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Livro Último
poesias
completas

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Revisão:
Raphael Stein

Contato com o autor:


profpupo@gmail.com

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Guilherme Pupo Falconni

Livro Último
poesias
completas

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5
Aos meus amados filhos
Flora, Lucas e Arthur,
aos meus amados pais
e a minha esposa

6
“A palavra é disfarce de uma coisa
mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.”
(trecho do poema Antes do nome
– Adélia Prado)

7
PREFÁCIO

O poeta não é um fingidor, discordo do mestre, embora o


entenda. Para mim, o poeta é alguém que, com consciência,
concebe outro mundo e nos leva até lá, com maestria. O poeta é um
criador, no sentido mais completo da palavra, é um construtor, um
alquimista.
Esse mundo do poeta é lúdico, cheio de novas texturas,
sabores e cores. É mágico, fantástico e dá sentido à nossa
existência. Traz a sutileza que faz valer cada instante da vida, que
lapida a parte rude das almas. Esse é o poeta, uma pessoa
importante, um nobre!
Guilherme Pupo é uma dessas raras pessoas existentes no
mundo que guarda em si uma poesia rara por ser dinâmica,
existencial e profunda. Nos presenteia agora com seu livro e nos
convida a passear no seu mundo lúdico como em uma viagem
cheia de detalhes, novos sentidos, romantismo e crítica. Sua obra é,
naturalmente, o reflexo de si.
Seu livro revela uma poesia madura, reflexiva e sonhadora.
Impressiona. Falconni é um visionário que transporta fatos e
realidades ao seu mundo lúdico, reprocessa-as e devolve
conclusões dignas de uma boa leitura. Cada poesia segue um
caminho autônomo, a leitura pode ser aleatória como se consulta
um oráculo. Não arrisca palpites, apenas compartilha sensações e
sentimentos. É uma poesia consciente, crítica e absolutamente
necessária!
Ler Falconni é mais do que agradável, é importante para a
saúde de nossos sonhos. Para ele, sonhar ainda é preciso, e viver...é
precioso!
Boa leitura a todos.

Alexandre L. R. Alves
(grande amigo, músico e advogado)

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9
POEMA CONCRETO

preocupar
pré ocupar
pré o culpar
pré culpar
e ocupar
culpa
par
réu culpar
reocupar

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MÁRTIRES

A cada 10 anos,
alguns mártires sem heroísmo
morrem nossa adolescência e juventude.
Hoje ouvi (a canção)
e senti uma saudade muito específica:
a de meu irmão,
na casa de nossa amiga,
tocando violão.

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COISAS

Poderíamos pensar em muitas coisas


Coisa bela a ser dita.
Coisas para serem lembradas,
e é ai que tais morreriam.
Às vezes não cremos em nada,
nos momentos em que cremos queremos o âmbar, o éter,
o quinto império, a essência...
Por isso, por ela, a essência,
que preferimos não crer em coisa alguma.

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ESPERANÇAS

Felicidade é uma palavra triste,


cobre como toalha
todas as incertezas sobre a mesa
Liberdade é a palavra feia...
Liberdade...
e a palavra feia...
esperança!

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PALHAÇO TRISTE

Era uma vez o palhaço triste,


ele era muito engraçado de tão triste,
triste que era.
Tinha que ver a cara dele,
só para ver o quanto ele era tão triste.
Vivia ali sentado, fazendo aquela cara de triste...
– Palhaço triste! Gritavam algumas crianças, que por
ele passavam.
Todos ali o conheciam, faz tempo.
Alguns já se habituaram àquela cara.
Mas para outros, era difícil se acostumar àquela cara tão
triste.
Com aquela roupa de listras pretas e brancas tristes.
A cara branca com um nariz redondo e preto,
E apenas um risco vermelho contornando a boca.
Todo dia ficava lá parado.
Seus sorrisos ninguém vira,
Sua risada nunca ouviram.
Quem sabe, na verdade, ele estivesse sempre rindo por
dentro
Rindo de como tanta tristeza pode parar junta, logo ali,
naquele pequeno e tão pouco palhaço...
Talvez risse tanto desta ironia,
um riso tamanho
que nem conseguia lançá-lo para fora.
Nem ele, nem a alegria que causava.
Mas era triste.
Triste igual uma pedra. Quem sabe?

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NIILISMO ATUALIZADO

Não quero a esperança


Não quero a felicidade
Não quero a liberdade
Não se quer, sequer, amar.
São todas estas boas e velhas mentiras,
de pernas tão longas,
que fazem caminhar
as almas penadas
em penumbra de desejos.
Insatisfações profundas,
crônicas,
nada verdadeiras.

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POEMA OCO

Não vejo, por que


não há para ver.
Nem o que há está,
Mas
o que não se vê,
vê se
quando se é.

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MAIS PALAVRA

Morre na palavra o que a alma cala


e o que morre no coração
corrói o chão d'alma.
O que a letra esfria,
a enxurrada d'alma acalma.
No papel se petrifica a lama
e fica só a alma.
Tudo o que hoje vive um dia acorda.
Um suicida só quer acordar.
As coisas não querem ser coisas
e nem querem
ser.

Não existe alma venturosa


em que do passado não circule lama,
mesmo que seja uma lama calma.
Quem nega engana.
Em toda alma uma lama,
que circula e vem de fora,
por entre os amores e alegrias,
se misturando caldulenta
nas esperanças e saudades,
que das maldades e egoísmos desvia,
correndo por debaixo das bondades.
Tudo sob o sol da vida
na alma se enlameia.
Em toda alma uma lama
Em toda essa lama uma alma...

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DITADO E DITADURAS

Dizem:
Deus é brasileiro!
A voz do povo é a voz de Deus!
Boca fechada não entra mosca!
Manda quem pode,
obedece quem tem juízo!

Dizem alguns,
Enquanto todos se calam...

Diz a repressão:
Não houve mortes na revolução popular apelidada
ditadura.
Eles dizem,
Enquanto os mortos e torturados se calam...

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QUERO

Eu quero tanto
Mas será outro
dia pra esse pranto

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SENTENÇA

Não sei o que é sentença


e o que é sentimento.
Suspiro e suspeito;
ninguém sabe.
Só se sabe o quanto não se foi amado
quando se é, mesmo que de brincadeira.
A inversão da premissa é
igualmente verdadeira.

Só se sabe que não se é amado


quando se está amando.
É isso que dói um pouco mais.
Não saber qual parte; sujeito, agente,
pessoa da premissa é mais verdadeira.
O amor nos toma e não basta.
basta menos ainda a quem o causa
quando não se é para amar.

Premissas verdadeiras:
São ilusões de amor.
Amor que é perfeito
somente quando não se basta,
sucumbe,
naufraga,
não lembra,
não passa.

Amor com “A” maior


só é verdadeiro
quando machuca, estardalhaça,
estraçalha e vem de graça,
invade, falta, fracassa,
sucumbe, naufraga.

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Péssima premissa,
hipótese verdadeira,
talvez a melhor:
Viver sem amor?

Mas como as anteriores não são falsas,


quando ele chega causa dor.
A dor de que já não se dá mais,
desde então, para viver sem amor.

O amor é uma dor, sem novidade,


ou uma sentença que invento.
É oração que pesa, passa e reza,
como maldição sobre nossa cabeça.
O amor, quando chega,
dá-me um oco de sede na garganta,
olhar baixo, incoerência...
Já não se desvenda mais premissas,
já não se escolhe mais sentenças...
quando se morre,
um pouco a cada dia, do amor.
Quase todas as premissas são verdadeiras.

Premissa maior:
O amor dói, fere, mata,
e sem culpado, maltrata.
Premissa menor, ínfima, mínima,
minúscula e miserável:
Eu amo!

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RESFRIADO

Quando o amor chega


eu fico um velho rabugento
e tento afugentar o amor.
Fico em frangalhos, mas
é ele que me afugenta.
Quando o amor chega, fico,
todo e vários,
em pedaços, um caco.
Pesam as sobrancelhas,
o peito fica amplo e oco,
dói o miolo do pescoço,
e em minha barriga
dão voltas e voltas borboletas.
Ultimamente quando amo – tenho notado -
fico até meio burro e
meio vesgo, meio curvo,
quem sabe, talvez, até mais baixo.
Volta e meia, durante todo o dia,
a mão fechada em meio punho
encosta de leve os dedos nos lábios, introspectos,
tampando a boca.
Nessa gripe, inspiro e aspiro o dia todo.
Às vezes quando me vejo no espelho,
mesmo, por acaso;
um lento suspiro, ou mais raro,
vindo tão misteriosamente quanto se vai,
um riso ou um sorriso,
que logo se apaga.

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Quando amo, fico improdutivo,
lerdo, lento.
E apesar disso,
este sentimento nunca se fez constar
nos compêndios e enciclopédias
da medicina moderna.

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PASSADEIRA

Passou um dia
Passaram dois
Passarão três
Semanas, logo meses e por fim, anos.
E veremos uns como bons conhecidos,
outros como estranhos...
Alguém será para nós boa notícia...
Outro, apenas novidade...
E há ainda quem será algo como
uma fumaça...
algo que esteve...
e mesmo quando esteve,
já passava...

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PREÂMBULO DA BIOGRAFIA

Mais um autorretrato
que se um dia os publicasse,
os juntaria num mesmo livro.
Mas,
do meu ponto de vista,
o mundo continua
hospício e caótico.

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CICLOPE E O CENTAURO

Olho o mundo como ciclope


numa vida quase banal.
Não posso fazer parte da riqueza,
nem das misérias do mundo
Não que não o queira...
Mas é tanta dor, tanto ódio e sangue,
que só posso olhar como se não visse.
Como se concordasse.
Como se fizesse parte...
Mesmo sem fazer nada...
Tanta gente morrendo que poderia ser eu...
ou meu...
Mas é tudo tão redondamente simples
e verdadeiramente único...
Que não se pode fazer nada...

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MEDÍOCRE

Das coisas mais maravilhosas,


a mediocridade é a maior das maravilhas...
Dentre as maiores das maravilhas,
mediocridade é a mais maravilhosa.

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RARAS

Pensar uma palavra


que, se não servir para mim,
não serve para nada.
Se não sirvo para mim,
não sirvo para nada.
Poesia que fala de caneta e papel
é fraca, erra ou
é rara.

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ENROLADO

E quase tudo que acontece


é porque o diabo
gosta de ver gente enrolada até o pescoço.
E tudo isso porque o diabo
gosta de ver a gente cada vez mais enrolada,
andando em círculos,
falando de lado.
Círculos irregulares
tanto quanto a perversão humana
da mente divina for capaz de imaginar.
Círculos tão irregularmente profundos.

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POEMA DE ESTEVES, O DA TABACARIA 1

Hoje acordei comigo que


quero viver mais leve
e voar pelas janelas do meu quarto,
pelas do quarto de Fernando Pessoa e
por mais outros milhões do mundo.
Voar a porta da tabacaria e
não mais desejar os chocolates.
E no fim do dia, bem à tardinha,
ser só o bom Esteves, sem metafísica,
a voltar para casa
e coabitar com a mesma “senhora”,
filha da lavadeira com quem me casei,
quando o melancólico homem da janela defronte à
tabacaria desistiu de fitá-la, faz muitos anos.
Hoje fui à tabacaria,
e na saída ele estava lá a perscrutar da janela,
temendo a morte, sendo nada.
Quanta metafísica, ao sacudir as mãos como criança,
e me gritar: - “Adeus, ó Esteves”...
E vim embora, sem metafísica nenhuma.

1 Recomenda-se a Leitura do poema Tabacaria, de Álvaro de


Campos, heterônimo de Fernando Pessoa.

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VALORES

Tudo neste mundo oprime.


Ser feliz, comemorar a ausência da tristeza
e da opressão que consta permanente.
Neste mundo em que tudo pode estar à venda,
nada tem valor.
Não tem qualquer valor.
Tudo está à venda...
a vida é tão curta
e tudo é tão barato,
bens, títulos, nobrezas,
felicidades em longo prazo.
Tão perversamente inacessíveis,
são o contraste de uma anatomia
monstruosamente sinuosa,
sinuosamente monstruosa.

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PÁRIA

Todo revolucionário tem um pouco de pária


todo pária é um pouco revolucionário.
até hoje não conheci ninguém
verdadeiramente pária.

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MANIFESTO

Nós gente comum,


cuja opinião a poucos interessa.
Nós, gente comum que gozamos
todos os deveres da cidadania
e o direito ao anonimato, silêncio,
e a nunca decidir pela própria vida.
Nos, gente comum, que só pensamos e sentimos
verdades públicas e coletivas,
um emaranhado de chavões
que saem da boca e da voz de deus.
Nós, gentinha, raia miúda, rafameia,
as gentes, o povo.
Nós, que só participamos da política
para votar e tomar porrada,
que é de graça.
Nós, que não existimos,
mas somos todos indivíduos e
elementos “suspeitos”.
Nós, para quem, especialmente,
as casas bahias fazem liquidação
do dia das mães,
dia dos pais,
dias de nós,
para nos ganhar em dinheiro.
Nós, que nada nunca fizemos
e sempre fizemos nada.
Nós, que “nas Tebas das doze torres”
por ninguém fomos lembrados.
Nós, a coletividade besta,
sem forma, sem nome,
numérica e sem graça.
Nós, a quem o jornal enforma,

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a TV educa, entorta e engorda,
pedagógica e homeopática.
Nós, donde vem o calor, o grito,
o aplauso da massa;
fazemos aqui manifesto.
Reivindicamos.
Não exigimos muito...
Pra começar:
pedimos que todos os conflitos mundiais,
regionais e raciais
terminem em guerra!
E que todas as guerras
sejam de travesseiros.
Queremos que haja céu e
nenhum inferno
ou intolerância religiosa,
nem aquelas mais ecumênicas,
as mais veladas.
Não queremos mais “a verdade”,
mesmo a sagrada, sangrenta ou segregada.
Não queremos achar nada,
teremos opinião...
Queremos, nós, que as crianças “morram”.
De cócegas, no Iraque.
De dar risada, no Haiti.
De alegria, na Somália.
Queremos os rios contaminados de peixes.
O céu poluído de estrelas, uma verruga na ponta do dedo.
Queremos falar um pouco em cada praça
e que não falem nem rezem por nós,
ou em nosso nome, por nada.
Queremos só, e cada um...tudo isso.
E só isso não basta.
Não basta… Isso, só, não basta.

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CERTA DÚVIDA

Existe certa dúvida...


não saber...
vaga longe breve...
breve tom de existências paira...
penumbra deus pela vida à fora...
penumbra a vida...
penumbra o dia pelo mundo...
penumbra a sombra e a noite
em cada hemisfério.
penumbram almas...
Espirito humano ideia
tempo...

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METRÓPOLE

Metrópole mental, interditada,


vigiada, gratificada, impessoal,
metrópole mental
globalização das mentes.

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NÁUFRAGO

Não basta olhar ou degustar metafísica.


Não basta chegar à praia
para não se estar à deriva.
O continente, a ilha e a deriva são náufragos cercados de
água por todos os lados.
Não se vai a lugar algum
que não seja, em perspectiva,
um tipo de bote, jangada ou ilha.
Não se vai a lugar algum em que
já, ao chegar, não esteja eu.

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DHARMA

É mais fácil ser uma bala do que uma pessoa!


Ao menos a bala tem uma ideologia para seguir,
e segue.
Ou assim:
Também deve ser mais fácil ser qualquer coisa
do que alguém?
A vida é toda uma grande dúvida.
Para Buda a vida toda é uma grande dúvida.
Anatomia, meus caros! Anatomia,
A vida é uma grande dúvida de Buda...

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MOLEQUE

Hoje lembrei dos meus pés


mas não destes, e sim,
dos meus pés de menino
pés de moleque
pés de criança
o quanto é difícil nomear o passado:
"- quando eu era moleque..."
"- quando eu era pequeno..."
"- quando eu tava onde andei..."
no passado eu não penso,
naquele tempo nunca pensei não estar.
Penso no tempo e em adjetivo,
penso os pedaços, substantivo.
Penso o verbo pensar.
Faz pouco tempo lembrei dos meus pés,
neste dicionário que ganhei de meu pai.

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MÃOS DADAS

Houve certa noite...


noite da qual esperava nada,
ou muito menos,
em que eu festejava,
noutra festa, não minha, meu aniversário.
Ocorreu, nela, de eu voar de mãos dadas
por quase uma rua inteira
e essa foi a maior grandeza de minha vida...
Hoje tenho as mãos dadas e,
em no “ser”, quem sou, um lugar.
Essa coisa que sei e esse lugar,
são algumas das poucas coisas que sei,
que têm lugar,
e que tenho comigo em pertença, de verdade.
Teve um dia que voei de mão dada
por quase uma rua inteira...

40
MEU LEMA

Eu que decidi que não ia mais sofrer,


hoje percebo e sofro de novo.
Mas, é só dessa vez,
a última
e dói de novo.
Mais um lema igual aos outros:
– Mês que vêm eu me cuido.
– Amanhã vou parar de beber.
– Hoje bebo.
– Amanhã, somente por amanhã,
não vou mais sofrer.

41
DEUS E O DIABO

Deus e o diabo,
um é a cabeça e o outro é o rabo.
Um se faz pomposo
e o outro de coitado.
Um é o avesso
e o outro é do outro lado

42
GRÁVIDAS

Grávidas tal e qual jabuticabas


– Vão parir! – cantam fadas.

43
VIDA EM CONCRETO

Há a vida.
A vida abisma, a birra pinga, a pia
Passa o ganso
Sol, taco, tamanco
Teco, pato, peco
Teco-teco.
Manco, manso, pão
Marreco

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SONS

Amnésia
Dianóia
Maionese
Noésia
Poesia

45
FLORA ROSA

Flora sempre dizia: “tem que ser rosinha”.


Logo quando chegava,
o assunto pouco importa,
o livro, o suco, a roupinha.
O copo, a colher, o prato,
ouvia-se:
– Tem que ser rosinha!
Flora Rosa é o nome da menina.
Pode ser de qualquer cor, ao gosto do freguês,
desde que seja “rosinha”.
Flora também é Rosa,
logo, é rosinha.

46
BUROCRACIA

A burocracia redunda como milho


na boca banguela de uma democracia caduca,
arqueada, caquética e corcunda...
Igual à justiça, a burocracia é cega.
Mas enquanto a justiça é cega,
a burocracia é burra!!!

47
DA RECORRENTE VERGONHA DE SER BRASILEIRO

Como diria Afonso Romano de Santa´anna, da atual


vergonha de ser brasileiro, de viver pregado num cruzeiro...2

Dir-se-á do atual horror de ser brasileiro.


Diria à calhorda canalha,
a calhorda pútrida dos congressos generais,
cargos senados,
parcos sanados,
Senas e senadores, cenas de camareiros,
câmaras de alcoviteiros,
deputados que deputam,
venéreos vereadores.

Da massa burra feliz e infame,


do lixo de senhor de senzala e engenho
vomitados em palanque.
Do virundum
do vira-vira, vai mais um.
Da corte lupanar.
Da crática fajuta.
Das saias justas.
Da língua lasciva.
Das saias jesuíticas.
Do falo turístico do euro-turista
infante e infantil venial vaginal infame.
Da farra doída e miserável
da parada militar de carnaval

Do povo...
E – vivas ao povo! -

2 Cf. SANT’ANNA, Affonso Romano de. Política e Paixão. Ed.


Rocco, Rio. 1984.

48
que tem a voz de deus
mas se pela quando pode.
Mais rico quem se sacode.
Vive quem consegue,
goza, mama e manda quem pode.
Obedece, obsceno, quem tem juízo,
preconceito,
prejuízo.

Como povo,
somos, todos, varíola tropical,
uma doença venérea de carnaval,
que não varia, porém muda,
mas o que não passa é o carnaval.

Escrevo, língua matrona,


mal crescida, malcriada,
como escrevem seus filhos.
Manipulada na léxica, na lei,
sem rima...
Sem concórdia, sem devoção
sem estribilho, sem estima.
Escrevo com o vício e a esperança
de um espasmo jesuíta a gozar
dentre coxas duma índia, ou
dum luso explorador, exportador,
ou, quem sabe,
quanto a goza federal.

Só para indagar, ó mãe gentil,


cuja única rima que ocorre é pobre.
De nós o que quer?
Lei de segurança nacional?
Desacato à autoridade da bosta nacional?
E de nós?

49
Sigilo de justiça?
Porões até 84?
Apologia ao crime?
Ó, nobre Apolo nessa praia continental!
Orgia de crimes?
Orgia criminal? De orgia mesmo, nada!
Sem prazeres, só carnaval.
Vendidos?
Pouco!
Paridos, criados e vendidos.
Engordados à barriga d'água,
a cabeça d'água.
- “à minha terra d'água,
e ao cair da mágoa”-
vendidos.
Liquidados em sonhos, corpo,
sopro e espírito,
ao sado-pedo-zoo-cristionanismo global?
Ao capital internacional?

Não quero ser mais brasileiro.


Foi engano,
tudo um engano...
Ostracismo, asilo, desterro.

Venderam meu país! Gordos da polis!


Venderam meu país de noite!
Logo quando eu dormia.
Venderam pra moer
Antônio, Pedro, João, Silva, e mais umas Mariazinhas!
Ò Mariazinha! Ô Mariazinhas...
Não adentraste a roda e ficou sozinha
Mentira!
Não venderam o país dos pais à noitinha,
nem a LIBERTAS, cirurgião barbeiro, ainda que à

50
tardinha?
Venderam, um pouco a toda hora.
Um pouco todo dia
“em Brasília 19 horas...”

51
SOCIEDADE

Não quero mais sociedade,


Só quero comunidade,
E mais, muito mais serotonina.
Só quero uma verdade,
aquela de que a verdade não existe,
ou de que, se existe, não é problema humano, por nos ser
intangível.
Deus, se existiu, não quis se fazer conhecer.
O “Real” ontognosológicamente
não se dá a conhecer.
Nada quer nos ver,
nem quer se fazer conhecer
por nossa racionalidade.
Até o mundo das ideias puras foi com deus pescar no
oceano sem superfície ou
profundidade da eternidade platônica.
Queremos ser
entendimento,
existência e
essência, mas
o universo que não se dá à compreensão
só nos quer acontecer.

52
HOJE NÃO É UM DIA DAQUELES

Hoje não é um dia daqueles.


Hoje é um dia pequeno e mirrado,
como um rato.
Daqueles que eu quero que passe rápido,
(tal meus sentimentos,)
por baixo da porta da cozinha.
Ou pelas frestas de alguma dispensa
atrás de algumas sobras, migalhas
e restos de alguma coisa perdida...
Sempre fica algo por limpar,
algo esquecido.
E assim vão passando os dias,
e aí vão os dias chatos
e os dias de rato...
É ele quem não deve estar feliz...
Mereço mais do que lixo e
migalhas, nessa hora.
Mereço vento nos cabelos,
a música das musas,
o ombro amigo na taça bojuda de vinho
e o afago de ninfas e
expirações de todas as eras
que Hesíodo nenhum pudesse desejar...

Quando meu filho faz aniversário,


Faço também e envelheço um pouco...
Só um pouco,
para reter o pouco que ficou da criança
que era eu ...

53
ANATOMIA

Olho para um lado,


Olho para o outro,
E o que encontro
Rosto
Rosto
Rosto
Rosto
Eu, que nunca via a nuca
de minha própria cabeça...

54
UM DÓ

Tem coisas puras que são por si só.


Dó é um sentimento de amor
Se não for tomado como dó.
Dó é quase um sentimento de dor...
Maldoso por não sentir dor nenhuma,
nem um pouquinho da dor
de quem se tem dó...

55
TEVE TEMPO

Teve um tempo,
uma casa,
alguns livros
e bobeiras...
Coisas como confeitos
num bolo mirradinho de recheio
dos olhares que não viram,
abraços amputados,
versos vetados,
e gosto de cigarro.
Teve um tempo
em que não se sabia se era feliz.
E não sabia.
E de tanto não saber
se comungou que não era
a cumplicidade perfeita de não ser,
e assim,
a sintonia perfeita de acabar,
passar,
calar,
levar um pouco
e ir-se embora.

56
SAUDADE DA SAUDADE

Ai meu deus, que saudade de você.


Que vontade de te ver.
E das horas que não passam mais.
Ai, que saudade boa.
Que coisinha simples e à toa.
Ai que saudade do teu olhar.
Ai meu deus, que saudade.
De ter uma, mais, daquelas saudades boas
Mais uma só
Pequena, simples, mirrada e bem à toa.

57
DISTÂNCIAS

A distância é mais ou menos um segundo


entre o éter e o chumbo
entre o chão e a parede
entre o suicídio e a rede
entre a fome e a sede
entre eu e o mundo
entre nada e tudo
entre você e a verdade
entre o velho e a raridade

58
ADOLESCENTES

Adolescentes são todos tortos.


Têm dois olhos orelhas e nariz
mas não sabem o que fazer com eles.
Adolescentes são sorridentes...
Riem bastante e sentem...
São quase como um grupo étnico diferente.
Um povo de outro lugar
Até que ficam gente,
assim, num repente...
Adolescentes são tortos.

59
BUCÓLICO

Vejo gente todo dia.


Vejo gente sendo gente todo dia.
Vejo o dia todo dia.
Vejo gente fazendo dia.
Vejo o dia sendo dia todo dia
mesmo quando chega a tardinha...

60
TABULEIRO

Minha vida começa em vendaval.


Passa em redemoinho.
O inferno é para os peixes...
Hoje coloquei um pequeno Buda no aquário.
E todos os seres aquáticos descobriram que
A vida é dor,
A dor vem da vontade,
A vontade vem do desejo.
Cessando o desejo, cessa-se a dor.
Iluminação no caos.
Como uma limusine numa avenida de qualquer cidade
caipira.
É do campo que vem o alimento,
a batata, a manteiga, o queijo e o pão...
Hoje, mais do que somente comida.
Amanhã, mais do que simplesmente feijão.
Pelo menos por esses dias vou evitar bater papo com o
diabo
Só por esses dias não vou ouvir aquela canção...

61
VERBETE DO BESTIÁRIO IMPERIAL

Sobre o Grandílope
Os grandílopes são animais raros, lentos e pacatos. Não
se sabe muito sobre eles, assim como não se sabe se vivem em
bandos ou solitários, ou se buscam a solidão somente no final
da vida.
São grandes como indica o próprio nome. Habitam
pradarias e correm rápido, muito rápido.
Muito pouco se ouviu falar deles e não há nenhuma
pessoa que tenha visto sequer o rastro de um, pois são animais
muito ariscos, tímidos e reservados.
Já se ouviu falar que muitos deles têm hábitos
noturnos, principalmente quando estão próximos as cidades.
Não deixam rastros, são muito, muito, asseados. Em
toda literatura especializada se lê muito pouco sobre eles,
praticamente nada. Exceto neste texto.
São animais raros, mas há quem acredite que sua
população ultrapassa os milhões.
Não conheço qualquer pessoa que tenha entre os seus
alguém que relate ter visto sequer um.
Os grandílopes são, de fato, animais estupendos e
maravilhosos...

62
AMADO

Ter sido amado um dia nessa vida


é em si uma violência,
pois não se pode desamar, nem escolher muito bem a
quem se ama...
Sem escolha
Amar é fato
É coisa.
É ponto.
Ter sido amado um dia nessa vida
é em si uma violência
Pois não se pode desamar, nem escolher muito bem de
quem somos alvo do amor...
Sem escolha
Amar é fato
É canto
É coisa.
É ponto.

63
REUNIÕES

– Meus amigos! Meus amigos! Disse o humanista


– Vamos falar de toda essa coisa!
O anarquista sem querer completou:
– Vamos falar dela, pois precisa ser mudada!!!
Quando o paranoico já pensava um plano…
o liberal, autoritário, riu e disse:
– Que coisa? Não há nada aí!
E prosseguiu:
– E está tudo bem, meus amigos…
– Está tudo muito bem
– E atenção!!!
– Sorriam, sorriam e arreganhem bem os dentes...

64
PARABÓLICO EQUIVOCADO

Não sei.
Não sei não saber muita coisa.
Não sei não saber aquilo que saibo.
Não sei se é pouco ou não.
Não sei se Saibo poderia ser uma cidade na Turquia.
Não sei,
mas a sonoridade muito me agrada.

65
FOLGUEDO E MIRAÇÃO

Eu vi a folia do rei.
Eu vi a dança do criador.
E vi a ceia de seis.
Vi a reza do benzedor.

“Eu já fiz muita fuguera,


mas agora
num tem mais lugá”.
E foi do ramo das Oliveira
Que eu vi muito sangue espichá.

66
INCOMPLETO

Que saudade, meu deus, da poesia inacabada.


Que medo, meu deus,
de escolher palavra errada.
A poesia é como um prédio
de arame concreto...
incompleto...

67
NA NOITE PELA SOMBRA

Hoje saí para beber


e descobri que Deus,
o todo poderoso,
também sai.
E acho que até bebe...
E quando bebe só fala coisas bobas,
boas, importantes, a toas...
e fala de amor,
e de ser feliz...
E que não faz nada igual ao que crente,
samiaze, monge ou devoto, qualquer faz.
– Todos Bajuladores! – Grita.
Se não quisesse a noite não a teria feito,
e nem achado bom o dia...

68
VENTRE

O ventre da terra tem gente dentro.


O ventre da terra tem vento.
A gente da terra tem prisão de ventre.
A gente da terra tem gente dentro.
A prisão é um ventre com gente dentro.
A prisão da terra não é dentro.

69
3 OU 4 NOBRES VERDADES

Queria
ter
ficar
estar
permanecer
queria ter
ter que ficar
ter que estar
ter que permanecer
queria ficar
queria estar
queria permanecer
queria ter que ficar
queria ter que estar
queria ter que permanecer.

70
MEU TIO JOÃO

Ai que saudade de meu tio João,


que guardou a infância no bolso da camisa,
junto com a papelada do escritório de brincadeira.
– Essa é boa, ó,
é da pontinha da orelha.

71
NO FUNDO DO POÇO

No fundo do poço eu sou o poço e o fundo.


No fundo do poço é fim do mundo.
No mundo da minha cabeça
existem mais de mil choros
para serem chorados algum dia,
pendurados e estendidos
como fraldas úmidas nos varais...
esquecidas, quaradas
umas brancas outras estampadas...
No mundo da minha alma
existem uns cem planetas,
em nenhum deles encontro vida.
É como se da aridez das estrelas
fitassem a mim.
Ou existências interplanetárias
passando do outro lado da rua
sem acenar, sem dizer nada.
Ninguém sabe...
No fundo do poço eu sou o poço e o fundo
No fundo do poço é fim do mundo
No mundo da minha cabeça
existem mais outros mil choros
pendurados e estendidos como fraldas,
quaradas e alvejadas bem branquinhas,
cada uma cercada de anjos que
cantam mil coros.
Essas são dos choros já exaustos,
enxutos e chorados mesmo na infância.
No fundo do poço eu sou o fundo,
poço e o mundo...
No fundo do poço
eu sou lembrança.

72
SER PAI

Minhas crianças,
como se as tivesse,
crescem o tempo todo.
A cada dia são mais um pouco.
E menos, um pouco, crianças.
Minhas crianças são menos minhas
e mais crianças,
e menos crianças um pouco a cada dia,
fazendo de mim um velho resmunguento.
Minhas crianças me cativam,
nem por serem crianças,
e menos por serem minhas,
o que não são.
Mas sim, por que “são”...
É nesse ato de “ser”,
tão sendo,
como só criança é,
não sendo criança.
Rogo que na origem desse ato
sejam um pouco,
só um pouquinho minhas.

73
EXPLICAÇÃO

Quem explica profundamente alguma coisa


é porque não entendeu.
A explicação é assim, uma troca,
um sacrifício,
uma imolação da coisa pela razão que explica.
A explicação é uma troca,
assim;
toda explicação é perversa
pois esconde um não saber;
toda explicação odeia a coisa,
pois nunca a explica toda.
Toda explicação odeia não saber,
isso por que teme.
Toda explicação teme não conhecer.

74
CURIOSIDADE

A curiosidade não matou só o gato.


Matou um monte de outras coisas.
Afinal, é por isso que existem;
o serviço de proteção as testemunhas,
a censura, o santo ofício,
a anistia internacional...

75
ONISCIÊNCIA

Se deus nos soubesse...


O que saberia?
A onisciência é sempre muito mais
do que a gente...
E podendo saber tanto,
por que saberia da gente?
Da gentinha chamada humanidade...

Hoje não sei mais se estou feliz ou triste


Sei que não gosto do que sinto...
Como um lago tranquilo
que, de tão tranquilo não tem nem peixes,
nem oxigênio,
só aqueles insetinhos
que andam sobre a água,
superfície sólida...
Sobre as águas,
a caminhar sobre as águas.
mas gente sempre afunda,
fomos feitos para isso.

76
NIRVANA NA FOTOGRAFIA

Com o perdão de um devaneio...


Tem vezes, tenho a impressão que as religiões, mais as
fatalistas, torcem para o fracasso cotidiano de Deus perante as
pequenas coisas do mundo
Vi uns trabalhos fotográficos de arte e o dom daquela
fotógrafa me tocou de tal modo que supus que só poderia haver
um dom e um deus por trás daquele dom. Tinha beleza naquelas
fotos sobre coisas mais banais e algumas até imundas... Quando
vejo arte e quem sabe, o sol de amanhã, sentirei que se há um
deus, um poderoso, ele não está nada derrotado pelas mazelas
do mundo. Ele está lindo por trás de tudo, pondo beleza em
algum aspecto, algum ângulo de todas as coisas. Uma ironia que
faz presença até nas fotos de guerra. Deus figura em alegria e
até alguma beleza por trás de tudo.
O engraçado é que nada disso seria entendido nem por
devotos nem por marxistas...(pena!)
Contar com o sucesso da desgraça, para mitigar deus a
um plano futuro, não vê-lo em tudo, escondê-lo e ocultá-lo por
trás de tristezas tão humanas, pequenos medos de sentir dor,
isso sim teria que ser repensado, pecado.
Não querer que a vida seja o que é? Não querer que a
vida tenha o que tem? Dores, morte, alegrias, momentos...
Mas até disso e nisso deus deve ter posto alguma
beleza... e sorri...

Obrigado...(mãos postas)
Pode ser tarde... pode ser sono...

77
ORAÇÃO DA ÚLTIMA HORA

A oração mais perfeita para todas as horas


é agradecer...
A oração mais perfeita
para depois de algumas horas é
lembrar, reconhecer e agradecer...
a oração mais perfeita para o fim de um dia é:
lembrar
agradecer
lembrar
se desculpar
e desculpar os outros.
Então,
transformar-se para o novo dia.
Aceitar-se.
Aceitar que esse dia venha
da forma que vier...
e agradecer...

78
POEMA AMERICANO, POEMA 7 OU
MAIS UM AUTORRETRATO

Muita água já rolou por debaixo dessa ponte.


E no agora não há mais água, nem ponte...
O horizonte é nuvem...
Tem um sentimento confuso de gratidão. Perda...
Um cheiro de instabilidade no ar...
Os noticiários avisam que vai chover...
Na página retratos virtuais como lágrimas, celebram
estranha maldição:
Transformar o deixar em perder.
A fala escrita vaga no medo
de se comprometer com a ideia
finge se neutra,
se esconde nula, irracional.
Só para sentir que pode dizer.
Sem se adulterar, comprometer,
subverter seu status de palavra e fala,
virar essência, verdade...mentira...
E vem à mente aqueles retratos,
fantasmas, obcecados
em não esquecer(mentira),
não serem esquecidos...
Bola de ferro, aberração,
saudade de quem a gente nem sabe,
tudo vão...um vão.
Agora não quero nem ler
para saber que é verdade.
leio...
igual num poema de americano:
(ao som de bongô)
sabe do que mais?
tudo isso sou eu.

79
TEMPO

O tempo guarda os seus maiores minutos


para quando esperamos terminar
o que passa.
Ficam os menorezinhos
para quando está gostoso...
O tempo ri de quem existe
por ser bem diferente.
O tempo é filho da gente.
Não adianta matar o tempo.
Ele não morre, não é ele, nem é gente.
Os maiores minutos
estão sempre no final da espera,
cada um maior que o outro.
Para os momentos mais gostosos
ficam os bem miudinhos...
Os menores minutos sobram
para os momentos saborosos
passarem rapidinho.
Esse tempo brincalhão
é um tempo passarinho,
que não passa e nem é vento
é só “tempopensamento”.

80
81
CANTIGA
DO AMADO E DO AMIGO

82
Li meio sem perceber,
na madrugada em casa,
sem sono, na tela,
seu e-mail...(desconectada)...
Me deu logo uma vontade repente
em vê-la,
em tê-la,
sem tecnologia alguma,
nem mesmo a das palavras
ou das fibras óticas sinápticas
mas, ao natural,
cheiro
e pintura
em aquarela ou óleo,
em nossa música
pretérita dum lento bom dia…

Pensei em seus olhos quando me fixam


e vi o quanto não se igualam neles
minhas poesias.
Seus olhos modernos,
são concretistas, brilham,
impressionistas, me amam
expressionistas.

83
Se te chamo de “amiga”
não é por diminuir o que somos,
o que temos e é nosso...
Mas é sim, para reinventar a palavra
em convite,
mais limpa.
Se te chamo de “amiga”,
e faço o convite,
é por que este Eu lírico masculino,
amigo, em cantiga sente e convida:
– Vem amar comigo.
Amiga: aquela que ama – substantivo -
me, mim e comigo – pronomes do caso oblíquo – te, ti,
contigo...

Iguais preposições
a, ante, até, após,
com, contra, de, desde, em, entre,
para, perante, por,
sem, sob, sobre, trás.
Assim é nosso amor

(Aqui termina o livro Cantiga de Amigo)

84
POEMA ALEMÃO DAS CIDADES DE ALICE3

E uma locomotiva puxa um trem


que se perde na imensidão.
Somos todos tão pequenos,
puxando pensamentos,
vivendo nos vãos da vida.

Uma locomotiva puxa o trem


que se perde na multidão.
E somos mais ainda pequenos,
pequenos pensamentos em vãos.
Vãos de vida
locomotiva puxa trem
que pende na imensidão.
Pequenos somos vãos da vida,
vida locomovida,
pende um trem locomotiva,
que se prende na multidão.
Multidão locomotiva,
vãos da vida locomovidas,
vão...

3 Cf. Filme, Alice nas cidades. Win Wenders. Alemanha. 1974.

85
CANETA

Hoje peguei uma caneta


que só quer desenhar borboleta...
quando letra, falha, sulca, vinca, ralha,
nem uma palavra.
Só quer correr longe no papel, longas voltas,
circula, cruza, risca...
E outra borboleta...
Nem mais uma palavra.

86
CARNE DO POEMA

Se uma poesia tem nome, é porque,


diferente das pessoas,
esse nome faz parte da poesia.
Não é uma coisa inventada
como um implante ou uma inauguração.
Se uma poesia tem um nome,
diferente das pessoas,
o nome da poesia,
é feito da mesma carne delas:
esse nome faz parte da pessoa poesia.

87
PALAVRA

A palavra mata quando cria,


fecunda, fonte de filosofia.
A palavra fria, rima, inventa, cria,
mata e oculta,
fica escondida naquilo que não é;
a coisa dita...
A palavra dita...
Igual Pessoa, eu quero a fonte
sem nome de fonte,
não essa que se entende.
Eu quero aquela...
que jorra a água
que não chama água
e que não chama coisa nenhuma.
Mas a palavra evoca,
e onde que eu olho
está ela, entranhada,
inventando as coisas nas coisas,
criada por coisas com nome de gente...

Quando eu era jovem, eu procurei


a palavra verdadeira,
a palavra primeira, mas
hoje me encontro sem palavras
e arranjo estas,
que espalho no papel,
na tela,
como num varal,
esperando quarar uma ideia no tempo,
na mente de outro “alguém” – palavra.
Como se fosse minha
impressão digital.

88
FLUIR

A vida flui por si...


Mina levemente,
fluindo cada dia
um pouco mais
para fora da gente...

A vida floresce,
mima,
morre,
contamina...
Mina.
Verve torrente...
Explode, dissolve
identidade,
ente,
doente.
A vida é
perene repente...

89
FORA
(só leia a parte cinza na segunda leitura)

Entre por essa porta,


e só sai do outro lado!
Que o “para trás”
está
onde
sempre esteve...
para trás.
e É de dentro da janela
que se
olha para forra!!!
e É dentro gente
que se está onde sempre se esteve...
então, me deixe
e siga em frente...

90
91
Sumário:

Poema concreto 3
Mártires 3
Coisas 4
Esperanças 4
Palhaço triste 5
Niilismo atualizado 6
Poema oco 7
Mais palavra 8
Ditado e ditadura
Quero
Auto da fé cega
Sentença
Resfriado
Passadeira
Preambulo da biografia
Ciclope e o centauro
Medíocre
Raras
Enrolado
Poema de Esteves, o da tabacaria
Valores
Párea
Manifesto
Certa dúvida
Metrópole
Náufrago
Dharma
Moleque
Mãos dadas
Meu lema
Deus e o diabo
Grávidas
Vida em concreto
Sons
Flora rosa
Burocracia
Da recorrente vergonha de ser brasileiro
Sociedade
Hoje não é um dia daqueles
Anatomia
Um dó

92
Teve tempo
Saudade da saudade
Distâncias
Adolescentes
Bucólico
Tabuleiro
Verbete do bestiário imperial
Amado
Reuniões
Parabólico equivocado
Folguedo e miração
Incompleto
Na noite pela sombra
Ventre
3 ou 4 nobres verdades
Meu tio João
No fundo do poço
Ser pai
Explicação
Curiosidade
Onisciência
Nirvana na fotografia
Oração da última hora
Poema americano poema 7 ou
Tempo
Cantiga do amado e do amigo (livro)
Poema alemão das cidades de Alice
Caneta
Carne do poema
Palavra
Fluir
Fora

93

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