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O episódio traz uma das temáticas que envolve uma das naturezas
humanas, o amor, em uma realidade utópica e tecnológica de ficção científica.
Dois jovens solteiros, Amy e Frank, recorrem a um programa similar ao Tinder,
para encontrar seus amores verdadeiros, porém esse “Sistema” determina quem
vai ser seu parceiro e quanto tempo o relacionamento irá durar. O Sistema usa
um banco de dados adquirido a partir de outras experiências amorosas da
pessoa, para definir uma compatibilidade entre casais, a princípio uma forma
prática de se relacionar, mas que irá gerar conflitos por conta da complexidade
humana.
1.2 – INTRODUÇÃO
Apesar de ser uma obra de ficção, esse episódio é coerente quando fala
sobre os relacionamentos amorosos modernos, nos apresentados alguns pontos
que podemos utilizar para fazermos uma análise fenomenológica sobre o que é
amor no século XXI, uma questão explicitamente filosófica de se responder,
porém que nos ajuda a entender porque agirmos de determinada maneira. Umas
das premissas do episódio é nos mostrar a busca por um amor verdadeiro para
atingir um ideal construído socialmente, por inúmeros motivos como por
exemplo, medo de morrer sozinho. Indiferente se as pessoas querem se casar
ou não, as relações amorosas então presentes na vida de todos os seres
humanos, e com a modernidade surgiu formas de encontrar um parceiro para
viver a vida toda ou alguns momentos de prazer, como o Tinder. De acordo com
uma pesquisa feita pela UOL, esse APP de relacionamento chega à marca de
100 milhões de downloads no mundo todo, e no Brasil 10 milhões (TAGIAROLI,
2014). E apesar de ser uma das redes sociais que facilitam o trabalho de buscar
alguém, o quão influente ela é na nossa vida? Temos basicamente um “cardápio
humano” onde aceitamos ou não as pessoas como se fosse objetos para nos
saciar. (e aqui o “Sistema” e o Tinder se diferenciam, já que na vida real ainda
escolhemos quem queremos). Durante essa pesquisa iremos abordar algumas
questões observadas no episódio de Black Mirror e relacionar com a vida real e
o existencialismo.
2 - DESENVOLVIMENTO
Com o passar dos anos, assim como tudo se modificou, as relações
humanas não foram diferentes. A modernidade líquida está fazendo com que as
relações humanas fiquem cada vez mais flexíveis, ou seja, as pessoas não estão
dispostas a estarem em um relacionamento durante muito tempo, como indica a
matéria do G1, de que o número de casamentos caiu 2,7% em 2019 em relação
a 2018 e os casamento estão durando cada vez menos, em 2019 a média era
de 13 anos de duração. E uma das possíveis explicações é que as pessoas estão
mais focadas na sua vida pessoal, buscando se estruturar financeiramente,
antes de “construir uma família”. A média dos cônjuges que se casaram em 2019
era de 28 anos para mulheres e 31 anos para homens. (SILVEIRA, 2020)
Portanto quando uma pessoa objetifica a outra, ela está fadada a ser um
“objeto”, a servir somente para uma determinada função, a ser somente aquilo
que lhe foi colocado, e é onde as pessoas vão começar a te enxergar cada vez
mais desta maneira. Essa objetificação faz com que o ser humano sinta que não
pode ser nada diferente do que lhe foi proposto que ele deveria ser.
Além desse mito descrito por Platão, existem outras milhares de hipóteses
que buscam explicar esse conceito. Contudo iremos tentar responder algumas
perguntas como: por que buscamos tanto outra pessoa para nos sentirmos
completos? Existe um amor verdadeiro? E se existe qual a probabilidade de eu
encontrar essa pessoa no meio de bilhões de habitantes que vivem no mundo
atualmente? Tudo isso a partir de uma ótica existencialista.
Com tudo isso dito, podemos fazer um paralelo com o EP “Hang the DJ”
da série “Black Mirror”. E o primeiro ponto que iremos abordar aqui, é que Amy
e Frank (os protagonistas da trama) se submetem a utilizar o “Sistema” com o
intuito de encontrar suas “almas gêmeas”, renunciando a liberdade com o
propósito que o aparelho tecnológico iria encontrar suas respectivas “caras
metades”. E se por um lado, essa parecia uma solução simples, já que o
“sistema” tinha essa capacidade de criar padrões a partir de outros
relacionamentos e então achar seu parceiro ideal, pelo olhar existencialista este
ato seria considerado má fé, pois estão terceirizando o poder de decisão, para
evitar a angústia que a liberdade trás, com o intuito de encontrar alguém para
compartilhar a vida. E como já vimos anteriormente, esse conceito de querer
alguém que seja perfeito para você é uma construção social, e que não
necessariamente aquela pessoa nasceu para ficar com você, mas que ao
entender que apesar de todas as escolhas possíveis ele(a) escolheu viver esse
relacionamento e partir desse princípio que se constrói o amor. E que
curiosamente ao final do EP, que ambos tomam uma decisão de abdicar da
“ajuda” do sistema é que surge a possibilidade de se construir o relacionamento.
Um ponto que não foi discutido, mas que poderia ser uma das causas pela
busca intensa pelo amor seria o medo de viver sozinho. E para o filósofo alemão
Heidegger a solidão é um estado inativo do ser “homem’’, para ele cada homem
está sozinho no mundo. Ou seja, ele quis dizer que cada ser nasce sozinho e vai
morrer sozinho, e que ao longo da vida vai tendo suas experiências também
sozinho. Mesmo tendo outras pessoas no seu círculo social. Ninguém vivencia
seu próprio aprendizado ao não ser você próprio, cabe cada um vivenciar sua
travessia. Devemos aprender a sermos só, aceitar esse estado natural.
Devemos entender que estamos sozinhos e não podemos alimentar esse medo
e nem tentar amenizar essa sensação vivendo a vida do outro. Esse medo da
solidão vem da incapacidade que temos de olharmos para nós mesmos. Não
devemos ter medo de entrar fundo nesse autoconhecimento, pois se
continuarmos com esse medo vamos se distanciando de nós mesmo para
procurar no outro o que realmente tem em nós. (MACEDOCOUTO e JUNIOR,
2017)
Assim como vimos no episódio, vimos que o personagem Frank ficou com
muito medo de não dar certo com a Amy, por medo de voltar a ficar só, ele
resolveu mostrar que a inteligência artificial estava errada, então tomando
autonomia de suas escolhas.
Apesar de nos tornarmos seres cada vez mais egocêntricos por conta do
uso constante de redes sociais, ainda nos cerca o medo da solidão. Olhamos
com estranheza pessoas que vão a um restaurante, cinema ou passear
sozinhas. Isso pode ser um reflexo da indiferença geográfica que as redes
sociais nos oferecem, cultivando relações irreais e que nunca poderão ser
concretizadas. Segundo uma pesquisa da Happn, aplicativo de relacionamentos
semelhante ao Tinder, 20 a cada 100 brasileiros encontraram seus parceiros
atuais via aplicativos, 40 dos 100 recorrem à tecnologia para marcar encontros
casuais e sem compromisso e o restante almeja relacionamentos sérios.
(AMARO, 2018)
Cada vez mais as pessoas compartilhavam suas vidas nas redes sociais,
então por que não criar um aplicativo para relacionamentos amorosos, existem
vários tipos de sites de encontros, tem aqueles onde as pessoas procuram
relacionamentos mais sólidos ou de encontros de uma única noite. Acontece que
a vida nas redes sociais parece bem mais simples e “perfeita” do que na vida
real, apesar de ter contribuindo ajudando algumas pessoas com a autoconfiança,
dificuldade em se expressar, falar sobre seus sentimentos, com a timidez,
acabou virando também zona de conforto para essas pessoas, criou a
oportunidade para que elas fujam de suas realidades, criando personalidades
fictícias muitas vezes escondidas através de perfis Fakes, criando mais
dificuldades em se relacionar e conviver no mundo real. Afinal na internet
qualquer um pode ser quem quiser, ou ter aparência que deseja, se afastando
cada vez mais da própria realidade, e aumentando suas frustrações. A
população confia suas relações nos aplicativos, por medo da solidão, também
pela dependência emocional, e a necessidade de se relacionar, e principalmente
por confiar que através desses sites e aplicativos irão encontrar o seu “par ideal”
e também porque a internet como já comentamos é um mundo onde todos
parecem ser “perfeitos” e os defeitos passam despercebidos ou sequer são
notados. A dificuldade em se relacionar é comum, muitos cidadãos passam por
essa situação, porém fazer do mundo das redes uma zona de conforto não é a
melhor opção. (MOREIRA, 2010)
E dentro dos assuntos centrais de “Hang the DJ”, está a questão dos
algoritmos e relacionamentos amorosos. O final do episódio resume toda a trama
e deixa explícito que existe todo um processo na relação dos códigos virtuais,
deixando também um questionamento: o quanto os algoritmos influenciam as
nossas escolhas, criando a ilusão de autonomia?
Sartre escreve em seu livro “O Ser e o Nada” (1997, p. 570) que “escolha
e consciência são uma só e mesma coisa.” Ou seja, quando falamos de
liberdade, escolha e responsabilidade, estamos falando de uma mesma coisa:
consciência. Sartre (1997) também escreve que a angústia é o estado que se
dá ao reconhecer a total liberdade de escolha do indivíduo perante a sua
existência. O homem se sente angustiado ao perceber que é o responsável pelas
próprias escolhas, pois essa compreensão vem acompanhada do peso da
responsabilidade e da consciência de que não é legítimo, de maneira alguma,
culpar o outro por escolhas próprias.
2.7 AUTOCONHECIMENTO
3 CONCLUSÃO
A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Podemos dizer que apesar do episódio
nos apresentar uma realidade utópica (ou distópica, se levarmos em conta todos
esses pontos levantados e ignorar o “final feliz” do ep), a realidade que vivemos
não está muito longe da apresentada, já que os aplicativos e algoritmos nos dão
essa falsa sensação de escolha, e que é reforçada pelas construções sociais de
que devemos buscar um amor para viver a vida e que sozinho não é possível
ser feliz. Diariamente agimos de má-fé para poder atingir esse ideal. Também
seria correto dizer que usamos os outros apenas para nos saciar enquanto a
nossa “cara metade” não aparece, brincando de tentativa e erro. Porém o amor
não é algo que você vá encontrar no outro, o amor é escolha e construção diária,
readequação de projetos, não são uma só alma, mas duas, com desejos,
objetivos e afins. Antes de encarar o amor frente a frente é necessário saber
quem você é, ter consciência de que o outro não vai ser exatamente igual você,
e que talvez a pessoa com 100% de compatibilidade contigo nem exista, por
mais que você analise todos os dados e faça comparações cada um é único,
cada um está inerente a vida construindo sua própria essência.
Referências Bibliográficas:
LIMA, Maria J. Vieira; FREIRE, José Célio. O lugar do outro nas relações
amorosas contemporâneas: uma literatura ética levinasiana – publicado: Pepsic;
Londrina, dez. de 2017. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-
64072017000200006> Acesso: 3 de out. 2021.