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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROJETO DE PESQUISA

Narrativas marginais: interfaces entre psicanálise e literatura

Profa. Dra. Priscilla Melo Ribeiro de Lima

Goiânia, GO
2020
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Identificação do projeto e pesquisadores envolvidos

Projeto: Narrativas marginais: interfaces entre psicanálise, literatura e sociedade


Pesquisadora responsável: Profa. Dra. Priscilla Melo Ribeiro de Lima
Período de realização: abril de 2020 a dezembro de 2024
Alunos de pós-graduação da UFG (PPGP-UFG):
Aline Santana Peres
Camila Nogueira do Nascimento
Ciro de Oliveira Gonçalves
Ieslei Miguel de Souza
Rosana Ferrari Pandim Lisboa Teixeira
Alunos de graduação da UFG (Psicologia):
Geovanna Neves Rocha
Haney Soares Silva
Larissa Paula Santos Gandora
Lucas Passos de Moura
Sarah Rodrigues Caldas

Introdução e fundamentação teórica do objeto de pesquisa

“Num dado momento, Clara ergueu-se


da cadeira em que se sentara e abraçou
muito fortemente sua mãe, dizendo, com
um grande acento de desespero:
– Mamãe! Mamãe!
– Que é minha filha?
– Nós não somos nada nesta vida.”
Lima Barreto, Clara dos Anjos,
1924/2017, p. 174.

Por vezes nos deparamos com um ar confessional durante a leitura de Clara dos
Anjos. Seu autor, Lima Barreto, desabafa e denuncia a sociedade na qual vivia. Sociedade
de ideal burguês e escravocrata, como tantas vezes denunciou da mesma forma Machado
de Assis em anos anteriores, o Brasil se formou de forma bastante paradoxal. A
desigualdade social foi a base sobre a qual se constituiu nossa forma de organização social
que permanece até os dias atuais. O genocídio da população negra e indígena, a
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culpabilização da mulher, a marginalidade do jovem pobre e negro, a exploração e


expropriação do trabalho do pobre, e o apagamento das vozes desses sujeitos têm suas
raízes em nossa história e na forma como nossa sociedade foi fundada.
Benjamin (1940/2012b), nas suas famosas teses sobre o conceito da história, que nos
adverte que todo monumento da cultura é também um monumento da barbárie: “nunca
houve um documento da cultura que não fosse simultaneamente um documento da
barbárie. E, assim como o próprio bem cultural não é isento de barbárie, tampouco o é o
processo de transmissão em que foi passado adiante. Por isso, o materialista histórico se
desvia desse processo, na medida do possível. Ele considera sua tarefa escovar a história
a contrapelo” (p. 245). Esse também é nosso objetivo – compreender a construção sócio-
histórica brasileira a contrapelo, de forma a investigar os processos psicossociais que
permeiam a construção dos modos de subjetivação presentes ainda na atualidade.
Em praticamente todos os campos da ciência que se propõem a compreender a
subjetividade humana, houve a prevalência da versão oficial dos fatos divulgada pelos
vencedores e dominadores. Desde a Sociologia e a História, passando pela Psicologia e
pela Psicanálise, a forma de compreender o sujeito ainda tem sido a partir de uma lógica
hegemônica, em que o ideal a ser conquistado é a do homem branco, burguês,
heterossexual e cristão. Obviamente essas ciências têm se movimentado e construído
discursos de resistência para solapar a hegemonia e o colonialismo de pensamento e de
funcionamento. Na psicanálise, por exemplo, a maioria dos autores não questiona acerca
da constituição do Ideal do Eu cuja realidade material é diferente para homens e mulheres,
brancos e negros, ricos e pobres. Não se considera que o ideal cultural está fundado no
homem branco, e que existem sanções sociais para quem diverge do hegemônico. Burke
(1991/2011) e Sharpe (1991/2011) ressaltam a necessidade premente de se investigar a
história vista de baixo. Tomando como base a denúncia de Benjamin (1940/2012b) – a
história é sempre a história de uma barbárie narrada pelos vencedores –, esses autores
enfatizam que é necessário ir ao cotidiano das pessoas silenciadas e excluídas para que se
compreenda melhor os processos sociais e históricos constitutivos da sociedade.
É a partir dessa questão que recorremos ao conceito de pacto civilizatório em Freud
e de contrato narcísico e pacto denegativo em Aulagnier (1979; 1990a; 1990b). Piera
Aulagnier, psicanalista italiana radicada na França, propõe uma retomada de alguns dos
fundamentos propostos por Freud em O mal-estar na civilização (1930/2010b) para
teorizar acerca dos contratos de silenciamento e exclusão.
Em Moral sexual ‘cultural’ e o nervosismo moderno, Freud (1908/2015) já lançava
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fundamentos importantes para análise da vida na civilização moderna em oposição à vida


instintual. Ao analisar a vida urbana moderna e seu afã pela novidade e prazer, Freud
afirma que “a vida nas grandes cidades se tornou cada vez mais inquieta e refinada. Os
nervos exaustos procuram a recuperação em estímulos exacerbados, em prazeres bastante
condimentados, apenas para cansar-se ainda mais” (p. 363). Em diversos outros
momentos, e a culminar no texto de 1930, Freud analisa como a civilização é ao mesmo
tempo fonte de sofrimento e de prazer. O surgimento da civilização se deu em um
momento em que os homens perceberam a necessidade uns dos outros para a própria
sobrevivência. Diante da possibilidade de ser morto por um inimigo comum e da
necessidade de garantir a sobrevivência diante de ameaças da natureza, os homens
começaram a estabelecer acordos. O principal deles, que foi o gérmen civilizatório, é o
refreamento das pulsões agressivas e sexuais. Freud resume o refreamento dessas pulsões
nos preceitos mais antigos do judaísmo: “Não matarás”, “Não cobiçarás a mulher do
próximo”, “Não adulterarás”, “Não roubarás”, “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”.
Freud ressalta que existe um pacto fundante refletido nesses preceitos: em troca da
segurança garantida pelo pertencimento à horda, o sujeito deveria renunciar a parte de sua
satisfação pulsional. Em O mal-estar na civilização, Freud (1930/2010b) afirma que “o
homem civilizado trocou um tanto de felicidade por um tanto de segurança” (p. 82).
Foram os processos do recalque e da sublimação que fizeram com que a civilização
nascesse e avançasse, mas não sem experimentar um mal-estar diante da não-satisfação
pulsional.
O sujeito, então inserido na civilização, passou a buscar formas para lidar com esse
mal-estar. As produções artísticas, científicas e religiosas foram, e ainda são, tentativas
de amenizar a angústia decorrente desse mal-estar. Freud afirma que a felicidade,
enquanto sinônimo de ausência de desprazer e de mal-estar, é impossível e que o máximo
que conseguimos é encontrar formas substitutivas de obter prazer – breve e nunca total.
Ele ressalta:
as três fontes de onde vem o nosso sofrer: a prepotência da natureza, a fragilidade de
nosso corpo e a insuficiência das normas que regulam os vínculos humanos na
família, no Estado e na sociedade. (...). Temos outra atitude para com a terceira fonte
de sofrimento, a social. Esta não queremos admitir, não podendo compreender por
que as instituições por nós mesmos criadas não trariam bem-estar e proteção para
todos nós (pp. 43-44).
Assim, as instituições sociais criadas pela própria civilização como uma forma de
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garantir o bem-estar dos seus cidadãos são a terceira fonte de sofrimento apontada por
Freud. Na verdade, o que ocorre é uma troca – o sujeito renuncia à satisfação plena em
troca da manutenção da civilização. Nesse sentido, Freud ressalta a descoberta da
psicanálise: “Descobriu-se que o homem se torna neurótico porque não pode suportar a
medida de privação que a sociedade lhe impõe, em prol de seus ideais culturais”
(1930/2010b, p. 45). O sujeito acredita que ao se submeter à privação, encontrará proteção
ante o desamparo e alívio do mal-estar. O fato é que isso não acontece, pois em alguma
medida o desamparo traz a angústia. Entretanto, o desamparo, apesar de inerente à
condição humana, será sentido de formas diferentes entre os sujeitos. As normas que
regem os vínculos – desde os tabus às regras de aceitação e reconhecimento – são
insuficientes para garantir que todos os sujeitos recebam as benesses da vida em
sociedade. Assim, alguns serão acolhidos e amparados, e outros terão seu desamparo
potencializado. Freud, analisando aspectos constitutivos da civilização ocidental, afirma
que: “Não é preciso dizer que uma cultura que deixa insatisfeito e induz à revolta um
número tão grande de participantes não tem perspectivas de se manter duradouramente,
nem o merece” (1928/2014, p. 243). É necessário repensar os termos do pacto
civilizatório de forma a abarcar todos os sujeitos dele integrantes.
Violante (2000), em análise acerca da exclusão social, ressalta que o mecanismo de
exclusão social expõe as fissuras do pacto civilizatório. Esse mecanismo “consiste em
destinar ao portador de algum sinal que a sociedade considera estigmatizante – a pobreza,
a negritude, a homossexualidade, o aleijume etc. –, a rejeição social plena, isto é, a
rejeição de todos os atributos do sujeito portador de um ou mais daqueles sinais” (p. 64).
Esses sujeitos, mesmo excluídos socialmente, são partes integrantes da lógica perversa
através da qual nossa sociedade produz e distribui riquezas, enfatiza Violante (2000).
Aulagnier (1979), em sua metapsicologia, analisa o pacto civilizatório proposto por
Freud (1930/2010b) a partir do conceito de contrato narcísico, e utilizaremos de sua
análise para investigar acerca do sofrimento psíquico e social do sujeito excluído.

Contrato narcísico e processos identificatórios


Em Introdução ao narcisismo, Freud (1914/2010a) aponta a importância dos ideais
familiares e culturais na construção do Super-eu, instância reguladora do desejo e
representante interna da realidade externa. Inicialmente, o bebê é colocado em um lugar
de intenso investimento narcísico dos pais. Freud destaca que os pais buscam realizar o
próprio narcisismo através do(a) filho(a). Constrói-se, assim, o Eu-ideal, portador do
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narcisismo paterno. A subjetividade é investida, desde a sua origem, de emblemas


simbólicos e imaginários. Simbólicos porque precisa responder ao nome próprio, sexo e
parentesco; e imaginários devido à idealização feita pelos pais. Kupermann (2003) afirma
que o encontro entre o investimento parental inicial e os investimentos pulsionais do bebê
conduz à emergência dessa nova ação psíquica que permite a unificação da imagem de si
– o narcisismo primário. Em decorrência desse processo, erige-se um Eu-ideal depositário
da perfeição e completude.
Entretanto, o sujeito não permanece nesse estado de plenitude por muito tempo, pois
Se não pôde mantê-la, perturbado por admoestações durante seu
desenvolvimento e tendo seu juízo despertado, procura readquiri-la na forma
nova do ideal do Eu. O que ele projeta diante de si como seu ideal é o substituto
para o narcisismo perdido da infância, na qual ele era seu próprio ideal (p. 40).
O Ideal-de-Eu é impregnado pelos valores, ideais e interdições sociais transmitidos
pelos discursos parentais. Dessa forma, Kupermann (2003) nos afirma que o Eu se
constrói através dos processos identificatórios mediados pela linguagem. O Ideal-de-Eu,
instância herdeira do Complexo de Édipo e portadora da imago paterna, torna-se alvo do
investimento narcísico. Como desdobramento de todo esse processo, essa nova instância
carrega a marca da alteridade – o Eu percebe a necessidade da intermediação do outro
para a realização de seu desejo. O Eu é, portanto, uma construção intersubjetiva.
Constitui-se, em grande parte, a partir daquilo que idealizamos e fantasiamos causar no
outro, e gozamos, em grande medida, com o usufruto dessa condição. “Nosso desejo é o
de fazer o outro nos desejar, e nossa satisfação consiste em alcançar, na realidade ou na
imaginação, o que antecipamos de forma imaginária” (Costa, 2005, p. 73). Assim, durante
a primeira infância, a criança apreende que sua realidade é regida pelo desejo dos outros
que se manifesta através do espelho presente no olhar.
A alteridade fornece, portanto, subsídios para a construção ideal que guiará o sujeito.
Modular as frustrações e buscar novos objetos de investimento pulsional é função desse
Ideal-de-Eu pautado na alteridade. O olhar do Outro estará sempre presente. A imagem
de si está ancorada nos processos de identificação construídos a partir do outro e
intermediados pelos ideais culturais (Freud, 1914/2004). Dessa forma, podemos afirmar,
juntamente com Green (1988), que “a identidade não é um estado, é uma busca do Eu que
só pode receber sua resposta reflexiva através do objeto e da realidade que a refletem” (p.
45). Como em um espelho, ou vários, a realidade reflete a identidade do sujeito que, por
conseguinte, constrói uma imagem de si.
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Aulagnier (1979) ressalta que o narcisismo parental projeto na criança estará apoiado
em valores culturais. Existe, portanto, uma “cena extrafamiliar” que é a do registro sócio-
histórico que atravessa de forma constituinte a cena intrafamiliar. Nesse sentido, “por
registro sócio-histórico compreendemos o conjunto de instituições, cujo funcionamento
participa de um mesmo traço característico: ele é acompanhado por um discurso sobre a
instituição, que afirma se fundamento e sua necessidade. Este discurso designa, para nós,
o discurso ideológico” (p. 146). A cena intrafamiliar que engloba a relação do casal
parental e a criança carrega sempre o traço da relação do casal com o meio social que o
cerca. Gaulejac (1987/2014), a partir dessa ideia, destaca que todo romance familiar vai
carregar as marcas da classe social a qual a família pertence. Esse discurso social,
juntamente com o discurso parental, projeta uma antecipação do Eu do infans. Aulagnier
afirma que “bem antes do novo sujeito estar lá, o grupo pré-investirá o lugar que ele
supostamente ocupará, na esperança de que ele transmita, de forma idêntica, o modelo
sociocultural” (1979, p. 146).
Ao apropriar-se de uma série de enunciados do discurso social, o sujeito apropria-se
dos enunciados do fundamento daquele grupo social. Esses enunciados são partes
constituintes do discurso que afirma o fundamento das leis que regem o funcionamento
da cultura na qual o sujeito está inserido, afirma Aulagnier (1979). Esse fundamento
constrói um modelo ideal no qual o sujeito investe e repete. Ao fazer o movimento de
expansão do discurso parental para o discurso social iniciado com o narcisismo
secundário, a criança após se apropriar dos ideais familiares, se apropria também dos
ideais culturais. Esses passam a ser, juntamente com os primeiros, o discurso através do
qual o sujeito investe seu projeto futuro e sua repetição lhe garante a certeza de uma
origem, ou seja, lhe dá os elementos que lhe afiançam seu pertencimento e seu
enraizamento. O discurso social fornece ao sujeito, conforme analisa Aulagnier, um senso
de pertencimento a uma história coletiva anterior a si mesmo. Ou seja, o discurso social
vai lhe oferecer um modelo de origem e um modelo de futuro.
No processo de apropriar-se do discurso social, o sujeito vai se apropriando de seus
ideais e passa a tê-los como seus. Seu Ideal-do-Eu vai incorporando-os. Aulagnier atenta
para a constituição do sujeito ideal que se refere “ao sujeito do grupo, isto é, à ideia de si
mesmo que o sujeito pede ao grupo como conceito, conceito que o designa como um
elemento pertencente a um todo que o reconhece como um aparte homogênea a ele” (p.
150). Para que esse reconhecimento ocorra, o grupo espera que esse sujeito se engaje na
repetição e propagação de seus ideais culturais e se submeta a eles. Estabelece-se, assim,
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uma espécie de contrato. Esse contrato narcisista se estabelece em dois momentos: no


primeiro, o grupo investe no infans como “voz futura que ocupará o lugar que lhe será
designado” (p. 150); e no segundo, a criança, como contrapartida ao investimento grupal,
adota os ideais culturais e busca ocupar o lugar e o reconhecimento que lhe foram
prometidos.
Há, portanto, na constituição do Eu uma dupla vinculação. Juntamente à antecipação
do Eu realizada pelo investimento narcísico realizado pelo discurso materno, o discurso
social também antecipa o Eu do infans. Ao fazer a passagem do narcisismo primário para
o secundário, a criança vai buscar no discurso social aquilo que foi perdido, ou seja, a
confirmação da palavra materna embainhada do narcisismo perdido. Esse Eu é
historicizado, estruturado e investido por esses dois discursos, o parental e o social. O Eu,
para Aulagnier, seria um compromisso identificatório que permite ao sujeito se
reconhecer como elemento de um conjunto, mas também como ser singular, “como efeito
de uma história que de longe [o] precedeu e como autor daquela que [sua] vida conta”
(1990b, p. 187). O Eu é compreendido como constituído pelo discurso social, mediatizado
por um meio psíquico organizado pelo desejo e pelo discurso dos pais. Para tanto, o Eu
“exige realidade: prazer real, significação e reconhecimento advindo de pelo menos um
outro Eu que lhe sirva de ponto de apoio, modelo identificatório e suporte de
investimento” (Violante, 2000, p. 69). Quando da constituição do Ideal-de-Eu, o Eu
necessita encontrar na realidade social a promessa de que seus ideais são pelo menos
parcialmente tangíveis, reconhecidos e valorizados. Esses ideais são objetos de demanda
identificatória e o Eu necessita se projetar em uma imagem identificatória investida e
reconhecida socialmente (Lima & Lima, no prelo). Assim, diante da incorporação dos
ideais culturais e de adequação ao projeto de futuro e lugar de pertencimento imposto
pelo grupo social, o sujeito busca, como contrapartida, o investimento do grupo em si
mesmo. Ou seja, ele espera, em troca, que o grupo o reconheça enquanto pertencente ao
grupo e invista narcisicamente nele.
Esse investimento narcísico, que faz parte do desenvolvimento psicossexual, só é
possível se a trama social da qual os sujeitos participam puder lhes investir
narcisicamente. Este processo, portanto, confere ao sujeito um lugar de portador de
continuidade no conjunto social. O reconhecimento social, em sua vertente positiva, é,
portanto, portador de narcisismo. Quando esse contrato narcísico não é sustentado
positivamente pelas instituições, são produzidas marcas no psiquismo individual e grupal.
Como consequência, ocorre um déficit narcísico que é forjado gradativamente através de
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ataques cumulativos ao Eu do sujeito. Dessa forma, o acúmulo do reconhecimento


pautado na negatividade vai romper ou esgarçar o contrato narcísico. Esse esgarçamento
pode surgir como resultado de dois tipos de violência, segundo Carreteiro (2003): (a)
violências explícitas que marcam principalmente o corpo, e (b) humilhações implícitas
que são mais sutis, deixam traços, sem marcar o corpo.
O sofrimento surge quando os processos identitários são perturbados, vitimando o
sujeito e lhe deixando em extrema confusão entre o que é no olhar dos outros e para si
mesmo – entre o discurso e projeto parental, e o discurso e projeto social. Dentro dessa
perspectiva, Gaulejac (1987/2014; 2006) ressalta que todo sintoma possui um registro
psicossexual e um registro psicossocial. Isso ocorre porque a construção da identidade se
dá através das sucessivas identificações com as imagos paterna e materna, e identificações
com os aspectos, propriedades e atributos sociais dos personagens tomados como suportes
desse processo – discurso social. Dentre esses suportes, podemos destacar as relações
intrafamiliares, as relações sociais e a posição social ocupada pelo sujeito.
Dentro dessa trama, o Eu vai se historicizando e construindo narrativas acerca de seu
passado e projetando seu futuro. A compreensão do ‘romance familiar’ se faz necessária
juntamente com uma análise do ‘romance social’ do sujeito em questão. Gaulejac
(1987/2014) afirma que toda história pessoal é marcada por conflitos da história familiar;
que toda história familiar é atravessada pelas contradições da história social; e que toda
história é uma história das relações entre as classes sociais. Os conflitos do sujeito estão,
portanto, atrelados às contradições que caracterizam a história de seu grupo de
pertencimento e ao campo social, nos quais sua identidade se ancora. Podemos afirmar,
então, a importância da análise da gênese social na composição dos conflitos
psicológicos. Ao impor um ideal de branquitude, produtividade, consumismo e
jovialidade, os sujeitos que não se adequam a ele serão excluídos e o investimento
narcísico feito pela cultura será pelo negativo. Daí a importância de se escutar esses
sujeitos em suas produções narrativas. São essas narrativas que nos fornecerão elementos
para compreender como o discurso social na nossa sociedade atual formula ideais que
marcam os sujeitos pela negatividade. A escuta dessas narrativas se torna, assim, uma
escuta também de compromisso político com o sofrimento psíquico e social gerado pelo
contrato narcísico. Além de serem formas de auto engendramento, as narrativas ajudam
na compreensão dos processos identitários tanto para o narrador quanto para o ouvinte.
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Problemática de pesquisa e objetivos

A presente pesquisa é um desdobramento das pesquisas anteriores – “Discursos e


identidades: a velhice e seus modos de resistência” (2016-2019) e “Narrativas e
rememorações: a poiesis do eu” (2018-2020). Diante da problemática exposta e da
necessidade de aprofundamento de conceitos e da análise das narrativas, a presente
pesquisa se propõe a investigar as narrativas de vida como meio para compreender os
processos identitários de sujeitos silenciados socialmente. Nossa problemática engloba a
investigação da constituição psíquica e identitária de sujeitos marginalizados, tomando
como objeto as narrativas autobiográficas e textos literários brasileiros. Para tanto, temos
como objetivos: (a) compreender como o contrato narcísico e pacto denegativo se
estabelecem na cultura contemporânea; (b) aprofundar na compreensão da construção das
instâncias ideais; (c) aprofundar na compreensão das narrativas como possibilidade de
contorno do trauma e da exclusão; (d) investigar, a partir de narrativas autobiográficas de
sujeitos marginalizados, a constituição de identidades negadas socialmente; e (e)
aprofundar na compreensão dos processos psicossociais que constituem os modos de
subjetivação brasileiros.

Percurso metodológico

Nossa fundamentação teórico-analítica será a psicanálise freudiana, a


hermenêutica de Ricœur e os conceitos da metapsicologia de Piera Aulagnier. O corpus
de pesquisa será composto por dois tipos de dados: (a) textos literários que abarquem a
formação identitária brasileira; (b) narrativas autobiográficas escritas.

a) Textos literários
Utilizaremos crônicas, romances e textos Machado de Assis, Lima Barreto e
Clarice Lispector, e os diários e textos autobiográficos de Carolina de Jesus. Os critérios
de inclusão/exclusão, diante da gama de escritores e escritoras brasileiras, se deu a partir
da leitura de textos da crítica literária que nos apontaram para esses autores.
Machado de Assis (1839-1908) retrata em suas crônicas e romances o período que
abarca o final do 2º reinado e o início da República brasileira. O Brasil descrito por
Machado em diversos textos, principalmente na novela Casa Velha (1885-1886/2008),
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nas crônicas publicadas na seção Bons Dias! (1888-1889/2013), e nos romances Quincas
Borba (1897/2016), Dom Casmurro (1899/2016) e Esaú e Jacó (1904/2016), é a de uma
sociedade aparentemente dividida entre monarquistas e republicanos, mas que
estruturalmente era a mesma – uma sociedade escravocrata. Dessa forma, a cisão da nossa
sociedade nunca foi, na realidade, entre liberais e conservadores, monarquistas e
republicanos. A sociedade brasileira era, e ainda é, cindida entre a elite branca e livre, e
os negros, escravizados e pobres. Cisão que tem, em Machado, um aspecto inconciliável.
Gledson (1986/2003), um dos maiores críticos da obra machadiana, em análise de
Quincas Borba, ressalta que Machado tinha como objetivo retratar essa cisão identitária
brasileira a partir da loucura, ou cisão da mente, do personagem Rubião. Cindido entre a
realidade e a fantasia, Rubião se deixa ser lesado por um casal que vai, aos poucos, se
apropriando de sua fortuna. Assim como o Brasil, afirma Gledson (1986/2003), “Rubião
enriqueceu subitamente e desperdiçará sua fortuna, desviando-se esbulhar por capitalistas
cujos verdadeiros interesses estão no exterior” (p. 88). Realidade observada por Machado
ao longo da história do segundo reinado, mas ainda observada na contemporaneidade.
Dessa forma, utilizaremos de parte da obra machadiana para compreender a formação
brasileira e seus reflexos nas construções ideais e ideológicas que permeiam os processos
identificatórios dos sujeitos.
Lima Barreto (1881-1922) foi um grande escritor e crítico social nunca
reconhecido durante sua vida. Neto de trabalhadores escravizados, Lima viveu durante o
período do higienismo carioca do início do século XX. Sua obra retrata a pobreza dos
trabalhadores e da periferia do Rio de Janeiro. Antônio Cândido afirma que a escrita de
Lima Barreto era “voltada com lucidez para o desmascaramento da sociedade e a análise
das próprias emoções” (1989, p. 40). Suas obras Recordações do escrivão Isaías Caminha
(1909/2010) e Clara dos Anjos (1924/2017) retratam as questões sociais escravocratas
sobre as quais a sociedade brasileira se formou. O Brasil descrito nessas obras é um Brasil
que não reconhece o sujeito negro como sujeito de desejo e de direitos.
Clarice Lispector (1920-1977) foi uma escritora brasileira1 cujos escritos sempre
evocam alguma crítica social. O livro a ser analisado será A hora da estrela (1977/1995)
cuja personagem principal, Macabéa, reflete a realidade de grande parte dos brasileiros e
brasileiras. A injustiça social e a alienação são temáticas que fundamentam o romance.

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Clarice Lispector, na verdade, nasceu na Ucrânia e estava com alguns meses de vida quando sua família
se estabeleceu em Recife no ano de 1920. Em entrevista, a autora se declara brasileira por ter sido a única
terra na qual se formou.
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Além disso, discorre acerca da condição humana e dos limites da comunicação. Nesse
romance, Lispector retrata uma realidade de sofrimento social e psíquico daquele sujeito
cujo processo identificatório se deu pelo viés do negativo e do silenciamento.

b) Narrativas autobiográficas escritas


Analisaremos a narrativa escrita em forma de diários de Carolina de Jesus (1914-
1977) – mulher negra, moradora da favela do Canindé, zona norte de São Paulo e que
trabalhava como catadora de papéis. Seu diário, O quarto de despejo (1960/2019),
reproduz seu cotidiano nas comunidades pobres paulistanas e retrata o sofrimento, a fome
e angústias da vida expropriada. Considerado um dos marcos da escrita feminina
brasileira, seu livro é uma narrativa de uma mulher que lutou pela sobrevivência e que
encontrou na escrita uma forma de se fazer ser escutada e de denúncia de uma sociedade
perversa e excludente. Sua narrativa, caracterizada como narrativa do testemunho, é um
exemplo da história vista de baixo descrita por Burke (1991/2011).
Compreendemos que narrar a própria história transforma o autor em um outro para
si mesmo como em um espelho cuja imagem reflete o eu passado e o eu presente. É uma
busca por reconstrução do próprio passado, mas a partir do presente. Portanto,
compreendemos que não se trata apenas de narrar os fatos tal como aconteceram, mas a
forma como esse passado é recontado e as novas compreensões desencadeadas no sujeito
narrador acerca de si mesmo. A arte da memória e a literatura de testemunho “é a arte da
leitura de cicatrizes”, afirma Seligmann-Silva (2003, p. 56).

Método de pesquisa e análise dos dados


A narrativa é, desde muito tempo, um instrumento de transmissão de conhecimento
e organização da vida comunitária. Desde as sociedades sem escrita, a narrativa sempre
teve a função de preservar a memória coletiva e étnica. Le Goff (1990/2013) ressalta
como nas sociedades sem escrita a transmissão da história coletiva era feita através das
cantigas, histórias e desenhos na pele que narravam feitos heroicos e mitos fundadores.
Mesmo quando a escrita começou a ocupar o lugar da memória oral, nas chamadas
sociedades artesanais, as estórias e histórias narradas pelos anciãos ou pelos soldados,
como ressaltado por Benjamin (1936/2012a) permaneciam como forma de transmissão
cultural, histórica e identitária. As narrativas são as responsáveis por construírem e
transmitirem a identificação com o coletivo e a história de determinado grupo. Além
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disso, tem a função de transmissão dos valores coletivos, das ideologias, e da resistência
dos grupos silenciados (Burke, 1991/2011).
Ao coordenar diversos elementos e fragmentos, a narrativa tece um todo articulado
temporalmente e conectado simbolicamente. Sua articulação constrói o senso de
totalidade ante à fragmentação dos eventos vividos e do tempo. Em estudo acerca das
relações entre filosofia e literatura a partir da obra ricœuriana, Gentil (2004) ressalta o
caráter temporal das narrativas e afirma que “narrar é, mais que tudo, articular
simbolicamente o tempo, representá-lo, trazer à linguagem o que a ação experimenta e
organiza no mundo” (p. 112). A temporalidade e o simbolismo próprio da ação vão
constituir as “dimensões do mundo da ação que serão mimetizadas pela narrativa” (p.
112).
Essa mimesis nos remonta ao que Aristóteles discute em sua “Poética” (2007) e no
livro VI de “Ética a Nicômaco” (1991). Em sua análise acerca da composição da poesia,
Aristóteles afirma que o poeta, ao contrário do historiados, imita a vida e imita ações. Ao
imitar a vida, “se torna óbvio que a função do poeta não é contar o que aconteceu, mas
aquilo que poderia acontecer, o que é possível” (2007, capítulo 9, p. 54). Ao imitar, o
poeta recria a realidade e acaba por enunciar verdades universais, contrariamente à
História que apenas relataria o que aconteceu. A poiesis aponta, portanto, para um a
posteriori, apesar de se basear em algo que já aconteceu, ou seja, no passado (Lima, Viana
& Lima, 2015). No ato de imitar e transformar, a poiesis se constrói a partir de duas
funções: a fruição do belo e a (re)criação do mundo. Novos sentidos podem ser criados
pelo poeta e transmitidas ao leitor.
Ricœur se propõe, com base em alguns elementos levantados por Aristóteles, analisar
a composição das narrativas. Ele parte, principalmente, da ideia de mimesis, ou seja, do
tecer da intriga, e a divide em 3 momentos: mimesis I, mimesis II e mimesis III. O
primeiro momento – mimesis I – diz respeito ao contexto no qual e a partir do qual a
narrativa foi construída. Ricœur ressalta que todo e qualquer texto está inserido em um
contexto mais amplo do qual emerge e para o qual retorna ao ser compreendido. Um
discurso não se compreende fechado em si mesmo. Para compreendê-lo, é necessário
retornar ao seu contexto prévio, ou pré-configurante (Ricœur, 1983/2010c).
A mimesis II abarcaria o tecer da intriga propriamente dito. É o momento em que o
narrador articula os eventos e episódios a serem narrados. Podemos pensar que o elemento
central do ‘tecer da intriga’ é a operação de síntese que ela promove – a concordância da
dissonância: “o tecer da intriga opera uma concordância entre discordantes, faz ir juntos
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os elementos díspares do sujeito, da situação, de seus antecedentes e de suas


consequências” (Gentil, 2004, p. 90). Esse é o momento que Ricœur nomeia de ato
configurante que é a ação de “tomar juntamente as ações particulares ou o que chamamos
os incidentes da história; dessa diversidade de acontecimentos, ele tira a unidade de uma
totalidade temporal” (1983/2010c, p. 116). Diante da fragmentação da experiência e do
tempo, da sucessão de eventos, e da multiplicidade de aspectos contraditórios vividos, o
ato configurante tece a narração de tal forma que os elementos discordantes, ao serem
articulados, produzam uma concordância.
Além disso, a intriga é mediadora entre o antes e o depois, e daí tece uma narrativa
minimamente articulada. Isso ocorre porque a intriga faz a mediação entre
acontecimentos ou incidentes individuais e uma história tomada como um todo. Essa
mediação e articulação tira uma história sensata de uma diversidade de acontecimentos
ou incidentes, ou seja, transforma os acontecimentos ou incidentes em uma história.
Nesse sentido, Ricœur afirma que “a composição da intriga é a operação que tira de uma
simples sucessão uma configuração” (1983/2010c, p. 114)
Outro aspecto do ato de tecer a intriga é a capacidade de compor juntos fatores tão
heterogêneos como agentes, objetivos, meios, interações, circunstâncias, resultados
inesperados etc., e daí formar uma história. Diante disso, Ricœur afirma que a intriga
possui caracteres temporais próprios que nos autorizam a chamar a intriga de ‘síntese do
heterogêneo’. Essa seria a dimensão configurante da mimesis II, quando a intriga
transforma a sucessão dos acontecimentos em história, isto é, em uma totalidade
significante. O tempo narrativo faz a mediação entre a dimensão episódica, ou seja, uma
representação linear e sucessiva de acontecimentos, e a dimensão configurante. Assim,
“entender a história é entender como e por que os sucessivos episódios conduziram a essa
conclusão, que, longe de ser previsível, deve ser finalmente aceitável, como sendo
congruente com os episódios reunidos”, ressalta Ricœur (1983/2010c, p. 117).
O terceiro momento da composição narrativa – mimesis III – se dá quando “a
narrativa alcança seu sentido pleno quando é restituída ao tempo do agir e do padecer na
mimesis III” (1983/2010c, p. 123). Ou seja, quando marca a intersecção entre o mundo
do texto e o mundo do leitor/ouvinte. Estabelece-se, assim, a característica de
referenciabilidade e de comunicabilidade das narrativas (Ricœur, 1986/2010b), as quais
Gentil explica:
Do ponto de vista de Ricœur, o que uma obra de ficção diz não é nem simples cópia
de uma realidade já existente anteriormente fora dela, nem pura invenção, exercício
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de imaginação descolado de qualquer relação com o mundo exterior a ela. Trata-se


de um discurso que é feito por alguém, que nasce portanto de uma determinada
experiência da realidade, que diz algo dessa experiência e dessa realidade e o diz
para alguém que também vive numa determinada (outra) realidade, tem sua
experiência dessa realidade e vai assimilar o que lhe é dito de alguma maneira.
Assimilação através da qual o que foi dito retorna à realidade, ao mundo da
experiência e da ação humanas, de onde nasceu (2004, p. 56).
A referenciabilidade diz respeito à mediação entre o ser humano e o mundo,
evidenciados pelas mimesis I e III. Já a comunicabilidade, se refere à mediação entre o
ser humano e um outro e evidenciada pela mimesis III, mas também presente na mimesis
I. Ricœur (1986/2010b) elenca uma terceira característica, a compreensão de si – a
mediação entre o ser humano e ele mesmo. A análise e compreensão de qualquer narrativa
deve, portanto, investigar essas três dimensões.
A compreensão de si postulada por Ricœur é mais bem compreendida quando
analisamos que ela é uma compreensão narrativa e que construímos, no decorrer da nossa
formação, uma identidade narrativa. Ricœur (1988/2010a, p. 213) afirma que “a
compreensão que temos de nós mesmos é uma compreensão narrativa, isto é, não
podemos apreender a nós mesmos fora do tempo e, portanto, fora da narrativa. Há,
portanto, uma equivalência entre o que eu sou e a história da minha vida”.
A partir dessa perspectiva, as narrativas ficcionais e históricas serão analisadas
conforme a proposta de Ricœur. Após leitura extensiva das obras, a análise será feita em
três momentos seguindo o caminho das mimesis I, II e III. O primeiro momento será a
análise do contexto social a partir do qual as narrativas foram construídas. O segundo
momento abarcará a análise da narrativa propriamente dita, ou seja, analisaremos os
elementos constitutivos do enredo e o ato configurante. Isso implicará em nos debruçar
na narrativa e buscar elementos teóricos que auxiliem na compreensão do texto. No
terceiro momento, faremos uma intersecção entre o mundo do texto e o mundo do
leitor/ouvinte. Dessa forma, utilizaremos do que foi extraído na mimesis I e II para refletir
acerca do contexto atual e das contribuições que essas narrativas trazem para a análise do
sofrimento psíquico e social de sujeitos silenciados. Além disso, utilizaremos os
elementos encontrados nas narrativas como instrumentos para analisar o contexto social
brasileiro.
16

Resultados esperados

a) Expandir a produção teórica sobre narrativas marginais e os discursos sociais que

constituem os processos identificatórios. O debate teórico-acadêmico sobre o modo como

a sociedade constrói identificações desfavoráveis a certos sujeitos sociais constitui

instrumento de ação sociopolítica, uma vez que pode contribuir para a produção de

conhecimentos que desafiam padrões identitários ideologicamente naturalizados. Nesse

sentido, analistas sociais e analistas do discurso podem contribuir para a emergência de

novas formas de representação identitária e novos modos de existência para sujeitos que

se encontram em situação de subalternização social;

b) Realização de três simpósios sobre narrativas marginais (2020/2, 2022/2 e 2024/2). A

partir das construções teóricas e as análises produzidas na pesquisa, temos como objetivo

a realização desses simpósios sobre narrativas marginais de forma a ampliar as discussões

com pesquisadores e profissionais da Psicologia, Análise do Discurso, Psicossociologia,

Educação e áreas afins. Além disso, será um espaço formativo para profissionais da área

de Humanidades acerca da importância de se construir espaços para que sujeitos

marginalizados possam narrar suas histórias de forma a encontrar uma possibilidade de

contorno e ação política do sofrimento psíquico e social;

c) Criação de um serviço de atendimento psicológico voltado para a escuta de sujeitos

marginalizados no Centro de Psicologia da Faculdade de Educação da Universidade

Federal de Goiás. As práticas discursivas constroem parâmetros para as identidades,

fornecendo aos sujeitos sociais um conjunto de matrizes de significados a partir dos quais

eles podem se sentir parte de um grupo e desenvolver certas práticas sociais. É nesse

sentido que afirmamos que as identidades são construídas discursivamente. Não há modos

de identificação que prescindam do discurso. É nas diversas manifestações discursivas


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que os agentes sociais encontram meios para representar e identificar a si mesmos, bem

como meios para dar sentido às próprias ações e às ações do outro enquanto se engajam

nas relações sociais. Após as discussões e análise dos dados, temos como objetivo a

criação de um grupo de atendimento a sujeitos marginalizados tendo em vista oferecer e

construir espaços para a construção de modos de representação da identidade que valorize

a trajetória desses sujeitos e possibilite a construção de novos processos identitários.


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Cronograma
2020/1 2020/2 2021/1 2021/2 2022/1 2022/2 2023/1 2023/2 2024/1 2024/2

Fundamentação teórica x x x x x x x x x x

Análise dos dados (narrativas autobiográficas) x x x x


Análise dos dados (textos literários) x x x x x x x
Machado de Assis
Análise dos dados (textos literários) x x x x
Lima Barreto
Análise dos dados (textos literários) x x x x
Clarice Lispector
Elaboração e envio de artigos com vistas a x x x x x x x x x x
publicação
Apresentação dos dados e das análises dos dados x x x x x
no CONPEEX e em outros congressos
Criação de um serviço de atendimento x x x x x x
psicológico
Realização do I Simpósio de estudos e pesquisas x
sobre narrativas marginais
Realização do II Simpósio de estudos e pesquisas x
sobre narrativas marginais
Realização do III Simpósio de estudos e x
pesquisas sobre narrativas marginais
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Orçamento

Descrição Valor estimado


Material de expediente (papel, tinta para impressora, toner
R$ 350,00
para impressora, canetas, lápis)
Livros:
O quarto de despejo – Carolina de Jesus R$ 49,90
Casa Velha – Machado de Assis R$ 28,90
Bons Dias! – Machado de Assis R$ 39,90
Quincas Borba – Machado de Assis R$ 34,90
Dom Casmurro – Machado de Assis R$ 39,90
Esaú e Jacó – Machado de Assis R$ 39,90
Recordações do escrivão Isaías Caminha – Lima Barreto R$ 38,00
Clara dos Anjos – Lima Barreto R$ 39,90
A hora da estrela – Clarice Lispector R$ 29,90

Total R$ 691,20

Todos os custos da pesquisa serão de responsabilidade da pesquisadora.


Entretanto, ficaremos atentos à publicação de editais de fomento à pesquisa para
submetermos o presente projeto.
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