Você está na página 1de 5

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Disciplina: Diversidade afetivo-sexual, religião e homofobia


Estudo Dirigido II

Aluna: Lia Constantino Criscoullo

Após assistir ao documentário Gênero sob Ataque


(https://www.youtube.com/watch?v=Aj3St_zUM7M), reflita e responda às seguintes questões:

1. Relacione o conceito de masculinidade hegemônica, conforme discutido por


Trindade e Nascimento (2004), e o processo de hierarquização apontado por
Prado (2011) como fator relevante na construção social da homofobia.

A homofobia é uma prática construída socialmente por conceitos de


masculinidade hegemônica e é reforçada e perpetuada por instituições. Essa
masculinidade hegemônica, segundo o texto “O homossexual e a homofobia na
construção da masculinidade hegemônica”, é configurada por processos de
socialização que valoriza e idealiza um padrão masculino predominante. Esse texto
nos mostra que há estereótipos, modelos de homens - com características,
comportamentos e atitudes - para serem seguidos que são desenvolvidos pelo
contato e convívio social.
Essas ideias acabam postulando o que é “homem de verdade” e o que foge
disso, o que não é concordante com o homem hegemônico, é visto como
homossexualidade - um comportamento mais efeminado. Esses padrões englobam
todas as facetas da virilidade: a agressividade; impulsividade; força física;
violência…
Esse conceito de masculinidade hegemônica, virilidade, é, de maneira geral,
seguindo ideias do texto de Trindade e Nascimento, um estereótipo a ser seguido
rigorosamente. Deve haver submissão a esses modelos, para obter aceitação e
privilégios sociais.
Essas definições são extremamente preconceituosas e ajudaram na
construção da homofobia. Há um outro fator, igualmente prejudicial, que perpetua e
fortalece essa forma de violência - as instituições.
No Brasil, as crianças são ensinadas a odiar a homossexualidade, qualquer
coisa que não é o padrão masculino, pois dessa forma, há uma relação com o
feminino. Assim, a homossexuliade não é vista como uma expressão da
sexualidade e sim como uma falta de caráter. Essa hipótese tão arraigada na mente
e nos valores dos jovens, está ligada a uma memória construída em ambientes de
construção social - a família e a escola. (Freire, Lucas e Cardinali, Daniel. 2012)
Nesse sentido, os ambientes familiares e escolares são as principais
instituições que corroboram com a homofobia. O texto “Homofobia, hierarquização e
humilhação social” aponta que a escola é onde esses atos violentos mais
acontecem, já que são cultivados em seu interior. “Em distintos graus, na escola
podemos encontrar homofobia no livro didático, nas concepções de currículo, nos
conteúdos heterocêntricos, nas relações pedagógicas normalizadoras” (Prado,
2011). Uma forma muito recorrente é o bullying, “brincadeiras” perversas que
humilham os colegas de turma e que não são punidas pelos professores, muitas
vezes são até reforçadas. O ambiente escolar está longe de ser acolhedor e
inclusivo, é um lugar dotado de mecanismos de silenciamento, dominação,
normalização e exclusão.
Nas famílias, as “piadinhas” de ódio também são muito frequentes e há uma
grande normatização da criação dos jovens seguindo o padrão “família tradicional
brasileira” em que somente o modelo heteronormativo social é aceito. Todas as
outras formas de ser são invisibilizadas, vistas como um desvio de caráter ou a
“criança que não deu certo”.
Essas questões são muito discutidas no texto de Prado, ele aborda a imensa
desumanização e exclusão presente nas instituições sociais. Como elas são
criadoras de instrumentos causadores e reprodutores de um sistema de diferença
que justifica a dominação de um sobre os outros, uma hierarquia.
Dessa forma, “a homofobia é pensada com base na humilhação” (Prado,
2011). No documentário assistido pode-se confirmar isso nas cenas em que mostra
que pessoas colocaram imagens pornográficas para exemplificar como seria
abordar ideologia de gênero nas escolas. Todas as instituições “Indicam uma
espécie de benevolente “tolerância” que não apenas deixa ilesas as hierarquias, as
relações de poder e a heteronormatividade, mas até as reforça”, e isso é
extremamente violento para a sociedade como um todo.
“Dessa maneira, a homofobia, apesar de ser uma discriminação comum a
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, atinge diferentemente cada um
desses sujeitos segundo as diferentes categorias sociais que constituem a produção
de suas subjetividades e que marcam sua localização nas hierarquias sociais”.
(Prado, 2011)

2. A partir da leitura e das discussões provenientes do texto de Oliveira (2021):


Glory Hole: Experiência Religiosa de Jovens Católicos LGBT+, relacione o
termo “dispositivos de silenciamentos” com o tema abordado no documentário.

O documentário aborda como toda a América Latina sofreu e ainda sofre com
uma política preconceituosa e intolerante, que exclui as formas mais básicas do Ser
humano. Pode-se ver com clareza como todos os discursos de líderes políticos são
contra as minorias, são homofóbicas e machistas e os seus argumentos para
disseminar esse ódio dialogam abertamente com as igrejas fundamentalistas.
O que é muito desenvolvido no documentário, são as estratégias e políticas
públicas que o Estado vai contra - como a educação de ideologia de gênero nas
escolas. É por meio da educação, aprendizado que as crianças conseguem
visualizar todos como iguais, conseguem definir o que é preconceituoso e assim
moldar as suas ações. Estudar ideologia de gênero é saber todas as formas de Ser,
é se identificar, se libertar. A política - o que é mostrado no documentário - prega
que essa é uma forma de “homossexualizar” todos os estudantes, que estão dando
um leque de opções para a criança escolher o que ela quer ser. É mostrado que os
líderes lutam contra isso com toda a força, que isso não pode ser discutido, não tem
o que falar e gênero é apenas masculino e feminino. Homem e mulher. E, dessa
forma, acontece o silenciamento.
Essa forma de silenciar uma parcela da sociedade dialoga muito com o texto
“Glory Hole: Experiência Religiosa de Jovens Católicos LGBT+” em que diz que os
dispositivos de silenciamento atuam sobre várias esferas - sociais, políticas,
religiosas, jurídicas…- e são capazes de criar realidades específicas. Isso pode ser
notado quando analisamos a sociedade, há uma realidade específica que é o
padrão da masculinidade hegemônica e o que foge disso acaba sofrendo com o
silenciamento, algo muito violento que apaga toda a subjetividade dos indivíduos.
É muito agressivo essa ideia de uma humanidade fixa, que deve ser seguida.
O texto já citado, disserta sobre a ideia de que essa limitação acaba exonerando as
pessoas da noção de humanidade. No documentário mostra que as religiões
pregam o contrário. Há a fala de um padre dizendo que é muito perigoso ensinar as
crianças que o gênero delas não importa, que ela pode escolher e que, com isso,
ensina-se que um casamento tradicional não importa e que isso tudo é muito
prejudicial para as relações humanas, para a sociedade. Porém, não é que o gênero
não importa, pelo contrário, é extremamente importante. O que toda a comunidade
LGBT+ tenta mostrar é que não há apenas uma forma, nem de gênero e nem do
casamento. Invisibilizar todas as outras formas de ser e de amar que é prejudicial
para a sociedade.
Nesse sentido, é notável que as igrejas não tentam não citar a sexualidade,
ela é muito presente nos assuntos religiosos. O que eles excluem são as outras
formas de se relacionar - as não hegemônicas - convencendo que é um tabu. Isso é
um dispositivo de silenciamento e essa ideia está muito presente no texto de João
Victor Oliveira: “Sexualidade não tem sido assunto oculto para a Igreja. Fala-se
disso o tempo todo e a todo momento, de diferentes formas. Concomitantemente,
são as outras formas de experimentação da sexualidade que são silenciadas, dentro
desse pretexto”.
No documentário é nitidamente mostrado como os jovens e a sociedade
LGBT+ sofrem com esse silenciamento, como eles lutam para ganharem uma maior
visibilidade, brigam para ter direitos e respeito. Quando líderes com ideias
conservadoras sobem no poder, essa comunidade é extremamente ameaçada,
agressões virtuais começam a se tornar físicas, muitas pessoas acabam morrendo.
É injusto, vítimas que sangram apenas por ser o que são. Por não se encaixarem
em padrões irreais. Não falar sobre, virar tabu, é muito perigoso, pois esses padrões
nunca são desfeitos.
Segundo o texto, esses dispositivos de silenciamento são como forças que
agem na subjetividade dos indivíduos, “modelam, classificam, hierarquizam e
efetivamente enquadram a vida de mulheres, gays, transexuais, lésbicas etc dentro
do espaço religioso”.
É possível ver, no documentário assistido, que a política faz uma aliança
muito forte com esse valores religiosos e, cada vez mais, toda a diversidade social
está sendo apagada, subordinada a nada. Os valores da igreja são construídos em
cernes imaginários transformados em regras do que é proibido e do que é permitido
e isso acaba refletindo na vida social como um todo.
Muitas políticas já foram adotadas - escola sem partido é um exemplo. Esse
silenciamento é extremamente violento e vai contra a noção de humanidade. Até
quando iremos apoiar líderes que exercem e aceitam essa visão conservadora?

Referências

Trindade, Zeide A.; Nascimento, Adriano R. A. (2004). O homossexual e a homofobia na


construção da masculinidade hegemônica. Violência e exclusão: convivendo com paradoxos.
São Paulo: Casa do Psicólogo.

Freire, Lucas e Cardinali, Daniel.O ódio atrás das grades: da construção social da
discriminação por orientação sexual à criminalização da homofobia. Sexualidad, Salud y
Sociedad (Rio de Janeiro) [online]. 2012, n. 12 [Acessado 29 Janeiro 2022] , pp. 37-63.
Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1984-64872012000600003>. Epub 20 Dez 2012.
ISSN 1984-6487. https://doi.org/10.1590/S1984-64872012000600003.

Oliveira, João V. F. (2021). Glory Hole: Experiência religiosa de jovens católicos LGBT+
(pp. 25-49). Em Veliq, Fabrício (Org.). Experiências de diversidade afetivo-sexual e de
gênero: perspectivas de diálogo. Metanoia Editora: Rio de Janeiro.

Prado, Marco A. M.; & Junqueira, Rogério D. (2011). Homofobia, hierarquização e


humilhação social. Em G. Venturi; & V. Bokany (Orgs.), Diversidade Sexual e Homofobia no
Brasil. Editora Fundação Perseu Abramo.
https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2017/05/Diversidade-Sexual-
Web.pdf

Você também pode gostar