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Descrição de achados associados ao Urbanorum spp.: Revisão e relato de


evidências no norte do Piauí

Chapter · July 2021

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Mayck Barbosa Thiago Nobre Gomes


University of Campinas Universidade Federal do Ceará
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PARASITOLOGIA
HUMANA E VETERINÁRIA
2ª EDIÇÃO - VOLUME 02

Organizadores

Guilherme Barroso L. De Freitas


Ariane Krause Padilha Lorenzett

2021
2021 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur
Todo conteúdo exposto nos capítulos é de responsabilidade dos próprios autores

Editor Chefe:

Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:

Dr. Alaércio Aparecido de Oliveira Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas


Dra. Aldenora Maria Ximenes Rodrigues Dra. Hanan Khaled Sleiman
Bruna Milla Kaminski MSc. Juliane Cristina de Almeida Paganini
Dr. Daniel Brustolin Ludwig Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
Dr. Durinézio José de Almeida MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
Dr. Everton Dias D’Andréa Dra. Márcia Astrês Fernandes
Dr. Fábio Solon Tajra Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
Francisco Tiago dos Santos Silva Júnior Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Raul Sousa Andreza
Dr. Geison Eduardo Cambri MSc. Renan Monteiro do Nascimento
MSc. Guilherme Augusto G. Martins Dra. Teresa Leal

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Pasteur, PR, Brasil)

FR862c FREITAS, Guilherme Barroso Langoni de.


Parasitologia – Humana e Veterinária / Guilherme Barroso
Langoni de Freitas- 2 ed. 2 vol - Irati: Pasteur, 2021.
1 livro digital; 248 p.; il.

Modo de acesso: Internet


https://doi.org/10.29327/540110
ISBN: 978-65-86700-45-9
1. Medicina 2. Parasitologia 3. Ciências da Saúde
I. Título.

CDD 610
...... CDU 614.4

1
PREFÁCIO

O parasitismo é um tipo de simbiose e é definido como uma associação íntima entre


um organismo (parasita) e outra espécie maior de organismo (hospedeiro) da qual
o parasita é metabolicamente dependente. Implícito nesta definição está o
conceito de que o hospedeiro é prejudicado, enquanto o parasita se beneficia da
associação. Visto que parasitas bem adaptados podem ser não patogênicos,
podemos somar ao parasitismo a relação de mutualismo, onde ambos organismos
se beneficiam de alguma maneira. A parasitologia humana e veterinária é uma
área do conhecimento encantadora, com suas características geográficas,
sintomológicas, epidemiológicas e terapêuticas sempre em constante pesquisa.
Por conseguinte, a segunda edição deste livro teve como objetivo organizar
estudos científicos de qualidade dentro desta temática, possibilitando uma leitura
técnica e de qualidade aos interessados e estudiosos da área.

Guilherme Barroso L. De Freitas


Editor Chefe
Editora Pasteur

2
Capítulo 01 - ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS DA Naegleria fowleri ..... 01

Capítulo 02 - ANÁLISE COPRO-PARASITOLÓGICA DE CHELONOIDIS


............................................................................................................................. 08

Capítulo 03 - SÍNDROME DE HIPERINFECÇÃO POR ESTRONGILOI-


DÍASE EM PACIENTES IMUNOSSUPRIMIDOS ......................................... 14

Capítulo 04 - ANCILOSTOMOSE: UMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂ-


NEA .................................................................................................................... 25

Capítulo 05 - DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE FEBRE MACULOSA


E DENGUE VISANDO A REDUÇÃO DA LETALIDADE: UMA REVISÃO
DA LITERATURA ............................................................................................ 38

Capítulo 06 - DESCRIÇÃO DE ACHADOS ASSOCIADOS AO Urbanorum


spp.: REVISÃO E RELATO DE EVIDÊNCIAS NO NORTE DO PIAUÍ ..... 45

Capítulo 07 - O PAPEL DAS CISTEÍNO PROTEASES NA PATOGENIA DA


GIARDÍASE .... ................................................................................................ 56

Capítulo 08 - TRICURÍASE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............... 69

Capítulo 09 - DIVERSIDADE DE FLEBOTOMÍNEOS ASSOCIADOS À


Leishmania spp.: REVISÃO DE FATORES NO NORDESTE BRASILEIRO
............................................................................................................................. 74

Capítulo 10 - LEISHMANIOSE CUTÂNEA (LC): UMA ATUALIZAÇÃO


ACERCA DO TRATAMENTO E PROGNÓSTICO DA DOENÇA .............. 87

Capítulo 11 - USO DE FITOTERÁPICOS NO TRATAMENTO DA


LEISHMANIOSE CUTÂNEA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ......... 101

Capítulo 12 - POTENCIAL TERAPEUTICO DOS ÓLEOS ESSENCIAIS


CONTRA LEISHMANIOSES ........................................................................ 111

Capítulo 13 - INCIDÊNCIA DE LEISHMANIOSE EM FELINOS DOMÉS-


TICOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA .............................................. 118

3
Capítulo 14 - DERMATOPATIAS PARASITÁRIAS EM GATOS DOMÉS-
TICOS ............................................................................................................. 129

Capítulo 15 - ENDOPARASITOS QUE ACOMETEM FELINOS E SUA FAR-


MACOLOGIA ANTI-PARASITÁRIA: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...... 139

Capítulo 16 - DOENÇAS RELACIONADAS AOS CARRAPATOS ........... 149

Capítulo 17 - ASPECTOS CLÍNICOS, EPIDEMIOLÓGICOS E POTEN-


CIAL ZOONÓTICO DA DOENÇA DE LYME: REVISÃO DE LITERA-
TURA ............................................................................................................... 163

Capítulo 18 - PERCEPÇÃO DE TUTORES NO CONTROLE DE CARRAPA-


TOS EM CÃES E GATOS ............................................................................. 170

Capítulo 19 - AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DE COMPLEXO HOMEO-


PÁTICO NO CONTROLE DE CARRAPATOS EM BOVINOS DE
PRODUÇÃO DE LEITE ................................................................................. 177

Capítulo 20 - TOXOPLASMOSE FELINA E SEU IMPACTO NA SAÚDE


PÚBLICA ........................................................................................................ 182

Capítulo 21 - NEUROTOXOPLASMOSE EM INDIVÍDUOS IMUNOSSU-


PRIMIDOS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA .......... 191

Capítulo 22 - ASPECTOS GERAIS DA HEPATOZOONOSE EM CÃES NO


BRASIL: REVISÃO DE LITERATURA ...................................................... 201

Capítulo 23 - ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DA TRISTEZA PARASI-


TÁRIA BOVINA (TPB) .................................................................................. 209

Capítulo 24 - TRIPANOSSOMÍASE BOVINA NO BRASIL ........................ 216

Capítulo 25 - O USO DE Lippia grata COMO UMA ALTERNATIVA NO


CONTROLE DE ECTOPARASITOS DE IMPORTÂNCIA VETERINÁRIA:
UMA REVISÃO ............................................................................................. 228

Capítulo 26 - Croton blanchetianus COMO ALTERNATIVA DE CONTROLE


DE ENDOPARASITAS: UMA REVISÃO .................................................... 237
4
CAPÍTULO 01

ASPECTOS
FISIOPATOLÓGICOS DA
Naegleria fowleri

Lorrane de Moura Moreira¹


Vinícius Thadeu Dell’orto Santiago¹
Filipe Henrique Almeida Barbosa Godoi¹
Silvia Oliveira Dourado¹
Isabella Martins de Faria¹
Izabela Ferreira Gontijo de Amorim2
Gisele Eva Brunch2
Daniela Camargos Costa2

1Discente - Medicina da Faculdade de Minas - BH.


2Docente – Faculdade de Minas – BH

Palavras-chave: Naegleria fowleri; Meningoencefalite Amebiana Primária; 1


Fisiopatologia.
Capítulo 01
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO volvidos, onde a população tem acesso


limitado a fontes de água potável (YOUSUF et
A Naegleria fowleri é uma ameba de vida al., 2017).
livre responsável por causar Meningoen- A partir do exposto, o objetivo da presente
cefalite Amebiana Primária (MAP), doença revisão interativa é abordar os aspectos
do Sistema Nervoso Central (SNC) rara, fisiopatológicos da infecção por esse patógeno,
porém com rápida progressão e altamente fatal a fim de nortear estratégias mais assertivas de
(GHANCHI et al., 2017; CHEN et al., 2019). manejo ao paciente acometido, reduzindo a
Como é termofílica, pode proliferar em água morbimortalidade do quadro em questão.
doce, especialmente no verão, devido as
elevadas temperaturas. O protozoário invade o MÉTODO
sistema nervoso por meio da cavidade nasal,
migrando pelas fibras nervosas até o bulbo Os artigos utilizados para o trabalho foram
olfatório e em seguida adentra o cérebro pela obtidos a partir da plataforma PubMed, sendo
placa cribiforme (GHANCHI et al., 2017). os descritores utilizados na busca: “Naegleria
Após a infecção, a N. fowleri causa uma forma fowleri” e “pathogenesis”. Os critérios de
letal de meningoencefalite, denominada MAP, inclusão foram: artigos publicados nos últimos
popularmente conhecida como “ameba cinco anos e no idioma inglês. Portanto, os
comedora de cérebro” (COPE et al., 2018; critérios de exclusão foram trabalhos
MCLAUGHLIN & O’GORMAN, 2019). Em publicados fora do período de estudo e em
função da especificidade do sítio que acomete, outro idioma.
as manifestações clínicas mais comuns da Após o cruzamento dos descritores
doença são: cefaleia, febre, náuseas, rigidez no supracitados no PubMed, foram encontrados
pescoço, confusão mental, convulsões e 567 trabalhos. Logo após, os critérios de inclu-
alucinações, levando o paciente à óbito em são supracitados foram aplicados, obtendo-se,
98% dos casos (GHANCHI et al., 2017). dessa forma, 73 artigos. Posteriormente à uma
A doença foi descrita pela primeira vez na criteriosa leitura dos títulos e dos resumos,
Austrália em 1965, desde então, apenas 300 foram selecionados 17 artigos para a
casos da infecção foram relatados em todo o elaboração da presente revisão.
mundo, com uma elevada taxa de letalidade. A
N. fowleri já foi relatada em diversas partes do RESULTADOS E DISCUSSÃO
globo, incluindo América, Austrália, Tailân-
dia, Hong Kong e Taiwan. A MAP geralmente
A Meningoencefalite Amebiana Primária
afeta jovens do sexo masculino e o tempo
(MAP) é uma infecção do sistema nervoso
médio de exposição ao início dos sintomas foi
central (SNC) que embora seja extremamente
de 5 dias e do início dos sintomas até a morte
rara, apresenta rápida progressão e é predomi-
foi de 5,3 dias (MCLAUGHLIN &
nantemente fatal. A sua causa está diretamente
O’GORMAN, 2019). Cabe ainda ressaltar que
relacionada à contaminação por N. fowleri, que
o número crescente de casos pode ser atribuído
é uma ameba de vida livre, termofílica, que
ao aumento das temperaturas ambientais,
consegue sobreviver no solo e em água doce
afetando sobretudo os países subdesen-

2
Capítulo 01
Parasitologia Humana e Veterinária

de temperaturas elevadas. A exposição do estudos que demonstrem métodos seguros e


paciente à infecção normalmente se sucede em eficazes no que tange a terapêutica deste
lagos e lagoas de água doce quentes, durante agravo, poderiam justificar igualmente a
atividades recreativas aquáticas (MATANOK elevada letalidade (CHEN et al., 2019;
et al., 2018; COPE et al., 2018). A transmissão YOUSUF et al., 2017).
da doença ocorre a partir da exposição do A patogênese da MAP inicia-se a partir da
indivíduo à ameba, que entra na cavidade nasal entrada do protozoário N. fowleri (Figura 28.1)
do hospedeiro, levando a um quadro de na cavidade nasal, por meio da invasão do
meningoencefalite necrosante, além de um epitélio olfativo pseudoestraficiado pelos
aumento grave do líquido cefalorraquidiano trofozoítos da ameba. Nesse tecido, há
(LCR) e da pressão intracraniana (CHEN et diversos tipos de junções intercelulares, como
al., 2019; MCLAUGHLIN & O’GORMAN, as estreitas, as aderentes e os desmossomos.
2019). Ao atravessa as junções intercelulares, o
Dentre os sintomas mais comumente parasito segue pelo nervo olfatório, atravessa a
observados em pacientes que apresentam lâmina cribriforme e invade o SNC, realizando
infecção pelo parasito estão: hipertermia (febre a destruição das células desse tecido,
alta), cefaleia intensa (dores de cabeça), sobretudo os neurônios (MARTÍNEZ-
fotofobia (sensibilidade a luz), letargia CASTILLO et al., 2017; BETANZOS et al.,
(inércia), confusão mental e convulsões de 2019; PUGH & LEVY, 2016).
início súbito. Ademais, o paciente pode
apresentar náuseas, vômitos e ainda rigidez na Figura 28.1 Imagens da Naegleria fowleri
região da nuca em virtude do acometimento obtida de fluido cerebrospinal, corado com
das meninges. Por fim, a hipertermia pode Giemsa no aumento de 1000x, em óleo de
estar associada a calafrios além de movi- imersão
mentos corporais involuntários (espasmos)
(CHOMBA et al., 2017; ZHANG et al., 2018;
MITTAL et al., 2019).
Em relação à alta fatalidade da infecção, há
duas explicações principais descritas na
literatura: a primeira é que a MAP é
subdiagnosticada, isto é, muitas vezes os sinais
e sintomas são confundidos com outras Legenda: A seta indica o trofozoíto da Naegleria
neuroinfecções mais comuns, tais como a fowleri circundado por neutrófilos. Fonte: Pugh &
meningite bacteriana e a encefalite viral
Levy, 2016.
(CHEN et al., 2019; MATANOCK et al.,
2018). Além disso, os sintomas característicos
Inicialmente, ao penetrar a cavidade nasal,
da MAP, como cefaleia, febre, náuseas e
a ameba é circundada por neutrófilos e muco.
vômitos, são manifestações clínicas comuns, o
Esse muco do epitélio olfativo é uma barreira
que dificulta o diagnóstico e, consequen-
física da imunidade inata do organismo que
temente, atrasa o tratamento específico. A
tem como componentes: glicoproteínas
segunda explicação sugere que a escassez de
mucinas; água; lisozimas; lactoferrinas;
3
Capítulo 01
Parasitologia Humana e Veterinária

moléculas do sistema complemento; IgA mostrando uma preferência para esta região,
secretoras e IgM. Por isso, para atingir o SNC, muito provavelmente em razão da sua
ele precisa transpor o epitélio e evadir as proximidade anatômica com o bulbo olfatório
defesas inatas do hospedeiro. Para invadir o (BAIG, 2016; ONG et al., 2017). Nessa
epitélio, esses trofozoítos adentram a camada barreira hematoencefálica, os trofozoítos se
mucosa ao liberar adesinas, lecitinas, cisteína ligam novamente às células endoteliais e
proteases e enzimas mucinolíticas. Essas degradam as junções intercelulares. Essa
mucinases, principalmente as glicosidades, degradação das junções é ocasionada pela
atuam na degradação de mucinas específicas, danificação da claudina-5, ocludina, e
mais especificamente, a MUC5AC (MAR- proteínas da zônula ocludente. Ademais, a
TÍNEZ-CASTILLO et al., 2017; BETANZOS ligação às células endoteliais é facilitada
et al., 2019). porque os trofozoítos induzem a expressão de
Posteriormente, a ameba libera adesinas e moléculas pró-adesão, como a proteína de
proteases que degradam as junções adesão celular vascular 1 (VCAM-1) (PUGH
intercelulares do epitélio olfativo, lesionando- & LEVY, 2016).
o. Além disso, o parasito interage com o Em seguida, essas amebas geram dano
colágeno humano tipo I no epitélio, tecidual nesse local, por meio da produção de
apresentando uma elevada aderência, o que enzimas citopáticas, que atuam na danificação
favorece a invasão. Através desses e na lise de diversas células, como as
mecanismos fisiopatológicos, a barreira física endoteliais, as nervosas, os eritrócitos, dentre
do epitélio é rompida, propiciando a entrada de outras. Outro mecanismo que gera lesões
trofozoítos na lâmina basal, por meio de teciduais é a liberação, pelo patógeno, de
enzimas lipolíticas, naegleriaporos, proteína 1, proteínas formadoras de poros, de proteases e
miosina e Nfactina (actina da N. fowleri) de fosfolipases que, atuam na desmielinização
(BETANZOS et al., 2019). Após esse de neurônios, supostamente. Esse processo
processo, ela segue pelo bulbo olfatório, que desencadeia o recrutamento de células da
continua com o trato olfatório e invade a imunidade inata, resultando em uma reação
barreira hematoencefálica. Nesse contexto, é inflamatória e, por conseguinte, na produção
possível inferir que o patógeno, provavel- de interleucinas, citocinas, entre outras
mente, causa danos ao tecido olfatório apenas (BETANZOS et al., 2019; PUGH & LEVY,
para evadir a defesa do organismo e atingir o 2016).
SNC, em razão das lesões mais graves serem Logo, a N. fowleri origina destruição e
observadas nesse tecido. Isso pode se suceder necrose do cérebro, com consequente infil-
devido a existirem substâncias quimioatraentes trado inflamatório. A ameba tem ainda a
para esse parasito no tecido nervoso. Uma capacidade de destruir as suas células-alvo por
hipótese seria a presença da acetilcolina, que, trogocitose (digestão gradativa), causando a
por ser quimioatraente para algumas células do meningocefalite amebiana primária (MAP).
organismo e estar presente em elevada (BETANZOS et al., 2019; MONSEMAN,
quantidade no cérebro, poderia justificar o 2020).
tropismo para esse sítio. Ademais, a ameba O protozoário, por ser eucariota, difere dos
acomete com mais frequência o lobo frontal, patógenos bacterianos ou virais, e, por isso, a

4
Capítulo 01
Parasitologia Humana e Veterinária

maioria dos receptores de reconhecimento de O diagnóstico para a MAP se dá através de


padrões da resposta imune de mamíferos não a métodos microscópicos, como a preparação
reconhece como um corpo estranho. No úmida de líquido cefalorraquidiano (LCR) e
entanto, relacionada à resposta imune inata, a cultura de LCR. Além disso, utiliza- se como
ativação do sistema complemento pode método detecção direta do DNA do parasito a
comandar a atividade neutrofílica aumentada Reação em Cadeia da Polimerase (PCR)
contra a ameba. Além disso, os produtos de podendo ser realizada a partir do LCR, biópsia
clivagem do complemento são conhecidos por ou espécimes de tecido (GHANCHI et al.,
atuar como um impulso quimiotático para o 2017).
recrutamento de células imunes. Entretanto, O diagnóstico imediato é importante para
algumas variantes de patogenicidade da ameba iniciar o tratamento o mais rápido possível.
são resistentes à lise mediada pelo sistema Contudo a MAP é frequentemente tardiamente
complemento. Muitos estudos demonstraram diagnosticada porque não existem diferenças
que citocinas produzidas por outras células claras que contribuam no diagnóstico
podem regular as respostas dos neutrófilos diferencial da MAP, sendo frequentemente
antiamoebianos. De forma particular, o fator confundida com a meningoencefalite
de necrose tumoral alfa (TNFα) demonstrou bacteriana (WANG et al., 2018).
ativar neutrófilos para estimular e atingir as O tratamento para casos de MAP é feito
amebas para a destruição, a exemplo, por meio com base na utilização da anfotericina B,
da liberação de armadilha extracelular de compostos azólicos, sulfadiazina e
neutrófilos (NET). Estruturas estas formadas rifampicina, entre os casos com prognósticos
por uma espinha dorsal de DNA mitocondrial de sucesso, mostrou-se que combinações de
junto com histonas e componentes proteicos de vários compostos obtiveram melhores
grânulos citoplasmáticos. Ademais, a resposta desfechos (ONG et al., 2017).
humoral desse patógeno pode ser o resultado Em relação às ações profiláticas, existem
de vários fatores, de modo que antígenos de algumas teorias que sugerem evitar as
superfície podem facilitar a resposta T atividades relacionadas à água doce,
independente, ou podem existir alterações no especialmente pular no corpo d'água, espirrar
conjunto LTCD4+ específico de Naegleria, ou submergir a cabeça na água durante o
priming e funções que propiciam a troca de verão, quando a temperatura da água é alta.
classe de anticorpos. Por outro lado, a Caso não puder evitar essas atividades os
imunidade mediada por células contra a indivíduos são orientados a usarem clipes
ameba, observa-se uma hipersensibilidade do nasais durante as atividades ou enxaguar o
tipo tardia no entanto não houve uma análise nariz e as fossas nasais com água limpa
detalhada das funções das células TCD4+ imediatamente após tais atividades. Ainda
especificas da N. fowleri após uma infecção. relacionado à profilaxia, torna-se essencial o
Todavia, apesar do exposto, ainda existem desenho de políticas públicas e ações
muitos pontos obscuros de como as respostas educativas, como informar a população com
imunes adaptativas específicas desse patógeno placas de aviso em relação à presença
são geradas (MONSEMAN, 2020; CONTIS- confirmada de Naegleria fowleri em rios,
MONTES et al., 2016). lagos e cachoeiras, alertando sobre os riscos

5
Capítulo 01
Parasitologia Humana e Veterinária

relacionados à ameba. Dessa forma, espera-se alto grau de morbimortalidade do quadro, a


que novas estratégias sejam discutidas e MAP demanda mais pesquisas e estudos para
propostas de forma a reduzir a morbimor- que se possam elucidar formas mais assertivas
talidade relacionada à MAP, sobretudo nas de manejo, sendo de fundamental importância
áreas mais carentes (CHEN et al., 2019). considerar a MAP como diagnóstico diferen-
cial em qualquer caso de meningoencefalite
CONCLUSÃO purulenta, especialmente em casos de pacien-
tes que recentemente realizaram atividades em
lagos e lagoas de água doce. Dessa forma, o
A partir do exposto no presente trabalho,
diagnóstico ocorrerá precocemente e o trata-
nota-se que a MAP é uma condição que,
mento será iniciado oportunamente, elevando
apesar de rara, possui uma rápida progressão e
as chances de cura.
é majoritariamente fatal. Sendo assim, pelo

6
Capítulo 01
Parasitologia Humana e Veterinária

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MATANOCK, A. et al. Estimation of Undiagnosed


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MCLAUGHLIN, A. & O'Gorman, T. A local case of
Naegleria fowleri. ACS Chemical Neuroscience, v. 7, p.
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MITTAL, N. et al Primary amoebic meningoen-
Genes (Basel), v. 10, p.618, 2019.
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CHEN, M. et al. Primary Amebic Meningoencephalitis:
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PUGH, J. J. & LEVY, R. Naegleria fowleri: Diagnosis,
zoites opsonized with human IgG. Parasite Immuno-
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crobial Treatments. ACS Chemical Neuroscience, v. 7,
COPE, J. R. et al. Primary Amebic Meningoencephalitis
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Associated with Rafting on an Artificial Whitewater
WANG, Q. et al. A case of Naegleria fowleri related
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primary amoebic meningoencephalitis in China
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diagnosed by next-generation sequencing. BMC
GHANCHI, N. K. et al. Case Series of Naegleria
Infectious Diseases, v. 28, p. 349, 2018.
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YOUSUF, F. A. et al. Presence of rotavirus and free-
Karachi, Pakistan. American Journal of Tropical
living amoebae in the water supplies of Karachi,
Medicine and Hygiene, v. 97, p. 1600, 2017.
Pakistan. Revista do Instituto de Medicina Tropical de
MARTÍNEZ-CASTILLO, M. et al. Nf-GH, a
São Paulo, v. 59, 2017.
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ZHANG, L. L. et al. Identification and molecular typing
degradation: an in vitro and in vivo study. Future
of Naegleria fowleri from a patient with primary amebic
Microbiology, v. 12, p. 781, 2017.
meningoencephalitis in China. International Journal of
Infectious Diseases, v. 72, p. 28, 2018.

7
Capítulo 01
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 02
ANÁLISE COPRO-
PARASITOLÓGICA DE
CHELONOIDIS

Francisca Jéssica Castro e Silva¹


Erika Suellen da Silva Moura1
Larissa Morais Gondim1
Giovana Bruna Albuquerque Vieira1
Sabrina Pereira do Nascimento1
Ticiany Steffany Macário Viana1
Josefa Lineuda da Costa Murta2

1 Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Estadual do


Ceará.
2 Docente de Parasitologia Veterinária no Curso de Medicina Veterinária da
Universidade Estadual do Ceará.

Palavras-chave: Chelonoidis; Coproparasitológia; parasitas.

8
Capítulo 02
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO Segundo Oliveira et al. (2005) são


encontrados em quelônios do gênero
Os jabutis são répteis do gênero Chelonoidis em populações de cativeiro, ovos
Chelonoidis, ordem dos Quelônios, família dos e larvas de helmintos e cistos, oocistos e
testudinídeos, pertencente à classe dos répteis. trofozoítos de protozoários. Os helmintos
(MATIAS, 2006). São animais terrestres, de observados com maior frequência são
corpo compacto, membros locomotores estrongilídeos e oxiurídeos, e também foram
cilíndricos e robustos adaptados para caminhar encontrados ascaridídeos e ovos de tremató-
em ambientes rústicos. Há três espécies de deos. Com relação aos protozoários, foram
ocorrência natural no Brasil, que são do gênero detectados Blastocystis sp., Balantidium sp.,
Chelonoidis: C. carbonaria e C. denticulata. Endolimax sp., Eimeria carinii e trichomo-
(CUBAS; BAPTISTOTTE, 2007). nadídeos.
Há muitos anos, animais selvagens têm O objetivo desse trabalho foi verificar
sido mantidos em cativeiro e no convívio de quais espécies parasitas encontrados em
humanos. Consideráveis avanços ocorreram no quelônios da espécie C. carbonaria e C.
cuidado e manejo, mas observa-se a denticulata que são mantidos em cativeiro em
necessidade de um incremento nos estudos de espaços privados e públicos e em residência
enfermidades parasitárias evitando a dissemi- por tutores.
nação de suas doenças. Para isso, conhecer as
espécies mantidas em cativeiro, além de seguir MÉTODO
as práticas apropriadas de criação e
procedimentos adequados de quarentena, a As amostras foram coletadas de 31 animais
qual tem como objetivo prevenir a introdução 18 da espécie C. carbonaria e 12 da espécie C.
de agentes infecciosos e parasitários na denticulata, sendo 15 machos e 16 fêmeas,
população em cativeiro e estabelecer condutas com peso e idade desconhecidos. As coletas
de medicina veterinária preventiva para os foram realizadas com a devida autorização dos
diferentes grupos animais são de suma tutores e dos responsáveis técnicos da Fazenda
importância (VILANI, 2007; SILVA; Haras Claro, Parque Ecológico Ecopoint,
CORRÊA, 2007). Zoológico Municipal Sargento Prata, Núcleo
Frequentemente são encontrados endo- Regional de Ofiologia da Universidade
parasitas e ectoparasitas em ambientes de Federal do Ceará (NUROF-UFC).
zoológicos e criadouros conservacionistas, Para a obtenção do material biológico dos
comerciais e científicos (SILVA; CORRÊA, quelônios, os mesmos foram lavados para
2007). Durante a quarentena são feitos exames evitar possível contaminação do material
clínicos e testes diagnósticos, como copropa- durante a coleta, e alocados individualmente
rasitológicos, tratamento com anti-helmínticos em bandejas coletoras, com restrição de
e reavaliação coproparasitológica para confir- espaço e alguns ficaram suspensos para
mar a eficácia da terapia (Vilani, 2007). facilitar a coleta. As fezes foram coletadas no
momento da defecação, armazenadas, e em
seguida refrigeradas até posterior

9
Capítulo 02
Parasitologia Humana e Veterinária

processamento em um período máximo de três frequência, só foi considerada para os cálculos


dias desde a coleta. de porcentagens para a presença ou ausência e
As avaliações foram realizadas no a frequência de cada parasita identificado,
laboratório da disciplina de Parasitologia independente da carga.
Veterinária do Curso de Medicina Veterinária Do total de 31 amostras coletadas, 19
da Universidade Estadual do Ceará – UECE. apresentaram positividade, tendo alguns
As análises foram realizadas por meio de animais apresentado infecção única, outros,
exames coproparasitológicos utilizando a infecção dupla (dois parasitas) e, alguns
técnica de flutuação (Willis-Mollay 1921) em poucos, infecção tripla (três parasitas), num
solução saturada de açúcar para detectar ovos total de 61%. Os demais animais não
leves (MONTEIRO, 2017). apresentaram parasitas nas amostras coletadas
A técnica de flutuação tem como princípio (Tabela 2.1).
a utilização de uma solução saturada de
açúcar, onde os ovos dos helmintos tendem a Tabela 2.1 Grau de infecção por parasitas nas amostras
coletadas
subir, aderindo-se a parte inferior de uma
Infecção Frequência (%)
lamínula colocada na superfície do líquido. É
Nenhuma 39%
uma técnica qualitativa. É adicionado a uma Única 52%
proveta, uma solução saturada de 20 mL, e é Dupla 6%
adicionado aos poucos dois gramas de fezes Tripla 3%
em um copo, em seguida a solução é
homogeneizada com o auxílio de um bastão. No total de parasitos encontrados nas
Logo após, a solução deve ser coada e amostras fecais, a maior frequência foi
transferida para um recipiente tubular até correspondente à classe Trematoda, estando
formar um menisco, e então, coloca-se a presente em 10 das 19 análises positivas,
lamínula e se cronometra três minutos. Depois, seguido pelos da família Strongylidae,
basta unir a lamínula a uma lâmina e levar ao presentes em 7 dos 19 animais. A frequêcia de
microscópio. Os parasitos foram observados parasitass encontradas em cada amostra está
por meio de microscópio óptico e identificados detalhada na Tabela 2.2.
(MONTEIRO, 2017).
Tabela 2.2 Frequência de parasita nas amostras
coletadas
RESULTADOS E DISCUSSÃO Parasita Frequência
Trematoda 53%
Após a avaliação das amostras em Strongylidae 37%
Ascarideo 11%
microscópio óptico, obtiveram-se resultados
Oxyurideo 11%
positivos (presença de parasitas) e negativos Larva do tipo
(ausência de parasitas). Dentre os animais 5%
Strongylideo
positivos, as amostras variaram entre baixa e Ácaro 5%
alta carga parasitária, sendo na maioria com
baixa presença de parasitas nas fezes. Todavia, A Tabela 2.2 mostra a porcentagem de
essa diferença não foi considerada para a cada parasita identificado em comparação ao

10
Capítulo 02
Parasitologia Humana e Veterinária

total de amostras fecais positivas segundo as gues et al. (2016) de 76,84%. Entretanto no
análises. Observa-se a presença de um ácaro, estudo feito por Rataj et al. (2011), o valor foi
cuja relevância não pode ser tida como de 88,5%, divergindo consideravelmente do
significativa, pois não é efetivamente parasita resultado deste estudo.
dos animais pesquisados (Jabutis), estando Existem diversas técnicas para realizar
presente nas fezes possivelmente por ingestão exames coproparasitológicos com sucesso. O
durante a alimentação com gramíneas. método de Willis-Mollay mostrou-se eficaz,
Para a identificação dos parasitas, foi embora seja considerada uma técnica simples,
utilizada a observação das suas características, de fácil realização. No entanto autores como
onde os ovos de Trematoda tem a forma oval, Rodrigues et al (2008). e Silva et al. (2008),
operculados e com presença de um espiculo apesar de utilizarem este procedimento,
voltado para trás, na sua parte mais longa; relatam que a técnica de Ritchie é considerada
ovos de Strongylidae são ovos com membrana mais eficaz estatisticamente.
delgada e blastomerizados (Figura 2.1); ovos Os Oxiyuris apresentaram baixa prevalên-
de Ascarideo são redondos com parede espessa cia neste estudo, o que não corrobora com
e intensamente irregular; ovos de Oxyurideo achados de autores como Hallinger et al.
são elípticos, operculados e com a presença do (2018), Ruivo (2019) e Rataj et al. (2011) que
embrião; por fim, larva de Strongylideo é de relataram alta prevalência da família
extremidade anterior arredondada, intestino Oxyuridae. Os demais achados deste trabalho
com massa celular visível, extremidade como a família Strongylidae e os ascarídeos
posterior ou cauda longa, afilada gradual- também são comuns em quelônios e relatados
mente. por autores como Meireles et al. (2018) e
Vítor (2018).
Figura 2.1 Ovo de Strongylidae observado no De acordo com a literatura, já se esperava a
microscópio óptico prevalência de parasitas da família Oxyuridae,
pois são comumente encontrados no sistema
gastro intestinal dos lagartos e quelônios
(JACOBSON, 2007). Isso pode ser explicado
principalmente por sua baixa patogenicidade,
ciclo de vida monóxeno e comportamento e
ecologia de seus hospedeiros (BUŃKOWSKA
et al. 2011).
Os animais estudados aparentemente
estavam saudáveis apesar dos índices elevados
de parasitos, já previsto, pois os répteis criados
livres ou em cativeiro são infectados por uma
Em 61% dos quelônios foram encontrados variedade considerável de endoparasitos, sem
uma ou mais formas de parasitos manifestarem sinais clínicos. (SILVA, 2008).
gastrointestinais. O resultado apresenta uma Como os jabutis fazem coprofagia, é difícil o
aproximação ao valor encontrado por Rodri- controle dos endoparasitas, por sempre esta-

11
Capítulo 02
Parasitologia Humana e Veterinária

rem ingerindo cistos e ovos de helmintos e de helmintos. A presença de uma ou mais


protozoários (DOS SANTOS, 2011). formas de parasitos gastrointestinais encontra-
das nesses animais, pode ser explicada pelo
CONCLUSÃO hábito coprófago, que dificulta o controle endo
parasitológico. Diante disso, a medicina pre-
Os resultados obtidos nesse estudo, ventiva é de suma importância para prevenir a
possibilitaram concluir que os jabutis das introdução de agentes infecciosos e parasitá-
espécies, C. carbonaria e C. denticulata rios na população em cativeiro, garantindo o
mantidos em cativeiros e em residências, são bem-estar e a saúde desses animais.
comumente parasitados por diferentes espécies

12
Capítulo 02
Parasitologia Humana e Veterinária

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MONTEIRO, Silvia Gonzalez. Parasitologia na


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2018.
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13
Capítulo 02
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 03
SÍNDROME DE
HIPERINFECÇÃO POR
ESTRONGILOIDÍASE
EM PACIENTES
IMUNOSSUPRIMIDOS
Andressa Nogueira Cardoso¹
Larissa Ciarlini Varandas Sales¹
Karinne Da Silva Assunção¹
Sued Magalhães Moita¹
Ingred Pimentel Guimarães¹
Késia Sindy Alves Ferreira Pereira¹
Lucas Da Silva Moreira¹
Raíssa Grangeiro de Oliveira¹
Davi Lopes Santos¹
Tatiana Paschoalette Rodrigues Bachur²

¹Discente do curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE)


2
Docente do curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Palavras-chave: Strongyloides stercoralis. Hospedeiro Imunocomprometido.


16
Superinfecção.
Capítulo 03
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO negativos, que ocorrem em cerca de 25% dos


exames parasitológicos de fezes (VELOSO et
O Strongyloides stercoralis é um helminto al., 2008; BRAZ et al., 2015; ARAÚJO et al.,
do filo Nematoda que, em seu estágio adulto 2017).
triplóide, constitui-se de uma fêmea A infecção pode se apresentar de forma
partenogenética parasita que habita o intestino assintomática ou até a manifestação de
delgado do ser humano causando uma infecção quadros de disseminação e hiperinfecção,
denominada estrongiloidíase (EBERHARDT como resultado de autoinfecção recorrente
et al., 2007; PUTHIYAKUNNON et al., (AHMADPOUR et al., 2019). Esse quadro
2014). Esse nematódeo realiza dois ciclos de severo, caracterizado como Síndrome de
vida distintos, a partir dos quais o homem Hiperinfecção por Estrongiloidíase (SHE), está
pode se infectar: o ciclo indireto ou de vida presente principalmente em indivíduos
livre, no qual formas adultas machos imunocomprometidos, a exemplo daqueles que
(haploides) e fêmeas (diploides) do nematodo realizaram transplantes de órgãos, pacientes
se reproduzem no solo, dando origem a larvas infectados pelo vírus da imunodeficiência
filarioides infectantes; e o ciclo direto ou humana (HIV) e daqueles portadores do vírus
partenogenético, no qual as larvas filarioides da leucemia do tipo 1 (HTLV-1), situações que
que eclodem dos ovos produzidos por conferem caráter oportunista à estrongi-
partenogênese pela fêmea parasita podem ser loidíase, dada à menor efetividade dos
eliminadas no solo e contaminar o ambiente, mecanismos imunológicos de combate ao
infectando outros hospedeiros, ou podem parasito (KEISER & NUTMAN, 2004;
penetrar na pele ou mucosas do próprio AHMADPOUR et al., 2019).
hospedeiro, configurando autoinfecção Deste modo, havendo SHE, repercussões
(EBERHARDT et al., 2007; YOSEPH et al., fisiológicas graves podem ser manifestadas,
2016). como ulcerações nos tecidos, insuficiência
A estrongiloidíase afeta mais de 100 respiratória, hemorragias, podendo levar ao
milhões de pessoas em todo o mundo, sendo óbito (GUERRERO-WOOLEY et al., 2017;
mais prevalente em climas tropicais e MOHAMED et al., 2017; GUZMAN &
temperados. Em regiões de menor prevalência, REWERSKA, 2018; SIQUEIRA et al., 2019).
a infecção é mais comum em imigrantes A abordagem dessa temática torna-se,
advindos de países endêmicos, pessoas que portanto, de grande relevância, visto que essa
trabalham em minas de carvão e fazendas; e infecção parasitária ocorre com uma elevada
pacientes imunossuprimidos (PUTHIYAKU- prevalência no mundo e pode ser potenci-
NNON et al., 2014; ARAÚJO et al., 2017). almente fatal em casos de hiperinfecção nos
Nesse contexto, o Brasil é considerado indivíduos imunos-suprimidos, visto que a
hiperendêmico, haja vista a prevalência de fisiopatologia dessa doença tende a evoluir
5,5% da doença no país (BRAZ et al., 2015). para comorbidades graves e ao óbito. Assim,
Trata-se de uma infecção emergente, sendo entender as implicações dessa condição de
subestimada em muitos países, ocasionando saúde pode viabilizar o desenvolvimento de
uma subnotificação, especialmente pelo estratégias de manejo eficazes e, consequen-
diagnóstico inadequado resultando em falso- temente, reduzir prováveis sequelas, bem
como desfechos severos.
17
Capítulo 03
Parasitologia Humana e Veterinária

Diante do exposto, o objetivo do presente mente, foram recuperados 81 artigos (01 na


capítulo é elencar e discutir sobre as conse- LILACS, 33 na MEDLINE, 05 na Web of
quências da Síndrome de Hiperinfecção por Science e 42 na Embase) que pareciam atender
Estrongiloidíase em pacientes imunossuprimi- à pergunta norteadora “quais as consequências
dos. da Síndrome de Hiperinfecção por Estrongi-
loidíase em pacientes imunossuprimidos?”.
MÉTODO Após a leitura dos títulos e dos resumos,
foram selecionados 62 artigos, dos quais foram
Para a produção deste capítulo, foi excluídas 10 duplicatas, resultando em 52
conduzida uma pesquisa bibliográfica estudos para a leitura na íntegra. Nesta última
resultando em uma revisão narrativa de etapa, foram excluídos 20 artigos que não
literatura, de caráter descritivo e qualitativo. respondiam à pergunta norteadora, resultando,
As fontes de pesquisa utilizadas foram as então, em 32 estudos para compor os
bases de dados Medical Literature Analysis resultados e a discussão desta produção.
and Retrieval System Online (MEDLINE), via
portal Pubmed; Literatura Latino-americana e RESULTADOS E DISCUSSÃO
do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS),
via Biblioteca Virtual de Saúde (BVS); Web of Os artigos selecionados foram divididos
Science e Embase, acessadas via Portal de em quatro categorias de análise: 1) sintomas
Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de da Síndrome de Hiperinfecção por
Pessoal de Nível Superior (CAPES) acesso Estrongiloidíase (SHE) e tipos de imunossu-
CAFe (Comunidade Acadêmica Federada). pressão associadas; 2) repercussões fisiológi-
A estratégia de busca foi desenvolvida a cas da estrongiloidíase; 3) tratamento; e 4)
partir da utilização dos seguintes descritores sequelas e desfechos.
obtidos no Medical Subject Headings (MeSH):
Strongyloidiasis, Immunocompromised Host, Sintomas da Síndrome de Hiperinfecção
Hiperinfection e Superinfection; e dos seus por Estrongiloidíase e tipos de
correspondentes no Descritores em Ciências da imunossupressão associadas
Saúde (DeCS): Estrongiloidíase, Hospedeiro A estrongiloidíase tem amplo espectro de
Imunocomprometido, Hiperinfecção e Super- manifestações, as quais variam desde a doença
infecção. Na Embase, utilizou-se os seguintes crônica (geralmente assintomática) até as
descritores Emtree: Strongyloidiasis, Immuno- formas disseminadas e hiperinfecção (ARAÚ-
compromised patient e Hyperinfection. O JO et al., 2017). A SHE é caracterizada pela
operador booleano “AND” foi utilizado para volumosa multiplicação e migração de larvas
associar os descritores na busca. Tanto infectantes, com envolvimento de múltiplos
descritores MeSH, quanto DeCS e Emtree órgãos e sistemas, o que ocorre principalmente
foram utilizados na Web of Science, visto que em casos de imunossupressão (CRUZ et al.,
esta base de dados não possui vocabulário 1966). Estima-se que a mortalidade nesses
controlado próprio. A partir das combinações casos pode atingir 87%, sendo associada
de descritores nas respectivas bases e da frequentemente à infecção bacteriana secundá-
aplicação dos critérios de inclusão, inicial- ria (NEWBERRY et al., 2005).

18
Capítulo 03
Parasitologia Humana e Veterinária

Nos estudo analisados, os sintomas mais trato gastrointestinal (TGI). Outras sintomato-
comumente relatados em pacientes com SHE logias também são descritas, dentre as quais,
foram: dor abdominal (56,2%); processos destacam-se: a presença de colite nos cólons
febris (31,2%); diarreia e vômito (28,1%); ascendente, transverso, descendente e sigmoi-
hemoptise, eliminação de sangue do trato de, de espessamento da parede intestinal e de
respiratório pela tosse (25,0%); falta de ar ulcerações nos intestinos delgado e grosso.
(21,8%); pruridos ou erupções cutâneas Sintomas menos frequentemente observados
(12,5%); e cefaleia (3,12%). Essas manifes- foram: inflamação, edema, hemorragia e
tações clínicas são usualmente relacionadas a déficit de motilidade do TGI; além de
infecções crônicas causadas pelo S. linfonodomegalia mesentérica, náuseas, vômi-
stercoralis, podendo persistir por décadas sem tos, esteatose hepática, hemoptise e dilatação
que a estrongiloidíase seja diagnosticada. das alças intestinais (Tabela 3.1).
Entretanto, em indivíduos imunocompro- Na SHE, também sintomas pulmonares
metidos, o quadro clínico pode se agravar com exacerbados podem estar presentes
manifestações severas desta sintomatologia (GEETHABANU & ARTHI, 2020). Posto
(VALDLAMUDI et al., 2007; BUENO et al., isso, na estrongiloidíase pulmonar, devido à
2010). migração das larvas em direção ao trato
Dentre as causas da imunossupressão respiratório, há o aparecimento de sintomas
relatadas entre os pacientes dos estudos semelhantes ao da asma brônquica, como
selecionados, destacam-se o tratamento com sibilância e tosse leve (HASSANUDIN et al.,
quimioterápicos (34,3%), tratamento para 2017; GUERRERO-WOOLEY et al., 2021).
infecção por HIV (25,0%) e terapias imunos- Ademais, dentre as manifestações pulmonares
supressoras em processos de transplantes de mais prevalentes estão a hemorragia brônquica
órgãos (25,0%). De fato, o agravamento da e alveolar, a inflamação das vias aéreas e a
estrongiloidíase levando a SHE está, em geral, insuficiência respiratória (ALPERN et al.,
associado a episódios de imunossupressão, 2017; KURIAKOSE et al., 2017; MO-
seja por uso de quimioterápicos, imunodefi- HANNAD et al., 2017; TRAN et al., 2017;
ciência crônica ou período pós-transplante ou, SILVA et al., 2018; ZEITLER et al., 2018;
ainda, quando do tratamento com corticoides
SATO et al., 2019; SIQUEIRA et al., 2019;
(SHELHAMER et al., 1982; MORGAN et al.,
CLARKE et al., 2020; PASVANTIS et al.,
1986; CONCHA et al., 2005; SUDRÉ et al.,
2020; GUERRERO-WOOLEY et al., 2021).
2006; MILLER et al., 2014).
Os exames de imagem dos pacientes
acometidos pela SHE revelam a presença de
Repercussões fisiológicas da estrongiloi-
opacidade em vidro fosco, infiltrados lobares e
díase e da Síndrome de Hiperinfecção por
espessamento interlobular do septo (HA-
Estrongiloidíase
SSANUDIN et al., 2017; MOHANNAD et al.,
2017; TRAN et al., 2017; MAHDI et al.,
Os pacientes imunocomprometidos podem
2018; SATO et al., 2019; SIQUEIRA et al.,
desenvolver a Síndrome de Hiperinfecção por
Estrongiloidíase a partir do aumento da carga 2019; TOMORI et al., 2019; SAHU et al.,
de larvas, sendo a diarreia aquosa ou 2020; CLARKE et al., 2020; YASHWANTH
sanguinolenta sua principal manifestação no et al., 2020).

19
Capítulo 03
Parasitologia Humana e Veterinária

Tabela 3.1 Manifestações no trato gastrointestinal em pacientes com SHE descritas nos estudos analisados

AUTORES REPERCUSSÕES OBSERVADAS


MCDONALD & MOORE, 2017; Diarreia aquosa ou sanguinolenta.
SHARIFDINI et al., 2018;
GEETHABANU & ARTHI, 2020

DAHAL et al., 2017; Colite nos cólons ascendente, transverso, descendente e


LUCAR et al., 2018; sigmoide.
NATRAJAN et al., 2018; Espessamento da parede intestinal e de ulcerações nos
intestinos delgado e grosso.
REWERSKA & GUZMAN, 2018;
SHARIFDINI et al., 2018;
ZEITLER et al., 2018;
SUKHWANI et al., 2017;
TOMORI et al., 2019

KURIAKOSE et al., 2017; Inflamação, edema, hemorragia e déficit de motilidade,


MOHAMED et al., 2017; no TGI; linfonodomegalia mesentérica, náuseas,
vômitos, esteatose hepática, hemoptise e dilatação das
SUKHWANI et al., 2017;
alças intestinais.
NATRAJAN et al., 2018;
SHARIFDINI et al., 2018;
SILVA et al., 2018;
DASGUPTA et al., 2019;
TOMORI et al., 2019;
GUERRERO-WOOLEY et al., 2021;
SAHU et al., 2020

A persistência da parasitose pelo Outros sintomas podem estar associados a


Strongyloides stercoralis decorrente da distúrbios renais: parâmetros laboratoriais
autoinfecção repetida é uma das principais elevados, inflamação, fibrose intersticial e
complicações da doença, o que gera a sua acúmulo de líquido nas proximidades
disseminação para órgãos de outros sistemas (HASSANUDIN et al., 2017; SILVA et al.,
(AHMADPOUR et al., 2019; CROWE et al., 2018; GEETHABANU & ARTHI, 2020;
YASHWANTH et al., 2020).
2019). Sob tal perspectiva, essa difusão pode
causar o aparecimento de manchas purpúricas Tratamento
no abdome, estendendo-se às extremidades, de Na maioria dos estudos elencados, os
trombose da aorta abdominal com progressão medicamentos mais utilizados no tratamento
para outros vasos e da Síndrome da Resposta de pacientes imunossuprimidos e com a
Inflamatória Sistêmica (MCDONALD & Síndrome de Hiperinfecção por Estrongiloi-
MOORE, 2017; LUCAR et al., 2018; díase foram ivermectina (60%) e albendazol
WATERS et al., 2019; CLARKE et al., 2020). (40%). A ivermectina demonstra melhor
20
Capítulo 03
Parasitologia Humana e Veterinária

tolerância e eficácia que o albendazol e tem A SHE pode ter sua resolução total com o
sido considerada droga de primeira escolha uso de ivermectina isolada ou acompanhada
para o tratamento dessa enfermidade, enquanto por outros benzimidazólicos, como o
que o albendazol funciona como fármaco albendazol e o tiabendazol (YOSEPH et al.,
alternativo (MAHDI et al., 2018; SILVA et 2016; MCDONALD & MOORE, 2017;
al., 2018). SUKHWANI et al., 2017; SAHU et al., 2020).
O uso de ivermectina com aplicação Diante disso, apresentações comuns à
subcutânea para o tratamento da Síndrome de síndrome, como danos ao esôfago e à
Hiperinfecção por Strongyloides stercoralis foi arquitetura normal do intestino delgado,
bem-sucedido em pacientes imunossuprimidos diarreia persistente, uremia, hiperglicemia e
(SILVA et al., 2018; ZEITLER et al., 2018; anormalidades na motilidade intestinal são
YASHWANTH et al., 2020). Dessa forma, tal atenuadas (SHARIFDINI et al., 2018;
método pode funcionar como uma alternativa TOMORI et al., 2019; PASVANTIS et al.,
para indivíduos que não possuem uma 2020; SAHU et al., 2020).
absorção gastrointestinal eficiente do fármaco Com a resolução do quadro parasitário, as
(ZEITLER et al., 2018). larvas, bem como possíveis ovos do parasito,
Sobre o tratamento empírico para passam a não ser mais detectadas nos exames
Strongyloides stercoralis, estudo realizado nos parasitológicos de fezes, com a melhora geral
Estados Unidos da América, em 2017, sugeriu sendo confirmada durante acompanhamentos
que tal abordagem deve ser considerada antes ambulatoriais e realização de exames como
da imunossupressão, com o intuito de reduzir colonoscopia e endoscopia (LUCAR et al.,
casos de hiperinfecção (MCDONALD & 2018; ZEITLER et al., 2018; POLONI et al.,
MOORE, 2017). Nesse contexto, a aplicação 2019; NATRAJAN et al., 2020; PASVANTIS
do tratamento sem evidências diagnósticas foi et al., 2020; YASHWANTH et al., 2020).
relatada em estudo desenvolvido por Dahal et Entretanto, a SHE associada à condição de
al. (2017), contudo o desfecho não foi imunossupressão pode se agravar e resultar em
satisfatório, haja vista o consequente faleci- óbito do paciente (DAHAL et al., 2017;
mento do paciente. MOHAMED et al., 2017). Nos estudos
analisados, esse desfecho ocorre após intensifi-
Sequelas e desfechos cação de sintomas como distensão abdominal e
A literatura mostra que há um equilíbrio diarreia persistente, apresentação de parâme-
entre recuperação e óbito dos pacientes tros renais elevados, trombose extensa, insufi-
envolvidos. Entretanto, é preciso ressaltar que ciência respiratória e multiorgânica progressi-
três dos 32 artigos estudados, dois dos quais va, hemorragia pulmonar, síndrome do
apresentaram o maior número de indivíduos desconforto respiratório agudo, instabilidade
analisados, não possuíam informações acerca orgânica e insuficiência renal aguda (HA-
do desfecho diante da Síndrome de SSANUDIN et al., 2017; MOHAMED et al.,
Hiperinfecção por Strongyloides stercoralis, o 2017; SIQUEIRA et al., 2019; WATERS et
que pode comprometer a correta interpretação al., 2019; CLARKE et al., 2020; GEETHA-
dos resultados. BANU & ARTHI, 2020; GUERRERO-
WOOLEY et al., 2021).

21
Capítulo 03
Parasitologia Humana e Veterinária

O quadro final fatal consiste em sepse verificou-se que as manifestações nos tratos
refratária, falência múltipla de órgãos, choque gastrointestinal e respiratório foram as mais
intratável não especificado, parada cardíaca e frequentes e agressivas. Desse modo, o diag-
choque séptico, mesmo em uso de antibióticos nóstico precoce, sobretudo em pacientes
de amplo espectro (TRAN et al., 2017; imunocomprometidos, mostra-se imprescin-
MAHDI et al., 2018; CROWE et al., 2019; dível no manejo dos sintomas causados pelo
DASGUPTA et al., 2019; SATO et al., 2019; Strongyloides stercoralis e no tratamento,
SIQUEIRA et al., 2019). possibilitando o controle da hiperinfecção,
bem como a redução de sequelas, de forma a
CONCLUSÃO contribuir para a recuperação do doente,
evitando desfechos desfavoráveis como a
Ao serem investigadas as consequências falência múltipla de órgãos e sepse
da Síndrome de Hiperinfecção por Estrongi- culminando em óbito.
loidíase em pacientes imunos-suprimidos,

22
Capítulo 03
Parasitologia Humana e Veterinária

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Capítulo 03
Parasitologia Humana e Veterinária

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24
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 04
ANCILOSTOMOSE:
UMA PERSPECTIVA
CONTEMPORÂNEA

Ana Luiza Sousa Rodrigues1


Andreia de Andrade Dias Teixeira1
Antonio Eduardo Mendes Lelis1
Bernardo Henrique Mendes Correa1
Felipe Souza da Silva1
Jessica Carvalho Rezende1
Maria Eduarda Fernandes Souza Camara Nugnezi1
Matheus Oliveira Barbosa1
Matheus Vieira de Santana Carvalho1
Raphael Neves dos Santos1

1Discente - Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais

Palavras-chave: Ancilostomose; Ancilostomíase; Parasitas nematóides.

25
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO de reunir informações relevantes acerca da


ancilostomose, considerando a escassez de
A ancilostomose ou ancilostomíase é uma estudos a seu respeito do assunto comparados
doença helmíntica adquirida através do solo e a relevância no contexto global. Assim, foram
transmitida pelo Necator americanus, Ancylos- elucidados aqui aspectos importantes sobre a
toma duodenale ou Ancylostoma ceylanicum epidemiologia, a fisiopatologia, o diagnóstico,
(LOUKAS et al., 2016). Estima-se que essa os sintomas e o tratamento dessa helmintose,
geo-helmintose atinja aproxima-damente 440 além dos quesitos essenciais sobre a
milhões de pessoas globalmente, com uma morfologia e ciclo de vida do parasita.
maior concentração no sudeste asiático, na
África subsaariana e na América Latina, MÉTODO
respectivamente (PULLAN et al., 2014).
O ancilóstomo infecta o corpo humano
O método de pesquisa utilizado foi
principalmente através da penetração cutânea
explicativo, através de pesquisa bibliográfica
ou pela ingestão (com exceção do N.
entre artigos encontrados em duas bases de
americanus) a larva em estágio L3 começa o
dados: PubMed e Scielo. Foram utilizados
seu ciclo de desenvolvimento que termina com
na busca os termos “ancilostomose”,
a migração da larva L4 para o intestino
“ancylostomiasis” e “hookworm”, sem delimi-
delgado. Nesse órgão, as larvas adquirem
tação de tempo. De forma a complementar os
comportamento hematofágico e amadurecem
estudos, foram utilizados livros na área de
para a fase adulta com capacidade reprodutiva.
parasitologia humana. O intuito da pesquisa é
Os sintomas variam de acordo com a carga
trazer à luz informações já consolidadas no
parasitária, de modo que infecções moderadas
âmbito científico sobre a ancilostomose, por
e graves podem apresentar dores epigástricas,
ser uma doença muito presente e negligenciada
dispneia, náusea, desnutrição, fadiga, dor de
em países tropicais e subtropicais, revelando-
cabeça e impotência. Ademais, as manifes-
se um problema de saúde pública em muitos
tações clínicas mais marcantes na doença são a
países considerados mais pobres e vulneráveis,
hipoalbuminemia e a anemia ferropriva (NE-
incluindo o Brasil.
VES, 2016).
Ao final do levantamento, foram utilizados
O tratamento da ancilostomose mais
33 artigos e 6 livros, além de informações
comum é atualmente a terapia medicamentosa
presentes em mídias eletrônicas, selecionados
à base de benzimidazóis, principalmente
conforme a qualidade e relevância com o tema
albendazol ou mebendazol (OMS, 2011;
proposto. Destacaram-se as contribuições dos
NEVES, 2016; LOUKAS et al., 2016). Além
autores HOTEZ (2008), BETHONY (2006),
disso, existem dois principais projetos de
DOULBERIS (2018) e BROOKER (2008).
vacinas contra a infecção por N. americanus
com intuito de solucionar a alta taxa de rein-
fecção após o uso desses fármacos (DIEMERT
RESULTADOS E DISCUSSÃO
et al., 2017; ADEGNIKA et al., 2021).
Epidemiologia
O objetivo deste capítulo é revisar a
A ancilostomose afeta em todo o globo,
literatura existente até o momento, com intuito
aproximadamente 440 milhões de pessoas

26
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

anualmente, incluindo-se como uma das 17 rísticas do solo, como temperatura e umidade,
doenças tropicais negligenciadas reconhecidas as quais são propícias para o desenvolvimento
pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A da larva fora do hospedeiro em áreas rurais, e
doença é predominantemente causada pelo as condições de saneamento inadequadas,
nematódeo parasitário Necator americanus, também marcantes nesses locais. (HOTEZ et
que apresenta maiores incidências na Ásia, na al., 2008). O declínio na prevalência de
África Subsaariana, na América Latina e no ancilostomose em países de renda interme-
Caribe, respectivamente (BOTTAZZI et al., diária, como a China, se deu primariamente
2015). Além do N. americanus, o Ancylostoma em função da recente urbani-zação, do rápido
duodenale e o A. ceylanicum também afligem desenvolvimento econômico e, em algumas
populações humanas, mais notadamente áreas, da distribuição de drogas anti-helmín-
aquelas situadas em áreas de pobreza e ticas. Esses fatores foram determinantes para o
desigualdades sociais, em contexto de privação declínio da prevalência dessa parasitose no sul
de saneamento básico apropriado e de dos Estados Unidos no início do século XX.
insatisfatória atenção em serviços de saúde (LOUKAS et al., 2016)
(NEVES, 2016). Além disso, crianças e mulheres grávidas
Quando comparadas as distribuições enfrentam maiores riscos com a doença.
geográficas, percebe-se que as endemias de N. (GHOIDEIF et al., 2021). Nesse contexto,
americanus são mais propícias em regiões de diferentemente de outras parasitoses, a preva-
clima tropical, comentadas anteriormente, lência da ancilostomose, que já é alta entre as
enquanto o A. duodenale predomina em crianças, aumenta até atingir um platô entre os
espaços mais restritos e de clima temperado a adultos. Estudos realizados na China demons-
frio, como em latitudes mais altas da China e traram um aumento da prevalência de N.
da Índia, Egito, nordeste da Austrália e americanus de, aproximadamente, 15% aos 10
algumas regiões da América Latina, incluindo anos para até, aproximadamente, 60% aos 70
Brasil, Argentina, Peru, Paraguai, El Salvador anos. (BETHONY et al. 2002). Além disso, é
e Honduras. Esse padrão ocorre devido a sua estimado que 44 milhões de gestações sofram
capacidade de dormência em tecidos do complicações relacionadas à ancilostomose
hospedeiro em períodos de seca ou frio. Já o anualmente, algumas das quais também marca-
A. ceylanicum, cuja transmissão envolve cães das pela malária. Na África, em especial, mais
e gatos, apresenta menor importância epide- de um quarto das gestantes são infectadas
miológica, restringindo-se à Ásia (NEVES, (LOUKAS et al., 2016).
2016). A morbidade da doença está relacionada
No mesmo sentido, quase todos os casos com a intensidade da infecção, geralmente
de ancilostomíase ocorrem em áreas rurais de expressa pelo número de ovos por grama de
extrema pobreza. Eles se distribuem fezes. Infecções mais severas são mais comuns
predominantemente em regiões agrícolas e em áreas de maior prevalência dos parasitas.
entre as 2,7 bilhões de pessoas que se estima Ademais, o A. duodenale demonstra desperdiçar
viverem com menos de 2 dólares por dia. Isso parte do sangue ingerido, não o digerindo por
porque os componentes ambientais chave para completo, o que culmina numa perda sanguí-
a disseminação dos parasitas são as caracte- nea para o paciente 10 vezes maior do que a

27
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

provocada pelo N. americanus. Ainda assim, pontiaguda e primórdio genital vestigial


dada a sua predominância populacional, este (HORNINK et al., 2013) (Figura 4.2).
permanece como principal causador da
ancilostomose (LOUKAS et al., 2016). Figura 4.2 Larva rabditóide de um
Ancilostomídeo
Morfologia parasitária
A ancilostomose em humanos é
majoritariamente causada por duas espécies de
nematódeos, o Ancylostoma duodenale e o
Necator americanus (GHODEIF et al., 2021).
Ambas as espécies pertencem a família
Ancylostomatidae, sendo a primeira es-
pécie mencionada parte da subfamília Ancylos-
tomatinae e a segunda parte da subfamília
Bunostominae (ANDERSON, 1992). Como Legenda: Imagem obtida nos meses de abril e maio de
semelhança, constata-se que ambas as espécies 2021. Fonte: DPDx/CDC.
possuem forma cilíndrica, dimorfismo sexual e
apresentam cápsula bucal em ambos os sexos e As larvas filarioides infectantes de ambas
bolsa copuladora nos machos (REY, 2003). as espécies possuem de 500 a 700 µm de
Os ovos das duas espécies são elipsóides, comprimento e cauda cônica e pontuda. Para
de casca fina (TRAVASSOS et al., 1981) e diferenciá-las pode-se observar que a larva
possuem comprimento na faixa de 36 a 50µm filarióide do Necator americanus tem as
e largura de 42 a 80 µm (ANDERSON, 1992) paredes da cavidade bucal mais proeminentes
(Figura 4.1). e o primórdio genital mais anterior e menor,
além de que essa larva possui uma pequena
Figura 4.1 Ovo de um Ancilostomídeo constrição do intestino em sua junção com o
esôfago (ANDERSON, 1992).
Para uma compreensão adequada serão
descritas as características específicas de cada
uma das espécies.

Ancylostoma duodenale
O A. duodenale possui dois pares de dentes
ventrais na cápsula bucal (KUCIK et al., 2004)
(Figura 4.3), além de dentes triangulares
Legenda: Imagem obtida nos meses de abril e maio de subventrais no fundo dessa cápsula. Os
2021. Fonte: DPDx/CDC.
machos possuem de 8 a 11 mm de
comprimento por 400 µm de largura e
As larvas rabditóides não infectantes
apresentam um gubernáculo bem
desses dois Ancilostomídeos possuem o
desenvolvido. As fêmeas da espécie possuem
esôfago do tipo rabditóide, vestíbulo bucal
comprimento de 10 a 18 mm por 600 µm de
curto, intestino terminado em ânus, cauda
28
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

largura, além de uma abertura genital no terço posterior do corpo (NEVES, 2003).
(TRAVASSOS et al., 1981; NEVES, 2003),
Figura 4.3 Parte anterior do Ancylostoma além de raios laterais, ventrais e dorsais, sendo
duodenale que os raios dorsais são tipicamente bifurcados
(CHANG et al., 2020) (Figura 4.5).

Figura 4.4 Parte anterior do Necator


americanus

Legenda: Imagem obtida nos meses de abril e maio de


2021. Fonte: LIMA, H. ParasitaOnlinE:
ANCILOSTOMÍDEOS: Ancylostoma duodenale e
Necator Americanus. Sábado, de abril de 2011.
ParasitoOnlinE. Disponível em: Legenda: vp aponta para a placa cortante ventral, dp
http://oparasito.blogspot.com/2011/04/ancilostomideos- para a placa cortante dorsal e dt para o dente dorsal
ancylostoma-duodenale-e.html. Imagem obtida nos meses de abril e maio de 2021.
Fonte: CHANG et al., 2020.

Necator americanus
O N. americanus possui uma cápsula bucal Figura 4.5 Parte posterior do macho da
relativamente estreita, provida de placas espécie Necator americanus, mostrando os
cortantes semilunares em sua parte dorsal e raios dorsais bifurcados
ventral, o que diferencia a espécie de outros
nematódeos. No fundo dessa cápsula há ainda
um dente dorsal (CHANG et al., 2020)
(Figura 4.4). Os machos da espécie medem de
5 a 9 mm de comprimento por 300 µm de
largura, enquanto as fêmeas, assim como as do
A. duodenale, são maiores e medem de 9 a 11
mm de comprimento por 350 µm de largura
com uma abertura genital que se encontra
próxima ao terço anterior do corpo (NEVES,
2003). A bolsa copuladora dos machos dessa Legenda: Imagem obtida nos meses de abril e maio de
espécie é bem desenvolvida e possui um lobo 2021. Fonte: CHANG et al., 2020.
dorsal que se opõe aos dois lobos laterais

29
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

Ciclo do parasita epitélio bucal, assim como, transmissão de A.


Os ancilostomídeos são helmintos duodenale a neonatos por meio do leite
monoxenos, ou seja, apresentam ciclo de vida materno, conferindo casos graves de riscos por
em apenas um hospedeiro, que no caso dos perda de sangue (BROOKER et al., 2004;
estudos abordados, é o ser humano (NEVES, HOTEZ et al., 1995).
2016). Ao entrar em contato com o hospedeiro
Presentes no intestino delgado, as fêmeas pela pele, as larvas são estimuladas por sinais
lançam diariamente centenas de ovos que são térmicos e químicos do próprio hospedeiro,
depositados nas fezes e liberados no ambiente que as fazem retomar o desenvolvimento e a
(HOTEZ et al., 1995). Para que os ovos se secretarem produtos de secreção e excreção.
desenvolvam, é necessário que o solo esteja (BROOKER et al., 2004; NEVES, 2016). O
em condições adequadas de calor, sombra e processo de penetração dura cerca de 30
umidade (BROOKER et al., 2004). Em minutos (NEVES, 2016). As L3 migram
ambientes com boa oxigenação, a exemplo de através da vasculatura e são levadas através da
terrenos arenosos, com umidade superior a circulação aferente para o lado direto do
90% e temperaturas consideradas boas (27- coração e então para a vasculatura pulmonar
32°C para N. americanus e 21-27°C para (BROOKER et al., 2004). Dos capilares dos
Ancylostoma spp.), os ovos eclodem em L1 em pulmões, L3 migram para a luz dos alvéolos
12 a 24 horas, de L1 a L2 em 3 a 4 dias, e de pulmonares, ascendendo em sentido aos
L2 a L3 com mais de 5 dias (NEVES, 2016). bronquíolos, aos brônquios e à traqueia.
A larva de 1º estádio se alimenta de restos Enquanto, nos pulmões, as L3 sofrem
orgânicos e bactérias do solo, enquanto a larva mudança para o estádio L4, processo
de 3º estádio pode viver no solo por várias estimulado pela alta oxigenação. Ao atingir a
semanas até que se esgote suas reservas laringe, as L4 podem ser expectoradas ou
lipídicas (BROOKER et al., 2004). Também deglutidas. Neste caso, as larvas entram no
nesse estádio, a larva possui adaptações trato gastrointestinal e migram até chegar ao
evolutivas como resistência ambiental e intestino delgado (NEVES, 2016). Finalmente,
ausência de alimentação que permitem maior as larvas se desenvolvem em machos e fêmeas
tempo de sobrevivência e maior chance de adultos, exercendo hematofagia. Transcorridos
encontro com o hospedeiro (HAWDON et al., 15 dias da infecção, as L4 mudam para as
1996). Essas larvas infectantes podem se formas adultas. (NEVES, 2016). Aproxima-
mover para a superfície do solo, ficar em pé e damente de 5 a 8 semanas se passam desde o
balançar, o que é chamado de “comportamento momento da infecção por L3 até a maturação
de busca” (HOTEZ et al., 1995). sexual e o acasalamento. (BROOKER et al.,
Seres humanos podem ser infectados por 2004). Posteriormente, as fêmeas do helminto
meio da penetração cutânea (N. americanus, A. começam a liberar ovos nas fezes, dando início
duodenale e A. ceylanicum) ou por ingestão da a um novo ciclo (HOTEZ et al., 1995)
larva do helminto (A. duodenale e A. Em relação às larvas de A. duodenale e A.
ceylanicum) (NEVES, 2016). Também é ceylanicum ingeridas, estas migram
relatado parasitismo após ingestão de L3 de N. diretamente para o seu destino final, o
americanus, com consequente invasão do intestino delgado. Assim, não há fase

30
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

pulmonar nesse meio de contaminação para helmintos responsáveis pela doença. Por ser
essas espécies (HOTEZ et al., 1995). Nesse um teste barato e simples, é o mais
caso, as L3 deglutidas perdem a cutícula no amplamente utilizado, tendo como único ponto
estômago e migram para o intestino delgado negativo a dificuldade que o técnico de
(região do duodeno), onde penetram na laboratório pode encontrar em confirmar de
mucosa intestinal e mudam para L4 (NEVES, que espécie de helminto pertence o ovo. Isso
2016). Ancilostomídeos podem viver por anos porque os ovos eventualmente encontrados se
no intestino delgado (3 a 10 anos para N. assemelham muito morfologicamente com
americanus e 1 a 3 anos para A. duodenale e ovos de outras espécies parasitárias
A. ceylanicum) (NEVES, 2016). (DOULBERIS et al., 2018). Além disso, outro
É importante considerar que as larvas de A. fator complicador para a microscopia de fezes
duodenale nem sempre se desenvolvem é o pequeno intervalo de tempo existente entre
diretamente até a idade adulta, podendo passar a coleta do excremento até o preparo e
por um período de desenvolvimento visualização da lâmina de microscópio de
interrompido, de modo a evitar a liberação de forma que os ovos ainda sejam viáveis para
ovos em um ambiente árido e hostil. observação, já que os ovos desaparecem em
(HAWDON et al., 1996; CROMPTON et al., até uma hora depois da coleta e a coleta não
2000). Não se sabe ainda onde esses helmintos pode ser armazenada sem comprometer o
se instalam durante o tempo de dormência, resultado do exame (DOULBERIS et al.,
entretanto, já há evidências dessas larvas em 2018). Existem algumas técnicas para
fibras musculares animais e humanas (HOTEZ preparação da amostra a ser utilizada no
et al., 1995) microscópio que trazem informações
diferentes sobre a infecção do paciente.
Diagnóstico Técnicas para contagem de ovos por sedimen-
O diagnóstico da ancilostomose começa já tação conseguem verificar a presença de ovos
no primeiro encontro com o paciente, em que de parasita até em infecções brandas. Outros
devem ser avaliados os sintomas que ele métodos, como o de Kato-Katz, possibilitam
apresenta assim como o histórico de lugares quantificar a intensidade da infecção por
que ele visitou recentemente, visto que essa estimar a quantidade de ovos por grama de
doença é muito mais comum em regiões fezes (BETHONY et al., 2006).
tropicais (DOULBERIS et al., 2018). Por se Existem outras formas de se alcançar o
tratar de uma verminose transmitida pelo solo, diagnóstico, mas que são menos utilizadas por
o diagnóstico laboratorial é essencial para serem mais recentes, com menor custo-
confirmação da suspeita de ancilostomose, benefício, ou menos específicas. Uma dessas
pois esses tipos de verminoses apresentam formas é pelo uso de PCR (polymerase chain
alguns sintomas comuns entre si, mas podem reaction) nas amostras de DNA coletadas dos
ser tratadas de maneiras diferentes. resíduos fecais do paciente. Esse tipo de
Dito isso, a principal forma de diagnóstico diagnóstico para helmintos causadores de
laboratorial para ancilostomose é feita através ancilostomose é bastante recente, mas
de microscopia de fezes, em que se procura promissor, porque é extremamente específico
verificar a presença de ovos de algum dos na descoberta da espécie invasora

31
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

(DOULBERIS et al., 2018), porém necessita linfático, migrando para o coração e os


de equipamentos específicos para esse tipo de pulmões a partir dos vasos sanguíneos
testagem, tornando o processo mais caro e (MOCHAMAD et al., 2021).
complexo de se realizar em um laboratório No local da penetração cutânea,
comum. Outra forma de análise é por meio de normalmente forma-se uma erupção maculo-
exames de sangue, especificamente os que papular focal e pruriginosa (“coceira no solo”)
avaliam a quantidade de eosinófilos circulando e inusualmente observa-se rastros serpiginosos
na circulação periférica. Entretanto, a presença de migração larval intracutânea, semelhante à
de eosinófilos no sangue acima dos valores larva migrans cutânea. A coceira no solo
normais não é específica para a ancilostomose, geralmente ocorre entre os dedos e podem
sendo na verdade relacionada com infecções desaparecer em poucos dias (GUIMARÃES et
parasitárias em geral. Além disso, valores al., 2019).
alterados desse exame também podem Nos pulmões, as larvas penetram nos
aparecer em reações alérgicas, imunodeficiên- alvéolos pulmonares, onde sobem da árvore
cias primárias, reações ao uso de drogas, brônquica até a faringe, podendo ser expelidas
dentre outros (DOULBERIS et al., 2018). Por por tosse ou engolidas, estas alcançam o
fim, em alguns casos de caráter emergencial, intestino delgado (MOCHAMAD et al., 2021).
podem ser feitas endoscopias com a intenção A passagem transpulmonar normalmente é
de se localizar o verme ou lesões causadas assintomática. No decorrer da migração das
pelo verme dentro do lúmen do trato digestivo larvas nas vias aéreas, elas estimulam a
(DOULBERIS et al., 2018). Mas esse teste é secreção de muco que as encharca, podendo
muito mais caro, difícil de ser feito, e provocar leve tosse e irritação faríngea. Assim,
incômodo ao paciente do que as alternativas já irritam a mucosa das vias aéreas, facilitando
apresentadas neste tópico. serem engolidas pelo hospedeiro, chegando ao
estômago e em seguida para o intestino
Fisiopatologia delgado (GUIMARÃES et al., 2019; RÉ et al.,
Em condições favoráveis, após os ovos do 2011). A presença do parasita nos pulmões
helminto, em questão, passarem das fezes de pode gerar em alguns pacientes um quadro
seu hospedeiro para o ambiente, eles eclodem semelhante à síndrome de Löffler (pneumonia
e transformam-se em larvas, em cerca de 1 a 2 eosinofílica, marcada por infiltrados
dias. As larvas rabditiformes e/ou não pulmonares migratórios associados), podendo
infecciosas crescem nas fezes ou no solo por demorar mais de um mês até que as larvas
cerca 5 a 10 dias, amadurecendo em larvas deixem completamente os pulmões e atinjam o
filariformes e/ou infectantes que, por sua vez, trato gastrointestinal (Feigin et al, 2009).
podem penetrar pelos folículos capilares na A migração das larvas ao intestino delgado
pele (MOCHAMAD et al., 2021) ou pelas e a fixação à parede intestinal (mucosa) pelas
aberturas das glândulas sudoríparas (RÉ et al., larvas adultas provoca pequenas lesões nos
2011), quando os indivíduos andam descalços capilares, provendo a alimenção de sangue
em solo ou entram em contato direto com o extravasado do hospedeiro ao parasita,
solo infectado (PEARSON, 2019). resultando, portanto, na perda de sangue. Este
Posteriormente, o parasita adentra o sistema processo é facilitado através da produção de

32
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

peptídeos anticoagulantes que irão inibir o Cabe realçar que as larvas filariformes
fator X ativado e o complexo fator Vlla (fator podem se espalhar tanto por ingestão oral
tecidual) e inibem a ativação plaquetária. como via transmamária, onde as larvas
Deste modo, elas podem causar ulcerações, amadurecem diretamente no intestino delgado
anemia ferropriva e estarem associadas a ou permanecem dormentes na musculatura
problemas gastrointestinais (GUIMARÃES et esquelética humana. As larvas dormentes são
al., 2019; RÉ et al., 2011; MOCHAMAD et responsáveis pela transmissão vertical durante
al., 2021). a amamentação e são, provavelmente, a causa
A perda crônica de sangue, ferro e da infecção transplacentária (MOCHAMAD et
albumina causa anemia ferropriva, hipoal- al., 2021).
buminemia e, contribuem para uma nutrição
prejudicada, sobretudo nos pacientes com Sintomas
infecção grave. (GUIMARÃES et al., 2019). A sintomatologia é medida em anos de
O desenvolvimento de anemias depende da vida ajustados pela incapacidade, que incluem
carga parasitária e da quantidade absorvida de os anos que um hospedeiro humano viveu com
ferro na dieta (PEARSON, 2019). a infecção (anos perdidos devido à incapa-
Em caso de infecções naturalmente cidade) e os anos perdidos devido à morte
adquiridas, podem ocorrer náuseas, vômitos, precoce (anos de vida perdidos) (MURRAY et
diarreia, dor epigástrica e flatulência aumen- al., 2012). A prevalência global da infecção
tada e, no caso de infecções iniciais podem para ancilostomose em 2016 foi de cerca de
estar associadas com sintomas gastrointestinais 450.680 milhões (1.297 milhões em 1994)
com maior frequência do que infecções (CHAN et al., 1994).
subsequentes. Os indivíduos com infecções em Os sintomas primários associados à
regiões endêmicas, infecções por ancilóstomos infecção incluem anemia por deficiência de
podem ocorrer sangramento gastrointestinal ferro, causada pela perda de sangue intestinal
evidente (GUIMARÃES et al., 2019). no intestino delgado (LOUKAS et al., 2004;
Se a infecção for muito grave, elas podem BETHONY et al., 2006), o que afeta
causar úlceras hemorrágicas na mucosa particularmente mulheres grávidas (BROOKER
intestinal que, por sua vez, podem ser et al., 2008) e crianças (CROMPTON et al.,
invadidas por bactérias, provocando infecções 2000). Para ancilostomose, assim como para
secundárias muito graves e edema (RÉ et al., outros helmintos transmitidos através do solo,
2011). a carga da doença diminuiu significativamente
Assim, grávidas residentes em áreas nas últimas duas décadas (CHAN et al., 1994).
endêmicas apresentam um quadro de risco, Esta redução da carga parasitária pode ser
pois apresentam uma demanda superior de atribuída principalmente à administração de
ferro, fator de risco para o desenvolvimento de medicamentos em massa de forma profilática
anemia. O fato é considerado um agravante em populações em risco de infecção (ALBO-
para o desencadeamento da mortalidade NICO et al., 2008) e a programas de
materna, sobretudo no momento do parto intervenção integrada visando melhorar o
(BROOKER et al., 2004). acesso à água tratada, saneamento e higiene
(CLARKE et al., 2018; STRUNZ et al., 2014),

33
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

ao desenvolvimento de métodos de gastrointestinal possa ser causado por


diagnóstico molecular de alta sensibilidade inflamação da mucosa, erosão, úlcera, tumor
(melhor estimativa da prevalência de infecção) ou até lesões vasculares do trato digestivo. Os
(O'CONNEL et al., 2016) e desenvolvimento clínicos podem considerar hematológicas ou
socioeconômico (DE SILVA et al., 2003). doenças cardíacas quando a apresentação
A doença de ancilostomose é facilmente principal é anemia (CROESE et al., 2015) e
mal diagnosticada porque, os sintomas clínicos poucos considerariam a infecção por ancilos-
não são específicos. A maioria dos pacientes tomose. Em terceiro lugar, se apenas um único
não apresenta sintomas claros e apresentam exame for realizado, é mais provável que falhe
apenas sintomas gastrointestinais como o diagnóstico ou que haja um diagnóstico
desconforto gástrico, náusea, vômito, diarreia errado. Uma proporção considerável dos casos
e constipação. Os pacientes podem apresentar diagnosticados no hospital em nosso estudo
sangramento gastrointestinal e anemia (BO- recebeu outros exames antes do exame de
TTAZZI et al., 2015; BROOKER et al., 2008). fezes. Os médicos devem combinar o exame
A ancilostomose pode não só envolver o trato de fezes com endoscopia gastrointestinal, que
intestinal, incluindo o duodeno, jejuno, pode incluir gastroscopia, colonoscopia,
estômago, íleo, ceco, cólon e reto, mas enteroscopia com dois balões ou endoscopia
também pode envolver outras partes do em cápsulas, no diagnóstico clínico
abdome, do pâncreas ou de múltiplos órgãos. (UTZINGER et al.,2008).
Adultos com os helmintos podem ter
hemorragia e pequenas úlceras por morderem Tratamento
a mucosa intestinal com dentes largos e em Atualmente, os medicamentos anti-
formato de ganchos. A hemorragia do trato helmínticos geralmente agem por paralisação
digestivo, a úlcera e a anemia hemorrágica do parasito, por dano ao verme, de forma que
crônica que pode ser causada pela mordida de o sistema imune do hospedeiro possa eliminá-
adultos com ancilostomose (HOTEZ et al., lo, ou alterando o metabolismo do parasito
2010) é facilmente subdiagnosticada como (RANG et al., 2020).
hemorragia gastrointestinal e úlcera digestiva, O tratamento dos pacientes que são
por três razões importantes. Primeiro, os parasitados pelos ancilostomídeos é fármaco-
sintomas clínicos da ancilostomose são lógico e pode acontecer por meio de três
atípicos e os pacientes e médicos têm medicamentos diferentes, sendo eles o alben-
dificuldade em identificá-la. As infecções dazol, o mebendazol, e o pamoato de pirantel
podem ser assintomáticas ou apresentar apenas (GUIMARÃES et al., 2019).
sintomas leves como desconforto epigástrico O albendazol faz parte do grupo dos
leve, palidez, vômito, diarreia ou anemia leve benzimidazóis e possui grande potencial
(HOTEZ et al., 2010). Os pacientes que se antiparasitário. É possível encontrar esse
apresentam como tais têm um curso de doença medicamento na forma farmacêutica de
mais longo e são facilmente mal diagnos- comprimidos de 200 e 400 mg e de suspensão
ticados. Em segundo lugar, os clínicos podem oral de 100 mg a cada 5 ml. A ação deste
não ter experiência no manejo da infecção por fármaco ocorre através da ligação seletiva nas
ancilostomose, acreditando que o sangramento tubulinas intervindo na tubulina-polimerase,

34
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

impedindo a formação de microtúbulos e, dias, entretanto a dose máxima diária é de 1 g


consequentemente, também a divisão celular, (GUIMARÃES et al., 2019).
além disso, impossibilita a captação de glicose Acrescenta-se que, além do tratamento
inibindo a formação de ATP que é usado como medicamentoso para ancilostomose, depen-
fonte de energia pelo parasita (NEVES et al., dendo do agravamento da doença o paciente
2005). pode entrar em um quadro anêmico e portanto
O mebendazol também faz parte do grupo também deverá receber uma dieta com mais
dos benzimidazóis e é bastante efetivo contra alimentos ricos em ferro e se necessário
os helmintos. Esse medicamento é encontrado suplementos de ferro, como o ferro
em forma de comprimidos de 100 e 500 mg e aminoquelato, sais férricos, sais ferrosos, ferro
também em suspensão oral de 100 mg/5 ml. carbonila e complexo de ferro polimaltosado
Ademais, possui atuação semelhante ao (FANTINI et al., 2016).
albendazol (NEVES et al., 2005). Apenas 10%
do mebendazol é absorvido depois da CONCLUSÃO
administração ora, por conta disso é indicado
uma refeição gordurosa em seguida o que
Segundo a Organização Mundial da Saúde
aumenta a sua absorção (RANG et al., 2020).
(OMS), a ancilostomose está entre as
O pamoato de pirantel é um fármaco
denominadas Doenças Tropicais Negligenciadas
eficiente contra ancilostomíase proveniente da
que afetam mais de 1 bilhão de crianças (OMS,
pirimidina. Encontra-se esse medicamento em
2019), prevalecendo em populações pobres e
forma de comprimidos de 250 mg, sendo
vulneráveis de regiões tropicais e subtropicais.
administrada em dose única oral de 10 mg/kg.
Apesar de haver um tratamento simples
O mecanismo de ação do pamoato de pirantel
através de anti-helmínticos e diretrizes
acontece por meio de uma inibição dos
propostas pela organização nesse sentido, a
receptores de acetilcolina, que causa uma
prevalência da doença continua alta porque o
contração espástica seguida de paralisia
tratamento não impede a reinfecção. Portanto,
muscular, culminando na eliminação do
a medida de prevenção mais eficaz atualmente
parasita (NEVES et al., 2005).
é a ampliação do acesso ao saneamento básico.
Em relação à dosagem utilizada no
A ancilostomose raramente é letal, mas em
tratamento da ancilostomose, a aplicação do
crianças de populações de baixa renda ela
albendazol é por via oral para adultos e
pode comprometer o desenvolvimento tanto
crianças a partir dos dois anos, através de uma
pela maior chance de reinfecção quanto pela
aplicação única de 400 mg com o estômago
escassez nutricional da dieta, fundamental para
vazio. O tratamento com mebendazol, por sua
o controle dos danos causados pelos
vez, pode ser realizado por meio de uma dose
helmintos. A ancilostomose deve ser vista sob
única de 500 mg ou através de dosagens de
a ótica como um problema de saúde pública no
100 mg ingeridas duas vezes por dia durante
intuito de prevenir, controlar e erradicar a
três dias, sendo mais eficaz que a dose única.
doença.
A dose do pamoato de pirantel é calculada
considerando o peso do paciente, sendo 11 mg
por quilo grama, uma vez ao dia durante 3

35
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

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Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

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37
Capítulo 04
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 05
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE
FEBRE MACULOSA E DENGUE VISANDO
A REDUÇÃO DA LETALIDADE: UMA
REVISÃO DA LITERATURA
Bianca Rodrigues Tavares¹
Samuel Melo Ribeiro¹
Fernanda de Oliveira¹
Fernando Batista Nigri dos Santos¹
Mariana de Sousa Vilela Silva¹
Mauro Marques Lopes¹
Bruno Melo Ribeiro2
Júlia Bernardes de Freire Lopes2
Bruno Patrício dos Santos Oliveira3
Juliete Gomes da Silva4
Nathália Ferreira Carvalho5
Viviany Alves Ferreira da Mata6
Fabio Junior da Silva7
Haroldo Souza e Silva8
Thelma de Filipps9

1Discente - Medicina na Faculdade da Saúde e Ecologia Humana


2Discente – Medicina na Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais
3Discente – Medicina na Universidade Federal do Pará
4Discente – Medicina no Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos
5Discente – Medicina no Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves
6Discente – Medicina no Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos
7Discente – Bacharelado Interdisciplinar em Saúde Universidade Federal do Sul da Bahia
8Discente – Medicina no Centro Universitário de Valença
9Docente – Bióloga, Mestre e Doutora em parasitologia pela Universidade Federal de Minas Gerais
38
Palavras-chave: Febre maculosa; Dengue; Brasil.
Capítulo 05
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO A FM e a dengue são doenças com


sintomas semelhantes na fase aguda, o que
A Febre Maculosa (FM) é uma doença prejudica o diagnóstico precoce e o tratamento
febril hemorrágica causada pela bactéria efetivo (UNIVERSITIES, I., 2017; LIMA
Rickettsia rickettsii, sendo o carrapato MONTEIRO & ROZENTAL, 2014).
Amblyomma sculptum (Figura 5.1), o princi- A FM é uma zoonose de notificação
pal vetor da doença (ESTEVES, E. et al., compulsória, com taxa de letalidade elevada
2019). no Brasil (ESTEVES, E. et al., 2019; DE
OLIVEIRA, S. V. et al., 2017). Os índices de
Figura 5.1 Amblyomma sculptum, fêmea mortalidade da FM estão frequentemente
(esquerda) e macho (direita) associados à complexidade diagnóstica e ao
tratamento tardio (LIMA MONTEIRO &
ROZENTAL, 2014). As principais complica-
ções que evoluem para óbito por FM são:
meningite, encefalite, insuficiência renal e
síndrome do desconforto respiratório agudo
(HUNTINGTON, M. K. et al., 2016).
A ferramenta diagnóstica importante para a
Fonte: (RODRIGUES, V., 2009). Disponível em:
FM é a clínica do paciente, febre, cefaléia,
https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/bitstream/doc mialgia, erupção cutânea petequial e
/1107096/1/CarrapatosemcavalosAmblyommasculptum. principalmente o contato com ambientes que
pdf. tenham a presença de carrapato. A reação de
A dengue é considerada uma doença imunofluorescência indireta (RIFI) é o exame
infecciosa, endêmica, que é transmitida pela padrão-ouro para o diagnóstico laboratorial,
picada do mosquito fêmea, Aedes aegypti sendo estabelecido pelo aparecimento de
(Figura 5.2), vetor da doença (ESTEVES, E. anticorpos específicos no soro de pacientes,
et al., 2019). cujos títulos aumentam com a evolução da
doença. Uma 1ª amostra de soro precisa ser
Figura 5.2 Mosquito fêmea adulto, Aedes coletada nos primeiros dias da doença (fase
aegypti aguda) e a 2ª amostra de 14 a 21 dias após a
coleta da 1ª amostra, pois entre o 7º e 10º dia,
o indivíduo não tem anticorpos para a febre
maculosa e que pode gerar um resultado falso
negativo (BRASIL, 2019). Portanto, na
presença das características clínicas supraci-
tadas, ou suspeita da doença, deve ser iniciado
o tratamento com doxiciclina de forma
imediata, mesmo que a doença ainda não tenha
Fonte: Amnesty, 2007. sido confirmada pelo exame laboratorial
(HUNTINGTON, M. K. et al., 2016).

39
Capítulo 05
Parasitologia Humana e Veterinária

A dengue teve seus primeiros casos no Os critérios de inclusão foram: artigos nos
século vinte e atualmente é considerada a idiomas inglês e português; publicados nos
doença viral e vetorial que mais se multiplica últimos 14 anos e que abordavam as temáticas
no mundo (HUNTINGTON, M. K. et al., propostas para esta pesquisa, estudos do tipo
2016). (revisão, meta-análise), disponibilizados na
Os sintomas variam desde um resfriado íntegra. Os critérios de exclusão foram: artigos
comum, a uma artralgia e mialgia grave, duplicados, disponibilizados na forma de
conhecida como quebra-ossos e pode evoluir resumo, que não abordavam diretamente a
para um quadro ainda mais grave, como a proposta estudada e que não atendiam aos
febre hemorrágica, cujo sinais aparecem após demais critérios de inclusão. Após os critérios
a doença febril inicial (HUNTINGTON, M. K. de seleção restaram 21 artigos que foram
et al., 2016). submetidos à leitura minuciosa para a coleta
O diagnóstico da dengue, muitas vezes, é de dados.
negligenciado. Segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS), a melhor forma de RESULTADOS E DISCUSSÃO
se identificar a presença do vírus é através de
um exame de sangue, mostrando o anticorpo A FM e a dengue são doenças infecciosas
IgM, caso a infecção esteja em fase aguda e presentes em países tropicais, assim como é o
IgG caso esteja em fase crônica (HUN- caso do Brasil e fazem parte de um grupo de
TINGTON, M. K. et al., 2016). O teste doenças endêmicas que possuem maior
frequentemente apresenta resultados falso- complexidade diagnóstica, por apresentarem
positivos devido à reação cruzada com o vírus sintomas de difícil diferenciação (LIMA
(HUNTINGTON, M. K. et al, 2016; STE- MONTEIRO & ROZENTAL, 2014).
PHEN et al., 2018). A FM é uma doença grave, de notificação
O objetivo deste estudo foi avaliar a obrigatória (DE OLIVEIRA et al., 2020). Os
importância da inclusão do diagnóstico sintomas da FM podem variar desde o ínicio
diferencial da FM na diferenciação clínica com até o fim do curso da doença, mas os
a dengue e o impacto na taxa de letalidade. principais são febre, cefaléia, mialgia intensa,
mal-estar, náuseas, vômitos, dor abdominal e
MÉTODO exantema (ESTEVES, et al., 2019; UNIVER-
SITIES, 2017), apresenta marcadores laborato-
Trata-se de uma revisão da literatura riais como trombocitopenia (DE OLIVEIRA et
realizada no período de janeiro a junho de al., 2020; SAVANI et al., 2019). O diferencial
2021, por meio de pesquisas nas bases de na clínica do paciente com FM são as erupções
dados: PubMed, Scielo e Medline. Foram cutâneas eritematosas e esbranquiçadas que se
utilizados os descritores: “spotted fever”; tornam petéquias com o tempo e o
“symptoms”; “etiological agente”, “dengue”, agravamento da trombocitopenia ao longo dos
“Brasil”. Desta busca foram encontrados 51 dias de infecção também é um indício
artigos, posteriormente submetidos aos crité- importante de FM.
rios de seleção.

40
Capítulo 05
Parasitologia Humana e Veterinária

A descoberta precoce da FM é importante necessário o resultado dos exames para o


para diminuir a alta taxa de letalidade quando início do tratamento, visto que o tratamento
não tratada precocemente. precoce tem maiores chances de receber um
Devido ao fato do quadro clínico de FM e melhor prognóstico. Neste sentido, o
dengue apresentarem sintomas inespecíficos e tratamento empírico pode ser aplicado baseado
comuns, o diagnóstico é dificultado. nos sinais, sintomas e história clínica do
Em epidemias de dengue o diagnóstico de paciente (KAPLAN, 2011).
FM é negligenciado (UNIVERSITIES, 2017; A dengue apresenta manifestações clínicas
LIMA MONTEIRO & ROZENTAL, 2014). como febre, cefaléia, mialgia, artralgia,
Em casos de exposição, mesmo sem o náuseas, vômitos, sangramento de mucosas
diagnóstico definido, é importante iniciar um (Figura 5.3), manchas vermelhas no tronco e
tratamento empírico evitando complicações e nos braços (Figura 5.4), e o quadro de
óbito (SEXTON, 2020). plaquetopenia e leucopenia são clássicos no
O diagnóstico diferencial da FM é quadro de dengue (LIMA MONTEIRO &
importante e melhora as chances do paciente ROZENTAL, 2014).
não evoluir para um quadro mais grave. O Caso a região de habitação ou o paciente
paciente com febre, cefaléia e erupções na pele tenha feito alguma viagem para alguma região
deve ser considerado o possível diagnóstico de endêmica e apresentar febre e mais dois dos
meningite meningocócica, que é fatal se não seguintes critérios: náusea/vômito, irritação na
iniciado o tratamento de emergência. Paciente pele, cefaléia, mialgia, dor articular e nos
com manifestações clínicas gastrointestinais olhos, leucopenia e teste de torniquete positivo
pode confundir o diagnóstico com gastroen- sugere dengue sem um sinal de alerta. O sinal
terite aguda ou abdome agudo. As erupções de alerta para dengue é observado quando o
cutâneas também podem ser confundidas com paciente apresenta os sintomas citados anterior-
sarampo e, em áreas tropicais, febre tifóide, mente associado a qualquer um dos seguintes
leptospirose e dengue podem ser uma opção de sintomas: dor abdominal, persistência de
diagnóstico incorreto para FM (KAPLAN, vômito, acúmulo de líquido nos espaços
2011). pleurais, mucosas com sangramento, letargia
Para um diagnóstico preciso, o padrão- ou inquietação, hepatomegalia (acima de 2 cm
ouro é a reação de imunofluorescência indireta do comum), aumento de hematócrito e
(RIFI) mas, na fase aguda, pode apresentar plaquetopenia. Em casos graves da doença
resultados falso-negativos. Outros mais sensí- pode ocorrer complicações como choque,
veis como PCR, Weil-Felix, histopatologia e acúmulo de líquido resultando em dificuldade
imunohistoquímica, não fornecem resultados respiratória, sangramento grave e falência de
rápidos (UNIVERSITIES, 2017; LIMA órgão (STEPHEN et al., 2018).
MONTEIRO & ROZENTAL, 2014; DE
OLIVEIRA, et al., 2017). Entretanto, não é

41
Capítulo 05
Parasitologia Humana e Veterinária

Figura 5.3 (A) Hemorragia subconjuntival bilateral (B) Hemorragia subconjuntival intensa

Fonte: LUPI et al.,2007.

Figura 5.4 Erupções cutâneas em região anterior do tórax e membros superiores

Fonte: LUPI et al.,2007


imunoglobulinas IGM e IGG, detecção de
A identificação precoce da presença do vírus sequência genômica feita baseado no PCR.
contribui para a redução dos riscos dopaciente Para identificação dos diferentes sorotipos de
evoluir para um quadro mais grave da doença dengue é feito RT-PCR (transcriptase reversa)
(STEPHEN et al., 2018). e PCR quantitativa. No Brasil, o Ministério da
Em casos de dengue, o diagnóstico é feito Saúde exige que todos os casos de pacientes
através de sorologia para que seja identificado com suspeita da doença sejam notificados e
a presença do vírus no sangue do paciente seja coletada uma amostra de sangue para o
possivelmente contaminado. Sendo assim, é diagnóstico (SALLES et al., 2018).
feito o isolamento de células animais por
CONCLUSÃO
cultura, caracterização do vírus pela presença
de antígenos próprios, feito por ensaio O óbito nos pacientes portadores de FM
enzimático (teste ELISA) e detecção de muitas vezes está relacionado à demora no

42
Capítulo 05
Parasitologia Humana e Veterinária

diagnóstico, tratamento que não é feito de dos sintomas com outras doenças endêmicas
forma rápida, fatores que causam complica- como a dengue contribui para o atraso do
ções e agravamento da doença e principalmen- diagnóstico e este pode ser feito de maneira
te a não consideração do paciente sobre o incorreta ocasionando a alta taxa de mortali-
contato com áreas que predispõem a infecção dade. Contudo é importante alertar para a
pelo agente infeccioso da FM. Para que a FM inclusão do diagnóstico da FM em casos febris
tenha um bom curso a partir do aparecimento agudos, considerando sua alta taxa de
dos sintomas, deve-se iniciar o tratamento de letalidade.
forma preventiva. Além disso, a semelhança

43
Capítulo 05
Parasitologia Humana e Veterinária

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44
Capítulo 05
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 06
DESCRIÇÃO DE ACHADOS
ASSOCIADOS AO
Urbanorum spp.: REVISÃO E
RELATO DE EVIDÊNCIAS
NO NORTE DO PIAUÍ
Jhoana D’arc Lopes De Sousa¹
Ana Indygriani Rodrigues¹
Francisca Dayane Soares Da Silva²
Rodrigo Elísio de Sá²
Renata Pereira Nolêto³
Gabriella Linhares de Andrade²
Mayck Silva Barbosa4
Ana Clara Silva Sales5
Ayslan Batista Barros5
Thiago Nobre Gomes6
1Biomedica - Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Parnaíba-PI.
2Discente – Mestrado em Biotecnologia, Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Parnaíba-PI.
3Discente – Mestrado em Ciências Biomédicas, Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Parnaíba-PI.
4Discente – Doutorado em Fisiopatologia Médica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP.
5Discente – Doutorado em Biotecnologia, Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Parnaíba-PI.
6Discente – Doutorado em Patologia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE.

Palavras-chave: Parasitologia; Infecções por Protozoários; Urbanorum spp.


45
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO em comparação a estes (SANTAMARÍA,


2015; RODRÍGUEZ, 2016). Sendo assim, o
Apesar dos primeiros casos de ocorrência provável parasito foi caracterizado como um
de achados associados ao Urbanorum spp. protozoário devido sua semelhança às demais
terem sido descritos no ano de 1991, o amebas, no que se refere tanto em relação às
primeiro registro oficial do provável parasito características clínicas dos pacientes, quanto
se deu em 1994. Francisco Tirado Santamaría, em relação a sua possível via de disseminação,
pesquisador e professor de parasitologia da principalmente pela contaminação da água e
Universidade Industrial de Santander (UIS) em alimentos para consumo (SANTAMARÍA,
Barrancabermeja, Colômbia, relata o que 2015; RODRÍGUEZ, 2016; VILLAFUERTE;
acredita ser um novo parasito intestinal COLLADO; VELARDE, 2016 SILVA-DÍAZ,
humano, ao qual demominou Urbanorum spp 2017).
(RODRÍGUEZ, 2016; VILLAFUERTE; Nos últimos anos, o Urbanorum spp.
COLLADO; VELARDE, 2016; SILVA- começou a ser detectado em amostras fecais de
DÍAZ, 2017; AGUIAR; ALVES, 2018; pacientes em diferentes países da América do
CASARIN; DUARTE; SAMPAIO, 2019). Sul, como Peru (DEL PINO, 2016; IGLE-
O pesquisador começou a identificar esse SIAS-OSORES; ARRIAGA-DEZA, 2016; VI-
microrganismo realizando uma série de LLAFUERTE; COLLADO; VELARDE, 2016;
exames parasitológicos de fezes em pacientes SILVA-DÍAZ, 2017) e Venezuela (RODRÍ-
atendidos no setor de saúde de parasitologia da GUEZ, 2016). Ademais, o provável novo
referida instituição, que apresentavam parasito também passou a ser relatado no
quadros característicos à síndrome diarreica Brasil (AGUIAR; ALVES, 2018; FERREIRA
(RODRÍGUEZ, 2016; VILLAFUERTE; CO- et al., 2018; KRUGER, 2020; LEÃO et al.,
LLADO; VELARDE, 2016; SILVA-DÍAZ, 2018; LESUSK; PACHECO; FARIA, 2018;
2017; AGUIAR; ALVES, 2018; CASARIN; LOPEZ; NUNES, 2018; BAYER; MINÉ;
DUARTE; SAMPAIO, 2019). Tal manifesta- BRITO, 2018; PRADO et al., 2018; SIMES;
ção clínica correlacionada à infecção causada PLATT, 2020; WIGGERS et al., 2018).
por outros agentes etiológicos tem causado O Urbanorum spp. possui carecterísticas
impactos negativos à saúde da população em peculiares, assemelhando-se a alguns glóbulos
escala mundial, principalmente em países de gordura ou restos vegetais, podendo muita
menos desenvolvidos. Logo, gradativamente o das vezes ser considerado artefato de técnica
Urbanorum spp. pode se tornar um potencial na rotina laboratorial (IGLESIAS-OSORES;
problema de saúde pública, acometendo em ARRIAGA-DEZA, 2016). Pesquisadores afir-
especial a população infantil (SOSA et al., mam que, de acordo com sua experiência em
2013; AGUIAR; ALVES, 2018). visualização microscópica, essas estruturas
Segundo a descrição inicial feita por correspondem à células adiposas e que
Santamaría, os achados sugestivos de ocasionalmente se libertam filamentos móveis,
Urbanorum spp. apresentam características mas que não permitem deslocamento efetivo
similares aos protozoários, possuindo forma (RODRÍGUEZ, 2016; SILVA-DÍAZ, 2017).
arredondada, membrana espessa, porém o Assim, iniciou-se o seguinte questionamento
tamanho apresentava-se relativamente grande no meio científico e que permanece até então:

46
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

de fato, o Urbanorum spp. pode ou não ser (pertencentes ao NCBI – National Center For
considerado um parasito? Biotechnology Information), SciELO (Scientific
Relatos de casos em congressos científicos Eletronic Library Online), Scopus
e galerias fotográficas apontando a ocorrência (pertencente a editora Elsevier) e LILACS
do possível parasito tornam-se cada vez mais (Literatura Latino-americana e do Caribe em
comuns na literatura atual. Porém, tais Ciências da Saúde, coordenada pela OMS –
informações disponíveis descrevem apenas as Organização Mundial da Saúde). Ademais, a
características microscópicas e morfológicas pesquisa também foi realizada no Google
associadas ao Urbanorum spp., carecendo Acadêmico. Para a busca foram utilizados
ainda de uma melhor fundamentação científica como descritores a combinação dos termos
que evidencie mais detalhadamente a “Parasitologia”, “Saúde Pública”, “Infecções
veracidade da sua condição biológica por Protozoários” e “Urbanorum spp.”, tanto
(especialmente quanto seu ciclo evolutivo, e em português quanto nas suas respectivas
sua caracterização molecular e taxonômica), versões em inglês.
sendo esta direta e indiretamente questionada Como critérios de inclusão, foram
em muitas das atuais publicações (SILVA- consideradas publicações originais, dispo-
DÍAZ, 2017; LEÃO et al., 2018; SILVA; níveis na íntegra para download, sem
OLIVEIRA, 2019). Deste modo, o presente restrições quanto à idiomas e recorte temporal,
estudo teve como objetivo analisar a literatura que abordassem de forma direta ou indireta
científica reunindo informações sobre o sobre o Urbanorum spp., incluindo estudos de
Urbanorum spp., baseadas em estudos clínico- pesquisa laboratorial, relatos de casos, revisões
epidemiológicos e relatos de casos disponíveis e editoriais. Como critérios de exclusão, foram
até o presente momento, assim como também, desconsiderados trabalhos de conclusão de
descrever os primeiros achados deste potencial curso, bem como publicações duplicadas, não
novo parasito no norte do estado do Piauí. disponíveis totalmente na íntegra, e aquelas
que não contemplassem as carências que
MÉTODO nortearam a realização deste trabalho.
Considerando a importância da temática,
Na edificação do trabalho, realizou-se de modo complementar realizou-se também
inicialmente um estudo retrospectivo com um estudo descritivo, exploratório e com
revisão de literatura norteada frente à carência abordagem quantitativa, a partir de registros de
de trabalhos que abordassem de forma resultados de exames parasitológicos de fezes
abrangente informações sobre características de pacientes atendidos em um laboratório
dos achados relacionados ao Urbanorum spp., privado da cidade de Parnaíba, norte do estado
como: morfologia, ciclo biológico, transmissão, do Piauí, no período de Abril à Novembro de
epidemiologia, patogenia, virulência, diagnóstico 2019. O intuito foi de apresentar informações
(clínico e/ou) laboratorial, e medidas de dos primeiros achados laboratoriais referentes
tratamento, prevenção e controle. a este provável novo parasito, a fim de melhor
A busca por publicações para a compreender sua relevância no quadro clínico
composição deste estudo foi realizada através dos pacientes acometidos.
de quatro bases de dados: PubMed/MEDLINE

47
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

Atendendo as diretrizes da resolução Controvérsias


466/2012 da Comissão Nacional de Ética e Apesar da maioria dos achados pertinentes
Pesquisa do Ministério da Saúde, a utilização na literatura caracterizarem o Urbanorum spp.
das informações disponíveis foi possível como um possível ser vivo (protozoário),
mediante o encaminhamento de um termo de Rodríguez (2016) afirma que, de acordo com
autorização para coleta de dados ao sua experiência em visualização microscópica,
responsável técnico do referido laboratório, e as estruturas do suposto parasito
assinatura de uma carta de anuência pelo possivelmente correspondem a células
mesmo, autorizando sua utilização para fins adiposas e que ocasionalmente quebram
científicos. filamentos móveis livres, mas que não
Após a seleção das publicações, os permitem deslocamento efetivo. Por sua vez,
resultados foram apresentados de forma Del Pino (2016) destaca que outros
descritiva, divididos em subtópicos abordando: profissionais da área laboratorial consideram
controvérsias, classificação, morfologia, tais estruturas como simples artefatos ou restos
epidemiologia, ciclo biológico e de transmissão, vegetais. Assim, iniciaram-se controvésias
patogenia e virulência, diagnóstico clínico e sobre o mesmo se tratar de um parasito de fato
laboratorial, tratamento, prevenção e controle, e ou não, considerando a escassez de estudos
relato dos primeiros achados no norte do Piauí. que dificultam o conhecimento clínico-
Posteriormente, os mesmos foram discutidos à epidemiológico e a padronização do tratamento
luz da literatura. da infecção, ainda pouco estudada no Brasil e
no mundo (DEL PINO, 2016; RODRÍGUEZ,
RESULTADOS E DISCUSSÃO 2016; AGUIAR; ALVES, 2018; CASTILHO;
GONÇALVES, 2018; SILVA; OLIVEIRA,
Com base nos critérios propostos pela 2019; KRUGER, 2020).
pesquisa bibliográfica, 30 publicações foram
inicialmente selecionadas. Após uma leitura Morfologia
criteriosa e sua organização, foi observado que Conforme observado na Figura 6.1, as
19 atendiam aos critérios estabelecidos da características morfológicas relacionadas aos
pesquisa e assim, essas publicações achados microscópicos associados de
constituíram a amostra final. As mesmas Urbanorum spp. são descritas com os mesmos
foram publicadas entre os anos de 2016 a apresentando: forma arredondada, tamanho
2020, sendo desenvolvidas em países da variando de 80 a 100 µm de diâmetro;
América Latina (Peru, Venezuela e Brasil), e coloração hialina com tonalidades amareladas,
consistiam de artigos científicos originais, presença de exoesqueleto e de bicamada
editoriais, galerias fotográficas, e resumos membranosa, a qual pode conter entre um ou
publicados em anais de eventos científicos, dois poros, por onde se acredita que ocorra a
abrangendo revisões, pesquisas laboratoriais e imersão de pseudópodes. Deduz-se que a
relatos de casos. As informações foram locomoção do suposto parasito se dê por meio
extraídas com base no design e configuração destes últimos, porém ainda não existem
de cada estudo. evidências comprovadas de sua locomoção
através destas projeções (IGLESIAS-OSORES;

48
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

ARRIAGA-DEZA, 2016; VILLAFUERTE; 2018; LESUK; PACHECO; FARIA, 2018;


COLLADO; VELARDE, 2016; SILVA-DÍAZ, KRUGER, 2020).
2017; AGUIAR; ALVES, 2018; FRANÇA et al.,

Figura 6.1 Características morfológicas dos achados associados ao Urbanorum spp., corados com
lugol e observados por microscopia óptica de luz

Legenda: A) Objetiva de 10X; B) Objetiva de 40X. Fonte: Casarin; Sampaio; Duarte (2019).

Classificação ALVES, 2018; CASTILHO; GONÇALVES,


Segundo a literatura, a classificação dos 2018).
achados sugestivos de Urbanorum spp. foi
sugerida a partir correlação entre suas Epidemiologia
características morfológicas microscópicas e o Achados sugestivos de Urbanorum spp.
quadro clínico dos pacientes acometidos pelo foram relatados em países da América Latina,
suposto parasito. Até então, o mesmo tem sido incluindo Colômbia, Peru e Venezuela
definido como um protozoário, pertencente à (SANTAMARÍA, 2013; DEL PINO, 2016;
família Cycloposthidae, e que apresenta carac- IGLESIAS-OSORES; ARRIAGA-DEZA,
terísticas similares às amebas (SILVA-DÍAZ, 2016; RODRÍGUEZ, 2016; VILLAFUERTE;
2017; PRADO et al., 2018; CASARIN; COLLADO; VELARDE, 2016; SILVA-
DUARTE; SAMPAIO, 2019; KRUGER, DÍAZ, 2017). Recentemente, descrições do
2020). Contudo, sua classificação taxonômica provável novo parasito também ocorreram em
ainda carece de maior rigor científico, algumas localidades do Brasil, como: Buriti,
reafirmando a necessidade de realização de Maranhão (AGUIAR; ALVES, 2018); Ponta
novas pesquisas científicas com diferentes Grossa, Paraná (BAYER; MINÉ; BRITO,
abordagens metodológicas, como por exemplo: 2018); São Luís, Maranhão (FERREIRA et. al,
cultura parasitológica in vitro, análises genéticas e 2018); Santana do Livramento, Rio Grande do
moleculares, e microscopia eletrônica de Sul (LOPEZ; NUNES, 2018); Florianópolis,
transmissão (SILVA-DÍAZ, 2017; AGUIAR; Santa Catarina (LESUK; PACHECO; FARIA,

49
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

2018; SIMES, PLATT, 2020); São José dos biológicos, de caracterização molecular e
Campos, São Paulo (PRADO et. al, 2018); São taxonômica sobre o Urbanorum spp. pode
José dos Pinhais – região metropolitana de justificar a descrença de alguns estudiosos
Curitiba, Paraná (WIGGERS et al., 2018; acerca do mesmo se tratar de fato de um
KRUGER, 2020); Imperatriz, Maranhão protozoário (SILVA-DÍAZ, 2017; LEÃO et
(CASARIN; DUARTE; SAMPAIO, 2019); e al., 2018).
na cidade de São Paulo (LEÃO et al., 2018). Tal dedução de que o mesmo pertencença a
Descrições mais aprofundadas sobre a este grupo de parasitos considerou seu
epidemiologia dos casos de infecções provável modo de transmissão por via fecal-
associadas ao Urbanorum spp. ainda são oral, seja por contágio direto (pelo contato
pouco difusas nos estudos disponíveis até com material fecal) ou indireto (pelo solo e
então, visto que a escassez e a falta de pela ingestão de água e alimentos
similaridade dos casos não trazem informações contaminados), a partir da ausência de
suficientes acerca do agente. Porém, conforme medidas de higiene pessoal e saneamento
observado até aqui, os países com casos básico (VILLAFUERTE; COLLADO; VELAR-
relatados do provável novo parasito, DE, 2016; AGUIAR; ALVES, 2018; FRAN-
correspondem à América Latina, os quais ÇA et al., 2018; CASARIN; DUARTE,
apresentam condições climáticas e SAMPAIO, 2019; KRUGER, 2020). Ademais,
socioeconômicas similares (VILLAFUERTE; Kruger (2020) aponta um possível fator de
COLLADO; VELARDE, 2016; SILVA- risco que carece de uma melhor investigação
DÍAZ, 2017; AGUIAR; ALVES, 2018). da relação de causa e efeito: a limpeza de
Kruger (2020) ressalta ainda que não há dados reservatórios de água, que pode ter ocasionado
mais abrangentes acerca da prevalência do contaminação pelo uso irregular de
Urbanorum spp. no Brasil. Conforme o que foi equipamentos de proteção individual (EPIs).
observado a partir destes estudos e também
ressaltado por Aguiar e Alves (2018) e Kruger Patogenicidade e virulência
(2020), este suposto parasito pode ser Conforme observado na literatura, há
encontrado em diferentes tipos de ambientes e concordância quanto à limitada informação
acometer variadas faixas etárias e ambos os disponível acerca da patogenicidade e
sexos, sendo as crianças os hospedeiros mais virulência dos achados associados ao
comuns para o desenvolvimento da infecção. Urbanorum spp. Contudo, com base nas
características clínicas dos pacientes acometi-
Ciclo biológico e transmissão dos pela infecção, considera-se que os achados
Ainda não existem estudos publicados na do provável parasito estão correlacionados
literatura com informações mais detalhadas com o quadro de síndrome diarreica
sobre o ciclo biológico do Urbanorum spp. (VILLAFUERTE; COLLADO; VELARDE,
Acredita-se que sua reprodução ocorra pelo 2016; FERREIRA et al., 2018; FRANÇA et
processo de divisão binária – assim como al., 2018). Especula-se que tanto o ciclo de
ocorre em outros protozoários intestinais vida no hospedeiro quanto as relações
(VILLAFUERTE; COLLADO; VELARDE, fisiopatológicas com o mesmo sejam
2016; AGUIAR; ALVES, 2018; CASARIN; semelhantes às infecções parasitárias causadas
DUARTE, SAMPAIO, 2019; KRUGER, por outros protozoários amebóides, e que
2020). Contudo, o déficit de estudos histologicamente, os indivíduos infectados
50
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

podem apresentar lesão das vilosidades sugestivos de Urbanorum spp. é através da


intestinais devido à citotoxicidade produzida técnica de sedimentação espontânea em água,
nas reações inflamatórias, acarretando o mais conhecida como Método de Hoffman,
quadro de diarreia aquosa (KRUGER, 2020). Pons e Janer (HPJ), ou método de Lutz. Sua
identificação atualmente tem se limitado aos
Diagnóstico clínico e laboratorial achados da microscopia óptica a partir da
Até o presente momento, ainda não existe coloração com lugol (corante primário à base
um consenso com relação às manifestações de iodo), onde se visualizam as estruturas e
clínicas apresentadas pelos pacientes com características morfológicas estabelecidas até
resultado positivo para Urbanorum spp. no então na literatura (DEL PINO, 2016;
exame parasitológico de fezes (EPF). De modo IGLESIAS-OSORES; ARRIAGA-DEZA,
geral, os mesmos têm relatado a presença de 2016; RODRÍGUEZ, 2016; VILLAFUERTE;
dores abdominais na fase inicial, na região do COLLADO; VELARDE, 2017; SILVA-
hipocôndrio direito e baixo ventre (com DÍAZ, 2017; AGUIAR; ALVES, 2018;
quadro sugestivo de patogenia no cólon), além VILLAFUERTE; COLLADO; VELARDE,
de apresentarem fezes diarreicas (com pH 2016; BAYER; MINÉ; BRITO, 2018;
ácido), com ausência de muco, de sangue total FRANÇA et al., 2018; LEÃO et al., 2018;
ou de infiltrado inflamatório contendo LOPEZ; NUNES, 2018; PRADO et al., 2018;
leucócitos (VILLAFUERTE; COLLADO; CASARIN; DUARTE; SAMPAIO, 2019).
VELARDE, 2016; AGUIAR; ALVES, 2018; De acordo com a literatura, o diagnóstico
CASTILHO; GOLNÇALVES, 2018; FRANÇA parasitológico do Urbanorum spp. em
et al., 2018; PRADO et al., 2018). Apesar de a amostras de fezes é similar ao utilizado na
literatura correlacionar os achados de rotina laboratorial para a pesquisa de outras
Urbanorum spp. à presença de síndrome amebas intestinais comuns. Sendo assim, a
diarreica, as características fecais dos técnica de sedimentação espontânea em água,
pacientes acometidos não contemplam os método de Lutz ou HPJ, com a posterior
aspectos peculiares a esse quadro, como por observação microscópica do material fecal
exemplo, a presença de infiltrado inflamatório. corado com solução de lugol são metodologias
Além disso, outro fato que convém ser bastante aceitas na rotina laboratorial em
ressaltado é que a presença de sintomatologia diversos países no mundo, permitindo a
gastrointestinal é inespecífica e comumente identificação deste possível novo parasito,
encontrada em diversas situações, como: baseada em suas características estruturais e
infecções por bactérias e vírus, ingestão de morfológicas. Tal técnica parasitológica se
alimentos, e em doenças no cólon – como a baseia na sedimentação de organismos através
colite ou a má absorção de gorduras pelo da gravidade, e se destaca por ser de fácil
organismo (CASTILHO; GONÇALVES, execução, ter baixo custo, além de ter boa
2018). eficácia (FRANÇA et al., 2018; CASARIN;
Conforme o que foi observado nos estudos DUARTE; SAMPAIO, 2019). Desta forma, as
pesquisados e também ressaltado por Castilho formas parasitárias de interesse (como cistos,
e Gonçalves (2018), a taxa de positividade ovos e larvas) ficarão depositadas no fundo do
para o suposto parasito tem variado de 5% a recipiente, enquanto os detritos fecais serão
15%. A metodologia mais utilizada no suspensos para a superfície, interferindo
diagnóstico laboratorial dos achados minimamente no diagnóstico final do paciente
51
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

(LEITE, 2018; OLIVEIRA; BARBOSA, clínica para outras infecções por protozoários
2018). intestinais, como o Metronidazol e o Secnidazol
A realização de métodos laboratoriais com (AGUIAR; ALVES, 2018; FERREIRA et al.,
diferentes níveis de sensibilidade e especifi- 2018; LOPEZ; NUNES, 2018; WIGGERS et
cidade para o diagnóstico de enteroparasitos tem al., 2018). Conforme relatado até o presente
como finalidade aumentar sua eficiência, momento, o uso de tais antiparásitários tem
diminuindo a chance de resultados falso- apresentado um bom prognóstico nos
negativos. Pôde-se observar que, embora em pacientes com achados positivos para
parte dos trabalhos analisados para esta revisão Urbanorum spp. no EPF.
tenham sido utilizados diferentes métodos Segundo Lopez e Nunes (2018), após o
laboratoriais para iden-tificação de parasitos tratamento com Metronidazol, 250 mg 8/8 h
intestinais, em outras pesquisas foi empregado por 8 dias, a paciente apresentou alívio dos
o uso de somente uma única técnica. Isso sintomas, e após repetição do EPF, o resultado
poderia justificar o fato de que, em alguns não revelou presença do parasito. Aguiar e
trabalhos, não foi observada a ocorrência de Alves (2018) descreveram que após o
biparasitismo ou poliparasitismo entre o tratamento com este medicamento, 500-700
Urbanorum spp. e nenhum outro agente
mg 8/8 h por 14 dias, a paciente apresentou
(protozoário ou helminto) comumente
melhora do seu estado clínico. Wiggers et al.
identificado na rotina do EPF.
(2018) apontaram que, após o tratamento com
Dentre exemplos de métodos de
o referido fármaco, 80 mg 6/6 h por 10 dias, a
diagnóstico parasitológico que podem ser
paciente teve melhora clínica, apresentou
empregados, destaca-se: exame direto a fresco
curvas ascendentes de peso e estatura para sua
(que permite visualizar a motilidade de
idade, e o EPF foi negativo após análise de 2
trofozoítos dos protozoários em fezes
amostras. Já Ferreira et al. (2018) descreveram
diarreicas recém-emitidas); método de Faust e
que após a prescrição do Secnidazol por 14
colaboradores (fundamentado na centrífugo-
dias para tratamento do caso, houve a
flutuação em solução de sulfato de zinco, que
permite a identificação de cistos, oocistos, resolução do quadro da paciente, com
ovos leves e larvas); método de Ritchie resultados negativos no EPF a partir da análise
(fundamentado na centrífugo-sedimentação em de 3 amostras.
sistema formalina-éter ou formalina-acetato de Um fato curioso observado em estudos
etila, que permite a identificação de cistos, recentes é que o tratamento dos pacientes com
oocistos, ovos e larvas), além de os outros diagnóstico positivo para Urbanorum spp. no
como os de Graham, de Baermann-Moraes e EPF não foi realizado com nenhum dos 2
de Rugai, Mattos e Brisola (DE CARLI, medicamentos anteriormente mencionados.
2017). Kruger (2020) destacou que houve a
prescrição de Nitazoxanida 500 mg 12/12 h
Tratamento, prevenção e controle por 3 dias, empiricamente, sendo que após o
O tratamento dos casos de síndrome tratamento o paciente retornou com resultado
diarreica associada à infecção por Urbanorum negativo do EPF após análise de 3 três
spp. tem sido realizado a base de amostras de fezes, e melhora completa do
antiamebianos comumente adotados na prática quadro clínico. Por sua vez, Simes e Platt
(2020) ressaltaram que foi prescrito o uso de
52
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

Albendazol, 400 mg por 5 dias, contudo o Informações mais detalhadas acerca de


paciente em questão não havia retornado ao características como sintomatologia, prognós-
ambulatório para o devido acompanhamento tico e tratamento dos pacientes em questão não
médico. foram obtidas pelo laboratório. Todas as
Sugere-se que as medidas de prevenção e amostras dos referidos pacientes (Tabela 6.1)
controle desta provável parasitose sejam também não apresentaram positivade para
semelhantes às indicadas para as amebas em nenhum outro parasito, além do Urbanorum
geral. O incentivo ao desenvolvimento de spp. Uma paciente em particular (número 02),
estratégias de concientização sobre as boas do sexo feminino, 24 anos de idade, relatou de
práticas em saúde coletiva e de políticas forma informal à equipe do laboratório que
públicas voltadas às populações-alvo de apresentou dores abdominais após as refeições,
contaminação, que abrange especificamente os e também, alegou que estava na cidade de
países subdesenvolvidos, são as medidas mais Parnaíba apenas por motivos turísticos, sendo
explanadas nos trabalhos disponíveis na a mesma natural da cidade de Fortaleza, estado
literatura (FERREIRA et al., 2018; WIGGERS do Ceará.
et al., 2018). Além disso, a partir de novos
estudos para identificação de casos Tabela 6.1 Informações disponíveis sobre os pacientes
desconhecidos de Urbanorum spp. pelo Brasil, positivos para Urbanorum spp. no norte do estado do
Piauí
poderia ser criado um registro nacional
relacionado a este novo protozoário, servindo Idade Sangue
Paciente Sexo Leucócitos
(anos) oculto
como referência para novos relatos (AGUIAR;
01 M 08 - -
ALVES, 2018).
02 F 24 - -
Relato dos primeiros achados no norte 03 M 25 - -
do Piauí 04 F 28 - -
Conforme apresentado na Tabela 6.1, a
05 F 35 - -
obtenção das informações dos pacientes
ocorreu em um laboratório privado, situado na 06 F 40 - -

cidade de Parnaíba, no norte do estado do 07 F 42 - -


Piauí. A metodologia adotada para a realização 08 M 63 - -
de exames parasitológicos de fezes no
09 F 69 - -
laboratório em questão se deu pela técnica de
sedimentação espontânea em água, método de Legenda: (-) NEGATIVO
Lutz ou HPJ, com a posterior observação do
material fecal corado com solução de lugol. Os CONCLUSÃO
achados morfológicos do provável novo
parasito foram obtidos através de análise sob Diante das informações apresentadas,
microscopia óptica de luz (Figura 6.2) e observou-se que os estudos relacionados aos
corroboraram com as informações disponíveis achados sugestivos ao Urbanorum spp.,
sobre o mesmo na literatura atual, tanto em disponíveis até o presente momento, têm
outros estados brasileiros, assim como também enfocado nos achados laboratoriais do suposto
em outros países da América do Sul.
53
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

parasito com base na descrição das amostras achados associados ao Urbanorum spp. em
fecais, das características morfológicas do agente, países subdesenvolvidos que negligenciam as
e da sintomatologia dos pacientes acometidos. parasitoses intestinais (incluindo do Brasil)
Porém, estudos mais aprofundados acerca do reforçam a necessidade da realização de
seu ciclo biológico e sua caracterização pesquisas mais abrangentes sobre este possível
molecular ainda não foram relatados na novo parasito, a fim de dimensionar sua
literatura. A ocorrência e relatos dos primeiros importância como problema de saúde pública.

Figura 6.2 Características morfológicas obtidas através dos achados associados ao Urbanorum
spp., em um laboratório particular no norte do estado do Piauí

Legenda: Setas amarelas: Cistos de Urbanorumspp.; Estrelas vermelhas: Pseudópodes, os quais se acreditam que
sejam emitidos pelos cistos.

54
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

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55
Capítulo 06
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 07
O PAPEL DAS
CISTEÍNO PROTEASES
NA PATOGENIA DA
GIARDÍASE

Amélia Soares De Melo¹


Fernando Campos Silva Dal Maria¹
Guilherme Avelar de Pinho S. Rozensvaig¹
Bruno Henrique Gonçalves Almada¹
Clara Gonçalves Mendonça¹
Matheus Proença Simão Magalhães Gomes2

1 Acadêmico (a) do curso de Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas


Gerais (FCMMG).
2 Docente da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG)

Palavras-chave: Giardia lamblia; Cisteíno Proteases; Parasitose.

56
Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO comprimento e um disco adesivo. Trata-se de


uma estrutura composta por proteínas do
Epidemiologia citoesqueleto, como a α e βtubulinas, além das
Em setembro de 2004, a giardíase foi proteínas α-giardina, β-giardina, γ-giardina e
incluída pela Organização Mundial da Saúde δ-giardina, que permitem ao parasito se fixar
na Iniciativa das Doenças Negligenciadas na parede do intestino (ANKARKLEV et al.,
(“Neglected Diseases Initiative” em inglês) 2010; DIXON 2021; GADELHA et al., 2020).
(SAVIOLI et al., 2006). A doença é causada O ciclo de vida da G. lamblia é
pelo parasito Giardia lamblia (sinônimo de monoxênico e se inicia com a ingestão dos
Giardia intestinalis ou Giardia duodenalis), cistos do protozoário pelo hospedeiro. O cisto,
um protozoário que infecta o trato gastroin- então, sofre um processo denominado
testinal humano. A parasitose é transmitida por desencistamento, que ocorre primariamente no
via oro-fecal e estima-se que 280 milhões de estômago, devido à exposição do protozoário
indivíduos sejam acometidos pela forma ao ácido estomacal, e é concluído no intestino,
sintomática da doença anualmente. Esses de forma a originar 4 trofozoítos. Os
dados tornam a giardíase uma das parasitoses trofozoítos se reproduzem por divisão binária e
gastrointestinais mais comuns no mundo, de se prendem às células do epitélio intestinal
importante relevância clínica, epidemiológica (CEIs) via disco adesivo, dando início ao
e farmacológica. Ademais, vale ressaltar, a processo patogênico. Por fim, o encistamento
giardíase é uma doença relacionada à pobreza e à do parasito promove uma série de mudanças
piores condições sanitárias, de modo que o na estrutura celular e há evidências de que
controle da transmissão está diretamente ligado à fatores como a concentração de sais biliares e
melhorias nas condições de higiene e o pH do intestino podem ser os estímulos
saneamento da população (ANKARKLEV et responsáveis pela mudança de conformação
al., 2010; CAPEWELL et al., 2020; COELHO para a forma de resistência (ANKARKLEV et
et al., 2017; DIXON, 2021). al., 2010; LEUNG et al., 2019; GADELHA et
al., 2020).
Morfologia e Ciclo do Parasito
A G. lamblia é um protozoário flagelado Sinais Clínicos e Patogenia
que apresenta duas formas evolutivas: a forma A ingestão de apenas dez cistos já é
de cisto e a forma de trofozoíto. Os cistos são suficiente para gerar a infecção e desencadear
a configuração de resistência do parasito e sintomas, como diarreia, esteatorreia, síndro-
representam a forma infectante para humanos. me da má absorção, distensão abdominal e
Esses cistos são liberados nas fezes e perda de peso. Algumas complicações como a
apresentam uma forma oval, com 8 a 12 µm de síndrome do intestino irritável e problemas no
comprimento e geralmente apresentam 4 crescimento e desenvolvimento de crianças
núcleos em seu citoplasma. Já o trofozoíto é a infectadas pela doença já foram associadas à
forma patogênica do parasito. É caracterizado giardíase (IBARRA et al., 2016). Vale
por apresentar dois núcleos em seu citoplasma, ressaltar que a interação do parasito com as
quatro pares de flagelos, 12 a 15 μm de CEIs é responsável por diversos efeitos
deletérios ao epitélio intestinal, podendo
57
Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

ocasionar apoptose, disfunções no citoesqueleto, classificadas em dois grupos: o grupo CA


atrofia de vilosidades e comprometimento das (inclui peptidases semelhantes a papaína e
junções intercelulares (DIXON, 2021; VIVAN- calpaína) e o grupo CD. Dentro do grupo CA,
COS et al., 2018; MINETTI et al., 2016; a família C1 apresenta as proteínas semelhan-
GADELHA et al., 2020). tes à catepsina B e as proteínas semelhantes à
Para desencadear estes sintomas, é catepsina L (ALLAIN et al., 2019). Com
necessário que o parasito supere uma série de relação às proteínas semelhantes à catepsina B,
barreiras protetoras do organismo e utilize sabe-se também que 9 genes de proteases
mecanismos que acabam por ocasionar danos semelhantes à catepsina B do grupo CA estão
às CEIs. Um exemplo de fator protetor presentes dentre os 26 a 27 genes que
orgânico seria o sistema de muco presente no codificam CPs no genoma da G. lamblia
trato gastrointestinal humano e a variabilidade (ALLAIN et al., 2019; DUBOIS, 2008).
de mucinas que o compõem, a depender do A interação entre a G. lamblia e as CEIs,
órgão em que é produzido. Na boca e nas assim como a patogenia da giardíase, ainda
glândulas salivares, por exemplo, há a estão em investigação. As funções concretas
produção das mucinas MUC5B e MUC7; no das CPs no desenvolvimento dos mecanismos
estômago, as mucinas do tipo MUC5AC se patogênicos da giárdia também não foram
organizam em duas camadas; no intestino completamente esclarecidas. Com o presente
delgado e no cólon outro tipo de mucina, a trabalho, pretende-se apresentar o que os
MUC2, forma uma proteção para o epitélio últimos estudos têm identificado e proposto
(JOHANSSON et al., 2013). Dessa forma, sobre os papéis desempenhados pelas cisteíno
para que a infecção se instale, é necessário que proteases na patogenia da giardíase e assim
a G. lamblia atravesse a camada de muco auxiliar na estruturação e execução de
presente no intestino delgado e se fixe nas pesquisas futuras com relação ao tema.
CEIs (AMAT et al., 2017).
Com relação à patogenia da giardíase, MÉTODO
sabe-se que os produtos de secreção e
excreção da G. lamblia (PSEs) exercem papel Trata-se de uma revisão integrativa cuja
importante nas lesões epiteliais e vêm ganhando operacionalização iniciou-se com uma
destaque nas pesquisas experimentais. Dentre os consulta aos Descritores em Ciências da Saúde
PSEs, as proteases de cisteína ou cisteíno (DeCS), por meio da Biblioteca Virtual em
proteases (CPs) são enzimas alvos de muito Saúde (BVS) para conhecimento dos
estudos, principalmente devido a sua descritores universais. Foram, portanto,
associação com a virulência do trofozoíto [as utilizados como descritores os termos em
cisteíno proteases semelhantes a catepsina B: inglês “Cysteine protease”, “Parasite” e
CP2 (sin. giardipain-1, CP14019), CP3 (sin. “Giardia”. As buscas para a elaboração deste
CP16779), e a CP16160 parecem performar artigo foram feitas com base na National
um papel central na patogenia da doença]. CPs Library of Medicine, por meio da base de
sintetizadas por parasitos são moléculas com dados PUBMED. Como critério de inclusão
um tiol (composto sulfurado) de cisteína em foram selecionados artigos publicados entre
seu centro catalítico e costumam ser
58
Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

2011 e 2021, com destaque àqueles estudos proteases como alvos farmacológicos e artigos
concluídos no ano de 2018, tendo em vista que com foco em outras classes de proteases ou na
um terço dos artigos incluídos na pesquisa (3 interação gênica do processo patogênico da
dos 9 totais) foram publicados neste ano. Além giardíase. Sobre os tipos de estudo, foram
disso, os idiomas selecionados para a pesquisa selecionadas apenas pesquisas experimentais,
foram o inglês, o espanhol e o português. conforme representado pela Figura 7.1.
Como critérios de exclusão, foram descartados
artigos de revisão, artigos sobre cisteíno

Figura 7.1 Fluxograma: metodologia e seleção de artigos


Pesquisa na base de dados
PubMed pelos descritores
(Cysteine protease) AND
(Parasite) AND (Giardia).

Restrição através do filtro


“Results by year” para
artigos publicados entre os
anos de 2011 e 2021.

Foram encontrados 31
artigos no total.

Foram excluídos 22 artigos. Foram incluídos 9 artigos.

5 artigos de revisão de 13 artigos com foco em Esses artigos foram selecionados, pois possuem
literatura. outras proteases. capacidade para auxiliar a responder a pergunta
norteadora do trabalho: O que são cisteíno
proteases e qual(ais) seu(s) papel(eis) na
4 artigos sobre CPs como
patogenia da giardíase?
alvo farmacológico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Alterações na Mucosa Intestinal


Para conseguir se fixar às CEIs por meio
Os principais dados obtidos nos de seu disco adesivo ventral, o trofozoíto
referenciais teóricos utilizados neste trabalho precisa penetrar na camada de muco, que é
podem ser observados na Tabela 7.1. justamente projetada para proteger o hospe-
Os resultados encontrados por essa revisão deiro contra patógenos invasores (GADELHA
revelam que as novas pesquisas têm et al., 2020). Nesse contexto, o estudo de
desvendado alguns mecanismos fisiopatológicos Amat et al. (2017) buscou compreender se as
pelos quais as CPs da Giardia lamblia atuam cisteíno proteases secretadas pela G. lamblia
sobre as células intestinais do hospedeiro seriam capazes de causar algum efeito sobre a
humano. Dentre esses mecanismos, os achados camada mucosa intestinal.
mais relevantes são:

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Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

Tabela 7.1 Dados dos principais referenciais teóricos utilizados neste trabalho

Autor/Ano Título Objetivos Resultados


Cysteine Protease- Descrever como a G. lamblia, As CPs reduziram as mucinas
Amat et Dependent Mucous por meio de suas cisteíno intracelulares em células caliciformes
al. (2017) Disruptions and Differential proteases, degradam a camada humanas e foram capazes de degradar a
Mucin Gene Expression in de muco intestinal e MUC2 por um mecanismo dependente
Giardia duodenalis Infection empobrecem as células de CPs. Os resultados indicam que a
caliciformes para prejudicar a giárdia secreta uma ou mais CPs que
função da barreira de muco. têm a capacidade de clivar MUC2
humana.
Giardia duodenalis induces Observar distúrbios causados As CPs causam, ao menos em parte,
Beatty et pathogenic dysbiosis of por giárdia na microbiota da distúrbios na estrutura da matriz
al. (2016) human intestinal mucosa intestinal utilizando um extracelular e na composição das
microbiota biofilms sistema de biofilme Calgary a espécies em biofilmes de microbiota
partir de biópsias intestinais intestinal humana, resultando em
humanas. comunidades que são intrinsecamente
disbióticas.
Giardia duodenalis Surface Caracterizar a atividade das CPs As cisteíno proteases de G. lamblia
Bhargava Cysteine Proteases Induce de G. lamblia durante co- estão envolvidas na clivagem da
et al. Cleavage of the Intestinal incubações com CEIs e proteína vilina citoesquelética em
(2015) Epithelial Cytoskeletal determinar se há algum efeito monocamadas Caco-2.
Protein Villin via Myosin sobre a vilina citoesquelética do
Light Chain Kinase epitélio intestinal.
Giardia duodenalis Investigar se as CPs de Os trofozoítos de G. lamblia atenuam a
Cotton et cathepsin B proteases catepsina de G. lamblia estão secreção de interleucina-8 (CXCL8),
al. (2014) degrade intestinal envolvidas na modulação de através de CPs catepsina B; os efeitos
epithelial interleukin-8 and respostas pró-inflamatórias foram observados em monocamadas de
attenuate interleukin-8- agudas no epitélio intestinal. células epiteliais intestinais.
induced neutrophil
chemotaxis.
Giardia secretome Identificar proteínas expressas As CPs podem estar envolvidas na
Dubourg highlights secreted por trofozoítos de G. lamblia degradação da camada de muco
et al. tenascins as a key infectantes de humanos e intestinal e também na disrupção de
(2018) component of pathogenesis determinar o efeito dos fatores junção intracelular intestinal.
secretados no epitélio intestinal.
Secreted Giardia Caracterizar as três principais As CPs expressas foram capazes de
Liu et al. intestinalis cysteine cisteíno proteases secretadas degradar e reorganizar proteínas
(2018) proteases disrupt intestinal pela giárdia (CP14019, juncionais e degradar uma variedade de
epithelial cell junctional CP16160 e CP16779) quimiocinas, indicando papéis
complexes and degrade identificadas por espectrometria potenciais na ruptura da barreira
chemokines de massa durante a interação epitelial intestinal e modulação
com células epiteliais intestinais imunológica.
in vitro.
Cleavage specificity of Estudar a especificidade de Imunoglobulinas, incluindo IgA e IgG
Liu et al. recombinant Giardia clivagem das cisteíno proteases e defensinas (α-HD6 e β-HD1,) foram

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Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

(2019) intestinalis Cysteine usando substratos da técnica de previstas como potenciais alvos e se
Proteases: Degradation of phage display e substratos de mostraram clivadas por três CPs.
immunoglobulins and proteínas recombinantes.
defensins
Giardia co-infection Determinar os mecanismos A coinfecção de G. lamblia e E. coli
Manko et promotes the secretion of potenciais por meio dos quais a enteropatogênica aumentou a produção
al. (2017) antimicrobial peptides giárdia pode proteger um de PAMs em células epiteliais
beta-defensin 2 and trefoil hospedeiro durante uma co- intestinais humanas. Além disso, a
factor 3 and attenuates infecção e investigar se as CPs giárdia foi capaz de inibir diretamente
attaching and effacing estariam envolvidas na indução o crescimento de patógenos como
bacteria-induced intestinal da expressão de PAMs dentro EPEC, sendo ambos resultados
disease. de CEIs humanas. dependentes de CPs.
Giardipain-1, a protease Identificar e caracterizar a A Giardipain-1 desencadeia, nas
Ortega- secreted by Giardia Giardipain-1, uma protease com células epiteliais, a degradação dos
Pierres et duodenalis trophozoites, propriedades estruturais e componentes juncionais intercelulares,
al. (2018) causes junctional, barrier catalíticas correspondentes a leva ao aparecimento de regiões
and apoptotic damage in protease de cisteína papain-like. semelhantes a poros e de lacunas e o
epithelial cell monolayers dano apoptótico.

Para tanto, foram utilizados no em parte, são responsáveis pela depleção de


experimento isolados de G. lamblia dos mucina em células caliciformes humanas
genótipos A e B e amostras de biópsias da (AMAT et al., 2017).
mucosa do cólon descendente de cinco Em outro experimento, para determinar se
doadores humanos, que foram coletadas duran- as CP da G. lamblia são capazes de degradar a
te triagens de rotina para câncer de cólon mucina, um isolado de mucina humana foi
(AMAT et al., 2017). coletado de células LS174T, e exposto a
Especificamente para avaliar os produtos secretados de G. lamblia. Na
mecanismos de depleção de células ausência do inibidor E-64, os resultados
caliciformes, células LS174T (linhagem de ilustraram que a G. lamblia é capaz de
células de tumor de cólon humano) foram degradar a mucina do tipo 2 (MUC2), a mais
expostas a trofozoítos de G. lamblia. Após um abundante entre as mucinas, dependendo da
período de observação, a infecção foi concentração de seus produtos secretados. Já
associada a um início de diminuição da no cenário com o inibidor, percebeu-se que
mucina intracelular das células caliciformes, este foi capaz de evitar a degradação da MUC2
em marcos de 20, 40 e 60 minutos. Em outro isolada. Por conseguinte, os resultados do
momento, um inibidor de CP de amplo estudo indicaram que uma ou mais CPs
espectro, E-64, e um inibidor específico de secretadas pela G. lamblia têm capacidade de
catepsina B (catB), Ca-074Me, foram clivar MUC2 humana (AMAT et al., 2017).
adicionados ao experimento. Nesse cenário,
observou-se que os inibidores foram capazes Alterações na Microbiota Intestinal
de atenuar a depleção inicial intracelular de Dentro do trato gastrointestinal humano, a
mucina. Diante desses achados, foi possível mucosa existe em estreita associação com a
concluir que as CP de G. lamblia, ao menos microbiota residente. A capacidade das

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Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

bactérias de persistir em biofilmes (comuni- microbiota natural resultando em comunidades


dades biológicas com um elevado grau de de microbiota disbióticas. Este fato pode
organização) está relacionada à secreção inclusive alterar a condição de microrganismos
coordenada, realizada por elas, de substâncias comensais para a condição de microrganismos
que constituem uma matriz extracelular patogênicos favorecendo possíveis invasões,
(MEC), das quais polissacarídeos e proteínas apoptose de células epiteliais, translocação
são componentes importantes (VON ROSEN- bacteriana através da barreira epitelial
VINGE, 2013). No estudo de Beatty et al. intestinal, etc (BEATTY et al., 2016).
(2016), comunidades de microbiota intestinal
humana foram cultivadas em biofilmes Alterações nas Microvilosidades Intestinais
utilizando amostras de biópsias do cólon A vilina é uma proteína citoesquelética
coletadas de doadores humanos saudáveis. expressa no intestino delgado, principalmente
Posteriormente, ao expor uma parte da nas microvilosidades de CEIs. Ela é conhecida
microbiota cultivada a um meio contendo G. por desempenhar uma função essencial na
lamblia e outra parte a significativas regulação da organização dos microfilamentos
quantidades de CPs por ela produzidas, da borda em escova, durante períodos de
observou-se a ocorrência de uma redução na estresse fisiológico, proporcionando assim, a
espessura dos biofilmes em consequência de manutenção das microvilosidades. Por esse
uma diminuição significativa da MEC. Nesse motivo, a vilina é considerada como um
sentido, a microscopia eletrônica de varredura importante componente homeostático do
confirmou que o revestimento extracelular dos epitélio (WANG, 2008).
biofilmes da microbiota foi alterado em razão Em contrapartida, a G. lamblia é conhecida
da exposição à G. lamblia e também pela por encurtar as microvilosidades da borda em
exposição da CPs por ela produzida. escova, contribuindo para a patogenia da
Continuamente, tempo depois foi adicio- diarreia disabsortiva (BURET, 1992). Nesse
nado ao experimento o inibidor de CP de sentido, o estudo de Bhargava et al. (2015)
amplo espectro E-64, que reduziu significa- buscou caracterizar a atividade das CPs de G.
tivamente a atividade das CPs no meio, e lamblia durante co-incubações com CEIs, e
consequentemente, a degradação do biofilme. investigar se essas proteases exercem algum
Sendo assim, restou evidenciado que a G. papel sobre a vilina citoesquelética do epitélio
lamblia foi capaz de modificar a estrutura da intestinal.
MEC em biofilmes de microbiota intestinal O experimento partiu da hipótese de que as
humana, diminuindo-a em espessura, mecanismo CPs semelhantes à catepsina da G. lamblia são
esse mediado, ao menos em parte, pelas CPs capazes de degradar e interromper a vilina.
(BEATTY et al., 2016). Para investigar a questão, foi realizada a
Sobre outro aspecto, importante ressaltar incubação de trofozoítos de G. lamblia com
que distúrbios causados na estrutura dos monocamadas Caco-2 (uma linhagem de
biofilmes, podem ainda alterar a própria células de adenocarcinoma colorretal huma-
composição das espécies de microorganismos no). Nessa fase, foi percebido que a co-
presentes nele. Isso, pois, a perda de MEC incubação produziu um produto de clivagem
pode causar a liberação de bactérias da
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Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

de vilina, conforme verificado por Western cultivadas. Uma vez que a confluência foi
blotting (BHARGAVA et al., 2015). estabelecida, trofozoítos de G. lamblia foram
Em outro momento, foi demonstrado que o adicionados à superfície apical das células e
pré-tratamento dos trofozoítos com o inibidor incubados. Após 24 horas de incubação, os
E-64, antes da incubação, resultou na trofozoítos foram lavados do experimento.
diminuição da detecção do produto de Após as devidas análises, os resultados
clivagem de vilina. Ainda, outros experimen- indicaram que as secreções de G. lamblia são
tos de acompanhamento foram realizados, suficientes para desativar a função normal em
sugerindo também que os produtos da G. células epiteliais entéricas, tornando-as menos
lamblia são capazes de clivar a vilina inclusive capazes de extrair fluidos do lúmen. Ademais,
dentro de CEIs lisadas. Sendo assim, diante especificamente quanto às CPs, foi proposto
dos resultados, foi possível concluir que as um mecanismo patogênico pelo qual as
CPs de G. lamblia estão envolvidas na catepsinas B participam da degradação da
clivagem da vilina citoesquelética em barreira mucosa protetora e do subsequente
monocamadas Caco-2, contribuindo para a rompimento das junções intercelulares do
compreensão dos mecanismos fisiopatológicos epitélio intestinal (DUBOURG et al., 2018).
envolvidos nas disrupções das microvi- Aprofundando as investigações a respeito
losidades intestinais ocasionadas pelo parasito da quebra da barreira epitelial por CPs de G.
(BHARGAVA et al., 2015). lamblia, Liu et al. (2018) utilizou técnicas de
Western Blotting e imunofluorescência para
Alterações na Barreira Epitelial examinar a degradação e a distribuição de
Intestinal proteínas juncionais após o tratamento de
A barreira epitelial intestinal (BEI) atua células Caco-2 com CPs recombinantes
seletivamente para separar o ambiente externo molecularmente idênticas às secretadas pelo
do lúmen intestinal dos tecidos subjacentes do parasito. No geral, os resultados demonstraram
hospedeiro, sendo formada por junções que as CPs são capazes de degradar as
oclusivas e aderentes conhecidas como complexo proteínas do CJA necessárias para a
juncional apical (CJA). Esse complexo é manutenção da integridade da BEI.
composto por proteínas transmembranas As imagens de imunofluorescência
(claudina, ocludina, caderina, moléculas de evidenciaram níveis reduzidos e realocação
adesão, etc.), proteínas da placa citosólica e das proteínas de zônulas de oclusão (ocludina
proteínas reguladoras citosólicas (SCHUMANN, e claudina), bem como de proteínas de zônulas
2017). de adesão (E-caderina e beta-catenina), após
O estudo de Dubourg et al. (2018), ao 24h de incubação com CPs recombinantes.
identificar os fatores de virulência mais Além disso, uma interrupção na integridade da
abundantes secretados pela G. lamblia (entre monocamada de células Caco-2 também pôde
eles, a CP catepsina B), propôs determinar ser observada, sendo que esses efeitos foram
seus efeitos sobre o epitélio intestinal, utilizan- reduzidos quando inibidores E-64 foram
do eletrodos conectados a um voltímetro para adicionados ao experimento (LIU et al., 2018).
medir a resistência elétrica transepitelial Em consonância com esses achados,
(TEER) em células epiteliais CaCo-2 Ortega-Pierres et al. (2018) acrescenta ainda
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Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

novas descobertas com relação às alterações Por fim, importante ressaltar que uma vez
promovidas por CPs sobre a barreira epitelial. violada a barreira intestinal pelas ações dos
Através do cultivo de células intestinais IEC-6, fatores de virulência secretados pela G.
os pesquisadores conseguiram identificar a CP lamblia, os locais de dano tornam-se
chamada Giardipain-1 (CP14019) e descrever propensos à infecção secundária por outros
a sua ação utilizando técnicas de eletroforese microrganismos oportunistas residentes no
em gel e imunofluorescência. A referida lúmen intestinal e sensíveis à irritação por
proteína foi caracterizada como uma protease alérgenos em alimentos que levam à
do tipo catepsina B (catB - protease lisosso- inflamação e aos sintomas característicos da
mal) por meio de análise proteômica, tendo doença. Porém, mais investigações são
sido constatado que sua atividade proteolítica necessárias para verificar esse mecanismo de
pôde ser inibida por E-64. patogênese da giardíase (ORTEGA-PIERRES
Diante do avanço, a fim de investigar et al., 2018).
possíveis alterações morfológicas que a
Giardipain-1 poderia causar em células Alterações na Resposta Imunológica
epiteliais, foram realizadas incubações em Quimiocias
laboratório. Após 90 minutos de exposição, foi Em resposta a uma variedade de estímulos
possível perceber que as proteínas Ocludina-1 pró-inflamatórios, as células epiteliais
e Claudina-1 das células IE-6 decaíram após o intestinais secretam diferentes classes de
contato com a protease, gerando o quimiocinas. Com o intuito de investigar se as
aparecimento de poros e de lacunas ao longo CPs de G. lamblia são capazes de clivar ou
de suas junções celulares. Posteriormente, degradar quimiocinas durante interações entre
após 120 minutos de exposição, as células o parasito e as CEIs, Liu et al. (2018) realizou
passaram a apresentar danos maiores como uma série de incubações, com diferentes
bolhas, conhecidas como corpos apoptóticos produtos, na presença ou ausência de E-64. As
(ORTEGA-PIERRES et al., 2018). misturas foram posteriormente analisadas
Nesse sentido, o estudo detectou que a através de eletroforese em gel de
Giardiapain-1 é capaz de induzir apoptose poliacrilamida (SDS-PAGE).
após duas horas de exposição às células Entre os resultados, verificou-se que todas
intestinais, sendo que, o silenciamento gênico as quimiocinas testadas (CXCL1, CXCL2,
da protease em trofozoítos (por doxiciclina ou CXCL3, IL-8, CCL2 e CCL20) foram
transfecção por plasmídeos pAC-giardipain-1 degradadas ou clivadas por pelo menos um
e pNLOP-aGiardipain sem doxiciclina) tipo de CP (CP14019, CP16160 e/ou
demonstrou que os danos às IEC-6 foram CP16779). Ademais, para todas as CPs
substancialmente menores. Sendo assim, todas testadas, o tratamento com E-64 aboliu as suas
as descobertas indicam que as CPs secretadas capacidades de degradarem as quimiocinas.
por G. lamblia podem desempenhar um Nesse sentido, foi possível observar que as
importante papel no comprometimento da CPs de G. lamblia apresentam seletividade e
integridade da barreira epitelial intestinal potencialidade distintas para degradar ou
(ORTEGA-PIERRES et al., 2018). clivar diferentes quimiocinas inflamatórias
(LIU et al., 2018).
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Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

Especificamente com relação à IL-8, outro Para investigar os efeitos de três CPs
trabalho, realizado por Cotton et al. 2014, produzidas pela G. lamblia (CP14019, CP16160
também observou que os trofozoítos de G. e CP16779) sobre as imunoglobulinas
lamblia são capazes de secretar fatores que envolvidas na defesa imunológica da mucosa
degradam a quimiocina. Nesse estudo, para durante infecções, Liu et al. 2019 utilizou
investigar se as CPs de catepsina estariam IgA1, IgA2 e IgG em misturas com diferentes
envolvidas na degradação, foram realizadas CPs. Após o período de incubação, os
incubações de trofozoítos na presença de resultados mostraram que os três tipos de CPs
monocamadas Caco-2 e CXCL8. foram capazes de degradar a cadeia pesada de
A análise através de ELISA determinou IgG humana de uma maneira dose dependente.
que os níveis restantes de CXCL8 detectados A degradação da cadeia leve de IgG também
nos experimentos foram significativamente pôde ser observada no experimento realizado
reduzidos em comparação com os do grupo com CP16779 (LIU et al., 2019).
controle. Posteriormente, experimentos Da mesma forma, todas as três CPs
adicionais foram realizados para averiguar se a mostraram padrões semelhantes na clivagem
atividade proteolítica seria afetada pela do IgA1 e IgA2. Particularmente, a degradação
utilização do inibidor de CPs de amplo da cadeia pesada de IgA1 foi mais
espectro E-64 ou pelo inibidor específico de pronunciada em comparação com o de IgG.
catB Ca-074Me. Nesse caso, os efeitos foram Uma ligeira degradação da cadeia leve de
revertidos na presença de ambos inibidores, IgA1 também pôde ser vista com todas as três
possibilitando concluir que as CPs que CPs. Sobre a IgA2, uma clivagem eficiente
degradam CXCL8 são cisteíno proteases também foi observada tanto na cadeia pesada
semelhantes à catB (COTTON et al., 2014). quanto na cadeia leve por todas as três CPs
Posto isso, é possível compreender que os (LIU et al., 2019).
resultados dos trabalhos convergiram no As descobertas sugerem, enfim, que as CPs
sentido de propor que as CPs de G. lamblia secretadas pela G. lamblia podem estar
podem exercer funções imunomoduladoras, envolvidas na regulação imunológica na
atenuando a resposta inflamatória do superfície da mucosa intestinal durante a
hospedeiro induzida por quimiocinas. Logo, os infecção do hospedeiro, através da clivagem
estudos elucidaram, em parte, a razão pela dos anticorpos presentes no local (LIU et al.,
qual é observado baixos níveis de inflamação 2019).
da mucosa intestinal em casos de giardíase.
Defensinas
Imunoglobulinas A produção de peptídeos antimicrobianos
Os anticorpos, também chamados de (PAMs) por CEIs e células de Paneth
imunoglobulinas, são importantes glicoproteínas desempenha um papel crítico na homeostase
que atuam na defesa do organismo contra agentes da mucosa intestinal e na imunidade contra
invasores de diferentes formas. Nas infecções enteropatógenos (BEVINS 2011). Em huma-
por G. lamblia, IgA e IgG já foram nos, já foram identificadas diversas classes de
identificados em secreções da mucosa de PAMs, sendo que, no trato gastrointestinal, as
humanos e camundongos (ECKMANN, 2003). defensinas estão entre as de maior
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Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

importância. Porém, o papel dos PAMs humanas poderiam ser potenciais substratos
durante as infecções por G. lamblia e os para as CPs secretadas. Dessa forma,
efeitos das CPs na modulação dos PAMs diferentes defensinas foram incubadas em
entéricos ainda permanecem parcialmente conjunto com várias concentrações de CPs e
incompreendidos (BEVINS, 2011). suas reações foram analisadas através de
O estudo de Manko et al. (2017) teve eletroforese em gel.
como objetivo, determinar os potenciais De acordo com o estudo, três tipos de CPs
mecanismos defensivos da G. lamblia durante (CP14019, CP16160 e/ou CP16779) foram
uma co-infecção. Além disso, buscou capazes de degradar a beta-defensina humana
investigar se as CPs de G. lamblia semelhantes 1 (HBD-1). Já a proteína α-HD6 foi degradada
à catepsina estariam envolvidas na indução da apenas por CP14019 e CP16779, de maneira
expressão de PAMs dentro de CEIs humanas. dependente da dose. Esses resultados mostram
Para tanto, células humanas Caco-2 foram que os três CPs secretados possuem especi-
co-incubadas com trofozoítos de G. lamblia e ficidade na clivagem de diferentes substratos,
Escherichia coli enteropatogênicas. Pelo e ainda, que a clivagem de defensinas é mais
experimento, notou-se que a expressão de um possível papel que pode ser atribuído às
mRNA da beta-defensina humana 2 (HBD-2) e CPs liberadas pela G. lamblia (LIU et al.,
do gene TFF3 (expresso em células 2019).
caliciformes e responsável pela síntese de
peptídeos constituintes do muco chamados CONCLUSÃO
fatores trefoils), envolvidos na proteção do
trato gastrointestinal, foram significativamente Os estudos aqui reunidos evidenciaram que
aumentadas em comparação com células as cisteíno proteases (CPs) são uma importante
infectadas apenas por E. coli, apenas por G. classe de proteases secretadas pela G. lamblia
lamblia ou em grupos controle não infectados e estão envolvidas em diversos papéis durante
(MANKO et al., 2017). a instalação da doença, podendo causar
Ademais, a inibição da CP semelhante à alterações (1) na mucosa intestinal (AMAT et
catepsina, feita pelo inibidor seletivo da al, 2017), (2) na microbiota intestinal
catepsina B (Ca-074Me) ou pelo inibidor de (BEATTY et al, 2016), (3) nas microvilo-
amplo espectro (E-64), aboliu completamente sidades intestinais (BHARGAVA et al, 2015),
o aumento da expressão, tanto do mRNA de (4) na barreira epitelial intestinal (inclusive por
HBD-2 quanto do gene TFF3 imunomarcado, meio de dano apoptótico) (ORTEGA et al,
nas células coinfectadas. Nesse sentido, foi 2018; LIU et al, 2018 e DUBOURG et al,
possível concluir que a coinfecção de G. 2018), e (5) na resposta imunológica do
lamblia e E. coli participa do aumento da hospedeiro, através de modulações em quimio-
produção de PAMs de forma dependente de cinas (COTTON et al, 2014 e LIU et al, 2018),
CPs em células epiteliais intestinais humanas imunoglobulinas (LIU et al, 2019) e
(MANKO et al., 2017). defensinas (MANKO et al, 2017 e LIU et al,
Por outro lado, com relação às PAMs 2019).
produzidas pelas células de Paneth, o estudo
de Liu et al. (2019) investigou se as defensinas
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Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

Juntos, tais resultados demonstram que as Ademais, foi possível notar que a atividade
CPs de G. lamblia são fundamentais para a das CPs pode ser controlada por inibidores
patogênese da doença, contribuindo para o específicos, tais como E-64 e Ca-074Me, que
aparecimento dos sintomas agudos e potencial- possuem evidente efeito antiparasitário in
mente para o desenvolvimento de complica- vitro. Porém, ainda não é possível afirmar
ções crônicas, como a síndrome do intestino sobre a eficácia e segurança desses inibidores
irritável (IBARRA et al., 2016). Sendo assim, in vivo. Para tanto, faz-se necessário que as
pesquisas que buscam identificar e caracterizar concentrações utilizadas in vitro sejam
as funções das CPs de giárdia se mostram testadas in vivo antes que uma declaração
relevantes, sobretudo ao considerar que tais definitiva possa ser feita sobre seus potenciais
proteases constituem potenciais alvos farmaco- antiparasitários. Posto isto, mais estudos são
lógicos, uma vez que sua inibição pode ajudar necessários para se confirmar a possibilidade
a reduzir a gravidade da doença e assim terapêutica, porém a perspectiva futura é
proporcionar avanços terapêuticos. promissora.

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Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

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68
Capítulo 07
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 08
TRICURÍASE:
UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA

Gabriela Fernandes Marques Barbosa1


Luiz Felipe Fachin Pazianoto2

1Discente de medicina pela União das faculdades dos Grandes lagos /UNILAGO
2Discente de medicina veterinária pelo Centro Universitário de Rio Preto/UNIRP

Palavras-chave: Parasitologia; Doença; Diagnóstico; Tricuríase.

69
Capítulo 08
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO das palavras chaves: “Parasitologia”, “Tricurí-


ase”, “Doença”, “Prevenção”, “Trichuris
A tricuríase é uma doença parasitaria trichiura” e “Tratamento”. Ademais, foram
emergente, causada pelo nematódeo Trichuris empregados livros da área de parasitologia
trichiura, tornando-se assim um grave humana e veterinária. Em seguida, os mesmos
problema de saúde pública no Brasil, sendo foram reunidos e selecionados a partir de
estimado cerca de 1 bilhão de pessoas informações presentes para serem aplicados na
infectadas no mundo, sendo em torno de 350 construção desta revisão bibliográfica tendo
milhões que apresentam idade inferior a 15 como método de inclusão de artigos:
anos, e comumente expostas a infecções com pertinência ao tema proposto e no período de
alta carga parasitária e assim apresentando os tempo citado anteriormente, já o fator de
quadros mais graves da doença (BUNDY,et exclusão dos artigos se constituiu pelo não
al., 1987). Ainda que exista um grave número cumprimento dos requisitos anteriores. Em
de pessoas contaminadas no mundo, essa suma, ao final do levantamento foram
parasitose não tem sido examinada com devida utilizados 12 artigo e 1 livro, além de
atenção pelas organizações de saúde nas informações presentes em canais eletrônicos,
regiões na qual apresentam grande número de selecionados conforme a qualidade e
casos, presumivelmente pela grande relevância com o tema proposto.
quantidade de casos assintomáticos (SPEICH,
et al., 2014). Apesar de ser bem disseminado, RESULTADOS E DISCUSSÃO
a tricuríase é comum em locais de clima
quente e úmido e condições sanitárias Sintomas
precárias nas quais beneficiam a disseminação A maioria dos pacientes contaminados
da contaminação ambiental e sobrevivência com o Trichuris trichiura não apresentam
dos ovos do parasito (COOPER, et al., 2013). sintomas, em geral, a gravidade da tricuríase
Portanto o objetivo desse estudo é mostrar a depende da carga parasitária, mas também tem
importância da discussão sobre a tricuríase de a interferência de outros fatores como idade do
modo a esclarecer por meio desta revisão hospedeiro, estado nutricional e a distribuição
bibliográfica e alertar os profissionais que essa dos vermes adultos no intestino (NEVES, et
é uma enfermidade emergente. al., 2005). No entanto somente os indivíduos
com intestinos infestados com centenas de
MÉTODO parasitos é que desenvolvem sintomas de
tricuríase, nestes casos o quadro clínico
Trata-se de uma revisão bibliográfica habitual é de diarreia crônica que pode ou não
sobre, sintomas, diagnóstico, ciclo de vida, vir acompanhada de muco ou sangue
transmissão, tratamento e profilaxia, além misturado ás fezes, além disso podem ser
disso foram utilizados artigos nacionais e relatados, distensão abdominal, enjoos, perda
internacionais com data a partir de 1967 a de peso, flatulência, anemia, outro sinal típico,
2017, que foram selecionados usando banco de presente em crianças com contaminação
dados e portais: Scielo, Google Acadêmico, maciça, é o prolapso retal, retardamento no
Biblioteca Virtual de Saúde e Pubmed, a partir desenvolvimento físico e comprometimento
cognitivo (COOPER, et al., 2014).

70
Capítulo 08
Parasitologia Humana e Veterinária

Diagnóstico a região delgada do parasita fica na camada


O diagnóstico da tricuríase é feito epitelial da mucosa intestinal onde sua
habitualmente pelo exame laboratorial, pois o alimentação é principalmente de restos de
quadro clínico associado a tricuríase não é enterócitos e a região anterior fica exposta no
específico, no entanto, quando coletadas as lúmen onde facilita a liberação de ovo
fezes para realização do exame parasitológico, (SILVA, 2017).
é de fácil observação os ovos do parasito, pois Uma fêmea fecundada é capaz de eliminar
esses apresentam morfologia característica e até 20.000 ovos/dia provocando uma reposição
são eliminados nas fezes dos hospedeiros em diária de 5% a 30% dos 60.000 ovos
grandes proporções, permitindo uma rápida encontrados no útero. Já no ambiente o
identificação (SILVA, 2017). embrião contido no ovo recém eliminado se
desenvolve no intuito de se tornar infectante.
Ciclo de Vida Esse período leva em média cerca de 21 dias
Trichuris trichura é um helminto em 25 °C o período varia com o decorrer da
fusiforme (Figura 08.1), com sistema temperatura. (NEVES et al., 2005).
digestivo completo. A boca, na extremidade A contaminação é feita na maioria das
anterior, com abertura simples, sem lábios, vezes quando se é ingerido alimentos sólidos
seguido do esôfago bastante longo e delgado, ou líquidos com ovos infectantes, esses ovos
sendo cerca de 2/3 do comprimento. Os veem a eclodir no intestino delgado do
machos têm cerca de 2,5 a 4 cm, as fêmeas são hospedeiro, esse fato é desencadeado especial-
maiores podendo chegar até 5 cm (COOPER, mente pelo efeito dos componentes presentes
et al.,2014). no suco gástrico e no suco pancreático
(NEVES et al., 2005).
Figura 08.1 Verme adulto Após a eclosão as larvas inicialmente
penetram no epitélio da mucosa intestinal na
região duodenal permanecendo lá de cinco a
dez dias (Figura 08.2), posteriormente
migram para região cecal onde completam seu
desenvolvimento quando ocorre a formação
dos esticócitos e dos órgãos genitais. Na forma
adultas eles rompem as células epiteliais
expondo então a porção posterior do corpo á
luz intestinal do hospedeiro, essas ovoposições
são realizadas em intervalos de 60 a 90 dias
Fonte: (SILVA, 2017). após a infecção (HORNINK et al., 2013).

Seu ciclo é monóxeno, onde na forma Transmissão


adulta, habitam o intestino grosso, os quais se A transmissão do T. trichiura (Figura 8.3)
reproduzem sexualmente e os ovos são se dá primeiramente na eliminação dos ovos
eliminados nas fezes para o meio externo, mas com as fezes do hospedeiro infectado
em casos de infecções leves e moderadas contaminando assim o ambiente, os ovos
podem vir a chegar a ceco e colón ascendente, apresentam aspecto típico de bandeja, com

71
Capítulo 08
Parasitologia Humana e Veterinária

casca espessa e presença de massa embrionária Figura 8.3 Formas de infecção do Trichuris
única quando recém eliminado. Os ovos no organismo humano
também podem até ser disseminados por
mosca doméstica. Nas regiões onde a
tricuríase se mostra com alta prevalência se
constatou que a geofagia é uma das principais
causas de infecção, especialmente em algumas
regiões da África, Índia e América Latina
(NEVES et al., 2005).

Figura 8.2 Ciclo de vida do parasito

Fonte: NEVES et al.,2005

Profilaxia
A prevenção deste parasita se dá através de
higiene pessoal, educação sanitária da
população, introdução de políticas de
saneamento ambiental, melhoria das condições
sanitárias e eliminação do uso de fezes como
adubo (ROCHA; FONSECA; MAIA, 2014;
ZANOTTO, 2015).
Fonte: LEVECKE et al., 2015
CONCLUSÃO
Tratamento
Atualmente, existem diversas opções de Perante os fatos supracitados, entende-se
fármacos para a eficácia do tratamento da que, a tricuríase é uma enfermidade em
tricurísase, como por exemplo, benzoilmidazóis emergência, causadora de inúmeros sintomas
como albendazol e mebendazol, os quais são os que podem se agravar em um prolapso retal.
mais frequentes a serem prescritos, no entanto Além disso os tratamentos devem ser seguidos
recentes estudos apontam a nitazoxanida com após a prescrição médica, sendo o mais
uma forte eficácia, além disso pacientes com indicado albendazol e mebendazol, ademais
infecções maciças o tratamento é ampliado de sua prevenção devem ser realizadas com
5 a 7 dias, contudo após 3 ou 4 semanas de medidas sanitárias e educativas. Os resultados
tratamento cabe ao médico solicitar novos obtidos nessa pesquisa podem fornecer base
exames parasitológicos de fezes para confir- para novas pesquisas.
mar a recuperação do paciente, caso ainda haja
ovos é aconselhado a reincidência do
tratamento (LEVECKE et al.,2015).

72
Capítulo 08
Parasitologia Humana e Veterinária

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HORNINK, G. G. et al. Principais parasitos humanos de


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73
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 09
DIVERSIDADE DE
FLEBOTOMÍNEOS
ASSOCIADOS À Leishmania
spp.: REVISÃO DE FATORES
NO NORDESTE BRASILEIRO
Raiza Raianne Luz Rodrigues¹
Vanessa Maria Rodrigues De Souza²
Janyere Alexandrino De Sousa³
Ana Clara Silva Sales¹
Jhoana D’arc Lopes De Sousa4
Vanessa Galeno De Sousa³
Ayslan Batista Barros¹
Loredana Nilkenes Gomes Da Costa5
Klinger Antonio Da Franca Rodrigues6
Thiago Nobre Gomes7

1Discente – Doutorado em Biotecnologia, Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Parnaíba-PI.


2Discente – Graduação em Biomedicina, Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Parnaíba-PI.
3Discente – Mestrado em Ciências Biomédicas, Universidade Federal do Delta do Parnaíba,
Parnaíba-PI.
4Graduada em Biomedicina, Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Parnaíba-PI.
5Docente – Departamento de Biomedicina, Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Parnaíba-
PI.
6Docente – Departamento de Medicina, Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Parnaíba-PI.
7Discente – Doutorado em Patologia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE.

74
Palavras-chave: Leishmania; Flebotomíneos; Brasil.
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO Com cerca de 1000 espécies de


flebotomíneos catalogadas, somente 98 delas
As leishmanioses estão entre as cinco são vetores confirmados ou suspeitos,
doenças infecto-parasitárias de maior ocasionando as leishmanioses. Após o repasto
significância a âmbito mundial (NOBRES; sanguíneo, apenas as fêmeas infectadas podem
SOUZA; RODRIGUES, 2013), sendo uma das transmitir o parasito, sendo em sua maioria
mais importantes doenças infecciosas pertencentes aos gêneros Lutzomyia e
emergentes nas Américas e destacando-se Phlebotomus. A espécie L. longipalpis se
como importante problema na saúde pública destaca como o principal vetor de L. infantum
brasileira. Estas parasitoses são ocasionadas no território brasileiro e nas Américas
pela transmissão de protozoários do gênero (CARVALHO et al., 2007).
Leishmania (Ross, 1903) (pertencentes à Dados da literatura retratam o quadro de
ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidae) disposição da diversidade de espécies de
aos hospedeiros definitivos, mediante a picada flebotomíneos entre ecótopos (intradomicílio,
de vetores da ordem Diptera, família peridomicílio e ambientes florestais/silvestres)
Psychodidae, subfamília Phlebotominae, em sítios de transmissão de LTA e LVA no
conhecidos como flebotomíneos (MISSAWA território brasileiro. Análises do DNA de
et al., 2010). Leishmania e de quais os tipos de vetores mais
As leishmanioses são apontadas como prevalentes em cada região podem fornecer
enfermidades cosmopolitas, tendo em vista a sua informações relevantes, mostrando correlações
endemia nas regiões urbanas (CARVALHO et existentes entre algumas espécies de vetores e
al., 2007). Com a estimativa de dois milhões a transmissão de espécies particulares de
de novos casos por ano, segundo a Leishmania spp. (CARVALHO et al., 2007).
Organização Mundial de Saúde (OMS), elas Além disso, sabe-se também que de modo
podem ser classificadas com base em suas duas geral, as atividades antropogênicas regionais
formas clínicas observadas nos indivíduos influenciam indireta e diretamente nos padrões
parasitados: leishmaniose tegumentar americana epidemiológicos de distribuição dos vetores e,
(LTA) - causadora de lesões cutâneas primá- consequentemente, dos casos de LTA e LVA.
rias e secundárias na pele e nas mucosas, e Através de tais atividades, ocorre a
leishmaniose visceral americana (LVA) - adequação de parasitos e vetores às novas
atingindo a via hematogênica e afetando os condições climáticas de umidade e
órgãos como o baço e o fígado, além da temperatura, promovendo assim novos focos
medula óssea. A LVA corresponde à forma característicos de transmissão da doença. Por
clínica mais grave, advinda da infecção de exemplo, pesquisadores já demonstraram que
vertebrados como mamíferos selvagens (por o número de episódios de LTA se eleva
exemplo, os gambás) e outros animais como o durante a estação de seca, devido às
cão doméstico, além do ser humano. Cerca de queimadas, desmatamentos, acarretando na
3.000 novos quadros de LVA humana são diminuição do número de mosquitos vetores
relatados por ano no Brasil, principalmente na nas áreas florestais por falta de abrigo e
região Nordeste (CARVALHO et al., 2007). nutrientes, os direcionando para as regiões
domiciliares, onde se propagarão; números
75
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

esses que são diferentes no período chuvoso, diversidade de vetores flebotomíneos e


reduzindo a quantidade de quadros de pessoas espécies de Leishmania spp., enfatizando
infectadas, todavia tendo predomínio dos casos fatores socioambientais que tenham sido
cutâneos de LTA, em torno de 96,80% deles descritos para a região Nordeste do Brasil
(CHAGAS et al., 2018). entre os anos de 1980 e 2018. Como critérios
A estação do ano associada ao clima de de exclusão, foram desconsideradas publicações
cada região brasileira leva a uma prevalência abordando o tema referido, mas que foram
de tipos específicos de espécies de vetores e realizadas em outras regiões do Brasil ou do
parasitos em cada área. Desta forma, o presente mundo, e artigos não disponibilizados
trabalho objetivou apresentar informações sobre totalmente na íntegra nem em periódicos
os fatores socioambientais presentes na região indexados.
Nordeste do Brasil, que sejam de fundamental
relevância para um melhor entendimento desta RESULTADOS E DISCUSSÃO
relação com a distribuição dos casos de
leishmanioses a nível regional. A literatura aponta diversos fatores
socioambientais que corroboram o envolvi-
MÉTODO mento entre a especificidade de espécimes de
vetores flebotomíneos por algumas dadas
Na edificação do trabalho, realizou-se um espécies de Leishmania spp. Com base na
estudo retrospectivo com revisão de literatura pesquisa bibliográfica realizada, foram consi-
norteada frente à carência de trabalhos que deradas 17 publicações que abordavam
abordassem de forma abrangente informações aspectos ambientais (como condições climá-
sobre a temática proposta. A busca por ticas e vegetação) correspondentes aos nove
publicações para a composição deste estudo Estados que compõem o Nordeste brasileiro
foi realizada através das seguintes bases de (Tabela 9.1), nas quais se pode refletir como
dados: PubMed (pertencente ao NCBI), estes princípios podem modelar tal relação.
SciELO (Scientific Eletronic Library Online), Dentre as publicações, também pode-se
Science Direct (pertencente à editora Elsevier), observar as espécies de vetores flebotomíneos
Portal de Periódicos da CAPES, Biblioteca (Figura 9.1) e espécies de Leishmania spp.
Virtual em Saúde (BVS), e DOAJ (Directory (Figura 9.2) encontradas nos estados da região
of Open Access Journals). Para realização da Nordeste do Brasil.
pesquisa bibliográfica, foram utilizados como Ainda que não sejam patologias
descritores de busca os termos “Leishmania”, priorizadas pelos setores público e privado de
“Brasil”, “vetores” e “diversidade”, tanto em saúde, as leishmanioses têm se propagado de
português quanto nas suas respectivas versões maneira assustadora desde o seu surgimento
em inglês e espanhol. nas Américas, categorizando-se como proble-
Como critérios de inclusão, foram ma de saúde pública mundial e brasileiro. As
consideradas as publicações originais, dispo- formas amastigotas das leishmanias são res-
níveis em inglês, português e espanhol, que ponsáveis pelos casos causados por esses
abordassem assuntos sobre a associação entre protozoários, possuem tropismo por células do

76
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

sistema fagocítico mononuclear (SFM) dos Organização Mundial da Saúde (OMS) tratou
hospedeiros vertebrados, chegando a de considerá-las como agravos prioritários
manifestar-se de duas maneiras; através de dentre as doenças tropicais negligenciadas
lesões tegumentares ou cutâneas (LTA), e (GONTIJO; MELO, 2004).
como uma doença sistêmica, afetando diversos Ainda que não sejam patologias
órgãos como fígado, baço e medula óssea priorizadas pelos serviços público e privado de
(LVA) (NOBRES; SOUZA; RODRIGUES, saúde, as leishmanioses têm se propagado de
2013). maneira assustadora desde o seu surgimento
O primeiro caso de LVA a nível nacional nas Américas, categorizando-se como proble-
foi relatado na região Nordeste, com a ma de saúde pública mundial e brasileiro. As
primeira epidemia desta doença sendo formas amastigotas das Leishmanias são
observada no Estado do Piauí entre os anos de responsáveis pelos casos causados por esses
1981 e 1982, acarretando na sua disseminação protozoários, possuem tropismo por células do
para outras cidades da localidade. A sistema fagocítico mononuclear (SFM) dos
propagação dos casos de leishmanioses se dá hospedeiros vertebrados, chegando a
principalmente como consequência de interfe- manifestar-se de duas maneiras; através de
rências antropológicas nos ecossistemas, lesões tegumentares ou cutâneas (LTA), e
atingindo especialmente as áreas com como uma doença sistêmica, afetando diversos
desigualdades socioeconômicas, na qual está órgãos como fígado, baço e medula óssea
incluída a região Nordeste do Brasil. As (LVA) (NOBRES; SOUZA; RODRIGUES,
mudanças ecoepidemiológicas e a intensiva 2013).
corrente migratória associada a uma escassa Segundo dados da OMS, as leishmanioses
estrutura sanitária serviram de sítio para a são causadas por mais de 20 espécies de
urbanização do vetor e desenvolvimento destas agentes etiológicos pertencentes ao gênero
patologias (GONTIJO; MELO, 2004; Leishmania. Contudo, no território brasileiro,
MARTINS; LIMA, 2013). apenas sete espécies de Leishmania são
A literatura aponta que os casos de LTA e causadoras de LTA em seres humanos:
LVA em algumas áreas geográficas dependem Leishmania (Leishmania) amazonensis, L.
da suscetibilidade ao parasito, tanto por parte (Viannia) braziliensis, L. (Viannia) guyanensis, L.
dos hospedeiros intermediários (vetores (Viannia) naiffi, L. (Viannia) shawi, L. (Viannia)
flebotomíneos), assim como também por parte lainsonie L. (Viannia) lindenberg (CARVALHO
dos hospedeiros definitivos/reservatórios (animais et al., 2018). Já nos casos de LV, os parasitos do
vertebrados). Com o passar do tempo houve o complexo L. donovani são os responsáveis pela
crescimento da zona de abrangência destas disseminação da doença em humanos, sendo a
patologias, que anteriormente eram restritas às Leishmania (Leishmania) chagasi o principal
áreas rurais do Nordeste brasileiro, e que se agente etiológico a nível nacional (CAMPOS
estenderam para as regiões de periferia de et al., 2013).
gigantes centros urbanos. Com isso, a

77
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

Tabela 9.1 Diversidade de espécies de vetores flebotomíneos e espécies de Leishmania spp. presentes no Nordeste brasileiro, e sua relação com fatores socioambientais observados

Referências Estado Condições Climáticas Vegetação Espécies de vetores encontrados (fêmeas) Espécies de Leishmania spp. encontradas
Bichromomyia flaviscutellata; Evandromyia
evandroi; E. lenti; E. termitofila; Lutzomyia
longipalpis; Migonemyia migonei; Nyssomyia
FREITAS et al. Clima tropical, com estação Caatinga; intermedia; N. whitmani; Psathyromyia
AL Leishmania spp.
(2007) úmida e seca Mata atlântica brasiliensis; Micropygomyia quinquefer;
Pintomyia fischeri; Psychodopygus ayrozai;
P. carreirai

Mata Atlântica;
PEREIRA; Caatinga;
BA Clima tropical e semiárido L. whitmani; L. intermedia Leishmania spp.
HOCH (1990) Cerrado

BRAZIL;
MORTON; Leishmania spp; L. brasiliensis; L.evandroi;
CE Clima tropical e semiárido Caatinga L. whitmani; L. longipalpis
WARD, 1991 L.migonei; L.lenti

Mata dos Cocais;


Mangues;
CAMPOS et al. Floresta L. whitmani; L. longipalpis; L. lenti; Leishmaniainfantum; L. brasiliensis;
MA Clima tropical
(2013) Amazônica; L.Evandroi L.amazonensis
Cerrado

ANDRADE
FILHO;
GALATI; PB * * N. intermedia; N.neivai Leishmania spp.
FALCÃO (2004)

Legenda: *Informações não apresentadas pelos autores do artigo.

78
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

Tabela 9.1 (Continuação) Diversidade de espécies de vetores flebotomíneos e espécies de Leishmania spp. presentes no Nordeste brasileiro, e sua relação com fatores
socioambientais observados
Referências Estado Condições Climáticas Vegetação Espécies de vetores encontrados (fêmeas) Espécies de Leishmania spp. encontradas
Lutzomyia choti; L. lenti; L. longipalpis; L.
AGRA et al.
Clima tropical Caatinga; whitmani; L. sordellii; L. evandroi; L.
(2016); SILVA et PE Leishmaniaspp; L.infantum
(Semi-árido) Mata atlântica capixaba; L. migonei; L. sallesi; L.
al. (2017)
longispina; Lutzomyia spp.

SOARES et al.
(2010); COSTA;
PEREIRA; Clima tropical subúmido Caatinga,
ARAÚJO (1990); PI quente; Cerrado e Mata L. longipalpis; L. whitmani
Leishmania spp.; L. chagasi; L. infantum
DUTRA E Clima semi-árido Atlântica
SILVA et al.
(2007)

AMÓRA et al.
(2010); CORTEZ
Mata Atlântica;
et al. (2007);
Clima semi-árido quente, Cerrado; Floresta L.longipalpis; L. intermedia;
PINHEIRO et al. RN L. braziliensis; L.chagasi
Clima de savana tropical tropical; L. migonei; L. evandroi; L. lenti
(2016);
Caatinga
XIMENES et al.
(2000)

CAMPOS et al.
(2017); Floresta tropical;
SE Clima tropical Atlântico L.longipalpis;N.intermedia;E. lenti Leishmania spp; L. chagasi
JERALDO et al. Mata Atlântica
(2012)

79
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

Figura 9.1 Espécies de vetores fleboto-míneos 2010). Por exemplo, ocorre um demasiado
encontradas nos estados da região Nordeste do aumento de flebotomíneos nos meses de
Brasil fevereiro, outubro e dezembro, particularmente
em áreas florestais. Os meses considerados
com maior umidade e pluviosidade ajudam na
manutenção da vida dos flebotomíneos
(SILVA et al., 2008).
Somente as fêmeas destes vetores são
hematófagas e necessitam de uma dieta
sanguínea que auxilia na maturação ovariana,
sendo necessárias para conduzir à manutenção
do seu ciclo vital (PINHEIRO et al., 2013).
Porém, tanto os machos quanto às fêmeas têm
predileção por fontes de carboidratos para sua
alimentação, oriundas principalmente da
Figura 9.2 Espécies de Leishmania spp. vegetação nativa. Condições climáticas como
encontradas nos estados da região Nordeste do estações secas e temperaturas mais elevadas
Brasil acabam afetando a disponibilidade destes
recursos alimentares para ambos os insetos
adultos (SILVA et al., 2008).
Pelo fato destes açúcares serem fontes
nutricionais imprescindíveis para as atividades
biológicas dos flebotomíneos, a escassez de
certos tipos de plantas na vegetação da região
também intimida a sobrevivência e multipli-
cação de Leishmania spp. dentro do trato
digestivo das fêmeas dos insetos. Conside-
rando que os parasitos carecem de alguma
variedade de açúcar para continuar o seu
desenvolvimento no interior das mesmas, a
Os flebotomíneos se encontram presentes falta deste nutriente pode inviabilizar a
em todas as regiões do globo terrestre, sendo transmissão dos protozoários para hospedeiros
mais abundantes nas Regiões Neotropicais do suscetíveis (SILVA et al., 2008).
planeta. Todavia, conforme as áreas A diversidade da microbiota intestinal dos
geográficas, os aspectos característicos de cada flebotomíneos é um aspecto que causa uma
uma delas (como por exemplo, os tipos de provável influência na competência vetorial
solo, fatores topográficos e condições dos mesmos, por serem transmissores das
climáticas) influenciam diretamente na leishmanioses. Verificou-se que espécies
distribuição das espécies de vetores encontra- bacterianas provenientes da microbiota dos
das, e consequentemente, nas espécies de insetos podem gerar seletividade na relação
Leishmania veiculadas pelos mesmos e parasito-vetor. A microbiota de cada uma das
circulantes naquela região (SOARES et al., espécies de flebotomíneos possui microrga-

80
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

nismos específicos, que acarreta ou não na lise domésticos de forma acidental nos ambientes
dos protozoários do gênero Leishmania spp. urbanos. Conforme os relatos observados
(BASTOS, 2014). (NEVES et al., 2016), 147 espécies (56%)
Os fatores ambientais são aspectos foram classificadas como silvestres. Enquanto
relevantes na modulação da diversidade de isso, as espécies consideradas semi-domésticas
flebotomíneos, influenciando diretamente na (20%) não vivem no interior das áreas
extensão geográfica e transmissão das espécies residenciais, todavia agregam ao ambiente
de Leishmania envolvidas com os casos de para a realização do repasto sanguíneo. Já as
Leishmanioses no Brasil e no mundo. Mas espécies classificadas como domésticas (24%)
além disso, a associação com fatores acabam por realizar interações com o homem e
antropológicos (como por exemplo as alguns possíveis animais reservatórios para a
atividades de desmatamento dos ambientes doença.
florestais/silvestres) também contribui para a Segundo Campolina (2017), no estado de
migração destes insetos para as zonas urbanas Pernambuco foram encontradas dez espécies
ou periurbanas, acarretando em sua adaptação de flebótomos, na sua maioria em áreas
a estes novos ambientes. Por conta disso, peridomésticas, onde o Lutzomyia choti
espécies de vetores consideradas anteriormente correspondeu a 88,2% destas. No referido
silvestres (presentes apenas em regiões estudo, o mês com maior número de espécies
distantes do contato humano) acabaram se coletadas foi correspondente àquele com
adequando ao ambiente domiciliar e maiores valores de umidade relativa e
peridomiciliar (SILVA et al., 2008). precipitação pluviométrica. Esses fatores
Conforme os dados apresentados na favorecem o crescimento da vegetação e o
Tabela 9.1, os Estados de Alagoas e acúmulo de matéria orgânica no solo,
Pernambuco apresentaram a maior diversidade viabilizando a reprodução dos insetos vetores
de espécies de vetores flebotomíneos, quando no ambiente. No estado da Bahia, a espécie
comparados aos demais Estados da região Lutzomia whitmani correspondeu a 99% dos
Nordeste do Brasil. Possuindo uma zona rural flebótomos capturados nas proximidades
formada por fragmentos de floresta tropical, o residenciais, levando a acreditar que a
clima de Pernambuco acaba sendo quente e transmissão de Leishmania (Viannia)
úmido, com períodos chuvosos que variam do braziliensis seja prevalente nesta área, pelo
outono ao inverno (entre os meses de março a fato da mesma possuir tropismo por este vetor
setembro). Desta forma, pode-se considerar (PEREIRA; HOCH, 1990).
que as condições climáticas e de vegetação Por sua vez, Shimabukuro e Galati (2011)
podem ser mais propícias ao desenvolvimento pontuaram que as epidemias vetorianas
dos insetos. ocasionadas pelos flebotomíneos, como por
De acordo com a literatura, o exemplo as leishmanioses, encontram-se
deslocamento do hábitat do vetor é uma prontamente ligadas a atividades antrópicas
realidade e está acontecendo de maneira rápida relacionadas à expansão urbana. Muitas destas
e desenfreada com o passar dos anos. Espécies envolvem a introdução (acidental ou
que antigamente habitavam de forma exclusiva planejada) do homem em regiões onde os
somente áreas florestais começaram a se flebotomíneos normalmente habitam. Tais
associar aos seres humanos e animais atividades acarretam na expansão da

81
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

distribuição vetorial, em virtude da compreensão sobre os fatores socioambientais


transformação das áreas florestais naturais em que estão presentes no Nordeste brasileiro, os
fragmentos isolados de inúmeros tamanhos. quais permeiam a relação entre a diversidade
Esta fragmentação propicia alterações no de vetores flebotomíneos associados a espécies
microclima e na composição das espécies de Leishmania spp. circulantes nesta área
regionais, alterando drasticamente a estrutura e geográfica. Deste modo, tais achados podem
a dinâmica dos ecossitemas (CAMPOS et al., ser úteis para auxiliar as secretarias estaduais
2013). de Saúde no planejamento de medidas mais
efetivas para o correto diagnóstico dos casos
CONCLUSÃO de LTA e LVA, bem como para o controle de
As referidas informações apresentadas aqui insetos vetores, visando a prevenção dos casos
são pontos essenciais para iniciar uma melhor destas doenças a nível local.

82
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

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84
Capítulo 09
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 10
LEISHMANIOSE CUTÂNEA
(LC): UMA ATUALIZAÇÃO
ACERCA DO TRATAMENTO
E PROGNÓSTICO DA
DOENÇA

Juliana Vieira Queiroz Almeida¹


Sarah Louredo Torquette2
Sávia Teixeira de Souza2
Bruno Henrique Gonçalves Almada2
Maria Eduarda Soares Barbosa2
Vitor Couri Blassioli2
Marcilene Rezende Silva3

1Acadêmica do Curso de Medicina da Faculdade de Minas (FAMINAS-BH).


2Acadêmica(o) de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais
(FCMMG).
3Docente do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas
Gerais (FCMMG).

Palavras-chave: Leishmaniose; Leishmaniose Cutânea; Tratamento. 85


Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO 2 semanas a 2 anos (BRASIL, 2017). Essa


forma é mais frequente nas Américas, na bacia
A leishmaniose é uma doença causada por do mediterrâneo, no Oriente Médio e na Ásia
um protozoário intracelular (MACHADO et Central, sendo que, nos países com alta
al., 2019) do gênero Leishmania, havendo incidência, estima-se que 399 milhões de
mais de 20 espécies responsáveis pelas pessoas estejam em risco de infecção
doenças humanas, causando lesões variadas anualmente (BERBERT et al, 2018) e é
que podem ser cutâneas ou viscerais considerada a menos fatal de leishmaniose
(MACIEJ-HULME et al., 2018; ARONSON quando comparada a forma mucosa (LM) e
& CHRISTIE, 2019; ULIANA et al., 2018). visceral (LV) (IRANPOUR et al., 2019). Essa
A doença afeta 2 milhões de pessoas por parasitose é considerada um problema de
ano, sendo considerada pelo Organização saúde e social em crescimento (DAR et al.,
Mundial de Saúde (OMS) uma das 6 doenças 2020) por afetar diversas pessoas ao ano,
tropicais prioritárias que são negligenciadas principalmente em países em desenvolvimento
(MACHADO et al., 2019; BRASIL, 2017). (MACHADO et al., 2019).
Além disso, ela é classificada como endêmica O Manual de Vigilância da Leishmaniose
em 98 países (EMILIANO & ELMO, 2018; Tegumentar do Ministério da Saúde (MS)
FRACESCONI et al., 2018), podendo ser aponta como tipos de LC: leishmaniose
responsável por 30 mil mortes anualmente cutânea localizada (LCL), cutânea dissemina-
(BERBERT et al, 2018; EMILIANO & da (LD) e cutânea difusa (LCD) e leishmani-
ELMO, 2018) e por um aumento de 15%, de ose recidiva cútis (LRC) (BRASIL, 2017).
2005 a 2013, do número de anos de vida Ademais, o manual ressalta que apesar da
perdidos por incapacidade (ULIANA et al., doença afetar ambos os sexos e todas as faixas
2018). etárias, a média brasileira predomina em
A América Latina, por si só, teve um maiores de 10 anos (92,5%) e no sexo
aumento documentado 30% dos casos masculino (75%) (BRASIL, 2017).
notificados em um período de 10 anos e, o Até o momento não há uma abordagem
Brasil, junto à outros 8 países, notificou 90% única segura e eficaz para tratar as doenças
de todos os casos registrados de Leishmaniose causadas pelo Leishmania, mas novos
Cutânea (LC) (FRACESCONI et al., 2018). tratamentos estão surgindo (MACIEJ-HULME
No Brasil, a incidência amazônica de LC é de et al., 2018; ERBER et al., 2020; PINART et
30 casos para cada 100 mil habitantes, al, 2020) apesar da falta de investimentos por
superando a média nacional de 15,3 casos para indústrias farmacêuticas por a doença afetar
cada 100 habitantes (FRACESCONI et al., essencialmente populações subdesenvolvidas
2018). (ERBER et al., 2020).
A forma mais comum de leishmaniose é a Sabe-se que a eficácia do tratamento difere
cutânea, também chamada de tegumentar (LT) geograficamente, assim como a taxa de cura,
ou tegumentar americana (LTA) (GONÇAL- além de variar de acordo com a espécie de
VES & COSTA, 2018), na qual são produzi- Leishmania (ARONSON & CHRISTIE,
das lesões de pele, em média 2 a 3 meses após 2019). Sendo assim, o diagnóstico preciso
a picada do vetor infectado, podendo variar de permite terapias mais individualizadas e
eficazes, o que é dificultado por não haver um
86
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

teste diagnóstico padrão ouro (ARONSON & atendimento primário, secundário ou terciário
CHRISTIE, 2019). É importante ressaltar que (BRASIL, 2017). O objetivo da revisão foi
as espécies mais frequentes variam de acordo identificar as terapêuticas disponíveis para a
com as regiões, sendo necessário abordar na LC e o potencial prognóstico.
anamnese o histórco de viagens e local de
origem do paciente, o que possibilita um MÉTODO
melhor tratamento (ARONSON & CHRISTIE,
2019). Trata-se de uma revisão integrativa
Dessa forma, a decisão sobre o qual realizada no período de março e abril de 2021,
método de tratamento será usado deve por meio de pesquisas nas bases de dados
considerar: eficácia, toxicidade, custos e PubMed. A estratégia de seleção utilizada
esquema do tratamento (PINART et al., 2020); consistiu em buscar os descritores: leishma-
a espécie infectante e local de infecção; niasis cutaneous e therapeutics.
susceptilidade a drogas observadas regional- Os critérios de inclusão foram: artigos que
mente; estado imunológico do paciente, abordavam o tratamento de leishmaniose
presença de comorbidades e, se mulher, cutânea. Os critérios de exclusão foram:
gestação, desejo de engravidar e/ou amamentar artigos que abordavam apenas a cicatrização
(ARONSON & CHRISTIE, 2019). das lesões, relatos de caso, artigos publicados
O conhecimento da espécie infectante tem antes do ano de 2018 e artigos não encontrados
se demonstrado muito importante para o gratuitamente na íntegra. Foi feita a triagem
tratamento, pois permite uma melhor dos artigos, sendo selecionados 101 pelo título,
estimativa do risco de LV, de tempo para a 47 pela leitura do resumo e, por fim, 33 pela
cura e de resposta esperada para as leitura do artigo completo. Também foi incluí-
modalidades terapêuticas (ARONSON & do, manualmente, 1 manual do Ministério da
CHRISTIE, 2019). Geralmente, quando LCD Saúde de 2017, totalizando 34 referências.
ou LD, as lesões são graves, mutilantes e com
má resposta terapêutica (ULIANA et al.,
RESULTADOS E DISCUSSÃO
2018). Já a LCL frequentemente é auto-
curativa de cicatrização lenta (ULIANA et al.,
2018). Ainda assim, o tratamento deve ser Tipos de leishmaniose tegumentar e suas
considerado para a LCL, principalmente particularidades
quando: as lesões causam angústia para o No Brasil, a LC é causada, principalmente,
indivíduo; as lesões são complexas; e se há por três espécies principais: Leishmania
risco de LM (ARONSON & CHRISTIE, (Viannia) braziliensis, Leishmania (Viannia)
2019). guyanensis e Leishmania (Leishmania) amazo-
Em suma, para iniciar o tratamento da LC nensis (GONÇALVES & COSTA, 2018). A
deve-se ter o diagnóstico clínico-laboratorial e, primeira espécie citada é responsável pela
se indisponível, o clinico-epidemiológico maioria dos casos, dando origem a principal
(BRASIL, 2017). O tratamento deve envolver forma clínica da LC no Brasil: LC localizada
diversos profissionais da saúde, sendo avaliado (GONÇALVES & COSTA, 2018).
possíveis contraindicações e sendo realizada Tendo como base o Manual de Vigilância
monitorização de efeitos adversos, seja o da Leishmaniose Tegumentar do MS, os tipos

87
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

de LC são: cutânea localizada, cutânea manifestar, mesmo após o tratamento, devendo


disseminada, cutânea difusa e recidiva cútis ser tratada quando evolução espontânea ou
(BRASIL, 2017). retratada, após 1º esquema, conforme preconi-
A leishmaniose cutânea localizada é zado para a forma apresentada (BRASIL,
caracterizada por diversas lesões úlcerosas na 2017). Essa forma é mais recorrente quando
pele (EMILIANO & ELMO, 2018), sendo LCL, sendo que se necessários 2 esquemas e
definida pela presença de até cinco lesões não houver resultado favorável, o paciente
ulcerosas sem doença linfática ou mucosa, deve ser encaminhado ao centro de referência
com visualização de amastigotas no exame (BRASIL, 2017).
direto de esfregaço corado por giemsa, com
raspado dérmico de borda ulcerada de pelo Antimoniais pentavalentes isolados
menos uma lesão (FRANCESCONI et al., A priori, os antimoniais pentavalentes são
2018). Um fator importante para o tratamento considerados o padrão ouro atual para o
é o tamanho e a evolução clínica da lesão, tratamento da LC, sendo representados pelo
cooperando para o tratamento, avaliação e Estibogluconato de Sódio (Pentostam®) e
escolha da via de administração dos medica- Antimonato de Meglumina (Glucantime®)
mentos (BRASIL, 2017) (BRASIL, 2017; DAR et al., 2020; GALVIS
A forma difusa é caracterizada por et al., 2020; SIADAT et al., 2020; SAQIB et
múltiplos nódulos não cumulativos al., 2020). Esses medicamentos foram
(EMILIANO & ELMO, 2018), sendo rara e utilizados pela primeira vez no início do
grave, devendo ser tratada no centro de século XX (PINART et al., 2020; GONÇAL-
referência devido a difícil resposta terapêutica VES & COSTA, 2018; SURUR et al., 2020),
e cura (BRASIL, 2017). sendo comercializados no Brasil a partir de
A forma disseminada é caracterizada por 1940 (IRANPOUR et al., 2019; CARVALHO
dúzias a centenas de lesões na pele em et al., 2019) e ainda são considerados
diversas partes do corpo, podendo haver o tratamento de primeira linha contra a maioria
envolvimento da mucosa nasal, que é das manifestações de Leishmaniose (DAR et
relacionada a L. braziliensis (MACHADO et al., 2020; GALVIS et al., 2020; PINART et
al., 2019). As lesões cutâneas são caracteri- al., 2020; SURUR et al., 2020; SIADAT et al.,
zadas por: erupções acneiformes; pápulas 2020; SAQIB et al., 2020; ZABOLINEJAD et
inflamatórias com presença ou não de erosão al., 2020).
ou crostas; nódulos; úlceras; e, raramente, Os mecanismos de ação dos antimoniais
lesões verrucosas ou vegetativas (MACHADO não foram elucidados (VARGAS et al., 2019),
et al., 2019). Devido ao alto número de lesões, porém, foi demonstrado inibição da β-
a LCD é considerada de difícil tratamento oxidação dos ácidos graxos, o que tem sido
(MACHADO et al., 2019), sendo as múltiplas considerado parte das suas propriedades
úlceras relacionadas a múltiplas picadas de antileishmania (VARGAS et al., 2019). Há
flebotomíneos (SAGIB et al., 2020) e o mecanismos indiretos de ação, em especial do
tratamento feito, preferencial-mente, no centro antimoniato de meglumina (AM), associados à
de referência (BRASIL, 2017). modulação da resposta do hospedeiro, de
Por fim, a leishmaniose recidiva cútis é o forma que a droga pode aumentar níveis de
nome dado a quando a doença volta a se citocinas pró-inflamatórias (CARVALHO et
88
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

al., 2019). Evidências também apontam para VARGAS et al., 2019; MOKNI, 2019;
um possível aumento da atividade fagocítica DAVID, 2018). Ademais, a medicação é
de monócitos e neutrófilos, que constituem a contraindicada para idosos, pacientes com
primeira linha de defesa contra o parasita comorbidades, doenças crônicas graves, coin-
(CARVALHO et al., 2019). fecções diferentes de hiperssensibilidade ao
Assim, preconiza-se nacionalmente a medicamento e gestantes, pois a medicação
dosagem 10 a 20 mg/kg/dia, administrados de atravessa a barreira transplacentária podendo
forma intravenosa (IV) ou intramuscular (IM), ocasionar efeitos teratogênicos (GONÇALVES
durante 20 dias para o tratamento das formas & COSTA, 2018; CARVALHO et al., 2019;
cutâneas (GONÇALVES & COSTA, 2018; BRASIL, 2017; ULIANA et al., 2018).
CARVALHO et al., 2019; BRASIL, 2017; Além disso, a eficácia do tratamento
MACHADO et al., 2019; BERBERT et al., constitui um fator preocupante, tendo em vista
2018; FRANCESCONI et al., 2018; MOKNI, a variação da resposta à medicação dependente
2019; CHAKRAVARTY & SUNDAR, 2019; da região e do agente etiológico da doença
DAVID, 2018). Caso não haja cura completa (CHAKRAVARTY & SUNDAR, 2019).
três meses após o tratamento, deve-se repetir o Ademais, há diversos fatores que dificultam o
esquema por 30 dias e, se ainda assim não tratamento, como: toxicidade; necessidade de
houver resposta, deve-se usar um exames laboratoriais para monitoramento;
medicamento de segunda linha (GONÇAL- difícil administração; longo tempo de trata-
VES & COSTA, 2018; MOKNI, 2019). mento; baixa adesão; alto custo; eficácia
Contudo, mesmo representando o reduzida ao longo do tempo (GONÇALVES &
tratamento de primeira linha em muitos países, COSTA, 2018); e o surgimento de cepas
tais medicamentos apresentam diversos efeitos resistentes aos antimoniais (SURUR et al.,
colaterais, incluindo: artralgia, mialgia, 2020; SOMARATNE et al., 2019; ZABOLI-
anorexia, náusea, vômito, plenitude pós- NEJAD et al., 2020). Sendo assim, seu uso
prandial, epigastralgia, azia, dor abdominal, deve ser restrito àquelas situações em que o
prurido, febre, fraqueza, cefaleia, bem como tratamento sistêmico é estritamente necessário
tontura, insônia, palpitações e edema (GONÇALVES & COSTA, 2018). Todos
(GONÇALVES & COSTA, 2018; IRAN- esses fatores aumentam o impacto da doença,
POUR et al., 2019; CARVALHO et al., 2019; com importantes repercussões socioeconômi-
BRASIL, 2017; MACHADO et al., 2019; cas em uma população de baixa renda e
CHAKRAVARTY & SUNDAR, 2019; poucos recursos (MACHADO et al., 2019).
DAVID, 2018). Ademais, são efeitos mais
graves: hepatite; insuficiência renal (IR); Medicamentos de segunda escolha
pancreatite; alterações do eletrocardiograma A anfotericina B (AB), a miltefosina (MT),
dose-dependentes, como alteração da repolari- a pentamidina e o fluconazol têm sido usados
zação ventricular com inversão de ST, prolon- como drogas de segunda escolha, principal-
gamento do intervalo QT, alterações isquêmi- mente quando os antimoniais não estão
cas e bigeminia polimórfica ou polifocal disponíveis ou foram ineficazes (BERBET et
(GONÇALVES & COSTA, 2018; IRAN- al., 2018, PINART et al., 2020, 2009; SURUR
POUR et al., 2019; CARVALHO et al., 2019; et al.2020; GUERVENO et al., 2019; ARON-
BRASIL, 2017; MACHADO et al., 2019; SON & CHRISTIE, 2019). Entretanto, estes
89
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

também apresentam toxicidade importante e a meio de reduzir o risco de toxicidade


eficácia do tratamento sofre influência da (GALVIS et al., 2019).
espécie de Leishmania infectante, uma vez que Em relação aos efeitos colaterais, os mais
algumas espécies se mostraram mais resisten- frequentes são reações à infusão, nefroto-
tes a algumas medicações (BERBET et al., xicidade, hipocalemia e miocardite (MOKNI,
2018). 2019; CHAKRAVARTY & SUNDAR, 2019;
A AB é um antibiótico macrolídeo BRASIL 2017). Além disso, pode haver febre,
poliênico que se liga ao ergosterol causando cefaleia, tremores, cianose, hipotensão,
aumento da permeabilidade da membrana do hipomagnesemia, distúrbio de comportamento,
parasita (GALVIS et al., 2019), o que leva a calafrios, náuseas, vômitos, hipopotassemia,
uma excelente atividade in vitro intra e flebite no local da infusão, anorexia, anemia e
extracelular ocasionando a morte do parasita leucopenia (MOKNI, 2019; CHAKRAVARTY
(MOKNI, 2019; CHAKRAVARTY & & SUNDAR, 2019; BRASIL 2017). Com isso,
SUNDAR, 2019). A princípio, ela foi a monitorização e a hospitalização do paciente
desenvolvida para tratar LV, mas atualmente são obrigatórias (BRASIL 2017).
ela pode ser usada quando falha das Sendo assim, a anfotericina B é
medicações de primeira escolha para tratar LC contraindicada quando IR e hipersensibilidade
e leishmaniose mucocutânea (MOKNI, 2019; prévia à medicação ou aos seus componentes
CHAKRAVARTY & SUNDAR, 2019; (MOKNI, 2019; CHAKRAVARTY &
GALVIS et al, 2020). A dose usada é de 1 SUNDAR, 2019; BRASIL 2017). Em relação
mg/kg/dia via IV lenta por 4-6 horas aos grupos especiais, em gestantes, é
alternando a cada 2 dias até atingir dose total necessário orientação médica e avaliação dos
de 2 a 3 g (MOKNI, 2019; CHAKRAVARTY riscos e benefícios para o feto e em
& SUNDAR, 2019; GALVIS et al., 2020). imunossuprimidos e HIV positivos ela é a
Infelizmente, a medicação apresenta droga de escolha (MOKNI, 2019; CHAKRA-
toxicidade, predominantemente, hematológica VARTY & SUNDAR, 2019; BRASIL 2017),
e renal (MOKNI, 2019; CHAKRAVARTY & sendo o desoxicolato e as formulações lipídicas
SUNDAR, 2019; BRASIL 2017), relacionadas da AB disponíveis no Brasil (BRASIL, 2017).
à liberação de citocinas inflamatórias e a Para a AB lipossomal deve ser feita uma
vasoconstrição da arteríola aferente com dose teste com observação do paciente por 30
consequente aumento da captação da medica- minutos antes de continuar a infusão
ção pelas células tubulares renais, desencade- (BRASIL, 2017). Em relação a dose, há
ando hipocalemia, hipomagnesemia, acidose associação de regressão parcial da lesão
tubular renal, poliúria e hiperazotemia (GAL- quando uso de 4 mg/kg/dia (GUERVENO et
VIS et al., 2019). Além disto, a substituição da al., 2019) e o medicamento é menos tóxico
AB convencional pela lipossomal, que possui que a AB, mas é mais caro e utilizado
maior afinidade por lipoproteínas de alta exclusivamente por via IV (MOKNI, 2019;
densidade do que de baixa densidade (LDL), CARVALHO, 2019).
reduz a absorção renal da medicação, pois há Segundo o MS, quando LCL, a AB
mais receptores no rim para LDL, sendo um lipossomal é a primeira escolha na dose de 2-3
mg/kg/dia, até atingir a dose total de 20-40
90
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

mg/kg, dependendo da resposta clínica alternativa para crianças que não respondem
(BRASIL, 2017). Há indicação do uso para bem aos tratamentos convencionais, mas,
LCD em pacientes maiores de 50 anos, com infelizmente, possui alto custo (CARVALHO,
IR, insuficiência cardíaca (IC), insuficiência 2019). A dose recomendada pela OMS para
hepática (IH), transplantados renais, gestantes LC causada por L. mexicana, L. guyanensis e
e nos casos graves ou com mais de 20 lesões L. panamensis é de 2,5mg/kg/dia por 28 dias
(BRASIL, 2017). A dose recomendada é 2-3 (MOKNI, 2019, CHAKRAVARTY &
mg/kg/dia IV em dose única até atingir a dose SUNDAR, 2019; MACHADO, 2019;
total de 35 a 40 mg/kg (BRASIL, 2017). PIJPERS et al., 2019; SURUR et al., 2020),
Ademais, quando LC por L. guyanensis, L. sendo a eficácia variante de acordo com a
braziliensis, L. infantum ou L. aethiopica o espécie infectante e região geográfica
tratamento com AB lipossomal apresenta (MACHADO, 2019, SILVA et al, 2018).
menor toxicidade, duração de tratamento e A pentamidina pode ser usada em duas ou
maior taxa de cura (80-90%) (MACHADO et três injeções IM na dose de 4mg/kg por 4 a 6
al., 2019). dias (MOKNI, 2019; PINART et al., 2020) ou
A miltefosina foi feita para utilização por por via IV (BRASIL, 2017). As reações
via oral (VO), sendo a primeira medicação oral adversas mais frequentes quando uso IM são:
para leishmaniose (MOKNI, 2019, CHAKRA- dor, induração e abscessos estéreis, podendo
VARTY & SUNDAR, 2019; MACHADO, ocorrer náuseas, vômitos, tontura, adinamia,
2019; PIJPERS et al., 2019; SURUR et al., mialgias, cefaleia, hipotensão, lipotímias, síncope,
2020). Como efeitos colaterais frequentes hipoglicemia e hiperglicemia (BRASIL, 2017).
temos anorexia, náuseas, vômitos e diarreia e, Como reações adversas graves relacionadas a via
raramente, há efeitos graves que, se presentes, IM, temos: pancreatite, arritmias cardíacas,
demandam interrupção do tratamento, como: leucopenia, trombocitopenia, insuficiência
erupção cutânea, hepatite tóxica ou IR renal aguda, hipocalcemia e taquicardia
(MOKNI, 2019, CHAKRAVARTY & SUN- ventricular e choque anafilático (BRASIL,
DAR, 2019; MACHADO, 2019; PIJPERS et 2017).
al., 2019; SURUR et al., 2020). Portanto, por A eficácia e toxicidade da pentamidina são
ser potencialmente teratogênica ela é similares às dos antimoniais (BRASIL, 2017),
contraindicada para grávidas, sendo obrigatório o entretanto, ela é usada especialmente quando
controle de natalidade durante o tratamento e 3 infecção por L. guyanenesis e L. panamensis
meses após o fim dele (MOKNI, 2019, (MOKNI, 2019). Preferencialmente, os
CHAKRAVARTY & SUNDAR, 2019; MA- antimoniais são utilizados devido ao alto custo
CHADO, 2019; PIJPERS et al., 2019; SURUR (PINART et al., 2020) e frequentemente
et al., 2020). associação a rabdomiólise e diabetes transi-
A MT, indisponível no Brasil, tem tória da pentamidina (MOKNI, 2019).
demonstrado boa eficácia e segurança para LC Dessa forma, a pentamidina é contrain-
por L. braziliensis (75% de cura) e L. dicada para gestantes, lactantes, menores de 1
guyanensis (71% de cura), sendo essas as ano, intolerantes à glicose, pacientes com IR,
espécies com maior prevalência no país IH, doenças cardíacas ou hipersensibilidade
(MACHADO, 2019). Sendo assim, é uma aos componente dessa droga (BRASIL, 2017).
91
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

Já em pacientes com disglicemia, cardiopatias, Ademais, como terapia local pode se


nefropatias, hepatopatias, hiper ou hipotensão, utilizar pomadas à base de MT e pentamidina
hiper ou hipoglicemia, hipocalcemia, leucope- para L. guyanensis e L. panamensi
nia, trombocitopenia e pacientes com uso (CHAKRAVARTY & SUNDAR, 2019).
concomitante de medicações que alteram o Também foi observado que a associação de
intervalo QT o uso deve ser utilizado com creme à base de fluconazol 1% duas vezes por
cuidado (BRASIL, 2017). dia durante 6 semanas ao glucantime
Outro medicamento é o fluconazol, capaz intralesional uma vez por semana potencializa
de bloquear a síntese de ergosterol do o efeito do glucantime (taxa de cura de 64%) e
Leishmania (CHAKRAVARTY & SUNDAR, pode ser usado para tratar a lesão de
2019), tem sido estudado, assim como o leishmaniose cutânea (AZIM et al., 2021).
cetoconazol e o itraconazol, como tratamento
para a LC (CHAKRAVARTY & SUNDAR, Outros tratamentos farmacológicos
2019). O fluconazol é facilmente absorvido O Granulocyte Macrophage Colony-
por VO, tendo baixa toxicidade e sendo Stimulating Factor (GMCSF), fator estimula-
considerado seguro para crianças (FRANCES- dor de colônias de granulócitos e macrófagos,
CONI et al., 2018). Além disso, ele é acessível é capaz de promover a diferenciação dos
em países mais pobres e é de baixo custo, macrófagos em um fenótipo com maior
sendo uma boa opção terapêutica (FRANCES- recrutamento de diferentes tipos celulares
CONI et al., 2018). Nas Américas, o uso de (BERVERT et al., 2018). Um estudo
200mg/dia VO por 6 semanas obteve taxa de observou, respectivamente, taxa de 60% e 40%
cura de 44-59% e, na dose de 400mg/dia, a de cura em 50 e 120 dias após o início do
taxa se elevou para 81% (CHAKRAVARTY tratamento com o GMCDF combinado ao AM
& SUNDAR, 2019). No entanto, outro estudo 20 mg/kg/dia (BERVERT et al., 2018). Além
não relatou melhora significativa da lesão na disso, houve redução do tempo de cura quando
dose de 400 mg/dia (GUERVENO, 2019) e comparado ao tratamento apenas com
outro estudo que avaliou LC por Guyanensis antimonial pentavalente (BERVERT et al.,
em adultos relatou piora quando dose de 450 2018). Desse modo, essa combinação podem
mg/dia e instalação de processo inflamatório ser uma alternativa para o tratamento da LC
em alguns pacientes durante o tratamento (BERVERT et al., 2018).
(FRANCESCONI et al., 2018). A inflamação O omeprazol é uma medicação que atua
é digna de mais estudos, pois a alta taxa de no meio intracelular, se acumulando nos
falha na dose de 450 mg/dia pode estar lisossomas, local onde as amastigotas se
relacionada com um efeito imunológico agrupam nos macrófagos (BERVERT et al.,
mediado não reconhecido associado ao 2018). Ele inibe a enzima K+, H+-ATPase
fluconazol (FRANCESCONI et al., 2018). De gástrica humana, localizada na da membrana
forma geral, o medicamento é bem tolerado, do Leishmania, interrompendo a secreção de
mas pode ocorrer náusea, dor abdominal, dor ácido (BERVERT et al., 2018). Com isso, o
de cabeça, tontura e irritação na pele (PINART omeprazol (40 mg) junto ao AM intramuscular
et al., 2020). (30 mg/kg/dia) apresentou eficácia de 89%
para LC, sendo a eficácia do AM isolado (60
92
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

mg/kg/dia) de 93% (BERVERT et al., 2018). Imunomodulares


A combinação foi tolerada, sem efeitos Nessa categoria de medicamentos os
adversos, e pode ser considerada uma principais são o imiquimod (IMQ) (AZIM et
alternativa eficaz contra a Leishmania (BER- al., 2021), tofacitinibe (CROITORU &
VERT et al., 2018). PIGUET, 2020), o tamoxifeno (TMX)
Em relação a terapia sistêmica, o (MACHADO et al., 2018), a pentoxifilina
cetoconazol é uma das poucas opções (PTX) (CHAKRAVARTY & SUNDAR,
(ARONSON, NAOMI & CHRISTIE, 2019; 2019) e a azitromicina (ZABOLINEJAD et al.,
MOKNI, 2019; PARVIZI et al., 2020; 2020), porém os dados atuais sobre esses
PINART et al., 2020), apresentando taxas de tratamentos são escassos.
cura variáveis (ARONSON, NAOMI & O IMQ modela a resposta imune de
CHRISTIE, 2019; MOKNI, 2019), relacionada mediadores inflamatórios, como: fator de
a menor eficácia deste no subgênero Viannia necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interleucina
(ARONSON, NAOMI & CHRISTIE, 2019). O 12, interferon (IFN) alfa e IFN beta (AZIM et
cetoconazol bloqueia a síntese de ergosterol na al., 2021). Além disso, ele auxilia na
dose de 600 mg/dia para adultos e 10 eliminação de lesões da LC in vitro e in vivo
mg/kg/dia para crianças por 4-6 semanas ao gerar óxido nítrico e induzir respostas
(CHAKRAVARTY, JAYA & SHYAM, 2019; imunes do tipo TH1 (AZIM et al., 2021)
BERVERT et al., 2018). Tal tratamento aumentando a atividade magrófágica contra os
apresenta eficácia de 76-89% contra L. (V.) parasitas (PINART et al., 2020; BERBERT et
panamensis e L. mexicana no Panamá e na al., 2018). Um estudo no Peru com creme de
Guatemala, todavia, não foi eficaz para L. IMQ combinado com AM foi comparado ao
braziliensis (CHAKRAVARTY, JAYA & uso restrito do AM e não houve diferença nas
SHYAM, 2019; BERVERT et al., 2018) e L. taxas de cura após três meses do tratamento,
major (ZABOLINEJAD et al., 2020), sendo porém, o resultado é dúbio devido a amostra
espécie é um fator que influencia na eficácia de apenas 13 indivíduos (PINART et al.,
deste (BERVERT et al., 2018). 2020). Todavia, o imiquimod é considerado
Outra opção terapêutica é a quimioterapia, um bom adjuvante ao antimonial pentavalente
com eficácia anti-leishmania dependente da quando utilizado em concentração adequada,
resposta imune eficiente do tipo Th1, com sendo o risco aceitável apesar de serem
presença de citocinas ativadoras de necessárias mais evidências para a promoção
macrófagos (DAR et al., 2020). Ademais, são da sua aplicabilidade clínica (BERBERT et al.,
limitações: o alto custo, difícil manejo e alta 2018).
toxicidade da medicação (AGHAEI et al., O tofacitinibe possui relação com a
2019; ULIANA et al., 2018). Apesar do diminuição da gravidade das lesões cutâneas
tratamento ser considerado eficaz por resultar da leishmaniose, pois inibe a granzima B, um
na cura clínica, ele não erradica, necessa- grânulo serino-protease do linfócito T
riamente, o parasita (MOKNI, 2019), havendo citotóxico, reduzindo assim a sinalização do T
necessidade de novas alternativas quimiote- helper (CROITORU & PIGUET, 2020). O uso
rápicas (ULIANA et al., 2018). tópico dele pode ser incluído no tratamento de
LC, por ele bloquear a citólise de TCD8,
93
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

extremamente importante para o sistema A azitromicina pode ser utilizada no


imune por eliminar as células infectadas pelo tratamento da leishmaniose e possui estrutura
Leishmania (CROITORU & PIGUET, 2020). similar a claritomicina, desse modo, essas
Em um estudo com camundongos com drogas possuem efeitos contra a Leishmania
utilização da forma tópica relatou redução (ZABOLINEJAD et al., 2020). Um estudo
quantitativa significativa das lesões, da realizado na Turquia demonstrou que a
convocação de neutrófilos e da geração de azitromicina aumentou a morte intracelular
granzima B (CROITORU & PIGUET, 2020). dos amastigostas e reduziu em 50 vezes, em
O tamoxifeno, modulador específico do meio de cultura, o número de promastigostas
estrogênio, tem sido estudado para tratamento da Leishmania Major na Filadélfia
de LV e LC, sendo relatado eficiência igual ou (ZABOLINEJAD et al., 2020). Ademais, o
superior aos antimoniais pentavalentes tratamento durante seis semanas in vivo
(MACHADO et al., 2018). Nesse sentido, uma apresentou resultados positivos com
pesquisa com humanos associando o TMX aos diminuição da extensão da lesão e da
antomoniais, encontrou maior eficácia do que quantidade de parasitas, portanto, o uso de
o tratamento com antimonais isolados, mas a azitromicina contra leishmania foi eficiente in
diferença não foi significante (MACHADO et vitro e in vivo (ZABOLINEJAD et al., 2020).
al., 2018). Além disso, o uso de TMX tópico
precisa ser administrado com um medicamento Curativos, vacinas e mel tópico
padrão para previnir complicações como LM O curativo de poliéster contendo prata
ou LCD, porém, o fármaco oral é acessível e, (prata PD) é um composto de rede de
apesar de não existir uma diferença grande da poliamida hidrofóbica com fibras revestidas de
eficiência entre os fármacos testados, o prata que incorporam e liberam a prata na
tamoxifeno é clinicamente relevante devido a lesão (BERBERT et al., 2018). Sabe-se que a
sua baixa toxicidade (MACHADO et al., prata tem atividade antimicrobiana, mas não
2018). diferencia patógenos de outras células, como
A pentoxifilina é um inibidor de TNF-alfa fibroblastos e queratinócitos, de forma que
e IFN gama (PINART et al., 2020) indicado pode causar morte celular (BERBERT et al.,
pelas diretrizes da Organização Pan- 2018). Entretanto, o fabricante do Atrauman
Americana da Saúde como tratamento de Ag® afirma que uma concentração maior de
primeira linha (CHAKRAVARTY & prata é necessária para levar à morte das
SUNDAR, 2019). O uso da medicação em células humanas e, especificamente no caso do
combinação com os antimoniais pentavalentes Atrauman Ag®, a liberação de prata é pequena
reduz consideravelmente o tempo de cicatri- (BERBERT et al., 2018). Além disso, foi
zação das lesões (CHAKRAVARTY & afirmado que o curativo libera prata apenas
SUNDAR, 2019), encurtando a duração do quando em contato com bactérias e nenhuma
tratamento, diminuir as doses e, consequen- influência negativa dos íons de prata foi
temente, reduzir os efeitos colaterais exercida em células humanas (BERBERT et
(CHAKRAVARTY & SUNDAR, 2019; al., 2018). O uso de DP de prata isolado ou em
BRASIL 2017). combinação com antimonial pentavalente
precisa ser mais investigado devido à escassez
94
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

de estudos que utilizaram DP de prata para evidências que elucidam o uso do mel
tratar LC e aos vários fatores que podem (BERBERT et al., 2018). Além disso, há
influenciar sua eficácia (BERBERT et al., estudos que apontam que o mel pode retardar o
2018). tempo de cicatrização em alguns tipos de
Em relação a vacinação, a LEISH-F1 + feridas, como a LC (BERBERT et al., 2018).
MPL-SE foi a primeira vacina candidata a Vários são os fatores relacionados ao mel que
entrar em ensaios clínicos, sendo composto devem ser levados em consideração, como o
pela proteína de fusão recombinante Leish- tipo e a composição do mel, bem como a
111F e um adjuvante em emulsão óleo-água melhor forma de aplicação, de forma que ele
(monofosforil lipídeo A-MPL) (BERBERT et merece ser melhor avaliado para ser
al., 2018). Foi demonstrado que a Leish-F1 + combinado com antimoniais pentavalentes no
MPL-SE era segura, imunogénica e eficaz em tratamento da LC (BERBERT et al., 2018).
induzir a produção de anticorpos IgG e outras
citoquinas em humanos e ratos (BERBERT et Outras terapias locais
al., 2018). Além disso, a vacina foi testada em A crioterapia envolve a aplicação de
combinação com antimoniais pentavalentes e nitrogênio líquido a cada 3 a 7 dias por uma a
foi visto que a associação pode ser útil para cinco sessões (MOKNI, 2019), sendo a
tratar LC, principalmente por ela aparentemente aplicação consistente em dois ciclos de 10-15
diminuir as recorrências da doença observadas segundos separados por um intervalo de 20
com antimônio pentavalente sozinho (BER- segundos (MOKNI, 2019). Com a aplicação
BERT et al., 2018). Os riscos relacionados ao do nitrogênio há formação de gelo intracelular,
seu uso são aceitáveis, portanto necessita ser causando à destruição das células e,
melhor explorado (BERBERT et al., 2018). consequentemente, necrose isquêmica locali-
O mel era usado, há muitos anos, para zada (VARGAS et al., 2019). Foi observado
tratar diversos tipos de lesões, mas não há que, na Bolívia, a crioterapia para lesão única
consenso sobre sua eficácia na cicatrização de por infecção por L. braziliensis teve uma taxa
lesões e há poucos dados sobre o uso deste na de cura de apenas 20% (VARGAS et al.,
LC (BERBERT et al., 2018). Está bem 2019) e associação a eritema, edema local,
estabelecido que o mel possui ação hipo ou hiperpigmentação e ardor e infecções
antimicrobiana, podendo atuar nos tecidos, secundárias (VARGAS et al., 2019).
contribuindo para a sua reparação, e no O laser ablativo fracionário de CO2,
sistema imunológico, devido à ação pró- também chamado de Laser de CO2, foi
inflamatória e anti-inflamatória (BERBERT et reconhecido como um tratamento eficaz para
al., 2018). O Food and Drug Administration cicatrizes antes de serem usados para lesões
(FDA) já aprovou alguns produtos à base de LC (ARTZI et al., 2019). O laser é
mel com diferentes indicações clínicas, mas considerado eficaz para cicatrizes atróficas
alguns autores permanecem cautelosos quanto cutâneas decorrentes da LC (ARTZI et al.,
ao seu uso clínico para a cicatrização de lesões 2019) e atua por termólise específica do tecido
(BERBERT et al., 2018). Foi relatado que o infectado, com efeitos colaterais menores no
mel parece ser benéfico para cicatrização de tecido normal (VARGAS et al., 2019). Os
feridas em alguns tipos de lesões, mas não há efeitos adversos mais comumente observados
95
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

no tratamento com laser de CO2 foram pacientes com contraindicação absoluta ou


hiperpigmentação, vermelhidão persistente e relativa à terapia convencional, como:
cicatrizes hipertróficas (VARGAS et al., cardiopatas, pacientes com insuficiência renal
2019). e hepática, gestantes e pacientes HIV-positivos
A termoterapia, ou seja, a aplicação de (GONÇALVES & COSTA, 2018).
calor local tem sido usada historicamente para Já a ozonioterapia busca aumentar a
tratar lesões LC (GONÇALVES & COSTA, quantidade de oxigênio no organismo
2018), havendo estudos que demonstraram que (AGHAEI et al., 2019), sendo o ozônio um
a Leishmania não se multiplica em forte agente oxidante contra bactérias gram-
temperaturas acima de 39°C in vitro positivas e negativas, vírus, protozoários e
(VARGAS et al., 2019). Estudos da esporos de bactérias e fungos usado na
termoterapia com radiofrequência sugerem que cicatrização rápida de feridas, estimulação
existe uma fase de crescimento e sobrevivên- imunológica, tratamento de todos os cânceres
cia desses parasitas que é sensível ao calor e infecções, entre outros (AGHAEI et al.,
(GONÇALVES & COSTA, 2018). Essas 2019). Entretanto, ainda há poucos estudos
observações fomentaram a associação a sobre o uso desse para a LC (AGHAEI et al.,
banhos quentes, luz infravermelha, estimula- 2019).
ção elétrica direta, laser e terapia fotodinâmica
para o tratamento das lesões (GONÇALVES Nanotecnologia
& COSTA, 2018). Produtos com tecnologia de nanopartículas
Dentre as opções de tratamento localizado, estão em constante pesquisa, mas alguns
a termoterapia por radiofrequência aparece trabalhos sugerem que as nanovesiculas
como uma opção viável, pois é eficaz e requer elásticas demonstram resultados superiores em
apenas uma sessão, melhorando a adesão do relação a aplicação dérmica de fármacos,
paciente (GONÇALVES & COSTA, 2018). sendo que grande parte dos tratamentos anti-
São fatores a favor do uso dessa: possibilidade leishmania possuem baixa absorção percutânea
de identificar quais áreas já foram tratadas e (DAR et al., 2020). Essas nanopartículas
quais não foram; e o aparelho ser leve e (NELs) encapsulam drogas hidrofílicas e
utilizar baterias recarregáveis, possibilitando hidrofóbias em uma única vesícula, a qual é
seu uso em áreas rurais ou sem energia capaz de alcançar a camada dérmica profunda
elétrica; não existe acompanhamento por ao penetrar os poros da pele, o que é possível
exames laboratoriais (GONÇALVES & devido a sua capacidade de deforminadade e a
COSTA, 2018). O motivo por que a seu pequeno diâmetro, o que permite o
termoterapia é menos usada é por requerer aperfeiçoamento da atividade terapêutica da
profissionais experientes e um aparelho medicação (DAR et al., 2020).
específico (PARVIZI et al., 2020), que ainda é Uma análise da administração de
relativamente caro, tornando-o de difícil estibogluconato de sódio com cetoconazol por
acesso em países endêmicos (GONÇALVES meio das nanopartículas foi realizada para
& COSTA, 2018). Todas as vantagens citadas verificar a eficácia desse encapsulado e exibiu
fazem da termoterapia uma boa alternativa eficiência aprimorada contra amastigotas
para o tratamento da LCL, principalmente em intracelulares, devido ao aumento da interação
96
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

das nanovesículas com a membrana do infraestrutura escassa, ou seja, a maioria das


parasita, havendo assim morte do protozoário áreas endêmicas de LC, onde são necessários
em doses mais baixas (DAR et al., 2020). monitoramento laboratorial e equipe de saúde
Entretanto, acreditava-se que a toxidade das treinada para o manejo correto do antimônio
NELs fosse menor em comparação com a pentavalente.
droga simples, mas ela é mais citotóxica, Os medicamentos considerados de segunda
possivelmente, pela captação aumentada de escolha são a AB, a MT, a Pentamidina e o
estibogluconato de sódio e cetoconazol pelos Fluconazol apresentam boa eficácia,
macrófagos que resultou em uma liberação principalmente, contra determinados gêneros
local ampliada de dois fármacos simultanea- de Leishmania, todavia, todos esses
mente (DAR et al., 2020). apresentaram efeitos adversos, como náuseas,
Além disso, um estudo feito com vômitos, tontura entre outros. É importante ter
nanopartículas de poliaprolactonas com em mente que o fluconazol é facilmente
anfotericina B in vitro para aplicação dérmica absorvido por via oral e possui alta eficácia em
em infecções por leishmaniose mostrou relação à L. Guyanensis, enquanto a
eficácia de 85,90%, em razão do anfotericina B liposomal é indicada como de
direcionamento de macrófagos que aumentou primeira escolha em casos de LCL,
a atividade terapêutica contra a Leishmania e principalmente, para os gêneros L. guyanensis,
proporcionou a inibição do parasita com L. braziliensis, L. infantum ou L. Aethiopica.
baixas concetrações em comparação a Em relação aos outros tratamentos
fármacos usados clinicamente (SAGIB et al., farmacológicos, foi visto que o GMCSF e o
2020). Em síntese, as nanotecnolgias são omeprazol quando combinados, isoladamente,
capazes de permitir novos meios para o com AM apresentam alta eficácia. O
tratamento da leishmaniose, mas precisa-se de cetoconazol apresentou melhor efeito positivo
ensaios, principalemnte in vivo, para tornar contra o gênero contra L. panamensis e L.
essa técnica clinicamente viável (SAGIB et al., Mexicana, e a quimioterapia necessita ser
2020). melhor investigada, já que ela não erradica os
parasitas no hospedeiro. Outrossim, há
CONCLUSÃO diversas terapêuticas sendo estudadas que
podem beneficiar a população, com destaque
O tratamento padrão ouro atual contra a para: a termoterapia quando diversas
LC, por meio dos antimoniais pentavalentes, é comorbidades; a nanotecnologia que permite o
baseado em medicamentos com perfil de tratamento local; o tofacitinibe quando lesões
segurança insatisfatório e com alto índice de disseminadas; a pentoxifilina que pode encurtar o
falhas terapêuticas. Dessa forma, as terapias tempo do tratamento e, consequentemente, os
alternativas são necessárias principalmente efeitos colaterais; a azitromicina quando lesões
para pacientes com doença leve, sem extensas; e o laser de CO2 com benefícios
envolvimento da mucosa e que não são comprovados em relação a cicatrização.
imunocomprometidos, e, em especial, para Todas essas terapias podem ser usadas de
pacientes que vivem em áreas com forma individual ou de conjuntos, dependendo
das necessidades do paciente. Desse modo, é
97
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

de suma importância a realização de estudos e padrão ouro, apresentam alta toxicidade ou


pesquisas em prol da descoberta e da baixa eficácia. Infelizmente, por se tratar de
fabricação de novos medicamentos e em busca uma doença negligenciada, os investimentos
da redução do custo das formas de tratamento em pesquisa são escassos.
existentes, haja vista que elas, inclusive o

98
Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

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Capítulo 10
Parasitologia Humana e Veterinária

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100
Capítulo 11
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 11
USO DE FITOTERÁPICOS
NO TRATAMENTO DA
LEISHMANIOSE CUTÂNEA:
UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA

Ana Carolina Gomes Cokely Ribeiro¹


Bruno Vinícius De Aquino Mendes1
Giovanna De Moraes Leoni1
Luana Gabrielly Rodrigues Silva1
Luana Magni Cadamuro1
Tainara Paula Da Anunciação Penha1
Vanessa Leiria Campo2

1Discente – Medicina do Centro Universitário Barão de Mauá (CBM).


2Docente – Bioquímica no Centro Universitário Barão de Mauá (CBM).

Palavras-chave: Leishmaniose cutânea; Plantas medicinais; Terapia


alternativa. 101
Capítulo 11
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO A doença possui uma grande incidência,


principalmente nos países tropicais, desde a
A leishmaniose é uma doença infecciosa Ásia até as Américas, atingindo homens e
causada pelos protozoários do gênero animais silvestres e domésticos (ALVARENGA
Leishmania, cuja transmissão para o ser et al., 2010). Tal circunstância pode estar
humano ocorre através da picada do mosquito associada à degradação da natureza e ao
fêmea da espécie dos flebotomíneos, crescimento urbano, fazendo com que o
conhecido popularmente como mosquito- homem fique cada vez mais próximo do vetor.
palha. Ao adentrar o corpo humano, o Outrossim, complicações com o controle dos
protozoário invade as células na forma vetores, forma de tratamento ou resistência aos
promastigota (forma infecciosa) e é fagocitado tratamentos oferecidos, o que pode levar à uma
pelos macrófagos, transformando-se em amas- cronicidade ou incurabilidade (KYRIAZIS et
tigota (forma não móvel e não flagelada). Uma al., 2013). No Brasil, essa parasitose se
vez que são capazes de sobreviver às defesas distribui por todo o país, mas teve sua
da célula hospedeira, eles conseguem se concentração de casos inicialmente nas regiões
multiplicar até que as células sofram lise, Norte e Nordeste, sendo, assim, associada a
liberando os parasitas que irão se espalhar e fatores socioeconômicos que agravam a
infectar as células de outros tecidos. O situação (CERBINO et al., 2009). Entretanto,
mosquito, ao se alimentar do sangue do apesar de apresentar caráter emergencial e uma
hospedeiro, ingere as células contaminadas imediata urgência de controle do vetor e
pelos amastigotas, os quais se transformarão disponibilidade de tratamento, esta ainda é
em promastigotas no aparelho digestivo do considerada uma doença negligenciada
inseto e, posteriormente, irão para a (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017).
probóscide do inseto e, ao picar o homem, o O Sistema Único de Saúde (SUS)
ciclo se reinicia (SINGH et al., 2014). disponibiliza formas de notificação e combate
A Leishmaniose cutânea (LC), umas das aos focos dos vetores, além de tratamentos
três formas da Leishmaniose tegumentar farmacológicos, os quais são compostos por
americana, é responsável por 90% dos casos antimoniais pentavalentes, miltefosina e
no Brasil e apresenta três espécies principais: anfotericina B. O antimoniato de N-metil-
Leishmania braziliensis, Leishmania amazo- glucamina (Glucantime) (AM), recomendado
nensis e Leishmania guyanensis que afetam pelo Ministério da Saúde, na dose de 20 mg
principalmente a pele, cartilagens da naso- durante vinte dias consecutivos é o principal
faringe e mucosas de forma localizada ou medicamento no combate à essa parasitose
difusa (CARDOSO et al., 2012). Além disso, é (SINGH et al., 2014). Esse fármaco é
caracterizada por apresentar uma lesão considerado eficaz, porém possui alta toxicidade,
ulcerativa, com crescimento diferenciado, podendo trazer impactos negativos para o
bordas elevadas, com fundo extremamente paciente como dores musculoesqueléticas,
avermelhado e granulomatoso e que alterações gastrointestinais, cefaleia de leve a
normalmente é indolor. moderada intensidade; alterações eletrocardio-
gráficas, isquêmicas e laboratoriais, com

102
Capítulo 11
Parasitologia Humana e Veterinária

aumentos leves a moderados das enzimas buscas em livros didáticos nos últimos 20
pancreáticas e hepáticas (LYRA, 2013). anos. Foram utilizadas as bases de dados:
Assim, esses efeitos adversos, o custo e o Scientific Eletronic Library OnLine (SciELO),
surgimento de cepas resistentes, induz a BMC Complementary Medicine and Terapies,
descontinuidade de tratamento e a busca por Journal of Tropical Pathology, Internet
métodos alternativos de tratamento (HELL- Scientific Publications, Revista Cereus, Arca
MANN et al., 2018). Fio Cruz, Revista Unipar, Repositório
Diante deste cenário aumentou-se o institucional UNIFESP, entre outros. Estes
interesse por estudos de plantas medicinais, foram previamente consultados em português
visando a obtenção de novos compostos com por meio dos descritores “plantas medicinais”,
propriedades terapêuticas para o tratamento da leishmaniose, extrato de plantas, cutânea e
leishmaniose cutânea. Esses novos compostos seus correspondentes em inglês (Tabela 11.1).
podem ser achados na medicina popular, uma
vez que a fitoterapia é amplamente distribuída Tabela 11.1 Critérios de inclusão e exclusão adotados
e utilizada por muitos, como uma prática na revisão

milenar. À exemplo disso apresentam-se as Inclusão Exclusão

espécies Kalanchoe pinnata, Glycyrrhiza -Trabalhos sobre efetividade


glabra, Aloe vera e Casearia sylvestris, que de plantas medicinais no
tratamento da leishmaniose -Trabalhos focados na
demonstraram uma a eficácia contra a leishmaniose visceral
cutânea
atividade do parasita a partir de suas
-Trabalhos em português ou
propriedades (OLIVEIRA et al., 2013). inglês nos últimos 20 anos -Trabalhos com resultados
Nesse sentido a presente prospecção tem o -Trabalhos sobre efetividade negativos ou inconclusivos
objetivo de realizar uma revisão bibliográfica de plantas medicinais e le- para a efetividade de plan-
acerca do uso fitoterápico de plantas sões cutâneas em geral tas medicinais no trata-
medicinais para o tratamento da leishmaniose -Plantas medicinais inclusas mento da leishmaniose cu-
tânea
cutânea. Em suma, o objetivo do estudo em no Programa Nacional de
questão é realizar uma revisão de literatura Plantas Medicinais e Fitote-
rápico
existente sobre o uso de fitoterápicos no
tratamento da leishmaniose cutânea, mais
especificamente o uso de Kalonchoe pinnata, A análise dos artigos foi realizada em três
Glycyrrhiza glabra, Aloe vera e Casearia etapas. A primeira foi avaliar os textos quanto
sylvestris swartz. ao título, na segunda etapa foi realiza a leitura
dos artigos em questão que foram escolhidos
MÉTODO na primeira etapa, foram escolhidos o que
avaliaram a utilização de plantas medicinais no
tratamento da leishmaniose. Em seguida, foi
O presente estudo trata-se de uma análise
refeita uma reavaliação a fim de identificar os
de dados secundários, por meio de uma revisão
artigos que citavam o fitoterápico utilizado,
da literatura sobre a utilização de fitoterápicos
seus constituintes, uso popular é provável
no tratamento de leishmaniose cutânea. Para
mecanismo de ação. Por fim, as informações
tal, foram analisados artigos científicos e

103
Capítulo 11
Parasitologia Humana e Veterinária

encontradas nos artigos foram descritas e variedade de plantas medicinais no tratamento


sistematizadas por meio do programa da leishmaniose cutânea, diante disso,
Microsoft Excel de forma a atender o objetivo selecionou-se três espécies para discutir
final do trabalho: uso de fitoterápicos no minuciosamente. As três espécies de plantas
tratamento de leishmaniose cutânea. escolhidas estão expostas na Tabela 11.2, a
qual foi construída baseando-se nas seguintes
RESULTADOS E DISCUSSÃO informações: espécie da planta, nome popular,
substância estudada, extrato, espécie do
Foram encontrados diversos resultados de parasito, mecanismo de ação e referência.
estudos sobre a efetividade do uso de uma

Tabela 11.2 Espécies de plantas escolhidas que demonstram efetividade no tratamento da leishmaniose cutânea

Espécie da Substância Espécie do Mecanismo de


Nome popular Extrato Referência
planta estudada parasito ação

Estimulação da
Folha-da-fortuna, produção de
Kalonchoe coirama, roda-da- Glicosídeo L. amazonenses NO pelo (MUZITANO
Folhas
pinnata fortuna, erva-da- quercetina (amastigota) macrófago, et al., 2006)
costa causando morte
do parasita
Inibição da
L. donovani enzima HMGR
Glycyrrhiza Ácido (DINESH et
Alcaçuz Folhas (amastigota e e depleção dos
glabra glicirrízido al., 2017)
promastigota) níveis de
ergosterol
L. amazonenses,
L. brasiliensis,
Casearia L. chagasi e L.
sylvestris Guaçatonga, erva-de- Extrato major (ANTINARELI
Folhas N.A.
bugre metanólico (promastigota); et al., 2015)
swartz L. amazonenses
(promastigota e
amastigota)
Babosa, Aloé, Aloé
candelabro, Aloé do
Aloe vera natal, Babosa de
Extrato L. donovani, L. (MANS et al.,
(L) Burm. arbusto, Caraguatá, Folhas N.A.
metanólico amazonenses 2016)
F. Caraguatá de jardim,
Erva babosa, Erva de
azebra
N.A.: não se aplica.

A Kalonchoe pinnata (Figura 11.1), fortuna, pertence à família Crassulaceae e


também conhecida no Brasil, como folha-da- é nativa de Madagascar, mas pode ser
encontrada na China, Índia e em países
104
Capítulo 11
Parasitologia Humana e Veterinária

tropicais (UNIVERSIDADE FEDERAL DO aquoso das folhas da Kalonchoe pinnata sendo


ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2021). É esses dois compostos os que tiveram as
uma planta suculenta e corpulenta com folhas maiores eficácias (SOBREIRA, 2013).
estratificadas, com altura máxima de 150
centímetros e com coloração variada de acordo Figura 11.2 Fórmula estrutural da quercitrina
com a idade — caules esbranquiçados para
plantas mais velhas e caules avermelhadas
para plantas jovens — (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, 2021), as quais são usadas
popularmente contra gastrite, úlcera, infecções
bacterianas, virais e fúngicas, infecções de
ouvido, vômito, entre outras enfermidades
(ARAÚJO, 2017). Fonte: ChemSpider – Search and share chemistry
(ROYAL SOCIETY OF CHEMISTRY, 2021).
Figura 11.1 Folhas de Kalonchoe pinnata
Nesse viés, observou-se em um estudo, in
vivo, que a quercitrina — um flavonoide
glicosado —, em uma concentração de
100 µg/mL, inibiu 93,9% do crescimento da
Leishmania amazonesis na sua forma
amastigota e demonstrou baixa citotoxicidade,
além de explicitar a redução do aumento das
lesões cutâneas em conjunto com a redução
dos números de parasitas viáveis em
camundongos infectados com Leishmania
chagasi (SOBREIRA, 2013). Nessa perspec-
Fonte: Institute for Systematic Botany: Atlas of Florida
tiva, em um outro estudo realizado em um
Plants (WUNDERLIN et al., 2021).
homem com 36 anos de idade com diagnóstico
A Kalonchoe pinnata está entre as plantas de leishmaniose cutânea, no qual foi feito o
mais pesquisadas para o tratamento de lesões tratamento com o extrato aquoso, via oral, na
com facilidade de serem testadas em dose de 215 mg/kg, obteve-se também redução
laboratórios (GILSON JUNIOR et al., 2019) e, da lesão cutânea, sem efeitos colaterais ou
ainda, apresenta uma vasta lista de classes de toxicidade (SOBREIRA, 2013).
substâncias na composição, entretanto, dar-se- A espécie Glycyrrhiza glabra (Figura
á o foco na classe dos flavonoides (SOBREIRA, 11.3), conhecida comumente como alcaçuz,
2013). Os estudos foram testados com alguns pertence à família Fabaceae e encontrada em
flavonoides, como os flavonoides do tipo regiões de clima quente e tropicais, principal-
quercetina 3-O-α-L-arabinopiranosil (12) α- mente nos países do Mediterrâneo, mas pode
L-ramnopiranosídeo e quercitrina (Figura ser encontrada em diferentes locais no mundo
11.2) — os quais foram isolados do extrato (FELTRIN, 2010). Ela é uma erva perene, com

105
Capítulo 11
Parasitologia Humana e Veterinária

altura de aproximadamente 1 metro. Suas antiulcerogênica, anti-inflamatória, analgésica,


folhas são pinadas, possuindo folhetos de cicatrizante, digestiva, diurética, normali-
formato oval, e suas flores são espigas axilares zadora da pressão arterial, para o coração, para
com coloração violeta (FELTRIN, 2010). O alergias, coceiras, controle da febre, anemia,
composto ativo dela, o ácido glicirrízico (GA) imunidade baixa e antirretroviral (SILVA,
(figura 38.4), contém atividades antivirais, 2016). Entretanto, a atividade antitumoral
antialérgicas, antimicrobianas e antioxidantes, pode ser considerada a mais relevante e vem
sendo altamente relevante na medicina sendo testada em diversas linhagens celulares
(HELLMANN et al., 2018). (SILVA, 2016).

Figura 11.3 Folhas de Glycyrrhiza glabra Figura 11.4 Fórmula estrutural do ácido
glicirrízico

Fonte: Royal Botanic Gardens – kewscience


(GARDENS, 2021).
Fonte: ChemSpider – Search and share chemistry
(CHEMISTRY, 2021).
Destarte, demonstrou-se em um estudo que
o ácido glicirrízico conseguiu suprimir o Descobertas recentes indicam que a planta
crescimento in vitro de amastigotas e Casearia sylvestris swartz e seus metabólicos
promastigotas da Leishmania donovani. Sendo possuem uma grande atividade antileishmania
que, ao investigar o mecanismo de ação desse contra as formas promastigota e amastigota
ácido, notou-se que há a inibição da enzima de Leishmania amazonenses (MOREIRA et
HMGR e depleção dos níveis de ergosterol, o al., 2019), pois podem contribuir para superar
que causa a morte do parasita a resistência que determinados parasitas
(HELLMANN et al., 2018). protozoários possuem sobre fármacos. Tal fato
A Casearia sylvestris swartz (Figura 11.5) pode ser analisado através de seus metabolitos
da família Salicaceae, popularmente casearinas — responsáveis pela atividade
conhecida como Guaçatonga ou erva-de- antiumoral — isolados que demonstram ação
bugre, apresenta distribuição em quase todo contra Leishmania spp, uma vez que podem
território nacional, mas principalmente no provocar o rompimento da membrana plasmática
nordeste do Brasil (MOREIRA et al., 2019). do parasita, gerando o esgotamento dos
É uma planta aromática e seus óleos gradientes iônicos, efluxo de nutrientes e
essenciais possuem grande complexidade outros componentes citoplasmáticos, provocando
farmacológica, podendo ser empregada como
106
Capítulo 11
Parasitologia Humana e Veterinária

à lise e posteriormente a morte celular Figura 11.6. Fórmula estrutural dos principais
(MENEGUETTI et al., 2015). compostos da Casearia sylvestris swartz: 1- E-
Outrossim, verificou-se que o extrato dessa caryophyllene; 2- germacrene D; 3-
espécie proporcionou atividade contra as bicyclogermacrene; 4- δ-cadinene
formas promastigotas de Leishmania (L.
amazonenses, L. brasiliensis, L. chagasi e L.
major), nos seguintes valores de CI50: 5,4
μg/mL, 5,0 μg/mL, 8,5 μg/mL e 7,7 μg/mL.
Com isso, os pesquisadores afirmam que a
atividade leishmanicida do extrato metanólico
de C. sylvestris é mais eficaz do que o fármaco Fonte: (MOREIRA et al., 2019).
de referência miltefosina (SILVA, 2016).
Um estudo feito por Dutta et al. (2007)
Figura 11.5 Folhas da Casearia sylvestris demonstrou que concentrações de 93 µg / ml e
swartz 75 µg / ml de extrato metanólico de Aloe vera
foram capazes de matar 50% dos parasitas
Leishmania donovani cultivados em cultura,
em 48 e 96 horas respectivamente.

Figura 11.7 Fórmula estrutural da barbaloína


e da isobarbaloína.

Fonte: As Plantas Medicinais (MEDICINAIS, 2012).

As folhas de Aloe vera podem ser


Fonte: URBINA; NOVA; URIBE, 2011
divididas em duas partes, sendo uma mais
externa – provê um suco de forte odor e sabor Outro fato importante para o uso de Aloe
amargo contendo derivados antracênicos como vera no tratamento da leishmaniose cutânea é
as aloínas, principalmente barbaloína e que um estudo feito por Queiroz et al. (2014)
isobarbaloínas (Figura 11.7) – e uma mais demonstrou que seu uso não causou grandes
interna, da qual se extrai um gel de rápida danos a células hospedeiras, apesar de possuir
oxidação e rico em diversas substâncias, como saponina – tóxica para monócitos. No entanto,
polissacarídeos, cálcio, potássio, vitaminas A, o mesmo estudo demonstrou que, em uma
B, C e E, dentre outros componentes concentração de 100 𝜇g/mL, essa planta teve
(FREITAS et al., 2014). uma eficácia de 75,6% na inibição das formas

107
Capítulo 11
Parasitologia Humana e Veterinária

extracelulares, sendo menos eficaz que o valorização e perpetuação de conhecimentos


tratamento feito com pentamidina. tradicionais e regionais, a menor ocorrência de
O SUS disponibiliza o gel e o creme de efeitos colaterais, a menor dependência
Aloe vera para uso em casos de queimadura de tecnológica, a maior disponibilidade da
1° e 2° grau, além do uso coadjuvante em matéria-prima, o menor gasto com produção,
pacientes com Psoriase vulgaris (BRASÍLIA, fatos esses que contribuem para uma melhora
2013). Ademais, o Aloe vera é contraindicado singela da economia do país (MINISTÉRIO
na gravidez, além de que seu uso crônico pode DA SAÚDE, 2006).
causar hepatite aguda, dermatite de contato,
maior captação de pertecnetato de sódio CONCLUSÃO
(causando alterações em exames diagnósticos
de imagem), lesões renais crônicas, no Com base na pesquisa bibliográfica e
aparelho neuromuscular, como foi compilado revisão sistemática realizada, constata-se que o
por Freitas e colaboradores (2014). uso de plantas medicinais no tratamento da
Além disso, a Kalonchoe pinnata, leishmaniose cutânea é possível e eficiente.
Glycyrrhiza glabra e Casearia Dentre os efeitos observados, a Kalonchoe
sylvestris swartz são uma das 71 plantas pinnata deve ser destacada por não ter
medicinais com prioridade de pesquisa e apresentado efeitos colaterais ou que
ensaios clínicos presente na Relação Nacional indicassem toxicidade nos estudos analisados.
de Medicamentos Essenciais (RENAME), a Além disso, a Glycyrrhiza glabra também
qual é responsável pela organização dos apresentou eficácia na neutralização e
medicamentos disponíveis no Sistema Único eliminação do parasita por meio da inibição da
de Saúde (SUS) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, enzima HMGR. A Casearia sylvestris swartz,
2020). Isto está entrelaçado com a Política por sua vez, foi mais eficiente que a
Nacional de Plantas Medicinais e administração de miltefosina. Por fim, embora
Fitoterápicos, a qual possui como objetivos a Aloe vera tenha se mostrado capaz de matar
garantir o acesso e o uso seguro de plantas algumas espécies de Leishmania, seu efeito
medicinais para a população brasileira, não é mais potente do que o tratamento com a
promover a sustentabilidade, incentivar o uso pentamidina. Ademais, esses fitoterápicos
da Medicina Integrativa no Sistema Único de possuem mecanismos de ação diferentes, desse
Saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021). modo possuem efetividade específica para
A Organização Mundial da Saúde (OMS), diferentes formas e espécies de Leishmania, o
há anos, vem construído um olhar de atenção que deve ser levado em consideração na
para a pesquisa farmacológica de plantas, visto escolha do tratamento. Diante do exposto,
que 70 a 95% dos cidadãos dos países em infere-se que os estudos com distintas plantas
desenvolvimento usam de forma prioritária, na medicinais são necessários para desenvolver
Atenção Básica de Saúde, terapias medicamentos alternativos que tornem o
tradicionais, como o uso de plantas medicinais tratamento mais seguro e eficaz para o
(MACEDO, 2016). Assim, é relevante o paciente.
estudo do uso de fitoterápicos, uma vez que
essa prática traz como benefícios, a
108
Capítulo 11
Parasitologia Humana e Veterinária

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110
Capítulo 12
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 12
POTENCIAL
TERAPEUTICO DOS
ÓLEOS ESSENCIAIS
CONTRA
LEISHMANIOSES
Sandra Alves De Araujo¹
Leonardo Costa Rocha2
Emilly De Souza Moraes2
Suelem Maria Araújo Pereira2
Wendel Fragoso De Freitas Moreira3
Ailésio Rocha Mendonça Filho3
Allana Freitas Barros4

1Mestre em Ciências da Saúde/UFMA.


2Discente do curso de Medicina Veterinária/UEMA.
3Médico Veterinário
4Mestre em Ciência Animal/UEMA.

Palavras-chave: Leishmania; Controle alternativo; Óleos essenciais. 111


Capítulo 12
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO seu potencial de adaptação a diferentes climas


e ambientes urbanos, e é considerado o
A leishmaniose é uma doença tropical principal transmissor do protozoário L.
negligenciada de grande importância para a infantum responsável pela Leishmaniose
saúde pública, causada por protozoários do Visceral (LV), endêmica em mais de 60
gênero Leishmania e com manifestações países, incluindo Brasil, Etiópia, Quênia,
clínicas distintas (TORRES-GUERRERO et Índia, Somália, Sudão e Sudão do Sul
al., 2017; ALVAR & ARANA, 2018). Estima- (SHEIKH et al., 2020). A LV é principalmente
se que em 98 países existem relatos estudada nos cães, importante reservatório
confirmatórios da existência da doença, sendo para infecções em humanos. No Brasil, cerca
que, 88 desses países são considerados de 97% dos casos de LV em humanos são
endêmicos (ROCHA et al. 2019). Segundo procedentes da espécie L. infantum chagasi
Sheikh et al. (2020) os fatores de riscos para a (PIRAJÁ et al., 2013).
alta incidência da doença em muitos países A Leishmaniose Tegumentar (LT) pode ser
incluem, migração populacional em áreas classificada em cutânea (LC) e mucocutânea
endêmicas e não endêmicas, desnutrição, (LM). Sua prevalência é relatada principal-
pobreza, estado imunológico do hospedeiro e mente em países como Brasil, Paquistão,
principalmente, fatores climáticos do país. Afeganistão, Síria, Arábia Saudita, Irã, Argélia
A leishmaniose é transmitida através da e Peru. No Brasil, a espécie L. (Viannia)
picada de flebotomíneos pertencentes ao braziliensis é a principal responsável pela LT
gênero Phlebotomus no velho mundo e o (PENNISI & PERSICHETTI, 2018; SHEIKH
Lutzomyia no novo mundo (ALVAR et al., et al., 2020).
2012). O hábito hematófago das fêmeas para O tratamento da doença ainda é baseado na
maturação dos ovos possibilita que estas utilização de drogas comerciais, os antimoniais
adquiram o protozoário de animais infectados pentavalentes, o alopurinol, a miltefosina e a
e transmitam a outros animais sadios durante o anfotericina B. Em alguns países a combina-
repasto sanguíneo (COURA et al., 2018). A ção de drogas (alopurinol + antimoniato de
doença acomete um grande número de meglumina) é considerada segura e eficaz. Os
espécies animais, incluindo os mamíferos mecanismos de ação dessas drogas ainda não
selvagens e os domésticos, tais como o cão e o são totalmente esclarecidos, no entanto,
gato e consequentemente, atingindo o homem acredita-se que muitos desses medicamentos
(SILVA et al., 2013). Muitas pesquisas possam atuar principalmente no RNA do
apontam que em algumas grandes cidades o parasito, ocasionando uma tradução defeituosa
flebotomíneo não é encontrado, mas a doença das proteínas ou inibir a atividade glicolítica e
sim, o que levanta a hipótese de que outras a via oxidativa de ácidos graxos e ainda,
espécies de flebotomíneos ou outros ectopa- inibindo a proteína quinase B do parasito
rasitas de animais podem estar envolvidos na (IQBAL et al., 2016; ALVAR & ARANA,
sua transmissão (ROCHA et al., 2019). 2019).
O flebotomíneo Lutzomyia longipalpis tem Embora na maioria dos casos, estes
prevalecido em centros urbanos e devido ao medicamentos promovam a recuperação

112
Capítulo 12
Parasitologia Humana e Veterinária

clínica dos pacientes, eles não produzem a Propriedades leishmanicidas dos óleos
eliminação completa do parasito. Além disso, essenciais
após o uso contínuo desses medicamentos, O uso de produtos naturais tem
alguns problemas graves vêm surgindo, apresentado eficácia no tratamento de diversas
principalmente toxicidade, aparecimento de doenças (JOSHI et al., 2020). A fitoterapia é
efeitos colaterais diversos, diminuição da taxa uma prática medicinal com base no uso de
de eficácia e aumento da resistência aos plantas utilizada desde a antiguidade. No
parasitos (IQBAL et al., 2016; ALVAR & Brasil, anualmente, aproximadamente doze mil
ARANA, 2019). pessoas são beneficiadas com o uso de
O surgimento da fitoterapia tem sido medicamentos fitoterápicos (BRASIL, 2017).
apontada como alternativa terapêutica promis- Estes produtos são considerados seguros para a
sora no tratamento de inúmeras doenças. Neste saúde quando utilizados corretamente, além
sentido, este trabalho tem como objetivo reali- disso, possuem baixa toxicidade, facilmente
zar uma breve discussão sobre as propriedades aceitáveis pela sociedade no mundo todo e de
terapêuticas de produtos naturais, especial- baixo custo (SANTOS et al., 2011).
mente os óleos essenciais como alternativa Óleos essenciais (OE) são misturas
para o controle das leishmanioses. aromáticas complexas de caráter hidrofóbico
presentes em diversas partes dos vegetais e sua
MÉTODOS utilização concentra-se principalmente em
produtos alimentícios e cosméticos, no
Nesta revisão integrativa, as buscas dos entanto, o uso de OE na medicina tradicional
artigos foram utilizados os seguintes também já vem sendo relatada e os resultados
descritores: óleo essencial, fitoquímicos, leish- são extremamente satisfatórios contra diferen-
maniose e Leishmania spp. utilizando como tes espécies de Leishmania (Tabela 12.1). Os
base de dados o PubMed/Medline e Google compostos fitoquímicos, assim como os OE,
acadêmico, sendo incluídos todos os artigos também têm se mostrado promissores no
originais, In Vivo e In Vitro, escritos na língua tratamento das leishmanioses (FARIAS-
inglesa e publicados de 2011 a 2021. JUNIOR et al., 2012; DEMARCHI et al.,
2015).
O mecanismo de ação dos OE sobre o
RESULTADOS E DISCUSSÕES parasito causador da leishmaniose ainda não
está bem elucidado, entretanto, alguns estudos
Nesta busca foram encontrados um total já sugerem como esses produtos podem estar
39 artigos, que após a aplicação de critérios de atuando. Da-Silva et al. (2018) ao avaliar a
inclusão restaram 16 trabalhos originais para atividade antileishmanial do OE de Ocimum
análise. Com base nos resultados desta revisão, canum em L. amazonensis observou através de
foram identificadas algumas espécies vegetais microscopia eletrônica de transmissão altera-
produtoras de óleo essencial com atividade ções ultraestruturais tais como, autofagosso-
anti-Leishmania. mo, corpos lipídicos, descontinuidade da
membrana do núcleo e atividade exocítica pela
bolsa flagelar. Adicionalmente, Mondêgo et al.

113
Capítulo 12
Parasitologia Humana e Veterinária

(2021) verificou o efeito antileishmanial do cos, nesse sentido, o sinergismo entre esses
OE de Vernonia brasiliana em associação com compostos pode ocorrer. Sinergismo é quando
a miltefosina e de forma semelhante, os o efeito combinado entre compostos presentes
resultados mostraram alterações ultraestru- é maior ou igual à soma dos efeitos individuais
turais em L. infantum, além de diminuição do e esse efeito vem sendo apontado como
potencial de membrana mitocondrial, potencializador da ação leishmanicida (BURT,
produção de espécies reativas de oxigênio e 2004). Embora as pesquisas apontem a
morte celular por apoptose. Além disso, a atividade anti-Leishmania dos OE, ainda é
natureza hidrofílica e lipofílica dos OE e de crucial que novos estudos busquem esclarecer
seus componentes, permitem interação com a como esses compostos possam estar atuando
membrana celular de alguns organismos, de forma isolada ou em associação, a fim de
destruindo-a integralmente e provocando a otimizar os possíveis tratamentos para a
morte (ZHANG et al., 2016). leishmaniose.
Os OE são substâncias que possuem uma
grande complexidade de constituintes quími-

Tabela 39.1 Atividade anti-Leishmania dos óleos essenciais

Planta Composto principal Espécies Referência


Lippia sidoides Timol L. chagasi Rondon et al. 2012
Coriandrum sativum β-linalol L. chagasi Rondon et al. 2012
Lippia sidoides Carvacrol L. chagasi Farias-Júnior et al. 2012
Croton cajucara 7- hidroxicalameneno L. chagasi Rodrigues et al. 2013
Vanillosmopsis arborea α -bisabolol L. amazonensis Colares et al. 2013
Syzygium aromaticum Eugenol L. donovani Islamuddin et al. 2014
Artemisia annua Cânfora L. donovani Islamuddin et al. 2014
Espatulenol; óxido de
Piper angustifolium L. infantum Bosquiroli et al. 2015
cariofileno
Tetradenia riparia 6,7-desidroroileanona L. amazonensis Demarchi et al. 2015
Vernonia polyanthes nd* L. infantum Moreira et al. 2017
Copaifera sp. α-copaeno L. infantum; L. amazonensis Moraes et al. 2018
C. guianensis nd* L. infantum; L. amazonensis Moraes et al. 2018
Carapa guianensis nd* L. amazonensis Oliveira et al. 2018
Ocimum canum Timol L. amazonensis Da-Silva et al. 2018
Curcuma longa Turmerona L. amazonensis Teles et al. 2019
Cinnamomum
L. amazonensis Teles et al. 2019
zeylanicum Aldeído cinâmico
Origanum vulgare Cis-p-menth-2-en-1-ol L. amazonensis Teles et al. 2019
Endlicheria bracteolata Guaiol L. amazonensis Rottini et al. 2019
Citrus limon Limoneno L. tropica; L. major Zarenezhad et al. 2020
Vernonia brasiliana β-cariofileno L. infantum Mondêgo et al. 2021
*nd: Não determinado

114
Capítulo 12
Parasitologia Humana e Veterinária

CONCLUSÃO membrana dos parasitos, causando a ruptura e


levando-os à morte. Além disso, o sinergismo
Em conclusão, os efeitos leishmanicidas entre os compostos existentes nos óleos
dos óleos essenciais e seus constituintes essenciais são apontados como potencializa-
químicos indicam que estes são potenciais no dores da atividade leishmanicida. Outros
desenvolvimento de novas drogas contra estudos ainda são necessários a fim de
diferentes espécies de Leishmania. O mecanis- confirmar os mecanismos de ação envolvidos,
mo de ação ainda é desconhecido, entretanto, bem como a segurança desses produtos.
estes produtos possivelmente penetram na

115
Capítulo 12
Parasitologia Humana e Veterinária

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117
Capítulo 12
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 13
A INCIDÊNCIA DE
LEISHMANIOSE EM
FELINOS DOMÉSTICOS:
UMA REVISÃO DE
LITERATURA
Andressa Alencar Coelho1
Andressa Maria de Araújo Silva1
Débora de Andrade Amorim1
Wanesca Natália Santos Maciel1
Filipa Maria Soares de Sampaio2
Metton Ribeiro Lopes e Silva3
Cláudio Gleidiston Lima da Silva4
Maria do Socorro Vieira Gadelha4

1 Discentes- Medicina Veterinária da Universidade Federal do Cariri


2 Discentes - Medicina Veterinária do Centro Universitário Doutor Leão Sampaio
3 Biomédico e discente - Medicina da Faculdade de Medicina de Juazeiro
4 Docente - Medicina da Universidade Federal do Cariri

118
Palavras-chave: Leishmaniose; Felinos; Infecção.
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO aprimoramento das técnicas dia-gnósticas e


atual aumento da taxa de prevalência da
A leishmaniose é uma doença infecciosa, doença em gatos domesticados (SILVEIRA et
com caráter antropozoonótico, de grande al., 2015).
notoriedade para a saúde pública e é causada Segundo os estudos de Bezerra et al
pelo protozoário Leishmania spp. A forma (2019), os gatos são mais resistentes a
visceral dessa zoonose é uma das ameaças leishmaniose visceral (LV) e quando
mais importantes entre as doenças tropicais infectados, em geral permanecem assintomá-
negligenciadas, causando cerca de 300.000 ticos. Entretanto, os sinais clínicos mais
novas ocorrências e em média 20.000 mortes frequentes da leishmaniose visceral são lesões
em pessoas a cada ano. A transmissão ocorre cutâneas e/ou mucocutâneas e linfonodome-
durante o repasto do inseto (flebotomíneo) que galia. Essas alterações se manifestam a partir,
inocula no hospedeiro o protozoário principalmente, de pápulas, nódulos, úlceras,
Leishmania spp. Segundo Godoi et al., (2016) eritema, alopecia e acontecem especialmente
os flebótomos do gênero Phlebotomus e na cabeça, nas orelhas externas, no plano
Lutzomya são transmissores de Leishmania nasal, no focinho e nas regiões perioculares,
spp. Esses insetos são chamados na linguagem presumivelmente devido à sua maior exposi-
popular como mosquito palha, tatuquiras, ção aos vetores por serem menos cobertos por
birigui entre outros, possuem hábitos noturnos pelos. As principais técnicas utilizadas para o
e somente a fêmea é hematófaga. Os cães são diagnóstico da leishmaniose visceral são os
tidos como os principais hospedeiros exames parasitológicos (visualização direta do
reservatórios de L. infantum em áreas urbanas parasita de aspirado de sangue com esfregaço
endêmicas, mas o papel de outros animais e cultura), testes sorológicos (principalmente
domésticos e silvestres na epidemiologia da ensaio de imunofluorescência indireta - IFI e
infecção ganhou destaque recentemente (NOÉ ensaio imunoenzimático - ELISA) e testes
et al., 2015; IATTA et al., 2019; BRIANTI et moleculares (reação em cadeia da polimerase -
al., 2019). PCR) (SILVA et al., 2020; ANTUNES et al.,
A primeira descrição de leishmaniose 2016; NOÉ et al., 2015).
visceral felina foi realizada na Argélia em Em relação ao tratamento da LV em
1912 e, nos anos seguintes, as pesquisas felinos, Noé et al (2015) notificaram que ainda
continuaram acontecendo de forma ativa com não se tem estudos comprovados da total
o intuito de investigar a presença do eficácia de nenhum medicamento, portanto os
protozoário em gatos em diversos países, veterinários têm-se baseado em utilizar a
como Itália, Espanha e Brasil. Nos anos 2000, mesma base terapêutica da Leishmaniose
as ocorrências de leishmaniose felina cresce- visceral canina, porém tem sido proporcionado
ram drasticamente, e chegaram a uma média apenas uma melhora clínica inicial. No
de 61% infectados em algumas populações de contexto da profilaxia, como não existem
gatos. Esse fenômeno poderia ser justificado pesquisas concluídas sobre o uso de vacinas
por três hipóteses: aumento da investigação para leishmaniose em gatos, a melhor
ativa do protozoário neste hospedeiro, estratégia de prevenção para os felinos é o uso
de inseticidas tópicos com atividade repelente
119
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

semelhante aos aplicados em cães A análise foi utilizada usando os filtros


(MADRUGA et al., 2018). para título, resumo e assunto. Foram
Segundo Silveira et al (2015), nos últimos selecionadas as referências bibliográficas e
anos, houve um aumento considerável de após concluídas, cada artigo do banco de
estudos epidemiológicos e relatos de LF, dados foi lido na íntegra e suas informações
principalmente em áreas endêmicas de foram dispostas em uma planilha, incluindo
leishmaniose canina. Entretanto, mesmo diante ano de publicação, autores, bases de dados e
de um grande avanço científico, ainda há revista ou jornal no qual foi publicado. Os
muito a se conhecer sobre a interação desses dados foram reunidos no programa computa-
protozoários e a espécie felina, além de cional Microsoft Office Word e as informa-
avanços nos métodos de diagnósticos, ções analisadas correlacionando os parâmetros
protocolos de tratamento e medidas profilá- estudados. O processo de síntese dos dados foi
ticas. Considerando-se a escassez de estudo, realizado por meio de uma análise descritiva e
objetiva-se com o presente ensaio reunir dados quantitativa dos estudos selecionados, sendo o
sobre leishmaniose canina, em uma revisão de produto da análise apresentado de forma
literatura, abordando a etiologia e vetores, dissertativa.
epidemiologia, apresentação clínica, terapêu-
tica e profilaxia. RESULTADOS E DISCUSSÃO

MÉTODO Etiologia e Vetor


A leishmaniose visceral, doença
Foi realizado um estudo de revisão popularmente conhecida por calazar, é uma
bibliográfica online de artigos nas bases dados zoonose infecto-parasitária causada por proto-
Public Medline (PUBMED), Scientific zoários do gênero Leishmania sp., ordem
Electronic Library (SCIELO) e Biblioteca Kinetoplastida e família Trypanosomatidae. A
Virtual em Medicina Veterinária e Zootecnia infecção é transmitida através dos flebotomí-
(BVS-Vet), no período de 2015 a 2020. neos, conhecidos por mosquito-palha, vetores
Foram utilizados na busca de dados os naturais que infectam várias espécies mamífe-
descritores “leishmaniasis”, “feline” e “cats”. ras (OLIVEIRA et al., 2015). Os flebotomí-
No cruzamento das palavras, adotou-se a neos mais encontrados na Europa são os dos
expressão booleana AND (inserção de duas gêneros Phlebotomus, Sergentomyia e Chinus e
palavras). Adotou-se os seguintes critérios de na América, Lutzomyia (Figura 13.1).
inclusão: (a) artigos publicados nos idiomas Os flebotomíneos, vetores naturais de L.
inglês e português; (b) artigos completos e infantum, podem realizar repasto sanguíneo
disponíveis na íntegra; (c) abordagem do tema em gatos infectados e outros mamíferos
central da pesquisa. Como critérios de vertebrados, tornando-se infectante. Em um
exclusão foram excluídos relatórios, artigos de estudo com cães, foi constatado que a
comunicação curta, artigos de revisão e periodicidade de insetos infectados quando em
aqueles que não abordavam o objeto de estudo repastos sanguíneos com cães infectados foi
da pesquisa. menor do que a analisada em insetos

120
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

alimentados com felinos infectados, mesmo fatores ambientais, demográficos e


em cães que demonstravam sinais clínicos da comportamentais humanos que alteram o alcance
doença. Esses achados são indicativos de e a densidade de vetores e reservatórios e
participação significativa dos gatos no ciclo aumentam o perigo de exposição humana e
biológico de L. infantum (OTRANTO et al., animal a flebotomíneos infectados (CALDART
2017; BATISTA et al., 2020). et al., 2015).
Essa doença é transmitida para felinos
Figura 13.1. Flebotomíneo do gênero exclusivamente durante o repasto sanguíneo de
Lutzomyia longipalpis, vetor da leishmaniose flebotomíneos infectados. Os insetos ingerem
visceral o protozoário enquanto sugam o sangue de um
hospedeiro infectado. O parasita então
reproduz-se no intestino do vetor, que se torna
infectante entre 8 e 20 dias depois. Ao picar
um gato, o vetor infectado inocula promastigotas
metacíclicos, que sofrem fagocitose por
macrófagos. Dentro dessas células, eles se
tornam amastigotas e se multiplicam por fissão
binária. O aumento do número de patógenos
intracelulares provoca o rompimento dos
macrófagos infectados, levando à dissemi-
nação do microrganismo para outras células
Fonte: Wilson, 2009.
fagocíticas, que podem ser posteriormente
ingeridas por outro vetor (SILVEIRA et al.,
Os gatos podem infectar-se, desenvolver a
2015).
leishmaniose visceral felina (LVF) e
A leishmaniose é típica de ambientes rurais
apresentar sinais clínicos variáveis. Análises
e periurbanos. Mamíferos domésticos e
sorológicas e parasitológicas constataram a
selvagens podem ser infectados; humanos são
doença em um número considerável de gatos.
considerados hospedeiros acidentais de
Espécies como Leishmania infantum, L.
protozoários (Figura 13.2). Segundo Oliveira
donovani, L. braziliensis, L. amazonensis, L.
et al., (2015), o cão (Canis familiaris) tem
mexicana, L. tropica e L. venezuelensis foram
papel ativo na transmissão da doença como
encontradas em gatos domesticados e
reservatório assintomático intimamente relaci-
selvagens com diferentes quadros clínicos, no
onado ao homem e fonte de infecção para
entanto a participação dos gatos na
vetores. Entretanto, Godoi et al., (2016)
epidemiologia das leishmanioses ainda é
escreveram em vários estudos realizados nos
indefinida (NOÉ et al., 2015; ANTUNES et
últimos anos, que já foram notificados casos
al., 2016).
de gatos contaminados por Leishmania, no
entanto, considerando a suscetibilidade e a
Epidemiologia
resistência do animal, o seu desempenho como
As leishmanioses são doenças dinâmicas:
reservatório e disseminador da doença ainda
as rotas de transmissão mudam com base em
são desconhecidos (SILVEIRA et al., 2015)
121
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

Figura 13.2 Formas de transmissão da leishmaniose felina

Inicialmente, os cães eram considerados os alguma proteção natural a essa infecção.


únicos reservatórios urbanos de Leishmania Assim, a prevalência de infecção é
(Leishmania) infantum chagasi no Brasil. No considerada menor em gatos quando
entanto, a prevalência relativamente alta de relacionada à espécie dos cães, exceto nos
infecção em gatos indica que esses animais casos que os felinos apresentam baixa na
estão tão expostos quanto cães à possibilidade imunidade, que ajuda a dispersão da doença.
de contaminação. De fato, nos locais onde a Diante disso, é previsto que o número de gatos
leishmaniose visceral canina é endêmica, os infectados, com alta quantidade de anticorpos
gatos são frequentemente expostos a L. e sinais clínicos, seja bem menor que o de cães
infantum, com soroprevalência variando de (OLIVEIRA et al., 2015; CAMPRIGHER et
0,7% a 30%, de acordo com o estilo de vida do al., 2019).
animal e técnica de diagnóstico utilizada. Estima-se que a cada ano cerca de 0,2-0,4
Porém, segundo estudos feitos por Otranto et milhões quadros de leishmanioses ocorram em
al., (2017), os cães possuem maior contexto mundial. Seis países estão sujeitos à
susceptibilidade para contaminação por L. maioria dos casos da doença, entre eles: Índia,
infantum ao serem comparado com os gatos. Sudão, Bangladesh, Sudão do Sul, Brasil e
De fato, diversas pesquisas indicaram que a Etiópia. Ao todo, é previsto que a
espécie felina produz uma resposta imune das leishmaniose seja responsável por cerca de
células bem efetiva para conter e fornecer 20.000–40.000 mortes a cada ano. Estudos

122
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

relataram infecção felina por Leishmania spp. leishmaniose. De maneira semelhante acontece
em 20,3% dos gatos de um território, em em humanos desnutridos e imunossuprimidos,
Portugal, endêmico de leishmaniose canina e que também estão mais suscetíveis às formas
indicaram que gatos saudáveis sem graves da doença, sendo os mais atingidos
quaisquer doenças imunossupressoras são aqueles com a Síndrome da Imunodeficiência
suscetíveis ao contágio pelo protozoário adquirida. Ademais, nos gatos, a idade é um
(FATOLLAHZADEH et al., 2016). fator predisponente para a enfermidade, pois
A infecção por L. infantum em felinos tem gatos mais velhos que três anos possuem
sido cada vez mais relatada nas mesmas áreas maior probabilidade de serem contaminados
onde a leishmaniose canina é endêmica. por Leishmania spp. (CAMPRIGHER et al.,
Embora a proporção de gatos contaminados 2019; SILVEIRA et al., 2015).
seja sempre menor do que a registrada em cães
que vivem em uma região endêmica, estudos Apresentação clínica
epidemiológicos recentes têm sugerido que a Os gatos infectados para Leishmania spp.
quantidade de casos de leishmaniose felina podem ser assintomáticos ou apresentar sinais
pode ser maior do que se pensa atualmente. clínicos inespecíficos comuns a várias doenças.
Apesar do crescente interesse em LF, poucas Os sintomas clínicos gerais, que parecem estar
informações estão disponíveis sobre caracterís- relacionados à leishmaniose disseminada,
ticas clínicas, manejo e tratamento de gatos incluem febre, letargia, anorexia, vômito, diarreia,
infectados. No Brasil, a L. infantum apresenta perda de peso, emagrecimento, desidratação,
ampla distribuição e é relatada em todo o poliúria, polidipsia, mucosa pálida, linfadeno-
território do país, tomando como exemplo megalia local ou generalizada, hepatomegalia
Teresina, capital do Piauí, cidade onde a esplenomegalia, distúrbios respiratórios, gengivo-
doença é endêmica. Neste local, é registrado estomatite. As alterações clínico-patológicas
que três gatos domésticos foram infectados incluem hiperproteinemia com hipergamaglo-
com L. infantum de 83 animais examinados bulinemia e hipoalbu-minemia associada a
(BRIANTI et al., 2019; BATISTA et al., uma relação albumina/globulina reduzida e
2020). anormalidades bioquímicas por exemplo,
Atualmente, a contaminação dos gatos por aumento de azotemia e enzimas hepáticas. A
leishmaniose tem sido notificada em países forma sistêmica da doença mostra envolvi-
onde a doença é registrada com grande mento do fígado, baço, linfonodos e rins (NOÉ
frequência especialmente em cães. Tendo em et al., 2015; GODOI et al., 2016; BRIANTI et
vista os fatos analisados, é importante al., 2019)
evidenciar que, apesar da leishmaniose ser Em estudo feito por Otranto et al. (2017)
uma zoonose de grande efeito na saúde reportaram que 41% dos felinos positivados
pública, o papel dos gatos como reservatórios para L. infantum apresentaram alguma doença
ainda não foi esclarecido, mesmo a infecção de pele (podendo ser escamas, crostas e
do parasito contaminado para vetor sendo alopecia). De fato, apresentações dermato-
confirmada por xenodiagnóstico. Além disso, lógicas, geralmente, expressam-se a partir de
gatos infectados com a virose da lesões cutâneas, incluindo dermatite ulcerativa,
imunodeficiência felina, também denominada crostosa, nodular ou escamosa. Os achados
de FIV, são mais propensos a desenvolver histopatológicos das lesões cutâneas
123
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

apresentam dermatite granulomatosa difusa exames sorológicos mais frequentes são o IFA
com macrófagos contendo muitas formas (ensaio de imunofluorescência indireta), o
amastigotas, ou perifoliculite granulomatosa e ELISA (ensaio imunoenzimático) e o DAT
reação do tecido liquenoide/dermatite de (teste de aglutinação direta) (RIVAS et al.,
interface, com menor carga parasitária. Nesse 2018).
contexto, podem ocorrer lesões nodulares e O ensaio de imunofluorescência indireta
ulcerativas no nariz, lábios, orelhas e (IFI) é um teste que detecta anticorpos
pálpebras, lesões generalizadas de dermatite, utilizando como antígenos parasitas intactos e,
alopecia e descamação. Essas lesões são da mesma forma que o ELISA, a quantificação
encontradas menos frequentemente no tronco e usando a quantidade de anticorpos ou
nas pernas e a cabeça é o local mais acometido, densidade óptica permite classificar os níveis
com lesões localizadas principalmente na face, de anticorpos contra antígenos de L. infantum.
nariz, mucosa nasal, lábios, pálpebras e orelhas É importante ainda acrescentar que o ensaio de
(AKHTARDANESH et al., 2018; GODOI et imunofluorescência indireta é considerado a
al., 2016; BRIANTI et al., 2019; NOÉ et al., técnica de referência pela OIE (Organização
2015). Mundial de Saúde Animal). O DAT possui
Em estudos feitos por Madruga et al., limitações como o longo período de incubação
(2018), foram relatadas anormalidades e necessidade de antígenos de alta qualidade e,
oftálmicas secundárias à contaminação por além disso, Fatollahzadeh et al (2016)
leishmaniose em aproximadamente um terço afirmaram que o teste precisa ser padronizado
dos gatos estudados. A uveíte unilateral ou para a determinação da infecção da Leishmaniose
bilateral é o achado oftálmico mais comum felina (OLIVEIRA et al., 2015; PERSICHETTI
nesses casos e geralmente exibe um padrão et al., 2017).
pseudotumoral granulomatoso que pode É válido ressaltar que, de acordo
progredir para panoftalmite. No entanto, na Asafaram, Fakhar e Teshnizi (2019), a reação
maioria dos gatos infectados por leishmaniose, em cadeia da polimerase (PCR) é considerada
os sinais clínicos foram correlacionados com mais precisa em relação a outros testes
outras causas, incluindo infecção retroviral diagnósticos, principalmente quando as
(FIV e FeLV), tratamento imunossupressor e amostras clínicas contêm uma baixa carga
doenças concomitantes debilitantes, como neopla- parasitária. Além de a PCR ser considerada um
sia maligna, diabetes mellitus, toxoplasmose e bom método diagnóstico, Brianti et al (2017)
hemobartonelose (MADRUGA et al., 2018). afirmaram em suas pesquisas que os métodos
com esfregaços conjuntivais foram avaliados
Diagnóstico como uma técnica sensível não invasiva para o
Os testes laboratoriais comumente usados diagnóstico molecular da contaminação por
para a análise da Leishmaniose são testes Leishmania, exibindo bons valores preditivos
sorológicos (IFA, ELISA, DAT, Western em animais doentes ou que apresentavam
Blot), testes moleculares como a reação em infecção ativa, e uma concordância significa-
cadeia polimerase - PCR e exames parasito- tiva entre testes moleculares e sorológicos
lógicos que realizam a visualização direta do (AKHTARDANESH et al., 2018).
parasita no aspirado do tecido, impressão e Em um trabalho realizado com 330 gatos,
cultura. Segundo Oliveira et al (2015), os 85 gatos testaram positivo para L. infantum,
124
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

tendo a maioria, dentre eles, mais de dois anos tratamentos com medicamentos e protocolos /
(n = 48/85, 56,5%), dos quais 32 (66,6%) dosagens prescritas para cães. Em estudos,
apresentaram títulos RIFI de 1:40, seguidos administração oral de longo prazo de
por 16 gatos (33,3%) com títulos variando de alopurinol é o recurso terapêutico usado com
1:80 a 1: 640. Quatorze gatos (16,5%) mais frequência para tratar desses gatos
menores de um ano de idade apresentaram infectados, pois proporciona melhora clínica e
títulos RIFI de 1:40 (OTRANTO et al., 2017). geralmente é bem tolerado (NOÉ et al., 2015;
A doença causada por Leishmania spp é BRIANTI et al., 2019).
considerada rara entre felinos, mas o número O protocolo de tratamentos de cães que é
de pacientes infectados tem aumentado nos usado em gatos é ineficaz na promoção de uma
últimos anos (NOÉ et al., 2015) cura definitiva, apesar de ser bem tolerado.
De acordo com Costa-Val et al., (2020), a Além disso, segundo Brianti et al., (2019),
produção baixa de anticorpos por gatos e as efeitos colaterais podem surgir nos gatos
reações cruzadas que podem ocorrer com devido ao uso do alopurinol, e que os pacientes
outros microorganismos explicita a necessidade devem ser observados sistemicamente durante o
de combinar diferentes métodos diagnósticos período do tratamento. Ademais, o uso da
para a leishmaniose felina e, além disso, administração de glucantima subcutânea
clinicamente, lesões cutâneas associadas à também tem sido usada por alguns
leishmaniose felina podem se assemelhar a outras pesquisadores da área como quimioterapia em
doenças, como esporotricose, criptococose e gatos acometidos pela leishmaniose (NOÉ et
dermatofitose. Diante disso, é importante al., 2015; ASFARAM, FAKHAR e
afirmar que para um bom diagnóstico é TESHNIZI, 2019).
essencial a realização de exames citológicos
ou histopatológicos, além de uma confirma- Profilaxia
ção por imuno-histoquímica. Os exames Diante do exposto, é possível afirmar que
citológicos, devido a sua alta especificidade, os gatos, assim como os cães, podem
rapidez e baixo custo, podem ser adotados participar da manutenção do ciclo do parasita
como triagem inicial para leishmaniose, e é causador da Leishmaniose e da disseminação
válida ainda a realização de testes comple- da doença. A medida profilática utilizada em
mentares como as técnicas moleculares em cães é o uso de piretróides sintéticos em
casos de baixa sensibilidade, principalmente diferentes formulações (por exemplo, spot-on,
em animais que apresentam sintomas, mesmo coleira e spray) que possuem propriedades
testados negativos (ARENALES et al., 2018; repelentes prevenindo contra picadas de
METZDORF et al., 2016). mosquitos e reduzindo, assim, o risco de
infecção por L. infantum. Porém, grande parte
Terapêutica dos piretróides, com exceção da flumetrina,
Atualmente, pela carência de estudos são tóxicos para os gatos, o que dificulta a
específicos que indiquem uma terapia escolha de uma medida profilática efetiva para
farmacológica para a leishmaniose felina, esses animais, não havendo ainda no mercado
tratamentos não foram estabelecidos para o um produto testado específico para gatos com
controle e profilaxia da leishmaniose nos gatos ação contra o vetor (BRIANTI et al., 2019;
domésticos. Os animais são submetidos a GODOI et al., 2016).
125
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

Ademais, Madruga et al (2018) afirmaram medidas preventivas aos gatos considerados


que, como não há ainda estudos sobre vacinas como risco (BRIANTI et al., 2019;
para LF em gatos, esses inseticidas tópicos são CAMPRIGHER et al., 2019).
a melhor estratégia de prevenção. Estudos
demonstram que a coleira Seresto® contendo CONCLUSÃO
uma combinação de 10% de imidaclopride e
4,5% de flumetrina mostrou eficácia na As leishmanioses são negligenciadas e
redução de riscos de infecções por Leishma- causam grandes impactos para a saúde pública.
niose em gatos, tornando-se uma importante Após a identificação dos gatos domésticos
ferramenta de controle em áreas endêmicas. como possíveis disseminadores da doença, é
Apesar de algumas reações locais no local de imprescindível uma maior atenção por parte
aplicação do colar, como irritações dérmicas dos veterinários e pesquisadores, na busca do
causadas pelo atrito da coleira, não houve controle e da ampliação do conhecimento
outras manifestações adversas relacionadas a acerca dos impactos da doença em felinos e no
esse produto, provando, assim, sua segurança bem estar coletivo. Além disso, diante da
(BRIANTI et al., 2017). escassez de estudos que discorram sobre a
Nesse contexto, é válido ainda salientar a participação dos gatos domesticados no ciclo
importância da alerta dos médicos veterinários da leishmaniose, é necessário dar maior
que atuam em áreas endêmicas à susceti- notoriedade a essa temática, buscando
bilidade dos gatos à infecção por Leishmania, reconhecer sua importância nesse ciclo
devendo incluir adequadamente o diagnóstico epidemiológico para o controle efetivo da
de LF como diferencial e também propor doença.

126
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

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Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

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128
Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 14
DERMATOPATIAS
PARASITÁRIAS EM
GATOS DOMÉSTICOS

Filipa Maria Soares de Sampaio1


João Victor de Souza Moreira2
Dayane da Silva Pereira2
Jeane Ferreira de Andrade2
Isabelle Rodrigues de Lima Cruz2
Maria do Socorro Vieira Gadelha3

1Discente do Curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Doutor


Leão Sampaio (UNILEÃO)
2Discentes do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal do
Cariri (UFCA)
3Docente do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal do
Cariri (UFCA)

Palavras-chave: Dermatologia; Medicina Felina; Acaro.

129
Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO entre os problemas mais comuns na rotina


clínica de pequenos animais (FREITAS, 2011;
O tecido cutâneo corresponde a um órgão MEGID et al., 2016). Estima-se que 20 a 75%
multifuncional e fundamental para a saúde e a de todos os animais examinados na prática
manutenção da vida dos animais. Ele age clínica veterinária apresentem enfermidades do
como uma barreira eficaz para evitar perda de sistema tegumentar (CHAVES, 2007).
eletrólitos, água e macromoléculas, além de Esse trabalho teve como objetivo abordar
funcionar como proteção mecânica contra as dermatopatias acarioses ocorrentes em felinos
danos químicos, físicos e microbiológicos domésticos, enfatizando suas similaridades a
(MILLER et al., 2013). A pele pode ser partir da etiologia, patogenia, ciclo de vida,
afetada por diversas doenças, tanto as de sinais clínicos, diagnósticos e aspectos
causas primárias, quanto as secundárias, que se principais da terapêutica utilizada na rotina
originam em outros órgãos ou sistemas e clínica.
refletem na pele, com o surgimento de
sintomas cutâneos. Pelo fato de a pele ser o MÉTODO
órgão mais visível do organismo, os sinais que
a envolvem tornam-se um dos principais Foi realizado uma pesquisa de revisão de
motivos de os tutores conduzirem seus animais literatura no banco de dados do Public
domésticos para o atendimento médico Medline (pubmed), na Biblioteca Virtual de
veterinário (CARDOSO et al., 2011). Saúde (BVS) e na Biblioteca Virtual de
A presença do prurido é um dos motivos Medicina Veterinária e Zootecnia (BVS Vet),
de maior procura por consultas veterinárias delimitando-se ao período de publicação entre
dermatológicas (VALA et al., 2009). O os anos 2000 a 2021.
prurido é definido como uma sensação Na pesquisa, foram utilizados os
desagradável, semelhante a dor, manifestado descritores “linxacariose”, “cheyletiella”,
por lambedura, mastigação, roçar em objetos, “sarna otodécica’’, ‘’escabiose em felinos’’ e
arranhaduras, mudanças comportamentais e “demodicoses”, além dos seus respectivos
automutilações (IKOMA et al., 2003). Logo, descritores em inglês "Linxacariose",
estão atrelados os ectoparasitas, que por sua "cheyletiella", "otodectic mange'', ''feline
vez são também causadores de dermatopatias mange'' e “demodicosis”. No cruzamento das
nos animais domésticos, acometendo, palavras, foi utilizada a expressão booleana
frequentemente, cães e gatos. Dentre as AND. Os seguintes critérios de inclusão foram
doenças cutâneas de origem parasitária, estão adotados: (a) artigos publicados nos idiomas
as acarioses, causadas por ácaros, que são inglês e português; (b) artigos completos e
pequenos artrópodes, que em sua maioria disponíveis na íntegra; (c) abordavam o tema
parasitam a pele dos animais (HNILICA e central da pesquisa. Como critérios de
PATTERSON, 2016; MILLER et al., 2013). exclusão foram excluídas aqueles trabalhos
As dermatopatias acarioses existentes, que não abordavam o objeto de estudo da
como a linxacariose, sarna otodécida, pesquisa.
escabiose, demodicose e queileitielose estão

130
Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

A análise foi utilizada usando os filtros pequenos animais, dessa forma, a identifi-
para título, resumo e assunto. Cada artigo foi cação, manejo, diagnóstico e tratamento das
lido na íntegra e suas informações foram enfermidades dermatológicas são essenciais na
dispostas em uma planilha, incluindo ano de rotina dos médicos veterinários (SILVA et al.,
publicação, autores, bases de dados e revista 2018).
ou jornal no qual foi publicado. Os dados Os ácaros são ectoparasitas comuns nas
foram compilados no programa computacional cidades e tem os gatos como um dos principais
Microsoft Office Word e as informações alvos para parasitar, causando enfermidades
analisadas correlacionando os parâmetros nos felinos e tendo características zoonóticas.
estudados. O processo de síntese dos dados foi As acarioses podem se manifestar tanto de
realizado por meio de uma análise descritiva e forma assintomática, como serem fatais,
quantitativa dos estudos selecionados, sendo o dependendo de fatores como a imunidade do
produto da análise apresentado de forma animal e a gravidade da infestação. Os ácaros
dissertativa. mais comuns nos gatos são Demodex cati,
Demodex gatoi, Otodectes cynotis, Notoedres
RESULTADOS E DISCUSSÃO cati, Cheyletiella blakei e Sarcoptes scabiei
(MOTA et al., 2017).
As doenças parasitárias cutâneas são De forma ampla, a principal forma de
afecções bastante comuns na rotina transmissão das acarioses em felinos é através
dermatológica de cães e gatos. Em felinos, a do contato direto e indireto entre os animais,
abordagem dessas doenças tem suma tendo potencial caráter zoonótico (AGUIAR et
importância, visto a crescente demanda por al., 2009), elas surgem através de pequenas
atendimento dessa espécie, e há diferenças aparições de micoses que podem durar no
importantes quando comparadas às dermato- máximo 2 semanas (RIVITTI; SAMPAIO,
patias parasitárias em cães. Além disso, podem 2000). Algumas dermatopatias são de fácil
ocasionar sinais clínicos diversos, e por isso o transmissão, o simples compartilhamento de
diagnóstico muitas vezes é desafiador mesmo ambiente ou de mesmo objeto pode
(MARTINS et al., 2016). Levando-se em espalhar a doença, por isso é de extrema
consideração a importância do aumento da importância o cuidado com o contato do
incidência desses parasitas, ainda há muito animal infectado com outros (HNILICA;
para se descobrir acerca da biologia dos PATTERSON, 2016).
ácaros, modos de transmissão, patogênese ou
opções de tratamento em dermatites felinas Sarna demodécica
(BEALE, 2012). É uma doença cutânea parasitária
Estima-se que em torno de 30% das inflamatória dos cães e gatos causada por
consultas em clínicas e hospitais veterinários proliferação anormal de ácaros do gênero
correspondem a casos cuja queixa principal do Demodex, que quando presentes em baixo
responsável envolve a pele do paciente. A número são considerados parte da fauna
literatura mostra a importância da dermato- normal da pele, sendo a doença clínica mais
logia dentro da medicina veterinária de reconhecida no cão do que no gato
(BIRCHARD; SHERDING, 2008).
131
Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

Foram identificadas duas espécies (GUAGUÈRE; BENSIGNOR, 2005) causando


diferentes desses ácaros: Demodex gatoi e dermatopatia pruriginosa (HNILICA;
Demodex cati, sendo que este último está PATTERSON, 2016). As infecções por
associado a doenças subjacentes (IHRKE, Demodex cati são mais sérias do que as
2005; KANO et al., 2003; PEREIRA et al., infecções causadas pelas outras espécies de
2005) tais como infecções virais e doenças Demodex (JEROMIN, 2004).
endócrinas como diabetes melito e Quando se trata da demodicose, ela ocorre
hiperadrenocorticismo (PATERSON, 2010), de forma localizada. A alopecia com eritema e
similar a infecção por Demodex canis em cães caspa comumente observadas na parte facial e
(IHRKE, 2005). As infecções por Demodex na cabeça do animal (HNILICA; PATTERSON,
cati também estão relacionadas a animais que 2016; PATERSON, 2010) especialmente nas
realizam tratamentos com imunossupressores pálpebras e pele periocular (PATERSON,
(GUAGUÈRE; BENSIGNOR, 2005). 2010), podendo ainda ocorrer como otite
O Demodex cati e o Demodex canis são externa ceruminosa pruriginosa (BEALE,
morfologicamente semelhantes (BEALE, 2012; HNILICA; PATTERSON, 2016;
2012). Em comparação ao Demodex cati, o PATERSON, 2010). Com o prurido presente
Demodex gatoi é um ácaro mais curto que vive ou não, em alguns animais pode-se observar
no estrato córneo bem mais superficialmente traumatismo auto induzido por mordeduras
do que o Demodex cati, que vive nos folículos (GROSS et al., 2009; IHRKE, 2005). Na
pilosos (YOUNG, 2010). Microscopicamente, forma generalizada, ocorrem lesões como
o Demodex gatoi, tem a metade do máculas multifocais variavelmente pruriginosas,
comprimento do Demodex cati com uma cauda com prurido variando de ausente a extremo, áreas
mais arredondada. Existem as formas de alopecia simétricas, assimétricas, regionais ou
localizadas e generalizada da doença, sendo o multifocais, hiperpigmentação, eritema e
prurido considerado variável em ambas descamação, acometendo a cabeça, o pescoço, o
(PATERSON, 2010). Já o D. gatoi tem sido tronco, os membros e o ventre (HNILICA e
mais descrito em felinos, e sua morfologia PATTERSON, 2016; IHRKE, 2005; PATEL e
consiste em um corpo largo e curto, e o ácaro FORSYTHE, 2011; PATERSON, 2010).
localiza-se no estrato córneo, e é considerado Embora se conheça pouco sobre a
um parasita contagioso, que pode ser patogenia da demodicose em gatos, pesquisas
transmitido entre gatos e provavelmente entre revelam que pode ocorrer infecção cutânea,
outras espécies (SAARI et al., 2009) (Figura vermelhidão na pele, perda de pelo e
14.1). descamação cutânea (FOLEY, 1995). Entre os
A Demodicose pode ser dividida em fatores que causam a baixa imunidade nos
folicular ou localizada e em superficial ou felinos, os principais são a infecção crônica do
generalizada (PEREIRA et al., 2005), sendo trato respiratório superior, alopecia endócrina,
que a primeira é ocasionada pelo D. cati que se lúpus eritematoso sistêmico e toxoplasmose
instala nos folículos pilosos, glândulas e ductos (MEDLEAU et al., 1998). Este tipo de ácaro
sebáceos (BEALE, 2012; GUAGUÈRE; não consegue sobreviver fora do animal
BENSIGNOR, 2005). Já o segundo tipo é hospedeiro e seu ciclo completo dura em torno
causado pelo D. gatoi que se localiza na de dezoito a vinte e quatro dias (TAYLOR et
epiderme superficial e é contagioso al., 2016).
132
Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

Figura 14.1 Diferentes espécies de ácaros: (A) tratar de um ácaro folicular, a raspagem deve
Demodex cati; (B) Demodex gatoi; (C) Demodex canis ser profunda (VALANDRO et al., 2016). No
diagnóstico do Demodex gatoi pode ser
realizado os raspados cutâneos ou ainda
esfregaço por decalque em fita de acetato.
Uma nova técnica menos invasiva é o uso da
videodermoscopia com o auxílio do
videodermoscópio com a visualização do
ácaro Demodex e alguns pontos cinzas e outros
vermelhos. Os achados de pigmentação anular
folicular representavam as regiões epidérmicas
com demodicose (KARADAĞ; BORLU,
2019).
A B C
Fonte: https://slidetodoc.com/education-education-is-a-
progressive-discovery-of-our/. Acesso em: 26 Março
Sarna otodécica
2021. O Otodectes cynotis um dos parasitas mais
comuns em gatos na Europa, sendo um dos
Após a fecundação, a fêmea vai até a principais causadores de otite externa
glândula sebácea para depositar em torno de (BEUGNET et al., 2014), atingindo principal-
vinte a vinte e quatro ovos. Em seguida, com a mente gatos mais jovens e sendo de fácil
eclosão dos ovos, a larva vai até o canal transmissão entre os felinos (SOTIRAKI et al.,
seboso aonde se torna uma protoninfa de oito 2001). Geralmente, a manifestação da doença
patas. A protoninfa vai até a abertura do só é percebida pelo proprietário quando este
folículo capilar e se transforma em uma observa eritema e exsudato ceruminoso
tritoninfa que entra novamente no folículo e se marrom-escuro, sintomas deste tipo de sarna,
torna adulto (LACEY et al., 2009; TAYLOR no ouvido do animal (CURTIS, 2004). A sarna
et al., 2016). otodécica pode levar a uma infecção
Na clínica médica de felinos, no bacteriana secundária acarretada por pequenas
diagnóstico diferencial da demodicose deve-se lesões causadas pelo intenso prurido
levar em consideração todas as doenças que se (ARTHER et al., 2015).
manifestam sob a forma de prurido (GROSS et O ácaro Otodectes cynotis possui o ciclo
al., 2009). Os principais diagnósticos de vida com duração de 18 a 28 dias de ovo a
diferenciais são da dermatofitose, síndrome ovo antes da nova geração de larvas, ninfas e
foliculite-furunculose bacteriana, alopecia ácaros se desenvolver e ocorre no canal
psicogênica, dermatite atópica, alergia a auditivo do hospedeiro (MILLER et al., 2013;
alimentos, dermatite por contato, dermatite TAYLOR et al., 2016) (Figura 14.2). Em sua
alérgica a picada de pulga (DAPP), infestações fase adulta, o ácaro consegue sobreviver até
por Cheyletiella, Notoedres, Otodectes, dois meses, podendo cair para até dezessete
Sarcoptes e algumas espécies de piolho dias no máximo, caso ele se encontre fora do
(GUAGUÈRE; BENSIGNOR, 2005). hospedeiro. Os ácaros adultos possuem uma
No caso do Demodex cati o diagnóstico é coloração branca e oito patas que vão até o
feito através de raspados cutâneos. Por se
133
Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

limite do corpo, exceto as fêmeas (MARTINS vítimas, podendo causar micoses (RIVITTI;
et al., 2016). SAMPAIO, 2000).
O ácaro Sarcoptes scabiei realiza a
Figura 14.2 Ácaro Otodectes cynotis fecundação em uma cavidade na pele. Após
esse período, o macho morre e a fêmea escava
outra cavidade para colocar os ovos, que
acontecem numa ordem de três ovos por dia
durante dois meses em média. O ovo eclode
após três ou quatro dias de posto, soltando a
larva. A larva vai até a superfície e após cerca
de quatro dias, começa a se alimentar dos
folículos capilares até se transformarem em
protoninfas. Alguns dias depois, ela se
transforma em uma tritoninfa e então toma a
forma adulta. No total, o ciclo de vida dura
Fonte:https://br.pinterest.com/pin/72824620222600402 entre dezessete e vinte e um dia (TAYLOR et
1/. Acesso em: 26 Março 2021.
al., 2016) (Figura 14.3).

Nos felinos, os sintomas variam, podendo


Figura 14.3 Ácaro Sarcoptes scabiei: (A)
haver grandes ou pequenas quantidades de
Macho; (B) Fêmea
secreção ou muita ou pouca coceira nos canais Fonte:https://www.sciencedirect.com/topics/agricultura
auditivos do animal. A secreção assemelha-se
ao pó do café, resultado da mistura de restos
de tecido epitelial morto, de sangue, de ácaros
e de cerúmen (NESBITT; ACKERMAN,
1998). As lesões causadas pelo intenso prurido
geralmente se localizam na orelha do animal,
mas podem também se manifestar na região do
pescoço, das costas e também da cauda devido
ao ato de coçar e devido ao ato de dormir l-and-biological-sciences/notoedres-cati. Acesso em: 26
enrolado (MILLER et al., 2013). Geralmente, Março 2021.

a manifestação da doença só é percebida pelo


proprietário quando este observa eritema e Para o diagnóstico da doença é necessário
exsudato ceruminoso marrom-escuro, sintomas observar o ácaro a partir do material obtido por
deste tipo de sarna, no ouvido do animal raspagem cutânea (FRANK, 2014) ou da área
(CURTIS, 2004). lesionada, podendo também ser a cabeça e as
patas (LOURENÇO, 2013). Com o estudo,
Sarna sarcóptica pode-se concluir que a raspagem cutânea é tão
A escabiose, causada pelo ácaro Sarcoptes eficiente no resultado quanto o uso da fita de
scabiei, pode ser transmitida aos seres acetato, diferente da remoção de pelos que
humanos, sendo geralmente os tutores dos pode errar no diagnóstico, principalmente em
animais e os médicos veterinários as principais casos mais simples. O uso da fita de acetato
possui uma vantagem em relação as demais
134
Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

por ser uma técnica que causa menos Figura 14.4 Ácaro Lynxacarus radovskyi
desconforto ao animal, facilitando a aplicação
do método, visto que os parasitas não perfuram
muito fundo na pele (KARADAG; BORLU,
2019).

Linxacariose
É uma doença incomum em gatos e tem
como agente etiológico o Lynxacarus
radovskyi, um ácaro sarcoptiforme, da família Fonte:http://doi.editoracubo.com.br/10.4322/rbcv.2014.
Listrophoridae (FAUSTINO et al., 2004; 315 Acesso em: 26 Março 2021.
PAYNE et al., 2005). A primeira descrição foi
em 1974, por Tenório, no Havaí, e há relatos Os sinais clínicos envolvem disquerati-
em poucos países, tais como Porto Rico, nização cutânea, alopecia, disqueratose
Austrália, Estados Unidos, Ilhas Fiji, Brasil e furfurácea ou laminar, pelagem com aspecto
Nova Zelândia (FIGUEIREDO et al., 2004; ressequido, perda de pelo, pelagem fosca
ROMEIRO et al., 2007). No Brasil, foi escoriações e, em casos mais severos, infecção
relatada nos estados do Rio de Janeiro, Pará bacteriana secundária. O prurido pode estar
(SERRA-FREIRE et al., 2002), Pernambuco, presente ou não (PAYNE et al., 2005).
Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Segundo ROMEIRO et al., (2007) e SERRA-
Grande do Norte e Alagoas (AGUIAR et al., FREIRE et al., (2002), a localização dos
2009). Algumas vezes, esta doença pode ser ácaros é mais frequente na região perianal, nos
observada associada a outras, causadas por membros posteriores e na cauda, e o
ectoparasitas e a mais comum delas é a parasitismo parece ser mais comum em
pediculose (ROMEIRO et al., 2007) (Figura machos.
14.4). O diagnóstico é baseado na visualização
A infecção geralmente ocorre por contato direta dos ácaros aderidos aos pêlos usando
direto, mas fômites podem ser importantes na uma lupa ou através da microscopia (PAYNE
transmissão (AGUIAR et al., 2009). Os et al., 2005; FIGUEIREDO et al., 2004),
animais parasitados parecem estar sujos, pois raspado de pele decalque (inprint) ou ainda
como o ácaro se adere aos pelos, apresentam por meio de avulsão do pelame. O exame de
um aspecto salpicado, de “sal e pimenta”, além microscopia óptica deve compreender a
de alopecia e prurido (MUELLER, 2005; colocação do material entre lâmina e lamínula,
PAYNE et al., 2005). adicionadas de 2 a 3 gotas de hidróxido de
Os pêlos expilam-se com facilidade, a potássio a 10% e observadas em objetiva de
derme apresenta-se normal, ou com erupções 10x. Os parasitos ou ovos podem ser também
papulares, característica de dermatite miliar. visualizados nas fezes, devido aos hábitos de
Quanto ao local de parasitismo, o dorso e a lambedura dos felinos (FAUSTINO et al.,
cauda demonstraram-se áreas de predileção, 2004; MUELLER ,2005).
seguindo-se a cabeça, corpo, região axilar e
região abdominal.

135
Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

Sarna notoédrica lesões podem causar coceira intensa, perda de


Dermatopatia contagiosa acometida pelo pêlo, o espessamento da camada mais externa
ácaro Notoedres cati e que geralmente ataca os da epiderme e a formação de crostas
gatos. No ciclo biológico a fecundação fortemente aderidas e de cor amarelo-
acontece em galerias na superfície epitelial do acinzentada. Eventualmente pode ocorrer
hospedeiro. As fêmeas fecundadas escavam envolvimento generalizado e é comum
novas galerias ou aumentam as já existentes na apresentar linfadenopatia periférica.
camada córnea para se alimentarem das
secreções resultantes dos tecidos lesionados CONCLUSÃO
(MILLER et al., 2013; TAYLOR et al., 2016).
A fêmea põe mais ou menos sessenta ovos O conhecimento sobre as doenças que
nestas cavidades, escavadas por ela durante afetam a pele é de extrema importância para a
três a quatro semanas. As larvas escavam até a realização de um tratamento adequado e
superfície da pele aonde se transformam em seguro à medicina felina. Soma-se a isso, o
protoninfa, depois em uma tritoninfa e então se desenvolvimento da dermatologia veterinária,
tornam adultos. No total, o ciclo de vida onde é essencial adquirir conhecimentos sobre
completo dura por volta de 20 dias (MILLER os diferentes parasitas, primordialmente os
et al., 2013; TAYLOR et al., 2016) (Figura ácaros que podem ocorrer em gatos e seus
14. 5). métodos de padrão ouro para diagnóstico.

Figura 14.5. Ácaro Notoedres cati

Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Notoedres_cati.
Acesso em: 26 Março 2021.

Este tipo de sarna geralmente ocorre na


cabeça e no pescoço, mas que podem se
espalhar por outras regiões do corpo devido a
ato de coçar e ao costume do gato de dormir
enrolado (VANDERLEI et al., 2013). As

136
Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

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Capítulo 14
Parasitologia Humana e Veterinária

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138
Capítulo 13
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 15
ENDOPARASITOS QUE
ACOMETEM FELINOS E
SUA FARMACOLOGIA
ANTI-PARASITÁRIA:
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Bruna Carioca de Souza1
Gabriela Ribeiro1
Lara Lopes1
Raphaela Aparecida Lourenço1
Scarlet Fortunato1
Rafaela de Oliveira Cunha1
Elaine Santana Gonçalves2
Elizângela Guedes3
1Discentes – Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário do Sul de
Minas (UNIS), Varginha, Minas Gerais.
2Discente (doutorado) - Programa de Pós-graduação em Reprodução, Sanidade
e Bem-Estar Animal, Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas),
Alfenas.
3 Docente – Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário do Sul de
Minas (UNIS), Varginha e Programa de Pós-graduação em Reprodução,
Sanidade e Bem-Estar Animal, Unifenas, Alfenas.

Palavras-chave: Gatos, parasitos, toxoplasmose, controle parasitário. 139


Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO gatos, giárdia. Desta busca foram encontrados


40 artigos, posteriormente submetidos aos
O crescente interesse pelo convívio com critérios de seleção.
gatos vem contribuindo no aumento do Os critérios de inclusão foram: artigos nos
número de felinos domiciliados e idiomas português e inglês; publicados no
semidomiciliados vivendo no interior de período de 2000 a 2020 e que abordavam as
residências (COELHO et al., 2009). temáticas propostas para esta pesquisa, estudos
Nesse contexto, os parasitos na espécie do tipo (revisão, meta-análise), disponibilizados
felina assumem grande importância, não na íntegra. Os critérios de exclusão foram: artigos
somente pela ação espoliativa e patológica ao duplicados, disponibilizados na forma de
hospedeiro, mas também pelo seu caráter resumo, que não abordavam diretamente a
zoonótico (MONTEIRO, 2017a). proposta estudada e que não atendiam aos
O parasitismo gastrointestinal representa demais critérios de inclusão. Também foram
uma das afecções com maior taxa de utilizados livros que abordavam parasitologia
morbidade entre cães e gatos, podendo ou não veterinária.
causar manifestações clínicas (COELHO et Após os critérios de seleção restaram 29
al., 2009; GAVIOLI et al., 2011). Entre os publicações, entre livros e artigos, que foram
principais endoparasitas que acometem os submetidos à leitura minuciosa para a coleta
felinos domésticos estão Toxoplasma gondii, de dados. Os resultados foram apresentados de
Giardia spp., Toxocara spp., Ancylostoma forma descritiva, divididos em categorias
spp., Dipylidium caninum (MONTEIRO, temáticas abordando: endoparasitos mais
2017a). frequentes em felinos domésticos, sinais
O objetivo deste estudo foi apresentar clínicos associados ao parasitismo em felinos,
aspectos relevantes da biologia das principais diagnóstico das principais endoparasitoses
endoparasitas de gatos domésticos, suas felinas, da prevenção ao tratamento das
formas de transmissão, sinais clínicos, endoparasitoses em felinos, considerações
diagnóstico, tratamento e controle, já que estes finais.
fatores são de fundamental importância para o
sucesso do tratamento e eliminação do agente RESULTADOS E DISCUSSÃO
infeccioso. A discussão foi dividida em
tópicos, a fim de proporcionar melhor Endoparasitos mais frequentes em
compreensão. felinos domésticos:

MÉTODO Toxoplasma gondii


Toxoplasma gondii é um protozoário do
Trata-se de uma revisão narrativa realizada filo Apicomplexa e família Sarcocystidae, o
no período de março a junho de 2020, por qual é responsável pela toxoplasmose, uma
meio de pesquisas nas bases de dados: zoonose de ampla distribuição mundial a qual
Elsevier, Google Academic, Periódicos Capes, acomete mais de 200 espécies de aves e
Science Direct e Medline. Foram utilizados os mamíferos (MONTEIRO, 2017b; ROSA et al.,
descritores: endoparasitas, felinos, toxoplasmose, 2017).

140
Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

As suas principais formas infectantes são umidade (ADOLPH, 2020; DE MENEZES,


os taquizoítos, bradizoítos e esporozoítos. Os 2017; WEBSTER, 2010).
taquizoítos são capazes de infectar qualquer O hospedeiro intermediário, se infecta ao
célula nucleada, podendo ser classificados ingerir alimento ou água contaminados
como forma proliferativa, forma de (transmissão horizontal) com oocistos
alimentação e endozoíto. Os bradizoítos esporulados. Nesta fase do ciclo, ocorre a
representam um estágio de multiplicação lenta reprodução assexuada (esquizogonia) com
durante a fase crônica da infecção, podendo liberação dos esporozoítos no lúmen intestinal.
permanecer viáveis durante anos dentro do Há então diferenciação em taquizoítos, os
organismo, sendo os responsáveis pela quais são classificados como a forma rápida de
formação de cistos teciduais. Já o oocisto, multiplicação. Por via hematógena, atingem os
forma de resistência do parasita, é formado por tecidos do hospedeiro como sistema nervoso
dois esporocistos com quatro esporozoítos em central, olhos, musculatura esquelética além da
cada se tornando infectante quando ocorre a placenta e coração, ocorrendo modulação de
esporulação no ambiente (TAVARES; uma resposta imune produzindo anticorpos.
TRICHES, 2018). Com isso, o taquizoíto sai do local onde estava
Com relação ao ciclo biológico, se multiplicando e forma um cisto tecidual,
apresentam um ciclo sexuado heteroxeno passando a se chamar bradizoíta (ADOLPH,
facultativo, sendo que, nos felídeos, ocorrem 2020; DE MENEZES, 2017; TAVARES;
as etapas sexuadas através do ciclo intestinal, TRICHES, 2018; WEBSTER, 2010).
por esta razão, considerados hospedeiros Além da transmissão horizontal, também
definitivos (DA SILVA et al., 2010). Já as pode ocorrer transmissão transplacentária,
etapas assexuadas ocorrem em hospedeiros devido tropismo dos taquizoítos por trofoblastos,
intermediários como mamíferos, aves e que se multiplicam no tecido fetal acarretando
humanos (NASCIMENTO; PACHECO; DE alterações (TAVARES; TRICHES, 2018).
SOUSA, 2017). É importante ressaltar que a ingestão de
Os felinos se infectam ao ingerir carcaças oocistos eliminados nas fezes de gatos é fonte
de animais contaminadas com os bradizoítos de infecção importante para hospedeiros
(cistos). No intestino delgado, inicia o ciclo o intermediários, não representando grande
qual desenvolve seu ciclo enteroepitelial, importância na transmissão aos humanos
havendo a merogonia com produção de (TAVARES; TRICHES, 2018).
gametas feminino e masculino (macro e
microgametócitos) e formação do ovo ou Giardia spp.
zigoto, que se diferencia no oocisto. O oocisto Atualmente são descritas seis espécies de
então é liberado no ambiente junto com as Giardia sendo a espécie G. duodenalis,
fezes dando sequência a um novo ciclo. também conhecida como G. intestinalis ou G.
Entretanto, o oocisto liberado irá se tornar lamblia, aquela que acomete mamíferos, em
infectante somente após sua esporulação que especial os humanos (CARNEIRO, 2017;
pode ocorrer dentro de dois a três dias MONTEIRO, 2017a).
dependendo de fatores como a temperatura e Devido à grande diversidade genômica
encontrada nas espécies de G. Duodenalis suas
141
Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

subespécies foram agrupadas filogeneticamente cervical larga e curta. As fêmeas possuem de


em oito genótipos classificados de A a H. Os quatro a doze centímetros e os machos de três
genótipos A e B são considerados a sete centímetros (MONTEIRO, 2017c). A
potencialmente zoonóticos, infectando humanos sua coloração varia entre branca e clara e seus
e uma grande variedade de mamíferos, enquanto ovos possuem casca grossa e irregular de
os genótipos C a H são consideradas específico coloração castanho-escuro, característico nas
do hospedeiro (FANTINATTI et al., 2020). fezes dos gatos (TAYLOR et al., 2017).
Este gênero possui distribuição cosmopo- O ciclo de Toxocara cati é complexo. As
lita, habitando ambientes anóxicos e possuem fêmeas realizam postura dos ovos que saem
ciclo direto. Apresentam duas formas de nas fezes, onde se desenvolvem as larvas (L1 a
evolução: a) trofozoíta, de formato piriforme, L3) dentro do ovo. Dessa forma, pode haver
contendo dois núcleos, oito flagelos e dois diferentes maneiras de infecção do hospedeiro.
axóstilo e discos suctórios. São encontradas no Na transmissão oral, a fonte de infecção
intestino delgado dos animais infectados e são primária para os gatos se dá pela ingestão de
pouco resistentes ao meio ambiente b) cisto, presas infectadas por cistos, podendo também
forma infectante eliminada nas fezes. Possuem ocorrer pela ingestão de carne crua ou
formato ovoide e presença de quatro núcleos. malcozida, fonte de infecção comum tanto para
Essa forma é resistente ao ambiente, podendo hospedeiros definitivos como intermediários.
permanecer viáveis por vários meses em Nessa via, é ingerido o ovo na forma
ambientes úmidos (CARNEIRO, 2017). infectante L3. As larvas, por sua vez, adentram
A transmissão ocorre pela via fecal-oral, a parede estomacal, deslocam-se via fígado,
através da ingestão de alimentos ou água passando pelos pulmões e pela traqueia, onde
contaminados com a forma cística. No realizam muda para L4. Ao chegarem na glote
estômago, se encista no duodeno e libera dois são deglutidas retornando para o estômago e
trofozoítos por fissão binária, os quais para o intestino onde realiza muda para L5 e
colonizam o intestino delgado. Os trofozoítos torna-se adulta. A ingestão de hospedeiros
ao se fixarem nas células intestinais, encistam paratênicos, como roedores e aves, também é
e após a sua maturação são eliminados com as uma importante via. Pode ainda, ocorrer
fezes (TAYLOR, 2017). infecção transmamária, principalmente nos
gatos que apresentam infecção aguda. Já a via
Toxocara cati transplacentária é rara entre os gatos
Toxocara cati pertence à ordem Ascaridida, (MONTEIRO, 2017c).
classe Nematoda, Filo nemathelminto (vermes
redondos). São encontrados no intestino Ancylostoma spp.
delgado de gatos, que por sua vez, são o Ancylostoma spp. é o principal nematódeo
hospedeiro definitivo. As larvas se envolvido na manifestação patológicas do tipo
desenvolvem no estômago do hospedeiro larva migrans cutânea apresentando uma
podendo causar reações granulomatosas grande importância não só na medicina
(MONTEIRO, 2017c; TAYLOR et al., 2017). veterinária, mas também para saúde pública
Possuem como características morfológi- (ANDRADE et al., 2012).
cas esôfago clariforme, boca trilabiada, asa
142
Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

Morfologicamente é classificado como e são expelidos nas fezes envoltos em uma


monoxênico, possui um grande aparelho bucal, cápsula ovígera. Cada ovo, por sua vez,
contendo três pares de dentes que se fixam à contém em seu interior um embrião hexacanto
mucosa do intestino para se alimentar do (MONTEIRO, 2017a; SANTOS, 2017).
sangue do hospedeiro. Sua coloração varia de Com relação ao seu ciclo biológico, o
branco acinzentada a avermelhada. Seus ovos período de incubação é de aproximadamente
são ovais e de casca fina. São dioicos, com três semanas, necessitando de 21 dias para que
dimorfismo sexual e seu ciclo é considerado a larva se transforme em adulta. O ciclo se
direto, sem o envolvimento de hospedeiros inicia com o hospedeiro definitivo ingerindo a
intermediários. O ciclo inicia com a postura pulga ou piolho contendo larva cisticercoide
dos ovos pelas fêmeas que são eliminados para em seu interior. No intestino delgado o
o meio externo através das fezes. Em hospedeiro intermediário é digerido liberando
condições ideais, há o desenvolvimento dos a larva que se desenvolve, havendo a formação
estádios larvais de L1 até L3, podendo do escólex e proglotes. As proglotes
permanecer no solo por muitos meses até gravídicas, por sua vez, são degradadas,
infectarem um novo hospedeiro (ANDERSON, libertando assim as cápsulas com ovos nas
2000). fezes. Os ovos com as cápsulas ovígeras, vão
A infecção pode ocorrer por via oral, ser ingeridos pelo hospedeiro intermediário,
através da ingestão de larvas, ou por via ocorrendo em seguida a eclosão das
percutânea, transplacentária ou lactogênica. Na oncosferas, que irão atravessar a parede do
infecção por via percutânea, os coxins são as intestino rumo ao hemocélio desse hospedeiro.
principais portas de entrada. As larvas atingem A larva da pulga infectada sofre
os vasos linfáticos e migram até o ducto amadurecimento, perpetuando o ciclo do
torácico, e via corrente sanguínea atingem os cestódeo (SANTOS, 2017).
pulmões onde se desenvolvem para a forma
L4. Em seguida, migram para os brônquios e Sinais clínicos associados ao parasitismo
traqueia, e assim que deglutidos adentram o em felinos
intestino delgado, onde se desenvolvem em Os sinais clínicos decorrentes de infecções
L5, fase onde ocorre a reprodução sexuada e a por endoparasitos em felinos são inespecíficos,
oviposição (MOLENTO; BRAZ, 2017). podendo ocorrer desde alterações gastroen-
téricas como diarreia, emagrecimento
Dipylidium caninum progressivo e desidratação, a alterações
Dipylidium caninum é um cestódeo que sistêmicas principalmente em animais imuno-
utiliza pulgas (Ctenocephalidesfelis e Pulex comprometidos (SIMÕES et al., 2015).
irritans) e piolhos (Trichodectes canis) como A toxoplasmose clínica felina é rara, já
hospedeiras intermediárias. São hermafroditas tendo sido relatadas enterite, pneumonia,
possuindo proglotes e formato de grão de alterações degenerativas no sistema nervoso
arroz. Na fêmea, o útero gravídico apresenta central e encefalite. Pode ainda haver
unidades distintas, denominadas sacos ovíferos formação de cistos em pulmões, fígado,
que podem conter cinco a trinta ovos. Ovos linfonodos, sistema nervoso central e nos
são quase esféricos, de cor castanho-amarelada
143
Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

olhos. Em gatos idosos, pode ser observada alguns gêneros de Trematoda e Cestoda
doença crônica (SIMÕES et al., 2015). (MONTEIRO, 2017d; OLIVEIRA-JÚNIOR et
Na toxocaríase, além de sinais clínicos al., 2004; TÁPARO et al., 2006).
gastrointestinais, pode ocorrer ainda o Para diagnóstico de Toxocara sp. podem
desenvolvimento de pneumonia (SCHMIDT; ser utilizadas técnicas de flutuação, de
DE CEZARO, 2016). Já na ancilostomose, centrifugo-flutuação em sulfato de zinco, de
como consequência da infecção, o pode haver centrifugo-sedimentação em água-éter e
o desenvolvimento de dermatites localizadas, também por sedimentação simples. Ovos
e alterações pulmonares (MORO et al., 2008). subglobulares, com casca pontilhada e grossas
Em caso de infecção transmamária, pode podem ser observados nas fezes, assim como
ocorrer a morte do neonato (KITCHEN et al., adultos, que também podem ser encontrados
2019). Já a forma crônica, geralmente em amostras de vômitos (SCHMIDT; DE
assintomática, pode ocorrer prurido, descon- CEZARO, 2016; TAYLOR et al., 2017). Já
forto e lambedura anal excessiva em decorrên- para o diagnóstico de toxoplasmose pode ser
cia da saída de proglotes ativas (MONTEIRO, utilizado as técnicas de concentração de
2017c) . oocistos por flutuação de Willis e centrífugo-
Animais infectados por giárdia podem ser flutuação em sacarose (ETTINGER et al.,
assintomáticos ou desenvolver doença clínica 2019).
a depender da virulência da cepa envolvida, da Atualmente, estão disponíveis inúmeros
carga infectante, bem como da resposta métodos para avaliação de Giardia duodenalis
imunológica e idade do animal (ETTINGER et em gatos. Ao exame microscópico direto de
al., 2019). esfregaço de fezes pode ser observado a
presença de cistos e trofozoítos. Embora seja
Diagnóstico das principais endoparasitoses pouco sensível (< 20%), o exame de flutuação
felinas em sulfato de zinco permite observar
Para o correto diagnóstico é necessária a principalmente a presença de cistos. Para
realização de exames complementares. Nesse diagnóstico preciso há a necessidade de
contexto, os exames coproparasitológicos realizar o teste em pelo menos três amostras de
possuem grande importância, sendo métodos fezes do animal, numa mesma semana
de baixo custo e de fácil execução (ETTINGER et al., 2019).
(MONTEIRO, 2017d; TÁPARO et al., 2006). Outros métodos de diagnóstico das
Existem várias técnicas documentadas em endoparasitoses incluem biologia molecular
literatura. Entre elas, as técnicas de flutuação como Polymerase Chain Reaction (PCR),
que permitem avaliar a presença de ovos, histopatológicos e sorológicos, como Ensaio
cistos ou oocistos. Como exemplo temos a de imunoabsorção Enzimática (ELISA), pes-
Técnica de Willis-Mollay, onde podem ser quisa de anticorpos monoclonais e Imunofluo-
visualizados ovos de nematóides e cestóides, rescência (IFA) (SCHMIDT; DE CEZARO,
oocistos e cistos de protozoários. Já as técnicas 2016). Para giardíase, a técnica de PCR
de sedimentação são melhores empregadas permite realizar diferenciação do genótipo,
para pesquisa de ovos pesados que não possibilitando a identificação de espécies e
flutuam em soluções saturadas, como os de cepas (ETTINGER et al., 2019).
144
Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

Da prevenção ao tratamento das Na toxoplasmose felina é preconizada a


endoparasitoses em felinos utilização do cloridrato de ou trimetoprin-
De forma geral, para o controle e sulfonamida. As sulfas bem como o
prevenção das endoparasitoses sugere-se uma trimetoprin, têm ação sob a produção do ácido
alimentação balanceada evitando o forneci- fólico do parasita, essencial para a síntese de
mento de alimentos crus, adoção de hábitos de DNA e RNA, entretanto sulfas não eliminam
higiene e limpeza, em especial das caixas de completamente o toxoplasma. Outra indicação
areia, evitar a predação de hospedeiros é cloridrato de clindamicina, com boa
intermediários e paratênicos, restrição do absorção no trato gastrointestinal, porém pode
acesso à rua e o controle de ectoparasitas levar a desordens como êmese e hipersalivação
(OLIVEIRA-JÚNIOR et al., 2004). em felinos. É contraindicado para fêmeas
Cistos de Giardia spp., apresentam grande prenhes ou em lactação e em animais com
resistência aos níveis rotineiros de cloração e a idade inferior a um ano (SPINOSA et al.,
maioria dos desinfetantes, tornando-se uma 2017).
fonte de disseminação ambiental. Toxocara Os fármacos mais utilizados para o
também é resistente no ambiente, dessa forma, tratamento de protozoários, como a Giardia
é essencial a higienização ambiental com sp., são metronizadol ou fembendazol. O
protocolos eficientes, bem como manejo metronidazol penetra na célula do protozoário,
frequente das fezes e evitar superpopulação de interagindo com seu DNA, causando quebra
animais, bem como adoção de medidas das alças e perda de sua estrutura helicoidal,
sanitárias para introdução de novos animais ocasionando a morte do parasito (TAYLOR et
(CAVALINI et al., 2011). al., 2017). Apesar de absorvido no trato
A profilaxia e o tratamento com antipara- gastrointestinal, sofre metabolização hepática
sitários em felinos devem ser periodicamente gerando metabólitos tóxicos, dessa forma, o
realizados para reduzir as fontes de seu uso deve ser cauteloso em hepatopatias e
parasitismo e a contaminação do solo com os em animais debilitados. Ainda, podem ocorrer
ovos e oocistos, assim como os sinais clínicos glossite, estomatite, náusea, êmese, toxicidade
presentes em animais com grande carga neurológica (altas doses), neutropenia,
parasitária (FUNADA et al., 2007; PEREIRA hepatotoxicidade, hematúria e anorexia. O
et al., 2019). Atualmente o mercado dispõe de fembendazol apesar da sua ampla janela
uma variedade de fármacos anti-helmínticos terapêutica, não é recomendável pela defici-
com diferentes formulações e formas ência dos gatos no complexo enzimático
farmacêuticas podendo ser agrupados como de citocromo P-450 e na glicoronase. Também
amplo ou de estreito espectro (SPINOSA et pode ser utilizado pirantel (SPINOSA et al.,
al., 2017). 2017).
Para tratamento tanto da toxocaríase como Em adicional, para o controle eficiente de
ancilostomose podem ser utilizados febantel, Giardia sp. é de extrema importância prestar
fembedazol, ivermectina; mebendazol; milbemi- orientação ao proprietário quanto a necessi-
cinaoxima; poamato de pirantel ou selamectina. dade da utilização da terapia medicamentosa,
Alguns tratamentos são empre-gados em incluindo os contactantes assintomáticos, asso-
combinações farmacológicas (TAYLOR et al., ciado a limpeza e desinfecção do ambiente,
2017). devido a possibilidade de reinfecção pela sua

145
Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

resistência ambiental e aos fármacos CONCLUSÃO


administrados (SPINOSA et al., 2017).
De forma geral, para a prevenção das
Por meio da análise descritiva, foi
endoparasitoses felinas, é preconizada a
observado que o correto diagnóstico, aliado à
vermifugação de filhotes utilizando-se de
instituição de uma terapêutica e manejo
formulações de amplo espectro, a partir dos
sanitário adequados, são descritas como
trinta dias de vida seguido de reforço com
maneiras eficazes para o controle das
intervalos de três semanas até os quatro a seis
patologias causadas por parasitismo em
meses de idade. Para animais adultos, a
felinos, bem como sua disseminação
frequência de administração se baseia no
ambiental.
acesso dos animais à rua e/ou a outros animais.
Em adicional, com base nas informações
Entretanto, é importante a realização de
obtidas nesta revisão, torna-se necessária a
exames coproparasitológicos regularmente, de
conscientização dos tutores bem como dos
forma a ser empregado tratamento específico e
médicos veterinários sobre o papel zoonótico
com maior eficácia (OLIVEIRA, 2019).
de algumas endoparasitoses felinas.

146
Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

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Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

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148
Capítulo 15
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 16
DOENÇAS
RELACIONADAS AOS
CARRAPATOS

Cristina Maria Miranda Bello2


Lucca Messias Amaral¹
Roseane Daniela Barbosa De Assis¹
Taynara Maria Marugeiro Almas¹
Thaís Faria Rodrigues Lopes¹

1Discentes do 5o período da Faculdade de Medicina de Barbacena


2Docente da Faculdade de Medicina de Barbacena

Palavras-chave: Doenças do carrapato; Febre Maculosa; Epidemiologia.

149
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO ressurgente, apresentando um considerável


aumento no número de casos e expansão das
Os carrapatos são ectoparasitas áreas de transmissão. Foi incluída na lista de
hematófagos pertencentes à classe dos doenças de notificação compulsória pelo
aracnídeos, responsáveis pela transmissão de Ministério da Saúde em 2001, e a partir de
um grande número de doenças, uma vez que, 2015 têm-se registrado casos da doença em
diferentes agentes infecciosos como bactérias, grande parte das unidades federativas do país,
vírus e protozoários, possuem como vetor os representando um importante problema de
artrópodes, constituindo uma importante saúde pública (OLIVEIRA, 2017).
preocupação médica e veterinária devido a Atualmente, sabe-se que a riquetsiose mais
possibilidade de transmissão de doenças tanto prevalente no Brasil é a Febre Maculosa
para humanos quanto para animais, e assim causada pela bactéria Rickettsia rickettsii,
representando uma grande ameaça à saúde porém, recentemente têm sido confirmadas
(OLIVEIRA, 2017). novas riquetsioses causadoras da FM em
Historicamente, a descoberta de carrapatos diversas regiões do país. As riquétsias são
como transmissor de doenças se deu em 1886 bactérias gram-negativas, intracelular obriga-
por Theobald Smith, que descreveu a doença tórias, pertencentes ao gênero Rickettsia,
denominada “Texas Cattle Fever”, conhecida família Rickettsiaceae e ordem Rickettsiales,
atualmente como Babesiose. No início do possuindo um ciclo de vida que envolve tanto
século XX, outra importante doença um hospedeiro vertebrado quanto um vetor
transmitida por carrapatos, a Febre Maculosa artrópode. Vetor corresponde ao transmissor
(FM), teve seus primeiros registros nos da doença, enquanto reservatório corresponde
Estados Unidos da América, recebendo ao local onde o agente etiológico da doença
inicialmente o nome de Febre Maculosa das vive e se multiplica. No Brasil, os principais
Montanhas Rochosas. Em 1906, o agente vetores e reservatórios da Febre Maculosa são
etiológico da FM, a Rickettsia rickettsii, foi os carrapatos do gênero Amblyomma, porém,
identificado por Howard Taylor Ricketts, que qualquer outra espécie de carrapato pode ser
também identificou o carrapato como vetor considerada reservatório da Rickettsia. Além
desta doença. A partir da década de 30, a FM disso, roedores como as capivaras, equídeos e
passou a ser identificada em muitos países da marsupiais, como os gambás, possuem uma
América do Sul e no Brasil, por exemplo, essa importante participação no ciclo de
doença foi registrada pela primeira vez em transmissão da febre maculosa e recentemente,
1929, no estado de São Paulo, por José Toledo há estudos a respeito do envolvimento destes
Piza, e a partir daí casos de FM foram animais como amplificadores de riquétsias e
reconhecidos em outros estados como Rio de transportadores de carrapatos potencialmente
Janeiro e Minas Gerais. Desde então, diversas infectados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019;
outras doenças transmitidas por carrapatos têm SANTOS et al., 2014; WALKER & ISMAIL,
sido descritas. Ressalta-se que, ao longo de 2008).
décadas a FM registrou casos esporadicamente Os carrapatos adquirem a riquétsia por
descritos e notificados no Brasil. Entretanto, meio da transmissão transovariana (vertical),
na década de 1980 tornou-se uma doença transestadial (estádio-estádio) ou através da

150
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

cópula, além de também ser possível a animais com suficiente riquetsemia, o que se
transmissão horizontal, por meio da observa na Figura 16.1.
alimentação dos carrapatos não infectados em

Figura 16.1 Ciclo de vida das riquétsias transmitidas por carrapatos

Fonte: Adaptado de WALKER & ISMAIL, 2008.

E então, ao se infectar com a riquétsia, esse rickettsii, Febre Botonosa, Tularemia, Febre
carrapato torna-se um potencial transmissor da transmitida por carrapatos do Colorado, febre
doença para os humanos (WALKER & hemorrágica do Congo-Criméia, Vírus da
ISMAIL, 2008). doença da floresta de Kyasanur, Febre
O objetivo deste estudo foi elucidar de Hemorrágica de Omsk, Encefalite transmitida
forma sistemática aspectos históricos, por carrapatos, doenças transmitidas por
epidemiologia, profilaxia, transmissão, trata- carrapatos, epidemiologia, aspectos históricos,
mento e controle das principais doenças tratamento, prevenção e patogenia. Desta
transmitidas por carrapatos e demonstrar a sua busca foram encontrados 40 artigos, posterior-
crescente nas últimas décadas, com enfâse na mente submetidos aos critérios de seleção.
febre maculosa. Os critérios de inclusão foram artigos nos
idiomas inglês, português, espanhol, indoné-
MÉTODO sio; publicados no período de 2008 a 2021 e
que abordavam as temáticas propostas para
Trata-se de uma revisão sistemática esta pesquisa; estudos do tipo revisão, meta-
realizada no período de março a maio de 2021, análise e originais, disponibilizados na íntegra.
por meio de pesquisas nas bases de dados: Os critérios de exclusão foram artigos
PubMed, Scielo, Google Acadêmico, de anteriores a 2008, disponibilizados na forma
artigos nacionais e internacionais, Teses, Sites de resumo, que não abordavam diretamente a
e livros de parasitologia médica e veterinária. proposta e o tema estudado e que não atendiam
Foram utilizados os descritores: Febre Macu- aos demais critérios de inclusão.
losa, doença de Lyme, Babesiose, vírus Após os critérios de seleção restaram 10
Powassan, febre recorrente, rickettsia artigos que foram submetidos à leitura

151
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

minuciosa para a coleta de dados. Os das notificações são em adultos do sexo


resultados foram apresentados em tabelas, masculino (FIOL et al., 2010; PAES, 2019).
gráficos, quadros e de forma descritiva, ● FM na região metropolitana de São
divididos em categorias temáticas abordando a Paulo, onde o R. rickettsii está associado ao
epidemiologia da febre maculosa, os dados carrapato Amblyomma aureolatum. A
epidemiológicos da febre maculosa brasileira incidência dos casos confirmados tem sido
nos estados de Minas Gerais e São Paulo, a semelhante nos dois sexos, no entanto há
patogenia da febre maculosa, o diagnóstico uma parcela predominante em bebês, tendo
diferencial da febre maculosa, o tratamento como causa a transmissão intradomiciliar
prevenção e controle da febre maculosa, outras (ANGERAMI, 2011).
doenças associadas aos carrapatos, também ● FM nas áreas de Mata Atlântica das
dados epidemiológicos das doenças virais regiões do sul, nordeste e sudeste que está
transmitidas por carrapatos no hemisfério associada à escara de inoculação, onde a
Norte. Rickettsia sp. na Mata Atlântica está associado
principalmente ao carrapato Amblyomma ovale.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Com relação aos dados epidemiológicos, essa
doença tem poucos casos confirmados, e há
Epidemiologia da Febre Maculosa um predomínio das riquetsioses nos estados do
A epidemiologia das riquetsioses está Rio Grande do Sul, Santa Catarina, litoral de
diretamente relacionada à distribuição São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro (Ministério
geográfica e a presença de carrapatos da Saúde, 2019).
transmissores da doença, bem como as Alguns pesquisadores defendem o quarto
variáveis ecológicas e a abundância de perfil epidemiológico relacionado à FM
hospedeiros animais envolvidos no ciclo das associada à escara de inoculação
riquétsias. Em relação a notificação predominantemente no Pampa Brasileiro, onde
compulsória imediata da Febre Maculosa no foram coletados carrapatos adultos Amblyomma
Brasil, a região Sudeste foi a que mais tigrinum infectados pela Rickettsia parkeri.
relatou casos e em 2018 a letalidade da Segundo dados do Ministério da Saúde,
doença foi de cerca de 37%, sendo assim, foram confirmados 1940 casos da Febre
torna-se uma questão de saúde pública de Maculosa no Brasil, entre os anos de 2000 a
grande importância (ARAUJO et al., 2015). 2018, como mostrado na Gráfico 16.1, sendo
Atualmente, no Brasil, são reconhecidos o maior número de casos na Região Sudeste,
três perfis epidemiológicos associados a Febre dando o destaque para os estados de Minas
Maculosa: Gerais e São Paulo. A letalidade da doença é
● FM na região Sudeste, onde a R. em média 40%, podendo chegar a 80 % nos
rickettsii está associada ao carrapato casos graves, considerado no período de 2003
Amblyomma sculptum. A maioria dos casos a 2018, Figura 16.2. A maior proporção de
ocorre entre os meses de junho e novembro, óbitos também se encontra na Região Sudeste,
coincidindo assim com a abundância dos de acordo com dados da Gráfico 16.2,
estágios ninfais do carrapato Amblyomma havendo 609 mortes entre os períodos de 2000
sculptum. E em relação ao sexo, mais de 70% a 2018 (Ministério da Saúde, 2019).

152
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

Figura 16.2 Número de óbitos e letalidade por febre maculosa, Brasil, 2003 a 2018

Legenda: Imagem obtida entre os meses de abril e maio de 2021. Fonte: Ministério da Saúde, 2019.

Gráfico 43.1 Casos confirmados de febre maculosa no Brasil, Grandes regiões e Unidades Federadas. 2000 a 2018

Casos confirmados de Febre Maculosa no Brasil


2500

2000

1500

1000

500

0
Região Norte Região Nordeste Região Sudeste Região Sul Região Centro- Brasil
Oeste

Casos confirmados de Febre Maculosa no Brasil

Fonte: Ministério da Saúde, 2019.

153
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

Gráfico 16.2 Óbitos de febre maculosa no Brasil, Grandes regiões e Unidades Federadas. 2000 a 2018

Óbitos de Febre Maculosa no Brasil entre 2000 e 2018


700

600

500

400

300

200

100

0
Região Norte Região Nordeste Região Sudeste Região Sul Região Centro- Brasil
Oeste

Óbitos de Febre Maculosa no Brasil entre 2000 e 2018

Fonte: Ministério da Saúde, 2019.

Dados epidemiológicos da Febre Macu- foi de 42 anos, mostrando que existem poucas
losa Brasileira (FMB) nos Estados de Minas condições assistenciais no diagnóstico da
Gerais e São Paulo doença, o que pode ter ocasionado um número
No estado de Minas Gerais (MG), os casos maior de óbitos na Região Metropolitana de
de febre maculosa se concentram Belo Horizonte (SOUZA et al, 2017).
principalmente nas regiões do vale do Rio No estado de São Paulo há o maior número
Doce, Jequitinhonha e Mucuri, localizados na de casos de febre maculosa no Brasil. De
Região Nordeste de Minas Gerais. Cabe acordo com os dados do Centro de Vigilância
destacar também a Região Metropolitana de Epidemiológica, no período de 2007 a 2018,
Belo Horizonte (RM-BH) que, em 2017 havia 768 casos da doença foram confirmados,
notificado casos e óbitos distribuídos, sendo a maior parte concentrada nas regiões de
principalmente na região da Lagoa da Piracicaba e Campinas, como mostra na
Pampulha. Tal fato está relacionado a presença Figura 16.3 (NASSER, 2014).
de um grande número de capivaras no local.
Em um estudo epidemiológico dos casos e Patogenia da Febre Maculosa
óbitos naquela região realizado por estudantes A febre maculosa é uma doença infecciosa
no ano de 2017, foi constatado uma letalidade aguda e grave, geralmente causada pela
nesta região de 66%. Do total de casos, 14 bactéria Rickettsia rickettsii e que normal-
eram do sexo masculino e a mediana da idade mente tem características endêmicas, dissemi-

154
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

nadas por carrapatos infectados. Depois que se consideram um local de infecção e


ocorre a picada pelo carrapato, estima-se que o multiplicação.
tempo médio que leva para ocorrer a Com relação a manifestações clínicas de
inoculação da bactéria é de cerca de seis a dez modo geral, entre o 2º e o 5º dias de doença
horas ocorrer a infestação. aparecem as pápulas maculares, com evolução
centrípeta e dominância nos membros inferi-
Figura 16.3 Mapa dos casos confirmados ores, podendo acometer as plantas dos pés e as
autóctones de FMB no estado de São Paulo palmas das mãos, com índice de ocorrência de
segundo o GVE de residência, no período de 50 a 80% nos pacientes (NASSER, 2014).
2007 a 2018 Embora seja o sinal clínico mais importante, a
erupção pode não existir, o que pode dificultar
e/ou atrasar o diagnóstico e tratamento,
aumentando a letalidade. Em casos graves, a
erupção pode se transformar em equimoses e
sangrar, consistindo principal-mente de
hematomas ou exsudatos. No paciente com
equimose não tratada ela tende a se fundir e
pode evoluir para necrose, especialmente em
uma extremidade (ANGERAMI, 2011). Em
alguns casos graves, podem existir situações
Legenda: Imagem obtida entre os meses de abril e maio
de inchaço das extremidades inferiores,
de 2021. Fonte: ALBUQUERQUE, 2019.
aumento do fígado e baço, diarreia e dor
abdominal. Com relação ao rim ele se
Nesse período nas glândulas salivares do
manifesta por azotemia pré-renal, que é
vetor em que está a Rickettsia, haverá a
caracterizada por oligúria e insuficiência renal
reativação da mesma que irá sair de um estado
aguda, além disso pode se ter manifestações
latente não tóxico a um estado altamente
gastrointestinais como náuseas, vômitos, dor
patogênico. Assim que ocorre uma infecção, o
abdominal e diarreia, manifestações pulmo-
período de incubação até o início dos sintomas
nares, como tosse, edema pulmonar, infiltração
pode variar de 2 a 14 dias, uma média de 7
alveolar, pneumonia intersticial e derrame
dias após a picada. Pode-se considerar que a
pleural, manifestações neurológicas graves,
duração do período de incubação pode estar
como defeitos neurológicos, meningite e/ou
relacionada a fatores conforme a carga e a
meningo-encefalite, acompanhadas de líquido
duração do parasita, o tamanho do inóculo
cefalorraquidiano claro, e ainda manifestações
bacteriano e a virulência da bactéria. A
hemorrágicas, como petéquias, pele e
disseminação da bactéria atinge os tecidos por
membranas mucosas, trato digestivo e pulmão.
meio de vias linfáticas e sanguíneas. Órgãos
Se não for tratado, o paciente pode entrar
diferentes, incluindo pele, músculo esquelé-
em um estágio de dormência e confusão.
tico, cérebro, pulmão, coração, rim, baço,
Mudanças frequentes no psicomotor, chegando
segmentos do fígado e do trato gastroin-
ao coma profundo também podem ocorrer e
testinal. Nestes órgãos, as células endoteliais
icterícia e convulsões podem ocorrer nas fases

155
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

finais da doença. Se não for tratada, a taxa de muitas vezes colabora para o não
mortalidade desta doença pode chegar a 80% reconhecimento da FM, dificultando a
(SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM abordagem inicial e levando a ausência de
SAÚDE, 2010). diagnóstico e tratamento precoces, aumentando
o risco de um prognóstico desfavorável
Diagnóstico diferencial da Febre (ARAUJO et al., 2015).
Maculosa O diagnóstico diferencial da Febre
A febre maculosa é uma doença que Maculosa é feito principalmente através de
apresenta inicialmente manifestações clínicas dados clínicos e epidemiológicos adquiridos a
inespecíficas como febre, mialgias, cefaleia, partir da anamnese e exame físico associados
mal-estar generalizado, hiperemia das aos achados laboratoriais, favorecendo a
conjuntivas e em alguns casos sintomas suspeita diagnóstica e consequentemente uma
gastrointestinais como náuseas, vômitos, dor abordagem adequada, implicando diretamente
abdominal e diarreia. O sintoma mais no sucesso terapêutico (ARAUJO et al., 2015).
importante é o exantema maculopapular, que É importante ressaltar que o método
aparece geralmente entre o 3º e 5º dia da diagnóstico mais disponível e utilizado na
doença. Por se manifestar a princípio com uma rotina laboratorial da FM é o exame de
sintomatologia pouco específica, pode ser imunofluorescência indireta, que consiste na
confundido com inúmeras outras doenças pesquisa de anticorpos específicos para as
graves, tais como Leptospirose, Dengue, Zika, riquétsias por meio da sorologia, mas este só é
Hepatite viral, Salmonelose, Encefalite, possível de ser realizado após o fim da
Malária e Pneumonia, entre outras doenças. primeira semana de sintomas, tornando-se um
Ademais, após o aparecimento do exantema desafio diagnóstico. Entretanto, uma outra
maculopapular, a FM pode ainda fazer alternativa para o diagnóstico precoce da
diagnóstico diferencial com doenças como a doença é a utilização da análise molecular a
Sífilis, Meningococcemia, Enteroviroses, entre partir da Reação em Cadeia de Polimerase
outras (ARAUJO et al., 2015). (PCR), que detecta a presença de material
Diante disso, pelo risco de ser confundida genético da bactéria, mas que, no entanto,
com outras doenças que trazem sinais e ainda é pouco utilizado atualmente, sendo
sintomas muito parecidos ao da FM, o recomendado especialmente em casos graves e
diagnóstico e a terapêutica muitas vezes são óbitos, e devendo ser realizado na fase inicial
retardados, culminando em desfechos desfavo- da doença, enquanto os anticorpos anti-
ráveis que resultam em alta taxa de Rickettsias ainda não são detectados
mortalidade. A ausência de tratamento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019).
adequado e precoce, por exemplo, favorece a
progressão do quadro clínico, podendo haver Tratamento, prevenção e controle da
comprometimento do sistema nervoso central, Febre Maculosa
que causa encefalites graves, confusão mental, O tratamento dessa patologia é realizado
convulsões, delírios e até mesmo ao coma. com administração de antibióticos de amplo
Ademais, a falta de conhecimento pelo espectro, como doxiciclina 100 mg, 12/12
profissional da saúde acerca dessa doença horas por via oral ou endovenosa durante 7

156
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

dias ou até 2 dias após término de sintomas com duração de aproximadamente 2 a 9 dias,
febris ou eritromicina 500mg, quatro vezes ao sendo comum durante o primeiro episódio o
dia via oral. Ademais, a prevenção e o controle aparecimento de exantema em forma de
da FM podem ser feitos evitando áreas petéquias. A febre recorrente se não tratada
infestadas por carrapatos, uso de botas e pode levar o paciente a óbito e sua taxa de
roupas que impeçam o contato do artrópode letalidade oscila entre 2 e 10%. Existem duas
com a pele e uso de repelentes. O combate ao formas de transmissão dessa doença, a forma
vetor é uma importante ferramenta para a epidêmica, que acontece pela picada de
profilaxia da FM, para isso pode ser feita a piolhos, e a forma endêmica, que ocorre por
aplicação de inseticidas e carrapaticidas em meio de picada de carrapatos do gênero
animais que abrigam esse hospedeiro, como Ornithodoros. O diagnóstico laboratorial pode
gado, mamíferos de pequeno porte e também ser feito através de sorologia, exame
animais domésticos, principalmente cachorros histológico e imunoistoquímico, PCR e
(SANTOS, 2014; LÓPEZ, 2017). cultura. Seu tratamento consiste no uso de
antibióticos nos períodos afebris ou fase aguda
Outras doenças associadas aos carra- da doença, geralmente tetraciclina ou
patos eritromicina de 500 mg em dose única via oral
Febre Botonosa: também conhecida como ou 250 mg via intravenosa. O controle e a
febre maculosa do Mediterrâneo, é causada prevenção da febre recorrente são os mesmos
pela Rickettsia conorii da família Rickettsiae e das demais doenças transmitidas por
acomete principalmente o sul da Europa, a carrapatos e piolhos (REY, 2010).
África e a Índia. O quadro clínico dessa Doença de Lyme: eritema crônico
doença é semelhante ao da febre maculosa, migratório, também conhecida como artrite de
porém sua manifestação é mais branda. Seus Lyme, é uma borreliose causada pela bactéria
sinais e sintomas se apresentam após 5 a 7 dias Borrelia burgdorferi e sua transmissão é
da picada por carrapato contaminado, entre através da picada do carrapato do gênero
eles há uma ulceração no local da picada Ixodes spp. popularmente conhecidos como
semelhante a um botão com aspecto de escara carrapato da perna preta, Ixodes scapularis.i. É
e o paciente tende a apresentar mal-estar, uma doença zoonótica, mais comum na
cefaleia, mialgias e febre. O diagnóstico pode América do Norte e na Europa chegando a
ser realizado por meio de biópsia e análise da relatos de até 300.000 casos anuais nos
erupção cutânea e também por PCR. O Estados Unidos. No Brasil, a taxa de letalidade
tratamento consiste em uso de antibióticos, em humanos variou entre os anos de 2011 e
geralmente doxiciclina por 5 dias. A profilaxia 2016, oscilando entre 6,8% e 20% do total de
e o controle são os mesmos da febre maculosa pessoas que manifestaram a doença. Os sinais
que consistem no combate ao vetor e no uso de e sintomas mais comuns são multissistêmicos,
roupas protetoras (PETRI, 2020). incluindo doenças cardíacas, reumatológicas e
Febre Recorrente: causada por bactérias neurológicas. Sua clínica é caracterizada por
do gênero Borrelia, é uma enzootia própria de três fases e o seu período de incubação pode
mamíferos e roedores silvestres. Seu quadro levar de 3 até 32 dias. A primeira fase é o
clínico é caracterizado por episódios febris eritema crônico migratório, na qual uma lesão

157
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

característica em forma de mácula ou pápula amoxicilina ou eritromicina. Por fim, para a


avermelhada aparece e cresce de forma anular, Acrodermatite crônica atrofiante (ACA)
podendo ser acompanhado de febre, mal-estar, prescreve-se doxiciclina, 100 mg, de 12 em 12
mialgias, cefaleia, fadiga, artralgias, horas, VO, ou amoxicilina 500 mg, de 8 em 8
linfadenopatia e rigidez nucal, típico da fase horas, VO, por 21 dias. A profilaxia e o
aguda da doença que perdura por várias controle da doença de Lyme é a mesma das
semanas, porém existem relatos de fase aguda outras doenças transmitidas pelo carrapato.
assintomática. Na segunda fase, que surge (REY, 2010; KUROKAWA et al., 2020;
após várias semanas ou meses, a clínica do SANTOS et al., 2010).
paciente pode apresentar alterações neurológi- Tularemia: causada pela bactéria Gram-
cas, incluindo, encefalite, meningite, ataxia negativa Francisella tularensis, é uma doença
cerebelar ou coreia, paralisia facial, mielite, frequente no hemisfério norte, podendo
radiculoneurites motoras ou sensoriais. Tam- acometer humanos, animais domésticos e
bém pode haver alterações cardíacas, como selvagens. Essa patologia possui muitas formas
miocardite aguda, bloqueio átrio ventricular e clínicas, dentre elas, oculoglandular, orofaríngea,
cardiomegalia. A segunda fase da doença pode tifoide, pneumônica e septicêmica. Sua
persistir por meses. A terceira fase é caracte- sintomatologia é variável podendo levar de 4
rizada por artralgias, dor e edema das grandes até 10 dias para se manifestar e quando
articulações podendo se tornar um quadro de ocasionada por picadas de carrapato é possível
artrite crônica. O diagnóstico laboratorial é observar o aparecimento de ulcerações
realizado por teste de ELISA e também próximo ao local, além de aumento de linfo-
imunofluorescência indireta, podendo-se fazer nodos e febre até 40°C acompanhada de
também cultura das espiroquetas e microsco- cefaleia, sudorese, calafrios, mialgias, mal-
pia. Seu tratamento dura em média 14 a 28 estar geral e enjoo. A taxa de letalidade da
dias e é ajustável ao estágio da doença, tularemia na forma geral oscila entre 5-30% e
consistindo no uso de antibióticos. Na fase na forma pulmonar pode chegar até 60%. A
inicial, para tratar linfocitoma cútis, eritema transmissão se dá através da picada de
migratório e outras manifestações, a droga de carrapatos, manuseio de animais infectados,
escolha é doxiciclina 100 mg 12 em 12 horas inalação de ar contaminado e ingestão de água
via oral (VO) por 14 dias. Em crianças de até ou alimentos contaminados. O diagnóstico é
12 anos recomenda-se amoxicilina 500 mg, realizado por amostra de material sanguíneo e
VO, de 8 em 8 horas, ou azitromicina 20 secreções através de PCR. O tratamento é feito
mg/kg/dia, VO, por 14 dias. Em gestantes com administração de antibióticos, como
utiliza-se eritromicina 500 mg, 6 em 6 horas, gentamicina, cloranfenicol, ciprofloxacino e
VO, durante 14 dias. Para manifestações doxiciclina, pode-se usar também injeções de
neurológicas, cardíacas e oftalmológicas usa- estreptomicina. O controle e a prevenção são
se ceftriaxona, 2g/dia via endovenosa (EV) de os mesmos das demais doenças transmitidas
21 a 28 dias. Em manifestações articulares, por carrapatos (BUSH, 2020).
recomenda-se doxiciclina 100 mg, 12 em 12 Babesiose: causada pelo hematozoário
horas, VO, por pelo menos 28 dias, se não for Babesia canis e também Babesia gibsoni, é
possível usar doxiciclina substituir por uma doença de grande relevância na medicina

158
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

veterinária e acomete principalmente cães, Três tipos de carrapatos transmitem o vírus


causando uma anemia hemolítica regenerativa Powassan, encontrados principalmente na
grave. Dentre os sinais e sintomas estão metade oriental dos Estados Unidos.
presentes icterícia, anorexia, apatia, diarreia, Ixodescookei (carrapato da marmota),
pneumonia, febre e em alguns casos a Ixodesmarxi (carrapato de esquilo) e Omoplata
ocorrência de sintomas neurológicos, como curta (garra preta ou carrapato de cervo). Os
extrema apatia, agressividade, paralisia e carrapatos da marmota e dos esquilos
desequilíbrio. No quadro clínico a presença de raramente picam as pessoas. O carrapato de
congestão hepática e esplênica causando patas pretas ou carrapato de cervo, que
hepatoesplenomegalia, anemia normocítica e geralmente se alimenta de ratos e veados de
normocrômica, se não tratada adequadamente patas brancas, geralmente picam pessoas
pode levar o animal a óbito. Sua principal (CENTRO DE CONTROLE E PREVENÇÃO
forma de transmissão é através da picada do DE DOENÇAS, 2019).
carrapato Rhipicephalus sanguineus, no Muitos pacientes infectados com o vírus
entanto pode ser transmitida por transfusões Powassan não apresentam sintomas, mas para
sanguíneas de animais infectados. O pessoas com sintomas, o tempo entre mordidas
diagnóstico é feito por esfregaço sanguíneo, e náuseas varia de 1 semana a 1 mês. Os
ELISA ou imunofluorescência indireta. O primeiros sintomas podem incluir: febre, dor
tratamento da babesiose consiste no controle de cabeça, vômito, fraqueza. O vírus Powassan
de carrapatos e suporte na resposta pode causar doenças graves, incluindo
imunológica e sintomática, podendo utilizar infecções cerebrais (encefalite) ou infecções
dipropionato de imidocarb e doxiciclina de das membranas ao redor do cérebro e da
acordo com o quadro clínico. O controle e a medula espinhal (meningite). Os sintomas de
prevenção são os mesmos das demais doenças doença grave incluem: confuso, fora de
transmitidas por carrapatos (DIAS et al., coordenação, dificuldade em falar, contração
2016). muscular, 1 em cada 10 pacientes gravemente
Vírus de Powassan: o vírus Powassan é enfermos morrerá. Aproximadamente metade
transmitido por meio da picada de um dos pacientes com doenças graves que
carrapato infectado. Os carrapatos podem ser sobrevivem sofrem de problemas de saúde de
infectados quando se alimentam de marmotas, longo prazo, como: dores de cabeça
esquilos, ratos ou outros roedores com o vírus recorrentes, perda de massa muscular e força,
no sangue. O carrapato infectado pode então problema de memória, entre outros (CENTRO
transmitir o vírus Powassan para pessoas e DE CONTROLE E PREVENÇÃO DE
outros animais, mordendo-os. As pessoas não DOENÇAS, 2019).
produzem níveis suficientemente altos do vírus
no sangue para infectar os piolhos que picam. Dados epidemiológicos de doenças virais
Dessa forma, as pessoas são consideradas os transmitidas por carrapatos no hemisfério
hospedeiros finais do vírus Powassan Norte
(CENTRO DE CONTROLE E PREVENÇÃO No Hemisfério Norte, existe uma
DE DOENÇAS, 2019). quantidade considerável de doenças virais
transmitidas pelos carrapatos, sendo elas:

159
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

Febre transmitida por carrapatos do Colorado, possui a sua distribuição geográfica em


Febre Hemorrágica do Congo-Criméia,Vírus extensas áreas do Hemisfério Norte, tanto na
da doença da Floresta de Kyasanur, Febre América, como na Europa e Ásia, no entanto,
Hemorrágica de Omsk e Encefalite nunca foram descritas no Brasil (SILVA,
transmitidas por carrapatos. 2009). Embora a epidemiologia da encefalite
Febre transmitida por carrapatos do transmitida por carrapatos na Europa esteja
Colorado: o agente etiológico é o Coltivírus e bem documentada, não há dados sobre a do
possui sua distribuição geográfica na América norte da África. No entanto, nos estados
do Norte Ocidental. A maioria dos casos Bálticos são a região da Europa que é mais
humanos são causados por Borrelia hermsii, endêmica, com um terço dos casos europeus
que é encontrado em florestas coníferas de de ETC detectados na Lituânia, Letônia e
maior elevação. Em relação a dados Estônia (SIDORENKO et al., 2021).
epidemiológicos um total de 22 casos foram
notificados no estado de Colorado entre 2009 e CONCLUSÃO
2014 (KOTLYAR, 2016).
Febre hemorrágica do Congo-Criméia: Este estudo indica que de acordo com
o agente etiológico é o Nairovírus e possui sua dados epidemiológicos, a FM é uma questão
distribuição geográfica na África, Ásia e de saúde pública de grande importância,
Europa. É uma doença humana grave, com devido a sua alta taxa de letalidade que, se
taxas de mortalidade de até 30%. No Pró-Med aproxima de 37% acometendo principalmente
Russo, entre 2005 e 2017, mais de 1660 casos a região sudeste de acordo com dados do
foram relatados dessa doença (TIPIH, 2020). ministério da saúde em 2018. No Brasil, os
Vírus da doença da Floresta de principais vetores e reservatórios da FM são os
Kyasanur: o agente etiológico é o Flavivírus e carrapatos do gênero Amblyomma, porém,
possui sua distribuição geográfica no qualquer outra espécie de carrapato pode ser
subcontinente indiano. Em questões de considerada reservatório da Rickettsia. Além
sazonalidade, ocorre durante os meses de disso, roedores como as capivaras, equídeos e
março a junho, criando-se condições para o marsupiais como os gambás possuem uma
aparecimento da doença, sendo que 55% dos importante participação no ciclo de
humanos infectados exibem clinicamente transmissão da febre maculosa e recentemente,
(ROBINSON, 2019). há estudos a respeito do envolvimento destes
Febre Hemorrágica de Omsk: o agente animais como amplificadores de riquétsias e
etiológico é o Flavivírus e possui sua transportadores de carrapatos potencialmente
distribuição geográfica na Ásia. A infectados. O diagnóstico dessa doença é
enfermidade é sazonal, com incidência na clinico e laboratorial, podendo utilizar de
primavera, verão e outono. O principal técnicas como imunofluorescência indireta e
hospedeiro é um roedor de nome Muskrat, PCR, e o seu tratamento e das demais doenças
semiaquático e nativo da América do Norte do carrapato são feitas com antibiótico. Além
(ROBINSON, 2019). disso, outras patologias relevantes do ponto de
Encefalite transmitida por carrapatos vista médico e veterinário tais como,
(ETC): o agente etiológico é o Flavivírus e Babesiose, Febre Recorrente, Febre Botonosa,

160
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

Tulariose, Doença de Lyme, Vírus de carrapatos, sendo necessário, portanto, atenção


Powassan entre outras doenças virais do devido a sua letalidade e transmissibilidade.
hemisfério norte também são transmitidas por

161
Capítulo 16
Parasitologia Humana e Veterinária

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162
Capítulo 17
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 17
ASPECTOS CLÍNICOS,
EPIDEMIOLÓGICOS E
POTENCIAL ZOONÓTICO DA
DOENÇA DE LYME: REVISÃO
DE LITERATURA
Luana Cristina Correia Gonçalves1
Beatriz Filgueira Bezerra1
Talisson de Jesus Costa Conceição1
Vinícius Corrêa Oliveira1
Júlia Lemos Brito1
Nathália Lima Dörner1
Emilly de Souza Moraes1
Miguel Felix de Souza Neto2
Sayenne Ferreira Silva2
Pedro Agnel Dias Miranda Neto3

1Discente - Medicina Veterinária da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).


2Médico veterinário – Universidade Federal do Piauí.
3Docente – Curso de Biomedicina do Centro Universitário Estácio São Luís/MA

Palavras-chave: Carrapato; Parasitologia; Zoonoses.

163
Capítulo 17
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO pouco investigada no Brasil, sobretudo na área


da Medicina Veterinária (BASILE, 2016).
A Borreliose Canina, Borreliose de Lyme O presente estudo tem como objetivo
ou Doença de Lyme (DL), é uma enfermidade analisar de forma sistemática a literatura
infecciosa de distribuição mundial ocasionada existente a respeito da Doença de Lyme,
por espiroquetas do complexo Borrelia evidenciando suas particularidades, visando
burgdorferi sensu lato, que acomete animais promover informações fundamentais aos
domésticos, silvestres e seres humanos médicos veterinários, profissionais da saúde e
(KASSAB, 2020). A doença possui caráter à comunidade em geral.
multissistêmico e é transmitida comumente
por carrapatos do gênero Ixodes, no entanto o MÉTODO
parasito já foi identificado no Dermacentor
nitens no Paraná, Brasil (GONÇALVES et al., O presente trabalho trata-se de uma revisão
2013) e no Amblyomma americanum nos bibliográfica sistemática realizada no mês de
estados da Flórida e Geórgia, nos Estados maio de 2021, por meio de pesquisas de
Unidos (CLARK et al., 2013). artigos científicos, dissertações, teses e revi-
Cães e os cavalos são considerados sões de literatura encontradas em bases de
hospedeiros acidentais importantes no ciclo de dados online, como: PubMed, Google Scholar,
manutenção das espiroquetas no ambiente. Por SciElo e Library.
consequência, a proximidade entre essas Os critérios de inclusão foram artigos nos
espécies e o homem contribui com a idiomas português e inglês, que abordavam as
transmissão do agente patogênico para temáticas propostas para esta pesquisa e
humanos (PATRÍCIO, 2017). Ademais, Corra- estudos do tipo revisão. Os critérios de
di, Carvalho e Coutinho (2006), encontraram exclusão foram artigos disponibilizados na
soropositividade em profissionais que forma de resumo, que não abordavam
trabalham e têm contato estreito com animais diretamente a proposta estudada e que não
silvestres no município de São Paulo, atendiam aos demais critérios de inclusão.
sugerindo que o contato com esses animais Após os critérios de seleção, utilizou-se 30
também pode favorecer a infecção por B. artigos publicados no período de 1982 a 2021,
burgdoferi em humanos. As capivaras, por que foram submetidos à uma leitura minuciosa
exemplo, podem servir como reservatório no para a coleta de dados. Os resultados foram
Brasil, assim como podem transmitir e apresentados de forma descritiva, abordando a
disseminar carrapatos por pastagens e etiologia, o ciclo de vida, sinais clínicos,
próximos a rios (BASILE, 2016). diagnóstico, terapêutica e epidemiologia da
Atualmente, alterações climáticas e outros Doença de Lyme.
fatores são determinantes na migração de
vetores, que podem carrear consigo o agente RESULTADOS E DISCUSSÃO
etiológico, resultando no surgimento de novos
focos de infecção e de transmissão (PATRÍ- O agente causador da DL é a Borrelia
CIO, 2017). Além disso, a DL, apesar de ser burgdorferi sensu lato, que é um grupo que
uma zoonose de grande importância, ainda é engloba 14 espécies. Entre essas, 4 estão

164
Capítulo 17
Parasitologia Humana e Veterinária

associadas à DL que são a Borrelia disto, antes da alimentação (repasto


burgdorferi sensu stricto, B. garinii, B. afzelii sanguíneo), as bactérias são encontradas no
e B. spielmanii. (SANTOS et al., 2010, intestino médio dos carrapatos e, após ingesta
YOSHINARI et al., 2010). Convém ressaltar de sangue, há uma multiplicação das bactérias
ainda que, a B. ansernina que causa borreliose no interior dos carrapatos, com migração em
aviária, assumindo, assim, grande importância direção às suas glândulas salivares (PARRY,
em veterinária (QUINN et al., 2005). 2016).
As bactérias do gênero Borrelia pertencem Frequentemente observa-se que, durante a
à Família Spirochaetaceae e à ordem inoculação do agente infectante, o artrópode
Spirochaetales. São classificadas como libera uma pequena quantidade de saliva que
bactérias gram-negativas, microaerófilas e irá contribuir para driblar possíveis reações
móveis. Possuem formato helicoidal podendo imunológicas do hospedeiro contra o agente
variar de 3 a 10 espiras, medem de 4 a 30 μm e (GONÇALVES et al., 2012).
se reproduzem por fissão binária transversal Na Doença de Lyme as manifestações
(AUSTIN, 1993; KARAMI, 2012). clínicas geralmente estão associadas aos locais
Em humanos, foi diagnosticada pela de infecção pelo microrganismo e os sinais
primeira vez em 1975 quando da ocorrência de clínicos são mais evidentes em cães quando
um elevado índice de casos de inflamação acometidos (QUINN et al., 2005). Cerca de
articular em crianças na região próxima à 5% dos animais infectados apresentam alguma
cidade de Old Lyme, Connecticut (QUINN et sintomatologia, como diarreia, anorexia,
al., 2005). O agente etiológico da DL foi apatia, vômito e claudicação perto ao local da
identificado em 1982 por Willy Burgdorfer picada (PARRY, 2016; BORYS et al., 2019;
sendo denominado Borrelia burgdorferi STILLMAN et al., 2019).
(BURGDORFER et al., 1982). Os estudos de De acordo com Quinn e colaboradores
casos em animais iniciaram-se no Brasil com o (2005), os equinos expressam sinais clínicos
relato da ocorrência de anticorpos contra semelhantes aos cães como claudicação,
Borrelia burgdorferi em bovinos e com a inflamação da úvea, inflamação dos rins, do
detecção de antígenos circulantes em cães no fígado e encéfalo e que, em bovinos e ovinos,
Rio de Janeiro em 1994 (ABEL, 1996). os sinais estão geralmente relacionados à
A ocorrência de infecção por Borrelia claudicação.
burgdorferi se dá quando um vetor (carrapato) O diagnóstico da DL é realizado através da
infectado realiza repasto sanguíneo em um sintomatologia clínica, dados epidemiológicos
animal susceptível. No interior dos artrópodes, da doença e testes laboratoriais (STEERE,
após a ingestão de sangue, ocorre alterações 1989). Dentre os exames laboratoriais estão a
nas proteínas da superfície externa da B. microscopia, cultura e isolamento bacteriano,
burgdorferi. Quando o microrganismo é histopatologia, imunohistoquímica, ELISA,
injetado na corrente sanguínea do hospedeiro, RIFI, Western blot e PCR (ALVIM et al.,
elas se multiplicam e começam a se espalhar 2005; BORCHERS et al., 2015).
por todo organismo, sendo encontradas em O cultivo e diagnóstico da B. burgdorferi
vários órgãos: olhos, coração, cérebro, cérebro tem limitações, por se tratar de bactéria
e articulações (QUINN et al., 2005). E além fastidiosa, com elevada exigência nutricional.
165
Capítulo 17
Parasitologia Humana e Veterinária

Além da perda rápida dos fatores de virulência o agente causador da doença. Os antibióticos
das bactérias, em amostras cultivadas do grupo dos betalactâmicos e às tetraciclinas,
(TRABULSI; ALTERTHUM, 2008). segundo a literatura, tem sido eficiente na
Em razão da baixa carga bacteriana nas resolução dos sinais clínicos da doença em
amostras, os testes sorológicos representam os cães (LITTMAN et al., 2006; WAGNER, et
principais métodos utilizados durante a rotina al., 2015).
para diagnóstico da doença. Dentre estes Observou-se que a amoxicilina, azitromi-
testes, os mais utilizados são o RIFI e ELISA, cina, claritromicina, eritromicina, cefotaxima,
os quais detectam anticorpos contra Borrelia ceftriaxona e cefovecina são geralmente
sp. Consideram-se positivos, em ambos os utilizados na rotina. No entanto a doxiciclina
testes em caninos, títulos superiores a 64 ou minociclina são preferíveis para o
(MEGID et al., 2016). tratamento. Devido o comportamento biológi-
Com o teste rápido SNAP 4DXⓇ (IDEXX co do agente, é indicado a utilização por 28 a
Laboratories), utilizado para detecção de 30 dias. A doxiciclina ou minociclina é
anticorpos de Ehrlichia spp., Anaplasma spp., administrado uma ou duas vezes ao dia,
Borrelia burgdorferie antígenos de Dirofilaria durante 30 dias, por via oral ou intravenosa, na
immitis, é possível realizar o diagnóstico da dosagem de 10 mg/kg (KRUPKA;
DL. Para a reação de B. burgdorferi, o teste STRAUBINGER, 2010).
utiliza o peptídeo C6, que detecta anticorpos A amoxicilina mostrou-se como uma
de uma lipoproteína de superfície do agente alternativa para filhotes e até mesmo animais
com sensibilidade de 94,1% e especificidade sensíveis à doxiciclina. A amoxicilina deve ser
de 96,2% (IDEXX, 2016; HERRIN et al., administrada 3 vezes ao dia, durante 30 dias,
2017; EVASON et al., 2019). por via oral. A cefovecina seria a terceira
O teste Western Blot, considerado padrão opção dos antibióticos disponíveis, duas
ouro, é recomendado em casos inconclusivos aplicações subcutâneas com intervalo de duas
ou positivos. No entanto, este teste apresenta semanas é uma ótima opção para alérgicos às
limitações relacionadas ao custo, pois requer tetraciclinas. Estudos apontam que a eficácia é
equipamentos caros e antígenos específicos. similar ao uso de 4 semanas de doxiciclina ou
(MEGID et al., 2016). O teste molecular PCR amoxicilina (WAGNER, et al., 2015;
(reação em cadeia polimerase) é sensível e LITTMAN et al., 2018).
pode detectar até mesmo baixas quantidades O tratamento da DL subclínica, ou seja,
de microrganismos avaliando apenas a quando o animal não expressa sinais e não são
presença do material genético. Através deste encontrados parâmetros anormais dentro da
teste, pode-se evitar reações cruzadas com patologia clínica, é ainda controverso. Partes
outras espécies, pois este se trata de um exame não apoiam a antibioticoterapia em pacientes
espécie-específico (BORCHERS et al., 2015). que apresentam esse quadro pois alegam que
Estimativas, como o prognóstico, deve ser essa conduta apoia o movimento de uso
analisado cautelosamente de acordo com os indiscriminado de antibióticos, fortalecendo a
sinais clínicos do paciente. A terapêutica da resistência bacteriana. Por outro lado, os
doença se baseia, basicamente, na indivíduos que apoiam o tratamento, alegam
administração de antibióticos específicos para que essa postura minimiza ou até evita
166
Capítulo 17
Parasitologia Humana e Veterinária

problemas imunológicos futuros que o estudada. Por possuir um caráter zoonótico e


organismo do indivíduo pode desenvolver uma ampla quantidade de reservatórios, deve-
(LITTMAN; GOLDSTEIN, 2011; LITTMAN se realizar pesquisas mais aprofundadas sobre
et al., 2018; BARR, 2012). o ciclo do parasita e sua patogenicidade. Além
disso, as medidas profiláticas e de controle se
CONCLUSÃO fazem necessárias para controle dos carrapatos
nos animais e no ambiente, bem como a
A Doença de Lyme é uma doença vacinação.
endêmica em várias regiões, mas ainda pouco

167
Capítulo 17
Parasitologia Humana e Veterinária

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168
Capítulo 17
Parasitologia Humana e Veterinária

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169
Capítulo 18
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 18
PERCEPÇÃO DE TUTORES
NO CONTROLE DE
CARRAPATOS EM CÃES E
GATOS
Ana Karolinne de Alencar França¹
Yandra Thaís Rocha da Mota¹
Isadora Karoline de Melo¹
Marcus Vinicius Gomes Dantas2
Ellen Araújo Malveira2
Emily Katiane Souza Nascimento2
Vercleide Mara da Silva2
Carlos Walber Batista Henrique³
Laís Fernanda de Pontes Santos³
Antonio Domingos da Silva4

1Discente – Mestrado em Ambiente, Tecnologia e Sociedade da Universidade


Federal Rural do Semi-Árido
2Discente – Acadêmico em Ciências Biológicas da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte.
3Discente – Mestrado Multicêntrico de Bioquímica e Biologia Molecular da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
4Biológo – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Palavras-chave: Animais domésticos; Ectoparasitos; Saúde pública 170


Capítulo 18
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO banho, além de pulverização e aerossóis


(TAYLOR et al., 2017). No entanto, proble-
mas recorrentes em relação ao controle de
Hoje em dia muitas pessoas possuem
ectoparasitos é a resistência parasitária (DÍAZ
animais domésticos, como cães e gatos. Esses
et. al., 2019).
animais são utilizados como companhia, ou
Os tutores desses animais têm a
em alguns casos até mesmo para ajudar no
responsabilidade de prevenir o surgimento de
tratamento de algumas doenças, como a
ectoparasitos e cuidar do animal caso ele
depressão (ALMEIDA et al., 2020).
venha a apresenta-los, por isso, os mesmos
No entanto, a criação desses animais sem o
tem uma função primordial no controle de
manejo adequado pode levar a presença de
carrapatos no animal e no ambiente. Dessa
ectoparasitos, como ácaros, carrapatos e
forma, o presente trabalho tem como objetivo
pulgas, os quais podem trazer prejuízos
analisar a percepção de tutores de cães e gatos
econômicos, sanitários, além do comprome-
sobre o conhecimento, controle e prevenção de
timento do bem-estar animal e risco de
carrapatos.
transmissão de zoonoses (PAULA et al., 2018;
OLIVEIRA et al., 2020).
MÉTODO
Os carrapatos são parasitos hematófagos e
podem transmitir agentes patogênicos ao seu A pesquisa foi realizada em março de
hospedeiro (HADDAD JUNIOR et al. 2018). 2021, com tutores de animais domésticos de
Quando os carrapatos realizam o repasto estimação (cães e gatos) de diversas cidades
sanguíneo em seus hospedeiros, ocorre a lesão do Brasil, pois foi realizada de forma online. A
do tecido cutâneo, que pode incluir irritação, coleta dos dados foi realizada através de
anemia, abscessos, inflamação ou hipersensi- formulários online (Google Formulário)
bilidade (GASHAW & MERSHA, 2013). As aplicados a todos os tutores participantes da
lesões predispõem o hospedeiro à dermatite, pesquisa.
infecções bacterianas secundárias ou miíase O questionário aplicado apresentava
(RECK et al., 2014). Embora os próprios dezessete perguntas objetivas (múltipla esco-
carrapatos possam causar sintomas clínicos em lha) e discursivas. Entre as questões contidas
infestações pesadas, como mudanças no no questionário, as cinco primeiras foram
comportamento e bem-estar (HURTADO & perguntas pessoais, sobre idade, sexo, nível de
GIRALDO-RÍOS, 2018), existem também escolaridade, local de moradia, as demais
doenças importantes que utilizam carrapatos questões perguntavam sobre o animal e os
como vetor, como a babesiose causada por conhecimentos sobre prevenção e tratamento,
Babesia vogeli e erliquiose causada por uma delas questionava se o responsável tinha
Ehrlichia canis (GRAY et al., 2013). conhecimento dos riscos que o animal corre ao
O método de controle mais utilizado é o estar infectado com carrapato e qual método é
uso de acaricidas (ANDREOTTI et al., 2019), utilizado por ele para o combate desses
encontrados em diversas formas de ectoparasitos.
apresentação, como coleiras, pour-on, A Tabela 18.1 traz as perguntas que
formulações para uso oral e soluções para estavam presentes no questionário.

171
Capítulo 18
Parasitologia Humana e Veterinária

RESULTADOS E DISCUSSÃO semana, 21% disse que apenas uma vez em


cada quinze dias, 18% assinalaram com pouca
O formulário online foi respondido por 72 frequência e 17% afirmou apenas uma vez por
tutores de cães e/ou gatos, sendo 62% do sexo mês, a menor quantidade (4%) afirmou que
feminino e 38% do sexo masculino, na faixa duas vezes por semana (Figura 18.2).
etária entre 18 e 52 anos. A grande maioria
Tabela 18.1 Tabela de perguntas sobre o conhecimento
(97,2%) dos respondentes disse que moram na
dos tutores a respeito de ectoparasitos
cidade e apenas duas pessoas moram no Número de
Principais causas
campo. Em relação aos animais, 17% pacientes
afirmaram criar tanto cães como gatos, 20% 01 Idade
disse criar apenas gatos e 63% cria apenas cães 02 Sexo
03 Nível de escolaridade
(Figura 18.1).
04 Cidade e estado
Pouco mais da metade (53%) dos tutores
05 Mora no campo ou na cidade?
cria apenas um animal em sua residência, 26% Qual animal de estimação doméstico
06
criam dois animais, apenas 6% criam três você possui?
animais e 15% criam mais de três animais. De Quantos animais de estimação você tem
07
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia na sua casa?
Você já observou em algum momento de
e Estatística (IBGE), no ano de 2018 a maioria
08 seu animal tem ou teve infestação de
dos animais presentes no Brasil eram cães, carrapatos?
totalizando 52,2 milhões, 23,9 milhões Qual a frequência que você dar banho
09
representa a quantidade de gatos. Podendo em seu animal?
afirmar que a maioria dos brasileiros cria Qual o tratamento utilizado por você
10
cachorros. para combater os carrapatos?
Você tem consciência dos danos que os
Trinta e seis pessoas (51%) afirmaram que 11
carrapatos podem causar ao animal?
já observou infestação de carrapatos no seu Quais danos os carrapatos podem causar
animal, enquanto 48% não observaram. Sendo 12
ao animal?
que das pessoas que criam apenas gatos em Você toma alguma medida de prevenção
suas residências, nenhuma delas observou a 13 para combater os carrapatos no
ambiente? Se sim, quais?
infestação de carrapatos nos seus felinos.
14 Você sabe o que é resistência parasitária?
Estudos realizados no Brasil mostram a alta
Você sabe quais doenças os carrapatos
taxa de frequência de ectoparasitas em animais 15 podem transmitir para seu hospedeiro
domiciliares (RODRIGUES, DAEMON E (animal)?
RODRIGUES, 2008; STALLIVIERE ET AL., Você já usou fitoterápicos (plantas
2009). 16 medicinais) para tratar os ectoparasitos
do seu animal?
Quando questionados sobre os banhos nos
Seu animal já teve alguma doença
seus animais, a maioria dos tutores (40%) 17
transmitida por carrapato? Se sim, qual?
relatou que a frequência é de uma vez por

172
Capítulo 18
Parasitologia Humana e Veterinária

Figura 18.1 Quantidade de tutores que possui gato e/ou cachorro em sua residência

Qual animal de estimação doméstico você possui?

17% 20%
Gato

Cachorro

63%

Figura 45.2 Questionamento acerca da frequência que os tutores costumam banhar seus animais

Qual a frequência que você dar banho em seu animal?

18% 17%
Uma vez por mês
Uma vez por semana
Duas vezes por semana
21% A cada quinze dias
Com pouca frequência
40%

4%

Com relação ao tratamento utilizado no entrevistados responderam que tem


combate de carrapatos, muitos citaram que consciência dos danos que os carrapatos
fazem o uso de coleira anticarrapatos, podem causar ao anima, 11% marcaram que
higienização do animal, medicamentos tópicos não e 18% disse que talvez tenha consciência
e orais como Bravecto e Simparic. Taylor dos malefícios ocasionados pelos ectoparasitas
(2001), afirma que medicamentos de usos (Figura 18.3). Aqueles conscientes dos danos
tópicos são eficazes, porém tem maior risco de causados pelos carrapatos citaram alguns
toxicidade, relacionado às coleiras garante que sintomas observados como: anemia, febre,
não são 100% eficazes, mas possuem coceira, feridas, falta de apetite, fraqueza e
vantagem de uso no tempo prologado em levar até a morte. Os ectoparasitas podem
comparação com outros tratamentos. Segundo causar várias patologias nos animais
Zardo & Pereira (2019), medidas de controles domésticos, irritação da pele, transmissão de
são extremamente importantes e eficazes para agentes infecciosos e causar alergias
prevenção e tratamento de ectoparasitas em (TORRES et al., 2004).
animais. Mais da metade (71%) dos

173
Capítulo 18
Parasitologia Humana e Veterinária

Figura 18.3 Consciência sobre os danos causados pelos carrapatos

Você tem consciência dos danos que os carrapatos podem causar ao


animal?

18%
SIM

11% NÃO

71%

Figura 18.4 Referente ao significado de resistência parasitária

Você sabe o que é resistência parasitária?

17%

Sim
Não

83%

Questionados sobre medidas de prevenção Sobre resistência parasitária 60 tutores


de carrapatos no ambiente, alguns dos donos (83%) responderam que não sabem o que
de animais de estimação relataram que não significa apenas 12 deles (17%) sabem do que
realiza medidas para combater os ectoparasitas se trata (Figura 18.4). Esse termo refere-se ao
no ambiente, porém a maioria afirmou que fenômeno pelo qual o medicamento não
realizam limpeza e dedetização a proliferação apresenta eficácia contra os parasitas (CON-
do parasita no ambiente. Devido à resistência DER & CAMPBELL, 1995). Trata-se de uma
desses ectoparasitas nos determinados locais, informação importante para os tutores, uma
principalmente em pisos de madeiras ou vez que a resistência parasitária está
carpetes, para o combate eficaz deve ser diretamente ligada com a administração
tratado ambiente, pois é onde grande parte do correta de fármacos ao animal.
ciclo de vida desses parasitas ocorre A respeito das doenças que podem ser
(NELSON & COUTO, 2015). transmitidas pelos carrapatos aos hospedeiros,

174
Capítulo 18
Parasitologia Humana e Veterinária

49% dos pesquisados desconhece patologias afirmaram que seu pet não apresentou
transmitidas por esses ectoparasitas, 51% tem nenhuma patologia.
conhecimento das doenças transmitidas por
esse vetor e citaram Anaplasmose, doença do CONCLUSÃO
carrapato e lyme. O R. sanguineus é vetor de
diversos agentes como Ehrlichia canis, Em algum estágio da vida do animal, ele
Babesia canis, Haemobartonella canis, pode ser acometido por ectoparasitos, por isso,
Hepatozoon canis, Coxiella burnetii, é importante que o tutor preste atenção para
Anaplasma platys (DANTAS-TORRES, 2008; que se evitem complicações futuras ao animal
ALMEIDA et al., 2012) e Babesia canis e, consequentemente ao dono. Por isso, o ideal
vogeli (DANTAS-TORRES, GIANELLI e é que estes trabalhadores tenham conheci-
OTRANTO, 2012). mento acerca dos ectoparasitos, bem como seu
Quanto ao uso de plantas medicinais para ciclo de vida, para que possam tomar medidas
tratamento dos ectoparasitas em seus animais preventivas para controle dos carrapatos. A
domésticos, 94% dos tutores responderam que utilização de medicamentos deve ser sempre
nunca fizeram o uso, mostrando que a prescrita e acompanhada por um médico
fitoterapia veterinária ainda é uma área pouco veterinário para evitar complicações no
explorada. Ao serem questionados a respeito animal, bem como diminuir as chances de
se o animal já teve doença transmitida por resistência parasitária.
carrapatos, mais da metade dos donos

175
Capítulo 18
Parasitologia Humana e Veterinária

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2019.

176
Capítulo 19
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 19
AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DE
COMPLEXO HOMEOPÁTICO
NO CONTROLE DE
CARRAPATOS EM BOVINOS
DE PRODUÇÃO DE LEITE
Lorena Jamila Alves Ferreira Guimarães1
Matheus Lopes Ribeiro1
Alicia Pires1
Suellen Sobrinho França Mattos2
Thays Figueiroa1
Juliana de Almeida Coelho1
Anna Carla Silva Cunha1
Ana Vitória de Morais Sanavria3
Erico José Sampaio Junior3
Tiago Marques dos Santos4
Celso Guimarães Barbosa5
Márcio Reis Pereira de Sousa4
Argemiro Sanavria4

1Discentes – Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.


2Discente – Graduação em Zootecnia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
3Discentes – Estudante de nível médio no Curso Técnico em Agroecologia – CTUR.
4Docentes - Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro.
5Docente – Departamento de Matemática da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 177
Palavras-chave: Homeopatia; Rhipicephalus microplus; Sanidade animal.
Palavras-chave: Homeopatia; Rhipicephalus microplus; Sanidade animal.
Capítulo 19
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO homeopáticos é apresentado como mais um


aliado no controle do R. microplus.
No Brasil, as perdas anuais por O controle homeopático ainda é muito
parasitismos na pecuária foram estimadas por recente, porém tem se consagrado não apenas
GRISI et al. (2014), podendo este prejuízo como alternativa e sim como solução para as
chegar à ordem de US$13,96 bilhões. propriedades convencionais e propriedades de
Os efeitos negativos do parasitismo no manejo orgânico (ARENALES, 2002). O
gado incluem a perda de peso dos animais e objetivo deste trabalho foi realizar a avaliação
queda na produção de leite. Não obstante, o da eficácia do uso de um complexo
uso exagerado ou o mau uso de produtos homeopático em pó (ECTROL - REAL H),
químicos, no controle destes parasitos, tem administrado diariamente junto a ração e
contribuído para a resistência aos parasiticidas, fornecido aos animais para controle de
além de resultar em resíduos contaminantes no carrapatos.
ambiente, na carne e leite dos animais
(FURLONG et al., 2007). Melhores práticas
MÉTODO
de uso de parasiticidas, portanto, podem
contribuir para a Saúde Única, ou seja,
A pesquisa foi realizada dentro do setor de
assegurando uma melhor saúde animal,
bovinocultura leiteira do Instituto de Zootecnia
ambiental e humana (DE LEÓN et al., 2020).
da Universidade Federal Rural do Rio de
Dentre os parasitos de bovinos, o
Janeiro (UFRRJ). Para a realização desta
Rhipicephalus microplus se destaca como um
experimentação, foi solicitada autorização
de maior impacto na sanidade do gado e na
especial à Comissão de Ética e Utilização de
economia do produtor, sendo este avaliado por
Animais (CEUA) da UFRRJ. Mediante
GRISI et al. (2002) em mais de 2 bilhões de
aprovação por esta Comissão, foi dado início
dólares para o país. Tal carrapato possui ciclo
ao experimento, no dia 22/12/20. Foram
parasitário monoxeno (VERÍSSIMO, et al.,
avaliadas, 22 vacas leiteiras mestiças de
1995), o que propicia maior infestação dos
girolando, sendo 11 alocadas para o grupo
bovinos, visto que no ambiente onde vivem,
tratado (GT) que receberam o complexo
serão os únicos hospedeiros na vida do
homeopático, e 11 foram alocadas no grupo
artrópode.
controle (GC), sem tratamento.
Por conta dos desafios enfrentados para o
Antes do início do período experimental,
controle desse parasito, é necessário investigar
novas alternativas. O controle biológico por dia 22/12/20, os animais não lactantes foram
fungos entomopatogênicos, por exemplo, vem submetidos a pulverização com Cypercolor®
sendo estudado em todo o mundo por diversos Plus enquanto as vacas lactantes, para evitar
grupos de pesquisa, no entanto, embora os resíduos no leite, ao Bayticol® Pour-On a fim
resultados em laboratório sejam promissores, a de reduzir a zero a carga parasitária. A partir
campo ou a pasto ainda são insatisfatórios desta data, os animais não receberam qualquer
(CASTRO et al., 1997; CORREIA et al., tratamento com produtos químicos, sendo
1998; BITTENCOURT et al., 2003; GARCIA realizado apenas o manejo diário. No dia
et al., 2011). Assim, o uso de produtos 23/02/21 foi dado início a administração do
complexo homeopático para o GT.

178
Capítulo 19
Parasitologia Humana e Veterinária

As vacas do GT receberam diariamente o Os dados referentes a contagem de


complexo homeopático específico (ECTROL - carrapatos foram submetidos à análise de
REAL H) para controle de carrapatos variância (ANOVA) e as médias, entre os
hematófagos em bovinos. O produto foi tratamentos e dentro de cada tratamento,
administrado junto à ração oferecida aos comparadas pelo teste Scott-Knott a 5% de
animais diariamente, obedecendo uma dose probabilidade utilizando o programa uti-
diária do medicamento de 40 g vaca/dia, isso lizando o programa ASSISTAT Versão 7.7
por 28 dias. Após o 28° dia, a dose foi ajustada beta (SILVA, 2016).
para 15 g vaca/dia, percorrendo mais 12 dias.
O Grupo Controle (GC), recebeu a ração, RESULTADOS E DISCUSSÃO
mas sem medicamento.
As 22 vacas receberam normalmente a As avaliações foram feitas semanalmente
alimentação diária composta por silagem com entre os grupos estudados e os dados estão
grão farináceo duro e 35% de matéria seca, apresentados na Tabela 19.1. Nas duas
três vezes ao dia e 48 kg de ração com primeiras semanas a contagem média de
composição proteica e mineral, água ad carrapatos em ambos os grupos não
libitum. Deste momento em diante os animais apresentaram diferença estatística (p > 0,05).
foram monitorados e avaliados, de 23/02/21 à A diferença (p < 0,05) observada entre os
08/04/21. As contagens de carrapatos foram grupos nas duas primeiras semanas se justifica
realizadas pela equipe do experimento, pela característica da infestação por carrapatos
semanalmente, durante os 45 dias em que os no início do estudo.
animais foram avaliados. O procedimento, era Na terceira semana de avaliação observou-
realizado sempre pela manhã, com início por se redução significativa (p < 0,05) na ordem de
volta das 6 h. Sempre do lado esquerdo de 37% na contagem média de carrapatos nos
cada animal, individualmente contido em animais tratados com o complexo homeopá-
tronco. De acordo com Villares (1941), foram tico, mantendo-se em queda até a quinta
consideradas apenas as fêmeas de R. (B.) semana, com 84,5% de redução quando
microplus com tamanho igual ou superior a comparado ao início do estudo. Esta redução é
4 mm. O valor total foi obtido multiplicando- sugestiva da ação antiparasitária do complexo
se o número de carrapatos observados por homeopático, uma vez que no grupo controle
dois, de acordo com Wharton et al. (1970). As houve aumento significativo (p > 0,05) na
vacas do (GT) foram as que estavam em contagem média de carrapatos, nesse mesmo
lactação, sendo considerados os animais mais período e mantendo-se crescente até a sétima
sensíveis às parasitoses, portanto, esperava-se semana com 85,6% de aumento da contagem
que fossem os animais mais desafiados. Já o média de carrapatos quando comparado com a
(GC) era composto por vacas secas criadas no primeira semana.
mesmo sistema semi-extensivo.

179
Capítulo 19
Parasitologia Humana e Veterinária

Tabela 46.1 Contagem média de carrapatos em vacas leiteiras não tratadas e aquelas submetidas ao tratamento com
complexo homeopático (ECTROL - REAL H) no período de sete semanas

Contagem de Contagem de carrapatos no


Semanas
carrapatos no GT GC
1 152,18Aa 82,18Bb
2 157,27Aa 75,45Bb
3 95,81Ba 101,27ABa
4 53,81Cb 112,9ABa
5 23,45Db 148,36Aa
6 100,55Ba 155,45Aa
7 85,27Bb 152,55Aa
Média Geral 95,48b 118,30a

Legenda: GT – Grupo tratado com complexo Homeopático / GC- Grupo controle. Médias seguidas pela mesma letra
minúscula, na linha, e maiúscula, na coluna, não diferem entre si pelo teste de Scott-Knott (p =0,05).

Na sexta semana observou-se aumento na se encontra sempre alta, enquanto o Grupo


contagem média de carrapatos no grupo Tratado, apesar de inicialmente se apresentar
tratado, quando comparado à quinta semana. superior, possui uma queda gradativa em suas
Isto ocorreu em função da alta infestação médias, demonstrando certo grau de eficácia
apresentada em quatro vacas, no entanto houve do produto
redução significativa (p < 0,05) na semana
seguinte. CONCLUSÃO
Comparativamente, a contagem média de
carrapatos no grupo de vacas tratadas com
Este estudo evidencia que o complexo
complexo homeopático (n = 95,48) foi signifi-
homeopático pode ser útil no auxílio do
cativamente menor (p < 0,05) quando compa-
controle de carrapatos, e, no cenário atual em
rado a do grupo controle (n = 118,3), indepen-
que a resistência aos acaricidas químicos é
dentemente do tempo de estudo.
uma realidade na pecuária brasileira, esse tipo
Constatou-se que o complexo homeopático
de controle se mostra como um potencial
utilizado nesta pesquisa além de se mostrar
aliado no combate aos ectoparasitos. Apesar
efetivo, também teve aspecto positivo de não
dos resultados se mostrarem promissores,
interferir na produção leiteira apresentando
entende-se a importância da realização de
resultados satisfatórios. O complexo homeo-
novos estudos sobre o complexo homeopático
pático em pó (ECTROL - REAL H) ministra-
apresentado, principalmente em função da
do aos animais para o controle de carrapatos,
necessidade da pecuária orgânica na aquisição
foi de efeito significativo. Pode ser
de produtos que possam trazer resultados, sem
evidenciado pelos resultados apresentados que
deixar resíduos, como acontece com a maioria
a média de carrapatos do Grupo Controle,
dos acaricidas químicos.
apesar de permanecer numa constante variável,

180
Capítulo 19
Parasitologia Humana e Veterinária

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FURLONG, J. Controle do carrapato dos bovinos na


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181
Capítulo 20
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 20
TOXOPLASMOSE FELINA
E SEU IMPACTO NA
SAÚDE PÚBLICA
Bárbara Nunes Lopes¹
Marina Vieira de Mello¹
Camila Marques dos Santos¹
Kamila Karla Andrade Freitas¹
Maria Luísa Valeriano Vasconcellos¹
Rayana Aleixo de Almeida2
Vitória Emmanuele Garcia de Almeida²
Luana Cristina Correia Gonçalves3
Helvécio Leal Santos Junior3
Adriana Moraes da Silva3

1Discente – Medicina Veterinária da União Pioneira de Integração Social (UPIS).


2Discente – Medicina da Faculdade de Ensino Superior da Amazônia Reunida
(FESAR).
3Docente – Curso de Medicina Veterinária - UPIS – Faculdades Integradas

Palavras-chave: Gatos; Toxoplasma gondii; Zoonose.

182
Capítulo 20
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO Araújo et al. (2003) descrevem que as


fezes do gato, hospedeiro definitivo desse
A toxoplasmose foi primeiramente descrita protozoário, é essencial para disseminação da
em 1908 em um roedor na África do Sul por doença. O homem pode adquiri-la por meio da
Charles Nicolle (ÁVILA, 2009; FIALHO et ingestão de alimentos contaminados com
al., 2009). Era conhecida inicialmente como esporozoítos como hortaliças, frutas, água
Leshmania gondii, por se suspeitar ser uma leite, ou bradizoítos em carne malcozida ou
Leishmania, posteriormente, notando tratar-se crua. Outro meio de infecção, na fase aguda da
de um novo organismo, foi nomeado doença, tanto em humanos quanto em animais,
Toxoplasma gondii. No Brasil, nesse mesmo incluindo felídeos, pode ser via transpla-
ano, Alfonso Splendore, isolou o parasita em centária com a transmissão de taquizoítos para
um coelho de laboratório (FIALHO et al., o feto. Até mesmo através de transplante de
2009). Até então, apenas seus hospedeiros órgãos e transfusão sanguínea os taquizoítos
intermediários (homem e animais homeo- podem ser transmitidos (ÁVILA, 2017).
térmicos) (SANTOS et al., 2018) e sua forma Também, ainda que raro, taquizoítos podem
assexuada era elucidada (SCHNELL, 2011). Já ser transmitidos pelo leite cru da cabra e
por volta de 1970, seu ciclo biológico humano (BONAMETTI et al., 1997).
completo foi descrito, e os felídeos como seu A doença tem importante relevância
hospedeiro definitivo, possuindo a forma médica, em especial, para indivíduos
sexuada no seu intestino delgado (ÁVILA, imunossuprimidos por ocasionar alterações
2009; SCHNELL, 2011; FILHO, 2017). É neurológicas e processos inflamatórios em
uma doença de caráter zoonótico e de diversos tecidos (SANTOS et al., 2018).
importância ímpar para saúde pública, pois é Quando a transmissão é transplacentária o feto
considerada uma das infecções com maior é atingido, e, consequentemente pode apresen-
distribuição mundial, com soroprevalência tar doenças congênitas (ÁVILA, 2009) ou até
média de 10% a 90% em humanos e 30 a 40% mesmo abortamento (LANGONI et al., 2001).
em felinos, dependendo da região (FILHO, O presente estudo tem como objetivo
2017). revisar publicações científicas sobre a toxo-
Em sua epidemiologia, felinos domésticos plasmose felina, a importância do seu ciclo
e também silvestres são os únicos hospedeiros biológico na transmissão da doença, seus
definitivos deste protozoário, onde eles aspectos etiológicos e clínicos, diagnóstico,
realizam o ciclo sexuado produzindo os terapêutica, assim como, suas implicações na
oocistos que são eliminados pelas fezes, saúde pública.
contaminando assim o meio ambiente (SAN-
TOS et al., 2018), e quando esporulados MÉTODO
adquirem resistência. Já o homem e animais
homeotérmicos são considerados hospedeiros O presente trabalho trata-se de uma revisão
intermediários (LANGONI et al., 2001) e bibliográfica sistemática realizada no mês de
realizam apenas o ciclo extra intestinal, não maio de 2021. Consultaram-se artigos cientí-
atingindo sua fase adulta (SANTOS et al., ficos, revisões de literatura e dissertações
2018). disponíveis em bases de dado on-line, como:

183
Capítulo 20
Parasitologia Humana e Veterinária

Google scholar, PubMed, Science Direct, genética reflete alterações na patogenicidade e


Wiley On-line Library e SciElo. virulência, as cepas do tipo I são classificadas
As palavras-chave na seleção das como virulentas por apresentaram maior
literaturas foram: “Toxoplasma gondii”, patogenicidade. Já as cepas não virulentas
“Toxoplasmose”, “Toxoplasmose na saúde foram encaixadas como do tipo II e III
pública” e “Zoonoses no Brasil”. Os critérios (INNES, 2010). As cepas do tipo I geralmente
de exclusão de trabalhos foram artigos que não são encontradas em pacientes com doenças
abordavam diretamente a temática ou que não congênitas em humanos, enquanto a do tipo II
estavam disponibilizados na íntegra. Enquanto foi identificada em pacientes imunocompro-
os critérios de inclusão foram artigos nos metidos no caso da infecção crônica (COSTA,
idiomas em inglês e publicados em revistas de 2008) ou que sofrem da Síndrome de
qualis A1 à B5. Imunodeficiência Adquirida (AIDS) (SCAN-
Os trabalhos citados foram publicados no DIUZZI, 2018) e por último, as cepas do tipo
período de 1997 a 2020 e abordam as III, em sua grande maioria, tem sido isolada
temáticas referentes a esta pesquisa, assim, nos animais (COSTA, 2008; SCANDIUZZI,
contribuem com diferentes informações para 2018). Em humanos, essa zoonose chega a
enriquecimento e respaldo do trabalho. Então, acometer cerca de um terço ou mais do total da
estas publicações foram submetidas à uma população mundial (BRESCIANI, 2008;
leitura meticulosa para coleta de dados. No INNES, 2010; VALEN-TE, 2018; LOH et al.,
total, utilizaram-se 26 literaturas para 2019). Nos Estados Unidos, a incidência da
construção da presente revisão. transmissão congênita é de 0,2% para cada mil
gestantes e na França de 2,1% também em
RESULTADOS E DISCUSSÃO cada mil (SCANDIUZZI, 2018).
A presença de anticorpos para o
Toxoplasma gondii na população felina é
A toxoplasmose é uma coccidiose, em que,
variada (LANGONI et al., 2001; DUBEY et
o parasito Toxoplasma gondii infecta o
al., 2020). Não há predisposição de sexo e
homem, mamíferos domésticos e silvestres, e
idade (FILHO, 2017). Todavia, em relação a
também as aves. Sobre suas características, o
raça, um estudo realizado na Finlândia
Toxoplasma gondii é um protozoário
apresentou maior risco para as raças Birman e
intracelular obrigatório, pertencente à família
Ocicat em relação a outras (DUBEY et al.,
Sarcocystidae, subfamília Toxoplasmatinae
2020). Possui uma soroprevalência média
(VALENTE, 2018), pode multiplicar-se
distribuída ao redor do mundo de 30 a 40%,
através da reprodução sexuada, e possui alta
podendo chegar à frequência de 90% dos
capacidade de clonagem através de sua
animais sororreagentes, depende da população
replicação assexuada ou de realizar cruzamen-
estudada e hábitos dos animais (SANTOS et
tos uniparentais (ULLMANN et al., 2008).
al., 2018). No Brasil, Dubey et al. (2012)
Sobre a estrutura genética do T. gondii,
relatam que a frequência da infecção é
estudos citam a existência de três linhagens
desconhecida e a maior parte dos estudos estão
clonais predominantes, sendo elas tipo I, tipo
concentrados com a população de felinos do
II e tipo III, podendo diferenciar-se em relação
estado de São Paulo (FILHO, 2017).
a virulência (COSTA, 2008). Essa variação
184
Capítulo 20
Parasitologia Humana e Veterinária

Os gatos domésticos e silvestres possuem (enteroepitelial) que ocorre nas células


grande relevância para concretizar o ciclo do intestinais de felídeos domésticos ou silvestres
toxoplasma, por serem seus únicos hospe- e a fase assexuada que ocorre nos linfonodos e
deiros definitivos (ULLMANN et al., 2008). tecidos extra intestinais do hospedeiro
Porém, a transmissão geralmente ocorre pela intermediário (SCHNELL, 2011).
infecção de hospedeiros intermediários, como Por possuir um ciclo heteróxeno, ou seja,
no homem, já que, a principal forma se dá pela dois hospedeiros, é preciso um hospedeiro
ingestão de bradizoítos presentes na carne crua intermediário, compreendendo todos os
ou malcozida, ou ainda, através do consumo animais homeotérmicos (LIMA et al., 2019) e
de esporozoítos em alimentos contaminados, um definitivo, que inclui, felídeos domésticos
como verduras e legumes (FIALHO, 2009). A e silvestres (LEAL; COELHO, 2014).
disseminação pode ser facilitada por insetos, Os felinos podem ser infectados pela
minhocas, aves e roedores, hospedeiros ingestão de quaisquer umas das três formas
paratênicos, que vão transmitir de forma infectantes: esporozoítos, taquizoítos e
mecânica pelo contato direto com as fezes bradizoítos (LIMA et al., 2019). No ciclo
contendo o protozoário (ULLMANN et al., enteroepitelial, o parasito após ser ingerido é
2008). A transmissão congênita, ou seja, liberado no estômago e invade enterócitos,
transplacentária já foi descrita tanto nos gatos, assim se reproduz sexualmente através de
quanto nos humanos (LOH et al., 2019), sendo esquizogonia, desenvolvendo merozoítos
suas manifestações clínicas predominante em dentro de esquizontes (NEGRI, 2008). Após
pacientes imunocomprometidos de ambas as isso, irá ocorrer a diferenciação de gametas,
espécies (VALENTE, 2018). Em animais, a fecundação e formação de oocistos
infecção transplacentária pode causar aborto (SCHNELL, 2011), que são liberados dos
ou nascimento de filhotes com severos sinais enterócitos e expelidos juntamente com as
clínicos, atingindo os olhos, o SNC e órgãos fezes dos felinos infectados, ainda não
vitais (FIALHO et al., 2009). Os felinos esporulados (ANDERSON, 2011). Assim,
realizam transmissão vertical, por meio dos entre um a cinco dias eles esporulam no
taquizoítos que são encontrados durante a fase ambiente, em condições adequadas de
aguda ou proliferativa da infecção, eles se oxigenação, temperatura e umidade (FILHO,
desenvolvem em vacúolos citoplasmáticos ou 2017), uma forma altamente resistente a
podem ser encontrados livres em tecidos, desinfetantes, sendo ingerido pelo hospedeiro
órgãos e fluidos como o amniótico (DUBEY, intermediário (ANDERSON, 2011). Cada um
2010). É sugerida a possível entrada de desses oocistos possui dois esporocistos com
taquizoítos por penetração na mucosa, e assim, quatro esporozoítos, podendo se manter viável
têm acesso à corrente sanguínea ou sistema até 1 ano e meio no solo, por possuir grande
linfático antes de chegar ao estômago. Esta resistência a condições ambientais pela sua
hipótese viabiliza a possibilidade da parede dupla (SCHNELL, 2011). Os oocistos
transmissão de taquizoítos através do leite são eliminados nas fezes de 3 a 21 dias, até o
materno (TENTER, 2001). O ciclo biológico felino adquirir imunidade. Resultados de um
do parasita é dividido em duas fases: estudo confirmam que o período pré-patente
assexuada (extra entérica) ou sexuada da liberação de oocistos é dependente do

185
Capítulo 20
Parasitologia Humana e Veterinária

estágio (ingestão de bradizoítos tem um afecções oculares como uveíte e


período pré-patente mais reduzido que a coriorretinites, e sinais neurológicos, como
ingestão de esporozoítos) e não dose- hidrocefalia, principalmente nos fetos e recém-
dependente (DUBEY, 2006). Já através da nascidos. No primeiro trimestre de gestação, a
reprodução assexuada, o Toxoplasma gondii, infecção pode levar em morte fetal, já no
em forma de esporozoítos, pode ser ingerido segundo trimestre pode ocorrer a Tétrade de
pelos hospedeiros intermediários no consumo Sabin, em que o feto pode apresentar retardo
de água, alimentos contaminados ou pela mental, hidrocefalia, macrocefalia, microcefalia,
ingestão de cistos com a presença de calcificações cerebrais, retinocoroidite e pertur-
bradizoítos em carnes cruas ou malcozidas bações neurológicas (VALENTE, 2018).
(SANTOS et al., 2018). Como também, ser Felinos também não tendem a apresentar
transmitido durante a gestação, na forma de sinais clínicos quando infectados pelo T.
taquizoítos presentes na circulação materna gondii (LIMA et al., 2019). Normalmente os
para o feto, ou através do colostro durante a sinais são determinados principalmente pela
amamentação na fase aguda da infecção extensão e local dos danos ao órgão
(VALENTE, 2018). Após o parasito irá se relacionado (ÁVILA, 2009). Eles ocorrem na
realizar multiplicação intracelular, se fase aguda, ou seja, início da infecção, ou na
disseminar pela linfa e/ou corrente sanguínea e fase crônica, quando há reativação dos
invadir células do hospedeiro gerando um parasitos encistados em situações de
vacúolo parasitóforo, que serão divididos por imunossupressão (ÁVILA, 2009). Alguns
endodiogenia para a formação de mais fatores podem estar relacionados a reativação
taquizoítos e continuar a fase proliferativa da infecção latente, que resulta em quadros
(fase aguda) (SCHENELL, 2011; VALENTE, sintomáticos da toxoplasmose, como: vírus da
2018). Vão romper as células infectadas e peritonite infecciosa felina (PIF), vírus da
invadir novas células (SCHENELL, 2011). leucemia felina (FeLV), vírus da
Neste momento, o hospedeiro pode ter risco de imunodeficiência felina (FIV) ou até mesmo
morte sobretudo em recém-nascidos ou administração de altas doses de corticoste-
indivíduos imunocompetentes (VALENTE, roides (ÁVILA, 2009).
2018). Na fase crônica (fase latente), o sistema Assim, quando presentes os sinais, o felino
imune consegue produzir anticorpos e tende apresentar depressão, anorexia, efusão
postergar a infecção, atenuando os sinais peritoneal, febre (40 a 41,7ºC), seguida de
clínicos e formando cistos, ou seja, forma hipotermia, dispneia e icterícia e muitas vezes
resistente do toxoplasma que contém bradi- morte súbita (LIMA et al., 2019). Sinais esses
zoítos. Todavia, em casos de imunossupressão muitas vezes relacionados à pneumonia, que é
o cisto (bradizoítos) poderá se romper, a manifestação clínica mais importante para os
liberando seu conteúdo e retomando a fase animais com a doença (LEAL; COELHO,
aguda novamente (SCHENELL, 2011). 2014). Também há relatos de diarreia (10 a
15%) (LIMA et al., 2019), ataxia, convulsões,
Em geral, a toxoplasmose ocorre de forma
uveíte anterior ou posterior, coriorretinites,
assintomática no homem (SCANDIUZZI,
hiperestesia muscular, perda de peso e sinais
2018; VALENTE, 2018) e quando há
neurológicos como convulsões, tremores,
manifestação clínica apresenta-se por meio de
paresia/paralisia e déficits de nervos cranianos
186
Capítulo 20
Parasitologia Humana e Veterinária

(ÁVILA, 2009). Apesar de infecções agudas fecais (FIALHO et al., 2009; SCHNELL,
disseminadas muitas vezes cursarem para um 2011).
quadro fatal, na maior parte das vezes, o felino Na citologia observa-se comumente a
se recupera e adquire imunidade (NEGRI, presença de taquizoítos em diversos tecidos,
2008). fluidos peritoneais e torácicos, durante o curso
O diagnóstico definitivo da doença em agudo da doença, principalmente em que
felinos antes do óbito pode ser feito caso o manifestarem efusões torácicas por ascite
microrganismo seja demonstrado, todavia não (ÁVILA, 2009). Dificilmente são encontrados
é comum, principalmente em casos que a em sangue, lavados bronco alveolar e traqueal,
doença está no seu curso crônico (ÁVILA, aspirados por agulha fina e fluídos
2009). Não havendo alterações clinico-
cerebroespinhal. Todavia, há relatos da
patológicas ou radiográficas consideradas
presença do taquizoíto como microrganismo
patognomônicas (FILHO, 2017; SCHNELL,
extracelular em células epiteliais ou até mesmo
2011).
em macrófagos. Em radiografias são apenas
Em exames como hemograma e bioquí-
encontrados efusão pleural ou padrões
micos, há alterações em parâmetros de felinos
com a doença na forma sistêmica (ÁVILA, intersticiais ou alveolares difusas (ÁVILA,
2009). No hematológico tende a apresentar 2009).
alterações como anemia arrege-nerativa, linfoci- Através do exame sorológico em felinos
tose, leucocitose neutrofilia, neutropenia, pode-se demonstrar a exposição dos anticorpos
monocitose e eosinofilia (LAPPIN, 2010). Já da classe IgG no soro de acometimentos pelo
em relação aos bioquímicos em animais com a Toxoplasma gondii, e também exibir que a
fase aguda, observam-se hipoalbuminemia, infecção é ativa através do aumento
hipoproteinemia (BASTOS, 2012). Também quadruplicado ou de título (1:64) de IgG ou
relatam aumento da ALT (alanina aminotrans- IgM (ÁVILA, 2009). Observando-se que os
ferase) e AST (aspartate aminotransferase) para anticorpos IgM estão presentes desde a fase
pacientes com necrose muscular (SCHNELL, inicial da doença, e podem ser localizados até
2011). Para os animais que apresentam 3 meses (FILHO, 2017). Já os anticorpos IgG
quadros de lipidose hepática e colangio- aparecem em torno da quarta semana e se
hepatite se nota significativo aumento dos estendem por toda vida do animal (FIALHO et
níveis de bilirrubina (BASTOS, 2012). al., 2009). Diversos testes sorológicos são
Aumento de lipase e amilase, e diminuição no utilizados, como: teste de aglutinação em
nível total de cálcio com concentração de látex, teste de aglutinação modificado, ensaio
albumina normalmente são vistos em gatos
imunoenzimático (ELISA), hemaglutinação
com quadros de pancreatite (ÁVILA, 2009).
indireta (HAI) e reação de imunofluorescência
O exame parasitológico de fezes não se
indireta (RIFI) (LANGONI, 2001). Os autores
torna muito eficaz pelo fato de os gatos
SCHENELL (2011) e FILHO (2017) trazem
eliminarem os oocistos por uma ou duas
como tratamento de eleição em felinos
semanas após a primeira exposição, e não
consiste no uso do cloridrato de clindamicina.
apresentar quadros diarreicos durante a
Também há relatos que consideram a
eliminação dos oocistos, sendo assim
azitromicina como uma opção interessante
dificultada sua visualização em amostras
para terapêutica (FILHO, 2017). As doenças

187
Capítulo 20
Parasitologia Humana e Veterinária

oculares podem ser tratadas com a utilização (SANTOS et al., 2018) e preconiza-se que o
de corticosteroides para redução da inflamação homem não consuma leite não pasteurizado.
intraocular (INNES, 2010), de forma tópica Para a destruição dos cistos presentes na carne,
e/ou sistêmica (SCHENELL, 2011; FILHO, o cozimento em temperaturas de 67°C ou 60°C
2017), e estar associado a um medicamento durante 20 minutos e o congelamento entre 18
antiprotozoário, a atovaquona. Apesar das a 24 horas são eficazes na temperatura de -
opções disponíveis, é importante mencionar 12°C (FIALHO et al., 2009; SCHENELL,
que a terapêutica não traz a cura do indivíduo 2011; FILHO, 2017). Boas práticas de higiene
infectado e tem efeito limitado para o estágio como lavar as mãos antes de se alimentar, e
de cisto tecidual do parasita (INNES, 2010). após o contato com os felinos e carne crua
A utilização de glicocorticoides não é também são indispensáveis (FIALHO et al.,
indicada, pois podem acentuar a manifestação 2009)
da doença em relação ao comprometimento
sistêmico, todavia, quando lesionado o órgão CONCLUSÃO
da visão, seu uso tópico relacionado com o
cloridrato de clindamicina confere bom A toxoplasmose acomete grande parcela da
resultado (GALVÃO et al., 2014). população humana e felina e como uma
A profilaxia e controle são importantes importante zoonose é necessário o
para reduzir de incidência da toxoplasmose na conhecimento das características do protozoá-
população (FIALHO et al., 2009). Por isso, rio causador da doença, assim como, o papel
recomenda-se medidas como a limpeza diária do felino como hospedeiro definitivo no
da caixinha de areia dos gatos utilizando luvas cenário da transmissão.
para este manuseio e para atividades como Em humanos, os pacientes imunocom-
jardinagem (SANTOS et al., 2018), restringir prometidos e as gestantes são indivíduos que
o livre o acesso à rua dos animais podem sofrer os sinais severos, e durante a
domesticados, logo, evitando o contato com gestação realizam a transmissão para sua
bancos de areia. Além disso, não ofertar carne prole. Portanto, medidas para um bom
crua ou malcozida para os felídeos, realizar o diagnóstico e tratamento devem ser explora-
controle de roedores e de hospedeiros das, e também, a sociedade deve ser conscien-
paratênicos no ambiente contribuirão para tizada acerca das formas de controle e
diminuir a disseminação (BRESCIANI, 2008). profilaxia que são indicadas a fim de reduzir
Sabendo disso, as principais medidas de taxas de incidência da doença na população.
prevenção para evitar a transmissão do Tendo em vista que, apesar do gato realizar a
toxoplasma ao homem vão desde evitar contaminação no ambiente, a falta de higiene e
ingestão de alimentos de origem animal a ingestão de alimentos crus e contaminados
malcozidos ou crus e vegetais mal são os principais aspectos que normalmente
higienizados a estratégias de higiene sanitária levam ao contágio dos seres humanos.

188
Capítulo 20
Parasitologia Humana e Veterinária

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Capítulo 20
Parasitologia Humana e Veterinária

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190
Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 21
NEUROTOXOPLASMOSE
EM INDIVÍDUOS
IMUNOSSUPRIMIDOS:
UMA REVISÃO
INTEGRATIVA DA
LITERATURA
Anna Luiza Barbosa Ribeiros de Sales Silva¹
Carlos Henrique Barros de Souza¹
Isabella Eduarda Lopes Rocha¹
Lívia Nascimento de Souza¹
Michelle Paz de Araújo¹
Renata Amorim Fantoni Martins¹
Daniela Camargos Costa2
Giselle Eva Bruch2
Izabela Ferreira Gontijo de Amorim3

1Discente - Medicina da Faculdade de Minas, FAMINAS-BH.


2Docente – Faculdade de Minas, FAMINAS-BH
3Docente orientador – Faculdade de Minas, FAMINAS-BH.

Palavras-chave: HIV; neurotoxoplasmose; Toxoplasma gondii. 191


Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO variáveis na relação patógeno-hospedeiro em


diferentes territórios.
A toxoplasmose é uma infecção causada Frente ao exposto, o objetivo do presente
pelo protozoário Toxoplasma gondii que trabalho é aprimorar o entendimento em
infecta células nucleadas de animais homeo- relação a essa doença e sua principal
térmicos, permanecendo em estado de latência complicação no indivíduo imunossuprimido, a
nos tecidos. Estima-se que a prevalência da fim de nortear estratégias que visam otimizar o
doença no mundo seja de aproximadamente manejo desse paciente (AYOADE et al, 2020;
30%, sendo que a maioria das infecções TAREKEGN et al, 2020).
humanas, em indivíduos imunocompetentes,
não apresentam manifes-tações clínicas. MÉTODO
Entretanto, para as gestantes e para a população
imunocomprometida, essa doença representa Trata-se de uma revisão integrativa
uma ameaça à saúde, sendo potencialmente realizada no período de março à abril, por
fatal. Para as grávidas, há risco de grave meio de pesquisas na base de dados
comprometimento fetal com sequelas tardias e, PubMed. Foram utilizados os descritores:
em indivíduos imunossuprimidos, o cenário de “toxoplasmosis”; “HIV”; “neurotoxoplasmosis”
baixa imunidade geralmente condiciona a e “pathogenesis”. A partir do cruzamento dos
reativação da infecção pelas formas dormentes descritores citados anteriormente foram
do T. gondii (REZANEZHAD et al, 2017; encontrados 327 artigos, posteriormente
VIDAL, 2019; AZOTSEVA et al, 2020; submetidos aos critérios de seleção.
TAREKEGN et al, 2020). Os critérios de inclusão utilizados foram:
Em portadores da Síndrome da artigos disponíveis gratuitamente, publicados
Imunodeficiência Adquirida (AIDS), com no período de 2011 a 2021, no idioma inglês e
baixa contagem de linfócitos TCD4, a que abordavam as temáticas propostas para
toxoplasmose cerebral é a principal causadora esta pesquisa, disponibilizados na íntegra. Os
de distúrbios do sistema nervoso central e critérios de exclusão foram: artigos publicados
possui diagnóstico laboratorial complexo. fora do período determinado, pagos e escritos
Apesar de a terapia antirretroviral ter em outros idiomas.
melhorado a conjuntura dessa enfermidade, Após os critérios de seleção restaram 52
para pacientes HIV positivos gravemente artigos que foram submetidos à leitura
imunocomprometidos, ela ainda representa um minusciosa para a coleta de dados e, a partir da
prognóstico complicado (HERNANDEZ et al, leitura dos títulos e dos resumos, foram
2017; AZOTSEVA et al, 2020). Embora haja selecionados 18 artigos para a presente revisão
variância regional de sua prevalência, a integrativa.
distribuição dessa zoonose é mundial. Nesse
contexto, alguns fatores foram relatados como RESULTADOS E DISCUSSÃO
determinantes para o predomínio da infecção
em certos locais. Condições socioeconômicas, Aspectos da doença
hábitos culturais e fatores geográficos, por A toxoplasmose é uma doença infecciosa
exemplo, foram atestados como importantes não contagiosa causada pelo protozoário T.
gondii, que tem como hospedeiros

192
Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

intermediários mamíferos e aves, e como Fisiopatologia da toxoplasmose


hospedeiros definitivos os felinos O protozoário invade inicialmente o
domésticos e silvestres. A infecção pelo epitélio intestinal e se dissemina de forma
toxoplasma pode ocorrer por meio de diversas ativa por todo o organismo do hospedeiro
vias através de formas evolutivas diferentes. A intermediário e, consequentemente, infectando
contaminação pode ocorrer através do todas as células nucleadas, na forma de
consumo de carne contaminada com bradi- taquizoítos - os quais têm replicação ativa. Os
zoítos, leite não pasteurizado, transmissão taquizoítos, conforme penetram nas células do
vertical ou por transfusão de sangue por meio hospedeiro, liberam proteínas e formam um
de taquizoítos e através de alimentos ou água vacúolo parasitóforo, onde se estabelecem e se
contaminados com oocistos. Ademais, outras multiplicam de forma assexuada para que,
formas de contágio são pelo contato com as posteriormente, saiam e deem continuidade à
fezes de felinos, pelo transplante de um órgão invasão das células. O processo descrito,
infectado ou por meio do manejo da terra em portanto, é o denominado ciclo lítico - o qual,
práticas de jardinagem, por exemplo. Pode-se se repetido constantemente, pode gerar dano
destacar que o T. gondii tem a capacidade de tecidual; logo, há, nesse momento, os sintomas
permanecer latente nos tecidos do hospedeiro, da fase aguda da parasitose (BASAVARAJU,
infectando células nucleadas, o que geralmente 2016; CERUTTI et al, 2020).
não leva a doença clínica. Contudo, a doença No entanto, as formas de taquizoítos
pode resultar na reativação da infecção quando podem ser transformadas em cistos em alguns
ocorre uma queda na imunidade celular, e tecidos - especialmente no sistema nervoso
como exemplo desse cenário podemos citar: central -, dando origem aos bradizoítos, os
HIV avançado, transplante de células tronco quais são as formas quiescentes ou dormentes
ou uso de quimioterapia (AYOADE et al, do parasito e caracteriza, assim, a fase crônica
2020). Essa doença infecta cerca de 30% da da Toxoplasmose. Para que esse estado de
população mundial, podendo variar significati- latência fique mantido de maneira estável, é
vamente dependendo da região e do grupo preciso que haja a ação da imunidade celular
ético e social, sendo relevante destacar que a mediada por células T, macrófagos e citocinas
taxa de infecção da América do Sul é de 42 a do Tipo I. O T. gondii, então, é capaz de
72% e da Ásia aproximadamente 40%. Em manipular e controlar a imunidade do
pacientes com HIV, observa-se grande hospedeiro, gerando, portanto, sua sobrevivê-
quantidade de casos graves envolvendo o ncia a longo prazo: o parasito desregula as vias
cérebro, caracterizando a toxoplasmose cere- de sinalização do organismo, conseguindo
bral, que é uma das principais causas de modular a adesão e a migração celular, além
distúrbios no sistema nervoso central nesses de gerar, por exemplo, a secreção de
pacientes. Assim, é importante ressaltar que o citocinas imunorreguladoras. Tais mecanismos
desenvolvimento de toxoplasmose cerebral em são feitos, em sua grande parte, a partir da
indivíduos infectados pelo HIV está associado secreção de proteínas efetoras pelas organelas
a imunossupressão, que ocasiona a reativação secretoras apicais do T. gondii (BASAVA-
da infeção do T. gondii que anteriormente RAJU, 2016; LIMA et al, 2016).
estava latente (AZOYTSEVA, et al, 2020). Na resposta imune do organismo
imunocompetente, que se mantêm durante a

193
Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

fase crônica da doença, ocorre o aumento de frequência chegando aos 100%, afetando a
IgG e de IFN-γ específicos para o parasito em memória, percepção e orientação espa-
questão. Nesses indivíduos, na maioria dos ço/temporal (AZOVTSEVA, 2020).
casos, não ocorre a manifestação de sintomas Para além disso, a neurotoxoplasmose
clínicos da doença. No entanto, no caso de geralmente apresenta manifestações como
pessoas imunocomprometidas, com particular lesões cerebrais de anel nos gânglios da base.
atenção para pacientes HIV positivos, os Contudo, ela pode apresentar-se como uma
sintomas da doença quase sempre se doença de rápida progressão, com encefalite
manifestam, fato causado pela reativação da difusa ou ventriculite fatal sem evidências
infecção latente conforme a imunidade do patológicas de lesões cerebrais focais ou ainda,
paciente vai diminuindo. Nesses casos, o T. apresentar-se de forma análoga a um quadro
gondii, na sua forma de bradizoíta, é capaz de de Acidente Vascular Cerebral (AVC)
se reverter para a forma de taquizoíta, levando (VIDAL, 2019; AZOVTSEVA, 2020).
a picos de reagudização da doença, com
manifestações clínicas potencialmente graves e Diagnóstico
irreverssíveis. Além disso, tais pacientes têm O diagnóstico clínico da toxoplasmose é de
maior probabilidade de serem infectados, visto difícil assertividade uma vez que grande parte
que os linfócitos TCD4 + e TCD8 + são dos casos cursam de forma assintomática.
citotóxicos para células infectadas pelo Nesse contexto, torna-se essencial o auxílio de
parasito (TEGEGNE et al, 2016; DUTTA et ferramentas laboratoriais para confirmação da
al, 2020; ZHAO et al, 2020). infecção, particularmente no imunossu-
É de extrema importância ressaltar, ainda, primido. Como ferramentas diagnósticas de
que uma das infecções oportunistas mais primeira escolha, estão os testes sorológicos.
comuns nos imunocomprometidos é a toxo- Porém, no que se refere a toxoplasmose
plasmose cerebral - conhecida também como cerebral em pacientes com AIDS, além do
neurotoxoplasmose -, visto que essas pessoas diagnóstico sorológico, inclui-se exames de
não têm a capacidade de controlar o parasito métodos de imagem, tais como tomografia
persistente e possuem, consequen-temente, computadorizada e ressonância magnética
uma falha na resposta de células T (VIDAL, 2019; AZOVTSEVA, 2020).
antiparasitárias. Ressalta-se que essa enfermi-
dade se manifesta de maneira subaguda, Exame de imagem
gerando, entre os principais sintomas, Face às inúmeras manifestações clínicas
hemiparesia, distúrbios da fala e sensoriais, apresentadas de forma combinada ou isolada
além de déficits motores focais (VIDAL, nos pacientes com toxoplasmose cerebral que
2019; MORO et al, 2020). podem assim induzir o profissional a um
diagnóstico equivocado, é fundamental a
Manifestações clínicas da neurotoxo- utilização dos exames de imagem sempre que
plasmose estes estiverem ao alcance, de forma a
A toxoplasmose cerebral envolve sintomas confirmar, ou não, as suspeitas acerca do
focais como afasia, ataxia, podendo inclusive diagnóstico. Na ausência de tais métodos, a
chegar a paralisa dos nervos cranianos, além progressão das anormalidades neurológicas
do comprometimento cognitivo com taxa de

194
Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

pode resultar em coma e morte (VIDAL,  Sem realizar profilaxia para


2019). neurotoxoplasmose;
Dentre as tecnologias de imagem  Presença de imagem típica com realce
disponíveis, a tomografia computadorizada anelar do contraste, como demonstrado na
(TC) e a ressonância magnética (RM) são as Figura 21.2.
mais assertivas quando se trata de diagnóstico
da toxoplasmose cerebral em pacientes com Figura 21.1 Imagem de ressonância magnética (MRI)
HIV, sendo a segunda opção a mais apropriada de um paciente infectado pelo HIV com toxoplasmose
cerebral. Na admissão, observou-se lesão única em lobo
por apresentar maior sensibilidade em
parietal esquerdo apontada pela cabeça de seta branca.
comparação à TC. O exame de RM é
recomendável quando há um resultado dúbio
ou inconclusivo da tomografia compu-
tadorizada (VIDAL, 2019; ROCHE, 2021).
Dessa forma, como resultados mais
comuns dos exames de imagem citados em
pacientes com neurotoxoplasmose e HIV
temos múltiplas lesões com realce em anel nos
gânglios da base, seguido de lesões no lobo
frontal e no lobo parietal e, de forma menos
recorrente, lesões no tronco encefálico e no
cerebelo. Tais lesões podem se apresentar por Fonte: Adaptado de VIDAL et al, 2019
um halo de edema acentuado e com sinais de
sangramento intralesional (VIDAL, 2019). Figura 21.2 Imagem demonstrando pela RM uma lesão
com realce de anel com edema circundante e desvio
Pacientes com lesão única à tomografia
mínimo da linha média.
devem ser submetidos necessariamente à
ressonância magnética, como exemplificado
na Figura 21.1, que demonstra uma RM de
um paciente infectado pelo HIV com
neurotoxoplasmose (VIDAL, 2019; ROCHE,
2021).
Ressalta-se que a biópsia cerebral é
utilizada de forma a alcançar um diagnóstico
definitivo, contudo, na grande maioria dos
casos, isto não se faz necessário, pois há a
possibilidade de se chegar a um diagnóstico
presuntivo de neurotoxoplasmose se o paciente
Fonte: Adaptado de AYOADE et al, 2020.
imunossuprimido apresentar contagem menor
que 100 linfócitos TCD4/mm³, concomitante Quando simultaneamente estes critérios
com os três critérios a seguir: estiverem presentes, em 90% dos casos, o
 Sorologia positiva para Toxoplasma diagnóstico de neurotoxoplasmose é pontual e
gondii (Acs IgG); sugere-se que seja iniciado tratamento
empírico para neurotoxoplasmose. Havendo
195
Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

resposta positiva ao tratamento iniciado, pode- Teste molecular – Reação em Cadeia da


se confirmar o diagnóstico e apenas nos casos Polimerase (PCR)
em que isto não ocorrer, a biópsia será Os testes moleculares consistem em
requerida. Sendo assim, os exames de imagem análises diretas do parasito através da obser-
são importantíssimos para alcançar o vação do seu material genético. Usualmente,
diagnóstico de neurotoxoplasmose (AYOADE, utiliza-se a técnica de PCR, que atua
2020). amplificando fragmentos específicos de DNA
para promover a identificação do parasito.
Teste histológico Para isso, são analisados alguns fluidos
O diagnóstico histológico para neurotoxo- corporais, principalmente do líquido cefalorra-
plasmose consiste em um teste direto, no qual quidiano através da punção lombar e amostras
se consegue observar o agente etiológico de sangue, sendo essa última menos
presente em uma análise ao microscópio. A recomendada devido à baixa parasitemia na
amostra normalmente é adquirida através de corrente sanguínea. Após a coleta do material
biópsia de tecido cerebral, sendo que neste são a ser analisado, duas técnicas de PCR podem
analisados os cistos teciduais contendo ser utilizadas, sendo elas a PCR convencional
inúmeros bradizoítos. Ao microscópio, pode- (nPCR) e a PCR quantitativo em tempo real
se observar uma lesão com 3 regiões distintas: (qPCR). Sendo assim, o teste molecular se
um centro necrótico, uma zona intermediária apresenta como uma alternativa viável para
com reação inflamatória intensa e uma zona diagnosticar a neurotoxoplasmose, principal-
periférica em forma de cisto de Toxoplasma. A mente devido às complicações relacionadas ao
Figura 21.3 demonstra a presença de cistos teste sorológico em pacientes HIV positivo
teciduais repletos de bradizoítos. Ademais, é (OLIVEIRA et al, 2010; VIDAL, 2019;
referida também outras características, como HOSSEINI-SAFA et al, 2020).
nódulos microgliais (aglomerado de células da
glia) e vasculite linfocítica (BASAVARAJU, Teste sorológico – Enzyme Linked
2016; VIDAL, 2019; AYOADE et al, 2020; ImmunonoSorbent Assay (ELISA)
AZOTSEVA et al, 2020). Os testes sorológicos consistem em
métodos indiretos para identificar a presença,
Figura 21.3 Biópsia de um quadro de neurotoxo- ou não, de um patógeno em um organismo,
plasmose, corada com hematoxilina-eosina. Cisto fazendo uso de reações antígeno-anticorpo. O
esférico (setas) com bradizoítos em seu interior. teste ELISA é fundamentado em reações
antígeno-anticorpo através da ação de algumas
enzimas. Normalmente, a contagem de IgG
anti T. gondii se apresenta como um dos
principais métodos para confirmar o
diagnóstico em um paciente imunocompetente.
Todavia, em relação a pacientes imunossupri-
midos, principalmente aqueles HIV positivos,
esse método pode ser afetado, uma vez que o
Fonte: Adaptado de AZOVTSEVA, O. V, et al, 2015.
vírus HIV compromete o sistema imune desse
grupo. O desenvolvimento da toxoplasmose no

196
Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

cérebro de indivíduos com HIV comumente tratamento estatístico na escolha dos grupos a
está associado a reativação da forma latente serem analisados, bem como às respostas
(cistos) do parasito, devido a imunossupressão individuais de cada paciente ao vírus HIV.
característica desses pacientes (AYOADE et Todavia, é importante ressaltar que na maior
al, 2020; HOSSEINI-SAFA et al, 2020). parte dos casos analisados, há uma relação
De acordo com a Tabela 21.1, pode-se inversa entre essas duas variáveis
inferir que não há consenso entre os autores (REZANEZHAD et al, 2017 NGOBENI et al,
sobre a contagem de linfócitos T-CD4 e a 2017; AZOTSEVA et al, 2020; AYOADE et
contagem de IgG em pacientes HIV positivos. al, 2020).
Tal fato pode ocorrer devido à falta de

Tabela 21.1 Relação entre a contagem de T-CD4 e a contagem de IgG nos diferentes artigos analisados

ARTIGO CONTAGEM DE T- CONTAGEM DE RESULTADO


CD4 células/μl IgG
Cerebral toxoplasmosis in T-CD4 < 100 Títulos elevados de Resposta ativa do Toxoplasma
HIV-infected patients over IgG gondii, podendo desenvolver
2015–2018 (a case study of neurotoxoplasmose.
Russia).

Seroprevalence of T-CD4 ± 211,5 IgG > 1000 (UI/ml) Positividade para infecção
Toxoplasma gondii among pelo Toxoplasma gondii.
HIV Patients in Jahrom,
Southern Iran.

HIV-1 Associated TCD-4 < 100 Teste positivo para Diagnóstico presuntivo para
Toxoplasmosis presença de IgG neurotoxoplasmose.

Prevalence of toxoplasma TCD-4 < 50 - Não foi observada diferença


gondii igg and igm and significativa entre a contagem
associated risk factors among de TCD4 e a contagem de
hiv-positive and hiv-negative IgG.
patients in Vhembe district of
South Africa
Fonte: Adaptado de REZANEZHAD et al, 2017; NGOBENI et al, 2017; AYOADE et al, 2020; AZOTSEVA et al,
2020.

Dessa forma, diante de diversos métodos um paciente imunossuprimido, a reação


diagnósticos possíveis para toxoplasmose em antígeno-anticorpo pode ser comprometida,
pacientes HIV positivo, pode-se inferir que a portanto, análises diretas do parasito podem
utilização de mais de um teste, como a contribuir para um diagnóstico mais preciso
associação das técnicas sorológicas com os (HOSSEINI-SAFA et al, 2020; AYOADE et
métodos radiológicos e moleculares, se mostra al, 2020).
mais eficaz para esses casos. Isso porque, em

197
Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

Tratamento e profilaxia: levam em consideração a contagem de


linfócitos TCD4. A profilaxia primária é
1. Tratamento da toxoplasmose cerebral aquela que visa a impedir a evolução da
em pacientes HIV positivos toxoplasmose para uma toxoplasmose
O tratamento da toxoplasmose cerebral em cerebral. Esse tipo de profilaxia é indicado
pacientes HIV positivos se dá por meio da para os indivíduos que apresentam IgG
terapia antiparasitária dirigida contra T. gondii positivo para Toxoplasma com contagem de
e a terapia antirretroviral para recuperação linfócitos TCD4 entre 100 e 200 células/mm³.
imunológica. O tratamento primário, em geral, Geralmente são utilizadas a pirimetamina e a
tem duração de 1 mês e meio e deve ser sulfametoxazol-trimetoprima, mas existem
seguido pela profilaxia secundária, até se pacientes intolerantes à tal terapia e, nesses
alcançar quantidade de linfócitos superior a casos, são utilizadas outras formas de terapia,
200 células/mm³, a fim de evitar recaídas do como a dapsona-pirimetamina associada à
processo infeccioso. Os medicamentos mais leucovorina ou atovaquona com ou sem
utilizados no tratamento da toxoplasmose pirimetamina/leucovorina. Quando se apresen-
cerebral em pacientes infectados por HIV são ta carga viral do HIV indetectável e contagem
a pirimetamina e a sulfadiazina, no entanto, no de linfócitos TCD4 entre 100 e 200
caso de o paciente apresentar alergia às células/mm³, esse indivíduo está apto para
sulfonamidas, deve ser utilizada uma associa- interromper a profilaxia primária. Já a
ção entre a pirimetamina e a clindamicina, profilaxia secundária, também disseminada
apesar dessa terapêutica apresentar menor como terapia de manutenção, é aquela
eficácia. A repetição do exame de imagem ou indicada ao se completarem seis semanas de
a realização de uma biópsia cerebral é tratamento para a toxoplasmose. Geralmente
necessária em situações que não houve são utilizadas nesse tipo de profilaxia para
melhora significativa ou piora dos sintomas neurotoxoplasmose uma associação entre a
entre o décimo e o décimo quarto dia de pirimetamina a sulfadiazina e a leucovorina.
tratamento. A terapia antirretroviral tem início, Ainda que apresentem baixa carga viral de
normalmente, a partir de duas semanas do HIV, é recomendado aos pacientes que se
início da terapia anti-toxoplasma. Há relatos encontrarem com contagem de linfócitos CD4
de uso de esteroides no tratamento da menor que 200 células/mm³ que recomecem a
toxoplasmose cerebral em pacientes HIV profilaxia secundária (VIDAL, 2019).
positivos em casos de edema, porém, não há
estudos que evidenciem a eficácia desse CONCLUSÃO
composto (VIDAL, 2019; AYOADE et al,
2020). Diante do que foi exposto no presente
artigo de revisão, fica evidente que a
2. Profilaxia para a toxoplasmose toxoplasmose cerebral associada a indivíduos
cerebral HIV positivo está intimamente relacionada
Existem dois tipos de profilaxias com a imunossupressão desses pacientes, se
farmacológicas para a toxoplasmose cerebral: apresentando de forma potencialmente grave.
a primária e a secundária, sendo que ambas Ademais, fica clara a importância de se

198
Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

aprofundarem os estudos acerca da relação aspectos clínicos da toxoplasmose, bem como


entre a contagem de linfócitos TCD4 e os os critérios diagnósticos, para que o tratamento
níveis séricos de IgG, pois foi observado que, seja melhor direcionado a esses indivíduos,
com os estudos utilizados, ainda não há contribuindo para uma melhor qualidade de
consenso sobre tal relação. Dessa forma, vida, ainda que não haja cura para a forma
enfatiza-se a importância de entender os crônica da doença.

199
Capítulo 21
Parasitologia Humana e Veterinária

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200
Capítulo 22
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 22
ASPECTOS GERAIS DA
HEPATOZOONOSE EM
CÃES NO BRASIL:
REVISÃO DE
LITERATURA
Emilly de Souza Moraes¹
Allana Freitas Barros²
Leonardo Costa Rocha¹
Suelem Maria Araújo Pereira¹
João Vitor Pereira Castro¹
Ana Letícia Marinho Figueirêdo¹
Clarissa Sousa Costa Ferreira¹
Wendel Fragoso de Freitas Moreira³

1Discente – Medicina Veterinária na Universidade Estadual do Maranhão.


2Doutoranda – Programa de pós-graduação em ciência animal na Universidade
Estadual do Maranhão.
3Médico veterinário – Universidade Estadual do Maranhão.

Palavras-chave: Hepatozoon canis; Hemoparasitose; Artrópodes. 201


Capítulo 22
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO canina com ênfase na espécie Hepatozoon


canis, presente no Brasil.
A hepatozoonose é uma enfermidade
MÉTODO
causada pelo agente Hepatozoon spp.,
integrante do filo Protozoa, subfilo Apicom-
plexa. Todos os componentes deste subfilo são O presente trabalho é uma revisão
parasitas intracelulares obrigató-rios, caracteri- bibliográfica, descritiva, qualitativa que apre-
zados pela presença de um complexo apical, senta o tema hepatozoonose canina no Brasil,
que facilita sua fixação e consequente abarcando os seguintes termos: “Hepatozoon
penetração na célula hospedeira (BANETH, spp”, “hepatozoonose canina”, “hepatozoono-
2003). se no Brasil” e “Hepatozoon canis”. As fontes
A transmissão dessa enfermidade ocorre de pesquisa foram os sites de busca Scientific
por meio de artrópodes (carrapatos, piolhos, Eletronic Library Online (SCIELO), Google
ácaros e etc). A doença já foi identificada em Acadêmico e NCBI PubMed. Foram utilizadas
diversos animais, incluindo: anfíbios, répteis, referências bibliografias da literatura veteriná-
aves, marsupias e mamíferos (MATHEW et ria em português ou inglês que estivessem com
al., 2000). Sobretudo canídeos, incluindo: seu texto completo disponível para leitura nos
Chacal-dourado (Canis aureus) (SHAMIR et meios digitais, publicados no período de 1975
al., 2001); Raposa (Vulpes vulpes silacea) a 2021. Após os critérios de seleção restaram
(MAJLÁTHOVÁ et al., 2007) e a Hiena 30 artigos que foram submetidos à leitura
malhada (Crocuta crocuta) (MCCULLY et al., minuciosa para a coleta de dados. As
1975). As espécies que infectam répteis, aves e informações consideradas relevantes pelos
anfíbios parasitam eritrócitos, já as que autores foram reunidas sistematicamente de
infectam mamíferos são vistas parasitando forma que o presente trabalho seja uma fonte
leucócitos (BANETH, 2003). de pesquisa para esses profissionais.
Atualmente, há registros de duas espécies
em destaque acometendo cães: Hepatozoon RESULTADOS E DISCUSSÃO
americanum e Hepatozoon canis. A primeira é
descrita presente no sul dos Estados unidos e a Etiologia
segunda distribui-se na Europa, Ásia, África e Espécies de Hepatozoon spp pertencem ao
América de Sul. No Brasil foi relatado a o filo Protozoa, subfilo Apicomplexa, família
presença da espécie H. canis nos estados do Hepatozoidae e têm características em comum
Rio de Janeiro (O’DWYER et al., 2001), São com outros gêneros deste mesmo grupo, como
Paulo (GONDIM et al., 1998), Minas Gerais Plasmodium spp., Toxoplasma gondii e
(MUNDIM et al., 1992), Distrito Federal Babesia spp., entre outros (EWING &
(PALUDO et al., 2003) e Rio Grande do Sul PANCIEIRA, 2003). O subfilo Apicomplexa é
(MELLO et al., 2006). caracterizado por possuir uma estrutura
O presente trabalho tem como objetivo chamada complexo apical, que facilita a
discutir sobre patogênese, sinais clínicos, invasão e fixação do parasita nas células do
diagnóstico e tratamento da hepatozoonose hospedeiro desenvolvendo-se intracelular-
mente, além disso, são parasitas obrigatórios.

202
Capítulo 22
Parasitologia Humana e Veterinária

A hepatozoonose canina é provocada por duas aos seus hospedeiros definitivos. Sendo o
espécies distintas, o Hepatozoon canis e H. carrapato o principal vetor do H. canis
americanum, sendo protozoários que parasi- encontrado em regiões tropicais, subtropicais e
tam leucócitos e o parênquima de tecidos, temperadas do mundo todo, tornando potencial
transmitidos por carrapatos infectados durante a distribuição mundial deste protozoário
a sua ingestão acidental por cães. O H. (LASTA, 2008).
americanum foi descrito no sul dos Estados No Brasil, existem poucos relatos de
Unidos, enquanto H. canis é encontrado na infecção por Hepatozoon spp. em cães e
Europa, África, Ásia e na América do Sul pouco se sabe da epidemiologia. Apesar da
(BANETH et al., 2003). doença ter sido descrita nos Estados do Rio
Devido semelhanças dos gamontes das de Janeiro (O'DWYER et al., 2001), São
duas espécies, o H. canis até 1997, era consi- Paulo (GONDIM et al., 1998), Minas Gerais
derado o responsável por todos os casos de (MUNDIM et al., 1992), Distrito Federal
hepatozoonose canina (VINCENT-JOHNSON (PALUDO et al., 2003) e Rio Grande do Sul
et al., 1997). O uso das técnicas moleculares (MELLO et al., 2006), a espécie H. canis foi
permitiu em 2000 identificar uma variação de identificada e caracterizada (RUBINI et al.,
13,59% de homologia entre as duas espécies 2005) por meio de técnicas moleculares apenas
na região 18 S do gene para RNA ribossômico, no Rio de Janeiro (GARCIA DE SÁ et al.
comprovando a diferença entre as duas espé- 2007) e em Botucatu (DEMONER, 2016), São
cies e a capacidade de causar enfermidades Paulo.
distintas (LASTA et al., 2009). O que se sabe sobre a prevalência das
A espécie que ocorre no Brasil é H. canis, infecções, é que varia consideravelmente em
prevalente em várias regiões do país, diferentes regiões, como foi relatado nesses
apresentando baixa patogenicidade e associa- trabalhos já citados, os quais obtiveram a
ção com outras infecções (RUBINI et al., prevalência de 39% dos cães em zona rural do
2005). Entretanto, Forlano e colaboradores Rio de Janeiro (O’DWYER et al., 2001),
(2005) sugeriram que não se pode afirmar que enquanto em São Paulo mostrou apenas 8,3%
apenas a espécie H. canis ocorre no Brasil, e de cães infectados (GARCIA de SÁ, 2007).
que mais estudos são imprescindíveis para
confirmar a ocorrência ou ausência de outras Ciclo biológico
espécies do parasito. O carrapato marrom O ciclo biológico de Hepatozoon spp. tem
Rhipicephalus sanguineus foi descrito como como hospedeiros definitivos os carrapatos,
um vetor para H. canis, no entanto outras nos quais ocorre a esporogonia. Os cães e
espécies como Amblyomma ovale são conside- outros mamíferos são os hospedeiros interme-
radas transmissores potenciais (BANETH et diários, que se contaminam ao consumir
al., 2003; FORLANO et al., 2005). carrapatos que contém oocistos maduros de H.
canis e nestes ocorre a fase de reprodução
Epidemiologia assexuada (BANETH et al., 2007; O'DWYER,
Semelhantemente a todas as doenças que 2011).
têm artrópodes como vetores, a distribuição da O início do ciclo dá-se quando ninfas de
hepatozoonose está diretamente relacionada carrapatos se engorgitam com leucócitos infec-

203
Capítulo 22
Parasitologia Humana e Veterinária

tados por gametócitos, em um cão já tecidos de anuros, lagartos e serpentes


acometido. Após ingestão, tais gametócitos (DEMONER, 2016).
liberam-se dos leucócitos, transformando-se Desse modo, o hospedeiro intermediário
em gametas masculinos e femininos, originan- vertebrado se torna infectado ingerindo os
do posteriormente oocistos e zigotos. Cada um cistozoítos presentes no hospedeiro paratênico.
dos oocistos maduros contém inúmeros A presença de formas císticas de Hepatozoon
esporocistos que podem carregar de 10 a 26 spp. em mamíferos vem sendo relatada
esporozoítas. Com a ocorrência de mudas do (BANETH et al., 2007), sugerindo os cistozoí-
carrapato, os ooscistos passarão a se concen- tos como importante modo de transmissão
trar na cavidade corporal do artrópode que também neste grupo de animais.
poderá carrear milhares de células infectantes Já existem alguns relatos de H. canis em
(BANETH et al., 2007). espécies de canídeos selvagens (FARKAS et
A infecção no cão acontecerá após a al., 2014) e sequências genéticas semelhantes
ingestão de um carrapato parasitado. Uma vez às suas também foram obtidas de raposas
ingeridos, os esporozoítas são liberados dos vermelhas na Itália e Croácia (DEZDEK et al.,
oocistos, penetram a parede intestinal e são 2010; GABRIELLI et al., 2010). Ainda não se
transportados através do sangue e linfa para os se sabe como ocorre a infecção, mas acredita-
tecidos dos órgãos hemolinfóides: baço, se que a predação é o mecanismo de
linfonodo e medula óssea (O'DWYER, 2011). transmissão mais provável.
A etapa de merogonia ocorrerá no interior
de macrófagos e células endoteliais. Os Sinais clínicos
merontes serão encontrados nos tecidos A hepatozoonose canina trata-se de uma
infectados e quando estes amadurecem, se doença de apresentação comumente benigna
subdividem em merozoítas que são liberadas, quando causada pelo agente etiológico
penetrando neutrófilos circulantes. O ciclo se Hepatozoon canis, principalmente pelo fato de
completa quando nos neutrófilos ocorre o os animais acometidos apresentarem baixa
desenvolvimento em gametócitos, que passam carga parasitaria. Contudo, há relatos de que a
para a circulação periférica e infectam um coexistência desta enfermidade e outros
novo carrapato que se alimentar do sangue patógenos, como Ehrlichia spp. e Babesia
(BANETH et al., 2007). vogeli pode provocar piora acentuada do
A ingestão de oocistos esporulados é quadro clínico geral em cães infectados
considerada a principal forma de transmissão (SPOLIDORIO et al., 2011; ROTONDANO et
de Hepatozoon spp. para os hospedeiros al., 2015).
intermediários vertebrados, contudo, estudos Suas manifestações variam entre infecção
apontam um ciclo biológico alternativo em subclínica e clínica, causando afecção em
algumas espécies, podendo incluir mais de um tecidos dos órgãos hemolinfóides; parasitemia
hospedeiro intermediário, o qual também atua baixa, resulta em sinais como anemia, letargia,
como hospedeiro paratênico. Em tais casos, o febre, anorexia e ocorrências mais
parasito apresenta-se como cistozoítos, uma significativas, como fraqueza dos membros
forma infectante quiescente, que infectam posteriores (PEREIRA et al., 2011). Em
contraparte à infecção por Hepatozoon

204
Capítulo 22
Parasitologia Humana e Veterinária

americanum, que é altamente patogênica e está exame histopatológico ou imprint do


associada a doenças graves em animais fragmento coletado na necropsia. Os cistos
domésticos, marcadas por dor muscular monozoicos já foram identificados em fígado,
induzida por miosite, atrofia muscular e pulmão, linfonodos, coração, rins, e
claudicação severa (BANETH et al., 2003). principalmente, baço e medula óssea.
Macroscopicamente, as alterações nos órgãos,
Diagnóstico quando são perceptíveis, apresentam-se
A inespecificidade dos sinais da discretas (LIMA et al., 2017).
hepatozoonose impede um diagnóstico clínico
assertivo. Dessa forma, se faz necessário a Terapêutica
realização de testes laboratoriais. Na busca Apesar de não haver medicamentos que
pelo parasita, pode ser feita a utilização do eliminem completamente o parasita do
esfregaço sanguíneo ou a camada leucocitária hospedeiro, alguns antibióticos, como o
do sangue, conseguida através de centrifuga- dipropionato de imidocarbe e doxicilina são
ção, sendo realizados de maneira mais rápida e adotados no tratamento da hepatozoonose
acessível na rotina clínica. No entanto, foi canina e proporcionam a recuperação clínica
observado que a citologia da camada do paciente. O dipropionato de imidocarbe é o
leucocitária se mostrou mais sensível, perante medicamento de eleição e se associado com a
a indisponibilidade de realização imediata do doxiciclina abrange sua a ação para outros
PCR (OTRANTO et al., 2011). A Reação em hemoparasitas que podem acometer concomi-
Cadeia da Polimerase, segundo estudos, tem se tantemente o animal. A dose utilizada do
mostrado mais sensível para a espécie H. canis dipropionato de imidocarbe é de 5-6 mg/kg,
do que os métodos citados anteriormente. com aplicações via intramuscular ou subcutâ-
Entretanto, a visualização desse parasita nea com intervalo de 14 dias entre as
pode estar condicionada com a carga aplicações até a eliminação dos gamontes
parasitária no hospedeiro. Outro ponto a ser circulantes. A doxiciclina deve ser administra-
destacado e que não é possível distinguir a da via oral, na dose de 10 mg/kg, durante 21
espécie detectada com a utilização do dias (O’DWYER, 2011; DE FONSECA
esfregaço. (O’DWYER 2011). Em casos onde HONÓRIO et al., 2016). O controle de
a carga parasitária é muito baixa, pode-se usar ectoparasitas previne não somente a infecção
testes sorológicos para a detecção de por Hepatozoon spp. como por outras
anticorpos, apesar de esses possuírem maior hemoparasitoses, sendo estabelecido como a
eficiência quando o animal apresenta alta medida mais eficaz.
parasitemia. O teste de anticorpo de
fluorescência indireta (IFAT), se baseia na CONCLUSÃO
detecção de gamontes da espécie H. canis,
estudos ressaltam a aplicabilidade desse A hepatozoonose canina é a doença que
método para detecção de estudos de acomete em sua maioria canídeos, geralmente,
soroprevalência (KARAGENC et al., 2006). é diagnosticada associada a outras hemopara-
A análise post mortem possibilita a sitoses, acentuando muitas vezes o quadro
detecção dos parasitos no tecido através do clínico geral dos animais infectados, e se

205
Capítulo 22
Parasitologia Humana e Veterinária

apresenta em expansão no território nacional. moleculares, como a PCR. A dificuldade da


No Brasil, a espécie predominante é H. canis e eliminação do agente no hospedeiro comprova
o seu diagnóstico é possível através da realiza- que a prevenção é a medida mais assertiva. O
ção de esfregaço sanguíneo, que permite a controle da doença está diretamente relaciona-
visualização do agente em animais com carga do ao controle de carrapatos que são os vetores
parasitária considerável, ou com uso técnicas da doença para os cães.

206
Capítulo 22
Parasitologia Humana e Veterinária

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Capítulo 22
Parasitologia Humana e Veterinária

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208
Capítulo 23
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 23
ASPECTOS
EPIDEMIOLÓGICOS DA
TRISTEZA PARASITARIA
BOVINA (TPB)

Vitória Penha Martins De Araújo¹


Miriã Bertunes de Brito¹
Andressa Silva e Lima¹

1Discentes de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Goiás – UFG

Palavras-chave: Babesiose; Anaplasmose; tristeza parasitária bovina.

209
Capítulo 23
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO Além disso, todos os agentes são transmitidos


principalmente por carrapatos da espécie
O Brasil é segundo maior produtor de Rhipicephalus (Boophilus) microplus e a
bovinos do mundo, onde no ano de 2007, infecção concomitante por dois ou três agentes
somou-se cerca de 205,9 milhões de cabeças é comum. Essa enfermidade acomete desde
no território nacional. A produção tanto de neonatos até bovinos adultos sem experiência
leite e/ou carne é uma das fontes extras de imunológica para os agentes da TPB, sendo
renda das propriedades rurais, principalmente que tanto a babesiose quanto a anaplasmose
quando estamos falando de pequenas proprie- apresentam alta morbidade e alta mortalidade
dades. Várias enfermidades podem afetar a (FARIAS, 1995, 2001).
produção na bovinocultura. Uma das mais O Brasil é considerado como um país
comuns é a Tristeza Parasitária Bovina (TPB), enzoótico devido à constante transmissão dos
conhecida por vários nomes, como pindura, agentes, sendo sua maior ocorrência na região
mal da ponta, piroplasmose, mal triste, entre Centro-Sul, porém existem algumas regiões
outros, sendo reconhecidamente uma das como o sertão e o sul brasileiro, em que as
doenças que mais mata bezerros nos primeiros condições edafoclimáticas não favorecem o
meses de vida, principalmente os de raças desenvolvimento do Rhipicephalus microplus
europeias importados ou não, e aqueles (SANTOS et al., 2001). A intercorrência da
provenientes de cruzamentos industriais entre babesiose e anaplasmose verifica-se principal-
zebuínos e taurinos. Seu caráter endêmico no mente em zonas de instabilidade enzoótica
Brasil acarreta elevadas perdas econômicas na (áreas epidêmicas), quando a frequência de
pecuária que, segundo Almeida (2006), seu anticorpos se apresenta inferior a 75%
impacto na economia pode ultrapassar a casa (MAHONEY; ROSS, 1972), como é o caso do
dos US$500 milhões anuais (FARIAS, 1995, Rio Grande do Sul, em que as condições
2001) climáticas determinam períodos mais ou
A TBT compreende pelo complexo menos longos sem a presença do carrapato
babesiose, causada pelos protozoários Babesia Ripicephalus microplus, transmissor desses
bovis e B. bigeminae, e anaplasmose causada agentes. Por conseguinte, alguns animais não
pela rickettsia Anaplasma marginale, sendo a apresentam anticorpos contra Babesia spp. e
babesiose e a anaplasmose transmitida pelo Anaplasma spp., ou o nível de anticorpos
carrapato Boophilus microplus e pelas moscas contra a doença diminui significantemente
hematófagas (Stomoxys calcitrans, tabanídeos, corroborando a ocorrência de surtos quando os
culicídeos) respectivamente. As babesioses e a animais entram novamente em contato com o
anaplasmose são tratadas dentro do mesmo agente. No Rio Grande do Sul encontram-se,
complexo de doenças por terem em comum também, áreas livres do carrapato no extremo
diversas características. Todos os agentes sul (Santa Vitória do Palmar, e partes dos
etiológicos são parasitas intracelulares obriga- municípios de Jaguarão e Arroio Grande) e,
tórios e infectam hemácias. Assim, os sin- neste caso, todos os animais são susceptíveis e
tomas das infecções pelos três agentes são a doença ocorre somente quando há entrada
similares devido à destruição destas células. acidental de carrapatos em períodos favoráveis
ou quando os animais, que não têm imunidade,
210
Capítulo 23
Parasitologia Humana e Veterinária

são transferidos para zonas endêmicas disso, há três situações epidemiológicas


(FARIAS, 1995, 2001). É importante salientar, distintas para as babesioses e a anaplasmose
no entanto, que a incidência da babesia está que estão ligadas a distribuição geográfica do
limitada às áreas onde o carrapato é vetor, Rhipicephalus (Boophilus) microplus
encontrado, que se dá entre 32 N e 32 S. Já a (RIEK, 1964, 1966; MAHONEY; MIRRE,
anaplasmose pode ocorrer em áreas livres de 1977).
carrapato, pois também pode ser transmitida Portanto, considera-se que o conhecimento
mecanicamente por moscas hematófagas e dos aspectos epidemiológicos destas doenças é
fômites contaminados (Embrapa, 2019). fundamental para nortear a ações de controle
Alguns estudos no Brasil revelaram áreas de TPB com base no controle do vetor. Em
de instabilidade para região de Londrina-PR termos metodológicos, esse estudo possui um
(VIDOTTO et al., 1997) e mesorregião norte caráter eminentemente revisionais, pois, são
Fluminense-RJ para B. bigemina (SOUZA et avaliado importantes estudos sobre o tema em
al., 2000). Um estudo nessa mesma região questão buscando o entrecruzamento de suas
constatou área de estabilidade enzoótica para análises. Tais estudos, livros e artigos, foram
B. bovis (SOARES et al., 2000). Outras áreas selecionados com base nos critérios de abran-
consideradas como de estabilidade são: o gência e profundidade de seus conteúdos.
município de Goiânia-GO (SANTOS et al., Assim, espera-se que esse estudo se constitua
2001); Paudalho, zona da mata de Pernambuco numa importante ferramenta de reflexão sobre
(BERTO et al., 2008); nordeste do Estado do os conhecimentos necessários para a condução
Pará (GUEDES JÚNIOR et al., 2008); e o de estratégias de controle dessas enfermidades
município de Campos dos Goyatacazes-RJ (Embrapa, 2019).
(FOLLY et al., 2009). Santos et al (2017)
concluíram estudos nos quais determinaram a MÉTODO
soroprevalência da babesiose e anaplasmose
em bovinos em dois municípios do estado de
Para levantamento dos aspectos teórico-
Pernambuco e definiram os possíveis fatores
práticos dos estudos epidemiológicos da
de risco para a ocorrência dessas doenças
Tristeza Parasitária Bovina foi consultado
naquelas localidades.
literaturas pertinentes ao tema e estudos na
As perdas econômicas são devido à
perspectiva epidemiológica da patologia em
redução na produção de leite e carne, infértil
questão. Esse capítulo trata-se de uma revisão
idade temporária de machos e fêmeas, custo de
sistemática realizado no período de março a
tratamentos (LIMA, 1991), gasto com medidas
maio de 2021, por meio de pesquisas nas bases
preventivas necessárias, quando se introduz
de dados: Google Acadêmico, PubVet e
animais de áreas livres em áreas endêmicas e,
Embrapa, no qual demandou os seguintes
principalmente, devido à mortalidade. No
procedimentos: pesquisa bibliográfica, docu-
Brasil, observa-se uma grande variedade de
mental e a organização de ideias. Em ordem
fatores epidemiológicos que influenciam a sua
cronológica dos fatos ocorridos para dar início
ocorrência, tais como: variação climática,
a essa escrita, foi necessário:
práticas de manejo, controle de carrapatos e
introdução de bovinos susceptíveis. Além
211
Capítulo 23
Parasitologia Humana e Veterinária

a) Realizar uma pesquisa bibliográfica à TPB é persistente. A carência de estudos


respeito do tema para dar suporte ao epidemiológicos, tendo em consideração a
entendimento teórico desse capítulo; interação entre agente, hospedeiro e ambiente,
b) Fazer um levantamento dos artigos, constitui importante obstáculo para o controle
livros e estudos acerca do tema; da doença. Ademais, o uso indiscriminado de
c) Elencar algumas reflexões sobre o tema produtos carrapaticidas e a falta de padrão dos
em questão e consequente realização de métodos usados na premunição, podem ter
reuniões para debater o tema. resultados imprevisíveis e até mesmo insatisfa-
Os critérios de inclusão foram artigos no tório (GONÇALVES,1999). Dessa forma, a
idioma Português, publicados nos últimos 10 indicação de profilaxia para a babesiose
anos e que abordavam as temáticas propostas bovina é o controle do Booplhilus Microplus.
para esta pesquisa, estudos do tipo revisão, Em relação a anaplasmose, além das medidas
disponibilizados na íntegra. Os critérios de já citadas é imprescindível a implementação de
exclusão formam artigos duplicados, disponi- práticas de manejo adequadas nas vacinações,
bilizados na forma de resumo, que não castrações e descorna. Já a vacinação com
abordavam diretamente a proposta estudada e cepas atenuadas deve ser utilizada de forma
que não atendiam os demais critérios de controlada em bovinos favoráveis a doença,
inclusão. principalmente em adultos expostos pela
Após os critérios de seleção restaram 7 primeira vez aos vetores da doença
artigos que foram submetidos à leitura minun- (GONÇALVES, 1999).
ciosa para a coleta de dados. Os resultados De acordo com pesquisas feitas no norte
foram apesentados de maneira descritiva e do país mais precisamente em Rondônia e no
com imagens ilustrativas, divididos em Acre mostraram que a babesia é mais
categorias temáticas abordando os aspectos encontrada em bezerros (BRITO et al., 2007).
epidemiológicos de controle da doença com a Conforme observa-se na Tabela 23.1, a
devida abrangência e profundidade de seus análise das 1.388 amostras de coágulo
conteúdos. Assim, espera-se que esse artigo, sanguíneo bovino foi realizada no Laboratório
de caráter iminentemente revisionais, constitua Embrapa Rondônia, sendo que as amostras
uma importante ferramenta de reflexão sobre provenientes do Estado de Rondônia
os conhecimentos necessários para a condução corresponderam a 0,16% do rebanho bovino
de estratégicas de controle dessas enfermi- do estado na faixa etária entre quatro a doze
dades. meses. Observou-se que 125 (9,0%) das
amostras testes foram positivas pela
RESULTADOS E DISCUSSÃO amplificação por nested PCR do DNA de
B.bovis (BRITO et al., 2007).
Atualmente, diversos pesquisadores de Conforme a Tabela 23.2, estudos
vários países, têm buscado métodos de contro- preliminares em 225 amostras sanguíneas
le das hemopasitoses. Mesmo com muitos provenientes de bovinos criados em diferentes
avanços para o desenvolvimento desses méto- microrregiões do Estado do Acre
dos, ainda é presente obstáculos no controle da proporcionaram o diagnóstico de 208 amostras
positivas pela amplificação do gene msp5 de
212
Capítulo 23
Parasitologia Humana e Veterinária

A. marginale, correspondendo a uma cada doença por meio de esfregaços


prevalência de 92,87% (BRITO et al., 2007). sanguíneos, observando o desenvolvimento
O diagnóstico preciso pode ser feito dos sinais clínicos.
através da identificação do agente causador de

Tabela 23.1 Prevalência de Babesia bovis nas microrregiões de Rondônia

Microrregiões de Rondônia Rondônia Amostras Amostra Prevalência de Babesia


positivas negativas bovis
Alvorada do Oeste 18 102 15%
Ariquemes 14 101 12,17%
Cacoal 30 193 9,28%
Guajará-Mirim 24 213 10,12%
Ji-Paraná 24 218 9,91%
Porto Velho 15 274 5,19%
Vilhena 0 62 0%
Total: 125 1.263 9,00%

Fonte: adaptado de Brito et al. 2007.

Tabela 23.2 Prevalência de Anaplasma marginale nas microrregiões do Acre

Microrregiões do Acre Amostras Amostras Prevalência de Anaplasma


positivas negativas marginale no rebanho
Brasiléia 51 7 87,93 %
Rio Branco 82 6 93,18 %
Cruzeiro do Sul 42 3 93,33 %
Tarauacá 33 1 91,06 %
Total 208 17 92,87 %

Fonte: adaptado de Brito et al,. 2007.

CONCLUSÃO Assim, a forma de controle primordial


contra este complexo de doenças está
Em síntese, a Tristeza Parasitária Bovina é intimamente relacionada ao controle do
caracterizada por grandes perdas econômicas, carrapato. Porém, para controlar efetivamente
como aumento na taxa de mortalidade, a TPB, deve-se primar por encontrar um
principalmente em bezerros, podendo ainda ter equilíbrio, no qual o controle de carrapatos
queda na produção de leite e no ganho de peso seja realizado, de forma contínua, de modo a
dos animais, bem como um aumento no custo permitir a inoculação de pequenas quantidades
da produção, através da necessidade de uso de dos agentes de TPB nos animais. Outras
carrapaticidas e medicamentos para seu estratégias específicas para o controle da TPB
controle. Portanto, é notório a necessidade de que podem ser usadas são a vacinação, a pré-
conhecer sua epidemiologia para nortear a imunização e a quimioprofilaxia.
ações de controle de TPB com base no
controle do vetor.
213
Capítulo 23
Parasitologia Humana e Veterinária

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215
Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 24

TRIPANOSSOMÍASE
BOVINA NO BRASIL

Ially de Almeida Moura1


Giancarlo Bomfim Ribeiro2
Inês dos Santos Pereira1
Luis Eduardo Meira Faria1
Joselito Nunes Costa3
Wendell Marcelo de Souza Perinotto3

1 Discente – Doutorado em Ciência Animal da Universidade Estadual de Santa


Cruz – BA.
2 Discente – Mestrando em Programa Integrado em Zootecnia da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia - BA.
3 Docente – Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, BA.

Palavras-chave: Bovinocultura; Hemoparasitos; Trypanosoma vivax

216
Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO relacionados com a fase da doença, sendo que


na fase aguda são observados frequentemente
quadros de hipertermia e anemia (DAG-
A pecuária brasileira tem-se destacado
NACHEW & BEZIE, 2015; PEREIRA et al.,
pelos níveis crescentes de produtividade nos
2018, BATISTA et al., 2019). Sinais como
rebanhos comerciais bovinos, quando compa-
apatia, anorexia, perda de peso progressiva e
rados com os demais países que competem no
mucosas pálidas também são relatadas
setor. A continuidade desse crescimento
(FIDELIS JUNIOR et al., 2016; VIEIRA et
perpassa também na melhoria do perfil
al., 2017; BASTOS et al., 2020b). Alterações
sanitário dos rebanhos, trazendo a necessidade
reprodutivas são comumente relacionadas à
de conhecer os problemas que os atingem. Nos
tripanossomíase em bovinos, relatos de
últimos anos, cresce a quantidade de surtos de
abortos, retenção de placenta, repetições de cio
tripanossomíase em diversos estabelecimentos
e até mesmo infertilidade dos touros, logo, tais
de bovinos no país. Além de causar prejuízos
sinais no rebanho devem ser relacionados a
econômicos importantes para os criadores, a
esta patologia (HURTADO et al., 2016;
disseminação da doença passa a preocupar
PEREIRA et al., 2018). O acometimento do
setores responsáveis (PEREIRA et al., 2018).
sistema nervoso pelo hemoparasito pode
As condições climáticas do Brasil propi-
desencadear sintomatologia neurológica, como
ciam a manutenção dos vetores mecânicos do
ataxia, tetanismo, prostração, opistótono e
agente etiológico da tripanossomíase bovina,
cegueira, com evolução para a morte do
especialmente os tabanídeos e a mosca dos
animal (VIEIRA et al., 2017; PEREIRA et al.,
estábulos, Stomoxys calcitrans. Somado a isso,
2018).
práticas de manejo como administração de
O diagnóstico da tripanossomíase em
fármacos pré-ordenha utilizando a mesma
bovinos pode ser influenciado por alguns
agulha, também auxilia na manifestação de
fatores associados à doença, dentre eles, a
surtos no país (CARNEIRO, 2018). Após a
ausência de sinais clínicos patognomônicos e
inoculação das formas tripomastigotas de
as flutuações na parasitemia no decorrer da
Trypanosoma vivax na corrente sanguínea dos
infecção, dificultando a detecção do parasito.
bovinos, em decorrência da multiplicação do
Dessa forma, é importante a obtenção do
protozoário, ocorrem alterações morfofisio-
histórico clínico do animal, bem como, de um
lógicas na superfície das hemácias, cursando
exame clínico detalhado, que deve ser
com hemólise imunomediada (ROSSI et al.,
associado aos métodos de diagnóstico dispo-
2017). Além da anemia, os animais podem
níveis (PEREIRA et al., 2018; FIDELIS
apresentar trombocitopenia e consequente-
JUNIOR et al., 2019; FETENE et al., 2021).
mente, distúrbios de coagulação e hemorragias
Técnicas parasitológicas, sorológicas e
(ANOSA et al., 1992). A estratégia de evasão
moleculares, são utilizadas para o diagnóstico
do sistema imune possibilita a manutenção da
do hemoparasito, mas isoladamente apresen-
infecção no hospedeiro definitivo (GREIF et
tam algumas limitações, logo, é importante a
al., 2013).
associação entre as diferentes técnicas, a fim
Os sinais clínicos associados à enfermi-
de reduzir os resultados falsos negativos, que
dade são inespecíficos e podem estar

217
Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

contribuirão para a manutenção do parasito no mais atuais, bem como, aqueles com ausência
rebanho. de dados relevantes ao tema proposto,
As drogas mais efetivas no tratamento da trabalhos publicados em anais de eventos,
tripanossomíase bovina incluem diaceturato de dissertações e teses.
diminazene e cloridrato de isometamidium
(GYSIN et al., 2018). Mesmo com algumas RESULTADOS E DISCUSSÃO
evidências de locais do mundo, com presença
de parasitos resistentes a essas drogas Etiologia
(NGUMBI & SILAYO et al., 2017; A tripanossomíase bovina é uma enfermidade
MEWAMBA et al., 2020; NETO et al., 2021), parasitária provocada por protozoários do
estudos apontam que no Brasil, esses fármacos gênero Trypanosoma spp. (ordem: Kineto-
ainda são eficazes (BASTOS et al., 2020). plastida, família Trypanosomatidae) da seção
Diante da importância da tripanossomíase Salivária, sendo as espécies T. vivax (subgênero
bovina para pecuária nacional, o objetivo deste Duttonella), T. congolense (subgênero
estudo foi descrever os principais aspectos da Nannomonas) e T. brucei brucei (subgênero
enfermidade no Brasil, a partir de uma revisão Tripanozoon) agentes etiológicos responsáveis
da literatura atual. pela doença (NAKAMURA et al., 2021). A
espécie T. congolense é considerada a mais
MÉTODO patogênica para bovinos, seguida da T. vivax,
mas também é capaz de causar infecções em
A metodologia empregada foi a pesquisa equinos, ovinos, caprinos, suínos e cães,
bibliográfica exploratória, a partir da busca de enquanto que T. brucei possui reduzida
artigos científicos publicados em revistas patogenicidade nos ungulados domésticos,
indexadas na base de dados do PubMed, sendo virulenta em cães, camelos e equinos
Periódicos da CAPES (Coordenação de (GIORDANI et al., 2016). Nos últimos anos, a
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível infecção por T. vivax em rebanhos bovinos
Superior) e Google Acadêmico. Para seleção vem emergindo na América do Sul, causando
dos artigos referenciados, adotaram-se como impactos econômicos relevantes para a cadeia
critério de inclusão os artigos que tivessem produtiva, especialmente no Brasil (MELO;
sido publicados nos últimos cinco anos e que OLIVEIRA; ABREU-SILVA, 2017).
apresentassem, ao menos, um dos termos Os tripanossomatídeos salivares
inseridos, como tripanossomíase bovina, assemelham-se morfologicamente devido ao
Trypanosoma vivax, cinetoplasto, transmissão formato fusiforme alongado e pela presença de
dos tripanossomas salivares, surtos de T. vivax um único flagelo, que emerge na extremidade
no Brasil, tratamento; diaceturato de posterior, a partir do cinetossoma ou corpo
diminazene; cloridrato de isometamidium; basal, e se estende formando uma membrana
resistência; sinais clínicos e diagnóstico. ondulante até a extremidade anterior, onde se
Adotaram-se como critérios de exclusão os torna livre, com exceção à espécie T.
artigos que apresentaram resultados repetidos, congolense (TAYLOR; COOP; WALL, 2017).
redundantes e inconclusivos, optando-se pelos Outra característica importante é a presença do

218
Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

cinetoplasto, estrutura que consiste no genoma Gerais (REIS et al., 2019), Maranhão
mitocondrial, formado por duas classes de (PEREIRA et al., 2018), Rio de Janeiro
DNA circular condensados, localizada (COSTA et al., 2020), Sergipe (VIEIRA et al.,
próxima ao flagelo (KAUFER; STARK; 2017) e Espírito Santo (SCHMITH et al.,
ELLIS, 2019). Os maxicírculos são 2020).
responsáveis pela codificação das proteínas A ocorrência de surtos de tripanossomíase
mitocondriais e do RNA ribossômico enquanto em rebanhos bovinos tem sido associada a
que os minicírculos codificam moléculas diversos fatores de risco, que apresentam
curtas de RNA guia, atuando na edição de relação às características dos animais, do
transcritos dos maxicírculos (GREIF et al., ambiente e manejo empregado. A criação de
2015). raças europeias em criações de bovinos
leiteiros, a proximidade às áreas florestais,
Epidemiologia onde há presença constante de animais
A transmissão da tripanossomíase bovina, silvestres, lagoas e áreas alagadas; infestações
conhecida popularmente no Brasil por por carrapatos e a presença de mosca-dos-
“secadeira”, ocorre majoritariamente de forma estábulos e mutucas, foram identificados como
vetorial, através da picada de insetos hemató- possíveis fatores para infecção por T. vivax
fagos e inoculação da forma infectante metací- (BATISTA et al., 2018). A prática diária de
clica tripomastigota durante o repasto sanguí- administrar ocitocina nas vacas com a mesma
neo nos animais susceptíveis. Na transmissão seringa, para induzir lactação, bem como a
cíclica, após a ingestão de sangue contaminado introdução de animais previamente infectados
por tripomastigotas, proveniente dos animais no rebanho, também foi preponderante para a
infectados, os parasitos multiplicam-se no ocorrência de surtos (BASTOS et al., 2017).
intestino anterior e probóscida e passam por
um ciclo de desenvolvimento, que culmina na Transmissão e patogenia
diferen-ciação da forma infectante, tornando- No Brasil, devido à ausência da mosca tsé-
se viável para infectar o próximo hospedeiro tsé, a transmissão dos tripanosomas ocorre de
mamífero (OOI et al., 2016). Neste tipo de forma mecânica, não cíclica, por dípteros
transmissão, o único vetor responsável é a hematófagos, como a mosca-dos-estábulos
mosca tsé-tsé (Glossina spp.), que tem (Stomoxys calcitrans) e espécies de tabanídeos
ocorrência no continente africano (MAK- (MELO; OLIVEIRA; ABREU-SILVA, 2017).
HULU et al., 2021). Nestes vetores, a transmissão cruzada ocorre
O primeiro relato da tripanossomíase devido à interrupção de sua alimentação,
bovina no Brasil ocorreu no estado do Pará, realizando a inoculação dos tripanosomas,
em 1944, a partir de um rebanho de bubalinos. presentes na probóscida contaminada, nos
Desde então, surtos epidêmicos vêm sendo animais susceptíveis (TAYLOR; COOP;
relatados em diversos rebanhos bovinos, WALL, 2017). Outra forma de transmissão
distribuídos em todo o território nacional. Nos mecânica é a iatrogênica, principalmente por
últimos anos, as ocorrências de surtos meio do compartilhamento de agulhas entre os
tornaram-se mais frequentes, havendo relatos animais (BASTOS et al., 2017).
em Goiás (BASTOS et al., 2017), Minas

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Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

A partir da multiplicação dos tripomas- infecção altera a regulação dos hormônios da


tigotas por meio de fissão binária, observam-se reprodução, sugestivo de lesões nos ovários, e
alterações na superfície das hemácias, sendo alterações no ciclo estral (HURTADO et al.,
este, um mecanismo importante na patogênese 2016).
da anemia, ocasionada por hemólise extravas- Nos animais machos, a infecção pode
cular, que ocorre como resultado de fatores diminuir a qualidade do sêmen e, em casos
imunológicos e produtos dos tripanoso- crônicos da doença, levar a infertilidade ou
matídeos que levam a sua fagocitose (ROSSI esterilidade. Isso em decorrência de alterações
et al., 2017). As principais causas da como degeneração, infiltrado inflamatório
trombocitopenia são a fagocitose plaquetária, difuso ou interlobular encontrados nos
que ocorre após o início da parasitemia; testículos de ovinos e bovinos. Além disso,
agregação das plaquetas, que se desenvolve animais infectados podem ter redução da
posteriormente e a coagulação intravascular libido (BITTAR et al., 2015).
disseminada (CID), que apresenta um papel A adaptação mais notável dos
importante para a patogênese da hemorragia tripanossomatídeos da seção Salivária está
(ANOSA et al., 1992). relacionada ao fato de permanecerem exclusi-
Embora T. vivax desenvolva seu ciclo de vamente extracelulares no hospedeiro definiti-
vida no sistema circulatório, o parasito pode vo e, portanto, estão permanentemente expos-
migrar para diferentes tecidos do hospedeiro, tos ao sistema imunológico durante a infecção.
podendo invadir vários órgãos causando lesões Apresentam uma estratégia chamada de
e levando a uma série de sinais clínicos variação antigênica que permite a evasão do
associados a infecção (BATISTA et al., 2019). sistema imune do hospedeiro. A variação
Trypanosoma vivax é responsável por causar antigênica é o resultado da troca periódica de
lesões cardíacas, que causam miocardite grave. glicoproteínas variantes de superfície (VSG),
Essas lesões estão relacionadas a sinais de sendo que essa estratégia possibilita a
insuficiência cardíaca, alterações eletrocar- manutenção de infecções crônicas (GREIF, et
diográficas e a morte dos animais infectados al., 2013).
(BATISTA et al., 2019).
As infecções nas fêmeas durante o terço Sinais clínicos
final da gestação podem desencadear os O período pré-patente (PPP) da
eventos que resultam no aborto, em decorrên- tripanossomíase nos bovinos é variável, e sofre
cia da hipertermia e hipóxia (decorrente da influência da cepa do parasito, carga
anemia provocada pela doença). O estresse parasitária, rota de infecção (intradérmica,
nesse período provoca a produção do subcutânea, intramuscular e intravenosa) e
corticoide nas glândulas suprarrenais do feto e também das condições do hospedeiro
leva ao aborto. Anemia associada a aborto no (DAGNACHEW & BEZIE, 2015; BASTOS et
terço final da gestação é considerado um sinal al., 2020a). Experimentalmente, Fidelis Junior
et al. (2016), observaram PPP de dois a três
clínico da tripanossomíase bovina. A ação
dias após a infecção dos animais, com pico de
direta do parasito sobre a placenta e o embrião
parasitemia aos 12 dias. A enfermidade pode
podem reduzir a produção de progesterona
apresentar fase aguda, podendo acarretar na
placentário e resultar na morte embrionária. A

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Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

morte do animal, ou progredir para uma fase Problemas reprodutivos também são
subaguda a crônica, são relatadas taxas de frequentemente relacionados a quadros de T.
mortalidade de 6,5% em bovinos adultos e vivax. São observados abortos frequentes no
36% em bezerros (HURTADO et al., 2016; rebanho, associados a repetições de cio,
PEREIRA et al., 2018). A susceptibilidade do retenção de placenta, nascimentos de bezerros
animal está associada a diferentes fatores com fracos, redução do peso dos animais ao
destaque para a idade, infecções concomi- desmame, além de infertilidade dos touros,
tantes, estresse, gestação, lactação, estado decorrente de processo degenerativo em
nutricional e virulência da cepa de T. vivax testículo e epidídimo (HURTADO et al., 2016;
(FIDELIS JUNIOR et al., 2016; BASTOS et PEREIRA et al., 2018). Na bovinocultura
al., 2017). leiteira, são relatados diminuição na produti-
As manifestações clínicas associadas à vidade de leite, de acordo com Bastos et al.
tripanossomíase em bovinos são inespecíficas. (2020b), foi observada redução de 39,6% na
Na fase aguda da doença o sinal clínico produção média diária de leite. Fidelis Junior
comumente observado é a hipertermia, e et al. (2016), relatam que fatores como alta
quadros de anemia também são frequente- demanda energética dos bovinos leiteiros, seja
mente relatados, variando de discreta a severa na fase de gestação ou lactação pode aumentar
intensidade, decorrente da destruição dos os riscos de óbito na fase aguda da doença.
eritrócitos, sendo acompanhada por leucopenia Vale ressaltar que casos assintomáticos tam-
no estágio inicial da infecção e leucocitose na bém são relatados e sugere-se que os animais
fase crônica. Animais com anemia persistente que apresentam bom estado nutricional
podem progredir para um quadro de consigam controlar a parasitemia. A patogeni-
insuficiência cardíaca com evolução fatal. A cidade da cepa de T. vivax também está
letalidade da doença é frequentemente relacionada com a gravidade da doença
associada aos quadros de anemia severa (PEREIRA et al., 2018).
(DAGNACHEW & BEZIE, 2015; PEREIRA
et al., 2018). Diagnóstico
Outros sinais clínicos incluem apatia, Fatores como a ausência de sinais
anorexia, perda de peso progressiva, (VIEIRA patognomônicos, ocorrência de doenças
et al., 2017; BASTOS et al., 2020b), concomitantes, assim como, oscilações na
taquicardia e taquipneia, mucosas pálidas, parasitemia ao longo da infecção, dificultam o
lacrimejamento, edema submandibular e diagnóstico da enfermidade, contribuindo para
aumento dos linfonodos superficiais (FIDELIS sua manutenção no rebanho (PEREIRA et al.,
JUNIOR et al., 2016). O acometimento do 2018; FIDELIS JUNIOR et al., 2019).
sistema nervoso central pelo parasito pode Diferentes técnicas são utilizadas para o
desencadear sinais neurológicos como, disme- diagnóstico do hemoparasito, mas vale ressal-
tria, ataxia, incoordenação motora, fascicula- tar a importância do histórico clínico do
ções, tetanismo, fraqueza muscular especial- animal e exame clínico detalhado, bem como,
mente nos membros posteriores, prostação, das investigações epidemiológicas sobre a
opistótono e cegueira, podendo evoluir para incidência da doença. As técnicas utilizadas
óbito após uma ou duas semanas (VIEIRA et são baseadas em métodos parasitológicos,
al., 2017; PEREIRA et al., 2018).

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Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

sorológicos e moleculares e apresentam seguida pela pesquisa em camada leucocitária


algumas limitações (FETENE et al., 2021). (60%) e esfregaço sanguíneo (30%).
Dentre as técnicas disponíveis pode-se citar: a Correlação positiva entre baixo hematócrito e
parasitológica, por meio da pesquisa direta do método sorológico foi descrita por Pereira et
hemoparasito em esfregaço sanguíneo e gota al. (2018), 95,23% dos animais com
espessa, centrifugação de micro-hematócrito hematócrito baixo foram sorologicamente
(MHCT) denominada de técnica de Woo e positivos na RIFI, o que reforça a importância
pesquisa em camada leucocitária; além de da associação de métodos de diagnóstico.
técnicas sorológicas como, reação de Resultados positivos obtidos pela técnica
imunofluorescência indireta (RIFI) e ensaio de sorológica RIFI, nem sempre é considerado
imunoabsorção enzimático (ELISA) e técnica indicativo de infecção ativa, devido a
molecular, por meio da reação em cadeia de persistência de anticorpos por aproximada-
polimerase (PCR) (ALVES et al., 2017; mente três meses após o tratamento do animal
VIEIRA et al., 2017; FIDELIS JUNIOR et al., infectado (FIDELIS JUNIOR et al., 2019),
2019; BASTOS et al., 2020b). como também há a possibilidade de resultados
Métodos parasitológicos apresentam bons negativos na fase inicial da infecção, em
resultados quando utilizados na fase aguda da virtude dos baixos títulos de anticorpos
enfermidade, no entanto, possuem menor (ALVES et al., 2017). O diagnóstico molecu-
sensibilidade quando comparado a técnica lar permite a identificação do DNA do
molecular, sobretudo, no período pré-patente parasito, comprovando assim a sua presença
ou nas infecções crônicas (FIDELIS JUNIOR no animal, além da sua identificação em nível
et al., 2016). Ao longo da infecção a de espécie, entretanto, seu uso é mais restrito
soroconversão do animal e os títulos às atividades de pesquisas científicas se
crescentes de anticorpos causam a redução do comparado a acessibilidade aos demais
número de parasitos circulantes e consequente- métodos (PEREIRA et al., 2018; FETENE et
mente, a diminuição das chances de al., 2021). Fatores como o grau de sensibili-
diagnóstico pelos métodos parasitológicos dade do teste empregado e o estágio da doença
(ALVES et al., 2017). são atribuídos aos diferentes resultados
De acordo com Bastos et al. (2020b) a encontrados pelos métodos disponíveis, logo,
técnica de MHCT apresenta bons resultados as associações de diferentes técnicas
nos casos de surtos da doença, na fase aguda contribuem para a redução de resultados falso-
da infecção. Estudo realizado por Alves et al. negativos e consequentemente, maior
(2017), comparando as técnicas de MHCT e controle no rebanho (FIDELIS JUNIOR et
PCR revelaram concordância de positividade al., 2019).
apenas naquelas amostras com carga parasitá-
ria variando de 300 a 700 parasitos/mL. A Tratamento e controle
análise molecular mostrou-se mais eficaz, As drogas consideradas efetivas no
73,6% das amostras foram positivas na PCR, tratamento da tripanossomíase bovina incluem
seguida pela RIFI com 61,1% e por último a diaceturato de diminazene e cloridrato de
técnica de MHCT com 29,1%. Já Vieira et al. isometamidium (GYSIN et al., 2018). Estudos
(2017), identificaram 80% das amostras tem sugerido a presença de resistência a
positivas utilizando diagnóstico molecular, diaceturato de diminazene e cloridrato de
222
Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

isometamidium (NGUMBI E SILAYO et al., O desenvolvimento de resistência é uma


2017; MEWAMBA et al., 2020; NETO et al., ameaça para o controle de tripanossomíase, e o
2021). tratamento sem diagnóstico expõe os animais a
No trabalho realizado por Neto et al. efeitos colaterais adversos desnecessários, e
(2021), os autores demonstraram que a dose impulsiona o desenvolvimento de resistência
profilática de cloridrato de isometamidium não ao protozoário (WANGWE et al., 2018). Em
elimina T. vivax e devem ser considerados grandes rebanhos, onde a avaliação individual
intervalos de tratamento de 120 dias. Em seja muito lenta e demorada, com altos custos
contraste, Bastos et al. (2020), demonstraram em termos de mão de obra, o uso de 5 a 10
que cloridrato de isometamidium a 0,5 e animais sentinelas, com avaliação mensal em
1,0 mg / kg, apresenta 100% de eficácia, além cada área, pode ser considerado dependo do
de permaneceram livres de parasitos por até tamanho do rebanho (COSSIC et al., 2017).
180 dias. Assim como, diaceturato de Além disso, a educação dos criadores sobre a
diminazene na dose de 7 mg / kg, apresenta importância do diagnóstico laboratorial de
100% de eficácia, porém não consegue doenças, as indicações de drogas tripanocidas
prevenir uma nova infecção por T. vivax, e as consequências de não aderir a essas
possivelmente, devido à curta meia-vida da indicações, tanto economicamente, quanto
droga e não necessariamente devido à para questões de saúde pública é importante
resistência do T. vivax ao diaceturato de (NGUMBI E SILAYO et al., 2017). Salienta-
diminazene (BASTOS et al., 2020). se que é importante também, respeitar o
O tratamento da fase aguda da infecção, período de carência dos medicamentos usados
geralmente leva à recuperação imediata do no tratamento, pois, caso o abate dos animais
animal, no entanto, na fase crônica, geralmente ocorra sem o intervalo apropriado, pode gerar
elimina a parasitemia, mas a recuperação risco para o consumidor ao ingerir alimentos
clínica pode exigir um tempo maior, contaminados com resíduos do fármaco
dependendo da gravidade do quadro clínico, (NGUMBI E SILAYO et al., 2017;
como perda de peso e danos aos órgãos WANGWE et al., 2018).
(GIORDANI et al., 2016). O tratamento não Além dos já mencionados fármacos
assegura eliminar completamente o parasito, e utilizados no tratamento da tripanossomíase,
uma taxa de infecção pode persistir (BASTOS estudos vêm sendo conduzidos com outras
et al., 2017; ODENIRAN et al., 2020; NETO drogas, a fim de verificar a eficácia delas no
et al, 2021). Porém, o uso combinado de controle desses parasitos. Em estudo
fármacos, resulta em níveis de resistência mais recente, descobriu-se que uma nova série
baixos ao tripanocidas, e um aumento no de benzoxaboróis de amida-L-valinato, tendo
número de bovinos tratados com uso demonstrado 100% de eficácia curativa com
combinado destes fármacos, leva a uma uma única dose IM de 10 mg / kg contra T.
redução progressiva no número de animais congolense e T. vivax, que são os principais
com infecções resistentes em até 80% da agentes causadores da tripanossomíase em
população de bovinos (WANGWE et al., bovinos (AKAMA et al., 2018). Em testes in
2018). vivo, realizados em camundongos, Diamidinas
também se mostram promissoras para o

223
Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

tratamento contra T. congolense e T. vivax, tripanocidas foi reduzido (TCHAMDJA et al.,


onde a cura total de camundongos infectados 2019). Foi possível demonstrar também em
foi observada (GILLINGWATER et al., estudo realizado na África, que a eliminação
2017). Em outro estudo, realizado em bovinos das populações de vetores, trará benefícios
na África de Sul, o tratamento estratégico com econômicos gerais para os criadores de
Brometo de homidium e cloreto de homidium, bovinos (MEYER et al., 2018). Portanto, se
na dosagem de 1,0 mg/kg, produziu resultados faz necessário realizar o controle de vetores
promissores, em que os bovinos foram com potencial de transmissão, com o uso de
protegidos por um período prolongado de até 6 armadilhas e iscas extensivas para as moscas
meses, no entanto, T. congolense foi a espécie que servem de vetores mecânicos, entre outros
dominante, não sendo detectado T. vivax nos planos de controle (ODENIRAN et al., 2020).
animais acompanhados (LATIF, NTANTISO, Assim como, é necessária muita atenção ao
DE BEER, 2019). trânsito de animais de regiões onde o parasito
Ainda que, em estágio inicial do está presente, além de cuidados e
desenvolvimento de vacinas, estudo recente esclarecimentos quanto aos riscos do
propondo uma estratégia de vacina baseada em compartilhamento de agulhas, a fim de evitar
múltiplos epítopos de múltiplos antígenos, prejuízos econômicos associados à infecção
para neutralizar a complexidade biológica dos por esse protozoário (VIEIRA et al., 2017).
parasitos, identificou epítopos para o projeto
prospectivo de uma vacina, que podem CONCLUSÃO
alcançar estudos experimentais em um futuro
próximo (MICHEL-TODÓ et al., 2020). E na
A partir da presente revisão da literatura,
busca por aprimoramento no desenvolvimento
conclui-se que a tripanossomíase bovina está
de estratégias de controle, a microcalorimetria
se disseminando por todas as regiões do Brasil,
vem sendo estudada como uma ferramenta no
acarretando prejuízos econômicos elevados
processo de descoberta de medicamentos,
aos pecuaristas. Portanto, os médicos veteriná-
fornecendo dados sobre o tempo de ação da
rios e produtores de bovinos devem permane-
droga de novos compostos experimentais, já
cer alerta para identificação de surtos o mais
tendo demonstrado a viabilidade e o benefício
rápido possível para minimizarem os danos,
do método com diaceturato de diminazene e
pois em virtude das manifestações clínicas
cloridrato de isometamidium, que são as
inespecíficas o diagnóstico clínico da
drogas mais consolidadas no tratamento dessa
enfermidade é dificultado, logo, é necessário à
enfermidade (GYSIN et al., 2018).
atenção ao histórico clínico do animal, assim
Em outro estudo de uma estratégia
como, dos fatores epidemiológicos ligados à
integrada de controle de tripanossomíase,
ocorrência da doença. A utilização de técnicas
baseada em uso racional de drogas, usando
laboratoriais para identificação do hemopara-
deltametrina, albendazol e aceturato de
sito é importante, e deve-se levar em conside-
diminazeno, conduzida no norte do Togo, se
ração os fatores ligados a doença e
mostrou promissora, tendo apresentado
sensibilidade da técnica escolhida, a fim de
redução significativa na prevalência de
reduzir a ocorrência de resultados falsos
tripanosomos, enquanto o uso de drogas

224
Capítulo 24
Parasitologia Humana e Veterinária

negativos, o que contribui para a manutenção características climáticas que permitem a


da doença no rebanho. manutenção dos vetores do protozoário, é
Mesmo com estudos demonstrando que já fundamental a aplicação das medidas profilá-
existem evidências de resistência dos parasitos ticas como, controle dos vetores, diagnóstico e
ao diaceturato de diminazene e cloridrato de tratamento precoce dos animais infectados,
isometamidium em algumas regiões estudadas, incineração das carcaças de animais que
os mesmo continuam sendo os fármacos evoluíram a óbito, boas condições nutricionais
disponíveis e recomendados no tratamento e e sanitárias, não fazer o uso compartilhado de
controle da doença, cabendo ao profissional agulhas, cuidado com o trânsito e aquisição de
responsável o acompanhamento da eficácia do novos animais e em situações necessárias fazer
tratamento. Somado a isso, pela importância a quimioprofilaxia.
da bovinocultura no Brasil, e com as

225
Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

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Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

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227
Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 25
O USO DE Lippia grata COMO
UMA ALTERNATIVA NO
CONTROLE DE
ECTOPARASITOS DE
IMPORTÂNCIA VETERINÁRIA:
UMA REVISÃO
Ana Karolinne De Alencar França¹
Yandra Thaís Rocha Da Mota¹
Marcus Vinicius Gomes Dantas2
Kevyn Danuway Oliveira Alves2
Antônio Oliveira De Brito Júnior³
Ismael Vinícius De Oliveira4
João Inácio Lopes Batista5
Michele Dalvina Correia Da Silva6
Ana Carla Diógenes Suassuna Bezerra6
1Discente – Mestrado em Ambiente, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal Rural
do Semi-Árido
2Discente – Acadêmico em Ciências Biológicas da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte.
3Discente – Acadêmico em Biotecnologia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido
4Discente – Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal Rural
do Semi-Árido.
5Técnico do Laboratório de Biotecnologia Aplicada a Doenças Infecto-parasitárias da
Universidade Federal Rural do Semi-Árido
6Docente – Departamento de Biociências da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
228

Palavras-chave: Fitoterapia; Controle alternativo; Saúde pública.


Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO razão da composição química do óleo


essencial de L. grata apresentar o carvacrol, p-
Grande parte da população possui animais cimeno, y-terpineno e timol (OLIVEIRA et
de companhia, principalmente cães e gatos. al., 2021). Acredita-se que os óleos essenciais
Por inúmeras razões, dentre elas, os benefícios e seus compostos apresentam uma maior
no tratamento de algumas patologias, como a barreira à resistência de pragas e um menor
depressão (KRUG et al., 2019). No entanto, risco à saúde humana e à contaminação do
erros de manejo podem ocasionar malefícios meio ambiente quando comparados aos
ao bem-estar animal, além de risco de inseticidas convencionais (CORREA et al.,
transmissão de zoonoses (PAULA et al., 2019).
2018). Diante do exposto, o presente trabalho tem
Dentre as patologias que podem acometer como objetivo realizar uma revisão
animais domésticos destaca-se os ectoparasitos bibliográfica acerca do uso de L. grata como
como: sarnas, pulgas e carrapatos (CASTRO uma alternativa no controle de ectoparasitos de
& RAFAEL, 2006; BRUM, et al., 2007; importância veterinária.
FREITAS et al., 2019). Existem diversas
espécies desses ectoparasitos no Brasil e sua MÉTODO
distribuição depende das particularidades
epidemiológicas de cada região (RODRIGUES Trata-se de uma revisão narrativa realizada
et al., 2018). no período de setembro de 2020 a junho de
O método de controle mais utilizado para 2021, por meio de pesquisas nas bases de
ectoparasitos é o uso de acaricidas dados (PubMed, Google Escolar e SciELO).
(ANDREOTTI et al., 2019). Entretanto, Foram utilizados os descritores: “Lippia
devido aos problemas de resistência parasitária grata”, “Lippia gracilis”, “ectoparasitos” para
(ANDRE et al., 2014; BECKER et al., 2019) e busca de artigos, os quais foram
alto custo dos produtos químicos têm-se posteriormente submetidos aos critérios de
procurado novos métodos alternativos de seleção.
controle de ectoparasitos, como os produtos Os critérios de inclusão foram: artigos nos
fitoterápicos, a exemplos, extratos e óleos idiomas inglês e português; que estivessem
essenciais. Pesquisas com produtos à base de disponíveis eletronicamente na sua forma
plantas vem demonstrando que o controle de completa e mais recentes e que abordavam as
pragas envolvendo diversos modos de ação temáticas propostas para esta pesquisa. Os
pode oferecer menor toxicidade aos mamíferos critérios de exclusão foram: trabalhos
e baixo poder residual no meio ambiente publicados em anais, monografias, disserta-
(BORN et al., 2018). ções, teses ou estudos duplicados. Após os
Dentre as plantas com atividade biológica critérios de seleção os artigos foram subme-
destaca-se Lippia grata Schauer (Verbena- tidos à leitura minuciosa para a coleta de
ceae) como uma espécie arbustiva aromática dados. Os resultados foram apresentados de
que se distribui no Nordeste brasileiro (MELO forma descritiva, divididos em categorias
et al., 2018), apresentando bioatividade em temáticas.

229
Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

RESULTADOS E DISCUSSÃO trioxeno e tem como hospedeiro principal os


cães (TAYLOR, 2017), R. (B.) microplus
Carrapatos possui um ciclo monóxeno e os bovinos são
Os carrapatos são artrópodes ectoparasitos seus hospedeiros principais (ANDREOTTI, et
hematófagos obrigatórios da classe Arachnida, al., 2019).
existindo cerca de 910 espécies (Acari: Quando os carrapatos realizam o repasto
Ixodida) de 19 gêneros entre três famílias que sanguíneo em seus hospedeiros, ocorre a lesão
foram descritas, onde 10% são de importância do tecido cutâneo, que pode incluir irritação,
médica (HADDAD-JUNIOR et al., 2018; anemia, abscessos, inflamação ou hipersensi-
BEATI & KLOMPEN, 2019). No Brasil, as bilidade (OTRANTO et al., 2012; GASHAW
espécies conhecidas é de 73 espécies perten- & MERSHA, 2013). As lesões predispõem o
centes a duas famílias: Ixodidae, com 47 hospedeiro à dermatite, infecções bacterianas
espécies, e Argasidae, com 26 espécies. Os secundárias ou miíase (RECK et al., 2014).
ixodídeos estão divididos em cinco gêneros Consequentemente, o animal fica estressado,
principais: Amblyomma, Ixodes, Haemaphysalis, afetando diretamente o seu comportamento e
Rhipicephalus e Dermacentor. (KRAWCZAK bem-estar (HURTADO & GIRALDO-RÍOS,
et al., 2015; WOLF et al., 2016). 2018).
Os carrapatos do gênero Amblyomma e Embora os carrapatos possam causar
Rhipicephalus causam um maior interesse da sintomas clínicos em grandes infestações,
comunidade científica, devido sua importância existem também patógenos importantes que
para saúde pública e pelos impactos utilizam R. sanguineus como vetor, a exemplo:
econômicos causados pelos espécimes desses Babesia spp., Rangelia vitalii, Ehrlichia canis,
gêneros (ANDREOTTI et al., 2019). As Anaplasma spp., Hepatozoon spp., Rickettsia
mudanças climáticas globais atuais estão conorii, Rickettsia rickettsii e Mycoplasma
afetando diretamente as populações de haemocanis (GRAY et al., 2013; DANTAS-
carrapatos em todo o mundo, favorecendo o TORRES & OTRANTO, 2015), há relatos de
estabelecimento destes e seus patógenos em casos de coinfecção em cães por mais de um
áreas que eram anteriormente livres dos patógeno (GAMA-MELO et al., 2019;
mesmos (DANTAS-TORRES, 2015). FERRAZ et al., 2021).
O gênero Rhipicephalus pertence à família
Ixodidae e inclui cerca de 84 espécies, quase Controle químico
todas originárias da África, entre as quais estão Método químico acaricida tem sido a
incluídos o carrapato marrom do cão, R. principal estratégia para redução das
sanguineus, e do bovino, Rhipicephalus infestações por ectoparasitos (ANDREOTTI et
(Boophilus) microplus, os quais podem causar al., 2019; ALVES et al., 2021). As classes
grandes prejuízos de ordem econômica e na mais utilizados são hidrocarbonetos clorados,
saúde pública (APANASKEVICH et al., 2013; organofosforados, carbamatos e piretróides
HORAK et al., 2013). Dentre outros fatores, (BANUMATHI et al., 2017).
diferenciam-se entre si pelo seu ciclo de vida, A maioria dos acaricidas age sobre o
sistema nervoso do parasito, levando, na
enquanto R. sanguineus possui um ciclo
maioria das vezes, à paralisia (BRITO, 2011).

230
Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

A escolha correta do princípio ativo é o Controle alternativo


primeiro passo para o sucesso do controle ao O controle alternativo, baseado
utilizar um fármaco químico (TURETA et al., principalmente na fitoterapia e controle
2020). A resistência parasitária é um dos biológico, surge como uma opção para
problemas recorrentes em relação ao controle diminuir problemas gerados pelo uso de
de ectoparasitos com produtos químicos carrapaticidas organossintéticos (TURETA et
sintéticos (DÍAZ et. al., 2019), o que leva a al., 2020).
necessidade de pesquisar outras alternativas A utilização de microrganismos para o
(QUADROS et al., 2020). controle biológico de pragas e vetores de
As prováveis causas da resistência doenças foi proposta pela primeira vez na
parasitária consiste na administração incorreta metade do século XIX (SCHRANK &
dos carrapaticidas, com sub e/ou superdose, VAINSTEIN, 2011). Os fungos estão entre os
excesso de aplicações, que podem ocasionar a microrganismos mais utilizados para o
resistência do carrapato às drogas as quais o desenvolvimento de programas para controle
mercado tem disponível (LE GALL et al., de pragas (SAFAVI, 2012).
2018), com transmissão do “gene resistente” Produtos formulados à base de plantas com
às gerações seguintes (ANDREOTTI et al., atividade ectoparasiticida têm mostrado
2019). resultados promissores in vitro nos últimos
Aproximadamente 95% das pulgas e anos (ELLSE & WALL, 2014), uma vez que
carrapatos estão presentes no ambiente e esses tendem a ser menos tóxicos para
apenas 5% estão nos animais, portanto, é mamíferos, com rápida degradação e menor
importante a realização do controle ambiental pressão seletiva para o desenvolvimento de
juntamente com o controle animal para resistência (TURETA et al., 2020).
conseguir sucesso no controle parasitário
(FREITAS et al., 2019). Dessa forma, pode-se Gênero Lippia
citar um outro problema que está relacionado A caatinga é um bioma característico do
ao uso indevido de acaricidas no ambiente e Nordeste brasileiro caracterizado por ervas,
que levam a contaminação, poluição ambiental arbustos e pequenas árvores ricas em óleos
e toxicidade aos seres humanos e animais essenciais e bem adaptadas ao drástico clima
(TSABOULA et al., 2016). A contaminação semiárido (BORN et al., 2018). Dentre essas
do ambiente está relacionada com o descarte espécies, encontram-se plantas do gênero
incorreto dos acaricidas e o excesso de Lippia, que pertencem a família Verbenaceae e
resíduos químicos liberados nas excretas. possui aproximadamente 200 espécies que
Sendo assim, estudos sobre a utilização de podem ser encontradas na América do Sul e
produtos naturais fitoterápicos são de Central e na África Tropical (FÉLIX et al.,
relevância para a saúde pública e meio 2021). No Brasil, 120 espécies estão
ambiente, devendo serem levados em distribuídas nos biomas Cerrado e Caatinga
consideração como forma alternativa no (GOMES et al., 2011).
controle de carrapato, uma vez que os mesmos O gênero Lippia é o segundo maior da
podem reduzir os impactos econômicos e família Verbenaceae e tem grande importância
ambientais ao uso de produtos químicos econômica devido ao seus óleos essenciais,
sintéticos (OLIVEIRA-FILHO et al., 2018). além de ter representantes classificadas como
231
Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

espécies medicinais, destacando-se por seu et al., 2011). Possui caule quebradiço e
aspecto chamativo no período de floração e ramificado desde a base folhas simples com
seu aroma forte e característico (DE borda serrilhada e flores brancas, tubulares,
OLIVEIRA et al., 2020). Dentro do gênero reunidas em inflorescência do tipo espiga (DE
Lippia, encontra-se a espécie Lippia grata, SOUZA & KIILL, 2018). Os frutos são do tipo
antiga Lippia gracilis, conhecida popular- aquênio (seco), muito pequenos, e possuem
mente como alecrim-da-chapada, alecrim-de- sementes que raramente germinam (GOMES
tabuleiro, alecrim-do-mato, dentre outras et al., 2011).
denominações (PRADO et al., 2012).
Extrato de L. grata
Lippia grata Extratos naturais de plantas vêm sendo
Lippia grata é uma planta arbustiva considerados uma alternativa importante no
endêmica importante no Nordeste do Brasil. controle de doenças, principalmente em
Suas folhas (Figura 25.1) pequenas e relação ao uso de produtos sintéticos (DE
aromáticas são ricas em óleos essenciais, JESUS & PEREIRA, 2020). Pouco se sabe
contendo dentre vários compostos o timol, sobre a ação e composição dos extratos da L.
carvacrol, p-cimeno e γ-terpineno, os quais grata, pois a maioria dos estudos foram
conferem atividades biológicas eficientes realizados enfatizando o uso do óleo essencial
(PÉREZ ZAMORA et al., 2018; VIANA et da planta.
al., 2019). A planta possui grande resistência à Fernandes et al. (2015), avaliaram a
seca e às altas temperaturas, perdendo suas fungitoxicidade in vitro dos extratos vegetais
folhas somente após um longo período de etanólicos (foliar e radicular) e do óleo
estiagem (MARCELINO-JR et al., 2005). essencial de Lippia grata sobre o fungo
Monosporascus cannonballus, onde o óleo
Figura 25.1 Imagem das folhas e flores da L. grata essencial em todas as concentrações avaliadas
e os extratos foliar (7500 parte por milhão
[ppm]) e radicular (5000 e 7500 ppm) inibiram
100% do crescimento micelial do fungo.

Óleo essencial de L. grata


Os óleos essenciais são produtos do
metabolismo secundário das plantas, podendo
serem produzidos por diferentes partes do
vegetal, incluindo botões florais, flores, folhas,
caules, galhos, sementes, frutos, raízes,
madeira ou casca, sendo compostos principal-
Legenda: Imagens obtidas nos meses de abril de 2021. mente de monoterpenos, sesquiterpenos e
fenilpropanoídes (RIBEIRO et al., 2018;
Apresenta-se como um arbusto de CORREA et al., 2019).
aproximadamente 2,5 cm de altura, bem O óleo da L. grata é rico em compostos
ramificada, de folhas pequenas e flores químicos, dentre esses timol, carvacrol, p-
brancas, ambas bastante odoríferas (GOMES cimeno e γ-terpineno, os quais conferem
232
Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

bioatividades ao óleo (PÉREZ ZAMORA et Guilhon et al. (2011) avaliaram a toxicidade


al., 2018; VIANA et al., 2019). Os efeitos do óleo essencial em ratos e relataram que a
biológicos resultam de compostos individuais administração oral do óleo na dose 500 mg/kg
e/ou da interação entre eles, como resultado de não induziu efeito tóxico ao animal experi-
sinergismo entre esses compostos químicos mental.
(DOS SANTOS et al., 2019). Há relatos sobre a interferência dos óleos
Estudos têm demonstrado as atividades essenciais no neuromodulador octopamina,
biológicas (Tabela 25.1) do óleo essencial de que é encontrado em todos os invertebrados,
L. grata, destacando-se a acaricida (CRUZ et mas não nos mamíferos, ou nos canais de
al., 2013; COSTA-JÚNIOR et al., 2016), cálcio modulados pelo GABA (ISMAN,
antibacteriana (DA SILVA et al., 2019), 2006). A octopamina é semelhante à
anticancerígena (FERRAZ et al., 2013), anti- noradrenalina e age como neurohormônio,
inflamatória (GUIMARÃES et al., 2012), neuromodulador e neurotransmissor, regulan-
antifúngica (AL-BUQUERQUE et al., 2006; do os batimentos cardíacos, os movimentos, o
MELO et al., 2013), antioxidante (FRANCO comportamento e o metabolismo dos insetos
et al., 2014), larvicida (SILVA et al., 2008), (ROEDER, 1999).
repelente (COITINHO et al., 2006) e
antileishimaniose (MELO et al., 2013).
CONCLUSÃO
Tabela 25.1 Trabalhos onde foram testadas a ação da
Lippia grata (Lippia gracilis) em ectoparasitos de Pesquisas da ação da L. grata em piolhos,
importância veterinária
pulgas e outros carrapatos, como R.
Produto da
sanguineus ou Amblyomma cajennense ainda
Ectoparasito Autor/ano estão sendo realizadas, e ainda não tão claras
Planta
Óleo até o presente momento. Entretanto, já foram
Cruz et al., 2013;
essencial de Rhipicephalus realizadas pesquisas com o carrapato bovino,
Chagas et al., 2016;
Lippia (Boophilus)
Costa-Júnior et al., Rhipicephalus (Boophilus) microplus, os quais
gracilis microplus
Schauer
2016. apresentaram resultados promissores, sendo
assim, é interessante explorar os demais tipos
de ectoparasitos de importância veterinária,
Quanto a sua toxicidade, o óleo essencial
como a L. grata, visto o seu potencial
de L. grata pode ser considerado de baixa
fitoterápico.
toxicidade para mamíferos, uma vez que

233
Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

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236
Capítulo 26
Parasitologia Humana e Veterinária

CAPÍTULO 26
Croton blanchetianus COMO
ALTERNATIVA DE CONTROLE
DE ENDOPARASITAS: UMA
REVISÃO

Yandra Thais Rocha da Mota¹


Ana Karolinne de Alencar França¹
Renata Cristinne da Silva Felix¹
Ismael Vinicius de Oliveira3
Marcus Vinicius Gomes Dantas4
Kevyn Danuway Oliveira Alves4
Sara Caroline Dantas Nunes5
Jady Alves Duarte5
Michele Dalvina Correia da Silva2
Ana Carla Diógenes Suassuna Bezerra2

1Discente – Mestranda em Ambiente, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal


Rural do Semi-Árido
2Docente – Departamento de Biociências da Universidade Federal Rural do Semi-Árido
3Discente – Doutorando pelo programa de pós-graduação em desenvolvimento e meio
ambiente da Universidade Federal Rural do Semi-Árido
4Discente – Acadêmico em Ciências Biológicas da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte.
5Discente – Acadêmico em Biotecnologia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido

Palavras-chave: Ovinocultura; Fitoterapia; Anti-helmínticos. 237


Capítulo 26
Parasitologia Humana e Veterinária

INTRODUÇÃO Dentre as alternativas, a utilização de


drogas vegetais e substâncias naturais estão
A produção ovina no Brasil vem se sendo utilizadas no intuito de controle de
expandido de maneira significativa, apresen- doenças parasitárias (SILVA et al.,2017). As
tando aproximadamente 20 milhões de plantas apresentam princípios ativos metabó-
cabeças, com ênfase na região Nordeste com licos primários (alcalóides e flavonóides) e
66,7% da ovinocultura no país (IBGE, 2019). secundários (diterpenos e triterpenos), permi-
De acordo com Araújo et al. (2019) e o tindo utilização como fins terapêuticos (MA-
crescimento ovino nessa região que era CIEL et al., 2002; CHIOCCHIO et al., 2021).
voltado para produção de lã e pele, ampliou-se Dentro dessa utilização destacam-se os
para oferta de carne, leite e derivados. Para extratos e óleos essenciais. Esses podem ser
criação dos ovinos é necessário precauções no extraídos do caule, folhas, raízes e flores de
manejo reprodutivo e sanitário para evitar angiospermas (PANDEY et al., 2014). É
patologias (OLIVEIRA et al., 2019; NATH et sintetizado a partir do metabolismo das plantas
al., 2021). Dentre essas doenças destacam-se e pode apresentar eficácia contra microrga-
as endoparasitoses em razão de ocasionar a nismos patogênicos no caso dos óleos, e
morte do animal, gerando perdas e prejuízos controle de microrganismos em relação aos
econômicos com crescimento na taxa de extratos (BAKKALI et al., 2008; DE FARIAS
mortalidade (SANTANA et al., 2016). et al., 2012). Na medicina veterinária esses
As sintomatologias podem variar de compostos tem mostrado efeito farmacológico,
acordo com o grau de infecção e o tipo de com ação antibacteriana (ROSSI et al., 2015),
parasito. Dentre esses salienta-se Haemonchus antifúngica (CLEFF et al., 2012; MUGNAINI
contortus como o mais prevalente, se locali- et al., 2012), ectoparasiticida (CHAGAS et al.,
zando no abomaso (TAYLOR et al., 2017; 2016) e anti-helmínticos (SANTOS et al.,
EHSAN et al., 2020; ARSENOP OULOS et 2018; SILVA et al., 2019).
al., 2021); Trichostrongylus colubriformis, no Croton blanchetianus da família Euphor-
intestino delgado (KARONEN et al., 2020) e biaceae, conhecida popularmente como
Oesophagostomum columbianum no intestino marmeleiro-branco, é utilizado na medicina
grosso com formação de nódulos visíveis popular para tratamento de enfermidades
(ENDO et al., 2014; NATH et al., 2021). (POLLITO et al., 2004), por apresentar
Para controlar estes endoparasitos são constituintes químicos com ação terapêutica.
utilizados anti-helmínticos químicos, entre- Folhas, cascas e raízes são usadas para
tanto a utilização desordenada ocasionou a tratamento de doenças gastrointestinais, cefa-
resistência parasitária acarretando grandes leia, febres e edema (CHAVES; REINHARD,
prejuízos tanto econômicos, como na diminui- 2003; FRANCO; BARROS, 2006). Porém
ção de produtividade e desenvolvi-mento do com ausência de pesquisa com parasitos
rebanho (ANDREOTTI, GIACHETTO, CU- gastrointestinais em ovinos.
NHA, 2018; HORTA et al., 2021). Nesse Diante do exposto, os vegetais como
contexto, novas alternativas estão sendo estratégias no controle de nematoides gastrin-
pesquisadas para o controle parasitário (DE testinais podem tornam-se promissores, viável
FARIA et al., 2021). e eficaz, com possíveis retornos positivos para

238
Capítulo 26
Parasitologia Humana e Veterinária

o ambiente e sociedade. Com isso, o presente atividade de grande importância nas regiões
estudo tem como objetivo realizar uma revisão áridas e semiáridas do Brasil (MAGALHÃES
bibliográfica sobre a utilização C. blan- et al., 2017; FERREIRA et al., 2019). Nos
chetianus como alternativa no controle de últimos anos a ovinocultura vem somando
endoparasitas gastrintestinais de ovinos. forças, devido a fatores como facilitação de
manejo deste rebanho, melhoramento genético
MÉTODO e carne ovina (ANUALPEC, 2018).
O crescimento da ovinocultura teve início
a partir do descobrimento dos pecuaristas de
O presente estudo trata-se de uma revisão
custo-benefício na produção de carne ovina em
integrativa realizada no período de seis meses,
relação à bovina, tornando-se uma atividade
com inicio em dezembro de 2020 e término em
mais lucrativa, devido ao custo de manutenção
maio de 2021. A pesquisa foi baseada por
ser menor (AQUINO et al.,2016; FONSECA
artigos científicos e livros publicados em bases
et al., 2019). Além disso, a carne ovina
de dados disponíveis e com relevância para o
apresenta um alto valor proteico e de
tema, nos idiomas inglês, português, como
colesterol, e baixos de gorduras (MUSHI et
Portal de Periódicos da Coordenação de
al., 2010; PESSOA et al., 2018).
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Entretanto, o Brasil não consegue atender a
(CAPES), Scielo (Scientific Eletronic Library
demanda interna, fato que aumenta a
Online), Veterinary Parasitology, Brazilian
importação do produto (VIANA et al., 2015).
Journal of Development entre outros. Após as
O leite, lã, carne e pele são exemplos de
buscas dos artigos, posteriormente submetidos
produtos disponibilizados, contribuindo na
aos critérios de seleção.
geração de renda e bem estar da população,
Os critérios de inclusão foram: artigos
onde se tornaram fontes de proteínas
gratuitos que estivessem disponíveis nas bases
(BANDEIRA, et al., 2004; NAEEM, IQBAL,
de dados citadas acima e os mais recentes e
ROOHI, 2021).
que abordavam as temáticas propostas para
Entretanto, o desenvolvimento e criação
esta pesquisa. Os critérios de exclusão foram:
podem ser afetados por fatores como perdas
artigos duplicados, disponibilizados na forma
significativas no rebanho consequentes de
de resumo, dissertações, teses e os que não
enfermidades causadas por endoparasitos
abordavam diretamente a proposta estudada e
gastrintestinais, que pode levar a queda da
que não atendiam aos demais critérios de
produtividade, morte; causando um grande
inclusão.
impacto econômico e social (IDRIS et al.,
2012; CHAGAS et al., 2013; TOSCANO et
RESULTADOS E DISCUSSÃO al., 2018).

Importância da Ovinocultura Endoparasitos gastrointestinais em


A ovinocultura no Brasil está presente em pequenos ruminantes
todas as regiões, desempenhando um papel A ovinocaprinocultura está relacionada
socioeconômico no setor agropecuário tanto as questões socioculturais como socioe-
(COSTA et al., 2009), configurando uma conômicas (DOSSA et al., 2015; GUI-

239
Capítulo 26
Parasitologia Humana e Veterinária

LHERME et al., 2017). Entretanto, esses Utilização de antiparasitários e


pequenos ruminantes são acometidos por resistência parasitária
vários tipos de doenças, gerando impactos Os anti-helmínticos foram desenvolvidos a
negativos que comprometem a saúde, bem partir da década de 1960 (KAMINSKY et al.,
estar e a produção animal (LIRA et al., 2013; 2008). A eficácia destes fármacos depende da
ZAINALABIDIN et al., 2015; ARSENOP disponibilidade e do tempo de permanência da
OULOS et al., 2021). droga no organismo do animal. Para que
Os endoparasitos são as principais apresente efeito positivo, o anti-helmíntico,
enfermidades diagnosticadas nos rebanhos, administrado por via oral ou parenteral, deve
tornando-se endêmicas entre esses pequenos ser absorvido e compartilhado nos tecidos, até
ruminantes (GUILHERME et al., 2017; o local parasitado (LANUSSE et al., 2009).
MUSHONGA et al., 2018). Essas infecções Essas drogas podem ter ação sobre
são responsáveis por percas econômicos na diversas espécies ou especificidades
produção de ovinos e caprinos, podendo (SOTOMAIOR et al., 2009). Assim, quando o
manifestar-se de diversas formas, dependendo animal encontra-se parasitado, o controle é
das espécies presente e intensidade da infecção feito com essas drogas favorecendo o
(OSÓRIO et al., 2020; NAEEM, IQBAL, desenvolvimento de parasitos resistentes
ROOHI, 2021). (VERÍSSIMO et al., 2012).
Em quase todos os rebanhos testados, pelo A resistência ocorre em diversos grupos
menos um animal testar positivo para como os benzimidazóis, imidazotiazóis
nematódeos gastrointestinais, abrigando uma (levamisole) e das lactonas macrocíclicas
ou mais espécies de parasitos (WILMSEN et (avermectinas e milbemicinas) (FORTES;
al., 2014; ZAINALABIDIN et al., 2015). MOLENTO, 2013; MICKIEWICZ et al.,
Esses pertencem a dois filos: Nemathelminthes 2021). De acordo com Maciel et al., (2006),
e Platyhelminthes, sendo respectivamente cada medicamento possui um mecanismo de
grupo com corpo cilíndrico e achatado ação, o que deve ser levado em consideração
dorsalmente. para caso de substituição de uso, para evitar
Dentro desses filos destacam-se às classes: troca de drogas com a mesma base química,
Nematoda, Cestoda e Trematoda (AMARAN- ocasionando risco de seleção de parasitos
TE, 2014). Tendo como principais parasitos resistentes.
que acometem os ovinos e caprinos são dos A resistência anti-helmíntica pode ocorrer
gêneros Haemonchus, Trichostrongylus, quando a concentração indicada de um
Strongyloides, Cooperia, Bunostomun, Oeso- fármaco não é suficiente para conseguir o grau
phagostomun, Trichuris e Skrjabinema. de eficácia, com redução parasitária menor a
Porém, Haemonchus contortus, Tricho- 95% (COLES et al., 2006). Quando o uso é de
strongylus colubriformis, Strongyloides papi- maneira inadequada (FERNANDES et al.,
llosus e Oesophagostomum colubianumos 2015). Além disso, a utilização de anti-
apresentam maior prevalência e maior helmínticos pode gerar impacto ao meio
intensidade na infecção e com principais de ambiente, pelo fato dos resíduos saírem nas
importância econômicas (PUGH, 2004; excretas e contaminarem o meio (BEYNON,
COSTA; VIEIRA, 1984). 2012).
240
Capítulo 26
Parasitologia Humana e Veterinária

O primeiro relato de resistência buscava nos vegetais, soluções para


antiparasitária contra nematoides gastrin- melhoramento da sua saúde (HOFFMANN;
testinais de ovinos envolveu o tiabendazol da DOS ANJOS, 2018). As plantas medicinais
classe de benzimidazóis (DRUDGE et al., constituem de uma importante fonte para
1964). Disseminando-se por todo o mundo, desenvolvimento de novos compostos biologi-
apresentando vários relatos de resistência aos camente ativos (OLIVEIRA et al., 2006), bem
principais grupos ativos (MICKIEWICZ et al., como a fabricação de inúmeros fármacos
2021). (SILVA FILHO et al., 2009).
Na Índia foi confirmado o relato de Plantas bioativas produzem substâncias
resistência a ivermectina de um isolado de químicas como alcalóides, taninos, flavo-
Trichostrongylus colubriformis (ALKA et al., noides, saponinas, entre outras originadas das
2004). De acordo com Le Jambre et al. (2005), plantas com atividade terapêutica (KLEIN et
relataram a primeira ocorrência de resistência al., 2009). Essas substâncias permitem
na Austrália de um isolado de T. colubriformis aumentar a variação de produtos a serem
a moxidectina (grupo lactonas macrocíclicas). usados; ofertas de opções fitoterápicas e mais
Em Sobral, município do Estado do Ceará, adequada (PINTO et al., 2002). Dentro das s
Melo et al., (2003) relataram a presença de plantas existentes, destacam-se aquelas com
nematoides resistentes ao oxfendazol, levami- atividades antiparasitárias, com a capacidade
sol e ivermectina, com eficácia de 88%, 41% e de controlar esses parasitos (DEMELER et al.,
59%, nos gêneros de Haemonchus, Tricho- 2009; MOTTIN et al., 2019).
strongylus e Oesophagostomum. Lima et al., Diversas plantas foram descritas como
(2010), afirmaram também que foram controle anti-helmíntico, porém poucas foram
encontradas larvas de Haemonchus, Tricho- comprovadas cientificamente (NERY et al.,
strongylus, Oesophagostomum e Strongyloides 2009). Dentre dessas avaliadas estão Allium
em animais tratados com ivermectina. sativum, Annona squamosa, Chenopodium
Para o controle dessas infecções é ambrosioides, Cucurbita maxima, Mentha
necessário um manejo sanitário, nutricional e spicata (NETO JUNIOR; RIBEIRO;
reprodutivo adequado principalmente no RODRIGUES, 2006), Croton zehntneri e
ambiente onde esses animais estão inseridos Lippia sidoides (CAMURÇA-VASCONCELOS
(LUO et al., 2017). Existem inúmeras et al., 2007), Lippia sidoides (CAMURÇA-
alternativas para controle parasitário em VASCONCELOS et al., 2007), Coriandrum
ovinos, que apresentem um ótimo custo- sativum (EGUALE et al., 2007), Melia
benefício, a partir dos fármacos até as plantas azedarach (MACIEL et al., 2006), Cheno-
com princípios ativos (NOGUEIRA et al., podium album e Caesalpinia crista (JABBAR
2012; MOLENTO et al., 2018). et al., 2007). Dentre as espécies C. zehntneri e
L. sidoides apresentaram redução de ovos e
Controle alternativo pelas plantas medi- larvas de H. contortus (CAMURÇA-
cinais VASCONCELOS et al., 2007), C. sativum
A utilização de plantas medicinais no obteve atividade anti-helmíntica in vivo em
tratamento e no controle das enfermidades é ovelhas infectadas por H. contortus (EGUALE
realizada desde antiguidade, onde o homem et al., 2007).
241
Capítulo 26
Parasitologia Humana e Veterinária

Croton blanchetianus para doenças como distúrbios gastrointestinais,


Croton blanchetianus (Figura 26.1) é uma reumatismo, cefaleia (CHAVES; REINHARD,
espécie de planta pertencente à família 2003) e edema (FRANCO; BARROS, 2006).
Euphobiaceae. Essa teve um reajuste na sua As espécies do gênero Croton são
nomenclatura de Croton sonderianus Muell. quimicamente consideradas promissoras, por
Arg. para Croton blanchetianus (GOVAERT; apresentam propriedades farmacológicas ati-
FRODIN & RADCLIFFE-SMITH, 2000). O vas (RANDAU et al., 2004). São ricas em
gênero Croton é o segundo maior desta substâncias, tais como, terpenoides, alcaloides
família, possuindo aproximadamente 1.200 e compostos fenólicos que são metabólicos
espécies amplamente distribuídas no secundários com importante potencial
continente ameri-cano (SILVA et al., 2010). econômico na indústria farmacêutica (SILVA,
Com ênfase para o Brasil (VELLOSO, SALES e CARNEIRO-TORRES, 2009; SIL-
SAMPAIO E PAREYN, 2002). VA et al., 2011). Pesquisas comprovam que
espécies deste gênero apresenta ação
Figura 26.1 Croton blanchetianus (marme- antifúngica, inseticida e antimicrobiana (BRI-
leiro-branco) TO et al., 2018), e o óleo essencial de C.
blanchetianus por apresentar predominância
de constituintes químicos tem estudos compro-
vando sua eficácia como antinociceptivo
(SANTOS et al., 2005).

CONCLUSÃO

De acordo com as fontes cientificas é


possível afirmar que são necessários mais
estudos que abordem estratégias relacionada a
alternativas de controle de endoparasitas em
Legenda: Imagens obtidas no mês de junho 2021. pequenos ruminantes. Os autores citados que
fizeram o uso de fitoterápicos obtiveram
Dentro das diversas espécies do gênero resultados satisfatórios, afirmando que o uso
Croton destaca-se C. blanchetianus, de plantas para tratamentos de endoparasitas
popularmente conhecida como marmeleiro. podem apresentar efeitos esperados, todavia,
Encontra-se em abundância no Nordeste estudos in vitro são de extrema importância
brasileiro, destacando-se na vegetação do antes da utilização dessas alternativas em
Cerrado e Caatinga, desenvolve-se de forma animais, mas posteriormente para validação é
silvestre, ocupando lugares desmatados, o que necessário realizar o procedimento in vivo.
revela sua alta resistência a condições Croton blanchetianus apresentar efeitos contra
climáticas e sua capacidade de regeneração bactérias e fungos, surge como uma ótima
(MAIA, 2004). Além de possuir folhas e aposta para testagem em endoparasitas
cascas que são utilizadas na medicina popular gastrintestinais.

242
Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

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243
Capítulo 25
Parasitologia Humana e Veterinária

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244
ÍNDICE REMISSIVO

Anaplasmose –209 Hospedeiro Imunocomprometido – 16


Ancilostomíase – 25 Infecção - 118
Animais domésticos – 170 Infecções por Protozoários – 45
Anti-helmínticos – 237 Leishmania -74, 85, 111, 118
Artrópodes - 201 Leishmaniose Cutânea – 85, 101
Babesiose – 209 Meningoencefalite Amebiana Primária – 1
Bovinocultura -216 Naegleria fowleri - 1
Carrapato – 163 Neurotoxoplasmose – 191
Chelonoidis – 10 Óleos essenciais - 111
Cisteíno Proteases – 56 Ovinocultura – 237
Controle alternativo – 111, 228 Parasitas nematoides – 25
Coproparasitológia - 10 Plantas medicinais – 101
Doenças do carrapato – 149 Rhipicephalus microplus – 177
Ectoparasitos – 170 Sanidade animal - 177
Epidemiologia - 149 Saúde pública – 170, 228
Febre Maculosa – 149 Strongyloides stercoralis – 16
Felinos – 118 Superinfecção – 16
Fisiopatologia - 1 Terapia alternativa - 101
Fitoterapia – 228, 237 Toxoplasmose – 139, 182, 191
Flebotomíneos - 74 Tratamento - 85
Gatos – 139, 182 Tricuríase - 69
Giardia lamblia – 56 Tristeza parasitária bovina - 209
Hemoparasitose – 201, 216 Trypanosoma vivax - 216
Hepatozoon canis – 201 Urbanorum spp. - 45
HIV – 191 Zoonoses – 163, 182
Homeopatia – 177

245

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