Você está na página 1de 238

A MONTANHA E O URSO

UMA HISTÓRIA DA COREIA

EMILIANO UNZER MACEDO


EMILIANO UNZER MACEDO

ii
___________________________________________________

Catalogação na Publicação (CIP)


Ficha Catalográfica feita pelo autor
___________________________________________________
M141a Macedo, Emiliano Unzer, 1977 –
A Montanha e o Urso: Uma História da Coreia / Columbia & San
Bernadino, EUA: Amazon Independent Publishing, 2018.
237 p.: il. ; 23 cm
Inclui bibliografia.
ISBN: 9781983059841
1. Coreia – História. I. Título.
CDU: 94(519)
___________________________________________________

Copyright © 2018 Emiliano Unzer Macedo


Todos os direitos reservados.
ISBN: 9781983059841
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Aos incansáveis coreanos.

v
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

십 년이면 강산도 변한다

(“Quando decorrem dez anos, até mesmo os rios e as montanhas mudam”)

개천에서 용 난다

(“Dragões emergem de pequenos riachos”)

vii
EMILIANO UNZER MACEDO

viii
INTRODUÇÃO .............................................................................................. xi

1 O DEUS E O URSO .................................................................................... 17

2 A UNIFICAÇÃO E O SÁBIO DA MADRUGADA ........................................... 37

3 O GRANDE ANCESTRAL E AS GRANDES OBRAS ....................................... 53

4 O IRMÃO LEAL E O BOM VIZINHO ........................................................... 73

5 OS HERDEIROS DE CONFÚCIO ................................................................. 95

6 O REINO EREMITA ................................................................................. 109

7 A TEMPESTADE...................................................................................... 137

8 A FRATURA ............................................................................................ 161

9 A RECONSTRUÇÃO ................................................................................ 187

EPÍLOGO ................................................................................................... 219


A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

INTRODUÇÃO

A história da Coreia é ainda pouco conhecida pelo público em geral.


Muitas vezes a península coreana é referida como réplica da civilização
chinesa, ou como submissa aos interesses japoneses. Apesar desse
desconhecimento, a Coreia atrai a atenção mundial com relação aos
eventos decorrentes da separação da península desde a Guerra da Coreia
entre 1950 e 1953. Ou como nos fascinamos diante da riqueza e pujança
da economia sul-coreana. Ou como nossa curiosidade é despertada
diante da reclusão do regime norte-coreano.

Antes de tudo, deve-se entender que o passado coreano foi todo


próprio e singular. Rico e complexo, ao criar e propor novas ideias e
conceitos. Esse, portanto, é o objetivo do livro, de introduzir essa
complexidade histórica coreana. Os coreanos atravessaram séculos de
desafios e confrontos nas suas fronteiras. Incoporaram valores chineses
confucionistas, mas foram além e propuseram uma revisão dessa linha
de pensamento. Criaram uma economia vibrante na Coreia do Sul na
segunda metade do século 20, mas isso não eliminou a tendência
autoritária do seu governo. Conceberam um regime fechado e
unipartidário ao norte do paralelo 38, decorrente da inspiração stalinista
e que hoje perpetua-se na família dos Kims.
xi
EMILIANO UNZER MACEDO

Ao longo dos séculos, vários grupos étnicos compuseram a península


coreana, e que moldaram a cultura e identidade da região. Manchurianos,
japoneses, chineses, além da diversidade de coreanos que foram
gradativamente unificados e dominados a um reino a partir do século 10
com Goryeo. Depois das invasões mongóis em meados do século 13, o
reino coreano passará a se fundamentar em novas bases, com a dinastia
de Joseon (ou Choson). O século 19 testemunhará a crescente ameaça
de japoneses, chineses e russos nas suas fronteiras. No século seguinte,
a península conhecerá a dominação colonial japonesa até o fim da
Segunda Guerra Mundial. E, depois da devastação da Guerra da Coreia,
em 1953, a península será fraturada em duas.

O enfoque dessa obra será, em suma, apresentar uma visão


panorâmica histórica da Coreia, pautando-se nos eventos políticos, com
ocasionais ênfases sociais, econômicas e culturais. Não foi descuidado o
contexto coreano, com a preocupação de ir além de suas fronteiras e
examinar os países da vizinhança no leste asiático. Essa região durante
muito tempo antes do século 19, apresentou um cenário vibrante,
criativo e próspero, muito advindo dos contatos entre os povos da região
e das possibilidades e trocas comerciais e culturais. Foi nesse contexto
que a Coreia moldou sua singularidade. Cabe a nós termos a sensibilidade
e acuidade aos eventos históricos para compreendermos esse contexto.
Ao final, tenderemos a valorizar mais a intrínseca unidade coreana do
que a volátil divisão em que resultou a península em meados do século
20.

A Coreia, em termos geográficos, ocupa uma península no leste


asiático. A região é rodeada por mares em seus três lados: o Mar do Leste,
o do Sul e do Oeste. Na maioria dos mapas, o Mar do Oeste, ou
Ocidental é chamado de Mar Amarelo, e o do Leste, de Mar do Japão.
Isso, naturalmente, foi sempre contestado pelos coreanos, pois os
termos remetem a outras referências nacionais estranhas aos coreanos.
Esses mares vizinhos e a ligação terrestre ao norte desempenharam

xii
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

papéis cruciais na história coreana. Foi por esses caminhos que houve
fluxo migratório, comercial e cultural, geralmente mais vindo das terras
ao oeste para o leste. Mais para o leste, as ligações para o arquipélago
japonês se deram por navegações, o que não elimina por completo a
ligação marítima entre a China e a Coreia, como houve na aliança em 660
entre o reino coreano de Silla com a China da dinastia Tang. No outro
sentido, os japoneses invadiram a península coreana na década de 1590
por meio naval. E episódios marcantes navais se deram em 1894 e
também em 1905 na guerra entre japoneses, russos e chineses nos mares
da região. Em 1951, durante a Guerra da Coreia, o General MacArthur
desembarcou no porto de Inchon para atacar as forças norte-coreanas.
O mar sempre foi elemento marcante para a história coreana.

Foi também pelos mares que houve a prosperidade dos reinos


coreanos. Silla, durante dos séculos 8 e 9, dominou o comércio os mares
da região e o comércio com os chineses e japoneses. Foi pelo comércio
que comunidades e migrações coreanas ocorreram, como o de
comerciantes que se estabeleceram na foz do Rio Yangzi, na China. A
partir da dinastia Joseon que se comprometeu a manter a estrita e isolada
lealdade à dinastia Ming na China no século 15 que a Coreia começou a
rever sua atuação internacional. A partir da segunda metade do século
20, a Coreia na sua proção meridional, uma vez livre da dominação
japonesa, novamente retomou sua vocação marítima e internacional. Os
contatos no norte coreano consolidaram-se no duro jogo dos interesses
soviéticos e, depois, numa política autossuficiente.

A topografia coreana é marcada por montanhas que ocupam cerca de


70% de seu território. As partes ocidentais apresentam largas planícies
costeiras e vales férteis entre as montanhas, enquanto a costa leste é
marcada por áreas agrícolas estreitas acompanhadas de altas cadeias
montanhosas. Essas cadeias correm do norte ao sul, e essa espinha dorsal
de península, referida como a Cordilheira de Baekdu, tem origem na
mítica motanha ao norte, suposto local onde nasceu o fundador dos
coreanos, Dangun. Os rios correm em grande medida do leste para o

xiii
EMILIANO UNZER MACEDO

oeste, e esses incluem o Yalu, Chongchon, Taedong, Imjin, Han e Kum.


As exceções são os rios Naktong que flui para o sul e o rio Tumen que
flui para o leste a partir do Monte Baekdu.

O clima coreano é definido pela sua situação peninsular. O


arquipélago japonês protege a região coreana ao leste, fazendo com que
o clima seja mais influenciado pelas regiões ao norte e oeste. No entanto,
a Coreia não foge do regime das monções que chega no norte do Leste
Asiático. Há um verão quente e úmido e inverno seco e frio. Durante o
inverno, ventos fortes do noroeste gerados pelas massas continentais da
alta pressão da Sibéria derrubam a temperatura e umidade. No verão, as
monções do oceano trazem as chuvas, com cerca de 70% das
precipitações anuais ocorrendo geralmente em três meses ao ano, de
junho a setembro. Ocasionais tempestades, ou tufões, podem ocorrer,
mas seu impacto é suavizado pelas ilhas japonesas ao leste. Foi o clima
de monções que permitiu à Coreia desenvolver o cultivo do arroz desde
o século 8 a. C. A expectativa das chuvas em abril e maio, marcou o
calendário agrícola coreano para os arrozais. No verão, quente e úmido,
o arroz cresce. Nos meses seguintes, de setembro a outubro, o clima seco
e frio predomina, tornando imperativo a necessidade da colheita e
armazenagem contra as intempéries. Depois disso, no fim do ano, o
inverno predomina.

Em termo étnicos e linguísticos, os antecessores dos coreanos vieram


de migrações do nordeste asiático e norte da China. Mas a principal
evidência aponta para origens culturais e da língua coreana não de
chineses, mas de falantes da família linguística altaica, tais como os
turcomanos, mongóis, tungus, manchus e japoneses. Uma família
completamente distinta das línguas chinesas. Outras evidências apontam
que as origens coreanas com relação aos mitos e símbolos de totens de
ursos e tigres remetem a povos altaicos das estepes asiáticas. O culto
desses símbolos e mitos conjugam-se com a prática siberiana do
xamanismo e de objetos de valores simbólicos usados em rituais como a
espada e o espelho, algo que se pode constatar também na história

xiv
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

japonesa.

A influência chinesa, aparentemente, veio em momento posterior,


com a introdução da escrita, dos caracteres chineses ou sinogramas, além
dos ritos e ideais cosmológicas, confucianas e budistas. Embora a origem
da língua coreana seja diferente da chinesa, a Coreia adaptou os
sinogramas para suas palavras e gramática. Essa forma chinesa
modificada, chamada de idu, foi reflexo da prestigiosa influência que a
elite coreana incorporou ao entrar em contato com a cultura sínica. A
unificação da língua coreana em definitivo se deu com a expansão do
reino de Silla, que conquistou os reinos de Paekche e Koguryo no século
7.

A escrita coreana acabou sendo elaborada a partir do sistema


chamado de hangul, elaborado sob o mando do rei Sejong da dinastia
Joseon, no século 15. A motivação para a criação de uma escrita e
alfabeto próprio foi permitir aos coreanos lerem e entenderem as obras
chinesas. Mas a língua chinesa e seus caracteres permanceram por
séculos como sinal de prestígio e cultura no meio coreano. Somente no
século 19 foi promovido ampla campanha na Coreia para a publicação
de jornais e livros a serem escritos em hangul. No período da dominação
japonesa no início do século 20, o hangul e o coreano foram
gradativamente banidos nas escolas e locais públicos. Após a Guerra da
Coreia, a escrita coreana voltou a ser valorizada, mas dada a divisão da
península após 1953, cada Estado coreano passou a ter vocábulos e
características diferenciadas ao longo das décadas de separação. Para
tanto, a Coreia do Norte refere sua escrita não como hangul, mas como
chosongul. Apesar disso, as diferenças não são ainda tão marcantes, e não
há dificuldade de comunicação entre as duas partes coreanas.

O coreano guarda em si algumas variações dialetais a depender da


região da península. Mas a maioria das variações se dá mais por questões
de sotaques diferentes. O coreano, para o mundo além do continente, é
um grande desafio. A romanização de seus caracteres permitiu ao

xv
EMILIANO UNZER MACEDO

público ocidental ter maior compreensão vocal, mas a variedade de seus


fonemas e consoantes é ainda difícil de ser dominado pelo estrangeiro.
A romanização do coreano foi elaborada desde o século 19, e o mais
aceito e popular foi o do Sistema McCune-Reischauer, criado em 1937.
No ano de 2000, esse sistema foi revisado para o mundo ocidental. É
nesse último sistema revisado que a maioria dos termos coreanos do
livro foram baseados, salvos em termos conhecidos como Kim Il Sung
(e não Gim Il Sung), Park Chung Hee (e não Bak Chung Hee), entre
outros. Os nomes completos coreanos, como se constata, seguem a
tradição asiática, ou seja, primeiro o nome de família e depois o de
batismo. E isso também foi respeitado visando evitar estranhamento ao
leitor brasileiro e da língua portuguesa.

xvi
1 O DEUS E O URSO

Os ecos mais remotos dos antepassados dos coreanos remetem a povos


que, aparentemente, migraram de regiões setentrionais chinesas e das
vastidões mongólicas. Isso se deu num largo período que se estende
desde 10 mil anos antes de nossa era até por volta do primeiro milênio
a. C. Nesse processo, houve uma gradual expansão de artefatos de
cerâmicas, talvez os mais antigos do mundo que depois se constatou no
arquipélago japonês ao leste. Os antigos habitantes caçadores,
pescadores e coletores, os pertencentes à uma cultura marcada por
cerâmicas com padrões feitos com pente, considerados do Período
Jeulmun (즐문) (c. 8000 – c. 1500 a. C.), foram deslocados ou
miscigenados à onda de povos advindos de outras regiões asiáticas.
Criando com isso uma cultura neolítica mais elaborada, identificados nas
crônicas chinesas como os pertencentes às nações han, ye ou maek. Os
estudiosos hoje consideram que o povo coreano descende em grande
parte desses povos.

O bronze e o cultivo de arroz foram se estabelecendo nas regiões


coreanas e adjacências no primeiro milênio a. C. O arroz parece ter vindo
de regiões mais meridionais, pois o cultivo do milhete (que depois
originaria o trigo) era mais comum no norte da China. O bronze, ao que
parece, pode ter advindo das proximidades chinesas, considerando o
17
EMILIANO UNZER MACEDO

estilo observado nos vasos chineses da época em adagas e espelhos


coreanos.

O antigo mito de fundação coreana se dá na figura de Dangun (ou


Tangun). Dangun (단군) é considerado o fundador, uma espécie de rei
e sacerdote de um reino chamado de Choson (também chamado de
Gojoseon), localizado no noroeste coreano e partes da Manchúria mais
ao norte. Esse reino, evidentemente, depois serviu de inspiração para
uma futura dinastia coreana do século 14 d. C. As narrativas mitológicas
de Dangun se encontram na obra Samguk yusa (삼국유사, Memorabilia
dos Três Reinos), escrito por um monge budista, Il-yeon (1206–1289),
no século 13, à época das invasões mongóis. Esse monge remete os
contos a registros mais antigos que até hoje não foram encontrados,
como o Livro de Gogi (고기).

A história da origem de Dangun assim segue no Samguk yusa. Ao


tempo dos deuses, Hwanung (환웅) queria viver no plano dos homens
ao que foi atendido pelo seu pai, Hwanin, (환인), Senhor dos Céus. Para
descer dos céus à terra, foi escolhida a Montanha Baekdu (“Montanha
do Cume Branco”, 백두산), hoje na fronteira entre a Coreia do Norte e
a China. A Hwanin foi dado três selos celestiais e o mandou para
governar sobre toda a terra. Hwanin desceu com três mil seguidores e
depois declarou o local onde descendeu como a Cidade de Deus (Sinsi,
신시). Depois de ser declarado como rei celestial (Hwanung Chonwang),
assumiu os encargos de ensinar a agricultura, medicina, artes, leis e moral.
Isso tudo foi depois estimado por volta do ano de 2333 a. C.

Nas proximidades, habitavam um urso e um tigre que depois


passaram a suplicar a Hwanung para transformá-los em seres humanos.
Foi então que o rei celestial deu a ambas criaturas um ramo de Artemísia
sagrada, vinte dentes de alho, e ordenou a eles evitarem a luz do sol por
18
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

cem dias. Os dois animais passaram então a comer a planta e a evitar o


sol. Depois de vinte e pouco dias, o urso, que manteve fiel ao plano,
depois virou uma mulher. O tigre, por sua vez, impaciente e
intempestivo, foi incapaz de seguir as recomendações e permaneceu no
seu estado bestial. Uma vez mulher, essa passou a suplicar por um
companheiro para ter uma criança. Ao ouvir seus pedidos, Hwanung se
transformou num estado mortal e deitou-se com a mulher. Ao que
depois foi gerado um filho, Dangun.

Depois de crescido, Dangun tornou-se um homem repleto de


qualidades e liderança. Para sediar seu reino, fundou uma capital em
Pyongyang e chamou seus domínios de Choson (ou Gojoseon). Anos
mais tarde, Dangun mudou sua corte para mítica cidade de Asadal e ali
governou por mil e quinhentos anos. Ao final de sua longa vida, Dangun
negociou seu reino com sucessores, passou a viver nas montanhas como
divindade.

Ao que parece, essa narrativa mitológica serve para entendermos


como um reino organizado se estabeleceu no norte da península coreana
antes de nossa era. Considerando que não houve vestígios de nenhum
amplo reino centralizado até o 4º século a. C., a figura de Dangun serviu
ao propósito de legitimar os posteriores reinos coreanos e na Manchúria,
ao criarem uma narrativa que remete ao passado longínquo e divino.
Alguns estudiosos 1 da história coreana fundamentam a narrativa de
Samguk yusa no seu devido contexto histórico. Argumentam que o mito
de Hwanung e seu descendência representaria a migração de povos das

1
TUDOR, Daniel. Korea: The Impossible Country: South Korea's Amazing Rise from
the Ashes - The Inside Story of an Economic, Political and Cultural Phenomenon.
Clarendon, Vermont, EUA: Tuttle, 2012, p. 4; KIM, Chun-Kil. The History of Korea.
Westport, Connecticut, EUA & Londres: Greenwood Press, 2005, p. 20; SETH,
Rasmussen. Igniting The Chemical Ring Of Fire: Historical Evolution Of The
Chemical Communities Of The Pacific Rim. Nova Jersey & Londres: World Scientific,
2018, p. 173.

19
EMILIANO UNZER MACEDO

cordilheiras Altai, da Mongólia. Esses trouxeram consigo nova cultura e


técnicas da agricultura, ao que depois se difundiu entre os anteriores
habitantes aborígines da Manchúria e Coreia. Entre esses nativos, alguns
deles adoravam um deus em forma de tigre que depois foram
marginalizados. Outros, que adoravam uma forma divina em forma de
urso, foram incorporados e assimilados a esses novos imigrantes. No que
depois resultou na consolidação de um estado da região, chamado de
Choson liderado por um líder com poderes sacerdotais, Dangun.
Estudos identificaram algumas nações siberianas e na Manchúria que
cultuavam o urso como animal sagrado.

Dangun foi depois sucedido por uma nova onda de migração advindo
do oeste, liderado por Kija, que apresentou novidades civilizacionais.
Nesse sentido, as lendas podem nos ajudar a compreender o quadro de
migrações e assimilações no leste asiático nos últimos séculos antes de
nossa era. Os mitos de fundação relacionariam-se nos séculos
posteriores com os deuses cultuados depois nos estados de Puyo,
Koguryo, Kaya e Wa, todos na região da península coreana, nordeste
chinês e arquipélago japonês.

O quadro de migrações e influências culturais também é observado


no uso do bronze, como indicam os achados arqueológicos. Em regiões
coreanas e manchurianas, há adagas de bronze pertencentes à chamada
cultura de Liaoning do século 10 a. C., que apresentam formas distintas
das culturas siberianas da região de Ordos no norte da China. E, com a
introdução de técnicas agrícolas, o arroz passou a ser cultivado desde o
século 8 a. C. na península coreana algo que, como dito, diferenciava-se
das regiões vizinhas que cultivaram o milhete e o trigo.

Foi também nos últimos séculos antes de nossa era que um sistema
de escrita advindos do oeste espalhou-se em regiões coreanas e no antigo
reino de Choson (Gojoseon). É incerto qual sistema foi introduzido, mas
é provável que tenha sido aquele que acompanhou ondas migratórias
similares ao usado na escrita chinesa, ou seja, formas de sinogramas.

20
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Choson, como nome de estado político, aparece narrado pela


primeira vez em registros chineses no século 4 a. C., quando é referido
as boas relações diplomáticas entre o reino coreano e o estado chinês de
Qi, na península de Shandong (mapa). Mais tarde, nas narrativas
chinesas, Choson é referido como um reino localizado na próxima
península de Liaodong, na costa da Manchúria, e descrito como um reino
organizado e forte que ficava ao leste do reino de Yan, durante o período
dos Estados Combatentes da historiografia chinesa (c. 475 a. C. – 221 a.
C.). Foi decorrente dos continuados conflitos com Yan que Choson
decidiu deslocar sua capital, Wanggeom-seong, mais para o leste de
Liaodong para o noroeste coreano no século 3 a. C.

Mapa: O estado de Qi em Shandong e a península coreana no século 4 a. C.

Por volta do início do século 2 a. C. houve turbulência na região norte


chinesa que afetou a península coreana. A dinastia Qin chinesa (212 –
206 a. C.) entrou em colapso com a ascensão da dinastia Han (206 – 220
d. C.), que catalisou uma série de migrações de grupos étnicos han, ye e
21
EMILIANO UNZER MACEDO

maek para o norte e nordeste chinês nas proximidades do rio Yalu. Nos
achados arqueológicos, é possível distinguir na região coreana, figuras de
vestimentas e penteados que remetem às esses novos povos, algo que
certamente teve consequências no reino Choson. O soberano Choson,
ao que a tradição narra, confiou a defesa e guarda de suas fronteiras a
aliados contra o crescente império chinês.

O reino Choson atravessou mudanças quando um desses refugiados


chineses da fronteira decidiu voltar-se contra a capital de Choson e
ocupar o trono em 194 a. C. Seu nome depois ficaria conhecido como
Wiman (r. 194 a. C. - ?) que, uma vez no poder, decidiu manter a
linhagem dinástica coreana. Historiadores acreditam que Wiman
governou sobre um reino confederado de grupos étnicos do que
propriamente algo centralizado. Isso era típico da época na região da
Manchúria, península coreana e Japão.

Três gerações depois, embates começaram a se avolumar com os


chineses da dinastia Han, no que resultou na vitória do imperador chinês
Wu em 108 a. C. No seu auge, portanto, toda a região norte coreana foi
incorporada diretamente ao império chinês da dinastia Han. Tratados de
paz foram logo estabelecidos, mas o reino de Choson, embora
submetido, permaneceu como um alerta para a futura segurança da
China da época, pela sua notável organização e proximidade geográfica.

Assim se deu por quatro séculos até por volta de 313 d. C. O norte
coreano foi administrador pelos chineses de Han a partir da cidade de
Lelang (Nanggang em coreano) perto de Pyongyang. Apesar da
dominação, as evidências arqueológicas apontam para traços culturais
coreanos bastante distintos dos chineses. Ao que parece, os chineses
mantiveram a administração de forma confederada e autônoma, assim
como era costume na região. Ademais, temos que considerar que não
havia ainda uma unidade cultural nem mesmo entre os chineses, e assim
foi também entre os coreanos. Em outras palavras, não havia ainda à
época uma entidade homogênea e unificada coreana, mas sim um quadro

22
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

diversificado de grupos étnicos. Nada havia, portanto, para nos


referirmos como uma Coreia. As fronteiras que hoje são evidentes no
norte coreano, ao longo do rio Yalu e Tumen, somente foram
demarcados tardiamente, no século 15 d. C.

A diversidade de povos e costumes coreanos foi notada nas crônicas


chinesas, como na Crônica dos Três Reinos (Sanguo zhi, 三國志) do
século 3 d.C. Nesse livro, narra-se que havia um reino chamado de Puyo,
bem ao norte da península coreana na região da Manchúria. Mais ao sul
da Manchúria ascendeu um reino chamado de Koguryo que depois
conquistou sua soberania plena dos chineses a partir de 313 d. C. Ao
leste, um outro grupo, Okcho, tinha constituído num reino separado e,
ao sul deles havia o povo Ye (ou Yemaek) que viveram ao longo da costa
oriental coreana. Ainda mais ao sul, que permaneceu longe da dominação
chinesa de Han, tinha florescido três reinos coreanos: Mahan, Pyohan e
Chinhan (mapa). Esses três povos (referidos por vezes como Samhan)
foram os prováveis ancestrais das posteriores dinastias coreanas, pois foi
de Chinhan que se consolidaria a gradativa união coreana nos séculos
posteriores. Entre os de Mahan, os chineses relatam que não tinham nem
mesmo uma língua em comum e que eram mais um conjunto de
pequenas unidades de lealdades. Todos os três reinos no sul coreano
eram compostos em sua maioria por agricultores espalhados entre terras
férteis entre as montanhas e o mar, sem sinal de muralhas. Pyonhan e
Chinhan não contavam com mais do que alguns milhares de grupos
familiares. E entre esses, conta-se que tinham o hábito de tatuarem os
corpos e deformarem as cabeças dos recém-nascidos visando uma forma
mais alongada do crânio. Em contraste, o povo de Koguryo, mais ao
norte, eram montanheses que em boa parte desconheciam a agricultura.
Por volta do século 3, sua população deveria contar com algumas
dezenas de milhares de famílias, todas mais afeitas à cavalaria e ao
nomadismo.

23
EMILIANO UNZER MACEDO

Mapa: Os reinos coreanos no século 5 d. C.

Na perspectiva chinesa, a ordem considerava todos os povos ao redor


como periféricos ao seu senso de civilização. Foi quando os chineses
consolidaram o conceito de Mandato do Céu (tianming, 天命;) e quem
controlava esse centro era dito como Filho do Céu (tianzi, 天子). O
primeiro imperador chinês, Qin Shihuangdi (259 – 210 a. C.) proclamou-
se governante de tudo o que havia sob os céus (tianxia, 天下) depois de
ter unificado os seis estados em guerra na China de 230 a 221 a. C. Ele
adotou um novo título, huangdi (黃帝, imperador), que tinha antes sido
usado apenas para figuras mitológicas e divindades da China antiga.

Uma vez conquistada toda a vastidão dos reinos chineses, o


imperador passou a considerar sua soberania sobre os arredores no
24
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

mundo asiático, a manter a ordem contra possíveis ameaças. Assim, Qin


Shihuangdi passou a elaborar uma política de contenção e alianças
visando as suas fronteiras mais vulneráveis ao norte, dando alento à uma
série de fortificações e muralhas defensivas no que séculos depois iria ser
a Grande Muralha. Uma das nações mais ameaçadoras aos chineses eram
os xiongnus, nômades que eram considerados como bárbaros na
percepção etnocêntrica chinesa da época. Outras nações foram
nomeadas de acordo com os pontos cardeais, Dongyi (ao leste), Nanbam
(ao sul), Beidi (ao norte) e Xiong (ao oeste).

Após algumas décadas, a dinastia imperial Qin foi conquistada pela


dinastia Han, que durou quatro séculos. No século 2 a. C., um dos
imperadores Han, Wudi (156 – 87 a. C.) foi articulado e energético o
suficiente para combater e eliminar a ameaça dos xiongnus no norte e
oeste das fronteiras chinesas e passou então a voltar sua ambição
expansionista para o sul e leste. Uma vez feita a expansão chinesa ao sul,
chegando a estender-se ao que hoje é o norte vietnamita em 111 a. C.,
Wudi, três anos depois, voltou-se ao leste quando encontrou a
formidável resistência de Wiman de Choson, que acabou caindo
derrotado em 108 a. C. A ampla confederação tribal de Choson não se
mostrou centralizada o suficiente para conter a invasão chinesa. Nessa
região foram depois implementadas quatro grandes regiões
administrativas: Lelang, Zhenfan, Lintun e Xientu. E uma numerosa
migração chinesa foi incentivada para ocupar efetivamente toda a região
nordeste do império de Han.

Lelang, conforme dito antes, foi um dos principais centros


administrativos chineses na região com a península coreana. Esses
centros prosperaram com o ativo comércio entre as regiões e a costa do
leste asiático. Funcionários chineses e representantes da corte Han com
frequência provaram sua arrogância ao imporem um sistema de leis e
costumes confucianos sobre os antigos costumes de Choson. Apesar das
resistências, as modificações de Han foram implementadas, o que não
eliminou os constantes ataques e pressões de nações coreanas vizinhas.

25
EMILIANO UNZER MACEDO

Foi por meio desses desgastantes ofensivas que os chineses decidiram


abandonar dois centros administrativos e se concentrar em apenas um
deles, Lelang, que acabou se tornando no centro chinês mais periférico
ao nordeste do império Han.

O interesse chinês na região nordeste, entre os povos que


consideravam como Dongyi (东夷), passou com o passar do tempo a
considerar apenas a manter os laços comerciais e tributários, até ao
tempo em que a própria coesão e unidade do império chinês da dinastia
Han começou a entrar num período de declínio e fragmentação no
século 4 d. C. Foi nesse contexto que um dos reinos mais ao norte da
península coreana, o de Koguryo, chegou a investir contra a cidade de
Lelang em 313 d. C 2. Após esses eventos, o líder de Koguryo passou a
ser referido com o título de rei (wang, 王).

A expansão de Koguryo, a bem da verdade, remeteu a séculos


anteriores na região da Manchúria e começou a preencher
gradativamente o vácuo de poder deixado com o declínio da autoridade
imperial chinesa. No século 2 de nossa era, era visível os sinais de
enfraquecimento dos representantes de Han. Em 220, toda a região sul
da Manchúria foi conquistada por um povo nômade que tinham se
confederado num sistema de alianças chamados de Xianbei. Por volta
do ano 300, esses nômades começaram efetivamente a controlar toda a
região e cortaram toda a ligação da península coreana com o restante da
China. Foi, portanto, a gota d’água apenas quando Lelang caiu em 313
para Koguryo. Talvez não seja exagero considerar esses eventos
históricos como determinante para o posterior surgimento da nação
coreana.

Em fins do século 4 e início do seguinte, a região nordeste da China

2
KWON, O-Jung. "The History of Lelang Commandery" In: BYINGTON, Mark E.
(Org.). The Han Commanderies in Early Korean History. Cambridge: Harvard
University Press, 2014, pp.96-98.

26
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

e do norte da península coreana tinha se consolidado em dois reinos


organizados e fortes. Um, mais ao norte foi dominado por povos de
Tuoba e Xianbei que passaram a reinar sobre a dinastia Wei do Norte.
Mais ao sul, o reino de Koguryo fortaleceu-se no sul da Manchúria e
norte coreano. Ambos os estados foram regidos por povos não-chineses,
apesar de Wei do Norte ter uma considerável população chinesa.
Ademais, ambos os reinos tinham absorvido substancialmente a cultura
chinesa e o confucionismo, sinizando o povo de Tuoba-Xiaobei. Entre
os de Koguryo, a influência se fez presente, embora em menor medida e
foram esses depois que levaram os valores chineses mais para o sul da
península coreana e, dali, para as ilhas e arquipélago japonês, entre os
povos denominados à época de Wa. Em 372, Koguryo tinha fundado
uma academia de estudos de obras clássicas chinesas e, um ano depois,
passou a promulgar códigos de leis confucionistas. Em 427, sob o rei
Jangsu (r. 413 - 491), a capital de Koguryo mudou-se mais para o norte
do rio Yalu, hoje em território chinês, nas proximidades de Pyongyang 3.
Deslocando-se de suas bases mais ao oeste na península de Liaodong,
Jongsu e seu antecessor no trono, o rei Gwanggaeto, o Grande (r. 391 -
413) tinha expandido o território de Koguryo ao norte até o rio Songhua
4
e chegando a controlar dois terços da península coreana.

Outro reino coreano proeminente foi Paekche (ou Baekje, 백제) que
tinha sido fundado por um dos filhos do primeiro rei de Koguryo,
Jumong (r. 37 a. C. – 19 a. C.). A linhagem real de Paekche, tal como
Koguryo, buscaram traçar sua ancestralidade ao de Puyo (ou Buyeo,
부여), um venerável reino que tinha se estabelecido na Manchúria desde
o século 2 a. C. Paekche começou com a reunião de em torno de 50

3
JEON, Ho-tae. Koguryo, the Origin of Korean Power and Pride. Seoul: Northeast
History Foundation, 2007, pp. 25–27.

4
KIM, Jinwung. A History of Korea: From "Land of the Morning Calm" to States in
Conflict. Bloomington, Indiana: Indiana University Press, 2012, pp. 35–36.

27
EMILIANO UNZER MACEDO

famílias na região de Mahan no sudoeste coreano. Com o tempo, foi


expandindo e consolidando seus domínios na região. Os contatos com
dinastias chinesas foram primeiro registrados em 372 e, em 386, o
regente de Paekche, Jinsa (r. 385 - 392) recebeu o título dos chineses de
“Rei de Paekche” e “General Protetor do Leste”. O antecessor no trono
de Jinsa, Geunchogo (r. 346 - 375) tinha expandido e controlado o reino
de Paekche no seu auge territorial, tornando-os particularmente valiosos
aos chineses que buscaram contrapor à hegemonia de Koguryo ao norte.

Em fins do século 4, Paekche foi derrotado e reduzido pelo reino


vizinho de Silla. Nos séculos 5 e 6, Paekche manteve duradouras e boas
relações com dinastias chinesas, principalmente das regiões meridionais,
e foi o período em que absorveu a sofisticada cultura chinesa. Ao mesmo
tempo, pelo acesso aos mares da península, Paekche começou a manter
contatos e comércio com estados emergentes nas ilhas meridionais do
arquipélago japonês.

O terceiro reino coreano proeminente à época, Silla, desenvolveu-se


a partir de comunidades da região de Chinhan no sudeste asiático. Esse
reino, virado para a costa leste da península, foi a mais remota e que
demandou mais tempo para desenvolver-se. Foi somente em 503 que os
líderes de Silla abandonaram os tradicionais títulos de Maripkan, e
assimilaram o título chinês de “rei” (wang). Em 520, Silla começou a
promulgar uma série de leis de origens chinesas e confucianas,
claramente demonstrando a influência advindo do oeste. Por volta de
535, no entanto, há uma novidade, pois em Silla foi contornada a
oposição da corte e elite do reino com relação ao budismo, sendo esta
crença oficialmente endossada. Dez anos depois, por regimento real,
Silla começou a escrever a história oficial do reino. Silla, no seu auge, em
576, chegou a dominar toda a costa oriental da península coreana, muito
resultado do enérgico rei Jinheung (r. 540 - 576) quando este aliou-se a
Koguryo e derrotou o reino de Paekche através do rio Han em 553. A
estrutura social de Silla parece ter se consolidado em torno de clãs
proeminentes, com sobrenome de Kim (김), Pak (ou Park, 박) e Seok

28
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

(ou Sok ou Suk, 석), nomes até os dias atuais presentes nas famílias
coreanas. Até o século 4, os chefes de Silla regiam sobre um sistema
confederado e eram eleitos por consenso de um conselho de notáveis.

Esses três reinos coreanos foram o pano de fundo histórico sobre o


que depois iria se consolidar na Coreia a partir do século 7. Todos os três
tiveram significativa influência chinesa, principalmente com relação aos
assuntos de Estado, política e leis. Há relatos de chineses de que todos,
sem exceção, sabiam de cor recitar os ensinamentos clássicos chineses
confucianos e seus discípulos. Apesar disso, foi mantido algo que os
distinguia dos chineses, na língua e nos costumes. Cada reino manteve
suas tradições cerâmicas distintas 5. Os monumentos funerários,
chamados de kobun, presentes nos três reinos demonstram estilos
diferentes atendendo a padrões regionais. Túmulos de pedra apresentam
murais pintadas nas suas câmaras em Koguryo. As câmaras em Paekche
são arqueadas, e em Silla, os túmulos são de madeira recobertos por
pedras.

Foi por volta da consolidação desses três reinos que houve registros
de povos que habitavam ilhas mais ao leste, chamados de Wa.
Principalmente de Silla, houve migração de algumas comunidades da
península para as ilhas meridionais e ocidentais do arquipélago japonês
nos primeiros séculos de nossa era. Ainda mais recuado no tempo,
certamente houve a influência por migração dos conceitos cerâmicos
presentes na chamada cultura de Yayoi no Japão no século 4 a. C. que
compartilha as características da cerâmica coreana da mesma época.
Ademais, há semelhança na língua japonesa antiga no norte da ilha de
Kyushu com a língua de Koguryo. E foram imigrantes de Paekche que
depois atravessaram os mares ao leste de fins do século 4 ao 7 e depois

5
CHOI, Jongtaik. “The Development of the Pottery Technologies of the Korean
Peninsula and their Relationship to Neighboring Regions” In: BYINGTON, M. E.
(Org.). Early Korea 1: Reconsidering Early Korean History through Archaeology.
Seul: Korea Institute, Harvard University Press, 2008, pp. 157, 176-187.

29
EMILIANO UNZER MACEDO

influenciaram na disseminação do budismo, no fortalecimento de líderes


locais do clã dos Yamatos e até mesmo nas técnicas agrícolas e
metalúrgicas como a forja de espadas 6.

O budismo adveio após uma série de interações através das regiões


ocidentais da China que lidavam com rotas para a região do norte
indiano, Paquistão e Afeganistão. Essa religião, nascida na Índia, chegou
aos domínios chineses por volta do segundo século de nossa era, e teve
grande apelo por sua mensagem universal e não-exclusivista. Qualquer
um, em suma, poderia alcançar a iluminação espiritual, sem distinções
sociais, de gênero e etnia. Mas essa religião teve, contudo, que lidar com
as religiosidades anteriores na China. Uma dessas era o Taoísmo, que
oferecia uma explicação e inserção cósmica do seu no universo, algo que
serviu de contraponto às limitações e abusos do sistema confuciano
oficial adotado pelo Estado chinês ao longo de sua história. Se os
ensinamentos de Confúcio e de seus discípulos defendiam a ordem, a
hierarquia, a obediência e harmonia, o taoísmo, por vezes, buscava
libertar o indivíduo do constrangimento social e político para uma plena
realização pessoal.

Foi um monge budista da cidade de Dunhuang que traduziu as


escrituras budistas da escola Mahayana do sânscrito para o chinês.
Depois de longo tempo, esse budismo começou a se ampliar na China
em período de instabilidades e desunião no século 4. Foram as dinastias
de nômades que abraçaram essa nova religião e a promulgaram. Uma
dessas dinastias, a de Qin (351 – 394) foi entusiasta em promover o
budismo, considerando suas origens com os tibetanos, nação que cedo
incorporou os ensinamentos de Buda. E a partir disso, o budismo se
espalhou para outras partes da China e mundo asiático. Em determinado

6
FARRIS, William Wayne. Sacred Texts and Buried Treasures: Issues in the
Historical Archaeology of Ancient Japan. Honolulu: University of Hawaii Press,
1998, pp. 67, 109; KIM, Jinwung, A History of Korea: From 'Land of the Morning
Calm' to States in Conflict. Bloomington: Indiana University Press, 2012, p. 74.

30
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

momento, um monge budista, Sundo (ou Shundao, em chinês), advindos


do reino de Qin, foi para as regiões orientais e chegou a Koguryo em
372. E ali descobriu que as práticas xamanistas eram predominantes
entre os nativos. O rei de Koguryo, Sosurim (r. 371 - 384), ficou
fascinado e atraído com a nova religião que, além de satisfazer suas
curiosidades a respeito da ordem cósmica e busca pela iluminação
espiritual, acolheu os ensinamentos do novo credo espiritual e tornou-o
uma religião do Estado. São decorrentes dessa decisão que as primeiras
imagens e estatuetas de Buda desse período, em bronze dourado, usados
como talismãs, são hoje encontrados em alguns museus em Seul e no
mundo.

A aceitação do budismo pelo rei de Koguryo condisse com seu plano


ambicioso de sistematizar seu governo em novos termos burocráticos e
ter maior apelo de integração social no seu reino. Koguryo,
anteriormente, era mais uma coleção de clãs e lealdades que, com o
budismo promovido, poderia cimentar numa nova unidade político.
Ademais, o budismo poderia ofertar novas alianças e contatos
internacionais, indo além de sua localidade no nordeste asiático.
Juntamente com o budismo, o confucionismo foi adotado pelos
subsequentes governantes de Koguryo para estabelecer um sistema
hierárquico e burocrático do reino. Tanto foi assim que foram
estabelecidas academias confucianas e, decorrente disso, instituídas
carreiras para os magistrados e funcionários do Estado, seja para
sistematizar e manter o funcionamento da máquina do governo, seja para
manter os registros e compilar a história do reino. Portanto, o budismo
e confucionismo serviram, fundamentalmente, para estruturar e manter
o nascente reino coreano.

Isso não ocorreu apenas em Koguryo. Alguns anos depois, em 384,


o reino de Paekche implementou iguais medidas quando foram
decretadas como oficiais pelo rei Chimnyu (r. 384 – 385) os
ensinamentos do monge indiano Marananta (ou Malananda). E, mais
tardiamente, também institucionalizados por Silla em 527, um outro

31
EMILIANO UNZER MACEDO

nascente reino coreano, Kaya, e, mais ao leste nas ilhas meridionais


japonesas, por Wa em 584. Esse último reino, pela sua distância
geográfica da península, somente irá plenamente reformar seu sistema
político e jurídico após a Reforma Taika feitas pelo príncipe Shodoku
em 654.

O fato mais notável da região coreana se dá com uma impressionante


estela de sete metros de altura encontrada perto do rio Yalu, na
Manchúria, em que se comenta sobre os feitos de um rei de Koguryo,
Gwanggaeto (r. 391 – 413). Foi sob o reinado deste que Koguryo
expandiu suas fronteiras a incluir boa parte do nordeste asiático, desde o
rio Sungari ao norte, o vale do rio Liao ao oeste, a costa marítima ao leste
e o rio Han ao sul. O nome Gwanggaeto, na verdade, é um nome
póstumo, um título que significa “território em expansão”,
demonstrando que o reino estava em sua plena capacidade expansionista.
Seu verdadeiro nome era Yongsak, e foi durante esse período que
Koguryo incorporou várias entidades políticas menores coreanas e
manchurianas. Em 427, alguns anos depois da morte de Yongsak, seu
herdeiro, Jangsu (r. 413 – 491). Koguryo viveu seus tempos de auge, e o
rei decidiu mudar a capital do alto rio Yalu para Pyongyang, um antigo
centro usado pelo reino de Choson e pelos domínios administrativos de
Lelang.

A estela ainda descreve feitos impressionantes do reino Koguryo. As


expansões do nascente império coreano foram em todos os pontos
cardeais, e essas descrições coincidem com os relatos coreanos
compilados pela primeira vez em forma escrita no século 12. Os
primeiros avanços se deram ao norte, sobre o universo de nações
nômades para depois se consolidar ao sul, sobre o reino de Paekche. Ao
leste, o reino de Koguryo submeteu vários tribos e, por fim, foi ao oeste
onde enfrentaram o resistente império confederado de Xianbei (à época
referidos como reino de Yan Tardio, compondo este um dos 16 reinos
fragmentados em que se encontrava a China em fins do século 4), povo
nômade de etnia proto-mongol. Os confrontos mais duradouros se

32
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

deram contra Paekche e Xianbei. Paekche tinha sido o reino mais


poderoso e organizado da península coreana, mas acabou rendendo-se
ao rei Gwanggaeto em 396. Na virada do século 5, Koguryo conseguiu
o feito de derrotar novas investidas de uma aliança do reino de Paekche,
Kaya e de Wa. Em 407, o rei de Koguryo lançou sua ofensiva mais ao
oeste, para garantir a plena segurança de suas fronteiras, e conquistou a
estratégica península de Liaodong. Pondo termo às ameaças principais
que poderiam vir do sul e do norte e oeste.

A península coreana testemunharia mais uma ascensão política


notável a partir do século 6. Silla, um reino coreano que tinha se
consolidado na ponta sudeste, esse pequeno reino inicialmente era de
pouca expressão tal como a sua vizinha, Kaya. A mudança dos ventos
históricos começou com uma confederação feita mais ampliada, a
envolver mais seis grupos clânicos, a ser regido por uma figura de chefia
e rei, cujas decisões eram submetidas a um conselho de chefes. Esse
sistema era designado como hwabaek. Com o passar dos tempos, a figura
do rei concentrou ainda mais seu poder de decisão, consolidando a
dinastia dos clãs dos Kims e Paks em meados do século 4.
Posteriormente, esse sistema ampliou-se para organizar a sociedade de
Silla em hierarquias, com as famílias reinantes no topo e a burocracia e
mão-de-obra diversa nos níveis abaixo. Essa hierarquia, influenciada em
parte por ideais confucionistas de ordem e respeito, era conhecida como
kolpum, “classificação óssea”. No qual o status era reservada para aqueles
que pertenciam a um grupo determinado por laços familiares, de sangue,
ou melhor, de osso. Aqueles que tinham o “osso sagrado” (seonggol, 성골)
poderiam almejar às posições de comando do reino. Até meados do
século 7, somente os de “osso sagrado”, estritamente aqueles
descendentes dos Kims e Paks, poderiam suceder ao trono. Os demais
membros poderiam almejar outros cargos, desde que pudesse ser
comprovada as ligações familiares ou aliados. Nesse sentido, foi
garantido ao reino de Silla certa coesão e homogeneidade à elite
governantes, que com o tempo foi incorporando as lideranças de outros
estados conquistados.

33
EMILIANO UNZER MACEDO

O budismo também se fez presente em Silla, apesar de ter sido mais


tardio do que ocorreu em Koguryo e Paekche. Inicialmente, o apelo
universal e irrestrito budista chegou a apenas aos plebeus. Com o passar
das décadas, no início do século 6, o budismo começou a ser aceito entre
membros da elite de Silla. Em 527, o rei de Silla, Beopheung (r. 514 -
540), acabou oficializando o culto após o martírio do monge budista
Ichadon (ou Geochadon, 거차돈, 503 – 527), figura bastante popular e
secretário do rei. A sua morte adveio, conforme nos narram as crônicas
budistas coreanas compiladas no século 13, Ichadon manifestou um
milagre no momento de sua morte para impressionar e converter a
aristocracia de Silla. Conforme nos narra em maiores detalhes a sua
morte, sua profecia no momento de sua execução foi cumprida. Toda a
extensão da terra tremeu, o sol escureceu, flores choveram dos céus e
sua cabeça cortada planou em direção às montanhas sagradas de
Geumgang, e leite jorrou abundantemente de seu corpo decapitado. O
presságio impressionou a todos os presentes e isso foi considerado como
uma manifestação dos céus, de que o budismo deveria ser considerado
como religião do Estado. Todos, aterrorizados, passaram a lamentar pela
morte do monge que passou a ser considerado como mártir pela causa
da retidão, da moral e do bom comportamento (imbuídos no amplo
conceito budista de darma). Uma vez declarada como oficial, o budismo
em Silla cresceu rapidamente que serviu como base de ordenamento e
coesão social do reino.

Algumas décadas depois, no mundo político, Silla mostrou-se forte o


suficiente para denunciar sua histórica aliança com o reino de Koguryo,
ao norte. E Silla passou a procurar acordos mais vantajosos com o reino
vizinho de Paekche visando invadir e expandir às custas do pequeno
reino de Kaya. Em 532, Kaya foi em grande parte anexado pelos dois
reinos aliados. O avanço mais dramático de Silla, contudo, se deu em
553, quando conquistou todo o vale do rio Han que percorre o centro
da península coreana. Após esse feito, o rei de Silla, Jinheung (r. 540 -
576), mandou erguer grandes monumentos para marcar suas novas

34
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

fronteiras. O que motivou o desagrado de Paekche que tinha antes


ocupado a região. Foi por isso que Paekche passou a atacar Silla em 554,
resultando na derrota decisiva do rei de Paekche, Seong (r. 523 - 554).
Muito do sucesso das rápidas ofensivas de Jinheung se deve pelo eficaz
uso em campo aberto de sua cavalaria altamente disciplinada, chamada
de hwarangdo (화랑도). Em 562, Silla finalmente anexou totalmente o
reino de Kaya, e passou então a comandar toda a região central e costa
oriental da península coreana. Haveria ainda alguns séculos restantes em
que Paekche, Silla e Koguryo iriam se digladiar em conflitos e alianças a
competir pela hegemonia, mas seria Silla que, eventualmente iria se
sobrepor a todos no século 7.

35
EMILIANO UNZER MACEDO

36
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

2 A UNIFICAÇÃO E O SÁBIO DA MADRUGADA

Em fins do século 6, a China voltou novamente a se unificar sob a


dinastia Sui após quase três séculos e meio de fragmentação de
numerosos reinos. O novo império chinês serviu depois de base para
uma era mais duradoura de unidade sob a dinastia Tang (618 – 907). Esse
novo ordenamento chinês teve consequências sobre os reinos coreanos,
cada qual buscou enviar emissários para a corte Sui a renovar os laços
diplomáticos. Dos três reinos coreanos, Koguryo, Silla e Paekche, o mais
setentrional, o de Koguryo, apresentava problema evidente de fronteira
e ameaça ao nascente império chinês. Em 598, o imperador Sui declarou
guerra à Koguryo. Yangdi (r. 604 – 618), governante chinês no início do
século seguinte, seguindo suas ambições expansionistas tentou invadir
Koguryo por três vezes a partir de 612. As consequências dessas
prolongadas campanhas revelaram-se onerosas e desastrosas para a corte
Sui que depois chegou ao seu fim em 618.

À época das grandiosas invasões chinesas, que fontes chinesas


indicam que envolveu mais de um milhão de soldados mobilizados, um
ministro de Koguryo, Eulji Mundeok (? - ?) revelou seu brilho estratégico
e militar na resistência aos chineses. Suas vitórias decorreram do hábil e
preciso contra-ataque no recuo das forças chinesas ao cruzarem o rio
Salsu (hoje em dia, o rio Cheongcheon) em 612. Com esse feito, o general
coreano tornou-se uma figura heroica cultivada nos séculos posteriores.

37
EMILIANO UNZER MACEDO

A crise gerada no império Sui abriu oportunidades para que outras


lideranças chinesas se proclamassem imperadores. Em 618, Li Yuan, um
general tomou o trono imperial e estabeleceu uma nova linhagem
dinástica, a Tang. E assim como no passado, os reinos coreanos, uma
vez considerando a estabilidade do novo poderio imperial chinês,
mandaram emissários. Koguryo, inicialmente, apresentou-se como
inofensivo e aberto aos bons contatos. No entanto, pouco anos depois,
sob o imperador Tang, Taizong (r. 626 - 649), as relações entre as duas
partes azedaram decorrente dos planos ambiciosos da China sobre as
regiões periféricas do império. Depois de subjugar povos túrquicos no
oeste chinês em 630, a atenção do imperador voltou-se para o leste, para
Koguryo. Em 642, foram erguidas uma série de fortificações na fronteira
do reino coreano frente aos chineses, sob a supervisão de Yeon
Gaesomun (603 – 666) que depois conseguiu eliminar seus rivais
políticos com um golpe de Estado e nomeou-se como plenipotenciário
do reino de Koguryo, tornando-se de fato o governante.

A política de Yeon Gaesomun mostrou-se mais agressiva não


somente aos chineses, mas também aos outros reinos coreanos ao sul.
Reconhecendo o poder de Koguryo ao norte, representantes do reino de
Silla aliaram-se para atacarem em conjunto o reino de Paekche. Mas essa
busca de aliança não durou muito, pois Koguryo buscou depois aliar-se
a Paekche, o que provocou a busca de aliança de Silla com o império
chinês Tang. Em 644, o imperador Taizong, decidiu então enviar uma
expedição contra Koguryo que enfrentou duras resistências na península
de Liaodong que perdurou por anos. Taizong, cansado dos anos de
guerra, resolveu então retirar-se das linhas ofensivas e passou a apoiar o
seu aliado na península coreana, Silla, a combater Koguryo.

O poderio ascendente em Silla se deu por um processo interno de


disputas pelo poder. Durante o reinado da rainha Sondok (r. 632 – 647),
membros da aristocracia hwabaek tentaram dar um golpe mas que foi logo
reprimida por monarquistas liderados por Kim Chunchu (604 – 661) que

38
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

acabou se tornando na maior figura política de Silla da época. Quando


Sondok veio a falecer, sua herdeira, a rainha Chindok (r. 647 – 654) foi
a última linha dos monarcas que seguiram o sistema do “osso sagrado”
(seonggol). Nesse meio tempo, conforme dito, Silla estava se
comprometendo cada vez mais com a China dos Tangs. Em 648, Kim
Chunchu foi enviado como emissário mais uma vez para a capital
chinesa, Changan. E voltou prometendo adotar todos os protocolos,
rituais e vestimentas cerimoniais chinesas na corte de Silla, visando
impressionar o imperador Taizong. Tais gestos de respeito e
compromisso sem reservas do reino Silla resultou fortaleceram ainda
mais a aliança entre os dois reinos asiáticos.

No âmbito social e militar, Silla nos séculos 6 e 7 institucionalizou


o hwarangdo (“Caminhos dos Cavaleiros Florescentes”, 화랑도). Esse
consistia basicamente num grupo selecionado de membros jovens
(nangdo) da elite coreana que foram selecionados através da
demonstração de coragem, lealdade, respeito aos valores tradicionais e
versados nas artes e poesia. Cada unidade desses jovens era liderado por
um hwarang (화랑), membro das famílias pertencentes aos “ossos
sagrados”, como o foi Kim Chunchu. Com frequência, monges budistas
se juntaram a esses grupos como conselheiros e guias espirituais. Tal
corpo disciplinado e motivado de jovens retrata bem o espírito de Silla
na época, cuja identidade nacional estava florescendo e estimulado para
eventuais conquistas na península coreana.

O hwarang mais conhecido de Silla foi Kim Yushin (595 – 673),


descendente de um rei de Kaya, que havia sido aceito como membro dos
“ossos sagrados” depois que o citado reino de seu antecessor foi
derrotado em 532. Foi Kim Yushin que, no início do século 7, liderou
um grupo de hwarangdo, chamados de Yongha hyangdo (“Discípulos da
Fragrância da Flor do Dragão”) que acreditavam ser escolhidos pelas
divindades a realizar a conquista de toda a península coreana. Foi com
esse espírito de motivação que Kim Yushin, que era cunhado de Kim
Chunchu que chegou a ocupar o trono de Silla em 654, assumindo o
39
EMILIANO UNZER MACEDO

nome real de Muyeol (r. 654 - 661).

Paekche, sentindo-se cada vez mais ameaçado e cercado pelos


reinos rivais de Silla e da China Tang, buscou então assegurar novas
alianças na região asiática. Koguryo, aparentemente, apresentou-se dúbia
e com certa lealdade a Paekche, mas talvez temeram ainda mais rivalizar-
se com a China dos Tangs. Foi então que os governantes de Paekche
mandaram emissários mais para o leste, para o reino consolidado de Wa
sob os Yamatos nas ilhas japonesas que depois firmou-se numa renovada
aliança em 653. De 655 a 659, Paekche parece ter convencido Koguryo
no norte a mobilizar suas tropas, e os dois reinos começaram a assediar
as fronteiras de Silla. Como resposta, os governantes de Silla solicitaram
a ajuda da China. Os Tangs, em 660, enviaram uma força naval de cerca
de 130 mil homens para o leste em direção à capital de Paekche da época,
Sabi (hoje, Puyo). Na linha oriental e terrestre, as ofensivas ficaram sob
o comando de Kim Yushin, Pumil e Humchun a avançar com uma força
estimada em 50 mil homens. Ao que resultou numa das maiores batalhas
conforme descrita pelas crônicas históricas coreanas do século 12, o
Samguk sagi (“História dos Três Reinos”, 삼국사기). A batalha de
Hwansanbeol. Nesses confrontos, foi narrado a extremo auto-sacrifício
do general de Paekche, Kyebaek (? – 660), que, ciente de seu destino e
do reino, mandou sacrificar toda sua família a evitar uma vida de
escravidão. Ao que depois liderou uma carga suicida de 5 mil guerreiros
contra a ofensiva de Silla. Derrotadas as forças de Kyebaek, as forças
aliadas de Silla e Tang chegaram a ocupar a capital de Paekche depois de
uma feroz batalha em 660, em que foi morto o último rei, Uija.

O sucesso militar incitou a diferenças de planos entre a China sob


o imperador Gaozong (r. 649 – 683) e de Silla a respeito do futuro da
península coreana. Os chineses almejaram estabelecer uma presença
definitiva na parte oriental da península, ao passo que Silla, consciente
das ambições de Gaozong, buscou consolidar seu domínio coreano. De
fato, embora as lendas conforme nos conta o Samguk sagi que enfatiza as
sábias decisões do rei Muyeol, parece que o império chinês não

40
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

conseguiu manter sua presença no território Paekche, distante do


território chinês e cercado pelas forças terrestre próximas de Silla.
Ademais, os aliados de Paekche, os japoneses de Wa, haviam chegado
do mar a serem enfrentados. Ao fim dos confrontos, membros da família
real de Paekche buscaram exílio nas ilhas japonesas e buscou nos anos
seguintes organizar a resistência contra as forças de ocupação de Silla.
Em 666, as forças de resistência de Paekche e das forças navais japonesas
aliadas foram definitivamente derrotadas e foi dado o término de
Paekche.

O império Tang, a bem da verdade, não tinha simplesmente


desistido de Paekche. Mas buscou algo mais premente em suas fronteiras
a assegurar sua segurança na sua região nordeste. E o seu alvo foi o reino
de Koguryo. Em 661, Gaozong organizou uma expedição de cerca de
350 mil homens e pediu ajuda a Silla. O maior líder militar de Silla, Kim
Yushin conduziu suas tropas de suprimentos em direção à capital de
Koguryo, Pyongyang. No entanto, Pyongyang revelou ser uma fortaleza
inexpugnável, mesmo com um cerco de suas muralhas de oito meses.
Em Paekche, agora derrotado e ocupado, o imperador chinês resolveu
nomear um governador local, gerando desgaste com os governantes de
Silla. Essa espécie de pax sinica na península coreana, instituída pelos
Tangs, aos olhos de Silla, revelou ser um prenúncio de futuras mudanças
na região.

As mudanças repentinas no status da região começou com o


falecimento do líder de Koguryo, Yeon Gaesomun (r. 642 – 666), em
666. Foi então aberta a oportunidade para as ofensivas chinesas e de Silla.
A morte do governante abriu um vácuo de poder e incertezas de
sucessão ao trono. Em 668, Pyongyang, dividida e sem um claro
comando, foi fustigada e atacada. Os filhos de Yeon Gaesomun,
incapazes de se resolverem, caíram diante dos invasores. Pyongyang foi
ocupada e a hegemonia de Koguryo na região nordeste asiática, nas
fronteiras com a China Tang, esvaneceu. Após a conquista de Koguryo
e da submissão de Paekche, o império Tang tentou estender sua

41
EMILIANO UNZER MACEDO

dominação sobre toda a Manchúria e noroeste da península coreana, tal


como havia sido feito pela dinastia Han no passado.

Em 669, o governo chinês estabeleceu na região províncias


administrativas em torno de Pyongyang com o propósito de controlar os
territórios fronteiriços. Esse protetorado era um dos maiores do império
chinês, que revelou ser frágil e incerto pelas vivas resistências de outros
líderes perseguidos de Koguryo. Alguns desses haviam sido presos e
mortos, mas outros conseguiram fugir para encontrar abrigo em
territórios de Silla e até mesmo no arquipélago japonês. Em vista disso,
Silla, aproveitando-se da inquietude ao norte da península, resolveu
buscar expandir seus domínios sobre Paekche. O que irritou os Tangs,
que responderam com pressões diplomáticas e mesmo passou a ameaçar
os familiares do rei de Silla que viviam na capital Tang. Parecia que era
inevitável a guerra entre Silla e a China Tang na segunda metade do
século 7.

Felizmente, para Silla, parecia que o destino era favorável. O


imperador Tang, Gaozong, estava mostrando-se doente e a regência
imperial passou para a imperadora Wu (Wu Zetian, r. 690 - 705), que
adotou uma política mais pacifista. Ademais, houve a ascensão de outras
ameaças nas fronteiras chinesas no sudoeste, entre os tibetanos,
divergindo os recursos antes voltados à região nordeste da China.
Mesmo assim as forças de Tang foram formidáveis e somente foram
derrotados por Silla em 675 em batalhas ao norte do rio Han e na costa
ocidental coreana. Sendo assim, o protetorado chinês no norte coreano
deslocou-se de Pyongyang para mais ao oeste, na península de Liaodong
em 676. Uma retirada de suas forças de ocupação da área e um
significativo avanço de Silla sobre toda a região norte coreana. Silla havia
tomado controle de toda a península e o que restou dos antigos três
reinos coreanos agora foram feitas em províncias com suas capitais
regionais. Kyongju, na costa leste coreana, tornou-se a capital de toda
Silla expandida (mapa). Os antigos aristocratas de Paekche, Koguryo e
mesmo da pequena Kaya, do passado, foram incorporados na classe

42
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

dominante de Silla. Silla, nesse sentido, foi a primeira expressão unificada


da península coreana.

Mapa: O reino de Silla no seu auge em 576 d. C.

A capital de Silla, Kyongju, rivalizava em pujança com a cidade


imperial de Xian da China e de Nara, no Japão, e foi uma das cidades
mais prósperas do leste asiático nos séculos 8 e 9. A população foi
estimada em torno de 200 mil pessoas e seu habitantes iam desde
aristocratas, funcionários, sacerdotes, soldados, comerciantes, artesãos,
artistas e escravos. A maioria das habitações eram abrigadas por telhados
de azulejos decorados, e raramente se via um telhado de palha como nos
narra o Samguk yusa. Os palácios reais eram cercados por jardins e lagos
planejados, e os templos budistas eram onipresentes. Lamentavelmente,
quase tudo foi destruído durantes as guerras contra os mongóis no século
43
EMILIANO UNZER MACEDO

13 e, depois, contra os japoneses em fins do século 16. Restaram apenas


algumas esculturas de pedra, e restos de relevos e estruturas de palácios
e templos. Mesmo assim, diante do que é testemunhado e pelo primor
dos detalhes artísticos, Kyongju foi declarado como Patrimônio Cultural
da Humanidade pela Unesco no ano de 2000.

As crônicas reunidas no Samguk yusa nos dão detalhes da vida


cotidiana em Kyongju no século 9. Os templos eram vibrantes nos seus
cultos, e músicas fluíam nas ruas dia e noite. Uma das canções mais
célebres citadas é a “Canção de Choyong” (Choyong ka), musicada no
ritmo poético da época conhecido como hyangga (ou saenaennorae). Os
versos cantados foram escritos em idu, que era o coreano em caracteres
chineses. De acordo com a lenda, na “Canção de Choyong”, Choyong
possuía dons mágicos, era filho do Dragão do Mar do Leste e chegou à
capital para servir ao rei de Silla. Sendo assim, o rei deu-lhe um título e
uma esposa. Certa noite, ao voltar de uma festa, Choyong encontra sua
esposa sendo seduzida por um espírito maligno, chamado de Demônio
da Praga, metáfora para os males do mundo. Choyong chega a perdoar
a todos, mas com a promessa de que o espírito nunca mais entrasse em
nenhuma casa com o retrato do herói na porta. A canção que Choyong
declama é tão encantador e belo que faz com que o espírito do mal parta
em paz:

Tendo me arrastado até tarde da noite

Na capital da lua,

Voltei para casa e na minha cama

Eis quatro pernas.

Dois eram meus;

De quem são os outros dois?

Anteriormente dois eram meus;

44
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

O que deve ser feito agora depois que foram tomados? 7

(tradução nossa)

Na sociedade de Silla, o poder se estabeleceu num sistema de


impostos e trabalho prestado ao senhor de terra, algo similar à corveia
europeia. No topo da pirâmide social havia os pertencentes ao “osso
sagrado” (seonggol) que ocuparam exclusivamente o trono real até o fim
do governo de Muyeol em 661. Após isso, outras famílias aristocráticas
puderam ter a perspectiva de ocupar o poder e altos cargos de
autoridade, como as famílias Bak e Seok da capital, Kyongju. Para tanto,
esses membros foram considerados como “osso legítimo” (jingol, 진골) e
passaram a governar o reino quando promoveram uma série de reformas
administrativas e burocráticas a partir da segunda metade do século 7.
Essas reformas foram em grande parte inspiradas no confucionismo,
ideologia que busca assegurar a lealdade e obediência ao monarca
mantendo, nesse sentido, a ordem e paz do sistema político. Em 682, o
rei Sinmu (r. 681 - 692) fundou a Academia Nacional (Gukhak), de cunho
confuciana, única instituição de ensino superior do reino de Silla. Neste
local, os alunos aprenderam os clássicos confucionistas.

Apesar das reformas confucionistas implementadas ao longo dos


séculos 7 e 8, contudo, o sistema hereditário de privilégios aos altos
cargos, conforme os pertencentes à categoria restrita dos “ossos” (kolpum
ou golpum), manteve restrita o acesso universal ao poder de Silla. De fato,
Silla era um reino aristocrático. Não importava o quão sábio e talentoso
de um indivíduo se não pertencesse aos membros privilegiados.
Poderiam ao máximo ser indicados aos cargos logo abaixo dos “ossos
legítimos” quando demonstrado sua presteza e talento. Nesse sentido,
os estudantes que entravam na Academia Nacional foram aqueles não
pertencentes à elite dos “ossos”, pois esses não precisaram demonstrar

7
LEE, Peter H. “Hyangga” In: LEE, Peter H. (Org.). A History of Korean Literature.
Cambridge: Cambridge University Press, 2009, p. 73.

45
EMILIANO UNZER MACEDO

nenhum talento ou estudo para os cargos máximos.

Outros membros ambiciosos partiram para outras carreiras, como o


sacerdócio budista, e outros foram para a China dos Tangs a tentar ser
aprovado nos exames confucionistas universais. Um desses coreanos
aprovados na China foi Choe Chiwon (857 - ?) que depois se tornou
numa das figuras mais sábias de Silla. Ao voltar para sua terra natal, no
entanto, frustrou-se por não ter conseguido reformar o sistema coreano
de privilégios hereditários. Desapontado, retirou-se para uma vida de
eremita nas montanhas. Muitos dos maiores sábios coreanos advieram
de famílias não-pertencentes à categoria dos “ossos legítimos” ou “ossos
verdadeiros”. Mas foi esse sistema fechado que manteve a consolidação
da unidade do reino, apesar das pressões de reformas por aqueles
marginalizados como Choe Chiwon.

Talvez a consequência mais nefasta desse sistema restrito e


privilegiado foi a ineficácia dos ocupantes dos altos cargos burocráticos.
Durante as últimas décadas do reino de Silla, no final do século 9 em
diante, à época de Choe Chiwon, estava evidente a crise e instabilidade
no poder, uma vez que foram mais de vinte reis a se sucederem após
períodos de luta e disputas entre as famílias reinantes. Um dos episódios
mais dramáticos registrado no Samguk sagi, obra do século 12, é o da vida
de Jang Bogo (745 - 846), um talentoso líder guerreiro de origens plebeias
que depois ascendeu ao oficialato na China Tang. Retornado a Silla, foi
nomeado como comandante das forças navais coreanas a combater os
piratas nos mares da região. Depois de ter estabelecido a ordem
marítima, o comércio entre a China e o Japão prosperou novamente, e
Jang Bogo, tendo ganhado o controle de uma ilha estratégica na região,
a de Cheonghae, acumulou fortunas. Sua vida ambiciosa chegou ao fim
quando tentou indicar sua filha como rainha ao trono de Silla a se casar
com o rei Munseong (r. 839 - 857), filho de Sinmu, indo contra os
princípios do sistema de classificação por “ossos” (kolpum). Irritado
contra as convenções da tradição, Jang Bogo se revoltou e depois foi
morto em 846 por um enviado da corte de Silla na sua ilha de Cheonghae.

46
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

No campo religioso, houve uma fusão das tradições budistas dos


três reinos coreanos em Silla. Esse reino, por ter sido o último a se
converter, abraçou com entusiasmo os ensinamentos e mandou vários
estudantes e monges ao exterior para conhecer melhor as doutrinas do
budismo maaiano 8. Foi essa vertente que chegou a dominar, portanto,
Silla no século 7, graças à ampla difusão de textos, livros e estudos
traduzidos do sânscrito para o chinês. Nem por isso deixou de haver
discussões doutrinárias na península. Um dos maiores debates da época
envolveu o assunto de como cada pessoa nasce disposta com as
qualidades a atingir o estado espiritual que Buda alcançou. Alguns
criticaram essa visão, defendendo que os seres humanos não nascem
com essa disposição fundamental para se tornarem Budas.

A maioria dos eruditos coreanos rejeitou essa ideia. Entre os mais


famosos destacou-se o mestre Wonhyo (617 – 686), que abraçou as
várias tradições budistas coreanas e lançou as bases sobre as quais iria se
assentar o maaianismo em Silla e também na China e Japão nos séculos
seguintes. Wonhyo, que significa “madrugada”, nasceu numa família sem
ligações aristocráticas. Seu brilho na juventude era tamanho que ele nem
precisou de mestres antes de se tornar no principal sacerdote de um
templo. Certo dia, Wonhyo avistou algumas abelhas e borboletas,
voando de flor em flor, e sentiu disso um imenso desejo por uma mulher.
Considerando isso, o rei de Silla ofertou sua filha viúva, a princesa
Yosok. A caminho do palácio da princesa, Wonhyo caiu num riacho e,
assim que chegou ao seu destino, a princesa mandou o mestre entrar para
trocar as roupas molhadas. Naquela noite, os dois compartilharam a
cama e que, mais tarde, nasceu um filho, chamado de Sol Chong. O filho
cresceu nos círculos mais altos da sociedade e revelou extraordinária

8
Escola budista que tem como seus princípios básicos a superação das
insatisfações mundanas (dukkha) e o transcendimento do círculo vicioso do
sofrimento e renascimentos (samsara), objetivando a todos a alcançar o estado da
iluminação (nirvana).

47
EMILIANO UNZER MACEDO

inteligência para as letras, padronizando o chinês clássico para a língua


coreana.

Wonhyo, tendo quebrado seu voto de celibato, trocou suas vestes


de sacerdote para roupas seculares, passou a dedicar sua vida a compor
poemas e músicas para melhor ensinamento das virtudes budistas. Indo
de aldeia a aldeia, cantando, dançando e recitando, Wonhyo fez chegar
sua mensagem a milhares de pessoas, do mais humilde ao mais nobre.
Sua mensagem até os dias atuais ainda é recitada por budistas coreanos.
Apesar de seu comportamento heterodoxo ser condenado pela tradição
budista que desencoraja a dança e canto, Wonhyo utilizou-se das suas
aptidões inerentes de comunicação e carisma como meio voluntário
(upaya) para buscar a salvação de todos os seres vivos. Um dos episódios
mais famosos de sua vida, narrado no “Bebendo Água de uma Caveira”,
remete a uma viagem que ele fez para a China. No caminho, uma
tempestade irrompeu que o levou a buscar um abrigo numa caverna
subterrânea. No dia seguinte descobriu que o local onde havia dormido
era uma câmara funerária, e ele então se viu incapaz de dormir lá
pacificamente na noite seguinte. Percebendo que as circunstâncias físicas
não haviam mudado, mas apenas sua mente a respeito 9.

Ao norte do reino unificado de Silla, o império Tang foi incapaz de


assimilar o território conquistado de Koguryo. Em fins do século 7,
povos nômades das estepes, khitans, revoltaram-se contra o império
chinês, reduzindo o alcance de influência da dinastia Tang sobre todo o
nordeste chinês na área do rio Liao, onde muitos habitantes do ex-reino
de Koguryo haviam sido relocados. Um dos ex-líderes de Koguryo, Dae
Jung-sang (? - 690), agora enxergou a oportunidade histórica e organizou
uma ofensiva para o leste através da vastidão da Manchúria a fim de fugir
do controle chinês e do reino coreano ao sul.

9
LOPEZ JR., Donald S. et al. Hyecho's Journey: The World of Buddhism. Londres &
Chicago: University of Chicago Press, 2017, p. 62.

48
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Esse estabeleceu-se no vale do rio Mukden em 696 e fundou um


reino chamado de Parhae (mapa) (발해, Balhae ou Pohai em chinês) e
imediatamente mandou emissários para Silla e a povos túrquicos
nômades na Mongólia. Apesar de se consolidar como um amplo reino
no norte coreano, muitos historiadores debatem se de fato foi coreano,
pois sua população era um composto de múltiplas etnias, inclusive
nômades das estepes e chineses. Para agravar ainda mais, poucos
registros foram feitos por esse reino, e devemos contar com o que foi
anotado por testemunhas de Silla, Tang e do Japão. De acordo com esses
poucos fragmentos, o reino foi fundado por remanescentes de Koguryo
e de um povo chamado de Malgal, ancestrais dos manchus. Acredita-se
que os governantes a elite de Parhae eram líderes do extinto Koguryo e
o povo Malgal compunha a base popular e grupos semiautônomos
governados por seus chefes locais submetidos à autoridade central de
Parhae.

Mapa: O reino de Parhae (Balhae) e Silla ao sul, século 8 d. C.

49
EMILIANO UNZER MACEDO

Parhae recuperou a maioria dos domínios antes submetidos a


Koguryo. O que gerou novas tensões na região da Ásia oriental, que
provocou novos diálogos entre Silla e a China Tang. Parhae,
considerando suas possibilidades, sondou e buscou articular-se com o
Japão dos Yamatos e outros poderios autônomos além das muralhas e
fortificações chinesas. Incapacitada e limitada em seus recursos, a China
Tang aceitou inicialmente o status de Parhae, no século 8, e consolidou
assim a Pax Sinica na região.

Um dos personagens mais notáveis dessa época do século 8 foi um


monge coreano que viajou por inúmeras terras, através da China, Índia
e além para estudar os ensinamentos de Buda. Seu nome era Hecho (ou
Hyecho) (704 - ?). Em seu diário de viagem, Hecho fez inúmeras
anotações que retrata o amplo mundo budista em que vivia 10. No início
do século 20, um explorador francês, Paul Pelliot (1878 - 1945),
descobriu uma série de cavernas de Dunhuang, no oeste chinês, que
guardava incontáveis documentos, registros e pinturas do efervescente
mundo de trocas e viagens ao longo da Rota da Seda do século 8. Foi
nessas cavernas que foram encontradas os registros de Hecho.

O comércio asiático era frenético, de acordo com os achados e


registros nas citadas cavernas. Houve significativa demanda de produtos
coreanos de Silla, desde a ávida elite em Xian ao arquipélago japonês.
Entre os mercadores muçulmanos que comerciavam nas extensões
asiáticas mais ao oeste, os produtos coreanos eram altamente apreciados.
Os árabes, no século 9, acreditavam que Silla era uma terra abundante de
ouro. Além disso, os finos têxteis e produtos fitoterápicos da Coreia
eram demandados, em contrapartida à sede coreana por seda, pedras
preciosas asiáticas e obras escritas chinesas era evidente. Foi nessa
demanda que a cultura da corte de Tang, que revelou ser uma das idades

10
KIM, Duk-Whang. A History of Religions in Korea. Seul: Daeji Moonwha-sa, 1988,
p. 118.

50
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

de ouro nas artes e conhecimento da história chinesa, floresceu entre os


círculos da corte e eruditos coreanos em Silla, mas também em Parhae e
no Japão. Essa rede comercial frutificou no estabelecimento de
comunidade de coreanos de Silla na península chinesa de Shandong, e
também mais ao sul, na foz do rio Yangzi, chamada de Silla bang, nos
séculos 8 e 9 11.

As artes budistas floresceram nessa época em terras coreanas.


Foram incontáveis templos construídos nas montanhas e em Kyongju,
com amplos e decorados santuários, pagodes, sinos e outros. Sob o
budismo, foi revelada toda a habilidade artística na arquitetura, escultura
e pintura com vibrante realismo e detalhe. Um dos locais mais notáveis
dessa efervescência cultural é no templo de Bulguksa, ou “Templo da
Terra de Buda”, e na gruta de Seokguram, construídos em meados do
século 8 sob orientação do ministro de Silla, Kim Daesong (701 – 774).
Essas duas edificações nos revelam muito do ardor religioso e do poder
influente das famílias aristocráticas, assim como o sofisticado senso
estético na arquitetura e escultura dos artistas coreanos da época.

Ambas estão localizadas nas montanhas orientais de Kyongju, e


foram consideradas como Patrimônio Cultural da Humanidade pela
Unesco em 1995. São dois marcos históricos que influenciou a cultura
coreana nos séculos posteriores. Dentro da gruta de Seokguram, há uma
estátua de Buda Sakyamuni que fica a leste, de modo que encontra
primeiramente a luz do sul nascente. Pois os budistas coreanos
acreditavam que a Terra Pura, ou paraíso, ficava em algum lugar sobre o
Mar do Leste. Buda Sakyamuni é cercado por maravilhosos relevos de
pessoas iluminadas da tradição maaiana, ou bodisatvas. Entre esses, o
mais notável é o de Avalokiteshvara (ou Guanyin em chinês), a deusa da
fé e compaixão no budismo maaiano.

11
YU, Chai-Shin. The New History of Korean Civilization. Bloomington, Indiana,
EUA: iUniverse, 2012, p. 40.

51
EMILIANO UNZER MACEDO

No templo de Bulguksa, perdeu-se as estruturas originais de madeira


durante a invasão japonesa em fins do século 16. No entanto, restam
dois magníficos pagodes de três andares, cada um com cerca de dez
metros de altura, chamados de Seokgatap (“Pagode de Sakyamuni”) e
Dabotap (“Pagode dos Muitos Tesouros”). Eles possuem contornos
únicos entre os pagodes construídos pelo mundo, pelas linhas retilíneas
e quadradas de Seokgatap e das delicadas curvas que decoram o Dagotap.
A simplicidade de Seokgatap representa a brevidade da ascensão
espiritual e enfatiza isso nas suas formas mais sóbrias e moderadas.
Dagotap, em contraste, pelas suas curvas e insinuações, representa o lado
mais lírico, complexo e esplendoroso da vida.

52
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

3 O GRANDE ANCESTRAL E AS GRANDES OBRAS

Em fins do século 9 a península coreana atravessou uma série de


rebeliões camponesas e de crises políticas desagregadoras. As rebeliões
em boa parte foram motivadas pelos altos impostos dos cobradores e
senhores latifundiários locais. A China igualmente conhece na época
similar tendência de crise, pondo termo ao período Tang, resultando
num contexto de turbulência e retração da Pax Sinica no leste asiático.

Na península coreana, a desordem foi agravada com a emergência


de inúmeros líderes locais de grupos e exércitos armados que
competiram entre si pelo controle das províncias do decadente reino de
Silla. O que restou da autoridade de Silla, ao que parece, foi efetivamente
apenas em torno de algumas famílias nos arredores da capital, Kyongju.
Esses líderes locais, referidos como senhores da guerra do século 9
tiveram várias origens. Alguns eram oficias do exército, outros eram
comerciantes poderosos, ou monges, bandidos ou membros da
aristocracia local desesperados em manter sua tradicional dominação. A
maioria desses ascendeu de posições sociais mais baixas e, uma vez
alcançado a posição de autoridade, passaram a se referir como “senhor”
ou mesmo “general”. Os aristocratas locais, por sua vez, eram
pertencentes a grupos marginalizados do sistema de famílias privilegiadas
dos pertencentes aos “ossos” (kolpum).

53
EMILIANO UNZER MACEDO

A turbulência sociopolítica em fins do século 9 é comparável aos


distúrbios associados ao declínio de cada período dinástico chinês. No
sentido de que a autoridade central se apresentou débil e desarticulada
frente às pressões desagregadoras das províncias do reino. Como na
China, lideranças locais se ergueram de bases regionais de poder e
lutaram entre si pela hegemonia na península coreana. Com base nisso,
muito se comparou a Coreia dessa época de crise com o sistema feudal.
De fato, havia relações de obrigações militares e de impostos a ser
observado pelos camponeses e vilas nas propriedades de um latifundiário
que, por sua vez, era responsável pela ordem, proteção e paz de todos.
O risco maior dessa interpretação, contudo, é de se comparar à
experiência europeia com o contexto asiático. Na história coreana, não
houve relações contratuais entre as partes como o foi entre os senhores
feudais europeus. Seria melhor, talvez, em caracterizar o sistema coreano
como um de senhorismo ou manorialismo, conceitos mais amplos de
relação entre as autoridades locais e o campesinato.

Como situar historicamente o período de desagregação e crise do


reino de Silla? Alguns historiadores atribuíram a esse período como uma
espécie de Idade Média. O que, novamente, nos traz riscos de excessiva
analogia com a experiência europeia. Atendo-se aos fatos históricos, não
houve nenhuma significativa mudança socioeconômica coreana no
período, embora houvesse sinais de crise da autoridade central. Cabe
ressaltar que, já em 918, houve a ascensão de uma outra dinastia, a de
Koryo, que depois irá consolidar a unificação da península coreana.

Em momento derradeiro, Silla entrou em colapso com a culminação


de uma série de crises de membros e poderios locais que contestaram a
dominação exclusivas de determinadas famílias privilegiadas aos altos
cargos de comando. Economicamente, as finanças estatais de Silla foram
erodidas pela recusa ou excessiva isenção de impostos a determinadas
classes sociais e instituições, como a budista. Socialmente, o sistema de
“ossos” (kolpum) estava desmoronando, revelando as crises de lealdades

54
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

e questionamentos à autoridade tradicional.

Nesse contexto, na virada para o século 10, duas figuras históricas se


destacaram. Gyeon Hwon (867 – 936) e Gung Ye (c. 869 – 918) que
haviam se tornado nos mais proeminentes senhores da guerra na
península do período. Gyeon Hwon era um oficial militar dotado de
excepcional senso de estratégia e comando e comandou seus homens
principalmente nas regiões provinciais do sudoeste coreano, no antigo
território de Paekche. Gung Ye, por sua vez, começou como um líder de
bandidos nas regiões centrais que antes pertenciam ao reino de Koguryo.
Visando consolidar suas autoridades e reunir as lealdades locais, ambos
se proclamaram como reis de Paekche e Koguryo, respectivamente. Para
distinguir esses dois reinos do período anterior, os historiadores
nomearam essas novas entidades políticas de Paekche Tardio e Koguryo
Tardio. Ao que aponta para o período desagregador da Coreia a conviver
com o que restou de Silla, no chamado Período Tardio dos Três Reinos
(892 - 936).

Os três reinos coreanos depois seriam modificados pela ação de um


líder que teria repercussões em toda a história coreana. Wang Geon (877
– 943) veio da costa ocidental da península e sua família tinha prosperado
com o comércio com a China. Nos anos finais de Silla quando unificada,
ele emergiu como um poderoso líder local. Com o advento dos Três
Reinos, Wang Geon juntou seus domínios com o reino tardio de
Koguryo, ao norte, e serviu como ministro do general Gung Ye. Em 918,
Wang Geon deu um golpe e depôs o rei Gung Ye para fundar uma nova
dinastia coreana, a de Koryo (ou Goryeo, 고려), escolhendo como capital
a cidade de Kaegyong ou Gaegyeong (atualmente, Kaesong). A escolha
do nome da nova dinastia é reveladora, pois foi uma forma abreviada de
Koguryo, indicando a ambição de Wang Geon em recuperar o vasto
reino antigo do norte coreano e Manchúria.

De fato, Wang Geon mandou construir Pyongyang, antiga capital de


Koguryo, que havia sido abandonada por Silla. Renomeou-a de Sogyong,

55
EMILIANO UNZER MACEDO

“Capital Ocidental”, e isso deu uma notável presença estratégica no


norte coreano. Com as duas capitais localizadas em lugares auspiciosos
visando um longo reinado dinástico, Wang Geon assegurou uma
vantagem geográfica em Gaegyong na região central ao longo do rio
Yesong, ao contrário da distante cidade de Kyongju de Silla e Wansanju,
capital do reino tardio de Paekche. A localização da capital de Gaegyong
obedeceu também aos preceitos budistas de geomancia, em que se
acreditava que havia uma profecia de que um sábio receberia o mandato
dos céus para ser governante a partir do local indicado. Entronado e
assegurado seu poder e para seus descendentes, Wang Geon depois
receberia o honroso título de Taejo, “Grande Ancestral” (r. 918 - 943).

Apesar da consolidação do reino de Koryo, os sucessores de Taejo


tiveram problemas prementes nas fronteiras. Muito se deu com a ação
coordenada dos povos khitans (ou kitais), ancestrais dos mongóis, que
tinha fustigado os Tangs e fundaram uma dinastia, a de Liao, que
controlou um vasto território que incluía boa parte do norte chinês no
século 8. Era imperativo aos khitans proteger o vale do rio Liao que tinha
sido controlado pelo reino de Parhae, cujo povo Malgal tinha se rebelado
e depois se juntado em lealdade aos khitans. O momento derradeiro veio
em 926, quando o reino dos khitans atacou Parhae e pondo fim à sua
autoridade na região da Manchúria.

Os fugitivos de Parhae foram buscar se reagrupar e se aliar ao novo


reino de Koryo, acreditando que esse reino seria o sucessor do antigo
Koguryo. Wong Geon recebeu-os e se simpatizado com suas causas,
enxergando neles povos com origens étnicas semelhantes, pertencentes
ao vasto grupo que seria depois identificado como os coreanos, os hans,
yes e maeks. As tensões entre os khitans e Koryo se deram, portanto, em
grande parte nessa perspectiva. Em 934, Wong Geon decidiu conceder
títulos e sobrenomes reais ao príncipe herdeiro do antigo reino de Parhae
quando esse chegou a Koryo junto com milhares de súditos.

Wong Geon se considerava como um unificador de todos os povos

56
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

coreanos, e os migrantes de Parhae foram apenas um elemento na sua


ambição política. Visando apaziguar os demais líderes locais pela
península coreana, Wang Geon buscar casar-se com as filhas de
poderosos senhores da guerra e membros de famílias aristocráticas
tradicionais. Títulos monárquicos foram concedidos aos aliados locais,
assim como o sobrenome real. Em 935, o que restou do reino tardio de
Parhae foi conquistado pelo reino de Koryo, e Wang Geon foi generoso
com o seu rival derrotado, Gyeon Hwon (r. 892 - 935), ao lhe oferecer
apoio (mas também lealdade e submissão) contra as pretensões de seu
filho que havia o traído, como foi narrado no Samguk sagi. Um ano
depois, a península coreana encontrava-se unificada sob o trono de
Wang Geon.

Mas talvez o maior legado de Wang Geon seja uma série de


prescrições ordenadas conhecidas como as Dez Injunções (Sip Hunyo)
sistematizadas ao final de seu reinado. Elas foram dispostas visando
antes de tudo a fundamentar a nova dinastia, conforme o primeiro
ordenamento, e, no seu segundo enunciado, a respeitar as reformas
propostas por um monge budista da época chamado de Toson (827 -
898)12. A nova ordem nas injunções foi fundamental para consolidar o
reino a partir do século 10 em diante. Após a unificação e conquistas dos
vários reinos coreanos, o fundador da dinastia de Koryo preocupou-se
com a longevidade política de seus sucessores, uma vez que o reino tinha
se baseado em alianças e privilégios negociados com múltiplas lideranças
e famílias aristocráticas locais. Era mister, pois, controlar as tendências
desagregadoras de Koryo no futuro. Das Dez Injunções, cinco referem-
se a como o rei deveria governar o Estado 13. E a primeira preocupação
do rei Taejo (Wang Geon) era buscar inspiração no sistema chinês
aplicado às características coreanas. Na quarta injunção, a admiração pela

12
Influente monge budista à época que defendia a localização auspiciosas das
cidades, casas, templos e cemitérios, conforme a geomancia budista, ou pungsu.

13
PRATT, Keith & RUTT, Richard. Korea: a Historical and Cultural Dictionary.
Londres: Routledge, 1999, p. 466.

57
EMILIANO UNZER MACEDO

cultura de Tang é revelada, mas deve-se buscar a singularidade coreana

A preocupação era, em essência, buscar manter uma ordem coreana


inspirados no sistema chinês. Isso sem descuidar das ameaças das
fronteiras, os povos khitans das fronteiras devem ser vigiados e seus
costumes devem ser evitados considerados como barbáricos 14. Aqui, em
essência, temos a busca deliberado de expressar a singularidade coreana,
com inspiração chinesa e a contrapor povos da fronteira.

De fato, o sistema de Koryo assemelha-se com o da China de Tang.


Como exemplo, em 958, o filho de Taejo e rei de Koryo, Gwangjong (r.
949 – 975), institucionalizou o sistema de exames como praticado na
China, chamado de kwago. Mas com modificações características aos
coreanos. Embora tivesse sido aconselhado por um enviado chinês à sua
corte, Ssangi, o sistema coreano de exames era aberto apenas aos
membros das famílias aristocráticas e elites locais, referidos como
hyangni.

Além disso, Gwangjong, tendo testemunhado diversas lutas


sangrentas pelas autoridades locais após a morte de Taejo, decidiu
promover políticas de reforma visando o fortalecimento do Estado.
Nesse veio, foi expandido o confisco de escravos particulares de famílias
aristocráticas a servirem ao poder central, conforme aprovado em 956.
E a reorganização das forças militares a combater as ameaças dos
khitans. E não menos importante, houve a substituição das autoridades
locais, antes baseadas em líderes e membros aristocráticos, por
funcionários apontados pelo rei. Era evidente, em suma, que o poder
civil de Koryo começou a fortalecer-se em detrimento dos poderios
locais, e os funcionários designados seriam fruto de um sistema de
méritos aprovados nos exames e não mais por herança familiar. No
aspecto militar, Koryo fortaleceu-se com numerosos membros

14
DUK-KYU, Jin. Historical Origins of Korean Politics. Seul: Jisik Sanup Publications,
2005, p. 261.

58
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

recrutados, muitos ex-escravos de famílias aristocráticas locais. Assim,


esse duplo aspecto, civil e militar, comporia o sistema dual referido como
yangban (양반), “dois ramos”. Não é exagero enxergar nesse sistema o
fundamento do reino de Koryo.

Os descendentes de Gwangjong degradariam ainda mais as


autoridades das aristocracias locais, hyangni. Mas não foram tão bem
sucedidos, aparentemente, pois as condições privilegiadas de estudo e
acesso às obras clássicas eram quase restritas a poucos com condições.
Ademais, houve a continuação de um sistema de nomeações
privilegiadas (um), a favorecer alguns membros escolhidos pelo Estado.
O sistema de yangban, assim, consolidou em Koryo uma classe
aristocrática não mais hereditária familiar, mas de literati, conhecido
como munbol. As prebendas e salários de cada eram determinados de
acordo com um sistema chamado de chon sikwa, conforme expressado na
nona injunção. Esse sistema dimensionava os ganhos e propriedades de
cada um de acordo com seu cargo e mérito 15.

A autoridade central do rei tinha seus limites e contenções a buscar


sempre a aprovação do povo, sejam civis ou militares, conforme
expressa a sétima injunção. Com isso, Taejo previu que deveria haver
ampla aceitação do poder monárquico e, assim, a se legitimar pela
aceitação ampla de todos. Em 983, numa ordenação aprovada, foi
decidido que haveria contenções às tendências autocráticas da autoridade
do rei, com as questões vitais de Estado a ser aprovada por um Conselho
de Altos Ministros (Chae Chu). Esse conselho participaria, efetivamente,
das decisões mais cruciais dos assuntos militares e legislativos, algo que
foi típico do sistema coreano em relação aos chineses.

Os problemas mais premente nas décadas iniciais de Koryo foi, sem

15
SHULTZ, Edward J. Generals and Scholars: Military Rule in Medieval Korea.
Honolulu: University of Hawaii Press, 2000, p. 4.

59
EMILIANO UNZER MACEDO

dúvida, com o reino dos khitans perto de suas fronteiras ao norte. Koryo,
de fato, buscou logo se aliar com os chineses que tinham ascendido em
nova dinastia no norte chinês, o de Song, a partir de 960. Para o
desagrado dos governantes khitans que tentaram tudo para negociar suas
fronteiras com os coreanos e assim, conceder a esses a atacar as regiões
setentrionais chinesas. Diante da postura de hostilidade de Koryo, os
khitans atravessaram o rio Yalu em 993 e invadiram as terras do reino
coreano. Mas esses foram logo detidos ao longo do rio Chong chon, e
depois voltaram suas prioridades com suas fronteiras meridionais com
os chineses. Muito dessa reviravolta, aparentemente, foi obra de um
brilhante diplomata de Koryo, Seo Hui (942 - 998) que organizou uma
contraofensiva e depois negociou com as autoridades khitans a cederem
territórios ao longo do rio Yalu a permitir o acesso privilegiado à
estratégica península de Liaodong que fazia fronteira com o reino chinês
dos Songs. Seo Hui, assim, anexou toda região do vale do Yalu e mandou
construir uma série de fortificações visando a proteção das fronteiras de
Koryo. Mas esses acordos não perdurariam sem contestações. Em 1010,
o rei dos khitans resolveu por bem invadir toda a região negociada e
chegou a saquear a cidade de Gaegyeong (Kaesong), uma das capitais de
Koryo, somente se retirando depois que foi a ele prometida a devolução
de toda a península de Liaodong. Oito anos depois, uma nova invasão
dos khitans foi somente detida pelas forças de Koryo graças ao talento
do general Kang Lamchan (948 – 1031), fazendo com que os khitans
desistisse definitivamente em tentar subjugar os coreanos.

A ordem prevaleceu entre o reino de Koryo e os khitans nas décadas


seguintes. No início do século 12, povos jurchens, referidos como jins,
sucederam os khitans na região da península de Liaodong e todo o norte
da China, forçando a dinastia dos Songs a irem mais para as regiões
meridionais ao sul do rio Yangzi (ou Yangtzé), a fundar sua nova capital
em Jiangnin (atual Nanjing, ou Nanquim) em 1129. Apesar dessas
convulsões, as relações entre Koryo e a China dos Songs se
aprofundaram. Os chineses enxergaram os coreanos como aliados
cruciais para conter os jins, e os governantes de Koryo exploraram todas

60
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

as possibilidades dessa aproximação para aprofundar os laços comerciais


e culturais. Como consequência, houve significativo aumento de
comerciantes e comunidades coreanas que viveram em cidades chinesas
ao longo da foz do rio Yangzi, assim como muitos chineses ao longo do
rio coreano de Yesong. As mercadorias mais demandadas dos chineses
eram principalmente sedas, livros, cerâmicas, ervas medicinais, perfumes
e instrumentos musicais. Em troca, Koryo exportava ouro, prata, cobre
e ginseng.

Foi por volta dessa efervescente época de contatos com os chineses


que floresceu a indústria da cerâmica coreana. Essas valiosas peças de
cerâmicas envidraçadas foram inspiradas nas cerâmicas chinesas dos
Songs desde meados do século 10. Nos séculos seguintes, os coreanos
aperfeiçoaram sua própria produção, criando cores únicas
semitransparentes de tons azulados e esverdeados (pisaek, “cor do
martim-pescador”). Famoso pela sua beleza única, foi demandado entre
famílias aristocráticas chinesas e até mesmo entre alguns comerciantes
árabes que tinham se assentado nas cidades portuárias coreanas.

Na sociedade de Koryo, a condição das famílias privilegiadas da


história coreana, antes baseadas no sistema de “ossos” (kolpum), agora
ampliou-se para várias famílias com sobrenomes Kim e Paks. Há
certamente um motivo disso nas 29 esposas que o rei Taejo tomou para
si, e desses descendentes muitos depois uniram-se com líderes locais pela
península. Com o passar das gerações, a tendência era somente aumentar
o número de famílias com esses sobrenomes, pelo prestígio e poder.

No terreno religioso, o budismo fez notável influência no reino de


Koryo. Isso é constatado nas Dez Injunções do rei Taejo, em que é
enfatizada a importância dos preceitos da geomancia budista do monge
Toson. Das dez injunções, quatro demonstram o favorecimento às ideias
budistas do reino de Koryo. Os monges deveriam ser os administradores
dos templos e mosteiros, e esses deveriam ser respeitados. Apesar do
favorecimento explicitado, as construções budistas deveriam ter um local

61
EMILIANO UNZER MACEDO

propício indicado conforme a geomancia. Isso, em essência, visa ordenar


o número e local das construções religiosas no reino, a considerar que
somente assim, a obedecer aos preceitos cósmicos, a ordem e harmonia
do reino de Koryo seria preservada. Tal destaque às ordens budistas
acarretou em consequências sociais. Muitos filhos de famílias nobres
começaram a procurar o sacerdócio. No mundo da política, o budismo
foi considerado pelos governantes de Koryo como doutrina a lhes
favorecer em casos de conflitos com outros povos. E como exemplo da
devoção dos tempos, foi feita a compilação e impressão da primeira
versão da imensa coleção dos ensinamentos de Buda no século 11, o
Tripitaca Coreano, como sinal de devoção a proteger contra os khitans.

A corte de Koryo concedeu títulos e privilégios diversos ao clero


budista, incluindo isenções fiscais para templos e mosteiros. Além disso,
as instituições budistas tiveram generosas doações de famílias poderosas
e prósperas. Esse sistema de privilégios e favorecimentos, ao final,
minou a própria base de arrecadação e poder do reino de Koryo a partir
do século 13. Nem todas as escolas budistas eram favorecidas. Uma
delas, a que enfatiza a meditação, a de Seon (ou Son, 선), foi
especialmente promovida. Isso se deveu em grande parte aos
ensinamentos de Toson que teve à sua influência sobre o rei Taejo. Em
contraste com a aristocracia de Silla que defenderam o conceito da
transmigração da alma a justificar a pureza dos pertencentes ao grupo
dos “ossos” (kolpum), Koryo buscou defender mais o acesso universal da
prática meditativa.

Outro fator foi a geomancia, evidenciada nas recomendações do rei


Taejo a todos a visitar a “Capital Ocidental”, Pyongyang, e ali
permanecer por recomendados cem dias por ano. A cidade era
considerada como idealmente localizada, na correta distância entre as
montanhas e as águas. Isso, com o tempo, fez com que a cidade
prosperasse com as frequentes visitas de viajantes e peregrinos coreanos.
Por outro lado, a geomancia foi usada contra os habitantes ao sul do rio
Gongju (atual rio Geum), violência essa que depois foi mantida por

62
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

séculos na história coreana, possivelmente por essa área ter apoiado


veementemente famílias aristocráticas ligadas ao poder do reino de
Paekche e, sendo assim, foco de resistência a Koryo.

As rebeliões contra o poderio de Koryo advieram não conforme


previsto pela geomancia endossada por Taejo, mas na capital e no norte.
No início do século 12, Koryo enfrentou invasões dos povos jurchens
que tinham destruído os khitans no reino de Liao e estabeleceram a
dinastia Jin (1115 - 1234). Pouco depois de ascenderem na região, os
jurchens expandiram-se mais ao leste e nordeste em direção ao rio
Tumen, pressionando os governantes de Koryo a respeito de suas
fronteiras. Em 1126, um grupo favorável à dinastia Jin na corte de
Koryo, liderado pelo sogro do rei Injong (r. 1122 - 1146), tentou um
golpe palaciano que foi prontamente reprimido. Durante essa
turbulência dos eventos, um outro grupo político de Koryo mais ao
norte buscou tomar as rédeas do poder, inspirados pelas ideias de um
monge budista chamado de Myo Cheong (? - 1135) que defendia uma
ampla reforma política baseadas apenas no budismo e a condenar os
efeitos nocivos das tradições confucianas no Estado 16. Algo revelador
das tensões entres as duas tradições filosóficas no reino coreano, uma de
maior impacto político e institucional conforme as tradições
confucionistas, e outro de cunho mais espiritual e societário como o
budismo.

Os seguidores de Myo Cheong passaram a enfrentar a dinastia dos


jins no norte. E passaram depois a avançar em direção à capital,
Seogyeong (Pyongyang), pois consideravam a outra capital, Gaeseong
(Kaesong) como degenerada de acordo com as interpretações
geomânticas do mestre. Esse movimento de insurreição dentro de Koryo
revelou uma corrente milenarista e buscava revitalizar o reino a combater

16
BREUKER, R. Establishing a Pluralist Society in Medieval Korea, 918–1170:
History, Ideology and Identity in the Koryŏ Dynasty. Leiden: Brill, 2010, pp. 407 –
447.

63
EMILIANO UNZER MACEDO

as forças ao norte da península. Em 1129, o rei Injong aceitou as


sugestões de Myo Cheong e passou a permanecer em Pyongyang por 120
dias, em respeito às antigas injunções do rei Taejo e buscando se conciliar
com os rebeldes que estavam assomando nas regiões do norte do país.
Além disso, o rei Injong mandou construir um novo palácio real de
acordo com as profecias geomânticas de Myo Cheong que dizia que
assim sendo feito no devido local, o reino se tornaria um grande império
que conquistaria os jins e outros estados do leste asiático.

Naturalmente houve uma forte reação de membros da aristocracia


letrada que tinham estudado por anos os preceitos confucionistas. Um
deles, Kim Busik (1075 – 1151), liderou essas inquietações e se opôs
contra a realocação da capital, denunciando as ideias da geomancia como
ilusórias e oportunistas. Vendo-se incapaz de mudar a capital do reino,
Myo Cheong e seus seguidores proclamaram então um novo reino,
pretensiosamente chamado de Grande Império Wi. E buscaram se
refugiar na cidade de Pyongyang em 1135. Kim Busik, ciente das
rebeliões e nomeado como comandante supremo das forças de Koryo,
suprimiu os rebeldes em 1136. Até 1142, Kim Busik permaneceria como
o mais influente membro do Conselho de Altos Ministros de Koryo.

O duro realismo do Estado tinha subjugado as resistências idealistas


populares. Apesar de suprimida, o sentimento popular coreano
começava a questionar a ordem e legitimidade do reino de Koryo. E
muitos consideravam os jurchens ao norte como sujeitos à plena
dominação pelos coreanos, ecoando os antigos domínios do reino de
Koguryo do século 5. A reação de Kim Busik e a elite confuciana letrada
em boa parte alienou-se dos sentimentos gerais da nação.

Em meados do século 12, Kim Busik, talvez visando criar uma base
de legitimidade histórica do reino de Koryo, mandou compilar uma obra
que depois ficaria conhecida como o Sanguk sagi (“História ou Crônica
dos Três Reinos”), que buscou recuar as origens de Koryo até o
venerado reino de Choson e de Silla nos seus tempos de auge. A

64
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

compilação foi inspirada na clássica obra historiográfica chinesa de Shiji


escrita por Sima Qian (145 a. C. – 90 ou 85 a. C.). A obra de Kim Busik
almejou, em suma, corresponder ao império chinês no reino de Koryo.
O Samguk sagi, como resultado, surgiu em 1145 como a primeira grande
obra da história coreana.

A dominação aristocrática de funcionários confucionistas na esfera


civil provocou reações de membros do corpo militar. Oficiais militares,
com frequência, durante as guerras contra os khitans e jurchens,
reclamaram por não terem sido devidamente reconhecidos e
promovidos pelos seus méritos. Para agravar a situação, Koryo
estabeleceu que o comando militar supremo deveria estar nas mãos de
um funcionário civil nomeado, visando assim garantir uma política mais
pacifista e diplomática nos conflitos. No contexto da Pax Sinica, em que
as boas relações foram mantidas entre os reinos asiáticos, essa política
fez perfeito senso. No entanto, com o agravamento das fronteiras e a
crise dinástica chinesa, os conflitos passaram a ser mais frequentes e
duradouros no século 12. Portanto, a classe militar de Koryo sentiram-
se cada vez mais discriminados e desprezados por suas qualidades por
uma classe letrada privilegiada no aparelho do Estado.

Em 1170, vários oficiais militares descontentes organizaram um


golpe de Estado, chefiados por Jeong Jung-bu (1106 – 1179). Foi o início
de uma era de um século de mando militar sobre o poder de Koryo
(Musin Jeonggwon, 무신정권). O golpe foi dado num contexto de crise e
desordem evidentes no reino coreano, rompendo a tradicional harmonia
social. Várias lideranças militares tinham se rebelado, assim como
revoltas camponesas e populares. Uma dessas, foi de escravos em 1198
na capital em Kaesong que, embora reprimida, visou derrubar todo o
sistema estatal de Koryo instigada por um líder chamado de Manjeok (?
– 1198) 17.

17
SHULTZ, Edward J. Generals and Scholars: Military Rule in Medieval Korea.
Honolulu: University of Hawaii Press, 2000, pp. 121-123.

65
EMILIANO UNZER MACEDO

Depois das instabilidades, ascendeu ao poder efetivo um filho de


general da família Choe, Chung-heon (1149 – 1219, após ter conseguido
pacificar as revoltas e afastar os seus rivais em 1196. Uma vez no poder,
o militar buscou assegurar seu próprio corpo de guardas e iniciou um
período de 62 anos de mando militar em Koryo. Em suma, um sistema
de junta militar (chungbang) assumiu o comando da autoridade coreana,
apesar de terem sido mantidas as tradições e famílias reais e aristocráticas.
Mas sob o domínio militar, alguns membros da classe de letrados
confucianos e monges budistas se refugiaram no interior, em mosteiros,
templos e abrigos naturais, e desenvolveram uma tradição de escritos de
questionamento da ordem natural e desenvolvimento espiritual, longe da
realidade política e militar. Alguns outros letrados foram incorporados
ao novo sistema político, como Yi Kyubo (1168 – 1241) que serviu como
primeiro-ministro sob o regime dos Choes após ter escrito uma obra que
comparou a grandeza do antigo reino de Koguryo com o estado atual do
reino em que serviu, na sua obra épica, “O Descanso do Rei
Dongmyeong” (Tongmyong wang pyon) 18.

A virada para o século 13 trouxe novas forças militares nas


fronteiras coreanas e chinesas advindas da vastidão das estepes asiáticas.
Nas primeiras décadas do século, um líder chamado de Temujin (1165 –
1227) conseguiu reunir todo o universo de clãs e nações dos mongóis e
passou a expandir as fronteiras na Ásia Central. No norte da China,
Temujin (ou Gêngis Khan) derrotou o reino da dinastia Jin dos jurchens.
Em 1219, os mongóis chegaram a propor uma aliança com Koryo para
juntos enfrentarem os khitans que estavam se fortalecendo após a queda
de Jin. Durante esse período de negociações, as tensões entre os
coreanos e mongóis aumentaram após o assassinato de um enviado da
corte de Gêngis Khan que tinha ido cobrar um tributo simbólico. Como
resposta, em 1231, os mongóis assolaram as fronteiras ao norte de Koryo

18
KIM, Hunggyu. Understanding Korean Literature.Traduzido por Robert J. Fraser.
Londres & Armonk, Nova York: M. E. Sharpe, 1997, p. 89.

66
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

e tomaram a capital Gaegyeong (Kaesong). Após o qual o governo de


Koryo teve que reconhecer a soberania mongol. Os governantes da
família Choe, considerando a retirada mongol para a região noroeste a
fim de combater os khitans, decidiram por bem organizar uma oportuna
ofensiva a partir de 1232. No mesmo ano, julgando que o norte coreano
e a capital encontravam-se vulneráveis demais, decidiram mudar o centro
político para uma ilha na costa ocidental, Kanghwa, acreditando que os
mongóis não teriam expressão naval.

As invasões mongóis, inevitavelmente, vieram ao longo de quase


quarenta anos, entre 1231 e 1270. E foram muito além da ilha de
Kanghwa, pois o interior da península foi devastado e abandonado à
própria sorte diante dos cavaleiros nômades que saquearam e destruíram
locais e obras históricas coreanas, como a primeira versão do Tripitaca
Coreana. Diante do sacrifício que a população enfrentou nesses anos de
lutas, foram novamente reunidos os ensinamentos de Buda e, depois de
dez anos, foi completada em 1251 uma segunda versão do Tripitaca em
mais de 80 mil placas de madeira. Essa versão ainda hoje se encontra no
Templo Haeinsa. E foi durante esse contexto de crise que os coreanos,
devido à gravidade e premência dos tempos em que podia-se perder para
sempre as suas grandes obras literárias e budistas, aprimoraram a
impressão metálica móvel com mais de dois séculos antes de Johannes
Gutenberg.

As agressões mongóis se arrastaram sobre o regime militar dos


Choes, e isso acarretou em pressões sociais e financeiras sobre toda a
península coreana ao longo do século 13. Embora a capital de Koryo
estivesse numa ilha, havia limites de arrecadação fiscal que era originada
nas propriedades no continente. Em 1258, uma revolta nos círculos do
poder dos Choes estourou numa tomada do poder por outros militares
descontentes, pondo termo ao governo de 62 anos dos Choes. Esse
novo regime, com visão mais pragmática, logo enxergou as vantagens
em abrir negociações com os mongóis, na postura conciliatória de um
governador regional, Kublai Khan (1215 – 1294). Kublai viu essas

67
EMILIANO UNZER MACEDO

possibilidades como uma maneira de ganhar vantagem política sobre os


seus rivais pela sucessão ao poder mongol na década de 1250. Nessa
empreitada, o príncipe de Koryo foi à capital mongol, Karakorum, e
aceitou todas as condições propostas que manteria a monarquia no
poder e a imediata retirada das forças mongóis da península, em troca de
irrestrita lealdade política e militar.

Firmado o tratado de paz, os militares coreanos passaram a lutar


para restabelecer o poder da monarquia em Koryo e a afastar aqueles
ligados ao regime dos Choes. Em 1270, a antiga capital de Koryo foi
restabelecida saindo da ilha de Kanghwa. Houve viva resistência de
apoiadores do antigo regime coreano, principalmente aqueles
pertencentes à guarda do líder dos Choes que depois se refugiaram as
ilhas do sul coreano até serem suprimidos em 1273. Assim, a continuada
guerra contra os mongóis se encerrou na Coreia.

Kublai Kahn, que tinha recebido uma educação com fortes teores
chineses desde a sua juventude, ascendeu ao trono imperial chinês e
proclamou uma nova dinastia, a Yuan, em 1271. Três anos depois, Koryo
tornou-se um reino subordinado ao da China Yuan, estabelecendo uma
série de alianças e casamentos entre as famílias reais dos dois reinos. Sob
a soberania de Yuan, Koryo concedeu amplos territórios no nordeste
para a administração direta chinesa. Além disso, no mesmo ano de 1274,
Koryo relutantemente concedeu forças terrestres e principalmente
navais para uma expedição organizada contra o Japão. A primeira
tentativa de invasão de Kublai Khan às ilhas japonesas deu terrivelmente
errado, com boa parte da frota naval aniquilada por tufões que o regime
do xogunato de Kamakura do Japão à época considerou como de origens
divinas, kamikaze 19.

A obstinação do imperador Yuan não terminou por aí. Depois de ter

19
MACEDO, Emiliano Unzer. História do Japão: uma introdução. San Bernadino,
California: Amazon, 2017, pp. 68 – 70.

68
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

conseguido subjugar rebeldes chinês no sul remanescentes dos antigos


Songs em 1279, Kublai decidiu no ano seguinte a preparar uma segunda
expedição contra o Japão. Em 1281, as forças combinadas de Yuan e de
Koryo, entre outros aliados e mercenários, voltaram-se contra o
arquipélago japonês 20. Dessa vez, igualmente, as forças da natureza
foram dizimadas por tufões e ventos fortes sazonais após terem
permanecido meses no mar. A mobilização e os recursos exigidos nessas
duas expedições de Kublai atingiu o reino de Koryo consideravelmente.

Sob o domínio de Yuan, o povo coreano tinha que entregar uma


enorme carga tributária, que incluía prata, ouro, ginseng, ervas
medicinais entre outros. Ademais, produtos artesanais e mulheres
entravam também na cota exigida pela corte de Yuan, atendendo ao
costume aristocrático mongol de poligamia. No reino coreano, diante da
proeminência dos mongóis, todos aqueles ligados ou aliados tinham uma
série de privilégios, com muitas famílias aristocráticas coreanas a manter
laços matrimoniais com mongóis. Nas províncias coreanas, os grandes
latifúndios concentraram-se ainda mais com a nova aristocracia ligada
aos Yuans que mantiveram privilégios fiscais em detrimento daqueles
não colaboradores do poder. Em cima de muitos excluídos desse
sistema, fermentou-se ideias nacionalistas e anti-mongóis ao longo do
tempo a partir de fins do século 13.

Embora dominados pelos Yuans, a economia e comércio coreano

20
A primeira expedição dirigiu-se principalmente à ilha meridional japonesa de
Kyushu em novembro de 1274. A segunda expedição foi planejada em várias
frentes a serem desdobradas em momento posterior, mas foram obstruídas por
surtos de doenças e fortes ventos nos mares no mês de agosto. Acredita-se que na
primeira expedição foram mobilizados em torno de 15 mil homens mongóis e
chineses e 8 mil coreanos, além de 300 navios de grande porte e mais de 500
menores. YOON, Tae-Ryong. “Historical Overhang or Legacy is What States Make
of It: The Role of Realism and Morality in Korea-Japan Relations” In: GANESAN, N.
(Org.). Bilateral Legacies in East and Southeast Asia. Cingapura: Institute of
Southeast Asian Studies, 2015, pp. 25 – 26.

69
EMILIANO UNZER MACEDO

floresceu com a nova ordem asiática consolidada pelos mongóis. O


crescimento não se deu apenas em escala, mas também na diversidade
de novas demandas e produtos. Pelo mundo dominado pelos mongóis,
abriram-se vias de acesso ao mercado muçulmano. O algodão que havia
se espalhado na China no século 13 foi trazido de lá para a Coreia por
Mun Ikchon (1329 – 1398) que passou a cultivá-lo com grande sucesso
em solo coreano a partir de 1364. Isso provocou uma séria de mudanças
na produção têxtil coreana, na época em que prevalecia os tecidos de
seda e cânhamo. Os Yuans tinham adquirido o conhecimento da
pólvora, inventada pelos chineses em tempos anteriores. Essa
tecnologia, embora cuidadosamente mantida em segredo pelos Yuans,
foi depois aprendida por coreanas que, conjugado com o avançado
conhecimento metalúrgico, passaram a produzir excelentes canhões no
século 14 pelas mãos do inventor e militar Choe Muson (1325 – 1395).
Esse novo armamento coreano foi plenamente usado contra as invasões
de piratas japoneses (wakôs ou waegus em coreano, 왜구) na península no
referido século, como na Batalha de Jinpo de 1380 21.

Novas técnicas agrícolas também se espalharam pela Coreia, como


a irrigação e aragem profunda por meio de livros de cultivos de arroz
vindos da China Yuan. Possivelmente isso explica o considerável
aumento populacional coreano a partir do século 14, juntamente com
uma queda na taxa de mortalidade infantil ligado aos novos
conhecimentos medicinais das plantas. Pois houve um incremento no
número de publicações sobre os estudos medicinais nas mãos dos
letrados hyangni coreanos. As mudanças dos tempos também
repercutiram no mundo espiritual. O budismo, associado aos tempos
decadentes do passado coreano, passou a ser cada vez mais ignorado pela
nova elite coreana que passou a valorizar novamente os estudos
confucianos. Essa retomada tinha sido revitalizada por um estudioso
chinês da dinastia Song, Zhu Xi (1130 – 1200) que buscou uma nova e

21
PARK, Seong-Rae. Science and Technology in Korean History: Excursions,
Innovations, and Issues. Fremont, California, EUA: Jain Publishng, 2005 , p. 82-85.

70
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

revigorante interpretação dos clássicos confucianos a contrapor-se à


metafísica budista. As obras de Zhu Xi tiveram ampla repercussão na
capital dos Yuans e tinham sido trazidos para a península coreana em
1290 por eruditos como An Hyang (1243 – 1306) e Yi Chehyon (1287 –
1367) 22.

22
YU, Chai-Shin. The New History of Korean Civilization. Bloomington, Indiana,
EUA: iUniverse, 2012, p. 102.

71
EMILIANO UNZER MACEDO

72
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

4 O IRMÃO LEAL E O BOM VIZINHO

A morte de Kublai Khan em 1294 engendrou uma série de disputas pelo


trono imperial chinês dos Yuans, afrouxando a dominação e controle
sobre outras áreas asiáticas. Já em meados do século 14, a China
começou a entrar num período de declínio e fragmentação da sua
unidade política, e foi ocupada pelas suas fronteiras por novos povos que
visavam o poder. No sul da China, um líder chamado Zhu Yuanzhang
fundou uma nova dinastia, a Ming (1380 – 1644) visando restaurar a
antiga glória dos tempos Tang e a expulsar os povos bárbaros como os
mongóis de Yuan. Para a perspectiva de Koryo, a desordem no leste
asiático revelou uma oportunidade de recuperar sua plena independência
e soberania.

Diante da desordem nos anos finais do império chinês, o rei


Kongmin (ou Gongmin) (r. 1351 – 1374), último soberano coreano que
foi endossado pelos chineses Yuans, perseguiu todos aqueles ligados ou
aliados aos chineses e buscou rapidamente estabelecer novas relações
diplomáticas com os Mings. Nesse sentido, Kongmin recuperou a
autonomia e boa parte dos territórios a nordeste que estavam sob a
direção dos Yuans.

73
EMILIANO UNZER MACEDO

No âmbito interno, Kongmin, além de afastar a antiga elite pró-


mongol, buscou restaurar os cargos oficiais para aqueles da antiga
aristocracia que haviam sido aprovados nos exames civis e determinados
a defender a ideologia renovada do neoconfucionismo. Os problemas
externos persistiam. Chineses rebeldes, chamados de Turbantes
Vermelhos (em chinês, Hongjīn Qiyi, 紅巾起義), e piratas japoneses
atacavam nas fronteiras ao norte e sul no século 14. Em determinado
momento, os Turbantes Vermelhos chegaram a avançar da península de
Liaodong e a saquear a capital coreana em Kaesong 23, enquanto levas de
japoneses avançaram da costa para o interior.

Houve resistência de poderosas famílias aristocráticas contra os


planos de reformas políticas de Kongmin que, em último momento,
explica o seu assassinato em 1374, aos 44 anos de idade. Para a
posteridade, Kongmin será lembrado pelo seu excepcional talento
artístico e caligráfico.

E foi nesse cenário de guerras e conflitos que emergiram duas figuras


militares, Choe Yeong (1316 – 1388) e Yi Song-gye (1335 – 1408).
Ambos revelaram ter grande senso estratégico, mas diferiram nos seus
planos políticos para o reino coreano. Choe Yeong descendia de uma
próspera família aristocrática e sempre insistiu numa rápida e decisiva
invasão ao norte, na península de Liaodong, para impor a segurança nas
fronteiras contra os chineses. Isso, todavia, iria contra a dinastia chinesa
Ming, algo que desagradava a Yi Song-gye, crescido nas regiões
nordestinas e ciente do complexo e frágil equilíbrio de forças. Assim, as
duas ideias contrastantes representavam os dois veios ideológicos
coreanos da época, uma de cunho mais nacionalista e idealista, e outro
mais realista e globalista.

23
LEE, Peter H. (Org.). Sourcebook of Korean Civilization: Volume Two: From the
Seventeenth Century to the Modern Period. Nova York: Columbia University Press,
1996, p. 326.

74
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Ganhando proeminência ao poder logo após a morte do rei


Kongmin, Choe Yeong lançou ofensivas para a Manchúria em 1388. Yi
Song-ye, reagiu e usou essa expedição como pretexto de uma rebelião a
ser condenada e a perseguida. No verão do mesmo ano, Yi Seong-gye
desceu das regiões norte e atravessou o rio Yalu para chegar à Kaesong
com seu exército. A capital e boa parte dos funcionários neoconfucianos
da elite receberam o novo comandante como herói a renovar o reino em
turbilhão. As esperanças era de que Yi Seong-gye iria erradicar a
corrupção e o sistema de privilégios das famílias aristocráticas. De fato,
Yi Seong-gye, uma vez no poder, passou a implementar uma séria de
reformas agrárias em 1391, apoiado por oficias neoconfucionistas.
Foram implementadas leis fundiárias, em que as propriedades de terras
foram classificadas e designadas a proprietários de acordo com o que
poderia ser tributado. Assim, o Estado poderia afastar o poder e riqueza
das tradicionais e rivais famílias aristocráticas, aumentar seu poder de
tributação e ter maior controle e poder sobre quem era o proprietário, o
fiscal e a mão-de-obra militar e civil. Isso se deu em cima de um cenário
de desordem coreana nos anos anteriores, em que muitas propriedades
eram controladas por aliados aos mongóis, ou a instituições religiosas
budistas isentas de impostos (nongjang) 24.

Essas reformas foram amplamente defendidas pela classe de


neoconfuncianos no aparelho do funcionalismo estatal, conhecidos
como sadaebus. Sob essas leis, os reformistas pretendiam redistribuir
todas as terras de acordo com um novo sistema hierárquico burocrático,
a excluir a antiga classe aristocrática. Os antigos templos e mosteiros e
toda a classe budista, beneficiados no passado por terem sido aliados à
dinastia Koryo, também foram alvos dessa reorganização, passando a ser
objeto de cobranças fiscais e vistos como decadentes e corruptos.

Entre os mais proeminentes neoconfucionistas da época destacou-se

24
CHOY, Bong-youn. Korea: a history. Rutland, Vermont, EUA & Tóquio: Charles E.
Tuttle, 1971, p. 71.

75
EMILIANO UNZER MACEDO

Jeong Mong-ju (1337 – 1392). Nascido em família aristocrática, esse


erudito defendia a reforma do Estado a combater as mazelas e privilégios
do passado e passou a valorizar o corpo burocrático selecionado pelos
rigores dos exames de admissão. Como Yi Seong-gye, era anti-budista e
realista na política externa e entendia que somente uma paz com os
chineses da dinastia Ming poderia fornecer ordem para a consolidação
do reino coreano. No entanto, o erudito se opunha à mudanças
dinásticas na península coreana, ideia apoiada entre os partidários de Yi
Seong-gye. Pois acreditava no princípio confuciana de wangdo (princípio
do soberano, da retidão) 25 que proibia qualquer ato de deslealdade dos
súditos diante da autoridade do rei. Sendo assim, foi opositor de qualquer
golpe a favor do grupo de Yi Seong-gye e de mudança dinástica.
Derradeiramente, Jeong Mong-ju foi calado e assassinado em 1392 por
cinco homens num banquete em Kaesong. Suas convicções e lealdade
ainda ecoam nas linhas de seu mais conhecido poema coreano (sijo),
Dansimga (“Canção da Lealdade”):

Embora eu morra e morra novamente por cem vezes,

E se meus ossos se transformam em pó, e se minha alma permanece ou não,

Sempre fiel ao meu Senhor, como esse coração vermelho pode desaparecer?

(tradução nossa) 26

Outra figura foi um filho de Yo Seong-gye, Yi Bang-won (1367 –


1422), que serviu também como funcionário do Estado e era um literato
neoconfuciano. Mas sua lealdade antes se dirigiu ao seu pai e contribuiu
grandemente para a mudança dinástica, acusando os oponentes políticos
e confrontando os argumentos contrários fundamentados de Jeong
Mong-ju. Defendia que as mudanças deveriam ocorrer quando há
injustiça e desordem no reino, fundamentado nos escritos confucianos.

25
GRAYSON, James Huntley. Korea: a Religious History. Londres: Routledge Curzon,
2002, p. 107.

26
PETERSON, Mark. A Brief History of Korea. Nova York: Infobase, 2010, p. 79.

76
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

No plano político, adveio o momento decisivo em 1392. Foi quando as


forças e partidários de Yi Seong-gye ocuparam a capital e destronaram-
se o rei Gongyang (r. 1389 - 1392) que fugiu para a cidade de Wonju (e
depois onde seria assassinado juntamente com todos de sua família).
Apoiado por neoconfucianos reformistas e militares, Yi Seong-gye foi
entronizado em 5 de agosto de 1392 como o primeiro rei da dinastia
Joseon (ou Choson), sob o venerável nome de Taejo (r. 1392 - 1398).

Mapa: O reino de Joseon no início do século 15 e sua capital Hanyang.

Embora os eventos tenham sido dramáticos, não houve significativas


perdas humanas e conflitos. A dinastia provaria ser uma das mais
longevas da história asiática, pois teria seu termo apenas em 1910. E seu
nome, Joseon, foi decidido após consultas com eruditos
neoconfucionistas coreanos e chineses, nome que remetia ao antigo
reino de Dangun, o lendário fundador do primeiro reino coreano situado
77
EMILIANO UNZER MACEDO

no terceiro milênio antes de nossa era. Em 1394, a capital da nova


dinastia foi mudada para Hanyang (“Fortaleza no rio Han”, 한성), na
região central da península coreana e perto da foz do rio Han 27,
abandonando-se a antiga Kaesong. Em dias atuais, uma vibrante
megalópole de 20 milhões de habitantes, Seul. Há relatos de que quando
fundada, demorou-se anos para cercar com magníficas muralhas de 17
km de extensão e 6 metros de altura cujas quatro entradas apontavam
para os pontos cardeais. Atrás dos muros, tudo foi construído conforme
um planejamento urbano e respeitoso aos princípios da geomancia do
feng shui 28.

Uma vez no poder, o rei Taejo buscou conselheiros e ministros para


ampliar e consolidar suas reformas no Estado. O mais influente desses,
até 1398, foi Jeong Dojeon (1342 – 1398), um fervoroso
neoconfucionista e anti-budista. Uma vez nomeado como o principal
ministro no Conselho de Estado, instância de poder logo abaixo do
monarca, buscou implementar um sistema que seguisse os preceitos
clássicos da obra confuciana Zhou Li (“Os Ritos Zhou”). Jeong Dojeon
acreditava que somente um sistema político baseado no pleno poder
soberano do rei, a ser apoiado por uma classe de letrados treinados nos
ritos e pensamentos neoconfucianos, poderia ser o ideal. E enfatizava
nisso que o monarca deveria ter seus deveres com a ordem cósmico e
dos céus, a ser correspondido por seus súditos em forma de dedicação,
obediência e lealdade, tal como numa relação de pai e filho.

Com tal ardor visionário, seria natural supor que teria oponentes no

27
HAN, Jongwoo. Power, Place, and State-Society Relations in Korea: Neo-
Confucian and Geomantic Reconstruction of Developmental State and
Democratization. Plymouth, Reino Unido: Lexington, 2013, p. 139.

28
Conjunto de ideias a ser materializado no espaço que busca o equilíbrio (tal como
o yin-yang) e influências positivas da ordem da natureza e do cosmos.

78
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

poder. E foi assim que se tornou vítima fatal no processo de sucessão ao


trono real, quando apoiou um outro substituto ao trono rival a Yi Bang-
won, ou Taejong (r. 1400 - 1418), que se tornou no terceiro soberano da
dinastia.

Não obstante a visão de Jeong Dojeon, os ideais neoconfucionistas


foram na maioria realizadas no processo de sucessão e de poder em toda
a dinastia. Numa perspectiva atual, a dinastia Joseon foi um Estado
monárquico autoritário, cujo poder concentrava-se em torno da figura
do rei e de seus mais altos funcionários públicos, conhecidos como
yangbans (양반). O monarca exercia autoridade absoluta sobre seus
súditos, mas delegava, assim como na visão de Jeong Dojeon, o exercício
da autoridade à classe de burocratas aprovados nos disputados exames
públicos (kwago ou gwageo, 과거). Nas províncias, havia uma elite local
(hyangni) que foi destituída da sua antiga condição de classe senhorial de
terras, e que serviam como subordinados ao serviço dos magistrados
yangbans locais enviados da capital. Para evitar poder excessivo, cada
magistrado tinha um tempo de mandato limitado no local.

A mobilidade social era limitada entre várias formas. Além do


duríssimo sistema de exames públicos a ser aprovado, excluía-se da
condição de candidatos os concubinos e seus descendentes. E havia
escolas especialmente preparatórias para os candidatos, cujos custos de
estudo e tempo de dedicação restringia, efetivamente, os exames apenas
a uma elite na capital e nas províncias. Uma vez aprovado no kwago, o
funcionário deveria jurar lealdade e dedicação ao monarca, que delegaria
as suas funções e ganhos de acordo com sua hierarquia burocrática. No
período inicial da dinastia Joseon, havia apenas estimado 10% da
população como yangbans. E esses poderiam depois seguir carreira civil
ou militar, de acordo com as predileções e necessidades do momento.

Esse sistema de funcionalismo perdurou até o início do século 20,


ordenando e sustentando toda a estrutura do Estado e autoridade. A
condição do yangban era de prestígio e sua fama atingia toda sua família
79
EMILIANO UNZER MACEDO

e vila. Tal como na China, era comum casos em que vizinhos e próximos
fossem pedir e pleitear algo para familiares desses notáveis membros. No
alto escalão burocrático, os apontamentos pessoais e políticos eram mais
evidentes. Muitos altos oficiais eram escolhidos por grupos civis e
militares que disputavam a preferência do monarca. Como exemplo,
havia uma longa lista de membros de yangbans que esperavam suas
recompensas e promoções por méritos e senioridades, conhecidos como
kongsin. E essas listas eram priorizadas de acordo com as mudanças
políticas do Conselho de Estado e do rei. Apesar desse sistema de
favorecimento, o funcionário médio e iniciante tinha liberdade para
exercer suas funções sem interferências de cima, e possibilidade de se
dedicar às letras e artes, assim como o mandarinato na China. Na figura
do rei, a dedicação aos registros e crônicas de estudiosos confucianos do
Estado garantiram a detalhada anotação de suas obras e feitos para a
posteridade. Esses registros seriam compilados na grandiosa obra,
“Anais da Dinastia Joseon”, que ainda hoje existe graças ao seu
cuidadoso armazenamento através dos tempos, em inúmeros volumes
desde 1413 até 1865, um dos maiores tesouros nacionais da Coreia.

A figura do líder ideal confucionista por vezes foi correspondida por


alguns soberanos de Joseon. O quarto rei, conhecido como Sejong, o
Grande (r. 1418 - 1450) certamente foi um deles. Entronizado em 1418,
Sejong consolidou a ordem e grandeza do reino coreano, numa época
em que a China dos Mings se estabeleceu em todo o leste asiático, e as
boas relações com os chineses foram mantidas e reforçadas, além da
natural afinidade ideológica confuciana. Sejong se beneficiou por ter tido
um antecessor, o rei Taejong, que eliminou os impedimentos e
rivalidades políticas. Ademais, Sejong teve experientes e veteranos
oficiais e funcionários como conselheiros e ministros.

Na política externa, Sejong avançou ainda mais ao norte, entre os


povos jurchens, ancestrais dos manchus, e ali estabeleceu uma série de
fortes e postos de observação. Isso decorreu de sua eficiente política
militar e de segurança, que buscou favorecer as opiniões nacionalistas de

80
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

seus conselheiros mais graduados, além de ter fomentado incentivos para


inovações técnicas no campo bélico como na inovação de canhões e
meios mais eficientes de armas de flechas, morteiros e armas de fogo. A
ofensiva coreana ao norte foi coroada de sucesso depois das campanhas
do general Kim Jongseo (1383 - 1453) que empurrou as fronteiras até o
rio Songhua.

Em maio de 1419, Sejong, sob o conselho e orientação de seu pai,


Tejong, organizou uma ampla frente ofensiva ao sul, chamada de
Expedição de Gihae Oriental (em japonês, Invasão de Ôei), com o
objetivo de desarticular a ação de piratas japoneses a partir da ilha de
Tsushima. O resultado foi mais de 200 japoneses mortos e mais de 100
feridos, com estimativas um pouco maior do lado coreano. Em
setembro, a trégua adveio e foi assinado o tratado de Gyehae, ao que o
reino coreano conseguiu o pagamento de tributos o líder (daimiô) e sua
clã de Sô da ilha de Tsushima. Em troca, os coreanos prometeram
manter as relações comerciais entre o Japão e a Coreia 29. Após esse
tratado firmado, e com as relações cordiais mantidas com a China, a
política coreana fundamentou-se no preceito confucionista de Mêncio
(372 a. C. – 289 a. C.), sadae gyorin (사대 교린), “relações de respeito aos
grandes e boa vontade com os vizinhos”. Em outras palavras, respeito à
China, e política de boa vizinhança com o Japão, os jurchens e as ilhas
meridionais de Ryukyu e além no Sudeste Asiático. Foi esse princípio
que serviu de base para a política externa coreana durante os próximos
séculos.

Para fomentar a cultura, as artes e o conhecimento, causas


demandadas pela classe dos neoconfucionistas no corpo dos
funcionários e na corte, o rei Sejong promoveu a criação de institutos de
debates e estudos, o Chipyonjon (“Simpósio dos Dignos”), em que as
mais capazes e brilhantes mentes coreanas se reuniram com frequência.

29
PRATT, Keith & RUTT, Richard. Korea: a historical and cultural dictionary. Londres
& Nova York: Routledge, 1999, p. 255.

81
EMILIANO UNZER MACEDO

Um dos resultados mais notáveis desses encontros foi a criação de um


sistema de escrita alfabética coreana de 26 letras, o hangul, em 1446.
Embora guardasse o venerado respeito à escrita chinesa que foi mantida
como sinal de status e erudição, o hangul foi proclamado pelo rei Sejong
visando facilitar o acesso às letras pelas pessoas e criar uma fonte de
identidade coreana. No veio entusiástico das reformas culturais feitas,
Sejong escreveu e publicou inúmeros livros em hangul, muitos deles de
traduções de obras clássicas chinesas sobre o confucionismo, budismo,
ritos, ética, agricultura e sericicultura (criação do bicho-da-seda). As
publicações floresceram diante das melhoras notáveis da impressão
metálica. No campo dos estudos, foram aprimorados os estudos
astronômicos, instrumentos de medição e cálculo pluviométrico e de
observação. Tudo isso estava relacionado ao vivo interesse de Sejong em
promover e melhorar a agricultura coreana. E, de fato, parece que a
população coreana aumentou para cerca de 5 a 6 milhões de pessoas no
século 14.

Apesar desses avanços, o sistema de tributação do reino de Joseon


apresentava problemas notáveis. Muitos membros da sociedade
começaram a ser isentos de cobranças. A classe dos yangbans tinham um
pesado tributo que era repassado à classe camponesa de suas
propriedades. E quase um terço da população era de escravos, os nobi,
tanto do Estado quanto particulares, que não tinham condições de serem
cobrados além de suas pesadas obrigações.

O trono coreano em 1452 passou para Danjong (r. 1452 – 1455) que
reinos por apenas três anos antes que seu tio ambicioso tomasse o poder
monárquico da dinastia de Joseon. Suyang (1417 – 1468), no seu
processo de tomada do trono, rebaixou a condição de Danjong para
príncipe e depois mandou um irmão seu assassiná-lo juntamente com
seis membros partidários de sua causa da classe letrada neoconfuciana.
Suyang, uma vez como rei, passou a ser postumamente referido como
rei Sejo (r. 1455 - 1468), e seu reinado passou por grandes
questionamentos de lealdades. Apesar disso, Sejong mandou compilar e

82
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

codificar as legislações anteriores num novo código, o Kyongguk taejon.


Esse código estruturou o Estado e a os estamentos sociais e econômicos
da monarquia, baseados nos escritos neoconfucianos e a favorecer a
classe de letrados dos yangbans.

O golpe dado por Sejo foi motivo de acirrados debates e conflitos


entre a classe confuciana, que acabou se polarizando em dois campos
partidários: aqueles que apoiaram o golpe defendendo o princípio da
prevalência do poder a prevalecer sobre a fragilidade do poder do
soberano, contra aqueles que defenderam o princípio da regra de direito,
que enfatiza a legitimidade a não ser rompida e descontinuada por
golpes. Entre esses dois grupos opostos, seis eruditos partidários do rei
deposto, Danjong, foram perseguidos e mortos em 1455. Esses
passaram a ser referidos como os “Seis Lealistas Martirizados” (sayuksin)
e os outros seis eminentes eruditos contrários que sobreviveram ficaram
conhecidos como os “Seis Lealistas Vivos” (saenggyuksin).

Esses dois grupos de lealistas, com o passar dos tempos, passaram a


se tornar figuras históricas de inspiração para a defesa da monarquia de
Joseon. Em fins do século 14, um novo grupo de letrados yangban,
simpatizantes dos lealistas martirizados, passou a defender com maior
vigor o princípio do governo pelo direito, e a acusar as tomadas do poder
por golpe como o fez o rei Sejong. Muitos desses eram de classes
ascendentes, ingressos na classe dos yangbans, e distantes das
tradicionais famílias coreanas. Isso reflete a mudança da política
educacional coreana no século 14, que permitia mesmo nas províncias e
distante da capital a candidatos alcançar o status de funcionário por meio
do mérito nos exames admissionais. A grande parte desses ingressantes
vieram das regiões distantes do sul da península, e se inspiraram nos
versos de lealdade escritos por Jeong Mong-ju. Essa nova geração, de
origens mais humildes das províncias e do campo, passou a ser chamada
de sarim, ou letrados rústicos.

A contrapor os membros do sarim, havia aqueles dos letrados que

83
EMILIANO UNZER MACEDO

eram mais conservadores e defenderam o direito da tomada do poder


pela força, sublinhando a necessidade de um forte líder em tempos de
crise e desordem. E foram membros desses últimos, mais atuantes na
corte e na capital que passaram a denunciar e perseguir os membros sarim
em uma série de expurgos em 1498, 1504, 1519 e 1545. Foram mais de
1500 literatos purgados, isso de acordo com um historiador sarim que
acabou ele mesmo sendo destituído de seu cargo público. E pertencente
à mesma classe dos letrados rústicos, Jo Gwangjo (1482 – 1520), tentou
defender a ampla reforma do Estado de Joseon a buscar as puras virtudes
confucianas sem privilégios e partidarismos (seonbi). Essas tentativas de
reformas frustradas e mantido o sistema de privilégios a favor dos
partidários do rei acabou resvalando para rebeliões nas camadas
marginalizadas e no campo. Um desses líderes do interior, Im
Kkeokjeong (? – 1562), filho de açougueiro, organizou exércitos de leais,
escravos, rebeldes e bandidos, que fustigaram e roubaram de viajantes
abastados nas estradas do interior 30.

Alguns grupos de yangban pertencentes ao sarim, os letrados rústicos,


abandonaram qualquer pretensão política e foram morar no interior,
escrevendo, ensinando e estudando em locais remotos ou em grupos
organizados chamados de seowon (서원), espécie de escolas e mosteiros
neoconfucionistas. Primeiramente fundado em 1542 na instituição do
Sosu Seowon, essas instituições depois cresceram em grande número para
mais de uma centena ao final do século. Há relatos de que havia mais de
mil desses no século 19. E acabaram com o tempo se tornando nas bases
de poder dos intelectuais sarim pela Coreia. Apesar de ter um apelo da
erudição e da construção crítica, muitos estudiosos dessas instituições se
voltaram para questões metafísicas, a buscar os princípios cósmicos e da
inserção humana na natureza, para longe do mundo social e político.

Nesse veio de efervescência neoconfucionista, surgiram várias figuras


proeminentes intelectuais no reino coreano. Entre eles, três se

30
HWANG, Kyung Moon. A History of Korea. Nova York: Palgrave, 2017, p. 65.

84
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

destacaram, referidos pelos seus pseudônimos: Hwadam (1489 – 1546),


Toegye (1501 – 1570) e Yulgok (1536 – 1584). O primeiro deles
enfatizou nos seus estudos a primazia da força material, qi (气) em chinês.
Toegye, por sua vez, defendeu o primado do princípio, li (礼) em chinês.
E Yulgok buscou sintetizar as ideias dos dois, a contrapor a força dos
princípios contra os da ordem material, uma força de síntese entre o
idealismo e realismo no plano filosófico. E foram em cima dessas
diferenças que boa parte da militância intelectual e política se deu até o
século 19 na península coreana. Gerações de membros dos yangbans, de
origens diversas e aprovados nos exames de admissão, organizaram-se
em sociedades e grupos literários, pundang, cada qual a defender suas
convicções. A partir de 1575, essas divisões começaram a se manifestar
na capital do reino, basicamente se polarizando em torno dos chamados
“ocidentais” e “orientais” pela localização de suas sedes em Hanyang. A
maioria dos “orientais” eram defensores dos princípios (li) acima das
forças materiais, como argumentou Toegye. Os “ocidentais”, por sua
vez, seguiram a força sintética de Yulgok, a combinar o li com qi. A
partir da morte de Yulgok, em 1584, os partidários de Toegye passaram
a predominar, e depois com o crescimento de sua escola, a disputarem a
primazia intelectual e política coreana até a segunda metade do século
19, precisamente em 1871 pelo rei Daewon-gun (r. 1863 - 1873), quando
os vários seowons foram declarados ilegais e vistos como antiquados e
ameaçadores ao poder coreano.

Nos anos finais do século 16, a ascensão de outro ambicioso líder


guerreiro nas ilhas japonesas ao leste trouxe consequências para a
península coreana. Toyotomi Hideyoshi (1536 – 1598) fez sua notável
carreira ao subjugar os seus rivais pelo controle efetivo da maior das
províncias japonesas. Satisfeito seu apetite no âmbito interno, Hideyoshi
então projetou seus planos para o outro lado do Estreito de Tsushima.
Uma das razões para as invasões sobre a Coreia foi a demanda crescente
do mercado japonês de grãos, linho e algodão coreano, além dos
estimados artesanatos como as cerâmicas envidraçadas. Para tanto,
Hideyoshi passou a exigir do reino Joseon uma retomada maior do fluxo

85
EMILIANO UNZER MACEDO

comercial, algo que tinha sido restringido há décadas depois da ação de


piratas japonesas na costa meridional coreana. A resposta desinteressada
das autoridades coreanas provocou a ira e expedições começaram a ser
organizadas a partir de 1592. Além disso, havia a consideração do rei de
Joseon em consultar as autoridades chinesas Ming, já que mantinha com
eles as devidas relações tributárias. Assim, Hideyoshi mobilizou cerca de
200 mil homens na primavera do referido ano, ano chamado de “Imjin”
de acordo com o calendário chinês, e as tropas japonesas sob o comando
de Konishi Yukinaga, começaram a desembarcar em Pusan (ou Busan)
na costa meridional coreana 31.

De fato, o reino coreano não estava preparado para os eventos da


guerra, pois há décadas vivia no sistema de paz ordenado pelas
autoridades chinesas no leste asiático. A classe dos yangbans e os escravos
estavam isentos do serviço militar, e os camponeses e plebeus pouco
treinados e desmotivados. Por contraste, os japoneses eram veteranos de
combate depois de anos de guerra civil no período chamado de Sengoku
Jidai, “Período dos Estados Beligerantes” (c. 1467 – c. 1607) na história
japonesa 32. Apesar de terem o pleno domínio da produção de canhões,
o lado coreano pouco ofereceu de resistência inicial. Apenas três
semanas depois de Pusan, os japoneses já tinham ocupado a capital,
Hanyang, que provocou a fuga do rei e sua corte para perto da fronteira
com a China no rio Yalu.

Desesperado, o rei coreano Seonjo (r. 1567- 1608) foi buscar então
ajuda do imperador Ming para pedir reforços e apoio. Depois de meses
de hesitações, os chineses mobilizaram-se para a fronteira norte coreana.
Isso ainda se deu depois dos japoneses terem avançado ainda mais ao
norte de Hanyang e saqueado a cidade de Pyonggyang em julho de 1592

31
TURNBULL, Stephen. Samurai Invasion: Japan's Korean War 1592–98. Londres:
Cassell & Co, 2002, p. 48.

32
MACEDO, Emiliano Unzer. História do Japão: uma introdução. San Bernadino,
California: Amazon, 2017, p. 83.

86
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

e ocupado todo o nordeste da península 33. Depois de algumas batalhas


inconclusivas, o lado japonês ofereceu propostas de cessar-fogo,
exigindo condições duras de paz. Os termos foram prontamente
rejeitados pelos representantes coreanos, pois rejeitaram a presença e
controle de japoneses nas estradas e no interior coreano. Foi nesse
sentido que a classe de letrados dos yangbans, parte deles sarim que viviam
e atuavam no meio interiorano, passaram a organizar com milícias locais
forças de guerrilhas voluntárias. Embora não fossem treinados como a
classe dos samurais japoneses, esses guerrilheiros coreanos
demonstraram um notável senso de lealdade confuciana para o rei
coreano e contra os invasores.

Não foi somente em torno dos guerrilheiros que se deu a resistência


coreana. A frente marítima foi notavelmente organizada por um dos
comandantes da Marinha na costa sul, que desempenhou papel decisivo
contra a situação de emergência coreana. O almirante Yi Sunsin (1545 –
1598), apesar de nunca de ter tido antes experiência no mar, foi depois
comparado a grandes líderes navais na história como o almirante inglês
Horatio Nelson (1758 - 1805). Visando conter as frequentes incursões
de piratas japoneses, ele passou a usar navios inovadores de guerra, feitos
de madeira e ferro, depois chamados de Navios Tartaruga (geobukseon,
거북선). Essas embarcações foram usadas em várias ocasiões desde o
século 15 ao 19 na história coreana, e eram característicos por serem
revestidos com placas de ferro e munidas de canhões.

Considerando que as tropas japonesas dependiam das linhas de


suprimento ultramarinas para abastecimento, as batalhas navais do
almirante Yi, ao almejarem os navios japoneses durante as invasões de
Imjin, foram determinantes. Nas batalhas inicias, como as de Okpo e de
Sacheon (1592) o almirante Yi conseguiu atrair a frota japonesa para
baías estreitas da costa sul da península. Depois do seu sucesso em

33
TURNBULL, Stephen. Samurai Invasion: Japan's Korean War 1592–98. Londres:
Cassell & Co, 2002, pp. 72- 73.

87
EMILIANO UNZER MACEDO

batalha, foi nomeado em 1593, como nomeado como comandante das


forças navais coreanas de várias províncias meridionais. De fato, as
proezas de Yi foram tão impressionantes que mesmo os japoneses, na
Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905 realizaram rituais cerimoniais a ele
como um deus da guerra antes das batalhas no Estreito de Tsushima que
aproxima a península do arquipélago japonês.

As mudanças na Guerra Imjin começaram a mudar nos meses


iniciais de 1593, quando os chineses enviaram tropas em grande escala
para reconquistar as cidades coreanas de Pyongyang e Hanyang. Após
impasses e campanhas desgastantes para as forças japonesas, fustigadas
pelas guerrilhas e vendo privadas do suprimento naval, apresentaram
possibilidades de negociações. No verão de 1593, foi declarada uma
trégua entre as partes conflitantes. A ajuda primordial dos chineses
Mings não seria esquecida pelos coreanos. Mesmo assim, a condição de
paz não satisfez por completo nem a ambição de Hideyoshi, nem os
Mings reconheceram o poderio crescentes dos japoneses sobre os
coreanos, considerados como tradicionais parceiros e aliados tributários.

Depois de quatro anos, em 1597, as negociações ainda estavam


pendentes. Para os generais japoneses, Yi Sunsin, agora comandante
supremo de todas as forças navais coreanas, era considerado com
respeito e temor. Para tentar contornar o almirante, os japoneses
chegaram a enviar espiões para fornecer-lhe informações e pistas erradas
da localização das forças invasoras japonesas. Dotado de senso militar e
veterano de guerra, Yi soube não confiar nas fontes passadas, e foi
considerado por muitos da corte de Joseon como desprovido de bom
senso e, assim, foi destituído de seu cargo de comandante. As
consequências disso foram evidentes, a marinha coreana passou a
apresentar claros problemas de comando e coordenação de sua frota.
Sem comando, os navios japoneses passaram a desembarcar na costa
coreana, resultando em avanços terrestres japoneses contra as forças
chinesas e coreanas.

Ciente da grave situação, a corte coreana voltou atrás e nomeou Yi

88
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Sunsin novamente como comandante supremo da Marinha. Yi, uma vez


de volta ao cargo e conhecendo o número de navios em operação buscou
fazer o impensável. Tinha apenas 12 navios de guerra sob seu comando
a enfrentar mais de 50 dos japoneses. A batalha naval de Myeongnyang
ocorrida em fins de outubro de 1597 talvez seja considerada como uma
das mais heroicas da história. Diante das condições adversas e com
inferioridade numérica, Yi conseguiu fazer uso do conhecimento
geográfico das baías e estreitos da costa sudoeste coreana para enfrentar
os japoneses em mar. Os relatos históricos em tempos posteriores não
entram em consenso sobre os números japoneses. Mas o fato é que Yi
Sunsin enfrentou um adversário superior em número e conseguiu a
proeza de ter vencido com todos os seus 12 navios, concentrados em
pontos estratégicos em passagens estreitas e no conhecimento das
correntezas. Após algumas semanas, e com a aproximação do inverno,
os japoneses aceitaram com humilhação a derrota naval. A vitória de Yi
Sunsin permitiu as forças terrestres chinesas e coreanas avançar e atacar
os soldados japoneses na península 34. No ano seguinte, em 1598,
Hideyoshi chegou a falecer, e não houve mais nenhum plano das
autoridades japonesas de invasão coreana.

A Guerra Imjin, ao final, devastou boa parte da Coreia de Joseon,


causando milhares de mortos e dezenas de milhares de prisioneiros além
de incontáveis templos, mosteiros, palácios e tesouros culturais
destruídos ou pilhados. Nesse quadro desolador, houve uma intensa
troca e interação populacional entre coreanos, chineses e japoneses
como em poucas ocasiões na história do leste asiático. Estimados 200
mil japoneses e aproximadamente o mesmo de chineses passaram pelo
solo coreano. Muitos soldados Ming, por exemplo, se estabeleceram na
península e casaram-se com a população local, formando gerações
posteriores de descendentes. Muitos prisioneiros de guerra japoneses
depois naturalizaram-se e também formaram vínculos com comunidades

34
HWANG, Kyung Moon. A History of Korea. Nova York: Palgrave, 2017, pp. 68 –
71.

89
EMILIANO UNZER MACEDO

coreanas. E muitos coreanos, nessa grande e trágica empreitada da


guerra, deslocaram-se e se assentaram no exterior. Dezenas de milhares
foram trazidos e refugiaram-se no arquipélago japonês, muitos como
prisioneiros, sendo que alguns inclusive desses tornaram-se escravos e
depois foram negociados com mercadores portugueses em fins do século
16 35.

Entre esses coreanos expatriados no Japão, muitos foram depois


valorizados pelo conhecimento erudito e artesanal pelos senhores da
guerra japoneses (daimiôs) que os recompensaram com cargos e
generosos estipêndios. O renascimento neoconfuciano japonês do
século 17 em grande parte se deve a eruditos e letrados coreanos que se
tornaram professores e tutores da classe aristocrática. Isso gerou
curiosidade e demanda maior por obras e estudos dos clássicos dos
pensamentos de Confúcio e seus seguidores, além do conhecimento
renovado em agricultura, astronomia e medicina botânica. O
conhecimento da imprensa coreana certamente influenciou o
alastramento de publicações japonesas.

Entre os artesãos coreanos, foram particularmente valorizados os


ceramistas. Há muito existia o gosto nipônico pelas cerâmicas
envidraçadas coreanas e chinesas entre as classes privilegiadas, e isso foi
objeto de ganância entre os produtos pilhados dos piratas japoneses. A
demanda por essas obras foi incrementada com a popularização do
budismo zen que apreciava as peças de cerâmica nas suas cerimônias,
especialmente a do chá, o chadô (茶道). Foi decorrente disso que
ceramistas coreanos deixaram como herança indústrias e técnicas de
fabricação entre seus descendentes no norte da ilha de Kyushu que,
posteriormente, iria frutificar na produção das belas porcelanas Arita 36.

35
PRATT, Keith & RUTT, Richard. Korea: a historical and cultural dictionary. Londres
& Nova York: Routledge, 1999, pp. 350 – 351.

36
DEAL, William E. Handbook to Life in Medieval and Early Modern Japan. Nova
York: Infobase, 2006, p. 299.

90
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Curiosamente, enquanto aumentava a demanda e apreciação dos


tradicionais vasos cerâmicos envidraçados azul-esverdeados pelos
japoneses, na península coreana o gosto começou a apreciar mais as
cores amareladas e cinzentas em porcelanas brancas (baekja) a atender o
interesse da classe yangban da dinastia Joseon. Essa mudança talvez se
explica por atender aos preceitos confucianos da frugalidade e
sobriedade 37.

Passados aproximadamente meio século, em meados do século 17,


os jurchens na fronteira norte da península coreana começaram a
consolidar e expandir sua presença na região da Manchúria e partes do
norte da China. Depreende-se disso que a dinastia Ming se encontrava
fragilizada e dividida politicamente, algo que amplificou as ações de
lideranças rebeldes no âmbito interno e nas fronteiras. Ao oeste, povos
muçulmanos passaram a se rebelar sob o comando de Milayin e de Ding
Dougong contra o governador regional da província de Gansu e
chegaram a ocupar a capital, Lanzhou em 1646 38. Apesar dos dois líderes
chineses muçulmanos terem sido capturados, novas rebeliões
estouraram em 1650 resultando em consideráveis baixas. Ao sul, os
rebeldes chineses foram inspirados a fundar uma nova linha dinástica
Ming, a costa chinesa foi controlada por um talentoso pirata chamado
de Zheng Zhilong (1604 - 1661) cujo filho, Zheng Chenggong (ou
Koxinga), foi adotado pelo imperador local e que depois fundou um
reino chinês separado na ilha de Taiwan em 1661 graças à sua vitória
sobre os holandeses.

Os problemas dos anos finais da dinastia Ming foram ainda mais

37
HOARE, James & PARES, Susan. Korea: an introduction. Londres & Nova York:
Routledge, 1988, p. 143.

38
ROSSABI, Morris. "Muslim and Central Asian Revolts" In: SPENCE, Jonathan D. &
WILLS, John E. Jr. From Ming to Ch'ing: Conquest, Region, and Continuity in
Seventeenth-Century China. New Haven & Londres: Yale University Press, 1979,
pp. 191 - 192.

91
EMILIANO UNZER MACEDO

sérios nas suas fronteiras ao norte. Os jurchens, agora referidos como


manchus, tinham conquistado a península de Liaodong em 1616 sob a
liderança de Nurhaci (r. 1616 - 1626) que proclamou o reino tardio de
Jin, ecoando a antiga soberania. Feito isso, Nurhaci se encontrou na
posição de avançar contra o império Ming que estava em decadência. Na
corte coreana, o grupo dos yangbans mais pragmáticos dominaram as
decisões políticas e conseguiram a atenção do rei Yi Hon (r. 1608–1623)
e passaram a adotar uma postura de neutralidade em relação aos conflitos
dos manchus e os Mings. Em 1623, houve um golpe de poder e foi
entronizado o rei Yi Jong (postumamente chamado de Injo) (r. 1623–
1649) que passou a apoiar aqueles partidários neoconfucionistas mais
ortodoxos que insistiam na lealdade irrestrita aos Mings. Com isso foi
criada a situação que Nurhaci usou como argumento para as invasões
dos manchus ao reino coreano em 1627.

Os eventos na China tornaram-se terminais para o império Ming


quando em 1636, o filho e sucessor de Nurhaci, Huang Taiji (r. 1626 - -
1636; 1636 - 1643) proclamou sua dinastia como verdadeira sucessora
do império chinês e a renomeou como Qing, “Pura”. Diante disso, as
autoridades coreanas inicialmente se recusaram a reconhecer a nova
soberania e suserania chinesa. E assim tiveram que enfrentar novas
invasões de centenas de milhares de manchus, mongóis e aliados em
1636. Em cinco dias, a capital coreana, Hanyang foi ocupada e rendida
às forças invasoras que provocou a fuga do rei Yi Jong e de sua corte
para as montanhas nas cercanias em Namhansan. Depois de um mês e
meio, o rei coreano decidiu se render e, humilhado, se prostrou por nove
vezes em frente ao imperador manchu, Huang Taiji, e se declarou como
vassalo (ou irmão menor, sadae) da nova dinastia chinesa na assinatura
do tratado de Samjeondo 39.

A Guerra Imjin e as invasões manchus trouxeram consequências

39
CHAN, Robert Kong. Korea-China Relations in History and Contemporary
Implications. Hong Kong: Palgrave Macmillan, 2018, pp. 105 – 106.

92
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

profundas no reino coreano da dinastia Joseon. As devastações da guerra


foram assinaladas, mas a maior mudança política se deu na China, onde
a dinastia Ming caiu diante dos manchus em 1644. No Japão, igualmente,
houve mudanças políticas centralizadoras desde a morte de Toyotomi
Hideyoshi em 1598. Suas ações esgotaram os recursos do Estado e
enfraqueceu consideravelmente sua rede de lealdades, permitindo a
ascensão de um outro líder japonês após a batalha de Sekigahara em 1600
que estabeleceria uma dinastia de xoguns (bakufu) no Japão, Ieyasu
Tokugawa (1543 - 1616)40. Em termos de política externa, o reino
coreano posicionou-se como vassalo e tributário da nova China dos
Qings (manchus), e o Japão buscou cada vez mais restringir os contatos
com os estrangeiros a partir dos decretos de 1635 (sakoku) na província
meridional de Satsuma e da ilha de Tsushima. E foi pelo representante
desta última ilha o único contato oficial permitido por séculos entre a
corte coreana e as lideranças japonesas, na cidade portuária de Pusan 41.
Estava implícito nas relações com os japoneses, portanto, que os
coreanos eram os mais próximos e legítimos herdeiros dos valores
confucionistas e precedência nos protocolos de Estado, visto que o rei
coreano seria recebido na capital do xogunato, Edo (atual Tóquio),
enquanto o maior representante japonês, o senhor de Tsushima, apenas
num bairro da comunidade mercantil japonesa de Pusan. Nesse veio, os
coreanos, até mesmo a desconsiderar os manchus como bárbaros diante
dos tradicionais valores chineses dos Mings, começaram a se considerar
como os únicos e legítimos herdeiros civilizados no leste asiático a partir
de meados do século 17.

40
MACEDO, Emiliano Unzer. História do Japão: uma introdução. San Bernadino,
California: Amazon, 2017, pp. 100 – 101.

41
KANG, Etsuko Hae-Jin. Diplomacy and Ideology in Japanese-Korean Relations:
From the Fifteenth to the Eighteenth Century. Nova York & Londres: Macmillan
Press, 1997, pp. 138-145.

93
EMILIANO UNZER MACEDO

94
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

5 OS HERDEIROS DE CONFÚCIO

O restante do século 17 após as invasões manchus e o seguinte século


são em geral considerados como de paz e estabilidade coreana. A
fronteira com a China dos Qings, ao norte, foi negociada estabelecida ao
longo dos rios Yalu e Tumen, tal como se encontra nos dias atuais. É
significativo o fato do governo coreano ter erguido um monumento de
fronteira em 1712 42 um monumento às origens mais remotas da nação
no venerado Monte Baekdu. Embora carregado de simbolismo, a
fronteira ainda seria motivo de discordâncias entre os dois governos nos
séculos seguintes. Outros eventos internos e externos tiveram
repercussão no reino de Joseon, embora isso seja considerado à luz de
que houve notável recuperação e crescimento econômico e social até as
conturbações em fins do século 19.

Os debates políticos durante o reinado de Hyojong (r. 1649 - 1659)


se deu mais em torno sobre rituais confucianos apropriados a respeito
do período do luto de ancestrais (jesa, 제사). Embora pareça trivial, esses
debates provocaram nos tribunais vivas discussões entre os letrados,
alguns deles entendendo que o soberano deveria observar três anos de

42
SHORT, John Rennie. Korea: A Cartographic History. Chicago: University of
Chicago Press, 2012, p. 58.

95
EMILIANO UNZER MACEDO

luto e de guarda diante da morte de um de seus familiares. Outros


argumentaram a favor de um ano de luto como apropriado.

Os debates polarizaram-se em torno de duas figuras acadêmicas da


classe yangban. Um deles, Song Si-yeol (1607 – 1689) e seus
correligionários, referidos como os “ocidentais”, a favor da brevidade do
luto. Outros, “sulistas”, defenderam com argumentos um período mais
prolongado, e foram esses que venceram nos tribunais o debate,
representados por Heo Mok (1595 – 1682). Assim, foram garantidos nos
próximos anos os cargos mais influentes para membros dessa segunda
escola neoconfuciano coreana.

A profundidade do impacto dessa controvérsia ritualística


amplificou-se para a sociedade na segunda metade do século 17. Pois os
questionamentos das obrigações e rituais aos ancestrais - codificados e
promulgados no código de leis Gyeongguk daejeon (경국대전) desde fins do
século 15 - envolveu o papel da família, das responsabilidades dos filhos
e herança. Como exemplo, era entendido pelos textos confucionistas que
os antepassados são responsabilidade apenas do primogênito (jangja,
장자), e a ele cabia a herança. Mas havia a prática coreana, mais
igualitária, de dividir a herança familiar entre todos os filhos e filhas, e as
cerimônias de respeito aos ancestrais cabia a todos numa base rotativa.
Os problemas começaram a se tornar evidentes no século 18 quando
poderosas famílias começaram a questionar os costumes nos tribunais
coreanos. Se a herança caberia, por direito e tradição dos textos, ao filho
mais velho, por que os outros filhos teriam os encargos das cerimônias
dos falecidos? Ou por outro lado, se a herança fosse dividida, por que a
responsabilidade fúnebre era exclusiva da primogenitura? Alguns
começaram a questionar se as filhas deveriam fazer parte das heranças, e
de que essas inovações dos costumes coreanos ao longo dos séculos era
sinal de que a nação tinha se degenerado do caminho dos sábios
confucianos da antiguidade.

As implicações dessas mudanças começaram a afetar o recebimento


96
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

das propriedades da família para as filhas, que passaram a ter direito a


apenas um terço, e depois de algum tempo, nenhuma da parte da
herança. A partir de textos de espólio e patrimônio dos séculos 17 e 18,
indica-se que as mulheres não teriam mais responsabilidades a respeito
das obrigações funerárias dos antepassados, aliviando-as, mas também
as privando dos direitos 43. Nas gerações subsequentes, isso também
afetou o processo de herança para os filhos. Entendia-se que somente
aos filhos, masculinos, teriam direito à herança familiar, o que provocou
uma tendência de adoção em caso de inexistência de um herdeiro
legítimo. Adotava-se, em suma, um primo, sobrinho ou alguém próximo
da linhagem para tal. Até a segunda metade do século 17, os herdeiros
poderiam vir da família maternal ou paternal, mas isso passou a ser
exclusivamente patrilinear na história coreana. Diante disso, os casos de
adoção chegaram a 15% da população coreana, apontando a escala e o
massivo costume de adoção 44.

Outros aspectos da atitude patrilinear baseadas no confucionismo


passaram a repercutir na sociedade coreana. As noivas recém-casadas
deveriam agora mudar para a família do noivo depois de presentear o
dote de casamento. Na nova família, a noiva, sua família e suas filhas
perderiam todos os direitos de herança, e até mesmo o uso do
sobrenome era sempre originado do elemento masculino da família,
visando assim resguardar os direitos da herança. Nesse sentido,
sobrenomes começaram a predominar em várias vilas e localidades
coreanas. Isso era ainda mais corrente entre aquelas famílias tradicionais
de yangbans, e entre famílias mais simples que emulavam as classes
superiores visando ligar-se a familiares poderosos e influentes.

Foi por esse motivo que os documentos genealógicos coreanos se

43
YI, Pae-yong. Women in Korean History. Seul: Ewha Womans University Press,
2008, pp. 25 -28.

44
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, pp. 87 - 89.

97
EMILIANO UNZER MACEDO

tornaram tão importantes no século 18, pois tinham o objetivo de


justificar por linhagem patrilinear os direitos de herança e posse. Esses
documentos apresentam somente as descendências masculinas, com
poucos ou nenhum detalhe das esposas e filhas que, em casos, sequer
são registradas com sobrenome da família do noivo. Ou então eram
referidas apenas como “esposa de”, “mão de” e “filha de” 45. Os clãs e
famílias coreanas, em outras palavras, passaram a adotar um sistema
conservador e estritamente patrilinear, e membros da linhagem feminina
eram ignorados ou escassamente registrados. Era comum, pois,
descendentes das filhas de um eminente membro da família sequer
considera-los como netos, referindo-se a esses como oeson, “netos de
fora” 46.
Essa estruturação familiar e societária coreana, de heranças,
adoções, casamentos e genealogias, refletiu o quadro de mudanças maior
que estava em andamento em fins do século 17. As causas dessas
mudanças ainda devem ser estudadas, mas a base ideológica adveio do
renascimento confucionista no reino coreano da época, ou o
neoconfucionismo, que ganhou destaque e força na política e sociedade
desde o século 14. Outro aspecto a observar foram as pressões
populacionais que a Coreia começou a sofrer com o crescimento
vegetativo no século 17, chegando a um ponto de saturação, e
empurrando os limites da produtividade da terra. Isso, evidentemente,
teve as consequências sobre questões familiares, clânicas e heranças.

Subjacente à preocupação com os devidos rituais e interpretação


dos estudos confucianos em fins do século 17 estava o fato de que a
dinastia Ming da China havia caído e substituída por outra dinastia
considerada como não-chinesa e bárbara aos olhos dos letrados yangbans
e corte coreana. Frente a isso, a Coreia dos Joseon passou a se considerar

45
SETH, Michael J. A History of Korea: From Antiquity to the Present. Plymouth,
Reino Unido: Rowman & Littlefield, 2010, p. 162.

46
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, pp. 89-90.

98
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

como os verdadeiros herdeiros confucianos, e isso orientou toda a sua


série de reformas sociais e políticas nos séculos 17 e 18. A identidade
coreana da dinastia Joseon fundamentou-se a partir disso 47.

No plano político, a Coreia atravessou um considerável período de


estabilidade no século 18, com apenas três reis soberanos. O primeiro
deles governou por quase 45 anos, Sukjong (r. 1674 - 1720) sendo
sucedido brevemente por Gyeongjong (r. 1720 - 1724), e seu sucessor,
por 52 anos, Yeongjo (r. 1724 – 1776). Este último foi o mais longevo
da dinastia Joseon. Yeongjo provou ser notável no trono e como
soberano da Coreia que deixou sua marca pelos seus persistentes
esforços a reformar o sistema de tributação do reino, governar pela ética
confuciana, e minimizar e reconciliar a luta entre as facções políticas e
dos yangbans sob sua “Política da Harmonia Magnífica" (Tangpyeong,
탕평). Sua genuína preocupação com suas virtudes confucianas e seus
súditos ficou gravado nos “Anais da Dinastia Joseon” na página
referente ao dia 27 de julho de 1728:

Oh céus! Nós tivemos inundações, secas e fome nos últimos quatro anos por
causa da minha falta de virtude (...) Como meu pobre povo pode manter seu
sustento sob tais dificuldades?

Apesar de suas virtudes sinceras, o reinado de Yeongjo foi marcado


por dois eventos de magnitudes diferentes. Um deles, de menor impacto
histórico, foi quando sucedeu seu meio-irmão, Gyeongjong, que tinha
morrido sob circunstâncias suspeitas em 1724. Decorrente disso,
surgiram suspeitas de seu envolvimento na morte, mas o caso nunca
chegou a ser esclarecido e provado. O segundo evento foi mais
dramático. Os dois filhos e herdeiros de Yeongjo provaram ser limitados
e incapazes ao trono. Um deles morreu jovem, deixando o outro que
ficou conhecido como príncipe Sado (1735 – 1761). Sado,

47
LEE, Ki-baik. A New History of Korea. Cambridge, Massachusetts, EUA: Harvard
University Press, 1984, pp. 217 – 218.

99
EMILIANO UNZER MACEDO

aparentemente, sofria de transtorno mental, seu comportamento era


mercurial e imprevisível. Descarregava sua frustração nos subordinados
que, por vezes, resultavam em mortes. Seu comportamento era lasciva e
era frequentemente reprimido por suas escapadas à noite e certa vez, até
a cidade de Pyongyang em 1761 48.

Yeongjo, determinado a retificar o comportamento de seu filho,


tentou instilar nele o conhecimento dos clássicos e virtudes pregadas
pelo confucionismo. Depois de anos de esforços infrutíferos, o monarca
decidiu agir da maneira mais extremada, visando conservar o respeito e
continuidade dinástica, matar seu filho. Pois tinha em vista seu neto que
de fato se tornou seu sucessor à altura das expectativas, Jeongjo (r. 1776
– 1800). A morte de Sado ficou gravado para a posteridade conforme os
relatos de sua esposa, a princesa Hyegyong (1735 - 1816). No fatídico
dia, Yeongjo vestiu seu uniforme militar e foi ao palácio de seu filho em
agosto de 1761. O pai exigiu mais uma vez promessas de retidão, mas
logo se viu contrariado. Dias depois, Yeongjo pediu a Sado que
conservasse a honra da família e cometesse suicídio, pois o valor
confuciano preza, acima de tudo, a suprema lealdade filial e obediência
aos superiores. Com a recusa do filho, o rei então chamou seus guardas
e trancaram o príncipe num baú de madeira. Oito dias depois, Sado veio
a morrer 49. Com isso, foi evitado a morte de um membro da família real
por derramamento de sangue e contato corporal, conforme ditava a
tradição coreana.

O século 18 testemunhou uma mudança entre a classe dos literatos,


normalmente aqueles marginalizados e não ocupantes dos cargos mais
influentes do reino de Joseon. Esses passaram a defender uma reforma

48
HYEGYONG. The Memoirs of Lady Hyegyong: The Autobiographical Writings of a
Crown Princess of Eighteenth-Century Korea. Organizado e traduzido por JaHyun
Kim Haboush. Berkeley, Los Angeles & Londres: University of California Press, 2013,
p. 220.

49
Ibidem, pp. 335-337.

100
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

do pensamento neoconfuciano tal como se consolidou entre a elite


coreana, que tinha buscado mais as questões ritualísticas e metafísicas. A
contrapor isso, surgiu a escola silhak (실학), “aprendizado prático”, que
tinha se baseado nos escritos de Yu Hyeongwon (1622 – 1673) e Yi Ik
(1681 – 1763). Esses estudiosos propuseram uma ampla reforma das
práticas e normas confucianas que tinha estruturado o governo. O
primeiro pensador enfatizou um novo sistema de seleção e recrutamento
nas instituições educacionais, e que os exames deveriam ser mais focados
em assuntos administrativos práticos, e não apenas a se basear em obras
clássicas confucianas 50. Apesar de popular entre os críticos e inovadores
membros do silhak, essas reformas não foram implementadas no sistema
coreano.

Apesar dos obstáculos do sistema que tendia a preservar as


tradições, o rei Jeongjo em 1776 criou uma academia real, o Kyujangkak,
nas dependências dos jardins secretos do palácio real em Kurnwon. E
para aconselhá-lo para gerenciar a instituição superior chamou um
eminente membro da escola silhak, Jeong Yakyong (1762 – 1836),
também conhecido como Dasan. Esse estudioso, uma vez se vendo no
seu influente cargo, passou a implementar o ensino do conhecimento
científico e técnico ocidental, especialmente a engenharia civil que era
tema de sua fascinação e curiosidade 51. Isso se deu num contexto
histórico em fins do século 18, pela crescente presença de estrangeiros
na China que deu acesso às obras e estudos ocidentais por meio de
representantes letrados coreanos na corte em Pequim. Mas talvez o
maior legado de Dasan foi a sua ativa supervisão da construção do forte

50
KANG, Jae-eun. The Land of Scholars: Two Thousand Years of Korean
Confucianism. Traduzido por Suzanne Lee. Paramus, Nova Jersey: Homa & Sekey
Books, 2003, pp. 378 – 380.

51
YAKYING, Jeong. The Analects of Dasan, Volume I: A Korean Syncretic Reading,
Traduzido e comentado por Hongkyung Kim. Oxford: Oxford University Press,
2016, pp. 9 -10.

101
EMILIANO UNZER MACEDO

de Hwaseong em Suwon, construído entre 1794 e 1796, uma obra de


engenharia coreana inovadora e fortemente influenciada pelos novos
conhecimentos científicos da época 52.

As transformações sociais se deram também em outras áreas. No


final do século 17, houve um crescimento e prosperidade das atividades
comerciais e, consequentemente, da classe mercantil. Se antes as trocas
comerciais do reino eram basicamente in natura, ou seja, escambo, as
reformas monetárias e tributárias feitas na Coreia, os mercados pelo país
cresceram em atividade e escopo. Ligados aos mercados, as estradas e
portos amplificaram ainda mais os acessos e mercadorias em troca,
alcançando as origens produtivas das mercadorias no interior ou exterior.
A moeda dinamizou ainda mais as transações, e possibilitou maior poder
de tributação do Estado. Assim, grandes centros comerciais começaram
a se estabelecer, como em Kaesong, Pyongyang, Uiji e Tongnae. Esta
penúltima, localizada ao longo do rio Yalu, e a última no sudeste da
península prosperam com os contatos feitos com os manchus e
japoneses, respectivamente.

Antes do século 17, a atividade comercial e tributária era feita com


base do escambo, em bens como arroz, tecidos, ouro, pele e até ginseng.
Em 1678, o governo decidiu fabricar moedas padronizadas de cobre,
baseadas no sistema chinês, mas com um sistema independente.
Eventualmente, em fins do século 18, as trocas monetárias coreanas se
consolidaram de forma soberana. Assim, o valor da moeda passou a ser
a medida das riquezas e da tributação a ser taxada. Essas taxas passaram
a ser calculadas não mais nas dimensões das propriedades de terra, mas
na sua capacidade produtiva. Foram então reformuladas as classificações
fundiárias do reino, em cinco níveis, a depender da fertilidade de cada
unidade agrária.

52
SETTON, Mark. Chŏng Yagyong: Korea's Challenge to Orthodox Neo-
Confucianism. Nova York: State University of New York Press, 1997, pp. 60-61.

102
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Essas reformas fundiárias foram fruto de uma ampla reforma


tributária feita em fins do século 17, chamada de taedong, que buscou
padronizar e simplificar os impostos 53. Em meados do século 18, o
sistema obrigatório de trabalho agrário, semelhante à corveia, foi revisto
e as horas de trabalho foram uniformizadas e tornadas mais justas.
Devido às essas reformas, a indústria artesanal prosperou. E assim a
capacidade de arrecadação tributária do governo ampliou-se. Matérias-
primas, produtos e serviços poderiam agora ser comprados com moeda,
gerando crescimento no mercado privado interno, desde armas até
roupas. O trabalho artesanal passou a contratar mais funcionários
remunerados, assim como nas minas de mineração que passaram para
mãos privadas desde fins do século 17. Um mineral em particular
prosperou enormemente, a prata, pela demanda do mercado chinês.

Na agricultura, houve crescimento de rendimento nas plantações de


arroz com a introdução de novas técnicas e espécies mais produtivas e
resistentes ao clima e pragas. E com isso, a população coreana aumentou
em número. Estudos populacionais da época estimam que em meados
do século 17, a totalidade de coreanos era em torno de 8 a 9 milhões de
pessoas, pulando para entre 13 e 14 milhões em meados do século 18 54
apesar das frequentes epidemias de malária, sarampo, varíola assim como
a fome decorrente de surtos e quedas de colheitas 55.

A sociedade coreana de Joseon em geral era composta por estratos

53
PALAIS, James B. Confucian Statecraft and Korean Institutions: Yu Hyongwon and
the Late Choson Dynasty. Seattle & Londres: University of Washington Press, 2002,
pp. 809 – 811.

54
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, p. 95.

55
MIN, Anselm K. (Org.). Korean Religions in Relation: Buddhism, Confucianism,
Christianity. Nova York: State University of New York Press, 2016, pp. 96 – 97.

103
EMILIANO UNZER MACEDO

sociais com base nos princípios do neoconfucionismo 56, e a mobilidade


era bastante incomum. Havia no topo os yangbans, e depois logo abaixo
chungin (“pessoas do meio, classe média”, 중인), yangin (“plebeus”) e
cheonmin (“pessoas vulgares ou comum”, 천민), que também incluía os
servos e escravos (nobi, 노비). Esses status eram hereditários e os
casamentos entre as categorias eram raras ou desconsideradas como não-
oficiais. A imobilidade maior era mais estrita na medida em que se subia
de status social, sendo quase impensável a entrada de pessoas comuns
ou escravos de serem yangbans. Plebeus poderiam, teoricamente, prestar
os exames de admissão à classe dos letrados, mas os custos e tempo de
dedicação aos estudos de admissão. E mesmo se fosse aprovado, seria
necessário fornecer sua linha genealógica, a qual uma família plebeia não
teria registro.

As guerras e o crescimento dos mercados e cidades provocaram


mudanças nesse rígido sistema social. Entre os nobi, após as guerras
contra os japoneses e manchus nos séculos 16 e 17, muitos se viram
libertados por terem prestado serviço militar. Ademais, houve série de
leis foram implementadas entre 1669 e 1731 que libertava os filhos de
mães comuns, mesmo se o pai fosse um nobi 57. Isso, com o tempo,
diminuiu consideravelmente os escravos e servos da sociedade coreana
ao longo dos séculos 18 e 19, com o fim oficial da escravidão vindo a
acontecer somente em 1894.

Apesar dessas mudanças, a classe yangban tentou manter seu status


exclusivo e privilegiado dos outros. Ao contrário da China e de outras
nações do leste asiático, a Coreia de Joseon discriminava aqueles

56
SETH, Michael J. A History of Korea: From Antiquity to the Present. Plymouth,
Reino Unido: Rowman & Littlefield, 2010, pp. 157 – 158.

57
PALAIS, James B. Politics and Policy in Traditional Korea. Cambridge,
Massachusetts, EUA & Londres: Harvard University Press, 1991, p. 307.

104
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

nascidos de esposas secundárias ou concubinas, chamados de soja 58. Essa


singular discriminação havia sido iniciada no reinado de Taejong no
início do século 15 que tinha lutado pelo trono contra seu meio-irmão.
Assim, a tradição real considerava apenas uma esposa oficial para efeitos
de herança ao trono, embora as relações extramaritais fossem liberadas.
Isso foi estendido para as classes privilegiadas da sociedade como os
yangbans. Considerando que os sojas eram, portanto, excluídos dos
direitos da família, esses filhos ilegítimos não poderiam provar sua
linhagem genealógica e, portanto, impedidos de assumirem postos
oficiais mesmo se aprovados nos exames.

O crescimento da economia coreana nos séculos 17 e 18 provocou


um aumento e prosperidade da classe mercantil, plebeus, que poderiam
casar-se com membros de famílias de yangbans e inserir-se na linhagem
genealógica, possibilitando assim acesso aos exames de admissão aos
cargos oficiais (gwageo). Por consequência disso, na virada do século 19,
a classe yangban que era estimada em torno de 10% da população
coreana aumentou para mais de 50% na virada do século 19. E houve
notável inchamento da classe média, chungin, composta por médicos,
advogados, astrônomos e intérpretes e pequenos burocratas. Isso se deu
num contexto de crescimento urbano e com os sojas que não
conseguiram adentrar a classe yangban. Foram os chungins que foram os
maiores defensores das novas ideias advindas do conhecimento
ocidental que iria se tornar evidente no século 19.

Esse dinamismo social, naturalmente, refletiu-se nas artes e


literatura coreana. No campo da literário, houve a notável figura do
escritor e intelectual Heo Gyon (1569 – 1618) que buscou nas suas linhas
uma nova sociedade confuciana a combater os vícios e privilégios da
realidade coreana. Conta-se que foi esse o autor do clássico, “A História

58
HABOUSH, JaHyun Kim & DEUCHLE, Martina (Orgs.) Culture and the State in Late
Choson Korea. Cambridge, Massachusetts, EUA & Londres: Harvard University
Press, 1999, p. 54.

105
EMILIANO UNZER MACEDO

de Hong Gildong”, em que o personagem principal, um soja, ou seja um


filho ilegítimo, luta e anseia por justiça possivelmente inspirado na figura
do século 16, Im Kkeokjeong 59. Outro autor em meados do século 18,
Bak Jiwon (1737 – 1805) expôs com igual veemência a hipocrisia dos
yangbans no seu livro “A História de Ho Saeng” que conta as
experiências amargas da classe humilhadas dos comerciantes frente às
arrogâncias dos letrados. Um livro que teria grandes consequências para
a literatura coreana foi um romance escrito em hangul de autoria
anônima, “A História de Chunhyang”. A obra conta a paixão de uma
jovem filha de uma concubina por um membro yangban de uma
tradicional família de magistrados 60. As linhas mais comoventes
mostram a lealdade e integridade da jovem frente às inconstâncias do
amado e das pressões conservadoras da sociedade coreana. Ao final, os
dois se casam refletindo os ventos de mudança que estava tomando a
dinastia Joseon em fins do século 18. Essa história depois teria larga
repercussão no teatro coreano, pansori (판소리).

O século 18 testemunhou um renascimento cultural coreano. Novas


tendências e escolas de filosofia e literatura ecoaram as mudanças dos
valores e questionamentos na sociedade. Nas artes, a pintura coreana
passou a enfatizar o retrato de paisagens coreanas, em vez daquelas
tradicionalmente copiadas das paisagens do sul da China que tinham se
tornado cânone artístico desde a dinastia chinesa Song do século 10. Um
dos mais celebrados artistas desse veio foi Jeong Seon (1676 – 1759) que
retratou a beleza única de Kumkangsan (ou Geumgangsan), “Montanhas
de Diamante”, e de outras paisagens naturais coreanas 61. Também no
campo da pintura, destacou-se Gim Hongdo (1745 – 1806 ? 1814?),

59
HWANG, Kyung Moon. A History of Korea. Nova York: Palgrave, 2017, p. 95.

60
Ibidem, pp. 95 – 96.

61
LEE, Soyoung; DAEHOE, Ahn; CHANG, Chin-Sung & SOOMI, Lee. Diamond
Mountains: Travel and Nostalgia in Korean Art. New Haven & Londres: Yale
University Press; Nova York: The Metropolitan Museum of Art, 2018, pp. 13 - 42.

106
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

conhecido como Danwon, que pintou sublimes obras realistas em fins


do século 18. Foi pelas suas mãos que foram feitos retratos oficiais dos
membros da realeza da dinastia Joseon, e igualmente de cenas cotidianas,
desde estudantes, trabalhadores, mulheres e diversas cenas da natureza
62
.

62
LEE, E-Wha. Korea's Pastimes and Customs: A Social History. Traduzido por Ju-
Hee Park. Paramus, Nova Jersey: Homa & Sekey Books, 2006, pp. 197, 246.

107
EMILIANO UNZER MACEDO

108
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

6 O REINO EREMITA

A ordem internacional no leste asiático no século 19 apontava para


mudanças. Estrangeiros começaram a pressionar a abertura dos portos e
entrada de representantes na costa chinesa e japonesa. Na China, a
assinatura do Tratado de Nanquim em 1842 que deu termo à Primeira
Guerra do Ópio (1839 – 1842) sinalizou a fragilidade da corte dos Qings
frente aos ocidentais. Na ótica dos Joseons, que desde 1636
reconheceram-se como aliados nominalmente tributários dos chineses,
o evento foi significativo, pois as notícias chegaram através dos enviados
à corte em Pequim. Ao Japão, a Coreia tinha restringido os contatos com
o xogunato dos Tokugawas desde 1609, somente permitido através do
senhor local de Tsushima que pagava tributo nominal aos coreanos. Em
1854, mesmo o Japão foi forçado a abrir seus portos para os EUA após
ter sido pressionado pela frota do Comodoro Matthew C. Perry (1794 -
1858).

Os eventos iniciais de mudanças no leste asiático desdobraram-se


para ainda mais nas proximidades do reino coreano. Em 1858, a China
dos Qings cedeu, envolvida na repressão dos rebeldes Taipings,
províncias costeiras de seu império a nordeste para a Rússia sob a
pressão do Conde Muraviev, dando a esse país acesso marítimo das
extensões siberianas. E, assim, estendendo as fronteiras russas com a

109
EMILIANO UNZER MACEDO

península coreana através do rio Tumen. Isso foi concretizado após a


assinatura do Tratado de Aigun, que revistou a fronteira russo-chinesa
estabelecida desde o Tratado de Nerchinsk de 1689 63. Apesar disso, a
Coreia ainda se encontrava isolada dos ocidentais, tanto em termos
diplomáticos como geográficos. A leste, o arquipélago japonês, e ao sul
e oeste pelo império chinês, fez com que os interesses imediatos dos
ocidentais se concentrassem nesses dois governos, que adiou os contatos
ocidentais com a corte Joseon por mais algumas décadas até fins do
século 19.
O reino coreano, diferentemente do Japão que tinha negociado uma
tímida presença de legações portuguesas e holandesas desde o século 16,
historicamente havia restringido seus contatos com o contato ocidental,
restringido seus acessos portuários a representantes oficiais japoneses e
chineses. Na ótica ocidental, isso criou a percepção de que a Coreia era
uma espécie de “reino eremita”, isolado e subordinado ao império chinês
e adepto aos preceitos confucionistas pela sua corte de funcionários
letrados, yangbans. Apesar disso, a influência ocidental começou a se fazer
sentir no reino coreano. Grande parte disso se deveu a mercadores e
representantes coreanos na capital chinesa, que trouxeram de volta
livros, ideias e produtos ocidentais desde o século 18 64. Uma dessas
inovações foi o catolicismo, presente na China na presença de
missionários estrangeiros. Isso revelou-se singular, pois a entrada dessa
influência na Coreia, ao contrário das outras nações no leste asiático, se
deu por via indireta, através de contatos chineses, e passou a ser mais
gradativo e menos impositivo.

A bem da verdade, o catolicismo foi introduzido entre os coreanos


aos poucos estendendo-se desde fins do século 16 por livros traduzidos

63
TZOU, Byron N. China and International Law: the boundary disputes. Nova York:
Praeger, 1990, p. 47.

64
CHOI, Jai-Keun. The Origin of the Roman Catholic Church in Korea: An
Examination of Popular and Governmental Responses to Catholic Missions in the
Late Chosôn Dynasty. Seul: The Hermit Kingdom Press, 2006, pp. 9 – 14.

110
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

ao chinês em Pequim 65. Pela dinâmica gradual e estendida ao longo do


tempo, os coreanos passaram a absorver e reinterpretar esse novo
“aprendizado ocidental” (seohak, 서학), não como uma forma impositiva
de dogmas religiosos, mas como um conjunto filosófico a rever e
repensar a ortodoxia neoconfucionista do reino Joseon. Portanto, as
ideias ocidentais e o catolicismo foram antes de tudo objeto de interesse
de estudiosos coreanos que depois passaram a propagá-los na sua terra
nativa.

Nessa conjuntura, destacou-se a figura de um dos primeiros


coreanos convertidos ao catolicismo, Yi Sung-hun (1756 – 1801),
batizado em 1784 por um missionário ocidental em Pequim. Ao voltar
para a Coreia, seu ardor religioso e heterodoxia filosófica atraiu
seguidores entre yangbans descontentes com a tradição, intérpretes,
comerciantes, médicos e membros da classe média (chungin). Com o
crescimento desses, os oficiais do governo passaram a pleitear nos
tribunais meios de suprimi-los, invocando a tradição e costume de
proibição de contatos não-oficiais com o estrangeiro. Diante disso, foi
proclamada em 1785, com os pedidos do inspetor geral Yu Ha-won, uma
lei de impedimento ao espalhamento do credo católico considerado
como herético à ortodoxia coreana e à importação de livros católicos e
similares do pensamento ocidental 66. Além disso, surgiram acusações de
negligência dos cultos de ancestrais por alguns católicos coreanos que
foram ameaçados de pena de morte.

65
Muito dessa curiosidade inicial coreana adveio das obras traduzidas do jesuíta
atuante e influente na corte chinesa, Matteo Ricci (1552 – 1610), na sua obra “A
Verdadeira Noção de Deus” (天主實義), publicado em Pequim em 1603 e
traduzido à época para várias línguas asiáticas.

66
KWANG, Cho. The Choson Government´s Measures Against Catholicism. In: YU,
Chai-Shin (Org.). The Founding of Catholic Tradition in Korea. Fremont, California:
Asia Humanities Press, 2004, p. 105

111
EMILIANO UNZER MACEDO

Essa reação conservadora do governo coreano indicou a crise que


o sistema ortodoxo neoconfuciano começou a revelar no início do
século 19. Houve um movimento de puristas neoconfucianos, referidos
como wijong choksa (“defesa da ortodoxia, rejeição da heterodoxia” ou
“defesa dos ensinamentos legítimos de Confúcio, rejeição dos falsos
ensinamentos”) que repudiaram qualquer influência estrangeira. Isso se
combinou com a dominação de elementos conservadores de yangbans
no governo coreano que decidiram por decreto em 1801 a perseguir e
matar os convertidos católicos (“Perseguição Sinyu”, 신유박해),
resultando na morte de mais 300 coreanos, muitos pertencentes à críticos
e oposicionistas do sul da península. Esse ato marcou historicamente o
reino coreano, com uma elite conservadora e coibir qualquer
manifestação estrangeira suspeita 67. E isso ampliou-se para uma política
de Estado referendado pelo monarca Sunjo (r. 1800 - 1834) – que à
época tinha apenas 11 anos de idade - e influenciado pelas convicções de
sua bisavó e regente, a rainha Jeongsun (1745 - 1805).

Apesar da curiosidade e inquietação de setores da sociedade coreana


pelos novos conhecimentos revelados nos livros e estudos ocidentais, o
reino de Joseon tomou a crucial decisão de impedimento. Tendo isso em
mente, as demandas por reformas e inovações no reino coreano
passaram a ser desencorajados ou mesmo condenados. Em contraste, as
ideias de inovação passaram a se alastrar em movimentos e grupos
clandestinos, e muitos desses tinham contatos com os estrangeiros como
comerciantes e figuras marginalizadas da sociedade.

A tradição ortodoxa e seu sistema de privilégios a poucos pelos


yangbans passaram a ser alvo de denúncias e ódio da população em geral.
E isso explodiu em revoltas populares abertas contra uma monarquia
vista como corrupta e atrasada. Em 1811, um candidato a yangban que
tinha sido reprovado nos exames admissionais, Hong Gyong-nae (1780

67
GRAYSON, James Huntley. Korea: a Religious History. Londres: Routledge Curzon,
2002, p. 143.

112
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

– 1812), liderou um grupo de fazendeiros e camponeses no noroeste da


península e chegaram a tomar o controle de um forte da região, o de
Jeongju. Após cinco meses, as forças do governo suprimiram a rebelião
68
. Decorridos quase 50 anos, outra grande rebelião ocorreu em Jinju em
1862, conhecida como a Rebelião Imsul. As causas desse
descontentamento vieram dos abusos e irregularidades dos
arrecadadores fiscais, provocando a indignação de camponeses e plebeus
69
. As revoltas depois se espalharam para mais de 70 cidades e vilas, e
foram tomadas muitas propriedades, seus estoques de comida e a prisão
de alguns membros do governo, como o yangban magistrado, Baek
Nakshin.

O reinado de Cheoljong, o 25º rei da dinastia Joseon terminou com


sua morte em 1864, sem deixar um herdeiro. Diante disso, houve
momentos de indecisão sucessório, e os grupo de altos funcionários
conservadores, pertencentes ao chamado grupo dos “Patriarcas”,
originados em boa parte da região de Andong do clã dos Kims, clamaram
para que fosse apontado um membro de seu clã que tradicionalmente
ocuparam o trono. A decisão sucessória, por direito, cabia à rainha viúva
mais velha, Sinjeong (1809 - 1890), que por pertencer a outro clã,
apontou como herdeiro um de seus familiares de 11 anos, o príncipe
Gojong. Para reger em nome do jovem príncipe, foi escolhido o príncipe
Heungseon – recebendo assim o título de Daewongun (“Grande
Arquiduque”) – que assumiu o controle do reino de 1863 a 1873 até a
maioridade do herdeiro.

Heungseong foi, portanto, o rei de fato de Joseon durante um


período crucial de sua história. Nascido na família real e forte adepto do
neoconfucionismo, esse regente sempre tinha se indignado com as

68
LEE, Sang Taek. Religion and Social Formation in Korea: Minjung and
Millenarianism. Nova York & Berlim: Mouton de Gruyter, 1996, pp. 80 – 81.

69
SETH, Michael J. A History of Korea: From Antiquity to the Present. Plymouth,
Reino Unido: Rowman & Littlefield, 2010, p. 20.

113
EMILIANO UNZER MACEDO

práticas abusivas e corrompidas do passado, em especial contra os


privilegiados membros do clã dos Kims de Andong. Ao chegar ao poder,
o Daewongun passou então a conter a influência proeminente daquele clã,
e assim concentrou-se a minar as bases do poder da classe yangban pelo
reino. Para tanto, nomeou pessoas com reconhecido talento e mérito da
classe dos plebeus e de letrados que tinha sido marginalizado do poder,
como aqueles originados do sul da península.

Assim, o regente ganhou cada vez mais popularidade entre as classes


populares e dos camponeses, ainda mais quando promoveu uma ampla
política de financiamento e empréstimo para o plantio de grãos nos
campos, a conter as rebeliões do passado coreano. A fim de ganhar mais
popularidade popular, Heungseong empreendeu a ambiciosa tarefa de
restaurar o Palácio de Gyeongbok (Gyeongbokgung), um dos maiores
palácios dos Joseons, que tinha sido destruído durante a Guerra Imjin de
fins do século 16. Para custear tal empreitada, o regente passou a taxar
os yangbans, que até então tinha gozado de considerável isenção fiscal.
E passou a recorrer a doações privadas para cobrir as despesas, e
mobiliou ampla força de trabalho das províncias.

No aspecto externo, o reino coreano começou a ser alvo de


interesse internacional. Um dos primeiros contatos registrados de
ocidentais se deu por acidente de um navio mercante britânico, em 1832,
cuja tripulação chegou a desembarcar na costa ocidental coreana e
chegou a ser hospedada e mandada de volta às embarcações quando
reparados os danos. Nas décadas seguintes, outras embarcações de
ocidentais passaram a ocorrer na costa coreana. Muitos desses estavam
determinados a fazer contato duradouro com as autoridades, mas
desconheciam a prática tradicional coreana de remeter os contatos com
estrangeiros para a corte em Pequim, a respeitar sua condição de reino
tributário. Decorrente disso, os ocidentais na Coreia foram
sistematicamente evitados ou rejeitados.

No verão de 1866, um navio mercante dos EUA, Surprise, naufragou

114
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

perto da costa noroeste e sua tripulação foi resgatada com a devida


hospitalidade. Depois de tratados, os oficiais coreanos devolveram-os à
China. Dois meses depois, em julho, outro navio americano, General
Sherman, vindo do porto chinês de Tianjin e armado com canhoneiras,
penetrou o rio Taedong até alcançar a cidade de Pyongyang em busca da
abertura do mercado e comércio 70. Desta vez a população coreana
reagiu, incendiando a embarcação e matando sua tripulação. Um dos
magistrados de Pyongyang, Bak Gyusu (1807 – 1877), acreditou que a
embarcação tinha violado a ordem tradicional coreana ao invadir o
território do reino sem antes ter obedecido ao processo diplomático.

O Daewongun não tinha experiência nem conhecimento suficiente da


política internacional quando esse incidente ocorreu, e considerou
qualquer presença estrangeira como fonte em potencial de agressão e
ameaça. Ao invés de ter feito o contato direto com os americanos, o
regente coreano seguiu a tradição de respeitar a suserania chinesa nos
casos de contatos estrangeiros. Sua política refletia a percepção da classe
yangban defensores dos preceitos neoconfucianos. Visando preparar-se e
combater futuros enfretamentos, Heungseon passou a erguer vários
avisos inscritos em estelas de pedra avisando a população a evitar
negociar com os ocidentais e combatê-los 71.

Nesse sentido, o regente coreano passou em 1866 a perseguir

70
MATRAY, James I. Crisis in a Divided Korea: A Chronology and Reference Guide.
Santa Barbara, California: ABC Clio, 2016, p. 26.

71
Essas estelas são conhecidas como “Estelas de Rejeição à Reconciliação”
(chokhwapi) e foram depois retiradas em 1882 após os acordos assianados com
governos ocidentais.

KIM, Sebastian C. H. Pyongin pakhae and Western Imperial Aggression in Korea. In:
BECKER, Judith & STANLEY, Brian (Orgs.). Europe as the Other: External
Perspectives on European Christianity. Göttingen, Alemanha: Vandenhoeck &
Ruprecht Press, 2014, p. 73.

115
EMILIANO UNZER MACEDO

qualquer estrangeiro e ideias ocidentais no reino Joseon. Assim, foi


decidido novamente reprimir com vigor o catolicismo que tinha crescido
em número de adeptos para em torno de 23 mil, graças à atuação de
alguns padres jesuítas franceses 72. Na repressão adotada, cerca de 8 mil
coreanos convertidos e nove missionários franceses foram executados
diante dos tribunais coreanos, no episódio conhecido como a
“Perseguição Pyong-in” (Pyongin pakhae). Como resposta à notícia, o
imperador francês, Napoleão III, decidiu retaliar e mandou no outono
de 1866 uma frota naval de sete navios de guerra sob comando do
almirante Roze a invadir e ocupar a ilha de Kanghwa que protegia a costa
da capital do reino 73. Como resultado, as forças francesas ocuparam e
saquearam os valores da ilha e, durante o mês de posse da guarnição
coreana, exigiram a pronta punição daqueles responsáveis pela morte dos
missionários franceses.

Apesar do sucesso ofensiva sobre a ilha, os franceses não


conseguiram enfrentar as forças defensivas coreanas de canhões nas
fortalezas nas redondezas. Com o resultado da retirada dos franceses
sem qualquer acordo diplomático feito. Com isso, foi criada a impressão
de que os coreanos poderiam resistir à presença dos ocidentais. Em 1871,
cinco anos depois do incidente do navio americano, o General Sherman, o
governo dos EUA passou a exigir a abertura forçada da Coreia para o
comércio. Foram enviados o representante dos EUA em Pequim,
Frederick F. Low, e o comandante da frota de cinco navios de guerras,
o contra-almirante John Rodgers. Excessivamente confiantes, os navios
americanos adentraram o rio Taedong que passou por uma ampla
fortificação de suas margens depois da invasão francesa. Assim, as

72
CHOI, Jai-Keun. The Origin of the Roman Catholic Church in Korea: An
Examination of Popular and Governmental Responses to Catholic Missions in the
Late Chosôn Dynasty. Seul: The Hermit Kingdom Press, 2006, p. 218.

73
KANG, Jae-eun. The Land of Scholars: Two Thousand Years of Korean
Confucianism. Traduzido por Suzanne Lee. Paramus, Nova Jersey: Homa & Sekey
Books, 2003, p. 432.

116
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

baterias coreanas abriram fogo contra os americanos que, embora


tivessem tomado o controle de alguns fortes, não conseguiram impor
derrota decisiva sobre a defesa coreana.

Encorajados pela aparente vitória sobre os franceses e americanos,


as autoridades coreanas sob a regência de Heungseon passaram a
reforçar as ideias tradicionais de relações com o leste asiático. No
entanto, o Japão tinha atravessado um febril período de mudanças desde
a abertura de seus portos em 1854. Com a ascensão do imperador Meiji,
em 1868, os japoneses passaram a reconsiderar a limitada relação com
os coreanos que era até então feito exclusivamente pelo senhor (daimiô)
de Tsushima desde 1609, a quem os coreanos trataram, pelo protocolo
estabelecido, como subordinado. O Japão Meiji começou a exigir novos
acordos nessa relação, a refletir os princípios do direito internacional
originados dos ocidentais. Ao tomar conhecimento das mudanças
políticas e jurídicas do reino japonês, o Daewongun começou a considerar
o reino japonês não mais como nação vizinha, mas como parte dos
“bárbaros ocidentais”, assim juntando-os aos outros estrangeiros. Em
suma, a política de Heungseon passou a ser cada vez mais antiocidental
e, em igual medida, anti-japonesa.

Em 1874, o regente foi obrigado a se retirar do poder pois o legítimo


herdeiro, o príncipe Gojong, tinha alcançado a maioridade. Essa
mudança no trono veio com as denúncias feitas por um yangban, Choe
Ik-hyeon (1833 – 1906) que passou a criticar toda a política do regente
anterior que tinha isolado excessivamente o reino coreano. Com isso, e
com a ascensão do novo rei, a influência de Heungseong e seus
partidários começou a gradativamente diminuir na esfera política
coreana a partir do último quarto do século 19. O rei, postumamente
referido como Gojong (r. 1874 - 1897), acabaria sendo dominado por
membros de sua família de parentesco de sua esposa, a rainha Min (1851
– 1895) 74.

74
YI, Pae-yong. Women in Korean History. Seul: Ewha Womans University Press,
117
EMILIANO UNZER MACEDO

O novo rei coreano estava ansioso em demonstrar a condição


invicta do reino frente aos estrangeiros. Isso, no entanto, colidiu com a
crescente ambição japonesa que, em 1874, mandou uma carta à corte de
Joseon demandando abertura do mercado coreano. Os termos da carta
não respeitaram mais o conceito de iguais, de nações vizinhas (gyorin),
mas refletiu as mudanças políticas japonesas baseadas no direito
internacional. Esse movimento nipônico ia muito além, enfatizando o
militarismo e expansionismo, conforme o slogan propagado à época,
“nação rica e nação forte” (fukoku kyohei). Ademais, havia muitos
japoneses que passaram a defender a conquista da Coreia (seikaron), mas
essa postura radical tinha sido derrotada por políticos moderados.
Portanto, ao invés de uma ofensiva militar, foi escolhido uma ação
diplomática no envio da carta.

O rei Gojong tinha herdado um reino razoavelmente


autossuficiente e estava disposto a reformar a nação. No início de seu
governo, o jovem rei ainda estava livre das influências da rainha Min e
de seus familiares. Assim, o rei nomeou como um dos seus principais
conselheiros Bak Gyusu, político experiente e responsável pelo
enfrentamento ao navio americano General Sherman em 1866. Anos
depois, Bak Gyusu, elaborou uma política externa mais aberta e
modernizadora, a acompanhar as mudanças internacionais em fins do
século 19. Isso decorreu de seus anos de experiência como representante
em Pequim, e a considerar a atuação dos estrangeiros na China. Essa
linha condisse com a curiosidade de Gojong em saber mais a respeito
dos acontecimentos na China e no exterior. Gojong chegava a ler
avidamente os relatos de Pequim a respeito da política chinesa em buscar
reformar e modernizar sua capacidade industrial e tecnológica.

A corte de Joseon, contudo, não compartilhava o mesmo


entusiasmo. Muitos, da ala conservadora e tradicionalista, não aceitavam

2008, p. 189.

118
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

a mudança de postura dos japoneses. Bak Gyusu e seus partidários, assim


como o próprio rei, compreenderam a mudança da realidade política no
leste asiático. Eventualmente, o Japão na Era Meiji passou a exigir as
condições que potências estrangeiras tinham feito sobre a China e o
Japão em meados do século 19. Para persuadir as autoridades coreanas a
renunciarem da condição de tributário do império chinês, além da
abertura de três portos aos navios japoneses e extraterritorialidade em
solo coreano, em 20 de setembro de 1875, o navio de guerra japonês,
Unyokan, se aproximou da ilha de Kanghwa. Ao se aproximar da ilha, a
bateria de defesa coreana disparou tiros de advertência, ao que os
japoneses consideraram como pretexto para a invasão. Seguiram mortes
de soldados coreanos e a captura de mantimentos, armas e pólvora. Esse
incidente resultou na assinatura do Tratado de Kanghwa em 26 de
fevereiro de 1876. Foi o primeiro tratado assinado com o reino coreano
nos moldes do direito internacional.

Intimidade, a corte coreana inicialmente comportou-se de maneira


indecisa e, após hesitações, aceitou a contragosto os termos desiguais
impostos no tratado, em nome da “amizade, comércio e navegação”
conforme consta no documento. Assim, o Japão conseguiu
orgulhosamente agir de maneira imperial no leste asiático, e demonstrou
desafio à tradicional ordem asiática em torno da dinastia chinesa. Na
Coreia, as autoridades passaram a considerar as mudanças dos tempos, e
a privilegiar as boas relações com um Japão em franca transformação.
Na ótica dos chineses da dinastia Qing, o ato japonês foi visto como uma
provocação e ameaça nas suas fronteiras no nordeste e na Manchúria. O
vice-rei chinês, Li Hongzhang (1823 – 1901), principal arquiteto da
diplomacia chinesa no século 19, concebeu uma estratégia de conter o
avanço nipônico no continente asiático, convencendo as potências
ocidentais a estabelecerem relações diplomáticas com a Coreia e
reconhecerem o reino como tributário dos chineses. Nesse intuito,
foram enviadas de Pequim cartas secretas ao rei Gojong, exortando-o a
aceitar essa política e a promover a abertura e comércio com o Ocidente.

119
EMILIANO UNZER MACEDO

Em 1880, um diplomata chinês, Huang Zunxien, entregou um


documento a um representante coreano em Tóquio, Kim Hongjijp (1842
– 1896). Intitulado “Uma Estratégia para a Coreia” (Chaoxian celue), os
chineses aconselharam a corte coreana a fortalecer sua política externa
aproximar-se da China, e coordenar-se com o Japão, aliar-se aos EUA e
precaver-se com a Rússia 75. Ao mesmo tempo, Li Hongzhang persuadiu
os representantes dos governos ocidentais a iniciar relações diplomáticas
com a Coreia. Apesar disso, a maioria dos ocidentais não mostraram
interesses e alguns passaram a questionar o status tributário coreano,
pois almejaram constituir relações em termos de igualdade.

Li, realista por natureza, entendeu esses questionamentos e passou


a aceitar a independência soberana da Coreia. Todavia, ele antes de tudo
queria que o Ocidente reconhecesse a primazia da China sobre a
península coreana e afastar a preponderância japonesa. Em momento
derradeiro, os EUA foi o primeiro governo ocidental a estabelecer
relações com a Coreia. Depois de dois anos de negociações, o Comodoro
Robert Wilson Shufeldt, mediado por Li Hongzhang, assinou em 22 de
maior de 1882 com representantes coreanos o Tratado de Paz, Amizade
e Comércio 76. Esse tratado, conhecido como a Convenção Shufeldt, era
muito mais igualitário e justo do que o Tratado de Kanghwa e os outros
impostos pelos ocidentais com a China, Japão e outros reinos asiáticos
feitos à época. Estipulava o tratado que a Coreia poderia impor tarifas
comerciais sobre produtos americanos. Nos anos seguintes, os outros
governos ocidentais presentes na China passaram a celebrar tratados em
termos similares com o reino coreano: Grã-Bretanha e Alemanha (1883),
Rússia e Itália (1884) e França (1886) 77. Este último, curiosamente,

75
Para acesso à versão original em chinês, ver: ZUNXIAN, Huang. Chaoxian celue:
The Strategy for Chosun. Seul: Kunkuk University Press, 1977, p. 47.

76
HWAK, Tae-Hwan. U.S.-Korean relations, 1882-1982. Seul: Kyungnam University
Press, 1982, pp. 19-20.

77
LEE, Kenneth B. Korea and East Asia: The Story of a Phoenix. Londres & Westport,
120
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

definia a entrada de missionários católicos. E em todos esses tratados,


para certo alívio de Li Hongzhan, o soberano coreano afirmava alimentar
laços tributários nominais com a China, a respeitar a tradição, mas
plenamente independente em termos práticos.

A abertura dos portos e relações do reino coreano foi um ponto de


ruptura histórico, e foi o momento de partida de uma série de desafios a
serem enfrentados nas décadas seguintes. A modernização industrial e
tecnológica adotada no Japão Meiji e promovida na China pelo príncipe
Gong (1833 – 1898). O rei Gojong adotou atitude similar, mas houve
vivos protestos de conservadores neoconfucianos, principalmente após
a humilhante imposição dos japoneses. Um desses líderes de resistência
ao rei, Choe Ik-hyeon, organizou um vasto número de seguidores e
combatentes (“O Exército Justo”, Uibyeong, 의병) que denunciaram a
presença japonesa e de qualquer influência ocidental como o catolicismo.
E, após uma série de ações combatentes pelo interior, voltaram-se para
o antigo regente, o Daewongun, Heungseon, que se encontrava
aposentado. Isso evidenciou uma profunda divisão que consolidou no
reino coreano em fins do século 19, entre aqueles anti-japoneses,
antiocidentais e conservadores contra aqueles que enxergaram as
relações estrangeiras como essenciais para as reformas necessárias à
Coreia de então, inspirados no movimento chinês de “auto-
fortalecimento” (ziqiang yundong, 洋務運動).

A primeira tentativa sistematizada de modernização coreana foi


iniciada pelo rei Gojong e seus partidários. Em janeiro de 1881, criou-se
uma nova divisão burocrática do governo que lidaria com assuntos
externos, o Escritório para os Assuntos Extraordinários de Estado
(Tongnigimu amun, 統理機務衙門), inspirado na contraparte do governo
chinês. Essa nova repartição estava fora da estrutura burocrática
tradicional dos outros ministérios e foi criada especificamente para lidar

Connecticut, EUA: Praeger, 1997, p. 127.

121
EMILIANO UNZER MACEDO

com assuntos diplomáticas e comerciais. Ademais, foi criado uma


unidade militar, Pyolgigun (“Forças Especiais”) que foi treinada por
oficiais japoneses 78. Essas criações, evidentemente, foram motivadas
pelo exemplo da política japonesa de “nação rica e nação forte” (fukoku
kyohei).

Não obstante, a criação de uma nova divisão militar provocou


reação considerável de antigos membros da classe bélica. Em julho de
1882, soldados descontentes com os pagamentos atrasados e cientes das
condições especiais do Pyolgigun, revoltaram-se, mataram o conselheiro
militar japonês e atacaram a delegação japonesa na capital. O movimento
ampliou-se com a entrada de funcionários e yangbans conservadores que
nomearam Heungseon como líder e reivindicaram a sua restauração ao
poder.

Essa situação delicada e frágil da Coreia certamente facilitou a


crescente atuação de nações vizinhas sobre a península. A conter os
tumultos e rebeliões, o governo chinês enviou um contingente de três
mil homens, e os japoneses mobilizou um batalhão na capital coreana.
Eventualmente, com o correr dos fatos, o Daewongun foi sequestrado
pelos chineses e levado para Tianjin, na China. A rainha Min, que tinha
se refugiado no interior, retornou ao palácio real e o rei Gojong renovou
suas tentativas de reforma, adotando o slogan “moralidade oriental,
tecnologia ocidental” ou “maneiras orientais, máquinas ocidentais”
(tongdo sogi) 79. A dupla intervenção sobre a Coreia em 1882 inicialmente
pendeu, portanto, para os chineses a garantir o soberano no trono. Li
Hongzhan, visando fortalecer a posição de Gojong, mandou um
conselheiro alemão, o eminente linguista e sinólogo Paul Georg von

78
LEE, Peter H. Sourcebook of Korean Civilization: Volume Two: From the
Seventeenth Century to the Modern Period. Nova York: Columbia University Press;
Paris: Unesco, 2010, p. 347.

79
YI, Tʻae-jin. The Dynamics of Confucianism and Modernization in Korean History.
Ithaca, Nova York: Cornell University Press, 2007, pp. 358-359

122
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Möllendroff (1848 - 1901). Gojong, desconfiado das intenções chinesas,


rejeitou o alemão e preferiu escolher um ministro americano, Lucius
Foote (1826 - 1913), para aconselhamentos na diplomacia, defesa,
educação e agricultura.

Os ânimos, contudo, ainda não foram acalmados. Muitos da sociedade


coreana se dividiram sobre os rumos modernizadores. A classe média,
chungin, tenderam a ser a favor dos japoneses que favoreceriam seus
negócios e atividades mercantis. Os yangbans, em sua maioria,
consideraram uma ofensa às tradições as reformas e novos acordos com
o estrangeiro. Nesse cenário, alguns funcionários radicais da corte,
liderados por Kim Ok-gyun (1851 – 1894) e Bak Yung-hio (1861 – 1939),
lideraram um golpe de Estado em dezembro de 1884, conhecido como
Golpe Gapsin 80. Eles tinham aproveitado a ocasião em que os chineses,
defrontados com os franceses na Indochina, retiraram do reino coreano
metade de seus três mil homens. Essa tentativa de tomada de poder,
inspirados nas ideias reformistas de Bak Kyusu que considerava a
experiência japonesa como exemplar, foi fruto de um plano amplo de
mudar e modernizar todo o sistema coreano, instituições políticas,
estrutura social e econômica. Mas esse sonho durou apenas três dias, pois
esses golpistas foram reprimidos por novos reforços militares chineses,
e muitos buscaram a proteção da legação japonesa e foram exilados para
o Japão.

Após o golpe de 1884, a China e o Japão decidiram dar uma trégua


sobre a península coreana e concordaram em retirar suas forças do reino.
Li Hongzhan e Ito Hirobumi (1841 – 1909), principal elaborador da
política externa japonesa à época, decidiram assinar a Convenção de
Tianjin em 18 de abril de 1885. Contudo, apesar das iniciativas, a paz
coreana ainda era precária no jogo de equilíbrio de poder entre a China,

80
LEE, Peter H. Sourcebook of Korean Civilization: Volume Two: From the
Seventeenth Century to the Modern Period. Nova York: Columbia University Press;
Paris: Unesco, 2010, p. 348.

123
EMILIANO UNZER MACEDO

Japão e a Rússia.

Desde a abertura dos portos, as novas ideias, gostos, hábitos,


produtos e instituições como hospitais e escolas começaram a atrair cada
vez mais a classe urbana e elite coreana. Missões religiosas de
protestantes cristãos de americanos e canadenses começaram a ter
popularidade nos serviços médicos prestados. Um jovem missionário
presbiteriano americano, doutor Horace Newton Allen (1858 – 1932)
abriu um hospital na capital coreana em 20 de setembro de 1884. Outros,
como o metodista Reverendo Henry Gerhart Appenzeller e o Reverendo
William B. Scranton e Horace G. Underwood atuaram energicamente
em instituições educacionais particulares. Este último fundou a Escola
de Meninos Baejae (Baejae Hakdang), enquanto a mão de Scranton, Mary,
abriu e foi a primeira diretora da Escola de Meninas Ehwa (Ehwa
Hakdang) em 31 de maior de 1886 81. Essas instituições foram grandes
propagadoras da educação e ideias não-confucianas para gerações de
coreanos.

Produtos importados como algodão, fósforos, querosene, corantes


e louças começaram a cair no gosto do consumidor, solapando as
tradições. Novas demandas, novos produtos a serem fabricados e
comerciados. A classe mercantil rapidamente adaptou-se às mudanças,
aprimorando a feitura dessas mercadorias. A classe camponesa, contudo,
ainda permaneceu estagnada e presa às propriedades rurais, alheios às
mudanças e conservadores nos valores. Embora a demanda pelo arroz
tivesse incrementado com os japoneses, a condição do campesinato
pouco foi alterada ao longo do século 19.

Foi no meio rural e camponês que emergiu um poderoso e popular


movimento de cunho religioso, criado por um yangban, Choe Je-u (1824
– 1864), chamado de Donghak (“Aprendizado Oriental”) em 1860. Essa

81
BUCKELY, Patricia & WALTHALL, Anne. East Asia: A Cultural, Social, and Political
History. Boston: Wadsworth, 2013, p. 376.

124
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

nova corrente social, na verdade, foi reflexo de oprimidos e ressentidos


com as assombrosas mudanças na sociedade coreana. Donghak buscou
revitalizar o confucionismo clássico, rejeitando as tradições do
neoconfucionismo, e a valorizar o auto-aprimoramento de acordo com
a vontade e ordem do Céu (Tian, 天), presente nos escritos atribuídos ao
Confúcio 82. Choe Je-u teve assim grande apelo popular xenofóbico, em
oposição ao que muitos consideraram como decadência e degeneração
das influências estrangeiras, incluindo o cristianismo.

As ideias propostas do Donghak eram de fato inovadoras em certo


sentido. A defesa do pleno igualitarismo social e de gênero que aboliria
o status de privilegiados como os yangbans, conforme defendido na obra
de Choe Je-u em “Livro Abrangente de Aprendizagem Oriental”
(Dongkyeong Daejon, 동경대전), enfrentou os membros dos altos cargos
no poder coreano. Com as promessas de criar uma nova sociedade mais
justa, o Donghak ofereceu uma redenção às pessoas que sofriam com a
discriminação social das tradições. Pelo seu radicalismo e impacto, Choe
Je-u foi julgado por um tribunal composto por magistrados yangban e
executado como herege em 1864 83.

Algumas décadas depois, o movimento Donghak fortaleceu-se


novamente em 1892 e 1893, com a liderança passando para o sobrinho
de Choe Je-u, Choe Si-yeong (1827 - 1898). Enquanto os seguidores
anteriormente tinham sido essencialmente rurais, agora houve gradual e
crescente presença no meio urbano. No início de 1893, representantes
desse movimento chegaram à capital, Hanyang, para terem audiência
com o rei Gojong. Os pleitos foram ouvidos e o corpo de Choe Je-u foi

82
AMES, Roger T. & ROSEMONT JR., Henry. The Analects of Confucius: A
Philosophical Translation. Nova York: Random House, 1999, pp. 46 – 48.

83
FLAHERTY, Robert Pearson. “Korean Millenial Movements” In: WESSINGER,
Catherine (Org.). The Oxford Handbook of Millennialism. Oxford & Nova York:
Oxford University Press, 2011, p. 332.

125
EMILIANO UNZER MACEDO

devidamente honrado. No entanto, as outras demandas por amplas


reformas políticas e sociais não foram atendidas. Assim, alguns líderes
do movimento mais combativos passaram a organizar revoltas contra os
magistrados e funcionários do governo, como a que foi liderada no
campo por Jeon Bongjun (1853 – 1895) em janeiro de 1894. Em abril de
1894, o Donghak ampliou-se para outras cidades e províncias coreanas,
e derrotaram as forças governamentais, principalmente na região
sudoeste coreana.

Desesperado, o governo coreano apelou para as tropas


chinesas a dominar a rebelião. No entanto, de acordo com a Convenção
de Tianjin, nem o Japão nem a China poderiam enviar tropas para a
Coreia sem o outro. Quando um contingente militar de três mil militares
chineses chegaram ao solo coreano em junho de 1894, o Japão
imediatamente reagiu e mandou uma força de sete mil homens. A frágil
paz coreana, mais uma vez, foi ameaçada. Os rebeldes de Donghak
foram prontamente reprimidas e Jeon Bongjun preso, apesar da força
dos apelos do movimento ainda a ecoar por anos nas províncias
interioranas.

Em julho de 1894, as forças japonesas na capital coreana


provocaram um golpe de Estado que derrubou os seguidores na corte
da rainha Min, que defendia uma posição mais nacionalista, e instalou
um governo pró-japonês. Heungseon, o antigo Daewongun, foi colocado
de novo no trono da dinastia Joseon, e passou a defender os interesses
anti-chineses e a favor de Tóquio. A Coreia gradativamente passou a se
tornar, de fato, um protetorado japonês. Ao agir dessa maneira decisiva,
o governo japonês provocou a ira dos chineses, e assim foi declarada
guerra entre os dois países em 1º de agosto. Os enfrentamentos logo
tomaram conta nos mares e em terra, com a prevalência japonesa. Ao
final, Li Hongzhan, como representante do governo imperial chinês, foi
em abril de 1895 para a cidade de Shimonoseki, um porto na costa
ocidental do Japão, para assinar outro tratado no qual foi reconhecido o

126
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

fim do status tributário da Coreia e sua plena independência 84.

Após esses eventos fatídicos, um novo grupo de funcionários,


inclusive com alguns membros do Golpe Gapsin, assumiram o poder
coreano com o apoio japonês. Esse grupo começou a implementar um
programa de modernização que havia sido adiado por anos no reino
Joseon. Essa série de medidas foram conhecidas como as Reformas
Gabo, que se estenderam de 1894 a 1896. Seus principais proponentes
foram Kim Hong-jip e Yu Kil-chun (1856 – 1914) que atuaram para
aprovação de leis no recém-criado Conselho Deliberativo (Gunguk
gimucheo, 군국기무처), este liderado por Heungseon.

O primeiro objetivo das reformas foi estabelecer de fato a


independência coreana como nação, a romper todas as ligações
tributárias e nominais com a China Qing, e revogar todos os acordos
assinados com o Império do Meio entre 1882 e 1894. Foi proibido o uso
do calendário chinês que foi substituído por documentos oficiais
baseados na fundação da dinastia Joseon. O rei Gojong, embora ainda
no trono, mas cada vez mais como um mero símbolo de Estado, recebeu
o título de “Sua Majestade, o Grande Rei” (Taegunju peha), conferindo-
lhe status de imperador. O alfabeto hangul passou a ser usado nas
publicações oficiais do governo e a história coreana começou a ser
lecionada em todos os níveis de ensino. A partir de 1895, o governo
inaugurou a impressão de jornais com uso extenso da escrita coreana.

O próximo passo das reformas foi ainda mais substancial, pois


almejou-se reorganizar a estrutura do governo tradicionalmente
assentados na classe yangban. Foi criado uma estrutura moderna inspirado
no governo japonês do imperador Meiji. Foi abolido o antigo Conselho
de Estado e seus seis ministérios, e surgiu um novo gabinete executivo

84
ZACHMANN, Urs Matthias. China and Japan in the Late Meiji Period: China Policy
and the Japanese Discourse on National Identity, 1895-1904. Londres & Nova York:
Routledge, 2010, pp. 31 – 32.

127
EMILIANO UNZER MACEDO

com oito ministérios. Um Departamento de Assuntos Reais foi


concebido para separar os assuntos monárquicos dos de Estado. Sem
dúvida, isso visou restringir o poder do rei, transferindo as prerrogativas
fiscais do palácio para o Ministério das Finanças. Ademais, foi fundado
um novo sistema monetário lastreado na prata, e um banco nacional foi
estabelecido a padronizar pesos e medidas do reino.

O sistema educacional não ficou de fora. Foram estabelecidas


inúmeras escolas de ensino primário, secundário e faculdades nos
moldes ocidentais. Por consequência, o tradicional exame do serviço
público foi abolido. O novo governo, visando a ampla reforma,
encorajou e financiou o estudo no exterior, enviando cerca de 200
estudantes para o Japão, ao mesmo tempo em que custeava por bolsa
alunos a serem educados na escola americana de Bahae. O currículo das
escolas foi expandido para incluir a plena alfabetização no hangul, além
do ensino da matemática, aritmética, e nos níveis mais avançados,
ciências ocidentais e línguas estrangeiras.

O mais impactante das Reformas Gabo foi a modernização da vida


social. Com o estabelecimento de um sistema judiciário moderno, a
tortura e punição coletiva a um crime individual foram abolidas. Os
yangbans, passaram a poder investir e atuar nas atividades comerciais. As
nomeações para os cargos públicos foram abertas a todos os estratos
sociais. O casamento prematuro foi proibido, e as viúvas poderiam se
casar novamente. Esposas secundárias e seus filhos não eram mais
discriminadas.

O novo gabinete foi dominado por um enviado japonês, Inoue


Kaoru (1835 – 1915) que energicamente buscou implementar essas
avassaladoras reformas num curto período de tempo. Esse grandioso
projeto foi feito com a ajuda e supervisão de mais de 40 conselheiros
japoneses que tiveram experiência nas reformas da Restauração Meiji.
Ao contrário do entusiasmo febril dos reformistas no governo, a
sociedade coreana precisou de certo tempo para assimilar as mudanças

128
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

sociais e econômicas. Heungseon, como presidente do Conselho


Deliberativo, passou a questionar as reformas e tentou manter algumas
tradições e relações especiais com o governo chinês, o que provocou sua
destituição do cargo. Membros do movimento popular Donghak
passaram a atuar de forma mais difusa pelo interior e províncias do país,
a denunciar as mudanças.

O ministro Inoue convenceu o rei Gojong a perdoar os delitos dos


líderes do golpe de 1884, Pak Yung-hio e Seo Gwangbom, e esses se
juntaram ao gabinete de Kim Hong-jip. Além disso, Inoue mobilizou
tropas japonesas para esmagar de vez os rebeldes Donghak e pelo seu
envolvimento na fracassada tentativa de alcançar o poder com
Heungseon. E visando maior controle da Coreia, os japoneses
nomearam um membro substituto do ministro residente Inoue Kaoru,
um militar de formação, Miura Goro (1847 - 1926), em 1895.

A resistência anti-japonesa também vinha de outros setores da


sociedade. Vários membros yangban neoconfucionistas rejeitaram
prontamente as Reformas Gabo, assim como os rebeldes inspirados pelo
movimento Donghak, classes populares e membros da família real, entre
esses os membros do clã Min, ligados por sangue à rainha Min. Esses
últimos, vendo-se afastados do poder efetivo, foram procurar a ajuda
dos russos. Assim, Miura Goro começou a organizar uma conspiração
para se livrar dos membros Min dos círculos monárquicos. À meia-noite
de 7 de outubro de 1895, um grupo de japoneses armados junto com
alguns coreanos aliados invadiram o palácio real e assassinaram a rainha
Min por esfaqueamento e depois seu corpo foi incinerado por querosene
85
.

Apesar da turbulência dos eventos nos dias seguintes ao regicídio,


as Reformas Gabo continuaram sendo implementadas. Em 30 de

85
LEE, Kenneth B. Korea and East Asia: The Story of a Phoenix. Londres & Westport,
Connecticut, EUA: Praeger, 1997, p. 133.

129
EMILIANO UNZER MACEDO

dezembro de 1895, o ministro Kim Hong-jip aprovou o uso do


calendário ocidental a começar no ano de 1896. No mesmo dia, o rei
Gojong, que vivia virtualmente como um prisioneiro real, decretou que
todos deveriam cortar seus tradicionais topetes, costume que vinha de
séculos que se fundamentava nos ensinamentos confucianos. Nesse
sentido, os ânimos foram ainda mais inflamados, e as lutas e confrontos
de conservadores ortodoxos e elementos anti-japoneses e antiocidentais
se alastraram pela península. Esse conjunto de rebeldes se juntaram e
organizaram-se em grupos armados e revigorando o “Exército Justo”,
Uibyeong, do movimento Donghak. Apesar disso, pouco puderam fazer
frente à superioridade bélica das tropas do governo e dos japoneses.
Ademais, muitos camponeses que participaram nas lutas, não
conseguiram entrar em consenso com rebeldes yangbans mais
conservadores e críticas do igualitarismo defendido pelo Donghak.

Em fevereiro de 1896, o rei Gojong, buscou refúgio na legação russa


da capital coreana com a ajuda de dois funcionários seus. Sob a proteção
russa, Gojong escapou do controle dos japoneses e passou a abolir as
medidas feitas pelas Reformas Gabo. O ministro Kim Hong-jip e
membros de seu gabinete chegaram a ser presos, e pior, foram mortos
pela fúria popular. A Rússia czarista começou a atuar como protetora da
monarquia coreana, mas suas ambições entraram em conflito com os
japoneses. Essa mudança política por parte dos russos, mais agressiva e
ativa na península coreana, tinha se revelado clara desde a coroação do
Czar Nicolau II em 26 de maio de 1896. Diante disso, pelo maior
envolvimento no leste asiático, vários emissários japoneses, chineses e
coreanos se fizeram presentes na corte russa em São Petersburgo. A
servir aos interesses da família real coreana, foi enviado um membro da
família Min, Min Yonghwan (1861 – 1905), e pelos chineses, Li
Hongzhan a negociar a construção da linha ferroviária russa que passaria
pela Manchúria. O Japão também se fez presente, com Yamagata
Aritomo (1838 – 1922) para discutir e negociar a questão coreana. Para
receber a todos, o anfitrião russo foi o ministro das Relações Exteriores,
o príncipe Aleksey Lobanov-Rostovsky (1824 – 1896) que teve a delicada

130
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

tarefa de agradar a tantos interesses e pleitos. Visando antes de tudo a


defender os interesses nacionais, o chanceler russo passou a negociar
com os chineses a passagem pela Manchúria e isso demandou reforçar o
controle sobre a península coreana, indo de encontro aos interesses
japoneses. Apesar disso, foi assinado um entendimento de termos com
o governo de Tóquio, no acordo chamado de Yamagata-Lobanov
assinado em 9 de junho de 1896 86. Nesse, foi proposto uma divisão das
esferas de influência na península coreana, a ser demarcado pelo paralelo
38 norte, algo que foi rejeitado pelos russos. Essa linha de latitude iria
depois ser evocado por Stálin em 1945.

Muitos outros coreanos estavam ansiosos em manter a plena


independência de sua nação. Membros da corte e reformistas radicais
anti-japoneses buscaram o possível para se articularem com novas forças
no plano internacional, além dos russos e chineses. Um dos mais
ardorosos defensores da independência foi Soh Jaipil (1864 – 1951) que
buscou exílio nos EUA desde o Golpe Gapsin de 1884 e retornou à
Coreia como Philip Jaisohn. Ele foi um dos primeiros coreanos a
conseguir cidadania americana. Este tornou-se num dos mentores do
Clube Chongdong, grupo de líderes anti-japoneses, pró-americanos,
localizados na rua Chongdong da capital, nas proximidades das escolas
e legações americanas. Após a fuga do rei para as autoridades russas, Soh
Jaipil se juntou ao novo governo estabelecido pelo monarca e aliados e
atuou como conselheiro. Com o apoio financeiro angariado, inaugurou
em 7 de abril de 1896, um dos primeiros jornais modernos, o Tongnip
Sinmun (독립신문, “Notícias Independentes”), publicado com o alfabeto
coreano de um lado e inglês no outro. Sua circulação diária inicial foi
estimada em torno de duas a três mil cópias 87.

86
KOWNER, Rotem. Historical Dictionary of the Russo-Japanese War. Lanham,
Boulder, Londres & Nova York: Rowman & Littlefield, 2017, p. 614.

87
SCHMID, Andre. Korea Between Empires, 1895-1919. Nova York: Columbia
University Press, 2002, p. 51.

131
EMILIANO UNZER MACEDO

Em 2 de julho, foi fundado sob a iniciativa de Soh o Clube da


Independência (Tongnip Hyophoe, 독립협회). E um dos primeiros atos
dessa organização foi a construção de um portão, uma espécie de Arco
do Triunfo na capital coreana, a simbolizar a aspiração aos ideais
democráticos e iluministas da nova Coreia: o Portão da Independência
(Dongnimmun, 독립문). Esse ato foi significativo pois fora erguido no
local onde antes, pela tradição, recebia-se os enviados chineses a respeitar
os princípios do protocolo sadae, irmandade. O Clube da Independência
aproveitou o período de relativo equilíbrio dos poderes entre a Rússia,
China e Japão para construir as bases de uma nação independente, forte
e próspera. Em 1897, o rei Gojong deixou a legação russa, e mudou-se
para o Palácio Gyeongun (atual Deoksugung) e passou a nomear
funcionários pró-russos a instituir programas de modernização que, a
despeito das Reformas Gabo pró-japonesas, buscou também fortalecer
a posição monárquica. Em agosto de 1897, Gojong mudou seu título
para Gwangmu (“Guerreiro da Luz”, 광무) e em outubro nomeou-se
imperador, e proclamou seu reino como Império da Grande Coreia.
Uma nova constituição foi aprovada em 17 de agosto de 1899
centralizando o poder legislativo, executivo e judiciário em torno da
figura do imperador, tal como no sistema czarista russo. Essas reformas,
referidas como Reforma Gwangmu, almejou equilibrar as tendências
modernizantes mas a manter a autonomia e tradição coreana.

Apesar disso, os rebeldes conservadores, muitos da antiga classe dos


literatos e do movimento Donghak se opuseram a esse conceito que
entrava em conflito com a tradição oriental. O Clube da Independência,
que era local e foco do apoio ao novo governo, era passivo e elitizado
demais para ecoar na sociedade coreana. Ainda assim, o governo de
Gwangmu passou a concentrar as reformas agora no campo econômico,
a garantir a sua capacidade financeira. Através de um amplo
levantamento das propriedades fundiárias e recenseamento populacional
entre 1898 e 1901, o governo criou um novo departamento, o Escritório

132
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

de Contrato de Terras. Assim, poderia ter dados para novas políticas


fiscais e populacionais. E todo o sistema rodoviário, minerador,
comunicações, sistema postal e indústria manufatureira passou a estar
sob a égide do governo.

No entanto, apesar das reformas apontarem para um maior controle


planejado centralizado, a base financeiro do governo de Gwangmu era
frágil demais para todos os programas ambiciosos. A fim de arrecadar
fundos para a modernização industrial, o governo passou a conceder
direitos especiais e isenções fiscais para a entrada do capital estrangeiro,
isso nos setores da mineração, ferroviário, eletricidade e saneamento.
Isso provocou críticas de nacionalistas, como no Clube da
Independência e de seu jornal, que enxergaram nessas concessões uma
afronta da soberania nacional a favor dos interesses estrangeiros. Entre
abril e julho de 1898, o clube começou a discutir como implementar um
sistema democrático parlamentar e monarquia constitucional, visando
assim ter algum limite aos poderes do rei. Isso foi exposto e argumentado
a partir de uma série de editoriais de Soh Jaipil no jornal “Notícias
Independentes”, ganhando visibilidade no meio urbano e letrado. A
reação do governo foi uma crescente perseguição ao líder que, depois de
anos de militância e vendo-se ameaçado, fugiu para os EUA em maio de
1898.

Mas em fins do século 19, havia surgido uma nova geração de líderes
críticos do regime coreano e que lutaram pelos ideais democráticos e
constitucionais. Assim como Soh Jaipil, jovens olharam o sistema
político americanos com admiração, e esses passaram a atuar no Clube
da Independência. Entre esses, Yun Chi-ho (1864 – 1946) e Yi Sang-jae
(1850 – 1929) que tinham formado seus ideais através de sua educação
na Escola Baejae e suas vivências no exterior. Chiho depois virou editor
do primeiro jornal comercial da Coreia, o Gyeongseong Sinmun (“Notícias
da Capital”) fundado em 1898 88. Isso se inseriu na tendência de

88
PRATT, Keith & RUTT, Richard. Korea: a Historical and Cultural Dictionary.
133
EMILIANO UNZER MACEDO

incentivos das escolas missionários ocidentais protestantes no país de


publicações de periódicos vernaculares em hangul, como o Joseon
Kurisudoin Hoebo (“Boletim Coreano Cristão”), o Kurisudo Sinmun (“Jornal
Cristão”) e o Hyopsong Hoebo (“Boletim da Sociedade da Amizade
Mútua”) 89. Este último boletim foi fruto de um clube estudantil da
Escola Baejae, que tinha sido iniciado sob a liderança de Yi Sungman (ou
Syngman Rhee) (1875 – 1965) que depois se juntou ao Clube da
Independência.

Em outubro de 1898, membros do Clube da Independência se


congregaram na Praça Chongno, no centro da capital, Hanyang (atual
Seul), reunindo cerca de 4 mil pessoas. Nessa ocasião, vários membros
oficiais e do governo estavam presentes assim como membros notáveis
da sociedade, desde da classe dos letrados, religiosos, comerciantes e
estudantes. O evento foi uma primeira grande manifestação democrática,
um ensaio para as mudanças exigidas no reino em tempos de
transformação. Representantes do governo saíram do evento com
propostas que depois foram levados ao monarca. Entre as propostas,
uma recomendava a criação com efeitos efetivos de um alto órgão
legislativo, Conselho Privado. Com relutância, o imperador Gwangmu
(antes, o rei Gojong) acatou as propostas e prometeu implementá-las.
Mês seguinte, em novembro de 1898, foi promulgada um novo conjunto
de regulamentos, pelos quais estabeleceu-se que metades dos 50
membros do Conselho Privado seriam escolhidos do Clube da
Independência. Isso provocou a indignação dos membros
conservadores e monarquistas que persuadiram o imperador que o clube
planejava no futuro estabelecer uma república no país. Convencido, o
imperador coreano mandou então a detenção dos líderes do clube. Yi
Soang-jae e outros 16 membros foram imediatamente encarcerados para

Londres: Routledge, 1999, p. 178.

89
NAHM, Andrew C. Korea: Tradition & Transformation: a History of the Korean
People. Seul: Hollym International, 1996, p. 195.

134
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

interrogações.

Essas detenções, e a aparente indecisão e debilidade do imperador,


gerou ondas de protestos pelo país. Em 29 de novembro, Gwangmun
compôs o Conselho Privado, mas com apenas 17 membros do Clube da
Independência. Um deles era o jovem Syngman Rhee. Apesar da maioria
dentro desse conselho legislativo serem compostos de membros
monarquistas, membros da chamada Associação Imperial, os da Clube
da Independência conseguiram aprovar resolução para repatriar Pak
Yung-hio e Soh Jaipil do exílio. Enquanto as tensões fermentavam,
houve rumores de que certos grupos estavam tramando um golpe para
instalar uma monarquia constitucional, e a colocar no trono o Príncipe
Imperial Uihwa (Yi Kang) (1877 - 1955) e a convidar Pak Yung-hio para
ser primeiro-ministro. O resultado foi a prisão de vários líderes
considerados suspeitos de sedição e desordem à ordem imperial. Em 21
de dezembro de 1898, tropas reais do governo reprimiam as
demonstrações da sociedade que lutaram por democratização e a soltura
dos membros do Clube de Independência. O flerte com a democracia
coreana teve uma vida tênue e breve nesse momento, e perspectivas
sombrias pareciam vir do norte e do outro lado do mar ao leste.

135
EMILIANO UNZER MACEDO

136
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

7 A TEMPESTADE

A Coreia na virada do século 19 para o seguinte encontrava-se numa


situação delicada. Nuvens de tempestade pareciam confluir para a
península. Durante o período, o governo coreano buscou investimentos
externos para dinamizar sua modernização, no setor industrial,
pesqueiro, minerador, transporte e infraestrutura urbana. No âmbito
externo, a Rússia e o Japão começaram a tomar rumos mais agressivos
com base nos seus interesses asiáticos. Em janeiro de 1902, o governo
japonês obteve um trunfo diplomático ao assinar um acordo com os
britânicos sobre questões navais. Além disso, Londres reconheceu os
interesses nipônicos sobre a península coreana. Em agosto de 1903,
animados com tal êxito, os japoneses passaram a exigir que os russos
reconhecessem igualmente a sua proeminência sobre o território
coreano, propondo em contrapartida a Manchúria ao regime czarista.

A chancelaria russa então fez outra proposta, a de criar uma zona


neutra entre as partes na Coreia ao norte do paralelo 39. Mas como a
Rússia tinha desconsiderado a oferta japonesa de dividir a Coreia em
1896, Tóquio resolveu por bem agir por igual e rejeitou a ideia 90. Era

90
WARNER, Denis & WARNER, Peggy. The Tide at Sunrise: A History of the Russo-
Japanese War, 1904-1905. Londres & Portland, Oregon, EUA: Frank Cass, 2002, p.
137
EMILIANO UNZER MACEDO

então inevitável que os dois governos iriam colidir em algum momento.


Em fevereiro de 1904, forças japonesas desembarcaram no solo coreano
e entraram na capital, Hanyang. Feito isso, intimidaram o governo
coreano a renunciar à sua condição independente e neutralidade e a
aceitar o controle japonês. Nesse contexto, o movimento do Clube da
Independência e outros setores encontravam-se bastante ativos no
cenário político coreano. E isso fez com que os dirigentes japoneses
buscassem colaboradores coreanos na sua empreitada. Foi assim que foi
formado um grupo de coreanos pró-japoneses, chamado de Iljinhoe
(“Sociedade Unida para o Progresso”, 일진회) em agosto de 1904. O
grupo era liderado por Song Byung Joon (1858 – 1925) e Yi Yonggu
(1868 – 1912), sendo que o primeiro havia vivido no exílio no Japão e
tinha trabalhado como intérprete do exército japonês. Yi, por sua vez,
curiosamente tinha ascendido como líder de uma seita que antes
pertencia ao movimento Donghak. Além dessas duas figuras, outros da
sociedade coreana de várias origens, desde ex-funcionários reformistas,
comerciantes e rebeldes antiocidentais, juntaram-se à organização. Para
demonstrar sua lealdade, todos os membros cortaram seus topetes e
colaboraram ativamente na construção de linhas de trem e esforço de
guerra contra os russos. Apesar desse entusiasmo, o governo japonês
ordenou aos seus diplomatas e militares a não assumirem publicamente
nenhuma conexão com o grupo, a fim de conferir maior legitimidade
nacional.

Em momento derradeiro, as forças japonesas cruzaram o rio Yalu


em maio de 1904 e atacaram os russos na península de Liaodong.
Embora os japoneses superassem em número os russos na Manchúria e
região, sofreram amargamente inúmeras baixas para capturar a cidade de
Port Arthur (hoje, Luyshun). Mas, felizmente para o lado japonês, a
vitória adveio do mar. Graças à sua aliança com os britânicos desde 1902,
a passagem da frota naval russa do Mar Báltico foi impedida de passar
pelo Canal de Suez, forçando-a a circunavegar longamente o continente

152.

138
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

africano a fim de se juntar à batalha no leste asiático. Tendo tempo para


planejar sua estratégia naval, o almirante japonês, Togo Heihachiro (1847
- 1934) e admirador do herói coreano do século 16, o almirante Yi Sun-
sin, esmagou espetacularmente a frota russa quando essa tentava
atravessar o Estreito de Tsushima para chegar à cidade de Vladivostok
após viagem de dois meses 91.

A vitória conferiu ao Japão grande visibilidade militar e política no


meio internacional. Nos EUA, o presidente Theodore Roosevelt (1858
– 1919), mais impressionado com as reformas da monarquia
constitucional japonesa do que o regime czarista, ofereceu-se como
mediador da paz para os conflitos no leste asiático. Assim, Washington
enviou então o secretário William Taft (1848 – 1930) a Tóquio para
assinar um acordo secreto com o chanceler Katsura Taro (1848 – 1913).
O Acordo Taft-Katsura reconheceu mutuamente o domínio japonês na
Coreia assim como a presença dos EUA nas Filipinas. Visando à paz,
Roosevelt apresentou-se como voluntário para negociar os termos entre
russos e japoneses em Portsmouth, New Hampshire. Assim, em
setembro de 1905, as duas partes assinaram o Tratado de Portsmouth.
No acordo, a Rússia foi obrigada a entregar a parte meridional das Ilhas
Sacalina e Curilas, juntamente com as ferrovias na Manchúria para o
controle japonês, assim como a admissão dos interesses nipônicos sobre
a Coreia.

Enquanto isso, o imperador coreano, Gwangmu, buscou


infrutiferamente o apoio americano pelo reconhecimento da
independência coreana, conforme assinado no Tratado de Paz, Amizade
e Comércio de 1882. No entanto, Roosevelt desconsiderou qualquer
mudança de postura, mesmo após insistentes pedidos do representante
coreano, o reverendo Homer Hulbert (1863 – 1949) e Syngman Rhee.
Assim sendo, o campo estava aberto para a dominação japonesa na

91
FORCZYK, Robert. Russian Battleship vs Japanese Battleship: Yellow Sea 1904–
05. Londres: Bloomsbury Publishing, 2013, pp. 57-71.

139
EMILIANO UNZER MACEDO

Coreia. Em novembro de 1905, o ex-ministro, Ito Hirobumi, chegou à


capital coreana, onde as tropas japonesas já tinham ocupado as
dependências do palácio real. Ito Hirobumi passou então a exigir um
novo tratado de protetorado pelo qual o governo japonês assumiria
controle do reino coreano. Embora veementemente rejeitado por
Gwangmu, o acordo foi assinado por membros de seu gabinete
intimidados em 17 de novembro. Os acordos assinados foram reunidos
no Tratado de Protetorado de 1905. Assim, o império coreano, com mais
de quatro mil anos de tradição, e quinhentos anos de dinastia, teve seu
termo efetivo nas mãos japonesas. Vários membros do governo
apresentaram vivo protesto. Alguns cometeram suicídio. Outros, na
capital, juntaram-se aos rebeldes e inconformados e novas insurreições
começaram a se avolumar no interior pelo lado do Uibyeong, “O Exército
Justo”.

O modelo governamental adotado pelos japoneses se inspirou no


dos britânicos sobre o Egito, a manter todas as instituições e cargos
diretores nas mãos coreanas, apesar de manter os assuntos cruciais em
assuntos políticos internos de segurança, finanças e política externa
através de conselheiros japoneses. O mandato japonês iniciou-se nesse
molde com Ito Hirobumi, nomeado como residente-geral em dezembro
de 1905. E sua primeira política, visando angariar popularidade e apoio
coreano, foi pegar emprestado 10 milhões de ienes de Tóquio a fim de
promover um amplo projeto de infraestrutura moderna. Inspirado em
Lord Evelyn Baring Cromer (1841 – 1917), o cônsul-geral britânico no
Egito, Ito tentou convencer membros da sociedade coreana aos
benefícios das reformas e construção de estradas, hospitais, escolas e
aumento da produção agrícola. Ademais, Ito mandou construir sua
residência oficial na encosta da montanha Namsan, com plena vista geral
da capital coreana. A construção era reflexo dos novos tempos, com
traços marcantes ocidentais misturados com orientais, uma síntese do
que havia ocorrido depois da Reforma Meiji no Japão.

O desafio maior de Ito Hirobumi foi encontrar colaboradores

140
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

coreanos para corroborar e legitimar seu regime. Nisso, muitos da antiga


elite coreana, como Pak Cheesoon (1858 – 1916) entre outros
permaneceram nos seus postos dentro do gabinete pelo apoio pró-
japonês. Novos colaboradores se juntaram em maior de 1907 com o
endosso de Ito Hirobumi: Song Pyong-jun, Cho Chunggun e Ko
Yonghui, dentre os mais destacados. Com as novas oportunidades
abertas com o novo regime, membros que antes eram marginalizados na
sociedade coreana passaram a ascender no poder e status. Entre esses,
Song Pyong-jun tomou para si um sobrenome yangban apesar de sua
origem familiar humilde. Ko Yonghui era um chungin (classe média) que
tinha vivido no Japão desde a Abertura dos Portos em 1876.

O “Exército Justo”, Uibyeong, começou a tornar-se no principal foco


de resistência armada aos japoneses. Membros dessa organização
começaram a aumentar suas campanhas no interior, atacando
representantes e magistrados coreanos, mercadores e militares japoneses.
Ex-membros yangbans, como Choe Ikhyon estavam dispostos a lutar
contra os nipônicos, mas recusaram-se a combater militares coreanos
que ainda eram considerados a serviço do imperador Gwanmu. Nesse
sentido, houve uma divisão nos rebeldes do Uibyeong, com parte a manter
sua tradicional lealdade à dinastia Joseon, enquanto outros postaram-se
mais radicais a lutar pela plena igualdade e nacionalismo coreano, muitos
desses, camponeses das províncias meridionais da península. No meio
urbano, alguns intelectuais lançaram um movimento patriótico
desvinculado do Uibyeong, acreditando que apenas um auto-
fortalecimento nacional iria garantir a soberania coreana. Conservadores
confucionistas, que haviam criticado as reformas modernizadoras,
passaram a aderir à essa ala, e passaram a enviar seus filhos para escolas
com currículo de ensino técnico ocidental, a organizar associações como
a Changanhoe (“Sociedade de Fortalecimento Pessoal”) e a publicar
jornais e periódicos. Um de seus projetos resultou na ampla campanha
em 1907 de angariar doações para pagamento da dívida nacional a
credores estrangeiros, “Movimento de Pagamento do Débito Nacional”,
Gukchae Bosang Undong (국채보상운동).

141
EMILIANO UNZER MACEDO

Enquanto isso, o imperador Gwanmu passou a ampliar sua rede de


contatos no exterior em busca de ajuda. Por sugestão do Reverendo
Homer Hubert, o monarca enviou representantes para a Segunda
Conferência Internacional da Paz realizada em Haia, Holanda, em junho
de 1907 92. Entretanto, a Coreia havia perdido sua soberania como
Estado para o Japão, impedindo seus representantes a não participar
oficialmente da conferência. Apesar do comovente discurso de um dos
representantes coreanos, Yi Wijong, o governo japonês usou isso como
pretexto para remover de vez o imperador coreano do trono. De fato,
Ito Hirobumi e seus colaboradores no governo coreano passaram a
pressionar e ameaçar o imperador coreano, a ponto de ele passar seu
trono para o seu filho, o príncipe herdeiro Sunjong (1874 – 1926), o
último rei da dinastia Joseon.

Como primeiro ato, o novo soberano monárquico assinou um


tratado revisado com os japoneses, permitindo a nomeação de ministros
japoneses para todos os ministérios. A abdicação forçada de Gwanmu
(ou Gojong) e o novo tratado de protetorado ampliou ainda mais os
sentimentos anti-japoneses na sociedade coreana. Muitos do exército
coreano foram aposentados e passaram a engrossar as fileiras das
guerrilhas do “Exército Justo” em 1908. Ito Hirobumi tinha subestimado
a antipatia popular e agora passou a enfrentar resistência armada cada
vez maior no campo. Assim, Ito ampliou as campanhas militares em toda
a península. Em 1908, o exército japonês matou cerca de 11 mil e 500
membros do Uibyeong, gerando visibilidade na imprensa internacional.
Nessa onda repressora, um nacionalista coreano que vivia nos EUA, An
Chang-ho (1878 – 1938), organizou um movimento clandestino em
1909, chamado de Shinminhoe (“Sociedade das Novas Pessoas”, 신민회),
cujo objetivo era organizar e financiar a resistência armada a partir do

92
ECKERT, Carter J.; LEE, Ki-baik; LEW, Young Ick; ROBINSON, Michael & WAGNER,
Edward W. Korea Old and New: A History. Seul: Ilchokak, 1990, p. 245.

142
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

exterior. Outros membros da sociedade, intelectuais e nacionalistas,


passaram a se engajar na publicação de jornais e panfletos na capital. Um
dos mais ativos jornalistas desse veio foi Shin Chae-ho (1880 – 1936),
que criticou o imperialismo japonês. Seus escritos influenciaram muitos,
como o poeta e historiador coreano, Choe Nam-seon (1890 – 1957).

Isolada internacionalmente e sem apoio sustentado no meio interno,


a resistência coreana anti-japonesa passou a adotar medidas extremas.
Como último recurso, em maio de 1908, um americano que serviu como
conselheiro aos japoneses sobre a Reforma Gabo, Durham White
Stevens, foi baleado por dois nacionalistas coreanos em Oakland,
Califórnia. Diante da crise internacional e dos protestos do governo dos
EUA, o residente-geral na Coreia, Ito Hirobumi renunciou ao seu cargo,
dando vez aos japoneses que defenderam uma política mais repressora e
direta para a Coreia. Em julho de 1909, o gabinete japonês passou a
adotar uma política de anexação. Em seu último ato diplomático, Ito
Hirobumi visitou a cidade de Harbin, na Manchúria, em outubro, para
se encontrar com o ministro russo, Vladimir Kokovsoff, a negociar a
aprovação russa da anexação da Coreia. Na estação de trem, um
nacionalista coreano, An Jung-geun (1879 – 1910), apontou sua arma de
fogo e matou Ito Hirobumi 93. O jovem An tinha planejado o ato para
chamar a atenção mundial para a situação coreana. Mas provocou o
contrário, com muitos passando a ter simpatias pelo Japão.

Na capital coreana, petições de pró-japoneses passaram a chegar às


mãos do imperador Sunjong para uma união voluntária com o Japão.
Em 1910, visando maior segurança e controle, duas divisões do exército
japonês chegaram ao solo coreano. E depois de anos de campanha
contra a guerrilha do Uibyeong no interior, foi nomeado como residente-
geral, General Terauchi Masatake (1852 – 1919) que fortaleceu a
repressão e investigação com o uso da infame polícia secreta japonesa, o

93
FUCHS, Eckhardt; KASAHARA, Tokushi & SAALER, Sven (Orgs.). A New Modern
History of East Asia, vol. 1. Göttingen, Alemanha: V & R Academic, 2018, p. 341.

143
EMILIANO UNZER MACEDO

Kenpeitai. A fim de intimidar os rebeldes e oposicionistas, Terauchi


ordenei que todas as organizações políticas e movimento sociais fossem
dissolvidas, incluindo o Ilchinhoe, a partir de 1907. Em momento
derradeiro, o primeiro-ministro coreano, Yi Wanyong e Terauchi
assinaram o Tratado de Anexação em 22 de agosto de 1910 94,
terminando de vez a dinastia Joseon.

A anexação de fato reformulou a presença japonesa na Coreia. Invés


do residente-geral, agora havia um governador-geral, com poderes
coloniais a dirigir e administrar. No entanto, algumas áreas coreanas
foram preservadas. Poderes legislativos restritos e alguma força militar
coreana foi resguardada, apesar dos postos do oficialato serem
reservados apenas aos japoneses. O General Terauchi Masatake,
primeiro governador-geral da Coreia passou a comandar a nova colônia
com mão de ferro. Essa dura medida revela mais das características e
limites do imperialismo japonês. Primeiramente, os japoneses não foram
capazes de convencer a população coreana do seu projeto modernizador,
resultando em anos de conflitos contra resistentes. Mesmo após várias
derrotas contra o Uibyeong, a antipatia e resistência coreana persistiu por
décadas. Acrescente-se a isso a tradicional postura conservadora da elite
coreana, que acreditava de que eles eram, pela tradição confuciana,
superiores aos japoneses que tinham se “degenerado” nos modos
ocidentais desde a Reforma Meiji.

Sendo assim, a imposição japonesa se deu nas mãos militares, com


pouco efeito de convencimento dos coreanos a se submeterem. E foram
pelos militares japoneses que se concretizou a dominação, pela via dura,
animados depois da vitória sobre os russos em 1905. Em outro aspecto,
a economia japonesa não era tão sólida a ponto de não depender da

94
Considerando a união dos dois países nos termos de serem uma única família
(ilhan ilga), conforme postula a tradição confucionista. CAPRIO, Mark E. Japanese
Assimilation Policies in Colonial Korea, 1910-1945. Seattle: University of
Washington Press, 2011, p. 185.

144
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

coreana. Os japoneses, antes de tudo, enxergaram a Coreia como


fornecedor essencial de matéria-prima para a economia, como o arroz e
minerais, e como mercado consumidor dos produtos industriais
japoneses e capital de investimento. Depois de feito um amplo
levantamento das terras coreanas, o Governo Geral nacionalizou vastas
extensões de arrozais cujo produto era vendido abaixo do preço de
mercado visando favorecer os investidores japoneses, principalmente da
companhia “Oriental Development Company” (동양척식주식회사),
fundada em 1908 95. Além disso, os empresários coreanos precisaram de
autorização do governo para fundar novas empresas, consideradas
sempre a favor dos japoneses. As tarifas de importação dos produtos
japoneses eram baixas, justamente para não permitir concorrência com
o mercado coreano.

As atividades políticas foram proibidas e foi impedido o exercício


livre de expressão, imprensa e reunião. Em agosto de 1911, o governo
aprovou leis que desencorajava os coreanos a receber educação superior
e ter acesso ao estudo da área das humanidades e ciências sociais,
incluindo sua própria história e geografia. Foram, contudo, incentivados
a aprender a língua japonesa, e promovia-se como heróis os coreanos
que tinham colaborado com a administração japonesa. Em 1912, ano da
morte do imperador Meiji, todos os eventos coreanos de celebração e
festa foram terminantemente proibidos 96. O número de escolas públicas
na Coreia aumentou na medida em que obedeciam ao novo sistema, e as
particulares, com maior autonomia, diminuíram. Em março de 1912, as
autoridades japonesas começaram a ter poder livre de investigação,
interrogatório e tortura contra suspeitos.

95
CHUNG, Young-Iob. Korea Under Siege, 1876-1945: Capital Formation and
Economic Transformation. Oxford & Nova York: Oxford University Press, 2006, pp.
162 – 163.

96
CAPRIO, Mark E. Japanese Assimilation Policies in Colonial Korea, 1910-1945.
Seattle: University of Washington Press, 2011, pp. 105 – 106.

145
EMILIANO UNZER MACEDO

Sob esse duro regime, o pouco espaço de resistência se dava por


organizações com apoio estrangeiro, como as escolas missionárias e
particulares. Apesar de serem vistos como suspeitos, as autoridades
japonesas queriam preservar a imagem internacional da administração
japonesa na Coreia. Esses missionários, por sua vez, em boa parte
advindos da América do Norte de igrejas protestantes, começaram a
denunciar cada vez mais a opressão e os abusos dos direitos humanos,
angariando suporte e apoio de nacionalistas coreanos e de outros
missionários e cristãos convertidos coreanos. Em outras palavras, o
cristianismo na Coreia passou a ser visto como meio de escapar da
opressão japonesa. Em 1911, citando alegações de conspirações a
assassinar o governador-geral, o General Terauchi, foi expedido
mandato de prisão a vários líderes cristãos coreanos, incluindo Yun Chi-
ho. Apesar disso, o cristianismo coreano continuou a crescer com
relativo entusiasmo, principalmente nas províncias onde o
neoconfucianismo não havia feito raízes históricas como no noroeste da
península. Visando contrapor a popularidade cristão, as autoridades
coloniais passaram a promover o budismo, crença historicamente
compartilhada com os japoneses.

Enquanto isso, o mundo estava mudando radicalmente. A Rússia


czarista desabou diante da Revolução Bolchevique em novembro de
1917, e Lênin havia proferido o princípio internacionalista do
comunismo, a de que todos os povos oprimidos deveriam ser apoiados.
A mensagem foi poderosa e chegou aos ouvidos coreanos que inspirou
o movimento comunista local. Em novembro de 1918, representantes
de um partido nacionalista coreano – Partido da Juventude da Nova
Coreia – sediado em Xangai e liderado por Yo Um-hyung (ou Lyuh
Woon-hyung) (1886 - 1947), foram para a Conferência de Paz em Paris
para peticionar pela independência da Coreia. Ao mesmo tempo, a
comunidade coreana nos EUA tentou mandar representantes, chefiado
por Syngman Rhee, que tinha se convertido ao cristianismo. Apesar dos
esforços, pouco efeito prático foi alcançado.

146
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

A Conferência de Paz que transcorreu até 1919, serviu ao menos de


inspiração e esperança para os coreanos que persistiram na luta contra a
dominação colonial. Pois o presidente dos EUA no evento, Woodrow
Wilson (1856 – 1924) chegou a defender a autodeterminação dos povos.
Em Tóquio, alguns coreanos em 8 de fevereiro de 1919, fundaram o
Partido da Independência da Coreia, em resposta ao que viram como
promessa dos tempos em mudança. Outros coreanos, retornados dos
seus estudos da Universidade de Waseda, em Tóquio, passaram a ensinar
para as novas gerações os direitos e princípios libertadores do
nacionalismo e autodeterminação. Igualmente também foi organizado
uma ampla campanha internacional pela independência coreana, e
promoveram figuras que lutaram por isso como Yi Sang-jae. Alguns
outros nacionalistas coreanos passaram a apoiar lideranças religiosas,
enquanto outro basearam-se nas décadas de lutas dos rebeldes do
movimento Donghak, agora reencarnado como uma seita religiosa, o
Cheondogyo (“Religião dos Meios Celestes”, 천도교), ou Cheondoísmo.
O secretário-geral desse novo movimento religioso e milenarista, Choe
Rin (1878 - ?), conseguiu convencer a liderança de se envolver na política
anticolonial. Outros líderes religiosos, cristãos, também reagiram à
mensagem de Woodrow Wilson e passaram a lutar por novos ideais.

Todo esse turbilhão de inspirações e ideais convergiu no dia 1º de


março de 1919, quando houve uma grande concentração de
manifestantes na Praça Pagoda na capital coreana. Na ocasião, houve a
presença de 33 líderes religiosos, 16 dos quais cristãos, 15 do
Cheondoísmo e dois budistas 97. E assim foi lida a Declaração de
Independência por Son Byong-hi (1861 – 1922), escrita pelo poeta Choe
Nam-seon, ainda hoje é referência para as causas nacionalista e de
libertação coreana. A mensagem gritada pela “Longa Vida (Man-se) À
Independência Coreana!” ecoou pelo movimento e pelo país, ao ponto

97
REES, David. Korea: An Illustrated History - From Ancient Times to 1945. Nova
York: Hippocrene Books, 2001, p. 121.

147
EMILIANO UNZER MACEDO

em que foi mobilizado estimados dois milhões de coreanos. Dias depois,


as manifestações pelo país ganharam ares violentos, e as autoridades
japonesas resolveram agir de maneira brutal. Mobilizando a polícia, o
kenpeitai e o exército, foram usados rifles e espadas durante semanas
contra os considerados subversivos. Ao todo, cerca de 7500 pessoas
morreram, 15 mil feridos e mais de 46 mil presas e torturadas 98. Centenas
de casas, igrejas e escolas foram incendiadas. Em 15 de abril, a população
de uma aldeia perto de Suwon foi massacrada dentro de uma igreja local
pelas autoridades japonesas. As notícias aterradoras, no entanto, não
chegaram a impactar na imprensa internacional, pois muitos países
ocidentais não assumiram posição crítica diante de um aliado nos
esforços da Primeira Guerra Mundial, o Japão.

Esse movimento de 1º de março de 1919, conhecido como


Movimento Sam-il (삼일 운동), foi a maior demonstração do povo
coreano contra o colonialismo japonês. Em termos de escala, nenhuma
outra resistência coreana durante o período da dominação japonesa foi
igual. Surpreendidos, as autoridades japonesas passaram a reformular sua
política colonial de uma postura impositiva para maior reconciliação. Em
1920, um novo governador-geral foi apontado, o almirante Saito Makoto
(1858 – 1936), e foi anunciado um conjunto de medidas que,
supostamente, seria em benefício dos coreanos. O kenpeitai foi
substituído por forças regulares, e oficiais japoneses não mais poderiam
ostentar suas espadas consideradas como símbolo da opressão colonial.
Novas medidas permitiram publicações coreanas e direito de expressão
e reunião. O número de escolas foi aumentado, assim como os anos de
estudo aos coreanos. Foi prometido o respeito às tradições e cultos
coreanos. Dos novos jornais coreanos fundados em 1920, dois foram
pertenciam e foram dirigidos por coreanos, o Dong-A Ilbo (동아일보) e o

98
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, p. 130.

148
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Chosun Ilbo (조선일보) 99. O primeiro jornal, em determinado momento


durante as Olimpíadas de Berlim de 1936, publicou uma foto do
maratonista coreano e medalhista de ouro, Son Kijong (1912 – 2002),
com a bandeira japonesa apagada de seu peito. Por esse incidente, o
jornal foi suspenso por um tempo. Na década de 1930, o governo
japonês tentou desencorajar o uso do idioma coreano e do hangul, mas
o Chosun Ilbo passou a publicar histórias do romance sobre o líder rebelde
coreano do século 16, Im Kkeokjeong, visando preservar a memória e
cultura coreana.

Essa nova política colonial, focada nos aspectos culturais, esperava


apaziguar os ânimos e contestações coreanas. Visando coibir os mais
rebeldes, o governo de Saito revogou as escolas particulares de
missionários cristãos, sob o pretexto de propagar crenças subversivas à
ordem coreana. Nas escolas públicas, as autoridades japonesas passaram
a ensinar história a defender a integração e assimilação aos japoneses,
distorcendo o passado coreano 100. A primeira universidade coreana foi
fundada na capital em 1924, e voltou-se principalmente para a

99
FUCHS, Eckhardt; KASAHARA, Tokushi & SAALER, Sven (Orgs.). A New Modern
History of East Asia, vol. 1. Göttingen, Alemanha: V & R Academic, 2018, p. 288.

100
Como no caso de uma suposta aliança entre o reino coreano de Minama (Imna
em coreano), que as crônicas japonesas como o Nihongi atestam terem
concordado em ser submeter aos japoneses entre os séculos 3 e 6. O argumento
foi depois usado como justificativa histórica para a intervenção nipônica sobre a
península. Estudos arqueológicos coreanos em tempos recetes não encontram
respaldo desse acordo feito, remetendo o suposto fato para colonos coreanos de
Minama que se estabeleceram no arquipélago japonês na região de Oita, em
Kyushu.

MOHAN, Pankaj. "The Controversy over the Ancient Korean State of Gaya: A Fresh
Look at the Korea–Japan History War" In: LEWIS, Michael (Org.). ‘History Wars' and
Reconciliation in Japan and Korea: The Roles of Historians, Artists and Activists.
Nova York & Londres: Palgrave Macmillan, 2016, pp. 108 – 109.

149
EMILIANO UNZER MACEDO

comunidade japonesa, apesar de terem sido reservadas um terço de suas


vagas para os coreanos.

O movimento nacionalista coreano depois dos eventos de 1º de


março de 1919 pareceram promissores. Uma nova geração de líderes
começou a surgir das instituições coreanas de ensino, como foi Yi
Kwang-su (1892 - 1950), que tinha se formado com os ideais do
Iluminismo europeu e articulou um governo nacionalista no exílio, junto
com seu mentor protestante, Ahn Changho, em Xangai. Voltando para
sua terra natal em 1922, Yi compôs um ensaio, “Sobre a Reconstrução
da Nação” (Minjok Kaejoron), argumentando que a reconstrução moral
das elites é essencial para uma futura nação soberana e independente. O
talento literário de Yi Kwang-su foi além, e ganhou notoriedade com a
publicação de sua obra de ficção de 1917, “O Sem-Coração” (Mujong),
em que os personagens principais (o professor Yi Hyong-sik, a sua
amada e filha de seu mestre, a tradicional Pak Yong-chae, e as tentações
da moderna e próspera Kim Son-hyong) passam por tentações, pressões
e cobranças diante das tradições que clamam por lealdade, honra num
cenário devastador de mudanças da modernidade 101.

O 1º de março inspirou outros combatentes da liberdade para uma


Coreia independente. Ao longo da década de 1920, muitos entraram em
consenso de que deveriam se unir numa frente ampla a defender um
novo regime político, republicano e não mais monárquico. Ainda em
1919, havia cinco governos provisórios coreanos a estruturar um futuro
comando político com a saída dos japoneses, sediados na capital
(clandestinamente), em Vladivostok na Rússia Bolchevique e em Xangai.
Várias figuras e líderes coreanos de resistência se congregaram na
resistência organizada representando os diferentes espectros políticos
que abundava no meio oposicionista coreano e centraram-se no
Governo Provisório da República da Coreia (Daehanminguk Imsijeongbu,

101
LEE, Ann Sung-Hi. Yi Kwang-su and Modern Literature: Mujong (edição bilíngue).
Ithaca, Nova York: Cornell University, 2011.

150
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

대한민국 임시정부), sediada em Xangai,. Syngman Rhee, um


democrata cristão que viveu e se inspirou no governo dos EUA; Yi
Dong-nyong (1869 – 1940), antigo membro do “Exército Justo”
(Uibyeong) exilado na Manchúria; Yi Dong-hwi (1873 – 1935), ex-soldado
que se tornou líder comunista na Sibéria; Ahn Changho, um influente
pensador das reformas morais e filosóficas advindo da comunidade
protestante cristã coreana; Shin Chaeho, historiador, jornalista,
nacionalista e anarquista e; Yi Kwangsu, um dos mais talentosos
escritores da sua geração e autor da Declaração de Independência lida
nos protestos de 1º março de 1919. Essa gama de lideranças compunha
um governo em forma apenas, pois havia as distâncias geográficas a ser
superada numa unidade organizacional. E havia as discordâncias entre
eles. Syngman Rhee entrava em desacordo com as ideias comunistas de
Yi Dong-hwi. Em 1925, Rhee havia sido retirado do posto de presidência
do governo provisório em Xangai. Nacionalistas mais radicais criticaram
Rhee por sua moderação e proposta de submeter a Coreia a um mandato
sob a Sociedade das Nações, conforme defendeu em Genebra em 1933.
Cansado das provocações e acusações, Rhee então decidiu ir para os
EUA onde atuou diplomaticamente até 1945.

Após outros desentendimentos, o governo provisório de Xangai


passou para a presidência de Kim Gu (1875 – 1949) que assumiu o
controle em 1940 até depois da Segunda Guerra Mundial em 1947. A
atual constituição da Coreia do Sul, reconhece essa organização como
antecessora de seu governo legitimado. Syngman Rhee, apesar de sua
ativa campanha nos EUA e Europa, não conseguiu atrair muita atenção
das autoridades, pois ainda havia muitas colônias europeias na África,
Ásia e América Latina antes da Segunda Guerra Mundial. Apenas o
governo soviético ofereceu de imediato ajuda, pois por ideologia
defendia a libertação dos povos oprimidos pelo mundo. A ajuda era dada
através da Internacional Comunista (Comintern), estabelecida em 1919,
ao fornecer fundos, armas e conselheiros para os combatentes da
independência. Assim, o movimento comunista coreano foi o primeiro
beneficiado desse apoio soviético. Mas seus membros em boa parte
151
EMILIANO UNZER MACEDO

viviam e atuavam no território russo. Em 26 de junho de 1918, Yi Dong-


hwi tinha fundado o Partido Socialista Coreano, em Khabarovsk, no
leste da Rússia. Isso concorreu com os imigrantes coreanos que tinham
formado em janeiro de 1918 uma seção do Partido Comunista em
Irkutsk, enquanto lutaram contra o exército czarista na Revolução
Bolchevique. As duas facções lutaram entre si pelo favorecimento da
Comintern. Enquanto os últimos enfatizaram a revolução proletária
internacional, os primeiros, sob Yi Dong-hwi, queriam a independência
nacional da Coreia. Depois de algum tempo, Yi renomeou seu partido
para o Partido Comunista Koryo, em janeiro de 1921, sediado em Xangai
e se congregou em torno dos outros líderes do Governo Provisório da
República da Coreia.

Nesse meio tempo, os ensinamentos de Marx e Lênin espalhou-se


com furor entre o meio intelectual e rebelde coreano, entre estudantes,
ativistas, políticos e exilados na China, Manchúria, Sibéria e Japão,
resultando em vários grupos comunistas. Todos esses tentaram se
infiltrar na Coreia e lutar pela emancipação do povo coreano do domínio
opressor japonês. Contudo, a polícia japonesa agiu com eficiência
impiedosa contra qualquer tipo de subversão à ordem colonial.
Eventualmente, vários agentes comunistas coreanos resolveram
cooperar entre si e fundaram secretamente na capital o Partido
Comunista da Coreia (Choson Kongsandang, 조선공산당) em abril de
1925, que passou a ganhar o apoio substancial da Comintern. Boa parte
de seus ativistas foram presos e reprimidos pela polícia japonesa, mas,
num segundo momento em junho de 1926, conseguiram instigar uma
manifestação em massa que teve impacto na resistência nacionalista anti-
japonesa. Em setembro de 1926, esses comunistas resolveram mudar sua
estratégia e se juntar a uma frente unificada com os nacionalistas,
estabelecendo assim em fevereiro de 1927 a “Sociedade Nova Coreia”
(Singanhoe, 신간회). Mesmo assim, unificados e ampliados na sua luta
pela independência, os comunistas e nacionalistas sofreram seguidas
perseguições e repressões do governo japonês colonial. Em outubro de

152
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

1928, quase já não havia nenhuma organização comunista atuante na


Coreia e isso se estenderá até 1945.

As atividades comunistas permaneceram no exterior, pois o


pensamento marxista e o exemplo bolchevique alimentou a esperança de
muitos que sonharam com a independência coreana. No meio artístico e
literário, isso também se fez presente. Em julho de 1925, foi fundado a
Federação do Artista Proletariado Coreano (ou conhecido pela sigla,
KAPF) que passaram a defender uma arte e literatura voltado para a
realidade da classe oprimida da Coreia colonial. Esse movimento foi bem
sucedido desde o início pois conseguiu congregar uma frente unida que
considerava imperativo, antes de tudo, denunciar a exploração colonial
do povo coreano, despertando na classe artística a sensibilidade para o
realismo e questões sociais. Pelo cinema e rádio, o povo coreano
conseguiu ter acesso às obras dessa escola. Um dos mais notáveis adveio
do cinema, de Na Woon-gyu (1904 – 1937), diretor e escritor do filme
de 1926, Arirang (아리랑). O filme virou sensação nacional na Coreia
102
. A história apresentava a vida dura de um humilde estudante coreano
que veio do interior para a capital coreana. No movimento de 1º de
março de 1919, o estudante é preso e sofre brutais torturas, e depois
volta para sua aldeia natal com problemas mentais. Certo dia, com a
turbulência de seu estado mental, ele testemunha sua irmã sendo
agredida por um filho de autoridade japonesa, ao que ele reage e mata o
agressor com uma foice. Preso novamente pela polícia japonesa, ele
repentinamente cura-se da sua doença mental.

A Crise da Bolsa de Nova York em 1929 agravou


consideravelmente a economia japonesa que passou a defender o
fascismo militar e a expansão sobre a China. Em junho de 1928, militares
japoneses eliminaram o senhor de guerra na Manchúria, Zhang Zuolin,

102
KIM, Dong Hoon. Eclipsed Cinema: The Film Culture of Colonial Korea.
Edimburgo: Edinburgh University Press, 2017, p. 71.

153
EMILIANO UNZER MACEDO

e estabeleceram ali um Estado-fantoche (Manchukuo) sob o nominal


trono imperial do último descendente da dinastia Qing chinesa em
fevereiro de 1932. Posteriormente, as forças japonesas passaram a
expandir sua presença sobre toda a região norte e costa chinesa. Parecia
que o sonho de Toyotomi Hideyoshi de conquistar a Coreia e China no
século 16 era agora realidade.

Pelo lado dos nacionalistas coreanos, a década de 1920 e 1930


trouxe perspectivas limitadas, apesar do entusiasmo bolchevique. Em
Xangai, havia o maior grupo de resistência organizada pela
independência coreana, no Governo Provisório da República da Coreia,
além de alguns grupos comunistas. Mas todos tinham sérias limitações
nas suas atuações de guerrilha contra o exército japonês. Na Manchúria,
a maioria das guerrilhas coreanas entrou em colapso na década de 1930.
Visando fundear de vez sua presença na região e na Coreia, os japoneses
passaram a construir infraestrutura e indústrias metalúrgica, química e
têxtil, além de promover mudanças para aumento da produção agrícola.
E sob o incentivo do governo-geral na Coreia, conglomerados de
empresas japonesas, conhecidas como zaibatsu, como a Mitsui,
Mitsubishi e Noguchi, foram convidados a se instalar no território
coreano e manchuriano, a explorar a mão-de-obra barata coreana e
chinesa. Em termos estatísticos, a produção industrial dessas regiões
cresceu exponencialmente, mas isso sempre se dirigiu à política colonial
japonesa e com pouco participação do empresariado coreano.

Em julho de 1937, militares japoneses entraram em confronto com


chineses num subúrbio de Pequim. Levando isso como pretexto, o
governo japonês iniciou uma nova guerra contra os chineses e assim
passou a controlar boa parte do norte e da costa chinesa. O governo
nacionalista chinês, sob o comando de Chiang Kai-Shek, em Nanquim,
pouco pode fazer a deter esses avanços, e a capital do sul foi tomada
após cinco meses de batalhas, após o massacre de milhares de cidadãos.
No vasto interior chinês, no entanto, o domínio nipônico foi mais
limitado, e foi dessa região que guerrilhas organizadas pelo Partido

154
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Comunista Chinês começou a se organizar e ganhar força.

Na Manchúria, um exército de rebeldes anti-japoneses


manchurianos e coreanos foi organizado pelo Partido Comunista Chinês
em 28 de janeiro de 1936. Até 1940, essa unidade tornou-se um fardo
para a presença japonesa na região, e isso atraiu a atenção de líderes que
desejaram a expulsão dos japoneses na Coreia. Um desses foi um
membro do exército, chamado de Kim Songju (1912 – 1994) que depois
mudou seu nome para Kim Il Sung (ou Kim Kyung-cheon), em
homenagem a um lendário combatente coreano na Manchúria. Com este
nome, Kim Il-Sung tornou-se no maior líder de resistência aos japoneses
no norte coreano e Manchúria, e depois irá ser o primeiro líder da Coreia
do Norte em 1948. Em 4 de junho de 1937, Kim Il Sung, então com
apenas 24 anos de idade, com crescente apoio de comissários comunistas
chineses, passou a invadir o território coreano ao sul do rio Yalu.
Comandando uma companhia de cerca de 150 homens, atacou com
sucesso a base japonesa em Pochonbo, na fronteira com a China,
matando vários militares japoneses 103. Após o feito, as forças de Kim Il
Sung recuaram para o território manchuriano novamente e depois para
Khabarovsk, na Rússia, na chamada “Marcha Árdua” (gonanui haenggun,
고난의 행군), mas seu feito inspirou as lutas anti-japonesas nos
próximos anos. No território russo, Kim Il Sung passou a ser protegido
e treinado pelo Comando Oriental do Exército Vermelho Soviético.

Com a expansão das ofensivas japonesas sobre a China, o governo-


geral intensificou a exploração dos recursos humanos e minerais da
Coreia, a apoiar os esforços de guerra. Para tal, foram determinadas
políticas draconianas sem precedentes. O novo governador-geral,
Minami Jiro (1874 – 1955), nomeado em agosto de 1936, começou a
implementar a política de plena assimilação, a juntar os dois países como

103
HOARE, James E. Historical Dictionary of Democratic People's Republic of Korea.
Plymouth, Reino Unido: Scarecrow, 2012, p. 307.

155
EMILIANO UNZER MACEDO

se fosse “num só corpo” (naisen ittai, 內鮮一體) 104


. Minami assim
acreditava que poderia abolir a identidade coreana a mobilizar seus
esforços militares para o império japonês. Em 1937, foi estabelecido um
órgão de vigilância e inteligência para policiar os coreanos, o Comitê
Central de Informação. Houve aumento notável de agentes da polícia
secrete japonesa, além do incremento no número de militares no
território coreano. A Coreia vivia sob um Estado colonial e cada vez
mais policial. A fim de intimidar os dissidentes e intelectuais coreanos,
as autoridades coloniais prenderam vários de seus líderes, como o
influente escritor, Yi Kwang-su, e cristãos como Yun Chi-ho.

Em agosto de 1938, o governador-geral lançou uma política de


mobilização da sociedade coreana visando sua total dedicação e lealdade
à guerra, fundando a Federação Coreana de Mobilização Total do
Espírito Nacional (Kokumin Seishin Sodoin Chosen Renmei). Suas
ramificações envolveram todos os escalões administrativos, desde a
capital às províncias, cuja base era em torno de grupos de dez famílias
cada. Cada uma dessa unidades deveriam contribuir em serviços,
trabalhos, racionamento e vigilância 105. Diante disso, as condições de
vida tornaram-se cada vez mais opressivas e miseráveis. Boa parte da
sociedade coreana foi forçada a usar uniformes de guerra. A moda
masculina deveria seguir à moda militar japonesa, enquanto as mulheres
coreanas foram proibidas de usar saias ocidentais ou o vestido tradicional
coreano, o chima (치마), e forçadas a usar calças marrons (mompei). Os
uniformes escolares foram concebidos a refletir o sistema japonês

104
UCHIDA, Jun. “Between Collaboration and Conflict: State and Society in
Wartime Korea” In: KIMURA, Masato & MINOHARA, Toshihiro. Tumultuous
Decade: Empire, Society, and Diplomacy in 1930s Japan. Toronto, Buffalo &
Londres: University of Toronto Press, 2013, p. 147.

105
SETH, Michael J. A Concise History of Modern Korea: From the Late Nineteenth
Century to the Present. Vol. 2. Lanham, Maryland, EUA: Rowman & Littlefield,
2016, pp. 80 - 81.

156
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

(seifuku, 制服), com o uniforme preto de cadete para os meninos, e o


uniforme marinheiro para as meninas.

Minami Jiro dirigiu ainda sua política para a plena assimilação da


cultura, religião e tradição coreana. Um dos seus principais alvos foi a
língua coreana. Em março de 1938, foi decretado pelo governador-geral
que todas as escolas deveriam usar apenas a língua japonesa, e que todos
os estudantes deveriam falar essa língua, mesmo em casa. Todas as
manhãs, os estudantes tinham que se curvar em direção ao leste, ao
palácio do imperador japonês (Tennô, 天皇) e recitar um juramento de
lealdade ao império. Jornais de língua coreana, como o Dong-A Ilbo e o
Chosun Ilbo, foram fechados. E todo mês, os coreanos foram forçados a
visitar um templo xintoísta e fazer adorações aos deuses japoneses 106.
Isso causou grandes problemas entre a população cristã coreana, ao
desrespeitar um dos Dez Mandamentos. Diante disso, a repressão contra
a população cristão foi impetuosa. Em 1938, 18 escolas cristãs foram
fechadas. Dois anos depois, mais de dois mil cristãos coreanos foram
presos por desobediência e mais de duzentas igrejas foram fechadas.
Cerca de 50 líderes cristãos, incluindo o presbiteriano Reverendo Chu
Ki-Chol (1897 – 1944), foram martirizados na prisão.

Em 1939, foi decretado que todos os coreanos deveriam adotar


sobrenomes japoneses 107. Uma grande ofensa às tradições
confucionistas de cultuar os ancestrais familiares. Diante da relutância e
resistência de muitos coreanos, o governo colonial buscou recompensar
aqueles que tinham mudado com benefícios com racionamentos mais

106
KIM, Kwang-Ok. “Colonial Body and Indigenous Soul: Religion as a Contested
Terrain of Culture” In: LEE, Hong Yung; HA, Yong-Chool & SORENSEN, Clark W.
(Orgs.). Colonial Rule and Social Change in Korea, 1910-1945. Seattle: University of
Washington Press, 2013, p. 288.

107
HOLCOMBE, Charles. A History of East Asia: From the Origins of Civilization to
the Twenty-First Century. Cambridge: Cambridge University Press, 2017, p. 277.

157
EMILIANO UNZER MACEDO

generosos e acesso a cargos mais altos no governo. Apesar disso, cerca


de 20% da população coreana ainda assim desafiou a nova política e
manteve seus nomes originais.

A intensificação da Segunda Guerra Mundial pelo lado japonês se


deu após o ataque surpresa a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941.
A política colonial na Coreia levou o povo coreano a uma mobilização
ainda maior no esforço de guerra. O exército japonês passou a
incorporar membros coreanos voluntários. Um desses foi Park Chung-
hee (1917 – 1979), que depois seria um dos líderes da Coreia do Sul entre
1961 e 1978, e tinha entrado na Academia Militar em Tóquio, alcançando
o posto de tenente do Exército Imperial Japonês em 1944 108. Com a
falta de mão-de-obra diante da Guerra do Pacífico contra os EUA, o
Japão passou a recrutar militarmente na Coreia a partir de 1943. Cerca
de 187 mil foram recrutados para o exército japonês e outros 20 mil para
a marinha. Além disso, os militares japoneses mobilizaram cerca de 200
mil jovens coreanos para a Brigada do Corpo Dedicado (Teishintai), cujas
meninas depois seriam referidas como “mulheres de conforto” 109. Essas
foram enviadas para as linhas de combate e forçadas à servidão sexual
das tropas japonesas. Desde 1939, as autoridades japonesas na Coreia
tinham recrutado trabalhadores coreanos para trabalhos compulsórios,
mas em 1944, isso se expandiu grandemente e começou a envolver quase
um milhão de coreanos até o fim da guerra 110. Esses trabalhadores
forçados atuaram nas minas, fábricas e também no campo de batalha.

108
HAN, Yong-sup. “The May Sixteenth Military Coup” In: KIM, Byong-Kook &
VOGEL, Ezra F (Orgs.). The Park Chung Hee Era. Cambridge, Massachussets &
Londres: Harvard University Press, 2011, p. 44.

109
SOH, C. Sarah. The Comfort Women: Sexual Violence and Postcolonial Memory
in Korea and Japan. Chicago: University of Chicago Press, 2008, pp. 18 – 19.

110
FUCHS, Eckhardt; KASAHARA, Tokushi & SAALER, Sven (Orgs.). A New Modern
History of East Asia, vol. 1. Göttingen, Alemanha: V & R Academic, 2018, p. 330.

158
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Até a rendição japonesa em 15 de agosto de 1945, o governo-geral


na Coreia tinha empregado todos os seus meios e recursos para perseguir
e reprimir qualquer oposição e dissidência. O Partido Comunista da
Coreia foi dissolvido e pulverizou-se em pequenas células clandestinas
nas zonas industriais. A maioria dos líderes nacionalistas coreanos, como
Yi Kwang-sun, Choe Nam-seon, Kim Seong-su e Yun Chi-ho foram
subjugados e presos. Outras lideranças sobreviveram, mas a partir do
exterior. Na China, o Governo Provisório da República da Coreia, sob
Kim Gu, fugiu para a cidade interiorana de Chongqing que tinha se
tornado na capital temporária do governo nacionalista chinês. No norte
da China, o Partido Comunista Chinês treinou e protegeu líderes
coreanos comunistas, como Kim Tu-bong (1889 – 1958) e Kim Mu-
chong (1904 - 1952), que lutaram contra os japoneses. Na Rússia, na
província de Khabarovsk, Kim Il Sung e seus seguidores continuaram
sendo preparados e instruídos pelo Exército Soviético. E nos EUA,
Syngman Rhee continuava seus esforços diplomáticos pela causa da
independência coreana.

159
EMILIANO UNZER MACEDO

160
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

8 A FRATURA

Após agosto de 1945, os dias da Segunda Guerra Mundial estavam


contados. A Alemanha nazista havia se rendido em 8 de maio, mas ainda
persistia a frente japonesa contra os americanos. O imperador Hirohito
(1901 – 1989) finalmente decidiu se render após dois bombardeios
atômicos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto,
respectivamente. Como a União Soviética havia declarado guerra contra
o Japão em 8 de agosto, o Exército Vermelho avançou para as províncias
ocupadas no norte e nordeste da Coreia. Os EUA, no momento, estavam
distantes da região, localizados nas ilhas Ryukyu a cerca de 600 km de
distância da península coreana. Em 15 de agosto, Hirohito anuncia, por
meio do rádio e para uma população atônita que jamais tinha ouvido a
voz do imperador, a rendição incondicional às Forças Aliadas.

Na Coreia, o evento teve promissoras repercussões. O governador-


geral tinha passado para as mãos de Endo Ryusaku (1886 - 1963) e este,
ciente da rendição, secretamente sondou lideranças coreanas para
transferir o poder administrativo. Um dos primeiros considerados foi o
partido nacionalista de Kim Seong-su, um líder experiente e bem
articulado entre os nacionalistas mais moderados que tinha apresentado
relativa cooperação com os japoneses. As autoridades japonesas
acreditaram que o grupo dele teria mais condições de controlar e
apaziguar os ânimos após o período colonial e a guerra. Apesar da oferta

161
EMILIANO UNZER MACEDO

feita, Kim a rejeitou, insistindo que o Governo Provisório da República


da Coreia, exilado em Chongqing na China, era a única com legitimidade
a representar o povo coreano. Sendo assim, Endo voltou-se para Yo
Unhyong (ou Lyuh Woon-hyung), que esteve desde agosto de 1944
formando secretamente um partido político com esquerdistas
moderados, a Liga da Construção da Coreia (Konguk Tongmaeng) 111. Este
colocou como condição a plena independência coreana, com a liberdade
de imprensa, não-interferência nas atividades políticas coreanas,
movimentos trabalhistas e estudantis 112. Em troca, Lyuh prometeu não
dissolver a estrutura da administração vigente do Governo Geral e
controlar o impulso retaliatório contra os japoneses na península. Sendo
assim, Lyuh, junto com An Chaehong (1892 – 1965) organizaram o
Comitê para a Preparação da Independência Coreana (Konguk
Chunbiwiwonhoe), convidando todo o espectro das lideranças
nacionalistas, independentemente das diferenças ideológicas.

Em Pyongyang, no norte coreano, o governador japonês abordou


um nacionalista cristão, Cho Man-sik (1882 – 1950), a fim de organizar
outro comitê para buscar a conciliação e ordem na região. Cho
concordou em cooperar, unindo-se depois ao Konguk Chunbiwiwonhoe em
17 de agosto. Contudo, o grupo de Cho era composto por apenas dois
comunistas entre os 20 membros de orientação mais conservadora e
direitista. Ao se juntaram ao grupo na capital coreana, agora renomeada
como Seul, os direitistas de Cho se viram em minoria contra a maioria
esquerdista no Konguk Chunbiwiwonhoe 113. Os comunistas coreanos

111
SCALAPINO, Robert A. & LEE, Chong-Sik. Communism in Korea: The Society.
Londres & Berkeley, California: University of California Press, 1972, p. 921.

112
KIM, Choong Soon & KIM, Song-su. A Korean Nationalist Entrepreneur: A Life
History of Kim Songsu, 1891–1955. Nova York: State University of New York Press,
1998, p. 129.

113
LANKOV, Andrei Nikolaevich. From Stalin to Kim Il Song: The Formation of North
Korea, 1945-1960. Londres: Hurst & Company, 2002, pp. 10 – 12.

162
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

tinham se reagrupado em fins de agosto sob a liderança de Bak Honyong


(1900 – 1955), que tinha retornado de Seul. Com a presença massiva das
tropas soviéticas ao norte da Coreia, os esquerdistas começaram a ganhar
ânimo e esperança de um futuro promissor. Ademais, representantes
diplomáticos de Moscou permaneceram em Seul durante a guerra, com
a concordância das autoridades japonesas após terem assinado um Pacto
de Neutralidade (Nisso Churitsu Joyaku, 日ソ中立条約) entre os dois
países desde abril de 1941. Portanto, a União Soviética era a única
potência vencedora da guerra que manteve sua presença continuada na
península coreana.

Aproveitando-se das mudanças políticas e vácuo de poder, o Konguk


Chunbiwiwonhoe, vendo-se em sua maioria dominada por esquerdistas e
com a proximidade soviética, declararam a República Popular da Coreia
(Choson Inmin Konghwakuk, 조선인민공화국). E logo estabeleceram
dezenas de comitês populares locais (Inmin Wiwonnhoe) nas províncias
lideradas por membros comunistas 114. E disso, organizaram um corpo
armado, chamado de Preservação da Paz, composto por membros
jovens, a assumir o papel de preservar a ordem pública. Em 6 de
setembro de 1945, Lyuh Woon-Hyung e Bak Honyong presidiram um
plenário congressional, no Congresso dos Representantes do Povo. Mais
de mil delegados de todo o país compareceram e elegeram 55
representantes para um corpo legislativo da nova Coreia, o Comitê
Legislativo do Povo, a ser presidido por Lyuh. Assim nasceu as
estruturas iniciais da República Popular da Coreia. O Comitê Legislativo
nomeou um presidente e seus membros de gabinete. Syngman Rhee
tornou-se presidente e Kim Gu, ministro do interior. Mas naquele
momento, na composição política coreana, representantes além da
esquerda estavam em desvantagem. Em outras palavras, a Coreia nasceu
em setembro de 1945 sob os moldes da República Popular que visou um

114
HWANG, Kyung Moon. A History of Korea: An Episodic Narrative. Basingstoke,
Reino Unido: Palgrave Macmillan, 2010, p. 197.

163
EMILIANO UNZER MACEDO

governo de coalizão e incorporar todo a gama de líderes nacionalistas,


mas com um coeso núcleo comunista predominante.

Os países aliados vitoriosos da Segunda Guerra Mundial não tinham


consenso sobre o futuro da península coreana. Quando se reuniram no
Cairo em 1º de dezembro de 1943, Roosevelt, Churchill e Chiang Kai-
shek pensaram em termos vagos e imprecisos sobre uma forma de tutela
das potências aliadas, declarando que a Coreia seria, no devido tempo,
livre e independente. Os aliados reunidos entenderam que a península
não tinha um governo soberano desde o início do século 20. Apesar
disso, os coreanos desejaram ardentemente por um autogoverno, e
entenderam que teriam uma independência iminente após a guerra.
Cópias da Declaração do Cairo foram distribuídas pela Coreia, gerando
grandes expectativas e efervescências entre as lideranças nacionalistas.
Mais tarde, em Ialta, em fevereiro de 1945, Stalin, Roosevelt e Churchill
foram mais cautelosos e não apresentaram nenhuma conclusão sobre a
Coreia. E em julho, em Potsdam, os EUA demonstraram visível
desinteresse, enquanto a União Soviética manteve-se ambígua a respeito.
E, notavelmente, nenhum representante coreano havia sido convidado
pelos governos aliados para discutir a situação coreano do pós-guerra.

A indiferença dos EUA, em particular, levou à uma decisão do


Pentágono no dia 10 de agosto de 1945 em propor uma linha ao longo
do paralelo 38 como fronteira de ocupação futura entre americanos e
soviéticos. Como o Japão tinha se rendido antes do esperado, a Rússia,
não mais tinha motivos para não avançar da Manchúria para a península.
Stalin, almejando os portos do nordeste da Coreia como parte de sua
campanha de total controle manchuriano, aceitou a linha demarcada do
governo de Truman. Assim, o 25º Exército Soviético começou a ocupar
o norte da península coreana em 9 de agosto, um dia depois de ter
rompido o Pacto de Neutralidade com o governo japonês.

Em 15 de agosto, o general Ivan Mikhailovich Christiakov,


comandante do 25º Exército, fez um apelo ao povo coreano de sua base

164
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

na Manchúria. Ele anunciou o estabelecimento de um comando militar


soviético na Coreia e declarou a Rússia como libertador do país que tinha
sido oprimido pelos japoneses. O povo coreano não recebeu a
mensagem de bom grado, pois foram frequentes os saques de vilas e
cidades por tropas soviéticas e oportunistas coreanos. Mesmo assim, os
soviéticos começaram cedo a estruturar o poder em nível local por onde
tinham presença, com base nos comitês populares locais (Inmin
Wiwonnhoe) e forças policiais a controlar a ordem pública. Quando
chegaram a Pyongyang em 28 de agosto, o general Christiakov junto com
seu comissário político, general Nikolai Georgievich Lebedev,
reorganizaram o comitê nacionalista, principalmente através de Cho
Man-sik, no recém-criado Comitê Político do Povo, que tinha
nacionalistas e comunistas em igual número.

Pelo lado americano, houve considerável hesitação e postura


impositiva. Os decisores políticos nos EUA, em Washington e Tóquio,
nomearam o general John R. Hodge (1893 - 1963) como comandante
das Forças Armadas dos EUA na Coreia. Seu apontamento se deu
unicamente pelo fato de seu exército estar mais próximo da península,
em Okinawa, no sul do arquipélago japonês. Quando Hodge
desembarcou com sua força em Inchon em 8 de setembro, uma comitiva
do Governo Provisório da República da Coreia foi recebê-lo. Ao se
deparar com um suposto “governo coreano”, o general recusou a
encontra-los, pois Hodge permaneceu fiel ao que foi anunciado na
Ordem Geral de 7 de setembro de 1945 pelo seu superior em Tóquio,
general Douglas MacArthur (1880 - 1964):

Em virtude da autoridade investida em mim como Comandante em Chefe das


Forças do Exército dos EUA e do Pacífico, venho por meio deste estabelecer o
controle militar na Coreia ao sul da latitude 38 Norte, e anuncio aos habitantes de
lá as seguintes condições de ocupação: todos os poderes de governo sobre o
território citado está sob a minha autoridade. As pessoas obedecerão às minhas
ordens e se submeterão à minha autoridade. Atos de resistência às forças de
ocupação ou quaisquer atos que possam perturbar a paz e segurança serão
punidos severamente. Para todos os efeitos, o inglês será a língua oficial do

165
EMILIANO UNZER MACEDO

controle militar 115.

(tradução nossa)

As palavras de MacArthur soaram desalentadoras para os coreanos


que sonharam com a plena independência depois da guerra e de décadas
de governo colonial japonês. A mensagem contrastava com a mensagem
soviético tornada pública em 8 de agosto, em que ao menos foi
entendido que os coreanos sofreram nas mãos dos japoneses e que foi
enfatizada a liberdade: “A noite escura da escravidão sobre a Coreia
durou por longas décadas, e, chegou enfim a hora da libertação!”
(tradução nossa) 116. Aparentemente, as autoridades militares dos EUA
consideraram o país como hostil aos seus interesses que, por terem
colaborado com o regime japonês, deveriam cumprir os termos da
capitulação que tinham estendido ao Japão. Portanto, os EUA
continuaram a manter a estrutura colonial japonesa do governo geral
assim como suas duras leis sobre os coreanos. A Ordem Geral de
MacArthur considerava o povo coreano como algo a ser protegido, mas
guiados em termos políticos a seguir os caminhos democráticos e
pacíficos. O general Hodge, por sua vez, recusando receber os coreanos
em Inchon, manifestou claramente sua não reconhecimento oficial do
Governo Provisório da República da Coreia sediado em Chongqing,
apesar de ter permitido a volta de seus líderes.

Assim, Kim Gu, presidente do Governo Provisório, retornou à


Coreia em 23 de novembro. O mesmo se deu com Syngman Rhee em
16 de outubro, que tinha por tantos anos atuado junto ao Departamento
de Estados dos EUA, em Washington. Rhee, que tinha se tornado no
líder de independência mais popular na década de 1940, não teve uma
recepção triunfante para sua terra natal, entretanto. Apenas os membros

115
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, pp. 167 – 168.

116
Ibidem, p. 168.

166
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

mais da direita nacionalista do espectro político coreano em Seul, do


Partido Democrático Coreano, liderado por Song Jin-woo (1889 - 1945)
e Kim Seong-su (1891 – 1955) estavam entusiasmados.

Pelo lado soviético, a fanfarra foi maior. Foi organizado uma ampla
cerimônia de recepção de herói para Kim Il Sung. Impressionando os
presentes e o povo, que ficaram surpreendidos com a pouca idade do
militar coreano, com apenas 33 anos de idade. Enquanto os antigos
líderes comunistas coreanos, como Pak Hon-yong, lutavam pela
hegemonia em Seul, os russos em Pyongyang concentraram-se em apoiar
e fortalecer Kim Il Sung. Kim tinha servido por anos sob o comando do
general Terentii Shtykov (1907 - 1964) que tinha sido promovido a
comandante da Primeira Força do Extremo Oriente do Exército
Vermelho, algo superior em comando do que o 25º Exército, portanto
influente na política soviética na Coreia. E para limpar o acesso de Kim
ao poder, foi encontrado misteriosamente morto seu rival comunista na
região norte coreana, Hyon Chun-hyok em 28 de setembro de 1945 117.
Para estruturar o poder soviético sob Kim, a administração civil dos
russos estabeleceu em novembro vários cargos administrativos e
reorganizou o órgão executivo, Comitê Popular, a refletir o modelo na
União Soviética. E fez com que o Comitê ficasse sempre sob controle
do Partido Comunista aliado a Moscou. Assim foi feita a ascensão de
Kim como líder inconteste da Coreia ao norte do paralelo 38. Em
dezembro, Kim Il Sung foi nomeado como chefe do Partido Comunista
Coreano, acima de todas as antigas lideranças. A ascensão de Kim Il Sung
foi feita de maneira independente e sem consultas com os comunistas
coreanos em Seul. Os soviéticos, cientes disso, queriam promover seus
aliados mais confiáveis e a manter a península dividida.

A primeira importante cúpula dos aliados sobre a Coreia iniciou-se


em 16 de dezembro de 1945 em Moscou, com a presença de ministros

117
KLEINER, Juergen. Korea: a Century of Change. Nova Jersey, Londres, Cingapura
& Hong Kong: World Scientific, 2001, p. 275.

167
EMILIANO UNZER MACEDO

de Relações Exteriores dos EUA, URSS, Reino Unido e, em momento


posterior, da China. O acordo alcançado foi anunciado em 28 de
dezembro que propôs uma Comissão Conjunta estadunidense-soviética
para auxiliar a formação de um futuro governo coreano. Foi também
concluído de que seria necessário um período de até cinco anos de
tutelagem desses países da cúpula a atuar sobre a Coreia, materializando
o vago projeto proposta em Cairo em fevereiro de 1943 e em Ialta dois
anos depois 118.

O acordo feito em Moscou, desencorajou os coreanos que


almejaram a independência imediata. A frustração explodiu em
manifestações pelo país, a incluir todos os coreanos, dos esquerdistas aos
mais conservadores. Em poucos dias, porém, a descontentamento da
esquerda começou a se organizar e seguir as diretrizes dos soviéticos que
endossaram o Acordo de Moscou. À direita, diferentemente, o
movimento anti-tutelagem prosseguiu, sob a liderança de Syngman Rhee
e Kim Gu mobilizando seus partidários e apoiadores principalmente no
sul do paralelo 38 e em Seul. Em suma, com a continuada presença de
comunistas coreanos independentes e de direitistas na região meridional
coreana, o cenário apontava para um maior agravamento dos conflitos.

Em 11 de fevereiro de 1946, seguindo uma diretiva do


Departamento de Estado dos EUA para o comando militar americano
na Coreia, foi organizado uma coalizão política entre os coreanos ao sul
do paralelo 38 visando organizar representantes em consenso a terem
voz com a Comissão Conjunta EUA-URSS, conforme acordado em
Moscou. Todos se reuniram no Conselho Democrático Representativo
da Coreia do Sul, organizado pelos EUA e Syngman Rhee foi eleito
como presidente do Conselho, embora com ressalvas do general Hodge
e sua equipe que desejaram ter uma liderança mais moderada como Kim
Kyu-sik (1881 - 1950), que pudesse melhor dialogar com direitistas e

118
LEE, Jongsoo James. The Partition of Korea After World War II: A Global History.
Nova York: Palgrave Macmilan, 2006, pp. 160 – 161.

168
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

esquerdistas. Mas o clima político na Coreia do Sul parecia não favorecer


a moderação, com a esquerda e oposicionistas sul-coreanos prontamente
rejeitando o Conselho que, em vez disso, formaram a Frente Nacional
Democrática 119. A Comissão EUA-URSS realizou sua primeira reunião
em Seul em 20 de março de 1946, e não conseguiu chegar a
entendimentos mínimos mútuos sobre quais partidos políticos coreanos
teriam participação no governo provisório. Os delegados soviéticos
tinham insistido em excluir a maioria dos membros da direita coreana,
alegando que esses se opunham aos acordos feitos em Moscou. Os EUA,
em contraparte, defenderam a livre expressão política, incluindo aqueles
que tinham rejeitado a tutelagem. Depois de dois meses de impasses, a
Comissão Conjunta foi finalmente adiada indefinidamente. Foi o início
da quebra de diálogo entre as partes coreanas na Coreia do Sul.

Os direitistas começaram a organizar um movimento


essencialmente antissoviético e anticomunista, exigindo a independência
imediata e sem tutelagem. Syngman Rhee exigiu em 3 de junho de 1946
o estabelecimento de um governo independente no sul, se a URSS não
cooperasse com os EUA com relação a um governo coreano unificado
na península. Kim Kyu-sik, fortemente apoiado por militares e governo
dos EUA, promoveu um movimento de coalizão entre os partidos da
esquerda e direita na Coreia do Sul. Em julho, o Departamento de
Estado dos EUA ordenou que Seul respeitasse a diretiva de encorajar
uma ampla coalizão de moderados como primeiro passo para um
governo interino coreano. Esquerdistas moderados sul-coreanos, como
Lyuh Woon-hyung, se juntaram nessa coalizão, mas o Partido Comunista
Coreano, sob Pak Hon-yong se opôs a qualquer fratura da península
coreana.

Ao norte do paralelo 38, os soviéticos, sob a Administração Civil

119
SCALAPINO, Robert A. & LEE, Chong-Sik. Communism in Korea: The Society.
Berkeley, Los Angeles & Lodres: University of California Press, 1972, pp. 281-282,
287 – 291.

169
EMILIANO UNZER MACEDO

Soviética, entregaram sua autoridade a uma administração centrada em


Pyongyang e passaram a atuar como conselheiros ao governo de Kim Il
Sung. Vendo-se empoderados pela presença do Exército Vermelho no
norte da península, os comunistas coreanos passaram a perseguir
oposicionistas ao seu projeto de poder, incluindo a prisão do líder
nacionalista, Cho Man-sik em janeiro de 1946 no Hotel Koryo em
Pyongyang 120. Assim tinha sido demonstrada a falta de vontade dos
russos e comunistas no norte coreano em cooperar com outras
lideranças nacionalistas. Assim, a política norte-coreana começou a ser
consolidar em torno de duas facções comunistas, uma composta por
guerrilheiros manchurianos e chineses que tinham lutado com Kim Il
Sung, e coreanos que tinham vivido em território russo que vieram com
o Exército Vermelho. Kim, que tinha o apoio do governo soviético,
pedia a instalação de um governo efetivo e democrático na Coreia do
Norte, a seguir a política de Stalin de “socialismo em um único país” 121,
que significou a estabilização política do domínio soviético onde tinham
controle, ou seja, no norte da península coreana. Essa ideia foi
implementada pelo grupo de comissários do Exército Vermelho na
Coreia do Norte, particularmente sob o general Shtykov.

A partir de março de 1946, a administração de Kim Il Sung passou


a ampliar sua política, visando reformar a estrutura fundiária. O Estado
passou então a confiscar as grandes propriedades sem compensações e
as redistribuiu para fins de lavoura sem exigência de pagamentos. Ao
mesmo tempo, a administração norte-coreana passou a nacionalizar as
principais indústrias e estabelecimentos financeiros. De fato, essa
revolução havia sido um alívio para aqueles que tinham sido explorado e
destituídos durante o governo japonês. Foi relativamente fácil, pois,
expropriar daqueles poucos que tinham se aliado aos japoneses, além da

120
LANKOV, Andrei. From Stalin to Kim Il Song. Londres: Hurst & Co., 2002, p. 23.

121
Tese desenvolvida por Nikolai Bukahrin em 1925 que depois foi adotada como
política de Estado por Josef Stalin.

170
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

pouca quantidade de terra arável estar disponível no norte coreano em


comparação com o sul. O resultado foi a redistribuição de terras para
inúmeras famílias, mas de pequenas dimensões aráveis. E apesar da
ampla satisfação, houve resistência daqueles destituídos ou injustiçados
que passaram a alimentar sentimentos anticomunistas. Em centros
urbanos norte coreanos isso foi mais evidente. Em Pyongyang, houve
tentativas individuais de atentado contra a vida do comandante
Christiakov e de um tio maternal de Kim Il Sung, o presbiteriano Kang
Ryang-uk (1904 - 1983) 122. A resistência no norte também envolveu
proprietários de terra, pequenos burgueses e comerciantes, intelectuais e
estudantes que discordaram do regime nascente. Assim, esses foram os
primeiros que deixaram o norte coreano. Essa corrente depois irá
incrementar para entre 1,5 a dois milhões de pessoas de 1945 a 1949 123,
que a partir de então passou a ser regulamentado o tráfego pelo paralelo
38.

Kim Il Sung viu-se, portanto, acompanhado de comunistas fiéis aos


soviéticos e chineses comunistas via os manchurianos. No entanto, Kim
conseguiu angariar lealdade para compor o grupo dominante nos órgãos
executivos cruciais como a Secretaria do Partido e na área de segurança.
Pouco a pouco, delineava-se uma estrutura unipartidária e dominante na
Coreia do Norte, sem espaço para dissidências, mesmo entre os
comunistas. A fim de isolar ainda mais possíveis questionamentos de
comunistas mais leais aos chineses e membros do Comintern dos
soviéticos, Kim criou em agosto de 1946, o Partidos dos Trabalhadores
da Coreia do Norte (Pukchoson Rodongdang ,북조선로동당), tornando-a

122
Apesar deste último ter perdido no ataque a vida de seus filhos e um sacerdote
visitante na sua residência. SIMONS, Geoff. Korea: The Search for Sovereignty.
Nova York: Palgrave Macmillan, 1995, p. 178.

123
SEEKINS, Donald M. “The Society and Its Environment”. In: SAVADA, Andrea
Matles & SHAW, William (Orgs.). South Korea: A Country Study. Washington, D. C.,
EUA: DIANE Publishing, 1997, p. 95.

171
EMILIANO UNZER MACEDO

uma esfera política totalmente independente dos comunistas


estrangeiros e dos sul-coreanos organizados em torno de Pak Hon-yong.
Em comparação com os países do Leste Europeu, a Coreia do Norte se
consolidou rapidamente em torno do seu partido comunista próprio.

Em Seul, o Partido dos Trabalhadores Sul-Coreanos (Namchoson


Rodongdang, 남조선로동당), liderados por Pak Ho-nyong, assumiu uma
postura dura a passou a lutar na clandestinidade em maio de 1946,
quando suas atividades foram tornadas ilegais 124. Pak tinha se
posicionado contra as orientações de Moscou e Pyongyang de respeitar
a busca por coalizões e negociar com a Comissão Conjunta, e estava
determinado a lutar contra o governo militar dos EUA na Coreia do Sul.
Nesse sentido, Pak exigiu reformas agrárias radicais, como feito no norte,
e a pronta transferência do poder para um comitê de coreanos no sul.
Os comunistas sul-coreanos começaram a organizar uma séria de
sabotagens a partir de 1º de outubro em Daegu, no sudeste da península.
Essa postura de Pak, no entanto, não impressionou Stalin que já tinha
consolidado seu aliado e poder no norte coreano. Diante disso, vendo-
se abandonados, Pak e seus seguidores passaram a buscar um governo
independente e unificado em Seul, sob diretrizes comunistas próprias.
Isso começou a irritar Moscou, pois viam como inaceitável um poderio
fora de seu controle na Coreia. Nesse sentido, Stalin, sob recomendação
de Shtykov, passou a tratar exclusivamente com Kim Il Sung, e Pak Hon-
yong buscou desesperadamente alguns contatos diplomáticos russos em
Seul.

Em 7 de outubro de 1946, houve relativo consenso entre os


membros de esquerda e direita da coalizão em Seul. Os moderados que
foram predominantes nesse corpo político consideraram a importância
de redistribuição de terras depois da guerra e do domínio japonês, mas

124
MATRAY, James I. Crisis in a Divided Korea: A Chronology and Reference Guide:
A Chronology and Reference Guide. Santa Barbara, California: ABC-Clio, 2016, p.
286.

172
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

com uma política de compensações a serem respeitadas. Sob sugestão


dos EUA, 45 membros desse corpo foram eleitos publicamente e
nomeados, visando assim garantir alguma legitimidade. Em 12 de
dezembro, Kim Kyu-sik foi escolhido como presidente da Assembleia
Legislativa Interina Coreana, a maioria dos seus membros advindo dos
direitistas do Partido Democrático da Coreia (Han-guk Minjudang,
한국민주당) e apoiadores de Syngman Rhee e Kim Seong-su.
Impulsionadas com a Assembleia Interna, os militares americanos
passaram então a apoiar uma transferência de administração para um
governo interino sul-coreano, conforme previsto no Acordo de Moscou.
Em fevereiro de 1947, um moderado coreano, An Jae-hong, tomou
posse como administrador civil interino. O sucesso da atuação da
coalizão sul-coreana, reforçou a ideia de Washington de que somente por
meio desse processo poderia ser solidificado um governo representativo
de toda a península.

Contudo, a reação de algumas lideranças sul-coreanas foi de que a


Comissão Conjunta EUA-URSS iria eventualmente estender aos
soviéticos e comunistas do norte a oportunidade de ganhar presença ao
sul do paralelo 38, e passaram a retomar as atitudes contra o período de
tutelagem estrangeira. Isso se deu com o incentivo de Syngman Rhee e
Kim Seon-su. Mas essas duas figuras alimentavam sonhos diferentes
para a Coreia independente. Kim pensava que o ex-governo provisório
sediado em Chongqing deveria ser o único legitimado para a Coreia.
Rhee, diferentemente, começou a considerar que os americanos e
soviéticos não resolveriam suas questões sobre a península, enxergando
a parte sul coreana como a que deveria ficar sob controle dos americanos
e aliados. Os dois líderes tinham recebido bem a Doutrina Truman,
declarada em março de 1947, que postulou a contenção a vigilância ativa
dos comunistas a começar pela Grécia e Turquia.

O fato é que as duas superpotências tinham já se posicionado ao


longo do paralelo 38, e nenhum parecia dar sinais de conciliação rumo a
uma unidade coreana. Assim, a Comissão Conjunta EUA-URSS,

173
EMILIANO UNZER MACEDO

idealizada no Acordo de Moscou, não conseguiram chegar mais a


nenhum acordo em julho de 1947. O governo soviético se opunha a
qualquer inclusão de políticos de direita sob o argumento de que foram
esses que rejeitaram o período proposto de tutelagem negociado em
Moscou. Ficou claro que isso foi uma estratégia do governo soviético de
excluir qualquer oposição ao projeto de poder de Stalin a consolidar o
“socialismo em um país” na Coreia do Norte. Em contrapartida,
Washington, depois de constatar que a Polônia, Romênia e Bulgária
tinham se tornado em satélites da URSS no outono de 1947,
abandonaram qualquer ilusão de que poderiam agir em conjunto com os
soviéticos a definir o futuro unitário da Coreia. Ou seja, os americanos
tinham noção de que ao norte do paralelo 38, era território sob controle
da área soviética.

À medida que os anos da Guerra Fria passaram, o governo militar


dos EUA começou a cooperar, embora com relutância, do que
considerava como líder de uma Coreia do Sul longe dos soviéticos, dos
nacionalistas e comunistas locais: Syngman Rhee. Portanto, a coalizão
política, de esquerdistas e direitistas coreanos, endossada pelos
americanos na Coreia do Sul começou a entrar em colapso.

No meio social, a Coreia após a saída dos japoneses se encontrava


num turbilhão. De 1945 a 1950, a população coreana cresceu de cerca de
16 milhões para 20 milhões. Enquanto 630 mil japoneses haviam sido
repatriados da península, mais de um milhão de coreanos voltaram do
arquipélago coreano. No meio interno, cerca de 1 milhão de 800 mil
coreanos, desde proprietários de terras, empresários e anticomunistas
atravessaram o paralelo 38 para o sul coreano, além de cerca de 12 mil
imigrantes coreanos que chegaram da China e Manchúria 125.

A economia coreana que tinha se baseado inteiramente no iene

125
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, p. 151.

174
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

japonês até o fim da guerra em 1945, agora entrou numa crise súbita
diante da brutal retirada de capital e gestão nipônica. A maioria das
instalações industriais controladas por japoneses foi abandonada ou
destruída, minas e ferrovias foram largadas sem qualquer manutenção e
capacidade operativa. O desemprego, em comparação com 1944, subiu
para cerca de 60% no setor industrial em 1947. As colheitas de arroz
diminuíram com a redistribuição de terras, apesar da tentativa do
governo dos EUA em fornecer farinha, elemento não habitual na dieta
dos coreanos. A inflação veio com o caos. De agosto de 1945 a
dezembro de 1946, os preços no varejo dispararam quase dez vezes o
valor nominal, no atacado, 28 vezes. O custo médio mensal de alimentos
por pessoa aumentou de oito ienes para 800 ienes 126.

Essa crise avolumou-se com a chegada de refugiados e repatriados


coreanos. Embora na maioria jovens, a maioria não encontrou emprego
e ocupação, e migraram para os centros urbanos coreanos. Alguns
desses, ociosos e desocupados, começaram a formar gangues no
mercado negro e ilícito, outros foram empregados na força policial.
Associações políticas jovens começaram a crescer nesse cenário, como a
União da Juventude Democrática e Patriótica Coreana (comunista), a
Associação da Juventude Democrática da Grande Coreia (direitista),
Associação de Jovens do Noroeste (anticomunista), Associação Juvenil
da Independência Coreana (pró-Syngman Rhee), Corpo Juvenil Taedong
(nacionalista) e Corpo Nacional Juvenil (ultradireitista) 127. Essas
associações e grupos políticos dependeram de fundos estrangeiros e de
atividades ilegais, e tornaram-se foco de violência e desordem a combater
pelas suas ideologias. Assim, lideranças políticas coreanas passaram a ser
alvo da intolerância. O jornalista e ativista social Song Jin-woo, líder do

126
HENDERSON, Gregory; LEBOW, Richard Ned & STOESSINGER, John George.
Divided Nations in a Divided World. Filadélfia, Pensilvânia, EUA: David McKay Co.,
1974, p. 55.

127
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, p. 151.

175
EMILIANO UNZER MACEDO

Partido Democrático da Coreia, foi assassinado pela organização


terrorista, Baikuisa, em 30 de dezembro de 1945. Lyuh Woon-hyung foi
morto por um jovem direitista de 19 anos de idade, Han Chigeun, em 19
de julho de 1947. Sua morte ganhou amplas repercussões. Logo em
seguida, Chang Toksu (1895 – 1947), um dos fundadores do partido de
Song Jin-woo, veio a falecer por um radical de esquerda 128. E finalmente,
Kim Gu, presidente do Governo Provisório da República da Coreia,
tornou-se vítima fatal em 26 de junho de 1949 pelas mãos de um tenente
militar coreano, Ahn Doo-hee, enquanto estava em casa lendo poesia. O
clima político e social foi ainda mais agravado com as constantes
mobilizações e sabotagens de membros do Partido Comunista de Pak
Hon-yong, incluindo a greve dos ferroviários em 24 de setembro de 1946
e a rebelião na Estação de Daegu em 1º de outubro, sob os gritos “matem
os policiais!” 129. Para combatê-los, as autoridades sul-coreanos e
militares americanas não pouparam esforços e empregar jovens
direitistas e anticomunistas nas forças policiais.

No meio internacional, o caso coreano foi levado para as Nações


Unidas, onde a influência dos EUA era dominante. Os direitistas em Seul
rapidamente acolheram essa iniciativa americana. No entanto, alguns
membros mais moderados da Coreia do Sul, prevendo que o norte não
cooperaria com a ONU e tornaria a unificação impraticável, convocaram
uma reunião de vários líderes coreanos do norte e do sul para discutir o
futuro integrado da nação. Em 14 de novembro de 1947, a Assembleia
Geral da ONU adotou a Resolução 112, visando a realização de eleições
gerais para uma Assembleia Nacional até 31 de março de 1948. As
eleições deveriam ser basear no sufrágio adulto e no voto individual e
secreto. Uma Comissão Temporária das Nações Unidas foi estabelecida
para a Coreia (United Nations Temporary Commission on Korea, UNTCOK),

128
PRATT, Keith & RUTT, Richard. Korea: a Historical and Cultural Dictionary.
Londres: Routledge, 1999, pp. 234 – 235.

129
BUCKELY, Patricia & WALTHALL, Anne. East Asia: A Cultural, Social, and Political
History. Boston: Wadsworth, 2013, p. 491.

176
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

a supervisionar a resolução que passou a ser concretizada na Coreia do


Sul 130.

No norte coreano, as autoridades se recusaram a adotar a resolução


da ONU, e criaram em fevereiro de 1948 um exército próprio, o EPC
(Exército Popular Coreano, Choson inmingun, 조선인민군) e anunciaram a
elaboração de uma nova constituição para a futura república popular.
Eventualmente, em 26 de fevereiro, a comissão da ONU começou a
organizar as urnas eleitorais com o apoio dos militares americanos. As
eleições na Coreia do Sul foram marcadas para o dia 10 de maio. Nesse
meio tempo, algumas lideranças sul-coreanas moderadas passaram a
boicotar as eleições, pois não aceitavam a divisão da península,
manifestada implicitamente no processo eleitoral separado no sul. Os
comunistas na Coreia do Sul, sob Pak Ho-nyong do Partido dos
Trabalhadores da Coreia do Sul, tentaram impedir a realização eleitoral
por meio de ações guerrilheiras baseadas na ilha de Jeju. Apesar disso, as
eleições foram um sucesso, com a votação de cerca de 75% da população
de eleitores. As eleições sul-coreanas, ao final, foram consideradas
válidas e justas pela UNTCOK.

A Assembleia Nacional na Coreia do Sul adotou um sistema


presidencialista em 17 de julho. Dos 198 representantes na Assembleia,
83 deles, a maioria, eram de partidos independentes, 56 deles, pró-Rhee
e 29 do Partido Democrático da Coreia. Syngman Rhee, que tinha
entrado em coligação com os democráticos, foi eleito como presidente
do novo governo sul-coreano. Em 15 de agosto, a República da Coreia
foi proclamada como único governo legítimo da península
fundamentado nas eleições supervisionadas pela ONU. Em 12 de
dezembro, o novo governo sul-coreano foi confirmado pela Assembleia
Geral das Nações Unidas. O governo dos EUA e de países aliados

130
GORDENKER, Leon Gordenker. The United Nations and the Peaceful Unification
of Korea: The Politics of Field Operations, 1947–1950. Haia: Martinus Nijhoff, 1959,
pp. 49, 112.

177
EMILIANO UNZER MACEDO

reconheceram o novo governo coreano, e logo estabeleceram relações


diplomáticas.

No verão de 1948, eleições foram organizadas no norte coreano, no


qual os eleitores não tiveram outra escolha senão os candidatos
recomendados do partido comunista local, da Frente Democrática da
Coreia do Norte para a Unificação (조국통일민주주의전선). Em agosto,
os representantes eleitos se reuniram no Conselho Supremo do Povo e
proclamaram a República Popular Democrática da Coreia (RPDC) em 9
de setembro, liderada por Kim Il Sung e Pak Ho-nyong como vice-
premiê e ministro das Relações Exteriores. A URSS e seus aliados
rapidamente reconheceram o novo governo. Assim, oficialmente, a
Coreia foi fraturada em dois. Em fins de 1948, forças soviéticas se
retiraram do norte. Os americanos fizeram o mesmo em junho de 1949,
após prolongados debates em Washington sobre o prazo e maneira de
retirada dos militares americanos na península.

A nova república sul-coreana foi contestada pelo Partido dos


Trabalhadores da Coreia do Sul. A resistência foi organizada
principalmente por comunistas de Jeju em 3 de abril de 1948 que depois
se estendeu pela península ao longo do ano em combates entre as forças
governamentais e comunistas. Em outubro de 1948, houve motins e
rebeliões dentro do exército sul-coreano, instigado por membros
comunistas que passaram a ter como base a Montanha Jirisan nas
províncias meridionais. No verão de 1949, o Partido dos Trabalhadores
da Coreia do Sul juntou-se ao Partido dos Trabalhadores Coreanos, do
norte da península, e fundou-se a Frente Democrática Sul-Coreana Para
a Unificação Nacional, que resultou em atividades de guerrilha e
sabotagens mais organizadas no sul do paralelo 38.

Nesse clima de confrontos e rebeliões na Coreia do Sul, o


presidente, Syngman Rhee se viu num dilema. Ou concentrava-se para
julgar e expelir os japoneses e sua estrutura deixada na península, ou
enfrentava o premente problema das insurreições organizadas pelos

178
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

comunistas. Rhee optou pela segunda opção, visto que era a questão
mais iminente e que poderia causar maior consequência para seu
governo. Apesar de ter sido sempre um voraz crítico da dominação
japonesa, o presidente passou a empregar algum de seus colaboradores
da política colonial para identificar e reprimir as atividades clandestinas
dos comunistas no sul-coreano. Sua postura rendeu-lhe amplas críticas,
pois assim evitou buscar julgar e condenar os japoneses e seus aliados
que haviam oprimido os coreanos durante décadas. Embora tenha sido
aprovada uma lei especial para o efeito de investigar e punir os
colaboradores da administração japonesa, esses não somente deixaram
de ser devidamente sentenciados pela justiça coreana como foram
usados como conselheiros e agentes da polícia a reprimir as células
subterrâneas comunistas. Diante disso, a partir da primavera de 1950, o
núcleo do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul entrou em colapso
diante da ampla ofensiva policial de investigação e repressão às atividades
de guerrilha.

Na China, o cenário político mudou radicalmente com a ascensão


dos comunistas sob Mao Zedong ao poder em outubro de 1949.
Voluntários coreanos que lutaram com os comunistas chineses na
Manchúria contra os japoneses e nacionalistas do Kuomitang, tornaram-
se uma força militar a ser usado na península coreana. Foi notável a
ausência de ajuda significativa dos EUA na guerra civil chinesa, e isso foi
anotado por Stalin e Kim Il Sung. Após o gradativo fracasso e
desarticulação comunista na Coreia do Sul, Kim Il Sung e Pak Ho-nyong
passaram a planejar uma ampla ofensiva a subjugar a Coreia ao sul do
paralelo 38, a usar a lealdade do recém-criado EPC e das tropas coreanas
veteranas na Manchúria. Para ter respaldo internacional, Kim e Pak
solicitaram ajuda militar de Moscou e Pequim para que fosse fornecido
homens, equipamentos e mantimentos para a empreitada bélica. E
acreditaram as autoridades norte-coreanas de que os EUA não teriam
interesse imediato na península, assim como foi demonstrado na China.
Isso foi ainda mais confirmado quando, em 12 de janeiro de 1950, o
Secretário de Estado dos EUA, Dean Acheson (1893 - 1971), num

179
EMILIANO UNZER MACEDO

discurso na National Press Club em Washington afirmou que a política


de contenção anticomunista americana não incluía a Coreia, mas a
concentrar-se num perímetro de defesa na região do Pacífico 131.

Kim Il Sung, sentindo-se encorajado diante da ocasião histórica, foi


para Moscou e pediu a Stalin o endosso de seu plano de unificação.
Stalin, que não desejava uma guerra aberta contra os EUA, decidiu apoiá-
lo sob a condições de que a URSS permanecesse oficialmente não
envolvido na guerra entre as duas partes coreanas. Por sua vez, Mao
Zedong prontamente disponibilizou 41 mil tropas do Exército
Voluntário Coreana que lutaram por anos no solo chinês a ajudar o
esforço norte-coreano. Conselheiros militares soviéticos logo chegaram
com armas e equipamentos, o que fez com que as forças norte-coreanas
inchassem para dez divisões de combate, uma brigada de tanques e um
regimento de motociclistas. Essas foram equipados com 1600 artilharias,
258 tanques soviéticos T-34 e 172 aviões 132. Pelo lado sul-coreano, os
números eram desoladores. Aproximadamente 100 mil homens
poderiam ser mobilizados, mas apresentavam pouca disciplina e
experiência de combate. Desse total, cerca de 65 mil homens estavam
armados com morteiros e metralhadoras com defeitos. Além disso havia
apenas quatro mil homens da Guarda Costeira e força policial de 45 mil
homens 133. Ademais, não havia nenhum apoio aéreo, de tanques e
artilharia para a força de infantaria. Mesmo assim, Syngman Rhee
manteve-se compromissado a enfrentar as forças norte-coreanas,
esperando um eventual apoio dos EUA a conter o avança comunista.

131
BEISNER, Robert L. Dean Acheson: A Life in the Cold War. Oxford & Nova York:
Oxford University Press, 2006, p. 326.

132
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, p. 155.

133
LEE, Chong-Sik. “Historical Setting” In: SAVADA, Andrea Matles & SHAW, William
(Orgs.). South Korea: A Country Study. Washington, D. C., EUA: DIANE Publishing,
1997, p. 32.

180
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Do dia 10 ao 19 de junho de 1950, sete divisões do EPC foram


mobilizadas para o paralelo 38 a pretexto de realizar manobras de
exercício militar. No dia 23, seus comandantes receberam ordens de
começar a guerra de libertação do sul. Isso se desdobrou rapidamente
em marchas ofensivas a partir do dia 25. Como meio de justificar a
invasão sobre a linha divisória, a Coreia de Kim argumentou estar
retaliando contra um suposto ataque sul-coreano. Esse motivo pode ter
se originado das frequentes provocações e ameaças na fronteira entre os
dois exércitos beligerantes ao longo do paralelo. A tensão tinha escalado
ainda mais depois de sustentadas declarações do presidente sul-coreano,
Syngman Rhee, que afirmava de que o norte deveria ser enfrentado
eventualmente.

Os eventos da guerra foram a favor dos norte-coreanos,


inicialmente. Fortalecidos e mais bem equipados e ajudados pelos
soviéticos, tomaram rapidamente Seul no dia 28 de junho de 1950,
apenas três dias do início das ofensivas 134. Os norte-coreanos,
entretanto, não esperavam uma rápida resposta dos EUA que reagiram
no Conselho de Segurança da ONU logo no dia seguinte a condenar as
agressões do regime de Kim Il Sung. Assim, com o boicote e ausência
da delegação soviética que sistematicamente denunciava o organismo
internacional como instrumento do imperialismo capitalista, foi
aprovada a Resolução 82 para combater as tropas norte-coreanas. Em
seguida, o presidente dos EUA, Harry Truman (1884 - 1972), despachou
forças aéreas norte-americanas no dia 27 e forças terrestres no dia 30
para a península. Dezesseis países membros da ONU (Austrália, Bélgica,
Canadá, Colômbia, Etiópia, França, Grécia, Luxemburgo, Holanda,
Nova Zelândia, Filipinas, República da África do Sul, Tailândia, Turquia,
Reino Unido, além dos Estados Unidos da América) enviaram forças
para a Coreia que ficou sob o comando do General Douglas MacArthur

134
MILLETT, Allan R. The Korean War: The Essential Bibliography. Dulles, Virginia,
EUA: Potomac Books, 2007, pp. 17-20.

181
EMILIANO UNZER MACEDO

em Tóquio.

Os americanos, aliados e o exército sul-coreano passaram a se


concentrar num perímetro de defesa no Rio Nakdong perto da cidade
de Pusan, no sudoeste da península coreana. Depois de seis semanas de
impasse, MacArthur lançou sua famosa operação desembarcando em
Inchon em 15 de setembro 135 sob comando do General Hobart R. Gay
da 1ª Divisão de Cavalaria vindo de Yokohama. Dez dias depois, Seul foi
recapturado, cortando efetivamente as linhas de frente norte-coreanos
no sul, que as obrigaram a recuar em retirada. Em 27 de setembro foi
aprovada a diretriz do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA de
27 de setembro que permitiu uma operação militar ao norte do paralelo
38 para perseguir e demolir as forças norte-coreanas. No dia 2 de
outubro, MacArthur ordenou que suas tropas cruzassem a fronteira, e
18 dias depois já se encontravam no controle de Pyongyang e a avançar
em direção ao norte, ao Rio Yalu. O general estadunidense não tinha a
percepção de que Mao Zedong, enquanto isso, tinha já mobilizado 18
divisões de combate de seu exército contando com coreanos voluntários
na China. Mao tinha enfrentado a reticência de seu chanceler, Zhou
Enlai (1898 - 1976), e assim nomeou Peng Dehuai (1898 - 1974) como
comandante das tropas chinesas que entrariam no solo norte-coreano 136.
As batalhas se intensificaram ao longo da fronteira norte-coreana e,
vendo-se fortalecidos com o apoio dos chineses, os comunistas
conseguiram vencer as forças da ONU no Reservatório de Chosin, na
região nordeste da Coreia do Norte, depois de dezessete dias de batalhas
entre 27 de novembro e 13 de dezembro de 1950. As forças sob o
comando do Major-General Edward Almond conseguiram fugir do

135
BOOSE, Donald W. Over the Beach: US Army Amphibious Operations in the
Korean War. Fort Leavenworth, Kansas, EUA: Combat Studies Institute Press, 2008,
pp. 176 – 178.

136
HALBERSTAM, David. The Coldest Winter: America and the Korean War. Nova
York: Hyperion, 2007, pp. 354-356.

182
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

cerco e foram para o porto de Hungnam 137. O evento foi amplamente


celebrado pelos norte-coreanos e chineses, e marcou uma virada decisiva
de retirada das tropas das Nações Unidas para o sul.

O avanço dos chineses e norte-coreanos foi notável para o sul em


novembro de 1950. No dia 2 de dezembro, após árduas batalhas no vale
do rio Chongchon, as tropas chinesas e coreanas continuaram em
direção ao paralelo 38. No dia 31 de dezembro, os chineses do 13º
Exército forçaram o recuo dos americanos sob o comando do Tenente-
General Matthew B. Ridgway que evacuou para Seul no dia 3 de janeiro
de 1951. Depois de alguns dias, a capital sul-coreana foi evacuada pelas
tropas onusianas 138. Nos meses seguintes, as forças beligerantes
começaram a enfrentar diversos impasses e batalhas inconclusivas ao
longo do paralelo 38. Em 23 de março, o presidente Truman declarou
em um comunicado que as forças da ONU haviam evitado a invasão
comunista na Coreia e que, portanto, o Comando das Forças das Nações
Unidas estava pronto para negociar um cessar-fogo. Dia seguinte, o
General MacArthur, desconsiderou a posição do presidente dos EUA e
solicitou o bombardeio da região da Manchúria, na China, para retaliar
contra os comunistas chineses. Truman, como havia feito Stalin, sabia
que isso escalaria ainda mais os conflitos para uma guerra generalizada,
e assim destituiu MacArthur do comando das Forças da ONU em 11 de
abril de 1951 139.

137
SANDLER, Stanley. The Korean War: An Encyclopedia. Londres & Nova York:
Routledge, 2013, p. 212.

138
MOSSMAN, Billy C. Ebb and Flow: November 1950 – July 1951, United States
Army in the Korean War. Washington, D. C., EUA: Center of Military History, 1990,
p. 192.

139
PEARLMAN, Michael D. Truman and MacArthur: Policy, Politics, and the Hunger
for Honor and Renown. Bloomington & Indianapolis, EUA: Indiana University Press,
2008, p. 203.

183
EMILIANO UNZER MACEDO

Mapa: As fases da Guerra da Coreia (1950 – 1953).

Ainda decorreram dois anos até os dois lados rivais na Guerra da


Coreia a assinarem um armistício em 27 de julho de 1953. A guerra
causou danos consideráveis e traumáticos para toda a península. O
acordo definitivo foi assinado pelo General Clark, Kim Il Sung e Peng
Dehuai. O presidente Syngman Rhee se recusou a assiná-lo, mas deu sua
aprovação tácita para a trégua depois dos EUA terem assegurado seu
compromisso de segurança na Coreia do Sul. A fronteira da trégua ficou
novamente estabelecida marginalmente ao longo do paralelo 38, e essa
área ficou depois conhecida como Zona Desmilitarizada (DMZ). A
guerra custou um imenso número de vidas humanas, afetando ao todo a
vida de 30 milhões de coreanos de toda a península, assim como 700 mil
coreanos advindos da Manchúria. As estatísticas dos números são ainda
controversas, mas estima-se que 2 720 000 pessoas foram mortas ou
desapareceram. Desse número estonteante, mais de um milhão são de
norte-coreanos que possivelmente migraram ou fugiram para o sul.
Estima-se que cerca de meio milhão de soldados norte-coreanos tenham
184
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

morrido em batalha, e mais de um milhão, vítimas civis. No sul, as baixas


militares foram de 237 686 pessoas, e cerca de meio milhão de civis sul-
coreanos foram sequestrados, e outros 600 mil civis mortos ou
desaparecidos, totalizando a perda sul-coreana em torno de 1 330 000.
De acordo com registros oficiais, as baixas dos EUA foram de 33 629
mortos e 103 284 feridos 140. As outras forças da ONU, excluindo os sul-
coreanos perderam 3 143 vidas, 11 532 feridos e 525 desaparecidos. Por
último, os registros chineses afirmam que tiveram 116 mil mortos de suas
forças, 220 mil feridos e 29 mil desaparecidos, somando 336 mil
chineses, mas estima-se realisticamente que o total tenha chegado para
mais de 900 mil chineses 141.

140
DEANE, Hugh. The Korean War 1945-1953. San Francisco, EUA: China Books,
1999, p. 190.

141
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, p. 157.

185
EMILIANO UNZER MACEDO

186
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

9 A RECONSTRUÇÃO

A Coreia do Sul teve sua vida independente após a Guerra da Coreia


(1950 – 1953) sob a liderança de Syngman Rhee. Sua liderança advinha
de seus anos de luta pela independência coreana contra a dominação
japonese e comunista. Rhee vinha de uma família de valores cristãos
coreanos, e tinha se casado com uma austríaca. Sem ter filhos, Rhee era
enxergado como um líder sem ligações familiares e tendências ao
nepotismo na sociedade coreana, o que lhe rendeu valor pelo seu
compromisso às causas nacionais. Seu longo exílio no exterior conferiu-
lhe novas perspectivas e ideais para o futuro coreano, tendo obtido seu
doutorado na Universidade de Princeton, em Nova Jersey, EUA. Era o
vivo admirador do sistema americano, e queria isso a ser implementado
na Coreia do Sul nascente. Seu ensino quando jovem foi feita por
missionários americanos que lhe deu valores éticos baseados no
cristianismo protestante.

Apesar de seu fervor político, Rhee teve que lidar com a condição
social e histórica da Coreia após a traumática guerra que terminou em
1953. Desde o início do século 20, os coreanos foram destituídos de
qualquer liberdade de pensamento e participação política, a não ser na
clandestinidade. A maioria coreana, portanto, resumia sua vida política a
obediências de um poder opressivo e brutal. A economia coreana
também teve reflexos históricos. Por décadas, os principais setores

187
EMILIANO UNZER MACEDO

econômicos foram geridos a apoiar políticas estratégicas dos japoneses


e, depois da Segunda Guerra Mundial, aos preceitos do comando militar
americano visando conter o comunismo. A economia sul-coreana, em
específico, dependeu em grande parte da agricultura e mineração, com
as principais indústrias japonesas se instalando no norte do paralelo 38 e
na Manchúria. Com a crise da Guerra Mundial e da Guerra da Coreia, a
elite sul-coreana também se viu destituída de qualquer perspectiva de
emprego e ocupação numa economia em ruínas, mesmo aqueles egressos
das universidades e faculdades. O governo militar americano, após 1945,
tentou fornecer ajuda para a reconstrução da economia sul-coreana, mas
boa parte dos investimentos foram para as áreas militares e Forças
Armadas. Isso tudo resultou numa sociedade de crise, desempregada,
politicamente volúvel, sem tradição democrática, e com proeminência
dos setores militares.

Foi nesse contexto que a Coreia do Sul, em 1953, que o presidente


Syngman Rhee iniciou seu mandato, com inúmeros desafios a serem
enfrentados e por amplas críticas da oposição. Apesar de sua idade
avançada já à época, Rhee demonstrou uma determinação férrea de se
manter no poder e assim se deu por uma década. Isso, no entanto,
começou a demonstrar sua tendência autoritária. Rhee foi criticado
principalmente por oprimir a oposição com o uso da Lei de Segurança
Nacional aprovada em 1948. Mas a Coreia do Sul na década de 1950 era
bem diferente de antes da guerra. O crescimento populacional sul-
coreano era palpável, com sustentada alta taxa de natalidade, isso num
cenário de rápida urbanização e ampla escolaridade da população que
não estavam mais dispostos a tolerar tendências autoritárias.

Nas eleições presidenciais de 15 de março de 1960, o rival de Rhee


para a presidência tinha sofrido uma morte prematura, e Rhee foi reeleito
pela quarta vez. Contudo, dessa vez, a oposição passou a manifestar seu
descontentamento com amplas acusações de intimidação eleitoral em
algumas circunscrições eleitorais no interior coreano. E foram das
províncias que surgiram as primeiras manifestações massivas contra o

188
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

processo eleitoral de 1960. Em Masan, no sul da península, um estudante


de Ensino Médio havia sido morto no dia das eleições por forças
policiais, instigando uma manifestação estudantil em Seul que se deu no
dia 19 de abril de 1960. No evento, foi estimado em cerca de 20 mil
estudantes participantes, principalmente de universitários e secundaristas
que foram às ruas gritando “Abaixo a ditadura!”. A repressão policial foi
aumentada depois que alguns foram em direção ao palácio presidencial,
com a morte de 100 pessoas 142. Diante da comoção dos eventos, em 26
de abril, o presidente Rhee submeteu-se às pressões e declarou sua
renúncia, indo viver no Havaí.

O poder político na Coreia do Norte, depois de 1953, começou a


gravitar cada vez mais em torno da figura de Kim Il Sung, e isso se deu
através de uma série de perseguições a oposicionistas. O quadro das
lideranças do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte foi alterado
quando, em outubro de 1950, Ho Ka-i (ou Alexei Ivanovich Hegai)
(1904 – 1953), um proeminente coreano com ligações soviéticas e
segundo no comando partidário, foi reprimido por ter cometido erros
na reconstrução partidária durante os eventos da Guerra da Coreia. Mais
tarde, foi relatado que ele alegadamente cometeu suicídio em Pyongyang
em 1953 143 e foi substituído como vice-secretário geral do Comitê
Central do Partido dos Trabalhadores por Pak Chang-ok (? – 1960). No
mesmo ano, Kim Mujong, um dos principais generais do Partido, da
facção chamada de Yanan (연안파) – de coreanos comunistas com
ligações chinesas – foi expulso do país por conduta imprópria. Mas o
maior objetivo político de Kim Il Sung foi Pak Hon-yong, maior líder
comunista sul-coreano do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul.

142
KATSIAFICAS, George. Asia's Unknown Uprisings: South Korean Social
Movements in the 20th Century. Oakland, California, EUA: PM Press, 2012, pp. 131
– 133.

143
LANKOV, Andrei. The Real North Korea. Oxford & Nova York: Oxford University
Press, 2013, pp. 13 -14.

189
EMILIANO UNZER MACEDO

No início de 1953, um dos partidários de Pak havia sido preso no norte


e confessou, possivelmente sob torturas, que havia um complô em
andamento. Desde então, Pak nunca mais foi visto em ocasiões oficiais
e em agosto de 1953 foi definitivamente preso. Dois anos depois, foi
condenado à morte por espionagem 144. Pak e seus seguidores foram
todos responsabilizados e acusados pelos fracassos da “guerra de
unificação”.

Quando houve as famosas acusações contra Stalin por Nikita


Khrushchov (1894 - 1971) na URSS no 20º Congresso do Partido
Comunista Soviético em fevereiro de 1956, isso repercutiu amplamente
no sistema norte-coreano. Os membros da facção de Yanan, passaram a
planejar uma mudança na estrutura político do país, a mudar a liderança
centralizada numa pessoa por uma liderança coletiva. Isso se deu
enquanto Kim Il Sung estava em visita de Estado em Moscou no verão
de 1956. Assim que Kim retornou, os membros de Yanan foram
imediatamente condenados por acusações de antirrevolucionários.
Moscou e Pequim tentaram veementemente intervir no evento, mas Kim
declarou em março de 1958 que havia definitivamente liquidado todos
os dissidentes na Coreia do Norte. Nos anos posteriores, a Coreia do
Norte passou a se fechar cada vez mais, e passou a assentar o seu sistema
político numa ideologia própria, a não depender do estrangeiro, pela
política do juche (“autoconfiança”, 주체). No setor econômico após a
guerra, Kim planejou a restauração das atividades através de Planos
Trienais, claramente inspirados nos planos quinquenais dos soviéticos.
Na mesma época, em 1956, Kim lançou um amplo programa de reforma
e revitalização chamado de Chollima (“Cavalo Alado”, 천리마운동), uma
versão coreana do Grande Salto Adiante de Mao Zedong. Esses
programas tiveram resultados notáveis, a considerar o estado da
economia norte-coreana depois de 1953, mas o excessivo esforço

144
SUH, Dae-Sook. Kim Il Sung: The North Korean Leader. Nova York: Columbia
University Press, 1988, p. 136.

190
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

resultou em crônica falta de matéria-prima e da estrutura produtiva.


Embora o setor industrial tenha crescido, isso se deu às custas da
agricultura que passou por crises de colheitas de grãos. A mão-de-obra
foi exaurida no trabalho, provocando efeitos nefastos na sociedade. A
coletivização agrícola acarretou em fome e miséria no campo. Apesar de
seus defeitos e número desconhecido de mortes, Kim Il Sung – e seu
filho e sucessor, Kim Jong-Il - sempre declarou a glória do Programa
Chollima e dos planos de desenvolvimento, como feito no 6º Plenário do
Partido em outubro de 1980 145.

Depois da renúncia de Syngman Rhee, em junho de 1960, a


Assembleia Nacional da Coreia do Sul adotou uma nova constituição
que estipulava um sistema parlamentar bicameral, anunciando o que seria
a Segunda República. Nas eleições gerais, realizadas em 19 de julho, o
Partido Democrata originado do antigo Partido Democrático Coreano
dominou as duas câmaras do Parlamento, com 175 dos 233 assentos
entre os deputados, e 31 dos 58 senadores. O parlamento então escolheu
o católico Chang Myon (1899 – 1966), ex-vice-presidente e ex-
embaixador em Washington, como primeiro-ministro e Yun Posun
(1897 – 1990) como presidente. O cargo de primeiro-ministro acabou
sendo o chefe de governo, com seu próprio gabinete, enquanto a
presidência se tornou mais uma figura de Estado, apenas. Chang Myon
era um fervoroso democrata e acredito que poderia continuar o que Rhee
não tinha conseguido. E suas crenças políticas, fortemente ancoradas no
sistema dos EUA, apontavam para uma imprensa livre, sem censuras.
No entanto, o Partido Democrata de Chang, atormentado por
rivalidades faccionais, foi incapaz de resolver o grave desemprego nas
cidades e escassez de mantimentos no campo. Ademais, a nascente
administração de Chang passou a enfrentar crescentes manifestações e
descontentamentos de jovens, estudantes, professores, sindicatos e
outros grupos sociais organizados. Entre os estudantes e professores,

145
ADRIAN, Buzo. The Guerilla Dynasty: Politics and Leadership in North Korea.
Londres & Nova York: I.B. Tauris, 1999, p. 138.

191
EMILIANO UNZER MACEDO

foram vários os clamores por partidos de esquerda e unificação com o


norte agitou a cena política sul-coreana. Isso, juntamente com o
desemprego e precariedade social de vários setores da sociedade foi visto
como pretexto para que certos militares, receosos do comunismo, se
projetassem para o cenário político.

Apesar dos programas de modernização de Chang para superar as


dificuldades econômicas na Coreia do Sul, um grupo de jovens oficiais
militares, liderados pelo Major-General Park Chung-Hee (1917 -1979),
realizaram um golpe de Estado em 16 de maio de 1961. O corpo do
exército sul-coreano tinha crescido consideravelmente para mais de 600
mil homens após a Guerra da Coreia, equipados e treinados por oficiais
americanos. Modelado na administração militar dos EUA, o Exército
Nacional tornou-se eficiente e disciplinado diante das incertezas da
sociedade coreana na década de 1950 e 1960. Park Chung Hee era
produto dessa transformação militar. Formou-se em Tóquio e também
na Manchúria, como cadete do exército. Outros apoiadores seus, como
Kim Jong-pil (1926 - ), formaram-se depois da ocupação japonesa, em
academias coreanas depois da Segunda Guerra Mundial. A maioria dos
oficiais à época do golpe de 1961, portanto, eram jovens, ambiciosos e
inquietos diante das mudanças políticas.

Na madrugada de 16 de maio de 1961, com o golpe de Estado, os


militares transmitiram por rádio para toda a Coreia do Sul mensagem
contendo os objetivos para o futuro da nação: anticomunismo, estreitar
e manter laços com os EUA, combater a corrupção, reconstrução da
economia, contenção do regime norte-coreano e promessa de retorno
ao governo civil em momento posterior. Com isso, a junta militar no
poder declarou lei marcial e dissolveu a Assemblei Nacional. A
constituição foi suspensa e todas as atividades políticas foram proibidas.
Ademais, a liberdade de imprensa foi limitada pela censura. Em seguida,
a junta nomeou-se como Conselho Supremo da Reconstrução Nacional,
presidido por Park Chung Hee. Foi criado em 13 de junho de 1961 o
Serviço Nacional de Inteligência (Gukga Jeongbowon , 국가정보원), a ser

192
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

chefiada por Kim Jong-pil, para que pudesse controlar e investigar as


informações no meio nacional e exterior. Os ministérios do novo
governo foram quase todos ocupados por militares.

O regime militar sul-coreano passou a promulgar leis de cunho


anticomunista com base na Lei de Segurança Nacional. Isso permitiu a
detenção e prisão de políticos e intelectuais de tendência esquerdista.
Com relação a outros da sociedade, os militares buscaram eliminar os
privilégios e práticas de corrupção como entre o empresariado. Para
recuperar a economia, os militares lançaram um ambicioso programa,
Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico (경제사회발전
5개년계획) em 1962. Este seria o primeiro de muitos outros posteriores.
O governo americano, considerando o regime como um baluarte contra
o comunismo norte-coreano e chinês, aceitou o novo regime, mas com
a promessa de que haveria retorno ao comando civil no futuro. Era
evidente, no entanto, que os militares desejaram manter o poder, mesmo
que sob forma civil no futuro.

Em dezembro de 1962, o Conselho Supremo da Coreia do Sul


adotou uma nova constituição sob sistema presidencial e unicameral. Ou
seja, centralizou-se o poder. Logo, em janeiro de 1963, certas atividades
políticas foram retomadas, mas sempre a manter o comunismo afastado.
Kim Jong-pil havia organizado o Partido Republicano Democrático, mas
mesmo assim as eleições presidenciais e legislativa em nível nacional no
final do ano deu vitória apertada para Park Chung Hee, com pequena
margem de liderança sobre o ex-presidente Yun Posun. Ao se legitimar
no cargo presidencial, Park inaugurou a chamada Terceira República em
16 de dezembro de 1963 146.

As perspectivas no norte-coreano eram ainda mais sombrias. No

146
LEE, Young Jo. “Economy and Society: The Countryside” In: KIM, Byong-Kook &
VOGEL, Ezra F (Orgs.). The Park Chung Hee Era. Cambridge, Massachussets &
Londres: Harvard University Press, 2011, pp. 353 – 360.

193
EMILIANO UNZER MACEDO

início de 1957, Kim Il Sung quase eliminou todos os seus oponentes do


Partido dos Trabalhadores. No meio internacional, a refletir seu
crescente isolacionismo, Kim manteve-se neutro nas crescentes tensões
entre Pequim e Moscou. Ao se posicionar assim, Kim buscou barganhar
com os dois centros de poder, visando angariar maior apoio e ajuda ao
seu regime. Em termos políticos internos, o partido de Kim era o Estado.
Em fevereiro de 1960, Kim, acompanhado de outros membros do
partido, foi visitar uma vila agrícola coletivizada perto de Pyongyang, em
Chongsan. Ao se deparar com problemas, passou a acusar alguns
membros do partido pelos erros. Em cima disso, elaborou uma política
renovada para as vilas e comunidades interioranas, “Orientação Locais”
do Grande Líder (Suryong) e isso foi aplicado para todo o país. O método
visava melhorar a produtividade econômica e agrícola através de maior
compromisso e fidelidade às orientações do líder norte-coreano.

Em outubro de 1960, na comemoração dos 15 anos do Partido dos


Trabalhadores, foi iniciada uma nova fase histórica do comunismo
norte-coreano. Dali em diante, Kim Il Sung passou a ser a fonte de toda
a sabedoria e verdade em relação ao passado, presente e futuro da nação.
Assim passou-se a formular uma interpretação dos eventos históricos
como repleto de inimigos da nação, de burgueses e capitalistas,
imperialistas desde os japoneses aos estadunidenses, dos lacaios sul-
coreanos, e a ascensão libertadora do comunismo sob a liderança de Kim
Il Sung. Esse tipo de discurso passou a legitimar o regime norte-coreano,
a pautar-se nas agressões e ameaças do exterior, e a enfatizar o heroísmo
do povo e dos líderes comunistas.

Na economia, a Coreia do Norte apresentou índices de crescimento


ao final dos anos de 1950, o que reforçou ainda mais autoconfiança do
regime unitário. Os planos de desenvolvimento, quinquenais, contudo,
sempre passaram a relatar a superação dos objetivos esperados. Em
1962, um novo plano de sete anos foi elaborado. A prioridade passou a
ser a indústria leve e agricultura, com o continuado destaque à indústria

194
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

pesada 147. No 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores, referido


como “Congresso dos Vitoriosos”, realizado em 11 de setembro de
1961, foi entusiasticamente confirmado como ideologia do Estado o
patriotismo socialista irrestrito a ser esperado por todos os norte-
coreanos, ao que resultaria no nascimento de um novo homem socialista
para o mundo.

A Terceira República da Coreia do Sul teve início com os programas


de desenvolvimento de Park Chung Hee. Militar de formação, Park
testemunhou como os japoneses administraram com eficiência a
Manchúria com a ajuda de tecnocratas advindos de instituições do Japão.
Inspirado por isso, Park passou a orientar seu governo para a mesma
eficiência, e assim implementou uma série de planos econômicos de
cinco anos, e criou o Conselho de Planejamento Econômico, chefiado
por aliados e submetendo todos os ministérios a esse conselho. A
maioria dos militares no governo gradualmente passaram os seus cargos
para tecnocratas mais eficientes recrutado no país e no exterior, entre os
quais muitos economistas e administradores formados nos EUA. A
ênfase econômica era, antes de tudo, buscar montar uma base industrial
forte a garantir uma sustentada pauta exportadora superavitária,
principalmente de produtos industriais leves como têxteis, sapatos e
acessórios, e conter os gastos de importações 148. Os militares, contudo,
permaneceram nos setores estratégicos de segurança nacional e do
Serviço Nacional de Inteligência.

Como outros países subdesenvolvidos, a Coreia do Sul precisou de


capital estrangeiro para impulsionar sua modernização econômica. O
presidente Park tinha constatado que o Japão havia alcançado uma

147
SUH, Dae-sook. Kim Il Sung: The North Korean Leader. Nova York: Columbia
University Press, 1995, p. 169.

148
KIM, Hyung-A & SORENSEN, Clark W. (Orgs.). Reassessing the Park Chung Hee
Era, 1961-1979: Development, Political Thought, Democracy, and Cultural
Influence. Seattle: University of Washington Press, 2011, pp. 5 – 6.

195
EMILIANO UNZER MACEDO

rápida recuperação econômica e crescimento depois da Segunda Guerra


Mundial graças à demanda da Guerra da Coreia, evento em que os EUA
usaram o arquipélago como base de suprimentos. Assim, apoiado pelos
EUA que desejava uma reaproximação entre coreanos e japoneses, foi
normalizada a relação entre Seul e Tóquio, depois de negociações sobre
compensações pelo domínio colonial japonês. Houve consideráveis
manifestações estudantis contra o acordo que foi considerado como
precipitado e injusto, mas Park chegou a estabelecer de vez as relações
diplomáticas com o Japão em junho de 1965, recebendo apenas 300
milhões de dólares como compensação histórica, e outros 500 milhões
em empréstimos financeiros públicos e privados 149.

Em agosto de 1965, o governo sul-coreano ratificou pela


Assembleia Nacional o envio de forças militares ao Vietnã, acatando o
pedido do governo dos EUA, baseado nas promessas contidas no
Memorando Brown. Nesse documento, Washington se comprometeu a
modernizar e ampliar o meio industrial e militar sul-coreano, assim como
empréstimos regulares. Assim, um total de mais de 300 mil soldados sul-
coreanos foram lutar com os americanos no Vietnã entre 1965 e 1973,
um dos maiores contingentes dos aliados ao EUA 150.

Durante o Primeiro Plano de Desenvolvimento Econômico


Quinquenal (1962 – 1966), a economia sul-coreana teve desempenho de
crescimento anual médio de 7,8%, alcançando um expressivo aumento
de exportações do setor têxtil com intensivo uso de mão-de-obra. A
Guerra do Vietnã, os empréstimos japoneses e americanos asseguraram
os investimentos industriais para o Segundo Plano Quinquenal (1967 –
1971), juntamente com a poupança nacional. Graças ao crescimento
econômico, Park venceu novamente as eleições presidenciais em maio

149
Ibidem, p. 48.

150
TUCKER, Spencer C. The Encyclopedia of the Vietnam War: A Political, Social,
and Military History: A Political, Social, and Military History. Santa Barbara,
California: ABC-Clio, 2011, pp. 1703 – 1704.

196
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

de 1967 sobre seu rival, Yun Posun. Sob sua liderança autoritária e
desenvolvimentista, a Coreia do Sul passou a se transformara numa
economia moderna, com intenso uso de mão-de-obra que reduziu o
desemprego e com o uso gerencial de burocratas conjugado com a classe
empresarial industrial. Esse conluio gerencial com o governo passou a se
consolidar como uma classe dirigista que se aglomerou em torno de
chaebol, conglomerado de empresas controladas por famílias e associados.

Em abril de 1971, Park Chung Hee concorreu de novo para


presidência, removendo o impedimento constitucional que impedia três
mandatos consecutivos na Coreia do Sul. O candidato da oposição, Kim
Dae-Jung (1925 - 2009), um político defensor da democracia que por
anos se opusera ao autoritarismo de Park, foi derrotado nas urnas.
Chaebols tinham contribuído consideravelmente para a campanha
eleitoral para a campanha de Park, e o Serviço Nacional de Inteligência
manteve-se vigilante para investigar e intimidar qualquer industrial que
apoiasse Kim Dae-Jung. Ademais, a promessa de unificação com o norte
coreano de Kim Dae-Jung pareceu soar comunista ou esquerdista demais
para os elementos anticomunistas e conservadores da Coreia do Sul. O
eleitorado sul-coreano, nas eleições, tinha mostrado certa divisão
geográfica, com as províncias no sudoeste a apoiaram mais o candidato
da oposição, enquanto os mais sulistas, ao presidente Park. Apesar de
sua vitória, Park Chung Hee teve que lidar com uma crescente
inquietação social diante de seu regime autoritário. Diante disso, Park
passou em 1972 a concentrar ainda mais o poder presidencial, a garantir
a ordem pública, e não permitir dissidências e críticas ao seu regime 151.

Com a mudança de poder soviético, nas mãos do Nikita


Khrushchov e de sua atitude irresoluta na crise cubana em 1962, a
liderança norte-coreana passou a considerar Moscou como fraco e inábil

151
LEE, Chong-Sik. “Historical Setting” In: SAVADA, Andrea Matles & SHAW, William
(Orgs.). South Korea: A Country Study. Washington, D. C., EUA: DIANE Publishing,
1997, pp. 39 – 40.

197
EMILIANO UNZER MACEDO

diante do imperialismo norte-americano. Ademais, a Coreia do Norte


tinha piorado em seu relacionamento com a China após membros da
Guarda Vermelha chinesa terem criticado abertamente o regime de Kim
Il Sung em 1967 durante a Revolução Cultural. Assim, o norte coreano
passou a sentir-se ameaçado, ainda mais quando a Coreia do Sul de Park
Chung Hee firmou tratados com o Japão e EUA. Para piorar ainda mais,
o exército sul-coreano fortaleceu-se consideravelmente com a ajuda dos
EUA depois da participação na Guerra do Vietnã.

Desde 1962, a Coreia do Norte tinha enfatizado uma política de


defesa a ser implementado junto com o desenvolvimento econômico,
como declarado no slogan da época: todas as pessoas armadas, todo
território fortificado, todas as forças autorizadas e modernizadas. O
orçamento de defesa tinha aumentado abruptamente para cerca de 30%
do orçamento nacional entre 1967 a 1971. No entanto, isso começou a
afetar o crescimento econômico da nação, gerando críticas e
descontentamentos mesmo no opressivo ambiente do Partido dos
Trabalhadores da Coreia do Norte. As perseguições seguiram-se a isso,
com membros de um subgrupo de membros comunistas guerrilheiros
de lutaram contra os japoneses, da facção Gapsan, foram expurgados em
1967 152.

Na sua visita presidencial em 1965, Kim Il Sung declarou que o


Partido dos Trabalhadores manteria consistentemente sua filosofia
única, juche, autossuficiência política e econômica e autodefesa militar. O
Juche permitiu a Kim solidificar de vez o culto à sua figura no regime
norte-coreano, a não depender de outros regimes, nem a tolerar
dissidências. Seu local de nascimento, em Mangyongdae, foi declarado
como santuário sagrado nacional e seus ancestrais foram sepultados e
cultuados como heróis combatentes. Supostamente, seu avô foi
considerado como um dos envolvidos no incêndio do navio americano,

152
LIM, Jae-Cheon. Kim Jong-il's Leadership of North Korea. Londres & Nova York:
Routledge, 2009, p. 37.

198
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

General Sherman, em 1866. O senso de isolamento norte-coreano


aumentou ainda mais em janeiro de 1968, quando um grupo se infiltrou
na Zona Desmilitarizada na fronteira ao longo do paralelo 38 e foi para
o sul e tentou atacar o presidente Park Chung Hee. Outro grupo norte-
coreano planejou um ato na costa oriental da Coreia do Sul. Ademais,
foi nessa época que um navio dos EUA, o USS Pueblo, foi capturado no
Mar do Leste, perto da Coreia do Norte, enquanto estava em operação.

Essas provocações, no entanto, pouco efeito surtiu e fez com que


Park Chung Hee fortalecesse sua autoridade sobre qualquer movimento
dissidente e democrático de estudantes e oposicionistas na Coreia do Sul.
Em meados de 1970, Kim Il Sung, instigou outra onda de expurgos de
líderes dentre do seu partido, substituindo-os por uma nova geração de
revolucionários, a incluir seu filho mais velho, Kim Jong Il (1942 – 2011)
que passou a ser chamado de “Querido Líder” 153. O núcleo do poder
político norte-coreano começou a ser ocupado pela família Kim e seus
familiares.

O início da década de 1970 pareceu ser promissor para uma maior


unificação da península coreana. Em abril de 1971, o premiê norte-
coreano, Kim Il Sung, anunciou uma série de propostas para uma Coreia
unida em forma confederada. Em agosto, o presidente Park Chung Hee
também se expressou visando uma maior integração com o norte.
Eventualmente, a Cruz Vermelha da Coreia do Sul passou a se envolver
nos esforços humanitários de famílias separadas pela divisão da
península. Para isso, representantes de ambos os lados do paralelo 38
trocaram publicamente declarações de unidade e foram realizadas
reuniões preparatórias em contatos secretos entre Seul e Pyongyang.
Finalmente, em 4 de julho de 1972, um acordo foi tornado público entre
Kim Yong-ju (1920 - ), diretor do Partido dos Trabalhadores da Coreia
do Norte e irmão de Kim Il Sung, e Lee Hu-rak (1924 - 2009), diretor
do Serviço Nacional de Inteligência da Coreia do Sul que visitou a capital

153
Ibidem, p. 46.

199
EMILIANO UNZER MACEDO

norte-coreana em segredo. O encontro entre os dois representantes


coreanos resultou numa declaração de três princípios de reunificação:
autoconfiança, paz e solidariedade nacional. Os dois lados concordaram
em estabelecer uma Comissão Coordenada Norte-Sul, e a ligar os dois
gabinetes de governo diretamente por uma linha telefônica. E assumiram
o compromisso de diminuir as acusações um contra o outro nas
declarações públicas.

Apesar das boas intenções, o comunicado de 4 de julho de 1972 não


levou as duas Coreias para uma reunificação. Na verdade, acabou
exacerbando ainda mais o controle político de ambas as partes. A fim de
criar um sistema político mais eficiente para promover a solidariedade
nacional contra os comunistas, Park Chung Hee suspendeu a
constituição sul-coreana em 17 de outubro, declarou lei marcial e
dispersou a Assembleia Nacional. Foi esboçada uma nova constituição,
a de Yusin (“restauração”, também referido como Outubro Yusin,
시월유신) que maximizou ainda mais o poder presidencial, com
autoridade para emitir decretos de emergência, dissolver o parlamento e
nomear um terço dos legisladores, isso num mandato de seis anos sem
limites de mandatos. O presidente sul-coreano seria a partir da nova
constituição eleito indiretamente por delegados distritais pelo país, que
poderiam ser facilmente influenciados pelo poder executivo nacional. Já
em dezembro de 1970, Park Chung Hee foi reeleito como presidente
praticamente onipotente na Coreia do Sul.

Enquanto isso, em Pyongyang, o Conselho Supremo convocou uma


sessão para adotar uma nova constituição norte-coreana que passou a
concentrar ainda mais o poder de Kim Il Sung, que a partir de então seria
presidente do país. O presidente, no comando do Comitê Central do
Povo, órgão executivo máximo recém-criado, foi adotado
constitucionalmente com todos os poderes sem precedentes no mundo.
Enquanto essas duas tendências das duas Coreia tiveram curso, em 30
de agosto de 1972, houve negociações entre representantes de ambos os
lados pela Cruz Vermelha em Pyongyang. Delegações sul-coreanas

200
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

oficialmente atravessaram a fronteira pela primeira vez desde a divisão


da península. Mês seguinte, norte-coreanos foram a Seul. No entanto, o
diálogo entre as partes nunca chegou a uma conclusão substancial, já que
os sul-coreanos desejaram resolver antes as questões familiares e
humanitárias da separação, enquanto os norte-coreanos queriam resolver
primeiramente questões políticas como a abolição das leis
anticomunistas no sul. As visitas, nesse sentido, começaram a ser mais
apresentações cerimoniais para a mídia, não tendo mais resultados
concretos produzidos. Apesar disso, as trocas familiares ainda
continuaram até agosto de 1973, quando Kim Yong-ju, presidente da
Comissão Coordenada Norte-Sul, resolveu suspender os diálogos como
protesto contra o sequestro de Kim Dae-Jung pelo serviço secreto sul-
coreano quando estava em exílio em Tóquio em 8 de agosto 154.

Park Chung Hee e seus seguidores acreditaram que a democracia


sul-coreano poderia esperar até que a economia estivesse desenvolvida o
suficiente para lidar com a pobreza generalizada do país. De fato, o lema
de seu governo foi “economia agora, democracia depois” 155. Como
resposta à crescente desigualdade social devido aos anos de
industrialização urbana, a partir de abril de 1970 o presidente Park
passou a implementar o programa de desenvolvimento e modernização
agrário, no Movimento Saemaul (“Nova Comunidade”, 새마을운동),
especialmente nas regiões e províncias mais precárias. O programa rural
foi inspirado nas tradições comunitários coreanas, de solidariedade,
cooperação laboral (dure, 두레) e autogoverno (hyangyak, 향약). Park
estendeu esses conceitos para toda a nação em uma política nacional

154
KIRK, Donald & KIM, Kisam. Kim Dae-jung and the Quest for the Nobel: How the
President of South Korea Bought the Peace Prize and Financed Kim Jong-il's Nuclear
Program. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013, p. 143.

155
KIM, Hyung-A & SORENSEN, Clark W. (Orgs.). Reassessing the Park Chung Hee
Era, 1961-1979: Development, Political Thought, Democracy, and Cultural
Influence. Seattle: University of Washington Press, 2011, p. 5.

201
EMILIANO UNZER MACEDO

aplicando-o para as empresas, escolas e organizações sociais.

Apesar disso, a sociedade sul-coreana tinha mudado e passou a ser


cada vez mais crítica com seu regime antidemocrático. Em 1973,
intelectuais, líderes religiosos, políticos de oposição e líderes estudantis
iniciaram uma ampla campanha contra a constituição Yusin. Isso foi
amplificado depois do sequestro de Kim Dae-jung no Japão em agosto.
Uma campanha de petição para novas emendas constitucionais surgiu.
Park, reagiu duramente a isso, e suprimiu o direito de manifestação
conforme o Decreto de Emergência no. 1, segundo o qual a lei marcial
poderia condenar infratores com até 15 anos de prisão. Mesmo assim, as
manifestações se intensificaram e se espalharam pela Coreia do Sul. Após
outro decreto emergencial, o de no. 4, entrar em vigor, oito estudantes
foram presos e executados e 14 sentenciados à pena de morte. Um deles
foi um poeta e escritor ativista, Kim Chi-ha (1941- ), que se tornou
célebre pelo seu poema “Cinco Bandidos” (Ojok) e por seu tempo de
prisão, e pelo seu pseudônimo, Jiha (“subterrâneo”) 156.

O clima ficou ainda mais tenso no regime sul-coreano quando um


agente norte-coreano tentou assassinar o presidente Park no Dia da
Independência em 15 de agosto de 1974. O agente falhou em seu alvo,
mas atingiu a primeira-dama que estava junto com o presidente na
cerimônia de comemoração do dia. O regime Yusin de Park perdurou
com vigor, e passou a reprimir e censurar qualquer manifestação de
oposição e suspeita. Com a vitória dos comunistas no Vietnã em 1975,
o regime de Park passou a temer ainda mais a ameaça esquerdista,
fortalecendo ainda mais os decretos de emergência. Essas medidas
draconianas de supressão dos direitos humanos provocaram reações
internacionais. Isso se tornou um escândalo quando foi revelada a ação
de um lobista sul-coreano, Tongsun Park, a subornar legisladores dos
EUA em Washington visando impedir o governo de pressionar a Coreia

156
HWANG, Kyung Moon. A History of Korea. Londres: Macmillan, 2010, pp. 236-
237.

202
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

do Sul, no que depois ficou conhecido como o caso Koreagate, revelado


na imprensa americana em 1976. Essa questão diplomática delicada foi
combatida pelo presidente Jimmy Carter (1924 - ), que passou a
pressionar pela retirada das tropas americanas na Coreia do Sul pelas
violações dos direitos humanos do regime de Park, conforme declarou
em sua visita a Seul em 1978 157.

Apesar das pressões, Park Chung Hee não buscou reformar seu
regime para maior democratização, enfatizando em primeiro plano o
desenvolvimento econômico da Coreia do Sul. Isso começou a gerar
desgaste no meio político sul-coreano. Em maio de 1979, Kim Young-
sam (1927 - 2015), um ativista social contra o regime Yusin, foi eleito
líder da oposição. Por manobras deliberadas do governo, Kim foi
retirado de sua posição por agentes do Serviço Nacional de Inteligência.
Kim tinha por anos defendido maior pressão do governo de Carter para
pressionar o presidente Park pelos abusos dos direitos políticos e
humanos. Em outubro, uma grande manifestação estudantil tomou as
ruas de Pusan, cidade portuária no sul da península e terra natal de Park
Chung Hee. Quando os protestos começaram a ganhar a mídia e se
espalhou para a cidade próxima de Masan, o governo declarou nova lei
marcial e Forças Especiais foram mobilizadas. No mesmo mês, como
protesto, os americanos decidiram retirar seu embaixador de Seul, e Kim
Young-sam e seus partidários do Novo Partido Democrático da
Assembleia Nacional 158.

A rivalidade política começou a se avizinhar do círculo mais


próximo do presidente Park. Em 26 de outubro, Kim Jae-gyu (1926 –
1980), diretor do Serviço Nacional de Inteligência, foi discutir sobre os
protestos com o presidente. No evento, Kim atirou e matou Park Chung

157
LEE, Chae-Jin. A Troubled Peace: U.S. Policy and the Two Koreas. Baltimore, EUA:
Johns Hopkins University Press, 2006, p. 95.

158
SETH, Michael J. A Concise History of Modern Korea: From the Late Nineteenth
Century to the Present. Lanham, EUA: Rowman & Littlefield, 2010, p. 187.

203
EMILIANO UNZER MACEDO

Hee. Isso demonstrou o desgaste e impopularidade crescente do regime


Yusin, que passou a ser criticado inclusive por agentes de segurança e
inteligência, além de militares sul-coreanos apoiados por americanos e
sob comando nominal das Nações Unidas desde a invasão norte-coreana
em 1950. Park, diante disso, tinha criado um corpo de segurança sob
comando presidencial para suprimir rebeliões e insurreições. O chefe
dessa guarda de segurança era o paraquedista Cha Chichol (1934 – 1979)
que tinha se desentendido ao longo do tempo com o diretor do Serviço
Nacional de Inteligência, Kim Jae-gyu. As duas organizações, portanto,
começaram a rivalizar pelas questões cruciais de segurança da Coreia do
Sul. No dia do assassinato do presidente, Park tinha favorecido a posição
de Cha em detrimento dos pedidos de Kim. Sendo assim, Kim, vendo-
se afastado dos favores do presidente sobre como lidar com os protestos
e manifestações, decidiu por bem atirar contra Park Chung Hee e
também matando Cha. Kim Jae-gyu, depois foi condenado à pena de
morte por enforcamento em 24 de maio de 1980.

Depois de 18 anos de governo autoritário, Park Chung Hee


construiu uma nação sul-coreana moderna, próspera e industrializada.
Frequentemente é alegado que a Coreia sob Park foi mais uma empresa,
onde 51% das ações dos grandes conglomerados nacionais, chaebols,
pertenciam ao próprio presidente. De fato, o PIB da Coreia do Sul subiu
de US$ 2,3 bilhões em 1962 para US$ 61,4 bilhões em 1979. A renda per
capita aumentou de US$ 87 para US$ 1,597 no mesmo período 159. Mas
esse desenvolvimento veio às custas da supressão de qualquer tendência
democrática e livre expressão social e política.

A questão sucessória de Kim Il Sung apareceu em setembro de


1973, em Pyongyang, dando destaque ao seu filho mais velho, Kim Jong
Il (1942 - 2011) que tinha sido nomeado como o segundo posto mais
poderoso do regime norte-coreano do Partido dos Trabalhadores, a ser

159
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, p. 169.

204
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

responsável pela parte da propaganda, organização e orientação. Depois


que se tornou membro pleno do Comitê do Partido em fevereiro de
1974, Kim Jong Il tornou-se o herdeiro oficial do “Grande Líder”, seu
pai. Nos anos seguintes, Kim filho passou a empreender uma ampla
campanha conhecida como Movimento Revolucionário, em que foi
promovida a ideologia juche, em três dimensões: filosofia, tecnologia e
cultura. Com isso, o sucessor norte-coreano passou a liderar uma nova
geração de elites da Coreia do Norte, a consolidar seu papel de dirigente
nacional.

A sucessão foi oficialmente confirmada no 6º Congresso do Partido


dos Trabalhadores em outubro de 1980, quando Kim Jong Il foi
nomeado como membro de duas organizações importantes da Coreia do
Norte: do Comitê Executivo Político do Partido (ou Politburo) e do
Comitê Militar do Secretariado do Partido 160.

A política pautada no juche da Coreia do Norte passou a exigir o total


compromisso e lealdade de cada cidadão coreano, numa estrutura
econômica isolada que se estagnou durante a década de 1970. As
dificuldades econômicas para o desenvolvimento não foram superadas
apesar do Plano de Seis Anos (1971 – 1977) e o subsequente Plano de
Sete Anos (1978 -1984). Ademais, a taxa de crescimento foi inferior a
2%, enquanto o vizinho ao sul tinha alcançado taxa de cerca de 10%. Em
1980, o PIB da Coreia do Sul, quase US$ 65 bilhões, era mais de seis
vezes maior que o do norte, que ficou em torno de um total de quase
US$ 10 bilhões. O desempenho de crescimento do PIB norte-coreano
será sofrido entre os anos de 1980 a 1985, estimado em torno de 3,6%
anual, e ainda mais sofrido entre os anos de 1985 a 1990, em torno de
1,4% 161. Devido em grande parte à orientação autossuficiente, a

160
LANKOV, Andrei. The Real North Korea: Life and Politics in the Failed Stalinist
Utopia. Oxford & Nova York: Oxford University Press, 2013, pp. 77 - 80.

161
SETH, Michael J. North Korea. Londres: Palgrave, 2018, p. 156.

205
EMILIANO UNZER MACEDO

economia norte-coreana sofreu com a falta de inovação tecnológica com


o tímido contato com o exterior, a baixa atividade da atividade comercial
que era quase toda controlada pelo Estado, e as deficiências do setor
energético. Mesmo assim, a liderança norte-coreana e sua estrutura
partidária manteve-se no poder.

O assassinato de Park Chung Hee passou a ser investigado pelo


Major General Chun Doo-Hwan (1931 - ) no comando da área de
segurança do governo sul-coreano. No processo judicial, Chun começou
a crescer no cenário político e militar entre a geração mais nova depois
da morte de Park e de seu chefe de segurança pessoal, Cha Chichol.
Segundo a Constituição Yusin em vigor na época no artigo 48, o
presidente assume as funções do chefe de governo nessas ocasiões, e
assim Choi Kyu-hah (1919 – 2006) chegou ao posto máximo da Coreia
do Sul em 1979. No entanto, nos círculos militares houve grande
inquietação sobre o futuro político da nação. Oficiais da área de
segurança e defesa leais a Chun, como o Major General Roh Tae-woo
(1932 - ), organizaram um golpe de Estado em que o Chefe do Estado-
Maior do Exército da Coreia do Sul foi detido e preso em 12 de
dezembro de 1979. Como em 1961, os EUA pouco fizeram a respeito
para impedir o golpe. Assim, Chun e Roh deram o primeiro passo em
direção à hegemonia política.

Depois de 18 anos do governo autoritário de Park Chung Hee, o


povo sul-coreano passou a exigir reformas democráticas e maior
liberdade política, depois de décadas de crescimento econômico. Líderes
políticos da oposição, como Kim Dae-jung, Kim Jong-pil e Kim Young-
sam prepararam-se para concorrer às novas eleições presidenciais. Os
militares, no entanto, não pretendiam abrir mão do governo, e pouco
fizeram para implementar o processo de normalização política. Em 14
de maio de 1980, houve grande manifestação estudantil pela
democratização em Seul. No próximo dia, dezenas de milhares encheram
o centro de Seul e protestaram contra a tentativa dos militares de obstruir
a democracia sul-coreana. Esse “Primavera de Seul”, contudo, teve vida

206
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

curta, pois em 17 de maio, uma lei marcial foi decretada e todas as


atividades políticas foram proibidas. Os militares passaram a reprimir as
manifestações nas ruas e campi universitários. Kim Dae-jung e Kim
Jong-pil foram presos acusados de insurreição e desordem. Kim Young-
sam foi colocado em prisão domiciliar.

Chun Doo-Hwan formou uma junta militar a ser presidida por ele
mesmo nas instâncias máximas do poder. E no dia 18 de maio de 1980,
novas manifestações de larga escala foram reprimidas, dessa vez em
Gwangju, a sudoeste do país e região natal de Kim Dae-jung. A cidade
de Gwangju, capital da província, chegou a ser controlada pelos rebeldes
e mantiveram assim por mais de uma semana, até 27 de maio, e o caso
passou a inspirar outros movimentos pela Coreia do Sul. Mas no dia 27,
logo as Forças Especiais entraram na cidade e mataram centenas de
manifestantes e estudantes. Há estimativas de que foram mortas 606
pessoas 162. Essa breve chama pela democratização foi apagada pelo
regime militar. Os EUA, em maio de 1980, tinha cerca de 37 mil tropas
estacionadas na Coreia do Sul, mas preferiu seguir uma política de não-
interferência, que os tornaram figura criticada pelos democratas e
opositores ao regime sul-coreano.

Em setembro de 1980, Chun Doo-Hwan foi eleito presidente


indiretamente pelos delegados da Assembleia Nacional, órgão criado por
Park Chung Hee na Constituição Yusin. Logo antes de sua eleição, Chun
havia ampliado o mandato presidencial para o limite de sete anos.
Pressionado pelo golpe de Estado no ano anterior e pela repressão em
Gwangju, o presidente Chun passou a promover políticas de
apaziguamento e visibilidade, como a abolição do toque de recolher,
abrandamento das leis de segurança e permitir viagens ao exterior. Para
impulsionar a imagem da Coreia do Sul no meio internacional, o governo
juntamente com o apoio de chaebols, defenderam em 1981 a hospedagem

162
SUH, Jae-Jung. Truth and Reconciliation in South Korea: Between the Present
and Future of the Korean Wars. Londres & Nova York: Routledge, 2013, p. 136.

207
EMILIANO UNZER MACEDO

em Seul dos Jogos Olímpicos a ser realizado em 1988.

No plano econômico, o governo de Chun passou a colher os frutos


de anos de investimento na indústria leve, química, metalúrgica e naval
durante a década de 70 sob o presidente Park, e começou a traçar novas
metas na década de 80 para bens de consumo. Devido ao baixo preço
do barril de petróleo, dos dólares americanos e dos juros, a indústria sul-
coreana tinha se consolidado expressivamente no setor automobilístico,
naval e eletrônicos que passaram a ser a sua principal pauta exportadora.
Em 1986, surgiu o primeiro carro sul-coreano produzido em massa, o
Hyundai Excel, que entrou com sucesso no mercado dos EUA. Em
1987, o PIB da Coreia do Sul atingiu a marca de US$ 1, 284 trilhões, com
renda per capita de US$ 3,098 163. Apesar disso, ainda havia considerável
desigualdade econômica na sociedade, entre o meio urbano e rural, e isso
iria resvalar para movimentos de protestos e sindicatos.

No 6º Congresso do Partido dos Trabalhadores da Coreia em 10 de


outubro de 1980, o presidente norte-coreano, Kim Il Sung propôs uma
fórmula de reunificação das duas Coreias, a serem estabelecidas numa
forma confederativa, a República Democrática Confederada de Koryo
164
. O governo proposto seria um Estado com dois sistemas, com o
governo central a ser responsável pelas questões de assuntos
internacionais e militares, enquanto cada um dos dois teria governos com
total autonomia interna. Embora a ideia de Kim Il Sung tenha parecido
plausível, a questão de quem iria controlar o governo central permaneceu
disputado e incerto se a forma confederada fosse implementada. Em
1982, o presidente Chun Doo-Hwan propôs uma contrapartida, sua
própria fórmula de reunificação coreana, em que seria adotada uma

163
KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut, EUA & Londres:
Greenwood Press, 2005, p. 172.

164
MOON, Chung-In. “The Sunshine Policy and the Korean Summit: assessments
and prospects“ In: AKAHA, Tsuneo (Org.). The Future of North Korea. Nova York &
Londres: Routledge, 2002, p. 37.

208
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

constituição democrática unida. Tendo em vista as dificuldades das


negociações entre o norte e o sul, essa ideia também pareceu irreal. Em
outubro de 1983, a perspectiva de união tornou-se impraticável, quando
um terrorista norte-coreano colocou uma bomba na tentativa de
assassinar o presidente Chun em visita diplomática à Birmânia
(Mianmar). Apesar do presidente ter conseguido sair com vida, 17
membros de sua delegação foram mortos.

As conversas unitárias se resumiram apenas às questões


humanitárias diante de famílias separadas desde a Guerra da Coreia.
Nesse sentido, em setembro de 1985, pela primeira vez desde 1953,
membros de famílias do sul e do norte atravessaram Panmunjom, na
Área de Segurança Conjunta da ONU da Zona Desmilitarizada. Um
grupo de norte-coreanos veio depois visitar familiares em Seul, enquanto
sul-coreanos selecionados foram para Pyongyang.

O sistema norte-coreano começou a ser solidificar num monólito


de culto aos Kims ao longo da década de 1980. As publicações e a
campanha ideológica e propagandística começaram a construir o mito da
vida de Kim Jong Il. Supostamente Kim Jong Il teria nascido em um
acampamento secreto da montanha sagrada de Baekdu, onde teria
originado Dangun, a figura fundadora da nação coreana. Kim Júnior teria
sido um aluno brilhante e teria formulado planos de Estado, incluindo
atentados contra a Coreia do Sul como a que aconteceu na Birmânia
(Mianmar) em 1983, assim como ocorrido contra o voo 858 da Korean
Air em pleno ar sobre o Mar de Andamão em 29 de novembro de 1987
165
. A filosofia juche foi reforçada na Coreia do Norte, a fundamentar a
continuidade do regime de Kim Il Sung para o esforço de construção da
nação para o futuro. No início da década de 1990, Kim Jong Il já tinha
se tornado no comandante supremo do Exército do Povo Coreano e a
presidente do setor de defesa do país.

165
HEO, Uk & ROEHRIG, Terence. South Korea Since 1980. Nova York: Cambridge
University Press, 2010, pp. 131 – 132.

209
EMILIANO UNZER MACEDO

A partir de meados da década de 1980, a sociedade sul-coreana


começou a se mobilizar mais uma vez pedindo a revisão da Constituição
Yusin para instituir a votação popular para presidência. No entanto, o
presidente Chun Doo-Hwan manteve-se persistente em manter a
constituição no qual seu sucessor no poder seria escolhido indiretamente
por delegados. Em 10 de junho de 1987, houve a morte de um estudante
por tortura policial que desencadeou outra grande manifestação no
centro de Seul. No evento, ficou claro que as contestações tinham
crescido para além dos oposicionistas e esquerdistas sul-coreano.

Relutantemente, o presidente Chun e seu candidato sucessor, Roh


Tae-woo, cederam às demandas populares e anunciaram em 29 de junho
a aceitação de eleições presidenciais diretas. Essa eleição ocorreu
finalmente em dezembro de 1987, para um mandato presidencial para
cinco anos, modificando a constituição. Foi o primeiro voto universal
direto para presidente em 16 anos. Roh Tae-woo acabou vencendo com
36% dos votos, acima dos opositores, Kim Young-sam e Kim Dae-jung,
que não conseguiram se unir na oposição democrática. No entanto, nas
eleições legislativas posteriores, realizada em abril de 1988, o partido de
Roh não conseguiu maioria parlamentar e assim teve que formar coalizão
com Kim Young-sam e Kim Jong-pil, alienando de vez Kim Dae-jung
na política sul-coreana.

O verão de 1988 marcou o momento de maior visibilidade de Seul


e da Coreia do Sul em décadas. Foi quando foram realizadas em
setembro na capital os 24º Jogos Olímpicos, com a ampla participação
dos países comunistas depois do boicote aos jogos anteriores em 1984
em Los Angeles. A Coreia do Norte foi a única que não mandou
representantes e atletas. As Olimpíadas de Seul refletiram os novos
tempos e esperanças de uma península unificada e paz mundial nos anos
finais da Guerra Fria. Ao mesmo tempo, deu oportunidade à Coreia do
Sul a demonstrar seu desenvolvimento econômico e comprometimento
democrático recente. Aproveitando a ampla visibilidade, o governo de

210
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Roh Tae-woo buscou melhorar a imagem da Coreia do Sul depois de


anos de repressão antidemocrática e abusos de direitos humanos. A
partir de fevereiro de 1989, no contexto das mudanças na Europa, a
Coreia do Sul estabeleceu relações diplomáticas com a Hungria e depois
com a União Soviético em setembro de 1990 e com a China comunista
em agosto de 1992. Buscando o diálogo com o vizinho ao norte, o
presidente Roh propôs uma série de visitas em sua declaração feita em 7
de julho de 1988. Prometeu que o sul-coreano iria apoiar o
estabelecimento dos contatos de Pyongyang com o Japão e EUA. Para
fins de unificação da península, Roh apresentou um programa em 1989,
para uma Comunidade Nacional Unificada 166, e as duas Coreias entraram
com representações próprias na ONU em 17 de setembro de 1991,
depois de meses de intercâmbios esportivos e culturais acordados entre
Seul e Pyongyang. Em 13 de dezembro, foram assinados acordos de alto
nível sobre reconciliação entre as partes, e foi almejado cooperação,
trocas e não-agressão. Os dois lados coreanos concordaram em
reconhecer a existência de cada governo, a respeitar suas diferenças e
autonomias.

Embora tenha sido um grande gesto diplomático, ainda não foi


reconhecido acordos sobre a liberdade de imprensa e indústria, que
resultou em crescente movimentos de protesto de sindicatos e de
trabalhadores de colarinho branco como professores e jornalistas na
Coreia do Sul. Isso ganhou força depois do número de sindicatos e
associações trabalhistas ter aumentado consideravelmente depois de
1987. Greves e paralisações tornaram-se cada vez mais frequentes na
Coreia do Sul no fim da década, que passou a afetar o desempenho
econômico da nação.

Para as eleições presidenciais de dezembro de 1992 na Coreia do

166
KIHL, Young Whan. Transforming Korean Politics: Democracy, Reform, and
Culture: Democracy, Reform, and Culture. Londres & Nova York: Routledge, 2015,
p. 360.

211
EMILIANO UNZER MACEDO

Sul, os dois candidatos democráticos, Kim Young-sam e Kim Dae-jung


saíram à frente nas pesquisas. O presidente do grupo Hyundai, o maior
chaebol da Coreia do Sul, Chung Ju-yung (1915 – 2001), também fez sua
candidatura como dissidente do regime anterior. Young-sam, que havia
feito coalizão com o partido governista de Roh, venceu as eleições.

Como primeiro presidente civil sul-coreano em 32 anos, Kim


Young-sam passou a investir no processo de democratização da Coreia
do Sul. Para tanto, seu governo foi marcado por denunciar os abusos do
regime militar do passado e a legitimar a república com base na Segunda
República (1960 – 1961) de Chang Myon e da Primeira (1948 – 1960) de
Syngman Rhee, indo até mesmo ao Governo Provisório da República da
Coreia sediada em Xangai durante a ocupação japonesa. Para destruir o
passado de opressão, Young-sam mandou demolir o antigo prédio do
governador-geral japonês em Seul (Joseon-chongdokbu Cheongsa,
조선총독부 청사), o “Capitólio de Seul”, em novembro de 1996. No
campo político, o novo presidente passou a perseguir e condenar
membros corruptos e militares do regime autoritário anterior. E passou
a defender eleições provinciais ausentes no país desde o golpe do
General Park Chung Hee em 1961. Kim Young-sam, por fim, conseguiu
levar a julgamento os dois presidentes anteriores, Roh Tae-woo e Chun
Doo-Hwan. Apesar de terem sido condenados pelo envolvimento no
golpe de dezembro de 1979, e pelas repressões em Gwangju em maio de
1980, foram depois anistiados em momento posterior. Juntamente com
várias lideranças políticas, militares e empresariais.

No início dos anos 90, a Coreia do Sul de Kim Young-sam passou


a sofrer pressões globais para liberalizar seu mercado. Em agosto de
1993, o presidente Kim reformou, para tal fim, as práticas bancárias ao
adotar um sistema de transações em tempo real para dar maior
transparência financeira. Em dezembro, o governo sul-coreano assinou
o Acordo da Rodada Uruguai, abrindo de vez a maioria do seu mercado
interno, incluindo para commodities, finanças, construção, distribuição e
serviços. Em setembro de 1996, a Coreia do Sul foi admitida para o
212
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

seleto grupo de países desenvolvidos membros da Organização para a


Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), criada para
cooperação e desenvolvimento conjunto internacional. De fato, em
números, a Coreia do Sul apresentava-se com altos índices de
desenvolvimento, chegando sua renda per capita a US$ 10,000 em 1996,
tendo crescido a renda consistentemente na década em média 5% por
ano 167.

O crescente isolamento do regime da Coreia do Norte complicou a


sobrevivência econômica do país na década de 1980, e isso foi ainda mais
dificultado depois da queda dos regimes comunistas em 1989. A
economia norte-coreana, até então, tinha persistido no seu esforço de
autossuficiência (juche) com ajuda de envio de alimentos e petróleo da
China e União Soviética. Mas com pouca terra arável, e com escassos
recursos energéticos, a Coreia do Norte teve que negociar e barganhar
como pôde sob o comando de Kim Jong Il. Após o colapso do Muro de
Berlim, a URSS cortou seu fornecimento de petróleo, pois passaram dali
a exigir pagamento devido em divisas internacionais. Da China,
igualmente, foi exigido que Kim Jong Il passasse a reformar sua
economia de mercado aberto.

O governante norte-coreano, então, teve que optar por uma


estratégia crucial para a sobrevivência de seu regime. Desde 1980, na
pequena cidade de Yongbyon, a cerca de 100 km de Pyongyang, esteve
em desenvolvimento um centro de pesquisas e usina nuclear
experimental em andamento. Em 1986, foram obtidos os primeiros
resultados positivos do material radiativo. A usina e o centro de pesquisa
nuclear de Yongbyon (Nyeongbyeon haeksiseol. 녕변핵시설), começou a
chamar a atenção mundial quando imagens de satélite revelaram sua
existência. As imagens foram publicadas no New York Times em 1989. O
material acumulado de plutônio do uso de urânio da usina poderia ser

167
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Health at
a Glance: OECD Indicators 2003. Paris: OECD Publishing, 2003, p. 84.

213
EMILIANO UNZER MACEDO

usado para posterior fabricação de armamento nuclear, algo que os EUA


começaram a monitorar de perto.

Apesar de ter ratificado o acordo do Tratado de Não-Proliferação


Nuclear (TNP) em 1985, a Coreia do Norte recusou receber uma equipe
de investigação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA),
organização que fiscaliza a proliferação de armas nucleares no mundo.
Assim sendo, Kim Jong Il passou a barganhar com sua posição nuclear,
a fim de obter ajuda econômica internacional, chegando mesmo a
anunciar a sua retirada do TNP em 1993. Mas isso não chegou a se
concretizar, pois em julho de 1994 Kim, após uma série de negociações
com os EUA com os bons ofícios do ex-presidente americano, Jimmy
Carter que visitou Pyongyang em missão não-oficial, concordou em
abolir o desenvolvimento do programa de Yongbyon na condição de que
os americanos e seus aliados providenciassem ajuda nuclear para a
construção de reatores de água leve para atender as demandas
energéticas. Essas estações, evidentemente, não produziriam
combustível que pudesse ser usado em armas nucleares.

Ademais, Jimmy Carter havia solicitado como condição em


Pyongyang o prosseguimento das negociações com o regime sul-
coreano, e para isso tinha antes recebido o compromisso do presidente
sul-coreano, Kim Young-sam para tal.

Alguns meses antes da visita de Carter, o Kim Young-sam tinha


realizado reuniões com norte-coreanos a fim de negociar a soltura de
presos comunistas na Coreia do Sul. Ao ser informado da missão de
Carter ao norte, Young-sam então propôs uma reunião de cúpula Norte-
Sul. Em 28 de junho de 1994, foi realizado os primeiros contatos
preliminares entre delegados dos dois países asiáticos. Entretanto, Kim
Il Sung, que tinha negociado para a parte norte-coreana, chegou a falecer
de infarto do miocárdio em 8 de julho, e as negociações foram
interrompidas.

214
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Kim Jong Il havia ascendido ao cargo de governante de fato há anos


na Coreia do Norte, muito antes da morte de seu pai, o “Grande Líder”
da nação norte-coreana. Visando respeitar a posição única de Kim Il
Sung, foi preservado seu cargo de presidente, e Kim Filho assumiu
apenas a função de presidente da Comissão Nacional de Defesa.
Efetivamente era o líder inconteste, ainda mais reforçado com o laço
sanguíneo de seu genitor. Uma vez no poder, sem qualquer obstrução,
Kim Jong Il passou a adotar uma posição mais assertiva sobre a questão
nuclear com os EUA. Em outubro de 1994, o governo norte-coreano e
os EUA assinaram novo acordo, em que foi prometida a interrupção da
estação de Yongbyon, em troca do fornecimento pelos EUA e aliados
de 5 mil toneladas de petróleo anualmente até que fossem concluídas a
construção de duas instalações nucleares de água leve na Coreia do
Norte. Para tanto, foi estabelecida em 15 de março de 1995 a
Organização de Desenvolvimento de Energia da Península Coreana
(Korean Peninsula Energy Development Organization, KEDO), no qual a
Coreia do Sul, Japão, União Europeia e outros, participariam
financeiramente com a construção das estações de água leve 168.

Assim, Kim Jong Il conseguiu assegurar o fornecimento energético


de petróleo desesperadamente necessário para a economia norte-
coreana. Mas ainda havia a questão da carência alimentar. Em 1995, a
China passou a exigir o pagamento por divisas internacionais de seu
suprimento de alimentos para a Coreia do Norte. No referido ano, Kim
Jong Il passou a pleitear ajuda alimentar para as Nações Unidas, pelo
Programa Alimentar Mundial (PMA), a atender áreas emergenciais
atingidas pela fome. Para justificar seu pedido à agência internacional,
Kim Jong Il tinha apresentado como causa da fome e morte de cerca de
5 milhões de norte-coreanos, inundações sem precedentes. Foi nesse
veio que a mídia norte-coreana passou a divulgar imagens de milhões de
coreanos em situação famélica que chocou a opinião internacional.

168
LEE, Bong. The Unfinished War: Korea. Nova York: Algora Publishing, 2003, p.
263.

215
EMILIANO UNZER MACEDO

Apesar disso, os inspetores do PMA somente puderam visitar uma área


limitada do país, e não puderam confirmar o fato de crise generalizada,
nem as causas destrutivas das supostas inundações em 1995. Mesmo
assim, o governo norte-coreano continuou a insistir na crise humanitária
até 1997, quando o PMA resolveu atender os pedidos humanitários 169.

O presidente sul-coreano, Kim Young-sam em 1997 enfrentou uma


grave crise financeira. Isso decorreu depois de anos de investimentos e
empréstimos de bancos coreanos com juros baixos em mercados de alto
risco no Sudeste Asiático e na Rússia. Quando os investidores
internacionais se retiraram dos mercados de risco da Indonésia e
Tailândia, a crise se alastrou pelos mercados asiáticos no verão de 1997.
A Coreia do Sul não ficou imune a isso. O governo de Kim teve,
portanto, via o Ministro das Finanças, Lim Chang-yuel, de pedir ao
Fundo Monetário Internacional (FMI) para resgatar os bancos sul-
coreanos de declarar moratória.

As eleições presidenciais sul-coreanas ocorreram, como esperado,


em 18 de dezembro de 1997. Desta vez, Kim Dae-jung se colocou como
opositor e concorreu contra o candidato da situação, o ex-primeiro
ministro de Kim Young-sam, Lee Hoi-chang (1934 - ). Em 3 de
dezembro, alguns dias antes das eleições, o governo sul-coreano havia
sancionado o primeiro pacote de resgate financeiro do FMI, no valor
histórico de US$ 57 bilhões, sob duras condições 170. A sociedade sul-
coreana, que havia desfrutado de décadas de prosperidade, sofreu com
as amargas demissões exigidas pelo plano de reestruturação do FMI e da
alta das taxas de juros. Insatisfeitos, a maioria do eleitorado nas urnas
escolheu o oposicionista, Kim Dae-jung para presidente. Uma vez no
cargo presidencial, Kim Dae-jung agiu rapidamente para resolver o

169
HAGGARD, Stephan & NOLAND, Marcus. Famine in North Korea: Markets, Aid,
and Reform. Nova York: Columbia University Press, 2009, pp. 130 – 133.

170
SHARMA, Shalendra.The Asian Financial Crisis: Crisis, Reform and Recovery.
Manchester & Nova York: Manchester University Press, 2003, p. 219.

216
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

problema da crise financeira da Coreia do Sul. Usando seu capital


histórico e pessoal, Dae-jung conseguiu convencer a maioria dos sul-
coreanos a enfrentar a crise social nos dois anos seguintes. Em 2000, a
Coreia do Sul já tinha pagado parte substancial de seu empréstimo do
FMI.

Com a estabilidade econômica e financeira recuperada, o presidente


Kim Dae-jung passou a formular uma nova política de unificação da
península coreana. Como líder da oposição liberal que havia por anos
clamado por uma postura mais negociadora com a Coreia do Norte, o
presidente Kim Dae-jung tinha sido no passado rotulado pelos militares
e conservadores como liberal e marginalizado demais no sistema político
autoritário sul-coreano. Agora, como presidente, Dae-jung elaborou uma
nova postura com a “Política da Luz do Sol” (Haetbyeot jeongchaek, 햇볕
정책), termo inspirado numa das fábulas de Esopo, “O Vento do Norte
e o Sol”, que enfatiza a superioridade do poder da persuasão sobre o uso
da força. Sob essa nova política, o governo sul-coreano iria prestar
assistência econômica ao norte, em vez de buscar estrangulá-la por
pressões e bloqueios, visando assim persuadir Pyongyang das vantagens
de uma maior integração.

No veio dessa nova política, o presidente sul-coreano tinha


convencido a participação de um dos maiores empresários da Coreia do
Sul, dono do maior chaebol, o Grupo Hyundai, a contribuir para uma
política de investimentos e empréstimos para o regime do norte. Foi
assim que, em junho de 1990, o empresário Chung Ju-yung (1915 - 2001),
atravessou a fronteira militarizada para o norte juntamente com milhares
de cabeças de gado a fornecer alimentos e aliviar a pressão da fome. O
ato, apesar de comovente, surtiu pouco efeito integrativo no norte-
coreano. Isso se aliou ao ceticismo de muitos sul-coreanos em relação à
pouca inclinação de Kim Jong Il buscar reformar a estrutura do poder e
liberalizar a economia da Coreia do Norte. No entanto, as novas atitudes
de conciliação com o norte surtiu mais efeito entre a geração mais nova
dos sul-coreanos, que nunca haviam experimentado as consequências da
217
EMILIANO UNZER MACEDO

fratura da península e do regime autoritário do General Park Chung Hee.


Foi nesse contexto que começou a haver uma divisão ideológica na
Coreia do Sul na virada do século, entre aqueles idealistas e jovens contra
o ceticismo conservador dos mais velhos.

A “Política da Luz do Sol” de Kim Dae-jung continuou como meta


de seu governo, e buscou -se incentivar investimentos ao norte do
paralelo 38, visando angariar apoio internacional e convencer pela
mudança o regime de Kim Jong Il. O Grupo Hyundai, como exemplo,
chegou a investir na região das Montanhas Kumkang (Kumkangsan), um
grandioso projeto turístico na Coreia do Norte. Em momento
culminante, o próprio presidente Kim Dae-jung foi visitar oficialmente
Kim Jong Il em Pyongyang em 13 de junho de 2000. No evento, os dois
líderes concordaram com uma nova cooperação entre as duas nações
irmãs. Disso resultou a Declaração Conjunta Norte-Sul de 15 de junho,
que incluiu o enfatizou a importância na busca de conciliação das
diferenças e do projeto de unificação da península, além de questões
humanitárias, cooperação econômica e intercâmbios. Ademais, houve a
promessa de Kim Jong Il de retribuir a visita no futuro.

O idealismo do encontro resultou em desconfianças dos setores


mais conservadores da Coreia do Sul, que enxergava que uma forma
confederativa da península apenas manteria o regime comunista norte-
coreano que, eventualmente, poderia se alastrar para o sul. Não obstante,
apesar das críticas manifestadas, a Declaração Conjunta foi o único
consenso conseguido entre o norte e sul coreano em décadas. Como
reconhecimento de seus esforços diplomáticos intercoreanos, Kim Dae-
jung foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz de 2000.

218
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

EPÍLOGO

A virada para o século 21 trouxe novas perspectivas para a península


coreana. O governo de Kim Dae-jung, na Coreia do Sul, conseguiu
angariar forte apoio popular e internacional. A indústria sul-coreana
começou a crescer para outros setores investidos, especialmente na área
de Tecnologia da Informação. A realização da Copa do Mundo em 2002,
juntamente com o Japão, mais uma vez chamou a atenção para a região
leste asiática. No campo diplomático, Kim Dae-jung, obteve poucos
resultados com o regime norte-coreano, com sua “Política da Luz do
Sol”. Isso foi obstruído com os eventos de 11 de setembro de 2001,
quando o presidente dos EUA, George W. Bush, passou a pressionar
ainda mais a Coreia do Norte para mudanças e abertura.

Em 2003, Roh Moo-hyun (1946 - 2006), foi eleito presidente da


Coreia do Sul em dezembro. Sua vitória teve forte apoio entre os mais
jovens que tinham esperanças de um regime democrático mais
participativo, especialmente entre ativistas jovens que tinham crescido
protestando contra os regimes autoritários do passado, chamados de
“Geração 386” (sampallyuk sedae, 세대). O novo governo empreendeu
reformas econômicas liberalizantes que acarretou em consequências
sociais impopulares. Foi durante seu governo que a Coreia do Sul passou

219
EMILIANO UNZER MACEDO

a ser a 10ª maior economia do mundo 171.

Presidente Roh almejou ir além de regionalismo e privilégios entre


o governo e o setor empresarial, buscando combater práticas abusivas e
corruptas na Coreia do Sul. Apesar de seus esforços, Roh passou a
enfrentar crescente descontentamento entre os mais jovens e
desempregados a partir de 2003. Ano seguinte, Roh sofreu impedimento
(impeachment) pela Assembleia Nacional, sob alegações de corrupção e
violação das leis eleitorais. Apesar disso, seu partido manteve-se como
maioria no parlamento nas eleições realizadas em abril de 2004, e Roh
foi reempossado pela Suprema Corte. As discussões da sociedade civil e
imprensa ainda persistiram nos anos seguintes. Em 2009, Roh e seus
familiares passaram a ser investigados por práticas de suborno e
corrupção. Em 23 de maio de 2009, não suportando mais as pressões,
Roh cometeu suicídio 172.

Lee Myeong-bak (1941 - ) sucedeu Roh em fevereiro de 2008.


Visando revitalizar a democracia e economia sul-coreana, Lee planejou
medidas para inserir competitivamente a nação no mundo globalizado, a
conciliar com a Coreia do Norte e trazer benefícios e bem-estar à
sociedade. Em abril, o partido de Lee conseguiu maioria parlamentar,
que garantiu ao presidente aprovação aos seus projetos nacionais. Em
negociações com os EUA, Lee e Bush abordaram as questões de
construir uma área de livre comércio, ajudando a aliviar as tensões entre
os dois países. Lee concordou em suspender a importação de carne
bovina dos EUA, que causou protesto entre os pecuaristas e
industrialistas sul-coreanos.

171
TWINING, Daniel. “Strengthening the U.S.-Korea Alliance for the 21st Century”
In: BAE, Jung-Ho & DENMARK, Abraham (Orgs.). The U.S.-ROK Alliance in the 21st
Century. Seul: Korea Institute for National Unification, 2009, p. 319.

172
LEVINE, Amy. South Korean civil movement organisations: Hope, crisis and
pragmatism in democratic transition. Oxford & Nova York: Oxford UNiversity Press,
2016, p. 34.

220
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

A postura de Lee Myeong-bak com o norte-coreano foi mais incisiva


e dura. O presidente apostou em pressões conjuntas com a Rússia,
China, Japão e EUA. Nesse sentido, as relações diplomáticas globais da
Coreia do Sul melhoraram, cujo êxito veio quando hospedou a Cúpula
dos Países do G20 em novembro de 2010 em Seul.

Em fevereiro de 2013, Lee foi sucedido pela Park Geun-hye (1952 -


), primeira mulher presidente da Coreia do Sul, e filha mais velha do
General Park Chung-hee. Park não concluiu seu mandato presidencial
por um escândalo que levou ao seu impeachment em dezembro de 2016.
A causa foi devido a corrupção envolvendo relatos de várias
organizações de notícias reportarem abusos cometidos pela sua assessora
Choi Soon-sil (1956 - ) em 2016, sob acusações de tráfico de influência.
Isso causou as maiores ondas de protesto da história da Coreia do Sul,
mesmo com a aprovação no parlamento de impedimento da presidente.
Uma vez retirada do cargo presidencial, as investigações foram julgadas
e condenadas na Suprema Corte. Assim, o impeachment de Park Geun-hye
foi confirmado em 10 de março de 2017. Após alguns meses, com novas
eleições presidenciais, Moon Jae-in (1953 - ) foi eleito em 10 de maio.
Em suma, o regime sul-coreano parece ter se consolidado em bases
democráticas, com uma sociedade civil independente e crítica, assentada
numa economia desenvolvida e próspera.

O contraste com o norte-coreano é revelador quando se observa


fotos de satélite em órbita terrestre no período noturno. Ao norte do
paralelo 38, quando não há focos de luz e eletricidade, um notável
contraste com a concentração ao sul (imagem). O regime de Kim Jong
Il teve que se adequar às demandas mais duras do presidente dos EUA,
George W. Bush, que passou a concentrar seus esforços de luta e
combate ao terrorismo sobre regimes considerados pertencentes ao
“Eixo do Mal”, que incluiu a Coreia do Norte, a partir de fins de 2001.
Nesse sentido, a política conciliadora da “Luz do Sol” de Kim Dae-jung
foi desconsiderada, provocando uma reação de rearmamento

221
EMILIANO UNZER MACEDO

convencional e nuclear de Pyongyang. Kim Jong Il tinha considerado


com atenção o que os EUA fizeram com o regime de Saddam Hussein
ao derrubá-lo em 2003. Três anos depois, o programa nuclear norte-
coreano começou a retomar seu programa de desenvolvimento de ogivas
e capacidade balística. Em 9 de outubro, foram realizadas detonações
nucleares na base subterrânea de Punggye-ri 173.

Kim Jong Il parece ter compreendido a importância de revitalizar a


economia norte-coreana. Isso foi expressado depois de sua visita à China
em janeiro de 2006, quando depois declarou ter ficado impressionado
com as reformas de mercado feito desde fins da década de 1970 174.
Apesar das expectativas de reformas econômicas, o governo não abriu
mão do controle das atividades do país.

As tensões com os EUA e a Coreia do Sul parecem ter aumentado


depois que um navio de guerra sul-coreano, Cheonan, ter naufragado em
26 de março de 2010 na costa ocidental da península perto da fronteira
dos países coreanos. O clima se agravou ainda mais depois de exercícios
militares realizados pelas forças sul-coreanas na ilha de Yeonpyeong em
23 de novembro terem sofrido ataques de artilharia norte-coreana. O
incidente foi amplamente condenado nos organismos internacionais.

Em 17 de dezembro de 2011, Kim Jong Il morreu de ataque


cardíaco. Após meses de especulações e incertezas no meio
internacional, finalmente foi revelado de que seu filho mais novo, Kim
Jong-un (1983 - ), seria seu sucessor. Este continuou com a política de
seu pai, diante das pressões e condenações internacionais ao programa
nuclear da Coreia do Norte que tinha demonstrado desenvolver e testar

173
PINKSTON, Daniel A. “DPRK WMD Programs” In: KWAK, Tae-Hwan & JOO,
Seung-Ho (Orgs.). North Korea's Foreign Policy Under Kim Jong Il: New
Perspectives. Farnham, Reino Unido: Ashgate Publishing., 2009, p. 105.

174
KWAK, Tae-Hwan Kwak & JOO, Seung-Ho. North Korea and Security Cooperation
in Northeast Asia. Londres & Nova York: Routledge, 2016, pp. 159 – 160.

222
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

mísseis de longo alcance e bombas de hidrogênio, capazes, teoricamente


de ir além do arquipélago japonês e atingir partes da costa do Pacífico
dos EUA.

As perspectivas pareciam sombrias até fins de 2017. No entanto, no


ano seguinte, a Coreia do Norte anunciou que iria participar das
Olímpiadas de Inverno de Pyeongchang na Coreia do Sul realizadas em
fevereiro. Em março, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou
que iria se encontrar num encontro de cúpula com Kim Jong-un,
previsto para ser realizado em 12 de junho, em Cingapura, a tratar da
desnuclearização norte-coreana. Ao que tudo indica, há vontade de
Pyongyang e Kim Jong-un de negociar e dialogar com a Coreia do Sul e
EUA, mas na espera de contrapartida a preservar a soberania de seu
regime. Resta saber se isso terá consequências duradouras para a paz e
prosperidade da sofrida sociedade norte-coreana.

***

A Coreia, no conjunto de sua história, foi palco de intensos


combates, migrações, embates e contestações. Disso moldou-se a nação
coreana, de sua criatividade e energia, de suas adaptações e
inventividades. Nas últimas décadas, a península foi fraturada em duas
partes, no que convencionamos chamar de Coreia do Norte e Coreia do
Sul. Os desentendimentos ainda afloram na região, amplificados pelos
interesses internacionais em não perder um posicionamento no leste
asiático. Mas caberá ao tempo nos revelar se a unidade coreana será
restabelecida, reassumindo a unidade histórica da nação coreana.

223
EMILIANO UNZER MACEDO

224
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

REFERÊNCIAS

ADRIAN, Buzo. The Guerilla Dynasty: Politics and Leadership in


North Korea. Londres & Nova York: I.B. Tauris, 1999.

AMES, Roger T. & ROSEMONT JR., Henry. The Analects of


Confucius: A Philosophical Translation. Nova York: Random House,
1999.

BEISNER, Robert L. Dean Acheson: A Life in the Cold War.


Oxford & Nova York: Oxford University Press, 2006.

BOOSE, Donald W. Over the Beach: US Army Amphibious


Operations in the Korean War. Fort Leavenworth, Kansas, EUA:
Combat Studies Institute Press, 2008.

BREUKER, R. Establishing a Pluralist Society in Medieval Korea,


918–1170: History, Ideology and Identity in the Koryŏ Dynasty. Leiden:
Brill, 2010.

BUCKELY, Patricia & WALTHALL, Anne. East Asia: A Cultural,


Social, and Political History. Boston: Wadsworth, 2013.

CAPRIO, Mark E. Japanese Assimilation Policies in Colonial Korea,


1910-1945. Seattle: University of Washington Press, 2011.

CHAN, Robert Kong. Korea-China Relations in History and


Contemporary Implications. Hong Kong: Palgrave Macmillan, 2018.

CHOI, Jai-Keun. The Origin of the Roman Catholic Church in


Korea: An Examination of Popular and Governmental Responses to
Catholic Missions in the Late Chosôn Dynasty. Seul: The Hermit
Kingdom Press, 2006.

CHOI, Jai-Keun. The Origin of the Roman Catholic Church in


Korea: An Examination of Popular and Governmental Responses to
225
EMILIANO UNZER MACEDO

Catholic Missions in the Late Chosôn Dynasty. Seul: The Hermit


Kingdom Press, 2006.

CHOI, Jongtaik. “The Development of the Pottery Technologies of


the Korean Peninsula and their Relationship to Neighboring Regions”
In: BYINGTON, M. E. (Org.). Early Korea 1: Reconsidering Early
Korean History through Archaeology. Seul: Korea Institute, Harvard
University Press, 2008.

CHOY, Bong-youn. Korea: a history. Rutland, Vermont, EUA &


Tóquio: Charles E. Tuttle, 1971.

CHUNG, Young-Iob. Korea Under Siege, 1876-1945: Capital


Formation and Economic Transformation. Oxford & Nova York:
Oxford University Press, 2006.

DEAL, William E. Handbook to Life in Medieval and Early Modern


Japan. Nova York: Infobase, 2006.

DEANE, Hugh. The Korean War 1945-1953. San Francisco, EUA:


China Books, 1999.

DUK-KYU, Jin. Historical Origins of Korean Politics. Seul: Jisik


Sanup Publications, 2005.

ECKERT, Carter J.; LEE, Ki-baik; LEW, Young Ick; ROBINSON,


Michael & WAGNER, Edward W. Korea Old and New: A History. Seul:
Ilchokak, 1990.

FARRIS, William Wayne. Sacred Texts and Buried Treasures: Issues


in the Historical Archaeology of Ancient Japan. Honolulu: University of
Hawaii Press, 1998, pp. 67, 109; KIM, Jinwung, A History of Korea:
From 'Land of the Morning Calm' to States in Conflict. Bloomington:
Indiana University Press, 2012.

FLAHERTY, Robert Pearson. “Korean Millenial Movements” In:


WESSINGER, Catherine (Org.). The Oxford Handbook of
Millennialism. Oxford & Nova York: Oxford University Press, 2011.

FORCZYK, Robert. Russian Battleship vs Japanese Battleship:


226
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Yellow Sea 1904–05. Londres: Bloomsbury Publishing, 2013.

FUCHS, Eckhardt; KASAHARA, Tokushi & SAALER, Sven


(Orgs.). A New Modern History of East Asia, vol. 1. Göttingen,
Alemanha: V & R Academic, 2018.

GORDENKER, Leon Gordenker. The United Nations and the


Peaceful Unification of Korea: The Politics of Field Operations, 1947–
1950. Haia: Martinus Nijhoff, 1959.

GRAYSON, James Huntley. Korea: a Religious History. Londres:


Routledge Curzon, 2002.

HABOUSH, JaHyun Kim & DEUCHLE, Martina (Orgs.) Culture


and the State in Late Choson Korea. Cambridge, Massachusetts, EUA
& Londres: Harvard University Press, 1999.

HAGGARD, Stephan & NOLAND, Marcus. Famine in North


Korea: Markets, Aid, and Reform. Nova York: Columbia University
Press, 2009.

HALBERSTAM, David. The Coldest Winter: America and the


Korean War. Nova York: Hyperion, 2007.

HAN, Jongwoo. Power, Place, and State-Society Relations in Korea:


Neo-Confucian and Geomantic Reconstruction of Developmental State
and Democratization. Plymouth, Reino Unido: Lexington, 2013.

HAN, Yong-sup. “The May Sixteenth Military Coup” In: KIM,


Byong-Kook & VOGEL, Ezra F (Orgs.). The Park Chung Hee Era.
Cambridge, Massachussets & Londres: Harvard University Press, 2011.

HENDERSON, Gregory; LEBOW, Richard Ned &


STOESSINGER, John George. Divided Nations in a Divided World.
Filadélfia, Pensilvânia, EUA: David McKay Co., 1974.

HEO, Uk & ROEHRIG, Terence. South Korea Since 1980. Nova


York: Cambridge University Press, 2010.

HOARE, James & PARES, Susan. Korea: an introduction. Londres


227
EMILIANO UNZER MACEDO

& Nova York: Routledge, 1988.

HOARE, James E. Historical Dictionary of Democratic People's


Republic of Korea. Plymouth, Reino Unido: Scarecrow, 2012.

HOLCOMBE, Charles. A History of East Asia: From the Origins


of Civilization to the Twenty-First Century. Cambridge: Cambridge
University Press, 2017.

HWAK, Tae-Hwan. U.S.-Korean relations, 1882-1982. Seul:


Kyungnam University Press, 1982.

HWANG, Kyung Moon. A History of Korea. Nova York: Palgrave,


2017.

HWANG, Kyung Moon. A History of Korea: An Episodic


Narrative. Basingstoke, Reino Unido: Palgrave Macmillan, 2010.

HYEGYONG. The Memoirs of Lady Hyegyong: The


Autobiographical Writings of a Crown Princess of Eighteenth-Century
Korea. Organizado e traduzido por JaHyun Kim Haboush. Berkeley, Los
Angeles & Londres: University of California Press, 2013.

JEON, Ho-tae. Koguryo, the Origin of Korean Power and Pride.


Seoul: Northeast History Foundation, 2007.

KANG, Etsuko Hae-Jin. Diplomacy and Ideology in Japanese-


Korean Relations: From the Fifteenth to the Eighteenth Century. Nova
York & Londres: Macmillan Press, 1997.

KANG, Jae-eun. The Land of Scholars: Two Thousand Years of


Korean Confucianism. Traduzido por Suzanne Lee. Paramus, Nova
Jersey: Homa & Sekey Books, 2003.

KATSIAFICAS, George. Asia's Unknown Uprisings: South Korean


Social Movements in the 20th Century. Oakland, California, EUA: PM
Press, 2012.

KIHL, Young Whan. Transforming Korean Politics: Democracy,


Reform, and Culture: Democracy, Reform, and Culture. Londres &
228
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

Nova York: Routledge, 2015.

KIM, Choong Soon & KIM, Song-su. A Korean Nationalist


Entrepreneur: A Life History of Kim Songsu, 1891–1955. Nova York:
State University of New York Press, 1998.

KIM, Chun-Kil. The History of Korea. Westport, Connecticut,


EUA & Londres: Greenwood Press, 2005.

KIM, Dong Hoon. Eclipsed Cinema: The Film Culture of Colonial


Korea. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2017.

KIM, Duk-Whang. A History of Religions in Korea. Seul: Daeji


Moonwha-sa, 1988.

KIM, Hunggyu. Understanding Korean Literature.Traduzido por


Robert J. Fraser. Londres & Armonk, Nova York: M. E. Sharpe, 1997.

KIM, Hyung-A & SORENSEN, Clark W. (Orgs.). Reassessing the


Park Chung Hee Era, 1961-1979: Development, Political Thought,
Democracy, and Cultural Influence. Seattle: University of Washington
Press, 2011.

KIM, Jinwung. A History of Korea: From "Land of the Morning


Calm" to States in Conflict. Bloomington, Indiana: Indiana University
Press, 2012.

KIM, Kwang-Ok. “Colonial Body and Indigenous Soul: Religion as


a Contested Terrain of Culture” In: LEE, Hong Yung; HA, Yong-Chool
& SORENSEN, Clark W. (Orgs.). Colonial Rule and Social Change in
Korea, 1910-1945. Seattle: University of Washington Press, 2013.

KIM, Sebastian C. H. Pyongin pakhae and Western Imperial


Aggression in Korea. In: BECKER, Judith & STANLEY, Brian (Orgs.).
Europe as the Other: External Perspectives on European Christianity.
Göttingen, Alemanha: Vandenhoeck & Ruprecht Press, 2014.

KIRK, Donald & KIM, Kisam. Kim Dae-jung and the Quest for
the Nobel: How the President of South Korea Bought the Peace Prize
and Financed Kim Jong-il's Nuclear Program. Nova York: Palgrave
229
EMILIANO UNZER MACEDO

Macmillan, 2013.

KLEINER, Juergen. Korea: a Century of Change. Nova Jersey,


Londres, Cingapura & Hong Kong: World Scientific, 2001.

KOWNER, Rotem. Historical Dictionary of the Russo-Japanese


War. Lanham, Boulder, Londres & Nova York: Rowman & Littlefield,
2017.

KWAK, Tae-Hwan Kwak & JOO, Seung-Ho. North Korea and


Security Cooperation in Northeast Asia. Londres & Nova York:
Routledge, 2016.

KWANG, Cho. The Choson Government´s Measures Against


Catholicism. In: YU, Chai-Shin (Org.). The Founding of Catholic
Tradition in Korea. Fremont, California: Asia Humanities Press, 2004.

KWON, O-Jung. "The History of Lelang Commandery" In:


BYINGTON, Mark E. (Org.). The Han Commanderies in Early Korean
History. Cambridge: Harvard University Press, 2014.

LANKOV, Andrei Nikolaevich. From Stalin to Kim Il Song: The


Formation of North Korea, 1945-1960. Londres: Hurst & Company,
2002.
LANKOV, Andrei. The Real North Korea: Life and Politics in the
Failed Stalinist Utopia. Oxford & Nova York: Oxford University Press,
2013.

LEE, Ann Sung-Hi. Yi Kwang-su and Modern Literature: Mujong


(edição bilíngue). Ithaca, Nova York: Cornell University, 2011.

LEE, Bong. The Unfinished War: Korea. Nova York: Algora


Publishing, 2003.

LEE, Chae-Jin. A Troubled Peace: U.S. Policy and the Two Koreas.
Baltimore, EUA: Johns Hopkins University Press, 2006.

LEE, Chong-Sik. “Historical Setting” In: SAVADA, Andrea Matles


& SHAW, William (Orgs.). South Korea: A Country Study. Washington,
230
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

D. C., EUA: DIANE Publishing, 1997.

LEE, Chong-Sik. “Historical Setting” In: SAVADA, Andrea Matles


& SHAW, William (Orgs.). South Korea: A Country Study. Washington,
D. C., EUA: DIANE Publishing, 1997.

LEE, E-Wha. Korea's Pastimes and Customs: A Social History.


Traduzido por Ju-Hee Park. Paramus, Nova Jersey: Homa & Sekey
Books, 2006.

LEE, Jongsoo James. The Partition of Korea After World War II:
A Global History. Nova York: Palgrave Macmilan, 2006.

LEE, Kenneth B. Korea and East Asia: The Story of a Phoenix.


Londres & Westport, Connecticut, EUA: Praeger, 1997.

LEE, Ki-baik. A New History of Korea. Cambridge, Massachusetts,


EUA: Harvard University Press, 1984.

LEE, Peter H. (Org.). Sourcebook of Korean Civilization: Volume


Two: From the Seventeenth Century to the Modern Period. Nova York:
Columbia University Press, 1996.

LEE, Peter H. “Hyangga” In: LEE, Peter H. (Org.). A History of


Korean Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

LEE, Peter H. Sourcebook of Korean Civilization: Volume Two:


From the Seventeenth Century to the Modern Period. Nova York:
Columbia University Press; Paris: Unesco, 2010.

LEE, Sang Taek. Religion and Social Formation in Korea: Minjung


and Millenarianism. Nova York & Berlim: Mouton de Gruyter, 1996.

LEE, Soyoung; DAEHOE, Ahn; CHANG, Chin-Sung & SOOMI,


Lee. Diamond Mountains: Travel and Nostalgia in Korean Art. New
Haven & Londres: Yale University Press; Nova York: The Metropolitan
Museum of Art, 2018.

LEE, Young Jo. “Economy and Society: The Countryside” In: KIM,
Byong-Kook & VOGEL, Ezra F (Orgs.). The Park Chung Hee Era.
231
EMILIANO UNZER MACEDO

Cambridge, Massachussets & Londres: Harvard University Press, 2011.

LEVINE, Amy. South Korean civil movement organisations: Hope,


crisis and pragmatism in democratic transition. Oxford & Nova York:
Oxford UNiversity Press, 2016.

LIM, Jae-Cheon. Kim Jong-il's Leadership of North Korea. Londres


& Nova York: Routledge, 2009.

LOPEZ JR., Donald S. et al. Hyecho's Journey: The World of


Buddhism. Londres & Chicago: University of Chicago Press, 2017.

MACEDO, Emiliano Unzer. História do Japão: uma introdução.


San Bernadino, California: Amazon, 2017.

MATRAY, James I. Crisis in a Divided Korea: A Chronology and


Reference Guide: A Chronology and Reference Guide. Santa Barbara,
California: ABC-Clio, 2016.

MILLETT, Allan R. The Korean War: The Essential Bibliography.


Dulles, Virginia, EUA: Potomac Books, 2007.

MIN, Anselm K. (Org.). Korean Religions in Relation: Buddhism,


Confucianism, Christianity. Nova York: State University of New York
Press, 2016.

MOHAN, Pankaj. "The Controversy over the Ancient Korean State


of Gaya: A Fresh Look at the Korea–Japan History War" In: LEWIS,
Michael (Org.). ‘History Wars' and Reconciliation in Japan and Korea:
The Roles of Historians, Artists and Activists. Nova York & Londres:
Palgrave Macmillan, 2016.

MOON, Chung-In. “The Sunshine Policy and the Korean Summit:


assessments and prospects“ In: AKAHA, Tsuneo (Org.). The Future of
North Korea. Nova York & Londres: Routledge, 2002.

MOSSMAN, Billy C. Ebb and Flow: November 1950 – July 1951,


United States Army in the Korean War. Washington, D. C., EUA: Center
of Military History, 1990.

232
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

NAHM, Andrew C. Korea: Tradition & Transformation: a History


of the Korean People. Seul: Hollym International, 1996.

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND


DEVELOPMENT. Health at a Glance: OECD Indicators 2003. Paris:
OECD Publishing, 2003.

PALAIS, James B. Confucian Statecraft and Korean Institutions: Yu


Hyongwon and the Late Choson Dynasty. Seattle & Londres: University
of Washington Press, 2002.

PALAIS, James B. Politics and Policy in Traditional Korea.


Cambridge, Massachusetts, EUA & Londres: Harvard University Press,
1991.

PARK, Seong-Rae. Science and Technology in Korean History:


Excursions, Innovations, and Issues. Fremont, California, EUA: Jain
Publishng, 2005.

PEARLMAN, Michael D. Truman and MacArthur: Policy, Politics,


and the Hunger for Honor and Renown. Bloomington & Indianapolis,
EUA: Indiana University Press, 2008, p. 203.

PETERSON, Mark. A Brief History of Korea. Nova York:


Infobase, 2010.

PINKSTON, Daniel A. “DPRK WMD Programs” In: KWAK,


Tae-Hwan & JOO, Seung-Ho (Orgs.). North Korea's Foreign Policy
Under Kim Jong Il: New Perspectives. Farnham, Reino Unido: Ashgate
Publishing., 2009.

PRATT, Keith & RUTT, Richard. Korea: a Historical and Cultural


Dictionary. Londres: Routledge, 1999.

REES, David. Korea: An Illustrated History - From Ancient Times


to 1945. Nova York: Hippocrene Books, 2001.

ROSSABI, Morris. "Muslim and Central Asian Revolts" In:


SPENCE, Jonathan D. & WILLS, John E. Jr. From Ming to Ch'ing:
Conquest, Region, and Continuity in Seventeenth-Century China. New
233
EMILIANO UNZER MACEDO

Haven & Londres: Yale University Press, 1979.

SANDLER, Stanley. The Korean War: An Encyclopedia. Londres


& Nova York: Routledge, 2013.

SCALAPINO, Robert A. & LEE, Chong-Sik. Communism in


Korea: The Society. Berkeley, Los Angeles & Lodres: University of
California Press, 1972.

SCHMID, Andre. Korea Between Empires, 1895-1919. Nova York:


Columbia University Press, 2002.

SEEKINS, Donald M. “The Society and Its Environment”. In:


SAVADA, Andrea Matles & SHAW, William (Orgs.). South Korea: A
Country Study. Washington, D. C., EUA: DIANE Publishing, 1997.

SETH, Michael J. A Concise History of Modern Korea: From the


Late Nineteenth Century to the Present. Vol. 2. Lanham, Maryland,
EUA: Rowman & Littlefield, 2016.

SETH, Michael J. A Concise History of Modern Korea: From the


Late Nineteenth Century to the Present. Lanham, EUA: Rowman &
Littlefield, 2010.

SETH, Michael J. A History of Korea: From Antiquity to the


Present. Plymouth, Reino Unido: Rowman & Littlefield, 2010.

SETH, Michael J. North Korea. Londres: Palgrave, 2018.

SETH, Rasmussen. Igniting The Chemical Ring Of Fire: Historical


Evolution Of The Chemical Communities Of The Pacific Rim. Nova
Jersey & Londres: World Scientific, 2018.

SETTON, Mark. Chŏng Yagyong: Korea's Challenge to Orthodox


Neo-Confucianism. Nova York: State University of New York Press,
1997.

SHARMA, Shalendra.The Asian Financial Crisis: Crisis, Reform and


Recovery. Manchester & Nova York: Manchester University Press, 2003.

234
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

SHORT, John Rennie. Korea: A Cartographic History. Chicago:


University of Chicago Press, 2012.

SHULTZ, Edward J. Generals and Scholars: Military Rule in


Medieval Korea. Honolulu: University of Hawaii Press, 2000.

SIMONS, Geoff. Korea: The Search for Sovereignty. Nova York:


Palgrave Macmillan, 1995.

SOH, C. Sarah. The Comfort Women: Sexual Violence and


Postcolonial Memory in Korea and Japan. Chicago: University of
Chicago Press, 2008.

SUH, Dae-sook. Kim Il Sung: The North Korean Leader. Nova


York: Columbia University Press, 1995.

SUH, Jae-Jung. Truth and Reconciliation in South Korea: Between


the Present and Future of the Korean Wars. Londres & Nova York:
Routledge, 2013.

TUCKER, Spencer C. The Encyclopedia of the Vietnam War: A


Political, Social, and Military History: A Political, Social, and Military
History. Santa Barbara, California: ABC-Clio, 2011.

TUDOR, Daniel. Korea: The Impossible Country: South Korea's


Amazing Rise from the Ashes - The Inside Story of an Economic,
Political and Cultural Phenomenon. Clarendon, Vermont, EUA: Tuttle,
2012.

TURNBULL, Stephen. Samurai Invasion: Japan's Korean War


1592–98. Londres: Cassell & Co, 2002.

TWINING, Daniel. “Strengthening the U.S.-Korea Alliance for the


21st Century” In: BAE, Jung-Ho & DENMARK, Abraham (Orgs.). The
U.S.-ROK Alliance in the 21st Century. Seul: Korea Institute for
National Unification, 2009.

TZOU, Byron N. China and International Law: the boundary


disputes. Nova York: Praeger, 1990.

235
EMILIANO UNZER MACEDO

UCHIDA, Jun. “Between Collaboration and Conflict: State and


Society in Wartime Korea” In: KIMURA, Masato & MINOHARA,
Toshihiro. Tumultuous Decade: Empire, Society, and Diplomacy in
1930s Japan. Toronto, Buffalo & Londres: University of Toronto Press,
2013.

WARNER, Denis & WARNER, Peggy. The Tide at Sunrise: A


History of the Russo-Japanese War, 1904-1905. Londres & Portland,
Oregon, EUA: Frank Cass, 2002.
.
YAKYING, Jeong. The Analects of Dasan, Volume I: A Korean
Syncretic Reading, Traduzido e comentado por Hongkyung Kim.
Oxford: Oxford University Press, 2016.

YI, Pae-yong. Women in Korean History. Seul: Ewha Womans


University Press, 2008.

YI, Tʻae-jin. The Dynamics of Confucianism and Modernization in


Korean History. Ithaca, Nova York: Cornell University Press, 2007.

YOON, Tae-Ryong. “Historical Overhang or Legacy is What States


Make of It: The Role of Realism and Morality in Korea-Japan Relations”
In: GANESAN, N. (Org.). Bilateral Legacies in East and Southeast Asia.
Cingapura: Institute of Southeast Asian Studies, 2015.

YU, Chai-Shin. The New History of Korean Civilization.


Bloomington, Indiana, EUA: iUniverse, 2012.

ZACHMANN, Urs Matthias. China and Japan in the Late Meiji


Period: China Policy and the Japanese Discourse on National Identity,
1895-1904. Londres & Nova York: Routledge, 2010.

ZUNXIAN, Huang. Chaoxian celue: The Strategy for Chosun. Seul:


Kunkuk University Press, 1977.

236
A MONTANHA E O URSO: UMA HISTÓRIA DA COREIA

SOBRE O AUTOR

Doutor em História Social pela FFLCH/ USP (2007), Mestre em


Postcolonial Politics pela University of Wales, Aberystwyth, País de
Gales, Reino Unido (2002) e graduado em Relações Internacionais pela
UnB (2000). É professor do departamento de História da Universidade
Federal do Espírito Santo (Ufes) e tem vários artigos e publicações na
área de Ásia e África contemporânea.

237

Você também pode gostar