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RESUMO: Circulam, com espantosa frequência, na mídia nacional, as mais diversas notícias que
envolvem a diversidade sexual, inclusive crimes como fator prioritário ou motivação agravante. Nesse
artigo, refletiremos a respeito da sexualidade e da homossexualidade como construções socío-históricas e
acerca da homofobia como um fenômeno social que ocasiona a violência contra homossexuais. Além disso,
apresentamos uma análise discursiva de uma notícia sobre o assassinato do estudante Itamar Ferreira Souza
com base na Análise do Discurso francesa, articulada por Michael Pêcheux, analisando a linguagem no
auge do seu funcionamento, atrelando-a ao contexto sócio histórico e ideológico.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Mestre em Estudos de Linguagem / Universidade do Estado da Bahia – UNEB.
2
Doutor em Letras e Linguística / Universidade do Estado da Bahia – UNEB.
originam demandas biológicas, sociais, políticas, religiosas, pessoais e, porque não dizer,
até emocionais.
Todavia, ao compreendermos que a sexualidade não é estática por natureza, pelo
contrário, está exposta a constantes manipulações e sensações, percebemos que sua
construção não se deu – e ainda não se dá – de maneira previamente estabelecida. Na
contemporaneidade, de forma evolutiva, vem-se construindo, cada vez mais, uma visão
estereotipada da sexualidade. A noção de que ela é muito mais que o corpo físico e que
não está limitada às genitálias com as quais os indivíduos são classicamente classificados
em homens ou mulheres transpõe essa dualidade, agregando a si muito mais que as
possibilidades biológicas herdadas com o nascimento do indivíduo. Há, nela, elementos
como desejos, impulsos, necessidades, comportamentos e até mesmo sentimentos, sendo
assim, o biológico não é fator decisivo ou mesmo limitante para a expressão da
sexualidade.
A sexualidade ultrapassa o corpo físico e não está presa a teorias biologizantes e
dicotômicas, suas possibilidades estão fortemente articuladas com o que é sexualmente
possível e isso não está necessariamente vinculado ao determinismo imposto pelo corpo
físico.
Corpos, por si mesmos, não agregam um único sentido. Há uma intrínseca relação
com ideologias, desejos e necessidades. Debater, portanto, tais aspectos é de suma
importância para a qualidade de vida do ser humano.
As questões que envolvem o corpo, seja na perspectiva antropológica, que agrega
uma visão de construção sócio-histórica, ou mesmo a noção biologizante, que parte do
determinismo biológico, sempre estiveram na pauta das demandas mais urgentes no
desenvolvimento histórico das sociedades, o ocidente sempre as buscou, minuciosamente,
como algo singular e merecedor de uma peculiar atenção. Grandes esferas sociais
investiram tempo, esforços e pesquisas na busca pelo conhecimento do que, de fato, seria
a sexualidade.
Havia, até o século XIX, um forte empenho pela busca e conservação da moral,
para que esta fosse estabelecida. A filosofia juntamente com a religião e a medicina
instituíram e empoderaram personalidades que, legitimadas por tais seguimentos,
constituíram ideologias, debates e até mesmo ações que propunham medidas enérgicas
em busca de respostas palpáveis para as questões da sexualidade.
O surgimento da sexologia como disciplina de estudo do comportamento sexual,
tomando como base o corpo e a sexualidade, destaca a tácita ligação entre o sexo e um
instinto natural que exige uma satisfação. Para Mendes (2007, p.253),
a partir do conhecimento das neurociências, admite-se o sistema
límbico, grupo de estruturas no qual se inclui o hipotálamo, como o
responsável pelos acontecimentos referentes à sexualidade, à
agressividade e aos padrões primitivos de sobrevivência, como a fome,
a sede e o sono. Por outro lado, a região que comanda os movimentos
da racionalidade, do pensamento é a do córtex cerebral, que está
imediatamente acima do sistema límbico.
Sendo assim, podemos afirmar que não há uma determinação pessoal do sujeito a
respeito do seu próprio desejo erótico, em outras palavras, não é uma escolha ou opção
feita de forma consciente pelos indivíduos. Independente da expressão da sexualidade
que ele desempenhe, o sujeito não possui completa autoridade sobre seus desejos eróticos.
Determinar a sexualidade não é uma tarefa muito fácil, visto que ela engloba uma
série de elementos que apenas de maneira conjunta a constituirão. É a sexualidade uma
faceta do ser humano, sendo ela universal e individual. Universal porque está presente
em todos os indivíduos, sem exceções, e, ao mesmo tempo, individual, por se manifestar
de forma totalmente singular para cada um, pois sua manifestação sempre estará
vinculada a muitos outros aspectos.
Nesse sentido, a sexualidade é uma necessidade elementar para todos os humanos,
visto que tomará como base o próprio indivíduo e suas referências para, então, manifestar-
se. Ela é intrínseca aos indivíduos e os influenciará em aspectos como pensamentos,
ações, estilo de vida e até mesmo saúde mental e física. Não está vinculada apenas ao ato
sexual ou mesmo de reprodução da espécie humana, pelo contrário, vincula-se ao
psicossocial de cada um.
Essa plasticidade inerente à sexualidade concebe um potencial de variação tão
poderoso, e porque não dizer também místico, que oferta a cada pessoa um leque de
possibilidades de realizações vastíssimo. São tantas transformações às quais a
sexualidade está exposta que, embora esta tenha sido alvo de debates, nunca houve um
movimento de pesquisas e estudos tão aflorados e necessários como na
contemporaneidade.
E, de tanto se construir, desconstruir e reconstruir essa temática, o que se tem
percebido é um aprimoramento e decadência dos princípios fundamentalistas a partir da
crescente tendência das possibilidades da realização da sexualidade.
HOMOSSEXUALIDADE E HOMOFOBIA
A noção de discurso, para a AD, vai muito além da mera transmissão de uma
determinada informação específica ou qualquer, quando comparada ao modelo
convencional que explica o caminho traçado pela comunicação, desde sua emissão até
sua chegada ao receptor, pois, já no ato de produção do discurso, há uma quebra nessa
aparente organização da transmissão, visto que não há uma transmissão ou troca de
informações que sejam realizadas de forma tão unidimensional e sequenciada.
A AD passa, então, a compreender o discurso como seu objeto de estudo, que,
segundo Pêcheux (1997 A, p.77), é um processo, uma constante, e não apenas um objeto
estático. Trata-se de uma retomada ao já-dito que está em constante movimentação. Nas
palavras do autor,
em outros termos, o processo discursivo não tem, de direito, início: o
discurso se conjuga sempre sobre um discurso prévio, ao qual ele atribui
o papel de matéria-prima, e o orador sabe que quando evoca tal
acontecimento, que já foi objeto de discurso, ressuscita no espírito dos
ouvintes o discurso no qual este acontecimento era alegado, com as
“definições” que a situação presente introduz e da qual pode tirar
partido (PÊCHEUX, 1997 A, p.77).
O discurso não é a fala, da mesma forma que não pode ser a língua, nos moldes
estruturalistas de sistema abstrato, como fora concebida por Saussure. Instaura-se, assim,
a noção de discurso como efeito de sentido entre os interlocutores. Por esse ângulo, o
discurso é considerado como objeto construído a partir das condições de produção,
sinalizando o sentido e a posição que o sujeito ocupa ao materializar determinado
enunciado.
A partir destas considerações iniciais acerca da noção de discurso, passaremos à
análise da notícia Morte e mistério na praça.
Falar em notícias é trazer à baila os discursos que circulam socialmente, que não
devem ser simplesmente deixados de lado, ou esquecidos, pois é através deles que os
sujeitos atuam como seres sócio-históricos e se inscrevem em determinados espaços
sociais previamente organizados e não em outros.
Circulam, com espantosa frequência, na mídia nacional, notícias sobre
acontecimentos, questões e até mesmo crimes que envolvem a diversidade sexual como
fator prioritário ou motivação agravante. São fatos que são expostos com tanta frequência
e, não raro, envolvem episódios de violências contra transgêneros e homossexuais,
passando a ser, comumente, encontrados nas seções criminais.
A mídia impressa, com sua função divulgadora dos fatos que ocorrem na
sociedade, muitas vezes, torna-se uma espécie de porta-voz dos grupos sociais,
contribuindo para a construção de determinados discursos em torno da temática da
criminalidade que os envolve, e com a comunidade LGBT não é diferente.
Entre as notícias que circularam, nos últimos anos, encontra-se a do assassinado
do jovem universitário Itamar Ferreira Souza, estudante do curso de Produção Cultural
da Universidade Federal da Bahia – UFBA, ocorrido no dia 12 de abril de 2013. O
estudante foi encontrado morto na Praça do Campo Grande, em Salvador. O crime passou
a ser pensado sob duas perspectivas: a de homofobia - preconceito devido à orientação
sexual da vítima – e a do latrocínio – roubo seguido por morte.
O corpo de Itamar Ferreira de Souza, 25 anos, foi encontrado na manhã do sábado,
13, por volta das 7h da manhã, imerso no fundo de uma fonte (um lago construído
artificialmente) na Praça Dois de Julho, também conhecida como praça do Campo
Grande. Segundo o 18º Batalhão da Polícia Militar do Estado da Bahia, lotado no Centro
Histórico de Salvador, o corpo do jovem estava vestindo apenas uma cueca azul e com
um ferimento na cabeça, bem próximo ao supercílio direito.
Na seção intitulada “Morte e violência”, do dia 14 de abril, o Jornal Correio da
Bahia (2013, p. 26) vai relatar o caso Itamar.
Figura 1 – Morte e mistério praça.
Inicia-se a narração dos fatos dando informações básicas para que o interlocutor
consiga compreender a situação ocorrida. Em um dado momento, o sujeito do discurso
apresenta características básicas da vítima, como ocupação social, nome e idade, nesse
ínterim, é exposta a orientação sexual da vítima: “assumidamente homossexual”. É
trazida, à baila, ainda no primeiro momento, a sexualidade da vítima, a fim de traçar seu
perfil, elemento chave na construção discursiva do crime. Vejamos:
O corpo do Estudante Itamar Ferreira Souza, 25 anos, foi encontrado
ontem, por volta de 7h, na Praça do Campo Grande, imerso em um lago
artificial de cerca de meio metro de profundidade. Vestido apenas com
uma cueca azul, seu corpo apresentava um ferimento na cabeça,
próximo ao supercílio direito. Assumidamente homossexual, Itamar
se formaria em setembro no curso de Produção Cultural da Faculdade
de Comunicação da Ufba (LYRIO, 2013. p.26, grifo nosso).
CONCLUINDO
Os sentidos são de ordem das formações discursivas, visto que são elas que
gerenciam o que pode ou não ser dito em uma determinada conjuntura, bem como sua
regularidade, ou seja, cada sentido de uma FD é materializado a partir das FI’s nas quais
se inscreve, mobilizando ideologias na produção dos sentidos.
O sentido, por ele mesmo, não pode existir, os significados serão alterados muitas
e muitas vezes, à mercê da posição com que sejam as palavras e expressões empregadas.
O sentido é entendido não apenas no ato de sua construção, mas ligado aos já-ditos em
relação com a FI em que se inscreve. Logo, podemos afirmar que o sentido é o resultado
da filiação do sujeito em uma determinada FD, é ela que diz o que pode ser dito dentro
de seus entornos, visto que os sentidos são moventes, ou seja, variam de acordo com a
inscrição do sujeito, bem como sua FI. Os sentidos acerca da morte do estudante Itamar,
como visto, foram construídos a partir de dizeres autorizados por FD’s que regulam
saberes em torno da homofobia e do latrocínio.
Considerando estas questões, chegamos à conclusão de que o pré-construído
regula o sujeito no processo de assujeitamento deste a um determinado sentido já existente
antes da sua manifestação no discurso, situando-o em um determinado contexto, em uma
determinada ideologia, sendo ela necessária à existência dos sentidos. As FD’s colaboram
no entendimento do processo de produção dos sentidos, estabelecendo as escolhas das
palavras, em um contexto, em detrimento de outra, nessa e não naquela posição,
proporcionando uma melhor compreensão dos sentidos, permitindo que se encontre uma
regularidade no mecanismo de funcionamento dos discursos.
São as ideologias que trazem à baila diferentes formações ideológicas, mostrando
as peculiaridades de cada uma delas e assim, previamente, definem em quais formações
discursivas os sentidos podem ser filiados e interpretados. Nesse sentido, destacamos que
as FD’s, quando analisadas, não podem ser concebidas como automáticas e ainda, além
de serem fluidas, elas, por natureza, irão se contrapor.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Vera Lúcia do. Psicologia da Educação. Sexualidade. EDUFRN, Natal, RN,
2007.
PÊCHEUX, Michel. A análise do discurso: três épocas. In: GADET, Françoise; HAK,
Tony. (Org). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel
Pêcheux. 3.ed. Campinas, SP: UNICAMP, 1997. A (Título Original de 1969)