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Apresentação
O campo de estudos feministas vem se constituindo nas últimas cinco décadas dentro das ciências
sociais e humanas. Este campo, primeiramente concernente à mulher e, posteriormente, ao gênero,
é fruto do movimento social de mulheres que, no século XX, especialmente nos anos 30 e 40,
forneceu as bases para a legitimação e construção de um novo campo de estudos.
Bons estudos.
Você faz parte de um grupo de pesquisa que realiza estudos sobre gênero e sexualidade. Sua
pesquisa é sobre a vulnerabilidade vivenciada por pessoas trans e precisa realizar entrevistas,
utilizando o método história de vida. No processo de busca por possíveis interlocutores, você
recebe muitas negativas, até que uma ativista mulher trans informa que estão cansados de
responder às pesquisas realizadas por pessoas cis (pessoas que possuem identidade de gênero
coerente com o sexo designado ao nascer), enquanto as próprias pessoas trans (pessoas que
possuem identidade de gênero diferente do sexo designado ao nascer) não estão na academia
produzindo conhecimento e chamando a atenção para a invisibilidade e exclusão em diferentes
espaços. Você observou que as críticas apontadas dizem respeito aos atuais debates do ativismo
trans sobre representatividade e lugar de fala.
A partir dessa experiência, tomando como base o debate do sujeito no feminismo, pense em um
projeto que proporcione ao grupo de pesquisa uma avaliação e ações para contornar a situação
colocada pela pessoa trans. Com o objetivo de analisar as críticas presentes na epistemologia
feminista, responda a seguinte questão: Em linhas gerais, quais ideias você proporia em seu
projeto?
Infográfico
No Infográfico a seguir, você vai ver como são dividas as três gerações do feminismo.
Conteúdo do livro
O feminismo, influenciado pelos ideais de igualdade e liberdade, constituiu-se em uma importante
mobilização para a conquista de direitos, para o fim da discriminação e para a denúncia da opressão
vivida pelas mulheres. Atuando em diversas frentes, na busca da garantia de direitos legais, como o
direito ao voto e à propriedade; constituição igualitária do casamento; questionamento do poder
patriarcal na família; direito ao divórcio; direito à autonomia e integridade do corpo feminino,
ligados aos direitos reprodutivos; proteção à violência doméstica e sexual; direitos trabalhistas,
como a busca por igualdade salarial entre homens e mulheres, licença-maternidade.
No capítulo Introdução à Teoria Feminista, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai
ver a trajetória da formação intelectual do feminismo desde a década de 60, conhecendo as críticas
internas e desdobramentos conceituais e epistemológicos.
Boa leitura.
Introdução à
Teoria Feminista
Introdução
O feminismo, como movimento intelectual e político, possui pelo me-
nos dois séculos de existência, em um contexto euro-estadunidense. A
constituição de um campo de lutas foi acompanhada por escritos de
diferentes mulheres ao longo da história. Porém, foi somente a partir
do pós-Segunda Guerra Mundial que surgiu um campo de estudos e
pesquisas nas universidades.
O surgimento desse campo foi influenciado pelas reflexões realizadas
ao longo da história do movimento feminista. Os questionamentos às
instituições e às relações que reproduziam a subordinação da mulher
se tornaram objeto de elaboração conceitual e teórica. A questão era:
se esse comportamento não é natural, como ainda se mantinha? Um
marco importante do movimento foi a publicação do livro O Segundo
Sexo, de Simone de Beauvoir, em 1949, que demonstra as raízes culturais
da desigualdade entre homens e mulheres e da inferioridade da mulher.
Neste capítulo, você vai estudar os debates teóricos e as críticas que
produziram inflexões teóricas ao longo da trajetória do pensamento
feminista, bem como o desenvolvimento dos diferentes conceitos e
abordagens teóricas que formam a diversidade da teoria feminista.
2 Introdução à teoria feminista
próprios sujeitos, conforme elabora Maluf (2007). Surgiu uma maior preocupação
com a desessencialização da questão de gênero e das identidades de mulheres,
resultando no destaque da “diferença” na teoria feminista. Esse período marcou
o surgimento de uma nova geração de estudiosas feministas, agrupadas no que
se convenciona chamar de terceira onda do feminismo, quando emergiram os
estudos de gênero, para algumas, ou o pós-feminismo, para outras.
O pós-feminismo, influenciado pelas teorias pós-estruturalistas, espe-
cialmente pelo pensamento de Michel Foucault e de Jaques Derrida, buscava
desconstruir e desestabilizar a categoria de gênero, enquanto categoria fixa
e imutável presente nas gerações anteriores. Sua crítica dizia respeito ao uso
de gênero como um conceito que descreve o modo como o social e a cultura
agem sobre corpos sexuados. Segundo Scott (1995), as feministas da terceira
geração compreendiam gênero como uma categoria relacional e política,
enfatizando que a sociedade não só constitui modos de ser e de sentir, mas
também o modo como o corpo e, portanto, o sexo, aparece.
Essa desconstrução da noção de gênero acarretou importantes mudanças
epistemológicas, substituindo os impasses dos estudos de mulheres que, ao
focarem apenas na situação, na condição e na posição das mulheres, não pa-
reciam conseguir responder aos desafios do pensamento feminista, conforme
aponta Machado (2013). Ao revisar a oposição binária masculino-feminino,
no pós-feminismo, passou-se a problematizar também a unidade interna da
categoria mulher, enfatizando que existem diferentes mulheres, com diferentes
experiências e discursos. Como escreve Machado (1992, p. 25), essa geração
“[...] rejeitava a possibilidade de se compreender o feminino num mundo
puramente feminino, pois o feminino se definia em relação ao masculino”. A
terceira onda feminista criticava a universalidade da diferença entre os gêneros,
postulando a existência de uma multiplicidade de diferenças: diferenças entre
homens e mulheres e entre mulheres e mulheres. Daí a crítica ao essencialismo
e universalismo do sujeito do feminismo.
O livro Mulheres, raça e classe, de Angela Davis, é um importante material que permite
refletir sobre a relação entre a origem dos direitos das mulheres e a luta empreendida
pelas mulheres brancas mais abastadas e as trabalhadoras no contexto antiescravagista.
A leitura é indicada para se perceber as diferenças e as aproximações que produziram
contradições e tensionamentos no interior dos feminismos, hoje discutidos por meio
do conceito de interseccionalidade.
Introdução à teoria feminista 5
Perspectivas feministas
Ao final da década de 1960, foram desenvolvidas nos Estados Unidos e na
Inglaterra três correntes do pensamento feminista, o feminismo liberal, o
socialista e o radical —, que buscam explicar de formas diferentes as origens
e causas da opressão e os mecanismos necessários para acabar com ela. Em-
bora divergentes, essas perspectivas compartilham vários pressupostos, ao
problematizarem que a existência da subordinação feminina não é natural,
mas um dado cultural e histórico, que varia em função da época e do lugar,
conforme elabora Piscitelli (2002).
Piscitelli (2002) destaca que a ideia do feminismo de que o pessoal é político indica que a
política envolve muito mais do que a esfera pública e está relacionada a qualquer relação
de poder, de modo que o cotidiano da vida das mulheres seria o espaço para se mapear
a dominação. Nesse sentido, o conceito de patriarcado foi politizado e trabalhado como
um regime de dominação universal, estando presente ao longo do tempo e das culturas,
explicitando a subordinação das mulheres e as relações homem-mulher dela resultantes.
O sistema sexo/gênero, conceito cunhado por Gayle Rubin (1993), consiste no conjunto
de dispositivos pelos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em
produtos da atividade humana e por meio dos quais essas necessidades sexuais são
transformadas, satisfeitas. Desse modo, gênero seria uma divisão dos sexos imposta
socialmente e produto das relações sociais da sexualidade (RUBIN, 1993, p. 11). Essa
formulação procurava distinguir e separar sexo — vinculado à biologia, visto como
natural e imutável – e gênero — dimensão que enfatiza a construção histórica, social
e cultural, arbitrária e variável, vinculado ao sexo biológico. Assim, esse conceito se
apresenta como um avanço à categoria mulher e uma alternativa possível ao conceito
de patriarcado, de acordo com Piscitelli (2002).
A discussão sobre o conceito de gênero, desde a terceira onda feminista, com a intro-
dução da perspectiva pós-estruturalista, rompeu a dualidade natureza e cultura ao
indicar que o sexo não pode ser pensado como anterior à cultura ou aos processos
de significação que lhe dão sentido como entidade biológica fixa e permanente. Para
acompanhar essa discussão, sugere-se a leitura do capítulo “Corpos que pesam: sobre
os limites discursivos do ‘sexo’”, da filósofa Judith Butler, publicado no livro O corpo
educado: pedagogias da sexualidade, de Guacira Lopes Louro.
Simone de Beauvoir, com seu livro O segundo sexo, foi uma das precursoras da crítica
ao sujeito, afirmando que existem no mundo social aqueles que ocupam a posição
sem uma marcação, seja sexual ou racial, e aqueles que são definidos e marcados por
sua diferença, designados como “o outro”.
Simone de Beauvoir e Judith Butler são duas autoras referência nesse debate. Cada uma em sua
época colocou em discussão as formas como se constituem pessoas como marcadas por um gênero
ou outro.
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Exercícios
1) A compreensão sobre o porquê da subordinação das mulheres foi possível a partir da criação
de uma ferramenta conceitual que situava a opressão sustentada por uma estrutura de
poder que hierarquiza as relações entre homens e mulheres existente em diferentes lugares
e ao longo da história e das culturas. Assinale a alternativa correta que indica a qual conceito
se refere:
A) Gênero
B) Sexismo
C) Androcentrismo
D) Patriarcado
E) Machismo
[...]A noção de sexo, assim como o conceito de gênero, é construída dentro de um conjunto de
sentidos e práticas sociais: portanto, não pode ser um fato pré-social (1987: 31). A conclusão a
que chegam Yanagisako e Collier é que se reconhecemos que o conceito ocidental de sexo é
socialmente construído, não podemos argumentar que este modelo particular de sexo “biológico”
constitui em toda parte o “material cru” das construções de gênero, nem podemos argumentar
que ele forneça em toda parte a base para a compreensão dos processos de reprodução humana.
O trecho acima é do texto Compreendendo sexo e gênero, em que a autora discute, a partir
dos estudos antropológicos, a noção de sexo da cultura ocidental. Com base na discussão
acima, a alternativa correta é:
A) Sexo compõe a base universal e essencial para atribuir sentido às categorias mulher e homem,
determinando, assim, as construções de gênero.
B) O conceito de sexo, como o conhecemos, é histórico e socialmente construído, fruto de um
contexto social próprio da cultura ocidental.
E) A evidência da diferença sexual constitui a base para as construções dos significados e para a
organização social das relações de gênero.
3) O feminismo possui uma história de pelo menos dois séculos no contexto euro-
estadunidense. Por isso, para descrever a história do pensamento político e social feminista,
utiliza-se a metáfora das ondas, a fim de evidenciar os objetivos perseguidos em cada uma
delas. Diante do exposto, assinale a alternativa correta que explica a segunda onda:
A) A busca por igualdade política entre os sexos foi marcada por lutas contra a subordinação das
mulheres por meio de movimentos pela garantia de direitos civis e políticos, como o direito ao
voto, à propriedade e o acesso à educação.
B) Marcado por visões que reivindicavam diversas definições sobre o feminismo, questiona-se
os modelos e discursos tradicionais do pensamento feminista, como noções universalista e
unitária da categoria mulher.
4) Michel Foucault e Jacques Derrida são importantes influências da terceira onda feminista ter
empreendido um processo de desconstrução da categoria gênero. As contribuições dessas
perspectivas formaram um novo campo de discussão, promovendo inflexões teóricas
importantes. Considerando essas transformações, é correto afirmar que:
A) As perspectivas da década de 60 problematizam a divisão entre noção de sexo como
biológico e gênero como construção social, afirmando que esta distinção, ao constituir uma
divisão binária dos corpos em dois sexos e dois gêneros, mantinha o caráter fixo, imutável e
ahistórico da diferença sexual.
C) Nos anos finais da década de 80, os pressupostos do sistema sexo/gênero passaram a ser
questionados em razão da oposição entre sexo e gênero realizada por essa teorização.
B) A noção de sujeito marcada pelo ideal da razão, livre e pertencente ao espaço político, foi
problematizado pelas feministas porque escondia as desigualdades e opressões de gênero,
classe e raça que perpassam as relações sociais e, especificamente, as mulheres enquanto
sujeito.
C) A terceira geração de feministas demonstra que a constituição do sujeito político feminista foi
produzido a partir da ideia de uma unidade entre as mulheres, construindo um universal que
destacava apenas a diferença entre os sexos, mas a mulher como um ser essencializado,
coerente e unitário.
D) Na busca de reconhecimento política para as mulheres, o feminismo, durante as décadas de
60 e 70, construiu uma identidade que conferisse uma unidade, uma história comum de
opressão entre as mulheres, por meio da utilização da categoria “mulher”, tomando a biologia
como critério que une as mulheres enquanto coletividade.
A Marcha das Vadias é um movimento de mulheres que saem às ruas, desde 2011, com seus
corpos cheio de dizeres para denunciar a cultura do estupro e a violência contra as mulheres. Ao
longo dos anos, as pautas da Marcha foram ampliadas, adequando-se às questões e especificidades
de cada sociedade no que tange à luta feminista.
Neste Na Prática, você vai conhecer como a discussão da marcha se relaciona de com um debate
que perpassa as diferentes gerações feministas.
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