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O seguinte trabalho possui por intuito discutir sobre os fenômenos da solidão e

da depressão na contemporaneidade, além de estudar a própria contemporaneidade com


enfoque em conceitos e teorias da Psicologia Social. Estudar os fenômenos sociais pode
ser visto como um desafio, isto justifica, portanto, a quantidade de maneiras distintas
que os estudiosos da sociedade encontraram para tentar explicá-la e conceituá-la. Neste
trabalho traremos algumas perspectivas teóricas passíveis de serem encaixadas ao tema
proposto, sobre a contemporaneidade e seus males uma vez que viver em sociedade
implica em diversos fatores que vão afetar o indivíduo dentro desta.
Na contemporaneidade há um predomínio de algumas psicopatologias que são,
segundo Tavares (2010), fruto das novas configurações simbólicas que produzem uma
subjetivação característica da pós-modernidade, muitas vezes deturpada. Bauman
(1998) em sua obra “Modernidade Líquida” trabalha o individualismo na sociedade
contemporânea, afirmando que nos afastamos do modo social dos nossos antepassados,
para ele somos seres sociais que estão cada vez mais tomados pela liquidez das relações
onde “nada é feito para durar”. Tendo isso em vista, muitas psicopatologias comumente
vistas nos indivíduos podem ser contextualizadas já que o indivíduo se vê desestimulado
e desiludido com a sua realidade de vida.
De acordo com Tavares (2010), vive-se em uma sociedade de aparência, contudo
devemos ter sempre em mente que “nem tudo que reluz, é ouro”. Há uma alienação dos
indivíduos por um modelo capitalista de consumo que transforma as relações e os
próprios indivíduos em objetos valoráveis ou não, há esta necessidade de aparentar ter
aquilo que é desejado, causando, assim, no sujeito um sentimento de angústia e seu
consequente adoecimento onde este modo de viver “impulsiona o sujeito a uma vivência
essencialmente narcisista, o eu sendo o principal objeto de investimento libidinal e o
outro usado apenas como recurso para o prazer imediato” onde o outro possui valor pelo
que ele parece possuir. De acordo com Tavares (2010), esta sociedade de aparência
implica em um mal-estar.
Essa forma de mal-estar contemporâneo pode ser compreendida a partir do ponto
de vista econômico, político e social. O discurso neoliberalista que acirra a
competitividade, coloca os sujeitos em uma situação de instabilidade ligada a falta de
pertencimento, priorizando a economia de mercado, de modo a reger a vida social e, por
sua vez, apaga as subjetividades quando coloca o sucesso ao lado apenas de conquistas
materiais. Há pouco espaço para a escuta do sofrimento dos sujeitos.
Este chamado “mal-estar” é um tópico que já fora abordado por Freud em sua
publicação “Mal-estar na Civilização”. Para Freud, a civilização é responsável pelos
nossos problemas, há para ele no estado civilizatório uma compulsão pelo trabalho, tece
ainda uma crítica à tecnologia uma vez que esta torna o homem “soberbo”. As relações
sociais na contemporaneidade não fogem à crítica Freudiana, a lógica capitalista cria
uma compulsão pelo trabalho causando, como dito anteriormente, uma angústia no
homem moderno, que deve se adequar a esses padrões. Devemos ressaltar que a crítica
de Freud não se direciona diretamente ao capitalismo e sim ao modelo civilizatório em
que nos encontramos, contudo este não pode deixar de ser mencionado. Vale ressaltar
que na época de Freud o conceito de depressão que se conhece atualmente ainda não
existia, o sujeito depressivo, portanto seria aquele que denuncia o mal-estar em tempos
atuais.
Max Weber conceitua o “desencantamento do mundo” na contemporaneidade
onde um desses “desencantadores” é o pensamento científico. Este desencantamento
fala tanto de uma perda do encanto (valores mágicos e religiosos) quanto de uma
desmotivação (Cardoso, 2014). Para ele a perda de sentido do mundo ocorreria posto
que o saber científico (razão) substituiria a religiosidade, ficando assim os indivíduos
sem ter ao que recorrer em momentos de desamparo, deste modo há uma perda de
sentido já que são as religiões que conferem sentido à realidade (Cardoso, 2014).
Ainda em Weber, ao se libertar dos valores religiosos o homem se torna escravo
de sua própria criação e acaba por perder a sua liberdade. “Segundo ele, a mesma
racionalização progressiva que libertou a humanidade das superstições, de Deus, tende a
escravizá-la em rígidas estruturas institucionais” (Cardoso, 2014, p. 116), estrutura esta
que é o capitalismo onde a “natureza não é vista mais como um jardim encantado,
passível de contemplação, respeito, admiração. Ela não possui mais sentido, é uma mera
máquina que tem que produzir” (Cardoso, 2014). Com estes conceitos acerca da
contemporaneidade em mente, será trabalhada a depressão e a solidão.
A depressão é comumente descrita por estudiosos e profissionais da saúde como
“o mal do século" devido ao elevado número de pessoas acometidas desta. A depressão,
assim como a solidão, não possui faixa etária específica para existir, pode estar presente
nos mais diversos indivíduos, contudo, é notório que os indivíduos mais afetados pelo
transtorno são aqueles em situação de vulnerabilidade social. Se faz presente também
em indivíduos que sofreram grandes perdas, ruptura de relacionamentos, uso abusivo de
álcool e drogas, além de acometidos de outras doenças com riscos de terminalidade,
contudo não associa-se apenas a estes fatos. Muito se fala atualmente nas mídias sobre
a depressão, mas nem sempre o tema é abordado com a devida seriedade, onde muitas
vezes a tristeza por si só é tratada como depressão, há muito mais sobre senso comum
nessas discussões rasas do que enfoque teórico e científico acerca do assunto, é possível
perceber uma tendência em considerar tudo aquilo que foge aos padrões como algo
patológico.
De acordo com o DSM-V (2014), há vários tipos de transtorno depressivo, uma
característica comum a todos eles é a presença de humor triste, irritável ou vazio que
vem acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam a capacidade de
funcionamento do indivíduo acometido desta. A depressão é incapacitante em muitos
casos, podendo inclusive levar ao risco de suicídio. Devemos ter em mente que os
manuais diagnósticos costumam levar em consideração as manifestações sintomáticas
dos casos de depressão, portanto não deve ser esquecido as vivências individuais e a
subjetividade do sujeito acometido (Esteves & Galvan, 2006).

A dinâmica imposta e/ou auto-imposta por estes sujeitos conduz a uma singular
percepção da imagem, onde o vazio, sintoma insuportável da depressão, faz o depressivo ter
inúmeras ações na busca de preenchê-lo. Estas ações podem ser notadas no uso das drogas
(álcool, cigarro, narcóticos), na ingestão de alimentos em excesso, na busca insaciável e
promiscua do sexo, nas relações afetivas superficiais e efêmeras que se multiplicam, e em uma
série de buscas incansáveis por gratificação, acabando por destruir-se com a finalidade de punir
o objeto, ou com fantasias de preencher o vazio deixado pelo “objeto perdido”(...)Ao se falar de
sintomas depressivos contemporâneos, estamos falando de qualquer objeto externo que é
buscado com a finalidade de preencher o vazio insuportável. Isto nos remete à percepção da
própria identidade e às suas primeiras relações objetais que a tem constituído. (Esteves &
Galvan, 2006)

De acordo com Carvalho, Borges e Rêgo (2010), o Interacionismo Simbólico é


uma perspectiva teórica de estudo da sociedade que possibilita que se compreenda a
maneira que os indivíduos interpretam o mundo ao seu redor e como essa interpretação
pode influenciar e conduzir o comportamento individual em algumas situações, para
elas esta abordagem é considerada a mais adequada para o estudo de processos de
socialização e ressocialização, mobilização de mudanças de opiniões, comportamentos,
expectativas e exigências sociais. No mesmo artigo as autoras destacam que

o interacionismo simbólico se fortaleceu em um caminho que permite abordar os fenômenos,


aplicando uma dialética entre aspectos da estruturação social e a construção das
individualidades, entre o geral e o particular, entre o cultural e o singular, entre sujeito e objeto,
apreendendo as contradições da vida contemporânea no contexto de sociedades plurais bem
como refletindo sobre os fenômenos sociopsicológicos sem ignorar o caráter histórico dos
mesmos. (Carvalho, Borges e Rêgo, 2010, p.160)

Deste modo podemos vislumbrar a depressão e a solidão por este viés.


Segundo Tavares (2010) há ainda na sociedade contemporânea toda uma
configuração que leva o sujeito a isolar-se. As tecnologias, a internet e as redes sociais
criam o que o autor denomina “multidão solitária”, um sentimento de falso
pertencimento uma vez que na internet pode-se ser quem você quiser. Castells (2016)
em sua obra discorre acerca das redes e suas implicações na sociedade, de modo que em
uma passagem cita um estudo da Carnegie Mellon University onde um grupo de
pesquisadores em psicologia examinaram os impactos da internet sobre o envolvimento
social e o bem-estar psicológico na internet nos anos de 1995 e 1996, neste estudo
concluiu-se que a quanto mais intenso o uso da internet maior o declínio de suas
relações com seus familiares, maior o declínio no tamanho do seu círculo social e
aumento da depressão e da solidão (Kraut et al., 1998, como citado em Castells, 2016).
Para falar sobre depressão e solidão na contemporaneidade, é necessário falar
também sobre a cultura do consumo. A todo momento a sociedade é bombardeada pela
cultura do consumo, através de matérias informativas em veículos de comunicação de
massa e publicidade nesses mesmos veículos e nas mídias sociais. Os produtos são
apresentados como se garantisse a autonomia do potencial consumidor. Mas basta um
olhar um pouco mais crítico para perceber que a liberdade que o indivíduo acredita deter
é induzida pelo desejo criado pelo mercado. E se o indivíduo pode se identificar com
aquilo que o mercado lhe apresenta, por que não se identificaria com diagnósticos que
os induz a psicotrópicos? Há um obrigação incondicional à feliciadade e qualquer
descuido com tal obrigação é comumente chamada de depressão e, a partir de então, são
oferecidas possibilidades de soluções imediatas.
Em 1967, Guy Debord (2007) denomina a sociedade pós-moderna como
“sociedade do espetáculo”, no qual o espetáculo é a forma que a burguesia encontra
para dominar o proletariado, retomando o conceito de Marx do fetiche de mercadorias.
As relações interpessoais seguem o padrão da sociedade atual e aparecem sob uma nova
forma. Com o avanço das tecnologias e disseminação das redes sociais, tudo que
envolve a sociedade capitalista se resume ao dinheiro e ao consumo ilimitado. É
possível perceber uma sociedade muito mais preocupada com as aparências, entusiasta
dos filtros que escondem suas imperfeições, como uma tentativa de fuga da própria
realidade. Nesse sentido, os indivíduos que não se adequam aos padrões impostos pelo
senso comum, que não conseguem expressar a felicidade imposta pelas redes sociais,
deixam de se sentir parte do todo, o que pode levá-lo a uma reclusão.
A solidão está presente em todos os âmbitos da sociedade, desde a infância até a
velhice, sendo esta muito difícil de caracterizar uma vez que é um fenômeno singular.
Segundo Pais (2006) interessa ao estudioso da sociedade compreender os mecanismos
sociais que produzem a solidão, faz-se necessário que o estudioso tenha uma
compreensão prévia do que significa a solidão para o indivíduo para poder compreender
as formas sociais como ela é vivida.
Para Tamayo e Pinheiro (1984) alguns aspectos devem ser considerados ao
definir e conceituar a solidão, dentre eles estão: sentimento de isolamento; sentimento
indesejado e desagradável; falta de sentido e significado na vida; e deficiência nos
relacionamentos. Tais pesquisadores apontam que há na solidão um sentimento de
alienação do sujeito em relação aos outros. A solidão muitas vezes é relacionada a uma
constante insatisfação, como se os desejos dos indivíduos nunca fossem satisfeitos. Para
Bauman (1998) a fragilidade e a incerteza são marcas desse tempo, onde nada pode
manter a forma ou permanecer igual por muito tempo. Ser um indivíduo nessa
sociedade significa sempre se diferenciar dos demais. E é nessa busca pela
individualidade que a humanidade se depara com o progressivo enfraquecimento dos
vínculos sociais. Dessa forma, os sujeitos se isolam cada vez mais, a ponto de se
sentirem aprisionados, mesmo em uma sociedade em que deveriam experimentar os
benefícios da liberdade.
Falando ainda sobre a influência dos meios de comunicação de massa em relação
aos indivíduos contemporâneos, desta vez a partir da perspectiva das Representações
Sociais, Gomes (2001) destaca que

A tendência psicologizante vinda do domínio do consumo e da publicidade atuam fortemente


seduzindo e impondo, de forma subliminar, algumas representações sociais. Por exemplo, as
mensagens publicitárias continuam nos vendendo a imagem que todas as mães são belas, que
todas as famílias são felizes, que os donos de automóveis importados têm mais poder e charm do
que os que possuem carros populares, que você é o que consome e será valorizado por isso.
(Gomes, 2001, p. 116)

A representação social é uma vertente da Psicologia Social, considerada um


saber construído, nesse sentido, não seria uma resposta individual emitida em relação a
um estímulo social, mas a maneira como os grupos sociais constroem e organizam
diferentes significados dos estímulos do meio social e as possibilidades de respostas que
podem acompanhar esses estímulos. A natureza das representações sociais são, entre
outras coisas, construções simbólicas da realidade que, quando são socialmente
elaboradas e compartilhadas, contribuem para a construção de uma realidade comum
que possibilita, assim, a comunicação. Gomes (2001) conclui que

Para Moscovici, a formação das representações sociais depende da qualidade e do tipo de


informações sobre o objeto social que o indivíduo dispõe, do seu interesse pessoal sobre aspectos
específicos do objeto e da influência social no sentido de pressionar o indivíduo a utilizar
informações dominantes no grupo. Ele propõe uma relação particular entre sistemas de
comunicação e as representações sociais, apoiado no caráter circulante e móvel de sua teoria.
(...)Dessa forma, a mídia, integrada por um grupo de especialistas formadores e sobretudo
difusores de representações sociais, é responsável pela estruturação de sistemas de comunicação
que visam comunicar, difundir ou propagar determinadas representações. (Gomes, 2001, p. 123)

Diante do exposto, é possível identificar, a partir do estudo do comportamento


humano, que as exigências e condições que a contemporaneidade impõe aos sujeitos
está diretamente ligada ao que é considerado mal-estar contemporâneo, uma vez que
alguns aspectos da interação humana estão conectados ao modo como esse indivíduo se
limita a orientar sua própria conduta a partir da presença do outro e sob a ótica da
cultura do consumo que propõe uma autonomia individual ilusória. Diariamente os
sujeitos são atravessados por um bombardeio de informações que acabam contribuindo
para construção de um indivíduo com frustrações e angústias, implicado em um modo
de viver idealizado, que não necessariamente é possível alcançar. Percebe-se, portanto,
que a estrutura da sociedade atual e seus laços estão relacionados a fatores que
produzem um efeito de isolamento do sujeito, que, para ser considerado indivíduo dessa
sociedade, precisa se diferenciar daquilo que é considerado comum.

Debord, G. (2007). A sociedade do espetáculo - Comentários sobre a sociedade do


espetáculo (4ª ed). Rio de Janeiro: Contraponto.
Pinheiro, A. A. A., & Tamayo, A. (1984). Conceituação e definição de solidão. Revista
de Psicologia, Fortaleza, 2(1), 29-37. Recuperado de
http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/1061
Gomes, M. A. S. (2001, jul-dez). O papel da mídia na difusão das representações
sociais. Comum, Rio de Janeiro, 6(17), 111-125. Recuperado de https://www.sinpro-
rio.org.br/imagens/espaco-do-professor/sala-de-aula/marcos-alexandre/opapel.pdf

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Manuel Castells A Sociedade em Rede

CONTEMPORANEIDADE:
bauman modernidade liquida
mal-estar na civilizacao freud
Weber http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170608150055.pdf

DEPRESSAO
DSM-V
http://books.scielo.org/id/j42t3/pdf/tavares-9788579831003-01.pdf (MUITO BOM)
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
03942006000300012
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22131/tde-04052017-194800/publico/
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