como ameba por àmoebae. In: Topley' Sr Wilsofs ?Microbiology and Microbíal In-
muitos, apresenta mracteristicasque assemelham-no ao grupo fectious, vol. S; Parasitologia 9'** ed., 1998.
dos Hagelados. Não tem o estágio de cisto, sendo binucleado.
(página deixada intencionalmente em branco)
Çiarcfzízse
Semíramis Guimarães Ferraz Viana
É” Parasitologia -
uma abordagem clínica
idênticas, enquanto aquelas de um mesmo hospedeiro po-
dem ser marcantemente diferentes. Diante disso, a classifica-
Giardíase é a infecção intestinal causada pelo protozoário ção proposta por Filice, em 1952, tem sido a mais aceita, e, de
acordo com esse sistema, o gênero (Hardão é dividido em três
Hagelado Giardia, encontrado no intestino delgado de mami-
feros, aves, répteis e anfíbios.Atualmente, a giardíase é con- espécies: l Giardín duodenalis, que infecta vários mamíferos,
-

siderada um problema grave de saúde pública nos países em inclusive o homem, aves e répteis; 2 Giardizz muris, que
-

infecta roedores, aves e répteis e; 3 (Horda: agilis, que infecta


desenvolvimento, onde é uma das causas mais freqüentes de
-

anfíbios.Além dessas três espécies, duas espécies encontradas


diarréia entre crianças que, em conseqüência da infecção,
em aves foram propostas: Giardia psirtaci e Giardía ardente,
muitas vezes apresentam distúrbios de absorção intestinal e
retardo no desenvolvimento. Nas populações dos países de- descritas em periquitos e garças azuis, respectivamente. Mais
senvolvidos, Giardia é o principal parasito intestinal encon- recentemente, outros estudos sugeriram a existência de uma
sexta espécie, (Horária. miami, encontrada em roedores conhe-
trado na população. Em países como os Estados Unidos, a
cidos como camundongo-do-campo e rato-almiscarado. Vale
associação entre infecção por (Horária e surtos de diarréia, so- destacar que as denominações (Éíardia lamblia, Giardia
bretudo em crianças atendidas em creches, tem levado mui-
tos autores a considerar esse parasito um agente infeccioso
duodenalís e Giardia. intestinalis têm sido empregadas corno
sinonimia, sobretudo para isolados de origem humana.
emergente. A dificuldade em se determinar com acurácia as espécies
Embora Giardia tenha sido o primeiro protozoário intes-
tinal humano a ser descrito, só passou a ser sistematicamente de Giardia isoladas de diferentes hospedeiros tem sido um
estudado a partir da década de 1960. Entretanto, o conheci- fator limitante para o estabelecimentodo potencial zoonótico
mento sobre esse parasito avançou de forma significativa após
da giardiase e para esclarecer a possibilidadeda existência de
o desenvolvimento do cultivo axênico, que permitiu o estabe-
animais que possam participar como reservatórios desse
lecimento e o crescimento do parasito em meios de cultura protozoário.
isentos de outros organismos. A facilidadede axenização de Quanto à sistemática, a classificação dos protozoários do
diferentes isolados humanos tem possibilitado o esclareci- género Giardia. é a seguinte: ñlo Sarcomastigophora, subñlo
mento de aspectos associados à biologia e à bioquímica, ca- Mastigophora, classe Zoomastigophorea, ordem Diplomo-
racterísticas antigênicas e moleculares que possam estar nadida, familiaHeacanlitidae.
diretamente envolvidas na relação parasito-hospedeiro. Ape- No que se refere à morfologia, Gilzrdih lamblia apresenta
sar dos esforços, ainda persistem grandes questões sobre
duas formas evolutivas distintas, o trofozoíto e o cisto. O tro-
Giardia, que não foram elucidadas por completo. A própria fozoíto é encontrado no intestino delgado, movilnenta-se
taxonomia é discutivel e pouco se sabe sobre a patoñsiologia pela atividade dos flagelos, faz sua nutrição pela membrana
da diarréia associada à infecção. Além disso, diante da l1abi- e por pinocitose e a reprodução ocorre por divisão binária

lidade desse parasito em infectar o homem e uma variedade longitudinal. Em relação às característicasmorfológicas, o tro-
de animais domésticos e silvestres, tem sido freqüente a dis- fozoíto é piriforme, com simetria bilaterale mede 20 um de
cussão sobre o papel da transmissão zoonótica na dissemi- comprimento por 1D um de largura, conforme descrito no
nação das infecções. ciclo do parasito. Essa forma tem quatro pares de flagelos, a
saber: um par de flagelos anteriores, um par de flagelos ven-
nais, um par de flagelosposteriores e um par de flagelos cau-
dais. A face dorsal é lisa e CODVCXH, enquanto a faceventral é
côncava, apresentando uma estrutura semelhante a uma ven-
Por mais de 300 anos, desde que ÁDÍOII van Leeuwenhoek tosa, que é encontrada somente no gênero Giardia e é conhe-
observou "animalúnculosInóxreis” em suas próprias fezes, os cida por várias denominações: disco ventral, disco adesivo ou
protozoários que compreendem o género Giardia. têm intri- disco suctorial. Esse disco é uma esuutura complexa, forma-
gado muitos pesquisadores. A primeira descrição do tro- da por microtúbulos e nlicroñlamentos que permitem a ade-
fozoíto tem sido atribuída a van Leeuwenhoek, porém foi são do parasito à mucosa intestinal. Abaixo do disco adesivo,
Lambl, em 1859, quem o descreveu com mais detalhes. Nessa ainda na face ventral, observa-se a presença de uma ou duas
ocasião, Lambl, por ter acreditado que o protozoário per- formações paralelas, em forma de vírgula, conhecidas como
tencia ao género Cercomonas, denon1inou-o Cercomonas in.- corpos medianos. Não se sabe ainda qual a função dos cor-
testinalis. O gênero Giardia foi criado por Kunstler, em 1882, pos medianos, mas a morfologia dessas estruturas tem sido
ao observar um flagelado presente no intestino de girinos de utilizadapara a denominação das espécies.
anfíbiosanuros. Após a criação do gênero, vários nomes fo- Quanto à organização interna, os trofozoítos têm dois nú-
ram atribuídos às espécies, entre eles, Giardia intestinalis, cleos idénticos, cada qual apresentando um cariossomo cen-
Giardia duodenalis, Gihrdia Iamblia e Giardía enterica. tral, mas sem cromatinaperiférica. Análises por microscopia
A taxonomia desse protozoário é oontroversa e a determi- eletrônica têm demonstrado no citoplasmaorganelas como
nação das espécies tem se baseado em critérios, como hospe- retículo endoplasmático, ribossomos e aparelho de Golgi.
deiro de origem e características morfológicas. Entretanto, Não se observam, entretanto, mitocôndrias.
diferentes autores acreditam que considerar o hospedeiro não O cisto é oval ou elipsóide, medindo cerca de 12 _um de
é um critério válido, uma vez que, pela análise de DNA, es- comprimento por 8 um de largura e apresenta uma parede
pécies de Giardia. de diferentes hospedeiros apresentam-se externa de natureza glicoprotéicae com espessura de 0,3 um.
Esse revestimento, denominado parede cística, torna os cistos
resistentes a certas sariaçõs de temperatura e umidade e tam-
bém à ação de produtos químicos empregados como desin-
fetantes. No meio ambiente, os cistos podem se manter xriãveis
por até dois meses. No interior do cisto, estão dois ou quatro
núcleos, um número variável de ñbrilas longitudinais (axo-
nemas de Hagelos) e os corpos escuros em forma de meia-lua
e situados no pólo oposto aos núcleos. As estruturas em for-
ma de meia-lua são denominadas corpos escuros ou corpos
em crescente e, em geral, são confundidos com os corpos me-
dianos presentes nos trofozoítos.

(Éiardzh é um dos enteroparasitos mais observados nos inque-


ritos coproparasitológicos e, segundo alguns autores, essa si-
tuação é favorecida pela facilidade com que os cistos são
acidentalmente ingeridos com a água e alimentos contami-
nados com fezes.
A infecção por (liardia apresenta ampla distribuição mun-
dial, podendo ocorrer em populações residentes em áreas de-
senvolvidas e em desenvolvimento. Os índices de prevalência
variam em diferentes regiões do mundo, podendo ser de 2%
a 5% nos países desenvolvidos e de 20% a 30% nos países em
desenvolvimento.
Seglmdo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-
se que haja 200 milhões de pessoas com giardíase sintoruática
no mundo e 500 mil novos casos são registrados anualmen-
te em populações residentes na Ásia, África e América Latina.
Entre os indivíduosresidentes em países desenvolvidos, como,
por exemplo, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrá-
lia, Giardia é o principal parasito encontrado na população.
Nessas áreas, além das altas prevalências constatadas em
grupos específicos, como, por exemplo, em viajantes e ho-
mossexuais masculinos, a infecção por @tardia é a causa mais
comum de surtos epidemicos de diarréia associados à água

para consiuuo.
A
'as Parasitologia -
uma abordagem clínica
um processo de desencistamento, que tem início no meio
ácido da estômago e completa-se no duodeno e jejuno, onde
cada cisto maduro (quatro núcleos) libera dois trofozoítos
A despeito da
binucleados. Os trofozoítos multiplicam-se por divisão bi-
nária longitudinal e assim colonizam o intesiina, onde per-
manecem aderidos à mucosa intestinal por meio do disco
ventral. Muitos desses trofozoítos passam por um processo
de encistamento, ao final do qual são produzidas os cistos.
Esse processo pode ter início no baixo íleo, mas a caco é con-
siderado o principal sítio de encistamento. Não se sabe se os
estímulos que conduzem ao encistamento ocorrem dentro ou
fora do parasita; entretanto, destacam-se fatores como a in-
fluênciado pH intestinal, a concentração de sais biliarese o
destacamento do trofozoíto da mucosa. Durante o encista-
mento, ao redor do trofozaíto é secretada pelo parasita uma
membrana cística resistente, composta parcialmente de
quitina. No interior do cisto ocorre nucleatomia, podendo ele
apresentar-se então com quatro núcleos. Os cistos produzi-
dos são excretados juntamente com as fezes do hospedeiro,
podendo permanecer viáveis por vários meses no meio am-
biente, desde que em condições favoráveis de temperatu-
ra e umidade. Embora os cistos sejam formas infectantes para
todos os hospedeiros, há dúvidas se são infectantes loga
após a evacuação ou se necessitam de um período de matu-
ração no meio ambiente, que poderia ser superior a sete dias
(Figura 5-1).

FIGURA 5-1 Ciclo biológico de Giordio. 1, Infecção do hospedeiro


a partir da ingestão de cistos maduros. 2, Apos o desencistamento,
os trofozoitos colonizam o intestino delgado. 3, Ao final do
encistamento, os cistos são eliminados no ambiente com as fezes da
hospedeiro (4).
Giardíase 37

ser responsável pelo acúmulo de fluido na luz intestinal, a absorção de gordura e de nutrientes, como vitaminas lipos-
que pode resultar em quadros diarréicos graves durante a solúveis (A, D, E, K), vitamina Bu, ferro, xilose e lactose. Em
giardíase crônica. geral, essas complicações determinam um maior impacto cli-
Atualmente, estudos de bioquímicae de biologia molecular nico em crianças, que em conseqüência da infecção podem
têm possibilitadoa identificam:: de moléculas do parasita en- apresentar distúrbios do daenvolvinrentoñsico e mental.
volvidas na relação parasito-hospedeiro e que participam da Vale destacar que nas infecções crônicas a sintomatologia
patogénese da giardiase. Segundo revisões recentes, chama pode ser semelhante à observada em outras infecções para-
atenção dos pesquisadores o fato de que a atividade de pra- sitárias ou mesmo em doenças não-infecciosas, como doen-
dutos do parasita sobre a mucosa intestinal pode alterar a ça de Crohn, doença celíaca e síndrome do intestino irritável.
permeabilidadedas células e, assim, quebrar a função do Atualmente, é importante considerar os casas de giardíase
epitélio como barreira. Diante disso, tem sido crescente a in- em pacientes com AIDS, uma vez que, nesses indivíduos, a
teresse das pesquisadores em investigar as substâncias se- infecção pode ser causa de diarréia grave, especialmente, du-
cretadas ef ou excretadas pelos trofazoitos de Giardia com o rante as estágios mais avançados da doença.
propósito de identificar aquelas que podem estar diretamen-
te envolvidas na relação parasita-hospedeiro. Até o presente,
sabe-se que trofozoítos de Giardia apresentam uma varieda-
de de substânciaspotencialmente tóxicas, entre as quais des-
tacam-se proteínas e lecitinas que podem ser responsáveis por Apesar do número crescente de investigações que ressaltam
causar injúrias no epitélio intestinal. a importância de Giardia como agente de diarréia grave e

Ê importante considerar que o conhecimento dos meca- persistente entre crianças ma] nutridas e indivíduos imunes-
nismos patañsiológicos desenvolvidos durante a infecção po- suprimidas, ainda hoje, a &eqüência dessa protozoose na po-
dem fornecer informações relevantes para o entendimentoda pulação pode ser subestimada. Isso se deve ao fato de, muitas
relação parasita-hospedeiro. Na verdade, toda o processo vezes, a detecção do parasita pelas métodos convencionais ser

parece ser multifatorial, envolvendo fatores associados às al- comprometida em função das limitações apresentadas pelas
técnicas empregadas e da falta de conhecimento e treinamen-
terações da mucosa, bem como fatores do próprio ambiente to dos profissionais dos laboratórios. O diagnósticopreciso
intestinal. Além disso, são fortes as evidências de que cepas de
Giardia diferentes do ponta de vista genético passam variar é importante, não apenas para identificar os indivíduos com
diarréia aguda, mas também para detectar as infecções
quanto à habilidadeem produzir mudanças morfológicas na assintomáticas que correspondem a cerca de 90% dos casos.
intestino e interferir no transporte de fluidos e eletrólitos.
Em crianças de 8 meses a 12 anos, a sintomatologia mais
indicativa de giardíase é diarréia com esteatorréia, irritabili-
dade, insônia, náuseas e vómitos, perda de apetite (acompa-
nhada ou não de emagrecimento) e dor abdominal. Embora
A infecção por Giardia apresenta um espectro clínico diver- esses sintomas
so, que varia desde individuos assintomáticos até pacientes
sintamáticos que podem apresentar um quadro de diarréia
aguda e autolimitada, ou um quadro de diarréia persistente,
com evidência de má absorção e perda de peso, que muitas
vezes não responde ao tratamento específico, mesmo em in-
dividuos imunocompetentes. Segundo alguns autores, em
50% dos individuos a infecção é resolvida de forma espontâ-
nea; em 5% a 15% a infecção é assintamática e o indivíduo
pode eliminar cistos nas fezes por um período de até seis me-
ses, enquanto um grupo menor pode apresentar sintomas de-
correntes de uma infecção aguda elou crónica.
Em geral, as infecções sintomáticas agudas caracterizam-
se por diarréia do tipo aquosa, explosiva, de odor fétido,

acompanhada de gases com distensão e dores abdominais.


Muco e sangue raramente estão presentes nas fezes. Essa far-
ma aguda dura poucos dias e seus sintomas iniciais costu-
mam ser atribuídos às infecções virais e bacterianas.
Nas infecções que assumem um cursa crônico, as sinto-
mas podem persistir por muitos anos, manifestando-se com

episódios de diarréia que podem ser contínuos, intermitentes


ou esporádicos. Outras manifestações clínicas que muitas
vezes acompanham o quadro diarréico crônico são esteator-
réia, perda de peso e problemas de má absorção. Na giardiase
crónica, as principais complicações estão associadas à má
38 Parasitologia -
uma abordagem clínica
salina ou lugol). Contudo, os métodos de concentração são ficultando o diagnóstico nas áreas endémicas. Assim, o diag-
os mais indicados, como, por exemplo, o método de centrí- nóstico sorológico pode auxiliarnos levantamentos epide-
fugo-flutuação em sulfato de zinco a 33% e densidade 1,18 miológicos, embora não tenha demonstrado sensibilidadee
[método de Faust e colaboradores). Além dessa técnica, o especificidade adequadas para o diagnóstico individual.
método de formol-éter pode ser outra opção. Quanto aos A detecção de antígenos nas fezes (coproantígenos) em-
trofozoítos, essas formas podem ser pesquisadas em exames pregando a técnica de ELISA tem demonstrado resultados
diretos de fezes diarréicas ou em esfregaços de fezes cotados satisfatórios. Atualmente, vários dos ensaios desenvolvidos
pelo tricômio ou pela hernatoxilinaférrica. são comercializados como kits e têm demonstrado sensibili-
Segundo alguns autores, a pesquisa desse protozoário em dade de 85% a 95% e especiñcidade de 90% a 100%.
amostras fecais pode ser difícil e consumir muito tempo Mais recentemente, técnicas com base no reconhecimento
quando o número de formas parasitárias eliminadas nas fe- do DNA de (Êiardia, como, por exemplo, PCR (Polymerase
zes é muito pequeno. Diante disso, um aspecto importante a Chain Reaction), estão sendo padronizadas para a detecção
ser considerado no diagnóstico da giardiase é o fato de que deste parasito nas fezes. Apesar de serem técnicas altamente
individuos parasitados não eliminam cistos de forma conti- sensíveis e específicas, o emprego na rotina do diagnóstico
nua. Essa eliminação caracteriza-se por ser intermitente e de- laboratorial ainda é limitado. Por outro lado, a aplicação des-
nomina-se "período negativo”,podendo durar, em média, dez sas técnicas para a análise de amostras clinicas, ambientais e
dias. Além desse aspecto, vale comentar que o padrão de ex- de alimentos tem permitido o melhor entendimento da
creção de cistos varia de indivíduo para indivíduo, e nos bai- epidemiologia da infecção e a implementação de medidas de
xos excretores as amostras podem permanecer negativas por controle eficazes. Além disso, esses métodos têm sido de
até 20 dias consecutivos. Assim, o diagnóstico por exame de grande valia em fllogenéticos e taxonômicos.
fezes pode levar a resultados falso-negativos, sobretudo,
quando apenas uma amostra é coletada. Para superar essas
limitações, recomenda-se para o diagnóstico de rotina o exa-
me de pelo menos três amostras fecais obtidas em dias alter-
nados, e com essa conduta a positividade do exame de fezes Ao longo de várias décadas, diferentes princípios ativos têm
pode ser superior a 85%. sido avaliados quanto ao giardicida. Atualmente, as
efeito
Mesmo com esses cuidados, em alguns pacienta com diar- principais drogas empregadas no tratamento da infecção por
réia crônica o exame de várias amostras de fezes mantém-se (Éiardia são derivadas dos nitroimidazóis, dos nitrofuranos
e dos corantes de acridina. Os S-nitroimidazóis são os medi-
negativo, apesar da presença de trofozoitos no duodeno.
Nesses casos, pode ser necessária a pesquisa do parasito em camentos mais empregados no tratamento da giardíase, pois
amostras de fluido duodenal ou em fragmentos de biopsia apresentam altas taxas de cura (80% a 90%) e baixo custo.
jejunal. Atualmente, o método mais indicado para a obtenção Entretanto, o tratamento com essas drogas ainda apresenta
de trofozoítos no duodeno é o EnterotestQ Basicamente, muitos inconvenientes, sobretudo para as crianças que, com
esse método consiste num fio de náilon enrolado dentro de freqüência, são tratadas várias vezes por causa das reinfecções.
uma cápsula gelatinosa, com uma das extremidades livra. O Dentre esses quimioterápicos incluem-se: metronidazol,
paciente em jejum ingere a cápsula e, no mínimo, quatro tinidazol, omidazol e secnidazol (Tabela 5-1,).
horas depois, o ño é retirado pela ponta livre. O muco ade- Dentre as drogas disponíveis, o metronidazol é mais em-
rido ao ño é coletado e pode ser examinado a fresco (lugol) pregado no tratamento da giardíase, sendo capaz de eliminar
ou utilizado para a confecção de esfregaços cotados com 80% a 95% das infecções. Apesar disso, o tratamento com o
hematoxilina. metronidazol apresenta muitos efeitos colaterais, como náu-
Vale destacar que pesquisa de trofozoítos no duodeno
a seas, vômitos, vertigem, dores de cabeça e pancreatites oca-
exige procedimentos invasivos que em termos de posiüvidade sionais e, em algunspacientes,complicações, como toxicidade
não superam o exame de fezes, pois, em geral, quando há di- do sistema nervoso central. Estudos in irivo têm demonstra-
ficuldade em se demonstrar o parasito em amostras fecais, do que esquemas terapêuticos prolongados com essa droga
existe também a dificuldade para demonstra-lo empregando- podem determinar efeitos cardnogénicos e mutagênicos. Além
se esses métodos.
outros dos efeitos adversos, tem-se observado em alguns casos bai-
Com o objetivo de simplificar e aumentar a sensibilidade xa eñcácia do metronidazol na eliminação do parasito no in-
do diagnóstico da infecção por Gíardia, uma variedade de testino, fato que tem sido associado à resistência de cepas de
métodos imtmológicos tem sido proposta. Isso foi possível em (Éiardia ao tratamento com esta droga.
virtude do desenvolvimento de cultivos axênicos (culturas A avaliação de outros quimioterápicos tem revelado novas
puras) de Giardia, que tem possibilitadoa obtenção de antí- opções para o tratamento da infecção por (Hardia. O anti-
genos puros. Os métodos imunológicos mais empregados helmintico albendazol,um derivado dos benzimidazóis,tem
são a imunoiluorescenciaindireta e o método EllSA. A detec- sido avaliado quanto à sua atividade
ção de anticorpos anti-Giardia. no soro tem apresentado
problemas relacionados com a detecção de falso-positivos e
baixas sensibilidadee especiñcidade. Nessas reações, anti-
corpos IgG permanecem elevados por um longo período, o
que impede a distinção entre infecções passadas e recentes, di-
Giardíase

TABELA 5-1 Tratamento com os derivados nitroimidazóis e outros esquemas terapêuticos mais
empregados na giardíase

Metranidazol 15 a 20 mg/kg durante sete a dez dias consecutivos, para crianças, via oral. A dose para adultas
é de 250 mg, duas vezes ao dia
Tmidazal Dose única de 2 g para addlas e l g para crianças, sob anfonna vida; esse produto também é apresentada
sob a forma de supasitórios, com bons resultados; devese repetir a uma semana depois
Ornidazol Dose única de l a mg/kg para crianças
2 g para adulbs e 40-50
Secnidaziol A dosepala adultos é de 2 g, em dose única de quatro comprimidos. Crianças com menos de 5 anos: 125 mg,
duas vezes em 24 horas, par cinco dias
Albendazol Geralmente esse medicamento deve ser administrada na dose de 400 mg dia, durante cinco dias
ao

Nitazowanida Recomendada na close de 500 mg, duas vezes ao dia para adultos e criançasa partir de 12 anas de idade;
em aictnçasde# a
(página deixada intencionalmente em branco)
Tricomonose
Geraldo Attilio De Carl¡
Tiana Tasca
É** Parasitologia -
uma abordagem clínica

INTRODUÉ0 capítulo, são abordados aspectos relacionados com


Neste
o parasito e com a infecção, como morfologia, ñsiologia e

Zlríchomonas vaginnlis é o agente etiológico da tricomonose, metabolismo, epidemiologia, mecanismos patogênicos, sinais
e sintomas, tratamento e profilaxia da tricomonose.
a doença sexualmente transmissível (DST) não-viral mais
comum no mundo. Estima-se que ocorram a cada ano 250
a 350 milhões de casos de tricomonose no mundo. Sob o
ETIOLOGA E MORFOLOGIA
aspecto taxonómica, 'II vaginnlis está incluído no gênero
!Hchomonas família 'lrichomonadidamsubfamilia Tricho-
monadinae, ordem 'Frichomonadida, classe Zoomastigo-
O 'IÍ vaginalis habita o trato geniturinário do homem e da
mulher, onde produz a infecção e não sobrevive fora do siste-
phorea e filo Sarcomastigophora. As outras espécies de ma urogenital. O protozoário e' polimorfo, tanto no hospedei-
tricomonadideosencontradas no homem são Zliichomonas
ro natural como em meios de cultura. Os espécimes vivos são
tenax, 'Ir-khomonas hominis e 'Iríclzomirusfemlis A espécie
'13 vnginalis, patogênica, foi descrita pela primeira vez em
elipsóides ou ovais e algumas vezes esféricos. O protozoário
é muito plástico, tendo a capacidade de formar pseudópodos,
1836, por Donné, que a isolou de uma mulher com vaginite. os quais são usados para capturar os alimentos e se ñxar em
Bm 1894, Marchand e, independentemente, fvliura (1894) e
Dock (1896) observaram esse flagelado na uretrite de um
partículas sólidas (Figura 6-1 A). Em preparações ñxadas e
coradas, ele é tipicamente elipsóide, piriforme ou oval, me-
homem. '13 remix, não-patogénico, vive na cavidade bucal dindo, em média, 9,7 um de comprimento (variando entre
humana e também na de chipanzés e macacos.O 'll liorrzinis, 4,5 e 19 um) por 7,0 um de largura (variando entre 2,5 e 12,5
não-patogênico, habita o trato intestinal humano. 'II fecalis um). Os organismos vivos são um terço maiores.
foi encontrado em um único paciente, e não há certeza se o Como todos os tricomonadídeos, 'IÍ vaginalis não tem a
homem seria seu hospedeiro primário. forma cística, somente a trofozoítica. A forma é ivariável, tanto
Embora a doença tenha sido diagnosticada e 'II vaginalis nas preparações a fresco como nas coradas. As condições fí-
dscrito em 1836, o diagnóstico clinico e laboratorial da trico- sico-químicas(pl-l, temperatura, tensão de oxigénio e força
monose continua apresentando inúmeras dificuldades. Da iônica) afetam o aspecto dos tricomonas; entretanto, a for-
mesma forma, o entendimento da interação 'L' iraginalis e ma tende a se tornar mais uniforme entre os Hagelados que
hospedeiro é um processo complexo e ao mesmo tempo ins- crescem nos meios de cultura do que entre aqueles observa-
tigante, no qual estão envolvidos componentes associados à dos na secreção !vaginal e na urina. Na presença de altas con-
superfície celular do parasito e às células epiteliais do hospe- centrações de ágar em meio de cultura, de certas partículas de
deiro e também componentes solúveis encontrados nas secre- alimentos e de diferentes substratos (células e tecidos), in vivo
ções vaginal e uretral. Além disso, o parasito é muito estudado e in vitro, os tricomonas assumem aspecto amebóide [Figu-
como modelo na biologia celular e em estudos bioquimicos, ra 6-1 B).
e apresenta relações evolutivas com outros grupos de euca- espécie tem quatro flagelos anteriores, desiguais em
Essa
riotes superiores. Corroborando esses fatos e destacando a tamanho e têm origem no complexo granular basal anterior,
importância desse patógeno na Saúde Pública, recentemente também chamado de complexo citossomal. A membrana
foi publicada a primeira versão do genoma do 'L' vaginalis. ondulante e a costa nascem no complexo granular basal. A

FIGURA B-I Imagens obtidas pela microscopia eletrônica de varredura (Mai). A, Pseudópodes exibidos por Trichomonos vagfnolfs.
B, Trofozoitos amebóides de I voginahs aderidos pelos seus pseudópodes, formando um grupo de organismos. Cultivo em célula de MacCoy.
MO membrana ondulante; T trofozoítos de I vagínnhs; P pseudópodes; Mc célula de MacCoy. (Cortesia de Parasitol. Latinoam. Tasca
= = = =

T_ De Carli GA. V. 57, pp. 5-8, 2002.]


Tricomonose «a t_
margem livre da membranaconsiste em uni filamento aces- O T. vaginalis é um organismo anaeróbiofacultativo.
sório lixado ao flagelo recorrente. A extremidade posterior da Cresce perfeitamente bem na ausênciade oxigênio, em meios
costa é em geral encoberta pelo segmento terminal da mem- de cultura com faixa de pH compreendida entre 5,0 e 7,5 e em
brana ondulante. O axóslilo é uma estrutura rígida e hialina temperaturas entre 20 e 40°C. Como fonte de energia, o
que se projeta através do centro do organismo, prolonga-se flagelado utilizaglicose, frutose, maltose, glicogênio e amido.
até a extremidade posterior e conecta-se anterionnente a uma Alguns carboidratos, como a sacarose e a manose, não são
pequena estrutura em forma de crescente, a pelta. O apare- utilizados. O 'II vaginalis é capaz de manter em reserva o
lho parabasal consiste num corpo em forma de "VÊ associ- glicogênio. Em condições de escassez de carboidratos, amino-
ado a dois filamentos parabasais, ao longo dos quais se ácidos sustentam o crescimento e a sobrevivênciado 'IÍ va-
dispõe o aparelho de Golgi composto de vesículas paralelas ginalrs. O parasita pode realizar a síntese de um certo número
achatadas. O blefaroplasto está situado antes do axóstilo, so- de aminoácidos, tendo uma fraca atividade de transarnina-
bre o qual se inserem os flagelos, e coordena os seus movi- ção, e os principais encontrados no protozoário são alanina
mentos. O núcleo é elipsóide próximo à extremidade anterior, e leucina, seguidos de valina, glutamato, fenilalanina, glicina
com uma dupla membrananuclear e quase sempre tem um e prolina. Em relação ao metabolismo de lipídeos, o T.

pequeno nucléolo. O retículo endoplasmáüco está presente ao vagínalis contém colesterol, fosfaüdiletanolanúna,fosfati-
redor da membrananuclear. Esse protozoário é desprovido dilcolinae esñngomielina como principais fosfolipídeos, e é
de mitocôndrias, mas apresenta grânulos densos paraxos- incapaz de realizar a síntese de ácidos graxos e esteróides. As-
tilares ou hidrogenossomos, dispostos em ñleiras (Figura 6- sim, 'IÍ vaginalis não é capaz de realizar a síntese de novo de
2). O cistoesqueleto de 'II vaginalis é composto de tubulina e purinas e pirimidinas, dependendo das vias de salvação para
actina. Diferentes isoformas de tubnlína apresentam-se em gerar nucleotídeos. Portanto, macromoléculascomo purinas,
distribuição heterogênea nas estruturas microtubulares, como pirirnidinas e lipídeos são adquiridos da secreção vaginal ou
o axóstilo, os flagelos e os corpos parabasais. aüavés da fagocitose de células do hospedeiro ou de bacté-
A reprodução, como em todos os tricomonadídeos,ocorre rias. Nas condições in vitro, o meio de cultura para 'IÍ va-
por divisão binária longitudinal, e a divisão nuclear é do tipo ginalis deve incluir todas as moléculas essenciais, como
criptopleuromitótica, sendo o cariótipo constituído por seis vitaminas, e minerais, e o soro fornece lipídeos, ácidos graxos,
cromossomos. Contrariando o que ocorre na maioria dos
protozoários, não há formação de cistos (Figura 6-3). No en-
tanto, muitos autores têm descrito estruturas arredondadas,
imóveis, aparentemente com os tlagelos internalizados,como
pseudocistos.

Relação Sexual
Z*
Lj
 Estágio de lnlecçãa
 Estágio de Díognóstiao

A
::Pmàfh PNÍVÍW o Tmlomlb na

UIMYO

FIGURA 6-3 Ciclo biológico. 'I e 2, T. vaginalis localiza-se no trato


genital feminino e na uretra e próstata do trato genital masculino_
FIGURA 5-2 Trofozoito de Trichomonos vagínalis FA flagelos
= onde se reproduz por divisão binária. O parasita não apresenta a
anteriores; MD membrana ondulante; CP corpo parabasal;
= = forma cística, somente a trofozoítica e_ portanto, não sobrevive no
CU costa; FP filamento parabasal; AX axóstílo;
= = = ambiente externo. 3, A transmissão de I vaginalis ocorre entre
HI hidrogenossomos. [Adaptado corn autorização de: Mehlhorn H,
= humanos [único hospedeiro] primariamente por relação sexual.
Walldorf V. Life Cycles. ln: Mehlhorn H. Porasitology in meus. New (Cortesia de DPDx: CDC's website for parasitology identification:
York: Sprínger-Verlag, p. 4, 1988.) httpwwwwdpd.cdcgov/dpdx]
É” Parasitologia -
uma abordagem clínica
aminoácidos e metais. N umerosas enzimas são identificadas
no parasita, sobretudo as enzimas glicolíticas,permitindo a
utilizaçãode glicídeospela via ddimbden-Meyerhofou pela via
das pentoses. O ciclo de Krebs é incompleto e o protozoário
não contém citocromo. Sendo desprovido de mitocôndrias,
o parasita possui grânulos densos, os hidrogenossomos, por-
tadores da piruvato ferredoxina-oxidorredutase(PFOR), en-
zima capaz de transformar o piruvato em acetato e de liberar
a adenosiila-trifosfato (KFP) e o hidrogênio molecular (H2).

A tricomonose é a DST não-viral mais comum no mundo,


com 250 milhões de casos novos ocorrendo a cada ano. A in-
cidência da infecção depende de vários fatores, incluindoida-
de, atividade sexual, número de parceiros sexuais, outras
DSTs, fase do ciclo menstrual, técnicas de diagnóstico e con-
dições socioeconômicas. A prevalência é alta entre os grupos
de nível socioeconômico baixo, entre as pacientes de clinicas
ginecológicas,pré-natais e em serviços de doençassexualmente
transmitidas. A infecção é diagnosticada sobretudo em mu-
lheres pobres, tanto de paises em desenvolvimento como em
paises desenvolvidos. A perpetuação do protozoãrio parasi-
to depende da sobrevivência no hospedeiro humano. O or-
ganismo, não tendo a forma cística., é suscetível à dessecação
e às altas temperaturas, mas pode “VÍWI”, surpreendentemen-
te, fora de seu habitat por algumas horas sob altas condições
de umidade. O 'E vaginalíspode viver durante três horas na
urina coletada e seis horas no sêmen ejaculado.
No recém-nascido, a tricomonose pode ocorrer durante a
passagem pelo canal de parto, em conseqüência da infecção
materna, quando a mãe não toma medidas proñláticas con-
tra a parasitose durante a gestação ou quando ainda não ini-
ciou o tratamento por não apresentar sintomas. Cerca de 5%
dos neonatos podem adquirir a tricomonose verticalmente de
suas mães infectadas. Na ocasião do parto, o epitélio escarno-
so da
Adesão e oclusão tubária têm sido estimadas como causa
de cerca de 20% dos casos de infertilidade em países desen-
volvidos. O risco de
É* Parasitologia -
uma abordagem clínica
colpitis rrmcularis ou cérvice com aspecto de morango. A tri-
comonose é mais sintomática durante a gravidez ou entre
mulheres que fazem uso de medicamento anticoncepcional
oral. Estudos realizados em laboratório em condições in vivo
e in vitro, mostraram a existência de isolados de 'IÍ vaginolis

que diferem em patogenicidade. Entretanto, pouco se sabe


sobre a relação entre os niveis hormonais e a flora bacteria-
na, os quais, juntamente com o pH vaginal, têm sido consi-
derados como importantes fatores no estabelecimento do
protozoário no trato urogenital
Em geral, a tricomonose no homem é assintomática. Em
alguns casos, a infecção pode se apresentar como uma ure-
trite com fluxo leitoso ou purulento e causar uma leve sensa-
ção de prurido na uretra. Pela manhã, antes da passagem da
urina, pode ser observado um corrimento claro, viscoso e
pouco abundante, com desconforto ao urinar (ardência
miccional) e por vezes hiperemia do meato uretral. Durante
o dia, a secreção é escassa. As
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-48 Parasitologia -
uma abordagem clínica
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@aúmtiJíase
Ronaldo Cesar Borges Gtyschek
Susana Angélica Zevallos Lescano
50 Parasitologia -
uma abordagem clínica

A balantidíase é uma infecção do intestino grosso, causada


por Balantidium. coli; além de formas assintomáticas, pode
causar doença diarréica ou disentérica.

Este parasito pertence ao ñlo Ciliophora, classe Litostomatea,


ordem Vestibuliferida, família Balantiidae, género Balan-
tidium.
O Balantídium. coli é o maior protozoário ciliado que pa-
rasita o ser humano. O seu nome se deve à forma de bolsa
de seu corpo (_do grego balantian, bolsa ou saco). É dissemi-
nado pela via fecal-oral de suínos domésticos ou silvestres
para o homem, e também de pessoa a pessoa; essa última via
ocorre entre populações alojadas em instituições que conñ-
nam pessoas: orfanatos, hospitais psiquiátricos, prisões etc.
Apresenta duas formas em seu ciclo de vida: Irofozoíto e
cisto, ambos no cólon. O trofozoíto, ovóide, mede de 50-100
pm de comprimento e 40-70 pm de largura, tem sua super-
ñcie coberta de cílios e se locomove com movimentos em es-
piral. Na parte anterior, que é mais delgada, está localizada a
boca ou citóstoma, com longos cílios que lhe permitem ob-
ter o alimento que passa para os vacúolos digestivos. Os re-
síduos são eliminados por vacúolos contráteis por uma
abertura posterior: o citopígio. Em preparações coradas po-
dem-se observar dois núcleos: o macronúcleo, em forma de
rim, e o micronúcleo, esférico. Nesse estágio alimentam-se de
bactérias, fungos e outros protozoários menores. A multipli-
cação é realizada por divisão binária transversal, que é pre-
cedida pela divisão dos núcleos; no entanto, em cultura,
pode-se observar a reprodução sexuada, por conjugação.
Os cistos podem ser esféricos ou elípticos, e seu compri-
mento varia de 50 a 70 pm. Após o encistamento, esses mi-
croorganismosperdem os cílios. Também apresentam macro
e micronúcleo. Essas formas são eliminadas com as fezes e
constituem a forma infectante pela via oral.

O porco tem sido considerado a principal fonte de infecção


para o homem, embora algumas observações epidemio-
lógicas não confirmem essa premissa. A balantidíase, por
exemplo, é pouco comum na China, onde o contato do ser
humano c.om os suínos é freqüente; também, não é mais
rara entre povos de religião muçulmana que evitam conta-
to com esses
Balantidíase 5
50 mg por quilo de peso, durante dez dias ou com o metro-
nidazol, na dose diária de 20 mg por quilo de peso, durante
sete dias.
O diagnósüco é realizado pelo encontro de cistos ou de
trofozoítos nas fezes. Os cistos não são comuns em fezes
diarréicas, ao contrário das formas trofozoíticas, que podem
ser evidenciada em exame a fresco desse tipo de material. Os
cistos, presentes em fezes formadas, podem ser detectados CHEFFI, RP.; GRYSCHEK, R.C.B; ALJATO NETOÇV. Parasitoses In-
oommaisfadlidadecomoelupregodetécuicnsdecouoenuaáo. testinaís Diagnóstico e Tratamento.Lemos Editorial, São Pau-
-

lo, 2001.
REI LUÍS- PEPãSÍÍOÍDEÍf-l. 3' edição. Guanabara Koogan, Rio de Ianei-
ro, 2001.

O tratamento medicamentoso da balantidíase pode ser rea-


lizado com o emprego da teüaciclina,na dose diária de 30 a
(página deixada intencionalmente em branco)
Márcia Hueb
Natasha Slhessarenko Fraife Barreto
É” Parasitologia -
uma abordagem clínica

A infecção humana pelo protozoário Isospom beHi,um coc-


cídeo parasito intestinal, pode se relacionarcom uma doen-
ça diarréica, sobretudo em indivíduos imunodeprimidos. A
infecção mta presente, principalmente, em áreas de clima tro-
pical e subuopical, como América do Sul, África e Sudeste
Asiático, e mais raramente na Europa e nos Estados Unidos.
A importância da infecção foi reconhecida somente a partir
do surgimento da síndrome da imunodeficiência adquirida
(AIDS), com a descrição de casos da doença nesses pacientes.
Hoje, já se sabe que a infecção também pode se associar à ma-
nifestação diarréica em pessoas irnunocompetentes, mas com
apresentação clínica diversa daquela conhecida para pacien-
tes à HIV.

FIGURA 8-1 Ciclo de vida de lsosporo belb. l, Após a ingstão dos


A isosporíase é causada por um protozoário do género [sas-
ovos férteis (2) o parasito invade a mucosa intestinal, onde se
pora pertencente à subclasse Cocddia, sendo a lsospora beHi a multiplica num ciclo assexuado e noutro sexuado. 3, No ciclo
única espécie associada à doença no homem, único hospedei- sexuado, produz ovos ¡nférteis que são eliminados nas fera [4] e
ro conhecido do parasita. Descrita por Virchow, em 1860, e tornam-se infectantes.
Woodoook, em 1915, foi ñnalmente identificadacom o nome
atual por Wenvon, em 1923. Difere de outros coccídeos pelas
característicasde seus oocistos que têm formato eliptico, cerca
de 22 X 15 um de diâmetro, e dois esporocistos em seu inte- deste Asiático, com relatos de incidênciaelevada dessa infec-
rior, cada um com quatro esporozoítos. O oocisto esporulado ção em pacientes com HIV com manifestações diarréicas, 15%
é a forma infectante. Após sua ingestão são liberados os ou mais em locais como Haiti, Zâmbia e República do Congo.
'lambém é descrita como agente patogénico em diarréias crô-
esporozoítos, que irão invadir células epiteliais da mucosa do nicas de pacientes com HIV-AIDS em outras partes do mun-
intestino delgado proximal, porção distal de duodeno ou
do de clima mais temperado, como os Estados Unidos, onde
proximal de jejuno. O ciclo de vida que se segue é complexo, os relatos de isosporíase estão normalmente restritos a paci-
como é característico dos coccídeos. O desenvolvimento de
formas trofozoítica dá início ao ciclo assexuado, também &Iltü imunodeprirnidos, migrantes latinos ou residentes de
chamado esquizogonia, com formação dos esquizontes que instituições, mesmo assim com prevalência de infecção que
darão origem aos merozoítos que irão invadir novamente as não ultrapam 2% a 3%. Nos países em desenvolvimento, pro-
células absortivas. No interior das células epiteliais, os vavehnente a maior ou a menor prevalência da doença por 1.
merozoítos podem originar gametócitos, iniciando o ciclo belli em pacientes HIV está relacionadacom o uso de medi-
sexuado ou gamogonia. A partir da junção de gametócitos camentos anti-retrovirais. Mesmo em condições socioam-
masculinos a gametócitos femininos são formados os oocistos bientaisfavoráveis a elevadas taxas de infecção, os sintomas
ainda não esporulados, que ao serem expelidos vão para a costumam ocorrer em populações especíñcas de pacientes
luz intestinal e se misturam às fezes. Após contato com o com HIV- naqueles com irregularidade ou ausência de tera-

meio externo, essa forma não-infectante como oocisto pêutica anti-retroviral e naqueles sem uso de profilaxiacom
esporulado infectante, reiniciando-se o ciclo de infecção. O sulfametoxazolftrimetoprimCimerman e colaboradores de-
monstraram a associação entre isosporíase e contagem de
tempo para a esporulação pode variar de dois a três dias ou
mais, dependendo de condições ambientais,consideradas fa- células C134 abaixo de 2O0lmm5. A condição de doença relaci-
voráveis quando em temperatura entre 20°C e 40°C. O oocisto onada com a pobreza pode explicar a falta de interesse no de-
esporulado é resistente e pode permanecer viável por vários senvolvimentode estudos para determinação de prevalência,
meses. Más condições de infra-estrutura sanitária estão rela- tratamento e controle. No Brasil, apesar da condição de sub-
cionadas com contaminação de água e alimentos por fezes desenvolvimento presente em extensas áreas, há distribuição
humanas, o que pode se associar à disseminação de infecção universal de medicamentos para tratamento da infecçãofdoença
por 1. belli (Figura 8-1). pelo HIV,o que provavelmente contribui para a redução da in-
cidência de casos de doença manifestada por Isospora nos pa-
cientes com AIDS. Diferentes trabalhos têm demonstrado taxas
de freqüência variando entre 2% a 10%, apesar de relatos de
incidência tão elevada quanto 18,9% em São Paulo, por Cimer-
Isospora belli é predominantemente encontrada em áreas de man e colaboradores (2002),e 32,3% em Belém, por Lainson e
clima tropical e subtropical na América Latina, Áfricae Su- colaboradores (1999), sempre em pacientes com HIV e com
É” Parasitologia -
uma abordagem clínica

A infecção humana pelo protozoário Isospom beHi,um coc-


cídeo parasito intestinal, pode se relacionarcom uma doen-
ça diarréica, sobretudo em indivíduos imunodeprimidos. A
infecção mta presente, principalmente, em áreas de clima tro-
pical e subuopical, como América do Sul, África e Sudeste
Asiático, e mais raramente na Europa e nos Estados Unidos.
A importância da infecção foi reconhecida somente a partir
do surgimento da síndrome da imunodeficiência adquirida
(AIDS), com a descrição de casos da doença nesses pacientes.
Hoje, já se sabe que a infecção também pode se associar à ma-
nifestação diarréica em pessoas irnunocompetentes, mas com
apresentação clínica diversa daquela conhecida para pacien-
tes à HIV.

FIGURA 8-1 Ciclo de vida de lsosporo belb. l, Após a ingstão dos


A isosporíase é causada por um protozoário do género [sas-
ovos férteis (2) o parasito invade a mucosa intestinal, onde se
pora pertencente à subclasse Cocddia, sendo a lsospora beHi a multiplica num ciclo assexuado e noutro sexuado. 3, No ciclo
única espécie associada à doença no homem, único hospedei- sexuado, produz ovos ¡nférteis que são eliminados nas fera [4] e
ro conhecido do parasita. Descrita por Virchow, em 1860, e tornam-se infectantes.
Woodoook, em 1915, foi ñnalmente identificadacom o nome
atual por Wenvon, em 1923. Difere de outros coccídeos pelas
característicasde seus oocistos que têm formato eliptico, cerca
de 22 X 15 um de diâmetro, e dois esporocistos em seu inte- deste Asiático, com relatos de incidênciaelevada dessa infec-
rior, cada um com quatro esporozoítos. O oocisto esporulado ção em pacientes com HIV com manifestações diarréicas, 15%
é a forma infectante. Após sua ingestão são liberados os ou mais em locais como Haiti, Zâmbia e República do Congo.
'lambém é descrita como agente patogénico em diarréias crô-
esporozoítos, que irão invadir células epiteliais da mucosa do nicas de pacientes com HIV-AIDS em outras partes do mun-
intestino delgado proximal, porção distal de duodeno ou
do de clima mais temperado, como os Estados Unidos, onde
proximal de jejuno. O ciclo de vida que se segue é complexo, os relatos de isosporíase estão normalmente restritos a paci-
como é característico dos coccídeos. O desenvolvimento de
formas trofozoítica dá início ao ciclo assexuado, também &Iltü imunodeprirnidos, migrantes latinos ou residentes de
chamado esquizogonia, com formação dos esquizontes que instituições, mesmo assim com prevalência de infecção que
darão origem aos merozoítos que irão invadir novamente as não ultrapam 2% a 3%. Nos países em desenvolvimento, pro-
células absortivas. No interior das células epiteliais, os vavehnente a maior ou a menor prevalência da doença por 1.
merozoítos podem originar gametócitos, iniciando o ciclo belli em pacientes HIV está relacionadacom o uso de medi-
sexuado ou gamogonia. A partir da junção de gametócitos camentos anti-retrovirais. Mesmo em condições socioam-
masculinos a gametócitos femininos são formados os oocistos bientaisfavoráveis a elevadas taxas de infecção, os sintomas
ainda não esporulados, que ao serem expelidos vão para a costumam ocorrer em populações especíñcas de pacientes
luz intestinal e se misturam às fezes. Após contato com o com HIV- naqueles com irregularidade ou ausência de tera-

meio externo, essa forma não-infectante como oocisto pêutica anti-retroviral e naqueles sem uso de profilaxiacom
esporulado infectante, reiniciando-se o ciclo de infecção. O sulfametoxazolftrimetoprimCimerman e colaboradores de-
monstraram a associação entre isosporíase e contagem de
tempo para a esporulação pode variar de dois a três dias ou
mais, dependendo de condições ambientais,consideradas fa- células C134 abaixo de 2O0lmm5. A condição de doença relaci-
voráveis quando em temperatura entre 20°C e 40°C. O oocisto onada com a pobreza pode explicar a falta de interesse no de-
esporulado é resistente e pode permanecer viável por vários senvolvimentode estudos para determinação de prevalência,
meses. Más condições de infra-estrutura sanitária estão rela- tratamento e controle. No Brasil, apesar da condição de sub-
cionadas com contaminação de água e alimentos por fezes desenvolvimento presente em extensas áreas, há distribuição
humanas, o que pode se associar à disseminação de infecção universal de medicamentos para tratamento da infecçãofdoença
por 1. belli (Figura 8-1). pelo HIV,o que provavelmente contribui para a redução da in-
cidência de casos de doença manifestada por Isospora nos pa-
cientes com AIDS. Diferentes trabalhos têm demonstrado taxas
de freqüência variando entre 2% a 10%, apesar de relatos de
incidência tão elevada quanto 18,9% em São Paulo, por Cimer-
Isospora belli é predominantemente encontrada em áreas de man e colaboradores (2002),e 32,3% em Belém, por Lainson e
clima tropical e subtropical na América Latina, Áfricae Su- colaboradores (1999), sempre em pacientes com HIV e com
Isosporiase 55

quadros diarréicos. A transmissão é fecal-oral, podendo ocor- e odor fétido, sugestivos de má absorção mesmo na condi-
rer homem a homem. Ela acontece, principalmente,quando ção aguda. Nessa fase há eliminação de oocistos, condição que
há ingestão de água ou alimentos frescos contaminados por pode persistir por ainda mais duas a três semanas, mas ra-
fezes humanas que contenham oocistos de lsospom. ramente com croniñcação da infecção. Pacientes irnunode-
primidos, sobretudo com AJDS, apresentam formas mais
graves da doença, tanto pelo maior número de sintomas
quanto pela persistência da doença. Em populações de paci-
entes com HIV na África, foi descrita uma doença conhecida
O ciclo de vida do lsosporu ocorre integralmente nas células como slim disease, ou doença do emagrecimento, em decor-
de absorção do epitélio mucosa do intestino delgado, exceto réncia do estado avançada de caquexia que esses pacientes
na fase de esporulação de oocistos. Nos enterócitos são vi-
apresentavam. Dentre os agentes patogênicos suspeitos de
sualizados parasitas dentro de vacúalos parasitóforos, tanto contribuirem para a progressão dessa doença esta o Isospom
em estágios de desenvolvimentosexuado como assexuado. A belli,cuja prevalênciapode ser elevada naquelas populações.
lesão de células do epitélio dos vilas intestinais pode explicar O sintoma principal da doença no paciente HIV é a diarréia
a tendência ao desenvolvimento de síndromes de má absor-
crónica, não responsiva às medidas habituais, com freqüên-
ção quando em presença de diarréiacrônica. Mesmo em qua- cia tão elevada quanto oito a dez evacuações diárias e perda
dros clínicos autolimitados em pacientesirnunocompetentes, de grandes quantidades de líquido, em muitos casos evoluindo
o tipo de diarréia sugere alterações disabsortivas. É provável
para desidratação e desnutrição e, se não controlada, podendo
que as alterações patogênicas da doença ocorram em decor- levar o paciente ao choque e à morte. Os quadros podem per-
rência de lesão direta de celulas intestinais por invasão do pa-
sistir por meses ou anos quando não diagnosticados e trata-
rasita, por resposta inflamatóriacelular imune em resposta dos, mas também podem reativar com ou sem o uso de
à presença do parasita e por possível liberação local de pro-
teínas e toxinas. As alterações teciduais visualizadas em espé- profilaxiasecundária. Ha relato de doença com evolução por
20 anos ou mais. A isosporíase deve ser suspeitada como cau-
cimrs de bicipsiadeintestino delgado ibram descritas inicialmente,
m de diarréia no paciente l-llV, sobretudo naqueles casos em
por Trier e colaboradores em 1974, a partir de um paciente
com manifestações clínicas por mais de 20 anos. Os achados
que há irregularidade no uso da medicação anti-retroviral e,
de anatomia patológica nesses casos demonstram arquitetu- mais ainda, quando em falta da profilaxia com sulfa-
ra alterada da mucosa intestinal que pode se apresentar
metoxazolftrimetoprim.Podem ocorrer manifestações extra-
descontínua, com vilosidades achatadas e criptas hiper- intestinais mais raramente. São descritos casos isolados de
tróñcas, células epiteliais vacuolizadas,células dos vilas disseminação com presença de várias formas evolutivas de
parasitadas por Isospora em diferentes estágios do ciclo de Isospora em baço, fígado e linfonodos mesentéricas e
mediastinais. Também há relato de artrite reacional e de
maturação. A celularidade da lâmina própria também se al-
tera, com presença intensa de células plasmáticas,inñltrados colecistite acalculosa ou Isospom em parede de vesícula biliar.
de linfócitos pequenos próprios de inflamação crônica e tam- Vale lembrar que alguns desses casas extremos foram trata-
bém polimorfonucleares. A presença maciça de eosinóñlos, dos e responderam com melhora da diarréia e desapareci-
em especial, tem sido observada. Após tratamento especíñco
mento de cistos nas fezes, levando à discussão sobre a possível

pode haver redução drástica das manifestações patogenicas importância da presença de formas teciduais do parasita no
descritas, com freqüente normalizaçãohistológica e regressão desenvolvimento de formas mais graves de doença nesses pa-
de sinais clínicos. Nos raros casos descritos de doença extra- cientes em condições imunológicas precárias.
intestinal, parasitas foram identificados no fígado e baço, lin-
fonodas e vasos linfáticos, demonstrando ser esta uma via
possível de disseminação.
O diagnóstico laboratorial da isosporíase é feito por meio da
visualização dos oocistos nas fezes, em aspirados ou biapsias
de intestino delgado. Em geral, mais de uma amostra de fe-
A infecção por Isospom belli pode se associar a uma síndro- zes deve ser solicitada para análise, pois a eliminação desse

me clínica em que a principal manifestação é a diarréia. Exis- protozoário nas fezes e' feita de forma intermitente e a cada
te variação quanto à gravidade da apresentação, sobretudo em evacuação, habitualmente, a quantidade de oocistos elimina-
função da condição basal imunológica do paciente, consti- da é pequena. Além disso, recomenda-se comunicar ao labo-
tuindo-se, assim, duas condições clínicas diversas. A isas- ratório a suspeita clinica para que o mesmo execute os
poríase do irnunocompetente, mais rara e autolimitada, e a procedimentos necessários para a identiíicação desse agente. As
isosporíase do imunodeprimido, principalmente em pacien- amostras de fezes &escas podem ser observadas diretamente,
tes com HIV-AIDS. O quadro agudo ocorre em torno de pois os oocistos de !sospara são grandes e facilmenteidentifi-
uma semana após a ingestão dos oocistos, manifestando-se cados em aumento de 400)( em microscopia óptica comum.
principalmente por diarréia, dor abdominal em cólica, ano- Entretanto, para aumentar a sensibilidade diagnóstica, po-
rexia e perda de peso. A diarréia pode persistir por vários dias, dem-se utilizartécnicas de concentração do material fecal.
até duas a três semanas, sendo aquosa ou levemente pasto- Quanto às formas de concentração, podem ser utilizadastéc-
sa, de aspecto espumoso, acompanhada de excesso de gases nicas de concentração pelo formol-éter modiiicado (centrífu-
56 Parasitologia - uma abordagem clínica
go-flutuação) ou técnicas de sedimentação. O exame direto
de fezes usando técnicas de concentração é um método fácil
e barato para o diagnóstico laboratorial da isosporíase. Os
oocistos são ovalados e medem de 22 a 33 pm de compri-
mento por 12 a 15 pm de largura. Ao serem expulsos nas
fezes, os oocistos, em geral, ainda não completaram seu de-
senvolvimento, apresentando-se como uma massa citoplas-
Inica nucleada de forma elíptica, repleta de granulações. Essa
célula única é chamada de esporocisto que em seguida dívi-
de-se em duas, originando dois esporocistos dentro da mes-
ma membrana
lsosporíase 57

de suporte também deve ser lembrada, inicialmente com a um centro de referência em São Paulo, Brasil. Parasiml. Iatbtaam.,
hidratação e correção de eventuais distúrbios ácido-básicos e 57, pp. 111-119, 2002.
v.

hidroeletrolíticosdos pacientes. Num outro momento já de DA ERVA, CÀÍ; FERREIRA, M5.; BORGES, AS.; COSTA-CIIUZ, IM.
Intestinal parasitic infections in HIVÍAHDSpatients. Experience at
recuperação, a terapia de reposição com a suplementação ali- a teaching hospital in Central Brazil. Scand. I. Infecr, Dis., v. 37,
mentar, se necessária e se possível diante do quadro de atroña 211-215, 21305.
pp.
crónica da mucosa intestinal. Há ainda relatos esporádicos de GARCIA, LS. Intestinal Protozaa (Coccidia and Microsporidía) and
utilização de medicamentos como ciproñoxacina,tetraciclina, Algae. In: Lynne Shore Garcia (ed). Diagnostic Medical Parasi-
roxitromicina, primaquina, furazolidona,albendazol, entre tology. 4"' ed., ASM Press, Washington, DC, pp. 60-9?, 2001.
outros, mas sem comprovação de atividade clínica. A proñ- GARLIPR C.R.; BOTTINI, PM; TEIXEIRA, AIIÂLS. The relevante of
laxia da doença pressupõe a melhora das condições sanitárias laboratory diagnosis of human cryptosporidiosís and other coc-
cidian. Rev'. Inst. Med. Trap. S. Paulo, v. 37, pp. 467-469, 1995.
nas regiões onde há precariedade, evitando-se assim a conta-
POILOK, ILCG.; FARTHING,NLLG. Managing gastrointestinal pa-
minação de água e alimentos com fezes humanas, principal rasite infections in AIDS. Trap. Dormir, v. 29, pp. 238-241, 1999.
fonte de contaminação. Medidas higiênicas, como lavagem SAUDA, FC.; ZAIULARIOLI, LA.; EBNER-FEHO, W.; MELLO, LB.
rotineira das mãos e limpeza em geral, também contribuem Prevalence of Cryptasporídiunr sp and Isospom bell¡ among AIDS
para diminuir as chances de transmissão de um hospedeiro patients attending Santos Reference Center for AIDS, São Paulo,
humano para outro. Os pacientes atendidos em serviços de Brazil. I. Parasitol., V. 79, pp. 454-456, 1993.
referência para HIV-AIDS devem ser sempre orientados quan- SEARS, CJ.. Isospora belli, Sarcoqvstis species, Balanridium Cali, Blas-
to aos riscos de contaminação por este e outros parasitas,
rocystis hominis and Cyclospara. In: Mandell GL, Bennett IE, Dolin
R (eai). Mandei!, Douglas and BennettÍs Principles and Practice
evitando o desenvolvimento de condições debilitantes adicio- of Infectious Diseases. 5'** ed., Churchill-Livingstone, Philadelphia,
nais que advém dessas infecções. v. 2, pp. 2915-16, 2000.
TRIER, 1.5.; MOXEY, ac.; SCHMMEL, M.; ROBLES, E. Chronic in-
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para o HIV na região de Ribeirão Preto, SP Brasil. Rev. Inst. Adol-
-

pho Luiz, v. 60, pp. 11-15, 2001. httpzi/nmfsv.dpnicdcgoviclpdinfl-ITMLHsosporiasislitm


CIMERlvDãN, S.; CDSKIERNLÀN,B.; LEWI, D.S. Prevalenceof intestinal Site de domínio público do Centers for Diseases Control (CDC)
parasític infections in patients with acquired immunodeíiciency com informações e figuras sobre doenças, especificamente sobre

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CHVIERLLÀN, S.; CASTAÍTEDA,CG.; IULIANO, YVA;PAIACIOS, R. httpJ/nfsvsv.seimc.orgfcontrolfrevLParafisosporabellihtm
Perlil das enteroparasitoses diagnosticadas em pacientes com in- Site do Serviço de Microbiologia do Hospital Clínico Universitá-
fecção pelo virus HIV na era da terapia anti-retrroviral potente em rio de Valência, Espanha.
(página deixada intencionalmente em branco)
Criptosponkfiose
Regina Maura Bueno Franco
Luciana Urbano dos Santos
É** Parasitologia -
uma abordagem clínica
em bordadura em escova, dos tratos gastrintestinal ou respi-
ratório; instalado no interior de um vacúolo parasitóforo, se-
Protozoáiios pertencentes ao gênero Crjptosporidium. foram gue-se a formação de uma organela alimentar, entre o parasito
e o citoplasma da célula hospedeira. A função dessa organela
descritos pela primeira vez por 'l'yzzer, em 190?, que denomi-
não foi elucidada por completo; junto com o vacúolo para-
nou a espécie Cryptosporidium. muris. Em 1910, 'fyzzier pro-

pôs o gênero Crjptospotidium e, como a espécie-tipo, C. mui-ts. sitóforo, ela fornece um ambiente que protege o parasita do
dano direto causado pela resposta imune do hospedeiro e atua
Esse mesmo autor descreveu o segtmdo membro do gênero
como uma barreira seletiva, permitindo a entrada de nutri-
Cryptosporidium, C. parvum. O que diferenciava as duas es- entes necessários ao desenvolvimento do protozoário e limi-
pécies descritas até então eram os oocistos menores da espécie tando a penetração de agentes antiparasitários. Bxcetuando-se
C. parmm. Dado o diminuto tamanho do protozoário, o
os merozoítos e os microgametas, que abandonam a célula
Cgptospmüiwn despertou interesse limitado. Somente a partir
de 1955, com o primeiro relato de Cryptosporidium melao- hospedeira para invadir outras células, todos os estádios
gaidis, espécie associada à doença diarréica grave em perus e, endógenos estão localizados na superficie do epitélio, na re-
em 1976, com o registro dos dois primeiros casos de criptospo-
gião da microvilosidadecelular.
ridiose atingindo o ser humano (em uma criança saudável de Os oocistos são os únicos estádios exógenos do parasita;
3 anos de idade que apresentava sintomas de gastrenterite,
medem de 3,0 pm a 8,5 pm e, dependendo da espécie, exibem
um formato esférico a ovalado; no seu interior, circundados
descrito por N ime e colaboradores, e em um indivíduo gra-
vemente imunossuprimido, portador de diarréia crônica), por uma parede de dupla camada, são encontrados quatro
despontou a relevância desses organismos. esporozoítos; não há esporocistos, o que diferencia os oocistos
de Crjrptomoridium dos demais cocddeos. No ciclo biológico
No início da década de 1980, uma série de 21 casos de
de Cryptosporidium. são formados dois tipos de oocistos: os
criptosporidiose humana ocorridos em seis cidades nos Esta- de parede espessa, eliminados já infectantes (esporulados) nas
dos Unidos despertou a atenção dos especialistas em virtude
fezes dos hospedeiros, e os de parede ñna, que iniciam um
da presença de fatores epidemiológicos em comum: os indi-
ciclo de auto-infecçãointerna do hospedeiro e não alcançam
viduos pertenciam ao sexo masculino, eram jovens, aparen-
as fezes. Uma característica única dos oocistos do Cryptospo-
temente saudáveis, relatavam comportamento homossexual,
ridium é a presença de uma sutura que durante a excistação
apresentavam u.rn quadro de diarréia grave e debilitante e é dissolvida, permitindo a saida dos esporozoítos.
associação à MDS, estabelecendo-se, então, o caráter opor- A taxonomia das espécies de Cryptosporidium é um assunto
tunista dessa infecção, conforme descrito por Goldfarb e co- controverso. Com o desenvolvimento e a aplicação de técnicas
laboradores em 1982.
moleculares, foi possível verificar que 7 das 16 espécies hoje
Na década seguinte foi acrescentado um novo cenário a existentes são capazes de infectar o ser humano. Entretanto,
esse panorama; em 1993 acontece o maior surto epidêmico de estudos moleculares confirmaram que C. hominis (ante-
criptosporidiose noticiado até os dias de hoje, quando 403.000 riormente denominado C. panmm genótipo l, “humano” ou
pessoas apresentaram gastrenterite devido à veiculação "l-l”)e C. pomrm [inicialmente nomeado C. pai-vam genótipo
hídrica do protozoário, na cidade de Milwaukee,nos Estados 2, “bovino” ou "CÚ são as espécies de maior ocorrência e re-
Unidos, com um custo de 96 milhões de dólares. levância em saúde pública,pois foram responñveis em vários
Decorrido um século da descrição original de 'fyzzen pro-
países por numerosos surtos de criptosporidiose, de transmis-
tozoários do género Crjrptosporidium permanecem como são hídrica.
uma constante preocupação para a indústria da água e dos É importante ressaltar que C. hominis difere de C. pano/am.
alimentos, em decorrência do grande potencial de veiculação quanto ao hospedeiro, distribuição das lesões, sintomas, in-
hídrica desse parasito. tensidade de infecção e eliminação de oocistos. C. hominis é a
espécie mais detectada em crianças e adultos infectados com
o vírus da imunodeficiênciahumana (HIV) até o momento.
C. meleagridzk,originalmente descrita em aves, é hoje con-
siderada como espécie emergente, pois registra-se um aumen-
Crjptosporidittm pertence ao ñlo Apicomplexa,pois há pre- to de sua detecção em pessoas imunocompeteiltes, sobretudo
sença de um complexo apical associado à adesão e interio- em crianças, e é responsável por 11% das infecções em indi-
rização do protozoário na célula hospedeira, tipicamente víduos imunocomprometidos.
contendo róptrias, micronemas, grânulos elétron-densos, Um estudo recente, conduzido entre pacientes com infec-
microtúbulos subpeliculares e anéis apicais. Segrmdo Bayer, ção pelo HIV, em Lima (Peru), no qual 193 amostras foram
1997, não há conóide, anéis polares e microporos. Por apre- submetidas à genotipagem, as seguintes espécies foram con-
sentar um ciclo biológicocompreendendo fases assexuada e firmadas: C. hominis (n = 144 indivíduos positivos), C. par-
sexuada, esta últimaculminando na produção de oocistos, vum. (n = 22), C. meleagrídis (n = 1?), C. Canis (n = 6), C. felis
o protozoário foi classificado na classe Conoidasida, sub- (n = 6) e C. suis (n l), corroborando que estas são as espé-
=

classe Coccidiasina, ordem Eucoccidiorida, subordem Bime- cies que atingem as pessoas portadoras de algum tipo de
riorina, familia Cryptosporididiidae.Cijrptosporidiun: é um imunocomprometimento. Outro achado relevante foi o fato
parasita intracelular obrigatório, mas não mantém conta- de que as infecções por C. Canis, C. _fehs e o subgenótipo ld de
to com o citoplasma da célula-hospedeira: a porção anterior C. hominis foram associadas à diarréia aguda, enquanto
de cada esporozoíto ou merozoíto adere à superlicie do epitélio aquelas causadas por C. parvum, com diarréia crônica e vô-
mitos, indicam que as manifestações clínicas podem variar
conforme a espécie do protozoário (Figura 9-1).

A criptosporidiose já foi relatada em seis continentes em


mais de 90 paises; a ocorrência de numerosos surtos epide-
micos de criptosporidiose ao redor do mundo reflete a ubi-
qüidade de Cryptosporidium. A prevalência da infecção
humana, fundamentada em inquéritos parasitológicos fecais,
é variável: nos países africanos é de 2,6% a 21,3%; nas Américas
Central e do Sul, é de 3,2% a 31,5%; na Ásia, 1,3% a 13,1%;
nos países europeus, é de 0,1% a 14,1%, e na América do
Norte, varia de 0,3% a 4,3%.
Quando são empregados métodos sorológicos, as taxas de
prevalência são maiores; por exemplo, em um estudo reali-
zado na China e no Brasil, a positividade variou de 42,3% a
57,5% Tespõctivamente;no nordeste do Brasil, 1910.02 (94,6%)
das crianças apresentaram anticorpos anti-Cryptospoñdíum.
Os principais grupos de risco para aquisição da criptos-
poridiose compreendem uma ampla gama de indivíduos
que apresentam imunodeficiênciaprimária ou inata, como
hipogamaglobulinemiaou imunodeficiência secundária,
tais como os portadores de infecção pelo HIV, os recepto-
res de órgãos, os que fazem uso de terapias imunossupres-
soras ou aqueles em tratamento quimioterápico contra
câncer ou leucemia; também as pessoas que fazem
hemodiálise ou são diabéticas, assim como crianças até 5
anos de idade e idosos, estão mais sujeitos à aquisição da
infecção.
Quando analisados os casos esporádicos de criptospori-
diose entre indivíduos imunocompetentes, emergiram
os
como importantes fatores de risco a idade (a criptosporidiose
é uma infecção comum nos animais jovens), o contato com
indivíduo portador de diarréia ou animais de criação, fre-
qüência em creches ou asilos e
_ü Parasitologia - uma abordagem clínica

FIGURA 9-2 Ciclo biológico. 1, A transmissão de Cryptosporidium


para o homem ocorre através de água ou alimentos contaminados
corn oocistos do parasito. 2, No íntstino delgado o parasito
excista-se e se multiplica mediante ciclo assexuado e_ através do
ciclo sexuado, formam-se novos oocistos. 3, Oocistos são eliminados
pelas fezes_ contaminando fontes de àgua_ podendo infectar outras
PESOSS

padeiro, sobretudo entre os portadores de comprometi-


mento do sistema imunológico. Os esporozoítos são forma-
dos no interior do oocisto, por um processo de redução
meiótica (esporulação) que, no caso de Cryptosporídium,
ocorre in situ.
A transmiüo da criptosporidiose ocorre pela via fecal-oral,
de fomia direta, pelo contato interpessoal, ou indiretamente,
mediante a ingestão de água ou alimentos contaminados.
Vetores mecânicos, a formação de aerossóis e o contato se-
xual constituem outras rotas de
Criptosporidiose 63

Reiter, sobretudo em crianças que experimentaramepisódios cai sob o laboratório, e o limite de detecção de (Ítyptospori-
sucessivos de diarréia, inclusive envolvendo outros agentes dium para fezes formadas e métodos microscópicos é de
etiológicos. 50.000 oocistos/g/fezes.
A duração dos sintomas em pacientes imunocompetentes Inicialmente, o (Íryptosporidíum era diagnosticado por mé-
em geral é de uma a duas semanas, mas pode depender da todos invasivos, em biopsias intestinais e com a utilização da
espécie do protozoário em questão. Por exemplo, em Mil- microscopia eletrônica. Atuahnente, a identificação dos oocis-
waukee, a duração da diarréia estendeu-se por 19 dias, e em tos é feita em esfregaços fecais submetidos à coloração álco-
um estudo realizado no Brasil, crianças com diarréia ol ácido-resistente, que é considerada o “padrão ouro" para
provocada por infecção por Cryptosporidizm: tiveram maior o diagnóstico de casos esporádicos de criptosporidiose. Em si-
duração da diarréia em função da espécie do parasito: quan- tuações em que um grande número de amostras deve ser exa-
do infectadas por C. hominis, a diarréia persistiu por 20,9 dias, minado, é recomendável realizar a üiagem dos casos positivos
e 13,3 dias quando a infecção era por C. pan/um. pelo método da fenol-auramina,com posterior continuação
Nos pacientes imunocompetentes, a resolução da criptos- empregando os procedimentos de Ziehl-Neelsen modificado
poridiose ocorre de forma espontânea. Entretanto, às vezes, ou Kynioun. É bastante comum, em um mesmo campo mí-
a hospitalização é necessária em decorrência da grave desi-
croscópico, a presença de oocistos bem coradas, em tonali-
dratação imposta pelo protozoário, sobretudo em crianças e dades rosca-avermelhadas e outros que não se impregnaram
idosos. totalmente pelo corante. Embora não sendo uma coloração
Entre os indivíduos portadores de comprometimento do diferencial, a técnica de safranina também pode ser utilizada
sistema imunológico, que apresentam contagem reduzida de
para a detecção dos oocistos de Cgrptosporidium; nesse caso,
linfócitos auxiliadoresda resposta imune (linfócitos T CDM),
os oocistos apresentam-se de cor alaranjada.
aproximadamente menos de 200 células/mm3 de sangue, os Em 1997, lgnaüus e colaboradores descreveram um novo
sintomas gastrintestmais tornam-se muito graves, tendendo
à cronicidade e debilitandoo paciente. São registrados casos
procedimento, a coloração combinadado ácido tricromático
e álcool ácido-resistente, pouco empregada nos laboratórios
em que os indivíduos infectados pelo HIV eliminaram de 17
clínicos no Brasil. Esse procedimento apresenta a vantagem de
a 20 litros de fezes/dia, caracterizando mn quadro de
evidenciar tantos os oocistos de Cryptosporidittm quanto os
criptosporidiose fulminante. Ressalte-se que após a introdu- del. bellie Cytíospora atyetanenns, além dos esporos dos micros-
ção da terapia anti-retroviral potente (HAARIÚ, em meados
de 1997, esses casos tornaram-se mais raros. porídios intestinais.
A localizaáp de Ctypmsporidium em sítios exua-intesnnais,
Procedimentos de concentração com solventes permitem
a sedimentação dos oocistos e a remoção destes das sujida-
tais como fígado, pâncreas, vesícula biliar,ocorre naqueles
des fecais; considerando-se a velocidade da centrifugação de
pacientes cujo nível de linfócitos T C134* é inferior a 50 célu- 500 X g como ponto crítico para não haver perda de oocistos
las/mm3 e resultam em cirrose, pancreatite, colangiopatia
crônica, colangite esderosante, sem cálculos, e colangiocarci- no sobrenadante.
noma.
Testes imunoenzimáticos e kits comerciais empregando
O envolvimento respiratório pode ocorrer, sobretudo em anticorpos monoclonais estão disponíveis e resultam em au-
indivíduos imunocomprometidos e, nestes casos, os sintomas mento da sensibilidade,sobretudo com o uso de microscopia
e sinais clínicos mais freqüentes são tosse, rouquidão e falta
de imunofluorescência,mas apresentam como desvantagem
de a.r. A aspiração de oocistos pode causar lesões no sistema o seu alto custo. Quando detectados por estes métodos, os

respiratório, evoluindopara um quadro agudo de pneumonia. achados devem ser reportados como (Íryptosporídium spp.,
Oocistos podem ser detectados no escarro, aspirado traqueal, uma vez que os métodos moleculares são requeridos para a
fluidos e exsudato broncoalveolares.Estudos histológicos de- determinação da espécie.
monstraram a presença do protozoário no epitélio ciliado e No Brasil, os métodos moleculares têm sido aplicados so-
inñltrado de células mononucleadas; casos de criptosporidiose bretudo em pesquisa científica e !vêm contribuindomuito para
respiratória também ocorrem entre os indivíduos que reali- o entendimento da heterogeneidade e da complezddade desse

zam transplante de medula. agente parasitário, porém, deve-se ressaltar a falta de padro-
Outras conseqüências à saúde humana decorrentes da in- nização dos protocolos existentes, principalmente para a
fecção crônica por Cryptosporidium incluem, na inñncia, além detecção deste protozoário em amostras ambientais.
da síndrome de Reiter, uma expressiva falha no desenvolvi-
mento ñsico e cognitivo que se instala mesmo naquelas cri-
anças que não são sintomáticas, mas que passaram por
vários episódios de diarréia. O período de eliminação de
oocistos nas fezes, após cessar a diarréia, também é variável. Não há, até o momento, uma terapia realmente efetiva para
a criptosporidiose. Muitos compostos foram testados, com
resultados variáveis e sucasos limitados. Muitos dos compos-
tos testados contra o protozoário exibem atividade in vitro,
mas há uma ausênciade atividade efetiva quando testados in
Em decorrência da similaridade do quadro clinico causado vivo em modelos animais. Contribui para esse fato a estru-
pelas infecções por (Émptosporiditrm, (Iydospora cayerarzensis tura da organela alimentar que exerce uma barreira seletiva à
e isospora belli, o diagnóstico dessas coccidioses humanas re- entrada de nutrientes; além disso, há a expressão de proteí-
164 Parasitologia -
uma abordagem clínica
nas do parasita que modulam o transporte de fármacos, pro-
movendo a extrusão dos mesmos. Outro fator a ser conside-
rado é a variabilidadedas diversas espécies e genótipos que
podem influenciarna resposta à medicação; contudo, esse é
urn aspecto que merece elucidação futura, em condições expe-
rimentais controladas. Na atualidade, os análogos da ciclospo-
rina (que são sígniñcaüvamente ativos contra Plasmodium e
Zlbxoplzzsma) estão sendo testados e são promissores, pois
parecem exibir ação contra os estádios intracelularesde Crjvp-
tospoñdium.
Em 2002, a nitazoxanida foi aprovada pelo Food and Drug
Administration (FDA; Estados Unidos) para tratar crianças,
com idade entre 1 e ll anos, e
Criptosporidiose .'
SUNNOTEL, O.; LOWERY', CJ.; MOORE, LE.; DOOLEY; I.S.G.;
XIAO, L.; MILLÀR, EC.; ROONEY', PJ.; SNELLING, WJ.
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Mcrobiol. Rev., v. 17, pp. 72-97, 2004. doença.
(página deixada intencionalmente em branco)
Cícámporíd-íose
I0
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
Parasitologia -
uma abordagem clínica
modo geral. A inspeção desses produtos provenientes de re-
giões onde a ciclosporíase é endêmica pode ser uma fonna de
evitar surtos de doença diarréica em áreas mais desenvolvidas.
Cyclospora cayetanensis é inn coccídeo, parasito intracelular
obrigatório, que tem a capacidade de causar doença diar-
réica em irnunocompetentes e imunodeprimidos, seja de for-
ma endêmica, seja em surtos de diarréia causada por
alimentos ou água para consumo humano, seja no contex-
O ciclo biológico (Figura 10- l) de C. cayetanensis é bastante
to da “diarréia dos antes”. Inicialmentereconhecido no ñ-
semelhante àquele observado em outras coccidioses, como,
nal da década de 1970, esse protozoãrio vem tendo relevância
cada vez maior na nosologia humana, inclusive em países por exemplo, a criptosporidiase. Os oocistos ingeridos com
alimentos ou água contaminada sofrem um processo de
desenvolvidos.
excistação no intestino delgado proximal, sobretudo no
jejuno, e esporozoítos em fomra de crescente e medindo 1,2
por 9,0 pm são liberados e irlvadem as células do epitélio in-
testinal. Aí, no pólo luminal das células, são gerados dois tipos
de merontes: os do tipo l, que dão origem a 8 a 12 merozoítos
C. azyemnensis é um protozoário classificado no lilo Apicom-
plesa. No início, era considerado uma alga azul-verde ou uma que invadem de imediato as células vizinhas; e os do tipo ll,
forma maior de Cryptosporidiunr, sendo referido como um mais tardios, que também invadem células vizinhas',trata-se
de um tipo bastante prolíñco de reprodução asseiruada. Alguns
Lyanobacterium-likeou ::estadia-like body (CLB). Até agora é desses merontes dão origem a macrogametase microgame-
considerada a única espécie de Cyclospora patogênica para o
tócitos que contém microgametas flagelados. Logo após a
homem. Em 1994, Ortega e colaboradores, utilizandocritérios
morfológicos tradicionais, o classificaram no gênero Cyclos- fertilização, forma-se uma parede espessa, resistente às con-
pom e sugeriram a espécie C. cayemnensis. No entanto, mais dições ambientais; esses oocistos, ainda não-esporulados e
não-infectantes, são eliminados nas fezes; por meio da espo-
recentemente, emprego de métodos moleculares revelou
o
grande homologia desse organismo com Eimeria e, a partir rulação, dois esporocistos são originados de cada oocisto e cada
um deles contém dois esporozoítos em forma de banana. Os
daí, alguns autores sugeriram uma reclassificação neste últi-
mo gênero.

Os indivíduos infectados com C. cayetzznerzsis excretam cistos


nas fezes, que não são infoctantes em uma ou algumas sema-
nas. Depois deste período, oocistos com a esporulação com-

pleta são infectantes pela ingestão com água ou alimentos.


Surtos de ciclosporíase têm sido relacionados com água con-
taminada, produtos crus e alimentos em geral.
O primeiro surto de diarréia por Cyclospora ocorreu em
19??, em Papua-Nova Guiné. Na América do Norte, o pri-
meiro surto ocorreu em 1990, em Chicago, onde a transmis-
ño ocorreu por ingestão de água contaminada num hospital
Posteriormente, surtos foram relatados nos Estados Unidos
e no Canadá, envolvendo consumo de alimentos contamina-
dos, sobretudo com framboesa; em muitos deles a fruta era
procedente da Guatemala. A apresentação clinica nesses even-
tos foi de diarréia prolongada, às vezes com duração supe-
rior a tres semanas, e com caráter recorrente.
C. cayetcmensis tem distribuição cosmopolita, sendo mais
comum em áreas com clima tropical e subtropical. É freqüên-
temente isolada de viajantes procedentes da América Latina,
Índia e Sudeste Asiático. Na África, é problema de saúde pú-
blica relevante, em função de causar doença diarréica em pa-
cientes com AIDS. Em países desenvolvidos tem importância FIGURA 10-1 Ciclo de transmissão de Cyclospora coyetonensis. I_
epidemiológica relacionada com a diarréia dos viajantes e o O homem adquire o parasito pela ingestão de água ou alimentos
consumo de alimentos crus, inrporizados de paises onde a in- contaminados com oocistos üporulados. 2, No intestino, o parasita
fecção é endêmica. Assim, o controle dessa infecção entre os sofre esquizogonia e multiplicação e, 3 eliminam oocistos não-
viajantes inclui o consumo de água fervida ou engarrafada e esporulados_ 4_ Neste ambiente esses oocistos torna m-se
a não-ingestão de alimentos crus, mclusive frutas e vegetais de esporulados e infecciosas.
oocistos têm diâmetro em torno de 8 a 10 um, quase o do-
bro das dimensões do oocisto de Cqpmsporidium par-vam;
além disso, têm uma parede com 50 nm de espessura.

O parasitismo de enterócitos nas porções proximais do


jejuno é o responsável por manifestações diarréicasobser-
vadas na ciclosporíase. A capacidade de o C. myetanensis cau-
sar doença parece estar relacionada com a idade e o estado
imunológico do hospedeiro, bem como da dose infectante
(inócu1o).O período de incubação dumemmédia,umasema-
na e a doença diarréica pode ser prolongada (até seis semanas).
Ocorrem infecções assintomáticas, recaídas e manifestações
crônicas pós-infecciosas; em algumas situações, a doença
não-tratada pode assumir um caráter intermitente, com pe-
ríodos de diarréia entremeados por períodos de remissão
dos sintomas.
Imunidade
(página deixada intencionalmente em branco)
914 ícrosporídíose

Susana Angélica Zevallos Lescano


_n Parasitologia - uma abordagem clínica
Fase de Proliferação
Os microsporídios são protozoários parasitas intracelulares A fase de proliferação é constituída pelas formas parasitárias
obrigatórios que infectam uma ampla variedade de vertebra- intracelulares (esquizontes e merontes), arredondadas e ligei-
dos e invertebrados. No homem, o primeiro caso de infecção ramente maiores, que sofrem multiplicação esquizogónica e
por microsporídios foi relatado em 1959 e, antes da era AIDS, tem origem a partir do esporoplasmae do núcleo do esporo.
infecções humanas com ceratoconjuntixrite, miosite e perito- São transmitidos à célula hospedeira pelo filamento polar
nitefhepatite foram atribuídas a microsporídios. Somente 10 extrusado.
infecções humanas bem documentadas foram descritas até
1985, quando uma nova espécie, Enmocytnzoon bieneusí, foi
descrita em um paciente infectado por HIV. Desde então, vá- Fase Esporogônica
rias infecções com diferentes espécies de microsporídios têm
sido relatadas no mundo todo e, hoje em dia., esses parasitas A
são reconhecidos como agentes etiológicos de infecções opor-
tunistas de indivíduos PEV-AIDS, e de indivíduos imunocom-
prometidos, tais como receptores de transplantes de órgãos
que foram tratados com drogas imunossupressoras.

O lilo Microspora está constituido por quase 150 gêneros com


mais de 1.200 espécies, parasitam hospedeiros muito diversos,
incluindoinsetos e outros invertebrados, parasitam também
vertebrados como peixes, aves e mamíferos. No entanto, so-
mente sete géneros (Enterocytozoon, Encephalitozoon,
Pleistophora, Trachípleistophora, Vittafarma, Brachiala e
Nosema), bem como outros microsporídios não classificados
têm sido dmcritos como patógenos para o homem.
No ciclo de vida dos microsporídios podem ser observa-
dos três estágios: a) infectante; b) proliferação; e c) esporo-
gônico.

Estágio lnfectante
Esse estágio é representado pelos esporos envolvidos por
membrana dupla: a camada externa é de natureza protéica e
a interna é constituída de ot-quitina (composto que confere
alta resistência a essas formas), dotados de filamento polar
característico; o seu diâmetro varia de l a 12 pm; no entan-
to, as espécies parasitas do homem têm esporos com 1-3 um
(Figura 11-1). São eliminados com as fezes e outras dejeções
dos indivíduos infectados. Essa forma pode sobreviver por
muito tempo no meio, em alguns casos até mesmo anos.

FIGURA 11-1 Bporos de Enterocytnzoan bieneusi. À squeda,


Chromotrope; à direita, Gram Chromotrope quente. [Cortesia da
DPDx, the CDC website for parasitology diagnosis, EUA.)
Microsporidiose 73'

microsporídios, sugerindo que esses parasitospodem ter po- As manifestações clínicas da nlicrosporidiose humana são
tencial patogénico significativo em nosso meio. vistas principalmente em pacientes imunocomprometidos
(p. ex., HIV-AIDS, imunossupressão induzida terapeutica-
mente antes e após transplante de órgãos). Nos individuos
imunocomprometidos, as infecções por microsporídios po-
dem persistir ainda que os sintomas desapareçam. Os sinto-
No intestino delgado, esporo estende seu túbulo polar e
o mas são variados e dependem da espécie de microsporídio
infecta a célula hospedeira, injetando o esporoplasma in- envolvido. No Quadro ll-l estão descritos os sintomas cli-
fectante. No interior da célula, o esporoplasma se multiplica nicos de acordo com a espécie de microsporídio.
por merogonia (fissão binária) ou esquizogonia (fissão múl-
tipla). Esse processo pode ocorrer em contato direto com o
citoplasma da célula hospedeira (E. bieneusñ ou dentro do
vacúolo parasitóforo (E. intesünalis). De uma forma ou de
outra, os microsporídios desenvolvem-se, mediante esporo- Durante a última década os procedimentos para detectar
gonia, em esporos maduros. Durante a esporogonia é forma- microsporídios em seres humanos melhoraram de forma
da uma parede grossa ao redor do esporo, o que lhe confere notável e hoje estão disponíveis vários métodos para a detec-
alta resistência no meio externo. Quando os esporos atin- ção e diferenciação de espécies.
gem quantidade suficiente para preencher todo o citoplasma Inicialmente a microscopia eleüônica era necessária para
da célula parasitada, a membranacelular desta se rompe e li- diagnosticaras infecções por microsporídios. Hoje em dia essa
bera os esporos no meio exterior, continuando assim novas técnica permanece como o "padrão ouro” para a conñrma-
infecções. ção e identificação de espécies de microsporídios, sobretudo
A transmissão ocorre por ingestão ou inalação de esporos. em laboratórios onde ainda não foram estabelecidas as téc-
Como os microsporídios infectam animais que fazem parte nicas de biologia molecular.
da cadeia alimentar do homem, a contaminação não parece Entre as metodologias utilizadasatualmente estão colora-
ocorrer somente pela água, havendo a possibilidadede trans- ções, como a tricrômica, as modificações do Chromotrope de
missão zoonótica pela ingestão de carne crua ou malcozida. Weber e as substâncias quimioluminescentes (Calcofluor
A transmissão iransplacentária, descrita em outros animais, \IVhite 2MB, Uvitex 2B). Outras técnicas altemaiivas são a de-
não foi comprovada na espécie humana. Infecções oculares tecção dos parasitas por anticorpos poli e monoclonais mar-
podem ser transmitidas por contato com mãos contamina- cados com fluorocromos, pela imunofluorescénciadireta
das. Em alguns casos, um trauma pode dar origem à infec- (IED), bem como a reação da cadeia da polimerase (PCR).
ção da córnea e de músculos. Quando os esporos são abundantes na amostra, o exame di-
reto com colorações especíñcas pode ser o mais adequado
para o diagnóstico. No entanto, quando as formas parasitá-
rias são escassas, é importante utilizarmétodos para concen-
tração clas amostras de fezes ou de urina.
Os microsporídios habitam preferencialmente o intestino Um dos grandes problemas na coloração do material
delgado, embora possam ser encontrados parasitando diver- é a diferenciação entre esporos de microsporídios e de
sos órgãos. outros microorganismos. O método de coloração Gram-

QUADRO 11-1 Microsporidios parasitas do homem e principais sintomas clinicas

Enrerocynozoon bieneusí Diarréia (pneumonia, riníie, sinusite, colecisiile)


Encephaiiíozoon (Soprano) inleslinafis Diarréia (nelrile, oolecistite)
Encephaiífozoon cunkulr' Disseminação: enoefalile, nefrífe
Encephaiiiozoon heifem Ceraloooniunlivile(disseminação: nefríie, pneumonia]
Córnea
Miosite
Bruchíola (- Nosema) Connor¡ Disseminação: córnea, músculo
Mícrasporidíum sp. Cómea
Trachipleisrophoiu Disseminação: músculo esqueléiioo, sinusite
Viñaforma comece Córnea
Fonte: GroB, 2003.
Parasitologia - uma abordagem clínica
Chromotrope tem sido bem-sucedido quando aplicado
em diversos materiais, como fezes, bile, urina, amostras de
aspirado duodenal, esfregaços conjuntivais e fluidos naso-
faringianos.
Técnicas imunológica, como imunofluorescênciaindireta,
imunoensaios e Western blot, têm sido usadas em diferentes
inquéritos soroepidemiológicos no intuito de pesquisar
anticorpos contra espécies de microsporídios. Quando se trata
do diagnóstico de microsporidiose, individualmente, esses tes-
ta não são utilizados,pois apresentam sensibilidadee espe-
cilicidade discutíveis.

Hoje, as duas drogas mais usadas para o tratamento das mi-


crosporidioses em animais e seres humanos são albendazole
fumagilina.Embora Enteroqwtozoon bienettsi seja a espécie de
microsporídio mais prevalente no homem, sua terapia não é
eñciente. A melhora clínica tem sido demonstrada somente
em alguns casos, quando foi usado albendazol em doses de
400 mgldiaporurn a dois meses. O albendazoléotratamento
de escolha para microsporidiose intestinal em indivíduos
imunossuprimidos, sobretudo no caso de E. íntestinalis; po-
rém, há poucos dados sobre a ação dessa droga sobre a dí-
arréia por microsporídios em pessoas imunocompetentes. A
(20 mg/dia) ou seu análogo TNP-47O parecem ser
as opções de tratamento mais promissoras em pacientes com
infecção por E.
@làstocistose
Semlramis Guimarães Ferraz Viana
76 Parasitologia -
uma abordagem clínica

portantes, vale destacar que B. hominis é um organismo poli-


mórfico, cujas formas mais encontradas e descritas com mais
Blastocistose é a infecção causada por Blasmcystis hominis, freqüência na literatura são as formas vacuolar, granular,
amebóide e cística. Ainda são poucas as informações com re-
protozoário encontrado no trato intestinal hmnano. Atual-
mente, o B. hominis é um dos parasitos mais observados em lação à transformação de uma forma evolutiva em outra,
amostras de fezes obtidas de indivíduos residentes nos países mas sabe-se que esse polimorfismo está condicionado a cer-

em desenvolvimento.
tos fatores físico-químicos e biológicos, como por exemplo,

Apmar de ter sido descrito há cerca de um século e do cres- mudanças osmóticas, presença de certas drogas e estado me-
cente interesse dos pesquisadores em ampliar o conhecimen- tabólico do hospedeiro, que podem influenciarna morfologia
to sobre esse parasito, várias questões fundamentais ainda dos organismos, tanto in vivo quanto in WÍTO. Essa variação
necessitam ser esclarecidas, especialmente no tocante a taxo- na morfologia pode ter implicações signiñcaiixras no diagnós-
nomia, biologia e patogenicidade. Com relação à relevância tico, pois as formas evolutivas do parasita não são encontra-
clinica da infecção, ainda persistem muitas discussões quanto das na mesma proporção em amostras de fezes e em meios
à possível participação de B. hominis na etiologia de desor- de cultura.
dens intestinais, sobretudo em indivíduos imunocompro- Os principais aspectos morfológicos das formas já identi-
metidos. ficadas e observadas com mais freqüência (vacuolar, granu-
A infecção por B. hominis tem ampla distribuição mun- lar, aniebóide e cística) serão descritos a seguir.
dial, sendo as maiores prevalências observadas em áreas onde
as condições sanitárias e socioeconômicas da população são
precárias. Estudos epidemiológicos têm demonstrado que Forma Vacuolar
organismos do género Biastocystis podem ter como hospe-
deiros diferentes espécies de mamíferos, aves e répteis, além do A forma vacuolar é considerada a forma mais tipica de B. ho-
homem. minis e, portanto, é referência para o diagnóstico em amos-
Recentemente, o emprego de técnicas moleculares em di- tras de fezes e em meios de cIJltivo.
ferentes estudos tem possibilitadoavanços significativos no Essa forma é tipicamente esférica, mas algumasvezes pode
conhecimento dos aspectos relacionados com a diversidade ter aspecto
genética, taxonomia, afinidades ñlogenéticas e potencial
zoonótico.

O género Blastoqstis foi criado por Alexeieffem 191 l, sob a


denominação Biastoqstis enterocola. Em 1912, Brumpt atri-
buiu o nome Blastoqístis hominis aos organismos isolados de
amostras de fezes humanas. Durante muitos anos, B. homi-
nis foi erroneamente descrito como organismo vegetal, leve-
dura ou fungo por alguns autores, e, até mesmo, como a
forma cística de outros protozoários, como 'Irichomonas spp.
Entretanto, o esforço de !vários pesquisadores, em particular,
Zierdt, permitiu, após extenso estudo com base em critérios
morfológicos e ñsíológicos, a reclassificação desse organismo,
que passou a ser oonsiderado um protozoário. Dentre as ca-
racterísticas que levaram os pesquisadores a aceitar B. hominis
como protista, destacam-se: presença de um ou mais núcleos,

presença de organelas, como complexo de Golgi e retículo


endoplasmáticoliso e rugoso, e a observação de estruturas
semelhantes à mitocôndria. Além disso, B. hominis não cresce
em meios de cultivo específicos para fungos, drogas antifúngi-
cas não matam o parasito e algumas substâncias com efeitos
sobre os protozoários têm atividade contra esse organismo.
Mesmo após todos esses estudos, a posição taxonómica de B.
hominis permanece controversa, pois ainda não há um con-
senso.
Apenas recentemente, aliando as observações feitas em
microscopia óptica aos recursos da microscopia eletrônica,
foram possíveis os avanços significativos no estudo da mor-
fologia desse protozoário. Entre algumas observações im-
Blastocistose

das outras. A forma amebóide é irregular e lobulada, mede


em média 3 a 8 um de diâmetro, não tem vacúolo, apresenta
de um a três núcleos centrais e exibe estruturas semelhantes
a pseudópodos. Além disso, é comum a observação de bac-
Vários aspectos da epidemiologia de B. hominis ainda são
térias no citoplasma dessa forma.
desconhecidos, porém está claro que esse parasita é muito
comum e tem ampla distribuição. As maiores prevalências
têm sido observadas em áreas onde as condições sanitárias e
Fonna Cística socioeconômicas da população são precárias. Atualmente, é
um dos protozoáiios observados com mais freqüência em le-
vantamentos parasitológicos, em amostras de fezes de indi-
A descrição da fomia cística é relativamente recente e foi uma
víduos sintomáticos e assintomáticos.
contribuiçãosignificativa para o entendimentodo mecanis- Os cistos excretados com as fezes do hospedeiro são as
mo de transmissão de B. hominis. As primeiras fonnas cisticas
formas infectantes do parasita envolvidas na transmissão, que
foram observadas em amostras fecais obtidas de pacientes
ocorre por contaminação fecal-oral. Apesar de escassos, há
HIV positivos. Essas formas costumam ser menores do que
estudos que consideram a água contaminada um importan-
as formas já descritas aqui, medindo em média 2 a 5 um de
te veículo na transmissão de B. hominis, seja pelo consmno
diâmetro. Além disso, são envolvidas por uma parede cística
direto ou pelo seu uso no preparo dos alimentos.
e, no citoplasma,podem ser observados de um a quatro nú-
As evidências sugestivas de que B. hominis seja uma das
cleos, vacúolos pequenos e inclusões.
causas de desordens intestinais baseiam-se na freqüente
ocorrência da infecção em indivíduos com diarréia ou com
Outras Formas síndrome do intestino írritável. Por outro lado, a sua presença
em indivíduos sadios faz prevalecer a opinião de que B.
hominis seja um parasita oportunista, pois tem sido obser-
Alézrn das quatro formas já descritas aqui, outras formas têm
vado com freqüência em pacientes imunocomprometidos e
sido observadas em amostras de fezes e em material obtido
com diarréia.
por colonoscopia. Entre essas, incluem-se as formas multi-
vacuolares e avacuolares. Recentemente, a reviño de vários estudos epidemiológicos
demonstrou que prevalências superiores a 60% têm sido
As fonnas multivacuolares são menores do que as fonnas
vacuolares, medindo em torno de 5 a 8 pm de diâmetro. No registradas em populações residentes em países em desenvol-
vimento e entre indivíduos visitantes, imigrantes e refugiados
citoplasmapodem ser visualizados um núcleo (ocasional- procedentes dessas áreas. Nos paisa desenvolvidos, essas ta-
mente, dois núcleos) e vários vacúolos pequenos. Ainda não
xas costumam ser inferiores, podendo variar de aproximada-
está claro se esses vacúolos são estruturas distintas ou se es-
mente l% a 20%, como, por exemplo, 0,5% no Japão, a mais
tão conectados uns aos outros e organizados como um com-
de 20% nos Estados Unidos.
plexo. As formas multivacuolarespodem ser encontradas em No Brasil, ainda é restrito o número de publicações que
amostras frescas de fezes.
Há pouco tempo, uma nova forma evolutiva foi observa- registramosíndices
da em amostras de fezes obtidas de pacientes com diarréia e
em amostras de material obtido por colonoscopia. Morfolo-
gicamente, é caracterizadapela ausênciade vacúolocentral e,
por isso, foi denominada forma avacuolar. Além dessa carac-
terística, a forma avacuolarmede em torno de 5 um de diâ-
metro e apresenta um ou dois núcleos (Figura 12-1).

FIGURA 12-1 B. hominis ¡odinex 1.500. Cortesia de Peters e


-

Pasvol: Atlas of Tropical Medicine and Parasítology_ E" ed., 2006_


Elsevier Ltd_
78 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Considerando as informações reunidas em diferentes estudos,


são fortes as evidências de que a transmissão de B. hominis
seja efetuada por via fecal-oral. A despeito da recente descri-
ção de uma forma cística e de resultados obtidos experimen-
talmente, não se sabe, com precisão, se esta é a única forma
evolutiva apta a infectar o hospedeiro. Até o presente, o cisto
tem sido considerado a principal forma infectante de B.
Izonrinis e, como ocorre com outros protozoários intestinais,
o homem pode se infectar pela ingestão de cistos presentes em

águas sem tratamento ou tratadas de forma inadequada e em


alimentos contaminados, ou por contato direto de pessoa-
pessoa, por meio de mãos contaminadas.
Vários estudos têm demonstrado que parasitos do gêne-
ro Blastoiystispodem infectar diferentes espécies de répteis,
aves e mamíferos, incluindo animais domésticos e de com-

panhia. Além disso, há relatos de que indivíduos que adotam


uma convivência promíscua com animais de companhia es-
tão mais sujeitos à infecção por B. hominis. Diante dessas ob-
servações, alguns autores têm sugerido a possibilidadede que
a infecção por B. hominis seja uma zoonose. No entanto, os
estudos nessa linha são ainda incipientes.
Desde a descrição de B. hominis, muitas foram as hipóte-
ses aventadas para explicar o ciclo evolutivo desse parasita.
FIGURA 12-2 Ciclo biológico. 1, Blostocystis é adquirido pela
Apesar das várias propostas, ainda não há um consenso quan- ingestão de alimentos ou água contaminados, assim como pela
transmissão fecal-oral_ 2, No intestino ocorre o desencistamento do
to à seqüência de eventos que ocorre no ciclo e os mecanis-
mos de multiplicação do parasita. Essa diñculdade se deve,
parasita e desenvolvimento da forma vacuolar, que se transforma na
multivacuolar, originando cistos. 3, Os cistos eliminados nas fezes
principalmente, à falta de um modelo animal que permita a podem contaminar a água ou alimentos, fechando o ciclo.
reprodução do ciclo in tivo.
Dentre as proposições para os mecanismos de multipli-
cação constam divisão binária, esquizogonia, plasmotomia
e endodiogenia. Contudo, é importante destacar que as ob- Em meio de cultura, a forma multivacuolar pode se dife-
servações, muitas vezes, baseiam-se apenas em análises fei- renciar em forma vacuolar, provavelmente, a partir da
tas por microscopiaóptica e eletrônica. Nas proposições mais coalescênciados vários vacúolos citoplasmáticos e formação
recentes, os autores consideram que o mecanismo de mul- de um grande vacúolo central. De acordo com alguns auto-
tiplicação mais plausível é a divisão binária. res, é possível que essa alteração morfológica também ocorra
A partir da observação de formas evolutivas presentes em quando amostras contendo B. horrrinis são mantidas em subs-
amostras obtidas por colonoscopia, amostras frescas de fe- tâncias fixadoras, diluentes e corantes, como aqueles que
zes e amostras de cultivos, Stenzel e Boreham propuseram normalmente são empregados nos laboratórios clínicos. A
um modelo de ciclo; todavia, a evolução desse parasito ain- forma vacuolar, por sua vez, pode dar origem à forma gra-
da não foi esclarecida por completo. Segundo esses autores, nular. Até o momento não se sabe qual o papel das formas
os cistos excretados com as fezes de um hospedeiro cor- vacuolar e granular no ciclo do protomário.
respondem à provável forma infectante do parasito, que ao ser
ingerida por um novo hospedeiro sofreria desencistamento
no intestino e daria origem à forma avacuolar. Em segui-
.
_

da ao desencistamento, a forma avacuolar colonizaria o


intestino e passaria por modificações para dar origem à Diante de várias observações conflitantesobtidas em estudos
forma multivacuolar,que por sua vez daria origem aos cis- clínicos e epidemiológicos, até agora não foi possível conñr-
tos (Figura 12-2). Para a formação dos cistos, a forma mar se B. hominis é um organismo patogênico ou mn orga-
multivacuolarseria envolvida por um revestimento super- nismo comensal, ou mesmo, se sob certas circunstânciaspode
ñcial mais espesso, sobre o qual, posteriormente, forma- se comportar como oporttmista.
ria uma parede cística. Eventualmente, as formas avacuolares Em vários estudos osresultados não revelam diferenças
poderiam se diferenciar em formas amebóides; entretanto, significativas nas prevalências do protozoário em indivíduos
esse evento ainda é controverso, pois são poucas as infor- assintomáticos e sintomáticos. Outra observação que refor-
mações disponíveis, além do que, raramente, as formas ça a idéia de que B. irominis seja um organismo comensal são
amebóides são observadas em amostras obtidas por colo- os casos em que a remissão dos sintomas ocorre sem que o
noscopia. indivíduo seja submetido ao tratamento especíñco.
Blastocistose 79

Além disso, há observações em que os indivíduos imuno- No entanto, têm-se observado mudanças na conduta dos
comprometidos, em especial os pacientes com AIDS, podem laboratórios, inclusive pelo fato de que os textos recentes da
apresentar, com mais freqüência, distúrbios gastrintestinais literatura especializada estão incluindo uma descrição mais
associados à infecção por B. hominis. Entretanto, há outros detalhada da morfologia e do diagnóstico de B. hominis, for-
estudos que não evidenciam diferenças entre as prevalências necendo, assim, infomiações relevantes que poderão melho-
observadas em hospedeiros irnunocompetentes, indivíduos rar a qualidade do diagnóstico.
HIV positivos e pacientes com AIDS. Habitualmente, a infecção por B. hominis é diagnosticada
A dificuldade em se confirmar o real envolvimento desse pelo exame microscópico de amostras de fezes, que se baseia,
parasito como causa de desordens intestinais está no fato de principalmente, na identiñcação da forma vacuolar. Essa for-
ma é a observada com mais freqüência em amostras fecais;
que as principais invesügações sobre patogenicidade não eli-
minam todos os outros agentes infecciosas e não-infecciosos entretanto, outras formas podem ser identificadas nesse ma-
responsáveis pelos mesmos sintomas. Apesar dessas diver- terial. A variação morfológica apresentada por Blastocystis
gências, considera-se que B. hominis possa ser causa de dis- pode ter implicações importantes no diagnóstico, uma vez que
túrbios intestinais quando se confirma a inexistência de em geral o laboratorista não está atento à possibilidadede que

infecção por qualquer outro agente patogênico e o número estágios menores, incluindo a forma mulüvacuolare o cisto,
de Blastocystis nas fezes é alto. possam ser encontrados em amostras frescas de fezes. Assim,
Os mecanismos patogênicos específicos na blastocistose muitas infecções deixam de ser diagnosticadas e, com isso, a
ainda não são conhecidos. A dificuldade em se estabelecer um prevalência é subestimada.
modelo animal adequado para estudos in vivo tem sido um É importante destacar que a inexperiência técnica pode
fator limitante para esse conhecimento. fazer com que células como leucócitos e outros protozoários
De modo geral, a patogenicidade tem sido atribuída a fa- intestinais sejam confundidos com B. hominis, assim como
tores relacionados com as interações entre o parasita e o hos-
cistos de Entamoebo histoiytica, Entamoeba hartmanii e En-
dolimax nana.
pedeiro, sobretudo no que diz respeito à resposta imune do Com relação às técnicas de exame de fezes, os métodos de
hospedeiro e às condições do ambiente intestinal (microbio-
ta. pl-l). concentração empregados para o diagnóstico de out1'os pa-
Em alguns casos de infecção humana., a análise de biópsias rasitos intestinais em geral são inadequados para a pesquisa
de B. hominis, pois causam a ruptura das formas vacuolar,
e de endoscopias tem revelado que B. hominis não invade a
multivacuolar e granular presentes nas amostras fecais. Isso
mucosa intestinal, embora nesta possam ser observados
se deve ao fato de a água usada para diluição e lavagem das
edema e inflamação.
amostras de fems ocasionar a lise dos organismos, o que pode
conduzir a 11m resultado falso-negativo. Esses métodos só se
prestam ao diagnóstico de B. hominis se as amostras frescas
de fezes forem previamentepreservadas, como por exemplo,
A maioria dos indivíduos infectados é assintomática. Nas in- em formol a 10%. O exame direto de fezes a fresco, corado
ou não pelo lugol, pode ser empregado. Contudo, por ser
fecções sintomáticas, a manifestação clínica mais freqüente é
a diarréia, que pode ser aguda ou crónica. Na maioria dos um método de baixa sensibilidade,dificulta o diagnóstico so-

casos a infecção é resolvida de forma espontânea e os sin-


bretudo quando o número de formas parasitárias nas fezes
tomas desaparecem em algumas semanas. Outras manifes- é baixo.
tações clínicas que podem acompanhar o quadro de diarréia Diante dos resultados obtidos em estudos que comparam
são dores abdominais, Hatulência, náuseas e xrômitos. A ocor- a eficiência dos métodos de exame de fezes, as técnicas que se
rência de quadros diarréicos crônicos, persistentes ou recidi- baseiam na coloração permanente de esfregaços de fezes têm
vantes, é mais freqüente em indivíduos imunocomprometidos, sido consideradas uma alternativa para a idenúñcação de B.
sobretudo nos pacientes co1I1 AIDS, nos estágios mais avan- hominis. Dentre os métodos empregados, a coloração pelo
çados da doença. tricómio tem sido recomendada por muitos parasitologistas
A presença de Blastocysns nas fezes de indivíduos que apre- que a consideram um método adequado para o trabalho de
sentam distúrbios gastrintestinais não é suficiente para que se rotina. A técnica de coloração por hematoxilinaférrica pode
atribuam os sintomas à infecção por esse parasita, pois ou- ser empregada e fornecer resultados satisfatórios; contudo,

tras infecções parasitárias, ou mesmo doenças não-infeccio- consiste em um método mais complexo e que requer mais
sas, podem produzir manifestações semelhantes. tempo para a execução.
Da mesma forma que para ouüos protozoários intesti-
nais, recomenda-se o exame de pelo menos três amostras de
fezes durante um período de dez dias. Isso se deve ao fato de a
eliminação deB. hominis nãosercontínua edeo exame deuma
Considerando que a importância clínica da infecção por B. única amostra de fezes poder gerar resultados falso-negativos.
hominis ainda é discutível, a maioria dos laboratórios não in- Embora o exame Inicroscópico de fezes ainda seja a
clui o diagnóstico deste parasita nos exames de rotina. As- principal alternativa para o diagnóstico da infecção por B.
sim, os laudos de resultados raramente registram o encontro irotninis, diferentes métodos têm sido desenvolvidos e padro-
do parasita nas amostras de fezes. nizados, inclusive, para a detecção de anticorpos séricos.
Parasitologia -
uma abordagem clínica
Dentre os métodos empregados para esse Em, as técnicas de indivíduos e que incluam grupos-controle. Vale destacar que
imunoiluorescénciae de ELISA já foram avaliadas, embora a escolha da droga e a dosagem recomendada para o trata-
os resultados não tenham sido muito promissores. Estudos mento das infecções por B. hominis têm sido feitas de forma
sorológioos têm demonstrado que os indivíduos infectados empírica. Considerando os resultados obtidos ern alguns en-
podem produzir anticorpos IgG contra o parasita; porém, saios clínicos, atualmente o melronidazol é a droga recomen-
essa produção é maior nos indivíduos sintomáticos do que dada. Entretanto, o tratamento corn esse quimioterápico tem
nos assintomáticos. bísse fato limita o diagnóstico, pois a apresentado algtms inconvenientes, pois além dos efeitos
maioria das infecções é assintornática. adversos, tem-se observado, em alguns casos, baixa eficácia
Com os avanços da biologia molecular, técnicas, como por do metronidazol na eliminação do parasita. Segundo alguns
exemplo, a PCR, têm sido padronizadas para a detecção de autores, tal fato estaria associado à resistência de cepas de
Blustocystis nas fezes. Apesar de serem técnicas altamente Giardía ao tratamento com o meüonidazol.
sensíveis e específicas, o emprego na rotina do diagnóstico Assumindo-se que a transmissão de B. honrinis ocorre por
laboratorial ainda é limitado. Entretanto, esses métodos têm via fecal-oral, a prevenção deve incluir medidas de higiene
sido de grande valia em estudos epidemiológicos,ñlogenéticos pessoal, de saneamento ambientale de educação sanitária que
e taxonômicos. possam prevenir ou evitar a contaminação do meio ambien-
te, e a ingestão de água e alimentos contaminados. Sendo as-
sim, aconselham-se as mesmas medidas básicas descritas nos
capítulos sobre giardiase e amebíase.
Diante da controvérsia com relação à patogenicidade de B.
hominis, não há ainda um consenso sobre a necessidade de
se tratar os indivíduos infectados. De acordo corn alguns au-
tores, há certos aspectos que devem ser considerados pre- STENZEI., DJ.; BOREI-Iitlví, REI.. Biasmcysris hominis revisited. Clin.
Microbioi. Rev., v. 9, prp. 563-584, 1996.
viamente ao tratamento dos indivíduos, tais como: l a natureza
TAN, KSFUV'. Blnstoqrstis in humana'. and animals.: new insights using
-

autolimitanteda infecção; 2 a incidênciade efeitos colaterais


-

modern methodologies. Ver. Pnrasiroi., v. 126, pp. 121-144, 200-1.


associados ao tratamento com as drogas convencionais; 3 -

TAN, IÇSÃ-MÍ; SINGH, M.; YAP, EH. Recent advances in Biastocystis


a ausênciade evidências que conñrrnern a relação entre infec- hominis research: hot spots in terra incogníta. Int. j'. Parasiroi., v.
ção por B. hominis e os sintomas observados. No entanto, há 32, pp. 739-304, 2002.
autores que recomendam o tratamento, quando o indivíduo
apresenta sintomas debilitantes e nenhuma outra causa tenha
sido identiñcada.
Até o presente, são poucos os dados disponíveis sobre os
efeitos in vitro de quimioterápicos sobre Biastocystis. Além
http:ffwuwmdpdcdxagov/dpdxJDefaulthtm
Apresenta informações básicas sobre as espécies de parasitas im-
disso, também são restritos os estudos clínicos, sobretudo portantes em Saúde Pública e disponibilizaimagens das formas
aqueles que realizam o tratamento de um número grande de evolutiva¡ comumente identificadas no diagnósticopamsitológico.
Sarcocistose
l5
Felipe Francisco Than
Considerando-se os inquéritos sorológicos,pesquisas de sur-
tos e mvatigação por exames parasitológicos de fezes, a sarco-
cistose parece ser uma doença cosmopolita, com discreta
prevalência em países em desenvolvimento e menor maiden-
cia relacionada com a melhor condição e cuidado com os
criadouros de animais, como bovinos e suínos.
Em resumo, a sarcocistose é uma doençacosmopolita as-
sociada à ingestão de carne com cistos de Sarcocyst-is.

O ciclo de vida de Sarcorgystis spp. ocorre no hospedeiro de-


finitivo e hospedeiro intermediário. O ciclo inicia-se com a
eliminação de oocistos ou esporocistos livres no meio arnbi-
ente que são ingeridos pelo hospedeiro intermediário, que
pode ser o homem, mediante ingestão de alimento mal lava-
do ou contaminação fecal. Os oocistos progridem até o in-
testino delgado, onde sofrem destruição da sua parede por
enzimas digestivas do estômago, liberando os esporozoítos
(quatro por oocisto). Esses esporozoítos apresentam a capa-
cidade de penetrar os enterócitos e atingem a camada onde
estão presentes os capilares
_se Parasitologia - uma abordagem clínica
e lembram um quadro de gastrenterite aguda infecciosa, apre- do o tratamento semelhante aos casos deinfecção por Isas-
sentando-se com náuseas, vômitos, mal-estar, dor abdomi- pam belb',com sulfametoxazol-Uimetoprimna dose de 160!
nal inespeczíñca, sobretudo na região epigástrica, podendo 800 mg a cada seis horas, por três dias, e depois cada 12 ho-
associar-se à diarréia discreta a moderada, sem sangue, muco ras por três semanas. Esse esquema também pode ser utili-
ou pus, embora as apresentações possam variar. zado, se tolerado, nos casos de doença muscular sintomática.
O quadro clínico da forma muscular é ainda mais ines- Para paciente com intolerância ou efeitos adversos a deriva-
pecíñco, acontecendo após ingestão de alimentos ou água dos de sulfa, pode ser utilizado o esquema com albendazol
contaminados com oocistos do parasita. Os sintomas levam 400 mg, cada 12 horas por 14 dias, mas também com pouca
semanas para aparecer, sendo os mais descritos as mialgias, evidênciaclínica. Nos casos de doença muscular, há relatos de
febre, rush, nódulos subcutâneos,astenia, fraqueza e outros, casos de tratamento com corticosteróides em doses baixas
como chiado e disfunção cardíaca em casos graves. com a finalidade de

Dentre os exames inespecíñcos, o hemograma pode revelar


eosinoñlia discreta a moderada, e as enzimas musculares
(CPK e CK-MB) podem estar elevadas nos casos da forma
muscular. Oocistos e esporocistos podem ser encontrados no
exame parasitológico de fezes pelo método de sedimentação
durante a pesquisa de cistos na doença intestinal. Alguns au-
tores consideram que o método de flutuação seria o mais in-
dicado. Nesses casos, recomenda-se o exame após cinco a
dez dias da ingestão do alimento suspeito (carne crua ou
malcozida),uma vez que é esse o tempo necessário para iní-
cio da eliminação dos oocistos nas fezes. Outra recomenda-
@o é o exame seriado, pois aumenta a eficácia do diagnóstico
em uma suspeita de sarcocistose, inclusive mais de quatro se-
manas da ingestão do alimento suspeito. O exame direto não
pode idenliñcar as espécies de Sarcocystis.
Na sarcocistose muscular, os sarcocistos podem ser iden-
tiñcados nos mais diferentes músculos estriados, desde o esô-
fagoatéamusculaturaesqueleticmlínguaecoraçãaOsistema
nervoso também pode ser acometido, embora com menos
freqüência. Em todos estes casos, nos cortes histológicos de
biopsias musculares, nervos ou cerebral, o sarcocisto pode
ser identificado com diferentes tamanhos e a coloração de PAS

aplica-se muito bem na coloração daparede do cisto. Na teoria,


técnicas moleculares podem ser aplicadas para a identiñca-
ção de Sarcocystis no tecido e até mesmo para a identiiicação
da espécie, porém esses estudos só foram descritos em outros
animais. Estudos sorológicos também estão disponíveis, mas
não fazem parte da rotina dos laboratórios comuns, sendo
mais utilizadospara pesquisas veterinárias.

O tratamento da forma intestinal não é recomendado, uma


vez que a infecção é autolimitada. Em casos persistentes ou
em pacientes imunocomprometidos não existe nível de evi-
dência melhor que relatos de casos. Nestes casos foi utiliza-
;Zlmeõas cfe wkfa
livre oportunistas
I4
Hércules Moura
Parasitologia -
uma abordagem clínica

Amebas de vida livre (AVI.) oportunistas são protozoários,


encontrados comumente no meio ambiente, que têm o po-
tencial de causar infecções em animais e no homem. As infec-
ções causadas pelas AVI.têm sido relatadas em várias partes
do mundo e são pouco freqüentes (ou pouco detectadas),
apresentando um quadro clínico diverso e de difícildiagnós-
tico. A importância desses agentes reside no fato de que qua-
se sempre eles causam infecções fatais e, na maioria das vezes,
são achados de necropsia, mesmo em locais em que os ne-
cessários recursos diagnósticos são disponíveis.
As doenças causadas pelas AVL oportunistas já foram re-
latadas no Brasil e podem se apresentar com mais freqüência
como infecções do sistema nervoso central, a meningoen-
cefalite amebiana primária (MEAP) ou a encefalite granu-
lomatosa amebiana (EGA) ou como lesões ulceradas da
córnea (ceratite amebiana CA), que é a forma mais comu-
-

mente diagnosticada.
Neste capítulo serão focalizadas as doenças causadas pe-
las amebas de vida livre nas suas diversas apresentações, sua
abordagem diagnóstica e a condução e o tratamento dos
casos.

AVI. pertencentes a diferentes gêneros e espécies são natural-


mente encontradas em coleções de água doce, solo úmido, es-
goto e ar. Apenas quatro gêneros (Acrmtkamoeba, Balumuthia,
Naegíeria e Sappinia) já foram relacionadoscom casos de in-
fecção hurnana ou animal. Enquanto diversas espécies do gê-
nero Acanlhmnoeba (A. castellano', A. culbertsoní, A. polyphaga,
A. healyi, entre outras) podem causar infecções crônicas do
sistema nervoso central (EGA), pulmões, pele e córnea, ape-
nas uma espécie de cada um dos outros gêneros já foi detec-
tada ou isolada de focos de infecção. Balamuthiamandrillaris
pode causar também infecções crônicas do sistema nervoso
central e pulmões. Naeglenh
Amebas de vida livre oportunistas 87 -

.UC_EO.NUusapgm
.uc_wEom_ucoam
88 Parasitologia -
uma abordagem clínica
como legianellapneumophila,Francisella tularensis, Mycobac-
terium avium, Víbrio chakra, Escherichia. Colt' sorotipo O15?,
entre outras.

O ciclo evolutivo das AVL é simples. As formas vegetativas ou


trofozoíticas, que são amebóides, alimentam-se de bactérias
e outros microorganismos,multiplicam-se por divisão binária

simples e formam cistos resistentes (Figura 14-1). As espécies


do gênero Naegletiaapresentam formas flageladas que, acre-
dita-se, desempenham papel importante na transmissão da
infecção.
A ceratite por Acantframoeba tem a sua transmissão com-
provada pelo uso de lentes de contato guardadas em solução
salina contaminada, embora existam evidênciasde que a in-
fecção também possa ser adquirida pela exposição a águas de
recreação. Entretanto, não há evidências que EGA causada por
Amnthamoeba. ou Balamirthia seja adquirida através da
A doença humana causada pelas AVI,pode ser causada por
lesões no sistema nervoso central, além de localizaçõespulmo-
nares e oculares por Acanthamoeba. O paciente com acome-
tirnento do sistema nervoso central pode apresentar duas
formas clinicas principais, aguda e crônica.
A forma aguda (MEAP), causada por N. fowleri, e a mais
diagnosticada, incide em jovens que até poucos dias antes do
início dos sintomas gozavam perfeita saúde e está, na maio-
ria das vezes, associada a banhos em lagos ou piscinas. Após
um período de incubação de sete a dez dias, essa forma tem
início abrupto e apresenta-se com quadro de cefaléia e febre
baixa, acompanhado ou não de alterações do olfato. Evolui
com rapidez, instalando-se sinais de irritação meníngea a

que se associa quadro encefalíüco, semelhante ao das menin-


goencefalites bacterianasagudas, terminando após sete a oito
dias, quando o doente chega a êxito letal em quase 100% dos
casos.
A etiologia da forma crônica (EGA) é atribuida a espécies
de Acanthamoeba e Balamutízia. Em geral, Acanthamocba. aco-
mete indivíduos imunocomprometidos, caracterizando-se,
na maioria dos casos, como infecção oportunista. No caso de
meningoencefalítes, o curso clínico é mal definido, depen-
dendo da doença de base, que pode ser AIDS, diabetes, trans-
plantes de órgãos ou outra doença crônica. Os sintomas têm
início lento e insidioso, desenvolvendo-se em semanas ou
meses. O paciente pode apresentar sinais de irritação me-
níngea e de encefalite, VÕIIIÍÍOS, febre baixa, letargia, distúr-
bios visuais, hemiparesia, convulsões e coma. A ceratite por
Acanthamoeba acomete indivíduos com história de trauma
ocular ou uso de lentes de contato. O paciente tem fotofobia
e dor ocular acentuada, decorrentes de lesão da córnea, que
em geral é refratária a antibióticos e caso não seja tratada
pode levar à cegueira.

O diagnóstico das infecções por AVLoporttmistas é feito prin-


cípalmente pela demonstração dos organismos por métodos
diretos ou indiretos. Não há testes comerciais para o diag-
nóstico das AVL. No caso das formas com compromeümen-
to meningoencefálico,o exame do líquido cefalorraquiano
(LCR) é de fundamental importância. Nos quadros causados
por Acanthamoeba e Bafamuthía, a punção lombar revela
líquor claro com celularidade baixa, proteínas elevadas e gli-
cose baixa, havendo ausência de formas bacterianas e de
amebas. O achado de trofozoítos por nlicroscopía ou cultura
é raro e nesses casos o diagnóstico diferencial deverá ser feito
com as meningoencefalites virais ou por fungos. Contudo,
nos casos de h-LEAP o líquor é turvo ou levemente hemor-
rágico, com pleocitose, proteínas elevadas, glicose baixa,
ausênciade formasbacterianase presença de arnebas. O diag-
nóstico diferencial de MEAP deverá ser feito com as me-
ningoencefalites bacterianasagudas e nesse caso é importante
o exame do líquor para pesquisa de trofozoítos de N.
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Maüria
Marcelo Urbano Ferreira
Mónica da Silva Nunes
92 Parasitologia -
uma abordagem clínica

A malária é uma das principais doençasparasitárias da atua-


lidade, com 400 milhões de casos anuais. Mais de 85% des-
ses casos ocorrem nas áreas de savana e floresta equatorial
da África ao sul do Saara; nessa região, cerca de l milhão de
pessoas, sobretudo crianças abaixo de 5 anos de idade e ges-
tantes, morrem de malária a cada ano. Quase a metade da
população mundial vive em áreas com transmissão de ma-
lária distribuidas na África, Ásia, Oceania e Américas. No
Brasil, as principais áreas endêmicas estão na Amazônia Le-
gal, onde são registrados cerca de 500.000 casos novos de
malária a cada ano.
Este capítulo fornece informações básicas sobre os para-
sitos da malária e a doença que eles causam, incluindo aspec-
tos diagnósticos e terapêuticos.

Os agentes etiológicos da malária humana são Plasmodium


falciparmn, P. iii/ax, R. maiorias e P. ovale. Plasmodiumfal-
ciparum predomina na África, sendo a espécie encontrada em
80% a 90% das infecções nesse continente. R maiorias é a se-
FIGURA 15-1 Ciclo vital dos plasmodios que ¡nfectam o homem.
gunda espécie mais prevalente, e R. ovale é relativamente
incomum.R. vom: inexiste na Áñica Ocidental e é raro na Áfri- 1, A picada do mosquito promove a transmissão de esporozoitos na
corrente sangüínea do homem. 2, Os esporozoítos migram para o
ca Oriental. Nas Américas, P. viva:: tornou-se recentemente a
fígado, onde fazem a esquizogonia hepática. Observe que, nesse
espécie predominante entre os casos notificados; as demais ciclo genérico, estão representados os hipnozoítos que ocorrem em
espécies prevalentes são P. falcipanrm e P. maiorias. F! vii/axe F! ovoie. 3, Após a esquizogonia hepática há liberação de
Os plasrnódios apresentam um ciclo vital complexo (Figu- merozoítos na corrente sangüínea, onde ocorre a invasão das
ra 15-1). A infecção humana tem início com a injeção no teci- hemácias promovendo a esquizogonia sangüínea e também a
do subclrtãneo, durante o repasto sangüíneo, de esporozoítos formação dos gametócitos. 4, Os gametócitos são sugados pelos
provenientes das glândulas salivares de mosquitos fêmeas do mosquitos e promovem a reprodução sexuada. 5, As etapas de
géneroAnopheles. Em 30 minutos, os esporozoítos invadem desenvoivimento do parasito no vetor não estão representadas.
hepatócitos, dando origem a células esféricas mononucleares,
os criptozoítos. Com a divisão nuclear subseqüente, forma-
se uma célula multinucleada, o esquizonte. Ao tina] de 8 a 15 são considerados reñatários à infecção sangüínea por R. iivax.
dias, o hepatócito parasitado rompe-se, liberando dezenas de Entretanto, há relatos recentes de infecções por R. irivax em
milhares de merozoítos. Esquizogonia é o processo de re- indivíduos Duffy-negativos da Áñica e do Brasil, sugerindo
produção assexuada que resulta na formação do esquizonte, que esse parasito possa utilizarreceptores alternativos para a
que, por sua vez, dará origem aos merozoítos. A esquizogorúa invasão. Plasmodiumfalcipamm utilizadiversos receptores de
que ocorre em hepatócitos é conhecida como esquizogonia eritrócitos para invadi-los; glicoforinaA é o principal, mas he-
hepática, tecidual, pré-eritrocitária ou exo-eritrocitária, para mácias que expressam formas variantes ou defeituosas de
distingui-la dos ciclos esquizogônicos que posteriormente glicoforinaA não são refratárias à infecção. Na superficie do
ocorrem nas hemácias. Em R. vivax e P. ovale, alguns es- merozoíto, diversas moléculas são capazes de exercer o papel
porozoítos originam formas dorrnentes intra-hepáticas co- de ligantes de receptores eritrocitários; a molécula parasitária
nhecidas como hipnozoítos [Tabela 15-1). Meses depois da provavelmente mais relevante nessa função é conhecida como
infecção primária, os hipnozoítos podem reativar-se, resul- EBA- 175 (antígeno de ligação a eritrócitos, com massa mo-
tando nas recaídastardias típicas da infecção humana por lecular de 175 kDa).
R iivax e R ovaie. Os primeiros estágios intra-eritrocitários são trofozoítos.
Os merozoítos invadem exclusivamentehemácias. P. vii/ax No interior das hemácias ocorre nova esquizogonia; os esqui-
parasita reticulócitos, enquanto R jiúaparum invade hemácias zontes erítrocitários maduros apresentam entre 6 e 32 nú-
de todas as idades, ainda que apresente preferência por cleos, cada um deles originando um merozoíto. Ao final da
hemácias jovens. Em geral, P. vívax somente parasita he- esquizogonia, os merozoítos são liberados na corrente san-
macias que expressam o grupo sangüíneo Duñiy, que serve güínea, coincidindo temporalmente com os picos febris pe-
como receptor para uma molécula que os merozoítos expres- riódicos característicosda malária. O intervalo entre os picos
sam em sua superfície; portanto, indivíduos Duffy-negativos febris corresponde à duração da esquizogonia sangüínea em
[freqüentemente encontrados na África Ocidental) em geral cada espécie (Tabela 15-1). Os merozoítos que invadem no-
Malária

TABELA 15-1 Características biológicas dos plasmódios humanos

Período de incubação 8-27 dios


Presença de hipnozohos .Sim
Duração do ciclo no sangue 48 horas
Número de
94 Parasitologia -
uma abordagem clínica

-n
Malária 95

QUADRO 15-1 Manifestações e complicações da malária grave por Plasmodium fatciparum


Malária cerebral
Coma profundo na ausência de outra enoefalopatia infecciosa ou metabólica.
Convulsões generalizado:
Mais de duas crises corwulsivas em 24 horas.
Anemia grave
Concentração de hemoglobinasangüínea abaixo de 5 g/ 1 O0 ml ou hematócrito inferior a 15% geralmente requerem
hemotransñrsão.
Hipoglicemía
Concentração de glicose sangüínea inferior a 40 mg/ 100 ml.
Insuficiência renal aguda
Concentração de creatinina plasmática superior a 3 mg/ l 00 ml com débito urinário inferior a 400 ml em 24 h
[12 ml/lzg/díaem aianaasl
Edema pulmonar e síndrome da angústia respiratória do adulto
Se possível, com comprovação radiológioa do edema pulmonar e monitoramento de pressão capilarpulmonar ou venosa central.
Choque circulatório ("malária álgida")
Acidosa nvetabólíco
Níveis sangüíneos de bicarbonatoabaixo de 15 mmol/l e pH sangüíneo cbaixio de 7,35.
Alterações de hemostasia
Hemorragias retínianas e gengivais, trombocitopenia.
Hemólise ¡ntravascular maciço ou febre hemoglobinüríca fblaclrwuler fever)
Híperfermía
Hiperparasítemia
Parasitemia acima de 100.000 parasitas por mícrolitro de sangue.
Disfunção hepático a ¡cterício
Ruptura esplênica

(fenômeno conhecido como citoaderéncia), bem como de podem estimular a produção de citocinas pró-inflamatórias.
adesão a hemácias não-parasitadas (formando estruturas A expressão, pelo endotélio vascular, de algumas dessas mo-
conhecidas como rosetas). léculas de adesão, como [CAM-l e selectina-E, é estimulada
A citoaderência e a formação de rosetas estão ligadas à por citocinas pró-inñatnatórias,como o fator de necrose tumo-
produção, pelos trofozoítos maduros e esquizontes sangüí- ral (TNF-oc), produzido por macrófagos e monócitos. Como
neos de R. falcíparum, de moléculas exportadas para a mem- mostra a Figura 15-3, a maioria das complicações clínicas que
brana das hemácias parasitadas, formando as protuberâncias caracterizama malária grave por P! falciparum é conseqüên-
em sua superficie conhecidas como knobs. A principal molé- cia direta ou indireta dos fenômenos de citoaderéncia e, pos-
cula do parasita envolvida na aderência a receptores endo- sivehnente, da formação de rosetas, bem como da produção
teliais é uma proteína variável de alta massa molecular, a de citocinas pró-inflamatórias.
PfEMP-l (proteina da membranado eritrócito l). A PfEMP-l O evento central é a aderência das hemácias infectadas ao
pode ligar-se a diversos receptores presenta no endotélio dos endotélio de pequenos vasos (sobretudo Vênulas pós-capilares)
vasos, tais como moléculas sulfatadas (sulfato de condroi- e à hemácias não-infectadas (formando rosetas). A produção
tina A [CSAL sulfato de heparana), CD36 e moléculas de de citocinas pró-inflamatóriaspor células do hospedeiro, co-
adesão como [CAM-l, VCAM-l e PECAM-IICDM, entre mo o fator de necrose tumoral (TNF), é estimulada por pro-
ouüas. CD36 está presente no endotélio de Vasos de dife- dutos solúveis (particularmente glicosilfosfatidilinositolou
rentes órgãos, enquanto o CSA é abundante somente nos GPI) liberadospelo parasita ao final da esquizogonia sangüí-
vasos placentários. Não se conhecem moléculas com pro- nea. Os níveis elevados de TNF induzem a expressão de alguns
priedades de citoaderência nas demais espécies de plasmó- receptores endoteliais, como ICAM-l e selectina-E., promoven-
dios humanos. do a citoaderência, e estão associados a febre, hipoglicemia e
As conseqüências ñsiopatológicas da citoaderência e da anemia. Por outro lado, o próprio metabolismo do parasita
formação de rosetas são objeto de intensa investigação. As seqüestrado nos pequenos Vasos contribui para a hipoglice-
hemácias parasitadas aderidas ao endotélio e a outras he- mia e a acidose. A obstrução nlicrovascular, combinadacom
macias podem obstruir pequenos vasos, com conseqüente alterações inflamatóriase metabólicas, pode explicar o aco-
hjpoxía tecidual Ao mano tempo, moléculas do parasita são melimento de diversos órgãos e sistemas observado na ma-
liberadaslocalmente ao ñnal da esquizogonia eritrocitária e lária grave.
Parasitologia -
uma abordagem clínica

Ruptura dos
esquízontes /N IÍIIÍÍIIIIÍI|
inibição daE
eritropoiese I
GP¡ e outros meduhr E
PTOdUÍOS Ilalnualllaal.
solúveis

Knobs UIIUUUIUUIUI
+
Alterações Obstruçõo E
m
pa
'“°'.“Õ°¡°
rasltada
citaadirência a vascular _n_
fonnação de rosatas É

l
Consumo
-' e
de glicose
.
Hipoglicemia
ê 'IIIIIIIIIIIIIIIIÍ
'
E Febre g
É
' .
Metabolismo : Hipoglicemia 2
do parasita :ÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍÍ:
*- l Hipoxia tecidual:
l
Complicações
neural' icas, renais a
PU ITIODGTGS

FIGURA 15-3 Fisiopatologia da malária grave e complicada por Plasmodium falciparum.

nem malária cerebral. O estado pós-ictal, em pacientes com


convulsões, pode simular coma profundo; por isso, sugere-
se reexaminar o paciente pelo menos uma hora após a últi-
Entre indivíduos não-imunes (como Viajantes e moradores
ma crise convulsiva antes de diagnosticar-se maláriacerebral.
recentes de áreas não-endémicas) é comum a ocorrência de
No Brasil, a maior parte dos pacientes com malária grave
paroxismos característicos da malária. Os paroadsmos ini-
ciam-se com calafrios, acompanhados de mal-estar, cefaléia apresenta, à admissão ou durante a evolução, um quadro
e dores musculares e articulares. N áuseas e vômitos são sin- complexo de comprometimento de múltiplos órgãos em que
a malária cerebral, se presente, e' um componente adicional.
tomas freqüentes, podendo também ocorrer dor abdomi-
nal intensa. Em algumas horas tem início a febre alta, que Em geral, a malária cerebral é considerada uma complicação
produz adinamia e prostração; a essa fase se segue um exclusiva de R falcipamm, em função de sua clara associação
ao fenómeno de citoaderéncia. Entretanto, há diversos rela-
período de sudorese profusa, com melhora progressiva do
estado geral. Em geral, pacientes com infecção por P. falci- tos recentes de complicações neurológicas, incluindo coma,
em infecções por R vivam. A confirmação desses achados e a
parum, P. vivax e P. ovale têm paroxismos febris a cada 48
horas (febre terçã),enquanto aqueles infectados por P. nm- elucidação de sua fisiopatogenia estão entre as áreas prio-
Iariae têm paroxismos a cada 72 horas (febre quartã). Na ritárias para pesquisa clínica sobre a malária.
prática, esse quadro clássico é pouco freqüente em indivídu- A insuficiência renal é uma complicaçãoparticularmente
os continuamente expostos a [malária, sendo mais comum comum na malária grave encontrada no Brasil. Resulta de al-

a ocorrência de um ou poucos sintomas, e parte das infec- terações da perfusão renal, decorrentes da desidratação (so-
ções em indivíduos semi-imunes se apresenta de forma bretudo em pacientes com febre alta, vômitos e alterações do
assintomática. Anemia, esplenomegalia e hepatomegalia ge- nível de consciência) e de eventual hipotensão, e agravadas
ralmente estão presentes. pela hemólise irltravascular e conseqüente lesão tubular. A diá-
A definição de malária cerebral restringe-se aos pacientes lise precoce é essencial para reduzir a letalidade do quadro.
com malária por R. falcipmum em coma profundo, incapazes A insuficiência respiratória decorre de edema pulmonar,
de localizar estímulos dolorosas, nos quais outras encefalo- com apresentação clinica quase sempre idêntica à da síndro-

patias (infecciosas e metabólicas) tenham sido excluídas. Na me da


escala de coma de Glasgow, coma profundo corresponde a
um escore igual ou inferior a 9. Poucos adultos que se recu-

peram de malária cerebral apresentam seqüelas neurológicas,


mas até 10% das crianças podem ter alguma seqüela. Há,
entretanto, graus intermediários de compromelimento neu-
rológico, como sonolência e prostração intensa, que não deli-
diferentes níveis de gravidade, foram descritos na malária por
P. vivax, mas a sua fisiopatogenia permanece obscura.
A icterícia na malária decorre tanto de hemólise intravas-
cular como de alterações funcionais dos hepatócitos, havendo
elevação dos níveis de bilirrubinaindireta (predominante-
mente) e direta. As concentrações séricas de enzimas hepáticas
elevam-se em geral de duas a dez vezes acimados valores nor-
mais, sem atingir os níveis encontrados nas hepatites virais.
As lesões hepáticas são discretas e reversíveis, sem expressão
anatomopatológicasignificativa. Uma situação extrema de
hemólise innavascular, com intensa hemoglobinúria,recebe o
nome de febre hemoglobinúricaou blackwarerfever. Esse
quadro costuma estar associado ao uso irregular de quinino
(e, mais recentemente, de derivados da artemisinina ou de
mefloquina), embora não se conheça o papel exato desses
medicamentos na fisiopatologia dessa complicação. O exame
de amostras de urina indica a presença de hemoglobinaou
mioglobina.A maior parte dos pacientes apresenta função
renal normal, desde que a reposição de sangue seja feita de
forma adequada.
Em geral, os distúrbios da hemostasia resultam de trom-
bocitopenia, muitas vezes associada a um quadro de coagu-
lação intravascular disseminada. Há relatos recentes de
trombodtopenia em casos de malária por R trimx. As hemor-
ragias retinianas são relativamente comuns e têm valor como
indicador de prognóstico. A ruptura esplênica, espontânea
ou após trauma abdominal, é uma complicação rara da ma-
lária por R. falciparum e também aquela causada por outras
espécies. O quadro exige diagnósticorápido e tratamento (ha-
bitualmente cirúrgico) imediato.

O diagnóstico laboratorial da malária baseia-se no encontro


de estágios intra-eritrocitáiios do parasita em amostras de
sangue
Parasitologia -
uma abordagem clínica
QUADRO 15-2 Drogas utilizadas no tratamento da malária

Grupo de drogas Efeitos Advcrsos Principais e Contra-indicações


Quinolinometanóis naturais Esquizonticida para R falcíporum, Cinchonismo [zumbido e tonturas intensos), hipoglicemia
[quininol P. viwzx e P. malariae, e ação e hipotensão arterial. Contra-indicado em cardiopatias
gametocítocída para P. vivox gratuitas, usuarios de betabloqueadores, bloqueadores de
canal de calcio e dígitúlicos
Quinolinometanóís sintéticos Nóuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal;
lmelloquina] manifestações psiquiátricos e arritmios cardíacas
Contra-indicada em pessoas com antecedente de
doença neurológica, psiquiátrica ou arrítmias. Pode ser
usada no 2° e 3° trimesh-es da gestação
Fenantrenometanóis Desconhecida Podem ser usados no segundo e terceiro trimestres de
Ihalofantrína e lumelanninal gestação. Cardiotoxicidode
A-Aminoquínolinos Esquizonticida, garnetocítocida Prurido, cefaléia, náuseas e vômitos; não deve ser usada
Icloroquina e amodiaquina) (contra R \rívuxl em pacientes com psoríase e polido

&Aminoquinolínas Gametocítocida e hipnozoitocida Contra-indicada em gestantes e em menores de ó meses


Iãrimaquina]
nulocitopema_
de idade devido a hemólise na deliciêrtcia de GóPD

Peróxido de lactona Esquizontícidas sangüíneos Podem ser usados no segundo e terceiro trimestres
sesquilerpênica (artesanato de gestação
e artemeter]

Naltoquinonas Atua no cítocromo C Diarréia, cefaléia e tontura. Alteração na guslacõo


[atovoqucna] autolimitoda
Antifolotcs Bloqueio a síntese do acido fólico Mielotoxicídode
[pirirnetamina e proguanil]
Antibióticos (tetraciclina, Ação sobre os ribossomas Contra-indicadas em gestantes e menores de 8 anos,
doxicidina e clindamicinal exceto clindamicína

esses esquemas atão sujeitos a revisões freqüentes, recomen- durante oito semanas, para reduzir o risco de hemólise indu-
da-se a consulta às atualizações divulgadas periodicamente zida pelo medicamento. Gestantes, lactentes e crianças com
pelo !Ministério da Saúde. idade inferior a l ano não devem receber

Infecções por P. vivax e P. ovale


O tratamento é feito com uma dose total de 25 mg de clo-
roquiria (base) por quilo de peso, administrada ao longo de
três dias, associada a 0,5 mg de primaquina (base) por qui-
lo, diariamente, por sete dias.
Os comprimidos de cloroquina têm 150 mg de base. O re-
gime mais empregado consiste em 10 mg/kg no primeiro dia
de tratamento e 7,5 mg/kg no segundo e terceiro dias. Portan-
to, um adulto de 60 kg receberá quatro comprimidos no pri-
meiro dia e três comprimidos no segundo e terceiro dias.
Essas doses de cloroquina costumam ser muito bem tolera-
das, sobretudo se a droga for administrada após uma refei-
ção; um efeito colateral relativamente comum é o prurido, que
é tratado sintomaticamente. Os comprimidos de primaquina
têm 5 mg (infantil) ou 15 mg (adulto) de base. O regime mais
empregado em adultos consiste em dois comprimidos de 15
mg administrados diariamente por sete dias; alternativamen-
te, pode-se usar um comprimido por dia por 14 días. Os pa-
cientes com deficiênciade G6PD devem receber um esquema
alternativo de 0,75 mg de primaquina base/kg por semana
uma dose de 0,50 a 0,75 mg de baselkg de primaquina, para
a eliminação de gametócitos.
Um esquema alternativo consiste em 25 mg de sal de qui-
nina por dia, divididos em três tomadas diárias, durante sete
dias. Ao ñnal do tratamento, pode-se empregar uma dose de
0,50 a 0,75 mg de base/kg de primaquina para a eliminação
de gametócitos.
Os comprimidos de quinina têm 500 mg de sal, os de do-
xiciclinatêm 100 mg de sal e os de clindarnicinatêm 300 mg
de base. Se for usada a associação de quinina e antibiótico, um
adulto de 60 kg receberá dois comprimidos de quinina a cada
12 horas nos três primeiros dias e um comprimido de doxi-
ciclina a cada 12 horas (ou um comprimido de clindarnicina
a cada seis horas) por cinco dias. No sexto dia, receberá três

comprimidos de 15 mg de primaquina. Se a quinina for usa-


da isoladamente, o paciente adulto receberá um comprimido
a cada oito horas por uma semana.
A quinina pode produzir cinchonisrno, caracterizado por
zumbidos e perda auditiva, às vezes acompanhados de tontu-
ras e vertigens. Esses efeitos, que costumam
100 Parasitologia - uma abordagem clínica
QUADRO 15-3 As principais novas drogas no tratamento da malária e a fase de estudo em que se
encontram

Fase 4
Atavoquono-Proguanil
A atovaquona é uma nalloquinona que atua no cilocromo C, enquanto o proguanil bloqueia a síntese do acido fólico. Sua
associação tem efeito sinergistioo; o proguanil ializa a ação da atovaqtvona. A dose para adultos é 1.000 mg de alovaquom
e 400 mg de proguanil por dia por três dias. ado comprimido de atovaquona-proguanilcontém 250 mg de alovcqucna e 100 mg
de proguanil. Em ensaio clinico aleatorizado no Brasil, essa combinaçãoalcançou uma taxa de cura de 98,7% em infecções não-
complicadas por R bkiparum. Uma grave restrição ao seu uso é o alto custo.
Artemefer-lumefantrina
O artemeter é um daivodo da artemisinina, enquanto a lumefanlrina pertence à mesma dose da halofantrina. A close usual é
80 mg de arlemeter e 480 mg de Iumeiantrina, duas vezes ao dia, por dois a três dias. Cada comprimido tem 20 cleartemetere
120 mg de lumelantrina. Uma nova versão dessa combinação em forma dispersive | está sendo testada em crianças a icanas através
de estudo mullicêntrico, podendo ser a primeira formulação específica aprovada para a faixa pediátrica.
Amsunoto-Mefloquina
Esta associação tem sido usada na Tailândia, na dose de 4 mg/kg/dia de artesunato e 25 mg/kg/dia de melloquina, em tomada
única diaria, por três dias. Seu uso pode resultar na diminuição da transmissão de R. falcíparum e na restauração da sensibilidadeã
melloquina.
Fase 3
Clorproguanil-Dapsona
Ambas as drogas são antifolatos, trtilizadas na dose de 2 mg/kg/dia de clorproguanil e 2,5 mg/kg/dia de clapsona por três dias.
Estudos clínicos no Quênia mostraram que essa associação é tão efetiva quanto a combinaçãosulFadoñna-pirimetamina,enquanto
na Tanzãnia e no Nlalãui essa associação foi eficaz contra cepas resistentes à combinaçãosulFadoüna-pirimetamina.No entanto, a
eficacia da associação na Tailândia foi muito baixa. Uma novo associação entre clorproguanil, dapsona e artesunalo está atualmente
emtestedeÍaseS.

Fases 1-2
Tafenoquínono
Pertence ao grupo dos S-aminoquinolinas, sendo menos tóxica que a primoquina. 'liam ação esquizonlicida (tanto tecidual quanto
sangüíneo), além de ação hipnozoilicida. Ainda não ha dados sobre a elioãcia da talenaquinona na malária aguda; a droga vem
sendo testada como prolilótico na África [na dose de 250 mg/dia por três dias, seguida de dose semanal de 200 mg), com
eficácia entre 85% e 100%.

cloroquina. Na Tailândia,a meflo-


R. nzalaríae resistentes à mefloquina. É possível que as mesmas mutações em pfcrt que
quina já perdeu muito da sua eficácia, e o quinino tem tido diminuem a sensibilidadeà cloroquina possam aumentar a
sua eñcácia reduzida. A resistência à sulfadoxina-pirimeta- sensibilidadeao quinino e à artemisinina.
mina ocorre na Ásia e África,bem como nas Américas.
No Brasil, há relatos de resistência a quase todas as dro-
gas adotadas como de primeira linha para o tratamento da Tratamento das Complicações
malária não-complicada. A combinaçãosulfadoxina-piri-
metamina, por exemplo, deixou de ser usada no território Quase sempre as complicações da malária exigem a interna-
brasileiro no início da década de 1990, devido ao surgimento ção dos pacientes. O comprometimento de múltiplos órgãos
de resistência. Exemplos de resistência de R vivas: à cloroquina e sistemas é comum, sobretudo em adultos não-imunes, e
e mefloquina foram descritos na Amazônia. Atualmente, to- deve ser tratado com todos os recursos atuahnente disponí-
dos os isolados de R. falciparum da Amazôniabrasileiraapre- veis em unidades de terapia intensiva. Alguns aspectos parti-
sentam mutações que conferem resistência à cloroquina. culares da malária grave exigem atenção e estão listados no
Quanto às demais drogas, há relatos de diminuição de sen- Quadro 15-4.
sibilidadeao quinino e falha terapêutica tardia com artesu-
nato em isolados brasileirosde P. falcíparum.
Várias mutações tem sido descritas em isolados resisten-
tes aos antímaláricos. Uma mutação no códon 76 do gene
pfcrt, que codiñca uma proteína de transporte da membrana O conhecimento de que os vetores depositam seus ovos em
do vacúolo digestivo do parasita, é fortemente associada a águas limpas e estagnadas é fundamental para as estratégias
resistência à cloroquina. Mutações no gene pfmdrl podem preventivas e o controle da endemia, e posterior eliminação da
também determinar algum grau de resistência à cloroquina e doença. Assim, ao construir suas moradias em regiões de
parecem modular também a suscetibilidade ao quinino e à matas, que quase sempre são instaladas na proximidade de
Malária 101

QUADRO 15-4 Recomendações no tratamento QUADRO 15-5 Medidas profitáticas contra


da malária grave a malária
LOpopeldoedemacerebraLcomcumentodapressão Medidas de proteção individual
intracraniana, na fisiopatologia da malária cerebral não Prevenção do contato com o vetor: uso de mosquiteiros, de
está bem estcbelecido. O uso de corticóides ou de manitcl e de telas nas ¡anelas e portos dos domicílios
nessa situação é contra-indicado. Co aos mosquitos adultos: uso de inseticidas
2. O edema pulmonar que caracteriza a insuficiência domésticos
respiratória pode ocorrer tanto em pacientes com pressão Combate às formas aquáticos dos vetores: saneamento do
capilar lmonar nonnal (provavelmente por alterações de peridomicílio
permea iliclade capilar] como em pacientes hipervolêmicos, Medidas contra o parasita: diagnóstico e tratamento
com pressão capilarpulmonar elevada. A distinção entre precoces, e quimioproiilcxia, quando indicada
essas duas situações é importante para orientar o Educação sanitária
tratamento. Medidas de proteção coletiva
3. A insuficiência renal exi instalação precoce de diálise. Ê Prevenção do contato com o vetor: escolha de locais
provável que a hemodi ¡se seia mais eficiente, mas o diálise adequados para a construção dos cosas, proteção dos
peritoneal pode ser empregada quando for a única domicílios contra a entrada dos mosquitos [telas] e uso de
cltemotiva disponível. mcsquiteiros
Combate aos insetos adultos: uso de inseticidas de efeito
4. Heparina é contra-indicada nos casos de coagulação residual nos domicílios e de nebulização espacial
intravasculor disseminada observados na malária. Combate às formas aquáticas dos vetores: saneamento de
5. Em geral, deve-se restringir a transfusão sangüínea a criadouros, uso de lanricidas, controle biológico das larvas
pacientes com niveis de hemoglobina interiores a 5 mg/ Medidas contra o parasita: diagnóstico e tratamento
100 ml ou hematócrito inferior a 15%, sobretudo em áreas precoces
em que o sangue não é testado de forma adequada para Educação sanitária: treinamento de agentes comunitários de
excluir a presença de agentes infecciosas. saúde no diagnóstico e tratamento do malária
ó. A hipoglicemia é uma complicação quase sempre
negligenciada na malária, sobretudo em pacientes
torporosos que se mantêm em ieium.
recentemente, pelo banimento do uso do DDT em saúde pú-
7. As doses de antimalóricos a serem utilizadasem gestantes blica. Os inseticidas alternativos ao DDT, como os piretróides,
com malária grave não devem ser reduzidas, pois c risco
são de alto custo e menor ação rdual; em geral, têm seu uso
representado pela malária para o feto e para a mãe excede restrito a situações de epidemia, em que são borrifados sele-
o risco dos possíveis eleitos colaterais dos medicamentos
preconizados para essas situações. tivamente os domicílios de pacientes com malária recente.
O uso de quimioproñlaxia não costuma ser indicado para
indivíduos que vão expor-se à malária por curtos períodos na
Amazôniabrasileira, diante da falta de uma droga de alta eñ-
cácia e isenta de efeitos colaterais potencialmente graves. No
coleções hídricas, é fundamental a realização de desma- entanto, os viajantes que se
tamento próximo à moradia, telagem da casa e uso de mos-
quiteiros. A colonização, a exploração efou a construção de
projetos hídricos em regiões de matas sem esse tipo de suporte
contribuem para facilitaro aparecimento e a disseminação da
malária.
As medidas de prevenção da malária podem ser aplicadas
em diversos contextos distintos. Há duas situações mais co-
muns: aquela em que se encontra um viajante que perma-
necerá por um curto período de tempo em área endêmica e
aquela de uma comunidade que vive em uma área de trans-
missão contínua. O Quadro 15-5 resume os princípios gerais
da profilaxiada malária nesses dois contextos, o individual e
o coletivo. Embora os alvos de intervenção sejam essencial-
mente (combate ao vetor e ao parasita), a aplica-
os mesmos
bilidadede algumas medidas [como o uso de repelentes ou
de quimioproñlaxia) depende da duração prevista para a ex-
posição.
O uso do DDT como inseticida de ação rdual, em ciclos
semestrais de borrifação, foi uma das medidas básicas que
permitiram o controle da malária na maior parte do territó-
ria nacional. No entanto, essa medida foi abandonada na úl-
tima década, a princípio por dificuldades operacionais e, mais
@D2 Parasitologia - uma abordagem clínica

BAIRD, LK. Neglect of Plasmodium viva: malaria. Hands in httpzl/Mmmalaríanrg


Pamsimlogy, 23533-539,2007. Sim da Fímdação Internacionalcontra a Malária.
CHITNIS, CE., BLACKMAN, M. I. Host cell invasion by malaría wwwxdngovfmalaria
parasites. PamsimlogyToday. 169111415, 2.000. Site do CDC sobre esse parasita, tratamento e orientações.
FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Manual de Terapêutica da Ma- wwwwhaintitopícslmalarínfen
lária. Brasília: Ministério da Saúde, 2001, 102 p. Site da
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Leisñmaniose cutânea
Felipe Francisco Tuon
104 Parasitologia - uma abordagem clinica

A leishmaniose tegumentar americana (ALTA) é uma doença


tropical endêmica na América Latina, Áfricae Ásia. A incidên-
cia mundial está aumentandoe é uma das doenças conside-
radas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como
negligenciada. No Brasil, é uma antropozoonose de notifica-
ção compulsória com importância crescente, uma vez que
existe uma manutenção do número de casos nos últimos a11os,
porém com aparecimento de casos em regiões previamente
não reportadas, como no Mato Grosso do Sul. O termo an-
tropozoonose se dá devido ao seu ciclo ocorrer em humanos,
ea manutenção do parasita, em reservatórios
Leishmaniose cutânea 105

A amastigota é outra forma clássica de Leishmania, a qual transmissão, embora a urbanização desta doença tenha se
é intracelular, tem formato arredondado e é encontrada nos expandido. Assim, conñguramos a leishmaniose do "Novo
tecidos do hospedeiro. Mede entre 2 e 3 um, aparece na cor Mundo” como uma zoonose. O grupo de risco para a infecção
azul-clara e o núcleo tende ao vermelho nas colorações de são os trabalhadores rurais, assim como aqueles que habitam
\Nright ou de Giemsa. Uma estrutura paranuclear em formato áreas próxinras de matas, como garimpeiros, construtores de
de bastão, menor que o núcleo do parasito, aparece nessa for- rodovias, grupos militares em atividades na mata, desma-
ma de Leishmania. Essa estrutura nritocondrial é composta tadores que trabalham para empresas madeireiras e um gru-
por DNA extranuclear e está organizada de forma circular, po em expansão, que são os viajantes em busca do turismo
cujo nome é cinetoplasto. ecológico.
As formas amastigotas e promastigotas apresentam dife- L. amazonensís apresenta os roedores como reservatórios
renças importantes nas proteínas de superfície, conferindo naturais. 'lem uma distribuição no território brasileiroque vai
diferença na resposta imune e na adaptação ao hospedeiro desde o interior do Estado da Bahia, passando pelo norte de
ou vetor. Minas Gerais e Goiás e, então, por toda a região norte do país.
A doença tem características que podem ser diferentes das
apresentadas por outras espécies brasileiras,lembrando que
EPIDEMIOLOGM o mosquito transmissor difere entre as espécies.
De distribuição mais ampla encontra-se L. brazüiensis, que
A chance de o homem se infectar depende da sua integração promove a doença desde a Bahia até o norte do Estado do
com o ecossistema. Nas regiões onde a lili-ã ocorre de forma Paraná, passando por Minas Gerais, interior de São Paulo, Rio
endêmica, as condições socioeconômicas da população faci- de Janeiro e Espírito Santo. Áreas da região amazônicatam-
litam uma maior exposição do indivíduo ao vetor, favorecen- bém são acometidas,incluindo o Estado do Pará. A espécie se
do o desenvolvimento da doença Isso explica, por exemplo, estende para a América Central, assim como para os paises
a maior incidênciada doença em homens brasileiros, traba- da América do Sul, como a Colômbia,onde a doença é en-
lhadores rurais ou exploradores de mata_ démica.
A EFA é amplamente distribuída pelo mundo, e ocorre na L. panamensis faz jus ao nome e também acomete outros
Ásia, Europa, África e Américas, apresentando diferençasem países da América Central, como Belize. Da mesma forma ci-
aspectos epidemiológicos, clínicos e irnunológicos, decorren- tamos L. peruviann. L. mexicana causa doença em pacientes
tes dos diversos ecossistemas (Figura 16-3). Pode ser consi- provenientes desde a Argentina até o sul dos Estados Unidos.
derada uma antroponose, zoonose ou antropozoonose. Outra especie importante no Brasil, além de L. mnazonensrs
No Oriente Médio, Ásia Central e no norte da Áñica, L. e L. brasiliensis, é L. guyanerwsis. A infecção também apresen-

major é a principal espécie, seguida por L. tropica. Essas es- ta um ciclo selvagem, sendo comuns hospedeiros como o
pécies têm ganhado papel importante após as constantes tamanduá, bicho-preguiçae rato do mato. A doença ocorre
invasões do Oriente Médio por tropas norte-americanas e em todos os estados da região norte do Brasil. Nos países en-

européias, culminando com doença sendo transmitida aos contrados ao norte do Brasil, L. guyanensis é a espécie mais
soldados. Nessas regiões, o mosquito transmissor da doen- comum, embora possa ocorrer sobreposição de casos de L..
amazonensis no Suriname e Guiana, locais onde esta espécie
ça é o Pirlebotomus, diferente do transmissor nas Américas. L.
é mais comum.
tmpica apresenta a peculiaridade de ser uma doença mais
urbana nessas regiões do mundo, acometendoa periferia de A !IA vem apresentando aumento crescente de casos no
capitais como Teerã e Bagdá. Além disso, apresenta Luna dis- Brasil, o que tem sido uma preocupação constante (Figura
tribuição mais exótica, acometendo até mesmo cidades lito- 16-2).
râneas do Mediterrâneo. Embora a distribuição dessas duas
espécies apresente áreas de superposição, as características da
doença são diferentes, sendo uma de aspecto mais crostoso
e úmido, e outra de aspecto ulceroso, mais seco.
Na África Oriental, compreendendo principalmente países
como a Etiópia e o Quênia, a espécie prevalente é L. aetirio- 40.000 [TA
pia!, sendo fácil associar a espécie com a região. E curioso 35.000
notar que a lesão causada por esta espécie apresenta peculia-
30.000
ridades que a difere da lesão cutâneacausada por outras es-
25.000
pécies. Os reservatórios destas espécies de Leishmania, assim
como as espécies de Pirlebotonzus, também são diferentes de
20.000
outras regiões do mundo. 15.000
Lembramos que L. donovcmi, causadora da leishmaniose 1 O. O00
visceral, também pode causar doença cutânea exclusiva, em-
bora não seja habitual.
Na América Latina, as espécies são diferentes daquelas des-
,I
82 84 86 B8 90 92 94 96 9B 2000-2002
critas no Velho Mundo (África,Ásia e Europa). Além disso,
a leishmaniose tende a ter um ciclo mais rural ou selvagem de
FIGURA 16-2 Número de casos de LTA no Brasil entre 1982 e 2002.
106 Parasitologia - uma abordagem clínica

45a

- Leishmaniose cutânea
à Leishmaniose mucosa/cutânea
FIGURA 16-3 Distribuição da leishmaniose mucosa e cutânea em todo o mundo.

TIIANSMISSÍO O mosquito não apresenta hábito diurno, preferindo o


início e o Em do dia para realizar a alimentação, raramente
sobrevoando distâncias superiores a 1 km. É importante re-
O mosquito hematófago responsável pela transmissão do gistrar que apenas a fêmea se alimenta de sangue, mas am-
parasito da LTA é da subfamilia Phlebotomínae. O género bos os sexos sugam derivados de carboidratos em plantas.
Phlebotomus é responsável pela transmissão da doença na
Ásia, e o género Lutzomyia, na América. No Brasil, há 16 Quando a fêmea do diptero realiza a alimentação nos verte-
brados através do sangue, ela inicialmente libera saliva, que
espécies identiñcadas como transmissoras da LTA (Quadro promove discreta reação alérgica local; tal reação culmina
16-2). com o aparecimento de uma pápula pós-picada. Assim, a sa-
liva do díptero tem papel importante na facilitaçãoda trans-
QUADRO 16-2 Relação entre Leishmania. fama missão de Leishmania para o novo hospedeiro vertebrado.
de doença e as espécies de Lutzomyia que podem Durante a picada nos reservatórios, formas amastigotas
transmitir a doença presentes em macrófagos são aspiradaspelo mosquito. Neles
ocorrem as transformações estruturais para formas promas-
tigotas, que migram até o aparelho de picada do mosquito
(probóscide) onde serão inoculadas no próximo repasto, que
poderá ser no reservatório animal ou, ocasionalmente, no
homem (Figura 16-4). Existem locais no mundo onde o re-
servatório animal da leishmaniose é o próprio homem, sen-
do considerada então uma antroponose. A transmissão
também pode ocorrer através de transfusão sangüínea.

PATOGENIA
Durante a picada do mosquito, ocorre entrada de promas-
tigotas na pele e a resposta imune é iniciada. O primeiro con-
tato do parasita é com o sistema neuroendócrino, mediando
liberação de substânciasapós estímulo nervoso pelo corte na
pele efetuado pelo aparelho sugador do mosquito. Estas subs-
tâncias estimulam a aproximação de células inflamatórias
para o local da picada, principalmentemacrófagos e neutró-
ñlos. Antes de entrarem nos macrófagos, as promastigotas
Leishmaniose cutânea 107

de interleucinasdo padrão Thl (interferon-T, lL-12, TN F-or


e interleucina-Z), levando à ativação dos macrófagos e à des-
truição dos parasitos e resolução do processo. Por outro lado,
se a resposta for do tipo Th2 (lL-4 e lL-IO), as Leishmania

spp. escapam do ponto de inoculação e se disseminam car-


regadas pelos macrófagos para outros sítios cutâneos e até
mesmo para órgãos do sistema fagocítico mononuclear,
transformando-se na forma visceral quando a Leishmania
apresenta esse tropismo.
Na forma cutânealocalizada da LZFA eodste uma quantidade
abundante de ambos os padrões de citocinas, embora nos
monócitos coletados de sangue periférico apresentem um
padrão de secreção de citocinas Thl. Todo o processo imune
gera um inñlüado inflamatórioque promove a formação
ulcerosa cutânea, explicando o aspecto da lesão. Diferenças
entre as espécies de Leíshnzanírz geram diferentes padrões in-
flamatórios e diferentes graus de ativação celular, o que faz
com que haja particularidades entre as úlceras nas diversas

partes do mundo.
Na fomia cutânea difusa eidste uma predominância de
resposta Th2 durante toda a doença, o que leva ao processo
crônico não-ulceroso. A forma disseminada da doença ocorre
em pacientes com deñciéncia imune celular, nos quais existe
uma resposta imune celular insuficiente, facilitandoa disse-

HGURA 16-4 Ciclo parasito-hospedeiro da leishmaniose cutânea. minação do parasita pela pele e podendo levar à visceralização
1, Durante a picada pelo vetor_ são inoculados milhares de formas (Figura 16-5). A diferença da forma difusa está na quantida-
promastigotas de Leishmonfo. 2, As promastigotas são fagocitadas e de de Leishmanía no tecido, sendo pouca na disseminada e
transforma m-se em amastígotas. 3, A5 formas amastigotas abundante na difusa.
multiplicam-se dentro dos macrófagos e acabam gerando um
processo inflamatório próximo da picada, gerando a lesão tipica (4).
5_ As formas amastigotas são fagocitadas pelo vetor, fechando o ciclo.

Com um periodo de incubação que pode variar desde 15 dias


sofrem ação lítica do complemento, de anticorpos inespe- até 2 meses, a doença inicia-se com a formação de um nódulo
cíñcos, e podem ser destruídas pelos mecanismos oxidativos cutâneo pruriginoso que progride para uma úlcera pouco
dos neutróñlos. Entretanto, uma vez aderidas à superficie do dolorosa, arredondada ou oval, rasa, com os bordos eleva-
macrófago, as promastigotas são fagocitadas, perdem o dos. Uma ou várias lesões podem ocorrer, e quando ocorre
flagelo dentro do vacúolo parasitóforo, fundem-se aos lisos- lesão única e' denominada leishmaniose cutânea localizada.
somos e, transformando-se em amastigotas,multiplicam-se Embora isto não seja útil clinicamente, lesões próximas que
por divisão binária. não ultrapassem o número de quatro ainda caracterizam a
O desenvolvimento de doença é dependente da resposta forma localizada. A úlcera apresenta o fundo granuloso, que
imune do hospedeiro. Ocorrem múltiplas interações hospe- pode ser exsudativo ou seco, e o tamanho é bastante varia-
deiro-parasito que envolvem todos os componentes da do- do, podendo ser de poucos milímetrosaté mais de 10 cm.
ença. No entanto, o parasito tem estratégias que são os Alguma variabilidadena apresentação pode ser comum,
mecanismos de evasão das várias etapas da infecção. com formação crostosa ou verrucosa. Algumas lesões podem
Assim, tem-se a resposta inflamatóriainespecífica na oca- ser elevadas, levando a outros diagnósticos diferenciais (Fi-
sião em que o parasita entra em contato com o hospedeiro. gura 16-6).
Logo em seguida, as amastigotas são fagocitadas pelos ma- Freqüentemente, a presença de linfonodomegalia, ou ape-
crófagos, nos quais acabam sobrevivendo, apesar de este ser nas uma linfadenopatia com discreta
o local de destruição dos agentes estranhos ao organismo. As
amastigotas, ao contrário das promastigotas, mostram uma
alta atividade enzimática que degrada metabólitos oxidativos
tóxicos do macrófago e também são altamente adaptadas ao
pH ácido do fagolísossoma. Assim, as amastigotas sobrevi-
vem e se multiplicam no interior dos vacúolos fagocíticos, di-
ferentemente dos promastigotas.
O macrófagoparasitado apresenta os antígenos de Leish-
manía aos linfócitos 'l' CD4+. Caso ocorra expansão prefe-
rencial de linfócitos 'l' CD4+ do subtipo Thl, haverá produção
_m Parasitologia -
uma abordagem clínica

FIGURA 16-5 lmunopatogenia da leishmaniose cutânea.

modulares que se estendem e disseminam-se por todo o corpo. A biopsia da borda da lesão é um exame importante no
Os locais mais acometidos por essa forma de leishmaniose diagnósüco da leishmaniose cutânea. Além da avaliação ca-
cutânea são a face e o pavilhão auditivo, além de membros, racterística do inñltrado nesta doença, é possível utilizarco-
tendendo a poupar as regiões de palma e sola. lorações especíñcas em busca de Leishmania, assim como a
realização de técnicas de imuno-histoquímicaque oferecem o
reconhecimento de antígenos do parasita no tecido, com alta
especificidade, maior que a coloração convencional de he-
rnatoxilinae ensina.
O diagnóstico de leishmaniose cutâneaé deñnido pelas lesões A intradermorreação de Montenegro é um teste imunoló-
características e presença de Leíshmanía no tecido em um gico indireto que reporta uma resposta do paciente frente à
paciente de área endêmica para a doença ou com história de aplicação de antígeno do parasito (leishmanina) na derme e
viagem para um local onde a doença exista. As características avalia a formação de um halo endurecido após 48 a 72 horas,
da lesão cutânea foram descritas previamente. A identificação através da resposta imune celular. Para determinar o teste
da presença do parasito no tecido se faz por métodos diretos como positivo é necessária a presença de ulceração no local
ou indiretos. Imprint, escariñcação e punção aspirativa da le- da aplicação do antígeno ou formação de um nódulo endu-
são são métodos eficazes no diagnóstico das formas lomlizada recido de mais de 5 mm de diâmetro no momento da leitu-
e disseminada da doença. Sobre estes materiais aplicam-se ra. Nas formas diiílsas e disseminadas, o exame tende a ser
corantes specíñcos e tenta-se identificar o parasito sob o mi- negativo. O exame é positivo em mais de 90% dos pacientes
croscópio, aüngindo sensibilidadede até 85%. Com material com lesão cutânealocalizada, porém a positividade na popu-
proveniente destes procedimentos é possível realizar cultura lação que habita áreas endêrnicas sem evidência ou história
em meios NNN e LIT, além do xenodiagnóstico, exames estes de lesão pode chegar a 30%.
pouco disponiveis no dia-a-dia e com sensibilidadeentre 60% Outros exames indiretos que ajudam no diagnóstico são
e 80%, quando associados à pesquisa direta. Os procedimen- as sorologias baseadas em técnica de ELISA ou imunofluo-
tos descritos apresentam maior eñcácia nas lesões ativas e de rescéncia indireta. Estes exame¡ apresentam sensibilidadepró-
conteúdo úmido. xima a 95% e 80%, respectivamente, para lesões causadas por
Leishmaniose cutânea 109

FlGURA 16-6 Aspectos típicos da leishmaniose cutânea nas diversas formas; da esquerda para a direita -
disseminada, localizada e difusa.

L.braziliensis, diminuindo para outras espécies. Exames QUADRO 16-3 Drogas utilizadas no tratamento da
como Western-falarrevelaram resultados variados, entre 70% leishmaniose cutânea
e 90%, também confonne a técnica usada e espécie avaliada.
'Fécnicas moleculares diretas, de amplificação de ácidos Forma Cutânca Localizada
nucléicos, como a reação da cadeia da polimerase (PCR), po-
dem ser utilizadas nestes casos, embora não haja testes co- LMeglumínc¡ [anlímonioio de N-metil-gluoamino] -

merciais para este Em. Os resultados parecem promissores, Glucontime"


com sensibilidadesmaiores que 90%, quando comparadas às Apresentação:
da c11lt11ra. Frasco-ampola 5 mL oom 425 [85 mg/ml.)
Dose:
Em resumo, o diagnóstico da leishmaniose cutânea se dá
15 mig/kg lx/dio por20dioslVou IM
pelas lesões sugesüvas em um paciente proveniente de área
endêmica com encontro do parasita pelos métodos disponí- 2. Peniomidino (ísolianolo de peniamidino] Paulon' -

veis no local. Nos casos de exame direto negativo ou ausên- Apresentação:


cia destes, os exames indiretos como o teste de Montenegro Frasco-ampola oom pó 300 mg para diluição em água
destilada (3 ml)
e os examessorológicos podem ajudar signiñcativamente. Dose:
O diagnóstico diferencial da leishmaniose cutânea se dá 4 mg/kg emdios allernodos, 3 o lOdoses Nou IM
principalmente com outras doenças ulcerosas de pele, como
úlceras vasculares, traumáticas e bacterianas.Tuberculose e &Anfolericino B deoxíoolclb
outras micobactériastambém podem provocar lesões de di- Apresentação:
ñcil diferenciação. Cromoblastomicose, paraooccidioidomi- Frasco oom pó 50 mg pera diluição
Dose:
cose, outras feo-hifomicoses e donovanose podem promover
0,5 o 1,0 mg/kg em dias dlvetnados até dose acumulado
lesões crostovegetantes que entram no diagnóstico diferencial. de 1000-1500 mg (não ullrqaossar 50 mg/dia)
Hanseníase, paracoccidioidomicosee histoplasmose podem
entrar no diagnóstico diferencial da leishmaniose difusa. Forma Difusa

LMeglumíno [anfímoniolo de N-metíl-gluoamino] -

Gluconiime'
Apresentação:
A doença localizada apresenta uma história natural que é a Frasco-ampola 5 mL oom 425 [85 mg/mLl
Dose:
cicatrizaçãoespontânea em alguns casos. Porém, o conheci- ?Ong/kg lx/dio por20diaslVoulM
mento desta evolução é incerto e a doençapode progredir,
além do risco das complicações locais e a distância. 2. Peniomidino (isolíonolo de peniamidino) Penlon” -

O tratamento da leishmaniose cutânea é baseado na utili- Apresentação:


zação de drogas leishmanicidas. As principais drogas com esta Frasco-ampola oom pó 300 mg pera diluição em àgua
destilada (3 ml)
característica são os antimoniais pentavalentas (megluminae Dose:
estibogluconato). Drogas de segunda escolha são a pentami- 4 mg/kg em dias alternados, 10 doses IV ou IM
dina e a anfotericzina B, em casos excepcionais (Quadro 16-3).
É. crescente o número de trabalhos que avaliam medicações &Anfolericino B deoxioolalo
tópicas; estas, porém, não mostram eficácia comparável á das Apresentação:
Frosoo oom pó 50 mg para diluição
drogas descritas previamente. Dose:
A meglumina é utilizadana dose de 20 mgfkg/dia num to- 0,51 ,O mg/kg em dias alternados até dose acumulado de
tal de 20 dias, de forma intravenosa ou intramuscular, em 1500-2000 mg [não ullrqaossor 50 mg/dia]
uma aplicação diária. As aplicações intramusculares são do-
110 Parasitologia -
uma abordagem clínica
lorosas e podem formar abscessos frios, além do risco de in- em um local predeterminado, para não ocorrerem lesões em
fecção secundária. A aplicação intravenosa é mais bem tole- áreas mais nobres do corpo, como a face. Embora abando-
rada, porém necessita internação ou manutenção diária de nada por algum tempo, vem sendo utilizadacomo fomia de
acesso venoso. A dose descrita anteriormente pode ser redu- imunização em alguns paises do Oriente Médio.
zida nos casos em que a cura ultrapassa 90%. No caso do Devido à insuñciência do conhecimento sobre vários reser-
Brasil, por exemplo, a close recomendada é de 15 mg/kg/dia_ vatórios naturais, parte da profilaxiaprimária nestes casos ñca
O estíbogluconato não e' utilizadono Brasil. prejudicada. Nas áreas endémicas, recomenda-se a utilização
Na forma difusa da doença, a dose recomendada é 20 mg] de telas nas casas, de preferência impregnadas de inseticidas,
kg/dia. além da utilização de inselicidas no peridomiczílio (piretróides
A pentamídina é uma droga de segunda mcolha devido os e carbamatos).
efeitos adversos, embora apresente altas taxas de curas, seme- Para viajantes e trabalhadores de áreas de alto risco, con-
lhantes às do antimonial pentavalente. A anfotericina B sidera-se a utilização de repelentes com altas concentrações
deoxicolato não é muito utilizadano tratamento da leishma- de DEET, além de roupas compridas e claras. O tratamento
niose cutânea devido aos efeitos adversos renais e ao tempo de casos animais, incluindo o homem, pode ser considerado
prolongado de utilizaçãoda droga, além da demora no tem- como proñlaxiaprimária devido à quebra no ciclo de trans-

po de infusão. Essa droga retomou seu valor quando foram missão. Outras medidas são os cuidados com higiene e lim-
disponibilizadasas formulações lipídicas, que parecem bas- peza local, com o objetivo de diminuir a multiplicação do
tantes auativas, mas ainda não estão disponibilizadaspelos mosquito próximo das habitações.
serviços de saúde. Busca ativa de casos e tratamento são medidas importantes
Uma droga bastante promissora, para a qual ainda faltam para a diminuição do número de casos futuros, quebra na
estudos no Brasil que determinem sua eñcácia, é a miltefosine, transmissão e redução de seqüelas no Brasil, devido à chance
devido à sua apresentação oral, que deverá contribuir em de evolução para a forma mucosa.
muito para o tratamento desta doença.
Outros tratamentos ainda não estabelecidos e em constante
avaliação são as imunoterapias; considerando-se o amplo
conhecimento que se tem obtido da raposta imune desta do-
ença, é possível que em breve ela seja tratada por modulação HERMAN, LD. Human leishmaníasis: clinical, diagnostic, and che-
da imunidade. motherapeutic developments in the last 10 years. Clin. Infecr. Dis.,
v. 24, p. 684-703, 199?.
Uma metanálisesobre o tratamento da leishmaniose cutâ- DE ALMEIDA, MIL; VILHENA, V.; BARRAI., A.; BARRAL-NETTO,
nea localizada demonstrou que os anümoniais aiI1da podem M leishmaníal infection: analysis of its first steps. A review'. ;Mem
ser considerados drogas de escolha, seguidas das medicações Inst Oswaldo Cruz, v. 98, p. 861 -870, 2003.
já citadas. As terapias tópícas de forma isolada não devem ser Ministério da Saúde. 2000. Manual do Ivíinistério da Saúde Brasileiro
consideradas, assim como mais estudos são necessários para com várias informações sobre epidemiologia, diagnóstico e trata-

avaliar adequadamente o papel terapêutico da miltefosine e mento.

das irnunoterapias. SCI-HMÉÀRTZ, E.; HATZ, C.; BLUM, I. New world cutaneous leishma-
niasis in travellers. Lancer Infect. Dis., v. 6; p. 342-349, 2006.
O seguimento dos pacientes com leishmaniose cutânea se TUON, EF.; SABBAGA AIHÁáTO, V.; GRAF, ML; SIQUEIRA, AJVI.;
dá a cada mês e a cura é deñnida corn a cicatrização (reepi- INTICODEMO, AC.; AlvIATO NETO, V. Treatment of New Vforld
telização) completa até 3 meses após o tratamento. A recidi- cutaneous leishmaniasis - A systematic review with mem-analysis.
va da doença é caracterizadapelo reaparecirnento da lesão até Int. I. Dent-imail., 200?.
l ano após completado o esquema proposto. Já a falha tera-
pêutica é a não-cura após dois tratamentos completos.

httpzffwurutcdfound.to.itf_project_ht1n
Atlas de parasitologia com fotos das lesões e do parasita.
O desenvolvimento de vacinaspara a leishmanioseainda con-
httpzlfsvwwnsvhoinütdrf
Site da Organização híundial de Saúde sobre doenças negligenci-
tinua em estudos. A leishmanização consiste na aplicação de adas com centenas de fotos e informações atualizadas sobre o pa-
uma espécie de Leishmania não-causadorade forma mucosa norama da doença.
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Leisñmaniose mucosa
Valdir Sabbaga Amato
112 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Reações Sorológicas
Habitualmente são empregadas as técnicas de imunofluo-
rescéncia indireta (RIPI) e irnunoenzimática (ELISA). Na
leishmaniose mucosa, relatos de sensibilidadeda RLFI variam
de 89% a 100%, com altos títulos dessa reação. Da mama for-
ma que a reação intradérmica, as reações sorológicas são mé-
todos auxiliarespara o diagnóstico, mas isoladamente não
oonñrmam a doença.
114 Parasitologia -
uma abordagem clínica
resultados. A Posologia nesses casos é de 20 mg/kgfdia de pode ser realizada por via intravenosa ou intramuscular. Esta
antimônio pentavalente com 400 mg de pentoxifilinatrês ve- últimapode causar abscesso muscular estéril. Nós adminis-
zes ao dia, por 30 dias. tramos a pentamidina diluída em 200 mL de soro glicosado
Os efeitos adversos dos antimoniais são: artralgia, mialgia, a 10%, em infusão lenta, com duração de 2 horas.
náuseas, vômitos, cefaléia, anorexia, aumento de transami- A dose na forma mucosa ou cutâneo-mucosaconsiste em
nases, fosfatase alcalina, lipase e amilase, leucopenia, alarga- três até 10 aplicações de 4 mg/kg/dia em dias alternados.
mento do intervalo QT e supra- ou infradesniivelamentodo Como a toxicidade está relacionada à dose acumulada, de
segmento ST. Outros efeitos colaterais menos freqüentes preferência não se devem aplicar doses totais acimade 2 g. Na
são: aumento de uréia e creatinina, arritmia cardíaca, morte região norte do Brasil, tem-se obtido sucesso no tratamento
súbita e herpes zoster. da forma cutânea, causada por Leishmania (Viannia) guy::-
nensís, com três aplicações de 4 mg/kg/dia, em dias alterna-
dos, no total de 720 mg.
Anfotericina B Deoxicolato As contra-indicações são: gravidez, diabetes, nefropatias
com insuficiênciarenal e cardiopatias. O isotíonato de penta-
Os primeiros relatos da eficiência da anfotericina B no trata- midina pode causar náuseas, vómitos, cefaléia, hipoglicemia,
mento da leishmaniose foram de Lacaz e Sampaio, no final hipotensão durante a infusão, aumento de uréia e creatinina,
da década de 1950 e início dos anos de 1960. Posteriormente, síncope, diabetes, leucopenia, pancreatite e alterações ines-
outros estudos analisaram a utilização da anfotericina B no pecíñcas do segmento ST e da onda T.
tratamento da leishmaniose tegumentar americana, demons- Durante a terapia com o isotíonato de pentamidina, de-
trando pequeno número de recidivas e melhor ação sobre as vem-sc realizar duas vezes por semana: glicemia de jejum,
lesões mucosas em comparação com os antimoniais. creatinina, uréia e eletrocardiograma. Pacientes que recebe-
A anfotericina B interage especiñcamente com o ergosterol, ram doses superiores a 1 g devem ter a glicemia monitorada
esteróide da membranade Leishmania, causando aumento de
por 6 meses após o término do tratamento.
permeabilidadee morte do parasita. A pentamidina é droga extremamente eficaz no tratamen-
A anfotericina B é aplicada unicamente por via intravenosa, to da leishmaniose tegumentar americana, especialmente em
diluída em soro glicosado a 5% e infundida em quatro horas. lesões cutâneas, nas quais close acumulada aparentemente
A concentração da droga na solução não deve exceder 0,1 mg! não necessita ser tão expressiva. Essa droga pode ser eficaz na
mL, para evitar flebite. No intuito de prevenir os efeitos co- forma cutânea, seja causada por Leishmania f Viannía)
laterais durante a infusão, pode-se utilizarhidrocortisona na brazilíensisou por Leishmania (Víannia) gyuanensis.
dose de 25-50 mg, imediatamente antes da aplicação. Devem-
Na forma mucosa ou cutâneo-mucosa, o limite de dose
se atingir as seguintes doses acumuladas de anfotericina B
deoxicolato para o tratamento: l a 1,5 g na forma mucosa. para evitar a toxicidade, especialmente pancreática, pode
A anfotericina B deoicicolatoé contra-indicada em gestan- comprometer a eñcácia do tratamento. Em nosso meio faltam
estudos para comprovar que 2 g de dose total de pentami-
tes e em indivíduos com cardiopatias e nefropatias. Os efeitos
dina seriam suficientes para o tratamento da leishmaniose
colaterais são: febre, calafrios cefaléia, hipocalemia, hipo-
mucosa.
magnesemia, anemia, leucopenia, flebitee nefmtoxicidade.Efei- A utilização de doses maiores de pentamidina, embora com
tos adversos raros são: arritmias e alterações do segmento ST
aumento do risco de toxicidade pancreática, levou, em um es-
e onda T. Devern-se dosar duas vezes por semana os níveis
séricos de sódio, potássio, magnésio, uréia e creatinina, além tudo, a expressivo sucesso terapêutico na forma mucosa.
de realizar hemograma e eletrocardiograma.
Desde os primeiros estudos utilizando a anfotericina B,
evidenciou-se sua grande utilidade no tratamento da leishma-
Outras Alternativas 'terapêuticas
niose tegumentar americana, especialmente nas formas mu-
cosas em que houve falha terapêutica aos antimoniais.
Formulações lipídicas da anfotericina B (FLAB) têm sido uti-
lizadas esporadicamente no tratamento das formas cutâneas
e mucosas, seja em pacientes imunocompetentes ou com al-

Pentamidina guma forma de imunossupressão, incluindo indivíduos


infectados pelo vírus da imunodeficiência humana. Essas
A pentamidina é considerada droga de segunda escolha. Em drogas têm apresentado resultados promissores, embora es-
1952, Orsini e Silva obtiveram sucesso terapêutico no trata- tudos com maior casuística sejam necessários, especialmente
mento da alguns casos da forma cutânea de leishmaniose. para se determinar a dose adequada para cada forma de leish-
Trabalhos posteriores na década de 1980 e início dos anos de maniose. A despeito de a dose por quilo de peso das formu-
1990 estimularam maiores estudos para o tratamento de di- lações lipídicas da anfotericina B não estar estabelecida com
versas formas de leishmaniose tegumentar americana. A precisão, utilizamos para a forma cutânea a dose total acu-
pentamidina é comercializadasob a forma de isotíonato, em mulada de 1,5 g da anfotericina B de
frascos que contêm 300 mg de droga. A pentamidina, prova-
velmente, age interferindo na síntese do DNA, alterando mor-
fologicamente o cinetoplasto e fragmentando a membrana
mitocondrial. A administração do isotíonato de pentamidina
Leishmaniose mucosa "sí
A miltefosinafoi a primeira droga de uso oral aplicada no
tratamento da leishmaniose visceral. Na forma visceral cau-
sada por L. donovanz', na Índia, os resultados foram bastan-
AIVIATO,VS. Boletim Epidemiológico Paulista. Coordenadoria de Con-
te promissores. Os mecanismos de ação da míltefosina contra trole de Doenças, órgão da Secretaría de Estudo de Saúde de São Paulo
Ieishmania ainda não são bem entendidos. Sabe-se que essa (CCDfSES-SP) Tratamento da Leishmaniose 'TegumentarAmerica-
droga é capaz de bloquear a síntese e alterar a composição da Fevereiro, 2006, Ano 3, Número 26.
na.

membranado parasito. Existem poucos efeitos adversos, tais RELATO, VCS. Leishmaniose 'Iegumentar Americana. In: Lopes &Amato
Neto V. 'fluindo de Clínica Médica. l' ed_ São Paulo: Editora Roca
como vômito e diarréia. Com relação à leishmaniose tegu-
mentar americana, estudos utilizandoa miltefosina no tra- Ltda., 2005, pp. 4.1 14.4420.
tamento da forma cutânea da doença
resultaram em boa
eficácia contra L. (V)panarrzensis,
masparo L. (V)
brazíliensís
não houve eficiência adequada. São necessários mais estudos
com essa medicação para veriñcar sua eficiência com relação
httpzfhwwvuncdfoundtoitfjrojecthtm
às espécies de Letlshmania existentes no Brasil. Atlas de parasitnologia com fotos das lesões e do parasita.
httpalímwnnwhodntftdrf
.Site da Organização Mundial de Saúde sobre doençasnegligencia-
das, com centenas de fotos e informações atualizadassobre o pa-
norama da doça.
(página deixada intencionalmente em branco)
Leishmaniose 'visceral'
Reynaldo Dietze
Silvio Fernando Guimarães de Carvalho
118 Parasitologia - uma abordagem clínica

INTRODUÉ0 óptica, mas que, à microscopia eletrônica, revela-se como


uma pequena estrutura contida no saco flagelar que emerge

A leishmaniose visceral (LV) ou calazar é uma doença sistê- do corpo basal, mas que não ultrapassa a membrana cito-
mica causada por protozoários do gênero Ieishmanía, sub- plasmática. As formas promastigotas são formas móveis,
gênero Leishmania complexo donovaní, que parasitam células ilagelares, extracelulares,medindo lO a 15 pm por 1 a 3 um,
do sistema fagocrítzico mononuclear (SFM) do hospedeiro. O encontradas no tubo alimentar dos vetores (flebotomíneos)
e em culturas. O cinetoplasto situa-se na parte anterior da
complexo donovaní engloba três espécies: L. (L.) donovani, Leishmania e o flagelo livre tem aproximadamente o mesmo
L. (L.) infznmm e L. (L.) chagasz'. A transmissão ocorre atra-
tamanho do corpo do parasita. As formas amastigotas e
vésdapicadadeflebotonríneosqdastrésespédesdeLeishmania,
somente L. (L.) chagas' está presente nas Américas. promastigotas apresentam proteínas de superficie distintas
No homem, a doença caracteriza-se clínica e laborato- (gp63 e LPG), importantes para a resposta imune e a adap-
rialmente por febre irregular, emagrecimento,manifestações tação ao hospedeiro ou vetor.
intestinais (diarréia) e respiratórias (tosse), hepatoespleno-
megalia, micropoliadenomegaliase pancitopenía. Na quase EPIDEMIOLOGIA
totalidade dos casos a doença é fatal quando não tratada e a
morte advém geralmente de infecções bacterianassecundárias
As áreas de transmissão da leishmaniose visceral começaram
e distúrbios da coagulação.
a ser mais bem delimitadas no mundo a partir da descoberta
e caracterização do gênero Leíshmania por Laveram e Mesnil

BIOLOGIA E (1903) e Ross (1903), no início do século passado. lá foram


descritos focos da doença em todos os continentes, à exceção
da Oceania. 0 número preciso de casos da doença é desco-
As Leishmanias do complexo donovani são parasitas intrace-
nhecido devido à subnotificação. Dados oficiais da Organiza-
lulares obrigatórios que apresentam, em seu ciclo evolutivo,
duas formas: amastigota e promastigota (Figura 18-1). As ção Mundial da Saúde contabilizamaproximadamente
formas amastigotas são encontradas dentro dos vacúolos SOOJJOOÍanO, mas estima-se que ocorram entre 1,5-2 milhões
de casos novos e 200.000 óbitos a cada ano. Cinco países con-
lisossômicos presentes nas células fagocitárias (monócitos e
centram 90% dos casos: Bangladesh, Brasil, Índia, Nepal e
macrófagos) dos hospedeiros vertebrados. Apresentam for- Sudão. Nas Américas, a doença é endêmica na Argentina, Bo-
mato oval ou arredondado e são umas das menores células
nucleadas conhecidas, medindo de 1,5 a 2,5 por 4,5 a 6,8 pm,
lívia, Brasil, Colômbia,Costa Rica, El Salvador, Guatemala,
Honduras, México, Nicarágua e Venezuela.
dependendo da espécie da Leishmania. Na coloração pelo Os padrões epidemiológicos da LV no mundo variam ba-
Giemsa, o citoplasma apresenta-se azulada e o núcleo e sicamente de acordo com a espécie da Leishmania e vetores
cinetoplasto, de cor lilásfavermelhada.O cinetoplasto é uma envolvidos na sua transmissão. Apesar dessa variação, a LV
estrutura composta de DNA organizado em uma complexa
rede de maxi- e mínicírculos e é a maior reserva de DNA
pode ser dividida, do ponto de vista didático, em dois gran-
des grupos clínico-epidemiológicos: a LV causada por L. (L.)
extranuclear conhecida de todas as células. A forma amas-
infanmm e L. (L.) chagasí (consideradas por alguns pesqui-
tigota possuí um flagelo rudimentar irlvisível à microscopia sadores como uma mesma espécie) e a LV causada por L.
(L.) donovani.
A LV causada por L. (L.) infantum possui uma área de
transmissão que se estende por toda a bacia do Mediterrâ-
neo, extremo sul da península árabe, sul da União Soviética e
China. Devido a essa extensa área de transmissão, separada
em alguns casos por barreiras geoclimáticas, a diversidade de
vetores e reservatórios é maior que na LV causada pela L.
(L.) donovani. P. pemícíosus é o principal vetor, com duas
subespécies (R. _p_ PETTJÍCÍOSIJS e P. p. mbbi), cuja distribuição
atinge os extremos leste e oeste da bacia do Mediterrâneo, a
região do Cáucaso que separa a Europa da Ásia, e o Irã. Esse
Hebótomo possui hábitos alimentares ecléticos, picando, além
do homem, diferentes espécies de mamíferos, como o cão e
roedores (R. rattus). É interessante ressaltar que, nesse tipo
de calazar, o encontro de Leishmanias no sangue periférico
dos doentes é menos freqüente que o observado no calazar
causado por L. (L.) dormvani. Entretanto, o parasita pode ser
FIGURA 18-1 Formas promastígotas [A e B) e amastigotas [C e D) encontrado com relativa freqüência nas camadas mais su-
de L L chagosf. À, Observação direta em microscopia invertida. perñciais da derme, mesmo após a cura clínica do paciente.
B, Observação em ñuoreseência. C, Amastigotas em macrófago Essa localização, contudo, não tem sido suliciente para irnpu-
humano coradas pelo Giemsa. D, Amastigotas extraeelularescoradas tar ao homem a importancia epidemiológica que o mesmo
pelo Diff-quick. possui nas áreas de transmissão de L. (L.) donovani. A doença
causada por L. (L.) infantum caracteriza-sepor ser uma zoo-
nose, sendo o cão o principal reservatório doméstico. Em al-
gumas regiões, os canídeos selvagens e alguns roedores
também atuam como reservatórios secundários.
A infecção causada por L. (L.) chega-sí está restrita às Amé-
ricas, já tendo sido descrita no Brasil, Argentina, Bolívia, Co-
lômbia,Venezuela, Peru, Equador, El Salvador, Honduras,
Guatemala, Nicarágua, Guadalupe, Martinica, México e
Suriname. Apesar dessa extensa área endêmica, Lutzomyía.
Iongipalpis é aparentemente a única espécie vetora com im-
portància epidemiológica envolvida na transmissão da doença,
apesar de
120 Parasitologia -
uma abordagem clínica
do como vetor fêmeas de Lurzmayia longipalpis. Lu. Ion-
as
gipnlprs possui hábitos vespertinos e matutinos, sendo, nes-
ses horários, o período de maior atividade do inseto. Ao se
alimentar em um animal infectado, o inseto ingere sangue
juntamente com células do SFM parasitadas por formas amas-
tigotas da Lerishmania. No tubo digestivo do inseto, elas se
transformam em promastigotas em aproximadamente 13 a
15 horas, multiplicando-se rapidamente por divisão binária_
As formas promastigotas passam então a colonizar os tratos
digestivos médio e anterior do inseto. Essas formas secretam
enzimas quitinolíticas que daniñcam funcionalmente o cárdia
(válvula pró-ventricular),que permanece aberto e incompe-
tente. No próximo repasto sangüíneo (homem ou outro re-
servatório), o Hebotomíneo regurgita, no local da picada, as
formas promastigotas presentes na faringe e no esôfago do in-
seto. Estas formas são então fagocitadas por células do SMF,
onde ocorre a transformação de promastigotas em amasti-
gotas. Essas últimas multiplicam-se no interior do vacúolo
fagocitário dos macrófagos, rompem-se liberando novas
amastigotas que serão fagocitadas por outros macrófagos.
Estudos recentes têm mostrado ser a saliva do inseto primor-
dial na facilitaçãoda infecção humana

PATOGENIA
Durante o ato da picada, o flebótomo regurgita formas pro-
mastigotas do parasito presentes no seu tubo digestivo. Jun-
tamente com as Leíshmanias regurgitadas, esses insetos
inoculam saliva contendo peptídeos inflamatóriospotentes,
responsáveis por uma reação inflamatóriaimediata que atrai
células fagocíticas para o local. As formas promastigotas pe-
netram então nessas células, transformam-se em amastigotas,
escapando, num primeiro momento, de mecanismos ines-
pecíñcos de defesa, como a lise através do complemento. A
partir desse ponto, a maioria dos indivíduos consegue conter a
infecção [infecção inaparente) e estabelecer uma imunidade
duradoura. Outros desenvolvem uma forma oligossinto-
f.? Im' f' mática da infecção que também pode se resolver espontanea-
C _, .g mente ou evoluir para a doença clássica. Um percentual
A
desconhecido de indivíduos, provavelmente a maioria, desen-
FIGURA 18-2 A, Cão com LV. Note o emagrecimento do anima!, volve imunidade às reinfecções sem, contudo, erradicar o pa-
áreas de perda de pêlos e aumento do tamanho das unhas. B. rasito do organismo, o qual pode voltar a se multiplicar em
Esplenomegalia em cão com LV. C, Fêmea de Lu. longipaídís. situações de imunodeficiência. O que determina, em última
análise, o curso que a infecção irá tomar é basicamente o tipo
de resposta imunitária que o individuo irá montar: Thl ou
incidência e ruralização dos casos de HIV e a urbanização da Th2. Essa resposta inflamatória,por outro lado, irá depender
LV certamente irão aumentar o número de casos dessa co- de aspectos ainda não totalmente conhecidos, como fatores
infecção no país. A implementação da terapia HAAPJI' dimi- genéticos do hospedeiro, existência de genes promotores do
nuiu drasticamente a incidênciada LV em pacientes infectados fator de necrose tumoral, resposta efetiva de células namral
pelo HIV de 11,6¡ 10.000 indivíduosfano para 6,3/10.000 in- killer (NK) frente à lL-l2 e produção adequada de interfe-
divíduosfano, principahnente na Europa, a partir de 1996. ron-y, dentre outros.
Nos indivíduos em que há progressão da doença (resposta
Th2), os macrófagos infectados se rompem, liberando as
TRANSMISSÃO formas amastigotas do parasita, que invadem novos macró-
fagos. Os macrófagos infectados produzem de forma exacer-
O ciclo biológico de L. chagasí é heteroxénico [alterna-se en- bada CzM-CSF e outras quimiotaxinas que irão atrair novos
tre um hospedeiro invertebrado e um vertebrado), envolven- macrófagos, os quais serão parasitados, criando, dessa forma,
Leishmaniose visceral

um ciclo que irá auxiliarna multiplicação exponencial do pa- não a hepatomegalia. A doença apresenta período de incuba-
rasito. Células fagocíticas da pele, provavelmente células de ção variável que, na maioria das vezes, situa-se ao redor de
Langherans, disseminam o parasito através dos vasos para os Uês meses, mas pode ser superior a 12 meses. Entretanto, de-
linfonodos, baço, fígado e medula óssea. A produção aumen- vido à instalação insidiosa da doença, essa informação geral-
tada de citocinas durante a progressão da infecção estimula mente é imprecisa e de pouca valia.
a ativação policlonal de linfócitos B, resultando na produção Do ponto de vista clinico-evolutivo, as formas aparentes
de grande quantidade de imunoglobulinas,principalmente da leishmaniose visceral podem ser divididas em:
IgG e IgM, contra proteínas inespecíficas e haptenos. Níveis I Período inicial -
essa fase da doença caracteriza o iní-
elevados de imunocomplexos e de anticorpos antiimuno- cio da sintomatologia, que pode ser xrariável, mas que,
globulinas também estão presentes no soro dos pacientes, na maioria dos casos, inclui febre irregular com dura-

paralelamente a uma diminuição dos níveis séricos do com- ção inferior a quatro semanas, palidez cutâneo-mucosa
plemento. A Leishmania induz, em macrófagos, à diminuição e hepatoesplenomegalia. O estado geral do paciente, via
da produção de lL-12, responsável por uma resposta Thl efe- de regra, está preservado, e a esplenomegalia é geral-
tiva que, por sua vez, regula a atividade do interferon-'y', res- mente discreta, não ultrapassando 5 cm do rebordo
ponsável pela destruição do parasita. costal esquerdo. Esses pacientes não raramente procu-
ram o serviço médico fazendo uso de antimicrobianos
sem resposta clínica e muitas vezes apresentam histó-
ria de tosse seca e diarréia. Um percentual pequeno de
indivíduos, geralmente crianças,pode apresentar na
A infecção causada por L. chagasi apresenta um espectro clí- fase
nico amplo, que varia desde formas completamente assintó-
máticas, passando por formas clínicas com sintomatologia
discreta ou moderada., até aquelas de apresentação mais grave.
Devido a essa diversidade de apresentações clinicas, várias clas-
sificações têm sido propostas. A classificação aqui utilizadaé
a mesma adotada na nova versão (2003) do Manual de Vi-
gilância e Controle da Leishmaniose Visceral do Programa de
Controle de Leishmanioses do !Ministério da Saúde.
Didaiicamente, a infecção causada por L. chagas'pode ser
dividida em aparente ou inaparente.
As infecções inaparentes são sempre assintomáticas e,
portanto, sem evidência clínica de doença_ O diagnóstico é
baseado em resultados sorológicos ou por meio da intrader-
morreação de Montenegro (leishmanina). Os títulos de an-
ticorpos em geral são baixos e podem permanecer positivos
por longo tempo. Vale a pena ressaltar que: (a) os pacientes
com história prévia de LV ou leishmaniose tegumentar po-
dem "mimetizar imunologicamente" (sorologia e intrader-
morreação positiva) os pacientes com infecção inaparente;
[b] nas demais formas da doença, a ínnadermorreação de
Montenegro é classicamente negativa_ Portanto, as formas
assintomáticas são aquelas vistas em pacientes provenientes
de áreas endêmicas, onde há evidências epidemiológica e
imunológica (sorológica ou intradermorreação) da infecção.
Não existe qualquer indicação terapêutica nesses casos. O
conhecimento da existência das infecções inaparentes tem
importância durante o diagnósüco diferencial de doenças fe-
bris agudas ou subagudas causadas por outros agentes infec-
ciosos, quando se depara com uma sorologia positiva para
LV. Nesses casos, uma intraderrnorreação de Montenegro po-
sitiva exclui o diagnóstico de LV.
As infecções aparentes variam desde formas djnicasdiscre-
tas com pouca sintomatologia, passando por formas clínicas
moderadas, até aquelas de apresentação mais grave que, se
não tratadas, evoluem para o óbito. Deve-se suspeitar clinica-
mente de LV quando o paciente apresentar os seguintes si-
nais e sintomas: febre há mais de duas semanas, anemia (palidez
cutâneo-mucosa),adinamia e esplenomegalia associada ou
- 122 Parasitologia -
uma abordagem clínica

FIGURA 18-3 A, Periodo inicial da doença. 0 atado geral do paciente ainda está preservado e a perda de pao não é acentuada. B-D,
Periodo de estado da doença. Note o emagrecimento, aumento acentuado do volume abdominal e a volumosa hepatoesplenomegalía- Note
em (Cl o sangramento espontâneo na comissura labial esquerda e, em (D), o edema de membros inferiores.

TABEIA 18-1 Freqüência dos principais sinais e (34% a 82%) e linfoadenomegalia (22%). As manifestações
sintomas presentes na leishmaniose visceral cutâneas, gastrintestinais e respiratórias são mais freqüentes
clássica nos pacientes com a co-infecção por LV-HIV do que na LV
isoladamente. Na maioria das vezes, o encontro do parasito
em lesões cutâneas é inesperado pelo fato de o diagnóstico de
b-Í::*rf.:*&“~';-'.ra2-'§:3_I.:.
.iwirt-"â"
LV não ter sido considerado.
-
.a

Febre 98%-l 00%


Esplenomagolio 9876-1 00%
Hepatomegolno 9036-1 00%
Ijnloodenopoho 3076-5056
Diarréia l 596-3556
Polidez 3536-7036
Adínamro 80%-l 00%
Epistuxes 1 536-3096
Petéquios 20%
lcterícia 5%

Co-infecção por Leishmaniose Visceral


e HIV

A LV já foi descrita como infecção oportunista em diversas


situações associadas à alteração da resposta imune do hospe-
deiro, como, por exemplo, neoplasias (principalmente os
linfomas),lúpus eritematoso sistêmico, Uansplantes renais,
uso de corticosteróides e, mais recentemente, a infecção pelo
vírus da imunodeficiênciahumana (HW). Nessas situações,
os sinais e sintomas clássicos da doença nem sempre estão

presentes e ainda podem ser mascarados ou confundidos pela


sintomatologia da doença de base. Uma compilação de diver-
sas publicações, na maioria relatos de série de casos, mostra
a seguinte freqüência de sinais e sintomas da doença: febre
(84% a 91%), esplenomegalia (54% a 91%), hepatomegalia
Leishmaniose visceral

No período final, as alterações laboratoriais descritas tor- O aspirado esplênico é o método de maior sensibilidade,
nam-se ainda mais acentuadas. Os leucócitos geralmente es- seguido do aspirado de medula óssea, biopsiahepática e as-
tão abaixo de 3.000 mm3 e as plaquetas, abaixo de 70.000 piração de linfonodos. Na prática, devido a quase ausênciade
mm3. A fração gamaglobulinaestá elevada, e os niveis séricos efeitos colaterais, recomenda-se o aspirado de medula óssea
de albuminabastante diminuídos. da crista ilíacaposterior. A punção esplênica deve ser realizada
O diagnósiico diferencial deve ser feito com a malária, em situações em que a confirmaçãoparasitológica é impres-
mistoplasmose, enterobacteriose septicêmicaprolongada, cindível, por pessoa treinada e em hospitais com retaguarda
esquistossomose aguda, paracoccidioidomicose,brucelose,
toxoplasmose,doença de Chagas aguda, febre tifóide, endo-
cardite infecciosa, anemia falciforme, linfoma e leucemias.

Diagnóstico lmunológico
Na LV, os testes sorológicos em geral apresentam boa sensi-
bilidade em virtude da grande quantidade de anticorpos
(principalmenteIgG) presentes na doença, secundários à ati-
vação policlonal de células B. Os testes sorológicos, entretanto,
são métodos indiretos de detecção do parasito e, devido à sua
praticidade, devem preceder, sempre que possível, os méto-
dos parasitológicos, podendo até, em algumas situações,
suhsütIJi-los. Na presença de dados clínicos e laboratoriais,
uma sorologia reagente praticamente confirma o diagnósti-
co de calazar. Entretanto, um teste reagente na ausênciade
manifestações clinicas sugestivas não autorizao início do tra-
tamento.
No Brasil, as técnicas mais usadas são a imunofluores-
cênciaindireta (RLFI) e os ensaios imunoenzimáticos (ELISA,
imunocromatograña). Os resultados da imunofluorescência
normalmente são expressos em diluições, sendo reagentes os
títulos iguais ou superiores a 1:40. A RIPI, apesar de ser me-
nos sensível que o ELISA, é o método mais utilizado no Brasil

por estar disponivel gratuitamente na maioria das regiões


endêmicas, por meio do Ministério da Saúde. O teste imu-
noenzimálico ELISA tem seu resultado expresso em unidades
de absorbância a um raio de luz (espectrofotometria), em
uma reação que pode utilizar diluições fixas (resultado
quantitativo) ou apenas reagente ou não [resultado quali-
taüvo). Apesar de ser um método sensível, ele apresenta como
desvantagem o fato de não estar, até o momento, disponivel
comercialmente para venda, o que dificulta sua padroniza-
ção. Mais recentemente, antígenos recomhinantes (K39, 10.6)
têm sido empregados em testes rápidos imunocromato-
gráñcos, com sensibilidadee especificidade variando de 67%
a 100% e 98% a 100%, respectivamente. Por serem rápidos, de
fácil execução e baixo custo, esses testes já são usados na roti-
na diagnóstica de países da Europa e Índia e tendem a subs-
tituir os anteriores.
A intradermorreação de Montenegro, ou teste de leish-
manina, não tem indicação de uso no diagnóstico da leishma-
niose visceral.

Diagnóstico Parasitológico
O diagnósticoparasitológico da LV pode ser feito por meio da
visualização do parasito em cultura (formas promastigotas)
ou em esfregaço de punção aspirativa de baço, medula óssea,
linfonodos ou em biopsias de tecido (formas amastigotas).
124 Parasitologia -
uma abordagem clínica
ñcar a critério médico. Todavia, recomendam-se níveis de
hemoglobinaacima de 8
Leishmaniose visceral 125

células mononucleares e células do endotélio vascular com ciência renal reversível em 25% dos pacientes, hipotensão,
liberação de ácido araquidônico,cujos metabólitos (prosta- hiper- e hipoglicemia reversíveis e hipocalcemia em 10% dos
ciclinas e tromboxano A2) causariamvasoconstrição e hiper- pacientes tratados. A pancreatitepode levar ao aparecimento de
tensão pulmonar. Esses efeitos podem ser antagonizados por diabetes melito permanente em 5% a 15% dos casos tratados.
antiiníiamatóriosinibidoresda Cox-2 (ciclooxigenase-Z). A A dose recomendada no tratamento do calazar é de 4 mg/kg,
dose recomendada no tratamento da LV é de l mg/kg/dia 1M ou 1V, três vezes por semana durante 5 a 25 semanas, de-
(dose máxima diária de 50 mg), administrada em dias con- pendendo das respostas clínica e parasitológica do paciente.
secutivos durante 14 dias. A aminosidina é um antibióticoaminoglicosídeo, identico
Mais recentemente, formulações lipídicas da anfotericina à paramomicina. Do ponto de vista químico, a paramomidna
B tornaram-se disponíveis para o tratamento da LV. Essas no- difere da neomicina B pela substituição do grupo Cl-lzOH
vas formulações são menos tóxicas que o desoxicolato de pelo (ÍHINHIem um dos três açúcares presentes na molécula
anfotericina B, podendo ser administradas em doses elevadas da neomicina B. Essa pequena diferença é responsável pelo
e por períodos de tempo ainda mais curtos que a anfotericina amplo espectro de ação da droga, que inclui bactérias,
B convencional (cinco a dez dias). A lógica de sua utilização protozoários e cestódeos. Sua ação leishmanicida é poten-
no tratamento da LV estaria na rápida retirada da circulação cializada in vitro pelos antimoniais pentavalentes. A dose re-
das partículas lipídicas que contém a anfotericina B. Este comendada no tratamento da LV é de 20 mgfkgfdia, por via
clearance da droga seria feito pelas células do SFM do ñgado, intramuscular por 20 dias consecutivos. Seu mecanismo de
baço e medula óssea, diminuindo, dessa forma, os efeitos co- ação é desconhecido. A aminosidina, como os demais amino-
laterais da medicação e potencializando a destruição do para- glicosídeos, é potencialmente nefrotóxica e ototóxica, poden-
sito. No momento, sua utilização está indicada em situações do causar surdez irreversível, além de ser contra-indicada
nas quais a toxicidade e a duração da terapia são as maiores
durante a gravidez.
Mais recentemente, uma droga oral antineoplásica, Mil-
preocupações. tefosineü' (metil-hexadecilfosfocolina),tem sido usada com
Existem atualmente disponíveis para uso clínico três for-
sucesso no tratamento da leishmaniose visceral na Índia. Os
mulações lipídicas da anfotericina B: o AmBisomeQ o Am- índices de cura são elevados (95%). Os efeitos colaterais re-
phocil® e o Abelcetü'.inúmeros estudos, relatando índices de lacionados com o seu uso incluem distúrbios gastrintestinais
cura semelhantes aos da anfotericina B convencional, já fo-
em mais de 50% dos pacientes (náuseas, vômitos e diarréia),
ram publicados utilizandoas diferentes formulações lipídicas
insuficiência renal, elevação dos níveis séricos da creatinina e
no tratamento da LV, tanto em pacientesirnunocompetentes
das aminotransferases. No Brasil, os resultados com o uso da
quanto em pacientes oo-infectados com o vírus HIV. Os efeitos miltefosina no tratamento da LV são bem inferiores aos ob-
colaterais descritos com essas formulações são semelhantes
tidos na Índia, com indica de cura ao redor de 60%.
àqueles descritos para a anfotericinaB. Apesar da inexistência
de estudos comparando a eficácia e toxicidade das três apre-
sentações, a formulação recomendada para o tratamento da
LV no Brasil é o ArnBisomeíã'.A Posologia recomendada é de
Co-infec_ç_ãpg_por LV-HIV
3-4 mg/kg/dose durante sete dias consecutivos. Apesar de me- Ainda não há consenso sobre qual seria o esquema ideal para
nos tóxicas e mais eficazes que o desoidcolato de anfotericina o tratamento da co-infecção por LV-HIV.Os antimoniais e o
B, essas novas formulações lipídicas são bem mais caras que desoxicolatode anfotericina B, apesar de efetivos, são tóxicos
a anfotericina convencional, o que diñculta seu uso rotineiro. e requerem tratamento prolongado. As novas formulações
A pentamidina (Pentacarinate® e Pentan°9 _), uma djamjdj- lipídicas são mais bem toleradas e podem ser administradas
na aromática, foi usada pela primeira vez no tratamento da por menor tempo. Entretanto, os índices de cura das formu-
leishmaniosevisceral no final da década de 1930. Seu meca- lações lipídicas (3 mg/kgfdia por cinco ou dez dias) são seme-
nismo de ação ainda não é totalmente conhecido, mas pare- lhantes ( 35% a 42%) aos dos antimoniais administrados por
ce estar relacionado com a inibição da RNA polimerase, 28 dias. Apesar de o percentual de recidivas clínicas ter dimi-
função ribossómica e síntese de proteínas e fosfolipídeos. Seu nuído após a instituição do esquema HAARI', elas ainda são
efeito leishmanicida deve-se à sua ligação seletiva ao DNA do um problema, e não existe consenso acerca da profilaxia se-
cinetoplasto da Leishmania, causando edema e perda da sua cundária. O esquema com ABLC (anfotericinaB de comple-
função. Apesar de a pentamidina ser efetiva no tratamento da xo lipídico), 3 mgfkg a cada três semanas, comparado com
LV, esquemas prolongados são necessários para prevenir re- nenhum tratamento, resultou em 50% versus 22% de recidi-
cidivas, tornando alta a sua toidcidade. Nos vários estudos vas, respectivamente, após 12 meses de seguimento.
publicados, os índices de cura variam de 25% a percentuais A miltefosina provavelmente é uma boa alternativa mas
próximos a 100%. Um único estudo publicado,comparando ainda necessita ser avaliada em ensaios clínicos controlados.
a pentamidina com a anfotericina B, mostrou que esta últi-
ma apresenta índices de cura superiores aos da pentamidina
(98% versus 77%).
Os efeitos colaterais mais comumente encontrados são:
anorexia, astenia, náuseas, dor abdominal, dor no local da As medidas de controle da leishmaniose visceral estão volta-
aplicação da injeção, abscesso subcutâneoestéril, mialgias, das para os três elos da cadeia de transmissão: o combate ao
cefaléia, pirose, hepatite, gosto metálico, taquicardia, insuli- vetor, a eliminação dos cães positivos (reservatório domésti-
125 Parasitologia -
uma abordagem clínica
co) e o tratamento dos pacientes. Nas áreas endêmica:: é fun- em indivíduos imunocompetentes), é possível que vacinasefi-
damental a implementação de programas de vigilância cazes utilizandoantígenos recombinantespossam ser usadas
epidemiológica com o objetivo de se reduzir a letalidade da no futuro.

doença por meio de diagnóstico precoce e tratamento adequa-


do dos pacientes. Para tal, é necessário o treinamento dos
proñssionais de saúde locais por meio de cursos periódicos de
educação continuada.
O controle do vetor pode ser tentado com o uso de inse- BERIVIAN, LD. Human leishmaniasis: clinical, diagnostic, and chamo-
ticidas de ação residual, preferencialmente os piretróides. tlierapeutic developments in the last 10 years. Clin. frita. Dis., v.
Devido aos hábitos domiciliares e peridomiciliares da Lu. 24, pp. 684-703, 1997.
CHAPPUIS F, et al. \Tisceral leishmaniasis: vrhat are the needs for
Longipalpis, a borrifação deve contemplar as paredes internas diagnosis, treatment and control? Nature Reviews in .Wicrobiolog
e externas das casas e seus anexos, principalmentegalinheiros
51-513, 2007.
5:
e chiqueiros. O inseticida deve ser aplicado a cada seis meses DE ALMEIDA, M.C.; VILHENA,V.; BARRAI., A.; BARlLÀL-NETTO,
por período mínimo de dois anos. A eliminação de cães infec- M. Ieishmanial infection: analysis'. of its first steps. A review. Mem.
tados deve ser orientada por inquéritos sorológicos caninos, Inst. Oswaldo Cruz, 98:861-870, 2003.
que devem ser realizados ao menos a cada seis meses. Entre- JONATHAN, B. Visceral leishmaniasis in the New 'World 8: Africa.
Indian _I Med Res I23:1',89-294, 2006.
tanto, a eliminação de cães como medida de controle da do-
LUKES] etal. Evolutionary and geographical history of the Leishmanía
ença é questionável. Além dos vários argumentos expostos dormvam' complex xvith a revision of current taxonomy. FNAS,
anteriormente, o programa de eliminação dases animais ao IU4:9.375-9.380, 2007.
longo dos últimos anos não tem sido suficiente para conter SIMON LC. et al. Current scenario of drug development for leish-
a expansão das áreas de transmissão da doença. maniasis. Indian I Med R5 I23:399-410, 2006.
Por se tratar de doença que induz imunidade (são extre- SINGH, S Sr SWAKUMAR, R. Recent advances in the diagnosis of
mamente raros os casos de recidiva ou reinfecçâo da doença \risceral leishmaniasis. j'. Posrgrad. Medicine 4955-60, 2003.
¡›É. o

@oença dê Clíagas
Anis Rassi
Anis Rassi Jr.
128 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Doença de Chagas ou tripanossomíase americana é uma in-


fecção causada pelo protozoário 'Iijrpanosoma cruzi. O para-
sito é transmitido naturalmente ao homem por intermédio de
hemípteros hernatófagos da subfamília Triatominae(triato-
mineos).
Durante supervisão de uma campanha contra malária no
Estado de Minas Gerais, na primeira metade do século pas-
sado, Carlos Chagas deparou-se com doentes apresentando
um quadro clinico
Doença de Chagas 129

EPIDEMIOLOGIA TRANSMISSÃO
A doença de Chagas distribui-se na América, desde o sul A transmissão de 'Il cruzi dá-se por contaminação das mu-
dos EUA até o sul da Argentina e Chile. No Brasil, a cosas ou da pele com dejeções de triatomíneos infectados (es-
prevalência, mediante inquérito sorológico, é de 4,2%. Os tádio de ninfa ou adulto). A mucosa pode estar íntegra, mas
estados mais acometidos são o Rio Grande do Sul (3,896), a pele deve apresentar solução de continuidade constituída
-

Minas Gerais (_8,8°xí:) e Goiás (14%). Assim, estima-se que muitas Vezes pelo orifício da picada do inseto ou pela esca-
5 milhões de brasileiros estejam infectados por 'IÍ cruzi.
Não existem relatos de aquisição da doença humana fora
da América.
A taxa de infecção em animais silvestres no su] dos EUA é
idêntica à taxa no Brasil. Isto demonstra que a doença hiuna-
na está relacionada corn as precárias condições de habitação
e habitatdo vetor (Figura 19-2). A diferença assinalada evi-
dencia o importante fato de que a doença de Chagas é, antes,
um problema sócio-cultural do que médico, e que o fulcro da

questão refere-se à habitação de má qualidade comum no in-


terior do Brasil.
Sob o ponto de vista epidemiológico, o papel representa-
do pela infecção de animais domésticos (cães e gatos, prin-
cipalmente) é muito importante. Examinando mais de mil
cães e gatos de localidade endêmica (Cajuru, SP), Freitas
(1950) verificou a ocorrência de infecção em 24,4% dos ani-
mais.
Com a “domiciliação”dos vetores (triatomíneos) e a in- FIGURA 19-2 Tipo de domicilio que alberga o vetor transmissor
da doença de Chagas. [Photographerz Mark Edwards; Credit line:
fecção do homem e dos animais domésticos, ñca assegurada WHOFIDRIMark Edwards; Image ID: 9205108]
a manutenção da parasitose na América [Figura 19-3).

- Trypanosoma cruz¡
l 71 bruce¡ rhodesiense
. 'II bruce¡ gambrbnse
- Ib. gambiense/Ilzrhodesiense
FIGURA _19-3 Epidemiologia dos diversos Trypanosoma no mundo.
130 Parasitologia -
uma abordagem clínica
riñcação causada pelo próprio indivíduo, ao coçar-se para-

que ocorra a penetração dos tripomastigotas(Figura 19-4).


Transmissões excepcionais têm se tornado mais impor-
tantes atualmente. Na espécie humana estão segura e ampla-
mente comprovadas a transmissão congênita, por meio de
transfusão de sangue ou por doação de órgão. Em !vários ani-
mais a transmissão por via digestiva foi demonstrada expe-
rimentalmente com facilidade, e vários relatos no Brasil já
foram descritos em humanos, mediante ingestão de alimen-
tos contaminados (como a cana-de-açúcar),gerando situa-
ções de surtos. No caso particular do aleitamento materno,
deve-se assinalar o encontro de 'IÍ cruzi no leite humano.
Casos de doença de Chagas mediante acidentes de labo-
ratório já foram descritos, tanto por via ocular quanto por
vias cutânea e digestiva, durante a manipulação de fezes de
triatomíneos, de meios de cultura e de sangue de animais.
Está demonstrada a possibilidadede transmissão congênita,
sendo de 1% a 4% o risco de acometimento.Na maioria des-
sas crianças a infecção é assintomática ou oligossintomática,
ao nascimento.
O transplante de órgãos constitui outro mecanismo pos-
sível de transmissão da doença de Chagas, principalmente
quando se considera o emprego de corticosteróides e outros
medicamentos imunodepressores.

Adquirida a infecção pelo hospedeiro definitivo, em pouco


tempo ela se generaliza por meio da dinâmica assinalada no
tópico sobre o ciclo evolutivo do parasita. O período inicial
da infecção caracteriza-sepor parasitemia detectável através
de exame direto, considerável parasitismo celular mais -

acentuado em fibras musculares (cardíacas,lisas e estriadas),


macrófagos, ñbroblastos, células
Doença de Chagas 131

renais parasitodas. Esses fatos indicariam que células cardia- interno do ânus, que resultam em diñculdades de defecção,
cas normais possuem antígenos de reação cruzada com estagnação de fezes e dilatação do sigmóide e do reto.
Tiypanruama. cruzi capazes de induzir ativação de linfócitos 'l' Nos casos de megaesôfago e megacólon, outros segmen-
citotóxicos. Teste de inibição da migração de células mono- tos do tubo digestivo são igualmente atingidos pela desner-
nucleares, em presença de frações subcelulares de células vação neuronal, embora sejam raros os casos de ectasia fora
cardíacas, evidenciou que uma fração microssomal da célula do esôfago e do intestino. Urna possível explicação seria a de
cardíaca possui um antígeno que produz reação cruzada, que, sendo o conteúdo do esôfago e do cólon distal predomi-
capaz de ativar linfócitos 'l' previamente sensibilizadospor 'E nantemente sólido, deve existir, para sua progressão, coor-
cruzi. O reconhecimento de antígenos de reação cruzada da denação motora de efeito propulsivo perfeito; nos demais
célula cardíaca pelos linfócitos sensibilizadospor 'II cruzi se- segmentos, a progressão ocorre, mesmo quando se verifica
ria, então, o fundamentoda lesão tecidual. alteração da motilidade, em virtude da menor consistência de
Por meio das técnicas da imunoperoxidase, tem sido pos- seu conteúdo. Além disso, tanto o esôfago quanto o reto pos-
sível demonstrar a presença de amastigotas do 'II cruzi e seus suem esñncteres, que se abrem reflexamente, cujo funciona-
antígenos na miocardite crônica humana. mento se encontra alterado na doença de Chagas.
A teoria da patogenia da doença de Chagas mediante uma A patogenia e a fisiopatologia do compromeúmento do
origem nervosa foi introduzida após a observação de que tubo digestivo na doença de Chagas não é suñciente para ex-
neurônios do plexo intramural da musculatura lisa e da mus- plicar a cardiopatia chagásica crônica.
culatura cardíaca de chagasicos se apresentavam alterados e Deve-se, portanto, admitir que estão envolvidos no apa-
reduzidos em rlúmero. Formulou-se a teoria da desnervação recimento da miocardite chagásica crônica: (1) a lesão direta
parassimpática, e se admitiu que a destruição neuronal se do tecido pelo parasito; (2) a destruição de células ganglio-
processaria principalmente na fase aguda da infecção. A nares parassimpálicasdo coração; (3) reações de hipersensi-
desnervação, embora tenha caráter universal, acometeriaprin- bilidade, agressão auto-imune ou reações imunológicas
cipalmente o sistema nervoso periféricoparassimpático, em antimiocárdio; (4) lesões isquémicas secundárias a alterações
virtude da localização do segundo neurónio na estrutura da microvasculares.
parede dos órgãos, o que o tornaria alvo do processo infla- Conclui-se, pois, que mais de um mecanismo deve estar
matório. Quanto aos neurônios dos gânglios simpáticos, por envolvido na patogenia da doença de Chagas, resultando do
estarem afastados do tecido muscular parasitodo, não sofre- conjunto de sua atuação o processo inflamatório,a desnerva-
riam alterações significativas. ção parassimpática e a fibrose.
Mecanismo de natureza imunológica também foi invoca-
do para ::aplicar a destruição neuronal. A citotoxicidade de lin-
fócitos sensibilizadospor I' cruzi é capaz de lesar as células IVAWWGI¡
nervosas do plexo mioentérico. Essa citotoxicidade manifes-
tar-se-ia particularmente em relação às células neuronais do
parassimpático,sugerindo a existência de um determinante
ÉSE?
antigénico de reação cruzada entre essas células e 'II cruzi. Ninhos de formas amastigotas de 'II cruzi já foram observa-
Nesse caso, haveria identidade antigênica de membrana entre dos em virtualmente todos os órgãos e tecidos, no periodo
'II mrzi e o neurônio, resultante provavelmente da ñxação inicial da infecção. Nlicroscopicamente, o achado mais carac-
pelas células nervosas de antígenos liberados pelo parasito, terístico é constituído pela presença de ninhos de amasügotas,
o que induziria o linfócito sensibilizadoa considerar essas cé-
especialmente no tecido muscular e em elementos do sistema
lulas estranhas ao organismo. retículo-endotelial, acompanhados de processo inñamatório
O órgão desnervado apresentaria disfunção, com ativida- histioplasmolinfomonocitário,com predomínio de monoci-
de maior ou menor, na dependência do grau de desnervação. tóides (Figura 19-5). A reação inflamatóriaé particularmen-
O regime parassimpaticoprivo seria o responsável- em as- te intensa no miocárdio, cujas fibras, dissociadas por intenso
sociação a outros fatores (tempo de infecção, sobrecarga ou edema, exibem alterações degenerativas, principalmente do
solicitação do órgão, natureza do seu conteúdo etc.) pelas
-

tipo céreo. Grave degeneração dos neurônios do coração foi


manifestações tardias da doença, tanto de natureza morfo- assinalada por Kõberle em 1958.
lógica quanto funcional (distúrbios da excitabilidade,mobi-
lidade, secreção e absorção). A demonstração da desnervação
parassimpática pode ser feita por intemiédio de substâncias Fase Crônica
colinérgicas, tais como a metacolinae o carbacol.
No esôfago, quando a desnervação ultrapassa determina- Há diminuição do parasiüsmo e da intensidade do processo
do limite, verifica-se o desaparecimento do peristaltismo, bem inflamatórioem relação à fase aguda. Deve-se esse fato ao
como do reflexo de abertura da cárdia durante a deglutição. mecanismo imunitário, e representa, sob o ponto de vista
Como conseqüência, há diñculdade de esvaziamento, com biológico,tradução do estabelecimentode equilíbrioentre o
retenção de alimentos, dilataçãoprogressiva, hipertrofia e hi- parasito e o hospedeiro. Grande número de indivíduos
perplasia das camadas musculares e, por último, atonia. De permanece nessa situação por tempo muito prolongado, en-
modo semelhante, ocorre no cólon incoordenação motora quanto outros não, desconhecendo-se os fatores que rom-
entre a alça sigmóide e o reto, assim como acalasiado esñncter pem esse equilíbrio.
Doença de Chagas 133

conhecida de indivíduos permanece na forma indeterminada


por longo tempo, talvez durante toda a vida.
O conceito de fonna indeterminada não se fundamenta em
estudos histológicos, significando apenas que não se conse- Fase Aguda
guiu evidenciar comprometimento visceral por meio do exa- A infecção aguda por 'Ii-jpanosoma cruzi é inaparente na maio-
me clínico e dos exames complementares inespecíficos
rotineiros (eletrocardiograma e exame radiológico do cora- ria dos casos, ocorrendo predominantemente na primeira (ou
na segunda) década da vida. Quando sintomática, as mani-
ção, do esôfago e do cólon). Embora essa informação seja
uma estimativa, o indivíduo infectado por Íiypanasoma.cruzi
festações clinicas se
permanece na forma indeterminada, em geral, por período de
10 a 20 anos.
Seja em conseqüência da destruição dos neurônios paras-
simpãticos, seja em virtude do processo mflamatório,contí-
nuo e progremivo, vão-se instalando as alterações xriscerais. O
estudo de grandes grupos mostra que a exteriorização do
comprometimento do esôfago procede a da cardiopatia
A fase crônica da doença de Chagas, analisada do ponto
de vista cardiológico e em projeção cronológica, pode ser sub-
dividida em quatro períodos, descritos no Quadro 19-2.

QUADRO 19-2 Classificação da fase crônica da


infecção pelo Trypanosoma cruzi
l* periodo: vem Iago após a fase aguda e cbrange individuos
de baixa idade nos quais não há qualquer evidência clinica,
radiológica ou eletrocardiogrólica de comprometimento
cardíaco. Entretanto, não se pode afirmar categoricamente
que não existam lesões no miocárdio, pois elas podem limitar-
se a pequenas focos inllamatórios, com grau variavel de
desnervacõo parassirrpatica; nesse caso, o prognóstico é bom
2° período: quase sempre o paciente se encontro no terceira
década de vida, o exame clínico é nonnal ou apresenta
pequenas alterações, e o exame radiológico evidencia raras
vezes discreto aunento da órea cardíaca; nessa
circunstñncia, é o eletrocardiograma que possibilita o
diagnóstico. Entre as anormalidades eletrocardiogróticos
mais encontradas nesse período estão o bloqueio completo
de ramo direito, isolado ou associado ao hemibloqueio
anterior esquerdo, a extra-sistolia ventricular isolado, a
alteração primária do repolarizoçõoventricular e o bloqueio
atrioventricular parcial; o prognóstico geralmente é bom,
embora alguns desses pacientes rrtorrom súbita e
inesperadamente
3° periodo: inten-nediório; quase todos os pacientes estão na
quarta década de vida e, habitualmente, apresentam
sintomatologia. O estudo radiológico acusa, muitas vezes,
moderado aumento da órea cardíaca, enquanto o
eletrooardiogamo se apresenta com os mais variadas tipos
de anormdidades; é comum o aparecimento de duas ou mais
alterações associadas e o prognóstico costuma ser
reservado, memo o curto prazo. Justamente rtesse período
ocorre o maior número de mortes súbitas

A* período: corresponde à lose avançada da cardiopatia, na


qual a maior porte dos doentes íó ultrapassou a quarto
década de vida; são numerosos os dados clínicos presentes,
com sintomas e sinais de insuficiência cardíaca, arrítmias
graves, fenômenos síncapois e acidentes tromboembólicos. O
estudo radiológico evidencia alterações acentuadas, e no
eletrocardiogramo encontram-se anormalidades intensas e
múltiplas; o prognóstico é lrancamente desfavorável, com
sobrevida, em média, de um a três anos.
134 Parasitologia -
uma abordagem clínica
mias, muito comuns e de tipos variados, ocorrem geralmen- da mastigação e ogastroacidogramamostra hipo- ou aclori-
te em associação, sendo causas de palpitação, lipotimia, sín- dria, com acelerada absorção da glicose, acarretando hiper-
cope ou síndrome de Stokes-Adants; é importante assinalar glicemias transitórias.
que muitas vezes são assintomáticas. Dentre as taquiarritmias
sobressaem as extra-sístoles ventriculares, a taquicardia ven- Outras formas
tricular (não-sustentada ou sustentada), a fibrilação ventri-
cular e a fibrilaçãoatrial, e entre as bradiarritmias, a disfunção A denominada forma nervosa foi uma entidade defendida
do nódulo sinusal e os bloqueios atrioventriculares de se- por Chagas, mas que não é admitida por outros autores, sob
gundo ou de terceiro graus. a justificativa de ser difícil sua comprovação, principalmente
A insuficiência cardíaca é global, inicialmente com mani- à luz da teoria da desnervação e porque a infecção por
festações de insuficiência das câmaras esquerdas e, em está- 'liypanosmnacruzi é generalizada.
gios avançados da doença, com predomínio das Inanifestações Nas últimas décadas com o advento da AIDS, o em-
-

congestivas sistêmicas sobre as pulmonares. Dispnéia pa- prego cada vez mais comum de terapêuticas imunossupres-
roxística noturna, asma cardíaca e edema agudo de pulmão soras, a realização freqüente de transplantes de órgãos e a
raramente ocorrem. O ritlno de galope é pouco freqüente. sobrevida maior de doentes com neoplasias passaram a
-

Quando há cardiomegalia franca pode ser ouvido sopro ser observados com mais freqüência casos de reativação da

sistólico de insuficiênciafuncional da válvula tricúspide ou da infecção em individuos co1n a forma indeterminada da tripa-
mítral. Fenômenos tromboembólicos, dependentes de trom- nossomíase americana, ocorrendo graves repercussões orgâ-
bose parietal cardíaca, são relativamente comuns, atingindo nicas, em particular encefálicase cardíacas.
o cérebro, os membros inferiores e os pulmões, ao passo que,
com base nos dados de necropsia, o tromboembolismo,por
ordem de freqüência, é mais comum em pulmões, rins, baço,
cérebro e membros.
Exames Complementares lnespecíficos
Forma digestiva Na forma aguda da doença, é comum encontrarmos leu-
A forma digestiva da fase crônica da doença de Chagas é re- cocitose discreta ou moderada, às vezes ocorrendo leucoci-
presentada pelo megaesôfago e pelo megacólon. O megaesô- tometria normal ou leucopenia; comumente há linfocitose
fago pode apresentar-se em diferentes estágios evolutívos. (com linfócitos atípicos),plasmocitose e neutropenia relativa;
Levando-se em consideração a atividade contrátil da muscu- na evolução, ocorre o aparecimento de eosinofilia. A veloci-

latura, o grau de retenção das ingestas, o diâmetro do órgão dade de hemossedimentação encontra-se moderadamente
e o seu alongamento, o megaesófago foi classiñcado, por aumentada e a pesquisa da proteína C-reativa costuma ser
Rezende e cols., em 1960, em quatro grupos (l, ll, Ill e 1V). positiva (teste qualitativo) ou elevada (teste quantitativo). A
Deve-se ressaltar que a progressão de um estágio para o se- eletroforese das proteínas plasmáticasevidencia, quase sem-
guinte ocorre mais rapidamente em alguns casos do que em pre, hipoproteinemia total, presença de hipoalbuminemia e
outros. Quanto à sintomatologia, a manifestação inicial do aumento das globulinas alfa-2 e gama.
megaesôfago quase sempre é constituída pela disfagia. Com Na maior parte dos doentes, todas as manifestações da
a evolução, seguem-se, em ordem de freqüência, dor epigás- fase aguda desaparecem no Em de algumas semanas ou pou-
trica ou retroestemal, regurgitação, soluço, ptialismo (hi- cos meses.

persecreção salivar) e hipertrofia das glândulas salivares, Na fase crônica, as alterações eletrocardiogrãficas são
notadamente das parótidas. 'Fosse e sufocações noturnas po- variadas, sobressaindo, por sua maior freqüência e¡ ou im-
dem estar presentes e são devidas à broncoaspiração de ali- portância, a extra-sistolia ventricular monomórñca ou poli-
mentos regurgitados. A odinofagia., às vezes referida, traduz mórñca, isolada ou pareada, o bloqueio completo do ramo
acentuado espasmo da musculatura ou esofagite. Como con- direito, o hemibloqueio anterior esquerdo, a alteração pri-
seqüência da desnutrição, os pacientes apresentam emagreci- mária da repolarização ventricular, zonas eletricamente
mento, às vezes acentuado, chegando até à caquexia. Em inativas, os diversos graus de bloqueio atrioventricular, as
crianças,pode-se verificar atraso do desenvolvimento e manifestaçõespróprias da doença do nódulo sinusal (bra-
infantilismosecundário. dicardia sinusal, bloqueio sinoatrial e parada sinusal), a
No megacólon, o sintoma principal é constituído por fibrilação atrial e a taquicardia ventricular (não-sustentada
obstipação intestinal progressiva, rebelde aos tratamentos ou sustentada). As alterações podem apresentar-se isoladas
habituais. Casos de megacólon com ritmo intestinal normal ou associadas. Freqüentemente existe associação entre

podem, porém, ser encontrados. Outras manifestações, co- bloqueio c.ompleto do ramo direito e hemibloqueio ante-
mumente observadas, são o meteorismo e o embotamento rior esquerdo, fato que pode ser considerado como alta-
do reflexoda defecação, o que diñculta sobremaneira a exo- mente sugestivo de cardiopatia chagássica crônica em área
neração intestinal, com formação de fecaloma. Além do dis- endêmica.
túrbio motor, têm sido encontradas alterações secretoras e de No exame radiológico, a área cardíaca encontra-se normal
absorção em chagásicos crônicos. Em muitos casos, as glân- na fase inicial da cardiopatia e, às vezes, mesmo em doentes
dulas salivares exibem hiper-reatividade ao estímulo normal com graves alterações eletrocardiográñcas. Pode apresentar-
se leve, moderada ou grandemente aumentada;o aumento é
observado em todas as cavidades. Em cerca de metade dos
casos de insuficiênciacardíaca os sinais de congestão pulmo-
nar são pouco acentuados ou ausentes.
O ecodopplercardiograma pode se apresentar alterado
mesmo em doentes com eletrocardiograma e exame radioló-

gico normais. O estudo permite demonstrar alterações


contrateis em duas áreas principais do ventrículo esquerdo:
o ápice e a parede póstero-inferior. Os achados mais carac-
terísticos são o aneurisma apical, com ou sem tromba, e a
hipocinesia ou a acinesia da parede posterior do ventrículo
esquerdo, com preservação da integridade septal.
O teste ergométrico possibilitaavaliação da capacidade
funcional do paciente, qualifica e quantifica a extra-sistolia
ventricular e pode avaliar a eficácia de medicamentosantiar-
rítmicos. Em estudo comparativo entre a cicloergometria e a
eletrocardiograña dinâmica, na avaliação da arritmia ven-
tricular da cardiopatia chagásica crónica, o método Holter
detectou arritmia ventricular mais grave do que o teste er-
gomélrico em cerca de 45% dos casos; ambos os exames evi-
denciaram o mesmo grau máximo da arritmia ventricular em
40% dos doentes, enquanto a cidoergomeüia se mostrou su-
perior nos 15% restantes.
O estudo eletroñsiológico intracardíacopermite estudo
adequado da função do nódulo sinusal, identiñca precisa-
mente o local do bloqueio atrioventriculare o quantiñca, e in-
vestiga a inducibilidadedas taquiarrinniasventriculares e seu
foco de origem. Dai seu valor na avaliação de pré-síncope e
síncope, na indicação para o implante de marcapasso cardía-
co artificial e na aferição da eficácia não só de medicamentos
antiarrítmicos, mas também para avaliar a indicação de for-
mas alternativas de tratamento da taquicardia ventricular sus-
tentada (intervenção cirúrgica, ablação transcateter em).
Obviamente, esse método, devido ao seu caráter invasivo, só
deverá ser posto em prática depois de terem sido esgotados
os recursos não-invasivos, tais como a eletrocardiograña di-
nâmica e o teste ergométrico.
Na forma digestiva da doença, radiografias de tórax e ab-
dome demonstram níveis líquidos nas formas avançadas de
comprometimentoesoñígico, assim como em alças intestinais,
quando há comprometimento intestinal. Exames radiológicos
contrastados permitem uma melhor avaliação desses órgãos,
podendo demonstrar a dilatação esofágica e do intestino
grosso. Com o exame contrastado, é permitido classificar o
acometimentoesofágico em quatro estágios: l. atraso no es-
vaziamento ou eliminação do contraste; 2. dilatação moderada
do esôfago com incoordenação motora; 3. esôfago hipotónico
e acalásico; 4. dolicomegaesôfagoe atonia.
A endoscopia digestiva alta também pode ser realizada
para excluir outras causas de doençaesofágica, mas não per-
mite uma avaliação de motricidade e tonícidade. A colonos-
copia pode ser utilizada para descartar outras doenças que
comprometam o cólon. A manometria é um exame que pode
quantificar a disfunção do esôfago através de avaliação das
pressões nos diversos
136 Parasitologia -
uma abordagem clínica
A hemocultura demonstra uma positividade em torno de
50%, em teste realizado apenas uma vez. No entanto, com a
introdução de modificações técnicas e empregando-se 30 mL
de sangue, a positividade da hemocultura pode atingir uma
positividade de 79%, num só teste, e de 94%, em três testes.
O método da reação da cadeia da polimerase (PCR) já foi
padronizado e parece constituir recurso laboratorial de gran-
de valia para o diagnóstico da fase crônica da nipanossomiase
americana., especialmente nos casos cujo resultado da soro-
logia tenha sido duvidoso.

Tratamento sintomático

O tratamento sintomático está diretamente relacionado com


o órgão acometido. Assim, as arritrnias devem ser tratadas
com determinados antianimiicos conforme a indicação me-
diante a classificação da arritmia, lembrando-se da indicação
de marcapasso em alguns casos. Na evolução para insufi-
ciência cardíaca, devem ser utilizadas medicações também
específicas conforme os consensos publicados na área. Paci-
entes muito sintomáticos devem ser avaliados quanto à ne-
cessidade e possibilidadede transplante cardíaco. Na forma
digestiva, os pacientes devem ser avaliados quanto à possibi-
lidade de drogas que ajudem nos sintomas (embora os tra-
balhos mostrem pouca ajuda), como a nifedipina e o dinitrato
de isossorbida em doses suficientes para não causar hipo-
tensão. O paciente deve ser avaliado quanto à possibilidade
de realização de dilatação distal por balão, e, às vezes, quan-
do não houver resposta a esse método, são necessarias a ci-
Doença de Chagas 137

Chagas nos programas de saúde pública, sendo necessários inadequado aos tzriatomíneos,virá permitir o controle deñni-
novos estudos para avaliar a capacidade de os medicamentos tivo da doença de Chagas.
usados atualmente impediram a progressão da moléstia, res- A prevenção da transmissão por transfusão de sangue deve
saltando-se que "como a maioria dos pacientes está nessa fase ser feita por intermédio de rigorosa seleção dos doadores,
(fase indeterminada), o tratamento deveria ser feito em lar- sendo recomendável a prática rotineira de, pelo menos, duas
ga escala e poderia causar problemasoperacionais, desde que reações sorológicas,preferenternente a de irnunofluorescéncia
demanda acompanhamento,pois os fármacos no momento e o teste imunoenzimático (ELISA).
utilizáveis por vezes causam importantes efeitos adversos". Os profissionais que trabalham em laboratórios clínicos
Nas infecções acidentais, prmumiveis ou confirmadas, ob- devem adotar com rigor as normas preconizadas para a pre-
servadas particularmente em profissionais que trabalham em venção das infecções veiculadas por sangue.
laboratório clinico, essas pessoas devem receber 7 a 10 mg/lcg/ Foi demonstrado experimentalmente que a exposição à
dia de benzonidazol, por via oral, durante dez dias; orienta- luz artificial, durante seis horas, de sangue adicionado com a
ção idêntica é recomendada a eventuais receptores de trans- associação de violeta de genciana (IHLOOO) com ascorbato de
fusões de sangue ou plasma provenientes de doadores com sódio (1:500) promove a esterilização do sangue contamina-
infecção por 'frypanosoma cruzi. do com 'Jiypanosonza cruzi.
Nos pacientes tratados na fase aguda e na fase crônica Segundo o !Ministério da Saúde (1996), nos transplantes de
com poucos anos de evolução, tanto o xenodiagnóstico órgãos efetuados em nosso
quanto as reações sorológicas podem tornar-se persistente-
mente negativos depois do tratamento, atestando a cura da
infecção (60% dos tratados com benzonidazol). Já na fase
crônica com maior duração, embora o Jrenodiagilóstico
também possa tornar-se repetidamente negativo, na mesma
proporção de casos, as provas sorológicas permanecem po-
sitivas ou apresentam resultados oscilantes, ie., ora positi-
vos, ora negativos, ora duvidosos, o que sugere atividade
supressiva apenas.
O fato é que, embora tenha havido indiscutível avanço no
tratamento específico da doença de Chagas, é indispensável a
continuação de pesquisas para a descoberta de novos
fármacos, menos tóxicos e dotados de maior atividade con-
tra Trypamsarrza cruzi.

A profilaxia da doença de Chagas inclui medidas destinadas


à interrupção do ciclo domiciliardo parasito. A maneira mais
eficaz de atingir esse objetivo, conforme a experiência tem
demonstrado, é realizar combate intensivo do inseto trans-
missor por meio do borrifamento com inseticidas de ação re-
sidual nas casas infestadas.
Os primeiros inseticidas a serem empregados foram, no
Brasil e na Argentina, o BHC (hexacloreto de gamabenzeno
ou lindano), e na Venezuela, a dieldrina (hexacloreto de di-
metanonaftaleno), este último mais tóxico para seres hu-
manos do que o primeiro. Foram também empregados,
em menor escala, compostos organofosforados, tais como o
malation (O-dimetilditiofosfato) e o propoxur (Baygon).
Atualmente, a preferência recai nos piretróides sintéticos, es-
pecialmente a deltametrina.
No Brasil, o Programa de Controle da Doença de Chagas,
a cargo do Ministério da Saúde, foi implementado a partir de
1982, e, em 1989, cobria 2.200 municípios de 19 estados. Em
conseqüência desse programa, houve redução da densidade
triatomínica nas habitações rurais, coincidindo com acentua-
da queda na prevalência de reações sorológicaspositivas nas
populações de baixa idade das zonas endêmicas.
A melhoria da habitação, com a construção na zona rural
de casas com paredes rebocadas e caiadas, criando ambiente
Outras
tripanossomíases
Mário Steindel
Edmundo Carlos Grisard
1M Parasitologia - uma abordagem clínica

A doença do sono ou tripanossomíase africana é uma doen-


ça freqüentemente fatal para seres humanos, sendo causada
pelo protozoário parasita Tiypanosoma brucei. Há duas for-
mas clássicas da doença: uma que ocorre na África Ociden-
tal e Central, causada pela subespécie TI b. gambiense, que
determina a formacrônica,e outranaÁfiicaOrientaledo Sul,
causada por TI b. rhodesiense, que determina a fomia aguda
da doença do sono. Ambos os parasitos são transmitidos
através da picada de moscas do gênero Glossina (tsé-tsé).
A subespécie TI b. brucei não é patogénica para seres hu-
manos, mas causa uma doença denominada “nagana” em
animais domésticos, a qual também pode ser determinada
por I congolense e TI trivax. Ocasionando infecções geral-
mente assintomáticas em animais silvestres, a doença é usual-
mente severa e, por vezes, fatal para animais domésticos.
A idenliñcação inequívoca de tripanossomas como agen-
tes etiológicos causadores da doença do sono e da nagana na
Áfricaforam realizadas por Joseph Everett Dutton em 1902
e por David Bruce em 1895, respectivamente. Entretanto, há
registros ancestrais da ocorrência da trípanossomíase afri-
cana, o que sabidamente teve impactonegativo no desenvol-
vimento socioeconômico de uma extensa área no continente
alíicano.

As suhespécies de TI brucei pertencem ao subgénero Trypa-


nozoan e são morfologicamente indistinguíveis. A forma
tripomastigota é pleomórñca e mede cerca de 12 a 40 um de
comprimento, possuindo um cinetoplasto reduzido e de po-
sição subterminal, uma membranaondulante bem desenvol-
vida e um flagelo livre (Figura 20-1).
Essa forma ativa é unicamente extracelular, sendo observa-
da no sangue e na linfa dos tecidos do hospedeiro mamífero
infectado. A multiplicação do parasita é regulada por anti-
corpos especíñcos do hospedeiro. Entretanto, TI brucei pos-
sui um complexo mecanismo de
Outras tripanossomíases

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FIGURA 20-2 Ciclo de transmissão da tripanossomiase africana_ 1_
O homem ou outro reservatório adquire Trypanosoma mediante
picada de mosca, através da inoculação na pele. 2, A doença
acomete a pele, o sistema reticulo-endoteiial e também o sistema
nervoso central. 3, A presença do parasito no sangue permite que o
vetor se infecte e 4, transmita a doença para outros humanos ou
reservatórios.

quanto o grupo G. marsitans transmite 'IÍ b. rhodesiense, pa-


rasito predominantementeresponsável pela forma aguda da
doença.
A transmissão de 'K b. gambiense ocorre principalmente
humanos, sendo os reservatórios animais de me-
entre seres
nor importància. lá para 'lí b. rlmdesiense, antílopes, gazelas
e animais domésticos são reservatórios importantes do para-
sito. Entretanto a ecoepidemiologia da tripanossomíase afri-
cana é complexa, envolvendo duas subespécies do parasito e
pelo menos dez subespécies de moscas do gênero Glossina. À
exceção da Áfricado Sul e no norte do deserto Saara onde não
há registro da doença, o restante do continente africano é
considerado área de risco de transmissão.
'II b. gambíense ocorre de forma endêmica no oeste e na
África Central e ñeqüentemente os focos da parasitose estão
localizados em áreas próximas a rios e lagos de regiões de
florestas tropicais, constituindo-se em um problema grave
em países como Congo (antigo Zaire), Camarões e Angola
(norte). 'IÍ b. rhodesiense ocorre a leste, principalmente na re-
gião dos grandes lagos e nas savanas da Tanzânia, Quénia,
Uganda e norte de Moçambique(Figura 20-3).

Classicamente, as subespécies de 'II bruceí são transmitidas


aos hospedeiros mamíferos através da picada de moscas tsé-
tsé (Glossína spp). Após um complexo ciclo de vida que en-
volve mudançasmorfológicas e bioquímicasdo parasito no
hospedeiro invertebrado, as formas tripomastigotas metací-
clicas presentes na saliva da mosca infectada são inoculadas
no hospedeiro mamífero durante o repasto sangüíneo. Os
fatores envolvidos no desenvolvimento do parasito na mosca
são complexos e requerem, entre outros, a participação de
142 Parasitologia -
uma abordagem clínica
infecções por 'lÍ b. rhodaiense, quadros graves de pancardite
podem ser observados.
Quando os tripanossomas invadem o sistema nervoso
central, ocorre uma lepto1neningite crónica e progressiva,
especialmente no espaço de \Virchorv-Robin. O cérebro
apresenta-se congestionado e edemaciado e há aumento da
pressão intracraniana,podendo ocorrer hemorragias. Os ven-
trículos ficam distendidos com fluido e uma infiltração pe-
rivascular no tecido cerebral e nas meninges é usualmente
observada. As células iníiltradasconsistem preferenc.ialmen-
te em linfócitos e células da
pañmnanidina(DBZSQ), que se encontra em fase lll dos en-
saios clínicos na República Democrática do Congo e em An-
gola. Este poderá ser a primeiro fármaco disponível para o
tratamento via oral da doença do sono na estágio agudo.
Outra estratégiaterapêutica para o tratamento da doença do
sono atualmente em fase clinica, em Uganda, é a terapia com-
binadade nifurtimox com melarsoprol ou etlornithine.

A proñlaria da doença do sono envolve ações de


_'44 Parasitologia - uma abordagem clínica
comprimento, incluindo o flagelo (Figura 20-4). A membra-
na ondulante é bem desenvolvida e facilmentevisível, o núcleo
localiza-se na metade anterior do corpo e o cinetoplasto pe-
queno e puntiforme apresenta localização subterminal.
Formas epimastigotas e tripomasiigotaslongas e curtas
com elevada variação de tamanho (ID a 5D pm) podem ser
observadas em cultivo em meio LIT (Liver Injiisian Ttyptase).
Na hemolinfa do triatomínoo podem ser observadas também
formas arredondadas do tipo amastigota-like, formas tripo-
mastigotas no interior de hemócitos, numerosas formas
epimastigotas em multiplicação, formando verdadeiros agre-
gados de Hagelados, além de formas txipomastigotaslivres na
hemolinfa. Embora a infecção de hemócitos seja freqüente-
mente observada tanto em infecções naturais como em expe-
rimentais, não existem evidências seguras de multiplicação
intracelular do parasita nesses tipos celulares. Os tripomas-
tigotas metacíclicosencontrados no interior das glândulas
salivares do vetor (formas infectivas para o hospedeiro verte-
brado) medem cerca de 10 pm de comprimento, apresentam
um flagelo livre curto, cinetoplasto terminal ou subtermitlal
e usualmente são pouco móveis nas preparações a fresco (Fi-

gura 20-5). O signiñcado biológico dessa


Outras tripanossomíases 145

após o 159 dia de infecção, a parasitemia torna-se submicros- do à possibilidadede infecções naturais mistas por 'II cruzi e
cópica. Após a curta fase aguda, os parasitos somente podem 'E rangeli tanto em triatomíneos como em hospedeiros mamí-
ser detectados por meio de métodos indiretos, como a he- feros, além da possibilidadede contaminação em laboratório,
mocultura e o xenodiagnóstico. esses resultados carecem de confirmação com populações
Estudos experimentais em diferentes espécies de marnífe- clonadas do parasito efou previamente caracterizadasmedi-
ros revelaram que, apesar da parasitemia subpatente, a in- ante diferentes técnicas.
fecção pode persistir por períodos de até três anos. No Assim como para o 'II cruzi, deve-se considerar ainda a
entanto, estudos histopatológicos mostraram a ausência de variabilidadeintra-especíñca de 'Il rangeli. A análise de parâ-
formas intracelulares nos distintos tecidos pesquisados. Além metros biológicos,bioquímicos,imunológicos e moleculares
disso, estudos de interação ir: iritro de cepas 'II rangeli bem ca- por diferentes metodologias revelou uma acentuadavaria-
racterizadas com diferentes linhagens celulares mostraram bilidade genotípica e fenotípica entre diferentes cepas de 'II
que o parasito foi capaz de infectar algumaslinhagens em bai- rangeli. A caracterização molecular de cepas isoladas de dis-
xa proporção, mas não foi observada multiplicação intra- tintas regiões geográficas das Américas e provenientes de
celular até um período de 120 horas após a infecção. diferentes hospedeiros utilizandovários marcadores mole-
Contrariamente, estudos realizados com somente duas ce- culares (RAPD, kDNA, Miniexon, DNAr 245a., ITS, entre ou-
pas (Dog-SZ e C23) de 'IÍ rangelt' mostraram parasitemias tros) mostrou que o táxon 'II rangeli é constituido de grupos
crescentes em camundongos inoculados e a presença de ni- geneticamente distintos de parasitos. Vallejo e colaboradores,
nhos de amastigotas em vários tecidos de animais infectados, utilizandoiniciadores dirigidos para regiões conservadas do
sendo estes os únicos registros de tal comportamento. Devi- minicírculo do DNA do cinetoplasto (kDNA), veriñcaram
que 'II rangeli apresenta três tipos distintos de minicírculos
(KPS, KP2 e KPl) que podem ser facilmente distinguidos
pelo tamanho do produto de PCR. Minicírculos KP3 apresen-
tam quatro regiões conservadas e originam produtos de
ampliñcação de 300-450 pb; minicírculos KP2 possuem duas
regiões conservadas e originam um produto de ?'60 pb en-
quanto minicírculos tipo KPl possuem uma região conser-
vada e originam um produto de 165 pb. Com base nesses
resultados, os autores agruparam as cepas em dois grupos
distintos denominados KP1+, que inclui as cepas que pos-
suem os três tipos de minicírculos, e KP1-, que inclui as ce-

pas que carecem de minicírculo KPl.


Estudos com cepas colombianasde 'E rangeh' mostraram
uma estreita associação de cepas KP1+ com o vetor Rhadnius
prolixus (cido doméstico) e de cepas KPl- com o vetor R. co-
lombiensis (ciclo silvestre), validando esse marcador ecoepi-
demiológico. Todas as cepas brasileirasdo parasito testadas
até o presente pertencem ao grupo KPl-. Com base nos re-
sultados de diferentes marcadores moleculares, atualmente
considera-se que o táxon ÍÍ rangeh' compreende, pelo menos,
três grupos geneticamente distintos.
Com a recente publicação dos genomas de T. cruzi, TÍ
brucei, Leishmania. major e L. brazüiensis, um vasto repertó-
rio de dados para o desenvolvimento de estudos comparativos
com 'IÍ rangeli passou a ser disponível. Esses ensaios apresen-
tam elevada relevância, pois permitem a comparação detalha-
FIGURA 20-6 Representação esquemático do ciclo de da de espécies patogénicas e nâo-patogênicas de mesmo
Trypanosomarongeli no hospedeiro invertebrado. 1, Infecção do gênero, podendo revelar novos marcadores diagnósticos e
triatomineo pela ingestão de formas tripomastigotas sangüíneas
durante o repasto. 2, Após a ingestão, as formas predominantes no
prognósticos, além de alvos terapêuticos. N esse senüdo, um
estudo em andamento do genoma de 'E rangeli, ainda que
intatino médio são epimastigotas. 3, Formas epimastigotas
em pequena escala, fornecerá as bases para um estudo maior
escapam do intstino e alcançam a hemocele. 4, Epimastigotas e
de genômica comparativa.
tripomastigotas encontrados nas fezes. 5, Na hemolinfa,
epimastigotas podem invadir hemócitos ou dividir de forma livre na
hemolinfa (B). 7, Não está comprovado se o parasito se divide no
interior do hemócito ou mesmo pode reinfectar novos hemócitos
(El). 9, Parasitos derivados da divisão extracelular invadem as
glândulas salivares, onde se multiplicam e diferenciam-se para A distribuição de R rangeli nas Américas está sobreposta à de
metatripanosomas. 10, Metatripanosomas na luz das glândulas 'II cruzi em uma vasta área geográfica e encontra-se forte-
salivares são inoculados com a saliva durante o repasto sangüíneo. mente associada à presença de niatomíneosdo gênero Rhod-
(Modificado de D'AIessandro Et Saravia, 1992, com permissão.) nius. Aproximadamente 3.000 casos de infecção hmnana já
146 Parasitologia - uma abordagem clinica
foram descritos em sete países das Américas Central e do Sul,
incluindo o Brasil (Figura 20-7).
TRANSMISSÃO
No Brasil, o primeiro relato de infecção humana por esse
Diferentemente de I mm', cuja transmissão do parasita
parasito foi realizado por Lucena e Marques em 1954, no es- ocorre principalmente pelo contato de dejeções de triato-
tado de Alagoas, a partir de xenodiagnóstico de um paciente. mineos infectados com as mucosas ou soluções de continui-
Recentemente foram descritos vários casos de infecção huma- dade da pele (via contaminativa), 'II rangeli é transmitido
na no municipio de Barcelos, Estado do Amazonas.
A infecção natural de reservatórios e vetores por 'E rangelí preferencialmentepela picada do vetor infectado (via inocula-
tixla) durante o repasto sangüíneo. A transmissão de ?Í rangeli
já foi assinalada nos Estados do Amazonas,Pará, Rondônia, através de formas presentes nas fezes do triatomíneo é pos-
Tocantins, Ceará, Alagoas, Bahia, Minas Gerais e Santa Ca- sível em condiçõesexperimentais, não sendo, entretanto, con-
tarina. Dezenas de espécies de mamíferos pertencentes a siderada como de importância em condições naturais. A
cinco ordens (Marsupialia, Carnivora, Edentata, Rodentia e
Primates) já foram encontradas naturalmente infectadas pelo
infecção por via oral, como ocorre em TI cruzi, nunca foi re-
latada para TI rangeli.
parasita. Das 15 espécies de triatomíneos pertencentes ao gé-
nero Rhodníus, 12 já foram encontradas com infecção de

glândula salivar em condições naturais eiou experimentais PATOGENIA


(Quadro 20-1). Além disso, algumas espécies do género
Triatomatêm se mostrado suscetíveis à infecção pelo parasi- A infecção humana por I mngeli parece ser totalmente des-
to em condiçõesexperimentais. provida de efeitos patogênicos. A grande maioria dos casos
A diferenciação especíñca entre TÍ mai e 'IÍ rangeli apre- de infecção humana relatados tem sido diagnosticada de ma-
senta grande importânciaprática no diagnóstico da infecção neira fortuita através de inquéritos sorológicos para infecção
tanto nos vetores como em hospedeiros vertebrados. Mesmo
por I cruzi. A importância da infecção humana por 'IÍ ran-
não sendo patogênica ao hospedeiro vertebrado, a infecção
humana por T rangelí pode representar problemas no diag-
geli reside primariamentena resposta sorológica cruzada com
TI cruzi, o quepode levar a erros no
nóstico da infecção pelo T cruzi, como, por exemplo, na ex-
clusão de doadores de sangue ou mesmo no diagnóstico da
doença de Chagas assintomática.

FIGURA 20-7 Mapa das Américas Central e do Sul mostrando a


sobreposição da distribuição da doença de Chagas humana
(sombreado) e os relatos da presença de Trypanosomarange# em
humanos, triatomineos ou animais silvestres.
Outras tripanossomíases 147

'E rangeli tem sido demonstrada por diferentes autores tan-


to em modelos experimentais como em infecções humanas.
Em face da variabilidadegenética de 'E rangeli, é possível que
A profilaxia da infecção por 'E rangeli basicamente asseme-
diferentes graus de reatividade sorológica com 'II cruzi pos-
lha-se às práticas adotadas para a profilaxia da doença de
sam ocorrer entre as distintas cepas do parasita.
Chagas, focalizando especialmente o combate aos vetores
triatomíneosdo gênero Rhodnius. Por ser uma infecção be-
nigna e assintomáüca, não há tratamento indicado para a in-
'
. :went-tum .
~'

fecção humana.
A infecção humana por 'li rangeli é assintomática e compro-
vada pelo encontro do parasito. Considerando que cerca de
50% a 60% das infecções por 'IÍ cruzi se apresentam de for-
ma assintomática, em que o único marcador é a sorologia
BAITR-SAJWTOS, E.; SINCERO, TCM.; STOCO, RH.; STETNDEL,M.;
positiva e que em várias regiões endêmicas da doença de GRISARD, E.C. Trends on Trypanosoma (Hetpetosoma) rangeli
Chagas esses dois parasitos apresentam uma distribuição research. Acta Biológica Venezuelica, v. 26, pp. 35-47, 200?.
geográfica sobreposta, é possível esperar que novos casos de na SILVA,EM.; NOYES, H.; CAMPANER, M.; JUNQUEIRA, ao.;
infecção humana por 'L' rangeli venham a ser diagnosticados COURA, LR.; ANEZ, N.; SHAVv',IJ.; STEVENS, LR.; TEIXEIRA,
futuramente. NLM. Plrylogeny; taxonomy and grouping of Trypanosoma rangelí
isolates from man, triatomines and sjrlvatic mammals from
*Nidespread geograptúcal origin based on SSU and ITS ribosomal
sequences. Parasitologia v: 129, pp. 549-561, 2004.
GRISÀRD, EC.; STEINDEL, M.; GUARNERI, &JL; EGER-MAN-
GRIC-H, I.; CAMPBELL, DA.; ROMANHA, AJ. Characterization
O diagnóstico da infecção por 'L' rangeli em humanos e ou- of Trypanosoma rangeli strains isolated in Central and South
tros mamíferos pode ser realizado por meio da demonstração America: an overview. Mem. Inst. Osvaldo Cruz, v. 94, pp. 203-209,
do parasito em esfregaços de sangue cotados pelo Giemsa, 1999.
hemocuttura em meios axénioos como o LIT e meios bifásicos GUHL, F.; VALLEIO, GA. Trypanosoma(Herpebosoma) rangeli Tejera,
1920: an updated review. Mem. Inst; Osvaldo Guz, v. 98, pp. 435-
como NNN (NOVY, Nicolle e McNeal), ou ágar-sangue + LIT,
4-42, 2003.
xenodiagnósticoespecialmente utilizandotriatomíneos do híEIRELLES, KM.; HENRIQUES-Polis, A.; SOARES, MJ.; STEIN-
género Rhodnius. Entretanto, esses métodos são pouco efi- DEL, M. Penetration of the
cientes devido às baixas parasitemias determinadas por esse
parasito em seus hospedeiros vertebrados. O método clássi-
co de identificação de 'II rangeli em triatomíneosbaseia-se no
encontro de formas típicas do flagelado na hemolinfa e nas
glândulas salivares e na sua transmissão ao mamífero pela pi-
cada. Cabe aqui salientar a comprovada relação de suscetibi-
lidade das cepas com as espécies vetoras locais, o que pode
influenciarna qualidade do xenodiagnóstico e, conseqüente-
mente, nos seus resultados.
Não existem métodos sorológicos específicos para o diag-
nóstico da infecção por 'II rangefi. Contudo, técnicas mole-
culares, como a reação da cadeia da polimerase (PCR, do
ingléspolymerase chain reaction) e a hibridização com sondas
espécie-específicaspara detecção de ácidos nucléicos, especial-
mente o DNA de cinetoplasto (kDNA), apresentam altas
sensibilidadee especificidade e podem ser empregadas no
diagnóstico diferencial 'll rangelif'IÍ cruzi em ambos os hospe-
deiros. Estudos em andamento do perfil antigénico compara-
tivo de formas tripomastigotas desses dois parasitos,
revelados por soros de pacientes chagásicos com diferentes
formas clínicas da doença,poderão identificar antígenos es-
pécie-específicos, melhorando assim a sensibilidade e a
especificidade dos testes sorológicos.
(página deixada intencionalmente em branco)
Toaçopllmnose
Vicente Amato Neto
Antônio Alci Barone
150 Parasitologia -
uma abordagem clínica

INTRODUÇÃO país para pais, sendo irariável, por isso, o grau de participação
de cada espécie animal na transmissão indireta da toxoplas-
A toxoplasmose foi reconhec.ida nas últimas décadas como mose para o homem, nas diferentes regiões do mundo onde
foram realizados estudos relativos a essa questão.
significativo problema médico-sanitário,principalmente por (j) primeiro caso de toxoplasmose humana (forma presu-
causa da gravidade das seqiíelas associadas com a forma
Inivelmente congênita) foi descrito em Praga, por lanku, em
congênita e a forma ocular isolada da doença. A importân- 1923, em hidrocéfalo com l l meses de idade. Nas décadas
cia da toxoplasmose tornou-se ainda maior a partir da déca-
de 1920 e 1930, WÍIÍOS casos de toxoplasrxtose congênita foram
da de 1980, com sua ocorrência mais comum, que apresenta
observados e registrados na literatura. Os primeiros casos de
mau prognóstico em pessoas imunodeprílnidas, especiahnen-
te em enfermos com AlDS, já que é uma das infecções opor- toxoplasmose em adultos, com isolamento do parasito, fo-
ram desc.ritos em 1940 nos EUA. Até os anos 1940, acumulou-
tunistas observadas com maior freqüência nesses doentes.
se o registro de ocorrências isoladas da doença, tanto em
A incidência da toxoplaslnose em indivíduos imunoconi-
petentes é alta em muitos paises, inclusive no Brasil. 'lanto a
crianças quanto em adultos, só se tornando possível o co-
nhecimento da verdadeira prevalência da toxoplaslnose, em
infecção adquirida quanto a congênita passam freqüentemente xfárias regiões do mundo, com o advento, em 1948, do teste
despercebidas, ocorrendo muitas; vezes sob forma inaparente sorológico de Sabin-Feldman, também denominado teste
ou oligossintomática; no entanto, nas regiões do nosso e de
do corante (dye-test). !Minutos anos depois, estabeleceu-se que
outros paises onde grande parcela da população é acometi-
'lí gondii é um coccídeo e que seu hospedeiro definitivo é o
da, a morbidade da toxoplasmose alcança índices elevados.
Embora muitos aspectos da toxoplasmose ainda não te- gato. Estima-se hoje que a infecção por 'L' gondií atinja mais
de um bilhãode pessoas, em todos os continentes.
nham sido completamente esclarecidos, é justo ressaltar a
No seu cic.lo biológico, caracterizam-seformas ou estágios
contribuição de diversos pesquisadores brasileiros na eluci- evolutivos. O taquizoíta (antigamente denominado forma li-
dação de questões básicas que levaram ao reconhecimento da vre ou trofozoíto) tem forma de arco, com aspecto de banana
importância dessa protozoose no campo das doenças infec- ou meia-lua, ovóide ou pirifortne, apresentando uma extre-
ciosas luunanas. Esses estudos foram realizados, entre outros,
midade arredondada e a outra ligeiramente añlada; em mé-
por Splendore, Reis, Nóbrega, Delascio, Fialho e Meira, envol- dia, seu comprimento é de 6 um e seu diametro é de 3 um
vendo a morfologia e a biologia do parasito, a doença con-
(Figura 21-1). Quando corado pelo método de Giemsa, vê-
gênita, o acometimentoocular e outras alterações de ordem se o núcleo redondo, em posição central, de cor vermelha, e
clinica.
o citoplasma azulado. Na fase inicial ou aguda da infecção, os
taquizoítas estão presentes no sangue em grande número,
i

moroso E imossorocm configurando a parasitemia; com a resposta imune do hos-


pedeiro, os taquizoítas penetram ativamente em varios tipos
de células [hepáticas, musculares, Iiervosas, pulmonares etc._),
'lbxoplasrrzcigondii é o agente etiológico da toxoplasmoseque no interior das quais precisam instalar-se para se multiplica-
pertence ao ñlo Apicomplexra e familia Sarcocystidae. Este pa- rem (parasitismo intracelular obrigatório). Os taquizoitas
rasito foi descrito em 1908, no Brasil, por Splendore, que o são Inetabolicamente ativos, podendo proliferar em todos os
isolou em um coelho que tinha morrido com doençaparali-
tica. Ainda em 1908, N icolle e Manet-aux encontraram o mes-
tipos de células dos mamíferos; constituem o estágio pato-
mo parasito no (ÍtenodactyI-Lrsgzamdi, um roedor africano,
génico do toxoplasmae são suscetíveis à resposta imune do
nomeando o parasito de Leishmania gorzd-i-i. Posteriormente,
hospedeiro e à ação de agentes físicos e farmacológicos. Sua
verificaram que o parasito descrito não se tratava de uma
Leishmnnia e então denominaram-no 'lbxoplasrrmgondii, en-
quanto Splendore o tinha identificado como 'lbxoplasnra B
cuniculi.
Depois, quando se demonstrou que esse protozoário era
parasito de diversos animais, passou-se a admitir a existên-
cia de espécies diferentes de Zlbxoplasmn, denominadas de
acordo com o reservatório onde foram encontradas: 'lbxo-
plasrrza. curxiculi, 'lbxoplcrsmn::wine avi-run, 'Ibxoplasnra Carris.
Essa dúvida, no entanto, foi logo desfeita, estabelecendo-se a
concepção correta de que toda essa diversificada nomencla-
tura devia restringir-se a 'lbacoplasrraagond-i-i.
'L' gorzdií e' um parasito intracelular estrito, tendo como
reservatório natural felídeos domésticos e selvagens, parti-
cularmente o gato. O homem e muitos outros mamíferos
[caprinos, ovinos, suínos, bovinos, coelhos, cães jovens
etc), assim como diversas espécies de aves (galinhas, pom-
bos etc.) são infectados acidentalmente. A prevalência da in- F|GURA 21-1 Toxopfosmogondíí_ A, Bradizoítas no pulmão.
B, Protozoário e suas organelas. C. Taquizoíta.
fecção por 'IÍ gondii entre os mamíferos costuma diferir de
Toxoplasmose 151 -
multiplicação nos tecidos, por endodiogenia, é muito rápida, de São Paulo, não tendo sido detectados em nenhuma amos-
ocorrendo dentro do vacúolo parasitóforo (vacúolo citoplas- tra de carne de bovinos examinada por esses autores; no en-
mático) das células acometidas. Como resultado da repetição tanto, em 8% dos camundongos inoculados com suspensões
das endodiogenias, a infecção torna-se latente, com a forma- de carne bovina ocorreu soroconversão, demonstrada pela
ção de cistos intracelulares. Na fase aguda da infecção, depois reação de Sabin-Feldman.A importância da ingestão de car-
de instalados dentro das células, os taquizoítas multiplicam- ne animal foi definitivamente comprovada pelo estudo de
se dentro dos vacúolos, de 4 em 4 ou de 6 em 6 horas, dando Desmonts e cols. (1965): adicionando carne mal cozida de
origem a rosetas; com o citoplasmarepleto de taquizoítas, as carneiro ã dieta de crianças suscetíveis à toxoplasmose, ob-
células acabam por romper-se, liberandoos taquizoitas, que servaram que a soroconversão do teste de Sabin-Feldman
invadem células contíguas ou são fagocitados. Na gestante que dobrava anualmente nessas pessoas. Nos EUA, Kean e cols.
sofre infecção primária por 'II gtmdií, os taquizoítas dissemi- (1969) documentaram surto epidêmico de toxoplasmose
nam-se por via hematogénica e alcançam a placenta., deterrni- aguda em estudantes de medicina que tinham ingerido san-
nando uma placentite. A partir da placenta o feto é atingido. duíches preparados com carne mal cozida. Em nosso país, em
Admite-se que as diferenças na freqüência de transmissão da três relatos de surtos epidêmicos de toxoplasmose ocorridos
toxoplasmose durante a gravidez dependem do tamanho da no estado de São Paulo, houve evidênciasde que a ingestão
placenta, da iriruléncia da cepa do parasito, do número de de alimentos se associou com o aparecimento da doença.
taquizoítas que alcançam o feto e da variação de suscetibili- Ainda no Brasil, no estado do Paraná, Bonametti e cols. (1997)
dade do hospedeiro controlada geneticamente. relataram surto de toxoplasmoseaguda sintomática adqui-
Cisto é a forma de resistência de YÍ gondii, encontrada nos rida por l? pessoas que ingeriram carne crua de carneiro,
tecidos do organismo parasítado. Diante da resposta imu- numa festa.
nológica do hospedeiro e da influênciade outros fatores, o Na dependência dos hábitos alimentares da população e
protozoário defende-se, formando uma membrana própria do grau de contaminação do solo por fezes de gatos, haverá
e espessa, dando origem ao cisto, que contém centenas de a predominância da transmissão por cistos ou por oocistos.
bradizoítos no seu interior [Figura 21-1). O bradizoíta é seme- Em algumas comunidades, a abundânciade oocistos presen-
lhante ao taquizoíta, diferenciando-se pelo número relativo de tes no solo parece ser responsável pela maior prevalência da
determinadas organelas e pela especiñcidade de algumas infecção em crianças e adolescentes, enquanto em outras,
proteínas que cada um deles apresenta; ao contrário do como decorrência do hábito de ingerir carne crua ou mal co-
taquizoíta, o bradizoíta é metabolicamente inativo, prolife- zida, a infecção costuma predominar na idade adulta.
rando lentamente dentro dos cistos, mantendo a infecção la- Considera-se não haver transmissão da toxoplasmose
tente. Assim como o taquizoíta, o cisto desenvolve-se dentro através de contato direto de animal para animal, de animal
-

de vacúolo citoplasmático da célula infectada; ao contrário dos para o homem e a inter-humana não-congênita, apesar de se
taquizoítas, pode alcançar grande volume sem provocar a encontrar registro na literatura de sua ocorrência, em casos
ruptura da célula. A fomia do cisto é variável, de acordo com isolados; o fato é que, na prática, essa possibilidadenão tem
o tipo de tecido em que se encontra, mas geralmente é arre- importânciaepidemiológica. No homem, embora se tenha
dondada. Os cistos são encontrados habitualmente, além de isolado 'L' gondii da saliva, na fase aguda da infecção, não há
outras células, no interior de miócitos (em músculos esque- evidência suficiente da possibilidadede transmissão do para-
léticos e no miocárdio) e de neurônios (no encéfalo), onde sito pelo beijo ou por gotículas oriundas da boca; é provável
podem permanecer viáveis durante muitas décadas, talvez que o inóculo necessário para que a transmissão inter-hu-
durante toda a vida do hospedeiro. O tamanho de cada um mana se efetive seja maior do que a quantidade de parasitas
deles varia de 10 a 200 um, contendo poucos ou até cerca de habitualmenteencontrados na saliva. Em surtos epidêmicos
3.000 microorganismos. O congelamento, o descongelamen- de toxoplasmose não se observaram casos secundários da
to, a dessecação, o aquecimento a 66°C e o resfriamento a doença, cuja origem estivesse vinculada à transmissão inter-
-l2°C destroem ou tornam os cistos inviáveis. humana.
Os cistos podem liberar bradizoítas, fato que ocorre na Não há evidências epidemiológicas que indiquem a parti-
reativação da infecção por 'IÍ gondii, observada na toxoplas- cipação de artrópodes como vetores biológicos na transmis-
mose ocular e na encefalite, que pode ocorrer invariavelmen- são da toxoplasmose. Moscas e baratas podem atuar como
te em pessoas imunodeprimidas, freqüentemente em doentes veículos de oocistos; estes podem ser ingeridos por tais inse-
com AIDS. tos, atravessar o tubo digestivo sem sofrer alterações e ser
eliminados no ambiente, contaminando ocasionalmente ali-
mentos que vão ser consumidos pelo homem.
'Pambém já foi documentada a transmissão de 'II gondii
por intermédio de transplante de órgãos. Embora viável,
Com base no resultado do teste sorológico (reação de Sabin- ainda não se conhece o significado da participação das trans-
Feldman) e no isolamento do parasito em diafragma de ani- fusões de sangue na transmissão da toxoplasmose. O sangue
mais, Jacobs e cols. (1960) demonstraram a presença de de pessoas corn toxoplasmoseaguda pode veicular o parasi-
infecção em 24,0% dos porcos, 9,3% dos cameims e 1,7% dos to e induzir a infecção em acidentes de laboratório, por in-
bovinos estudados. No Brasil, Jamra e cols. (1969) encontraram termédio da ingestão ou de contaminação da pele, em áreas
cistos de 'Ihxoplasmcrgondii em 7% das amostras de carne de com soluções de continuidade. Também não é bem conheci-

porco e derivados, à venda em açougues e supermercados da a importância da transmissão da toxoplasmosepelo leite


152 Parasitologia -
uma abordagem clínica
materno e por ingestão de ovos crus ou leite de animais in- TABELA 21-1 Prevalência da infecção por
fectados. Bonametti e cols. (1997) relataram um caso de pro- Toxoplasma gondii em adultos nos diversos paises
vável transmissão da toxoplasmose por leite materno, com e cidades em que inquéritos epidemiológicos
base em evidências clínico-epidemiológicas. foram realizados
'lbdos os mecanismos de transmissão previamente citados
são horizontais, relativos à toxoplasmoseadquirida. lá men-
cionamos que a toxoplasmosepode também ser transmitida
verticalmente, da mãe para o feto, durante a gravidez; nessa
eventualidade, a doença que se manifesta no recém-nascido é Basiléia Suiça 53%
denominada toxoplasmosecongênita. Deve-se ressaltar que, Bruxelas Bélgica 53%
para ocorrer o acomeiimentofetal, é indispensável que a ges-
Cascblanoa Marrocos 51%
tação esteja em desenvolvimento no momento em que a
mulher sofre a infecção (ou, eventualmente, poucas semanas Chiang Mai Tailândia 3%
antes da concepção); a transmissão da toxoplasmose para o Cidade do Panamá Panamá 63%
feto não se observa, durante a gravidez, a partir de mãe que
teve a infecção no passado, evidenciada pela presença no soro, Gabão África 60%
em título baixo, de anticorpos anti- 'L' gondií da classe IgG. Hiogo Jqaõo 6%
É o mesmo o risco de a gestante acomeiidadurante a ges- Italia Central Europa 49%
tação (ou pouco antes de engravidar) transmitir o parasito
ao feto, quer quando ela tem a doença, com manifestações
Kwail Oriente Médio 58%
clinicas expressivas, quer quando ela apresenta infecção agu- lisboa Porlugal 64%
da inaparente. Cerca de 40% das crianças nascidas de mães Londres Inglaterra 22%
que foram infectadas agudamente por Í: gondii durante a
gestação vão ser acomelidaspelo parasito, apresentando, ao Melbourne Austrália 4%
nascer, doença de gravidade variável, ou infecção inaparente. Noruega Europa 12%
Embora tanto a patogenicidade quanto a virulência do 'E
Nava Iorque EUA 32%
ganda' possam variar, segundo a cepa envolvida, no que se re-
fere à forma adquirida (não-congênita) da infecção, o para- Paris França 87%
sito é dotado, em geral, de baixa patogenicidade. Mesmo nas Santiago Chile 59%
regiões nas quais é alta a prevalência da toxoplasmose (indi- Sudão África ól%
cada pela alta freqüência de testes sorológicos positivos na
população), a ocorrência da doença é incomum, evidencian- Viena Áustria 43%.
do que na maioria dos casos a infecção é inaparente, passan- Zâmbia África 23%
do despercebida. Demonstrou-se em infecções induzidas
experimentalmente em diversos animais (camundongos, ra-
tos, coelhos, cobaias e hamster) que a gravidade e a letalidade
da doença variam de acordo com a cepa inoculada. A pre- nos estados do sul, onde chega a ser responsável por mais de
valência da infecção por 'lÍ gondií em adultos é variável nos 90% dos casos de uveíte.
diversos países e cidades em que inquéritos epidemiológicos Está demonstrado, portanto, que tanto na toxoplasmose
foram realizados (Tabela21-1). congênita quanto na toxoplasmoseadquirida depois do nas-
No Brasil, na região metropolitana de São Paulo-SP, Gui- cimento, a maioria das infecções é inaparente. Vale também
marães e cols. (1993) encontraram anticorpos anti- 'II gondii da
para a toxoplasmose a comparação com o iceberg, no qual a
classe IgG (por imunofluorescênciaindireta) no soro de 857 parte visível corresponde à doença e a parte submersa muito
-

(68,8%) das 1.246 gestantes examinadas incluídas no estudo, mais volumosa à infecção.
-

a maioria delas (1.028 = 82,5%) com 16 a 30 anos de idade; Quer quando ocorre a doença, quer quando se verifica
i.e., 31,2% das gestantes, nesse inquérito soroepidemioló- apenas infecção inaparente, o 'II gondii mantém-se no orga-
gico, eram suscetíveis à toxoplasmose. Baruzzi (1970) demons- nismo da maioria das pessoas acometidas (principalmente
trou 52% de soropositividade para toxoplasmose entre os em músculos esqueléiicos e no cérebro) sob forma de infec-
índios do Alto Xingu, no Brasil Central. ção latente, que muitos anos depois de instalada pode sofrer
Inquéritos soroepidemiológicos realizados em grávidas, em reativação, quase sempre em pessoas irnunodeprirnidas. A
diversos paises de vários continentes, indicaram ser muito partir da década de 1980, a neurotoxoplasmosepassou a ser
variável a prevalência da positividade dos testes sorológicos freqüentementediagnosticada em doentes corn AIDS.
para toxoplasmosenessas mulheres (Tabela 21-2).
Das gestantes estudadas por Deláscio na década de 1950,
em São Paulo, 28% apresentavam teste sorológico positivo

para toxoplasmose. No Brasil, a toxoplasmose é diagnosti-


cada em cerca de 50% dos casos de irveíte e em aproiúmada- O ciclo enteroepitelial assexuado no hospedeiro deñnitivo
mente 80% dos casos de coriorretinite, com maior incidência (gato) desenvolve-se antes da reprodução sexuada, resultan-
TABELA 21-2 Prevalência da infecção por
Toxoplasma gandii [presença de anticorpo IgG)
em gestantes nos diversos países e cidades em
que inquéritos epidemiológicos foram realizados

Bangcoc Tailândia l 3%
Barcelona Espanha 50%
Basiléia Suíça 53%
Berlim Alemanha 54%
Bruxelas Bélgica 53%
Cascblonoa Marrocos 51 %
Chiang Nloi Tailândia 3%
Nava nas¡ Índia 2%
Esirasburgo França 36%
Genebra Suíça 42%
l

Hiogo Japão 6%
launde Camarões 77%
lbadan Nigéria 78%
hilainoe Suécia 40%
Melbourne Austrália 4%
Paris França 72%
Pairas Grécia 52%
Santiago Chile 59%
Stuigari Alemanha 36%
Túnis Tunísia 46,5%
Viena Áuslría 3 6,7%

do na formação de oocistos. O período que se estende desde


a ingestão dos cistos até a produção de oocistos dura de 3 a
10 dias. O cisto ingerido pelo gato rompe-se e os bradizoítas
livres na luz do aparelho digestivo penetram no interior das
células da parede do segmento proximal do intestino delgado,
principalmente na ponta das vilosidadesdo íleo, onde se mul-
tiplicam por esquizogonia e dão origem aos rnerozoítos, que
se transformarão em gametas. Na seqüência - constituin-
do o ciclo enteroepitelial sexuado os gametas masculinos
-

e femininos dão origem, respectivamente, a miaogametódtos


e macrogametócitos,que são encontrados no intestino delga-
do do gato 3 a lãdiasdepoisdaingeslãodoscistosmlnaaoga-
metóc.ito é uma célula arredondada, com apenas um núcleo
central, enquanto o microgametócito tem forma elíptica ou
ovóide, com 10 a 21 núcleos. Depois da microgametogênese,
cada microgameta passa a ser um organismo bíflagelado,
móvel, que vai fecundar o macrogametae formar o oocisto
ou zigoto. Este é eliminado no tubo
_ 154 Parasitologia -
uma abordagem clínica
A imunidade humoral e a imunidade celular participam
dos mecanismos de defesa especificos contra 'li gondií. A imu-
nidade humoral está envolvida na resistência à infecção agu-
da, enquanto a imunidade celular também exerce papel
comprovado na proteção conta as infecções resultantes da
reativação de focos latentes, em particular a encefalite toxo-
plasmótica.Tanto linfócitos 'l' CD4+ (por intermédio da pro-
dução de citocinas, em particular interleucinas-Q, -4 e -l2, e
interferon-ot) quanto 'l'CD8+ (citotoxicidade) exercem papel
importante na imunidade específica contra '11 gondii; sofrem
destruição os parasitas fagocitados por macrófagos ativados
por citocinas. Déficits específicos da resposta de imunidade
celular contra antígenos de 'IÍ gondír' podem ser responsáveis
pelas extensas lesões orgânicas observadas em crianças com
toxoplasmosecongênita.
Na infecção de seres humanos normais, aparecem até 10
dias depois anticorpos séricos especíñcos da classe IgM, cuja
concentração alcança valores máximos por volta da 4-' sema-
na; em seguida, o título sérico da IgM cai progressivamente,
até que deixe de ser detectável, em geral no fim de 2 a 9 me-
ses (5 meses, em média). No entanto, a IgM pode continuar

FIGURA 21-2 Ciclo de vida de Toxoplosmogondíi. 1, Gatos a ser detectada em títulos baixos durante l ano ou mais. Os
eliminam oocístos que amadurecem ll). 3, Homem adquire a doença anticorpos da classe IgA parecem ser mais sensíveis que os da
por meio da ingestão acidental destes CHJCÍSÍDS maduros ou da classe IgM para o diagnóstico da toxoplasmoseno feto (liqui-
ingestão de alimentos de animais contendo cistos com bradizoítas do amniótico) e no recém-nascido (sangue), embora ambos
(3). 4, No homem, ou nos outros hospedeiros, a doença ocorre com possam persistir no sangue durante 6 a 12 meses. Na toxo-
a formação de taquizoitas que posteriormente formam cistos de plasmoseaguda, em adultos, os anticorpos IgA também apa-
bradizoítas no tecido. 5, Btes bradizoítas também podem transmitir recem mais tarde e desaparecem mais precocemente que os
a toxoplasmose, se ingeridos. anticorpos IgM, embora também possam ser detectados du-
rante período prolongado (às vezes mais que l ano depois de
ter se instalado a infecção), à semelhança do que se pode ve-
rificar com os anticorpos da classe IgM.
Os anticorpos especíñcos anti- 'Ibxoplasmagondii da classe
já se mencionou que grande número de espécies de mamífe- IgG já estão presentes no soro a partir da 35 ou 4-' semana de
ros (mais de 200) e de aves pode ser acometidopor 'lí gondñ; evolução da toxoplasmose(depois do aparecimento de IgM
quase todas as espécies de animais homeotérmicos são sus- e IgA),alcançando a seguir altas concentrações, que passam a

cetíveis à infecção por esse protozoário, com intensidade va-


riável. A maioria das infecções em animais ocorre de forma
subclínica, exceto em ovinos, nos quais se observaram diver-
sos surtos epizoóticos em várias regiões do mundo; no en-
tanto, a doença também pode manifestar-se esporadicamente
em cães, cobaios, coelhos, gatos, suínos e aves. Em seres hu-
manos, a infecção por 'II gondii, tanto a congênita quanto a
adquirida, também ocorre na maioria dos casos sob forma
inaparente, que passa despercebida, mas induz infecção laten-
te, a qual, anos mais tarde, pode provocar toxoplasmose
ocular e outras variedades clínicasda doença, resultantes da
reativação de focos de infecção latente; dessas, a mais grave é
a encefalite toxoplasmótica, observada atualmente com fre-
qüência relativamente alta em indivíduos com HIV-AIDS.
Uma vez instalada a doença em pessoas imunocompe-
tentes, a tortoplasmoseadquirida costuma ter evoluçãoberúg-
na e autolimitada, com exceção da toxoplasmose ocular. O
mesmo não se observa com a toxoplasmosecongênita, que

pode causar morte fetal ou lesões irreversíveis, presentes em


recém-nascidos. Em imunodeprimidos, como se descreve em
outro item deste capítulo, a doença em particular a neuro-
-

toxoplasmose tem prognóstico sombrio.


-
Toxoplasmose 155 -

FIGURA 21-3 Resposta imune celular contra Toxoplasma gondif.

nita [invariavelmente subclinica) por '13 gondiz', a reativação risco de infecção fetal é mínimo quando a mãe é acometida
tardia de focos retinianos é responsável pela toxoplasmose 8 semanas ou mais antes da data da concepção. Desmonts e
ocular, diagnosticada em adultos e crianças maiores. Sabe-se cols. (1990) observaram cinco casos de recém-nascidos que
hoje que a toxoplasmose ocular pode ser conseqüente à adquiriram a toxoplasmosede mães que tinham sofrido a in-
reativação tardia de focos resultantes não só de infecção con- fecção antes da gravidez; quatro dessas mulheres, no entan-
gênita, mas também de infecção adquirida mais tarde, na in- to, ünham infecção latente que se reativou em vigência de
fância ou na idade adulta. outra enfermidade acompanhada de ímunodepressão (lúpus
eritematoso sistêmico em duas, doença de Hodgkin em uma.,
pancimpenia em outra); a quinta mulher, imunocompetente,
e
apresentou toxoplasmoseaguda, conñrmada sorologicamente
2 meses antes da fecundação. Apesar de essa última ocorrên-
A grande maioria das infecções causadas por '12 gondii em se- cia ser possível, só se observa raramente. Sabe-se hoje que re-
res humanos, congênitas e não-congênitas (adquiridas), cém-nascidosde mães com AIDS e toxoplasmoselatente estão
transcorre de forma assintomática (infecção inaparente). As sob risco signiñcaüvo de apresentar toxoplasmosecongênita.
quatro principais apresentações da toxoplasmose-doença A infecção materna primária por 'li gondii é inaparente em
são: (1) infecção primária (primoinfecção) em imunocom- 80% a 90% dos casos. Quando a ocorre a doença, manifesta-
petentes; (2) infecção progressiva em imunocomprometidos; se na maioria dos casos sob a forma linfoglandular.
(3) infecção congênita; (4) coriorretinite isolada. Em 30% a 40% das gestações de mulheres irnunocom-
Em pessoas imunocompetentes, as formas clínicas mais petentes, que sofrem infecção primária por 'Ibvwplasmagondii
comuns são constituídas pela toxoplasmoseadquirida aguda durante a gravidez, verifica-se a transmissão do parasito ao
benigna (forma linfoglandular) e pela toxoplasmose ocular feto. O risco de transmissão aumenta com o decurso da gra-
tardia, em crianças e adultos. A toxoplasmosecongênita, em videz, sendo de aproximadamente 15% no primeiro, 30%
recém-nascidos, tem características peculiares em virtude da no segimdo e 60% no terceiro trimestre. Se houver infecção
imaturidade do sistema imunológico do feto e do recém-nas- do feto, o risco de morte ou de lesões graves fetais é inversa-
cido. Em imunodeprimidos, parücularmente em indivíduos mente proporcional à idade da gestação, no momento em que
com AIDS, a reativação da infecção latente pode causar do- se veriñca a infecção materna. Quando a mãe é infectada no

ença grave, cuja forma clínica mais comum é a encefalite primeiro trimestre, a maioria das gestações é interrompida
(quadro clinico descrito no Capítulo 22). por abortamento espontâneo ou morte fetal, ou o recém-
nascido apresenta doença grave. Quando a mãe sofre a infec-
ção primária no 33 ou no 25' trimestre, apenas 5% e 15% dos
Toxoplasmose congênita recair-nascidos, respectivamente, apresentam sinais de doença
aonascimento.
A toxoplasmose congênita somente ocorre quando a mãe Foi de 7,4% a incidência da toxoplasmosecongênita, se-
sofre infecção primária por 'IÍ gondii durante a gravidez; o gundo a idade gestacional e a época da infecção materna du-
156 Parasitologia -
uma abordagem clínica
rante agravidez, em 2.632. fetos estudados por Hohlfeld e cols.
(1994); pode-se observar na Tabela 21-3 que as taxas de in-
fecção congênita foram muito maiores quando a infecção
materna ocorreu no 2° e 110 3' trimestre da gestação.
À semelhança do que se observa em outras infecções con-
gênitas, a maior gravidade da infecção fetal por 'E gondíi que
ocorre no início da gestação está relacionada com a sensibili-
dade dos tecidos fetais imaturos à agressão do parasito, com
a existência da barreira placentária, que separa o feto dos
mecanismos de resposta imune (humoral e celular) da mãe
e com a imaturidade imunológicaprópria do feto. Dos infec-
tados por
Toxoplasmose 157

O diagnóstico da infecção congênita por 'E gondii é usual-


mente estabelecido por intermédio de dados clínicos e testes
sorológicos; para o diagnósticoespecífico, reações de ampli-
ñcação genômica (PCR, nested-PCR etc.) em amostras do
líquido amniótico obtidas por amniocentese, também passa-
ram a ser utilizadas nos últimos anos.
A toxoplasmose tem sido responsabilizadapor aborta-
mento, prematuridade, malformações fetais, prenhez molar,
mongolismo e óbito intra-uterino. Ha risco de abortamento
quando a gestante sofre infecção aguda por 'Ihxoplasrrmgondii
no 1° trimestre da gravidez. A ocorrência de prematuridade é
comum em recém-nascidos que apresentam manifestações
evidentes de toxoplasmosecongênita ao nascimento.

ToxoplasmoseAdquirida em
Imunocompetentes
FIGURA 21-5 Fundo-de-olho demonstrando coríorretínite por I
gondir'. Antes de analisar os aspectos clínicos da toxoplasmose adqui-
rida (também denominada não-congênita ou pós-natal),
deve-se ressaltar que cerca de 90% das pessoas imunocom-
a primoinfecçãocongênita, a reativação ocorre quase sempre pete11tes acometidasprimariamentepor 1' gondii apresentam
na adolescência ou na vida adulta (adultos jovens). A infec- infecção inaparente, com o aparecimento no soro de anti-
ção ocular por 'IÍ gondii, como citamos, atinge primariamen- corpos especíñcos de modo semelhante ao que se observa nos
te a retina, determinando o aparecimento de uveíte posterior indivíduos que apresentam manifestações clinicas após a in-
(ooriorretinite), acompanhada muitas Vezes de uveíte ante- fecção. Como se verifica em muitas moléstias transmissíveis
rior (iridociclite), secundária à coriorretinite. causadas por outros patógenos, a toxoplasmose-infecção
As calcificações cerebrais localizam-se habitualmente predomina amplamente em relação à toXoplasmose-doença.
em córtex, núcleos da base e tálamo. Foram encontradas em O período de incubação da toxoplasmoseadquirida não é co-
60,1% dos casos estudados por Deláscio (1956), em doentes nhecido com precisão absoluta; foi de 10 a 23 dias em surto
com quadro clínico de toxoplasmosecongênita, em época que teve como fonte comum a ingestão de carne mal cozida,
anterior à existência da tomografia axial computadorizada. e de 5 a 20 dias em outro surto, em que a infecção resultou

Segundo Deláscio (1956), 42,9% e 16,6% desses doentes apre- de contato com gatos.
sentavam, respectivamente, hidrocefalia e microcefalia; a A forma linfoglandularda toxoplaslnose é a forma clínica
coriorretinite estava presente em 75,2% dos casos com hidro- com que a doença se apresenta com maior freqüência em
cefalia ou Inicrocefalia. pessoas imunocompetentes, sendo acometidos na maioria dos
Quanto ao retardo mental, observa-se em 1% a 10% das casos os gânglios linfáticosda cadeia cervical, sobretudo os da

pessoas que sofreram infecção congênita; nos pacientes que cadeia cervical posterior; também podem estar hipertrofiados,
apresentam alterações clínicas evidentes ao nascimento, o isolada ou concomitantemente com os da cadeia cervical, lin-
diagnóstico de retardo mental acaba sendo feito em 80% a fonodos de outras localizações: axilares,retroauriculares,sub-
90% dos casos. mandibulares, suboccipitais, supraclaviculares e, mesmo,
Também podem ser encontradas em crianças com to- mesentéricos, retroperitoneais e, raramente, mediastinais. A
xoplasmosecongênita as seguintes alterações: a) neuro- linfadenomegalia,portanto, pode ser generalizada ou locali-
lógicas: paralisias espásticas, hipotonia, déficit visual e zada, eventualmente unilateral ou se limitando a um só
surdez; b) miocardite; c) pneumonia intersticial; d) erup- gânglio, constituindo, às vezes, manifestação clinica isolada da
ção cutânea de vários tipos (macular, papular, maculopa- doença. Os gânglios hipertroñados (quase sempre nume-
pular etc.); e] púrpura trombocitopênica, associada ou rosos, bilateraise simétricos_) são geralmente lisos, ñrmes
não a petéquias, equimoses ou hemorragias cutâneas ex- ou elásticos, indolore¡ ou sensívás à palpação, nàb-coalescentes
tensas; f) comprometimento de adrenais, pâncreas, rins e e não-aderidos a planos profundos, medindo cada um pou-
tireóide. cosmilímetros a até 3 cm de diâmetro; não ulceram nem
As alterações neurológicas são detectadas na atualidade, supuram; em alguns casos encontraiu-se amolecidos efou
com maior freqüência e precisão, recorrendo-se à ultra-sono- confluentes, formando massas que induzem à suspeita de
graña, à tomografia axial computadorizada e à ressonância doençamaligna.
magnética. A propósito, é importante ressaltar que o exame Junto à hipertrofia ganglionarocorre febre, em 40% a 70%
clínico minucioso, associado ao emprego dos modernos dos casos, com intensidade variável, geralmente baixa; pode,
exames complementares, tem possibilitadoa detecção de al- no entanto, ser elevada, contínua ou com ocorrência apenas
terações orgânicas em recém-nascidos assintomaticosinfec- Vespertina. A febre não se evidencia em todos os casos da for-
tados por 'll gondíí. ma linfoglandularda toxoplasmoseadquirida; Amato Neto
158 Parasitologia -
uma abordagem clínica
e cols. (1973) observaram sua ausênciaem pelo menos 27% a instalação de coriorretinite que, quando se manifesta, é ge-
dos doentes que eles estudaram; quando presente, a febre per- ralmente unilateral.
siste não mais que l mês, às vezes durando poucos dias, ma- Uma variedade clínico-evolutivada forma linfoglandular
nifestando-sc quase sempre no período vespertino. Astenia, da toxoplasmoseadquirida é a denominada“forma tifoídica”,
anorexia, mal-estar geral e cefaléia são queixas comuns. cujo quadro clinico e hematológico, na fase inicial da doen-
Hepatoesplenomegalia é encontrada em aproximadamente ça, é semelhante ao da febre tifóide; somente depois de algums
U3 dos casos. Além disso, podem ser também observados dias ou semanas o hemograma apresenta-se com linfocitose
outros sintomas e sinais, tais como mialgias, artralgiazz, odi- e linfócitos atípicos, e ocorre o aparecimento de hipertrofia
nofagia, sudorese noturna e erupção cutânea. O quadro clí- ganglionar, caracterizando-sea forma linfoglandularda ÍOXO-
nico assemelha-se, às vezes, ao da mononucleose infecciosa plasmose.Alguns especialistas brasileiroschamaram a aten-
[nos EUA correspondem a menos de 1% dos casos da síndro- ção para formas clínicas da toxoplasmose em que predomina,
me da mononucleose), circunstância em que o leucograma se no início do quadro, o comprometimento de múltiplas arti-
apresenta com linfocitose e alta porcentagem de linfócitos culações, induzindo a hipótese diagnóstica inicial de doença
atipicos. A presença de linfocitose com pequena porcentagem reumática ou doença reumatóide. Deve-se também assinalar
de linfócitos atípicos não é incomtun na toxoplasrnoseadqui-
que, em casos esporádicos de toxoplasmoseadquirida, isola-
rida. Há casos e1n que a linfadenomegalia,acompanhada ou damente ou como parte do quadro da forma linfoglandular,
não de febre, é o único sinal com que a doença se apresenta. pode haver alterações predominantes de músculos esque-
A forma linfoglandular da toxoplasmoseadquirida cosm- léticos, sugerindo o diagnóstico de outras doenças, em que a
ma ser benigna e autolimitada., com desaparecimento espon- miosite é a principal manifestação.
tâneo das manifestações clínicas no ñm de algumas semanas; Embora já ocorresse com maior freqüência em irnuno-
em alguns casos não-tratados, os sintomas e sinais podem
deprimidos, desde o início dos anos de 1940 foram relatados
persistir durante diversas semanas ou meses. A astenia pode vários casos de encefalite causada por 'II gondii em pessoas
perdurar por tempo um pouco maior, sendo a linfadeno- imunocompetentes; rexrendo 45 casos de toxoplasmose do sis-
megalia a última alteração a desaparecer, permanecendo tema nervoso central, registrados na literatura, 'lbwsend e
[obviamente em grau menos intenso do que se apresentava cols. (1975) concluíram que 22 deles não apresentavam ne-
na época da instalação dos sintomas) durante vários meses,
nhum tipo de imunodeficiênciareconhecível na ocasião do
raramente por mais de l ano.
diagnóstico.
Topi e cols. (1979) relataram, a propósito das alterações
cutâneas da toxoplasmoseadquirida, a possibilidadeda ocor-
rência de vários tipos de acantema (maculopapular,petequial, Toxoplasmose Ocular
vesícula-hemorrágica e papulobolhoso, entre outros); no en-
tanto, o aparecimento de exantema na toxoplasmoseadqui- Na coriorretinite, as lesões podem ser isoladas ou múltiplas,
rida é incomum. uni ou bilaterais. Já mencionamos que, na toxoplasmose ad-
A hepatite causada por 'IÍ gondií foi demonstrada ocasio-
quirida, em pessoas imunologicamente normais, a ocorrên-
nalrnente, tanto como manifütação isolada da doença quanto cia de coriorretinite é pouco freqüente, limitando-se quase
como parte do quadro da forma linfoglandular. Em nosso
sempre a apenas um dos globos oculares; alguns autores con-
país, no estudo realizado por Pedro e ools. (1979) sobre o com- sideram que a ocorrência de coriorretinite como parte do
prometimento hepático na forma linfoglandular da toxo- quadro clínico da toxoplasmose pós-natal é mais comum do
plasmoseadquirida, chama a atenção o acl1ado relativamente que se admitiu no passado. Na toxoplasmosecongênita, a co-
comum de hepatomegalia (_66,7% dos casos) e de hipertran- riorretinite ocorre em cerca de 75% dos doentes, podendo, em
saminasemiadiscreta ou moderada (em cerca de 1/3 dos ca- casos muito graves, ser acompanhada de glaucomae desco-
sos); esses autores irão observaram nenhum doente com lamento de retina.
icterícia e, no exame histopatológico de fragmentos de fígado Como manifestação isolada e tardia da toxoplasmose em
obtidos por biopsia, foram evidenciadas, predominantemen- pessoas irnunologicamente normais, a coriorretinite mani-
te, alterações inñamatórias, com inñltrado mononuclear em festa-se habitualmente na adolescênciaou na vida adulta (em
espaços portais, além de hipertrofia e hiperplasia focais ou
-

geral, na 2' ou 3' década da vida), como conseqüência da


difusas de celulas de Kupffer; em apenas um caso se encon-
-

reativação de foco ocular latente, que se estabeleceu no feto


trou o parasito. Outra conclusão dessa pesquisa foi a de que durante infecção congênita e que foi inaparente no recém-
a fibrose portal e o colapso de retículo não constituem alte- nascido; nessa eventualidade, a coriorretinite é bilaterale os
rações encontradas no comprometimentohepático da forma episódios podem ser recorrentes, detemrinando perda pro-
linfoglandular da toxoplasmoseadquirida, não existindo, gressiva da visão. Os sintomas são constituídos por visão
portanto, nenhuma evidência de que haja risco de evolução barrada, escotomas, fotofobia, dor e lacrimejamento.O fre-
para cirrose. qüente acometimentoda mácula, em extensão variavel, acar-
É. excepcional que a forma linfoglandularda toxoplasmo- reta perda parcial ou total da visão.
se, em indivíduos ímunocompetentes, assuma evolução gra- A fundoscopia, realizada pelo clínico ou pelo pediatra, mas
ve com o aparecimento de complicações constituídas por de preferência por oftalmologista, possibilitaráa identilicação
pneumonia (geralmente do tipo intersticial), miocardite, das lesões retinianas em atividade, características da coriorre-
pericardite, ou encefalite; também é incomum, nesses casos, tinite por 'IÍ gondii.
Toxoplasmose 159

DIAGNÓSTICO computadorizada dá ftmdainento ao diagnóstico, evidencian-


do alterações sugesúvas de encefalite toxoplasmótica:edema
discreto, moderado ou intenso e lesões arredondadas isola-
Exames Inespecificos
-

das ou múltiplas com densidade aumentada ou semelhante


-

à do encéfalo rlão-conrprometido. A ressonância magnética


Na forma linfoglandularda toxoplasmoseadquirida, em in-
divíduos imunocompetentes, o leucograma apresenta-se com
pode evidenciar lesões não demonstradas pela tomografia
leucocitose ou número normal de leucócitos totais, linfocitose
(Figura 21-6).
efou eosinoñlia ou monocitose, eventualmente com linfócitos
atípicos em pequena porcentagem; o eritrograma e a conta- Exames Específicos
gem de plaquetas são habitualmentenormais. Amato Neto e
cols. (1985) descreveram 27 casos de toxoplasmoseadquiri-
da cujo quadro clínico-hematológicoinicial sugeria o diag-
Tanto para a toxoplasmose congênita quanto para a toxo-
nóstico de febre tifóide; no leucograma feito na admissão
plasmoseadquirida a pesquisa de anticorpos específicos por
intermédio de testes sorológicos constitui o método habitu-
foram observados leucopenia, acentuado desvio à esquerda e almente utilizadopara a confirmaçãodiagnóstica. O teste de
ausênciade eosinóñlos, verificando-se cerca de uma semana Sabin-Feldman [dye-test ou teste do corante), considerado
depois Iiornralização do número de leucócitos totais (ou per- padrão para detectar lgG-anti-'IÍ gondí-í, não é mais trtilizado
sistência de discreta leucocitose), retorno ao normal da por- rotineiramente, tendo sido substituído na prática médica,
centagem de eosinóñlos na maioria dos doentes e linfocitose, inicialmente pela imunofluorescênciaindireta, e hoje, pelo
com 100/0 a 50% de linfócitos atípicos. A velocidade de hemos-
uso, gerahnente em combinação, de diversos testes: (I ) imu-
sedinrentação e outras provas de fase aguda (mucoproteínas nofluorescênciaindireta (IgM e IgG); (2) teste imunoenzi-
e proteína (Í reativa) costumam estar normais ou pouco al- mático [EÍLISA para IgM, IgG, IgA e lgli); [3] teste de captura
teradas.
(duplo-sanduíche para pesquisa de IgM, IgA e lgE); (4)
Na toxoplasmose congênita, o hemograma apresenta-se hemaglutinação indireta (IgG); (5) fixação do complemento
habitualmente com anemia, leucocitose ou leucopenia (e, na
fase inicial da infecção, linfocitose e monocitose), além de
(IgG); (6) aglutinação direta para detecção de IgG (com sus-
pensões de 'JI gondii ñxados por formaldeído ou acetona);
eventual eosinoñlia, associadas muitas vezes com plaqueto-
penia. Em pelo menos 30% dos casos de toxoplasmose con-
gênita, como conseqüência da meningoenceñalite, observam-se
alterações do líquor cefalorraquidiano: pleocitose linfomo-
nocitaria, hipoglicorraquiae acentuada hiperproteinorraquia
(às vezes superior a l g/dL). A radiograña do crânio, o ele-
troencefalograma, a ultra-sonograña craniana, a tomografia
axial computadorizada e a ressonância magnética evidenciam
a presença de alterações sugestivas ou características de
encefalite, na toxoplasmosecongênita.
Segundo Dorfman e Remington (citados por Roberts e
cols., 1998), o exame histopatológico de gânglios obtidos por
biopsia em pessoas imunocompetentes com toxoplasmose
adquirida evidencia a presença da tríade característica: (l) hi-
perplasia folicular reacional; (2) aglomeradosirregulares de
histiócitos epitelióides e [3] linfócitos B monocitóides, que
distendem os seios subcapsulares e trabeculares.
Na coriorretinite, a fundoscopia ou oftalmoscopiapermite
evidenciarlesões retinianas em atividade (com bordas não-
delimitadsrs), associadas com inflamação do corpo vítreo, ou
lesões quiescentes, com área central cinzento-esbranquiçadae
borda hiperpigmentada com limites bem deñnidos (Figura
21-5); pelo fato de a mácula ser atingida com muita freqüên-
cia, a acuidadevisual encontra-se geralmente comprometida.
lim doentes com AIDS que apresentam coriorretinite por 'll
gondir', as alterações observadas à fundoscopia muitas vezes
não são como as descritas, dificultando o diagnóstico.
Embora na maioria dos casos seja normal, em cerca de
30% dos doentes com AJDS que apresentam encefalite to-
xoplasmótica se observam alterações do líquor: pleocitose
linfomonocitária (gerahnente com menos de 100 leucócitos¡
mui), hiperproteinorraquia discreta ou moderada (50 a 200 FIGURA 21-6 Ressonância nuclear magnética demonstrando
encefalite por l' gondif.
mgfdL) e hipoglicorraquiapouco intensa. A tomografia axial
160 Parasitologia -
uma abordagem clínica
(7) aglutinação do látex para detecção de IgG (com suspensões imunoenzimáticade captura adotada para a pesquisa de IgM
de partículas de látex recobertas por antígenos de 'II gondíi); O teste imunoenzimático (ELISA convencional) não deve ser
(8) teste de aglutinação diferencial. utilizado para pesquisa de IgG, por causa da discrepância
Consideram-se positivos os seguintes resultados de testes dos titulos de anticorpos demonstrados em vários estudos;
sorológicos usados para o diagnóstico de toxoplasmose ad- para pesquisa de IgM, ele deve ser substituido pelos testes de
quirida e toxoplasmosecongênita; captura.
I Para toxoplasmoseadquirida: É. freqüentemente decisiva para o diagnóstico de infecção
l. Imunofluorescênciaindireta: IgM 2 1:16; IgG 2 atual ou recente a demonstração no soro de lgM-anti-'IÍ gon-
131.000; dii; sua detecção é invariável em pessoas imunocompetentes
2. Teste imunoenzimático (ELISA) por captura para com toxoplasmose, sendo detectável - além dos outros mé-
IgM 2 1,7; todos anteriormente citados por imunofluorescénciaindi-
-

3. Teste imunossorvente por aglutinação (ISAGA) para reta na primeira semana de infecção, alcançandoem seguida
IgM > 8; altos titulos (_I:64; 1:l28 ou mais) e desaparecendo depois de
4. I-lemaglutinaçãoindireta (IgG): 2 121.000; algumas semanas ou meses (eventualmente, baixas concen-
5. Fixação do complemento (IgG): 2 1:4; trações são encontradas no sangue até l ano depois). Anti-
6. Aglutiilaçãodireta (IgG): 2 1:20 (geralmente títulos corpos antinucleares e o fator reumatóide podem induzir
altos: 2 512); resultados falso-positivos de IgM, nesse tipo de teste; por esse
7. Teste imunoenzimático (ELISA) para IgA: 2 1,4. motivo, sempre que possível recorrer ao teste imunoen-
t Para toxoplasmosecongênita (no recém-nascido): zimático por captura ou ao ISAGA para pesquisa de IgM.
l. Imunotluorescénciaindireta: IgM 2 1:16 (resultados As imunoglobulinasespecíficas da classe IgG são demons-
falso-positivos nos primeiros 10 dias de vida; baixa tradas por imunofluorescênciaindireta, na toxoplasmose
sensibilidade [positividade em apenas 20% a 30% adquirida, l a 2 semanas depois de a infecção ter ocorrido, al-
dos recém-nascidos infectados] e resultados falso- cançando altos títulos (l:4.000, 1:8.000, l :I6.000, 1:32.0DO ou
positivos mesmo depois do IO” dia de vida); mais) 6 a 8 depois; em seguida, caem até alcançar
semanas
2. Teste imunoenzimático (ELISA) por captura para baixos títulos (11256, 1:64 ou 1:16), que costumam persistir
IgM 2 0,2; prolongadamente, talvez durante toda a vida. A quadrupli-
3. 'leste imunossorvente por aglutinação (ISAGA) para cação do título de IgG, em periodo de 3 semanas, é indicativa
IgM 2 3; de infecção atual por 'II gondii. As imunoglobulinas da classe
4. Hemaglutinaçãoindireta (IgG): 2 1:16 (geralmente IgG presentes no sangue do recém-nascido podem corres-
o mesmo titulo da mãe); ponder apenas a anticorpos transferidos da mãe para o feto; só
5. Fixação do complemento (IgG): 2 1:4 (geralmente o são valorizados para o diagnóstico de toxoplasmose congê-
da mãe);
mesmo título nita quando seus títulos são ascendentes (quadruplicação em
6. Aglutinação direta (IgG): 2 1:20 (geralmente o mes- soros colhidos com intervalo de 3 semanas).
mo título da mãe); Como os anticorpos da classe IgM podem continuar a ser
7. Teste imunoenzinlático (ELISA) para IgA: 2 1,0. detectados durante muitos meses (às vezes, mais de l ano),
Na fase latente (“crônica”) da infecção por 'll gondií são os em alguns casos pode-se recorrer ao uso combinadoda pes-
seguintes os resultados dos testes sorológicos habitualmente quisa de IgA (e, eventualmente, também de IgE) para confir-
encontrados: mação mais precisa do diagnóstico de infecção aguda. Os
l. Imunofluorescénciaindireta; IgM = negativo ou, no anticorpos anti-II gondii da classe IgA são detec.tados (em
máximo, 1:16; (pode persistir positivo durante vários cerca de 80% dos casos) sempre mais tardiamente que os da
meses, eventualmente por l ano ou mais); IgG = 1:16 classe IgM, persistindo durante tempo mais curto (em geral
a 1:l.024; durante 3 a 6 meses, prazo que pode variar de 1 a 18 meses);
2. Teste imunoenzimático (ELISA) por captura para IgM os da classe lgI-l também aparecem mais tarde que os da classe
(pode persistir aumentadadurante vários meses, even- IgM e persistem durante 4 meses em média, embora even-
tualmente por mais de 1 ano): negativo ou, no máxi- tualmente possam ser detectados até o 8° mês. Na maioria
mo, 1,27; dos adultos, a concentração de IgA atinge concentração sérica
P” Hemaglutinaçãoindireta (IgG): 1:16 a 1:1.000; máxima 2 meses depois do início da infecção, diminuindo em
4. Fixação do complemento (IgG): negativo ou, no má- seguida; se a IgA anti-'II gondii não for detectada, a infecção
ximo, 1:8; ocorreu provavelmente mais que 3 meses antes; nos fetos e
5. Aglutinação direta (IgG): 2 1.000 (com diminuição recém-nascidos infectados, a IgA é mais sensível que a IgM
lenta). para o diagnóstico de toxoplasmosecongênita.
Nos testes de captura de anticorpos IgM-anti-Tcxxoplxzsma O teste de hemaglutinaçãoindireta não detecta anticorpos
gondii, além do teste ELISA, estes podem ser evidenciados IgM nem anticorpos IgG com baixa avidez, no estágio inicial
pela aglutinação de 'L' gondii, Ile., pelo teste imunossorvente da infecção, quando já são demonstrados pelo teste de imu-
por aglutinação ou [SAGA (inzmunosorbenr agglurination notluorescênciaindireta titulos elevados de lgG-anti- 1' gondií;
assay). Para a pesquisa de anticorpos anti-1' gondii das classes nessa fase, os anticorpos da classe IgG ainda se encontram
IgA e [gli, úteis para o diagnóstico de infecção aguda, empre- em títulos baixos na pesquisa efetuada pelo teste de hema-

ga-se o teste imunoenzimático (ELISA) convencional, o teste glutinação indireta, fato que dá fundamento em associação
-

imunossorvente de aglutinação (ISAGA) ou a mesma técnica com a positividade da IgM, pesquisada por outros métodos
-
aodiagnóstico de infecção aguda. Em outras palavras, o
teste de hemaglutinaçãoindireta é usualmente negativo na fase
inicial da toxoplasmoseaguda, quando a imunofluorescéncia
indireta
-. 162 Parasitologia - uma abordagem clinica
QUADRO 21-1 Tratamento específico da toxoplasmose [apud Amato Neto e cols. (1995), Beaman e cais.
[1995], Bayer e coIs. (1998) e Roberts e cols. [1998]
Tipo de Doença Esquema e Dose de Medicamentos
de Hospedeiro Medicamentos Adminrstrados por Via Ora¡ Duração do Tratamento

Toxoplasmose - Sultadiazina 100 mg/kg/día, em frações iguais administradas de


congênita 12/12 h
+
- Pirimetamina Dose de ataque: 2 mg/kg/dia, durante 2 dias; depois,
1 mg/kg/dia, durante 2 a ó meses; em seguida,
às segundas, quartas e sextas-feiras
+
- Ácido iolinico 5 a 10 mg/dia, três vezes por semana (às segundas, lana
quartas e sextas-feiras]
+
- Prednísona* 1 mg/kg/día, em frações iguais administradas de Até normalização da
1 2/ 1 2 h prateínorroquia e/ou
desaparecimento da atividade
da coriorretinite (quando
presente)
Forma Adquirído em imunocompetenhes
ljntoglandular Casos leves: desnecessário
Casos com sintomas e sinais intensos ou moderados:
Sultadiazina Adultos: 1 de 6/6 h 4 a 6 semanas-
- -

Crianças:
-
time
de ataque: 75 mg/kg; depois, Durante 4 a ó semanas, ou
100 mg/kg/dia, em frações iguais administradas até 2 semanas depois do
de ó/Ó h desaparecimento completo
dos sintomas e sinais
+
- Pirimetamina -Adultasz 75 mg, na 1° dia; depois, 25 mg, em dose Igual à da sultadiazina
única diaria, de manhã
-
Crianças: dose de ataque: 2 mg/kg/día (maximo de
50 mg/dia] durante 2 dias; depois, 1 mg/kg/dia
[máximo de 25 mg/diol, em dose única, de manhã
+
_ Ácido iolinioo -Adultosz 10a 15 mg/dia Igual à da suliadiazina
-
Crianças: dose única de 5 a 20 mg, três vezes por
semana [às segundas, quartas e sems-teiras)
Coriorretinite -Adultosc 1g de 6/6 h
-
Crianças: dose de ataque: 75 mg/kg; depois, 4 a 6 semanas
100 mg/kg/día, em frações iguais administradas Durante 4 a ó semanas, ou até
de 6/6 h 2 depois do
semanas
desaparecimento completo dos
sintomas e sinais
+
- Pirimetamina -Adultas: 75 mg, na 1° dia; depois, 25 mg, em dose Igud à da sulfadiazina
únioa diaria, de manhã
-
Crianças: dose de ue: 2 mg/kg/dia (núximo de
50 mg/dia] durante 2 dias; depois, 1 mg/kg/día
[maximo de 25 mg/dia), em dose únioa, de manhã
+
-
Ácido tolinioo -Adultom dose única diária de IO a 15 mg Igual à da pirimetamina
-
Crianças: dose única de 5 a 10 mg, três vezes por
semana [as segundos, quartas e sextasieiras)
+
- Prednísona -Adultast iniciar com dose únioa diária [às 8 h] de Variável de aoordo com a
40 mg ou 60 mg. Reduzir 5 mg [ou mais), de 5/5 dias conduta adotada [duração
e, depois, com a melhora das lesões retinianas maxima igual ã da sulladiazinal
demonstrada por tundoscopia, de 3/3 dias, até a
suspensão do seu uso
-Criançasz 1 mg/kg/dia, em frações iguais Durante as 3 primeiras semanas
administradas de 12/ 12 h ou até o desaparecimento do
atividade das lesões retinianas**
Toxapiasmose '63-

Tipo dc Doença Esquema e Dose de Medicamentos


de Hospedeiro Medicamentos Administrados por Via Ora¡ Duração do Tratamento
Em gestantes -
Espiramicina IgdeS/Bhcomoesiõmagovozio Durante as primeiras 21

fim do graviiíesiaçõo
semanas da
z ou
caso não se
até o

comprove infecção fetal. Sendo


comprovada infecção fetal,
completar o ircmmenio com o
esquema abaixo, que deve ser
parto), quando a
indicado [até o
infecção maiema tiver ocorrido
nasúllimas semanas da gravidez
- Sulfodiazino 4 g/dia, em frações iguais administradas de 6/6 h Da 21°semana aiéofimda
gravidez, caso se com
infecção feiai. Se a infecção
maiema tiver sido adquirida nas
últimas semanas da gravidez
+
- Pirimeiamina Dose de ataque: 100 mg/dia, durante 2 dias e, |gua| à da sulfadiazina
depois, dose única diária de 50 mg/dia [de manhã]
+
Ácido Íolinico
_ Dose única diária de 15 a 20 mg |gua| à da pirimeiamina
Forma Adquirida em imunodeprimidos
Sem AIDS - Sulfodiazino -
Crianças e adultos: mesmo esquema adotado para |gua| à adotada na ooriarreiinite
a coriorreiíniie
+
- Pirimetamina -
Crianças e adultos: mesmo esquema adotado para |gua| à adotada na ooriarreiinite
a coriorreiiniie
+
- Ácido folinico -
Crianças e adultos: mesmo esquema adotado para igual à adotada na ooriorretínite
a coriorreiinite
Com AIDS * ' *
- Sulfadiazina -Adultos: 4 a ó g/dia, em Íraçõa iguais
administradas de 6/6 h
ó semanas depois
-
Crianças: mesmo
coriorreiiniie do
sintomas e sinais
confplio desaparecimento
uema adotado para a
dos
Durante 4 a
do completo desaparecimento
dos sinais e sintomas
+
- Pirimeiamina - Adultos: dose de ataque: 200 mg, no primeiro dia, |gua| à da sulfadiazina
seguida dose única diaria de 50 a 75 mg
(de mangr'l
-
Crianças: mesmo esquema adotado para a
coriorreiinite
+
- Ácido folínico - Adultos: 15 a 30 mg/dia [50 mg no primeiro dia] |gua| à da pirimelamina
-
Crianças: mesmo esquema adotado para a
coriorretiniie
"Ao decidir-so peio refinado do prednisona [ou de outro oorticostoróide utilizado),a dose dave sor diminuída progressivamente até a completo
suspensão de seu uso.
"Diminuir a dose da prednisona progressivamente, até a compieta suspensão do seu uso.
***Após completar o tratamento, montar uso profilóiico de sulfodiozino, pirimetamina e ácido folinicc.

por via oral) e pirimetamina, embora induza alta freqüên-


cia de efeitos adversos. A azitIoInicina, a claritromicina e a
atovaquona, adnúxústradas por iria oral, têm sido propostas
como substitutos da sulfadiazina no esquema terapêutico,
nas seguintes doses para adultos: azitromicina: 1,2 a 1,5 gi
dia; daritromicina: 2
_'64 Parasitologia -
uma abordagem clínica
QUADRO 21-2 Conduta indicada para gestantes com risco de por Toxoptasma gondii de
infecção fetal
acordo com a época em que ocorreu a infecção materna [modificado de Daffos e cols. (1988) e Roberts
e cols. (1998)]

Épocadainrecção Porcentagem de Gestações Exames Diagnósticos


com Infecção Fetal Pré-natal?
1% (com tratamento] Realização de ultra-sonogralia Iniciar imediatamente administração
de 2/2 semanas; oolieito ele de espiramieina à gestante. Se for
amostra de sangue fetal; comprovada a infecção fetal,
colheita de amostra de liquido intenupção da gestação ou
amniótico por amniocentese continuação do tratamento especilico
4% [com tratamento] Realização de ultrasonogralia Iniciar imediatamente administração
12% [sem tratamento) de 2/2 semanas; colheita de de espiramieina à gestante. Se for
cmcstra de liquido amniôticc comprovada a infecção letal,
por amniocentese interrupção da gravidez ou suspender
a espiramicina e iniciar outro tipo de
tratamento específico*
16 semcnas até o lim 20% a 30% [com tratamento), Realização de ultra-sonogrolia Administração de iramicina. Se lar
da gestação entre a 167' e a 28° semana, de 2/2 semanas; colheita de comprovada a inleão fetal,
aumentandoa incidência cmastra de líquido amniótico suspender a espiramicina e iniciar
próxima ao fim da gestação por amniocentese outro tipo de tratamento específico*
'Tratamento da mão [por conseguinte, do fato] com pirimetamina, suliacliazina a ácido lclínicc.

3. Lavar cuidadosamente frutas, legumes e verduras an-


tes do consmno.
4. Afastar qualquer tipo de contato direto com gatos ou
A profilaxiada toxoplasmose merece especial consideração
com materiais potencialmente contaminados com fe-
em grávidas, mulheres sexualmente ativas em idade fértil e em
zes desses animais (p. ex., caixas de areia, onde os ga-
imunodeprimidos. Nas mulheres com toxoplasmoseadqui- tos costumam defecar).
rida durante a gravidez, o tratamento tem como principal fi-
Para prevenir a infecção fetal, além da realização de teste
nalidade evitar a infecção fetal (redução de aproximadamente
60%), diminuir a incidência de infecção do feto ou torna-la sorológico na mulher antes ou depois do inicio da gravidez,
o tratamento da toxoplasmose na gestante deve ser instituído
mais branda. Segundo os resultados do estudo realizado por
tão logo seja feito o diagnóstico. A quimioproñlaxiaprimá-
Paulon e cols. (1999), o tratamento especifico da toxoplasmo-
ria da toxoplasmoseem adultos com MDS e teste sorológico
se de 119 gstantes (a maioria com 3 gfdia de espiramicina),
acometidasdurante a gravidez, não exerceu impacto signiñ- positivo (IgG) para toxoplasmose,cujo número de linfócitos
T CD4+ no sangue é menor que IGG/mms, pode ser a mes-
caüvo na taxa de transmissão da infecção para o feto, mas
ma efetuada na prevenção da pneumonia por Pneumocystis
reduziu a incidência de seqüelas graves nos recém-nascidos e
criançasacompanhadas no primeiro ano de vida. jircnrecii, empregando-se, por via oral, o cotrimoxazol (um
No Brasil e em todos os países ou regiões nas quais é alta comprimido com 160 mg de trimetoprim e 800 mg de sulfa-
a incidência da toxoplasmose, deve ser realizado, no pré-na-
metoxazol, uma vez por dia); aos doentes que não toleram o
tal e em mulheres em idade fértil, o teste sorológico para to- cotrimoxazol, indica-se o uso da associação de dapsona (50 mg
xoplasmose, para definir seu estado imunitário em relação a por dia, por via oral), pirimetamina (50 mg por dia, por via
essa protozoose.
oral) e ácido folínico (25 mg por dia, por via oral). Nos adul-
tos com AIDS, que terminaram o tratamento da encefalite
As seguintes precauções devem ser adotadas para se evitar
a infecção adquirida por 'II gondii, sendo especialmente reco-
toxoplasmóticacom bom resultado, deve-se adotar quimio-
mendadas a mulheres suscetíveis (ie, com teste sorológico proñlaxia secundária, empregando-se, por via oral, a asso-
negativo para toxoplasmose= IgG ausente), em particular as ciação de sulfadiazina (500 mg a l g, de 6/6 h), pirimetamina
grávidas e as sexualmente ativas em idade gestacional: (25 a 75 mg, uma vez por dia) e ácido folínico (25 mg, uma
l. Não ingerir carne mal cozida ou crua (quibe cru, p.
vez por dia).
Como não ocorre transmissão inter-humana, não há ne-
eae), assim como leite de vaca ou de cabra não-fervi- cessidade de isolar doentes com toxoplasmose ou de tomar
do; lembrar que o congelamento da carne de animais
não elimina por completo a viabilidadedos cistos de qualquer precaução no convívio com eles. Não há perspecti-
va, em médio prazo, de se obter vacina contra a infecção por
toxoplasmanela presentes. T. ganda.
2.. Não manusear carne crua sem luvas; se isso ocorrer,
lavar as mãos em seguida com água e sabão.
Toxoplasmose

FRENICEI., LK. Pathophysiologyof munplasrnosis. Parasírol Today, v. httpzfhvwvsnmedícinmetoomftoxoplasmosisfarüclehun


14, p. 273, 1988. Site com informações sobre a toxoplasmose.
WONG, SX.; REMINGTON, LS. Toxoplasmosis in pregnacy. Clin. httpiffwtvlvamayocliniccomfhealthfmmoplnsnnosís/DSUOSID
Iria-t. Dis., v. 18, p. 853, 1994. Sim da Mayo Clinic com infomuções básicasda toxoplasmose.
(página deixada intencionalmente em branco)
@oenças causacfaspor
protozoários em pacientes
ímunocomprometídbs
Felipe Francisco Tuon
168 Parasitologia - uma abordagem clínica

Um sistema imune intacto depende de diversos fatores rela-


cionados entre si, composto por células, moléculas livres, além
de outros fatores, como a manutenção da integridade do
tegumento. Assim, a deficiênciade algum fator pode levar a
alterações em todo o sistema imune, assim como pode levar
à insuficiência do sistema imune em uma parte muito espe-
cíñca. Essa especificidade da deficiênciaimune pode facilitar
também o desenvolvimentode alguma infecção específica.
Após estas idéias gerais, é importante separarmos algu-
mas alterações imunes mais comuns para podermos com-
preender o que se relaciona com as infecções por protozoários.
Toda discussão do sistema imune foi descrita no Capítulo 2.
Aqui serão levantadas apenas algumas considerações das
imunodeíiciénciasmais comuns que 'racilitamas infecções por
algtms protozoários. A discussão sobre o tratamento das in-
fecções foi abordada nos capítulos correspondentes.

Dentre as principais imunodeñciências, algumas não apre-


sentam correlação com infecções por protozoários. A granu-
locitopenia, caracterizada pela diminuição do número de
neutróñlos, relaciona-se com infecções bacterianas,tanto por
bacilos gram-negativos como cocos gram-positivos. A granu-
locitopenia prolongadapode associar-se a infecções fúngicas,
principalmente por Aspergillus e Candida spp.
Alterações do tegumento, como lesões cutâneas, mucosite
e colite também são enquadradas em imunodeñciéncias, em-
bora alguns autores não as considerem como tais. Nestas
situações, há facilidadede os diversos agentes infecciosas atin-
girem o tecido subcutâneoou mesmo a corrente sangüínea
por translocação. Assim, infecções bacterianase
Doenças causadas por protozoáñus em pacientes ¡munocomprometidos 169

prevalência da soropositividade na população e ao estado de


portador nos receptores de órgãos, e à sorologia do doador
do órgão.
Ainda nos pacientesuansplantados, pode ocorrer reativa-
ção de outros protozoários, como 'liypanosoma cruzi. Isso
ocorre geralmente nos pacientes com transplante cardíaco. A
doença de Chagas, nesse caso, pode reativar, causando uma
miocardite no órgão recebido e levando à disfunção e até
mesmo à perda de enxerto. Em alguns casos, também já foi
descrita celulite causada por esses protozoários. Alguns espe-
cialistas defendem a correlação entre a reativação do proto-
zoário e o tipo de medicação imunossupressora utilizadano
transplante. Existem diversas teorias para explicar essa corre-
lação, como a interferência da droga na multiplicação dos di-
versos protozoários (Trypanosoma, 'Itzxophzsmrg Leishmania),

porém ainda especulativas. São necessários mais estudos ava-


liando a relação das drogas com a reativação dos protozoários
após o transplante.
A desnutrição também se relacionacom o aumento de in-
fecções por protozoários. lsto se deve ao fato de que a des-
nutrição leva à disfunção imune celular, gerando o despertar
de infecções latentes e facilitandoo aparecimento de sintomas
e sinais de infecções recém-adquiridas, que seriam assinto-
máticas para pacientesirnunocompetentes.

Nos indivíduos infectados porHJV, o calazar costuma surgir


com níveis de linfócitos CD4+ abaixo de 200 eélulasfmnf.
Metade dos pacientes tem critérios deíinidores de AlDS antes
ou durante o primeiro episódio de leishmaniose visceral e

apresentam concomitantemente outra doençaoporumista.


A tríade clássica febre, hepatoesplenomegalia,pancito-
-

penia se manifesta em 75% dos casos. Outros


-
170 Parasitologia -
uma abordagem clínica
do sistema nervoso central. O achado de formas tripomas- com imunodepressão provocada por medicamentos. Em
tigotas no exame do líquor é comum, permitindo o pronto mais de 70% desses imunodeprimidos que apresentam toxo-
diagnóstico e inicio da terapêutica. Porém, as seqüelas são plasmose, esta se manifesta sob a forma de encefalite difusa;
importantes e a doença apresenta alta mortalidade. as outras formas de apresentação da toxoplasmose nesses
Nos pacientes transplantados, a reativação da doença de pacientes são a miocardite e a pneumonia.
Chagas também pode ocorrer após início da imunossupres- Com o advento da AIDS, tornou-se comum o diagnósti-
são. Nestes casos, o conhecimento do perfil sorológico do co de neurotoxoplasmose, instalada como infecção oportu-
paciente e do doador permite um cuidado maior nos casos nista, em doentes com essa virose. A encefalite é a variedade
positivos, realizando-se, inclusive, o tratamento pré-emptivo clinica por intennédio da qual a toxoplasmose se manifesta
(do inglêspremptíve) ou pré-doença, que consiste em fazer o com maior freqüência em doentes com AIDS, quase sempre
tratamento ao menor sinal de doença ou positivação de exa- como resultado de reativação de infecção latente, localizada no
me laboratorial característico (hemocultura, PCR ou outros) encéfalo, que se estabeleceumuitos anos antes, congenitamen-
confonne o serviço local. Outros locais preferem fazer a pro- te ou de forma adquirida. A encefalite por 'II gondii em pes-
ñlaxia independente de exames laboratoriais, utilizando as soas com AIDS instala-se em 5% a 15% dos casos, chegando
mesmas medicações usadas para o tratamento, em doses e até a 40% nos doentes com testes sorológicos positivos para
esquemas preconizados pelos próprios serviços. toxoplasrnose com menos de 100 linfócitos CD4+lmm3, sen-
No que se refere à tripanossomíase africana, a relação com do obviamente tanto mais comtnn quanto maior a preva-
imunossupressão e até mesmo com AIDS, é bastante desco- lência da infecção primária (inaparente ou sintomática) nas
nhecida. A inter-relação parece ser menos evidente que aque- regiões ou paises considerados.
la demonstrada na forma americana. Em adultos com AIDS, a soropositividade para toxoplas-
mose varia de 10% a 40% nos EUA, enquanto na Europa, na
Africa e na América Latina esse índice está entre 75% e 90%.
Quanto maior a positividade de testes sorológicos para toxo-
IIIgondii apresenta uma relação bastante estreita com o sis- plasmose numa população, tanto maior a prevalência de in-
tema imune. Sempre que se falar de reativação de doenças
fecções primárias, infecções latentes e reativação de focos
latentes, ie., tanto maior a incidência de encefalite toxoplas-
por protozoários em pacientes imunodeñcientes, lembrare- mótica em doentes com AIDS. Essa taxa também é menor
mos da toxoplasmose. Os maiores exemplos descritos são no
transplante de órgãos e principalmente em pacientes com in- quando os doentes com AIDS recebem sulfametoxazol-trime-
fecção por HIV, uma vez que a toxoplasmose cerebral é toprim para a profilaxia da pneumonia por Pneumocystis
detinidora de AIDS (Figura 22-1). jirovecíi.
As lesões da encefalite por 'II gondií em doentes com AIDS
Até a década de 1980, a toxoplasmose em pessoas com
instalam-se com maior freqüência no córtex cerebral, embo-
déñcit da resposta imune era observada, predominantemen-
ra possam ser detectadas em qualquer área do sistema ner-
te, em pacientes com imunodeñciências congênitas, com
voso central. Os taquizoítasmultiplicam-se nos neurônios e
neoplasiasmalignas,naqueles submetidos a transplantes ou em outras células do encéfalo, causando necrose celular e
intersticial, podendo as lesões necróticas alcançargrande ex-
tensão. O aparecimento dos sintomas e sinais da encefalite
dá-se quase sempre de modo insidioso e progressivo; em al-
guns casos, porém, a instalação é abrupta. O quadro clínico
é grave, constituído por distúrbios do comportamento, con-
fusão mental, torpor, convulsões, delírio, ataxia, coma e por
dÉñCltS neurológicos focais (hemiparesia, hemiplegia e pa-
ralisia de nervos cranianos etc.), às vezes acompanhados de
rigidez de nuca. As lesões espinhais manifestam-se sob a for-
ma de disfunção urinária e intestinal (p. ex), perda do con-
trole dos esñncteres). Raramente ocorrem diabetes insípido,
síndrome inapropriada do hormônio antidiurético e pan-
hipopituarismo.
Depois da encefalite, a manifestação mais comum da in-
fecção oportunista por 'IÍ gondii em doentes com AIDS é a
pneumonia, em que a instalação dos sintomas (febre, tosse e
dispnéia) e sinais (estertores à ausculta pulmonar e taquip-
néia) é progressiva; geralmente a hipótese diagnóstica

FIGURA 22-1 Toxoplasmose pulmonar em paciente


pós-transplante renal.
Doenças causadas por protozoáños em pacientes ¡munocomprometidos

pancreatite) também foram descritas, porém raramente em da em pacientes com AIDS. Porém, este dado não é padrão
enfermos com AIDS. entre as populações do mundo, chegando a ocorrer diminui-
Crianças com toxoplasmosecongênita, ñllias de mães com ção na presença de HIV. Em pacientes transplantados e sob
AIDS, podem também ter sido infectadas pelo vírus da imu- uso de corlicóides, a prevalência também é superior quando
nodeficiênciahumana; a toxoplasmosecongênita, em crianças comparada à de pessoas hígidas. Além do aumento da pre-
com AIDS, costuma apresentar evolução mais grave, cursan- valência., pacientesimunossuprimidos apresentam maior gra-
do freqüentemente com febre, hepatoesplenomegalia, co- vidade dos quadros de colite, podendo evoluir para colites
riorretinite, convulsões, miocardite e pneumonia. A AIDS é a agudas necrosantes e óbito.
única situação em que a reativação de infecção latente por Outras amebas, incluindo aquelas de vida livre que cau-
'IÍ gondii pode provocar infecção congênita. Obviamente, as sam quadros neurológicos (Naegletia

gestantes com AIDS têm maior propensão de apresentar to-


xoplasmose do sistema nervoso central.

A giardiase deve ser lembrada nos pacientes do sexo mascu-


lino com AIDS que tenham relações sexuais com homens, de-
vido à transmissão fecal-oral deste protozoário. Assim, nesse
grupo de pacientes é obviamente aumentado o risco relativo
de desenvolvimento de infecção por G. lamblia. Sintomas ab-
dominais e alteração de fezes são muito semelhantes, sejam
em pacientes com ou sem imunossupressão. Parece que os
sintomas tendem a ser mais prolongados no grupo de paci-
entes com AIDS e naqueles que utilizamcorticóides por tem-
po prolongado, nos quais podemos incluir parte dos pacientes
transplantados.
Além dos sintomas, a positividade do exame parasitológico
é mais persistente em pacientes com AIDS, demonstrada in-
clusive por modelos experimentais,justificando-sepor meio
de alterações da imunidade local intestinal.
Com relação à tricomoníaseou üicomonose, a prevalência
dessa infecção em pacientes com HIV é superior àquela em
indivíduos sem esse vírus. É diñcil identiñcar se há uma rela-
ção de imunidade ou comportamento nestes casos, mas é co-
nhecida a alteração imune local, seja vaginal ou uretral, o que
pode facilitara manutenção de 'liichomonasvaginalis no ser
humano.

Os indivíduos imunocomprometidos, em especial os pacien-


tes com AIDS, tendem a demonstrar maiores distúrbios
gastrintestinais associados à infecção por Blastoqrsxis hominis
Embora existam estudos que não evidenciam diferençasen-
tre as prevalência:: observadas em hospedeiros imunocom-
petentes, indivíduos HIV-positivos e pacientes com AIDS, este
parasita foi descrito inicialmente em pacientes com HIV e al-
terações gastrintestinais.
Apesar de os sinais e sintomas nem sempre poderem ser
totalmente atribuídos a esse parasito, em alguns doentes o
tratamento promove melhora completa da sintomatologia,
levando-nos a crer que exista relação entre este agente e a
imunossupressão. Além disso, a sua característica de trans-
missão oral-fecal também demonstra um aumento relativo
em pacientes com HIV.
Em relação às arnebas, devido à sua forma de transmissão,
em algumaspopulações a incidênciatambém está aumenta-
172 Parasitologia -
uma abordagem clínica

l
ç l
Doenças causadas por protozaários em pacientes ¡munocomprometidos

mas sua incidência parece não estar aumentadanesse grupo de HIV em gestantes com malária é um item ainda sujeito a
de pacientes; também, não parece haver aumento da sinto- controvérsias.
matologia e gravidade do quadro clínico.
A co-ixifecção por malária e HIV apresenta aspectos ain-
da polémicos, sobretudo naquilo que diz respeito à evolução
da malária em pacientes com HIV-AIDS; tal tema é rele-
vante, uma vez que, no continente africano, sobretudo na Markell and Tiago's Medical Parasitologia 8'** ed_ Philadelphia, USA.
África subsaariana, as duas infecções são endêmicas de forma Saunders.
importante. Estudos dos anos de 1980 não demonstraram Nlorbídityand MortalityWeekly Report, v. 49, 2000. Guidelinesfor Pre-
venring Opporfunístíc Infectious Among Hematopoietic Stem Cell
que a infecção malária tivesse um curso clínico agravado nos ThznspkzntRecipients.
pacientes com infecção por HIV; no entanto, observações
mais recentes revelaram que a malária nesses pacientes pode
ser revestida de maior gravidade. Quando essas duas infec-

ções se agregam a gestação, as observações são de que a infec-


ção viral aumenta a suscetibilidadematerna à malária; além httpiffwvm.tulaneeduf-vwiserfprotozoologf/notasfaidshtml
disso, a resposta dessas mulheres aos antimaláricos é deñci- Algumas informações adicionais sobre AIDS e doenças por pro-
ente. A possibilidadede incremento da transmissão vertical tozoários.
(página deixada intencionalmente em branco)
Esquistossomose
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
Pedro Paulo Chieffi
176 Parasitologia -
uma abordagem clínica
mente, provocando lesões cutâneas em razão da liberação de
enzimas ceratinolíticasproduzidas em glândulas existentes em
As esquistossomoses são infecções causadas por trematódeos seu organismo.
do gênero Schistosoma. Seis espécies causam infecção huma- Após sua liberaçãopelos planorbídeos,as cercárias perma-
necem xriãveis, mantendo elevada capacidade de penetração
na: S. moment', S. japonicum, S. mekongi, S. malayensis, S.
haematobiume S. intercalamm.. As quatro primeiras para- ativa no organismo dos hospedeiros vertebrados, por perío-
sitam vasos do sistema porta e seus ovos são eliminados 11as do de cerca de 8 a 12 horas, durante o qual necessitam loca-
fezes; S. haenwtobium parasita preferencialmente vasos do lizar e penetrar no hospedeiro vertebrado. Moléculas de
plexo vesical, sendo seus ovos eliminados na urina. S. inter- lipídeos presentes no tegumento de vertebrados exercem atra-
mlamm causa mais ñeqüentemente infecção do sistema porta, ção sobre as cercárias, facilitandoa localização de hospedei-
mas pode parasitar vasos do plexo vesical. Eventualmente,
ros suscetíveis.
sobretudo nos casos de parasitismo muito intenso e também Durante muito tempo considerou-se que apenas seres hu-
manos seriam hospedeiros vertebrados suscetíveis à infec-
em infecções mistas, ovos de Schisrosoma spp., parasito do
sistema porta, podem ser encontrados na urina e, da mesma ção por S. mansom', ao contrário do que ocorria com S.
forma, ovos de S. haematobíumpodem ser encontrados nas haematobiume S. japonícum, cujo caráter zoonótico era já
fezes. bem conhecido. A partir da década de 1950 começaram a
surgir publicações assinalando a infecção natural por S.
mansom' de roedores e outros vertebrados de pequeno por-
te, capturados em áreas onde era freqüente a infecção hurna-
na. Em 1993, Rev, revendo a literatura acerca do assunto,
O gênero Schistosoma representa exceção entre os trema- assinalou a infecção natural por S. mansoni em dezenas de
tódeos, apresentando sexos separados com nítido dimor- espécies de roedores silvestres, geralmente com hábitos que
ñsmo sexual, em vez de hermafroditismo, característica que tornam freqüente o contato com coleções de água doce. Fica
constitui regra entre trematódeos. No caso de S. nzrmsoni, o patente, assim, que ao menos em determinados ecossiste-
macho mede entre 10 e 12 mm de comprimento e seu corpo mas, além de seres humanos infectados, outros vertebrados
revela, após a ventosa ventral, dobramento no sentido lon- podem atuar como fonte de infecção na esquistossomose
gitudinal, que delimita um espaço denominado canal gine- mansônica.
cóforo, onde geralmente se aloja a fêmea_ Esta é mais longa do
que o macho (15 mm de comprimento), porém seu corpo é
mais delgado.
Machos e fêmeas de S. mansoni, quando em número serne-
lhante em seu hospedeiro vertebrado, permanecem acasala- As infecções por S. japonicum, S. mekongi e S. malayensis
dos nos pequenos Vasos que irrigam a submucosa intestinal, predominam no Oriente, a penúltimaem uma área restrita na
onde a fêmea libera cerca de 300 ovos por dia, dos quais apro- bacia do Rio Mekongi (Laos e Cambodja) e a última na Ma-
ximadamente 1/3 consegue alcançara luz intestinal, sendo eli- lásia. As infecções por S. haematobiume S. iritercalatum pre-
minado com as fezes dos indivíduos infectados, contendo em dominam no continente africano. A infecção por S. rrzansoni
seu interior estágio laivário conhecido como miracidio. está presente no continente africano (Áfricasubsaariana e Egi-
Os ovos necessitam atingir coleções de água doce, onde to), península arábica, América do Sul (Brasil, Suriname e
ocorre a liberação dos miracídios, que têm algumas horas XFeneZueIa) e ilhas caribenhas [Figura 23-1).
para encontrar moluscos planorbídeos do gênero Bíompha- No Brasil, só foi definida até o presente a transmissão de
Iaria. Nestes, após penetração ativa pelas partes moles, os S. mansoni, através de moluscos do gênero Biomphalaria spp.
miracídios sofrem intensas transformações e multiplicação Sua introdução em nosso país relaciona-se com o tráiico de
que, ao final de 30-40 dias, resultarão na formação de dezenas escravos procedentes do continente africano, e sua expansão
de milhares de cercãrias, que correspondem ao segundo es- dentro do nosso território teve relação histórica com os des-
tágio larvário do Uematódeo. locamentos humanos em função dos ciclos econômicos. As
'lrês espécies de Biomphalaría B. glabmta, B. tenagophila
-
áreas consideradas endêmicas estão no nordeste brasileiro,
e B. straminea são reconhecidamente suscetíveis à infecção
- sobretudo nos estados de Pernambuco, Alagoas, Rio Grande
por S. marzsoni no Brasil e são responsáveis pela manuten- do Norte, Paraíba, Bahia e Maranhão, e também no norte de
ção de focos naturais do trematódeo. Outras duas espécies, Minas Gerais. Há, no entanto, focos de transmissão nos es-
B. peregrino e B. amazonia!, são consideradas hospedeiros tados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e
intermediários potenciais, tendo sido experimentalmente Rio Grande do Sul.
infectadas em condições de laboratório sem, contudo, apre- A esquistossomose mansom' é considerada uma das gran-
sentarem infecção por S. mansam' em condições naturais. des endemias brasileiras,a despeito da considerável redução
As cercárias liberadas aos poucos pelos planorbídeos in- tanto do número de indivíduos infectados como de formas
fectados, em resposta a estímulos representados por lumino- graves da doença a partir da década de 1970. Estima-se que
sidade intensa, temperatura entre 20 e 35°C, e baixo teor haja atualmente no Brasil cerca de 2,5 a 3 milhões de in-
salino da água, devem encontrar em algumas horas os hos- fectados, com 25 a 30 milhões expostos ao risco de contrair
pedeiros vertebrados suscetíveis, nos quais penetram ativa- essa helmintíase. A prevalência da esquistossomose é ainda
Esquistossomose 177

- Schistasmna mta-caiam!!!
&hâstosoma making¡ - S. manmni/SZ haematobíum i7
Schistaroma mazzsani - Schisfosomcuaporttcum
. .

Schistosoma haemalobmm - Schà-Iosoma malayensis


HGURA 23-1 Epidemiologia da esquistossomose no mundo.

importante em áreas de estados nordestinos, desde a Bahia até PATBGEHIAE PAÍDLOGÀ


o Piauí, havendo focos em estados do sul e sudeste. A aqui-
sição da infecção dá-se pela exposição do hospedeiro susce- Parcela considerável dos ovos fica retida na submucosa, in-
tível a coleções hídricas que contenham moluscos do gênero citando resposta inflamatóriagranulomatosa, substrato
Brbmphalarirz, eliminando cercárias. anatomopatológicoda retite esquistossomótica. No entanto,
boa parte desses ovos migra para o fígado, levada pelo fluxo
da veia mesentérica inferior, atingindo uma posição pré-
sinusoidal e suscitando a formação de granulomas periovu-
lares. Esse fenômeno é responsável por processos obstrutivos
Após a penetração das cercárias pela pele, as mesmas atin- do fluxo portal intra-hepático, levando, progressivamente, na
gem a circulação linfática e venosa, transformando-se em es- dependência da quantidade de ovos e, conseqüentemente, de
quistossômulos. Essas formas jovens chegam aos pulmões e granulomas, à hipertensão portal. Cabe acrescentar que pa-
passam à circulação arterial e daí ao sistema porta, onde ralelamente à instalação desse processo obstrutiva do fluxo
completam sua maturação. Não é conhecida a maneira pela portal, ocorre neovascularização através do processo infla-
qual os esquistossômulos atingem a circulação portal. Alguns matório e ñbroso. Surgem, assim, vasos tortuosos e de pe-
admitem que, ao atingirem ramos das artérias mesenté-
queno calibre, com o que se mantém ainda o regime de
ricas, as formas jovens saem desse território vascular, mi- hipertensão no território portal. A ñbrose que se instala ocupa
grando para ramos subsidiárias das veias mesentéricas; prioritariamente os espaços periportais, e a estrutura arqui-
outros postulam a via transdiafragmática: os esquistosso- tetural do fígado é mantida: este quadro representa a fibrose
mulos deixariam ramos da veia pulmonar, passariam ao de Symmers. A medida que esse processo avança, estabele-
parénquimapulmonar, atravessariam a pleura visceral, o es- ce-se, globalmente no ñgado, a proliferação de ramos arteriais
paço pleural, a pleura parietal e o diafragma,atingindo sub- (da artéria hepática) na tentativa de suprir a irrigação sangüí-
sidiárias do sistema porta na cavidade peritoneal ou em nea do órgão, comprometida pela redução progressiva do
posição intra-hepática. Concluída a maturação dos vermes, fluxo portal processo conhecido como arterialização. Cabe
-

o acasalamento e a postura dos ovos tem lugar, na maioria recordar que, em situação normal, cerca de 70% da irrigação
das vezes, nos ramos proximais da veia mesentérica inferior do fígado provém da veia porta e os outros 30% da artéria
[plexo hemorroidário). Alguns ovos atravessam o endotélio hepática. Com a evolução do processo, a participação relati-
dos vasos, a submucosa e a mucosa do reto, atingindo a luz va da veia porta e artéria hepática gradualmente se inverte.
intestinal, onde são eliminados nas fezes, ganhando, assim, o Estudos recentes revelam que a fibrose de Symmers, obser-
meio ambiente (Figura 23-2). vada na esquistossomose, pode ser reversível com a elimina-
178 Parasitologia -
uma abordagem clínica
ção da parasitose por meio do tratamento medicamentoso. Durante a fase aguda, as células mononucleares do san-
Este processo ocorrerá com maior intensidade quanto mais gue periférico são capazes de produzir grandes quantidades
recente for o processo ñbrótico. Na fibrose recente, predomi- de 'fNF-a, lL-l e lL-6, revelando um perñl Thl de resposta
na o colágeno tipo lll, de molécula instável e mais sujeita à imune celular, ou seja, uma resposta pró-inflamatória.Pro-
ação das colagenases;já nos processos mais antigos, predo- vavelmente, à medida que a infecção evolui, antígenos do
mina o colágeno tipo l, de molécula estável e resistente à ação ovo passam a induzir resposta Th2 e esse processo coincide
das colagenases. Essa observação é justificativa para que o com uma diminuição na intensidade da resposta Thl Nessa .

tratamento específico seja sempre realizado, desde que a fase, é possível que lL- 10 desempenhe um papel de destaque.
parasitose esteja ativa, pois poderá haver regressão, ainda que Experimentalmente se observa que animais que não sejam
parcial, do processo ñbrótico, com melhora nas condições da capazes de desenvolver a resposta Th?, (p. ex., camundongos
circulação portal. [Í57BLJ6 lL4"') desenvolvem um quadro de caquexia, com
elevada mortalidade, dependente de óxido nítrico. Deve-se
lembrar que as manifestações da forma aguda são restritas a
indivíduos que nunca tiveram contato anterior com a infec-
ção; nesse contexto, é curioso o fato de que filhos de mães
A ocorrência demanifestações clínicas na esquistossomose previamente infectadas respondem, do ponto de vista imu-
pode ser observada desde a penetração das cercárias pela nopatológico nessa fase, como indivíduos já experimentados
pele, por pneumonite eosinofílica decorrente da passagem em relação à infecção.
de esquistossômulos pelos pulmões, e por toda a cadeia de As formas crônicas da esquistossomose decorrem da pre-
eventos que seinicia com a postura dos ovos. Para muitos sença de ovos nos tecidos, com as alterações inflamatóriase
autores, esses últimos elementos constituem-se na grande funcionais dela resultantes. A presença de fibrose, sobretudo
fonte de antígenos que irão mediar as respostas inflamató- no fígado e nos pulmões, permeia grande parte da patologia
rias tanto na forma aguda como na forma crônica dessa pa- observada nas formas graves de esquistossomose. A resposta
rasitose. de padrão Thl, descrita anteriormente, passa a ser substitui-
da, de maneira gradual, por resposta ThZ, dependente de
1L-4, lL-S, eosinófilos e lL-l3, esta última uma citocina ñ-
brogénica por excelência, ao menos em modelos experimen-
tais (Figura 23-3). O papel ñbrinogénico de lL-l3 parece esta:
relacionadoà capacidade dessa interleucina, junto com lL-4,
de induzir a expressão de arginase nos macrófagos. A argina-
se utiliza L--argínina como substrato para produzir L-orni-
tina, a qual é convertida a prolina, que é um aminoácido
essencial para a produção de colágeno. Quando a estimulação
de macrófagos se da atraves de lL-12 e LFN 41/, em vez de lL-4,
o efetor final são iNOS e citrulina, não havendo ñbrose, mas
sim necrose tecidual (Figura 23-4). Estudos recentes revela-
ram que a Fibrose hepática e a conseqüente hipertensão por-
tal são predominantes em famílias nas quais foi detectado um
gene co-dominante maior, conhecido como SMZ; o conheci-
mento da região 6q22-q23 que contém o gene que codifica re-
ceptor de lFN-'y nessas famílias sugere que mutações nesse

FIGURA 23-2 Ciclo de inda de S. mansoni. 1, As cercárias penetram


através da pele. 2_ Esquistossómulos, após passagem pelos pulmões_
atingem a circulação portal. 3, Após maturação, ocorre o
acasalamentodos vermes adultos e a postura dos ovos dá-se em
ramos proximais do sistema porta [plexo hemorroidário) [4]. 5, Ao
atingirem coleções hídricas, os ovos eclodem e o miracidio penetra
no hospedeiro intermediário (moluscos do gênero Bfomphaiaria), FIGURA 23-3 Evolução temporal da resposta imune durante a
onde o ciclo se completa com 6, eliminação de cercárias_ infecção esquistossomótica.
Esquistossomose
QUADRO 23-1 Formas clinicas da
esquistossomose

FIGURA 23-4 Ativação dos macrófagos na esquistossomose. dem imunoalérgica, desencadeadas pela presença dos ovos,
Quando os macrófagos são ativados por citocinas Th1, a via ñnal resultem no quadro clínico dessa forma da doença. Do pon-
compreende a produção de óxido nítrico, havendo necrose corn to de vistaclínico,trata-se de doença febril, com curvatérmica
lesão tecidual; quando essa ativação é feita por citocinas Th2, o
produto ñnal é o colágeno, havendo a instalação de procsso irregular, toxêmica, em geral oom instalação abrupta. São co-
fíbrótico. muns exantema maculopapular, que pode ser urticariforme,
diarréia, às vezes disenteriforme, dor, distensão abdominal e
chiados (devido a broncoespasmo). Ao exame físico nota-se
hepatoesplenomegaliadolorosa de pequenas dimensões, além
gene podem levar a uma disfunção no receptor de [FN-y, de Inicropoliadenopatiageneralizada.
com conseqüente falta de efetividade dessa citocina em preve- O dado laboratorial mais característico é a intensa leuco-
nir ñbrose. citose com grande eosinoñlia apresentada por esses pacien-
Na realidade, é desejável um equilíbrioentre as respostas tes. O diagnóstico deve levar em conta dados epidemiológicos,
Thl e Th2, visto que a predominância de uma delas é lesiva clínicos e laboratoriais, assinalando-se que o exame parasi-
ao hospedeiro: ñbrose exagerada quando Th2 está predomi- tológico de fezes somente se torna positivo para ovos de S.
nando e lesão tecidual com necrose quando há predomínio de mansoní cerca de 35 a 40 dias após a
resposta Thl.

Com base nos dados de exame Hsico, pode-se classificarcli-


nicamente a esquistossomose em formas diversas (Quadro
23-1). À penetração das cercárias pela pele segue-se qua-
dro de prurido, caracterizandoa dermatite cercariana. Esta
manifestação, que tende a ser mais acentuada nas reexpo-
sições, é autolimitada,o que embasa a denominação popu-
lar de "lagoa de coceira” às coleções hídricas que contêm
cercárias.

Forma Aguda

A forma aguda da esquistossomose é aquela que se segue,


num período de 6 a 8 semanas, ao primeiro contato com co-
leções hídricas que contenham cercárias, sendo observada em
indivíduos que não habitam áreas endêmicas, visitando-asde
forma casual, ou ainda em crianças de baixa idade nas áreas
endémicas. Atualmente admite-se que manifestações de or-
180 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Forma Hepatointestinal
Quando o número de vermes é maior, também é maior a
carga de ovos. Parte destes migram através da corrente san-
güínea do sistema porta, atingindo o ñgado, onde são retidos
nos vasos pré-sinusoidais; sua presença leva à formação de
granulomas, com obstrução do Huxo sangüíneo a esse nível.
A presença de granulomas, com aposição de fibrose, ocasio-
na um amnento do volume do órgão, que pasm a ser palpá-
vel ao exame ñsico, caracteristicamentecom predomínio do
lobo esquerdo. Em função da ñbrose, a superñcie do órgão
pode ser irregular, fato perceptível à palpação, tornando-se a
consistência do Hgado progressivamente endurecida. 'frata-se
da forma hepatointstinal da esquistossomose.

Forma Hepatoesplênica
Pode ser dividida nos casos com ou sem hipertensão porta.
Nos casos sem hipertensão portal, trata-se de uma forma cli-
nica da esquistossomose que é detectada algumas vezes, ca-
racterizando-sepor hepatomegalia com as peculiaridades
referidas no ítem anterior, acompanhada de esplenomegalia
de pequenas dimensões; nessa situação, o baço tem consis-
tência arnolecida. Trata-se de esplenomegalia de origem
proliferativa em resposta a estímulos antigênicos prolonga-
dos. Essa esplenomegalia é totalmente reversível com o tra-
tamento ban-sucedido da esquistossomose.
Nos casos classificados como forma hepatoesplênica com
hipertensão portal ocorre elevada carga parasitária e, conse-
qüentemente, de ovos. Associadas a estes fatores, caracte-
rísticas genéticas que determinam a intensidade da resposta
inilamatóriagranulomatosa e a dinâmica da deposição e tipo
de colágeno no interior dos granulomas levarão à obstrução
do Huxo do sangue portal através dos ramos intra-hepáticas ~

Hipodesenvolvímentopóndero-estatural em
'i

da veia porta, que se traduzirão, inicialmente, num aumento paciente squistossomótico com 19 anos de idade: notar fáscies
do calibre da veia porta e subsidiárias, como tentativa de ma- infantil e ausência de dsenvolvimento de caracteres sexuais
nutenção dos niveis normais de pressão hidrostática, fenôme- secundários. [Cortesia do Prof. Dr. Mário Shiroma_]
no lirnitado pela complacênciado sistema venoso portal.
Cessada a capacidade de dilatação do continente vascular, ins-
tala-se, progressivamente, regime de hipertensão porta. fenômeno responsável por termo popular que designa essas
A pressão no sistema porta eleva-se progressivamente, po- formas graves da esquistossomose "barriga d'agua”. Tal re-
-

dendo atingir até 200 nnnI-IZO (convém lembrar que a pres- dução na pressão colóide-osmótica ocorre em situações de
são na veia porta, avaliada através da medida da pressão hipoalbuminemia, resultantes de fatores como desnutrição,
esplênica por via transparietal, é de até 2D mmHIO), com o hepatopatia alcoólica, associação com infecção crónica pelos
conseqüente aparecimento de esplenomegalía de caráter vírus das hepatites B e C, ou cirrose pós-necrõtica,que se se-
congestivo e de circulação colateral, que, em última análise, gue a episódios de hemorragia digestiva alta decorrentes da
representa desvio do fluxo sangüíneo do sistema porta para ruptura de varizes esofágicas ou de fundo gástrico. Convém
o sistema cava inferior ou, via veia ázigos e semi-ázigos, para lembrar que, com sangramento maciço, há súbita queda na
a veia cava superior. Tal circulação colateral pode ser visível ao pressão do sistema porta, bem como uma hipotensão
exame da parede abdominal, observando-se fluxo ascenden- sistêmica, o que explica a ocorrência de necrose extensa do
te, recanalização da veia umbilical(sopro audível ao nível da órgão nessa situação.
cicatriz umbilical),ou estar presente no interior da cavidade Cabe assinalar que, diferentementedo que ocorre nas cir-
abdominal (Figura 23-5). A formação de varizes de esôfago roses em geral, não há insuficiênciahepática profimda na es-
efou de fundo gástrico representa essa segunda situação. quistossomose não-complicada ou que não esteja associada
O aumento da pressão hidrostática no sistema porta, as- a patologias que ocasionem cirrose. No entanto, têm sido ob-
sociado a uma queda da pressão colóide-osmóticano sangue servadas alterações precoces no processo de coagulação,
portal, ocasiona o surgimento de ascite em graus variáveis, mesmo com os níveis de albumina mantidos dentro da nor-
Esquistossomose
malidade. Essas alterações foram atribuídas a múltiplos fato- Forma Renal
res, entre eles déficit de síntese de determinadas substâncias
que participam da processo de coagulaçãopelo fígado. "fem-se, O acessode imunocomplexos aos glomérulos renais, onde
assim, a forma hepatoesplênica com hipertensão portal da es- são retidos junto à membrana basal, pode ocasionar o de-
quistossomose, que é deñnida como descompensada quan- senvolvimento de glomerulopaüas, sendo as mais comuns a
do houver sangramento digestivo alto e/ou ascite. Além disso, glomerulonefritemesangioproliferativa, a membranoproli-
estabelece-se regime de hiperapleznismo, veriñcado pela ocor- feraüva tipos I (mais freqüente) e lll, e a glomeruloesclerose
rência de citopenias sangüineas. Achado relativamente fre- segmentar e focal, havendo a possibilidadede evolução entre
qüente nas formas hepatoesplénicas de esquistossomose, esses padrões de glomerulopatia, particularmente entre a
quando estas se estabelecem do ñnal da puberdade ao início mesangioproliferativae a membranoproliferativa.A primei-
da adolescência,é o hipodesenvolvimento pôndero-estatural: ra glomerulopatia é mais freqüentemente encantada em pa-
trata-se síndrome clinica caracterizadapor ausênciado desen- cientes assintomáiicos, ao passo que a segunda é observada
volvimento dos caracteres sexuais secimdários, déficit de cres- com maior freqüência nos sintomáticos. Em todas as situa-
cimento e presença de fácies infantil A ñsiopatologia desses ções, antígenos esquistossomóücos podem ser demonstrados
fenômenos não é conhecida, mas eles são revertidos através nos glomérulos, por meio de técnicas diversas. As manifesta-
de esplenectomia (Figura 23-6). Também é comum a ocor- ções clínicas decorrentes desses eventos podem variar desde
rência de pileflebite,e a trombose de veia porta é uma oom- proteinúria assintomáúca até síndrome nefrótica. Embora
plicação relativamente freqüente. descritas com maior freqüência e gravidade em pacientes
com a forma hepatoesplênica, em função de maior carga an-

Forma Pulmonar tigénica e maior exposição dos antígenos aos glomérulos, es-
sas alterações já foram descritas também em pacientes com
formas mais leves de esquistossomose (intestinais ou hepa-
Existe ainda a possibilidadede os ovos atingirem arteríolas, tointestinais).
via artéria pulmonar, onde sua irnpactação ocasiona a forma-
ção de granuloma e fibrose em graus variados. O acesso dos
ovos à circulação pulmonar é maior nas situações em que
houver hipertensão portal com estabelecimentode circulação
colateral; daí serem mais comuns as formas pulmonares da
É
esquistossomose nos pacientes com a forma hepatoesplênica.
Nas fases mais avançadas estão presentes as manifestações
correspondentes à hipertensão pulmonar, podendo haver so-
brecarga nas câmaras direitas do coração cor pulmonale
-

esquistossomótico. Essa forma de esquistossomose pode, em


alguns casos, ser acompanhadade cianose, sobretudo em pa-
cientes que foram esplenectomizados.A patogenia dessa for-
ma clínica ainda é alvo de controvérsias, sendo cogitada a
ocorrência de Hstulas artério-venosas, anastomoses diretas
entre ramos da artéria e veia pulmonar, entre outros meca-
nismos (Figura 23-7).

'
L

FIGURA 23-7 Paciente esquistossomótica com formas


hepatoesplêníca e pulmonar. Síndrome cianótica, corn hipoxia
FIGURA 23-6 Circulação colateral visível na parede abdominal em crônica, instalou-se após esplenectomia. [Cortesia do Prof. Dr_
paciente esquistossomótico. (Cortesia do Prof. Dr_ Mário Shiroma.) Mário Shiroma-)
182 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Outras Formas to, sobretudo, com a leishmaniose visceral, levando-se em
conta, inclusive, a sobreposição das áreas endémicas para
A presença fortuita de ovos e, conseqüentemente, de granu- ambas as parasitoses.
lomas em ramos venosos no sistema nervoso central (SNC) Estudos pioneiros realizados por Lyra e colaboradores re-
pode levar à ocorrência de mielite, além de várias formas de velaram uma associação entre esquistossomose hepatoes-
comprometimento cerebelar ou encefálico.Assinale-se ainda plênica e hepatite por virus B, com as seguintes características:
a possibilidade do acesso de ovos a praticamente qualquer (a) os pacientes com essa forma da parasitose tem maior
órgão, com o estabelecimentode lesões teciduais decorren- prevalência de l-lbsAg, quando comparados à população ge-
tes da formação de granuloma; assim, é relativamente co- ral e aos esquistossomóticos intestinais ou hepatointestinais;
mum, p. ex., o encontro de lesão hiperplasia em colo uterino, (b) nesses pacientes, a freqüência de sinais de insuficiência
durante EXBIIIC ginecológico de rotina. hepática é maior; (c) nas biopsias hepáticas, o padrão necro-
inflamatórioobservado correlaciona-seprincipalmente com
a infecção viral; (d) embora a presença de hepatite crônica ativa
Formas Crônicas da Esquistossomose e
pelo virus B possa se constituir em fator de descompensação
Exame Ultra-sonográfico hepática em esquistossomóticoshepatoesplênicos, a evolução
da hepatite parece ser mais lenta nesses pacientes, havendo
A disponibilizaçãodo exame ultra-sonográñco, indusive com menor tendência à evolução para cirrose; (e) as hepatites
a possibilidadeda realização deste em trabalhos de campo, agudas em pacientes esquistossomóticos têm curso mais ar-
permite uma análise mais sensível das alterações patológi- rastado e maior tendência de evolução para a cronicidade do
cas em alguns órgãos, principalmente o fígado. Desse que na população em geral.
modo, casos classiñcados como intestinais com base exclu-
sivamente no exame fisico poderão ser reclassiñcados como hepa
tointestinais, pela detecção de ñbrose periportal e aumento do
calibre da veia porta e seus ramos, mesmo sem alteração apre-
ciável do volume do fígado que possa ser interpretado como O diagnóstico da esquistossomose baseia-se no encontro de
hepatomegalia ao exame clinico. Em função desse fato, clas- ovos do parasita, seja em exame parasitológico de fezes ou

sificações mais recentes não contemplam a forma intestinal em exames histopatológicos, sobretudo da mucosa retal. Os

pura, preferindo já considera-la hepatointestzinal; esta pode métodos de exame de fezes mais apropriados são os de sedi-
variar de incipiente, quando o exame ultra-sonográfico reve- mentação, como o de Hoffman, Pons 8( Janet; a técnica de
la alterações muito discretas, até formas hepatointestinais Kato-Katz tem a vantagem de permitir a contagem de ovos,
bem configuradas, quando o órgão tem seu Volume au- fato que tem importância por propiciar a avaliação da carga
mentado principalmente à custa do lobo esquerdo, e as al- parasitária. A realização de cinco análises de fezes parece ser
terações ulua-sonogáñcas são claras, demonstrando a tipica superior, em termos de eficácia diagnóstica., à biopsia retal,
fibrose periportal central e periférica. Esse método de devendo esta última ser reservada para situações
propedêuüca armada veio a permitir também uma melhor
avaliação da circulação portal nesses casos, seja pela detecção
de alterações do calibre das veias porta, esplênica e mesen-
téricas, seja pelo estudo do fluxo sangüíneo portal através do
Doppler.
Associação de Esquistossomose com
Outras Doenças
Bacteremia prolongada por enterobactérias é uma situação
em que o paciente esquistossomótico passa a apresentar
quadro de febre irregular, de curso prolongado, com o desen-
volvimento de hepatoesplenomegalia,queda progressiva do
estado geral, diarréia e fenômenos hemorrágicos. A coexistên-
cia de infecção esquistossomótica com infecção por entero-
bactérias ocorre, sobretudo, com o gênero Salmonella sp. O
verme tem papel preponderante na patogenia dessa doença,
servindo como reservatório para as enterobactérias que se
multiplicam sobre sua cutícula ou ainda no seu tubo digesti-
vo. A partir disso, há bacteremia prolongada, com infecção
das células do sistema retículo-endotelial. O diagnóstico des-
sa entidade deve ser feito mediante o encontro de ovos de S.
mansom' nas fezes e o isolamento da enterobactéria em he-
moculturas ou mielocultura. O diagnóstico diferencial é fei-
Os exames inespecíñcos não revelam alterações caracterís-
ticas nas formas crónicas da doença: o hemograma nas for-
mas crónicas da esquistossomose não costuma mostrar
grandes alterações, exceto nas formas hepatoesplênicas com
hiperesplenismo, quando poderão ser observadas anemia,
leucopenia e plaquetopenia. As enzimas hepáticas (transami-
nases, gama-glutamiltransferase e fosfatase alcalina) não cos-
tumam estar alteradas de maneira importante, exceto em
situações já citadas, de dano hepático por outras infecções
associadas ou após sangramentos intensos, decorrentes da
ruptura de varizes esofágicas. Da mesma forma, observa-se
proteinúria de intensidade variável nos casos com compro-
metimento renal.
A ultra-sonografia e a endoscopia digestiva alta são exa-
mes subsidiárias importantes na avaliação da hipertensão
portal e suas conseqüências. Nas formas pulmonares, a rea-
lização de radiograña torácica revela retificação ou abaula-
mento do arco médio; o ecocardiograma revela hipertroña das
câmaras cardíacasdireitas e do tronco da
184 Parasitologia -
uma abordagem clínica
pécies animais que apresentem comportamento competitivo ou
atuem como predadores de planorbídeos em seus criadouros.
Convém lembrar que a opção por privilegiarcompetidores ou
ANDRADE.,Z.; ANDRADE, S.G. Patologia da esquistossomose hepato-
predadores de moluscos do gênero Biomphalaria, no controle esplênica in CEDRE Aspectos peculiares da infecção por Schis-
-

da esquistossomose, somente dá resultados alentadores em tosoma mansoni. GED da UFBa, 1984.


ecossistemas bastante restritos, nos quais artificialmente se ANDRADE, Z. Exroluüon and iiwolution of hepatosplenic Schistosomin-
desloca o equilíbriopara o lado dos competidoreslpredado- sis. :Want Inst. Oswaldo Cruz, v. Bttlísuppl. 1), p. 58-75, 1989.
res, por intermédio da interferência humana. Um exemplo
CUNHA, A. S. Esquistossomose mnnsoni. Sarvier-EDUSP, 1970 (435
bem-sucedido foi o controle da transmissão de esquistosso- Pães)-
DE BRITO, T.; NUSSÉNZXÍEIG, I.; CARNEIRO, CRÃÀÊ; SILVA,JÚLMG.
mose mansônica em pequenas represas com a introdução de Schistosoma mansoni associated glomerulopathy.Rev. Inst. Med.
Astronotus ocellatus, peixe com hábitos alimentares mala- Trap. S. Paulo, v. 41, p. 269-272, 1999.
cófagos. EL-GARFM, AA. Schistosomiasis. Digcsrion, s'. 59, p. 589-605, 1998.
Ia o uso de moluscicidas, pelo fato de sua ação geral- HALIILTON,LV. ICIINÍCERT, NI. DOENHOFE NU. Diagnosis of schis-
mente não se limitar aos moluscos e produzir desequilíbrios tosomiasis: antibody detection, with notes on parasitological and
intensos nos ecossistemas, tem sido desaconselhado por antigen detection methods. Parasitologia, v. 117: 541-557, 1998.
LAJMBERTUCCJI,LR.; HAYES, ÀJLM.; SERUFO, LC.; GERSPACHER-
ambientalistas.Além de drogas como niclosamida e N -triül-
LARA, R.; BRASILEIRO FILHO, G.; TEUEIRA,R.; ANTUNES,
morfolina., utilizadascom alguma freqüência como molus- CEM.; COES, ÀJVÍ.; COELHO, RIVLZ. Shistosomiasis and asso-
cicidas em criadouros de planorbideos, existem relatos de ciated infections. ;Want Inst. Oswaldo Cruz, V. 93ísuppl. 1), p. 135-
possível ação moluscicida quando se empregam compostos 139, 1998.
extraídosde vegetais. LYRA, L.G.C. Esquistossomase e vírus B da hepatite. In CEDRE As- -

A obtenção de drogas utilizáveis por via oral e em dose pectos peculiares da infecção por Schistosomn mansoni. CED da
única, com ação esquistossomicida acentuada e poucos efei- UFBa, 1984.
PEDROSO, E.R.P. Alterações pulmonarm associadas à esquistossomose
tos colaterais graves, como oxamniquine e praziquantel, mansoni. Mem. Inst. Osvaldo Cruz, s'. Sdfsuppl. l), p. 46-72, 1989.
viabilizouempregar-se o tratamento especíñco como ação PRATA, A. Esquistossomose mamsoni. In: Veronesi,R.; Focaccia, R.
válida no cont1'ole da esquistossomose mansônica. Diversos Tratado de Infectologia. ?F ed. São Paulo: Atheneu, 2005.
trabalhos realizados em áreas endêmicas indicam diminuição RABELLO, A.; PONTES, LA.; DIAS-NETO, E. Recent advances in the
da morbidade da esquistossomose quando se uüliza o trata- diagnosis of Sch-iswsonta infection: the detection of pamsite DNA.
mento dos indivíduos infectados, mesmo que não se efe-
Mem Inst Oswaldo Cruz, v. 9?(Suppl.I): 171-172, 2002.
REY, L. Non-human vertebrate hosts of Schsisrosoma mansom' and
tuem, concomitantemente, outras ações de controle. Por outro schistosomiasis transmission in Brazil. Res Rev Parasitol. v. 52, p.
lado, a repetição periódica do tratamento dos infectados em 52.3-530,l993.
áreas com elevadas taxas de infecção tem resultado em dimi- WTLSON, MLS.; MENTlNK-KÀRTE,MMX.; PESCE, LT.; RAIMÍALIN-
nuição dos índices de prevalência. CAM, T.R.; TI-IOMPSON, R.; WINN, TA. Immunopathologyof
Schistosomiasis. Immunol. Cell Bial., v. 85, p. 148-154, 200?.
Zl-LÀNG,Y.; KOUKOUNARI,A.; KABATEREJNEN, et al. Parasitolo-
gícal impact of 2-year preventiva chemotherapyon schistostamiasis
and soil-transmittedhelminthiasis in Uganda. BMC Medicine,
2007. (htlpühswvtuzbiomedcentralxonll1741-7015l5f27).
Tasciolbse

Alexandre Leite de Souza


Angel Escobedo
Sérgio Cimerman
185 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Em novembrode 20134, um encontro internacional (Third Glo-


bal Meeting of the Partners jin' Parasita Control) realizado na
sede da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra
incluiu a fasciolose na lista das principais doenças causadas
por helmintos com significativo impacto no dmenvolvimen-
to humano. De fato, atualmente, a fasciolose e' considerada
uma relevante enfermidade humana, a qual é causada por um
trematódeo denominado Fasciola, abrangendo duas espécies:
Fasciola Itaparica e fiasciola gigannha. Os trematódeos são ver-
mes que pertencem ao ñlo Plathyelminthes.A fasciolose ou
fasciolíase (ou distomatose hepática) é uma zoonose prove-
niente da Europa, sendo peculiar no gado e em diferentes
herbívoros, revelando um potencial de acarretar significativo
prejuízo no setor financeirode áreas dedicadas às atividades
pecuárias. Embora esse parasito seja típico de herbívoros,
eventualmente o homem pode ser infestado e tomar-se hos-
pedeiro. Até metade do século XX, a literatura internacional
havia registrado, aproximadamente, 250 casos de fasciolose
humana, sendo observado um incremento progressivo des-
de então no número de casos ao redor do mundo. Histori-
camente, no Brasil, o primeiro caso documentado com
comprovação coproscópica ocorreu em 1958, no Mato Gros-
so do Sul. Segundo dados epidemiológicos do Ministério da

Agricultura do Brasil, entre 1958 e 1963, a porcentagem de ti-


gados bovinos infestados por Fasciala hepatica foi igual a 8%.
já no princípio da década de 1980, essa porcentagem recru-
desceu para 15%, aproximadamente.
Objetiva-se, ao Em do capítulo, que o leitor possa reco-
nhecer que esta zoonose representa um crítico desaño tanto
para o campo da medicina humana quanto da medicina ve-
terinária no Brasil.

.-
Fasciolose 187

ríodo compreendido entre 1997 e 2000, registraram-se 500 Quando os ovos se encontram em temperaturas mais bai-
casos humanos em função de critérios clínicos, tomográftcos, xas, esse evento pode demorar até 3 meses.
sorológicos e achados ultra-sonográñcos. Clinicamente, todos Subseqüentemente, o embrião evolui para a fase de mi-
esses doentes manifestaram sintomas de natureza hepática. racídio e há eclosão do ovo, ocorrendo hberação dessas for-
A faixa etária predominante delirnitou-se entre 21 e 50 anos, mas no ambiente aquático. Nessa nova fase do ciclo biológico,
sendo 2B dos infestados do sexo feminino. Além disso, no o miracídio utiliza seu revestimento ciliar para nadar ativa-
Vietnã, as taxas de infestação de animais herbívoros por mente até o molusco do género Lynnnaea, o qual servirá
Fasciola spp oscilam entre 30% e 40%. Na 'lítrquia, houve como seu hospedeiro intermediário. Dentro do molusco, o

descrição de 214 casos humanos no período compreendido miracídio torna-se esporocisto, o qual irá originar, por sua vez,
entre 1932 e 2003. Em 1999, houve padronização de métodos as rédias. Posteriormente, as rédias se transformam em cer-

sorológicos como urna ferramenta tecnológica em potencial cárias, as quais possuem um flagelo que lhes permitem nadar
para otimização do diagnóstico dessa importante enfermidade ativamente. Através de suas ventosas, as cercárias se fixam na
na Turquia. Nas Américas, há descrição de surtos em Cuba, vegetação aquática e perdem seu flagelo. Após esse processo
Chile, Argentina, Uruguai, Bolivia, Venezuela, Costa Rica, de fixação às estruturas aquáticas, as cercárias secretam duas
Porto Rico, México e Peru. De fato, estima-se que hoje esta camadas ao seu redor, criando uma blindagem protetora. A
zoonose acometa virtualmente entre 2,4 e 17 milhões de pes- partir desse momento, essa nova forma de vida de Fasciola
soas no mundo. No Brasil, as áreas mais críticas localizam- spp. denomina-se metacercária, a qual é a forma cística do
se no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo parasito. A metacercária pode permanecer em estado de
(Vale do Paraíba) e Rio de Janeiro. latência por até 3 meses, dependendo das condições de tem-
peratura do ambiente aquático. Além disso, a forma cística
pode resistir a condições de dessecação por até 2 semanas.
Quando as metacercárias são ingeridas pelo hospedeiro
vulnerável por meio de água ou plantas aquáticas contendo
Os hospedeiros habituais de l-"asciola spp. compreendem os tais cistos, o ciclo biológico do parasita é reiniciado (Figura
que se seguem: bovinos, suínos, caprinos, eqüinos, cães e coe- 24-2). Na luz do intestino do hospedeiro, há eclosão dos cistos
lhos. A infestação humana pelos trematódeos zoonóticos, com subseqüente liberação das larvas. Dentro dessa cadeia
F. hepatite e F. gigantrra, ocorre naturalmente por meio da in- seqüencial de elos biológicos, as larvas atravessam a parede
gestão de metacercárias (forma cística do trematódeo) pre- intestinal para dentro do compartimento peritoneal. Migram
sentes em plantas ou animais aquáticos, assim como pela então através da cápsula de Glisson (membrana de tecido
ingestão de água contaminada com a forma infectante do pa- conjuntivo que envolve o fígado) e penetram no parênquirna
rasito. Outros fatores de risco em potencial são os seguintes: hepático. Aproximadamenteapós 2 meses de migração pelo
tecido hepático, tais vermes alcançam seu deñnitivo habitat
ingestão de suco de alfafa; consumo de caranguejo ou peixe dentro do ambientehumano: a árvore biliar.Além disso, du-
crus', consumo de ñgado de carneiro ou gado crus; consumo
rante o processo de migração ao longo do tecido hepático, os
de agrião silvestre; e atividades recreativas em lagos ou áreas
vermes se desenvolvem e, finalmente, dentro desse ambiente
alagadiçaspróximas a setores de atividade pecuária. biliar,completam sua maturidade sexual.
O habitat natural do parasita adulto é compreendidopela
vesícula biliare os canais bíliares de maior diâmetro do hos-
pedeiro deñnitivo. Tipicamente, Fascíola spp. causa inúmeros
fenômenos patológicos no sistema biliar,incluindo dilatação
e espessamento da parede da árvore biliar.Além disso, den-
Estudos experimentais com coelhos demonstram que após 2.
tro do compartimento biliar,o parasito utiliza a própria bile
semanas de ingestão das metacercárias (fase aguda da
como fonte energética. Surpreendentemente, esses helmintos
infestação) há surgimento de múltiplas lesões na superficie
podem alcançar uma longevidade de até 10 anos dentro do hepática, caracterizadaspor um diâmetro variável entre l e 2.
hospedeiro delinitivo. mm e por uma tonalidade rosa ou amarela. Histologica-
Os parasitos adultos (hermafroditas por natureza) libe-
mente, tais lesões são áreas de necrose originadaspelo pro-
ram seus ovos dentro desse ambientebiliare, posteriormen-
cesso migratório do parasita ao longo do tecido hepático. A
te, os ovos migram passivamente até as alças intestinais, celularidade de tais lesões é constituida por neutróñlos, linfó-
misturando-se com as fezes. Os adultos põem até 20.000 ovos citos e hemácias. Os hepatócitos revelam diferentes graus de
operculados ao dia. Finalmente, quando o hospedeiro verte- degeneração. As áreas agredidas pelo verme podem evoluir
brado elimina seus dejetos, permite que os ovos desse hel- com fibrose e cicatrização. A magnitude das lesões hepáticas
minto alcancem o ambienteaquático. depende do número de parasitos, assim como das caracterís-
No ambienteaquático, os ovos com seus embriõessofrem ticas idiossincrasiasdo hospedeiro. As lesões inflamatórias
um crítico processo de amadurecimento. 'fodavia, é funda- podem evoluir progressivamente em função do crescimento
mental que os ovos estejam livres das fezes, assim como em ñsico do verme e de sua atividade rrtigratória no parénquima
condições propícias de temperatura. O tempo habitual para ltepático.
o embrião completar seu processo de amadurecimento pode Observa-se então incremento das células eosinoñlicas e
variar entre 9 e 25 dias. Isso ocorre quando os ovos estão ex- hipertrofia das células hepáticas. Há expansão do fenômeno
postos a temperaturas entre 25° e 30°C. inilamatóriocom subseqüente acometimentodas células epi-
_'88 Parasitologia -
uma abordagem clínica

FIGURA 24-3 Aspecto histopatológico da invasão biliar por


E hepatico [HE 350x]. Cortesia de Peters e Pasvol: Atlas of Tropical
Medicine and Parasitologv, B" ed., 2006, Elsevier Ltd.

Embora seja infreqüente, há descrição de fenômenos


ectópicos no cérebro, medula espinhal, coração, olhos, pul-
mões, epidídimo, linfonodos

FIGURA 24-2 Ciclo da fasciolose_ 1, Metacercárias são ingeridas


por meio de água ou alimentos contaminados_ 2, No duodeno, as
metacercárias são excistadas e migram para o fígado, onde se
tornam adultas i3). 4, Ovos imaturos são eliminados pelas fezes
provenientrs da bilee são depositados na água [5], tornam-se
embrionados e liberam miracidios. Os miracidios precisam
encontrar caramujos de espécies especificas para multiplicarem-se.
B, Do Caramujo são eliminadas as cercárias. 7, As cercárias
encistam-se e podem contaminar novamente o homem ou outros
hospedeiros.

teliais dos ductos biliares,assim como das células endoteliais


que revestem os vasos sangüíneos dentro do parénquima he-
pático. Finalmente, definem-se áreas de infarto e há surgi-
mento de zonas de necrose nos lóbulos hepáticas, as quais
podem ser completas ou parciais. Comumente, também se
visualizam zonas hemorrágicas na superficie hepática e hema-
tomas subcapsulares, juntamente com a formação de aderên-
cias com as estruturas e órgãos adjacentesao ñgado.
Macroscopicamente,há expansão do volume hepático com
distensão da cápsula de Glisson. Além disso, o parênquima
hepático torna-se friável e aniolecido. Já na fase crônica, Ile.,
após 7 semanas da gênese da infestação, os vermes encon-
tram-se no seu habitat final, o qual é representado pela
vesícula e árvore biliar(Figura 24-3). O sistema biliarencon-
tra-se dilatado e com suas paredes espessadas. Além de hiper-
plasia das células epiteliais dos ductos biliares,podem ocorrer
ulceração e destruição desse epitélio biliar.Dentro da vesícula
e nos ductos biliaresdilatados podem emergir formações
litiásicas. Nesta fase, o parénquimahepático pode se apresen-
tar de tamanho normal ou com uma hepatomegalia, princi-
palmente à custa do lobo esquerdo. Fisiopatologicamente, as
formas severas de fasciolose podem convergir para cirrose
biliare disfunção hepática.
tio anatômico acometido,tais como sistema nervoso central,
pele e compartimento cardiovascular.

O diagnóstico deve ser construído sobre uma plataforma


epidemiológica, sendo reforçadopelas característicasclínicas
do doente. Em arms onde essa zoonose apresenta crítica en-
demicidade, tais como Egito, Peru e Bolívia, a suspeição clinica
é maior, facilitandoo diagnóstico. História de consumo de
agrião ou ñgado crus, p. ex., pode ser um valioso elo epide-
miológico. Os exames laboratoriais inespecíñcos podem reve-
lar eosinoñlia, leucocitose, hipergamaglobulinemia,anemia,
aumento de transaminases e fosfatase alcalina. Quando há
envolvimento renal, observa-se hematúria, a qual pode ser
tanto nlicroscópica quanto macroscópica. Exames de ima-
gens tais como tomograña computadorizada (TC) ou ultra-
sonograña (US) de abdome podem auxiliarna exploração
(página deixada intencionalmente em branco)
@vençapor trematódêos
intestinazls exóticos
e dê importação
Felipe Francisco Tuon
-. 192 Parasitologia - uma abordagem clinica

No Brasil, o trematódeo mais conhecida é Schistosoma man-


som'. Porém, outros parasitas dessa classe também podem
acometer o homem. Esses outros agentes só são descritos fora
da Brasil e, a princípio, só ternos relatos de casos em imigran-
tes. O conhecimento dessas doenças se faz necessária par vá-
rios motivos: (I) reconhecimento dmses agentes em pacientes
estrangeiras; (2) identificação de casos em pacientes brasilei-
ros que viajaram para regiões onde estas doenças são
endêmicas; (3) uma vez que existam hospedeiros e vetores
para algumas dessas parasitoses no Brasil, não podemos des-
cartar a possibilidadede novos casos autóctones, sendo ne-
cessária a reconhecimento destes casas pelo médico brasileira;
(4) identiñcaçãa em exame parasitológica de ovos ou para-
sitas de determinadas espécies e a responsabilidadeda labo-
ratório de prontamente avisar ao médico sobre um caso
exótica, uma vez que estes agentes não são conhecidos pelas
clínicos gerais e muitas vezes ignorados; (5) embora muito
pouca lembrada pelas médicas, é importante a orientação
dos pacientes antes de viagens internacionaispara a realiza-
ção de proñlaxias contra essas parasitases, principalmente
porque a turista se sente atraídopor comidas e hábitos exó-
ticos em países da Sudeste Asiático, ande há maior prevalência
dessas doenças; também a prática de esportes radicais au ca-
minhadas em águas desconhecidas, que podem ser uma fonte
de contaminação para tais viajantes.
Nos últimos anos tem aumentado a número de viagens
internacionais,em função da melhora signiñcativa das con-
dições socioeconômicas de algumas populações, assim como
devido a politicas de propaganda para atrair o turismo rural
e o ecoturismo. Por outro lado, a piora das condições socioe-
conômicas em outras regiões tem propiciado um aumenta na
emigração em busca de melhores condições de trabalha. Todo
esse Huxo de pessoas seja por turismo ou migrações, tem pro-
movido uma maior disseminação de doenças parasitárias,
entre as quais a infecção por parasitas da classe Trernatada.
Algumas doenças causadas por estes parasitas serão dis-
cutidas neste capítulo, considerando as motivos expostas an-
teriormente.

Etiologia e Morfologia
A fascialapsíase é uma parasitose humana causada por Fas-
ciolopsis buski. Este parasita acomete adultas e crianças,pra-
movendo doença intestinal pela sua forma adulta presente
geralmente na jejuno e duodeno. O parasita adulto sobrevi-
ve no intestino por até 6 meses, além de ser considerado o
maior parasita dessa classe. Mede de 2 até 8 cm de compri-
mento por 0,8 a 3 cm de largura. Iá os ovos medem entre 130
a 140 pm por 80 a 85 pm (Figura 25-1).

Epidemiologia
A fasciolopsíase ocorre de fomra endêmica apenas em regiões
da Sudeste Asiática, como na Tailândia,Vietnã, além de áreas
Doença por trematódeos intestinais exóticos e de importação 193 1-
temperatura, pH e luminosidade para a eclosão dos esporo- OUADRO 25-1 Plantas aquáticas que podem estar
cistos, liberando as cermrias. Além disso, outra população de associadas a contaminação por oocistos de
risco é aquela que usufrui de alimentos provenientes desta
área, principalmente as plantas aquáticas consumidas sem
Fasciolopsis busk¡
cozimento.

Transmissão
Classicamente, o reservatório descrito na fasciolopsíase é o
porco. Porém, é importante citarmos que ratos, coelhos e
macacos também podem albergar o parasito adulto e servir
de reservatório, além do próprio homem, que é um hospe-
deiro acidental. Cada parasito adulto produz uma média de
16 mil ovos ao dia, que são eliminados pelas fezes. Para que
ocorra manutenção do ciclo, os ovos devem ser eliminados
num local com água, temperatura e pHadequados, onde ocor-
rerão (após 20 dias) a eclosão e liberação dos miracídios.O
miracídio nada livremente pela água e penetra no Caramujo.
O género desse Caramujo é bastante variável e depende da
área endêmica, sendo mais comuns os caramujos dos gêne-
ros Segmentina, Hippeutis e Gymulus.
No Caramujo, ocorre o desenvolvimento de esporocistos
que, posteriormente, liberam as metacercárias, em uma mé-
dia de 40 por esporoczisto. Estas metacercárias, diferentemen-
te de Schistonra sp., apresentam uma vida média longa (mais
de l mês) e nadam na água até se encistarem e aderirem aos
seus substratos, geralmente plantas aquáticas ou outros ele-
mentos como debris. O hospedeiro definitivo, como o por-
co ou o homem, a '

que eclode dos cistos


e o verme adulto
de metacercárias provenientes de água ou alimentos contami-
nados (Figura 25-2). É importante lembrar que outros ma-
míferos que vivem nos criadouros, incluindo bovinos e
ovinos, não fazem parte deste ciclo.
Entre as plantas aquáticas mais associadas com a fascíc-
lopsíase encontram-se algumas muito conhecidas, como
castanhas d'água, agrião, jacinto d'água e bambu aquático
(Quadro 25-1).

Patogenia
FIGURA 25-2 Ciclo da fasciolopsiase- 1, Metacercárias são
Os parasitas que se desenvolvem no intestino, acometem ingeridas por meio de água ou alimentos contaminados. 2, No
principalmente o jejuno e o duodeno, podendo, nos casos de duodeno, as metacercárias são excístadas e tornam-se adultas- 3,
grande quantidade de parasitas, ocorrer infecção no estôma- Ovos imaturos ão eliminados pelas fezes e são depositados na água
go. Eles promovem erosão da parede intestinal, que podem [4], tornam-se embrionados e liberam miracidios. Os miracidios
causar sangramentos discretos mas contínuos, assim como precisam encontrar caramujos de espécim específicas para
alteração da mucosa nesta parte do intestino delgado, com- multiplicarem-se. 5, Do Caramujo são eliminadas as cercárias. S, As
prometendo a absorção. Além de erosão, podem ocorrer cercárias encistam-se e podem contaminar novamente o homem ou
formação de abscessos e absorção de toxinasdo parasito, che- outros hospedeiros.
gando a produzir quadros de exantema e angioedema asso-
ciados com eosinoñlia. Nos casos de infecção importante,
mais, podendo ocorrer episódios esporádicos de diarréia
podem ocorrer obstrução intestinal e perfuração. aquosa a pastosa de cor amarelada. Esta diarréia pode ser in-
tercalada com períodos de constipação. Outros sintomas
Sinais e Sintomas podem se relacionarao quadro disabsortivo e à anemia, inclu-
indo edema, fraqueza e astenia, taquicardia e dispnéia,
O quadro clínico é, na maioria das vezes, oligossintomático. principalmente nos quadro de parasitismomaciço em criari-
Pode ocorrer dor abdominal, principalmente na região do ças. Náusea e vómitos também podem ocorrer, geralmente
mesogástrio e do epigástrio. As fezes estão geralmente nor- nas primeiras refeições do dia.
194 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Diagnóstico adulta presente geralmente no ceco e colo ascendente. Esta in-


fecção foi descrita recentemente, uma vez que os hospedeiros
Os achados laboratoriais inespecíñcos são anemia normo- e os métodos de transmissão sempre foram duvidosos. O pa-

crõmica e normocítica, com leucocitose e eosinoñlia, embora rasito adulto mede de 5 a 14 mm de comprimento por 4 a 6
o hemograma seja normal na maioria dos casos. Em alguns mm de largura. Já os ovos são discóides, marrons a

casos pode haver anemia com macrocitose pela possibili- esverdeados, e medem entre 150 pm por 60 um.
dade de síndrome disabsortiva e deficiência de vitamina Bu.
O exame parasitológico é ideal para ídemifcar o parasito
adulto após a sua eliminação por vómitos ou fezes em paci- Epidemiologia
entes de áreas de risco. As técnicas de concentração para iden-
üñcação de ovos são adequadas, porém há necessidade de
A gastrodiscoidiase tem uma distribuição grosseiramente
semelhante à da fasciolopsíase, uma vez que as condições de
um laboratório com experiência no reconhecimento de ovos
de Hematódeos, uma vez que eles podem ser confundidos desenvolvimento, transmissão e hospedeiros são semelhantes.
A infecção prevalece do sul ao norte da Índia, até o Paquistão,
com outros gêneros. Exames ímunológicos não estão dispo-
várias regiões da Malásia, lava, Burma, Tailândia,Vietnã,
níveis, assim como técnicas moleculares. O diagnóstico é fei- China, Filipinas, Cazaquistão e região sudoeste da Rússia
to com base no achado de ovos característicos no exame
(Volga Delta) em contato com o Mar do Cáspio. É possível
parasitológico das fezes em um paciente que teve contato com que a infecção prevalesça em outras regiões, mas seja pouco
a área de risco.
identiñcada. A parasitose também acomete o continente
africano, sendo descritos casos na Nigéria e Zâmbia. Estes
dois paises são muito distantes, o que pode significar sub-
Tratamento
notiñcação da doençanaquele continente. No Novo Mundo,
só existe um relato de caso em um imigrante indiano na
O tratamento da fasciolopsíasepode ser realizado com algu-
G .

mas drogas. A droga de escolha para o tratamento, o te-


A distribuição mais ampla desse parasito pode estar re-
tracloroetileno,não é produzida no Brasil. Esta droga, devido lacionada a outros hospedeiros, como várias espécies de roe-
aos efeitos adversos, teve sua comercialização suspensa.
dores, incluindo o rato, além de vários gêneros e espécies de
'l'iabendazol,mebendazol, levamisol e pamoato de pirantel primatas além do homem, promovendo um ciclo silvestre
são ineñcazes. O triclabendazol,que seria uma segunda es-
para esse trematódeo, o que gera publicações esporádicas de
colha, também com altos índices de cura, no Brasil só é dis- relatos de casos. Algum hospedeiro, possivelmente Ondatm
ponível em formulação veterinária. A terceira opção é o zíbethica,levou a doença para a região da Rússia e infectou
praziquantel em dose única via oral. Embora existam doses javalis, o que tornou a doença endêmica. Os inquéritos para-
controversas na literatura e livros, parece que dose única via
oral de 15 mgfkg é suñciente para a cura. É recomendado um
sitológicos mostraram uma grande variação na prevalência
de G. hominis. Na Índia, os valores chegam a 41% em esco-
controle de cura após 1 mês do tratamento, assim como o lares da região nordeste do pais, inclusive com uma grande
acompanhamentodos sintomas clínicos, se estiverem presen- porcentagem de exe-infecção com Fasciolapsis bush', provavel-
tes antes do tratamento. mente relacionada ao hospedeiro comum, o porco, e também
ao mesmo hospedeiro intennediário.
O único hospedeiro intermediário de G. ¡zominis é o ca-
Profilaxia
rarnujo da espécie Helicorbis coenosus. Tentativasde infecção
em outros cararnujos não obtiveram sucesso, embora não
A proñlaxia baseia-se no tratamento dos pacientes com infec- tenham sido testados caramujos comuns no Brasil.Alem da água
ção nas áreas de risco, orientação sobre a doença nestas áreas, contaminada com cistos, outros fatores de risco para a do-
principalmente sobre os cuidados com as plantas contamina- ença referem-se aos mesmos alimentos, como plantas aquá-
das e no afastar do hospedeiro (porco) da área, para dimi- ticas descritas na fasciolopsíase. Lagostas de água doce,
nuir a transmissão. Orientar sobre carnes cruas e ingestão de calamar, rãs e outros moluscos ou anfíbiosde regiões
plantas aquáticas não-cozidas. Se não for possível o cozimento, endémicas são fatores de risco importantes.
considerar orientação sobre solução hipertônica de NaCl a 5% E.rn alguns paises da América Latina já foram encontrados
por 3 horas. Medidas educacionais agressivas em 'faiwan re- hospedeiros intermediários para o G. hominis. Felizmente,
duziram a infecção em 80%. não temos ainda nenhum caso autóctone no Brasil.

Transmissão
Etiologia e Morfologia O porco é o hospedeiro mais comum dessa parasitose, sen-
do o homem acometido ocasionalmente. Esse reservatório
A gastrodiscoidíase é uma parasitose humana causada por suino nem sempre é representado pelo porco doméstico, po-
(Êastradíscoides hominis. Este parasita acomete adultos e crian- dendo acometer porcos selvagens também, como foi recen-
ças, promovendo doença intestinal crônica pela sua forma temente descrito na região de Kerala, extremo su] da costa
Doença por trematódeos intestinais exóticos e de importação
indiana. Outros hospedeiros definitivos podem ser macacos
e roedores comuns, como o rato.
tratamento
O parasito adulto elimina ovos, que são expostos ao meio O tratamento da gastrodiscoidíase é realizado com praziquan-
ambiente. Se o meio apresenta condiçõesadequadas de umi- tel em dose única via oral, de 15 mg/kg, o qual é suñciente
dade, temperatura e pH, ocorre eclosão com liberação dos para a cura. É recomendado um controle de cura após 1 mês
miracídios a partir de 9 dias. Os ovos podem demorar mais do tratamento, assim como o acompanhamento dos sinto-
de 3 meses para eclodir, até encontrarem condições adequa- mas clínicos que estiverem presentes antes do tratamento.
das. O miracídio então penetra ativamente no hospedeiro in-
termediário, onde se desenvolvem em esporocistos que
produzem as cercárias durante um período que pode chegar Profilaxia
até 40 dias. A evolução até o atágio de cercária pode levar até
4 meses. As cercárias hberadas na água têm uma vida máxi- As medidas de profilaxia são idênticas às da fasciolopsíase,
ma de 24 horas, quando então se transformam em cistos além das medidas gerais de limpeza do local de habitação
metacercários, contarninando a água. A água ingerida pelo para
hospedeiro definitivo contendo cisto evolui para infecção
intestinal em 100% dos casos em estudos experimentais com
porcos.

“uma
Os parasitas se desenvolvem no intestino, acometendoo ceco
e o colo. A infecção ocorre por uma média de 200 parasitos
adultos, chegando até mais de 1.500 nas infecções mais gra-
ves. Na região cecal ocorre um processo inflamatóriosignifi-
cativo com descamação de mucosa, promovendo diarréia
inflamatóriacom xrárias evacuações diárias, podendo até le-
var a óbito crianças desnutridas. Além da descamação da
mucosa, ocorrem inñltrado eosinofílico, espessamento da
muscular da mucosa e pontos variados de necrose e obstru-
ção das glândulas de Lieberkíihn.Há edema da submucosa
associado à infiltração de células plasmocitárias,de linfócitos
e de eosinólilos.

Sinais e Sintomas
A infecção por G. Izominis pode ser assintomática em adul-
tos saudáveis, ao passo que o quadro clínico pode ser extre-
mamente grave em crianças desnutridas. Além de sintomas
inespecíñcos, como dor abdominal, alguns casos podem ser
confundidos com apendiciteaguda. A anorexia não é tão agu-
da como na apendicite. O paciente apresenta diarréia com vá-
rios episódios diários, nem sempre muito volumosa.

ígím'
Os achados laboratoriais inespecífrcos são leucocitose e eosi-
noñlia. Pode haver hipoalbuminemia secundária ao processo
de desnutrição até evoluir com anasarca, configurando o
kwashiorkor. O exame parasitológico de fezes é o ideal para
diagnóstico. Os ovos de G. hominis são facilmentereconhe-
cidos, ao contrário do que ocorre com os de Fasciolopsis
bush'. Um laboratorista bemtreinado pode reconhecer pron-
tamente os ovos desse parasito, o que facilitabastante o tra-
tamento. Nos casos em que o parasito é eliminado, o exame
direto é bastante útil pela facilidadede reconhecimento do
parasito. Exames moleculares e sorológicos só estão disponí-
veis para pesquisas cientíñcas, não sendo aplicados na rotina.
196 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Transmissão dos ovos nos exames parasitológicos, sendo complicado di-
ferenciá-los dos ovos de outros trematódeos. Outros autores
Considerando a ampla dispersão pela Ásia e a variabilidade, consideram que é possível a idenüñcação de Echinostoma no
exame a fresco, sem coloração especial ou outra reação. O
alguns autores separam a doença em ciclo humano e ciclo sel-
vagem. No ciclo selvagem, os roedores são os hospedeiros parasita adulto é facilmenteidentiñcável, porém a sua elimi-
mais comuns desta parasitose, sendo o homem acometido nação é diñcil. Não existem outros exames como sorologia,
ocasionalmente. OuIIos mamíferos também podem servir de PCR ou colorações específicas para diagnóstico da equinos-
reservatórios para Bbhínostoma, como o cão e o gato. aves tomíase.
[galinhas e patos) e cobras terrestres que se alimentam de ani-
mais ou ingerem água contaminados também podem servir
de reservatórios. O ciclo humano ocorre quando o homem Tratamento
é o hospedeiro definitivo e ele mesmo contamina e adquire
a doença a partir da água e de alimentos aquáticos, respecti-
O tratamento da equinostomíase e' feito com praziquantel.
vamente. Alguns autores consideram o uso de 25 mgfkg em três doses
Os hospedeiros deñnitivos eliminam ovos do trematódeo e1n l dia. Outro trabalho considera 10 a 20 mg/kg, em dose
através das fezes, os quais, em contato com água, eclodem e única. Albendazoltambém pode ser utilizadocomo segunda
liberam o miracídio, que alcança os hospedeiros intermediá- escolha, porém faltam estudos com maior evidência. O con-
rios. Os caramujos das mais diversas espécies podem servir trole da infecção pode ser realizado por meio de novo exame
como hospedeiros intermediários. As metacercárias aban- parasitológico de fezes à procura de ovos. Este exame pode
donam os hospedeiros intermediários e na água podem al- ser repetido mensalmente e é geralmente negativo em até 6
cançar os hospedeiros definitivos. Foi demonstrado que meses, embora a maioria seja negativajá no primeiro mês.
diversos peixes de água doce podem servir como hospedei-
ros intermediários além do Caramujo, ao mesmo tempo em

que podem servir para a contaminação devido à presença de


metacercárias.
m#
A prevenção contra a equinostomíase é baseada em medidas
gerais de limpeza do local de habitação para diminuir a car-
Patogenia ga de ratos, a fim de eliminar o número de possíveis hospe-
deiros. Cuidados com alimentos e
Os parasitos que se desenvolvem no intestino produzem le-
são discrela da mucosa intestinal. Os estudos de patogenia só
foram avaliados em camundongos, e não temos descrição da
patologia humana desta parasitose. Além da mucosa acome-
tida, várias formações ulceradas também ocorrem e podem
levar a complicações.

Sinais e Sintomas
Como em outras doenças causadas por trematódeos, a maio-
ria das infecções é assintomática. Outras se apresentam de
forma subaguda e uma parcela pequena dos parasitados
apresenta-se sintomática, com dor abdominal, principalmen-
te epigásüica, fraqueza, astenia e diarréia. As lãões ulceradas
de mucosa podem, em longo prazo, produzir síndromes
disabsortivas e desnutrição. Outros sintomas inespecíñcos
gastrintestinaispodem ocorrer quando o número de parasi-
tos é pequeno, ao passo que pode haver sintomas significa-
tivos quando existe uma superpopulação do parasito no
intestino. Dor epigástrica pode ocorrer devido à fonnação de
úlcera duodenal, assim como sangramento digestivo alto,
quando ocorre invasão importante e em grande número por
parasitas na mucosa.

ESE”
O diagnóstico é baseado no quadro clinico e exame parasita-
lógico. Alguns autores consideram difícil o reconhecimento
Doença por trematódeos intestinais exóticos e de importação 197 -
que são eliminadas na água e podem se encistar. Os hospe-
deiros definitivos podem se infectar por alimentarem-se de
peixes ou moluscos infectados ou pela ingestão de água con-
tendo metacercárias.

Patogenia
Os parasitos adultos tendem a ficar no intestino delgado en-
tre os vilos dos enterócitos. A parasitose promove atrofia dos
vilos, hipertroña das criptas e uma reação inflamatóriacom
congestão dos vasos, resultando na sintomatologia e geran-
do a diarréia. Estudos em modelos animais demonstraram
que durante a imunossupressão pode ocorrer a migração
destes parasitos para sítios mais proñindos do tecido intes-
tinal, com maior quantidade de parasitos na submucosa.

Sinais e Sintomas

FIGURA 25-3 Forma de Heterophyes adulto. Cortesia de Peters e O quadro clínico da infecção por ¡Iematódeos intestinais não
Pasvol: Atlas of Tropical Medicine and Parasitoiogy, 6° ed., 2006, é muito variável. As infecções tendem a ser assintomaticas ou
Elsevier Ltd. oligossintomáticas,promovendo aumento do número de ca-
sos de portadores, que acabam por tornar a doença endê-

baleias, podendo causar doença em humanos. Os hospedei- mica, com altos valores de prevalência. O quadro pode ser
ros intermediários são caramujos de beira-mar,assim como
grave em pacientes imunossuprimidos, gerando quadro de
diarréia crônica que leva à desnutrição, facilitandotransla-
outros moluscos. Sendo Metagonimus e H eterophyes os prin-
cipais agentes desta família, exploraremos mais os aspectos
cação bacteriana e morte por sepse. Nos casos sintomáücos,
os sintomas mais freqüentes são desconforto abdominal,
destes agentes. Heterophyes apresenta ampla distribuição na
diarréia leve a moderada, letargia, hiporexia e emagrecirnen-
Ásia, principalmente no Sudeste Asiático, em alguns paises da
to. A intensidade dos sintomas varia com a carga parasitária
Oceania, e chega apresentar alguns focos em Israel e outros
e o grau de invasão e processo inflamatórioproduzidos por
países do Oriente Médio. O Egito e a China são países que estes parasitos no tecido intestinal. Outro dado importante é
apresentam altas prevaléncias da infecção por este parasito.
Memgonimus tem também ampla distribuição,sobrepondo- que turistas que se infectam em áreas endêmicas têm maior
se às áreas onde há Heterophyes, incluindo países da Europa,
chance de apresentar quadro mais grave que aqueles que já
habitam regiões endémicas.
como a Espanha.
No Brasil, alguns representantes da família Heterophyidae
foram descritos em casos humanos, causando doença intes-
tinal após a ingestão de tainha. O agente identificado foi Diagnóstico
Phagicola spp. A tainha é considerada um hospedeiro inter- O diagnóstico da heterofíase pode ser facilmenterealizado por
mediário contendo metacercárias que, quando ingeridas, le-
vam a doença para o hospedeiro deñnitivo, que pode ser o
meio da pesquisa de ovos no exame parasitológico. Porém, a
homem. Porém, os principais hospedeiros definitivo na Amé- determinação da espécie e género é dificil, sendo necessaria a
rica do Sul são cães e gatos, distribuídos em vários países, in- presença do verme adulto nestes casos. Os vermes adultos
cluindo o Brasil. podem ser obtidos logo após o tratamento empírico. Obvia-
mente, existem outros testes de amplificação de ácidos
nucléicos e irnunológicos para identificação, porém são res-
Transmissão tritos aos centros universitários e de pesquisa.

Os hospedeiros definitivos podem ser cães, gatos e aves que


se alimentam de peixes, assim como baleias, raposas e outros
Tratamento e Profilaxia
mamíferos e aves. Estes hospedeiros eliminam ovos conten-
do miracídio, os quais eclodem em condiçôesadequadas de O tratamento da heteroñase é semelhante ao de outros tre-
umidade e alcançam moluscos dos mais variados gêneros, matódeos intestinais, baseando-se no praziquantel em dose
incluindo os de água salgada ou doce. Diversos peixes tam- única. Estudo demonstrou que doses entre 10 e 20 mgfkg po-
bém podem servir como hospedeiros intermediários. Nestes, dem levar à cura entre 95% a 100% dos casos.
ocorre o desenvolvimento de um esporocisto onde os As medidas de profilaxiasão idênticas às da fasciolopsíase,
miracídios se multiplicam e se desenvolvem em metacercáriai, com orientações sobre evitar alimentos mal cozidos ou crus.
_#98 Parasitologia - uma abordagem clínica

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@oença por trematódêos
tecicfuazls exóticos
e dê importação
Felipe Francisco Tuon
200 Parasitologia -
uma abordagem clínica
o consumo de hospedeiros com a metacercária de Paragoni-
mus, como lagostas e caranguejos de água doce, de forma
crua ou pouco cozida. Os casos humanos ocorrem principal-
O grupo de parasitos trematódeos pode se alojar no intesti-
mente no Sudeste Asiático e Japão. Taiwan,Tailândia,Índia,
no e também em outros órgãos, como fígado, vias biliarese
China e Coréia são os paises que mais descrevem casos dessa
pulmão. Parasitos extra-intestinais foram descritos anterior-
mente, como Schistosoma e Fasciola. Neste capitulo descreve- parasitose, embora diversos casos possam ser descritos até o
norte do continente africano. Em diversas regiões destes paí-
remos outros parasitas raros no Brasil e até mesmo só
ses são descritos casos e e difícildelinear as províncias mais
descritos em outros continentes.
Embora alguns destes parasitas não tenham sido descri- atingidas, embora a região litorânea comporte-se como área
tos no Brasil, tomamos o cuidado de descreve-los de forma
endêmica. à culinária desses países favorece a disseminação
ou manutenção da doença, uma vez que as metacercárias,
pormenorizada, uma vez que o meio ambiente em nosso
país, assim como os hospedeiros, seriam adequados à trans- responsáveis pela transmissão ao homem, podem permane-
cer mcistadas em lagostas sob conserva, mesmo em álcool.
missão. Este fato torna possivel a descrição de casos futuros
No continente americano, existem vários casos em paises
no Brasil, seja pela primeira vez devido a introdução de um
sul-arnericanos com costa para o Pacífico, como o Peru e o
imigrante nas regiões com potencial, seja pela identificação de Equador. Nos Estados Unidos, embora a maioria dos casos
casos que, na realidade, já existiam há muito tempo, porem
jamais haviam sido descritos devido à distânciada assistên- seja proveniente de pacientes que viajaram ou já moraram
nas áreas endémicas do Oriente, alguns poucos casos são au-
cia médica associada ao dificil reconhecimento de alguns pa-
rasitos desta classe.
tóctones, descritos em regiões onde Paragonimus de espécie
diferente daquela encontrada no Oriente ocorre no meio am-
biente em hospedeiros mamíferos, também diferentes. A
não-disseminação da doença no país se dá pelo fato de não
haver o hábito de ingestão dos alimentos contaminados de
forma não-cozida_
Etiologia e Morfologia O Equador é considerado um pais com niveis endêmioos
dessa parasitose. Em 1850, no Brasil, foi descrita a presença
A paragoninúase é a parasitosepulmonar causada por várias de uma espécie de Paragonímusem uma lontra no estado do
espécies do gênero lhragonimus. Existem mais de 40 espécies Mato Grosso. Porém, varios estudos posteriores na região
descritas no mundo causando doença em felinos (gatos, t1'- não conseguiram demonstrar outros hospedeiros que pudes-
gres, leões, panteras) e caninos (raposas, lobos, cães), além sem veicular o parasita e o caso ainda e' questionado.
de comprometer outros mamíferos como porcos, guaximns, Em relação aos hospedeiros intermediários, existem diver-
focas, lontras e, ocasionalmente, o homem. Estes seres adqui- sas espécies de moluscos que podem albergar o parasita. No
rem a doença por meio da ingestão de caranguejos, siris ou Brasil, existe potencial para a existência da parasitose em hu-
lagostas infestados. A espécie mais bem descrita é Paragonimus manos após a descrição de um grande número de Thiara
uresternzani. O parasito adulto pode medir entre 0,8 até 1,6 cm tuberculata nas regiões de Santos e em outras na bacia do alto
de comprimento por 0,4 por 0,8 cm de largura e apresenta cor Paraná. Se introduzida nestas regiões, pode haver o risco de
vermelho-arnarronzada(Figura 26-2). Sobrevivem nos pul- doença nessa população devido ao consumo de crustáceos de
mões, dos hospedeiros mamíferos em formas enczistadas, e eli- água doce possivelmente contaminados com metacercárias
minam os ovos na vias aéreas, os quais medem entre 80 a 120 que se originem dos moluscos. O primeiro caso humano no
pm de comprimento por 48 a 60 pm delargura (Figura 26-1). Brasil foi descrito em 2007, no estado da Bahia.

Epidemiologia Transmissão
Aparagonimíase tem uma distribuição ampla no mundo, A parasitose no homem é adquirida por meio da ingestão de
mas ocorre de forma mais importante em áreas onde eidste metacercárias presentes em caranguejos ou lagostas de água
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FIGURA 26-1 Forma de ovos do parasita no exame direto. Cortesia FIGURA 26-2 Poragonimus adulto. Cortaia de Peters e
de Peters e Pasvol: Atlas of Tropical Medicine and Parasitology, B* Pasvol: Atlas of Tropical Medicine and Parasitology, 8' ed., 20GB,
ed., 2006, Elsevier Ltd. Elsevier Ltd.
Doença por trematódeos teciduais exóticos e de importação
doce crus ou mal cozidos. Estas metacercárias encontram-se casos no pulmão. Porém, podem ser encontrados nos mais
encistadas nesses hospedeiros e, após a ingatão pelo homem, diversos órgãos abdominais, torácicos e até mesmo no siste-
ocorre a liberação da metacercária, a qual atravessa o intes- ma nervoso central. Nestes locais, o primeiro achadoé o in-
tino delgado. Após atravessar a parede intestinal, percorre a filtrado inflamatórioagudo composto por neutrófilos, e na
cavidade peritoneal até atingir os pulmões, passando pelo seqüência, ocorre a migração de eosinóñlos, que refletirá a
músculo diafragma No pulmão, o parasita- se desenvolve eosirloñlia (Figura 26-4).
para o estágio adulto e ocorre a liberação de ovos. Os ovos são As melhores descrições da histologia da paragonimíasesão
eliminados pelos brônquios ou pelo intestino após a ingestão no pulmão. Nesse órgão, o parasito promove o seu encista-
deles. Os ovos eliminados por qualquer uma das formas atin- mento com comunicação para um bronquíolo terminal, mes-
gem a água e, em condições adequadas, há o desenvolvimento mo na vigência de um processo inflamatóriosignificativo. Os

para miracídio,penetrando no hospedeiro intermediário, que ovos que são produzidos pelo parasito neste local levam a
é composto por diversos moluscos, como cararnujos de água novo processo inflamatório granulomatoso, que também
doce (p. ex., Semisulculospira). Nesses hospedeiros interme- pode ocorrer em locais a distância, quando os ovos caem na
diários, ocorre a formação dos esporocistos para cercárias circulação, da mesma forma como é descrito na esquistosso-
que, neste estágio, abandonam o molusco e então invadem os mose. Ovos podem ser achados nos mais diversos órgãos,
crustáceos, como lagostas de água doce ou caranguejos. Nes- como baço, ñgado, rim, músculo, testículos, ovários, tecido
ses hospedeiros há o desenvolvimento de cercária para subcutânooe sistema nervoso central_ Em algims locais com
metacercária, a qual se encista. Os diversos hospedeiros defi- espaço virtual, como pleura e pericárdio, pode ocorrer o de-
nitivos, incluindo o homem, adquirem Parugonimus após a senvolvimento de derrame caxritário, como derrame pleura]
ingestão destes crustáceos (Figura 26-3). e pericárdico. Porém, nestes locais o parasito tende a não so-
breviver e geralmente os achados são negativos nos casos re-
latados.
Patogenia
Em modelos animais, P. westennani atravessa a parede intes- Sinais e Sintomas
tina] após 5 a 1D dias da ingestão oral. Alguns autores chega-
ram a encontrar o vagueanclopela cavidade peritoneal
verme Durante a migração do parasito pela parede intestinal até o
por até 20 dias. Quando o parasito alcança o estágio adulto, pulmão, não ocorre o desenvolvimentode sintomas ou
ele para de progredir a disseminação, levando à formação
de ovos no local em que se encontra, sendo na maioria dos

FIGURA 26-3 Ciclo de transmissão da paragonimiase 1, O homem


adquire o parasito atravà da ingestão de crustáceos contaminados
com a metacercária. 2, No homem ocorre o desenvolvimento de
formas adultas e os ovos são eliminados pelas fezu ou através das
vias aéreas superiores_ pelos brõnquios. 3, Os ovos eliminados
desenvolvem-se em miracidios, que infectam moluscos especiñcos
(4). 5, Cercárias são eliminadas e [6] ¡nfectam crustáceos.
202 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Desta forma, alguns pacientes podem ter sintomas leves e Exames de hipersensibilidadecutânea tardia também po-
transitórias, ao passo que outros pacientespodem ter sinto- dem ser utilizados no diagnóstico desta parasitose, mas não
mas importantes com comprometimento do estado geral, estão disponíveis fora das áreas endêmicas.
além do desenvolvimentode uma resposta inllamatóriapul- O diagnóstico definitivo baseia-se no achado de ovos do
monar significativa,gerando ñbrose pulmonar com seqüelas parasito, principalmentepelo exame direto de escarro, embo-
graves, mesmo após cura da paragonimíase. Nestes casos, ra a acurácia seja baixa (010%). Quando o exame de escarro

podem ser observados baqueteamento digital e unhas em vi- é repetido mais de cinco vezes, consegue-se atingir um valor
dro de relógio. preditivo positivo de 50%. O lavado broncoalveolarpode au-
O exame físico pode revelar diversos achados, como es- mentar este número para mais de 60%.
tertores crepitantes localizados ou difusos. Em alguns casos Ovos podem ser achados nos mais diversos órgãos, como
pode haver diminuição da ausculta em um lado do tórax, se- baço, fígado, rim, músculo, testículos, ovários, tecido sub-
cimdária ao derrame pleural. Nos casos crônicos, a ausculta cutãneo e sistema nervoso central. Neste último caso, os ovos
pulmonar pode revelar roncos que são encontrados nos ca- podem ser encontrados no líquor.
sos de bronquiectasias secundárias à inflamação crónica dos
brônquios. Som tubário também é descrito nos casos crôni-
cos em que há formação de cavitação, tornando-se um diag-
nóstico diferencial com a tuberculose pulmonar.
Tratamento e Profilaxia_
Na paragonimíase cerebral, que ocorre em menos de 1% O tratamento da paragonimiase é baseado no praziquantel,
dos casos, o quadro clinico consiste em náuseas e vômitos 25 mgfkg três vezes ao dia, por 2 dias. O controle de cura é
com cefaléia. Alteração visual também é comum e quadro baseado na melhora clinica, na negativação das pesquisas di-
neurológico com sinais de localização pode ser bastante va- retas de ovos e na diminuição dos títulos imunológicos.
riável, com comprometimento motor e sensitive associado. O tratamento da paragonimíase cerebral é parecido com
Em outros casos pode ocorrer convulsão focal ou generaliza- o da neurocisticercose, em que se deve avaliar a possível via-
da. Sinais meningorradiculares também são comuns nstes bilidadedo parasito na lesão e instruir o tratamento confor-
pacientes, gerando rigidez nucal secundária à meningite me os sintomas.
eosinofílica. A profilaxiabaseia-se na orientação sobre evitar crustá-
Sinais e sintomas de paragonimíaseem outros órgãos po- ceos crus ou mal cozidos. A orientação pré-viagem para tu-
dem gerar quadro clínico conforme o órgão acometido, ristas também é importante.
como hematúria na doença renal, aumento de volume testi-
cular na paragonimíasetesticular, e nódulos subcutãneos na
doença muscular ou do tecido conjuntivo.
Etiologia e Morfologia
PÍÊSJEÊÉÊÍE?
A clonorquiase é a parasitose causada por Clonorchis sinensís.
A eosinoñlia associada à discreta leucocitose é um achado Como os trematódeos intestinais, esse parasito acomete adul-
muito freqüente na paragonimiase. Na paragonimíase cere- tos e crianças em diversas áreas do Sudeste Asiático. A carac-
bral há meningite eosinoñlica. Os exames de imagem torácica terística desse parasita é o comprometimento distal das vias
nos quadros pulmonares podem revelar anormalidades em biliares.A presença do parasita adulto nesse local não ocasio-
mais de 80% dos casos. Os achados podem demonstrar desde na sintorrtatologia importante, podendo sobreviver por mui-
inñltrados inespecíñcos ou calcificações até micronódulos ou tos anos noHgado sem comprometimento sistêmico ou mesmo
nódulos que podem gerar cavitações na evolução crônica. Na local do hospedeiro. O parasita adulto mede de lO a 25 mm
doençapleural pode ser descrito desde espessamento pleural de comprimento por 3 a 5 mm de largura. Os ovos são eli-
até derrame preenchendo todo o hemitórax. A tomografia minados pela via biliare cerca de 2.500 ovos medindo entre
computadorizada axial do tórax pode ajudar na descrição 29 um por 16 pm, atingem as fezes diariamente.
destes achados, porém não dá o diagnóstico.
Os achados de imagem nas formas extrapulmonares po-
dem variar desde nodulações calciñcadas ou não até forma- Epidemiologia
ções císticas.
Os exames sorológicos são bastante úteis no diagnóstico. Clonorchis sinensis causa doença na China, 'l'aiwan, Japão,
A reação de ñxação do complemento foi bastante utilizada, Coréia e Vietnã. O homem adquire o parasito mediante a in-
inclusive no acompanhamento do tratamento mediante con- gestão de peixes contaminados com a metacercária de C.
trole da titulação. Porém, com o advento das técnicas de ELISA sinensís endstada. Para isto, o peixe deve ser ingerido cru, mal
[ensaio imunossorvente ligado à enzima), foi paulatinamen- cozido ou em conserva pouco hipertônica. Por este motivo, a
te substituída por essa técnica, que apresenta sensibilidadee doença está associada não apenas a uma questão geográfica,
especiñcidade próximas a 90930. Podem ocorrer falso-posititm mas também ao costume alimentar. A doença também está
em infecções por outros tremátodeos e os títulos podem le- presente na Rússia e estima-se que sete milhões de pessoas es-
var anos para cair, dificultando a diferenciação entre infecção tejam infectadas com C. 'nensis Trabalho recente na Coréia
passada e aguda nos pacientes de áreas endêmicas. revelou uma prevalência de 1,4% na população. O parasito
Doença por trematódeos teciduais exóticos e de importação 203

acomete mais homens e idosos. lsto deve aos hábitos da po-


se
pulação onde a doença é endêmica, uma vez que os homens
tradicionalmentegostam de ingerir peixe cru mergulhado em
vinagre ou outros preparados condimentados como entrada
ou aperitivo em encontros sociais. Nessa situação, as mulhe-
res estão pouco presentes.
A doença se tornou famosa pelos relatos de casos duran-
te a Segunda Guerra Mundial, quando judeus reñrgiados em
Parasitologia - uma abordagem clínica
alguns meses. Alterações de transaminasa são discretas e não-
persistentes. Pode ocorrer aumento de bilirrubinas,principal-
mente da fração direta, devido à obstrução da via biliar.
O diagnóstico encerra-se com o achado de ovos do para-
sito nas fezes, o qual apresenta características muito seme-
lhantes às de outros trematódeos
Doença por trematódeos teciduais exóticos e de importação 205 é

bém apresenta áreas de risco e casos, assim como a Europa dem ser discretos ou de forma mais intensa, chegando a as-
Oriental. Filipinas, Malásia e Coréia são países com preva- sociar febre, icterícia e dor em hipocôndrio direito. Sinais de
lência alta em determinadas províncias. Outras áreas do hipertensão porta são raros.
mundo também apresentam casos que são relacionados ao
turismo para determinada região onde a opistorquíase é
endêmica. No Brasil, não CJCÍSÍCID casos autóctones de opis-
torquíase, embora o risco exista. A baixa probabilidadetam-
bém está associada ao fator de risco de ingestão de alimentos O diagnóstico é baseado nos fezes demonstrando
exames de

crus, que não é comum, embora esteja aumentando. os ovos característicos, em pacientes provenientes de área

Uma das preocupações no Brasil foi o abandono de exa- endêmica. Exames moleculares de auxílio diagnóstico nestas
mes parasitológicos que eram realizados nos imigrantes pro- parasitoses não são amplamente utilizados, e os exames so-
venientes do Sudeste Asiático, China e Japão. No Canadá, rológicos não diferenciam estes de outros trematódeos. Po-
mais de 15% dos imigrantes chineses tem opistorquíase, e no rém, o tratamento não difere muito, e considerando esta
Brasil não temos trabalho publicado. característica, o tratamento empírico é amplamente utilizado.
A correlação entre a opistorquíase e o colangiocarcinoma Os exames de imagem são importantes, revelando alterações
também existe. Um trabalho demonstrou que a incidência de semelhantes às descritas na clonorquíase, tanto em ultra-
colangiocarcinoma aumenta em 1D vezes quando a prevalên- sonografia, quanto na tomografia e na colangiorressonância.
cia também aumentaem 10 vezes.
Como o próprio nome diz, O. felinus tem a preferência
Tratamento e Profilaxia
por parasitar gatos, mas também atinge cães, visons e ou-
tros roedores. O ciclo de vida deste parasito está descrito na
O tratamento com praziquantel apresenta altas taxas de cu-
Figura 26-5.
ras, aproximando-se de 100%. A dose consiste em 25 mg/kg
em três doses
Patogenia
O parasito adulto Opisthorchis promove um processo infla-
matório na via biliare no tecido hepático periductal. A inten-
sidade do processo inñamatóriovaria signiiicativamente com
a quantidade de parasitas. Macroscopicamentedesenvolvem-
se nódulos ou cistos que geram irregularidades na superñcie
do fígado, as quais podem ser visualizadas durante laparos-
copia. O inñltrado inilamatórioé inicialmente eosinofilico,
gerando eosinoñlia periférica, e em longo prazo culmina com
infiltradomononuclear linfocítico (Figura 26-8).

Sinais e Sintomas
O quadro clínico é bastante frustro, como descrito na clo-
norquíase. Os sintomas iniciais consistem em dor abdominal,
diarréia, náusea com vômitos e mal-estar. Estes sintomas po-

FIGURA 26-8 Aspecto histopatológico da opistorquiase. Cortesia


de Peters e Fasvol: Atlas of Tropical Medicine and Parasitologv, 6=
ed.. 2006, Elsevier Ltd.
_gana Parasitologia - uma abordagem clínica
lar nos humanos com tétano, dificultando a formiga de se li-
vrar do vegetal, sendo facilmenteingerida pelos ruminantes
durante o repasto. As formigas são ingeridas por estes ma-
míferos, sendo as metacercáliasliberadasno intestino delga-
do alto e duodeno, de onde
"Iízníases
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
'aos Parasitologia -
uma abordagem clínica
distal há um grupo de células de grande poder gerador que
irão produzir as proglotes, ou anéis. O anel mais velho e' o que
está mais distante da cabeça O verme adulto atinge seu mai-
or tamanho cerca de 3 meses após a infecção.
Cestódeos são parasitos segmentados, com o corpo achatado. Os anéis que estão nos primeiros metros são chamados de
O verme adulto desenvolve-se a partir de formas císticas, para
o estágio metaoercóide, que ocorre em vertebrados, inverte-
"proglotes jovens" ou imaturas, pois não apresentam estru-
turas sexuais ainda definidas. São mais largos do que longos
brados e mesmo em seres humanos. Nessa última situação,
e só têm uma abertura: o poro genital. Pelo anel jovem não é
a expressão clinica da presença de formas metacercoides em
tecidos [cisticercoses) é potencialmente revestida de maior possível
gravidade quando comparada à presença de vermes adultos
no tubo digestivo. Como não há invasão da mucosa, as in-
fecções por vermes adultos são, na maioria das vezes, assin-
tomáticas ou oligossintomáticas. Muitas vezes o diagnóstico
é feito pelo encontro de proglotes nas fezes ou na roupa ínti-
ma, em indivíduos completamente axintomáticos. As infecções
por cestódeos são endêmicas na maior parte do mundo e
constituem-se problemas de saúde pública em algumas delas.
Há quatro espécies de cestódeos de distribuição geográfica
ampla e que podem causar doença humana: 'làeniasolium (té-
nia-do-porco), 'II saginam (ténia-do-boi),Hymenalepis nana
(ténia anã) e lhphyllobothrium!atum (tênia do peixe). Além
dessas, há outras espécies de cestódeos que podem infectar o
homem (p. ex., 'Iàenia asiatica) e outras que o fazem aciden-
talmente, como resultado de exposição zoonótica, por exem-
plo peixes, como é o caso de LHphyHobotíniumpaalficum nas
Américas, e D. nihonkaiense no Japão, além de Mplogonoporrxs
grandis também no Japão, roedores (Hymenolepis dinrirruta,
Raíflietinaspp. e Inermicapsijfer spp.), canídeos (iliipylrliium
aminum e Mesocestoides spp.) e primatas (Berriella spp.).
Neste capítulo serão discutidas as teníases. Outros parasi-
tos cestódeos serão abordados em capítulos específicos.
As teníases são infecções provocadas por formas adultas
de cestódeos do gênero ?tirania (mais comumente 'Ihenia
saginata e 'lâmina solium) que se desenvolvem no intestino
delgado do seu único hospedeiro deñnitivo: o homem. Os hos-
pedeiros intermediários naturais são animais que albergam as
formas larvares (ou cisticercos) em seus órgãos e tecidos. No
caso de 'IÍ saginara, o hospedeiro intermediário é o boi e de
'lí solium, o porco; o ser humano também pode, acidental-
mente, ser hospedeiro intermediário de 'JI solium, desenvol-
vendo a doença chamada cisticercose humana.

Os vermes adultos são parasitos achatados, em forma de ñta


branca ou amarelada, com um extremo anterior mais ñno,
que corresponde à cabeça ou escólex, e urn extremo posteri-
or mais largo, que está constituído pelos últimos segmentos
da tênia. A cabeça consiste em uma pequena dilatação, como
se fosse uma cabeça de alfinete, com quatro ventosas muscu-
lares que funcionam como órgãos de fixação. Os adultos de
ambas as espécies atingem até cerca de 10 metros de compri-
mento e são hermafroditas: cada proglote tem órgãos genitais
masculinos e femininos que se abrem para o exterior pelo
poro genital.
Os primeiros centimetros do helminto não apresentam seg-
mentos e constituem o colo ou pescoço, e na sua porção
QUADRO 27-1 Caracteristicas do parasita Taenia

Taenia solium

Comquofrovenbscaserostooom
duplo coroa de ganchos
Com menos de 12 ramificações uterinos
em onda lodo
Marior, até 5 metros
Número de proglotes Até 1.000
Desprendimenlo dos
proglotes ou apólice doestlúbiio
Ovos nas proglotes grávidas De 30 a 40 mil

possuindo cor branca e liquido em seu interior. Por transpa-


rência podem ser observados o pescoço e o escólex,
Teníases 211 -
teníase humana. Dessa forma, as medidas de controle para as grávidas atingem o estômago através de movimentos antipe-
duas condiçõespatológicas baseiam-se na inspeção da carne ristálticos ou vômitos intensos e prolongados; nessa situação,
para consumo humano, implementação de melhoriassani- o número de larvas que invadem os tecidos é muito grande
tárias, educação sanitária e notificação e tratamento da teníase (da ordem de centenas ou milhares). O embrião hexacanto
humana com o objetivo de interromper esse ciclo. pode, então, assestar-se em vários órgãos e tecidos, sendo
mais commnente encontrado no tecido celular subcutâneo,
musculatura estriada, olho e sistema nervoso central. Do
ponto de vista da importância relacionada à gravidade do
quadro clínico, destaca-se a neurocisticercose, que será dis-
Estudos sobre a imunidade nas teníases e cisticercose têm de- cutida em seus pormenores no Capítulo 28. Na cisticercose
monstrado que homens e animais infectados reagem à infec- ocular, a apresentação clínica pode ser representada por des-
ção mediante resposta humoral e celular, esta última tipo colamento de relina, quando o cisticerco localizado em posi-
Th2. A produção de anticorpos específicos tem permitido o ção sub-reliniana cresce e exige mais espaço; altemalivamente,
desenvolvimento de testes sorológicos de importância a larva perfura a retina e se localiza no humor vítreo, onde,
diagnóstica, tanto nas teníases como na neurocisiicercose. inicialmente, causa pouca reação inflamatória;com a morte
Também é sobre esse fato que se apóiam os esforços na pro- do parasita, o inñltrado inñamatório tende a aumentar,o que
dução de vacinas para uso nos rebanhos suínos. Com rela- é acompanhado por irites, iridociclites, uveítes e, algumas ve-
ção à resposta imune celular nessa última condição, os zes, pan-oftalmites. A presença de cisiicercos no tecido celu-
poucos estudos disponíveis até o momento revelam que, lar subcutãneo e na musculatura esqueléiica não acarreta
quando há equilíbrioentre o parasito e os tecidos do hospe- conseqüências clínicas importantes, sendo muitas vezes
deiro, quando o parasita está íntegro, predominam nos teci- identiñcada incidentalmene em exames radiológicos que evi-
dos adjacentes aos cistos as citocinas de tipo Thl, como denciam cisticercos calciñcados.
lL-2; já quando há morte dos cistos, as citocinas presentes
no inñltrado inñamatório existente são predominantemente
do tipo Th2, como IL-6.

Em grande parte das vezes, o diagnóstico é estabelecido pela


referência do paciente sobre eliminação passiva de proglotes
que, neste caso, são eliminadas durante as evacuações ou ao
A infecção por ZE solium não difere substancialmente das in- seu término. Quando isso não ocorre, diante de suspeita cli-
fecções por 'L' saginata quanto ao quadro clínico decorrente nica, a tamização das fezes, a peneiragem das fezes de 24 ho-
da presença de verme adulto no tubo digestivo. Como não há ras é passada através de peneira especial sob jato de água,
invasão da mucosa, os sinais e sintomas clínicos são atribuí- ficando retidas as proglotes. 0 diagnóstico da espécie de 'làenia
dos à presença de um verme de grandes dimensões na luz spp. que está implicada no caso é realizado por meio da cla-
intestinal e, segtmdo alguns, da absorção,pela mucosa intes- rificação do tegumento com ácido aoético e observação das
tinal, de excretos do verme, com potencial de causarem algu- ramificações uterinas (que, no caso de 'L' solium, são pouco
mas manifestações sistêmicas relatadas nessa helmintíase, tais numerosas e de tipo dendrítico). A pesquisa de ovos nas fe-
como irritabilidadee cefaléia. Assim, relato de dor abdominal zes pode ser realizada por qualquer método desenvolvido
incaracteristicaé o sintoma mais freqüente, além de náuseas, para esse fim, mas sua sensibilidadediagnóstica não é boa;
fraqueza, perda de peso, aberrações no apetite, cefaléia., obs- também, o encontro de ovo-s não permite a idemiñcação da es-
tipação intestinal ou diarréia, pruiido anal e estados de exci- pécie. J á a pesquisa de ovos na pele da região perineal com o
tação. Como na teníase por 'E solium as proglotes não se emprego de ñta adesiva tem sensibilidademaior, mas consti-
deslocam ativamente, a ocorrência de complicações obstru- tui-se prática nem sempre aplicável na rotina clinica. As pro-
tivas, como apendicite, são menos prováveis que na infecção vas imunológicas também não têm sensibilidade elevada,
por 'II sagimzta. embora permitam, quando positivas, estabelecer o diagnós-
tico específico.
No caso da cisticercose, evidentemente o grande avanço
Cisticercose nas técnicas de diagnóstico por imagem, como a tomografia
computadorizada e a ressonância nuclear magnética,permi-
É a doença resultante da presença de formas metacercóides tiu uma melhor avaliação da prevalência de neurocisticer-
(cisticercos) de E soliunz nos tecidos do homem infectado por cose, bem como a caracterização das formas larvárias e as
meio da ingestão de proglotes grávidas ou ovos; as maneiras alterações anatômicas e fisiológicas resultantes da sua presen-
segundo as quais acontece a infecção são variáveis e incluem: ça no sistema nervoso central. Esses exames de imagem per-
(a) heteroinfecção, quando há ingestão incidental de ovos de mitem estimar o estágio em que o cisiicerco se encontra:
TI salium; nessa situação, a quantidade de ovos ingeridos é larvas viáveis, em degeneração (lesão com reforço periférico
geralmente é pequena; (b) auto-infecçãoexterna, quando, em de contraste) ou calciñcadas. Ao lado disso, os exames cito-
função de hábitos precários de higiene, o próprio portador da quimico e imunológico do líquor proporcionam ferramentas
teníase ingere ovos, sendo mais comum entre crianças e do- bastante adequadas para o diagnóstico. As alterações cito-
entes mentais; (c) auto-infecção interna, quando proglotes químicas no liquor são representadas por pleocitose à custa
212 Parasitologia -
uma abordagem clínica
de linfomononucleares e hiperproteinorraquia, podendo, O praziquantel provoca grande perda de íons cálcio pelo
contudo, estar ausentes ou ser bastante discretas. As provas verme, com conseqüente paralisia da musculatura e expulsão
imunológicas que permitem a detecção de anticorpos especí- dos mesmos. Trata-se de droga bem tolerada., porém contra-
ficos, sobretudo da classe IgG, no líquor, têm uma eficácia indicada durante a gestação em função de ser bastante absor-
diagnóstica que depende da técnica empregada. Assim, a re- vida. Dose única relativamente baixa, de 10 mgjkg de peso, é
ação de fixação de complemento, on reação de Weinberg, a suficiente para erradicar a parasitose em quase todos os casos.
primeira a ser utilizada, tem uma sensibilidadeboa (mais de O controle de cura deve ser realizado por meio da tamiza-
80%) quando há reação inllamatóriano líquor; em situações ção das fezes de 24 horas cerca de 90 dias após o tratamento, à
nas quais a análise quimiocitológica resulta norn1al, essa sen- procura de proglotes. No caso do tratamento com niclosami-
sibilidade é bem inferior. lá a reação imunoenzimática da, pode-se realizar tamização das fezes de 24 horas logo após
(ELISA) permite a detecção de anticorpos IgG e IgM, tendo a administração do fármaco, pois a identificação do escólex
elevadas especiñcidade e sensibilidade,mesmo naqueles casos nessa situação indica erradicação da teníase; já o emprego de
com escassa repercussão inñamatória no liquor. praziquantel destrói completamente o parasita, tornando
improvável a identiñcação do escólex.

O tratamento medicamentoso da teníase é realizado por


meio de dois fármacos que apresentam boa eficácia e boa CRAIG, P.; ITC), A. Intestinal cestodes. Curi'. Opin. Infixt. Dis., v. 20,
tolerabilidade:a niclosamida (ou clorossalicilarnida)e o pra- p. 524-532, 2007.
ziquantel. FLISSER, A.; RODRÍGUEZ-CAINTTL, R. 8( \VTLLINGHAM III, AL.
Control of the meniosisfcysncercosis complex: future desrdopments.
A niclosamida, ou clorossalicilamida,atua provocando Ver. Parasitol., v. 139, p. 283-292, 2006.
distúrbio na oxidação fosforilativado verme, sobretudo no HOBERG, EP. Taeníatapewomis: their biology,evolution and socioe-
escólex e nas proglotes próicirnas do colo, com a resultante conomic signíficance. Microbes Infect., v. 4, p. 859-866, 2002.
morte do cestódeo. Trata-se de droga pouco absorvida pela KRAFT, R. Cysticercosis: An emerging parasitic disease. Am. Fam.
mucosa intestinal e muito bem tolerada. Pode ser utilizada Physícian., v. 75, p. 91 -96, 2007.
durante a gestação para tratamento da infecção por T solium,
no sentido de evitar o risco de auto-infecçãointerna durante
a gravidez, levando à cisticercose, em função de eventual
hiperémese gravidica. O óbice a seu emprego está relaciona-
do com a necessidade de ingestão em sendo necessária htrpz/hvxvxmcve.saude.sp.goxnbrlhtmfhidricafTaeniajaghtm
Site do ("entro de Vigilância Epidemiológica com fotos e noções
dieta leve na noite anterior. Também é necessária a adminis-
básicas sobre teníase.
tração de laxante suave 1 hora após a deglutição dos compri- http:ffxmmnufrgs.brlpara-sitellmagensatlasfánimaliafTnenia%20
midos, que devem ser Inastigados. A dose recomendada e' de soliumbtm
2 g para o adulto e 1 g para as crianças, em dose única. Sim da LTFRGS com fotos sobre ?Benin saüum.
http:.lf1v1vur.dpd.cdc.gox'/clpdJdI-ITMUlmageljbraryfTaeniasisjl.htm
Sin: do Centro of Disease Control com fotos sobre a teníase.
Weurocisticercose
Hélio Rodrigues Gomes
214 Parasitologia -
uma abordagem clínica
dos, como o tecido celular subcutâneo,o sistema muscular
esquelético, o globo ocular e, sobretudo, o sistema nervoso
A neurocisticercose (NGC) é a doença parasitária mais fre- central, que será comprometido em 90% das vezes. A oncos-
fera chegará à forma larvária plena em alguns meses.
qüente do sistema nervoso, sendo a causa mais comum de Uma vez atingido o sistema nervoso, o cisticerco se Exa no
epilepsia secundária em países da África, América Latina e tecido cerebral ou nos espaços liquóricos, como ventrículos e
Ásia. Devido às Inigrações populacionais das regiões mais po-
cisternas. (Íysticerars cellulosae se apresenta sob forma de vesi-
bres e com alta freqüência de NCC, para as regiões mais ri-
cula de 0,5 a 2,0 cm de diametro em cujo interior pode-se ob-
cas, a prevalência da N CC tem aumentado em países e regiões
servar o escólex invaginado. (Íysticerazs racemosus (cisticerco
mais desenvolvidos. A NCC é causada pelo cisücerco (Cystí-
cercus cellulosae ou Cysticerczrs racemostts), a forma lanrária
racemoso) é mais volumoso, não apresenta escólex e pode
do parasito cestóide Tizenia solium. Os aspectos etiológicos, apresentar múltiplasvesículas acopladas.
A membrana que forma a parede da vesícula cisticercotíca
patológicos e epidemiológicos da teniase foram abordados no é fundamental na patogenia da NCC. A face externa dessa
Capítulo 27. membrana é irregular e apresenta microvilosidades, o que
O quadro clínico da NCC é pleomórñoo e depende do nú-
aumenta em mais de 100 vezes a superñcie de contato com o
mero de parasitas, da sua localização, tamanho, tipo e viabi-
lidade biológica e da resposta imunológica de cada paciente
hospedeiro. Esse contato com o hospedeiro permite ao
cisticerco captar nutrientes essenciais, o que faz com que o
infectado. cisticerco sobreviva, em média, de 4 a 6 anos. Essa interface
O diagnóstico baseia-se em critérios clínicos e laboratoriais entre o cisticerco e o hospedeiro também modula a resposta
[exame do líquor e de neurorradiologia) e o tratamento visa inflamatória,interferindo na síntese de proteínas e de subs-
ao controle do processo inflamatórioe à inativação do para-
tâncíasresponsáveis pela imunidade celular do hospedeiro.
sito. A forma vesicular pode permanecer íntegra por vários
anos, quando, natural ou farmacologicarnente,entra em de-
generação e se calciñca.
Quando os cisticerco:: começam a perder a vitalidade, a
sua membrana permite que os antígenos presentes no inte-
Cansada pela forma larvária de 'II solíum, a NCC é a doença rior da vesícula
parasitária que mais freqüentemente acomete o sistema ner-
voso. Sua prevalência é maior nas áreas menos desenvolvi-
das do globo, como a África, a Ásia e a América Latina, mas
os fenômenos migratórios populacionais têm criado áreas de
alta endemicidade em regiões mais ricas, como regiões de
grandes comunidades latinas dos EUA. No Brasil, os relatos
mais freqüentes ocorrem nas regiões sul, sudeste e centro-
oeste. Em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, a prevalência
relatada é de 71,8 casos para 100.000 habitantes.
Embora a N CC possa acometer indivíduos em qualquer
idade, existe um predomínio na faixa dos 20 aos 40 anos.
Com relação ao sexo, a NCC é pouco mais comum no sexo
masculino. Antigamente mais rest1'ita às áreas rurais, obser-
va-se, atualmente, uma urbanização da doença.
A N CC é causada pela ingestão de água ou alimentos con-
taminados com fezes humanas que contenham ovos de 'li
solium, quer na fase de adubação destes alimentos, quer nas
fases de preparo, antes de serem consumidos. 'Frata-se, por-
tanto, de heteroinfestação. A auto-infestação é mais rara e
ocorre quando o indivíduo com teníase leva os ovos contami-
nantes até a boca (auto-infestaçãoexterna) ou então quando
há refluxo do conteúdo intestinal para o estômago (auto-
infestação interna). Na NCC, o consumo de carne de porco
contaminada atualmente tem pouca importância na epide-
miologia da doença.

Ao serem ingeridos, os ovos sofrem ação do suco gástrico,


rompendo-se e liberando a oncosfera (embrião). Esse em-
brião atinge a corrente sangüínea e se dirige para alguns teci-
Neurocisticercose 21 5

QUADRO 28-1 Neurocisticercose: formas clínicas

CaracteristicasClínicas Freqüência (th)


Epíléiiaa Crises parciais oom ou generalização secundária ou crises generalizadas
sem

Hípertensiva Cefaléia, náuseas, vômitos, papiledema,geralmente sem sinais de locdizaçõo


Híperiensiva + epilérioa Associação das fomos epíléiicas e hipedensivas
Outros Alteração do psiquismo, quadro demencíal, sindrome depressiva

de forte intensidade, náuseas, vômitos, papiledemae, nos casos O exame do líquor é uma ferramenta fundamental no
mais graves, alteração do nível de consciência. As formas com diagnóstico da N CC e traduz a reação inflamatóriado cisto.
HlC podem ocorrer: (1) por bloqueio do 111110 liquórico, per- Segundo Lange, a síndrome liquórica clássica da N (T carac-
manente ou intermitente, devido à presença de cisticerco nas teriza-se por pleoc.itose de até 50 leucócitoshnnf, presença
cavidades ventriculares; quando o cisticerco está livre nos de eosinofilorraquiae de anticorpos específicos. Outros pa-
ventrículos, a l-llC é de caráter intennitente, podendo ocor- râmetros devem ser acrescidos, como a presença de neutró-
rer inclusive com a movimentação da cabeça. A presença do ñlos na fase de degeneração dos cistos, aumento do teor de
cisticerco na cavidade "ventricular também pode causar reação gamaglobulinas, presença de bandas oligoclonais e síntese
inflamatóriaependimária com bloqueio ao fluxo liquórico e intratecal de anticorpos específicos.
conseqüente HlC; (2) pela presença dos cistos no parênqui- A pesquisa de anticorpos específicos no líquor se da por
ma cerebral, que funciona como um processo expansivo in- meio de cinco reações: ñxação de complemento [reação de
terrompendo EXÍYÍIISECEIJDEDÍE o fluxo liquórico através dos Weinberg), imunofluorescênciaindireta, hemaglutinação
forames e cisternas; (3) pela presença de edema perivesicular, passiva, ELISA e immunoblotri-rzg. A sensibilidadedessas rea-
tanto de forma espontânea quanto após o tratamento para- ções está relacionada com periodo evoluüvo da doença e com
siticida. sua localização em relação ao sistema do líquor. Cistos
Além dessas formas, a NCC pode se apresentar por meio parenquimatos-osque estabelecem pouco ou nenhum contato com
de síndrome demencial e depressão. As formas raquidianas o sistema de defesa do hospedeiro não induzem a produção de
são pouco freqüentes e cursam com déficits motores e/ou
sensitivos, distúrbios esñncterianos e dores do tipo radicular.
O raro comprometimento de nervos cranianos pode se dar
devido à aracnoidite ou à compressão direta dos cistos.

DlAGNÓSTICO
O diagnóstico da N CC baseia-se na análise do quadro clínico,
dados de neurorradiologia e exame do líquor. Como vimos,
o quadro clínico é inespectíñco, mas devido à endemicidadeda
doença em nosso meio, sempre se suspeita de NCC quando
se depara com as manifestações clínicas citadas.
A tomografia computadorizada de crânio (TCC) permite
observar a presença de dilatação ventricular, localizando e
avaliando o estágio dos cistos. A TCC e' de gande importân-
cia na demonstração das formas calciñcadas da doença, su-
plantando em sensibilidadea ressonância magnética ( RM) de
encéfalo. A injeção de contraste permite evidenciar a presen-
ça de processo inflamatório,caso haja realce perivesicular.
Exceto nas formas calciñcadas, a RM é superior no diag-
nóstico neurorradiológico da NCC em sua forma intrapa-
renquimatosa (Figura 28-1). A RM permite evidenciar o
escólex (Figura 28-2) no interior da vesícula e mostra clara e
precocemente a inflamação perivesicular, quando presente.
As vesículas nos espaços liquóricos e intra-raquidianos po-
dem ser mais dificeis de serem ivisualizadas, urna vez que o
seu conteúdo pode ter o mesmo sinal do líquor. O (Quadro
28-2 mostra as situações de falso-positivos e falso-negativos FIGURA 28-1 Ressonância magnética de encéfalo na
da RM. neurocisticercose (corte axial).
216 Parasitologia -
uma abordagem clínica
QUADRO 28-3 Sensibilidade das reações
imunológicas e de método molecular, no líquor,
para diagnóstico da neurocisticercose [NCC)
Sensibilidade [96]
Fixação do complemento [Weinbergl 0-58
lmunofluorescênciaindireta l 1-79
Hemaglutínoçõo passiva 61-84
EUSA 39-95
lmmunoblomng 56-95
rca 96,7

A indicação de tratamento com drogas parasiticidas é res-


trita a pacientes com cistos únicos ou em número reduzido,
parenquímatosos e íntegros, sem sinais de degeneração ou
calciñcados. Sua utilização em casos com cistos numerosos e
viáveis pode levar à degeneração maciçados cistos, provocan-
do fenómenos inflamatóriosintensos com graves repercus-
sões cerebrais. A droga de escolha é o albendazol (15 a 20 mg/
FIGURA 28-2 Ressonância magnética de encéfalo na
neurecistissrtossrísoss ãêsítall; kgjdia), utilizadodurante oito dias, podendo ser associado a
corücóide, dependendo do caso. Como os cistos apresentam
uma evolução autolimitada, degenerando naturalmente, e
QUADRO 28-2 Ressonância magnética: resultados como as drogas parasiticidaspodem oferecer riscos ao paci-

falso-negativos e falso-negativos na NCC ente, a opção de não utilizarparasiticída deve ser considera-
da. Cistos racemosos e intraventriculares não respondem às
Falso-negativos larvas em fase de instalação
o
drogas parasiücidas.
Meningite eosinofllica causada por
o
Com relação às medidas antiinflamatórias,os medica-
cistos intaraquidanos
mentos mais utilizados são os corticóides, especialmente a
Gatos com morfologia alípioa
o
dexametasona (4 a 18 mg/dia). Devido aos efeitos colaterais
o Granulomas
do uso prolongado dos corticóides, pode-se utilizar como
O Neoplasias melaslúlicos medida antiinflamatóríaa dexclorfeniramina (6 a 10 mg¡ dia),
Cistos de aracnóide
que tem boa tolerabilidade,apresenta baixo custo e poucos
o

o Tumores císlicos efeitos colaterais. O esquema terapêutico utilizado na (Ílínica


o Granulomas N eurológica do HCFMUSP considera a administração, na
o Dílalaçõo venlrícular fase aguda, de corticóide nos primeiros 10 a 15 dias, com re-
o Caleifioações inespeclfioas tirada decrescente, associada à dexclorfeniramma, que é man-
tida indefinidamente. O corticóide deve ser reintroduzido em
casos de agravamento ou reagudização dos sintomas e é par-

anticorpos ou então algumas reações são mais sensíveis em ticularmenteútil nas formas demenciais da doença
determinadas fases da doença que outras. Para as crises epiléticas,preconiza-se o uso de drogas an-
Testes realizados pela técnica da reação da cadeia da polime- tiepilépticasde primeira linha de acordo com o tipo de crise
rase mostraram altas sensibilidadee especiñcidade, mesmo que o paciente apresenta.
para cistos únicos. A retirada cirúrgica do cisto pode ser considerada e está
O Quadro 28-3 mostra a sensibilidadedessas reações. Pre- condicionada a critérios neurocirúrgicos de acessibilidadeao
coniza-se a realização rotineira de pelo menos quatro des- cisto. A obstrução do fluxo liquórico por cistos intraventri-
sas reações a fim de assegurar o diagnóstico de forma mais culares deve ser corrigida com a colocação de válvula de de-
precisa. rivação ventricular.
Segundo a maioria dos autores, 20% dos pacientes não se
beneñciam do tratamento em longo prazo.
ÍRATAMENT0 E PIIOFILÀXIA ñ instituição de medidas profiláticasé de importância ca-
pital na história da neurocisticercose. Medidas de higiene
Os objetivos principais do tratamento da NCC são, por um simples, como lavar as mãos antes de alimentar-se ou de ma-
lado, a inativação do parasita e por outro, o controle do pro- nipular alimentos, e lavar bem alimentos que serão ingeridos
cesso inflamatóriodesencadeado pela presença do cisticerco. crus, são fundamentais.
DE GIORGIO, CM.; IVÍEDIÍNA, MT.; DÚRON, R.; ZEE, C.; ESCUETA,
S.P. Neumcysticermsis.
(página deixada intencionalmente em branco)
ífufaticfose
Carlos Graeff-Teixeira
220 Parasitologia -
uma abordagem clínica
lhas. O pampa se estende pelo Uruguai e Argentina, consti-
tuindo as principais áreas de ocorrência nas Américas. Nesta
área de fronteira, estudos da década de 1980 mostram que a
Hidatidose é a infecção pela larva de cestódeos do gênero prevalência em ovinos pode chegar a 15%, em bovinos a 9%,
hthinococcus, que abriga, atualmente, seis espécies. Equinoco-
cose seria urna sinonírnia, enquanto outros autores preferem
e em cãü a 20%, com aparente redução quando comparados
a dados obtidos na década de 1990, respectivamente 8%, 6%
reservar este termo para a infecçãopelo verme adulto, que não
e 3%. Cães do meio urbano podem apresentar prevalências
ocorre no homem. A principal espécie que infecta o homem
de 10%, sugerindo que a transmissão não se restringe somen-
é E. granuiosus, parasito cujo verme adulto habitualmente se
te ao meio rural.
desenvolve no cão, e as suas larvas, em herbívoros. O homem
é um dentre muitos vertebrados que podem ser hospedeiros As medidas de prevenção da raiva entre canídeos silvestres
em algumas áreas da Europa estão levando ao aumento da
acidentais do "cisto hidático", sempre com menor adaptação
quando comparado aos ovinos. A doença humana é conhe- população de hospedeiros de E. multilocularis e a prevalência
cida desde a antigüidade, quandojá se fazia referência ao "cisto desta parasitose nos animais tem aumentado,representando
risco de aumento do número de casos humanos no futuro
hidático": como hidátide ou “pedra d'água”. No final do século
XVII, Redi referiu, pela primeira vez, que a hidátide era tuna (Figura 29-1).
forma parasitária.
Edrinococcus multilocularís é o agente causal da chamada
hidatidose alveolar. Trata-se de espécie própria de canideos
silvestres, ocorrendo principalmente nas regiões setentrionais
do hemisfério norte. O cisto é constituído de inúmeros lóculos O homem se infecta ao ingerir os ovos eliminados nas fezes dos
e pode crescer de forma muito agressiva, produzindo metás-
cães, no caso da hidatidose por E. granulosus. Estes ovos po-
tases. E. oligarthus e E. vogeli produzem a chamada hidatidose
dem estar presentes no pêlo do animal e contaminar o solo, a
policística, na qual múltiplos cistos acometem vários órgãos. água e os alimentos. A larva liberta-se do envoltório do ovo e
Recentes análises moleculares tem fornecido dados para penetra a parede do intestino, cai na circulação e vai se alojar
validar duas novas espécies dentro do género: E. esquinas e E. em vários órgãos, especialmente no fígado, onde se desenvol-
ve a hidátide (Figura 29-2). Os protoescólex são as formas
ortleppi, que até recentemente eram consideradas variantes de infectanta para o cão e são
E. granulosus, tendo, respectivamente, eqüinos e bovinos
como hospedeiros intermediários. Destas duas novas espéci-
es, apenas o E. quinas é considerado infectante para o homem.

Os cestódeos do gênero Echinococcus, da mesma família de


?ironia solium e 'IÍ saginata, apresentam um corpo em fomia
de fita, constituído de três a seis proglotes, e medindo no to-
tal apenas alguns milímetros.Fixam-se através das ventosas
e coroa de acúleos na mucosa do intestino delgado do hos-

pedeiro deñnitivo e produzem ovos que são eliminados nas


fezes. A hidátide é uma estrutura cística cheia de líquido cris-
talino. A parede do cisto é revestida, internamente, por uma
camada celular, a membrana prolígera ou germinativa, que
sintetiza o líquido hidático, e uma camada protéica de aspec-
to lamelar, a membranacuücular anista, constituindo o reves-
timento mais externo. Brotamentos da camada germinativa
vão originar os protoescólex que, isolados ou dentro de pe-
quenas vesículas, são visualizados no interior do líquido, cons-
tituindo a "areia hidática”. A denominada "membrana
adventícia” é o resultado da ñbrose do adjacente tecido do
hospedeiro e não é estrutura parasitária_

A associação à criação de ovelhas faz oom que a principal área


de ocorrência no Brasil seja a região sul do Rio Grande do
Sul, onde predomina o pampa: extensas planícies cobertas de
pastagem, propícias para a criação extensiva de gado e ove-
Hidatidose 221 -

SINAIS E SINTOMAS
A dor torácica depende da localizaçãoperiférica do cisto. 'Fosse
seca irritaüva ou hemopüse sinalizam compressão e lesão do
pedículo vasculonervoso que acompanha a via aérea. Eventu-
almente o cisto rompe para dentro da árvore brônquica, ori-
ginando uma eliminação de pedaços da parede e de grande
quantidade de líquido (vómica) em meio a acesso de tosse e
grande mal-estar.
Fraturas espontâneas podem ser manifestação de raro
parasitismo dos ossos, em que o cisto cresce ocupando os ca-
nais de Harvers e provocando destruição das trabéculas, com
lesão osteolíüca visível ao estudo radiológico. Outros órgãos
podem ser afetados, com manifestações condicionadasà lo-
calização e ao tempo de evolução.
Na infecção por E. mulrilocuiaris é raro o comprometi-
mento ema-hepático. No fígado, os cistos têm o comporta-
mento de uma neoplasia maligna, no sentido de que o
FIGURA 29-2 i, A hidatidose é transmitida por meio da ingestão crescimento é progressivo, por proliferação tanto para fora
de ovos que, no homem ou em outros hospedeiros, leva à formação
de cistos teciduais [2], 3, Para a manutenção da transmissão, estes quanto para dentro da membrana germinativa,produzindo
uma estrutura multilocular, fazendo jus ao nome cienüñco da
cistos teciduais devem ser ingeridos pelo cão [4], que desenvolve a
forma adulta do parasito, ocorrendo a eliminação de ovos, que espécie. Além disso, podem ocorrer disseminação à distância
ou metástases. A sintomatologia, como na infecção por E.
festa P F¡?'° E51;
gramdosus, pode tardar décadas para chamar atenção, desta-
cando-se a hepatomegalia. Não é uma doença febril, exceto
quando ocorrem complicações bacterianas: à infecção secun-
A estase biliardecorrente pode se complicar por infecção bac- dária da massa gelatinosa central do cisto ou à colangite se-
teriana, originando quadros de colangite e bacterenlia. 'Prés cundária a estase biliar.Pode ocorrer hipertensão porta, com
quartos dos cistos hepáticas se localizam no lobo esquerdo, todas as manifestações decorrentes. Sabe-se, hoje, que mui-
solitários ou em número de dois ou três. tos cistos podem ter curso regressivo espontâneo e também
222 Parasitologia -
uma abordagem clínica
podem ser achados ocasionais, confundiveis com doença
neoplásica. Acompanhamento de indivíduos que soroconver-
teram e não apresentaram evidências de desenvolvimento de
cistos sugere que a maioria das pessoas exposta a formas
infectantes de E. multiloculzzns sequer permite o estabelecimen-
to dos cistos. Portanto, atualmente, frente à hidatidose
alveolar, considera-se haver indivíduos refratários à infecção
[entre 70% e 90%) e indivíduos suscetíveis ou que desenvol-
vem doençaprogressiva ou as formas regressivas espontâneas.
Hidatidose policística com hepatomegalia a formação de
massa tumoral irregular pode ser causada por E. vogeli ou

por E. oligarthus. Diferente do que ocorre com E. mul-


tilocukzris, são produzidos cistos grandes, de conteúdo bem
líquido e que comprometa ligado e pulmões, pericárdio,
mesentério, pleura, dentre outros. As manifestações clinicas
são semelhantes àquelas descritas para as outras formas de
hidatidose, com ocorrência comum de emagrecimento e febre.

Além das alterações laboratoriais decorrentm da área afetada,


tais como os sinais de colestase, infecção secundária, provas
de função hepática, a hidatidose pode determinar aumento
variavel dos eosinóñlos no mngue periférico.
A identiñcação dos cistos que aparecem como imagens cir-
culares homogéneas, bem delimitadas, é feita principalmente
pela radiologia, ecograña ou ressonância magnética
Hidatídose 2233-
desempenho superior. O albendazol,na dose acima referida, EDELWHSS, EL. Hidatidose. Im: Veronesi R. Doenças infecciosas e
é utilizadoem três cidos de 4 semanas, com intervalos de 2 se- parasitárias. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan: 1972. Cap 84, p.
853-869.
manas. O número de ciclos deve ser aumentado de acordo
com avaliação do efeito de regressão parcial ou total do cis-
FIIJCE, C.; DIPÊRRI, G.; STROSSELU, M. Parasítologicalfindings in
percutaneous dminage of human hydaüd liver cysts. I. Infect. Dis.,
to. Se não esliver disponível o albendazol,o mebendazoldeve
V. 161, p. 1290-1295, 1990.
ser administrado em doses de 25-35 mg/kg 2 vezes ao dia, por HOFFNIANN, NA.; NÍALGOR, R.; LA RUE, Ml.. Prevalênciade Ethi-
vários meses. nococcus granulosus (Batsch, 1786) em cães urbanos errantes do

município de Dom Pedrito (RS), Brasil. Ciência Rural, v. 31, p. 843-


847, 2001.
ÍU-ÍUROO, M5.; WANI, NA.; IAVUJ,G.; IQ-IAN, BA.; ÍATTÚO,G.H.;
SHAH, AH.; lEELFiNl, S.G. Percutaneous drainage compared with
surgery for hepatic hydatic cysts. N. Eng( I Med., v. 337, p. 881-
O andado em não alimentar os cães com vísceras cruas é a 887, 1997.
principal medida capaz de interromper a transmissão do pa- LIGHTOMQERS, M.W.; (ÊOTTSTEIN,B. Eclúnococcosisfhydoüdosís:
rasita, o que envolve a mudança de comportamento e de há- antigens, immunological and molecular diagnosis. Im: Thompson
bitos arraigados na Cultura popular. O controle sanitário em RCA 8-: Lymbery AI. Ediinocoafus and Hydaüc Disease. CAB Inter-
abatedouros, a interdição do abate Clandestino e a moderni- national, Wallingford, p. 3554104995.
zação das técnicas de criação de ovinos são medidas gerais e LUCIUS, R.; FROSCH, M.; KERN, RAlveolar Echinoooccosis: immu-
de possível impacto sobre a interrupção do ciclo de E. gra- nogenetics and epidemiology. Parasirol. Today, v. 11, p. 4-5, 1995.
PASTORE, R.; VÍTALI,L.H.; MACEDO, V.O.; PRATA, A.. Inquérito
nuiosus. A prevenção da infecção humana se faz pelas medi- sorologia¡ da infecção pelo Ethinocoasus sp no município de Sa
das de higiene pessoal e ao preparar-se alimentos, impedindo Madureira, AC. Rev. Soc. Bras. Med. Trap., v. 36, p. 473-477, 2003.
a ingestão de ovos eliminados nas fezes dos cães ou dos de- THOMPSON, RCA.; M D.P. Towards a taxonomia: revi-
mais hospedeiros deñnitívos de outros equinococos. sion of the genus Echinococazs. Trends Parasita!, 18: 452-457, 2002.

ECKEKI',I.; PAYVIDÍNÉKI,Z.; DAR, RK.; VUTÍTÚN,DA; KÉRN, P.; httpzfhvwvuncdfoundtoitfjrojecthtln


SAVIOU, I.. Medical Aspects of Echinococcosis. Pamsiwi. Today; Atlas de parasitologia com fotos das lesões e do parasita.
V. ll, p. 272-276, 1995. httpzffmvwpucrs.brlfabiofparasitologiafhidatidosehmi
Site da PUC-RS com fotos sobre hidntidose.
(página deixada intencionalmente em branco)
Jíímenoíêpíase
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
226 Parasitologia -
uma abordagem clínica
pode resultar em grande número de vermes adultos, com ma-
nifestações clinicas mais importantes.
São infecções intestinais causadas por Hymenolepis nana, co-
nhecido popularmente como ténia anã e, muito raramente,
por H. dimunuta ou tênia do rato. Em ambos os casos, a in-
fecção é adquirida pela ingestão de alimentos contaminados H. nana tem distribuição cosmopolita, mas é mais freqüente
e questiona-se a ingestão de alguns artrópodes como veículo
11as regiõestemperadas e subtropicais do sul da Europa, norte
para esta parasitose. É cosmopolita, embora tenha preferên- do continente africano, Oriente Médio, india e AméricaLati-
cia por regiões subtropicais, destacando-se a região da Amé-
na. No Brasil, parece ser mais prevalente em estados do sul.
rica Latina e da Europa Central.
A himenolepíase é uma infecção mais comum no ambiente
mbanoquenorurakaLpredominaetnambientesdeconñnamento
de pessoas, como asilos,escolas, quartén, praídios,mormente se
as condições

H. nana é o menor dos cestóides parasitas do homem- mede


de 2 a 4 cm. O escólex apresenta quatro ventosas com rostro
retrátil, provido com uma iileirade acúleos. O colo é compri-
do, delgado e continua no estróbilo, que pode conter até 200
proglotes ou anéis, mais largas do que longas; em sua maior
parte estão constituídos pelos órgãos sexuais, masculinos e
femininos, que desembocam em um poro genital lateral por
onde são eliminados os ovos.
Os ovos são elípticos ou redondos, com diâmetro de 40 a
50 pm, brancos, translúcidos, com membrana dupla e fila-
mentos que saem dos pólos da membranainterna. No iI1te-
rior encontra-se a oncosfera ou embrião hexacanto provido
de três pares de ganchos.
Embora o nome da espécie H. diminuta. sugira um menor
tamanho, esta espécie e' maior que H. nana. O parasito adul-
to apresenta entre 20 a 50 cm e 4 mm de espessura.

O homem se infecta ao ingerir os ovos, que já são eliminados


infectantes, nas fezes do indivíduo parasitado. Ao chegarem
ao duodeno, os ovos eclodem, liberam a oncosfera, que pene-
tra na vilosidadeintestinal e, depois de 2 ou 3 dias, desenvolve-
se a larva cisticercóide, que é uma estrutura alongada cujo
extremo anterior é engrossado e contém o escõlex invaginado.
Após 10 dias, o cisticercóide completa seu crescimento, rom-
pe a vilosidade e progride para a luz intestinal, onde se Exa à
mucosa por meio das ventosas, iniciando a produção de

proglotes. à duração do ciclo completo é de aproximadamen-


te trés semanas. Supõe-se a possibilidade de ocorrência de
auto-infecção na luz intestinal. O local preferencial do
parasitismo por Hymenoiepis spp. é a transição do intestino
delgado para o intestino grosso, ou seja, íleo terminal ou coco.
Esta forma de ciclo, assim descrita, considera o homem
como hospedeiro único (ciclo monoxénico); algtms autores,
no entanto, relatam situações em que podem participar como

hospedeiros intermediários larvas de artrópodes: pulgas e


coleópteros dos cereais (carunchos), que se infectam com
ovos dessa tênia e desenvolvem os cisticercóides em seu inte-
rior. O homem e alguns murídeos infectam-se ao ingerir acci-
dentalmente estes insetos com os alimentos, perfazendo o
ciclo heteroxênico. Dada a possibilidadede auto-infecção, a
ingestão de pequeno número de cisticercóides dessa forma
Himenoleplase
opmiqwtddcwãamadomrhxma*25
mg por quilo de peso, e as taxas de cura obtidas ultrapassam
_
“S 95%-
ARMÊWMWÍB* P°d° 5°' _MPE-Sadia a mdmmm'
da em doses dlánas de 1 g para cmmças, e de 2 g para os
CRAIG, P.; rro, A. Intestinal cestodes. Cum Opin. Infect. Dis., v. 2o,
P_ 524532, 2007_
adultos, durante 5 días consealtivos. O controle de cura pós-
tratammto deve ser realizada pela pesquisa de ovos nas fezes
(página deixada intencionalmente em branco)
@ifílbôotnízse
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
230 Parasitologia -
uma abordagem clínica

l , ,
Infecções humanas experimentais demonstraram que este
cestóide cresce ao redor de 5 cm diariamente. O verme adul-
to inicia a eliminação de ovos entre os 2D e 30 dias (período
pré-patente) e pode viver até 20 ou 25 anos.

O hábito de ingerir came de determinados peixes sem cozi-


mento, que contenham larvas plerocercóides na musculatu-
ra, éoresportsávelpelaaquisição deD. ?atum porserm humanos.
Mesmo peixes defumados e desidratados, sem cozimento
posterior, podem conter as formas larvárias viáveis e propi-
ciar a
(página deixada intencionalmente em branco)
@oença por cestódêos
eaçóticos e dê importação
Felipe Francisco Tuon
234 Parasitologia -
uma abordagem clínica
América do Sul já foram descritos casos desde a Colômbia
até o Uruguai e Argentina. No Brasil, tivemos raros casos des-
De uma forma geral, as cestoidíases apresentam quadros clí- critos, incluindo doença abdominal e subcutãnea, além da
forma ocular.
nicos pouco heterogêneos. Os quadros exclusivamenteintes-
tinais podem ser diferenciados pelo arame direto, que mostra
as característicasdos proglotes, como Bertiella, Diplogo- Transmissão
nopoms e Raillietina. Da mesma forma que as cestoidíases
intestinais, as extra-intestinais podem se assemelhar à cisti- Cães, gatos e outros mamíferos, como guaxinins,podem ser
cercose, sendo o diagnóstico diferencialbaseado na histologia. os hospedeiros definitivos desse parasito, nos quais ele habita
Aqui estão descritos alguns cestódeos raros e não descritos o intestino. Os ovos de Spirometra spp. são eliminados pelas
ainda no Brasil. fezes e atingem a água. Os ovos eclodem e liberam o cora-
cídio, que é ingerido pelo hospedeiro intermediário primário
(Cydops), no qual ocorre a evolução do estágio larval (larva
procercóide).
Os hospedeiros intermediários secundários são aqueles
Etiologia e Morfologia que ingerem os microcrustáceos, entre os quais se inclui o
homem. No hospedeiro intermediário secundário ocorre o
A esparganose é uma doença causada pela larva plerocercóide desenvolvimento da larva plerocercóide, que migra direta-
[$parganum) do gênero Spírometra. Esse parasito tem relação mente pela parede gástrica ou intestinal para o peritônio e
próxima com Diphylaborrium,embora o quadro clínico seja deste se dissemina para diversos tecidos musculares estriados
bastante distinto; antigamente a esparganose era denominada e tecido subcutãsneo. Nestes, a larva se encista e o ciclo se com-
diñlobotríase larval. Na esparganose, ocorre a formação de pleta quando os hospedeiros definitivos, como o cão, se ali-
nódulos subcutâneosque podem passar despercebidos ou ja- mentam de animais contendo a larva encistada
mais levar o paciente ao médico. De outra forma, a doença
pode acometer órgãos importantes, levando à sintomatolo-
gia relevante e culminando com investigação e possível diag-
nóstico com tratamento.
O parasito adulto pode atingir até 150 cm por 7 mm de
largura. Os ovos eliminados apresentam um tamanho médio
de 60 um por 35 run (Figura 32-1).

Epidemiologia
A esparganose apresenta uma ampla distribuição no mundo.
Casos já foram descritos na Ásia, Europa e em toda a Amé-
rica. Devido à forma de aquisição, ela pode apresentar uma
maior incidência em determinadas regiões. Entre esses países
são citados o Vietnã, Papua-Nova Guiné, China, Japão e
Coréia. Nas Américas também são relatados mais de 50 ca-
sos, sendo que espécie prevalente (S. nzansonoídes) é diferente
a
daquela presente no Sudeste Asiático (S. erinaceieuropaa). Na
cm

FIGURA 32-1 Aspecto do Spargonum adulto. Cortesia de Peters e


Pasvol: Atlas of Tropical Medicine and Parasitologv, 6° ed., 2005,
Elsevier Ltd_
Doença por cestódeos exóticos e de importação 235

_Sinais e Sintomas _int_


7 '


çqsg¡
_ _

No início, a esparganose apresenta-se com sinais inespecí-


ticos, quando ocorre a migração da luz intestinal para o te-
cido subcutâneo.Na evolução, ocorre a formação de nódulos
subcutãneos. Esses nódulos podem ser frios ou quentes,
dependendo do grau do infiltrado inflamatórioe do tempo
de doença. Podem ser pruriginosos mas geralmente são as-
sintomáticos.
A doençapode levar a comprometimento orgânico im-
portante em algumas situações. Nesses casos, incluímos a
invasão do sistema nervoso, testículo e olho. No olho, pode
ocorrer alteração visual significativa, e os mais diversos sin-
tomas e sinais neurológcos podem ser encontrados, até mes-
mo sinais medulares e de cone medular. Ê importante lembrar

que a esparganose pode ocorrer em qualquer órgão, incluin-


do pulmão, rim, bexiga, conjuntiva e pálpebras, testículos,
ovários e útero. Eidste uma forma de esparganose denomi-
nada proliferativa, que causa grande quaniidade de lesões.
Sintomas sistêmicas são bastante raros.

Diagnóstico
A suspeita diagnóstica ocorre mediante um histórico de expo-
sição a ou viagem para áreas de maior incidência, em con-
tato com águas contaminadas seja pela ingestão ou por entrar
na água com feridas cutâneas. Associado ao dado epide-

miológico, o achado de um nódulo subcutâneoleva a uma


investigação de neoplasia com imagem da lesão, como ultra-
sonograña e tomografia. Geralmente esses exames são ines-
pecíficos, mas a esparganose pode entrar no diagnóstico
diferencial.
O diagnóstico definitivo ocorre com a retirada de toda a
lesão e o encontro do parasito com infiltradocaracterístico ao
redor. Existem exames laboratoriais baseados em teste de
ELISA que podem mensurar IgM e lgG para o parasito Spira-
metra, porém são pouco acessíveis na maioria dos locais.

Tratamento e Profilaxia
O tratamento não se faz necessário, ocorrendo a retirada ci-
rúrgica da lesão mediante um desejo do paciente por fatores
estéticos ou e1n local que traga incómodo, como em nádegas
e dorso. Outras lesões podem ser ressecadas quando houver
comprometimento orgânico significativo, como pulmonar,
vesical e palpebral. Não está indicado tratamento medica-
mentoso para a esparganose este é realizado em hospedeiros
-

definitivos, como cães e gatos, com o objetivo de proñlaicia.


O tratamento de animais domésticos com infecção por
Spirometra é importante para quebrar o ciclo. Os cuidados
mais importantes estão relacionados com a ingestão de água
não-contaminada e evitar nadar em águas potencialmente
contaminadas, principalmente se o indivíduo apresenta que-
bras de barreira da pele, como algum corte recente ou ferida
por abrasão. A não-ingestão de peixes e outros crustáceos crus
pode reduzir significativamentea incidência da esparganose.
236 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Patogenia Um estudo demonstrou a ineñcáczia do mebendazaol. Os trata-


mentos relatados até então são cirúrgicos, com exclusão cui-
Corn a ingestão de alimentos contaminados com ovos, há a dadosa do cisto, principalmente quando acomete locais
eclosão dos mesmos no intaüno e, conseqüentemente, a mi- nobres. A proñlaxia consiste nos cuidados com a ingestão
gração de larvas para os vasos intestinais. Ocorre parasitemia de alimentos contaminados, evitando-se alimentos crus
e, principalmente no sistema nervoso, as larvas se irnplantam em áreas de selva e o andado com crianças quanto à possi-
e promovem a formação dos cistos, geralmente maiores que bilidadede “pica”.
os de 'IÍ solium.
Os cistos são preenchidos por vesículas aderidas umas às
outras, de aproximadamente 6 mm de diâmetro, branco-
acinzentadas. A presença de múltiplos escólices em cada
vesícula identiñca o cisto como sendo de M. multiceps. A pa- Etiologia e Morfologia
rede externa do cisto consiste em um material eosinofilico
homogêneo de 50 um de espessura. Ao redor do cisto forma- A dipilidíase é uma parasitose causada por Dipylidium cani-
se uma área de necrose, seguida de um infiltradomonuclear
num. Esse parasito acomete gatos ou cães, sendo o homem
contendo macrófagos e linfócitos mais na periferia. Plasmo-
um raro hospedeiro. A doença, que ocorre por meio da in-
citos são bastante freqüentes, assim como outras células de
gestão de pulgas contaminadas com larvas do parasita, apre-
importância não-esclarecida. senta-se como um quadro geralmente leve ou assintomático.
Além do processo inflamatório,ocorre compressão das A eliminação de proglotes, que aparentam grãos de arroz
estruturas nervosas, o que gera a sintomatologia para o pa-
e apresentam tamanho médio de 1,5 mm no maior compri-
ciente, de acordo com o local de implantação do cisto no cé- mento, se dá pelas fezes. Esses segmentos eliminados pelo pa-
rebro ou na medula espinhal. Quando o cisto se desenvolve
rasito adulto apresentam uma parede de 25 a 5D um,
na parede muscular, as estruturas adjacentespodem se alte-
rar, Inas sem grandes mudanças no padrão inflamatório.
composta de oito a 15 ovos, que medem entre 30 e 40 um de
diâmetro.

ÊÍEÊoÍÊsÊ_-?ÍÉÊ9T?? Epidemiologia
Os sinais e sintomas da coenurose são variados e dependem
do local de implantação no cérebro, medula espinhal, mús-
- A dipilidíasetem distribuição mundial, embora exista um
culo ou olho. Na fase de parasitemia podem ocorrer febre, viés de publicação. No Brasil, existem várias descrições da
sintomas abdominais inespecíñcos e um quadro sistêmico parasitose em cães de todas as regiões do país. Para a aquisi-
inespecíñco. Essa fase pode ser despercebida ou até mesmo ção da doença em humanos, há necessidade de ingestão de
gerar um quadro de febre com adenopatias generalizadas. pulgas infectadas com D. caninum. Por esse motivo, geral-
Quando ocorre a implantação dos cistos no sistema ner- mente a parasitose ocorre em crianças que habitam em um
voso, podem ocorrer sintomas localizados, como paralisias, mesmo domicílio e têm contato constante com o hospedeiro.

formigamentos, alteração visual ou de fala_ Já na medula es-


pinlial, o quadro de compressão medular é característico, tra-
zendo sinais diversos conforme o nível de acometimento e Transmissão
podendo gerar diplegia ou tetraplegia, síndrome da cauda
eqüina, hemiparesia, entre outros. Na doença ocular, ocorre A dipilidíaseé transmitida para o homem mediante a inges-
protrusão do globo ocular após sintomas de alteração visu- tão de pulgas contendo larvas de D. caninum. Os hospedeiros
al, que são inespecíficos. definitivos como o cão e o gato apresentam a forma adulta
O acometimentomuscular gera dor localizada irnportan- do parasito. Este elimina proglotes nas fezes, que são ingeridas
te, muitas vezes de diñcil diagnóstico e imitando as mais di- por estágios larvais de pulga na região perianal. 'Ianto a pul-
versas doenças, conforme a localização do cisto. ga do cão (Ctenocephairlies Canis), quanto a pulga do gato
(Ctenocephalidesfelis) e a pulga do homem [Pular imitam)
podem servir como hospedeiros intermediários. A pulga atin-
Diagnóstico ge seu estágio adulto, podendo ser ingerida pelos próprios
Não existem exames diretos além da identificação do cisto
hospedeiros definitivos, fechando o ciclo de transmissão,
assim como por um hospedeiro definitivo eventual, que é
após a excisão cirúrgica. Há exames de ampliñcação de ácidos representadopelo homem. Após três a quatro semanas, o para-
nucléicos, mas são utilizadospara identificação de espécies, e sito atinge o estágio adulto e então inicia-se a formação de
não como diagnóstico. Os exames sorológicos para cisticer-
novos proglotes, obedecendo a reprodução das outras ténias.
cose não apresentam positividade cruzada para a coenurose.

Tratamento e Profilairia Sinais e Sintomas


Não existem estudos em humanos para determinar a evi- O quadro clínico da dipilidíaseé discreto, sendo, na grande
dencia da eficácia terapêutica com mediações antiparasitárias. maioria dos pacientes, assintomático. Os sintomas, quando
presentes, são leves, como dor abdominal discreta, diarréia,
prurido anal e o achadode produtos nas fezes que se asseme-
lham a grãos de arroz. Urticáxia com exantema pode apare-
cer em alguns pacientes.

Diagnóstico
O diagnóstico é baseado no achado dos proglotes caracterís-
ticos nas fezes. Algumas característicasdos proglotes promo-
vem rápida distinção de outros cestódeos mais comuns.
Eosinofilia é um achado laboratorial que pode ser identi-
ficado, porém nem sempre exames laboratoriais são realiza-
dos nesses pacientes.

Tratamento e Profilaxia
O tratamento é realizado corn praziquantel na dose única de
25 mg/kg. A taxa de cura é alta. A profilaxiaconsiste na eli-
minação das pulgas de animais domésticos.

Bertiella é um cestódeo encontrado em diversos continentes,


sendo que as espécies variam conforme as regiões. O ciclo na-
tural do parasita consiste em atingir macacos de diversas
espécies, e o seu hospedeiro intermediário é um ácaro. O ho-
mem pode
(página deixada intencionalmente em branco)
Âscaricfíase
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
Susana Angélica Zevallos Lescano
-
Ascaridiase 241 -
são vistos rurais. No Brasil, não há dados
casos nas zonas
sobre a prevalência da ascaridíase, mas estima-se que esteja
entre as mais freqüentes, sendo, ao lado de outras entero-
parasitoses, um dos problemas relevantes de saúde pública,
mesmo nas periferias das áreas urbanas. A infecção predo-
mina em crianças e adolescentes, decrescendo progressiva-
mente à medida que a faixa etária avança.

Os ovos de Ascaris são eliminados junto com as fezes; se os


ovos férteis caírem em solo úmido e sombreado, com tem-

peratura de 15 a 35°C, em duas a oito semanas se formam


larvas que sofrem duas mudas dentro da casca, e a larva de
terceiro estágio ou L3 é a forma infectante. Nesse estágio po-
dem permanecer por vários meses. Ao serem ingeridos os
ovos, as larvas eclodern no intestino delgado, atravessam a
parede intestinal e migram, via sistema porta, para o fígado
(quatro dias), penetrando na circulação sangüínea ou linfá-
tica; chegam ao coração direito, de onde são levadas aos pul-
mões, para efetuar o ciclo pulmonar. Nesses órgãos (quatro
a cinco dias após a infecção), as L3 encontram o meio favo-
rável para continuar sua evolução. Após oito ou nove dias so-
frem a terceira muda, transformando-se em L4, atravessam a FIGURA 33-3 Ciclo de vida de Ascaris fumbricoides 1, Ovos com a
parede que separa os capilares das cavidades alveolares e, nos larva de terceiro estágio ou L3 são ingeridos. 2, Após eclosão no
intestino de|gado_ migram para os pulmões por via sangüínea. 3, No
alvéolos, realizam a quarta muda para L5. Em torno de duas
semanas depois, as larvas atingem os bronquiolos, são arras-
pulmão, transformam-se até L5. 4, As larvas atingem os bronquíolos
e são deglutidas. 5, No intestino completa-se o estágio adulto e [B]
tadas com o muco pelos movimentos ciliaresda mucosa; so-
a produção de ovos que serão eliminados.
bem pela traquéia e laringe e são deglutidas com as secreções
brônquica, alcançando de forma passiva o estômago e o in-
testino. No intestino (geralmente o jejuno), dá-se a quarta e
última muda, que as transforma em formas juvenis; estas com manifestações clínicas (hepatomegalia e, mais raramen-
continuam crescendo e o desenvolvimentosexual se completa te, icterícia).
em cerca de dois meses. Em geral, após 65 dias da infecção, Após a passagem pelo ñgado, as larvas atingem a circula-
as fêmeas começam a põr ovos (período pré-patente) (Figura ção sistêmica, câmaras cardíacas direitas e chegam aos pul-
33-3). A longevidade de Ascaris adultos é estimada em um a mões, onde sofrerão duas mudas; esses estágios larvários são
dois anos. Alimentarn-se de produtos digeridos no intestino os que detêm maior poder antigênico e ocasionarão ruptura
do hospedeiro e se mantêm aderidos à luz do intestino del- alveolar; estabelecem-se, então, áreas de hemorragia punti-
gado por meio de constantes movimentos, para não serem forme, edema, além de infiltradoinflamatórioà custa de po-
arrastados pelo peristaltismoapresentado por esse órgão. limorfonucleares neutrófilos e eosinóñlos. Segue-se a esse
processo uma resposta imunológica adaptativa., do tipo Th2,
conduzindo à formação de um granuloma eosinofílico; o
braço efetor dessa resposta é representado por IgA, lgE, eosi-
noñlia, mastocitose e secreção de muco; além disso, alterações
As formas larvárias podem provocar lesão tecidual direta- fisiológicas ocorrem no intestino, mediadas por lL-4 e LL-l3,
mente ou mediante resposta inflamatóriaresultante dessa com aumento de permeabilidade da mucosa e da conIIati-

agressão direta, estando na dependência carga larvária e de lidade do músculo liso, levando a um aumento do peristal-
contato prévio do hospedeiro com o parasita. tismo. A resposta humoral, com predominância de lgE, é
As larvas presentes no interior do ovo, ao chegarem ao responsável por reações de hipersensibilidade.A presença de
intestino delgado, penetram na mucosa e migram para a cir- sintomatologiarespiratória nessa fase caracterizaa síndrome
culação porta, chegando ao fígado. A morte de larvas na de Lõeffler.
mucosa ou submucosa intestinal pode conduzir a alterações O verme adulto não invade a mucosa e as alterações pa-
teciduais caracterizadascomo micro-hemorragias e infiltra- tológicas decorrentes da sua presença são devidas à interfe-
do inflamatórioconstituído de macrófagos e eosinóñlos. No rência mecânica decorrente das suas dimensões, à excreção de
fígado, em ge1'al, não ocorrem alterações teciduais relevantes, substâncias antigénicas e também à sua capacidade de mi-
embora cargas larvárias maciçaspossam resultar num qua- gração, principalmente na presença de ambientehostil [como,
dro inflamatórioque causa áreas de hemorragia e necrose p. ex., ação de drogas anti-helmínücas). Dentre esses antíge-
242 Parasitologia -
uma abordagem clínica
nos, convém destacar o ABA-l, de peso molecular de 14 kD,
que induz à produção de lgE., com as conseqüentes reações de
hipersensibilidademanifestas por reações cutâneas
Ascaddíase mí
BRADLEY,LE. Br JACKSON, LA. Immunity, immunoregulation and helmínthiasesand the public health of China. Emezg. Infea. Dis.,
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Sim de fotos interessantes com cortes histológícos de Ascaris lum-
HOTEZ, PJ.; ZHENG, F.; LONG-QI, X_ Emerging and reemerging briarídas.
(página deixada intencionalmente em branco)
Âncifostomzízse
Susana Angélica Zevallos Lescano
Pedro Paulo Chieffi
246 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Denomina-seancilostomíasea helrninüase intestinal causada


por nernatódeos dos géneros Ançylosmmae Neeator que oca-
síonam anemia, sintomas digestivos e desnutrição, entre ou-
tras alterações. Segundo dados da Organização Mundial da
Saúde, relativos a 2002, 1,3 bilhãode pessoas no planeta es-
tão infectadas por ancilostomídeos (principalmente nas re-
giões tropicais e subtropicais) e 65 mil morrem devido à
anemia associada à doença.
Papiros egípcios de 1.600 aC. já assinalavam a ocorrência
dessa doença. Avicena,médico persa que viveu no século X, foi
o primeiro a encontrar os vermes no intestino de doentes e
responsabiliza-lospela anemia que causavam, por serem os
mesmos hematófagos. Na Europa, era a doença conhecida

por “anemia dos mineiros".


O primeiro achado de exemplar de ancilostomídeoem
seres humanos, cientificamente documentado, aconteceu em
1838, quando Dubini, na Itália, isolou do intestino de uma
mulher a qual estava necropsiando um verme que nomeou
de Angrlostonm duodenale, sem, contudo,
Ancilostomíase 247

TABELA 34-1 Prevalência de ancilostomídeos por os ovos produzidos pelas fêmeas que se encontram no intes-
região tino e são eliminados com as fezes formam, sob condições
adequadas de temperatura, umidade e sombra, as larvas de
primeiro, segundo e terceiro estágios (L1, L2 e L3) em apro-
ximadamenteoito dias. O terceiro estágio ou L3 é a forma in-
fectante que penetra na pele de diversos mamíferos, porém
somente completa seu desenvolvimento em seres humanos.
África subsaoríono 198
A segunda fase, parasitária, se inicia com as larvas L3, conti-
“Ásia, região do Pacífico 149 nua com dois estágios larvários (L4 e L5), que finalmente
Índio e Ásia do sul 130 evoluem até vermes adultos no intestino delgado, que é seu
habitat habitual (Figura 34-1).
América _latina e Caribe' 50
Os ovos, eliminados com as fezes dos seres humanos in-
Chino 39 fectados, precisam de solo com condiçõesadequadas para seu
Oriente Médio i0 desenvolvimento. Umidade elevada, boa oxigenação, solo are-
noso, sem muita compactação e sombreado, e temperaturas
Total 57ó
que variam entre 27° e 32°C, no caso de N. americanas, e 21°
Fonte: Falar Hotaz E008] e 27°C, para A. duodenale, são fatores que favorecem o etn-
brionamento e a formação da larva de primeiro estágio (L1)
no interior do ovo.

Depois da malária, a ancilostomíaseé a infecção parasitá- A fêmea de A. duodenale produz cerca de 20.000 ovos por
ria que mais causa perda potencial de vida saudável (em dia, e N. americanus a metade dessa quantidade. Entretanto,
anos_) resultante de doenças (em inglês, DALYs). No Brasil, a produção de ovos de ambas espécies pode ser alterada por

essa parasitose predomina 11as áreas rurais e está associada a fatores variados, como duração da infecção, estado nutricio-
regiões sem saneamento ambiental e cujas populações têm o nal do hospedeiro e número de vermes presentes.
hábito de andar descalças. Entretanto, nas últimas décadas, a Após 18 a 24 horas no solo, em condições favoráveis, for-
freqüência de infecção tem diminuído sensivelmente, em es- ma-se a larva L1 no interior do ovo. Essa larva, de 250 pm de

pecial nas áreas metropolitanas. comprimento, conhecida como larva rabditóide, devido à
As taxas mais altas de infecção ocorrem nas regiões costei-
ras, onde as larvas infectantes de terceiro estágio migram li-
vremente no solo arenoso e nas quais a temperatura e a
umidade são ótimas para a sobrevivênciadas mesmas. Nes-
sas áreas, a exposição repetida às larvas L3 de N. americanas
e A_ duodenale resulta em lesões eritematosas com intenso
prurido local, que provocam a “coceira da terra?
A infecção por ancilostomídeos acomete quase todas as
faixas etárias em uma área endêmica; a prevalência, no entan-
to, tende a aumentar com a elevação da faixa etária na infân-
cia e adolescência, alcançando os valores máximos entre os
adultos jovens, por ser esse grupo mais exposto, devido ã sua
participação nas atividades agrícolas. Estudos realizados em
diferentes áreas endémicas sugerem que seres humanos têm
predisposição para adquirir essa parasitose, de modo que in-
divíduos altamente infectados e tratados com drogas anti-
helmínticas adquirem com freqüência novas infecções maciças
quando freqüentam o mesmo ambientecontaminado. Ends-
tem evidências da predisposição genética de alguns grupos
para adquirir infecções ancilostomóücasmais graves com ele-
vadas cargas parasitárias (Schad e Anderson). Alguns auto-
res, inclusive, consideram que individuos caucasianos seriam
mais suscetíveis à infecção por ancilostomideosdo que indi-
víduos da raça negra, quando comparados nas mesmas con-
dições de idade e ocupação e nivel socioeconômico.
FIGURA 34-1 Ciclo biológico de ancilostomideos: larvas ñlarióídes
penetram ativamente pela pele ou mucosas Ii); após ciclo pulmonar,
atingem o intestino, onde habitam os vermes adultos originando
ovos [2] que saem com as fezes, atingindo o meio ambiente [3); estes

No ciclo biológico dos ancilostomídeospodem ser observa- eclodem dando origem a larvas rabditóidü (4) que, após sofrerem
das duas fases. Na primeira, que acontece no meio externo, mudas_ transformam-se em larvas tilarióides [5], que são infectantes.
248 Parasitologia -
uma abordagem clínica
forma de seu esôfago com bulbo posterior, eclode, ñcando Os ancilostomídeosapresentam características biológicas
livre no solo. Alimenta-se de bactérias e matéria orgânica em que lhes permitem sobreviver no seu hospedeiro: N. america-
decomposição, e em aproximadamente quatro dias sofre mrs tem capacidade de induzir a produção de anticorpos da
muda em sua cutícula, transformando-se em L2, que mede classe IgA, bloqueando a ação de fagócitos. A duodenale é ca-
500 um. Essa larva mantém a capacidade de alimentar-se e paz de secretar substância proteolítica com poder anticoa-
sofre modiñcações notadamente no esôfago, que vai se tor- gulante, que facilitasua alimentação.
nando alongado. Passados qua1:ro a cinco dias, ocorre uma
nova muda com a formação de outra cutícula embaixo da
cutícula da L2, que não é eliminada, atrofiando a cavidade
bucal da nova larva.
Essa nova larva, denominada L3 ou ñlarióide, por apre- O quadro clínico pode variar desde a ausênciade sinais e sin-
sentar o esôfago íiliforme, é o estágio infectante do parasita. tomas a situações de gravidade extrema. Alguns fatores con-
Mede cerca de 700 pm de comprimento e sobrevive das reser- tribuem para a exacerbação e manifestação da morbidade,
vas alimentares que possui dos estágios larvares anteriores, tais como: espécie do agente etiológico e a carga parasitária,
em razão de não conseguir alimentar-se. idade e estado nutricional do hospedeiro, intensidade da ane-
As larvas de ancilostomídeosapresentam características mia produzida em conseqüência da sucção de sangue pelos
de comportamento que facilitamsua capacidade para se des- parasitas.
locarem no solo e penetrar na pele de um novo hospedeiro, As manifestações cutâneas ocorrem nos locais onde houve
entre elas:
penetração das larvas. Na infecçãoprimária, a pele, no local da
O Geotropismo negativo ao se deslocarem
para a super- penetração, mostra-se eritematosa e com ñrias pápulas pru-
íicie do solo.
I Termotropismo: são atraídas
riginosas; no caso de reinfecções, as reações são mais violentas,
por temperaturas eleva- principalmentequando há penetração de bactérias piogêni-
das, penetrando na pele de hospedeiros homeotérmi- cas no tecido.
cos, cuja temperatura é mais elevada do que a do solo. Durante a migração das larvas pelo trato respiratório, ma-
O Hidrotropismo:as larvas tendem a se localizar em
por- nifestações clinicas não são freqüentes; todavia, quando ocor-
ções maís úmidas do solo, evitando, assim, a morte por
rem, se caracterizampor febre baixa, tosse seca, rouquidão e
dessecação.
O homem adquire a infecção quando as larvas ñlarióides dispnéia.
O parasitismo intestinal pelos vennes adultos é responsá-
(infectantes) penetram na pele, no caso de N. americanus e A. vel pelas manifestações mais evidentes da ancilostomiase.A
duodeimle, ou são ingeridas, como somente para A. duodenaíe.
A penetração da pele se dá principalmente na região dos fixação dos vermes à mucosa intestinal, ainda na fase aguda
tomozelos e pés, especialmente em suas bordas e no dorso, da infecção,pode determinar a ocorrência de lesões inflama-
como também nos espaços interdigitais; as larvas entram ra- tórias que se manifestam por dor epigástrica, alterações do
pidamente nos capilares linfáticos e venosos regionais; outras apetite, náuseas, vómitos e flatulência. Mais importantes,
entram na corrente sangüínea e seguem uma migração de dez entretanto, são alterações de caráter crônico, dependentes da
dias para os pulmões, brônquios e bronquiolos, onde há uma perda contínua de sangue, conseqüente à ñxação dos anci-
nova muda para L4, que elimina antígenos metabólicos que lostomídeos à mucosa intestinal, por meio de sua cápsula
induzirão resposta imune significativa. Seguem pela traquéia, bucal. Dependendo da carga parasitária geralmente nas
-

laringe, esôfago, estômago e intestino. Ao chegarem ao intes- cargas elevadas, quando há produção e eliminação de mais de
tino delgado, transformam-se em larvas de quinto estágio 10.000 ovos de ancilostomídeospor grama de fezes pelos in-
ou L5, e posteriormente desenvolvem-se até atingir a forma dividuos parasitados desenvolve-se anemia hipocrômica e
-

adulta, lixando-se no intestino e sugando sangue da mucosa microcíüca, que costuma manifestar-se por lassidão, disp-
intestinal. 11éia, taquicardia, cefaléia e, às vezes, pela presença de sopros
No caso da infecção por larvas L3 de A. dirodenale pela via cardíacos e edemas nos membros inferiores.
oral, a evolução para larvas L4 e L5 se faz por meio de mu- A gênese da anemia na ancilostomíase,além da perda con-
das que têm lugar' no próprio trato digestivo, sem necessaria- tínua de sangue um exemplar de A. duodenaíeretira entre
mente ocorrer a passagem pulmonar descrita.
-

O período pré-patente na infecção humana por ancilosto-


0,05 e 0,3 ml. de sangue por dia, e um de N. americanas, cerca
de 0,01 a 0,04 mL depende também de ingestão de dieta
mídeos varia segundo a espécie envolvida: 35 a 60 dias para
-

A. duodenale e 42 a 60 dias para N. americanas. pobre em ferro. Assim, somente quando as reservas de ferro
Para que ocorra a infecção humana, são necessários cer- do organismo são insuficientes e a carga parasitária é eleva-
tos fatores que facilitariama propagação do parasitismo: da manifesta-se a anemia na ancilostomíase.
I Fonte de infecção adequada (indivíduosinfectados). Hipoproteinemiacom
O Hábitode defecar no solo, favorecendo o desenvolvi-

mento do parasita no ambiente.


U Condições adequadas do ambiente e do solo,
para a
formação de larvas.
I Oportimidade de contato da larva ñlarióide com a pele

do homem.
rem para adultos no organismo humano, conseguem atingir
outros tecidos além da pele e determinar a ocorrência de
enterites eosinoñlicas (Prociv 8( Croese).

Essa parasitose deve ser clinicamentediferenciada da duode-


nite, úlceras duodenais e colecistite, entre outras afecções in-
testinais.
O diagnóstico deñnitivo da ancilostomíaseé realizado pela
identificação dos ovos mediante exame parasitológico de fe-
zes. Por se tratar de ovos com baixo peso específico, as téc-
nicas de flutuação, como o método de Willis, são bastante
eficazes na pesquisa. Outras técnicas, como a sedimentação e
a de Kato-Katz, também são úteis.
Esses ovos são facilmentediferenciáveis dos ovos de outras
espécies de helmintos intestinais, como Ascaris e Iridium.
Porém, não é possível a diferenciação dos ovos de N. america-
nus com os de outras especies de Anqrlosmnm utilizandoa mí-
croscopia de luz.
Para obter a identiñcação da espécie, é necessária a recupe-
ração de vermes adultos para diferenciá-los pelas estruturas
da cápsula bucal; ou então, realizar a cultura das fezes para
obtenção de larvas filarióides, que nos permitiriam
Parasitologia - uma abordagem clínica
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Estrongilbíízízse
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
252 Parasitologia - uma abordagem clínica

A estrongiloidiase é helmintíase de distribuição mundial, e


particularmenteprevalente em áreas tropicais e subtropicais.
Foi reconhecida pela primeira vez em 1876, quando foram
observadas larvas do parasito nas fezes de soldados france-
ses com "diarréia da Conchinchina”, no sudeste da Ásia. Na
maioria das vezes, a infecção é assintomática ou oligossin-
tornática. No entanto, pode assumir gravidade em pacientes
imunocomprometidos, sobretudo pelo uso crônico de corti-
coesteróides, nos quais pode apresentar-se sob a forma dis-
seminada. A capacidade de promover auto-infecçãopermite
ao parasita desenvolver o ciclo de vida completo no hospe-
deiro; assim, o número de parasitas pode manter-se estável
ou mesmo aumentar ao longo do tempo, propiciando con-
dições para que a parasitose mantenha-se por tempo indeñ-
nido, mesmo que o hospedeiro não se exponha às larvas
infectantes no solo.

O nematelminto Strongyloües stercomlís pertence à ordem


(superfamília) Rhabdiasoidea, família Strongyloididae.Den-
tre as espécies do género Strangyloides, a mais adaptada ao
parasitismo dos seres humanos é S. stercoralis. Há, no entan-
to, uma espécie, S. fiillebomi,que é parasito de macacos do
Velho Mundo, e que, eventualmente, pode exercer parasitismo
no homem em regiões da Áñica central e oriental.
A fêmea que exerce parasitismo, mede de 1,5 a 10 mm de
comprimento por 27 a 95 pm de largura, e é raramente en-
contrada nos exames de fezes. Fica alojada na mucosa ou
submucosa do intestino delgado, sobretudo no duodeno e
porção inicial do jejuno (Figura 35-1). Reproduz-se por
partenogênese e os ovos embrionados eclodem logo após
a postura, dando origem às larvas rabditóides, ou de pri-
meiro estágio (L1) (Figura 35-1); estas medem 400 um de
comprimento por 20 a 25 um de diâmetro e são as formas FIGURA 35-1 Cortes histológicos de mucosa duodenal mostrando
parasitárias mais freqüentemente encontradas no exame larvas rabdítóides de S sterrorolfs (A) e corte longitudinal de fêmea
parasitológico de fezes. Após sofrerem duas mudas, dão ori- adulta (B). [Costesia da Prof° Maria Irma Seixas Duarte, Laboratório
gem às larvas lilarióides, ou de terceiro estágio (L3), que são de Patologia de Moléstias Transmissíveis do Depto. de Patologia da
longas e añladas, medindo de 400 a 700 um de comprimen- FMUSP.)
to por 12 a 20 pm de diâmetro; estas detêm a capacidade de
invadir os tecidos, sendo, portanto, as formas infectantes. Na
doença disseminada, elas podem ser identificadas nos tecidos
extra-inteslinais e Huidos do hospedeiro. Os machosadultos Europa oriental (Polônia, áreas da extinta União Soviética),
não são identificados no tubo digestivo do hospedeiro, ha- dos Estados Unidos (região dos Apalaches e estados do Sul),
vendo, contudo, machos adultos de vida livre. Japão (Okinawa) e Austrália (populações aborígenes). O
Brasil é considerado como área de elevada endemicidade.
No entanto, os dados epidemiológicos dessa infecção em nos-
so país são escassos e pontuais. São encontradas taxas de in-
fecção que variam de menos de 5% até 80%. A maioria dos
Embora as informações sobre a prevalência da estrongiloi- estudos envolve crianças e os inquéritos envolvem populações
díase sejam bastante fragmentadas, adInite-se que essa in- com características particulares, como creches, escolas, indi-
fecção ocorra em regiões com clima quente e úmido, em víduos hospitalizados ou grupos geograficamente restritos.
virtualmente todas as regiões tropicais e subtropicais do glo- A ocorrência da helmintíase em populações instituciona-
bo; reconhecem-se, ainda, bolsões de baixa endemicidade em lizadas (asilos, prisões) indica a existência de situações em
alguns países da Europa ocidental (França, Italia, Suíça), da que a transmissão deve ser favorecida por meio do contato
Estrongiloidiase 253

com o solo ou com objetos contaminados com fezes que con- tes eclodem em seguida, dando origem às larvas rabditóides,
tenham larvas infectantes. Nos Estados Unidos, veteranos da que atingem a luz intestinal, sendo, então, eliminadas com as
Segunda Guerra Mundial e das guerras da Coréia e Vietnã fezes. O período de tempo entre a infecção
também exibem prevalência considerável da parasitose, a des-
peito de há muito tempo não terem tido condições de expo-
sição a larvas infectantes no meio ambiente; esse 'fato põe
em evidência a capacidade de a infecção manter-se cronica-
mente, por longos períodos de tempo, em determinado hos-
pedeiro.
Em regiões onde o vírus linfotrópico para células 'l' hu-
manas do tipo l (l-YfLV-l)apresenta elevada endemicidade,
como no Japão e Caribe, observa-se que populações de pa-
cientes infectados por esse vírus aprmentam também elevada
prevalência de co-infecção por S. stercoralis. Já com relação à
infecção pelo vírus da imunodeficiênciahumana (HIV),há
estudos revelando uma maior prevalência dessa co-infecção
na população de não-infectados por HIV, enquanto outros
relatos não confirmaram essas observações. Nesse contexto,
previu-se, no início da epidemia de AIDS, que a estrongiloi-
diase teria relevância inclusive em sua forma grave, dada a
intensidade da imunodepressão celular apresentada nos pa-
cientes infectados por HlV. Embora existam relatos de casos
de estrongiloidíasedisseminada em pacientes com AIDS, essa
forma da parasitose não se encontra entre os eventos opor-
tunistas mais importantes.

O ciclo de vida de S. stercomlis tem lugar em parte no solo e


em parte no organismo do hospedeiro. Após a eclosão dos
ovos, as larvas rabditóides (L1) são eliminadas nas fezes e
chegam ao solo onde, na dependência de condições adequa-
das de temperatura e umidade, sofrem duas mudas, originan-
do as larvas íilarióides (L3) (ciclo direto). Alternativamente,
podem dar origem a machos e fêmeas de vida livre que,
após reprodução sexuada, originam larvas rabditóides; estas,
após períodos de tempo xrariáveis, sofrem mudas, transfor-
mando-se em larvas ñlarióides [ciclo indireto ou sexuado).
Não há evidências de que ocorra parasitismo por vermes
machos; assim, a reprodução sexuada parece ser uma exclu-
sividade das formas de vida livre. Após penetrarem pela pele
ou mucosas de um hospedeiro suscetível, as larvas atingem
os pulmões, por via sangüínea, penetram nos alvéolos e são
carreadas até a traquêia pelo movimento ciliardo epitélio res-
piratório, sendo degluúdas na faringe com as secreções res-
piratórias,atingindo o tubo digestivo.
Há evidências de que as larvas filarióides possam atingir
o tubo digestivo sem passarem pelos pulmões, mas e' desco-
nhecida a importância relativa desse evento na biologia do
helminto, bem como sua relevância em termos clínicos. Da
mesma forma, sobretudo nas situações de hiperinfecção, é
possível que larvas filarióides completem sua maturação nos
pulmões, fato evidenciado pelo encontro eventual de fêmeas
adultas e ovos em secreções brónquicas.
No duodeno, ao completarem sua maturação, as larvas
transformam-se nas fêmeas adultas, partenogenêticas, que
se alojam na mucosa do duodeno ou do jejuno proximal
[criptas de Lieberkühn),onde liberam ovos embrionados; es-
254 Parasitologia -
uma abordagem clínica
em indivíduos que vivem próidmos uns dos outros (institu-
cionalizados). A aquisição da estrongiloidíasepela ingestão
de água contendo larvas ñlarióides, embora possível, tem im-
portãncia epidemiológica discutível. A transmissão vertical,
através do aleitamento, é admitida, pela presença eventual
de larvas ñlarióides no leite de mulheres infectadas na África
Transmissão sexual pode ocorrer quando houver contato de
pele e/ou mucosa da genitália com conteúdo intestinal que
contenha larvas infectantes.

Na infecção aguda, durante a migração das larvas ñlarióides


pelos pulmões, pode ocorrer uma pneurnonite eosinofilica
(síndrome de Lõffler) a exemplo do que ocorre com outros
helmintos que tenham uma fase pulmonar no ciclo de vida.
Quando as fêmeas se alojam na mucosa ou submucosa do
intestino delgado, a população parasitária tende a atingir de-
terminado platô, no qual se mantém estável por períodos in-
definidos de tempo, por meio da manutenção do ciclo de
auto-infecçãoem níveis mínimos, porém de forma contínua.
A transformação de larvas rabditóides em filarióides e a ca-
pacidadereprodutiva da fêmea partenogenética parecem ser
estimuladas por substâncias hormonais conhecidas como
ecdisteróides, tais como a hidroxiecdisona; em situações ha-
bituais de parasitismo, tais substâncias teriam importante
papel, ao lado da resposta imune, na regulação da população
parasitária em determinado hospedeiro.
Assim, estabelece-se um equilíbrio entre o sistema imune
do hospedeiro e a população parasitária, de tal forma que o
processo inflamatórioe as lesões que decorrem do mesmo
Estrongiloidiase 255

técnica Bilroth ll. Distúrbios funcionais do trato digestivo,


como acloridriaou hipocloridria, também parecem ñivorecer
os eventos que levam à hiperinfecção. Os mecanismos
Forma Aguda
patogenéticos que explicariam o incremento do processo de
auto-infecçãonessas condições são especulativos. As manifestações decorrentes da penetração larvária nem
sempre são observadas. Em alguns pacientes observam-se
lesões papulares pruriginosas no local da invasão. Em outros
pode ser visto um quadro urticariformelinear e migratório,
O estudo das alterações teciduais nas formas não-compli- que pode progredir rapidamente (5 a 10 cm por hora), conhe-
cadas de estrongiloidiase mereceu pouca atenção. Há, con- cido como larva currens. É. mais comumente observado na
tudo, evidênciasde que quando o parasitismo é limitado, há região perineal ou nas nádegas, seguindo-se à penetração de
larvas ñlarióides pela pele dessas áreas durante a auto-in-
pouca resposta inflamatóriatecidual ao redor de vermes
adultos e larvas. Dados mais completos a esse respeito re- fecção externa. O diagnóstico diferencial desse exantema
sultam de estudos histopatológicos realizados a partir de serpiginoso se faz com a larva migrar:: cutânea (Ancylostoma
material obtido em necropsias de pacientes com infecção Braziliense),sendo que, nesta, a migração é bem mais lenta e
disseminada. a localização mais comum é nos membros inferiores, sobre-

A penetração das larvas filarióides através da pele pode tudo na planta dos pés.
levar à ocorrência de petéquias, com congestão vascular e A passagem das larvas pelos pulmões produz, em geral,
edema. sintomas respiratórios leves, como tosse seca e sibilosespar-
A patologia intestinal na estrongiloidíase é, classicamente, sos. Em alguns casos há crises de broncoespasmo, com tos-

descrita segundo três padrões distintos: se mais intensa e desconforto respiratório. Esse quadro pode

a) enterite catarral, associada às infecções leves: há con- traduzir uma pneumonite eosinoñlica (síndrome de Lõiíler),
gestão da mucosa do intestino delgado, com pontos na qual são observados também infiltrados pulmonares à

esparsos de hemorragia petequial; além disso, a muco- radiografia de tórax e eosinofrlia periférica.
sa é recoberta com uma secreção mucóide abundante. Quando da instalação das fêmeas na mucosa intestinal,
Do ponto de vista histológico, chama a atenção um pode ocorrer dor abdominal inespeciñca ou epigasnalgiaque,
inñltrado mononuclear na submncosa, sendo que for- às vezes, simula o quadro doloroso de úlcera duodenal de
mas parasitárias raramente são observadas nessa lo- natureza péptica. Além disso, diarréia, náuseas e vômitos po-
calização; dem ocorrer de forma intermitente. Na maioria das vezes, no
b) enterite edematosa em situações de parasitismo mais entanto, esse estágio da infecção é assintomático.
intenso: a parede intestinal é espessada, ocorre edema
na submucosa, os vilos intestinais tornam-se achata-
dos e são observadas formas parasitárias ao longo da Forma Crônica Hahitual
lâmina própria;
Essa forma clínica reflete a situação em que os pacientes per-
c) enterite ulcerativa, observada na hiperinfecção: as pa-
redes intestinais tomam-se rígidas pelo edema e ñbrose manecem parasitados por longos periodos de tempo. A po-

decorrentes do processo inflamatórioprolongado. A pulação parasitária mantém-se controlada em niveis baixos,


mucosa revela atrofia, erosões e ulcerações, podendo e restrita topograñcamente ao intestino delgado, mais preci-
ocorrer perfuração intestinal ao nível do jejuno. O
samente ao duodeno e porções iniciais do jejuno. Havendo
inñltrado inflamatóriomais abundante é constituído manifestações digestivas, estas são inespecíficas, como dor
por neutrófilos, e parasitos são observados em gran- abdominal, predominantementeepigástrica, náuseas, vómi-
de número na mucosa e submucosa. Número variável tos, meteorismoacentuado e diarréia intermitente. Dependen-
de eosinóñlos também costuma ser observado em si- do da extensão do comprometimento intestinal, o quadro
tuações de parasitismo intenso. Nos pacientes com for- diarréico pode ser acentuado, podendo desenvolver-se sín-
ma disseminada da infecção, as alterações teciduais drome disabsortiva com perda intestinal de proteínas, gor-
refletem a atividade migratória das larvas. As mucosas duras e outros elementos. Eidste alguma discussão a respeito
gástrica e esofágica podem mostrar edema e ulcera- da associação de estrongiloidíase com síndrome de má ab-
ções, podendo ser observada peritonite. Consideran- sorção, pois nas áreas onde é mais comum a observação
do-se que esses pacientes recebem corticóides, às vezes desses quadros disabsortivos prevalecem outras condições
em doses elevadas, observa-se que a reação inñamató- que sabidamente cansam tais processos, como, p. ex., o espru
ria e' escassa em relação ao montante das lesões te- tropical.
ciduais. Nos pulmões, onde nas formas disseminadas Além dessas manifestações atribuídas à ação mecânica e à
há a presença de larvas em grande quantidade, podem resposta inflamatóriadecorrentes da presença das fêmeas
ser observadas hemorragias alveolares. A presença de adultas e larvas na mucosa intestinal, são observados, rara-
infecção bacterianaconcomitante condiciona o apare- mente, casos de artrite reacional e síndrome nefrótica, re-
cimento de áreas de condensação alveolar, caracteri- lacionados com a formação de imunocomplexos que contém
zando broncopneumonia. antígenos do helminto.
256 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Hiperinfecção e Doença Disseminada de suspeição e pronta instituição de terapêutica específica pro-


piciam urn prognóstico mais favorável.
O diagnóstico de hiperinfecção implica, em geral, o reconhe-
cimento de sinais e sintomas decorrentes de migração lar-
vária acentuada, situações em que o número de parasitos
[larvas e fêmeas adultas) aumenta em decorrência da acele-
ração do ciclo de auto-infecção.Ocorre, então, acentuação do lnespecifico
quadro digestivo, com diarréia mais intensa com recorren-
cias freqüentes; podem surgir caracterisücasdisenteriformes Os arames inespecíñcos, além do leucograma, dependem dos
quando houver parasitismo em íleo e intestino grosso, bem órgãos e sistemas envolvidos com o processo infeccioso e sua
como náuseas e vómitos se o processo parasitário envolver es- extensão. Nas formas crônicas não-complicadaspode ser
tômago e esôfago. Quadros obstrutivos e hemorragia com re- observada eosinoñlia que, em geral, é discreta ou moderada
percussão hemodinâmica podem também ser observados (entre 500 e 1.500 eosinóíilos por mm3). lá na hiperinfecção,
nessas condições. O estabelecimento de enteropatia perde- geralmente não há eosinofilia, e provavelmente isso ocorre
dora de proteína pode levar à hipoalbuminemia.Radiologi- em função da terapêutica irnunossupressora utilizada por

camente, pode-se observar distensão de alças de intestino esses pacientes. Alguns estudos sugerem que eosinopenia

delgado com nível hidroaéreo e edema de mucosa; exames periférica esteja relacionadacom um pior prognóstico nessa
ultra-sonográñco ou tomográñco do abdome podem revelar forma de infecção. Na forma disseminada, a invasão do pa-
a presença de linfadenomegalia. Nessa fase, a confusão diag- rênquima hepático e das vias biliares,inclusive xresícula biliar,
nóstica com doença inflamatóriaintestinal pode agravar so- pode resultar em elevação das enzimas hepatocelulares, mas
bremaneira o quadro clinico, pela prescrição inadvertida de sobretudo, das canaliculares. Os níveis de IgE são elevados em
corticosteróides. 50% a 70% dos pacienta com estrongiloidíase.
Na hiperinfecção, as manifestações pulmonares são co-
muns e podem variar desde tosse, sibilância,graus variados
de dispnéia, dor torácica (inclusive de natureza pleurítica) até Específico
hemopiise, algumas vezes volumosa. Alcalose respiratória e
manifestações cardíacas como palpitações e fibrilação atrial O diagnóstico de estrongiloidíase,na sua forma habitual, crô-
são observadas com algumafreqüência. Nessa situação é co- nica, baseia-se no exame parasitológico de fezes. Aí, são
mum a observação de larvas no exame do escarro a fresco. pesquisadas as larvas rabditóides; nessa forma da infecção, o
A participação de enterobactérias pode condicionaro apare- encontro de ovos, larvas ñlarióides e vermes adultos é raro.
cimento de condensação alveolar, caracterizandobroncop- Deve-se ter em mente que a eliminação das larvas não é cons-
neumonia. Abscessos pulmonares podem, eventualmente, tante e, portanto, uma única pesquisa resulta em positividade
complicar esse quadro. Foram descritos casos de hemorragia que varia entre 30% e 60%. As técnicas de diagnóstico co-
maciçacom desfecho fatal após tratamento específico, suge- proscópico mais eficazes são aquelas que se baseiam no hi-
rindo a possível ocorrência de dano vascular mediado pelo drotermotropismo das larvas. Na rotina laboratorial, são mais
processo imunológico em resposta à liberação de antígenos freqüentemente empregados os métodos de Baermann-
dos parasitos mortos. Moraes e de Rugai e colaboradores, bastante sensíveis, desde
Quando são observadas larvas em locais que não fazem que sejam examinadas pelo menos três amostras de fezes,
parte do ciclo habitual do parasito, ie., pele, duodeno, jejuno coletadas em dias consecutivos. Alternativamente, larvas de S.
e pulmões, fala-se em estrongiloidíase disseminada. Nessa stercoralis podem ser observadas por meio de método de
situação, podem ser encontradas larvas ñlarióides em vir- cultivo, com as técnicas de Harada-Mori (cultivo em água
tualmente quaisquer órgãos, com manifestações clínicas de- destilada) ou de Sato e colaboradores [cultivo em placas de
correntes desse fato, além do risco do estabelecimento de ágar). A coleta de aspirado duodenal, através de procedi-
infecção por enterobactérias. Ê comum o comprometimento mento endoscópico ou da utilização de cápsula gelatinosa
do sistema nervoso central se manifestando como meningite (EnterotestÍ) que é deglutida pelo paciente e recuperada de-
com graus variados de encefalite. A repercussão liquórica é pois de algumas horas, tem eñcácia diagnóstica, mas, por es-
aquela de meningite asséptica, com pleocitose, hiperprotei- ses serem métodos invasivos, têm pouca aplicação prática

norraquia e glicorraquia normal. Mais comumente, há a atualmente. Nos casos de hiperinfecção, podem, com maior
participação de enterobactérias,estabelecendo-se uma menin- freqüência, ser detectados ovos e vermes adultos nas fezes,
gite polimicrobianacom a manifestação liquórica correspon- assim como larvas ñlarióides no escarro e em número au-
dente. Há ainda relatos de abscessos cerebrais ou cerebelares, mentado nas fezes.
em cujo conteúdo são encontradas formas larvárias do pa- O diagnóstico sorológico, por meio da detecção de anti-
rasito. Outros órgãos para os quais pode haver disseminação corpos dirigidos contra antígenos larvários, parece promissor,
de larvas incluem linfonodos mesentéricos, coração, pân- mas ainda não é utilizadorotineiramente em função da difi-

creas, rins, ovários e musculatura esquelética. cI.11dade na obtenção de antígenos apropriados. Na maioria
É importante assinalar que as formas disseminadas de dos locais onde é executado, são utilizados antígenos de S.
estrongiloidiase são freqüentemente fatais, dada sua rápida ram' ou S. venezuelensis. Para o imunodiagnóstico da estror1-
evolução e diñculdade diagnóstica. Apenas um elevado grau giloidíase existem duas técnicas mais utilizadas: irnuno-
fluorescênciaindireta, que detecta IgG
Tricuríase
Susana Angélica Zevallos Lescano
Maria Cristina Carvalho do Espirito Santo
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
260 Parasitologia -
uma abordagem clínica
cia das práticas sanitárias e de higiene pessoal foi similar em
todos os grupos de crianças, indicando o aspecto multifatorial
A tricuríase é uma infecção causada por um parasita nema- da transmissão e a necessidade de ações integradas para o
controle dessa parasitose, que levem em conta práticas de
tódes, da família Tricuridae. O homem é habitualmente
parasitado por 'Iiichuris trichiura, a principal espécie de in- higiene adequadas, como o consumo de água filtrada, a lava-
teresse mêdico (Linnaetrs 1771, Stiles 1901]. gem correta dos alimentos, sobretudo aqueles a serem con-
sumidos crus, e a lavagem das mãos. A disponibilizaçãode
rede de esgoto e de água tratada é medida de grande impac-
EHGIOGME . to no controle das geo-helmintíases (Figura 36-1).

'll trichiura é também denominado tricocéfalo, pelo fato de


a extremidade anterior do corpo ser añlada, lembrando ca-
belo (do grego thrikhos = cabelo). É mn verme branco que
Os ovos não-embrionados saem ao meio externo com as
mede aproximadamente 3 a 5 cm de comprimento. A parte
fezes do individuo parasítado. São necessárias condições
anterior é ñna e ocupa dois terços do parasito, o terço pos-
terior é mais grosso, o que dá ao verme a aparência de chi- adequadas para o desenvolvimento da larva dentro do ovo
cote. Os machos são menores que as fêmeas e o corpo destas
(temperaturas que variam de 15° a 30°C., umidade e som-
acaba de forma reta no seu extremo posterior, enquanto o
bra), e a larva infectante se desenvolve em duas semanas a
vários meses, dependendo da temperatura. Nessas condi-
macho apresenta uma curvatura ventral pronunciada.
O tubo digestivo inicia-se com a boca pequena, sem lábios,
ções, os ovos podem permanecer infectantes no solo por
vários meses ou anos.
a qual apresenta um estilete na sua extremidade, seguida do
A infecção se da por via oral através de alimentos, bebidas
esôfago longo e delgado, do tipo esticossomo, e o intestino, ou terra contaminados. No interior do aparelho digestivo, os
que termina no ânus. O esôfago está na parte fina do para- ovos, pela ação dos sucos gástrico e pancreático, sofrem amo-
sito, o intestino e os órgãos genitais ocupam a porção gros- lecimento de suas membranas e liberam as larvas no intes-
sa do verme. tino delgado; estas penetram nas glândulas de Lieberkhün,
O macho apresenta testículo único seguido do canal defe- desenvolvem-se em cinco a dez dias e passam ao cólon, onde
rente e canal ejaculador, que termina com o espículo na cur- sofrem mudas, amadurecem e vivem por aproximadamente
vatura ventral. A fêmea possui ovário e útero únicos que se sete anos. Os vermes, macho e fêmea, fixam-se ao intestino
abrem na vulva vaginal localizada na união entre esôfago e
grosso por meio do estilete bucal, causando pequenas úlce-
intestino; esta elimina até 200.000 ovos por dia. ras no tecido; cada indivíduo ingere, em média, 0,005 mL de
Os ovos apresentam características que facilitama sua sangue por dia. Após a cópula, a fêmea produz ovos férteis
identificação: têm coloração marrom, forma elíptica e medem que são eliminados com a matéria fecal para reiniciar o ci-
aproximadamente 25 um de largura por 50 a 55 um de com- clo; esse processo demora aproximadamente de 30 a 60 dias,
primento; possuem dois tampões mucosas e transparentes e cada fêmea elimina entre 3.000 e 20.000 ovos por dia (Figu-
nos extremos. Sua casca é formada por três camadas dife- ra 36-2). A expectativa de vida dos vermes tem sido estimada
rentes: mna externa de natureza lipídica, uma intermediária em um a três anos e o período pré-patente desta helmintiase
quitinosa e uma interna vitelínica. é de cerca de 90 dias.

O homem é única fonte de infecção e essa helrnintíase se Como não são observados fenômenos tIaumáticos impor-
transmite atraves do solo contaminado (geo-helmintíase), das tantes, considera-se que o mecanismo irritativo sobre as
mãos sujas, dos alimentos contaminados e da poeira. terminações nervosas da parede intestinal, produzindo refle-
A infecção por 'll trichiura tem uma prevalênciaparalela xos que alteram a motilidade (peristaltismo) e as funções do
à de A. lumbricoides, devido ao fato de o modo de transmis- intestino grosso (reabsorção de líquidos), seja relevante para
são ser idêntico, à grande fertilidadedo parasita, bem como a patologia dessa helmintíase. l-Iipersensibilidade aos
à resistência dos ovos às condições ambientais. No Brasil, essa metabólitos do helminto também pode resultar em reação
parasitose é mais prevalente em áreas litorâneas e na Amazô- inflamatóriana mucosa intestinal. Edema acentuadoda mu-
nia, onde as condições climáticas favorecem a sobrevida dos cosa, sobretudo em crianças de baixa idade, pode resultar em
ovos embrionados no solo. A faixa etária entre os 5 e os 14 prolapso retal, por mecanismo que se assemelha ao da
anos detém a maior parte dos infectados e aqueles com as car- intussucepção intestinal.
gas parasitárias mais elevadas. A imunidade contra a tricuríase baseia-se em resposta
Estudo desenvolvido em escolares buscou uma relação celular do tipo Th2, envolvendo as lL-4, lL-S, IL-9, lL-l3,
entre as condições sociais e a prevalência da infecção por esse eosinóñlos e lgE.. Além disso, IgA e IgG 1-4 representam res-
geo-helminto. Observou-se que os hábitos efou condições posta humoral às infecções por nematódeos, em especial
sociais da moradia estão associados à infecção por 'II trichium, tricuríase e ascarídíase. A exemplo do que ocorre com a
porém nenhuma associação ao sexo ou à idade. A influên- ascaridiase, a relação da idade do hospedeiro com prevalência
Tricuríase 261

FIGURA ?Fã-I Epiderníslwia dafrísuríass

e da idade do hospedeiro com intensidade da infecção tem


uma distribuição tipicamente convexa, com o pico ocorren-
do na puberdade e adolescência. Essa distribuição sugere um
aumento da resistência à infecção com a idade, devendo-se
considerar também o fator exposição, mais intenso nessa
faixa etária. l-lá que se considerar também um componente
genético na suscetibilidadea essa infecção, conforme mostra-
ram estudos genéticos quantitativos realizados em comuni-
dades nepalesas e chinesas.

SINAIS E SINTOMAS
A fixação dos parasitos na mucosa do ceco pode produzir
lesões, como congestão discreta e hemorragias petequiais,
sendo que, nas infecções maciças,há degeneração e necrose
de coagulação do tecido mucosa circundante. Nas infecções
com baixa carga parasitãria, normalmente os sintomas são
ausentes ou indeñnidos, tais como nervosismo, perda do
apetite, diarréia, dor abdominal, tenesmo e perda de peso.
Nas infecções graves pode haver diarréia intensa, com
muco e sangue, dor abdominal difusa, principalmente no

epigástrio e no quadrante inferior direito.


Nas crianças menores e debilitadaspode ocorrer o pro-
lapso retal, constituindo a chamada tricuríase maciçada
HGURA 36-2 Ciclo da tricuríase. 1. Após a ingestão de alimentos inñncia; a patogenia dessa complicação está ligada à dimi-
ou água contaminados [2] ocorre o desenvolvimento do ovo para a nuição do tônus muscular associada a quadros disentéricos
forma adulta. 3- Na forma adulta_ há produção de ovos que
amadurecem e [4] tornam-se infectantes.
prolongados, ao tenesmo e ao edema da mucosa. As infecções
intensas nessas criançaspodem também resultar em anemia
fnteroôzízse
Susana Angélica Zevallos Lescano
Maria Cristina Carvalho do Espírito Santo
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
264 Parasitologia -
uma abordagem clínica
anti-helrnínticos, deve ser repetida a intervalos curtos (em
torno de 20 dias), inferiores à duração do ciclo do parasito.
Concomitante à quimioterapia é preciso entender as noções
'Também conhecida como oxiuriase, a enterobíaseconstitui
básicas de higiene no que tange ao lavar das mãos após a
uma helmintíase intestinal que tem por agente etiológico o
nematódeo da família Oxvuridae, Enterobirts vermicultzris. defecação, antes das refeições e preparo dos alimentos; man-
ter as unhas curtas; evitar o ato de coçar a região perianal;
Trata-se de infecção muito comum e benigna na maioria das
realizar a troca das roupas íntimas, de cama e banho freqüen-
vezes, assumindo importânciapelo incômodo intenso que
temente; ferver ou lavar as roupas em máquinas que aqueçam
pode ocasionar, conseqüente ao prurido anal que provoca; a uma temperatura de 55°C; evitar superlotação de quartos
algumas vezes, as repercussões clinicas são mais importantes, ou alojamentos; dispor de instalações sanitárias adequadas e,
sobretudo nas crianças infectadas.
se possível, remover o pó por meio de aspiradores de pó e as-

segurar estrita limpeza dos ambientes.


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u l' '
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Esses pequenos nematódeos apresentam marcado dimor-


ñsmo sexual, são da cor branca e ñliformes; na extremidade
anterior apresentam expansões da cutícula, laterais à boca, O ciclo biológico é do tipo monoxénico. Após a cópula, os
denominadas "asas cefálicas", cuja função seria facilitara mo- machos são eliminados com as fezes e morrem. As fêmeas
vimentação do verme adulto. A boca é pequena, seguida do grávidas se desprendem do ceco, migram para o ânus, pro-
vocando intenso prurido principalmente à noite, no período
esôfago de tipo rabditóide característico, claviforme, apresen- de repouso e equilíbrioda temperatura do hospedeiro. Ê- nesse
tando urn bulbo posterior.
A fêmea mede cerca de l cm de comprimento por 0,4 mm período que saem pelo esfincter anal, perambulam pela pele
de diâmetro, a cauda é afiada e longa. A vulva abre-se na do períneo, deixando um rasto de ovos aderidos, até que
porção média anterior; esta é seguida por uma vagina curta morrem e se desintegram.
Os ovos são eliminados com o embrião formado em seu
que se comunica com dois úteros; cada ramo uterino se con-
tinua com o oviduto e oxrario correspondentes. interior e se tornam infectantes em 3 a 6 horas (formam a lar-
O macho mede cerca de 5 mm de comprimento por 0,2 va rabditóide), sendo ingeridospelo hospedeiro. No intestino

mm de diâmetro, apresenta a cauda fortemente recurvada delgado, as larvas rabditóides eclodem com ajuda de enzimas
no sentido ventral, com espículo recoberto de espinhos; pos- que favorecem a ruptura da casca e sofrem duas mudas, se-
sui um único testículo. guindo o trajeto até o ceco, onde se tomam vennes adultos.
Os ovos têm em média 50 um de comprimento por 20 um Um a 2 meses depois, as fêmeas são encontradas na região
de largura. Aprsentam forma característica: em forma de le- perianal repletas de ovos (5.000 a 16.000 ovos). Se não hou-
tra "D”, com um lado achatado e o outro convexo. Estão ver reinfecção, o parasitismo é autolimitado, uma vez que a
recobertos por urna membrana tripla, lisa e transparente, sen- maior parte das fêmeas morre no ato da postura.
do a camada mais externa de natureza albuminosa; no mo- A proteína presente na casca dos ovos provoca reação de
mento da postura, já apresentam uma larva no seu interior. intenso prurido na pele, e o ato de coçar promove a dissemi-
nação dos ovos tanto para o próprio hospedeiro, por meio
das mãos ou de objetos contaminados, como para outros
indivíduos que venham a ter contato com estes fômites. O
hospedeiro também pode propiciar essa infecção na sua lo-
A enterobíase é uma parasitose de distribuição universal, sen- comoção, pois os ovos aderidos ã sua pele e às roupas são
do comum nos paises de clima frio e temperado, inclusive disseminados no ambiente.Outra via de contaminação com
naqueles mais desenvolvidos, devido à menor freqüência de os ovos é a inalação, pois estes ficam suspensos no ar quan-
banhos, de troca de roupas e ao confinamento em ambien- do as roupas de cama ou do hospedeiro são sacudidas; esses
tes fechados. ovos são sensíveis à dessecação, resistindo, em média, até 16
Vários estudos arqueológicos, principalmente, no sudeste horas em locais muito secos.
da América, sugerem que E. vermicularis data de 10.000 anos, A enterobíaseconstitui uma parasitose exclusiva da espé-
constituindo o parasito mais antigo do Novo Mundo. cie humana, possuindo um caráter focal, em que a família é
As crianças em idade escolar são as mais parasitadas, in- o foco epidemiológico elementar.
dicando ser o ambienteescolar um espaço de grande dissemi- Existem dois mecanismos de transmissão: a heteroinfecção
nação das formas infectantes. O segundo grupo de risco é o e a auto-infecção, sendo que cada uma apresenta duas mo-
de pré-escolares, seguido das mães que cuidam das crianças dalidades: por via aérea e por mãos sujas.
parasitadas. A heteroinfecção é a transmissão do parasito de um indi-
É. importante observar que nenhuma ação isolada é sufi- víduo para o outro, pela inalação e ingestão de ovos disse-
ciente para interromper a Uansmissão heteróloga ou a auto- minados por via aérea. Os ovos possuem uma superfície
infecção de E. vermicularis. Dessa forma, faz-se necessária pegajosa que adere facilmentea qualquer suporte. Dessa for-
uma atuação conjunta sobre o agente causal, o homem e as ma, contaminam os lençóis, toalhas, vestuáríos e as roupas
condições ambientais.A desparatisação, por meio do uso de íntimas, sendo lançados no ar após o ato de despir-se, ves-
tir-se, descobrir-se, enfim, com a
(página deixada intencionalmente em branco)
@Doençapor nematódêos
intestinais exóticos
e dê importação
Felipe Francisco Tuon
268 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Neste capítulo serão apresentados alguns nematódeosintes-


tinais raros. São abordados aqui parasitos que de alguma
forma tenham relação com o tubo digestivo do ser humano,
quando este é parasitado, na maioria das vezes de forma aci-

Etiologia e Morfologia
A capilaríase é uma parasitose intestinal causada por parasi-
tos do gênero Capillar-ia. Existem mais de 200 espécies dentro
desse gênero, mas apenas quatro destas são reconhecidas
como causadoras de doença em humanos, sendo apenas uma
delas corn alta patogenicidade, (Êapillariaphilippinensis. Este
parasito pode ser encontrado em peixes, anñbios, répteis,
pássaros e nos mais diversos mamíferos. A capilaríase intes-
tinal provoca quadro de diarréiacrônica importante que pode
levar a óbito se não tratada e à desidratação e a distúrbios
hidroeletroliticos. Outras espécies que acometem o homem
podem ser C. hepática, C. aerophilae C. plica.
Pertenoente à família 'l'richenelloidea,
Doença por nematódeos intestinais exóticos e de importação

alterações ultra-estruturais foram bem descritas na revisão


de John Cross.

Sinais e Sintomas
A doença pode ser assintomática, oligossintomática ou grave,
podendo resultar em óbito. A sintomatologiadepende dire-
tamente da quantidade de parasitas, além de outros fatores
dependentes do hospedeiro, como desnutrição e co-morbida-
des. Dor abdominal inespecíñca com borborigmos são sinto-
mas comuns associados à diarréiacrônica líquida com vários
episódios ao dia.
Com a evolução do quadro ocorre emagrecimento, ano-
rexia e desidratação. Nos casos que evoluem com aumento
progressivo do número de parasitos sem tratamento, ocorre
piora do quadro clínico de desidratação e desnutrição, le-
vando o paciente a óbito por septicemia secundária à trans-
locação bacteriana.

Diagnóstico
Os achados laboratoriais na capilaríase consistem em altera-
ções características de enteropatia perdedora de proteína,
como síndrome disabsortiva. Hipocalemia,hiponatremia,
hipocalcemia e hipoproteinemia são alterações comuns e há
elevação de IgE sérica.
Embora o exame parasitológico de fezes possa identificar
ovos de
- 27o Parasitologia -
uma abordagem clínica
O comprimento das larvas de Anisakis varia entre 10 e 29
mm e a largura, entre 0,44 e 0,54 mm.

Epidemiologia
A transmissão para humanos está associada à ingestão de
frutos do mar com estágios larvais terciários, comumente
encontrados em peixes. O hábito de ingerir peixes crus,
como ocorre no Japão, configura-se em risco para essa hel-
mintiase. Com o aumento de restaurantes japoneses e do
consumo de peixe cru em todo o mundo, tem se tomado um
risco cosmopolita. Casos foram descritos em diversos países,
como Japão, Holanda, Alemanha, França, Suíça, Inglaterra,
Bélgica, Nova Zelândia, entre outros. Embora a maioria das
publicações seja de relatos de casos, em alguns ocorrem sur-
tos após consumo de peixes contaminados. No Brasil não
existem casos conñrmados, embora casos suspeitos tenham
ocorrido.

Transmissão
A anisaquíase
Doença por nematódeos intestinais exóticos e de importação 271

rios, e dos mais de 50 casos descritos na literatura, a grande


maioria se encaixa em ingestão acidental desse inseto. Nos ca-
sos descritos na literatura, a maioria atinge o aparelho bucal,
como lingua., assoalho da boca, gengiva e lábios, apresentando
a sensação de algo se mexendo nesta região. Em alguns casos
ocorre a saídado parasito e o paciente retira-o do local atin-

gido com os dedos.


Além dos sintomas referidos, podem ocorrer sintomas e
sinais inflamatórioslocais, como estomatite, gengivite e fa-
ringite.
Nos relatos descritos, a droga para o tratamento pode con-
sistir em albendazol, 10 mgfkg, em uma tomada diária por 3
dias. A doença apresenta pouca repercussão clinica além da
descrita e as seqüelas não são importantes.
FIGURA 38-3 Tumor abdominal causado por O. bifurcum. Cortesia
de Peters e Pasvol: Atlas of Tropical Medicine and Parasitology, 6°
ed., 2006, Elsevier Ltd.

Oesophagostomum bifiircum é um parasito de diversos rumi-


nantes, porcos e macacosem diversos países, principalmen- ticados por exames de
te na China, Filipinas,Indonésia e em vários países africanos.
Casos humanos já foram descritos em diversos países do
mundo, incluindo o Brasil, demonstrando a distribuição cos-
mopolita dessa parasitose, que é, no entanto, bastante rara.
A aquisição de ovos embrionados ou larvas por meio de ali-
mentos contarninados leva ao desenvolvimento das larvas em
adultos na parede intestinal, podendo reiniciar o ciclo de vida
mediante a eliminação de ovos no solo. Em vários casos des-
critos na literatura, as larvas não chegam a atingir o estágio
adulto e acabam morrendo nas criptas intestinais, culminan-
do co1n o desenvolvimento de UID processo inñamatório local
que gera nódulos na parede intestinal, os quais são diagnos-

FIGURA 38-2 Osophagostomum em apêndice intestinal. Cortesia


de Peters e Pasvol: Atlas of Tropical Medicine and Parasitology, 6=
ed., 2006, Elsevier Ltd.
(página deixada intencionalmente em branco)
[Larva mzgram
cutânea

Alexandre Leite de Souza


Angel Escobedo
Sérgio Cimerman
274 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Embora a pele seja um órgão cuja função é estabelecer uma


blindagem protetora para o ser humano, ela está suscetível a
ser invadida por múltiplos agentes parasitárias. A invasão do
tecido cutâneo por determinados helmintos que são peculia-
res a outros animais, tais como cães e gatos, produz fenôme-
nos clínicos atípioos em nosso organismo, tais como larva
migrans cutânea (LMC). l-listoricamente, o termo larva
migrans cutânea foi empregado originalmente em 1874. Em
1929, a larva de um nematódeo denominado Ancylostoma
mninum foi associada a esse fenômeno cutâneo.
A LMC é uma relevante dermatozoonose parasitária em
comunidades pobres, embora permaneça negligenciada e
inexplorada nos países em desenvolvimento. Dentre os di-
versos agentes etiológicos causadores dessa afecção derma-
tológica no homem, destaca-se Ancylostoma braziliensis, um
geo-helminto, o qual é um parasito comum entre cães e ga-
tos. Os ovos desses parasitos alcançam o solo de praças, par-
ques públicos ou praias, através dos dejetos de cães e gatos,
tornando esses locais um crítico elo para a transmissibilidade
dessa zoonose.
Atualmente, além da denominação de la.r'va migrans cutâ-
nea, utilizam-setambém os
Larva migrans cutânea 275

ano. De forma interessante, as áreas banhadas diretamente hialuronidase apresenta maior potencial de ação hidrolítica
pelo mar têm baixo potencial de transmissibilidade,pois a ele- quando secretada por A. braziliensis do que por outros an-
vada concentração salina do terreno inibe a sobrevivênciados cilostomideos.
ovos e larvas de ancilostomideos. Há lugares onde os gatos Após a penetração da larva através da pele, observa-se uma
são os elos decisivos de transmissão desta zoonose em fun- resposta inflamatóriaque é caracterizadapor um infiltrado
ção da dificuldade de contenção de tais mamíferos. O hábito de eosinóñlos e células mononucleares. À medida que a larva
de enterrar os excrementos, natural desses animais, propícia Elarióide migra ao longo da pele, mn trajeto constituido de
o desenvolvimento e eclosão desses ovos. As criançastipica- pápulas com aspecto eritematoso emerge macroscopicamente,
mente se contaminam ao utilizar depósitos arenosos para esboçando um itinerário tortuoso e serpiginoso. Eventual-
suas atividades recreativas. Em função da ubiqüidade de cães mente, há formação de vesículas e bolhas. Posteriormente,
e gatos, juntamente com a utilização habitual de áreas areno- ao longo dos dias, a porção antiga desse trajeto revela uma
sas como local de recreação, essa dermatozoonose revela-se linha hiperpigmentada, a qual gradativamente vai se dissi-
como um crítico desafio para a saúde pública. pando. Uma complicação característica é o desenvolvimento
de infecções bacterianassecundárias no local afetado, pois o
indivíduo parasitado, ao se coçar, pode inocular bactérias
através das soluções de continuidade da pele. O número de
larvas e, conseqüentemente, o número de trajetos serpigi-
A. braziliensisparasita comumente o intestino de cães e gatos. nosos têm uma ampla gama de variação, podendo ser ape-
'lhdavia,A. braziliensisé menos peculiar que A. canirmm nos nas um ou até mesmo centenas. Tais trajetórias podem ser
cães. Além disso, A. braziliensistem menor potencial de espo- encontradas em qualquer local da superfície corpórea. As re-
liar sangue desses animais em relação aos demais ancilos-
tomídeos. O ciclo de vida de A. brazilierzsis é similar ao dos
giões topográñcas mais suscetíveis são as que se seguem: pés,
mãos, pernas e antebraços. A duração desta dermatite é va-
outros ancilostomídeos,podendo invadir os hospedeiros ha-
riável, podendo haver cura espontânea em poucos dias ou
bituais tanto pela via oral quanto pelo tecido cutâneo. Os ovos persistir por meses. De fato, sabe-se que a larva pode manter
deste parasito são eliminados juntamente com os dejetos de sua atividade migratória além de l ano.
cães e gatos, poluindo o meio ambiente. O tempo de latência
desses ovos irá depender das características climáticas, como
temperatura e umidade no solo. Assim, após um período de
tempo variável, os ovos eclodem e originam as larvas rabdi-
tóides, as quais após duas mudas se transformam em larvas O momento de penetração das larvas ñlarióides na pele pode
filarióides, que têm verdadeira potencialidade de infestar o ser ser assintomático. Classicamente, há início dos sintomas
humano. As larvas filarióides, ao estabelecerem contato com após algumas horas ou dias. Contudo, o período de incuba-
a superfície da pele humana, têm a possibilidadede peneüa- ção pode variar. O surgimento dos sintomas pode ocorrer até
rem o estrato epitelial e criarem um túnel microscópico para após 15 dias em 25% dos pacientes. Além disso, já foram des-
migrarem ao longo da pele do hospedeiro. l-labitualmente, as critos inicio de sintomas após 7 meses.
larvas ocupam a extremidade anterior do túnel. A expressão clinica no hospedeiro caracteriza-sepor trilhas
eritematosas ou serpiginosas na pele, ocorrendo eventual-
mente formação de bolhas. As lesões podem ser únicas ou
múltiplas e o padrão topográñco localiza-se tipicamente nos
membros inferiores e glúteos. A face ou a mucosa oral são
A interação entre as características imunológicas do hospe- excepcionalmente afetadas, assim como a anatomia genital.
deiro, fatores de vimléncia do agente e, Finalmente, caracte- Freqüentemente, há um dramático prurido ao longo do tú-
risticas de umidade e temperatura do solo, determinará se nel formado na pele, produzindo significativo prejuizo na
haverá ou não o desenvolvimento dessa dermatozoonose no qualidade de sono dos hospedeiros. As complicações poten-
ser humano. A partir do ponto de penetração, origina-se um ciais são impetigo, foliculite e lesões vesicobolhosas (Figura
túnel cujos teto e assoalho são constituídos pela epiderme [cé- 39-1). Eventuais complicações sistêmicas incluem eritema
lulas espinhosas] e derme, respectivamente. Histologicamente, mulüforme e pneumonite eosinoñlica.
o túnel desenvolve-se pela destruição da camada germinaüva
de Malpighi. Durante a invasão do tecido cutâneo, ao migra-
rem entre os queratinócitos da epiderme, as larvas ñlarióides
deparam-se com estruturas moleculares de ácido hialurônico.
O ácido hialurónico é uma molécula essencial para a adesão O diagnóstico é fundamentalmentenorteado pelas caracterís-
celular, funcionando como uma espécie de cimento ente as ticas clinicas da lesão cutânea, e pode ser reforçado por um
células. Assim, uma etapa crítica na ñsiopatogénese da LMC elo epidemiológico signiñcaüvo, tal como atividades recreati-
é o processo de desintegração de tais pontes intercelulares, a vas em parques, praias ou praças. Os estudos laboratoriais
ñm de permitir o movimento migratório desse parasito. podem evidenciareosmoñlia. A biopsia de pele revela freqüen-
Uma enzima decisiva para tal evento hidrolíticodenomina-se temente um inñltrado eosinoñlico com ausênciado agente
hialuronidase. De fato, observou-se que a atividade da parasitário, tornando-a inviável.
Larva Ingram À
'visceraf
Pedro Paulo Chieff¡
278 Parasitologia -
uma abordagem clínica
menta aprobabilidadede ocorrer infecção de seres huma-
nos. No caso de contato profissional de seres humanos com

Em 1952, Beaver e colaboradores estavam estudando crian- cães, há referência na Inglaterra de maior risco de infecção
entre funcionários de Canis. Todavia, em nossomeio, o mes-
ças com hepatomegalia, sintomas respiratórios e intensa eosi-
mo não foi observado em veterinários, tratadores e captura-
noñlia e identificaram a presença de larvas de 'Ibxocam Canis
dores de cães.
em biopsias hepáticas. Eles denominaram este quadro de
síndrome da larva migram visceral (LMV). Outras espécies de Inquéritos soroepidemiológicos mostraram o caráter cos-
helmintos foram, mais tarde, identiñcadas como possíveis mopolita da infecção humana por 'lbxocara, embora reve-
lando freqüências variáveis, notando-se taxas mais elevadas
agentes dessa síndrome; no entanto, larvas de 'E Canis foram em áreas com maior densidade demográfica e menor nível
encontradas na grande maioria dos casos em que foi possível
realizar a identificação do hehninto envolvido, sendo consi- socioeconômico. Em cinco municípios do estado de São Pau-
deradas o principal agente etiológico da LMV e passando-se lo, inquérito envolvendo 2.025 indivíduos revelou a presença
de anticorpos anti-Íbxocara em 3,7% dos soros examinados.
a utilizar o termo toxocaríase humana como sinónimo de
Em resumo, a toxocaríase é uma doençacosmopolita.
LMV na literatura médica. Outras espécies de 'lbxocarcx', co-
mo 'II tati e IÍ pteropodís, também já foram identificadas
como agentes de LMV em seres humanos.

A ingestão de ovos embrionados de 'Ibxocara inicia a infecção


nos hospedeiros definitivos. Crianças acidentalmente entram
em contato com eles durante brincadeiras em caixas de areias
A LMV é causada por 'II Canis, cujo verme adulto apresen-
e playground:: contaminados com ovos de 'II Canis. Esta situa-
ta entre 'L5 e 12,5 cm e vive no intestino de gatos e cães. As
fêmeas de 'F Canis produzem grande quantidade de ovos, os ção ocorre a
quais são liberados nas fezes do cão, especialmente ñlhote
ou cão jovem, uma vez que após alguns meses de infecção
intestinal ocorre eliminação espontânea dos vermes e o cão
torna-se resistente à presença do ascarídeo no intestino. O
macho adulto mede entre 4 e 10 cm e a fêmea é um pouco
maior, entre 6 e 18 cm. O verme adulto possui boca com três
lábios e duas expansões cuticulares na região anterior, deno-
minadas asas cefálicas. Os ovos são esféricas e medem en-
tre 75 a 90 um.

$ÉOSM
Diversas espécies de vertebrados podem atuar como hospe-
deiros paratênicos, permitindo a sobrevivência de larvas de
terceiro estágio de 'IÍ Canis em seus tecidos e órgãos. Quando
predadas por cães, podem tansmitir-lhes as larvas, que per-
manecem encistadas, porém vivas, em seus tecidos. Outros
mecanismos de transmissão para cães envolvem a ingestão
de ovos com larvas de terceiro estágio presentes no solo, a mi-
gração transplacentária de larvas que se encontravam en-
cistadas na cadela durante a prenhez ou a passagem de larvas
L3 através da amamentação.
Seres humanos são infectados por 'L' Canis ao ingerir larvas
de terceiro estágio, presentes em ovos larvados desse ascarídeo
ou em carnes e vísceras de hospedeiros paratênicos que ve-
nham a ser consrmiidas cruas ou mal cozidas. Do ponto de
vista epidemiológico, a ingestão de ovos larvados tem maior
importância,em razão da elevada freqüência com que são en-
contrados no solo e de certos hábitos de parcela da população
humana, especialmente crianças,como geofagia e onicofagia.
Há dúvida em relação a importância da posse de cães nos
domicílios como fator de risco para infecção humana por 'Ii
Canis; entretanto, é inegável que a presença de filhotes, con-
siderados os principais eliminadores de ovos de 'II Canis, au-
FIGURA 40-1 Ciclo de vida do parasito. l, Ovos são eliminados no
meio ambiente e em condições adequadas (2) desenvolvem-se em
ovos embrionados_ 3, Os ovos embrionados são ingeridos por cães
ou outros hospedeiros, como o homem. 4, Após ingeridos, eclodem
e liberam larvas que migram para os tecidos, promovendo a larva
migrans visceral ou ocular. 5_ No cão, ocorre o ciclo pulmonar que
leva ao desenvolvimento de formas adultas no intestino, reiniciando
o ciclo.

mente, isto repercute com aumento das enzimas hepatoce-


lulares e da 'y-glutamil-transpeptidase.
280 Parasitologia -
uma abordagem clínica

secreção de larvas de 'II Canis cultivadas in vitro viabilizaram


o diagnóstico sorológico da infecção humana por meio da
pesquisa de anticorpos anti- Ibxocara em soro, líquor ou, na
LMO, no humor aquoso. Permitiram, também, a realização
de inquéritos soroepidemiológicos. Atualmente, os testes
imunoenzimáticos constituem o método diagnóstico mais
empregado na suspeita de infecção humana por 'IbxocarrL
Todavia, em regiões onde é freqüente a infecção humana por
helmintos enteroparasitas, face à possível ocorrência de rea-
ções cruzadas, especialmente nas infecções por Ascarís
Iumbricoides, convém realizar previamente absorção dos so-
ros suspeitos com extratos desses helmintos. Mais recente-
mente, desenvolveram-se técnicas de ímunoblatingque, além
de possibilitardiagnóstico da infecção, têm utilidade no acom-
panhamento após tratamento.

O tratamento de indivíduos assintomáticos que apresentem


títulos elevados de anticorpos anti-Íirxocara e hipereosinoñlia
ainda é uma questão controversa. Muitos autores não reco-
mendam tratamento anti-hehníntico nesses casos; entretan-
to, Schantz e Glickman(1983) consideram prudente submeter
esse tipo de paciente ao tratamento clássico, como forma de
Lagoquilàscanhse
Habib Fraiha
Raimundo N. Queiroz de Leão
Parasitologia - uma abordagem clínica

lagoquílascaríaseé a denominação dada ao parasitismo por


helmintos do gênero Lagochilascaris (Nematoda, Ascaridi-
dae). Corresponde a uma helmintíase dos tecidos, que aco-
mete preferencialmente a região cervical ou estruturas
FIGURA 41-4 Cauda de fêmea adulta de L minor.

FIGURA 41 -5 Ovo de I_ minor visto à microscopia óptica com


contraste de fase.

casos peruanos apresentados em congressos, mas a informa-


ção precisa não foi possível resgatar.
O estado do Pará concorre com 603% (60) dos casos na-
cionais e 49,6% dos casos mundiais; Rondônia e Tocantins
com 9,1% (9) cada, Mato Grosso com 6,1% (6), Acre e Ro-
raima com 4,0% (4) cada, Paraná com 2,0% (2),e Maranhão,
Paraíba,Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo com 1,0%
(1) cada. Apenas seis dos casos brasileiros não são originá-
rios da Amazônia
284 Parasitologia -
uma abordagem clínica
mente, outras), cruas ou mal cozidas, portando larvas L3 en-
cistadas.

PATOGENIA
Campos e col. (1992) observaram que as larvas de terceiro
estágio, quando ingeridas, liberarn-se dos cistos na luz do
estômago do hospedeiro deñnitivo, penetram na parede do
tubo digestivo e migram, esôfago acima, por um tropismo
qualquer ainda não esclarecido, rumo às áreas comumente
afetadas da faringe, rino-orofañnge e estruturas circunvizi-
nhas, inclusive linfonodos. Uma vez aí instaladas, evoluem até
a fase adulta. Machos e fêmeas acasalam e reproduzem-se
continuamente, condicionando o desenvolvimento de lesões
modulares, que abscedam e fistulizam. A histopatologia dessas
lesões mostra a presença de focos de reação ganulomatosa
do tipo corpo estranho e áreas escavadas, de paredes forma- FIGURA 41-7 Lagoquilascaríase: lesão cervical ulcerada.
das por tecido inflamatório,também contendo elementos
gigantocitários com restos parasitárias e, freqüentemente,
áreas de infiltração eosinofilica.Todos os estágios evolutívos
do helminto (ovos, larvas e adultos) podem estar simulta-
neamente presentes, às vezes em grande número, no interior
das lesões.
Não existe barreira óssea para a progressão do parasita.
É. apreciável o grau de osteólise observado em torno de algu-
mas lesões, favorecendo-lhe essa progressão. Dai a possibili-
dade de acomeümentodo sistema nervoso central, em áreas
contiguas a lesões do rochedo. Segundo Barbosa e col. (2006),
as larvas de terceiro estágio de L. m-i-nor secretam metalopro-
teases de ação específica sobre o fibrinogênio e o colágeno na-
tivo, o que parece poder explicar, ao menos em parte, esse
fenômeno.

p
ÉINAIS E sintomas
As manifestações clínicas srariam em função da localização e
extensão das lesões. O sítio mais vezes acometido é a região FIGURA 41-8 Lagoquilascaríase de orelha interna e mastóíde.
cervical, em 68,696 dos casos registrados. Seguem-se as loca-
lizações na mastóide (32291)), orelha média (28,39%), orofa-
ringe (9,996),rinofaringe, cavum ou fossas nasais (9,996), ções neurológicas, tais como síndrome convulsiva, síndrome
cérebro (9,196),pulmões (8,396), seios paranasais (5,096), base cerebelar, paralisia facial periférica ou de outros pares cra-
do crânio (5,096), amídalas ou fossa periamidaliana (3,396), nianos (glossofaríngeo, pneumogástrico, espinhal e hipoglos-
cerebelo (3,396), globo ocular (l,?9*'o_) e, mais raramente, no so), e manifestações respiratórias, que podem evoluir até a
mento, parótida, glândula submandibular, alvéolo dentário e insuficiência respiratória. O acometimentodo globo ocular
trompa de Eustáquio. Há registro de lesão sacra, com exten- pode resultar em perda total da trisão e até mesmo em enu-
são para a fossa ilíaca,à distânciado foco primário cervical. cleação.
E habitual a ocorrência simultânea de lesões em vários sítios É comum a história de eliminação ativa e intermitente de
nos mesmos indivíduos. Um caso evoluiu para óbito com le- parasitos 'irivos pelos pertuitos das lesões ou pelo conduto
sões dissentinadas, envolvendo ouvido, mastóide, cérebro, auditivo externo, boca ou fossas nasais. Convém não perder
pulmões, coração, ñgado, baço, rins, útero e ovários. de vista que esse dado pode ser ocultado pelo paciente, por
Os quadros mais freqüentes consistem no desenvolvimen- vergonha; e que em alguns casos pode, efetivamente, não
to de nódulos cervicais, uni ou bilaterais, de consistência ocorrer a eliminação por longo período, o que dificulta a con-

dura, aderentes aos planos profundos, que posteriormente ñnnação do diagnóstico etiológico algumas VEZES já suspeita-
ñstulizam, abscedam e às vezes ulceram, drenando secreção do. Logo, a ausênciade história de eliminação de parasitos
serossangüinolenta ou purulenta (Figura 413); ou de proces- não deve descartar em definitivo esta hipótese diagnóstica.
sos de otite supuratíva e mastoídite (Figura 41-8). Podem ser Sinais inflamatórioslocais nem sempre podem ser clinica-
ainda encontrados quadros de sinusite, amidalite, manifesta- mente observados. Pode haver reação ganglionar satélite.
O estado geral em alguns casos está seriamente compro-
metido, com apreciável perda ponderal. Há relato de imuno-
depressão, relacionada tanto à imunidade celular quanto à
humoral. A gravidez parece constituir um fator agravante em
lagoquilascaríase.Santana e coL (2006) observaram em Ro-
raima três casos fatais, cujo agravamento do quadro foi as-
sociado à gestação.

O diagnósticopode ser favorecido pela história de eliminação


de parasitaspelos pertuitos das lesões ou pelas cavidades na-
turais. O paciente algumas vezes já traz exemplares à con-
sulta. A etiologia apeciñca é estabelecida., habitualmente, pelo
achado de ovos do parasito na secreção das lesões; ou de ovos,
larvas e parasitos na fase adulta em material delas obtido.
Quando as lesões de alguma forma se comunicam com a
luz do trato digestivo, ovos do helminto podem ser encontra-
dos nas fezes do paciente, situação que requer, do micros-
copista, experiência suficiente para não confundi-los com
ovos de Ascom Iumbricorlíes. Nestes, a casca externa e' mami-
lonada, não escavada em “saca-bocados?
Embora constituindo recurso quase sempre dispensável
na lagoquilascaríase, a histopatologiapode também firmar o
diagnóstico etiológico, caso os cortes permitam a observação
de ovos com o aspecto típico da espécie, ou de secções transver-
sais de vermes adultos, com as aletas laterais características.
Exames radiológicos têm sido recursos de grande valia
para evidenciar lesões pulmonares (condensações acinares,
abscessos), do cavum (hipertrofia de paredes), do ouvido mé-
dio e seios paranasais (destruição de ossículos, velarnento), da
mastóide (esclerose óssea, destruição de septos intercelulares,
abscessos, osteõlise, velamento das células) e, particularmente,
do sistema nervoso central (abscessos subdurais, cerebelares
ou cerebrais), em que a tomograña axial computadorizada e,
principalmente, a ressonância magnética, têm permitido boa
avaliação da localização e extensão das lesões.
O hemograma é incaracterístico, podendo-se observar
desde leucocitose até leucopenia, eosinoñlia (de até 29% em
11.800 leucócitos/mms) ou, paradoxalmente, aneosinoiilia.
Quando não existe história de eliminação de parasitas, o
diagnóstico diferencialdeverá ser feito com a tuberculose gan-
glionar cervical, com as micobacterioses não-tuberculosas,
neoplasias da região cervical, otites médias supuradas, mas-
toidites e sinusites de outras etiologias, tuberculose pulmonar,
paracoccidioidomicosee actinomicose.
Diante de lesões fechadas e ausênciade
-;_. :as Parasitologia - uma abordagem clínica
cia com ela não foi, entretanto, animadora. Há autores que
insistem em seu emprego experimental. Não deve ser esque-
cido, porém, que esta substâncianão atravessa a barreira he-
matoencefálicae não tem boa difusão no sistema nervoso
central, não sendo, portanto, recomendado o seu uso em ca-
sos dessa localização.
A limpeza cirúrgica das lesões constitui valioso recurso
auxiliar,contribuindo para abreviar a cura radical. Deve-se
dar, também, especial atenção aos cuidados nutricionais.
Em caso de comprometimento do sistema nervoso central,
além da recomendação de hospitalização do paciente, seria
aconselhável assumir os mesmos cuidados observados na
terapêutica da neurocisticercose: administração de corticoste-
róides, como a dexametasona ou a prednisona, simultanea-
mente à de anti-helmínticos, objetivando reduzir os efeitos da
reação inflamatóriadecorrente da destruição de parasitas
(edema cerebral e hipertensão intracraniana).
Só deve ser considerado clinicamente curado o paciente
que apresentar resolução das lesões externas, ausênciade abs-
cessos profundoscomprovada por método de imagem ade-

quado e negatividade do teste terapêutico com o levamisol


[teste de Leão).
Finalmente, é importante salientar que, qualquer que seja
a
/lngiostrongifíases
Carlos Graeff-Teixeira
Aventíno Alfredo Agostini
Rubens Rodriguez
288 Parasitologia -
uma abordagem clínica

INTRODUÇÃO
Nematódeos da superfamília Metastrongyloidea são parasi-
tos de vertebrados, especialmente roedores, e se localizam no
interior de artérias. Uma das espécies que causa doença hu-
mana é Angiostrongrlus canronensis, ocorrente na Ásia, ilhas
do Pacíñco e Índia, cujas larvas migram pelo sistema nervo-
so central e podem determinar meningite eosinoñlica. Este
parasito apresenta o risco de ser introduzido em qualquer
área portuária, por meio de ratazanas infectadas que viajam
nos navios, como já detectado no Caribe e no litoral do lis-
pirito Santo, no Brasil. A outra espécie, A. costnricensis, apa-
rece nas Américas desde o sul dos Estados Unidos até o norte
da Argentina, e causa a angiostrongilíaseabdominal, pela lo-
calização dos vermes adultos no sistema arterial mesentérico
e potencial desenvolvimento de doença abdominal aguda, com
lesões comprometendo especialmente a transição ileocólica.
Dentre xrárias outras espécies da família Angiostrongylidae,
tais como A. vasomm em canideos e o A. siamensis em pri-
matas, não há evidências de acometimentodo homem, exce-
to por relatos isolados da possibilidadede A nmlrzysierxsis e
A. mackerrasaecausarem meningite eosinoñlica. Existe uma
proposta mal aceita de reordenamento desta família, com
colocação de A. &JTIÍOTTEHSÍS e A. costaricmrsis no gênero Paras-
trongyrlirs e a denominação de parastrongilíasespara a infec-
ção por estes nematódeos.

EHOLOGIA E MOIIFOLOGIA
Os angiostrongilídeossão vermes ciljndricosque podem che-
gar a medir 3 cm de comprimento. Eles se localizam dentro
de vasos arteriais: A. cantonerisis em ramos das artérias pul-
monares e A. castaricensis em ramos das artérias mesenté-
ricas. Apresentam dimorlísmo sexual, possuindo os machos
uma bolsa copulatória e dois espículos na extremidade caudal,
cuja estrutura é de caráter importante para identificação. Nas
fêmeas destacam-se por transparência da cutícula, tubo di-
gestivo de cor escura e dois tubos reprodutores espiralados de
cor branca (Figtua 42-1).
(Jvos de envoltório ñno são eliminados e migram pelos te-
cidos enquanto embrionam e formam as larvas de primeiro
estágio (_L1_), que saem nas fezes. As larvas de A. canrorzerzsis
são inicialmenteeliminadas nos espaços alveolares, chegando
à luz do tubo digestivo após migração pela árvore brónquica
e deglutição. A transfomiação de L1 a L3 ocorre em hospe-
deiros intermediários moluscos. A, Verme adulto no interior da artéria da submucosa
intestinal. B, Vários vermes adultos de A. costoricensis no interior de
artérias mesentéricas de roedores. C. Fêmea de A. cnntonensislogo
EPIDEMIOLOGM após retirada de artéria pulmonar de ratazana experimentalmente
infectada, medindo aproximadamente 3 cm de comprimento.
Notem-se, por transparência, os tubos reprodutores brancos e os
AngiostrongilíaseAbdominal tubos digestivos espiralados.

A infecção por A. costarícensís tem distribuição geográfica


peculiar,geralmente em regiões continentais de relevo aciden- endêmicas: norte do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Ca-
tado, coberto de matas, em ambientesde transição urbano- tarina e Paranã. Aparentemente, a transmissão não é impor-
rural (pequenas cidades ou periferia de grandes centros) ou tante em áreas litorâneas. O aumento da população e da
em áreas rurais. No sul do Brasil, são conhecidas como áreas atividade de moluscos transmissores favorece a transmissão,
Angiostrongilíases 239 -
por exemplo, a parlir da primavera e especialmente no verão, tais como Megalobulímus sp., é uma possibilidadenão con-
ou ainda em situações de desequilíbrio,quando os moluscos firmada em estudos epidemiológicos.
se constituem praga agrícola. A introdução na natureza de um
caracol importado da África para criações de esmrgot, Acha-
tina sp., aparentemente representa um risco maior para o AngiostrongiliaseCerebral
desequilíbrio da fauna do que como potencial transmissor A infecção por A. cantonensís costuma ser o resultado da in-
de angiostrongiliases.A doença não é transmissível entre hu-
manos. gestão de moluscos ou crustáceos malcozidos (Figura 42-2).
A angiostrongiliaseabdominal no Brasil, tanto em séries Embora tenha havido uma mudança nos hábitos alimenta-
res brasileiroscom a introdução de costumes culinários exó-
de casos quanto em estudos populacionais, acomete adultos
e crianças, sem preferência nítida quanto ao sexo. Alguns au-
ticos, isto não atinge a maioria da população. A infecção dos
dois primeiros casos autóctonescom diagnóstico conñrma-
tores erroneamente consideram essa parasitose como um
problema pediátrico, com base em estudo de casos de um do, em 2006, no litoral do Espírito Santo, resultou da inges-
tão de uma lesma dividida ao meio, como resultado de um
hospital pediátrico. A letalidade é baixa, relatada na literatu- desafio entre indivíduos alcoolizados.
ra entre 1,3% e 7,4%.

AngiostrongiliaseCerebral ._-s.›.- . -- .

A. cantonensis expande sua área de ocorrência pela introdu- A presença dos vermes mira-arteriais determina intensa rea-
ção de ratazanas infectadas que Vêm em navios. Portanto, no ção inflamatóriacom predominância de eosinóñlos. A partir
litoral e especialmente em áreas portuárias, existe a possibili- de vermes localizados nos ramos arteriais maiores, observa-
dade de estabelecimento de novos focos de transmissão. No se a extensão da inflamação na área irrigada por aquele vaso,

Brasil, em 2006, a identificação de dois individuos que inge- sugerindo papel importante de antígenos de excreção/secreção
rirarn molusco cru e desenvolveram meningite eosinoñlica, na patogênese. A trombose arterial está aparentemente as-

com sorologia fortemente positiva, levou à conñrmação do sociada à morte dos vermes, levando a isquemia e necrose
primeiro foco de transmissão autóctone no Espírito Santo segmentar do tecido adjacente.Macroscopicamente, duas
pelo isolamento de larvas de lesmasveronícelídeasdo género principais alterações se destacam e refletem as lesões inflama-
Sarasínula e recuperação dos vermes adultos após infecção tórias e trombóticas: tumorações decorrentes da infiltração
experimental de roedores em laboratório. celular ou edema, e deslruição tecidual decorrente da necrose
isquémica pós-oclusão vascular.
Especialmente na angiostrongilíase abdominal, os ovos
induzem a reação granulomatom sempre marcada pela eosi-

AngiostrongilíaseAbdominal
As fonnas infectantes para o hospedeiro deñnitivo vertebra-
do estão presentes no tecido ñbromuscular dos moluscos e
eventualmente saem junto ao muco. Ao serem ingeridas, es-
tas larvas L3 penetram na parede do intestino e migram até
atingir o local habitual de maturação dos adultos.
A migração habitual de A. cosmricensís parece ser pelos lin-
fáticos, passando pelos linfonodos mesentéricos e retornando
para os ramos arteriais no próprio mesentério ou fazendo
um trajeto que inclui os pulmões, cavidades cardíacas e aorta,

completando a evolução nas artérias intestinais. A entrada de


L3 em vasos venosos acaba resultando em desenvolvimen-
to ectópico de verme no sistema porta. O A. cantonensis mi-
gra pelos vasos do sistema nervoso central antes de chegar ao
local definitivo, as artérias pulmonares.
O muco de moluscos contaminados pode estar presente em
verduras, frutas ou outros alimentos consumidos com pou-
co cozimento. Especialmente em relação a crianças pequenas,
pode haver a ingestão acidental do próprio molusco. Embora FIGURA 42-2 Ciclo de vida e transmissão de A cantonensfs.
as lesmasveronícelídeas não sejam adequadas para uso em 1_ larvas L1 são eliminadas nas fezes de roedores. 2, Estas larvas
culinária, elas costumam ser usadas como isca em pescarias, infectam moluscos específicos, onde a larva atinge o estágio
o que pode propiciar contaminação das mãos e, posterior- infectante (L3) [3]. 4, 05 moluscos são ingeridos pelos roedores_
mente, de alimentos com muco contendo larvas. A transmissão fechando o ciclo. 5, O homem adquire a doença por meio da
pela água ou pela ingestão de espécies silvestres de caracóis, ingestão de larvas infectantes [L3] por alimentos contaminados_
290 Parasitologia -
uma abordagem clínica
nofilia (Figura 42-3). Na angiosüongilíasecerebral, observam- SINAIS E SINTOMAS
se, eventualmente, trajetos de destruição tecidual cercados ou
preenchidos por células inflamatórias,que possivelmente AngiostrongilíaseAbdominal
correspondem às seqüelas da migração parenquimatosa do
parasito (Figuras 42-4 e 42-5). O período de incubação é desconhecido, mas baseando-se na
experiência com infecções experimentais em roedores, ele deve
ser de, no mínimo, 2 ou 3 semanas. A maioria dos casos de
infecção por A. costa-ricensis é assintomática e cura-se espon-
taneamente, segundo dados de estudos longitudinais de base
populacional.
Quando se manifesta, usuahnente o faz por quadros agu-
dos de dor abdominal, caracteristicamentelocalizada no
quadrante inferior direito, porém podendo se apresentar de
forma muito variada. Estes episódios agudos podem regredir
espontaneamente e recidivar várias Vezes ao longo de Várias
semanas. A febre pode estar presente, porém pode não cha-
mar a atenção, exceto quando se complica o quadro clínico.
Eventualmente pode ser palpada uma massa, corresponden-
do a comprometimento inflamatóriotumoral na transição
ileocecal. Estas lesões tumorais, que também podem regredir
FIGURA 42-3 Granulomas em rosário na camada muscular da espontaneamente em algumas horas, podem causar uma

parede colônica_ das complicações da angiostrongiliase: a oclusão intestinal. A


outra complicação grave é a perfuração intestinal, com peri-
tonite e sepse. Além da dor abdominal e da febre, podem
ocorrer xrárias outras manifestações abdominais inespecíñcas,
tais como inapeténcia, náuseas, vômitos e diarréia. Paciente
com dor abdominal acompanhada de eosinoñlia intensa deve

sempre ser investigado com sorologia para angiostrongiliase.


Por outro lado, a ausênciade eosinoñlia não deve afastar a
suspeita da parasitose, como será discutido adiante.
O desenvolvimento de vermes adultos no sistema venoso
porta-mesentérico ou a partir da disseminação arterial sistê-
mica das larvas pode resultar em comprometimentohepático,
com hepatomegalia dolorosa, febre e eosínoñlia no leucogra-
IÍHIHIHIIIillllllylliailillllnll¡I.
|¡rIn_'I*I VII 1mm¡ ~¡" ma. Desta forma, a síndrome de larva migrans visceral, cujo
2 3 4 5 6 7 5 9 '°
1
principal agente etiológico é Yhwcara Canis, pode também ser
causada por A. cosmricensis. A concomitânciade lesões intes-
nrrr Hüb-Iv "F
tinais parece ser comum na angiostrongilíase.Dor aguda no
testículo pode ser manifestação da trombose arterial por A.
FIGURA 42-4 Apêndice cecal com apendicite gangrenosa. costa-ricensís localizado na artéria espermática. Embolia para-
sitária, com desenvolvimento de gangrena, já foi registrada no
membro inferior de run paciente na Costa Rica.
O principal diagnóstico diferencial, pela preferência da lo-
calização de lesões na transição ileocecal, é com apendicite
aguda bacteriana, com sinais de irritação peritoneal, febre alta,
e leucocitose com neutroñlia e desvio à esquerda. A infecção
bacterianapode resultar da evolução complicada da angiostron-
gilíase,especialmente com perfuração da parede intestinal. A
presença de tumoração intestinal ou de gânglios mesentéricos
leva a considerar a possibilidadede linfoma, especialmente em
crianças, e carcinoma em adultos, lesões que não regridem
após vários dias de acompanhamento, como pode ocorrer
com a angiostrongiliase.
Os sintomas nas doenças inflamatóriasintestinais, tais co-
mo Crohn, ileíte regional e tuberculose, costumam c.ursar
mais cronicamente do que é descrito para a angiostrongiliase
abdominal, porém, muitas vezes apenas o exame anatomo-
_42-5 Intestino delgado com infarto hemorrágica patológico pode deñnir o diagnóstico. O comprometimento
hepático agudo necessita ser diferenciadodas hepatites virais
e da toxocaríase, por meio dos seus marcadores específicos. Na
angiostrongilíasenão há necessariamente alterações importan-
tes nos indicadoresde necrose parenquimatosa.

AngiostrongiliaseCerebral
O período de incubação é estimado em duas semanas, com
valores variando desde 2 até 45 dias. A meningite causada por
A. cantunensis geralmente se manifesta por cefaléia, febre, vô-
mitos, rigidez de nuca e parestesias. Podem ocorrer ainda pa-
ralisia da musculatura extra-ocular, edema de papila, ataxia,
convulsões, paralisia facial periférica, sinais de Kernig e Brud-
zinski, redução do nível de consciência, distensão abdominal,
hepatomegalia e incontinênciaurinária. Concomitante à pre-
sença de larvas no humor aquoso pode haver perda parcial
de visão e hiperemia conjuntival.

AngiostrongilíaseAbdominal
A eosinoñlia no sangue periférico pode chegar a valores al-
tíssimos, o que é altamente sugestivo. Porém, a ausênciade
eosinoñlia não deve servir para afastar a angiostrongilíase
abdominal, já que o eosmófilo é uma célula que transita pelo
sangue, destinada ao tecido, e poderá estar com seu número
dentro dos valores considerados normais, mesmo em paci-
entes em plena fase aguda da infecção e com intensa inñltra-
ção de eosinóñlos nos tecidos afetados.
Exames de imagem podem demonstrar a presença de es-
pessamento da parede intestinal, as tumorações de gânglios
linfáticos e intestinais. Tumorações acompanhadas de eosi-
noñlia sangüínea e sem evolução para oclusão ou peritonite
deveriam ser acompanhadas clinicamente, por haver a pos-
sibilidadede remissão espontânea.
A observação das lesões no transoperatório ou no exame
macroscópicode material retirado na
- 292
:_. Parasitologia - uma abordagem clínica
da reatividade, diferenciando a recidiva da angiostrongilíase,
da ocorrência de outras patologias.

Os alimentos consumidos crus devem ser selecionados e bem


lavados em água corrente. Em áreas endémicas, recomenda-
se deixar estes alimentos de molho em solução a 1,5% de água
sanitária (uma colher de sopa em um litro de
À
Triquinelbse
José Rodrigues Coura
Léa Camillo Coura
294 Parasitologia -
uma abordagem clínica

A triquinelose é uma zoonose de animais silvestres e domés-


ticos causada por Trichinellaspiralis, que pode ser transmi-
tida ao homem pela ingestão de carne crua ou malcozida de
animais infectados, principalmente de porco, que se infecta
comendo ratos e restos de alimentos infectados. Os ratos são
os hospedeiros habituais de 'L' spiralis. É uma infecção ou do-

ença cosmopolita encontrada em países da Europa Oriental


e Meridional, África do Sul, Ásia, Austrália, Nova Zelândia e
ilhas do Oceano Pacíñco. Na América do Norte já foram re-
latados casos no México, Estados Unidos e Canadá, e tam-
bém na região da Antártica. Na América Latina e Caribe a
doençajá foi notificada na Argentina, Bahamas, Chile e Uru-
guai. No México é considerada um problema de saúde pú- FIGURA 43-1 Larvas de Trfchinelluspiralfs encistadas no músculo.
blica, onde já foram descritos diversos surtos da doença e
estima-se que 10% a 15% das populações rurais estejam in-
fectadas com o parasito. No Brasil, até o momento, não hou-
ve relatos de casos humanos da doença. nada e Rússia. Especulam-se ainda sobre outras espécies ou
subespécies de 'E spiralis em diferentes áreas geográficas.

'w.- '“'.' _:' 'a m.

A 'lhlshinella spimlis é um pequeno nematódeo da família


Trichinellidae,cuja fêmea adulta mede 3 a 4 mm e o macho A triquinelose, em seu caráter de zoonose, pode ser conside-
1,5 a 2 mm de comprimento por 40 a 60 um de largura, que rada uma doença de distribuição mundial, embora os casos
vive preso à mucosa do intestino delgado de várias espécies de humanos nos dias atuais sejam assinalados apenas em alguns
mamíferos silvestre, e domésticos (ratos, porcos, cães e gatos) paises dos cinco continentes: África,Ásia, Américas, Europa
e, eventualmente, do homem. O macho apresenta a extremi- e Oceania. Especula-se se a proibiçãoreligiosa entre os mao-
dade posterior com duas saliências cônicas, uma de cada metanos, de comer carne de porco, teria sido devida a esta
lado da cloaca, destinadas a Exa-lo à fêmea durante a cópula, doença e à cisticeroose. Conhecida desde 1826, quando pela
e quatro papilas de função sensorial entre as saliéncias. A fé- primeira vez as larvas do ¡Iematódeos foram identificadas no
mea, com um único ovário e útero, tem a vulva no quinto an- músculo humano em Londres, foi classiñcada em 1895 como
terior do corpo. Trichinaspiralís; a espécie passou a chamar-se posteriormente
Depois de terem feclmdado as fêmeas, os machos morrem Trichinellaspiralis, verificando-se que o rato e o porco são os
e são eliminados. Posteriormente, as fêmeas penetram na seus
mucosa intestinal e durante 30 a 45 dias eliminam, pelo ori-
ñcio vulvar, de 350 a 1.500 larvas de primeiro estágio. Algumas
larvas eliminam-se pela luz intestinal, mas muitas alcançam
a corrente sangüínea ou linfática, passam pelo coração e pul-
mões e ganhando novamente a corrente sangüínea, indo se
encistar nos músculos estriados, onde amadurecem em está-
gios de L1 a L3, atingindo até 1 mm. No músculo, as larvas
são envolvidas por uma cápsula ñbrosa devido à resposta in-
flamatóriado hospedeiro, formando um cisto elíptico onde
permanecem vivas durante meses ou anos (Figura 43-1).
Quando a carne "triquinada” contendo as larvas é inge-
rida por outro animal ou pelo homem, estas desencistam-se no
estômago por ação do suco gástrico, sof1'e1n a quarta muda,
tornando-se vermes adultos, e novamente passam a parasitar
o intestino delgado, repetindo-se o ciclo.

Diferençasgeográficas entre parasitos provenientes de di-


versas áreas levaram alguns autores a distinguir a 'II spiralis
encontrada nos animais domésticos (ratos, porcos, cães e ga-
tos) e no homem como as formas sinantrópica e zoonótica,
em relação à ÍÍ nelsoni, encontrada nos animais silvestres na
Suíça, Bulgária, sul da antiga União Soviética e na ÁfricaOri-
ental e Meridional; e a 'II nativa. de animais silvestres do Ca-
rém, apenas raramente as larvas são encontradas nos mús-
culos, e, quando isso ocorre, em pequeno número. Do mesmo
modo, os pássaros abrigam a forma intestinal de Írichínella
após a infecção artificial e só ocasionalmente as larvas são en-
contradas nos músculos e, mesmo assim, geralmente dege-
neradas. Decorre disso que os bovinos, ovinos, eqüinos e aves
não tomam parte na disseminação da doença, sendo sem dú-
vida o rato, o porco e o homem os principais hospedeiros de
'E spiralis.
Estudos soroepidemiológicos e parasitológicos sobre a in-
fecção têm mostrado que a sua prevalência varia de uma área
geográfica para outra de acordo com os seus reservatórios,
tipos de parasitos mais ou menos infectantes para o homem
e hábitos alimentares. Em áreas onde o consumo de carne
suína é muito freqüente, particularmente onde é comum a in-
gestão de carne crua ou malcozida, as prevaléncias são mais
altas. Portanto, a prevalência da infecção é regulada pela se-
guinte cadeia alimentar: o porco come o rato ou outros ali-
mentos contaminados com o parasita, que se encista em seus
músculos; quando estes são ingeridos pelo homem, o para-
sito desencista-se no estômago e localiza-se no intestino del-
gado, alcançando,por via circulatória, os músculos humanos,
onde permanece por meses ou anos, podendo causar mani-
festações
-295 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Podemos dividir os sinais e sintomas da triquinelose de


acordo com os períodos evolutivos da infecção fase de in--

vasão, fase de produção e migração larvária e fase de en-


cistamento larvário.
Na fase de invasão, com a penetração dos vermes adultos
na mucosa, ocorrem irritação e inflamação no intestino del-
gado (duodeno e jejuno),acompanhadasde desconforto ab-
dominal, náuseas e vômitos, diarréia e cólicas intestinais. Esta
fase dura aproximadamente l semana.
A fase de produção e migração larvária, que dura de l a
3 semanas, é a mais rica em sinais e sintomas, uma vez que
as larvas podem atingir diversos órgãos e sistemas. Inicial-
mente ocorrem o infartamento ganglionar e das glândulas sa-
livares, os fenómenos hiperérgicos, como edema palpebral,
eosinoñlia (20% a 70%), febre de até 40°C, manifestações res-
piratórias asmatiformes,dificuldade de mastigar e
Tríquinelose 29?:
VENTURIELLO,S.M; VERZOLETTT,Ml.; CON-STANTDJO,SN;
FARASTIERO, MA.; ROUX, M.E. Early pulmonary response in _
rats infected with 'IHckíncHa spirahk. Parasítnl. v. 134, p. 281-288,
2007. httpWmvwspaintfrahSfManualfLíulüplgSpecíesHJichinellosisehtm
WU, Z; NAIANO, I.; BONMARS, T; TAKAHASHI,Y. Thermally Texto breve sobre tríqumelose.
induced and developmentnllyreputahed expression of small heat http:lfw\m.eums11rveillance.orgfe1nfv11n0l/1101 -222.asp
shock protein in Trick-indiaspimlís. Parasíwf. Ras. v. 101, p. 201- Página sobre a preocupação da triquineluse na Europa com PDF
212, 2007. imprimivel.
(página deixada intencionalmente em branco)
@Doençapor nematódêos
tecidàazls exóticos
e dê importação
Felipe Francisco Tuon
300 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Neste capítulo serão apresentados alguns nematódeos


teciduais raros. Alguns nematódeos teciduais considerados
raros em outros paises, mereceram um capítulo à parte para
os leitores brasileiros,como é o caso de Lagochilascaris, des-
crito não raramente em algumas regiões do nosso país. Por
outro lado, serão abordados parasitos bastante raros no
Brasil e no mundo. Apesar da raridade, é importante o co-
nhecimento dessas doenças,pelo menos sob o ponto de vis-
ta epidemiológico, para que tenhamos idéia dos fatores de
risco envolvidos nesses casos, como é o caso da infecção por
Baylisascaris, principalmente em áreas povoadas por gua-
xinins. Nessas parasitoses, o homem é quase sempre um hos-
pedeiro ocasional, como ocorre com Syngamus Iaryrlgeus, que
pode provocar acessos de tosse de diñcil diagnóstico em re-
giões onde há aiação de ruminantes. Alguns parasitos descri-
tos neste capítulo merecerão apenas poucos parágrafos pela
extrema raridade, com base em apenas alguns casos descri-
tos no mundo.

Etiologia e Morfologia
A doença comporta-se como uma forma neurológica de larva
migram visceral. Compartilhandoalgumas similaridadescom
outros nematódeos teciduais, que serão discutidas em segui-
da, o agente etiológico da bailisascaridiaseé o Baylisascaris
procyonís. Outras espécies também podem causar a doen-
ça, mas o B. procyonis é o principal representante desse gêne-
ro. O parasito adulto chega a medir 20 cm de comprimento
(fêmea), enquanto que o macho apresenta metade deste ta-
manho. Nos hospedeiros definitivos, produzem uma quan-
tidade enorme de ovos, chegando a quase 200.000 ovos ao dia
por parasito. Os ovos são de forma elíptica e de cor marrom
ou acastanhada, medindo entre 60 a 80 um por 50 a 70 pm.

Epidemiologia
A distribuição da doença no mundo está diretamente relacio-
nada com a distribuição dos guaxinins no meio ambiente.
Considerando esse conceito prático, a maioria dos casos con-
centra-se na América do Norte. Nessa região, os
Doença por nematódeos teciduais exóticos e de importação
No tecido nervoso, as larvas penetram pelos vasos e desen- pode colaborar para o diagnóstico de uma causa parasitária.
volvem uma resposta inflamatóriaaguda com inñltrado de Tosse com dispnéia secundária ao tropismo pulmonar tam-
macrófagos e eosinóñlos intenso, gerando granulomas bém pode ser sintoma encontrado nesses casos. Foi descrito
eosinoñlicos e deposição de substânciaeosinoñlicaextracelular casode óbito por lesão miocárdica secundária à invasão te-
(fenómeno de Splendore-Hoeppli). O processo inflamatório cidual por Bayhsascaris.
e infeccioso é dependente do hospedeiro e da quantidade de A doença ocular exclusiva não é comum, pois geralmente
larvas que atingem o sistema nervoso. Assim, o grau de des- faz parte do contexto da doença neural. Quando ocorre o
truição do cérebro dependerá destes fatores e iniiuenciarádi- acometirnento ocular, geralmente leva à cegueira. Algumas
retamente o prognóstico e o grau de seqüela naqueles que vezes é possível identiñcar a larva móvel no exame oftalmos-

sobreviverem (Figura 44-1). Em alguns casos, são relatados cóprco.


apenas granulomas no sistema nervoso central contidos pelo
processo inflamatórioreacional eosinoñlico.
Diagnóstico
Sinais e Sintomas O quadro clínico de meningoencefaliteeosinoñlica progres-
siva com eosinoñlia periférica em uma região que ocorra a
O quadro clinico dabailisascaridiasepodeser dividido emtrês presença de guaxinins é extremamente sugestivo de infecção
formas clinicas: larva migram neural, larva mígrans visceral e por Baylisascaris. Os recursos laboratoriais são muito impor-
tantes no diagnóstico, seja por achados sugestivos ou para
a larva migram ocular. Os casos mais graves da doença estão
diretamente relacionadoscom a quantidade de ovos ingeridos descartar outras doenças.
O leucograrna apresenta-se alterado, demonstrando leu-
e isto se relaciona geralmente com crianças que têm geofagia
cocitose com eosínoñlia, que pode variar entre 5% a 50%,
ou O quadro clinico de doença no sistema nervoso cen- sendo numa média de 30%. O exame do liquor é muito im-
tral pode iniciar-se entre 2 a 4 semanas. É caracterizadocomo
portante, revelando meningite eosinoiilíca,embora essa possa
uma meningoencefalite aguda eosinoñlica, com progressão estar ausente nos quadros não-neurais (mais raros). A por-
rápida para acometimentodo sistema nervoso central, evo- centagem de eosinóñlos para caracterizaresse padrão de me-
luindo para coma e óbito em alguns dias. Alguns achados
ningite consiste em mais de 10% de eosinóñlos. O nível de
precoces relatados foram irritabilidade,ataxia e febre baixa. proteínas é discretamente elevado, e o de glicose, normal.
O quadro, então, progride para quadriparesia, que pode ser Os exames de tomografia computadorizada (TC) e res-
flácida, tendendo para os casos de espasticidade, ocorrendo sonância magnética (RM) do sistema nervoso central podem
também o desenvolvimento de lesão ocular e de pares ser normais no inicio do quadro infeccioso, demonstrando
cranianos com as mais diversas apresentações clínicas. Qua- alterações progressivas de substânciabranca que acabam
se todos os casos relatados até hoje tiveram evolução para coniluindoe levando a edema difuso, com resolução dernons-
êxito letal ou graves seqüelas neurológicas, comumente como trando extensa anroña cortical. Na fase aguda, a RM (axial-
estado vegetativo persistente. jíair) demonstra hipersinal em substância branca, e em T2
Na forma de larva migram visceral, ocorre formação de pode revelar aumento do sinal em região periventricular e
granulomas nos mais diversos órgãos abdominais e toracicos, gânglios da base.
podendo se traduzir em hepatomegalia. O exantema é outro A biopsia de tecido nervoso é a forma de diagnosücar a in-
achado clinico comum nestes casos e a eosinofilia também vasão do parasito por meio do exame anatomopatológico,
embora a eñcáczia seja baixa_ O outro achado consiste nas alte-
rações iniiamatóriasda doença, caracterizadapelo processo
eosinofílico e granulomas, embora não seja muito contri-
buidor frente ao achado do liquor.
Exames de imunologia no liquor e no soro foram desen-
volvidos para o encontro de anticorpos anti-Baylisascaris. As
técnicas de ELISA, Western blot e imunofluoracénciaindireta
são as mais descritas. Estes métodos são padronizações não
comerciais e disponíveis para os centros universitários.

Tratamento e Profilaxia

Não existem estudos em humanos para determinar a evidên-


cia de eñcácia terapêutica. Os tratamentos são baseados em
estudo de

FIGURA 44-1 Lesão em sistema nervoso central ocasionada por


Bayiisascaris Cortesia de Peters e Pasvol: Atlas of Tropical Medicine
and Parasítologv_ 6° ed-, 2006, Elsevier Ltd.
302 Parasitologia -
uma abordagem clínica
do para o beneficio.Alguns pesquisadores demonstraram, em
modelos animais, que o tratamento com anti-helmínücos só
teria benefícioantes de a larva atingir o sistema nervoso cen-
tral, o que seria impomvel para os casos clínicos. Além disso,
embora não existam evidências, sugere-se que o tratamento
com albendazolseja utilizadopor pelo menos 4 semanas, com
uma dose de 20 a 40 mg/kg/dia. Corticosteróides são utiliza-
dos com a mesma evidência que em outras infecções por pa-
rasitos no sistema nervoso central, como a neurocisticercose,
angiostrongiliasee toxocaríase. Dessa forma, recomenda-se o
uso de prednisona ou dexametasona nas doses entre 2 e 0,4
mg/kg/dia, respectivamente, objetivandodiminuição do pro-
cesso inflamatórioeosinofilico que pode ser lesivo na íase ini-
cial da doença sintomática.
O tratamento da larva migrans ocular, também chamada
de neurorretinite subaguda unilateral difusa (D USN), será
discutido no capítulo de parasitoses oculares.
A proñlaida baseia-se na orientação da população sobre a
doença nas áreas que apresentam
Doença por nematódeos teciduais exóticos e de importação 303 1-
_Sinais e Sintomas
O quadro clínico da dioctoñmose no cão consiste em he-
matúria, alterações clinicas compatíveis com perda da função
renal, caracterizandoa uremía_ Muitos animais podem ter
quadro oligossintomático e até mesmo assintomático. Nos
casos humanos, os diagnósticos consistiram em lesões sub-
cutâneas inñltrativas, compatíveis corn nódulos. Outros fo-
ram achados de investigação de hematúria ou exames de

imagem demonstrando lesões que, conseqüentemente, diag-


nosücaram infecção por D. renais.

Diagnóstico ;ilÃ-d'..-r."U' '

--"..¡'a**'-'1' -w

FIGURA 44-2 Forma do parasito Gnathostomo no hospedeiro


O diagnóstico clínico não é possível, apesar da eliminação de intermediário. Cortesia de Peters e Pasvol: Atlas of Tropical
ovos do parasita pela urina. Nos poucos casos relatados, o
Medicine and Parasitology, S* ed., 2006_ Elsevier Ltd.
diagnóstico foi efetuado apenas em necropsias ou durante ci-
rurgia abdominal. Não existem alterações características nos dência de gnatostomíasenaquela região se devia ao padrão de
exames laboratoriais além de eosinoñlia. Os exames de ima-
alimentação com frutos do mar sem cozimento, favorecido
gens têm demonstrado lesões sugestivas caracterizadaspor pela ingestão de peixes crus contendo larvas de Gnathosroma
estruturas anelares em cistos ou intracoriicais. Na histopa- em estágio adequado para infecção nos hospedeiros definiti-
tologia há demonstração de estruturas birrefringentes tam- vos corno cães, gatos, leões, leopardos, visons e guaxinins.
bém anelares, com parede duplas e estrias radiais. Não só os consumidores estão em risco de adquirir a doença,
mas aqueles que trabalham em áreas endêrnicastêm o risco
de adquirir a infecção através da penetração larvária pela
Tratamento e Profilaxia pele. Além da região do Sudeste Asiático, desde 19?O a gna-
tostomíase tem se tornado um sério problema na América
Não existem estudos em humanos para determinar a evidên- Latina, principalmente no México, após a introdução do pa-
cia de eficácia terapêutica com mediações antiparasitárias. Os rasito, e associado a uma comida típica com peixe cru poten-
tratamentos relatados até agora são cirúrgicos, com exclusão cialmente contaminado (ceviche). Embora faltem estudos
do órgão acometido. A proñlaxia consiste nos cuidados com
epidemiológicos, o continente añicano também apresenta
ingestão de água possivelmente contaminada. áreas endêmicas sugeridas por casos importados, como, por
exemplo, a Zâmbia.

Transmissão
Etiologia e Morfologia
Gnathostorrm apresenta um ciclo de vida com diversos hos-
A gnatostomíaseé uma parasitose associada à ingestão de ali- pedeiros deñnitivos, além de outros animais que podem ser-
mentos contaminados com a larva de Gnathostomaspinige- vir como hospedeiros paratênicos. Os diversos hospedeiros
rum, embora outras espécies também possam causar doença definitivos, como por exemplo, o porco, podem eliminar ovos
em humanos, como G. hispidum, G. doloresi, G. nipponicum do parasita pelas fezes que, em condições adequadas, prin-
e G. binucleamm. A descoberta e a descrição desse parasito cipalmente na água, sofrem maturação, com liberação da
em casos humanos foram creditadas a Levinsen, em 1889, na larva no seu primeiro estágio de desenvolvimento. Esta pre-
Tailândia,embora Richard Owen já houvesse descrito G. spi- cisa de hospedeiros intermediários primários, como crustá-
nigerum no estômago de um tigre que teve perfuração da ceos (Cyclops), que são ingeridos por peixes, anñbios e outros
aorta. O parasito adulto mede em média 20 a 30 mm de crustáceos (hospedeiros intermediários secundários). No
comprimento. As larvas, porém, atingem no máximo 16 mm hospedeiro intermediário primário ocorre o desenvolvimen-
e não menos de 2 mm (Figura 44-2). Esta parasitose causa to da larva para o segundo estágio, e nos hospedeiros in-
um quadro de larva migram cutânea e visceral, que pode aco- termediários secundários, para o terceiro estágio. O ciclo se
meter, inclusive, o sistema nervoso central. fecha quando hospedeiros definitivos adquirem as larvas por
várias formas: ingestão ou contato direto com águas conta-
minadas com Cydops infectados, ingestão de hospedeiros in-
Epidemiologia termediários secundários, como peixes contaminados; outra
possibilidadeé a ingestão de hospedeiros paratênicos, como
Após a descrição do primeiro caso no Sudeste Asiático em aves que se alimentaram de hospedeiros intermediários pri-
1889, outros casos foram relatados após 1934. A maior inci- mários ou secundários.
304 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Patogenia melhor que placebo (0%). lá outra estudo com duas doses
de ivermectina mostrou cura de 100%, e com albendazol,400
O homem adquire Gnathostomade diversas maneiras, mas mg 2 vezes por dia, 3 semanas, a cura foi de 78%.
não é capaz de fechar o ciclo, pois a fêmea da parasita não se O tratamento da forma visceral é mais controverso, mas
desenvolve em humanas. Uma das formas seria a ingestão de autores recomendam albendazol,400 mg em 2 tomadas diá-
água contaminada com o hospedeiro intermediária primária rias par pelo menos 21 dias. Nas quadras neurológicos o tra-
ou por meio de alimentos (hospedeiro intermediária secun- tamento e as condutas são semelhantes aos da infecção por
dária) contenda a terceira estágio larvário. A outra possibi- Baylisascaris.
lidade seria pela pele, através de ferimentos. A profilaxiadessa parasitose baseia-se em medidas para
A doença se comporta como outra larva nriyarrs visceral, evitar que fezes contendo ovos provenientes de hospedeiros
apresentando disseminação larvária para diversas vísceras, deñnitivas
principalmente para a ñgado. Este trajeto leva a um proces-
sa inflamatóriaimportante, principalmente par eosinóñlas.
A síndrome de larva nrigrans 'visceral pode se estender até o
sistema nervosa central, ocasionando quadra semelhante ao
da infecção por Baylisascaris.

Sinais e Sintomas
O quadro clínica da gnatastamíase dependerá da forma de
acametimento. Na quadro sindrômica de larva migrans
cutânea, as achados clinicas de lesão cutânea elevada serpen-
tiginosa estão bem descritas na capítulo sabre larva migram
cutânea. Já a quadro de larva migram visceral inicia-se com
sintomas e sinais inespecíñcos, como febre, mialgia, astenia
e fraqueza, acompanhadas de artralgia. Sintomas gastrin-
testinais inespecíñcas também podem ocorrer, cama dar
abdominal, náusea, vómitos e diarréia ocasional. Quadras
neurológicas diversas, como meningaencefalites,lesões de
pares cranianas e alterações oftalmalógicas também podem
ocorrer, conforme descrita na bailisascaridíase.

EQÉ'
Easinoñlia é um achadolaboratorial freqüente, e estando as-
sociada a dados epidemiológicos com síndrome de larva
migrans cutânea prévia, favorece bastante a diagnóstico de
gnatostonríase, embora essa tríade não seja tão comum. O
diagnóstico definitivo consiste na demonstração da larva do
parasita em uma biapsia tecidual. O quadra clínica de me-
ningoencefalite eosinofílica não é muito freqüente, mas com
easinafiliaperiférica em uma área de risco para gnatosta-
míase torna a diagnóstico também sugestiva. Os recursos
laboratoriais são muito importantes na diagnóstica, seja par
achados sugestivos ou para descartar outras doenças. Os tes-
tes de ELISA e Western blot têm sugerido diagnósticos com
sensibilidadee especificidadepróximas de 100943.
O exame da liquar pode revelar meningite eosinofílica,
embora esta passa estar ausente nas quadras neurais puros
sem acametimentomeníngea. Exames de imagempodem re-
velar hemorragia subaracnóidea e hidrocefalia. Os sinais na
ressonância magnética de sistema nervoso central podem ser
semelhantes aos da bailisascaridiase.

Tratamento e Profilaxia
O tratamento da forma cutânea pode ser realizada cam dose
única e oral de ivermectina (200 ;rg/kg de peso, ou seja, 12 mg
para um adulto), apresentando taxas de cura de 41%, porém
Doença por nematódeos teciduais exóticos e de importação

mais, incluindo gatos, raposas, cães, coelhos, veados, coiotes A profilaña da telaziose é baseada no controle de moscas,
e ursos. O hospedeiro intermediário, considerado por algum embora pareça ineficaz, assim como o tratamento da doen-
como vetor, geralmente é composto pela mosca doméstica ça nos hospedeiros definitivos peridomiciliares,como o cão.
(Museu domestica) e várias espécies de drosóñlas. Este inseto Telas protetoras em casas ou mosquiteiros podem ajudar a
se alimenta de lágrimas contendo o parasita. No inseto ocorre
o desenvolvimento larva] até o terceiro estágio, tornando o

parasito infectante. Após novo repasto da mosca na região


lacrimal dos hospedeiros definitivos, ocorre inoculação do
terceiro estágio larva] de llhelazia, que se torna adulto e pro-
move multiplicação nesse órgão. A fêmea adulta mede entre
12e l8mm,eomacho,entre7a12mm.
A doença tem se tornado endêmica em diversos países da
Europa, como Itália, França e Alemanha. Na Ásia, os países
com maior prevalência são China, Rússia, Taiwan, Indoné-
sia, Coréia, Japão e Índia. Em algumasregiões da China, o aco-
metimento dos cães domésticos chega a uma porcentagem
de 95%.
A população mais acometida compreende crianças com
menos de 10 anos, sem distinção de gênero, tendendo a ser
doença unilateral.
Logo após a inoculação das larvas no terceiro estágio pela
mosca, ocorre um edema palpebral discreto, com hiperemia
conjuntival que pode se associar a quadro inflamatóriopu-
rulento ou apenas hiperemia. Há outros sintomas, como
fotofobia e prurido, além de congestão e diversos outros
achados que estão diretamente relacionados ao número de
parasitos inoculados no local. O quadro piora quando há
infecção seclmdária pela lesão direta do parasito, assim como
pela inoculação secundária à manipulação pelas mãos do
doente.
O diagnóstico se faz pelo achado direto do parasita no
saco conjuntival ou câmara anterior ocular por um exame
oftalmoscópico cauteloso.
O tratamento dessa parasitose é baseado na remoção me-
cânica do parasita em sua forma adulta. Anestésicos tópicos
podem ser utilizados para facilitara manipulação do olho
acometido. Em casos de secreção purulenta, pode ser r1eces-
sária a aplicação de antibióticostópicos para infecção bacte-
riana secundária.
(página deixada intencionalmente em branco)
Wematódêos sangüíneos -

Wzzcíererzà 5472570 z'


Eliana Maria Mauricio da Rocha
Gilberto Fontes
Tara” Parasitologia - uma abordagem clínica

Mtcherveria bancrcgftí é o principal agente etiológico da ñlariose


linfática humana na Áfricae nas Américas. No entanto, a en-
fermidade pode ser causada também por helrnintos das es-
pécies Brugia malayi no sul e sudeste da Ásia e no Pacífico
Oriental, e B. #mori no leste da Indonésia e ilha de Timor. A
doençaatinge 83 países da Ásia, Áfricae Américas, sendo as
maiores prevaléncias encontradas nas áreas mais pobres do
planeta, onde se constitui sério problema de saúde pública.
Estima-se em cerca de um bilhãode pessoas a população que
vive em áreas de risco, e em 120 milhões o número de
parasitados. Destes, aproximadamente 112 milhões estão
infectados por W bancrojii e oito milhões por B. malayi ou
B. timori. No Brasil, a partir do desencadeamento do Progra-
ma Nacionalde Eliminação da Filariose, em 1997, o número
de casos tem diminuído, estando a transmissão ativa prati-
camente restrita à cidade de Recife e algumas cidades de sua
região metropolitana no estado de Pernambuco.
O parasito infecta exclusivamente seres humanos, que são
as únicas fontes da infecção para os mosquitos vetores. Os
vermes adultos vivem nos linfonodos e vasos linfáticos e as
microñlãrias (formas embrionárias) são encontradas no san-
gue periférico.
A filariose linfática ou bancroftose se caracterizapor um
amplo espectro clinico, que varia desde infecções aparente-
mente assintomáticasaté manifestaçõesagudas e crónicas as-
sociadas à localização dos vermes adultos no sistema linñtico
ou das microñlárias no sangue. As lnanifestaçõesagudas es-
tão relaciouadas à inflamação aguda linfática, provocando
principalmente linfangite e hníad'enite. As patologias
Nematódeos Sangüíneos - Wucherería bancrafti 309

população está exposta ao risco, vivem 45% dos casos clínicos persão da parasitose. O indivíduo infectado pode transmitir
da doença. Calcula-se que a perda econômica devido à Ela- microíilárias por longos períodos, devido a longevidade e
riose neste país chega a um bilhãode dólares anuais. Na África fertilidade dos vennes adultos, que podem eliminar microfi-
concentram-se 30% dos infectados, distribuídos em 39 países. lárias durante anos, mesmo sem reinfecção.
Nas Américas, os focos de transmissão ativa estão no Haiti, A freqüência de parasitados é, em geral, maior em jovens
República Dominicana, Guiana e Brasil. Considera-se a trans- do sexo masculino, sendo o pico de núcrofilaremicosna faixa
missão interrompida na Costa Rica, Suriname e Trinidad e dos 18 aos 25 anos. A detecção de criançasparasitadas é um
Tobago, áreas endémicas em passado recente [Figura 45-2). forte indício de que ainda ocorre transmissão na área. A ocor-
No Brasil, o único inquérito nacionalrealizado no país rência em adultos acimade 30 anos, entretanto, pode estar
na década de 1950 permitiu a constatação da transmissão au- relacionada à transmissão em períodos anteriores.
tóctone da filariose linfática em ll cidades: Manaus (AM), Os principais fatores determinantes na epidemiologia e
Belém (PA), São Luis (MA), Recife (PE), Maceió (AL), Salva- transmissibilidadeda ñlariose linfática são: (I ) presença do
dor e Castro Alves (BA), Florianópolis, São José da Ponta mosquito transmissor (somente as fêmeas transmitem, por
Grossa e Barra de Laguna ( SC) e Porto Alegre (RS). A par- serem hematófagas); (2) ser humano infectado (não há regis-
tir dai, ações de controle foram conduzidas pela Campanha tro de animais reservatórios com W bancrofti); (3) longo
Nacional contra a Filariose Linfática, com base principal- tempo de residência na área endêmica [>1O anos como fator
mente no tratamento dos parasitados e no controle de veto- de risco); (4) temperatura e umidade relativa do ar elevadas,
res. Como resultado, houve uma queda significativa nas taxas que influenciam o desenvolvimento das larvas nos mosqui-
de microñlarémicos, com a extinção de quase todos os focos. tos e sua penetração na pele do hospedeiro humano.
Atualmente, a parasitose apresenta distribuição urbana e ni-
tidamente focal, sendo detectada transmissão ativa somente
em Recife e cidades de sua região metropolitana, como mANsmssAo
Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista, no estado de Per-
nambuco, nordeste do país, com índices de microñlarénaicos !Nuchereria bancrofiti apresenta ciclo biológico do tipo hete-
variando de 2% até 15% em comunidades de baixo nível so- roxénico, com a fase sexuada em humanos e a assexuada em
cioeconômico. Belém (PA) e Maceió (AL), cidades até recente- mosquitos. A parasitose pode ser transmitida por fêmeas de
mente consideradas como focos ativos no Brasil, alcançaram culicídeos das espécies Culex quirxquefasciams, Anopheles
a interrupção da transmissão da parasitose. gambiae,An. jízmzstus e Aedes polynesiensis, mas o primeiro
Nas diferentes áreas endêmica:: do mundo, a maioria dos é o principal vetor do parasito e o único incriminado como
portadores são microfilarémicossem sintomatologia aparen- transmissor nas Américas. As demais espécies têm sua im-
te, porém funcionam como fonte de infecção e, do ponto de portância restrita a detemlinadas áreas endêmicas da África
vista epidemiológico, necessitam de atenção para evitar a dis- e da Ásia.

, ;Lea Ioa uuwtmereriabamuni


;garage malay¡
FIGURA 45-2 Distribuição da filariose linfática, segundo a Organização Mundial de Saúde.
310 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Ao hematofagismo em pessoas parasitadas, a
exercer o circulação sangüínea periférica do hospedeiro. Durante o dia,
fêmea do mosquito ingere microñlárias. Estas perdem a bai- as microfiláriasse localizam nos capilares profundos, princi-
nha e migram, através do estômago do vetor, para os mús- palmente nos pulmões, e, durante a noite, aparecerem no
culos torácicos, onde se transformam em larvas salsichóides sangue periférico, com pico de microñlaremia em torno da
ou L1. Após 6 a 10 dias, ocorre a primeira muda., originando meia-noite, decrescendo novamente até no ñnal da madruga-
larvas L2. Estas se desenvolvem e 10 a 15 dias depois sofrem da. O pico da núcroñlaremia periférica coincide, na maioria
a segunda muda, transformando-se em larvas infectantes das regiões endêmicas, com o horário preferencial de herna-
(L3), que alcançam a probóscida, concentrando-se no lábio tofagismo do principal inseto transmissor, C. quinquefas-
do mosquito. O ciclo no hospedeiro invertebrado se completa ciatus. No Pacífico Sul e sudeste da Ásia, onde o principal
em 15 a 20 dias à temperatura de 20° a 25°C, mas pode ter transmissor é o Aedes (mosquito que exerce a hematofagia
menor duração em temperaturas mais elevadas. Quando o durante o dia), as microñlárias podem ser detectadas no san-
inseto vetor faz novo repasto sangüíneo, as larvas L3 escapam gue periférico humano a qualquer hora, com maior concen-
do lábio, penetram pela solução de continuidade da pele tração no ñnal da tarde, sendo consideradas aperiódicas ou
do hospedeiro (não são inoculadas pelos mosquitos), mi- subperiódicas diurnas (Figura 45-4).
gram para os vasos linfáticos, tornam-se vermes adultos e,
7 a 9 meses depois, as fêmeas grávidas produzem as primei-
ras microñlárias (Figura 45-3).
A transmissão ocorre unicamente durante o repasto
sangüíneo do mosquito e penetração das larvas infectantes A resposta imune do hospedeiro e a reação inflamatóriapro-
através do orifício da picada na pele do hospedeiro. A pele, vocada pela presença do parasito aparentemente são fatores
estando úmida (suor e alta umidade do ar), permite a pro- determinanta no desenvolvimentoda doença. No entanto, o
gressão e migração das larvas. papel da imunidade na modulação e proteção da infecção
Na maioria dos paises onde a doença é endêmica, as mi- precisa ser ainda mais bem esclarecido. Portadores do verme
croñlárias apresentam uma nítida periodicidade notuma na adulto, mas sem microñlaremia, apresentam resposta imune
mediada por linfócitos Thl, enquanto naqueles com microñ-
laremia patente a resposta aos antígenos do parasito é predo-
minantemente mediada por linfócitos Th2. No entanto, estes
diferentes grupos de infectados podem apresentar um mes-
mo quadro clinico, como a

FIGURA 45-3 Ciclo evolutivo de Wuchererio bancrofti. 1, O


mosquito deposita larvas infectantes (L3] no momento do repasto
sangüíneo. 2, As larvas L3 migram para os vasos Iinfáticos e
linfonodos. 3_ Neste local, as larvas crescem e atingem maturidade
sexual; os vermes adultos fêmeas produzem microfilárias, que
atingem o sangue 4. O mosquito ingere microñlárias quando se
alimenta de sangue de uma pessoa infectada. 5, Estas desenvolvem-se
até o stágio de larvas ínfectantes (L3) no mosquito.
e da imunidade humoral, pela produção de anticorpos da sub-
classe lgG4, devido à elevação dos niveis de lL-4. No entan-
to, o papel destes fatores no curso da infecção ainda é motivo
de pesquisas. Existem evidências de que a imunidade prote-
tora contra o parasito está relacionada à produção de altos
níveis de IFN-y e IL-2. A observação de que pacientes
assintomáticos ou com formas crônicas da doença possuíam
níveis mais elevados de [FN-y, quando comparados aos pa-
cientes com microñlaremia, levou a especulação de que res-
postas inilamatóriasdo tipo l poderiam estar envolvidas na
morte do parasito. Entretanto, independente da causa da
morte dos vermes adultos, a resposta inflamatóriado hospe-
deiro, vista em biopsias de pacientes com linfangite Íilarial
aguda, é um dos co-fatores para o desenvolvimentode algu-
mas formas crônicas da filariose linfática, como hidrocele,
quilocele e quilúria.
O uso de animais como modelos experimentais infectados
com outras espécies de íilarídeos revela que os quadros pa-
tológicos são resultado tanto da resposta imune dos hospe-
deiros aos parasitas, quando da ação direta dos parasitos ou
antígenos destes, nos tecidos linfáücos. lsto foi demonstrado
em experimentos realizados com camundongos imunode-
ñcientes infectados com parasitos do gênero Bmgía. (que po-
dem parasitar animais como cães e gatos, além de humanos).
Na ausênciade resposta imune do hospedeiro ao parasita, os
animais desenvolveram marcante proliferação de células
endoteliais e dilatação linfática, resultando em linfedema e
elefantíase. Em camundongos que tiveram a imunidade
reconstituída por meio de células irnunocompetentes de ca-
mundongos normais sensibilizadoscom íilárias, as reações
inflamatóriasem torno dos parasitos resultaram na forma-
ção de granulomas locais e obstrução de vasos linfáticos, que
levaram, igualmente, a linfedema e elefantíase. Assim, com-
ponentes distintos atuam no dano da função linfáticados ani-
mais infectados, um envolvendo o sistema imune, e outro
independente dele. Os resultados observados em modelos
animais (infectados com Brugia) são semelhantes àqueles
descritos em humanos infectados com WC barzcrojfti. Além dis-
so, eles estão de acordo com observações de que indivíduos
microíilarêmicos,hiporreativos a antígenos do parasito, são
freqüentemente assíntomáticos, enquanto aqueles amicroñ-
larêmicos apresentam maior resposta imunológica, em geral
associada à patologia linfática.
Ao contrário da maior parte dos pacientes com filariose
linfática que apresentam a resposta imune aos parasitos di-
minuída, nos pacientes com o quadro conhecido como
eosinoñlia pulmonar tropical ocorre hiper-resposta imuno-
lógica a antígenos
- 312 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Linfedema de membro inferior.

Hídrocele testicular.

te diñcil. Como os quadros variam de ausênciade manifes-


tações até o aparecimento de alterações clínicas comuns a um
amplo grupo de doenças, o diagnóstico deve ser continuado
com recursos auxiliaresque complementem a suspeita clíni-
ca. A história clínica e epidemiológica, além de exames
laboratoriais, são recursos que auxiliamo diagnóstico dife-
rencial. Em áreas endêmícas, a história clinica de febre recor-
rente associada à adenolinfangitepode ser indicativa de
infecção filarialPaciente com alteração pulmonar, eosinoñlia
sangüínea e altos níveis de IgE total no soro leva à suspeita de
eosinoñlia pulmonar tropical.
Laboratorialmente, a idenüñcação do parasita pode ser
Elefantíase de membros inferiorü. feita pela pesquisa de iuicroñlárias no sangue periférico por
diferentes métodos parasitológicos (Figura 45-8). A técnica
mais utilizada,devido à simplicidade de execução e baixo custo,
é a gota espessa de sangue colhido por punção capilardigi-
Um quadro conhecido como linfangiomatose escrotal ou tal, em horário compatível com a periodicidade do parasito
linfoescroto ocorre quando os vasos linfáticosda pele da bol- na região. A gota espessa é utilizada principalmente em in-

sa escrotal constantemente exsudam linfa, deixando a região quéritos epidemiológicos por ser prática, rápida e econômi-
genital do paciente úmida, o que provoca grande desconforto ca para obtenção de amostras de sangue colhidas à noite.

e constrangimento. O ambiente se torna propício a infecções 'lhmbém se utilizamtécnicas de concentração, como a ñltra-
bacterianas secundárias, o que pode levar ao desenvolvi- ção de sangue em membrana de policarbonato com 3 ou 5
mento de elefantíase escrotal um de porosidade. É. urna técnica bastante sensível, na qual
A eosinoñlia pulmonartropical é uma síndrome devido à amostras com 10 mL de sangue ou mais podem ser analisadas.
hiper-resposta imunológica do paciente a antígenos ñlariais, A filtração em membrana é normalmente utilizadapara diag-
sendo manifestação relativamente rara. Observa-se aumento nóstico de casos individuais ou no controle de cura pós-tra-
de lgE e hipereosinoñlia, aparecimento de abscessos eosino- tzuuento, pois é capaz de detectar baixas parasitemias. Outra
filicos com microfiláriase posterior desenvolvimento de ñ- técnica de concentração, alternativa na falta de membrana, é
brose intersticial crónica nos pulmões. A sintomatologia da a descrita por Knott. Consiste em diluir 5 mL de sangue na
eosinofilia pulmonar tropical se assemelha à da asma brón- proporção de l: 10 com formol a 2% e centrifugar. As micro-
quica, sendo caracterizadaprincipalmente por episódios de tiláriasestarão no sedimento, que é analisado sob microscópio.
tosse e ñalta de ar. Em baixas parasitemias, esta técnica tem menor sensibilida-
de que a Filtração em membrana., pois as Inicroñláriasñcam
misturadas a um sedimento viscoso que dificulta a análise
DIAGNÓSTICO. microscópica. Eventualmente, as Inicroñlárias podem estar
ausentes no sangue, mas presentes na urina (quilúria) ou li-
Não eicistem sinais ou sintomas especíñcos da infecção por quidos da hidrocele. Nestes casos, o material deve ser anali-
W bmtcrojíi, o que torna o diagnóstico clinico particularmen- sado usando-se técnicas de concentração.
Nematódeos Sangüíneos - Wuchereria bancroft¡

recimento de manifestações clínicas e para verificar a eficácia


da terapêutica pelo acompanhamento da perda de motilida-
de dos vennes.
Exames complementares como a linfocintigraña, apesar de
não permitirem o diagnósticoetiológico da infecção,possibi-
litam uma avaliação da circulação linfática, revelando altera-
ções capazes de modificar a dinâmica do fluxo linfático,
principalmente em pacientes com linfedema.
'
1

FIGURA 45-8 Microñlária de Wucherería bancroft¡ corada pelo


método de Giemsa. Note a presença da bainha.

Os testes sorológicos para pesquisa de anticorpos não são


adequados para bancroftose, pois são de dificilinterpretação,
já que não permitem a distinção entre infecção ativa ou con-
tato prévio com o parasita. Outra limitação é a possibilida-
de de ocorrência de reaçõa cruzadas com antígenos de outros
helmintos, comuns em áreas endêmicas de bancroftose. De-
vido à sua baixa especificidade, a detecção de anticorpos não
é indicada para o diagnóstico da bancroftose, sendo substi-
tuída pela pesquisa de antígenos de WI bancrqñi. A pesquisa
de antígenos solúveis pode ser feita pela técnica imunoen-
zimática (ELISA) ou por imunocromatografra rápida (ICT
card test). Uma vez que estes testes não dependem da pre-
sença de microfilárias,podem ser feitos a qualquer hora do
dia e detectam casos de pacientes com vermes adultos, porém
amicroñlarêmicos.
A técnica de ELISA foi daenvolvida a partir da produção
de um anticorpo monoclonal anti-Onchoceraz gibsoni, fila-
rídeo de bovinos, denominado Og4C3, específico para captura
de antígeno de W bancrofti no soro humano. A imunocro-
matograña, realizada em um cartão, utilizao anticorpo mo-
noclonal ADI2, para detecção de antígenos circulantes de
vermes adultos de WÍ bancrofti. O exame é simples e pode
ser feito com soro ou sangue total, na clínica ou no campo.
O teste por imunocromatograña é rápido, tem alta especifi-
cidade (98,6% a 100%), sendo sua maior desvantagem o
custo elevado.
A reação da cadeia da polimerase (PCR) é bastante sensí-
vel e específica para detectar DNA de WS bancrojii no sangue,
na urina e até na saliva de pacientes. Pode também ser apli-
cada em estudos epidemiológicos para diagnóstico da infec-
ção nos mosquitos vetores. A detecção de larvas do parasita
em mosquitos é uma ferramenta complementarimportante
em áreas onde programas de eliminação da bancroftose es-
tão sendo implementados,pois permite, juntamente com a
determinação das taxas de prevalência da infecção humana,
monitorar a eficácia de estratégias de controle adotadas.
A ultra-sonograiia (US) é a única técnica não-invasivaque
permite revelar a presença e localização de vermes adultos
vivos. É. um método útil para detectar infecção antes do apa-
314 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Não há ainda medicamentos proíiláticosou vacinasque con-


ñram proteção contra a bancroftose. O controle é baseado
principalmente em três pontos básicos: melhoria sanitária,
combate ao inseto vetor e tratamento dos infectados.
Assim como as enfermidades associadas à deñciência ou
inexistência de saneamento básico, a população em risco é
beneficiadapor ações de manejo e saneamento ambientais.
Essas ações envolvem a implantação de infra-estrutura de sa-
neamento básico, drenagem de canais, recuperação de áreas
degradadas, vedação de fossas, arborização e pavimenta-
ção, entre outras, que concorrem para
Oncocercose

Fernando Marcondes Penha


Bruno de Albuquerque Furlan¡
Maurício Maia
Rubens Belfort Mattos Jr.
316 Parasitologia -
uma abordagem clínica
águas correntes, dá-se o nome da doença de cegueira dos rios.
Finalmente, a larva é introduzida no homem através da pica-
da de seu vetor, onde o verme se matura até a forma adulta,
Oncocercose é doença causada pela infecção de um
uma
fechando o ciclo de vida do parasito.
nematódeo, especificamente pela ñlária Onchocerca volvulus,
sendo transmitida através de picada do inseto do gênero A endoderme de Onchocerca volvulus fêmea infectante
Simulium exigiram. abriga uma bactéria endossombiótica Wolbachia como en-
Ainda hoje, a oncocercose é uma causa importante de ce- dossirnbionte obrigatório, que parece ter papel importante na
gueira nos paises em desenvolvimento.Avalia-se que, em todo capacidade de desenvolvimento dos seus embriões.
o mundo, mais de 18 milhões de pessoas têm infecção por
Onchocerca valvulas. Noventa por cento dos casos estão lo-
calizados na África, mas estão também presentes em países da
Ásia e das Américas Central e do Sul. Destes, mais de um mi-
lhão são cegos ou apresentam perda visual grave. Segundo a OMS, mais de 120 milhões de pessoas ao redor do
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a mundo estão sujeitas a se infectarem com a Onchocerca, e 18
oncocercose um dos grandes problemas de saúde pública da
milhões já estão infectadas. Um terço dos infectados apresenta
atualidade. Estima-se que seja a segunda maior causa de ce- dermatite manifesta, 500 mil apresentam perda visual grave,
e 1% desenvolve cegueira. Além disso, 2?O mil pessoas estão
gueira de etiologia infecciosa, sendo responsavel por 50 mil
cegos ao redor do mundo. A oncocercose é uma das cinco cegas pela oncocercose ao redor do mundo.
prioridades do programa Visão 2020 da OMS, em conjunto Nas Américas Central e do Sul, os focos desta doença se
com catarata, tracoma, cegueira na inñncia e erros refrativos. concentram no México, Guatemala, Colômbia,Venezuela,
No Brasil, a oncocercose é endêmica na área onde vivem Brasil e Equador. Apesar de relatos desta doença existirem
os índios Yanomami,na Amazônia. O primeiro caso descrito desde década de 1960, o desconhecimento do diagnóstico pre-
data de 1967, e desde então diversos estudos epidemiológicos ciso prejudicou o controle e contribuiu para a extensão do
foram realizados para avaliação da prevalência e esclareci- problema. Com base nisto, foi criado o Programa de Elimi-
mento de sua distribuição. nação da Oncocercose nas Américas (Chchocerciasis Elimina-
Também conhecida como “cegueira do rio”, doença de tíotz Program for the Americas CEPA), uma iniciativa
-

Robles, volvulose, erisipela da costa e mal morado, a onco- regional o objetivo é a eliminação da morbidadeocular e
cercose manifesta-se geralmente após 1 ano da infecção, com da transmissão da oncocercose em toda a América. A UEPA
sintomas relativos à reação das formas adultas, com nódu- estima que 500.000 pessoas residem em áreas de risco em seis
los subcutâneos. Entretanto, as manifestações mais graves paises das Américas: Brasil,Colômbia,Equador, Guatemala,
ocorrem com a disseminação de microiilárias, por vias he- México e Venezuela. A estratégia da OEPA é de fortalecer e
mática efou linfática, ocasionando linfangites, adenopatias, encorajar os ministros da saúde dos seis paises endêmícos a
lesões cutâneas e o acometimentoocular. fim de manter o tratamento em massa com ivermectina a
Neste capítulo serão abordados as característicasclinicas da cada 6 meses. Os programas nacionais de tratamento têm
oncocercose, diagnóstico, tratamento e prevenção desta im- reportado uma cobertura de 85% da população em risco das
portante causa de cegueira nos paises em desenvolvimento. áreas endémicas nos últimos 3 anos.
No Brasil, os primeiros inquéritos epidemiológicos foram
realizados na metade da década de l9?0, na região do rio Too-
totobi, no estado do Amazonas, onde se confirmou a ende-
micidade da doença, com prevalência de 62,6% em 91 índios
O parasito Onchoceraz valvulas tem seu ciclo de vida dividi- Yanomamis examinados. Posteriormente, novos inquéritos
do em cinco estágios, sendo que o diptero SimuIi-um tem o foram realizados na região de Surucucu, sendo encontrada
papel de hospedeiro intermediário obrigatório. O homem é o uma prevalência de 47%; na região de Anaris, com prevalência
único hospedeiro definitivo. A infecção se dá quando o vetor de 24,5% na região de Catrimani,com prevalência de 51,4%,
em repasto sangüíneo introduz a larva em estágio 3 (L3) na e na região de Mucaj ai, com prevalência de 10,3%.
derme humana. O nematódeo fêmea desenvolve-se em adul- Atualmente, o único foco ativo conhecido no Brasil está
to e permanece encarcerado em cápsula íibrótica por décadas, localizado na região amazônica, e se estende até o foco sul da
enquanto o machoadulto se move livremente nos espaços de Venezuela. Esta área corresponde a praticamente todo o ter-
pele e tecido subcutâneo.O verme fêmea deposita milhares ritório Yanomami no nordeste do estado de Roraima e a par-
de microñlárias, com dimensões de 220 a 360 pm, que mi- te centro-norte do estado do Amazonas, expondo 13.767
gram pela corrente sangüínea ou tecido subcutâneo e têm índios a oncocercose.
particular tropismopelo globo ocular.
As microfiláriaspermanecem no hospedeiro humano por
3 a 5 anos. A fêmea adulta apresenta um período de vida de
2 a 15 anos.
As microíiláriasem lise larva] produzidas pelas fêmeas são O mosquito hematófago responsável pela transmissão do
ingeridas pelo inseto Simulium exigiram (vetor) após a pica- parasito da oncocercose é da espécie Simulíum exigmmz. Os
da em huntanos, nos quais maturarn até o terceiro estágio simulideos distribuem-se em todas as regiões zoogeográñcas
larva] (L3). Devido à capacidade de o vetor se desenvolver em e englobam 1387 espécies válidas até o inicio de 2002. As es-
pécies hematófagas constituem uma praga incomoda e mo-
lestante, tanto para humanos como para animais domésticos.
As espécies que picam humanos fazem parte de quatro gé-
neros: Simulium, Prosimulium, Austrosimulium. e Cnephia.
Muitas espécies de Sim aliam são de interesse médico-veteri-
nário por veicularem diferentes organismos patogênicos aos
homens e
318 Parasitologia -
uma abordagem clínica
ma de drenagem (trabeculado),que é responsável por 90% da te de área endêmica, com manifestações clínicas da doença. Já
drenagem do humor aquoso, leva ao aumento da pressão caso conñrmado é o indivíduo com presença de microñlária
intra-ocular e conseqüentemente a glaucoma,pelo mecanis- ou verme adulto, detectada por meio de exames laboratoriais.
mo de obstrução pré-trabecular. Outro modo de lesão seria Para as medidas de controle, em virtude de a área en-
o prejuizo na drenagem pós-trabecular, com o envolvimento dêmica no Brasil encontrar-se em terras indígenas, as medi-
de microlilariase células inñamatóriasno canal de Schlemm, das de controle devem ser realizadas dentro de parâmetros
veias eferentes, vasos episclerais e cápsula de Tenon. adequados aos hábitos, costumes e percepções desses povos
e, também, de acordo com os critérios técnico-científicosvi-
gentes. As medidas de controle que têm sido preconizadas são
o tratamento dos portadores de microfiláriase o combate aos
simulídeos. Qualquer medida de intervenção deve ser
O diagnóstico é realizado por meio das manifestações clinicas conduzida observando-se os conhecimentos antropológicos
aliadas à história epidemiológica. O diagnóstico específico é das nações indígenas.
feito por: (a) identificação do verme adulto ou microñlárias A lim de se combater a oncocercose, foi
por meio de: biopsia de nódulo ou pele; punção por agulha
e aspiração do nódulo; exame oftalmoscópico do humor

aquoso; urina. (b) Testes de imunidade: intradermorreação,


imunofluorescência,ELJSA. O exame da reação da cadeia da
polimerase (PCR) pode auxiliarna identificação do DNA do
parasito.

A droga de primeira escolha no tratamento da oncocercose é


a microñlaricida ivermectina, na dosagem de 150 pg/kg, em
dose única com periodicidade semestral ou anual por um pe-
ríodo de 10 anos. A ivermectina atua sobre as microfilárias
por efeito paralisante, por meio da inibição da transmissão
pós-sináptica. Esse efeito farmacológicoconsegue diminuir a
carga do parasito infectante mas não a sua exterminação,pois
o fármaco não tem ação efetiva nas formas macroñlãrias.
Após 1 ano do tratamento, a carga parasitária consegue atin-
gir 20% da carga parasitáriaoriginal, necessitando, assim, que
a medicação seja repetida por toda a vida do paciente. A iver-
mectina não deve ser ministrada a mulheres grávidas ou na
primeira semana de amamentação, pessoas gravemente en-
fermas e crianças com menos de 15 kg de peso ou que te-
nham menos de 90 cm de altura. lvermectina, dose única, VO,
obedecendo a escala de peso corporal (15 a 25 kg 1/2 com- -

primido; 26 a 44 kg l comprimido; 45 a 64 kg l 1/2 com-


- -

primido; 65 a 84 kg 2 comprimidos; 85 kg 150 mcg/kg,


- -

lembrando que cada comprimido tem 6 mg). Em campanhas


de distribuição em massa inseridas em programas de elimi-
nação, o intervalo entre doses usado é de 6 meses.
Além do tratamento farmacológico,os nódulos cutâneos
podem ser removidos cirurgicamente e as complicações
oftalmológicas tratadas pelo especialista, conforme a mani-
festação presente.

O objetivo da prevenção é diagnosticar e tratar as infecções,


visando a impedir as seqüelas da doença e a reduzir o núme-
ro de indivíduos infectados. A oncocercose não é uma doen-

ça de notificação compulsória nacional, entretanto, nos


estados endémicos, deve ser notificada para as autoridades
sanitárias locais. Caso suspeito é aquele indivíduo proceden-
À
Mansonebse
Felipe Francisco Than
320 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Algumas infecções por nematódeos sangüíneos foram discu-


tidas em capítulos separados e outras, mais raras, foram dis-
cutidas no capitulo de doenças exóticas. A parasitose pelas
diversas espécies de Mtmsondlzz, considerando a sua incidên-
cia e distribuição no mundo, também poderia ter sido discu-
tida no capítulo de doenças exóticas. Porém, essa doença
negligenciada tem apresentado um número discretamente
crescente na região norte do Brasil. Considerando o clesco-
nhecimento dessa doença pelos clínicos e a sua importância
como diagnóstico diferencial com outras doenças infecciosas,
não necessariamente parasitárias, fizemos questão de aborda-
la em um capítulo em separado.
Outra preocupação sobre a mansonelose é a sua similari-
dade com a oncocercose, inclusive devido à sobreposição de
casos na região amazônica. Este parasito foi demonstrado
também como invasor em paciente com adenocarcinoma,
sugerindo uma possibilidadede doença oportunista em pa-
cientes imunocomprometidos.

O parasito adulto apresenta-se com 4 a 8 cm de comprimento


e é bastante fino. São raramente observados, apenas em casos
de autópsias ou em laparotomias. A microíiláriade Manso-
nella é pequena, medindo entre 100 a 200 um por 5 um. A por-
ção terminal é afilada e curta, contendo diversos núcleos,
permitindo a distinção entre as diversas ñlárias. O diagnós-
tico é estabelecido pelas característicasda microfiláriana cor-
rente
ajuda no diagnóstico diferencial entre as filarioses. Na micro-
filária de Mansonella ozzardi, ocorrem na porção posterior
poucos núcleos, e na anterior, diversos núcleos.
A microñlarenúa apresenta um pico em 20 semanas, e ten-
de a
(página deixada intencionalmente em branco)
@oençaspor nematódêos
sangüíneos exóticos
e Je importação
Felipe Francisco Tuon
324 Parasitologia - uma abordagem clinica

Infecções sintomáticas por Lao 10a (loíase),por Dracunculus


medinensis (dracunculíase) e por Brugiu malayi são muito
comuns na África Central. Em algumas áreas, chegam a ser
a segunda ou terceira causa de visita ao médico. Porém, são
doenças pouco descritas na literatura pelo fato de serem me-
nos consideradas que outras ñlarioses, como bancroftíase e
ancaaercase. Embora apenas a ancocercase esteja classiñcada
pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como doença
negligenciada, não por despreza, mas por questões de prio-
ridade, todas essas doenças causadas por nematódeos san-
güíneos são
Doenças por nematódeos sangüíneos exóticos e de importação

mas temos relatos de sobrevida por mais de l? anos no hos-


pedeiro. Quando a fêmea é fertilizada, ocorre a liberação de
milhares de microfilárias,chegando a mais de 20.000 ao dia. Eosinoñlia é uma alteração laboratorial muito signiñcativa,
Porém, após tempo determinado, as fêmeas diminuem a q11e em comunidades onde a doença é endêmica., sugere for-
produção de microñlãria, que passa a acontecer apenas es- temente o
poradicamente.
Diferente de outras ñlarioses, a loíase apresenta uma
microfilaremiadiurna, coincidente com o hábito de repasto
do hospedeiro intermediário. Outros locais além do sangue
podem apresentar microñlárias, entre eles estão a urina, sali-
va, ascite e, às vezes, o liquor.
É. bastante curioso que a loíase dos macacos é causada
por outras espécies de Lao, apresentando quadro clínico, pe-
riodicidade e irnunologia bastante diversos da loíase huma-
na. 'fentativas de induzir infecção com Loa de símíos em
humanos foram infrutíferas.

Patogenia
Biopsias das lesões cutâneascausadas por Loa 10a demons-
traram um inñltrado eosinofílico importante com vasos di-
latados e edema tecidual. O parasito pode ser encontrado
nesses locais, associando-se um quadro inñamatório a eosi-
nóñlos, macrófagos e plasmócitos ao redor. O processo ten-
de a se croniiicar, mudando progressivamente o padrão de
células. As microñlárias estão associadas ao desenvolvimen-
to de uma resposta imune tipo Th2, com predomínio da sín-
tese de lL-4, lL-5 e lL-IO e pouca expressão de lFN-'ye TN F-(I.

Sinais e Sintomas
A manifestação clínica mais específica da loíase é a passagem
do parasito pela conjuntiva ocular, causando edema, o edema
de Calabar. Este primeiro sintoma pode levar vários meses
para aparecer. É. por este motivo que a loíase é denominada
de verme do olho. Apesar de especíiico, o edema pela passa-
gem do parasito pode ocorrer em qualquer lugar do corpo,
acometendosubcutãneoe gerando edema local com eritema
adjacente. O parasito pode levar até 1 dia para atravessar o
subcutàneo da região periocular, causando,também, fotofo-
bia e prurido local. Fora da região ocular, o edema pode ser
migratório, embora tenha predileção pelos membros, prin-
cipalmente a região posterior do antebraço. Dependendo da
localização destes nódulos eritematosos, pode haver com-
prometimento da articulação local, promovendoquadro se-
melhante ao de uma artrite.
Podem ocorrer exantemas difusos, assim como prurido
generalizado. Pode haver desenvolvimento de trajeto sub-
cutâneo do parasito, principalmente após introdução de tra-
tamento para filariose.
Sinais e sintomas mais raros são hematúria, cefaléia, dé-
ñcits neurológicos localizados, incluindo quadros cerebelares.
Raramente, também pode ocorrer migração da larva para a
cavidade ocular, gerando alteração visual.
O quadro clinico tende a ser mais grave em viajantes para
as áreas endêmicasdo que naqueles que habitam a região da
doença.
326 Parasitologia -
uma abordagem clínica

para a forma adulta e inicia-se a produção de ovos com larvas.


Durante um tempo entre 10 e 14 meses, o parasito miga pelo
subcutâneoaté atingr a pele, perfurando-a. Quando o homem
com a pele perfurada mergulha em água, o parasito elimina
as larvas neste local, onde hospedeiros intermediários se ali-
mentarão com as larvas e darão iníc.io a um novo c.iclo.

Patogenia
Os parasitas mortos podem provocar lesões calciñcadas no
local de implante, geralmente subcutâneo (Figura 48-4). A
pele adjacente de uma lesão em atividade apresenta-se com
processo inflamatório,que culmina com perda de pêlos,
edema, formação de úlceras e hemorragia discreta. Nestes ca-
sos, ocorre rápida colonização com bactérias, a qual mantém
o processo inflamatóriona pele.
À microscopia há edema, lesão de células Inusculares su-
FIGURA 48-3 Extração do parasito da Ioíase em lesão ocular.
perficiais, e infiltradoinflamatórioc.om neutrófilos e eosi-
nóñlos.
Cortesia de Peters e Pasvol: Atlas of Tropical Medicine and
Parasitology_ 6= ed., 2006_ Elsevier Ltd.
Sinais e Sintomas
comprimento, embora apenas 2 mm de espessura. Grande
parte do interior do parasito é constituída de útero, o qua] 'Os pacientes são assintomáticos até o início da migração do
pode conter milhões de larvas e1n seus primeiros estãgos parasito adulto para a pele, que ocorre, em média, após l ano
de evolução. Já os machos apresentam tamanho entre 15 e da aquisição do mesmo. Quando o parasito se aproxima da
40 mm por 4 mm de espessura. pele, ocorre a formação de pãpulas ou bolhas que progridem
para um nódulo indurado e lesão da pele, formando uma
úlcera com eliminação de conteúdo seroso. Neste momento,
Epidemiologia podem ocorrer febre, exantema generalizado com prurido,
A dracunculíaseocorre de forma mais importante no perío-
do de chuvas, sendo que, em regiões áridas, a transmissão
ocorre apenas no período de chuva. Esta tem lugar quando
o homem íngere água contaminada com o hospedeiro inter-
mediário, anteriormente classificado como do género (Íyclops,
e que agora faz parte dos géneros Mesoqvclops, ArIetnq/dops e
'lltennoryclops. A doença é limitada a vilarejos onde a água
não é tratada, podendo atingir até 70% da população local.
A doença ocorre na África (Êentral, atingindo 13 países, como
o Sudão; já foi erradicada de outros países, como a Índia, e
existem casos importados em diversos locais do mundo, in-
clusive na América.
No Brasil, a doença foi extinta após o tratamento da água,
assim como nos clixrersos países asiáticos e alguns paises afri-
canos.

Transmissão
A transmissão se dá pela ingestão de água contaminada por
hospedeiros intermediários infectados (Mesocydops, Mercury-
clops e 'Fhmnocyclopsl No estômago, ocorre a destruição do
hospedeiro intermediário, sendo liberada a larva de Drumm-
culus, que resiste ao ambienteadverso. A larva percorre parte
do intestino delgado, quando, então, penetra na parede intes-
tina] e cai na corrente sangüínea. Daí, as larvas são dissemi- FIGURA 48-4 Parasito calcificado da dracunculiasedemonstrado
nadas e implantam-se no tecido subcutãneo de membros, pelo raio X_ Cortesia de Peters e Pasvol: Atlas of Tropical Medicine
abdome e tórax. Após 90 dias, ocorre o desenvolvimento and Parasitology, 6= ed., 2006_ Elsevier Ltd_
Doenças por nematódeos sangüíneos exóticos e de importação
náusea e vômitos, assim como outros sintomas inespecíñcos, A proñlaxia é muito simples, com base no tratamento da
como dor abdominal e diarréia. Logo após a eliminação do água ingerida, evitando a aquisição de Cyclops por esta via. Os
conteúdo seroso, o parasito é exposto na pele. Em mais de 90% pacientes tratados evitam a permanência do parasita no meio
dos casos, a lesão cutânea ocorre nos membros inferiores. ambiente.
Em média, ocorrem aproximadamente duas lesões por
pessoa. Porém, quando não tratadas, as lesões vão aumen-
tando em número, e tais úlceras crônicas permitem infecções
secundárias que podem levar a celulites extensas, artrites,
quadros sépticos e até osteomielite. Além disso, são relatados Brugía é outro agente de filariose que acomete pacientes na
vários casos de localizações anómalas, incluindo doença em Ásia. O quadro clínico lembra muito aquele da infecção cau-
órgãos abdominais. sada por Wuchereria. bancroñi, com linfedema de membros
inferiores, geralmente abaixo do joelho, podendo ocorrer em
membros superiores e escroto. A forma de transmissão, tam-
Diagnóstico bém por mosquito, não contempla reservatórios não-honra-
nos no caso de B. tímorí, e alguns reservatórios animais em
O diagnóstico é basicamente realizado por meio da informa- B. malayi. O tratamento e a proñlaxia são os mesmos que
ção epidemiológica local, associada ao achado das lesões tí- para Wuchereriu bancrofti.
picas de membros inferiores com a presença do parasita.
Pode-se realizar diagnóstico mediante a indução da elimina-
ção de larvas da lesão com água fria e visualização direta ao
microscópio. Exames sorológicos podem ajudar no diagnós-
tico, até mesmo antes do desenvolvimentoda lesão cutânea, BOUSSINESQ, M. Loiasis. Arm. Trap. Med. Parasimí.; v. 100, p. 715-
como alguns tests baseados em ELISA. 731, 2006.
GREENAXVAÍÊ C. Dracunculiasis

Tratamento e Profilaxia

Não existe tratamento específico para a dracunculíase.Por-


tanto, o tratamento consiste na retirada do parasita com uma
pequena vareta, na qual o verme adulto se enrola alguns cen-
timetros por dia. Deve-se lembrar que o parasita tem, em
média, l metro de comprimento. Associado à retirada mecâ-
nica, pode-se introduzir um antibióticotópico na região da
úlcera, para evitar infecção secundária e, conseqüentemente,
disseminação.
(página deixada intencionalmente em branco)
@oenças causacfaspor
trematódêos, cestódêos e
nematódéos em pacientes
imunocomprometizfos
Felipe Francisco Tuon
Ronaldo Cesar Borges Gryschek
330 Parasitologia -
uma abordagem clínica
transplantes, alguns casos de neurocisücercose grave apare-
ceram e a análise das lesões, seja por biopsia ou necropsia,
revelou que a espécie causadora era diferente da 'L' solium.
Com relação aos helmintos, a ocorrência de imunodepres-
são de várias origens no hospedeiro tem, de maneira geral,
Estudos posteriores revelaram que o agente causador destes
casos ditos atípicos foi a ÍÍ crassiseps.
um impacto mais discreto do que naquele que foi discutido
em relação aos protozoários. Nas infecções por cestódeos, I-Iimenolepíaseé outra parasitose causada por Hymerwlep-
foram poucos os representantes que puderam se associar ao sis nana, que apresenta um aumento discreto na prevalência
em pacientes com AIDS. Porém, esta infecção tem, epidemiolo-
estado de imunodepressão, não sendo diferente para os tre-
matódeos. lim relação aos nernatódeos, assume importância gicamente, uma importânciamenor do que as por 'IÍ sagina-
ta e 'If solium. Por outro lado, já foram descritos mais de dois
nesse contexto o Strongyloides stercoralis, embora os eventos
relacionados com o uso de corticoesteróides por tempo pro- casos de óbitos em pacientes que apresentaram a doença hi-

longado em doses elevadas, ou mesmo pela pulsoterapia, já menolepíase de forma disseminada. Tal situação deve alertar
os clínicos que cuidam de pacientesimunodeprimidos para
fossem conhecidos.
A pandemia de AIDS em regiões do mundo onde parte que diagnosüquem e tratem essa helminüase, preocupando-
destes parasitas é endêmica pôde promover um grande nú- se, inclusive, com os comunicantes familiares,dada a manei-
mero de estudos que tentaram correlacionara interação entre ra de transmissão intradomiciliardessa infecção parasitária.
o hospedeiro e o parasita no contexto da imunodepressão.
Este padrão de aumento da gravidade da doença, visto na
Porém, a grande maioria dos estudos foi frustrante, mos- himenolepíasee não descrito na teniase, também ocorre na
trando que o setor imune celular alterado nem sempre é um equinococose. A equinococose é uma parasitose com distri-
fator único envolvido na eficiência da resposta imune do buição característica mundial, associada à criação de ovelhas,
hospedeiro. Isso também revela que as mais diversas inte- causandolesões teciduais pela formação de cistos. Há relatos
rações podem sustentar uma resposta imune dita adequada, de casos de equinococose com quadros clínicos mais graves,
sem demonstrar que a alteração imune seja suficiente para ex- principalmente em pacientes com AIDS e transplantados de
pressar clinicamente uma piora em relação aos pacientes fígado.
imunocompetentes. Em relação à diñlobotríase (ténia do peixe), não foram en-
lmunodepressão, irnunossupressão, imunocomprometi- contrados casos na literatura de associação com irnunode-
mento, imunodeficiênciae outros termos: os leitores já devem pressão.
ter lido tais termos em outros capítulos do livro ou mesmo Assim, podemos entender que a alteração da resposta imu-
no capítulo de infecções por protozoários. Embora as auto- ne celular ou adaptativa, que ocorre nos pacientes com AIDS
ridades no assunto coloquem a melhor palavra para cada si- e naqueles uansplantados mantidos em regime de irnunossu-

tuação, em nosso contexto, Uaremos as palavras no sentido pressão importante, está sujeita a uma prevalência maior de
de traduzir que as defesas do corpo do hospedeiro não estão teníase, e nos casos que apresentam himenolepíaseou equi-
normais, mas sim deficientes, seja por causas congênitas, nococose, as repercussões clinicas podem ser mais graves. Em
medicamentosas, infecciosas, especíñcas ou não. Sempre pacientes com neurocisticercose, a doença pode ser mais gra-
abordaremos o contexto da causa da imunodepressão para ve, e outra espécie além de 'II solium pode ser considerada
trazer ao leitor a situação clínica mais real, pois a maioria da nestes casos.
alterações do estado imune não são superponíveis.

As parasitoses causadas pelas diversas espécies de tremató-


Os principais representantes dos cestódeos são as tênias. Os deos tem uma relação com imunodepressão, principalmente
estudos de avaliação clínica, a maioria deles estudos de casos aquelas formas teciduais. Isso está relacionadocom a impor-
controle, não demonstraram alteração no padrão clinico dos tânciada resposta imune no tecido, na presença de un) agente
pacientesimunodeprimidos (principalmente com AIDS) em naquele local. Diferentemente das doenças teciduais, aquelas
relação à população controle. O que estes estudos puderam que se restringem ao trato gastrintestinal tornam-se menos
demonstrar em relação às teníases (doença intestinal) foi que importantes devido à manutenção da barreira mucosa e pro-
a porcentagem de exames positivos em populações sem AIDS dução de imunoglobulinas,assim como outras características
é menor do que no grupo dos pacientesimunodeprimidos. A da resposta imune local, seja ela adaptaüva ou inata.
irnunodepressão, assim, pode favorecer a manutenção do Na esquistossomose, principalmente a mansônica, até a
parasito no intestino, diminuindo a chance de cura espontâ- forma intestinal da doença é atingida pela imunodepressão.
nea, sendo possível que também diminua a resposta ao tra- Desde a década de 1980 já se relatavam que os pacientes com
tamento, mas essas suposições ainda carecem de estudos AIDS e infecção por Schistosoma mansoni apresentavam a
conñrmatórios.Porém, é importante citar aqui que a diferenm forma intestinal mais grave, no que diz respeito, por exemplo,
de prevalência de teníase na população com AIDS e na popu- à proclite. Apesar desses fatos, algrnnas dúvidas apareceram
lação sem AIDS é mínima, não ultrapassando 15%. quando trabalhos experimentais demonstraram que não
'IÍ solium e 'II sagirmta são os principais representantes das ocorria alteração da resposta imune tecidual em ratos com
teníases, sendo a primeira relacionada com a neurocisticer- “AIDS murina". Além disso, convém lembrar que, no con-
cose humana. Com o aparecimento da AIDS e o aumento dos texto da AIDS, várias doenças associadas manifestam-se com
Doenças causadas por trematódeos, cestódeos e nematódeos em pacientes imunocomprometidos 331 -
retite, colite ou proctite, tornando-se, às vezes, diñcil deñnir o apesar do emprego de drogas adequadas; daí a importancia
papel patogênico da esquistossomose nesses casos. Curioso de afastar-se o diagnóstico da verminose na fase pré-trans-
é observar que a excreção de ovos do parasito em pacientes plante. Já a co-infeoção por S. stercomlis e H'l'LV-lmerece es-
imunodeprimidos é menor, havendo estudos, inclusive expe- pecial consideração: estudos pioneiros no Japão, sobretudo
rimentais, que evidenciam a necessidade de imunidade celu- em Okinawa, onde as duas infecções são endêmicas, demons-
lar competente para que ocorra, de forma eficaz, a extrusão traram claramente que a parasitose e mais freqüente e mais
dos ovos, com a sua posterior eliminação nas fezes. grave nos infectados pelo retrovirus, além de a resposta à te-
Sabe-se que pacientes infectados com HIV têm maior rapêutica da parasitose ser extremamante falha. Além disso,
prevalência de bacteremias por Sammwlla spp. Sabe-se tam- a presença da estrongiloidíasecomplica o prognóstico da in-
bém que a S. rrmnsoni pode albergar essa bactéria e outras fecção por HTLV-l, pois promove um aumento importante
enterobactérias,gerando bacteremiasrecorrentes. No entanto, da carga proviral e resulta em maior incidência e precocida-
não há relatos conclusivo:: de que na população HIV posiüva, de no desenvolvimento de leucemia de células T do adulto
em áreas endérnicas para o helminto, haja maior prevalência (ATCL) que, em condições de monoinfecção com o vírus, é
dessa bacteremia prolongada. uma complicação pouco freqüente.
Embora a imunodepressão piorasse os quadros clínicos A descrição do quadro clínico da estrongiloidiasedissemi-
da esquistossomose, foi demonstrado que a doença esquis- nada, vista em pacientes imunossuprimidos, está descrita no
tossomótica em atividade aumenta a expressão de receptores Capítulo 35.
celulares responsáveis pela entrada do vírus da imunodefi-
ciência humana. Assim, o parasita pode facilitara progressão
da infecção por HlV. Algumas evidências clínico-epidemio-
lógicas a esse respeito foram verificadas na África subsaa-
riana, onde ambas as infecções são endémicas. ANIÍEINW, C.S.;YOUNG, LH. Ocular manifestations of helminthicinfec-
Na doença causada por S. haematabium,que se configura tions: onchocersiasis, cysticercosis, toxocariasis, and diffusze uni-
com hematúria importante, a infecção por HIV não altera a lateral subacute neuroretínitis. Int Ophtímlrtwl Clin. v. 46, p. 1-10,
resposta ao tratamento com praziquantel e os pacientes
apresentam os sintomas urinários mais leves do que aqueles
BEARZOTI, P.; [ANE, E. Relato de um caso de oncocercose adquiri-
da no Brasil. Revista Paulista de Medicina, v. 70, p. 102, 1967.
sem infecção viral. Além disso, os pacientes com infecção por
BLANKE, CH. 'iñlolbachia DNA recognition. Lancer v. 359. p. 1345-
HIV excretam menos mostrando que é possível que
ovos, 1346, 2002.
ocorra uma atenuação da resposta imune loca] e o paciente COELHO, GE.; VIEIRA, IB.; GARCLA-ZAPATA,M_T. et al. Identifyijig
sofra menos sintomas que aquele apresentando uma respos- areasof epidemiological staütication in an onchocerciasis focus
ta imune normal. in Yanornami territorv, Roraima, Brazil. Cad Saarde Publica v. 14,
Infecção por outros trematódeos são mais raras e sua as- 13.607-611, 199a.
sociação à imunodepressão é pouco estudada. COELHO, GE.; FEIRA, LB.; OLIVEIRA, CE. et al. preliminary act¡-
vities of the program for the control and treatment of onchocer-
ciasis in theYanomamí tenitory', Romana, Brazil. Rev Soc Bras Med
Trap v. 3o, p. 69-72, 1995.
COOPER, RI.; PROANO, R.; BELTRAN, C. et ai. Onchocerciasis in
Ecuador". ocular findings in Onchocerca \rolvulus infected indivi-
Entre os parasitas deste grupo, o S. stercomlís é o mais estu- duals. Br I Ophthalmolv. ?9, p. 157-162, 1995.
dado em associação com imunossupressão. Outros parasitas DADZIE, KI; RENIBÁE, I.; ROLLMND, A.; THYLEFORS, B. Ocular
podem apresentar relação estreita com imunossupressão, mas onchocerciasis and intensity of infection in the community'. II. \Vest
a S. srercoralis tem relevância inclusive em sua forma grave, African rainforest foci of the vector Simulium yahense. Trap Med
dada a intensidade da imunodepressão celular apresentada Parasita¡ v. 40, p. 343-354, 1939.
nos pacientes infectados por HIV. Embora existam relatos de
KARAlvÍ, hi.; SCHUIZ-KEY, H.; REMIVIE, I. Population dynamics of
Onchocerca volvulus after 7 to 8 years of vector control in \Vest
casos de estrongiloidiasedisseminada em pacientes com AJDS,
Africa.Acta Trap v. 44, p. 445-457, 1987.
essa forma da parasitose não se encontra entre os eventos
POOLMJXN, EM.; GALVANI,AP. Modeling targeted ivermectin treat-
oportunistas mais importantes. Ainda assim, muitos dos casos ment for contmlling river blindness. Am I Trap Med HH v. 75, p.
de associação de AIDS à estrongiloidíasedisseminada ocorre- 921-927, 2006.
ram em pacientes que, em função de determinadas doenças REMME, I.; DADZIE,ICY.; ROLLALWD, A.; TTÍYLEFORS,B. Ocular
oportunistas, faziam uso de corticosteróides, que como se onchocerciasis and intensity of infection in the community. I. 'West
sabe, estão fortemente ligados à possibilidadede dissemina- African savanna. Trap Med Parasita¡ v. 40, p. 340-347, 1989.
ção da estrongiloidíase.Por isso, o exame de fezes, com espe-
cial atenção ao diagnóstico de estrongiloidíase, deve ser feito
rotineira e periodicamente em pacientesportadores de HIV, e
caso diagnosticada a helminüase, o tratamento eficaz com
controle de cura deve ser empregado. Os transplantados, so- http:f/Vmnhtcclfoundtoitfjrojecthtm
Atlas de parasitologia com fotos das lesões e do parasita.
bretudo de rim, também são vítimas de estrongiloidiase dis-
htqanlfsvsmnmrhointftdrf
seminada, corn desfecho freqüentemente fatal; mesmo em .Site da Organização Mundial de Saúde sobre doençasnegligencia-
casos em que não há disseminação da helmintíase, a respos- das, com centenas de fotos e informações atualizadas sobre o pa-
ta ao tratamento específico para estrongiloidiaseé precária, norama da doença.
(página deixada intencionalmente em branco)
914 iúzses

Carlos Eugênio Silva


334 Parasitologia -
uma abordagem clínica
clmse metãmero, exibindocoloração variando do marrom ao
vermelho. Na região torácica, o mesotórax é desenvolvido e
Miíase é um termo de origem grega e significa literalmente apresenta aspecto que varia do metálico ao fosco, e coloração
doença das moscas (myia = mosca; iasis : processo). Sob o que varia entre azul e verde ou preta e cinza. O abdome, ge-
ralmente globoso e diminuindo de diâmetro na direção da
ponto de vista médico, a miiase representa a infecção dos te- extremidade posterior, é composto por quatro a cinco seg-
cidos do homem pela presença de larvas de mosca.
mentos visíveis e a coloração pode ser semelhante àquela do
Existem diversas espécies de moscas envolvidas com a for-
tórax. Apresentam apenas um par de asas para impulsionar
mação de miíases no homem e nos animais, desde aquelas o vôo.
que naturalmente invadem tecidos, até aquelas que provocam As larvas dos agentes de miíase primária são do tipo ver-
infecção acidental. Entretanto, a maioria das moscas causado- miforrne, apresentando-se ápodas e acéfalas. O corpo geral-
ras de miíases pertence às superfamílias Muscoidea e Oestroi-
mente apresenta formato cônico e dividido em diversos
dea, representadas pelas moscas do interior das casas, como
Musa: domestica, e pelas moscas varejeiras, que apresentam segmentos, alguns destes munidos de coroas de espinhos
tórax e abdome com aspecto metalizado. quitinosos. A extremidade anterior é mais ñna e a posterior
é mais grom, terminando de forma tnmcada. A extremidade
Conforme o tipo de desenvolvimento larva] nos tecidos, as
anterior não apresenta cápsula cefálica e possui um par de
miíases podem ser classilicadasem:
a) primárias ou obrigatórias:quando o estágio larva] só se ganchos cefálicos, utilizadospara se fixar e romper o substra-
to onde se estabelece. Na extremidade posterior do último
desenvolve sobre tecido vivo;
b) secundárias ou facultar-ivan: quando o desenvolvimen- segmento abdominal ocorre a presença de um par de placas
to larva] ocorre sobre tecidos necrosados ou substratos
decompostos;
c) aalíenmis: quando os tecidos do homem ou dos ani-
mais não representam loca] adequado ao desenvol-
vimento larval, provocando uma reação tipo corpo
estranho.
Na miíase acidental, a larva atinge os tecidos vivos de
modo casual como, p. ex., na ingestão de algum alimento con-
taminado. Sendo assim, a larva do inseto não está no lo-
ca] adequado para se desenvolver, provocando uma intensa
reação inflamatórianos tecidos por onde se desloca. Entre os
causadores de miíases acidentais, encontramos espécies de
dípteros até agora registrados nas famílias Psvchodidae,
Tipulidae, Stratiomyidae, Therevidae, Phoridae, Svrphidae,
Piophilidae,Drosophilidae,Anthomviidae,Fanidae,Muscidae,
Sarcophagidae.
Na miíase secundária, o desenvolvimento larva] dá-se em
tecido necrosado, não constituindo, propriamente, um pa-
rasitismo, visto que, na maioria dos casos, o inseto pode se
desenvolver também sobre matéria morta no ambiente. Os
agentes de miíases facultativas podem ser encontrados nas
familias Phoridae, Sarcophagidae e Calliphoridae, sendo esta
última a que possui maior número de espécies envolvidas e
popularmente conhecidas como moscas varejeiras.
Entre os agentes de miíases primárias são encontradas es-
pécies nas famílias N eottiophilidae,Chloropidae, Muscidae,
Calliphoridae,Sarcophagidae e Oestridae. Nesta tíltzima famí-
lia, todas as espécies são produtoras de miíases primárias.
Especiñcamente por motivos didáticos, daremos ênfase ape-
nas às miíases envolvendolknnatobiahominis e Cochliomltria
hominivorwc, as duas principais especies causadoras de miíase
primária do homem nas Américas.

Os insetos adultos dos principais agentes de miíases apre-


sentam corpo com metamerizaçãotípica de muscóideos. A
cabeça apresenta olhos compostos que ocupam a maior parte
Miíases 335

No casode C. hominivorax, a necessidade de solução de


continuidade para estabelecimento larval só facilitaa infecção
no caso de falta de cuidado com o ferimento. Indivíduos que

freqüentemente apresentam problemas com higiene pessoal,


por falta de autocuidado ou devido a distúrbios mentais, são
mais suscetíveis a infestações graves, uma vez que os odores de
secreções decompostas são fatores de atração e estimuladores
da ovipostura para as fêmeas. Por outro lado, em indivíduos
sem os problemas anteriores, a infecção é rapidamente iden-
tificada pela dor e pelo odor eliminado. A lesão aumenta ra-
pidamente, promovendo a procura por atendimento médico.
Além dos problemas individuais que podem causar, as
miíases também representam importante fator de perdas para
a pecuária nacional e latino-americana.Somente no Brasil, as
FIGURA 50-2 Larva de terceiro estágio de Cochffomyía
hominivorax. perdas estimadas por C. hominivorax seriam de 180 milhões
de dólares e, no caso de D. hominis, para a América Latina.,
chegariam a 260 milhões de dólares. Soma-se a isso o fato do
outras larvas de muscóideos, pois não apresentam traquéias
grande deslocamento mundial de animais e pessoas decorren-
tes de questões comerciais e turísticas, fato que tem mantido
pigmentadas. as autoridades sanitárias de muitos países em alerta, para
evitar a importação de espécies causadorasde miíase primá-
ria. Nesse sentido, o Brasiltambém poderia estar vulnerável,
pois há espécies causadorasde miíase primária do homem em
ourros continentes.
Miiases Primárias
As miíases primárias são aquelas que apresentam maior in- Miíases Secundárias
teresse médico, uma vez que levam ao maior número de in-
tervenções médicas. As miíases secrmdárias apresentam pouca relevânciado ponto
Nas Américas, Dermatabiahominis e Cochliomña. homi- de vista de dano ñsico direto, urna vez que só se desenvolvem
nivorax destacam-se como produtoras de miíases primárias, em tecidos necrosados. Entretanto, essa característicavoltou
sendo conhecidas há muito tempo. A larva da primeira inva- a ser bastante considerada nas úlümasduas décadas, uma vez
de a pele e mucosas íntegras e produz uma reação inflama- que as larvas de algumas espécies causadoras de miíases
tória de apresentação modular, denominada vulgarmente de secundárias não só consomem o tecido necrosado, mas tam-
“berne”. As larvas da segunda mosca invadem ferimentos bém impedem o estabelecimentode larvas de miíase primá-
preexistentes, destruindo rapidamente os tecidos sadios, rece- ria, liberamsubstânciascom efeito bacteriostáúco e bactericida
bendo a denominação de bicheira, pela quantidade de larvas local e promovem a recuperação de tecidos lesados. Com isso,
visualizas na lesão. a utilização de larvas de agentes de Iniíases seclmdárias, tam-
A mosca "berneira”,D. hominis, é habitante das áreas tro- bém chamada de larvaterapia ou biocimrgia com larvas, pas-
picais, do sul do México até a Argentina, tendo distribuição sou a ser considerada no tratamento de patologias cutâneas
predominante em planícies e planaltos florestados. Entretan- repetitivas, com complicação bacterianaseclmdáiia.
to, como a distribuição das formas jovens se dá por meio de Outra utilizaçãoindireta do stágio larval das moscas cau-
outros insetos (foresia), a miíase pode ocorrer no homem e sadoras de miíases secundárias decorre do fato de esses inse-
nos animais em grandes extensões territoriais, como áreas de tos também se desenvolverem sobre matéria orgânica em
campos e pradarias, cerrados e áreas litorâneas. decomposição, incluindo cadáveres. Esse fato torna a pre-
A mosca da “bicheiraÊ C. hominivorax, ocorria natural-
sença e identificação de espécies de moscas, agentes ou não de
mente do centro-sul dos Estados Unidos, incluindo a Flórida miíases secundárias, de valor significativo na avaliação do
e o Caribe, até as latitudes correspondentes ao centro-norte
da Argentina. Entretanto, em fins da década de 1950 foi ini-
tempo de decomposição cadavérica, representando impor-
tante evidéncia em Medicina
ciada nos Estados Unidos uma intensa campanha de controle
biológico de C. hominivorax', que atualmente mantém esse
inseto rsuito à América do Sul.
É provável que o parasitismo do homem por D. hominis
seja maior do que o de C. hominivorax, uma vez que este in-
seto pode utilizaroutros dipteros domésticos para promover
sua dispersão. Além disso, não necessita de lesão prévia para
se instalar na pele ou nas mucosas. Quando a infestação está
em estado avançado, é facilmentereconhecida, principalmen-
te no meio rural.
_ _336 Parasitologia - uma abordagem clínica
foresia, a fêmea de D. hominis captura um inseto alado e, sobre nesse estágio, aumentandoo volume corporal até apresenta-
o corpo deste, deposita seus ovos. O embrionamentoocorre rem condições para deixar o ferimento. Durante este período,

por um período de 5 a 10 dias. As larvas só deixam os ovos as larvas mudam constantemente de lugar no interior da le-
ao serem estimuladas por fatores como temperatura e CO¡ são, destruindo progressivamente os tecidos parasitados e
e quando o inseto forético pousa sobre um hospedeiro. Ao aumentando consideravelmente o bordo e a profundidade
deixar o ovo, a larva procura penetrar no local da picada, no da laão. O desenvolvimento larva] pode variar de 4 a 10 dias,
folículo piloso, em dobradura natural da pele ou em mucosas quando deixam o ferimento e caem no solo, onde se enterram
[Figura 50-3). para empuparem.
A foresia parece ser um mecanismo que se adapta bem às A metamorfose se dá em torno de 5 a 7 dias, caso a tem-
peculiaridades morfoñsiológicas do estágio adulto de D. peratura no ambientese encontre entre 25° e 35°C.
hominis, como viabilidadede 3 a 5 dias decorrentes de estru- Após emergir do pupário, o inseto adulto acasala em 2
turas bucais completamente atroñadas e embrionamento ou 3 dias, vivendo em torno de 3 a 4 semanas. Durante esse
superior a 5 dias. Acredita-se que os insetos foréticos sejam período, as fêmeas grávidas são atraídaspelas secreções pre-
preferencialmenteespécies que se alimentern de secreções do sentes em ferimentos de animais de sangue quente, onde re-
corpo dos animais ou do homem ou espécies de hábitos he- alizam uma ovipostura com 100 a 300 ovos.
matófagos. Em função disso, muitas pessoas acreditam que
o berne é inoculado através da picada de inseto.
O desenvolvimento larva] é mais lento que o de C. homi-
nivorax, variando de 5 a 10 semanas. Após esta fase, o inseto
abandona o ferimento e se desloca para o solo, onde se en- As miíases também podem ser classiñcadas do ponto de vis-
terra e ernpupa por um período de 15 a 30 dias. acordo com sua localização. Assim, temos Iniíases
ta clinico de
Os insetos adultos estão aptos para o acasalamentodentro cutâneas, caxritárias e orgânicas, caracterizadascomo se segue:
de algumas horas após a emergência, uma vez que a atrofia a) miíase cutânea: as larvas localizam-se exclusivamente
das peças bucais limita uma viabilidadesuperior a 5 dias. napele, podendo apresentar aspecto furuncular, ram-
pante (galerias subcutâneas)ou ulcerosa;
Cochliomyfa hominivorax b) miíase catdtánlz: as larvas se desenvolvem no interior
das cavidades naturais da cabeça, como ouvidos, olhos,
A infecção dos tecidos do homem ocorre de forma direta, nasofaringe e seios frontais;
mas somente quando existe solução de continuidade na pele c) miíase orgânica: as larvas localizam-se no aparelho uro-
e mucosas. Entre as lesões que atraem a ovipostura de C. ho- genital ou no aparelho digestivo, do estômago ao ânus.
minivorax estão assaduras, fissuras, frieiras, ulcerações de As miíases provocadas por D. hominis e C. hominivorax
origem infecciosa, como a leishmaniose, ferimentos cirúrgicos são geralmente miíases cutâneas, entretanto não é incomum
externos, extração dentária ou outro tipo de trauma com for- que sejam descritas miíases cavitárias causadas por essas es-
mação de solução de continuidade, decorrente da atividade pócies.
do paciente. Nessas situações, a fêmea realiza a ovipostura na
borda do ferimento, que será invadido pelas larvas de pri- Dermatobia hominis
meiro estágio após 8 a 20 horas de embrionamento. Duran-
te o estágio larval, o inseto passa por duas ecdises, até formar A lesão típica caracteriza-sepelo aspecto ñJruncular com uma
larvas de terceiro estágio. As larvas permanecem mais tempo abertura, utilizadapelo inseto para respirar. A infestação se
manifesta pela alternância entre a sensação de prurido e de
picada, no local onde a larva se desenvolve. À medida que a
larva cresce, a reação inflamatóriapromove o aumento do
intumescimento no sítio de desenvolvimento. Os pacienta
também relatam a sensação de que algo se movimenta no in-
terior da área intumescida e um líquido seroso ou serossan-
guinolento flui escasso, mas continuamente, pela abertura da
lesão. Um exame atento do orifício furuncular demonstra a
movimentação da larva na abertura do oriñcio.
Durante o desenvolvimento larval, o local apresenta uma
microbiotatípica, entretanto só há formação de pus no caso
de morte da larva no interior da derme. Em casos extremos,
pode ocorrer o desenvolvimento concomitante de larvas de C.
hominivorax. Nessa situação, a larva de D. hominis acaba
muitas vezes morrendo.

Cochlíomyia hominivorax
FIGURA 50-3 Muscóideo com ovos de Dermotobiahominis Na miíase causada pelas larvas desse inseto, a lesão se apre-
aderidos à face superior do abdome. senta ulcerosa e profunda, sendo possível notar grande nú-
mero de larvas. Muitas larvas estão em movimentação ou
projetando as porções ñnais do abdome acima do conteúdo
sanguinolento da lesão para poder respirar. À medida que a
lesão aumenta, a sensação de dor também aumenta, assim
como a perda de sangue. Se o paciente não receber os devidos
cuidados de remoção das larvas, anti-sepsia e proteção, no-
vas oviposturas promovem a sucessão de larvas em diferen-
tes estágios evolutivos, com o aumento acelerado da lesão.
O deslocamento das larvas de C. hominivorax para o in-
terior do tórax e do abdome pode ocorrer em virtude de mui-
tos dias de infestação na pele dessas regiões ou das regiões
perianal e genital, com conseqüênciasgravíssimas e até fatais.
Assim como na miíase por D. hominis, na bicheiradesen-
volve-se uma microbiota própria que desaparece com o Em
da infestação sem, entretanto, haver a formação de conteú-
do purulento.

O diagnóstico de miíases do homem é clínico, uma vez que a


observação direta de larva(s) de mosca em tecido revela a in-
festação.
Dermatobia hominis
As larvas dessa espécie realizam a infestação de modo ativo,
com a penetração de apenas uma larva num folículo piloso
ou área onde a larva possa fixar-se e iniciar a penetração da
pele. Devido à necessidade de o inseto respirar, não é dificil
visualizar a larva subir com freqüência à superficie da lesão,
o que promove o diagnóstico objetivo da infestação. Contu-
do, nos estágios iniciais de desenvolvimento larval, não é
incomum que a infestação por este inseto seja confimdida
com uma foliculite pilosa de origem bacteriana. Para tanto, o
diagnóstico diferencial pode incluir os cistos dérmicos, reação
à picada, larva migrans cutânea, leishmaniose e furúnculo
bacteriano. A coleta de informação a respeito do tempo de
surgimento da lesão associado a viagens ou excursões recen-
tes a áreas florestadastambém é um indicativo importante.

(ochiiomyia hominivorax
A presença de um grande número de larvas em uma lesão
aberta, com queixa de desconforto e dor e a hberação de se-
creção serossanguinolenta mal-cheirosa, é bastante sugestiva
da infestação por larvas de C. hominivorax. O relato do pa-
ciente refere-se à infestação ter surgido sobre lesão preexis-
tente, pois são raros os relatos de estabelecimento sobre área
não lesada do corpo.

A questão central no tratamento de qualquer miíase é a reti-


rada das larvas dos tecidos e o cuidado adequado do feri-
mento. Para tanto, são descritos desde a remoção
338 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Em lesões cutâneas ulcerosas, a remoção de larvas é um

processo incómodo e doloroso para o paciente, uma vez que


a larva viva tenta se ñxar no tecido por meio dos espinhos HORROR, DJ.; TRIPLEJ-IORN,CA; JOHNSON, N.F. An Introduction
espalhados pelo corpo. Assim, recomenda-se destruir as lar- to the Smdy of Insects. 6' ed_ Fort Wbrth: Harcourt Brace College,
vas antes da remoção. Uma quantidade muito grande de so- 1992, 875 p.
luções é utilizadapara destruir as larvas. Após a morte, todas BOWIVIALT, DD. Successful and
as larvas devem ser removidas na medida do possível, mini-
mizando assim a reação inflamatórialocal.
Quando a lesão localiza-se em braços ou pernas, uma me-
dida prática e bastante eñciente é mergulhar a área do mem-
bro afetado em um recipiente com água. Uma vez que as
larvas não conseguem respirar, deixam espontaneamente a
lesão após alguns minutos, e, depois, procede-se à limpeza e
à bandagem adequada do ferimento.

A infecção por D. hominis ocorre de forma acidental e é pra-


ticamente impossível selecionar, entre os insetos que even-
tualmente pousam sobre o homem, quais se apresentam
como foréticos. Entretanto, em áreas rurais ou florestadas
onde o berne é mais freqüente nos animais, convém evitar
o repouso a céu aberto durante o dia. Ê importante o uso
de repelentes em atividades de lazer ou turísticas em áreas
não-urbanas.
Ainda não eidstem estratégias claras para o controle deste
inseto, cuja biologia ainda não está completamente esclare-
cida. Assim, praticamente só existem medidas curativas.
Na infecção por C. hominivorax, o cuidado adequado
com qualquer tipo de lesão aberta na pele e mucosas é es-
sencial. Os curativos devem ser trocados diariamente, pois
o cheiro de sangue e das secreções que secam sob as banda-

gens é um forte atrativo para as fêmeas. Nas instituições de


atendimento para portadores de necessidades especiais é im-
portante o cuidado para evitar a formação de escaras crô-
nicas, e a higiene deve receber atenção especial, uma vez que
assaduras provocadas pela urina e fezes também atraem
essa mosca.
Nas Américasdo Norte, Central e em diversas ilhasdo Ca-
ribe, esta mosca já foi erradicada por meio de controle bio-
lógico. Nesse caso, milhões de machos de C. hominovorax
esterilizados por radiação são liberados semanalmente no
ambientepara competir com a população de machos selva-
gens. Como a fêmea realiza apenas uma cópula, não há pro-
dução de descendents, caso a cúpula ocorra com um macho
infértil. Entretanto, esse é um processo que, em nível conti-
nental, é ainda muito dispendioso. O programa panamenho
de controle de C. haminivorux é subsidiado pelo governo
americano, que promove uma barreira biológica e geográfi-
ca, impedindo as graves conseqüências para a pecuária e para
a população humana, decorrentes de uma reintrodução des-
se inseto nas Américas Central e do Norte. Na América do
Sul, ainda não há propostas claras para a erradicação desse
inseto. Entretanto, o impactobiológico da erradicação con-
tinental clas espécies Iniíasigênicasjá proporcionou vários
questionamentos.
WYSS, LH. S-crewworm eradícaüon in the Americas.Ann. N. Y Acari. httpz/fwxvxantiastateasadullistf
Sci., v. 916, pp. 186-193, 2000. Índice de recursos em tomologia da Universidade de Iowa, por
ZUMPT, F. Myíasis in man and animals in the Old World. London: especialidade.
Buttemüfths. 1955- 357 11 httpz/fwxnanarsusdngovfmainímainhhn
Departamto de Agricultura dos Estados Unidos da América -

Serviço de Pesquisa Agrícola Histórico do Programa de erradi-


_
-

m** d* C- WMWW*

httpWMnwLicbmspbrf-vmarcelcpf
Galeria de imagens de parasítologia - insetos e ámros de impor-
tância em saúde.
(página deixada intencionalmente em branco)
Tungíase
Jorg Heukelbach
342 Parasitologia -
uma abordagem clínica

A tungíase é uma doençaectoparasitáriatropical, causada pela


penetragÍo da pulga 'limgapenetram na epiderme do homem
e de diversos
Tungíase 343

Claramente, a patologia gra re descrita nesses relatos his- países, por razões desconhecidas, a parasitose nunca se tor-
tóricos não representa a situação epidemiológica atual. Entre- nou endêmica.
tanto, essesrelatos demonstram de forma ilustrativa a A distribuição em áreas endêmica:: é muito peculiar. Um
patologia que pode ser causada por infestação maciça,e como turista pode facilmentese infestar com uma única pulga em
uma doença parasitária pode se disseminar em um grande uma das praias do litoral brasileiro. Entretanto, a doença grave
continente e, em poucos anos, se manifestar como um pro- oco1Te em focos, tanto na área rum] como no litoral, em c.o-
blema importante de saúde pública. munidades de pescadores e nas favelas das grandes cidades.
.assim, uma comtmidade onde pessoas são acometidaspor in-
festações gravíssimas pode estar localizada a poucos metros
ETIOLOGIA E MORFOLOGIA de uma área com melhores indicadores socioeconômicos nos
quais a doença é desconhecida. Nas comunidades altamente
O agente causador da ttmgíase, a pulga Y-imga. penetrans (or- afetadas, geralmente não existe coleta regular de lixo, os mo-
dem Siphonaptera, família Tungidae] e a menor espécie de radores convivem em proximidade a ratos e animais domés-
pulga conhecida, com comprimento de somente l mm. Em ticos infestados, os quais contribuem para altas de taxas de
comparação, a fêmea da pulga comum do cão mede 2,4 mm. ataque. Além do mais, Inuitos domicílios possuem piso de
Ambos os sexos de 'll per¡.errc2:ns são hematófagos obrigató- areia ou barro batido, o que constitui ambientefaxrorável para
rios, entretanto, somente a fêmea penetra de forma perma- o desenvolvimento dos ovos, larvas e pupas de 'II penetram.
nente na epiderme do seu hospedeiro (Figuras 51-1 e 51-2). No Brasil, em Trinidad e Tobago, nos (Íamarões e na
A fêmea Iião é estritamente seletiva a respeito da escolha do Nigéria, estudos recentes documentaram prevalêncías entre
hospedeiro os mais freqüentes são o homem e mamíferos
-
169o e 549d). A carga parasitária encontrada foi alta, e os in-
domésticos. divíduos participantes apresentaram até dezena:: de pulgas
Existem relatos recentes de que uma outra espécie encon- penetradas. No Brasil, a tungíase ocorre em todas as regiões
trada no Equador e no Peru, a 'I-'zmga rrimzzmíllzznz,parasi- do país; a parasitose tem sido documentada tanto nos índios
ta o ser humano. Entretanto, essa espécie Iiunca foi descrita lanomamis, no extremo norte, quanto em areas situadas a
no Brasil, e sua importância no nosso meio ainda é desc.o- milhares de quilómetros de distância, em comunidades ru-
nhecida. rais no Rio Grande do Sul, no extremo sul do país.
As trocas de ataque variam consideravelmente com a esta-
ção do ano. A incidência e a prevalência caem consideravel-
EPIDEMIOLOGIA mente durante a época da chuva. Por exemplo, a prevalência
em uma favela em Fortaleza ((Íearaí) variou entre 179-1: (esta-
A tungíase ocorre no continente americano, do México ao ção de chuva) e 54% (estação seca] durante o ano, com uma
norte da Argentina, em várias ilhas do Caribe, e esta disper- clara relação com a precipitação. Essa variação sazonal é pro-
sa na area sul do Saara na África. (Íasos autóctones sin-
ao vavelmente causada pela dinâmica da população de pulgas
gulares foram desc.ritos na Índia e no sul da Itália, mas nesses na comunidade, relacionada às variáveis climáticas. A alta
umidade do solo pode dificultar o desenvolvimento dos es-
tágios imaturos da pulga que *xrixre livremente no ambiente, e
chuxras fortes podem varrer do solo ovos, larvas, pupas e es-
tágios adultos da pulga.

Fêmea de Tungopenetrorvs. (Rato: Prof. H. Mehlhorn_ Macho de fungo _oenetrons (mto: Prof.
Düsseldorf, Alemanha.) H. Mehlhom, Düsseldorf, Alemarxrzza]
344 Parasitologia -
uma abordagem clínica
A prevalência mostra uma distribuição característica por lio foi o fator de risco mais importante para a infestação hu-
idade. Usualmente, a prevalência é mais alta na faixa etária de mana. Existem relatos históricos e recentes da descrição da
5 a 14 anos, declinando nos adultos, e subindo novamente tungíase em bovinos, podendo levar à perda económica im-
em indivíduosacimade 60 anos. Enquanto que, em todos os portante, entretanto sua importância para a saúde pública
estudos, as crianças foram o grupo mais vulnerável, o au- não é conhecida.
mento da prevalência nos idosos pode diferir de uma comu- Estudos identiñcando os fatores de risco para a tungíase
nidade para outra. Essas diferentes prevalências por faixa são escassos. Os dados presentes de áreas rurais do Brasil e da
etária devem refletir uma exposição diferente, de acordo com Nigéria apontam fatores similares para a infestação. No es-
o comportamento. Por exemplo, os adultos são muitas vezes tudo brasileiro,habitar em domicílio construído em duna de
grupos compostos por pessoas que trabalham e que passam areia, habitação de palha, e ter o piso não cimentado no in-
maior parte do dia fora da área endêmica Além disso, os terior dos domicílios foram fatores de risco importantes. Na
adultos podem ter um comportamento diferenciado em re- Nigéria, o tipo de casa não se mostrou como fator de risco in-
lação à infestação, quando comparados aos grupos das cri- dependente; entretanto, simílarmente ao Brasil, a ausênciade
anças e dos idosos (p. ex., pelo hábito de retirarem todas as piso adequado dentro da casa e a presença dos reservatórios
pulgas penetradas regularmente). Em contraste, criançasem animais (na Nigéria, principalmente o porco) foram aponta-
idade escolar e idosos têm mais contato e interação com o dos como fatores associados à tungíase.
ambiente endêmica, sem a adoção de medidas de proteção
adequadas, como, p. ex., usar sapatos fechados. Além disso,
esses grupos necessitam muitas vezes do auxiliode outros
membros da família ou da comunidade.
Claramente, idosos e crianças devem ser vistos como gru- As pulgas adultas vivem livremente no ambiente, sendo a pul-
pos de alto risco para tungíase grave. Esse fato é particular- ga fémea capaz de penetrar de forma permanente na epiderme
mente preocupante em relação aos idosos, tendo em vista o do seu hospedeiro, passando por diferentes estágios de desen-
maior risco da aquisição de tétano, como conseqüência de volvimento. O abdome da pulga penetrada aumenta de tama-
coberturavacinal incompleta. nho consideravelmente, podendo atingir o diâmetro de 1 cm.
Os dados sobre a distribuição entre os gêneros diferem Após hipertrofia e formação do neosoma, os ovos são elimi-
muito entre as áreas estudadas e reñetem diferentes compor- nados pela fêmea penetrada para o ambiente. Três a 14 dias
tarnentos e culturas. Por exemplo, Carvalho e colaboradores após a penetração, a pulga inicia a oviposição. O abdome
(2003) observaram, no sul do Brasil, que indivíduosdo sexo contém cerca de 200 ovos e, durante a sua vida, a fêmea pode
feminino eram mais afetados do que os do sexo masculino. eliminar milhares de ovos no ambiente. Matias (1988), após
Entretanto, outros estudos brasileiros,estudos de Trinidade auto-infestação,contou 2.?65 ovos eliminados por uma única
Tobago e da Nigéria encontraram o oposto, ou não encon- pulga, durante um período de 46 dias. Após todos os ovos se-
traram diferençasignificativa. rem expelidos, a pulga morre, resseca-se in situ e eventualmente
Em comunidades endêmicas, o reservatório animal de- seus restos são expelidos. Por Em, permanece uma pequena
sempenha papel importante na dinâmica de transmissão da cicatrizlimitada à epiderme, que desaparece com o tempo.
tungíase, podendo esta ser considerada uma zoonose. A clí- No solo, os ovos se desenvolvem em larvas, que se alimen-
nica da doença nos animais é semelhante à patologia encon- tam de detrito orgânico. O desenvolvimento do ovo à forma
trada no ser humano. Estudos do Brasil e da Nigéria sobre adulta tem duração de 2 semanas a 1 mês. Em um studo his-
fatores de risco mostraram que a presença de animais é um tórico, Hicks (1930) descreveu somente dois estágios larvais,
fator de risco importante para infestação humana. O reserva- ao contrário da grande maioria das espécies de pulgas conhe-
tório animal, no contexto brasileiro,é principalmente o cão e cidas, que apresentam três estágios. A larva Ll se desenvolve do
o gato, porém, apesar de muitas vezes esquecido, o rato tam- segundo ao quarto dia após a postura, e a larva L2 do quin-
bém desempenha papel importante, como reservatório da to ao 14° dia. Em condições laboratoriais, a pupa é observada
pulga em áreas urbanas. Em uma favela urbana em Fortaleza do oitavo ao 3D” dia, porém em condições naturais esse pe-
(Ceará), 67% dos cães, 50% dos gatos e 59% dos ratos apre- ríodo pode durar até meses. A partir do 16° até o 31” dia após
endidos se encontravam infestados por 'II penetram. a postura, pode ser observada a emergência dos adultos, em
De fato, em áreas onde suínos ainda vivem livremente condições experimentais. A pupa pode sobreviver por um
nas comunidades, estes detêm papel importante na manu- tempo prolongado no ambiente, e, após um estímulo, como,
tenção das altas taxas de ataque. Parece que no Brasil o porco p. ex., a vibração causada por uma pessoa caminhando,
desempenhou, no passado, papel importante na transmissão eclodir em segundos, para então infestar o hospedeiro. Assim,
da doença,principalmente em áreas rinais. Entretanto, com a casas abandonadas por um tempo prolongado podem con-
redução da livre circulação de porcos nos últimos anos (como tinuar infestadas, mesmo na ausênciade reservatório animal
medida para reduzir a incidência da neurocisticercose), a silvestre que possa manter o ciclo.
importância desses animais como reservatório tem sido re-
duzida em comunidades brasileiras. Contudo, o porco per-
manece um importante reservatório em comunidades
endêmicas africanas. Em um estudo sobre fatores de risco
para a tungíase na Nigéria, Ugbomoiko e colaboradores Como o diagnóstico da tungíase é meramente clínico, rara-
(2007) demonstraram que a presença de porcos no domicí- mente são indicadas biópsias. As biópsias de lesões mostram
Tungíase 345

comumente hiperplasia e paraceratose na epiderme. Pode


ocorrer hiperplasia em forma de pseudo-epiteliomatose e
vascularimção da camada de queratina, em conjunto com um O diagnóstico da tungíase é clinico e feito por inspeção visual.
infiltradoinflamatório.Esses infiltrados estão concentrados
ao redor da cutícula do ectoparasito e podem chegar a for-
Agentes de saúde e líderes comunitários, como também o
mar microabscessos.
próprio paciente,podem facilmentediagnosticar a tungíase,
considerando a localizaçãotopográñcatípica e a história natu-
Na derme, encontram-se inñltrados inflamatórioscom ou
ral da doença. Uma fêmea penetrada madura aparece como
sem a presença de vasos dilatados, compostos de linfócitos,
uma lesão branca convexa de cerca de l cm com um ponto
eosmóñlos, neutrófilos, mastócitos e histiócitos. A extravasão
de eritrócitos é observada principalmente na vizinhança da negro central, representando os últimos segmentos abdomi-
nais da pulga. Podem ser comumente observadas inñamação
probóscida da pulga, a qual atravessa a membranabasal da local, hiperceratose e descamação da pele ao redor da lesão
epiderme. madura. Em estágio mais tardio, uma chamada "casca preta”
Em geral, uma textura patológica da epiderme é observada
em 70% dos casos, e inñlirados inflamatóriossão observados
pode ser observada. O diagnóstico é óbvio quando ovos ou
ainda fezes são vistos ao redor da lesão (Figura 51-4).
virtualmente todas as biopsias. Os achados histopatológicos No diagnóstico, precisa-se considerar que a infestação
correspondem ao quadro clinico. com '11 penetram é um processo dinâmico, e que o aspecto das
Foram descritas as bactérias endossimbióticas Wolbachia lesões muda com o decorrer da doença. A história natural
em ÍIÍ penetram. A função dessa bactéria em causar patolo-
da tungíase no hospedeiro humano foi dividida em cinco es-
gia clinica (como acontece nas filarioses) não é conhecida, mas tágios por Eisele e colaboradores (2003) e denominada
é possível que a inflamação grave observada após a penetra-
-

“Fortaleza Classiñcation" (o nome é oriundo do local onde


ção da pulga possa ser desencadeada por essas bactérias. foi feito o estudo).
No estágio l, a pulga encontra-se penetrando na epiderme
(duração de 30 minutos a várias horas), e um ponto verme-
lho de cerca de l mm pode ser observado. No estágio Il, a hi-
A tungiase é autolimitada, com duração de 4 a 6 semanas.
petroña da fêmea inicia-se, e o parasito torna-se mais óbvio,
caracterizando-secomo um nódulo branco semelhante a uma
Assim, uma infestação singular usualmente não causa pato- pérola (l a 2 dias após a penetração). Um eritema circular é
logia significativa, se a lesão é retirada em condições adequa- observado ao redor da lesão. Os segmentos abdominais poste-
das. lncómodos como prurido e dor estão comumente riores com a abertura anogenital da pulga podem ser obser-
presentes. Dentro de 24 horas após a penetração, percebe-se vados como um ponto negro no centro da lesão. No estágio
uma reação inflamatórialocal, e 2 a 3 dias depois, comu-
Ill, a hipertrofia é máxima (3 dias até 3 semanas após a pe-
mente aparece a dor. Em uma parte dos pacientes, podem
lesões bolhosas.
netração) (l-¡igura 51-3). A lesão convexa é freqüentemente
ocorrer
Nas áreas endêmicas, a reinfestação constante e maciçaé
acompanhadapor hiperceratose e descamação da pele ao re-
dor. Nesse estágio, pode ser comumente observada a expul-
a regra, e os indivíduosafetados podem apresentar algumas são de ovos e de fezes pela pulga. No estágio IV, uma "casca
dezenas ou centenas de ectoparasitos, acumulados ao longo preta” cobre a lesão já involuída com o ectoparasito morto
do tempo, em diferentes mtágios de desenvolvimento. Nessas
circunstâncias,a superinfecção com bactérias patogênicas é a
regra. Mais comumente, a superinfecção é causada por S ta-
phylococcus aureus e estreptococos, porém outras bactérias
aeróbicas e anaeróbicastambém foram isoladas. As lesões
superinfectadas levam à formação de pústulas, supuração e
úlcera. A lesão causada pela penetração da pulga pode servir
como porta de entrada para Clostridium Mani, agente cau-
sador do tétano. No Haiti, houve relato recente de óbitos em
adultos extremamente infestados, provavelmente devido ao
tétano e à sepse.
A infestação grave geralmente leva à inflamação crónica,
fissuras, dificuldade de deambulação, deformação e perda de
unhas dos dedos dos pés. Em áreas endêmicas, as patologias
associadas à tungíase são alarmantes. Foi relatado que no
Brasil e em outros países, a tungíase está associada a um am-
plo espectro de patologias clínicas agudas e crônicas, como
gangrena, auto-amputação de dígitos e sepse. Os relatos de
infestação maciçae patologia grave são preocupantes, na me- FIGURA 51-3 Tungiase lesão singular em dedo. A pulga fêmea
-

dida em que a tungíase é uma doença autolimitada, que se encontra-se ao máximo hipertroñada [estágio III). Ê evidente a
forma convexa branca com o ponto negro central_ representando os
agrava com as precárias condições de vida e circunstâncias
últimos segmentos abdominais da pulga.
sociais, gerando seqüelas e desfechos potencialmente evitáveis.
1345 Parasitologia -
uma abordagem clínica

FIGURA 51-4 Tungiase no hálux. Vários ovos são visíveis ao redor


da lüãü.

(3 a 5 semanas após a penetração). No estágio V, pode ser


observada uma lesão residual semelhante a uma cicatriz (6
semanas a até várias meses após a penetração). Essa seqüên-
cia natural de estágios pode ser modiñcada pela manipula-
ção das lesões pelo paciente.
Tipicamente, a tungíase afeta a área
Outros autores sugeriram o tratamento com tiabendazol
oral (50 mg/lcgfdia por 15 a 18 dias). Da mesma forma, como
esses estudos não foram controlados, a efetividade do tiaben-
dazol oral permanece uma especulação. Além disso, o tia-
bendazol comumente não é tolerado pelos pacientes, levando
à náusea e a outros efeitos adversos gastrintestinais, conse-
qüentemente não constituindo tratamento adequado.
Alguma eficácia da aplicação tópica de loção de ivermectina
a 0,8%, metrifonato a 0,2% ou tiabendazola 5% foi reporta-
da em ensaio clínico, em comparação com aplicação tópica de
loção de placebo e com grupo controle sem tratamento. Per-
manece uma especulação se concentrações mais altas desses

compostos resultariam em melhores taxas de cura, sendo en-


tão indicados estudos mais apropriados.

A ocorrência de infestação grave esta associada às condições


precárias de construção da habitação, presença de animais,
baixa escolaridade e baixo nível socioeconômico. Para man-
ter o círculo vicioso de infestação grave precisam estar presen-
tes pessoas e animais infestados e condições ambientais
favoráveis para o desenvolvimento dos estágios imaturos da
pulga. Essas condições são comuns em muitas áreas rurais,
mas também nas favelas urbanas, onde as pessoas sofrem de
outros problemas mais existenciais, como fome, violência e
pobreza absoluta. Nessas condições, a tLmgíase é vista muito
mais como um incómodo do dia-a-dia do que como uma
doença capaz de ser prevenida.
A profilaxiae o controle da
_um Parasitologia - uma abordagem clínica
Adicionalmente,o repelente poderia ser aplicado em ani-
te.
mais, como os cães.
Claramente, a tungíase precisa ser vista como um proble-
ma social e de saúde pública. lntervençõm que focalizem a
melhoria das moradias seriam de maior beneñcio para todos
-

para a população (que além do benefíciodireto de mora-


dia mais digna também se beneñcíariapela redução de outras
doenças parasitárias, como enteroparasitoses) e para o setor
público (pelo simples fato de que essas medidas são, a longo
prazo, mais eficientes do que ações e campanhas focadas em
um efeito imediato de curta duração, como as comumente
realizadas anta das eleições). Conceitos como estigmatização,
vergonha e negligência devem fazer parte da educação em
saúde tanto para as populações afetadas como para os pro-
fissionais de saúde.

Muitos aspectos da doença e do ectoparasito ainda não são


conhecidos, mas como nos últimos anos a percepção sobre a
doença tem aumentado,podemos assumir que nos próximos
anos o conhecimento científico sobre a tungíase aumente con-
sideravehnente. A epidemiologia e a patologia da doença em
comunidades pobres, e os fatores que contribuem para car-
ga
HÉUKELBACH, I.; EISELE, M.; JACKSON, A.; FELDNIEIER, H. Transactionsof th:: Royal Society afTPopical Medicine and Hygíenc,
Topical treatment of tungiasis: a randomized, controlled trial. v. 100 pp. 371-380, 2006.
Annals of Repita! Medicine and Parasitolagy,v. 97, n. 7, pp. 743-
749, 2003.
uuumacu.mwmmn.u.ofm-
giasis: a double-blindedrandomizedcontrolledtrial withoral iver-
d
mectin. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 99, n. 8, pp. httpüfdenmtlasmedjhlniedufderlnf
873-876, 2004C. Atlas de dennatologia com fotos.
MUEHIJÍN, M.; FELDNÍEIER,H.; VIHICKE, T.; YVINTER,B.; HEU- httpzffmvwnrphanetf
ICELBACH, I_ Identifymg risk factors for
(página deixada intencionalmente em branco)
@seuôiose e pedícufose

Felipe Francisco ?bon


Natal Santos da Silva
352 Parasitologia - uma abordagem clínica
está acondicionadaa instituições médicas e casas de repouso,
onde ocorre em forma de surtos. Freqüentemente, epidemias
As infestações por arüópodes são parasitoses que, como ou- estão associadas a pessoas institucionalizadas em abrigos,
tras doenças negligenciadas,persistiram ao longo dos séculos quartéis, prisões, creches ou hospitais. Entretanto, condições de
desde as suas descrições antes do nascimento de Cristo. A pobreza, baixa higiene pessoal, má nutrição e promiscuida-
de sexual têm sido relacionadas como fatores contribuintes
pobreza relaciona-se com superpopulações, formando aglo-
merados como bem demonstrado nas favelas do Brasil e para aquisição dessa infestação. Essa doença não tem fortes
fatores de risco propriamente ditos para condicionarum ris-
como em outras formas de amontoados populacionais nou-
co real, mas há urna predileção por adultos jovens e crianças,
tros países. Esta hiperconcentração de pessoas por espaço fi-
sico torna fácil a transmissão de várias doenças,seja por via quando comparados corn adultos e idosos.
aérea ou por contato pele-a-pele. Além disso, o comparti- Pacientes imunossuprimidos podem apresentar formas
lhamento de cama e roupas, além da falta de higiene e ma- mais grava da escabiose, como acontece em pacientes trans-
nutenção de lixo próximo da moradia ou até mesmo dentro plantados e com infecção por HIV (sarna norueguesa).
destes locais favorecem o desenvolvimento de diversos artró-
podes relacionadoscom doenças em humanos. Não só fato- Transmissão
res socioeconômicos estão relacionados, mas existem diversas
teorias que justificam a superpopulação desses parasitos de É. transmitida por meio do contato direto, até mesmo se-
seres humanos, como a sarna, pulgas e piolhos. xual, ou ainda por meio de fômites ou contato com animais.
Após fecundação, o ácaro (fêmea) penetra na epiderme ín-
tegra do hospedeiro e forma túneis, iniciando a postura dos
ovos. Dois ou três ovos são liberados por dia, durante 2 ou
3 meses. 'Prés dias após, os ovos eclodem, originando ninfas.
A completa maturação desde a larva pode variar de 14 a 17
Etiologia e Morfologia dias. Curiosamente, estes parasitas não sobrevivem mais de
A sarna ou escabiose é uma doença cosmopolita, considera- 3 dias fora da derme, demonstrando que poderia ser uma
da infestação, causada por Sarcoptes scabiei. Este artrópode é doença controlável.
um ácaro ectoparasito obrigatório que mede aproximada-
mente 0,5 mm de comprimento por 0,3 mm de largura (fê- Patogenia
mea) e o macho não ultrapassa 0,25 mm (Figura 52-1).
O ácaro acondicionadona epiderme apresenta um infiltrado
inflamatórioao seu redor, constituído de eosinóñlos, linfóci-
Epidemiologia tos e macrófagos. N estes locais, ocorre o desenvolvimento de
imunidades celular e humoral, onde ocorre depósito de lgE
A distribuição deste ectoparasito é de forma endêmica em no local, principalmente ao redor de vasos, sugerindo um
áreas tropicais e em algumas áreas subtropicais de paises discreto padrão vasculítico
em desenvolvimento. Em países desenvolvidos, a escabiose

FIGURA 52-1 Sorcoptes scabiei. Cortesia de Peters e Pass/ol: Atlas


of Tropical Medicine and Parasitology_ S' ed., 20GB, Elsevier Ltd.
Escabiose e pediculose 353

são caracterizadaspor pápulas, escoriações, ocasionalmente duas formas: tópica ou sistêmica. O tratamento tópico pode
vesículas e pústulas. Os "túneis” descritos durante a pro- ser realizado com permetrina a 5% na forma de creme, sen-

gressão do ácaro pela epiderme para realizar a oviposição são do o tratamento de escolha devido à sua baixa toxicidade e à
representados por pequenas manchas irregulares com apro- alta eficácia como escabicida. Esta droga tópica apresenta boa
ximadamente 3 mm. Nessa doença há certa predileção por segurança tanto para grávidas quanto para crianças e é rea-
áreas interdigitais, regiões genitais masculina e feminina, co- lizada uma única aplicação à noite após higiene pessoal coli-
tovelos, joelhos, região anterior das axilas e tronco. diana.
Infecções bacterianassecundárias, principalmente por Sta- O benzoatode benzilaa 1096-2596 é uma substâncialarga-
phylococcus aureus, podem estar prsentes em associação com mente utilizadano Brasil. O produto é aplicado diluído sobre
a escabiose. a pele do paciente em três noites consecutivas e repetido l se-
A sarna norueguesa (crostosa) é uma variante da esca- mana após. O enxofre em petrolatum é outro produto opcio-
biose que ocorre &eqüentemente em pacientes institucio- nal nestes casos, sendo aplicado por três noites consecutivas
nalizados, principalmente naqueles com doenças mentais, e apresentando-se como outra opção para crianças e mulhe-

transplantados ou com ALDS. Caracteriza-se por ser uma res grávidas.


dermatite psoriasiforme das mãos e dos pés, com pouco pru- O tratamento sistêmico com ivermectina vem conquistan-
rido. O número de ácaros presentes na lesão é extremamente do espaço cada vez maior no meio médico devido a sua fácil
elevado. Há evidênciade que para cada grama de pele lesada posologia e boa resposta terapêutica, mesmo em pacientes
nessa doença há cerca de 4.700 ácaros. No pacienteportador com AIDS. Utilizadaem humanos em forma de comprimi-

de AIDS, principalmentenaqueles com grande comprometi- dos, a ivermectina deve ser administrada como dose única de
mento da imunidade celular, pode ocorrer a apresentação 200 ug/kg. Contudo, apresenta restrições quanto ao uso em
mais amberante da escabiose e com resposta menos eficaz ao mulheres grávidas, nutrizes, indivíduos com afecções do sis-
tema nervoso central e em crianças com menos de 5 anos de
tratamento específico. idade ou com peso inferior a 15
A nodular apresenta-se como nódulos violáoeos
sarna
pruriginosos, que freqüentemente estão presentes em regiões
cobertas do corpo, em especial na genitália masculina, na re-
gião inguinal e nas axilas. Os nódulos podem persistir por
várias semanas após o tratamento e devem ser diferenciados
de linfoma de Hodgkin e da histiocitose.

Diagnóstico
Na prática médica, o diagnóstico da escabiose é essencialmente
clinico e epidemiológico. Porém, ferramentas laboratoriais
podem ser necessárias para aqueles casos em que há dúvida
clínica ou inadequada resposta terapêutica. Para elucidar o
caso, a demonstração microscópica óptica direta dos ácaros,
de seus ovos e fezes pode confirmar o diagnóstico. Para me-
lhorar a sensibilidadedo método, recomenda-se escolher re-
giões não escoriadas para coletar o material. Nestes casos, o
diagnóstico é confirmado em no máximo 50% dos casos,
mostrando-se um exame coníirmatório,mas de baixa sensi-
bilidade.
Vários métodos de amplificação de ácidos nucléicos (rea-
ção da cadeia da polimerase, PCR) têm sido testados para
ajuda no diagnóstico rápido da escabiose, em conjunto com
outros exames imunológicos através de antígenos recombi-
nantes devido ao seqüenciamento deste ectoparasito.

Tratamento e Profilaxia
É imperativo o imediato e simultâneo tratamento do paci-
portador de escabiose e de todos os seus contactantes,
ente
mesmo que assintomáücos, com drogas específicas, bem
como adotar medidas de controle do ácaro, que incluem a
completa desinfestação das roupas e lençóis de cama., os quais
devem ser lavados e escaldados a 55°C. O tratamento medi-
camentoso do paciente com escabiose pode ser realizado de
354 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Estes ectoparasitos apresentam comprimento entre l e 3 A ftiriase em crianças deve aventar a possibilidadede abuso
mm e são achatados dorsoventralmente, e tendo cor branco- sexual. Já a transmissão da pediculose do corpo se dá por
acizentada.Têm uma vida média de 30 dias e as fêmeas põem meio do contato com roupas contaminadas ou outros teci-
aproximadamente oito ovos ao dia. Tanto machos como fê- dos em contato com o corpo, como toalhas, roupas de cama
meas se alimentam de sangue, não Sobrevivendo mais de 60 e forração de sofás, por exemplo.
horas fora do hospedeiro. Estes parasitas não pulam e não A pediculose do couro cabeludo se dá por contato direto
usam animais como vetores. entre cabeças ou contato com cabelos infestados, permitindo
que ocorra a transmissão do parasito.
Epidemiologia
A pediculose do couro cabeludo é causada por Pedículus hu.- Sinais eo Sintomas
manus var. capitis e atinge pessoas de todas as classes sociais.
A principal queixa dos pacientes portadores da pediculose do
Pode ocorrer de forma endêmica entre crianças em idade es-
couro cabeludo é o prurido nesta região. Máculas e pápulas
colar e entre pessoas presentes em instituições fechadas, como
eritematosas, assim como escoriações podem estar presentes,
prisões, hospitais e creches. Freqüentemente é mais prevalente associadas ou não a infecções bacterianassecundárias.
entre mulheres e crianças de baixa condição socioeconômica.
Na pediculose do corpo, os parasitos normalmente não
A prevalência da pediculose é desconhecida, mas sabe-se que
são vistos sobre o corpo do hospedeiro, mas sim em suas
acomete milhões de pessoas em todo o mundo.
vestes. A exceção pode ocorrer nos casos em que há grande
A pediculose do corpo (Pediculus humanas var. corponls)
acomete geralmente pessoas com precárias condições de hi- infestação. O paciente pode apresentar prurido, máculas e
giene, como mendigos, os quais comumente não possuem pápulas eritematosas, com escoriações nos locais de hemato-
regularidade na limpeza corporal e de suas roupas. O para- fagia por R. humanus.
sito pode ficar albergado nas roupas, saindo para alimentar- Os sinais e sintomas mais freqüentes em pessoas infesta-
se no corpo do hospedeiro, principalmente em regiões com
das com R pubis são prurido, escoriações, lnáculas e pápulas
grande quantidade de pêlos. eritematosas nas regiões de pêlos pubianos, podendo se as-
Phthiruspubis está geralmente associado à transmissão se- sociar oom infecções bacterianassecimdáiias.
xual entre parceiros, embora possa ser diagnosticado em pes-
soas de todas as idades e sexo. R pubís reside primariamente
nos pêlos pubianos, contudo, também pode ser encontrado
Diagnóstico
em pêlos dos olhos, sobrancelhas ou axilas, bem como nos O diagnóstico da pediculose é realizado por meio da observa-
pêlos do tórax do homem (Figura 52-3). ção direta dos piolhos ou de seus ovos, associada às queixas
clinicas do paciente. A lâmpada de Wood pode ajudar no re-
Transmissão conhecimento do parasita, mas é pouco disponível na prática
do clinico não-dermatologista. Na pediculose do couro cabe-
A ftiríase é geralmente transmitidasexualmente e está relacio- ludo, a identificação das “lêndeasf” (ovos que ñcam aderidos
nada com outras doenças sexualmente transmissíveis, porém ao fio de cabelo após a eclosão) não necessariamente signifi-
não é prevenida pelo uso de preservativos. A transmissão ca infestação em atividade. isto fica mais evidente quanto mais
não-sexual também pode ocorrer em pessoas desabrigadas. distante estas estiverem da raiz do cabelo, uma vez que o fio
cresce em média l cm ao mes. O diagnóstico é efetivo após a

passagem de um pente ñno ao menos duas vezes no couro


cabeludo e inspeção do material coletado pela procura de
ovos, seja por visualização direta ou em microscópio. Não se
dispõe de recursos sorológicos ou moleculares para o diag-
nóstico de rotina.
Na pediculose do corpo, o quadro clínico associado a con-
dições de risco é bastante importante, junto com a pesquisa
do ectoparasito na roupa. Em muitos casos é realizada a
prova terapêutica quando o quadro é sugestivo sem identifi-
cação do agente.

Tratamento e Profilaxia
O tratamento medicamentoso pode ser favorecido pela remo-
ção mecânica com um pente fino dos parasitas adultos ou
FIGURA 52-3 Foto do Phthirus pubis Cortesia de Peters e jovens e de seus ovos durante a investigação diagnóstica.
Pasvol: Atlas of Tropical Medicine and Parasitologv, B* ed., 2006, Contudo, alguns fatores podem influenciara eficácia do tra-
ElsevierLtd_ tamento quimioterápico, como a quantidade e freqüência da
aplicação, bem como a ocorrência de reinfestações. Todos os
contactantes infestados devem ser tratados.
O tratamento tópico podeser realizado com pemetrina,
lindano, malathionou benzoato de benzzila.O creme de per-
metrina a 1% é um potente pediculocida que possui ativida-
de residual de 2 semanas, contribuindo para matar formas
jovens reemergentes. É aplicado diretamente sobre a área afe-
tada, deixando-se agir por 10 minutos e removendo-se pos-
teriormente com água. Normalmente não há necessidade de
11ova aplicação, contudo, melhores resultados podem ser ob-
tidos com uma segimda aplicação l semana após. O xampu
de lindano a 1% tem uso restrito devido à sua alta toxicidade,
além de ter pobre ação pediculocida e taxas de resistência cada
vez mais crescentes. A loção de malathiona 0,5% confere pro-
teção residual, entretanto, o odor e o longo tempo de uso re-
presentam uma dificuldade na aceitação pelo paciente. O
benzoato de benzilaa 25% é outra terapêutica para o trata-
mento tópico de todas as formas de pediculose. O benzoato,
corriqueiramente utilizado na prática clínica em pacientes
hospitalizados, deve ser aplicado por três noites e repetido
após 7 a 10 dias.
O tratamento sistêmico pode ser realizado com ivermec-
tina, a qual tem sido o fármacorecomendado atualmente. A
dosagem de 200 pg/kg é mais estudada, devendo ser repetida
10 dias após a primeira dose. Possui o inconvenientede não
ser indicada para pacientes com doençasneurológicas, mu-
lheres grávidas e para crianças com menos de 5 anos de idade
ou com menos de 15
(página deixada intencionalmente em branco)
?armsítoses ocullzres

Bruno de Albuquerque Furlan¡


Maurício Maia
_ass Parasitologia -
uma abordagem clínica
lidade de encistamento, que ocorre durante período de pri-
vação alimentar. Essa forma cística é dormente e resistente em
As doenças parasitárias que acometem as diversas porções condições secas, temperaturas extremas e dano por agentes
do globo ocular compreendem uma gama de conhecimentos químicos. A forma cística de Acanthamoeba, é ligeiramente
que, em geral, alberga-se distante dos medicos e estudante¡ de
(cerca de 10 um) menor que o trofozoíto e tem uma parede
medicina. As doençasparasitárias desse órgão tão complexo dupla com o formato poligonal. Pode permanecer viável por
muitos anos. Não se sabe como o cisto reconhece a chegada
costumam ser de conhecimento do oftalmologista e, para o
de nova fonte de alimentos. Pode ser carreador de bactérias
clínico, acabam não sendo diferenciaveis.
Embora a maioria delas tenha sido descrita nos capítulos intracelulares, sobretudo as da espécie Legionella. Aparente-
mente essa condição não muda a patogenicidade de Aamtha-
correspondentes ao agente etiológico, reunimos aqui os prin- moeba.
cipais parasitas que geram doença ocular. O objetivo seria Quanto à taxonomia., Pussard e Pons propuseram uma clas-
facilitara leitura daquele que procura alguma etiologia pa-
rasitária para um distúrbio da visão, ou mesmo alguma alte- sificação com base, principalmente, na morfologia dos cistos,
e identificaram 18 espécies divididas em três grupos. Os prin-
ração do olho.
cipais patógenos humanos são do grupo ll e A. culbertsorzi do
grupo llL

Histórico Epidemiologia
As estimativas de incidência da ceratite por Acanthamoeba
Até a década de 1940, a única ameba sabidamente patogénica são poucas, sobretudo pela diñculdade no diagnóstico e pela
para o homem era Entamoeba. hístolybm, causadorade disen- ausênciade um controle de registro de casos no Brasil. O
teria. Posteriormente, algumasespécies de Arantízamoeba fo-
(Êenter jin' Disease Control and Prevention, órgão responsável
ram relacionadas corn quadros raros de meningoencefalite.
nos listados Unidos pelos dados epidemiológicos, estima que
O acometimentoocular não-corneano é igualmente raro. Há
um caso relatado de um menino de 7 anos de idade com qua-
naquele pais a incidênciadessa infecção seja de um a dois ca-
sos por milhão de usuários de lente de contato. A infecção
dro inicial de uveíte sem ceratite por Acanthanroeba, que evo-
foi se tornando cada vez mais rara em não-usuários de len-
luiu com meningoencefalitee foi a óbito. Há também relatos
tes de contato (atualmente 10% a 15% dos casos de ceratite
de endoftalmite por Amnthamoeba em pacientes imunocom-
prometidos. por Acanthamoebn),e o maior número de usuarios de lentes
de contato fez com que ficassem evidentes quais eram os mé-
A ceratite por Amnthamoeba é uma doença descrita há re-
todos de assepsia de lentes meñcazes contra os cistos. Outros
lativamente pouco tempo, corn seus primeiros casos sendo
fatores de risco importantes descobertos foram o uso de so-
reportados em 1973. Embora se reconheça que casos ante-
riores tenham sido ignorados pela falta de suspeição clínica e lução salina, desinfecção pouco freqüente das lentes e relato
dificuldades no diagnóstico, não há evidênciasde infecção an- de banho de piscina ou lago por usuários de lentes. Uma for-
teriores a essa data. Embora alguns casos iniciais tenham sido ma bastante rara de transmissão é por transplante de cónlea,

associados a trauma, a maioria dos casos atuais tem associa- com o botão doador infectado.

ção ao uso de lentes de contato. Portanto, o crescimento da


incidência de ceratites por Acanthamoebatem sido relaciona-
do com o aumento na prevalência do uso de lentes de con-
Transmissão
tato. Estudos epidemiológicos identiñcaram claramente o
hábito de preservar as lentes de contato em solução salina O contato diário com o microorganismo é freqüente. Fontes
comuns são água encanada, água de piscinas e lagos, e até
como sendo um dos maiores fatores de risco.
mesmo o ar. Amnthamoeba pode ser isolada da nasofaringe
de até 6,18% de indivíduosassintomáticos.
Etiologia e Morfologia Acanthamoeba é abundante no ambiente em todo o mun-
do. Sobrevive em diversas condições e já foi isolada do solo, da
A forma ativa, conhecida como trofozofto, tem 25 a 40 um de água corrente, da água parada, da água do mar e até do ar.
comprimento. O núcleo é único e apresenta um nucléolo pro- Amnthamoeba não é naturalmente um parasita, não necessita
eminente, além de vacúolo citoplasmático central contráñl, de um hospedeiro para sobreviver, em contraste com muitos
cuja função é expelir água_ Durante o movimento, um pseu- outros protozoários que causam doença em humanos. O
dópodo hialino pode ser visto esticando-se lentamente da contato com humanos é acidental e a doença parece ser rara
ameba. Muitos e ñnos processos, denominados acantapódios, e oportunista.
projetam-se de seu corpo e sua função não é claramente com- O quadro de ceratite por Acanthamoeba está associado ao
preendida. O trofozoíto fagocita qualquer pequena partícula uso de lentes de contato de qualquer tipo, e não parece ter

que encontre em seu caminho, incluindo particulas não-or- relação com o estado imunológico do paciente. Os primeiros
gãnicas. Reproduz-se por mitose, durante a qual o nucléolo casos relatados surgiram a partir de 1973, a maioria relacio-
e a membrana nuclear desaparecem. Esse agente tem a habi- nada com trauma, mas somente no final dos anos 1980 houve
Parasítoses oculares 359

um aumento significativo no número de casos e foi compro- ras, mas às vezes são necessárias até duas semanas. Se não
vada a associação ao uso de lentes de contato. houver laboratório disponível para essa análise, será possível
colocar as amostras colhidas em solução salina balanceada
(BSS) e enviar pelo correio até um laboratório de confiança
Sinais e Sintomas Não se perde a probabilidadede cultura do organismo se a
amostra não for submetida a altas temperaturas. A literatu-
A maioria dos pacientes se queixa de fotofobia, dor e lacrime- ra mostra taxas de 0% até 67% de sucesso no isolamento de
jamento, quase sempre em apenas um olho. A dor pode ser Actmtharrmeba. Deve-se levar em conta que outras espécies de
muito acentuada, aparentemente desproporcional aos acha- amebas (não-patogênicas]podem crescer nessas condições, e
dos, embora a ausênciade dor Irão exclua o diagnóstico. Pode que a cultura positiva de um estojo de lentes de um paciente
haver o relato de um fator desencadeante, como um trauma com ceratite não indica, necessariamente, a etiologia da infec-
ou episódio de nado com lentes. Pode haver um atraso de até ção, pois pode-se tratar apenas de má higiene do estojo.
duas semanas até o aparecimento dos sintomas. Os corantes mais utilizados são o Branco Calcoflúor (tam-
Os primeiros sinais podem ser inespecíñcos, tais como bém cora fungos), o azul-de-lactofenol,e a lecitina conjugada
microerosões, irregularidades, pequenas opacidades e edema com Huoresceína (ConcanavalinA). Também podem ser co-
microcístico no epitélio comeano. Pode não haver áreas co- radas em amostras corneanas pelo Gram ou Giemsa, além
rando pela fluoresceína no início. Com mais freqüência, há de poderem ser usados a hematoxilinae eosina, PAS e outros
uma ceratite dendritziforme, confundida com infecção herpé-
para cortes histológicos. Porém, pode ser diñci] diferenciar
tica e tratada como tal sem sucesso. A limbite (hiperemia e amebas de células inflamatórias.lmunofluorescénciaindire-
edema do limbo corneano) é um achado freqüente e impor- ta e técnicas de imunoperoxidasepodem ser usadas para de-
tante.
monstrar Acanthamoeba nas amostras epiteliais. PCR pode
Um padrão de inñltrados perineurais ocorrendo em distri-
ser útil no futuro.
buição radial (ceratoneuriteradial) é bastante sugestivo. A cli-
minuição da sensibilidadecorneana também foi relatada_
Posteriormente, um inñltrado em anel e com defeito epitelial Tratamento
sobrejacente costuma ser visto. Casos mais avançados cos-
tumam apresentar um defeito central do epitélio corneano e O tratamento deve ser sempre que possível clínico. Como te-
acentuada opacidade estroma] corneana. Não é comum a
neovascularizaçâosigniñcativa da córnea, a não ser nos casos rapia inicial recomenda-se a combinaçãode isotionato de pro-
de infecção bacterianaassociada. O acometimentoda esclera pamidina a 0,1% com PHMB a 0,02% a cada 30 minutos nas
pelo processo inflamatóriopode ocorrer nos quadros mais primeiras 12 horas e depois a cada hora por pelo menos tres
dias, reduzindo-se a
graves. É comum o aparecimento de glaucoma, sobretudo em
casos mais avançados, e o controle da pressão intra-ocular
pode serbastante difícil. Repercussões clínicas no segmento
posterior são raras, mas já foram descritos edema do nervo
óptico, neuropatiaóptica com atrofia do nervo óptico, des-
colamento de retina, inflamação da coróide e formação de
estrela macular.
Em contraste com a ceratite bacteriana, chama atenção a
progressão lenta da ceratite por Acanthamoeba. O envolvi-
mento franco do estroma pode não ser óbvio antes de seis
semanas ou mais do curso da doença. Isso pode ser decor-
rente da lentidão da divisão de Acantimmoeba em compara-
ção com outros patógenos.

Diagnóstico
A microscopiaespecular pode demonstrar a presença de Amn-
thamocba in vivo, com o organismo aparecendo como uma
opacidade granular. Mais recentemente, a microscopia con-
focal tem servido a esse propósito com mais facilidade.Esse
método pode, ainda, monitorar a progressão do tratamento.
Amostras de tecido comeano (epitélio e estroma infiltra-
do) podem ser removidas sob anestesia tópica. O método
mais utilizado é a cultura em placa de ágar não-nutriente se-
meada com Escherichia rali. Se Acantiramoeba estiver presen-
te, ela migrará através da placa usando as bactérias como
fonte de alimento. Em geral, o resultado é obtido em 24 ho-
360 Parasitologia -
uma abordagem clínica
eficiente e em alguns estudos foi comprovado que ela tem
maior poder císlicida do que o isotionato de propamidina. A
clorexidina a 0,02% tem sido utilizada como substituta da
PHMB, ou mesmo isolada, com bons resultados, porém não
há nenhum estudo controlado comparando as duas drogas
e como a PHlvlB é mais investigada, deve-se utilizara clorexi-
dina apenas em casos em que não haja resposta ao tratamen-
to
Parasítoses oculares

cisticercose no nervo óptico foi publicado em 1962., sendo se-


guido de outros seis casos de acometimentodo nervo óptico
_Sinais e Sintomas
na literatura mundial. O alojamento de C. cellulosae na glân- O envolvimento do olho e dos seus anexos representa de 13%
dula lacrimale nos músculos exua-ocnllares foi reportado pela a 46% de todas as localizações sistêmicas. Embora as locali-
primeira vez após conñmiaçãohistopatológica em 1979. zaçóes no víueo, espaço sub-reüniano e subconjuntival

Etiologia e Morfologia
A cisticercose humana é causada pelo cisticerco do porco, C.
cellulosae forma larvária de 'lizeniasalíum (descrita no ca-
-

pítulo sobre 'leníase). O cisticerco tem estrutura vesicular,


transparente, de tamanho variável, com líquido em seu inte-
rior, composto por uma membrana vesicular e seu escólex.
Tem quatro ventosas, coroa de acúleos,colo e estróbilo ( cor-
po rudimentar). Pode atingir 15 mm de comprimento por 8
mm de largura.

Epidemiologia
Há cisticercose no mundo inteiro, mas ela ocorre com maior
prevalência em certas localidades rurais do globo, sobretudo
onde a carne de porco, malcozida, é mais consumida, como
México, África,Índia, China, Indonésia, Europa Oriental e
Américas do Sul e Central. É. extremamente rara na Austrá-
lia. Nos Estados Unidos ainfecção quase desapareceu, mas
tem apresentado aumento na prevalência, sendo mais comum
em imigrantes latino-americanos. A prevalência ainda sofre
influênciados hábitos e condições de higiene de cada locali-
dade. Em 1992, a Organização Mundial de Saúde esümava
haver cerca de 50 milhões de pessoas com manifestações neu-
rológicas da cisticercose em todo o mundo, com cerca de 50
mil óbitos por ano em conseqüência da infecção.

Transmissão
Em seu ciclo, o porco é hospedeiro intermediário. lngere ovos
com oncosferas que penetram na mucosa intestinal, alcançam
a circulação sangüínea e são levadas para as musculaturas
esquelética e cardíaca. Em 60 dias os cistos são infectantes para
os humanos. O homem é hospedeiro deñnitivo quando in-

gere carne malcozida contendo o cisticerco infectante, desen-


volvendo a teníase [aloja em seu intestino a forma adulta do
verme).
Na cisticercose o homem acidentalmente ocupa o lugar
de hospedeiro intermediário ao ingerir ovos de 'L' solium
provenientes de água e alimentos contaminados. Da mesma
forma que ocorre com o porco, as oncosferas penetram na
mucosa intestinal e ganham a circulação sangüínea, espa-
lhando-se para a musculatura esquelética, sistema nervoso
central e, eventualmente, os olhos.
É. transmitida por três maneiras: l) heteroinfecção: inges-
tão de água e alimentos contaminados por outro portador;
2) auto-infecção externa: o homem elimina proglotes e os
ovos são levados à boca pelas mãos contaminadas ou pela
coprofagia; e 3) auto-infecçãointerna; durante os vômitos, as
proglotes vão até o estômago, liberando as oncosferas.
362 Parasitologia -
uma abordagem clínica
a hipótese de que isso leve a um acometimentomais freqüen-
te da órbita esquerda. Diferentes relatos sobre cisticercose
ocular e de anexos encontrados encontraram acometimento
à esquerda em 63% a 80% dos casos.
Quando ocorre na topograña intra-ocular, a cisticercose
resulta em queixas de irritação ocular, hiperemia, desconfor-
to e baixa de visão do olho acometido. Na cisticercose da câ-
mara anterior, a reação uveal anterior varia de intensidade
conforme a fase de desenvolvimento do cisticerco e sua anti-
genicidade. A gravidade da iridociclitevaria de grave a pequena
com finos precipitados ceráticos, poucas células inflamatórias
na câmara anterior, pequenos nódulos irianos de Koeppe e
Busacca. Nesses casos, o corpo vítreo e o segmento posterior
do olho têm aspecto normal. Na biomicroscopiada câmara
anterior observa-se uma vesícula translúcida, iridescente, com
movimentos amebóides e que intermitentemente projeta uma
estrutura cilíndricae móvel que é o escólex.
Na cisticercose intravíüeo, as larvas vivas e pequenas cau-
sam pouca reação, caracterizadapor células em quantidade
moderada e opacidades. Pode-se observar a movimentação
do parasito. Quando há morte do parasita no corpo vítreo,
há intensa ração inflamatória.Na biomicroscopiade fundo
também se observa a vesícula translúcida, iridescente, com
movimentos amebóides que projeta o escólex intermitente-
mente. Nos casos de turvação vítrea intensa, a ecografia ocular
pode sugerir a presença do cisto e auxiliarno diagnóstico.
Nos casos de cisticercose sub-retiniana, o exame fundos-
cópico revela o cisticerco vivo, que se apresenta como uma
vesícula translúcida de margens irisadas e movimento ame-
bóide. No seio da vesícula há uma mancha leitosa que é o
escólex da larva.

Diagnóstico
O diagnóstico clinico da cisticercose intra-ocular resulta da
identificação do cisticerco ao eitame biomicroscópico.Deve-
se suspeitar da etiologia quando o paciente se apresentar com
vitreíte e tiver história compatível, após descartar outras hi-
póteses mais prováveis. Exames de imagem, como a ecografia
ocular, podem auxiliarno diagnóstico, sobretudo nos casos
de opacidades de meios. A tomografia computadorizada de
órbitas pode auxiliarna identificação de cisticercos no seg-
mento posterior da órbita. O ELISA é um teste que oferece
alta sensibilidadee especiñcidade quando há doença ativa,
observando-se resultados com 86% de acerto. Outros emma
utilizadossão a imunofluorescênciaindireta, a hemaglutina-
ção e a
Um estudo posterior relatou que um nematódeo sub-re-
tiniano móvel foi observado em dois pacientes com a fase ini-
cial da doença. De início,
364 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Diagnóstico
O
Parasítoses oculares 365

em virtude do extenso dano já estabelecido à retina (Figura serosas dos vertebrados. As fêmeas de Ondrocerca volvulus,
53-2). Nos casos precoces, a destruição da larva pode impe- causador da oncocercose humana, medem entre 40 e 45 cm.
dir o avanço da doença,preservando boa função visual. Os casais de vermes vivem em nódulos ñbrosos ou cistos
subcutâneosencontrados em várias partes do corpo (tronco,
braços, cabeça e pernas). As rnicroñlárias não têm cápsula,
ou bainha e costumam estar localizadas no tecido subcutâ-
neo próximo aos helrnintos paternos ou nos tecidos do glo-
Histórico bo ocular.

A oncocercose, também denominada cegueira dos rios, é uma


doença causada pelo acúmulo de microñlárias nos tecidos,
sobretudo na pele dos hospedeiros. A oncocercose é uma do-
ença transmitida por um Verme parasita que causa cegueira. Dos 17 milhões de casos de oncocercose registrados no mun-
Foi descoberta inicialmente na África, em 18315, mas seu modo do, 99% ocorrem na África, de acordo com dados da Orga-
de transmissão só foi desvendado mais de 50 anos depois, em nização Mundial de Saúde. O pior agravo causado pela
1926. Comprovou-se, então, que o vetor era um diminuto e oncocercose é a cegueira, que surge da reação inflamatória
agressivo diptero, conhecido vulgarmente no Brasil como provocada pela morte das larvas de O. volvufus nos olhos. A
pium ou borrachudo. Endêmica no continente africano, a cegueira não é comum no Brasil, provavelmente devido à
oncocercose teve seu primeiro caso registrado no N ovo Mun- carga parasitária dos pacientes brasileiros ser muito mais
do em 1915, na Guatemala. Em 1923, foi detectada no Méxi- baixa do que entre os pacientes africanos. Estima-se que na
co; em 1949, na Venezuela; em 1965, na Colômbia;e, por tim,
Áfricaexistam 270 mil pessoas com cegueira irreversível e 500
em 1967, no Brasil, na &onteira com a Venezuela. Hipóteses
mil com graves perdas de visão causadas pela oncocercose.
têm sido propostas para explicar o estabelecimentoda doença Diversas áreas agrícolas foram abandonadas em regiões ri-
nas Américas e sua forma de dispersão, todas, porém, sem
beirinhasde paises subsaarianos, onde a doença é endêmica,
devido ao temor da população. A concentração em arms pró-
comprovação.
ximas a rios, que são o habitat preferencial dos vetores da
doença, rendeu à oncocercose o nome popular de cegueira dos
Etiologia e Morfologia rios. Os estudos sistemáticos da oncocercose no Brasil tive-
ram início em 1974 e veriñcaram a condição endêmica da Re-

Onchorerm volmlus é uma espécie de nematódeo parasita cuja gião Amazônica.A doença acomeliaíndios ianomãmis, além
forma adulta apresenta secção circular e reprodução sexuada, de missionários estr'angeiros que passavam pela região. O foco
brasileiroapresenta como caracteristica a alta endemicidade
podendo viver até 14 anos dentro do hospedeiro humano. É
o causadorda oncocercose, também chamada “cegueira dos (até 91,31% dos individuos com mais de 15 anos com micro-
rios” ou “mal do garimpeiro", raramente fatal, mas a segunda filáriasna pele), porém baixa densidade de infecção (menos
maior causa infecciosa de cegueira. A superfamília Filarioidea de 15 microñlárías por miligrama de pele). Em 1986 foi des-
coberto o primeiro caso da doença fora do território ianomâ-
compreende hehnintos cuja boca é desprovida de lábios, nua, mi: uma jovem da cidade de Minaçu (GO) que nunca havia
ou com lábios pequenos, atroñados, e a fêmea com vulva se
abrindo perto da região esofagiana. O macho é menor que a estado na área endêmica.
fêmea_ São parasitas que vivem nos sistemas sangüíneo e lin-
fática, nos tecidos conjuntivo e muscular, e nas cavidades Transmissão
É transmitida por mosquitos do gênero Simulimn, conhecidos
no Brasil por pium, na Região Norte, ou por borrachudo nas
outras regiões. A fêmea de Simulium, ao exercer o hemato-
fagismo em pessoas parasitadas, ingere algumas microñlárias
(L1) que se dirigem ao estômago do mosquito e seis horas
depois perdem a bainha. Atravessam a parede estomacaldo
inseto e migram para o tórax. Cerca de seis a dez dias após
o repasto infectante ocorre a primeira muda (para L2), que

começa a crescer e, após 10 a 15 dias, sofre a segunda muda (L3


lilarióide infectante). A fonna infectante procI.1ra o aparelho
picador do inseto (probóscida), acumulando-senos lábios do
mosquito. O ciclo no hospedeiro intermediário (mosquito) é
de cerca de 20 dias. Quando o inseto a; novo repasto san-
güíneo, as larvas deixam os lábios e penetram ativamente a
FIGURA 53-2 Forma crónica da doença, apresentando pele sã ou lesada. Então, procuram os vasos linfáticos, tor-
estreitamento arteríolar difuso, palidez do disco e rarefação difusa narn-se adultos e um ano depois produzem as microfilárias
do epitéliopigmentado da retina.
(L1 período pré-patente longo).
-
366 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Quadro Clínico clínico inquestionável de oncocercose ocular. Mesmo em in-
fecções relativamente recentes, é possível vê-las no humor
No corpo do homem, seu hospedeiro deñnitivo, as larvas de aquoso, com o auxiliode lâmpada de fenda. Com a morte
Onchocerca valvulas se desenvolvem fonnando adultos que do parasita, a inflamação recorrente do segmento anterior
podem chegar a cerca de 5 cm no caso dos machos, e até 80 leva à corectopia (distorção da pupila), em geral inferior,
cm no caso das fêmeas, que se alojam sob a pele enoveladas sinéquias posteriores (entre a íris e cápsula anterior do cris-
em torno de si mesmas, formando nódulos. Os machos po- talino), irite crónica e, em alguns casos, glaucomae catara-
dem circular pela corpo do hospedeiro, migrando de nódu- ta secundária.
lo em nódulo para fecunda: as fêmeas, capazes de gerar até As lesões coriorretinianas começam em áreas periféricas,
como uma coriorretinite pigmentaria destrutiva, com inten-
3.800 larvas por dia. A oncocercose não é letal e os nódulos em
so embainhamenta dos vasos retiníanos, que leva a uma
si não causam prejuízo à saúde. Os danos causados à pele,
como a geroderrnite, que consiste na perda de elasticidade
constrição do campo visual e visão tubular. Pode haver dano
direto ao nervo óptico pelas microñlárias, ou dano secundá-
do tecido, têm origem na reação imunológica às larvas que
rio à coriorretinite. É comum a ocorrência de edema macular
circulam no corpo. O sintoma mais comum é o prurido
cutâneo e o incômodo causado pelos nódulos oncocercóticos. que pode ser seguido de certo grau de degeneração macular
O acometimento cutâneo cursa com pápulas, placashiper- não-específica e perda de visão central. A prevalência do aco-
metimento da segmento anterior é difícil de ser estimada,
ceratóticas, lesões liquenóides, alterações aüóñcas e pontos
acrómicos irregulares, adenopatia inguinal, nódulos onco-
já que a observação dessas lesões é prejudicadapela opaciñ-
cercóticos e formações pendulares na virilha. Elefantíase das
cação da córnea e do cristalino nos pacientes densamente pa-
rasitados.
pernas e bolsa escrotal são seqüelas raras.
O pior agrava causada pela oncocercase é a cegueira, que
surge da reação inflamatóriaprovocada pela morte das larvas
de O. valvulas nos olhos. As microñlárias podem, em alguns
casos, invadir o globo ocular, levando ao principal compo- O diagnóstico definitivo da onoocercose é ñrmado pela iden-
nente clínico da oncocercose. Sua rota habitual passa pela tificaçãa do parasita (verme adulto ou nlicrotilárias)nos te-
conjuntiva bulbar, penetrando a bulbo pela limbo corneano, cidos do hospedeiro, seja pela extirpação de nódulos ou
quando então alcançam a córnea, o humor aquoso, a íris e biopsia de pele, ou pela observação de microñlárias vivas na
chegando, em alguns casos, ao segmento posterior do olho, humor aquoso. A identificação do parasita é feita por suas
passando ao longo das bainhas dos vasos e nervos ciliares an- características morfológicas. Deve-se sempre levar em consi-
teriores, até as porções periféricas da coróide e retina. Não há deração a procedência do paciente. 'fécnicasmais sofisticadas,
reação às micrañláriasvivas. Contudo, ao morrer, elas libe- como sondas de DNA de O. valvulas, ñcam reservadas para
ram bactérias endossimbiontes do género Wolbachia, que utilizaçãoexperimental.
através de um mecanismo semelhante à resposta ao lipopo-
lissacáride (LPS) ativa 'FLR4 (tail like receptor 4) e desencadeia
a reação inflamatória.O processo é lento e cumulativo, e só
Tratamento
se observa doençasignificativaquando infecçõesmaciçasper-
sistem por vários anos. A freqüência elevada de efeitos adversos decorrentes do tra-
A lesão mais precoce é a ceratite puncrata, que consiste tamento com suramina sódica e dietilcarbamazinafez com
em áreas puntiformes esbranquiçadas na córnea, cada uma que esse esquema terapêutico fosse abandonado. Desde a dé-
cada de 1980, a ivermectina (diidroavermectina)tem sido uti-
representando uma reação inflamatóriaem torno de uma lizada com grande sucesso.
microñlária. Nessa fase a visão não está prejudicada e o pa-
A ivermectina é um antiparasitário de amplo espectro, de-
ciente se queixa apenas de prurido ocular. As larvas vivas têm
rivado das avermectinas, uma classe isolada de produtos de
o mesmo índice de refração do tecido carneana sendo, por-
tanto, muito difíceis de observar. Posteriormente, há o apa-
fermentação de S treptmnyces avermitilis. A ivermectina imo-
bilizaos vermes induzindo uma paralisia tônica da muscula-
recimento de opacidades corneanas características, descritas tura. A paralisia é mediada pela potencialização e¡ou ativação
como numulares ou em forma de flocosde neve derretendo, e direta dos canais de cloro sensíveis às avermectinas, contro-
ainda alterações conhecidas como Cracked-ice (linha esbran- lados pelo glutamata. Esses canais estão presentes somente
quiçada de l mm de extensão) e snowstonn (lesões múltiplas nas nervos e nas células musculares dos invertebrados. Nos
esbranquiçadasconcentradas na parte inferior da córnea). As casos de infestações por Onchocerca, a ivermectina afeta as
opacidades tendem a se acumular em torno do limbo, sobre- larvas em desenvolvimento e bloqueia a saida das microñlá-
tudo ãs 3 horas e às 9 horas. Finalmente, a lesão corneana rias do útero das fêmeas dos vermes adultos.
tardia e' caracterizadapela formação de tecido cicatricial per- A dose utilizada e' de 150 Incg/kg, em dose única anual,
manente (ceratite esclerosante), causando dano visual pro- administrada por via oral durante 10 a 15 anos, tempo médio
gressivo. de vida dos vermes adultos. Estudos demonstram que, se for
Inicialmente, as microñlárias podem permanecer na câ- utilizadana forma preconizada, a droga reduz em 75% a car-
mara anterior sem causar reaçãa inflamatóriapor várias me- ga parasitária na pele e nos olhos após dois anos de trata-
ses. O achado delas na câmara anterior é o único sinal mento.
A descoberta de que as manifestações clínicas da onco-
cercose podem estar mais relacionadas com a presença de
bactérias endossimbiontesdas ñlárias levou ao estudo de an-
tibióticosno tratamento dos quadros ocular e dermatológico.
Estudos mostraram que a doxiciclinaleva à depleção de Wol-
bachia dos vermes adultos e microñlárias e à inibição da em-
briogénese, seguida de declínio da densidade de microñlárias,
com melhora do acometimento cutâneo.
importante também é a extirpação
368 Parasitologia -
uma abordagem clinica
óptico, medindo de um a dois discos ópticos de diâmetro, com diagnóstica. A investigação citológica do humor aquoso pode
pouca inflamação intra-ocular. Nas fases cicatriciais há ape- evidenciareasinóñlos. O teste soralógico ELISA, por ser bas-
nas a lesão branca, com halo pigmentada, e em alguns casos tante sensível (80%) e especíñco (95%), é muito útil na oonñr-
uma trave ñbrótica ligando a lesão ao disco ou à mácula. maçâo do diagnóstico. A presença de qualquer título pode
ser significativa. Os títulos de anticorpos nos fluidos intra-
aculares dos pacientes corn essa condição são maiores do que
Granuloma periférico os encontrados no soro.
Pode acometer desde crianças de 6 anos de idade até adultos, O hemograrna pode evidenciar easinoñlia, mas não tão
apresentando-se como massa hemisférica periférica com tra- signiñcativa quanta nos casos de larva migram visceral. Um
ves de tecido conjuntivo denso na cavidade vítrea que podem estudo detectou eosinofiliaacimade 5% do total de leucóci-
se conectar ao disco. A nação sobre a retina pode levar à bete- tos em 77,789"o de 30 casos de toxacañase ocular. Não costuma
ratopia da mácula e à conseqüente queda de visão acentua- haver leucocitose no quadra ocular isolado. A ecograña ocular
da. É companhada de reação inflamatórialeve ou moderada é um importante recurso semialógico quando há impossibi-
do segmento anterior, com um envolvimento mais grave do lidade de visualização do fundo de alho devido a opacidades
corpo víaeo. de meio. Pode auxiliar,ainda, no diagnóstico diferencial com
Em todas as formas, o olho pode estar inicialmente assin- retinablastama,já que esse tumor costuma apresentar áreas
tomática, au com apenas hiperernia e fotofobiadiscretas. O de calciñcaçãa. Essa análise também pode ser realizada pela
sintoma inicial pode ser um estrabismo secundário à baixa tomografia computadorizada ou por radiografiasimples.
visão unilateral no olho acometida.Ainda há relatos de au- Ovos e parasitas não são encontradas em amostras de fe-
tras formas de acometimentoocular, tais como neurite ótica, zes na toxocaríase ocular.
ceratite, conjmitivite e até acametimentodo cristalina com Algtms diagnósticos diferenciais de toxocaríase ocular es-
formação de catarata. tão descritos no Quadro 53-2.

Diagnóstico Tratamento
O diagnóstico de certeza da toxocaríase ocular é firmado pela Como a inflamaçãopela infecção pelo 'Itvcoazra costuma ter
demonstração da larva au dos seus fragmentos no sítio da início após a morte da larva, os corticosteróides são a droga de
lesão. Como tal análise é raramente feita, pela diñculdade de escolha para o tratamento. Pode-se utilizara via sistêmica, a
obtenção da tecido ocular (nos casos em que não é indicada periocular ou a tópica. Embora tenha sido provado que o
a enucleaçâa), o diagnóstico baseia-se em dadas clínico-epi- tiabendazolseja eñcaz contra organismos vivos de Tzvcocara
demiológicos, testes imunológicos e exames laboratoriais e de mms, a destruição das larvas não é suñciente, já que a respos-
imagem. ta inflamatóriaque ele causa é a responsável, na maioria dos
A idade (com mais freqüência de 4 a 6 anos), a história de casos, pelas seqüelas oculares mais graves. Entretanto, é dese-
contato com canídeas, o acometimentoocular unilateral e os jável a morte da larva se a mesma estiver se locomovendo no
aspectos morfológica e topográñca da lesão podem sugerir o sentido da mácula ou da disco óptica. No caso de complica-

QUADRO 53-2 Diagnósticos diferenciais de toxoearíase ocular

DoençadeCoals Doença caracterizada por exsudação maciça intra ou sub-retiniana, corn abundante conteúdo
Iipidico, de apresentação usualmente unilateral em crianças e adultas jovens
Retinoblastoma Tumor maligno intra-ocular primario, mais comum na infancia. Pode ser uni ou bilateral, e
embora não costume cursar com reação inflamatóriaimponente, pode, em dguns casos, ser
acompanhado de iridociclite e vilreíte
'fooeoplcnsmose Retínaoonaidite granulomatosa focal necratizante causada pelo Toxoplasmo gondí¡
Retinopatia da prematuridade Quadro relacionadocom prematuridade e exposição exccessiva ao oxigênio, cursa com
vosoulañzaçãa recrganizada da retina das recém-natas, podendo evoluir com cicatrização e
descolamento de retina
Persistência do vílreo Quadro congênito, quase sempre unilateral, em um olho usualmente micraltólmioo. Consiste
primario hiperplósico na persistência da artéria hialóidea associada a um tecido libravoscular que se estende desde
a porção posterior do aistalino até o disco óptico. O uso da eaogralia ocular pode auxiliar
no seu diagnóstico
Pars planitis lnllamação da para na, segmento uveal localizada posteriormente ao corpo ciliar, que cursa
com exsudatos peri iaos denominados snawballs e snmvbanks. Costuma cursar com vitreite
anterior e reação inflamatóriadiscreta ou ausente do segmento ocular anterior. Cerca de
80% das censos são bilaterais
ções, pode-se indicar cirurgia: lensectomia ou facoemulsiñ-
cação no caso de catarata, ou vitrectomia via pars plana no
caso de condensações vítreas.
A profilaxiabaseia-se na educação da população quanto a
higiene pessoal, saneamento básico adequado e combate às
parasitoses nos cães. O prognóstico depende da forma e lo-
calização da infecção (Figura 53-3). A endoftalmite crônica
costuma comprometer a visão do olho acometido, podendo
levar à atrofia bulbar. Granulomas periféricospodem causar
distorção da mácula com perda de visão central, mas em ge-
ral o globo é preservado.

roxorusmosa ocuun

"ll-stróih??
Foi descrita pela primeira vez em 1908 simultaneamente (em
1908) por Charles Nicolle e Louis Manceaux, na Tunísia, e
por Alfonso Splendore, em São Paulo, como causador de
parasitismo em
370 Parasitologia -
uma abordagem clínica
oocistos pela contaminação de alimentos ou água destinada à de olho (retinocoroidite focal necrotizante) à oftalmoscopia
ingestão por oocistos eliminados nas fezes dos felídeos; 2) in- binocular indireta; 2) detecção da presença de anticorpos con-
gestão de cistos teciduais presentes na carne crua ou malco- tra 'Ibxoplasma no soro do paciente; 3) exclusão razoável de
zida, os cistos podem resistir por semanas mesmo quando outras condições infecciosas que causam lesões necrotizantes
submetidos à reñigeração entre l°C e 41°C, ou mesmo por até no fundo de olho, sobretudo sífilis, citomegalovírus e fungos.
uma semana quando congelados a temperatura entre -l°C e Os testes sorológicos são a principal ferramenta para o
-8°C. A maioria dos cistos não resiste à temperaturas abai- diagnóstico laboratorial da toxoplasmose sistêmica. Contudo,
xo de -12°C ou acimade 60°C por mais de 4 minutos; 3) in- a manifestação ocular da doença nem sempre cursa com a
fecção transplacentária, que pode ocorrer em cerca de 40% elevação dos titulos das reações sorológicas. É comum a ocor-
dos casos de infecção materna durante a gravidez. Outras rência de titulos inferiores a 1/ 1.024 e pesquisa de IgM nega-
formas de transmissão respondem por um número peque- tiva em quadros oculares isolados. É possível demonstrar a
no de casos. presença de anticorpos especíñcos anti-'Ibxoplzasnza no soro ou
no humor aquoso, por exemplo. Os seguintes métodos soro-

Sinais e Sintomas lógicos são disponíveis:


l) Reação de Sabin-Feldmann(RSE): apresenta altas sen-
sibilidadee especilicidade tanto na fase aguda da doença
O curso da doença em adultos imunocompetentes em geral
é assintomático e autolimitado.Sintomas como febre, linfa- quanto na crônica. Emprega parasitas vivos, que são
expostos ao soro do paciente, por isso é de execução di-
denopatia e dores pelo corpo podem ocorrer. Vale lembrar ñcil e pouco empregado fora dos centros de pesquisa.
que os cistos ingeridos têm uma predileção por músculos e
tecido neural, incluindo as retinas. Os organismos encistados 2) Reação de ñxação do complemento (RFC): baixa sen-
sibilidadeem quadros recentes.
podem permanecer dorrnentes indefinidamente, ou podem 3) Reação de hemaglutiilaçãoindireta (RI-ll): baixa sensi-
romper os cistos, liberando centenas de milhares de proto- bilidadeem quadros recentes.
zoãrios na fase de taquizoítos. O estímulo para a reativação
local ainda é desconhecido. A infecção congênita pode resul- 4) Reação de imunofluorescêilciaindireta (RlF): método
tar em graus Variáveis de retinite, hepatoesplenomegalia,
de execução simples, permite detectar infecções recentes
e crônicas, quantiflcando os níveis de IgG e IgM. Podem
calciñcações intracranianas,microceíàlia e atraso de desenvol- ocorrer resultados falso-positivos na presença de fator
vimento. As manifestações oculares incluem retinite, algumas
vezes associada a coroidite, irite e uveíte anterior. Muitos ca- reumatóide, além de reação cruzada com anticorpos
sos de retinite aparentemente adquirida podem, na verdade, contra CMV, vírus Epstein-Barr, hepatite A, sífilis se-
representar reativações de infecções congênitas. cundária, entre outros.
Os sintomas oculares variam de acordo com a idade de aco- 5) Reações imunoenzimáticas (ELISA): pelas boas sensibi-
metimento: crianças pequenas podem apresentar redução da lidade e especificidade, o exame ELISA vem rapidamente
acuidade visual, estrabismo, nistagmo e leucocoria (pupila de substituindo outros métodos na pesquisa da toxoplas-
coloração branca). Adolescentes e adultos jovens podem apre- mose. 'fécnicas especiais não permitem inñuéncia de

sentar baixa de acuidade visual unilateral, fotofobia, moscas anticorpos antinucleares e fator reumatóide. A detemti-
Volantes, dor e hiperemia. A retinocoroidite pelo toxoplasma nação da avidez dos anticorpos (sua afinidade pelo
tipicamente afeta o pólo posterior, e as lesões podem ser so- antígeno) é um novo parâmetro que pode auxiliarno
litárias, múltiplas ou, em geral, adjacentes a uma lesão diagnóstico. Sabe-se que os anticorpos formados na
retiniana cicatricial pigmentada_ Lesões ativas se apresentam fase aguda são caracteristicamentede baixa avidez.
como focos branco-acinzentadosde necrose retiniana com 6) Western blottíng: pouco utilizadoapesar das excelentes
coroidite adjacente,vasculite, hemorragias e vitreíte. A cicatri- sensibilidadee especiíicidade. Pode ser particularmente
zação ocorre da periferia para o centro, com variável grau de útil no
pigmentação hiperplásica. É comum a uveíte anterior acom-
panhar o quadro, com precipitados cerãticos granuloma-
tosos (depósitos grosseiros no endotélio corneano), reação
inflamatóriana câmara anterior com ñbrina, células e _flora
nódulos irianos e sinéquias posteriores (entre a íris e a cáp-
sula anterior do cristalino).
Apresentações oculares atípicas incluem: retinite punteada
externa, neurorretinite, papilite, retinocoroidite pseudomúl-
tipla, inñamação intra-ocLilarsem retinocoroidite, retinopatia
pigmentar unilateral, esclerite e retinite necrotizante multi-
focal ou difusa.

Diagnóstico
As seguintescondiçõespermitem o diagnóstico de toxoplas-
mose ocular: l) observação da lesão caracteristica no fundo
logia positiva faz apenas o diagnósticopresuntivo da mesma,
devido à alta prevalência de anticorpos na população.
Mais recentemente, foi descrita a pesquisa de IgA no hu-
mor aquoso, para compara-la com a concentração sérica de
IgA específica, determinante para o coeficiente de Desmonts.
Usando a fórmula a seguir pode-se inferir a produção intra-
ocular de anticorpos:
Coeficiente de Desrnonts (IgHIIgSMPtSIPtI-I)
=

Onde:
[gl-l titulo de anticorpos no humor aquoso
=

IgS = título de anticorpos no soro

PtS = título de proteínas no soro


PtH = titulo de proteínas no humor aquoso
Resultado: 0,5 a 2 normal; 2 a 7 sugere produção intra-
-

ocular de anticorpos; 32 8 sugere produção intra-ocular signi-


ficativa.
Ainda, alguns autores relataram a associação entre uveíte
posterior ativa presurnivelmente toxoplásmica e o aumento
da secreção de IgA secretora especíiica na
372 Parasitologia -
uma abordagem clínica
opaciñcação residual do corpo vítreo (se muito densa, pode
exigir a sdtrectomia para restauração da acuidade visual), he-
ntorragias vítreas e retinianas, oclusões vasculares retinianas,
descolamento da retina, edema cistóide macular e atroña do
nervo óptico.
O prognóstico da toxoplaslnose ocular costuma ser bom
em indivíduos imunocompetentes, desde que a Inácula não

esteja diretamente envolvida.

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metido a cada duas ou quatro horas inicialmente, seguido de v. 38, pp. 179-182, 1993.

um programa de retirada gradual. Prefere-se o uso da tro-

picamida a 1% (em geral, uma gota a cada oito horas enquan-


to houver inflamação na câlnara anterior) em vez da atropina
INTERNET
a 194:, pois a primeira permite mobilidade ao diafragma
pupilar, que teoricamente pode evitar a formação de sinéquia httpzffummtcdfoundto.itLprojecthnn
Atlas de parasitologia com fotos das lesões e do parasita.
posterior em midmtse, complicação bastante temível. httpL-'Jsxrsxrsxnsxrhcrintftdri
São descritos como complicações possíveis decorrentes da Site da Organização Mundial de Saúde sobre doenças negligenci-
toxoplasntose ocular: glaucoma,catarata (sobretudo capsular adas, com centenas de fotos e informações atualizadas sobre o pa-
posterior decorrente do uso de corticóides no tratamento), norama da doença.
@zagnóstico
parasitofógíco das
principais dbenças
parasitárias
Kézia Katian¡ Gorza Scape¡
Marcelo Urbano Ferreira
374 Parasitologia -
uma abordagem clínica
(sinal) sejam facilmentedistinguíveis de diversas particulas
interferentes (restos de alimentos, fibras vegetais, bactérias)
O diagnósticoparasitológico consiste na identificação do pa- presentes nas amostras de fezes (ruído). Embora o exame de
rasita em tecidos ou secreções de indivíduos infectados, com fezes seja amplamente utilizadona rotina laboratorial, certos
ou sem o auxílio de métodos de concentração, isolamento ou
procedimentos permanecem pouco padronizados. A descri-
cultivo. Embora os avanços tecnológicos recentes tenham le- ção que se segue não e' exaustiva, pois existe literatura nacio-
nal de excelente qualidade com descrições pormenorizadasde
vado ao surgimento ou ao aprimoramento de diversas tecni-
cada método, mas procura destacar o fundamento de cada
cas imunológicas e moleculares, que permitem o diagnóstico
indireto de doençasparasitárias por meia da detecção de pro- procedimento e fornecer algumas sugestões práticas para seu
dutos do parasita (antígenos ou material nucléico) ou de aprimoramento.
respostas específicas do hospedeiro (hnmorais ou celulares),
a visualização direta dos parasitas permanece como recurso Exame direto
essencial para o diagnóstico de determinadas infecções. Não
O exame direto de uma pequena porção de fezes (cerca de 2
raramente, essas técnicas aplicam-se a estudos epidemio-
lógicos em larga escala, principalmente devido ao seu baixo mg) recém-eliminadas, colocada sobre uma lâmina e emul-
siñcada em solução salina, representa uma alternativa sim-
custo e à relativa facilidadede execução. Descrevem-se breve-
mente neste capítulo os métodos de diagnóstico parasitaló-
ples e rápida para a identificação de trofozoítos móveis de
amebas e flagelados intestinais; tem baixa sensibilidade,entre-
gico mais utilizados em nossa meia. tanto, para a identificação de cistos de pratozoários e de ovos
e larvas de helrnintos. A coloração com solução de Lugol fa-
cilita a identificação de cistos de protozoários, por permitir a
visualização de seus núcleos e corar vacúolos de glicogênio
eventualmente presentes em seu interior.
Coleta e Conservação de Amostras
As amostras fecais destinadas a exame devem ser colhidas em Técnicas de concentração
recipientes limpos e de boca larga, sem contaminação com As técnicas de concentração procuram separar os elementos
urina nem elementos do solo. Em geral, evita-se o uso de
parasitárias dos demais interferentes presentes nas fezes com
amostras colhidas até 1 semana após o uso de laxantes po- o emprego de etapas adicionais, como sedimentação, flutua-
tentes. Amostras de fezes líquidas e diarréicasdevem ser exa-
ção e centrifugação. Resultam, em geral, em maior sensibili-
minadas até 30 minutos depois da coleta, para a observação dade diagnóstica para o encontro de cistos de protozoários e
de trofazoítos vivos de protozoários, ou mantidas em solução de ovos de helrnintos.
preservativa (como uma solução de mertiolato-iodo-forma- No Brasil, a técnica de concentração mais freqüentemente
lina [IVUF] ou ñxador de Schaudinn) até o exame. A solução empregada na rotina clínica é aquela descrita por Hoffman,
de farrnalina a 10% preserva diversos elementos parasitárias, Pons e Janer em 1934. Consiste na sedimentação, por ação da
com exceção dos trofozoítas, mas pode alterar a flutuabi- gravidade, de uma suspensão de fezes (2 gramas dissolvidos
lidade de cistos (Moilinho e colaboradores, 1999), afetando em 250 mL de água). Para a retirada de partículas interferen-
o exame da amostra com métodos de concentração baseados tes grosseiras, as amostras de fezes são peneiradas em penei-
em flutuação. Amostras pastosas podem conter cistos e ra de 80-100 malhas por cmi, que substitui com vantagem a
trofozoítos, sendo recomendável seu exame até l hora após gaze dobrada, de malha irregular, tradicionalmenteemprega-
a coleta. Fezes formadas, entretanto, podem ser examinadas da neste processo. A sedimentação é feita em tubos de fundo
várias horas após a coleta, mesmo se mantidas à temperatu- cônico ou semiesférico, que podem substituir sem prejuízo
ra ambiente; se conservadas em solução preservativa ou re- os vasos crônicos, originalmenteprojetados para exame de uri-
frigeradas (3-5°C), podem ser examinadas vários dias após na, tradicionalmente empregados para a sedimentação das
a coleta. Existem recipientes comercialmente disponiveis que amostras fecais. Ao final de cerca de 2 horas, a maioria dos
permitem a coleta e conservação de fezes e seu processa- ovos de helrnintos e cistos de protozoários pode ser encon-
mento inicial (filtração)subseqüente pelo laboratorista com trada no sedimento depositado no recipiente de sedimenta-
mínimo contato com a amostra; entre esses produtos, o dis- ção. O sedimento é recolhido com uma pipeta Pasteur e
positivo Coprotest” é amplamente utilizado no Brasil. examinado ao microscópio após coloração com solução de
I..ugol. Um erro comum consiste em prolongar excessivamen-
te o tempo de sedimentação das amostras, para recuperar
Estratégias de Exame maior quantidade de elementos parasitárias no sedimento.
Embora isto de fato ocorra, o sedimento passa a conter tam-
O diagnóstico laboratorial das infecções por parasitas intes- bém grande quantidade de elementos interferentes, tornando
tinais baseia-se no encontro de elementos parasitárias (cistos, a relação sinal-ruído desfavorável ao microscopista.
trofozoítos, ovos, larvas e exemplares adultos) em amostras Outra técnica de concentração muito popular em nosso
de fezes examinadas ao microscópio. Depende, portanto, do meio é aquela descrita por Faust e colaboradores em 1938,
uso de métodos que tornem a relação sinal-ruido favorável que consiste em algumas etapas de centrifugação de uma sus-
ao microscopista, permitindo que os elementos parasitárias pensão de fezes em água, seguida de ressuspensão e centri-
Diagnóstico parasitulógico das principais doenças parasitárias 375

fugação do sedimento em uma solução de sulfato de zinco


com massa específica de 1,18 (quando se empregam amos-
tras de fezes preservadas em solução de formalina, sugere-se
o emprego de solução de sulfato de zinco com massa especí-
fica de 1,20). Ao lina] da última etapa de centrifugação, os ovos
de helrnintos e cistos de protozoários tendem a concentrar-se
na películasuperficial da solução de sulfato de zinco, de onde
são retirados com o uso de uma alça bacteriológica (muitas
vezes referida como alça de platina). As amostras assim ob-
tidas são coradas com solução de Lugo] e examinadas ao mi-
croscópio.
Laboratórios clínicos empregam ainda o método de
flutuação de Willis, inicialmente preconizado para a pesquisa
de ovos de ancilostomídeosdas fezes, e a técnica de concen-
tração em formol-éter descrita por Ritchie. A primeira con-
siste em dissolver pequenas amostras de fezes (cerca de l g)
em solução saturada de cloreto de sódio, em run recipiente de
cerca de 3 cm de diâmetro, de modo que a superfície do lí-
quido atinja a borda do recipiente. Mantém-se uma lâmina
de microscopia sobre a boca do recipiente por l a 5 minutos,
levantando-a e invertendo-a a seguir. Os ovos de alguns hel-
mintos tendem a flutuar nessas condições, concentrando-se
junto à borda superior do recipiente, sendo transferidos para
a lâmina de microscopia. A amostra aderida à lâmina é exa-
minada a seguir, sem coloração. A técnica de flutuação de
Sheather, usada para a concentração de oocistos de coccídios
intestinais, baseia-se em princípio semelhante, mas emprega
uma solução saturada de sacarose. O método de Ritchie ba-
seia-se em centrifugação para concentrar elementos parasitá-
rios no sedimento. Embora seja método de uso freqüente em
diversos paises, tem o inconvenientede empregar o éter, subs-
tânciavolátil e de acesso restrito.

Técnicas de quantificação de cargas parasitárias


A quantiñcação de cargas parasitárias é geralmente feita, de
modo indireto, por meio de contagens de ovos de helrnintos
detectados em amostras fecais. Embora na prática clinica ra-
ramente
- 376 Parasitologia -
uma abordagem clínica
to, amostras mantidas por alguns dias à temperatura am- consecutivos, detectem cerca de 90% das infecções por E.
biente antes de examinadas podem também conter larvas vermicularis, e que seis swabs detectem virtualmente todas as
rabditóides de ancilostomídeos, que eclodiram a partir dos infecções. Esta técnica é também útil para o diagnóstico la-
ovos presentes nas fezes. Por isso, a diferenciação entre larvas boratorial da teníase.
de ancilostomídeos e Strongyloídes (Figura 54-1 A e B) tem
grande relevância na prática diagnóstica. As características Teste de eclosão de miracídios e biopsia retal
mais úteis para diferenciar essas larvas são encontradas na
cavidade bucal e no primórdio genital. Considera-se em geral que o método mais sensível para o
diagnóstico parasitológico da esquistossomose é aquele
de Enterobíus vermicularis conhecido como teste de eclosão de miracídios. Embora di-
Pesquisa de ovos
versas variantes sejam empregadas, seu princípio é simples:
Os ovos de Enterobius vemricularis podem ser eventualmen- consiste em estimular a eclosão de miracídiosviáveis de
te encontrados em amostras fecais, mas a maioria deles per- Schistoso-ma. mansom' presentes no interior de ovos recém-
manece aderida à mucosa e à pele da região perianal. Por eliminados, colocando-se a amostra fecal em contato com
isso, o diagnóstico laboratorial da enterobíaseé feito com o solução hipotônica, e a sua migração subseqüente para a
auxílio de uma ñta adesiva de celofane, que é colocada em parte superior do recipiente de exame, que é exposta à luz do
contato co1n a região perianal e a seguir transferida para sol ou à iluminação artificial. É. um método relativamente
uma lâmina de nticrosoópio. Esta técnica de execução simples, laborioso para uso em larga escala, com sensibilidadeligei-
conhecida como mai) anal, é descrita na Figura 54-2 A-C. rarnente superior à de Kato-Katz, quando se utilizam amos-
Estima-se que três swabs, realizados pela manhã em dias tras fecais de volume comparável. A combinação de ambas
as técnicas, no entanto, resulta em melhoria considerável da
sensibilidade.
A B Em pacientes com infecção crónica por S. marrsoni, a eli-
Covidocle Coviclade
buool bucol minação de ovos pelas fezes pode reduzir-se em fimção de sua
longo cu rto retenção na mucosa do intestino grosso e reto. Nessa situa-
çãb, somente uma pequena proporção de ovos é capaz de atra-
vessar as extensas áreas de fibrose na mucosa. Pode-se,

portanto, realizar uma biopsia retal para a identificação dos


Primórclio ovos retidos na mucosa nos casos em que os exames de fe-
Primórdío
gen itol
gfgãtrti inente
p
zes são repetidamente negativos.

pouco
pronunciado Enreroteste ou teste do barbante
Podem-se pesquisar trofozoítos de Gianni-ia em amostras de
suco duodenal, obtidas por meio de um dispositivo disponí-
vel no comércio (EnterotestH, que consiste em uma cápsula
contendo um cordão em seu interior. A cápsula ingerida pelo
FIGURA 54-1 Caracteristicas morfológicas para a diferenciação pacientedegrada-se no intestino delgado, liberando o cordão
entre larvas rabditóides de ancilostomideos [Al e Strongyloides em que se aderem os trofozoítos. A extremidade proxi-
stercorolfslBl. [Adaptado de: Ferreira, MU.; Foronda, AS.; mal desse cordão é ñxada à face do paciente com fita adesiva.
Schuma ker, T.T.S. Fundamentos biológicos do porasitologio humana. O cordão é recuperado, colocado em solução salina e exami-
São Paulo: Manole, 2003.) nado.

A B C

'P'

Aplique uma fita colante Toque o superficie colonte Coloque a fita em uma lâmina
o uma lâmina ou espátula [externa] vários vezes na de microscopia, com uma oia
região perionol de Iolueno ou xilol iocla o
FIGURA 54-2 A-C Técnica para obtenção de ovos retidos na região perianal, com o uso de fita adesiva[swob anal), e preparo de lâmina para
exame microscópio). (Adaptado
de: Neva, FA; Brown, HW. Basic clinicolparasitologir_ e: ed. Norwalk: Appleton Et Lange, 1994.)
Diagnóstico parasitulógico das principais doenças parasitárias 377

_Colorações Permanentes_ sem coloração, mas a identificação correta da maioria dos pa-
rasitos encontrados no sangue exige o uso de métodos de co-
Amostras de fezes são ñxadas e submetidas a coloração per- loração e, eventualmente, de concentração. Para a confecção
manente primariamente para o diagnóstico preciso de infec- de esfregaços sangüíneos e de gotas espessas para exame Ini-
ção com protozoários intestinais. Embora a solução de Lugo] croscópico, o uso de anticoagulantes não é recomendado, por
seja largamente empregada como corante na rotina clinica, ela sua possível interferência na morfologia dos parasitos e no
não revela pormenores morfológicos dos cistos e especial- processo de coloração. Usa-se em geral uma pequena amos-
mente dos trofozoítos de protozoários que podem ser fun- tra de sangue obtida por punção digital com lanceta estéril,
damentais para a sua identificação. Os esfregaços a serem embora outros sítios (a sola do pé de crianças pequenas e o
submetidos a coloração permanente são geralmente fixados lóbulo da orelha) também possam ser puncionados. Entre-
com ñxador de Schaudinn (produto altamente tóiúco) e co-
tanto, a maioria das técnicas de concentração requer a coleta
rados com tricrómio, hernatoxilinaférrica ou variações da de amostras de sangue venoso com anticoagulantes,preferen-
técnica de Ziehl-Neelsen ou Kinyoun. cialmente EDTA.
O tiicrõmio cora adequadamente os cistos da maioria dos Para o diagnóstico de filariose linfática, colhe-se a amos-
protozoários presentes em amostras frescas fixadas em li- tra de sangue capilar ou venoso entre as 22 horas e as 4 horas
quido de Schaudiim, com exceção de oocistos de Crjrptuspo- da manhã, devido à maior circulação de rnicroñlãrias no san-
ridium e Cyclospora. O citoplasma dos trofozoítos cora-se em
azul, verde ou púrpura, enquanto a cromatinanuclear (de gue periférico nesse período. Quando não é possível a coleta
nesse período, pode-se estimular a liberação de microñlárias
trofozoítos e cistos), os corpos cromatóides, os eriüócitos e
no sangue periférico com a administração de uma dose oral
as bactérias coram-se em vermelho. Os esporos de micros-
única de dietilcarbamazzina(2 a 8 mg/kg de peso). Neste caso,
porídios podem ser corados em rosa ou vermelho com algu- a punção deve ser realizada 30 a 60 minutos depois de adrni-
mas variantes dessa técnica.
nistrar o medicamento. Não se aplica esta estratégia em áreas
A coloração pela hematoxilinaférrica, realizada segundo
em que a filarioselinfáticacoexiste com a oncocercose, para
numerosos protocolos ligeiramente distintos, é adequada
evitar o estímulo à migração de microñlárias dessa última es-
para amostras frescas fixadas em ñxador de Schaudinn ou
amostras preservadas em MIF e outros preservativos. A téc- pécie e suas possíveis conseqüências para o hospedeiro.
nica original exige pessoal treinado para a sua execução, mais
laboriosa do que a coloração pelo tricrômio; entretanto, pode
ser substancialmente simplificada sem perda de qualidade de
Exame de Gota Espessa e Esfregaço
coloração (Ferreira, 2003). A hematoxilinaférrica cora as es- sangüíneo
truturas nucleares, os corpos cromatóides, as bactérias e os
eritrócitos em azul-escuro, cinza ou preto, dependendo do A gota espessa é a melhor alternativa para detecção dos pa-
protocolo de coloração utilizado. rasitos da malária, sendo considerada o padrão-ouro para o
A pesquisa de oocistos de (Ínptosporidium e Cyclospora nas diagnóstico da doença. É também empregada para o encon-
fezes é geralmente feita em amostras previamente submetidas tro de microfiláriasde Witchereria bancmfti ou Brugia nmlayi
a uma técnica de concentração, como aquela descrita por e de tripomastigotas sangüíneos de 'liypanosomaCHJZÍ duran-
Ritchie, coradas com variações da técnica de Ziehl-Neelsen ou te a fase aguda da infecção diagzásica_ Iissa técnica baseia-se no
Kinyomi. Oocistos de Isospora podem também ser corados exame de um volume signiiicativo de sangue em uma área re-
com esses métodos, que se baseiam no fato de que os oocis- lativamente pequena da lâmina, aumentandosensivelmente a
tos desses protozoários são álcool-ácido-resistentes, retendo
probabilidadede detecção do parasita em um número redu-
o corante (carbol-fucsina) que lhes confere coloração aver- zido de campos microscópicas. Para sua preparação, a amos-
melhada ou rósea. Como alternativa., podem-se empregar tra de sangue (geralmente 3 a 5 pL) é colocada sobre uma
como corantes, para o diagnóstico dessas infecções, a safra-
lâmina e, então, espalhada de modo a formar uma mancha
nina-aIul de metilenoe a auramina.
circular ou quadrangular de aproximadamente l cm de diâ-
me1Io ou largura. São preconizadas a lise dos eritrócitos e a
Microscopia de Fluorescência remoção da hemoglobinaliberada (segundo a técnica descrita
por Walker, amplamente empregada no Brasil) antes de a
Os oocistos de Cyclospora cayetrmensis e lsospora bell¡ são amostra entrar em contato com o corante [Giemsa, Leishman
autofluorescentes e podem ser visualizados em preparações a ou Field; em geral não se recomenda o uso do corante de
fresco, sem coloração, examinadas com microscópio de epi- Wright), garantindo que a luz do microscópio atravesse a
iluminação com fonte de luz ultravioleta (330-380 nm). O amostra sem sofrer absorção ou difração pela hemoglobina.
emprego de corantes fluorescentes, como o Calcoñuor White Contudo, a lise das hemácias causa a distorção das formas
MZR (comercialmente disponível),permite a visualização de eritrocitárias dos parasitos, o que pode comprometer sua
esporos de microsporídios sob microscopia de fluorescência. correta identificação,principalmente quando as lâminasfo-
rem examinadas por microscopistas sem treinamento ade-

quando. Outros fatores que podem interferir no resultado do


exame são: a habilidadetécnica no preparo da lâmina, seu
Alguns parasitos podem ter seus estágios evolutivos sangüí- manuseio e coloração, a qualidade ótica e a iluminação do
neos detectados pelo exame de amostras frescas de sangue, microscópio e o nivel de parasitemia.
378 Parasitologia -
uma abordagem clínica
O esfegaço sangüírzeo permite a
Diagnóstico parasitológico das principais doenças parasitárias

TROFOZOÍTO CISTO NÚCLEO

htswyica
AmebíaseIntestinal (Infecção por
Entamoeba histolytícalfntamoebadispor) Emaoeb
O diagnóstico laboratorial da amebíaseintestinal baseia-se no
encontro de cistos ou trofozoítos em amostras de fezes exa-
minadas ao microscópio. Os trofozoítos encontram-se ao
exame direto, a fresco, de amostras de fezes diarréicas recém-
eliminadas, ou ainda do exsudato Inucossanguinolento que
recobre as ulcerações mucosas, em amostras obtidas duran- gimwaiú
te a retossigmoidosoopia. Nestes casos de doença invasiva, o
encontro de trofozoítos nas fezes determina o diagnóstico de
infecção por Entamoeba hzistolytica. Esses trofozoítos freqüen-
temente apresentam hemácias semidigeridas em seu interior.
Eniamoeb
Quando se encontram somente cistos nas fezes de indivíduos
assintomáticos ou com diarréia, as amostras devem ser refe-
ridas como positivas para E. hístolytica/E.dispor, pois o exa-
hangr;
_E_
me microscópico da amostra não permite a distinção entre
essas duas espécies.
Os trafozoítos de E. histolytíca/E.dispor são pleomórñcos, ii
de tamanho entre 10 e 60 um (média de 25 um), com movi- Ê
mentação por pseudópodes, tipo lobópodes, contendo um ?i
É
núcleo com cariossoma central e cromatina periférica delica- 3?
da. Estas características morfológicas permitem a diferencia- É_

_

ção entre trofozoítos de E. histoIytíca/E. dispor e de outras ;íãâwçã


amebas comensais que habitam o trato digestivo humano
[Figura 54-3). As formas irlvasiiras são grandes e, em geral, tem
hemácias no citoplasma. Os pré-cistos são intermediários en-
tre trofozoítos e cistos, com a presença de um núcleo. Os cis-
tos são esféricas ou ovais, com tamanho de 10 a 20 um
(média de 12 um) e parede cística rígida, podendo conter um
a quatro núcleos. Os cistos imaturos, Le., aqueles com um ou
dois núcleos, possuem uma estrutura cilíndricaconhecida
como corpo aonmtóide, constituída por ribossomos, com for-
mato semelhante ao de um charuto.
No exame direto de amostras de fezes frescas, os cistos são
geralmente coradas com solução de Lugol, mas a coloração
com hematoxilinaférrica ou tricrómio permite melhor visua-
lização das estruturas internas dos cistos e tmfozoítos. As
técnicas de concentração são amplamente recomendadaspara
aumentar a sensibilidadediagnóstica_ Os métodos imuno-
lógicos e moleculares para a diferenciação de cistos de E.
histolytica e E. dispor ainda não são de uso corrente nos la-
boratórios ciinicos do Brasil.
O diagnóstico de abscesso amebiano pode ser relativa-
mente dificil, e depende em grande parte de dados clínicos e
epidemiológicos. O exame parasitológíco não tem utilidade
nesse contexto. Exames de imagem, como a ultra-sonograña
ou a tomograña computadorizada,permitem a identiñcação
de abscessos hepáticas. Em geral não se recomenda a punção
dos abscessos amebianos, com finalidade diagnóstica ou te-
rapêutica, diante do risco de contaminação bacterianasecun-
dária. Os testes sorológicos são positivos para anticorpos na
maioria dos indivíduos com amebiaseintestinal invasíva e
abscesso amebiano, mas em área endémicas muitos indiví-
380 Parasitologia -
uma abordagem clínica
duos mndáveis podem apresentar anticorpos detectáveis me-
ramente em função de infecções prévias.

Giardíase
O diagnóstico laboratorialda giardiase é geralmente feito pelo
exame microscópico de amostras de fezes. Os trofozoítos são
observados no exame direto de amostras de fezes diarréicas
recém-eliminadas. Os cistos são pesquisados com técnicas de
concentração, sob coloração com solução de Lugol, triczrômio
ou hematoxilinaférrica. Devem-se examinar pelo menos três
amostras fecais, colhidas em dias alternados, antes de consi-
derar-se o resultado negativo, pois os cistos de Giardia duo-
denalis (G. Iamblia. e G. intestinalis são igualmente aceitas para
designar a espécie) são eliminados nas fezes de modo inter-
mitente. Podem-se também pesquisar trofozoítos de G. duo-
denalis em amostras de suco duodenal, obtidas por meio do
entemteste.
Os trofozoítos de G. duodmabs medem de 10 a 20 um e são
piriformes, com simetria bilateral.Têm quatro pares de fla-
gelos, dois núcleos, dois axonemas (feixes de ñbras longitudi-
nais) e dois corpos parabmais em forma de vírgulas, de ñmção
desconhecida. Na superñcie ventral há um disco adesivo ou
disco suctorial, principal responsável pela fixação do proto-
zoário às células epiteliais do intestino. Os cistos são ovalados
ou elipsóides e medem cerca de 12 pm; têm as mesmas estru-
turas internas dos trofozoítos, porém duplicadas. As caracte-
rísticas morfológicas de alguns flagelados comensais do trato
digestivo humano estão comparadas às de G. duodenalis na
Figura 54-4 A-H.

Infecções por Protozoários lntestinais


Emergentes
São considerados emergentes os protozoários que foram re-
conhecidos recentemente como patogênicos para o homem.
Alguns deles assumiram grande importânciapor causarem
infecções oportunistas graves em indivíduos imunodeprimi-
dos, muitas vezes levando à morte. Outros atingem também
pessoas imunocompetentes, mas são considerados emer-
gentes por adquirirem novas propriedades de vimléncia em
seus hospedeiros habituais. Descreve-se aqui o diagnóstico
laboratorial de
Diagnóstico parasitologico das principais doenças parasitárias 331 -
Crypiosporidfum parvum Cyclospora cayetanensis lsospora bem'
Tamanho: 4pm. contendo Tamanho: 10um. contendo 2 Tamanho: 25pm. contendo 2
4 esporozoilos nus esponacistos com 2 asporozoitos esporocislos com 4 espomzoitos

FIGURA 54-5 Morfologia dos oocistos esporulados de Cryptosporídium (C parvum ou C hominis), Qrdospora cayetanensise lsospora belli.
Somente os oocístos de Cryptosporidium são esporulados no momento de sua eliminação com as fezes. [Adaptado de: Ferreira, M.U.; Foronda,
A.S.; Schumaker, T.T.S. Emdomentos biológicos do porositologío humano. São Paulo: Manole, 2003.]

contendo dois esporozoítos cada um. Os oocistos de I. belli da pela diferenciação dos esporos, a esporogonia. Os esporos
são ovalados e medem 20 a 33 um por 10-19 pm, em média são liberados nas fezes, urina ou secreções respiratórias.
25 um após a esporulação, quando contêm dois esporocistos, A morfologia básicados esporos é mostrada na Figura 54-6.
cada um com quatro esporozoítos. Nas fezes encontram-se São ovaís ou pirifonnes, medem de 2,0 a 7,0 pm por 1,5 a 5,0
geralmente oocistos não-espomlados, que requerem 24-48 um. Os estágios proliferativospodem ser arredondados e li-
horas no meio exterior para se tornarem infectantes. geiramente maiores. O filamento polar constitui-se de um
Oocistos de Cryptosporidium, C. cayetnnensis e I. bell¡ são tubo espiralado ancorado num disco e encontra-se no espero
encontrados em amostras fecais submetidas a técnicas de maduro, a estrutura que caracteriza um microsporídio. As
concentração, como flutuação ou sedimentação. A visualiza- pequenas dimensões dos esporos diñcultam o diagnóstico,
ção pode ser feita a fresco, com microscopia ótica convencio- mas a coloração das amostras de fezes, urina e secreções res-

nal com pouca iluminação, com microscopia de contraste de piratórias; com tricrômio, modificações do Chromoüope de
fase ou com microscopia de fluorescência (explorando a Weber e iluorocromos (Calcofluor White MZR, Uvitex 2B)
autoñuoresoênciados oocistos de C. myetanensis e I. belli), ou permitem sua identificação.
ainda com o material fixado e cotado de modo permanente
pelas técnicas de Ziehl-Neelsen modiñcada, Kinyoun, safra-
nina-azul de metileno,auramina e similares. A coloração por Iricomoniase
hematoxilinaférrica permite a adequada visualização de
oocistos de Cryptosporidium. (Ferreira e colaboradores, 2001) A tricomoníase,canada pelo protozoário ilagelado Tnkthomo-
nas vaginalis, é uma das doenças sexuahnentetransmissíveis
e possivelmente de outros coccídios intestinais, mas é atual-
de maior prevalência no mundo. A infecção é freqüente em
mente pouco empregada com esta finalidade. É. importante
medir o diâmetro dos oocistos para a diferenciação entre
Cqptosporidium e Cyclosporag.
Os microsporídios são microorganismos intracelulares
obrigatóriosoriginalmente classificados no Elo Microspora,
mas atualmente considerados mais próximos aos fungos.
Podem ser encontrados no intestino delgado, no trato respira-
tório, bem como na córnea., músculos e placenta. As espécies
encontradas em seres humanos são Enterocytozoon, bieneusi,
Encephalitozaon intestinalis (chamada anteriormente de
Septam intestinalis), Encephalítozoon hellem, Encephalitozoon
mniculí, Nosema Cannon', Nosema oculorurrt, Nosema-símile
Vittaforma comeu, Pleistophora sp., 'Irachipleistophora
sp.,
hominis, 'Irachipleistophoraanrhropophthera, 'fhelohania-
símilesp. eBrachiolavesiculamm. Seu ciclo vital é relativa-
mente simples. Após a transmissão, existe um período de
germinação dos esporos, via extrusão do filamentopolar, que
se exterioriza e inocula o conteúdo do esporo, esporoplasma, FIGURA 54-6 Representação rsquemátíca da morfologia dos
dentro da célula hospedeira. lntraoelularmente, tem início esporos de microsporidios, com o filamento polar &piralado
característico.
uma fase proliferativa, de esquizogonia ou merogonia, segui-
382 Parasitologia -
uma abordagem clínica
mulheres, chegando a 180 milhõesde casos sintomãücos em ecolaboradores, 1992). Cada envelope contém meio líquido
todo o mundo. A maioria dos casos em homens é assinto- adequado para o acondicionamentodo material coletado, per-
mática e seu diagnóstico laboratorial é mais diñcil, limitando mitindo simultaneamente o exame direto da amostra ao mi-
o valor das estimativas de prevalênciadisponiveis. As técnicas croscópio e sua cultura_ Disponível comercialmente com o
mais utilizadas para o diagnóstico laboratorial são o exame nome de lnPoucHflf',esse sistema é recomendado principal-
de esfregaços de secreção vaginal e a cultura in vitro. mente quando o material necessita ser transportado. Sua sen-
Os esfregaços são preparados com amostras de secreção sibilidade (cerca de 917%) é comparável àquela observada nas
vaginal coletadas com o auxílio de pipetas. O material, mis- culturas com meio MDM.
'curado em solução salina, é examinado a fresco ao microscó-
pio, entre lâmina e lamínula. As tricomonas são detectadas
pela movimentação dos seus tlagelos e membranaondulan-
te até 24 horas após a coleta. Com sensibilidadede até 82%,
o exame direto é a técnica de escolha para diagiósüco de ro-
tina. Algumas vezes, os parasitas são percebidos no exame
de Papanicolaudestinado à análise citológica, mas essa colo-
Infecções por Flagelados Teciduais
ração não deve ser empregada para diagnóstico de roüna da Os flagelados enconüados no sangue e outros tecidos huma-
tricomoníase por apresentar sensibilidadee especiñcidade
nos pertencem aos gêneros 'Iiypunosoma e Leishmania. No
inferiores às obtidas com o exame direto (Wendel 8: Wor-
kowski, 2007). No homem, a demonstração do parasito não Brasil, são agentes etiológoos de doenças de grande impacto
é tarefa simples. A procura do parasito deve ser realizada em em saúde pública, como a doença de Chagas, a leishmaniose

tipos variados de amostras, tais como secreção uretral e tegumentar americana e a leishmaniosevisceral. Seus princi-
prostática e sedimento urinário. O sêmen fresco é, contudo, pais estágios evolutivos são mostrados na Figura 54- 7.
a amostra de obtenção mais prática e rápida para análise.
O cultivo in. vitro é indicado para situações em que o re- Doença de Chagas
duzido parasitismo dificulta a detecção das tricomonas no
exame a fresco da amostra suspeita. A cultura é 20% a 30%
A doença de Chagas, causada pelo protozoario flagelado 'll
mais sensível que o exame microscópico convencional, sendo cruzi, é encontrada em diversos países da América Latina,
considerado o padrão-ouro para diagnóstico da infecção. Um incluindo o Brasil, onde vivem cerca de 16 milhões de porta-
dos meios freqüentemente utilizados para a cultura das t1'i- dores de infecção chagãsica. O diagnósticoparasitológico da
comonas é o de Diamond modificado (MDM), mas o meio doença de Chagas é fortemente influenciadopelo estágio
de Knpferberg também é útil. Quando semeados adequada- da infecção. Os melhores resultados são obtidos durante a fase
mente, os parasitos crescem rapidamente in vitro, devendo a aguda, quando o número de parasitos circulantes é elevado.
cultura ser examinada diariamente ao microscópio inverti- Os métodos mais utilizados compreendem o exame micros-
do. O resultado somente deverá ser considerado negativo de- cópico de amostras de sangue capilar ou venoso, a fresco ou
pois da análise diária do material cultivado por pelo menos coradas, o exame de amostras de sangue centrifugado (micro-
4 dias. Com amostras provenientes de homens, recomenda- hematócrito), além das técnicas que envolvem Inultiplicação
se o acompanhamento da cultura por pelo menos 10 dias. prévia dos parasitos, como o xenodiagnóstico e a cultura in
Apesar de sua excelente sensibilidade(8696-9796), a cultura é vitro [Teixeira e colaboradores, 2006).
uma técnica relativamente cara. Os tripomasiigotas,particularmente abundantes durante a
Um método alternativo e conveniente para detecção dos fase aguda da infecção, podem ser encontrados em amostras
parasitas nas amostras suspeitas é o do envelope plástico (Beal de sangue examinadas a fresco ou após ñxação e coloração. É

FIGURA 54-7 Principais estágios evolutivos de Trypanosoma cruzi e das Ieíshmânías.


Diagnóstico parasitulógico das principais doenças parasitárias 383

recomendada a coleta sangüínea corn uso de anticoagulantes Leishmaniose:


para a visualização dos parasitas em amostras a fresco, em
As leishmanioses apresentam ampla distribuição geográfica,
que os batimentos característicos do flagelodespertam a aten-
ção do microscopista. A amostra é examinada entre lâmina que abrange 88 países localizados nos continentes america-
e lamínula ao microscópio de luz, com objetiva de 40x. Uma no, af1'icano, europeu e asiático. Estima-se em 12 milhões de
vez detectada a presença do parasita, recomenda-se o prepa- pessoas o número de portadores da forma tegumentar ou
ro de esfregaço sangüíneo, para avaliação das suas caracterís-
visceral da doença; 350 milhões encontram-se sob risco de
ticas morfológicas. O exame de gota espessa, que resulta na infecção. O diagnóstico parasitológico da infecção pode ser
análise de um volume relativamente grande de sangue em um realizado em esfregaços por aposição (imprint), em material de
número reduzido de campos microscópicas, eleva a possibi- punção aspiratíva ou raspado de material coletado de borda
lidade de detecção do parasita. O micro-hematócritoe a téc- de lesão (para leishmaniose tegumentar) e em aspirados de
nica de Strout, descritos anteriormente, podem ser utilizados órgãos (para leishmaniose visceral), bem como em material
para aumentar a sensibilidadedo exame rnicroscópico. proveniente de cultura in 15m) e inoculação em animais de la-
O xenodiagnóstico é indicado quando não se consegue boratório (em ambos os casos) (l-lerwaldt, 1999).
demonstrar a presença do parasita pelas técnicas anterior- A demonstração do parasita é essencial para a confirma-
mente descritas, o que ocorre especialmente na fase crônica ção da suspeita clínica. Na leishmaniose tegumentar, a forma
da infecção. Essa técnica consiste em colocar ninfas de quin- amastigota do parasita é pesquisada em lesões ulceradas e
to estágio de triatomíneos criados em laboratório (geralmente
não-ulceradas da pele e mucosas. Os esñegaços são realiza-
'lHatoma infestans ou Dipetalogaster maximum), portanto li- dos com amostras obtidas por meio de punção aspirativa ou
vres de qualquer infecção, para realizar repasto sangüíneo di- raspagem da borda interna das lesões. O material proveniente
retamente sobre a pele do paciente supostamente infectado ou
de biapsias da borda da lesão é utilizadopara a confecção de
lâminas por aposição e exames histopatológicos; os fragmen-
em sistema de alimentação artificial contendo sangue suspei-
tos de tecido obtidos devem representar diferentes partes da
to. l-labitualmente, são utilizadasentre cinco e 10 ninfas e o
lesão e atingir a epiderme e a derme. Após a fixação com me-
repasto é realizado por pela menos 30 minutos. Uma vez in- tanol e coloração com Giemsa ou Leishman, a amostra pro-
fectados, os insetos passam a eliminar parasitas nas fezes
veniente de raspado, aspirado ou aposição é analisada ao
(tripomastigotas metacíclicos).A análise do conteúdo intes- microscópio ótico com objetiva de imersão. Os amastigotas
tinal é geralmente realizada 30, 60 e 120 dias após repasto san-
güíneo, no caso de infecções crônicas, e entre o sétimo e 10° podem ser observados dentro de macrófagos au livres, caso
tenha ocorrido o rompimento da célula hospedeira. Na lesão
dia, nas casos supostamente agudos. A coleta das fezes deve cutâneade longa exrolução, a visualização do parasita pode ser
ser realizada por meio da dissecação ou da compressão do
abdome do triatorníneo em um recipiente contendo solução comprometida por sua relativa escassez; enquanto na fase
inicial de infecção são detectados amastigotas na grande mai-
salina. O material deve ser examinado entre lâmina e larninula
oria dos casos, somente 20% dos exames microscópicas são
ao microscópio (objetiva de 40X) para detecção do batimento

Hagelar do parasita. Recomenda-se o uso de azul de metileno positivos para lesões com Inais de l ano de evolução. Portan-
to, recomenda-se o exame de pelo menos três amostras antes
para corar as estágios evolutivos do parasita, sem afetar seu de o resultado ser dado como negativo. De maneira geral, os
batimento flagelar (Ferreira e colaboradores, 2006). A sensi-
bilidadedessa técnica pode chegar a quase 100% na fase aguda parasitas também são raros em lesões mucosas, sendo mais
fácil sua detecção na fase
de infecção e situa-se entre 13% e 69% na fase crônica. Sua
maior desvantagem é o tempo necessário para a obtenção das
resultados.
Quando a doença de Chagas não é revelada por meio dos
exames sangüíneos tradicionais e o xenodiagnõstica não é
uma técnica acessível, a cultura in vitro representa uma alter-
nativa para a demonstração direta de IÍ cruzi. A técnica é po-
tencialmente aplicável tanto na fase aguda como na fase
crônica da infecção. Para sua realização, é recomendada a uti-
lização de sedimento leuoocitário correspondente a pelo me-
nos 30 mL de sangue venoso. Depois de semeado sobre meio

próprio (geralmente ágar-sangue ou LIT [liver infusion


triptosej), o crescimento do parasita em cultura mantida a
28°C é monitorado após 30, 45 e 60 e 90 dias. O exame mi-
croscópico pode ser feito a fresco ou com coloração vital (azul
de metileno),buscando-se observar o batimento flagelar dos
epimastigotas. A sensibilidadedas culturas in vitro tende a ser
superior à verificada para o xenodiagnóstico (22%-79%)
quando é utilizadoum volume substancial de sangue venoso
(pelo menos 30 mL). Na fase crônica de infecção, podem-se
associar as duas técnicas.
384 Parasitologia -
uma abordagem clínica
tas são visualizadas na interior dos leucócitos ou fora deles,
caso as células tenham se rompida durante o prepara da
esfregaço. Contudo, a sangue não deve ser 0 material de es-
colha para diagnóstico da infecção devida à elevada probabi-
lidade de resultados falso-negativos.
Além da dificuldade de encontrar amasügotas em condi-
ções de baixa carga parasitária (p. ex., em lesões de evolução
prolongada), o excame microscópica tem outra limitação im-
portante: não permite diferenciar com segurança as espécies
de leishmânias. A cultura in :Iitro da parasita, no entanto, ofe-
rece uma alternativa para contornar essas limitações (Singh,
2006). Para sua realização, a material proveniente de punção,
aspiração ou biopsia de lesões e órgãos deve ser distribuido
em recipientes contendo meia de cultura apropriada para o
crescimento dos parasitos e incubado a 24-26°C. Existem vá-
rias meias, sólidas au líquidos, disponíveis para cultura de
leishmânias, dentre as
FIGURA 54-8 Morfologia dos estágios sangüíneos dos plasmódios que ¡nfectam o homem em sfregaço corado com Gíemsa.

racterísticas dos trofozoítos de P. falciparum, ainda que sem tágios sangüíneos do parasita são encontrados no sangue pe-
especiñcidade absoluta no diagnóstico de espécie, são: a pre- riférico. Os trofozoítos jovens, com forma de anel de sinete,
sença de dois ou mais trofozoítos na mesma hemácia, o en- são difíceisde dislinguirdaquelesdelãfízlcmmunnmasostro-
contro de parasitos na periferia do citoplasma das hemácias fozoítos nladuros têm geralmente um aspecto irregular, com
(formas accolé ou applíqué) e de parasitos com dupla croma- extensões amebóides em seu citoplasma.As hemácias para-
tina. As hemácias parasitadas, quando comparadas às nor- sitadas por trofozoítos maduros, esquizontes e gametócitos
mais, não apresentam aumento de diâmetro. Os gametócitos apresentam manchas delicadas rosadas ou avermelhadas,
de P. faíciparum são típicos: são alongados e curvos, em for- facilmenteidentificadas em esfregaços sangüíneos cotados de
ma de crescente ou de banana. Apresentam freqüentemente modo apropriado, conhecidas como granulações de Schüifner.
pigmento malárico em seu interior, ocasionalmente visto Os gametócitos são ovais e ocupam quase toda a hemácia. Os
também em hemácias parasitadas por Uofozoítos. Os game- gametócitos femininos coram-se mais intensamente que os
tócitos masculinos apresentam citoplasma fracamentecora- masculinos, e apresentam núcleo mais compacto, geralmen-
do, enquanto o citoplasma dos gametócitos femininos se cora te em localização periférica. O pigmento malárico geral-
fortemente em azul. Observa-se geralmente extensa deposição mente é abundante. Os gametócitos de R. vivax tendem a
de pigmento malárico. Os gametócitos surgem no sangue aparecer precocemente no curso das infecções
periférico cerca de 10 dias depois do início dos acessos fehris.
As hemácias parasitadas por P. vivam: têm geralmente diâ-
metro maior que as hemácias não parasitadas. Todos os es-
386 Parasitologia -
uma abordagem clínica
Os trofozoítos mais maduros podem assumir formas mais parasita nesse material. O liquido amniótico deve ser centri-
características, em faixa ou em cesto (Kawamoto e colabora- fugado a aproximadamente 400 g, sendo o sedimento exami-
dores, 1999). Os grânulos de hemozoína são pouco abundan- nado ao microscópio a fresco ou cotado com Gíemsa. Menos
tes, mas tendem a ser mais grosseiros do que nas demais freqüentemente, a técnica é utilizadapara o isolamento de
espécies. Não se observa granulação de Schüñiner, e as he- parasitas a partir do líquor.
mácias parasitadas têm o msmo diâmetro das hemácias não A cultura in 'VÍITO tem sido utilizadaprincipalmente para
parasitadas. Os gametócitos assemelham-se aos de R. vivam, o diagnóstico da toxoplasmose em indivíduos imunodepri-
mas têm diâmetro menor. midos, apresentando sensibilidadereduzida. A técnica consiste
Os aspectos mais característicos da infecção por R. ovale, na semeadura de amostras de creme linfocitário, líquor,líqui-
uma espécie não encontrada no Brasil, são as deformidades do amniótico, entre outros, em meio contendo ñbroblastos
que ocorrem nas hemácias parasitadas, que se tornam alon- humanos ou outras células facilmentemantidas in vitro.
gadas e apresentam a margem denteada, bem como a presença 'Fambém é possível a utilização de embriões de galinha. Após
de granulação de Schüñher. Os gametócitos são semelhantes 4 a 5 dias de cultura, as células devem ser coradas com
aos de R vivax e .P. malariae. Giemsa e examinadas ao microscópio, para a busca de taqui-
Dentre as espécies de plasmódios que infectam o homem, zoítos intracelulares ou livres no meio de cultura. Geralmen-
R. falcipamm é a única para a qual se dispõe de técnica de cul- te são observados pontos de necrose nas células parasitadas.
tivo contínuo in vitro. Por ser uma técnica extremamente la- A inoculação em animais de laboratório é o método mais
boriosa e, sobretudo, pela existência de métodos alternativos, utilizadopara o diagnósticoparasitológico da toxoplasmose,
a cultura não tem aplicação diagnóstica, mas é utilizadaroti- especialmente na fase crônica da infecção. ÍÍ gondii pode ser
neiramente para a realização de testes de sensibilidadedo pa- isolado a partir de fluidos (sangue, líquido amniótico ou lí-
rasito a diversos medicamentos. Os plasmódios que causam quor, entre outros) e outros tecidos (p. ex., placenta) do hos-
doença humana são parasitas extenoxenos (muito específicos pedeiro, com a sua inoculação no peritônio de camundongos.
quanto à espécie de hospedeiro que são capazes de infectar); O líquido peritoneal dos animais deve ser coletado e exami-
podem infectar algumasespécies de macacosdo Novo Mun- nado para a busca de taquizoítos decorridas 1 a 3 semanas do
do, mas esses modelos experimentais de custo elevado não inóculo inicial É recomendada ainda a análise de tecidos ce-
têm papel na investigação diagnóstica. rebrais ou de outros órgãos (geralmente após 30 dias de
infecção) para a busca de cistos contendo bradizoítos. A aná-
lise do tecido cerebral do animal é feita gerahnente por meio
Moplasmose de cortes histológicos fixados com metanol e cotados pelo
Gíemsa.
A toxoplasmoseé uma das infecçõesparasitárias mais difun-
didas no mundo. Cerca de um terço da população mundial
apresenta anticorpos contra 'Ibxaplasnzagondii, com alta pre-
valência de infecção em certas regiões da Europa, América do
Sul e África. A escolha do teste mais apropriado para o diag-
nóstico parasitológico da toxoplasmosedepende do contex-
to dínico do caso investigado. Rotineiramente, o diagnóstico
incluitécnicas sorológicas para a detecção de anticorpos IgG
ou IgM. Além disso, a reação da cadeia da polimerase (PCR)
é considerada uma das técnicas mais sensíveis para o diagnós-
tico da toxoplasmose [Petersen, 2007). A busca direta pelo
parasito em amostras de sangue e outros fluidos corporais
geralmente não é realizada, salvo em recém-nascidos, quando
há suspeita de toxoplasmosecongênita, ou em casos clínicos
muito atípicos e graves. Geralmente, as técnicas utilizadassão
esfregaços sangüíneos e de líquidos corporais, cultura in vi-
tro e inoculação em animais de laboratório.
Nos recém-nascidos, durante a fase aguda da infecção, a
pesquisa de 'lí gondii é geralmente realizada no sangue. Para
tal, amostras de sangue coletadas por punção venosa (pelo
menos 10 mL) devem ser cenlrifugadas a 400 g. O creme leu-
cocitáiio, coletado na interface entre as hemácias e o plasma,
é utilizado para a preparação de esfregaços que podem ser
examinados ao microscópio a fresco ou após coloração com
Gíemsa. A sensibilidadeda técnica é de aproximadamente
90%, varizmdo de acordo com a parasitemia.
Embora as técnicas moleculares, especialmente a PCR, ve-
nham sendo aplicadas para a pesquisa do DNA de 'E gondii
no líquido amniótico, é possível a demonstração direta do
Diagnóstico parasitológico das principais doenças parasitárias 337 _-
QUADRO 54-1 Métodos mais empregados para o diagnóstico laboratorial de infecção pelos principais
nematódeos intestinais humanos

Controle de Cura
Asaaris lumbrieoides Ovo Emma direto, técnicas de Repetir o exame 7, i4 e
oonoenlraçõo, Kato-Katz 21 dias após o tratamento
Trichuris trichiura Ovo Exame direto, técnicas de Repeliroeaeame 7, 14e
concentração, Kato-Katz 21 dias após otraiumerrto
Ancilostomídeos Ovo (às vezes larvas Exame direto, técnicas de Repetiroename?, 14 e
são encontradas) concentração, Kato-Katz 21 dias após olraiamento
Strongyloides stercorolis larva rabdítóide Pesquisa de larvas Repetir o exame 8, 9 e
[Baermann, Rugai] 10 elias após o tratamento
Enterobius vermiculoris Ovo Swobcnal Repetir o exccme por 5-7 dias
consecutivos, começando 8 dias
após o tratamento

QUADRO 54-2 Características selecionadas das principais espécies de ancilostomídeos que infectam o
homem

Necator Ancylostnma
Característica americanas duodcnale
'liamanhodo addto
Fêmea 9-11 mm 10-13 mm
Macho 5-9 mm 9-11 mm
Estruturas presentes na cápsula bucal Duas placas cortantes Dois pares de dentes grandes
Morfologia da bolsa oopuladora do macho Mais longa que larga Mais larga que longa
Número de ::Nos eliminados por dia 5.000-10.000 1000020000
Tamanhodo um 64-76 pm por 36-40 um 5660 um por 36-40 um

A. braziliensee A. caninum e de diversos outros nematódeos qronis, Angiostrongylus cantonensis, A. costaricencis e Gna-
não-humanos, pode produzir as lesões conhecidas com o thosmmaspinigerum.
nome de larva migrans cutânea. Os nomes populares in- A síndrome da larva migram visceral acomete principal-
cluem bicho geográñco e bicho da areia. As infecções hu- mente crianças com idade entre l e 4 anos. Os sintomas de-
manas são freqüentemente contraídas em praias e outros pendem da carga parasitária, da freqüência de reinfecções, da
ambientescontaminados com fezes de cães infectados. As lar- localização das lmões e da intensidade das reações inñamató-
vas avançam 2 a 5 cm por dia, através do tecido subcutâneo, rias produzidas pelo hospedeiro. A doença tem geralmente
deixando atrás de si um cordão eritematoso saliente e alta- curso benigna, caracterizadopor febre, hepatomegalia (oca-
mente pruriginoso. Pode haver a formação de vesículas. O sionalmente esplenomegalia) e eosinoñlia persistentes. Podem
aspecto das lesões é típico, facilitandoo diagnóstico. As lar- ser observados infiltrados pulmonares em radiografias de
vas morrem e degeneram em poucos dias ou semanas, sem- tórax, acompanhados de tosse, sibilos ou broncopneumonia,
pre restritas ao subcutâneo,incapazes de alcançarem vasos e reações alérgicas. A doença ocular é geralmente observada
sangüíneos e linfáticos e realizarem a migração pulmonar. O em crianças mais velhas, que muitas vezes não apresentam
diagnóstico é clínico. manifestações sistêmicas da infecção. No entanto, a maioria
A larva migram visceral é uma síndrome clinica causada das infecções por Taxocara é leve (em termos de carga para-
pela migração de larvas de nematódeos através de diversas sitária) e assintornática.
vísceras humanas. Os parasitas que mais commnente a pro- Como a maioria das infecções é autolimitada, somente os
duzem são ascarídeos de cães (TaxocaraCanis) e ocasional- casos mais graves requerem tratamento. O diagnóstico é fei-
mente de gatos (Ilbxocara (tati), cujos adultos habitam o trato to por meio de sorologia. Havendo suspeita de doença ocular,
digestivo de seus hospedeiros habituais, quase exclusivamente recomenda-se a pesquisa de anticorpos no humor vítreo ou
filhotes. Outros nematódeos associados com síndromes de aquoso. A pesquisa do parasita não tem papel no diagnósti-
migração larvária em seres humanos são Bayliascarispro- co da infecção humana.
388 Parasitologia -
uma abordagem clínica

Os trematódeos são classicamente definidos como helmin-


tos parasitas pertencentes à classe Trematodado Elo Platyhel-
minthes. No entanto, há diversas razões para considerar-se a
classe Trematodacomo um agrupamento artiñcial de espé-
cies pouco relacionadas entre si e propor a definição de Mo-
nogenea e Digenea como classes distintas de platehnintos.
Descreve-se aqui o diagnóstico de infecções humanas causadas
por dois hemintos digenéticos, S. mansom' (esquistossomose
mansônica), da familia Schistosomaiidae, e Fasciola hepática
(fasciolose), da família Fasciolidae.Ouiros digenéticos que fre-
qüentemente infectarn seres humanos em outras regiões do
mundo compreendem, entre outros, Schistasoma haemato-
bium, S. intercalatum, S. japonicunr, Fascínio gigantim, Fas-
ciolopsis bush, Paraganimus westermcmi, Clonorchis sinensis,
Metagonimusyokogawai e Heterophyes heterophyes.
O diagnóstico parasitológico da esquistossomose mansõ-
nica baseia-se no encontro de ovos de S. mansom' nas fezes.
A escolha entre tómicas qualitativas ou quantitativasdepende
do contexto clínico e epidemiológico em que os resultados se-
rão interpretados (Quadro 54-3). Os métodos mais freqüen-
temente empregados no Brasil são a técnica de concentração
por sedimentação (Hoffman, Pons e Janet) e o método de
Kato-Katz. Como a produção diária de ovos pelas fêmeas
de S. mansom' é relativamente pequena e nem todos os ovos
produzidos atingem a luz intestinal, recomenda-se examinar
pelo menos três amostras fecais para o diagnóstico de infec-
ções leves. O teste de eclosão de miracídios é empregado prin-
cipalmente no seguimento de pacientes tratados. Como
muitos ovos podem ficar retidos na mucosa do intestino gros-
so e reto em
Diagnóstico parasitulógico das principais doenças parasitárias 389

apresenta 15 a 30 ramificações uterinas de cada lado da has-


te uterina, que distalmente se ramiñcam de modo dicotomia).
A tarnisação de fezes para a pesquisa de proglotes de Ibema,
que consiste em peneírar uma emulsão de fezes em água
através de uma peneira metálica de 80-100 malhas por cm¡ e
procurar proglotes retidas na peneira, é uma alternativa sim-
ples e eficaz para diagnóstico.
A infecção humana pela fomla larvária, conhecida como
cisticercose, ocorre por meio da ingestão de ovos de 'L' solium.
Neste caso, os seres humanos fazem o papel de hospedeiro
intermediário acidental. O quadro clinico da cisticercose hu-
mana depende de característicasdos cisticercos, da resposta
imune do hospedeiro e do número e da localização dos cis-
ticercos presentes; a neurocisticercose é a apresentação clíni-
ca mais comum. O diagnóstico da neurocistioercose depende
de exames sorológicos e de imagem; o encontro do parasita
não tem aplicação diagnóstica.
A hidaüdose é a infecção causada pela forma larvária de
cestódeos do gênero Echinococcus, em que o homem faz o
papel de hospedeiro intermediário acidental. Os hospedeiros
intermediários habituais das espécies encontradas no Brasil,
E. granulosus e E. vogeli, são, respectivamente, o carneiro e a
paca. As infecções por
390 Parasitologia -
uma abordagem clínica
mentos superficiais da pele [ao nível das papilas dérmicas), em
condições
Diagnóstico parasitulógico das principais doenças parasitárias 391 -
situações em que a taxa de infecção natural e' baixa, havendo microscopicamente depois de pelo menos 7 dias da infecção,
necessidade de análise de um número elevado de insetos, o enquanto os esporozoítos são detectados nas glândulas sali-
método torna-se extremamente laborioso. Além disso, sua vares do inseto por volta do 14° dia após o repasto sangüíneo
sensibilidadedepende fundamentalmenteda experiência do infectante. Outra limitação dasa técnica é não permitir a iden-
responsável pela análise das preparações. A inoculação em tificação da espécie de plasmódio presente no vetor (Gilles 8¡
animais de laboratório, a RIP, o ELISA e a PCR também têm xvaneu, 1993).
sido utilizadospara indicar a presença do parasito nos exem- A RIP foi primeiramente utilizadapara facilitara detecção
plares de insetos. e quantificação de oocistos e pré-oocistos (zigotos e oocine-
Para a inoculação em animais de laboratório, geralmente tos) de P. falcipamnz, empregando um anticorpo monoclonal,
são utilizadoshomogenatos constituídos de número !variado conjugado com fluoresceína., que tem como alvo Pfs25, um
de insetos, sendo o protocolo de inoculação semelhante ao antígeno protéico expresso nos estágios esporogónicos do
descrito para as lesões por flagelados teciduais, descrito an- plasmódio (Gouagna e colaboradores, 1999). O processo é
teriormente neste capítulo. Normalmente, a lesão no animal simples: consiste em incubar o intestino médio dissecado do
é observada algumas semanas após o inóculo, podendo o inseto com o anticorpo monoclonal anti-Pfs25 marcado com
parasito ser detectado diretamente em esfregaços de aspira- fluoresceína. O material é, então, montado entre lâmina e
dos ou biopsia da lesão ou depois de cultivo do material ob- lamínula e analisado diretamente ao microscópio de fluores-
tido da lesão do animal. A RLF também tem sido indicada para cência ou adaptado a um fotômetro. Por meio dessa técnica,
a detecção de promastigotas no inseto vetor. Geralmente uti- a identiiicação dos estágios evolutivos do parasito no vetor re-
liza-se como alvo a gp63, uma glicoproteína de superficie das
quer a observação do seu padrão típico de pigmentação.
leislunânias. O imunoensaio enzimática (ELISA), baseado na
Quando comparado à microscopia convencional, esse méto-
utilização de anticorpos monoclonais espécie-específicos, tem do mostra-se mais sensível, permitindo a detecção de formas
demonstrado bons resultados na detecção e caracterização
das leishmãnias no vetor. A taxa de infecção vetorial obser-
jovens do parasito 6 horas após a infecção do ir1seto.
Com base na utilização de anticorpos monoclonais que
vada por esse método é comparável àquela determinada
reconhecem especiñcamente uma proteína de superñcie dos
por meio do exame microscópico de exemplares dissecados.
Atualmente a PCR é o método mais utilizadopara a detecção esporozoítos, a proteína circunsporozoíta ou CS, o ELISA de
de leishmãnia nos flebótomos, devido ã sua elevada sensibi- captura é considerado o padrão-ouro para a determinação da
ínfectividade dos mosquitos transmissores de malária (Appa-
lidade. A técnica, que pode ser realizada com insetos indivi-
wu e colaboradores, 2003). A amostra teste é geralmente cons-
duais ou agrupados (em pack), e' capaz de detectar o DNA de
tituída de um homogenato individual de cabeça e tórax (para
apenas um parasito na amostra (Lopez e colaboradores,
a pesquisa de oocistos e esporozoítos) ou somente da cabeça
1993). Além de permitir a identificação da espécie de leish-
mània por meio de genotipagem, o processamento de um do vetor (para a pesquisa de esporozoítos), sendo distribuída
em microplacas de poliestireno previamente incubadas com
grande número de insetos é rápido, tornando a etapa de aná-
lise do material coletado em campo menos laboriosa. anticorpo monoclonal anti-CS. A presença do antígeno em
uma amostra individual pode ser verificada a olho nu ou
após a determinação de absorbãncia em colorímetro de mi-
Malária croplacas. Essa técnica apresenta como limitações principais
o fato de poder gerar resultado falso-negativo e o relativo
A maláriahumana é veiculada por mosquitos do género Ano- grau de complexidade para sua execução. A sensibilidadee a
pheles, sendo que o complexo Anopheles gambiaereúne as especiñcidade do método são estimadas entre 95% e 99%, res-
principais espécies vetoras no continente añicano e Anopheles pectivamente.
darling¡ é o principal vetor no Brasil. Tanto a RIP quanto o ELISA não são técnicas facilmente
Tradicionalmente,a presença do parasito é determinada aplicáveis em situações de campo, devendo o material coleta-
pela observação direta dos esporozoítos ou oocistos na glân- do ser acondicionadoe posteriormente transportado para
dula salivar e no intestino médio do anofeliuo, rapectivamen- análise laboratorial. Diante da necessidade de desenvolver
te. Embora a demonstração dos esporozoítos seja o método uma ferramenta para aplicação em campo, tem-se investido

preconizado para determinar o potencial infectante de uma em testes rápidos de detecção de parasitas, os chamados tes-

espécie de anofelino, o processo de dissecação da glândula tes imunocromatográñcos. O Vedliest” representa uma das
salivar é bastante complexo,exigindo eitperiéncia do executor. versões desses testes ainda não disponível no mercado. Seme-
As glândulas,rompidas em solução salina fisiológica e colo- lhante ao ELISA, também detecta a proteina CS, mas utiliza
cadas entre lâmina e lamínula, são analisadas ao microscópio uma ñta de nitrocelulose anticorpo monoclonal anti-CS

óptico a fresco. Se necessário, o material pode ser lixado com adsorvido conjugado a ouro coloidal. Existem produtos para
metanol e corado com Giemsa ou laranja de acridina (Gilles a detecção de R. _falciparum e R. vivax. O resultado positivo é
8¡ Warrell, 1993). A demonstração dos oocistos no intestino determinado pela formação de uma linha horizontal verme-
médio é mais simples, mas não define a capacidade vetorial lha na fita em que anticorpo espécie-específico está adsorvido.
da espécie de mosquito analisada. O uso de solução de mer- Esse teste tem sensibilidadee especiñcidade superiores a 89%
curocromo a 2% pode facilitara visualização microscópica e 99%, respectivamente (Ryan e colaboradores, 2001; Appawu
dos oocistos (Gouagna e colaboradores, 1999). Uma limita- e colaboradores, 2003; Sattabongkot e colaboradores, 2004)

ção do exame direto é que os oocistos só se tornam visíveis e oferece como vantagem a praticidade no manuseio e na
392 Parasitologia -
uma abordagem clínica
interpretação dos resultados em situações de campo. Contu- FERREIRA, C.S.; AIVIATO NETO, V.; ALARCON, R.S., GAKIYA, E.
do, entre suas desvantagens está seu alto custo. Identilicationof Crypmsporidianr spp. oocysts in fecal sinears stai-
Nos anos recentes, a PCR vem sendo amplamente utiliza- ned withHeidenhaink iron heinatoxyrlin. REV. Inst. Med. Tiop. São
da para a detecção de DNA dos plasmódios no vetor, permi- Paulo, v. 43, pp. 341-342, 2001.
FERREIRA, CS.; BEZERRA, RC.; PDWI-IEIRO, AA. lvíethyleneblue
tindo identiñcar a espécie de plasmódio infectante. Quando vital smining for Trypanosoma cruzi tqrpomastigotes and epimas-
comparada aos demais métodos, a PCR demonstra boa sen- tigotes. Rev. Inst. Med. Trap. São Paulo, v. 48, pp. 347-349, 2006.
sibilidade,podendo detectar até menos de 10 esporozoítos FERREIRA, GS.; CARVALHO, M.E. Diafanizaçâo de esfregaços fecais.
por glândula salivar [ou 0,2 pg de DNA por amostra) (Tas- Rev. Saúde Pública, v. 6, pp. 19-23, 1972.
sanakajon e colaboradores, 1993; Moreno e colaboradores, FERREIRA, CLS.; FERREIRA, M.U.; NOGUEIRA, M.R. The prevalence
of infection by intestinal parasites in an urban slum in São Paulo,
2004). Dentre suas limitações está a impossibilidadede exe- Brazil. I. Trap. Med. Hyg., v. 97, pp. 121-127, 1994.
cução em campo, a necessidade de equipamento adequado e FERREIRA, C.S. Staining of intestinal protozoa with Hdenhaids iron
o alto custo. hemanoxjrlin. Rev. Inst. Med. Trap. São Paulo, v. 45, p. 43-44, 2003.
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of Anti-Pfs25 monoclonal antibody for early determination of
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JOACHIM,A.; DULMER, N.; DAUGSCHIES, A. DíHerentiationof two
utilizadasfoi desenvolvida para a identificação de ovos de
hehnintos (Sommer, 1998) e de cistos de protozoários de in-
Oesophagosromunr spp. from pigs, O. dmratunr and O. quadrispi-
nularum, by computer-assisted image analysis of Fourth-stage
teresse médico ou veterinário (Castañon e colaboradores, larvae. Parasitol. Int., v. 48, pp. 63-71, 1999.
2007), embora alguns métodos sejam aplicáveis a larvas (loa- KAIÀWMOTO, F.; LIU, Q.; FERREIRA, hill.; TÁNTLIÀR, 1.5. HOW
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morfologia relativamente bem definida e homogênea, com LOPEZ, M.; ORREGO, c.; CANGALAYA, M.; INGA, R.; AREVALO,
contornos nítidos, quando comparada à dos trofozoítos e
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tico computacional são o tamanho das estruturas, a forma do MOITINHO, M.; BERTOLI, M.; GUEDES, T.A.; FERREIRA, CLS. In-
contorno (elíptico, circular ou oval) e a espessura da parede, fluence of reñigeraüon and fonnalin on the ñoatabilityof Giardàz
bem como a estrutura interna. Essas característicaspodem ser duodcnalis cvsts. Mem. Inst. Ústvaldo Cruz, v. 94, pp. 571-574, 1999.
procasadas com relativa rapidez, proporcionando o diagnós- MORENO, NI.; CÍANO, I.; NZAIVIBO, S.; BÚBUAJCASI,l.; BUATICHE,
tico em tempo real a partir de imagens digitais dos elementos LN.; ONDO, M.; WCT-IA, F.; BEWITO, A. Malaria panel assay ver-
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parasitários (Castañon e colaboradores, 2007). Embora os sus
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métodos de diagnósticocomputacionaltenham sido desenvol-
PETERSEN, E. Toxoplasmosis. Feras hieon. Med., v. 12, pp. 214-223,
vidos, até o momento, para um número restrito de espécies 2007.
de parasitas, é previsível a sua popularização nos próximos PIZZARO, LC.; LUCERO, D.E.; STEVTÍNS, I.. PCR reveals sugniñcandy
anos, tornando-se uma alternativa disponível para o labora- higher rates of Trypanosoma cruzi infection than microscopy in
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(página deixada intencionalmente em branco)
@tágnóstíco em
parasitoses exames
-

sorofógicos
Heitor Franco de Andrade Junior
Luciana Regina Meireles
396 Parasitologia -
uma abordagem clínica
epidemiológicos e na exclusão de uma suspeita diagnóstica.
Entre as técnicas para sua detecção, os testes de aglutinação,
As parasitoses tiveram 11H13. incidênciaelevada no ser hurna- usando desde agentes unicelulares íntegros, hemácias ou par-
tículas de látex revestidas por antígenos do agente são relati-
no, e ainda prevalecem em regiões desfavorecidas do mundo,
vamente rápidos e de leitura visual desarmada, o que resulta
sobretudo nos paises em desenvolvimento ou nas populações
em baixo custo. O uso de parasitos íntegros congelados ou
marginais de paises desenvolvidos. O diagnóstico era mais fixados em lâminas permitiu a detecção desses anticorpos li-
epidemiológico e clínico na maioria das parasitoses, inclusive
com busca ativa com exames rotineiros em pacientes assin-
gados diretamente ao agente, com caracterizaçãomorfológica,
tomáticos. Os métodos diagnósticos utilizarammétodos pela imunofluorescênciaindireta. Essa técnica é duplamente
eñcziente, permitindo não só a identiñcação do anticorpo, mas
morfológicos em exame direto ou concentrados grosseiros, já sua localização característica no agente. Infelizmente, esse teste
que uma das características dos parasitos é seu tamanho é caro, pois depende de equipamentos e observação por pes-
maior, facilmenteidentiñcável em microscopia, aliada a uma soal treinado.
grande dificuldade de crescimento sic-vivo ou in vitro dos O refinamento da pesquisa dos anticorpos pode ser feito
agentes, altamente adaptados ao parasitismo e à infestação. em ensaios imunoenzimáticos ou BIA, nos quais podem ser
Os avanços da saúde humana global e da qualidade de vida
identificadas a presença dos anticorpos, bem como a sua clas-
das populações, associados à rápida urbanização de grandes
se, lgG, IgA ou IgM, o que permite alguma inferência sobre a
populações, geraram uma diminuição signiñcativa da incidên-
cia da maioria dessas doenças, sobretudo as causadas por época da infecção e o estado imune do paciente. Atualmente
esses testes são comerciais e padronizados,permitindo auto-
helmintos ou de transmissão vetorial. Essa menor incidência
e um impacto social menos acentuado, associados a melhor mação, o que barateou muito seu custo. Outro avanço recente
foi o estudo da aridez dos anticorpos IgG, que guardam uma
nutrição das populações, levaram a um maior despreparo estreita relação com a época da infecção, com mais eñciéncia
dos médicos e laboratórios, resultando em menor eficiência
diagnóstica para essas doenças. Nesse contexto, é comum o diagnóstica. A maioria desses testes
indivíduo ser parasitado de forma assintomática, com diñcil
suspeita diagnóstica. Isso leva a um risco de transmissão am-
bientalalto e a reintrodução de agentes anteriormente elimi-
nados por medidas simples que foram esquecidas, apesar da
adoção de condições sanitárias aparentemente mais seguras.
Isso é run fenômeno social importante, acompanhando o grau
de informação das populações, tendo como paralelo a resis-
téncia nas vacinações em massa em países desenvolvidos,
apesar de inúmeros surtos de doenças virais evitáveis por va-
cinação. Apesar de menos CñCÍEIIÍES para diagnóstico, as so-
rologias surgem como uma alternativa para levantar a
suspeita diagnóstica, sem a necessidade de proiissionais trei-
nados em morfologia. Assim, em países desenvolvidos os
métodos morfológicos ou de conñrmação ficam restritos a
grandes cen1:1'os, mais capazes, e a sorologia fica destinada à
triagem para estudos mais profundos. Nesse contexto, deta-
lhamos a seguir os métodos e os aspectos especíñcos em cada
parasitose.

As técnicas denominadas sorológicas utilizam o soro dos pa-


cientes, um material de fácil coleta_ Em geral, são empregadas
na detecção de anticorpos ou antígenos circulantes do agen-
te. A pesquisa de antígenos circulantes é muito útil, em geral
realizada por métodos imunocromatográñcos ou por ensaios
de captura de antígeno, mas costumam ser positivos somente
na fase aguda ou de estado da infecção. A alternativa mais
comum é a detecção de anticorpos específicos. Estes são pro-
duzidos a partir da fase aguda da infestação ou infecção na
maioria dos pacientes, permanecendo por anos após o con-
tato e independente da sintomatologia inicial, sendo uma
marca definitiva da exposição ao agente. Sua presençaapenas
define o contato com o agente, sendo muito úteis em estudos
Diagnóstico em parasitoses - exames sorológicos

U+ OU§QÔÊ+ m-
Tipo de Teste. Resultado e Valor Prognóstico
Pesquisa de ELISA ELISA Testes de
Antígcno !g6 IgM Aglutinação

Nblória
Leishmaniose visceral
Leishmaniose cutânea
Doença de Chagas
Cripiosporidiase
Toxoplosmose
Amebíase
Gíandia
Helmintas Iumínois
Teníase
Esirongiloidíose
Taxooaríase
Esquislassomose
Cístieercose
Equinoooeose
Onoooeroose
Triquinelose
Áooros e outros ¡nfesioções
D - diagnóstico
A- diognóslico de doença agudo
| - ¡nconclusivo
C - contato ou infecção crônica
E - excludente.
*sugere diagnóstico em áreas com baixas prevolêncios

de transmissão, é importante o diagnóstico sorológico para leishmaniose visceral, a grande quantidade de antígenos e a
auxiliarna elucidação diagnóstica de pacientes com doenças ativação policlonal com muitos anticorpos de baixa añnida-
importadas, com exclusão dessa etiologia. de podem levar a resultado sorológico 'falso-negaúvo. Além
disso, o contato prévio corn agente positiva a sorologia, o que
ocorre na maioria (95%) dos infectados, que não desenvol-
Leishmaniose vem a doença. O resultado sorológico positivo não deve ser
indicativo de tratamento na leishmaniose visceral.
As leishmanioses são um grupo de doenças que afetam ape-
nas urna parcela dos pacientes infectados, podendo ocasionar
doença cutâneaisolada ou mucocutânea, ou doença visceral.
Nas doenças cutâneas, nas quais a carga parasitária é menor,
Doença de Chagas
a presença de anticorpos contra o agente é diagnóstica nos A sorologia na doença de Chagas ou nipanossomiase ameri-
casos de lesão clinicamente sugestiva. Testes para antígenos cana tem uma importância fundamental, porque os pacientes
circulantes têm sido desenvolvidos e tem especial importân- crônicos transmitem a infecção, e a sorologia indica o risco de
cia para o diagnóstico da leishmaniose visceral, em que a carga transmissão e a infecção. Os testes parasitológicos, como en-
parasitária é muito grande. Esses testes não têm valor na contro e cultivo do agente em sangue periférico e o xeno-
leishmaniose cutânea, na qual a quantidade de antígeno é diagnóstico em vetores, são demorados e reservados a centros
muito pequena. Nesse caso, na ausênciade testes morfo- de pesquisa. Uma parcela significativa dos pacientespode per-
lógicos a existência de sorologia positiva com lesão cutânea manecer assintomáüca, mas doença cardíaca e doença intes-
sugestiva é praticamente diagnóstica. Em pacientes com tina] podem aparecer em qualquer período, e a sorologia é
398 Parasitologia -
uma abordagem clínica
praticamente diagnóstica, na presença de quadro clinico su- mas, em sua ausência,acompanhamentoultra-sonográfico do
gestivo. Alán disso, os parasitas são relativamente raros na fase feto, para instituição de terapia mais agressiva. A toxoplasmo-
crónica da infecção, o que torna dificilaté o diagnóstico histo- se ocular acomete uma pequena porcentagem dos pacientes

lógico em biopsias. Durante a fase aguda da infecção, o acha- infectados imunocompetentes, mas tem presença significati-
do do agente em sangue periférico seria possivel com relativa va (-6096) nos casos de uveítes. A presença de IgG especíñca
facilidadepelo hematologista, mas os testes automatizadosde auldlia no diagnóstico, embora o quadro ocular fundoscópico
hemograma não detectam o agente, sendo necessária sempre seja bastante característico. Na encefalite por 'II gondii em
a solicitação específica da pesquisa de hematozoários, para imunossuprimidos, como na AIDS, a sorologia deve ser feita
que o teste seja feito de maneira manual. Os testes comerciais para confirmação da infecção, mas não serve para acompa-
atuais são altamente eficientes e confiáveis, mas é fundamen- nhamento terapêutico. A pesquisa de parasitemia em sangue
tal a suspeita clínica, por epidemiologia suspeita em caso de periférico, por PCR, é mais eficiente, sobretudo na suspeita de
cardite ou miosite injlamatória,incluindo a pesquisa de am- toxoplasmoseaguda em paciente com deficiência imune. Po-
bientes de transmissão vetorial, hemoderivados ou ingestão derá não haver resposta sorológica de IgG ou de IgM em vir-
de sucos ou pastas manuais sem pasteurização. tude da imunodeficiência, sendo a toxoplasmoseuma causa
de febre de origem desconhecida nesses pacienta. A pesquisa
epidemiológica da toxoplasmosetem importânciacrescente na
Criptosporidiase preparação dos serviços de saúde para as conseqüências da
infecção. Regiões com freqüência intermediária de adultos
A criptosporidíase é uma infecção intestinal de diñcil diagnós- jovens infectados (30% a 60%) têm maior risco de toxoplas-
tico, já que as formas do agente são facilmenteconfundidas mose congênita, enquanto em regiões com alta positividade
com fungos nas colorações fecais convencionais. Apesar de (>70% ) o risco de toxoplasmose ocular pode até orientar
sua relativa alta freqüência, cerca de 10% das diarrêias infan-
para exames fundoscópicos de rotina, embora haja menor
tis em alguns estudos, como é autolirnitadaem pacientes sem risco de toxoplasmosecongênita.
deficiência imunológica, não é feito um grande esforço diag-
nóstico na doençaaguda. Há testes para detecção de antígenos
do agente em fezes com uma maior eficiência que a pesquisa Amebiase
direta ou por técnicas de coloração específicas. Em pacientes
com deñciêndas imunes, como na AIDS, nos quais a excreção A amebíase, causada por Enramoeba spp., apresenta duas
de oocistos é constante, esses testes devem ser preferidos em síndromes clínicas, a disenteria amebiana, infecção do intes-
relação aos testes sorológicos. tino grosso e formação de abscessos amebianos no fígado
a
Em áreas com baixo nível de controle sanitário da água, a ou em outros órgãos. Nessas infecções, o diagnóstico para-
infecção é freqüente, atingindo taxas de 24% em um ano. A sitológico pode ser feito por análise morfológica, detecção de
sorologia para C. parvum na população, por qualquer méto- antígenos por técnicas imunocromatográñcas, cultura ou
do, seja IFI ou ELISA com antígenos recombinantes,pode. ser mesmo PCR, em fezes ou aspirados de abscessos. Em regiões
um excelente indicador do controle sanitário da água, prin- de baixa prevalência da infecção, a presença de anticorpos
cipal veículo de transmissão. IgG ou IgM, por [FI ou ELISA, pode ser importante tanto no
diagnóstico como na sua exclusão. A infecção por arnebas de
vida livre, como Acanthanzoeba, Naegleria e outras, não tem
Toxoplasmose sorologia definida e seu diagnóstico deve ser feito pela pesqui-
sa do agente em IDR ou lesões oculares, já que são doenças
A toxoplasmoseé uma infecção muito comum, quase sempre agudas, com pouca probabilidadetemporal de formação de
assintomãtica, na qual a pesquisa do agente e' bastante com- anticorpos.
plexa e restrita a algumas síndromes, em especial a toxoplas-
mose congênita, em que em geral é feita por PCR. Esse
cocczídeo induz uma rápida e eficiente resposta imune prote- Giardíase
tora, e os testes sorológicos são o método de escolha para seu
diagnóstico. Os quadros mais freqüentes são de linfadeno- A
patia febril prolongada em crianças ou adultos jovens. Há
testes comerciais de sorologia para IgG e para IgM, além de
testes conñrmatórios de avidez de IgG. Sua utilização é im-
portante para o diagnóstico de infecção recente em gestantes,
já que a toxoplasmosecongênita apresenta alto risco de lesões
fetais, com terapias adequadas, que devem ser instituídas
com presteza para minimizar danos fetais. Esse diagnóstico
costuma ter como base a presença de IgG e IgM específicas
para o agente, que caracteriza uma infecção recente, confir-
mada pela presença da maioria dos anticorpos IgG de baixa
avidez. Esse resultado em gestantes indica tratamento e pes-
quisa de infecção fetal, em líquido amniótíco, se disponível,
Diagnóstico em parasitoses -
exames surológicos 399

corpos especíñcos, que estão presentes mesmo após a elimi- mes nem excreção de ovos, que podem ser pesquisados em al-
nação do agente. Estudos epidemiológicos mostram uma in- gum animalde estimação do ambientedo paciente. Há ELISA
cidência de 16% ao ano em populações com menor qualidade para IgG com antígenos de larvas ou proteínas recombinantes
sanitária. Na presença de baixa prevalência da infecção, os tes- do agente, com sensibilidadee especiñcidade adequadas. Nes-
tes sorológicos podem ser mais úteis no diagnóstico, em es- ses casos, a associação dos dados clínicos com sorologia im-

pecial de infecções do intestino delgado inicial, duodeno e plica terapia adequada, não se fazendo necessária biopsia
jejuno, acompanhados de síndrome de má-absorção. confirmatória.Os testes para pesquisa de IgM não são espe-
cíñcos, apresentando reações cruzadas com outros vermes.

Esquistossomose
Luminais
Nas esquistossomoses, a doença costuma ser diagnosticada
Os hehnintos luminais, como Anqrlastoma sp., Necator sp., pelo quadro clinico e pela identificação de ovos em fezes ou
Enterobius sp., Ascaris e 'IHchuris sp., têm uma resposta hu- urina, ou mesmo por biopsia retal. Diante de quadros esta-
moral complexa e pouco estudada. Em geral, os poucos tra- belecidos com terapia desconhecida ou com baixa excreção
balhos mostram que a resposta sorológica humoral clássica de ovos, a presença de anticorpos séricos confirma o diagnós-
(IgG e IgM) mostra apenas contato com o agente, mesmo tico e permite terapia adequada. Na esquistossomose man-
assim na dependência do tipo de antígeno (ovo ou verme) sônica, com envolvimento hepatoesplênico grave, a sorologia
analisados. Na imunologia dessas infecções, estão envolvidas auxiliana diferenciação de outras causas de hipertensão portal.
Os testes sorológicos tem especial importância em pacientes
principalmente reações mediadas por lgE., com ativação de
eosinóñlos e outros produtos específicos para o combate a migrantes de áreas endémicas em paises desenvolvidos, onde
uma eventual invasão por larvas, e para o controle da infes- a doençapode ser diagnosticada anos após a migração, com

tação intestinal. A sorologia tem pouca importancia isolada pouca experiência em métodos morfológicos. A princípio, a
nessas infecções. A teníase e a diñlobotríase são infecções pe- reação de precipitinas circum-ovais foi utilizada,mas hoje foi
los platelmintos adultos, que podem ser diagnosticadaspela substituída por testes que utilizam antígenos purificados,
tanto hemaglutinaçãocomo ELISA, que apresentam especifi-
excreção de proglotes ou ovos nas fezes, além de testes para
detecção de antígenos excretados nas fezes, mas podem se cidade crescente na dependência da pureza e qualidade do an-
apresentar como anemias por perda de folatos ou vitaminas tígeno utilizado. Esses testes apresentam reações cruzadas
E12, sem suspeita clínica da infecção. Nesse caso, a pesquisa entre as esquistossomoses, e devem ser avaliados de acordo
com a epidemiologia e a clínica do paciente. Além disso, há
sorológica de IgG auxiliano diagnóstico, indicando a pesqui-
sa cuidadosa do agente na luz intestinal. A triagem pela pes- reações cruzadas com outros helmintos, como Paragonimus
quisa sorológica de pacientes infestados está sendo proposta sp. Mais recentemente, testes imunocromatográñcos tem sido
para terapia, tanto humana como veterinária, para redução desenvolvidos, para uso em triagem e estudos epidemioló-
da incidênciada cisticercose, doença causada por uma larva gicos, coni multado rápido e eficiente. Testes para detecção de
intermediária, muito mais grave e discutida a seguir. antígenos circulantes são eficientes para diagnóstico de ativi-
dade helmíntica no hospedeiro, negativando-se após o trata-
mento, mas também apresentam reações cruzadas.
Estrongiloidíase
A estrongiloidiase é uma freqüente infecção helmintica sis- Cisticercose
témica e o seu diagnóstico quase sempre tem por base a
infestação intestinal concomitante, detectada por métodos A infecção por estágios intermediários de Tàenia, ou cisti-
cercose, causa doença nos locais de implantação desses esta-
morfológicos. Os testes sorológicos, ELISA e lFl, ou imuno-
cromatográflcosestão disponíveis comercialmente e têm se gios imaturos, que migram para os órgãos após a ingestão de
ovos viáveis. A doença se manifesta no sistema nervoso cen-
mostrado eficientes na demonstração do contato com o agen-
te, que pode ser diagnóstico em grupos nos quais a preva-
tral, músculo e olhos e o diagnóstico é firmado com base na
lência da infecção é baixa. Além disso, esses testes têm especial imagem e sorologia específica no líquor ou no sangue. Vários
testes comerciais, como E-LJSA, fixação de complemento, he-
importânciapelo risco de ocorrência de doença disseminada maglutinaçãoe outros, estão disponíveis, utilizamuma varie-
em pacientes diabéticos, transplantados ou com algum tipo dade de antígenos de vários estágios do desenvolvimento de
de deficiência imunológica natural ou adquirida.
'Mania sp., tanto homólogos como heterólogos. Mais recen-
temente, também estão disponíveis testes com antígenos
Toxocariase recombinantes, de mais especificidade.

Na infecção por Ibxocara sp., o diagnóstico é eminentemen- Equinococose e Cistos Hidáticos


te sorológico, diante de doenças viscerais, oculares ou do sis-
tema nervoso central, num paciente com febre e oosinoñlia. Outro grupo de doenças causadas por estágios intermediários
A infecção é extra-intestinal, não havendo maturação dos ver- de Echinococcus sp., hidatidose ou cisto hidático, tem diag-
14°** Parasitologia -
uma abordagem clínica
nóstico semelhante, embora a doença seja eminentemente gicas coincidentes. Assim, o achado sorológico positivo pres-
hepática com cisto único, com base em imagens e sorologia. supõe a instituição do tratamento específico que é de baixa
Uma preocupação é a hidatidose alveolar, que é uma doença toxicidade, mas pacientes tratados manterão a positividade por
multilocular, com diagnóstico de imagem mais complexo, longos períodos.
com múltiplos alvéolos, levando a imagens atípicas de maior
dificuldade Testes comerciais usando antígenos do agente, re-
cuperados do fluidodo cisto hidático em infecção experimen-
tal mostram alta correlação com a doença, em especial ELISA.
Essas doenças têm forte associação epidemiologia e são pre- É. óbvio que a pesquisa de infestações por artrópodes depen-
valentes sobretudo em regiões produtoras de Carneiros, mas de de pesquisa direta e, ocasionalmente, as técnicas sorológicas
podem evoluir de modo silencioso por muitos anos, ocor- tem algum tipo de usoauxiliarno diagnóstico, em especial,
rendo em migrantes já estabelecidoshá mais de cinco anos em em casos nos quais produtos do artrópode podem estar cau-

paises livres da doença. Não existem testes comerciais para sando reaçõs alérgicas ou são marcadores de exposição. Em
antígenos circulantes, mas o achado histológico é muito ca- algumas doenças de transmissão vetorial, a presença de anti-
racterístico, e o diagnósticosorológico é crucial para orientar corpos contra proteínas da saliva do inseto vetor tem sido
os procedimentosterapêuticos. associada à exposição ao agente, sendo, inclusive, propostos
como vacinas indiretas, já que a saliva dos vetores costuma
ter importância na patogenicidade dessas infecções. Em ou-
Filarioses tras doenças, as substâncias injetadas em uma picada podem
desencadear reações alérgicas sistêmicas em pacientes sensibi-
As ñlarioses representam importantes parasitoses, nas quais lizados. Nesses grupos, a presença de anticorpos séricos indica
o diagnóstico é praticamente fundamentado em achados clí- a sensibilizaçãodo paciente e pode auxiliarna monitoração
nicos e na identiñcação de mícroñláriasem sangue periférico, de irnunoterapia. Além disso, testes de ELISA para antígenos
em geral em infecção por Wi bancmjfti. A sorologia é utiliza- de ácaros e outros alérgenos ambientais podem auxiliarna
da para determinar taxas de prevalência, estando disponíveis condução do diagnóstico de alérgenos importantes em cada
testes para detecção de antígenos circulantes. A oncocercose é paciente.
uma filariose com baixa prevalência de microfilãriascirculan- Em infecções com carrapatos como vetores, como a borre-
tes ou em lesões, e que causa cegueira em uma porcentagem liose ou a doença de Lynne, a confirmação da exposição dos
significativa dos pacientes, com clinica pouco exuberante. Nes- hospedeiros pode ser feita pela pesquisa de anticorpos anti-
ses pacientes, são empregadas várias técnicas para detecção de saliva, que tem alguma especilicidade entre as espécies de car-
antígenos ou DNA do agente em sangue periférico, por PCR, rapatos.
em pacientes com quadro cutâneo ou ocular compatível. No-
vos testes imunocromatográñcos para antígenos com alta
sensibilidademostram doença assintomática em doenças
endêmicas, apresentando uma taxa de infecção maior do que
as por testes morfológicos de identificação de microñlárias. A As técnicas sorológicas têm ampla utilidade no diagnóstico e
pesquisa de anticorpos circulantes é auxiliarno diagnóstico, controle de infecções parasitárias, mas devem ser utilizadasde
já que o verme adulto demora um período para o seu cresci- fomia criteriosa e inteligente. O bom senso de seu uso, mos-
mento e a eliminação de microñlárias, mas a reação perma- trando o contato com o agente e a importância desse conta-
nece positiva após tratamento, com baixa eficiência em áreas to no diagnóstico de quadros clínicos suspeitos, é de extrema
endêmicas, pela positividade em pacientes infectados sem sin- importância em regiões de baixa exposição aos parasitas,
tomas e pacientes tratados. embora não tenha essa mesma eficiência em regiões endê-
micas, onde as técnicas morfológicas ou de detecção de antí-
genos são recomendadas. Todo o esforço deve ser feito para
Triquinelose que essas técnicas e o seu conhecimento sejam mantidos
para que uma baixa prevalência não resulte na incapacidade
As infecções por 'lhkhinella sp. são Zoonoses prevalentes no de manejarpacientes com infecções parasitárias de alto risco.
Velho Mundo e que são associados a quadros cutâneos alér-
gicos, além de envolvimento sistêmico causado por larvas do
verme, ingeridas em carnes de caça, devido a migração das
larvas, que se acompanha de eosinoñlia. Como não há evo-
lução, o diagnóstico é ñnnado nos achados de biopsias mus- ANTHONY, ILM.; RUTITZKY,L.I.; lmBMsT, Jr. m., STADECKER,
culares ou em sorologia específica, feita em geral em ELISA MJ.; GAUSE, “UCL Protective immune mechanisms in helminth
com antígenos excretados do agente, reagente após duas a
infection. Alm: Rev. Immtmol., v. 12., pp. 975-987, 2007.
três semanas do início da sorologia. Há ELJSA comercial, e CORRAN, P.; COLENIAN, P.; RÍLÊÍ, E.; DRAKELÊY, C. Serology: a
robust indicntorof malaria transmission intensity? Trends Parasitol.,
testes para a detecção de antígenos por métodos imunocro-
v. 23, pp. 577-582, 2007.
matográficos estão em desenvolvimento. As reações não são CRUNÍP, LA.; MENDOZA, CLE.; PRIEST, IÍVUÍ; GLASS, RJ.;
especiíicas e o cruzamento dos testes com pacientes infectados MONROE, 5.5.; DAUPHIN, LA.; BIBB, XÍF.; LOPEZ, M.B.;
por Anisakis sp. pode ser encontrado em áreas epidemioló- ALVAREZ, Daí.; MINTZ, ED.; LUBY, SP. Comparing serologic.
Diagnóstico em parasitoses - exames sorológicos 401 -
response
(página deixada intencionalmente em branco)
/Tvançosno Jiagnóstico
dê doençasparasitánlzs
-
telêd-íagnóstico e
métodos mofeculàres
Alexandre J. da Silva
É** Parasitologia -
uma abordagem clínica
ras aplicações dos métodos de DNA na área de diagnóstico.
Essas sondas eram desenvolvidas com base em seqüências es-
Os métodos morfológicos continuam sendo fundamentais pecíficas, obtidas de genes rnicrobíanos,clonados e seqüen-
ciaclos previamente. Em geral, essas sondas eram conjugadas
para o diagnóstico laboratorial de um grande número de com ligantes (enzimas, radioisótopos, moléculas fluorescen-
doenças parasitárias. A visualização das características mor- tes para a verificação da hibridização). Mais adiante neste
fológicas dos estágios eritrocíticos das espécies do gênero capítulo, iremos verificar que os princípios básicos emprega-
Plasmodium,por exemplo, garante uma identificaçãoprecisa dos na hibridização de sondas estão agora sendo utilizados
da espécie, o que é de grande utilidade não somente para fins
em algumas das técnicas de amplificação em tempo real e em
epidemiológicos, mas para o tratamento da malária huma- técnicas que usam o método de esferas fluorescentes. Com
na. Plasmodium viva:: e R. ovale podem produzir estágios he-
essas técnicas, está sendo possível criar soluções estratégicas
páticas persistentes passíveis de causar infecção recrudescente. para a detecção simultâneade múltiplo patógenos, o que ten-
Nesse caso, a identificação da espécie é de fundamental im- de a viabilizaro custo para o uso das técnicas moleculares no
portância, uma vez que tais estágios só são eliminados por diagnósticoparasitológico de rotina.
meio de tratamento um específico com drogas que não são As técnicas moleculares podem ser classificadas em três ca-
utilizadaspara o tratamento de infecções maláricas causadas
tegorias de acordo com a maneira como cada uma detecta os
por P. falciparutn ou R. maiorias. Outros exemplos em para- ácidos nucléicos. A primeira categoria inclui as técnicas que
sitologia demonstram a necessidade de se identificar tais pa- amplificam o alvo a ser detectado como a técnica de PCR, a
tógenos quanto à espécie. Recentes avanços tecnológicos vêm técnica de strand dimlacerrzent (SDA),a amplificação mediada
criando um impacto signiñcativo no diagnóstico das doenças
por transcriptase (TMA) e a técnica de NASBA (mudei: acid
parasitárias. O uso da comunicação pela Internet e os méto- sequence-basedamplifaztion). Na segunda categoria estariam as
dos moleculares estão influenciandona maneira de diagnos- técnicas que ampliñcam as sondas que contêm as seqüências,
ticar doenças parasitárias com a utilização de métodos a exemplo da técnica da Qâ replicase, e a técnica denomina-
laboratoriais. O diagnóstico a distânciapor meio de imagens da ligase drain, reaction (LCR). Na terceira categoria estariam
já é uma realidade em algumasinstituições em diferentes par- as técnicas que se baseiam na ampliñcação do sinal de detec-
tes do planeta e tem ampliado o perñl de alguns laboratórios ção, como a branch-profit: transcription DNA (bDNA).
que, em virtude do uso desse tipo de tecnologia, são capazes Esses métodos moleculares de amplificação de alvo ou de
de obter apoio diagnóstico de maneira rápida de laborató- sinal também podem ser classificados em duas categorias de
rios de referência em qualquer parte do mundo. De certa ma- acordo com a maneira como o alvo é amplificada: l) méto-
neira, pode-se dizer que o uso da Internet ajudou a viabilizar dos que requerem alternância de ciclos de temperatura para
a criação do laboratóriode diagnóstico virtual e da consulto-
gerar amplificação; 2) métodos que ampliñcam o alvo sem a
ria diagnóstica globalizada. necessidade de ciclos de temperatura. No grupo l, estariam as
Uma outra tendência na área do diagnóstico de doenças técnicas de PCR e LCR, que são métodos que utilizamins-
parasitárias é a utilizaçãocada vez maior dos métodos mole- trumentos, como os termocicladores. No grupo 2, estariam
culares, sobretudo dos sistemas que têm como base a ampli- todas as técnicas conhecidas como técnicas de amplificação
ficação de DNA pela reação da cadeia da polimerase (PCR, do isotérmica, nesse caso as técnicas de TMA, NASBA, SDA, QB
inglês polímeros.? chain reaction). A utilização de tais técnicas replicase e bDNA. Uma série de artigos sobre as técnicas men-
facilitoua descoberta de novas espécies de protozoários. Além cionadas aqui está disponível na literatura e essas aplicações
disso, elas têm sido utilizadascom muito sucesso na identiñ- têm sido utilizadas tanto para pesquisas básicas como para
cação de microorganismos em vários tipos de amostras cli- áreas de aplicações em diagnóstico.
nicas, como sangue, líquor, urina, tecidos e material fecal. Os A despeito da existência de vários métodos moleculares
métodos moleculares têm sido de grande utilidade para a que podem ter aplicação diagnóstica., a PCR é definitivamen-
confirmação de resultados obtidos pelo exame morfológica te a técnica mais utilizadapara esse lim. A razão para esse fato
e para determinação prec.isa da espécie daquele agente, em está relacionada com a praticidade de adaptação da PCR
situações especíñcas, nas quais as limitações dos métodos para a detecção de um ou vários patógenos simultaneamen-
parasitológicos tradicionais não permitem tal caracterização. te. Tal fato é observado de forma muito objetiva quando se
Exemplos desse tipo de aplicação têm aumentado de modo trata de diagnóstico das principais doençasparasitárias que
acentuado nos últimos anos com a crescente popularização afetam indivíduos em diferentes partes do planeta. A vasta
dos métodos de detecção de DNA. Uma outra característica maioria dos métodos desenvolvidos para dar suporte diag-
de impacto dos métodos moleculares está relacionada com nóstico em parasitologia utiliza a PCR ou variações dessa téc-
sua sensibilidademais apurada quando comparados com o nica. Assim, a parte que enfoca os métodos moleculares deste
exame parasitológico direto ou com os métodos que utilizam capítulo enfatizaráa PCR e suas 'variações como as técnicas
técnicas de isolamento in. vitro para caracterização de para- de PCR em tempo real
sitos. A sensibilidadedessas técnicas garante a detecção de Em resumo, este capítulo é dedicado à discussão da prática
parasitas em amostras complexas, como alimentos e amos- do telediagnóstico e do uso das técnicas corn base na PCR no
tras ambientais, nas quais os patógenos estão presentes em aprimoramento diagnóstico das doenças parasitológicas. A
baixa concentração. parte de telediagnóstico terá um foco maior nos casos forne-
O uso de sondas específicas de DNA ou RNA de hibridi- cidos pelo projeto DPDx, criado e mantido pelo Centro de Con-
zação para a caracterizaçãode patógenos foi uma das primei- tr'ole e Prevenção de Doenças, o CDC, do governo dos Estados
Avanços no diagnóstico de doenças parasitárias telediagnóstico e métodos moleculares
- 405

Unidos. Casos em que se utilizouo telediagnóstico como fer-


ramenta de identificação serão demonstrados, e será discutido
o impacto que essa metodologia vem causando no diagnós-
tico parasitológico no mundo. A parte de aplicações de me'-
todos moleculares irá explorar a PCR e suas variações como
ferramenta de conñrmação diagnóstica. 'Fópicos como a pre-
paração do DNA de amostras clínicas, como sangue, tecidos
e fezes, bem como as limitações da PCR, serão discutidos.

ASPECTOS BÁSICOS DO
TELEDIAGNÓSTICO
Os avanços tecnológicos na área de comunicação eletrônica
vêm criando run campo proñcuo para o uso de estratégias na
área de telemedicina. A telemedicina permite o uso de recur-
sos humanos a distância mesmo em situações adversas para FIGURA 56-1 Equipamento de telediagnóstico que utiliza câmera
ñns htunanitários e para ñns de melhorias do tratamento de digital DPY1 [Olympus America Inc., Center Valley, PA, EUA)
doenças graves e para fins de diagnóstico de doenças. A especializada em capturar imagens digitais de campos
telemedicinapode ser dividida em duas categorias: l) interativa microscópicas.
de tempo real; e 2) análise de dados transmitidos. Na primeira
categoria estão incluídos os métodos em que os sítios em co-
municação (a parte fornecendo a consulta e a parte requisi-
tando a consulta) estão ligados em comunicação simultânea.
A segunda categoria inclui os métodos em que dados são en-
viados eletronicamente, analisados, e o resultado da análise é
enviado de volta após um período de tempo sem que os sítios
em comtmicaçâo mantenham contato simultâneo. Os lnéto-
dos mais utilizadosem parasitologia se enquadram na segLm-
da categoria, a @templo do projeto DPDX, criado e mantido
pela Divisão de Doenças Parasitárias do CDC, que nos Esta-
dos Unidos está tendo uma função de destaque no diagnós-
tico de referência de doenças como a lnalária.
O projeto DPDx nasceu de uma necessidade em saúde
pública identificada pelo CDC no ano de 1998. A idéia central
era fornecer assistência em diagnósticoparasitológico a dis-
tânciautilizandomeios de comunicação pela Internet. Para
enfatizar o objetivo do projeto, um ivebsire foi criado com o
intuito de promover os métodos utilizadospara diagnóstico FIGURA 56-2 Equipamento de telediagnóstico que
utiliza câmera
parasitológico (httpzfftvwwsndpdcdc.govfDPDxH.Esse website digital Spot RT com Slider [Diagnostics Instruments, Inc. Sterling

serve como um portal para a utilização dos serviços de tele- Heights, MI_ EUA] especializada em capturar imagens digitais de
diagnóstico, bem como um elemento educacional para pro- campos microscópicos.
fissionais que se dedicam a essa área da microbiologia. O
programa de telediagnóstico do projeto DPDX conta com a
participação de parasitologistas com experiência extensa nessa execução do telediagnóstico, como demonstrado nas Figu-
área de aplicação. ras 56-3 e 56-4, que minimizam o da montagem do
custo
Para a execução do método de telediagnóstico promovi- equipamento. Uma câmera especializada para microscopia
do pelo projeto DPDx, o laboratório precisa contar com um (Figuras 56-1 e 56-2) custa no mercado norte-americano entre
equipamento básico, que inclui run microscópio ótico de boa US$I0.000 e US$l5.000, enquanto uma câmera não-espe-
qualidade que deve ter uma câmera digital acoplada, a qual cializada adequada a função pode custar menos de
essa
pode ou não estar diretamente conectada a run computador USSLOOQOO (Figura 56-3). É importante frisar que as câme-
com acesso a Internet. Com esse equipamento básico é pos- ras não-especializadasprecisam ter uma resolução mínima
sível capturar imagens envia-las como um anexo de e-rrzaii de 5 megapixels para serem adequadas ao uso em telediag-
para o laboratório que serve como referência diagnóstica. Um nóstico. No momento, existem até adaptadores especiais para
equipamento de telediagnóstico tradicional contará com uma acoplartais câmeras ao microscópio ótico, como demonstra-
câmera especialmente fabricada para capturar imagens mi- do na Figura 56-4.
croscópicas, como a demonstrada nas Figuras 56-1 e 56-2. É Uma das grandes vantagens da utilização do telediagnós-
também possível utilizarcâmeras não-especializadas para tico com base na análise de imagens digitais de campos mi-
É** Parasitologia -
uma abordagem clínica
croscópicos em Parasitologia é a rapidez com que o exame projeto DPDX para fins educacionais [caso 220). Os casos ori-
parasitológeo é executado. Em geral, o resultado da análise ginais poderão ser baixados por meio dos links ao ñnal de
das imagens digitais está disponível algumas horas após o cada caso.
envio dos dados eletrônicos. Essas rapidez e praticidadeaju-
dam a minimizar o custo, uma vez que o envio da amostra
clínica por correio não é necessário. Assim, um laboratório Ca59l°2
qualquer pode fazer consultas com um laboratório de refe-
rência diagnóstica localizado em um outro continente de for- Um paciente foi examinado num hospital em Ruanda com
ma rápida e econômica. cefaléia, febre e calafrios. Um esíregaço simples utilizandoa
Uma série de casos em que se utilizou o telediagnóstico coloração de Giemsa foi realizado. A Figura 56-5 mostra o
está disponívelpelo DPDx. Alguns dos casos estão arquivados que foi xrisualizado no esfregaço num aumento de 1.000 ve-
na seção case snrdy archives (httpJ/tmwv.dpd.cdc.govfDPDxf zes. Qual o diagnóstico? Com base em qual critério?
HTMUCasmhUn) no website do DPDx. A seguir, se encontram
dois casos de estudo originalmente transcritos diretamente
do ;website do DPDx. Um deles representa uma consultoria Resposta do Caso 202
telediagnóstica do estado do Alasca, que foi reciclada pelo
Este foi um caso de malária causado por Plasmodiumovalc.
Muitas das imagens demonstram uma apresentação clássica
da morfologia de P. ovale. As características são: as hemácias
estão aumentadasde tamanho e há presença de bastões de
Schüñiier. *Marias hemácias infectadas dispostas na forma oval
também apresentam terminações añladas, chamadas de fim-
brias. A presença de múltiplos estágios de Plasmodium,
trofomíto compacto (Figura 56-5 D). Gametócitos arredon-
dados a ovais que quase preenchem as hemácias (Figura 56-5
A, C e F) e esquizontes imaturos (Figura 56-5 B e E).

FIGURA 56-3 Câmera digital não-especializada para microscopia


digital e adaptador para ocular do microscópio.

FIGURA 56-4 Câmera digital não-especializada para microscopia FIGURA 56-5 Caso 202 [A-F). Esfregaço de sangue periférico num
digital adaptada para captura de imagens microscópicas_ Note a aumento 1.000 vezes (veja a descrição do caso 202 no texto).
imagem de uma forma tripomastigota de Trypanosoma cruzi no Agradecimentos: Mrne. Severina Munyeshyaka do Hospital
visor da câmera. Universitário em Butare, Rwanda_
Avanços no diagnóstico de doenças parasitárias telediagnóstico e métodos moleculares
- 407

FIGURA 56-6 Caso 220 A, Foto do verme encontrado em cesta de roupa [veja descrição do caso 220 no texto); B, Ovo do verme com
-

aumento de 100 vezes; C, Ovo do verme com aumento de 400 vezes. Agradecimentos ao Laboratório de Saúde Pública do Estado do Alasca.

_Caso 220 DISPOSITIVOS PORTATEIS NO


Uma mulher encontrou um verme em sua de roupas
cesta
TELEDIAGNÓSTICO
e contatou o departamento de saúde de seu estado para as-
Uma outra tendência em telediagnóstico estático é o uso de
sistência. Ela disse que no peridomicílio'freqüentam crian-
equipamentos portáteis, como os PDAs ou telefone; celulares.
ças, gatos e cães. O verme foi examinado pelo laboratório e As Figuras 56-7 e 56-8 mostram uma consulta telediagnóslica
media cerca de 7,5 cm de comprimento (Figura 56-6 A).
Ovos foram removidos do verme e corados com corante à que foi analisada com equipamento portátil; na Figura 56-7
são mostrados dois BlackBerry.: com imagens de ovos de 'fize-
base de iodo. As imagens foram enviadas para o DPDx para
n-ia sp., capturadas de uma preparação a fresco. Na Figura
ajuda diagnóstica. A Figura 56-6 B demonstra o ovo com au- 56-8, o mesmo equipamento está sendo utilizadopara anali-
mento de 100)( e a Figura 56-6 C com aumento de 400X, o
sar imagens de esfregaços de sangue corados pela coloração
qual media cerca de 75 pm. Qual o seu diagnóstico? Com de Giemsa que contém formas intIa-eritrocíticasde Babesía
base em qual critério? Qual outra característica ajudaria na
nricroti. A utilização de duas unidades portáteis garante que
identiñcação? dois indivíduos possam discutir o caso e fazer a confirmação
das imagens, uma vez que esses instrumentos servem para co-
Resposta do Caso 220 mtmicações telefônica e por e-maíI.Com a utilização de PDAs
é possível manter um serviço de assistência telediagnóstica que
O parasito foi identiñcado como um verme pertencendo ao pode funcionar remotamente. Esses PDAs podem garantir a
análise das imagens quando os técnicos estão fora do labora-
gênero Zlbxocara. As características que ajudaram no diag- tório, e até mesmo fora do país, já que os mesmos podem uti-
nóstico: verme longo, não-segmentado, lembrando Asca-
lizar o sistema GSM (global system for mobilecommunications)
rididae (Figura 56-6 A). Ovos esféricos com uma parede
para transmitir e receber imagens. A ñmção do telediagnóstico
espessa e com tamanho compatível com o gênero (Figura em parasitologia deverá expandir ainda mais, uma vez que o
56-6 B e C).
Com base nas imagens, a identiñcação da espécie não foi
possivel. O espécime estava em mas condições de análise e o
verme foi descartado após as imagens terem sido obtidas. Os
ovos apresentavam o tamanho compatível com o género, 'II
Canis l_ 80-85 um por 75 um); 'Il am' (65-75 um); e 'L' leonino
[75-85 um por 60-75 um). 'L' leonino pode provavelmente ser
descartado devido às características morfológicas do ovo
(alongado,palidez e superfície lisa). Todas as espécies podem
ser encontradas em gatos e 'II Canis e 'L' leonino podem ser en-
contrados em cães. O conhecimento de que cães e gatos ha-
bitavam o terreno não ajudou na identificação da espécie. O
exame da porção ñnal anterior do verme e a comparação da
forma da ala cervical são a melhor forma de identificar os três
parasitos quanto à espécie.
Em contraste com alguns trematodas e cestodas, que são
hermafroditas, nematodas são identificados pelo sexo. A por-
ção posterior terminal curvada é característica de machos
do gênero Ascaris, mas irão é exclusiva. 'lbxocara tem sido ob- FIGURA 56-? Dois instrumentos portáteis [PDA] mostrando uma
servado por apresentar uma porção tenninal c.urva anterior- 'Imagem contendo um ovo de Toenia sp. que fo¡ recebida como
mente. consulta telediagnóstica.
408 Parasitologia -
uma abordagem clínica

NlgCll, que é um co-fator para a atividade enzimática exe-


cutada pela polímerase, deoxinucleotídeos tzrifosfato (dNTPs:
dfUP, dClP, dGTP e d'l°l'P, e em alguns casos o dUTP) e tam-
bém dois iniciadores ou primers, que são oligonucleotídeos
sintéticos de fita única de DNA contendo uma média de 16 a
27 nucleotídeos. Esses prirrzers precisam ser desenhados para
serem complementares às duas fitas de DN A (a do sentido
5' e a do sentido 3') que servirão de alvo para a amplifica-
ção. Essa mistura é sujeita a uma série de incubações em que
se !varia a temperatura das etapas de forma cíclica. As tem-

peraturas inseridas nos ciclos de PCR incluem a desnatu-


ração da molécula de DNA a ser amplificada, o rerraplare, que
pode ocorrer a temperaturas superiores a 90°C, a tempera-
tura de anelamento dos primers, que vai depender da tem-
peratura de melring dos pri-men (Tm), e a temperatura para
FIGURA 56-8 Dois instrumentos portáteis (PDA) mostrando uma a extensão das pontas 3" de cada um dos primers anelados

'Imagem contendo formas ¡ntra-eritrocíticas de Bobesío microtr' que a cada uma das ñtas do template. É nessa írltima etapa em
fo¡ recebida como consulta telediagnústica. que ocorre a incorporação dos nucleotídeos dideoxi (presen-
tes na mistura) nas duas fitas do DNA template.. Durante a
fase de extensão ou elongamento da cadeia nucleotídica
custo dos equipamentos necessários para a execução deverá ocorre a polimerização de uma nova molécula de DNA que

cair com os avanços tecnológicos. Assim, países em desen- terá um tamanho em pares de bases determinado pela dis-
volvimento poderão ter acesso a esse tipo de tecnologia para tãncia entre os dois printer.: anelados nas duas fitas do DNA
obter auxílio diagnóstico de laboratórios de referência em ins- template.
ütuições localizadas em diferentes partes do planeta. Para a execução da PCR é necessária a presença de instru-
mentos conhecidos como termocicladores, que podem gerar
ciclos de temperaturas de forma eficiente e rápida. Em um ci-
APLICAÇÃO DA rca NA CONFIRMAÇÃO o¡ clo completo para amplificação por PCR o termociclador é
CASOS n¡ wings PARASITÀRIAS programado para atingir a temperatura de desnaturação
(acima de 90°(Í), em seguida mudar para a temperatura de
anelamento (entre 45°C. e 65°C., com base nos valores de Tm
Aspectos Básicos da PCR dos pñ-nrers) e, finalmente, atingir a temperatura de elonga-
A técnica de PCR tem sido amplamente utilizada na detecção ção (72°C, no caso da 'Faq recombinante).A produção detec-
e caracterização de agentes infecciosas, tendo em vista o !ras-
tável dos fragmentos de DN A acontecerá quando esses ciclos
to número de publicações descrevendo tais aplicações. A téc- de temperatura forem repetidos várias vezes, como, por
nica da PCR foi inventada por Katy B. lvlullis em 1985, que exemplo, cerca de 30 a 40 vezes. No formato original da PCR
a amplificação era detectada após a eletroforese em gel de
ganhou em 1993 o Prémio Nobel de Quimica pela descober-
ta revolucionária. A PCR se baseia na amplificação in vitro de acrilamidade Luna fração da reação. Ao final da eletroforese
o gel era corado com agentes intercalantes, como, por exem-
fragmentos de ácidos nucléicos. Assim, é possível aumentar
de forma signiñcajiwa a concentração do alvo genético de modo plo, brometo de etidio, e os fragmentos eram \risualizados
a facilitara sua detecção pelo uso de técnicas simples como a com a exposição do gel à luz ultravioleta (UV), como com a

eletroforese em gel de agarose. Inicialmente, polimerases utilização de run transiltuninadorde UX".


termolábeísforam utilizadasna amplificação por PCR, e mais Para que a polimerização ocorra com eficiência, os prinrers
tarde a introdução das polimerases termoestáveis garantiu precisam estar presentes na mistura em uma concentração
robustez dessa técnica para o uso em aplicações diagnósticas. excessiva para que a ligação dos mesmos às seqüências espe-
Uma das polimerases termoestáveis mais utilizadasna ampli- cíñcas complementares seja favorecida. A extensão das fitas de
ñcação por PCR é a 'Faq DNA polimerase recombinante,que DNA acontece na orientação 5' para 3", conforme a polime-
é Luna forma modificadada polimerase originalmente isola- rase adiciona os dNTPs, virtualmente copiando a duas fitas
da de 'Hrermus aquatictts. Uma série de companhias farma- do DNA. Essa incorporação e a ligação dos dNTPs ocorrem
cêuticas, como, por exemplo, ABI, P romega, Brinknran pela hidrólise do grupo trifosfato da extremidade 5° da pen-
Instruments lnc., lnvitrogenfLifelechnologies,possuem direi- tose conectando-o ao grupo hidroxil ligado na extremidade
tos comerciais de exploração dessa enzima, embora a paten- 3' da pentose do nucleotídeo que fora incorporado previamen-
te original estivesse sob o controle da Hoffmann-LaRoche te à cadeia nascente de DNA. Durante o primeiro ciclo de PCR
por muitos anos. A amplificação por PCR ocorre quando o DNA template é a única molécula disponível para a ampli-
uma molécula de DNA, como, por exemplo, DNA genômica ñcação. Nos ciclos subseqüentes os fragmentos gerados pela
extraídode uma amostra clinica, é adicionada a uma mistu- amplificação em cadeia também servirão de alvos para am-
ra contendo reagentes que propiciam a ampliñcação in titro. plificação. A repetição sucessiva dos ciclos produz, então, um
Essa mistura deverá conter a enzima polimerase, tampões e aumento exponencial de fragmentos de DNA_
Avanços no diagnóstico de doenças parasitárias telediagnóstico e métodos moleculares
-
MC
Recentes melhorias nos reagentes disponiveis para a exe- fique comprometida. Uma outra regra importante para os
cução da PCR têm ajudado a aumentara robustez dessa téc- primers utilizadosno PCR convencional é que ele tenha G ou
nica. Uma variante da 'Lt-iq, conhecida como AmpliTaq Gold, C como último nucleotídeo nas extremidades 3'. Isso garante
controlada por urna patente da Roche, sta disponível comer- uma ligação mais estável nas pontas, o que teoricamente fa-
cialmente no mundo inteiro pela Applied Biosvstems (Foster cilita a extensão.
City, Calif., EUA). A AmpliTaq Gold é produzida com um sis- O nível de sensibilidadeda técnica de PCR é reconheci-
tema embutido de hot start. A temperaturas inferiores a 90°C damente alto e a natureza da técnica faz com que ela possa
a AmpliTaq Gold não tem atividade enzimática. A ativação estar sujeita a produção de resultados falso-positivos se o
dessa enzima só ocorre quando o terrnociclador atinge tem- laboratório for contaminado por produtos amplificados. Re-
peraturas de 95°C por um curto período de tempo (entre 5 e sultados falso-positivos podem ocorrer com PCR em decor-
10 min). Para facilitar,o termociclador é programado para rência de:
iniciar os ciclos de amplificaçãologo após a ativação da poli- l. Contaminação cruzada entre as amostras durante o
merase. lsso minimiza a formação de produtos inespecíñcos processo de coleta.
2. Contaminação cruzada entre amostras de DNA du-
que podem servir como templates e interferir na amplificação
dos alvos específicos que se deseja ampliñcar. Outras enzimas rante o processo de extração do DNA quando várias
têm sistemas semelhantes ao da AmpliTAq Gold, como amostras são extraídassimultaneamente.
3. Contaminação de reagentes e material de laboratório
HotStarTaq DNA Polimerase (Qiagen, Valencia, Calif., EUA),
Platinum Quantitative PCR Supermix-UDG (lnvitrogen, com fragmentos de DNA ampliñcados em uma série

(Êarlsbald, Calif., EUA). Além das enzimas com sistemas de de experimentos.


fiat start, ainda há também as polirnerases de alta fidelidade, A contaminação de amostras durante a coleta pode ocor-
como as Vent, Deep Vent (New England Biolabs, Beverly, rer se os mesmos instrumentos forem utilizadospara a cole-
ta múltipla. Entretanto, esse tipo de contaminação não é uma
Mass., EUA) e a Pfi.1 (Stratagene, La Jolla, Calif., EUA). Essas
enzimas são assim denominadas porque possuem a capaci- fonte muito comum de resultados falso-positivos, tendo em
dade de corrigir uma incorporação errônea de nucleotídeos, vista as práticas laboratoriais contemporâneas, como a utili-
reñnando a fidelidade da amplificação. Essas enzimas são zação mais freqüente de materiais descartáveis, o uso de kits
muito úteis na amplificação de ácidos nucléicos que podem para coleta de amostras etc. Contaminação durante a extra-
formar estruturas secundárias devido a sua composição. A ção do DNA pode acontecer por erro direto do operador ou
PCR proporciona detecção de micro-organismos em amostras quando o operador utiliza reagentes de extração que foram
contaminados previamente por práticas laboratoriais inade-
clínicas ou amostras ambientais de maneira sensível e espe-
cíñca. O nível de sensibilidadedessa técnica gera vantagens e quadas. Ainda assim, esse tipo de problema não é tão comum
também desvantagens, uma vez que essa alta sensibilidade quanto a contaminação com produtos amplificados. A extra-
pode facilmente gerar resultados falso-positivos. Assim, é ção de amostras negativasjunto com as amostras-teste é um
ótimo método de monitorar a contaminação durante a extra-
preciso ter muita cautela na execução da técnica para se evi- ção da amostra do DNA.
tar tais problemas. Mais a frente neste capítulo serão discuti-
A contaminação com produtos de PCR dos reagentes,
das maneiras de evitar resultados falso-positivos com base na
experiência de vários autores que vêm utilizando a PCR pipetas, ponteiras e outros materiais utilizadosno laborató-
rio é de fato a fonte mais comum de resultados falso-positi-
como uma ferramenta diagnóstica em parasitologia. A espe-
vos e também o tipo de contaminação mais difícil de se
ciñcidade é um elemento essencial para qualquer teste de di- resolver. Isso porque cada reação de PCR pode teoricamente
agnóstico. Na PCR a especificidade será sempre determinada produzir milhões de cópias de um mesmo fragmento de DNA
pelo conteúdo das seqüências dos primers ou das sondas uti- a partir de uma única cópia do DNA template. Os aerossóis
lizadas na reação. A região-alvo na seqüência do DN A precisa produzidos durante a manipulação dos tubos que contêm os
ser selecionada com cautela, e é muito importante que se ve-
produtos ampliñcados, como durante a análise em gel após
rifiquem as seqüências dos primers e sondas por meio de com- a PCR convencional, são muitas das vezes a fonte principal de
paração com seqüênciasgenéticas depositadas em bancos de contaminação e que pode resultar numa contaminação mas-
dados, como o GenBank mantido pelo National Center for siva muito dificilde ser eliminada. Uma maneira de prevenir
Biotechnology Information (N CBl http:lhvivsv.ncbi.nlm.nih.
-

a contaminação é ter o laboratório organizado sistematica-


gov), ou o EMBL, mantido pelo European Molecular Labo- mente com espaços separados para a execução das diversas
ratory (EMBL httpJ/mswembl-heidelbergde).De qualquer
-

etapas envolvidas na execução dos ensaios: 1) As etapas bá-


maneira, nada deverá substituir os experimentospráticos de sicas, como a produção da mistura mestra, têm de ser feitas
laboratório pelos quais os primers e as sondas possam ser em um espaço isolado das outras atividades laboratoriais, e
avaliados contra DNA-controle obtidos de organismos não- que seja dedicado exclusivamente a tal função. 2) A análise
relacionados.A peqfomiance ideal dos primers depende tam- dos produtos ampliiicados deve ser realizada em um espaço
bém de regras básicas, como o conteúdo GC não exceder a fisicamente separado que não compartilhe o ar com as outras
50%, e evitar seqüências que possam ter terminais comple- salas do laboratório de PCR, sobretudo com o espaço dedi-
mentares, e que de preferência possuam Tm entre 45°C e cado a preparação da mistura mestra da reação de PCR. A boa
65°C. Na PCR convencional é muito importante que a tem- prática laboratorial ajuda a impedir a contaminação do PCR,
peratura de anelamento não esteja muito próxima à tempe- como, por exemplo, não reciclar luvas, não dispensar mate-
ratura de extensão para que a eficiênciade amplificação não rial amplificada nas salas dedicadas à produção da mistura
Avanços no diagnóstico de doenças parasitárias telediagnóstico e métodos moleculares
-

trimetilamônio;Chelex; diIiotIeitol; isoticianato de


Avanços no diagnóstico de doenças parasitárias telediagnóstico e métodos moleculares
- 413

duas moléculas estarão muito próximas, e o efeito do quen- que assondas dos outros sistemas. Em alguns casos, as se-
cher será muito grande para que o repórter produza alguma qüências ideais para diagnóstico diferencial não têm as carac-
fluorescência,mesmo se excitado com a fonte de luz do apa- terísticas cruciais para produção de sondas que garantam
relho. A sonda de 'faqMan foi concebida para hibridizar uma detecção específica e sensível de um determinado
numa seqüência determinada do DNA template, localizada patógeno. As técnicas de PCR em tempo real têm tido um
não muito distante das regiões definidas para o anelamento impacto positivo em parasitologia e é bastante natural que
dos primers de PCR. Esse sistema permite que a especificida- essa tendência continue aumentandotendo em vista a dimi-
de do teste seja totalmente dependente da sonda, ou que seja nuição do custo do PCR em tempo real.
dependente da sonda em conjunto com os primers de PCR. A tecnologia utilizadapela Lumine:: está atraindo a aten-
A sonda de TaqMan é desenhada para ter uma Tm mais alta ção de cientistas do mundo. Essa plataformapode ser utili-
que a dos primers, para que ela hibridize antes que os zada para detecção de proteínas ou de fragmentos de DNA e
primers anelem ao DNA. lsso gera condições para que as son- vêm emergindo mundialmente como uma plataforma ideal
das atinjam lO0% de hibridização durante a fase de extensão. para o diagnóstico molecular devido a sua habilidadepara
Após a etapa de anelamento dos primers, a 'Iãq polimerase es- detecção de múltiplo patógenos. Na detecção de DNA a tec-
tende as extremidades 3' dos primers e por causa da sua ati- nologia utilizadapela Lumine:: facilitaa identificação espe-
vidade intrínseca de nuclease de 5' para 3', hidrolisa as sonda cíñca de alvos ampliñcados por meio da hibridização dos
hibridizadasliberando a extremidade contendo o fluorocro- mesmos com sondas acopladas a microesferas que emitem
mo-repórter para a solução. Assim, a distânciaentre o re- sinais distintos de fluorescência. Isso é possível porque essas
pórter e o queneher aumenta e a Huorescência começa a ser microesferas são internamente coradas com dois fluorocromos
emitida pelo repórter que não sofre mais o efeito de PRI-LT com espectros distintos. As microesferas serão então classi-
pelo quencher. Na técnica de lãqMan, o sinal de fluorescência ficadas de acordo com quantidade relativa dos dois fluoro-
é emitido cada vez que um dos primers é estendido. Assim, o cromos injetados nas microesferas, o que dará a cada uma a
sinal acumuladode fluorescênciaserá diretamente proporci- habilidadede produzir um sinal específico de fluorescência.
onal ao número de &agmentos de DNA produzidos durante No momento, essa, denominada :LMAR permite a construção
toda a reação de PCR. O desenho de sistemas de 'FaqMan é de um painel de até 100 tonalidades diferentes alterando-se a
normalmente produzido com a utilização de programas espe- concentração de cada um dos fluorocromos na microesfera.
cializados como Primer Express, comercializado pela Applied Assim, a tecnologia ::MAP permite a análise de dez alvos dis-
Biosystems/Perldn Ehner. tintos por reação. A discriminação das microesferas é feita
Os faróis moleculares se tornaram muito atraentes para a pelo instrumento de Luminex ou BioPlex, os quais se funda-
detecção rápida de alvos genéticos na área de diagnóstico mo- mentam no princípio da citometria de 11mm. Assim, o instru-
lecular. Esse sistema foi criado por Tvagi e Kramer em 1996, mento de detecção tem a habilidadede reconhecer cada uma
e utilizauma sonda de hibridização de DNA que possui uma das 100 classificações de microesferas com alta especificidade
estrutura secundária para a formação de haitpin. Essa son- com base no sinal de fluorescênciaemitido por cada uma de-
da é marcada nas duas extremidades com iluorocromos que las quando as mesmas são iluminadaspelos fachos de laser
têm, como em 'lãqMan,função de repórter e qttendrer. Essas do instrumento (Figura 56-9). A tecnologia ::MAP permite a
sondas são desenhadas com uma parte da extremidade con- detecção de alvos protéicos ou fragmentos ampliñcados de
tendo seqüências complementares com nucleotídeos G-C ácidos nucléicos com sensibilidadee especificidade. A Lumine::
pareados. Essa porção da sonda funciona como uma trave também tem uma tecnologia específica que só é aplicada à
que, quando não hibridizada, mantém a estrutura fechada e detecção de ácidos nucléicos (FlexMap).Essa tecnologia é one-
os dois corantes próximos o suficiente para que haja efeito de rosa e complexa porque utiliza um sistema que é proprieda-
FRET no repórter causado pelo quencher. Na parte central da de exclusiva da Luminex e por isso as sondas desse sistema só
sonda está a seqüênciacomplementar à seqüência-alvo que se podem ser desenhadas e sintetizadas pela Lumine:: ou subsi-
deseja detectar. Na presença do alvo genético a sonda tende a diárias. Assim, só é possível utilizara tecnologia de blexMap
hibridizar à sua seqüência complementar, provocando uma se as sondas forem especiñcamente desenhadas e desenvolvi-
alteração da estabilidadeda trave G-C, que se abre para que das pelo provedor da tecnologia. A tecnologia FlexMap tem
ocorra a hibridização. lsso faz com que o repórter se distan- sido utilizadaem diagnósticos moleculares de diversas doen-
cie do quencher, reduzindo o efeito de FRET. Assim, na for- ças infecciosas e parasitárias, como por exemplo no diagnós-
ma hibridizada, o repórter da sonda de faróis moleculares tico da malária.
emite fluorescência ao ser excitado pela fonte de luz do A tecnologia ::MAP é muito simples e não é controlada por
terrnociclador. A sonda não forma um híbrido com o DNA licençasespeciais e podem ser exploradas para ñns lucrativos
template ou com os fragmentos ampliñcados porque a mes- ou não. Para detecção de ácido nucléico a tecnologia 111W

ma será deslocada pela enzima polimerase durante a extensão utilizamicroesferas carboxiladas que são comercializadas por
dos primers que levará a polimerização do DNA (etapa de uma série de companhias. As sondas de hibridização utiliza-

elongamento). Ao ser deslocada, a sonda Voltará à estrutura das nessa tecnologia são sintetizadas com um terminal amino
de haivpin, cessando a emissão de fluorescência.Assim, nes- na extremidade 5”. Assim, as sondas são acopladas às micro-
se sistema a fluorescênciadeve ser medida durante a etapa de esferas por meio do seu grupamento amino ao grupamento
anelamento antes da sonda ser deslocada do alvo. As sondas carboxi presente na superñcie das microesferas. Para obter
de faróis moleculares são mais complexas de se desenhar do detecção de múltiplos patógenos, faz-se necessário que cada
- 414 Parasitologia -
uma abordagem clínica

A ~ B C mo grupo de uma forma genérica ou para a amplificação de


genes de somente uma espécie. A escolha do gene-alvo é de
grande importância. Por exemplo, os genes de cópias múlti-
plas poderão gerar PCRs bastante sensíveis. Genes mais con-
servados dentro de uma mesma espécie produzirão PCRs
FIGURA 56.9 Diagrama mostrando o processo de hibridização de mais robustas para identificação diagnóstica, e genes mais
DNA utilizando a tecnologia XMAP_ As sondas são acopladas a polirnórñcos serão úteis para a diferenciação de cepas ou
microisferas que são internamente coradas corn uma mistura de genótipos. Em parasitologia, essas estratégias têm sido utili-
dois fluorocromos, o que as torna fluorücentes (A). As microesferas zadas com sucesso com base no número de publicações dis-
terão emissão de fluorescência distinta quando excitadas pelo laser poníveis na área de caracterização molecular de parasitas.
na faixa de 635 nm e emitirão sinal de fluorescência especifico na
Por exemplo, os métodos de PCR que se demonstraram mais
faixa de 51783712 nm. Cada microesfera terá uma fluorescência
sensíveis para a detecção de 'Ilzxoplasmagondií em amostras
especifica que poderá ser identificada pelo instrumento de Luminex. clínicasforam desenhados com base no gene Bl e no gene de
Para cada sonda desenhada para um respectivo alvo são acopladas
rRNAISS que estão multiplicados, respectivamente, em 35 e
classificações distintas. Essas sondas hibridizarão produtos de PCR
produzidos com primers biotinilados(B). Após hibridização 110 cópias no genoma desse parasito. Embora o uso do gene
adiciona-se streptoavidine-R-phycoerythrin[Sã-PE] [CJ, que servirá B1 seja vantajoso, foi observado que pelo menos um set de
como um fluorocromo-repórter para as reações positivas- A primers para ampliñcação desse gene não era específico e ti-
fluorescência da SA-PE é excitada na faixa de 532 nm e emite nha a tendência de ampliñcar DNA humano na ausênciado
fluorescência a 527 nm, que está totalmente fora do espectro das alvo. As novas técnicas de PCR em tempo real, desenvolvidas
microaferas. O instrumento de Luminex podera' discriminar as com base no gene Bl, têm demonstrado mais especificidade,
classificações que são positivas e as que são negativas, de acordo sendo mais adequadas para a detecção desse parasito em
corn o sinal emitido pelas microesferas, quando iluminadas pelos
amostras clínicas ou ambientais. As técnicas de PCR em tempo
dois fachos de laser do instrumento.
real desenvolvidas com base no gene de rRNAISS produzem
PCRs sensíveis e específicas para a detecção de parasitos de
uma mesma espécie ou gênero. Esse gene está presente em

sondas seja acopladaa uma determinada classificação de mi- múltiplascópias no genoma de vários parasitos e normal-
croesferas. Com essa tecnologia é teoricamente possível mon- mente não exibem um nível alto de polimorñsmo. Um grande
tar um sistema com 100 sondas para se detectar 100 alvos número de métodos de PCR desenvolvidos com base nesse
e em outros genes foi descrito na literatura e está disponível
genéticos distintos se as 100 classiñcações distintas forem uti-
lizadas. O DNA-alvo da hibridização será representado por em laboratórios de referência diagnóstica no mundo inteiro.

fragmentos de DNA arnpliñcados por PCR convencional. Métodos moleculares já foram descritos virtualmente para
Nesse caso, a PCR será conduzidatendo um dos primers con- todas as doençasparasitárias com impacto significativo em
jugados com biotinana extremidade 5'. lsso irá garantir a de- saúde pública.
tecção dos produtos de PCR hibridizados com as sondas O uso de PCR tem facilitadoa detecção de parasitas em
uma variedade de amostras. Um método de PCR foi recen-
acopladas às microesferas. A PCR com primer biotiniladoirá
produzir fragmentos ampliñcados que terão uma molécula temente utilizado para a detecção de Angrbstronglus canto-
de bioüna na extremidade 5'. Ao ñnal da PCR, faz-se a hi- nensis em lesmas congeladas coletadas no estado do Havai,
bridização dos produtos amplificados com as esferas conten- EUA. Esse método utilizou a amplificação de um fragmento
do as sondas. Após a hibridízação adiciona-se o conjugado do gene para o rRNA de 188 seguido de um seqüenciamento
estreptoavidina-R-ñcoeritrina(SA-PE), que funcionará como do fragmento de DNA amplificada. Nesse caso, a caracteriza-
um fluorocromo-repórter da hibridiração. Assim, as microes- ção quanto à espécie foi feita por meio do seqüenciamento
feras que tiverem os híbridos produtos de PCR/sonda emiti- do DNA amplificada e não pela presença ou ausênciado frag-
rão dois sinais de fluorescência, como um específico da mento ampliñcado. Assim, esse mesmo método também
microesfera e outro emitido pelo conjugado. As microesferas pode ser utilizadopara detecção de A. costmicensis, que é uma
que não possuírem híbridos ernitirão apenas o sinal específico outra espécie do mesmo género com importância em saúde
dos seus fluorocromos internos. A emissão da fluorescên- pública. Em parasitologia, há uma série de exemplos em que
cia dos fluorocromosdas microesferas ocorre entre os com- o uso da PCR para a identiñcação do parasito quanto à es-
primentos de onda de 658Wl2 mn, enquanto a emissão da pécie tem um papel fundamental. Por exemplo, uma série de
fluorescênciada SA-PE acontece em comprimento de onda métodos de PCR foi desenvolvida para a identiñcação de es-
totalmente distinto, ou seja, 578 nm. pécie de Plasmodium.spp. Esses métodos incluem PCR con-
vencional e PCR em tempo real. A PCR mais utilizada na
identificação de Plasmodium é a que foi originalmente descri-
to por Snounou et al., em 1993. Outros autores modifica-
ram essa técnica para uma amplificação mais eficiente, mas
sem mudar o formato básico ou o conteúdo dos primers.
Como dito antes, a PCR é uma técnica flexível e pode ser de- Essa é uma técnica de PCR convencional com base na estra-
senvolvida para ampliñcar um ou vários alvos genéticos. tégia de ampliñcação em nested ou PCR aninhado para a am-
Pode-se usar a PCR para se detectar organismos de um mes- plificação especíñca do gene de rRNA de 185 do H falciparum,
Avanços no diagnóstico de doenças parasitárias telediagnóstico e métodos moleculares
- 415

R. nmlariae, P. ovale e P. trivax. Na primeira etapa desse PCR


são utilizados
415 Parasitologia -
uma abordagem clínica
A introdução de novas plataformas de testes, como os estão tendo um impacto positivo na área de diagnóstico
microarrays PCR em tempo real e a técnica de Luminex, vem parasitológico e a tendência é que esses avanços facilitemainda
facilitandoa detecção múltipla de patógenos ou detecção em mais a detecção específica e sensível dos patógenos parasitá-
multiplex. Os métodos com base em microarrays Iião se tor- rios numa variedade de amostras.
naram muito populares em Parasitologia., possivelmente em
virtude da necessidade de uma instrumentação relativamente
complexa ao comparado com as outras técnicas moleculares.
Ainda assim um método de microarrays foi descrito para a
identificação simultânea de espécies de microsporídios e pa- BELL, A.; RANFORD-CJÀRTÊNTIGHT, I.. Real-time quantitative PCR
tógenos. A técnica foi desenvolvida para detectar fragmentos in parasitology. Trairi.: Parasírol., v. 18, pp. 338, 2002.
do 18srRNA de Enteroqrtozoon bieneusí, Encepkalitozoon CACCIQ S.M. Molecular techniques to detect and identify protozoan
cuniadi, Encephalimzoon. hellem. e Encephalitozoon intestinalis, parasitas in the environment.Acta Micrabiol. Pol., v. 52, pp. 23-34,
2003.
e foi demonstrado que o limite de detecção era de dez espo-
DA SILVÍÀ,AJ.; BORNAY-LUNÀRES, FJ.; MOURA, LN.; SLENIEN-
ros conúdos em u1n volume de 100 pl.. de amostra.
DA, S.B.; TIJTTLE, I.L.; PIENIAZEK, NJ. Fast and reliable ex-
A plataforma conhecida como Lumine:: está criando uma traction of protozoan parasite DNA from fecal specimens. ;Molecular
nova perspectiva para a área de diagnóstico parasitológico. Diagnosis, v. 4, pp. 57-64, 1999.
Embora apenas dois métodos utilizandoessa plataforma te-
nham sido descritos, há um crescente interesse dessa técnica
em parasitologia. Os dois ensaios disponíveis em parasitologia
foram desenvolvidos para o diagnóstico diferencial da malá-
1'ia e para o diagnóstico laboratorial da criptosporidiose cau- httpzffwumndpdcclcsgovfDPDxf
sada por C. hominis e C. parmm.. Ambos demonstraram ser Este website serve como um portal para a utilização dos serviços
sensíveis e específicos para uso em diagnóstico laboratorial de teledíagnóstico, bem como é uma ferramenta educacional para
das respectivas doenças. Um ensaio que possa ser utilizado profissionais que se dedicam a essa área da microbiologia.
httpzffumw.dpdcdcgovfDPDxfI-TTNUJCaseshnn
para diferenciar todos os parasitos intestinais que fazem parte Casos clínicos do CDC que receberam a colaboração do telediag-
do exame parasitológico tradicionalfeito por microscopia se- nóstico.
ria de grande auxiliona automatizaçãoe na molecularização httpzffwiswaicbinlmaiihgov
do diagnósticoparasitológico. Esses avanços tecnológicos já GenBank
Orientações para
'viajantes soôre
as parasitoses

Felipe Francisco Tuon


418 Parasitologia - uma abordagem clinica

Nas últimas décadas tem havido um incremento no turismo,


graças às mudançaspolíticasglobais, estabilizaçãoda econo-
mia e do comércio, além da melhor relação entre os povos.
Apesar de diversas áreas do planeta permanecerem em guer-
ra, outras tem se tomado verdadeiros paraísos turísticos, in-
cluindo os países tropicais. Em relação às viagens para as
áreas tropicais, em geral, países em desenvolvimento, o eco-
turismo ou turismo ecológico tem sido um dos mais descri-
tos. Algumasviagens com rumo para os países tropicais são
motivadas por negócios, ocorrendo uma menor exposição
com áreas de matas, ao passo que outras são constituídas

por dias de acampamento em áreas distante de centros urba-


nos, como as savanas africanas.
Iudependenternente do motivo da viagem, de 20% a 70%
dos viajantes têm queixas relacionadas com a saúde no re-
tomo de paísa tropicais. Apesar desse número alarmante, os
sintomas, em sua maioria, são leves e autolimitados,consis-
tindo, sobretudo, em diarréia leve, alterações respiratórias e
cutâneas.
É. interessante notar que, dentre as queixas febris, por
exemplo, a maioria se resolve de forma espontânea. Por ou-
tro lado, quando a etiologia é identiñcada, as doenças para-
sitárias são responsáveís pela maior parcela. Além da febre,
esse perñl de predominânciaparasitológica também ocorre
nas alterações gastrintestinais e cutâneas.
Por isso, as doençasparasitárias têm se tornado uma preo-
cupação constante para os viajantes com destino às regiões
tropicais, levando ao aumento da procura por serviços que
disponham de orientação. A medicinado viajante é um tema
em crescente expansão e digno de verdadeiros tratados, mas
neste capítulo tentaremos abordar algumas condutas básicas
para evitar doençasparasitárias nas viagens, lembrando que
a maioria dos cuidados aqui reportados servirá para a gran-
de maioria das doenças.
Orientações para viajantes sobre as parasitoses 419

O conhecimento do estado gestacional é importante. Nem sempre o médico orientador terá conhecimento
Pode-se oferecer o teste de gravidez para mulheres em idade completo sobre a região que o turista visitará, por isso, deve-
fértil, devido ao risco que determinadas drogas podem ofe- se perguntar se o viajante já visitou aquela região anterior-
recer aos fetos. mente e sobre os costumes locais, a fim de que se possa
Além do uso de medicamentos, deve ser questionado so- reorientá-lo sobre os riscos de reexposiçâo.
bre história de alergias prévias, seja por medicações, plantas
ou substâncias. Em alguns casos pode ser necessária a orien-

tação do emprego de antialérgicos ou até mesmo irnuno-


proñláticosinjetáveis.
Todo viajante deve portar carteira vacinalatualizada. Algumas
vacinas são fundamentais, independentemente da viagem,
enquanto outras são indicadas conforme a região visitada. As
vacinas antitetânica, para sarampo, difteria, coqueluche e
Muitos turistas procuram orientação para viagens que, hepatite B são fundamentais, por exemplo. Essas vacinasde-
embora sejam para áreas de risco elevado para diversas vem ser checadas, sobretudo a anütetânica e a para a hepati-
doenças parasitárias, são de curto período e baixa chance te B. A vacina para hepatite A deve ser indicada para todo
de exposição, dispensando proñlaxias. Por isso, é impor- turista, podendo ser realizada sorologia antes para determi-
tante determinar a data de embarque e o de retorno, as- nar se já não há anticorpos; porém, pode ser uma conduta
sim como o conhecimento de toda a trajetória que o turista sem custo-beneficio,principalmente em países desenvolvidos.
percorrerá. É importante determinar a data de retorno Dentre outras vacinasindicadas para todo viajante estão as
para poder orientar o paciente no retorno que, mesmo vacinaspara varicela, febre tifóide e inñuenza. Outras vacinas,
após várias semanas, sinais ou sintomas podem estar re- porém, são indicadas de acordo com a região visitada, como
lacionados com parasitoses adquiridas durante a viagem febre amarela, meningocócica, raiva, encefalíte japonesa, po-
devido o período de incubação prolongado de alguns pa- liomielite e cólera (Quadro 57-2).
rasitos. É importante lembrar, antes da administração das vaci-
Com relação ao destino, dados sobre as condições de ha- nas, o tempo necessário para que ocorra a imunização, isto
bitação e o padrão alimentar devem ser obtidos a Em de ori- é, o tempo necessário para que ocorra a produção de anti-
entar o turista sobre os riscos inerentes. Além dessas condições corpos suñcientes para evitar a doença em questão. Por isso,
básicas, questões sobre atividade sexual na região e a aplica- é fundamental a consulta de tabelas específicas antes da va-
ção de tatuagens, piercings e outros ornamentos que envol- cinação.
vam lesão tecidual devem ser abordadas. Conforme a região Com relação aos parasitas,
visitada, alguns rituais podem ser fator de risco, sobretudo
aqueles que envolvam ingestão de alimentos exóticos e não-
cozidos.
420 Parasitologia - uma abordagem clínica

Os protozoários podem ser transmitidos por via fecal-oral,


como a maioria daqueles que se albergam no trato gastrin-
testinal. Outros parasitas desse reino são transmitidos por
picadas de insetos, voadores ou não. A via sangüínea, medi-
ante transfusãn de sangue ou uso de drogas injetáveis, e a via
sexual também se prestam para a transmissão dos proto-
zoários.
Outra via é a mucosa ocular ou nasal, por onde algumas
espécies de amebas podem promover infecção até no sistema
nervoso central.
Considerando essas características de transmissão, algu-
mas orientações são bastante básicas e importantes, servin-
do para a profilaxiade diversas outras doenças infecciosas.

Água e Alimentos
A ingestão deágua e alimentos contaminados é a principal
forma de aquisição de doenças infecciosas em turistas. Estu-
dos apontam que alimentos contaminados são a maior fon-
te, embora água contaminada fosse mais sugestiva. Além
disso, esses estudos também apontam que a orientação so-
bre os cuidados com água e comida não alteram muito o risco
de doenças infecciosas, uma vez que a culinária local faz par-
te da viagem. Entretanto, quando analisamos por doença,
parece que as orientações são suficientes para
Orientações para viajantes sobre as parasitoses 4211
fecal-oral podem ser transmitidas por relação sexual não- O turista deve ser orientado quanto aos riscos de aquisi-
vaginal., sobretudo em homens que têm relação com homens. ção da malária e, conforme o local onde estiver, o risco de
A utilização de preservativos é fundamental como profilaxia obter um diagnóstico tardio e a possibilidadede não ter tem-
nesses casos. po de conseguir o tratamento. Nesses casos, um planejamen-
A aplicação de tatuagens pode causar parasitoses transmi- to da necessidade da quimioproñlaxia deve ser realizado.
tidas pela via sangüínea, como, por exemplo, a leishmaniose. Pacientes que ficarão pouco tempo em áreas de risco terão
Outras doenças infecciosastambém são transmitidas por essa uma abordagem diferente daqueles que ficarão meses em
via,cornol-lIVeashepatitesBeC.Ousodedrogasinjetáveis áreas de risco.
também deve ser evitado, e, se for o caso, utilizarmaterial O grau de exposição deve ser bem avaliado, evitando-se a
próprio, evitando o compartilhamentode agulhas seringas utilizaçãode medicações de risco em pacientes que ficarão em
ou mesmo de outros aparatos de manejo das mesmas. Nesses áreas de baixa transmissibilidade.Além do tempo e do local
casos, inclui-se material utilizadono uso de cocaína inalatória, do turista, deve-se avaliar as espécies mais comuns na região
como, por exemplo, Canudos, que podem ser contaminados e o grau de resistência às diversas drogas. Ainda em relação
pelo contato com narinas com lesões ou até mesmo micro- ao tempo de exposição, naqueles pacientes que ficarão por
lesões assintomáticas. tempo prolongado ern áreas de risco, a quimioprofilaicía
Após a lavagem de roupas é recomendada a utilizaçãode pode não ser adequada levando-se em conta o tempo prolon-
ferro de passar com altas temperaturas com o objetivo de di- gado de medicação; nesses casos, a orientação sobre os prin-
minuir a transmissão de escabiose, pulgas ou mesmo miíase cipais sintomas da doença, orientando o paciente a procurar
(roupas em Varais de secar). o diagnóstico precoce e, se não disponível, levar consigo um
tratamento completo para malária de acordo com as espé-
cies e a resistência do local é conduta recomendável. Outro
Quimioproñlaxia dado importante a ser considerado é que a malária, em diver-
sos países, é uma doença rural, e nem sempre é endêmica na
A quimioproñlaxia é uma forma de profilaxiacontra algtms região urbana.
parasitas. Entre eles, Plasmodium é o mais estudado nesse A utilização de quimioprofilaxiapode ser considerada
contexto. Correntes de pesquisadores têm proposto quimio- após avaliar-se o local, o tempo, a resistência e as espécies,
proíilaxiapara diversas doenças, mas o custo-beneficioe o o grau de exposição, as comorbidades, o risco de gestação
risco dessas medidas ainda são incerto. e o uso de outras drogas. Dentre as drogas mais utilizadas,
Sabe-se que mais de 3/5¡ dos viajantes com malária não es- estão a mefloquina, cloroquina, atovaquonafproguanile a
tavam usando medicações que pudessem evitar a doença. Em doxiciclina. A droga é escolhida conforme os dados descri-
primeiro lugar, deve-se orientar bem o viajante sobre o risco tos no início deste parágrafo, assim como a tolerabilidade
da malária e a letalidade frente o aparecimento da doença em do paciente às drogas.
locais onde o diagnóstico possa ser tardio e o tratamento ina- A acolha das drogas, da dose e dos efeitos adversos estão
dequado com drogas ineficazes e com efeitos adversos gra- descritos no Quadro 57-4 e na Figura 57-1.
ves. Este é o chamado A da quimioproñlaicia da malária (A
-
mvarencss). Em segimdo lugar, vêm as orientações sobre a
picada do vetor transmissor da malária, descritas na seção
“Picada de Insetos" (B bíte). A quimioproíilaiciavem em ter-
-

ceiro lugar (C chemoprophylaxis) e, por último, mas de ex-


- O grupo dos trematódeosdivide-se basicamente naqueles que
trema importância, o “D”, de diagnóstico precoce da malária, causam doença intestinal e no grupo de trematódeos teciduais.
seja para coniirmar ou descartar outras doenças febris. No primeiro grupo, a contaminação ocorre pela ingestão de

QUADRO 57-4 Quimioproñlaxia para malária

'Dias antes da viagem


"Dias após o retorno da viagem
422 Parasitologia -
uma abordagem clínica

5..

Área «idêntica para R falcipamm


sensível à cloroquina
Area endêmi para F! falabarum
resistente à moñoquina
Area endêmica para F! falcíparum
resistente à cloroquina

F|GURA 57-1 Mapa mundial mostrando as diversas áreas endêmicas de malária e a sensibilidade do parasito às principais drogas
antimaiáricas [cloroquina e mefloquinal.

água ou alimentos contaminados. Nesse grupo de doenças


encontra-se a fasciolopsíase, a heterofíase, a eqttinostomiase,
entre outras. A maioria desses parasitas participa de um ci-
clo rural de transmissão, em geral em áreas pouco visitadas
do planeta. Porém, como algumas dessas doenças podem ser
adquiridas pela ingestão de alimentos contaminados, áreas
produtoras podem exportar alimentos para áreas urbanas
em regiões onde não há uma 'fiscalização importante. A maio-
ria das parasitoses por trematódeos intestinais é descrita no
Sudeste Asiático, incluindo países pobres com poucos recur-
sos sanitários.
As principais áreas de risco para os trematódeosintestinais
foram descritas no Capítulo 26. Lá também estão descritas as
principais formas de transmissão desses parasitos ao homem.
Os cuidados relacionados com água e ingestão de alimentos
descritos na seção de protozoários podem ser aplicados aqui,
servindo para a profilaxia dessas parasitoses consideradas
exóticas e de difícil diagnóstico em locais com pouca expe-
riência em parasitologia_
O grupo das doenças causadas por trematódeos tec.iduais
apresenta distribuição um pouco mais ampla e espalhada por
diversos locais do mundo, conforme a espécie. Algumas de-
las podem ser adquiridas pela ingestão de alimentos, sendo os
frutos do mar os principais hospedeiros. Paragonimíase,
opistorquiase e clonorquíase são exemplos de trematódeos
tecidtrais que são adquiridos pela ingestão de diversas espé-
cies de peixes, assim como moluscos e caranguejos. Nesse gm-
po, a epidemiologia ainda diz respeito ao Sudeste Asiático,
expandindo-se até a Sibéria, além de casos descritos no nor-
te do Canadá, em áreas geladas.
Um outro trematódeos tecidual apresenta uma forma de
transmissão bastante erótica, que inclui a ingestão de formigas
parasitadas por D. dendriticunz. Alguns autores consideram
que a aquisição também poderia ocorrer por água contami-
nada com formigas parasitadas. Nesse caso, então, o cuida-
do com a ingestão de
Orientações para viajantes sobre as parasítoses mf-
netração na pele. Essas doenças apresentam uma distribui- CETRON, M5. Spectrum of Disease and Relation to Place of
ção cosmopolita, embora a prevalência seja maior em áreas Exposme among Ill Retumed Travelers. N'. Engl. f. Med., v. 354,
mais pobres. Para evitar a transmissão cutânea, o viajante pp. 119-130, 2005.
deve andar calado. SCHLAGENHAUF,P. Mefloquine for malaria chemoprophçrlaxis 1992-
1998: A review. f. Farei Med., V. 6, pp. 122-133, 1999.
Os nematódeos teciduais formam um grupo de parasitas STEFFEN,R.; DEBERNARDIS, C.; BANOS, A_ Travel epidemiology -

comuns para algumas regiões e também compõem alguns A global perspective. Im: I. Anrirmbrub. Agents, v. 21, pp. 39-95, 2003.
parasitas exóticos. Nesse grupo, a forma de transmissão é
um pouco exótica, como ingestão de moluscos, ou por mos-
quitos e moscas. Nesse grupo, estão incluídos todos os para-
sitos causadores de ñlarioses, que são transmitidas por
mosquitos. wwwxdngovftravel
Considerando o grupo de nematódeos teciduais, os cuida- CDC TravelersHealth
wwx-Lwhointfith
dos utilizados na transmissão de protozoários por mosqui- World Health Organization 'Iravelers Health
tos podem ser utilizados nesse grupo de parasitos. Nem http:Hmvwhc-sagc.ca/pphb-clgspspftmp-pmvlcatmat-ccmtrnvf
sempre as áreas de nematódeos teciduais coincide corn a de inclachtrnl
malária ou leishmaniose. Por isso, é importante o conheci- Health Canada. Committee to Advise on Tropical Medicine And
mento das áreas de endemia para os nematódeos teciduais a Travel (CATNÍAT)
Em de se utilizarmedidas específicas. httpüfrvwnnwhojntícsridonfenf
'WHO Disease Outbreak News
wwwtwhrmintfwer
WHO Weekly Epidemiological Record
wxvwxdcgovfmmm
CDC Morbidityand Mortality Weekly Report
FREEDMAN, no.; WELD, LH.; KOZARSKI na, HSK, r.; ROBINS, mvwwhojntfhealthjopics/en/
R.; voN SONNENBURG, s.; KEYSTONE, 1.5., PANDEY, P.; WHO Disease by' Disease Health Topics
(página deixada intencionalmente em branco)
A Ancyíosfonm duodenale, 246, 274
^b“°“”°hwám** 23 Anemia, 246
Anfoteñcina B deoxicolato, 114
Abscesso pulmonar, 23
Acmtkamoeba, 86 Angmrsh w511i”.E2391
_ _

di?? i

' 59358 epidemiologia, 288


EpKÍeogia.
etio ImOl-;Jgpsm
.

mol“Em”.28s
_
425 Índice

Balanmduh, se Cestócleos
Balantidiase diagnóstico de infecções por, 388
diagnóstico, 51 imunodepresszio, 330
epidemiologia, S0 Cestódeos intestinais
etiologia, 50 diagnóstico, 21 1
morfologia, 50 epidemiologia, 210
patogenia, 50 etiologia, 208
quadro clínico, 50 morfologia, 208
transmissão, 50 patogenia, 21 1
Ualamento, 51 sinais e sintomas, 211
Balanridiimr cola', 50 transmissão, 208-210
Bameiro, 128 tratamento, 212
Barreims contra as parasitoses, 6 Ceviche, 303
Baylisascarisprocyonis, 300 Chagoma, 133
Benzoato de benzila, 353 Chato, 353
Beme, 338 Chilomastíx nmsnili, 31
3611561112, 237 Chrysaps, 324
Bicho geográfico, 274 Ciclo evolutivo, 295
Bicbo-de-pé, 342 Ciclo pulmonar, 243
Biopsia Cidospora, 68
exame anaiomopamlógicn de material obtido por, 113 Ciclosporíase,
Biopsia retal, 376 etiologia, 68
Blastocistose morfologia, 68
ciclo biológico, ?8f epidemiologia, 68
diagnóstico, 79 Uansmissão, 68
epidemiologia, ?7 ciclo biológico, 681'
etiologia, 76 patogenia, 69
imunodeficiência e, 169 sinais e sintomas, 69
morfologia, 76 diagnóstico, 69
patogenía, 78-79 tratamento, 69
proñlaaáa, 80 Ciclosporidiose
sinais e sintomas, 79 imunodeficiênciae,169
transmissão, 78 Cisticerco, 209, 214
tratamento, 80 Cisücercose, 211
Blasmcystis Fiomin-is, 76 exames sorológicos, 399
Brachiola, 72. Cisticercose ocular
Bradizoíto, 151 diagnóstico, 362
Brasil, 94, 97-98 epidemiologia, 361
Brugia mafayí, 327 etiologia, 361
Brugia timori, 327 histórico, 360
Burzostomum phlebawsum, 2.74 morfologia, 361
sinais e sintomas, 361
c transmissão, 361
Canmão, 27g tratamento, 362
Cães, 235-235 Cisto hidático, 220
Cães infectados por r. Canis exames WTÚIÔEÍCGS: 399

tratamento dos, 280 65108 84


Cainbendazol,285 CÍÍ-OCÍDHS: 11
Capilaríase Citometria de fluxo, 14
diagnóstico, 259 Classificação, 2
Índice 427 -
Coma, 89 morfologia, 302
Comida japonesa, 231 patogenia, 302
Complemento, 11 profilaxia,303
Conñitos aônicots, 6 sinais e sintomas, 303
Convulsão, 89 transmissão, 302
Coliorrelinite, 158 tratamento, 303
Corrimto, 45 Díacmphymarenais, 302
Corticoesteróides, 331 Diphyffobonium cordatum, 230
Corticóídes, 216 Díphyüobonium dama, 230
CPK, 84 Diphyllaboniumdendritícum, 230
Criadouro, 83 Díphyrifobomum Icrnceolatum, 230
Criptosporidíase Díphylíabotrium(atum, 230, 231
exames sorológicos, 398 Diphyíloborriumpadjicum, 230
Criptosporidiose, 60 Diphyrllobomirm um', 230
ciclo biológico, 62f Díphyliobomumyomrgaensi, 230
diagnóstico, 63 Dipilidíase, 236-237
epidemiologia, 61 Díploganoponrs, 237
etiologia, 60 Dípyfídírcm mninum, 236
imunodeficiência e, 169 DNA
morfologia, 60 preparação do, 410
patogenia, 62 Doença de Chagas, 382, 390
profilaxia,64 diagnóstico, 134
sinais e sintomas, 62-63 epidemiologia, 129
transmissão, 61 etiologia, 128
tratamento, 63-64 exames sorológicos, 397
Crypmsporidixrm parvunx, 3, 60 morfologia, 128
Culex, 308 patogenia, 130
Cultura, 382 patologia, 131
Cytlaps, 234, 303 profilaxia, 137
Cyclospora cayeranensís, 68 sinais e sintomas, 133
Cysticercus, 214 transmissão, 129
tratamento, 136
D Doença do sono, 140
Dados da viagem, 419 ÓÍHEDÚSÚCQ 142
Deficiência imune, 168 epidemiologia 140
Dermambíahominis, 334, 335, 336, 337 etiologia 140
Dennatozoonose, 274 mmfolciãina 140
Detecção de antígenos, 15 Pamgeniña 141
Diagnóstico profilaxia,
- 428 Índice

Eleñmüase escrotal, 312 fomia pulmonar, 181


EHSA, 14 fomia renal, 181
Elispot, 14 imunopatogenia, 178
Encefalite, 89 morfologia, 176
Encepfmlirozoan, 72 patogenia, 177
Endoftalmite crônica patologia, 177
leucocoria por, 367 sinais e sintomas, 179
Ensaios imunoenzimáücos, 14 Uansmissão, 177
Entamoeba, 18 Esquistossomose
Entamoeba Cali, 3D exames sorológicos, 399
Errmmocba dispor, 18, 379 Esquizonte, 92
Entamoeba gingivalis, 30 Estágio infectante, 72
Enranmeba fxartmanrri, 30 Estratégias de exame, 374
Enramoeba frismlydica, 18, 379 Estrongiloidíase
Entamoeba palacio', 30 diagnóstico, 256
Enteríte, 255 epidemiologia, 252
Enterobíase, etiologia, 252
diagnóstico, 265 exames sorológicos, 399
epidemiologia, 264 morfologia, 252
etiologia, 264 patogenia, 254
morfologia, 264 profilaxia,256
patogenia, 265 sinais e sintomas, 255
profilaxia,265 transmissão, 253
sinais esintomas, 265 tratamento, 256
transmissão, 264 Eustranglides, 270
tratamento, 265 Exame anatomopatológico de material obtido por biopsia, 113
Enrembiiu vmniculans, 264 Exame de amostras sangüíneas, 377
pesquisa de ovos de, 376 Exame de fezes, 24, 374
Enteroqlmzoorz, 72 Exame de gota espessa, 377
Enreromonas hominis, 31 Exame direto
Enteroteste, 376 exame de fezes, 374
Eosinoñlia, 260 Emme paxasitológico de fezes, 386
Epilepsia, 214 Exames sorológicos, 396
Equinococose ácaros, 400
exames sorológicos, 399 amebíase, 398
Equinostomíase cisticercose, 399
diagnóstico, 196 cistos hidátioos, 399
epidemiologia, 195 criptosporidíase, 398
etiologia, 195 doença de chagas, 397
morfologia, 195 equinococose, 399
patogenia, 196 esquistossomose, 399
profilaxia, 196 estrongiloidíase,399
sinais esintomas, 196 filarioses, 400
transmissão, 196 giardíase, 398
tratamento, 196 leishmaniose, 397
Eritrócitos, 92 luminais, 399
Escabiotse malária, 396
diagnóstico, 353 toxocaríase, 399
epidemiologia, 352 toxoplasmose, 398
etiologia, 352. triquinelose, 400
morfologia, 352
patogenia, 353 F
profilaxia,353 Fascíniogiganrím, 186
sinais e sintomas, 352 Fascínio hepatite, 186
transmissão, 352 Fasciolopsíase, 192
tratamento, 353 diagnóstico, 194
Esfregaço sangüíneo, 377 epidemiologia, 192
Esgotos, 61 etiologia, 192
Esparganose, 234-235 morfologia, 192
Fsperma, 45 patogenia, 193
Esplenectomia, 168 profilaxia, 194
Esplenomegalia, 180 sinais e sintomas, 193
Esquistossomose, transmissão, 193
associação de esquistossomose com outras doenças, 182 tratamento, 194
epidemiologia, 176 Fasciofopsis bush', 192
etiologia, 176 Fasciolose,
forma aguda, 179 diagnóstico, 189
forma hepatoesplênica, 180 epidemiologia, 186
forma hepatointestinal, 180 etiologia, 186
forma intestinal, 179 morfologia, 186
Índice

patogenia, 187 Gnadrasroma hispidunz, 303


proülaicia, 189 ("madrostoma mppanicum, 303
sinais e sintomas, 188 ("madiosroma spinigemnz, 303
Uaimnissão, 187 Gnathosramaspp (gnatostomíase),274
trammenbo, 189 Gnatostomíase
Fase de proliferação, 72 diagnóstico, 304
Fase esporogônica, 72 epidemiologia, 303
Fenômeno de splendore-hoeppli, 301 etiologia, 303
Fezes, 187 morfologia, 303
exame de, 24, 374 pahogenia, 302
Fígado, 92, 177, 2.20 profilaxia,304
Filariose, 308-314, 321 sinais e sintomas, 304
diagnóstico das, 389 translnissão, 303
exames sorológicos, 400 tiammento, 304
Filaríose liniiitica, 390 Gongvlonema, 270
Filtração do sangue em membranas, 378 Gota espessa
Flagelados, 31 exame de, 377
Fluorescência Granulorna, 180
microscopia de, 377 Granuloma no pólo posterior, 367-368
Foresia, 335 Granuloma periféñco, 368
Forma aguda Guaxinim, 300
esquistossomose, 179 Gyirmaphailoides, 206
Forma amebóide, 76
Forma cística, 77
Forma granular, 76 H. Dirmmum, 226
Forma hepatoesplênica Halofantrina, 98q, 100q
esquistossomose, 180 Hemácias, 92
Forma hepatointestinal Hemiparesia, 89
esquistossomose, 180 Hepatomegalia, 158, 180, 188
Forma intestinal Heteroñase
esquistossomose, 179 diagnóstico, 197
Forma pulmonar epidemiologia, 196
esquistossomose, 181 etiologia, 196
Forma renal morfologia, 196
esquistossomose, 181 patogenia, 197
Forma vacuolar, 76 profilaxia, 197
Formas atípicas, 279 sinais e sintomas, 197
Fonnas crónicas da esquistossomose e exame ultra-sonográñco, 182 transnlissão, 197
Fñgorífero, 84 tratamento, 197
Frutos do mai', 303 Heterophyies, 196
G
Hidátide, 220
Hidatídose, 22.0
Gametócíto, 92, 93 diagnóstico, 222
(kstrodismidcs hominis, 194 etiologia, 2.20
Gastrodiscoídiase morfologia, 220
diagnóstico, 195 pahogenia, 2.20
epidemiologia, 194 profilaxia,223
etiologia, 194 sinais e sintomas, 2.21
morfologia, 194 transmissão, 220
patogenia, 195 tratamento, 222
proñlaxia, 195 Hidatidose alveolar, 220
sinais esintomas, 195 Hídrocele, 313
transmissão, 194 Himenolepíase
Uatamento, 195 controle, 226
Gato, 150, 275 epidemiologia, 22.6
Giardia, 3, 34 etiologia, 226
Giardiase, 34, 380 morfologia, 226
diagnóstico, 37 patogenia, 226
epidemiologia, 35 sinais e sintomas, 226
etiologia, 34 transmissão, 226
exames sorológicos, 398 tratamento, 226-227
imunodeñciéncia e, 169 Híperinfecção, 253
morfologia, 34 Hipertensão mtracraniana, 214
patogenia, 36 Hipertensão portal, 180
profilaxia, 39 Hipnozoítos, 92
sinais e sintomas, 37 Hipovitaminose, 231
transmissão, 35 HIV,4-4, 54, 55, 330-331
tratamento, 38 leishmaniose visceral e, co-infecção por, 119, 122
("mmhosroma binucleamm, 303 Hospedeiro, 107
Gnadtosrama dolares?, 303 Hymenolepis nana, 226
- 430 Índice

patogenia, 275
profilaxia, 276
Identificação, 2 sinais e sintomas, 275
Immunoblot, 14 transmissão, 275
Imunidade adaptativa, 10
humidade adquirida, 168 tratamento, 276
Larva migram neural, 300
Imunidade humoral, 168
Larva migram visceral
Imunidade inata, 10
Imunizações, 419 diagnóstico, 279
Imunocomprometimento, 169 epidemiologia, 278
Imunodeíiciências, 15a
Imunodepreasão, 55
etbrl êíi a
m:: 0513578
kyãya
cestódeos e, 330 pa gemia'
nematódeos e, 331
Índice 4311
profilaxia,325 proñlaicia, 338
sinais e sintomas, 325 secundária, 335
transmissão, 324 Uanslníisão, 335-336
batimento, 325 tratamento, 337
Luminais Miocárdio, 128, 131
arames sorológicos, 399 Miocardite, 130-131, 133
Lutzomyia, 106 Miracídio, 187
teste de eclosão de, 376
M Molusco, 2.89
Macaco, 325 Mosca, 140, 334
Macrófago, 10, 104 Mosquito, 105
Malária, 334, 39o Mucosa intestinal
diagnóstico, 97 interação de parasitas com a, 13
epidemiologia, 93 Mudanças no perfil das doenças, 5
etiologia, 92 Multiccps multiceps, 235-236
exames sorológicos, 396 Músculo, 208-209, 236
morfologia, 92
patogenia, 94
principais esquemas terapêuticos em uso no Brasil, 97-98 Nnegferia, 86
profilaxia, 100-101 bíanopfwmzs,206
sinais e sintomas, 96 Necamr anzericanus, 246, 274
transmissão, 94 Nematehninto, 252
tratamento, 97 Nenmmda, 252
complicações, 100
tratamento das Nematódeoe¡ exóticos, 268, 300
Mammomanogatnus (syngamus) lavagem, 304 Nematódeos
Mansoneüa, 320 e imunodepressão, 331
MñIlSDHClCIGC Nematódeos intestinais
diagnóstico, 320 diagnóstico de infecções por, 386
epidemiologia, 320 Nematódeos sangüíneos
etiologia, 320 diagnóstico, 312
morfologia., 320 epidemiologia, 308
patogenia, 320 etiologia, 308
proñlaxia, 321 morfologia, 308
sinais e sintomas, 320 patogenia, 310
transmissão, 320 proñlaicia, 314
tratamento, 321 sinais e sintomas, 311
Mar, 2.3 l, 275, 303 transmissão, 309-310
Mebendazol, 249 tratamento, 313
h-íefloquina, 97 Neurocisticercose, 209
Megacólon, 131, 132 diagnóstico, 215
Megaesófago, 131, 132, 134 epidemiologia., 214
Meningoencefalite, 89 patogenia, 214
Merozoíto, 92 profilaxia,216
iwetagorzimus, 196 sinais e sintomas, 214
Metaloproteases, 284 tratamento, 216
Métodos moleculares, 404 Neurorretinite subaguda unilateraldifusa (DUSN), 302
Metorchis, 206 diagnóstico, 364
Metronidazol, 47 epidemiologia, 363
Microñláiia, 308-309 etiologia, 363
Micro-hematócrito,378 histórico, 352
Micronema delemh', 304 morfologia, 363
Microscopia de fluorescência,377 quadro clínico, 363
Microsporídios, 72 transmissão, 363
diagnóstico, 73 tratamento, 364
epidemiologia, 72 Neutóñlos, 10
etiologia, 72 Nomenclatura, 2-3
morfologia, 72 hbscma, 72
profilaxia, 74
sinais e sintomas, 73 O
transmisño, 73 Obstrução intestinal, 243
tratamento, 74 Oesophagosmnxum, 271
Microsporidiose Olho, 15s
imunodeficiência e, 169 Onchocerm valvulas, 316
I'm-fitase Oncocercose
aspectos clínicos, 336 diagnóstico, 318, 366
diagnóstico, 337 epidemiologia, 316. 365
epidemiologia, 335 etiologia, 316, 365
morfologia, 334 histórico, 365
patogenia, 336 morfologia., 316, 365
prilnáxia, 335 patogenia, 317
- 432 Índice

profilaxia, 318 Praia, 274


quadro clínico, 366 Preparação do DNA, 410
sinais e sintomas, 317 Processamento computacional de imagens para o diagnóstico
transmissão, 316, 365 parasitológico, 392
tratamento, 318, 366 Proñlaicia
Oncosfera, 226 em cestódeos, 422
Oocistos, 60 em nematódeos, 422

Opisthorchikfeíinus, 204 em protomários, 420

Opisthorchik*vivenirt-í, 204 em treinatódeos, 421

Opistorquíase Proglote, 208


diagnóstico, 205 Prolapso retal, 2.61
epidemiologia, 204 Protozoários, imunodeficiênciase, 168
etiologia, 204 Prurido anal, 265
morfologia, 204 Prurido, 352
paxogenia, 205 Pulgas, 236, 352
profilaxia,205 Função guiada por ultm-sonograña (US), 222
sinais e sintomas, 205
transmissão, 204 Q
tratamento, 205 (Juh-muchas, 11
Orientações para viajantes sobre as parasitoses, 418
_ _

Quilnjoprüñlm 421
Osteólise, 284 Qujnjno, 97
Ovos, 246
R
1':aciãntes
_

imunocomprometi_dos,
_

330
Raílliciína,237
Reaçfo da ?dem daippilmerase) 1-13
059153-5 5311535135 P9¡ Pmmmánm 311% 153 Reaçao de hipersensibilidadetardia (DTH), 14
1131110319
Índice 4331
Sistema biliar,187 Toxocaríase ocular (LMO), 279
Sistema imune, 10-11 Toxocaríase visceral (LMVL 279
Sistema linfáúco, 308 Taxoplasmagondii, 150
Sistema porta, 176 Toxoplasmose, 386
sorologia, 387, 388 diagnóstico, 159-161
Spatgamrm, 234 epidemiologia, 151
Spíromma, 234 etiologia, 150
Stmngyloids, 252 exames sorológicos, 398
Srrongyloídassttrcoralis (larva currens), 274 imunodeficiênciae, 169
Strangloídes srercoralis, 252 morfologia, 150
Suifametoxazol, 56 patogenia, 154
Surto, 68 profilaxia, 164
sinais e sintomas, 155
'I' transmissão, 152-153
I Curi, 278 nammento, 161-164
'II Retinire, 278 Tmmplaslnose adquirida em imunocompetentes, 157
Taenia sagímmz, 208 Toxorplasmose congênita, 155
Taenia solium, 208, 214 Toxoplasmose ocular, 158
Taquizoíto, 154 diagnóstico, 370
Taxonomia, 2 epidemiologia, 369
Táxons, 2 etiologia, 359
Tecido subcutâneo,234 histórico, 369
Técnica de imuno-histoquímica para detecção de matéria antigênica morfologia, 369
do parasito nas lesões., 113 sinais e sintomas, 370
Técnica de Knott, 378 tratamento, 371
Técnica de Strout, 378 Tmchiplersrophora, 72
Técnicas de concentração Transmisszio fecal-oral, 78
de sangue, 378 Trematódeo, 182
exame de fezes, 374 diagnóstico de infecções por, 388
Técnicas de quantificação de cargas parasitárias, 375 e imunodepressão, 330

Tecnologia de amplificação por PCR, 411-414 exóticos, 206


Teimosa, 304-305 Trichineliaspiralís, 294
Telediagnóstico,404 Trichorrwnashominis, 31
aspectos básicos do, 405 Trichomonasremix, 31
dispositivos portáteis no, 407 Trichamonos -vagina!~is, 42
Telemedicina,405 'TIichcLsUongylus, 268
Tenesmo, 261 Trichuris trichiura, 260
Tânia, 226 Tricomoníase,381-382
Tênia anã, 226 imunodeficiência e,169
Tânia do rato, 226 Tricomonose
Teniase, 208, 226 diagnóstico, 46
diagnóstico, 211 epidemiologia, 44
epidemiologia, 210 etiologia, 42-44
etiologia, 208 morfologia, 42-44
morfologia, 208 pahogenia, 44-45
patogenia, 211 proñlanda, 47
sinais e sintomas, 2.11 sinais esintomas, 45
transmissão, 203-210 transmissão, 44
tratamento, 212 tratamento, 47
Teste de eclosão de miracídios, 376 Tricuríase
Teste de Leão, 285 diagnóstico, 262
Teste do barbante, 376 epidemiologia, 260
Testes cutâneos, 14 etiologia, 260
Testes sorológicos, 14 morfologia, 260
Thl, 107 patogenia, 260
Th2, 107 proñiaxia, 262
17143812121, 304 sinais e sintomas, 261
Tiabendazol, 280 transmissão, 260
Tall-like, 11 tratamento, 262
Tosse, 243, 304 Tripanossoirliase,
Taxomra mais, 278 diagnóstico, 134
Toxocaríase epidemiologia, 129
diagnóstico, 368 etiologia, 128
epidemiologia, 367 imunodeñciéncia e,169
etiologia, 367 morfologia, 128
exames sorológicos, 399 patogenia, 130
morfologia, 367 patologia, 131
quadro clínico, 367 profilaxia, 137
transmissão, 367 sinais e sintomas, 133
tratamento, 368 transmissão, 129
- 434 Índice

tratamento, 136 morfologia, 343


Tüpanossonüase africana patogenia, 344-345
diagnóstico, 142 profilaxia, 347
epidemiologia, 140 resumo histórico, 342
etiologia, 140 sinais e sintomas, 345
morfologia, 140 transmissão, 344
patogenia, 141 unmmento, 346-347
profilaxia, 143 u
sinais e sintomas, 142
tf3l151TlÍ-5Sã0› 141 Ulüa-sonograña
Úñmmentüs 142 punção guiada por, 22.2
Triquinelme [Incfnaria snenocephala, 274
diagnóstico, 296
epidemiologia, 294 V

mmmlwa» 394 Vetor, 104-105


patogenvía,296
295
Vmgmn, 413
Ércúhm?” Vmjantes, orientações sobre as parasitoses, 418
&Êmmmag 2% _

mu” Vírus linfotrópico para células T humanas do tipo I (HTLV-I), 253


294
transrrussão, Vitamina Blz, 231
tratamento,

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