Homofobia: história e crítica de semelhança de outras formas de exclusão como
a xenofobia, o racismo, o antissemitismo ou o um preconceito. sexismo. É nesse momento que Borrillo sublinha a BORRILLO, Daniel. complexidade do fenômeno e o descreve como invisível, cotidiano, compartilhado e que, ao Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. mesmo tempo que transforma o homossexual 141 p. naquele com quem não se deve identificar e que não deve ter plenos direitos, gera também ônus aos heterossexuais ao aliená-los. Neste capítulo, Borrillo demonstra que a homofobia Originalmente editado em francês, o livro baliza, além das fronteiras sexuais, as de gênero, Homofobia: história e crítica de um fazendo com que todos os indivíduos não preconceito, de autoria de Daniel Borrillo, traz pertencentes à ordem clássica dos gêneros uma abordagem histórica, conceitual e crítica sejam vitimados pela violência homofóbica. O dessa forma de violência que, como demonstra autor amplia o conceito de homofobia ao a obra, é um fenômeno complexo e variado. problematizar que essa violência funda-se, Organizada em quatro capítulos, a versão especialmente, na rígida hierarquia que situa brasileira recebeu prefácio de Marco Aurélio outras formas de vivência da sexualidade em Máximo Prado, que pontuou a relevância da obra lugares inferiores ao destinado à para o contexto nacional e a classificou como heterossexualidade. um clássico para o campo. Logo na introdução, O segundo capítulo apresenta as origens o autor apresenta as principais ideias a serem da homofobia e discute a transição da relativa discutidas e problematiza o conceito de tolerância, vivenciada na cultura pagã, para a homofobia, esclarecendo que muitos dos olhares hostilidade, exercida pelo cristianismo, às sobre esse tipo de violência são limitados e relações homossexuais. O autor, oportunamente, passíveis de aprofundamento. Borrillo explica que pontua que a Igreja Católica contemporânea as origens da violência homofóbica estão fixadas apresenta um tom mais sutil ao acolher os junto às da civilização judaico-cristã e que, por homossexuais para curá-los ou, minimamente, isso, as citações históricas e referências teóricas mantê-los abstinentes. No terceiro capítulo, a contidas na obra são incompletas e não visam homofobia é descrita como uma forma de esgotar a discussão em torno do tema. violência que tem cumplicidade jurídica, No primeiro capítulo, a violência científica, cultural e institucional. Borrillo homofóbica é didaticamente classificada e problematiza e exemplifica as doutrinas que conceituada, definindo-se homofobia como veiculam a ideologia heterossexista, mostrando uma forma de inferiorizar, desumanizar, diferenciar a mudança de papel do homossexual: de e distanciar o indivíduo homossexual à pecador para perverso e ameaçador da ordem
sanitária. O último capítulo dedica-se a discutir as ainda, na necessidade de manifestação pública causas da homofobia, tratando-a como um da homossexualidade (coming-out) por uma fenômeno cuja compreensão demanda o questão afirmativa ou pela justificação social e entendimento de que essas práticas de inscrição em uma identidade sexual. preconceito não são somente individuais e Na conclusão, o autor dedica-se a explorar tampouco meramente coletivas, e sim os recursos para o enfrentamento da homofobia. socialmente construídas, servindo para nutrir um Afirma que se deve dar maior importância à ação sistema de exclusão e dominação. O autor trata pedagógica, pois a repressão isolada não é de questões relativas à personalidade homo- capaz de dirimir a violência homofóbica. Borrillo, fóbica e diferencia a definição de homofobia por fim, problematiza a criação de legislação ao aprofundá-la e demonstrar que, ainda que a para reprimir a homofobia e a pretensão de rejeição irracional aos homossexuais configure- construção de uma identidade gay, lembrando se como um importante componente da a leitora de que a ideia de constituição de uma homofobia, considerar apenas esse aspecto é “personalidade homossexual” é ilusória e atende reduzir o significado desse fenômeno plural. ao fim de reprimir. A obra contém muitos Borrillo classifica nossa sociedade como elementos do contexto histórico e social francês, androcêntrica e afirma que, em grupos marcados porém, mesmo que se dedique a analisar o pela dominação masculina, a homofobia fenômeno nessa sociedade, não se restringe a organiza a vigilância de gênero. Para o autor, isso. A homofobia não se limita à realidade existe uma lógica binária de construção da francesa, mas, ao contrário, alcança toda identidade sexual em que a mulher está oposta sociedade que se organize em torno da ao homem, assim como o homossexual está ao heterossexualidade como natural aos sujeitos e heterossexual. A identidade sexual masculina é, que, portanto, marginalize outras formas de então, construída de maneira a negar o feminino vivência da sexualidade. e rejeitar a homossexualidade. O autor afirma Partindo do entendimento de que a que a homofobia é um elemento constitutivo da homossexualidade representa uma manifes- identidade masculina e que sexismo e homofobia tação do pluralismo sexual e é tão legítima quanto são faces de um mesmo fenômeno social: “A a heterossexualidade, o autor faz com que a homofobia – e, em particular, a masculina – leitora repense a importância da sexualidade desempenha a função de ‘policiamento da como fator de definição da identidade de um sexualidade’ ao reprimir qualquer indivíduo. Assim, Borrillo afina-se à Judith Butler1 na comportamento, gesto ou desejo que transborde medida em que indica que classificar e as fronteiras impermeáveis dos sexos” (p. 90). conceituar são ações totalitárias e reducionistas. É apresentado neste capítulo o fantasma da Enquanto Butler conduz o entendimento de que desintegração psíquica, social e cultural, que pensar a existência de gêneros significa aceitar consiste no temor do fim da continuidade normas culturais regentes da interpretação dos genealógica e que, segundo o autor, leva ao corpos, Borrillo desconstrói a ideia de importância incentivo à heterossexualidade, ao fortalecimento da sexualidade para definir um indivíduo e adverte da diferença entre os sexos e, por consequência, que a violência homofóbica não depende de à estigmatização da homossexualidade. O autor padrões de sexualidade para se expressar: “A aponta esse temor como o condutor do homofobia manifesta sua hostilidade não só a entendimento de que os homossexuais estariam gays e lésbicas, mas também a qualquer indivduo arriscando a sobrevivência da espécie e afirma que não se adapte aos papéis, supostamente, que não se pode pensar essa possibilidade com determinados pelo sexo biológico” (p. 88). seriedade, pontuando a existência de meios Esta é uma leitura capaz de provocar e, capazes de viabilizar a reprodução de forma minimamente, fazer a leitora problematizar alternativa ao coito heterossexual. Por fim, é convicções, podendo avaliar a possibilidade de discutido o processo de interiorização da ser manipulada pelo discurso de poder utilizado homofobia, que faz com que gays e lésbicas, para manter uma hierarquia das sexualidades inseridos em uma sociedade que considera a que classifica as não reprodutivas como inferiores heterossexualidade cultural e psicologicamente e antinaturais. O livro de Borrillo deve ficar situado superior, direcionem ódio a si mesmos. Borrillo entre os clássicos que foram capazes de afirma que a dominação heterossexista, a escassez problematizar a questão da heterossexualidade de referências culturais, o contexto de violência e como fator natural dos sujeitos. A leitura conduz a perda da autoestima podem resultar no o olhar sobre práticas e formas de preconceito isolamento e na angústia do homossexual ou, muito sutis e faz perceber quão ampla é essa
forma de violência que não somente afeta o Referências indivíduo, mas corrói as bases democráticas ao BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminis- promover a desigualdade, engessar gêneros e mo e subversão da identidade. Tradução favorecer a hostilidade. de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Nota Brasileira, 2003. 236 p. 1 Judith BUTLER, 2003. Daniela Márcia Caixeta Costa Universidade de Brasília