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Edição sob os cuidados de Antonio Romane

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Hugo Sant’Anna de Hollanda

Nunca dantes
navegados
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O autor Tendo concluído o secundário
no Colégio Aplicação em 1967, o paulistano Hugo
Sant’Anna de Hollanda foi trabalhar como repórter
freelance no Jornal da Tarde (estava na redação
quando veio a notícia do AI 5), onde ficou até
1972. Em seguida, trabalhou na chamada imprensa
alternativa, até que se engajou nas campanhas dos
candidatos democratas. Foi nessa condição que
participou da campanha de Franco Montoro ao
governo de São Paulo. Depois, foi publicitário de
sucesso. Em 1989, tendo recebido uma boa herança,
resolveu que iria gastar o dinheiro em navegações ao
redor do mundo.
Hugo Sant’Anna de Hollanda publicou um único
livro, Por aqui não passaram hipopótamos, romance
que teve um curioso destino: a edição se perdeu
totalmente num estranho acaso, pois os exemplares
recém-impressos foram entregues na livraria da
editora Civilização Brasileira, na rua da Carioca, Rio
de Janeiro, e não no devido depósito, pouco antes da
bomba colocada pelo terror explodir naquele local
em 6 de dezembro de 1976.
O autor vive recluso em Ilha Bela, litoral paulista.

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Às amigas,
aos amigos

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E então choveram estrelas sobre o barco.

O mar não tem labirinto, o labirinto é o mar.

À noite, todas as sereias são pardas, inclusive as


loiras.

Meus passos, muitas vezes; minha sombra, sem-


pre, ainda que no breu.

Desconheço o ódio, mas já senti o que seja ressen-


timento.

Às vezes se faz necessário elevar o tom de voz se o


vento bate contra sua boca.

Nesse deserto de água e sal, que é o oceano, busco


um oásis onde o amor será lei.

“Eu te amo.” Tão simples, tão enigmático.

Quando estamos diante do espelho, nossos olhos


se transportam para uma outra pessoa e, então, nos
vemos.

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A razão tem corações que o próprio coração des-
conhece.

Gosto e cor se discutem — são mutantes. O que


não se discute mesmo é o amor.

Se fizéssemos um pouco mais de silêncio, talvez


ouvíssemos o canto da sereia.

Não há nada de novo sob o sol, salvo esta noite e a


chuva que mais cedo ou mais tarde virá.

Toda manhã é um novo dia novo.

Amor não pensa em futuro.

Quem ama não perde seu tempo.

Era um 8 de março. Busquei em minha memória a


mais forte dentre todas. Não havia a mais forte, mas
todas mais fortes do que eu.

Tormentas na alma, tormentas no mar… Nunca


aposte em nenhuma.

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A primavera também acontece de madrugada.

Partir é abandonar afetos em busca de novas aven-


turas. Mas ao chegar, lá estarão as saudades do que se
deixou ao partir.

Um ancião me contou que, embora não tivesse re-


cebido a graça da fé, sempre vivera no paraíso, com
raríssimas quedas no inferno.

“I love you when you’re madly in love with your-


self ”, disse o marujo holandês bêbado à menina puta
na Rua da Praia em São Sebastião.

Perfume marinho, teu sexo.

Se até Jesus ria, por que os anjos seriam sempre


sérios?

Vivo dialogando comigo mesmo. Ou melhor, em


mim mesmo.

Para a maioria, o mar oferece a linha do horizon-


te; pra mim, a linha das praias.

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A rosa dos ventos, as rosas e o vento.

A bússola mostra os caminhos escondidos no mar,


o coração mostra os caminhos escondidos na alma.

Todas elas que passam, todas elas são fantasmas


da mesma que não vejo passar há muito tempo.

Os grãos de romã dos teus seios… Imagem tão


antiga, sempre jovem.

Clonagem humana? O grande biofísico e pensa-


dor Henri Atlan sorri: nem mesmo os verdadeiros
gêmeos têm as mesmas marcas digitais.

Australia: Far West or Far East?

Tanta informação me dá a impressão de que mui-


to sabemos, enquanto mergulhamos cada vez mais
fundo na ignorância.

Mar e mel.

Acreditar não é necessariamente confiar.

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Conhecer é menos ampliar o conhecimento do
que alargar a ignorância. Tanto mais sabemos, mais
ignoramos  — e o tempo é implacável.

Quando a dona da casa resolve ir pra cozinha e


preparar um peixe à moda dela, numa panela de bar-
ro dessas do Espírito Santo, a beleza também pode
ser de fato saboreada, fulgurante.

Autoconhecimento não significa humildade, hu-


mildade não quer dizer autoconhecimento.

Na beira do cais, assisto ao pôr do sol.  A saudade


lançou âncora.

O tempo é um rio que corre em nós, por isso nun-


ca vemos sua correnteza.

De onde viemos? quem somos? para onde vamos?


Existe alguém que ainda busque respostas para essas
questões, se é que as faz?

As pedras nunca mentem, pelo menos ao geólogo


que sabe ouvi-las.

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No mar, os fantasmas não andam, flutuam.

Toda concha é um mistério em si.

Amor resplende acima do mar revolto das incer-


tezas.

Todo perdão é um ato de amor, ainda que enver-


gonhado.

O mar contém os caminhos que podem levar a to-


dos os lugares do mundo. O amor é o único caminho
que pode levar ao coração de alguém.

“Pena que nunca mais voltarei a este lugar, nunca


mais”. Já imaginou se nos despedíssemos assim de to-
dos os lugares ao longo de nossa vida?

Quando se diz “amor ingrato”, não houve amor.

Você flutua entre eu e mim.

O que leva o jasmineiro a lançar-se ao encontro da


buganvília do outro lado do corredor?

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Precisamos da coragem quando temos medo —
de viver, de amar, sonhar o impossível. Pode haver
medo sem coragem, mas não coragem sem medo.

Toda aquela empáfia mal disfarça sua vulnerabili-


dade: não ser amado.

“Para toda a eternidade!” Isso dura no máximo


quantos séculos? É muito, muito tempo.

Admiro aqueles que apostam no impossível que


sabem ser impossível.

Sonha viver no ilimitado dos desejos; desamado,


vive no limitado dos despejos.

O tempo vai se encarregar de definir os contornos


da realidade no espírito das crianças, mas o amor é o
sonho que permanecerá para sempre.

Não costumo confundir conhecer com reconhecer.

Queremos voltar ao passado para reviver um


amor, mas o passado se recusa a girar sobre seus cal-
canhares — o passado é inflexível.

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O verbo e o jabuti, a árvore e a beatitude, mas o
cão e a nuvem.

Se eu fosse você… Se eu fosse você eu não seria eu


mais você.

Cada instante de amor carrega em si a eternidade.

O amor revela toda a força do coração — e toda a


fragilidade do ser.

Somente aquele que confiava em alguém pode de-


clarar-se decepcionado com esse alguém.

Como fugir ao roçar das asas do anjo? Ah, minha


amiga, nem abrigando-se à sombra do Senhor.

Passou voando um buldogue inglês... preto!?

Onde termina o amarelo e começa o dourado?

Vejo todos esses barcos, belos, feios, imponentes,


mirrados — nenhum me levará para longe de mim
mesmo.

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Idos vividos, ido vívido.

O que será dessas milhões de pessoas? Artistas da


internet?

Meu esforço para compreender não me dá o direi-


to de achar que sei.

O desconhecido assusta. Mas o que é o amor, se


não um salto no escuro? E, no entanto, o amor não
assusta, ao contrário, encanta.

Não basta olhar, é preciso ver. Escutar, ouvir; co-


mer, saborear.

Nunca busquei a felicidade — eu vivi.

O amor começa quando damos as costas ao espe-


lho e vemos, observamos e nos entusiasmamos por
alguém que não é igual a nós.

Gosto de levar a sério a recomendação “rir é o me-


lhor remédio”.

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Não vivo para a história, vivo para a vida.

Limite da medicina: a morte é incurável.

Não basta querer ser amigo para tornar-se amigo.

Sim, ela e eu passeávamos entre A e Ω.

Ninguém remonta o rio da vida.

Sempre que a via passar, lembrava-


-me de Jack London: “Errei, durante
todos esses anos, num mar de mulhe-
res à tua procura.”

“Só posso desejar para a humanidade,


não digo que seja feliz, mas o menos infeliz
possível.” Quem teria poder para tanto?

Desde então, nunca mais soube se a noite divide o


dia ou se o dia divide a noite. Na Lua, não teria essa
dúvida.

Pagão e bárbaro também eram crentes.

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Se a guerra for o único caminho para a paz, esque-
çamos a paz.

Eu não carrego nas tintas — as tintas me levam, as


tintas me trazem.

Não existem mapas para nos guiar pelos cami-


nhos da vida. Mas eles sempre estão à nossa
frente, demandando-nos coragem para tri-
lhá-los.

Quando os casais amigos se vão, dei-


xando as garrafas vazias, transbordante
o coração.

Nunca penso na morte; às vezes, sim,


no meu desaparecimento, mais do que de
um olhar, da memória de quem amei.

Amigo não se escolhe, amizade acontece.

Já se disse que são sete os verbos essenciais: ser, agir,


poder, ver, ter, saber, dizer. No entanto, o número de
verbos dicionarizados continua a crescer, ainda que
muitos (a maioria?) venham morrendo pelo caminho.

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Triste? Não. Melancólico. Triste ou alegre pode-
-se estar, melancólico é ser.

Uma no cravo, outra na cravina.

Todo gesto de comovente grandeza é um gesto de


amor.

Anotação: “Depois do banho de mar, chuveiro e


sabonete. Ficou recendendo a namoro.”

Todos achamos feio o urubu, mas talvez ele tenha


o vôo mais elegante dentre as aves.

Só podemos perder o que temos, só podemos


ansiar pelo que não dispomos.

Aquele rapaz anda tão desiludido que, para ele,


intenso e infenso são praticamente a mesma coisa.

Respeito não é sentimento, é atitude; por isso não


pode ser comparado à afeição.

Caminhávamos a plenos pulmões.

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Quando em São Paulo, vejo o lindíssimo pôr-do-
-sol violáceo. Sim, eu sei que vem da poluição atmos-
férica, mas nem isso menos belo.

Nem todo amor perdido é um tango, mas todo


tango verdadeiro é um amor perdido, especialmente
se cantado por Roberto Goyeneche.

Tudo é possível, e mesmo a saudade por antecipa-


ção é muito mais comum do que imaginamos.

De tudo quanto naveguei ao longo de minha vida,


a viagem mais bela foi singrar seu corpo.

Julgamos que os sonhos podem ser engavetados e


esquecidos porque, ao desistirmos deles, ignoramos
que nos acompanharão por toda a vida.

Toda solidão guarda uma esperança.

O profundo amor não reconhece limites, assim


como o meio ambiente não percebe fronteiras.

Amor à primeira vista também pode cegar de


paixão.

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E se o que chamamos beleza fosse o extremo do
feio? Se aquele rosto perfeito fosse o cúmulo do hor-
ror? De onde vem a mutante ideia de beleza?

— Ó, meu amor, você quer me fazer feliz?


— Sempre!
— Então me beija em três lugares!
— Onde?
— Oropa, França e Bahia.

Olhamos à nossa volta, o trabalho, a competição,


a grana, o dever. Não ouvimos, tão perto, dentro de
nós, o coração maravilhoso da ternura.

O amor tem medo da perda. Quem perde tem


medo de voltar a amar. Deveríamos ter medo — e
muito! — de ter medo.

Navegar com todos esses aparelhos eletrônicos é


ótimo, uma boa segurança, mas navegar confiando
nas estrelas era mais belo.

O sábio não carece de autorrealização.

Quando um nega o outro, isso também é um jeito


de continuar juntos.

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Todas as guerras do mundo cessavam naquelas
noites.

Não estou com saudade dos carinhos recebidos,


mas saudade dos carinhos que eu poderia ter ofere-
cido.

No entanto, no entanto não é meu olho que te vê,


não é minha alma que te vê, mas é todo o meu corpo
que te contempla.

Palavras de amor ao vento tanto batem até que


quebram a promessa.

“Hoje é o primeiro dia do resto de tua vida.”


Pode até ser, mas permanece o ontem e a memória
do ontem.

No centro da Terra, o magma é sombra. O magma


só é vermelho no aqui fora – como o amor, só se ma-
nifesta no encontro.

Sonhar é bom, perigoso é querer viver no mundo


do sonho; pretender habitar o mundo do sonho é
mergulhar na loucura.

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Publilius Syrus, gênio (pagão!) que produziu du-
rante o século I a.C., já observava: “É o espírito, não
o corpo, que faz durar um casamento.”

Nem todo luar é para o amor, mas o amor é todo


e sempre para o luar.

Bendito o lugar em que aquele humilde sorriso se


fez notar.

A razão não queria admitir, pretendia mentir, mas


o olhar era cristalino em sua verdade encantatória.

O verbo morrer pode parecer cruel, no entanto


Amor vive a conjugá-lo em todas as vozes e tempos,
a rir e a buscar formas de renascimento.

Porque irradiam uma profunda melancolia (não


tristeza) só deles, os gorilas e os buldogues me pare-
cem os animais mais comoventes.

Sectários não suportam problemas, sectários


odeiam a problematização. Complexidade, então, o
que é isso?

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Penso muito no pecado. E acredito que o maior
pecado é não ter a coragem de ser feliz.

Quer saber o nome de um sentimento que não tem


substância nem valor nem razão? Indiferença.

Quase sempre vamos de mãos dadas com as lem-


branças que queremos sufocar.

O dia nasce da noite que se desfaz na luz. O amor


nasce da solidão que se desfaz no encontro.

Viver de sonhos é viver para sempre, porque o so-


nho é o pão que se faz do nada.

Saudade é a máquina do tempo que nos traz um


olhar, uma voz, uma emoção que pensávamos ter
abandonado.

Ô, moça, pense bem, não é que o porco seja por-


co, o porco se emporcalha porque vive no chiqueiro.

Amor pode ser a máscara que se cola em nosso


rosto mais para revelar do que para esconder.

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É fundo, muito fundo o poço envenenado da me-
diocridade.

Ah, naqueles tempos cantava-se caminhando e


cantando ou, então, caminhando contra o vento.

No entanto, vestida de vento é bem mais corajoso


do que caminhando contra o vento.

Depois de uma certa idade, pouco importa ler ou


deixar de ler uma biografia. São tantas as biografias
que passaram e passam diante de você que se torna
pornográfico prestar atenção a biografias escritas só
porque escritas.

Até alguns anos atrás, tudo era regulação ou des-


regulação hormonal, lembra? Hoje, tudo é genética.
Até quando vamos permitir esse insulto à inteligên-
cia?

Curioso que, nestes tempos internéticos, a foto ras-


gada de um casal de noivos, separando as duas figuras,
continue a ser imagem do casamento fracassado.

Nem tudo o que sinto está em sintonia com o que


sei.

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Civilização e modernidade são duas abstrações
das mais cruéis em nossas vidas: a primeira não fala
de amor; a segunda mata o amor.

Não amaldiçoe sua memória — um dia ela será a


única pessoa a lhe fazer companhia.

Acaso é tudo aquilo de que a gente não sabe a cau-


sa — e eu não te amo por acaso.

Amar não é ter amizade; amar é ser dependente


um do outro. Sim, dependente, por que não?

As bilhões de galaxias existentes não me assus-


tam — me comovem. Talvez como comoveriam
Nossa Senhora.

O amor pode tudo, só não consegue ser superior


ao próprio amor.

Tantas vezes nos despedimos, quantas tantas ve-


zes voltamos nossos rostos em busca um do outro!

Democracia é um esforço racional. As bestas não


entendem isso.

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— Você saberia definir o humano?
— Bom, suponho que seja o único animal a fazer
essa pergunta.

Perdoa-me se não te faço feliz, mas me perdoa


mais ainda por não conseguir fazer-te infeliz.

Ah, a doçura dos teus verdes marinhos olhos, ho-


rizontes contra o azul celeste, antes do castanho e do
negror, que é aonde vou me perder.

Penso, não resisto. Não consigo fazer com que


meu pensamento mande você de volta para o espaço.

Um poema de Baudelaire, uma canção de Viní-


cius, você bate os cílios e me envia de volta para o
precipício.

Doces momentos, amargos momentos, a vida


com ela beirava a loucura. Mas o amor nunca é infe-
rior à loucura.

Dizem que sou o último romântico, mas não


é nada disso: eu simplesmente não tenho medo
do lirismo.

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Existe amor à primeira vista, como também existe
amor até a última vista, a última visão do vulto ama-
do.

Dura quanto o amor à primeira vista? Um piscar


de olhos, uma vida? Amor à primeira vista, eterno
enquanto vivo.

Eu não caí no ostracismo, o ostracismo é que des-


pencou sobre mim.

Às vezes meu amigo poeta Antonio Romane


acerta: “E se fosse crepuscular para a vida e matinal
para a morte?”

Vejo as estrelas e velo teu sono como os pastores


velam seu rebanho e sonham com o nascimento de
Jesus.

Quem tem um doido, que o amarre, mas o que


fazer do apaixonado? O doido e o apaixonado, só o
tempo pode libertá-los.

Ah, o frenesi das novidades.

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Os desertos também morrem?

Você com certeza não sabe se você morreu.

Pode haver franqueza total no amor? Impossí-


vel responder, cada um navega seguindo sua rota
interior.

Houve um tempo em que a alma e o corpo iam


de par, a beleza física caminhava junto com a beleza
moral. Há um tempo em que, corpo e alma dessa-
cralizados, continua o inevitável corpo. Corpo sem
alma, tal é o império.

“Simpatizai-vos uns com os outros.” Isto foi o que


me ficou na memória da pregação de um doido no
porto de Hamburgo.

O cretinismo não tem nacionalidade nem religião.

Somente deusas existem. Adeuses, adeusas. Per-


manece o enigma e o meu coração dessangrado.

A humanidade só pode ter sobrevivido com soli-


dariedade.

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Sou ateu, mas não vivo nessa pendenga tola con-
tra a ideia de Deus. Tenho mais é que assoviar contra
o vento.

Meu amor não depende da outra pessoa, meu amor


é meu. Se a outra pessoa me ama, que ótimo!

Resplendente, a luz do teu olhar penetra e trans-


muda minh’alma.

Neste dia nublado, teus olhos me olham com des-


dém. Haverá chuva, mas não mais misturada às tuas
lágrimas.

Firmar pé onde, aquele velho humanismo des-


confiado da avalanche tecnológica?

Seu corpo é sua imagem e semelhança.

Por favor, use aspas ao me citar e dê meu nome de


autor. Sem aspas, é roubo. Seria o Brasil um país sem
aspas?

No mais fundo da noite, o espelho está à espera da


luz para brilhar.

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As borboletas dançam — vivem na graça para
morrer tão cedo, mas vão deixando alegrias pelo ca-
minho.

Não sou um anjo, sou seu contrário — e o contrá-


rio de anjo não é demônio, é homem.

O tempo é precioso demais para ser desperdiçado


na busca da felicidade: felicidade não é ser, felicidade
é estar.

Se felicidade não é ser, mas estar, melancolia é ser,


não estar. É por isso que o melancólico tende para a
ironia.

Fugir só, rumo ao sol?

Um dia não serei sequer ligeira saudade; depois,


nem saudade nem vaga lembrança. Mas então já es-
tarei morto.

Existirá alguém que prefira a morte ao amor?

A vida vem em ondas, então bebo o mar.

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Tanta informação deixará lugar para a memória
pessoal?

A paixão cega pode nascer de um olhar distraído.

É o que sempre digo, citando um poeta meu ami-


go: “Por São Paulo não morrer de amores, mas não
morrer e amores.”

Nunca acorde um solitário — ele pode estar so-


nhando que é amado.

Pobre da alma insensível à valsa.

“A palavra contra o silêncio, o texto contra a leitu-


ra, o gesto contra.” Não tenho ideia do que isto signi-
fica, mas é simpático.

O amigável encontro do perdão de Cristo com a


compaixão de Buda.

Desconfie, desconfio de quem nunca tem dúvida.

Na astrologia você crê, na astronomia você vê.

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Quando dois corpos se fazem um só, isso é o eter-
no feliz.

Amar não é remédio para a solidão. A solidão só é


curada quando aprendemos a viver sozinhos. Então
estaremos prontos para amar alguém.

Uma frase, apenas uma frase, uma frase incomple-


ta, daquelas que poderiam terminar em reticências,
deixando o silêncio à imaginação e...

Descobri que o silêncio, o benfazejo silêncio, não é


apenas a ausência de som, mas também de imagem.

Só existe uma só raça humana, mais diversifi-


cada do que a cachorrada: são infindos os tipos
humanos. Somos todos vira-latas!

— Mais que apolínea!, aponta a retilínea para


a curvilínea.

Encontraremos o labirinto?

Nenhuma frase está escrita na natureza. Ou


inscrita!

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Não, meu amigo, o seu deus não desaparecerá, de-
saparecerão os homens que nele acreditam.

Não é ingênuo quem acredita que à sombra do


poder prospera a virtude — é tolo.

Que poder nem barco ser,


Pois não ter e ver é possível:
Navegar sem se locomover
É destino enquanto crível

A humanidade não é o Homem, a humanidade


são homens e mulheres.

Nunca diga nunca nem para sempre.

Hugo Sant’Anna de Hollanda, esse velho lo-


botomizado do mar.

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