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Avaliação de Sociologia nas Relações Internacionais I

Profa. Andrea Osório

Questão 1 - Analise o papel da família na formação da sociedade brasileira seguindo os


escritos de Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre.

Buarque de Holanda e Gilberto Freyre trazem, em seus estudos, concepções acerca da


formação da sociedade brasileira. Nesse sentido, ambos os autores falam do papel da família
nesse processo baseado no desenvolvimento histórico e social observado por ambos em seus
estudos, entretanto, suas visões acerca desse dinamismo se contrastam em alguns pontos. Na
visão de Buarque de Holanda, personalidade central do pensamento social brasileiro do século
XX, o autor fala sobre a figura do aventureiro e do trabalhador no livro Raízes do Brasil; o
aventureiro, caracterizado pelo espírito aventureiro e pela busca de conquista sem esforço,
com postura audaciosa e conquistadora se faz presente no português, que colonizou o Brasil
em busca de riquezas. O trabalhador, por outro lado, é quase nulo na colonização em si, no
domínio, pois tem uma visão do retorno a longo prazo obtido pelo trabalho duro. Pela época,
que predispunha pessoas audaciosas, propiciou o domínio, segundo o autor, do espírito
aventureiro nesse processo. Enquanto o trabalhador vê dificuldade em vencer e despende
esforços lentos, mas persistentes, ele enxerga o aventureiro como detestável, irresponsável. O
aventureiro, por sua vez, mira apenas no objetivo final, buscando imediatismo com uma ideia
espaçosa de mundo; ignorando as fronteiras, quer colher o fruto sem plantar a árvore. A
colonização portuguesa veio buscar riqueza que custa ousadia, não que custasse trabalho; a
propriedade rural era a unidade da produção com índole de consumo extremo, sem visão
metódica e racional do desenvolvimento social ou econômico em prol de outros objetivos que
não fossem o enriquecimento português. Além disso, a mestiçagem também teve um papel
importante na formação brasileira. Pela mistura entre raças em Portugal, não trouxeram para
cá uma cultura de orgulho de raça, o que, segundo o autor, propiciou a mestiçagem da
população entre brancos, indígenas e escravizados africanos. Segundo Buarque de Holanda,
isso ocasionou informalidade nas relações sociais do Brasil, gerando uma estrutura frágil; na
visão dos holandeses, que ocuparam o nordeste no século XVII, a miscigenação mostra a
cordialidade do povo brasileiro. Esse fato era também uma forma de controlar os colonizados,
visto como “puros e inocentes”, além de desumanizar os escravizados africanos. Em Raízes
do Brasil, Buarque de Holanda explica o contraste entre Estado e Família e discorre acerca do
papel da família nesse processo. Segundo ele, enquanto de um lado têm-se o Estado
burocrático, que segue apenas normas e leis de forma impessoal, também tem forte presença
na sociedade brasileira o núcleo familiar que, segundo o autor, é a base das relações sociais
brasileiras. Em Buarque de Holanda, no Brasil, a sociedade produz extrema pessoalização das
relações para encobrir de forma íntima as agressões raciais e fiscais; a família, sendo o núcleo
de formação principal da formação do indivíduo brasileiro, de caráter principalmente
patriarcal, vai sendo substituída por instituições que não se baseiam em sangue. Assim, as
famílias tradicionais tendem a desaparecer, conforme o indivíduo passa a ter contato com
outras instituições que têm normas que contrastam com as praticadas pela família; isso forma
o caráter social do indivíduo, porém, sendo a família a base das relações sociais, ela interfere
fortemente nesse processo. Nesse sentido, as relações não familiares também passam a ter
caráter familiar, mesmo que não o sejam em sua essência. A partir disso, as decisões
burocráticas não têm caráter impessoal na medida que as decisões são feitas baseadas em
interesses próprios, o que o autor chama de funcionalismo patrimonial. Assim, a família é
levada a outros meios sociais, não o contrário. Isso gera, segundo o autor, a cordialidade do
brasileiro, um traço de caráter, que se manifesta por meio da forma que o brasileiro se
encontra com outros povos, o desejo de estabelecer intimidade (HOLANDA, 1955, pp. 148).
O uso de diminutivos e a omissão do nome familiar, por exemplo, são traços característicos
do brasileiro; o rito se humaniza, e não o contrário. Enquanto no Japão, por exemplo, o rito é
cultural e rigoroso, a polidez é social, o contrário ocorre no Brasil, onde o rito é humanizado.
Na obra Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, por outro lado, o papel da família na
sociedade brasileira é compreendido de outra forma. Freyre traz alguns pontos em comum
com Buarque de Holanda, como a importância da agricultura familiar e de característica
patriarcal para a formação da identidade brasileira, a mestiçagem, a falta de orgulho de raça,
presença religiosa forte e fraca presença do Estado. Além disso, o autor também traz a
mestiçagem como estratégia do Estado para colonizar e dominar, pois desde o início da
colonização a família, com a aristocracia e a oligarquia, é o grande fator colonizador. Essa
formação familiar miscigenada foi fundamental para a formação social brasileira, para Freyre,
pois formou uma cultura única e complexa de mistura entre raças, religiões e culturas
diferentes. Para ele, isso resultou em uma sociedade mais tolerante e flexível, por não ser
pautada por virtudes que excluem as raças entre si. A mestiçagem no Brasil ocorreu,
entretanto, pela força. Enquanto havia menos mulheres europeias no Brasil e mais
indígenas/escravizadas, essas mulheres tinham sua liberdade sexual perdida em prol do poder
exercido pelos donos de engenho, que faziam abuso delas. O estupro normalizado somado a
repressão extrema das mulheres também impactou nessa formação, segundo o autor, que tem
desde os primórios a liberdade sexual masculina como regra. Nesse sentido, a “casa grande” e
a “senzala” são metáforas para o contraste entre a influência europeia no território e a cultura
da escravidão. Para Freyre, a mistura entre esses elementos gera a miscigenação racial e
cultural. É por essa união entre raças e a mestiçagem brasileira que Freyre traz o conceito de
democracia racial, no qual o brasileiro, para o autor, rejeita ideias racistas por não ter a raça
como fator excludente em sua formação por consequência da miscigenação. Sendo assim,
enquanto Buarque de Holanda vê a família como fator social primário da formação identitária
brasileira, em que os indivíduos tendem a levar o núcleo familiar para outras instituições e
dão extremo valor as relações familiares, em Gilberto Freyre, a formação da família por meio
dos engenhos, o patriarcado e a perversão sexual permitiram a formação de um ideal de união
entre raças no núcleo familiar e seu desenvolvimento, independente desses eventos terem
ocorrido pela força; é a formação dessa relação “familiar” entre raças por meio da mestiçagem
que, segundo o autor, forma o identitário brasileiro, tendo a união familiar miscigenada como
base para essa identidade.

Questão 2 - Analise a relação indivíduo e sociedade em Durkheim e Weber, apontando os


conceitos que sustentam sua argumentação.

A sociologia surgiu como ciência social após a contribuição de Émile Durkheim com seu
método, ainda que outros autores de sua época, como Marx, escrevessem sobre a sociedade.
Com influência positivista, Durkheim objetiva criar uma ciência social que realmente
cumprisse um método e se desenvolvesse como ciência que analisa e estuda o meio social.
Nesse cenário, ele escreve a obra As Regras do Método Sociológico, explicando como um
pesquisador social deve analisar os fatos para, assim, entender o funcionamento orgânico da
sociedade. O método envolve reconhecer o senso comum, reconhecer que possui visões
provenientes dele, como opiniões formadas ou maneiras habituais de agir, e por meio da
ciência questioná-lo. Em Durkheim, a sociologia é responsável por estudar a coletividade, o
indivíduo como resultado do meio social. Com a influência positivista, Durkheim demonstra
uma visão organicista da sociedade, no qual os indivíduos possuem funções e criam
instituições para que a sociedade viva em harmonia. Para ele, a manutenção e reprodução da
sociedade significa seu bom funcionamento, entretanto, o cientista também fala de casos de
anomia, em que a sociedade passa por um processo patológico, que pode levar à sua morte. O
crime, por exemplo, é normal para o autor pois é algo suscetível; e o meio social só pune e
impõe regras àquilo prejudicial ao coletivo. O suicídio, por outro lado, é analisado pelo autor
baseando-se em estatísticas para comprovar sua teoria e mostra o significado social da ação de
tirar a própria vida. No suicídio egoísta, o indivíduo se sente excluído do meio social, não
sente identificação com ele e, em detrimento disso, prefere tirar a própria vida. No suicídio
altruista, por sua vez, o indivíduo vê o suicídio como sacrifício em prol de um bem maior, e
geralmente vem de sociedades menos socialmente divididas e mais espirituais/religiosas. O
suicídio anômico, por fim, ocorre quando o indivíduo se vê em um meio social de incerteza e
quebra da norma, como em casos de guerra, por exemplo. O suicídio é um exemplo de
patologia social e mostra como a sociedade molda a realidade do indivíduo. Em sua outra
obra, Da Divisão do Trabalho Social, Durkheim explica o conceito de fato social: para ele, os
fatos sociais são os objetos de estudo da sociologia. São acontecimentos e práticas sociais que
acontecem sem explicação aparente, mas influenciam diretamente no cotidiano e
comportamento individual. Por meio de observação e experimentação um cientista pode,
portanto, compreender os fenômenos sociais e o que eles significam, sempre abdicando de
preconceitos para analisar o caso. Na visão do autor, a sociedade é uma síntese sui generis,
caracterizada por uma totalidade que não se resume à soma de suas partes. O que permite
analisar os fatos sociais é a sociedade e seus fenômenos, não os membros. Não é pela parte —
o indivíduo — que se produz o todo, mas o todo — a sociedade — que produz o indivíduo.
Ele se confronta com sua individualidade e as regras sociais que, para que se viva em
harmonia socialmente, precisam ser seguidas. A consciência individual é guiada por leis
psicológicas, enquanto a consciência coletiva possui leis próprias de acordo com a maneira
que o grupo se enxerga e como se relacionam com os objetos que os rodeiam. O fato social,
por ser alheio ao indivíduo, é coercitivo na medida em que impõe a ele comportamentos que
não seriam naturais caso não fossem impostos externamente. Ainda que o indivíduo não esteja
em harmonia com esse meio, a realidade a sua volta é moldada por ele e atua coercitivamente
no seu comportamento. Escovar os dentes, tomar banho com frequência, dar bom dia ao
amanhecer, são fatos sociais da nossa sociedade, por exemplo. Ainda na divisão social do
trabalho, Durkheim mostra uma visão funcionalista desse processo e compreende que, com as
funções, a sociedade desenvolve uma solidariedade moral em prol do coletivo. A
solidariedade mecânica seria presente em sociedades menos desenvolvidas, em que os
indivíduos não dependem muito uns dos outros e suas relações são regulamentadas por
costumes, por exemplo. A solidariedade orgânica, por outro lado, se dá em sociedades ainda
mais desenvolvidas, onde a divisão social se faz ainda mais presente; um exemplo disso é o
direito, uma parte da vida social, que objetiva regular os direitos individuais e coletivos de
todos. Por outro lado, em Max Weber, o estudo social deve ser uma ciência que busca
compreender a ação social e, desse modo, explicá-la nos seus feitos e efeitos. A ação é um
comportamento humano, seja “interno” ou “externo”, e é caracterizado pela atitude do
indivíduo baseado no comportamento de outros que.. A ação pode se orientar no passado,
presente ou futuro, e só é íntimo quando se orienta pelo comportamento alheio, mas não é
idêntica nem homogênea. O autor traz tipos de ação social, como a racional em ordem a fins,
que é caracterizada por expectativas de comportamento como meios para fins particulares e
com objetivos racionais. A ação racional quanto a valores é determinada pela crença em uma
conduta independente do resultado, tendo geralmente valor ético, religioso ou de qualquer
outra forma que possa se manifestar e esteja relacionado a valores definidos. A ação social
afetiva diz respeito a ações pautadas pelo emocional, enquanto a tradicional tem relação com
determinados hábitos vitais. Weber traz, também, o conceito de dominação e como ela se dá.
A burocracia para o autor não é somente um processo como também um grupo de pessoas,
que possui poder para permear dinâmicas sociais. Para Weber, o tipo ideal, conceito criado
por ele, devia ser um instrumento de estudo para o cientista social com o fim de compreender
a realidade e a ideia de um objeto de estudo específico. Na democracia, por exemplo, ao
definir um tipo “puro” ou ideal do que ela é cientificamente, é possível compreender seu real
funcionamento e o que ele explica a partir dos contrastes entre o tipo puro e o real. Weber
reflete a ideia de conflitos entre grupos e discorre acerca da burocracia na vida social, a
dominação entre grupos e a dialética ao redor do desenvolvimento do capitalismo e suas
raízes, demonstrando uma preocupação entre esse cenário na construção da ação social e
individual. Em sua obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber analisa a
Revolução Industrial e afirma que a filosofia calvinista, em conjunto com o desenvolvimento
do modo de produção capitalista, foi parte importante da construção comportamental da
época. O religioso calvinista se via, por exemplo, como um conquistador do reino de Deus por
meio de seu trabalho e, ao mesmo tempo, essa riqueza obtida não podia ser acumulada e
voltava para a esfera da circulação, moldando as bases para o desenvolvimento de outros
fatores a partir disso. Nesse sentido, enquanto Durkheim traz a visão do indivíduo em
contraste com a sociedade, que atua diretamente em seu comportamento, analisando sempre o
indivíduo como produto do meio social. Weber, por sua vez, busca analisar mais a ação social,
o comportamento social, e como ele interage com a realidade ao seu redor e é influenciado
por ela.

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