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ALEXANDER AFANASYEV

The Syntax of Love


(TIPOLOGIA DE PERSONALIDADE)

"O homem é amplo, muito amplo, eu o reduziria", disse Dostoevsky, e ele sabia o que
estava dizendo. O próprio escritor tinha uma amplitude tão assustadora da natureza
que o velho amigo de Dostoevsky, o crítico Strakhov, foi obrigado a confessar: "Não
posso considerar Dostoevsky, nem um homem bom nem um homem feliz (o que, de
fato, coincide). Ele era zangado, irado, invejoso, depravado, passou a vida inteira em
tal tumulto que o tornou patético, e o teria tornado ridículo, se não fosse tão
inteligente quanto irritado ao mesmo tempo. Ele mesmo, como Rousseau, se
considerava o melhor dos homens e o mais feliz. Por ocasião de sua biografia,
lembrei-me vividamente de todos estes traços. Na Suíça, na minha presença, ele foi
tão rude com um criado que este ficou ofendido e o repreendia: "Eu também sou um
ser humano!" Lembro-me então como me impressionou que isto tenha sido dito a um
pregador da humanidade.

Banalidade a relatar: o homem é complexo, contraditório. No entanto, a partir da


repetição desta banalidade não se torna menos óbvia. Aqui está outro esboço
característico da natureza: "Pessoas estranhas cercaram Chaliapin". Ele podia zombar
deles o suficiente, e dessas pessoas formou sua comitiva, com a qual ele lidou de
forma íngreme: Chaliapin disse — era ruim para qualquer um que não concordasse
com nenhuma de suas opiniões. Negando a autocracia, ele próprio era obcecado pela
autocracia. Quando ele jantava em casa, o que aconteceu muito raramente, sua
família ficava em silêncio no jantar, como se estivesse cheio de água na boca.

Um paradoxo? O defensor dos humilhados e insultados gostava de humilhar, o cantor


da liberdade acabou se tornando um déspota doméstico! Mas não basta dizer o
paradoxo natureza da natureza humana, gostaríamos de entender sua natureza...

Há uma velha história triste sobre um califa árabe. Ele subiu ao trono quando criança,
governou feliz por muito tempo, morreu numa idade muito avançada, cercado por
numerosos descendentes; era respeitado por seus súditos e vizinhos, amado pelas
mulheres, bem-sucedido nas guerras e era imensamente rico. Todos o chamavam de
"O Sortudo". Mas quando, após sua morte, abriram o diário, que ele atualizava sem
falta diariamente, e contaram o número de dias marcados por ele como felizes,
acabou sendo apenas quatorze. Apenas catorze dias, duas semanas de felicidade —
para uma vida tão longa e tão próspera externamente.
***

Há uma velha história triste sobre um califa árabe. Ele subiu ao trono quando criança,
governou feliz por muito tempo, morreu numa idade muito avançada, cercado por
numerosos descendentes; era respeitado por seus súditos e vizinhos, amado pelas
mulheres, bem-sucedido nas guerras e era imensamente rico. Todos o chamavam de
"O Sortudo". Mas quando, após sua morte, abriram o diário, que ele guardava
diariamente, e contaram o número de dias marcados por ele como felizes, acabou
sendo apenas quatorze. Apenas catorze dias, duas semanas de felicidade — para uma
vida tão longa e tão próspera externamente.

Uma história triste. Uma história que pode servir como uma ilustração vívida de uma
ideia simples e óbvia: o homem é infeliz, profunda e cronicamente infeliz. A única
coisa que salva uma pessoa do desespero são as esperanças não satisfeitas, a
ignorância de sua desgraça e a constante desvantagem daqueles ao seu redor, que
são tão infelizes quanto ele. A ausência de felicidade é uma norma da vida humana e,
como qualquer norma, mesmo negativa, ela voluntaria ou involuntariamente nos
reconcilia com a ordem das coisas existentes.

Se tentarmos nomear a principal fonte de desvantagem humana, creio que seria a


solidão. Por "solidão" neste caso deve ser entendida não apenas suas formas
geralmente aceitas, como a solidão forçada de Robinson Crusoe ou o celibato de 20
milhões de adultos na antiga União Soviética e cada nono residente dos Estados
Unidos. As faces da solidão são múltiplas. Uma pessoa está sozinha mesmo quando
não está sozinha, mesmo quando todas as formas externas de ser social ativo
parecem ser observadas, ela está sozinha na família, na multidão, na igreja, na festa,
no clube, no trabalho... Como diziam antigamente: "Para o homem solitário há um
deserto por toda parte”.

Por sua vez, a solidão também tem sua própria causa: a eterna ignorância de si mesmo
e dos outros, a falta de ideias claras sobre o próprio mundo interior e as possibilidades
de contato com os mundos interiores dos outros. "O que somos nós, fantoches em
cordas? E o marionetista de nosso firmamento?" — perguntou Omar Khayyam, e
hesitou em responder ele mesmo a essa pergunta. De fato, conhecemos tão mal a
essência de nossa natureza que nos sentimos como brinquedos indefesos nas mãos
do destino, o que, sendo cego em si, nos arrasta cegos nos solavancos e buracos da
existência sem propósito ou significado. É por isso que o homem muitas vezes
escolhe, com medo da sua própria cegueira e da dos outros, o caminho de um
andarilho solitário. Na escuridão, que está vazia, é menos provável que haja
solavancos—tal é a lógica dos cegos.
***

"Conheça-se a si mesmo!" foi escrito no frontão do templo do Oráculo de Delfos. E


não importa quantos séculos tenham passado, este apelo não se tornou menos atual;
pelo contrário, o aumento do valor do indivíduo o tornou ainda mais vital e
significativo. Portanto, não pretendendo criar um quadro abrangente da vida interior
humana, ainda assim tentarei responder a algumas questões básicas da psicologia
humana: Quem somos nós em nós mesmos? Quais são os motivos de nosso
comportamento e atitude para com os outros? Onde estão as origens do amor, dos erros
do amor e das ilusões?
Em si mesmo, a grande leitura deste livro poderia não parecer excessiva se ele fosse
dedicado a um tema que não fosse psicologia. Mas quando se trata da vida interior
do indivíduo, de um assunto tão delicado como as relações humanas, qualquer
tentativa de capturá-las na rede de teorias e técnicas parece condenada ao fracasso.
Tudo isso é verdade. Mas assim como o padrão único da pele de uma pessoa em seu
dedo é composto de alguns elementos simples, também sua personalidade é uma
soma de vários módulos mentais descritíveis. Além disso, por mais complexo e mal
compreendido que seja o sistema de relações humanas, ele continua sendo um
sistema — um sistema no qual tudo não é por acaso. Não amamos por acaso, não
odiamos por acaso, não simpatizamos ou permanecemos indiferentes. Por toda a
inconsciência da maioria de nossos movimentos mentais, eles não estão sem sentido.
Geralmente a simpatia descontrolada, a aversão, a indiferença acabam sempre por
ter um motivo, portanto é possível e significativo rastrear qual é esse motivo.

O homem em geral é um psicólogo nato. E não sendo um psicólogo, ele não é capaz
de sobreviver. É uma questão diferente que a maioria de nossas verdadeiras
observações psicológicas permanecem sem forma, são baseadas na intuição, e estão
enraizadas no subconsciente. Creio que dificilmente alguém contestaria Labruyère,
que disse: "Em qualquer coisa, a menor, a mais insignificante, a mais discreta que
fazemos, todo nosso caráter já está refletido: um tolo entra, sai, senta, e se levanta de
seu assento, e é silencioso, e se move de maneira diferente do que um homem
inteligente.”

A visão psicológica de uma pessoa torna-se especialmente aguda em uma situação


extrema. A primeira experiência de Solzhenitsyn na prisão foi descobrir este dom da
clarividência. Ele disse: "[...] o diretor de serviço trouxe minha cama, e eu tive que
arrumá-la silenciosamente. Um menino da minha idade, também do exército, estava
me ajudando: sua túnica e seu boné de piloto estavam pendurados no estrado da
cama. Ele havia me perguntado antes do velho, não sobre a guerra, mas sobre o
tabaco. Mas não importava o quanto minha alma estivesse dissolvida para com meus
novos amigos, e não importava quão poucas palavras fossem ditas em poucos
minutos — algo estranho cheirava a mim deste colega e veterano, e para ele eu me
fechava de uma vez e para sempre. (Eu ainda não conhecia a palavra "poleiro", nem
que em cada cela deveria haver uma, eu ainda não tinha tempo para pensar e dizer
que este homem, G. Kramarenko, eu não gosto dele — e já uma transmissão
espiritual, um contato de reconhecimento, explodiu em mim e me fechou para este
homem para sempre. Eu não mencionaria tal caso, se ele fosse o único. Mas logo
comecei a experimentar o trabalho disso ressoar dentro de mim como uma qualidade
natural permanente, com surpresa, deleite e ansiedade. Com o passar dos anos,
deitado nos mesmos beliches, andei na mesma linha, trabalhei nas mesmas brigadas
com muitas centenas de pessoas, e sempre este misterioso retransmissor-
reconhecimento, em cuja criação eu não havia contribuído com uma única
característica, foi acionado antes que eu me lembrasse dele, acionado à vista de um
rosto humano, olhos, ao primeiro som de uma voz — ele me abriu bem aberto, ou
apenas a uma fenda, ou me fechou silenciosamente. Isto sempre foi tão inconfundível
que todas as brincadeiras dos comissários com o equipamento de bufos começaram
a me parecer desgostosos: pois aquele que se tinha comprometido a ser um traidor
claramente sempre o tinha em seu rosto e em sua voz, alguns como que habilmente
fingidos — mas impuros. E, ao contrário, o reconhecedor me ajudou a distinguir
aqueles a quem se pode revelar as coisas mais íntimas, as profundezas e os segredos
pelos quais se corta a cabeça desde o primeiro momento de conhecimento. Assim,
passei por oito anos de prisão, três anos de exílio e mais seis anos de escrita
subterrânea, não menos perigosa — e todos os dezessete anos me abri
imprudentemente a dezenas de pessoas — e nem uma vez tropecei! Não li sobre isso
em nenhum lugar, e estou escrevendo aqui para os amantes da psicologia. Parece-
me que tais dispositivos espirituais estão contidos em muitos de nós, mas, homens
de uma época demasiado técnica e intelectual, temos negligenciado este milagre,
não permitimos que ele se desenvolva em nós". Ao que Solzhenitsyn disse, resta
apenas acrescentar que os presos regulares possuíam este tipo de técnica quase
profissionalmente, e um olhar na etapa seguinte foi suficiente para apontar os
delatores. Mas até mesmo tais frequentadores da prisão dificilmente poderiam
descrever a natureza de sua astúcia, pois suas raízes eram profundas, no fundo do
subconsciente.
***

A relação entre consciência e subconsciência é uma área especial e interessante da


psicologia. Os iogues indianos foram os primeiros a romper o muro entre os dois. O
grande mérito dos iogues é que eles tornaram o controle passivo e subconsciente do
cérebro sobre o corpo ativo, consciente. Antes dos iogues, as possibilidades de
autocontrole fisiológico eram limitadas à manutenção subconsciente das funções
corporais em um nível estabelecido desde o início. Os iogues, tendo transferido o
autocontrole do subconsciente para a consciência, tiveram a oportunidade não só de
manter o dado pela natureza por muito tempo, mas também de corrigir defeitos
congênitos do corpo, de melhorar infinitamente suas funções.

O método descrito neste livro é chamado Psychosophy — "sabedoria da alma" (o


antigo nome "Psycheyoga" foi abandonado por insistência de estudantes e amigos,
pois não era um método harmonioso). A essência do Psychosophy era subordinar os
movimentos inconscientes da alma ao controle consciente, para desencadear o
enorme potencial psicológico do homem, antes não revelado, através de um
conhecimento firme sobre si mesmo e sobre os outros. Não há dúvida de que tal
método é absolutamente necessário; afinal, nossa psique permanece sob total
controle do subconsciente, passiva em sua essência, capaz de responder aos golpes
apenas fugindo, alienando-se e se isolando [mecanismos de defesa].

O Psychosophy também tem pouco em comum com aquela área do conhecimento


humano, que só por mal-entendido é chamada de "psicologia" (qualquer
conotação—doméstica ou científica—é dada a este termo). A diferença é que a
psicologia faz mais lembrar a cirurgia do que espiritualidade ou o conhecimento
holístico de si próprio. Qualquer que seja a forma como se olha para ela, ela se baseia
na violência sobre a psique: se é autocontenção interna (treinamento autogênico) ou
a mais ampla gama de violência externa: do cinto dos pais aos meios psicotrópicos e
hipnose. Sob todas as condições, tal influência não atinge seu objetivo e leva ou a
colapso mental ou sonambulismo, ou a um alívio temporário seguido de uma ressaca
amarga. Não sem razão Sigmund Freud, que, com sucesso, tratou seus pacientes
utilizando-se da hipnose, teve que abandoná-la e entrar no caminho psicosófico, ou
seja, o caminho da transferência dos processos psíquicos inconscientes para a
consciência.
A menção do nome de Freud provavelmente já sugeriu ao leitor que o Psychosophy
não é algo completamente original e que tem sua própria pré-história. Ele realmente
tem. O ponto de partida para a criação do Psychosophy foi a engenhosa, ouso dizer,
pesquisa psicológica da socióloga russa Aušra Augustinavičiūtė, criadora do
“Socionics”. Além disso, no processo de trabalho sobre o tema, tornou-se claro que o
Psychosophy é uma continuação da tradição secular de desenvolvimentos
psicológicos. Por exemplo, a hierarquia de quatro funções do Psychosophy pode ser
traçada simultaneamente à doutrina de Aristóteles de quatro tipos de alma, a teoria
de Hipócrates de quatro temperamentos, as tipologias de quatro funções de Jung,
Seago, Acoff e Emery, os quatro tipos de atividade nervosa superior de Pavlov, as
quatro formas do eu de William James, os quatro tipos de corpo de Kretschmer, os
quatro componentes de personalidade de G. Murphy, os quatro biorritmos de Apel,
etc.

Descrevendo brevemente a pré-história do Psychosophy, podemos dizer que ela não


é algo absolutamente original, mas representa uma nova etapa nessa direção de
trabalho que se baseia no autoconhecimento como a principal ferramenta para
melhorar a psique humana, uma nova etapa nessa direção que procura transferir os
processos inconscientes para os processos conscientes para dar chave para ativar e
harmonizar a vida interior do indivíduo.

(Seção Um)

Introdução ao Psychosophy
Voltando ao problema da tipologia mental, involuntariamente se faz a pergunta: ela
é necessária, e é este um problema forçado? quantas coisas são forçadas na ciência
moderna? Estou com pressa, portanto vou responder sucintamente - não, não é
forçado; citando dois argumentos banais, mas completamente convincentes para
provar isso. Em primeiro lugar, como você corretamente observou, somos todos
obviamente diferentes, e essas diferenças nossas dizem respeito não apenas à
diferença de gênero, raça, aparência, etc. mas também a PERSONALIDADES
(personas, disposição, temperamento, mentalidade), isto é, em nossas
representações e reações mentais. Tudo ficaria bem, mas ao mesmo tempo, junto
com o sentimento de exclusividade, vive em nós o sentimento da nossa repetição.
Existe um segredo maravilhoso de nos reconhecermos nos outros, a repetição,
quando descobrimos nossa personalidade, nossos traços mentais em parentes,
conhecidos, heróis literários e de cinema (mais de uma vez tive que ouvir uma frase
como: “Eu sou como uma mãe”). Simplificando, uma espécie de situação semi-
paradoxal se desenvolve quando a ideia óbvia de exclusividade de alguém está
estranhamente em conflito com a presença igualmente óbvia de “almas gêmeas”,
em suas semelhanças. Como resolver esta contradição? Só existe uma maneira:
concordar que todas as nossas diferenças são típicas, assim como a repetição
também é típica. E deste ponto para o reconhecimento da necessidade de tipologia
mental - primeiro passo. Vamos fazer isso e nos fazer uma pergunta muito mais
profunda: de onde vem nosso tipo mental que se repete, e onde reside sua
natureza?
O homem logo percebeu que ele é um ser multifacetado e heterogêneo, composto
de alguns elementos primários independentes, pouco dependentes uns dos outros.
Tudo começou com a percepção de uma coisa óbvia para todos agora: uma pessoa
consiste em Corpo & Alma. Além disso, complicando essa situação, que ainda não
se tornou lugar-comum, a pessoa dividia sua alma em uma “Alma” própria, ou seja,
função emocional: a área de sentimentos, humores, reações do coração,
experiências e "Espírito", ou seja, função volitiva: desejo, controle, caráter,
personalidade, temperamento, "eu". Com o início da revolução cultural, quando
uma pessoa, de refém da natureza, começou a se transformar gradualmente em seu
tirano, outro elemento completamente independente de sua natureza foi revelado -
"Mente", "pensamento", "intelecto", ou seja, uma função lógica: a habilidade de ver
mentalmente a essência das coisas, a conexão entre elas e descrevê-las com
precisão.

Assim, gradativamente, foi se formando a ideia da estrutura interna de uma pessoa,


constituída por quatro módulos ou funções mentais: EMOÇÃO ("alma"), LÓGICA
("mente"), FÍSICA ("corpo") & VONTADE (" espírito"). Tentativas foram feitas para
complicar ainda mais a estrutura dos elementos primários da natureza humana,
subdividindo, por exemplo, razão e pensamento, mas tentativas desse tipo devem
ser negligenciadas, uma vez que não se tornaram geralmente aceitas e são
provavelmente o isolamento de diferentes aspectos da mesma função. Para ser
honesto, não pretendo explicar por que o ser humano consiste em quatro e
precisamente essas funções. As referências a autoridades (Platão, Descartes,
Goethe, Tolstoy, Hartmann, Chekhov), que reuniram lógica, física, emoção e vontade
nos casos em que quiseram descrever a plenitude da existência humana, também
não ajudarão aqui. Aqui está o segredo da natureza, que ainda não foi decifrado.
Também operaremos com essas quatro funções, falando sobre uma pessoa em
geral, seus tipos mentais e relações em um par.

Vontade, Emoção, Lógica, Física — um conjunto de funções inerentes a todas as


pessoas. Ele é o que, junto com os signos antropológicos da raça humana, nos une.
Mas, ao mesmo tempo, esse conjunto de funções é um princípio de separação,
dando, se não um único, então um rosto bastante original para a psique de cada
pessoa individual. O ponto principal é que a natureza nunca dota um indivíduo de
funções uniformemente, mas sempre torna algo forte e algo fraco. Vontade, Lógica,
Física, Emoção - no psiquismo de uma personalidade não são algo equivalente,
localizado horizontalmente, mas representam uma hierarquia ou, em outras
palavras, uma ordem de quatro estágios de funções, onde cada função,
dependendo de sua posição nos degraus da escada, parece e age à sua maneira.
Quando a natureza colocar esses quatro tijolos uns sobre os outros, assim será o
mundo interior do indivíduo. É a hierarquia de funções que determina a
originalidade da psique humana, dividindo a humanidade, como é fácil de calcular,
em vinte e quatro tipos mentais completamente independentes.

Você não pode dizer imediatamente sobre o significado da ordem das funções na
vida de um indivíduo; este é o propósito deste livro inteiro. Mas, para fins de clareza,
a fim de absorver um pouco a aridez da narrativa, daremos dois exemplos. Um
mostrará como o grau de confiabilidade da percepção do mundo depende da
ordem das funções, o outro—a sequência de ativação dos meios de luta em
situações de conflito. Como uma primeira ilustração, tomemos uma página do diário
de Leo Tolstoy. É notório que aqui o famoso escritor, com surpreendente
profundidade, não apenas deu uma descrição da ação de todas as funções
anteriormente nomeadas, mas ele mesmo as construiu em uma hierarquia inerente
ao seu tipo e as construiu de acordo com o princípio do grau de confiabilidade da
percepção do mundo. Tolstoy tinha a seguinte ordem de funções: 1ª Vontade, 2ª
Emoção, 3ª Física, 4ª Lógica.
De acordo com isso, Tolstoy fez o seguinte registro em seu diário:
“[...] eu me conheço pelo fato de que — eu — eu sou. Este é o conhecimento mais
elevado, ou melhor, o mais profundo... (1ª Vontade).
Primeiro: Estou triste, dolorido, entediado, alegre. Sem dúvida (2ª Emoção).
Segundo: Posso sentir o cheiro de violetas, ver luzes e sombras, etc. Pode haver um
erro (3ª Física).
Terceiro: Eu sei que a Terra é redonda e gira, e existe o Japão e Madagascar, etc.
Tudo isso é duvidoso (4ª Lógica)”.

Uma descrição incrivelmente precisa de seu próprio psicotipo. Tolstoy colocou seu
“eu” em primeiro lugar em si mesmo, isto é, Vontade e considerou seu
conhecimento disto o "mais profundo". Colocou no segundo estágio, dotando de
"certeza", a área das emoções, das experiências. Quanto às sensações físicas, elas
"não são infalíveis" para Tolstoy. E a esfera do conhecimento especulativo (Lógica)
revelou-se completamente "duvidosa" para o escritor.

A última circunstância é especialmente notável, visto que Tolstoy estudou muito


filosofia, escreveu ele próprio tratados filosóficos e, ao que parecia, deveria ter
tratado o intelecto com grande respeito. Mas, como mostra sua atitude em relação a
verdades especulativas simples como a presença do Japão e Madagascar, a
confiabilidade das informações intelectuais era mais do que duvidosa para ele.

Pode parecer a alguns que a visão de lógica de Tolstoy é uma espécie de ceticismo
humano universal. Mas este não é o caso, por exemplo, para o famoso filósofo René
Descartes, onde só o que entra na racionalidade era confiável, e a vida é idêntica ao
pensamento. “Penso, logo existo”, disse Descartes. Portanto, a atitude de Tolstoy
para com as construções lógicas não é algo natural e objetivo, mas a essência é um
reflexo do psicotipo de Tolstoy, mais precisamente, qualquer ordem de funções em
que a Lógica esteja em Quarto Lugar.

Outro exemplo, ilustrando a ação da ordem das funções, será de natureza bastante
cotidiana e mostrará como a sequência de utilização dos meios de luta em situações
de conflito depende disso.

Conheci uma criança com a seguinte ordem de funções: 1ª Física, 2ª Vontade, 3ª


Lógica, 4ª Emoção. Então, um dia voltando do jardim de infância para casa e se
despindo, o menino deixou cair alguns doces no chão. Uma irmã mais velha que
passava rapidamente os pegou e enfiou no bolso. A reação do menino estava
totalmente de acordo com sua ordem de funções. A princípio, silenciosamente, sem
nenhuma negociação preliminar, o bebê cutucou a irmã com o punho (1ª Física).
Sem sucesso. Em seguida, o punho foi seguido por um imperativo de
temperamento forte: "Devolva!" (2ª Vontade). Nada. Tive que recorrer à lógica: "Isso
é meu!" (3ª Lógica). Quando a lógica não ajudou, os lábios do menino se curvaram e
ele soluçou em uma voz (4ª Emoção). Os soluços afetaram mais os pais do que a
irmã, mas, seja como for, o doce voltou para o dono de direito. Por enquanto, vamos
nos restringir a esses dois exemplos. Para ser honesto, a última coisa que eu queria
que o leitor visse na ordem das funções é uma vertical primitiva, uma espécie de
estaca de carvalho na qual a psique humana está implantada. Esse fenômeno é,
obviamente, muito mais complexo.

A ordem das funções em si é muito claramente dividida em superiores (as duas


primeiras funções) e inferiores (as duas últimas). Esta divisão é notável na medida
em que introduz um elemento de antagonismo na psique humana, no qual as
funções superiores e fortes se opõem às inferiores e fracas (a 1ª e a 3ª funções são
geralmente mais fortemente opostas).

Por exemplo, o Evangelho da Vontade de Cristo ("espírito") estava acima, e a Física


("carne") estava abaixo, e de acordo com esta posição de funções, ele proclamou
em seu tempo o bem conhecido postulado: "O Espírito dá vida; a carne não produz
nada que se aproveite” (João 6, 63). Esta frase de Cristo tornou-se mais tarde uma
descrição do modelo mental de referência de todo o mundo cristão. Entretanto, por
mais que a igreja tentasse com a ajuda de muitas maneiras fazer dela a norma da
vida humana, milhões e milhões de pessoas, que têm uma ordem de funções
diferente da de Cristo, continuavam a resistir secretamente e abertamente à
polarização da Vontade e da Física, à exaltação excessiva do espírito em oposição à
carne, que muitos eram muito mais abundantes em espírito. E, penso eu, muitos,
seguindo Victor Hugo, que não perdeu uma única saia até os 80 ou dez anos de
idade, puderam afirmar com amargura: “Ó nosso fraco espírito! A carne é sua! Você
não pode superar as paixões básicas... A queda de um anjo! Sujeira nas asas do
cisne!... A carne é todo-poderosa! Ela supera a todos!”

A discordância com o modelo psicológico Cristão, que afirmava a superioridade do


espírito sobre a carne, é inerente não apenas àqueles cuja Física é muito superior à
Vontade, mas também àqueles que acham o próprio fato de tal oposição inaceitável
e estranho, ou seja, pessoas cuja Vontade e Física estão lado a lado, em pares, seja
acima ou abaixo. Por exemplo, em uma carta a Klopstock, Goethe teve que declarar
abertamente: "Eu não sou cristão", apesar da pressão de sua educação e do
ambiente em que cresceu. E isto é compreensível. Para Goethe, ambas as funções
(Vontade & Física) estavam no topo, e, portanto, sem violência terrível contra si
mesmo, ele simplesmente não era capaz de se opor aos lados igualmente fortes de
sua natureza, Espírito e Carne. No entanto, não decorre do que foi dito que Goethe
não tinha nenhuma dualidade de funções. Não, ela apenas era diferente. Goethe
estava inclinado, tendo a Física no topo e a Lógica no fundo, a exagerar sobre a
importância do empirismo, ao mesmo tempo em que menosprezava a pura
especulação. Em outra carta, ele fez outra confissão característica: "O Senhor
castigou Jacobi com metafísica, ao contrário, ele me abençoou com a Física, para
que eu me regozijasse admirando sua criação. E se você diz que só pode acreditar
em Deus, então eu lhe digo — acredito com todas as minhas forças somente no que
vejo". Assim, seguindo sua ordem de funções, Goethe era uma espécie de completo
sensualista e um inimigo constante do racionalismo, que encontrava sua expressão
artística mais completa na imagem de Fausto, um personagem cheio de ceticismo e
de sede de prazeres sensuais.
Todos vivemos de acordo com o princípio "O poder não é necessário para a mente".
Ou seja, pela presença de funções superiores fortes, justificamos a presença de
funções inferiores fracas. "Mas" é uma palavra mágica que trazemos à luz do dia,
toda vez que nossa inconsistência é descoberta: "Sou fraco e seco, mas forte e
inteligente", "sou fraco e estúpido, mas sensível e belo", etc... É até difícil para nós
imaginar que a vida é possível sem "mas", a vida é harmoniosa, sem dividir a
natureza em "topo" e "fundo". Não apenas a psique de um indivíduo, mas também a
psique de nações inteiras está dividida em "para cima" e "para baixo". A presença
dos típicos "ingleses", "japoneses", "ciganos" nos permite falar sobre a face
psicotípica da nação, e com ela sobre a presença das etnias "topo" e "fundo". Se
tomarmos, por exemplo, as quatro funções que nos são familiares (Vontade, Física,
Lógica e Emoção) e as projetarmos na psique do povo russo, depois de dividi-las em
"para cima" e "para baixo", muito da história e cultura russa se tornará claro.
Obviamente, entre o povo russo, Emoção e Física estão "acima", enquanto Lógica e
Vontade estão "abaixo". E esta ordem de funções imediatamente e bem explica
porque o caminho histórico da Rússia acabou sendo tão difícil; porque ela é tão
pobre na manifestação de um espírito forte e mente profunda, mas tão rica em
talentos artísticos; porque a fisionomia popular acabou sendo inerente ao que
Berdyaev muito apropriadamente chamou de "a eterna criança" no caráter da
pessoa russa. Quando
Emoção e Física estão "acima", e Lógica e Vontade estão "abaixo", o estigma da
"feminilidade", mesmo quando aplicado a uma nação, parece, embora ofensivo,
mas bastante compreensível e justificado.

Recordemos a primeira característica da ordem das funções: a presença de


superiores e inferiores. E depois lembremo-nos de outra característica importante: a
divisão das funções em efetivas e processionais.

O que deve ser entendido por esses e outros? — vou tentar ser breve. Efetivas são
as funções (1ª e 4ª), para as quais, em autoexpressão, o resultado é mais aclamado
do que o processo. E as funções processionais (2ª e 3ª) tendem ao oposto e
valorizam mais o processo do que o resultado. Na forma de um diagrama, tal divisão
de funções pode ser representada da seguinte forma:
1) Efetiva (ou Resultado)

2) Processional

3) Processional

4) Efetiva (ou Resultado)

Podemos também dizer que as funções Efetivas, pelo próprio princípio de sua
ação, são internamente solitárias, não estão inclinadas a encontrar um parceiro
e, em autoexpressão, tendem a um monólogo. As funções Processionais, ao
contrário, estão inclinadas ao diálogo, amam a parceria e a mais ampla
interação possível. Para maior clareza, vou dar o seguinte exemplo. Se, digamos,
uma pessoa prefere realizar sua função lógica na forma de um resultado obtido no
decorrer de reflexões em poltrona solitária, então podemos dizer com confiança
que sua Lógica é efetiva (Descartes). Se uma pessoa encontra satisfação genuína
somente no processo de comunicação com outros, então sua Lógica é claramente
processional (Sócrates).

PRIMEIRA FUNÇÃO
A principal característica da Primeira função é sua REDUNDÂNCIA. Se sentimos que
a natureza nos dotou de algo, não apenas em abundância, mas até mesmo com
algum excesso, então podemos dizer com confiança que esta é a Primeira função. O
que quer que seja: 1ª Emoção, 1ª Vontade, 1ª Lógica, 1ª Física.

A primeira função é o lado mais forte da nossa natureza, portanto, nos primeiros
contatos com outras pessoas, o colocamos inconscientemente sobre a mesa como
nosso trunfo. Por exemplo, o aquele caracterizado por 1ª Física, indo a uma reunião
com um estranho, primeiro (mais uma vez enfatizará—de forma bastante
inconsciente) pensará se seu decote é suficientemente profundo, e só então sobre o
conteúdo da conversa, seu papel nela, etc. Enquanto a 1ª Lógica pensará primeiro
sobre o tema da conversa, e só depois cuidará de notar sua aparência...

A primeira função é nossa principal arma nos conflitos: familiar, industrial ou


qualquer outra coisa. Neste sentido, as verdades mais comuns do cotidiano
adquirem uma nova e interessante perspectiva. Por exemplo, é geralmente aceito
que quando um marido bate na esposa e ela chora, significa que o marido é uma
besta, e a esposa é uma sofredora. No entanto, não é. É que o marido tem a 1ª
Física, e a esposa tem a 1ª Emoção, e cada um deles usa sua arma mais poderosa
no conflito. Existem casos conhecidos do mesmo tipo com o sinal do sexo oposto.
Ou aqui está outro exemplo: segundo Plutarco, "Dario, o pai de Xerxes, disse em
louvor a si mesmo que em batalhas e diante do perigo, ele só se tornou mais sábio",
ou seja, Dario tinha a 1ª Lógica.

No próprio uso da 1ª função como arma, não haveria grande pecado (você tem que
lutar com o que tem!), se, entre outras coisas, as Primeiras nestas batalhas não
fossem muito cruéis. E a Primeira é impiedosa. Sua natureza muito produtiva não
tolera concessões e exige uma vitória absoluta na luta. A 1ª Física venceu o inimigo,
se não até a morte, então até que completamente desmaiou, a 1ª Vontade alcança
poder indiviso, liderança absoluta, a 1ª Lógica nas discussões possui apenas uma
verdade—sua própria e, provando-a, não para até derrotar o adversário em todos os
aspectos, a 1ª Emoção grita até atordoar e silenciar o inimigo. A 1ª função é um
martelo, igualmente adequado para a destruição e para a criação. Entretanto, é
precisamente o martelo com todas as conveniências e inconvenientes decorrentes
desta circunstância, o martelo do ferreiro, e não o martelo do joalheiro. Os produtos
que ele criou não diferem na finura de seu acabamento; eles são grosseiros, simples
e focados mais na confiabilidade do que na beleza.

Uma pessoa geralmente atribui o status de um instrumento da mais alta


confiabilidade ao lado mais forte de sua natureza. Portanto, outro aspecto da
Primeira função é a superioridade do ponto de vista da teoria do conhecimento. Na
base epistemológica, a 1ª função divide claramente a humanidade em quatro partes
desiguais: sensacionalistas (1ª Física), voluntaristas (1ª Vontade), místicos (1ª
Emoção), racionalistas (1ª Lógica). Os sensualistas acreditam apenas na experiência,
os místicos—apenas experiências, os voluntários—apenas na energia pessoal, os
racionalistas—apenas lógica.

A ilusão da absoluta confiabilidade dos conhecimentos obtidos com a ajuda da 1ª,


entre outras coisas, explica bem um fenômeno tão surpreendente para nossa era
iluminada como o fascínio em massa pela magia, astrologia e superstições similares.
A pequena caixa se abre de forma simples: toda essa massa de crentes no
misticismo é composta de emoções. Portanto, os racionalistas podem continuar
caminhando ainda mais sobre suas cabeças, provando a inconsistência das
superstições. Inútil. Para a 1ª Emoção, um gato preto na estrada será sempre mais
confiável do que todos os argumentos da razão. A 1ª função é o instrumento mais
importante e mais confiável para perceber o mundo ao seu redor, através do prisma
do qual uma pessoa começa sempre a analisar o quadro que se abre diante dela.
Neste contexto, recordo uma anedota encantadora de uma série de anedotas sobre
o tenente Rzhevsky:

O tenente e a senhorita estão caminhando ao longo do lago em que os cisnes estão


nadando.

Senhorita (entusiasticamente): "Tenente, você gostaria de se tornar um cisne?"

Tenente: "Rabo nu? Em água fria? Não, obrigado!"

Acredito que o leitor já adivinhou qual a 1ª função dos personagens da anedota.


Claro, foi a 1ª Emoção da senhorita que pintou o quadro que se abria diante dela
em tons emocionalmente românticos, enquanto a 1ª Física do tenente fez o mesmo
quadro, puramente fisiológico na percepção. Provavelmente, com o passar do
tempo, quando ambos vierem a usar outras funções para analisar o ambiente, as
posições dos heróis da anedota convergirão: a senhora sentirá com sua pele todo o
desconforto de estar sentada em água fria, e o tenente apreciará a beleza da
paisagem. Todavia, a princípio, sua visão do mundo será certamente diferente e
certamente derivada das Primeiras Funções.

A primeira função, precisamente devido à sua redundância, é a principal força que


uma pessoa sente mais claramente em si mesma, ouve seu poderoso sopro em si
mesma. Por exemplo, Mikhail Chekhov e Vakhtangov de alguma forma se
conheceram, e no decorrer da conversa, ambos, o grande ator e o grande diretor,
tiveram que admitir um ao outro que estavam ambos familiarizados com o poder
incompreensível que às vezes surge em nós. Comigo (Chekhov)—enquanto
tocávamos no palco, com ele (Vakhtangov)—na vida cotidiana. Este poder me deu
poder sobre o público, ele - sobre as pessoas ao seu redor”.

Chekhov e Vakhtangov não deram nomes a essas forças que eles mesmos sentiram,
mas agora, levando em conta a natureza especial da 1ª função, podemos nomeá-los.
É claro, Mikhail Chekhov teve a 1ª Emoção, e foi esta emoção que determinou tanto
a escolha da profissão de ator quanto o poder que ele tinha sobre o público, o
poder de uma ditadura emocional. Vakhtangov, por outro lado, tinha a 1ª Vontade,
obrigatória para um grande diretor—a força que lhe permitia manter os atores e
aqueles ao seu redor sob controle.
Embora uma pessoa geralmente consola, cuida e valoriza sua 1ª função, ele, e
especialmente as pessoas ao seu redor, não deixa um sentimento de algum tipo de
mal estar e até mesmo de feiúra da 1ª função. E este sentimento deriva de sua
redundância. Como Shakespeare escreveu:

"... o mel mais doce é repugnante para nós


do excesso de doçura ele estraga o apetite"
Assim é com a 1ª função. Sua redundância dá um cheiro de patologia, e assim
envenena a pessoa com a alegria de admirar o lado mais poderoso de sua natureza.
Parece estranho, mas mesmo as ideias religiosas mais fundamentais sobre o que
Deus é em seu ser e no que consiste a imortalidade do homem são formadas sob a
influência direta da 1ª função. Todos são religiosos, mas todos são religiosos à sua
própria maneira. Até mesmo a 1ª Lógica é religiosa, mas sua fé nada tem a ver com
a idolatria mística da fé popular. A essência da religião da 1ª Lógica está na
absolutização de si mesma—a mente.

A 1ª Lógica, examinando e sistematizando o mundo ao seu redor à sua maneira


habitual, acha-o tão razoavelmente arranjado, matematicamente verificado que logo
chega à conclusão de que existe um certo Criador superior, cuja primeira e
praticamente única propriedade é a Razão. De Anaxágoras a Einstein, qualquer
portador da 1ª Lógica, tendo-se dado ao trabalho de ponderar o problema da fonte
primária de tudo o que existe, voluntariamente chega a uma religião de auto retrato,
na qual a Deidade, criadora e motora do Universo, é pensada exclusivamente como
Mente (Nous—antiga filosofia grega) e praticamente não possui outros atributos. De
acordo com esta teologia, o conceito de imortalidade humana também é
transformado. Com base em sua escala de valores, a 1ª Lógica considera apenas a
mente digna da eternidade e, consequentemente, modela a imagem do reino da
vida após a morte. Construções como a teoria da "noosfera" de Chardin-Vernadsky,
segundo a qual uma concha transparente, composta de mentes humanas imortais
ideais, limpas de qualquer impureza, gira sobre a terra - um reflexo direto de tal
modelagem.

Resta acrescentar ao que foi dito que a 1ª Lógica não é de forma alguma a única em
seu esforço de absolutizar a si mesma. Esta é uma propriedade da 1ª função em
geral:

A 1ª Vontade vê no Absoluto um inconsciente e cego princípio volitivo


(Schopenhauer, Hartmann, Kierkegaard, etc.), e a eternidade recompensa
exclusivamente o "espírito" humano, a Vontade.

A 1ª Física professa a idolatria aberta, ou seja, deifica a matéria em todas as suas


formas, e imagina a imortalidade de forma bastante carnal, semelhante ao conceito
cristão primitivo da Ressurreição em carne e osso.

A 1ª Emoção identifica o Divino com a experiência mais elevada e brilhante (1 John


4:8. “Whoever does not love does not know God, because God is love”). E somente a
"alma", o coração do coração, deixa em si mesma para viver atrás da sepultura.

Com a velhice, a 1ª função torna-se ainda mais redundante: a 1ª Emoção torna-se


ainda mais alta; a 1ª Vontade é mais tirânica, a 1ª Física é mais punhos-cerrados, a
1ª Lógica torna-se mais dogmática. E isto acontece porque a destruição da
personalidade, produzida pelo tempo inexorável, na velhice, torna uma pessoa
ainda mais confiável para fortalecer em si o que antes lhe servira como a principal
ajuda.

A 1ª função é o suporte da personalidade; a base sobre a qual repousa o bangalô da


psique humana, sacudido por todos os ventos. Entretanto, há uma falha oculta e
perigosa nesta superpotência e força da Primeira. Ela não é flexível. Portanto, os
golpes na 1ª são muito dolorosos, e sua insignificante destruição, causada pela vida
que flui rapidamente (digamos, doença e ferimentos para a 1ª Física), às vezes
levam uma pessoa à loucura e ao suicídio.

E a natureza humana, aparentemente, está ciente, ou melhor, "subconsciente" da


perigosa falta de flexibilidade na 1ª função, pois, apesar da autoconfiança da 1ª, ela
geralmente não se apressa a se testar em uma situação duvidosa, de modo que não
se trata de um teste: uma luta ou disputa. Sejamos sinceros até o final: A 1ª função é
nosso dom para nós mesmos. É egoísta, embora a própria palavra "egoísmo" seja
normalmente usada apenas em relação à 1ª Física. Se alguém recebe algo da 1ª,
então, em primeiro lugar, acontece sempre "da generosidade", do excesso do
resultado obtido sozinho e, em segundo lugar, não por causa da necessidade
interna da própria 1ª, mas sob pressão de funções processionais subordinadas.
Concluindo a história da 1ª função sobre isto, deve-se admitir que o egoísmo, o
monólogo, a vulnerabilidade, a crueldade e a rudeza da 1ª função fazem dela o
lado mais significativo e vívido, mas não o melhor da natureza humana.

SEGUNDA FUNÇÃO
A segunda função é NORMATIVA. E, como qualquer “norma”, é difícil de descrever.
É improvável que uma pessoa encontre mais de duas palavras quando se
compromete a falar de sua saúde, se for normal: pinturas, epítetos, imagens são
encontrados somente quando há necessidade de listar feridas. Assim é com a 2ª
função, ela não se presta bem à descrição, e como boa saúde, você não a sente.

Se a 1ª função é melhor comparada a um martelo, então a 2ª é um rio. Ela é


igualmente forte. Mas, além da força, possui qualidades desconhecidas à Primeira:
amplitude, riqueza, naturalidade e flexibilidade. A fonte de todas estas
vantagens está no fato de que na Segunda, o poder está associado ao processo, ou
seja, é uma força carregada para o diálogo constante—a interação constante.
Voltando à comparação entre a 1ª e a 2ª, podemos dizer que se a 1ª função é nosso
presente para nós mesmos, então a 2ª é nosso presente para os outros. Portanto,
é a 2ª função que é o melhor lado do homem. No entanto, o processo não é um
monopólio da 2ª função. Um verdadeiro monopólio, ou sua característica principal,
é uma ação impecavelmente adequada à situação, sem excesso e sem escassez,
o padrão de comportamento. Lembro-me da história de um cineasta sobre uma atriz
que teve que filmar vinte takes em um dia, e cada vez que as lágrimas em seus olhos
vinham exatamente quando era necessário, e havia tantos deles quantos eram
necessários. Somente a 2ª Emoção pode agir desta forma.

A 2ª função é extremamente rica em tonalidades e tem uma gama enorme de


manifestações. Para não ir longe, vou dar um exemplo para a mesma 2ª Emoção:
uma pesquisadora calculou que Tolstoy descreveu 85 tons de expressão ocular e 97
tons de sorrisos. A capacidade de ver e transmitir tal riqueza não é apenas
observação—é uma atitude psicológica especial do indivíduo. Outra propriedade da
2ª função, devido à processionalidade: a integralidade de sua implementação só
é possível com a presença de um parceiro, um público. É difícil espionar esta
propriedade, mas uma mulher portadora da 2ª Emoção me confessou que, embora
as circunstâncias da vida a obrigassem a fazer isso, ela—sozinha—até chegou a
chorar de alguma forma sem querer.

A combinação de força e processionalidade da 2ª Função confere-lhe uma


qualidade tão invulgarmente valiosa como a piedade. Na verdade, a piedade não é
um monopólio da Segunda, mas um dos aspectos da processionalidade. A
especificidade da pena da 2ª reside precisamente no fato de que ela tem pena de
uma posição de força, confiança e experiência do lado ricamente dotado da
natureza humana. Por exemplo, não há nada melhor para os doentes, os deficientes,
os idosos do que estar sob os cuidados da 2ª Física. O cansaço de sua compaixão,
cuidado constante, precisão, rapidez e cautela nos movimentos são capazes de
proporcionar o máximo conforto a toda pessoa fraca.

Outra característica da 2ª função é que ela é destemida. Além disso, uma pessoa
experimenta uma espécie de prazer, submetendo-a ao teste, muitas vezes em
situações duvidosas e até mesmo deliberadamente desconfortáveis. E este
comportamento é fácil de explicar: A segunda não é apenas forte, mas também
flexível, de modo que os golpes nela não prejudicam, mas apenas dão direção para
trabalhar em sua melhoria. Assim, um dos meus colegas de classe, sendo portador
da 2ª Física, não era preguiçoso para viajar para o outro extremo da cidade com o
único propósito de lutar. Muitas vezes eu dirigia sem saber se ele o venceria ou não.
O assunto, é claro, não era sem hematomas e solavancos, mas os benefícios se
tornaram óbvios com o tempo: com o tempo, ele se tornou um piloto arrojado, um
coronel da Força Aérea.

TERCEIRA FUNÇÃO
"Todos nós não tivemos sucesso de alguma forma", dizia Jules Renard
melancolicamente, não percebendo que ao fazê-lo sentia intuitivamente a 3ª Função
em si mesmo e nos outros.

De acordo com seus princípios, a 3ª função é quase a mesma que a 2ª — é também


processional. Mesmo, por assim dizer, super-processamento. No entanto, em suas
manifestações externas, a 3ª função é surpreendentemente diferente da Segunda. A
diferença se deve ao fato de que a 3ª não é força, mas fraqueza, nossa úlcera, um
ponto doloroso da psique humana.

Na minha opinião, o termo "complexo", que entrou na vida cotidiana, não tem muito
sucesso. Foi introduzido em uso pela Escola de Psiquiatras de Zurique, com a ajuda
da qual foram feitas tentativas para descrever a 3ª função. Muito mais preciso é o
termo "trauma dinâmico", que foi usado pelo notável psiquiatra Charcot, que foi um
dos primeiros a sentir que a psique humana é caracterizada por algum tipo de
defeito congênito.
Ao mesmo tempo, a crítica ao termo "complexo" não nega a importante
circunstância de que existem muitas características precisas na descrição da 3ª
Função, que foi dada por Carl G. Jung sob o nome de "complexos". Ele escreveu:
“[...] a experiência mostra que os complexos sempre contêm algo como um conflito,
ou pelo menos são sua causa ou efeito. Em qualquer caso, os complexos são
caracterizados por sinais de conflito, choque, embaraço, incompatibilidade. Estes
são os chamados "pontos dolorosos", em francês "betes noires" e inglês “sore spots”
— os britânicos a este respeito mencionam "skeletons in the cupbord", que você não
quer realmente lembrar e menos ainda quer que os outros se lembrem deles, mas
que, muitas vezes, da maneira mais desagradável, lembram de si mesmos. Eles
sempre contêm lembranças, desejos, medos, obrigações, necessidades ou
pensamentos que não podem ser eliminados de forma alguma e, portanto,
interferem e prejudicam constantemente, interferindo em nossa vida consciente”.

Obviamente, os complexos representam uma espécie de inferioridade no sentido


mais amplo, e devo observar imediatamente que um complexo ou a posse de um
complexo não significa necessariamente inferioridade. Significa apenas que existe
algo incompatível, inassimilável, talvez até algum tipo de obstáculo à sua natureza,
mas é também um estímulo a grandes aspirações e, portanto, muito possivelmente,
até mesmo uma nova oportunidade de sucesso. Consequentemente, os complexos
são, neste sentido, o centro ou o ponto nodal da vida mental, não se pode
prescindir deles, pois, caso contrário, a atividade mental chegaria a uma estagnação
repleta de consequências. Mas eles também significam o não-cumprido no
indivíduo, a área onde algo não pode ser superado ou dominado; sem dúvida, este
é um ponto fraco em qualquer sentido da palavra. Esta natureza do complexo
ilumina em grande parte as razões de sua ocorrência. Obviamente, ela se manifesta
como resultado da colisão da exigência de adaptação e de uma propriedade
especial e inadequada do indivíduo em relação a esta exigência. Assim, o complexo
se torna para nós um sintoma diagnosticamente valioso de uma disposição
individual.

Se condensarmos tudo o que Jung disse e acrescentarmos um pouco de nós


mesmos, então podemos dizer que a essência da 3ª função é a seguinte: é uma
função que nós mesmos consideramos vulnerável, defeituosa, subdesenvolvida,
necessitando de constante fortalecimento, autodesenvolvimento e proteção.
Daí todas as características específicas da 3ª função.

A 3ª função é um duplo. Como toda a ordem de funções é dividida em Fortes e


Fracas (como já mencionado), então uma 3ª função (no “centro”) é dividida e
bifurcada. Um sentimento de fraqueza é combinado nela com um sentimento de
enorme, mas não realizado potencial. A Terceira é o Prometheus acorrentado—um
titã cujas correntes psicológicas o tornam fraco, indefeso, vulnerável.

Um de meus conhecidos, quando perguntado para explicar como era sua 3ª


Emoção, respondeu com muita precisão: "Imagine que você está grávida, e a
criança já está pedindo para sair. Mas sua pélvis é muito estreita e sua cabeça fica
presa quando você tenta dar à luz”. Embora neste caso estivéssemos falando da 3ª
Emoção, a imagem do parto doloroso com uma criança presa na pélvis é a mais
adequada para descrever a 3ª função em geral.
Vulnerabilidade, sensibilidade elevada são os principais sinais da 3ª função. Os
golpes na 3ª Função são extremamente dolorosos, e as cicatrizes deles
permanecem por quase toda a vida. Como regra, o período de completa
indefensabilidade da 3ª Função e os golpes especialmente frequentes recaem sobre
a infância. São as crianças que são mais frequentemente humilhadas, insultadas e
repreendidas por suas falhas. E se na infância a 3ª não for segregada, mas, ao
contrário, constantemente ferida, então esta circunstância refina ao extremo a já
refinada 3ª função.

Felizmente, os ataques à 3ª função são extremamente raros, uma vez que ela tem
uma sensação acentuada de perigo, o que lhe permite evitar um ataque, e é difícil
apanhá-la de surpresa. Por exemplo, uma pessoa com a 3ª função percebe o
mundo externo com extrema cautela e, portanto, experimenta lesões somente
em casos excepcionais (naturalmente, as palavras "paz", "trauma" têm um
significado puramente físico).

Esperar um golpe na 3ª função é nosso principal pesadelo: a 3ª Lógica tem medo


de ser acusada de incompetência, a 3ª Física — espancamentos, a 3ª Vontade —
humilhação, a 3ª Emoção — histeria. No entanto, este pesadelo raramente é
realizado, já que a 3ª é propensa ao exagero e geralmente exagera muito a
prevenção do perigo real. Voltando à comparação da 3ª função com o Prometheus
acorrentada, acrescentarei que a indefensabilidade e a vulnerabilidade a fazem ver
em cada corvo voando pela águia Zeus, enviada para bicar seu fígado.

No entanto, vida é vida, e às vezes (para continuar a metáfora) a águia de Zeus voa.
Aqui, voluntariamente, é preciso fazer alguma coisa. Há três maneiras de sair de uma
situação em que a ameaça de golpear a 3ª é real: ou a preparação mais completa na
véspera do conflito, ou a transferência da luta para outro nível e função, ou voar.
Como ilustração desta tese, citamos a história das relações tensas entre o Presidente
Reagan e a imprensa. Com a 3ª Lógica, Reagan reduziu ao mínimo o número de
conferências de imprensa; quando não pôde fugir delas, concordou em falar com os
jornalistas somente após longos ensaios. Esta é a primeira saída. Apesar da
preparação, o presidente ainda não se sentia muito à vontade na coletiva de
imprensa e, portanto, muitas vezes se livrou de perguntas com a ajuda de piadas,
anedotas, piadas e histórias instrutivas. Tentou transferir a comunicação de sua
assustada esfera lógica para uma esfera emocional sem dor. Esta é a segunda saída.
E finalmente, o voo: sendo apanhado de surpresa pelos jornalistas, Reagan
simplesmente fingiu ser surdo.

A Terceira, como nenhuma outra função, é dada para experimentar a dor de outra
pessoa. Senti-la é ainda mais aguda do que o próprio objeto de empatia sente.
Tolstoy, por exemplo, não deu um centavo para o trabalho de um cientista ou de um
músico, mas através do prisma de sua 3ª Física ele não podia olhar para cada
camponês que trabalhava no campo sem lágrimas.
Embora o próprio camponês não tivesse necessariamente experimentado os
tormentos que Tolstoy lhe atribuía e, por sua vez, ele mesmo pudesse olhar com a
compaixão da 3ª Lógica para cada pessoa que lesse, etc., etc.

Pena, compaixão são as propriedades que fazem com que a 3ª função se assemelhe
à 2ª. Entretanto, há um sentimento desconhecido para a 2ª, mas que acompanha
constantemente a 3ª — isto é inveja. É idêntico ao sentimento experimentado pelo
paciente em relação ao saudável. Ela combina o desejo de elevar-se ao nível da
inveja e, ao mesmo tempo, de humilhá-lo. Aqui vou continuar ilustrando a história da
3ª função com exemplos da vida de Tolstoy (3ª Física). Eis como o diretor Lev
Sulerzhitsky descreveu uma caminhada com Tolstoy em Moscow: "Tolstoy notou
dois cavaleiros à distância. Brilhando ao sol com uma armadura de cobre, com
esporas de tinido, eles caminharam em passo, como se ambos tivessem crescido
juntos, seus rostos também brilhavam com auto-satisfação de força e juventude.
Tolstoy começou a censurá-los:
"Que magnífica estupidez! Absolutamente animais que foram treinados com um
bastão...".
Mas quando os cavaleiros o alcançaram, ele parou e, seguindo-os com um olhar
afetuoso, disse com admiração:
"Que lindo! Os antigos romanos, eh, Lyovushka? Força, beleza, ah, meu Deus. Como
é bom quando um homem é belo, como é bom...".

Espero que o leitor tenha dirigiu a atenção para a polaridade das avaliações de
Tolstoy quando se tratou da camada de vida à qual o próprio Tolstoy, com sua 3ª
Física era vulnerável e à qual os cavaleiros vindouros eram claramente dotados de
excesso (1ª Física). É típico da 3ª função.

"Fig leaf reaction" — é assim que se pode chamar a primeira reação em uma
situação em que a 3ª função colide com a mesma função em posições superiores.
Significa dizer algo cujo verdadeiro conteúdo está velado — e que implica algo
diferente (em especial, que envolva desonestidade e embaraçamento).

Uma manifestação livre, aberta e forte do que se machuca, irrita uma pessoa, faz
com que ela procure algum tipo de justificativa para sua fraqueza, nega ativamente
o significado e a eficácia dessa camada da vida, e por trás dessa negação, como
atrás de um escudo, esconde o sentimento de sua própria inferioridade. É assim que
nasce a reação fig leaf, com a qual uma pessoa geralmente caminha a vida inteira. O
tipo de fig leafs corresponde ao tipo de 3ª função: isto é, ironia para a 3ª Emoção,
ceticismo para a 3ª Lógica, intolerância para a 3ª Física, tolice e hipocrisia para a 3ª
Vontade.

Entretanto, esconder a vergonha sob uma fig leaf em si está longe de ser uma
garantia de paz. Quanto mais ativa a negação, mais irresistível é o desejo secreto de
realizar a si mesmo precisamente nesta área vulnerável da vida. Aqui basta lembrar
aquele monge da Lavra KievPechersk (3ª Física), que, fugindo da paixão pródiga, se
enterrou até a garganta no chão. Assim, às vezes a luta com processo da própria 3ª
leva à quase autodestruição (faz-me recordar de EF inferior e a toda fixação
mesquinha).

A este respeito, torna-se claro porque pela 3ª Função nós não só rejeitamos, mas
também amamos apaixonadamente. Podemos dizer que a 3ª Função é o principal
gerador do amor, e a escolha no casamento é muitas vezes determinada por ela.
Não é de admirar que o grande pregador do asceticismo, Tolstoy, tenha casado
com uma moça dotada de carne abundante (1ª Física). E até o final de sua vida, ela
não conseguiu entender como foi explicada a combinação da monstruosa hipocrisia
da "Sonata Kreutzer" com o fervor poderoso e incansável de seu marido. E é
exatamente assim que ela é explicada: 3ª Física — isso é tudo.

O casamento não é o único meio pelo qual uma pessoa tenta desatar e realizar sua
3ª Função. Existem também agentes químicos para isso, por exemplo, o álcool. É
por causa da 3ª Função que bebemos álcool nas empresas. Deixe-me enfatizar - é
nas empresas, porque as origens da embriaguez são diversas. O álcool consumido
em uma empresa tem aquela propriedade milagrosa que lhe permite esquecer sua
falha, livremente e facilmente implementar a 3ª Função.

Daí as incríveis metamorfoses que geralmente acontecem com os bêbados,


metamorfoses semelhantes àquelas que aconteceram com o milionário do famoso
filme de Charlie Chaplin. Uma pessoa seca e contida (3ª Emoção) torna-se sensível;
o silencioso (3ª Lógica) — o falador; o misógino (3ª Física) — o censurador; o
modesto (3ª Vontade) — o arrogante.

As alfinetadas no comportamento da 3ª Função sob a influência do álcool às vezes


adquirem uma coloração curiosa, se não tragicômica. Aqui está uma citação típica
de uma carta para o jornal: "O Yura era alto, forte, bonito, ele me carregava
constantemente em seus braços. E tudo ficaria bem se não fosse por suas
esquisitices. Ele parecia ter medo de se apaixonar, medo de amar. É verdade, ele
deveria ter tomado uma bebida. Quando começou a dizer palavras ternas, beijou
furiosamente (eu não tinha intimidade com ninguém antes do casamento). E, nesses
minutos, eu simplesmente enlouqueci. Eu o amava tanto que estava procurando um
motivo para beber, se ele fosse meu, só meu. Num estado sóbrio, o Yura era
diferente, eu não sabia como agitá-lo, fazê-lo relaxar”. Obviamente o problema aqui
era a 3ª Emoção, e aqui a falta radical de álcool é nomeada do ponto de vista da
implementação da 3ª Função—a curta duração de sua ação. No dia seguinte, o
problema volta com o acréscimo de uma dor de cabeça.

Nos velhos tempos na Rússia, os casamenteiros, indo de casa em casa em busca de


um noivo, geralmente não perguntavam se o noivo estava bebendo (claro que ele
bebia), eles perguntavam: "Como ele se sente quando está bêbado?" E esta
pergunta parecia ser um teste psicológico extremamente importante, com base no
qual o par correspondente à 3ª função era selecionado.

Como a 2ª função, a 3ª gosta de se colocar à prova. Entretanto, existem diferenças


significativas entre o autoteste destas duas funções. Primeiramente, a 3ª função
prefere testar a si mesma em condições que excluem o combate direto. E,
segundamente, ela vai ao limite nestes testes. Por exemplo, a irmã de Tolstoy contou
como, aos 15 anos de idade, ele correu cinco milhas após a carruagem, e quando a
carruagem parou, o jovem Tolstoy respirava com tanta força que sua irmã estourava
em lágrimas. Somente a 3ª, e, em particular, a 3ª Física, pode examinar-se a si
mesma desta maneira. Outras Físicas se comportariam de maneira diferente: os de
Física Efetiva (1ª/4ª) simplesmente não se sujeitariam a testes (o primeiro por causa
da autoconfiança, o quarto por causa da indiferença), a 2ª Física correria após a
carruagem, mas só correria enquanto esta competição fosse de prazer.

O teste descrito acima é típico da 3ª função, e o que o torna tão inconsciente o 3ª de


seu limite natural. Nosso quadro interno do estado da 3ª função é uma questão
puramente subjetiva. E para descobrir se existe uma "úlcera" de acordo com a 3ª, ou
apenas nos parece, e se existe, então quais são suas verdadeiras dimensões, é
necessário examinar e analisar a 3ª no limite das possibilidades.

Se o teste do 3ª for aprovado com sucesso, então a maior satisfação, desconhecida


em outros casos, ocorre. Em geral, o sucesso, os elogios e prêmios para a 3ª função
são valorizados como nenhum outro e são objeto do orgulho inescapável de seu
portador. Assim, Napoleão, tendo a 3ª Lógica, estava mais orgulhoso de seu título
de membro do Instituto Nacional (Academia de Ciências) e mesmo suas ordens para
o exército foram assinadas por "Bonaparte, membro do Instituto Nacional" e
somente após este título ele colocou todo o resto, para outros, talvez muito mais
pesado. Pela mesma razão, a Terceira, como nenhuma outra função, é sensível à
bajulação. É impossível passar por cima disso aqui; por mais monstruosa que seja a
bajulação na Terceira, no fundo da alma uma pessoa não acredita absolutamente
nisso, no entanto mostra uma completa prontidão para beber deste veneno, nunca
ficando saciada e não experimentando azia.
QUARTA FUNÇÃO
É difícil falar em qualquer palavra sobre a quarta função. Ela tem pouco valor - uma
função à qual nós mesmos damos menor importância. Não decorre do que foi dito
que a Quarta é deliberadamente fraca e improdutiva. Pelo contrário, o mundo está
cheio de bons matemáticos com a 4ª Lógica e artistas com a 4ª Emoção. O principal
nele está novamente a hierarquia subjetiva dos valores internos, forçando algo em si
mesmo a ser colocado no último quarto passo. E tendo colocado, e tratando de
acordo.

Gostaria de insistir especialmente nesta relação com a 4ª função, pois a confusão


entre a qualidade de funcionamento e a posição da função nos níveis da hierarquia
psíquica é um erro comum em Psychosophy. A 4ª Lógica não é necessariamente
estúpida, a 4ª Emoção não é necessariamente insensível, etc. Uma mulher com a 4ª
Vontade, quando uma vez mencionei seu "caráter fraco", com sentimento objetado
a mim: "Isto não é verdade. Eu não sou fraca. É apenas mais conveniente para mim
ser guiada". E ela estava absolutamente certa. Deus nos salve de, enquanto
examinamos as funções de baixo escalão, identificar sua posição com qualidade.
Não há erro mais grave.

Externamente, a 4ª função é difícil de distinguir da 2ª. Elas estão relacionadas pela


liberdade, naturalidade e destemor da auto-expressão. Por exemplo, a 4ª Lógica
não custa nada para se envolver em uma disputa filosófica complicada,
demonstrando naturalmente a descontração e o paradoxo de pensar, e nem mesmo
se ofender, como a 2ª Lógica, com o "tolo" expresso nos corações. Entretanto,
apesar da semelhança externa das ações, existe uma profunda diferença de motivos
entre estas duas funções: a 2ª Lógica não será ofendida pelo "tolo" porque não
acreditará, e a 4ª Lógica, porque as avaliações desta parte são profundamente
indiferentes a ela. Este é o truque todo.

Com base na semelhança externa da 2ª e 4ª funções, vejo a necessidade de


enumerar os sinais pelos quais a identificação da 4ª pode ser considerada
incondicional.
O principal é que a atividade de acordo com a Quarta não tem um valor
independente, não é um objetivo, mas um meio de existência. Portanto, se,
digamos, alguém com a 4ª Lógica está engajado no campo do trabalho intelectual,
então só segue que ele está tentando usar esta função (independentemente do
sucesso) como uma ferramenta com a qual as solicitações de outras funções
superiores de valor próprio são realizadas: ambição—pela Vontade; interesses
materiais—para Física; etc... E, em segundo lugar, a falta de confiabilidade do que é
minado e obtido pela 4ª; recordemos a 4ª Lógica de Tolstoy, que por todo seu
amor à filosofia duvidava da existência do Japão e Madagascar. Terceiro, o
encerramento da 4ª em situações de crise. A psique humana, geralmente
desconfiada da 4ª como tal, em situações de crise, a desliga como um possível
obstáculo na escolha da decisão correta e transfere energia interna para níveis mais
altos.

A seguir, a especularidade. A interação com a 4ª é sempre idêntica à ordem feita


pela função superior do parceiro. Esta circunstância, por exemplo, faz da 4ª Física
um bom parceiro sexual, pois, não tendo seu próprio modelo de comportamento
sexual, ela responde de forma adequada e responsiva a todas as solicitações do
parceiro.

Finalmente, a 4ª função é muito dependente e se confia facilmente a outras funções


superiores na hierarquia. Assim, a 4ª Física vai indolor para as mulheres
conservadas, a 4ª Emoção é facilmente infectada pelo humor das outras pessoas, a
4ª Lógica aceita qualquer conceito mais ou menos plausível sem disputa, a 4ª
Vontade concorda antecipadamente com as decisões tomadas para ela.

Uma característica notável da 4ª é que uma pessoa aprende sua verdadeira força
somente em momentos de plenitude na vida. Traduzindo o termo "plenitude de
vida" para a linguagem da Psychosophy, podemos dizer que este é um estado em
que as três primeiras funções são adequadas a si mesmas, isto é, há um bom
resultado para a 1ª e os processos para a 2ª e para a 3ª estão em andamento. É em
tais momentos que a normalmente adormecida 4ª função adquire força,
independência e profundidade de som. Inversamente, golpes em qualquer uma das
três primeiras funções desligam completamente a 4ª.

Em resumo, a 4ª função é um escravo sem engano, um camaleão e um dependente


com grande potencial, mas mais frequentemente adormecido.
PALETA DE SENTIDOS...
A emoção é uma parte estranha, vaga e instável da existência humana. Tudo sobre
ela é misterioso. E, no início, é muito surpreendente como a natureza poderia criar
tais psicotipos nos quais a Emoção apareceria no topo. Afinal de contas, as funções
fortes são a principal arma do homem. Mas será que as emoções são capazes de
serem armas? Que sentimentos podem ser identificados com uma arma? Uma
natureza emocional, na melhor das hipóteses, pode afugentar uma besta na floresta,
um ladrão em uma cidade com um grito alto, ou um carrasco com lágrimas de pena.
No entanto, isto parece ser o fim da questão.

Francamente, fui atormentado por muito tempo pelo pensamento do papel da


emoção na vida humana e na psique (afinal, a natureza não faz nada em vão), até
que me deparei com um artigo sobre as relações conjugais nos animais, e os fatos
dados nele me permitiram reconstruir a origem e o significado de sentimentos
bastante plausíveis.

O fato é que, verdadeiramente, a emoção é uma arma poderosa, mas não uma arma
universal, mas adaptada a uma esfera estreita — a esfera do confronto amoroso.
Aparentemente, a função emocional, antes de tudo, é a função do amor, e aquela
com alta Emoção tem uma chance maior de se tornar a vencedora no curso da
rivalidade amorosa. Aqui está o poder por trás dela.

A origem da Emoção é a seguinte. No início, ela se ramificou da Física, mais


precisamente, de seu departamento genital. A necessidade de tal florescimento
consistiu no fato de que nos animais, a atividade sexual (ao contrário do que
acontece nos humanos) é de natureza episódica. Portanto, muito cedo eles tiveram
a necessidade de sinais especiais de alerta sobre sua prontidão a curto prazo para o
acasalamento. Um desses sinais era o grito de amor — o precursor das emoções
modernas. Com seu uivo, explodindo em um rouxinol, gritando como um gato, o
animal, segundo o etólogo, “começa a demonstrar seu estado”. As demonstrações
deixam indiferentes indivíduos com um sistema reprodutivo inativado, mas em
indivíduos ativados, eles, como uma chave, desbloqueiam os programas instintivos
de resposta; sexo é encorajado a exibir o mesmo comportamento. Em resultado, a
competição na execução dos programas começa, e todos se esforçam para superar
o restante. “Naturalmente, competições deste tipo são mais frequentemente
vencidas pelos indivíduos mais vociferantes”, ou seja, na linguagem do
Psychosophy, indivíduos com uma Emoção de alto nível, ganhando sob sua
autoridade toda a terra.

Naturalmente, à medida que as relações nas comunidades animais se tornaram mais


complexas, a paleta emocional se tornou mais complexa e enriquecida, crescendo
gradualmente em todo um sistema de sinais. E a aparição do homem em geral fez
toda uma revolução no campo da aplicação das emoções, primeiramente,
tornando-a praticamente inesgotável; mas, mais importante, cancelando o domínio
sexual da emoção por sua transição da atividade sexual durante todo o ano.

Entretanto, até hoje, como eco da esfera sexual, os sentimentos continuam a ter
sobre si mesmos o reflexo de sua origem. E não se trata nem mesmo de escrever
poesia e fazer serenatas, geralmente precedendo a intimidade física. O ponto
principal é que, independentemente das especificidades das relações amorosas,
que não estão necessariamente envolvidas na excitação sexual, continuamos a julgá-
las apenas pela força das experiências vividas e observadas. Portanto, voltando ao
problema da origem e do papel da Emoção, deve-se observar que, como nos dias
dos primeiros sapos, a Emoção continua sendo a arma mais forte na luta amorosa
e, em última instância, na luta pela procriação. E é por isso que a natureza, apesar da
aparente não-viabilidade, continua a reproduzir ampla e abundantemente
indivíduos com uma Emoção de alto nível.

Toda a humanidade, dependendo da posição da Emoção nas etapas da hierarquia


funcional, é subdividida em "Românticos" (1ª Emoção), "Atores" (2ª Emoção),
"Monótono" (3ª Emoção) e "Observadores" (4ª Emoção). por que representantes
de diferentes níveis de função emocional receberam tais, e não outros nomes, o
leitor, eu espero, entenderá a partir da história seguinte.

“o Romântico” (1ª Emoção)”


Como já mencionado, uma das principais características da 1ª função é sua
redundância. É claro que a redundância de sentimentos pode ser expressa não
apenas por risos exagerados, mas também por torrentes de lágrimas. O principal no
comportamento de um "Romântico" é uma reação emocional inadequada, com
óbvia reação exagerada aos eventos que estão ocorrendo.

Se a redundância da 1ª Emoção for multiplicada pelo papel amoroso específico da


função emocional, que foi mencionado acima, então, acho que ficará claro para
todos que o "Romântico" é o melhor, simplesmente incrível amante (quero dizer por
"amante" não tanto o potencial fisiológico de reprodução, mas a capacidade de
excitar um estado especial de euforia, que a humanidade está acostumada a
equiparar ao amor, ou paixão).

"Uma inundação de sentimentos", "tempestade emocional", "paixão vulcânica"—


todos esses "Românticos" são dotados desde o nascimento, portanto, não importa
como as coisas estão com ele em todas as outras funções, o sucesso no amor
"romântico", pode-se dizer, está destinado pela própria natureza.

Além disso, a atração de um "Romântico" como parceiro amoroso nem sempre é


condicionada por ações propositais, conscientes ou inconscientes por parte dele:
serenatas, rimas, sussurros apaixonados, etc. De acordo com minhas observações,
apenas um riso alto e contagioso ou apenas uma abundante erupção de lágrimas
(mesmo não dirigidas a você pessoalmente) pode despertar o instinto amoroso,
incluindo as partes fisiológicas correspondentes do corpo. Em outras palavras, a
redundância da 1ª Emoção é capaz não só de infectar uma pessoa com seu estado
de espírito, mas também de se tornar um início de excitação sexual. O famoso
cantor Luciano Pavarotti quando o perguntaram “A voz tem sexualidade?”
respondeu desta forma: “Quanto à sexualidade da voz—você precisaria perguntar às
próprias mulheres sobre isso. Em geral, eu recebo cartas, nas quais o sexo oposto
escreve que, ouvindo-me, elas experimentam uma sensação sexual”. Os sexólogos
conhecem exemplos ainda mais expressivos quando indivíduos particulares, ao
contemplarem espetáculos extremamente engraçados ou muito assustadores,
experimentaram não apenas uma excitação sexual, mas um verdadeiro orgasmo.

Neste contexto, a história do romance do professor Belikov e Varya Kovalenko da


história de Chekhov "O Homem no Caso" torna-se especialmente compreensível.
Varya foi uma óbvia 1ª Emoção: "... ela é desastrada, barulhenta, todos cantam
pequenos romances russos e riem”. Com este riso, ao que parece, Varya derrubou o
professor Belikov. Ou, para recontar o conteúdo de seu romance na língua do
biólogo citado acima, por seus quarenta anos Belikov atingiu o estado de um
indivíduo inativado, e a risada de Varya tornou-se a chave que abriu a fechadura de
seu programa instintivo de amor.

Ao mesmo tempo, a atração amorosa da 1ª Emoção está repleta de um certo perigo


para aqueles que acabaram de cair no anzol da violenta erupção de seus
sentimentos. O fato é que a humanidade ainda está na mais profunda ilusão sobre
as regras de leitura da linguagem emocional. É geralmente aceito que os
sentimentos são precisamente aquela área da existência humana onde não há
mentira, e que a expressão dos sentimentos é sempre um reflexo impecavelmente
preciso dos estados internos de uma pessoa e do sistema de relações entre as
pessoas. Na realidade, isto não é assim: a forma de expressão dos estados internos
depende da posição da Emoção nos degraus da escala funcional, e as relações
geralmente procedem não de acordo com o emocional, mas de acordo com a
função Vontade (que será discutida em detalhes a seguir).

Digo isto ao fato de que existe um perigo formidável de supervalorizar as efusões


amorosas da 1ª Emoção e, sob sua influência, tomar aqueles passos que o
“Romântico” não espera de você de modo algum. Por exemplo, se você vê olhos
brilhantes e ouve um sussurro quente: "... eu o amo! ... Eu o amo! ..." etc., então não
se segue que o que é dito deve ser entendido literalmente e apressadamente para
notificar os parentes sobre o casamento iminente. Um 1ª Emoção sempre expressa
seus sentimentos com um forte exagero, portanto, se ele diz "Eu te amo!”, em todo
caso, quando se escuta o amor derramado de um "Romântico", é recomendável que
se diminua 20-30% da intensidade emocional, a fim de se obter uma imagem
suficientemente precisa e clara de suas experiências.

Uma descrição encantadora da inadequação específica de sua 1ª Emoção foi dada


em uma entrevista por Liza Minnelli. Para a pergunta: "As suas experiências são
artificiais?" ela respondeu: “Não, é claro, mas elas são espessamente pintadas e
contornadas. Se eu me apaixonar, eu digo logo na primeira noite: “Não posso
viver sem você, não desapareça da minha vida, não posso viver sem você ”. — e você
está mentindo? — "É tudo muito misturado: sim e não. De manhã, se ele parte,
eu posso esquecê-lo e não me lembrar o dia inteiro. Por outro lado, realmente
me parece que se ele fosse embora para sempre, eu morreria”.
A sensação de paixões "românticas" não só é inadequada à situação, mas também
completamente alheia ao tema dos sentimentos. A paixão da 1ª Emoção é egoísta;
nasce e vive no "romance" de forma bastante autônoma, de si mesma e para si
mesma, independentemente do "provocador" formal das experiências. Portanto,
Elena Vinograd, a "musa" de Pasternak da época em que a coleção "Minha Irmã -
Vida" foi criada, estava absolutamente certa, quando afirmou que ela mesma não
está no livro e não há nenhuma de suas características, tudo é apenas o próprio
Pasternak e a generosidade poética de sua inspiração romântica. Confirmo a
verdade do que Vinograd disse por minha própria experiência desencorajadora:
uma vez que me encontrei uma provocadora involuntária de inspiração "romântica",
fiquei extremamente desapontada ao descobrir que, nos poemas supostamente
referentes a mim, eu estava completamente ausente. A verdade chocante é que um
"Romântico" é um galo de madeira falante que vive em um mundo ilusório de
experiências hipertrofiadas, um refém voluntário de suas emoções excessivas e
autônomas.

Na história acima mencionada de Chekhov, "O Homem no Caso", pode-se encontrar


uma observação interessante: que a 1ª Emoção não é desprovida de veneno: "Eu
notei que os ucranianos (e Varya Kovalenko era da Ucrânia) só choram ou riem,
humor médio que eles não têm".

Embora agora seja difícil dizer de onde vieram as estatísticas de Chekhov sobre a
emocionalidade das mulheres ucranianas, a princípio, esta observação em si é
absolutamente correta. O “Romântico” é de fato muito caracterizado por um alto
contraste de cor das emoções, e ele só atinge a plenitude das expressões quando a
seta em seu velocímetro emocional começa a sair da escala. Além disso, a transição
de um extremo emocional para outro ocorre quase que instantaneamente. O
cunhado de Pushkin escreveu: “A transição de um impulso de diversão para ataques
de tristeza esmagadora ocorreu em Pushkin de repente, como se sem intervalos, o
que foi causado, de acordo com sua irmã, por uma irritabilidade altamente nervosa
no curso de sua imaginação.”

É melhor comparar o "Romântico" com um ator em um teatro antigo, no qual havia


apenas dois gêneros contrastantes: a tragédia e a comédia. Portanto, se o portador
da 1ª Emoção decidiu escolher uma carreira como ator, então a preferência deveria
ser dada ao teatro em vez do cinema, já que a própria especificidade da
performance teatral exige um certo som forçado. Isto é apenas um adendo, no
entanto. O principal é que para uma alegria "romântica" não é alegria, mas uma
diversão maníaca; tristeza não é tristeza, mas depressão. A felicidade dos outros é
que a maioria dessas experiências permanece dentro de si e apenas ecos destes
estados as alcançam. Isto acontece porque a 1ª Emoção não está inclinada a
compartilhar sentimentos, prefere saboreá-los sozinha, sendo um ator e um
espectador em uma só pessoa.

Quando o poder da experiência do "romance" atinge seu auge (“resultado”), muitas


vezes há uma explosão de emoções. E aqui tudo pode esperar dele: da fama
mundial a um asilo de loucos. O fato é que as formas de manifestação do auge da
1ª Emoção são diversas. Elas podem tomar uma forma artística (poesia, pintura,
música, dança), para a qual a fama, o reconhecimento, etc. muitas vezes vêm, ou
podem não tomar forma de forma alguma, mais precisamente, tomar a forma de um
fluxo de lágrimas, gritos incoerentes, gritos inarticulados, deixados de lado, seguido
de prisão na casa da dor.

Sejamos completamente francos: tanto os amantes da música, aplaudindo da


plateia, como os severos atendentes de hospitais psiquiátricos, muitas vezes
enfrentam o mesmo fenômeno — a 1ª Emoção. A diferença é que os amantes da
música chamam isto de "genialidade", e os atendentes de "psicose maníaco-
depressiva". Embora a linha entre uma e outra não seja apenas transparente — ela
está ausente. Tudo depende do ponto de vista. Os amantes da poesia consideravam
Pasternak um gênio, os oficiais próximos aos círculos literários o consideravam
louco, e ambos os lados tinham argumentos suficientes a favor da exatidão de seu
diagnóstico.

A dura verdade da vida é que a psicose maníaco-depressiva na psiquiatria moderna


é uma reação emocional inadequada aos eventos, isto é, o que é por natureza
inerente à 1ª Emoção. Não vou argumentar que todos os "Românticos" estão
ameaçados de prisão na casa da tristeza. Mas o fato de que desde a infância eles
têm problemas associados com o lado emocional, parecia, o melhor e mais forte de
sua natureza — isto sem dúvida.

A lágrima é o primeiro sinal da 1ª Emoção. Entretanto, a reação de lágrimas a crises


e pressões do exterior, normal para uma criança, o "Romântico" raramente é
entendido corretamente por outros e dá origem a características desprezíveis, tais
como: "bebe chorão", etc. E como nada muda na ordem das funções do
"Romântico" ao longo dos anos, a intimidação/bullying constante sobre isso pode
impor-lhes algo como um complexo de super-complexidade emocional. Uma
mulher com tal "complexo" escreveu a um psiquiatra: "Eu choro por livros e no
cinema, choro ao som da orquestra, ouvindo canções; basta ver uma garota com
uma coroa de flores na TV... O menor problema — e novamente as lágrimas. Comecei
a me odiar por elas, elas ficaram presas na minha voz, sinto-me de alguma forma
defeituosa”. Pense, o fato de ela não estar sozinha em seus sofrimentos, e até
mesmo grandes pessoas muitas vezes não conseguiam lidar com suas lágrimas,
pode servir de consolo para a autora da carta. Por exemplo, Maxim Gorky não teve
um dia sem lágrimas, e ao ler poesia, mesmo muito ruim, ele simplesmente chorou
sem falta.

As circunstâncias que contribuem para um aumento da distância entre a realidade e


a reação emocional a ela serão discutidas a seguir. Agora é importante notar que o
diagnóstico de "psicose maníaco-depressiva", assim como seus homólogos
cotidianos "bebê chorão", "histérico", "histérico", etc., devem ser retirados de uso,
pois a ausência de um sinal igual entre um fato e uma reação emocional a ele pode
ser incriminada à grande maioria da humanidade, que a própria natureza
predeterminou ser a portador do excesso da 1ª Emoção.

A suspeita da incapacidade do "Romântico" surge entre aqueles que o rodeiam em


conexão com seu desejo inabalável pelo misticismo. A gama de humores místicos
da 1ª Emoção é enorme, mas não importa a qual das tendências místicas o
"romântico" adere, o principal para ele é a falta de confiabilidade dos argumentos
da razão e a crença incondicional na confiabilidade das experiências. Mais
precisamente, a situação aqui é um pouco mais complicada. Para a 1ª Emoção, um
postulado nu sobre a superioridade do sentimento sobre a razão (como no início do
Neoplatonismo) não é suficiente. É muito mais importante ter uma estrutura artística
consistente, suficientemente convincente em seu imaginário. E se esta estrutura
afirma ter qualquer tipo de desenho intelectual ou se não o faz, para ele não é nada
importante.

Tomemos, por exemplo, a astrologia, da qual o "romântico" é quase sempre adepto


— em segredo ou explicitamente. Embora tenham sido feitas e estejam sendo feitas
tentativas para formular a astrologia cientificamente, ela claramente não precisa
disso e não depende disso de forma alguma. E é compreensível o motivo — sua
força não está aqui. O poder da astrologia está em sua própria estrutura artística,
onde os nomes dos deuses latinos atribuídos aos planetas do sistema solar,
combinados com as misteriosas imagens dos signos do zodíaco, constroem um
palco gigantesco de um inesgotável e vibrante teatro cósmico. Os trens de
significados por trás de cada um dos deuses romanos e por trás de cada uma de
suas combinações, multiplicados pelos trens de significados e interpretações dos
signos zodiacais, criam um caleidoscópio que pode ser torcido infinitamente sem o
risco de repetição e sem o medo do tédio do espectador.

Portanto, podemos afirmar firmemente que a astrologia é indestrutível. Nem


métodos contundentes (a que alguns imperadores romanos recorreram), nem
argumentos racionais na luta contra ela não ajudarão. É possível matar a astrologia
apenas "fazendo arte". Sendo artisticamente despojada, ela morrerá
instantaneamente, mas os astrólogos parecem pouco com suicídios e, portanto, a
astrologia e o misticismo em geral terão que ser reconciliados.
A fé é uma forma emocional-mística específica do que os racionalistas chamam de
"conhecimento", e ela viverá na Terra enquanto as emoções estiverem vivas. Em
conclusão, brevemente, e sem nos distrairmos com detalhes, notemos uma
dificuldade típica da 1ª Emoção: ela é por natureza mística e é a principal criadora e
consumidora de religiões, magia, superstições, assim como quaisquer outras que
apresentam a absolutismo dos signos artísticos e sistemas de signos. Isso nem
sempre encontra compreensão por parte de outros com uma ordem de funções
diferente, e cria a impressão de "romantismo" como uma figura; na melhor das
hipóteses absurda, e na pior, insana.

Sobre a caligrafia do "Romântico". Basta olhar para a caligrafia de Pushkin e


Pasternak para imaginar os contornos gerais da caligrafia da 1ª Emoção.
Naturalmente, a arte da caligrafia está agora em declínio, e você não encontrará
uma caligrafia semelhante à de Parsnip, para não mencionar a de Pushkin, no
entanto, a unidade dos princípios da escrita permanece. Primeiro, a varredura, o
comprimento da caligrafia: há muito ar entre os elementos da letra e as
extremidades das letras dirigidas para cima e para baixo são excessivamente
alongadas (esta é provavelmente a razão pela qual Akhmatova chamou a caligrafia
de Pasternak de "voar"). Em segundo lugar, a caligrafia da 1ª Emoção é decorativa:
linhas desnecessárias, caudas, caracóis — em uma palavra, elementos que não são
necessários para transmitir informações, mas dão à carta um significado estético
extra-informativo.

A redundância emocional é claramente visível na pontuação do "Romântico". Ele


adora caracteres fortes e afiados em sua expressividade, como traços e pontos de
exclamação, e também frequentemente abusa da grafia das palavras com letra
maiúscula. Alguém notou bem que os traços metálicos de Gorky gostam de
relâmpagos. De fato, a pontuação de Gorky é o exemplo mais claro da forma 1ª
Emoção de escrever.

"Romântico" é um poeta. Um poeta mesmo quando não escreve poesia, ou quando


sequer escreve. A peculiaridade do estilo da 1ª Emoção reside na poética
consciente ou inconsciente da expressão, que consiste no uso de várias técnicas que
podem enriquecer, ou melhor, dar maior brilho, imaginação à imagem.

Tomemos o querido "romance" — uma metáfora. A metáfora como dispositivo é


usada não apenas pela 1ª Emoção (que será mostrada abaixo), mas é precisamente
o "romance" que é usado em duas formas: o douramento e uma lupa. A metáfora,
por sua própria natureza, pressupõe a inadequação de comparação, que é muito
conveniente para a 1ª Emoção, que é inadequada na reação. Mas a peculiaridade
da metáfora "romântica" é que ela funciona para exaltar o objeto a ser comparado,
ou pelo menos para aumentar muito a escala.

Uma vez criticando um poema, Maximilian Voloshin exclamou: “A cerveja pode ser
comparada com o mar, mas não o mar com a cerveja”. Por toda sua pretensão de
absolutizar, esta frase é apenas parcialmente verdadeira, mas como um particular
reflete com perfeita precisão a compreensão instrutiva e exagerada do "Romântico"
das tarefas de metáfora.
O precedente também se aplica aos casos em que o "Romântico" usa uma metáfora
para ferir o sujeito. Por exemplo, quando Pushkin, vendo com raiva, escreveu em
uma sátira que o professor mais quieto Kachenovsky dilui sua tinta com "a saliva de
um cachorro louco", não havia apenas nada adequado ao original, mas o próprio
sujeito era terrivelmente exagerado, embora com um sinal negativo.

Continuando o tema das predileções formais da 1ª Emoção, acrescentarei que o


"Romântico" na poesia, criando e consumindo, além do brilho da imagem, acima de
tudo a brevidade dos valores. Blok, por exemplo, considerou o volume ideal de um
poema como sendo 3-4 quatrains. No entanto, argumentando isto, ele não derivou
algumas leis gerais do ofício poético, mas suas próprias, condicionadas pela 1ª
Emoção, compreensão da natureza e do significado da poesia. Consiste no fato de
que a 1ª Emoção, sendo eficaz, e na poesia busca um resultado, ou seja, descrever
o pico dos estados emocionais, negligenciando o que os precedeu e o que se
seguiu.

As palavras de Boris Pasternak de que a poesia é "escolher as passas da melodia da


vida de uma crosta doce" podem ser consideradas programáticas para a 1ª
Emoção, pois a tarefa poética do "romântico" consiste em tal "escolha" com tudo o
mais fora do parêntese.

Temo que você possa ter a impressão de que o portador da 1ª Emoção é


certamente um poeta e marca toda a sua excitação com rimas. Mas este não é o
caso. Em Pushkin, de fato, no período das mais altas experiências, em suas próprias
palavras, a mão chegou para a caneta, a caneta - para o papel, etc. Mas digamos,
em um "Romântico" como Khrushchev, nos mesmos minutos uma mão podia
alcançar um sapato, um sapato — para uma mesa... É melhor, só por precaução, não
esperar com emoção pela poesia dela.

Aulas que estão longe da esfera artística e, em geral, a completa ausência de


cultura, ao mesmo tempo, não impedem que o "Romântico" se considere o juiz
artístico mais alto e indiscutível. O sentimento latente de que a cultura, sendo um
derivado direto das emoções, é um ambiente nativo para ela, permite que a 1ª
Emoção absolutiza seus próprios gostos, sem hesitar em impô-los aos outros. Às
vezes parece justificada, às vezes não. Por exemplo, quando Alexander Blok,
quando perguntado por Stanislavsky sobre suas impressões das últimas
apresentações do Teatro de Arte de Moscou, respondeu de frente: “Foi muito
ruim...” — você ainda pode entender de alguma forma. Mas quando Khrushchev
começou a carimbar seus pés em artistas e poetas, parecia que ele não cabia em
nenhum portão. No entanto, ambas as situações de faltas de tato acima são
fenômenos da mesma série: o resultado de uma autoconfiança inata,
completamente independente do nível cultural do "Romântico" em tudo que diz
respeito à estética.

Às manifestações puramente externas da 1ª Emoção, deve-se acrescentar


expressões faciais invulgarmente vivas, brilhantes e excessivas em relação aos
eventos que ocorrem, juntamente com gestos exagerados, "italianos". Na verdade, a
linguagem das expressões e gestos faciais é a mesma linguagem de todos os
outros, e, naturalmente, ao expressar os sentimentos de um "Romântico", ela é
igualmente inadequada e exagerada. Direi mais, tive que encontrar pessoas com
um sistema vocal calmo e não forçado, e foram os gestos de dor aliados a gestos
vívidos que traíram sua 1ª Emoção: uma situação descrita de forma
desproporcional, com os braços largos estendidos, a agarrar frequentemente a
cabeça, etc.

Em geral, a natureza a organizou de modo que no momento de fortes experiências


(independentemente da posição da Emoção nas etapas da hierarquia funcional), os
olhos de uma pessoa começam a brilhar. Assim, Anna Karenina, apaixonada por
Vronsky, sentiu ela mesma seus olhos brilhar no escuro.

Especialmente tal brilho é inerente ao "romance", de cujos olhos, às vezes, feixes de


faíscas brilhantes voam para fora, como fogos de artifício. E vamos dar-lhe o seu
devido, esta circunstância muito colorida a 1ª Emoção, levando-nos pecadores, às
vezes à excitação sexual, mesmo no caso em que o aparecimento do "romântico"
não excita de forma alguma. Recordemos que em Guerra e Paz foi o olhar radiante
da feia Princesa Maria que conquistou o coração do hussardo Nikolai Rostov.

De minha parte, posso presumir que o brilho dos olhos em conexão com a excitação
emocional e sexual tem algo a ver com pupilas dilatadas. Provavelmente, uma forte
injeção interna de hormônios de uma determinada série emocional causa o efeito
de dilatar as pupilas, semelhante ao efeito de instilar um extrato de "belladona" nos
olhos. Não é à toa que a palavra "belladona" é traduzida como "beleza", não é sem
razão que, durante os experimentos psicológicos, a visão de mulheres com pupilas
dilatadas inspirava aos homens a ideia de que estavam sexualmente excitadas. Em
geral, seria interessante rastrear até o mundo animal esse fenômeno das pupilas
dilatadas e brilhantes como expressão e agente causador da sexualidade, e seria
interessante investigar o mecanismo hormonal da própria luminescência ocular. Mas
isso não é mais uma questão de psicologia, existe uma disciplina especial para isso,
chamado de pupilometria e está ocupado apenas pesquisando as reações
emocionais através da pupila.

“o Ator” (2ª Emoção)


Embora o portador da 2ª Emoção seja apelidado de "Ator", deve ser esclarecido
que é ao ator cinematográfico que se destina em primeiro lugar. É dada uma ênfase
especial ao cinema porque o teatro, devido à distância considerável entre o
espectador e o palco, mesmo com uma transmissão "realista" (normativa) de
sentimentos, requer algum tipo de contagem, pós-combustão de expressão, ou seja,
1ª Emoção. É outra questão de cinema, onde os médiuns e grandes planos não só
permitem, mas requerem um jogo psicológico sutil, complexo e normativo—é aqui,
como em nenhum outro lugar, que o talento da 2ª Emoção é capaz de se manifestar,
cuja característica principal é uma norma rigorosa na expressão dos sentimentos.
Em qualquer tom o "Ator" expressa seus sentimentos, sejam eles intensificados
ou moderados—ele será sempre adequado à situação, passará sempre dos fatos à
emoção, e não vice-versa, como o "Romântico" normalmente faz.
Anteriormente, houve um acontecimento de uma atriz que teve de filmar vinte
gravações num dia só, e cada vez que as lágrimas lhe apareceram nos olhos quando
necessário, havia tantas quantas eram necessárias. Embora neste caso estivéssemos
a falar de uma grande atriz, a própria capacidade de uma contínua reação emocional
adequada não é um talento, mas uma herança natural da 2ª Emoção. Eu próprio tive
mais de uma vez a oportunidade de observar um "Ator" com inveja, quando no
funeral de pessoas que não lhe eram familiares ou mesmo insensíveis, ele, não sendo
um ator profissional e, pelo contrário, um dono de casa, assumiu o papel de um garfo
harmonizador de emoções e foi sempre ótimo. Cada momento da triste cerimônia
sob a sua liderança foi desempenhado emocionalmente na medida exata e no tom
que se adequava à ocasião.
O "Ator" é fluente na técnica da mudança emocional. Nenhuma emoção lhe toma
o controle, mas a ele elas pertencem. O artista Korovin, uma vez tendo entrado nos
bastidores com Shalyapin durante a atuação de Boris Godunov, disse mais tarde:
"Shalyapin, de pé ao meu lado, falou com uma bailarina: “Meu Deus, se eu não tivesse
casado... És tão bonita! Mas é assim mesmo, querida..."
Então o diretor abriu a porta, e Shalyapin, assumindo instantaneamente a forma
de um czar condenado, atravessou a porta com as palavras: "Calma, criança, calma.
Eu não sou o teu demônio..."
A tragédia soou em sua voz.
Fiquei surpreso com a sua experiência e essa incrível autoconfiança. Ele foi
fantástico..."
Francamente, estou muito familiarizado com a sensação que Korovin teve ao ver
a metamorfose de Shalyapin. Durante muito tempo trabalhando em diferentes
teatros, não consegui habituar-me à capacidade literalmente assustadora dos
grandes atores ("Atores") de mudar, como luvas, seus sentimentos, transformando-se
quase instantaneamente e com uma precisão impecável.
A grande vantagem da 2ª Emoção é o constante esforço para enriquecer sua
paleta. Todas os tons de dinâmica emocional são naturalmente e com total dedicação
interpretados pelo "Ator": do piano-pianissimo (extremamente silencioso) ao forte-
fortissimmo (extremamente alto) — e nada mais que prazer, esta peça com uma
musculatura emocional não lhe dá.

Para maior precisão, vou dar um exemplo da área tão amada pelas massas do
fenômeno da música pop. Há cantores e grupos que claramente gravitam em direção
a uma tonalidade e caráter de atuação bastante monótono e extremo ("The Rolling
Stones"). Tal atuação, embora seja a mais bacana e imprudente, logo se torna
aborrecida, causa um arroto devido à monotonia e tirania emocional (1ª Emoção). E
há outros cantores e bandas que são fluentes em toda a gama de humores, em cujos
concertos o Rock n' Roll de baixo para cima é facilmente substituído por uma balada
com alma (Elvis Presley, The Beatles). Neste caso, o cantor desfruta não só da
capacidade de formar a estrutura emocional do público, mas também da
oportunidade de os conduzir de um estado para outro, demonstrando toda a riqueza
e diversidade dos seus sentimentos, partilhados com a plateia. Esta é a 2ª Emoção.
O que é, evidentemente, característico de todos os "Atores", grandes e
pequenos, é a capacidade e o desejo de ser a ALMA de qualquer formação social:
família, empresa, comunidade, empresa e mesmo o Estado. Num sentido amplo, a 2ª
Emoção é um diretor. Por "diretor" quero dizer tanto o diretor como o orador, cantor,
pregador, lamentador, torrador... numa palavra, qualquer pessoa que cria uma
atmosfera emocional para a esfera dos encontros, reuniões, festividades, tanto
alegres como tristes.
Que tipo de festividades, alegres ou tristes, são preferíveis para o "Ator", é
determinado não pela Emoção, mas pela Física. Mas, claro, o princípio unificador de
todos os portadores da 2ª Emoção é um apetite ardente, nunca dito, por todo o tipo
de produção artística e cultural. A gama aqui é enorme: desde a memorização de
milhares de textos sagrados a uma coleção bastante séria de histórias, discursos,
piadas de mesa. Uma questão de gosto e educação. Mas o princípio é o mesmo:
desejo e oportunidade, graças ao processamento de informação artística, de ser a
alma da sociedade.
Gostaria de enfatizar a palavra "sociedade" na última frase, porque não é
suficiente para um "Ator" experimentar toda a variedade de experiências humanas. A
2ª Emoção, se o leitor se lembrar, é processional; portanto, uma condição
indispensável para que a sua realização seja completa é a presença de um espectador
(que, embora não seja muito competente, mas mais precisamente, deveria ser
chamado de "empático"). Esta sede do "Ator" de encontrar um espectador é tão
apaixonada e avassaladora que leva o assunto às curiosidades. Assim, expondo a
biografia do mais cruel imperador romano Calígula, o historiador contou o episódio
seguinte. Uma vez depois da meia-noite, Calígula "convocou três senadores da
patente consular para o palácio, colocou-os no palco, tremendo em antecipação do
pior, e de repente correu para eles ao som de flautas e chocalhos, com um véu e
túnica de mulher até aos seus pés, dançou uma dança e foi embora". Mas agora,
tendo em conta que Calígula teve a 2ª Emoção, vamos tentar compreendê-lo
também. Ele não podia dançar apenas para si próprio, o imperador, que explodia de
sede de partilhar a dança inventada com o público, era tão grande que não podia
esperar pela manhã ou por uma ocasião especial. Seguiu-se uma ordem, em
resultado da qual os senadores acrescentaram cabelos grisalhos, e Calígula livrou-se
do sentimento doloroso da impossibilidade de realizar plenamente o melhor lado da
sua natureza.
O exemplo com Calígula é de tal modo que se pode ter a impressão de que o
"Ator" é caracterizado por um dito emocional. Mas isto não é verdade. Se um dos
senadores se atrevesse a dançar junto com o imperador e na dança tentasse expressar
o seu estado, a alma delicada de Calígula, estou certo, responderia à emoção do
coração do senador; no processo de valsa, chegando a algum tipo de consenso
emocional, uma vez que a 2ª Emoção é inerente não só à força e autoconfiança, mas
também a um espírito flexível e sensível de empatia.
No entanto, piadas à parte, a realidade é que se o "Ator" não está envolvido na
esfera de servir os sentidos: religioso, místico, artístico, entretenimento—a sociedade
pouco valoriza seu talento. A história com o imperador Calígula parece uma
curiosidade porque é sobre o imperador; se uma diva da ópera, que levantou o seu
empresário da cama para lhe cantar uma nova ária, estivesse no seu lugar, ninguém a
teria considerado uma curiosidade.
A vida humana é uma coisa tal que a Física, a Vontade, na pior das hipóteses, a
Lógica, mas não a Emoção, são mais valorizadas nela. Além disso, o proprietário da
2ª Emoção tem por vezes de sentir repugnância e mesmo hostilidade para consigo
próprio na vida cotidiana. Isto acontece porque a segunda função é o melhor lado da
natureza humana, e se a sociedade raramente precisa dela, então uma pessoa,
voluntariamente, acaba por se virar para os outros pelo resto, não para dizer, mau,
mas não pelos seus melhores lados. A 2ª Emoção é especialmente dura: a sua
capacidade de usufruir dos tesouros dos seus sentimentos é de pouco valor na nossa
existência rotineira, e o renascimento que a 2ª Emoção normalmente traz para a vida
seca da rotina é irritante ou, pelo menos, é percebida como por si só um dom natural
de pouco valor. E em vão. Mesmo quando o "Ator" é preguiçoso, fraco de vontade e
de má mente—ele é um elemento necessário, trazendo cores adicionais, um
elemento de ser, não excluindo os poros da eficiência e da rotina.

Contudo, estava um pouco apressado com as minhas tentativas desajeitadas de


proteger a 2ª Emoção de ataques. Ela é bastante capaz de se impor por si própria.
Qualquer pessoa que tentasse apresentar ao "Ator" quaisquer contas, para subir com
as suas reivindicações, geralmente muito cedo começava a lamentar o seu empenho.
Porque, menos a 2ª Lógica, só a 2ª Emoção é tão magistralmente mestre da arte de
"sacudir", "raspar", "selar", "ladrar", etc. A língua é um elemento nativo, natural para a
2ª Emoção, e ai daquele que a escolhe como o campo de batalha com o "Ator".
Precisão de palavras, precisão de expressão não é um objetivo distante, mas o estado
normal de um "Ator", independentemente do nível cultural.
E quando Gogol, lembrando-se do apelido obsceno de um dos heróis de "Almas
Mortas" e comparando a língua russa com outras línguas europeias a este respeito,
escreveu que "não há nenhuma palavra que fosse tão radical, ousada, que
transbordasse debaixo do próprio coração, para ferver e tremer como uma palavra
russa bem falada", então ele não bajulou de todo o povo russo, mas apenas declarou
a prevalência da 2ª Emoção no seu meio.
***
Voltando ao problema da relação da Emoção com a metáfora, é de notar como
um sinal especial que a 2ª Emoção não gosta dela. Tolstoy falou diretamente sobre a
sua antipatia à metáfora. E isto é compreensível. Devido à sua inadequação (qualquer
comparação é fraca), a metáfora não pode ser tida em alta estima pelo "Ator". Ele não
sente uma necessidade especial mesmo quando está na oficina de poesia, embora,
como se diz, a metáfora seja o alimento da poesia. Portanto, da caneta da 2ª Emoção,
por vezes saem poemas desse tipo especial, que são chamados "anatrópicos"
(literalmente "sem métodos"). Exemplos de tais poemas podem ser encontrados nas
obras de Lermontov, Yesenin, Akhmatova.
O mesmo acontece na prosa. O "Ator" esforça-se pela transmissão mais precisa
dos sentimentos e está pronto mais para insinuar expressões do que exagerar. Para
que o leitor possa imaginar o método da expressão prosaica padrão dos sentimentos
na 2ª Emoção, citarei um trecho da trilogia "Infância. Adolescência. Juventude". Leo
Tolstoy: "Algo novo para mim, um sentimento extremamente forte e agradável
penetrou subitamente minha alma... O canto incômodo dos pássaros que se agitam
neste arbusto, uma cerca escura molhada pela neve derretida sobre ela, e mais
importante, este ar cheiroso e úmido e o sol alegre falaram-me com clareza sobre
algo novo e belo, que, embora não possa transmitir a forma como me afetou, tentarei
transmitir a forma como o percebi—tudo me dizia beleza, felicidade e a virtude, dizia
que, como algo—ambos são fáceis e possíveis para mim, que um não pode existir
sem o outro, e mesmo que a beleza, a felicidade e a virtude são uma só e a mesma
coisa."
No geral, a atividade literária da 2ª Emoção, forte e processional, chamo de
"akínica". Este neologismo caseiro tem origem em "akyn" — o título quirguize-cazakh
de cantores populares. A imagem cânonica de akyn é um homem a montar sobre a
estepe de seus patins ásperos com uma barra nas mãos e desde o nascer do sol até
ao pôr-do-sol cantando tudo o que vê. Um tal akyn, cantando tudo o que se vê, e acho
que estou interessado na literatura do "Ator".
A abordagem akínica deixa uma marca especial tanto na sua forma como no
conteúdo da criatividade da 2ª Emoção. Primeiro, ela sente uma clara sede de uma
grande forma: um romance (Tolstoy, Dumas) ou um poema (Byron) — e, em geral,
distingue-se por uma grande reprodutividade artística (Lope de Vega).
Em segundo lugar, há algo de específico no conteúdo da criatividade atuante.
Se, como lembramos, a 1ª Emoção é um colhedor para as "passas da melodia", então
para a 2ª Emoção não existem quaisquer limites e hierarquias na transmissão de
estados.
"Se soubesse de que lixo
a poesia cresce sem se envergonhar,
Como um dente-de-leão amarelo na cerca
Como bardos e quinoas"
— Akhmatova escreveu, e em uma conversa particular, já em prosa, ela delineou sua
compreensão das tarefas da poesia: "... a poesia cresce fora dos ditos comuns, como
"Você gostaria de chá? Você precisa fazer poemas a partir deles". Faça versos da frase
"Você gostaria de tomar um chá?" – isto é o que significa ser um akyn clássico.

“o Monótono” (3ª Emoção)


É fácil descrever um monótono — o próprio nome talvez sugere a sua paleta de
cores. No entanto, neste caso, seria um tremendo equívoco somente usar
exclusivamente cores frias e terrosas. Como qualquer outra terceira função, a 3ª
Emoção sente um potencial limitado, porém poderoso, e nos casos em que a
timidez da auto-revelação emocional pôde ser superada, o fogo e a paixão
irrompem sob o iceberg da 3ª função.

No entanto, tal auto-revelação, e por isso quero dizer a exposição deliberada de


seus sentimentos, não significa a abolição completa da dualidade de seus
sentimentos. Eis como o filósofo N. Berdyaev descreve o estado de sua 3ª Emoção:
“Percebi as menores nuances nas mudanças de meu humor. E, ao mesmo tempo,
essa hipersensibilidade foi combinada em mim com a secura fundamental da minha
natureza. Minha sensibilidade está seca. Eu não pertenço a mesma caixa que às
pessoas chamadas bem ‘espiritualizadas’. O elemento lírico se expressa em mim
fracamente, esmagado... Na vida emocional da alma ali havia desarmonia, muitas
vezes fraqueza... A própria secura da alma era uma doença.”

A 3ª Emoção é a criatura mais indefesa do mundo. No mínimo os outros aspectos


conseguem se defender, mas não há ética nem lei capaz de ao menos
hipoteticamente surgir como proteção do monótono dos golpes mais dolorosos
para ele: em geral birras e execuções emocionais.

A indefesa da 3ª Emoção diante de uma violenta erupção de sentimentos é


percebida por nós como nada mais do que um incidente, uma excentricidade, mas
de forma alguma um drama pessoal. Mas em vão. Aqui está uma verdadeira
tragédia, duplamente dolorosa, porque é absolutamente incompreensível e invisível
para os outros.

Mesmo um grande conhecedor da alma humana como Leo Tolstoy deve ser
censurado pela indiferença às dores da 3ª Emoção. Recriando a imagem do infeliz
Karenin em seu famoso romance, ele é incrivelmente preciso ao descrever a 3ª
Emoção, mas ainda está muito longe de entender sua natureza e simpatia. Aqui está
uma passagem característica: “Ninguém, exceto as pessoas mais próximas de Alexei
Alexandrovich, sabia que essa pessoa aparentemente mais fria e razoável tinha uma
fraqueza que contradizia o seu temperamento geral. Alexei Alexandrovich não podia
ouvir e ver com indiferença as lágrimas de uma criança ou de uma mulher. A visão
das lágrimas leva a um estado confuso, e ele perde completamente a sua
capacidade de raciocinar.”
Impossível não se admirar pelas escrituras de Tolstoy, apesar de francas, é certeira
ao descrever a vulnerabilidade da 3ª Emoção. Estou disposto a completá-lo apenas
com uma observação pessoal, que poderia muito bem se tornar informação para
uma investigação criminal ou, na pior das hipóteses, uma fonte de censura pública,
se não se tratasse de pressão emocional. Assim, uma de minhas conhecidas,
descobriu a sua 3ª Emoção, quando foi roubada pelo próprio marido. Se
aproveitando de sua vulnerabilidade à pressão emocional, ele espremeu cada
centavo que nela havia, com apenas suas lágrimas, até que ele pudesse tomar tudo.
Em resposta aos gritos histéricos, ela só teve tempo de tapar os ouvidos e
murmurar: “Pegue, leve tudo, mas, pelo amor de Deus, cale a boca...”

A frase: “Sem histeria!” — coisa da qual o monótono costuma entrar em conflito,


mesmo pronunciado em tom categórico, na verdade não é uma exigência, mas um
pedido secreto de indulgência em sua fraqueza, uma tentativa vã de cobrir uma
ferida em uma briga.
Descrevendo Karenin, Tolstoy é impecavelmente preciso no fato de que, quando as
circunstâncias retiram o monótono de sua concha gelada, ele, soltando as rédeas
constantemente tensas dos seus sentimentos, de repente começa a experimentar
uma satisfação desconhecida, até mesmo um pouco assustadora, através das
manifestações de suas experiências. De acordo com Tolstoy, Karenin, ao curvar-se
sobre a cama de sua esposa se preparando para a morte: “...de repente havia
sentido que o que ele considerava um transtorno mental era, ao contrário, um estado
de espírito beatífico que de repente lhe deu uma felicidade nova, jamais antes
experimentada. Ele estava de joelhos e, apoiando a cabeça na dobra do braço dela,
que queimava como fogo através de sua jaqueta, soluçou como uma criança.”

No entanto, como fica claro, e com razão, no romance de Tolstoy, episódios de


abertura de sentimentos são raros para a 3ª Emoção e não têm continuidade.
Portanto, como consequência, o monótono, exceto pela indefesa diante das batidas
emocionais, muitas vezes está fadado a mais um tormento — a solidão.

Antes, falando sobre as ideias que ligavam fortemente o amor e a emotividade, já foi
afirmado que os sentimentos vivenciados e observados servem como medida do
amor na humanidade, e por isso o romântico (1ª Emoção) é o melhor amante do
mundo. O monótono é o oposto — ele é o pior amante do mundo.

Pessoas de fora geralmente negam-lhe a capacidade de amar, como seus


contemporâneos fizeram em relação a Chekhov, argumentando que em sua vida,
Chekhov, não havia tido um grande amor. Mas, de acordo com a observação mais
precisa de Kuprin, o problema para Chekhov não estava no conteúdo dos
sentimentos, mas na forma de expressão. Kuprin escreveu: “O medo do pathos, os
sentimentos fortes e com eles diversos efeitos teatrais inseparáveis dele viviam nele
um talento. Mas ele nunca se atreveu a falar sobre isso com palavras magníficas e
pomposas e nem pôde imaginá-las. Como ele se ajoelharia e pressionaria com sua
mão em seu peito e como falaria em voz trêmula ao seu primeiro amante. E,
portanto, o seu amor calado sofre calado e jamais ousará expressar o que é
desencadeado de lá em voz alta, segundo todas as regras da recitação, explicadas
pelo véu da classe média, de sua época.” Isso mesmo, Kuprin está absolutamente
certo, mas instinto é instinto, e uma pessoa incapaz de um gesto amplo e sensível
acaba sendo inevitavelmente não mais nem menos do que alguém condenada à
solidão.

“Impenetrabilidade” é a palavra que transmite com mais precisão as percepções


sobre a 3ª Emoção de pessoas próximas a ela. Por conhecidos, tal característica
raramente é prestada atenção, os monótonos nessa situação são pessoas
extremamente convenientes, confiáveis e interessantes, que em cuja sociedade não
sentirá sério desconforto. Por outro lado, as coisas se desenvolvem de maneira mais
séria quando o assunto é aproximação, sem mencionar a convivência. A
impenetrabilidade da 3ª Emoção revela-se como um traço doloroso e até
assustador. Imagine conviver com uma pessoa sem uma ideia clara de quem ela
realmente é. Você pode se casar com um monótono, fazer sexo, criar filhos,
construir uma casa e ao mesmo tempo nunca saber do que ele se trata. Uma imensa
parede em branco de pura inexpressividade emocional ergue-se diante de todos
aqueles a qual é importante decifrar o sentido de tais atitudes em relação a si
mesmos. Na melhor das hipóteses, tal indivíduo percebe essa indiferença por
próprio equívoco, na pior das hipóteses — lá reside uma aversão oculta, que, de fato,
provavelmente não existe. Sem mencionar a afeição, mesmo a irritação obviamente
expressa ou a mais pura malícia consegue ser mais atraente do que aquele caixão
vazio, com o qual a 3ª Emoção protege sua alma vulnerável. Somente quando você
de fato conviver com o monótono você entenderá o quão importante é a emoção
como instrumento de comportamento e relacionamento e como você pode sentir
falta dela como o salva vidas mais elementar, isso por si só, já diz muito sobre o
quão dolorosamente é vivenciada a impenetrabilidade crônica do monótono.

Em adição ao fato de que os monótonos raramente se casam, eles também se


reproduzem mal. A fonte do problema já foi pronunciada anteriormente — a
indefesa contra a pressão emocional. As crianças têm um meio de influenciar o
mundo — o seu choro, e como bem já sabemos, o choro é o meio de influência mais
dolorosa prós indivíduos de 3ª Emoção. Daí o medo do monótono de ter filhos e,
como consequência disso, vem a infertilidade.

Resta saber como a 3ª Emoção sobrevive em tais condições, mas o fato é que os
monótonos, ainda que em pequeno número, violando os princípios da seleção
natural, continuam a viver entre nós, confirmando a velha ideia de que a natureza
não tolera o vazio.

O próprio “Monótono” é a criança perfeita. É como se fosse especialmente


projetado para pais ruins. A falta de liberdade de expressão de humores e dores
que lhe são conferidas pela própria natureza liberta os pais da necessidade de
serem sensíveis e precavidos em relação à criança. Quando Bunin perguntou à mãe
e à irmã de Chekhov se ele já havia chorado, ambas responderam com firmeza:
“Nunca na vida”. Não é a criança perfeita? No entanto, esse recurso do monótono
tem seu lado negativo. A ausência de emoções de cor escura em uma criança com
3ª Emoção é equilibrada pela ausência de emoções de cor clara. E quando Prishvin
disse que nasceu sem um sorriso, ele declarou não apenas o fato de seu próprio
infortúnio, mas também o infortúnio de seus pais.

A impossibilidade de um sorriso largo e aberto, gargalhadas livres e altas é talvez a


maior desgraça da 3ª Emoção. Uma garota escreveu a um psiquiatra: “Estou lutando
para criar algo como um sorriso, uma careta furiosamente com os meus olhos...
Quando tento sorrir parece um alongamento convulsivo nos cantos de minha boca...
Ensina-me a sorrir!” De fato, um sorriso seco, uma risada, seja silenciosa, como para
Tchekhov e Molotov, ou assumindo a forma de uma risadinha, como em
Zoshchenko e Robespierre — é tudo o que a 3ª Emoção geralmente consegue
espremer de si mesma.

O riso reprimido do monótono é especialmente perceptível no contexto da


gargalhada livre do romântico. Kataev, lembrando Zoshchenko, disse: “No mundo
da ociosidade feliz, nos aproximamos do capitão da equipe (Zoshchenko — A.A.), que
acabou não sendo tão fechado quanto vários memorialistas o retrataram mais tarde,
enfatizando que, um grande humorista, ele próprio nunca sorriu e era seco e triste.”

Nem tudo isso não é verdade.

O deus que uniu nossas almas era o humor, que não nos deixava nem por um
minuto. Eu, como sempre, ri alto — como Olesha - A.A. notou uma vez, "relinchou", -
enquanto a risada do capitão do estado-maior poderia ser chamada de uma risada
contida e venenosa, eu diria mesmo - irônico hehe ..."

O deus que uniu nossas almas era o humor, que não nos deixava nem por um
minuto. Eu, como sempre, ri alto — a chave, Olesha, notou uma vez ao relinchar,
residia na risada do capitão, que poderia ser chamada de uma risada contida e
venenosa, em minha epifania eu notei — “é a ironia hehe”.

Apesar do fato de que do lado de fora, a 3ª Emoção pareça uma criatura que
raramente ri, ela tem um dom humorístico inato. Mais precisamente, o que
consideramos um presente humorístico é uma combinação dos dois componentes
principais da 3ª Emoção: processionalidade e a sua ocultação de constrangimento.
Ou seja, a necessidade de auto expressão emocional constante não é percebida
direta e abertamente, mas sob o manto da ironia — uma ocultação de
constrangimento comum à 3ª Emoção. A partir desses dois componentes, forma-se
a imagem do monótono, como uma pessoa venenosa, cínica, perscrutando
atentamente o lado engraçado da vida, com um ar imperturbável de anedotas
perseguidoras, de que o público se engasga de rir. É exatamente assim que Bester
Keaton, Mikhail Zoshchenko e suas imagens, ajustadas à escala, são descritas,
podendo ser representantes para a imagem do monótono como um todo.

A marca da restrição geralmente se encontra nos frutos da criatividade humorística


da 3ª Emoção, embora por observadores externos ela seja percebida não como um
defeito, mas como uma espécie de forma original de humor. Por exemplo, a famosa
anedota inglesa, que foi especialmente desenhada não para uma gargalhada, mas
para um sorriso fino e quase imperceptível, é fruto da criatividade tanto de um
inglês propenso à originalidade, mas como também de um inglês que sofre de uma
secura emocional.

Em suas manifestações externas, o monótono é exatamente o oposto do romântico.


A sonoridade da 1ª Emoção pra 3ª Emoção não tem nada a se opor, a não ser um
sistema de fala uniforme, pobre em modulações, próximo ao murmúrio (como
Tchekhov costumava dizer, segundo a descrição de Bunin). Se o monótono se
atreve a cantar, então neste caso a monotonia, a estreiteza da banda, o som
mecanicista se fará sentir. Pobres são os gestos da 3ª Emoção, e suas expressões
faciais também. Não sei porque, mas geralmente o timbre da voz de um monótono
é deslocado para cima, em direção ao falsete.

O mesmo contraste está nos detalhes. Se a caligrafia da 1ª Emoção é arrebatadora,


arejada, encaracolada, então a caligrafia da 3ª Emoção é pura, recolhida,
superficial, simples. Se a pontuação da 1ª Emoção está cheia de sinais brilhantes e
apaixonados, então a pontuação da 3ª Emoção é uniforme, impassível, pobre.
Como os críticos notaram com razão: em um poema de Tsvetaeva (1ª Emoção) há
mais pontos de exclamação do que em toda a obra de Joseph Brodsky (3ª
Emoção).

As metáforas postas respectivamente pelas 1ª Emoção e 3ª Emoção mostram as


suas diferentes compreensões. Lembre-se que Max Voloshin, sendo um romântico,
afirmou categoricamente que a cerveja pode ser comparada ao mar, mas o mar não
pode ser comparado à cerveja. No entanto, muitos grandes poetas obviamente
discordariam dele, por exemplo, Joseph Brodsky, que gostava de comparar o
oceano com um cobertor. Então quem está certo? Ambos estão certos, mas cada
um à sua maneira. A essência da discrepância entre o romântico e o monótono em
relação à metáfora reside no fato de que, na opinião do romântico, a metáfora deve
funcionar apenas em uma direção — aumentar o pequeno (cerveja – mar), enquanto
o prisma metafórico do monótono costuma funcionar na direção oposta — para
reduzir o grande (mar – cerveja). A esse respeito, citarei a famosa descrição de uma
tempestade na "Estepe" de Chekhov: “À esquerda, como se alguém tivesse riscado
um fósforo no céu, uma faixa pálida e fosforescente cintilou e se apagou. Ouvi como
em algum lugar muito ao longe alguém andava no telhado de ferro. Provavelmente,
andava descalço no telhado, porque o ferro resmungou baixinho.” É improvável que
você encontre uma descrição mais mundana, vista como se através de binóculos
invertidos, um fenômeno desses como uma tempestade. Somente a 3ª Emoção
pode recriá-la assim.

Lembro-me que, ao discutir a manifestação da processionalidade na obra artística


da 2ª Emoção, chamei suas obras de akynic. Então, a 3ª Emoção também é
processional, mesmo superprocessional, então o monótono é super-akyn. Acho que
Joseph Brodsky deve ser reconhecido como um exemplo incrível de um superakyn.
O fluxo interminável de seus poemas, como uma cachoeira, onde os fins dos versos
e estrofes não são fins no sentido próprio da palavra, mas pelos quais fluxos
inesgotáveis de palavras fluem, fixando quase a cada minuto as mais leves sombras
dos humores do poeta — tal é o estilo de Brodsky, refletindo exemplarmente a
originalidade da aparência artística das obras da 3ª Emoção.

Outra característica paradoxal, na opinião da crítica literária, que une os poetas à 3ª


Emoção é que, sendo os melhores letristas, encontram-se afastados do tema lírico
principal — o amor. Antes do aparecimento de Brodsky, esta circunstância foi notada
como um incidente na obra de Zabolotsky e Tvardovsky. No entanto, se a crítica
literária olhasse mais de perto, descobriria em suas obras não apenas a ausência de
um tema de amor acentuado, mas também sinais de paixão febril como tal,
independentemente do conteúdo.

O slogan padrão da 3ª Emoção em geral, não apenas engajado na literatura, pode


ser considerado a frase clássica do Bazárov de Turgenev: “Amigo Arkady, não fale
lindamente”.
Se voltarmos para as preferências de gênero do monótono, então em qualquer tipo
de atividade artística, ele é, antes de tudo, um pintor de paisagens e pintor de
animais. Direi mais, o sinal mais brilhante da 3ª Emoção em geral,
independentemente da natureza da atividade, é a única paixão manifestada
abertamente — amor pela natureza e pelos animais. Berdyaev explicou a fonte dessa
paixão da seguinte forma: “Foi fácil para mim expressar minha vida emocional
apenas em relação aos animais, derramei toda a minha ternura neles. Meu amor
excepcional pelos animais, talvez, esteja relacionado a isso. Esse amor de uma
pessoa que tem necessidade de amor, mas dificilmente consegue expressá-la em
relação às pessoas. Este é o outro lado da solidão.”

Aqui, como em muitos outros casos, deve-se fazer uma ressalva: a vulnerabilidade
da 3ª Emoção é tal que o “Monótono” tenta encobrir sua santa paixão pelos
animais, pela natureza, disfarçando-se de caçador, depois de pescador (Prishvin,
Paustovsky). Parece a “Sukhar” que a máscara deles escondem sua fraqueza de
forma bastante confiável. Mas não é. A habitual indiferença aos resultados da caça
ou da pesca da 3ª Emoção o traí. Isso quer dizer que a 3ª Emoção não consegue
sustentar por muito tempo a máscara. Um dia, de pé com uma vara de pescar perto
do rio, o presidente Bush reclamou que geralmente fica sem pescar nada. “Então o
que você está fazendo aqui?” eles lhe perguntaram. “Adoro lançar e adoro pescar”,
respondeu Bush. Este é o tipo de resposta vaga que a 3ª Função tem que dar
quando se trata das origens de seu estranho hobby não lucrativo.

Embora na seção dedicada à 3ª Emoção muito tenha sido dito sobre suas
predileções artísticas, o monótono raramente escolhe um campo artístico (religioso,
místico, entretenimento) e, além disso, muitas vezes o evita diligentemente,
despejando nesses representantes de tais profissões com a sua fria ironia e o
desdém mal disfarçado. Se pensarmos em uma carreira que se ajuste a sua
natureza, por assim dizer, destinada a um monótono, então esta será uma carreira
diplomática

Não sei como, mas tive a ideia de que um diplomata elegante é uma pessoa que, se
você caçoar dele em uma recepção diplomática, o interlocutor não lerá nada em seu
rosto inexpressivo. Deus sabe de onde vem esse tipo de desempenho e quantas
vezes um diplomata aguenta ser caçoado, mas é óbvio que o monótono se encaixa
nesse papel como nenhum outro. O poder da opinião pública, mesmo vazia,
mesmo selvagem, é ilimitada, pois a equanimidade inata da 3ª Emoção muitas
vezes a leva ao campo diplomático e praticamente garante, independentemente de
outras qualidades, uma alta avaliação profissional (Molotov).

Da carreira de um diplomata — um caminho direto para a carreira política. Mas no


caso de tal mudança de campos, a 3ª Emoção, que antes funcionava de maneira
positiva, começa a funcionar bem menos. Especialmente ultimamente. O problema
é que a atual democratização da vida política e o rápido crescimento da influência
dos meios de comunicação de massa sobre ela, que fizeram do simples eleitor o
dono do destino político, colocaram uma barreira quase intransponível no caminho
do monótono político — um teste de emotividade. A aparente insensibilidade, a
aparente incapacidade de empatia, tédio nos discursos da 3ª Emoção fazem o
eleitor olhar para ela com desconfiança e hostilidade. Portanto, mesmo quando a 3ª
Emoção consegue chegar ao leme do poder (Thatcher e Bush), os seus
representantes são respeitados, temidos, apreciados, mas não necessariamente
amados.

“o Observador” (4ª Emoção)


A 4ª Emoção recebe o título de "Observador" porque não só produz, mas consome
produtos de arte. Embora entre os "Observadores" — os artistas não sejam incomuns
(o exemplo do grande Goethe será bastante expressivo aqui), no entanto, na esfera
artística, eles estão mais orientados para o consumo do que para a criatividade.

Não há nada de vergonhoso no consumismo da 4ª Emoção, e há até mesmo um


lado positivo dela: os " Observadores" são o melhor leitor, ouvinte, espectador. Ele
é onívoro, refletido em sua percepção artística, portanto, em qualquer estágio da
hierarquia funcional a Emoção do artista, que trouxe sua criação à corte dos
"Observadores", sempre encontrará uma resposta grata e adequada. A 4ª Emoção,
por assim dizer, é emocionalmente desvinculada. E o trovão da 1ª Emoção, o
derramamento da 2ª Emoção e o sussurro da 3ª Emoção - tudo é aceito pela alma
sutil e sensível do "Observador ". Para ele, há apenas qualidade, mas não a
orientação estilística do trabalho, o que muitas vezes permite que a 4ª Emoção aja
como crítica qualificada e imparcial.

Quando o próprio "Observador" se ocupa de uma arte que não é muito


característica de si mesmo, mas que é dada sem muita dificuldade, isto pode ser
bastante interessante. Em primeiro lugar, um estilo sutil faz dele um excelente
parodista, imitador, epígono, tradutor. Em segundo lugar, a ausência de tabus
internos, dogmas e cegos recompensa a 4ª Emoção com liberdade estilística e de
gênero absolutamente desconhecida para outras Emoções. O mesmo Goethe, que
facilmente escreveu em todos os tamanhos e gêneros conhecidos dele, é o melhor
exemplo disso.
***
Uma propriedade notável da 4ª Emoção é que na vida de um "Observador" há um
período em que sua sensibilidade não parece ser a última em sua hierarquia interna,
mas, ao contrário, a primeira. O sentimento em si mesmo da 4ª Emoção, como a 1ª
Emoção, está ligado ao sistema endócrino e se deve ao modo especial de
funcionamento do mecanismo hormonal que recai sobre o período da
adolescência, ou seja, o período entre 15 e 25 anos. O fato é que foi durante este
período que a natureza colocou um estímulo particularmente violento da liberação
de hormônios emocionais, criando a ilusão de excessiva sensibilidade da natureza, é
durante este período que a sociabilidade extrema, a paixão pela dança, canto,
poesia, arte, show business, etc. E fica-se com a impressão de que a natureza
organizou especialmente a seiva emocional para este período, a fim de empurrar o
indivíduo humano para a reprodução (a relação especial entre emoção e
reprodução já foi muito discutida antes). Mas agora, a idade do "Observador"
excede 25 anos, e acontece que seus verdadeiros interesses estão em um plano
completamente diferente. Ele se torna mais calmo, fecha, pondo de lado seus
pincéis e suas pontuações. A natureza secundária dos sentimentos e da
dependência da estrutura emocional dos outros está se tornando cada vez mais
óbvia e, ao mesmo tempo, o olhar do 4ª Emoção dentro de si se torna mais claro e
objetivo. A natureza secundária dos sentimentos e da dependência da estrutura
emocional dos outros está se tornando cada vez mais óbvia e, ao mesmo tempo, o
olhar do 4ª Emoção dentro de si se torna mais claro e objetivo.

O "Observador" não é emocionalmente livre. E Napoleão, com sua 4ª Emoção,


muitas vezes se queixava de que seus parentes se acostumaram a agarrá-lo para
este lugar dependente para fins egoístas. Ele disse a Caulaincourt: “Eu vivi isso mais
de uma vez com Josefina, que constantemente se voltava para mim com vários
pedidos e até me apanhava de surpresa com suas lágrimas, ao ver que eu
concordava com muitas coisas que eu deveria ter recusado”.

Ao mesmo tempo, a ideia da 4ª Emoção como um perfeito camaleão emocional,


absolutamente incolor na hora da libertação da influência emocional externa,
pareceria extremamente superficial. De fato, a 4ª Emoção é muito dependente e
fraca diante da expansão dos sentimentos de outra pessoa, mas isto não significa
que em si mesma ela seja sem alma e cega. Outra coisa é que raramente é possível
descobrir como ela é em si mesma — em momentos de solidão - somente então se
descobre que forças, profundezas e riquezas estão escondidas nela. Um problema,
isso não acontece com frequência. Atrás da parede, um gravador é ligado, e o pé
do "Observador" começa involuntariamente a bater o ritmo, uma criança explode
em lágrimas no pátio, e os olhos "Observador" são umedecidos, sua bela metade
entra na sala do "Observador" com um grito furioso e imediatamente recebe um
grito de raiva igual em resposta.

TODO HOMEM SÁBIO ESTÁ


SATISFEITO COM A SIMPLICIDADE...
Só agora, a sociedade moderna compreende a necessidade de financiar
pesquisas fundamentais, ou seja, a satisfação, como dizem, de sua mera curiosidade
às custas dos outros. Mas, na verdade, independentemente das fontes de
financiamento, pesquisas fundamentais existem enquanto o homem moderno
existir. A questão é: quem foi Sócrates, que estava sentado no pescoço de sua
esposa Xantipa, e em conversas intermináveis tentando entender a essência das
categorias filosóficas longe da vida cotidiana? Ele era um típico representante da
lógica alta: um curioso ocioso, um defensor do jogo inerente dos músculos
intelectuais, um adepto da teoria do pensamento por pensar. Mas não importa o
quão irados os "patrocinadores" voluntários ou involuntários do intelectualismo
fundamental possam estar, em última análise, suas contribuições nunca
desaparecem, o ganho estratégico sempre está com o representante da lógica alta.
E se agora vemos o mundo como ele é, com todos os seus prós e contras, então só
ele tem a responsabilidade por isso, foi ele quem deu toda a terra ao homem em
poder e, possivelmente, preparado para sua morte. No entanto, não importa como
o destino do planeta se desenvolva, o papel decisivo continuará a ser
desempenhado pelo motor do último estágio de desenvolvimento evolucionário — a
lógica de alto nível.

O leitor provavelmente já sonha com a imagem de um homem do futuro, típico de


algumas ilustrações de revistas: um corpo em forma de lâmina, do qual um crânio
careca do tamanho de uma abóbora balança. Não, pode ficar calmo aqui. Repito, o
ponto não está na estrutura do crânio e nem sequer na antropologia, mas na ordem
das funções, em que a lógica, pelo desejo do destino, está no topo. Por
conseguinte, não está prevista nenhuma metamorfose antropológica. Também não
prevejo o próximo domínio numérico dos intelectuais. Até hoje, são muito poucos, e
uma vez que o programa de amor de uma pessoa está centrado nas emoções, como
foi muito discutido no capítulo anterior, levará pelo menos milênios até que a Lógica
comece a competir seriamente com a Emoção na luta pela procriação.

Contudo, chegou o momento de passar de problemas globais para problemas


particulares e começar a analisar as formas de expressão da Lógica, em função da
sua posição nos níveis da hierarquia funcional. Todos os portadores desta função
são subdivididos em "Dogmáticos" (1ª Lógica), "Retóricos" (2ª Lógica), "Céticos" (3ª
Lógica) e "Estudiosos" (4ª Lógica).

“O Dogmático” (1ª Lógica)


O próprio título "dogmático" neste caso tem um significado duplo: hoje,
segundo o qual uma pessoa é considerada dogmática, que é um contrapeso à
dialética, a qual prefere um diálogo, forma interrogativa.
A princípio, ambos os significados — tanto o grego atual como o antigo — são
igualmente aplicáveis à 1ª Lógica. Uma vez que o cenário interno e psicológico da
Lógica reflete apenas na forma de pensar, mas não na qualidade da mesma, o
"dogmático" pode revelar-se tanto um grande sábio como um burro intransigente. A
1ª Lógica é unida pela eficácia do pensamento, e o que os resultados são é uma
questão puramente individual.
Entre os sinais externos da 1ª Lógica, o mais perceptível e indicativo é a forma
inequivocamente afirmativa de comunicação. Mesmo quando o "dogmático"
parecia estar a perguntar, não se segue que ele esteja à espera de uma resposta, e a
própria pergunta é geralmente colocada de tal forma que contém uma avaliação
deliberada. Por exemplo, uma pergunta do tipo: “Ouviu o que esse tolo disse?” —
obviamente não implica uma troca de pontos de vista imparcial.
Por esta razão, a comunicação com a 1ª Lógica em geral pode ser
considerada bastante difícil, a comunicação do "dogmático" é tão despojada que a
conversa, a contento, se reduz a um monólogo, pode ser interessante, útil, brilhante,
ou, ao contrário, aborrecida, sem objetivo, chata, pobre, mas continuará a ser um
relatório, um discurso, não uma conversa.
O monólogo da 1ª Lógica é irresistível mesmo quando tenta falar em nome de
outra pessoa e reproduzir uma entonação de diálogo que é fundamentalmente
estranha a si mesma. Foi o caso, por exemplo, do grande "dogmático" Platão, que
imitou em vão o estilo do seu professor Sócrates, até que a natureza cobrou o seu
preço e finalmente reduziu os seus "Diálogos Socráticos" a monólogos puros, sobre
cujo título o nome de Sócrates, amante e perito em comunicação, já era uma ficção
óbvia.
Felizmente, o “Dogmático” não é falador, tem a capacidade de ouvir e não tem
pressa em falar sobre qualquer dos tópicos propostos. Só se permite iniciar um
monólogo em condições confortáveis, ou seja, em relação aos problemas em que se
considera competente. Quão sólida tal opinião sobre si próprio se revela é outra
questão, o principal é que ao discutir tópicos em que o "Dogmático" nada ou não
tem qualquer informação, ele prefere permanecer em silêncio.
Isto, penso eu, revela a prudência inerente à 1ª Lógica. Ela não sabe como
comunicar fora da forma afirmativa, e a descoberta da sua primeira função, de
apoio e mais poderosa durante um ataque de cavalaria sobre o tema do fracasso da
sua primeira — está repleta de autodestruição da personalidade.
Outra razão para o silêncio da 1ª Lógica: falta de dom e gosto pela discussão.
Nas disputas com o “Dogmático”, a verdade não nasce, é afirmada ou posta de lado.
Não há um terceiro.
Normalmente vai a uma disputa com um dever de casa — uma carícia de
verdade absoluta, que por vezes suprime muito eficazmente o seu oponente. Mas a
preparação caseira da 1ª Lógica é igualmente inerente tanto à força como à
fraqueza. Uma questão trivial que desloca o foco do tema, uma observação
irrelevante, e até mesmo um simples absurdo joga o "dogmático" fora de equilíbrio
e fecha a sua boca. E enquanto ele tenta montar a estrutura do seu esquema
especulativo caseiro, que se desfez após um fracasso, segue-se uma dolorosa cena
silenciosa, dolorosa para a 1ª Lógica e desagradável para os ouvintes.
Isto aconteceu, por exemplo, com Demóstenes. Como orador de profissão,
ele era um "Dogmático" na sua maneira de pensar. Por consequência, nunca,
mesmo em casos extremos, fez improviso, mas sempre escrevia e memorizava um
discurso em casa, e só depois ia com ele para o pódio. Tudo estaria bem, mas o
violento povo ateniense interrompia muitas vezes o orador com gritos, e aqui ele
encontrou um tétano tão grande que ficou sem palavras e saiu mudo do pódio, que
foi imediatamente escalado pelo companheiro de partido Demades, capaz de
responder de forma mais flexível ao chamado da multidão.

Um "dogmático" é geralmente uma pessoa de espírito lento — um estagiário,


não um velocista de inteligência. Ele, como dizem os russos, é forte em retrospeção
(os britânicos chamam-lhe humor às escadas), por isso não tem gosto pela discussão
e não entra nela a menos que seja absolutamente necessário. Darwin admitiu: "Não
sou dotado da capacidade de agarrar a mosca ou a perspicácia da mente que nos
surpreende nas pessoas dotadas, por exemplo, em Huxley. Por essa razão, sou um
crítico sem importância".
O terceiro motivo para o silêncio da 1ª Lógica: aversão ao falatório, às
hipóteses e, em geral, à opinião privada. O "Dogmático" procura a verdade
absoluta, não as opiniões. Só a verdade pura e absoluta pode ser introduzida no
suporte intelectual que a 1ª Lógica constrói para si própria. Daí a evidente alienação
e até mesmo a hostilidade que o "Dogmático" tem quanto ao falatório, às hipóteses,
e às opiniões. Um dos cientistas que conhecia bem Einstein escreveu: "Aproximar-se
da pura verdade era o mais essencial para ele; neste desafio, ele não conhecia a sua
delicadeza e não poupou o orgulho dos seus opositores".
Não direi que o próprio "Dogmático" não é criador de hipóteses. Existem muito
frequentemente situações absurdas. Outra coisa é que normalmente, ele não as
considera como tal, não as considera a tal ponto que não esteja inclinado a testar
sua fidelidade pela experiência. Isto não acontece por negligência, Deus nos livre,
mas porque na 1ª Lógica, o pensamento é primário e autossuficiente, é objetivo e
não precisa de quaisquer muletas.
A passagem do conceito aos fatos, e não o contrário, é a forma de ação usual
para a 1ª Lógica. Com tal forma de pensar, é também natural que para um
"dogmático" não haja um espetáculo mais doloroso do que a visão de uma teoria
atingida por um fato. Um dia, enquanto falava com Huxley sobre a natureza do
trágico, alguém mencionou Spencer. "Ha!" gritou Huxley, "... a tragédia, na opinião
de Spencer, é a dedução mitigada por um fato".
O "dogmático" na sua convicção no pensamento (mais precisamente, não no
pensamento, mas na primeira função — a função de maior certeza), vai tão longe que
aqueles que o rodeiam começam a classificar este entusiasmo pela especulação
como insanidade. Obsessão por uma ideia, confiança no seu grande valor,
dependência da lógica em detrimento dos fatos e da experiência tem um nome
especial na psiquiatria—"paranóia". E acontece que tal diagnóstico é feito pela 1ª
Lógica. No entanto, como no caso da psicose maníaco-depressiva na 1ª Emoção, a
paranóia não é uma doença mental no sentido próprio da palavra, é apenas uma
expressão extrema da 1ª Lógica, por natureza excessivamente ingênua para
esquemas especulativos. E se classificarmos a paranóia como uma doença, então
esta doença não é mental, mas apenas psicotípica, ou seja, devido ao tipo mental do
indivíduo.
Entretanto, o título clínico—1ª Lógica "paranóica" é raramente atribuído, mas
frequentemente trata-se de um estado extremo, normalmente caracterizado por
protótipos como por exemplo: "mentor", "doutrinador", "asno educado". De fato,
infelizmente, é a 1ª Lógica, com a sua suprema potência a dar apoio e proteção a
uma pessoa, ao mesmo tempo que retira de seu cérebro a flexibilidade e a
capacidade de crescer, dá origem a manadas de burros cultos.
A reação que a 1ª Lógica tem a qualquer estupidez óbvia, tolice, mal
entendido, bobagem, que é geralmente percebida de forma bastante
condescendente por outros Lógicos, é muito semelhante a uma loucura. O absurdo
deliberado, ou seja, o desprezo direto do melhor, do lado mais importante da
psique do "Dogmático" quase imediatamente o derruba da rotina, levando-o à fúria,
à histeria. Paustovsky descreveu nas suas memórias um dos seus professores de
ginásio, que era patologicamente intolerante à idiotice. Os jovens alunos da escola
de ginástica logo reconheceram esta fraqueza dele e, expondo alguma estupidez
deliberada no início da aula, simplesmente arrasaram o professor, levando-o
imediatamente a um ataque de histeria e insanidade.
Pensando sobre a 1ª Lógica, pode não ser o melhor do mundo, mas, com
certeza, o mais HONESTO. Isto acontece porque aqui nada está acima da Lógica, e
nenhuma outra função torce as mãos para agradar o pensamento, não pressiona de
cima, ditando a direção e a forma de pensar. Do "Dogmático", as funções abaixo só
podem pedir, e não exigir da Lógica algo para si, algo que funcione para a ganância
na Física, para a sensibilidade na Emoção, para a vaidade de acordo com a Vontade
— e nada mais. Portanto, a 1ª Lógica, como nenhuma outra, é honesta e pura na sua
especulação, e é perfeitamente possível confiar na severidade das suas
interpretações intelectuais.
A capacidade de se aprofundar no pensamento até se desconectar por completo do
mundo exterior é notada pelo "Dogmático" já na infância. O pensamento extremo e,
mais importante ainda, solitário caracteriza esta criança. Pode ficar sozinho durante
horas, ocupado com os seus pensamentos, não reagindo ao que está a acontecer à
seu redor. Às vezes, um pensamento prende-o no momento mais inoportuno, por
exemplo, enquanto come, e atrai-o tão fortemente que o olhar de uma criança
"dogmática" se torna duro, e a colher fica suspensa no ar durante muito tempo, não
sendo colocada na boca.
A tendência à imersão sonambulista no pensamento na 1ª Lógica é bem
ilustrada por episódios da vida de Einstein. Diz-se que um dia viram Einstein a
passear um carrinho de bebê na rua; de repente parou no lugar mais inadequado,
do ponto de vista das regras de trânsito, e, tirando um papel e um lápis do seu
bolso, começou a fazer anotações. Só depois de terminar a gravação, Einstein
continuou a mover-se. Ou outro caso. Querendo celebrar o pomposo aniversário do
cientista, amigos convidaram Einstein para um restaurante e, entre outras coisas,
encomendaram uma raridade — o caviar russo.
Quando o caviar foi trazido, Einstein estava apenas "a comentar a lei da
inércia de Newton e a sua possível explicação física". Ele colocou caviar na sua boca
e continuou a comentar a lei da inércia. Quando o caviar foi comido e o falante
parou, para colocar um argumento neutro, seus interlocutores perguntaram-lhe se
ele sabia o que comia. "Não, mas o quê?" — "Era caviar!" — "Como, era realmente
caviar?" — Einstein exclamou com tristeza ... "

A memória da 1ª Lógica também se destaca por uma certa curiosidade. Ela


conserva bem ideias, teorias, conceitos, mas é bastante fraca em termos de fatos,
nomes, datas, números. Quando Einstein foi perguntado sobre a velocidade do
som, ele respondeu: "Não sei isto de cor. Para quê carregar a sua memória com o
que se pode encontrar em qualquer livro de referência". A explicação de Einstein é
apenas metade verdadeira, a raiz deste tipo de esquecimento está na eficácia do
"pensamento dogmático". Ele não está interessado em material fático suplementar
disperso, porque é impossível construir sobre ele aquela estrutura intelectual
completa, na qual a 1ª Lógica está a tentar basear-se. Segundo o "Dogmático", os
fatos são areia, um material de construção em si já não serve para nada, apenas uma
adição notável do cimento do pensamento, capaz de transformar grãos de areia de
fatos naquele concreto, torna-o valioso, do qual só por si é possível formar um
suporte genuíno e inabalável da personalidade.
Pelo mesmo motivo, o "Dogmático" normalmente não é curioso e muitas vezes
até mal interpretado. Em geral, se o círculo dos seus interesses profissionais está
longe da esfera intelectual, os "dogmáticos" com a sua bagagem dificilmente se
destacam da multidão, e nem sequer se esforçam por isso. O seu ponto forte é a
análise do sistema, não o armazenamento de informação. Por exemplo, nenhum dos
seus colegas considerou Niels Bohr como sendo uma pessoa seriamente culta, mas
ninguém negou o seu gigantesco talento para organizar fatos que, à primeira vista,
foram detectados de forma aleatória. Bohr mesmo disse: "Sabe, sou um amador.
Quando os outros começam a complicar de forma imensa o instrumento teórico, eu
deixo de entender qualquer coisa... Com um pecado ao meio, só consigo pensar. "
Um "Dogmático" é um filósofo, um filósofo mesmo quando a sua ocupação está
formalmente longe da filosofia. Por exemplo, Einstein e Bohr são considerados
físicos, mas na realidade eram naturalmente filósofos e estavam muito mais
próximos de Demócrito do que de Rutherford. As inclinações filosóficas do
"dogmático" podem ser explicadas pelo fato de que o pensamento da 1ª Lógica é
estratégico desde o início e tende a criar sistemas universais fechados.
Ligar ao pensamento tudo o que existe no mundo é um objetivo inalcançável,
mas constantemente apontado pelo "Dogmático". Como escreveu outro famoso
físico Hevesy: "A mente pensante não se sente feliz até conseguir ligar os fatos
distintos que observa". Esse "descontentamento mental" leva-nos, acima de tudo, a
pensar—a fazer ciência".
A presunção de um "dogmático" em relação às capacidades da sua mente
estende-se por todo o lado. Uma vez George Eliot perguntou a Spencer por que
motivo, com um trabalho tão intenso, as rugas na sua testa não eram de forma
alguma visíveis. "Isto é provavelmente porque nunca estou perplexo.", respondeu o
famoso cientista. O "Dogmático" é autoconfiante ao ponto de, talvez, só ele se sinta
indiferente ao entusiasmo geral por palavras cruzadas, testes lógicos e meios
semelhantes de autocontrole intelectual. E inutilmente. Essa autoconfiança às vezes
serve à 1ª Lógica um péssimo serviço, porque quando, dependendo dos resultados
do teste, o destino de um indivíduo se revela (admissão, a uma instituição de ensino,
etc.), a 1ª Lógica nem sempre tem uma pontuação alta. E a questão não é apenas o
descuido e o rigor do pensamento "dogmático". O próprio princípio de que o
poder da mente, que lhe é dado pela natureza, não só em abundância, mas mesmo
em abundância, pode ser desafiado, parece ao "Dogmático" tão ridículo que por
vezes considera desnecessário esticar os seus hemisférios. Portanto, os resultados
frequentemente além de modestos dos testes intelectuais da 1ª Lógica.
***
Sobre estilo. Na sua luta pelo laconismo, a 1ª Lógica é muito semelhante à 1ª
Emoção. Tal como o "Romântico", o "Dogmático" é curto em autoexpressão e
esforça-se para apresentar ao julgamento humano apenas o resultado das suas
reflexões solitárias - a "passa" do pensamento, com a exclusão de tudo o que o
precedeu, ou seja, o processo de busca racional. Por exemplo, Einstein expôs a sua
famosa teoria da relatividade em três páginas, e gastou dezoito páginas na sua
dissertação, sem sequer apresentar uma lista de referências.
A lapidação da autoexpressão da 1ª Lógica raramente é boa para ela e quase
sempre má para ela. Por vezes, algumas perdas irreparáveis e trágicas podem ser
diretamente associadas a ela. Por exemplo, Heráclito, o maior e mais profundo
filósofo da antiguidade, foi apelidado de "O Escuro" durante a sua vida, e apenas
algumas citações brilhantes de toda a sua herança filosófica sobreviveram até aos
dias de hoje. Tal é o preço amargo pago pela 1ª Lógica pela elevada concentração
do seu estilo enfático e produtivo.
A caligrafia do "Dogmático" é facilmente reconhecível. É feia, difícil de ler e, nos
seus princípios, aborda a estenografia (penso que o inventor da estenografia tinha a
1ª Lógica). Os principais sinais formais da escrita "Dogmática" são os seguintes: de
todas as variantes de escrita de letras, escolhe-se a mais simples e rápida, e as
ligações entre as letras são curtas, retas e maximamente adaptadas à escrita cursiva.
Em suma, a caligrafia da 1ª Lógica é extremamente racional e negligencia a clareza
e a estética em nome da rapidez e da simplicidade.

“o Retórico” (2ª Lógica)


Dizer que o “Retórico” é um tremendo amante da conversação é dizer bem pouco.

Pulmões precisam de ar tanto quanto indivíduos de 2ª Lógica precisam da


comunicação. Para entender a dimensão dessa necessidade, tenha Fidel Castro
como exemplo, cujo ter dado uma entrevista de, por volta, quinze horas, não foi
nada. No entanto, aparentemente, esse nem é o limite — o próprio confessou ter
conhecido pessoas ainda mais falantes do que ele.

Além disso, essa falação do “Retórico” existe como que por si só, como uma paixão,
como doença, fora dos interesses pessoais e públicos. E às vezes, apesar deles
mesmos.

Ao abandonar os assuntos do vasto império, o Imperador Tibério perambulava


durante todo o dia pelas escolas de gramática, questionando incisivamente, do
ponto de vista de sua posição social: “Quem era a mãe de Hécuba? Qual era o
nome de Aquiles enquanto vivia entre as filhas de Lycomedes? Que músicas as
sereias cantavam?" Não melhor do que Tibério foi, também era comum, para Stalin,
desperdiçar o seu precioso tempo governamental. Ele adorava, por exemplo, trazer
à tona pequenos contos literários, durante horas se dedicar à crítica do romance
que o havia paralisado de medo, comparar alguns dos grandes escritores uns com
os outros, comparar as diferentes maneiras de escrita, etc.

É claro que você pode até dizer que tais curiosidades eram só êxtases nas vidas
desses tiranos, exceto pelo fato de que no final das contas, tanto Tibério quanto
Stalin realmente possuíram a 2ª Lógica. Tal veracidade simplesmente põe as peças
desse quebra cabeça em seus lugares. Sendo portadores de tipos que exibem a
Lógica como Segunda Função, ou seja, não apenas uma função que é poderosa,
mas que também possui grande valor processional, ambos os tiranos, contrários aos
interesses próprios e do Estado, simplesmente não puderam ir contra a sua natureza
e jogaram para o alto tudo aquilo que podiam segurar em suas mãos, só para
engajar em conversas literárias, mostrando tamanho processo que reside no ventre
insaciável da 2ª Lógica.

Honremos os, porquê o retórico seria absolutamente insuportável caso suas


palavras muitas vezes não alcançassem as alturas da verdadeira arte da
comunicação. O segredo dessa arte está na capacidade e no desejo não apenas de
falar, mas, sobretudo, de envolver o interlocutor na conversa, de fazer juntos um
banquete intelectual.

As técnicas pelas quais esse envolvimento em uma conversa é alcançado são


simples e à prova de falhas. Primeiro, ao contrário de um dogmático, um retórico
nunca inicia uma conversa com uma afirmação, mas sempre com uma pergunta. Ele
começa com uma pergunta mesmo quando o assunto é completamente conhecido
por ele. Um usuário de uma poderosa 2ª Lógica, que só se desliga à noite, uma vez
me explicou: “Se eu te fizer uma pergunta, isso não significa que eu não saiba a
resposta. Isso só me fez mais confortável ao conversar com você.”

A segunda maneira: fingir ser um tolo e começar a comunicação com uma frase
semelhante à famosa máxima socrática: “Só sei que nada sei.” É difícil imaginar
quem se recusaria a engolir tal isca—uma oportunidade de ensinar um tolo. A partir
daí o resto se torna uma mera questão de técnica: uma palavra de cada vez, a
conversa começou a rolar, e então—evoluiu-se para uma conversa interessante que
por fim, sem notar, o dia já havia acabado.

Não é por isso que apenas o diálogo direto, aberto e igualitário condiciona o pleno
a realização da 2ª Lógica. É suficiente ter um eco. Especialmente em uma situação
em que ela é compelida pela força das circunstâncias a um monólogo. Tomemos,
por exemplo, um discurso a partir de uma tribuna. Neste caso, parece que o orador
está condenado a um monólogo, o que significa que a 2ª Lógica é deliberadamente
colocada em uma posição desconfortável para ela.

Não é por isso que apenas o diálogo direto, aberto e igualitário condiciona o pleno
a realização da 2ª Lógica. É suficiente ter um eco. Ela possui uma boa reverberação.
Especialmente em uma situação em que ela é compelida pela força das
circunstâncias a um monólogo. Tomemos, por exemplo, um discurso numa tribuna.
Neste cenário, parece até que o orador foi condenado pelo monólogo, que a 2ª
Lógica foi deliberadamente colocada em uma posição desconfortável para si
mesma. Isso, porém, é só o que aparenta. Ainda há comunicação; há contato, não
apenas no nível linguístico, mas no nível energético. Eis como o escritor García
Márquez descreve a mobilizada versão da ação da 2ª Lógica de Fidel Castro: “Nos
primeiros minutos sua voz é quase inaudível e intermitente, conquistando o terreno
pé a pé, ele tropeça, mas se levanta e então domina completamente o público. A
partir desse momento, há um circuito elétrico entre ele e o público, que excita os
dois lados, tornando-os uma espécie de cúmplices dialéticos, e nesta tensão
insuportável, seu êxtase.”

Outra qualidade marcante inerente a todos os “Retóricos”, sem exceção, é um


cinismo saudável. A 2ª Lógica não acredita em Deus, nem no diabo, nem em
programas partidários, nem em doutrinas científicas—nada. Tudo axiomático,
dogmático, caindo nos abismos dos hemisférios do cérebro “retórico”, perdendo
rapidamente seu absolutismo e se tornando um simples objeto de manipulação
intelectual. Para o “Retórico” não há proibições, nem limites, nem regras que
impeçam o livre jogo do pensamento. Tudo está sujeito ao julgamento da 2ª
Lógica, mas este julgamento é misericordioso e raramente dá um veredito final
(exceto no caso de pura estupidez). O veredito é o resultado, o fim do processo,
que a 2ª Lógica tanto preza. É por isso que o cinismo de suas declarações é
desprovido de notas agressivas e categóricas; é o cinismo de uma pessoa
apartidária e de pensamento livre.

O “Retórico” também tem pouca consideração por suas próprias afirmações, que
nem mesmo são afirmações, mas apenas hipóteses, convenientes para o momento.
Refutar hoje o que foi dito ontem é o estado normal de um “Retórico”. Não
precisamos ir muito longe para encontrar um exemplo: Lênin. Durante sua vida ele
foi tão contraditório que os próprios leninistas ainda não conseguem decidir qual de
suas declarações devem ser consideradas diretivas. Grande polemista, Lênin
conseguiu todas as vezes fazer um ponto extremamente convincente que
contradizia diretamente o que ele havia defendido anteriormente com igual
esplendor. Em geral, a capacidade da 2ª Lógica de livrar-se de uma ideia intelectual
dilapidada com a mesma facilidade em que uma cobra consegue mudar de pele é
uma grande dádiva, fazendo de um “retórico” um polemista invencível, um Proteu
do pensamento, multifacetado e evasivo.

Impossível não admirar a amplitude de interesses da 2ª Lógica. Ela se interessa por


quase tudo que acontece no mundo, desde os problemas globais até os menores. A
memória do "retórico" é também à altura dos interesses, volumosa, guardando bem
tanto conceitos universais como fatos insignificantes, como o armário de um
avarento, que guarda tudo aquilo que puder. E nessa memória onívora da 2ª Lógica
há uma razão. Só Deus sabe como começar uma conversa querida ao coração de
um “retórico”, o que pode vir a servir de ponto de partida: uma trivialidade ou uma
super ideia. O principal é participar e, para uma participação plena, é necessária
uma memória profusa e desprovida de arrogância.

No entanto, ao contrário do “dogmático”, a 2ª Lógica não se envergonha de forma


alguma com a completa ausência de informação quando intervém sem medo em
uma conversa. É evidente que ele intervém sem o risco de ser punido, pois é
protegido pela flexibilidade e liberdade da mente, que são queridas
independentemente do grau de consciência dos interlocutores, bem como pela
forma inevitavelmente interrogativa de entrar na conversa.

A 2ª Lógica também é incomparável como comentarista, intérprete das ideias de


outras pessoas. Para ilustrar esse ponto, pode-se descrever Mikhail Bakunin, um
jovem fascinado pela dialética hegeliana da época: “Com profundidade idealista...
Bakunin podia falar por horas, argumentar incansavelmente do anoitecer ao
amanhecer, sem perder nenhum fio dialético da conversa ou a força apaixonada da
convicção. E estava sempre pronto para explicar, explicar e explicar novamente, e
então repetir sem o menor dogmatismo.”

Por mais que o “retórico” goste de banquetes intelectuais com boa companhia, ao
mesmo tempo ele domina impecavelmente a arte de repreender, calar a boca do
oponente. Darei exemplos da vida de tiranos já conhecidos por nós. Foi dito sobre
Stalin que quando Ordzhenikidze, tendo conhecimento da busca realizada em seu
apartamento pelo NKVD, chamou seu déspota e expressou indignação, ele ouviu
em resposta: que o NKVD é uma organização tão influente que nem Stalin estava
fora de suas jurisdições. Silêncio total. Certa vez, uma delegação de troianos chegou
ao Imperador Tibério e, muito tarde, expressou-lhe suas condolências pela morte de
seu filho. A reação de Tibério foi instantânea, em resposta ele expressou suas
condolências a eles pela morte do melhor dos troianos—Heitor. Silêncio total.

Independentemente da velocidade e precisão das gracinhas da 2ª Lógica, deve-se


notar isso como uma característica geral—a alta velocidade dos processos que
ocorrem em seu cérebro. A informação necessária é extraída instantaneamente dos
recessos da memória, assimilada instantânea e imediatamente, as opções são
calculadas rapidamente e as hipóteses nascem. Tem-se a impressão de que o
impulso corre mais rápido pelos neurônios do “retórico” do que nas outras pessoas.
Observando de perto o trabalho da 2ª Lógica, involuntariamente você se sente
como uma máquina de escrever ao lado de um computador.

Talvez a única desvantagem da 2ª Lógica, que é uma continuação de seus méritos,


seja que o pensamento do “retórico” gravita mais para a tática do que para a
estratégia. A 2ª Lógica não aspira a algo de longo prazo, em grande escala,
terminável, interessa-se mais por um jogo intelectual momentâneo e próximo dos
seus objetivos. Esta característica da 2ª Lógica foi muito bem descrita pelo
socialista-revolucionário Viktor Chernov usando o exemplo de Lênin: “Em primeiro
lugar, ele é um mestre em esgrima, e um espadachim precisa de pouca previsão e
pouco menos de ideias complexas. Na verdade, ele não precisa pensar muito: deve
concentrar-se em cada movimento do inimigo e controlar sua própria reação com a
velocidade do instinto inato para responder sem a menor demora a cada movimento
do inimigo.”

O intelecto de Lênin era afiado, mas não amplo, engenhoso, mas não criativo.
Mestre em avaliar qualquer situação política, ele a dominou instantaneamente,
avaliou rapidamente todas as suas novas reviravoltas e demonstrou notável
perspicácia política. Essa perfeita e perspicácia política contrasta fortemente com a
natureza totalmente infundada e fantástica de todas as previsões históricas que ele
fez para qualquer período de tempo—qualquer programa que abrangesse algo
mais do que hoje e amanhã".

Como alguém de pensamento tático em vez de um estratégico, o “retórico” não


busca a verdade definitiva, porque após a descoberta, é claro, sua mente rápida e
ágil simplesmente se inutilizaria. Uma confissão de Lessing é característica nesse
sentido. Ele escreveu: “O valor do homem é determinado não pela posse da
verdade, real ou imaginária, mas pelo trabalho honesto usado para alcançar a
verdade... Se Deus, concluindo em sua mão direita a verdade e em sua mão
esquerda a eterna busca da verdade, mas com o fato de que eu, sem fim estaria
enganado, sempre extraviado, ao me dizer: “Escolha!” Eu humildemente me
agarraria à Sua mão esquerda, dizendo: “Pai, me dê! A pura verdade—é somente
para você.”

O “retórico” não é um grande fã de colocar seus pontos de vista por escrito. E isso é
compreensível. Sua paixão é a comunicação ao vivo, não uma batalha contra uma
folha de papel morta. Ele deixa para que os outros tomem notas por si mesmos,
como Sócrates fez quando concordou com os escritos de Platão. Mas o que ainda
mais afasta a 2ª Lógica do trabalho escriturário é a possibilidade de se limitar a
algum tipo de estrutura, incapaz de encontrar o início e o fim de seus pensamentos.
Pensar para o “retórico” é antes de tudo um processo, um movimento, um fluxo, e a
tentativa de arrancar algo não é mais frutífera do que a tentativa de cortar um
pedaço de um rio. Portanto, se ele se senta à mesa, ele o faz com grande relutância,
por qualquer motivo particular, e seu manuscrito parece algo sem começo e fim, um
fragmento de uma obra sem limites e sem desfecho.

A única vez que a 2ª Lógica voluntariamente murcha é durante os tempos de


solidão forçada. É quando ela é condenada ao silêncio que ela recorre a um
substituto como o papel, e geralmente mantém um diário. Mas quem pensa que é
um diário no sentido comum da palavra, como um livro secreto dos pensamentos
mais íntimos, está muito enganado. Não é nada do tipo. É um diário de bordo,
destinado a ser lido por outras pessoas. Um conhecido meu, depois de momentos
longos de ausências, não apenas cederia, mas obrigaria sua esposa a ler seu diário.

Outro traço marcante e engraçado do caráter da 2ª Lógica é a paixão por fazer


anotações em livros, principalmente os bibliotecários. Enquanto lê com um lápis, ela
preenche profusamente as páginas com traços, pontos de exclamação, pontos de
interrogação e assim por diante. Normalmente, o fenômeno da paixão por rabiscar
nos livros é explicado de duas maneiras: ou pela falta de educação, ou pelo desejo
de capturar com mais firmeza os trechos mais importantes na memória. Mas, na
realidade, as origens desta paixão são diferentes. As notas nos livros são uma forma
de comunicação típica da 2ª Lógica, uma mensagem a todos os futuros donos de
livros sem nome, uma tentativa de trocar opiniões à revelia.

“o Cético” (3ª Lógica)


Novamente, expressarei a heresia, mas ainda assim direi: o ceticismo não é
filosofia de forma alguma, mas psicologia. O título de “cético” se encaixa em
qualquer usuário de 3ª Lógica, independentemente de seu nível de educação e
grau de formação filosófica. Existe um desejo de negar a eficácia e a necessidade de
um princípio racional em uma pessoa—isso é o suficiente para estar no campo dos
céticos.
No entanto, a 3ª Lógica não seria a terceira função se não se dividisse
internamente e, junto com uma furiosa negação da razão, a admirasse
secretamente. O poeta Alexander Blok era quase histérico em suas cartas:
“Eu conheço o amor, eu sei que não existirá razão nele, e eu não a quero, eu a jogo
na lama e piso nela” —mas em um dos questionários ele admitiu: “Minha qualidade
favorita é a razão”.
A relação de amor e ódio típica da terceira função na 3ª Lógica se diverge
apenas no fato que é direcionada para a atividade mental de uma pessoa.
Um “cético” cotidiano é uma pessoa taciturna, muito cuidadosa em suas
premissas e conclusões, que trata todos os tipos de julgamentos categóricos com
ironia e desgosto. Além disso, o silêncio como forma de existência prevalece nele.
Certa vez, uma usuária de 3ª Lógica, que era casada com um usuário de 4ª Lógica,
reclamou comigo: “Eu sei que sou mais inteligente que ele, mas quero abrir a boca e
não consigo. Existe algo que está interferindo”. De fato, o “cético” quase sempre está
condenado ao silêncio, embora seja um fardo para ele mais do que para qualquer
outra pessoa. Entretanto, de vez em quando o “cético” abre a boca, e ele
imediatamente pode ouvir: “Cale a boca, você só se faz de inteligente”, e ele fica
paralisado, incapaz de responder.
O único modo do usuário de 3ª Lógica se proteger de tais traumas é
desligando a razão de seus contatos diretos. No fundo, isso é indesejado, além de
impossível no contexto da sociedade moderna. Portanto, o “cético” não possui
escolhas além de se limitar a usar mecanismos de autodefesa: fugindo de questões,
discussões e disputas mais intensa, e, mais importantemente, evitando a utilização
de lógica em situações de conflito. Frases como: “Não vamos discutir!”, “Pare de
dizer isso!” — com a quais o usuário de 3ª Lógica tende a começar a usar em um
conflito, perseguem precisamente esse objetivo. E tais demandas são raramente
reconhecidas pelos irritáveis oponentes do “Cético”, mas ele não pode deixar de
tentar se proteger de ser atacado em seu ponto fraco, então na hora do conflito ele
tenta levar a luta para outros níveis de funcionalidade, ou, no pior dos casos, se
fingem de surdos.
Possuindo um pânico quase patológico de argumentos intensos e arrojados,
o “cético”, ao mesmo tempo, aprecia conversas benevolentes, calmas e livres, na
qual não existem vencedores ou perdedores e, portanto, nenhuma divisão entre
espertos e tolos (O 3ª Lógica é o que mais teme ser tachado de tolo). E valoriza até
a conversa fiada, onde o processo é mais importante que o resultado.
É aqui que descobrimos que o suposto silencioso, é, na verdade,
monstruosamente prolixo, que não existe maior prazer para ele do que murmurar e
murmurar quietamente, quase em um sussurro, indo assim tópico por tópico.
O usuário de terceira lógica é bem sucedido especialmente em dois temas.
O primeiro sendo o estereótipo dos céticos: sobre a inconsistência da razão (o
trabalho de Sextus Empiricus “Contra o Lógicos” pode ser considerado um ponto de
referência nesse campo). Possivelmente, e sem competir com Sextus Empiricus,
todo “cético” contribui nessa direção, muito ingenuamente, e mais
importantemente, logicamente provando a inutilidade da lógica. Apesar de que até
os antigos oponentes dos primeiros céticos apontaram que não é muito correto
lutar utilizando razão contra razão. Mas essa é a astúcia duas caras do 3ª Lógica:
negar inteligência de modo que todos possam dizer: “Como ele é esperto!”.
Outro tópico, que seria melhor descrito como uma esfera, na qual o 3ª
Lógica respira com facilidade, é a fronteira entre conhecimento e ignorância, aquela
faixa incerta onde não existem dogmas ainda, tudo é apenas fatos e fatos, hipóteses
e opiniões. É aqui onde o talento do 3ª Lógica, um grande mestre de multivariantes,
extraordinários paradoxos, especulações incertas e absurdismo de qualquer
situação, nasce em força total. Eu suponho que a pergunta: “Quantos anjos podem
sentar na ponta de uma agulha?” - foi inventada por um usuário de 3ª Lógica.
A complexidade do pensamento, em geral, é internamente mais próxima do
usuário de 3ª Lógica do que a simplicidade. Essa circunstância é interessante, pois
na filosofia existe um princípio chamado “A Navalha de Occam”, e de acordo com
esse princípio, dadas duas opções para resolver um problema: complexo e simples,
é necessário considerar a opção complexa como a mais improdutiva e complicada.
E a frequente oposição entre a primeira função e a terceira função é personificada
aqui. O usuário de 1ª Lógica facilmente aceita “A Navalha de Occam”, enquanto o
usuário de 3ª Lógica não aceita nem um pouco, e prefere as soluções complexas do
que as simples.
Muito mais cuidado é exercido na análise de dogmas pelo usuário de 3ª
Lógica do que na análise de hipóteses e opiniões. Diferente da 2ª Lógica, que é
destemida o suficiente para testar até mesmo os fatos mais banais, a 3ª Lógica não
se sente tão aberta em sua rebelião contra as verdades; sua rebelião é oculta; é
doída e gradual, nas palavras do grande “cético” Kant, é o despertar do “sono
dogmático”.
Ao descrever a 3ª Lógica de Churchill, Lloyd George escreveu:
❝A mente de Churchill era um mecanismo poderoso. Mas na construção daquele
mecanismo, ou talvez nos materiais na qual ele é composto, existiam alguns defeitos
incompreensíveis que o impedia de sempre funcionar corretamente. Os críticos não
sabiam dizer o que era. Quando o mecanismo não funcionava, seu próprio poder o
levava ao desastre, não só para si mesmo, mas também para os indivíduos que
trabalhavam com ele. É por isso que eles se sentiam nervosos ao trabalhar com ele❞
Na opinião deles, havia uma falha fatal no metal que formava ele. Essa
fraqueza foi exposta pelos críticos de Churchill para justificar sua recusa de usar seus
grandes poderes na época. Eles não o viam como uma alternativa positiva para ser
usada na hora do perigo, mas como uma ameaça adicional que teria de ser tratada
com cuidado.
Infelizmente, Lloyd George meramente apontava algumas falhas na lógica de
Churchill, mas era aparentemente incapaz de articular o que era. Minhas tentativas
de questionar os usuários de 3ª Lógica também não foram muito efetivas. As
respostas eram poucas, e era evidente que a dificuldade principal para eles era
formar prioridades, pensamento sistemático. Pensar como um usuário de 3ª Lógica
é como um labirinto, onde todos os caminhos são igualmente aceitáveis e não existe
uma saída.
Um tópico especial: a relação entre o pensamento próprio e a fala. A chave
aqui pode ser encontrada na frase de um usuário de 3ª Lógica: “Eu não posso
pensar e falar simultaneamente”. Um reconhecimento admiravelmente preciso. O
usuário de 1ª Lógica pensa primeiro, e então fala. O usuário de 2ª Lógica é capaz
de fazer ambos ao mesmo tempo. O usuário de 3ª Lógica também deseja alcançar a
simultaneidade do pensamento e da fala, mas a prática mostra que alcançar essa
situação é apenas um sonho, não a realidade. Buracos acabam constantemente se
formando entre o produto intelectual e a sua realização, que acabam precisando ser
preenchidos com vários tipos de baboseiras para esconder seus defeitos. É por isso
que uma das características da 3ª Lógica é a abundância de todos os tipos de
palavras inúteis em sua fala, interjeições, latidos e tentativas similares de ganhar
tempo para reflexões, enquanto observa os aspectos da continuidade no fluxo da
conversa. O paródico “Entendeu?” de Boris Yeltsin é um exemplo vívido desse tipo
de subterfúgio.
Eu suspeito que para uma considerável parte dos usuários de 3ª Lógica, o
problema não é tão centrado no pensamento acidental e dúvidas relacionadas em
relação a habilidades mentais, como inflexibilidade e falta de desenvolvimento no
discurso. Portanto, no desenvolvimento da fala, começando da infância, vejo a
solução principal para o problema do “ceticismo”. Caso contrário, as consequências
podem ser infelizes. Por exemplo, Alexander Blok quase morreu de fome durante a
guerra civil, pois rações eram dadas aos escritores para que façam palestras, e ele
era incapaz de palestrar por conta de seu “ceticismo” inato. Blok contou aos seus
colegas: “Eu invejo a todos vocês: todos podem ler e então falar quando e onde
quiserem. Mas eu não posso, eu só posso ler de onde está escrito”.
Uma ideia dos sentimentos experienciados por uma usuária de 3ª Lógica é
encontrada em trechos de uma carta destinada para um psiquiatra: “Eu ensino em
uma universidade técnica… Nos seis meses até agora eu venho dando palestras na
minha área… “Ler” é uma palavra imprecisa. Eu não chamaria de leitura, mas torturar
e atormentar os ouvintes… Eu me aproximo de meus estudantes como a estátua de
um comandante. Tudo é maravilhoso e incrível: minha língua não consegue se
mexer, minha espinha fica rígida, eu carrego o peso de uma pirâmide egípcia nos
meus ombros, mas meu cérebro, o que está dentro do meu cérebro, eu nem
consigo compreender. Uma nuvem de fumaça, eu esqueço metade da matéria,
nenhuma anotação ajuda.
Outra fonte de falha intelectual para o “cético” é a ordem das funções que
abaixam a prioridade do pensamento lógico. Traçar uma linha de pensamento
precisa é especialmente difícil para o 3ª Lógica, pois as funções mais fortes que
existem acima simplesmente quebram a estrutura abaixo deles. O poderoso,
irreprimível 1ª Vontade que diz “Eu quero!” facilmente se torna em um cômico 3ª
Lógica, que diz “Eu acho!”, e não existe nada que pode ser feito sobre isso.
Lermontov escreveu: “Eu gosto de duvidar de tudo: essa disposição não
interfere com a determinação da minha pessoa”. A combinação de “ceticismo” e
determinação pode ser encontrada em uma pessoa é vista em dois famosos
exemplos: Napoleão e Hitler. Eles zombavam do senso comum, não porque eles
pensavam pouco ou pensavam deficientemente, mas porque por conta da 1ª
Vontade, eles acreditavam demais neles mesmo e em seu direito de governar o
mundo para prestar atenção na conversinha sensata da sua 3ª Lógica. Sua vontade,
que ofuscava a sua lógica, era simplesmente excluída do círculo de tópicos e fatos
anteriormente refletidos, e, portanto, ficava pasmo com o trabalho feito pelas fortes
mentes da natureza. Em essência, a violência feita à 3ª Lógica pela fortíssima
vontade é o que é habitualmente chamado de “lógica feminina”, como uma vez foi
definida, é “a convicção inconsciente que objetividade por ser superada pelo desejo
de alguém”. A eficácia, e a infalibilidade do trabalho mental depende não apenas da
habilidade de pensar profundamente, mas também por quão honestamente nós
pensamos. Desonestidade é estúpida, estupidez é desonesta—isso é o que as
avaliações morais e intelectuais deveriam priorizar.
Se o “cético” persegue uma carreira na política, a primeira coisa que o
caracteriza é uma constante relação tensa com a imprensa. Em sistemas
democráticos, o político “cético” normalmente foge da imprensa, como o presidente
Reagan fez. Em regimes totalitários, o líder “cético” luta com a imprensa reprimindo-
a. Napoleão, por exemplo, fechou 160 jornais franceses em um dia, colocou uma
censura pesada nos remanescentes, e afirmou que um jornal valia mil baionetas.
Nessa declaração do grande comandante, como uma gota de água, é refletido o
respeito e o medo que o usuário de 3ª Lógica constantemente sente das palavras e
argumentos que são difíceis de lidar.
Algumas observações não tão significantes, mas característicos aspectos da
3ª Lógica:
Primeiro. Ela é a principal consumidora de palavras cruzadas, problemas
lógicos e testes. Toda essa produção intelectual é o campo de treinamento ideal
onde a usuária de 3ª Lógica pode se examinar sem interferência e riscos de lesões
sérias, descobrir o quão objetivos são seus sentimentos internos de inferioridade
mental. Entretanto, na minha opinião, palavras cruzadas e testes não são capazes de
dar uma imagem verdadeira do estado de seu aparelho lógico. Porém, como uma
ferramenta psicoterapêutica, eles são absolutamente necessários, inspirando e
confortando um grande exército de “céticos”.
Segundo. O usuário de 3ª Lógica, mesmo sem ser emocional (por exemplo,
os que são usuários de 4ª Emoção), é ainda propenso ao misticismo. O mecanismo
dessa tendência é bem transparente. Ceticismo congênito, o que faz a 3ª Lógica
detestar racionalidade em busca de algo alternativo e positivo, automaticamente
empurra eles em um campo de misticismo. Porém, geralmente o misticismo “cético”
da 4ª Emoção não é profundo, e é limitado a uma tendência à superstição, assim
como os “céticos” famosos Reagan e Yeltsin acabaram admitindo.
Terceiro. Se a 3ª Lógica trabalha na esfera artística, ela é mais próxima de
tendências como o expressionismo, dadaísmo, surrealismo, etc. O segredo dessa
simpatia é simples: o “Cético” não pode deixar de estar perto de movimentos
artísticos que enfatizam o irracional, conceitos estéticos que opõem o inconsciente
do consciente, colocando o consciente muito abaixo do inconsciente.

“o Acadêmico” (4ª Lógica)


Receio que o leitor fique com uma impressão prévia, voluntariamente ou
involuntariamente, de que a 4ª Lógica constitui uma função deliberadamente
desamparada e atrasada do ponto de vista mental. Por conseguinte, vou enfatizar
mais uma vez que não é assim. A essência dos problemas da 4ª Lógica consiste não
na baixa qualidade do seu funcionamento, mas no fato de um indivíduo dar à Lógica
o último lugar na sua hierarquia interna de valores. Leiamos em tais linhas:

"Não foi difícil para mim desabituar-me de banquetes,


Onde a mente ociosa resplandece enquanto o coração adormece".

Quem é o autor destas linhas, onde a Emoção ("coração") é inequivocamente


preferida à Lógica ("mente")? Trata-se de um autor polêmico muito esperto e
inigualável, de acordo com as evidências dos seus contemporâneos — Alexander
Pushkin, cuja 1ª Emoção foi realmente combinada com a 4ª Lógica, o que se reflete
claramente nas linhas acima.

No exemplo de Pushkin, é fácil ver um dos traços específicos da 4ª Lógica: a


combinação do trabalho de qualidade do aparelho lógico com a insanidade
completa. Pushkin foi um brilhante polêmico, perdendo nas cartas para qualquer um
que pudesse segurá-las. Não há nada de paradoxal aqui. Seu dom polêmico foi
revelado em uma atmosfera serena de um círculo amigável. Enquanto que um
grande jogo de cartas por si só levou ao desconforto, situação tensa, quando, de
acordo com as leis da Quarta Função, a Quarta Lógica de Pushkin foi desligada, e
toda a energia interna foi concentrada na Emoção — a função em primeiro lugar em
sua hierarquia interna. E eu acho que é fácil prever o resultado de um jogo de cartas
baseado em emoções de antemão. E assim, dependendo da situação, um "aluno"
inteligente e estúpido vive em uma só pessoa.

Ao czar russo Nicolau II não foi negada sua inteligência por aqueles que o
conheciam bem. Mas... Pobedonostsev considerou-o intolerante a "perguntas
gerais" capazes de avaliar o "valor de um fato isoladamente, sem relação com o
resto, sem qualquer conexão com a totalidade de outros fatos, eventos, correntes,
fenômenos". O próprio rei disse, "que ele agoniza duramente, escolhendo de tudo
o que ele ouviu corretamente", "que ele tem que esforçar sua mente", e "ele pensa
que esta mente de esforço, se pudesse passar no cavalo (quando se senta sobre
ele), seria muito perturbada". É assim mesmo que as coisas são. A 4ª Lógica acha
difícil fazer um trabalho mental independente, engajar o intelecto de forma alguma
sem uma necessidade imediata e óbvia de fazê-lo. O cérebro do "aluno" é
pragmático, não gostando de olhar muito à frente e ficando rapidamente
"bolorento" sem nenhum estímulo externo.

E assim, em aparência, a 4ª Lógica é quase indistinguível da 2ª. Ela também é


intelectualmente não partidária; ela assimila, aceita, reproduz, desenvolve
facilmente qualquer visão: dogmática, dialética, cética... A 4ª Lógica é tão livre e
destemida em suas premissas e conclusões como a 2ª Lógica. Vamos dar crédito,
omnivoridade combinada com destemor é um trunfo importante e muito pesado
nas mãos do "Acadêmico".

O segundo sinal da 4ª Lógica é um ceticismo inato. Entretanto, não confundamos


com o ceticismo ativo da 3ª Lógica. O ceticismo do "Acadêmico" é desdentado; a
observação de Pasternak de que se envolver em atividade intelectual toda sua vida
é como comer mostarda toda sua vida é o limite além do qual um "Aluno" raramente
cruza em sua crítica do racionalismo. O ceticismo da 4ª Lógica não é uma negação
vigorosa da eficácia do elemento intelectual no homem, mas uma simples
indiferença a ele. E esta é a grande diferença entre o ceticismo da 3ª e o ceticismo
da 4ª Lógica. Porque a indiferença da 4ª Lógica, que foi colorida pelo ceticismo há
um tempo atrás, pode ser colorida pelo dogma amanhã, e no dia seguinte por outra
coisa. Por causa de sua indiferença às questões intelectuais, a 4ª Lógica é facilmente
dominada, mas o erro será cometido por alguém que pensa tê-la dominado para
sempre. Não — até um interlocutor posterior. De um desses "alunos" Labruyere
escreveu:
"Ele se apropria da mente do outro com tal naturalidade que ele mesmo é o primeiro
a ser enganado, acreditando sinceramente como se estivesse expressando seu
próprio julgamento ou explicando seu próprio pensamento, embora na verdade ele
seja apenas um eco daquele com o qual ele acabou de se separar".
Chekhov escreveu com muita autocrítica sobre o mesmo:
"Eu não tenho uma visão de mundo política, religiosa ou filosófica; eu a mudo a cada
mês...".

Em uma palavra, o "Aluno" é enérgico apenas na necessidade, ociosamente curioso,


internamente completamente desinibido, um camaleão intelectual. E aqui estão
todos os seus prós e contras.

Como consolo para o "Aluno", deve-se acrescentar que ele é um campeão. Ele
supera todas as outras Lógicas entre a população da terra. Não há país ou nação
onde uma Lógica acima da do "escolar" domine. Puramente hipoteticamente,
podemos supor que na Grécia no século Y-IY a.C e na Alemanha nos séculos XVIII e
XIX, no auge de sua época onde mesmo o povo se envolvia em filosofias e ciências,
a 4ª Lógica foi ligeiramente deslocada. Mas em outros tempos e em outros espaços,
o domínio da 4ª Lógica foi e é indiviso.

O CORPO CONCEDIDO A MIM…


Parece que o papel dado à Física na vida humana dificilmente merece reflexão. Sua
importância é óbvia. E é muito externa, muito visível para sugerir a existência de um
subtexto oculto nele.

É dessa maneira. Mas o mais notável e digno de atenção especial, desde o ponto de
vista do Psychosophy, é que a posição da Física nos níveis da hierarquia funcional
determina muito mais do que apenas o estado do organismo e sua energia. Na
verdade, acontece que o lugar da Física na ordem das funções do indivíduo afeta
áreas distantes da fisiologia como o direito (propriedades), economia (dinheiro),
trabalho, sensualidade, estética, corpo, aparência [moda], a coloração do
mundo e atitude, e muito mais. Trata-se mais de uma compreensão de ‘ser’ carnal
e de sua existência colocada no mundo material.

Gostaria de avisar com antecedência que tudo o que tem sido dito sobre a
aparência externa de diferentes Físicos não representa caraterísticas universais, mas
é uma descrição predominante, ou seja, dificilmente proporciona mais do 70% dos
acertos. Existem muitas razões para esta imprecisão. Por exemplo, falando sobre o
excesso de peso do 1a Física, não se deve esquecer que estar acima do peso pode
lhe dar aos físicos de baixa classificação (3ª Física, 4ª Física) problemas
generalizados de tireoide. E o mais importante: uma pessoa podem tomar a
aparência dum dos pais, e a psicologia do outro. E sua mais que provável
discrepância é capaz de enganar qualquer especialista envolvido na Psychosophy.
Em uma palavra, tudo o que é dito abaixo sobre a aparência dos diferentes tipos de
Física e tipos é um tanto relativo.

Entretanto, não se pode dizer tudo de uma única vez, portanto, dividindo os donos
da Física em “Proprietários” (1ª Física), “Trabalhadores” (2ª Física), “Sensíveis” (3ª
Física) e “Decadentes” (4ª Física), vamos ver como cada um deles é maravilhoso.

“O Proprietário” (1ª Física)


Na multidão, o Proprietário” é o mais visível de longe, é a figura mais brilhante e
notória. O “Proprietário” se distingue principalmente por seu poder e abundância
de formas, altura e a riqueza da sua estrutura facial. Normalmente, ele é bonito, mas
mesmo que ele não seja, o “Proprietário” diz-se que é “muitos” (não é sem razão que
Kretschmer chamou ele um “atleta” em sua tipologia).

A poderosa constituição do “Proprietário” não é lei; tenho me deparado com


indivíduos bastante pequenos entre eles. Mas, mesmo assim, pessoas altas e
corpulentas entre aqueles da 1a Física prevalecem. E isto não é um acidente. Se o
leitor se lembra, um dos atributos principais da Primeira Função é a redundância,
portanto é natural que o 1a Física tenha excesso de carne.

Entretanto, este excesso não se torna evidente, visível imediatamente.


Externamente, o “Proprietário” quando é uma criança, não é diferente de seus
pares. Geralmente, ele é fino, esbelto e com pernas longas. Os primeiros signos
externos do 1a Física aparecem a partir da puberdade: os ombros e quadris se
expandem, os glúteos se tornam planos, os traços faciais crescem mais e adquirem
suculência, os lábios assumem uma forma particularmente sensual, curvados e
beijáveis.

Finalizando o processo da puberdade, o florescimento rápido do 1a Física alcança o


seu apogeu. As garotas com cintura fina obtêm quadris em forma de um Às de
Corações, ombros deslumbrantes e seios robustos e fortes. Homens jovens tornam-
se de ossos e ombros largos, musculosos e peludos. Ainda há pouca gordura no
corpo do “Proprietário”, a pele está limpa, e é distinguida pela luminosidade na
pigmentação, como se diz, “sangue com leite”. Uma capa de cabelo espessa e
exuberante aumenta a atratividade da imagem.

Lamentavelmente, o tumulto de beleza do 1a Física não dura muito: em mulheres


antes do primeiro parto, em homens até os trinta anos. Após deste limite, uma
metamorfose acentuada ocorre, pela primeira vez mostrando a carne em excesso
do “Proprietário”. De um dia para o outro, o peso aumenta em 20-30%, a cintura
desaparece, o estômago sobressai, o corpo começa a crescer demais em gordura.

Inicialmente, o aumento de volume não constrange o 1a Física muito, e até no


contrário, com sua aparência se torna como se fosse adequado para ele, porque o
sentimento inicial puramente psicológico do excesso do seu princípio corpóreo
encontra sua expressão física direta. O “Proprietário” começa a se preocupar
unicamente quando seu peso ultrapassa um certo “excedente” estabelecido por si
mesmo. Mas uma batalha atrasada contra a obesidade raramente rende um
resultado positivo; a preguiça e o hábito de ter comida constantemente fazem
seu trabalho, deformando a aparência do 1a Física cada vez mais.

O precoce e intenso 1a Física tende a crescer tão cedo e de forma bastante


violenta. O corpo é rapidamente coberto de dobras, os seios e as nádegas ficam
flácidos. A pele perde seu brilho e depois escurece, os olhos ficam um pouco
protuberantes. O rolo de beijar no lábio superior desaparece, e o inferior começa a
ceder e virar para fora nas esquinas da boca. O cabelo se torna cinza cedo, e em
homens, normalmente pior, uma calvície que se expande rapidamente é revelada.

Antes do que os outros, o 1a Física é afetado pela menopausa e impotência. De


repente, há doenças, principalmente nas articulações e o sistema cardiovascular. A
origem dessas doenças é programada na própria natureza e psicologia do 1a Física:
Sobrepeso, paixão pelo conforto, excesso, preguiça. O “Proprietário” amiúde
aceita a morte como um resultado do dano ao sistema cardiovascular.

Isso, resumidamente, é a história corpórea do 1a Física.

Se nem é sempre possível falar sobre o poder e a abundância das formas corporais
aplicado ao 1a Física como um começo universal, as peculiaridades de sua
plasticidade são verdadeiramente universais. O “Proprietário”, se não estiver com
pressa, age, falando em russo “como uma ovelha” e em indiano, “com o caminhar
de um elefante”. Com seus ombros endireitados, a barriga protuberante,
empurrando as meias, e os a dedos separados, caminha pela rua com a graça
preguiçosa do 1 Física. Na verdade, ele não se move muito como se estivesse
passando de uma bela pose para outra. Geralmente, a estática está em algum lugar
mais perto do “Proprietário” do que a dinâmica. Ele pode ficar na mesma pose por
horas sem nenhum desconforto visível.

Desde a antiguidade, desde as estátuas do Fídias e Praxiteles, o 1a Física se


estabeleceu como o padrão da beleza humana, tanto na forma quanto na
proporção. Não julgarei quão objetivo realmente é o padrão, mas só vou notar que
o 1a Física atraiu a atenção do artista no momento que ele pegou um pincel e barro
pela primeira vez, e as imagens humanas que chegaram até nós desde os tempos
primitivos mostram, como uma regra, as formas familiares excessivas,
despreocupadas e apetitosas do “Proprietário”.

Os antigos artistas, que poderiam não ter tido um gosto muito refinado, mas à sua
maneira, saudável, não podem ser negados duma certa lógica quando escolheram
o 1a Física como seu modelo. O olho, que vê somente o lado físico e externo dum
objeto, involuntariamente procura aquilo que expressa plenamente o objeto,
preferivelmente, com excesso. E a aparência do 1a Física satisfaz os requisitos da
melhor forma, exibindo o lado externo do humano em excesso. Isto, creio, é o
motivo principal da sua influência notável sobre a formação do ideal estético
antropológico.

Atualmente o gosto artístico tem mudado, tornou-se mais sutil, e imagens do 1a


Física mudaram-se para esferas tão menos prestigiadas como o kitsch e a
pornografia. No entanto, o número dos seus conhecedores, recrutados
principalmente entre os próprios "Proprietários", tem não diminuído. Raramente,
mesmo um homem velho e profundo, com a 1ª Física não tem algures escondido
um cartão de uma donzela nua com um rabo imenso e seios como melancias. E isso
é compreensível. Olhando para um tal cartão, o "Proprietário" não é tanto seduzido
como identificado ao ver nele um jovem ser da mesma espécie, tanto no corpo
como no espírito.

Claro que o interesse na aparência começa no 1a Física consigo mesmo e


acompanha-o ao longo da sua vida, até ao túmulo. Sabendo o que constitui o lado
mais espetacular da sua natureza, o "Proprietário" lida com a sua aparência com
total dedicação até ao fim dos seus dias: expondo tudo aquilo que pode ser
exposto (por vezes chegando ao exibicionismo neste esforço), enfatizando ao
cobrir as roupas que não podem ser expostas, abusando das cores mais brilhantes
da maquilhagem e dos perfumes mais azedos. E deixar não sermos demasiado
duros com o 1ª Física para isto — a demonstração inconsciente da redundância e
excesso da Primeira Função é peculiar para todos — a única diferença é o que ela é.

O cuidado com a aparência, ao mesmo tempo, não impede o "proprietário" de ser


muito desleixado e negligenciar a higiene, especialmente na vida cotidiana. E tal
bifurcação é bastante compreensível, porque a preocupação com o próprio corpo
no 1ª Físico com absoluta confiança na autossuficiência e extrema bondade de seu
começo físico, o que não requer embelezamentos no ambiente doméstico. "E assim
– bom!" — o 1ª Físico pensa preguiçosamente, quando se trata de sabão e de um
pente, e, envolto numa túnica engraxada, assenta sobre a cama cronicamente
desarrumada.

Outra razão que atrai tanto o artista como nós, meros mortais, para o 1ª Física tem
uma natureza especulativa e acaba por ser uma pura ilusão. O fato é que os
poderosos lombos de homens com a 1ª Física, e ancas íngremes e seios firmes de
mulheres são associados por um observador externo com a habilidade de
fertilidade abundante (uma coisa que não perdeu o seu significado até hoje). Isto,
no entanto, é um erro. Não, os homens que são "possessivos" não têm problemas
fazendo bebés, e as mulheres "possessivas" suportarem o parto mais facilmente do
que qualquer outra pessoa. Não se trata de uma questão de fisiologia, mas na
ausência de uma atitude em relação à fecundidade abundante no 1a Física. O
"Proprietário" tem um amor às crianças mal desenvolvido e indiferente, e, se for a
sua vontade, pode lidar com uma criança.

Este paradoxo é explicado pela eficácia do 1ª Física. Procurando mais pelo


resultado do que pelo processo, o "Proprietário" subordina a sua reprodução a este
princípio: uma criança já é um resultado, um resultado que certifica de uma vez por
todas a plenitude da 1ª Física em termos de reprodução. E para replicar o mesmo
resultado, de fato, nada acrescenta ao anterior, há alguma razão? Tal ou quase tal
esquema rola na subconsciência do 1ª Física quando surge a questão da segunda
criança.

Também não é sem o efeito de atitudes mentais, quando um "Proprietário "


masculino descobre subitamente que é impotente. Em geral, a impotência precoce
do 1ª Física tem duas razões: uma é psicofisiológica e a outra é puramente
psicológica. A primeira razão é que a tendência para o excesso e conforto do 1ª
Física começa cedo a envelhecer o sistema cardiovascular. O coração enche-se de
gordura, as paredes dos vasos sanguíneos crescem com sais e toxinas. E como a
potência do homem depende inteiramente do trabalho do sistema cardiovascular, a
sua debilitação prematura pelo 1ª Física é fácil de prever. Na minha opinião, apenas
o jejum terapêutico pode salvar a situação, mas é este tipo de tratamento que o
"Proprietário" menos aceita, a mera ideia da recusa temporária de alimentos o deixa
em choque.

Além disso, a impotência, se ocorrer após a idade dos quarenta anos, não
envergonha muito o 1a Física. E aqui a segunda é uma razão psicológica.
Apreciando no sexo não tanto o processo como o resultado, ele trata o problema da
potência em conformidade. Desde que o seu organismo e experiência lhe permitam
elevar a fasquia sexual cada vez mais alto, o "Proprietário" é o mais imprudente
dos amantes. Mas depois de o pico ser passado, e a própria barra, sem procura,
começa a deslizar para baixo, o sexo perde o seu encanto esportivo para o
"Proprietário", e, depois disso, o interesse desaparece como tal. O tempo dos
resultados mais altos já passou, pelo que vale a pena tentar qualquer mais? —
pondera o 1a Física e assim involuntariamente acelera o processo de paragem no
seu peristaltismo. Como escreveu o sexopatologista Hamburguês Friedrich Koch:
"Quem quer que percebe o sexo como um 'esporte dos maiores sucessos' também
cai em declínio mais cedo".

O resultado é também a razão de algumas outras características específicas da vida


íntima do 1a Física. Penso que é supérfluo dizer que o seu sexo é poderoso e
abundante. Contudo, é necessário advertir que é contraindicado para parceiros com
Física processionais. Porque o sexo "Proprietário" é tosco, mecanicista, econômico,
comercial, monótono, destinado a alcançar o resultado (orgasmo) o mais depressa
possível, e quase indiferente ao que precede ou segue este clímax do prazer. Por
analogia com a atividade de qualquer Primeira Função, há egoísmo, atletismo, um
espírito de violência e competição (não é sem razão que o imperador Domiciano
tenha chamado "luta de cama" ao sexo).

A ação amorosa do 1a Física é sempre monológica. Mesmo quando o parceiro


consegue convencer o "Proprietário" a pensar não só no seu próprio prazer, mas de
alguma forma responder aos pedidos da parte contrária, mantém-se fiel à forma
monológica de intimidade. A diferença é que à fórmula "eu tomo", "eu dou", é
adicionado, mas o "Eu" dominante permanece inalterado; o erotismo não é
concebível para o 1a Física em tais categorias como "nós", "diálogo" e "co-criação".

A aspereza, como já foi mencionado, é também uma companheira indispensável da


Primeira Função e, consequentemente, da 1ª Física. Nesta última é expressa em
baixa receptividade, pele grossa dos órgãos sensoriais (audição, tato, olfato, etc.) O
"Proprietário" é um "monstro sensorial". E esta circunstância também afeta a
intimidade à sua própria maneira. Em primeiro lugar, a superfície do corpo do 1a
Física é pobre em ambas as áreas e número de zonas erógenas, o que,
naturalmente, não acrescenta excitação nem ao "Proprietário" nem aos seus
parceiros, e gera preguiça, sonolência e frieza no amor.

Segundo, as mulheres com a 1ª Física, especialmente as mulheres sem filhos,


muitas vezes não sabem o que é um orgasmo. E, aparentemente, a maioria das
mulheres que, de acordo com a sexologia, sofrem de anorgasmia são mulheres
"possessivas". A razão dada acima é a espessidão da 1ª Física.

A situação não é, no entanto, desesperançosa, penso eu. Sophia Andreyevna


Tolstaya, por exemplo, a julgar pelos seus diários, começou a experimentar o
orgasmo apenas quando tinha mais de trinta anos. E não foi o seu marido, tenho a
certeza, a causa, embora Tolstoy no fervor do amor, poucos conseguiram igualar.
Muito provavelmente, Tolstoy foi levada ao orgasmo pelo parto e amamentação
frequentes, o que acabou por afinar a sua percepção corporal o suficiente para
conseguir uma contração extrema do chamado: "algema do orgasmo", o que,
segundo os médicos, causa orgasmos nas mulheres.

Terceiro, a pele grossa alivia o "Proprietário" do ciúme fisiológico. A palavra-chave


aqui é "fisiológico" porque, ao contrário da crença popular, o ciúme é um
sentimento complexo e multifacetado, e a traição nem sempre é percebida como
um golpe para a Física, e pode, dependendo do psicotipo, não ser percebida de
todo como um golpe. Assim, devido à grosseria, o "proprietário" não é
fisiologicamente ciumento, o conhecimento de que outra pessoa goza das carícias
do seu parceiro permanente não leva a uma rejeição fisiológica, a um sentimento de
escrúpulo, a um sentimento de incapacidade de continuar a intimidade. No caso de
adultério, se há algo que preocupa o "Proprietário" em termos de Física, é a questão
da superioridade sexual sobre o seu rival e o direito de superioridade na possessão,
ou seja, ele está pronto a aturar outra pessoa a correr no seu caminho íntimo, desde
que corra atrás dele.

Para dizer a verdade, o próprio "Proprietário" também não pode ser classificado
como um modelo de fidelidade.

No entanto, não seria muito correto, devido à atitude específica de enganar, atribuir
algum amoralismo natural ao 1ª Física. A natureza da sexualidade "possessiva" é
tal que ele trai como se não estivesse a trair. É possível fazer batota num diálogo
bem estabelecido; quanto ao monólogo íntimo do 1ª Física, ele exclui
conscientemente o diálogo e, portanto, a batota. O sexo do "Proprietário" não é
uma questão de dois, mas apenas dele, portanto, não importa quantos parceiros
haja, o principal é que não há enganar-se a si mesmo, o amado.

A falta de sensibilidade afeta muito os gostos do 1ª Física. Diz-se que os gostos não
são discutíveis, muitas vezes e corretamente ditos, mas argumentados
incessantemente ao mesmo tempo. De modo geral, porém, existem realmente três
tipos básicos de gostos, realmente quase inconciliáveis, cujas diferenças são
devidas à posição do Física nos três primeiros degraus da hierarquia funcional.
Portanto, a referência adicional ao mau gosto do 1ª Física não deve ser tomada
literalmente. Simplesmente não é ele, mas os dois Física abaixo dela, que atuam
como criadores de tendências hoje. Aqui está a principal fonte tanto do
subjetivismo das avaliações em geral, quanto da divisão em mau e bom gosto, em
particular.

Quanto aos gostos do 1ª Física, devido a sua insensibilidade sensorial, ele gosta de
cores brilhantes e marcantes, mas é pobre em distinguir meios-tons e sombras. Tem
uma predileção por alimentos grosseiros, pesados e picantes. Sua audição não é
boa. Não vou dizer que um urso pisou necessariamente em seu ouvido, mas ele
claramente dá preferência aos sons mais altos e mais simples. Ele é atraído pelo
cheiro de torta, nasal, porque o 1ª Física simplesmente não sente nenhum outro,
mais sutil.

Uma predileção por um certo tipo de roupa faz com que a figura do "Proprietário"
se note de longe. Ele gosta de tecidos caros, cativantes e peles, uma silhueta
inchada que enfatiza suas formas já poderosas. Ele não conhece nenhuma medida
para os enfeites de um vestido, se é realmente caro ou frívolo: um broche tão
grande quanto seu punho, uma corrente ou um anel tão grosso quanto um dedo...
Para resumir, podemos dizer que o estilo das roupas do 1ª Física é próximo (sem
querer ofender, por favor) do estilo dos mafiosos, como são geralmente retratados
nos filmes do mundo.

É certo que o gosto do "Proprietário" é agressivo. Mas a questão não é insolúvel. As


lições sérias podem desenvolver e refinar o gosto do "Proprietário". Há muitos
cantores de ópera com a 1ª Física que aguçaram sua audição por longos estudos
(Chaliapin), muitos artistas com a 1ª Física distinguem perfeitamente os tons de
cores (Michelangelo), o pai Dumas, apesar de sua 1ª Física, foi reconhecido pelos
conhecedores da cozinha como o mais refinado cozinheiro. Portanto, embora o
problema do "mau gosto do Proprietário" não seja de fato rebuscado, é solvível,
basta fazer um esforço.

É possível adivinhar em uma criança "Proprietária" bem cedo. Se no jardim de


infância ou no pátio de areia uma criança cujo vizinho roubou um brinquedo,
silenciosamente, sem qualquer negociação prévia, esmurra o infrator na orelha,
então os pais podem ser parabenizados: seu filho tem a 1ª Física.

A explicação do mecanismo desta previsão é muito simples. A Primeira Função nos


conflitos é a arma principal e a primeira arma exposta. Portanto, naturalmente, o
primeiro impulso do "Proprietário" no caso de um confronto é tentar influenciar os
eventos pela força. Especialmente as crianças recorrem a eles, uma vez que elas,
ainda não conscientes do tabu social contra a violência, não consideram necessário
conter seu primeiro e natural impulso.

Com o tempo, a educação geralmente domina tais impulsos, e a criança com a 1ª


Física mais frequentemente apenas os compensa imitando um ataque ou apenas
apertando seus punhos. Esta última opção como um reflexo é mantida pelo
"Proprietário" até o final dos dias.

A atitude em relação à violência como um teste decisivo para determinar a posição


da Física nos degraus da hierarquia funcional só é boa para o tempo da infância.
Mais tarde ela se torna objeto de muita atenção de uma esfera tão sem sentido
como o direito penal, sob cuja proteção está precisamente a camada física da vida.

Portanto, eu não quero assustar ninguém: nem o próprio "Proprietário ", nem os que
estão por perto dele, mas o 1ª Física é uma das categorias mais criminogênicas de
cidadãos. Isto não significa que os outros Física estejam obviamente limpos perante
a lei, e o "Proprietário" está na cadeia desde o nascimento. De forma alguma. Muito
no destino do "Proprietário". depende da ordem das outras funções, da criação, da
eficácia da lei aplicação, o modelo econômico da sociedade e muito mais. Ainda
assim, a tese do aumento da criminogenicidade da 1ª Física permanece em vigor.
Porque somente nela, quando um problema impulso inconsciente provoca
instantaneamente a tentação de resolvê-lo através de ações. E nem sempre os freios
externos e internos são fortes o suficiente para superar tais tentações.

A propensão impulsiva para a violência é bem ilustrada por um exemplo inofensivo


das vidas de ambos Dumas. Um dia, enquanto o pai Dumas estava sentado no
trabalho, o pequeno filho de Dumas o interrompeu involuntariamente com seu
choro forte; a reação do Dumas foi bem dentro do espírito da 1ª Física — ele pegou
seu filho silenciosamente pelo pescoço e o jogou na cama. É claro que esta ação do
escritor não foi sujeita a julgamento, mas é uma boa ilustração da tese sobre a
tendência impulsiva da 1ª Física à violência. A impulsividade desta propensão é
indicada por um episódio ainda menos bonito na vida de Alexandre I. Um
contemporâneo do Czar descreveu o desfile dos guardas após seu retorno da
campanha: "Finalmente o imperador apareceu, liderando a divisão da guarda, em
um glorioso cavalo vermelho, com a espada desembainhada, que ele estava prestes
de descer diante da imperatriz... Nós o admiramos. Mas naquele exato momento um
homem correu para o outro lado da rua quase pela frente de seu cavalo. O
imperador deu as esporas para seu cavalo e correu para o homem em fuga com sua
espada descalvada. A polícia levou o homem em seus bastões. Não podíamos
acreditar em nossos próprios olhos e nos afastamos, envergonhados do rei que
amávamos. Involuntariamente lembrei o gato convertido à beleza, que, no entanto,
não podia ver um rato sem se apressar.".

A crueldade, e o egoísmo da Primeira Função já foi mencionada anteriormente.


Ambas qualidades, evidentemente, são totalmente intrínsecas à Primeira Função. É
mais fácil para ela matar, estuprar, roubar e assaltar do que para qualquer outra
pessoa. Mas "mais fácil", é claro, não significa querer cometer tal coisa. A grande
maioria dos "Proprietários" são cumpridores da lei e não são um perigo para os
outros. Além disso, queremos nos curvar e simpatizar sinceramente com os
"Proprietários" cumpridores da lei por seu feito quase diário de se superar a si
mesmos, pela violência crônica contra o lado mais poderoso de sua natureza.
Concordar, sem muita esperança de sucesso para insistir, persuadir, perguntar,
onde tudo parece ser simples, fácil e rapidamente resolvido por um único golpe -
não é tortura?

***

O "Proprietário" é a primeira vítima de todos os tipos de fraudes financeiras, loterias,


jogos de azar, etc. Ele é um jogador monstruoso, e a perspectiva de
enriquecimento instantâneo e sem esforço tem um poder quase mágico sobre
ele. A tentação do "Proprietário" de encher seus músculos do bolso prevalece sobre
todos os argumentos da razão, o que é compreensível, já que sua Física, por
definição, domina a Lógica, assim como todas as outras funções. Claro que,
dependendo do grau de confiança na Lógica, o envolvimento do "proprietário" em
projetos de miragem financeira é diferente. Mas, se na 1ª Física a lógica é a 4ª,
então o exemplo de Balzac, que toda sua vida se precipitou com projetos fantásticos
de enriquecimento imenso instantâneo, provará não ser o mais curioso.

Embora ele normalmente não leve a sério as dores e problemas dos outros, o
"Proprietário" é mais gravemente afetado por sua própria propriedade e perdas
físicas do que qualquer outra pessoa. Até mesmo pequenos golpes na Física, o pilar
de sua personalidade, são muitas vezes percebidos por ele como quase a morte do
universo. Penso que os suicídios em massa durante as quebras da bolsa de valores
são cometidos em sua maior parte pelo 1ª Física. Em qualquer caso, os de Física
inferior são menos sérios em relação ao dinheiro.

O que devo dizer sobre as crises na bolsa de valores? Mesmo um leve resfriado
espalha o "Proprietário" contra a parede, às vezes levando-o à histeria. De fora e na
opinião de outros Física, uma reação tão elevada a uma simples enfermidade é um
teatro, um jogo, uma provocação para causar piedade. Mas na realidade, não é. O
descobrimento de uma fraqueza, de um defeito no lado mais forte e melhor da
própria natureza é uma tragédia para qualquer um. No caso do "Proprietário", este
lado é a Física, e por isso naturais são suas excessivas, para o expectador,
preocupações com pequenas indisposições.
Mais uma vez, gostaria de expressar minha mais sincera e afetuosa simpatia com o
"Proprietário". Afinal, é a Física, como nenhuma outra função, que está sujeita aos
golpes do tempo que flui rapidamente. Não há opções. Os anos podem acrescentar
inteligência, manter intacta a força da mente e o frescor dos sentimentos, mas não
há casos em que eles tenham acrescentado ou salvado a juventude, a beleza, a
força, a saúde de alguém. Portanto, a trágica evolução do "Proprietário", associada à
destruição de seu apoio, de um homem otimista e alegre a um homem irritável,
sombrio, apocalipticamente olhando para o mundo, é quase inevitável.

O exemplo de Chekhov aqui é bastante ilustrativo. Sob o peso do envelhecimento e


do crescente processo de tuberculose, ele rapidamente se esforçou para subir do
esplendor e alegria de Antosha Chekhonte ao cantor clássico do crepúsculo e da
melancolia; sem o freio da 3ª Emoção, que impediu Chekhov de gritar livremente o
terror que o encheu, as peças de Chekhov seriam comparáveis em tom às tragédias
mais sombrias de Shakespeare.

***

A 1ª Física é, para dizer de forma suave, um pouco avarenta. Não posso julgar até
onde sua mesquinhez pode ir em cada caso individual. Não há norma aqui, o
alcance é enorme: desde a prudência quase imperceptível até a verdadeira cobiça
patológica. Em qualquer caso, qualquer "Proprietário " é um materialista total,
conhecendo melhor do que ninguém os benefícios e o valor do dinheiro. A
famosa frase do Presidente Reagan sobre o programa de almoço escolar gratuito —
"não existe tal coisa como almoço gratuito" — exprime perfeitamente a visão sóbria e
puramente pragmática do problema da ajuda mútua material que é característica da
1ª Física.

Embora o "Proprietário" seja avarento, ele não é o tipo de pessoa que está disposta
a trabalhar infinitamente para reabastecer seus recursos. O credo econômico
pessoal do 1ª Física pode ser formulado da seguinte forma: o objetivo principal é
atingir 120-130% do nível de bem-estar do grupo social ao qual se pertence. Ou
seja, o 1ª Física pode ser formulado da seguinte forma:

O Física quer viver um pouco melhor que os outros, e a porcentagem de excesso de


propriedade deve corresponder à porcentagem de autopercepção do próprio
excesso físico. Mas nesse ponto, parar. Tendo alcançado um resultado externo
adequado ao sentimento interior, a 1ª Física sacia assim sua sede por dinheiro e
muda voluntariamente seu tempo e energia para funções processionais, de modo
que o "Proprietário", não sendo nem ascético nem altruísta, ao mesmo tempo não
tem limites infinitos, mas sim limites claramente definidos de necessidades
materiais.

Permito-me, a este respeito, um pequeno conselho aos pais de crianças com a 1ª


Física. Se você quiser ver seu filho se desenvolver harmoniosamente, tente fazer
com que ele se sinta um pouco mais abastado do que seus pares. Uma criança não
precisa de muito, e o efeito de tal alimentação pode ser enorme. Uma criança bem
alimentada, tendo recebido resultados patrimoniais adequados, muda mais
rapidamente e de bom grado para estudos em esferas não-materiais. Quanto às
crianças, eu acho que não se deve poupar. E no caso da 1ª Física tal economia é
simplesmente perigosa, a fome material sufocará completamente a criança em
todas as outras necessidades e, não excluindo, irá conduzir a ofensas.

Um esplêndido exemplo de uma solução precoce para os problemas de criação da


1ª Física é a infância de Goethe. O poeta estava bem ciente de sua dependência do
nível de riqueza e, uma vez em tom de brincadeira, observou que se ele tivesse
nascido na Inglaterra, não teria nascido sem uma renda anual de 6.000 libras.
Embora o próprio Goethe não pudesse reclamar — ele nasceu em uma das famílias
mais ricas de Frankfurt. Mas a sorte de Goethe não estava nisto, mas que seus pais
não pouparam dinheiro com ele. Sentindo-se suficientemente rico, o rapaz se voltou
para dominar todo tipo de sabedoria literária, inclusive aquelas relacionadas com a
Lógica que era dolorosa para ele, com o tempo se destacou marcadamente neles e
se tornou não apenas um grande poeta alemão, cientista, administrador, mas, acima
de tudo, o padrão de uma personalidade harmoniosa.

Um individualista rigoroso na vida cotidiana, o "Proprietário" permanece assim em


sua atitude em relação ao modelo econômico da sociedade. Nos termos habituais
da economia política, o "Proprietário" é um "liberal" nato. Ele é um inquestionável
defensor da propriedade privada e nada fã de incentivar todos os tipos de
programas sociais. Quando o General Pinochet escolheu como lema "O Chile é um
país de proprietários, não de proletários", ele estava expressando não tanto as visões
econômicas incutidas nele, mas seu senso pessoal do que estava certo com a
economia. E foram estes sentimentos que foram projetados com sucesso no
mecanismo econômico do país durante o reinado de Pinochet.

Mesmo quando o 1ª Física assume o comando de um Estado com um sistema que


não permite deliberadamente a iniciativa privada e a "injustiça social", ele
permanece o mesmo. A diferença é que, neste caso, a preocupação com os pobres
se transforma em pura demagogia, e o incentivo à iniciativa privada é substituído
por uma atitude mais do que indulgente em relação ao roubo (Brezhnev).

Se estamos falando da face política do 1ª Física, é necessário dizer que o


"Proprietário" é também um "falcão" nato, o que se torna bastante compreensível se
nos conta suas propriedades psicofísicas. Somente para o "proprietário" é natural
dar preferência a métodos forçados sobre todos os outros na solução de problemas
políticos surgidos. E, além disso, apenas a 1ª Física identifica inteiramente o poder
de um país com o volume de seus músculos militares, bombeados o máximo
possível com excesso.

Considerando isto, penso que o leitor compreenderá a natureza programada duelo-


militarista entre Reagan e Brezhnev. Já que ambos políticos tinham a 1ª Física, a
corrida armamentista durante seu reinado foi fatalmente predeterminada.

Quando Reagan foi sucedido como presidente por Bush, na ausência de uma
mudança formal (Reagan foi sucedido por um colega presidente e vice-presidente),
houve uma mudança radical nas prioridades. Bush, com sua 1ª Lógica, identificou o
poder do Estado não com a quantidade de armas, mas com o nível de educação, e
fez as correções apropriadas em programas governamentais. Portanto, também na
política, enquanto os outros componentes são idênticos, a diferença na ordem das
funções de suas figuras predeterminará inevitavelmente a mudança de meios e
pontos de referência.
***

O "Proprietário" é um daqueles que, como Goethe disse através de Fausto “só leva
as coisas a sério”. Portanto, mais uma marca perceptível do 1ª Física da infância é
um desejo irresponsável, mas óbvio, de artesanato, de procura pelo assunto. A
criança "Proprietário" procura tentar tudo, passar por suas mãos diferentes,
principalmente artefatos domésticos. Compreendendo facilmente a essência do
caso, ele rapidamente confia em seus movimentos suficientemente cedo para
começar a reproduzir até mesmo uma operação relativamente complexa. Em
resumo, o 1ª Física da infância não tem medo ou problemas relacionados ao
artesanato e à mecânica.

Ao mesmo tempo, o "proprietário" não pode ser chamado de "workaholic", um


apostador que sente prazer do trabalho como tal, independentemente do
resultado. A processionalidade do trabalho contradiz o 1ª Física — ele é econômico,
calculista e não se apressa a trabalhar muito para objetivos vagos ou recompensas
inadequadas.

Uma pequena, mas expressiva característica da psicologia de produção da 1ª Física


pode ser considerada o fato de que ele não se opõe à esteira transportadora. ele
lida com o trabalho na esteira transportadora sem oposição e tensões internas: ele
dá um resultado rápido e visível, tão necessário para o 1ª Física, e a monotonia do
trabalho não é um fardo para ele — desde que ele seja pago (outro resultado).

***

Naturalmente, esportes estão entre as principais atividades e interesses da 1ª


Física. Afinal, é o esporte, ao que parece, que realiza o início físico em sua forma
mais pura. E ele, em que é forte, não pode deixar de tentar se auto-avaliar neste
campo.

No entanto, o "Proprietário" aceita o esporte não incondicionalmente, e não


inteiramente, mas sob sua, determinada posição da Física, ângulo de visão, com
certas simpatias e preferências. Internamente, a coisa mais próxima da 1ª Física é a
musculação. A óbvia orientação da formação do corpo sobre a disputa — que
mostrará mais abundância e alívio de carne — é extremamente atraente para a
experiência das mesmas sensações mentais do "Proprietário".

O 1ª Física também gosta de artes marciais esportivas, nas quais ele é atraído pela
característica das artes marciais, não tanto pelo processo de luta, mas pelo resultado
tão caro ao seu coração. O "Proprietário" é um pouco menos simpático com os
jogos coletivos e não encontra nada confortável neles. Na verdade, ele se sente à
vontade apenas na primeira linha de ataque, porque no jogo coletivo o lugar
do atacante é o único onde a paixão do "Proprietário" pela eficácia pode ser
bastante satisfeita.

Embora pareça que o esporte é especificamente projetado para o 1ª Física, ele nem
sempre tem sucesso neste caminho. E há boas razões internas para isso. Primeiro, o
"Proprietário". tem uma reação um tanto má desenvolvida, e parece que o impulso
corre um pouco mais lento ao longo dos músculos do 1ª Física do que em outros
Física. Portanto, por mais atraente que seja, digamos, a esgrima ou o tênis de mesa
para o "Proprietário", ele não pode esperar muito sucesso aqui.

Segundo, as falhas no esporte do 1ª Física são devidas ao atraso e ao curto prazo


do que eu mesmo chamo de "previsão dinâmica". Em suma, a previsão dinâmica é a
previsão das consequências de um determinado movimento em um determinado
ambiente e sob certas regras.

Para maior clareza, vou dar como exemplo um retrato do movimento de uma pessoa
em uma multidão. Uma vez dentro dela, uma pessoa, julgando por fora, move-se
livremente e sem pensar, mas na realidade isso não é assim. Ao longo do caminho,
do ponto de partida ao fim, o pedestre, para não colidir com os outros e ao mesmo
tempo não transformar seu movimento em uma perambulação sem fim, está
ocupado com uma previsão inconsciente da rota ideal, onde, além de seus próprios
dados, são levadas em conta as dimensões, a velocidade e a direção do movimento
dos outros. A regra do lado predominante do tráfego, assim como a não escrita,
mas existente para os pedestres em qualquer país. Em uma palavra, no
subconsciente de uma pessoa, vários mapas hipotéticos da situação estão
constantemente e levando em conta todas as condições, um passo, dois, três à
frente. Assim, mesmo uma ação tão simples como mover-se em uma multidão é
controlada por um computador interno, engajado em previsões dinâmicas, e, a
julgar pelas colisões e acertos que ocorrem nesta situação, a previsão deste
computador, dependendo da posição da Física nas etapas da hierarquia funcional,
pode ser diferente e longe do ideal.

Quanto à dependência da previsão dinâmica da ordem das funções, vou tentar


explicar seu mecanismo em outro exemplo, que pode se tornar um bom teste
doméstico em Física na ocasião. Estamos falando de uma ação tão simples como
derramar líquido em um navio. Portanto, a 3ª Física geralmente está abaixo do
normal porque sua previsão, por cautela e insegurança, está à frente da ação. A 2ª
Física, pelo costume da 2ª Função, é normativa, sua previsão é adequada à ação,
portanto o nível de líquido que corresponde sempre ao risco limitador. A 1ª Física,
por outro lado, muitas vezes se transborda, já que sua previsão é descuidada e está
atrasada em relação à ação.

Agora que o significado de "previsão dinâmica" é claro para o leitor, é fácil de


adivinhar porque uma previsão tardia e de curto prazo tem um impacto negativo na
carreira esportiva do "Proprietário": jogo de interceptação, antecipação e passagem
precisa são mais difíceis para ele do que para qualquer outra pessoa.

Entretanto, as consequências dos erros de previsão dinâmicos no 1ª Física são


muito mais graves do que simples falhas no esporte. O fato é que a insensibilidade
sensorial do "Proprietário" desde o início não é propícia a uma percepção objetiva
do ambiente externo, incluindo os perigos a ele associados. E sua combinação com
o prognóstico dinâmico tardio, em geral, faz do 1ª Física um paciente permanente
de hospitais e centros de trauma. É como se pelo próprio destino estivesse
destinado a receber e infligir traumas.
Fica-se com a impressão de que o mecanismo de previsão dinâmica do
"Proprietário" não é para dizer que ele tende a estar errado, mas que ele está
apenas em um estado desconectado. Aconteceu que para observar tal cena. Um
bom conhecedor meu da 1ª Física uma vez a levou para puxar um pedaço de
vergalhão de uma pilha de entulho de construção para suas necessidades
domésticas. O vergalhão não cedeu, meu conhecido, irritado, aumentou seus
esforços e, observando-o, quanto mais eu, um espectador, estava imbuído da
expectativa de um desastre. Meu amigo estava puxando sem olhar para trás e
obviamente sem pensar em onde seu cotovelo seria se a armadura cedesse
repentinamente, ou seja, não houvesse previsão dinâmica em todos. É claro que
terminou da maneira que deveria terminar: o vergalhão cedeu repentinamente, e
seu cotovelo bateu na alvenaria dobrada atrás dele com toda sua força.

Se multiplicarmos todas essas circunstâncias assustadoras pela paixão natural por


adquirir todos os tipos de mecanismos e máquinas perigosas (carros, por exemplo),
então o fundo suicida e traumático em que se desenvolve a vida do 1ª Física
aparecem ainda mais claramente.

"o Trabalhador" (2ª Física)


Comecemos com o aparecimento do "trabalhador". Na infância, uma criança
com 2ª Física dificilmente se destaca externamente entre os seus pares. O único
indício um tanto sólido de um trabalhador neste período é a forma redonda e lunar
do rosto. Só Deus sabe como se revelou e o que a ciência dirá sobre isto, mas a 2ª
Física é predominantemente "braquicefálica" (de cabeça curta), enquanto o resto
dos físicos é predominantemente "dolicocéfalo" (de cabeça longa). Assim, pela face
redonda e larga, a 2ª Física é reconhecível de longe e em qualquer idade.
O início da puberdade pouco acrescenta à aparência do "Trabalhador". As
meninas desenvolvem seios pequenos, fortes e ricos em leite. As nádegas
aumentam muito em volume (parece que com o início da puberdade, o processo de
crescimento e distribuição da massa muscular da pélvis dos 1ª e 2ª Físicas procede
de forma unilateral e em direções diferentes: na 1ª Física, os quadris crescem com
as nádegas planas, e em 2ª Física mantendo a estreiteza dos quadris, as nádegas
crescem).
Mulheres antes do parto, homens com menos de trinta anos geralmente
permanecem magros e esguios. O mais marcante é a metamorfose que ocorre com
a 2ª Física depois disso: a cintura desaparece, e a linha reta resultante desde os
quadris até os ombros dá ao torso curto, uma forma quase quadrada; o tornozelo
desaparece, e a perna parece ser mais sólida e firme no chão. A mão é uma
combinação de uma palma larga e quadrada com dedos curtos, gomosos e rápidos.
O círculo é a forma que predomina na aparência da 2ª Física. E foi
precisamente a forma do círculo que Tolstoy utilizou ao descrever Platon Karataev:
“... a figura inteira de Platon... era redonda, a sua cabeça completamente redonda, as
suas costas, peito, ombros, até os seus braços, que ele usava, como se sempre
tivesse a intenção de abraçar algo, eram redondos; um sorriso agradável e grandes
olhos castanhos suaves eram redondos.”
Após trinta anos, o "Trabalhador" não sabe como o pescoço e as pernas são
curtas, ou, talvez, comece a parecer mais curto. Toda a sua silhueta parece ser
comprimida e mais densa, dando à sua aparência uma forma forte, saudável,
descendente e compacta (não sem razão Kretschmer na sua classificação chamou 2ª
Física de "piquenique" - "denso").
A evolução da aparência da 2ª Física pode ser claramente traçada na evolução
da aparência externa de Napoleão: na sua juventude, ele até exibiu abertamente a
sua esbelteza e magreza; afinal, o que saiu dele pode ser visto em seus retratos da
era imperial. Como se parece a versão feminina da 2ª Física após o parto pode ser
imaginado olhando para as imagens nuas da segunda esposa de Rubens: Helena
Frowman, Venus Callipiga, "Pomona" Maillol.
No geral, o aspecto da 2ª Física pode ser descrito da seguinte forma: seu rosto
não é demasiado feio, nem demasiado belo. Um rosto simples, largo e redondo com
um nariz pequeno, curto e geralmente direito. O crescimento é frequentemente
abaixo da média, pessoas altas são raras. O cabelo não difere em textura e
densidade especiais, e nos homens há uma mancha de careca precoce. A figura é
de ombros largos, de peito largo, para trás. As proporções são dominadas por uma
orientação para a largura, quadradice, auto-disciplina, estabilidade, portanto, se
procedermos dos cânones de beleza estabelecidos (cuja origem foi mencionada na
seção dedicada à 1ª Física), as proporções de um "Trabalhador" não podem ser
chamadas de belas. Embora esta circunstância não incomode de todo os homens e
incomode as pequenas mulheres com a 2ª Física.
Acrescentarei, na forma acima descrita, a 2ª Física, após trinta anos, está, por
assim dizer, preservada e vive inalterada até à morte. Um pequeno abdômen ainda
pode crescer, mas a obesidade grave não ocorre à flacidez. O "Trabalhador" não
gosta de excesso de peso, e o estilo de vida dinâmico que normalmente leva não
contribui para isso.
Embora, como foi dito, a aparência da 2ª Física nunca seja demasiado bonita, é
necessária uma reserva, pode não ser muito atrativa em estética, mas é
invulgarmente boa em dinâmica.

A impecável limpeza, economia, rapidez e precisão dos movimentos


característicos do "Trabalhador" são estéticas em si mesmas. Não posso deixar
de recordar o meu professor de karatê a este respeito. Olhando para as suas pernas
curtas, era difícil acreditar que geralmente conseguiam elevar-se acima de uma
barriga bastante perceptível. Por isso, no treino, algo como um choque provocou-
lhe, como se tivesse sido atingido por um tiro rápido, lento, impecável na pureza,
não inferior em complexidade, altura e beleza ao balé, balanços de pernas.
A idade tem pouco efeito sobre a plasticidade do "Trabalhador". Gorky,
descrevendo o idoso Mark Twain, disse:
“Seus ossos secos e dobráveis movem-se cuidadosamente, cada um deles sente a
sua velhice... Ele parece muito velho, mas é evidente que está desempenhando o
papel de um homem velho, pois muitas vezes os seus movimentos e gestos são tão
fortes, habilidosos e tão graciosos que por um minuto se esquece de sua cabeça
cinzenta.”
A 2ª Física vive pelo movimento, por isso a simplicidade, a normatividade e
a beleza são tão naturais para ela como respirar na água é natural para um
peixe.
2ª Física sabe muito sobre o amor. Sem garantir nada antecipadamente em
cada caso individual, posso declarar com total responsabilidade que o
"Trabalhador" é o melhor amante do mundo, se tivermos em conta o significado
puramente físico da palavra. As características típicas da Segunda Função como tal:
força, variedade, processionalidade, diálogo, flexibilidade — podem ser
completamente transferidas para o sexo da 2ª Física. No amor, o "Trabalhador" é
incansável, confiante em si próprio e no seu direito à liderança nesta área,
multifacetado, não normalizado, engenhoso, natural, tolerante, benevolente,
receptivo, preza todas as fases das relações sexuais sem excepção, do início ao fim.
Muito contribui para a paixão da natureza do "Trabalhador" e para a
abundância de zonas erógenas localizadas (em contraste com a 1ª Física) e nas
costas. Mas acima de tudo, não sei porquê, seus ouvidos são erógenos. À luz desta
peculiaridade, torna-se claro que Napoleão, que possuía a 2ª Física, costumava
balançar os seus subordinados pelas orelhas como um sinal da mais alta disposição.
Ele acariciava como gostaria de ser acariciado.
Muitas das virtudes amorosas do "Trabalhador" devem também ser atribuídas
ao fato de seu sexo ser de longa duração. A 2ª Física não está inclinada a atrasar o
tempo da sua primeira relação sexual e, com prazer, entrega-se a esta profissão ao
longo da sua vida, até à última ênfase permitida pelo envelhecimento do
organismo.
A própria atitude da 2ª Física em relação ao sexo pode ser chamada de
normativa. A febre esportiva da 1ª Física, a timidez e a hipocrisia da 3ª Física, a
indiferença da 4ª Física são-lhe igualmente estranhas nesta esfera. "Trabalhador"
reconhece o sexo como um dever agradável necessário, que pode ser falado sem
arrebatamento e maldições, numa linguagem simples, calma e livre.
Igualmente calma é a atitude do 2ª Física para com a nudez. Ele é um nudista
nato — uma pessoa que aceita a nudez como um dado não negociável, aprecia-a
pelo menos pelo fato de ser natural, não vê nada fortemente sedutor ou super
repulsivo na nudez.
No geral, a marca da 2ª Física é a simplicidade, o amor e a atitude natural a
tudo o que diz respeito à fisiologia. Para ela, não há altos e baixos em fisiologia,
não há nada digno de dissimulação, vergonhoso — ainda é maravilhoso, ainda é
belo e pode ser uma fonte de inspiração. A este respeito, não me negarei o prazer e
citarei uma citação longa, mas absolutamente encantadora, do romance de Zinovy
Zinik "Russofobia e Fungofilo", descrevendo com raro prazer o processo de
defecação de um emigrante russo que acabou na Inglaterra:
"Levantou-se, esticado com um estalido, estremeceu docemente e bocejou,
ouvindo o rosnar do seu estômago e o grunhido de uma coruja em uníssono. Para
alcançar a harmonia final, teve de se aliviar por dentro. ficou de pé durante um
minuto, com as calças a cair de joelhos, coçando a barriga — expondo-a à brisa
fresca do ar noturno, pois só uma pessoa pode coçar, completamente convencido
de que não há ninguém além dele nesta terra, nesta clareira, entre estes arbustos e
árvores, afundou-se lentamente nas suas assombrações. Enorme traseiro... com o
seu brilho mate, brancura desnorteada na borda preta da folhagem noturna, parecia
uma lua cheia a cair de um leito de penas de nuvens trovejantes. A luz da lua tocava
nas nádegas brancas e era incompreensível, o que ilumina esta claridade com uma
luz cintilante — o traseiro russo ou a lua inglesa?... ele aliviou-se ruidosamente e de
coração, gemeu, empurrou e suspirou com alegria, materializando a ligação da sua
alma — o seu estômago — com as raízes e o solo através do ânus. Sentado com uma
folha de plátano nas mãos, a cada grunhido que sentia cada vez mais, como o vazio
feliz dentro dele se equilibrava com o vazio prístino desta clareira noturna."
Vale a pena explicar depois desta citação onde a Física representa o autor... como
se equilibra o vazio feliz dentro dele com o vazio imaculado desta clareira noturna…
A percepção do ser físico pelo "Trabalhador" principalmente como um
processo leva ao fato de que ele não é apenas sexual, mas também amante de
crianças. Embora não irrefletidamente, mas sim com prudência. Ele ama as crianças,
adora criá-las, carregá-las, alimentá-las, guardá-las, lavá-las, etc. Portanto, por mais
correlacionadas que sejam as restantes funções do "trabalhador", por mais relações
que desenvolvam na família, não há razão para se preocupar com a vida e a saúde
física das crianças nascidas pela 2ª Física.
***
Um "Trabalhador" é uma criatura de extremo contato no sentido físico. Adora
tocar, passar a ferro, cuidar de pessoas e objetos que considera seus, familiares,
próximos, sem alterar a sua necessidade de contato, mesmo quando é necessário
tirar as panelas ou espremer pus.
Ao mesmo tempo, para a 2ª Física há uma linha para além da qual há pessoas e
objetos que são completamente intocáveis para ela, aos quais ela tem um nojo a
priori e tão forte que por vezes parece apenas episódico. Sobre Dostoevsky, que
tinha, por estranho que pareça, a 2ª Física, a sua esposa contou a seguinte história:
Um dia foram a um restaurante em Berlim, sentaram-se debaixo de uma árvore e
pediram uma cerveja. De repente, um galho caiu da árvore na caneca de
Dostoevsky, e com ele um enorme besouro negro. Ele estava a resmungar e não
queria beber da caneca com o escaravelho, mas deu-a ao garçom, pedindo para
trazer outra. Quando feito, ele lamentou porque o pensamento não tinha vindo
primeiro exigir uma nova caneca, e agora, talvez, o empregado só tire o escaravelho
e o ramo e traga a mesma caneca de volta. Quando o empregado veio, Dostoevsky
perguntou-lhe: "Bem, despejaste essa caneca?" — "Como a despejaste, eu a bebi! "
— respondeu ele, e pelo seu olhar satisfeito podia-se ter a certeza de que não perdia
a oportunidade de voltar a beber cerveja".
Este episódio com Dostoevsky, para além de uma ilustração vívida da tese
sobre a limpeza enfatizada da 2ª Física, é um exemplo claro da discrepância entre
as atitudes psicológicas de diferentes físicos. Diferente de Dostoevsky, o
empregado de mesa tinha muito provavelmente a 1ª Física (ela não é muito
reticente devido à sua pele espessa), e esta circunstância determinou a diferença de
comportamento do empregado de mesa e de seu famoso cliente.
A paixão do "Trabalhador" pela pureza parece quase maníaca aos olhos de
outros físicos, e é por ela que a 2ª Física é a mais fácil de reconhecer. Basta entrar
na casa brilhante de limpeza e ordem, na qual certamente vive.
"Trabalhador" é rápido, móvel e inquieto. A sua energia e resistência são
espantosas. Não há punição pior para a 2ª Física do que a ociosidade forçada. As
operações mais difíceis e os ataques cardíacos não são capazes de curvar o
"Trabalhador" — assim que ele recupera a consciência, começa a sentir a
necessidade de ação, ansiedade motora, o que rapidamente leva o problema a voar
da cama do hospital.
A 2ª Física é a única verdadeira "viciada no trabalho". O trabalho é
necessário e precioso para ela em si mesmo, muitas vezes sem importar o
tamanho da recompensa. Além disso, deve prestar especial atenção ao fato de que
o seu vício em trabalho não é dirigido por uma esfera física. A 2ª Física é obcecada
por trabalho em geral, do mais amplo perfil. Seja qual for a ordem das outras
funções do "Trabalhador", ele está pronto a trabalhar incansavelmente em qualquer
lugar onde o seu destino não seja atirado: nos campos artístico, intelectual, de
gestão — tudo na mesma.
Um "Trabalhador" pode trabalhar num cinturão de transporte, embora não sem
violência sobre a sua monotonia penosa da natureza. Muito mais eficaz é a utilização
da 2ª Física numa variedade de trabalhos coletivos. Qualidades da Segunda
Função, tais como força, cortejo, diálogo, flexibilidade, são incorporadas no tipo de
um mestre ideal da 2ª Física em produção. Há um mestre semelhante, e não um, em
qualquer produção. Ele é ganancioso pelo trabalho, habilidoso, pronto a dar
exemplo de entusiasmo laboral, a cativar os indecisos e a forçar os negligentes
a trabalhar, a substituir os cansados, a ensinar um recém-chegado, a ser o
primeiro a dominar uma nova operação, a assumir o controle em caso de
situações de emergência.
Infelizmente, houve um lugar na terra onde a ambição pelo trabalho da 2ª
Física se transformou numa tragédia para ela — estes eram os campos stalinistas. Isto
aconteceu porque a confiança no valor absoluto do trabalho, o hábito da ação e o
desprezo pelo gasto de forças o obrigaram a aproveitar o trabalho árduo sem
artifícios, do primeiro ao último dia, com total dedicação, cujo pagamento foi uma
morte precoce e dolorosa. O trabalhador árduo, incapaz de simular e de sabotar,
em menos de um ano simplesmente apagou-se como uma vela pela fome e o
excesso de esforço. Que a paz esteja com ele, que pereceu de forma mais absurda e
trágica do que outros, que pereceu da impossibilidade de frear o melhor lado da
sua natureza.
O talento especial da 2ª Física é fazer, como dizemos, "transformar água em
vinho". A 2ª Física é econômica, nada desaparece na sua poupança e, ao mesmo
tempo, nada é peso morto; e qualquer coisa, mesmo muito desgastada, encontra
sua aplicação ao longo do tempo, muitas vezes bastante diferente da ideia original
por trás de tê-la (um bom exemplo disto é Walter White constantemente arranjando
maneiras práticas para ele e Jesse saírem das ciladas em ‘Breaking Bad’). Ao
transformar água em vinho, o "Trabalhador" tem um tipo especial de pensamento,
cujo mecanismo não me vou comprometer a explicar, só sei que ninguém é capaz
de compreender o mundo das coisas tão profunda e compreensivamente e
transformá-lo tão profunda e compreensivamente como 2ª Física. Cocteau escreveu
sobre Picasso:
“... ele reuniu o que era necessário. Ele é um negociante de sucata genial. Assim que
sai de casa, começa a pegar tudo e leva para a sua oficina, onde tudo começa a
servi-lo, elevado a uma nova e alta patente. E não só as mãos pegam num objeto
inusitado. O olho também escolhe cada coisinha. Se olhar atentamente para as suas
telas... Os objetos obedecem a Picasso, como os animais a Orfeu. Ele leva-os onde
quiser, para o seu reino, que ele domina, estabelecendo as suas próprias leis. Mas
estes objetos permanecem sempre reconhecíveis, pois Picasso sempre é fiel à ideia
neles presente.”
Sem entusiasmo indevido, mas com toda a seriedade a 2ª Física trata o mundo
dos objetos. Lhe é caro, um fator, tão caro como o ar para um pássaro. A esposa de
Dostoevsky recordou: “...durante dois ou três dias o meu marido e eu fomos comprar
minhas roupas para o verão, e maravilhei-me com Fyodor, como ele não estava
aborrecido com a escolha, considerando a matéria-prima do lado do seu fator de
qualidade, padrão e estilo do artigo comprado. Tudo o que ele escolheu para mim
foi gentil, simples e elegante, e em seguida confiei completamente no seu gosto.”
A 2ª Física reconhece o valor do dinheiro, gosta e sabe ganhá-lo. Tal como no
trabalho em geral, na sua atividade financeira o "Trabalhador" não conhece o limite
e está preparado internamente para um acúmulo interminável. Contudo, ele não é o
Shylock ou o Gobsek para se gastar em torno do ouro. O comercialismo da 2ª Física
não é tão eficaz, sendo processional, já que seu interesse próprio não atinge uma
angústia patológica e trágica, mas tem o caráter de um entusiasmo saudável,
mesmo em um campo de atividade bastante específico.
O colapso financeiro, claro, não passa despercebido pela 2ª Física. No entanto,
não é fatal, não derruba o "Trabalhador" da sela. O colapso agrava as condições do
processo de compra, mas o processo em si não se cancela, o que significa que a
vida continua.
Do ponto de vista da simpatia pelos modelos políticos e econômicos, o
"Trabalhador" é o melhor classificado entre os "social democratas". De todos os
tipos de bens, prefere o coletivo, sem excluir outros. Ele considera a desigualdade
de riqueza como um fato adquirido, mas acredita que todos os habitantes bem
sucedidos devem pagar um imposto que assegure uma existência sustentável para
os pobres. Ao mesmo tempo, na opinião do "Trabalhador", este imposto não
deveria ser um canal de alimentação para os vagabundos e não deveria ser
exagerado, privando tanto os pobres como os ricos do incentivo ao trabalho. Em
suma, tanto na família como na sociedade, ele é um altruísta modesto e calculista
que não se esquece de si próprio nem dos outros.
***
O "Trabalhador" é o melhor guerreiro do mundo. A própria estrutura
corporal da 2ª Física, com as suas pernas curtas e grossas, um corpo largo e baixo
centro de gravidade, transmite uma força e resistência especiais. Mas o principal, o
mérito de luta da 2ª Física não reside na antropologia, mas no psicológico — no seu
destemor absoluto e sem hipocrisia. A 2ª Física envolve-se numa batalha sem
hesitação, sem um erro de cálculo preliminar das consequências e luta até ao fim,
não poupando nem a si próprio nem ao inimigo. A famosa frase de Napoleão:
“Devemos nos envolver na batalha, e aí ela será visível!” — reflete de forma ideal a
imprudência do comportamento da 2ª Física em batalha, e os vestígios de muitas
feridas que foram encontradas no corpo do imperador após a sua morte
testemunham: sua combatividade não foi realizada à toa, apenas nos planos de
campanha da poltrona, mas usava um caráter pessoal, bastante corporal.
Falando da coragem da 2ª Física, não se pode deixar de dizer que nem sempre
é benéfica para o "Trabalhador" e, neste caso, pode ser considerada uma virtude
apenas em certas condições. O fato é que a 2ª Física nasce destemida, não há
nenhum mérito aqui. E a fonte deste desaforo está na atitude psicológica em
relação à força e flexibilidade do princípio físico. Um "Trabalhador" pode permitir-se
o destemor, porque sente o seu corpo como algo semelhante a um cassetete de
borracha — uma arma eficaz, fiável e não derrotável.
Se falamos da combatividade da 2ª Física, então surge naturalmente a
questão da criminalidade desta categoria de cidadãos. O que posso dizer? O anjo
"Trabalhador", é claro, não pode ser chamado. Mas sem tomar a liberdade de ser
responsável por cada caso individual, posso declarar com plena responsabilidade
que, por natureza, ele é cumpridor da lei. E não por medo. Ele apenas sente que a
sua origem física é suficientemente ampla e rica para ganhar o seu sustento com
trabalho honesto, sem o risco de entrar em conflito com a lei.
A violência por motivos egoístas é geralmente internamente desconhecida
ao "Trabalhador". Portanto, mesmo quando, devido a circunstâncias, segue o
caminho da violência, o "social democrata" nele não morre, o "Trabalhador"
transforma-se simplesmente num "Robin Hood" — um social democrata com um
parcialismo criminoso, e assim, por assim dizer, reconcilia-se consigo próprio.
Não tenho estatísticas criminais, mas olhando para a 2ª Física através do prisma
do Psychosophy, sente-se que de todos os tipos de atividade criminosa, o roubo
com o uso de meios técnicos é o mais próximo. Nestes furtos existe um elemento
de juventude, um espírito de competição e uma margem de manobra para amar e
compreender as técnicas de manuseio. Assim, no ambiente do crime organizado, o
"Trabalhador" sente-se melhor no papel de diretor técnico que fornece a parte
material das operações (carros, armas, comunicações, fechaduras, etc.).
Enquanto eu me sentava para descrever as características da criminalidade da
2ª Física, chegou um jornal. E nele há uma nova história de crime, demonstrando
claramente o que a "fanfarronice" da 2ª Física por vezes alcança. Aqui está a nota
completa:
“Um incidente interessante ocorreu em Gastonia (Carolina do Norte). Um ladrão
entrou no apartamento. Para começar, por alguma razão ele lavou a louça, o chão da
cozinha, o banheiro, e depois desapareceu, levando consigo um aparelho de som e
um pouco de algo. "É bom, claro, que o apartamento tenha sido arrumado", diz a
vítima Stephanie Pitts. "Mas onde estão as coisas?” (Walter White aqui, novamente)
O “Trabalhador-criminoso” está sempre dividido internamente. As
circunstâncias forçam-no a fazer o mal, enquanto a alma anseia por boas ações.
Daí tais contradições, como a combinação de roubo com lavagem de pratos da
vítima.

Sobre os gostos. Muitos provavelmente irão discordar de mim, mas o gosto do


"Trabalhador" é comum. Ao descrevê-lo numa palavra, penso que seria melhor
chamar "japonês" o gosto da 2ª Física (entre os japoneses, predomina a 2ª Física).
Uma característica distinta do gosto japonês é a prioridade da naturalidade em
relação a todas as outras propriedades do objeto. Quer se trate de design ou de
cozinhar — em todo o lado os japoneses tentam evitar a violência contra o material,
tentando passar um como outro. Pelo contrário, o credo estético dos japoneses
exige não se esconder, mas sim enfatizar, para realçar as propriedades naturais do
material durante o tratamento. Este credo também se manifesta na culinária
japonesa, que nos seus princípios aborda os alimentos crus, na arquitetura e na
cerâmica, onde os vestígios do processamento são especialmente preservados na
forma, e, claro, numa forma tão específica de arte sem arte como a Ikebana.
Claro que foi apenas no Japão que o gosto da 2ª Física pôde desenvolver-se e
tornar-se a moda. Qualquer "Trabalhador" que viva num outro país, de uma forma
ou de outra, deve adaptar este gosto à hora local e às regras nacionais. Mas dentro
dos limites dos quais a estética é sempre permitida a oscilar, a 2ª Física demonstra
o mesmo, inerente a ela desde o início a necessidade de naturalidade, seja da cor,
do som, do cheiro...

“O Sensível” (3ª Física)

Geralmente, o 3ª Físico nasce magro, sensível, e morre da mesma forma.

Os estágios da vida que deixam marcas notáveis dos Físicos acima afetam muito
pouco na aparência do “Sensível”. Até a puberdade, que tende a mudar a aparência
de uma criança rapidamente, na 3ª Física, primeiramente, começa com um atraso, e
segundamente, procede de maneira vagarosa e pouco efetiva, embora no final
todos os traços da puberdade sejam evidentes.

O “indolente” médio é uma pessoa pálida, desleixada e magra com membros e


pescoços longos e finos (“astênicos” de acordo com Kretschmer). A pele é
insuficientemente pigmentada, e em geral não é boa, pois devido à
hipersensitividade ela reage muito violentamente com irritações, espinhas, bolhas,
etc... às influências do ambiente. A compleição física do usuário de 3ª Física é
proporcional, e pode alcançar as notas mais altas. Porém, há algo estranho, suas
feições faciais são normalmente pouco proporcionais. Uma forte assimetria facial
não é incomum. O que é especialmente com o nariz, que pode ser muito largo, e
então muito longo: os narizes de Tolstoy e Paganini — não é o limite a este respeito.
A convicção na falta de atratividade na aparência de alguém (nem sempre sem
base), com demonstrações públicas de total indiferença ao problema, é de fato
crucial para o “Puritano”, sendo sua ideia de um conserto um empecilho.
Tolstoy, que fornece o material mais rico para a sua descrição de 3ª Física, formulou
esse estado de si mesmo como segue:
“... Eu era tímido por natureza, mas a minha vergonha era aumentada ainda mais pela
convicção que eu tinha da minha feiura. E eu sempre me convenci de que nada tinha
uma influência tão notável na direção de um homem quanto a sua aparência, e não
tanto a aparência por si quanto a convicção do homem de sua atratividade ou a falta
dela.”

Os movimentos do “puritano” são dinâmicos, e nesse caso ele é parecido com o


“trabalhador”. Porém, existem diferenças significativas: os movimentos do 3ª Física
não possuem aquela segurança, precisão e pureza. Ainda existe uma certa
vaidade, uso excessivo de energia e cautela inerente nos movimentos do “puritano”.

Assim como a 2ª Física, o usuário de 3ª Física é agitado, até mesmo


desnecessariamente inquieto. Portanto, às vezes é humoroso e instrutivo observar
a multidão em um ponto de ônibus. Se esperarmos o suficiente, a multidão
imperceptivelmente estratifica-se em dois grupos: estático e dinâmico. A cena
parece isso: os físicos Produtivos ou Efetivos (1ª e 4ª) permanecem imóveis, sem
mudar sua postura, enquanto os físicos de Processo (2ª e 3ª) perambulam ao redor
das estátuas em um Movimento Browniano. Os indivíduos magros, desleixados e
intrometidos, os da 3ª Física, são especialmente agitados dentre os de processo.

Apesar do fato que o “Sensível” tem uma aparência que não transmite a ideia de
que ele é saudável, seu corpo não é tão frágil quanto ele parece. As juntas e o
sistema cardiovascular são bem mantidos até alcançarem uma idade avançada, o
que é facilitado pela magreza, mobilidade e a moderação do apetite. A situação é
pior com os sistemas respiratórios e gastrointestinais — eles dão muitos problemas
aos usuários de 3ª Física ao longo de suas vidas e podem acabar os levando a
problemas fatais.

Embora normalmente o “Puritano” se finja de indiferente com a sua condição física,


ela exerce sobre ele um poder enorme e incomparável. Tolstoy confessou:
“Se eu tenho um estômago insalubre, eu encontro fezes de cachorro espalhados pela
rua quando estou caminhando, mas se, ao contrário, eu estou saudável, eu vejo
nuvens, árvores, lugares maravilhosos”.
Não seria uma afirmação estranha para um pregador da teoria da superioridade do
espírito comparado com a carne?

Sem admitir para si mesmo, a 3ª Física é muito desconfiado e presta atenção ao


funcionamento de seu corpo constantemente. Mas não deveríamos confundir a
hipersensitividade da 3ª Física com a hipersensitividade episódica da 1ª Física, que
prefere remediar de maneira radical. A desconfiança da 3ª Física é um fenômeno
crônico (processional), onde sua preferência é prevenir, reforçando e protegendo
o seu organismo.
Eu tenho certeza que os principais inventores e consumidores de yoga, dietas de
alimentos crus, feira de orgânicos, mewing, jejuns terapêuticos, todos os tipos de
ginástica, etc... são precisamente os “Sensíveis”. É necessário ter uma certa falta de
confiança em seu corpo, combinado com o mais profundo cuidado por ele, para
que, como os iogues, consiga ouvir o funcionamento do corpo por anos, para
duplicar o controle inconsciente do corpo pelo controle consciente, e encontrar o
tempo e o desejo de, com ajuda das poses, dietas e exercícios de respiração
conseguir melhorar suas funções.

Porém, a hipersensibilidade do 3ª Física não serve apenas para ele, mas tende a ser
um grande contribuidor para a saúde da sociedade. O medo de si mesmo e o
hábito de ouvir ao seu próprio corpo, devido a importância que o usuário de 3ª
Física dá para os processos, podem acabar direcionando sua atenção para as outras
pessoas e dando ao mundo lutadores implacáveis pela pureza da natureza,
propagadores ativos de um estilo de vida saudável e doutores de primeira classe.

Se a infância do 3ª Física é acompanhada de espancamentos, doenças ou fome, por


exemplo, isso tende a ser refinado, ao ponto que a sensibilidade física do “azarão”
vai além dos limites geralmente acessíveis e comumente entendidos. Em outras
palavras, ele se torna um psíquico - iniciado nos mistérios do corpo por uma
influência superior a ele.

“Eu sinto as pessoas, de alguma forma, fisicamente", Tolstoy disse. Ele disse,
deduzindo que a hipersensibilidade da 3ª Física dele é um dos dois mais
importantes componentes de seu gênio. A capacidade da empatia sensorial, até em
abstinência, mesmo que seja previsível, é o segredo do trabalho de Tolstoy. Lendo
as descrições de Anna Karenina na cena quando, depois da visita de Karenin, Anna
sente o toque dos lábios dele em sua mão como uma queimadura, você percebe:
não Anna, mas o próprio Tolstoy, que havia entrado em sua perspectiva, preparou
sua mão para receber um beijo e sentiu o toque abrasador com sua pele
hipersensível.

A sensibilidade da 3ª Física de Tolstoy não é o limite. Às vezes a empatia do


“azarão” alcança tamanho grau que ele não se torna apenas agudamente empático
a o que o outro está sentindo, mas pode diretamente sentir a mesma coisa. Na
ciência, esse fenômeno se chama "estigma". Francis de Aziz, cujas mãos e pés
abriram feridas quando contemplava a imagem do Cristo crucificado, é o mais
famoso exemplo de um estigmático.

A compaixão do “Vulnerável” por pessoas em ocupações de trabalho braçal é vasta.


Às vezes toma formas tão hipertrofiadas que é simplesmente anedótico. Por
exemplo, foi dita a seguinte história sobre o famoso dramaturgo francês Rostand:
“Rostand tinha seu próprio cocheiro, que dirigia somente para ele. Rostand se sentia
terrivelmente culpado por ele. Quando ele jantava após depois de ir ao teatro, ele
era incapaz de deixar de pensar, estremecendo, que o cocheiro estava a congelar
na garupa do cavalo, ficando encharcado na chuva depois da meia noite. Esse
pensamento envenenava toda a sua alegria. Então ele ordenou que o cocheiro o
trouxesse um copo de grog, e o disse que ele poderia ir para casa, pois ele iria
alugar um fiacre.
Uma noite o cocheiro entrou na cafeteria e disse ao seu “monsier” que ele estava
saindo. Zangado que não estava sendo levado a sério.

É fácil apontar um usuário de 3ª Física: da infância ele absolutamente, ao ponto de


causar cãibras, não suporta levar cócegas e carrega esse ódio ao curso de sua vida.
Esse é o sinal que deu aos usuários de 3ª Física o título de “intocável”.

A origem dessa sensibilidade elevada está no senso primordial da cautela excessiva


de alguém 3ª Física. E é através do prisma dessa super vulnerabilidade que todos
os aspectos comportamentais, legais, econômicos, estéticos, entre outros aspectos
da vida do “azarão” podem ser claramente e facilmente lidos.

A vulnerabilidade da 3ª Física é especialmente evidente na esfera íntima. A vida


inteira do “Intocável” parece ser um caminho bloqueado por uma barreira gigante —
uma cama, a segurança que constitui o sentido e a felicidade da vida, para onde
eles se rastejam. Parece que eu exagerei um pouco, mas nas próprias palavras de
Tolstoy, pronunciadas com completa seriedade: “O homem é atingido com
terremotos, epidemias, os horrores da doença e todos os tipos de tormenta da alma,
mas em todas as eras a tragédia mais dolorosa para ele era, é, e sempre será — a
tragédia do quarto”. Aqui, Tolstoy irracionalmente e compreensivamente
transformou o seu próprio problema em um universal.

Timidamente e tardiamente, em comparação com os outros, o 3ª Física começa sua


vida sexual. E quase independentemente de como se desdobra, a habitual
bifurcação no sexo dos usuários de 3ª Física também tem o azar de estar presente.
Uma vez, uma dama conhecida de Jean-Jacques Rousseau, descrevendo sua
Terceira Função, disse que ele era um “admirador platônico e imodesto”. Eu
caracterizaria a bifurcação da 3ª Física de forma mais lapidada e dura — “um
puritano hipersexual”.

Em uma mão, a vulnerabilidade da 3ª Física faz do seu usuário um puritano: nega a


importância da sensualidade, a retrata como algo que não vale a sua atenção,
impura. Em outra mão, a mesma vulnerabilidade da 3ª Física o requer que ele
coloque no sexo o máximo da sua força e alma, a fim de curar uma ferida que
constantemente dói em seu caminho. É assim que o biprostático “Vulnerável” existe,
causando desorientação e censura de seus parceiros sexuais. Sophia Tolstaya,
olhando para seu marido, alegre e elegante depois de uma noite gasta juntos,
venenosamente comentou: “Se esses que leem ‘Kreutzer Sonata’ com reverência,
olhassem por um momento na vida amorosa na qual vive Levochka, e uma onde ele
é alegre e gentil — como eles iriam derrubar a sua divindade do pedestal onde ele
havia sido colocado.

As pragas da 3ª Física podem ser tão profundas que a cessação da atividade sexual
é vista como uma liberação da escravidão. É assim que o dramaturgo Eurípedes via
a sua impotência, na qual ele foi honrado por apologistas cristãos com o título de
“proto-cristão”. No exemplo de Eurípedes, entre outras coisas, uma pode ser
claramente vista como outro sinal da severamente magoada 3ª Física—um ódio
patológico de criaturas do sexo oposto. Ninguém além de Eurípedes foi o primeiro
a propor que o drama “Ion” fosse produzido sem a presença de mulheres, e todos
os “Puritanos” subsequentes que teorizaram sobre esse assunto eram apenas
epígonos de Eurípedes. E companheiros em infortúnio.

O pretendente tímido, a tímida receptora do cortejo, os “puritanos” preferem não


tomar a iniciativa em casos de amor — é mais conveniente para ele ser conduzido do
que conduzir. Contudo, se o parceiro é assertivo e delicado o suficiente, e se
tratando do pecado, ele é positivamente surpreendido e recompensado pela
descoberta de um amante inspirado, libidinoso e sofisticado no “puritano”.
Primeiramente, a elevada sensibilidade sensorial torna o corpo do usuário 3ª Física
em uma zona sólida e erógena; as costas do “Vulnerável” são especialmente
erógenas, pois sendo a parte mais indefesa do corpo, é sintonizada com a
percepção do ambiente de maneira ultra afiada. Segundamente, pela mesma razão,
o usuário de 3ª Física é sensível ao corpo de outras pessoas, delicado, afetuoso,
sensível aos pedidos e possibilidades. Finalmente, a especificidade da psicologia
sexual do “Puritano” requer colocar o prazer de outras pessoas acima do próprio,
ainda mais querer ver a realização suficiente ou inteira da sexualidade de alguém na
manifestação visual de experiências sentidas pelo parceiro. Então, se for alguma vez
permitido falar sobre altruísmo sexual, é a primeira qualidade que deve ser atribuída
ao “Vulnerável”.

Eu gostaria de chamar sua atenção novamente: todos os prazeres mencionados


acima podem ser obtidos da 3ª Física apenas se máxima delicadeza é observada.
Em sexologia, por exemplo, existe um caso muito conhecido de um homem que se
tornou impotente na noite do seu casamento. E o que o trouxe a isso foi um
comportamento bem inocente vindo da noiva, ela apenas se deitou e abriu as
pernas, tal “grosseria” impressionou tanto o marido que ele imediatamente perdeu
sua virilidade para sempre.

Entretanto, prever em avanço onde a sexualidade de um usuário de 3ª Física


resultaria é inútil. Por exemplo, Jean-Jacques Rousseau fugiu dos braços de uma
sedutora jovem veneziana, ao descobrir que ela tinha mamilos de formatos
diferentes e pensando, com base nisso, que ela era “algum tipo de monstro,
rejeitado pela natureza, pelas pessoas e pelo amor”. Ou como nestes trechos de
cartas escritas por mulheres para o psiquiatra: “Eu nunca fui casada, nunca nem tive
relações com homens, eu detesto homens... Homens não me machucavam, não
faziam nada sujo comigo. Quando eu era uma criança, com cerca de doze anos, eu
estava andando na rua atrás de alguns homens respeitáveis e eu os ouvi falando
sobre a vida de casado e sobre o que ela era. Desde então eu não fui mais capaz de
os ver...” — “Aconteceu na sexta série. Alguns idiotas com dezoito anos olharam por
baixo da minha saia. Então na oitava série algo similar aconteceu na escadaria. Para
ser justa, não foi nada demais. Mas daquele momento em diante, eu fiquei
apavorada... Eu tenho medo de me familiarizar com homens, tenho medo até de
conhecer um. Não me entenda errado, eu não acho que “todos os homens são
canalhas”. Mas esse medo permanecerá…”

O usuário de 3ª Física é o único na função de Física que possui um ciúme


fisiológico. Pois suas relações sexuais são algo tão delicado, íntimo e até sagrado,
que a intromissão de estranho nessa esfera é vista como uma profanação de algo
sagrado, após o qual a rejeição física vem, a vergonha carnal e a possibilidade de
continuar uma vida sexual prévia se torna, de qualquer maneira, bem problemático.
Se, com o passar do tempo, o “Puritano” perdoar a infidelidade, ela jamais será
esquecida.

Eu lhe aviso de antemão: É muito difícil enganar um usuário de 3ª Física apenas não
o deixando saber sobre suas aventuras externas. Primeiramente, ele está
constantemente alerta, esperando e com pavor de ser traído. E segundamente, ele
tem uma audição absoluta para as vibrações mais sutis do corpo humano.

Assim como a visão do usuário de 3ª Física sobre a sexualidade não é desprovida


de santidade, sua percepção de nudez sofre com uma certa falha. Esse é o motivo
que os oponentes mais consistentes do nudismo e da pornografia tendem a ser os
“puritanos”.

Me darei a liberdade de, nessa conexão, fazer uma pequena observação sobre a 3ª
Física. Um sinal prematuro e muito característico dela é o hábito de sair de perto da
televisão quando uma cena de amor, até um simples beijo, são mostrados. Não
existe razão para atribuir essa reação ao jeito que uma pessoa foi educada, já que se
manifesta desde muito cedo na infância. Só nos resta falar de um certo “sentimento
moral inato”, uma certa “timidez inata”. Porém, até essa explicação é válida apenas
enquanto se refere à óbvia naturalidade da reação. Na verdade, a criança foge da
imagem do beijo, não por causa de uma timidez natural, mas por causa da “malícia
inata”, porque ele tem a 3ª Física. E isso significa que a criança é sensualmente
elevada e que sua percepção física é tão aumentada que ele não apenas vê o beijo
na tela, mas também o sente em seus lábios. E essa invasão involuntária do beijo de
alguém com seu lábio faz a criança querer fugir da tela.

Outra razão para a aversão do “Puritano” para com tudo que se relaciona à esfera
íntima, do nudismo até a pornografia. Eu creio que é o medo do poder que a nudez
tem sobre ele. Uma vez na presença de Tolstoy, desgosto foi expressado sobre o
fato que o escultor Paolo Trubetskoy foi nu com a sua esposa se banhar no rio. E
Tolstoy, sendo incapaz de diretamente condenar o seu amigo, fez uma confissão
característica: “Eu sempre tive esse sentimento de vergonha, e, por exemplo, a
imagem de uma mulher com seios expostos sempre foi repulsiva para mim, até na
minha infância. E então existia outra sensação, mas ainda era muito vergonhosa…”

O que é repugnante sobre os seios de uma mulher? Certo, não foi a timidez inata
que fez Tolstoy fugir dessa imagem, mas por causa de sua atração natural, a visão de
um seio nu era demasiadamente intoxicante para ele, muito atraente, o levou a um
auto-esquecimento assustador. Não era vergonha, mas medo do poder mágico da
nudez sobre o homem, era o que Tolstoy sentia e era isso que o fazia desviar os
olhos.

Tolstoy por um bom motivo adorada recontar um sonho, alegadamente visto uma
vez por um proprietário de terras conhecido dele. Ele sonhou o seguinte: ele está
em um caminho reto entre os arbustos, guiado por dois altos que são visíveis na
frente de um morro. De repente, o proprietário de terras tropeça, prende o seu pé
na lama e começa a afundar. Quando, enquanto tem suas pernas afundadas na
lama, ele olha para as duas colinas na frente dele, e vê a cabeça de uma mulher
gigante se levantando atrás deles... O terror toma conta do proprietário ao perceber
onde ele está afundando... E é nessa hora que ele acorda. Tolstoy adorava contar
essa história, e não em vão, provavelmente era seu próprio sonho. Tolstoy sentiu a
imagem do corpo de uma mulher na posição desse proprietário anônimo, e o medo
de mergulhar dentro do útero de uma mulher com sua cabeça, para completar a
perda do seu “eu”, o forçou a desviar os seus olhos da nudez.

O medo é dominante, mas possivelmente escondido, um aspecto do erotismo do


usuário de 3ª Física. Criaturas do sexo oposto o apavoram, ele teme rejeição de
intimidade, e segue as maneiras menos traumáticas de realizar sua sexualidade.
Vamos referenciar “Padre Sergius” nesse caso. Se o leitor lembrar, o núcleo da
história é a atitude do monge, Padre Sergius, em respeito a duas mulheres. Uma
delas, uma secular, linda e fantástica dama tenta seduzir o monge, e para resistir à
tentação, ele corta o próprio dedo. A outra, apenas a filha de um comerciante de
mente fraca, mal se apresentou ao monge, e é tão sedutora que ele imediatamente
quebrou seu juramento de castidade com ela. Tolstoy foi perguntado: por que o
Padre Sergius “quebrou seu juramento” com essa menina tola, resistindo às
tentações de uma belíssima moça? Tolstoy ou não pôde ou não quis dar uma
resposta clara para essa pergunta. Então eu tomei a liberdade de resolver essa
antiga dúvida por minha própria conta.

O Padre Sergius não sucumbiu à tentação pela primeira vez porque ele estava com
medo. Ele temia que essa linda mulher o encantaria, mas no último momento ela o
rejeitaria, o empurraria, iria rir da cara dele e fosse o repreender ao lembrar de seu
juramento monástico. O medo de um trauma sexual foi tão grande para o Padre
Sergius que ele preferiu cortar o próprio dedo do que submeter-se a tal provação. A
história da garota tola é um caso diferente. Ela, em virtude de sua condição
mórbida, garantia ao Padre Sergius um total conforto sexual.

O exemplo do “Padre Sergius” claramente não é evidência que os indivíduos de 3ª


Física só estão preocupados em caçar os deficientes mentais pelas suas vontades; é
meramente uma ilustração da tese da preferência que o “intocável” tem por modos
não-traumáticos de realizar a sua sexualidade. Existem outros jeitos que podem ser
chamados de “perversão”, “inversões” ou “modos não convencionais de amor” que
tem uma coisa em comum: minimizar o traumatismo. Esse sendo o onanismo, amor
homossexual, bestialidade e fetichismo. Nós podemos provavelmente adicionar
algo similar a essa lista, o principal é que todos esses jeitos de amar são
psicologicamente confortáveis e, portanto, são especialmente valiosos para a 3ª
Física.

No que diz respeito a “perversões”, é necessário adicionar que não apenas a 3ª


Física é propensa a elas, mas até um certo ponto todas as funções de Física. Outra
coisa é que para cada um deles nesse caso, existe uma diferença significativa nos
motivos. Enquanto a 3ª Física cai no campo das “minorias sexuais” por conta do
medo, a 1ª Física cai nesse campo por ser “onívoro”, a 2ª Física cai nesse campo
por conta da curiosidade e por amor pela diversidade, a 4ª Física cai nisso por
causa da indiferença. Então uma posição em qualquer degrau que seja na
hierarquia de funcionalidade não é garantia de “saúde” ou “transtorno” na esfera
sexual.
Falando sobre conforto para a 3ª Física no sexo, é impossível esquecer o tipo de
realização mais simples e mais conveniente da necessidade sexual. Casamento.
Então, o “azarão” é uma criatura do grau mais alto em valorizar o casamento.
Explicando as vantagens do casamento, Tolstoy, carregando o mastro da 3ª Física e
através da boca de um dos seus heróis, notou que “o casamento, além do encanto
da casa, elimina a indecência da vida sexual e dá a possibilidade de uma vida
moral”. É claro, Tolstoy estava exagerando um pouco ao declarar que o casamento é
uma condição para uma vida moral. Todavia, com várias reservas, o valor do
casamento para a vida sexual deve ser reconhecido, e é que faz o intercurso sexual
algo mais legítimo, a coisa é que a 3ª Física mais precisa, algo que dá conforto
máximo para sua vida sexual.

As vantagens são muitas. Primeiro, a presença voluntária ou involuntária de


desconhecidos durante intercurso legal coloca os outros em uma desvantagem
definitiva e automaticamente fecha suas bocas, não importa o que eles podem ter
testemunhado. Segundamente, o casamento, apesar de não ser uma garantia, ainda
põe um certo obstáculo no caminho das doenças venéreas, e isso é muito
importante. Basta eu relembrar o exemplo de Jean-Jacques Rousseau, que pagava
por uma noite com uma prostituta, e entre outras coisas, passava dois meses
dolorosamente se examinando para encontrar sinais de uma doença grave.

E finalmente, o casamento não pode garantir, mas dificulta a possibilidade de


traições e ter a criança de outra pessoa, o que é especialmente importante para
homens da 3ª Física. Todos são ciumentos, até mesmo insetos, quem dirá pessoas.
Mas as ciúmes dos homens “Puritanos”, se é possível colocar nesse modo, é mais
forte que os ciúmes de qualquer outro homem, pois eles tem medo não de perder o
controle sobre uma criatura, que eles consideram que os pertence, eles possuem
medo de simplesmente ter a posterioridade de outro, na qual qualquer homem
teme, mas o medo do homem na 3ª Física é imensuravelmente elevado pela
ameaça que a infidelidade se manterá cuidadosamente escondida, mas que
constantemente sentiria diagnósticos de defeitos em seu físico. E é, portanto,
natural que, em busca por níveis extras de proteção, o “Intocável” se apressa para se
casar em uma tentativa de cobrir o seu corpo ferido com os cobertores da lei.

O amor que o usuário de 3ª Física tem com suas crianças é ilimitado e pode até
levar um rumo excessivo, em forma feias, o “Vulnerável”, vendo na procriação não
apenas um valor, mas um valor absoluto, independente do tempo, espaço e
circunstâncias, é não apenas prolífico, mas prolífico em uma maneira imprudente e
não calculada. Por mais que seja compreensível, a fecundidade é uma necessidade
tanto fisiológica quanto psicológica para a 3ª Física. Através da reprodução, a
continuação do seu processo é realizada, mas mais importantemente, é uma
certificação da salubridade do que parecia ser incompleto e defeituoso desde o
nascimento.

O lado negativo de um fenômeno tão bem vindo para o usuário de 3ª Física que
tanto ama seus filhos, é necessário incluir a proteção excessivamente densa na qual
ele tende a estabelecer sobre suas crianças. Se sentindo como uma criatura
vulnerável e pouco adaptado para a vida, o “puritano” nem sempre transfere esse
sentimento para a sua prole e tenta o criar de maneira não muito preparada para
uma vida independente, em uma existência que mais parece uma estufa. Em uma
palavra, se for de sua vontade, a 3ª Física pode dar proles numerosas, mas pouco
adaptadas às duras condições da vida.

“O puritano é um lutador muito irrelevante, pior do que qualquer outro. O fato é que
ele é, francamente, um covarde”. Quanto à covardia de um indivíduo da 3ª Física, é
notável externamente depende de muitas condições, mas o fato que ele é menos
disposto do que qualquer outro a colocar o seu corpo ao teste de força é certo.

Por conta do medo, o usuário de 3ª Física pode ser demasiadamente cruel em uma
luta (se ela não pode ser evitada). O medo de se machucar sufoca a sua piedade e
seu senso de proporção, então quando se trata de uma briga, utilizar força excessiva
na autodefesa é um fenômeno comum para a 3ª Física.

Porém, o “puritano” muito raramente precisa lutar. A violência tanto na vida


cotidiana quanto na política é a forma menos aceitável e menos promissora de
resolver problemas para ele. Se, como foi dito, o usuário de 1ª Física nasce um
“falcão”, então o indivíduo que se encaixa na 3ª Física nasce um “pombo”. O
Pacifismo está em seu sangue. E, portanto, não faz sentido encontrar um fundador
do Pacifismo. Claramente, nem Tolstoy, nem Gandhi, nem mesmo Cristo foram os
originadores do Pacifismo: sua unanimidade na questão da violência é a
unanimidade de uma certa classe de pessoas unidas pela 3ª Física. Os “não-
Pacifistas” temem mais do que nada o uso da força física, e por isso são os menos
inclinados a recorrer a isso.

Devo dizer desde já: Deus me livre de considerar que o Pacifismo da 3ª Física na
vida cotidiana e na política é a norma, o modelo para lidar com problemas
controversos. Absolutamente não. Bem, violência precisamente dosada é um
argumento tão bom quanto qualquer outro, especialmente em relação a pessoas
que não são tão melindrosas em relação a violência física.

O Pacifismo é a expressão social de covardice social. Portanto, quaisquer palavras


sublimes e citações autoritárias que podem ser carregadas com covardice e
Pacifismo, elas são um defeito, não um ornamento, da 3ª Física, especialmente em
homens.

Deixe-me dar um bom conselho aos pais de garotos com a 3ª Física: mande-os para
a escola Kyokushinkai de karatê. Eu mesmo já dediquei vários anos a esse estilo
agressivo e militante de karatê e sei de primeira mão o quão benéfico o seu efeito é
na 3ª Física. Afinal de contas, não é a dor em si, mas uma ideia exagerada de dor
que é verdadeiramente dolorosa para a 3ª Física. É por isso que quando um
“puritano” pratica karatê, durante lutas esportivas ele irá ter certeza que o seu corpo
não é tão frágil quanto ele parecia e é capaz de “aguentar um soco”, aprende que
seu próprio punho também pesa algo, realidade e a ideia de dor se tornam
adequados um ao outro. E a adequação da dor real e da dor percebida é a norma
de luta que alivia o usuário de 3ª Física de dois dos vícios mais intoleráveis da
sociedade: a covardice e a sua derivada, a crueldade.

Em esportes, o usuário de 3ª Física é cuidadoso e ao mesmo tempo arriscado, cheio


de desprezo externo e secretamente inveja - em uma palavra, mostra a habitual mão
dupla da Terceira Função. Tolstoy—um oponente consistente de qualquer
fisicalidade com uma paixão por educação física, e depois de sair da vila, assustou
os camponeses, se pendurando de cabeça para baixo na barra por um longo
período de tempo, pelo qual ele foi agraciado por eles com o apelido de “senhor
estranho”.

Levando em conta o que foi dito sobre a 3ª Física, não é difícil adivinhar que ele
tende a ser um cumpridor da lei. Sua piedade natural, seu altruísmo, sua aversão à
violência, e seu medo de violência em retorno praticamente garantem uma
porcentagem insignificante de “não sujeitos” nas estatísticas gerais de criminosos.

O único crime que um “Puritano” relativamente frequentemente decide cometer, o


que, a propósito, é devido à mesma 3ª Física, um crime de ciúmes. Já foi dito
anteriormente que o usuário de 3ª Física é o único que sofre de ciúme fisiológico.
Quanta angústia o ciumento “vulnerável” sente e como deve ser sua vontade de
vingar sua real ou imaginária honra é transmitida com incrível poder e precisão no
livro “Kreutzer Sonata” de Tolstoy.

Sem me afundar mais ainda nos detalhes da criminogênese da 3ª Física, eu irei


apontar um detalhe que é precisamente capturado em “Kreutzer Sonata” e no qual
também é relevante às crônicas dos incidentes. O fato é que o “intocável”
frequentemente tem pensamentos de suicídio. Essa ideia pode até se tornar
obsessiva, maníaca, mas apenas em casos excepcionais que é implementada pelo
“puritano” na vida. Lembre-se, o herói de Tolstoy, que matou a sua mulher por causa
de ciúmes, decidiu cometer suicídio, e então isso aconteceu com ele: “Sim, agora eu
também devo me matar, eu disse para mim mesmo. Mas ao dizer, eu sabia que eu
não me mataria. Porém, eu me levantei e peguei o meu revólver. Mas a parte
estranha é que, eu me lembro quantas vezes antes eu estive perto do suicídio.
Agora eu poderia não apenas me matar, mas até pensar nisso”.

Tolstoy não disse o porquê do herói tão frequentemente pensar sobre se matar e
por quais motivos, até depois de matar sua esposa, ele não cometeu suicídio. E a
resposta para essas duas perguntas é bem simples: a sede para cometer suicídio,
que periodicamente surge no “Puritano”, é associada com um desejo subconsciente
de se desligar da função mais problemática, desconfortável e constantemente
incômoda — a Física. E para saciar essa sede, a poderosa imaginação fisiológica
inata da 3ª Física é capaz de reproduzir com antecedência todas as sensações de
abandonar a vida. É suficiente imaginar como uma bala, tendo esmagado o crânio,
vem a perfurar um túnel no córtex cerebral, ou como vagarosamente com um
gorgolejo, os pulmões são preenchidos com água suja do rio, ou como os órgãos
internos envenenados estremecem... — e a obsessão suicida desaparece sozinha
repentinamente.

A sensória da 3ª Física é refinada ao extremo. Podendo ouvir conotações que não


podem ser ouvidas pelo ouvido comum, podendo sentir as mudanças mais
microscópicas no ambiente, podendo captar odores que não podem ser sentidos
pelo nariz de uma pessoa qualquer, podendo ver transições tonais que não podem
ser vistas pelo olho comum—não é muito difícil para ele. É por isso que os
“intocáveis” fazem ótimos massagistas, reguladores, provadores. Como uma
maravilhosa ilustração de um degustador, usuário da 3ª Física, deixe-me te lembrar
da história do profeta Mohammed. Um dia, uma certa viúva de um líder tribal que
foi morto por ordem do profeta mandou para Mohammed um carneiro assado
temperado com veneno. Um banquete foi preparado na tenda, mas o profeta botou
um pequeno pedaço do cordeiro na boca e imediatamente sentiu algo errado e
cuspiu, salvando assim a própria vida (porém não sem consequências dolorosas). O
resto dos participantes menos delicados do banquete imediatamente morreram.

Se o refinamento inicial da 3ª Física é acompanhado por exercícios intensos e


traumas físicos (doenças, punições físicas, privações), então a percepção do
“melindroso” pode alcançar um nível não-humano, um nível místico-mágico. E
portanto, vinda da 3ª Física, diversas doenças e exaustivos exercícios musicai
formaram o gênio de Paganini, cuja sutileza de sua audição se tornou uma lenda:
“Privilegiado com uma incrível audição, Paganini possuía uma inacreditável
sensibilidade nesse senso: seu ouvido esquerdo, acostumado com a proximidade
do violino, ouvia muito mais agudamente que o ouvido direito, e seus tímpanos se
tornaram tão delicados que ele sentia uma intensa dor se falavam em um volume
alto próximo dele. Ao mesmo tempo, ele era capaz de captar os sons mais suaves
em grandes distâncias”.

Claramente, a possibilidade de uma percepção refinada não significa um amor por


todas as coisas refinadas, mas no caso da 3ª Física ambos são o mesmo. Seu gosto
é caracterizado por uma preferência por objetos delicados e refinados: cores
complexas, aromáticos ricos em qualidade, uma trilha sonora suave e complexa...

A atividade do “Puritano” em produção também tem algumas características


específicas. Por exemplo, a correia transportadora é completamente contraindicada
para ele. A inerente monotonia da correia transportadora, a proibição de auto-
atividades e a condenação ao monólogo traumatizam a organização refinada da 3ª
Física e rapidamente a colocam fora de ação.

A 3ª Física é cautelosa com mecanismos de trabalho, então o processo de os


aperfeiçoar pode ser difícil e prolongado. Em produção, assim como no sexo, ele
prefere o papel de escravo do que o papel de mestre. Contudo, no final do
treinamento, a timidez do “Puritano” tende a desaparecer, e então começa um
longo, criativo, artístico e refinado processamento da experiência, trazendo às vezes
até as operações mais simples para um estado muito parecido com a arte
verdadeira.

Nessa conexão, eu devo contar uma história sobre um escultor de carcaças chinês,
que tinha muito orgulho do fato que, por várias décadas, ele usou a mesma faca
para esculpir. O segredo da longevidade da faca consistia no fato que esse chinês,
ao longo do tempo, trouxe a sua simples ocupação para tamanho grau de
virtuosidade que, possuindo quase visão de Raio-X, ele poderia ver qualquer
cavidade, até microscópica na carne e com uma precisão perfeita guiava a faca,
cortando carcaças quase sem esforço ou depreciação pela ferramenta.

No que se diz respeito à China e aos usuários de 3ª Física, me falta adicionar que,
de acordo com as minhas suposições, veio da 3ª Física a criação de um fenômeno
tão único quanto a cozinha chinesa. É interessante pois é o exato oposto da simples,
clara, natural e não adulterada cozinha japonesa que foi criada pela 2ª Física. A
cozinha chinesa é imensa, complexa, exótica, paradoxal... Simplesmente não
existem cores para a descrever com precisão, então eu me limitarei a declarar que
se o leitor quiser saber a quais níveis de maestria as atividades na esfera material da
3ª Física podem chegar, que não existe melhor ilustração que a cozinha chinesa.

A atitude em direção ao problema com comida da 3ª Física é melhor expressada


nas palavras de Jean-Jacques Rousseau: “Eu gosto de comer, mas eu não sou
guloso; eu sou viciado em tudo que é saboroso, mas eu não sou um glutão. Minhas
muitas outras inclinações me distraem disso. Eu presto atenção ao meu estômago
apenas quando o meu coração está livre”. Entre outras coisas, a hierarquia do
coração (1ª Emoção) e estômago (3ª Física) na confissão de Rousseau é notável,
com o coração claramente sendo uma prioridade acima do estômago. Com base
nessa frase por si só, é possível começar a construir a ordem de funções de
Rousseau.

As relações econômicas do usuário de 3ª Física são ambíguas e falhas na vida


cotidiana e na sociedade. De um lado, sua vulnerabilidade requer uma avareza sem
fim para cobrir pontos falhos tão eficientemente quanto possível. Em outro lado,
piedade, ascetismo imaginário, o super-processionamento da Terceira Função
provoca uma política de gestos amplos, rajadas de generosidade, gastos
impensados. Como resultado, a face econômica do “Puritano” é estranhamente
bifurcada, resultando no que o acadêmico Sakharov chamava de “um pouco
mesquinho” em tom autocrítico. Além disso, a mesquinhez dos usuários de 3ª Física
tende a se apresentar em formas triviais e esquisitas, o que nós chamávamos de
“economizar”. E ao mesmo tempo o indivíduo de 3ª Física adora dar presentes
caros, e considera a participação em atividades caridosas um dever sagrado, apesar
de que ele nem sempre pode ostentar quão cheia está a sua carteira, e apesar disso
ele é incapaz, não gosta e considera abaixo de sua dignidade ter muito dinheiro,
vendo em carteiras cheias um sinal óbvio de mal gosto.

Jean-Jacques Rousseau transmitiu muito precisamente a duplicidade específica da


atitude do usuário de 3ª Física em relação a dinheiro. Ele escreveu: “...uma das
minhas claras contradições é a combinação de uma grande avareza com um enorme
desprezo por dinheiro…eu entendo muito bem que o dinheiro não foi criado para
mim que eu fico quase envergonhado de ter dinheiro, ainda menos de o usar. Se eu
um dia tiver uma renda consistente e suficiente para sobreviver, eu não correria
riscos de me tornar um avarento, eu firmemente acredito nisso; eu gastaria tudo
sem tentar lucrar, mas a insegurança me deixaria com medo”.

O “Sensível” tem um senso extremamente elevado de propriedade. Ele raramente


possui um grande número de objetos, mas as poucas coisas que o usuário de 3ª
Física tiver possuirão um status especial e significado. Apenas em sua própria casa,
entre suas próprias coisas, o “Puritano” sente não apenas confortável, mas em seu
próprio lugar. Não importa o quão aconchegante a casa de outra pessoa seja ou
quão confortáveis as coisas de outra pessoa forem, elas não são ruins, mas são
desconfortáveis para um indivíduo da 3ª Física pois elas são alheias.

Em termos de preferências políticas sócio-econômicas, o usuário de 3ª Física é o


mais próximo do título de “Comunista”. Você poderia alternativamente o chamar de
“monge”, “kibutzim” — a essência permanece a mesma. E a essência é que o
“melindroso” é internamente o mais próximo de um sistema de distribuições
igualitárias.

A natureza das simpatias Comunistas da 3ª Física são bem transparentes. Ele sente
que ele é o mais fraco e o elo mais vulnerável na sociedade. Portanto, para que sua
vida e saúde não sejam colocados em risco, o “melindroso” tenta colocar o peso de
seus problemas pessoais nas costas dos que estão à sua volta, insistindo em um
sistema igualitário e distributivo de economia que promete, independente de
contribuições, proteção igual para todos. O fato que tal sistema é ineficaz não
incomoda a 3ª Física tanto; ele não tem desejo por riquezas em primeiro lugar, e
está pronto para aceitar o mínimo desde que seja garantido.

Vladimir Bukovsky, observando os rastejamentos comunistas de alguns intelectuais


do Oeste das alturas de sua saudável 2ª Física, notou causticamente e
precisamente: “Onde os socialistas arrumam tanto mercantilismo? Afinal, a maioria
deles são intelectuais, vivendo em um mundo de ideias, não objetos. A sua teoria é
incrivelmente inconsistente: de um lado, eles estão sempre criticando o
consumismo, materialismo e o interesse pessoal, enquanto de outro lado, é esse
aspecto da vida que mais os preocupa, é o consumismo que eles querem
estabelecer igualmente. Eles realmente acreditam que se todos são dados uma
provisão idêntica de pão, todos se tornarão irmãos…? Podem as pessoas que com
ciúmes contam cada moeda da renda dos outros e invejosamente encaram cada
pedacinho de pão que é engolido por um vizinho se tornarem irmãos...?”. A
observação de Bukovsky não é nada original; é um plágio involuntário do que
Dostoyevsky disse há muito tempo atrás: “... por quê todos esses socialistas e
comunistas desesperados ao mesmo tempo que são incrivelmente avarentos,
compradores, proprietários, e tanto que o quão mais socialista ele é, mais longe ele
vai, mais forte se torna o proprietário… por quê isso?”. É difícil discutir com o que foi
dito, tudo é justo... Mas, falando da duplicidade do usuário de 3ª Física, nós
devemos levar em conta que seu ascetismo espertalhão é sincero, ou, de qualquer
maneira, algo inconsciente, e quando ela cuidadosamente passa o falho modelo
Comunista como a norma da sociedade humana, essa é a astúcia não de um homem
vigarista, mas de um homem com transtornos mentais.

Como o ceticismo da 3ª Lógica, o Comunismo da 3ª Física não é uma filosofia, mas


uma psicologia falha. A psicologia de um grupo insignificante, mas influente de
pessoas. Portanto, observando agora o falecimento do comunismo em suas formas
estatais, não deveria se concluir que a ideia Comunista em si irá cair em
esquecimento. Ela continuará a existir, apenas entre limites naturais, sem nenhuma
reivindicação de domínio, na forma de pequenos grupos, comunidades, comunas,
mosteiros, kibbutzim, ela viverá — enquanto a 3ª Física estiver viva.

"o Decadente" (4ª Física)


Embora o termo “Vagabundo” ou “Preguiçoso” também devam ser utilizados para
caracterizar este personagem, ele não deve ser tomado de forma muito literal. Ele
reflete não tanto a forma de comportamento, mas a orientação psicológica
desconectada da realidade. Pelo contrário do que seria esperado, externamente, o
4ª Física muitas vezes parece um grande trabalhador. Ela é lenta, pouco exigente,
destemida nos gastos de esforço, executiva dentro dos limites precisamente
atribuídos a ela. A "preguiça" da 4ª Física não consiste em manifestações visíveis de
sabotagem, simulação ou descuido, mas em indiferença invisível à natureza e
resultados de seu trabalho (se nos referimos ao aspecto puramente físico do
trabalho). É claro, com a conhecida indiferença do "ocioso" ao trabalho, é difícil
esperar dele excitação, iniciativa, explosões criativas e algo mais no mesmo
espírito, mas há um lado positivo nesta indiferença. É fácil atribuir qualquer trabalho
sujo, tedioso ou inútil a uma "pessoa decadente", que ainda está em abundância em
nossa sociedade. Alguém tem que preencher formulários, carregar potes e ficar na
esteira transportadora, e não há melhor candidato para fazer tal trabalho do que o
4ª Física.

Para mim, também chamo o 4ª Física de “o homem da lua”. De fato, o "homem


preguiçoso" tem alguma misteriosa conexão com a lua. “Você respira o sol, eu
respiro a lua” — confessou Akhmatova, criando uma conotação mais sombria a este
tipo. Só posso assumir que a sensação de uma conexão interna com a lua no 4ª
Física surge de seu parentesco energético. Assim como a lua brilha com a luz fraca,
apenas refletida, assim a "preguiça", de acordo com a lei da 4ª Função, é apenas um
reflexo de energias físicas mais elevadas e autônomas.

A própria 4ª Física é nascida decadente, no sentido literal da palavra


("decadência"/"decaimento"). A sensação de enfraquecimento do início físico em si
mesma vive na "preguiça" desde o nascimento, mas não o incomoda muito. Outra
coisa é que a sensação habitual de decadência precoce nos anos jovens contrasta
estranhamente com uma aparência fresca e saudável, trazendo confusão e
perplexidade para seu meio.

Neste contexto, vem à mente uma anedota da vida do jovem Alexander Blok. Um
grupo de poetas de Moscou estava esperando por Blok pela primeira vez e, depois
de ter lido tal linhas como:
“Só aqui você respira, aos pés dos túmulos,
Onde uma vez escrevi canções suaves
De um encontro, talvez, com você...
Onde, pela primeira vez, em minhas características enceradas
A vida distante que se respira,
Quebrando pela grama da cova...”

A realidade, no entanto, demonstrou o contrário. A realidade mostrou exatamente o


contrário. Andrei Bely lembrou: "Eu estava tremendo por toda parte. Nunca na
minha vida - nem antes, nem depois - não experimentei um desconforto tão ardente.
E desapontamento. Decepção, decepção! Eu fui enganado. Não é Bloch. Não é o
meu Sasha Bloch. Mas como ele era bonito! Alto, esbelto, bonito. Encaracolado, mas
ele era como uma auréola de raios dourados, corado com geada. Ele usava um
casaco de estudante, de ombros largos, com uma cintura córnea. Seu colarinho azul
fez seus lindos olhos ficarem ainda mais azuis. Tão bonito, tão terroso, tão saudável,
tão pesado".
É claro que a inexorável corrida do tempo gradualmente esbate no "homem
decadente" a contradição entre a autopercepção mental do Físico e a realidade, até
por sua velhice a 4ª Física não é de modo algum adequado a si mesmo. Mas antes
disso, tais aparentes contradições irritam e chocam os que o cercam, fazendo-os
suspeitar de um elemento de posturas, de jogando decadência, no comportamento
do 4ª Física. O que, de fato, não é o caso, ele é decadente com toda a sinceridade.

“Eu tinha gostos ascéticos e não segui o caminho ascético”, escreveu Berdyaev, e
nesta frase do filósofo todo o programa econômico da 4ª Física está encapsulado,
ou melhor, a ausência dele. “O homem aborrecido, de fato, prescinde do mínimo
esforço, mas não segue que é desprezado pelo luxo”. Ele é indiferente demais à
camada física da vida para levar a sério o problema de um nível de consumo pessoal
condicionado mais pelas circunstâncias e pelo ambiente do que pelos desejos e
esforços do "decadente". Por exemplo, Einstein, tendo se provido da renda mais
básica em sua velhice, poderia ter usado um cheque de $15.000 da Fundação
Rockefeller como um marcador de página.

O "Decadente" é uma criatura absolutamente destemida. A bravura imprudente do


4ª Física parece uma maravilhosa virtude de fora, mas realmente não é. Colocar o
4ª Física na frente de uma luta, o que menos lhe interessa, não é uma grande
façanha. Além disso, como qualquer virtude, a bravura do "homem preguiçoso" tem
seu lado negativo: ele poupa a si mesmo, e não está inclinado a poupar os outros. É
por isso que a 4ª Física muitas vezes não é menos sangrento em suas atividades do
que o 4ª Física. Felizmente, a violência no arsenal do "aborrecido" é o último
argumento, não o primeiro, mas se chegar a ela, não se pode esperar misericórdia
da 4ª Física. Um exemplo recente é a política do Presidente Bush durante a crise do
Golfo, quando, tendo esgotado todas as outras formas de influência, ele tratou fria,
calculada e metodicamente com o Quarto Exército do mundo.

A propósito, o "decadente" é um político que ganha com tudo. Sendo corajoso, ele
também não corre o risco de quebrar o pescoço nas coisas que normalmente
quebram o pescoço de um político: dinheiro e mulheres. Ele está protegido destas
tentações pela própria natureza, por sua 4ª Física. É por isso que coragem,
abnegação e despretensiosidade proporcionam antecipadamente a um político
com a 4ª Física uma carta branca indefinida da multidão. Recordemos a este
respeito Robespierre, cujo título-nome “o Incorruptível" garantiu seu regime
impotente e sangrento uma vida impermissivelmente longa.
Observemos também que o período do governo do político "aborrecido" não é o
melhor momento para a economia do país. O 4ª Física se preocupa muito pouco
com a camada física da vida para lidar seriamente com ela, e esta circunstância tem
um efeito positivo na classificação do político "decadente" e um efeito negativo
sobre as carteiras de seus eleitores.

Não quero assustar ninguém, mas o 4ª Física é mais propenso ao suicídio do que
qualquer outra pessoa. Para ela, a ideia de suicídio não é uma pose, como é para o
3ª Física, mas algo comum, algo que lhe vem regularmente à mente sem despertar
horror ou repugnância em troca. A ideia de suicídio é a primeira e, por estranho que
pareça, reação normal a conflitos, problemas e inconvenientes da vida para o 4ª
Física. Na verdade, está no caráter de alguém começar a resolver dificuldades
desligando a 4ª Função, então não se deve surpreender que, entrando em uma
situação difícil, a primeira coisa que se venha a mente seja isso.

De fora tal ação parece heróica, como aconteceu com o suicídio de Sócrates, mas
em essência não há nada de heróico em desligar-se voluntariamente do que menos
lhe interessa. Isto é algo que todo detentor da 4ª Física deve ter em mente antes de
puxar o gatilho. O pensamento de suicídio é uma reação normal "preguiçosa", e não
se deve ter pressa de sucumbir a seu primeiro impulso infiel.

A 4ª Física é geralmente de boa aparência. É tão atraente quanto a 1ª Física, mas


de uma forma diferente. Se a 1ª Física é boa para a suculência/excesso de formas
e cores — a 4ª Física, ao contrário, é boa para sua sutileza, palidez, refinamento
e escuridão. Para visualizar a diferença entre a beleza da 1ª e 4ª Física é suficiente
comparar a aparência de Marilyn Monroe e Marlene Dietrich. Você consegue sentir
a diferença? Elas parecem muito semelhantes, mas o que Monroe tem é cheia,
áspera, doce; Dietrich é sutil, seco, gentil.

Mais frequentemente um 4ª Física é uma pessoa magra, de pele fina e "astênica".


No entanto, também me deparei com pessoas de grande porte e de constituição
atlética entre os 4ª Física. A única coisa que é quase cem por cento semelhante à
aparência do 4ª Física é a magreza icônica das características: um nariz fino,
sobrancelhas finas, uma boca pequena e estreita (se não há antepassados afro-
semitas).

O maravilhoso da beleza da 4ª Física é que o tempo não tem poder sobre ela. Não
vou dizer que rugas e calvície não afetam o "Decadente". Não. Mas menos essas, a
aparência do 4ª Física desde a juventude até a velhice permanece inalterada, e se
se fala de alguém, acrescentando um antigo selo literário — "com traços de antiga
beleza em seu rosto" — você pode ter quase certeza de que estamos falando da 4ª
Física. Suetonius escreveu sobre o Imperador Augusto: "Ele era bonito na aparência
e em qualquer idade reteve seu atrativo, embora ele não tenha feito nenhum esforço
para se tornar belo.”

Há outro sinal externo da 4ª Física. É a tristeza, que é lida nos olhos do "homem
decadente" com mais frequência do que outros sentimentos. A 4ª Física nasce e
morre com a sensação da tragédia primordial do ser, com a sensação de angústia.
"Você sabe que a tristeza é algo que me é próximo" (Gauguin), "Somente com a dor
sinto solidariedade" (Brodsky). Expectativa de desastre, desconfiança é típica do 4ª
Física, e as palavras "pesadelo", "horror", "tristeza", "saudade" são as preferidas em
seu vocabulário.

Aqui chegamos a um novo e mais interessante tópico do Psychosophy: a


combinação de diferentes funções. Vamos falar sobre a influência do início físico na
percepção que uma pessoa tem do mundo e sua visão do mundo, mais
precisamente, sobre a combinação da Física com Emoção e Lógica, ou, para ser
mais preciso, sobre o que é comumente chamado "temperamento".

Devo dizer imediatamente que o termo "temperamento" de Hipócrates até os dias


de hoje adquiriu uma tal camada de interpretações e modificações que a questão
de seu significado é pouco provável que alguém possa agora responder com total
certeza. Inalterado, exceto que os nomes dos quatro tipos, que estão divididos em
humanidade por temperamento: Sanguíneo, Colérico, Fleumático, Melancólico.
Todos parecem concordar com o fato de que o temperamento está em alguma
dependência da fisiologia, os próprios termos que denotam o temperamento,
derivados da designação grega de sangue, linfa, bílis. Este é o primeiro.
E a segunda. Olhando a classificação de temperamentos de um nível puramente
doméstico, ela pode ser apresentada da seguinte forma:
› Sanguíneo – indivíduo otimista, bem disposto, alegre, vivo;
› Fleumático – um homem não menos vivo, mas contido na expressão de seu amor
pela vida
› Melancólico – para não dizer o amante, mas sua natureza em todo caso calma;
› Colérico – amargo, suspeito, nervoso, reativo e não alegre.
Sublinho que este é um esquema "básico", mas temos que proceder a partir dele,
porque fora do "básico" há infinitas contradições e desavenças entre os intérpretes
e modificadores da tipologia de Hipócrates.

Sabendo de tudo isso, vamos agora tentar olhar a teoria dos temperamentos através
do prisma do Psychosophy. Como sabem, a marca registrada de qualquer conceito
universal confiável não é a negação, mas a inclusão de sistemas anteriores: a física
de Newton fazia parte da física de Einstein, o mesmo aconteceu com a geometria de
Euclides após o aparecimento da geometria de Lobachevsky, etc. Na verdade, a
teoria dos temperamentos é parte integrante do Psychosophy.

O fato é que os quatro temperamentos são as quatro combinações básicas de Física


e Emoção, onde a posição da Física reflete sua essência, a cor, a cor da
percepção do mundo e a posição da Emoção nas etapas da hierarquia funcional
determina a intensidade da expressão da percepção do mundo.
Já foi dito antes que a tristeza prevalece no humor da 4ª Física - é a sua marca
registrada. Aqui tudo é verdade, mas não tudo. Toda a verdade está no sistema:
quanto mais baixa a Física de uma pessoa, mais escura é a coloração de sua
visão de mundo. E vice-versa, quanto mais alta a Física de uma pessoa, mais
clara a coloração de sua percepção do mundo. A Emoção, por outro lado, é
responsável pela intensidade da cor, pela ressonância, portanto, quanto maior
a Emoção, mais forte esta coloração mais escura ou mais clara da percepção do
mundo é expressa. E vice versa.

Portanto, através do prisma do Psychosophy, o sistema de temperamentos parece


ser o seguinte:
› Sanguíneo: Física forte + Emoção forte (uma pronunciada visão de mundo de cor
clara).
› Fleumática: Física forte + Emoção fraca (uma visão de mundo de cor clara).
› Melancólico: Física fraca + Emoção fraca (uma visão de mundo de cor escura
fraca).
› Colérico: Física fraca + Emoção forte (uma pronunciada visão de mundo de cor
escura).

Assim como a Física afeta a visão de mundo, ela também afeta como a pessoa
aparenta ser. A diferença é que aqui a Física entra em uma combinação com a
Lógica. Mas o resultado é naturalmente o mesmo. Embora tenhamos que admitir
que estas combinações não receberam uma tipologia tão desenvolvida como a
teoria dos temperamentos, mas em sua infância, existe uma tipologia de visão de
mundo que é conhecida por todos: é uma divisão da humanidade em otimistas e
pessimistas.

Como já foi dito o suficiente sobre a influência da Física na coloração, acho que o
leitor não terá dificuldade em adivinhar que a Física de alto estado que dá à luz
otimista, enquanto a Física de baixo estado que dá à luz pessimistas de cores
escuras. E nada pode ser feito sobre isso, o processo de formação da visão do
mundo e da visão do mundo não depende de uma pessoa, e é preciso aguentar,
como se tem que aguentar com o tempo chuvoso.

MUNDO COMO VONTADE &


REPRESENTAÇÃO
Pode parecer estranho, mas a Vontade como componente dos sistemas tipológicos
é encontrada muito raramente, embora nenhum psicólogo tenha tentado, ou
tentará negar sua importância para a psique humana. A explicação deste fenômeno,
penso eu, deve ser buscada na inexpressibilidade e universalidade da própria
natureza da Vontade. Ela, como o Espírito Santo, é invisível, onipresente, soprando
onde quer que queira, razão pela qual ela é mal compreendida na rede de técnicas
psicológicas.
A participação implícita, mas poderosa, da Vontade na criação de sistemas
psicológicos pode ser estudada de forma particularmente clara usando o exemplo
da tipologia de Carl G. Jung. Por um lado, Jung afirmou que sua tipologia "não
incluía vontade e memória”. Mas, de fato, a vontade era o principal diferenciador da
tipologia de Jung.

A divisão junguiana de introvertidos e extravertidos se tornou comum, e é


comumente entendido que um extravertido é uma pessoa voltada para o exterior,
muito desinibida e espontânea, enquanto um introvertido é uma pessoa pouco
comunicativa, voltada para o interior. Mas esta é o “laboratório” para Jung. Na
verdade, um extravertido não é uma pessoa voltada para exterior, mas uma pessoa
DEPENDENTE do exterior, enquanto que um introvertido é o oposto. Aqui estão
algumas citações características da tipologia de Jung:
“[...] as pretensões inconscientes do tipo Extravertido são na verdade primitivas e
infantis, egocêntricas na natureza... O tipo Extravertido está sempre pronto para se
entregar (aparentemente) em favor do objeto e assimilar sua subjetividade ao objeto.
[...] O perigo para o Extravertido é que ele se envolve nos objetos e se perde
completamente neles... A vida mental deste tipo de personalidade é jogada, por
assim dizer, fora de si mesmo, em seu ambiente. Ele vive dentro e através dos
outros — qualquer reflexão sobre si mesmo o faz estremecer. Os perigos que
espreitam ali são melhor superados pelo ruído. Se ele tem um "complexo", ele
encontra refúgio no giro social, na agitação, e se permite ter a certeza várias vezes ao
dia de que tudo está bem. Na medida em que ele não é muito intrometido, nem
muito assertivo e nem muito superficial, ele pode ser um membro ferozmente útil de
qualquer comunidade”.

O problema da extroversão e da introversão não está na medida da sociabilidade,


da contabilização, mas na medida da DEPENDÊNCIA ou INDEPENDÊNCIA do
indivíduo, ou seja, é um problema da VONTADE. De fato, ao dividir a humanidade
em extravertidos e introvertidos, Jung dividiu-a em pessoas com uma vontade alta e
uma vontade baixa, e só então ele destacou dos extravertidos e introvertidos
pessoas de tipo pensante, tipo sensitivo, tipo sentimental e tipo intuitivo; ou seja, ele
desenvolveu sua tipologia, derivando tipos a partir da base da vontade do homem.
Entretanto, não sendo uma pessoa de vontade forte, o próprio Jung tentou camuflar
o máximo possível o problema pessoal e, criando sua tipologia, escondeu o
problema da vontade por trás de uma terminologia vaga e, como citado acima, até
mesmo retirou oficialmente a Vontade de sua tipologia. O que aconteceu é o que
geralmente acontece na psicologia, quando um psicólogo resolve cientificamente
não os problemas psicológicos de outra pessoa, mas seus próprios problemas
psicológicos, apresentando tais soluções como universais.

OBS.: O autor toma algumas conclusões presunçosas no trecho acima. Para abordar
a verdade, Jung classifica a Vontade como uma “categoria posterior” — a Vontade é
consciência; ou melhor, o agir da consciência. Jung também diz que as funções
(Intuição, Pensamento, Sentimento & Sensação) são anteriores à consciência, e aí
você tem uma propensão para uma função e uma atitude, que se especializa no uso
da consciência. Consciência é o próprio princípio da especialização do tipo.
Nenhum tipo poderia existir sem "Vontade". Vontade é a capacidade de direcionar
libido. Existem limites pra ela. Uma vontade treinada o suficiente pra mexer nos
fundamentos da psique é perigosa. Se burla demais as demandas das bases da
psique (e.g. evitando a convivência com outros seres humanos por tempo
prolongado ou negando o Eros), gera uma reação que opõe uma quantidade de
libido reprimida ainda maior à vontade. E aí essa mesma vontade se vê impotente
frente a uma neurose. Ou então, caso se tente muito sublimar, pode se acabar com
uma atitude distorcida, por fim, ao inserir o elemento indesejado no centro da
atitude repressiva desejada. Simplesmente não há como vencer 100% a natureza.
Por fim, Vontade não é uma questão de extroversão/introversão. E agora, dando
continuidade aos textos de Afanasyev:

Embora a desculpa indiscutível de Jung possa ser que a Vontade é o elemento mais
escondido da psique humana, e não há nada no mundo para o qual se possa
apontar como o óbvio fruto da Vontade, enquanto os vestígios de Emoção, Lógica &
Física são abundantes. Mas há nada na atividade vital do homem que não seja
preenchido com a Vontade, que não reflita o lugar da vontade na ordem das
funções do indivíduo. Mas tudo isso é apenas em segredo, oculto ou implícito. Por
exemplo, é costume falar das pirâmides egípcias como as maiores criações de mãos
humanas, mas o trabalho escravo foi precedido pelo pensamento dos engenheiros
egípcios, mas isso não é tudo; as mãos e o pensamento foram precedidos pela
Vontade do Faraó. O Faraó disse: “Eu quero uma pirâmide!” — e a partir daí tudo
começou: engenheiros e escravos eram apenas derivados da Vontade invisível do
Faraó.

Vontade é a afirmação da sua existência acima de todo o resto. Também se


refere a quem você realmente é. Ela está envolvida na expansão do indivíduo a
partir de si próprio, com sua visão.

A Vontade é um componente psíquico que está escondido dos olhos; portanto,


somente aqueles que sentem um excesso de vontade em si, ou seja, os portadores
da 1ª Vontade são capazes de distinguir mais ou menos claramente os graves
abafados e profundos da vontade por trás do refrão de dicionários piercing das
outras funções. Uma dessas pessoas, Lermontov, escreveu:
“A vontade encapsula a alma inteira; querer meios para odiar, amar, lamentar,
regozijar-se — viver, numa palavra. A Vontade é a força moral de todo ser, o livre
desejo de criar ou destruir algo, a marca do Divino, o poder criador que, do nada,
cria maravilhas”.

Alguns considerariam as palavras de Lermontov um exagero, mas na verdade não


há exagero nelas. Posso dizer mais — a posição da Vontade na hierarquia funcional
influencia fortemente as normas legais humanas, forma completamente a ética (lei
não-escrita), a imagem individual da sociedade e do universo. Em geral, sendo uma
das funções e sujeita em sua ação aos mesmos princípios e leis que as outras, a
Vontade é simultaneamente o pivô invisível de toda a ordem de funções.

Assim, a 1ª Vontade é todo tipo de monólogo, excesso, resultado, individualismo. A


2ª Vontade é todo tipo de diálogo, norma e processo. A 3ª Vontade — tudo, por
assim dizer, incompletude, complexidade, vulnerabilidade total. 4ª Vontade — todo
tipo de declínio, dependência, utilizar de tudo disponível, conformismo. Portanto,
gostaria de enfatizar, sem revogar nada do que foi dito anteriormente, que a
posição da Vontade na hierarquia funcional é crítica para a psique humana. Embora
por "caráter", "personalidade" ou "eu" normalmente nos referimos à soma das
propriedades mentais de um indivíduo, na realidade é a Vontade em primeiro lugar,
e depois, como um suplemento, as outras funções.

Dependendo da posição da Vontade sobre a hierarquia funcional, a sociedade é


dividida em "Reis" (1ª Vontade), "Nobres" (2ª Vontade), "Burguêses/Filisteus" (3ª
Vontade), "Servos" (4ª Vontade).

“o Rei” (1ª Vontade)


A 1ª Vontade é um líder nato. Diz-se que os líderes não nascem, mas se tornam.
Entretanto, esta, assim como muitas outras verdades populares, não suporta o teste
da experiência. Líderes nascem, não somente nas pessoas, mas também nos
animais. Por exemplo, as galinhas mal eclodem, mas já sabem qual delas é qual,
como dizem os biólogos, um indivíduo "alfa", e ele mesmo sabe que é "alfa", e o
primeiro a marchar para a cocheira, permitindo graciosamente que os outros, de
"beta" a "ômega", a sigam. E a ordem de bicada estabelecida nunca mudanças.

Parece a mim que a ordem volicional de funções existe não apenas em galinhas,
mas até mesmo em mosquitos. Vou me permitir, neste contexto, uma pequena
digressão lírica de natureza pessoal.

Uma vez servi como vigia noturno. O prédio que eu guardava era antigo, com
adegas quentes e úmidas, onde os mosquitos se reproduzem sem obstáculos desde
o início da primavera até o final do outono. Assim, eu tinha tempo e material mais
do que suficiente para observar os hábitos e o modo de vida dos mosquitos.

Então, deitado na escuridão no berço e ouvindo os mosquitos cantando à noite,


notei que os mosquitos não são tão uniformes quanto parecem durante os passeios
fora da cidade: eles, é dito, assim que veem um homem, se apressam aos montes
para beber seu sangue. Minha experiência como um vigia noturno me convenceu
de que o quadro é mais complexo, que há diferenças no caráter e comportamento
dos espécimes individuais.

Alguns mosquitos, aparentemente da 4ª Vontade, apareceram em meu quarto


como se fossem ao acaso, a princípio apenas se movendo timidamente ao longo
das paredes, representando os vigaristas ociosos, interessados apenas na
arquitetura. Então, da mesma forma, aparentemente sem um plano ou interesse
pessoal, os mosquitos começaram a circular, agora se aproximando, agora se
afastando, e em aparente hesitação se aproximando novamente. Entretanto,
geralmente era suficiente acenar minha mão na direção deles, e eles mesmos,
concordando imediatamente com a desesperança de mais tentativas, voavam para
longe.

Outros mosquitos, provavelmente da 3ª Vontade, foram igualmente tímidos no


início, mas mostraram muito mais persistência em alcançar seu objetivo. Com longas
e consistentes voltas circulares, eles não se acalmariam até que chegassem em mim.
Seguiu-se uma palmada na palma da mão e, se não acabasse com o sugada de
sangue, ele voltaria à sua posição original distante, e a cautelosa e mortal caçada
por meu sangue era retomada.
Mas um dia senti que havia mais do que apenas um mosquito interessado em minha
pessoa. Ele voou para a sala e, sem hesitação ou pensamento desnecessário, veio
direto para mim. A inquestionada franqueza de comportamento, de natureza
direta ao ponto, deu a impressão de que ele não tinha sombra de dúvida sobre
seu direito de sugar meu sangue. Eu, categoricamente discordando disso e ao
mesmo tempo não encontrando a força mental para lutar abertamente, me cobri
covardemente com o cobertor. Um mosquito, com suas asas tremulando, voou para
cima e sentou-se sobre o cobertor. Não consigo explicar de onde veio essa
sensação, mas parecia que a pequena criatura estava literalmente me pisoteando.
Ficou assim por um tempo, como se estivesse vigiando seus bens, seu território, e
começou a saltar de um lugar para o outro, mergulhando lentamente seu longo
nariz nas dobras e fendas do cobertor, na esperança vã de chegar às minhas veias.
Eu não estava ali deitado nem morto nem vivo, embora não houvesse motivo para
duvidar da espessura da manta. Mas então o mosquito real cometeu um erro: pelo
bater irritável e em pânico de suas asas, percebi que meu atormentador havia
exagerado e caído em uma das dobras do cobertor. Deus, que sabe com que prazer
eu — um Everest comparado a um mosquito, estava esmagando esta criatura
minúscula, mas extremamente autoconfiante. Mais tarde, é claro, veio a vergonha
do prazer experimentado, mas ainda não posso dizer com total certeza que aquela
luta era desigual. Este é o efeito que o fenômeno da 1ª Vontade pode ter, mesmo
que seja de outro nível e de mundos incomparáveis.

Acrescentarei uma anedota histórica de tom semelhante a esta história puramente


pessoal. Quando o general Bonaparte, que havia sido nomeado comandante-chefe
do exército italiano e ainda não era conhecido por ninguém, chegou ao seu quartel
general, a primeira coisa que ele decidiu fazer foi convocar um conselho de guerra.
Logo os oficiais, não inferiores a Napoleão, entraram no gabinete do comandante —
homens bonitos, heróis, espadachins, contra os quais o pequeno Bonaparte, magro,
de cara amarela, claramente não olhou. O comandante os saudou com seu chapéu
na cabeça, e os outros generais não descalçaram a cabeça. Enquanto conversavam,
Bonaparte tirou seu chapéu, eles seguiram o exemplo, mas após um minuto ele
voltou a colocar seu chapéu e olhou para aqueles ao seu redor de tal maneira que
ninguém ousou repetir seu gesto. Mais tarde, quando o conselho de guerra
terminou, Massena, um homem corajoso em batalha, murmurou: “Bem, aquele
pequeno sujeito me deu arrepios”. É um outro exemplo, talvez não tão místico, do
fenômeno da 1ª Vontade.

O principal para começar a analisar a psicologia da 1ª Vontade é que ela nasce com
uma imagem em duas camadas do universo. No subconsciente do "rei", todo o
cosmos e todos os seus elementos estão alinhados em uma hierarquia simples de
dois níveis: o superior e o inferior. O ser inteiro é dividido em mundos superiores e
inferiores, céu e terra, o escolhido e o convidado, poder e pessoas, pastores e
rebanhos, chefes de família e membros do lar, etc. Ao mesmo tempo, uma
característica notável da psicologia da 1ª Vontade parece ser que desde o
nascimento ela sente que não pertence a nenhum outra que à fase mais
elevada, elitista, exclusiva e eletiva deste modelo de duas fases. Tolstoy
escreveu: “Há algo em mim que me faz acreditar que eu não nasci para ser como
todos os outros”. E décadas mais tarde, Tolstoy foi ecoado por Salvador Dali: “Desde
minha tenra idade, tenho tido a tendência perversa de pensar em mim como
diferente de todos os outros mortais”.

A premonição da 1ª Vontade de ser escolhido não é apenas uma vaga sensação de


viver secretamente em uma pessoa — é o programa, o caráter, o modo e o
significado da vida de um indivíduo. É algo incorporado em tudo o que o "Rei"
faz, pensa e sente.

Pertencer ao mais alto dos dois mundos introduz alguns ajustes nas noções da 1ª
Vontade sobre as normas do direito e da ética. O "Rei" não pode de forma alguma
ser chamado de ser amoral, ele honra a lei e não gosta de violar as normas
estabelecidas na sociedade, mas alguma bifurcação, associada ao quadro de dois
estágios do universo, na ética e na lei da 1ª Vontade está presente. O cumprimento
incondicional de todas as regras, a seu ver, é necessário para os seres pertencentes
ao segundo mundo, o mundo inferior. Quanto aos seres do mundo superior, para
eles é necessário o cumprimento das regras da lei e da moral, mas não
incondicionalmente, mas na medida em que, e há situações em que o expediente
superior permite sua violação. As motivações aqui são muito diferentes, mas no final
sempre se revela que o objetivo final do amoralismo da 1ª Vontade é poder,
carreira, expansão e auto-afirmação acima de tudo. É por isso que, quando
Lutero disse que “a Igreja, para o bem da causa, não tem nada a temer e uma forte
mentira boa”, e quando Lenin escreveu que para a vitória da revolução mundial “é
necessário... fazer todo e qualquer sacrifício, mesmo em caso de necessidade — ir por
todo tipo de truques, estratagemas, técnicas ilegais, reticências, ocultação da
verdade...”, então, na melhor das hipóteses, ambos caíram em autoengano — tudo
isso foi necessário para que eles pessoalmente satisfizessem sua própria ambição.

O quadro de dois estágios do universo na mente da 1ª Vontade está ligado a outra


curiosa e muitas vezes enganadora característica do comportamento do "Rei": seu
imaginário democrático. O fato é que a 1ª Vontade realmente trata os outros
igualmente, sem distinguir entre as fileiras. Entretanto, a fonte deste fenômeno não
está no democratismo natural, mas na simplicidade do quadro que vive em sua
alma: há apenas o topo e a base, e estruturas hierárquicas mais complexas são
arbitrárias e complicadas.

Formalmente, o 1ª Vontade é um defensor da igualdade. Mas um tipo peculiar de


igualdade, onde todos são equiparados não em direitos, mas em privação de
direitos perante ela. Neste contexto, é interessante observar o "igualitarismo" da 1ª
Vontade no exemplo do Imperador Paulo I. Por um lado, Paulo constantemente
repreendeu os aristocratas russos como "jacobinos" porque eles afirmavam ser
iguais a ele, mesmo condicionalmente, mas ainda assim (sendo o Rei o primeiro
entre iguais). Por outro lado, a aristocracia venerava Paulo como um "equalizador",
porque ele não diferenciava entre oficiais e postos entre seus súditos, flagelando
com igual paixão qualquer um que estivesse ao seu alcance. Uma vez, quando
tentaram oferecer a Paul condolências pela morte do chanceler Bezborodko, ele
respondeu de uma forma muito "igualitária": “Eu tenho todos os bezborodniks”. Isto
é igualdade à maneira do "Rei". Não é surpreendente, portanto, que a aristocracia
russa logo se cansou de tal "igualdade" e enviou o Rei — "sancionado", para o
próximo mundo. A vida é mais rica que o modelo de dois passos do mundo, mais
rica que a ideia da “realeza" de igualdade, e a violência contra a sociedade no
espírito de oposição elementar de cima para baixo muitas vezes se vingam
cruelmente do "Rei".

A premonição de pertencer a um mundo superior não apenas subjuga toda a


personalidade da 1ª Vontade sem um traço, mas literalmente a esmaga, viola-a. A
vida do "Rei" é trágica no início, pois sentindo-se um "alfa", ele se obriga a
comportar-se de acordo com suas APRESENTAÇÕES sobre o comportamento "alfa",
às vezes apesar de suas próprias inclinações e necessidades interiores. O problema
é que a 1ª Vontade permite que as funções inferiores se realizem apenas em
formas hierarquicamente elevadas, enquanto que, digamos, a Segunda Função é,
por natureza, uma democrata consistente, e por sua tendência a processar e a
riqueza de expressão é bastante estranha a qualquer esforço aristocrático.

Para tornar isso mais claro, vou dar o exemplo de Napoleão (VFLE). Com a 1ª
Vontade, ele teve a 2ª Física. E a 2ª Física, como já mencionado, é uma grande
amante, ela traz à procissão sexual, força, flexibilidade, versatilidade, naturalidade,
carinho. E provavelmente Napoleão com sua 2ª Física, entregando-se aos prazeres
sexuais com a Condessa de Walewski, foi exatamente assim. Mas ele nem sempre
foi assim, e não com todos. Quando se tornou imperador, Napoleão fez da violação
das esposas de seus ministros uma regra, e o fez com uma mente de estado na
testa, descuidadamente e sem desembainhar sua espada. Deus sabe de quais
reentrâncias de sua memória corsa ele escavou a memória do direito da primeira
noite, mas isto não é importante – o que é importante é que fazendo todas as
manipulações necessárias em tais casos, mesmo sem desembainhar sua espada, ele
não apenas estuprou as esposas de seus ministros, ele violou principalmente sua
própria natureza sexualmente poderosa e rica. Por quê? A violência de Napoleão
sobre a 2ª Física foi exigida a ele por sua própria realeza da 1ª Vontade. Que tal
autotortura deve ser realizada através das esposas dos ministros e da espada. É
apenas uma ideia desgraçada das formas em que um estadista do mais alto escalão
deve realizar seu sexo.

Mesmo a 3ª função, super-processional, quando seguida pela 1ª Vontade, se torna


rabugenta e de duas mãos, colocando sua ação em dependência da opinião
pública. Sobre Leo Tolstoy (VEFL), que tinha a 3ª Física, i.e., sua esposa escreveu
amargamente, com cuidado e piedade, "Se alguém soubesse o pouco de ternura
genuína nele e quanto dele foi feito de acordo com princípios e não de coração,
escreverá em sua biografia que ele estava dirigindo água para um zelador e ninguém
jamais saberá que ele estava dirigindo sua esposa para lhe dar algum descanso, não
deu de beber a seu filho e não sentou com os doentes por 5 minutos em 32 anos".

Os exemplos de Napoleão e Tolstoy parecem sugerir que, em conexão com o


fenômeno da 1ª Vontade, tudo isso precisa ser reconsiderado. A 1ª Vontade
efetiva parece cancelar a processionalidade da Segunda e Terceira Funções, e toda
a personalidade do "Rei" na imagem da Primeira Função se torna efetiva.
Entretanto, esta é uma aparência: o "Rei" de fato não cancela sua processionalidade,
mas conduz seu processo internamente.

Voltemo-nos para a confirmação desta tese para a personalidade de Akhmatova


(VELF). Akhmatova, sob a 1ª Vontade, teve a 2ª Emoção. E como já foi dito, a 2ª
Emoção é uma "akyn" nata que canta tudo o que vê ao seu redor. A própria
Akhmatova admitiu sua compreensão "akynic" das tarefas da poesia, dizendo que a
poesia é composta de frases simples como: “Você gostaria de um chá?”. No entanto,
ao contrário de tal declaração, que implica uma frutificação abundante, o legado
poético de Akhmatova não se distingue nem por uma grande forma nem por um
grande número de obras. O segredo de tal restrição foi uma vez revelado pela
própria Akhmatova, analisando os poemas de Simonov. Então ela disse: “O corajoso
comandante militar, todo peito em medalhas, em uma voz chorosa disse a traição
das mulheres: Aqui está uma! E aqui está outra! Um homem deve escondê-la em seu
peito como um túmulo”. Observemos: considerando a captação poética natural dos
elementos mais simples da vida cotidiana, Akhmatova considera inadmissível que
um homem rime, lamentando o adultério da mulher, mas não na rima, penso eu,
encontrando problemas, mas na publicidade de tolice poética.

A questão é que Akhmatova não era simplesmente um "akyn" segundo a 2ª


Emoção, mas, segundo a 1ª Vontade, um "akyn real", para quem nem tudo é
permitido na poesia, mas apenas aquilo que não degrada a dignidade e não pica
o ego do autor e geralmente volta ao sistema hierárquico e elevado de temas e
imagens que colocam o poeta em uma posição excepcional acima da multidão.
O princípio padrão do "akinismo real" é exatamente delineado por Pushkin em Boris
Godunov, quando o czar Boris, instruindo seu filho, diz:
“Ficar calada, não deve a voz do rei.
É um desperdício no ar;
Como um carrilhão sagrado, só deve transmitir
Grande tristeza ou grande banquete.”

Este princípio era muito próximo de Akhmatova, não sem razão ela mesma chamou
a palavra "régia" (própria para um rei, de notória excelência e esplêndida) em seus
poemas. E o pequeno volume de seu legado parece confirmar a suposição de uma
abordagem estritamente elitista do poeta à criatividade. E ao mesmo tempo, à
primeira vista, parece confirmar a ideia previamente expressa de que a 1ª Vontade,
com suas intenções aristocráticas, cancela a processividade e a multi-facetude da
Segunda Função (neste caso, a 2ª Emoção).

Tudo é isso, mas nem tudo. Uma mulher que dormiu por algum tempo no mesmo
quarto com Akhmatova disse que "nas primeiras noites ela não conseguia dormir,
porque Akhmatova, durante o sono, estava sempre murmurando ou cantando
alguma coisa”. As palavras não eram possíveis de serem distinguidas - apenas o
ritmo, um ritmo muito definido e persistente: "Parecia ser tudo zumbindo, como uma
colmeia”. Um testemunho marcante, não é? Estuprada pela 1ª Vontade quando
acordada, a 2ª Emoção de Akhmatova ainda irrompe no período de esquecimento
e faz seu devido trabalho "akínico" de formar poeticamente tudo o que se
experimenta durante o dia, sem dividir-se entre o digno e o indigno, o baixo e o
alto. Akhmatova, cantarolando como uma colmeia à noite, é a imagem ideal para
encarnar a ideia da indestrutibilidade do elemento processional no homem, não
importa como ele seja pisoteado pelo excesso da 1ª Vontade.

Entretanto, mesmo um relaxamento temporário no sono não é capaz de compensar


pela agonia da autotortura diurna "Rei" e remover o trágico pano de fundo geral da
vida. Como outro poeta o coloca com precisão:
“Paz e sossego em mim.
Eu queria estreitar meu círculo...
Mas eu choro durante o sono,
Quando o nó se enfraquece”

Outro motivo trágico na vida do "Rei" está contido em seu slogan voluntarista “Se
você quiser, tudo vai dar certo!”. A tragédia aqui reside no próprio irrealismo do
slogan, na recusa deliberada de comprometer com o meio ambiente, a natureza, o
mundo, a sociedade, as vontades e os desejos de outras pessoas. "Se você quiser,
tudo vai dar certo!" — grita a 1ª Vontade, mijando contra o vento, mas as gotas não
voam para onde a vontade quer ir, mas para onde o vento sopra. E com esta triste
discórdia entre o slogan vital, perfeitamente orgânico e o meio ambiente, o "Rei"
nada pode fazer a respeito.

Nada incorpora a 1ª Vontade como o “poder”. Calvino, que desde sua juventude
não tinha saído das doenças mais graves, que sem qualquer rodeio escreveu em
suas cartas “minha vida é como uma contínua morte!” tomou o poder em Genebra,
viveu, viveu, viveu, enterrou entes queridos e camaradas de batalha. Com os arcos
de ferro da Vontade espremendo o organismo em ruínas, Calvino, inspirado pelo
poder que tinha sobre seus concidadãos, com um esforço desumano viveu e
trabalhou para que mesmo a rica Igreja Calvinista ainda não fosse capaz de publicar
uma coleção de suas obras, tão grande é ela.

A 1ª Vontade ama o poder, ama-o com um amor genuíno, desprovido de


impurezas estranhas. Para ela, o poder não é um meio para a riqueza ou a realização
de planos antigos, mas um fim em si mesmo — valioso por si só. Um dos biógrafos
de Churchill escreveu que "se Churchill e Lloyd George tivessem sido perguntados
na época porquê foram ao Parlamento, se tivessem sido sinceros, teriam respondido,
'Para se tornarem ministros'". E para que se tornarem ministros? Ambos teriam dito,
com confiança: “Para me tornar primeiro-ministro". E por quê? Churchill teria
respondido a essa pergunta com: "Para ser primeiro-ministro".

O credo da vida do 1ª Vontade foi perfeitamente resumido por um personagem na


história de Turgenev — "Primeiro Amor". Estou citando a passagem em sua
totalidade, que é tão expressiva e lapidária que há pouco a acrescentar a ela: “Você
toma o que pode, mas não o dá a si mesmo; para pertencer a si mesmo — esse é
todo o objetivo da vida”, disse-me uma vez. Em outro momento, como jovem
democrata, comecei a falar em sua presença sobre liberdade...

– "Liberdade" – repetiu ele – "e você sabe o que a liberdade pode dar a um
homem?"
– "O quê?"
– "Vontade, sua própria vontade, e poder que ela dará, que é melhor que a
liberdade. Saiba como querer, e você saberá seja livre, e você comandará."

A confiança inabalável do "Rei" em seu direito ao poder é tanto sua força quanto seu
calcanhar de Aquiles. O fato é que o destino frequentemente priva o "Rei" de seu
trono durante sua vida, e é muitas vezes este golpe que o endurecido, mas
vulnerável 1ª Vontade não pode suportar. Um dos contemporâneos de Churchill,
tendo-o visitado quando acabava de ser privado de seu papel ministerial, escreveu:
"Que estranho humor ele tinha. Quando estava em ascensão, ele tinha total
autoconfiança; quando estava em baixo, caiu em uma depressão profunda".
Felizmente, o corpo do então jovem Churchill resistiu ao golpe. Mas houve outros
momentos em que a perda de poder e a morte provaram estar unidas por um sinal
de igualdade. Ao contrário do poder do 2º Física, Tvardovsky (VFEL) e Napoleão
(VFLE) queimaram como velas, o primeiro após sua demissão como editor-chefe do
Novo Mundo, o segundo após a perda final do Império.

A 1ª Vontade é muito forte, por isso é inflexível e vulnerável. Curiosamente, o


problema da fragilidade da 1ª Vontade foi de grande interesse para Sófocles no
momento de escrever Antígona, e aqui estão as conclusões a que ele chegou:

"... temperamento demasiado inabalável


É mais provável que desista. O mais difícil,
Bulat lançado ao fogo em vez de
Acontece que está fraturada e quebrada.
E não é vergonhoso para as pessoas mais sábias
Tome cuidado com os outros e seja persistente com moderação.
Você sabe: árvores nas chuvas de inverno,
Deslizando pelo vale, mantendo os galhos intactos,
Os teimosos são desarraigados.
Quem puxa a vela muito apertada
E não se enfraquecerá, será derrubado,
E sua torre flutuará de cabeça para baixo".

Naturalmente, o fim de uma carreira ou a falta de perspectivas é tragicamente


percebido pelo 1ª Vontade. Mas eles não anulam o desejo de ascensão, mas
apenas estimulam a busca de novas formas não padronizadas de crescimento na
carreira. Daí as mudanças abruptas, incompreensíveis para os que o rodeiam, que
muitas vezes marcam o destino do "Rei". Aqui está uma história típica sobre este
tema, contada pelo conhecido psicólogo Steven Berglas. Uma vez um paciente veio
até ele, supostamente sentindo remorsos por ter sacrificado sua família pelo
trabalho. “Eu sugeri que ele começasse a ir à igreja com sua família”, lembrou
Berglass, “mas ao invés de apenas assistir ao culto, ele se tornou diácono. Ou seja,
mais uma vez, ele preferiu o cargo à comunhão familiar”. A isto podemos acrescentar
que tanto para o psicólogo como para a igreja o herói da história só foi porque seu
trabalho anterior havia esgotado suas possibilidades de carreira.

O 1ª Vontade é um líder nato. É tão fácil e natural para ela administrar pessoas
quanto respirar. O "Rei" não costuma dizer sem rodeios: "Eu tenho uma abundância
de vontade, então me dê a sua e me siga. Eu estou encarregado de tudo". Mas ele,
mais do que ninguém, sabe se comportar como alguém no poder, e as pessoas
obedecem involuntariamente por conveniência.

A avaliação do talento da 1ª Vontade de liderar as pessoas pode ser dupla,


dependendo das circunstâncias. Por um lado, este talento é mais valioso do que
nunca em tempos de catástrofes, problemas, desordens. A capacidade de solidificar
a sociedade e liderá-la, mesmo que a unidade não seja alcançada sem violência e os
objetivos sejam sombrios, ainda é uma coisa boa, pois simplesmente permite que a
sociedade se salve e sobreviva. E vice-versa. Em tempos de paz e harmonia, nada é
mais prejudicial à sociedade do que o talento do líder da 1ª Vontade, porque é
inseparável do monólogo, do autoritarismo, da supressão da personalidade, da
uniformidade mortal de comportamento, pensamentos, sentimentos.

O pai de Margaret Thatcher, de quem ela muito provavelmente herdou sua 1ª


Vontade, legou à filha dele "nunca seguir a multidão, nunca ter medo de se
diferenciar dela e, se necessário, liderá-la". Estas palavras do pai da futura Primeiro-
Ministro sucintamente expõem não apenas uma experiência e uma visão pessoal,
mas uma estratégia universal da 1ª Vontade em sua interação com a multidão. "O
Rei" de fato nunca se mistura com ele, nunca cavalga no comboio, raramente fica à
margem do trânsito e se esforça constantemente para estar à sua frente. E como ele
não pode aspirar à cabeça da multidão? Afinal, somente com a sua participação
pode ser realizado seu talento natural de liderança. Afinal, não há rei sem uma
comitiva, céu vazio sem a terra, e o topo se revela apenas com a presença da base.
Portanto, a aspiração da 1ª Vontade de estar à frente de qualquer coisa não é
“legal”, mas natural, porque só em tal posição é verdadeiramente realizável.

E mais uma conclusão, devido à relação específica entre o "Rei" e a multidão: apesar
de todo seu individualismo endurecido, ele - um ser muito público, muito
dependente, ficando com a multidão em conexão quase mística, hipostática, em
estado de inseparabilidade: "Eu vivo para o espetáculo, para as pessoas", Tolstoy
grunhiu e... continuou uma existência tão ostensiva.

Ao mesmo tempo, sendo uma criatura de dependência, o "Rei" é tão pouco


cerimonioso quanto qualquer pessoa nas relações com aqueles que se tornaram
dependentes dele, e não há violador mais consistente e insolente no mundo do que
a 1ª Vontade. Entretanto, o "Rei" é mais um ditador do que um tirano — ele não
tolera interrupções, mas acredita demais em seu direito natural ao poder para ter
medo sério da competição e para ser afetado pelo medo dela.

O 1ª Vontade nasce um líder. Mas talvez até mais do que confiante em seu direito
ao poder, um "Rei" nasce confiante em seu direito à desobediência. O tempo e as
circunstâncias nem sempre são propícios ao direito natural da 1ª Vontade ao poder,
mas o feriado da desobediência é um feriado que está sempre com você, um
feriado que pode ser celebrado todos os dias, independentemente do tempo e das
circunstâncias. Portanto, a 1ª Vontade nem sempre é o líder, mas sempre a pessoa
fora de controle. Lembro-me de um velho amigo meu gritando, mais uma vez sendo
demitido de seu trabalho: "Entenda, não posso ser mandado embora!"

A incontrolabilidade é o primeiro sinal da 1ª Vontade. As crianças-"Rei" são as mais


teimosas, as crianças mais difíceis do mundo. É quase impossível chegar a um
acordo com elas, a violência não tem efeito, as lágrimas são inúteis. Sete anos de
idade, Carlos XII da Suécia, quando foi retirado do escritório de seu pai porque a
hora da reunião de ministros havia chegado, primeiro bateu longa e duramente na
porta fechada, e depois simplesmente correu de cabeça para dentro dela; o menino
sangrento e inconsciente, é claro, foi trazido para o escritório, embora ele não
tivesse nada a ver com isso.
Como criança, mesmo o ganho pessoal direto e óbvio não torna a 1ª Vontade
obediente; ela se rebela cronicamente, com ou sem causa, em uma variedade de
formas. Descrevendo sua infância, disse Salvador Dali: “A criança rei tornou-se
anarquista. ‘Contra tudo e todos’, tornou-se meu lema e guia para a ação. Quando
criança, sempre agi de forma diferente de todos os outros, mas nunca pensei nisso.
Agora percebi a excepcionalidade do meu comportamento e agi propositalmente
contra todas as expectativas. Sempre que alguém dizia: "Preto!" - eu contrariava com
‘Branco!’. Toda vez que alguém levantava o chapéu na saudação, eu nunca perdia
uma oportunidade de cuspir e jurar em público. Senti-me tão diferente que qualquer
coincidência acidental de minhas ações com as de outra pessoa me enviaria para um
transe que poderia estourar em lágrimas de raiva. Eu era diferente! Sou diferente,
não importa o que me custe, eu não sou como qualquer um ou qualquer coisa! Eu
sou o único! Ouçam, um!”

Com a idade, porém, a frente da 1ª Vontade se torna mais significativa, ela deixa de
se revoltar por ninharias e de se prejudicar diretamente a si mesma. Mas a
ingovernabilidade como tal permanece a norma do comportamento do “Rei",
multiplicando as fileiras de putschists, ativistas de direita, reformadores, chicanes,
anarquistas, dissidentes, reacionários de longo alcance e não menos de longo
alcance radicais de todas as listras.

Vamos nos perguntar: a incontrolabilidade da 1ª Vontade é boa ou ruim? Como


eles dizem, nossas falhas são extensões de nossas virtudes. Portanto, o espírito
rebelde inerente à 1ª Vontade é duplamente arraigado. Por um lado, ele é vital
para a sociedade; é a pedra de toque sobre a qual a consciência pública
entorpecida e retardada está sendo constantemente aperfeiçoada; não foi por
acaso que Sócrates disse de si mesmo que ele estava apegado a Atenas "como um
tavão a um cavalo, grande e nobre, mas preguiçoso por causa da obesidade e
precisando ser perseguido". A 1ª Vontade é o inimigo de tudo o que é comum,
habitual, trivial, e nesta inimizade está seu principal valor à sociedade.

Por outro lado, o autovalor da rebelião muitas vezes leva a 1ª Vontade ao campo de
reação, a faz remar contra a corrente, escrever contra o vento, violar o fenômeno.
Voltando a Sócrates, que se comparou a um gadfly: uma pessoa que interfere com o
status quo de uma sociedade ou comunidade, fazendo perguntas novas e
potencialmente perturbadoras, geralmente direcionadas às autoridades. Podemos
dizer que o "Rei" é um gadfly que pica todos os traseiros — quer eles precisem ou
não. Portanto, o dilema de quem é a 1ª Vontade, um nobre rebelde ou um front-
runner vazio, é insolúvel; ele é ambos, e todos juntos, dependendo das
circunstâncias.

Se o "Rei" é religioso, que muitas vezes ele é, o espírito rebelde cria dificuldades
adicionais trágicas, cômicas e insolúveis para a 1ª Vontade em seu relacionamento
com Deus. É impossível entender como Gorky conseguiu espiar este drama na alma
de Tolstoy, mas, o fato permanece, ele o viu e o descreveu: "O pensamento de que,
notavelmente, mais frequentemente do que outros aguça seu coração é o
pensamento de Deus". Às vezes parece não ser um pensamento, mas uma
resistência intensa a algo que ele sente sobre si mesmo... Ele tem um relacionamento
muito incerto com Deus, mas às vezes me lembra um relacionamento de 'dois ursos
na mesma toca'". Surpreendentemente verdadeiro e não se aplica somente a
Tolstoy. O problema chamado por Gorky é o drama geral da 1ª Vontade mística.

Por um lado, o quadro religioso habitual, onde o Senhor Todo-Poderoso realiza


arbitrariamente o julgamento e a punição do mundo inferior, criado por ele, é um
reconforto para o coração do "Rei", pois isto santifica e apoia com autoridade
superior a arbitrariedade doméstica e social realizada pelo "Rei". Mas, por outro
lado, afirmando seu próprio credo monárquico com referência ao princípio
monárquico superior, o "Rei" junto com o resto do mundo criado cai sob a jurisdição
invisível de Deus, que sua alma rebelde não pode suportar. A rebelião ateísta ocorre
na 1ª Vontade às vezes em uma idade muito tenra e é obviamente de natureza
inconsciente. Por exemplo, quando o pequeno Toulouse-Lautrec foi levado à igreja
pela primeira vez, ele gritou imediatamente: “Eu quero fazer xixi! Sim, eu quero fazer
xixi aqui”, e apesar das súplicas de sua família, ele molhou imediatamente os pratos
da igreja.

Assim, a bifurcação religiosa do 1ª Vontade resulta no que Gorky muito


apropriadamente chamou de relação entre os dois ursos na mesma toca. A
construção de Deus e a luta de Deus milagrosamente coexistem na alma do "Rei",
ora tornando-o feliz, ora oprimindo-o. E é para sempre. Nem a reconciliação
completa com Deus, nem o divórcio completo com Ele na 1ª Vontade misticamente
sintonizada é possível.

O "Rei" é uma criatura incrível; ele nunca relaxa. Seu autocontrole é absoluto. Como
um cavaleiro acorrentado na armadura de sua vontade de ferro, o "Rei" faz seu
caminho pela vida, estranho às paixões, tentações, fraquezas, apegos. Mesmo a 4ª
Função, que, como já foi dito, o homem geralmente se liberta e confia aos outros, a
1ª Vontade se liberta e confia apenas na medida de seu interesse nela. O grau de
autocontrole do "Rei" pode ser julgado a partir do exemplo de Napoleão, que, no
meio da Batalha de Wagram, adormeceu, dormiu sob o rugido do canhão durante
dez minutos, e depois, como se nada tivesse acontecido, assumiu novamente o
comando das tropas.

"Eu mesmo não sou um daqueles que estão sujeitos aos encantos dos outros",
declarou Akhmatova. O sinal mais confiável do 1ª Vontade: quase não há
alcoólatras ou viciados em drogas entre seus proprietários (a fraqueza de Toulouse-
Lautrec e Tvardovsky por beber é uma exceção rara). A perda do autocontrole e do
relaxamento provocados pelo álcool ou pelas drogas, ou qualquer influência
externa, é completamente inaceitável para o "Rei". O poder de alguém ou algo
sobre si mesmo, a dependência de alguém ou algo equivale à perda do "eu" e à
autodestruição da 1ª Função de Apoio à 1ª Vontade.

Enquanto o 1ª Vontade é uma criatura de extraordinária integridade, feita de uma


só pedra, de fora parece ser algo contraditório, bifurcado e inconsistente.
Entretanto, se você olhar com atenção, verá que a natureza contraditória da 1ª
Vontade é melhor caracterizada pelas palavras "ambivalência", "substância", e está
inteiramente relacionada ao problema do poder. Há três posições nas quais o
semblante da 1ª Vontade apresenta três expressões diferentes: quando o "Rei" não
reivindica poder, quando ele o reivindica e quando ele o tem.
Não envolvido em lutas de poder, a 1ª Vontade, de todos os traços inerentes a ela,
manifesta externamente apenas dois: uma crença inabalável em um modelo
hierárquico de dois estágios do universo e a ingovernabilidade. Em todos os outros
aspectos, ela tem pouca semelhança com um "Rei". É uma pessoa cumpridora da
lei, muito decente, uma amiga confiável e parceira de negócios. E o "Rei", que não
está envolvido em uma luta pelo poder, não tem praticamente nenhum motivo para
violar as regras da lei e da moralidade. Há dificuldades. O excesso de vontade é
gasto apenas em defesa de sua própria soberania, e a vida adquire características
óbvias de asociabilidade: celibato, solidão, egocentrismo, etc., o que é bastante
desconfortável para um ser tão social como um "Rei".

Quanto às diferenças entre um "Rei" que luta pelo poder e um que o tem, elas são
insignificantes, embora a contradição diametral nos slogans engane a muitos.
Quando os simplórios veem o "Rei oposicionista" no poder, eles começam a coçar a
cabeça e lembram-se dos velhos aforismos sobre a corruptibilidade do poder. Mas,
na realidade, não há metamorfose. Tanto pela luta contra a tirania quanto pela sua
afirmação, a 1ª Vontade não se trai a si mesma, porque anarquia e ditadura são dois
lados iguais de sua natureza.

Este é o quadro habitual na história mundial: um ardente oponente da


arbitrariedade realiza uma revolução, então, agarrando o assento do poder, realiza
uma contrarrevolução mais ou menos "velada" e afirma uma tirania ainda pior do
que antes. Seria muito fácil e conveniente explicar tais metamorfoses com a intenção
deliberada de um canalha disfarçado de democrata. A realidade é mais complicada
e trágica. Diz-se que Napoleão desmaiou na dispersão da Assembléia Nacional;
Lênin estava histérico no dia da dissolução da Assembléia Constituinte. Cromwell
afirmou sua ditadura de forma ainda mais dolorosa. Ele, o poderoso defensor do
Parlamento humilhado, o implacável inimigo do absolutismo, tendo se tornado o
chefe do país, fez muitas tentativas para reunir um parlamento nas mais diversas e
convenientes combinações, mas, eis que cada um dos parlamentos-mão ousou
reclamar pelo menos uma fração do poder absoluto que já estava nas mãos de
Cromwell, e... eles tiveram que ser cortados. Nesta dolorosa criação-destruição de
uma democracia efêmera, uma parte considerável da vida do Lorde Protetor inglês
passou. O que está aqui, apenas ambição nua? Não, é a trágica dialética da 1ª
Vontade: quanto mais intransigente e consistente for o regime tirânico, mais
provavelmente será seguido por uma tirania inconsciente, dolorosamente moldada,
mas inexorável (o resultado).

As opiniões do "Rei" sobre a estrutura do governo também mudam diametralmente


após a chegada ao poder. Sendo um feroz defensor do autogoverno, ele começa
seu governo com uma substituição consistente do sistema de autogoverno por uma
estrutura autônoma de funcionários nomeados pelo centro, completamente
independente da população. O sistema de governadores-gerais de Cromwell, o
sistema de prefeituras de Napoleão, o sistema de Lênin sistema de obkoms, etc.,
foram formados de acordo com este princípio.

O "Rei" nem precisa ser um político para ser um político muito duro. Freud, por
exemplo, estava formalmente engajado na ciência, mas construiu sua escola de
psicologia como um estado teocrático, com um líder infalível e carismático, uma
burocracia, um tribunal, uma força policial, um escritório de propaganda, etc. Da
mesma forma, círculos literários, casas-modelo, todo tipo de associações com mais
de um membro, que têm a amarga sorte de cair debaixo da mão de pedra da 1ª
Vontade, são muitas vezes formados de forma semelhante.

Vale notar a degradação que geralmente ocorre com a comitiva do "Rei" após ele
ter alcançado o poder. Deixe-me notar o principal: a 1ª Vontade não tem medo de
celebridades, ela própria se sente uma super celebridade, portanto a comitiva dos
tempos de oposição e o primeiro gabinete do "Rei" são brilhantes — a verdadeira
nata da sociedade. Mas o tempo passa, e um estranho, à primeira vista, mas
consistente processo de limpar as celebridades do ambiente da 1ª Vontade. Isto
não é porque o "Rei", tendo tomado o volante do poder em suas mãos, torna-se
menos autoconfiante e sente medo de um possível rival, mas porque a 1ª Vontade
também pode enfrentar a multidão, mas apenas governar sozinho. A 1ª Vontade é a
primeira a deixar o "Rei" e, batendo a porta, a mesma 1ª Vontade sai. Segundo, e
sem bater porta, a 2ª Vontade se auto-despediu. Isto deixa os não-talentosos,
trabalhadores, mas ineficazes de fraca vontade, que atuam como a comitiva do "Rei"
até o final de seu reinado.

A baixa qualidade da comitiva, no entanto, é de pouca preocupação para a 1ª


Vontade; ela precisa de artistas e trabalhadores, não de celebridades. A declaração
de Napoleão é característica a este respeito: “Eu sou meu próprio ministro. Conduzo
meus próprios assuntos e, portanto, sou forte o suficiente para tirar proveito de
pessoas medíocres. Honestamente, pessoas que falam pouco e são eficientes são
tudo o que eu preciso”. A lealdade é a principal condição para uma relação estável e
calorosa com a 1ª Vontade; se ela está presente, as outras virtudes ou vícios do
meio ambiente parecem sem importância.

Em essência, o "Rei" não se importa em nada com o credo ou a ideologia que


professa oficialmente, em cujo nome ele jura e chama de si próprio. Não é ele quem
trabalha para os slogans, mas os slogans trabalham para ele. Robespierre, inscrito
como um republicano endurecido, um oponente feroz da monarquia, anotado em
seus papéis: “Precisamos de uma vontade unida. Deve ser republicano ou
monarquista”, ou seja, os princípios políticos são indiferentes, desde que o
conduzam o topo da pirâmide social. O próprio Robespierre não conseguiu se
tornar um monarca absoluto, mas seu sucessor político, Napoleão, realizou
facilmente a evolução da 1ª Vontade, de republicano ardente a Imperador.

O "Rei" é inescrupuloso em seus meios. Teimosamente, de cabeça erguida, ele


caminha através da lama, cuspe e sangue. É melhor para as pessoas não julgar os
resultados, deixando o julgamento para Deus e para a história.

No entanto, algumas previsões do julgamento histórico da 1ª Vontade já podem ser


feitas. Na política, seu destino é ganhar batalhas e perder campanhas. Mesmo
quando, em rebelião, o "Rei" atinge o poder máximo (Cromwell, Robespierre,
Napoleão, Lênin, Hitler), ele muitas vezes acaba mal, e sua causa acaba por ser um
natimorto. Há duas razões para isso: obviamente, a lógica do "Rei" não se distingue
pelo pensamento estratégico e é, na melhor das hipóteses, eficaz na solução de
problemas táticos. Em segundo lugar, a eficácia e o monologuismo da 1ª Vontade,
que são comuns à 1ª função, não implicam em nenhum outro objetivo final além de
alcançar e reter o poder pessoal absoluto, que é dificilmente tolerado pelos
contemporâneos e é infrutífero para o futuro. O monologismo e a eficácia tornam a
1ª Vontade um monarquista natural, muitas vezes inconsciente, e o monarquismo é
uma coisa historicamente fútil.

Aliás, eu não queria que o leitor tivesse a impressão da 1ª Vontade como um tirano
cruel, professando automaticamente o princípio de Calígula de "Deixe-os odiar,
desde que tenham medo". Não, o "Rei" é mais um ditador do que um tirano. É claro,
a vida política sob sua mão fértil só pode existir como um fantasma. Mas isto não
significa que não haja feedback entre o "Rei" e o povo. Neste caso, a relação entre o
governo e a sociedade é baseada no que Lênin chamou de "centralismo
democrático". Por mais selvagem que o nome possa soar, tal sistema de relações
não tem precedentes na história mundial e seu conteúdo foi exaustivamente
formulado pelos Cônsules Sies: "O poder deve vir de cima, e a confiança de baixo.
Ou seja, poder é poder, mas deve ser baseado na confiança do povo, e não no
confronto direto com a sociedade". É por isso que normalmente o "Rei" só sufoca a
vida política e o que tem a ver com a 3ª função: A 3ª Física asfixia a economia, a 3ª
Lógica asfixia a transparência e reestruturação, a 3ª Emoção sufoca o páthos
[sofrimento, paixão, afeto] e o misticismo da vida. Todo o restante, entretanto, a 1ª
Vontade geralmente concorda em deixar livre. Portanto, o "Rei" é mais um ditador
[controle absoluto] do que um tirano [abuso & invasivo; opressor, injusto ou cruel].
Como Stendhal escreveu sobre Napoleão: "Governado por um tirano, mas havia
pouca arbitrariedade".

A inflexibilidade do "Rei", devido a seu monólogo e foco em efetividade, torna sua


vida desconfortável não só na sociedade, mas também em sua família. Rebeldes e
ditadores não são amados em nenhum lugar, e a família não é exceção.

A vida familiar é especialmente difícil para as "Rainhas". Além da luta habitual de


vontades, na qual todos sempre participam, independentemente do sexo e da
idade, a mulher com a 1ª Vontade é pressionada pela opinião pública, que
automaticamente lhe atribui uma posição subordinada na família. Não é de se
estranhar que jogar o jogo de repreensão de sua parte se torne uma norma de vida
e tome formas hipertrofiadas de rebelião permanente, o que, compreensivelmente,
não torna a vida em conjunto mais fácil. Akhmatova, por exemplo, admitiu que ao
lutar pela independência arruinou muito seu relacionamento com Gumilev e deixou
uma amostra notavelmente concisa e sucinta de sua posição nos conflitos com seus
maridos:

"Você é submissa? Você está fora de si!


Eu sou obediente somente à vontade de Deus.
Não quero nenhuma inquietação ou dor,
Meu marido é um carrasco, e sua casa é uma prisão".

A vida dos homens com a 1ª Vontade não é muito mais fácil quando se trata de
esclarecer as relações com os membros da família. Embora a opinião pública lhe dê
algum avanço, o "Rei" nem sempre consegue exercer seu direito "legal" à
arbitrariedade. O caráter da esposa, ao contrário das expectativas, muitas vezes não
é modelável, e a batalha doméstica toma a mesma forma descrita acima. Aqui, por
exemplo, está a situação na família do jovem Gandhi: "Eu a observava
constantemente a cada passo; ela não ousava sair de casa sem minha permissão. Isto
levou a brigas. A proibição que eu impus foi na verdade uma espécie de prisão, e
Kastrubhai não era uma garota a ponto de se submeter facilmente a tais exigências.
Ela decidiu que poderia ir aonde e quando quisesse. Quanto mais eu a proibia, mais
ela resistia, e mais raiva eu tinha.

O nascimento de crianças geralmente se expande e complica o conflito, em vez de


cessá-lo. Submeter as crianças à sua vontade parece mais fácil e mais natural para o
"Rei", o que é verdade apenas em parte, até certo ponto, e termina em uma frente
feroz por parte das crianças crescidas, cuja ferocidade é diretamente proporcional à
pressão exercida anteriormente. Um dos filhos de Tolstoy, embora muito diluído,
confessou: "Nós não só o amávamos: ele ocupava um lugar muito grande em nossas
vidas e sentimos que ele reprimiu nossas personalidades, de modo que, às vezes,
queríamos sair sob essa pressão. Quando crianças, era um sentimento inconsciente;
mais tarde ele se tornou consciente, e então eu e meus irmãos tínhamos um certo
espírito de contradição para com meu pai.”. À medida que as crianças crescem e se
expandem, a família do "Rei" se divide, se formam coalizões psicotípicas
temporárias e permanentes, os lados opostos deixam de ser tímidos sobre os meios
de luta — em resumo, tudo o que aconteceu na família de Tolstoy nas últimas
décadas de sua vida se baseou no despotismo de sua 1ª Vontade.

Paz e tranquilidade na família do "Rei" só podem existir com a lealdade absoluta dos
companheiros de casa. O amor da 1ª Vontade é despótico e possível somente
quando se olha com desdém para seu parceiro. Ivan Bunin, conhecendo por si
mesmo o temperamento do "Rei", descreveu de forma breve e precisa o pano de
fundo tirânico de seu amor: “Sim, me tocou mais naquela hora quando, trançando
sua trança para a noite, ela veio até mim para me dar um beijo de despedida, e eu vi
como ela era muito menor, sem saltos, do que eu, como ela olhava nos meus olhos
de baixo para cima. Eu senti o amor mais forte por ela nos momentos de expressão
da maior devoção a mim, o abandono de mim mesmo...”

Em essência, o "Rei" é um homem profundamente solitário. "Você é um rei, vive


sozinho", disse Pushkin em outra ocasião, mas com precisão. No 1ª Vontade, o "eu",
a superpersonalidade, o individualismo, é forte demais para que ele sinta um
genuíno anseio por uma parceria de qualquer tipo. Pode parecer insultuoso, mas a
1ª Vontade não é dada ao amor, ao verdadeiro amor — o "Rei" é dado à
necessidade, à dependência, mas não ao amor. O verdadeiro amor não é consumo,
mas sacrifício, até mesmo autodestruição pessoal por causa de outro ser. Do qual a
1ª Vontade é totalmente incapaz. Embora Tolstoy tivesse a palavra "amor" em sua
língua, através de sua própria confissão ele nunca teve ocasião de realmente amar,
ele tinha apenas um interesse "sexual" em Sophia Andreevna, e este tipo de afeto
era claramente oneroso. Napoleão gabava-se: "Não amo nem mulheres nem cartas,
não amo nada, sou uma criatura completamente política.”

Para ser franco, o "Rei" está muito ocupado consigo mesmo, muito afeiçoado a si
mesmo para transferir muito desse sentimento para os outros e, de modo geral,
profundamente indiferente a tudo o que não faz parte de si mesmo. Aqui estão três
pontos de vista (um de dentro, dois de fora) sobre o problema da atitude da 1ª
Vontade em relação aos outros. “Acho que todo homem é amor-próprio, e tudo o
que um homem faz é tudo por amor-próprio. O amor-próprio é a crença de que eu
sou melhor e mais inteligente do que todas as pessoas. Por que nós amamos mais do
que os outros? Porque pensamos que somos melhores do que os outros, mais
dignos de amor. Se encontrássemos outros melhores do que nós mesmos, os
amaríamos mais do que a nós mesmos" (Tolstoy sobre Tolstoy). "Ele me parecia
muitas vezes um homem, inabalável - no fundo de sua alma - indiferente às pessoas,
ele é tão superior, mais poderoso do que elas, que todas lhe parecem como gnats, e
sua vaidade - ridícula e patética” (Gorky sobre Tolstoy). "Entendi melhor o egoísmo e
a indiferença de Lev Nikolayevich por tudo. Para ele, o mesmo mundo é o que
envolve seu gênio, seu trabalho; ele tira de tudo ao seu redor apenas o que serve
como elemento de serviço para seu talento, por seu trabalho" (Tolstoya sobre
Tolstoy). Existe aqui alguma questão de amor?

Anteriormente, falando da independência da 1ª Vontade em relação ao álcool e às


drogas, eu disse que tinha a ver com a impossibilidade de o "Rei" cair sob qualquer
tipo de poder. É o mesmo quadro com o "amor", pelo qual isso normalmente
significa sua dependência em alguém. O amor, mesmo numa forma tão diminuída,
ainda é poder, e a 1ª Vontade não tolera poder sobre si mesmo em nenhuma
forma. Portanto, o "Rei" não apenas não ama verdadeiramente, mas também evita o
amor, sente-se mais confortável sem ele:

"Minha voz é fraca, mas minha vontade não é fraca,"


Eu até me sinto melhor sem amor".
— Akhmatova

Sobre a mesma coisa, mas em prosa, o jovem Napoleão escreveu: “O que é o amor?
É a consciência de sua própria fraqueza, que logo ultrapassa completamente o
homem solitário; ao mesmo tempo é o sentimento de perda de poder sobre si
mesmo... Considero o amor prejudicial tanto à sociedade como um todo quanto à
felicidade pessoal do homem, que ele causa mais danos do que dá alegria. E, com
razão, os deuses fariam um verdadeiro favor à humanidade se libertar o mundo
dele”.

Mas o bumerangue retorna e o povo paga o "Rei" de volta em espécie. O avô


Yepishka, o protótipo do avô Yeroshka de "Os Cossacos", disse uma vez
diretamente a Tolstoy que ele era "algum tipo de mal amado". Note que isto foi dito
sobre um homem cuja Emoção e Física são processionais, ou seja, sobre um ser, de
acordo com a ideia, criado para amar. E ainda assim, há muita verdade nesta frase. A
1ª Vontade é mais frequentemente respeitada, apreciada, temida do que amada. A
alienação interior, a "individualidade" da 1ª Vontade, separa um muro de qualquer
pessoa que deseje fundir-se com ele por fora e por dentro, para tornar-se um só. A
transformação de dois em um é a mais alta manifestação de amor, mas a distância
que a 1ª Vontade automaticamente estabelece entre si e os outros de forma
deliberada exclui tal fusão. E as pessoas o sentem.

Sendo incapaz de amar, o "Rei" é, ao mesmo tempo, terrivelmente ciumento. Além


disso, seu ciúme não se baseia na fisiologia, ou melhor, nem sempre e não somente
na fisiologia. Tolstoy tem notória inveja de seu amigo, diretor Sulerzhitsky, para com
Gorky, embora ele não fosse homossexual. E o fato é que o 1ª Vontade não está
preso ao sexo, mas anseia possuir todo o ser da pessoa presa em seu campo, exige
devoção não só no corpo, mas também na alma. O "Rei" quer ser sorridente,
escutado, contado apenas com isso. Isto é irrealista e condena a 1ª Vontade, com
seu egocentrismo sem limites, ao tormento crônico do ciúme, envenenando
igualmente a vida de si mesma e daqueles ao seu redor.

Para confessar, a parte mais duvidosa e vulnerável da doutrina de Freud sempre me


pareceu ser aquela referente ao "complexo de Édipo". Desde que me lembro,
embora amasse muito minha mãe, nunca tive ciúmes de meu pai, e até mesmo
muito orgulho dele por aquela demonstração cavalheiresca de amor por sua
esposa, que ele demonstrou de forma muito simples e aberta. Assim, naturalmente,
depois de ter conhecido os ensinamentos de Freud, não aceitei de forma alguma o
conceito de "complexo de Édipo" e o considerei pura ficção.

Agora me arrependo, eu estava errado. Freud o julgou por si mesmo, eu o julguei


por mim mesmo, o que é inerente à psicologia egocêntrica cotidiana,
completamente inútil e não produz nada além de irritação mútua. Portanto, agora é
necessário admitir que o "complexo Édipo" não é um mito — ele existe. Mas, antes
de tudo, ele não é universal. Em segundo lugar, o ciúme, nem sempre sexualmente
colorido, é inerente a uma determinada parte da sociedade representada pela 1ª
Vontade. Quanto ao próprio "complexo Édipo", onde o ciúme, a julgar pela
descrição, tem uma coloração sexual acentuada e é transferido até mesmo para
parentes com o signo do sexo oposto, segundo meus cálculos, um círculo bastante
estreito de "Reis" nos quais o 1ª Vontade é combinado com o 3ª Física sofre com
isso. Tal combinação é realmente uma mistura de cascavel capaz de causar aquele
sentimento descrito por Freud sob o nome de "complexo de Édipo".

Os mesmos sentimentos foram obviamente sentidos por Freud. E como a tradição


de atribuir a toda a humanidade suas próprias doenças não começou com Freud e
não terminou com ele, podemos dizer que o fenômeno do complexo de Édipo é
interessante, não por seu conteúdo, mas por sua origem, mais uma vez confirmando
a velha tese sobre a perfeita insensibilidade, surdez e egocentrismo da natureza
humana.

A atitude do "Rei" em relação à glória é complexa. O objetivo principal da 1ª


Vontade — o poder real, em vez de seus atributos externos (títulos, ordens,
aplausos, atirando capotas no ar, etc.), por isso geralmente deixa a impressão de
uma criatura indiferente à glória, modesta, que pisa friamente os bajuladores mais
sinceros. Sobre a questão de saber se Akhmatova estava satisfeito com a fama,
Gumilev respondeu: "Isso é o fato de quase não ter agradado. É como se ela não
quisesse reparar nela. Mas, de maneira incomum, sofreu qualquer ofensa, cada
palavra de um crítico tolo, e nos sucessos não prestou atenção”. Sem contestar, em
princípio, a opinião de Gumilev, gostaríamos de observar que a atitude da 1ª
Vontade de fama é mais complicada. A indiferença externa do "Rei" à fama, por
mais estranho que pareça, é trabalhada por seu ego extremo: sabendo que honra
excessiva geralmente produz o efeito oposto, ele enfatiza a modéstia para não se
colocar em uma posição embaraçosa ou ridícula. Finalmente, glória para o 1ª
Vontade falta o que a torna verdadeiramente desejável; não há nenhum elemento
de surpresa, de revelação. A 1ª Vontade sabe por si mesmo que é uma
superpessoa, e a confirmação do exterior não acrescenta muito ao conhecimento
que possui desde o nascimento.

Não é verdade, entretanto, dizer que o "Rei" é verdadeiramente indiferente à fama.


Não, ele é muito sensível a este assunto e monitora cuidadosamente [e
secretamente] como sua imagem é moldada na sociedade. Akhmatova, de acordo
com um contemporâneo, "sempre se interessou e foi importante o que dizem e
escrevem sobre ela, mesmo quando eles eram e pessoas desconhecidas, não como
Blok". E o Imperador Augusto chegou a tentar regular as atividades de seus
bajuladores: "Ele permitiu apenas que os melhores escritores escrevessem sobre si
mesmo e apenas em frase solene, e ordenou aos pregadores para garantir que os
concursos literários não prejudicassem seu nome".

Parece que me deixei levar, embora não sem razão, ao descrever a face política da
1ª Vontade, mas havia esquecido um pouco que nossas deficiências são uma
extensão de nossas virtudes. O "Rei" também as tem. E elas são muitas. Persistência,
determinação, firmeza, propósito, fé incondicional em si mesmo, energia
surpreendente e uma sede ardente de primazia - não apenas pinta a face da 1ª
Vontade, mas também dá muito à sociedade. Sem ela, o resto da Vontade, que é
mais inerte e inclinado a deixar as coisas seguirem seu curso, de fato transformaria
nosso mundo em um retrato de "fly-in-the-sky", como o herói de Tchekhov Duelo,
apropriadamente coloca.

A linha que separa o "Rei" do resto de nós, mortais, é invisível. Mas, estranhamente,
todos, não a vendo, sentem e não correm o risco de cruzá-la. Externamente, a
distância entre a 1ª Vontade e o resto da Vontade se manifesta na enfatizada
polidez das formas de tratamento das pessoas ao seu redor para com o "Rei". Um
dos observadores próximos de Lênin escreveu: "... ao chamar Lênin de 'Ilyich', não
havia familiaridade. Nenhum de sua comitiva ousaria brincar com ele ou dar-lhe um
tapa no ombro na ocasião. Havia alguma barreira invisível, uma linha que separava
Lênin dos outros membros do Partido, e eu nunca vi alguém cruzá-la.”

Esta linha invisível que separa a 1ª Vontade dos outros se torna ainda mais aparente
quando aparece no fundo e emparelhada com a Vontade que figura muito mais
baixa. Neste contexto, não posso deixar de lembrar as visitas à Rússia de Galina
Vishnevskaya e Mstislav Rostropovich. Houve uma diferença marcante na maneira
como as pessoas abordaram estes parceiros igualmente famosos: Vishnevskaya,
portador da 1ª Vontade, foi chamado apenas "Galina Pavlovna" respeitosamente,
enquanto até músicos muito jovens a consideravam marido para ser apenas
"Slavochka".

Akhmatova, lembrando Vyacheslav Ivanov, disse com inveja: "Ele era um publicitário
desesperado... Um apanhador de homens muito experiente e virtuoso! Ele, um
homem de quarenta e quatro anos, foi conduzido sob os braços de senhoras de
cabelos grisalhos... Foi assim que ele soube se colocar em todos os lugares.”

Uma pessoa que está apenas por um momento no campo do "Rei" é geralmente
incapaz de articular o que foi que o fez sentir a presença de um ser excepcional,
escolhido, mas o fato que tal sentimento surge é certo.
Um dos conhecidos de Bunin disse: "O fato de Bunin ser um homem especial foi
sentido por muitos, quase todos". Uma vez ele e eu fomos comprar bolos na
Confeitaria Coquelin, na esquina da Passy, onde eu costumava ir com bastante
frequência. Na minha próxima visita, o caixa me perguntou, envergonhado:
"Desculpe-me, por favor, mas eu gostaria muito de saber quem era este senhor que
veio com você anteontem"... Não sem orgulho, respondi: "O famoso escritor russo".
Mas minha resposta não causou a impressão certa nela. "Um escritor", repetiu ela
desapontada, "E eu pensei que um grande duque. Ele é tão... tão", e, incapaz de
encontrar uma definição apropriada para descrever Bunin, ela começou a contar o
meu troco.

Embora a caixa mencionada acima não tenha tentado descrever os sinais pelos
quais ela adivinhou um "grande duque" em Bunin, eles existem e com alguma
experiência são fáceis de ler. O olhar é o primeiro entre as características externas
do "Rei". O advogado Kony descreveu a expressão dos olhos de Tolstoy da seguinte
forma: “... o olhar penetrante e como que picar olhos cinzentos severos, nos quais
brilhava mais a justiça do que a bondade carinhosa, - o olhar de um juiz e de um
pensador ao mesmo tempo”.

Acrescentemos à declaração de Kony que a 1ª Vontade parece com um piscar de


olhos, concentrado e como que fortalecendo a firmeza de seu olhar. Além disso, a
expressão dos olhos do "Rei" combina estranhamente com análise e indiferença,
seu olhar como se estivesse pedindo: “Quem é você?” — e, ao mesmo tempo,
adverte: “Fique longe!”

O olhar do "Rei" é firme, fixo, austero, assertivo, e ele mesmo conhece o poder de
seus olhos. O Imperador Augusto "ficaria satisfeito quando, sob seu olhar, o
interlocutor baixou os olhos.” Lermontov conhecia o poder de seus olhos e gostava
de envergonhar os tímidos e nervosos com seu olhar longo e perspicaz.

Não vou insistir, mas parece que o jogo do olhar fixo, ao qual o 1ª Vontade recorre
com frequência, remonta a tempos muito distantes. Afinal de contas, os gorilas são
conhecidos por fazer contato visual — o que significa desafio. Portanto, não sei sobre
as galinhas, mas com os humanos, provavelmente são os olhos que são os primeiros
a predizer a pessoa "alfa", a que está no poder.

O gesto do 1ª Vontade é régio. Sua plasticidade se distingue por uma calma graça
e majestade. Além disso, a plasticidade da 1ª Vontade é absolutamente natural, não
há nada de maneirismo, afetação - sua realeza, independentemente da origem,
natural e não julgadora como a forma da cor do nariz ou dos olhos. Gorky escreveu
sobre Tolstoy: "Foi bom ver que ser de sangue puro, bom observar a nobreza e a
graça da fala, contenção orgulhosa, ouvir a precisão elegante de uma palavra
assassina. Barin nele era tão necessário quanto o necessário para os servos”. Diziam
de Gauguin que "não importava o que ele fizesse, mesmo que ele segurasse um
fósforo para alguém que lhe pedisse uma luz, seus gestos eram majestosos” (como
se ele não estivesse segurando um fósforo, mas acenando uma tocha). Em
Akhmatova, foi descrito: "... algo régio, como se existisse acima de nós e ao mesmo
tempo desprovido da mais leve arrogância, era evidente em ela em cada gesto, em
cada volta de sua cabeça.”
É 100% certo que se tomarmos um dicionário frequente do vocabulário dos
possuidores da 1ª Vontade, encontraremos um padrão definido de predominância
em seu uso da inclinação imperativa, bem como de palavras e formas
hierarquicamente elevadas. Entretanto, embora eu não tenha tal dicionário em
mãos, darei um exemplo de curiosidade em vez de bolsa de estudos. Quando
Margaret Thatcher foi informada sobre o nascimento de sua neta, ela exclamou:
“Nós nos tornamos uma avó!”. A imprensa inglesa vem debochando sobre esta frase
há muito tempo. E em vão. A origem do povo comum não impediu o primeiro-
ministro britânico de sentir seu aristocrata interior. E o "nós" para ela, eu acho, foi
mais natural do que para a grande multidão de pessoas que, por direito de origem,
se referiam a si mesmas no plural.

Ao mesmo tempo, por estranho que pareça, amando palavras de alto escalão,
elitista, a 1ª Vontade não desdenha de palavras baixas, rudes e obscenas. Talvez
em conexão com o princípio universal "real" — "a lei não está escrita para nós". Em
todo caso, o fato de que no discurso do "Rei" há uma certa bifurcação léxica é certo.
Napoleão era conhecido por ser um virtuoso da grosseria. Ou outro exemplo da
história russa: quando perguntaram a Molotov se, segundo algumas fontes, era
verdade que Lênin o chamava de “asno de pedra”, ele respondeu simplesmente:
"Se eles pelo menos soubessem do que Lênin chamou os outros!"

E mais uma observação sobre os hábitos de fala do "Rei": em suas conversas com as
pessoas próximas a ele, ele gosta de usar todo tipo de diminutivos (diminuindo
aqueles ao seu redor). Tomemos a paráfrase de Lenin "Nadyusha" (sobre Krupskaya)
ou a menos conhecida de Akhmatova "Borisik" (sobre Pasternak). (sobre Pasternak).
Acredito que esta tendência ao uso de diminutivos decorre da posição "patriarca"
comum da 1ª Vontade, que percebe os que o rodeiam como crianças, adoráveis,
caros, mas necessitados de cuidados constantes, seres infantis. Pelo contrário, os
"Reis" diminutivos percebem seu próprio endereço com um ranger de dentes.
Akhmatova, estando em um relacionamento difícil com Alexei Tolstoy, lembrou: "Ele
era como Dolokhov, chamou-me Annushka, o que me fez estremecer, mas eu
gostava dele...".

Pode parecer estranho, mas a escolha da roupa do "Rei" está sujeita de uma vez por
todas às ideias que lhe são dadas sobre o traje apropriado ao seu ministério e
vocação. Primeiro, ele prefere a roupa mais austera, tanto na cor quanto no estilo. É
claro que, dependendo de sua filiação social, a roupa do 1ª Vontade difere muito, e
o artista "Rei" se veste de maneira bem diferente do político "Rei". No entanto,
contra o pano de fundo de seu grupo social, o 1ª Vontade ainda se destaca pelo
enfatizado rigor de suas vestimentas. Aqui está um episódio trágico e cômico de
minha própria prática. Um dia estou andando pela rua com uma "Rainha" jovem, de
pernas longas, e notando uma minissaia mais do que reveladora na minha frente,
sem muito tato questionou-me por quê ela, com pernas tão longas e finas, não
deveria usar uma mini. "Eu não posso... entender, não posso...", minha companheira
mal exalou enquanto olhava para seus joelhos coberto com a saia, e eu sabia quanta
angústia estava em seu olhar e em sua voz. Aqui eu estava mais uma vez convencido
da irresistível natureza trágico-masoquista da 1ª Vontade, que, por medo de perder
sua imagem "régia", não permite nem mesmo as liberdades mais inocentes.
Segundo, sendo uma criatura de botões interiores, o 1ª Vontade gosta de botões
também em roupas. Para o seu gosto, quanto mais botões, fechos, botões, cintos,
etc., na roupa, melhor.

Finalmente, a sensação de sua própria exclusividade exige que o "Rei" use algo
bastante fora do padrão e singular. Ao mesmo tempo, a excepcionalidade na roupa
da 1ª Vontade não deve carregar um toque de exotismo barato, vulgar
exibicionismo. É por isso que, na maioria das vezes, ao experimentar algo, o 1ª
Vontade atinge seu objetivo através da arcaização do vestuário, introduzindo
elementos de gosto antigo nele (xaile "falso-clássico" de Akhmatova).

Uma perfeita ilustração da combinação de todas as características acima


mencionadas da roupa do 1ª Vontade – a troika de Lenin. Contra a tendência da
moda de beaux-de-vie militar de sua comitiva, a troika de Lênin se destacou por sua
austeridade, exclusividade abotoada e arcaica.

“o Nobre” (2ª Vontade)


Talvez a coisa mais difícil falando sobre a psicologia da 2ª Vontade seja explicar a si
mesmo e aos outros em que constitui a processionalidade e normatividade, que é
obrigatória para a 2ª função, na expressão volicional da Vontade, porém tentarei.

A processionalidade da 2ª Vontade é o que é habitualmente denotado em


linguagem oficial pelas palavras "colegialidade" e "delegação de responsabilidade".
Possuindo força suficiente para assumir a responsabilidade pessoal pelo que está
acontecendo em seu domínio, o "Nobre", ao contrário do "Rei", evita subordinar a
vontade de outra pessoa para si mesmo, tentando envolver todas as partes
interessadas na resolução do problema e tomando o lugar do iniciador, facilitador e
custodiante do consenso. Rejeição de ordens ditatoriais, lutador por um diálogo
completo ao tomar decisões — esta é a processionalidade da 2ª Vontade.

A encarnação da mesma nobreza, propriamente dita, é a chamada “delegação de


responsabilidade”. Alheia ao desejo de tutela mesquinha, a 2ª Vontade, sem
geralmente retirar a responsabilidade de si mesma, procura compartilhá-la com
todos os participantes do caso, dando-lhes total liberdade de formas de
implementação sobre o problema. Dois presidentes americanos, Reagan e Bush,
são pessoas diferentes, mas ambos possuem a 2ª Vontade, então aqueles que
trabalharam com eles notam uma característica comum, não peculiar, por exemplo,
a Carter — o desejo de “delegar responsabilidade”.

Quanto à normatividade, na 2ª Vontade, ela é incorporada em igual capacidade,


sem tensão interna e dano, tanto para dominar quanto obedecer. O “Nobre” é forte,
flexível, por isso é igualmente fácil para ele dar uma posição superior e uma posição
subordinada. No entanto, embora essa situação já esteja confortável, ela não o
satisfaz totalmente por si só. A posição ideal para os "Nobres” é não governar e não
obedecer a nada — o que raramente é possível em nosso mundo interdependente,
mas é o sonho secreto de todos os que possuem a 2ª Vontade.
Se você tenta olhar mais profundamente para a normatividade da 2ª Vontade,
percebe-se que ela é caracterizada pelo sistema e pela força do espírito que são
suficientes para criar um regime de independência e respiração livre para os outros.
Em uma das cartas, Goethe relatou: “Estou ocupado criando meu neto. Consiste em
permitir que ele faça decisivamente o que quer, e espero formá-lo desta maneira
antes que seus pais retornem”. Muito bem e com precisão, sem saber, um
dramaturgo moderno descreveu sua 2ª Vontade: “Por natureza eu não sou um líder,
mas não sou dotado de um instinto de rebanho. Obviamente sou um híbrido entre
um líder e um parceiro. Até que seus próprios filhos tentem proceder o máximo de
liberdade possível sobre os mesmos, sugiro que eu siga. Porém eu não posso ir atrás
de alguém. Eu posso admirar certas qualidades de uma pessoa, especialmente seu
talento, mas eu não a obedeceria. Tenho medo dos elementos da multidão, mas isso
não significa que eu amo apenas a solidão. Pelo contrário, eu amo estar com as
pessoas, prefiro ter a presença das pessoas que me agradam.”

O “nobre" é casual sobre o destino. A base da psique humana — a Vontade —


ocupa em sua ordem de funções a melhor, segunda linha e, assim, proporciona ao
proprietário da 2ª Vontade um conforto mental desconhecido para os outros. A
força e flexibilidade da 2ª darão à personalidade uma rara integridade e destemor
diante da vida.

Mesmo a vulnerabilidade da Terceira Função, que a 2ª Vontade, embora não seja


capaz de abolir, ainda incomoda o "nobre" menos do que os outros, pois imagem
de sua patologia na Terceira Função é geralmente completamente borrada. Além
disso, o destemor gerado pela força e flexibilidade da 2ª Vontade permite que o
"Nobre" audaciosamente abrace o risco por selar consistentemente a
vulnerabilidade da 3ª função, apesar dos golpes, erros e quedas para alcançar sua
completa cura. Devido a isso, às vezes um estado ideal é alcançado para uma
pessoa que vive no mundo sublunar — um estado de completa harmonia interior.

“Minha vida é uma aventura completa, pois sempre busquei não desenvolver
só o que era inerente a mim por natureza, mas também obter o que não era.” —
Escreveu Goethe, e em outro lugar ele mesmo explicou o porquê de isso ser
necessário: “Aquele que não está imbuído da convicção de que todas as
manifestações do ser humano, sensualidade e razão, imaginação e razão,
devem ser desenvolvidas por ele para uma unidade resoluta, qualquer que seja
essa habilidade que irá prevalecer, se atormentará constantemente em uma
limitação sem alegria.” — Não vou me comprometer a provar que a harmonização é
dada ao "Nobre" sempre de uma forma fácil (O próprio Goethe chegou a este
estado apenas aos 60 anos), e não arriscarei dizer que para outros é inatingível, mas
a presença de pré-requisitos mentais únicos para alcançar a harmonia inteiror no
"nobre" não causa dúvida, e é por isso que ele é um querido do destino.

Lembro-me de uma vez comparar a Segunda Função a um rio, entretanto, a 2ª


Vontade não é uma função, mas um homem do rio que possui uma personalidade
inesgotável, livre, ampla, que canta generosamente para todos os que chegam sem
perder nada. Generosidade de coração é um estado normal para a 2ª Vontade. A
primeira coisa que geralmente é dita sobre um "Nobre" é: "Ele é um bom homem!",
e em seguida pode ser seguida por características menos lisonjeiras e não lisonjeira
de forma alguma, mas quando a caracterização de uma pessoa começa com tal
frase — mais do que provável, estamos falando da 2ª Vontade. Charlotte von Stein,
há muito abandonada por Goethe, ainda encontrou força e palavras para expressar
a ele em uma carta: “Eu quero chamá-lo de o doador.”
O "Nobre" tem um grande coração. Não quero ofender ninguém, mas apenas a 2ª
Vontade é dada ao amor verdadeiro. Amor verdadeiro e dedicação, pois só quem
está pronto para compartilhar e dar o que pode sem o risco de empobrecimento é
capaz de se auto doar, e apenas a 2ª Vontade cumpre essas condições. Portanto,
perdoe-me leitor, outros são dados a necessidade, de depender, de obedecer, de
abrigar ilusões, mas não de amar. O amor é entendido pela 2ª Vontade como
sacrifício, não consumo. Para ela, é muito mais importante amar do que ser amado.

Junto com força, flexibilidade, normatividade, um dos elementos fundamentais da


segunda função é a naturalidade. Embora seja difícil falar sobre a naturalidade
expressa através da vontade, no entanto, a especificidade dessa expressão pode ser
isolada. A naturalidade de acordo com o testamento é abertura pessoal,
simplicidade, adequação a si mesmo em qualquer situação, que possui a ausência
de um segundo fundo ou máscara. Assim como Nancy Reagan escreveu sobre seu
marido:
“A chave para desvendar o segredo de Ronald Reagan é que não há segredo. Ele é
exatamente que parece. O Ronald Reagan que você vê em público é o mesmo
Ronald Reagan com quem vivo. Acontece que alguns dos presidentes recentes não
eram nada do que imaginávamos que fossem. Sinceramente, não acredito que
alguém possa dizer algo assim sobre o Ronnie. Pois não há cantos escuros no
personagem de Ronald Reagan”.

Sim, essa é a naturalidade de um "Nobre". Sua saúde mental é tão grande que ele
não se projeta em nada, ele não esconde nada, permite que ele ria de si mesmo e
muitas vezes está pronto para jogar autoflagelação lúdica. Além disso, a 2ª Vontade
é tão invulnerável que, sem violência grave contra si mesma, decide sobre a coisa
mais terrível — arrependimento público, reconhecimento aberto de seus erros e
deficiências, que a 1ª e 3ª Vontades são incapazes de fazer. Labruyère chama a 2ª
Vontade de "verdadeira grandeza", e em sua classificação de personagens,
escreveu: “A falsa grandeza é arrogante e inexpugnável: Ela está ciente de sua
fraqueza e, portanto, se esconde, ou melhor, mostra-se um pouco, apenas o
suficiente para inspirar reverência, enquanto esconde seu rosto real — A cara do
nada. A verdadeira grandeza é gentil, sincera, simples e acessível. Você pode tocá-lo
e olhar para ele, e quanto mais você fazê-lo, mais você o admira. Impulsionado pela
bondade, ele se inclina para aqueles abaixo dele, mas não lhe custa nada a qualquer
momento para endireitar até sua altura total. Às vezes é despreocupado, descuidado
para si mesmo, esquece de suas vantagens, mas, quando necessário, mostra-se em
todo o seu brilhantismo e poder. Ele ri, brinca e é sempre cheio de dignidade. Ao
lado dele, todos se sentem livres, mas ninguém ousa ser libertado. Ele tem uma
disposição nobre e agradável que inspira respeito e confiança.”

A simplicidade e abertura da 2ª Vontade nem sempre é ao seu favor.


Primeiramente, as pessoas desonestas se aproveitam dessas propriedades
espirituais, e em segundo lugar, uma imagem de uma criatura é criada à sua
maneira, bastante ingênua, primitiva, limitada, que é muito simples para a
compreensão das pessoas, e que é a verdade perfeita, crescendo a partir da saúde
mental do "Nobre" e do egocentrismo comum humano, onde se vê o mundo inteiro
interpretando-a em seu próprio modelo.

O "Nobre” é destemido em lidar com as pessoas. Suas ideias sobre a norma nas
relações estão exaustas pela imagem de um círculo próximo, parecido e amigável.
No entanto, ela não se considera no direito de impor sua norma aos outros e,
portanto, observa voluntariamente a distância nas relações que o lado oposto lhe
oferece. Não importa o quão longe você coloque-o de si mesmo, pois ele será uma
pessoa delicada no futuro. O “nobre” muitas vezes deixa uma impressão de si
mesmo como alguém que é bastante indiferente às pessoas. "Você sempre foi
indiferente às pessoas, às suas deficiências e fraquezas.” — disse Lika Mizinova
sobre Chekhov — "Sua bondade externa é uma indiferença interior para o mundo
inteiro." — Disse Sofia Tolstaya sobre Taneyev — Às vezes, o "Nobre" fala de si
mesmo como uma pessoa indiferente. Berdyaev, por exemplo, admitiu:
"Provavelmente tenho muita indiferença e não há despotismo e propensão à
violência, embora nas minhas atividades eu fosse autocrático. Eu possuo um grande
respeito por cada pessoa humana, mas pouca atenção. Eu nunca tive atenção em
mexer com a alma das pessoas, influenciá-las ou guiá-las."
Apesar de todas essas reprovações e confissões de indiferença, não há uma cota
de verdade nelas. A 2ª Vontade é muito parcial para as pessoas, e não há pessoa
mais simpática do que um "nobre". Outra coisa é que ele não está curioso, pois,
para ser franco, a curiosidade não é a mais saudável dos sentimentos, ditada pelo
medo ou pelo interesse próprio, ou pelo menos por alguma forma de interesse
pessoal em outras pessoas. O "nobre" é uma criatura delicada, altruísta, destemida,
autossuficiente, independente, e além disso, de acordo com o costume de pessoas
que vêem os outros à sua própria imagem e semelhança, e, portanto, não são
curiosas. Vem daí o mito sobre indiferença da 2ª Vontade, onde se surge a maior
desvantagem do "Nobre": Ele não é psicólogo, pois a credulidade e curiosidade o
privam da oportunidade e do desejo de olhar para o lado secreto e oculto da vida
da alma de outra pessoa e responder adequadamente a ela. Sobre Vladimir
Solovyov, um contemporâneo relatou: "Uma vez ele me contou sobre o fato de que
o mesmo não era um psicólogo." — Ele disse isso em outras palavras, mas era
perceptível que ele se arrependeu de sua falta dessa característica. Na verdade,
houve alguma cegueira e imprudência diante do ocorrido.

Outro equívoco muitas vezes alimentado por conta da 2ª Vontade por outros é a
sua suavidade imaginária e fraqueza de caráter, pois não se pode dizer que foi
completamente infundado. Sem "Nobre", ao contrário do "Rei", uma base solida do
personagem não é saliente, mas escondida. Ele é suave, acomodado, tolerante,
dócil, indulgente consigo mesmo e para os outros, fiel na amizade e no amor (que
também às vezes é interpretado como fraqueza do caráter). Tal aparência plástica
do "Nobre" engana muito e a sua maneira provoca outros — Tentando seu caráter
por força: Ser rude, humilhar, subordinar, e assim os resultados são geralmente
vencimentos para o experimentador. Da casca plasticina de repente surge um
aristocrata natural, um homem orgulhoso, um homem de vontade não-esportiva,
capaz de perecer ao invés de ceder um centímetro de sua dignidade.
Aqueles que tentam experimentar o caráter do "Nobre" e experimentá-lo no
dente, simplesmente esquecem de uma verdade bastante banal: Só pessoas muito
fortes podem pagar a fraqueza. Uma das pessoas que conhecia bem Chekhov
escreveu: "A vontade de Chekhov era uma grande força, ele a amava e raramente
recorreu à sua ajuda, e às vezes lhe dava prazer em fazer sem ela, experimentando
hesitações, para ser mesmo fraco. Fraqueza tem um tipo de charme que as
mulheres conhecem bem, mas quando ele achou necessário convocar o
testamento, ela apareceu e nunca o enganou."

Tentar determinar a linha além do qual a 2ª Vontade começa a manifestar sua


base solida é quase sem esperança. Porém é claro que cada vez deve ser sobre
alguma questão fundamental e capital. Em “Os Irmãos Karamazov” de Dostoiévski,
Lisa pergunta a Alyosha Karamazov: "Você vai me obedecer?" - "Sim!" - "Em tudo?" -
"Em quase tudo, mas no principal - não. Eu não vou desistir da coisa principal, e da
mesma forma, Abraham Lincoln viveu e agiu "de uma maneira karamazoviana”.
Whitman escreveu sobre ele: "Naquelas raras ocasiões em que se trata de algo
cardeal ou decisivo, o mesmo era inabalável, mesmo teimoso, em geral, quando se
trata de algo não muito significativo, ele era compatível, compatível, tolerante e
extremamente maleável."

Lisonjear um "Nobre" é tão inútil quanto humilhá-lo. O aroma do incenso lhe causa
a irritação mais sincera, um sentimento de constrangimento, e mais de uma vez eu vi
como os rostos dos "Nobres" foram feitos pontuais, mesmo no caso de merecidos e
moderados elogios.

Talvez a característica mais única da psicologia do "nobre" seja uma extra


hierarquia de sua imagem do universo. Lembre-se, para a 1ª Vontade, o cosmos é
dividido em cima e para baixo. Então, a 2ª Vontade não terá essa antinomia em sua
imagem interna do mundo. "No espírito humano, assim como no universo, não há
nada que esteja acima ou abaixo? Tudo requer os mesmos direitos a um centro
comum.", acredita Goethe. Para o "nobre", todos - de Deus ao girino - estão na
mesma linha, todos igualmente possuem o desejo de cumprir seu destino.
Pasternak muito apropriadamente chamou essa extra hierarquia da 2ª Vontade de
"um nobre senso de igualdade de todos os seres vivos". Tenho um sentido
completamente atrofiado da posição hierárquica das pessoas na sociedade, a
vontade de poder e dominação não é apenas peculiar para mim, mas também me
causa um desgosto estrido."

Não se segue ao que foi dito que a 2ª Vontade irá negar completamente a
existência de uma hierarquia que é muito óbvia em nossas vidas, mas ela não torna
isso absoluto. O “Nobre" percebe a hierarquia como uma convenção, uma
formalidade, um sistema de rótulos, talvez não inútil, mas não atribuível ao lado
ontológico e essencial do ser. Chekhov escreveu: "Eu também não tenho uma
paixão particular por gendarmes, ou por açougueiros, ou por cientistas, ou por
escritores, ou por jovens, pois considero a forma e o rótulo como preconceito.
Inspiração, amor e liberdade absoluta, liberdade da força e mentiras, não importa
em que os dois últimos se expressem.”
A questão é: que conclusões práticas se seguem do não reconhecimento pela 2ª
Vontade da imagem hierárquica do mundo? E há muitas conclusões. Por exemplo,
não vou afirmar que o 2ª Vontade foi o criador das normas do direito e da
moralidade - eles, dependendo do país e do povo, são muito diferentes para
atribuir sua autoria a uma psicologia, mas o fato de que o "nobre" é o único
guardião da moralidade e da lei é certo. E a razão para um papel tão importante da
"nobreza" na sociedade está precisamente relacionada à sua rejeição natural da
hierarquia.

O fato é que o resto das Vontades são hierárquicas, e a hierarquia é algo que,
diferencia a moral e a lei dependendo da posição ocupada pelo sujeito sobre os
passos da hierarquia, e praticamente destrói ambos, e borra seus limites para
completar o desaparecimento. "O que é permitido a Júpiter não é permitido ao
touro", disseram os antigos romanos, formulando assim um princípio hierárquico
destrutivo à moralidade e à lei. No entanto, eles também gostavam de repetir: "A lei
é dura, mas é a lei", reconhecendo a existência de outro princípio, protetor, extra
hierárquico "nobre". Ambos os princípios têm lutado no mundo desde o tempo
imemorial, qual deles ganhará — o futuro mostrará, o principal, a julgar pelo fato de
que a moralidade e a lei ainda existem, e que a 2ª Vontade ainda não perdeu.

Obviamente, de acordo com suas convicções políticas, o "nobre” é um democrata


natural, ao contrário do mesmo 1ª Vontade—um monarquista natural. "O poder é
melhor que a liberdade", disse o herói de Turgenev com a 1ª Vontade, "A liberdade
é melhor que o poder", diz qualquer 2ª Vontade. A luta entre eles também é
predestinada da época, mas a imagem das artes marciais é mais clara: Até agora, a
2ª Vontade está claramente vencendo. Um número crescente de países governados
por entidades eleitas proclama a primazia dos direitos individuais sobre todos os
outros direitos.

A falta de elenco da 2ª Vontade, é claro, estende-se às suas relações na família, no


trabalho, entre os conhecidos. O "Nobre" é igual com seus superiores e
subordinados, pais e filhos, em um círculo amigável. Além disso, essa semelhança é
acentuada por um senso de autoestima, combinado com uma atitude respeitosa em
relação aos outros. Bunin escreveu sobre Chekhov: "Aconteceu que pessoas de
várias fileiras se reuniram com ele: Ele era o mesmo com todos, ele não dava
preferência a ninguém, ele não fazia ninguém sofrer de amor próprio, para se sentir
esquecido ou supérfluo. Além disso, ele invariavelmente manteve todos a uma certa
distância de si mesmo. Seu senso de autoestima e independência era muito alto.”

Uma atitude dos "Nobres" com os movimentos sociais é bastante peculiar. É


descrito com precisão nas seguintes linhas autobiográficas por Berdyaev: "Fui preso
quatro vezes, duas vezes no regime antigo e duas vezes no novo, fui exilado ao
norte por três anos, tive um julgamento que me ameaçou com assentamento eterno
na Sibéria, foi expulso da minha terra natal e provavelmente acabei com minha vida
no exílio. E ainda assim eu nunca fui uma pessoa política. Eu tinha a ver com muitas
coisas, mas, na verdade, eu não pertencia nada a profundezas, eu não me dava
completamente a nada, exceto pelo meu trabalho. A profundidade do meu ser
sempre pertenceu a outra coisa. Não só não era indiferente às questões sociais, mas
era muito farta delas, pois eu tinha um sentimento "cívico", mas em essência, em um
sentido mais profundo, eu era antissocial, nunca fui uma "figura pública". Nunca me
considerei bem diante das correntes sociais. Sempre fui um anarquista espiritual e
individualista."

O que Berdyaev descreveu não é uma posição pessoal, mas um quadro geral da
psicologia socio social da 2ª Vontade. Nossa tarefa: Apenas considerá-la através de
um único prisma de valores "nobres". O sentimento "cívico" descrito por Berdyaev é
a natureza extra casta da 2ª Vontade, que pode ser incorporada no slogan
"Liberdade, Igualdade e Fraternidade.", que é próxima de si mesma, além de ser
capaz de envolver o "nobre" em grandes movimentos sociais. Por outro lado, a
independência natural, um profundo sentido da singularidade da própria
individualidade não permite que a 2ª Vontade se funda totalmente com a multidão,
arrastando-a para os bastidores dos movimentos sociais. A multidão envolve alguma
forma de delegação de vontades individuais para aqueles que a lideram. Mas a
transferência da vontade de alguém para os outros para a 2ª Vontade é
completamente inaceitável, e a apropriação de outra pessoa é desinteressante e
infrutífera. A liberdade de um e dos outros, mesmo na luta pela liberdade, é mais
preciosa para o "nobre". Então ele caminha ao longo da linha não-partidária,
simpatizando com muitos, mas não se fundindo com nada.

Raramente a 2ª Vontade se tornará aberta, intransigente sobre a oposição à


ordem existente das coisas, preferindo não misturar, mas simplesmente para isolar.
De sua tendência não demonstrativa de se isolar de tudo o que poderia ser
chamado de tirania social, Goethe disse francamente: "Nunca na minha vida me
tornei em oposição hostil e inútil a um fluxo poderoso de massa ou a um princípio
dominante, mas sempre preferi, como um caracol, me esconder em uma concha e
viver nela como quisesse."

Tomando a interação da 2ª Vontade com o mundo em um sentido ontológico


mais amplo, é melhor caracterizá-lo pela fórmula da mesma inseparabilidade
hipotética e não-fusão como a da 1ª Vontade. No entanto, há uma diferença
significativa entre esses dois tipos de interação. O "Rei", construindo suas relações
verticalmente, não implica uma completa fusão com o mundo, mesmo em teoria,
enquanto o "Nobre" e o mundo estão na mesma linha e sinceramente se esforçam
uns pelos outros, assumindo alcançar a unidade absoluta no ponto final do
movimento. Presume-se, no entanto, que devido à normatividade da 2ª Vontade, o
mundo deveria sim avançar em direção ao "nobre", em vez de vice-versa.

O que estou agora tentando expressar de uma forma confusa e falada, Pasternak,
por excelência um poeta, disse em quatro linhas: "Toda a minha vida eu queria ser
como todos os outros, mas o século em sua glória é mais forte do que o meu choro
e quer ser como eu."
Ao mesmo tempo, a autoconfiança do "Nobre" é apenas parcialmente justificada.
Seu padrão é mais uma potência do que uma realidade. Mais precisamente, a
natureza exemplar da 2ª Vontade faz com que o "Nobre" se considere um modelo,
juntamente com outras funções de referência. O que torna a 2ª Vontade às vezes
estranhamente surdo, sem vergonha e assertivo. Por exemplo, o mesmo Pasternak
gostava de contar sem sombra de constrangimento como ele quase levou um
pequeno oficial literário louco com um monólogo histérico de três dias de suas
primeiras emoções durante uma viagem conjunta no trem.
A relação do 2ª Vontade com a fama também é melhor transmitida por uma
pequena citação de Pasternak: "Ser famoso é feio". Note que a palavra "feia" tem um
significado duplo estético-ético na língua russa. E aqui é impossível não reconhecer
o sucesso da escolha de uma palavra poética, porque, na opinião do "Nobre", o
desejo de entrar na luz da rampa sob o acumulado dos aplausos humanos
igualmente bate de mau gosto e doença mental. "Sempre fui seduzido pela
incógnita", escreveu Berdyaev, expressando com precisão a antipatia comum à 2ª
Vontade, talvez não tanto à fama em si quanto aos seus atributos em si, como a
dependência da multidão. Em geral, o "nobre" não anseia por fama, mas completa
autorrealização. Em que passa da escada social seu processo de se realizar diante
da pergunta sobre qual será a opinião humana sobre este assunto, então esta é a
décima coisa. Tolstoi escreveu sobre um de seus irmãos: "Em Mitenka, deve ter sido
havido aquela característica de caráter precioso que eu assumi em minha mãe e que
eu conhecia em Nikolenka, e que eu estava completamente privado, o traço de
completa na opinião das si mesmas. Eu sempre, até recentemente, não me
conseguia livrar da importância que dava a opinião humana, mas Mitenka não tinha
isso."Aqui devo corrigir Tolstoi um pouco, a 2ª Vontade, que seu irmão tinha, não é
indiferente à opinião pública, e não é curioso, pois não está procurando por ela.
Quanto ao resto, tudo e como as pessoas: palavras agradáveis são agradáveis,
como desagradáveis são chatas. Mas tanto as panegíricas quanto as filípicas são
igualmente incapazes de perturbar a paz interior do "nobre", pois ele tem saúde
mental suficiente para se julgar constante e objetivamente por sua própria corte,
muito mais rigoroso do que o tribunal da opinião pública.

A menção de Dmitry Tolstoy dá razão para adicionar algo mais à aparência e ao


papel do "Nobre" na sociedade. O fato é que, de acordo com autoridades como o
próprio Leo Tolstoy e Turgenev, Dmitry era muito mais talentoso do que seu irmão
brilhante e, se tivesse mesmo um grão de vaidade, os louros do grande escritor não
teriam passado por ele. Esta circunstância é muito sintomática. Não importa o quão
indiferente a 2ª Vontade.

Vontade seja, ela é, para não dizer, preguiçosa, mas por indiferença à fama não
conhece a paixão quente pela ação e, portanto, muitas vezes priva-se de um lugar
no panteão.

Ser uma figura que aperta seriamente as mãos do relógio histórico não é de todo
o papel que a natureza atribuiu à 2ª Vontade na sociedade. A 2ª Vontade é o sal da
terra, um certo Vishnu, o guardião, o esqueleto invisível e o apoio do mundo
ambicioso. E quem sabe como seria nossa luta feroz pela sociedade primazia, se
não tivesse constantemente olhado para trás na "nobreza" tardia e não vaidosa.

Embora Dmitry Tolstoy não tenha se tornado um escritor, pelo fato de sua
existência ele acalmou e “enobreou” o espírito de seu brilhante irmão abalado por
paroxismos de vaidade, invisivelmente ditando a ele as páginas mais profundas e
pacíficas de suas obras. Assim, podemos dizer que Dmitry Tolstoy de uma maneira
peculiar, "Nobre", invisivelmente percebeu-se como um grande escritor.

“Nobre" é, antes de tudo, um homem, e só então uma função social. Portanto, não
importa quais alturas sociais ele atinja, não importa o quão impressionante seja o
sucesso, outros continuam a apreciar nele e amar a pessoa. Selig escreveu sobre
Einstein: "Muitas vezes ele me disse que a capacidade de trabalhar cientificamente
depende, em grande medida, do caráter. Porém quanto mais eu trabalhava com ele
e melhor eu o conhecia, menos minha atitude em relação ao ele dependia do
escopo de suas realizações científicas, porque não importa o quão grande Einstein
seja como físico e filósofo, como pessoa ele muito significa mais para mim."

A natureza do homem é tal que, de forma plena e incontrolavelmente, traz à


sociedade o espírito do sistema que vive em si mesmo. A 2ª Vontade não é exceção
aqui, e como a vida interior dos tempos era derramada por baleeiros em ondas
furiosas. Não posso deixar de dar nesta conexão uma descrição do efeito quase
mágico da 2ª Vontade de Boris Zaitsev em uma das recepções dos Merezhkovskys:
“Foi uma reunião particularmente tumultuada, como um oceano espontaneamente
rebelde.
Os oradores tentaram gritar uns com os outros, discutindo furiosamente. O
próprio Merezhkovsky, vindo da inspiração e com as mãos abertas, parecia levantar-
se para o ar e pairar sobre este oceano ferozmente furioso, como o oceano que uma
vez engoliu Atlântida, aquela Atlântida, que acabou de ser discutida aqui. Neste
momento da maior tensão nervosa, Boris Konstantinovich entrou na sala de jantar
acompanhado de Zlobin. Entrei surpreendentemente silenciosamente e
modestamente, porém imediatamente, embora Boris Konstantinovich não tenha
dito uma única palavra, como ondas do oceano, já aparentemente prontas para nos
absorver diminuíram.
Naquele dia, ao contrário da "ressurreição" habitual — ninguém mais havia
discutido ou "cruzou as espadas da eloquência". Então me impressionou! Zaitsev
por sua mera presença trouxe paz aos pensamentos e corações daqueles sentados
à mesa. Então eu tive que ver como a presença de Zaitsev descarregou uma
atmosfera eletrificada e inflada. Era como se fosse impossível brigar ou mesmo
argumentar apaixonadamente.

A figura de Boris Zaitsev, entre outras coisas, é notável por sua escrita perfeitamente
incorporada sobre todas as vantagens e desvantagens da criatividade artística da 2ª
Vontade. O próprio Zaitsev em uma das cartas descreveu seu credo estético da
seguinte forma: "O quanto eu queria me apropriar do maravilhoso mundo de Deus!
Bem, é assim que eu estou conectado: eu sei perfeitamente o quão terrível, cruel,
este mundo é, mas tudo nele tem o oposto, e eu sou dado a ver não o feio, mas o
bonito dele, para amar mais do que odiá-lo, pois da minha escritura você não saberá
a plenitude do mundo.” Eu sou unilateral comparando Zaitsev com outros escritores
contemporâneos, um dos descendentes de Zaitsev disse: "Ele é mais pobre do que
muitos, mas o mais rico de todos, ao que parece, em uma coisa - na estrutura
harmoniosa da alma. Nada explosivo, nenhuma profundidade terrível, nenhuma
filosofia. Possui um cavalheiresco nobre, estilo ouro florentino, tendo mídia dourada
em tudo.”

Paz, benevolência, generosidade—é isso que infecta a 2ª Vontade, engajada na


arte, infecta espectadores, leitores e ouvintes. A diferença é que tal generosidade na
1ª Emoção é um pouco vociferante (Pasternak), e na 3ª Emoção é um pouco irônica
(Chekhov), combinada com a 4ª Física, triste ao invés de alegre (Bloco), combinada
com a 1ª Física mais alegre do que triste (Goethe). Essas combinações quase
esgotam o cardápio artístico "Nobre", e há alguma verdade nas palavras de que a
arte da 2ª Vontade é monótona. Porém essa monotonia é a monotonia da água
pura e não pode ser saciada.

Ouça-me, vai parecer que o "Nobre" é um anjo em carne e osso, o que não
acontece. Aceito. Entretanto, em primeiro lugar, ele não sente bem suas vantagens
e a megalomania não o ameaça. Block escreveu uma vez em uma carta: "Estou
muito confiante em mim mesmo. Sinto em mim mesmo uma totalidade e habilidade
saudáveis, além da capacidade de ser uma pessoa livre, independente e honesta."
Este, talvez, seja o máximo do que a 2ª Vontade sabe sobre si mesmo. E isso não é
surpreendente, a saúde mental é tão imperceptível ao seu portador quanto a saúde
física.

O "Nobre" seria realmente um anjo em carne e osso se mostrasse ao mundo


apenas sua melhor função volicional. Mas, infelizmente, ele tem mais três funções
que são imperfeitas e essa circunstância distorce muito a face "angelical" da 2ª
Vontade.

O primeiro sinal externo da 2ª Vontade, como todas as vontades, é o olhar. A


visão do "nobre" é benevolente, pacífica e um pouco dispersa. Ele parece dizer:
"Está tudo calmo, estou feliz em conhecer, mas, se quiser, não insisto em continuar."

Heine escreveu sobre Goethe que seus "olhos não pareciam com medo, piedosos,
ou com uma leve ternura: eram calmos, como alguma divindade", e, claro, um
pouco mentirosos. O olhar de Goethe, como o de qualquer "nobre", não continha
nada divino, mas era simplesmente insustentável: as pupilas se moviam, mas se
moviam suavemente, e Heine, que não conseguia se vangloriar da calma do olhar,
romantizava parcialmente essa impressão do olhar de Goethe.

Há a hipocrisia muito sem importância que concorda completamente com


Pasternak diante de que "não se deve desviar uma única fatia de seu rosto".
Portanto, quando um "nobre" escolhe a carreira de ator, ele interpreta com mais ou
menos sucesso apenas a si mesmo, e grandes louros na atuação não são capazes de
adquirir um campo (Reagan). O quão difícil é a atuação para a Segunda Vontade
pode ser visto a partir do exemplo de Blok, que ele mesmo leu todos os seus
poemas, exceto os Doze. E o segredo de tamanha estranheza foi que, se o leitor se
lembra, partes separadas do poema são estilizadas no espírito areal-showroom, e
Blok, como de costume da "nobreza", identificando-se com o que foi dito,
simplesmente não poderia lê-los.
A 2ª Vontade é o único de todos as Vontades que organicamente não digere
palavrões e lixo. Independentemente da educação. Não digere quando combinado
mesmo com a 1ª Física, para o qual excursões ao campo da fisiologia são
desejáveis e naturais. Boris Yeltsin, com sua 1ª Física, que passou sua infância em
um quartel, um construtor por profissão, escreveu: “Em toda a minha vida eu não
podia suportar xingamentos, no instituto eles até discutiram comigo se eu usaria pelo
menos um palavrão ou não por um ano inteiro. E toda vez eu ganhei.” Não há
exagero nas palavras de Yeltsyn. Conheci pessoas com a mesma ordem de funções,
pessoas do fundo da sociedade, tão intolerantes à obscenidade. Maxim Gorky,
tendo passado sua juventude na companhia de Bosiaks, corou com a palavra "sortir"
até o fim de seus dias. Obviamente isso se deve ao senso natural de autoestima dos
"nobres" e a uma atitude igualmente natural diante de seu comentário em relação
aos outros.

Na Rússia, eles gostam de discutir sobre o que é "inteligência": A presença de um


diploma de ensino superior ou um traço de caráter. Então, se você escrever
qualquer titular de diploma como um intelectual, então tudo está claro aqui. Não
está claro com o traço do personagem. Porém agora podemos dizer com confiança
que a inteligência como característica de caráter é uma propriedade natural do 2ª
Vontade. É ela que se caracteriza pela democracia, delicadeza, tolerância,
benevolência, naturalidade, independência, ou seja, todas essas qualidades que
geralmente estão associadas à inteligência. E não tem nada a ver com educação,
educação, status social. Um "Nobre" pode ser analfabeto em insultar com uma faca
e garfo e passar toda a sua vida em prisões, e esta circunstância não afeta sua
inteligência de forma alguma.

Comum ao gosto da 2ª Vontade é que ela prefere uma baixa-chave, mas não a
mesclar com as roupas da multidão. A principal tarefa do "nobre" ao escolher um
vestido é bastante difícil: ter vestido, não entrar nos olhos e, ao mesmo tempo,
sentir que a individualidade não está perdida. O corte é preferido para ser livre,
largo e não restringir o movimento. Entre os políticos, os "Nobres" podem ser
imediatamente reconhecidos pela forma como, em todas as oportunidades, correm
para desabotoar, afrouxar o nó de gravata, e melhor, geralmente mudam as vestes
do protocolo para algo caseiro, simples e livre.

“o Filisteu” (3ª Vontade)


Começando minha história sobre o portador da 3ª Vontade, só quero que esteja
avisado: aqui entramos no mais obscuro e doloroso ciclo da vida do ser humano.
Portanto, peço desculpas em avanço aos leitores com 3ª Vontade pela franqueza
com que terei que falar sobre o escondido e doloroso lado de sua existência.

Toda terceira função é bifurcada e machucada. A tragédia especial do Filisteu mora


no fato de que é a Vontade—o suporte da personalidade, sobre a qual repousa toda
a ordem das funções—que está machucada. Quando o suporte está machucado,
toda a construção da psique humana se torna instável e vulnerável. A vida se torna
um pesadelo crônico: até mesmo golpes fracos e toque para todos, não apenas a
Terceira função, são capazes de derrubar sua existência ao chão, devastando a 3ª
Vontade.

Total vulnerabilidade é distintiva e mais assustadora característica da psique d’O


Burguês, ela faz com que o possuidor pareça com um molusco com o mais macio e
indefeso corpinho, cuja natureza negou na concha e assim condenou do berço ao
túmulo à ira, agressividade, segredo e solidão.

Precisa-se de muita saúde mental para olhar sem medo para o abismo que é a alma
d’O Burguês. As novelas de Dostoevsky são fracos reflexos do inferno que o 3ª
Vontade vive cronicamente.

Realmente, apenas para a psique “comerciante” podemos aplicar o termo


“complexo”, já que é de fato todo um complexo de dores, queimaduras e úlceras,
ameaçando crescer em um uma ferida purulenta e multifuncional. Portanto, os
meios de defesa pessoal da 3ª Vontade têm a forma de um conjunto universal
completo. Se o leitor se lembra, toda Terceira Função possui sua “folha de figo”
[significa algo feito para causar dor e constrangimento]. O 3ª Vontade também o
tem - isso é hipocrisia e tolice. Mas desde que o “Filisteu” é vulnerável à toda ordem
de função, ele tem de se cobrir inteiramente, com toda a gama das “folhas de figo”:
seja agindo com insensatez, então hipocrisia, então sendo irônico, então caindo no
profundo ceticismo.

A imagem de um delicado molusco nu, com o corpo vulnerável, rastejando pela


vida, como um serpentário, com uma camuflagem repleta de folhas é a imagem que
mais transmite o estado interno da vida do 3ª Vontade.
***

Um dos típicos derivados do estado mental do 3ª Vontade é o sentimento de que


dobra e quebra perante o peso das outras funções da Vontade, ela tenta mudar seu
centro de gravidade da personalidade ao excedente da Primeira Função, que é bem
sentida em si.

Acontece algo similar à pessoa que, ao invés de andar numa ponte de corda (de
Quatro funções), prefere andar em uma corda (na Primeira função), acreditando que
uma corda, mas confiável, é melhor que quatro, especialmente se a fizer mais
grossa... Balançar na primeira função leva ao fato de que o “Filisteu”, buscando
reforçar e reforçar a Primeira, artificialmente a hipertrofia, já hipertrofiada, ao grau
de que aqueles ao seu redor começam a classificar o estado do “Filisteu” como
insanidade.

Antes, falando sobre as Primeiras Funções, já tive que mencionar que certos desvios
são associados com elas na psiquiatria. Agora é a hora de dizer que a maioria do tal
grupo de risco são Os Filisteus: a combinação de 1ª Emoção com a 3ª Vontade dá
psicose maníaca-depressiva (bipolar), a combinação da 1ª Lógica com a 3ª
Vontade—paranoia, a combinação da 1ª Física e 3ª Vontade—mesquinhez
patológica e crueldade. Os mecanismos desses desvios são simples: a pessoa se
esforça, não esperando por uma Vontade machucada, para deixar ainda mais
redundante e confiável o que ele já tem de excesso e confiança (?), deste modo
caindo em tamanha sobreposição que a psiquiatria passa a interpretar seu estado
mental como uma patologia. Embora eu repita, os desvios listados são mais
psicotípicos do que fenômenos psiquiátricos.

É extremamente difícil descrever o estado mental do 3ª Vontade, então é melhor se


referir ao documento. Aqui estão trechos da carta de um jovem “Filisteu”, evidente
que este autor não só sente constantemente um defeito escondido em si, mas tenta
descobrir suas origens: sem rosto [que significa completamente desconhecido].
Palpitei sobre isso anteriormente, mas agora tenho certeza.

“Eu nunca tive amigos, ou melhor, estava sozinho na segunda série, mas então nos
tornamos amigos. Todos sempre riram de mim, digo minhas dificuldades e por
algum motivo nos meus pensamentos sempre me considerei melhor que todos eles.
Na vida, tudo era diferente...
Não tenho forças pra finalizar terminar minha lição. Estou constantemente pensando
sobre mim mesmo ou sonhando. Nos meus sonhos, sou normalmente forte,
obstinado e cheio de propósito, não como na vida. Nos esportes, não fiz nada,
apesar de ter engajado em remo por 5 anos. Atingi bons resultados no treino. Mas
assim que a competição chegou, demonstrei o pior resultado.
Com pessoas me sinto rígido e estranho. Escondo meus olhos perante os
transeuntes, como se tivesse culpa de algo. Não consigo evitar!
Nos anos recentes, entre a sétima e oitava série, comecei a me sentir muito
constrangido nas aulas. Senti que não tinha amigos, e esses colegas de sala com
quem eu estive atraído não prestavam atenção em mim, e estava atormentado. O
que não mudei de ideia. Agora, olhando para trás, eu percebo que nunca tive minha
própria face. Sempre fui liderado por alguém. No geral, tenho a sensação de que
não sinto nada. Não sei como sentir raiva, rir com vontade, não sei como! Não posso
ou não sei como ter amigos, mas realmente quero ter um amigo!
Quando eles me repreendem, não posso absolutamente fazer nada contra. Sinto
que algo em mim não está certo. Não há força em mim. Um professor de ética me
disse que a tendência do caráter é herdada dos pais. Então provavelmente herdei a
espinha do meu pai. Ele não viveu conosco por muito tempo, mas minha mãe disse
que ele era um alcoólatra e fraco de vontade, e minha mãe é forte, com caráter.
... Como continuar vivendo?! Tem ficado mais difícil e difícil a cada dia.”

Essa é a confissão. Uma espécie de lista de luto do tormento do Terceira Vontade.


Não há porquê comentar sobre cada palavra da carta agora, ainda existe muito o
que comentar dos específicos da psicologia do “Filisteu”.

Mentir é o primeiro e mais verdadeiro sinal da 3ª Vontade. Não vou dizer que o
resto dos Vontade nunca mente—acontece, mas apenas por grande necessidade. A
situação é diferente com a 3ª Vontade. Ele mente frequentemente,
automaticamente, impulsivamente, estupidamente, sem motivos. A mentira para o
Burguês é um instrumento universal de autodefesa e autoafirmação, então é
exposta à primeira imaginária ou real ameaça, assim como na primeira
oportunidade para se mostrar. A Terceira Vontade é muito vulnerável, muito
sensível à opinião pública, para não tentar proteger o núcleo ferido de sua natureza
com uma mentira. Se para um “Nobre” avaliações humanas são apenas capazes de
arranhar a superfície de sua existência poderosa, então para o “Filisteu”, qualquer
opinião, positiva ou negativa, causa uma agitação das fundações, excita as
profundezas da alma, estimulando uma resposta de forma impulsiva e usualmente
poucas mentiras convincentes.

Pretensão, hipocrisia é parte integral da mesma tendência do 3ª Vontade de mentir.


O Filisteu teme aparecer, se revelar, preferindo parecer outra pessoa, mais
frequentemente uma pessoa, mais socialmente significante do que ser a si mesmo.
Dostoevsky escreveu: “Todos nós temos vergonha de quem somos. De fato, cada um
de nós carrega dentro de si uma quase inata vergonha de si e da própria face e,
quase em sociedade, todos os russos imediatamente tentam a qualquer custo ser
diferente, mas não o que realmente é, todos estão na pressa de se apegar a uma
face completamente diferente.”

3ª Vontade é um ator de teatro nato que é melhor chamado não de “social”, mas
“hierárquico”, porque o “Filisteu” age não só em sociedade, mas também na família.
***

O “Filisteu” é ainda mais frágil e obediente que o “Nobre”. Mas a rigidez da


flexibilidade é diferente. Comparando a Segundo e a Terceira Vontade, La
Rochefoucauld muito corretamente lembrou: “Apenas pessoas de caráter firme
podem ser frágeis, enquanto outras aparentes fragilidades são apenas fraquezas,
que facilmente se tornam raiva.” De fato, o mesquinho “Filisteu” é obediente, mas
não por sua própria vontade, secretamente odiando estupradores de sua vontade,
ele está pronto para acumular queixas infinitamente, na primeira oportunidade ele
vai pagar muito por sua antiga obediência. Então, o jovem Paul McCartney, após um
chicotear parental, declarando completo e final arrependimento, abriu caminho até
o quarto de seus pais e disse: “Aqui está!” e arrebentou a musselina das cortinas. O
czar russo Nicholas II foi distinguido por complacência ambígua; uma vez fez uma
confissão característica: “Sempre concordo com todo mundo em tudo, então faço
tudo do meu jeito.” Entre os czares russos, isso era um traço genérico: Alexander I, o
bisavô de Nicholas II, era chamado por seus conhecidos de “teimoso manso”.

Quão menos o 3ª Vontade tem de se dobrar, mais inesperado e indeciso é o


endireitamento. As pessoas ao redor usualmente caracterizam tal endireitamento
como “traição”, mas, em geral, o 3ª Vontade nunca trai, porque ele nunca pertence
a ninguém, afinal de contas. A lealdade é forte em pessoas extremamente fortes ou
desesperadamente fracas. O “burguês mesquinho” ocupa uma posição de
intermédio e, portanto, por sua própria essência, não é leal, apesar de que ele dá
segurança e avanços nessa questão em abundância.

Recordando Andrei Bely, Berdyaev escreveu: “Essa muito clara individualidade


perdeu seu núcleo sólido de personalidade, uma dissociação da personalidade
tomou lugar no seu próprio trabalho artístico. Esse, por sinal, foi expresso na sua
terrível fidelidade, e sua tendência a trair... Ele se passou por um amigo em casa.
Constantemente concordou comigo, já que não podia se objetar de qualquer
modo. Então, subitamente, por um tempo, sumiu. Nesse tempo, usualmente
publicava artigos com ataques duros a mim... Tive a impressão de que ele estava
estabelecendo pontuações ao fato de concordar cara a cara, discordando, ele se
vingou por artigos abusivos.”

Traição, como forma de resposta voluntária à externa, irresistível pressão volitiva,


frequentemente coexiste para o “filisteu” como uma resposta involuntária para a
mesma pressão. Gorky, que em 1917 escreveu um artigo sobre provocadores,
recebeu uma carta de um desses “camaradas-provocadores”, que continha as
seguintes linhas expressivas: Seria claro para você. Até porque, existem muitos de
nós! - todos os melhores trabalhadores do partido. Isso não é um feio fenômeno
individual, mas, obviamente, uma profunda razão em comum que nos trouxe a esse
fim de linha. Eu te peço: supere o desgosto, chegue mais perto da alma de um
traidor e nos conte: que tipo de motivo nos guiou quando, acreditar em tudo com
nossas almas no partido, no socialismo, em tudo sagrado e puro, poderia
“honestamente” servir na polícia secreta e, desprezando a si mesmos, poderia ainda
crer possível viver?”

O “Filisteu” é um agente duplo natural, porque não resiste a algo, nem pertence a
algo no fim, a ele falta espírito, Vontade—e essa é a única e maior razão para a
paradoxal dualidade da personalidade que foi observada, é observada e será
observada na nossa já complexa, misteriosa e metafórica vida mental.

A casta, pintura hierárquica do cosmos, sociedade, família que por nascimento


reside na alma do “Filisteu”, é um elemento importante na psicologia do Terceira
Vontade. O principal nela é a infinita complexidade hierárquica vista pelo olho
interior. Se o leitor se lembra, a imagem hierárquica do 1ª Vontade é muito simples
e limitada a dois níveis, enquanto a 2ª Vontade não a possui. Portanto, é impossível
não reconhecer a originalidade da hierarquia perante o 3ª Vontade, que, na sua
opinião, é infinitamente complexa e consiste num número infinito de componentes.

É impossível descrever tudo que, na opinião do “Filisteu”, é importante determinar o


lugar na vida: o lugar na escada cósmica, o lugar na escada da natureza, idade,
gênero, raça, nacionalidade, religião, origem, posição, aparência, status de
propriedade, profissão, educação e muitos outros termos invisíveis que permitem
ao “burguês” achar cada lugar especial na sua casta imagem do mundo.

Por si só, o reconhecimento da existência de diferenças entre as criaturas do mundo


não carregaria nada perturbador, caso o 3ª Vontade não absolutizar essas
diferenças, mas, tendo absolutizado, não construiu suas atitudes e comportamento
de acordo. Como isso se dá na prática é muito fácil no nosso mundo literário das
grandes figuras de Pushkin e Bryusov. Aqui estão dois rascunhos da vida: “O
sentimento de igualdade era completamente estranho à Bryusov. Talvez, contudo, o
ambiente filisteu de onde Bryusov emergiu também foi influenciado aqui. O
“Burguês”, de forma alguma um exemplo, dobra suas costas mais facilmente do que
um trabalhador ou aristocrata. Mas o desejo ocasional de humilhar o outro
sobrecarrega um feliz comerciante mais do que um trabalhador ou aristocrata.
“Todo grilo conhece seu seis”, “honre o ranque” - essas ideias foram trazidas para a
literatura por Bryusov da Avenida Tsvetnoy. Bryusov sabia como comandar ou
obedecer. Mostrar independência significava de uma vez por todas adquirir um
inimigo na pessoa de Bryusov.” “Como escritor, não como aristocrata.”

O caráter casto do “Filisteu” é especialmente notável contra o fundo de atitude igual


do “Nobre” àqueles ao seu redor. Outro contemporâneo de Pushkin continuou:
“Delvig tratou todos seus companheiros no liceu da mesma forma, mas Pushkin os
tratava diferentemente. Pushkin era bem inclinado. Com alguns de seus colegas
estudantes, em quem Pushkin não notava nada memorável, incluindo M.L. Yakovlev,
tratava de forma arrogante, de quem muitas vezes conseguiu por Delvig.”

Como qualquer fenômeno, a casta natureza da 3ª Vontade também tem seu lado
positivo. Faz o “Filisteu” uma criatura do mais alto grau de tato, sensível a barreiras
invisíveis de classe, cujos outros Vontades frequentemente passam por cima por
causa de sua cegueira.

A habilidade da 3ª Vontade de mimetismo social é incomparável, e, sem querer


atormentar o leitor com minha língua presa de trava-línguas, vou simplesmente usar
nessa conexão uma fala extensa e exaustante de Gogol: estrangeiros, então
grandemente superados em capacidades de manuseio. É impossível contar todos
os tons e sutilezas de nosso endereço. Um francês ou um alemão não verão nem
notarão todas suas diferenças e características; um vendedor ambulante de tabaco,
apesar de que, é claro, em seu coração ele paga tanto quanto o primeiro. Não o
temos: temos homens tão sábios com aqueles que tem trezentos, vão novamente
falar diferentemente daqueles que tem quinhentos, mas com quem o tem
quinhentos deles, novamente não é o mesmo dos que têm oitocentos, ou seja,
mesmo que se vá até um milhão, sempre terão nuances. Suponha, por exemplo,
que exista um escritório, não aqui, mas num estado distante e, nesse escritório, há
um regente. Te peço para que olhe para ele quando senta entre seus subordinados
- mas simplesmente por medo não se pode proferir uma palavra! - orgulho e
nobreza, e o que sua face não expressa? Apenas pegue o pincel e pinte:
Prometheus, resolvido Prometheus! Olha ao redor como águia, se projeta
suavemente, de forma medida. A mesma águia, assim que sair de uma sala e entrar
no escritório de seu chefe, está com tanta pressa e com um perdiz com papéis
debaixo do braço que não há urina [ou talvez seja suor]. Na sociedade e num
partido, sejam todos de ranque baixo, Prometheus continua Prometheus, e pouco
mais alto que si próprio, uma transformação tomará Prometheus, que Ovid não
inventaria: uma mosca, até menor que uma mosca, se destruirá num grão de areia!
“Sim, isso não é Ivan Petrovich”, você diz, olhando pra ele. — “Ivan Petrovich é mais
alto, e esse é pequeno e magricela, ele fala alto, grave e nunca ri, mas esse demônio
o sabe: ele guincha como um pássaro e ri de tudo.” Você se aproxima, e parece Ivan
Petrovich!”

Lendo Gogol, não vamos pular à conclusão que a casta natureza do 3ª Vontade se
preocupa apenas com a vida social. Para o “Filisteu” o princípio hierárquico é
universal. Filósofos “filisteus” criam sistemas de complexos Platônicos de
subordinação de mundos. “Filisteus” teólogos ranqueiam forças espirituais, santos e
confissões. “Burgueses” etnógrafos numa moda fascista classificam diferentes
ranques para raças e pessoas. Quanto ao “burguês mesquinho” ele, estando
pessoalmente ou em ausência, concorda com tudo que postula castas nas
diferentes esferas da vida, procura primeiro de tudo, de acordo com um claro, mas
firme sinal, estabelecer um sistema restrito de subordinação na própria família.

Por fora, o sistema do mesquinho “Filisteu” de veneração familiar pode às vezes


parecer ridículo, às vezes assustador. Por exemplo, Vasily Rozanov não permitia
membros domésticos a comer carne da sopa e o comia em esplêndido isolamento,
e o pai de Dostoevsky, indo dormir durante o dia, forçava o filho maior de idade a
espantar moscas de seu rosto. Contudo, seja como for, a hierarquia do “burguês” é
quase o único chão firme em que ele pode contar com mais ou menos confiança, o
que é extremamente importante diante das condições do Terceira Vontade, sujeito
a todos os ventos, constantemente e à todas as psiques flutuantes…

Contudo, o “Filisteu” não seria ele mesmo se não agisse como ambos seus
retentores e osciladores em relação à hierarquia.

“os Servos” (4ª Vontade)


Os "Servos" são as pessoas mais simpáticas do mundo. É fácil respirar em seu
terreno como nenhum outro. E não sem razão. Por exemplo, a alma do 1ª Vontade
encontra qualquer visitante ocioso nas aproximações mais distantes com os pilares
concretos de seu "eu". A 2ª Vontade é mais acessível, mas a penetração em sua
essência emborrachada também tem fronteiras vagas, mas claramente perceptíveis.
O campo anímico da 3ª Vontade é embaçado e se torna conhecido não tanto pela
dureza, mas por uma eletricidade nervosa derramada no ar.

Outra coisa, a 4ª Vontade, seu campo pode ser atravessado, conduzido em um


tanque—não haverá resistência. É por isso que é tão fácil respirar no terreno do
"Servo"—ele é descarregado. Foi dito a respeito de Darwin com sua 4ª Vontade
como se segue: “Quem teve a sorte de sentar-se à mesma mesa com ele pelo menos
uma vez ... num círculo estreito de bons amigos, e especialmente se sua vizinha
acabou se tornando uma boa mulher, ele não vai esquecer isso rapidamente. Com
ele, todos se sentiam fácil e simples, ele conversava, ria alegremente, animadamente
provocado, mas não ofensivamente, mas apenas divertido e até mesmo lisonjeador;
além disso, ele sempre tratava o convidado com respeito e invariavelmente tentava
envolver uma nova pessoa em uma conversa geral”.

Externamente, a 4ª Vontade não é praticamente diferente da 2ª Vontade. Possui a


mesma naturalidade e simplicidade de comportamento, respeito e delicadeza de
tratamento, serenidade e abertura de seu olhar. De fato, eu mesmo não presumo
distinguir um "Servo" de um "Nobre" em um conhecido de capas. Entretanto, como
já mencionado, para todas as suas diferenças essenciais, a Segunda e Quarta função
são quase indistinguíveis externamente.

***

A imagem do universo, vivendo na alma do 4ª Vontade, praticamente repete a


imagem correspondente do 1ª Vontade, ou seja, o cosmos é uma hierarquia que
consiste em dois níveis: superior e inferior. A diferença é que o "Servo" se coloca
automaticamente não no nível superior, como o "Rei", mas em seu nível inferior,
atribuindo-se o papel de um rebanho, de um subordinado, de uma criança.

Assim, um dos sinais mais característicos da 4ª Vontade é sua infantilidade


atemporal, que pode se manifestar como sinceridade e inocência. Em princípio, a 3ª
Vontade é infantil, mas tenta se disfarçar de adulto e assim se repele. A 4ª Vontade
não se disfarça e, portanto, é muito propícia a si mesma, embora existam
características em seu comportamento que causam perplexidade. Por exemplo,
Jean-Jacques Rousseau, tendo caído sob os encantos da Madame de Varence, e ali
continuou a chamá-la de "mamãe", embora a natureza da relação obviamente
contradisse tal apelo.

A confissão sem limites é o calcanhar de Aquiles e o sinal mais característico de um


"Servo". Tolstoy sofreu por muito tempo pelo fato de não ter sido capaz de escrever
com a sinceridade com que a "confissão" de Rousseau foi escrita. E ele sofreu em
vão. Tolstoy, com sua 1ª Vontade, simplesmente não pôde escrever com tanta
franqueza imprudente, o que só a 4ª Vontade é capaz de fazer. E a confissão é
facilmente dada a ela porque ao "Servo" falta um senso de autopreservação pessoal,
a Vontade não lhe é querida—o apoio da personalidade, aonde um golpe poderia
abalar seriamente seu ser. Por exemplo, o Imperador Cláudio foi capaz de dizer
publicamente no julgamento sobre uma das testemunhas: "Ela era protegida de
minha mãe, das empregadas, mas ela sempre me respeitou como mestre—digo isto
porque em minha casa até agora alguns não me reconhecem como um mestre—e
não se envergonham de forma alguma". E não de se sentir constrangido porque a
publicidade foi dada ao que ele, o imperador, já sabia: ele não é uma pessoa e, o
mais importante, não era uma pessoa que estava preocupada com sua falta de
status ou anonimato.

A baixa autoestima é um presente incomparável e sem preço à Quarta Vontade. Ela


torna a vida de um "Servo" tão fácil e desobstruída como a de qualquer outra
pessoa, e a psique tão estável que até mesmo o tempo, que inevitavelmente deixa
entalhes em nossa alma, desatarraxando o mecanismo psíquico, não tem poder
sobre a 4ª Vontade. Quando não há bases sólidas de personalidade, a flagelação é
uma companheira indispensável da vida, e não é mais eficaz do que uma flagelação
no pântano.
***

A baixa autoestima é um presente incomparável e sem preço. Ela torna a vida de um


"Servo" tão fácil e desobstruída como a de qualquer outra pessoa, e a psique tão
estável que até mesmo o tempo, que inevitavelmente deixa entalhes em nossa alma,
desatarraxando o mecanismo psíquico, não tem poder sobre a 4ª Vontade. Quando
não há bases sólidas de personalidade, a flagelação é uma companheira
indispensável da vida, não é mais eficaz do que uma flagelação no pântano.

A família é a primeira das células sociais às quais o "Servo" confia sua vontade de
uma vez por todas. Idade, posição na sociedade não afeta de forma alguma o seu
lugar na família, até o final de seus dias ele se sente como um filho de seus pais e
não tenta sequer ficar com eles com um pé ao longo do tempo. Dois de meus
amigos, que já conseguiram viver e tornar homens velhos, até hoje escondem de
seus pais seu vício pelo tabaco, como se nada tivesse mudado desde aquela
infância feliz, quando poderiam ser punidos por cigarros encontrados em seus
bolsos.

A seguir é a escola. Aqui o "Servo" se distingue por um comportamento exemplar.


O jovem Seryozha Kostrikov (Kirov) chocou os professores com seu
"comportamento exemplar, mesmo sem exemplo", e seus colegas de classe foram
lembrados pelo fato de que, uma vez na escola, ele disse "Obrigado!" à direita e à
esquerda, pelo qual foi apelidado de "Obrigado".

Pelo exemplo de um Kirov, já adulto, o perigo para o "Servo" é claramente visível,


que reside em sua humildade, infantilidade e sinceridade. Quando um grupo de
delegados do Congresso XYII do CPSU veio a Kirov e lhe ofereceu o cargo de chefe
do partido, ele não só recusou categoricamente, mas também informou Stalin sobre
esta visita, assinando assim uma sentença de morte para si e para eles.

Somente o 4ª Vontade poderia se comportar desta maneira, e nenhum outro. Se,


por exemplo, o 1ª Vontade fosse abordado com uma proposta de poder supremo,
ele responderia, sem hesitação: "Mas claro, já era hora! — e se apressaria em agir. O
2ª Vontade não mostraria entusiasmo por isto, mas concordaria, condicionando seu
acordo à vontade da maioria do congresso. O 3ª Vontade recusaria, mas não
informaria Stalin sobre a proposta, mas iniciaria uma sonda secreta para a
derrubada do tirano no futuro. Kirov seguiu seu próprio caminho, o caminho do 4ª
Vontade, e podemos dizer que sua morte foi psicotipicamente predeterminada.

O exemplo de Kirov ainda não é o limite da psicologia servil suicida da 4ª Vontade.


Às vezes a servidão dos "Servos" adquire diretamente formas patológicas, trazendo-
as à doença, na psiquiatria chamada "insanidade juntos". No início do século XIX, o
seguinte caso foi registrado em Berlim: "A paciente, uma mulher idosa, convencida
de que um certo alto funcionário iria casar-se com ela, incutiu esta idéia em seu
marido; ambos foram colocados na Charité, onde a paciente logo morreu, e seu
marido se recuperou completamente". Os médicos no início tentaram explicar este
caso como uma espécie de "infecção mental", mas a expansão na geografia deste
fenômeno logo pôs um fim às especulações. Apareceu a monografia de Regis "A
Loucura Juntos", na qual, em outras palavras, foi dito sobre o fenômeno agora
conhecido por nós, o tema da conversa—o 4ª Vontade, que no exemplo dado, é
claro, estava no marido e que, estando acima da Vontade da esposa, o levou à
insanidade.

O 4ª Vontade é um zumbi, mas vivo, quente, ao contrário do clássico zumbi—um


morto-vivo. Portanto, o problema da zumbificação não reside no campo das armas
psicotônicas, elas são inúteis, e as experiências dos serviços especiais mostraram
que a psique pode ser quebrada, mas não pode ser manipulada. Quase todas as
tentativas de manipular o cérebro humano me lembram das tentativas de trocar
arquivos em um disco rígido com um pé-de-cabra (quem está familiarizado com um
computador sabe o que é). O conhecimento moderno é ainda mais despreparado
para a zumbificação, já que nem mesmo a localização da vontade no cérebro é
conhecida, sem mencionar o método de influenciá-la (as tentativas dos médicos
nazistas de encontrar alguns "cristais de vontade" na glândula pituitária terminaram
em fracasso). Não decorre do que foi dito que os zumbis são impossíveis, mas como
eles são possíveis, há muitos deles, mas é outra questão que os distingue da massa
social requer um trabalho psicológico sério e uma intuição sutil.

***

4ª Vontade—o cônjuge mais fiel, o subordinado mais leal. Mas eis o paradoxo, é
que o "Servo" que muitas vezes parece de fora como um terrível rebelde e frondeur.
Por exemplo, o "macio como cera", Bukharin era considerado quase um chefe
crônico e quase oficial da oposição a Lenin, Molotov foi o único que discutiu
abertamente com Stalin, e isto apesar do fato de que ambos tinham a 4ª Vontade.
Suponho que este fenômeno é explicado de duas maneiras. Por um lado, ao
contrário do "Filisteu"—um escravo astuto, procurador e altamente sensível aos
pedidos do proprietário de uma pessoa, o 4ª Vontade é um escravo sem astúcia,
servindo com a franqueza de um soldado, insensível ao proprietário, muitas vezes
continuando a seguir o mesmo rumo depois, como o patrão já fez uma curva. Daí o
comportamento de rebelião como uma tesoura.

Por outro lado, como disse Thomas Mann: "A escravidão voluntária é liberdade".
Este aforismo, não importa como para ninguém, é aplicável à 4ª Vontade. A
escravidão voluntária e sincera lhe dá o direito à autoexpressão livre e direta do
resto, acima das funções, o que poderia muito bem ser confundido com uma
rebelião se ela tivesse alguma consequência.
Você só pode levar a sério a rebelião de um "Servo" se olhar para ela de longe. Não
foi por nada que Trotsky chamou a Fronde de Bukharin de "rebelião ajoelhado". A
liberdade interior da 4ª Vontade de expressar a própria opinião não tem nada a ver
com a liberdade de tomar decisões. Como Rousseau reclamou em conexão com as
brigas familiares: “Para se livrar de toda essa agitação, seria preciso firmeza, da qual
eu não era capaz.”

A vida do 4ª Vontade é a vida de um chip jogado na água. O "Servo" não é o


mestre de si mesmo, seu destino é inteiramente governado pelo destino e pela
inércia. Portanto, uma vez, quando o interlocutor de Molotov declarou que havia se
tornado um comunista como resultado de alguma escolha consistente e consciente,
Molotov simplesmente respondeu: "O vento soprou, e assim ele se tornou. O vento
o carregou, o carregou e o levou. E então ele foi para o exílio—não havia para onde
ir.”

Além da simplicidade, abertura, abnegação, a 4ª Vontade se distingue por uma


sincera indisponibilidade para assumir sérias responsabilidades. O biógrafo dos
Beatles de Ringo falou da seguinte forma: "Ele é aberto, amigável e provavelmente o
mais bonito de todos os Beatles. Ele não está de modo algum focado em si mesmo".
E então o biógrafo cita a afirmação característica de Star. Reconhecendo seu
sucesso em A Hard Day's Evening, Ringo disse: "Depois deste filme, recebi muitas
ofertas, e todas para os papéis principais. Uma vez quase concordei em
desempenhar o papel de Watson em um filme sobre Sherlock Holmes, mas depois
decidi que ainda era sério demais para mim. Não quero assumir um papel em que o
fardo principal recaia sobre mim. Pelo menos por enquanto. Você pode imaginar o
horror que seria falhar? Mas pequenos papéis são bem-vindos. Afinal de contas, a
responsabilidade não é minha". Mas o papel de Watson certamente não é o de
Julien Sorel ou Raskolnikov, e ainda assim... O desejo de Ringo de desempenhar
papéis secundários, como em uma gota d'água, reflete a psicologia da 4ª Vontade,
condenando-se voluntariamente a papéis secundários, desempenho, obscuridade.

"Penso que nunca um único ser humano foi por natureza menos vaidoso do que
eu...", escreveu Rousseau, observando assim outra característica importante da
psique da 4ª Vontade: uma sincera falta de ambição. E, curiosamente, a história
geralmente encontra o "Servo" a meio caminho neste assunto, fazendo dele um
convidado raro e acidental no céu estrelado da humanidade.

O próprio 4ª Vontade fica incrivelmente surpreso quando ele se encontra no topo


de uma pirâmide social ou de qualquer estrutura séria. Darwin escreveu com muita
sinceridade: "É realmente surpreendente que um homem com as habilidades mais
modestas que eu poderia, em uma série de questões essenciais, exercer uma
influência significativa sobre os pontos de vista dos homens da ciência". Eu gostaria
de compartilhar a perplexidade de Darwin. Para reparar a arbitrariedade sobre algo
que já tomou forma, ou seja, só se pode realmente criar, mudar algo em si mesmo e
nos outros se se possuir um instrumento apropriado mais ou menos sólido—a
Vontade. E quando é feito de espuma de borracha, a manifestação de iniciativa,
individualidade, independência, inovação, realmente parece quase um milagre.

***
As diferentes posições da Vontade entre diferentes povos serão discutidas
separadamente em conexão com psicotipos específicos. Mas a própria 4ª Vontade
pode ser atribuída com bastante confiança a uma grande multidão de povos que
vivem em diferentes partes do mundo. Pode ser considerado um sinal comum para
eles que esses povos foram forçados a sair para a periferia do ecumeno: o extremo
norte, o extremo sul, ilhas distantes, tundra, deserto, selva, pântanos, etc. Acabaram
em lugares tão desastrosos, creio eu, devido à complacência em massa, por causa
do 4ª Vontade. Anedotas sobre os Chukchi, amados pelo povo russo—uma criatura
complacente, tímida, ingênua e confiante—podem servir como um argumento de
peso a favor de tal suposição.

PARTE II: DESCRIÇÕES DE TIPOS

ALBERT EINSTEIN (LVEF)


1) LÓGICA ("o Dogmático")

2) VONTADE ("o Nobre")

3) EMOÇÃO ("o Monótono")

4) FÍSICA ("o Decadente")

Havia, à primeira vista, muitas coisas estranhas sobre a personalidade de Einstein.


Ele podia, por exemplo, casar-se com uma garota só porque gostava da voz dela.
Mileva Maric era pouco atraente, com um coxear, e "um de meus colegas disse uma
vez a Einstein, aludindo ao seu coxear: “Eu nunca ousaria casar com uma mulher que
não fosse muito saudável”. Einstein respondeu calmamente: “Por que não? Ela tem
uma voz encantadora”. E casou com ela.

A este respeito, Einstein faz lembrar Roxanne no Cyrano de Bergerac, em Rostov.


Ela, como nos lembramos, colocou sua capacidade de falar profunda e fortemente
sobre seus sentimentos muito acima de sua atração exterior. E, como é habitual
nestes casos, a razão desta preferência é o tipo mental de Roxanne e Einstein. Com
a 3ª Emoção e a 4ª Física, a sensibilidade prevalece automaticamente sobre a
sensualidade.

A elevada sensibilidade da 3ª Emoção, uma função da vulnerabilidade, ao mesmo


tempo exige uma certa contenção na manifestação dos sentimentos e não sem
prazer restringe suas manifestações excessivamente violentas. Um colega de classe
de Einstein lembrou: “... foi uma daquelas naturezas complexas que sabe se
esconder sob uma concha espinhosa cheia de ternura de sua intensa vida
emocional”. O acaso ordenou que este pensador espalhasse sua tenda no campo
romântico da família Winteler, onde ele se sentia feliz. Então, como agora, ele sentiu
apenas uma necessidade orgânica de interpretar as canções de Schumann
"Walnut". "Lotus"... não me lembro mais de todos os nomes. Esta música também foi
apreciada por Heine, seu poeta favorito. Muitas vezes havia momentos em que o
último acorde mal soava e Einstein, com sua piada espirituosa, nos trazia de volta do
céu para a terra, perturbando deliberadamente o encantamento.

Einstein odiava sentimentalismo, e mesmo ao redor de pessoas que se


entusiasmavam facilmente, ele sempre manteve sua calma.

A úlcera na 3ª Emoção de Einstein foi tão profunda que ele se opôs abertamente ao
romantismo, uma corrente que todos os 3ª Emoção condenaram, mas não todos
condenaram abertamente. Ele disse: “Em minha opinião, tanto na filosofia, quanto
na arte, o romantismo – uma espécie de técnica ilegal, a que se recorre, sem muito
trabalho, para conseguir uma percepção mais profunda”. Além disso, Einstein negou
a necessidade de beleza na ciência, secando assim até mesmo aquela esfera da
atividade humana que é seca e monótona em sua própria natureza.

***

De acordo com o costume da 1ª Lógica, Einstein preferiu o papel de um pensador


solitário a todos os papéis. Ele mesmo escreveu que "para um cientista o lugar ideal
seria um faroleiro", e as objeções dos amigos, como se um homem para a
criatividade precisasse da sociedade, não abalaram sua posição.

O anseio de Einstein pela solidão era duplo. A autonomia intelectual da 1ª Lógica


combinada nele com o individualismo endurecido da 2ª Vontade. Sobre a natureza
"Nobre" da 2ª Vontade em seu caráter ele escreveu:
"Meu desejo apaixonado por justiça social e um senso de dever social sempre esteve
em estranha contradição com a aparente falta de necessidade de comunicação
próxima com indivíduos e comunidades inteiras. Sou um verdadeiro individualista e
nunca dei meu coração indissoluvelmente ao Estado, à minha pátria, aos meus
amigos e até mesmo à minha própria família, tenho sido apegado a eles, mas
sempre experimentei um sentimento incessante de alienação e necessidade de
solidão; isto só aumentou com os anos... Uma pessoa desse tipo, é claro, perde parte
de sua espontaneidade, de sua natureza despreocupada, mas ele adquire total
independência interior...”

Em geral, analisando a natureza de Einstein, chega-se à conclusão de que a


autonomia e independência de sua mente é inseparável da autonomia e
independência de seu temperamento, ambas fundidas em sua natureza e aparentes
aos olhos de pessoas de fora como um todo. Um colega de Einstein escreveu: "A
dobra de tatuagem no canto de sua boca carnuda com um lábio inferior ligeiramente
protuberante desencorajava-os de conhecer mais de perto" (?). As circunstâncias
não existiam para ele. Filosoficamente sorridente, ele olhou para o universo e
impiedosamente marcou com uma piada espirituosa tudo aquilo que carregava o
selo da vaidade e da pretensiosidade... Ele expressou destemidamente seus pontos
de vista, sem parar na possibilidade de ferir seus entes queridos e amizades. Todo o
ser de Einstein respirava uma veracidade tão corajosa, o que acabou
impressionando até mesmo seus oponentes.

Como estudante, Einstein, tendo recebido, juntamente com outros estudantes, uma
instrução descrevendo o problema e o método de sua solução, jogou a instrução na
cesta e executou as soluções à sua própria maneira. Um dia, um professor irritado
perguntou a seu assistente: "O que você acha de Einstein? Será que ele não faz as
coisas da maneira que eu lhe digo?" O assistente respondeu: “Isso é verdade, Sr.
Professor! Mas suas decisões são corretas e os métodos que ele emprega são
sempre interessantes”. Quem se comprometerá a julgar neste caso o que é da
independência de caráter (2º Vontade) e o que é do egoísmo da mente (1º
Lógica)?

A despretensiosidade de Einstein na vida cotidiana e o altruísmo se tornaram uma


lenda. Ele desistiu e deu violinos cujo preço era inestimável, transformou cheques
bancários com muitos zeros em marcadores de livro, foi anedoticamente
despreocupado na comida e na roupa, e não preciso dizer que todas estas
características de Einstein comportamento voltam à sua 4ª Física.

Talvez, fazendo justiça, este tipo mental devesse ter tido um segundo nome além do
nome de Einstein, o nome de Berdyaev. O fato é que Berdyaev não era apenas um
"Einstein", mas um homem como poucos que olhou profunda e honestamente para
si mesmo, e seu livro "SelfCognition" é um monumento notável da literatura
confessional. Refiro-me àqueles que estão curiosos sobre este livro, mas por
enquanto citarei apenas algumas citações muito expressivas que descrevem
exaustivamente a ordem de funções de "Einstein". Berdyaev escreveu:
“Notei as mais pequenas nuances na mudança de humor. E ao mesmo tempo, esta
hipersensibilidade estava unida em mim com a secura fundamental de minha
natureza. Minha sensibilidade é seca. Muitos notaram esta minha secura mental. Há
pouca umidade em mim. A paisagem de minha alma às vezes me aparece como um
deserto sem água com rochas nuas, às vezes como uma floresta densa. Eu sempre
amei jardins, amei o verde. Mas não há jardim em mim. As elevações mais altas de
minha vida estão ligadas ao fogo seco. O elemento do fogo é o mais próximo de
mim. Os elementos da água e da terra são mais estranhos para mim. Isto tornou
minha vida pouco aconchegante, pouco alegre. Mas eu amo o conforto. Nunca vivi a
melancolia e não amei este estado. Não pertencia ao chamado povo "cheio de
alma". Em mim, o elemento lírico foi expresso de forma fraca, esmagado. Eu sempre
fui muito sensível às coisas trágicas da vida. Tem a ver com a sensibilidade ao
sofrimento. Eu sou um homem de elemento dramático. Mais como uma pessoa
espiritual do que como uma pessoa de alma. Há uma aridez associada a isso. Sempre
me senti desarmado na relação entre meu espírito e minhas conchas anímicas. Meu
espírito era mais forte do que minha alma. Havia desarmonia na vida emocional da
alma, muitas vezes fraqueza. O espírito era saudável, mas a alma estava doente. A
própria aridez da alma era uma doença. Eu não notei em mim mesmo nenhuma
desordem de pensamento ou bifurcação da vontade, mas eu notei uma
desordem do emocional.”
Autodiagnóstico impecável de "Einstein": 1ª Lógica, 2ª Vontade, 3ª Emoção

O livro autobiográfico de Berdyaev também contém muitos exemplos da 4ª Física.


Aqui estão alguns deles: “Aqueles próximos a mim às vezes até disseram que eu
tenho tendências ascéticas. Isto não é verdade; na verdade, o ascetismo é estranho
para mim. Tenho sido mimado desde a infância, precisando de conforto. Mas nunca
consegui entender quando se dizia que a abstinência e a ascese eram muito
difíceis. Eu tinha gostos ascéticos e não seguia o caminho ascético; eu era
excepcionalmente piedoso e fazia pouco para percebê-lo... A vida neste mundo é
atormentada por uma profunda tragédia... Um estado de saudade é peculiar para
mim... Nunca tive uma sensação de descendência de meu pai e minha mãe,
nunca senti que nasci de meus pais. Minha aversão por todas as coisas
ancestrais é uma característica minha. Não gosto da família e do nepotismo, e
eu sou impressionado pelo apego às origens familiares dos povos ocidentais.
Alguns amigos, brincando, chamam eu, o inimigo da raça humana.”
***

Para completar o quadro, seria bom dar um exemplo de um "LVEF-Político". E


felizmente, existe um exemplo fresco e muito expressivo de um político assim:
George W. Bush.

George W. Bush é, em minha opinião, um dos melhores presidentes que os Estados


Unidos já tiveram. Mesmo durante sua vice-presidência, ele chamou a atenção com
sua equanimidade, correção, delicadeza e lealdade (2ª Vontade). Ele jogou na
equipe Reagan e se comportou em estrita conformidade com seu lugar na equipe e
com as regras do jogo coletivo. Quando foi sua vez de assumir a Casa Branca, Bush,
sem mudar nada no espírito da administração Reagan (ambos tinham a 2ª vontade),
mudou muito em sua aparência e em seu sistema de prioridades.

Os princípios de colegialidade, "delegação de responsabilidade", o desejo de


consenso, trabalhando pela própria causa e não por si mesmo, permaneceram
intactos. As pessoas sabiam que Bush era conhecido: "Ele preside, mas não lidera".
“... Ele nasceu para esse papel. Mas ele passou a maior parte de sua vida trabalhando
para os outros. Fica a impressão de que agora que ele se tornou o mais alto
funcionário do estado, ele trabalha para a própria presidência como presidente”. Ao
mesmo tempo, muito mudou desde que Bush veio para a Casa Branca. Sob Reagan,
as reuniões formais organizadas pelo pessoal da Casa Branca se transformaram em
reuniões de boas-vindas e não de negócios. Como regra geral, o presidente
cumprimentava o grupo com uma piada tola, seguida de uma folha de comentários
que deveriam elevar seu perfil. Enquanto seus convidados falavam, ele esmagava
seus chupa-chupas e acenava com a cabeça de forma compreensiva. Depois foi
"obrigado", "Deus o abençoe", e “vamos tirar uma foto".

Bush foi retratado de maneira diferente: "Bush é um ouvinte sério e faz perguntas
sérias. Presépios e fotografia organizada são coisa do passado. "Para substituir os
políticos recrutados por Reagan... Bush trouxe figuras de um tipo muito diferente.
Os lugares em seu governo eram preenchidos por pessoas muito competentes e
geralmente possuíam as mais amplas conexões e experiência. Para eles, ao longo
de suas carreiras políticas, as tendências ideológicas quase sempre
desempenharam um papel secundário. Pragmatismo e profissionalismo são as duas
principais qualidades que os observadores americanos acreditam ser 'abundantes'
naqueles que, liderados por Bush, constituem o núcleo da nova administração".

A diferença nos modos dos dois presidentes aparentemente determinou a diferença


na posição da Lógica sobre as etapas de sua ordem de funções. A Lógica, fraqueza
de Reagan, era a principal força de Bush, e sua competência versátil coloria tudo o
que sua administração fazia. Em geral, tem-se a impressão de que Deus está
enfeitiçando a América de uma maneira especial. A presidência Bush é uma prova
clara disso. Ele teve que arranjá-la para que, no período mais perigoso da história
do pós-guerra, o colapso do Pacto de Varsóvia, a União Soviética, o colapso da
ideologia comunista e a crise do Golfo Pérsico, Bush se viu ao leme do Estado
americano como o presidente mais preparado para esta missão. Olhando para trás
agora, não se pode deixar de ser atingido pela inteligência, tato e equanimidade,
com o qual a América emergiu desse tumulto global.

Especialmente reveladora do ponto de vista do Psychosophy é a guerra no Golfo


Pérsico. Como lembramos, o homem entra em conflito de acordo com sua ordem
de funções, consistentemente, de cima para baixo, pondo-as em ação. Bush se
comportou de acordo com a situação no Iraque. Somente quando a futilidade dos
meios pacíficos de influência sobre o agressor se tornou aparente, ele atacou, mas o
fez de acordo com sua ordem de funções: friamente e impiedosamente (3ª
Emoção + 4ª Física).

O sangue frio da 3ª Emoção de Bush teve um efeito sobre o resultado de seu


segundo mandato. Não positivamente, é claro. Os americanos estavam fartos de um
presidente que não tinha charme, com um sorriso tênue, fazendo discursos
inteligentes, mas extremamente enfadonhos. Embora percebamos agora que Bush,
em virtude da 3ª Emoção, só parecia insensível, não o era. Mas... Bush tentou se
explicar ao público sobre este ponto dizendo: "É claro que o presidente tem que
mudar de questões de política interna para questões de política externa, e depois
voltar para a política interna novamente, o tempo todo. Às vezes, como hoje com
aquele menino tailandês deficiente de Bangkok cantando, eu fico preso à emoção do
momento, e a emoção vem à tona. Ao observar o rosto feliz deste garoto cego
abandonado por seus pais nas ruas de Bangkok, agora cantando no gramado sul,
devo confessar que tive um espasmo. Mas então começou a reunião do Conselho
Nacional de Segurança, e pensar no garoto no gramado não era mais possível. Eu
tinha que me concentrar em assuntos importantes de segurança nacional. Mas a vida
é assim. Faz parte do meu trabalho". Mas os americanos eram preguiçosos demais
para mergulhar nas complexidades da organização mental do presidente, partiram
para escolher outro saxofonista, mais extrovertido. Bush não teve outra escolha
senão consolar a si mesmo com o argumento simples, óbvio, mas pouco eficaz.
***

O racionalismo extremo e a dessecação da organização mental de Einstein parecem


descartar a fecundidade deste tipo de atividade no campo cultural. Entretanto,
numerosas imagens do próprio Einstein com um violino em suas mãos já sugerem
uma vida estética intensa.

Além disso, podemos citar três "Einsteins" que não apenas dedicaram suas vidas à
arte, mas se tornaram os maiores pintores da história do mundo. O leitor ficará
surpreso, mas eles são: Andrei Rublev, Leonardo da Vinci, e Georges Sera.

Quase nada se sabe sobre Rublev, muito pouco sobre Leonardo, e pouco mais
sobre Sera do que sobre Leonardo. Mas se separarmos as migalhas biográficas de
acordo com o esquema que conhecemos e, mais importante, colocarmos seus
trabalhos, que não são comparáveis no tempo e no espaço, um ao lado do outro,
então um típico quadro "Einsteiniano" da organização mental de todos os três se
construirá por si só.

1ª Lógica:
As obras dos três são caracterizadas por uma riqueza intelectual que ultrapassa
todas as coisas comuns. Uma análise das composições de Rublev, Leonardo e Sera
mostra a verificação matemática de cada ponto, detalhe e linha, ou seja, demonstra
a extraordinária força da cabeça do artista, visível já a partir da forma como ele
constrói a composição. O fato de Leonardo ter sido um grande cientista e
engenheiro, enquanto Serra foi repreendido como "químico" e "matemático" só
confirma as conclusões que se seguem de a análise de seu dom especial de
composição. A cruz de Sera marcou uma declaração característica em um artigo da
revista "Ar": "Na arte, tudo deve ser consciente" - e não há dúvida de que tanto
Rublev como Leonardo a teriam assinado.

2ª Vontade:
Os três eram aprendizes rápidos, rapidamente ultrapassaram seus professores e
logo encontraram seu próprio caminho na arte. Embora Rublev e Leonardo tivessem
professores para invejar – Teófanes, o grego, e Perugino. Todos os três foram
grandes reformadores da pintura de seu tempo, mas não criaram suas próprias
escolas e não pareciam aspirar a fazê-lo. As obras de Rublev, Leonardo e Sera são
caracterizadas pelo estatismo e pela paz interior dos personagens e da natureza,
eles parecem ser lavados pelo silêncio e pela solidão pacífica do homem auto-
suficiente. E tudo isso é um sinal claro de psicologia "Nobre", forte, independente,
criativo, calmo e autoconfiante.

3ª Emoção:
As pinturas de Rublev, Leonardo e Sera não são pinturas de sentimentos, mas
pinturas de humor, ou seja, de matéria muito mais sutil do que aquela normalmente
representada pela pintura. Os gestos e expressões faciais dos personagens são
extremamente comedidos, e não há qualquer tipo de agitação nas visões da
natureza retratadas nas telas destes artistas. Embora apenas o sorriso de "Gioconda"
tenha sido apelidado de "misterioso", na verdade toda a arte de Rublev, Leonardo e
Sera eram misteriosos em sua inexpressividade, na indefinibilidade desses estados,
que, existentes no nível do ultra-som, só podem ser adivinhados em suas obras.
Todas as tentativas de descrever os estados de espírito de "Gioconda", "O Salvador
de Zvenigorod" e "A Ponte Courbois" estão condenadas, pois simplesmente não há
palavras para transmitir adequadamente sua ternura, sutileza e complexidade.

4ª Física:
Ao mesmo tempo, se, simplificando e grosseiramente, tentarmos formular um clima
típico para o trabalho dos três, para nomear seus dominantes emocionais, seria
tristeza. Como já mencionado, os "Decadentes" são um povo enfraquecido
vitalmente e dão preferência às emoções de cor escura. O sol nas pinturas de
Enxofre e Leonardo – se ele brilha, não os aquece. A cor nas pinturas dos três é
complexa e não vívida, os volumes não são exuberantes na escultura, os corpos
carecem de poder e libido, o que é natural para a tradição iconográfica da época de
Rublev, mas completamente alheio à tradição renascentista e impressionista.
A história não nos deixou nenhum retrato psicológico de Rublev. Leonardo foi às
vezes referido por seus contemporâneos como um homem extremamente
reservado em seus sentimentos (3ª Emoção) – e somente isso. O enxofre, no
entanto, foi o tema de um pequeno retrato psicológico dele, que podemos, com
alguns ajustes, transferir para Rublev e Leonardo, assim como para todos os
"Einsteins" envolvidos na arte: “Dignos, modestos e simples, mas tão imbuídos da
ideia da necessidade e suficiência da ciência e da química na arte que foi
espantoso.”

Naturalmente, "Einstein", trabalhando no campo cultural, está pronto para declarar


seu talento peculiar não apenas na pintura. Mas não para alongar a narrativa,
mencionarei apenas que um grande exemplo de um poeta "Einstein" foi Nikolai
Zabolotsky. Leia seus poemas, eles dizem tudo. Citarei apenas um quatrain de
Zabolotsky, no qual o poeta nomeou o Bottom e o Tampo com precisão impecável:
"Through mouths, stomachs, gullets,
Through the intestinal prison
The central path of nature lies
To a blessed mind."

***

Características faciais finas, magreza, descuido no vestido – as características da


aparência de "Einstein". Seu cabelo é curto e desleixado, e seu olhar é triste (4F) e
irônico (3E). Mímica e gestos são quase incolores.

ANNA AKHMATOVA (VELF)


1ª Vontade ("o Rei")

2ª Emoção ("o Ator")

3ª Lógica ("o Cético")

4ª Física ("o Decadente")

Akhmatova ainda era uma menina, ainda não havia escrito sequer um verso e seu
pai já a chamava de “poeta decadente”. Isto é, no caso de Akhmatova, o psychotype
se declarou tão cedo e abertamente que se tornou óbvio por aqueles próximos a
ela muito antes de se tornar seu destino.

A tristeza, a frieza, o desânimo e a falta de vida inerentes à poesia decadente


eram oriundos da 4ª Física de Akhmatova, assim como a precisão e a
expressividade da palavra (2ª Emoção) em transmitir estes estados. Portanto, o
reconhecimento precoce do futuro de Akhmatova por aqueles próximos a ela não
foi particularmente surpreendente. Quando a pequena Anna se sentou para
escrever, suas experiências poéticas só confirmaram o diagnóstico de seu pai de
longa data. A própria Akhmatova contou como sua mãe chorou de repente depois
de ler os poemas de sua filha e murmurou: “Eu não sei, só vejo que minha filha é
má”.

O psychotype de Akhmatova está programado para a tragédia, e as circunstâncias


externas não têm poder para mudar nada neste programa. Conhecendo Akhmatova
nos dias em que sua posição teria sido a inveja de qualquer mulher, seu primeiro
marido escreveu a respeito.

Em prosa, Gumilev disse a mesma coisa: “Anna Andreevna, por alguma razão,
sempre tentou parecer infeliz, não amada. E na verdade — Senhor! — Como ela me
atormentava e como zombava de mim. Ela era diabolicamente orgulhosa, orgulhosa
a ponto de se desvalorizar a si mesma. Mas como ela era encantadora, e como eu
estava apaixonado por ela!”

“E parecia que, quem mais, senão ela, deveria estar feliz? Ela tinha tudo com que os
outros só podiam sonhar. Mas ela passava seus dias deitada no sofá, definhando e
suspirando. Ela sempre conseguia pincelar e chorar e se sentir miserável. Eu a
aconselhei, brincando, a assinar seu nome não Akhmatova, mas Anna Gorenko (ou
seja, seu verdadeiro sobrenome — A.A.). Luto - não se pode pensar em um melhor.”

Daqui a 50 anos, nossos contemporâneos estarão descrevendo a mesma mulher


orgulhosa deitada no sofá, definhando e suspirando. Eles pensarão que a fonte de
seu pesar está em seu trágico destino, e estarão errados ao fazer isso. Ela
nasceu dessa maneira. Com esse psychotype. A única sorte duvidosa de Akhmatova
é que seu psychotype tragicamente "colapsou" com o destino, a vida confirmou a
correção de sua visão de mundo inata. Houve tiroteios de maridos, expulsão de
amantes, trabalho duro de seu filho, perseguição pelas autoridades, pobreza, e tudo
isso naturalmente influenciou a percepção do leitor de acordo. Mas estas
circunstâncias trágicas não tiveram nenhum efeito sobre a musa Akhmatova — sua
percepção do mundo sempre foi catastrófica e a prosperidade ou desvantagem
externa não acrescentou nada ao que foi semeado pela própria natureza dela.

Ao mesmo tempo, Akhmatova, como ninguém, sabia: que poderoso ressonador de


poesia é o destino do poeta, não sem inveja ela, aprendendo sobre o julgamento
de Brodsky—não sem inveja, vomitou: “Que biografia eles fazem da nossa ruiva! É
como se ele tivesse contratado alguém de propósito”. Ela mesma quase explorou o
horror de sua vida, iniciando até mesmo mal conhecendo as pessoas a partir do
limiar, e o venenoso Isaías Berlin, atônito por sua franqueza em sua primeira visita,
escreveu: “O relato da tragédia contínua de sua vida foi muito além de tudo o que eu
já tinha ouvido”. Contudo, o efeito de um prefácio tão assustador não foi
desprezível. Outro peregrino a Akhmatova admitiu: “Ela atraiu para ela não apenas
seus poemas, não apenas sua mente, conhecimento, memória, mas também a
autenticidade do destino. Antes de mais nada, a autenticidade do destino.”

Se estamos falando da 4ª Física (que, como lembramos, é a fonte da tristeza


crônica), então podemos traçar, a exemplo de Akhmatova, todas as suas voltas nos
diferentes planos da existência física.
Em sua desconsideração pela vida cotidiana, Akhmatova poderia ter rivalizado
com os eremitas mais fanáticos. Aqui está um dos testemunhos: “Akhmatova viveu
então—você não pode nem mesmo dizer: pobre. Pobreza—é uma coisinha, ela não
tinha nada. Em um quarto vazio havia um pequeno e velho bureau e uma cama de
ferro, coberta com um cobertor ruim. Via-se que a cama era dura, a manta fria. A
prontidão para amar, com a qual cruzei aquele limiar, misturado com um desejo
louco, com a sensação da proximidade do desastre... Akhmatova me convidou para
sentar em uma única cadeira, ela mesma deitada na cama com as mãos atrás da
cabeça (sua pose favorita) e disse: “Leia um poema”.

Embora neste caso a ascese de Akhmatova possa ser considerada forçada, a


aparição do dinheiro não mudou muito em sua vida. Continuemos citando: “Após a
morte de Stalin, Akhmatova sentiu-se imediatamente melhor, pelo menos em termos
de dinheiro. Foi liberada sua tradução da peça “Marion Delorme” nas obras reunidas
de Victor Hugo, ela recebeu o primeiro grande dinheiro — eles lhe deram muito
prazer. É verdade, ela não mudou sua vida de forma alguma e não se entregou à
vida. Tendo vivido sem teto durante toda sua vida, ela não começou um lar em seus
últimos anos. Uma vez eu perguntei a Anna Andreyevna: “Se eu ficasse rica, quanto
tempo eu ganharia com isso”. - Ela respondeu com sua habitual clareza: “Não muito
tempo. Dez dias”.

É interessante notar que a impraticidade, a impotência Akhmatova diante de


problemas urgentes desempenhou um papel duplo em sua vida: muitas vezes a
colocou à beira da morte e com a mesma frequência a salvou. Por exemplo, durante
a guerra, Lydia Chukovskaya, a amiga mais próxima de Akhmatova, quando ela veio
a Tsvetaeva em Elabuga, disse, andando pela lama local: “Graças a Deus,
Akhmatova não está aqui, aqui ela teria morrido... Aqui a vida a teria matado... ela
não pode fazer nada”. E ao mesmo tempo, durante a fuga para Tashkent junto com
Akhmatova, a mesma amiga: “não pôde deixar de se espantar com a capacidade de
Akhmatova de estar acima das dificuldades físicas da viagem”.

“A amiga mais fiel dos outros homens”, disse Akhmatova sobre si mesma, e ela não
mentiu. Embora, por outro lado, a fidelidade a um homem não lhe tenha custado
muito trabalho. Os "Decadentes", ou seja, detentores da 4ª Física, não estão
inclinados a trapacear de maneira alguma por simples indiferença ao sexo.

As únicas coisas que podem levar o 4ª Física ao adultério são vaidade, vingança,
dependência e considerações políticas. O VELF, como qualquer 1ª Vontade, tem a
política no sangue, então o sexo para ela não é tanto um prazer carnal, mas um
instrumento político de finalidade familiar ou social. A qualidade, a quantidade de
candidatos à posse, os gestos rápidos no namoro desempenham para o VELF um
papel dominante e, se bem sucedido, são usados como ordens em seu peito e para
toda a vida. A própria Akhmatova gostava de dizer que quando teve um caso com
Gumilev, “ela foi para a Crimeia. Gumilev foi até lá para vê-la. Ele chegou na casa de
campo, foi até a cerca e olhou para o jardim: ela estava sentada com um vestido
branco, lendo um livro. Gumilev ficou de pé, não se atreveu a chamá-la e partiu para
São Petersburgo — Ela me disse isto e com amargura, mas também orgulho...”.

O próprio sexo de Akhmatova é sem paixão, e Zhdanov estava muito próximo da


verdade quando estigmatizou Akhmatova com a frase roubada sobre a metade-
adultera-metade-monge. Embora geralmente a freira prevaleça em "Akhmatova"
sobre a prostituta, e se o lado qualitativo da intimidade não causar qualquer censura
aos parceiros, a quantidade muitas vezes o faz.

Outro detalhe chocante da vida íntima do VELF é sua tendência a, como dizem,
"girar o dínamo", ou seja, provocar excitação sexual sem calcular como satisfazê-la.
Além disso, ao contrário de outros tipos, o VELF frequentemente provoca tais
situações de forma não intencional, inconsciente, "dínamos" proposital e
deliberadamente. O objetivo — comum para as pessoas da “realeza” — é a cortesia, o
desejo de formar uma comitiva ao seu redor, aonde sem fazer o papel de monarca é
impensável. Deve-se dizer que Akhmatova quase sempre consegue o "Dínamo", e é
claro porque: sutil, beleza refinada, facilidade de discussão dos temas mais
delicados (4ª Física), a força e a riqueza de seu sistema emocional (2ª Emoção)
podem seduzir até mesmo um santo.

O que agrava a situação nos jogos de amor de Akhmatova é que por mais que ela
fale em toda a força de sua 2ª Emoção sobre o amor, ela, como qualquer "Rei", não
é dada ao amor verdadeiro. E os objetos da paixão sentem isso. Gumilev escreveu:
“Depois a donzela lunar, depois a donzela da terra,
Mas para sempre e em todo lugar um estranho, um estranho”.

Era como se a própria Akhmatova concordasse com seu marido em seus poemas:
“Eu bebo à casa em ruínas,
À minha vida perversa,
À solidão de nós dois,
E a você eu bebo"...”

Sobre a realeza natural, a majestade Akhmatova não escreveu apenas preguiçosa.


Aqui estão apenas algumas das muitas descrições desse tipo: “[...] em seus olhos e
postura, e em seu tratamento das pessoas, havia uma característica importante
de sua personalidade: majestade. Não arrogância, não arrogância, não
arrogância, mas a majestade: Imperial”, “um passo monumental e importante,
um sentimento inviolável de respeito por si mesmos [...]”, “[...] algo real estava
em tudo o que lhe tocava. Ela deu sem ambiguidade um público, pois de que
outra forma se pode descrever a maneira como ela pacientemente tomou o
fluxo de visitantes sem fim...”, “[...] a característica mais importante dela — o
aristocratismo. Tanto a aparência quanto sua estrutura mental eram
caracterizados por uma extraordinária nobreza, que dava uma majestade
harmoniosa a tudo o que ela dizia e fazia. Até mesmo as crianças sentiram isso. Ela
costumava me dizer como o pequeno Leo costumava lhe perguntar: “Mãe, não seja
rei!”.

Acho supérfluo dizer que esta forma de se segurar é uma derivação direta da 1ª
Vontade de Akhmatova. Mas. Não é de se esperar que toda 1ª Vontade de um
VELF demonstre uma superioridade tão óbvia. Mas somente a partir dessa 1ª
Vontade que alcançou o resultado, o resultado para o "Rei" é quando sua comitiva
é formada, seus súditos aparecem, o "monarca" cria uma "monarquia", e somente
nesta base ele pode jogar com sucesso para ser superior, para ser um líder
carismático.
O círculo de certas pessoas ao redor de Akhmatova nunca cessou; a comitiva,
descuidadamente chamada “Akhmatovka” por Pasternak, nunca a deixou, mesmo
nos anos mais duros, de modo que ela tinha alguém para exercer sua 1ª Vontade.
Falando de seus súditos, ela às vezes até usava um vocabulário emprestado da
nomenclatura soviética. Por exemplo, ela chamou sua busca entre seus admiradores
pela pessoa que ela precisava no momento de "cavar as molduras" (?)

Entretanto, foi a realização da 1ª Vontade de Akhmatova que estragou visivelmente


a imagem de Estado orgânico da poeta mesquinha, ressentida, vaidosa, olhando
para as opiniões dos outros, “ela era caprichosa, despótica, injusta com as pessoas,
às vezes se comportava de forma egoísta”. Bunin Akhmatova não perdoou até a
morte um epigrama vicioso sobre si mesmo, inchado de vida ressentiu-se da falta de
atenção à sua pessoa, Pasternak abertamente invejou e ciumento de sua fama,
como ela pensava, imerecida ("Nobilevka", escândalo internacional, etc.).

Embora a Emoção, neste caso o 2ª Emoção, seja responsável pela disposição à


poesia, o estilo de poesia de Akhmatova é ditado pelo 1ª Vontade. Seu verso é
caracterizado pela majestade, simplicidade clássica, laconismo, clareza, “medo do
exagero poético injustificado, metáforas excessivas e tropas gastas” (Zhirmunsky),
“restrição imperiosa... Às vezes ela deixava cair uma ou duas sílabas na última ou
penúltima linha de um quatrain, o que cria o efeito de uma garganta seca ou
desconforto involuntário causado por pressão emocional” (Brodsky), "a própria
entrega vocal de Akhmatova, firme e bastante segura de si... A própria voz de
Akhmatova, firme e bastante segura de si mesma, testemunha não chorar... mas
revela uma alma lírica que é dura em vez de demasiado mole, cruel em vez de
chorosa, e claramente dominante em vez de oprimida...” (Nedobrovo). A palavra de
Akhmatova é uma “declaração real”, e ela captura quase toda sua ordem de funções
em quatro linhas muito expressivas:
“O ouro enferruja e o aço se decompõe,
Mármore desmoronado - tudo está pronto para a morte.
Tudo o que é mais forte na terra é a tristeza.
E mais duradoura é a palavra real.”

A processionalidade de Emoção e Lógica, isto é, as funções da fala, sugere que


Akhmatova deve ter sido verbosa. Entretanto, não foi este o caso; segundo os
contemporâneos, "ela era silenciosa, melancólica e reservada". E, além do medo
natural da 3ª Lógica, esta circunstância também é condicionada pela condição de
realeza da 1ª Vontade: “o comportamento majestoso restringia a livre efusão do
pensamento” — falar demais não é um traço monárquico.

Em geral, no exemplo de Akhmatova, pode-se observar com clareza abundante a


tragédia da autodestruição oriunda da pressão exercida pela 1ª Vontade em seu
portador. Korney Chukovsky, que viu Akhmatova de perto, mas não da multidão,
escreveu: “Tive muita pena desta mulher resistente. Ela está de alguma forma toda
concentrada em sua fama — e mal vive para os outros” [nem mesmo para si].

Akhmatova adorava jogar o jogo do relaxamento carnal, mas não suportava a


autopiedade e estava absolutamente convencida nesta crueldade para consigo
mesma. A história conta que durante o adeus de Akhmatova a Moscou, havia uma
velha mulher bem comportada... (que) muito antes da partida do trem várias vezes a
abraçou e a atravessou até mesmo derramou algumas lágrimas. Quando ela partiu,
disse Akhmatova: “Pobrezinha! Ela tem tanta pena de mim! Tão assustada por mim!
Ela pensa que sou tão fraca. Ela não tem ideia de que eu sou um tanque”. E todos
que já lidaram com o VELF há uma chance de serem convencidos da justiça desta
confissão.

A 3ª Lógica também era bastante evidente no comportamento de Akhmatova. Ela


se tornou monótona e se retirou em si mesma durante as disputas intelectuais,
embora valorizasse o aprendizado em si mesma, e os sucessos científicos de seu
filho eram uma questão de orgulho duradouro. Sua vulnerabilidade da 3ª Lógica
pode ser vista pelo fato de que quando, em um de seus prefácios para uma coleção
de poemas, ela por acaso leu “Akhmatova não foi suficientemente inteligente...”, ela
sofreu um grave ataque de angina. Este caso é uma boa ilustração da ideia não
totalmente banal de que alma, espírito, mente e corpo (psicossomática, em uma
palavra) estão em uma conexão tão indissolúvel que qualquer influência sobre um
departamento, de uma forma ou de outra, afeta os outros. Neste caso, o impacto
sobre a 3ª Lógica se reflete na 4ª Física.

A alergia puramente externa de Akhmatova a todas as formas de


erudição/intelectualidade não significa que as pessoas de seu tipo evitem sérias
interesses intelectuais (é apenas uma área sensível – aonde há interesse
pronunciado, mas também receio). De forma alguma. O exemplo de VELF, como
Schopenhauer e Kierkegaard, mostra não apenas a predisposição deste tipo para a
filosofia, mas também que tipo de filosofia eles podem professar. Naturalmente, o
ceticismo está no coração do sistema filosófico "Ahmatoviano". Pensa-se que a base
do universo é a Vontade Mundial sem cérebro, privada de freios racionais, que
arrasta um boneco individual com uma inconsequência infantil sobre os montes da
existência e, quando brincado, o joga para o abismo do esquecimento.
Schopenhauer considerou este mundo o pior de todos os mundos e chamou sua
filosofia de "a filosofia do pessimismo". O que é muito apropriado para toda a
geração "akhmatoviana", experimentando uma sensação crônica de solidão e
tristeza. Certo, somente a mentalidade de desespero de Schopenhauer (1ª Vontade
+ 4ª Física) pode corresponder à musa lamentosa de Akhmatova. Pensamos que se
Akhmatova e Schopenhauer tivessem vivido ao mesmo tempo, eles teriam feito um
bom par.

Por sua 2ª Emoção, os VELF são, por natureza, dispostos à criação artística e,
portanto, a lista de gloriosos representantes deste tipo, que se dedicaram às artes e
à literatura, certamente não está limitada à própria Akhmatova. Aeschylus, Virgil,
Dante, Camões, Bach, Tasso, Lermontov, Leopardi, Eleonora Duse, Paul Gauguin,
Knut Hamsun, Villiers de Lille Adan, Bunin, Marlene Dietrich, Maya Plesetskaya,
Galina Vishnevskaya, Coco Chanel, John Lennon, Alexander Solzhenitsyn.

Certas preferências de Akhmatova na pintura são facilmente explicadas. Ela


favorecia artistas de direção espiritualista, alheios à sensualidade e à terra.

A explicação aqui pode ser muito simples. Akhmatova, como poeta, encontrou-se
imediatamente, falou sua própria língua, auxiliada pelo humor geral decadente e
trágico da 4ª Física dominando a poesia na Rússia da época. Era mais difícil para
Gauguin; ele tinha que quebrar a pintura ensolarada, sensual e alegre de seus
antecessores e contemporâneos para si mesmo - lunar, etéreo e lúgubre. Gauguin
nunca conseguiu encontrar sua própria linguagem, mas ao olhar para suas pinturas,
o espectador não pode deixar de sentir algum mal-estar, ambiguidade, a
contradição entre o esperado e o visível. O Taiti é uma ilha ensolarada, seus nativos
são alegres e animados, mas a coloração do ciclo taitiano das pinturas de Gauguin é
escura, os modelos são austeros, pensivos e submersos na sombra. Gauguin foi
promíscuo e pintou mulheres nuas, mas seus "nus" são estranhamente libidinosos,
planos e sexualmente desprovidos. O aparecimento, no final da vida de Gauguin,
de várias pinturas com uma paisagem lunar e tema místico-ritual parece
testemunhar a realização da auto-identificação visionada da alma do artista e sua
expressão pictórica, mas foi no momento em que o artista encontrou sua voz que
sua existência terrena chegou ao fim. Portanto, podemos falar apenas
hipoteticamente da verdadeira auto-expressão de Gauguin - um destino que,
felizmente, foi evitado por Akhmatova, que, portanto, não reconheceu no artista um
irmão em espírito.

Aqui está outra reviravolta no tema psicotípico: não importa quem nasceu como,
desde que seja apropriado.

Embora a esfera artística seja extremamente conveniente para o VELF, este tipo
raramente é realizado em sua totalidade. A 2ª Emoção encontra na literatura e nas
artes um alimento inesgotável, mas a 1ª Vontade nem sempre é realizada, exceto
na banca do maestro ou na cadeira do diretor. A Boêmia e o meio artístico são
demasiado anárquicos, demasiado atrapalhados para se organizarem em qualquer
tipo de base. É bem conhecido que tentativas, mesmo por uma figura tão poderosa
como Gauguin, de trazer ordem à multidão desordeira dos pós-Impressionistas,
terminaram em completo fracasso.

Este não é o caso quando o VELF se volta para a religião, para o misticismo—aqui
ele pode ser plenamente realizado. Não apenas sua 2ª Emoção encontra forragem
constante na esfera religioso-mística, mas a 1ª Vontade também encontra sob seus
pés os passos da estrutura organizacional que falta ao VELF na arte e que o leva
para cima, para onde vive a única coisa gananciosamente desejada pela 1ª
Vontade—Poder.

O VELF, se se encontrasse na esfera religiosa, poderia ser melhor chamado de "tipo


guru", um guru de orientação bastante tântrica. Esta caracterização se deve ao fato
de que o poder absoluto (1ª Vontade) do VELF de seitas é combinado com o
conceito de uma percepção exclusivamente emocional do Absoluto e de uma
pressão exclusivamente emocional sobre Ele: êxtase, recitação de mantra, sonhos,
visões, glossolalia, etc. (2ª Emoção). Outra característica distintiva do sectarismo
"Akhmatoviano" é a ausência de uma ideologia desenvolvida (3ª Lógica) e normas
severas limitando as exigências da carne (4ª Física).

Akhmatova, como sabemos, filiou-se à Ortodoxia, mas pensamos que havia mais
frentes políticas do que sentimentos religiosos sinceros em sua eclesiologia russa.
Para Akhmatova, o sentido interior do cristianismo era muito ascético, não
suficientemente trágico, muito especulativo e dolorosamente propenso à
segregação de gênero que excluía uma séria carreira eclesiástica feminina.
Akhmatova se sentia mais como uma profeta do Antigo Testamento, uma juíza
mística, Cassandra (como Mandelstam a chamava):
“Eu soletrei "condenação" para os queridos,
E eles morreram um a um.
Oh, ai de mim! Estas sepulturas
Predito por minha palavra".
"Não czarevich, eu não sou o tal",
Quem você quer que eu seja?
E por um longo tempo meus lábios
Não beijando, mas profetizando.
Não pense que eu estou delirando.
E torturado com saudade,
Choro muito por problemas:
Essa é a minha profissão”.

O destino não deu a Akhmatova a chance de se provar no campo religioso e


místico; o papel do patriarca acidentalmente sobrevivente da escola poética
martirizada e o ídolo vivo dos poucos verdadeiros conhecedores da poesia é seu
destino. Alguns outros representantes do VELF foram mais afortunados, e
realizaram plenamente o potencial de seu psychotype nesta área mais conveniente.
É muito provável que tais figuras incluam: São Bernardo de Clairvaux, o fundador do
Cisma Russo, Protopop Avvakuum; a fundadora da "Ciência Cristã", Mary Becker-
Eddy; e o Papa Bonifácio YIII.

A figura do Papa Bonifácio é especialmente interessante para o psicólogo porque


facilita a transição do VELF-Místico para o VELF-Político. Para o papado, a excitação
política é um fenômeno normal, quase obrigatório, mas poucos papas poderiam
igualar Bonifácio neste quesito. “Religioso, apesar das palavras que proferiu em
momentos de irritação, que eram incompatíveis com sua dignidade e deram origem
a acusações de heresia, Bonifácio acreditava sincera e profundamente na Igreja”; “O
temperamento do papa contribuiu para o fracasso de muitos de seus
empreendimentos e fez com que ele perdesse toda a compreensão das relações
reais no final de seu pontificado”. Bonifácio, caracterizado por “o olho aguçado da
águia" e "a coragem de um leão”, “despertou protesto e resistência pelas
características imperiosas de seu caráter e sua rara altivez”. Ele não tolerou nenhum
obstáculo à sua vontade, confiante de que "viveria para ver todos os seus inimigos
estrangulados". Incapaz de fazer amizade e intemperança, ele podia chamar os cães
franceses de cara, chamar o Rei de Nápoles de bastardo e ameaçar Philip, o Justo,
de expulsá-lo do trono como um menino. Bonifácio era ainda menos cerimonioso
com seus subordinados, os clérigos católicos. O resultado da política do papa,
desprovido de cálculos sóbrios, baseado unicamente na emoção e extrema
autoconfiança, foi deplorável; ele morreu perseguido e abandonado por todos.

No exemplo de Boniface YIII é fácil em termos gerais imaginar o caráter,


comportamento e destino dos VELF engajados na política. Para completar o quadro,
acrescentarei apenas o dos políticos famosos, o seguinte pertenceu a esta família:
Alexandre o Grande, os Imperadores Augusto e Adriano, Luís o Santo, Wallenstein,
a última imperatriz russa Alexandra, o último Imperador alemão Wilhelm II, Adolf
Hitler, Indira Gandhi, Dzhokhar Dudaev, Alexander Lukashenko... A soma dos traços
psicotípicos do VELF-Político pode ser considerada como poder despretensioso, fé
inabalável em si mesmo, intransigente, destemor, militância, impiedade,
despretensiosidade na vida cotidiana, tendência ao misticismo, talento oratório,
previsões trágicas, impulsividade, irracionalidade, imprevisibilidade de
comportamento, planos, humores e muitas vezes o resultado é um final triste,
geralmente violento para uma carreira política.

Uma figura tão controversa na história mundial como Adolf Hitler merece uma
conversa especial em conexão com as atividades políticas de Akhmatova. Sua
imagem foi tão distorcida pela propaganda dos aliados da coalizão antifascista que,
até hoje, uma caricatura de Hitler, desenhada durante a guerra, é tirada dele. No
entanto, vale a pena desvendar as Palestras da Mesa de Hitler, e o fracasso do
estereótipo do “Führer demoníaco” se torna aparente, e o leitor é apresentado
como, talvez, um homem excessivamente confiante, não muito inteligente, não
muito e educado unilateralmente, mas um homem perfeitamente normal. Se havia
algo extravagante no comportamento do Führer, não era pelas normas de seu
psicótipo, mas por outras normas psicotípicas. Hitler era, engajado na política, um
VELF, e assim o problema da psique do Führer, pode-se dizer, está esgotado.

O paralelo Akhmatova-Hitler parece, à primeira vista, uma blasfêmia, mas vamos ler
estas linhas:
"Ele não vai ser um bom marido para mim,
Mas ele e eu merecemos isso,
Que o século XX será embaraçado”.

Reconhecível? Parece muito Hitleriano, e esta é uma citação de “Poema Sem Herói”.
E a razão para esta visão do futuro do apocalipse criado por Akhmatova é tão
ilusória quanto os motivos das alucinações políticas de Hitler. Akhmatova imaginava
que seu encontro com Isaías Berlim fosse epocal. O próprio Berlim escreveu sobre
isso desta forma: “Nós — isto é, ela e eu — involuntariamente, pelo simples fato de
nosso encontro, começamos a Guerra Fria e assim mudamos a história da
humanidade. Ela... estava absolutamente convencida disso e via a si e a mim como
personagens da história mundial, escolhidos pelo destino para iniciar um conflito
cósmico”. A concepção extrema característica dos VELF, multiplicada por uma
previsão trágica irracional, dá sempre um e o mesmo quadro apocalíptico
presunçoso, e em cuja cabeça surge—a poeta russa ou o político alemão—não é tão
importante.

No exemplo de Hitler em geral é conveniente observar VELF-político em sua forma


mais pura. A combinação da 1ª Vontade e da 2ª Emoção fez de Hitler um excelente
orador, um orador apelando não para a razão do público, mas para suas emoções.
Para os alemães humilhados pelo Tratado de Versalhes e em uma democracia, esta
combinação poderia e se mostrou particularmente eficaz. O próprio Hitler estava
bem ciente do papel decisivo da 1ª Vontade como um componente de seu talento
oratório e até ligou o tempo de seus discursos às horas da noite, um período de
cansaço e desânimo. Ele disse: “Pela manhã, e mesmo durante o dia, a vontade
humana é muito mais resistente às tentativas de subjugá-la a outras vontades e às
opiniões de outras pessoas. Enquanto isso, à noite as pessoas são mais facilmente
influenciadas por uma vontade mais forte. Na verdade, cada comício é uma luta entre
duas forças opostas. O dom oratório possuído por uma natureza mais forte e mais
apostólica será capaz, nesta hora do dia, de capturar a vontade de outros que estão
experimentando um declínio natural em seus poderes de resistência muito mais
facilmente do que seria bem sucedido em outros momentos com pessoas que ainda
mantiveram controle total sobre a energia de sua mente e vontade”.

O segundo componente do dom oratório de Hitler após a 1ª Vontade e a chave


para seu sucesso político foi a poderosa a processionalidade 2ª Emoção. O Führer
também o sentiu claramente em si mesmo, razão pela qual muitas vezes se referiu a
si mesmo como “natureza artística” e ameaçou abandonar a política em nome da
arte. A 2ª Emoção de Hitler demonstrou seu poder em todo o seu brilhantismo na
tribuna. Sua capacidade de sentir a condição da multidão em cada momento do
discurso e de responder a ele instantaneamente com palavras precisas e vívidas
permitiu ao Führer olhar diretamente para a alma do alemão e imediatamente
encontrar palavras para expressar as aspirações vagas e não formadas da multidão.
Combinada com a autoconfiança e assertividade da 1ª Vontade, a hipnose da 2ª
Emoção de Hitler transformou o ouvinte em um zumbi, pelo menos enquanto ele
esteve diretamente no campo do magnetismo da fala de Hitler.

A fraqueza do dom oratório do Führer era que ele apelava exclusivamente para as
emoções humanas, negligenciando os argumentos da razão em seus discursos.
Assim, apenas aqueles com Emoção em cima e Lógica em baixo eram suscetíveis à
sua influência duradoura. As contas da eloquência de Hitler ressoavam diante de
pessoas de vontade forte, pensando as pessoas em vão.

Muitas coisas nos discursos de Hitler dissuadiram as pessoas pensantes, sobretudo


seu flagrante anti-intelectualismo, condicionado, como agora entendemos, pela 3ª
Lógica do VELF. O "ceticismo" de Hitler manifestou-se de forma bastante aberta
quando criança, o pequeno Adolf não era apenas um péssimo estudante, mas
também orgulhoso disso, e quando recebeu seu diploma do ensino médio, a
primeira coisa que ele fez foi limpar-se com ele (um gesto perfeito para a 3ª Lógica).
Adolf Hitler também demonstrou a típica ambivalência da terceira função em sua 3ª
Lógica: em suas próprias palavras, ele não ousava abrir a boca quando estava no
anonimato, mas ao subir a escada social sua língua foi se soltando cada vez mais, e
no final de sua carreira seus subordinados tiveram que reclamar de seu "falar
espontaneamente" e de seu "egoísmo linguístico".

Até mesmo o famoso anti-semitismo de Hitler foi baseado em parte no "ceticismo"


da 3ª Lógica. Ele gostava de dizer: “Os judeus são os germes mais perigosos da
decadência, capazes apenas de pensamento analítico em vez de sintético”. É
improvável que o próprio Führer pudesse explicar o que ele quis dizer com
"pensamento sintético", mas por pensamento analítico odioso ele parece ter
significado pensar como tal, ou melhor, a tendência a confiar seriamente em seus
pontos de vista e ações, o que Hitler mesmo não era realmente capaz de fazer.
Deduzo isto do fato de que ele desprezava e temia os cientistas quase tanto quanto
desprezava os judeus. Em "Conversas de Mesa", encontra-se a seguinte passagem
característica: "Em alguns campos, qualquer ciência professoral tem um efeito
pernicioso: ela se afasta do instinto. Ela a denigre aos olhos dos homens”

O anão que não tem nada além de conhecimento tem medo do poder. Em vez de
dizer: o conhecimento sem um corpo saudável não é nada, ele rejeita a força. A
natureza se adapta às condições da vida. E se o mundo fosse confiado a um
professor alemão por alguns séculos, em um milhão de anos estaríamos rodeados
de sólidos imbecis: cabeças enormes sobre corpos minúsculos.

A 3ª Lógica é o calcanhar de Aquiles do político VELF, e é no ceticismo que ele mais


frequentemente se queima e destrói sua carreira. Além disso, o curso da história é
tal que o raciocínio em geral e seus frutos—a ciência em particular—estão se
tornando cada vez mais argumentos poderosos nos jogos políticos, e assim quase
automaticamente faz do VELF um forasteiro neste campo. O fim da vida de Hitler,
assim como a imagem de mundo, poderia ter sido diferente se ele não tivesse
negligenciado a ciência básica e não tivesse poupado no programa nuclear.

O ceticismo militante é metade do problema com o político VELF. Muito pior é o


fato de que, não encontrando apoio na 3ª Lógica, políticos deste tipo dão toda sua
confiança à 2ª Emoção, ou seja, eles são realmente guiados por humores e
superstições. O biógrafo do Imperador Augusto escreveu: “Ele atribuía grande
importância aos sonhos, tanto os seus como os dos outros, relacionados com ele...
Alguns sinais e presságios que ele considerava inconfundíveis, mas, acima de tudo
ele estava preocupado com os milagres”. E preciso lembrar como um dos pontos
mais vulneráveis do Führer Alemão pode ser facilmente adivinhado nesta
caracterização do Imperador Romano?

Hitler, despretensioso na vida cotidiana, indiferente ao dinheiro, um homem não-


bebê (não importa o que digam sobre ele), um vegetariano, claramente não tinha
nenhum interesse sério no mundo material, mas também não era visto com
ascetismo consistente, ou seja, sua Física era obviamente a 4ª. Seus outros
derivados na psicologia do Führer também podem ser lidos sem dificuldade. Da
perspectiva trágica da 4ª Física, a aparência melancólica de Hitler, prognóstico
apocalíptico, destemor (ele recebeu a cruz na Primeira Guerra Mundial), crueldade,
indiferença genuína ao sofrimento humano e à morte.

A questão de escolher entre a fama (a 1ª Vontade) e a morte (a 4ª Física) nunca foi


um problema para Hitler, ou para qualquer outro VELF, o sucesso foi a medida de
todas as coisas e o tamanho do pagamento por ele foi de pouca preocupação.
Hitler, preferindo a morte gloriosa dos exércitos de Paulus e Rommel ao seu retiro
tático inglês, acelerou acentuadamente o declínio de sua vida e de sua carreira
política. Para Hitler, sua própria vida, a vida de seu povo, em seu aspecto puramente
biológico, não tinha nenhum interesse ou valor. Ele disse: “Se a guerra for perdida, o
povo morrerá. Este destino é inevitável. E não temos nenhuma razão para nos
preocuparmos em preservar os fundamentos materiais que as pessoas precisarão
para sua existência primitiva contínua. Pelo contrário, é melhor para nós mesmos
destruí-la, pois nosso povo será fraco e o futuro pertencerá exclusivamente ao povo
oriental mais forte. Somente os inferiores sobreviverão à guerra de qualquer maneira,
já que os melhores morrerão nas batalhas”. O que há para dizer: "Akhmatova" (1ª
Vontade, 2ª Emoção, 3ª Lógica, 4ª Física) — isso é tudo.

Há vários outros episódios na vida de Hitler, que mostram claramente o quão


invisíveis são os fios de simpatia, fios de reconhecimento amoroso de si mesmo nos
outros, se estendem entre representantes do mesmo tipo através do tempo e do
espaço. Hitler era um político, Schopenhauer um filósofo, Hamsun um dramaturgo.
O que eles pareciam ter em comum? Mas todos os três são VELF. E assim fica claro
porque Hitler carregou um livro de Schopenhauer em sua mochila durante toda a
primeira guerra, e porque Knut Hamsun foi o único escandinavo famoso que apoiou
publicamente o Führer. Tais fatos merecem reflexão, especialmente quando
reconhecemos a nós mesmos psicotípicamente nos outros - os distantes e os
próximos—e encontramos uma fonte desconhecida de concordância, um
parentesco de almas...

Na população geral, o VELF não é tão raro. Há até mesmo nações onde este
psychotype constitui uma parte significativa da população, influenciando
notavelmente a fisiologia, a psicologia e a cultura nacional. Em conexão com
Akhmatova, a Espanha e o Cáucaso vêm à mente, antes de tudo. Parece-me que as
danças populares espanholas e caucasianas são a encarnação perfeita do espírito
"Akhmatova". Elas combinam, estranhamente, o orgulho, a paixão aberta e
desgosto por sexo.

Reconhecível? Se tentarmos transmitir em uma frase o estado interior vitalício do


VELF, é melhor nos limitarmos a uma citação de um poema de Alexander Blok, onde
ele fala da "pesada chama da tristeza" de seu pai. De fato, é VELF: a tristeza é da 4º
Física, a chama é do 2º Emoção, e o peso da chama é do 1º Vontade.

Normalmente os VELF são finos, com finas e icônicas características faciais. O olhar é
persistente, analítico e polido. O gesto é calmo e majestosamente descuidado. A
fala é reservada e pesada. A maquiagem feminina é mínima. O cabelo delas é limpo
e liso, mas um pouco mais longo do que o normal. A roupa é contida, austera,
apertada, mas há um certo elemento artístico e atraente no traje "Ahmatovsky's" em
forma e cor.

CRÉDITOS & DEDICAÇÕES

Aos meus queridos membros do Atlantis, em especial àqueles que dedicaram um


tempo com vosso árduo esforço a fim de tornar essa tradução possível e útil, como
um tópico de interesse mútuo.

Nume, JV, Miguel, PH, Larissa, Luísa, Opia. Sou grato a todos vocês pelo cuidado
empregado nestes esforços.

por Pedro, ou Kyrios/OFA

Nota do editor: se algo vos chamar a atenção... erro de traduções, erro de


formatação, estranho emprego de palavras, etc., deixem-me saber a fim de avaliar o
que posso melhorar.
Contato: Kyrios#0906 — no Discord.

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