Você está na página 1de 4

Cauan E.E.Schettini. 2.º Ano – ADM. ETEC Mandaqui. Filosofia.

Antropologia Filosófica: Amizade.


Texto de opinião sobre os tópicos apresentados no artigo “Da
Amizade”, de Héctor R. Leis e Selvino J. Assmann.

1. A importância da amizade em tempos líquidos.

O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman apresentou o conceito de


“modernidade líquida” com o objetivo de explicar os nossos tempos atuais no
que diz respeito às relações sociais, econômicas e de produção apresentarem-
se sempre como fugazes, maleáveis, efetivamente líquidas. Antes, na
modernidade sólida, as relações eram mais fortes e duradouras, solidamente
estabelecidas.
No primeiro parágrafo do artigo, os autores já apresentam essa perspectiva
para ser colocada como parâmetro em relação ao conceito de amizade. Ora,
antes, via-se a amizade como algo, como se diz popularmente, “para a vida
inteira”. No entanto, diante da globalização dos meios de comunicação e de
produção, tornou-se um paradoxo a questão da amizade. Por um lado, parece
que é muito mais fácil ter amizades, a saber que basta apertar um botão na
internet, no “Facebook”, para adicionar mais um amigo a enorme lista. Por
outro, tanto mais aparentes amigos fazemos, menos realmente temos. Hoje em
dia é comum dizer que se contam os amigos nos dedos (não na lista do
“Facebook”), referindo-se a que temos poucos amigos, mas sim muitos
colegas. Ora, mesmo no nosso trabalho e profissão, os amigos menos estão
sendo considerados, por um quesito de impessoalidade profissional que, na
realidade, esconde nossos sentimentos individualistas e egoístas que,
atualmente, são ainda mais estimulados por nossas relações líquidas,
perpetuadas pelas redes sociais e pela produção capitalista tanto mais
maleável e, de certa forma, podendo fazê-la apenas tirando um aparelho do
seu bolso. Ao passo que tudo se tornou mais fácil, tudo tornou-se mais difícil;
eis aí o paradoxo. Estamos tão emaranhados de produtividade e consumismo
que a amizade mais nos parece um valor periférico do que algo fundamental
para a plena vivência.
Isto posto, verifica-se a importância urgente de restaurar na política e nas
relações interpessoais um conceito mais sólido e, de certa forma, eterno de
amizade, não apenas um valor “líquido”. 
Cauan E.E.Schettini. 2.º Ano – ADM. ETEC Mandaqui. Filosofia.

2. As atuais políticas como causas de exclusão da amizade.

Desde o século XIX, estendendo-se para o século XX e XXI, iniciou-se uma


série de teorias e políticas utópicas, desde o socialismo até o liberalismo,
passando para os totalitarismos do século XX, como nazismo, fascismo e
comunismo, até chegar hoje em dia na socialdemocracia, visível em voga em
diversas nações, sejam europeias ou americanas. A falta de compaixão e
empatia das propostas revolucionárias e políticas de ambos os lados do
espectro político são características quase essenciais para o florescimento
delas. Ambas buscam somente o seu objetivo mais primário: o estabelecimento
daquele regime x ou y, sem considerar minimamente as fundamentações
principais e mais profundas da sociedade. Entre elas, a amizade. Ao passo que
esses regimes e essas ideologias se desenvolvem, a amizade também é
desprezada e excluída da sociedade, ou vista como algo anormal e incomum.
Não à toa, como está escrito acima, nos dias atuais a amizade é vista para
poucos. 
Como bem explicitou Eric Voegelin, filósofo alemão radicado nos Estados
Unidos, há uma miríade de religiões políticas que, diferenciando-se da religião
propriamente dita a promessa de um progresso, de uma felicidade plena ou de
um paraíso terrestre. A diferença das religiões, como a cristã, é que não nos é
prometido o paraíso terrestre, mas sim celeste. É feita uma inversão total desse
conceito que mobiliza e fundamenta a sociedade: a religião, como assinalou o
filósofo americano Russel Kirk (“Não existe civilização sem religião”1). Dessa
maneira, quando se inverte o conceito de religião, prometendo um paraíso
terrestre, criam-se as ideologias, as quais, como bem mostram os autores do
artigo, em nome desse Éden na terra, exclui-se a amizade, gerando o ódio, o
ressentimento, a divisão e o egoísmo. 

3. A amizade como equilíbrio entre razão e afeto. 

Segundo Epicuro, filósofo grego do período helenístico, uma das bases


essenciais para a felicidade eram os amigos. Viver bem, querer-se bem, na
simplicidade, isso seria a vida plena. Esse conceito de felicidade não poderia

1
https://contraosacademicos.com.br/blog/civilizacao-sem-religiao/
Cauan E.E.Schettini. 2.º Ano – ADM. ETEC Mandaqui. Filosofia.

acontecer quando se é desmedido ou imodesto, isto é, para atingir a felicidade,


no caso ter verdadeiros amigos, é necessário um equilíbrio e uma harmonia
mútua entre os desejos, os sentimentos e as vontades. Como dizia Santo
Tomás de Aquino, definindo amizade,  “idem velle, et idem nolle”, ou seja,
querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas. Não é possível,
portanto, ter uma verdadeira amizade quando há um desequilíbrio entre o
querer e o rejeitar de uma das pessoas naquela relação. 
A paixão (“páthos”, que deriva a palavra patologia) é um desequilíbrio da mente
em relação aos seus desejos, pois os deixa desordenados. Com os desejos
ordenados, pode-se atingir o “idem velle, et idem nolle”, pode-se querer e
rejeitar as mesmas coisas, pois, como diz o autor do texto: “a amizade exige
algo mais: um equilíbrio entre razão e afeto”. 
Vê-se, contrariamente, nas relações profissionais, por exemplo, uma excessiva
racionalização dos acontecimentos e ações, tornando-os todos não como
atividades essencialmente humanas, mas sim quase robóticas e, logo,
esvaindo-se todo afeto que delas provém. É necessário, portanto, um
equilíbrio, um meio-termo, uma justa medida, como dizia Aristóteles, para,
assim, atingir-se a amizade e, ao fim, a felicidade. 

4. Amizade como experiência virtuosa, segundo Aristóteles.

Continua-se o assunto anterior: para atingir a amizade, não basta a paixão ou a


razão, é preciso, segundo Aristóteles (e também Santo Tomás de Aquino
posteriormente), a virtude. Como diz o próprio autor: “o amor é uma emoção, e
a amizade é uma disposição de caráter”. Toma-se, consequentemente, uma
decisão ao buscar a amizade — que pode ser definida como o querer-se bem
mutuamente. Pois o querer é justamente uma decisão, “uma disposição de
caráter”, fruto da vontade, não da emoção. Dessa forma, praticando a virtude,
pelo hábito, consegue-se a amizade.

5. “A política e a democracia se nutrem da amizade.”

Nesse sentido, Aristóteles também assinala para a importância da amizade no


fortalecimento da política e da democracia, sendo justamente essa virtude uma
fonte de vivência pública plena, evitando os típicos problemas e adversidades
Cauan E.E.Schettini. 2.º Ano – ADM. ETEC Mandaqui. Filosofia.

que há na política. Logo, quando se busca uma boa política, se busca também
uma boa amizade, pois essa última é baseada, sine qua non, na justiça. Sem a
justiça, não existiria amizade e vice-versa. Por isso reforça-se o caráter da
virtude na prática da amizade. Não somente, na amizade, se estimula o querer-
se bem, mas também as outras virtudes próprias do bom homem: a
magnanimidade, a justiça, a honradez, a nobreza, a caridade, etc. 
Na política, quando se busca apenas o prazer egoísta, a vaidade e a soberba,
rapidamente o sistema se torna corrupto, seja pelos cidadãos, seja pelo
Estado. Assim também ocorre na amizade (e por isso pode-se fazer um
paralelo entre os dois): quando um deseja apenas o prazer e despreza o outro,
a relação se corrompe e sucumbe. Sendo assim, a amizade, como a boa
política, só é possível quando se pratica a virtude. 

6. “O paradoxo da amizade é o mesmo da liberdade”.

Ao final do texto, os autores citam a frase acima, afirmando que o paradoxo da


amizade é o mesmo da liberdade. Para dar algo, obviamente, é preciso ter
esse algo. Para dar a liberdade, é preciso estar liberto, isto é, parafraseando
Kant (como diz o texto), é preciso ser dono de si mesmo, ser alguém autônomo
para dar a autonomia ao outro. Assim também acontece com a amizade, é
preciso ser virtuoso para dar a virtude; é preciso ter-se dominado a si mesmo,
para poder bem agir com o outro. Quando não há isso, não há liberdade, não
há amizade. Eis o mesmo paradoxo: o que nós somos, vemos no outro e vice-
versa. O maldoso somente vê o mal no outro; o bondoso somente vê o bem no
outro. 
Portanto, ao julgarmos, devemos, primeiro, tirar a trave do nosso olho para,
então, enxergando bem, tirar o cisco do olho do outro (Mateus 7, 1-5). Sem
isso, quando estamos na escuridão propiciada pelas nossas próprias traves,
não podemos enxergar bem para tirar o cisco do olho do outro e, assim, não
mantemos nem a liberdade nem a amizade; somente a divisão e o egoísmo.  

Você também pode gostar