Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
“À medida que prossegue essa mudança social, as pessoas são mais e mais
instadas a esconder umas das outras, ou até de si mesmas, as funções
corporais ou as manifestações e desejos instintivos antes livremente
expressos, ou que só eram refreados por medo de outras pessoas, de tal
maneira que normalmente tornam inconscientes deles” (NORBERT ELIAS,
1994, p. 103).
Dito isto, as demandas sociais são transformadas nos hábitos e costumes socialmente
aceitos. Nesse sentindo indago sobre a construção deste processo civilizador no que tange a
vida e os corpos femininos na sociedade contemporânea, onde essas são educadas a serem
dóceis e obedientes. Entendendo que à medida que este processo civilizatório é atribuído ao
indivíduo, este se torna capaz de controlar seus impulsos, suas paixões, facilitando dessa
forma a convivência com seus pares, o que é bastante controverso, tendo em vista que a vida
não acontece de forma linearizada.
Saffioti (1999) enfatiza que, somadas as inúmeras construções sociais, as diferenças
no modo como homens e mulheres são socializados, uma vez que esta socialização se
relaciona ao aprendizado do que se espera deles e de como devem agir em sociedade. Neste
processo, as mulheres são “amputadas” no desenvolvimento e uso da razão e no exercício do
poder, como salienta Saffioti (1999), uma vez que são socializadas para desenvolver
comportamentos dóceis, cordatos e apaziguadores. Os homens, ao contrário, são estimulados
a desenvolver condutas perigosas, agressivas, que revelem força e coragem.
1
Norbet Elias (1897-1990), sociólogo alemão, que alcançou celebridade intelectual, e desde sua morte ele tem
sido reconhecido como um dos maiores sociólogos do século XX. Fonte: http://norbert-elias.com/pt/sobre-
norbert-elias/
Assim, vemos que o autocontrole destacado pelo autor é algo bastante subjetivo, uma
vez que, ao longo da história existem relações de poder que determinam esse controle social
em todas as esferas da vida dos indivíduos. E dentro dessa estrutura hegemônica de poder, que
os corpos e as vontades das mulheres vêm sendo controlados, violentados e aprisionados, que
estão intrinsicamente interligados ao uso de privilégios de dominação.
Dessa forma, a visão de Norbert Elias sobre o processo civilizador, apesar de ter sido
desenvolvido em um determinado momento histórico, não se pode negar o fato que as
definições de muitos de seus conceitos podem trazer à luz percepções do nosso momento
atual, concluindo que:
A conceituação de gênero vem sendo trabalhada ao longo das últimas décadas pelas
feministas e estudiosas do assunto. Simone de Beauvoir2 publica a primeira edição de O
Segundo Sexo em 1949, despertando provocações, sentimentos diversos e muitas críticas.
As ideias desta autora construíram alguns dos marcos teóricos do feminismo nas
décadas de 1960 e 1970, mas perdendo espaço de debate nas décadas seguintes. O que não
tira a importância da mesma na construção das formulações posteriores sobre o assunto.
Simone de Beauvoir, a partir de sua famosa frase ‘Não se nasce mulher, torna-se
mulher’, rompe com determinismo biológico imposto na sociedade e evidencia que existe
uma construção social do que é ser mulher (BEAUVOIR, 1987, p. 13).
Dentro desse contexto, A questão de gênero atravessa o debate relacionado à violência
contra as mulheres, uma vez que diz respeito a uma hierarquia social que posiciona os
indivíduos na sociedade. Sua definição é abordada por Joan Scott em 1989, como:
Portanto vemos que outras análises foram sendo construídas a partir do pensamento da
autora, indicando que outras análises precisam ser consideradas quando falamos de mulheres,
como conceitos de raça, e classe, dentro de um sistema opressor, patriarcal e hegemônico. Isto
posto, dialogaremos sobre as relações de classe e de opressão das mulheres na sociedade a
partir do próximo e último autor selecionado para esta discussão.
Impossível nos dias atuais, falar de violência contra as mulheres, se não tratarmos a
exploração do trabalho feminino e do trabalho feminino não remunerado pelo capitalismo, e
disfarçado em diversas formas.
Marx3 no tocar de seu trabalho sobre divisão sexual do trabalho, exploração e mais-
valia, apesar de não focar em particular na exploração e no uso da força do trabalho da
mulher, insere o pensamento revolucionário, que nos trará a luz o entendimento e a discussão
do que é o capitalismo e como ele se constitui e se constituiu ao longo das últimas décadas,
uma vez que este se reinventa a cada nova geração e a cada nova crise financeira.
E embora Engels (2002) pontuasse a possibilidade de melhora para as mulheres com o
desenvolvimento da indústria, o que pôde ser observado foi uma super exploração e
subvalorização das capacidades femininas, onde Saffioti destaca:
3
Karl Marx (1818–1883) foi um filósofo e revolucionário socialista alemão. Criou as bases da doutrina
comunista, onde criticou o capitalismo. Sua filosofia exerceu influência em várias áreas do conhecimento, tais
como Sociologia, Política, Direito e Economia.
as desvantagens sociais de que gozavam os elementos do sexo feminino
permitiam à sociedade capitalista em formação arrancar das mulheres o
máximo de mais-valia absoluta através, simultaneamente, da intensificação
do trabalho, da extensão da jornada de trabalho e de
salários mais baixos que os masculinos (SAFFIOTH, 2013, p. 67).
A autora destaca que no passado esperavam que as mulheres cuidassem das crianças, e
agora esperam que essas mesmas mulheres trabalhem de forma assalariada, mas que
continuem a limpar as casas, a ter os filhos e que ao final de uma intensa jornada de trabalho,
estejam prontas para serem sexualmente atraentes.
4
Friedrich Engels (1820-1895) foi um filósofo social e político alemão. Teve papel de destaque no
desenvolvimento do marxismo. Colaborador e amigo de Karl Marx.
Fonte: https://www.ebiografia.com/
Mas sobre essa análise da exploração feminina e da luta por direitos, não se pode
deixar de questionar que essa sociabilização feminina passa, não somente pelas relações de
classe, mas também pelas relações de raça. Uma vez que as mulheres negras estão desde
sempre pelos detentores do capital, tendo seus corpos explorados e objetificados como
fábricas da produção capitalista.
Entendendo a importância desse debate, Audre Lorde (1979) ressalta que as diferenças
entre as mulheres são base de polaridades necessárias, onde a criatividade pode faiscar como
uma dialética. E ainda que:
E por fim, não se pode deixar de destacar, visto que o a assunto é a exploração das
mulheres, e essa passa pela violência estrutural, como estas relações estão se sendo
manifestadas no momento atual em que vivemos de pandemia de Covid-195.
E nesse sentido, a articulação entre a casa e trabalho, e trabalho reprodutivo, cuidados
dos filhos e filhas e as tarefas domésticas, produzem nas mulheres aumento da carga física e
mental, com o agravante de ser “visto” não como trabalho, mas como demonstração de
carinho, revelam Moreira et al. (2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi pensar em todas as implicações que a violência contra as
mulheres trás para a sociedade e descortinar questões e situações que nos acompanham em
diferentes períodos históricos, mas que devem ser combatidos e atacados.
Os autores escolhidos me ajudaram a formular reflexões necessárias para pensar na
construção social da mulher como objeto de dominação e violência. Bem como nos efeitos
deletérios que as opressões, o patriarcado e o capitalismo possuem na vida e na sobrevivência
das mulheres.
5
A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro
clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves. Fonte: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-
a-doenca
Portanto, a violência contra as mulheres é um problema social e político, assim como
de saúde pública. Existe, ainda, uma manutenção da invisibilidade do “ser mulher” dentro da
sociedade, que alimenta seu lugar de subordinação ao outro, bem como, desigualdades
sociais.
Desta forma, e entendendo que essa violência é uma realidade presente na sociedade,
considera-se fator relevante para trazer cada vez mais esse debate, afim de podermos romper
com essas hierarquias dominantes na construção social dos indivíduos.
“A Violência de gênero assume muitas formas, sempre enredadas nas relações sociais
capitalistas”. (Tese 6 do livro “Feminismo para os 99% um manifesto”)
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Maria de Fatima. Gênero e violência contra a mulher: o perigoso jogo de poder e
dominação. Psicol. Am. Lat. n.14 México out. 2008.
Arruzza, C., Bhattacharya, T., Fraser, N. Feminismo para os 99%: um manifesto. Boitempo
Editorial, 8 de mar. de 2019.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. São Paulo: Nova Fronteira, 1987. p. 13.
ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
Madureira, A. B., Raimondo, M. L., Ferraz, M. I. R., Marcovicz, G. V., Labronici, L. M. &
Mantovani, M. F. (2014). Perfil de homens autores de violência contra mulheres detidos em
flagrante: Contribuições para o enfrentamento. Escola Anna Nery, 18(4), 600-606. Retirado
de: https://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20140085.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade -
ISSN 0100-3143. v. 20, n. 2 1995.
Oliveira, ON e Oliveira, T. O PROCESSO CIVILIZADOR SEGUNDO NORBERT ELIAS.
Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul. IX ANPED SUL, 2012.