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Loyola, Maria Andréa. “Apresentação” in: Loyola, M. A. (org.).

A Sexualidade nas
Ciências Humanas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.

Os estudos sobre sexualidade foram popularizados nos anos 80 graças ao


surgimento da AIDS, tendo saído da posição marginal que lhes era relegada. Entretanto,
muitos destes trabalhos reforçavam uma visão biologizante e naturalizada da sexualidade
que estudos feministas vinham tentando desconstruir, ao se apoiarem puramente na
dimensão comportamental.
A sexualidade ainda é um objeto de estudo em construção, que muitos querem
delimitar como autônomo. Talvez por isso a “marginalidade” que muitos observam do tema
em suas disciplinas. “De fato, com exceção da antropologia, que tomou a sexualidade como
forma de pensar o social e a sociedade, as disciplinas ou as formas de pensamento que
tradicionalmente se ocuparam mais de perto do tema foram aquelas de caráter ético ou
normativo / terapêutico: o catolicismo, a medicina e a psicanálise” (11).
A relação sexualidade x reprodução, que tinha a genitalidade e a heterossexualidade
como centrais vem sendo repensada por autores que deslocam o foco do biológico.
Grosso modo, duas tendências parecem emergir como forma de abordagem da questão: uma
que poderíamos chamar, talvez não muito adequadamente, de construtivista/ autonomista
tenta desfazer aquela relação [sexualidade x reprodução], conferindo à sexualidade um
estatuto autônomo, no qual o erotismo, o prazer, e todas as formas de vivência sexual até
então tidas como periféricas – feminina, homossexual, bissexual, etc. – ocupariam um lugar
de destaque. Outra, que poderíamos chamar, igualmente de forma não muito adequada, de
construtivista/ relacional, tenta repensar, em outros termos, as relações entre a sexualidade e
aqueles domínios socais a que ela esteve historicamente ligada, o que implica igualmente
um trabalho de autonomização conceitual da sexualidade, mas que lhe que confere apenas
uma autonomia relativa. (11-12)

Construtivismo em ambos os casos porque evita-se o essencialismo, mas daí temos


de um construtivismo extremo que deixa o corpo em um papel secundário até um
materialismo teórico que parte do corpo para saltar a possíveis reinterpretações não
limitantes. (esta observação serve também para pensar o conceito de gênero).
Para Loyola, o sexo cria vínculos sociais ao mesmo tempo que ameaça regras
estabelecidas. Atravessam o tema pontos como a multiplicidade sexual (em oposição a um
clássico binarismo); os sentimentos, estruturados e estruturantes das relações de gêneros e
das hierarquias sociais; e a questão do público e do privado (intimidade / extimidade). Tudo
isso tende para uma não-rigidez, uma variabilidade da sexualidade

Loyola, Maria Andréa. “Sexo e Sexualidade na Antropologia”

A antropologia talvez seja a disciplina das ciências humanas que mais se ocupou da
sexualidade, talvez por lidar com a alteridade, com as sociedades primitivas, o que permitiu
aos antropólogos relativizar questões tocantes ao gênero e à reprodução.
Por ser dos pilares que sstentam a sociedade, a sexualidade é atravessada por regras
(sobretudo a da proibição do incesto), mas há uma abertura de possibilidades que cabe ao
antropólogo estudar.
Malinowski é um dos primeiros e principais antropólogos a se questionar sobre a
sexualidade, relativizando os valores morais. Ele analisa as famílias, pressupondo a
derivação dos laços sociais dos familiares, ponto em que se encontraria a integração entre
natureza e cultura.
Como bem ressalta Durham, “ao contrário de Lévi-Strauss, para quem o fundamental da
reflexão é a oposição entre a natureza e a cultura, e a análise se desenrola no sentido de
apreender, não a vida sexual regulamentada socialmente (isto é, o conteúdo das relações
entre os sexos), mas a natureza dessa regulamentação e sua forma (a troca de mulheres),
Malinowski procura a integração entre o natural e o cultural, enfatizando a procriação, o
conteúdo particular das relações entre os sexos, e estabelecendo como centro da análise, a
família como grupo real. (DURHAM, 1973, 126 apud LOYOLA: 20)

Na mesma linha de Malinowski, Margareth Mead relativiza o gênero em sua relação


com a personalidade, mostrando que a plasticidade instintiva humana abre espaço para a
construção cultural. Ela nota como em outras sociedades diferentes papéis são
arbitrariamente conferidos aos gêneros, e aqueles que não se adequarem serão considerados
“desajustados”.
Estes pioneiros apontaram para pontos fundamentais, como os modelos das relações
entre os sexos; a aprendizagem e conformação individual; a sexualidade conjugal em
comparação com a pré ou a extraconjugal; e sobretudo para os fatores sociais que
influenciam esses pontos. Mauss aí é uma peça-chave, já que demonstrou que a cultura se
imprime nos corpos, nos gestos, nas posturas, etc.
Mas este modelo, que pode ser chamado de “influência cultural” é hoje criticado por
autores como Carol Vance, que considera que, para os autres acima citados, o núcleo da
sexualidade ainda é a reprodução. Uma perspectiva mais radical, proposta pelo
construtivismo social,
“[...] está disposta a considerar que o próprio desejo sexual é construído pela cultural e pela
história a partir das energias e capacidades do corpo, não existindo, portanto, a idéia de
‘impulso sexual’, ‘pulsão sexual’, ou ‘apetite sexual’ essencial e indiferenciado presente no
corpo devido ao funcionamento e sensação fisiológicas.” (VANCE, 1995, 17 apud
LOYOLA: 29)

Pontos de estudo desta perspectiva seriam os significados subjetivos, as ideologias,


a esfera do comportamento e o corpo em suas potências. Aqui, o cerne da sexualidade é o
erotismo (sexo não-reprodutivo) – o que por si já é uma construção social. O perigo, aqui,
para Loyola, é cairmos numa diversidade pura e irredutível, que impediria qualquer
construção teórica. Os anglo-saxãos tenderiam mais para este perigo, ao desvincular sexo,
gênero e reprodução, ao passo que a tradição francesa pensa no poder e na dominação
masculina, e não se esquece, portanto, das ligações entre estes três pontos.
Maurice Godelier e Françoise Héritier são exemplos desta tradição francesa. O
primeiro coloca que a dominação masculina é legitimada pelas diferenças entre os corpos,
mas que os corpos em si não dizem nada: a dominação é uma hierarquia arbitrária
construída ao longo da vida social. Para a segunda, a relação entre masculino e feminino é
necessária para a fundação da sociedade, não pelo viés biológico, mas pelas formas de
classificação que associam a mulher ao inerte e o homem ao ativo. Bourdieu vai no mesmo
sentido, observando o poder da simbologia falocêntrica em nossa sociedade, indo além de
apontar a construção social.
CITAR 41
Loyola aproxima-se desta última posição
CITAR 42
A autora considera importante o estudo de mecanismos que vinculem sexo, gênero,
reprodução e sentimentos, em sua simbologia e eficácia social.

Não bastam, para compreender a sexualidade hoje, examiná-la apenas do ângulo do erotismo, da identidade
sexual, da opção sexual, do comportamento ou das práticas sexuais. Esses aspectos, embora possam ser
visualizados hoje como domínios autônomos e autonomizáveis, não podem ser dissociados de outras relações
sociais, notadamente daquelas que visam à reprodução da espécie (40)

BOURDIEU “la domination masculine” (lopes meyer e waldow – gênero e saúde, poa: artes médicas, 1996)
Françoise héritier – la pensée de la difference
Maurice godelier – la production des grands hommes
Carol vance – a antropologia redescobre a sexualidade. In: physis – revista de saúde coletiva, vol 5 n.1, 1995.

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