Você está na página 1de 471

FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS

SOCIAIS

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Claretiano – Centro Universitário
Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000
cead@claretiano.edu.br
Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006
claretiano.edu.br/batatais

Meu nome é Paulo Rogério da Silva. Possuo bacharelado


em Filosofia (2003), licenciatura em Pedagogia (2009) e em
Filosofia (2011), e mestrado e doutorado em Educação pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), nas linhas de
pesquisa de Educação, Cultura e Subjetividade e de Teoria
Crítica. Atuo como professor de Filosofia, Sociologia e História
na rede pública de São Carlos-SP (Ensino Médio), bem como
professor e tutor EaD no Ensino Superior (Graduação e Pós-
Graduação lato sensu). Desde 2012 sou membro do grupo
de pesquisa Teoria Crítica e Educação do Departamento de
Educação da UFSCar.

E-mail: paulorogerio@claretiano.edu.br
Paulo Rogério da Silva

FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS


SOCIAIS

Batatais
Claretiano
2021
© Ação Educacional Claretiana, 2020 – Batatais (SP)
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma
e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o
arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação
Educacional Claretiana.

CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO MATERIAL DIDÁTICO MEDIACIONAL


Gerente de Material Didático: Rodrigo Ferreira Daverni
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia
Aparecida Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini
• Luciana A. Mani Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone
Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa
Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria de Sousa
Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz Bulgarelli • Gustavo Fonseca • Luis Gustavo Millan •
Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso

Bibliotecária: Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

300.1 S582f

Silva, Paulo Rogério da


Filosofia das ciências sociais / Paulo Rogério da Silva – Batatais, SP: Claretiano, 2021.
471 p.

ISBN: 978-65-88553-52-7

1. Liberalismo. 2. Sociedade. 3. Economia. 4. Antropologia. 5. Ciência política. 6. Sociologia.


7. Relações de produção. 8. Capitalismo. 9. Método sociológico. I. Filosofia das ciências sociais.

CDD 300.1

INFORMAÇÕES GERAIS
Cursos: Graduação
Título: Filosofia das Ciências Sociais
Versão: dez./2021
Formato: 15x21 cm
Páginas: 471 páginas
SUMÁRIO

CONTEÚDO INTRODUTÓRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 13
2. GLOSSÁRIO DE CONCEITOS............................................................................. 20
3. ESQUEMA DOS CONCEITOS-CHAVE................................................................ 31
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 32
5. E-REFERÊNCIA................................................................................................... 32

Unidade 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS


SOCIAIS
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 37
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 38
2.1. O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA: A SOCIEDADE COMO
PROBLEMA DE PESQUISA......................................................................... 38
2.2. DIVISÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS............................................................. 41
2.3. MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS......................... 65
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 70
3.1. SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA............................................................... 70
3.2. ORGANIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS.................................................. 71
3.3. MÉTODOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS.......................................................... 71
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 72
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 74
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 75
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 76

Unidade 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 83
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 83
2.1. MANDEVILLE E “A FÁBULA DAS ABELHAS”............................................ 84
2.2. ADAM SMITH E O LIBERALISMO ECONÔMICO...................................... 94
2.3. TOCQUEVILLE E AS CONTRADIÇÕES DO IGUALITARISMO.................... 106
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 125
3.1. BERNARD MANDEVILLE........................................................................... 125
3.2. ADAM SMITH............................................................................................ 126
3.3. ALEXIS DE TOCQUEVILLE......................................................................... 127
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 128
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 129
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 131
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 133

Unidade 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 139
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 140
2.1. AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO............................ 140
2.2. ÉMILE DURKHEIM E A SOCIOLOGIA CIENTÍFICA................................... 162
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 191
3.1. AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO............................ 191
3.2. ÉMILE DURKHEIM: MÉTODO E PENSAMENTO...................................... 193
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 195
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 197
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 197
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 200

Unidade 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E


DIALÉTICO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 207
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 214
2.1. AS ORIGENS DO MATERIALISMO DE MARX........................................... 215
2.2. TRABALHO COMO ALIENAÇÃO............................................................... 223
2.3. O MATERIALISMO HISTÓRICO................................................................. 229
2.4. O MATERIALISMO DIALÉTICO................................................................. 235
2.5. O CAPITAL E O SEU SISTEMA................................................................... 252
2.6. AS INSUFICIÊNCIAS DE CATEGORIAS MARXISTAS SEGUNDO
HABERMAS................................................................................................ 263
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 267
3.1. AS ORIGENS DO MATERIALISMO – CRÍTICAS......................................... 267
3.2. ALIENAÇÃO DO TRABALHO..................................................................... 268
3.3. O MATERIALISMO HISTÓRICO................................................................. 268
3.4. O MATERIALISMO DIALÉTICO................................................................. 269
3.5. O CAPITAL E SEU SISTEMA....................................................................... 270
3.6. ERROS E ACERTOS DO MARXISMO......................................................... 270
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 271
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 273
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 273
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 276

Unidade 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 283
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 284
2.1. METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS SEGUNDO MAX WEBER........ 284
2.2. OS TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO: TRADICIONAL, CARISMÁTICO
E LEGAL...................................................................................................... 298
2.3. OS QUATRO TIPOS DE AÇÃO SOCIAL...................................................... 304
2.4. OS TIPOS DE RACIONALIDADE................................................................ 310
2.5. RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE VALOR........................................... 314
2.6. A ÉTICA PROTESTANTE E O “ESPÍRITO” DO CAPITALISMO................... 330
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 342
3.1. TIPOS IDEAIS............................................................................................. 342
3.2. TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO LEGÍTIMA................................................. 343
3.3. OS TIPOS DE AÇÃO SOCIAL...................................................................... 343
3.4. TIPOS DE RACIONALIDADE...................................................................... 344
3.5. RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE MUNDO........................................ 344
3.6. ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO.......................... 345
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 345
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 347
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 348
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 350

Unidade 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 359
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 361
2.1. TEORIA CRÍTICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL EMPÍRICA.......................... 361
2.2. AS CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU........................................... 391
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 408
3.1. TEORIA CRÍTICA E CIÊNCIAS SOCIAIS..................................................... 408
3.2. PIERRE BOURDIEU................................................................................... 409
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 411
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 413
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 414
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 416

Unidade 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 425
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 426
2.1. DUAS COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS SOBRE O UNIVERSO POLÍTICO
BRASILEIRO............................................................................................... 426
2.2. ESTADO BRASILEIRO PATRIMONIALISTA................................................ 432
2.3. ASPECTOS PONTUAIS DO ESTADO BRASILEIRO: FORMAÇÃO DE UMA
ELITE RESTRITA, DE UMA BUROCRACIA CENTRALIZADORA E DE UMA
COOPTAÇÃO POLÍTICA............................................................................. 445
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 458
3.1. COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS.............................................................. 458
3.2. ESTADO PATRIMONIALISTA..................................................................... 459
3.3. ELITE RESTRITA, BUROCRACIA CENTRALIZADORA E COOPTAÇÃO
POLÍTICA.................................................................................................... 460
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 461
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 463
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 466
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 469
CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

Conteúdo
Contexto histórico do surgimento das Ciências Sociais. Divisão e organiza-
ção das Ciências Sociais. Métodos das Ciências Sociais. Liberalismo moral de
Mandeville. Liberalismo econômico de Adam Smith. Divisão do trabalho. Lei
da oferta e da procura. Os perigos das democracias modernas segundo Toc-
queville. Augusto Comte e o positivismo. Sociologia como Física Social. Leis
dos três estágios. Estática e dinâmica social. Sociologia funcionalista segun-
do Durkheim. Fatos sociais. Regras do método sociológico. Divisão do traba-
lho social. Sociedade mecânica e sociedade orgânica. Alienação do trabalho
em Karl Marx. Materialismo histórico-dialético. Luta de classes. Valor de uso
e valor de troca das mercadorias. Mais-valia e acúmulo do capital. Método
compreensivo segundo Weber. Os tipos ideais. Os três tipos de poder. Os ti-
pos de ação social. Racionalização das esferas de mundo. Ética protestante
e o espírito do capitalismo. Horkheimer e o materialismo interdisciplinar. A
legitimidade e o papel da pesquisa empírica na Teoria Crítica. O conceito de
campo e os ritos de instituição segundo Bourdieu. A relação do conceito de
campo com o aspecto discursivo. Educação como alquimia social. Formação
do Estado brasileiro patrimonialista. A formação da elite restrita. Burocracia
centralizadora. Cooptação política.

Bibliografia Básica
ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
MARX, K. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro primeiro: o processo de
produção do capital. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural,
1996. Volume I, tomo 1. (Os Economistas).

9
CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

Bibliografia Complementar
COMTE, A. Metodologia das Ciências Sociais. In: MORAES FILHO, E. (Org.). Comte:
Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. p. 73-103.
HORKHEIMER, M. A presente situação da Filosofia Social e as tarefas de Instituto de
Pesquisas Sociais. Trad. Carlos Eduardo Jordão e Isabel Maria Loureiro. Praga: Estudos
Marxistas, São Paulo, n. 7, p. 121-132, mar. 1999.
LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no
Brasil. 2. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.
SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo e democracia. Trad. Luiz Antônio de Oliveira
Araújo. São Paulo: Unesp, 2017.
SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre a sua natureza e suas causas.
Introdução de Edwin Cannan. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
v. 1. (Os Economistas).
WEBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Trad. José Marcos Mariani
de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
______. A “objetividade” do conhecimento na Ciência Social e na Ciência Política –
1904. In: ______. Metodologia das Ciências Sociais: Parte 1. Trad. Augustin Wernet. 4.
ed. São Paulo: Cortez Editora/Editora Unicamp, 2001. p. 107-154.
______. Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia compreensiva. Trad. Régis
Barbosa e Karen Elsebe Barbosa. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. v. 1.

É importante saber
Esta obra está dividida, para fins didáticos, em duas partes:
Conteúdo Básico de Referência (CBR): é o referencial teórico e prático que deverá
ser assimilado para aquisição das competências, habilidades e atitudes necessárias
à prática profissional. Portanto, no CBR, estão condensados os principais conceitos,
os princípios, os postulados, as teses, as regras, os procedimentos e o fundamento
ontológico (o que é?) e etiológico (qual sua origem?) referentes a um campo de
saber.
Conteúdo Digital Integrador (CDI): são conteúdos preexistentes, previamente se-
lecionados nas Bibliotecas Virtuais Universitárias conveniadas ou disponibilizados
em sites acadêmicos confiáveis. É chamado "Conteúdo Digital Integrador" porque é
imprescindível para o aprofundamento do Conteúdo Básico de Referência. Juntos,
não apenas privilegiam a convergência de mídias (vídeos complementares) e a leitu-
ra de "navegação" (hipertexto), como também garantem a abrangência, a densidade
e a profundidade dos temas estudados. Portanto, são conteúdos de estudo obrigató-
rios, para efeito de avaliação.

10 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

E-Referências
BOURDIEU, P. As Ciências Sociais e a Filosofia. Trad. José Luiz Fiorin. Educação
& Linguagem, ano 10, n. 16, p. 19-36, jul./dez. 2007. Acesso em: <https://www.
metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/EL/article/viewFile/124/134>. Acesso
em: 29 nov. 2019.
CANO, I. Nas trincheiras do método: o ensino da metodologia das Ciências Sociais no
Brasil. Sociologias, Porto Alegre, ano 14, n. 31, p. 94-119, set./dez. 2012. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/soc/v14n31/05.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2019.
CARVALHO, J. M. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.
Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0011-52581997000200003&script=sci_arttext>. Acesso em: 29 nov. 2019.
KINCAID, H. Filosofia das Ciências Sociais: temas atuais. Trad. Alexandre Braga Massella.
Tempo Social e Revista de Sociologia da USP, v. 26, n. 2, p. 19-37, nov. 2014. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v26n2/v26n2a02.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 11


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

12 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

1. INTRODUÇÃO
Bem-vindo à obra Filosofia das Ciências Sociais. Todos nós
vivemos em sociedade, independentemente do quanto gosta-
mos do relacionamento social. Até mesmo aquele que optou
pelo isolamento –um ermitão, por exemplo – não está separa-
do da sociedade: o isolamento do indivíduo não significa o iso-
lamento da sociedade. É nesse horizonte de compreensão que
as palavras do poeta inglês John Donne (1572-1631) encontram
sentido:
Nenhum homem é uma ilha completa em si mesma; todo ho-
mem é um pedaço do continente, uma parte do todo. Se um
torrão for lavado pelo mar, a Europa fica menor [...]. A morte
de cada homem me diminui, porque sou parte da humanidade.
E, por isso, nunca perguntes: por quem os sinos dobram; eles
dobram por ti (DONNE, 1987, p. 126, tradução nossa).

Com essa incursão inicial, podemos concluir que “viver em


sociedade” é um dado histórico – uma vez que as sociedades
aperfeiçoam suas formas de agrupamento social – e, acima de
tudo, humano. O exercício do pensamento, da linguagem, da
crença, das normas e valores etc. já compreende atos iminente-
mente sociais, pois todas essas funções decorrem de aprendiza-
gens socioculturais preestabelecidas pela coletividade.
A dependência do indivíduo com relação ao grupo está na
origem da evolução humana. Desde os tempos mais remotos,
o pertencimento ao grupo apresenta-se como uma estratégia
de sobrevivência dos primeiros seres humanos, especialmente
mediante situações de vida tão difíceis. O ser humano, compara-
do a outras espécies de animais, não possui presas, garras, nem
asas ou pelos; ou seja, está vulnerável e desprotegido. Por isso,

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 13


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

o grupo significa a potência do indivíduo frente às ameaças da


natureza.
Com o desenvolvimento da linguagem oral e escrita, outras
possibilidades de sociabilidade passaram a existir. A vida social
pedia a sistematização das funções: a divisão das tarefas; a or-
ganização da agricultura, da caça, da pesca e da coleta; a admi-
nistração do excedente; a formalização das normas e dos tabus
morais; o reconhecimento e investidura de representantes polí-
ticos e religiosos etc.
A partir dos indivíduos, surgem também as instituições e
todo o aparato legal e ideológico que as justifica: família, religião,
Estado, Direito etc. Com isso, a vida em sociedade passa a desen-
volver padrões de sociabilidade que funcionam como condições
preestabelecidas para as novas inserções sociais.
O fato é que a vida em sociedade oferece aos cientistas so-
ciais uma imensidão de situações e fenômenos que precisam ser
interpretados para além da superficialidade do senso comum.
Algumas das questões que guiam essas investigações são: por
que as pessoas convivem em sociedade? Por que desenvolvem
padrões de comportamentos parecidos? Por que se relacionam
umas com as outras de maneira padronizada? Quais as estru-
turas fundamentais de uma sociedade? Por que compreender a
política e as relações de poder na sociedade? Quais motivações
levam as sociedades a manter alguns valores e substituir outros?
Que elementos produzem as diferenças socioculturais?
As Ciências Sociais nos ajudam a compreender essas e mui-
tas outras questões que envolvem o cotidiano. Em geral, com as
Ciências Sociais poderemos compreender e explicar as perma-
nências e as transformações das sociedades, bem como oferecer

14 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

pistas hermenêuticas para a superação dos seus dilemas. Segun-


do Bauman:
Para todos aqueles que acham que viver a vida de maneira mais
consciente vale a pena, a sociologia é um guia bem-vindo. […]
Nesse sentido, pensar sociologicamente significa entender de
um modo um pouco mais completo quem nos cerca, tanto em
suas esperanças e desejos quanto em suas inquietações e preo-
cupações. […] Pensar sociologicamente, então, tem um poten-
cial para promover a solidariedade entre nós, uma solidarieda-
de fundada em compreensão e respeito mútuos, em resistência
conjunta ao sofrimento e em partilhada condenação das cruel-
dades que o causam (BAUMAN, 2010, p. 25-26).

O pressuposto fundamental das Ciências Sociais reside,


portanto, em um dos seus princípios mais caros: de que todo
conhecimento é produzido socialmente. Nada com relação ao
estudo da sociedade pode resultar em uma fonte extra-huma-
na; por isso, para conhecer qualquer forma de pensamento, de
qualquer indivíduo e em qualquer época, torna-se fundamental
compreender o contexto social vivido – pois os homens reagem,
respondem e vivem a partir daquilo que o meio social lhes apre-
senta como proposta.
Pensar no conhecimento como uma produção social não
implica, contudo, reduzir as escolhas individuais aos condiciona-
mentos sociais. A oposição “interior-exterior” precisa ser com-
preendida dialeticamente, isto é, como resultado de sínteses
sucessivas que levam os indivíduos a optar por permanências ou
mudanças em relação àquilo que foi estabelecido socialmente.
Aliás, tanto a manutenção como a transformação do que
chamamos de status quo – isto é, da situação atual de algo –
apresentam-se como ações sociais presentes na maioria das so-
ciedades. Há grupos que se sentem confortáveis com relação ao

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 15


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

status quo – muito provavelmente porque seus interesses são


contemplados nesse contexto. No entanto, existem outros gru-
pos que, pelo fato de não identificarem o vínculo de nenhum
interesse seu com a atual situação, almejam mudanças signifi-
cativas. Ambos os grupos, de acordo com seus respectivos inte-
resses, procuram desenvolver formas de explicação da realidade
que justifiquem tanto a permanência como a mudança social.
Tentar entender as motivações que levam determinados
grupos a apoiar o status quo ou almejar sua mudança apresenta-
-se como um grande objetivo das Ciências Sociais. O interessante
é que, para o cumprimento desse objetivo, o pensamento socio-
lógico, quando pautado pelo senso crítico e enveredado por uma
metodologia correta, pode (e deve) incomodar muitos segmen-
tos, setores e grupos da sociedade, uma vez que ele “descobre”
justamente aquilo que deveria ficar camuflado e “desnaturaliza”
aquilo que deveria ser ideologicamente entendido como natural.
Como diria Bourdieu, em sua obra Coisas Ditas:
O mal da sociologia é que ela descobre o arbitrário, a contin-
gência, ali onde as pessoas gostam de ver a necessidade ou a
natureza [...]; e que descobre a necessidade, a coação social,
ali onde se gostaria de ver a escolha, o livre-arbítrio. [...] Uma
característica das realidades históricas é que sempre é possível
estabelecer que as coisas poderiam ter sido diferentes, que são
diferentes em outros lugares, em outras condições. O que quer
dizer que, ao historicizar, a sociologia desnaturaliza, desfataliza
(BOURDIEU, 1990, p. 27).

Por isso, uma grande tarefa das Ciências Sociais é causar


o “estranhamento” da realidade, percebendo que esta não é
resultado da espontaneidade das relações, mas de constantes
conflitos e resistências. Essa proposta nos ajuda a romper com
uma visão sociológica do senso comum, com os preconceitos e
pré-noções enrustidas e ideologias patentes. Enfim, permite o

16 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

avanço da desmistificação das estruturas sociais e a construção


de uma consciência sociológica.
A obra Filosofia das Ciências Sociais desenvolverá diversos
temas compreendendo origem, organização, método, campos e
pesquisa da vida em sociedade. Na Unidade 1, conheceremos
o contexto histórico das Revoluções Industrial e Francesa e as
transformações decorrentes delas. Com isso, conseguiremos en-
tender que as Ciências Sociais nasceram como resposta a tais
mudanças que emergiam na sociedade daquela época.
Além disso, ainda na mesma unidade, também estuda-
remos a organização e divisão das Ciências Sociais – normal-
mente confundidas com a Sociologia –, e os principais métodos
de pesquisa utilizados nessa área ao longo da história (méto-
do comparativo-funcionalista, compreensivo e materialismo
histórico-dialético).
Na Unidade 2, abordaremos o ambiente conceitual do li-
beralismo clássico, começando com o pensamento de Bernard
Mandeville e sua proposta de autonomização do campo econô-
mico frente às limitações morais, passando pelo de Adam Smith
e sua sistematização da Economia como ciência independente,
até chegar à obra de Alexis de Tocqueville, que se preocupou em
avaliar a natureza contraditória das democracias modernas.
Na Unidade 3, voltaremos nossa atenção aos autores Au-
gusto Comte e Émile Durkheim, que transformaram o saber so-
ciológico nascente em ciência autônoma, com objeto de pesqui-
sa e método específicos. Com ambos autores, as Ciências Sociais
– mais especificamente, a Sociologia – passaram a compor o
privilegiado grupo de ciências essenciais para o entendimento e
progresso da humanidade. Tais contribuições foram fundamen-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 17


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

tais para captar as novas configurações sociais dos séculos 18 e


19 e propor conceitos-chaves para as futuras pesquisas sociais.
Já nas Unidades 4 e 5, conheceremos as propostas meto-
dológicas e sociológicas de outros dois autores: Karl Marx e Max
Weber. Enquanto Marx justificou o desenvolvimento das socie-
dades a partir da luta de classes e da análise histórico-crítica dos
modos de produção da sociedade – em especial, do modo de
produção capitalista –, Weber preferiu apresentar o progresso
das sociedades modernas como resultado de um longo processo
de “desencantamento” das antigas imagens do mundo medie-
val em suas mais variadas esferas (religiosa, política, econômica,
científica, estética e ética), demonstrando que tal desenvolvi-
mento não estaria condicionado apenas à esfera da economia,
mas de muitas outras.
Noutras palavras, se, para Marx, a dialética materialista é
suficiente para entender a transformação das relações de pro-
dução de uma sociedade, para Weber, o importante não é ex-
plicar, mas compreender o modo como os indivíduos reagem
socialmente.
Na Unidade 6, conheceremos as propostas metodoló-
gicas para pesquisa social dos representantes da Teoria Crítica
(Horkheimer e Adorno), e as contribuições do sociólogo Pierre
Bourdieu para a área. No tocante aos autores da Teoria Crítica,
abordaremos a tensão existente entre sujeito e objeto, teoria e
prática como pressuposto para a metodologia das Ciências So-
ciais: é justamente por conta da elasticidade tensional entre os
dois polos (teoria e prática), que se justifica a importância da ob-
servação empírica (cientificidade), sem, porém, perder a visão
do todo (compreensão filosófica) das relações de poder presen-
tes na sociedade capitalista. Com relação a Bourdieu, levaremos

18 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

em conta o seu conceito de “campo” e a importância dele para


os chamados “ritos” de instituição social.
Enfim, na Unidade 7, adentraremos no processo de cons-
tituição do Estado brasileiro, de modo a compreender aqueles
princípios históricos e ideológicos que legitimaram a formação
de elementos constantemente presentes no ideário político bra-
sileiro: Estado patrimonialista, governo pautado em uma elite
restrita, desenvolvimento de uma burocracia centralizadora, e
prática de “cooptação” política.
Como já observado, o estudo desta obra terá como obje-
tivo promover a “desnaturalização” ou o “estranhamento” das
estruturas sociais, normalmente percebidas como naturais e es-
táveis – isto é, detentoras de essências políticas universais e imu-
táveis. Na realidade, compreenderemos que, no que concerne
às Ciências Sociais, todo conhecimento é resultado de processo
histórico e social, maturado por contradições, coerções, assimi-
lações e conflitos das mais diversas áreas sistêmicas (política e
economia) e culturais (ciência, moral e arte).
Se, por um lado, cabe às Ciências Sociais oferecer todo o
substrato teórico-conceitual para a melhor compreensão da rea-
lidade social, por outro, é inteiramente dever do aluno-cidadão
saber posicionar-se frente a tais processos sociais de maneira es-
clarecida e bem fundamentada sociologicamente. Não se trata,
portanto, de academicismo vazio, mas de uma urgente deman-
da cidadã que precisa convergir para os objetivos formativos e
emancipatórios do futuro profissional da área de Filosofia.
Boa leitura! Bons estudos!

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 19


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

2. GLOSSÁRIO DE CONCEITOS
O Glossário de Conceitos permite uma consulta rápida e
precisa das definições conceituais, possibilitando um bom domí-
nio dos termos técnico-científicos utilizados na área de conheci-
mento dos temas tratados.
1) Alienação: “Situação caracterizada por algum tipo de
separação ou fragmentação. Em Psicologia, a expres-
são é utilizada como sinônimo de perda da identida-
de individual, que se manifesta na separação entre o
indivíduo e a realidade. Em Sociologia, o conceito de
alienação foi estudado particularmente por Karl Marx.
Segundo este, no sistema capitalista o trabalhador se
separa do objeto que ajudou a fabricar. Esse objeto se
transforma em mercadoria e, uma vez no mercado,
passa a dominar o trabalhador. Dessa forma, este se
aliena daquilo que produziu. A alienação surge, assim,
em um determinado momento do processo de desen-
volvimento histórico das sociedades humanas. Ela se
manifesta também sob a forma de perda de consciên-
cia e de afastamento do ser humano das atividades co-
munitárias para encerrar-se em si mesmo, abandonan-
do a ação política” (OLIVEIRA, 2010, p. 277).
2) Autoridade: “Num plano abstrato, é a capacidade de
uma pessoa se fazer obedecer por outras sem precisar
apelar para a força física. Do ponto de vista político,
é a pessoa, ou o grupo, que detém a prerrogativa de
mandar e se fazer obedecer. Pode ser também o re-
presentante do poder público que tem por finalidade
fazer respeitar as normas e leis de um Estado ou de
uma comunidade” (OLIVEIRA, 2010, p. 278).

20 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

3) Burocracia: “É o conjunto dos funcionários públicos


de um Estado, administradores da coisa pública.
A burocracia está sujeita a uma hierarquia, a
regulamentos rígidos e a uma rotina inflexível. Tem
influência importante nos rumos adotados por um
Estado ou país” (OLIVEIRA, 2010, p. 278).
4) Capital: “É todo bem, ou conjunto de bens, capaz
de produzir outros bens. Só é capital aquilo que, em
combinação com o trabalho humano, produz riqueza.
Por exemplo, com uma peça de tecido, tesouras, linha,
algumas máquinas de costurar e alguns trabalhadores,
podemos produzir peças de roupa que serão vendidas
no mercado. Nesse caso, tanto o tecido como as má-
quinas, a linha e o salário pago aos trabalhadores fa-
zem parte do capital, pois são bens que criaram outros
bens. Capital é uma relação social de produção. Pode
tomar a forma de dinheiro ou de bens, mas para que
possa produzir necessita do trabalho humano” (OLI-
VEIRA, 2010, p. 278-279).
5) Capitalismo: “Modo de produção baseado na proprie-
dade privada dos meios de produção e distribuição,
na existência de um mercado onde ocorre a livre con-
corrência entre as empresas, na procura do lucro pelo
empresário e no trabalho assalariado. O capitalismo só
pode existir, portanto, onde existam capital, mercado e
trabalho livre” (OLIVEIRA, 2010, p. 279).
6) Cidadania: “Conjunto de atributos pelos quais o indiví-
duo torna-se cidadão, passando a exercer seus direitos
civis e políticos, assim como a assumir seus deveres e
obrigações diante do Estado e da sociedade” (OLIVEI-
RA, 2010, p. 279).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 21


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

7) Classe social: “Grupo relativamente homogêneo de


pessoas que desempenham o mesmo papel no pro-
cesso de produção ou de circulação das riquezas, têm
profissões assemelhadas e relacionam-se da mesma
forma com o sistema de propriedade dos meios de
produção em uma sociedade. No modo de produção
capitalista, por exemplo, a classe operária reúne não
apenas categorias profissionais como a dos metalúrgi-
cos ou a dos têxteis, ou mesmo o conjunto dos traba-
lhadores industriais, mas abrange também os assala-
riados que trabalham em transporte (ferroviários, por
exemplo) e trabalhadores de certos serviços, como os
portuários. Esses trabalhadores não têm uma relação
de propriedade com os meios de produção. Já a classe
burguesa, ou capitalista, é formada pelos detentores
da propriedade dos meios de produção e de circulação
das riquezas” (OLIVEIRA, 2010, p. 279).
8) Coerção social: “O mesmo que pressão social. Ação
persistente de um grupo que leva o indivíduo a com-
portar-se de determinada maneira, sob pena de sofrer
sanções sociais” (OLIVEIRA, 2010, p. 279).
9) Comunismo: “Para os teóricos marxistas, o comunis-
mo corresponde a uma etapa posterior ao socialismo.
No comunismo, segundo eles, acabariam as classes e
as diferenças sociais entre as pessoas, porque todos
teriam tudo em comum, e o Estado deixaria de existir.
É o sistema econômico e social que visa a estabelecer
a comunhão de bens, com a abolição do direito de pro-
priedade e a extinção das classes sociais e do Estado”
(OLIVEIRA, 2010, p. 279).

22 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

10) Consciência de classe: “É a percepção que um indivíduo


ou grupo tem de sua situação de classe numa sociedade
dividida em classes sociais” (OLIVEIRA, 2010, p. 279).
11) Democracia: “Sistema político no qual a soberania
emana do povo, isto é, do conjunto dos cidadãos, que
podem exercer o governo diretamente, como na Gré-
cia Antiga (democracia direta) ou por meio de repre-
sentantes livremente escolhidos de forma periódica
(democracia representativa moderna). A democracia
moderna se caracteriza também pelo respeito às li-
berdades individuais e coletivas, pelo respeito aos di-
reitos humanos, pela divisão do poder do Estado em
três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), pela
igualdade de todos perante a lei e pela existência de
formas de controle das autoridades pelos cidadãos”
(OLIVEIRA, 2010, p. 280).
12) Divisão do trabalho: “É a distribuição e diferenciação
de funções entre indivíduos ou grupos nas atividades
produtivas de uma sociedade” (OLIVEIRA, 2010, p.
281).
13) Economia: “Ciência social que estuda as atividades
humanas ligadas à produção, circulação, distribuição e
consumo de bens e serviços. São fenômenos estuda-
dos pela Economia a produção e a circulação de bens
e serviços, a industrialização, as relações comerciais
entre os países, a distribuição da renda, a política sa-
larial, a produtividade das empresas, o crescimento
econômico, o desenvolvimento, etc.” (OLIVEIRA, 2010,
p. 281).
14) Estado: “Conjunto de instituições sociais que consti-
tuem a organização política de um povo e que detêm o

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 23


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

monopólio do uso da força legítima. É a instituição bá-


sica de controle social da sociedade. Entre as institui-
ções que o compõem, na democracia moderna, estão
o governo e a administração pública (poder Executivo),
os tribunais e outros órgãos da Justiça (poder Judiciá-
rio) e o Congresso nacional, ou Parlamento (poder Le-
gislativo)” (OLIVEIRA, 2010, p. 282).
15) Estratificação social: “É a divisão da sociedade
em estratos ou camadas sociais hierarquizadas ou
superpostas” (OLIVEIRA, 2010, p. 282).
16) Estrutura social: “É o conjunto ordenado de partes
encadeadas que formam um todo que mantém estável
a sociedade; é a totalidade dos status existentes num
determinado grupo social ou numa sociedade. A estru-
tura social é o aspecto estático da organização social”
(OLIVEIRA, 2010, p. 282).
17) Etnocentrismo: “Tendência a privilegiar o grupo étnico
ou nacional a que se pertence, considerando-o como
padrão para julgar as culturas diferentes” (OLIVEIRA,
2010, p. 282).
18) Fato social: “São as maneiras coletivas de agir, pen-
sar e sentir, que exercem um poder coercitivo sobre
as pessoas, levando-as a se comportar de acordo com
os padrões estabelecidos pela sociedade” (OLIVEIRA,
2010, p. 282).
19) Força de trabalho: “É o conjunto de trabalhadores de
todas as categorias e profissões, empregados ou não,
disponíveis em certa região, empresa ou sociedade. A
força de trabalho de um país também é chamada de
População Economicamente Ativa (PEA). A expressão

24 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

pode ser utilizada ainda no sentido de capacidade


física e intelectual do ser humano para trabalhar”
(OLIVEIRA, 2010, p. 282).
20) Forças produtivas: “Do ponto de vista da Sociologia e
de outras Ciências Sociais, o termo força designa um
poder de ação inerente aos seres vivos em geral e ao
ser humano em particular. A expressão forças produti-
vas indica o potencial produtivo de uma economia. Em
termos concretos, são as forças naturais apropriadas
pelo ser humano na produção de sua vida material e
social, mais os instrumentos de trabalho e as técnicas
produtivas. Isso inclui a tecnologia e a organização do
trabalho. A principal força produtiva, porém, é o pró-
prio trabalhador” (OLIVEIRA, 2010, p. 282).
21) Fordismo: teoria de produção elaborada por Henry
Ford, em 1913, tendo como principal elemento a in-
trodução da linha de montagem com esteira na produ-
ção de automóveis. No entanto, mais do que inovação
tecnológica, o fordismo se caracteriza por ser um siste-
ma com uma ampla divisão do trabalho, produção em
massa de bens padronizados, sindicatos relativamente
fortes e aumentos reais de salários.
22) Fundamentalismo: “Tendência radical, religiosa ou po-
lítica, que pretende impor padrões de comportamento
baseados na interpretação rigorosa, ao pé da letra, de
crenças e tradições religiosas. O fundamentalismo é in-
tolerante e rejeita o diálogo com aqueles que pensam
de forma diferente” (OLIVEIRA, 2010, p. 282-283).
23) Governo: “Conjunto de pessoas que exercem, geral-
mente de forma temporária, o poder Executivo de um
Estado” (OLIVEIRA, 2010, p. 283).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 25


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

24) Ideologia: “Expressão criada no começo do século


XIX pelo francês Destutt de Tracy com o significado de
ciência que tem por objeto o estudo das ideias. Mais
tarde, Karl Marx e Friedrich Engels deram a ela o senti-
do de consciência social de uma classe dominante, ou
conjunto de ideias falsas e enganadoras destinadas a
mascarar a realidade social aos olhos das classes do-
minadas, encobrindo as relações de dominação e ex-
ploração a que estão submetidas essas classes. Nessa
acepção, ideologia teria o mesmo significado de ‘falsa
consciência’. Atualmente, o termo é empregado com
o sentido de conjunto de ideias dominantes em uma
sociedade, ou como ‘visão de mundo’ de uma classe
social, de uma sociedade ou de uma época” (OLIVEIRA,
2010, p. 283).
25) Liberalismo: “Doutrina que defende a mais ampla li-
berdade individual, a democracia representativa, o
direito inalienável à propriedade, a livre iniciativa e a
concorrência no mercado entre indivíduos e empre-
sas. O liberalismo surgiu na Europa no decorrer do sé-
culo XVIII e foi a ideologia dominante sob o capitalismo
competitivo, vigente sobretudo entre o século XVIII e o
fim do século XIX. No início, polemizou com o mercan-
tilismo, opondo-se radicalmente à intervenção do Es-
tado na vida econômica: uma de suas propostas políti-
cas era o ‘Estado mínimo’, situação na qual caberia ao
Estado apenas a manutenção da ordem e da segurança
interna e externa da sociedade e a defesa do direito de
propriedade” (OLIVEIRA, 2010, p. 284).
26) Marxismo: “Doutrina criada a partir da obra e da ação
dos pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels e

26 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

seus seguidores. O marxismo foi definido por Vladimir


Ilitch Lenin, líder da Revolução Russa de outubro de
1917, como um ‘guia para a ação’. De fato, não se pode
separar os princípios doutrinários elaborados por Marx
e Engels da ação política e social concreta do proleta-
riado, classe vista pelos dois pensadores como destina-
da a emancipar a humanidade da opressão capitalista.
A teoria marxista apoia-se em dois princípios funda-
mentais: a ideia de que a base material, econômica,
da sociedade é determinante (em última instância) dos
acontecimentos políticos e sociais, assim como da or-
ganização da sociedade (teoria dos modos de produ-
ção); e a noção de que ‘a história da humanidade é a
história da luta de classes’. A teoria política de Marx,
denominada por ele próprio (e por Engels) ‘socialismo
científico’, considera que a luta de classes é o motor da
História, cabendo aos trabalhadores (classe operária)
a tarefa de destruir o Estado capitalista e com ele a so-
ciedade burguesa, instaurando primeiro a ditadura do
proletariado e, mais tarde, o socialismo e o comunis-
mo, quando a sociedade não estaria mais dividida em
classes nem precisaria mais do Estado como órgão de
coerção e repressão” (OLIVEIRA, 2010, p. 284).
27) Modo de produção: “Conceito criado por Karl Marx
para designar o conjunto formado pelas forças produ-
tivas e pelas relações de produção de uma sociedade
em um período histórico determinado. É a maneira
pela qual a sociedade produz seus bens e serviços,
como os utiliza e como os distribui. Segundo Marx, te-
riam existido na História os modos de produção comu-
nal primitivo, escravista, asiático, feudal e capitalista.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 27


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

Marx previa ainda a formação de um modo de produ-


ção que superaria o capitalismo: seria o modo socialis-
ta de produção” (OLIVEIRA, 2010, p. 285).
28) Proletariado: “Classe social surgida com a formação
do modo capitalista de produção e considerada por
Karl Marx como uma das classes fundamentais da so-
ciedade burguesa (a outra seria a burguesia). É com-
posto pelos trabalhadores assalariados da indústria,
do transporte e da agricultura (proletariado agrícola).
Também chamado de classe operária, sobretudo quan-
do se refere aos trabalhadores industriais (operários),
da construção civil (pedreiros, serventes, mestres de
obra) e dos transportes (ferroviários e portuários)”
(OLIVEIRA, 2010, p. 287).
29) Socialismo: “Expressão que designa tanto uma doutri-
na como um sistema social. Como doutrina, o socialis-
mo é uma corrente de ideias que propõe a superação
da sociedade capitalista por meio da socialização (ou
coletivização) dos meios de produção – que passariam
a pertencer à sociedade e não mais a capitalistas priva-
dos – e da entrega do poder político às associações dos
trabalhadores. Como sistema social, o socialismo teve
um caráter marcadamente autoritário em países como
a antiga União Soviética e a China. Ali, a propriedade
social ou coletiva acabou se transformando em pro-
priedade do Estado e o governo tornou-se monopó-
lio de uma burocracia privilegiada que nega os ideais
igualitários dos fundadores do pensamento socialista”
(OLIVEIRA, 2010, p. 288).
30) Socialização: “É o processo pelo qual a pessoa se inte-
gra ao grupo ou à sociedade em que nasceu, assimi-

28 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

lando seus hábitos, valores, costumes e outros traços


culturais; é o ato de transmitir, de introjetar na mente
do indivíduo os padrões culturais da sociedade; pela
socialização o indivíduo, naturalmente social, torna-se
sociável, isto é, capaz de viver em sociedade” (OLIVEI-
RA, 2010, p. 288).
31) Sociedade: “Coletividade organizada e estável de pes-
soas que ocupam um mesmo território, falam a mesma
língua, compartilham a mesma cultura, são geridas por
instituições políticas e sociais aceitas de forma consen-
sual e desenvolvem atividades produtivas e culturais
voltadas para a manutenção da estrutura que sustenta
o todo social. A sociedade apresenta-se geralmente di-
vidida em classes ou em camadas sociais nem sempre
harmônicas. Entretanto, mesmo quando há oposição
e conflito entre essas classes ou camadas, verifica-se
também complementaridade entre elas, e é essa com-
plementaridade que mantém de pé a sociedade como
um todo” (OLIVEIRA, 2010, p. 288).
32) Sociologia: “Ciência social que estuda as relações so-
ciais e as formas de associação dos seres humanos,
considerando as interações que ocorrem na vida em
sociedade. A Sociologia estuda os grupos sociais, a di-
visão da sociedade em camadas ou classes sociais, a
mobilidade social, os processos de mudança, coopera-
ção, competição e conflito que ocorrem nas socieda-
des, etc.; é a ciência social que estuda os fatos sociais”
(OLIVEIRA, 2010, p. 288).
33) Status quo: “Expressão em latim que significa o estado
atual em que se encontram as coisas. Em certos con-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 29


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

textos, pode designar também a ordem social estabe-


lecida” (OLIVEIRA, 2010, p. 288).
34) Superestrutura: “Expressão utilizada por Karl Marx
para designar a parte superior da estrutura social, que
é sustentada pela base material, econômica, denomi-
nada infraestrutura. Na superestrutura se localizam
o Estado, a vida cultural e o conjunto das ideologias,
filosofias, religiões, princípios jurídicos e políticos da
sociedade” (OLIVEIRA, 2010, p. 288).
35) Taylorismo: modificações introduzidas por Frederick
W. Taylor no modo de produzir, no final do século 19,
sustentadas essencialmente por um estudo de tempos
e movimentos. O objetivo era controlar e determinar
os métodos de trabalho, selecionando os trabalhado-
res e as ferramentas mais adequadas.
36) Taylorismo-fordismo: sistema de produção predomi-
nante até a década de 1960. Ele se caracterizava pela
produção em massa e altamente homogeneizada, pela
utilização do trabalho parcelar e pelo operário visto
como um apêndice da máquina, executando atividade
repetitiva. Tal sistema conseguiu reduzir o tempo de
produção e aumentar o ritmo. Era a mescla da produ-
ção em série fordista e do cronômetro taylorista. A di-
mensão intelectual do trabalho ficava a cargo de bem
poucos, pois usava-se uma grande massa de trabalha-
dores pouco ou semiqualificados para o trabalho a ser
realizado.
37) Totalitarismo: “Forma extrema de Estado autoritário.
Estado policial caracterizado pelo monopólio do poder
nas mãos de um único grupo, que não permite a exis-
tência de outros partidos, pela supressão de todo tipo

30 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

de liberdade pelo controle do Estado sobre os meios


de comunicação, pelo constante desrespeito aos direi-
tos humanos, pela repressão permanente aos oposito-
res e pela existência de um aparelho policial todo-po-
deroso. São exemplos de totalitarismo o nazismo, que
governou a Alemanha entre 1939 e 1945, e o stalinis-
mo, que traiu os ideais socialistas e oprimiu o povo da
antiga União Soviética (1929-1953)” (OLIVEIRA, 2010,
p. 288).

3. ESQUEMA DOS CONCEITOS-CHAVE


O Esquema a seguir possibilita uma visão geral dos concei-
tos mais importantes deste estudo.

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave de Filosofia das Ciências Sociais.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 31


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN, Z. Aprendendo a pensar com a Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
BOURDIEU, P. Coisas ditas. Trad. Cássia Silveira e Denise Pegorin. São Paulo: Brasiliense,
1990.
COSTA, C. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 4. ed. São Paulo: Moderna,
2010.
DONNE, J. Selected prose. Edited with an introduction and notes by Neil Rhodes.
London: Penguin Books, 1987.
OLIVEIRA, P. S. Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 2010.

5. E-REFERÊNCIA
CANO, I. Nas trincheiras do método: o ensino da metodologia das Ciências Sociais no
Brasil. Sociologias, Porto Alegre, ano 14, n. 31, p. 94-119, set./dez. 2012. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/soc/v14n31/05.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2019.

32 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1
ORIGEM, CAMPO E
METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS
SOCIAIS

Objetivos
• Compreender o campo de estudo das Ciências Sociais.
• Contextualizar o surgimento das Ciências Sociais como resposta às trans-
formações culturais, políticas e econômicas decorrentes das Revoluções
Industrial e Francesa.
• Promover uma distinção entre Ciências Sociais e Sociologia.
• Apresentar as áreas autônomas que compõem o conjunto das Ciências So-
ciais (Antropologia, Ciência Política e Sociologia).
• Conhecer os principais métodos aplicados nas Ciências Sociais: méto-
do comparativo-funcionalista, método compreensivo e materialismo
histórico-dialético.

Conteúdos
• Origem do campo de estudos das Ciências Sociais.
• Divisão e organização das Ciências Sociais.
• Breve introdução das áreas das Ciências Sociais: Antropologia, Ciência Po-
lítica e Sociologia.
• Método de pesquisa das Ciências Sociais.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 33


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Orientações para o Estudo da Unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir:
1) Não se limite a apenas ler esta obra. Pesquise e busque, em sites, livros e
revistas, materiais complementares sobre os temas abordados.
2) Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas compromete-
rem seu estudo. Consulte as referências bibliográficas no final de cada
unidade e expanda o seu campo formativo. Lembre-se: a autonomia é a
aliada da emancipação!
3) Nesta unidade, muitos temas demandarão um conhecimento histórico,
em especial sobre o contexto das Revoluções Industrial e Francesa. Para
repertoriar o contexto histórico do século 19, indicamos a leitura das
obras clássicas Germinal, de Émile Zola, e Os Miseráveis, de Victor Hugo.
Além disso, também indicamos o livro De pernas pro ar: a escola do mun-
do ao avesso, de Eduardo Galeano, que promove um resgate histórico e
uma reflexão interessante acerca de nossa sociedade em seus costumes,
valores e ideologias.
4) Para complementar as informações da unidade a partir de uma lingua-
gem cinematográfica, indicamos alguns filmes. Sobre o contexto socioe-
conômico do século 19, sugerimos: Oliver Twist (Inglaterra, França, Itália,
2005), Os miseráveis (Inglaterra, Alemanha, EUA, 1998), Daens: um grito
de justiça (França, Bélgica, 1992), A Revolução Francesa (França, 1989),
A Marselhesa (França, 1938) Danton e o processo de Revolução (França,
1983) e Germinal (França, 1993). Sobre os fundamentos da Antropolo-
gia, indicamos: A guerra do fogo (França, Canadá, 1981), A missão (In-
glaterra, 1986), Brincando nos campos do Senhor (Brasil, 1991), Baraka
(EUA, 1992), O enigma de Kaspar Hauser (Alemanha, 1974), O garoto
selvagem (França, 1970), Casa de chá do luar de agosto (EUA, 1956) e
Nome de família (EUA, 2006). Sobre os fundamentos da Ciência Políti-
ca, sugerimos: A língua das mariposas (Espanha, 1999), Sacco e Vanzetti
(Itália, França, 1971), A história oficial (Argentina, 1985), Batismo de san-
gue (Brasil, 2007), A culpa é do Fidel (França, 2006), As sufragistas (EUA,
2015). Sobre os fundamentos da Sociologia, indicamos: Cidadão Kane
(1941), Garapa (Brasil, 2009), Pro dia nascer feliz (Brasil, 2005), Socie-
dade do espetáculo (França, 1973), Histórias cruzadas (EUA, 2011), Que
horas ela volta? (Brasil, 2015), Segunda-feira ao sol (Espanha, 2002) e Os
companheiros (1963).

34 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

5) Sugerimos também que assista aos vídeos indicados a seguir:


• COTIAS, L. E. Surgimento da Sociologia. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=QCHIFsMphQ0>. Acesso em: 13 nov. 2019.
• BBC. As Consequências da Revolução Industrial – Criando Mara-
vilhas – EP2. 2003. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=rW4CR_WM-AA>. Acesso em: 13 nov. 2019.
• REDE GLOBO. Claude Lévi-Strauss. Jornal Nacional. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=0y1MSAcEXRw>. Acesso em:
13 nov. 2019.
• ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA EDUCATIONAL CORPORATION. A Re-
volução Industrial. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=DmvL6vy_6Qg>. Acesso em: 13 nov. 2019.
• ILB – INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO; UNILEGIS – UNIVERSIDADE
DO LEGISLATIVO BRASILEIRO. Introdução a Ciência Política 1_10. Dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9MnsnFBqQKE>.
Acesso em: 13 nov. 2019.
• ILB – INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO; UNILEGIS – UNIVERSIDA-
DE DO LEGISLATIVO BRASILEIRO. Introdução a Ciência Política 2_10.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vtaPOEdEIbs>.
Acesso em: 13 nov. 2019.
• HISTORY CHANNEL. Revolução Francesa – Documentário – His-
tory – Parte I. 2005. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=IVfsFeYKM-s>. Acesso em: 13 nov. 2019.
• HISTORY CHANNEL. Revolução Francesa – Documentário – His-
tory – Parte II. 2005. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=ba_puXAqhC8>. Acesso em: 13 nov. 2019.
• HISTORY CHANNEL. Revolução Francesa – Documentário – His-
tory – Parte III. 2005. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=LkjFG6Bbno8>. Acesso em: 13 nov. 2019.
• RENNÓ, P. Revolução Industrial (História Ilustrada). 2018. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=IEQ7nQ76trk>. Acesso em:
13 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 35


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

36 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

1. INTRODUÇÃO
Pelo fato de, normalmente, as pessoas considerarem
“Ciências Sociais” e “Sociologia” como uma única coisa, um dos
primeiros objetivos desta unidade é justamente conhecermos
as principais áreas que formam o conjunto das Ciências Sociais:
Antropologia, Ciência Política e Sociologia. No entanto, indepen-
dentemente de suas especificidades, um aspecto permanece
como um objeto de estudo comum a elas: as sociedades em suas
semelhanças e diferenças.
A vida em sociedade é um elemento que caracteriza a na-
tureza humana. A evolução do gênero humano ocorre numa ín-
tima relação com o coletivo e, consequentemente, com o social.
No entanto, “coletivo” não seria o mesmo que “social”? Não. Co-
letividade é algo próprio da natureza de muitos animais, porém
sociabilidade – enquanto significação e conveniência das normas
grupais estabelecidas – é próprio da cultura humana.
O fato é que o ser humano não nasce social, mas se torna
socializável por meio de um processo de interação com outros
indivíduos já socializados. Para esse processo damos o nome de
socialização. Embora qualquer indivíduo – em situações adequa-
das – tenha condições razoáveis de aprender qualquer costume,
essa aprendizagem só ocorre satisfatoriamente a partir do seu
contato com o mundo social. Por isso, estudar os modos de so-
cialização de uma cultura, comparando-os aos padrões sociais
de outras, torna-se um ponto de partida importantíssimo para
as Ciências Sociais.
Nesse sentido, a unidade abordará os principais aspectos
históricos que acompanharam o processo de surgimento das
Ciências Sociais, bem como as propostas de intervenção dos

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 37


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

primeiros autores. Em seguida, o texto esclarecerá as principais


divisões das Ciências Sociais e a sua diferença com relação à So-
ciologia. Por fim, estudaremos sobre os principais métodos que
se fizeram presentes na pesquisa das Ciências Sociais: método
comparativo-funcionalista, método compreensivo e materialis-
mo histórico-dialético.

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú-
do Digital Integrador.

2.1. O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA: A SOCIEDADE COMO


PROBLEMA DE PESQUISA

As primeiras análises mais sistemáticas sobre a sociedade


ocorreram a partir do momento em que ela passou a demons-
trar as transformações decorrentes das Revoluções Industrial e
Francesa.
A Revolução Industrial, iniciada por volta de 1750, desem-
penhou um papel vital para o desenvolvimento de uma nova es-
trutura econômica capitalista: a intensa acumulação de capital
e as profundas transformações nas formas de produção signifi-
caram o advento da indústria e da produção em série. Essa con-
dição afetou a mão de obra e reorganizou o trabalho manufatu-
reiro de uma maneira radical: com a introdução das máquinas
a vapor, o artesão medieval perdeu o seu espaço, tendo que se
adaptar às novas formas de divisão e organização da produção:

38 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

As mudanças provocadas pela revolução científico-tecnológica,


que denominamos Revolução Industrial, marcaram profunda-
mente a organização social, alterando-a por completo, criando
novas formas de organização e causando modificações cultu-
rais duradouras, que perduram até os dias atuais (DIAS, 2004,
p. 124).

No caso da Revolução Francesa, todo o contexto socio-


político que possibilitou a denúncia dos privilégios da nobreza
feudal e favoreceu a ascensão da burguesia no poder também
contribuiu para que as mudanças mencionadas se acelerassem
e configurassem assim uma nova estrutura social. Portanto, se a
Revolução Industrial foi determinante para uma nova configura-
ção econômica, a Revolução Francesa foi fundamental para uma
definição das novas classes sociais e dos seus papéis na política
emergente.
A partir de tais revoluções, a sociedade passou a ter no-
vos grupos sociais “dominantes” e “dominados”. Por um lado,
a burguesia, que até então sofria com a exclusão de privilégios
restritos à nobreza, a partir do surgimento do capitalismo, pas-
sou a ter a posse dos meios de produção social e, com isso, im-
por novas condições sociais, políticas e econômicas. Por outro, a
classe operária e proletária, que não detinha a posse dos meios
de produção, foi obrigada a se submeter à exploração burguesa.
As condições degradantes do trabalho chegaram ao seu
ápice no século 19: com jornadas de trabalho de 14 a 16 horas,
sem nenhum direito trabalhista (descanso remunerado, férias,
aposentadoria etc.) ou limite de idade para trabalhar – uma vez
que crianças cumpriam a mesma jornada que os adultos –, a
classe operária estava, portanto, exposta a péssimas condições
de segurança e saneamento básico:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 39


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

As consequências da rápida industrialização e urbanização le-


vadas a cabo pelo sistema capitalista foram tão visíveis quanto
trágicas: aumento assustador da prostituição, do suicídio, do
alcoolismo, do infanticídio, da criminalidade, da violência, de
surtos de epidemia de tifo e cólera que dizimaram parte da po-
pulação etc. (MARTINS, 1986, p. 13-14).

A partir desse contexto, surgiram os diversos movimentos


de reivindicação por parte dos trabalhadores, que passaram, aos
poucos, a se organizar nos primeiros sindicatos na Inglaterra,
França e outros países europeus. Esses fatos também desenca-
dearam transformações no modo de vida dos indivíduos de ca-
madas sociais diferentes, alterando o padrão de interações fami-
liares e de trabalho. Aos poucos, as próprias normas e os valores
vigentes tiveram que reestruturar suas bases, o que estimulou,
por sua vez, o desenvolvimento de novos comportamentos e
ideias.
Com o objetivo de procurar entender todas essas transfor-
mações, bem como encontrar meios para a superação de seus
problemas, diversos pensadores, como Saint-Simon (1760-1825),
Augusto Comte (1798-1857) e Karl Marx (1818-1883), apresen-
taram teorias explicativas sobre os processos sociais, políticos e
econômicos que justificam a natureza de tais mudanças na histó-
ria das sociedades.
Entre o final do século 19 e início do século 20, a Socio-
logia consolidou-se definitivamente a partir do trabalho de ou-
tros estudiosos, como Herbert Spencer (1820-1903), Max Weber
(1864-1920), Georg Simmel (1858-1918), Émile Durkheim (1858-
1917), Gabriel Tarde (1843-1904), Georg Herbert Mead (1863-
1931), Charles Wright Mills (1916-1962), entre outros, formando
assim as bases sobre as quais a Sociologia se assentaria como
ciência autônoma.

40 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

As leituras indicadas no Tópico 3. 1 abordam o contex-


to histórico (Revoluções Industrial e Francesa) do surgimento
das Ciências Sociais, bem como as principais mudanças que
acompanharam esse processo e que motivaram os primeiros
estudos sobre a sociedade. Neste momento, você deve reali-
zar essas leituras para aprofundar o tema abordado.

2.2. DIVISÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Como já mencionado, uma questão inicial que precisa ser


esclarecida é a seguinte: Ciências Sociais é sinônimo de Sociolo-
gia? Caso negativo, quais as diferenças? Para responder a essas
perguntas, precisamos conhecer o processo de sistematização
das chamadas ciências da sociedade.
O processo de produção do conhecimento sociológico,
enquanto área autônoma, tem início a partir do século 19. Ini-
cialmente, com Comte, Durkheim, Weber e Marx, os esforços
convergiram para a criação da Sociologia, como ciência dos fatos
sociais. No entanto, com o avanço das descobertas e pesquisas,
e também por conta do aprimoramento de uma metodologia
própria para a pesquisa social, houve a necessidade de dividir
e sistematizar o conhecimento sociológico em diversas áreas ou
ciências específicas. Esse conjunto de áreas autônomas, volta-
das para o conhecimento da realidade social, ganhou o nome de
“Ciências Sociais”.
A sistematização das Ciências Sociais, portanto, resultou na
criação de campos de especialização, como Antropologia, Ciên-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 41


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

cia Política e Sociologia. O desenvolvimento de cada um deles


não ocorreu de forma igual e dependeu – como qualquer outro
tipo de conhecimento – do contexto social no qual emergiu.
No Brasil, por exemplo, as universidades ofertam cursos es-
pecíficos de Antropologia (bacharelado), Ciência Política (bacha-
relado) e Sociologia (bacharelado e licenciatura), ou até, como
em outros casos, o curso de Ciências Sociais (bacharelado), que
englobaria as três áreas. No entanto, com relação ao exercício
profissional desses cursos, só a profissão de sociólogo é reco-
nhecida pelo Estado brasileiro. Ou seja, segundo o Decreto nº
89.531, de 5 de abril de 1984 (BRASIL, 1984), que regulamenta
exercício da profissão de sociólogo, todo antropólogo, cientista
político e sociólogo, do ponto de vista do exercício legal da fun-
ção, é enquadrado profissionalmente apenas como “sociólogo”.
Por mais que uma pessoa tenha feito o bacharelado em
Antropologia, na sua carteira de trabalho constará a função de
sociólogo. Essa questão também justifica por que, no currículo
do Ensino Médio, apesar de constarem temas provenientes das
três áreas (Antropologia, Ciência Política e Sociologia), a discipli-
na acaba recebendo o nome somente de “Sociologia”.
Vejamos o que se trabalha em cada uma dessas ciências
específicas.

Antropologia
A Antropologia estuda as semelhanças e diferenças cultu-
rais entre os diversos agrupamentos humanos, bem como a ori-
gem e a evolução das culturas. Ou seja, se, por um lado, a Antro-
pologia busca compreender como os seres humanos – em suas
respectivas culturas – podem levar vidas tão diferentes umas das

42 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

outras, por outro, no entanto, também tem como objeto de pes-


quisa, para além da diversidade cultural, compreender aquele
ponto comum que liga indivíduos de culturas totalmente distin-
tas: a condição humana.
Inicialmente, no início do século 19, a Antropologia se de-
dicou a pesquisar a natureza e a estrutura de sociedades tradi-
cionalmente consideradas como “primitivas” ou “selvagens”. Um
dos pioneiros dessa área foi, sem dúvida, Lewis Henry Morgan
(1818-1881), antropólogo norte-americano que, em sua obra A
sociedade antiga (2005), descrevia uma trajetória da humani-
dade do mais simples e irracional ao mais complexo e racional,
compreendida em três fases distintas: a selvageria, a barbárie e
a civilização. Confira, a seguir, uma tabela adaptada de Morgan
(2005, p. 60), com as principais características de cada uma des-
sas fases de desenvolvimento.

Tabela 1 Períodos da humanidade segundo Morgan


Períodos Condições Características
I. Período inicial Status inferior Da infância da raça humana de selvageria até
de selvageria de selvageria o começo do próximo período.
II. Período Status Da aquisição de uma dieta de subsistência
intermediário de intermediário à base de peixes e de um conhecimento do
selvageria de selvageria uso do fogo até a invenção do arco e flecha.
III. Período final Status superior Da invenção do arco e flecha até a invenção
de selvageria de selvageria da arte da cerâmica.
Da invenção da arte da cerâmica até a
domesticação de animais no hemisfério
IV. Período inicial Status inferior oriental e o cultivo irrigado de milho e plantas
da barbárie da barbárie no hemisfério ocidental – juntamente com
o uso de tijolos de adobe e pedras para a
construção das casas.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 43


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Períodos Condições Características


Da domesticação de animais no hemisfério
V. Período Status oriental e, no ocidental, do cultivo irrigado
intermediário de intermediário de milho e plantas, com o uso de tijolos de
barbárie de barbárie adobe e pedras até a invenção de forjar o
minério de ferro.
Da invenção do processo de fundir minério
VI. Período final Status superior
de ferro, com o uso de ferramentas de ferro,
de barbárie de barbárie
até a invenção do alfabeto fonético.
VII. Status de Status de Da invenção do alfabeto fonético, com o uso
civilização civilização da escrita, até o tempo presente.

Fonte: adaptada de Morgan (2005).

Outros intelectuais também compartilharam esse pressu-


posto evolucionista na Antropologia, como o inglês Edward B.
Tylor (1832-1917) e o escocês James G. Frazer (1854-1941). De
modo geral, todos apresentaram teorias fundamentadas na his-
tória da evolução, sem chegar a um consenso sobre a natureza
e a posição das sociedades nessas escalas evolutivas. No entan-
to, independentemente dos aspectos particulares desses auto-
res, essa abordagem mostrou-se problemática, justamente por
caracterizar algumas culturas como “primitivas” e “bárbaras”, a
partir de referências típicas da sociedade europeia, considerada
como “civilizada”:
[…] um selvagem está para um homem civilizado assim como
uma criança está para um adulto; e, exatamente como o cres-
cimento gradual da inteligência de uma criança corresponde
ao crescimento gradual da inteligência da espécie […], assim
também um estudo da sociedade selvagem em vários estágios
de evolução permite-nos seguir, aproximadamente – embora,
é claro, não exatamente —, o caminho que os ancestrais das
raças mais elevadas devem ter trilhado em seu progresso as-
cendente, através da barbárie até a civilização. Em suma, a sel-
vageria é a condição primitiva da humanidade, e, se quisermos

44 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

entender o que era o homem primitivo, temos de saber o que é


o homem selvagem hoje (FRAZER, 2005, p. 107-108).

Essa forma de pensamento é considerada etnocêntrica,


porque justifica a ideia de progresso com base em critérios que
colocam as sociedades europeias como o ápice da evolução. Des-
sa corrente surgem tendências que se apoiam no darwinismo ou
evolucionismo social, cujas bases teóricas são encontradas em
Herbert Spencer (1820-1903).
Já em meados do século 19, por conta da expansão do im-
perialismo capitalista (ou neocolonialismo europeu), as socieda-
des europeias passaram a ter cada vez mais contatos com popu-
lações asiáticas, oceânicas e africanas. Isso também promoveu
uma expansão da pesquisa antropológica, que passou a pesqui-
sar essas sociedades.
Tal expansão serviu positivamente para alguns autores
questionarem os padrões etnocêntricos que se encontravam ca-
muflados nos pensadores anteriores. O antropólogo Franz Boas
(1858-1942), por exemplo, inaugurou uma linha de pensamento
que criticou duramente o evolucionismo cultural – tese que futu-
ramente ficaria conhecida como “relativismo cultural”. Segundo
Boas, pelo fato de as culturas serem diferentes umas das outras,
uma determinada sociedade só pode ser avaliada a partir dos
próprios critérios culturais. Para o autor, essa seria uma forma de
romper com as classificações hierárquicas, e também de validar
o conceito de cultura numa vertente de crítica ao etnocentrismo.
De sua permanência entre os esquimós, seguem alguns registros
do seu diário, mais especificamente do dia 23 de dezembro de
1883:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 45


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Frequentemente me pergunto que vantagens nossa “boa so-


ciedade” possui sobre aquela dos “selvagens” e descubro,
quanto mais vejo de seus costumes, que não temos o direito
de olhá-Ias de cima para baixo. Onde, em nosso povo, poder-
-se-ia encontrar hospitalidade tão verdadeira quanto aqui?
[…] Nós, “pessoas altamente educadas”, somos muito piores,
relativamente falando… Creio que, se esta viagem tem para
mim (como ser pensante) uma influência valiosa, ela reside no
fortalecimento do ponto de vista da relatividade de toda forma-
ção [Bildung], e que a maldade, bem como o valor de uma pes-
soa, residem na formação do coração [Herzensbildung], que eu
encontro, ou não, tanto aqui [entre os esquimós] quanto entre
nós (BOAS apud CASTRO, 2004, p. 9).

Confira a questão do mito do atraso primitivo e suas rela-


ções com o etnocentrismo, observando o quadrinho da Figura 1:

46 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Fonte: Henfil (1977, p. 3).


Figura 1 Etnocentrismo.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 47


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Ainda no final do século 19 e no início do século 20, os


estudos antropológicos começaram a perceber que as diferentes
culturas eram capazes não apenas de criar hábitos novos, mas
principalmente de oficializar determinados comportamentos
e práticas regulares que se repetiam frequentemente, estabe-
lecendo assim os chamados padrões culturais. As antropólogas
Margaret Mead (1901-1978) e Ruth Benedict (1887-1947), alu-
nas de Franz Boas, fundamentaram suas pesquisas em torno do
conceito de padrão cultual.
De acordo com a autoras, os padrões culturais são tão fun-
damentais para a análise cultural que, além de manifestarem
comportamentos regulares, também condicionavam os indiví-
duos daquele grupo a ter inclinações semelhantes. Segundo Be-
nedict (2013, p. 172), “este relacionamento [entre grupo e indiví-
duo] é tão estreito que não se pode analisar o padrão de cultura
sem levar em consideração especificamente a sua relação com a
psicologia individual”. Isso daria à cultura um papel determinan-
te na formação das consciências, uma vez que ela modelaria as
personalidades individuais por meio de tipos-padrão de compor-
tamentos – embora fosse sujeita a variações em alguns de seus
integrantes:
Na realidade, a sociedade e o indivíduo não são antagonistas.
A cultura fornece a matéria-prima com a qual o indivíduo faz a
sua vida. Se ela é escassa, o indivíduo fica em desvantagem; se
ela é rica, o indivíduo tem a possibilidade de se mostrar à altura
de sua oportunidade. Todos os interesses particulares dos ho-
mens e das mulheres beneficiam-se do enriquecimento da ba-
gagem tradicional da sua civilização (BENEDICT, 2013, p. 171).

Com a influência direta de Franz Boas, a Antropologia do


século 20 continuou sua crítica ao evolucionismo e passou a ser
vista como referência sobre as reflexões em torno das diferen-

48 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

ças culturais, desempenhando assim um forte papel na defesa


dos direitos daqueles agrupamentos minoritários e considerados
“diferentes”.
Um desses representantes da Antropologia no século 20
foi o polonês Bronislaw Malinowski, que, na década de 1910,
pesquisou as relações de parentesco presentes nas sociedades
nativas das Ilhas Trobriand (um conjunto de ilhas próximo a
Papua-Nova Guiné). Em sua pesquisa, constatou que, diferente-
mente dos padrões de parentesco das sociedades ocidentais, o
elemento principal de linhagem familiar de tais agrupamentos
não era o do “pai”, mas o da “mãe”. Por isso, tais culturas foram
chamadas de “matrilineares”, uma vez que a mãe não significa-
va apenas uma progenitora, mas também uma pessoa à qual se
deve respeito e de quem se espera um determinado compor-
tamento. Nessas formações familiares – do tipo matriarcal –, o
pai é caracterizado muito mais como um estranho do que como
chefe de família:
[…] o termo “pai” tem, para o trobriandês, uma definição clara,
ainda que exclusivamente social: significa o homem casado com
a mãe, que vive com ela sob o mesmo teto e se inclui entre os
moradores da casa. Em todas as discussões sobre parentesco,
o pai me foi expressamente descrito como [...] um “estranho”
ou – mais precisamente – um “intruso” (MALINOWSKI, 1983,
p. 32).

E mais adiante, completa:


À medida que vai crescendo, [o filho] também pode perceber
que o irmão de sua mãe adquire sobre ele uma autoridade cada
vez maior, reclamando seus serviços, [...] concedendo-lhe ou
recusando-lhe permissão para realizar certos atos; ao passo
que a autoridade do pai se apaga aos poucos (MALINOWSKI,
1983, p. 33).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 49


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Outro representante fundamental da Antropologia no sé-


culo 20 foi o francês Claude Lévi-Strauss. Em seu texto “Raça e
História”, o autor aborda a questão do relativismo cultural e afir-
ma que os conceitos de interpretação e diversidade divergem de
cultura para cultura. Para ilustrar essa questão, compara a cul-
tura a um trem: cada uma tem uma direção e um destino. Logo,
assim como os trens não caminham todos na mesma direção, as
culturas também possuem maneiras diferentes de interpretar o
mundo (LÉVI-STRAUSS, 2013).
E mais, assim como cada viajante tem uma noção mais
exata da direção do seu vagão, os indivíduos de uma determi-
nada cultura precisam entender que as culturas diferentes, por
mais estranhas que pareçam, também possuem os seus pontos
de vista próprios: “Para um viajante sentado à janela do trem, a
velocidade e o comprimento dos outros trens variam conforme
estes se deslocam no mesmo sentido ou em sentido inverso” (LÉ-
VI-STRAUSS, 2013, p. 345).
Dessa maneira, a concepção de que determinada cultura
esteja parada nada mais é do que a falta de noção adequada a
respeito da direção em que ela caminha: “A distinção entre ‘cul-
turas que se mexem’ e ‘culturas que não se mexem’ se explica
pela mesma diferença de posição que faz com que, para o nos-
so viajante, um trem em movimento se mexa ou não” (LÉVI-S-
TRAUSS, 2013, p. 345). E, por fim, completa:
Sabemos ser possível acumular muito mais informação sobre
um trem que se move paralelamente ao nosso e a uma velo-
cidade vizinha (por exemplo, examinar a cabeça dos viajantes,
contá-los, etc.) do que sobre um trem que nos ultrapassa ou
que ultrapassamos a grande velocidade, ou que nos parece tan-
to mais curto quando circula noutra direção. No limite, passa
tão depressa que guardamos dele apenas uma impressão con-
fusa, donde os próprios sinais de velocidade estão ausentes;

50 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

reduz-se a uma perturbação momentânea do campo visual, já


não é um trem, já não significa nada (LÉVI-STRAUSS, 2013, p.
346).

A partir de meados do século 20 e século 21, com o cres-


cimento urbano e os eventos decorrentes da Segunda Guerra
Mundial, a Antropologia procurou compreender também o que
acontecia no interior das sociedades ocidentais, aproximando-se
então de uma pesquisa antropológica mais urbana.
Os antropólogos Marvin Harris (1927-2001) e Julian Ste-
ward (1902-1972), por exemplo, resgataram os pressupostos
evolucionistas, criticados pela Antropologia desde Franz Boas.
No entanto, longe de replicarem um evolucionismo social, pre-
feriram pensar na evolução das sociedades nos termos de uma
dialética marxista, ou seja, a partir do progresso dos sistemas
econômicos presentes nas mais diferentes sociedades, desde as
mais simples até as mais complexas. Afirmavam, por sua vez, que
o relativismo defendido por Franz Boas não permitia uma visão
global e total das sociedades humanas.
Portanto, o argumento central dos autores se baseia no
chamado “materialismo cultural”: a vida social humana é uma
resposta aos problemas práticos da sua existência nesta terra.
Por isso, uma visão de progresso cultural apresenta-se como fun-
damental: as culturas acompanham, então, os desenvolvimentos
econômicos.
Enfim, a Antropologia apresenta ainda hoje uma vasta área
de pesquisa. Apesar de algumas mudanças conceituais promovi-
das ao longo do tempo, ainda continuam sendo objetos de estu-
do da Antropologia os tipos de organização familiar, os tabus e
ritos de iniciação, os padrões sociais e as instituições etc.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 51


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Ciência Política
A Ciência Política – se a tomarmos genericamente como
área voltada à reflexão do fazer político – antecede o Período
Moderno e tem as suas raízes na Antiguidade grega. Autores
como Platão e Aristóteles, por exemplo, escreveram obras dedi-
cadas a esse assunto. Na Antiguidade tardia, isto é, no período
romano, temos também autores que refletiram sobre aspectos
fundamentais da Filosofia Política, como Cícero, Marco Aurélio,
Sêneca, entre outros. Na Idade Média, autores como Santo Agos-
tinho e Tomás de Aquino abordaram questões sobre a relação
entre indivíduo e governo político. No entanto, mesmo existindo
um conjunto de teorias já consolidadas na tradição filosófica, até
o final da Idade Média, nenhuma delas se caracterizou especifi-
camente como “Ciência Política”.
Somente com Maquiavel a política ganhou o status de au-
tônoma, podendo, enfim, ser estudada como área separada de
qualquer limitação moral ou religiosa. O interesse não está em
descrever a prática do governante como resultado de uma mo-
ral religiosa, mas compreender a prática política a partir daquilo
que ela representa: a administração do poder soberano. Esse as-
pecto inaugura a área da Ciência Política, que, nos séculos sub-
sequentes, ganhou notabilidade com autores como Jean Bodin,
Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Montes-
quieu e outros.
Mas afinal, do que se ocupa a Ciência Política? Qual é o
seu objeto de estudo? A Ciência Política ocupa-se em pesqui-
sar as formas de poder na sociedade, bem como a formação e o
desenvolvimento das diferentes maneiras de governo. Enquanto
método, sua atuação é variada, podendo se constituir a partir da
observação de instituições, como o Estado, até o modo como as

52 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

pessoas interagem segundo seus interesses. Logo, o poder apre-


senta-se como o objeto central da Ciência Política. Na tirinha da
Figura 2, podemos perceber essa questão da seguinte forma:
quem realmente é o dono da fala?

Fonte: Laerte (apud MACHADO; AMORIM; BARROS, 2013, p. 15).


Figura 2 O poder político.

Um dos temas de maior destaque na Ciência Política diz


respeito à noção de liberdade e representatividade política, que,
por sua vez, está diretamente vinculada ao processo de forma-
ção e abstração do Estado em sua dimensão racional-legal. A re-
presentatividade política só é possível se ela for compreendida à
luz das relações de poder. Para tanto, três questões apresentam-
-se como fundamentais: soberania, despersonalização do poder
e despatrimonialização do poder. Vejamos cada uma em detalhe.

Soberania
Com relação à ideia de soberania do poder, como um dos
elementos caracterizadores do Estado Moderno, torna-se impor-
tante mencionar três pensadores: Maquiavel, Bodin e Hobbes.
Maquiavel, em sua obra O príncipe, tem lugar especial
nesse processo justamente por tentado distinguir o exercício da
soberania do governante como característica especificamente
estratégica e política, desligada, por sua vez, de qualquer mora-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 53


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

lidade ascética e religiosa. O governante deve ser prudente sufi-


ciente para saber usar a virtude (virtù) segundo as circunstâncias
contingenciais que lhe ocorrem:
A um príncipe, portanto, não é necessário ter de fato todas as
qualidades […], mas é indispensável parecer tê-las. Aliás, ou-
sarei dizer que, se as tiver e utilizar sempre, serão danosas,
enquanto, se parecer tê-las, serão úteis. Assim, deves parecer
clemente, fiel, humano, íntegro, religioso – e sê-lo, mas com a
condição de estares com o ânimo disposto e, quando necessá-
rio, não o seres, de modo que possas e saibas como tornar-te
o contrário. […] Precisa, portanto, ter o espírito preparado para
voltar-se para onde lhe ordenarem os ventos da fortuna e as va-
riações das coisas e, como disse acima, não se afastar do bem,
mas saber entrar no mal, se necessário (MAQUIAVEL, 2001, p.
84-85).

Todavia, a soberania em Maquiavel ainda se concentra


num âmbito eminentemente personalizado e reduzido à figura
do príncipe. Haja vista que o Estado Moderno tende, em seu pro-
cesso, a ser abstrato e despersonalizado, é preciso que essa deli-
mitação de soberania passe por uma reforma conceitual. Nesse
sentido, Bodin tenta justamente apresentar uma ideia de sobe-
rania impessoal e desvinculada da figura do governante. Dessa
maneira, o esforço de Bodin não poderia ser outro: o de tentar
determinar o que de fato é um Estado (ou uma República).
Para Bodin, as sociedades políticas (Estados ou repúblicas)
se formam pela associação e o justo governo de famílias, que,
diferentemente da concepção aristotélica (que observa teleolo-
gicamente nas comunidades familiares a potência da pólis), ba-
seia-se na ideia da existência de algo público e impessoal, capaz
de erguer-se contra o particularismo dos interesses privados e
unir as partes em vista dos interesses comuns. Na opinião de Bo-
din, tal função só pode ser cumprida pela soberania:

54 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Do mesmo modo que o navio só é madeira, sem forma de em-


barcação, quando lhe é suprimida a quilha que sustenta os la-
dos, a proa, a popa e o convés, assim também a República sem
poder soberano, que une todos os membros e partes, e todas
as famílias, corpos e colégios, não é República (BODIN, 1997, p.
17, tradução nossa).

Com isso, Bodin chega a uma concepção de soberania des-


personalizada, uma vez que ela não é confundida com a pessoa
do monarca, mas é tida como uma condição absoluta e perpétua
que lhe é concedida, cumprindo, desse modo, apenas o papel de
depositário ou guardião dessa mesma soberania. Isso quer dizer
que o caráter absoluto da soberania não justifica o absolutismo
despótico do monarca, pois ambas as coisas não transitam no
mesmo plano conceitual:
A soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República.
[…] Tendo dito que a República é um reto governo de várias
famílias e daquilo que lhe é comum, com poder soberano, é
preciso agora aclarar o que significa poder soberano. Digo que
esse poder é perpétuo, posto que pode ocorrer que se conce-
da poder absoluto a um ou a vários por tempo determinado,
os quais, uma vez transcorrido esse [tempo], não são mais que
súditos. Portanto, não pode se chamar príncipes soberanos
quando ostentam o poder, já que são apenas seus guardiães
ou depositários, até que o povo ou o príncipe possa revogá-los
(BODIN, 1997, p. 47-48, tradução nossa).

Essa noção de soberania também aparece em Hobbes, po-


rém de uma forma mais bem-acabada e complexa do que em
Bodin: não basta despersonalizar a ideia de soberania; na rea-
lidade, para Hobbes, deve-se criar uma pessoa artificial, repre-
sentativa e despersonalizada, para quem, após a formalização do
pacto social, todos os indivíduos concordam entre si em transfe-
rir o direito de se autogovernarem:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 55


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Isto é mais do que consentimento ou concórdia, é uma verda-


deira unidade de todos eles, numa só e mesma Pessoa, realiza-
da por um pacto de cada homem com todos os homens, de um
modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Au-
torizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a
este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição
de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma ma-
neira semelhante todas as suas ações (HOBBES, 2003, p. 147,
grifo do autor).

Com isso, detém a soberania (ou ganha o nome de Sobe-


rano) aquele que for o portador dessa Pessoa Representativa,
constituindo, assim, definitivamente, o Estado ou a Repúbli-
ca (o Leviatã), como a multidão unida numa só Pessoa criada
artificialmente:
É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar
em termos mais reverentes) daquele Deus mortal, ao qual de-
vemos, abaixo do Deus imortal, a nossa paz e defesa. […] É nele
que consiste a essência da república. […] Àquele que é portador
dessa pessoa chama-se Soberano, e dele se diz que possui po-
der soberano. Todos os demais são súditos (HOBBES, 2003, p.
148).

Tudo isso prova que, conforme Torres (1989, p. 52), “não


há verdadeiramente Estado, ou domínio púbico, se não houver
poder soberano”. No entanto, a abstração do Estado Moderno
não se resolve apenas com a questão da soberania; é preciso
também que se redimensione outro aspecto muito ligado a este
primeiro, inclusive já adiantado no próprio texto: a questão da
despersonalização do poder.

Despersonalização do poder
Para perceber historicamente o processo de despersona-
lização, deve-se voltar aos Estados absolutistas e entender duas

56 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

temáticas: o fundamento da legitimidade dinástica do rei; a le-


gitimidade da propriedade dos bens e direitos reais (TORRES,
1989, p. 69).
As duas podem ser resolvidas de modo semelhante, por
meio da distinção entre Rei e Coroa. Para começo de conver-
sa, Esmein, em sua obra Curso Elementar da História do Direito
Francês, traz uma citação interessante de Pierre De L’Hommeau,
do texto Máximas Gerais do Direito Francês, que diz exatamente
o seguinte:
Os reis da França são herdeiros da coroa e a sucessão do reino
da França não é hereditária nem patrimonial, mas legal e esta-
tutária, de sorte que os reis de França são simplesmente suces-
sores à coroa em virtude da lei e do costume geral da França
(DE L’HOMMEAU apud ESMEIN, 1912, p. 367, tradução nossa).

Noutras palavras, isso quer dizer que na França – como


também foi possível observar na Inglaterra – optou-se pela ideia
de que a legitimidade da sucessão dinástica e o fundamento do
patrimônio real não se encontram reduzidos à livre escolha do
rei, mas pertencem às leis e aos costumes do reino, justamente
porque a Coroa não é uma posse exclusiva do rei, mas um símbo-
lo que unifica, de modo impessoal, no corpo político, os súditos,
o território e o próprio rei. Ernst Kantorowicz, na obra Os dois
corpos do rei, citando as teses de Bracton, deixa bem clara essa
distinção entre rei e Coroa:
Uma coisa quase sagrada é uma coisa fiscal, que não pode ser
prescindida ou vendida ou transferida para outra pessoa pelo
Príncipe ou rei em exercício; e essas coisas fazem da Coroa o
que ela é, e dizem respeito ao bem comum, tais como a paz e a
justiça (BRACTON apud KANTOROWICZ, 1998, p. 115).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 57


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Ou seja, a autoridade pessoal do rei, em seu corpo natural,


depende da autoridade impessoal da Lei e da Coroa, enquanto
corpo político:
Não é preciso dizer que a condição do rei “acima da Lei” era,
em si mesma, perfeitamente “legal” e garantida pela Lei. Seus
direitos supralegais, servindo “àquelas coisas que pertencem à
jurisdição e à paz” e sua proteção, eram garantidos ao rei pela
própria Lei. “Pertencem a ninguém, a não ser apenas à Coroa
e à dignidade real, nem podem ser separados da Coroa, uma
vez que fazem da Coroa o que ela é”. Da mesma forma, as má-
ximas mais famosas de Bracton – lex facit regem [a lei faz o rei]
– tinham uma outra face e não devem ser lidas exclusivamente
no sentido de restrições. Afirmações parecidas não eram muito
raras durante a Idade Média. Regem iura faciunt, non persona –
“As leis, e não a pessoa, fazem o rei” – era uma afirmação bem
conhecida dos canonistas; e, de acordo com a própria lex digna,
os imperadores confessam: “da autoridade da Lei depende nos-
sa autoridade” (KANTOROWICZ, 1998, p. 103).

Despatrimonialização do poder
Para que a compreensão do processo de abstração do Esta-
do moderno seja de fato completa, torna-se necessário elaborar
uma pequena reflexão sobre uma terceira temática muito próxi-
ma da despersonalização do poder: a despatrimonialização.
Para falar desse tema, torna-se impossível não resgatar al-
gumas reflexões de Max Weber que, entre outras coisas, afirma
que a despatrimonialização tem seu ponto de identificação com
o Estado moderno a partir do momento em que há a completa
separação entre patrimônio ou funções estatais e os seus admi-
nistradores ou titulares:
O Estado moderno controla os meios totais de organização po-
lítica, que na realidade se agrupam sob um chefe único. Nenhu-
ma autoridade isolada possui, pessoalmente, o dinheiro que

58 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

paga, ou os edifícios, armazéns, ferramentas e máquinas de


guerra que controla. No “Estado” contemporâneo […] a sepa-
ração entre o quadro administrativo, os funcionários adminis-
trativos e os trabalhadores em relação aos meios materiais de
organização administrativa é completa (WEBER, 1982, p. 102).

No entanto, para Torres, a evolução histórica da ideia de


despatrimonialização não aconteceu de modo tão linear e pon-
tual, mas foi permeada por diversos percalços e ambiguidades
que remontam inclusive ao retorno do patrimonialismo dos Es-
tados absolutistas. A recusa do patrimonialismo das monarquias
feudais, como condição fundamental para a criação do Estado
burocrático-racional, assume, num primeiro momento, a vesti-
menta do patrimonialismo das monarquias absolutistas. Logo,
mesmo em vista desses recuos conceituais, o fato é que paula-
tinamente as estruturas estatais “despatrimonializadas” vão se
consolidando de modo inequívoco, principalmente no que diz
respeito a duas áreas: a justiça e as finanças públicas (TORRES,
1989).
No caso da justiça, a despatrimonialização do poder é com-
preendida a partir do esforço de superação da justiça senhorial-
-feudal pela justiça real, identificada pelo autor por meio de qua-
tro linhas de restrições muito bem definidas:
1) A “doutrina dos casos reais”, que retira do poder da
justiça senhorial todos aqueles casos que envolvam
a pessoa, o patrimônio, o direito real, como também
questões de paz pública (TORRES, 1989, p. 59-61).
2) A “teoria da prevenção”, a qual afirma que, uma vez
dirigido o caso ao rei, o processo pode ser realizado
na corte real, sem interferência dos senhores (TORRES,
1989, p. 59-61).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 59


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

3) O “instituto da apelação”, que fez com que a justiça


senhorial perdesse qualitativamente sua soberania ju-
rídica (TORRES, 1989, p. 59-61).
4) O conceito de “justiça retida”, o qual afirma que o rei
possui de modo retido à sua condição a titularidade
originária do poder jurídico, podendo julgar processos
e conceder privilégios da maneira que achar mais justo
(TORRES, 1989, p. 59-61).
Já no caso das finanças públicas, apesar das diferenças
existentes entre as monarquias francesa e inglesa, a despatrimo-
nialização do poder se refere ao processo pelo qual as rendas da
Coroa vão deixando de ser efetivamente senhoriais e de cará-
ter excepcional, para se tornarem cada vez mais públicas e for-
malizadas, voltadas principalmente para o custeio das despesas
reais. Segundo Braun, na Inglaterra, esse fato contribuiu para o
amadurecimento da noção de Estado moderno:
Além disso, a vontade dos Estados de partilhar as despesas e
de garantir as dívidas dos seus príncipes manifesta um conceito
de território como algo ligado a seus próprios interesses, um
algo comum – isto é, público – oposto aos interesses privados
ou “patrimoniais” de suas casas reinantes. Os Estados, assim,
contribuíram para o desenvolvimento de uma consciência de
“Estado” no sentido moderno, contradizendo o conceito tradi-
cional de uma autoridade e do governo como um “patrimônio”
hereditário pessoal das casas reinantes, o que pode ser objeto
de venda, divisão ou penhor (BRAUN, 1975, p. 254, tradução
nossa).

Com isso, a distribuição da renda dos tributos, outrora dos


feudos, para a corte real fez com que os próprios senhores pu-
dessem ver nas necessidades do rei as suas próprias necessida-
des, promovendo assim a ideia de despesa pública. Ou seja, essa
forma de encarar as despesas reais fez com que especialmente a

60 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

política inglesa, por meio do controle parlamentar dos gastos go-


vernamentais, pudesse chegar a estruturas estatais fundamen-
talmente modernas.

Sociologia
As Ciências Sociais, como um todo, sempre se mantive-
ram atentas à tarefa de compreender e interpretar os fenôme-
nos sociais a partir de uma ótica científica. Essa tarefa, como já
observado, foi acompanhada por inúmeras mudanças de ordem
cultural, política, econômica e tecnológica, especialmente em
decorrência das novas demandas do capitalismo como modo de
produção vigente.
A Sociologia surgiu justamente desse processo de desa-
gregação do mundo feudal e consolidação do capitalismo, com
o objetivo de compreender as transformações sociais, políticas,
econômicas e culturais que ocorreram nas sociedades ocidentais
entre os séculos 18 e 19:
O século XVIII constitui um marco importante para a história
do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia.
As transformações econômicas, políticas e culturais que se ace-
leram a partir dessa época colocarão problemas inéditos para
os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no
ocidente europeu (FERNANDES, 1977, p. 11).

Segundo Lukács (1959), a Sociologia, como disciplina au-


tônoma, surgiu na Inglaterra e na França justamente quando a
economia política clássica e o socialismo utópico perderam gra-
dativamente o seu vigor. Ambos, cada um à sua maneira, apre-
sentavam-se como doutrinas que abrangiam a vida social e tra-
tavam dos problemas essenciais da sociedade a partir dos seus
condicionamentos econômicos. No entanto, com o surgimento

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 61


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

da Sociologia, tais problemas passaram a ser analisados não so-


mente a partir da base econômica da sociedade. Uma suposta
independência dos problemas sociais em relação aos econômi-
cos foi, de fato, o ponto de partida metodológico da Sociologia.
A delimitação do campo metodológico da Sociologia vem
com profundas crises da economia burguesa clássica, nas quais
se manifesta claramente a base social da Sociologia: de um lado,
a dissolução da escola do liberalismo clássico na Inglaterra (Da-
vid Ricardo), principalmente quando se começava a extrair da
teoria do valor-trabalho os critérios da crítica marxista; de outro,
a dissolução do socialismo utópico na França, que se iniciou com
as primeiras tentativas de superação por meio do socialismo,
que Saint-Simon e Fourier não tiveram o cuidado de procurar
(LUKÁCS, 1959).
Essas duas crises (da economia clássica e do socialismo
utópico), aliadas à resposta para ambas promovida pelo mate-
rialismo histórico e pela economia política marxista, colocaram
um fim na pretensão de que a economia burguesa clássica ain-
da pudesse ser a ciência fundamental para o conhecimento da
sociedade.
Com o positivismo de Comte e Herbert Spencer, a Sociolo-
gia mantém a pretensão de ser uma ciência universal da socie-
dade, fato esse que, porém, os levou a buscar seus fundamen-
tos não na Economia, mas nas Ciências Naturais. Ou seja, já no
tempo de Comte e Spencer, não era mais possível chegar a esse
resultado pelo caminho da Economia.
Contudo, por conta justamente da vinculação à ideia de
progresso, a Sociologia não conseguiu manter-se durante mui-
to tempo como ciência universal. A fundamentação
científico-natural e, principalmente, a biológica, não demorou

62 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

para ser enfraquecida – em consonância com a trajetória geral


político-econômica da burguesia – por uma ideologia contrária à
ideia de progresso. As contradições presentes no progresso capi-
talista anulavam os seus próprios germes evolucionistas (LUKÁ-
CS, 1959).
De fato, a teoria marxista foi a primeira que descobriu
o “nó” dialético na Economia e os elementos constituintes da
ideologia capitalista. Ao ser fundada como uma ciência universal
sobre as ciências naturais, a Sociologia positivista, inicialmente,
tratou de eliminar o caráter contraditório do ser social, camu-
flando, assim, uma crítica profunda do sistema capitalista. Ainda
que aceitando o ideal de progresso social, a Sociologia nascente
acabou delineando o conceito de progresso de acordo com os
interesses da classe burguesa: um progresso sem revolução, que
conduz a uma sociedade industrial e técnica idealizada, na qual
se vê o ápice do desenvolvimento da humanidade.
A proposta marxista apresentou-se – ao menos inicialmen-
te – como resposta a esse problema resultante da Filosofia da
História positivista. Para tanto, compreende que o progresso dia-
lético das sociedades só pode ser pleno pelas vias materialistas
– isto é, pela superação das próprias relações de produção vigen-
tes. No entanto, essa opção marxista também limitou a proposta
de solução a um condicionamento econômico (modo de produ-
ção capitalista).
Autores posteriores, como Durkheim e Weber, tentaram
propor caminhos alternativos que justificassem influências de
outras vertentes na constituição das sociedades modernas. En-
quanto Durkheim apostava em uma coesão orgânica como fun-
damento das sociedades modernas – pensamento esse essen-
cialmente funcionalista, isto é, de que cada coisa ou fenômeno

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 63


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

possui uma função social –, Weber preferiu compreender as ori-


gens das sociedades modernas por meio de afinidades eletivas
entre o modo de produção capitalista e a criação de uma menta-
lidade para o lucro.
Na tirinha da Figura 3, o cartunista Angeli apresenta dois
temas fundamentais da Sociologia, a saber, a desigualdade social
e a estratificação das classes:

Fonte: Angeli (2000).


Figura 3 Estratificação social.

Enfim, a Sociologia dedica-se a entender como a sociedade


está estruturada no que diz respeito à produção e distribuição

64 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

de bens e ao modo como esse processo implica concentração


de poder. Além do mais, volta-se também à análise das relações
de produção e do modo como elas resultam na formação das
classes sociais (trabalhadores e patrões). Por fim, também se de-
dica a estudar a natureza das instituições sociais (família, Igreja,
Estado etc.) e o modo como elas influenciam o processo de so-
cialização (primária e secundária).

As leituras indicadas no Tópico 3. 2 apresentam os prin-


cipais aspectos histórico-culturais que formaram a área de
pesquisa das Ciências Sociais, especificando suas principais di-
visões entre Antropologia, Ciência Política e Sociologia. Neste
momento, você deve realizar essas leituras para aprofundar o
tema abordado.

2.3. MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

O método científico – como instrumento de análise das so-


ciedades ao longo da história – foi efetivamente utilizado a partir
do século 19. As próprias transformações decorrentes das Re-
voluções Industrial e Francesa trouxeram para os estudiosos da
época novos dilemas que exigiam novas respostas. Como estan-
darte das revoluções, a autonomia da razão e o avanço da tec-
nologia motivaram uma conquista humana sem igual, mas que
foram sobrepujados pela ânsia liberal capitalista, que, no fim,
não conseguiu alcançar seus objetivos emancipatórios que se fi-
zeram presentes na ocasião da vitória sobre a aristocracia feudal.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 65


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Como já observado, foram modificados não apenas os


meios técnicos (máquinas a vapor) e a extensão dos direitos po-
líticos (liberdade, igualdade e fraternidade), mas a própria estru-
tura social como um todo. Conquistou-se, portanto, uma igual-
dade jurídica – isto é, todos são iguais perante a lei –, mas se
manteve uma desigualdade econômica e social, que resultou na
formalização das novas classes sociais (burgueses e proletários)
e um novo modo de produção (capitalismo). Esse contexto foi
amplamente questionado por intelectuais, movimentos sociais
e trabalhadores de diferentes setores da sociedade. Essa insatis-
fação generalizada por conta da crescente desigualdade social,
bem como pela motivação em superá-la – a partir de soluções
racionais – foi o que levou ao desenvolvimento das Ciências
Sociais.
Comte foi o primeiro autor a definir a Sociologia como uma
ciência (Física Social) que busca compreender as permanências
e mudanças presentes nas mais diversas sociedades, comparan-
do-as umas às outras. O objetivo era, portanto, compreender a
natureza da sociedade industrial, e também veicular soluções
para as desigualdades vigentes. No entanto, os métodos especi-
ficamente traçados para a pesquisa sociológica surgiram a partir
das pesquisas de Durkheim, Weber e Marx.

Vertentes metodológicas das Ciências Sociais


Historicamente, três vertentes metodológicas se fizeram
presentes nas pesquisas sociológicas do século 19, os métodos
comparativo-funcionalista e compreensivo, e o materialismo his-
tórico e dialético.

66 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Método comparativo-funcionalista
Esse método compreende uma adaptação do método ex-
perimental das Ciências da Natureza para as Ciências Sociais. As-
sim como o método experimental tenta, a partir de repetidas
observações sob determinadas condições, chegar à elaboração
de leis que permitem regular e prever a ocorrência de fenôme-
nos, o método comparativo também trabalha com a ideia de que
os fenômenos sociais são “coisas” separadas e independentes
das consciências individuais e, por isso, podem ser observados e
pesquisados objetivamente.
Esse método foi fortemente divulgado pela análise fun-
cionalista de Émile Durkheim, que, segundo essa tese, afirmava
que todas as práticas sociais possuem uma função na sociedade.
Com isso, um fenômeno social só existe na medida em que pos-
sui alguma função para o coletivo, como é o caso, por exemplo,
das instituições sociais, que desempenham papéis fundamentais
para a coletividade. Nessa análise, o método sociológico é orga-
nizado em duas partes: primeiramente, observa os fenômenos
particulares de uma sociedade, levando em consideração que
podem ser pesquisados; depois, por meio de comparações, con-
fronta os diferentes sistemas sociais, classificando-os de acordo
com seu nível de complexidade.

Método compreensivo
Diferentemente de Durkheim – que encarava os fenômenos
sociais como coisas objetivas e externas, passíveis de serem ob-
servadas –, Weber afirmava que o fenômeno social depende dos
valores subjetivos interiorizados pelos sujeitos. Por se tratar de um
fenômeno social específico, seu estudo exige um método total-
mente diferente daquele que ocorre nas Ciências da Natureza.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 67


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Na obra Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia


Compreensiva, Weber afirma que, enquanto o método experi-
mental se volta para a “explicação” dos fenômenos naturais, o
método compreensivo procura a “compreensão” dos fenômenos
da sociedade. Por isso, mais do que identificar a objetividade do
fenômeno, Weber está preocupado em analisar os possíveis sen-
tidos e significados que os homens atribuem às suas ações em
diferentes culturas. Cabe, portanto, à Sociologia interpretar os
sentidos e as intenções de tais ações sociais.

Materialismo histórico e dialético


De acordo com Marx, essa vertente leva em consideração
uma compreensão materialista de história e o progresso dialé-
tico das relações de produção. Para o autor, a dinâmica social é
explicada por um conjunto de relações de produção que deter-
minam a forma como os meios de produção e a força de traba-
lho são organizados. Por se tratar de uma relação de produção
capitalista, a classe que detém a posse dos meios de produção
(burguesia) domina aquela que vende a sua força de trabalho
(proletariado).
Essas relações de produção, por sua vez, condicionam a
superestrutura jurídico-política (leis e relações de poder que re-
gulam a dinâmica social) e ideológica (crenças e valores inter-
nalizadas). Enquanto a dimensão jurídico-política é responsável
por justificar legalmente a produção, em qualquer sociedade (es-
cravista, feudal ou capitalista), a dimensão ideológica promove a
coesão social dos membros da sociedade.
Portanto, para Marx, o importante não é procurar a obje-
tividade ou subjetividade dos fenômenos sociais, mas as contra-
dições existentes entre relações materiais de produção e as sub-
jetividades manipuladas. É pela mudança do modo de produção

68 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

que se chega à transformação das consciências. Ou seja, nem a


objetividade, nem a subjetividade por elas mesmas, mas apenas
uma dialética materialista seria capaz de superar o abismo entre
teoria e prática, sujeito e objeto.

Importante: O liberalismo apresenta-se como um conjunto de


ideias que visa afastar o máximo possível a intervenção do Es-
tado nas atividades da sociedade civil, opondo-se assim radical-
mente à concepção social da nobreza feudal. Para Maria Lúcia
Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins (2016), o liberalis-
mo pode ser compreendido a partir de três aspectos ou enfo-
ques: político, ético e econômico.

A leitura indicada no Tópico 3. 3 apresenta questões


conceituais e históricas sobre a metodologia das Ciências So-
ciais enquanto área autônoma do conhecimento, bem como
sobre os desafios da pesquisa social na atualidade. Neste mo-
mento, você deve realizar essa leitura para aprofundar o tema
abordado.

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 1.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizado na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina para
abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material, por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante do
material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 69


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in-
dispensável para você compreender integralmente os conteúdos
apresentados nesta unidade.

3.1. SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA

Com o objetivo de contextualizar as mudanças históricas


decorrentes das Revoluções Industrial e Francesa que, por sua
vez, motivaram o surgimento das Ciências Sociais, leia os textos
indicados a seguir:
• OLIVEIRA, E. M. Transformações no mundo do traba-
lho, da Revolução Industrial aos nossos dias. Caminhos
de Geografia, v. 6, n. 11, p. 84-96, fev. 2004. Disponível
em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosde-
geografia/article/download/15327/8626>. Acesso em:
13 nov. 2019.
• NICOLACI-DA-COSTA, A. M. Revoluções tecnológicas e
transformações subjetivas. Psicologia: Teoria e Pesqui-
sa, v. 18 n. 2, p. 193-202, maio/ago. 2002. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v18n2/a09v18n2.
pdf>. Acesso em: 13 nov. 2019.
• VOVELLE, M. A Revolução Francesa e seu eco. Trad. Mag-
da Sento Sé Fonseca. Estudos Avançados, São Paulo, v.
3, n. 6, p. 25-45, 1989. Disponível em: <http://www.
revistas.usp.br/eav/article/view/8519/10070>. Acesso
em: 13 nov. 2019.

70 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

3.2. ORGANIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Para conhecer mais sobre a organização das Ciências So-


ciais (Antropologia, Ciência Política e Sociologia), leia os artigos
indicados a seguir:
• OLIVEIRA, A. O lugar da Antropologia nas Licenciaturas
em Ciências Sociais. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE AN-
TROPOLOGIA, 29., ago. 2014, Natal. Anais… 2014. Dis-
ponível em: <http://www.29rba.abant.org.br/resour-
ces/anais/1/1398393266_ARQUIVO_RBA_Simposio.
pdf>. Acesso em: 13 nov. 2019.
• QUIRINO, C. Departamento de Ciência Política. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 8, n. 22, p. 337-348, 1994. Dis-
ponível em: <http://www.journals.usp.br/eav/article/
download/9718/11290>. Acesso em: 13 nov. 2019.
• LIMA, J. C.; CORTES, S. M. V. A Sociologia no Brasil e a
interdisciplinaridade nas Ciências Sociais. Civitas, Porto
Alegre, v. 13, n. 3, p. 416-435, set./dez. 2013. Disponível
em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/
civitas/article/download/16522/10872>. Acesso em: 13
nov. 2019.

3.3. MÉTODOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

A sistematização das Ciências Sociais também contemplou


o desenvolvimento de métodos específicos de pesquisa. Para co-
nhecer um pouco sobre o assunto, leia o artigo indicado a seguir:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 71


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

• CANO, I. Nas trincheiras do método: o ensino da meto-


dologia das Ciências Sociais no Brasil. Sociologias, Porto
Alegre, ano 14, n. 31, p. 94-119, set./dez. 2012. Dispo-
nível em: <http://www.scielo.br/pdf/soc/v14n31/05.
pdf>. Acesso em: 13 nov. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder às questões a seguir, você deverá revisar os conteúdos
estudados para sanar as suas dúvidas.
1) Leia o texto a seguir:
[…] grandes mudanças que ocorreram na história da humanida-
de, aquelas que aconteceram no século XVIII – e que se esten-
deram no século XIX – só foram superadas pelas grandes trans-
formações do final do século XX. As mudanças provocadas pela
revolução científico-tecnológica, que denominamos Revolução
Industrial, marcaram profundamente a organização social, alte-
rando-a por completo, criando novas formas de organização e
causando modificações culturais duradouras, que perduram até
os dias atuais (DIAS, 2004, p. 124).

Percebe-se que as transformações ocorridas nas sociedades ocidentais


permitiram a formação de relações sociais complexas. Nesse sentido, a
Sociologia surgiu com o objetivo de compreender essas relações, explican-
do suas origens e consequências.
Sobre o surgimento da Sociologia e das mudanças históricas apontadas no
texto, assinale a alternativa correta:
a) A divisão social do trabalho foi minimizada com as novas tecnologias
introduzidas pelas revoluções do século 18.
b) A grande mecanização das fábricas nas cidades possibilitou o desen-
volvimento econômico da população rural por meio do aumento de
empregos.

72 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

c) O controle teológico da sociedade foi possível com o emprego sistemá-


tico da razão e do livre exame da realidade.
d) As atividades rurais do período histórico tratado no texto foram o obje-
to de estudo que deu origem à Sociologia como ciência.
e) A Sociologia foi uma resposta intelectual aos problemas sociais que
surgiram com a Revolução Industrial.

2) Leia com atenção o trecho a seguir:


O século XVIII constitui um marco importante para a história
do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia.
As transformações econômicas, políticas e culturais que se ace-
leram a partir dessa época colocarão problemas inéditos para
os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no
ocidente europeu (FERNANDES, 1977, p. 11).

Sobre a relação entre a Revolução Industrial e o surgimento da Sociologia


como ciência, assinale a alternativa incorreta:
a) A consolidação do modelo econômico baseado na indústria conduziu
a uma grande concentração da população no ambiente urbano, o qual
acabou se constituindo em laboratório para o trabalho de intelectuais
interessados no estudo dos problemas que essa nova realidade social
gerava.
b) A necessidade de controle da força de trabalho fez com que as fábricas
e indústrias do século 19 inserissem sociólogos em seus quadros pro-
fissionais, para atuar no desenvolvimento de modelos de gestão mais
eficientes e produtivos.
c) A migração de grandes contingentes populacionais do campo para as
cidades gerou uma série de problemas modernos, que passaram a de-
mandar investigações visando à sua resolução ou minimização.
d) Os primeiros intelectuais interessados no estudo dos fenômenos pro-
vocados pela revolução industrial compartilhavam uma preocupação
comum em encontrar critérios objetivos ou leis que explicassem as
transformações sociais decorrentes da revolução industrial e do surgi-
mento do capitalismo.
e) Os conflitos entre capital e trabalho, potencializados pela concentra-
ção dos operários nas fábricas, foram tema de pesquisa dos precurso-
res da Sociologia e continuam inspirando debates científicos relevan-
tes na atualidade.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 73


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) e

2) b

5. CONSIDERAÇÕES
Em síntese, esta unidade apresentou três temas básicos,
sendo o primeiro o contexto de mudanças culturais, políticas e
econômicas que ocorrerem nas sociedades ocidentais nos sécu-
los 18 e 19 e que motivaram o surgimento das Ciências Sociais.
Após essa etapa, a unidade passou a tratar do campo de
estudo das Ciências Sociais e as áreas que formam o seu estu-
do e pesquisa (Antropologia, Ciência Política e Sociologia). Por
fim, enfatizou os principais métodos sociológicos desenvolvidos
pelos principais representantes das Ciências Sociais (Durkheim,
Weber e Marx).
Esperamos que esta leitura incite outras pesquisas com-
plementares, pois o convite para o aprofundamento de questões
relacionadas ao conhecimento da sociedade não é somente uma
orientação acadêmica, mas um exercício pleno de cidadania.

74 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

6. E-REFERÊNCIAS

Sites consultados
BBC. As Consequências da Revolução Industrial – Criando Maravilhas – EP2. 2003.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rW4CR_WM-AA>. Acesso em:
13 nov. 2019.
BRASIL. Decreto 89.531, de 5 de abril de 1984. Regulamenta a Lei nº 6.888, de 10 de
dezembro de 1980, que dispõe sobre o exercício da profissão de sociólogo e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 9 abr. 1984.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-
89531-5-abril-1984-439813-retificacao-18478-pe.html>. Acesso em: 13 nov. 2019.
CANO, I. Nas trincheiras do método: o ensino da metodologia das Ciências Sociais no
Brasil. Sociologias, Porto Alegre, ano 14, n. 31, p. 94-119, set./dez. 2012. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/soc/v14n31/05.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2019.
COTIAS, L. E. Surgimento da Sociologia. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=QCHIFsMphQ0>. Acesso em: 13 nov. 2019.
ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA EDUCATIONAL CORPORATION. A Revolução Industrial.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DmvL6vy_6Qg>. Acesso em: 13
nov. 2019.
HISTORY CHANNEL. Revolução Francesa – Documentário – History – Parte I. 2005.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=IVfsFeYKM-s>. Acesso em: 13
nov. 2019.
______. Revolução Francesa – Documentário – History – Parte II. 2005. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ba_puXAqhC8>. Acesso em: 13 nov. 2019
______. Revolução Francesa – Documentário – History – Parte III. 2005. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=LkjFG6Bbno8>. Acesso em: 13 nov. 2019
ILB – INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO; UNILEGIS – UNIVERSIDADE DO LEGISLATIVO
BRASILEIRO. Introdução a Ciência Política 1_10. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=9MnsnFBqQKE>. Acesso em: 13 nov. 2019
______. Introdução a Ciência Política 2_10. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=vtaPOEdEIbs>. Acesso em: 13 nov. 2019.
LIMA, J. C.; CORTES, S. M. V. A Sociologia no Brasil e a interdisciplinaridade nas
Ciências Sociais. Civitas, Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 416-435, set./dez. 2013.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 75


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/


download/16522/10872>. Acesso em: 13 nov. 2019.
OLIVEIRA, A. O lugar da Antropologia nas Licenciaturas em Ciências Sociais. In: REUNIÃO
BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 29., ago. 2014, Natal. Anais… 2014. Disponível em:
<http://www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1398393266_ARQUIVO_RBA_
Simposio.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2019.
QUIRINO, C. Departamento de Ciência Política. Estudos Avançados, São Paulo, v. 8,
n. 22, p. 337-348, 1994. Disponível em: <http://www.journals.usp.br/eav/article/
download/9718/11290>. Acesso em: 13 nov. 2019.
REDE GLOBO. Claude Lévi-Strauss. Jornal Nacional. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=0y1MSAcEXRw>. Acesso em: 13 nov. 2019.
RENNÓ, P. Revolução Industrial (História Ilustrada). 2018. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=IEQ7nQ76trk>. Acesso em: 13 nov. 2019.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGELI. Tirinha. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 jun. 2000.
ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à Filosofia. 6. ed. São
Paulo: Moderna, 2016.
BENEDICT, R. Padrões de cultura. Trad. Ricardo A. Rosenbusch. Petrópolis: Vozes, 2013.
(Coleção Antropologia).
BOAS, F. Diário de viagem de Franz Boas (23 dez. 1883). In: CASTRO, C. (Org.).
Antropologia cultural: Franz Boas. Trad. Celso Castro. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p.
7-23.
BODIN, J. Los seis libros de la República. Trad. Pedro Bravo Gala. Madri: Tecnos, 1997.
BRAUN, R. Taxation, sociopolitical structure, and state-building: Great Britain and
Brandenburg-Prussia. In: TILLY, C. (Org.). The formation of national States in Western
Europe. New Jersey: Princeton University Press, 1975, p. 243-327.
DIAS, R. Introdução à Sociologia. São Paulo: Persons Prentice Hall, 2004.
ESMEIN, A. Cours elémentaire D’Histoire Du Droit Français. 11. ed. Paris: Librairie de la
Société du Recueil Sirey, 1912.

76 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 1 – ORIGEM, CAMPO E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

FERNANDES, F. A herança intelectual da Sociologia. In: FORACHI, M.; MARTINS, J. S.


(Orgs.). Sociologia e sociedade: leituras de introdução à Sociologia. 17. ed. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977, p. 11-20.
FRAZER, J. G. O escopo da antropologia social. In: CASTRO, C. (Org.). Evolucionismo
cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 101-127.
HENFIL. Fradim. Rio de Janeiro: Codecri, 1977.
HOBBES, T. Leviatã: ou matéria, forma e poder de uma República Eclesiástica e Civil.
Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
KANTOROWICZ, E. Os dois corpos do rei: um estudo sobre a teologia política medieval.
Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
LÉVI-STRAUSS, C. Raça e história. In: ______. Antropologia estrutural dois. Trad. Beatriz
Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2013, vol. 2, pp. 357-369.
LUKÁCS, G. El asalto a la razón: la trayectoria del irracionalismo desde Schelling hasta
Hitler. Trad. Wenceslao Roces. México, Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica,
1959.
MACHADO, I. J. R.; AMORIM, H.; BARROS, C. R. Sociologia hoje. São Paulo: Ática, 2013.
MALINOWSKI, B. A vida sexual dos selvagens. Trad. Carlos Sussekind. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1983.
MAQUIAVEL, N. O príncipe. Trad. Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
MARTINS, C. B. O que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1986.
MORGAN, L. H. A sociedade antiga: ou investigações sobre as linhas do progresso
humano desde a selvageria, através da barbárie, até a civilização. In: CASTRO, C. (Org.).
Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005, p. 41-65.
TORRES, J. C. B. Figuras do Estado Moderno: elementos para um estudo histórico-
conceitual das formas fundamentais de representação política no Ocidente. São Paulo:
Brasiliense, 1989.
WEBER, M. A política como vocação. In: ______. Ensaios de Sociologia. Introdução
e organização de Hans H. Gerth e C. Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Rev. Téc.
Fernando Henrique Cardoso. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982, p. 97-153.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 77


© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
UNIDADE 2
OS PRECURSORES DO
LIBERALISMO CLÁSSICO

Objetivos
• Compreender a proposta liberal de Bernard Mandeville a partir de sua Fá-
bula das abelhas.
• Conceituar os principais elementos caracterizadores do liberalismo clássi-
co de Adam Smith.
• Analisar as críticas traçadas por Alexis de Tocqueville sobre os perigos da
centralização do poder nas democracias modernas.

Conteúdos
• Mandeville e a Fábula das abelhas.
• Bases sociológicas do liberalismo clássico.
• Liberalismo econômico de Adam Smith.
• Adam Smith e a metáfora da “mão invisível”.
• A divisão do trabalho.
• Tocqueville e a democracia moderna.
• A centralização do poder nas democracias modernas.
• O despotismo democrático.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 79


Orientações para o estudo da unidade
Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações
a seguir:
1) Não se limite ao conteúdo desta obra. Após conhecer o conteúdo desta
unidade, leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie e
aprofunde os temas abordados.

2) Busque outras informações em sites confiáveis e/ou nas referências biblio-


gráficas apresentadas no final de cada unidade. Mantenha contato com
seu tutor.

3) Observe que os autores em questão apresentam ideias e conceitos que


possibilitaram futuras reflexões sociológicas. Muito embora nenhum deles
tenha um pensamento especificamente sociológico, é muito importante
que os considere como “precursores” das Ciências Sociais.

4) Para complementar os estudos da unidade, sugerimos a leitura do livro O


que é Economia, de Paul Singer, da Coleção Primeiros Passos, e A Revolu-
ção dos Bichos, de George Orwell.

5) Da linguagem cinematográfica, recomendamos os filmes: Roger e eu


(EUA, 1989), Tempos modernos (EUA, 1936), Cidadão Kane (EUA, 1941),
O Mercador de Veneza (2004), Trocando as bolas (1983), A Dama de Ferro
(2011), Capitalismo: uma história de amor (2009), Uma mente brilhante
(2002), Danton e o processo de Revolução (França, 1983), Manderlay (Di-
namarca, Suécia, França, Inglaterra, 2005), O homem que matou o facíno-
ra (EUA, 1962).

6) Como material introdutório, também sugerimos que você assista aos se-
guintes vídeos:
• THE OPEN UNIVERSITY. 60 segundos de aventuras na economia – A mão
invisível. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sToHBs-
LCNS0>. Acesso em: 14 nov. 2019.
• UNIVERSITY OF AMSTERDAM. A Fábula das Abelhas. Disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?reload=9&v=2_x2bqa4jKs>. Acesso em:
14 nov. 2019.
UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

• MACAT. Democracia na América – Alexis De Tocqueville. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=HYKphUqm1fw>. Acesso em: 14
nov. 2019.
• SÃO PAULO (Estado). Encontro do século – Smith e Marx. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=WnZs9xrDM0k>. Acesso em: 14
nov. 2019.
• CRISTIANO, J. Iluminismo: Adam Smith e a mão invisível. 2015. Dispo-
nível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CgoYwzoVNhs>. Acesso
em: 14 nov. 2019.
• ILB – INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO. Mão Invisível. Descomplican-
do a Economia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ts-
lIsfkx2E8>. Acesso em: 14 nov. 2019.
• CRISTIANO, J. Revolução Industrial, Divisão do Trabalho e Adam Smi-
th. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ix5jU-
Pyx99g>. Acesso em: 14 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 81


© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

1. INTRODUÇÃO
Nesta unidade, você terá a oportunidade de conhecer as
origens do liberalismo clássico com base em três autores: Ber-
nard Mandeville, Adam Smith e Alexis de Tocqueville. Enquanto
os dois primeiros trabalham com os princípios que orientaram
o liberalismo econômico, o último autor volta-se mais para uma
análise das democracias modernas e os perigos que rondam as
suas propostas.
Trata-se de autores úteis para compreendermos as origens
das áreas que futuramente constituíram as chamadas “Ciências
Sociais”. Por mais que as análises dos autores da unidade este-
jam enviesadas por temas estritamente econômicos ou políticos,
não podemos, no entanto, deixar de mencionar que foram justa-
mente tais áreas (Economia e Política) que ofereceram as princi-
pais transformações nos séculos 18 e 19, levando ao surgimento
de análise científica e objetiva acerca dos fenômenos sociais.
Boa leitura!

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú-
do Digital Integrador.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 83


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

2.1. MANDEVILLE E “A FÁBULA DAS ABELHAS”

Bernard Mandeville (Figura 1) nas-


ceu em Roterdam, em 1670. No tocante a
sua biografia, o Instituto de Humanidades
(2019), aponta:
Ingressou na Universidade de Leyden
muito jovem, aos 15 anos, formando-
-se em medicina em 1694, quando ti-
nha apenas 21 anos. Seguiu a mesma
especialidade de seu pai (neurologia Figura 1 Bernard Mandeville.
e aparelho digestivo). Em meados da
década esteve na Inglaterra para aperfeiçoar seus conhecimen-
tos de inglês. Segundo seus biógrafos, encantou-se com o país,
achando sua maneira de ser muito agradável. Em fins do decê-
nio transferiu-se em definitivo para Londres, onde viveu até a
morte, em 1733, aos 63 anos de idade. Na capital inglesa viria a
ser médico bem-sucedido.
[…]
Mandeville é autor de extensa bibliografia, embora se haja tor-
nado famoso pelo livro A fábula das abelhas (1714), que leva o
significativo subtítulo de “vícios privados, virtudes públicas”. O
livro foi refundido e acrescido de novos ensaios, primeiro em
1723, para, finalmente, ser publicado em duas partes em 1732.

Figura 1 Bernard Mandeville.

Sem dúvida alguma, A fábula das abelhas foi uma das lei-
turas mais discutidas ao longo do século 18, tornando-se um es-
tandarte da burguesia nascente. Mesmo tendo sofrido inúmeras
edições, alterações e complementos, o núcleo fundamental da
mensagem da obra já havia sido publicado anonimamente pela
primeira vez em 1705, com o poema intitulado A colmeia des-

84 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

contente: ou os malandros que se tornaram honestos. No entan-


to, somente em 1714 a obra ganhou a sua versão fundamental,
publicada – também de forma anônima – sob o título A fábula
das abelhas: ou vícios privados, públicos benefícios. Nessa edi-
ção, Mandeville publicou o texto com o acréscimo de vinte “Ob-
servações” (Remarks), nas quais prescreve o sentido filosófico
dos principais pontos da fábula.
O texto sofreu outras complementações durante a vida de
Mandeville. Em 1723, a obra passou a ser editada em dois volu-
mes, com o acréscimo dos seguintes trabalhos: “Uma investiga-
ção sobre a origem da virtude moral”, “Ensaio sobre a caridade e
as escolas de caridade”, “Uma investigação sobre a natureza da
sociedade” e “Reinvindicação do livro”, “Diálogos” (um total de
seis textos) e “Críticas de A fábula das abelhas”. Todos esses tex-
tos reunidos formaram, portanto, a obra A fábula das abelhas,
que teve a sua edição definitiva em 1732.

Conhecendo A fábula das abelhas


O cerne da obra gira em torno do poema A colmeia des-
contente: ou os malandros que se tornaram honestos (1705), que
conta a história de uma sociedade de abelhas que, apesar de
estas serem imorais e viciosas, prosperava de maneira surpreen-
dente. As abelhas – uma metáfora do comportamento humano
–, enquanto permaneciam individualistas e focadas em tirar suas
próprias vantagens, comportavam-se de maneira ativa e produ-
ziam grandes riquezas coletivas:
Assim, cada parte estava cheia de vício,
O todo, porém, era um paraíso;
Aduladas na paz e temidas nas guerras,
Eram estimadas pelos estrangeiros.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 85


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Pródigas na riqueza e no modo como viviam,


Equilibravam todas as outras colmeias.
Tais eras as benesses daquele Estado.
Seus crimes conspiravam para torná-las grandiosas:
E a virtude, que, com a política,
Aprendera milhares de truques ardilosos,
Foi, graças à feliz influência,
Tornando-se amiga do vício: desde aquele dia,
O pior tipo de toda a multidão
Para o bem comum contribuía (MANDEVILLE, 1997, p. 14-15,
tradução nossa).

A ideia da utilidade pública do vício, proposta por Mande-


ville, causou uma grande agitação na sociedade de sua época,
pois, em meio ao caráter contraditório e convencional da moral
dos bons costumes, descreveu como a desonestidade e o egoís-
mo podem elevar a prosperidade econômica do coletivo. Se,
por um lado, o autor apresenta a imagem imoral dos indivíduos
(comerciantes, advogados, médicos, ministros do culto, juízes,
estadistas etc.), por outro lado, argumenta o quanto toda essa
perversidade é necessária para o benefício público. O escândalo
do texto não procede do fato de que cada indivíduo busca a sua
autoconservação – ou seja, concretizar aquilo que é objeto de
seu desejo e aspirações –, mas sim por afirmar que uma socieda-
de próspera é justamente aquela constituída pela união dessas
aspirações egoístas:
Eis a arte do Estado que preservava
O todo, do qual cada parte se queixava:
Como a harmonia musical,
Fazia as dissonâncias concordarem com o principal.

86 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Parte diametralmente opostas


Ajudavam-se mutuamente, como que por despeito;
E a temperança e a sobriedade
Serviam à embriaguez e à glutonaria (MANDEVILLE, 1997, p. 15,
tradução nossa).

Na fábula, cada parcela da população, cada grupo e pro-


fissão – em suas respectivas imoralidades e vícios – estimulava-
-se reciprocamente, procurando ultrapassar suas diferenças e
melhorando, assim, o corpo social como um todo. Enquanto al-
gumas trabalhavam, outras se aproveitavam da situação: a desi-
gualdade existia individualmente, mas fortalecia a colmeia cole-
tivamente. Como o próprio subtítulo afirma, os vícios privados
alavancavam os benefícios públicos; ou seja, as desigualdades,
nesse caso, constituíam o motor do progresso.
A sociedade das abelhas prosperava e, por isso, não havia
motivos para reclamar. Mas, segundo o poema, como se trata-
va de uma colmeia descontente, aquelas abelhas hipócritas que
não gostam de ver seus vícios misturados à prosperidade coleti-
va passaram a reclamar da situação moral da coletividade e exi-
gir dos deuses (Júpiter) o desejo pela moralidade e honestidade.
Cansado de ouvir as reclamações das abelhas, Júpiter, movido
por indignação, cede inesperadamente à colmeia o seu desejo
pela moralidade:
Um deles, que conseguira uma fortuna principesca,
Enganando seu mestre, seu rei, assim como os pobres,
Atrevia-se a bradar “esta nação se arruinará
Por todas as suas fraudes”; […]
Não se admitia nada de errado,
Nem a menor interferência nos negócios públicos;
Os tratantes, porém, descaradamente esbravejavam
“Pelos deuses, tivéssemos ao menos honestidade!”

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 87


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Mercúrio sorria em face à imprudência.


Outros chamavam de insensatez
Estar sempre a ralhar contra aquilo que amavam;
Mas Júpiter, tomado de indignação,
Por fim jurou, encolerizado, que livraria
A zunidora colmeia da fraude; e assim o fez.
Nesse mesmo instante ela desapareceu,
E a honestidade encheu seus corações;
Foi-lhes mostrado, qual a árvore da sabedoria,
Os crimes que tinham vergonha de ver,
E que agora em silêncio confessam,
Ruborizando-se com sua feiura (MANDEVILLE, 1997, p. 16, tra-
dução nossa).

No entanto, a partir do momento em que as abelhas se tor-


nam honestas e morais, a colmeia passa a viver de acordo com
as consequências da moralidade: os benefícios públicos, resul-
tantes dos vícios particulares, deixam de existir, comprometendo
assim a colmeia como um todo.
Deixem então de se lamentar: apenas os tolos se esforçam
Para tornar honesta uma grande colmeia.
Para gozar das comodidades do mundo,
Afamar-se na guerra e viver no conforto,
Sem grandes vícios, é uma vã
Utopia, inculcada no cérebro.
A fraude, o luxo e o orgulho devem viver,
Enquanto usufruímos dos benefícios (MANDEVILLE, 1997, p.
21, tradução nossa).

Por se tornarem justas individualmente, os benefícios co-


letivos diminuem de maneira gradativa: à medida que a deso-
nestidade desaparecia, o luxo e a riqueza também cessavam.
Sem o comércio do supérfluo, os artesãos não tinham mais para

88 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

quem fabricar seus itens luxuosos, fazendo com que também os


mercadores fossem atrás de outros mercados. Enfim, o triunfo
de uma sociedade moral e justa teve seu preço. Ao instaurar o
reino público da moralidade, o incentivo pela superação dos de-
feitos individuais desapareceu. Findaram-se as desigualdades,
mas também o incentivo pessoal – que agora se escondia sob o
cinzento véu do conformismo.
Passemos agora para uma análise sociofilosófica do texto e
suas relações com o início do pensamento liberal burguês.

Conexões de A fábula das abelhas com a origem das Ciências


Sociais
A obra de Mandeville permaneceu como inspiração filosó-
fica do liberalismo clássico nascente. A ascensão da burguesia
– como classe social e econômica – suscitou também a necessi-
dade de sua afirmação política. Em oposição à visão da nobre-
za feudal, o novo estilo de vida burguês ansiava, acima de tudo,
afastar a influência do Estado da vida e das atividades particula-
res dos indivíduos.
É importante destacar que o liberalismo apresenta-se
como um conjunto de ideias que visa afastar o máximo possível a
intervenção do Estado nas atividades da sociedade civil, opondo-
-se radicalmente, assim, à concepção social da nobreza feudal. O
liberalismo pode ser entendido de três formas, segundo Aranha
e Martins (2016, p. 273):
O liberalismo político constituiu-se contra o absolutismo real e
buscou nas teorias contratualistas a legitimação do poder, que
não mais se fundava no direito divino dos reis nem na tradição
e herança, mas no consentimento dos cidadãos. Decorreu dessa
maneira de pensar o aperfeiçoamento das instituições do voto
e da representação, a autonomia dos poderes e a limitação do

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 89


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

poder central. O liberalismo ético supõe o prevalecimento do


estado de direito, que rejeita o arbítrio, as prisões sem culpa
formada, a tortura, as penas cruéis e estimula a tolerância para
com as crenças religiosas; para tanto, defende os direitos indivi-
duais, como liberdade de pensamento, expressão e religião. O
liberalismo econômico opõe-se inicialmente à intervenção do
poder do rei nos negócios, que se exercia por meio de proce-
dimentos típicos da economia mercantilista, tais como a con-
cessão de monopólios e privilégios (ARANHA; MARTINS, 2016,
p. 273).

O fato é que o ambiente socioeconômico proveniente da


Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra por volta de 1750,
deu origem a uma nova estrutura social de classes, bem como a
um novo modelo econômico, o capitalista. Com isso, nesse con-
texto, Mandeville promove uma reflexão otimista com relação
ao individualismo econômico, demonstrando como a prospe-
ridade coletiva está calcada no egoísmo ético e no instinto da
autoconservação.
Nesse sentido, A fábula das abelhas apresenta-se não so-
mente como uma crítica à sociedade dos bons costumes (nobre-
za), mas como uma defesa explícita das bases sociológicas do
liberalismo econômico:
Mandeville mostrava eficazmente em cores vivas o contraste
entre uma tese cara à burguesia empreendedora dos negócios,
inclinada ao lucro e à competição, isto é, o liberalismo indivi-
dualista, e a tese oposta do coletivismo igualitário sustentada
então apenas por reformadores religiosos radicais (cátaros,
“fraticelli”, valdenses, anabatistas) e mais tarde por extremistas
jacobinos, antes de encontrar rigorosa expressão no marxismo
moderno. São os primeiros lampejos para uma reflexão sobre o
útil como valor e sobre as leis econômicas como molas do agir
humano, que a partir da metade do século ocuparão as gera-
ções sucessivas (REALE; ANTISERE, 2007, p. 309).

90 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Mas, qual seria o fio condutor da obra de Mandeville? Inú-


meras interpretações podem ser extraídas do texto do autor, po-
rém um aspecto comum parece ser afirmado por todas: a tese da
autonomia econômica, ou seja, de que as relações econômicas
não devem ser reguladas pela moralidade ou por qualquer outra
instância limitadora. Nesse sentido, os elementos conceituais da
moralidade tradicional não são compatíveis com a sociabilidade
promovida pelas novas relações econômicas. Em uma de suas
“Observações”, Mandeville afirma o seguinte:
Pode-se dizer que a virtude faz amizade com o vício quando
pessoas boas e trabalhadoras, que apoiam suas famílias e edu-
cam seus filhos decentemente, pagam seus impostos e são, de
muitas maneiras, membros úteis da sociedade, ganham a vida
com algo que depende principalmente dos vícios dos outros
ou que está intimamente relacionado com eles, sem que por
isso seja culpado ou contribuindo para o seu desenvolvimento
(MANDEVILLE, 1997, p. 52, tradução nossa).

O problema de fundo contido n’A fábula das Abelhas gira


em torno da ideia de que a sociabilidade (político-econômica)
não se organiza, necessariamente, a partir de uma estrutura mo-
ral. Ao contrário, pelo fato de a moralidade não ser algo natural-
mente dado, pode-se afirmá-la justamente como um produto da
história e uma conquista do esclarecimento. Portanto, o pensa-
mento liberal de Mandeville é individual e naturalista, uma vez
que afirma que o sucesso coletivo depende da administração das
paixões provenientes dos indivíduos:
O princípio de nossa conduta não são deveres e valores postos
como fins, mas paixões operando como causas eficientes. A so-
ciabilidade, contudo, só se torna coesa e ordenada no momen-
to em que nos deixamos seduzir por um discurso que falseia
esse dado natural, descrevendo nossa conduta por referência
a uma suposta nobreza e destinação moral. Este autoengano
ou esta hipocrisia é, portanto, necessária ao bom funcionamen-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 91


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

to da sociabilidade. É ela que nos determina – o amor-próprio


como causa motora – no sentido da adesão aos valores reque-
ridos pela ordem social (LIMONGI, 2003, p. 231).

Sobre esse aspecto, é significativo o seguinte trecho do


poema:
Assim o vício torna-se benefício,
Quando aparado e limitado pela justiça;
Ora, quando um povo quer engrandecer,
O vício é tão necessário ao Estado,
Quanto à fome que nos faz comer.
A virtude sozinha não pode fazer as nações viverem
Em esplendor; os que querem reviver
A idade do ouro deve libertar
Das bolotas de carvalho, assim como da honestidade (MANDE-
VILLE, 1997, p. 21, tradução nossa).

A fábula das abelhas pode ser, portanto, entendida como


uma defesa da sociedade comercial, fundada na distribuição
desigual do dinheiro. A moral de Mandeville encontra-se justa-
mente na inversão dos valores morais tradicionais: aquilo que é
considerado mal e nocivo apresenta-se como o princípio funda-
mental da nova vida social capitalista. Contudo, deve-se notar
que por “sociedade comercial” não compreendemos o âmbito da
produção industrial, mas sim o da liberdade do consumo. Logo,
Mandeville não é identificado como um defensor do capitalismo,
mas como idealizador da ideia de autonomia de mercado, cuja
virtude passa a ser fundamentada pelo conceito de “utilidade”.
Além disso, n’A fábula, Mandeville faz uma referência ex-
plícita à teoria do “laissez-faire”, expressão francesa que signifi-
ca etimologicamente “deixai fazer”, “deixai ir”, “deixai passar”. O
termo faz referência direta ao liberalismo econômico – principal-
mente na fase do capitalismo de mercado –, ao afirmar o livre

92 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

funcionamento do mercado sem qualquer tipo de interferência,


apenas regulado por princípios básicos para a proteção dos di-
reitos de propriedade. Essa concepção econômica teve início nos
Estados Unidos e nos países da Europa durante o final do século
19 até o início do século 20, dominou o pensamento econômico
moderno por mais de um século e atualmente ainda se apresen-
ta como uma força poderosa. De modo geral, essa teoria susten-
ta que as ações comerciais são mais prósperas e favoráveis na
medida em que são menos reguladas pelo Estado.
A ausência do monitoramento político baseia-se na crença
de que as coisas tendem, por si mesmas, a encontrar o equilíbrio
que melhor lhes convém, bem como na ideia de que o indivi-
dualismo econômico tem condições suficientes para intervir na
sociedade em prol do benefício coletivo. Essa ideia ficou clara no
seguinte trecho dos Diálogos:
Na mistura de todas as nações, os diferentes graus de homens
devem ser mais ou menos proporcionais ao todo, a fim de que
isso seja harmonioso. E, como essa proporção harmônica é o
resultado e a consequência natural das diferenças existentes
nos valores que os homens possuem e nas vicissitudes que
chegam a eles, nunca são alcançados ou preservados melhor
do que quando ninguém pretende alterá-la. É por isso que po-
demos ver até que ponto a sabedoria míope ou talvez as boas
intenções nos roubam a felicidade que fluiria espontaneamente
da natureza de toda grande sociedade, se ninguém desviasse
ou obstruísse a corrente (MANDEVILLE, 1997, p. 608, tradução
nossa).

Outra influência de Mandeville para a economia pode ser


identificada na famosa teoria da divisão do trabalho, ideia siste-
matizada mais tarde por Adam Smith, que se tornou, inclusive,
uma das pedras angulares do pensamento econômico moder-
no. Ou seja, podemos afirmar que a obra de Mandeville foi uma
antecipação da concepção de divisão do trabalho, uma vez que

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 93


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

indica a necessidade da especialização das funções para a pros-


peridade coletiva.
Esse processo provocou muitas mudanças na sociedade,
como a transformação do processo de produção, o crescimento
das cidades, a concentração de trabalhadores nos bairros indus-
triais e a degradação das condições de trabalho.

Importante: “A ideologia das revoluções do século XVIII pre-


tendera circunscrever as relações da sociedade ao plano ato-
mizado do indivíduo e do Estado. Destruíra aquelas ‘esferas
sagradas da vida social’ pela destruição dos privilégios de casta
e de ordem, pela proscrição das corporações de ofício e das bar-
reiras à economia de lucro e à concorrência, pelo novo conceito
de educação. […] Cabia, entretanto, ao lado da demolição da
ordem social do passado […], racionalizar a construção de uma
ordem nova, e com esta missão nasceu a sociologia” (COSTA
PINTO, 1986, p. 42).

Os materiais indicados no Tópico 3. 1 apresentam tanto


o poema A colmeia descontente: ou os malandros que se tor-
naram honestos, como também as principais concepções so-
ciofilosóficas do liberalismo econômico de Mandeville. Neste
momento, você deve consultar esses materiais para aprofun-
dar o tema abordado.

2.2. ADAM SMITH E O LIBERALISMO ECONÔMICO

Ao se mencionar o tema “liberalismo econômico”, sem


dúvida alguma, torna-se imprescindível colocar em destaque o
pensamento do Adam Smith (Figura 2). Leia o trecho a seguir
sobre a vida e as produções do autor:

94 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Adam Smith foi um importante filósofo e economista escocês


do século XVIII. Nasceu na cidade escocesa de Kirkcaldy, em 5
de junho de 1723, e faleceu em Edimburgo no dia 17 de julho
de 1790.
Sua principal obra foi A Riqueza das Nações, escrita em 1776.
Nesta obra Adam Smith buscou diferenciar a economia política
da ciência política, a ética e a jurisprudência. Fez também duras
críticas à política mercantilista e sua intervenção irrestrita na
economia. Porém, a teoria principal defendida por Adam Smith
nesta obra é a de que o desenvolvimento e o bem-estar de uma
nação advêm do crescimento econômico e da divisão do traba-
lho (SUAPESQUISA.COM, 2019).

Seguindo uma esteira da política li-


beral do inglês John Locke (1632-1704) e
da autonomia econômica proposta por
Mandeville, Smith defendia a proprieda-
de privada e a economia de mercado com
base na livre-iniciativa e na competição.
Vejamos a seguir algumas das princi- Figura 2 Adam Smith.
pais ideias do pensamento liberal de Adam
Smith.

Adam Smith e a noção de “mão invisível”


O conceito de “mão invisível”, introduzido por Adam Smith
em A riqueza das nações, apresenta-se como uma ideia essen-
cialmente necessária e imprescindível para a compreensão dos
processos econômicos próprios da sociedade capitalista, cujas
características, para o autor, manifestam-se como autorregula-
res e evolucionárias.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 95


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Defensor de um liberalismo absoluto, o pensamento eco-


nômico clássico de Adam Smith não somente recebeu influências
do liberalismo de Bernard Mandeville, como também exerceu
influências em teorias futuras, como o evolucionismo de Char-
les Darwin. Segundo Smith, em A riqueza das nações, a esfera
econômica não deve ser entendida a partir de um ordenamen-
to moral, mas sim natural. Ou seja, os indivíduos produzem e
negociam por causa de seus interesses pessoais relacionados a
livre oferta e procura e competitividade – e não por causa de um
altruísmo deliberado:
Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer
— esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa
forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos servi-
ços de que necessitamos. Não é da benevolência do açouguei-
ro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar,
mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse
(SMITH, 1996a, p. 74).

O fundamento natural da economia pode ser facilmente en-


contrado no seu próprio funcionamento: a ação econômica, por
si mesma, depende das ações egoístas de indivíduos dispersos e
heterogêneos, que buscam os próprios interesses privados. Sem
esse pressuposto, não existiria a lei da oferta e procura. Logo,
o lucro não é decorrente de uma ação deliberadamente moral
e altruísta, mas individual e egoísta. Nesse caso, a luta pela
autoconservação das espécies (seleção natural) é transposta por
Smith para o campo da competitividade econômica:
De fato, gostaria de adiantar uma tese mais forte segundo a
qual a teoria da seleção natural é, em essência, a teoria econô-
mica de Smith transferida para a natureza […] Os organismos in-
dividuais empenhados na “luta pela existência” agem de modo
análogo às empresas na competição. O sucesso reprodutivo
torna-se semelhante ao lucro – pois, ainda mais do que na eco-

96 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

nomia do homem, não se pode verdadeiramente conservá-lo


na natureza (GOULD, 2002, p. 122-123, tradução nossa).

No entanto, apesar de os indivíduos serem dispersos e


egoístas, suas ações econômicas, de acordo com Adam Smith,
parecem que são guiadas por uma racionalidade para fins (uso
de meios para a obtenção de fins) que não se justifica moralmen-
te. Essa racionalidade, primariamente de caráter individualista e
gananciosa, organiza, orienta e canaliza, pela lei da oferta e pro-
cura, tais ações para benefício da própria sociedade, como uma
espécie de “mão invisível”:
Portanto, já que cada indivíduo procura, na medida do possível,
empregar seu capital em fomentar a atividade nacional e dirigir
de tal maneira essa atividade que seu produto tenha o máximo
valor possível, cada indivíduo necessariamente se esforça por
aumentar ao máximo possível a renda anual da sociedade. Ge-
ralmente, na realidade, ele não tenciona promover o interesse
público nem sabe até que ponto o está promovendo. Ao prefe-
rir fomentar a atividade do país e não de outros países ele tem
em vista apenas sua própria segurança; e orientando sua ativi-
dade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor,
visa apenas a seu próprio ganho e, neste, como em muitos ou-
tros casos, é levado como que por mão invisível a promover um
objetivo que não fazia parte de suas intenções. Aliás, nem sem-
pre é pior para a sociedade que esse objetivo não faça parte das
intenções do indivíduo. Ao perseguir seus próprios interesses, o
indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade mui-
to mais eficazmente do que quando tenciona realmente pro-
movê-lo (SMITH, 1996a, p. 438, grifo nosso).

Portanto, o conceito de “mão invisível” cumpre aqui uma


função metafórica e pragmática para a argumentação da racio-
nalidade econômica: apesar de não existir nenhuma entidade
coordenadora dos interesses particulares na economia de mer-
cado – ao menos no século 18 –, o modo como ocorre a interação

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 97


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

entre os indivíduos parece resultar numa determinada ordem,


como se de fato existisse uma “mão invisível” que orientasse os
desdobramentos da economia.
Logicamente esse conceito tem uma importância central
para o liberalismo econômico clássico: por um lado, explicita
uma independência e autonomia da ação econômica – não mais
limitada ao campo moral, mas administrada por uma lógica evo-
lucionista autorreguladora e racionalizada –, como também, por
outro, coíbe qualquer iniciativa intervencionista de outras esfe-
ras e instituições (Igreja, Estado, exército, instituições educacio-
nais etc.).

A divisão do trabalho
Ao pesquisar sobre condições e critérios para o aumento
da produtividade, Adam Smith chegou à conclusão de que estão
intimamente ligados à divisão do trabalho:
o maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a
maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os quais
o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter
sido resultados da divisão do trabalho (SMITH, 1996a, p. 65).

Smith já antevê, em sua obra A riqueza das nações, um as-


pecto fundamental defendido pelo fordismo-taylorismo no sé-
culo 20: dividir as demandas para produzir com mais eficiência.
Logo, em uma fábrica de alfinetes,
um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um ter-
ceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas
pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer uma
cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes;
montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os al-
finetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também
constitui uma atividade independente (SMITH, 1996a, p. 66).

98 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Nesse sentido, a prática da divisão do trabalho possui van-


tagens diretas, ligadas ao aumento da produção, podendo ser
identificadas, segundo o autor, nos aspectos tratados a seguir:

Aperfeiçoamento da mão de obra


Um dos efeitos da divisão do trabalho é justamente possi-
bilitar aos trabalhadores o treino de uma ação específica. A re-
petição de uma determinada ação – no âmbito da produção de
coisas – faz com que o trabalhador domine profundamente sua
função produtiva.
No entanto, quando o trabalhador realiza mais de uma ati-
vidade no processo de produção – tomando conta de todo o pro-
cesso e não apenas de uma de suas partes –, a mão de obra não
apresentará um bom aperfeiçoamento técnico. Logo, o aumento
da habilidade do trabalhador depende da fragmentação do pro-
cesso de produção, compreendido por Smith como a condição
para o crescimento da produtividade:
Em primeiro lugar, vejamos como o aprimoramento da destreza
do operário necessariamente aumenta a quantidade de serviço
que ele pode realizar; a divisão do trabalho, reduzindo a ativi-
dade de cada pessoa a alguma operação simples e fazendo dela
o único emprego de sua vida, necessariamente aumenta muito
a destreza do operário (SMITH, 1996a, p. 68).

Por exemplo, um ferreiro, que fez pregos, terá um rendi-


mento médio de 200 ou 300 por dia; um ferreiro, que já está
acostumado a fazer pregos, porém que se dedica a outras fun-
ções, terá um rendimento médio de 800 a 1000 por dia; no en-
tanto, um ferreiro, especializado apenas em fazer pregos, terá
uma produção média de 2.300 pregos por dia (SMITH, 1996a,
p. 68). Esse princípio praticamente tornou-se um dogma para a

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 99


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

economia clássica: o aumento da produtividade está diretamen-


te ligado à qualificação de habilidades e especialização da função
– conceitos decorrentes, por sua vez, do processo de divisão do
trabalho.

Otimização do tempo
Uma segunda vantagem decorrente da divisão do trabalho
diz respeito ao melhor aproveitamento do tempo de produção.
Um trabalhador que faz mais de uma função no processo de pro-
dução, além de perder tempo na passagem de uma tarefa para
outra, retarda o ritmo de produção por simplesmente dividir a
sua atenção e foco em mais de uma atividade: “A vantagem que
se aufere economizando o tempo que geralmente se perderia no
passar de um tipo de trabalho para o outro é muito maior do que
à primeira vista poderíamos imaginar” (SMITH, 1996a, p. 68).
Smith apresenta, como exemplo, o caso do tecelão, que
perde muito tempo ao passar frequentemente do tear para
o campo, e vice-versa (SMITH, 1996a, p. 68-69). A divisão das
funções obriga o trabalhador a ter uma maior concentração no
próprio ato produtivo, diferentemente daquele que a fragmenta
em diversas atividades: “ao começar o novo trabalho, raramente
ela se dedica logo com entusiasmo; sua cabeça ‘está em outra’”
(SMITH, 1996a, p. 69). A avaliação do próprio método produtivo
é mais bem contemplada nos casos em que há uma atenção vol-
tada para um único objeto ou ação:
As pessoas têm muito maior probabilidade de descobrir com
maior facilidade e rapidez métodos para atingir um objetivo
quando toda a sua atenção está dirigida para esse objeto único,
do que quando a mente se ocupa com uma grande variedade
de coisas (SMITH, 1996a, p. 69)

100 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

O uso de máquinas
Por fim, segundo Smith, o aumento da produção pode ser
maior ainda com a utilização de máquinas adequadas, segundo
a especialização de cada função: “em terceiro – e último lugar
– precisamos todos tomar consciência de quanto o trabalho é
facilitado e abreviado pela utilização de máquinas adequadas”
(SMITH, 1996a, p. 69).
A utilização das máquinas serve para auxiliar o trabalhador
no que diz respeito à avaliação de sua própria tarefa. De acordo
com Smith, é comum para aqueles trabalhadores que desempe-
nham uma única função melhorar cada vez mais seus métodos.
Como resultado, os próprios trabalhadores comuns acabam in-
ventando máquinas e instrumentos que potencializam mais ain-
da a produção:
Grande parte das máquinas utilizadas nas manufaturas em que
o trabalho está mais subdividido constituiu originalmente in-
venções de operários comuns, os quais, com naturalidade, se
preocuparam em concentrar sua atenção na procura de méto-
dos para executar sua função com maior facilidade e rapidez,
estando cada um deles empregado em alguma operação muito
simples (SMITH, 1996a, p. 69).

Como exemplo, Smith cita o caso do operário que conse-


guiu descobrir uma estratégia para abrir e fechar automatica-
mente uma válvula (de uma bomba de incêndio) sem a necessi-
dade de sua ação manual. Para Smith, isso só foi possível porque
o trabalhador, especializado nessa função, conseguiu avaliar e
melhorar os métodos de produção, bem como poupar o seu es-
forço desnecessário (SMITH, 1996a, p. 69).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 101


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Troca e autointeresse
Segundo Adam Smith, a divisão do trabalho é um processo
lento e gradual da organização socioeconômica humana que, em
sua origem, não se apresenta como um resultado ocasional ou
da própria acumulação da riqueza por si mesma. Pelo contrário,
a divisão do trabalho diz respeito a uma necessidade puramente
humana: “a propensão a intercambiar, permutar ou trocar uma
coisa pela outra” (SMITH, 1996a, p. 73). Logo, a propensão para
trocar e permutar – o verdadeiro motivo para a divisão do traba-
lho – é próprio da natureza humana:
De qualquer maneira, essa propensão encontra-se em todos os
homens, não se encontrando em nenhuma outra raça de ani-
mais, que não parecem conhecer nem essa nem qualquer ou-
tra espécie de contratos. […] Ninguém jamais viu um cachorro
fazer uma troca justa e deliberada de um osso por outro, com
um segundo cachorro. Ninguém jamais viu um animal dando
a entender a outro, através de gestos ou gritos naturais: isto é
meu, isto é teu, estou disposto a trocar isto por aquilo (SMITH,
1996a. p. 73).

A troca comercial caracteriza-se como uma atividade es-


sencialmente humana e, acima tudo, coletiva: humana porque
se trata de uma atividade própria dos seres humanos; e coletiva
porque a troca comercial só existe na medida em que consegue
satisfazer também a propensão de troca de outros indivíduos.
Por isso, por mais que a troca comercial necessite da presença
dos outros, isso não quer dizer que ela seja motivada por uma
benevolência alheia. Os homens trocam coisas pelo autointeres-
se da vantagem e não porque almejam algum objetivo altruísta:
O homem, entretanto, tem necessidade quase constante da
ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simples-
mente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de
obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a auto-

102 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles


fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa. É isto o que faz
toda pessoa que propõe um negócio a outra. [...] Dirigimo-nos
não à sua humanidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhes
falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens
que advirão para eles (SMITH, 1996a, p. 74, grifo nosso).

Com tais observações, Adam Smith consegue transformar


a troca comercial em uma das necessidades mais básicas da na-
tureza humana: se o homem não se basta sozinho, devendo, por-
tanto, esperar do outro uma troca comercial – e não afetiva ou
moral –, então negociar torna-se uma questão de sobrevivência.
Nesse sentido, a divisão do trabalho é uma forma de aper-
feiçoamento e potencialização da produção humana, cujo objeti-
vo sempre será a apropriação de um excedente. Será justamente
por meio da troca desse excedente que o ser humano conseguirá
suprir suas necessidades mais básicas:
Em uma tribo de caçadores ou pastores, por exemplo, uma de-
terminada pessoa faz arcos e flechas com mais habilidade e ra-
pidez do que qualquer outra. Muitas vezes trocá-los-á com seus
companheiros, por gado ou por carne de caça; considera que,
dessa forma, pode conseguir mais gado e mais carne de caça do
que conseguiria se ele mesmo fosse à procura deles no campo
(SMITH, 1996a, p. 50).

No final de tudo, a troca comercial acaba harmonizando as


diferentes necessidades e prioridades: a “mão invisível” da ofer-
ta e da procura harmoniza as diferenças e faz com que profissões
tão distintas sejam aproximadas pela necessidade do câmbio.
Ou seja, para Adam Smith, aquilo que o espírito liberal divide –
o trabalho –, ao mesmo tempo, também se torna pressuposto
para a coesão e a unidade social. A troca comercial baseia-se na
diferença, porém, a torna útil para a vida em sociedade. Nesse

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 103


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

sentido, a troca pacífica os conflitos entre habilidades, interesses


e necessidades diversas:
Assim como é essa propensão que gera essa diferença de ta-
lentos, tão notável entre pessoas de profissões diferentes, da
mesma forma, é essa mesma propensão que faz com que a di-
ferença seja útil (SMITH, 1996a, p. 75).

A riqueza das nações


Como já observado, o pensamento econômico de Adam
Smith participa de uma vanguarda liberal que adotará o livre
comércio como elemento fundante. Por esse motivo, Smith é
considerado o fundador da ciência econômica, uma vez que seu
pensamento busca compreender as leis de mercado para além
das noções manifestas pelas vontades individuais. Com isso, bus-
cando compreender a lógica da riqueza das nações, Smith iden-
tificou o trabalho (produtividade) como a grande fonte do valor:
O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro de compra original
que foi pago por todas as coisas. Não foi por ouro ou por pra-
ta, mas pelo trabalho, que foi originalmente comprada toda a
riqueza do mundo; e o valor dessa riqueza, para aqueles que a
possuem, e desejam trocá-la por novos produtos, é exatamente
igual à quantidade de trabalho que essa riqueza lhes dá condi-
ções de comprar ou comandar (SMITH, 1996a, p. 87-88).

Adam Smith poderia ter identificado a riqueza de uma na-


ção na indústria nascente ou na agricultura, mas preferiu atribuir
essa função ao trabalho. Ou, então, alguém poderia afirmar que
tais riquezas dependeriam, acima de tudo, da compra e venda de
bens necessários e úteis com outras nações. Todavia, os bens de
uma nação só existem porque são produzidos por outra coisa: o
trabalho.

104 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Por isso, ao falar do trabalho – como critério de valor –


chega-se ao tema central da obra de Adam Smith: quanto mais
divisão do trabalho e troca comercial, maior será a riqueza de
uma nação. No primeiro parágrafo da obra A riqueza das nações,
também deixa claro o cerne do seu programa econômico: “o tra-
balho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente
lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais
que consome anualmente” (SMITH, 1996a, p. 58).
Essa conclusão faz do pensamento de Adam Smith inova-
dor, especialmente por conta de duas teses básicas:
• O trabalho está na base da produção da riqueza de
uma nação, ou seja, o trabalho é o critério de valor que
passa a determinar o preço das mercadorias:
fica, pois, evidente que o trabalho é a única medida universal e
a única medida precisa de valor, ou seja, o único padrão através
do qual podemos comparar os valores de mercadorias diferen-
tes, em todos os tempos e em todos os lugares (SMITH, 1996a,
p. 93).

• A coesão social não decorre de um pacto, mas de uma


harmonia não intencional de interesses individuais;
nesse caso, Smith contraria a principal tese dos autores
contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau), na medida
em que não justifica a existência dos vínculos sociais por
meio de um contrato social com o Estado, mas pelas re-
lações de troca entre indivíduos. Surge, então, com toda
potência, o liberalismo de Estado do autor: não cabe ao
Estado intervir na vida dos indivíduos, mas possibilitar
aos próprios indivíduos a liberdade suficiente para que
eles mesmos encontrem meios para conviver pacifica-
mente. Logo, não existe um pacto com o soberano (Es-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 105


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

tado), mas uma regulação social promovida pela troca


comercial:
Entre os homens, os caracteres e habilidades mais diferentes
são úteis uns aos outros; as produções diferentes dos respec-
tivos talentos e habilidades, em virtude da capacidade e pro-
pensão geral do intercâmbio, ao escambo e à troca, são como
que somados em um cabedal comum, no qual cada um pode
comprar qualquer parcela da produção dos talentos dos outros,
de acordo com suas necessidades (SMITH, 1996a, p. 51).

Em resumo, Adam Smith marca uma evolução na economia


clássica. Não somente delimita os marcos científicos dessa área,
como também estabelece definitivamente o liberalismo econô-
mico ao identificar a troca comercial como o ponto central das
sociedades modernas capitalistas. Tal ideia permaneceu hege-
mônica durante muito tempo, sendo abalada apenas posterior-
mente com as contribuições do socialismo utópico (Saint-Simon,
Fourier) e, principalmente, do materialismo histórico-dialético
(Karl Marx), que colocou o objeto e método da Economia em
outros patamares de discussão.
Os materiais indicados no Tópico 3. 2 abordam concei-
tos centrais da proposta econômica de Adam Smith enquanto
ciência. Neste momento, você deve acessar esses materiais
para aprofundar o tema abordado.

2.3. TOCQUEVILLE E AS CONTRADIÇÕES DO IGUALITARISMO

Enquanto na Inglaterra e nos Estados Unidos a sociedade


e as instituições políticas consolidavam e celebravam os ideais
liberais, a França, berço da revolução democrática, sofria com

106 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

as contradições antidemocráticas impostas pelos governos po-


líticos posteriores à Revolução Francesa. Os ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade estavam cada vez mais distantes daqui-
lo que a burguesia francesa prometeu. Por exemplo, o governo
revolucionário de Robespierre, que se considerava declarada-
mente democrático, foi o responsável pela instauração do cha-
mado Período do Terror (1792-1794).
Durando de 5 de setembro de 1793, com a queda dos gi-
rondinos (republicanos moderados) a 27 de julho de 1794, com
a prisão de Robespierre (1758-1794), líder dos jacobinos, esse
período foi marcado pela aplicação de várias sanções antidemo-
cráticas: garantias civis foram suspensas e o governo revolucio-
nário, controlado pelo partido jacobino, perseguiu e assassinou
seus adversários (a estimativa é de que tenham sido guilhoti-
nadas entre 17.000 e 40.000 pessoas). O que inicialmente era
uma perseguição destinada apenas aos girondinos acabou se
tornando uma perseguição geral a todo e qualquer “inimigo” da
Revolução.
O exemplo mais conhecido foi a perseguição do integrante
do partido jacobino Georges Jacques Danton (1759-1794), que
esteve ao lado de Robespierre no início da Revolução France-
sa, mas foi executado pelo próprio partido sob as acusações de
Louis Antoine Léon de Saint-Just (1767-1794). O Comitê de Salva-
ção Pública, liderado por Robespierre, era o órgão que conduzia
a política do terror e coordenava as execuções.
Cansada do terror, execuções, congelamento de preços e
do autoritarismo revolucionário, a burguesia passou a reivindicar
a paz para seus negócios – posição defendida pelos jacobinos
liderados por Danton. Muitos girondinos – que sobreviveram à
perseguição – aliaram-se à elite burguesa e articularam um gol-
pe em 27 de julho de 1794, que derrubou Robespierre e seus

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 107


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

partidários. Sem o apoio dos burgueses e da massa popular (os


sans-culottes), Robespierre, juntamente com Saint-Just e outros
dirigentes do partido jacobino, foi destituído do cargo de presi-
dente do Comitê de Salvação Pública, e, em seguida, foi preso e
guilhotinado.
O golpe selou o fechamento da Comuna de Paris e o fim
do partido jacobino, bem como marcou a volta da burguesia gi-
rondina ao poder. Pouco tempo depois, Napoleão Bonaparte foi
coroado imperador, iniciando um período de forte centralização
absolutista.
Com todas essas discrepâncias democráticas, era natural
que alguns liberais temessem novas contradições decorrentes da
discreta separação entre “igualdade e democracia” e “liberdade
e tirania”. Um dos autores liberais que refletiu sobre os perigos
do igualitarismo democrático foi Alexis de Tocqueville (1805-
1859), especialmente em sua obra A democracia na América,
publicada em dois volumes (1835/1840), na qual se propôs a
analisar com sensatez a natureza das incoerências democráticas
do seu tempo.

Tocqueville: precursor da democracia moderna

Alexis Henri Charles Clérel de Tocque-


ville (1805-1859), conhecido como Alexis de
Tocqueville (Figura 3), nasceu em Paris, Fran-
ça, no dia 29 de junho de 1805. Foi um pen-
sador político e estadista francês, considerado
um dos grandes teóricos sobre a democracia
americana. Especulou sobre a natureza essen-
cial da própria democracia, suas vantagens e Figura 3 Alexis de Tocqueville.
perigos (FRAZÃO, 2016).

108 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Descendente de família aristocrata, formou-se em Direito


e atuou como juiz. Alexis de Tocqueville viveu no período mais
crítico da história francesa, durante o século XIX. Nasceu pouco
tempo depois da Revolução Francesa (1789), sobre a qual escre-
veria uma obra clássica. Viajou para os Estados Unidos para es-
tudar o sistema democrático em funcionamento. Ficou impres-
sionado com a nascente democracia norte-americana. De volta à
França, em 1832, escreveu e publicou sua obra-prima, A demo-
cracia na América (1835-1840).
A figura de Alexis de Tocqueville foi fundamental para o
início da Sociologia, especialmente no que diz respeito a temas
relacionados à democracia moderna. Influenciado pelas ideias
contratualistas de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Tocque-
ville procurou responder como conciliar, na prática, os conceitos
de “igualdade” e “liberdade”: o igualitarismo, de fato, é sinôni-
mo de liberdade?
Rousseau já havia dado uma resolução prévia a essa ques-
tão, quando apresentou, em sua obra Do contrato social, a hi-
pótese de que a sociedade só pode ser livre se todos formarem
com corpo social único e iguais. Nesse caso, os indivíduos perde-
riam suas liberdades individuais para ganhar, enquanto socieda-
de, uma liberdade civil única prevista pelas leis. Todos livres, ou
melhor, igualmente livres.
Para Tocqueville, essa troca não compensou: de fato, o
contrato prevê que todos sejam livres, mas, ao mesmo tempo,
todos presos a uma mesma noção de igualdade. Na obra A de-
mocracia na América, o autor defende a ideia de que a igualdade
oferece naturalmente o desejo pela liberdade e por instituições
livres, fazendo com que os homens rejeitem todo e qualquer tipo
de autoridade: “os homens que vivem nessas épocas marcham,

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 109


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

pois, por um plano inclinado natural, que os encaminha para as


instituições livres” (TOCQUEVILLE, 1977, p. 511).
No entanto, apesar de a igualdade gerar no homem o amor
pela independência, ela também abre espaço para o anarquis-
mo, o que para Tocqueville não é o mal maior, pois, antes de
se preocupar com o anarquismo – que, em sua opinião, é mais
explícito e identificável –, seria mais urgente tomar cuidado com
outro perigo maior, isto é, o desejo daquela independência que
leva à servidão:
os povos veem facilmente a primeira [anarquia] e resistem a
ela; deixam-se arrastar pela outra [servidão], sem vê-la; por isso
é particularmente importante apontá-la (TOCQUEVILLE, 1977,
p. 512).

Com isso, está praticamente exposta a preocupação de


Tocqueville com as democracias modernas: ele tinha consciência
de que a constituição das democracias era algo inevitável. E não
via um problema no projeto democrático em si, mas justamente
no modo como as democracias são implantadas. O seu temor,
sem dúvida alguma, está relacionado à excessiva concentração
de poderes no Estado democrático, que, sob a justificativa da re-
tirada de poderes da tirania aristocrática, passaria a estabelecer
um despotismo democrático. O resultado seria, portanto, desas-
troso: o surgimento de uma sociedade de massa, que anularia as
diferenças individuais e levaria ao conformismo da opinião e à
chamada “tirania da maioria”.

A centralização do poder nas democracias modernas


Em A democracia na América, Tocqueville esforça-se em
argumentar sobre “como as ideias dos povos democráticos em
matéria de governo são naturalmente favoráveis à centralização

110 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

dos poderes”. Segundo o autor, a ideia de poderes intermediários


entre o soberano e o povo é algo próprio de sistemas aristocráti-
cos, que, entre outras coisas, tendem a nutrir o privilégio de seus
familiares ou pessoas que estão em seu círculo de intimidade.
No caso da democracia, de fato, ela percorre um caminho
oposto, que tende a eliminar esses intermediários; porém, em
contrapartida, por conta do ideal da igualdade, aproxima-se
muito mais de uma perspectiva afeita à centralização do poder.
Nesse sentido, para os sistemas democráticos torna-se pratica-
mente uma necessidade a existência de princípios simples de
governabilidade, que se concretizam na uniformidade legislativa
e centralizadora do poder. Noutras palavras, a centralização do
poder e a legislação uniforme adequam-se melhor ao espírito
democrático do que ao aristocrático:
Em política, aliás, como em filosofia e religião, a inteligência dos
povos democráticos recebe com prazer as ideias simples e ge-
rais. Os sistemas complicados lhe repugnam e ela se compraz
em imaginar uma grande nação cujos cidadãos pareçam todos
a um mesmo modelo e são dirigidos por um só poder (TOCQUE-
VILLE, 1977, p. 512).

Ao contrário dos sistemas aristocráticos, que tendem a


realçar os privilégios individuais, a democracia volta-se para a
tarefa de igualar os homens num só e mesmo povo, como ca-
minho para o progresso da sociedade: “cada cidadão, tendo se
tornado semelhante a todos os demais, perde-se na multidão, e
não percebe mais senão a imagem vasta e magnífica do próprio
povo” (TOCQUEVILLE, 1977, p. 512).
Para as sociedades democráticas, o importante não é o in-
divíduo, mas o povo representado pelo poder, o qual tende a ser
mais sábio do que o cidadão visto individualmente:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 111


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

a ideia de um direito inerente a certos indivíduos desaparece


rapidamente do espírito dos homens; a ideia do direi-
to todo-poderoso e por assim dizer único da sociedade vem
preencher seu lugar (TOCQUEVILLE, 1977, p. 512).

É por isso que, para Tocqueville, o povo, ou a sociedade,


antecede o Estado: “acreditam os americanos que, em cada Esta-
do, o poder social deve emanar diretamente do povo” (TOCQUE-
VILLE, 1977, p. 512).
Portanto, é condição natural, e não mera divagação racio-
nal, que os Estados democráticos tenham uma administração
simples e centralizada.

Causas que levam um povo democrático a centralizar o poder


ou afastar-se
Segundo Tocqueville, apesar de os povos democráticos
sentirem uma natural inclinação à centralização do poder, o
modo como isso acontece não é o mesmo para todos, ou seja,
depende das circunstâncias particulares que podem desenvolver
ou barrar os efeitos naturais do estado social democrático.
A primeira observação feita pelo autor nesse sentido é o
fato de a conquista do estado de igualdade ser distinta de caso
para caso: para povos que, por muito tempo, viveram livres, o
estado de igualdade é mais difícil de ser conquistado do que para
nações que nunca foram livres. Enquanto, no primeiro caso, a
liberdade está muitas vezes vinculada a interesses particulares
que fazem de tudo para manter o status quo, no segundo, ela
está desvinculada do poder despótico, que, com a sua queda,
tende também a fazer ruir os interesses particulares daquela
nação.

112 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Nações que conquistaram a igualdade por meio de revolu-


ções violentas mostram-se mais do que nunca a necessidade de
um Estado centralizador na ausência de lideranças locais, aris-
tocráticas ou não, que possam reorganizar a nação devastada.
Com isso, Tocqueville quer demonstrar uma seguinte ideia: “a
centralização não se desenvolve entre um povo democrático so-
mente conforme o progresso da igualdade, mas ainda segundo
a maneira pela qual se funda essa igualdade” (TOCQUEVILLE,
1977, p. 518).
Com isso, tornam-se perfeitamente compreensíveis os mo-
tivos que afirmam que o poder social deve sempre ser mais forte
e o indivíduo mais fraco num povo democrático que chegou ao
estágio de igualdade civil e constitucional. Esse é o caso dos Es-
tados Unidos, que pegaram da aristocracia inglesa a ideia dos di-
reitos individuais e o gosto pelas liberdades locais, sintetizando-
-as na ideia de igualdade e na necessidade de um poder político
central:
A primeira e, de certo modo, a única condição necessária para
chegar a centralizar o poder público numa sociedade democrá-
tica é amar a igualdade e fazer com que se creia nesse amor.
Assim, a ciência do despotismo, outrora tão complicada, se sim-
plifica, ficando por assim dizer, reduzida a um princípio único
(TOCQUEVILLE, 1977, p. 521).

Todavia, por centralização do poder não se entende o des-


potismo do soberano. O Estado não deve anteceder o povo, mas
deve emanar do povo. A centralização extrema do poder central
acaba por enfraquecer a sociedade, o povo e, consequentemen-
te, mais tarde, o próprio governo. No entanto, não se pode dei-
xar de reconhecer que a centralização do poder também pode
trazer inúmeros empreendimento para uma nação:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 113


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Assim, a tendência democrática que leva os homens a multi-


plicar constantemente os privilégios do Estado e a restringir os
direitos dos particulares é muito mais rápida e mais contínua
entre os povos democráticos, sujeitos pela sua posição a gran-
des e frequentes guerras, e cuja existência pode muitas vezes
ser posta em perigo, do que entre os outros todos (TOCQUEVIL-
LE, 1977, p. 520).

Isso mostra o quanto o desejo pelo bem-estar e o temor


pela desordem levam os povos democráticos a cada vez mais au-
mentar as atribuições do governo central e sacrificar seus direi-
tos em prol da tranquilidade do todo.

A representatividade política e seu fundamento para a igualda-


de democrática
Uma vez que a igualdade dos homens os faz aceitar um
poder central, também se torna impossível duvidar dos senti-
mentos que apoiam essa atitude e convicção. Para defender essa
afirmação, Tocqueville desenvolve o seguinte argumento: se os
homens são iguais e não há inferiores nem superiores, então
eles tendem a voltar-se para si mesmos, individualmente. Mas,
por não terem sensibilidade nem tempo e energia – pois a vida
democrática impõe ao indivíduo um ativismo frenético –, eles
repassam esse cuidado para uma representatividade visível e
permanente dos interesses coletivos. Esse sentimento, portanto,
dispõe naturalmente os cidadãos a constantemente abrir mão
de novos direitos ou a deixar que os tome o poder central, que
lhes pareça ter, exclusivamente, interesse e meios para defen-
dê-lo da anarquia, defendendo-se a si mesmo (TOCQUEVILLE,
1977, p. 515).

Com isso, Tocqueville tenta provar que quanto maior é a


existência de privilégios num sistema democrático, mais em evi-

114 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

dência fica o desprezo pela diferença e o amor pela igualdade:


“é natural, pois, que o amor à igualdade cresça constantemente
com a própria igualdade; ao satisfazê-la, nós a desenvolvemos”.
E mais adiante completa:
esse ódio imorredouro e cada vez mais ardente, que anima os
povos democráticos contra os menores privilégios, favorece
singularmente a concentração gradual de todos os direitos polí-
ticos nas mãos de um só representante do Estado (TOCQUEVIL-
LE, 1977, p. 516).

Com a autoridade central do representante soberano, não


há motivos para a inveja, pois todos estão numa situação de
igualdade em direitos e deveres e dependência comum em rela-
ção ao mesmo senhor. Isso suscita a exteriorização de um instin-
to natural de igualdade e uniformidade com relação ao poder de
governar, criando assim um vínculo indissociável entre cidadão
e governo:
Assim, o governo ama o que amam os cidadãos, e odeia na-
turalmente o que eles odeiam. Essa comunidade de sentimen-
tos que, entre nações democráticas, une continuamente, num
mesmo pensamento, cada indivíduo e o soberano, estabelece
entre eles uma simpatia secreta e permanente. […] Os povos
democráticos muitas vezes odeiam os depositários do poder
central; mas sempre amam esse poder por ele mesmo. […] A
centralização será o governo natural (TOCQUEVILLE, 1977, p.
516).

O enfraquecimento das revoluções nas sociedades democráticas


Outro tema que merece destaque é o atrofiamento do pa-
pel das revoluções no contexto das sociedades democráticas.
Em sua obra A democracia na América, Tocqueville indica
como na Europa tudo parece concorrer para aumentar indefini-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 115


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

damente as prerrogativas do poder central e, ao mesmo tempo,


tornar mais fraca a existência da independência individual: de
todas a revoluções que ocorreram na Europa, em suas mais va-
riadas disseminações ideológicas, a única coisa preservada foi a
centralização do poder social às custas da eliminação dos pode-
res secundários de cunho aristocrático.
Toda essa transferência democrática do poder para o sobe-
rano cria um contexto sociopolítico específico, no qual o sobera-
no deve estar atento às necessidades individuais dos cidadãos.
Em algumas nações, por exemplo, o Estado tem possibilitado
tanto a alimentação como a educação para o povo, tratando tais
assuntos como questões nacionais. Segundo Tocqueville, até a
religião tenderá a ser uma preocupação do Estado, e seus repre-
sentantes religiosos, funcionários públicos.
Já entre os povos aristocráticos, essa preocupação era bem
específica: só tinha interesse para o Estado observar os cidadãos
se estes apresentassem questões de interesse nacional; de resto,
tudo ficava a cargo do indivíduo. Entre os povos democráticos
essa lógica foi invertida:
[o Estado] regula à sua maneira mais numerosas ações e ações
menores, e estabelece-se em melhor posição todos os dias, ao
lado, em volta e acima de cada indivíduo, para ajudá-lo, aconse-
lhá-lo e exercer coerção sobre ele (TOCQUEVILLE, 1977, p. 523).

O fato é que o Estado cria cada vez mais técnicas de ad-


ministração específicas, pontuais e centralizadas. Esse interven-
cionismo do Estado pode ser exemplificado, segundo o autor, a
partir de dois casos: o econômico e o jurídico.
No caso econômico, o autor apresenta o exemplo das cai-
xas econômicas do Estado, no qual o “soberano não se limita a
dirigir a fortuna pública”; pelo contrário, “introduz-se ainda nas

116 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

fortunas privadas; ele é o chefe de cada cidadão, e, não raro, seu


senhor, e, mais ainda, faz-se seu intendente e seu tesoureiro”
(TOCQUEVILLE, 1977, p. 524).
No caso jurídico, outro exemplo apresentado é o dos tri-
bunais judiciários: na Europa do século 19, seria comum pensar
o tribunal como instituição autônoma para decidir e julgar as
querelas entre o indivíduo e o Estado. Essa era a singularidade
dos tribunais da Europa, justamente por possuírem autonomia
e privilégio. No entanto, nos tempos dos povos democráticos,
a tendência do poder soberano é justamente reduzir a jurisdi-
ção dos tribunais, limitando-os a julgar e decidir querelas apenas
no âmbito particular: “assim, não basta que o Estado atraia a si
todas as questões, mas ele passa a, cada vez mais, decidir to-
das elas sozinho, sem controle e sem apelação” (TOCQUEVILLE,
1977, p. 525).
Pelo fato de estar em constantes situações novas e deli-
cadas, segundo Tocqueville, a classe que precisa da maior aten-
ção do Estado é a industrial. É fato que ela, com o aumento da
propriedade, torna-se mais numerosa e complexa em seus di-
reitos, mas isso não quer dizer que ela seja menos dependente
do Estado do que o restante da sociedade. O soberano tende
a estar próximo das associações industriais e, como um grande
industriário (pois, ao se tornar mais complexo, tende a produzir,
utilizar seus próprios produtos industriais), ser o patrão de todos
os outros e manter sob controle tais associações (TOCQUEVILLE,
1977, p. 527).
Com isso, segundo Tocqueville, por mais que existam mo-
vimentos anarquistas e revolucionários na Europa, que, de fato,
estão constantemente derrubando antigos regimes aristocráti-
cos em prol da igualdade de direitos, ainda assim, todos acabam

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 117


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

se enfraquecendo perante o despotismo velado do igualitaris-


mo, retornando a uma situação pior do que aquela prevista em
tempos aristocráticos.
O projeto político das sociedades democráticas europeias
era desestabilizar o potencial do indivíduo por meio da equali-
zação de direitos. Trata-se de um duplo esforço: por um lado,
o esforço de enfraquecer as nações despóticas e aristocráticas,
porém, por outro lado, o de deixar essas mesmas nações mais
fortes ao aumentar o poder social, tornando-o mais centralizado
(TOCQUEVILLE, 1977, p. 528).
Há, sem dúvida, uma contradição: os ideais revolucio-
nários não conseguem suportar a hipótese de um despotismo
aristocrático, mas aceitam de braços abertos um despotismo de-
mocrático. Por isso, nas sociedades democráticas as revoluções
entram em estado de apatia, mas não por falta de ações despó-
ticas, e sim por desabilitar os germes revolucionários do âmbito
individual, subsumidos no conformismo da igualdade.

As predições de Tocqueville: que espécie de despotismo devem


temer as nações democráticas?
Tocqueville também fala explicitamente de um novo tipo
de despotismo, do qual as nações democráticas devem se afas-
tar: nunca se testemunhou tamanho poder de soberania no pas-
sado como o que acontece no poder social dos povos democrá-
ticos; ou seja, nunca se viu um poder soberano tão absoluto e
tão uniforme como o democrático. Para o autor, nem mesmo no
auge do Império Romano houve tamanha soberania e controle
administrativo das questões ordinárias e individuais.

118 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Isso quer dizer que o Estado democrático tem possibilida-


de de gerar um despotismo, porém muito diferente daquele que
se observa em nações aristocráticas e autoritárias. O despotismo
democrático é diferente, possui outras características:
• Não é violento ou evidente (os casos de violência explí-
cita em nações democráticas são exceções); pelo con-
trário, o despotismo do Estado democrático é mais am-
plo e discreto, diz respeito não ao aspecto repressivo,
mas administrativo:
Depois de ter tomado cada um por sua vez, dessa maneira, e
depois de o ter petrificado sem disfarce, o soberano estende
o braço sobre a sociedade inteira; cobre a sua superfície com
uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uni-
formes, através das quais os espíritos mais originais e as almas
mais rigorosas não seriam capazes de vir à luz para ultrapassar
a multidão; não esmaga as vontades, mas as enfraquece, cur-
va-as e as dirige; raramente força a agir, mas constantemente
opõe resistência à ação; nunca destrói, mas impede de nascer;
nunca tiraniza mas comprime, enfraquece, prejudica, extingue
e desumaniza, e afinal reduz cada nação a não ser mais do que
rebanho de animais tímidos e diligentes, dos quais o governo é
o pastor (TOCQUEVILLE, 1977, p. 532).

• Promove a contradição de duas paixões comuns aos


homens: a necessidade de ser conduzido e o desejo de
permanecer livre. Os indivíduos se contentam em ser
tutelados porque acreditam que, pelo fato de escolher
seus tutores, conquistariam automaticamente a liber-
dade. Há aqui o fenômeno que o autor identifica como
uma espécie de comodismo perante o “compromisso
entre o despotismo administrativo e a soberania do
povo” (TOCQUEVILLE, 1977, p. 532).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 119


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

• Promove a apatia política: o comodismo decorrente da


representatividade que elegeu leva a uma situação de
apatia política:
esse uso tão importante, mas tão curto e tão raro, do seu livre
arbítrio, não impedirá que percam pouco a pouco a faculdade
de pensar, de sentir e de agir por si mesmos, e que não venham
a cair assim, gradualmente, abaixo do nível da humanidade
(TOCQUEVILLE, 1977, p. 533).

Em síntese, a democracia subordinou os interesses particu-


lares ao interesse geral. Até aqui, para o autor, não há problema
algum. A contradição passa a existir a partir do momento em que
a mensagem democrática torna-se mal interpretada pelos gover-
nos, que, em vez de fazer da igualdade uma virtude, deterioram-
-na de modo a impô-la como a extensão de um conformismo
igualitário: “tudo ameaça tornar-se tão semelhante, nas nossas
[sociedades], que a figura particular de cada indivíduo logo se
perderá na fisionomia comum” (TOCQUEVILLE, 1977, p. 539).
Um povo em condições de igualdade, portanto, num Es-
tado democrático, tem muito mais chance de estabelecer um
despotismo do que em outras formas de governo e sociedade.
Todavia, isso não quer dizer que a solução seja retomar um go-
verno aristocrático: o grande problema do despotismo deve ser
resolvido dentro das próprias sociedades democráticas. A igual-
dade deve ser concebida como condição para assegurar a inde-
pendência e dignidade dos semelhantes.

A questão aristocrática
Pela ênfase dada aos temores de Tocqueville quanto aos
perigos do igualitarismo, alguns autores posteriores procuraram
destacar um forte traço aristocrático presente em seu pensa-

120 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

mento político. Isso se deve não somente por uma opção pessoal
em favor dos governos aristocráticos, mas por perceber uma cer-
ta incompatibilidade, segundo os moldes das democracias euro-
peias, em conciliar, num mesmo plano político, os conceitos de
igualdade e liberdade. Sua argumentação chega ao ápice dessa
postura ao afirmar, por exemplo, que a centralização do poder
estaria mais apta a se concretizar em sociedades democráticas
do que nas aristocráticas (TOCQUEVILLE, 1977). E isso se deve
pelo menos por dois motivos:
• Porque nas sociedades democráticas as diferenças in-
dividuais são anuladas em prol da igualdade coletiva.
Nesse caso, trocam-se as diferenças individuais da aris-
tocracia pelo anonimato da igualdade democrática. As-
sim, para Tocqueville, a centralização do poder estaria,
de fato, mais próxima da democracia:
os povos democráticos muitas vezes odeiam os depositários
do poder central; mas sempre amam esse poder por ele mes-
mo. […] A centralização será o governo natural (TOCQUEVILLE,
1977, p. 516).

• Porque a centralização do poder pelo soberano se tor-


nará mais eficaz quanto menos características aristocrá-
ticas existirem em governo. Nesse caso, a igualdade das
diferenças desabilita a redistribuição do poder entre os
iguais, sendo, por isso, integralmente repassado – via
contrato político – a um mesmo soberano: “nas socie-
dades democráticas, a centralização será sempre tan-
to maior quanto menos aristocrático for o soberano”
(TOCQUEVILLE, 1977, p. 520).
A propósito dessa tensão de Tocqueville em torno dos con-
ceitos de liberdade e igualdade, Norberto Bobbio (1909-2004)
comenta o seguinte:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 121


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Dividido como estava entre a admiração-inquietude pela de-


mocracia e a devoção-solicitude pela liberdade individual, [Toc-
queville] trazia dentro de si o dissídio entre liberdade e igualda-
de. Lembram-se da célebre frase com que ele encerra sua obra
maior? “As nações modernas não podem evitar que as condi-
ções se tornem iguais; mas depende delas que a igualdade as
leve à escravidão ou à liberdade, à civilização ou à barbárie, à
prosperidade ou à miséria” (BOBBIO, 2000, p. 270-271).

O que então dizer sobre Tocqueville: um democrata con-


servador ou um crítico aristocrata? Questão complexa, merece-
dora de um pouco mais de atenção.

Apesar de tudo, em favor da democracia


As mudanças sociopolíticas que acontecem nos Estados
democráticos representam uma situação singular e até então
impensável por todos os períodos históricos anteriores. Na opi-
nião de Tocqueville, não é possível saber o que continuará no
presente do velho regime e o que permanecerá no futuro do re-
gime atual: “Como o passado já não esclarece o futuro, o espírito
marcha nas trevas” (TOCQUEVILLE, 1977, p. 540).
No entanto, apesar desse quadro tão vasto e indefinido,
é possível concluir que o preço pago pela igualdade democráti-
ca é justificável em prol da liberdade coletiva: “cada indivíduo é
isolado e fraco; a sociedade é ativa, previdente e forte; os parti-
culares fazem pequenas coisas, imensas faz o Estado” (TOCQUE-
VILLE, 1977, p. 540).
Para Tocqueville, a solução dos desequilíbrios democráticos
não se encontra na aristocracia: em vez de recorrer ao processo
aristocrático para o governo de um povo, podem-se encontrar,
por sua vez, algumas práticas democráticas que têm capacidade

122 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

de substituir a aristocracia e, ao mesmo tempo, corrigir os pró-


prios desmandos democráticos.
Esse foi o caminho que Tocqueville encontrou ao observar
a sociedade americana: a descentralização do poder não deveria
ocorrer pelas vias da aristocracia, mas pela organização da socie-
dade civil a partir da defesa de seus próprios direitos individuais.
Movido pelo princípio constitucional da igualdade de direitos,
não é do interesse do governo democrático realçar as diferenças
civis. Cabe, portanto, à organização da sociedade civil encontrar
meios para que a anonímia da igualdade seja direcionada para a
constituição das liberdades fundamentais.
Segundo Tocqueville, o povo americano, nesse caso, foi es-
trategicamente sábio para evitar, por meio do estabelecimento
de princípios da soberania popular, o despotismo democrático.
Foi justamente por meio da ação de realinhamento democrático
promovido pelas instituições políticas e associações civis que a
descentralização administrativa de fato ocorreu:
Nada existe que mereça atrair mais os nossos olhares que as
associações intelectuais e morais dos EUA. As associações po-
líticas e industriais dos americanos facilmente são por nós per-
cebidas; mas as outras se nos escapam; e, se as descobrimos,
as compreendemos mal, porque nunca vimos algo de análogo.
Deve-se reconhecer, entretanto, que são tão necessárias quan-
to as primeiras ao povo americano, e talvez mais. Nos países de-
mocráticos, a ciência da associação é a ciência mãe; o progresso
de todas as outras depende dos progressos daquela. Entre as
leis que regem as sociedades humanas, existe uma que pare-
ce mais precisa e mais clara que todas as outras. Para que os
homens permaneçam civilizados ou assim tornem-se, é preciso
que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfei-
çoe na mesma medida em que cresce a igualdade de condições
(TOCQUEVILLE, 1977, p. 394)

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 123


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Deve-se observar, com isso, que Tocqueville não é mero


pessimista político: enquanto muitos preferem fazer uso do ce-
ticismo democrático – previsto pela incompatibilidade aparente
entre igualdade e a liberdade –, Tocqueville prefere condenar a
falsidade desse tipo de ceticismo, que serve apenas para criar
homens fracos e nações pusilânimes.
O homem não é nem totalmente independente, nem total-
mente escravo: é verdade que os homens dependem de limita-
ções inerentes à sua própria natureza, das quais eles não podem
fugir; porém, dentro desse limite estipulado, eles não apenas são
livres, mas também poderosos. Portanto, depende do homem, e
não da providência, criar nações livres e prósperas (TOCQUEVIL-
LE, 1977, p. 542).
Assim, apesar de inúmeras críticas aos desequilíbrios pro-
vocados pela tirania da maioria, especialmente aos modelos eu-
ropeus, Tocqueville ainda afirma a centralidade da democracia
para as sociedades ocidentais. O caminho não é apenas desen-
volver mecanismos políticos igualitaristas em favor da centraliza-
ção do poder, mas promover estratégias de restauração dos di-
reitos individuais da sociedade civil, protegendo, assim, os ideais
liberais contra toda e qualquer intervenção estatal. Por isso, é
enorme a importância de leis que garantam as liberdades indi-
viduais, bem como a vigilância constante da aplicabilidade dos
direitos e deveres por meio do exercício da cidadania.
Apesar de tudo, então, Tocqueville ainda é considerado
um entusiasta da democracia. Com a transformação do mundo
político e dos seus problemas, o remédio e as soluções também
devem ser atualizados:
dar aos particulares certos direitos e lhes garantir o gozo in-
conteste desses direitos; conservar o pouco de independência,

124 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

de força, de originalidade, que lhe restam; elevá-lo ao lado da


sociedade e apoiá-lo em face dela: tal me parece ser o principal
objeto do legislador na época em que estamos entrando (TOC-
QUEVILLE, 1977, p. 539).

As leituras indicadas no Tópico 3.3 levam em conside-


ração algumas abordagens críticas sobre a natureza contradi-
tória das democracias modernas. Neste momento, você deve
realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado.

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 2.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizado na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina para
abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material, por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante do
material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in-
dispensável para você compreender integralmente os conteúdos
apresentados nesta unidade.

3.1. BERNARD MANDEVILLE

A fim de relembrar e complementar seus conceitos acerca


dos principais conceitos do Liberalismo clássico de Mandeville,
leia os seguintes textos:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 125


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

• FONSECA, E. G. A fábula das abelhas. Braudel Papers,


São Paulo, n. 5, p. 3-14, 1994. Disponível em: <http://
pt.braudel.org.br/publicacoes/braudel-papers/down-
loads/portugues/bp05_pt.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2019.
• LIMONGI, M. I. Sociabilidade e Moralidade: Hume leitor
de Mandeville. Kriterion, Belo Horizonte, n. 108, p. 224-
243, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/kr/v44n108/v44n108a05.pdf>. Acesso em: 18 nov.
2019.
Além dos textos, também recomendamos o seguinte vídeo:
• UNIVERSITY OF AMSTERDAM. A fábula das abe-
lhas. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?reload=9&v=2_x2bqa4jKs>. Acesso em: 18 nov.
2019.

3.2. ADAM SMITH

Para conhecer mais sobre a evolução dos conceitos básicos


do liberalismo econômico de Adam Smith, leia os artigos refe-
renciados a seguir:
• TIGRE, J. P. A crítica smithiana à concepção individualis-
ta de Bernard Mandeville. Problemata: Revista Interna-
cional de Filosofia, v. 6, n. 2, p. 5-17, 2015. Disponível
em: <http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/
problemata/article/view/21662/14022>. Acesso em:
18 nov. 2019.
• PRADO, E. F. S. Uma formalização da mão invisível. Es-
tudos Econômicos, São Paulo, v. 36, n. 1, p. 47-65, jan.-
-mar. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
ee/v36n1/v36n1a02.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2019.

126 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

• RICKEN, G. Entre a colmeia murmurante e a mão invi-


sível: analogias entre A fábula das abelhas e A riqueza
das nações. <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/de-
fault/files/anexos/31093-34164-1-PB.pdf>. Acesso em:
18 nov. 2019.
Além dos textos, também recomendamos os seguintes
vídeos:
• CRISTIANO, J. Iluminismo: Adam Smith e a mão invisí-
vel. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=CgoYwzoVNhs>. Acesso em: 18 nov. 2019.
• THE OPEN UNIVERSITY. 60 segundos de aventuras na
economia – A mão invisível. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=sToHBsLCNS0>. Acesso
em: 18 nov. 2019.
• ILB – INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO. Mão In-
visível. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=TslIsfkx2E8>. Acesso em: 18 nov. 2019.

3.3. ALEXIS DE TOCQUEVILLE

Para saber mais sobre A democracia na América, bem


como sobre a crítica do autor a respeito do despotismo demo-
crático, leia os textos indicados a seguir:
• ROHLING, M. A igualdade e a liberdade em Tocqueville:
contribuições para o desenvolvimento da virtude cívica
liberal e a tarefa político-pedagógica da democracia. Em
Tese, Florianópolis, v. 12, n. 1, jan./jul. 2015. Disponível
em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/ar-
ticle/view/1806-5023.2015v12n1p80/29696>. Acesso
em: 18 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 127


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

• SANTOS, K. P.; NUNES, M. A. Alexis Tocqueville: os des-


vios da igualdade. Disponível em: <http://docplayer.
com.br/53286294-Alexis-tocqueville-os-desvios-da-
-igualdade-1.html>. Acesso em: 18 nov. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder às questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) (FUVEST) “Um comerciante está acostumado a empregar o seu dinheiro
principalmente em projetos lucrativos, ao passo que um simples cavalhei-
ro rural costuma empregar o seu em despesas. Um frequentemente vê seu
dinheiro afastar-se e voltar às suas mãos com lucro; o outro, quando se se-
para do dinheiro, raramente espera vê-lo de novo. Esses hábitos diferentes
afetam naturalmente os seus temperamentos e disposições em toda espé-
cie de atividade. O comerciante é, em geral, um empreendedor audacioso;
o cavalheiro rural, um tímido em seus empreendimentos” (SMITH, Adam.
A Riqueza das Nações, Livro III, capítulo 4).
Neste pequeno trecho, Adam Smith:
a) mostra as vantagens do capitalismo comercial em face da estagnação
medieval.
b) defende a lucratividade do comércio contra os baixos rendimentos do
campo.
c) critica a preocupação dos comerciantes com seus lucros e dos cava-
lheiros com a ostentação de riquezas.
d) contrapõe lucro à renda, pois geram racionalidades e modos de vida
distintos.
e) expõe as causas da estagnação da agricultura no final do século 18.

2) (MUNDO EDUCAÇÃO, 2019) Leia o texto a seguir referente ao historiador


liberal inglês Lord Acton (1834-1902):

128 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

“Embora [Lord] Acton nunca tenha publicado um livro, ele escreveu vá-
rios artigos que refletiram seu apaixonado interesse sobre a história da
liberdade, tolerância religiosa e governo constitucional. De acordo com
Acton, não podemos entender a história da civilização ocidental se não
conseguirmos avaliar o conflito eterno entre a liberdade e o poder. A ideia
de liberdade, ele disse, ‘é a unidade, a única unidade da história do mundo,
e o princípio único de uma filosofia da história’” (SMITH, George H. Lord
Acton e a História da Liberdade. Portal do Libertarianismo).
O texto sugere que Lord Acton:
a) defendia que o liberalismo precisava tomar o poder para tornar os ho-
mens livres.
b) defendia a ideia de liberdade como sendo aquilo que dá unidade e
sentido para a história humana.
c) acentuava o combate entre poder e liberdade, defendendo que a to-
mada do poder era o principal objetivo da “história da Liberdade”.
d) defendia que o poder não poderia corromper o homem, já que suas
características virtuosas eram inabaláveis.
e) defendia a liberdade apenas no nível político e, no nível econômico, a
intervenção maciça do Estado.

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões
autoavaliativas propostas:
1) d

2) b

5. CONSIDERAÇÕES
Esta unidade apresentou alguns aspectos básicos do Libe-
ralismo clássico, desde a sua concepção mais moralizada (Man-
deville) e econômica (Adam Smith), até a sua vertente mais poli-
tizada (Tocqueville).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 129


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

Com Mandeville, estudamos as primeiras concepções libe-


rais que residem no campo do individualismo econômico e da
sociabilidade: as abelhas – os homens – precisam se relacionar
socialmente por meio de vínculos político-econômicos, e não es-
sencialmente morais. Mandeville não está afirmando, com isso,
que a moralidade é algo ruim, mas que ela não pode ser ele-
mento de limitação da prática econômica. Para o florescimento
social – levando em consideração todo o otimismo despendido
ao capitalismo nascente –, não basta a vivência da moralidade
por ela mesma, mas sim a compreensão da lógica de autono-
mia econômica guiada por referenciais capazes de emancipar os
indivíduos.
Adam Smith demonstrou, por sua vez, que a análise cientí-
fica sobre a economia clássica pode ir além do campo das vonta-
des individuais. Por isso, com objetivo de compreender a origem
da riqueza de uma nação, Smith identificou no trabalho o grande
motor da riqueza capital, uma vez que ele transforma matéria
bruta em mercadoria. A sociedade, para Smith, é muito mais do
que a soma de individualidades, ou seja, vivência individual dos
interesses; para o autor, a sociedade é a vivência coletiva de re-
gras e interesses que se apresentam como totalmente distintos
das regras e interesses individuais. Smith não está interessado
em compreender as posturas econômicas individuais, mas os cri-
térios que potencializam pensar a economia como ciência.
Enfim, Tocqueville demonstrou que a democracia, quando
instrumentalizada pelo conceito da igualdade, equaliza os indi-
víduos como massa, passíveis de serem controlados, inclusive
despoticamente. Não se está afirmando aqui que Tocqueville é
contra a democracia, mas, ao analisá-la dentro dos padrões re-
volucionários do que ocorreu com a França, observou que facil-
mente as democracias revolucionárias podem se transformar em

130 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

governos autoritários. Pensar um modelo democrático que evite


o despotismo da massa e a concentração do poder apresenta-se
como o desafio das democracias modernas.

6. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Bernard Mandeville. Disponível em: <http://www.zam.it/biografia_Bernard_
Mandeville>. Acesso em: 14 nov. 2019.
Figura 2 Adam Smith. Disponível em: <https://www.algosobre.com.br/biografias/
adam-smith.html>. Acesso em: 14 nov. 2019.
Figura 3 Alexis de Tocqueville. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/
educacao/historia/tocqueville-e-o-fascinio-da-democracia,883275001e69ccedb5ce15
eff360b29eqxqt6z7o.html>. Acesso em: 18 nov. 2019.

Sites pesquisados
AMORIM, M. L. A. Educação e modernidade: uma contribuição às discussões sobre o
mal-estar. Revista Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 2, n. 1, p. 17-44, mar. 2002.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/malestar/v2n1/03.pdf>. Acesso em:
18 nov. 2019.
BRITO, A. R. T. As abelhas egoístas: vício e virtude na obra de Bernard Mandeville. 2006.
Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Departamento de Filosofia, São Paulo, 2006. Disponível
em: <http://filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp.br/files/posgraduacao/
defesas/2006_docs/2006_tese_ari_tank.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2019.
CRISTIANO, J. Iluminismo: Adam Smith e a mão invisível. 2015. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=CgoYwzoVNhs>. Acesso em: 14 nov. 2019.
______. Revolução Industrial, Divisão do Trabalho e Adam Smith. 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=ix5jUPyx99g>. Acesso em: 14 nov. 2019.
FONSECA, E. G. A fábula das abelhas. Braudel Papers, São Paulo, n. 5, p. 3-14, 1994.
Disponível em: <http://pt.braudel.org.br/publicacoes/braudel-papers/downloads/
portugues/bp05_pt.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 131


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

FRAZÃO, D. Biografia de Alexis de Tocqueville. 2016. Disponível em: <https://www.


ebiografia.com/alexis_de_tocqueville/>. Acesso em: 18 nov. 2019.
ILB – INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO. Mão Invisível. Descomplicando a Economia.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TslIsfkx2E8>. Acesso em: 14 nov.
2019.
INSTITUTO DE HUMANIDADES. Bernard Mandeville. Disponível em: <http://www.
institutodehumanidades.com.br/index.php/m/306-mandeville-bernard>. Acesso em:
14 nov. 2019.
LIMONGI, M. I. Sociabilidade e moralidade: Hume leitor de Mandeville. Kriterion, Belo
Horizonte, n. 108, p. 224-243, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
kr/v44n108/v44n108a05.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2019.
MACAT. Democracia na América – Alexis De Tocqueville. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=HYKphUqm1fw>. Acesso em: 14 nov. 2019.
MANDEVILLE, B. A fábula das abelhas. 2014. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/ri/
intranet/arquivos/a_fabula_das_abelhas.docx>. Acesso em: 18 nov. 2019.
MUNDO EDUCAÇÃO. Exercícios sobre Liberalismo. Disponível em: <https://exercicios.
mundoeducacao.bol.uol.com.br/exercicios-historia/exercicios-sobre-liberalismo.
htm>. Acesso em: 18 nov. 2019.
PRADO, E. F. S. Uma formalização da mão invisível. Estudos Econômicos, São Paulo,
v. 36, n. 1, p. 47-65, jan.-mar. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ee/
v36n1/v36n1a02.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2019.
RICKEN, G. Entre a colmeia murmurante e a mão invisível: analogias entre A fábula das
abelhas e A riqueza das nações. <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/
anexos/31093-34164-1-PB.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2019.
ROHLING, M. A igualdade e a liberdade em Tocqueville: contribuições para o
desenvolvimento da virtude cívica liberal e a tarefa político-pedagógica da democracia.
Em Tese, Florianópolis, v. 12, n. 1, jan./jul. 2015. Disponível em: <https://periodicos.
ufsc.br/index.php/emtese/article/view/1806-5023.2015v12n1p80/29696>. Acesso
em: 18 nov. 2019.
SANTOS, K. P.; NUNES, M. A. Alexis Tocqueville: os desvios da igualdade. Disponível em:
<http://docplayer.com.br/53286294-Alexis-tocqueville-os-desvios-da-igualdade-1.
html>. Acesso em: 18 nov. 2019.
SÃO PAULO (Estado). Encontro do século – Smith e Marx. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=WnZs9xrDM0k>. Acesso em: 14 nov. 2019.
SUAPESQUISA.COM. Adam Smith. Disponível em: <https://www.suapesquisa.com/
biografias/adam_smith.htm>. Acesso em: 14 nov. 2019.

132 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 2 – OS PRECURSORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO

THE OPEN UNIVERSITY. 60 segundos de aventuras na economia – A mão invisível.


Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sToHBsLCNS0>. Acesso em: 14
nov. 2019.
TIGRE, J. P. A crítica smithiana à concepção individualista de Bernard Mandeville.
Problemata: Revista Internacional de Filosofia, v. 6, n. 2, p. 5-17, 2015. Disponível
em: <http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/problemata/article/
view/21662/14022>. Acesso em: 18 nov. 2019.
UNIVERSITY OF AMSTERDAM. A Fábula das Abelhas. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?reload=9&v=2_x2bqa4jKs>. Acesso em: 14 nov. 2019.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à Filosofia. 6. ed. São
Paulo: Moderna, 2016.
BOBBIO, N. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2000.
COSTA PINTO, L. A. Sociologia e desenvolvimento: temas e problemas de nosso tempo.
9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.
GOULD, S. J. The structure of evolutionary theory. Massachusetts: Harvard Press, 2002.
MANDEVILLE, B. La fabula de las abejas: o los vicios privados hacen la prosperidad
pública. Trad. José Ferrater Mora. Madrid: Fondo de Cultura Económica, 1997.
REALE, G.; ANTISERE, D. História da Filosofia: de Spinoza a Kant. Trad. Ivo Storniolo.
São Paulo: Paulus, 2007. v. 4.
SMITH, A. A Riqueza das Nações: investigação sobre a sua natureza e suas causas.
Introdução de Edwin Cannan e tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Editora Nova
Cultural, 1996a. v. 1. (Os Economistas).
______. A Riqueza das Nações: investigação sobre a sua natureza e suas causas.
Introdução de Edwin Cannan e tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Editora Nova
Cultural, 1996b. v. 2. (Os Economistas).
TOCQUEVILLE, A. A democracia na América. Trad. Neil Ribeiro da Silva. São Paulo: Ed.
USP, 1977.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 133


© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
UNIDADE 3
A SOCIOLOGIA COMO ÁREA
AUTÔNOMA DO SABER

Objetivos
• Conhecer os fundamentos do positivismo sociológico de Augusto Comte.
• Apresentar as leis dos três estágios de Comte como elemento central da
noção de progresso social.
• Compreender o objeto e o método da Sociologia enquanto Física Social.
• Conhecer o modo como Comte organizou a Sociologia (estática social e
dinâmica social).
• Refletir sobre os fundamentos da sua proposta da religião da humanidade.
• Conhecer a proposta metodológica de Émile Durkheim, em especial as re-
gras que orientam o trabalho do cientista social.
• Caracterizar o que são os fatos sociais.
• Apresentar a divisão do trabalho social como critério demarcador de uma
coesão social (solidariedade mecânica e orgânica).
• Distinguir a normalidade e a patologia dos fatos sociais.
• Refletir sobre a questão sociológica do suicídio e suas tipologias (egoísta,
altruísta, anômico e fatalista), segundo Durkheim.

Conteúdos
• O positivismo sociológico de Comte.
• As leis dos três estágios em Augusto Comte.
• Sociologia como “Física Social”.
• Objeto e método da Sociologia.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 135


• Estática e dinâmica social.
• Religião da humanidade.
• Objeto e método da Sociologia segundo Durkheim.
• Características dos fatos sociais.
• Normalidade e patologia dos fatos sociais.
• Divisão do trabalho social.
• Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica.
• Suicídio egoísta, altruísta, anômico e fatalista.

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir:

1) Não se limite a apenas ler esta obra. Pesquise e busque em sites, livros e
revistas materiais complementares sobre os temas abordados.

2) Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas comprometerem


o seu estudo. Consulte as referências bibliográficas no final de cada unida-
de e expanda o seu campo formativo. Lembre-se: a autonomia é a aliada
da emancipação!

3) Esta unidade apresenta autores que pensaram sobre os critérios que de-
marcaram cientificamente o objeto e o método da Sociologia nascente
como área autônoma. Nesse sentido, para compreender adequadamente
esse processo, torna-se interessante visitar a área de Filosofia da Ciência,
de modo a conhecer mais detalhadamente as características de um mé-
todo científico.

4) Para complementar seus estudos, recomendamos a leitura dos seguintes


livros: O que é ciência (Carlos Lungarzo), A construção das ciências (Gerard
Fourez), O que é ciência afinal (Alan Francis Chalmers) e Um toque de clás-
sicos: Marx, Durkheim e Weber (Tania Quintaneiro, Maria Ligia de Oliveira
Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira).

5) Como contribuição a partir de uma linguagem cinematográfica, sugerimos


os seguintes filmes: Umberto D (Itália, 1952), Dez (Irã, 2002), O ladrão de
bicicletas (Itália, 1948), Canção da estrada (Índia, 1955), Não matarás
(Polônia, 1988), Os incompreendidos (França, 1959), Era uma vez em Tó-
UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

quio (Japão, 1953), Harakiri (Japão, 1962), O pagador de promessas (Bra-


sil, 1962), Doze anos de escravidão (EUA, 2013), Manderlay (Dinamarca,
2005). Todos os filmes abordam questões relacionadas a exterioridade,
coercitividade e generalidade dos fatos sociais.

6) Sobre os autores estudados na unidade e suas respectivas teorias socioló-


gicas, sugerimos que assista aos vídeos indicados a seguir.
Sobre Augusto Comte:
• FRONTEIRAS DO PENSAMENTO. Alain de Botton – Comte, ordem e
progresso. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?-
v=obNTlJS4WoU>. Acesso em: 18 nov. 2019.
• SOCIOLOGIA ANIMADA. Auguste Comte – Lei dos três estados. 2018. Dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0bBUri0eC-0>. Aces-
so em: 18 nov. 2019.
• CANAL FILOSÓFICO. O Positivismo de Auguste Comte. 2016. Disponí-
vel em: <https://www.youtube.com/watch?v=HfLpQ16WauM&t=15s>.
Acesso em: 18 nov. 2019.
• PINTO, H. A última religião (Documentário sobre Positivismo no Bra-
sil). 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=aHpG-
-cr1eMg>. Acesso em: 18 nov. 2019.
• FONSECA, J. G. Positivismo de Auguste Comte. 2018. Disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=nmhrKDKqg_o>. Acesso em: 18 nov.
2019.

7) Sobre Émile Durkheim:


• UNIVESP. Clássicos da Sociologia: Émile Durkheim. Disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=SMaxxNEqk7U>. Acesso em: 18 nov.
2019.
• PINHO, A. Durkheim – Suicídio. 2016. Disponível em: <https://www.you-
tube.com/watch?v=wj3tdcqLaoA>. Acesso em: 18 nov. 2019.
• RENNÓ, P. Émile Durkheim, fatos sociais e suicídio. 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=L-A8u46YUss>. Acesso em: 18
nov. 2019.
• UNIVESP. Na Íntegra – Raquel Weiss – Émile Durkheim. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=BeK3FDE_Iy0>. Acesso em: 18
nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 137


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

• PINHEIRO, A. Sociologia – Émile Durkheim – Parte 1/2. 2015. Disponível


em: <https://www.youtube.com/watch?v=q67s-UgkLSE>. Acesso em: 18
nov. 2019.
• ______. Sociologia – Émile Durkheim – Parte 2/2. 2015. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=-Hm1MnaT2GM>. Acesso em: 18
nov. 2019.

138 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

1. INTRODUÇÃO
A Sociologia, como já observamos na Unidade 1, nasceu
como uma resposta às inúmeras transformações culturais, políti-
cas e econômicas a partir do século 18, estabelecendo-se como
área autônoma no século 19. Como qualquer outra ciência, a
Sociologia também não surgiu do acaso, mas precisou ser siste-
matizada por autores que tiveram o cuidado de formalizar um
objeto de estudo e uma metodologia de pesquisa. É justamente
de tais autores que trataremos nesta unidade: Augusto Comte e
Émile Durkheim.
É importante notar, neste momento, que Comte e Dur-
kheim utilizam o termo “Sociologia” – e não “Ciências Sociais”.
A justificativa é estritamente cronológica: como apresentado na
primeira unidade, o termo “Ciências Sociais” é recente, e tem
objetivo não de sufocar áreas de pesquisa social já consolidadas
(Antropologia, Ciência Política e Sociologia), mas agregá-las em
uma macroárea comum, com o intuito de possibilitar um diálogo
mais profícuo. Logo, em vista do contexto sociológico de ambos
os autores (Comte e Durkheim), tal sistematização não se apre-
senta apenas como desconhecida, mas também desnecessária.
A unidade está organizada em duas partes. Na primeira,
apresentaremos a proposta positivista de Augusto Comte e sua
preocupação em elaborar uma área de estudo voltada especifi-
camente para o conhecimento das diversas sociedades ao longo
da história. Na segunda parte, o foco estará nas principais contri-
buições de Émile Durkheim, que, dando seguimento ao projeto
de Comte, estabeleceu solidamente um campo de pesquisa, ob-
jeto e método para a Sociologia. Além disso, também conhecere-
mos algumas de suas teorias a respeito dos modos de integração

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 139


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

social (solidariedade mecânica e orgânica) e da análise do suicí-


dio como fenômeno social.
Bons estudos!

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú-
do Digital Integrador.

2.1. AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO

Isidore Auguste Marie François Xavier Com-


te (Figura 1), filósofo e matemático francês, nas-
ceu em Montpellier em 19 de janeiro de 1798. Fez
seus primeiros estudos no Liceu de Montpellier
e ingressou depois na Escola Politécnica de Paris.
Figura 1 Augusto Comte.

Entre 1830 e 1842, publicou sua primeira


grande obra, na qual expõe os princípios fundamentais de sua
filosofia e de sua teoria da História: Curso de filosofia positiva. A
partir de então, sua doutrina passou a ser conhecida como po-
sitivismo. Comte foi o criador da expressão Sociologia para de-
signar a ciência que deveria estudar a sociedade. Sua doutrina
exerceu forte influência sobre a oficialidade do Exército brasi-
leiro nas últimas décadas do século 19. Por isso, um dos lemas
positivistas, “Ordem e progresso”, figura na bandeira do Brasil
(OLIVEIRA, 2010, p. 273).

140 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Nascido pouco tempo depois da Revolução Francesa, Com-


te é considerado tradicionalmente o pai da Sociologia; entre os
muitos motivos para essa afirmação, está o fato de ter sido o
primeiro a utilizar a palavra “sociologia”, em 1842, no seu Curso
de filosofia positiva. Na ocasião, ele afirmava a necessidade de
se fundar uma “Física Social”, capaz de compreender a sociedade
como um organismo vivo, cujas partes desempenham funções
específicas que ajudam a manter o equilíbrio do todo (COMTE,
1978b):
Acredito que devo arriscar, desde agora, este novo termo, so-
ciologia, exatamente equivalente à minha expressão, já intro-
duzida, de física social, a fim de poder designar por um nome
único esta parte complementar da filosofia natural que se rela-
ciona com o estudo positivo do conjunto das leis fundamentais
apropriadas aos fenômenos sociais (COMTE, 1983b, p. 61-62).

Em Discurso sobre o espírito positivo, compreende a So-


ciologia como o fim essencial de todo o sistema positivista: “a
harmonia entre a ciência e o bom senso universal termina pela
fundação da sociologia e da moral positiva, e pela sistematização
do conjunto das concepções positivas” (COMTE, 1978c, p. 43).
A doutrina do positivismo tem como fundamentação tanto
a extrema valorização do método das ciências positivas – isto é,
ciências baseadas na concretude dos fatos e na experiência em-
pírica –, como a recusa dos sistemas metafísicos. Por isso, para o
autor, não pode existir nenhum conhecimento válido se este não
estiver assentando nos fatos observáveis.
O pensamento de Comte estrutura-se em torno de três
principais temas:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 141


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

• Uma filosofia da história, que – motivada pela fenome-


nologia de Hegel – propõe uma evolução da humanida-
de por meio de estágios específicos.
• Uma classificação das ciências baseadas na filosofia
positiva.
• Uma fundação da Sociologia como Física Social, com
o objetivo de permitir a reforma científica e moral das
instituições.

A lei dos três estágios


O método positivo de investigação, segundo Comte, tem
como finalidade a elaboração e compreensão das leis gerais que
regem os fenômenos da natureza. Para ele, toda a realidade, na-
tural e humana, é concebida como um grande organismo; por
isso, há necessidade de elaboração de leis que ajudem o homem
a entender o que se passa ao seu redor:
O que torna em geral mais sensível ainda a necessidade lógica
dessa distinção fundamental entre as duas grandes seções da
filosofia natural é que não apenas cada seção da física concreta
supõe a cultura prévia da seção correspondente da física abs-
trata, mas exige ainda o conhecimento das leis gerais relativas a
todas as ordens de fenômenos (COMTE, 1978b, p. 26).

Em sua busca por leis gerais capazes de explicar a realida-


de – iniciativa essa influenciada, sem dúvida, tanto pela Filoso-
fia da história de Hegel, como pelo evolucionismo darwinista e
pelos ideais políticos da Revolução Francesa –, Comte chegou à
conclusão de que uma “grande lei” fundamental regeria toda a
dinâmica do progresso humano, preocupação que desde a sua
juventude já ocupava a sua pesquisa filosófica e científica:
Ainda aos 14 anos eu já sentia a necessidade fundamental de
uma reestruturação universal, política e filosófica ao mesmo

142 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

tempo, sob o impulso de salutar crise revolucionária, cuja fase


principal precedera meu nascimento. A influência luminosa de
uma iniciação matemática recebida na família, desenvolvida fe-
lizmente na École Polytechnique, fez-me instintivamente pres-
sentir a única via intelectual que podia realmente conduzir a
essa grande renovação (COMTE apud REALE; ANTISERE, 2007,
p. 291).

No entanto, será somente em seu Curso de filosofia posi-


tiva que, enfim, Comte apresentará a natureza específica de tal
lei: a saber, a de que a natureza humana, desde os primórdios,
passou por sucessivos estágios de evolução histórica e cultural,
tentando com isso justificar não apenas um dinamismo histórico,
mas o próprio progresso das ciências modernas. Essa teoria ficou
conhecida como a “lei dos três estágios”:
Estudando, assim, o desenvolvimento total da inteligência hu-
mana em suas diversas esferas de atividade, desde seu primei-
ro voo mais simples até nossos dias, creio ter descoberto uma
grande lei fundamental, a que se sujeita por uma necessidade
invariável, e que me parece poder ser solidamente estabelecida,
quer na base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento
de nossa organização, quer na base de verificações históricas
resultantes dum exame atento do passado. Essa lei consiste em
que cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de
nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados
históricos diferentes: estado teológico ou fictício, estado me-
tafísico ou abstrato, estado científico ou positivo. […] Daí três
sortes de filosofia, ou de sistemas gerais de concepções sobre
o conjunto de fenômenos, que se excluem mutuamente: a pri-
meira é o ponto de partida necessário da inteligência humana;
a terceira, seu estado fixo e definitivo; a segunda, unicamente
destinada a servir de transição (COMTE, 1978b, p. 3-4).

Conforme observado, os três estágios de evolução da in-


teligência humana (teológico, metafísico e positivo) prescrevem
modos de pensar o mundo e as coisas de formas totalmente

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 143


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

opostas umas às outras. Para compreender a evolução conquis-


tada pela filosofia positiva, há então a necessidade de entender
como o espírito humano de fato evoluiu historicamente:
• Estágio teológico: representaria o ponto de partida da
inteligência humana, no qual, segundo Comte, os fenô-
menos naturais são compreendidos como resultados de
forças e seres sobrenaturais. Ou seja, nesse estágio, o
espírito humano “apresenta os fenômenos como pro-
duzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrena-
turais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbi-
trária explica todas as anomalias aparentes do universo”
(COMTE, 1978b, p. 4). No entanto, observa-se que tal
suposição sobrenatural não decorre apenas da falta de
recursos técnicos e científicos, mas principalmente da
imaturidade da inteligência humana, ainda não adapta-
da à total compreensão positiva das leis fenomênicas.
• Estágio metafísico: representaria um ponto de transi-
ção entre a ingenuidade do estágio teológico e a matu-
ridade do espírito positivo. Por conta disso, esse estágio
promove uma substituição das explicações sobrenatu-
rais anteriores por essências ou forças abstratas e ab-
solutas, que, por se fazerem presentes na matéria e nos
seres, são capazes de oferecer explicações sobre a ori-
gem e o destino do universo – por exemplo, a noção de
“simpatia” da natureza, amplamente divulgada no Re-
nascimento. Nas palavras de Comte, nesse estágio, “os
agentes sobrenaturais são substituídos por forças abs-
tratas, verdadeiras entidades […] inerentes aos diversos
seres do mundo, e concebidas como capazes de engen-
drar por elas próprias todos os fenômenos observados”
(COMTE, 1978b, p. 4).

144 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

• Estágio positivo: de acordo com Comte, representaria


o estágio definitivo da evolução racional da humanida-
de, o qual, por meio do uso combinado da razão e da
observação, levaria o ser humano a compreender as
leis gerais que geram os fenômenos da natureza. Para o
autor, esse estágio só foi possível após o espírito huma-
no finalmente reconhecer “a impossibilidade de obter
noções absolutas”, renunciando assim à procura pela
“origem e destino do universo”, bem como as “causas
íntimas dos fenômenos” (COMTE, 1978b, p. 4).
A lei dos três estágios se coloca, portanto, como um ele-
mento central no pensamento de Comte. Sem dúvida alguma, é
possível perceber nessa teoria traços de uma filosofia da história
já apontada por autores como Hegel e Vico, sem, porém, deixar
de fazer referência a teorias de natureza evolucionista.

O método positivista: “ver para prever”


Como visto, o estágio positivo representa a evolução má-
xima do espírito humano, capaz, portanto, de superar os deva-
neios teológicos e metafísicos pelo conhecimento das relações
invariáveis dos fatos. Em vez de buscar vagas abstrações, o espí-
rito positivo se atém aos dados observáveis passíveis de serem
elaborados em forma de leis gerais. Por isso, mais do que uma
hipótese evolucionista, o estágio positivo representa um progra-
ma de “reforma geral de nosso sistema de educação” (COMTE,
1978b, p. 15). No Discurso sobre o espírito positivo, afirma:
Essa longa sucessão de preâmbulos necessários conduz, enfim,
nossa inteligência, gradualmente emancipada, a seu estado
definitivo de positividade racional, que deve aqui ser caracteri-
zado duma maneira mais especial do que os dois estados preli-
minares [estado teológico e estado metafísico]. […] A lógica es-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 145


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

peculativa tinha até então consistido em raciocinar, de maneira


mais ou menos sutil, conforme princípios confusos que, não
comportando qualquer prova suficiente, suscitavam sempre
debates sem saída. Reconhece de agora em diante, como regra
fundamental, que toda proposição que não seja estritamente
redutível ao simples enunciado de um fato, particular ou geral,
não pode oferecer nenhum sentido real e inteligível (COMTE,
1978c, p. 48).

A filosofia positiva, na compreensão do autor, é aquela que,


por ser capaz de prever os fenômenos naturais, torna-se apta a
agir sobre a realidade de maneira pontual e segura – e não mais
a partir de indefinidas hipóteses místicas. O lema do positivismo
passa a ser então o “ver para prever”, que faz do conhecimento
científico um instrumento de transformação da realidade para o
domínio do homem sobre a natureza. Em seu Discurso sobre o
espírito positivo, afirma: “o verdadeiro espírito positivo consiste
sobretudo em ver para prever, em estudar o que é, a fim de con-
cluir disso o que será, segundo o dogma geral da invariabilidade
das leis naturais” (COMTE, 1978c, p. 50).
Na trilha de Descartes, Comte retira toda a inspiração me-
todológica que o leva a reconhecer na ciência a fonte de todas os
conhecimentos e técnicas para o domínio da natureza. O “penso,
logo existo” (DESCARTES, 1989, p. 57) é repensado no âmbito do
próprio método positivo: “em suma, ciência, logo previsão; pre-
visão, logo ação: essa é a fórmula simples que expressa de modo
exato a relação geral entre a ciência e a arte, tomando esses dois
termos em sua acepção total” (COMTE apud REALE; ANTISERE,
2007, p. 293).
Além disso, retoma de Francis Bacon o ideal de domínio da
natureza: “ciência e poder do homem coincidem”, pois, “a natu-
reza não se vence, se não quando se lhe obedece” (BACON, 1999,

146 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

p. 33). Isso faz do homem não senhor, mas “ministro e intérprete


da natureza”, aquele que, “pela observação dos fatos ou pelo tra-
balho da mente”, torna-se capaz de “constatar a ordem da natu-
reza” (BACON, 1999, p. 33). Comte também tem consciência de
que não é possível vencer a natureza em poder e grandeza, mas,
com o devido conhecimento de suas regras de funcionamento, é
concebível prever os seus fenômenos e deles tirar proveito. Por
isso, afirma: “a preponderância da filosofia positiva se afirmou
como tal desde Bacon” (COMTE, 1978b, p. 13).
Este, portanto, é o ponto crucial do método positivista: ele
parte de noções inspiradas em Descartes e Bacon, porém supera
cada uma delas ao apresentar uma proposta que não se resume
nem à abstração do cogito, muito menos ao puro empirismo. O
objeto final do positivismo não está na tabulação dos fatos em si
mesmos, mas na pesquisa de leis que regem os fatos:
Considerando a destinação constante dessas leis, pode-se di-
zer, sem exagero algum, que a verdadeira ciência, longe de ser
formada por simples observações [fatos], tende sempre a dis-
pensar, quanto possível, a exploração direta, substituindo-a por
essa previsão racional que constitui, sob todos os aspectos, o
principal caráter do espírito positivo (COMTE, 1978c, p. 50).

Enquanto o empirismo indutivista se limita à erudição dos


fatos observáveis, o positivismo consiste na busca de leis que,
uma vez fundamentadas nos fatos, podem então interpretar e
prever corretamente os fatos: “tal previsão”, que se mostra como
“consequência necessária das relações constantes e descobertas
entre os fenômenos”, não poderá jamais “confundir a ciência
real com essa vã erudição, que acumula maquinalmente fatos
sem aspirar a deduzi-los uns dos outros” (COMTE, 1978c, p. 50).
Diversamente do método indutivo de Bacon, que insiste na
reunião e catalogação das experiências (por meio de análise da

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 147


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

experiência, hipótese e verificação), como se a descoberta da lei


resultasse automaticamente da observação, o método positivis-
ta não se encerra na pura e simples percepção das coisas, mas
faz com que os dados reunidos passem pelo filtro da dedução
lógica e se exteriorizem na forma de leis. Observa-se, portanto,
para melhor prever os resultados: “a ciência conduz à previdên-
cia, e a previdência permite regular a ação” (COMTE, 1983b, p.
54).

A Sociologia como Física Social


Comte foi o primeiro autor a definir precisamente o objeto,
bem como a estabelecer os conceitos e metodologias relaciona-
dos ao estudo da sociedade enquanto ciência – também chama-
da por ele de “Física Social”. Com isso, conseguiu demarcar um
campo de estudo próprio, o que foi fundamental para o surgi-
mento da Sociologia como área autônoma do saber.
O seu ideal metodológico – isto é, a elaboração de leis ge-
rais a partir das observações factuais – foi levado para o estudo
da sociedade. Além do reconhecimento dos princípios regulado-
res do mundo físico, também apostava que o mundo social se-
guia um padrão de funcionamento semelhante. Nesse sentido,
inspirando-se no método de investigação das Ciências Naturais,
procurou demonstrar que, assim como a Física pode estabelecer
leis que guiam os fenômenos físicos, a Sociologia, de igual ma-
neira, pode estabelecer leis para os fenômenos sociais:
Eis a grande, mas, evidentemente, única lacuna que se trata de
preencher para constituir a filosofia positiva. Já agora que o es-
pírito humano fundou a física celeste; a física terrestre, quer
mecânica, quer química; a física orgânica, seja vegetal, seja ani-
mal, resta-lhe, para terminar o sistema das ciências de observa-
ção, fundar a física social. Tal é hoje, em várias direções capitais,

148 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

a maior e mais urgente necessidade de nossa inteligência. Tal é,


ouso dizer, o primeiro objetivo deste curso, sua meta especial
(COMTE, 1978b, p. 9).

Para dar à Sociologia uma autonomia científica, Comte


busca então esclarecer três questões preliminares: delimitar o
objeto de estudo da Sociologia; definir um estatuto teórico; ade-
quar à Sociologia um método científico. Vejamos como resolveu
tais questões:
• Objeto da Sociologia: com relação à especificidade do
objeto da Sociologia, Comte buscou fundamentação nas
ciências da natureza, tentando distinguir os fenômenos
biológicos dos sociais. E chegou à seguinte conclusão:
Entendo por Física Social [Sociologia] a ciência que tem por
objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, considerados
com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos,
químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos a leis naturais
invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pes-
quisas (COMTE, 1983b, p. 53).

• Definição do estatuto teórico da Sociologia: Comte re-


toma a tradição indutivista de Bacon, ao afirmar que
o conhecimento verdadeiro está assentado em fatos
observáveis, e não em silogismos abstratos; porém,
complementa esse raciocínio com o encaminhamento
lógico responsável pela elaboração das leis universais:
“nenhuma verdadeira observação é possível sem que
seja primeiramente dirigida e finalmente interpretada
por uma teoria” (COMTE, 1983a, p. 75). Isso faz do esta-
tuto teórico da Sociologia algo mais complexo do que a
simples observação empírica:
Certo, é incontestável hoje que a observação dos fatos é a única
base sólida dos conhecimentos humanos. […] O empirismo ab-
soluto [porém] é impossível, por mais que se tenha admitido o

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 149


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

contrário. O homem, por sua natureza, é incapaz, não somente


de combinar fatos e deles deduzir algumas consequências, mas
até, simplesmente, de observá-los com atenção e de retê-los
com segurança, se não os vincula imediatamente a alguma ex-
plicação (COMTE, 1983a, p. 85).

• Adequação de um método científico: tendo como pon-


to de partida a observação dos fatos e a indução, Comte
afirma que a maneira mais segura de adequar um méto-
do à Sociologia – a fim de torná-la uma ciência completa
– é por meio do encadeamento lógico das observações
anteriores, até conseguir criar um repertório suficiente
para a formulação da lei geral: “é pela vinculação dos
fatos precedentes que se aprende verdadeiramente a
considerar os fatos seguintes” (COMTE, 1983a, p. 76).

Metodologia da “Física Social” ou Sociologia


Para legitimar esse procedimento metodológico segundo
os critérios do positivismo, a pesquisa sociológica precisa cum-
prir as seguintes exigências básicas:
1) Abandono das primeiras causas: como o objetivo da
Sociologia – de acordo com o positivismo – é submeter
os fenômenos às leis invariáveis, então cabe ao méto-
do da Sociologia procurar se afastar das causas e es-
sências, para, assim, buscar a resposta dessa questão
na própria realidade observada: “o verdadeiro espíri-
to positivo consiste sobretudo em preferir sempre o
estudo das leis invariáveis dos fenômenos ao de suas
causas propriamente ditas, primárias ou finais, numa
palavra, a determinação do como à do porquê” (COM-
TE, 1983a, p. 80).

150 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

2) Neutralidade científica: de acordo com Comte, como


a pesquisa sociológica deve ocorrer de acordo com
os padrões das ciências da natureza, então a experi-
mentação sociológica precisa estar caracterizada pela
neutralidade e imparcialidade do pesquisador: “que
ciência poderia sair do estado nascente, […] mesmo
diminuindo excessivamente a extensão das especula-
ções próprias, se cada um só quisesse empregar suas
observações pessoais?” (COMTE, 1983a, p. 88).
3) Previsão e certeza do método: a indução dos fatos e
a dedução das leis põem em prática o ideal da certeza
e previsão da ciência. Nesse sentido, a possibilidade
da previsão da ciência é a própria legitimação de sua
segurança especulativa: “induzir para deduzir, a fim de
construir” (COMTE, 1933, p. 33).
4) Filiação gradual ou gradualismo lógico: para a análi-
se das sociedades ao longo da história, Comte atribui
ao método da Sociologia o mesmo rigor experimental
do método das ciências da natureza, porém comple-
mentado por uma análise comparativa e gradual de
possíveis fenômenos análogos. Noutras palavras, essa
filiação gradual nada mais é do que uma comparação
gradual de uma série de casos (fenômenos) semelhan-
tes – ocorridos em sociedades distintas e em épocas
diferentes –, que tendem a tornar a compreensão da
sociedade um processo cada vez mais simplificado
(COMTE, 1983a).
A partir do que foi exposto, nota-se que Comte utiliza uma
série de técnicas de pesquisa científica para a formação do mé-
todo da Sociologia:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 151


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

1) Observação empírica: trata-se dos próprios fatos ob-


serváveis, que se colocam como o material primário
para a pesquisa sociológica – “É incontestável hoje
que a observação dos fatos é a única base sólida dos
conhecimentos humanos” (COMTE, 1983a, p. 85). A
observação, segundo o autor, pode ser tanto direta
como indireta. A observação sociológica volta-se mais
para a pesquisa sociológica; daí a dificuldade de elabo-
rar uma observação sociológica, que tende a ser mais
complexa.
2) Método classificatório: consiste em fazer com que “a
ordem de generalidade dos diferentes graus de divisão
seja, tanto quanto possível, exatamente conforme à
das relações observadas entre os fenômenos que de-
vem ser classificados” (COMTE, 1983a, p. 95). Por isso,
a classificação apresenta-se como o resultado relevan-
te dos próprios fatos observados, e também oferece as
principais categorias de análise para uma análise histó-
rica mais abrangente.
3) Método histórico: propõe-se a analisar a evolução hu-
mana a partir de seus estágios evolutivos – “Nada é
mais apropriado do que esse procedimento para ca-
racterizar nitidamente as diversas fases essenciais da
evolução humana” (COMTE, 1983a, p. 93-94). Para tan-
to, o método histórico só ganha consistência científica
quando complementado pelo método comparativo.
4) Método comparativo: caracteriza-se pela “habitual
comparação científica, tanto social quanto individual,
do homem com os outros animais” (COMTE, 1983a, p.
93), cujo objetivo é compreender historicamente os
“diversos estados consecutivos da humanidade”, bem

152 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

como constituir “o principal artifício científico da nova


Filosofia Política” (COMTE, 1983a, p. 97). A partir da
comparação sociológica – aos moldes da realizada pela
Biologia – é possível então, segundo Comte, identificar
as leis invariáveis que orientam a vida social.
O método comparativo utilizado por Comte tem sua ins-
piração primeira na área da Biologia: para o autor, a sociedade,
como um todo, deve ser compreendida como um complexo or-
ganismo social, cujas partes devem ser analisadas de uma forma
semelhante a como se faz com os membros de um corpo, isto é,
observando as funções de cada uma das partes. Nesse caso, a
única diferença entre Biologia e Sociologia diz respeito à nature-
za da experimentação: enquanto para a Biologia ela acontece de
forma direta, para a Sociologia ocorre de modo indireto (COMTE,
1983a).
Em síntese, o método da Sociologia precisa apresentar três
passos para a conservação do seu rigor científico, que, segun-
do Comte, enfatizam não somente a observação, mas também
a comparação. Os dois primeiros passos são puramente expe-
rimentais e comuns a todas as ciências; já o terceiro refere-se
especificamente a uma abordagem metodológica da Sociologia:
Nossa arte de observar compõe-se, em geral, de três processos
diferentes: 1º) a observação propriamente dita, isto é, o exa-
me direto do fenômeno tal como se apresenta naturalmente;
2º) a experiência, isto é, a contemplação do fenômeno mais ou
menos modificado por circunstâncias artificiais, que realizamos
expressamente visando a uma exploração mais perfeita; 3º) a
comparação, isto é, a consideração gradual de uma série de ca-
sos análogos, nos quais o fenômeno se simplifica cada vez mais
(COMTE, 1983a, 85).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 153


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Merece destaque especial o terceiro passo (comparação),


que, de acordo com Comte, é o que mais caracteriza o método
da Sociologia e, por isso, leva à identificação e elaboração das
leis invariáveis. Apesar de serem especificamente sociológicos,
os critérios de comparação seguem também os critérios da com-
paração biológica. Confira no Quadro 1, uma relação das seme-
lhanças e diferenças entre os métodos comparativos biológico e
sociológico:

Quadro 1 Método comparativo: semelhanças e diferenças.


Biologia Sociologia

1º) Comparação entre as diversas par- 1º) Comparação das diferenças existen-
tes de cada organismo determinado. tes entre as partes constitutivas de uma
mesma sociedade e identificação das
diferenças mais simples de sociedades
2º) Comparação entre os sexos.
distintas.

2º) Comparação entre sociedade huma-


3º) Comparação entre as diversas fases
nas em diferentes épocas, como a pri-
do desenvolvimento de um organismo.
mitiva e a moderna.

3º) Comparação e classificação das di-


4º) Comparação e classificação das di-
ferentes raças, gêneros e etnias de cada
ferentes raças ou variedades de cada
sociedade para melhor compreender a
espécie.
evolução humana.

4º) Comparação histórica dos diversos


5º) Comparação entre todos os organis-
estágios consecutivos da humanidade,
mos da hierarquia biológica.
por meio da filiação gradual.
Fonte: adaptado de Comte (1983a, p. 91).

Organização da Sociologia
Segundo Comte, a Sociologia – ou Física Social – é com-
posta por duas partes: estática social e dinâmica social. Para o
autor, a Sociologia precisa compreender não somente o proces-

154 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

so de transformação das sociedades (dinâmica), mas também os


padrões e modelos institucionalizados de comportamentos que
não se modificam e permanecem estáveis (estática):
Deveis conceber esta grande ciência como composta de duas
partes essenciais: uma, estática, que constrói a teoria da ordem;
a outra, dinâmica, que desenvolve a doutrina do progresso. […]
Estas duas metades da sociologia se acham profundamente li-
gadas entre si em virtude de um princípio geral estabelecido
pelo positivismo para religar por toda parte o estudo do mo-
vimento ao da existência. O progresso é o desenvolvimento da
ordem (COMTE, 1978a, p. 236).

Estática social
Segundo Comte, os elementos da estática social – isto é,
da “ordem” e coesão das sociedades – são, pelo menos, cinco:
religião, governo, linguagem, família e propriedade. Noutras
palavras, a estática estudaria justamente aquelas condições de
existência e sociabilidade comuns a todas as sociedades e em to-
dos os tempos. Na obra Catecismo positivista, Comte argumenta
sobre tais elementos da estática social com relação à religião:
“o dogma fundamental da religião universal consiste, portanto,
na existência constatada de uma ordem imutável a que estão
sujeitos os acontecimentos de todo gênero” (COMTE, 1978a, p.
143-144).
O pressuposto fundamental da estática reside, portanto,
na elaboração de leis que justificariam a existência de elementos
de coesão dos diferentes grupos sociais ao longo da história, sem
os quais se tornaria impossível a conservação de qualquer corpo
social. Esse aspecto fica evidente no seguinte trecho do Catecis-
mo positivista:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 155


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Apesar da íntima simpatia que constitui a simples associação


doméstica, mesmo reduzida ao par fundamental, não está ela
nunca isenta de semelhante necessidade. É aí que se pode
apreciar melhor este grande axioma: Não existe sociedade sem
governo (COMTE, 1978a, p. 255, grifo do autor).

Dinâmica social
Por sua vez, a dinâmica social tenta compreender de que
forma as sociedades evoluem ao longo da história. Ou melhor,
tenta descobrir de que maneira os cinco elementos da estática
(religião, governo, linguagem, família e propriedade) se desen-
volvem e evoluem no tempo. De acordo com Comte, as leis da
dinâmica social são basicamente reduzidas a duas – a lei da evo-
lução teórica e a lei do impulso prático:
Leis dinâmicas parecem dever ser ao número de três, a fim de
corresponder exatamente aos diversos elementos estáticos da
natureza humana, o sentimento, a inteligência e a atividade. No
entanto, é necessário antes reconhecer que elas se reduzem
necessariamente a duas, uma para a evolução teórica, outra
para o impulso prático (COMTE, 1957, p. 78, tradução nossa).

A primeira lei da dinâmica – da evolução teórica – baseia-se


fundamentalmente na teoria dos estágios evolutivos, que justi-
fica a passagem necessária de todas os conhecimentos e práti-
cas humanas pelas três etapas sucessivas: a primeira (teológica),
sempre provisória; a segunda (metafísica), sempre transitória;
e a terceira (positiva), enfim, sempre definitiva. Nessa direção
encontra-se, inclusive, o processo de desenvolvimento da con-
dição humana desde a Antiguidade. Segundo Reale e Antisere
(2007, p. 295):
O progresso social segue essa lei. Ao estágio teológico corres-
ponde a supremacia do poder militar (é o caso do feudalismo);
ao estágio metafisico, corresponde a revolução (que começa

156 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

com a Reforma protestante e termina com a Revolução Fran-


cesa); ao estágio positivo, corresponde a sociedade industrial.

A segunda lei da dinâmica – do impulso prático – tem o ob-


jetivo de orientar a prática humana, relacionando-a às exigências
e necessidades materiais (porém, não aquelas ligadas ao interes-
se pessoal, mas ao interesse útil da sociedade).
Ou seja, enquanto a estática social tem sua fundamentação
na obra Sistema de política positiva, na qual analisa os elemen-
tos de sociabilidade permanentes (instituições, agrupamentos,
fatos etc.) em toda e qualquer sociedade, independentemente
de suas características próprias ou período histórico, a dinâmica
social foi analisada com mais profundidade na obra Curso de fi-
losofia positiva, que trata justamente das etapas do “progresso”
humano (lei dos três estágios e a classificação das ciências):
A estática social trouxe à luz a ordem essencial de toda socieda-
de humana; a dinâmica social retraça as vicissitudes pelas quais
passou essa ordem fundamental, antes de alcançar o termo fi-
nal do positivismo (ARON, 1993, p. 95).

Todavia, para Comte, a dinâmica social precisa estar subor-


dinada à estática, uma vez que o progresso vem da ordem – e
não do caos –, aperfeiçoando assim aqueles elementos constan-
tes em qualquer sociedade. O significado das palavras “ordem” e
“progresso”, portanto, nada mais é do que o compromisso com
a mudança, sem, porém, deixar de observar os elementos da es-
tabilidade social. Daí o lema positivista: “o Amor por princípio, a
Ordem por base, e o Progresso por fim” (COMTE, 1978a, p. 146).

A religião da humanidade
Apesar de Comte identificar a religião como o estágio mais
primário do desenvolvimento da humanidade, ele não se con-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 157


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

siderava avesso ao papel moral e humano desempenhado por


ela. Em seus escritos da juventude já aparecia essa noção de es-
piritualidade – que não se confundia com a religião tradicional.
No entanto, foi especialmente nas obras Catecismo positivista
e Sistema de política positiva que Comte viu a necessidade de
refundar a espiritualidade por meio de princípios não teológicos.
A religião do positivismo seria uma espécie de religião da
“humanidade”, capaz de orientar moralmente os indivíduos,
estabelecer o enquadramento da sociedade e promover a har-
monia social. Por isso, havia a convicção de que o positivismo
poderia, de fato, fundamentar uma religião capaz de “regenerar
ao mesmo tempo a ordem pública e a ordem privada, cada vez
mais comprometidas por uma situação radicalmente anárquica”
(COMTE, 1978d, p. 107).
Completamente resistente a qualquer conhecimento que
prescinda dos fatos observáveis e leis invariáveis, Comte substi-
tui, portanto, o culto a “Deus” pelo da “humanidade”, que passa
a ser o centro de convergência não só de uma ciência, mas tam-
bém da religião fundamentalmente naturalista e imanente. Por
isso, diferentemente das religiões teístas, que se voltam para um
Ser supremo absoluto e incognoscível:
O objeto do culto positivista não é como o dos fiéis teológicos,
um Ser absoluto, isolado e incompreensível, cuja existência não
admite demonstração ou comparação com qualquer coisa real.
A evidência do Ser aqui apresentado é espontânea e não está
envolta em mistério. Por isso, antes de podermos louvar, amar
e servir a Humanidade como devemos, precisamos conhecer
algumas das leis que governam sua existência (COMTE, 1875a,
p. 267, tradução nossa).

Ou seja, é pela humanidade – e não pela imagem de um


Deus imaginário – que tudo deve ser feito; por isso a necessida-

158 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

de de compor um verdadeiro catecismo para a religião da huma-


nidade, uma vez que é na imanência da condição humana que
se “condensa o dogma da religião universal” (COMTE, 1978a, p.
149):
Assim, na concepção da Humanidade, os três aspectos essen-
ciais do Positivismo, seu princípio subjetivo, seu dogma objeti-
vo e seu objeto prático estão unidos. Para a Humanidade, que
é para nós o único e verdadeiro Grande Ser, […] iremos, a partir
de agora, direcionar todos os aspectos de nossa vida, individual
ou coletiva. Nossos pensamentos serão dedicados ao conheci-
mento da Humanidade, nossas afeições ao seu amor, nossas
ações ao seu serviço (COMTE, 1875a, p. 264, tradução nossa).

O aspecto específico da religião positivista reside justa-


mente em sua pretensão universal: como síntese entre elemen-
tos estáticos e dinâmicos, a religião da humanidade apresenta-se
como o resultado de um processo de evolução dos estágios da
humanidade, que vai desde o fetichismo antigo, passando pelo
politeísmo até o monoteísmo. No Sistema de política positiva,
afirma: “quando o teologismo substituiu ou preferiu absorver
o fetichismo, assumiu então sucessivamente duas formas, uma
politeísta, outra monoteísta, cuja distinção é inegável” (COMTE,
1876, p. 31, tradução nossa). Logo, fé na humanidade represen-
ta para Comte o aspecto unificador da religiosidade e da moral
humana:
A sua doutrina não poderia tornar-se universal se, apesar de
seus princípios antiteológicos, o seu espírito relativo não lhe
ministrasse necessariamente afinidades essenciais com cada
crença capaz de dirigir passageiramente uma porção qualquer
da humanidade (COMTE, 1978a, p. 140).

Mas o que Comte compreende por “humanidade”? Para


ele, ela seria a representatividade espontânea que transcende
os indivíduos particulares, sejam eles vivos, mortos ou que ainda

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 159


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

nascerão. Ou seja, a humanidade é o “Grande Ser”, uma espécie


de organismo no qual os indivíduos são compreendidos como
suas próprias células coparticipantes. Por isso, a supremacia da
humanidade não decorre por ser onipotente por si mesma, mas
por ser a unidade dos indivíduos reais. Logo, a humanidade é
perfeita e digna de reverência porque seus defeitos podem ser
conhecidos e observados:
A supremacia da humanidade é apenas o resultado da
cooperação individual; seu poder não é supremo, mas apenas
superior ao de todos os seres que conhecemos. Nosso amor
por ela não é manchado por medos degradantes, mas sempre
acompanhado pela mais sincera reverência. Perfeição é agora
reivindicada por ela; estudamos seus defeitos naturais com
cuidado, a fim de remediá-los tanto quanto possível (COMTE,
1875a, p. 274, tradução nossa).

Mantendo a sua admiração ao cristianismo católico, espe-


cialmente quanto à natureza universal do culto e da moral, Com-
te sustenta que tal religião da humanidade deve estar inspirada
no próprio sistema eclesiástico. Para melhor compreendê-la,
três elementos são indispensáveis:
• Dogma: segundo Comte, o dogma da nova religião está
circunscrito no próprio pensamento positivista: o “dog-
ma geral da invariabilidade das leis naturais” (COMTE,
1978a, p. 50). Ou seja, a fé positivista não está basea-
da na revelação, mas nos anseios direcionados “pela” e
“para” a humanidade. Assim como para todos os assun-
tos, também a religião passa pelos três estágios evoluti-
vos: teológico, metafísico e positivo.
• Culto: na compreensão de Comte, os filósofos deveriam
ser os “sacerdotes” da religião da Humanidade, basea-
da no culto não apenas do “Grande Ser” (humanidade),
mas também do “Grande Meio” (universo, espaço) e do

160 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

“Grande Fetiche” (Terra), formando o que alguns auto-


res chamaram de “trindade da religião positivista” (REA-
LE; ANTISERE, 2007, p. 296).
• Regime: diz respeito à parte prática da moral positivis-
ta. Noutras palavras, está relacionado às orientações de
aplicabilidade da moral positivista, que afirma a seguin-
te subordinação hierárquica: do indivíduo à sociedade;
da sociedade à pátria; da pátria à humanidade (COMTE,
1978a). Nesse ponto, a religião positivista tem duplo
papel: regrar a vida pessoal dos indivíduos – dimensão
interna da fé –, e conciliar as diversas individualidades
em torno de objetivos comuns (dimensão externa da
fé): “A religião consiste, pois, em regular cada nature-
za individual e em congregar todas as individualidades”
(COMTE, 1978a, p. 139). E, mais adiante, conclui: “a fim
de constituir uma harmonia completa e duradoura, é
preciso ligar o interior pelo amor e o religar ao exterior
pela fé” (COMTE, 1978a, p. 141).
Quanto aos princípios da moral positivista, podemos iden-
tificá-los a partir de duas máximas: “viver para os outros” (COM-
TE, 1875a, p. 312) – que indica o predomínio da vivência do al-
truísmo sobre o egoísmo – e “viver às claras” (COMTE, 1978a),
pois, uma vez que se age corretamente, não há a necessidade de
qualquer prática oculta.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 161


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

As leituras indicadas no Tópico 3. 1 apresentam os prin-


cipais fundamentos do pensamento e do método previsto por
Augusto Comte, além de sua proposta de religião da humani-
dade. Neste momento, você deve realizar essas leituras para
aprofundar o tema abordado.

2.2. ÉMILE DURKHEIM E A SOCIOLOGIA CIENTÍFICA

O sociólogo Émile Durkheim (Figura 2)


nasceu em Épinal, França, em 15 de abril de
1858. Em 1887, depois de se doutorar em Fi-
losofia na Escola Normal Superior de Paris, as-
sumiu a cátedra de Sociologia na Universidade
de Bordéus, a primeira a ser criada na França.
Aí permaneceu até 1902, quando foi convida-
do a lecionar Sociologia e Pedagogia na Uni-
Figura 2 Émile Durkheim.
versidade Sorbonne, em Paris. É considerado
o fundador da Sociologia moderna (OLIVEIRA,
2010, p. 273-274).
Augusto Comte é tradicionalmente considerado o “pai” da
Sociologia, no entanto, sem dúvida alguma, foi com Émile Dur-
kheim (1858-1917) que a Sociologia passou a ser considerada
como uma ciência autônoma, caracterizada tanto por um objeto
específico (os fatos sociais), como por uma metodologia própria.
Com isso, os passos que serão percorridos nesta obra ver-
sarão sobre os seguintes temas do pensamento de Durkheim:
objeto e método da Sociologia, e a divisão do trabalho social.

162 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Objeto e método da Sociologia


A Sociologia dos séculos 18 e 19, de fato, foi marcada por
grandes sistemas absolutistas e opostos: enquanto o liberalismo
clássico de Adam Smith procurava justificar na força de trabalho
– e não na agricultura ou na indústria – o fator econômico essen-
cial para a autonomia e independência da riqueza das nações,
o Socialismo utópico de Saint-Simon, por exemplo, já previa a
contradição de classes e, por isso, afirmava que a justiça social só
poderia ocorrer quando ela resultasse na eliminação da proprie-
dade privada e no realinhamento intervencionista na economia
agrária e industrial.
Como tentativa de mediação entre o liberalismo clássico
e o socialismo utópico, surgiu o positivismo de Augusto Comte,
que teorizava um sistema absolutista no qual ordem (estática so-
cial) e progresso (dinâmica social) são características específicas
de um processo de evolução histórica das sociedades, cujo resul-
tado não poderia ser outro senão o próprio estágio positivo. Se,
por um lado, Comte sustenta que a evolução das sociedades, em
seus respectivos estágios, ocorre sem precisar necessariamente
de qualquer revolução de classes, por outro, Karl Marx não ad-
mite em hipótese alguma qualquer ideia de progresso que não
esteja pautada na própria luta e revolução de classes.
Nesse contexto, observa-se que a Sociologia passou por
uma crise – ou, pelo menos, por um estágio estacionário – que
só foi adequadamente minimizada com as contribuições teóricas
de Émile Durkheim, que, especialmente em sua obra As regras
do método sociológico, procurou instituir as fronteiras que deli-
mitam o campo da Sociologia com o das demais ciências.
Para tanto, o esforço de Durkheim foi fazer da Sociologia
uma ciência tão racional e objetiva quanto a Física ou a Biologia.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 163


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Mas, como fazer isso com a Sociologia, que trabalha justamente


a sociedade humana, passível de constantes mudanças e altera-
ções no âmbito de sentimentos, emoções e ideias? Como estu-
dar um objeto que possui vontade própria, diferentemente dos
fenômenos físicos e biológicos?
Durkheim procura resolver esse problema não apenas afir-
mando que o objeto de estudo da Sociologia são os “fatos so-
ciais”, mas sim asseverando que a natureza de tais fatos possui
características próprias. Logo, os fatos sociais precisam ser con-
siderados como “coisas”, assim como um fato orgânico é uma
coisa para um biólogo: “A primeira regra e a mais fundamental
é considerar os fatos sociais como coisas” (DURKHEIM, 2007, p.
15).
Por isso, nem tudo aquilo que ocorre individualmente ou
socialmente pode ser caracterizado como fato social: “todo indi-
víduo come, bebe, dorme, raciocina, e a sociedade tem todo o
interesse em que essas funções se exerçam regularmente”; no
entanto, reitera o autor, “se esses fatos fossem sociais, a sociolo-
gia não teria objeto próprio, e seu domínio se confundiria com o
da biologia e da psicologia” (DURKHEIM, 2007, p. 1).
Com o propósito de formular os conceitos da nova ciência,
Durkheim procura fundamentar duas questões: as característi-
cas próprias de um fato social, e as regras do método sociológico
que orientam a objetividade da pesquisa sobre os fatos sociais.

Características dos fatos sociais


Os fatos sociais, para Durkheim, se diferenciam dos fatos
naturais, orgânicos ou psicológicos, justamente por se imporem
aos indivíduos como uma poderosa força coercitiva, à qual eles

164 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

obrigatoriamente devem se submeter. Ou seja, os fatos sociais


seriam, por assim dizer, como coisas externas e objetivas, que
não dependem da aceitação de alguém ou da consciência indivi-
dual para existir. Pelo contrário, eles se definem como coisas que
possuem existência própria e são capazes de obrigar os indiví-
duos a se comportarem desta ou daquela forma:
Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam característi-
cas muito especiais: consistem em maneiras [coletivas] de agir,
de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dota-
das de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se
impõem a ele (DURKHEIM, 2007, p. 3).

Essa exposição faz dos fatos sociais objetos específicos da


Sociologia, evitando que sejam confundidos com os fenôme-
nos biológicos ou psíquicos: “não poderiam se confundir com
os fenômenos orgânicos, já que consistem em representações
e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, os quais só têm
existência na consciência individual e através dela” (DURKHEIM,
2007, p. 3-4). Logo, tais fenômenos constituem, segundo o autor,
uma “espécie nova” de fatos, para a qual “deve ser dada e reser-
vada a qualificação de sociais” (DURKHEIM, 2007, p. 4).
Embora os fatos sociais sejam exteriores, eles são inter-
nalizados pelos indivíduos e exercem sobre eles uma obrigato-
riedade comportamental. Nesse sentido, segundo As regras do
método sociológico, os fatos sociais precisam possuir três carac-
terísticas básicas, que discutiremos a seguir.

Coercitividade
A coercitividade é a força exercida sobre os indivíduos que
os obriga, por meio do constrangimento ou da lei, a seguir um

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 165


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

determinado comportamento estabelecido (normas, valores, re-


gras etc.):
Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são ex-
teriores ao indivíduo, como também são dotados de uma força
imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem a ele,
quer ele queira, quer não (DURKHEIM, 2007, p. 2).

A coercitividade dos fatos sociais pode se manifestar tan-


to por coerções “legais” (leis e normas estabelecidas prescritas
pelo Direito) ou por meio de coerções “espontâneas”. No primei-
ro caso, o indivíduo é forçado a se comportar de uma determi-
nada forma por obrigatoriedade da lei, que define a infração e,
caso ela tenha acontecido, prescreve uma punição equivalente –
como acontece, por exemplo, com multas de trânsito. No segun-
do caso, o indivíduo é forçado a se comportar daquele modo por
conta de um constrangimento social – como ocorre, por exem-
plo, com os olhares de reprovação a uma pessoa que está com
uma roupa inadequada para um certo local:
Se tento violar as regras do direito, elas reagem contra mim
para impedir meu ato, se estiver em tempo, ou para anulá-lo
e restabelecê-lo em sua forma normal, se tiver sido efetuado e
for reparável, ou para fazer com que eu o expie, se não puder
ser reparado de outro modo. Em se tratando de máximas pu-
ramente morais, a consciência pública reprime todo ato que as
ofenda através da vigilância que exerce sobre a conduta dos ci-
dadãos e das penas especiais de que dispõe (DURKHEIM, 2007,
p. 2-3).

Embora nem sempre as coerções espontâneas sejam per-


cebidas pelos indivíduos, elas têm, contudo, o poder de conduzir
o infrator para um comportamento esperado. Não são previstas
por lei, mas isso não significa que sejam menos coercitivas. As
respostas de negação ou constrangimento da sociedade, por ve-
zes, são mais intimidadoras do que a lei. Nesses casos:

166 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

[…] a coerção é menos violenta, mas não deixa de existir. Se


não me submeto às convenções do mundo, se, ao vestir-me,
não levo em conta os costumes observados em meu país e
em minha classe, o riso que provoco, o afastamento em rela-
ção a mim, produzem, embora de maneira mais atenuada, os
mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. Ademais, a
coerção, mesmo sendo apenas indireta, continua sendo eficaz
(DURKHEIM, 2007, p. 3).

Exterioridade
A exterioridade está relacionada a padrões exteriores aos
indivíduos e que, por isso, existem independentemente de suas
vontades ou adesões conscientes. Ao nascer, o indivíduo já é in-
serido em um contexto de inúmeras regras, leis e normas que é
coagido a aceitar para fazer parte da família e da sociedade. Inde-
pendentemente de gostar ou não das regras impostas, elas con-
tinuarão a existir mesmo sem o seu consentimento. Como exem-
plo disso, temos os papeis sociais aprendidos pela educação:
Quando desempenho minha tarefa de irmão, de marido ou de
cidadão, quando executo os compromissos que assumi, eu cum-
pro deveres que estão definidos, fora de mim e de meus atos,
no direito e nos costumes. […] Do mesmo modo, as crenças e as
práticas de sua vida religiosa, o fiel as encontrou inteiramente
prontas ao nascer; se elas existiam antes dele, é que existem
fora dele. […] Eis aí, portanto, maneiras de agir, de pensar e de
sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem
fora das consciências individuais (DURKHEIM, 2007, p. 1-2).

Isso demonstra que o fato social é externo e separado das


vontades pessoais, uma vez que ele existe anteriormente a qual-
quer consentimento individual. Mesmo que a pessoa, de fato,
aceite colocar em prática um determinado padrão social, ainda

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 167


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

assim ele é independente e externo porque precede a qualquer


juízo de valor ou aceitação:
Ainda que eles estejam de acordo com meus sentimentos pró-
prios e que eu sinta interiormente a realidade deles, esta não
deixa de ser objetiva; pois não fui eu que os fiz, mas os recebi
pela educação. […] O sistema de signos de que me sirvo para
exprimir meu pensamento, o sistema de moedas que emprego
para pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito que uti-
lizo em minhas relações comerciais, as práticas observadas em
minha profissão, etc. funcionam independentemente do uso
que faço deles (DURKHEIM, 2007, p. 2).

Generalidade
Tal característica diz respeito a situações e fatos que são
realizados coletivamente e que são comuns a todos os membros
de um grupo – ou de sua maioria. Por isso, além de serem coer-
civos e externos, os fatos sociais precisam também ser “gerais”,
isto é, envolver os hábitos de muitos indivíduos, bem como se
difundir e se repetir de maneira satisfatória e assídua:
Um pensamento que se encontra em todas as consciências par-
ticulares, um movimento que todos os indivíduos repetem nem
por isso são fatos sociais. Se se contentaram com esse caráter
para defini-los, é que os confundiram, erradamente, com o que
se poderia chamar de suas encarnações individuais. O que os
constitui são as crenças, as tendências e as práticas do grupo
tomado coletivamente (DURKHEIM, 2007, p. 6-7).

Observe a tira de Mafalda na Figura 3 e perceba a ocor-


rência do fato social em suas três características (coercitividade,
exterioridade e generalidade):

168 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Fonte: Quino (2003, p. 4).


Figura 3 Fato social.

Como observado, não é o grupo por si mesmo que carac-


teriza a generalidade de um fato social, mas sim a forma como
determinadas ações coletivas, por conta de sua repetitividade,
ganham força por si mesmas, consolidando-se como hábitos co-
muns, frequentes e determinantes para as práticas de um gru-
po. Portanto, existe aqui uma diferença entre ações individuais
que ocorrem em grupo e ações intrinsecamente realizadas pelo
grupo:
Algumas dessas maneiras de agir ou de pensar adquirem, por
causa da repetição, uma espécie de consistência que as preci-
pita, por assim dizer, e as isola dos acontecimentos particula-
res que as refletem. Elas assumem assim um corpo, uma forma
sensível que lhes é própria, e constituem uma realidade sui ge-
neris, muito distinta dos fatos individuais que a manifestam. O
hábito coletivo não existe apenas em estado de imanência nos
atos sucessivos que ele determina, mas se exprime de uma vez
por todas, […] numa fórmula que se repete de boca em boca,
que se transmite pela educação, que se fixa através da escrita.
[…] Nenhuma dessas maneiras de agir ou de pensar se acha por
inteiro nas aplicações que os particulares fazem delas, já que
elas podem inclusive existir sem serem atualmente aplicadas
(DURKHEIM, 2007, p. 7).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 169


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Segundo Durkheim, a frequência com que um determina-


do fato social ocorre na sociedade indica o seu grau de importân-
cia e urgência para a pesquisa. É justamente porque não se apre-
sentam como casos isolados, mas como ocorrências gerais de
uma determinada coletividade, que os fatos sociais podem ser
pesquisados e observados com o auxílio de estatísticas e outras
ferramentas de pesquisa – sejam decorrentes de padrões gerais
interiorizados ou de comportamentos coletivos exteriorizados.

As regras do método sociológico


Além de apresentar as características dos fatos sociais, Dur-
kheim também desenvolveu uma metodologia específica para a
pesquisa desses fenômenos sociais. Seguindo uma tradição car-
tesiana e positivista, sustenta a necessidade de se manter certa
distância e neutralidade diante do objeto pesquisado. Trata-se,
portanto, de uma condição para a prática de uma ciência autô-
noma e objetiva.
Para Durkheim, a Sociologia não deveria ser uma filosofia
da história, preocupada em descobrir as leis gerais que orientam
o progresso da humanidade, muito menos uma espécie de me-
tafísica capaz de determinar a natureza da sociedade. Pelo con-
trário, a Sociologia precisa ser uma ciência autônoma, objetiva e
diferentes de todas as outras (REALE; ANTISERE, 2007, p. 355).
No entanto, para que ela possa se transformar em uma ciência
autônoma, o autor sente a necessidade de especificar também
as regras do método sociológico.
O ponto de partida da análise do método em Durkheim
consiste em um diagnóstico das teorias sociológicas preceden-
tes: em vez de se voltarem para a materialidade do objeto social
(fatos sociais), preferiram configurá-lo a partir de especulações

170 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

subjetivas. Ou seja, os sociólogos precedentes pecaram por se


manterem no campo dos conceitos e não no das coisas. Em seu
livro As regras do método sociológico, afirma o seguinte:
Até o presente, a sociologia tratou mais ou menos exclusiva-
mente não de coisas, mas de conceitos. Comte, é verdade, pro-
clamou que os fenômenos sociais são fatos naturais, submissos
a leis naturais. Deste modo, ele implicitamente reconheceu
seu caráter de coisas, pois na natureza só existem coisas. Mas,
quando, saindo dessas generalidades filosóficas, ele tenta apli-
car seu princípio e extrair a ciência nele contida, são ideias que
ele toma por objeto de estudo. Com efeito, o que faz a ma-
téria principal de sua sociologia é o progresso da humanidade
no tempo. […] Ora, supondo que essa evolução exista, […] só
se pode fazer dessa evolução o objeto mesmo da pesquisa se
ela for colocada como uma concepção do espírito, não como
uma coisa. E, de fato, é tão claro que se trata de uma repre-
sentação inteiramente subjetiva que, na prática, esse progresso
da humanidade não existe. O que existe, a única coisa dada à
observação, são sociedades particulares que nascem, se desen-
volvem e morrem independentemente umas das outras (DUR-
KHEIM, 2007, p. 19-20).

Portanto, o pressuposto fundamental para o tratamento


metodológico da Sociologia é “considerar os fatos sociais como
coisas” (DURKHEIM, 2007, p. 15). Isto é, da mesma forma como
acontece nas Ciências Naturais, o cientista social precisa captar
a regularidade dos fenômenos sociais, sem alterá-la ou distorcê-
-la com relação aos seus valores, preconceitos e interesses pes-
soais: “é preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si
mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem”
(DURKHEIM, 2007, p. 28).
Por serem fatos sociais, Durkheim os encara como coisas
exteriores e passíveis de serem observadas e medidas objetiva-
mente. Para preservar as condições da observação sociológica,

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 171


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

o autor apresenta três regras pelas quais os fatos sociais podem


ser pesquisados com segurança:
• Desfazer-se das noções pré-concebidas: “é preciso
descartar sistematicamente todas as prenoções” (DUR-
KHEIM, 2007, p. 32). Para Durkheim, essa é a regra bási-
ca da ciência, pois a objetividade da pesquisa depende,
acima de tudo, de que ideias e interesses extracientífi-
cos interfiram no procedimento científico. A dúvida me-
tódica de Descartes e a destruição dos ídolos em Bacon
já afirmavam a necessidade do cientista social se man-
ter neutro perante o objeto pesquisado.
• Definir as bases referenciais do objeto de pesquisa:
“jamais tomar por objeto de pesquisas senão um grupo
de fenômenos previamente definidos por certos carac-
teres exteriores que lhes são comuns, e compreender
na mesma pesquisa todos os que correspondem a essa
definição” (DURKHEIM, 2007, p. 36). Ou seja, o método
sociológico precisa definir rigorosamente o objeto que
se pretende pesquisar e utilizá-lo como referência para
análise de todos os fenômenos que apresentem carac-
terísticas comuns.
• Por exemplo, ao definir o agrupamento familiar como
objeto de pesquisa, o cientista social precisa utilizar-se
dos mesmos critérios referenciais, independentemen-
te da modalidade familiar (tribal, maternal, patriarcal,
monoparental etc.). Ao eleger a família patriarcal como
modelo e, a partir dela, analisar comparativamente as
outras, são alterados os pressupostos de observação
para a análise das famílias não patriarcais.
• Não analisar os fatos sociais a partir de manifestações
individuais: “quando, portanto, o sociólogo empreende

172 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

a exploração de uma ordem qualquer de fatos sociais,


ele deve esforçar-se em considerá-los por um lado em
que estes se apresentem isolados de suas manifesta-
ções individuais” (DURKHEIM, 2007, p. 46).
• Tanto a ciência como o senso comum admitem as sen-
sações como ponto de partida; no entanto, como as
sensações são subjetivas e facilmente confundidas,
para Durkheim, os fatos sociais serão mais bem repre-
sentados objetivamente quanto mais estiverem livres
ou separados dos fatos individuais que os manifestam:
“Se quisermos seguir uma via metódica […], é preciso
abordar o reino social pelos lados onde ele mais se abre
à investigação científica” (DURKHEIM, 2007, p. 47), isto
é, pela via da objetividade dos fatos sociais.

A “normalidade” ou a “patologia” dos fatos sociais


Para o pensamento de Durkheim, a Sociologia não tem
como finalidade apenas explicar os fenômenos sociais enquanto
objeto e método científico, mas também propor soluções e ofe-
recer “remédios” para problemas reais que afetariam a “saúde”
da sociedade como um todo. Como já observado, Durkheim leva
em consideração um método funcionalista que compreende a
sociedade como um todo organizado, ou seja, como uma espé-
cie de organismo – no caso, social. Desse modo, assim como em
todo organismo biológico, a sociedade também pode apresentar
estados “normais” e “patológicos” (DURKHEIM, 1999; 2007):
Todo fenômeno sociológico, assim como, de resto, todo fe-
nômeno biológico, é suscetível de assumir formas diferentes
conforme os casos, embora permaneça essencialmente ele
próprio. Ora, essas formas podem ser de duas espécies. Umas
são gerais em toda a extensão da espécie. […] Há outras, ao

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 173


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

contrário, que são excepcionais; elas não apenas se verificam


só na minoria, mas também acontece que, lá mesmo onde elas
se produzem, muito frequentemente não duram toda a vida do
indivíduo. […] Estamos, pois, em presença de duas variedades
distintas de fenômenos que devem ser designadas por termos
diferentes. Chamaremos normais os fatos que apresentam as
formas mais gerais e daremos aos outros o nome de mórbidos
ou patológicos (DURKHEIM, 2007, p. 58).

Estado normal
Considera-se como “normal” aquele fato social que já se
encontra generalizado pela sociedade e, por isso, desempenha
alguma função importante, seja para evolução ou para adapta-
ção da vida social. Nesse sentido, para o autor, a recorrência e a
generalidade de um fato social implicam necessariamente uma
funcionalidade social. Ou seja, a finalidade de um fato social im-
pacta diretamente o consenso coletivo de sua função:
A função de um fato social não pode ser senão social, isto é, ela
consiste na produção de efeitos socialmente úteis. Certamente
pode ocorrer, e acontece de fato, que, por via indireta, o fato
social sirva também ao indivíduo. Mas esse resultado feliz não é
sua razão de ser imediata. Podemos, portanto, completar a pro-
posição precedente, dizendo: A função de um fato social deve
sempre ser buscada na relação que ele mantém com algum fim
social (DURKHEIM, 2007, p. 112).

A generalidade de um fato social, portanto, apresenta-se


como o pressuposto de sua normalidade. Isso quer dizer que se
considera como “normal” aquele fato social que é resultado do
consenso coletivo e, desse modo, contribui para a manutenção
e harmonia da sociedade: “Para que a sociologia seja realmente
uma ciência de coisas, é preciso que a generalidade dos fenôme-

174 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

nos seja tomada como critério de sua normalidade” (DURKHEIM,


2007, p. 75).
Se um fenômeno social, mesmo envolto de protestos, ain-
da se mantém de acordo com os critérios de sua origem, então
há um fato social “normal”; no entanto, se tal fenômeno já não
corresponde mais às motivações que o causaram e, por sua vez,
não cumpre mais com a harmonia e coesão social, então
torna-se “patológico” (DURKHEIM, 2007).

Estado patológico
Considera-se como “patológico” aquele fato social que põe
em risco a harmonia, o acordo e o consenso coletivo e, por isso,
se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social e pela
moral vigente. Nesse sentido, por serem excepcionais, temporá-
rios e observados apenas em uma minoria, os fatos patológicos
não são consensuais (DURKHEIM, 2007).
Todavia, deve-se notar que o normal ou o patológico não
está relacionado à aceitação individual, mas ao consenso de uma
espécie de “consciência coletiva”. A sociedade é algo externo,
maior e anterior aos indivíduos. Ou seja, embora a sociedade
seja composta por consciências individuais, observa-se que, em
todo e qualquer grupo, existem formas padronizadas de conduta
e pensamento, formando assim o “tipo psíquico da sociedade”
(DURKHEIM, 2007):
Há em nós duas consciências: uma contém apenas estados que
são pessoais a cada um de nós e nos caracterizam, ao passo
que os estados que a outra compreende são comuns a toda a
sociedade. A primeira representa apenas nossa personalidade
individual e a constitui; a segunda representa o tipo coletivo e,
por conseguinte, a sociedade sem a qual ele não existiria (DUR-
KHEIM, 1999, p. 79).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 175


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

É a partir dessa consciência coletiva – que nada mais é do


que a moral vigente – que se formarão os critérios delineadores
do “certo” e do “errado”, do “moral” e do “imoral”, do “justo” e
do “criminoso”: “A consciência moral da sociedade se manifes-
taria por inteiro em todos os indivíduos e com uma vitalidade
suficiente para impedir todo ato que a ofendesse, tanto as faltas
puramente morais como os crimes” (DURKHEIM, 2007, p. 70).
Não é porque um fato é reprovável que se poderá
classificá-lo como patológico. Pelo contrário, o crime, por exem-
plo, é um fato social considerado “normal” para Durkheim; e isso
decorre de dois motivos:
• por conta da sua generalidade, ou seja, por causa da sua
ocorrência em toda e qualquer sociedade: “o crime é
normal porque uma sociedade que dele estivesse isenta
seria inteiramente impossível” (DURKHEIM, 2007, 68);
• por conta da maneira como ele agrega e condiciona os
comportamentos das pessoas a determinados valores
preestabelecidos – uma vez que, ao punir o criminoso,
os integrantes da coletividade reforçam e renovam seus
princípios. Assim:
O crime não se observa apenas na maior parte das sociedades
desta ou daquela espécie, mas em todas as sociedades de to-
dos os tipos. Não há nenhuma onde não exista uma criminali-
dade. Esta muda de forma, os atos assim qualificados não são
os mesmos em toda parte; mas, sempre e em toda parte, houve
homens que se conduziram de maneira a atrair sobre si a re-
pressão penal (DURKHEIM, 2007, 66-67).

Isso não quer dizer que Durkheim aceite o crime como algo
positivo, mas sim que ele possui uma função social passível de
ser pesquisada de forma quantitativa e estatística. Esse aspecto
retoma uma exigência metodológica já mencionada: os fatos so-

176 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

ciais, por serem normais, precisam ser estudados de forma neu-


tra por parte do sociólogo – e não amparados por qualquer tipo
de julgamento de valor.

A divisão do trabalho social


As reflexões de Durkheim, como já mencionado, não fica-
ram no vazio da cientificidade, mas refletiram sobre os dilemas
concretos da sociedade. Na obra Da divisão do trabalho social,
ele promove uma análise do desenvolvimento das sociedades
até o seu pleno estado capitalista.
Já apresentamos, em outros momentos, o quanto a Revo-
lução Industrial impulsionou a produção e renovou os meios de
produção; também comentamos o quanto a Revolução Francesa
implodiu as bases da velha estratificação feudal dominada pela
nobreza. O aumento da livre-iniciativa e do comércio se expandia
de forma rápida. Com isso, em meados do século 19, Durkheim
começou questionar de que forma a sociedade capitalista, tão
heterogênea e cada vez mais voltada para a especialização das
funções, poderia garantir algum tipo de coesão social. Ou seja,
como seria possível uma sociedade formada por indivíduos tão
diferentes ser integrada socialmente? (DURKHEIM, 1999).
Durkheim chegou à conclusão de que o fundamento para
a coesão social nas sociedades capitalistas estaria naquilo que
lhe é propriamente específico – a noção de divisão do trabalho e
especialização das funções:
A divisão do trabalho […] não serviria apenas para dotar nos-
sas sociedades de luxo, invejável talvez, mas supérfluo; ela se-
ria uma condição de existência da sociedade. Graças à divisão
do trabalho, ou pelo menos por seu intermédio, se garantiria
a coesão social; ela determinaria os traços essenciais da cons-
tituição da sociedade. Por isso mesmo […] caso seja essa real-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 177


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

mente a função da divisão do trabalho, ela deve ter um caráter


moral, porque as necessidades de ordem, de harmonia e de
solidariedade social são geralmente consideradas morais (DUR-
KHEIM, 2000, p. 66).

Durkheim observou que, em sociedades com uma divisão


do trabalho menos desenvolvida (como a feudal), os indivíduos
cumpriam as mesmas funções e, por isso, não dependiam tanto
uns dos outros, sendo semelhantes entre si. Como a coesão so-
cial não poderia ser garantida pela interdependência funcional,
restou a crença e a repressão da consciência como fatores de
unidade social (DURKHEIM, 1999).

Figura 4 Solidariedade e consciência.

Diferentemente desse tipo de coesão social, numa socie-


dade com a divisão do trabalho mais desenvolvida, predomina-
ria uma dinâmica de coesão social baseada na interdependência
funcional, uma vez que uma função dependeria de outra para
o aumento da produtividade. Assim, quanto mais diferenciados
são os indivíduos, passam cada vez mais a depender uns dos ou-
tros: “Como admite Spencer, para que a sociedade possa formar-
-se nessa hipótese, é necessário que as unidades primitivas ‘pas-
sem do estado de independência perfeita ao de dependência
mútua’” (DURKHEIM, 1999, p. 279).

178 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Como a sociedade é distinta e maior do que a soma dos


indivíduos que a compõem, as normas e padrões sociais tendem
a determinar as condutas individuais. Esse conjunto de relações
entre os indivíduos confere a cada sociedade um determinado
tipo de coesão social. Durkheim chamou tal coesão de “solida-
riedade” social:
É preciso determinar, sobretudo, em que medida a solidarie-
dade que ela produz contribui para a integração geral da so-
ciedade, pois somente então saberemos até que ponto essa
solidariedade é necessária, se é um fator essencial da coesão
social, ou então, ao contrário, se nada mais é que uma condição
acessória e secundária (DURKHEIM, 1999, p. 30).

Com o objetivo de compreender esses modos históricos de


coesão social presentes em seus processos de desenvolvimen-
to, Durkheim estabeleceu uma distinção entre duas formas de
socialização: solidariedade mecânica e solidariedade orgânica.
Vejamos ambas em detalhe.

Solidariedade mecânica
Segundo Durkheim, trata-se daquela solidariedade que
predominava nas sociedades pré-capitalistas. Nesse tipo de so-
lidariedade, como o nível de divisão do trabalho era baixo, o elo
de coesão entre os indivíduos ocorria por meio da família, da re-
ligião, da tradição e dos costumes, permanecendo independen-
tes e autônomos em relação à divisão do trabalho.
Como a interdependência mútua não existe – pelo fato de
os indivíduos exercerem as mesmas funções –, a estrutura social
passa a ser regulada unicamente por uma autoridade moral co-
letiva (consciência coletiva), que exerce o seu poder de coerção

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 179


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

sobre os indivíduos. Há aqui um processo que desenvolve, por-


tanto, uma heteronomia pessoal:
Não só, de maneira geral, a solidariedade mecânica liga os
homens menos fortemente do que a solidariedade orgânica,
como também, à medida que avançamos na evolução social,
ela vai se afrouxando cada vez mais (DURKHEIM, 1999, p. 133).

Solidariedade orgânica
De acordo com Durkheim, seria aquela solidariedade típica
das sociedades capitalistas, as quais, por meio da especialização
e divisão do trabalho, tornariam os indivíduos mais interdepen-
dentes: “A solidariedade depende estreitamente da atividade
funcional das partes especializadas” (DURKHEIM, 1999, p. 410).
É justamente essa interdependência que garante uma coesão
social maior, substituindo assim os costumes, tradições e laços
consanguíneos:
Aqui, pois, a individualidade do todo aumenta ao mesmo tem-
po que a das partes; a sociedade torna-se mais capaz de se mo-
ver em conjunto, ao mesmo tempo em que cada um de seus
elementos tem mais movimentos próprios. Essa solidariedade
se assemelha a que observamos entre os animais superiores.
De fato, cada órgão aí tem sua fisionomia especial, sua autono-
mia, e, contudo, a unidade do organismo é tanto maior quan-
to mais acentuada essa individuação das partes. Devido a essa
analogia, propomos chamar de orgânica a solidariedade devida
à divisão do trabalho (DURKHEIM, 1999, p. 108-109).

Enquanto, nas sociedades pré-capitalistas, a consciência


coletiva está totalmente direcionada para a coerção dos indiví-
duos – uma vez que a falta de especialização das funções faz com
que os indivíduos dependam menos uns dos outros –, nas socie-
dades capitalistas a consciência coletiva se afrouxa, permitindo
assim o desenvolvimento de uma maior autonomia pessoal.

180 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Portanto, a diferenciação social entre os trabalhadores


(divisão do trabalho) levou, ao mesmo tempo, a um projeto de
“adensamento social”, no qual as partes passaram a depender
mais umas das outras do que da coação moral da consciência
coletiva:
Bem diverso [da solidariedade mecânica] é o caso da solidarie-
dade produzida pela divisão do trabalho. Enquanto a preceden-
te implica que os indivíduos se assemelham, esta supõe que
eles diferem uns dos outros. A primeira só é possível na medida
em que a personalidade individual é absorvida na personali-
dade coletiva; a segunda só é possível se cada um tiver uma
esfera de ação própria, por conseguinte, uma personalidade.
É necessário, pois, que a consciência coletiva deixe descoberta
uma parte da consciência individual, para que nela se estabe-
leçam essas funções especiais que ela não pode regulamentar;
e quanto mais essa região é extensa, mais forte é a coesão que
resulta dessa solidariedade (DURKHEIM, 1999, p. 108).

Os grupos funcionais e as especializações profissionais


tornam-se, para o autor, uma parte imprescindível para a com-
preensão da estratificação social, bem como meios positivos
para a questão da sociabilidade funcional (interdependência).
Até mesmo as classes sociais – tanto a dos trabalhadores como
a dos capitalistas – se diferenciam na medida em que cumprem
suas funções com relação à divisão do trabalho social.
Enfim, a divisão do trabalho não é compreendida apenas
como um modo de organização social voltado para a potencia-
lização da produtividade – como no caso de Adam Smith –, mas
também como um canal de sociabilidade entre os indivíduos en-
tre si e aproximação dos próprios indivíduos aos padrões estabe-
lecidos pela moralidade coletiva.
Portanto, pode-se dizer que a divisão do trabalho é princí-
pio geral fundamental que motiva a proposta sociológica de Dur-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 181


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

kheim. Em torno dele, o autor constrói as bases para uma aná-


lise acerca do desenvolvimento das sociedades anteriores até o
capitalismo e suas respectivas formas de solidariedade (coesão
social).

O suicídio: egoísta, altruísta e anômico


Durkheim considera como positivo o processo histórico de
divisão do trabalho e especialização das funções, uma vez que,
por meio desse fenômeno, a coletividade progrediu de uma soli-
dariedade mecânica para a orgânica. Com isso, o autor conseguiu
legitimar a existência de uma coesão e uma moralidade social
dentro do contexto das sociedades industriais. No entanto, seu
pensamento sociológico também observa elementos de insatis-
fação, especialmente ao abordar a temática do suicídio.
Na obra O suicídio, Durkheim analisou com detalhes esse
fenômeno e constatou que este reúne todas as características de
um fato social, pois, além de se fazer presente em toda e qual-
quer sociedade (generalidade), apresenta elementos totalmente
independentes daquelas motivações pessoais do suicida (exte-
rioridade), os quais determinam para os indivíduos as predispo-
sições psicológicas e sociais que fazem com que o suicida reco-
nheça a necessidade do suicídio (coercitividade):
Cada um deles realiza seu ato separadamente, sem saber que
outros fazem o mesmo por seu lado; no entanto, enquanto a
sociedade não muda, o número de suicidas é o mesmo. Por-
tanto, todas essas manifestações individuais, por mais que
pareçam independentes umas das outras, na verdade devem
ser produto de uma mesma causa ou de um mesmo grupo de
causas que dominam os indivíduos (DURKHEIM, 2000, p. 391).

182 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Essa interpretação de Durkheim propõe uma nova maneira


de investigar o suicídio, diferentemente da análise conclusiva de
outros estudos e teorias. Vejamos algumas características:
• Um método de abordagem: o tema “suicídio” não era
novidade na época de Durkheim; desde o século 17,
esse tema vinha sendo estudado, porém como objeto
moral e não sociológico (DURKHEIM, 2000).
• A definição das causas: o suicídio era normalmente vin-
culado a causas particulares relacionadas a tempera-
mento, caráter ou outras condições específicas – e não
a partir de causas coletivas (DURKHEIM, 2000).
Nesse sentido, segundo Durkheim, o interesse da Sociolo-
gia pelo suicídio decorre justamente daquilo que é comum aos
suicidas, independentemente da sociedade (espaço) e do perío-
do (tempo). O principal objetivo de Durkheim é analisar o suicí-
dio sociologicamente: ou seja, explicar a soma de todos os suicí-
dios em um dado espaço e tempo em termos sociológicos e não
por motivações pessoais e autodestrutivas. O critério do autor
se encontra nas estruturas sociais e não nas razões individuais:
Se, em vez de enxergá-los apenas como acontecimentos par-
ticulares, isolados uns dos outros e cada um exigindo um exa-
me à parte, considerarmos o conjunto dos suicídios cometidos
numa determinada sociedade durante uma determinada uni-
dade de tempo, constataremos que o total assim obtido não é
uma simples soma de unidades independentes, uma coleção,
mas que constitui por si mesmo um fato novo e sui generis [pe-
culiar, único], que tem sua unidade e sua individualidade, por
conseguinte sua natureza própria, e que, além do mais, essa
natureza é eminentemente social (DURKHEIM, 2000, p. 17).

Com isso, ao analisar a regularidade das taxas de suicídio


na França, Prússia, Inglaterra, Saxônia, Baviera, Dinamarca, entre

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 183


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

1841 a 1872, Durkheim concluiu uma invariabilidade de resulta-


dos: “para uma mesma sociedade, desde que a observação não
abranja um período por demais extenso, esse número é quase
invariável” (DURKHEIM, 2000, p. 17). Isso caracteriza, para o au-
tor, um fato específico para cada sociedade: “Cada sociedade
tem, portanto, em cada momento de sua história, uma disposi-
ção definida para o suicídio” (DURKHEIM, 2000, p. 19).
Será a partir dessa taxa constante e determinada, presente
em cada sociedade e em determinados períodos, que Durkheim,
enfim, expressará a real dimensão sociológica contida no fenô-
meno do suicídio, delimitando assim o seu objeto e método de
pesquisa:
Nossa intenção não é, portanto, fazer o inventário mais comple-
to possível de todas as condições que possam entrar na gêne-
se dos suicídios particulares, mas apenas pesquisar aquelas de
que depende o fato definido que chamamos de taxa social de
suicídios (DURKHEIM, 2000, p. 24).

E mais adiante completa:


Entre os fatores dos suicídios, os únicos que lhe concernem
[isto é, ao sociólogo] são os que fazem sentir sua ação sobre o
conjunto da sociedade. A taxa de suicídios é o produto desses
fatores. Por isso devemos nos deter nelas. […] O fenômeno que
se trata de explicar só pode ser devido a causas extra-sociais de
grande generalidade ou a causas propriamente sociais (DUR-
KHEIM, 2000, p. 25).

Como já observado, de acordo com Durkheim, o suicídio


precisa ser compreendido a partir do processo de integração e
regulação que a coletividade promove no indivíduo. Ou melhor,
Durkheim deseja mostrar que as motivações do suicídio não vêm
do indivíduo, mas da maneira como o coletivo configura suas

184 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

normas de socialização a partir de duas deficiências: pela falta


ou excesso de integração e regulação social (DURKHEIM, 2000).
Na tentativa de delimitar tais causas sociais (excesso e fal-
tas) do suicídio, Durkheim distingue três modalidades sociais de
suicídio independentemente da sociedade: suicídio egoísta, sui-
cídio altruísta e suicídio anômico. Vejamos cada uma em detalhe.

Suicídio egoísta
Para Durkheim, o suicídio egoísta é aquele resultante de
uma integração social frágil. Ou seja, nesse caso, a falta de in-
tegração social levaria o indivíduo a buscar em si mesmo aquilo
que não consegue mais obter na coletividade. Ocorre, portanto,
a perda dos princípios ou noções de integração social, resultando
no reconhecimento de regras de conduta apenas pessoais:
Mas a sociedade não pode desintegrar-se sem que, na mesma
medida, o indivíduo se desligue da vida social, sem que seus
fins próprios se tornem preponderantes sobre os fins comuns,
sem que sua personalidade, em suma, tenda a se colocar acima
da personalidade coletiva. Quanto mais os grupos a que per-
tence se enfraquecem, menos o indivíduo depende deles e, por
conseguinte, mais depende apenas de si mesmo para não reco-
nhecer outras regras de conduta que não as que se baseiam em
seus interesses privados. Se, portanto, conviermos chamar de
egoísmo esse estado em que o eu individual se afirma excessi-
vamente diante do eu social e às expensas deste último, pode-
remos dar o nome de egoísta ao tipo particular de suicídio que
resulta de uma individuação descomedida (DURKHEIM, 2000,
p. 258-259).

De acordo com Durkheim, esse tipo de suicídio é comum


àquelas pessoas que, pelo fato de terem uma ligação menor com
o grupo ou instituições, dispõem de meios e recursos pessoais
para o enfrentamento das crises. Para provar essa hipótese, Dur-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 185


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

kheim analisou taxas de suicídios de diferentes lugares (comuni-


dades religiosas, famílias, agrupamentos profissionais) e consta-
tou que, por exemplo, no caso das confissões religiosas, dentre
judeus, católicos e protestantes, o último grupo foi que apresen-
tou uma taxa maior de suicídio. Por quê? Segundo o autor, de to-
das as religiões, a protestante é a que mais conserva o chamado
“individualismo religioso” com relação à crença e à hierarquia:
Tudo o que é variação horroriza o pensamento católico. O pro-
testante é mais autor de sua crença. A Bíblia é colocada em suas
mãos e nenhuma interpretação lhe é imposta. A própria estru-
tura do culto reformado torna perceptível essa condição de in-
dividualismo religioso. Em nenhum lugar, salvo na Inglaterra, o
clero protestante é hierarquizado; o sacerdote só depende de
si mesmo e de sua consciência assim como o fiel (DURKHEIM,
2000, p. 185-186).

Nota-se que o protestantismo, segundo a teoria de Dur-


kheim, possui um “livre-exame” maior da própria crença, efeito,
por sua vez, de uma outra causa: “a falência das crenças tradicio-
nais” (DURKHEIM, 2000, p. 186). Logo, o suicídio egoísta ocorre-
rá na medida que a integração social enfraquecer: “chegamos,
portanto, à seguinte conclusão geral: o suicídio varia na razão
inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indiví-
duo faz parte” (DURKHEIM, 2000, p. 258).

Suicídio altruísta
Segundo Durkheim, o suicídio altruísta resulta de uma for-
te integração social. Se a causa do suicídio egoísta era a falta de
integração social, no caso do altruísta o problema é inverso: de-
corre do excesso de integração social. Ou seja, esse tipo de suicí-
dio ocorre no interior de grupos coesos, nos quais se consideram

186 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

os fins coletivos como superiores aos fins individuais. As ações


individuais são legítimas somente em função da coletividade:
A sociedade, portanto, pesa sobre o indivíduo para levá-lo a se
destruir. […] Assim, é em vista de fins sociais que a sociedade
impõe esse sacrifício. Se o cliente não deve sobreviver a seu
chefe ou o servidor a seu príncipe, é porque a constituição da
sociedade implica entre os vassalos e seus patrões, entre os ofi-
ciais e o rei, uma dependência tão íntima que exclui qualquer
ideia de separação (DURKHEIM, 2000, p. 273).

Esse tipo de suicídio é comum em pessoas que promovem


uma absoluta identificação do seu “eu” com o coletivo, a ponto
de não mais se considerar como sujeito para além daquilo que o
grupo lhe permitiu ser. Logo, o fundamento de sua existência e
conduta vem de fora – isto é, do grupo do qual participa –, como
é o caso, por exemplo, de algumas viúvas indianas que aceitam
ser queimadas junto com seus maridos; ou de idosos de algu-
mas tribos que aceitam tirar a própria vida para evitar ser um
peso para a comunidade. Caso semelhante pode ser encontrado
também no ritual do haraquiri (ou sepukku), próprio da cultura
japonesa, no qual o samurai, diante de sua desonra, prefere tirar
a própria vida do que vivê-la de maneira envergonhada. Outro
exemplo também pode ser identificado no caso de Edward John
Smith (1850-1912), o comandante do navio Titanic, que, segun-
do as lendas literárias e biográficas, preferiu morrer exercendo a
sua função até o fim, do que salvar a própria vida. Diz Durkheim:
Em todos esses casos, se o homem se mata, não é porque se ar-
roga o direito, mas, o que é bem diferente, porque tem o dever.
Quando falta a essa obrigação, é punido com a desonra e tam-
bém, na maioria das vezes, por castigos religiosos. Sem dúvida,
quando nos falam de velhos que se matam, num primeiro mo-
mento somos levados a acreditar que a causa esteja no cansaço
ou nos sofrimentos comuns nessa idade. Mas, se na verdade
esses suicídios não tivessem outra origem, se o indivíduo se

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 187


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

matasse unicamente para se desvencilhar de uma vida insupor-


tável, não seria obrigado a fazê-lo (DURKHEIM, 2000, p. 272).

Suicídio anômico
Para o autor, o suicídio anômico está relacionado à fraca
regulação exercida pela sociedade. A anomia (do grego, a + no-
mos, que significa “privado de leis”) diz respeito a uma situação
social na qual as leis ou as normas coletivas não são mais eficazes
para a regulação da vida dos indivíduos. Na anomia, os indiví-
duos perdem, portanto, as suas referências sociais e, por isso,
decepcionam-se com a coletividade, resultando em atentados
contra a própria vida:
É preciso que uma força reguladora desempenhe para as
necessidades morais o mesmo papel que o organismo para as
necessidades físicas. Isso significa que essa força só pode ser
moral. […] Os homens não consentiriam em limitar seus dese-
jos se se julgassem no direito de ultrapassar o limite que lhes
é designado. Só que eles não podem ditar a si mesmos essa
lei de justiça, pelas razões que mencionamos. Portanto, devem
recebê-la de uma autoridade que respeitem e diante da qual se
inclinem espontaneamente. Só a sociedade, seja diretamente
e em seu conjunto, seja por intermédio de um de seus órgãos,
está em condições de desempenhar esse papel moderador,
pois ela é o único poder moral superior ao indivíduo, e cuja su-
perioridade este último aceita (DURKHEIM, 2000, p. 315).

Segundo Durkheim, a taxa desse tipo de suicídio, por


exemplo, aumenta significativamente em períodos de grandes
crises econômicas – ou, contraditoriamente, em momentos de
rápida prosperidade. Para ilustrar a tese de Durkheim sobre o
aumento de suicídios em épocas de crise financeira, podemos
lembrar da Quebra da Bolsa de Valores, em 24 de outubro de
1929. Nessa ocasião, milhões em títulos foram desvalorizados e

188 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

inúmeras fortunas desapareceram em questão de poucas horas.


Historiadores e estudiosos relatam a ocorrência de numerosos
casos de suicídio nesses dias.
Enfim, independentemente das causas, o fato é que, em
tais momentos, a sociedade se considera incapaz de administrar
os desejos individuais, gerando assim um desregramento total
ou parcial da moral:
Nos casos de desastres econômicos, produz-se como que uma
desclassificação que empurra bruscamente certos indivíduos
para uma situação inferior à que ocupavam até então. […] O
resultado é que eles não se ajustam à condição que lhes cabe
e que sua própria perspectiva lhes é insuportável; daí os sofri-
mentos que os fazem desapegar-se de uma existência reduzida
antes mesmo que a tenham experimentado (DURKHEIM, 2000,
p. 320).

Durkheim também menciona – muito rapidamente, ape-


nas em nota de rodapé – a existência de um quarto tipo de sui-
cídio: o fatalista.

Suicídio fatalista
Assim como o suicídio egoísta (por falta de integração so-
cial) se opõe totalmente ao suicídio altruísta (por excesso de in-
tegração social), segundo Durkheim, parece existir também – po-
rém, nas devidas proporções – um outro tipo de suicídio oposto
ao anômico, chamado pelo autor de “fatalista”. Suas diferenças
são perceptíveis: enquanto o suicídio anômico se caracteriza
pela falta de regulação dos padrões morais, o fatalista estaria re-
lacionado ao excesso de alguma regulação moral praticada pelo
indivíduo. Ou seja, a rigidez e inflexibilidade das normas morais
podem, em algumas situações, causar desconfortos pessoais
que motivam, inclusive, a prática do suicídio:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 189


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Há um tipo de suicídio que se opõe ao suicídio anômico, tal como


o suicídio egoísta e o suicídio altruísta opõem-se um ao outro. É
aquele que resulta de um excesso de regulamentação, aquele
cometido pelos indivíduos cujo futuro está implacavelmente
barrado, cujas paixões são violentamente reprimidas por uma
disciplina opressiva. É o suicídio dos homens casados muito
jovens, da mulher casada sem filhos (DURKHEIM, 2000, p. 353).

No entanto, pelo fato de ter pouca importância já no sé-


culo 19, bem como pela dificuldade em encontrar exemplos re-
correntes, Durkheim considera a utilidade desse tipo de suicídio
apenas como de valor histórico: “Para evidenciar esse caráter
inevitável e inflexível da regra segundo a qual nada se pode fazer,
e por oposição à expressão anomia que acabamos de empregar,
poderíamos chamá-lo de suicídio fatalista” (DURKHEIM, 2000, p.
353).
Com o estudo sobre esse tema, Durkheim pôde então co-
locar em prática a sua metodologia funcionalista, principalmente
ao tentar descrever o suicídio como algo exterior ao suicida. Por
conta dessas observações, pode-se reconhecer Émile Durkheim
como o grande responsável pela autonomia da Sociologia en-
quanto ciência dos fatos sociais.

As leituras indicadas no Tópico 3.2 apresentam tanto as


propostas metodológicas de Durkheim, como também suas
considerações acerca da divisão do trabalho social e de sua
análise sociológica sobre o suicídio. Neste momento, você
deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado.

190 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 3.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizado na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina para
abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material, por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante do
material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in-
dispensável para você compreender integralmente os conteúdos
apresentados nesta unidade.

3.1. AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO

Com o intuito de relembrar alguns conceitos básicos sobre


o positivismo sociológico, leia os seguintes artigos:
• ALVES, C. Positivismo no século XIX. Disponível em:
<http://en-fil.net/ed1/conteudo/archives/ed001_Clau-
dia.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• COSTA, J. C. Augusto Comte e as origens do Positi-
vismo. Revista de História, São Paulo, Universidade
de São Paulo, v. 1, n. 3, p. 363-382, 1950. Disponível
em: <http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/
view/34860/37598>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• LACERDA, G. B. Augusto Comte e o “Positivismo” Re-
descobertos. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.
17, n. 34, p. 319-343, out. 2009. Disponível em: <http://

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 191


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

www.scielo.br/pdf/rsocp/v17n34/a21v17n34.pdf>.
Acesso em: 19 nov. 2019.
Ainda sobre o pensamento de Augusto Comte, estudamos
as bases do método positivista e sua importância para o início da
Sociologia. Para conhecer mais sobre o assunto, acesse:
• BRANDÃO, A. R. P. A postura do Positivismo com rela-
ção às Ciências Humanas. Theoria – Revista Eletrônica
de Filosofia, v. 03, n. 6, p. 80-105, 2011. Disponível em:
<http://www.theoria.com.br/edicao0611/a_postura_
do_positivismo.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• SCHNEIDER, S.; SCHMITT, C. J. O uso do método compa-
rativo nas Ciências Sociais. Cadernos de Sociologia, Por-
to Alegre, v. 9, p. 49-87, 1998. Disponível em: <http://
nc-moodle.fgv.br/cursos/centro_rec/docs/o_uso_me-
todo_comparativo.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
Os conceitos de estática e dinâmica social foram funda-
mentais para a sistematização da Sociologia como ciência autô-
noma. Para aprofundar seus estudos nessa temática, recomen-
damos os artigos:
• BENOIT, L. O. Comte, leitor de Aristóteles: considerações
relativas à “estática social” positivista. Revista Archai: as
origens do pensamento ocidental, n. 4, p. 113-120, jan.
2010. Disponível em: <https://digitalis-dsp.uc.pt/bits-
tream/10316.2/24505/1/archai4_artigo13.pdf>. Aces-
so em: 19 nov. 2019.
• LACERDA, G. B. Elementos estáticos da teoria política de
Augusto Comte: as pátrias e o poder temporal. Revis-
ta de Sociologia e Política, Curitiba, 23, p. 63-78, nov.
2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/
n23/24622.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.

192 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

Por fim, também sugerimos o texto elencado a seguir para


aprofundar sua leitura sobre a proposta da religião da humani-
dade de Augusto Comte:
• AMORIM, A. M. O projeto de uma ciência moral: a re-
ligião em Auguste Comte. Dissertação (Mestrado em
Ciências da Religião) – Universidade Federal de Juiz de
Fora, Juiz de Fora, 2007. Disponível em: <https://reposi-
torio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/3191/1/adrianamon-
ferrariamorim.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.

3.2. ÉMILE DURKHEIM: MÉTODO E PENSAMENTO

Para complementar as leituras sobre Durkheim, mais es-


pecificamente sobre as características do fato social e as regras
do método sociológico, sugerimos a leitura dos textos seguintes:
• PAIS, J. M. Das regras do método, aos métodos des-
regrados. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP,
São Paulo, v. 8, n. 1, p. 85-111, maio 1996. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v8n1/0103-2070-
ts-08-01-0085.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• VARES, S. F. Os fatos e as coisas: Émile Durkheim e a
controversa noção de fato social. Ponto e Vírgula, São
Paulo, PUC-SP, n. 20, p. 104-121, jul./dez. 2016. Dispo-
nível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/pontoe-
virgula/article/viewFile/31168/21605>. Acesso em: 19
nov. 2019.
Como observado, a questão da divisão do trabalho social,
segundo Durkheim, é fundamental para a compreensão de de-
terminados tipos de coesão e integração social. Nesse sentido,

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 193


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

com o intuito de aprofundar as temáticas da solidariedade me-


cânica e orgânica, leia os artigos indicados a seguir:
• ARAÚJO, M. S. S. Solidariedade social: as ponderações
de Émile Durkheim. Revista de Políticas Públicas, v. 9, n.
2, p. 51-70, jul./dez. 2005. Disponível em: <http://www.
periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/ar-
ticle/download/3785/1876>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• VARES, S. F. Solidariedade mecânica e solidariedade
orgânica em Émile Durkheim: dois conceitos e um di-
lema. Mediações, Londrina, v. 18, n. 2, p. 148-171,
jul./dez. 2013. Disponível em: <http://www.uel.br/
revistas/uel/index.php/mediacoes/article/down-
load/17317/13807>. Acesso em: 19 nov. 2019.
Por fim, os estudos de Durkheim acerca do suicídio foram
essenciais para a aplicação de suas regras metodológicas de pes-
quisa social. Para revisar os tipos de suicídio (egoísta, altruísta,
anômico e fatalista), acesse:
• NUNES, E. D. O Suicídio – reavaliando um clássico da
literatura sociológica do século XIX. Cadernos de Saú-
de Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 7-34, jan./mar.
1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/
v14n1/0199.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• TEIXEIRA, R. R. Três fórmulas para compreender “O
suicídio” de Durkheim. Interface: Comunicação, Saú-
de, Educação, v. 6, n. 11, p. 143-52, ago. 2002. Dis-
ponível em: <https://repositorio.observatoriodo-
cuidado.org/jspui/bitstream/handle/145/2/icse.
S1414-32832002000200021.pdf>. Acesso em: 19 nov.
2019.

194 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder às questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) A Sociologia surgiu em um período em que o fazer científico encontrava-
-se influenciado por algumas teses desenvolvidas durante o século 19.
Herbert Spencer, Charles Darwin e Auguste Comte, por exemplo, tiveram
grande importância para o pensamento sociológico. O primeiro, por apli-
car às Ciências Humanas o evolucionismo, mesmo antes das teses revolu-
cionárias sobre a seleção das espécies do segundo. Com relação a Comte,
houve a influência de seu “espírito positivo” na formação dos muitos inte-
lectuais do período.
Sobre as ideias de evolução e progresso e seu impacto no pensamento
sociológico, podemos afirmar que:
a) A ideia de progresso, apesar de ter grande influência na área das Ciên-
cias Naturais, não teve impacto decisivo na constituição da Sociologia.
b) A ideia de evolução foi uma das palavras de ordem do período, mas
a Sociologia rejeitou a sua adoção, assim como qualquer comparação
entre seus efeitos no reino natural e no mundo social.
c) A explicação sociológica procurou, desde o seu início, afastar-se de
qualquer forma de determinismos, fossem biológicos ou geográficos,
pois se contrapunha fortemente às explicações de cunho evolucionista.
d) Em sua busca por constituir-se como disciplina, a Sociologia passou
pela valorização e incorporação dos métodos das ciências da nature-
za, utilizando metáforas organicistas, assim como conferindo ênfase à
noção de função.
e) Como tentativa de explicação da sistematização da Sociologia nos sé-
culos 14 e 15, tais autores buscaram refundar nas ciências um ideal
renascentista de sociedade, considerando o homem como artífice de
si mesmo.

2) “Solidariedade orgânica” e “solidariedade mecânica” são conceitos pro-


postos pelo sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) para explicar a
“coesão social” em diferentes tipos de sociedade. De acordo com as teses
desse estudioso, nas sociedades ocidentais modernas prevalece a “solida-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 195


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

riedade orgânica”, na qual os indivíduos se percebem diferentes embora


dependentes uns dos outros. A lógica do mercado capitalista, entretanto,
baseada na competição individualista em busca do lucro, pode corromper
os vínculos de solidariedade que asseguram a coesão social e conduzir a
uma situação de “anomia”.
De acordo com os postulados de Durkheim, é correto dizer que o conceito
de “anomia” indica:
a) a necessidade de todos demonstrarem solidariedade com os mais
necessitados.
b) a condição na qual os indivíduos não se identificam como membros de
um grupo que compartilha as mesmas regras e normas e têm dificulda-
des para distinguir, por exemplo, o certo do errado e o justo do injusto.
c) uma situação na qual aqueles indivíduos portadores de um senso mo-
ral superior devem se colocar como líderes dos grupos dos quais fazem
parte.
d) o consumismo exacerbado das novas gerações, representado pelo au-
mento do número de shopping centers nas cidades.
e) a solidariedade que as pessoas demonstram quando entoam cantos
nacionalistas e patrióticos em manifestações públicas como os jogos
das seleções nacionais de futebol.

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) d.

2) b.

3)

5. CONSIDERAÇÕES
Esta unidade apresentou a origem da Sociologia como área
autônoma do pensamento. A partir das contribuições de Augus-

196 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

to Comte e Émile Durkheim, a Sociologia – e, futuramente, as


Ciências Sociais – conseguiu um estatuto próprio e um espaço
específico para a pesquisa científica. A preocupação de Comte
em considerar a Sociologia nascente como uma “Física Social” –
apesar de restrita ao âmbito das Ciências Naturais – foi de extre-
ma importância para a formulação do “fato social” de Durkheim.
Nesse sentido, por ser uma temática de extrema importân-
cia para o surgimento das Ciências Sociais, é fundamental que
você complemente e aprofunde seus estudos por meio das refe-
rências bibliográficas citadas e das sugestões de leitura presen-
tes no Conteúdo Digital Integrador. Esse aprofundamento será
importante inclusive para a continuação do assunto nas duas
próximas unidades, que adentrarão na obra de dois outros au-
tores importantíssimos para as Ciências Sociais: Karl Marx e Max
Weber.

6. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Augusto Comte. Disponível em: <https://www.infoescola.com/biografias/
auguste-comte/>. Acesso em: 18 nov. 2019.
Figura 2 Émile Durkheim. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/
durkheim-fato-social.htm >. Acesso em: 18 nov. 2019.
Figura 4 Solidariedade e Consciência. Disponível em: <https://digofreitas.com/hq/
outros-18-solidariedade/>. Acesso em: 19 nov. 2019.

Sites pesquisados
ALVES, C. Positivismo no século XIX. Disponível em: <http://en-fil.net/ed1/conteudo/
archives/ed001_Claudia.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 197


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

AMORIM, A. M. O projeto de uma ciência moral: a religião em Auguste Comte.


Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Federal de Juiz de
Fora, Juiz de Fora, 2007. Disponível em: <https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/
ufjf/3191/1/adrianamonferrariamorim.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
ARAÚJO, M. S. S. Solidariedade social: as ponderações de Émile Durkheim. Revista
de Políticas Públicas, v. 9, n. 2, p. 51-70, jul./dez. 2005. Disponível em: <http://www.
periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/download/3785/1876>.
Acesso em: 19 nov. 2019.
BENOIT, L. O. Comte, leitor de Aristóteles: considerações relativas à “estática social”
positivista. Revista Archai: as origens do pensamento ocidental, n. 4, p. 113-120,
jan. 2010. Disponível em: <https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/24505/1/
archai4_artigo13.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
BRANDÃO, A. R. P. A postura do Positivismo com relação às Ciências Humanas. Theoria
– Revista Eletrônica de Filosofia, v. 03, n. 6, p. 80-105, 2011. Disponível em: <http://
www.theoria.com.br/edicao0611/a_postura_do_positivismo.pdf>. Acesso em: 19
nov. 2019.
CANAL FILOSÓFICO. O Positivismo de Auguste Comte. 2016. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=HfLpQ16WauM&t=15s>. Acesso em: 18 nov. 2019.
COSTA, J. C. Augusto Comte e as origens do Positivismo. Revista de História, São Paulo,
Universidade de São Paulo, v. 1, n. 3, p. 363-382, 1950. Disponível em: <http://www.
revistas.usp.br/revhistoria/article/view/34860/37598>. Acesso em: 19 nov. 2019.
FONSECA, J. G. Positivismo de Auguste Comte. 2018. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=nmhrKDKqg_o>. Acesso em: 18 nov. 2019.
FRONTEIRAS DO PENSAMENTO. Alain de Botton – Comte, ordem e progresso. 2017.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=obNTlJS4WoU>. Acesso em: 18
nov. 2019.
LACERDA, G. B. Augusto Comte e o “Positivismo” Redescobertos. Revista de Sociologia
e Política, Curitiba, v. 17, n. 34, p. 319-343, out. 2009. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/rsocp/v17n34/a21v17n34.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
______. Elementos estáticos da teoria política de Augusto Comte: as pátrias e o poder
temporal. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, 23, p. 63-78, nov. 2004. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n23/24622.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
NUNES, E. D. O Suicídio – reavaliando um clássico da literatura sociológica do século
XIX. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 7-34, jan./mar. 1998.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v14n1/0199.pdf>. Acesso em: 19 nov.
2019.

198 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

PAIS, J. M. Das regras do método, aos métodos desregrados. Tempo Social: Revista de
Sociologia da USP, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 85-111, maio 1996. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/ts/v8n1/0103-2070-ts-08-01-0085.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
PINHEIRO, A. Sociologia – Émile Durkheim – Parte 1/2. 2015. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=q67s-UgkLSE>. Acesso em: 18 nov. 2019.
______. Sociologia – Émile Durkheim – Parte 2/2. 2015. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=-Hm1MnaT2GM>. Acesso em: 18 nov. 2019.
PINHO, A. Durkheim – Suicídio. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=wj3tdcqLaoA>. Acesso em: 18 nov. 2019.
PINTO, H. A última religião (Documentário sobre Positivismo no Brasil). 2015.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=aHpG-cr1eMg>. Acesso em: 18
nov. 2019.
RENNÓ, P. Émile Durkheim, fatos sociais e suicídio. 2018. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=L-A8u46YUss>. Acesso em: 18 nov. 2019.
SCHNEIDER, S.; SCHMITT, C. J. O uso do método comparativo nas Ciências Sociais.
Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 9, p. 49-87, 1998. Disponível em: <http://
nc-moodle.fgv.br/cursos/centro_rec/docs/o_uso_metodo_comparativo.pdf>. Acesso
em: 19 nov. 2019.
SOCIOLOGIA ANIMADA. Auguste Comte – Lei dos três estados. 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=0bBUri0eC-0>. Acesso em: 18 nov. 2019.
TEIXEIRA, R. R. Três fórmulas para compreender “O suicídio” de Durkheim. Interface:
Comunicação, Saúde, Educação, v. 6, n. 11, p. 143-52, ago. 2002. Disponível em:
<https://repositorio.observatoriodocuidado.org/jspui/bitstream/handle/145/2/icse.
S1414-32832002000200021.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2019.
UNIVESP. Clássicos da Sociologia: Émile Durkheim. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=SMaxxNEqk7U>. Acesso em: 18 nov. 2019.
______. Na Íntegra – Raquel Weiss – Émile Durkheim. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=BeK3FDE_Iy0>. Acesso em: 18 nov. 2019.
VARES, S. F. Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica em Émile Durkheim:
dois conceitos e um dilema. Mediações, Londrina, v. 18, n. 2, p. 148-171, jul./dez.
2013. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/
download/17317/13807>. Acesso em: 19 nov. 2019.
______. Os fatos e as coisas: Émile Durkheim e a controversa noção de fato social.
Ponto e Vírgula, São Paulo, PUC-SP, n. 20, p. 104-121, jul./dez. 2016. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/pontoevirgula/article/viewFile/31168/21605>.
Acesso em: 19 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 199


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
BACON, F. Novum Organon: verdadeiras indicações acerca da interpretação da
natureza. In: ______. Novum Organon; Nova Atlântida. Trad. notas de José Aluysio
Reis de Andrade. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores).
COMTE, A. Catecismo Positivista. In: ______. Curso de filosofia positiva; Discurso sobre
o Espírito Positivo; Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo; Catecismo
Positivista. Trad. Miguel Lemos. São Paulo: Abril Cultural, 1978a, p. 117-318. (Os
Pensadores).
______. Curso de filosofia positiva. In: ______. Curso de filosofia positiva; Discurso
sobre o Espírito Positivo; Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo;
Catecismo Positivista. Trad. José Arthur Giannotti. São Paulo: Abril Cultural, 1978b, p.
1-39. (Os Pensadores).
______. Discurso sobre o Espírito Positivo. In: ______. Curso de filosofia positiva;
Discurso sobre o Espírito Positivo; Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo;
Catecismo Positivista. Trad. José Arthur Giannotti. São Paulo: Abril Cultural, 1978c, p.
41-94. (Os Pensadores).
______. Discurso preliminar sobre o Conjunto do Positivismo. In: ______. Curso de
filosofia positiva; Discurso sobre o Espírito Positivo; Discurso preliminar sobre o
Conjunto do Positivismo; Catecismo Positivista. Trad. José Arthur Giannotti. São Paulo:
Abril Cultural, 1978d, p. 95-115. (Os Pensadores).
______. Introdução Geral ao Estudo da Lógica, ou Matemática. Extraído da Síntese
Subjetiva de Augusto Comte, traduzido, anotado por Luiz Bueno Horta Barbosa. Rio de
Janeiro: Tipografia Jornal do Commercio, 1933.
______. Metodologia das Ciências Sociais. In: MORAES FILHO, E. (Org.). Comte:
Sociologia. São Paulo: Ática, 1983a, p. 73-103
______. Sociologia: conceitos gerais e surgimento. In: MORAES FILHO, E. (Org.). Comte:
Sociologia. São Paulo: Ática, 1983b, p. 53-72
______. Sociologie: texte choisis. Paris: Presses Universitaires de France, 1957.
______. System of Positive Polity. London: Longmans Green, 1875a. v. 1.
______. System of Positive Polity. London: Longmans Green, 1875b. v. 2.
______. System of Positive Polity. London: Longmans Green, 1876. v. 3.
______. System of Positive Polity. London: Longmans Green, 1877. v. 4.

200 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMO ÁREA AUTÔNOMA DO SABER

DESCARTES, R. Discurso do método. Trad. Elza M. Marcelina. Brasília: Editora UnB,


1989.
DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
______. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
______. O suicídio: estudo de Sociologia. Trad. Monica Stahel. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
OLIVEIRA, P. S. Introdução à Sociologia. São Paulo, Ática, 2010.
QUINO. Toda Mafalda: da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2003
REALE, G.; ANTISERE, D. História da Filosofia: do Romantismo ao Empiriocriticismo.
Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2007. v. 5.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 201


© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
UNIDADE 4
KARL MARX E O
MATERIALISMO HISTÓRICO E
DIALÉTICO

Objetivos
• Apresentar as críticas do sistema marxista ao idealismo hegeliano; aos eco-
nomistas clássicos; ao socialismo utópico; à esquerda hegeliana.
• Compreender as bases filosóficas e sociológicas do materialismo histórico.
• Refletir sobre os conceitos de meios de produção, força produtiva, modo
de produção e relações de produção.
• Contextualizar o materialismo dialético na obra de Marx.
• Apresentar o capital e seu sistema de acumulação.
• Compreender o comunismo e o significado da “ditadura do proletariado”.
• Conceituar algumas insuficiências das categorias marxistas.

Conteúdos
• Críticas do sistema marxista ao idealismo hegeliano; aos economistas clás-
sicos; ao socialismo utópico; à esquerda hegeliana.
• Materialismo histórico: infraestrutura e superestrutura.
• Conceitos de meios de produção, força produtiva, modo de produção e
relações de produção.
• Materialismo dialético.
• A luta de classes como motor da história.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 203


• As contradições presentes em cada modo de produção: modelos escravis-
ta, feudal e capitalista.
• Valor de uso e valor de troca das mercadorias.
• O trabalho como mercadoria.
• Conceito de mais-valia e a lógica da acumulação de capital.
• Governo do proletariado e modo de produção comunista.
• Insuficiência de algumas categorias do marxismo.

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir:

1) Não se limite ao conteúdo desta obra. Após conhecer o conteúdo des-


ta unidade, leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie e
aprofunde os temas abordados.

2) Busque outras informações em sites confiáveis e/ou nas referências biblio-


gráficas apresentadas ao final de cada unidade. Mantenha contato com
seu tutor.

3) A presente unidade leva em consideração um estudo específico sobre o


pensamento de Karl Marx – e não das centenas de interpretações feitas
sobre esse autor na história. Antes de tudo, é preciso atentar-se para o
seguinte ponto: o pensamento de Marx não se reduz aos socialismos de
Estado aplicados pelas nações tipicamente rotuladas como “comunistas”.
Por isso, antes da leitura, torna-se essencial colocar de lado as pré-noções
já existentes sobre “marxismo” e “comunismo” para que a sua leitura seja
academicamente proveitosa.

4) Para complementar os estudos da unidade, sugerimos a leitura dos se-


guintes livros da “Coleção Primeiros Passos”: O que é socialismo (Arnaldo
Spindel), O que é comunismo (Arnaldo Spindel), O que é marxismo (José
Paulo Netto), O que é capitalismo (Afrânio Mendes Catani) e Um toque
de clássicos: Marx, Durkheim e Weber (Tania Quintaneiro, Maria Ligia de
Oliveira Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira). Por fim, reco-
mendamos dois clássicos sobre o assunto: A Revolução dos Bichos (George
Orwell) e Germinal (Émile Zola).
UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

5) Para complementar a unidade por meio da linguagem cinematográfica,


recomendamos alguns filmes. Sobre o contexto da obra de Marx: Capita-
lismo: uma história de amor (EUA, 2009), Eles não usam black-tie (Brasil,
1981), A classe operária vai ao Paraíso (Itália, 1971), Tempos modernos
(EUA, 1936), Os companheiros (Itália, 1963), Germinal (França, 1993),
Peões (Brasil, 2004), O jovem Karl Marx (França, Alemanha, Bélgica, 2017),
A revolução dos Bichos (EUA, 1999), Nós que aqui estamos, por vós es-
peramos (Brasil, 1998). Sobre o contexto do marxismo na história: Reds
(EUA, 1981), O assassinato de Trotsky (Itália, 1974), Stalin (EUA, 1992), O
encouraçado de Potemkin (União Soviética, 1925), A greve (União Sovié-
tica, 1925)

6) Como material introdutório, também sugerimos que você assista aos se-
guintes vídeos:
• FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO. Adam Smith e Karl Marx: Liberalismo e
Socialismo. Globo Ciência. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=QOmFyRpTvFM&t=19s>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• RAGO FILHO, A. A crítica do idealismo em Marx e Engels. IV Curso Li-
vre Marx-Engels. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=juhXSI3Jb7k>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• GHIRALDELLI, P. Chega de ler Marx de modo errado! Disponível em: <htt-
ps://www.youtube.com/watch?v=OhyvthbhvWU>. Acesso em: 19 nov.
2019.
• UNIVESP. Clássicos da Sociologia: Karl Marx. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=2DmlHFtTplA>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• PRADO, E. Curso: O capital, de Marx – Aula 01. 2017. Disponível em: <htt-
ps://www.youtube.com/watch?v=4uo_wkYMK_s>. Acesso em: 19 nov.
2019.
• PAULANI, L. Curso: O capital, de Marx – Aula 02. 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=T9x0gFHuON4>. Acesso em: 19 nov.
2019.
• CARCANHOLO, M. Curso: O capital, de Marx – Aula 03. 2017. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=6JYKsqECnoI>. Acesso em: 19
nov. 2019.
• GRESPAN, J. Curso: O capital, de Marx – Aula 4. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=u-YgbuJB7Ck&index=1&list=PLHiE8QPap5vQ
kpEnx192YpqOnAdbSY2Cb>. Acesso em: 19 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 205


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

• SÃO PAULO (Estado). Encontro do século – Smith e Marx. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=WnZs9xrDM0k>. Acesso em: 19 nov.
2019.
• PAULO NETTO, J. Ideologia em Marx, Engels e Lukács. 2016. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=PO42EKGODCA>. Acesso em: 19
nov. 2019.
• ______. Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=taiKSqF0-NM>. Acesso em: 19 nov. 2019.
• ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO. Karl Marx – documentário Filósofos e a Educação.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lG65HHIM6Ws>.
Acesso em: 19 nov. 2019.
• BBC RADIO; THE OPEN UNIVERSITY. Karl Marx, Alienação. 2015. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=gpiZaj_WS1E>. Acesso em: 19
nov. 2019.
• PAULO NETTO, J. Obra marxiana x tradição marxista. Disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=_AlYXnBoaRc>. Acesso em: 19 nov.
2019.
• BARROS FILHO, C. Por que ler Marx? 2015. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=m93ihi0DIgE>. Acesso em: 10 out. 2018.

206 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

1. INTRODUÇÃO
Segundo Oliveira (2010, p. 273), o
filósofo, cientista social, economista e re-
volucionário Karl Heinrich Marx (Figura 1)
nasceu em Trier, Alemanha, em 5 de maio
de 1818. Estudou na Universidade de Ber-
lim, interessando-se principalmente pelas
ideias do filósofo Georg Friedrich Hegel.
Formou-se pela Universidade de Jena em
Figura 1 Karl Marx.
1814.
Em 1843, transferiu-se para Paris, na França. Lá conheceu
Friedrich Engels, um radical alemão de quem se tornaria amigo
íntimo e com quem escreveria vários ensaios e livros. Influencia-
do por ideias socialistas, de 1845 a 1848 viveu em Bruxelas, Bél-
gica, onde participou de organizações clandestinas de operários
e exilados (OLIVEIRA, 2010, p. 273).
Em 1847, redigiu com Engels o Manifesto do Partido Comu-
nista. Em 1848, quando eclodiram movimentos revolucionários
em vários países europeus, Marx voltou à Alemanha, onde edi-
tou a Nova Gazeta Renana, primeiro jornal diário francamente
socialista e que procurava orientar as ações do proletariado ale-
mão. Com o fracasso da revolução, Marx e Engels fugiram para
Londres, Inglaterra, onde viveram pelo resto da vida (OLIVEIRA,
2010, p. 273).
Em 1864, fundaram a Associação Internacional dos Tra-
balhadores – depois denominada Primeira Internacional – com
o objetivo de lutar pelos direitos dos trabalhadores em todo o
mundo. Em 1867, Marx publicou o primeiro volume de sua obra
mais importante, O capital, no qual faz uma crítica radical ao

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 207


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

capitalismo e à sociedade burguesa. Entre suas principais obras


estão: Miséria da filosofia (1847), O dezoito brumário de Luís Bo-
naparte (1852) e O capital (1867-1894). Em parceria com Engels,
escreveu: A sagrada família (1844), A ideologia alemã (1845-
1846) e o Manifesto do Partido Comunista (1847).
Sem dúvida alguma, estamos diante de um autor que cau-
sa tanto admiração como incômodo, muito por conta do que foi
falado sobre ele. Mas é justamente esse ponto que merecerá a
nossa atenção: o que Marx falou e o que falaram sobre ele?
Para esclarecer essa questão, Raymond Aron, pensador li-
beral e inveterado leitor de Marx, propõe, na obra O marxismo
de Marx, uma distinção interessante que nos servirá como re-
flexão inicial: há alguma diferença entre aqueles que estudam o
que Marx escreveu e entre aqueles que interpretam seus escri-
tos? Para Aron, sim; e segundo o autor, em torno do pensamento
de Marx, há três grupos de estudiosos:
• Marxistas: aqueles que interpretam Marx de maneira
radical e ortodoxa, porém segundo os seus interesses
ou finalidades (ARON, 2005).
• Marxianos: aqueles que se remetem diretamente ao
pensamento de Marx, negando-se a promover interpre-
tações secundárias do autor (ARON, 2005).
• Marxólogos: especialistas sobre o pensamento e sobre a
interpretação científica da obra de Marx (ARON, 2005).
Uma das questões básicas para a leitura da obra de Marx
é, portanto, estudá-la sem preconceitos. Seria um erro grotesco
reduzir o pensamento do autor aos regimes autointitulados “co-
munistas”, tal como testemunhamos a partir do século 20. Sobre
isso, três observações precisam ser pontuadas:

208 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

• Se tomarmos como exemplo a Revolução Russa, pode-


remos perceber alguns distanciamentos do pensamen-
to de Marx. O modelo econômico da antiga Rússia dos
czares – anterior à Revolução de 1917 – era eminente-
mente rural. Levando em consideração o materialismo
dialético, um modelo econômico só pode ser substituí-
do por outro quando, em seu interior, já não conseguir
mais superar as crises decorrentes das lutas de classes.
Ou seja, o escravismo e o feudalismo – para Marx – só
foram substituídos quando não conseguiram mais pro-
mover relações de produção estáveis. O problema é
que, no caso da Rússia pré-revolucionária, não existia
sistema capitalista e industrial – e sim rural. Portanto,
pergunta-se: como promover uma revolução comunis-
ta – aos moldes propostos por Marx – sem a existência
de um sistema econômico capitalista avançado? Temos,
portanto, um primeiro empecilho que não nos permite
imediatamente identificar todo o projeto da Revolução
Russa como obra de Marx.
• A obra de Marx não é anticapitalista, mas “pós-capitalis-
ta”. Ou seja, por mais que a sua conclusão seja, enfim, a
superação do capitalismo, Marx não se nega a avaliar o
capitalismo por ele mesmo e partir de sua lógica liberal.
Ou melhor, ele não nega a existência ou a validade do
capitalismo como modo de produção, mas afirma a pos-
sibilidade de sua substituição quando não puder mais
manter a estabilidade das classes. Esse é um ponto cru-
cial para compreendermos o limite que separa a figura
de Marx como “sociólogo” da de “profeta” da salvação
ou destruição. Essa noção separa, inclusive, um estudo
sério sobre Marx de uma leitura fanática. Aron (2005),

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 209


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

por exemplo, embora liberal e detentor de sérias crí-


ticas a Marx, não economiza vocabulário para falar da
importância da obra O capital. Por exemplo, na obra o
Ópio dos intelectuais, Aron (1980) argumenta que, se
a religião é o ópio do povo, então o marxismo é o ópio
dos intelectuais. No entanto, em Etapas do pensamento
sociológico também diz:
Uma última palavra: na conclusão da primeira parte, afirmo
pertencer à escola dos sociólogos liberais, de Montesquieu,
Tocqueville […]. Faço-o com uma certa ironia (“descendente
retardado”) que escapou aos críticos deste livro, já publicado
nos Estados Unidos e na Inglaterra. Contudo, parece útil acres-
centar que nada devo à influência de Montesquieu ou de Toc-
queville, cujas obras só estudei com seriedade nos últimos dez
anos. Por outro lado, há trinta e cinco anos que leio e releio as
obras de Marx. […] Cheguei a Tocqueville a partir do marxis-
mo, da filosofia alemã e da observação do mundo atual. Nunca
hesitei entre A democracia na América e O capital. […] Quase
que a despeito de mim mesmo, continuo a me interessar mais
pelos mistérios de O capital do que pela prosa límpida e triste
de A democracia na América. Minhas conclusões pertencem à
escola inglesa, minha formação vem sobretudo da escola alemã
(ARON, 2000, p. 12).

• O próprio Marx, enfim, em determinado momento de


sua trajetória, já não se considerava mais “marxista”.
Essa curiosa informação é repassada por Engels em
diversas de suas cartas, que testemunham a seguinte
frase dita por Marx: “tudo o que sei é que não sou mar-
xista”. Segundo Engels, essa afirmação fazia referência
a um tipo de marxismo desenvolvido na França e que
não estava de acordo com as opiniões do próprio Marx.
Vejamos um trecho dessa carta, que se trata na verda-
de de um artigo enviado para publicação aos editores

210 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

do Jornal Der Sozialdemokrat (O Social-Democrata), em


7 de setembro de 1890, mas que tinha como objetivo
ser uma resposta aos editores do Sächsische Arbeiter-
-Zeitung (Jornal dos Trabalhadores da Saxônia):
Teoricamente eu encontrei nele [isto é, na edição do jornal
Sächsische Arbeiter-Zeitung] – e isso, em geral, para o resto da
imprensa de “oposição” – um “marxismo” freneticamente dis-
torcido, marcado, por um lado, por um considerável mal-enten-
dido do ponto de vista que ele afirmava representar; por outro,
por uma ignorância grosseira dos fatos históricos decisivos em
todas as ocasiões; e, em terceiro lugar, pelo conhecimento de
sua própria superioridade incomensurável que, tão vantajosa-
mente, distingue os escritores alemães. Marx previu esses dis-
cípulos quando teve que dizer isto no final dos anos setenta
sobre o “marxismo” entre certos franceses: “tout ce que je sais,
c’est que moi, je ne suis pas marxiste” – “Eu sei apenas que não
sou um ‘marxista’” (ENGELS, 2010d, p. 70, tradução nossa).

Em outras cartas, Engels descreve o mesmo fato. Em carta


de Friedrich Engels a Eduard Bernstein, em 2-3 de novembro de
1882, ele escreve o seguinte:
Agora, o que é conhecido como “marxismo” na França é, na
verdade, um produto totalmente peculiar – tanto que Marx dis-
se uma vez a Lafargue: “Ce qu’il y a de certain c’est que moi, je
ne suis pas Marxiste” [O que é certo é que eu não sou Marxista]
(ENGELS, 2010b, p. 356, tradução nossa).

Em carta a Conrad Schimidt, em 5 de agosto de 1890, En-


gels afirma algo semelhante: “Como disse Marx sobre os marxis-
tas franceses no final dos anos setenta: ‘Tout ce que je sais, c’est
que je ne suis pas Marxiste’ [Tudo o que sei é que não sou mar-
xista]” (ENGELS, 2010a, p. 7, tradução nossa). Por fim, em carta
de Engels a Paul Lafargue, em 27 de agosto de 1890, também diz
praticamente a mesma coisa:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 211


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Esses nobres se interessam pelo marxismo, embora do tipo [de


marxismo] que você conheceu na França há dez anos e do qual
Marx disse: “Tudo o que sei é que não sou marxista”. E ele di-
ria, sem dúvida, sobre essa nobreza o que Heine disse sobre
seus imitadores: “Eu semeei dragões e colho pulgas” (ENGELS,
2010c, p. 22, tradução nossa).

O pensamento de Marx é tão vasto quanto a sua herança.


Bárbara Freitag (1993), por exemplo, apresenta uma configura-
ção interessante sobre a herança e a diversidade das correntes
marxistas no século 20, demonstrando, com isso, o quanto se
deve evitar reduzir Marx às interpretações marxistas. Confira os
Quadros 1 e 2 a seguir:

Quadro 1 Ideólogos do Socialismo de Estado.


Grupos e represen- Interpretações e atitudes com relação ao pensamento de
tantes Marx

Negam o caráter revolucionário dos eventos dramáticos


I. Stalinistas acontecidos nas sociedades do Leste a partir da queda do
muro de Berlim (1989) e defendem o status quo anterior
(Stalin e outros) dessas sociedades (socialismo de Estado) como a autêntica
realização do marxismo.

Mais realistas que os stalinistas, chegam até admitir o


caráter revolucionário dos eventos históricos em questão,
II. Leninistas mas lhes atribuem o caráter de uma reforma autocorretiva,
(Lênin, Mikhail Gor- no interior do próprio processo revolucionário, isto é, ele
bachev e outros) continua sendo interpretado, em termos ortodoxos, como
sequência de lutas de classe que necessariamente desem-
bocariam na sociedade comunista do futuro.

212 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Grupos e represen- Interpretações e atitudes com relação ao pensamento de


tantes Marx

III. Comunistas refor- Defendem a teoria da terceira via e criticam toda revolução
mistas bolchevista como sendo uma falsificação do verdadeiro
socialismo. Criticam a estatização e sugerem uma democra-
(Alexander Dubcek e tização dos processos políticos que leve a uma socialização
outros) democrática dos meios de produção.

Fonte: adaptado de Freitag (1993, p. 37).

Quadro 2 Representantes do Marxismo Ocidental


Interpretações e atitudes com relação ao pensamen-
Grupos e representantes
to de Marx

Pertencem aos marxistas ocidentais que, apesar de


uma permanente autocrítica, continuam fixados em
I. Socialistas de Esquerda uma interpretação estritamente marxista dos proces-
sos societários. O Estado democrático é desprezado
como invenção burguesa.

Reconhecem a validade do Estado democrático como


forma política para conquistar a melhoria das con-
II. Reformistas socialde- dições de vida de todos os membros da sociedade,
mocratas dentro das condições atuais da produção. Abando-
nam o paradigma da luta de classes e da concepção
(Karl Renner, Otto Bauer e dogmática da estrutura de classes das sociedades
outros) contemporâneas, apesar de permanecerem presos
ao paradigma da produtividade a todo preço e do
crescimento econômico.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 213


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Interpretações e atitudes com relação ao pensamen-


Grupos e representantes
to de Marx

Representam uma corrente do pensamento que se


III. Esquerda não comu- formou com a absorção de Marx nas universidades,
nista fazendo de sua teoria um componente, entre outros,
(C. Offe, P. Bourdieu, C. dos currículos acadêmicos. Conduziu a novos esque-
Castoriadis, A. Touraine, J. mas interpretativos que não se atenham simples-
Habermas e outros) mente à superfície dos processos de modernização
restrita à razão instrumental.

Fonte: adaptado de Freitag (1993, p. 38).

Portanto, a presente unidade é um convite para conhecer-


mos o pensamento do Marx “sociólogo e economista” – e não do
Marx “político e politizado”. Pretendemos extrair de Marx o que
foi e ainda é fundamental para as Ciências Sociais – e não aquilo
que é objeto de culto ou condenação de grupos de “esquerda”
ou de “direita”.
Isso não quer dizer que o pensamento sociológico de Marx
não tenha limitações; pelo contrário, autores como Max Weber
e Habermas, por exemplo, derrubam diversos pilares do pensa-
mento marxista. Mas isso não faz de Marx, em hipótese algu-
ma, prescindível para a compreensão da sociedade. Portanto, ler
Marx é fundamental.

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú-
do Digital Integrador.

214 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

2.1. AS ORIGENS DO MATERIALISMO DE MARX

De modo geral, a filosofia de Karl Marx (1818-1883) é ma-


terialista não apenas por conta de sua negação ao transcendente
ou à metafísica clássica, mas sim por acreditar que a compreen-
são da sociedade só pode ser realizada de modo imanente, isto
é, levando-se em consideração as condições materiais das rela-
ções produtivas da própria sociedade.
O pensamento de Marx foi formado por uma série de crí-
ticas filosóficas dirigidas especialmente ao idealismo de Hegel,
como também pelo contato das obras dos economistas clássi-
cos, dos críticos da chamada “esquerda hegeliana” e dos repre-
sentantes do socialismo utópico. Tratemos desses fatores em
detalhe.

Crítica ao idealismo de Hegel


Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), autor alemão,
foi o responsável por introduzir na Filosofia uma inovadora no-
ção de razão: ao contrário do cogito cartesiano – fechado numa
concepção subjetiva e a-histórica –, ele propõe uma modalidade
de razão histórica e construída no tempo. Com isso, partindo do
pressuposto kantiano de que a consciência (ou o sujeito) inter-
fere ativamente na construção da realidade, o autor apresenta
uma “filosofia do devir” – ou, como ficou conhecida posterior-
mente, a “dialética” hegeliana.
Para Hegel, portanto, o “ser” está em constante transfor-
mação, donde surge a necessidade de fundar uma nova lógica
que não parta do princípio de identidade (A = A), que é estático,
mas do princípio de contradição (A ≠ A), para dar conta da dinâ-
mica do real. Essa é a própria dialética, que se processa enquan-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 215


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

to tese, antítese e síntese, isto é, enquanto aspecto relacional.


Nesse sentido, a dialética é o método por excelência do pensa-
mento de Hegel. Segundo Reale e Antisere (2007, p. 106):
o coração da dialética se torna assim o movimento, e precisa-
mente o movimento circular ou em espiral, com ritmo triádico.
Os três momentos do movimento dialético são: 1) a tese, que
é o momento abstrato ou intelectivo; 2) a antítese, que é um
momento dialético (em sentido estrito) ou negativamente ra-
cional; 3) a síntese, que é o momento especulativo ou positiva-
mente racional.

A partir dessa racionalidade dialética, Hegel desenvolveu


também um novo conceito de história, compreendida não como
uma simples acumulação ou justaposição de fatos, mas como
resultado de um processo da Razão, cujo motor interno são as
contradições presentes na própria história. Ou seja, o presente é
a síntese de um longo processo de contradições do passado. Por
esse movimento, a Razão passa por todos os graus de evolução
(tese, antítese e síntese), desde a natureza inorgânica, a natureza
viva, a vida humana individual até a vida social.
Ao explicar o movimento gerador da realidade, Hegel de-
senvolveu uma dialética idealista: a racionalidade não é mais um
modelo a se aplicar, mas é o próprio tecido do real e do pensa-
mento. O mundo passa a ser, então, a manifestação da Razão,
ou seja, a verdade deixa de ser um fato para se tornar um resul-
tado do desenvolvimento do Espírito. A Razão nasce, portanto,
quando a consciência adquire a certeza de ser toda a realidade,
por meio das etapas fenomenológicas desse processo dialético.
É esta uma contribuição fundamental de Hegel: a defesa de uma
concepção processual e idealista de tudo o que existe na história.
Essa tese pode ser muito bem ilustrada pelo conhecido jar-
gão hegeliano: “o que é racional [ideal] é real e o que é real é

216 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

racional [ideal]” (HEGEL, 1997, Prefácio, p. XXXVI). Com isso, não


só a realidade, mas também a própria história é uma produção
ideal e teleológica: “o único pensamento que a filosofia aporta
é a contemplação da história; é a simples ideia de que a razão
governa o mundo, e que, portanto, a história universal é também
um processo racional” (HEGEL, 1995, p. 17).
Marx reconhece a importância da dialética da contradição
como motor da realidade: “é precisamente nisso, no entanto,
que reconhecemos sua profundidade, no fato de que ele co-
mece, em toda parte, pela oposição das determinações […] e
as acentue em seguida” (MARX, 2010a, p. 73). No entanto, nas
obras Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e Contribuição à Crí-
tica da Economia Política, promove uma ruptura definitiva com
o sistema hegeliano, crítica essa que acabou enveredando todo
o seu pensamento:
Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as
relações jurídicas, bem como as formas de Estado, não podem
ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução ge-
ral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas
raízes nas condições materiais de existência, em suas tota-
lidades, condições estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e
franceses do século 18, compreendia sob o nome de “socieda-
de civil”. Cheguei também à conclusão de que a anatomia da
sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política
(MARX, 2008, p. 47)

Como se pode observar, Marx nega qualquer forma de ge-


neralização dos conceitos como forma explicativa da realidade.
Para ele, o erro da dialética de Hegel diz respeito ao modo como
ela foi inversamente construída, valorizando mais a “consciência
do real” do que o “real da consciência”. Em A ideologia alemã,
juntamente com Engels, afirma o cerne da crítica ao pensamento
hegeliano: “não é a consciência que determina a vida, mas a vida

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 217


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

que determina a consciência” (MARX; ENGELS, 2007, p. 94). Em


trecho do texto Teses sobre Feuerbach, Marx dita então qual se-
ria a nova aplicabilidade da dialética: “os filósofos apenas inter-
pretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que impor-
ta é transformá-lo” (MARX, 2007, p. 539). Enfim, no posfácio da
segunda edição alemã da obra O capital, Marx também afirma:
Meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é tam-
bém a sua antítese direta. Para Hegel, o processo de pensamen-
to, que ele, sob o nome de ideia, transforma num sujeito au-
tônomo, é o demiurgo do real, real que constitui apenas a sua
manifestação externa. Para mim, pelo contrário, o ideal não é
nada mais que o material, transposto e traduzido na cabeça do
homem (MARX, 1996a, p. 140).

De acordo com Marx, a filosofia de Hegel interpreta o mun-


do de maneira invertida, como se as instituições sociais (Estado,
religião, família, universidade, representatividades jurídicas etc.)
fossem o resultado de uma evolução da razão que, em deter-
minados momentos históricos, ganha consciência e se objetiva
na coletividade. Nesse sentido, para Marx, a tese de que a rea-
lidade social deriva de puras necessidades racionais nada mais
é do que uma forma ideológica de legitimação da ordem exis-
tente. Enquanto para Hegel os sujeitos são meros predicados da
substância mística universal, para Marx os sujeitos reais são os
responsáveis pela formação das ideias: “Do mesmo modo que a
religião não cria o homem, mas o homem cria a religião, assim
também não é a constituição que cria o povo, mas o povo a cons-
tituição” (MARX, 2010a, p. 50).
Em síntese, na opinião de Marx, Hegel não deve ser re-
provado por tentar descrever as características do Estado, mas
sim por justificar a formação material do Estado a partir de uma

218 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

essência de Estado predefinida – argumentação que se estende


para todas as outras instituições.

Crítica aos economistas clássicos


Outra crítica desenvolvida por Marx diz respeito ao méto-
do dos economistas ingleses do século 18 (Adam Smith e David
Ricardo), que acertaram ao adotar a economia política da socie-
dade burguesa como chave interpretativa da história antiga, mas
que erraram ao generalizar o modo de produção burguês como
único meio possível para a organização social, o que resultou no
desaparecimento das diferenças históricas de classes e na com-
preensão do trabalho como uma categoria independente da his-
tória concreta:
A economia burguesa fornece a chave da economia antiga, etc.
Porém, não conforme o método dos economistas, que fazem
desaparecer todas as diferenças históricas e veem a forma bur-
guesa em todas as formas de sociedade (MARX, 2008, p. 264).

Ou seja, ao universalizar o modo de produção burguês e


sua respectiva noção de trabalho (trabalho em geral), os econo-
mistas ocultam a alienação inerente à forma de produção exis-
tente entre trabalho e trabalhador. Nesse sentido, a Economia
Política liberal toma como eternas as leis que ela mesma criou,
atribuindo como natural – e, portanto, absoluto e imutável – um
sistema de relações existentes e próprias de um determinado
período histórico. Logo, para Marx, torna-se ideologia justamen-
te porque transforma o fato histórico em dogma:
A economia política parte do fato dado e acabado da proprie-
dade privada. Não nos explica o mesmo. Ela percebe o proces-
so material da propriedade privada, que passa, na realidade
(Wirklichkeit), por fórmulas gerais, abstratas, que passam a va-
ler como leis para ela. Não concebe estas leis, isto é, não mostra

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 219


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

como têm origem na essência da propriedade privada. A eco-


nomia política não nos dá esclarecimento algum a respeito do
fundamento da divisão entre trabalho e capital, entre capital e
terra (MARX, 2010b, p. 79).

Marx continua a sua crítica ao demonstrar que, segundo o


sistema econômico liberal, a máxima produção da riqueza equi-
vale ao empobrecimento máximo do operário: em direção opos-
ta aos economistas clássicos, ele inverte a lógica da economia
liberal e enfatiza que o trabalho deve ser compreendido a partir
do capital, e não o contrário.
Para isso, Marx demonstrou que a propriedade privada,
apesar de central na economia, não é uma lei eterna, mas um
fato histórico, decorrente de um processo social de expropriação
do operário, cujos resultados seriam a alienação e a reificação do
trabalhador. A pergunta retórica feita por Marx, já no início da
seção I de Manuscritos econômico-filosóficos, diz bastante sobre
essa lógica: “em que se baseia o capital, isto é, a propriedade
privada dos produtos do trabalho alheio?” (MARX, 2010b, p. 39).
Fica claro, portanto, que o autor precisará oferecer outra forma
de explicação do processo trabalho-capital.

Crítica ao socialismo utópico


Em Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels mais
uma vez dirigem críticas ao conservadorismo econômico, desta
vez aos representantes do socialismo utópico (Babeuf,
Saint-Simon, Fourier, Owen).
Marx e Engels reconhecem a importância de tais autores,
uma vez que “os fundadores desses sistemas compreendem
bem o antagonismo das classes, assim como a ação dos ele-
mentos dissolventes na própria sociedade dominante” (MARX;

220 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

ENGELS, 2005, p. 66). No entanto, incorreram num gravíssimo


erro ao supor que as soluções para tais antagonismos pudessem
passar por vias estranhas à classe dos próprios trabalhadores:
“não percebem no proletariado nenhuma iniciativa histórica,
nenhum movimento político que lhes seja peculiar” (MARX; EN-
GELS, 2005, p. 66).
É nesse sentido que essa modalidade de socialismo desem-
boca em uma posição utópica, pois seus representantes criticam
a sociedade capitalista, condenam as suas relações de produção,
afirmam a alienação das classes trabalhadoras, mas, no final,
não conseguem propor soluções efetivas para a superação das
desigualdades sociais:
Como o desenvolvimento dos antagonismos de classes acom-
panha o desenvolvimento da indústria, não distinguem tam-
pouco as condições materiais da emancipação do proletaria-
do e põem-se à procura de uma ciência social, leis sociais que
permitem criar essas condições. Substituem a atividade social
por sua própria imaginação pessoal; as condições históricas da
emancipação por condições fantásticas; a organização gradual
e espontânea do proletariado em classe por uma organização
da sociedade pré-fabricada por eles (MARX; ENGELS, 2005, p.
66).

Para Marx e Engels, portanto, a vacuidade das propostas


do Socialismo utópico, camuflada por teorias impactantes, po-
rém estéreis, também acaba conservando o status quo e a lógica
do capitalismo. Em contraposição ao socialismo utópico, Marx e
Engels apresentam o socialismo científico, que, ao contrário das
filosofias anteriores, não só descobriu a lei do desenvolvimento
do capitalismo, como também propõe uma agenda de mudanças
sociais pautada na própria ação da classe trabalhadora.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 221


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Crítica à esquerda hegeliana


Tradicionalmente, costumou-se classificar como “esquer-
da hegeliana” ou “jovens hegelianos” aquele grupo de autores
(Bruno Bauer, Max Stirner, Ludwig Feuerbach) que, inspirados
na dialética de Hegel, preferiram não justificar o cristianismo e
o Estado a partir do idealismo ortodoxo – isto é, da fenomeno-
logia ou evolução máxima da racionalidade do Espírito –, como
assim fazia a “direita hegeliana” (Karl F. Göschel, Kasimir Conra-
di, Georg Gabler). Ao contrário, procuraram explicar a existência
das relações socioeconômicas a partir de questões materiais e
humanas.
Todavia, para Marx, as posições da esquerda hegeliana
eram insuficientes para a explicação da realidade social, porque,
apesar de esses autores se distanciarem do idealismo ortodo-
xo, ainda assim afirmavam que a transformação social dependia
de uma mudança de consciência mais humanizada. Max Stirner,
por exemplo, deixa claro essa postura ao enfatizar a importân-
cia de um individualismo anárquico em face de uma sociedade
administrada:
Todas as verdades abaixo de mim me são caras, mas não conhe-
ço nenhuma verdade acima de mim. Para mim, não existe ver-
dade, porque nada vale mais do que eu! Nem a minha essência,
nem a essência do homem valem mais do que eu (STIRNER,
2009, p. 458-459).

Nas obras A sagrada família e A ideologia alemã, Marx, em


companhia de Engels, direciona críticas diversas a Bruno Bauer,
Stirner e Feuerbach. De modo geral, afirmam que a exigência hu-
manista dos hegelianos de esquerda, bem como a crítica político-
-econômica que exercem, apesar de eloquente, não está direcio-
nada ao mundo real, mas ao combate de ideias. Por isso, ainda
estão limitados ao sistema hegeliano e, portanto, ideológico:

222 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Os jovens-hegelianos, consequentemente, propõem aos ho-


mens o seu postulado moral de trocar sua consciência atual
pela consciência humana, crítica ou egoísta e de, por meio
disso, remover suas barreiras. Essa exigência de transformar a
consciência resulta na exigência de interpretar o existente de
outra maneira, quer dizer, de reconhecê-lo por meio de uma
outra interpretação. Os ideólogos jovens-hegelianos, apesar de
suas fraseologias que têm a pretensão de “abalar o mundo”,
são os maiores conservadores (MARX; ENGELS, 2007, p. 84).

Portanto, também os hegelianos de esquerda conservam


(ao menos indiretamente) a ideologia burguesa, uma vez que se-
param a teoria da prática, desvinculando as condições da liberta-
ção social das ideias que defendem. É justamente nessa separa-
ção que reside a manutenção do status quo: “a ‘libertação’ é um
ato histórico e não um ato de pensamento, e é ocasionada por
condições históricas, pelas condições da indústria, do comércio,
da agricultura, do intercâmbio” (MARX; ENGELS, 2007, p. 29).

As leituras indicadas no Tópico 3. 1 apresentam as ori-


gens do pensamento de Marx a partir de diversas críticas de
Marx ao idealismo hegeliano, aos economistas clássicos, ao
socialismo utópico e aos hegelianos de esquerda. Neste mo-
mento, você deve realizar essas leituras para aprofundar o
tema abordado.

2.2. TRABALHO COMO ALIENAÇÃO

O ponto de partida do pensamento marxista concentra-se


em sua análise do trabalho nas sociedades industriais. Como já
observado – sobre o contexto do surgimento da Sociologia –, o
resplendor técnico e econômico alcançado pela Revolução In-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 223


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

dustrial não camufla a exploração da classe trabalhadora, entre-


gue às péssimas condições de produção.
Para construir seu pensamento, Marx retoma a concep-
ção de trabalho proposta por Hegel, segundo a qual ele deve ser
compreendido como um processo ou atividade peculiar do ser
humano.
Muito mais do que um simples afazer, o trabalho é a con-
dição da superação do desejo animal pela consciência do espíri-
to. Em Filosofia do espírito – ainda escrito em sua passagem por
Jena –, Hegel afirma o seguinte: “o trabalho como tal não é so-
mente uma atividade, mas sim uma atividade reflexionada em si,
produção” (HEGEL, 2006, p. 169, tradução nossa). Mais uma vez
utiliza-se da dialética como método explicativo: é pelo trabalho
que o sujeito racional (tese) se confronta com a natureza irracio-
nal (antítese) e, ao mesmo tempo em que a modifica, também
transforma a si mesmo (síntese): “O verdadeiro ser do homem é
a sua operação: nela, a individualidade é efetiva” (HEGEL, 1992,
p. 267).
Marx, por sua vez, concorda com Hegel quando caracteriza
o trabalho como via de humanização. Mais do que uma simples
tarefa, o trabalho – na concepção marxista – torna-se uma pro-
jeção da consciência reflexiva na própria ação realizada. Por isso,
“trabalhar” é próprio do ser humano: enquanto os animais ape-
nas se adaptam ao meio ambiente – ou às alterações que nele
ocorrem –, e não o transformam, o ser humano, ao contrário,
é capaz de transformar não só o seu próprio comportamento,
mas também o ambiente ao redor. Essa concepção distingue o
“fazer” animal do “trabalho” humano:

224 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a


abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a cons-
trução dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de an-
temão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu
o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do
processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início
deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto, ideal-
mente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da
matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural
seu objetivo (MARX, 1996a, p. 298).

O que caracteriza o trabalho para Marx é justamente o fato


de ele não ocorrer de maneira mecânica, e sim impulsionado por
uma consciência pensante que, ao lidar com a natureza, confere
à própria ação um significado racional, de modo que, como diria
Hegel, a “cega ação [da natureza] se converta em uma ação fina-
lista”, isto é, voltada para um fim (HEGEL, 2006, p. 169, tradução
nossa).
Logo, o trabalho é uma via de “humanização” porque, a
partir dele, o ser humano pode desenvolver sua potência racio-
nal e criativa – ao identificar na matéria inorgânica o resultado
de uma finalidade projetada anteriormente na consciência.
Todavia, segundo Marx, ao analisar o desenvolvimento das
condições de produção na história, pode-se observar que o tra-
balho deixou de ser há muito uma via de “humanização”. Pelo
contrário, o trabalho passou a ser uma “alienação”.
O termo “alienação” vem do latim alienare, que significa
“afastar”. O termo alienus, por exemplo, quer dizer “aquilo que
pertence a um outro”; e alius, simplesmente “outro”. Dessa ma-
neira, alienar, sob determinado aspecto, é tornar alheio, transfe-
rir para outrem o que é seu. Esse termo é utilizado tanto no Di-
reito (transferência da propriedade de um bem a outra pessoa),

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 225


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

como também na Psicologia (estado patológico do indivíduo que


se tornou alheio a si próprio). Na linguagem filosófica, o termo
foi usado pela primeira vez por Hegel para designar justamente
o processo pelo qual os indivíduos colocam suas potencialidades
nos objetos por eles criados. Trata-se, portanto, de uma exterio-
rização da criatividade humana e de sua capacidade de construir
algo.
Marx, por sua vez, admite que a alienação é própria do
contexto capitalista, no qual o indivíduo, após transferir sua
potencialidade para o seu produto, deixa de identificá-lo como
obra sua. Nesse caso, o operário não se identifica com aquilo
que produziu, transferindo essa autoria para o dono dos meios
de produção (COTRIM; FERNANDES, 2013).
Por conta disso, Marx se contrapõe à concepção de Hegel
ao afirmar que, apesar do trabalho desenvolver as potencialida-
des humanas, o modo como a sociedade capitalista o submete
ao contexto da propriedade privada acaba transformando-o em
algo constritivo e, portanto, alienado ao trabalhador. E afirma:
“Hegel se coloca no ponto de vista dos modernos economistas
sociais. Ele apreende o trabalho como a essência do homem que
se confirma; ele vê somente o lado positivo do trabalho, não seu
[lado] negativo” (MARX, 2010b, p. 124).
Com isso, em vez de potencializar a criatividade do operá-
rio, desumaniza-o, uma vez que o aspecto humanizador do tra-
balho é reificado, transformando o indivíduo em mercadoria nas
mãos do capital. A partir disso, nada para o trabalhador se tor-
na livre: o produto do seu trabalho lhe é arrancado, bem como
sua criatividade e humanidade. Ou seja, tudo se torna estranho
(alienado) a ele, desde aquilo que produz até mesmo a sua pró-
pria identidade de trabalhador e ser humano. O trabalho nega ao

226 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

trabalhador – fadado a trabalhar para sobreviver – todas as con-


dições que o deveriam realizar como humano; enfim, o trabalho
torna-se o seu castigo:
Em que consiste, então, a exteriorização [alienação] (Entäusse-
rung) do trabalho? Primeiro, que o trabalho é externo (äusser-
lich) ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser, que ele
não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele,
que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhu-
ma energia física ou espiritual livre, mas mortifica sua physis
e arruína o seu espírito. O trabalhador só se sente, por conse-
guinte e em primeiro lugar, junto a si [quando] não trabalha e,
quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é, por-
tanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho
não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um
meio para satisfazer necessidades fora dele. […] Finalmente, a
externalidade [alienação] do trabalho aparece para o trabalha-
dor como se [o trabalho] não fosse seu próprio, mas de um ou-
tro, como se [o trabalho] não lhe pertencesse, como se ele no
trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um outro (MARX,
2010b, p. 82-83).

Outra questão que contribui para a alienação do trabalha-


dor é a perda da noção do que está sendo produzido: ou seja,
uma vez que a divisão do trabalho e a fragmentação das funções
se tornaram centrais para a produção industrial, o trabalhador
perdeu a noção do produto em sua totalidade, sendo respon-
sável por apenas parte dele. Sobre o assunto, observe a tira da
Figura 2, de Bob Thaves:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 227


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Fonte: Thaves (1997).


Figura 2 Alienação do trabalhador.

A partir desse cenário, Marx concluiu que o ser humano


se torna livre apenas em suas funções instintivas (comer, beber,
vestir-se, morar em uma casa, procriar etc.), uma vez que, do
ponto de vista social, é frequentemente reduzido à condição ani-
mal e alienada. Ou seja, a alienação do trabalho faz com que o
indivíduo se torne mais pobre na mesma proporção em que a
riqueza é produzida:
O trabalhador se torna mais pobre quanto mais riqueza produz,
quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O
trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto
mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas
(Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalorização
do mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não produz
somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador
como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de
fato, mercadorias em geral (MARX, 2010b, p. 80).

Desse trecho citado decorrem, em síntese, dois concei-


tos fundamentais, o fetichismo da mercadoria e a reificação do
trabalhador:
• Fetichismo da mercadoria: diz respeito ao processo
pelo qual a mercadoria – um objeto inanimado – acaba
adquirindo mais vida do que quem a produz. De acordo

228 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

com Marx, isso acontece porque, na lógica capitalista,


os “valores de troca” se tornam maiores que os “valo-
res de uso”, determinando, assim, as relações humanas.
Ou seja, o critério de valor não está no produtor – ser
humano –, mas no produto. Logo, a vivacidade das re-
lações econômicas não ocorre no polo humano, mas no
plano das coisas (MARX, 1996a; 2010b).
• Reificação do trabalhador: se o fetichismo atribui vida
às coisas, a reificação – do latim res, “coisa” – diz res-
peito ao processo de transformação dos seres humanos
em coisas. Segundo Marx, a venda da força de traba-
lho faz do trabalhador um produto comercializável no
mercado capitalista. Nesse sentido, o produto não é de
quem de fato o produziu, mas de quem comprou força
de trabalho operária – isto é, o dono dos meios de pro-
dução (MARX, 1996a; 2010b).

As leituras indicadas no Tópico 3. 2 apresentam as prin-


cipais questões acerca do conceito de trabalho para Marx e
do diagnóstico sobre as condições alienadoras do trabalhador
na sociedade capitalista. Neste momento, você deve realizar
essas leituras para aprofundar o tema abordado.

2.3. O MATERIALISMO HISTÓRICO

As condições socioeconômicas que identificam a nature-


za do trabalho alienado (ou exteriorizado) levam Marx à apre-
sentação de outra teoria fundamental: o materialismo histórico.
Conforme apresentado anteriormente – ao menos de maneira

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 229


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

indireta, especialmente na crítica de Marx a Hegel –, a teoria do


materialismo histórico tem como objetivo compreender a orga-
nização econômica humana e suas relações produtivas na socie-
dade capitalista.
Ao contrário de Hegel, para Marx a razão – espírito uni-
versal – não condiciona as relações materiais e sociais, mas é
a própria produção social e econômica que determina o modo
de pensar dos homens. Conforme já citado em A ideologia ale-
mã, Marx também deixa claro essa inversão das teses hegelia-
nas em sua Contribuição à crítica da economia política: “não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário,
é o seu ser social que determina sua consciência” (MARX, 2008,
p. 47). Portanto, objetivamente falando, materialismo histórico
é a teoria segundo a qual “o modo de produção da vida mate-
rial condiciona o processo de vida social, política e intelectual”
(MARX, 2008, p. 47).
Essa concepção materialista de história é tão fundamental
para Marx que – sem incorrer em equívoco algum – podemos
caracterizá-la como o fio condutor de todo o pensamento mar-
xista: embora as relações humanas e sociais sejam geralmente
definidas em termos de “consciência”, “linguagem” ou “religião”,
para Marx o que realmente importa é a compreensão das condi-
ções materiais de existência. Ou seja, para estudar a sociedade
não se deve partir daquilo que os indivíduos pensam, mas do
modo como produzem os bens materiais:
A produção de ideias, de representações, da consciência, está,
em princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade ma-
terial e com o intercâmbio material dos homens, com a lingua-
gem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espi-
ritual dos homens ainda aparece, aqui, como emanação direta
de seu comportamento material. O mesmo vale para a produ-
ção espiritual, tal como ela se apresenta na linguagem da políti-

230 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

ca, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de um povo


(MARX; ENGELS, 2007, p. 93-94).

A partir do trecho citado, é possível perceber que Marx


menciona que a estrutura da sociedade é formada por dois ní-
veis: infraestrutura e superestrutura.

A infraestrutura
Esse nível está relacionado à base econômica e adminis-
trativa que reúne e orienta todas as condições materiais da vida
social. Ou seja, significa o modo pelo qual os seres humanos
se organizam na divisão do trabalho social para a produção da
riqueza, condicionando assim produção ideológica da socieda-
de (superestrutura): “a totalidade dessas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre
a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual
correspondem formas sociais determinadas pela consciência”
(MARX, 2008, p. 47).
Nesse caso, Marx caracteriza a infraestrutura a partir de
três fatores fundamentais:
• Forças produtivas: são as condições materiais de toda a
produção, que englobam tantos os elementos naturais
(clima, solo, água, matérias-primas etc.), como os técni-
cos (ferramentas, instrumentos, máquinas etc.) e os hu-
manos (mão de obra trabalhadora), sendo estes identi-
ficados por Marx como o principal elemento das forças
produtivas. O desenvolvimento da produção dependerá
da combinação e do uso desses diversos elementos, for-
mando, assim, de maneira correspondente, uma rela-
ção de produção específica (MARX, 1996a).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 231


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

• Relações de produção: dizem respeito às formas como


os seres humanos se organizam para a execução da ati-
vidade produtiva, estabelecendo a divisão do trabalho
social. Nesse sentido, as relações de produção se refe-
rem aos diversos modos de apropriação e distribuição
dos elementos presentes no processo do trabalho (isto
é, das forças produtivas: matéria-prima, instrumen-
tos, técnicas, os trabalhadores, o produto etc.) (MARX,
1996a).
• Modos de produção: trata-se das formas como tanto
as forças produtivas quanto as relações de produção
são organizadas e reproduzidas num determinado mo-
mento histórico. Ou seja, forças produtivas e relações
de produção variam de acordo com o período histórico.
Dessa forma, o modo de produção pode ser escravista
(como na Antiguidade), servil (como na Europa Feudal
da Idade Média) ou capitalista (como nas sociedades
modernas industriais) (MARX, 1996a).
Na perspectiva marxista, esses três fatores estão
inter-relacionados: “forças produtivas” e “relações de produ-
ção” são resultados das condições naturais e históricas da ativi-
dade produtiva, definindo, assim, o “modo de produção” daque-
la sociedade em determinado momento da história. No caso das
sociedades europeia industriais, tais fatores constituem, portan-
to, o modo de produção capitalista. Por isso, para Marx, o estudo
do modo de produção é fundamental para compreender como
uma sociedade se organiza e funciona. Para o autor, a passagem
de um modo de produção para outro é consequência de uma
dialética materialista da luta de classes (MARX; ENGELS, 2005).

232 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Superestrutura
Nível que constitui o caráter político e ideológico da socie-
dade, condicionado, por sua vez, pelos modos de produção da
infraestrutura: “os homens são os produtores de suas represen-
tações, de suas ideias e assim por diante, mas os homens reais,
ativos, tal como são condicionados por um determinado desen-
volvimento de suas forças produtivas” (MARX; ENGELS, 2007, p.
94). Além disso, a superestrutura também serve para justificar
a conservação do status quo e do modo de produção. Por ter
justamente essa dupla função, a superestrutura é formada basi-
camente por dois elementos:
• Estrutura político-jurídica: representada pelo Estado e
pelo Direito (leis), que, na opinião de Marx, estariam a
serviço da classe dominante: “as ideias da classe domi-
nante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é,
a classe que é a força material dominante da sociedade
é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”
(MARX; ENGELS, 2007, p. 47).
• Estrutura ideológica: representada pela forma como
os indivíduos se organizam a partir de uma consciência
social (crenças religiosas, literatura, artes, filosofia, teo-
rias científicas etc.). Nesse sentido, segundo Marx, as
expressões culturais refletem a ideologia da classe do-
minante, transformando-se em instrumentos de domi-
nação e justificação da ordem social existente: “A classe
que tem à sua disposição os meios da produção mate-
rial dispõe também dos meios da produção espiritual”,
de forma que “a ela estão submetidos aproximada-
mente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos
quais faltam os meios da produção espiritual” (MARX;
ENGELS, 2007, p. 47).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 233


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Para o materialismo histórico, portanto, as ideias da cons-


ciência (superestrutura) não são eternas, autoconscientes e
apartadas da realidade material, e sim elementos históricos e
contingentes, cuja razão de ser e pensar depende das relações
econômicas (infraestrutura) pelas quais são condicionadas. Em A
miséria da filosofia, Marx afirma:
Os mesmos homens que estabeleceram as relações sociais de
acordo com a sua produtividade material produzem, também,
os princípios, as ideias, as categorias de acordo com suas rela-
ções sociais. Assim, estas ideias, estas categorias são tão pouco
eternas quanto as relações que exprimem. Elas são produtos
históricos e transitórios (MARX, 1982, p. 106, grifo do autor).

Em síntese, o materialismo histórico parte do pressuposto


de que o modo de pensar da sociedade reflete a forma como os
homens organizam a produção social dos bens – e não o inverso:
“totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu
à terra, aqui se eleva da terra ao céu” (MARX; ENGELS, 2007, p.
94). Por conta disso, afirmar que a realidade histórica é moldada
pelas ideias nada mais é do que uma explicação ideológica, uma
vez que camufla os verdadeiros fundamentos da estrutura social.
Com isso, em A ideologia alemã, Marx e Engels afirmam:
O fato é, portanto, o seguinte: indivíduos determinados, que
são ativos na produção de determinada maneira, contraem en-
tre si estas relações sociais e políticas determinadas. A obser-
vação empírica tem de provar, em cada caso particular, empi-
ricamente e sem nenhum tipo de mistificação ou especulação,
a conexão entre a estrutura social e política e a produção. A
estrutura social e o Estado provêm constantemente do proces-
so de vida de indivíduos determinados, mas desses indivíduos
não como podem aparecer na imaginação própria ou alheia,
mas sim tal como realmente são, quer dizer, tal como atuam,
como produzem materialmente e, portanto, tal como desen-
volvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos

234 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

e condições materiais, independentes de seu arbítrio (MARX;


ENGELS, 2007, p. 93).

Logo, segundo Marx, o ponto sensível para toda e qualquer


transformação social não está localizado na superestrutura, mas
na infraestrutura de uma sociedade (forças produtivas, relações
de produção e modos de produção). Ou melhor, a solução não
se encontra na mudança de consciência, mas na alteração das
condições econômicas de produção: “a transformação que se
produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta
ou rapidamente toda a colossal superestrutura” (MARX, 2008, p.
47-48). Será justamente essa ideia que o levará à teoria do “ma-
terialismo dialético” e à concepção da luta de classes.

As leituras indicadas no Tópico 3. 3 apresentam as bases


conceituais do materialismo histórico de Marx, que leva em
consideração uma transformação não das ideias, mas da rea-
lidade concreta (modos de produção e relações de produção).
Neste momento, você deve realizar essas leituras para apro-
fundar o tema abordado.

2.4. O MATERIALISMO DIALÉTICO

A análise histórica, para Marx, apresenta-se como objeto


de pesquisa especial e privilegiado para a compreensão do de-
senvolvimento dos modos de produção da sociedade. Em nota
de rodapé de A ideologia alemã, os autores afirmam: “conhe-
cemos uma única ciência, a ciência da história” (MARX; ENGELS,
2007, p. 86). Como já enfatizado, há uma relação de condicio-
namento entre a infraestrutura econômica e a superestrutura

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 235


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

ideológica, cuja finalidade é justificar e manter o status quo. No


entanto, o materialismo histórico de Marx somente se completa
em outro materialismo: o dialético.
Sem dúvida alguma, Marx retoma de Hegel o seu conceito
de dialética e reconhece o esforço da filosofia hegeliana, espe-
cialmente por acentuar um método que tem como pressuposto
a “oposição das determinações” (MARX, 2010a, p. 73). No entan-
to, também propõe uma crítica pontual no que diz respeito ao
modo como a dialética é colocada em prática, conforme exposto
em O capital:
Para Hegel, o processo de pensamento, que ele, sob o nome
de ideia, transforma num sujeito autônomo, é o demiurgo do
real, real que constitui apenas a sua manifestação externa. Para
mim, pelo contrário, o ideal não é nada mais que o material,
transposto e traduzido na cabeça do homem. […] A mistificação
que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede, de modo
algum, que ele tenha sido o primeiro a expor as suas formas
gerais de movimento, de maneira ampla e consciente. É neces-
sário invertê-la, para descobrir o cerne racional dentro do invó-
lucro místico (MARX, 1996a, p. 140).

Como, para Marx, o ponto de partida de qualquer análise


social e histórica não se concentra na esfera das ideias (superes-
trutura), mas nos modos de produção material (infraestrutura),
a dialética também precisa ser igualmente invertida, de modo a
pensar o progresso da sociedade pelas contradições presentes
na própria esfera material e econômica.
Por isso, a filosofia idealista, segundo Marx, apresenta-se
como uma grande ideologia, uma vez que pretende entender o
mundo real e concreto como uma manifestação de uma razão
absoluta. Tal premissa não serviria para outra coisa senão a mis-
tificação das reais condições injustas e desumanas que o capita-

236 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

lismo impõe à classe trabalhadora. Por isso, apesar de Hegel não


ter ligação alguma com o capitalismo, o seu idealismo pressupõe
a existência de uma evolução racional que, na visão de alguns
liberalistas, objetiva-se na economia capitalista, propondo a pro-
priedade privada como lei eterna e imutável (MARX, 2008).
Segundo Marx e Engels (2007, p. 86-87):
Os pressupostos de que partimos não são pressupostos arbi-
trários, dogmas, mas pressupostos reais […]. São os indivíduos
reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aque-
las por eles já encontradas como as produzidas por sua própria
ação. Esses pressupostos são, portanto, constatáveis por via
puramente empírica.

Nesse sentido, por meio da dialética, Marx procurou com-


preender o desenvolvimento material e econômico das socieda-
des e de que forma os “modos de produção” foram concretiza-
dos em cada momento histórico. A dialética marxista permitiu
não apenas uma compreensão materialista da história, mas prin-
cipalmente dinâmica, na qual cada etapa não é vista como algo
estático e definitivo, mas transitório e guiado pela transforma-
ção humana:
Em sua configuração racional, é um incômodo e um horror para
a burguesia e para os seus porta-vozes doutrinários, porque, no
entendimento positivo do existente, ela inclui ao mesmo tempo
o entendimento da sua negação, da sua desaparição inevitável;
porque apreende cada forma existente no fluxo do movimento,
portanto também com seu lado transitório; porque não se dei-
xa impressionar por nada e é, em sua essência, crítica e revolu-
cionária (MARX, 1996a, p. 141).

Portanto, de acordo com Marx, as grandes transformações


históricas ocorrem primeiramente no âmbito da economia, cau-
sadas por contradições geradas no interior do próprio modo de
produção. Somente a dialética poderia ser a chave de leitura me-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 237


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

todológica adequada para acolher a contradição como condição


para o progresso.
Enfim, o materialismo dialético não concebe uma história
guiada por uma razão ou espírito, mas organizada por seres hu-
manos, capazes de interferir no processo histórico e, com isso,
transformar a realidade social por meio da alteração dos modos
de produção. A dialética é, portanto, o motor da realidade histó-
rica, que incessantemente reinventa novas contradições. A saída
de Marx, a partir de então, será identificar quais contradições
estão patentes e latentes no modo de produção capitalista, para,
assim, justificar a existência de uma inevitável passagem da so-
ciedade capitalista para uma sociedade comunista.

A luta de classes
Outro conceito importante no pensamento de Marx é o de
“classes sociais”. De acordo com Marx, os direitos inalienáveis
defendidos pelo liberalismo clássico não resistiram às evidências
das desigualdades sociais provocadas pelo modo de produção
capitalista, que dividiu os homens entre proprietários e não pro-
prietários dos meios de produção. Para justificar a transformação
dos modos de produção da sociedade capitalista, Marx identifica
na luta de classes o motor dialético da história das sociedades
anteriores:
A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história
das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu,
senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro,
em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição,
têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarça-
da; uma guerra que terminou sempre ou por uma transforma-
ção revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das
duas classes em conflito (MARX; ENGELS, 2005, p. 40).

238 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Como se pode observar, a luta de classes é o elemento dia-


lético que resulta na passagem de um modo de produção para
outro. E isso acontece exatamente quando as forças produtivas
entram em contradição com as relações de produção: “Não é a
crítica, mas a revolução a força motriz da história e, também, da
religião, da filosofia e de toda forma de teoria” (MARX; ENGELS,
2007, p. 43).
Ou seja, quando há o descompasso entre forças produtivas
e relações de produção, ocorrem então crises fundamentais que
evidenciam a inadequação na produção dos bens. Nesse mo-
mento, surgem então as lutas de classes, bem como as possibili-
dades objetivas de substituição do seu modo de produção. Isso
fica patente no trecho a seguir, de A miséria da filosofia:
As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produ-
tivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens transfor-
mam o seu modo de produção e, ao transformá-lo, alterando
a maneira de ganhar a vida, eles transformam todas as suas
relações sociais. O moinho movido pelo braço humano nos dá
a sociedade com o suserano; o moinho a vapor dá-nos a so-
ciedade com o capitalista industrial. Os mesmos homens que
estabeleceram as relações sociais de acordo com a sua produ-
tividade material produzem, também, os princípios, as ideias,
as categorias de acordo com suas relações sociais. Assim, estas
ideias, estas categorias são tão pouco eternas quanto as rela-
ções que exprimem. Elas são produtos históricos e transitórios
(MARX, 1982, p. 106).

Para Marx, na sociedade capitalista, a luta de classes ocor-


re entre burguesia e proletariado, que, em sua fórmula mais
simplificada, representa uma luta de classes entre opressores e
oprimidos presente em toda a história, porém com caracteriza-
ções diferentes. Com o objetivo de justificar a legitimidade da
luta de classes de sua época – entre burguesia e proletariado

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 239


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

–, Marx recorre à história e percebe que, desde a Antiguidade,


a luta de classes transforma dialeticamente os seus respectivos
modos de produção. Com isso, conclui que há, portanto, uma
dialética que passa pelas contradições, negações e sínteses dos
modos de produção dominantes em cada período: o escravismo
(Antiguidade), o feudalismo (Idade Média) e o capitalismo (Idade
Moderna).
Vejamos cada uma dessas contradições até a chegada da
sociedade capitalista.

As contradições da sociedade escravista


O modo de produção escravista – típico das sociedades an-
tigas greco-romanas –, estava baseado nas relações de produção
existentes entre escravo e aristocrata. Por um lado, os escravos
eram constituídos pela massa de prisioneiros de guerra e indi-
víduos que não tinham como pagar suas dívidas; por outro, os
aristocratas formavam uma minoria que detinha títulos e privilé-
gios políticos nas cidades. A principal força produtiva era a mão
de obra escrava, que gerou por muito tempo um ciclo de riqueza
nas grandes cidades gregas e romanas.
No entanto, a sociedade romana, em razão de uma cres-
cente crise econômica a partir do século 3º – muito por conta,
inclusive, da constante ameaça de invasão dos povos germâni-
cos –, entrou em um processo de ruralização, em especial por
dois motivos: a dificuldade de obter trabalho nas cidades devido
à diminuição da atividade econômica; os saques realizados por
bárbaros e assaltantes, que tornavam as cidades inseguras (VI-
CENTINO; DORIGO, 2013).

240 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Por conta disso, a maior parte da população urbana mu-


dou-se para o campo em busca de abrigo, trabalho e proteção.
Além de homens livres, muitos escravos (livres ou fugitivos) tam-
bém se refugiaram nos campos. Como resultado, a sociedade
efetivamente se ruralizou, instaurando um modo de vida em que
a condição social das pessoas passou a ser determinada pela re-
lação que tinham com a terra (VICENTINO; DORIGO, 2013).
Além disso, nota-se também a diminuição drástica da
quantidade de escravos, ocasionada tanto pelas novas políticas
de cidadania romana (oferecidas a todos os povos conquistados),
como também pela disseminação da doutrina cristã no mundo
romano (que fortalecia o ideal de irmandade entre os homens),
tornando inviável o uso da mão de obra escrava como força pro-
dutiva da economia.
Nota-se, portanto, que as relações de produção na Anti-
guidade foram transformadas historicamente, gerando contradi-
ções inconciliáveis com as forças produtivas. Como síntese dessa
contradição, os aristocratas encontraram como saída o sistema
do colonato: já que muitos proprietários não tinham recursos
para manter escravos ou pagar trabalhadores, passaram a ad-
mitir que pessoas se fixassem em suas terras, surgindo, assim, a
figura do colono, inicialmente um trabalhador livre.
No final do século 3º, o governo romano instituiu o colona-
to, lei que transformou o colono em um camponês preso à terra.
O colono cuidava de uma pequena parcela das terras, de onde
tirava o seu sustento e o de sua família. Como pagamento, devia
entregar parte do que produzia ao proprietário (VICENTINO; DO-
RIGO, 2013). A prática dos proprietários em estabelecer, em suas
terras, trabalhadores dependentes da sua proteção originou a

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 241


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

servidão, sistema de trabalho que predominou depois na Europa


Ocidental, a partir do século 9º.

As contradições da sociedade feudal


O modo de produção feudal surgiu na Idade Média como
síntese das contradições internas do modo de produção escravis-
ta, próprio da Antiguidade. Visando restaurar a economia – que
estava em crise por conta da falta de escravos –, foram necessá-
rias novas relações de produção, e a base econômica passou a
ser o arrendamento da propriedade do senhor feudal, em troca
da produção do servo, que trabalhava um tempo para si e outro
para o senhor. As relações de produção eram baseadas na co-
brança de impostos por parte do senhor e por laços de depen-
dência à terra por parte do servo.
No entanto, a partir do século 10º, inovações de parte das
forças produtivas (técnicas agrícolas e emprego da energia) pos-
sibilitaram o aumento da produção de alimentos e crescimento
populacional, transformando o feudalismo na Europa. Entre as
principais inovações técnicas na Idade Média, podemos citar:
1) Charrua: um tipo de arado de roda, com uma lâmina
de ferro (que substituiu o de madeira), permitindo arar
a terra com mais profundidade.
2) Novo sistema de tração: com o uso da colhera, o atre-
lamento dos animais passou a ser feito pelo peito e
não mais pelo pescoço, aumentando, assim, a força de
tração dos animais.
3) Moinhos acionados por rodas-d’água ou cata-ventos:
com os novos moinhos, o trigo pôde ser moído com
mais rapidez e eficiência.

242 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

4) Rotação trienal de culturas: cultivo alternado da ter-


ra, ao longo de três anos, em uma área dividida em
três partes. A cada ano, enquanto duas áreas forne-
ciam produtos distintos, a terceira permanecia em
descanso.
As melhorias técnicas praticadas a partir do século 10º, a
redução das guerras feudais e o fim das invasões externas possi-
bilitaram elevar a produção de alimentos, originando, assim, um
excedente agrícola. Com isso, reduziu-se o número de mortes
por fome e doenças. No século 13, a população europeia saltou
de 23 milhões para 55 milhões de habitantes (VICENTINO; DORI-
GO, 2013).
Outra consequência do desenvolvimento de novas técni-
cas agrícolas foi a redução da necessidade de mão de obra nos
campos. Com isso, muitos camponeses se deslocaram para as
cidades em busca de novos meios de sobrevivência. As cidades
eram chamadas pelo nome de burgos, enquanto as pessoas que
habitavam as cidades eram chamadas de burgueses. Estes dedi-
cavam-se à produção de artigos nas oficinas artesanais, à ativida-
de comercial e ao empréstimo de dinheiro.
A maioria da população da cidade era formada por traba-
lhadores das oficinas artesanais e por pequenos comerciantes.
Abaixo deles estava uma população heterogênea, em geral mui-
to pobre, que não tinha trabalho fixo e muitas vezes era obriga-
da a mendigar. Com o aumento da população urbana, surgiram
novas ocupações profissionais e uma nova forma de organização
do trabalho e da produção. Entre as várias atividades artesanais,
a que mais se destacou foi a produção têxtil.
Na produção artesanal, havia os mestres de ofício, que
eram os donos das oficinas e de todos os instrumentos. Os arte-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 243


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

sãos de um mesmo ofício formavam a corporação de ofício, uma


associação que controlava a qualidade e o preço dos produtos
e protegia os artesãos da concorrência (VICENTINO; DORIGO,
2013).
No início da expansão do comércio, os mercadores viaja-
vam de um lugar para outro para vender suas mercadorias (ali-
mentos, objetos e peles), tanto nas cidades como nas feiras,
realizadas em locais e datas fixas. Entre as feiras, destacavam-se
as da região de Champagne (França), localizadas entre as duas
grandes áreas de comércio internacional: o norte da península
itálica e a região do Flandres (VICENTINO; DORIGO, 2013).
À medida que as cidades se desenvolviam e a atividade co-
mercial se expandia, criaram-se nos centros urbanos estruturas
mercantis permanentes. As trocas em nível local intensificaram-
-se, a circulação monetária cresceu e, em decorrência disso, as
grandes feiras declinaram. A manufatura deixou então de ser
suficiente:
A organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita
a corporações fechadas, já não satisfazia as necessidades que
cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a
substituiu. A pequena burguesia industrial suplantou os mes-
tres de corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes
corporações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro
da própria oficina. Todavia, os mercados ampliavam-se cada
vez mais, a procura por mercadorias continuava a aumentar.
A própria manufatura tornou-se insuficiente; então o vapor e
a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande
indústria moderna suplantou a manufatura; a média burgue-
sia manufatureira cedeu lugar aos milionários da indústria,
aos chefes de exércitos industriais, aos burgueses modernos
(MARX; ENGELS, 2005, p. 41).

244 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

A classe burguesa moderna surge como síntese das con-


tradições da sociedade feudal. Por isso, para Marx, a sociedade
capitalista representa não só a negação do feudalismo como a
sua superação: “a própria burguesia moderna é o produto de um
longo processo de desenvolvimento, de uma série de transfor-
mações no modo de produção e de circulação” (MARX; ENGELS,
2005, p. 41).
Portanto, quando as relações feudais de produção deixa-
ram de corresponder às expectativas criadas pelas novas forças
produtivas da burguesia, criou-se uma instabilidade econômica
que só poderia ser resolvida satisfatoriamente com a mudança
do modo de produção. A partir de então, a classe da burguesia
moderna manifestou a sua natureza revolucionária, expropriou
os privilégios do despotismo feudal e promoveu um novo modo
de produção (MARX; ENGELS, 2005). No lugar das relações eco-
nômicas de troca, surgiram, enfim, livre comércio e concorrên-
cia, tão defendidos pelos autores liberais do século 18.

As contradições da sociedade capitalista


Levando em consideração a lei da dialética, de acordo com
Marx, assim como o feudalismo, o modo de produção capitalista
também estaria fadado a fracassar por conta de suas recorrentes
crises provocadas pela luta de classes em questão: entre os bur-
gueses capitalistas e os trabalhadores proletários. Noutras pala-
vras, assim como a burguesia foi a contradição interna do feuda-
lismo – apresentando-se como revolucionária em sua origem –,
o proletariado também seria a contradição interna da burguesia:
“de todas as classes que hoje em dia se opõem à burguesia, só
o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária”
(MARX; ENGELS, 2005, p. 49).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 245


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

E esse fortalecimento da classe proletária não decorre do


simples acaso, mas das condições criadas pela própria burguesia,
pois o desenvolvimento da classe burguesa apropriadora pressu-
põe o fortalecimento de uma antítese específica, materializada
na classe proletária expropriada:
A burguesia, porém, não limitou-se a forjar as armas que lhe
trarão a morte; produziu também os homens que empunharão
essas armas – os operários modernos, os proletários. Com o
desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se
também o proletariado, a classe dos operários modernos, os
quais só vivem enquanto têm trabalho e só têm trabalho en-
quanto seu trabalho aumenta o capital (MARX; ENGELS, 2005,
p. 46).

Apesar de toda expropriação do trabalhador, o que Marx


observa com o avanço da indústria não é o total isolamento
do operário, mas também o crescente progresso da organiza-
ção da classe trabalhadora. Em vez de trabalhadores alienados
e submissos, o próprio avanço do liberalismo burguês cria uma
consciência operária sobre os limites e força de sua missão: “o
progresso da indústria, de que a burguesia é agente passivo e
involuntário, substitui o isolamento dos operários, resultante da
competição, por sua união revolucionária resultante da associa-
ção” (MARX; ENGELS, 2005, p. 51).
A consciência da exploração não nasce de quem explora,
mas de quem é explorado. Por isso, os mesmos recursos que
outrora fizeram com que a burguesia depusesse o feudalismo,
permitirão o proletariado, por sua vez, fazer o mesmo contra a
burguesia: “as armas que a burguesia utilizou para abater o feu-
dalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia” (MARX; EN-
GELS, 2005, p. 45).

246 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Enfim, de acordo com Marx, a exploração burguesa produ-


zirá, inevitavelmente, a sua própria ruína, pois, da tese burguesa
que promove a expropriação surge uma antítese proletária que
se rebela revolucionariamente a tais condições: “A burguesia
produz, sobretudo, seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitó-
ria do proletariado são igualmente inevitáveis” (MARX; ENGELS,
2005, p. 51).

O advento do comunismo e a ditadura do proletariado


Como já observado, Marx é enfático ao demonstrar, segun-
do as leis do materialismo dialético, que a história segue invaria-
velmente um processo de desenvolvimento e evolução a partir
de contradições anteriores: o feudalismo produziu a burguesia, e
esta, para sobreviver, precisará produzir justamente aquela clas-
se que a levará à morte: o proletariado.
Não se trata de uma transição moralizadora ou idealista,
mas de uma passagem tão necessária quanto a dos fenômenos
que regem a natureza. É o próprio gênero humano que está em
jogo: “tal transformação social significa a libertação não só do
proletariado, mas do gênero humano, que padece sob as atuais
condições” (MARX, 2012, p. 91). Por isso, mais do que agremia-
ção resultante da vontade proletária, o comunismo caracteriza-
-se, a princípio, como a negação gerada pela própria produção
capitalista (MARX; ENGELS, 2005; MARX, 2012).
Marx concebe o comunismo como uma reforma social au-
daciosa e exigente, que prevê a passagem da sociedade capita-
lista para o seu total oposto, isto é, uma sociedade sem proprie-
dade privada, sem divisão do trabalho e classes. Na obra Crítica
ao programa de Gotha, o autor deixa claro algumas condições e
etapas para essa passagem para o comunismo:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 247


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver sido


eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divi-
são do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelec-
tual e manual; quando o trabalho tiver deixado de ser mero
meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital;
quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos
indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e
todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em abundância,
apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser
plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua
bandeira: “De cada um segundo suas capacidades, a cada um
segundo suas necessidades!” (MARX, 2012, p. 33).

Ao contrário do que ocorreu, por exemplo, com a União


Soviética, o fundamento do comunismo de Marx concentra-se
na abolição da propriedade privada e, consequentemente, na ex-
tinção do próprio Estado – e não na transferência ou na atribui-
ção da propriedade privada ao Estado. Essa questão aparece na
obra Manuscritos econômico-filosóficos, quando Marx diferencia
o seu conceito de comunismo de um comunismo “rude”, de “na-
tureza política, democrática ou despótica”, com uma aparente
“supressão do Estado, mas simultaneamente ainda incompleto,
sempre ainda com a essência afetada pela propriedade privada”
(MARX, 2010b, p. 105).
A tese de Marx consiste na afirmação de que a abolição
da propriedade privada incluiria a redução ou o esgotamento
gradual do Estado e do poder político. Sem propriedade priva-
da, não haveria mais a violência da dominação de uma classe
sobre a outra chancelada pelo Estado: “Onde há Estado, há ine-
vitavelmente dominação e, por conseguinte, escravidão; é im-
pensável dominação sem escravidão, oculta ou camuflada – por
isso somos inimigos do Estado” (MARX, 2012, p. 113). Ou seja,
sem a propriedade privada, o Estado perderia o seu propósito e

248 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

se atrofiaria por si mesmo, sobrando apenas, nessa situação, a


possibilidade de um autogoverno do operariado. Em Crítica ao
programa de Gotha, Marx explica o que seria essa extinção do
Estado:
Os alemães são aproximadamente 40 milhões de pessoas. Se-
rão, por exemplo, todos os 40 milhões membros do governo?
Certainly! Pois a questão começa com o autogoverno da comu-
na. O povo inteiro governará e não haverá nenhum governante.
Quando um homem governa a si mesmo, segundo esse prin-
cípio ele não governa a si mesmo, pois ele é ele mesmo e não
outro. Então não haverá governo, não haverá Estado, mas, se
ele for Estado, então haverá também governantes e escravos.
Isto é, resumindo: “se a dominação de classe desaparecer e não
houver Estado no sentido político atual” (MARX, 2012, p. 114).

De acordo com Marx, o comunismo seria uma espécie


de retorno à antropologia do trabalho, enquanto característica
fundamental da natureza humana. Uma vez que a propriedade
privada é o que estabelece os fundamentos do capitalismo, da
alienação do trabalhador e do domínio do Estado, somente um
trabalho exercido fora dos padrões estipulados pela proprieda-
de poderia ser considerado como verdadeiramente humano e
comunista:
O trabalho é a atividade própria da espécie humana. O traba-
lho é o especificamente humano, aquilo que diferencia o ho-
mem do animal. É apenas por meio do trabalho que o homem
se torna homem. Portanto, trabalhador significa homem, como
homem que atua sobre si mesmo; e não nos chamamos Par-
tido Operário apenas porque reconhecemos o trabalho como
única base econômica da sociedade, o trabalhador como único
membro profícuo da sociedade – razão pela qual escrevemos,
em nossa bandeira, a obrigação geral ao trabalho –, mas tam-
bém porque reconhecemos o caráter legitimamente humano
do trabalho, pois o trabalho é o único suporte da civilização e
da humanidade (MARX, 2012, p. 99-100)

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 249


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Logo, o comunismo leva em consideração que homem só é


verdadeiramente livre e humano na medida em que o modo de
produção da sociedade não estiver mais baseado na propriedade
privada, nem na dominação estatal. Porém, para que isso acon-
teça, Marx afirmou ser necessária uma etapa de transição para
o comunismo, chamada por ele de “ditadura do proletariado”:
Entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período
da transformação revolucionária de uma na outra. A ele corres-
ponde também um período político de transição, cujo Estado
não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado.
Mas o programa é alheio […] ao futuro ordenamento estatal da
sociedade comunista (MARX, 2012, p. 43).

Essa etapa de transição – chamada de “socialista” – usaria


do domínio organizado do proletariado para concentrar todos os
instrumentos de produção nas mãos do Estado, considerando,
portanto, a classe proletária como a dominante. O que Marx ten-
tou dizer é que não há a possibilidade de se chegar a uma socie-
dade sem classes e sem Estado – isto é, comunista – sem passar
pela fase intermediária da ditadura do proletariado:
O que quer dizer o proletariado organizado como classe do-
minante? Quer dizer que os proletários, em vez de combater
individualmente as classes economicamente privilegiadas, ad-
quiriram força e organização suficientes para empregar meios
comuns de coerção contra elas (MARX, 2012, p. 113).

Entre as intervenções do proletariado – democráticas e


despóticas –, juntamente com Engels, Marx prescreve no Ma-
nifesto do Partido Comunista uma lista de dez medidas básicas
que precisam ser cumpridas como ações de transição para o
comunismo.
1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda
da terra para despesas do Estado.
2. Imposto fortemente progressivo.

250 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

3. Abolição do direito de herança.


4. Confisco da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes.
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de
um banco nacional com capital de Estado e com monopólio
exclusivo.
6. Centralização de todos os meios de comunicação e transpor-
te nas mãos do Estado.
7. Multiplicação das fábricas nacionais e dos instrumentos de
produção, arroteamento da terra incultas e melhoramento das
terras cultas, segundo um plano geral.
8. Unificação do trabalho obrigatório para todos, organização
de exércitos industriais, particularmente para a agricultura.
9. Unificação dos trabalhos agrícola e industrial; abolição gra-
dual da distinção entre a cidade e o campo por meio de uma
distribuição mais igualitária da população pelo país.
10. Educação pública e gratuita a todas as crianças; abolição
do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado
hoje. Combinação da educação com a produção material, etc.
(MARX; ENGELS, 2005, p. 58).

É óbvio que essa lista apresentada por Marx e Engels é


fundamentalmente despótica. No entanto, levando em consi-
deração que tais medidas para Marx deveriam ter o caráter de
transitórias, deve-se pontuar, que, do ponto de vista histórico,
nenhuma nação que promoveu ou tentou uma revolução comu-
nista conseguiu, de fato, chegar ao estágio comunista – isto é,
à etapa final da abolição da propriedade privada e extinção do
Estado.
Se pensarmos, mesmo que rapidamente, sobre a natureza
dos Estados intitulados “comunistas”, poderemos perceber que,
na realidade, eles nunca passaram da fase de transição do “so-
cialismo”. E mais ainda: estão na contramão daquilo que Marx

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 251


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

cogitou como comunismo – o que nos leva a pensar que as re-


voluções comunistas do século 20 não foram, essencialmente,
marxistas.

As leituras indicadas no Tópico 3. 4 apresentam os prin-


cipais elementos que justificam a luta de classes como motor
da história, além de considerar a contradição dialética como
método fundamental para a análise sociológica. Neste mo-
mento, você deve realizar essas leituras para aprofundar o
tema abordado.
I

2.5. O CAPITAL E O SEU SISTEMA

A análise do capital foi um dos grandes esforços do pensa-


mento marxista, que não só empreendeu uma crítica ao modo
de produção capitalista, como também promoveu uma análise
sem igual sobre os fundamentos desse sistema, que vão desde a
definição do valor de equivalência das mercadorias até o proces-
so de acumulação do capital, tendo sempre como pano de fundo
a condição do trabalhador no contexto industrial.

O valor de equivalência das mercadorias


Na obra O capital, Marx inicia a análise do sistema capita-
lista pelo conceito de mercadoria. Para o autor, o que caracte-
rizaria uma mercadoria seria o fato de ela servir para uma ne-
cessidade humana e poder ser trocada por outras por meio da
equivalência de um valor. Temos aqui uma equação muito mais
complexa do que se imagina, e que pode ser caracterizada, se-
gundo Marx, por três elementos: valor de uso, valor de troca e
equivalência de valor.

252 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

O valor de uso diz respeito às qualidades físicas de uma


mercadoria, que, por conta de sua especificidade, satisfazem
mais a uma necessidade do que a outras: “a mercadoria é, antes
de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas pro-
priedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie”
(MARX, 1996a, p. 165). Por exemplo, um chapéu pode ser usado
em muitas situações; porém, seu valor de uso será maior em si-
tuações nas quais os indivíduos estão expostos ao sol, à chuva ou
outras condições específicas que tornam esse objeto indispensá-
vel: “A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso” (MARX,
1996a, p. 166). Logo, o valor de uso é caracterizado tanto pela
necessidade, como pela utilidade.
Todavia, de acordo com Marx, somente o valor de uso não
é suficiente para a compreensão da lógica do mercado, uma vez
que “o valor de uso se realiza somente no uso ou no consumo”
(MARX, 1996a, p. 166). Numa sociedade de autossubsistência,
a produção de algo não prevê o comércio da mercadoria, mas
apenas o seu uso imediato. Mas, numa sociedade produtora de
mercadorias – como a industrial, por exemplo –, o valor de uso
só se torna efetivamente útil na medida em que for orientado
por outro tipo de fator: o valor de “troca”.
Valor de troca, segundo Marx, é a possibilidade de um
produto ser trocado por outro totalmente distinto. Por exemplo,
quando “1 quarter de trigo [medida inglesa equivalente a 12,7
quilos]” é trocado “por x de graxa de sapato, ou por y de seda, ou
por z de ouro, etc.” (MARX, 1996a, p. 166), temos então a aplica-
bilidade de uma troca comercial. Nas palavras de Marx:
O valor de troca aparece, de início, como a relação quantitativa,
a proporção na qual valores de uso de uma espécie se trocam
contra valores de uso de outra espécie, uma relação que muda
constantemente no tempo e no espaço (MARX, 1996a, p. 166).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 253


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

A partir do que foi exposto, é possível concluir duas


observações:
• O valor troca tem como pressuposto um valor de uso,
uma vez que ninguém negociará um produto sem que
ele tenha uma devida necessidade/utilidade. Ou seja,
os valores de uso são portadores de qualquer valor de
troca: “Os valores de uso constituem o conteúdo mate-
rial da riqueza, qualquer que seja a forma social desta.
[…] Eles constituem, ao mesmo tempo, os portadores
materiais do valor de troca” (MARX, 1996a, p. 166).
• No valor de troca a diferenciação entre produtos não é
apenas quantitativa – uma vez que as medidas troca-
das não são necessariamente as mesmas –, mas funda-
mentalmente qualitativa – ou seja, não são os mesmos
produtos, muito menos as mesmas unidades de medi-
da. Essa observação abre precedentes que advogam a
favor da necessidade de um terceiro elemento que pro-
mova a equivalência dos distintos valores de uso, para
que assim seja possível qualquer possibilidade de troca
comercial.
Nesse ponto, Marx questiona: se o capitalismo está basea-
do no comércio (troca) de mercadorias quantitativa e qualitati-
vamente diferentes, o que poderia regular as equações de troca
de um modo universal e necessário? O que mercadorias tão dife-
rentes teriam em comum a ponto de poderem ser trocadas? Por
exemplo, trigo, graxa e seda são produtos totalmente distintos,
com medidas diferentes e voltados para necessidades especi-
ficas; o que justificaria então a equivalência de produtos dife-
rentes para um mesmo valor de troca? Sem dúvida, existe uma
contradição patente entre os dois fatores da mercadoria: “o va-
lor de troca parece, portanto, algo casual e puramente relativo;

254 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

um valor de troca imanente, intrínseco à mercadoria, portanto


uma contradictio in adjecto [contradição nos próprios termos]”
(MARX, 1996a, p. 166).
É justamente essa contradição inicial e aparente que Marx
deseja dissolver: qual elemento comum pode equiparar as pro-
priedades úteis de produtos distintos? Qual seria o critério para
a criação de uma lei da equivalência de mercado?
De resto, quando digo que um quarter de trigo se troca por fer-
ro numa determinada proporção ou que o valor de um quarter
de trigo se expressa numa determinada quantidade de ferro,
digo que o valor do trigo ou seu equivalente em ferro são iguais
a uma terceira coisa, que não é trigo nem ferro, pois suponho
que ambos exprimem a mesma grandeza sob duas formas dis-
tintas. Portanto, cada um desses dois objetos, tanto o trigo
como o ferro, deve poder reduzir-se, independentemente um
do outro, àquela terceira coisa, que é a medida comum de am-
bos (MARX, 1996a, p. 91).

Marx tem noção de que esse problema não pode ser re-
solvido dentro do campo sensível – isto é, pela simples troca de
produtos, que já se mostrou contraditória –, mas a partir de um
terceiro elemento abstrato e não sensível: “esse algo em comum
não pode ser uma propriedade geométrica, física, química ou
qualquer outra propriedade natural das mercadorias” (MARX,
1996a, p. 167). Pelo contrário, “o valor de troca só pode ser o
modo de expressão, a ‘forma de manifestação’ de um conteúdo
dele distinguível” (MARX, 1996a, p. 166).
Ou seja, o elemento comum e de equivalência de valor
precisa ser abstraído das características materiais presentes nas
mercadorias trocadas. Isso quer dizer que ele não se fundamen-
ta nem na necessidade, nem na utilidade dos produtos:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 255


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

É precisamente a abstração de seus valores de uso que caracte-


riza evidentemente a relação de troca das mercadorias. Dentro
da mesma um valor de uso vale exatamente tanto como outro
qualquer, desde que esteja disponível em proporção adequada
(MARX, 1996a, p. 167).

A questão que se impõe neste momento é a seguinte: o


que restaria da relação de troca quando dela estão prescindidas
as qualidades materiais dos produtos trocados? Se abstrairmos
das mercadorias as suas diferentes qualidades úteis e naturais, o
que nos sobraria? Marx enfim responde: “deixando de lado en-
tão o valor de uso dos corpos das mercadorias, resta a elas ape-
nas uma propriedade, que é a de serem produtos do trabalho”
(MARX, 1996a, p. 167).
Noutras palavras, o valor da equivalência da troca das mer-
cadorias está relacionado ao tempo de trabalho humano des-
pendido no momento de sua produção. Mas Adam Smith já não
tinha observado que o valor das mercadorias dependia do tem-
po de trabalho gasto na produção? Qual seria então a novidade
de Marx? A novidade é que essa equivalência não é o tempo de
trabalho por ele mesmo, mas o que ele chama de “tempo de
trabalho socialmente necessário”, isto é, um tempo adequado
“para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas
de produção socialmente normais, e com o grau social médio de
habilidade e de intensidade de trabalho” (MARX, 1996a, p. 169).
É neste ponto, isto é, no que diz respeito ao salário e às
condições de trabalho, que Marx contraria as equações de equi-
valência econômica dos liberalistas clássicos:
• O intercâmbio das mercadorias precisa ser pensado
como uma relação humana – de produtores – e não de
coisas em si mesmas trocadas. Por isso, só tem sentido
falar de valor de troca da mercadoria em si quando se

256 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

atenta para o fato de que ela é resultado da força de


trabalho humano. “‘O valor das mercadorias é determi-
nado pelo valor do trabalho’, ou, o que vem a dar no
mesmo, ‘O valor do trabalho é a medida geral do valor’”
(MARX, 1996a, p. 89).
• Uma vez que o valor das mercadorias é calculado pela
quantidade de tempo humano despendido para produ-
zi-las, então torna-se fundamental pensar nas variáveis
que qualificam esse tempo de trabalho: o tempo de
trabalho pago ao trabalhador é realmente o tempo ne-
cessário para a produção daquela mercadoria? Por isso,
independentemente de a troca ser realizada de maneira
direta ou por meio da moeda, o fato é que nenhuma
mercadoria pode ser trocada por outra se o trabalho
necessário para produzir a primeira não é proporcional
ao trabalho necessário que produziu a segunda. Marx
prossegue:
Se, então, a quantidade de trabalho socialmente necessário,
materializado nas mercadorias, é o que determina o valor de
troca destas, ao crescer a quantidade de trabalho exigível para
produzir uma mercadoria aumenta necessariamente o seu va-
lor e vice-versa, diminuindo aquela, baixa este. Se as respectivas
quantidades de trabalho necessário para produzir as respecti-
vas mercadorias permanecessem constantes, seriam também
constantes seus valores relativos [isto é, seus salários]. Porém,
assim não sucede (MARX, 1996a, p. 95).

Será por meio dessa análise da compra da força de traba-


lho que Marx enfim chegará a uma derradeira questão funda-
mental: em que medida o sistema capitalista favorece o acúmulo
de capital às custas da expropriação do trabalhador?

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 257


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

O trabalho como mercadoria e seu valor de troca


Como já observado, o tempo de trabalho despendido é
fundamental para o valor de troca das mercadorias. Mas, consi-
derando o caso de o trabalho humano se tornar ele mesmo uma
mercadoria, o trabalho aparenta ter uma dupla função: não ape-
nas ser o critério de equivalência do valor de troca, mas também
uma mercadoria passível de ser vendida ao capitalista em troca
do salário.
Se o trabalho é uma mercadoria, então ele precisa ter tam-
bém um valor de uso e um valor de troca. Seu valor de uso está
relacionado à produção de coisas úteis, passíveis de serem co-
mercializadas e trocadas no mercado capitalista: “o trabalho cuja
utilidade representa-se, assim, no valor de uso de seu produto
ou no fato de que seu produto é um valor de uso chamamos, em
resumo, trabalho útil” (MARX, 1996a, p. 171).
Já o valor de troca diz respeito ao critério de equivalência
de valor para a troca comercial entre trabalhador e patrão: “Abs-
traindo-se da determinação da atividade produtiva e, portanto,
do caráter útil do trabalho, resta apenas que ele é um dispêndio
de força humana de trabalho” (MARX, 1996a, p. 173). Vejamos:
o valor da força de trabalho de um assalariado – como de toda
mercadoria – é estabelecido pelo tempo de trabalho necessário
para produzir os bens destinados à sobrevivência do trabalhador,
como alimentação, moradia, tempo de descanso etc. Portanto, o
valor de todos esses bens consumidos é o valor de sua força de
trabalho (MARX, 1996a).
Teoricamente, o capitalista deveria pagar de maneira justa,
por meio do salário, a mercadoria (força de trabalho) que está
comprando conforme o valor de troca – isto é, o salário deveria
corresponder ao custo da própria manutenção do trabalhador e

258 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

de sua família. No entanto, não é isso que ocorre. Para explicar


esse processo, Marx então recorre ao conceito de “mais-valia”.

O conceito de “mais-valia”
A questão que orienta o conceito de “mais-valia” é justa-
mente a seguinte: o que pode efetivamente fazer um capitalista
lucrar? A princípio, alguém poderia supor que o simples aumento
de preço de venda do produto poderia responder a essa questão.
No entanto, essa hipótese pode trazer alguns inconvenientes:
• O aumento repentino de um preço de venda aumentará
a concorrência, uma vez que outros capitalistas também
desejarão lucrar com o produto mais caro. Isso lotará o
mercado com produtos semelhantes e prejudicará a lei
da oferta e da procura. O resultado será a queda dos
preços.
• O aumento repentino de um preço de venda também
incentivará o aumento repentino do preço de outros
produtos. Esse sistema pode funcionar por um tempo,
mas, se persistir, pode desorganizar a economia como
um todo.
Por isso, segundo Marx, o lucro do capitalista não decorre
da compra e venda de mercadorias, mas da maneira como ex-
propria o trabalhador no momento da produção. É nesse senti-
do que entra em cena o conceito de “mais-valia”. Observe como
Marx descreve esse processo:
Tomemos o exemplo do nosso fiandeiro. Vimos que, para re-
compor diariamente a sua força de trabalho, esse fiandeiro pre-
cisava reproduzir um valor diário de 3 xelins, o que realizava
com um trabalho diário de 6 horas. Isso, porém, não lhe tira a
capacidade de trabalhar 10 ou 12 horas e mais, diariamente.
Mas o capitalista, ao pagar o valor diário ou semanal da força de

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 259


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

trabalho do fiandeiro, adquire o direito de usá-la durante todo


o dia ou toda a semana. Fá-lo-á trabalhar, portanto, digamos,
12 horas diárias, quer dizer, além das 6 horas necessárias para
recompor o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá
de trabalhar outras 6 horas, a que chamarei de horas de so-
bretrabalho, e esse sobretrabalho irá traduzir-se em uma mais-
-valia e em um sobreproduto (MARX, 1996a, p. 101).

Ou seja, para garantir a sua sobrevivência e recompor o


seu descanso, bastariam 6 horas de trabalho. No entanto, pelo
fato de o trabalhador estar disponível para trabalhar mais tem-
po, ele acaba produzindo bem mais do que foi calculado – no
caso, 6 horas a mais. O valor desse tempo a mais trabalhado,
maior do que aquele estipulado inicialmente, deixa de ser pago
ao trabalhador – no caso exemplificado, um total de 3 xelins – e
passa a ser investido para gerar mais capital. Esse trabalho exce-
dente Marx chamou de “mais-valia”.
Portanto, a mais-valia se trata justamente do valor corres-
pondente à quantidade de trabalho despendido pelo trabalha-
dor, mas que é reembolsado indevidamente pelo capitalista no
decorrer do processo de produção. Desse processo, Marx pon-
tua duas observações:
• Confunde-se o valor da força de trabalho – isto é, a equi-
valência daquilo que é necessário para a subsistência do
trabalhador – pelo preço do trabalho realizado. Nesse
caso, “se o preço de sua força de trabalho é 3 xelins, nos
quais se materializam 6 horas de trabalho, e ele traba-
lha 12 horas”, o empregado considerará “esses 3 xelins
como o valor ou preço de 12 horas de trabalho” (MARX,
1996a, p. 102).
• A falta de precisão do valor de troca da força de traba-
lho encobre a mais-valia e impõe a ingenuidade de que

260 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

todo trabalho realizado, de alguma maneira, é pago.


Nesse caso, “ainda que só se pague uma parte do traba-
lho diário do operário, enquanto a outra parte fica sem
remuneração”, mesmo assim “fica parecendo que todo
o trabalho é trabalho pago” (MARX, 1996a, p. 102).

Fonte: Astuareg (apud MACHADO; AMORIM; BARROS, 2013, p. 132).


Figura 3 Capitalismo.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 261


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Dessa maneira, para Marx, a essência do capitalismo con-


siste justamente na expropriação privada dessa mais-valia, dan-
do origem ao lucro:
A produção capitalista, que é essencialmente produção de
mais-valia, absorção de mais-trabalho, produz, portanto, com o
prolongamento da jornada de trabalho não apenas a atrofia da
força de trabalho, a qual é roubada de suas condições normais,
morais e físicas, de desenvolvimento e atividade. Ela produz a
exaustão prematura e o aniquilamento da própria força de tra-
balho (MARX, 1996a, p. 379)

A própria alienação do proletariado indica a impossibilida-


de de reversão desse quadro. A mais-valia tornou-se para o capi-
talismo, de acordo com Marx, o canal de acumulação do capital,
representado da seguinte forma: dinheiro inicialmente investido
(D), utilizado para a aquisição dos meios de produção e da força
de trabalho (M), gera o dinheiro lucrado (D’) às custas da mais-
-valia: “O ciclo D – M – D […] parte do extremo do dinheiro e
volta finalmente ao mesmo extremo. Seu motivo indutor e sua
finalidade determinante é, portanto, o próprio valor de troca”
(MARX, 1996a, 270).
Com isso, observa-se que o dinheiro produzido é maior
que a quantidade de dinheiro inicialmente despendida. No capi-
talismo, a classe dominante apropria-se da mais-valia, mas não
a consome para suas necessidades; ela é permanentemente in-
vestida e reinvestida na produção, para assim extrair mais ca-
pital. Logo, não é todo dinheiro que se transforma em capital;
para Marx só se transforma em capital aquele dinheiro que é
investido de modo a produzir a mais-valia por meio do trabalho
assalariado.
A partir da descrição desse processo de mais-valia, Marx
caracteriza o caráter exploratório do sistema capitalista, cujo

262 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

processo de acumulação capital não está fundamentado no livre


comércio – conforme pensavam os pensadores liberais –, mas na
expropriação da força de trabalho.

As leituras indicadas no Tópico 3. 5 apresentam os con-


ceitos de valor de uso e valor de troca, bem como os pres-
supostos do sistema capitalista (mais-valia e acumulação ca-
pital). Neste momento, você deve realizar essas leituras para
aprofundar o tema abordado.

2.6. AS INSUFICIÊNCIAS DE CATEGORIAS MARXISTAS SEGUN�


DO HABERMAS

Uma das características básicas do contexto atual é a nova


forma de organização do sistema político-econômico. A socieda-
de de classes e as relações de produção do século 19 não são as
mesmas que as de hoje. Nesse sentido, algumas teses marxistas
precisam ser revisadas, em especial o conceito de infraestrutura
econômica e, consequentemente, o conceito de luta de classes.
Jürgen Habermas, autor alemão e integrante da Escola de
Frankfurt, na obra Crise de legitimação do capitalismo tardio,
afirma que uma das características do capitalismo avançado é a
direta intervenção do Estado como princípio regulador das ins-
tabilidades do capital (HABERMAS, 1999, p. 47-48; 1994, p. 68).
Isso significa que tentar compreender o sistema econômico da
atualidade com categorias especificamente marxistas poderá ser
insuficiente, principalmente em vista do novo caráter de atuação
do poder político.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 263


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Para Marx, na base da sociedade encontra-se uma infraes-


trutura econômica, que, regulando os mecanismos de trabalho-
-capital, condiciona as superestruturas política, jurídica e cultural
(MARX, 2008, p. 47-48). Ora, segundo Habermas (1994, p. 69),
pelo fato de que a “política já não é apenas um fenômeno su-
perestrutural”, mas também elemento regulador (infraestrutu-
ral), a tese do condicionamento da base econômica não se aplica
mais ao capitalismo avançado:
Um tipo de análise, que isola metodicamente as leis do movi-
mento econômico da sociedade, só pode pretender captar nas
suas categorias essenciais o contexto da vida social quando
a política depende da base econômica e não, inversamente,
quando essa base se deve considerar já como função da ativi-
dade do Estado e de conflitos decididos na esfera do político.
A crítica da economia política era, segundo Marx, teoria da so-
ciedade burguesa só como crítica das ideologias. Mas quando a
ideologia da troca justa se desmorona, então, não pode criticar-
-se, também, de forma imediata, nas relações de produção o
sistema de dominação (HABERMAS, 1994, p. 69).

Ou seja, levar em consideração o debate sociológico a par-


tir do conceito de infraestrutura econômica marxista seria incor-
rer numa contradição entre argumentação e contexto socioeco-
nômico contemporâneo. A crise atual não é apenas econômica,
isto é, advinda de uma ideologia da livre troca de equivalentes
(trabalho e salário), que camufla a dominação de uma classe
por outra e, por isso, assegura uma contradição constante entre
“acúmulo de capital” na exploração do trabalhador (extração da
mais-valia) e “perda de capital” na venda de mercadoria (ausên-
cia de trabalhadores consumidores).
Além da “crise econômica” (com suas instabilidades recor-
rentes e autodestrutivas), há também uma “crise de racionalida-
de”, que, apesar de estar relacionada ao sistema político admi-

264 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

nistrativo (Estado), atinge indiretamente o campo sociocultural,


pois, juntamente com outras instituições, sofre os reflexos da
incapacidade de administração do poder estatal em conciliar os
interesses capitais do público e do privado (HABERMAS, 1999).
Para dificultar mais ainda a aplicação ortodoxa do concei-
to de infraestrutura econômica como tese de condicionamento
unilateral, há também as crises que estão ligadas ao sistema so-
ciocultural, que atingem diretamente o campo educacional, em
especial a crise de legitimação. A escola sofre sim uma coação,
mas que não é apenas econômica, e sim também político-admi-
nistrativa, que se manifesta desde a gestão local até os planeja-
mentos federais.
Para Habermas, quando o planejamento administrativo
transfere seus interesses para o campo das instituições socio-
culturais, a tendência é provocar nestas uma perturbação que
se manifesta no gradual crescimento da crise de legitimação. No
entanto, enquanto a reflexão sociológica estiver presa a catego-
rias economicistas, muito provavelmente a lógica da reprodução
sistêmica continuará na sociedade sem sofrer nenhum estranha-
mento, o que fará com que as “orientações privatistas” (família e
instâncias civis em geral) ainda continuem apoiando indiscrimi-
nadamente as regras sistêmicas.
Outra categoria que também precisa ser redimensionada
é a de luta ou conflito de classes. Afinal de contas, como funda-
mentar um discurso economicista se as crises pelas quais passa
a luta de classes não são mais legitimadas pela própria ideologia
de classes, mas sim por uma tendência tecnicista que trabalha
com a ideia da despolitização das massas? Habermas (1994, p.
76-77) conclui:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 265


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Portanto, o conflito decorrente da diferença de classes conti-


nua latente, porém, o conceito de luta de classes como motor
das transformações sociais já não pode ser tão ingenuamente
aplicado no contexto atual: o capitalismo estatalmente regula-
do, que surgiu de uma reação contra as ameaças aos sistemas
geradas pelo antagonismo aberto das classes, pacifica o conflito
das classes. O sistema do capitalismo tardio está a tal ponto
determinado por uma política de compensações que assegura
a lealdade das massas dependentes do trabalho, ou seja, por
uma política de evitação do conflito, que é precisamente este
conflito incrustado sem cessar na estrutura da sociedade com a
regularização do capital em termos de economia privada, o que
com a maior probabilidade irá permanecer latente.

No capitalismo avançado, não se tem mais a noção de con-


flitos de classes, mas de uma dominação sistêmica-estatal que
aponta tanto para a prevenção de conflitos (vistos aqui como
algo negativo para o sistema de estabilidade econômica), como
para mecanismos de internalização de comportamentos que es-
tão voltados para o progresso do lucro de maneira ordenada,
com políticas públicas de incentivo ao financiamento e à lógica
do consumo.

As leituras indicadas no Tópico 3. 6 apresentam ques-


tões relacionadas à importância do pensamento marxista para
a história, bem como os devidos cuidados conceituais para a
distinção entre o que foi o pensamento de Marx e o que é a li-
vre e popular interpretação do mesmo. Neste momento, você
deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado.

266 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 4.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizado na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina para
abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material, por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante do
material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in-
dispensável para você compreender integralmente os conteúdos
apresentados nesta unidade.

3.1. AS ORIGENS DO MATERIALISMO – CRÍTICAS

As origens do materialismo levam em consideração diver-


sas críticas de Marx ao idealismo hegeliano, aos economistas
clássicos, ao Socialismo utópico e aos hegelianos de esquerda.
Para complementar a sua leitura, leia os artigos indicados:
• BARBA, C. H. Aspectos filosóficos da crítica de Marx à
Filosofia do Direito de Hegel. Revista Opinião Filosófi-
ca, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 201-224, 2017. Disponível
em: <http://periodico.abavaresco.com.br/index.php/
opiniaofilosofica/article/download/802/692/>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
• BIANCHI, Á. A mundanização da Filosofia: Marx e as
Origens da Crítica da Política. Trans/Form/Ação, São

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 267


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Paulo, v. 29, n. 2, p. 43-64, 2006. Disponível em: <http://


www.scielo.br/pdf/trans/v29n2/v29n2a05.pdf>. Acesso:
22 nov. 2019.
• GRESPAN, J. Marx, crítico da teoria clássica do valor.
Crítica Marxista, v. 1, n. 12, p. 59-76, 2001. Disponível em:
<https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_
biblioteca/03gresp.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.

3.2. ALIENAÇÃO DO TRABALHO

Para aprofundar as principais questões sobre o conceito


de trabalho para Marx, bem como as condições alienadoras que
tomam conta do trabalhador na sociedade capitalista, leia os ar-
tigos indicados a seguir:
• FRANCO, T. Alienação do trabalho: despertencimento
social e desrenraizamento em relação à natureza.
Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. especial 1, p. 171-191,
2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccrh/
v24nspe1/a12v24nspe1.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.
• SEMERARO, G. A concepção de “trabalho” na filosofia
de Hegel e de Marx. Educação e Filosofia, Uberlândia,
v. 27, n. 53, p. 87-104, jan./jun. 2013. Disponível em:
<http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/
article/view/14991/12680>. Acesso em: 22 nov. 2019.

3.3. O MATERIALISMO HISTÓRICO

O materialismo histórico de Marx leva em consideração


uma transformação da realidade concreta (modos de produção
e relações de produção) e não das ideias. Para saber mais, leia os
artigos indicados a seguir:

268 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

• BORDIN, R. A. O caráter histórico-social do conhecimen-


to no pensamento de Marx. Trans/Form/Ação, Marília,
v. 40, n. 2, p. 157-174, abr./jun. 2017. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/trans/v40n3/0101-3173-
trans-40-03-0157.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.
• COSTA, C. A. S. Premissas conceituais sobre a formação
do Materialismo de Marx. Praxis Filosófica: Nueva serie,
n. 31, p. 61-72, jul./dez. 2010. Disponível em: <http://
www.scielo.org.co/pdf/pafi/n31/n31a04.pdf>. Acesso
em: 22 nov. 2019.

3.4. O MATERIALISMO DIALÉTICO

Segundo Marx, a luta de classes é o motor da história. É


pela contradição das classes que as sociedades progridem. No
entanto, para isso, é preciso modificar o modo de produção.
Logo, a proposta de Marx é substituir o modo de produção capi-
talista pelo modo de produção proletário. Sobre o assunto, leia
os artigos indicados a seguir:
• FERLA, G. B.; ANDRADE, R. B. A transição do feudalis-
mo para o capitalismo. Synergismus Scyentifica, Pato
Branco: UTFPR, n. 2, 2007. Disponível em: <http://re-
vistas.utfpr.edu.br/pb/index.php/SysScy/article/viewFi-
le/240/24>. Acesso em: 22 nov. 2019.
• HIRANO, S. Política e economia como formas de domi-
nação: o trabalho intelectual em Marx. Tempo Social –
Revisa de Sociologia da USP, São Paulo, v. 13, n. 2, p.
1-20, nov. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/ts/v13n2/v13n2a01.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 269


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

• ZAGO, L. H. O método dialético e a análise do real. Kri-


terion, Belo Horizonte, n. 127, p. 109-124, jun. 2013.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/kr/v54n127/
n127a06.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.

3.5. O CAPITAL E SEU SISTEMA

Sobre a questão de valor de uso e valor de troca das mer-


cadorias, como também do valor do trabalho como mercadoria,
leia os artigos indicados a seguir. Eles oferecerão um comple-
mento interessante para as leituras realizadas até então.
• GONTIJO, C. O valor-trabalho como fundamento dos
preços. Economia e Sociedade, Campinas, v. 18, n. 3
(37), p. 493-511, dez. 2009. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/ecos/v18n3/v18n3a03.pdf>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
• LOYOLA, P. R. G. Valor e mais-valia: examinando a atuali-
dade do pensamento econômico de Marx. Argumentos,
ano 1, n. 2, p. 130-138, 2009. Disponível em: <http://
www.periodicos.ufc.br/argumentos/article/down-
load/18937/29658>. Acesso em: 22 nov. 2019.

3.6. ERROS E ACERTOS DO MARXISMO

Seria um erro gravíssimo julgar todas as interpretações


marxistas da história como obra de Karl Marx. Sem dúvida algu-
ma, o marxismo inspirou revoluções populares, como também
revoluções sangrentas. Todavia, é preciso reconhecer não ape-
nas erros do marxismo, mas também acertos. Por isso, apesar de
tudo, Marx ainda continua indispensável para uma crítica eco-

270 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

nômica e para o campo das Ciências Sociais. Sobre esse assunto,


leia os artigos indicados a seguir:
• MARTINS, M. V. “O marxismo não é um historicismo”:
acertos e limites de uma tese althusseriana. Crítica
marxista, n. 34, p. 67-85, 2012. Disponível em: <https://
www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblio-
teca/artigo273merged_document_257.pdf>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
• MUSSE, R. O legado de Marx no Brasil. Estudos Avança-
dos, São Paulo, v. 22, n. 63, p. 327-333, 2008. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v22n63/v22n63a26.
pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.
• LÖWY, M. Por um marxismo crítico. Lutas sociais, n. 3,
p. 12-30, 1997. Disponível em: <http://www4.pucsp.br/
neils/downloads/v3_artigo_michael.pdf>. Acesso em:
22 nov. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder às questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) Leia o texto a seguir:
O conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção forma
o que Marx chama de a infraestrutura de uma sociedade que, por sua
vez, é a base sobre a qual se constituem as demais instituições sociais.
Segundo a concepção materialista da história, na produção da vida social,
os homens geram também outra espécie de produtos que não têm forma
material e que vêm a ser as ideologias políticas, concepções religiosas,
códigos morais e estéticos, sistemas legais, de ensino, de comunicação, o

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 271


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

conhecimento filosófico e científico, representações coletivas etc. – cujo


conjunto é chamado de superestrutura ou supraestrutura (QUINTANEIRO;
BARBOSA; OLIVEIRA, 2000, p. 74).
Sobre esse modo de entender e explicar a constituição da sociedade, assi-
nale a alternativa correta:
a) A produção das ideologias, o conjunto de pensamentos e os pro-
dutos para satisfação das necessidades humanas denominam-se
infraestrutura.
b) A superestrutura corresponde à produção material para que o indiví-
duo tenha condições de satisfazer às necessidades básicas.
c) Na concepção materialista da história, os homens produzem tanto as
condições materiais de existência quanto suas ideias, ideologias e a
própria cultura.
d) O ser humano tem condições de produzir a infraestrutura, mas não a
superestrutura.
e) Para produzir a infraestrutura, é necessário ter conhecimento filosófi-
co, ideológico e científico.

2) Leia o trecho a seguir:


Na produção social que os homens realizam, eles entram em determina-
das relações indispensáveis e independentes de sua vontade; tais relações
de produção correspondem a um estágio definido de desenvolvimento
das suas forças materiais de produção. A totalidade dessas relações cons-
titui a estrutura econômica da sociedade – fundamento real, sobre o qual
se erguem as superestruturas política e jurídica, e ao qual correspondem
determinadas formas de consciência social (MARX, 1977).
Para o autor, a relação entre economia e política estabelecida no sistema
capitalista faz com que:
a) o proletariado seja contemplado pelo processo de mais-valia.
b) o trabalho se constitua como o fundamento real da produção material.
c) a consolidação das forças produtivas seja compatível com o progresso
humano.
d) a autonomia da sociedade civil seja proporcional ao desenvolvimento
econômico.
e) A burguesia revolucione o processo social de formação da consciência
de classe.

272 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) c

2) b

5. CONSIDERAÇÕES
Esta unidade apresentou algumas categorias fundamentais
do pensamento de Marx. Trata-se de um sistema complexo que
merece ser estudado com atenção e foco. Por isso, sugerimos
que sua leitura não pare por aqui; que ela continue a partir das
referências bibliográficas apresentadas e das sugestões de leitura
feitas no decorrer da unidade e no Conteúdo Digital Integrador.
Na próxima unidade, abordaremos o pensamento de outro
autor importante: Max Weber. Com ele poderemos, inclusive, re-
finar a nossa crítica ao pensamento marxista, de modo a conce-
ber tanto seus erros, como seus acertos.

6. E-REFERÊNCIAS

Figura
Figura 1 Karl Marx. Disponível em: <https://www.infoescola.com/biografias/karl-
marx/>. Acesso em: 21 nov. 2019.

Sites consultados
ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO. Karl Marx – documentário Filósofos e a Educação. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=lG65HHIM6Ws>. Acesso em: 19 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 273


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

BARBA, C. H. Aspectos filosóficos da crítica de Marx à Filosofia do Direito de Hegel.


Revista Opinião Filosófica, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 201-224, 2017. Disponível
em: <http://periodico.abavaresco.com.br/index.php/opiniaofilosofica/article/
download/802/692/>. Acesso em: 22 nov. 2019.
BARROS FILHO, C. Por que ler Marx? 2015. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=m93ihi0DIgE>. Acesso em: 10 out. 2018.
BBC RADIO; THE OPEN UNIVERSITY. Karl Marx, Alienação. 2015. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=gpiZaj_WS1E>. Acesso em: 19 nov. 2019.
BIANCHI, Á. A mundanização da Filosofia: Marx e as Origens da Crítica da Política.
Trans/Form/Ação, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 43-64, 2006. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/trans/v29n2/v29n2a05.pdf>. Acesso: 22 nov. 2019.
BORDIN, R. A. O caráter histórico-social do conhecimento no pensamento de Marx.
Trans/Form/Ação, Marília, v. 40, n. 2, p. 157-174, abr./jun. 2017. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/trans/v40n3/0101-3173-trans-40-03-0157.pdf>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
CARCANHOLO, M. Curso: O capital, de Marx – Aula 03. 2017. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=6JYKsqECnoI>. Acesso em: 19 nov. 2019.
COSTA, C. A. S. Premissas conceituais sobre a formação do Materialismo de Marx.
Praxis Filosófica: Nueva serie, n. 31, p. 61-72, jul./dez. 2010. Disponível em: <http://
www.scielo.org.co/pdf/pafi/n31/n31a04.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.
FERLA, G. B.; ANDRADE, R. B. A transição do feudalismo para o capitalismo. Synergismus
Scyentifica, Pato Branco: UTFPR, n. 2, 2007. Disponível em: <http://revistas.utfpr.edu.
br/pb/index.php/SysScy/article/viewFile/240/24>. Acesso em: 22 nov. 2019.
FRANCO, T. Alienação do trabalho: despertencimento social e desrenraizamento em
relação à natureza. Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. especial 1, p. 171-191, 2011.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v24nspe1/a12v24nspe1.pdf>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO. Adam Smith e Karl Marx: Liberalismo e
Socialismo. Globo Ciência. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=QOmFyRpTvFM&t=19s>. Acesso em: 19 nov. 2019.
GHIRALDELLI, P. Chega de ler Marx de modo errado! Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=OhyvthbhvWU>. Acesso em: 19 nov. 2019.
GONTIJO, C. O valor-trabalho como fundamento dos preços. Economia e Sociedade,
Campinas, v. 18, n. 3 (37), p. 493-511, dez. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/ecos/v18n3/v18n3a03.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.

274 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

GRESPAN, J. Curso: O capital, de Marx – Aula 4. Disponível em: <https://www.youtube.


com/watch?v=u-YgbuJB7Ck&index=1&list=PLHiE8QPap5vQkpEnx192YpqOnAdbSY2
Cb>. Acesso em: 19 nov. 2019.
______. Marx, crítico da teoria clássica do valor. Crítica Marxista, v. 1, n. 12, p. 59-
76, 2001. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_
biblioteca/03gresp.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.
HIRANO, S. Política e economia como formas de dominação: o trabalho intelectual em
Marx. Tempo Social – Revisa de Sociologia da USP, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 1-20, nov.
2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v13n2/v13n2a01.pdf>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
LÖWY, M. Por um marxismo crítico. Lutas sociais, n. 3, p. 12-30, 1997. Disponível em:
<http://www4.pucsp.br/neils/downloads/v3_artigo_michael.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2019.
LOYOLA, P. R. G. Valor e mais-valia: examinando a atualidade do pensamento
econômico de Marx. Argumentos, ano 1, n. 2, p. 130-138, 2009. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufc.br/argumentos/article/download/18937/29658>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
MARTINS, M. V. “O marxismo não é um historicismo”: acertos e limites de uma tese
althusseriana. Crítica marxista, n. 34, p. 67-85, 2012. Disponível em: <https://www.ifch.
unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo273merged_document_257.
pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.
MUSSE, R. O legado de Marx no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 22, n. 63,
p. 327-333, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v22n63/v22n63a26.
pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.
PAULANI, L. Curso: O capital, de Marx – Aula 02. 2017. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=T9x0gFHuON4>. Acesso em: 19 nov. 2019.
PAULO NETTO, J. Ideologia em Marx, Engels e Lukács. 2016. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=PO42EKGODCA>. Acesso em: 19 nov. 2019.
______. Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=taiKSqF0-NM>. Acesso em: 19 nov. 2019.
PRADO, E. Curso: O capital, de Marx – Aula 01. 2017. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=4uo_wkYMK_s>. Acesso em: 19 nov. 2019.
RAGO FILHO, A. A crítica do idealismo em Marx e Engels. IV Curso Livre Marx-Engels.
2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=juhXSI3Jb7k>. Acesso em:
19 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 275


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

SÃO PAULO (Estado). Encontro do século – Smith e Marx. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=WnZs9xrDM0k>. Acesso em: 19 nov. 2019.
SEMERARO, G. A concepção de “trabalho” na filosofia de Hegel e de Marx. Educação
e Filosofia, Uberlândia, v. 27, n. 53, p. 87-104, jan./jun. 2013. Disponível em: <http://
www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/14991/12680>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
UNIVESP. Clássicos da Sociologia: Karl Marx. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=2DmlHFtTplA>. Acesso em: 19 nov. 2019.
ZAGO, L. H. O método dialético e a análise do real. Kriterion, Belo Horizonte, n. 127, p.
109-124, jun. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/kr/v54n127/n127a06.
pdf>. Acesso em: 22 nov. 2019.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. 5. ed. Trad. Sérgio Bath. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
______. O marxismo de Marx. 3. ed. Trad. Jorge Bastos. São Paulo: Arx, 2005.
______. O ópio dos intelectuais. Trad. Yvone Jean. Brasília: Universidade de Brasília,
1980.
COTRIM, G.; FERNANDES, M. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013.
ENGELS, F. Engels to Conrad Schmidt – in Berlin. London, 5 August 1890. In: MARX, K.;
ENGELS, F. Collected Works: Letters, 1890-92. London: Lawrence & Wishart, 2010a. v.
49, p. 6-9.
______. Engels to Eduard Bernstein – in Zurich. London, 2-3 November 1882. In:
MARX, K.; ENGELS, F. Collected Works: Letters 1880-83. London: Lawrence & Wishart,
2010b. v. 46, p. 353-358.
______. Engels to Paul Lafargue – at Le Perreux. Bellevue Hotel, Folkestone, 27 August
1890. In: MARX, K.; ENGELS, F. Collected Works: Letters, 1890-92. London: Lawrence &
Wishart, 2010c. v. 49, p. 21-23.
______. Reply to the editors of the Sächsische Arbeiter-Zeitung. To the editors of the
Sozialdemokrat, London, September 7, 1890. In: MARX, K.; ENGELS, F. Collected Works:
Engels, 1890-95. London: Lawrence & Wishart, 2010d. v 27, p. 69-71.
FREITAG, B. Habermas e a Teoria da Modernidade. Revista Perspectivas, São Paulo, n.
16, p. 37-38, 1993.

276 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

HABERMAS, J. A crise de legitimação no capitalismo tardio. Trad. Vamireh Chacon. 3.


ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999.
______. Técnica e ciência como “ideologia”. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70,
1994.
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes, 1992. v. 1.
______. Filosofia da História. Brasília: Editora UnB, 1995.
______. Filosofía del Espíritu. In: ______. Filosofía Real. Trad. ed. José María Ripalda:
Madrid: Fondo de Cultura Económica de España, 2006. p. 151-234.
______. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
MACHADO, I. J. R.; AMORIM, H.; BARROS, C. R. Sociologia hoje. São Paulo: Ática, 2013.
MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. Trad. Introdução de Florestan
Fernandes. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
______. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Trad. Rubens Enderle e Leonardo de
Deus. São Paulo: Boitempo, 2010a.
______. Crítica do Programa de Gotha. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo,
2012.
______. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. São Paulo: Boitempo, 2010b.
______. Miséria da Filosofia: resposta à Filosofia da Miséria do Sr. Proudhon. Trad.
José Paulo Netto. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1982.
______. O capital: Crítica da Economia Política. Volume I, tomo 1. Livro Primeiro: o
processo de produção do capital. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo:
Nova Cultural, 1996a. (Os Economistas).
______. O capital: Crítica da Economia Política. Volume I, tomo 2. Livro Primeiro: o
processo de produção do capital. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo:
Nova Cultural, 1996b. (Os Economistas).
______. O capital: Crítica da Economia Política. Volume II. Livro Segundo: o processo
de circulação do capital. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 2. ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1985. (Os Economistas).
______. O capital: Crítica da Economia Política. Volume III, tomo 1. Livro Terceiro: o
processo global da produção capitalista. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 2. ed.
São Paulo: Abril Cultural, 1986a. (Os Economistas).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 277


UNIDADE 4 – KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO

______. O capital: Crítica da Economia Política. Volume III, tomo 2. Livro Terceiro: o
processo global da produção capitalista. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 2. ed.
São Paulo: Abril Cultural, 1986b. (Os Economistas).
______. Prefácio à crítica da economia política. In: Marx, K; ENGELS, F. Textos 3. São
Paulo: Edições Sociais, 1977.
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em
seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus
diferentes profetas. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano.
São Paulo: Boitempo, 2007.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto comunista. Trad. Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo,
2005.
OLIVEIRA, P. S. Introdução à Sociologia. São Paulo, Ática, 2010.
QUINTANEIRO, T.; BARBOSA, M. L.; OLIVEIRA, M. Um toque de clássicos: Durkheim,
Marx e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
REALE, G.; ANTISERE, D. História da Filosofia: do Romantismo ao Empiriocriticismo.
Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2007. v. 5.
STIRNER, M. O Único e sua Propriedade. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
THAVES, B. Frank e Ernest. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 fev. 1997.
VICENTINO, C.; DORIGO, G. História Geral e do Brasil. 2. ed. São Paulo: Scipione, 2013.
v. 1.

278 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5
MAX WEBER E AS CIÊNCIAS
HISTÓRICO-SOCIAIS

Objetivos
• Compreender a abrangência da metodologia proposta por Max Weber.
• Entender os tipos ideais como síntese metodológica do materialismo mar-
xista, do positivismo comteano e do idealismo hegeliano.
• Conhecer os tipos de dominação legítima e suas especificidades, segundo
Weber.
• Apresentar o conceito de ação social e as tipologias em torno desse con-
ceito: ação racional referente a fins, ação racional referente a valores, ação
afetiva e ação tradicional.
• Conceituar os tipos de racionalidade de acordo com Weber.
• Pontuar o desenvolvimento das sociedades modernas como um processo
de desencantamento ou racionalização das esferas de valor da sociedade
medieval.
• Refletir sobre o surgimento do sistema capitalista como um processo de
múltiplas influências que se motivaram mutuamente, como no caso da
lógica do capital, que encontrou refúgio ideológico na moral protestante.

Conteúdos
• Metodologias das Ciências Sociais.
• Os tipos ideais como tentativa de superação das limitações de marxismo,
idealismo e positivismo.
• Tipos de dominação legítima: poder tradicional, carismático e legal.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 279


• Os quatro tipos de ação social: ação racional referente a fins; ação racional
referente a valores; ação afetiva; e ação tradicional.
• Tipos de racionalidade.
• Racionalização ou desencantamento das esferas de valor (religiosa, econô-
mica, política, estética, intelectual e erótica).
• Ética protestante e “espírito” do capitalismo.

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir:

1) Não se limite em apenas ler esta obra. Pesquise e busque, em sites, livros
e revistas, materiais complementares sobre os temas abordados.

2) Esta unidade apresentará muitos conceitos complexos. Por isso, é


necessário manter uma leitura focada do começo ao fim. Ler Max Weber
requer fôlego conceitual. Anote suas dúvidas e entre em contato com seu
tutor. Consulte as referências bibliográficas no final de cada unidade e ex-
panda o seu campo formativo.

3) Para o aprofundamento das principais ideias de Max Weber, sugerimos a


leitura dos livros: Max Weber e a racionalização da vida (Carlos Eduardo
Sell), Max Weber: uma introdução (Stephen Kalberg), Um toque de clássi-
cos: Marx, Durkheim e Weber (Tania Quintaneiro, Maria Ligia de Oliveira
Barbosa e Márcia Gardênia Monteiro de Oliveira).

4) Para complementar as informações desta unidade a partir de uma lingua-


gem cinematográfica, indicamos alguns filmes. Sobre os tipos de domi-
nação legítima (tradicional, carismática e legal-burocrática): Sociedade
dos poetas mortos (EUA, 1989), Gandhi (EUA, Índia, Inglaterra, 1982), O
triunfo da vontade (1935), A onda (Alemanha, 2008). Sobre o conceito
de burocracia: O terminal (EUA, 2004). Sobre a racionalização da vida: O
jardineiro fiel (Inglaterra, 2001), Nós que aqui estamos, por vós esperamos
(Brasil, 1998). Sobre o surgimento do capitalismo: Surplus (Suécia, 2003),
Capitalismo: uma história de amor (EUA, 2009).

5) Sugerimos também que assista aos vídeos indicados a seguir:


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

• TV CULTURA. A Sociologia de Weber – Gabriel Cohn. Café Filosófico. Dis-


ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qU_zUBTsILQ>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
• UNIVESP. Clássicos da Sociologia: Max Weber. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=ea-sXQ5rwZ4>. Acesso em: 22 nov. 2019.
• ______. Na Íntegra – Antônio Flávio Pierucci – Max Weber – Parte 1/4. 2009.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wDEVx65oa3s>.
Acesso em: 10 out. 2018.
• ______. Na Íntegra – Antônio Flávio Pierucci – Max Weber – Parte 2/4.
2009. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0JZcrxr22wU>.
Acesso em: 10 out. 2018.
• ______. Na Íntegra – Antônio Flávio Pierucci – Max Weber – Parte 3/4.
2009. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6a_tBXm_
u0Q>. Acesso em: 22 nov. 2019.
• ______. Na Íntegra – Antônio Flávio Pierucci – Max Weber – Parte 4/4. 2009.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eBFOyMjuQ2I>.
Acesso em: 10 out. 2018.
• ______. Na Íntegra – Gabriel Cohn – Max Weber – Parte 1/2. 2009. Dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XeXtOpETjWs>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
• ______. Na Íntegra – Gabriel Cohn – Max Weber – Parte 2/2. 2009. Dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=S4wcbAum40I>. Acesso
em: 22 nov. 2019.
• TV CULTURA; ESPAÇO CULTURAL CPFL. Religiosidade, racionalização e de-
sencantamento – Antônio Flávio Pierucci. Balanço do Século XX, Paradig-
mas do século XXI – Sociedade Contemporânea, 11 maio 2004. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=F9eR1Awny-U>. Acesso em: 16
jan. 2020.
• GINGA VIDEOAULAS. Sociologia – Max Weber – Parte 1/2. 2015. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=QpUUsTXVwAs>. Acesso em:
22 nov. 2019.
• ______. Sociologia – Max Weber – Parte 2/2. 2015. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=gH9X40I54pc>. Acesso em: 22 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 281


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

• MUNDO DA ADMINISTRAÇÃO. Teoria da Burocracia – Max Weber – Sur-


gimento, Características, Disfunções. 2018. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=76I0IVpuBUU>. Acesso em: 22 nov. 2019.
• CARVALHO, M. Max Weber – A “objetividade” do conhecimento nas Ciên-
cias Sociais – Parte 1.1. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=aW3Ce8H-cuE&t=49s>. Acesso em: 22 nov. 2019.
• ______. Max Weber – A “objetividade” do conhecimento nas Ciências
Sociais – Parte 2.1. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=_m1bIz-AlJI>. Acesso em: 22 nov. 2019.

282 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

1. INTRODUÇÃO
Segundo Oliveira (2010, p. 273):
Nascido em Erfurt, na Turíngia, Alemanha, em abril de 1864,
o sociólogo e cientista político Max Emil Maximilian Weber foi
professor de Economia nas universidades alemãs de Freiburg
e Heidelberg e é considerado um dos fundadores clássicos da
Sociologia. Dotado de espírito investigativo particularmente
aguçado e de grande erudição, criou uma nova disciplina, a
Sociologia da Religião, no âmbito da qual desenvolveu estudos
comparados entre a história econômica e a história das dou-
trinas religiosas. Weber foi também um dos primeiros cientis-
tas sociais a chamar a atenção para o fenômeno da burocracia,
não só no Estado moderno, mas também ao longo da História.
De acordo com ele, a Sociologia deveria estudar o sentido da
ação humana individual, que deve ser buscado pelo método da
interpretação e da compreensão. Weber preocupava-se ainda
com a responsabilidade social dos cientistas sociais e defendia
a busca da neutralidade na vida acadêmica e na investigação
científica. As teorias de Weber exerceram grande influência so-
bre as Ciências Sociais a partir da década de 1920. Em uma de
suas obras mais conhecidas, procurou demonstrar a existência
de uma estreita ligação entre a ética protestante e a ascensão
do capitalismo. Suas principais obras são: A ética protestante e
o espírito do capitalismo (1905) e Economia e sociedade, publi-
cada postumamente em 1922.

Max Weber (Figura 1) é um autor de am-


pla significação para o cenário das ciências his-
tórico-sociais porque, além de apresentar uma
teoria sociológica de alto calibre, também dei-
xou como legado considerações importantíssi-
mas sobre o método adequado para as pesqui-
sas sociais. De cultura vasta e imensa precisão
teórica, Weber demonstrou ser possível para o Figura 1 Max Weber.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 283


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

campo das Ciências Sociais aquilo que outros autores, como Ga-
lileu e Newton, fizeram com relação às Ciências Naturais e Exa-
tas: apresentar uma base metodológica sólida que possibilitasse
uma eficiente aproximação e descrição do objeto de pesquisa,
no caso, dos fenômenos sociais.
Ultrapassando todo e qualquer tipo de proposta unilateral
(idealismo, marxismo e positivismo), Weber constrói um pen-
samento que se baseia não na simples potencialização de uma
esfera da realidade (seja do objeto pesquisado ou do sujeito
cognoscente), mas na combinação de fatores sociais, políticos,
econômicos, religiosos, culturais e axiológicos que, por sua vez,
formam os inúmeros tecidos da sociedade, mais especificamen-
te, no que diz respeito ao conhecimento da sociedade.
Para tanto, esta unidade tem como objetivo apresentar as
principais contribuições de Weber com relação aos aspectos que
formaram seu método compreensivo, e também realçar elemen-
tos significativos da pesquisa sociológica.

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú-
do Digital Integrador.

2.1. METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS SEGUNDO MAX


WEBER

Max Weber pode ser considerado um daqueles pensado-


res complexos na história do pensamento devido, entre outras

284 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

coisas, a dois aspectos: sua vasta bibliografia e a maneira sig-


nificativamente profunda e refinada com que elabora os seus
textos. Porém, antes de falar sobre alguns aspectos importantes
do seu pensamento, é de extrema importância esclarecer alguns
aspectos metodológicos do seu pensamento sociológico.
Uma importante fonte interpretativa do pensamento de
Max Weber é decididamente Eugène Fleischmann. Em seu tex-
to Weber e Nietzsche, Fleischmann adota uma postura por ele
mesmo chamada de “heterodoxa” acerca de uma possível inter-
pretação de Weber: sua tese fundamenta-se na ideia de que o
método sociológico proposto por Weber – influenciado, sem dú-
vida, pelo materialismo marxista –, está muito mais próximo do
pensamento de Nietzsche do que se imagina.
O interessante disso é que se trata de uma correlação até
então jamais pensada pela crítica, como o próprio autor indica:
“propondo-nos a mostrar a impressionante luta de Weber, entre
e contra seus contemporâneos – luta em cujo decurso ele só se
livra da influência de Marx para cair na de Nietzsche” (FLEISCH-
MANN, 1978, p. 140-141). Além desse aspecto inovador, o au-
tor também traz uma significativa compreensão da metodologia
weberiana, apresentando-a a partir de dois aspectos centrais: a
construção dos tipos ideais e a sua eficácia causal.
Todavia, toma-se a liberdade de não se limitar estrita-
mente a esses dois elementos do roteiro de Fleischmann, mas
complementá-lo com outros aspectos que estão implícitos em
seu texto. Dessa forma, sobre a metodologia weberiana, o texto
seguirá o seguinte fio condutor:
1) A crítica ao idealismo histórico de Hegel e a retomada
do conceito pelo viés metodológico.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 285


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

2) A crítica ao aspecto unilateral do materialismo históri-


co em Marx.
3) A mediação entre a objetividade dos fatos e a subjeti-
vidade dos valores na pesquisa sociológica.
4) A síntese entre conceitos, objetividade empírica e va-
lor por meio dos “tipos ideais”.

Crítica ao idealismo histórico de Hegel e a importância do


conceito
Ao contrário do que se pode erroneamente pressupor, a
introdução dos conhecidíssimos “tipos ideais” não faz de Weber
um integrante do idealismo. Seus escritos são claros e diretos
com relação a esse assunto, dirigindo, inclusive, uma dura crítica
àquele que é considerado o “exemplo dos horrores do finalismo
histórico” (FLEISCHMANN, 1978, p. 150) e pai do idealismo mo-
derno: Hegel.
Não é de se esperar que o pensamento de Hegel dê conta
de caracterizar a singularidade empírica. A partir da ideia de Su-
jeito Transcendental (Eu Penso) de Kant, Hegel chega à conclusão
de que a realidade não é uma substância, mas sim um sujeito au-
toconsciente, um espírito pensante. Essa ideia de identificação
ficou conhecida com a frase hegeliana: “o que é racional [ideal]
é real e o que é real é racional [ideal]” (HEGEL, 1997, p. XXXVI).
Max Weber tinha consciência das implicações limitantes do
idealismo histórico para a pesquisa das Ciências Sociais. Para es-
tabelecer um diálogo do seu pensamento social com as relações
causais e factuais que formam o contexto histórico-social, seria
preciso abster-se do idealismo, pois como caracterizar a singu-
laridade dos fenômenos se eles estão subsumidos e esvaziados

286 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

pelos conceitos gerais? A ideia tipicamente hegeliana de que o


conceito traz em seu bojo também todas as potencialidades do
objeto histórico é algo definitivamente excluído por Weber:
Decerto, nada há de mais perigoso que a confusão entre teoria
e história, nascida dos preconceitos naturalistas. Esta confusão
pode apresentar-se sob a forma da crença na fixação de qua-
dros conceituais e teóricos do conteúdo “propriamente dito”,
ou da sua utilização à maneira de leito de Procusto, no qual a
História deverá ser introduzida à força, e hipostasiando ainda
as “ideias” como se fossem a realidade “propriamente dita”,
ou as “forças reais” que, por trás do fluxo dos acontecimentos,
manifestam-se na História (WEBER, 2001, p. 141).

Fica clara a postura crítica de Weber sobre a dimensão do


idealismo histórico em sua mais cara vertente evolutiva e fina-
lística: “é, portanto, compreensível, pelo menos historicamente,
que Weber não tenha mais querido problemas com essa con-
cepção ‘ridícula e ultrapassada’” (FLEISCHMANN, 1978, p. 150).
Colliot-Thélène, em seus Ensaios sobre a teoria da ciência, evi-
dencia mais um forte motivo que justifica o distanciamento de
Weber do idealismo histórico como forma de conhecimento da
realidade. Veja:
A pressuposição metafísica do conteúdo de verdade desse co-
nhecimento é que os conteúdos conceituais situam-se, como as
realidades metafísicas, atrás da realidade, e que esta procede
necessariamente deles, à maneira pela qual as proposições ma-
temáticas decorrem umas das outras (COLLIOT-THÉLÈNE, 1995,
p. 27).

No entanto, não é possível afirmar que o pensamento me-


todológico de Weber também não leve em consideração a abs-
tração conceitual. Assim como não é conveniente para a pesqui-
sa científica generalizar os fenômenos particulares no universal,
o contrário também procede: investigar a realidade levando em

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 287


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

consideração somente os fatos particulares seria destituí-los de


toda e qualquer relação significativa, isolando-os na empiria.
O resultado seria uma inexorável fragmentação do objeto
de pesquisa, que obscureceria o procedimento metodológico do
pesquisador e comprometeria as suas análises qualitativas. Trag-
tenberg, na introdução à edição brasileira da obra Metodologia
das Ciências Sociais de Weber, afirma que essa preocupação me-
todológica acompanha o percurso teórico e desemboca naquilo
que será eixo central de sua metodologia de pesquisa: os tipos
ideais. Confira:
Weber propõe a necessidade de estabelecer novo procedimen-
to metodológico que garanta a qualificação científica às ciências
histórico-sociais, particularmente à sociologia. E enfrenta essa
tarefa através da construção dos tipos ideais. Os tipos ideais são
estabelecidos convencional e abstratamente. São inteligíveis
na medida em que na sua construção se dá a integração entre
compreensão e experimentação, sinônimo de “explicação”, “va-
lor” ou “conceito” entre o “devir” e o “ser” empírico. Para ele,
o tipo ideal constitui a síntese entre o objetivo e o subjetivo, o
particular e o geral (TRAGTENBERG, 2001, p. XXIV-XXV).

No entanto, se Weber também faz uso da abstração con-


ceitual, que aspecto então o diferencia do idealismo hegeliano?
O que separa ambas as concepções é justamente a ideia de fins
especulativos e meios metodológicos: o idealismo engendra o
conceito como algo que possui um fim em si mesmo, fazendo da
realidade histórica e objetiva uma extensão do ideal; já Weber
faz uso do conceito apenas como um instrumento metodológico
e comparativo com a realidade particular.

Crítica ao aspecto unilateral do materialismo histórico de Marx

288 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

É conclusão comum entre os críticos afirmar que, num pri-


meiro momento, “foi provavelmente Marx quem exerceu a in-
fluência mais profunda e durável sobre Weber” (FLEISCHMANN,
1978, p. 140). De fato, a questão do condicionamento da infraes-
trutura econômica sobre a superestrutura das ideias acompanha
o começo da produção literária de Weber (FLEISCHMANN, 1978;
VELHO, 2007). Além disso, o próprio Weber reconhece a origina-
lidade dos conceitos do marxismo.
Como polo contrário da filosofia hegeliana, não se espera
que Marx tenha por princípio pressupor a generalização dos con-
ceitos como forma explicativa da realidade. Pelo contrário, Marx
afirma que a dialética de Hegel não alcançou notáveis conside-
rações porque está construída de maneira inversa. Em A ideo-
logia alemã, Marx e Engels alertam que não são as ideias que
condicionam a realidade histórica, mas as condições históricas
que delimitam as ideias: “não é a consciência que determina a
vida, mas a vida que determina a consciência” (MARX; ENGELS,
2007, p. 94)
Noutras palavras, as ideias da consciência (superestrutu-
ra) não são eternas, autoconscientes e apartadas da realidade
material, mas elementos históricos e contingentes, cuja razão de
ser e pensar depende das relações econômicas (infraestrutura)
pelas quais são condicionadas. Dessa concepção surge o mate-
rialismo histórico: “totalmente ao contrário da filosofia alemã,
que desce do céu à terra, aqui se eleva da terra ao céu” (MARX;
ENGELS, 2007, p. 94).
Weber também tinha noção da abrangência da revolução
provocada por Marx. No entanto, “o próprio Weber não se deixa
identificar com a teoria marxista. Ele considera demasiado sumá-
rias as relações percebidas por Marx entre Oriente e Ocidente”

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 289


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

(FLEISCHMANN, 1978, p. 141). Isso significa justamente que o


reconhecimento de Weber das teses marxistas acontece apenas
de modo parcial, pois uma de suas críticas dirige-se exatamente
à unilateralidade e à pretensão à totalidade do condicionamento
econômico, que, ao tentar explicar a causalidade dos fenôme-
nos, acaba por rebaixar a meras causas acidentais e insignifican-
tes todos aqueles fatores que não se referem ao campo econô-
mico. Confira:
Às vezes, considera tudo aquilo que, na realidade histórica,
não pode ser deduzido a partir de motivos econômicos como
algo que, por isso mesmo, seria “acidental” e, portanto, cien-
tificamente insignificante. Às vezes amplia o conceito de “eco-
nômico” até o desfigurar, de modo que nele encontram lugar
todos aqueles interesses humanos que, de uma ou de outra
forma, são ligados aos meios externos ou ao meio ambiente.
No caso de haver a prova histórica de que, em face de duas si-
tuações idênticas do ponto de vista econômico, houve reações
diferentes – em consequência de diferenças nas determinantes
políticas, religiosas, climáticas ou em quaisquer outras determi-
nantes não-econômicas – todos estes fatores são então “rebai-
xados” ao nível de “condições” historicamente acidentais, sob
as quais os motivos econômicos atuam como “causas”, visan-
do preservar o predomínio do econômico. […] Uma tentativa
muito comum em interpretar as constantes cooperações e inte-
rações dos diferentes elementos da vida cultural como depen-
dendo causal ou funcionalmente uns dos outros, ou melhor, de
um único elemento: o econômico. Deste modo, quando uma
determinada instituição não-econômica realiza também, histo-
ricamente, uma determinada “função” a serviço de quaisquer
interesses econômicos de classe […], essa instituição é apresen-
tada como expressamente criada para tal função, ou, em sen-
tido completamente metafísico, como tendo sido moldada por
uma “tendência de desenvolvimento” de caráter econômico
(WEBER, 2001, p. 123).

290 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Dessa maneira, “em lugar de um condicionamento unilate-


ral, convém falar [em Weber] de um ‘condicionamento recípro-
co’ dos fatores econômicos e culturais” (FLEISCHMANN, 1978, p.
142). Ou seja, o que está em jogo como elemento condicionador
para justificação da realidade histórico-social, segundo Weber,
não é apenas o aspecto econômico, mas também a consciente
combinação ocorrida entre condicionamentos econômicos e cul-
turais, chamadas pelo próprio Weber de “afinidades eletivas”,
sobre as quais Weber afirma:
Em face da enorme barafunda de influxos recíprocos entre as
bases materiais, as formas de organização social e política e o
conteúdo espiritual das épocas culturais da Reforma, proce-
deremos tão-só de modo a examinar de perto se, e em quais
pontos, podemos reconhecer determinadas “afinidades eleti-
vas” entre certas formas de fé religiosa e certas formas da ética
profissional (WEBER, 2004, p. 83).

A mediação entre a objetividade dos fatos e subjetividade dos


valores
Além da crítica ao idealismo hegeliano e à unilateralidade
das condições materiais do marxismo, há outro elemento impor-
tante do edifício metodológico de Weber: o fato de eleger tanto
a “‘objetividade do conhecimento” – haja vista a radical recu-
sa ao idealismo hegeliano apresentada anteriormente – como a
“subjetividade axiológica” – haja vista a postura antipositivista
que mais à frente será vista – como pressupostos metodológicos
indispensáveis para sua pesquisa sociológica.
Com relação ao primeiro aspecto (a objetividade empíri-
ca), sua importância se deve ao fato de que o alcance dos con-
ceitos só tem sua razão de ser em vista de sua ligação com a
validade empírica; se não há confronto com o real, os conceitos

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 291


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

tornam-se vazios, destituídos de história; ou seja, não passarão


de puras ficções e hipóstases da realidade:
[As abstrações conceituais] possuem um elevado valor heurís-
tico para a investigação em enorme valor sistemático para a
exposição, se apenas forem utilizados como meios conceituais
para comparar e medir, com relação a eles, a realidade. Com
esta função, [ambos] tornam-se mesmo indispensáveis (WE-
BER, 2001, p. 143, grifo nosso).

Fleischmann, por sua vez, está de acordo com essa questão


em Weber: se não é possível reconstruir uma história universal
segundo as leis da causalidade, então isso quer dizer que para
Weber torna-se impossível abstrair a situação concreta ou hipos-
tasiar a construção histórica dos fatos; tal pressuposto só pode
ser legitimado, necessariamente, pelo confronto particular com
a realidade (FLEISCHMANN, 1978, p. 143).
Todavia, isso não faz de Weber um positivista. Há diferen-
ças incompatíveis entre Weber e os positivistas: em primeiro lu-
gar, temos o fato de Weber não abrir mão dos conceitos como
instrumentos metodológicos de comparação com o particular
(tipos ideais), o que seria um sacrilégio para um positivista, pois
os tipos ideais não possuem um caráter de lei imutável e univer-
sal, de caráter indutivo.
Em segundo lugar, há o caráter axiológico atribuído ao pró-
prio ato da pesquisa científica, visto pelo positivista como uma
regressão do progresso das ciências – significa voltar ao estágio
de pré-ciência. É a partir disso que se justifica a importância do
segundo aspecto mencionado: a dimensão subjetiva do valor.
Sobre essa segunda dimensão, nota-se que em Weber
a pesquisa empírica não é algo isolado, mas está calcada pela
questão axiológica. Surge então uma aporia: como é possível

292 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

primar pela objetividade de pesquisa se, ao mesmo tempo, há a


retomada pela dimensão subjetiva do valor como algo legítimo?
Essa questão perde seu sentido contraditório a partir do
momento em que se esclarece que o conceito de ciência em We-
ber não está limitado somente à sua ação funcional e neutra se-
gundo os moldes positivistas, mas também à intenção ideológica
e política à qual está ligada: é tarefa do cientista “cumprir o dever
científico de encarar a verdade dos fatos”, como também “de-
fender os […] próprios ideais” (WEBER, 1991, p. 10). Ou melhor,
na práxis da ciência não fala apenas o “cientista dos fatos”, mas
também o “homem dos valores”:
De todo modo, não será mais a “ciência” quem fala, neste caso,
e, em consequência disso, existe um segundo imperativo fun-
damental, qual seja, o da imparcialidade científica, que consiste
no seguinte: em tais casos, é necessário indicar aos leitores – e
[…] a nós mesmos – em que momento cessa a fala do pesqui-
sador e começa a fala do homem que está sujeito a intenções
e vontades, em que momento os argumentos se dirigem ao in-
telecto, e em qual se dirigem ao sentimento (WEBER, 2001, p.
115).

Isso quer dizer que, durante a pesquisa, o cientista é inspi-


rado pelos seus próprios valores, os quais está disposto a defen-
der. Logo, não há como fugir desta conclusão: a objetividade em-
pírica da ciência está direcionada tanto pela credulidade advinda
das leis e do método científico, como pela pressuposição de um
critério axiológico presente nas decisões do próprio cientista.
Esta é, enfim, a relação existente entre fatos (ciência) e valores
(política):
Hoje, falamos habitualmente da ciência como “livre de todas
as pressuposições”. Haverá tal coisa? Depende do que enten-
demos por isso. Todo trabalho científico pressupõe que as re-
gras da lógica e do método são válidas; são as bases gerais de

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 293


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

nossa orientação no mundo; e, pelo menos para nossa questão


especial, essas pressuposições são o aspecto menos proble-
mático da ciência. A ciência pressupõe, ainda, que o produto
do trabalho científico é importante no sentido de que “vale a
pena conhecê-lo”. Nisto estão encerrados todos os nossos pro-
blemas, evidentemente. Pois esta pressuposição não pode ser
provada por meios científicos – só pode ser interpretada com
referência ao seu significado último, que devemos rejeitar ou
aceitar, segundo a nossa posição última em relação à vida (WE-
BER, 1982a, p. 170).

Porém, deve-se levar em consideração que a subjetividade


do valor não descaracteriza a objetividade do fato, pois cada um
possui um campo próprio de compreensão. Apesar de estarem
relacionados, fatos e valores devem ser apresentados como ele-
mentos distintos.
O próprio Weber afirma: “juízos de valor não deveriam ser
extraídos de maneira nenhuma da análise científica, devido ao
fato de derivarem, em última instância, de determinados ideais,
e de por isso terem origens ‘subjetivas’” (WEBER, 2001, p. 109).
Portanto, uma coisa é o saber empírico próprio da ciência; outra
coisa é o juízo de valor de caráter político-social:
Uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém o que deve
fazer; só lhe é dado – em certas circunstâncias – o que quer
fazer. É verdade que, no setor das nossas atividades científicas,
continuamente são introduzidos elementos da cosmovisão pes-
soal, bem como na argumentação científica. Eles sempre cau-
sam problemas, fazendo com que nós atribuamos pesos dife-
rentes na elaboração de simples relações causais entre fatos, na
medida em que o resultado aumenta ou diminui a possibilidade
da realização de nossas ideias pessoais. […] Seja como for, so-
mente a partir do pressuposto da fé em valores tem sentido a
intenção de defender certos valores publicamente. Porém emi-
tir um juízo sobre a validade de tais valores é assunto da fé, e
talvez também seja tarefa de uma consideração e interpretação

294 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

especulativa da vida e do mundo, no tocante ao seu sentido,


mas, certamente, não é tarefa de uma ciência empírica, no sen-
tido como nós a entendemos (WEBER, 2001, p. 111).

Enfim, a metodologia weberiana, própria de sua maturi-


dade intelectual, é tentativa de suprir as dificuldades impostas
tanto por hegelianos, como por marxistas e positivistas. Segundo
Fleischmann, “essa posição filosófica, amadurecida ao longo de
toda sua atividade, valeu-lhe um isolamento e uma impopula-
ridade sem igual” (1978, p. 153). Weber não é hegeliano, nem
marxista ou positivista; seu método de pesquisa transita por en-
tre tais teorias, mas não se fixa em nenhuma. Em que residiria
então o elemento central que justificaria uma identidade própria
do pensamento de Weber? Que princípio ou nexo ligaria aspec-
tos tão contrastantes, porém fundamentais na teoria weberia-
na? Buscar por tal princípio torna-se uma condição essencial
para o atual termo a que se chegou essa pesquisa, se se deseja,
é óbvio, primar por uma coerência interna e própria ao método
de Weber.

Os “tipos ideais” como síntese metodológica


A elaboração metodológica dos chamados tipos ideais no
pensamento weberiano configura uma etapa de maturidade
teórica na produção de Weber. Como já citado, o esforço me-
todológico desse autor é ultrapassar três grandes abismos que
dilaceraram a realidade: a generalização estéril provocada pelo
idealismo hegeliano, a interpretação unilateral dos condiciona-
mentos da realidade realizada pelo marxismo (que tende a redu-
zi-los apenas a seus aspectos econômicos) e a limitação concei-
tual do indutivismo positivista.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 295


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Trata-se de uma tarefa difícil, pois como elaborar uma res-


posta metodológica que contemplasse as necessidades previs-
tas por tais modelos teóricos citados, sem que com isso corres-
se o risco de cair ou desembocar em alguma de suas propostas
reducionistas e extremas? A resposta encontra-se justamente
nos conhecidos “tipos ideais” de Weber que, como síntese me-
todológica em grande estilo, tenta resolver aqueles elementos
contraditórios das teorias totalizantes (idealismo, marxismo e
positivismo) e encontrar uma solução metodológica cabível ao
contexto de pesquisa das Ciências Histórico-Sociais:
O tipo ideal define o conjunto de conceitos que o sociólogo
constrói para fins de pesquisa. Weber não aceita a concepção
clássica de ciência, segundo a qual ela pode abranger a “subs-
tância” das coisas integrando-as num sistema totalizante no
qual o pensamento abranja a totalidade do real. Todo conheci-
mento é hipotético na medida em que nenhum sistema repro-
duz a realidade que é infinita. O tipo ideal constitui-se como um
momento em que o sujeito cognoscente analisa o real confor-
me as relações que seu ponto de vista mantém com os valores.
Essa relação com os valores elimina o que deva ser desconside-
rado; o rigor conceitual dos conceitos ainda está ausente. É o
papel do tipo ideal. O tipo ideal aparece como um método das
ciências histórico-sociais, cujo objetivo é captar os fenômenos
na sua singularidade (TRAGTENBERG, 2001, p. XXV).

Dessa maneira, os “tipos ideais” para Weber não são reali-


dades metafísicas que se pretende alcançar, mas devem ser vis-
tos apenas como um instrumento metodológico para analisar o
distanciamento entre o geral e o particular. Noutras palavras, os
tipos ideais não servem para padronizar o universal e a partir
deles explicar o particular, mas sim para serem contrastados com
os fenômenos históricos e particulares, a fim de perceber em
que sentido eles se aproximam ou não das construções gerais.

296 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

A fundamental pergunta de Weber, nesse sentido, é jus-


tamente esta: como é possível conhecer a realidade na sua sin-
gularidade histórica se não se pode lançar mão ou recorrer a
comparações com outras realidades gerais construídas? No texto
Rejeições religiosas do mundo e suas direções, o próprio Weber
deixa claro essa vertente metodológica:
Tais construções possibilitam determinar o local tipológico de
um fenômeno histórico. Permitem-nos ver se, em traços parti-
culares ou em seu caráter total, os fenômenos se aproximam de
uma de nossas construções: determinar o grau de aproximação
do fenômeno histórico e o tipo construído teoricamente. Sob
esse aspecto, a construção é simplesmente um recurso técnico
que facilita uma disposição e terminologia mais lúcidas (WE-
BER, 1982e, p. 372).

Sem dúvida alguma, a partir do que foi até então exposto,


a posição teórica de Weber é tão somente uma verdadeira aula
de método, direcionada por uma visível preocupação em como
melhor apreender uma pesquisa histórico-social. Levar em con-
sideração somente a especulação seria hipostasiar os resultados
em ideias abstratas e distantes da realidade; tomar como base
apenas a indução empírica seria fragmentar o objeto e obscure-
cer a visão geral do fenômeno.
Logo, a urgência do momento era pensar num campo ou
aspecto intermediário que conseguisse migrar de um polo para
o outro, do sujeito para o objeto, sem maiores comprometimen-
tos ou complicações teóricas. Weber acreditou que tal aspecto
poderia ser encontrado pelos tipos ideais, “criados para fins so-
ciológicos, dos quais a ação real se aproxima mais ou menos”
(WEBER, 1999b, p. 16) e para os quais voltou toda a sua atenção
e energia.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 297


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

As leituras indicadas no Tópico 3. 1 tratam da preocupa-


ção metodológica de Max Weber, em especial do seu conceito
de “tipos ideais”. Neste momento, você deve realizar essas lei-
turas para aprofundar o tema abordado.

2.2. OS TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO: TRADICIONAL, CARIS�


MÁTICO E LEGAL

No ensaio Política como vocação, Weber define o Estado


como associação política que tem como meio específico o exer-
cício da força física: “Hoje, temos de dizer que o Estado é uma
comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do
uso legítimo da força física dentro de um determinado território”
(WEBER, 1982b, p. 98). Com isso, o autor admite o Estado como
fonte do “direito” de uso da violência.
No entanto, ao afirmar essa premissa, Weber também é
levado a outra argumentação: se o Estado é o detentor legítimo
do uso da força física, então, neste contexto, política seria a luta
pelo poder ou pela distribuição do poder entre Estados ou entre
grupos dentro de um Estado. Logo, quem participa da política
luta pelo exercício do poder. Isso quer dizer que, em última aná-
lise, “o Estado é uma relação de homens dominando homens,
relação mantida por meio da violência legítima” (WEBER, 1982b,
p. 98).
Sobre a questão da “violência legítima”, ela pode, em al-
guns casos, assumir a figura de uma repressão. Sobre esse as-
sunto, observe a crítica apresentada por Quino na tira a seguir:

298 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Fonte: Quino (1999, p. 307).


Figura 2 Violência legítima.

Portanto, para que exista Estado, deve existir também uma


relação de obediência entre os dominados e os detentores do
poder. A pergunta seria: o que justificaria essa relação de obe-
diência ao Estado? Quando e por que os homens obedecem?
Para responder a essas questões, Weber utiliza-se de três tipos
puros de dominação que, apesar de não se encontrarem como
tal na realidade, justificam as formas de legitimação do poder e
da obediência (WEBER, 1982b, p. 98).
É na obra Os três tipos puros de dominação legítima (2003)
que Weber fala de modo mais específico sobre cada uma dessas
três formas de poder. São elas: poder tradicional, poder carismá-
tico e poder legal.

Poder tradicional
O primeiro tipo de dominação, o poder tradicional, não
está fundamentado na submissão a um superior escolhido pro-
fissionalmente ou na obediência ao conjunto de regras que re-
gem uma instituição, mas na autoridade patriarcal do senhor e
no respeito a valores e costumes tradicionais que o consagraram
naquele determinado grupo social.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 299


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Nesse caso, a lógica da submissão acontece pela relação


entre senhor e súdito: o quadro administrativo é formado pelos
súditos que estão submissos ao senhor, cuja autoridade é cedida
pela tradição. A forma hierárquica acontece de um modo mais
pessoal e totalmente vinculado pelo aspecto da fidelidade dos
próprios súditos:
Dominação tradicional em virtude da crença na santidade das
ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes.
Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal. A associação
dominante é o de caráter comunitário. O tipo daquele que or-
dena é o “senhor”, e os que obedecem são “súditos”, enquanto
o quadro administrativo é formado por “servidores”. Obedece-
-se à pessoa em virtude de sua dignidade própria, santificada
pela tradição: por fidelidade. O conteúdo das ordens está fi-
xado pela tradição, cuja violação desconsiderada por parte do
senhor poria em perigo a legitimidade do seu próprio domínio,
que repousa exclusivamente na santidade delas (WEBER, 2003,
p. 131-132).

Poder carismático
Já o segundo tipo de dominação não se concretiza nem
pela qualificação profissional (poder legal), nem pelo status so-
cial (poder tradicional), mas pela capacidade do líder, por meio
de atributos pessoais e excepcionais, de despertar nos domina-
dos sentimentos e empatias que formem uma espécie de devo-
ção pessoal.
Nesse caso, o processo da submissão acontece entre líder
e apóstolo (seguidor): o quadro administrativo é formado pelos
seguidores que, perante o arrebatador profetismo, heroísmo ou
demagogismo do líder, sentem-se atraídos em seguir suas orien-
tações. A forma hierárquica acontece de modo totalmente pes-
soal, voltada para o poder de convencimento do líder:

300 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Dominação carismática em virtude de devoção afetiva à pessoa


do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particular-
mente: a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder
intelectual ou de oratória. O sempre novo, o extracotidiano,
o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam consti-
tuem aqui a força de devoção pessoal. Seus tipos mais puros
são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande
demagogo. A associação dominante é de caráter comunitário,
na comunidade ou no séquito. O tipo que manda é o líder. O
tipo que obedece é o “apóstolo”. Obedece-se exclusivamente à
pessoa do líder por suas qualidades excepcionais e não em vir-
tude de sua posição estatuída ou de sua dignidade tradicional;
e, portanto, também somente enquanto essas qualidades lhe
são atribuídas, ou seja, enquanto seu carisma subsiste (WEBER,
2003, p. 134-135).

Poder legal
Por fim, o terceiro tipo de dominação tem como carac-
terística principal a própria burocracia e o estabelecimento da
dominação e do poder segundo um conjunto de regras ou leis
racionais, juridicamente reconhecidas e instituídas.
Nesse caso, o tipo de submissão se dá pelo processo exis-
tente entre superior (chefe) e funcionário: o quadro administrati-
vo é formado por funcionários nomeados por um chefe segundo
as competências administrativas de cada um. A forma hierárqui-
ca estabelece-se de modo impessoal, isto é, pela obediência não
ao superior, mas à regra instituída. Veja:
Dominação legal em virtude do estatuto. Seu tipo mais puro é
a dominação burocrática. Sua ideia básica é: qualquer direito
pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancio-
nado corretamente quanto à forma. A associação dominante
é eleita e nomeada, e ela própria e todas as suas partes são
empresas. […] O quadro administrativo consiste de funcionários

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 301


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

nomeados pelo senhor, e os subordinados são membros da as-


sociação […]. Obedece-se não à pessoa em virtude de seu pró-
prio direito, mas à regra estatuída, que estabelece ao mesmo
tempo a quem e em que medida se deve obedecer. […] O tipo
do funcionário é aquele de formação profissional, cujas condi-
ções de serviço se baseiam num contrato, com pagamento fixo,
graduado segundo a hierarquia do cargo e não do volume de
trabalho, e direito de ascensão conforme regras fixas. Sua admi-
nistração é trabalho profissional em virtude do dever objetivo
do cargo (WEBER, 2003, p. 128-129).

Apesar de Weber afirmar que “a burocracia não é o único


tipo de dominação legal” (WEBER, 2003, p. 130), o fato é que,
como o próprio autor disse, ela “constitui o tipo tecnicamente
mais puro da dominação legal” (WEBER, 2003, p. 130). Em seu
texto “Burocracia”, Weber (1982d, p. 229-231) desenvolve seis
características da administração da burocracia racional-legal:
1) A burocracia trabalha com setores e áreas jurisdicio-
nais estáveis, fixas e oficiais, organizadas por meio de
leis e normas administrativas.
2) A burocracia baseia-se na hierarquia de cargos e seto-
res, e também na fiscalização e controle dos superio-
res em relação aos inferiores.
3) A administração burocrática de um cargo moderno tra-
balha com documentos escritos, sob responsabilidade
de profissionais de repartição ou de escritório especia-
lizados na função.
4) Para a administração moderna e burocrática dos car-
gos, o indivíduo deve ser o máximo experto e espe-
cializado possível – quanto mais alto é o cargo, maior
deve ser a especialização.

302 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

5) Quanto mais o cargo está desenvolvido burocratica-


mente, mais se exige do indivíduo em termos de fun-
cionalismo e competência.
6) O desempenho do cargo burocrático deve ser orienta-
do por regras fixas e exaustivas, que devem ser dispo-
nibilizadas para a aprendizagem daqueles indivíduos
que desempenharão aquelas determinadas funções.
Portanto, a burocracia racional-legal é a chave de leitura
do desenvolvimento da esfera política e econômica da moderni-
dade: assim como a formação do Estado moderno é compreen-
dida à luz de uma burocracia administrativa legal-racional, o
desenvolvimento da própria economia capitalista é entendido
à luz da burocratização das empresas privadas. Ao que parece,
como se pode observar, nada escapa do alcance e da influência
burocrática:
Toda a história do desenvolvimento do Estado moderno, par-
ticularmente, identifica-se com a moderna burocracia e da
empresa burocrática, da mesma forma que toda a evolução do
grande capitalismo moderno se identifica com a burocratização
crescente das empresas econômicas. As formas de dominação
burocrática estão em ascensão em todas as partes (WEBER,
2003, p. 130).

É justamente sobre a dominação racional-legal que o Es-


tado Moderno se baseará: sua origem se encontra na separa-
ção burocrática, de um lado, do quadro pessoal de funcionários
estritamente especializados e, do outro, dos cargos orientados
hierarquicamente pelas normas jurídicas impessoais preestabe-
lecidas pelo Estado.
Não é por acaso que a burocracia administrativa moderna
implica tanto a necessidade de administradores especializados,
como também a coerção objetiva, impessoal, calculista e racio-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 303


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

nal das leis e normas, estipuladas de modo a assegurar a dimen-


são hierárquica do Estado.
Na tirinha da Figura 3, o cartunista Mauricio Rett apresen-
ta, de maneira bem-humorada, alguns aspectos relacionados ao
senso comum da burocracia:

Figura 3 Burocracia.

As leituras indicadas no Tópico 3. 2 abordam o conceito


de dominação legítima por meio dos tipos de poder (carismá-
tico, tradicional e legal). Neste momento, você deve realizar
essas leituras para aprofundar o tema abordado.

2.3. OS QUATRO TIPOS DE AÇÃO SOCIAL

304 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Ao contrário das ciências da natureza, que tratavam os fe-


nômenos sociais como “coisas” passíveis de serem investigadas
objetivamente, para Max Weber o método da Sociologia deve
ser compreensivo, isto é, deve levar em consideração os valores
subjetivos interiorizados pelos indivíduos ao longo de suas vidas.
Ou seja, enquanto o método funcionalista tenta explicar
os fatos sociais, para o método weberiano é fundamental com-
preender os possíveis sentidos decorrentes das ações sociais
desempenhadas pelos homens nas mais diferentes sociedades.
Logo, o conceito de “ação social” para Weber não pode estar dis-
sociado do conceito de “sentido” e “motivo”: “interessa, enfim,
aquele sentido que se manifesta em ações concretas e que en-
volve um motivo sustentado pelo agente como fundamento da
sua ação” (COHN, 2003, p. 27, grifo nosso).
Portanto, para que a Sociologia cumpra a sua função, mais
do que identificar os fatos objetivos, ela precisa, acima de tudo,
reconstruir o motivo de uma ação desempenhada por alguém.
Ou melhor, é por meio da compressão de uma determinada ação
social que se chega a uma interpretação adequada dos fenôme-
nos sociais. Em trecho de Economia e sociedade, Weber diz o
seguinte:
Para outros fins de conhecimento talvez possa ser útil ou ne-
cessário conceber o indivíduo, por exemplo, como uma associa-
ção de “células” ou um complexo de reações químicas, ou sua
vida “psíquica” como algo constituído por diversos elementos
individuais (como quer que sejam qualificados). Sem dúvida,
obtêm-se desse modo conhecimentos valiosos (regras causais).
Contudo, nós não compreendemos o comportamento expres-
so em regras desses elementos. Também não compreendemos
quando se trata de elementos psíquicos, e tanto menos quanto
maior a precisão, no sentido das ciências naturais, com que são
concebidos: jamais é este o caminho certo para chegar a uma

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 305


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

interpretação que se baseia no sentido visado (WEBER, 1999b,


p. 8-9).

Mas, afinal, o que é uma ação social? Para responder a


essa questão, Weber começa com a distinção entre uma ação
“comum” e uma ação tipicamente “social”: se o indivíduo age
ou manifesta determinado comportamento motivado por uma
necessidade subjetiva – seja ela interna ou externa – ou pela
simples observação, existirá apenas uma “ação”. No entanto, se
o indivíduo se sente motivado a planejar a sua ação por conta
daquilo que espera do comportamento dos outros, então, nesse
caso, não existirá somente uma ação qualquer, mas uma ação
“social”.
Nem todo tipo de ação – também de ação externa – é “ação
social” no sentido aqui adotado. A ação externa, por exemplo,
não o é, quando se orienta exclusivamente pela expectativa de
determinado comportamento de objetos materiais. O compor-
tamento interno só é ação social quando se orienta pelas ações
dos outros (WEBER, 1999b, p. 14).

Um detalhe importante para a compreensão de uma “ação


social” diz respeito ao modo como “a conduta do agente está
orientada significantemente pela conduta de outro (ou outros)”
(WEBER, 1999b, p. 30). Por “outros”, nesse caso, Weber entende
uma diversidade de sujeitos, que vai desde “indivíduos e conhe-
cidos” até uma “multiplicidade indeterminada de pessoas com-
pletamente desconhecidas” (1999b, p. 14).
Não se trata apenas de uma replicação de comportamen-
tos alheios, e sim de algo mais complexo: o que é fundamental
numa “ação social” não é o que o outro faz, mas aquilo que foi
representado e significado pelo agente da ação social. Logo, o
que legitima uma ação social é o fato de ela ser pensada e refle-
tida no âmbito da subjetividade e dos fatos.

306 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Conforme já observado, a metodologia weberiana parte


do pressuposto de que os fenômenos sociais e históricos não
devem ser decifrados nem por meio das observações factuais
(tipicamente positivista), muito menos pelo uso de conceitos
desvinculados da realidade; pelo contrário, interpretação da rea-
lidade social é compreendida através de “tipos ideais” capazes
de oferecer ponto de partida conceitual para a análise do estrita-
mente factual. Nessa direção, Weber classificou as ações sociais
dos indivíduos em quatro tipos:
1) Ação racional referente a fins: trata-se de uma ação
orientada por regras na qual o agente pondera não
somente os meios, os fins, os valores e os efeitos de
algo, mas também as possibilidades de configuração
dos cada um destes elementos. Por se basear no cál-
culo de possibilidades, tem uma chance maior de ser
compreendida como racional.
Age de maneira racional referente a fins quem orienta sua ação
pelos fins, meios e consequências secundárias, ponderando
racionalmente tanto os meios em relação às consequências
secundárias, assim como os diferentes fins possíveis entre si
(WEBER, 1999b, p. 16).

2) Ação racional referente a valores: diz respeito a uma


ação na qual o agente elabora conscientemente os
meios, os fins e os valores de algo, sem, porém, pon-
derar os seus diferentes efeitos possíveis – pois não
age pelo cálculo de possibilidades com relação aos
fins, mas pela convicção dos valores e crenças que lhe
ordenam a aceitação imediata de um determinado
efeito-valor.
Age de maneira puramente racional referente a valores quem,
sem considerar as consequências previsíveis [fins], age a ser-
viço de sua convicção sobre o que parecem ordenar-lhe o de-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 307


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

ver, a dignidade, a beleza, as diretivas religiosas, a piedade ou


a importância de uma “causa” de qualquer natureza (WEBER,
1999b, p. 15).

3) Ação afetiva: está relacionada àquela ação na qual o


indivíduo age motivado por seus afetos ou por estados
emocionais atuais. Trata-se de uma ação que está além
daquilo que se apresenta como ação conscientemente
orientada pelo sentido – isto é, racionalizada –, uma
vez que pode ser uma simples “reação desenfreada” a
um “estímulo não cotidiano”, como também o resulta-
do de uma “sublimação” (descarga consciente de um
estado emocional).
O sentido da ação não está no resultado que a transcende, mas
sim na própria ação em sua peculiaridade. Age de maneira afe-
tiva quem satisfaz sua necessidade atual de vingança, de gozo,
de entrega, de felicidade contemplativa ou de descarga de afe-
tos (seja de maneira bruta ou sublimada)” (WEBER, 1999b. p.
15).

4) Ação tradicional: está relacionada à ação na qual o


indivíduo age apenas em vista de um “costume arrai-
gado”. Ou seja, trata-se de uma ação totalmente roti-
nizada, que não pressupõe uma ação livremente deli-
berada para além dos padrões aceitos e vigentes.
O comportamento estritamente tradicional – do mesmo modo
que a imitação puramente reativa […] não passa de uma reação
surda a estímulos habituais que decorre na direção da atitu-
de arraigada. A grande maioria das ações cotidiana habituais
aproxima-se desse tipo, que se inclui na sistemática não apenas
como caso-limite mas também porque a vinculação ao habitual
pode ser mantida conscientemente, em diversos graus e senti-
dos (WEBER, 1999b, p. 15).

308 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Schluchter (apud SELL, 2013) propõe uma interpretação


interessante das ações sociais weberianas, que parte do simples
comportamento até a ação da consciência, racionalizada e volta-
da para o alcance de fins. Veja:
• O comportamento pode ser “reativo” (motivado por
uma reação condicionada interna ou externamente) ou
“significativo” (motivado por um sentido interno para a
caracterização de uma ação comum).
• A ação significativa pode ser “rotinizada” (isto é, mo-
tivada por uma ação tradicional baseada em costumes
estabelecidos) ou “não rotinizada” (ou seja, motivada
por ações não delimitadas por costumes preexistentes).
• A ação significativa não rotinizada pode ser “espontâ-
nea” (isto é, como resultado livre dos afetos e outros
determinados estados emocionais) ou “racionalizada”
(ação conscientemente orientada pelo sentido e pelo
cálculo de fins).
Para melhor compreender essa tipologia weberiana, ob-
serve o esquema da Figura 4, apresentado pelo comentador
Schluchter:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 309


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Fonte: Schluchter (apud SELL, 2013, p. 16).


Figura 4 Tipologia da ação social.

As leituras indicadas no Tópico 3. 3 levam em conside-


ração os conceitos de ação social como forma de interação do
indivíduo com os outros, tema que merece um pouco mais da
sua atenção. Neste momento, você deve realizar essas leituras
para aprofundar o tema abordado.

2.4. OS TIPOS DE RACIONALIDADE

310 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

A definição do conceito de “racionalidade” em Weber é


algo complexo e pouco consensual entre os comentadores. No
entanto, apesar das inúmeras diferenças interpretativas – ora
orientadas para o aspecto da racionalidade formal, ora para o
aspecto da racionalidade prática – é possível perceber que os
tipos ideais da racionalidade “formal” e “material” estruturam
satisfatoriamente a compreensão weberiana do processo de
racionalização.
Duas observações preliminares devem ser feitas ao tratar
desse assunto:
• Deve-se observar que Weber não dedicou nenhum
texto específico a esses conceitos de racionalidade, mas
apenas algumas passagens contidas na obra Economia
e sociedade.
• O uso de tais racionalidades por Weber está limitado
apenas aos campos da Economia e do Direito – embora
se possa adaptar os tipos ideias de racionalidade para
outras situações.
Para a Economia, Weber apresenta dois tipos ideais de
racionalidade:
• Racionalidade formal: está relacionada à lógica do cál-
culo impessoal e das formas metódicas próprias dos sis-
temas econômico e jurídico das sociedades modernas.
Por conta do seu caráter de impessoalidade, a racionali-
dade formal possui uma relação íntima com as institui-
ções que se organizam de forma burocrática – isto é, a
partir de uma hierarquia delimitada por regras:
• Chamamos racionalidade formal de uma gestão econô-
mica o grau de cálculo tecnicamente possível e que ela
realmente aplica (WEBER, 1999b, p. 52).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 311


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

• Racionalidade material (ou “substantiva”): também


possui uma conduta racional, porém, que não está di-
recionada para o cálculo de “fins”, e sim para a escolha
e vivência de valores (éticos, políticos, morais etc.). Ou
seja, trata-se de uma racionalidade que leva em consi-
deração o contexto social (valores) em que está inse-
rida, manifestando-se como “racional” na medida em
que aplica, organiza e dispõe de determinados valores
que orientam uma ação específica:
Chamamos racionalidade material o grau em que o abaste-
cimento de bens de determinados grupos de pessoas (como
quer se definam), mediante uma ação social economicamente
orientada, ocorra conforme determinados postulados valorati-
vos (qualquer que seja sua natureza) que constituem o ponto
de referência pelo qual este estabelecimento é, foi ou poderia
ser julgado. Esses postulados têm significados extremamente
variados (WEBER, 1999b, p. 52).

Já no campo do Direito, além de manter os conceitos de ra-


cionalidade formal e material, Weber acrescenta a possibilidade
do “não racional” ou “irracional”. Ou seja, “a criação e a aplicação
do direito podem ser racionais ou irracionais”. (WEBER, 1999c, p.
12). Por isso, o Direito pode ser criado e aplicado de acordo com
uma “racionalidade formal”, “material”, “irracionalidade formal”
ou “irracionalidade material”. Vejamos:
• Não racional formal (ou “formalmente irracional”):
possui um caráter impessoal para o julgamento de ca-
sos, porém utiliza-se de meios que não podem ser racio-
nalmente justificados. Ou seja:
são formalmente irracionais quando, para a regulamentação da
criação do direito e dos problemas de aplicação do direito, são
empregados meios que não podem ser racionalmente contro-
lados (WEBER, 1999c, p. 12, grifo nosso).

312 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

• Como exemplo dessa racionalidade, temos “a consulta


de oráculos ou a sucedâneos destes” (WEBER, 1999c,
p. 12).
• Não racional material (ou “materialmente irracional”):
quando se utiliza de valores éticos e culturais – em vez
de leis – para o julgamento de casos: “Eles são material-
mente irracionais, na medida em que a decisão é de-
terminada por avaliações totalmente concretas de cada
caso, sejam estas de natureza ética emocional ou polí-
tica, em vez de depender de normas gerais” (WEBER,
1999c, p. 12).
Vale dizer também que, além do “formalmente irracional”
e do “materialmente irracional”, há também a aplicação da ra-
cionalidade formal e material para o campo do Direito. Confira:
Também a criação e a aplicação “racionais” do direito podem
ter esta qualidade, em sentido formal ou material. Um direito é
[racionalmente] “formal” na medida em que se limita a consi-
derar, no direito material e no processo, as características gerais
e unívocas dos fatos. […] Mas o contraste entre ela e a raciona-
lidade material torna-se, com isso, ainda mais forte, pois esta
última significa precisamente que as decisões de problemas
jurídicos sofrem influência de normas com dignidade […]: im-
perativos éticos, por exemplo, ou regras de conveniência […] ou
máximas políticas, que rompem tanto o formalismo das carac-
terísticas externas quanto da abstração lógica (WEBER, 1999c,
p. 12-13, grifo nosso).

A leitura indicada no Tópico 3. 4 promove um aprofun-


damento do significado de “racionalidade” segundo Weber.
Neste momento, você deve realizar essas leituras para apro-
fundar o tema abordado.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 313


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

2.5. RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE VALOR

A obra de Weber possui uma importância central para a


compreensão das sociedades modernas, em especial pela aná-
lise que faz sobre a racionalização ou o desencantamento das
esferas de valor das sociedades medievais (religiosa, econômica,
política, intelectual, estética e erótica). E isso pode ser afirmado
por dois motivos:
• O pensamento sociológico de Max Weber não trata
apenas de um estudo isolado da racionalização da es-
fera religiosa – a partir das afinidades eletivas entre
protestantismo acético e capitalismo –, mas também da
sua relação com dimensão cultural típica do Ocidente,
que permitiu tal combinação. Ou seja, trata-se de um
estudo comparativo e intercultural do processo de ra-
cionalização religiosa que desembocou num racionalis-
mo especificamente ocidental.
• A pesquisa weberiana sobre os processos de raciona-
lização – que deram origem à racionalidade ocidental
– não fica limitada ao fator religioso e à dimensão (in-
ter)cultural, mas é pensada também em sua dimensão
social, no âmbito da racionalidade própria ao Ocidente
(intracultural). Nesse sentido, a racionalização apresen-
tada por Weber atinge outras áreas e atividades da so-
ciedade, como a economia, a política, a ciência, a moral
e a arte, que, nesse caso, não se configura apenas como
racionalização ocidental, mas também como racionali-
zação moderna.
Como se pode observar, a obra de Weber é importante,
em especial para o contexto da ação comunicativa de Habermas,
exatamente porque descreve os processos de desenvolvimen-

314 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

to da racionalidade ocidental (em sua dimensão cultural) e da


racionalidade moderna e suas esferas (em sua dimensão social)
a partir do desencantamento das antigas imagens religiosas de
mundo.
Essa dupla dimensão do processo de racionalização em
Weber está presente nos textos de alguns comentadores. Segun-
do Schluchter (1998, p. 35), os processos de racionalização indi-
cados por Weber seguem duas etapas distintas: a primeira “era
axial” (período), ligada à formação daqueles elementos específi-
cos que serviram de base à civilização ocidental, e a segunda “era
axial”, ligada à autonomização das principais esferas sociais que
formaram a vida moderna. Para Sell (2013, p. 277), “ao saltar da
área religiosa para as demais esferas sociais já estamos tratando
de outro âmbito da análise weberiana e, além do racionalismo
ocidental, o que se coloca em tela é a questão do racionalismo
moderno”.
Na opinião de Araújo (1996, p. 116), esse processo torna-
-se mais evidente até mesmo pela própria diversidade concei-
tual que o termo “racionalidade” carrega: o processo de raciona-
lização em Weber não se limita apenas ao desenvolvimento do
racionalismo ocidental, porque, assim como a racionalização de
uma determinada sociedade é um evento que pode ser concebi-
do de inúmeras formas, também o desenvolvimento do Ociden-
te é um caso particular de um fenômeno de múltiplas vertentes.
Em trecho da “Vorbemerkung” (Observação preliminar), o pró-
prio Weber adverte:
Por essa palavra [racionalidade] podem-se entender coisas
muito distintas – como as exposições posteriores irão eviden-
ciar repetidas vezes. Há, por exemplo, “racionalizações” da con-
templação mística, ou seja: de um comportamento que, visto a
partir de outros âmbitos da vida, é especificamente “irracional”,

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 315


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

exatamente do mesmo modo como as racionalizações da eco-


nomia, da técnica, do trabalho científico, da educação, da guer-
ra, da justiça e da administração. Além disso, cada um desses
âmbitos pode, sob os mais diversos pontos de vista e objetivos
últimos, “racionalizar-se”, e o que é “racional” de um ponto de
vista pode, ao ser observado de outro, ser “irracional” (WEBER,
1988, p. 11, tradução nossa).

Por esse motivo – isto é, pela diversidade de fatores pre-


sentes em racionalizações existentes em diferentes culturas (e
não só na ocidental) –, Weber tem consciência de que só é possí-
vel especificar as características e direções de uma determinada
racionalização quando se tem consciência de quais setores da
sociedade – no caso, a ocidental – são passíveis de serem racio-
nalizados. Surge então a sua preocupação em conceituar uma
racionalidade moderna:
Racionalizações têm, portanto, existido nas mais diversas esfe-
ras da vida, dos mais variados tipos e em todas as culturas. O
que é característico para sua diferença cultural e histórica é, pri-
meiramente: quais esferas e em que direções elas foram racio-
nalizadas. Portanto, trata-se em primeiro lugar de identificar:
a peculiaridade específica do racionalismo ocidental e, dentro
dele, do moderno racionalismo ocidental, e explicar a sua ori-
gem (WEBER, 1988, p. 11-12, tradução nossa).

Para apreender uma visão de conjunto sobre a teoria da


racionalização da modernidade em Weber – ou seja, delinear
estruturalmente as relações existentes entre protestantismo e
racionalidade moderna –, alguns autores acreditam que o texto
“Consideração intermediária” (“Zwischenbetrachtung”) cumpre
esse objetivo de modo satisfatório (FILIPE, 2006; ARAÚJO, 1996).
A “Consideração intermediária” é um texto de caráter es-
trutural presente na coletânea Ensaios sobre Sociologia da Reli-
gião (Gesammelte Aufsätze zur Religiossoziologie). A justificati-

316 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

va desse texto na Religiossoziologie se dá pelo seguinte motivo:


depois de estudar as religiões orientais chinesas, Weber iniciou
sua análise sobre as chamadas “religiões de salvação”, nas quais,
segundo o autor, existe uma relação de tensão com o mundo.
Justifica-se então, a partir desse ponto, a necessidade de
uma “consideração intermediária” que esclareça tanto as dis-
tinções entre “misticismo” (predominante do mundo oriental)
e “ascetismo” (predominante no mundo ocidental), como tam-
bém examine as tensões existentes entre a “ordem religiosa” e
as “esferas sociais” do mundo moderno – a economia, a política,
a arte, o erotismo e a ciência –, regidas, por sua vez, por uma
legalidade própria interna (Eigengesetzlichkeit).
Na opinião de Pierucci (2005, p. 136), a “Consideração in-
termediária” de Weber é o “texto mais altamente filosófico de
sua vasta produção, só comparável em ambição filosófica e pa-
thos existencial à conferência de 1917 sobre a ‘A Ciência como
vocação’”. Sell (2013, p. 277) também defende essa ideia ao
dizer que “a Consideração Intermediária pode ser lida também
como um texto de Teoria Social que nos oferece, em suma, uma
das magnas teorizações de Weber sobre a Modernidade”.

Todavia, a interpretação desse texto não é consensual. Há


autores – como é o caso de Habermas (2012a) – que afirmam
que as esferas de valor weberianas (religiosa, econômica, políti-
ca, artística, erótica e científica) devem ser compreendidas, ini-
cialmente, a partir de dois sistemas distintos: a racionalização das
esferas de valor pertencentes ao sistema cultural (ciência, moral
e arte), cujos interesses estão pautados em mecanismos de inte-
ração simbólica, e a racionalização das esferas de valor perten-
centes ao sistema social (economia e política), cujos interesses

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 317


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

estão voltados para mecanismos de interação material. Da rela-


ção entre essas duas racionalizações surgiria, enfim, a racionali-
zação de cunho motivacional das estruturas da personalidade.
Em contrapartida, existem autores – como Schwinn (1998)
e Schluchter (2009) – que acreditam que essa separação das
esferas de valor racionalizadas em dois sistemas distintos não
corresponde ao ideário weberiano. Para tanto, preferem usar
outra categorização a partir de níveis da “ação social”, indo do
mais básico até o mais abrangente: parte-se da racionalização da
“conduta de vida” (nível individual) até chegar ao ponto da ins-
titucionalização social das “ordens sociais” ou “poderes da vida”
(nível social), formando assim os contextos culturais e gerais das
seis esferas de valor autonomizadas (nível cultural):
As “esferas de valor” podem ser entendidas como contextos
supraindividuais de sentido, regidas por um valor dominante.
Elas são institucionalizadas como ordens da vida e são interna-
lizadas como orientações da ação. Weber não fala só de ordens
da vida, mas também de poderes da vida (SCHLUCHTER, 2009,
p. 308, tradução nossa).

No entanto, independentemente das interpretações apre-


sentadas, o aspecto central da racionalização moderna, apre-
sentado por Weber na “Consideração intermediária”, pode ser
identificado no seguinte ponto: por meio da racionalização da
conduta de vida, determinadas ordens sociais se institucionali-
zaram e passaram a operar segundo “leis internas e próprias”
(Eigengesetzlichkeit) (SELL, 2013, p. 279). Ou seja, é a partir da
autonomização das ordens sociais em esferas de valor que se
pode configurar o processo de racionalização das sociedades
modernas:
Na verdade, a tensão ia-se tornando tanto mais forte, por seu
lado, quanto mais iam progredindo, também por seu lado, a

318 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

racionalização e a sublimação da posse exterior e interior dos


bens “seculares” (no sentido mais lato). Pois a racionalização
e a sublimação consciente das relações do homem com as di-
ferentes esferas de bens [de valores] exteriores e interiores,
religiosos e profanos, na sua posse levaram a que se tornas-
sem conhecidas, nas suas coerências intrínsecas, as leis internas
próprias de cada uma das esferas e, por via disso, se deixassem
entrar naquelas tensões entre umas e outras que haviam per-
manecido ocultas, enquanto [na época em que] a relação com
o mundo exterior era pautada pela ingenuidade primordial [ou
naturalidade originária] (WEBER, 2006a, p. 323).

Para melhor compreender a racionalização das esferas na


teoria weberiana, a análise procurará identificar esse processo a
partir dos seguintes pontos de vista:
• Do ponto de vista da orientação da “ação social” pre-
sente em cada uma das esferas. Para tanto, segue-se
a tipologia apresentada por Weber em Economia e so-
ciedade: “ação racional referente a fins”, “ação racional
referente a valores”, “ação afetiva” e “ação tradicional”.
• Do ponto de vista da “forma de organização” de cada es-
fera, juntamente com o respectivo “valor” buscado pelo
processo de racionalização. Em vista disso, segue-se as
informações contidas na “Consideração intermediária”.
• Do ponto de vista do “tipo de racionalidade” predomi-
nante. Para isso, toma-se como referência uma tipolo-
gia ideal apresentada em Economia e sociedade e des-
tinada inicialmente aos âmbitos da Economia (“formal”
e “material”) e do Direito (“formal”, “material” e “não
racional”). Dessa maneira, levando em consideração a
sugestão de Sell (2013) e Schluchter (2009), a propos-
ta é aplicar esses tipos ideais de racionalidade (formal,

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 319


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

material e irracional) para a análise conjuntural da ra-


cionalização das esferas de valor.
Esclarecida a metodologia de análise, resta então com-
preender de que forma, segundo Weber, cada uma das esferas
sociais da vida moderna conseguiu conscientemente concretizar
esse processo de autonomização de determinadas ações sociais
segundo suas próprias leis internas (Eigengesetzlichkeit).

A esfera religiosa
Para Weber, a “ação social” da esfera religiosa implica, ao
mesmo tempo, tanto uma “ação racional referente a valores”,
como uma “ação afetiva”, pois, ao definir como valor funda-
mental os “bens de salvação”, tal ação não possibilita apenas a
organização da conduta em vista desse benefício exterior, mas
também uma satisfação interna pela busca por um “estado de
espírito permanente”.
Do ponto de vista da “forma de organização”, Weber – par-
tindo de uma perspectiva evolutiva – observa na esfera religiosa
uma dinâmica racional que supera (sublima) os princípios mági-
cos da redenção e as políticas de parentesco para alcançar um
modelo estrutural de matriz pública e, a partir dele, chegar a
concepções religiosas de caráter ético-fraternal.
Enfim, do ponto de vista do “tipo de racionalidade”, a es-
fera religiosa manifesta um contexto de tensão entre raciona-
lidade material e formal: seguindo a sua própria lógica interna
(Eigengesetzlichkeit), a esfera religiosa passa a ser configurada
por uma ética universalista que, em conflito com a racionalidade
material dos interesses pessoais, desenvolve uma racionalidade

320 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

formal e, por consequência, possibilita o surgimento de uma éti-


ca da convicção:
De uma maneira ou de outra, a sua exigência ética foi conti-
nuamente no sentido de uma fraternidade universalista, pas-
sando por cima de todos os limites dos grupos sociais, muitas
vezes inclusivamente os da própria comunidade confessional.
Quanto mais essa fraternidade religiosa fosse posta em prática
consoante a sua lógica interna, tanto mais duramente ela cho-
cava com as ordens e valores do mundo. E, de facto, quanto
mais estes, por seu lado, eram racionalizados e sublimados de
acordo com as suas normas próprias – e é isso que importa aqui
–, tanto mais essa discrepância costumava-se manifestar-se de
forma mais irreconciliável (WEBER, 2006a, p. 325).

A esfera econômica
Segundo Weber, a “ação social” da esfera econômica ma-
nifesta-se por uma “ação racional referente a fins”, pois seu inte-
resse se orienta segundo o valor da “aquisição” e do “lucro” (por
meio do cálculo).
Do ponto de vista da “forma de organização”, a esfera eco-
nômica é controlada pelo “mercado”, que, orientado por uma
legalidade própria (Eigengesetzlichkeit), possibilita um espaço
competitivo para a valoração dos preços monetários, como tam-
bém, por consequência, institucionaliza uma economia racional
e uma empresa objetiva.
Do ponto de vista do “tipo de racionalidade”, percebe-se
o predomínio de uma racionalidade tanto “material” como “for-
mal”; ou seja, a função do mercado não é apenas negociar e ad-
quirir o lucro por intermédio de vínculos pessoais, mas também
institucionalizar meios racionais e impessoais para que o lucro
seja cada vez mais eficiente:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 321


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

A economia racional é um exercício objetivo, orientado pelos


preços monetários que se formam no mercado, no quadro da
luta de interesses dos homens uns com os outros. Sem avalia-
ção em preços monetários (portanto, sem essa luta), nenhum
tipo de cálculo é possível. O dinheiro é o que há de mais “im-
pessoal” na vida humana. Por isso, o universo da economia mo-
derna, racional e capitalista, quanto mais seguiu suas próprias
normas imanentes, tanto mais se tornou inacessível a qualquer
ação imaginável com uma ética religiosa da fraternidade. E, na
verdade, quanto mais se tornou racional e, por conseguinte,
impessoal, tanto mais inacessível ficou (WEBER, 2006a, p. 326).

A esfera política
Assim como na esfera econômica, a “ação social” da esfera
política também é marcada por uma “ação racional referente a
fins”, pois sua principal finalidade “é a manutenção (ou a reor-
ganização) interna e externa do poder” (WEBER, 2006a, p. 329)
– visto aqui como o “valor” principal pelo aparato político.
Do ponto de vista da “forma de organização”, a esfera polí-
tica é controlada pelo Estado, uma vez que, seguindo suas lega-
lidades próprias, utiliza-se de meios coercitivos externa e inter-
namente para manter o “monopólio da violência legítima”, ou
seja, o êxito do poder por meio de “correlações de forças e não
do ‘direito’ ético” (WEBER, 2006a, p. 329).
A esfera política, enfim, implica racionalidade tanto “mate-
rial” como ‘formal’: material porque está orientada ao campo de
determinados interesses – no caso, “a regulação interna e exter-
na do poder” –; e formal por conta de sua crescente impessoali-
dade burocrática:
a máquina burocrática do Estado e o homo politicus racional
nela inserido, tal como o homo oeconomicus, executam as suas
tarefas objetivamente, “sem levar em conta a pessoa”, sine ira

322 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

et studio, sem ódio e, portanto, sem amor, mesmo para punir as


ilegalidades (WEBER, 2006a, p. 328-329).

Nesse sentido, percebe-se uma tensão e o predomínio da


racionalidade formal sobre a material; quanto mais a esfera po-
lítica é racionalizada, mais impessoal e inacessível ela se torna:
Em virtude da impessoalidade desta ordem, o aparelho buro-
crático é até menos acessível, em pontos importantes e apesar
da aparência em contrário, a uma moralização material do que
as ordens patriarcais do passado. […] Com efeito, todo o curso
das funções políticas internas do aparelho de Estado no campo
da justiça e administração acaba sempre por regular inevitavel-
mente […] mais uma vez pela pragmática objetiva da razão de
Estado: ou seja, pela absoluta finalidade em si […] que é a ma-
nutenção (ou a reorganização) da repartição interna e externa
do poder. O apelo à violência nua dos meios de coação dirigidos
não só para fora, mas também para dentro, faz simplesmente
parte da essência de todas as formações políticas. […] Neste as-
pecto, a razão de Estado segue as suas próprias normas intrín-
secas, tanto no plano externo, como interno (WEBER, 2006a,
p. 329).

A esfera estética
A ação social da esfera estética – bem como da erótica –
possui algumas peculiaridades que a distinguem das demais es-
feras. Segundo Weber,
se a ética religiosa da fraternidade vive em estado de tensão
com as regras intrínsecas da ação exercida no mundo com fina-
lidade racional [econômica e política], pois a tensão não é me-
nor em relação àquelas forças intramundanas da vida, que, por
sua natureza, são inteiramente de caráter a-racional ou anti-
-racional. Sobretudo, tratando-se das esferas estética e erótica
(WEBER, 2006a, p. 337).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 323


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Dessa maneira, para compreender a racionalização da es-


fera estética a partir de seus próprios critérios normativos (Ei-
gengesetzlichkeit), deve-se considerar sua relação com a esfera
religiosa e com as esferas da economia e da política.
A autonomização da arte – com relação à esfera religiosa –
acompanha o processo evolutivo do caráter mágico das religiões
ao ético. Se, no início, a arte era apenas um conjunto de práticas
estereotipadas, experimentada “no âmbito da magia” e usada
“como meio de alcançar o êxtase” pela música e dança (WEBER,
2006a, p. 337), com sua racionalização, acaba se criando uma
tensão com a religiosidade de salvação ao tornar-se um fim em
si mesma, transformando os “juízos de valor com intenção ética
em juízos de gosto” (WEBER, 2006a, p. 338). Noutras palavras,
ao racionalizar-se, a esfera estética substitui os juízos éticos de
“bom” e “mau” – próprios da moral religiosa – por juízos autô-
nomos e estéticos de “belo”.
Levando em consideração o “tipo de racionalidade”, perce-
be-se que, por um lado, a esfera estética exerce, sim, uma racio-
nalidade “formal” – justamente por se tornar autônoma em rela-
ção à esfera religiosa –, porém, por outro lado, também expressa
um tipo de “irracionalidade”. Para compreender essa dimensão
irracional, precisa-se considerá-la agora em sua relação com as
esferas da economia e da política.
A afirmação de que a arte “assume a função de uma reden-
ção no seio do mundo […], libertando o homem do quotidiano”
(WEBER, 2006a, p. 338), é uma peça-chave que nos dá um ponto
de partida. Enquanto autonomia em relação à esfera religiosa, o
caráter extramundano (ou extracotidiano) da arte posiciona-se
como racionalidade “formal”; mas, em relação às esferas da po-
lítica e da economia, essa dimensão coloca-se como “irracional”
(“não racional”), pois não está de acordo com as regularidades

324 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

e condutas habituais próprias da racionalidade cotidiana – como


estão, neste caso, a política e economia, esferas orientadas pela
racionalização e eficiência do cotidiano.
Portanto, pelo fato de implicar uma experiência pessoal
extracotidiana – de caráter alheio à racionalização do cálculo es-
tratégico intramundano –, a “ação social” da esfera estética refe-
re-se a uma “ação afetiva” própria da subjetividade, cuja “forma
de organização”, em sua referência de “valor” ao belo, não está
pautada na condução metódica e sistemática da vida, mas na
“estilização da vida” segundo o grau de singularidade e vivacida-
de que a experiência estética adquiriu:
A arte constitui-se, então, como um universo de valores pró-
prios e autônomos. Assume a função de uma redenção no seio
do mundo – indiferentemente da interpretação que se lhe dê –,
libertando o homem do quotidiano e, sobretudo, também da
pressão crescente do racionalismo teórico e prático. A esse tí-
tulo, porém, ela entra em concorrência direta com a religião de
redenção. Qualquer ética religiosa se tem de voltar contra essa
redenção intramundana irracional como contra um reino, a seu
ver, de gozo irresponsável e de secreta insensibilidade (WEBER,
2006a, p. 338).

A esfera erótica
De acordo com Weber, a “ação social” da esfera erótica
é regida fundamentalmente por uma “ação afetiva”, pois, as-
sim como a esfera estética, sua conduta de vida está orientada
à satisfação pessoal de caráter extracotidiano – isto é, alheio à
racionalização do cotidiano ou qualquer sistematização ética.
Dada a sua referida extracotidianidade, a esfera erótica propor-
ciona uma “forma de organização” baseada em relações sociais
“efêmeras” e “instáveis”, cujo valor buscado é a experiência do
prazer.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 325


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

A racionalização que configura a legalidade interna (Eigen-


gesetzlichkeit) da esfera erótica consiste no processo de subli-
mação que transformou a sexualidade em “erotismo” e, por isso,
fez com que se tornasse uma esfera cultivada de modo cons-
ciente e extraordinário. Nesse sentido, percebe-se uma evolu-
ção do conceito de erotismo que se expressa pelo processo de
racionalização ocidental e cultural, desde o mundo antigo até a
modernidade.
Do ponto de vista do “tipo de racionalidade”, leva-se em
consideração o predomínio de uma racionalidade “material”, po-
rém também “irracional”. Por um lado, a racionalidade erótica é
“material” porque se baseia numa conduta normativa passional,
diferente, por sua vez, do caráter ascético impessoal do homem
profissional:
a última intensificação do acento posto na esfera erótica, no
âmbito das culturas intelectualistas, acabou por se dar quan-
do esta esbarrou com o influxo, inevitavelmente ascético, da
humanidade moldada pela vocação-profissão (WEBER, 2006a,
p. 343).

Por outro lado, a esfera erótica manifesta um caráter irra-


cional porque o modo de racionalização do erotismo, ao longo
da história, possui características muito diferentes da racionali-
zação política e econômica:
O erotismo foi alcançado para a esfera daquilo que se goza
conscientemente […]. Todavia, e precisamente por isso, ele
apareceu como uma porta aberta para o cerne mais irracional
e, portanto, mais real da vida, frente aos mecanismos de racio-
nalização (WEBER, 2006a, p. 341).

326 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

A partir de então, foi possível tornar mais evidente ainda


a relação de tensão entre a ética religiosa de fraternidade e a
“maior força irracional da vida: o amor sexual” (WEBER, 2006a,
p. 339):
Ora, essa tensão – no caso de a esfera sexual ser sistematica-
mente transformada numa sensação erótica de alto valor, […]
transfigurando-o, a todo o elemento animal na relação sexual
–, não podia deixar de tornar-se mais aguda e mais inevitável
precisamente quando a religiosidade de redenção assumiu o
caráter de religiosidade do amor, isto é, da fraternidade e do
amor ao próximo (WEBER, 2006a, p. 343-344).

A esfera intelectual
Por fim, com relação à “ação social” da esfera intelectual,
percebe-se tanto uma “ação referente a fins” como uma “ação
racional referente a valores”: se, por um lado, o intelecto criou
uma aristocracia não fraternal – uma comunidade científica –
pautada numa lógica de ação para fins no campo da própria ati-
vidade científica (posse da cultura), por outro, percebe-se tam-
bém uma ação orientada a valores, pois a dedicação aos bens
culturais acabou transformando a tarefa científica numa espécie
de missão sagrada, numa vocação.
Do ponto de vista da “forma de organização”, a esfera po-
lítica orienta-se por organizações próprias, como “universidades
e laboratórios”, organizadas sistematicamente a partir de uma
distribuição específica de recursos – para aqueles que atuam na
esfera – em vista de uma pretensa “verdade” decorrente da pos-
se dos bens culturais (WEBER, 1968, p. 19-20).
Do ponto de vista do “tipo de racionalidade”, a mesma ten-
são percebida entre “racionalidade material” e “racionalidade
formal” nas esferas da economia e da política também integra

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 327


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

a esfera intelectual. Isso pode ser constatado pelo processo de


racionalização de uma cultura profana independentemente das
pretensões metafísicas e éticas e segundo seus próprios critérios
normativos (Eigengesetzlichkeit): em oposição à religião e seu
critério de explicação causal por meio de compensações éticas e
extramundanas, encontra-se uma esfera desencantada do saber,
que se move agora por explicações intramundanas e inerentes às
próprias leis naturais e fenomênicas:
O conhecimento racional, para o qual até a própria religiosida-
de ética apelara, dava forma, seguindo as suas próprias normas
de maneira autónoma e no plano intramundano, a um cosmos
de verdades que não só já mesmo nada tinha a ver com os pos-
tulados sistemáticos da ética religiosa racional. […] O cosmos
da causalidade natural e o cosmos postulado da causalidade
assente [baseada] na compensação ética encontravam-se em
irremediável oposição um ao outro (WEBER, 2006a, p. 353).

Para ficarem mais claras as características de cada esfera,


observe o Quadro 1:

Quadro 1 Racionalização das esferas de valor das sociedades


modernas.

Orientação da Forma de Racionalidade


Esfera Valor
ação social organização predominante

Ação referente a Comunidade Material e


Religiosa Salvação
valores e afetiva religiosa formal

Ação referente Aquisição Material e


Econômica Mercado
a fins (lucro) formal

Ação referente Material e


Política Estado Poder
a fins formal

328 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Orientação da Forma de Racionalidade


Esfera Valor
ação social organização predominante

Estilização da Formal e
Estética Ação afetiva Belo
vida irracional
Relações Material e
Erótica Ação afetiva Prazer
efêmeras irracional

Ação referente
a fins e racional Universidades e Material e
Intelectual Verdade
referente a laboratórios formal
valores

Fonte: adaptado de Weber (2006a, p. 317-358) e Sell (2013, p. 288).

Com isso, percebe-se, na “Consideração intermediária”


de Weber, um esforço não somente de racionalização ociden-
tal, mas também da apresentação de uma visão de conjunto
do racionalismo moderno – por meio da autonomização das
distintas esferas de valor, segundo suas próprias leis internas
(Eigengesetzlichkeit).

As leituras indicadas no Tópico 3. 5 abordam as princi-


pais questões sobre o processo de racionalização das esferas
de valor, que resultou no desenvolvimento da sociedade mo-
derna. Neste momento, você deve realizar essas leituras para
aprofundar o tema abordado.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 329


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

2.6. A ÉTICA PROTESTANTE E O “ESPÍRITO” DO CAPITALISMO

A obra A ética protestante e o “espírito” do capitalismo é


um convite para refletir sobre a formação da cultura econômica
ocidental e da subjetividade do homem moderno. Seu objetivo
principal é descrever o jogo de interesses históricos existentes
entre o conteúdo doutrinal e ascético do protestantismo (ética
protestante) e o emergente sistema socioeconômico comercial
(espírito do capitalismo), cujo resultado iminente será a consti-
tuição da então futura sociedade capitalista.
Para entender do que se trata esse jogo de interesses, é
preciso compreender também o conceito de “afinidades eleti-
vas”. Trata-se de uma ideia utilizada pelo próprio Weber, cujo
objetivo é tentar descrever o surgimento de um conjunto de in-
teresses e combinações ideológicas que, num determinado mo-
mento histórico, possibilitou a aproximação e a mútua interação
entre duas estruturas que conscientemente elegem uma ou mais
afinidades em vista de determinados fins e benefícios próprios.
Usando a terminologia das ciências biológicas, trata-se de
uma simbiose, adaptada, se assim é possível dizer, ao âmbito
das relações socioestruturais. Em síntese, a ética protestante e o
espírito capitalista tiram proveito um do outro, encontrando, a
partir disso, elementos comuns:
Em face da enorme barafunda de influxos recíprocos entre as
bases materiais, as formas de organização social e política e o
conteúdo espiritual das épocas culturais da Reforma, proce-
deremos tão-só de modo a examinar de perto se, e em quais
pontos, podemos reconhecer determinadas “afinidades eleti-
vas” entre certas formas de fé religiosa e certas formas da ética
profissional (WEBER, 2004, p. 83).

330 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Mas, perante esse processo, uma importante dúvida emer-


ge: por que tal afinidade eletiva aconteceu justamente naquele
determinado momento histórico do Ocidente e não em outras
épocas? Quais características específicas aquele contexto histó-
rico continha que permitiram a combinação e adequação de ele-
mentos que fundiram numa só finalidade interesses espirituais
e materiais? No primeiro parágrafo da “Introdução” do texto A
ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber já se pro-
nuncia sobre essa questão:
No estudo de qualquer problema da história universal, um filho
da moderna civilização europeia estará sujeito à indagação de
qual combinação de fatores a que se pode atribuir o fato de na
Civilização Ocidental, e somente na Civilização Ocidental, have-
rem aparecido fenômenos culturais dotados (como queremos
crer) de um desenvolvimento universal em seu valor e significa-
do (WEBER, p. 1999a, p. 1).

O problema está posto; falta, por sua vez, esclarecê-lo com


precisão. Para isso, Weber busca respostas nas origens religio-
sas do Ocidente e do Oriente, descobrindo que, diferentemente
das religiões orientais, que prezavam pela regionalização de suas
crenças, o culto cristão-católico foi o primeiro na história que
teve a pretensão de se tornar universal.
Tal tendência não foi apenas um evento histórico ocasional,
mas fundamental para a futura simbiose entre ascese protestan-
te e classe comerciante, que acabou culminando no surgimento
do capitalismo como sistema econômico universal. Ou seja, foi
justamente esse caráter universal, na gênese do cristianismo,
que, séculos mais tarde, incorporou-se na criação da concepção
do capitalismo enquanto proposta universal.
Com isso, após demonstrar que o modelo econômico de
outras culturas orientais (ou ocidentais do passado) se baseava

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 331


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

numa espécie de “capitalismo ingênuo” (1999a, p. 4), Weber


percebe então a necessidade de confirmar a sua grande hipó-
tese: de que o sistema capitalista potencial é uma característica
típica do Ocidente, e só dele.
Para tanto, baseado nos estudos de Offenbacher, o pon-
to de partida de Weber foi constatar que, na Alemanha, gran-
de parte dos estudantes e profissionais que atuavam na área
técnica, administrativa e comercial era proveniente de famílias
protestantes, número esse, inclusive, superior ao número do
restante da população de outras vertentes religiosas que por
ventura também atuavam na mesma área. Com isso, Weber
conclui que alguns grupos protestantes possuem uma formação
subjetiva e ética mais voltada para a dimensão econômica. Daí o
argumento da relação entre confissão religiosa e estratificação
socioeconômica:
Está claro que a participação dos protestantes na propriedade
do capital, na direção e nos postos e trabalho mais elevados
das grandes empresas modernas industriais e comerciantes, é
relativamente mais forte, ou seja, superior à sua porcentagem
na população total, e isso se deve em parte por razões históri-
cas que remontam a um passado distante em que a pertença a
uma confissão religiosa não aparece como causa de fenômenos
econômicos, mas, antes, até certo ponto, como consequência
deles (WEBER, 2004, p 29-30).

O trecho anterior incomoda justamente porque coloca a


confissão religiosa não como elemento primário aos fenômenos
econômicos, mas, como diz o autor “até certo ponto, como con-
sequência deles”. Isso quer dizer que é preciso fazer uma genea-
logia tanto da economia capitalista como da religiosidade purita-
na para tentar descobrir o contexto exato e em que medida essas
duas realidades se tornaram uma só coisa na subjetividade hu-
mana: um ethos profissional e burguês. Para isso, Weber sente a

332 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

necessidade de pesquisar tanto a origem do “espírito capitalista”


como da “ascese protestante”.

Sobre o termo “Ethos”–––––––––––––––––––––––––––––––


Segundo Menezes, a palavra grega Ethos possui duas vertentes semânticas
no grego: um Ëthos (com pronúncia fechada) e um Éthos (com pronúncia aber-
ta), mas que, no final das contas, estão muito próximos em seus significados:
“Ëthos [com pronúncia fechada]: termo grego que significa mora-
da, residência, lugar onde se habita, e, figurativamente, também
pode significar caráter, personalidade. Éthos [com pronúncia
aberta], contudo, tem um significado mais usual de costume,
hábito, uso. Esses termos estão relacionados entre si, uma vez
que um [Ëthos] é o ponto de partida para algumas normas de
comportamento, enquanto o outro [Éthos] é o resultado de com-
portamentos que se transformaram em costumes. Um produz o
outro que, por sua vez, é fonte do outro” (MENEZES, 2010, p. 6,
grifo do autor).
Daí que, no contexto da Ética protestante e o “espírito” do capitalismo, ambos
os significados podem ser usados sem maiores problemas: como aspecto da
‘personalidade’ (Ëthos) e como elemento do ‘comportamento’ (Éthos). Por isso,
faz-se a escolha, assim como na tradução, de preservar a palavra sem qual-
quer acento.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Com relação ao espírito capitalista, Weber não dá uma de-
finição formal e acabada de início, mas leva em consideração um
contexto ideológico que não só divulgou uma escolha econômica
pelo capitalismo nascente, como também inculcou na subjetivi-
dade do trabalhador moderno a posse do capital como virtude.
Na base desse pensamento estão os famosos escritos de Benja-
min Franklin, citados inúmeras vezes por Weber:
Lembra-te que tempo é dinheiro; aquele que com seu trabalho
pode ganhar dez xelings ao dia e vagabundeia metade do dia,
ou fica deitado em seu quarto, não deve, mesmo que gaste ape-
nas seis pence para se divertir, contabilizar só essa despesa; na
verdade gastou, ou melhor, jogou fora, cinco xelins. […] As mais

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 333


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

significantes ações que afetam o crédito de um homem devem


ser por ele ponderadas. As pancadas de teu martelo que teu
credor escuta às cinco da manhã ou às oito da noite o deixam
seis meses sossegados; mas se te vê à mesa de bilhar ou escu-
ta tua voz numa taberna quando devias estar a trabalhar, no
dia seguinte vai reclamar-te o reembolso e exigir seu dinheiro
antes que o tenhas à disposição, duma vez só (FRANKLIN apud
WEBER, 2004, p. 42-44).

Esses conselhos de Franklin são emblemáticos por muitos


motivos, em especial pelo fator da internalização da disciplina do
trabalho, que tem como pano de fundo o abandono dos praze-
res e o disciplinamento da conduta. Ou seja, esse elemento atua
como um poderoso molde da subjetividade socioeconômica do
homem moderno que, pela primeira vez, passou a acreditar que,
por meio do esforço do seu trabalho, pode fazer aquilo que na
sociedade medieval era impossível: flexibilizar os estamentos e
ascender nas classes sociais.
Essa crença, exaustivamente pregada pelo espírito capita-
lista nascente, apresentou-se no contexto social da época tanto
como novidade, quanto como ideologia: de fato, os estamentos
sociais foram mobilizados, mas isso não quer dizer que o enri-
quecimento pudesse chegar a todos os trabalhadores que se es-
forçavam em seus ofícios. É nesse sentido que Kürnberg (apud
WEBER, 2004, p. 45) satiriza tais máximas de Franklin como pro-
fissão de fé ianque, sintetizando-as na seguinte frase: “do gado
se faz sebo; das pessoas, dinheiro”.
Essa concepção de “zelo pelo trabalho” vinculado ao “po-
tencial de lucro” foi redimensionada de tamanha maneira no
inconsciente simbólico da coletividade, que, num determinado
momento da história (mais especificamente, a partir de Frank-
lin), não se poderia caracterizá-la acidentalmente apenas em seu

334 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

aspecto organizacional (perspicácia nos negócios), mas essen-


cialmente como ethos social da cultura capitalista, amalgamado
e constitutivo da subjetividade do trabalhador moderno:
Aqui não prega simplesmente uma técnica de vida, mas uma
“ética” peculiar cuja violação não é tratada apenas como desa-
tino, mas como uma espécie de falta com o dever: isso, antes de
tudo, é a essência da coisa. O que se ensina aqui não é apenas
“perspicácia nos negócios” – algo que de resto se encontra com
bastante frequência –, mas é um ethos que se expressa, e é pre-
cisamente nesta qualidade de que ele nos interessa (WEBER,
2004, p. 45).

No entanto, Weber não reduz a formação da subjetividade


moderna apenas ao condicionamento material do capitalismo,
como fez Marx. Weber tenta também encontrar um campo espi-
ritual fértil, capaz de ratificar esse espírito capitalista como algo
digno de ser inculcado.
Foi esse aspecto que fez com que a cultura econômica ca-
pitalista fosse vista por Weber como algo próprio do Ocidente
moderno, pois o “‘capitalismo’ existiu na China, na Índia, na Ba-
bilônia, na Antiguidade e na Idade Média, mas, como veremos,
faltava-lhes precisamente esse ethos peculiar” (WEBER, 2004, p.
45).
Noutras palavras, esse ethos capitalista só pôde ser inte-
riorizado de forma eticamente aceita por todos a partir do mo-
mento em que foi legitimado pela ideologia puritana, que, ba-
seada na ideia de trabalho como vocação ou chamamento de
Deus (Beruf), transformou o lucro pagão em recompensa divina.
A partir de então, entra em cena o segundo aspecto do processo
de formação da subjetividade: a ascese protestante.
Adentrando no campo das vertentes religiosas protestan-
tes, Weber observou que o conceito de profissão carrega em si

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 335


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

a ideia de vocação como chamado de Deus (Beruf). Isso se soli-


dificou de tal forma que “tratar o trabalho como uma ‘vocação
profissional’ tornou-se tão característico para o trabalhador mo-
derno, como, para o empresário, a correspondente vocação para
o lucro” (WEBER, 2004, p. 163).
Calvino, por exemplo, um dos ícones do puritanismo, é cla-
ro em defesa dessa posição quando afirma que “se seguirmos
fielmente nosso chamamento divino, receberemos o consolo
de saber que não há trabalho insignificante ou nojento que não
seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de
Deus” (CALVINO, 2000, p. 77). Em trecho de outra obra, As insti-
tutas ou Tratado da religião cristã, também diz:
Finalmente, deve levar-se em conta isso: que o Senhor a cada
um de nós em todas as ações da vida ordena atentar para Sua
vocação. Pois, [Ele] sabe com quão grande inquietude efervesça
o engenho humano, de quão inconstante volubilidade seja leva-
do para cá e para lá, quão ávida lhe seja a ambição em abraçar
diversas cousas a um só tempo. Portanto, para que através de
nossa estultice e temeridade de cima abaixo se não misturem
todas [as cousas, Deus] ordenou a cada um os seus deveres em
distintos gêneros de vida. E para que não ultrapasse alguém
temerariamente os seus limites, a essas modalidades de viver
chamou vocações. Logo, para que não sejam levados em volta
às cegas pelo curso da vida, foi pelo Senhor atribuída a cada
um, como se fora um posto de serviço, sua forma de viver. […]
Daqui também insigne consolação surdirá: que, desde que obe-
deças à tua vocação, nenhuma obra tão ignóbil e vil haverá de
ser que diante de Deus não resplandeças e sejas tida por valio-
síssima (CALVINO, 1989, p. 186-187).

A grande questão proposta por Weber, que direcionará o


restante de sua argumentação, coloca-se nos seguintes termos:
que tipo de ascese essas religiões protestantes colocaram em
prática a partir do conceito de Beruf? Segundo Weber, a ascese

336 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

protestante, baseada no aspecto do disciplinamento do traba-


lho e da internalização da conduta moral amplamente divulgada
por Franklin, apropriou-se de tais conceitos e promoveu em seus
fiéis uma espécie de subjetivação do dever por meio da visão de
trabalho como vocação divina e missionária do homem na terra.
Esse aspecto é bem frisado por Weber:
[…] reconhece que o único meio de viver que agrada a Deus não
está em suplantar a moralidade intramundana pela ascese mo-
nástica, mas sim, exclusivamente, em cumprir com os deveres
intramundanos, tal como decorrem da posição do indivíduo na
vida, a qual por isso mesmo se torna sua “vocação profissional”
(WEBER, 2004, p. 72, grifo nosso).

Com isso, o trabalho deixa de ser visto como algo que ex-
plora o homem, mas como instrumento que o dignifica moral-
mente e o eleva economicamente:
quanto mais posses, tanto mais cresce – se a disposição ascé-
tica assim resistir a essa prova – o peso do sentimento da res-
ponsabilidade não é só de conservá-la na íntegra, mas ainda
de multiplicá-la para a glória de Deus através do trabalho sem
descanso (WEBER, 2004, p. 155).

Essa é a tese que Weber tenta provar por meio dos pró-
prios representantes puritanos. No discurso de John Wesley, por
exemplo, aparece uma ideia bem interessante:
não nos é lícito impedir que as pessoas sejam laboriosas e fru-
gais; temos que exortar todos os cristãos a ganhar tudo quanto
puderem, e poupar tudo quanto puderem; e isso na verdade
significa: enriquecer (WESLEY apud WEBER, 2004, p. 160).

Em convergência com tais palavras, Richard Baxter tam-


bém não deixa por menos quando afirma:
Se Deus vos indica um caminho no qual, sem dano para vossa
alma ou para outrem, possais ganhar nos limites da lei mais do
que num outro caminho, e vós o rejeitais e seguis o caminho

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 337


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

que vai trazer ganho menor, então estareis obstando um dos


fins do vosso chamamento (calling), estareis vos recusando a
ser o administrador de Deus (stewart) e a receber os seus dons
para poderdes empregá-los para Ele se Ele assim o exigir. Com
certeza não para fins da concupiscência da carne e do pecador,
mas sim para Deus, é permitido trabalhar para ficar rico (BAX-
TER apud WEBER, 2004, p. 148).

Como é possível notar, acontece aqui uma secularização


do chamado (vocação), que não é mais situado no ambiente
monacal e eclesiástico típico do catolicismo, mas num contex-
to laico de confissão puritana, que, entre outras coisas, acaba
por promover uma inversão bastante significativa: enquanto a
purificação católica está voltada a uma prática de mortificação
mecânica e externa, na ascese protestante a purificação do cor-
po é internalizada na ideia de vocação do trabalho, visto como
missão divina que implica o abandono dos prazeres e a vigilância
da disciplina. Veja:
O feito propriamente dito da Reforma consistiu simplesmente
em ter já no primeiro momento inflado fortemente, em con-
traste com a concepção católica, a ênfase moral e o prêmio re-
ligioso para o trabalho intramundano no quadro das profissões.
O modo como a ideia de “vocação”, que nomeou esse feito, foi
posteriormente desenvolvida passou a depender das subse-
quentes formas de piedade que se desdobraram dali em diante
em cada uma das igrejas saídas da Reforma (WEBER, 2004, p.
75).

Logo, a profissão como dever é a realização dessa missão


religiosa no contexto de uma ética intramundana, sendo enten-
dida como uma forma de atualização do chamado de Deus em
potência. Localiza-se aqui, segundo Weber, o germe da consti-
tuição de uma subjetividade moderna: “uma coisa antes de mais
nada era absolutamente nova: a valorização do cumprimento
do dever no seio das profissões mundanas como o mais excelso

338 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

conteúdo que a autorrealização moral é capaz de assumir” (WE-


BER, 2004, p. 72).
Isso demonstra que o conceito de profissão como vocação
coloca-se como chave “interpretativa” da ascese protestante e,
ao mesmo tempo, “conectiva” em relação ao espírito do capita-
lismo. Isso por dois motivos: primeiro, porque a profissão como
vocação legitima o trabalho intramundano como missão religio-
sa para o qual o homem é chamado a assumir com todas as suas
forças; segundo, porque essa missão traz em si a potencialidade
do lucro econômico e capitalista. Veja como Weber afirma a exis-
tência desse processo de expansão do capitalismo pela concep-
ção ascética protestante:

Eis porém algo ainda mais importante: a valorização religiosa


do trabalho profissional mundano, sem descanso, continuado,
sistemático, como o meio ascético simplesmente supremo e a
um só tempo comprovação o mais segura e visível da regene-
ração de um ser humano e da autenticidade de sua fé, tinha
que ser, no fim das contas, a alavanca mais poderosa que se
pode imaginar da expansão dessa concepção de vida que aqui
temos chamado de “espírito” do capitalismo (WEBER, 2004, p.
156-157).

Dessa maneira, o cenário do nascimento da sociedade


capitalista moderna já estava pronto: por um lado, um sistema
econômico próspero e desejoso de mais autonomia e reconhe-
cimento social; por outro, uma ideologia ascética e religiosa dis-
posta a dar justamente mais espaço à prática capitalista.
Uma perfeita combinação: o espírito capitalista só se ex-
pandiu devido à ascese protestante que lhe abriu caminho de
concretização social; e a ascese protestante, por sua vez, só con-
seguiu internalizar uma moral religiosa intramundana (vocação/

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 339


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Beruf) porque o espírito capitalista forneceu os elementos do


disciplinamento do trabalho e a perspectiva do lucro. Weber en-
xerga nesse ponto o surgimento do ethos profissional burguês,
fonte primária e alavanca principal para a formação da sociedade
capitalista:
Surgira um ethos profissional especificamente burguês. Com a
consciência de estar na plena graça de Deus e ser por ele visi-
velmente abençoado, o empresário burguês, com a condição
de manter-se dentro dos limites da correção formal, de ter sua
conduta moral irrepreensível e de não fazer de sua riqueza um
uso escandaloso, podia perseguir os seus interesses de lucro e
devia fazê-lo. O poder da ascese religiosa, além disso, punha à
sua disposição trabalhadores sóbrios, conscienciosos, extraor-
dinariamente eficientes e aferrados ao trabalho como se finali-
dade de sua vida, querida por Deus (WEBER, 2004, p. 161).

Em tese, todo esse processo de subjetivação moderna, se-


gundo Weber, passa pelo viés das afinidades eletivas entre asce-
se protestante e economia capitalista, que, pela formação de um
ethos cultural próprio da ideologia burguesa, emprestou a essa
sociedade moderna um modelo de subjetividade que moldou
todo um processo civilizatório do Ocidente.
Norbert Elias, tempos depois, identificará nesse desen-
volvimento, um legítimo “processo civilizatório” da sociedade,
que, de certa maneira, não deixa de ser a internalização de um
refinamento dos sentidos: a prática da etiqueta consiste, em ou-
tras palavras, numa autorrepresentação da sociedade de corte.
Por meio dela, cada indivíduo, e antes de todos o rei, tem o seu
prestígio e a sua posição de poder relativa confirmados pelos
outros. A opinião social que forja o prestígio dos indivíduos se
expressa pelo comportamento de cada um em relação ao outro,
dentro de um desempenho conjunto que segue determinadas
regras. Ao mesmo tempo, nesse desempenho conjunto, torna-se

340 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

visível imediatamente, portanto, o vínculo existencial entre os


homens singulares e a sociedade na corte. Sem a confirmação
de seu prestígio por meio do comportamento, esse prestígio não
é nada. A importância conferida à demonstração de prestígio, à
observância da etiqueta, não diz respeito a meras “formalida-
des”, mas sim ao que é mais necessário e vital para a identidade
individual de um cortesão. (ELIAS, 2001, p. 117-118).
É justamente nessa direção que Weber encerra a sua obra:
perceber a formação de uma subjetividade moderna baseada
não apenas por aspectos unilaterais (material ou religioso), mas
a partir da mútua relação beneficente de elementos igualmente
possíveis e condicionantes.
Porquanto, embora o homem moderno, mesmo com a melhor
das boas vontades, geralmente não seja capaz de imaginar o
efetivo alcance da significação que os conteúdos de consciência
religiosos tiveram para a conduta da vida, cultura e o caráter
de um povo, não cabe contudo, evidentemente, a intenção de
substituir uma interpretação causal unilateralmente “materialis-
ta” da cultura e da história por uma outra espiritualista, tam-
bém é unilateral. Ambas são igualmente possíveis, mas uma e
outra, se tiveram a pretensão de ser, não a etapa preliminar,
mas a conclusão da pesquisa, igualmente pouco servem à ver-
dade histórica (WEBER, 2004, p. 167).

A leitura indicada no Tópico 3. 6 promove uma reflexão


sobre a atualidade de alguns dos conceitos abordados em A
ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber.
Neste momento, você deve realizar essas leituras para apro-
fundar o tema abordado.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 341


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 5.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizado na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina para
abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material, por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante do
material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in-
dispensável para você compreender integralmente os conteúdos
apresentados nesta unidade.

3.1. TIPOS IDEAIS

Sobre a metodologia weberiana e a importância dos tipos


ideias como elemento metodológico central, confira os artigos
indicados a seguir:
• OLIVEIRA, C. M. Método e Sociologia em Weber: alguns
conceitos fundamentais. Revista Eletrônica Inter-Legere,
n. 3, p. 1-10, jul./dez. 2008. Disponível em: <https://pe-
riodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4751>. Acesso
em: 25 nov. 2019.
• CIARALLO, G. A Sociologia compreensiva e a interpreta-
ção de individualidades históricas: o papel do Verstehen
na metodologia das ciências da cultura de Max Weber.
Revista de Ciências Humanas, Florianópolis: EDUFSC,
n. 36, p. 389-406, out. 2004. Disponível em: <https://

342 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/down-
load/25424/22339>. Acesso em: 25 nov. 2019.

3.2. TRÊS TIPOS DE DOMINAÇÃO LEGÍTIMA

Sobre os tipos de dominação legítima, sugerimos a leitura


tanto de um pequeno texto de Weber, como também de um ar-
tigo sobre o assunto:
• WEBER, M. Os três tipos puros de dominação legí-
tima. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/
pluginfile.php/291528/mod_resource/content/1/
Weber%20Os%20tr%C3%AAs%20tipos%20de%20
domina%C3%A7%C3%A3o%20leg%C3%ADtima.pdf>.
Acesso em: 25 nov. 2019.
• BARRETO, M. A “dominação” de Max Weber pelos seus
manuscritos inacabados (1911–1913). Sociologia & An-
tropologia, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 587-593, out.
2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sant/
v4n2/2238-3875-sant-04-02-0587.pdf>. Acesso em: 25
nov. 2019.

3.3. OS TIPOS DE AÇÃO SOCIAL

Para se aprofundar na teoria da ação social e nos tipos de


ação que os indivíduos recorrem em sua interação coletiva, leia
os textos indicados a seguir:
• WEBER, M. Ação social e relação social. Disponível em:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/203913/
mod_resource/content/1/U-3%20-%20%289%29%20

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 343


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

Max_Weber_Acao_Social_Relacao_Social.pdf>. Acesso
em: 25 nov. 2019.
• GARCEZ, E. F. Weber, Schutz e a busca de “sentido” na
ação social: uma análise comparativa. Em Tese, Floria-
nópolis, v. 11, n. 1, p. 63-90, jan./jun. 2014. Disponível
em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/arti-
cle/viewFile/1806-5023.2014v11n1p63/28682>. Aces-
so em: 25 nov. 2019.

3.4. TIPOS DE RACIONALIDADE

Para uma melhor compreensão dos tipos de racionalidade


elaborados por Max Weber, acesse o texto indicado a seguir:
• SILVA, J. M. R. A racionalidade na teoria da ação social
de Max Weber. Monografia (Bacharelado em Ciências
Sociais) – Universidade Federal de Santa Catarina, Flo-
rianópolis, 2015. Disponível em: <https://repositorio.
ufsc.br/bitstream/handle/123456789/159791/TCC%20
Julia%20Monseff.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 nov.
2019.

3.5. RACIONALIZAÇÃO DAS ESFERAS DE MUNDO

O tema da racionalização das esferas de mundo é ampla-


mente central na explicação de Weber sobre o surgimento das
sociedades modernas. Por isso, sugerimos que leia os seguintes
artigos:
• SELL, C. E. Racionalidade e racionalização em Max We-
ber. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 79,

344 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

jun. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/


rbcsoc/v27n79/a10.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2019.
• CARDOSO, M. R. O desencantamento do mundo segun-
do Max Weber. Revista Educ, Rio de Janeiro: Faculdade
de Duque de Caxias, v. 1, n. 2, jul./dez. 2014. Disponí-
vel em: <http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revis-
tas/20170608150055.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2019.

3.6. ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO

Sobre a atualidade da ética protestante e o espírito do ca-


pitalismo nos dias atuais, leia o artigo indicado a seguir
• RIESEBRODT, M. A ética protestante no contexto con-
temporâneo. Tempo Social – Revista de Sociologia da
USP, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 159-182, 2012. Disponí-
vel em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v24n1/10.pdf>.
Acesso em: 25 nov. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder às questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) Segundo Max Weber:
A ação social (incluindo omissão ou tolerância) orienta-se pelo compor-
tamento de outros, seja este passado, presente ou esperado como futuro

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 345


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

(vingança por ataques anteriores, defesa contra ataques presentes ou me-


didas de defesa para enfrentar ataques futuros) (WEBER, 1999b, p. 13-14).
Dessa maneira, o sociólogo deve levar em conta o significado intencional
que o ator social atribui a sua ação, a qual pode nascer da aceitação de
um valor – por hábito ou tradição –, ou de impulsos emotivos irracionais.
Sobre a classificação dos tipos ideais da ação social, assinale a alternativa
que os caracteriza corretamente.
a) A ação moral é ditada por valores invariáveis a respeito do que é justo
e do que não é justo, relacionados a critérios de êxito e utilidade.
b) A ação afetiva nasce dos hábitos adquiridos, da confiança no que
“sempre foi”, como no caso de comportamentos determinados por
hábitos consagrados.
c) A ação tradicional expressa uma emoção e, por isso, se fundamenta
em sentimentos e afetos e é impulsionada pelo estado emotivo dos
atores.
d) A ação racional com relação a valores é determinada pela crença em
valores e princípios absolutos e, por meio de um cálculo utilitário, or-
ganiza os meios necessários para realizá-los.
e) A ação racional com relação a fins é motivada pelo objetivo prefixado,
cujos meios para a sua realização são escolhidos racionalmente.

2) Leia o texto a seguir:


a) Do ponto de vista do agente, o motivo é o fundamento da ação; para o
sociólogo, cuja tarefa é compreender essa ação, a reconstrução do mo-
tivo é fundamental, porque, da sua perspectiva, ele figura como a cau-
sa da ação. Numerosas distinções podem ser estabelecidas e Weber
realmente o faz. No entanto, apenas interessa assinalar que, quando
se fala de sentido na sua acepção mais importante para a análise, não
se está cogitando da gênese da ação, mas sim daquilo para o que ela
aponta, para o objetivo visado nela; para o seu fim, em suma (COHN,
1979, p. 27).

A categoria weberiana que melhor explica o texto em evidência está


explicitada em:
b) A luta de classes tem sentido porque é o que move a história dos
homens.

346 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

c) Os fatos sociais não são coisas, e sim acontecimentos que precisam ser
analisados.
d) A ação social possui um sentido que orienta a conduta dos atores
sociais.
e) O tipo ideal é uma construção teórica abstrata que permite a análise
de casos particulares.
f) O sociólogo deve investigar o sentido das ações que não são orienta-
das pelas ações de outros.

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) e

2) c

5. CONSIDERAÇÕES
Após toda a reflexão promovida, alguns elementos preci-
sam enfim ser concluídos no tocante a Max Weber. O primeiro
deles é que a metodologia weberiana de maneira alguma pos-
sui o status secundário com relação ao seu pensamento teórico.
Pelo contrário, percebe-se uma íntima correlação conceitual en-
tre método e teoria em Weber, a ponto de ser possível afirmar
que só é viável entender os conceitos teóricos weberianos re-
correndo aos seus critérios metodológicos. Emerge, então, com
toda força criativa que convém, a sua genial formulação de tipos
ideais como viés metodológico por excelência de sua pesquisa.
O segundo elemento é que o esforço de Max Weber em
delinear os tipos ideais demonstra sua inventividade em não re-
duzir seus conceitos teóricos em máximas totalizantes: não há

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 347


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

dúvidas de que ele percorre vertentes idealistas, marxistas e po-


sitivistas, mas tal postura não faz dele um adepto de nenhuma.
Isso mostra o quanto Weber preocupou-se em encontrar um me-
dium adequado para sua pesquisa, que de fato lhe permitisse o
trânsito, por vezes tensional, entre particular e universal, sujeito
e objeto, especulação e empiria.
Um terceiro aspecto de destaque é sua maneira de en-
xergar a gênese da sociedade capitalista. Weber propõe, mais
do que uma simples retrospectiva, uma legítima genealogia dos
conceitos em questão: a ascese protestante e o espírito do capi-
talismo. Negando que tais condicionamentos possam advir ape-
nas das necessidades econômicas (como assim fez Marx), We-
ber tenta descobrir em que momentos tais conceitos elegeram
afinidades mútuas, e também seus reais motivos. Essa postura,
mais do que nunca, aproxima Weber de Nietzsche: a genealogia
os une.

6. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Max Weber. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/
introducao-teoria-max-weber.htm>. Acesso em: 22 nov. 2019.
Figura 3 Burocracia. Disponível em: <http://www.cartunista.com.br/burocracia.gif>.
Acesso em: 25 nov. 2019.

Sites pesquisados
BARRETO, M. A “dominação” de Max Weber pelos seus manuscritos inacabados (1911–
1913). Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 587-593, out. 2014.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sant/v4n2/2238-3875-sant-04-02-0587.
pdf>. Acesso em: 25 nov. 2019.

348 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

CARDOSO, M. R. O desencantamento do mundo segundo Max Weber. Revista Educ,


Rio de Janeiro: Faculdade de Duque de Caxias, v. 1, n. 2, jul./dez. 2014. Disponível em:
<http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170608150055.pdf>. Acesso em:
25 nov. 2019.
CIARALLO, G. A Sociologia compreensiva e a interpretação de individualidades
históricas: o papel do Verstehen na metodologia das ciências da cultura de Max
Weber. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis: EDUFSC, n. 36, p. 389-406,
out. 2004. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/
download/25424/22339>. Acesso em: 25 nov. 2019.
GARCEZ, E. F. Weber, Schutz e a busca de “sentido” na ação social: uma análise
comparativa. Em Tese, Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 63-90, jan./jun. 2014. Disponível
em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/article/viewFile/1806-
5023.2014v11n1p63/28682>. Acesso em: 25 nov. 2019.
GINGA VIDEOAULAS. Sociologia – Max Weber – Parte 1/2. 2015. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=QpUUsTXVwAs>. Acesso em: 22 nov. 2019.
______. Sociologia – Max Weber – Parte 2/2. 2015. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=gH9X40I54pc>. Acesso em: 22 nov. 2019.
MUNDO DA ADMINISTRAÇÃO. Teoria da Burocracia – Max Weber – Surgimento,
Características, Disfunções. 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=76I0IVpuBUU>. Acesso em: 22 nov. 2019.
OLIVEIRA, C. M. Método e Sociologia em Weber: alguns conceitos fundamentais.
Revista Eletrônica Inter-Legere, n. 3, p. 1-10, jul./dez. 2008. Disponível em: <https://
periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4751>. Acesso em: 25 nov. 2019.
RIESEBRODT, M. A ética protestante no contexto contemporâneo. Tempo Social –
Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 159-182, 2012. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ts/v24n1/10.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2019.
SELL, C. E. Racionalidade e racionalização em Max Weber. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, v. 27, n. 79, jun. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/
v27n79/a10.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2019.
SILVA, J. M. R. A racionalidade na teoria da ação social de Max Weber. Monografia
(Bacharelado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2015. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/
handle/123456789/159791/TCC%20Julia%20Monseff.pdf?sequence=1>. Acesso em:
25 nov. 2019.
TV CULTURA. A Sociologia de Weber – Gabriel Cohn. Café Filosófico. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=qU_zUBTsILQ>. Acesso em: 22 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 349


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

TV CULTURA; ESPAÇO CULTURAL CPFL. Religiosidade, racionalização e desencantamento


– Antônio Flávio Pierucci. Balanço do Século XX, Paradigmas do século XXI – Sociedade
Contemporânea, 11 maio 2004. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=F9eR1Awny-U>. Acesso em: 16 jan. 2020.
UNIVESP. Clássicos da Sociologia: Max Weber. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=ea-sXQ5rwZ4>. Acesso em: 22 nov. 2019.
______. Na Íntegra – Antônio Flávio Pierucci – Max Weber – Parte 1/4. 2009. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=wDEVx65oa3s>. Acesso em: 10 out. 2018.
______. Na Íntegra – Antônio Flávio Pierucci – Max Weber – Parte 2/4. 2009. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=0JZcrxr22wU>. Acesso em: 10 out. 2018.
______. Na Íntegra – Antônio Flávio Pierucci – Max Weber – Parte 3/4. 2009. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=6a_tBXm_u0Q>. Acesso em: 22 nov. 2019.
______. Na Íntegra – Antônio Flávio Pierucci – Max Weber – Parte 4/4. 2009. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=eBFOyMjuQ2I>. Acesso em: 10 out. 2018.
______. Na Íntegra – Gabriel Cohn – Max Weber – Parte 1/2. 2009. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=XeXtOpETjWs>. Acesso em: 22 nov. 2019.
______. Na Íntegra – Gabriel Cohn – Max Weber – Parte 2/2. 2009. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=S4wcbAum40I>. Acesso em: 22 nov. 2019.
WEBER, M. Ação social e relação social. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/
pluginfile.php/203913/mod_resource/content/1/U-3%20-%20%289%29%20Max_
Weber_Acao_Social_Relacao_Social.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2019.
______. Os três tipos puros de dominação legítima. Disponível em: <https://edisciplinas.
usp.br/pluginfile.php/291528/mod_resource/content/1/Weber%20Os%20
tr%C3%AAs%20tipos%20de%20domina%C3%A7%C3%A3o%20leg%C3%ADtima.pdf>.
Acesso em: 25 nov. 2019.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, L. B. L. Religião e Modernidade em Habermas. São Paulo: Loyola, 1996.
CALVINO, J. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Trad. Waldyr Carvalho Luz. São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989. v. 3.
______. A verdadeira vida cristã. São Paulo: Novo Século, 2000.
COHN, G. Crítica e resignação: Max Weber e a teoria social. São Paulo: Martins Fontes,
2003.

350 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

COHN, G. (Org.). Max Weber: Sociologia. São Paulo: Ática, 1979.


COLLIOT-THÉLÈNE, C. Max Weber e a História. São Paulo: Brasiliense, 1995.
ELIAS, N. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da
aristocracia de corte. Trad. Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
FILIPE, R. G. Apresentação. In: WEBER, M. Sociologia das religiões e Consideração
intermediária. Trad. Paulo Osório de Castro. Lisboa: Relógio D’Água, 2006. p. 9-38.
FLEISCHMANN, E. Weber e Nietzsche. In: COHN, G. (Org.). Sociologia: para ler os
clássicos. Rio de Janeiro/São Paulo: LTC, 1978, pp. 136-185.
HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalidade
social. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012a. v. 1.
______. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. Trad. Flávio
Beno Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. v. 2.
HEGEL, G. F. Filosofia da História. Brasília: Editora UnB, 1995.
______. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em
seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus
diferentes profetas. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano.
São Paulo: Boitempo, 2007.
MENEZES, D. I. Ética I. Caderno de Referência de Conteúdo. Batatais: Ceuclar, 2010.
OLIVEIRA, P. S. Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 2010.
PIERUCCI, A. F. O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Weber.
São Paulo: 34, 2005.
QUINO. Mafalda no jardim-de-infância. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SCHLUCHTER, W. Die Entstehung des modernen Rationalismus: Eine Analyse von Max
Webers Entwicklungsgeschichte des Okzidents. Frankfurt: Suhrkamp, 1998.
______. Grundlegungen der Soziologie I. Tübingen: Mohr Siebeck, 2009.
SCHWINN, T. Wertsphären, Lebensordnungen und Lebensführungen. In: BIENFAIT,
A.; WAGNER, G. (Orgs.). Verantwortliches Handeln in gesellschaftlichen Ordnungen:
Beiträge zu Wolfgang Schluchters Religion und Lebensführung. Frankfurt: Suhrkamp,
1998, p. 270-319.
SELL, C. E. Max Weber e a racionalização da vida. Petropolis: Vozes, 2013.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 351


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

TENBRUCK, F. H. The problem of thematic unity in the works of Max Weber. British
Journal of Sociology, v. 31, n. 3, p. 316-351, set. 1980.
TRAGTENBERG, M. Educação e burocracia. Organizado por Evaldo A. Vieira. São Paulo:
Unesp, 2012. (Coleção Maurício Tragtenberg).
______. Introdução à edição brasileira. 4.ed. In: WEBER, M. Metodologia das Ciências
Sociais: Parte 1. Trad. Augustin Wernet. 4. ed. São Paulo: Cortez Editora/Editora
Unicamp, 2001. p. XI-L.
VELHO, O. Mais realistas do que o rei: ocidentalismo, religião e modernidades
alternativas. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.
WEBER, M. A “objetividade” do conhecimento na Ciência Social e na Ciência Política –
1904. In: ______. Metodologia das Ciências Sociais: Parte 1. Trad. Augustin Wernet. 4.
ed. São Paulo: Cortez Editora/Editora Unicamp, 2001. p. 107-154.
______. A objetividade do conhecimento nas Ciências Políticas e Sociais. In: ______.
Sobre a Teoria das Ciências Sociais. São Paulo: Editora Moraes, 1991. p. 1-74.
______. A ciência como vocação. In: ______. Ensaios de Sociologia. Introdução e
organização de Hans H. Gerth e C. Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Revisão Técnica
de Fernando Henrique Cardoso. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982a. p. 154-183.
______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. M. Irene de Q. F.
Szmrecsányi e Tomás J. M. K. Szmrecsányi. 14. ed. São Paulo: Pioneira, 1999a.
______. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Trad. José Marcos Mariani de
Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
______. A política como vocação. In: ______. Ensaios de Sociologia. Introdução e
organização de Hans H. Gerth e C. Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Revisão Técnica
de Fernando Henrique Cardoso. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982b. p. 97-153.
______. A Psicologia Social das religiões mundiais. In: ______. Ensaios de Sociologia.
Introdução e organização de Hans H. Gerth e C. Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra.
Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982c. p.
309-346.
______. Burocracia. In: ______. Ensaios de Sociologia. Introdução e organização de
Hans H. Gerth e C. Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Revisão Técnica de Fernando
Henrique Cardoso. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982d. p. 229-282.
______. Ciência e política: duas vocações. Trad. Leônidas Hegenberg e Octany Silveira
da Mota. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1968.
______. Consideração intermediária. In: ______. Sociologia das religiões e Consideração
intermediária. Trad. Paulo Osório de Castro. Lisboa: Relógio D’Água, 2006a. p. 317-358.

352 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 5 – MAX WEBER E AS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS

______. Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia compreensiva. Trad. Régis


Barbosa e Karen Elsebe Barbosa. Brasília: Universidade de Brasília, 1999b. v. 1.
______. Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia compreensiva. Trad. Régis
Barbosa e Karen Elsebe Barbosa. Brasília: Universidade de Brasília, 1999c. v. 2.
______. Rejeições religiosas do mundo e suas direções. In: ______. Ensaios de
Sociologia. Introdução e organização de Hans H. Gerth e C. Wright Mills. Trad.
Waltensir Dutra. Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso. 5. ed. Rio de Janeiro:
LTC, 1982e. p. 371-410.
______. Sociologia das religiões: tipos de formação comunitária religiosa. In: ______.
Sociologia das religiões e Consideração intermediária. Trad. Paulo Osório de Castro.
Lisboa: Relógio D’Água, 2006b. p. 39-316.
______. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, G. (Org.). Max Weber:
Sociologia. Trad. Amélia Cohn e Gabriel Cohn. 7. ed. São Paulo: Ática, 2003. p. 128-141.
(Grandes Cientistas Sociais, v. 13).
______. Textos selecionados. Trad. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Economistas).
______. Vorbemerkung. In: ______. Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologie I.
Tübingen: Mohr Siebeck, 1988. p. 1-16.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 353


© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
UNIDADE 6
AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Objetivos
• Apresentar as bases metodológicas do materialismo interdisciplinar segun-
do Max Horkheimer.
• Conceituar o materialismo interdisciplinar como um método dialético e
tensional, cuja proposta é superar os reducionismos provocados tanto pela
Filosofia, como pela Ciência.
• Compreender as bases metodológicas da pesquisa social empírica segundo
a Teoria Crítica.
• Refletir sobre o papel e a legitimidade da pesquisa empírica na Teoria
Crítica.
• Entender o conceito de “campo” e os seus respectivos ritos de instituição e
naturalização das diferenças históricas.
• Compreender o conceito de “capital cultural” e a maneira como as esco-
las utilizam a classificação escolar para a oficialização das desigualdades
sociais.

Conteúdos
• Materialismo interdisciplinar segundo Max Horkheimer.
• Papel e legitimidade da pesquisa empírica para a Teoria Crítica.
• Conceito de “campo”, “ritos de instituição” e “discurso” segundo o pensa-
mento de Pierre Bourdieu.
• Conceito de capital cultural.
• A classificação escolar como meio legitimador da desigualdade social.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 355


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações
a seguir:
1) Não se limite em apenas ler esta obra. Pesquise e busque, em sites, livros
e revistas, materiais complementares sobre os temas abordados.

2) Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas comprometerem


o seu estudo. Consulte as referências bibliográficas no final de cada unida-
de e expanda o seu campo formativo.

3) Esta unidade tem como objetivo apresentar algumas contribuições de


autores do século 20 (Horkheimer, Adorno e Bourdieu). Por isso, precisa
ser lida com os devidos cuidados conceituais. Pesquise suas referências e
aprofunde seus temas.

4) Para complementar seus estudos, recomendamos a leitura dos seguintes


livros: Capital social (Maria Celina D’Araújo), Bourdieu e a educação (Maria
Alice Nogueira e Claudio M. Martins Nogueira), O espelho (Machado de
Assis), O cortiço (Aluísio Azevedo).

5) No tocante à linguagem cinematográfica, sugerimos os seguintes filmes:


O gosto dos outros (França, 2000), Escritores da liberdade (EUA, 2007), O
jardineiro fiel (EUA, 2005), Histórias cruzadas (EUA, 2011), Entre os muros
da escola (França, 2008), A voz do coração (França, 2004), A onda (Ale-
manha, 2008), Nenhum a menos (China, 1999), A peste de Janice (Curta-
-Metragem, Brasil, 2007).

6) Enfim, para o aprofundamento do tema, sugerimos os seguintes vídeos:

• EQUIPE ORGONAUTAS. A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica: imagens


de uma reflexão viva. 2008. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=0XfrUPWet68>. Acesso em: 26 nov. 2019.
• TV CULTURA. O marxismo da Teoria Crítica. Balanço do século XX, Funda-
dores do pensamento, 2003. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=onA7KBpkh8U>. Acesso em: 26 nov. 2019.

356 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

• UNIVESP. Capital cultural. Disponível em: <https://www.youtube.com/


watch?v=a3eO6-D4nHo>. Acesso em: 10 out. 2018.
• BARROS FILHO, C. Capital social; campo social, acadêmico e religioso. Dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Gh4GsAaDiH4>. Acesso
em: 25 nov. 2019.
• UTV. Entrevista com Pierre Bourdieu. Pensamento contem-
porâneo, 2000. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=F2WXVTdfAOk&t=260s>. Acesso em: 26 nov. 2019.
• HORKHEIMER, M. Teoria Crítica e marxismo. 1969. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=o-WWvteGCWM>. Acesso em: 26 nov. 2019.
• ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO. Pierre Bourdieu e a educação. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=4O7TET2IGHs&t=10s>. Acesso em:
26 nov. 2019.
• CANAL CURTA! Quem Foi Pierre Bourdieu? 2017. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=VbiA29A4mDk>. Acesso em: 26 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 357


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

358 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

1. INTRODUÇÃO
É evidente que, a partir de meados do século 20, o contex-
to social passou por diversas e sérias transformações em muitos
de seus setores, como – lembrando de Max Weber – ciência, mo-
ral, arte, economia, política e, por que não também, religião, Di-
reito, Filosofia etc. Enfim, é notável uma mudança estrutural do
público e do privado, permeada por relações administrativas e
estratégicas que colonizam focos de cultura e emancipação para
fins econômicos.
No âmbito dessa argumentação de raiz marxista, surgiu,
na década de 30, a chamada “Teoria Crítica” como proposta de
diagnóstico das sociedades por meio do conceito de “emancipa-
ção”, objetivando, com isso, superar o que Adorno e Horkheimer
chamaram de “crise da razão”, isto é, aquele modelo de raciona-
lidade que não se comportava mais como sinal de esclarecimen-
to, mas como elemento de conformidade e de manutenção do
status quo.
Não restam dúvidas de que a Teoria Crítica tornou-se co-
nhecida tanto no Brasil como no mundo. Mas, apesar da sua po-
pularidade – especialmente com relação àquelas temáticas que
giram em torno dos conceitos de “razão instrumental” e “indús-
tria cultural” –, observa-se que a questão da pesquisa empírica
tem sido frequentemente relegada a um plano secundário nas
atuais produções sobre a Teoria Crítica.
Isso é um fenômeno interessante, considerando a centra-
lidade da pesquisa social empírica para Horkheimer, já presente
no seguinte trecho do seu discurso inicial de tomada de posse
como diretor do Instituto de Pesquisa Social, em 1931:
Tendo em vista essa possibilidade, igualmente importante para
a filosofia e para a pesquisa empírica, e não porque me pro-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 359


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

ponho a fazer desta última uma ancilla philosophie [serva da


filosofia], é que aceitei o compromisso de dirigir este Instituto
de Pesquisa na qualidade de filósofo […] (HORKHEIMER, 1999,
p. 129).

Dessa forma, tendo como referência a centralidade e a im-


portância que Horkheimer e Adorno deram à pesquisa empírica
já no início da década de 30, pode-se questionar sobre o espaço
que essa temática infelizmente perdeu ao longo das últimas dé-
cadas, bem como retomar quais foram as bases da metodologia
da pesquisa social segundo tais autores.
No entanto, esta unidade não apresentará somente as
contribuições da Teoria Crítica, mas também as de outro autor
que, apesar de não pertencer ao grupo de Frankfurt, também
desempenhou notável contribuição para a área das Ciências So-
ciais: Pierre Bourdieu. Com isso, a unidade está dividida em duas
partes:
• Contribuições da Teoria Crítica (Adorno e Horkheimer)
para a metodologia das Ciências Sociais. Para tanto, o
texto está disposto da seguinte maneira: no início, con-
siderando o diagnóstico unilateral do esclarecimento
moderno, que, amparado pela técnica e pelo método
científico clássico, favoreceu, no âmbito da pesquisa
social, muito mais os interesses econômicos do que
os culturais, apresentaremos uma pequena análise de
Horkheimer sobre a necessidade de um programa me-
todológico dialético e interdisciplinar como instrumen-
to de investigação da realidade social. Em seguida, pas-
saremos a uma breve reflexão sobre a importância da
pesquisa empírica na Teoria Crítica, quando vista sob a
ótica de um método tensional entre sujeito e objeto, Fi-
losofia e dados empíricos.

360 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

• Contribuições de Pierre Bourdieu sobre os conceitos


de campo, capital cultural e exclusão escolar. Para isso,
abordaremos, inicialmente, as contribuições sociológi-
cas sobre a noção de campo e seus ritos de instituição
cultural, que transformam algo culturalmente construí-
do em naturalmente dado. Depois, apresentaremos as
formas de legitimação da exclusão social por meio da
classificação escolar, que tem como objetivo oficializar
os devidos segmentos hierárquicos para o bom anda-
mento da sociedade.

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú-
do Digital Integrador.

2.1. TEORIA CRÍTICA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL EMPÍRICA

Nas últimas décadas, em especial no Brasil, muito se tem


discutido sobre a Teoria Crítica e a importância dessa tradição ao
longo da história. A grande quantidade de livros, artigos, confe-
rências e textos em geral que povoam universidades, grupos de
pesquisa, escolas e outras instituições de ensino mostra o quan-
to a Teoria Crítica se tornou conhecida. Porém, apesar da sua
popularidade, há um assunto que ainda não é consenso entre
os pesquisadores da área: o papel e a importância da pesquisa
empírica na sua trajetória histórica.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 361


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

A trajetória da pesquisa empírica na Teoria Crítica – en-


quanto método – passou por muitas mudanças:
• Inicialmente, durante a década de 1930, principalmente
a partir de 1931, com a tomada de posse de Max Hor-
kheimer como diretor do Instituto de Pesquisa Social, a
Teoria Crítica apresentou como metodologia o chamado
“materialismo interdisciplinar”, com o qual tentava me-
diar um programa aberto às várias contribuições entre
as ciências e a Filosofia.
• O Instituto de Pesquisa Social (Institut für Sozialfors-
chung) foi criado oficialmente em 3 de fevereiro de
1923, por inciativa de Felix Weil (1898-1975) e do soció-
logo e intelectual Kurt Albert Gerlach (1886-1922). Com
sede em Frankfurt, Alemanha, o Instituto foi dirigido
por Max Horkheimer de 1931 até 1951. Em 1933, com
a ascensão do nazismo, o Instituto foi transferido para
Nova York, onde ficou até 1951. Após o retorno, passou
a ser dirigido por Friedrich Pollock. O Instituto foi – e
ainda é – um centro de pesquisa que tem como objetivo
promover pesquisas sociais a partir de uma agenda in-
terdisciplinar, congregando não somente cientistas so-
ciais e filósofos, mas também psicólogos, economistas e
cientistas políticos. Do seu grupo inicial de integrantes
(Leo Löwenthal, Friedrich Pollock, Henryk Grossmann,
Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse,
Erich Fromm, entre outros), surgiu o nome que futura-
mente foi denominado de Escola de Frankfurt.
• No entanto, com a ocorrência de diversos fenômenos
a partir da década de 40, como o surgimento do fascis-
mo na Europa (e de todo o processo político-econômico
que desencadeou a Segunda Guerra Mundial) e a frus-

362 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

trada esperança com relação à revolução socialista da


classe trabalhadora (que gradualmente foi integrada
ao capitalismo por meio da cultura de massa e anula-
da pela considerável melhoria nas condições de vida),
Horkheimer e Adorno buscaram um novo diagnóstico
que substituísse a ultrapassada teoria marxista e, assim,
pudesse analisar a realidade social vigente de um modo
mais pontual. Desse esforço surgiu a conhecida Dialéti-
ca do Esclarecimento.
Por conta disso, não raro, diversos autores assinalam a tese
da relativização ou até abandono do programa do “materialismo
interdisciplinar” – isto é, de uma pesquisa empírica orientada fi-
losoficamente –, em prol de uma pesquisa de natureza teórica e
especulativa, claramente expressa a partir da década de 40.
Essa mudança de eixo na década de 40 não se tratava, po-
rém, de uma simples recusa ao marxismo – transposto no mate-
rialismo interdisciplinar –, mas de um diagnóstico cada vez mais
evidente de que as transformações dos problemas sociais detec-
tados na década de 30 se tornavam cada vez mais inconciliáveis
com a solução marxista.
Dessa maneira, na opinião de Jay (1989, p. 410), à medida
que a realidade concreta se transformava, também deveriam ser
modificadas as construções teóricas necessárias para compreen-
dê-la, abandonando, assim, uma postura economicista e enfati-
zando uma análise mais crítica com relação à política.
No entanto, será que todas essas mudanças sinalizadas a
partir da década de 40 realmente fizeram a Teoria Crítica abrir
mão da pesquisa empírica? Compreender, portanto, a fase do
“materialismo interdisciplinar”, e também os aspectos concei-
tuais que envolveram a questão da mediação entre teoria e

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 363


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

pesquisa empírica nas obras da década de 40 em diante, apre-


senta-se como fundamental para identificarmos a abrangência
e profundidade da pesquisa social empírica para a Teoria Crítica.

Horkheimer e a proposta do materialismo interdisciplinar


Antes de passarmos às especificidades do pensamento
que pauta a Teoria Crítica, cabe fazer uma breve apresentação de
seus mais destacados representantes: Theodor W. Adorno e Max
Horkheimer.
Theodor W. Adorno (Figura 1) nasceu
em Frankfurt, Alemanha, em 11 de setem-
bro de 1903. Segundo Machado, Amorim e
Barros (2013, p. 319):
De origem judaica, foi um dos expoen-
tes da Escola de Frankfurt, que contri-
buiu para o renascimento intelectual
da Alemanha após a Segunda Guerra
Mundial. Estudou Filosofia, Sociologia,
Psicologia e Música na Universidade
Figura 1 Theodor Adorno.
de Frankfurt. Trabalhou no Instituto
de Pesquisa Social de Frankfurt, então
dirigido por Max Horkheimer, onde elaborou a teoria da impor-
tância do desenvolvimento estético para a evolução histórica.
Em 1934, imigrou para a Inglaterra fugindo da perseguição na-
zista e durante três anos ensinou Filosofia em Oxford. Mudou-
-se para os Estados Unidos e, entre 1938 e 1941, foi diretor mu-
sical do setor de pesquisa da Rádio Princeton e, depois, o de
vice-diretor do Projeto de Pesquisas sobre Discriminação Social
da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Em 1953 retornou
ao seu país natal, onde reassumiu seu posto no Instituto de Pes-
quisa Social de Frankfurt. Faleceu em 6 de agosto de 1969.

364 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Nascido em Stuttgart, Alemanha, em 14 de fevereiro de


1895, Max Horkheimer (Figura 2), juntamente com Theodor
Adorno e Herbert Marcuse, compôs o coração da Escola de
Frankfurt. Sobre sua obra, Machado, Amorim e Barros afirmam
(2013, p. 315):
Doutorou-se em Filosofia em 1922 na Universidade de Frank-
furt e em 1926 tornou-se docente na mesma instituição, onde
criou, com Adorno, o Instituto de Pesquisas Sociais (que se tor-
nou conhecido como Escola de Frankfurt). Com a ascensão do
nazismo, refugiou-se nos Estados Unidos, onde passou a lecio-
nar na Universidade de Columbia. Em 1949, de volta à Frank-
furt, reabriu o Instituto de Pesquisas Sociais. Como participante
da construção da “teoria crítica” (conjunto de ideias e conceitos
sobre cultura contemporânea, fortemente influenciado pelo
marxismo), produziu livros de grande importância para a histó-
ria da sociologia, como Teoria tradicional e teoria crítica (1937),
Eclipse da razão (1955) e Dialética do esclarecimento (em par-
ceria com Adorno, em 1940). Faleceu em Nuremberg, em 7 de
julho de 1973.

Na década de 1930, Horkheimer pu-


blicou inúmeros textos que historiadores
e filósofos afirmam ser o núcleo do mate-
rialismo interdisciplinar, o qual, mais tarde,
compôs o que ficou conhecido como Teoria
Crítica. A partir desses textos, surgiu a ins-
piração de um programa de pesquisa social
empírica que ficou conhecido como “mate-
rialismo interdisciplinar”, que se manteve
como o método de pesquisa principal do Figura 2 Max Horkheimer.
Instituto de Pesquisa Social até meados da
década de 40 – com a publicação da Dialética do esclarecimen-
to, que definitivamente reorientou metodologicamente as novas
produções do Instituto.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 365


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Já preparando o terreno para a maturação de algumas


ideias da Dialética do esclarecimento (que, em parceria com
Adorno, viria a ser publicada em 1944), várias afirmações de
Horkheimer antecipam uma possível insatisfação do projeto de
esclarecimento, que, em vez de livrar os homens pelo desencan-
tamento do mito e pela manipulação da natureza, promoveu, na
realidade, uma nova forma de terror e barbárie.
A proposta do materialismo interdisciplinar parte do diag-
nóstico de uma dupla insatisfação: por conta de um processo
histórico de supervalorização da técnica, tanto a ciência como
a Filosofia estariam passando por uma profunda crise que as
impedia de cumprir adequadamente suas funções. No seu tex-
to “Observações sobre ciência e crise”, publicado em 1932, ele
afirma o seguinte:
Mais ou menos desde a passagem do século aponta-se, na ciên-
cia e na filosofia, para a deficiência e inadequação dos méto-
dos puramente mecanicistas. Esta crítica suscitou discussões de
princípio, relativas a importantes fundamentos da pesquisa, de
modo que hoje se pode falar também de uma crise interna da
ciência (HORKHEIMER, 2008g, p. 9).

De acordo com Horkheimer (2008g), a ciência moderna


promoveu um novo modo de pesquisa do mundo exterior, ba-
seado num conhecimento racional destituído de qualquer refe-
rência religiosa da Idade Média. Obviamente, com a inauguração
de um novo modo de conhecimento, surgiu também uma nova
relação epistemológica entre sujeito e mundo, no qual o primei-
ro toma consciência de si como ser totalmente independente do
segundo, considerado aqui apenas como elemento objetivo e
factual, passível, portanto, de manipulação e controle por meio
de métodos, registros e experimentações sistemáticas.

366 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Entra em cena, então, o real motivo da crise da ciência,


que, em tese, não diz respeito à própria racionalidade científica,
mas ao seu estreitamento ou “estrangulamento” metodológico
voltado para fins econômicos que, em tom positivista, prescinde
da realidade material e histórica, fragmentando assim a dinâmi-
ca das relações sociais:
De fato, a ciência das décadas anteriores à guerra mostra uma
série de deficiências que, todavia, não resultam do exagero,
mas antes do estrangulamento da sua racionalidade, condicio-
nado pelo crescente endurecimento das condições humanas
(HORKHEIMER, 2008g, p. 8).

Isso quer dizer que, para Horkheimer – e conforme a teoria


marxista da sociedade –, a ciência também prefigura as forças
produtivas do homem (HORKHEIMER, 2008g, p. 8), sob a tutela
da manipulação da infraestrutura capitalista. Se assim é, então,
compreender a crise pela qual passa a ciência coincide com en-
tender as condições sociais e econômicas nas quais se encon-
tram o desenvolvimento do método científico e que entram em
conflito com os elementos racionais imanentes à própria racio-
nalidade da ciência.
Desse modo, a dimensão da crise científica jamais poderá
ser compreendida com os padrões repetitivos e classificatórios
da ciência clássica e positivista, mas com uma visão crítica e so-
cial de um pensamento voltado também para a totalidade e sig-
nificância dos eventos sociais:
Mas a realidade social, o desenvolvimento dos homens histo-
ricamente atuantes, contém uma estrutura cuja compreensão
requer a imagem teórica de decorrências radicalmente trans-
formadoras e revolucionárias de todas as condições culturais,
estrutura que de modo nenhum pode ser dominada pelo pro-
cedimento das ciências naturais mais antigas, orientado para o
registro de ocorrências repetidas (HORKHEIMER, 2008g, p. 9).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 367


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Horkheimer coloca em evidência, portanto, que a ciência,


como qualquer outra forma de conhecimento, nunca estará to-
talmente livre dos contextos históricos e sociais em que está in-
serida; noutras palavras, a ciência também é condicionada pelas
mudanças e transformações sociais. No entanto, isso não auto-
riza justificar a existência de um conhecimento científico prag-
matista, relativista e utilitarista; se, por um lado, a ciência está
ligada aos condicionamentos sociais, por outro, ela também não
pode, em vista de seus próprios critérios normativos, limitar-se à
produção de conhecimentos reduzidos aos interesses do status
quo:
O fato de a ciência como força produtiva e meio de produção
cooperar para o processo de vida da sociedade não justifica,
de forma alguma, uma teoria pragmática do conhecimento. Na
medida em que fecundidade de um conhecimento desempenha
um papel no tocante à sua enunciação da verdade, cabe enten-
der, no caso, uma fecundidade imanente à ciência, e não uma
conformidade a considerações extrínsecas. O exame da veraci-
dade de um juízo é algo diferente do exame de sua importân-
cia vital. Em nenhum caso os interesses sociais têm de decidir
sobre uma verdade, mas valem os critérios desenvolvidos em
conexão com o progresso teórico. Sem dúvida, a própria ciência
se modifica no processo histórico, mas a referência a isso nunca
pode valer como argumento para a aplicação de outros critérios
de verdade que não aqueles que correspondem ao nível de co-
nhecimento no grau de desenvolvimento alcançado. Ainda que
a ciência esteja compreendida na dinâmica histórica, ela não
deve ser destituída do seu caráter próprio e utilitariamente mal
interpretada. Decerto, as razões que condicionam a recusa da
teoria pragmatista do conhecimento e do relativismo em geral
não conduzem de modo algum à separação positivista entre
teoria e prática (HORKHEIMER, 2008g, p. 7-8).

Para Horkheimer, a tentativa positivista de dar ao méto-


do científico um caráter de neutralidade e estabelecer uma la-

368 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

cuna estratégica entre sujeito cognoscente e realidade objetiva


implica justamente mascarar o caráter ideológico dos interesses
instrumentais e econômicos, que, sob o mito do progresso técni-
co, acabam promovendo um mundo reificado e um conceito de
ciência esclerosada, incapaz de ser autorreflexiva e autocrítica:
Por mais que se fale com razão de uma crise da ciência, ela não
pode separar-se da crise geral. O processo histórico trouxe con-
sigo um aprisionamento da ciência como força produtiva, que
atua em suas partes, conforme seu conteúdo e forma, sua ma-
téria e método. Além disso, a ciência como meio de produção
não está sendo devidamente aplicada. A compreensão da crise
da ciência depende da teoria correta sobre a situação social
atual; pois a ciência como função social reflete no presente as
contradições da sociedade (HORKHEIMER, 2008g, p. 12).

Com o fracasso do projeto científico aliado aos interesses


capitalistas, as transformações humanas e sociais tornaram-se
atrofiadas e mistificadas. Em vista dessa crise científica, para
Horkheimer a solução seria justamente tentar conter o caráter
fragmentador e o afã positivista das pesquisas sociais e trazer
para as ciências empíricas um questionamento filosófico, cujos
pressupostos favoreçam uma intervenção teórica e crítica dos
eventos sociais vistos em sua totalidade.
Tal parceria poderia ser uma resposta imediata à crise cien-
tífica, se não fosse por um detalhe muito específico: assim como
a ciência, também a Filosofia estaria enfrentando uma crise se-
melhante – nesse caso, presa a uma metafísica especulativa sem
qualquer relação e cooperação com as pesquisas empíricas. Veja:
Nasceu uma antropologia filosófica que, se sentindo indepen-
dente, estabeleceu como absolutos certos traços no homem
[…]. Com isso, esta metafísica se desvia das causas da crise so-
cial e desvaloriza até os meios de investigá-la. Cria uma confu-
são especial, quando hipostasia o indivíduo encarado abstrata-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 369


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

mente e, assim, minimiza a importância de um entendimento


teórico dos processos sociais (HORKHEIMER, 2008g, p. 10).

E qual seria a origem dessa crise pela qual passava a Filo-


sofia? Qual seria a sua atual situação e como fazer para superar
essa hipóstase do real? Como tentativa de resposta, no seu texto
“A presente situação da filosofia social e as tarefas de um Insti-
tuto de Pesquisas Sociais”, escrito em 1931 por ocasião da sua
tomada de posse como diretor do Instituto, Horkheimer tenta
compreender quais seriam as legítimas funções de uma filosofia
que estivesse direcionada à dinâmica social.
Já no primeiro parágrafo do texto, o autor deixa algumas
dicas: uma “filosofia social” deve ter como objetivo principal a
“interpretação filosófica do destino dos homens, enquanto não
são meros indivíduos, mas membros de uma comunidade”, preo-
cupando-se, acima de tudo, com aqueles “fenômenos que so-
mente podem ser entendidos em conexão com a vida social dos
homens: no Estado, no Direito, na Economia, na Religião, ou seja,
em toda a cultura material e espiritual da humanidade em geral”
(HORKHEIMER, 1999, p. 121).
Fica claro para Horkheimer, em seu discurso inaugural, que
uma legítima Filosofia social deve lidar não com questões indi-
viduais, mas sociais e coletivas. E, para fundamentar historica-
mente sua afirmação, retoma o conceito de “filosofia social” do
idealismo alemão, identificando em Hegel o grande responsável
por libertar, pela primeira vez na história, a autoconsciência das
delimitações introspectivas e individuais do sistema kantiano,
abrindo-a para dimensões totalizantes, não mais justificadas
pela análise transcendental das decisões particulares, mas pela
lógica universal do espírito objetivo (isto é, da manifestação ob-

370 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

jetiva e histórica do espírito absoluto na forma dos conteúdos


culturais), que dirige a vida coletiva à qual pertencem os povos:
Entretanto Hegel liberou essa autorreflexão dos grilhões da in-
trospecção, em cujas bases estava arraigada, e remeteu à histó-
ria a questão da nossa própria essência, o problema do sujeito
autônomo criador de cultura: é no trabalho da história que ele
se dá uma forma objetiva. Para Hegel, a estrutura do espírito
objetivo, que realiza na história os conteúdos culturais do espí-
rito absoluto, ou seja, a arte, a religião e a filosofia, não emerge
mais da análise crítica da personalidade, mas da lógica dialética
universal; seu curso e suas obras não são frutos de decisões
livres do sujeito, mas do espírito dos povos dominantes que se
sucedem através das lutas da história (HORKHEIMER, 1999, p.
122).

Ao analisar a transformação do idealismo hegeliano em fi-


losofia social, Horkheimer adentra no cerne da crise da Filosofia
e seu afastamento do factual: de raiz essencialmente hegeliana,
ao longo da história, a filosofia social só poderia entrar em po-
lêmica com o positivismo indutivista; enquanto ela consideraria
como mais autênticas as ideias, as essências universais, totali-
dades especulativas, identidades nacionais etc., em detrimento
dos dados empíricos e particulares, o positivismo consideraria
como verdadeiros apenas os fatos verificáveis, as observações
particulares e individuais, em detrimento da especulação filosó-
fica (HORKHEIMER, 1999, p. 126).
Além disso, Horkheimer ressalta que a crise da Filosofia se agra-
va mais ainda com a variada e simultânea existência de con-
cepções de realidade, num campo pouco unificado e definido
de objetos e métodos. Para Horkheimer, o desconcerto central
reside no seguinte ponto:
para nós, essa perplexidade da filosofia social representa uma
carência que precisa ser superada, na medida em que a induz
a falar de seu objeto, da vida cultural dos homens, unicamente

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 371


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

em termos de visão de mundo, de tese, de profissão de fé [isto


é, em termos ideológicos] (HORKHEIMER, 1999, p. 127).

E como essa crise poderia ser superada? A resposta a essa


questão é o motivo do materialismo interdisciplinar: “aqui o cor-
retivo é dado pelo trabalho de pesquisa concreto sobre o obje-
to” (HORKHEIMER, 1999, p. 127). Contra a clássica e tradicional
visão filosófica da separação entre especulação teórica e prática
empírica, Horkheimer defende um modelo de filosofia social que
tenha como base a interação e tensão entre questões filosóficas
e investigação empírica, entre qualitativo e quantitativo, entre
sujeito e objeto:
Essa concepção, segundo a qual [por um lado] o pesquisador
[social] deve considerar a filosofia talvez como um belo exer-
cício, mas cientificamente infrutífero, porque inverificável [isto
é, fora do controle experimental], enquanto [por outro lado] o
filósofo deve se emancipar da pesquisa particular, acreditando
que mesmo as mais importantes decisões não podem esperar
os seus resultados, está superada atualmente pela ideia de uma
contínua interpenetração de desenvolvimentos dialéticos entre
a teoria filosófica e a prática da ciência particular [especializa-
da] (HORKHEIMER, 1999, p. 128).

Com essa afirmação, Horkheimer tenta dar uma resposta


alternativa à crise que afetava tanto a ciência como a Filosofia,
promovendo um programa dialético, materialista e tensional de
pesquisa interdisciplinar, cuja finalidade é fazer com que a ciên-
cia empírica responda à crise filosófica, e a filosofia social, por
sua vez, responda à crise científica. Por um lado, Horkheimer
tenta salvaguardar um programa científico antipositivista, sem,
porém, abrir mão da investigação empírica; por outro, mantém
uma perspectiva de totalidade, sem, contudo, cair nas mãos da
especulação hipostática e metafísica:

372 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

A especialização caótica não é superada pelas más sínteses dos


resultados empreendidos pela pesquisa especializada, enquan-
to, de outro lado, o objetivo de uma empiria imparcial não pode
ser alcançado por aqueles que procuram reduzir a nada o ele-
mento teórico: ocorre ao invés disso que a filosofia – ou seja,
a intenção teórica dirigida ao universal, ao “essencial” – deve
estar em condições de solicitar e animar as pesquisas particu-
lares e, ao mesmo tempo, ser suficientemente aberta para se
deixar por sua vez influenciar e transformar pelo progresso dos
estudos concretos (HORKHEIMER, 1999, p. 128).

Em 1937, Horkheimer escreve, enfim, “Teoria tradicional


e Teoria Crítica”, texto que inaugura definitivamente uma nova
tomada de consciência de formas e métodos da investigação
social empírica. A tese central que atravessa todo o texto con-
siste no seguinte ponto: a ciência (e toda a sua produção) não
deve ser vista como constituída de relações eternas ou naturais
(a-históricas), mas de relações que emergem do modo de pro-
dução em formas determinadas de sociedade. Trata-se, pois, de
um momento do processo de produção social. Esse é o limite de
consciência que separa a Teoria Crítica de uma teoria tradicional:
Todavia a ciência natural matemática, que aparece como logos
eterno, não é a que constitui atualmente o autoconhecimento
do homem, mas a teoria crítica da sociedade atual, teoria que
está impregnada do interesse por um estado racional. A consi-
deração que isola as atividades particulares e os ramos de ati-
vidade juntamente com os seus conteúdos e objetos necessita,
para ser verdadeira, da consciência concreta dessa limitação. É
preciso passar para uma concepção que elimine a parcialida-
de que resulta necessariamente do fato de retirar os processos
parciais da totalidade da práxis social (HORKHEIMER, 1975b, p.
132).

A Teoria Crítica, ao contrário de uma teoria tradicional de


cunho cartesiano e positivista, é uma abordagem que propõe a

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 373


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

teoria como lugar da autocrítica do esclarecimento e da visua-


lização das ações ideológicas de dominação social, almejando
uma transformação da sociedade via emancipação e sem frag-
mentações metodológicas, isto é, sem cair no cego empirismo
nem na estéril especulação:
na medida em que o conceito de teoria é independentizado,
como que saindo da essência interna da gnose, ou possuindo
uma fundamentação a-histórica, ele se transforma em uma ca-
tegoria coisificada e, por isso, ideológica (HORKHEIMER, 1975b,
p. 129).

Como se pode notar, não é possível concretizar os esforços


do materialismo interdisciplinar senão por um método de pes-
quisa social que pudesse transitar dialeticamente entre investi-
gação empírica e questionamento filosófico. Aliás, as palavras de
Horkheimer em seu discurso de posse traduzem exatamente essa
preocupação em formar um método dialético e interdisciplinar:
Parece-nos que a solução das mencionadas carências da filo-
sofia social não pode ser encontrada, nem na profissão de fé
numa interpretação mais ou menos construtiva da vida cultu-
ral, nem no estabelecimento de um novo sentido da sociedade,
do Estado, do direito etc. Hoje isto depende, antes de tudo, de
organizar, baseados nos problemas filosóficos atuais – o que
certamente é compartilhado com todos –, pesquisas em que
deveriam participar filósofos, sociólogos, economistas, historia-
dores, psicólogos que numa comunidade de trabalho duradou-
ra se unissem e fizessem em conjunto o que em outros campos
um indivíduo pode fazer sozinho num laboratório e que todos
os verdadeiros pesquisadores sempre têm feito: a saber, procu-
rar acompanhar a amplitude das suas questões filosoficamente
orientadas com a ajuda dos métodos científicos mais refinados,
transformando-as e precisando-as ao longo do trabalho em tor-
no do objeto, descobrindo novos métodos, sem todavia perder
de vista o universal (HORKHEIMER, 1999, p. 128).

374 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Dessa maneira, para o materialismo interdisciplinar – e


para a própria Teoria Crítica futura –, uma pesquisa social em-
pírica que se restringe apenas ao dado empírico e estatístico em
si já manifesta um duplo reducionismo: primeiro porque reduz
a realidade social a uma série de números e porcentagens, pro-
movendo assim a padronização e homogeneização de relações
e elementos que, por si mesmos, são variados e heterogêneos;
segundo, porque prescinde de abordagens totalitárias por julgá-
-las metafísicas demais para a pesquisa científica, fragmentando
assim o objeto de estudo, o que acaba, por sua vez, desabilitan-
do a construção de análises globais em torno da realidade social,
muitas vezes vinculada a interesses econômicos que conflitam
com os próprios critérios normativos da ciência (ADORNO; HOR-
KHEIMER, 1978).
Como consequência, ocorre então o fenômeno metodológico
já mencionado por Adorno e Horkheimer (1978): no processo
de investigação, impõe-se ao objeto a obrigação de se adaptar
cegamente aos métodos, quando na verdade deveria ser o con-
trário, isto é, promover uma tensão ou mediação dialética dos
métodos, de caráter ora filosófico-qualitativo, ora empírico-
-quantitativo, em vista de cada objeto ou realidade pesquisada.

A legitimidade e o lugar da pesquisa social empírica para a Teo-


ria Crítica
Tornou-se lugar-comum caracterizar como prescindível a
questão da pesquisa empírica na trajetória intelectual dos repre-
sentantes da Teoria Crítica, chegando ao limiar do menosprezo,
na opinião de alguns comentadores (DUARTE, 2001). Trata-se, no
mínimo, de uma questão polêmica, seja por conta do constante
rótulo que acompanha a produção de Adorno e Horkheimer –
vistos como autores essencialmente teóricos –, seja por causa

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 375


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

das inúmeras aplicações mecanizadas de alguns conceitos extraí-


dos do ideário da Teoria Crítica – como “razão instrumental”, “in-
dústria cultural” etc. – e que ganham espaço em pesquisas empí-
ricas que desconhecem a relação entre os conceitos empregados
e o modo como foram investigados empiricamente (ANTUNES,
2014).
Todo esse processo, somado aos inúmeros “estereótipos”
criados a partir do relato de Adorno acerca de suas dificuldades
de adaptação à pesquisa empírica nos Estados Unidos (ADORNO,
2005a) – erroneamente generalizado por diversos comentadores
–, levou a uma interpretação minimalista do papel da pesquisa
empírica pós-década de 40, compreendendo-a como uma mera
complementação das matrizes conceituais apresentadas na
Dialética do Esclarecimento e outros textos teóricos.
Ziege (2009), por exemplo, em seu livro Antisemitismus
und Gesellschaftstheorie, ao propor uma comparação entre
duas pesquisas empíricas do Instituto de Pesquisa Social – a sa-
ber, Antisemitism among American Labor (Antissemitismo entre
Trabalhadores Americanos) e The Authoritarian Personality (A
Personalidade Autoritária) –, ao mesmo tempo em que afirma
que a primeira está muito mais próxima da Dialética do esclare-
cimento, também atribui à segunda um caráter heterogêneo e,
portanto, dissidente daquilo que seria o cerne original da Teoria
Crítica. Observe o trecho:
The Authoritarian Personality foi ocasionalmente interpretada
como uma saída radical da Teoria Crítica. Porém, com relação
aos pressupostos filosóficos, o Antisemitism among American
Labor está muito mais próximo da Dialética do Esclarecimento,
de 1944, do que The Authoritarian Personality. E isso ocorre de-
vido ao heterogêneo grupo de autores. Somente Adorno está
envolvido em ambos os estudos, no entanto o último apresenta
uma equipe repleta de colaboradores diversos. Os três coauto-

376 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

res mais importantes de The Authoritarian Personality não são


sequer representantes da Teoria Crítica e trazem elementos
diferentes da psicologia behaviorista americana, da psicologia
austríaca da Escola Buhler e do positivismo lógico do Círculo
de Viena para a Teoria Crítica (ZIEGE, 2009, p. 11-12, tradução
nossa).

Outra questão a ser levada em conta é a própria populari-


zação das obras especulativas e teóricas, que, sem dúvida algu-
ma, são muito mais divulgadas do que aquelas de caráter empí-
rico, fenômeno que acabou determinando, para o público leitor,
qual deveria ser o pensamento oficial da Teoria Crítica, em de-
trimento da própria pesquisa empírica, amiúde observada como
uma questão importante para a história do Instituto, porém se-
cundária para a consolidação da Teoria Crítica (DUARTE, 2001).
Sobre isso, conforme nos relata Antunes (2014), é interes-
sante observar o caso da tradução parcial de Studien über Au-
torität und Familie (Estudos sobre Autoridade e Família) (HOR-
KHEIMER et al., 1987), pesquisa empírica de grande porte e
fundamentalmente marcante na trajetória da Teoria Crítica, rea-
lizada pelo Instituto de Pesquisa Social antes do exílio nos EUA,
mas que, até o momento, jamais ganhou uma tradução comple-
ta em qualquer língua. De toda a obra, com quase 950 páginas,
foram realizadas traduções apenas da parte teórico-geral de
Horkheimer (2008a) que, apesar de importante, não é suficiente
para oferecer uma compreensão exata de todo o processo empí-
rico que envolveu o projeto.
Como resultado, a obra frequentemente passou a ser conside-
rada pelos comentadores a partir de um enfoque estritamente
teórico.

Até mesmo quando as obras de pesquisas empíricas são


traduzidas, causam estranheza justamente por estarem associa-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 377


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

das aos principais nomes da Teoria Crítica – que, geralmente, são


reconhecidos por seus projetos teóricos. Perrin e Olick (2011),
por exemplo, responsáveis pela tradução inglesa de Gruppene-
xperiment: ein Studienbericht (Experiência em Grupo: um rela-
tório de estudo), apontam que, apesar de a obra ser o primeiro
grande projeto de pesquisa empírica após o exílio, ainda assim a
realização da tradução foi observada por muitos como uma sur-
presa, uma vez que, para o público leitor, os integrantes do grupo
(especialmente Adorno, Horkheimer, Marcuse e Löwenthal) não
são reconhecidos como cientistas sociais:
Para muitos leitores, a própria existência deste volume – a pri-
meira tradução em inglês do Gruppenexperiment, o primeiro
grande projeto da Escola de Frankfurt após o retorno do exílio
– pode parecer surpreendente. Os teóricos críticos da Escola de
Frankfurt – principalmente Theodor W. Adorno, Max Horkhei-
mer, Herbert Marcuse e Leo Löwenthal – não são conhecidos
como um grupo empiricamente atuante de cientistas sociais
(PERRIN; OLICK, 2011, p. XV, tradução nossa).

O fato é que a trajetória da pesquisa empírica recebeu, nas


últimas décadas, inúmeras interpretações. Wiggershaus (2002)
observa que a passagem do projeto empírico interdisciplinar –
vislumbrado por Horkheimer em seu discurso inaugural de posse
do Instituto de Pesquisa Social, em 1931 – para a redação da
Dialética do esclarecimento não deve ser compreendida como
abandono da empiria, mas como uma opção metodológica de
Horkheimer, isto é, uma escolha de um “terceiro caminho” entre
os extremos da especulação filosófica solitária e o trabalho em-
pírico em grupo.
No texto “The Frankfurt School in exile”, Jay (1985) chama
a atenção para o fato de, na verdade, essa disparidade nada mais
ser do que a tensão entre duas vertentes que, desde sempre,
coexistiram na Teoria Crítica: uma, de tendência interdisciplinar

378 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

e coletiva, que tinha como objetivo harmonizar as asperezas


existentes entre trabalho teórico e empírico; e outra, de caráter
mais crítico, voltado à reflexão das condições filosóficas e socio-
culturais que antecediam o próprio dado empírico. Nesse senti-
do, para o autor, a mudança de eixo na Teoria Crítica a partir da
Dialética do Esclarecimento seria o resultado da predominância
de uma pesquisa orientada pelo impulso da segunda vertente.
Todavia, apesar dos esforços de Wiggershaus (2002) e Jay
(1985; 1989), nenhum deles apresentou de que modo ocorreu a
mediação entre teoria e empiria no Instituto de Pesquisa Social,
isto é, entre o núcleo especulativo da Dialética do Esclarecimen-
to e as pesquisas empíricas pós-década de 40 – por exemplo,
Antisemitism among American Labor (1944-1945), The Autho-
ritarian Personality (1950), Gruppenexperiment (1955) e outros
trabalhos.
De acordo com Duarte (2001), o Research Project on Anti-
-Semitism (Projeto de Pesquisa sobre o Antissemitismo) poderia,
no entanto, oferecer uma pista interessante sobre essa questão
da mediação, não só porque retoma o trabalho de pesquisa em-
pírica iniciado ainda na Alemanha – Studien über Autorität und
Familie –, como também teria servido de ponto de partida para
os trabalhos posteriores dos Studies in Prejudice, em especial
The Authoritarian Personality.
O Projeto de pesquisa sobre o antissemitismo foi oficial-
mente lançado em 1941, na publicação nº 9 da revista Studies
in Philosophy and Social Science. Trata-se da mesma revista Zei-
tschrift für Sozialforschung (Revista de Pesquisas Sociais) criada
pelo Instituto de Pesquisa Social na Alemanha, em 1932, e que, a
partir da edição nº 8 (1939-1940) – em decorrência do exílio nos
Estados Unidos –, também passou a ser editada como Studies in

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 379


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Philosophy and Social Science (Estudos em Filosofia e Ciências


Sociais).
No trecho a seguir, de “Experiências científicas nos Estados
Unidos”, Adorno descreve justamente a importância do projeto
sobre o antissemitismo para as atividades do Instituto e para ou-
tros estudos posteriores:
Ainda no período em que estivemos em Nova York, Horkhei-
mer havia empreendido, em vista dos horríveis acontecimentos
ocorridos na Europa, investigações sobre o problema do anti-
-semitismo. Havíamos traçado e publicado em comum com ou-
tros membros do nosso Instituto o programa de um projeto de
pesquisa, ao qual recorreríamos depois com frequência. Con-
tinha, entre outras coisas, uma tipologia de anti-semitas que,
amplamente modificada, reapareceria nos trabalhos posterio-
res (ADORNO, 2005a, p. 159).

Em publicação de época, mais especificamente na introdu-


ção do Research Project on Anti-Semitism, de 1941, Horkheimer
ressalta a centralidade da temática do antissemitismo para pes-
quisas passadas e futuras:
Como publicado aqui, o projeto contém não apenas problemas
de pesquisa, mas concepções teóricas que foram, em parte,
realizadas por meio de pesquisas anteriores e que, em certa
medida, deveriam ser comprovadas por outras investigações
(HORKHEIMER, 1941, p. 121, tradução nossa).

De fato, se há algum tema mediador que aproxima o tex-


to da Dialética do esclarecimento – obra emblemática que, para
muitos autores, significou a despedida da pesquisa empírica para
a Teoria Crítica – dos projetos de pesquisas futuros do Instituto –
por exemplo, The Authoritarian Personality, publicado em 1950
–, sem dúvida alguma, ele pode ser encontrado na questão do
antissemitismo.

380 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

A pertinência dessa tese decorre do fato de que, tanto para


a Dialética do esclarecimento como para The Authoritarian Per-
sonality, a presença do antissemitismo – enquanto tema de pes-
quisa estruturante – apresenta-se como algo incontestável. Na
seção “Elementos do antissemitismo: limites do esclarecimen-
to”, apresentada na Dialética do esclarecimento, o tema aparece
como componente fundamental no processo do esclarecimen-
to enquanto mistificação das massas. Embora para os autores a
“psicologia antissemita” não exista segundo os moldes do Ter-
ceiro Reich, ela foi, em grande parte, substituída por um simples
“sim” dado ao ticket fascista [adesão acrítica de estereótipos so-
ciais], ao inventário de slogans da grande indústria militante. […]
Quando as massas aceitam o ticket reacionário contendo o ele-
mento antissemita, elas obedecem a mecanismos sociais (ADOR-
NO; HORKHEIMER, 2006, p. 165).
Em diversos trechos de The Authoritarian Personality,
Adorno e outros expõem abertamente essa ideia do antissemi-
tismo como tema estruturante para as pesquisas relacionadas
ao preconceito e ao caráter autoritário: “A presente investiga-
ção sobre a natureza do indivíduo potencialmente fascista teve
o antissemitismo como foco de atenção” (ADORNO et al., 1969,
p. 2, tradução nossa). Ou ainda: “Uma das formas de ideologia
social mais claramente antidemocrática é o preconceito; e nesse
contexto o antissemitismo constitui o ponto de partida frutífero
para um estudo psicossocial” (ADORNO; et al., 1969, p. 57, tra-
dução nossa).
Do ponto de vista geral, fica evidente uma aproximação
entre a Dialética do esclarecimento e The Authoritarian Perso-
nality por meio da discussão do antissemitismo. No entanto,
do ponto de vista específico, que conceitos poderiam mediar a
discussão desses dois projetos de pesquisa – considerados por

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 381


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

muitos como obras aparentemente inconciliáveis? Levando em


consideração o diferenciado contexto metodológico das obras,
é possível traçar ao menos um paralelo a partir dos conceitos de
“Eu” e “projeção” (DUARTE, 2001).
Na Dialética do esclarecimento, mais especificamente em
“Elementos do antissemitismo”, esses conceitos estão relacio-
nados à imaturidade psíquica do indivíduo que não consegue
estabelecer conscientemente um equilíbrio adequado entre as
proibições do Superego e os impulsos do Id. Dessa maneira, para
poder se livrar dessa agressividade interna, o Eu acaba projetan-
do no mundo exterior (pessoas e situações) tais repressões por
meio de reações violentas, seja pela identificação imaginária –
vilão –, seja como pretexto de legítima defesa – autoconserva-
ção. Por isso, trata-se de uma “falsa projeção” (ADORNO; HOR-
KHEIMER, 2006).
O conceito de falsa projeção implica, logicamente, a exis-
tência de uma projeção “normal”. De fato, para Adorno e Hor-
kheimer, “a projeção está automatizada nos homens, assim
como as outras funções de ataque e proteção, que se tornaram
reflexo” (2006, p. 155). A partir de uma concepção antropológica
kantiana, os autores afirmam a necessidade de uma projeção es-
pontânea como instrumento de orientação prática e adaptativa
no mundo. No entanto, quando se trata da sociedade humana,
“o indivíduo precisa de um controle crescente da projeção; ele
tem que aprender ao mesmo tempo a aprimorá-la e inibi-la”
(ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p. 155). Logo, a projeção falsa
ou patológica, que pertence à essência do antissemitismo, carac-
terizaria justamente a perda da reflexão como componente de
mediação consciente entre os impulsos internos e os estímulos
externos:

382 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

O antissemitismo baseia-se numa falsa projeção. Ele é o reverso


da mimese genuína, profundamente aparentada à mimese que
foi recalcada, talvez o traço caracterial patológico em que esta
se sedimenta. Só a mimese se torna semelhante ao mundo am-
biente, a falsa projeção torna o mundo ambiente semelhante a
ela. Se o exterior se torna para a primeira [mimese] o modelo
ao qual o interior se ajusta, o estranho tornando-se o familiar,
a segunda [falsa projeção] transpõe o interior prestes a saltar
para o exterior e caracteriza o mais familiar como algo de hos-
til. Os impulsos que o sujeito não admite como seus e que, no
entanto, lhe pertencem são atribuídos ao objeto: a vítima em
potencial. Para o paranoico usual, sua escolha não é livre, mas
obedece às leis de sua doença. No fascismo, esse comporta-
mento é adotado pela política, o objeto da doença é determi-
nado realisticamente; o sistema alucinatório torna-se a norma
racional no mundo, e o desvio a neurose (ADORNO; HORKHEI-
MER, 2006, p. 154).

Nesse sentido, para Adorno e Horkheimer, “o patológico


do antissemitismo não é o comportamento projetivo enquanto
tal, mas a ausência de reflexão que o caracteriza” (2006, p. 156).
Com isso, aquilo que se apresentava como fundamental para a
adaptação prática do eu no mundo – por conta da perda da cons-
ciência de si e de tudo aquilo que compõe a sua subjetividade –
acaba resultando numa experiência danificada e agressiva.
Ou seja, a agressão projetiva ocorre justamente porque
sujeitos alienados de sua própria subjetividade encontram, em
padrões estereotipados preestabelecidos pelos movimentos de
massa (pensamento em bloco do ticket), uma maneira de adap-
tação ao mundo: “O comportamento do antissemita é desenca-
deado em situações em que os indivíduos obcecados e privados
de sua subjetividade se veem soltos como sujeitos” (ADORNO;
HORKHEIMER, 2006, p. 141).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 383


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Em The Authoritarian Personality, os conceitos de “Eu” e


“projeção” também estão presentes. De modo geral, os autores
concebem que, na medida em que o Eu toma consciência de suas
pulsões irracionais decorrentes da natureza, ele pode adminis-
trar racionalmente tais debilidades no âmbito da personalidade.
No entanto, o contrário também procede, ou seja, na me-
dida em que o Eu fracassa na síntese dos impulsos do Id e das
proibições do Superego, ele tende a projetar tal insatisfação ex-
teriormente (grupos, pessoas ou situações). A dependência da
exteriorização ou do deslocamento como condição sine qua non
para a decisão moral cria no indivíduo uma couraça de autopro-
teção que o leva a encarar o exogrupo – o grupo do outro – como
um rival a ser batido:
Há motivos para acreditar que o fracasso de internalização do
Superego é devido a uma fraqueza do Eu e sua incapacidade
de realizar uma síntese necessária, ou seja, integrar o Supere-
go consigo mesmo. Seja ou não isso, a fraqueza do Eu parece
ser um concomitante do convencionalismo e do autoritarismo.
A fraqueza do Eu é expressa na incapacidade de construir um
conjunto consistente e duradouro de valores morais dentro
da personalidade; e, aparentemente, é esse estado de coisas
que condiciona o indivíduo a procurar um agente organizador
e coordenador fora de si mesmo. Quando se depende de tais
agentes exteriores para tomar decisões morais, pode-se en-
tão dizer que a consciência está externalizada (ADORNO et al.,
1969, p. 234, tradução nossa).

A projeção é entendida em The Authoritarian Personality,


portanto, justamente como o evento psíquico comum que liga
a “debilidade do Eu” e a “exteriorização da agressividade” por
parte do sujeito fascista. Esse evento, isto é, a projeção, não so-
mente desloca os impulsos do Id, deixando-os fora do alcance
da função autocrítica do Eu, como também demonstra a própria

384 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

alienação do Eu com relação à consciência dessas mesmas pul-


sões internas condenáveis, que, por conta do deslocamento de
alvo – do eu para o outro – são abonadas em função da atitude
agressiva:
O mecanismo de projeção foi mencionado em conexão com a
agressão autoritária: os impulsos reprimidos do caráter autori-
tário tendem a ser projetados para outras pessoas, as quais são
culpadas de imediato. A projeção é, portanto, um dispositivo
para manter as pulsões do Id alheias ao Eu, e pode ser consi-
derada como um sinal da incapacidade do Eu em desempenhar
sua função (ADORNO et al., 1969, p. 240, tradução nossa).

Do ponto de vista metodológico, em Research Project on


Anti-Semitism, Horkheimer também apresenta considerações
valiosas sobre o tratamento metodológico da pesquisa empíri-
ca nesse período do Instituto de Pesquisa Social. Mais do que
fazer uso positivista dos fatos ou achar que a simples descri-
ção da pesquisa empírica com vocabulário filosófico resolveria
o abismo entre teoria e prática, o interesse de Horkheimer é
chamar a atenção para o pressuposto de que a formação dos
conceitos não decorre unicamente da coleta empírica, mas de
um processo histórico, para o qual é imprescindível uma análise
essencialmente crítica:
O conceito geral [universal] não é, portanto, dissolvido em uma
multidão de fatos empíricos, mas é concretizado na análise teó-
rica de uma dada configuração social e relacionada à totalidade
do processo histórico, do qual é uma parte indissolúvel. Essa
análise é essencialmente crítica (HORKHEIMER, 1941, p. 122,
tradução nossa).

Como já enfatizado em outros textos – como “Teoria tradi-


cional e Teoria Crítica” (1937) e “Filosofia e Teoria Crítica” (1937)
–, Horkheimer esforça-se por reconfigurar o papel da pesquisa
empírica aliado ao processo especulativo e crítico, ou seja, de-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 385


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

fender o voltar-se para os fatos, porém sem perder a noção da


totalidade histórico-social que os possibilita. Nesse caso, a in-
dução não é simplesmente um salto lógico do particular para
o universal, mas a interpretação cada vez mais aprofundada do
universal no particular:
As categorias devem ser formadas através de um processo de
indução que é o inverso do método indutivo tradicional, no qual
a verificação de suas hipóteses ocorre pela coleta de experiên-
cias individuais até atingir o peso das leis universais. A indução
na teoria social, ao contrário, deve buscar o universal dentro do
particular, não acima ou além dele; e, em vez de se mudar de
um particular para outro e depois para as alturas da abstração,
deve aprofundar e aprofundar cada vez mais o particular e des-
cobrir a lei universal nele contida (HORKHEIMER, 1941, p. 122,
tradução nossa).

Dessa maneira, em contraste com a tese apontada ante-


riormente por Habermas (2012a; 2002), a vocação para a pesqui-
sa empírica do Instituto de Pesquisa Social não foi extinta, mas
inserida em um contexto de análise mais abrangente – conforme
exigiam os novos eventos históricos pós-década de 1940.
Por sua vez, o uso da pesquisa empírica também não foi
implementado como se fosse a contraparte da teoria, e vice-
-versa; pelo contrário, a partir dos trabalhos da década de 40, o
projeto do materialismo interdisciplinar foi redimensionado pelo
Instituto, com o objetivo de integrar a relação entre empiria e
crítica filosófica de maneira constitutiva – e não apenas mutua-
mente complementar.
No texto “Sobre la situación actual de la investigación so-
cial empírica en Alemania”, escrito em 1952, Adorno reitera o
lugar e a importância da pesquisa empírica para a Teoria Crítica:
“Assim como sem teoria não é possível constatar nada, [do mes-

386 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

mo modo] toda constatação culmina na teoria” (ADORNO, 2001,


p. 51, tradução nossa).
Duarte (2001, p. 40) menciona, no tocante à ação metodo-
lógica dos projetos de pesquisa do Instituto, a existência de uma
“indução especulativa”, justamente porque, para o campo de
ação da Teoria Crítica, a formação dos conceitos sociais não seria
resultado da apropriação empírica dos fatos, e seriam sim “esta-
belecidos a partir da totalidade histórica que lhes corresponde”.
O aspecto singular dessa metodologia não é a quantifica-
ção dos resultados particulares, muito menos digressões sinuo-
sas por entre categorias universais, mas a maneira como modi-
fica a formação dos conceitos sociais em um processo empírico
capaz de integrar, dialeticamente, a abrangência dos conceitos e
a peculiaridade dos fatos, num contexto histórico dinâmico:
Muitas vezes, no detalhe está contido algo que é decisivo sobre
o universal e que escapa à mera generalização. Daí a necessi-
dade fundamental de completar as pesquisas estatísticas por
meio de estudos de caso. O objetivo dos métodos sociológicos
quantitativos deveria ser, da maneira formal, o entendimento
qualitativo; a quantificação não é um fim em si, mas um meio
para esse fim (ADORNO, 1973a, p. 51-52, tradução nossa).

Não somente o trecho citado de Adorno – da “Introdução”


escrita para a coletânea de La disputa de positivismo en la socio-
logía alemana, publicada em 1969 –, mas também outros textos
publicados entre as décadas de 1950 e 70 apresentam uma ten-
dência que converge para o mesmo pressuposto metodológico:
a tensão dialética entre o particular e o universal.
A constatação dessa semelhança metodológica é signi-
ficativa porque, em certa medida, oferece uma compreensão
razoável sobre o tratamento metodológico para o trabalho do
Instituto nesse período, e também desconstrói a tese do cará-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 387


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

ter prescindível da pesquisa empírica para a Teoria Crítica pós-


-década de 40.
Em trecho do capítulo “Sociologia e investigação social em-
pírica”, publicado na obra Temas básicos de Sociologia, de 1956,
Adorno e Horkheimer são pontuais quanto ao que seria um legí-
timo projeto metodológico e dialético no âmbito das pesquisas
sociais:
quem sente uma responsabilidade teórica deve fazer frente,
sem meios termos, às aporias da teoricidade e à insuficiência
do simples empirismo; e o fato de se atirar alegremente nos
braços da especulação só poderá servir para agravar a situação
atual (ADORNO; HORKHEIMER, 1978, p. 122).

É justamente o que Adorno tenta dizer em Experiências


científicas nos Estados Unidos:
As investigações empíricas parecem-me legítimas e necessárias
também no âmbito dos fenômenos culturais. Mas não é lícito
hipostasiá-las, nem considerá-las como chave universal. Sobre-
tudo, elas próprias devem culminar em conhecimento teórico.
A teoria não é mero veículo que se tornaria supérfluo tão pron-
to se possuíssem os dados (ADORNO, 2005a, p. 156).

Nos textos “Sobre o sujeito e objeto” e “Notas marginais


sobre teoria e práxis” – ambos publicados em 1969 no livro Pa-
lavras e sinais: modelos críticos 2 –, Adorno apresenta um con-
ceito de pesquisa que se identifica como “crítico” porque tenta
evitar justamente a polarização entre “sujeito e objeto”, “teoria
e práxis”.
Como afirma em “Sujeito e objeto”, só há legitimidade do
conhecimento do sujeito quando ele é preenchido de objetivida-
de, isto é, quando contextualizado à luz de uma crítica da socie-
dade e vice-versa:

388 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

somente a tomada de consciência do social proporciona ao co-


nhecimento a objetividade que ele perde por descuido enquan-
to obedece às forças sociais que o governam, sem refletir sobre
elas. Crítica da sociedade é crítica do conhecimento e vice-versa
(ADORNO, 2005c, p. 189).

E, em “Notas marginais sobre teoria e práxis”, complemen-


ta: “quando se simula que o objeto é pura e simplesmente in-
comensurável em relação ao sujeito, um cego destino captura a
comunicação entre ambos” (ADORNO, 2005b, p. 205).
O que fica em evidência é o caráter da mediação metodo-
lógica entre sujeito e objeto, teoria e prática, reflexão e empiria.
Quando se tenta separar a teoria do dado empírico ou o sujeito
do método, perde-se a compreensão do objeto estudado em sua
amplitude, caindo assim ou na vazia especulação metafísica ou
na cega e fragmentada investigação positivista. Em “Sociología e
investigación empírica”, de 1957, afirma: “A investigação social
empírica é corretiva não só na medida em que impede constru-
ções cegas de cima para baixo, mas também quanto à relação
entre fenômeno e essência” (ADORNO, 1973b, p. 97, tradução
nossa).
Enveredar a pesquisa empírica social nos moldes metodo-
lógicos apresentados pela Teoria Crítica é trazer, portanto, em
sua base, uma perspectiva interdisciplinar e mediacional entre
fatos empíricos e questionamentos filosóficos: enquanto o pri-
meiro elemento oferece à Filosofia a verificação empírica e fac-
tual, evitando assim a hipóstase do real e a especulação dogmá-
tica, o segundo possibilita aos dados empíricos o caráter crítico
da totalidade e sua relação com o tecido social, esquivando-se
da fragmentação do objeto e da mistificação ideológica voltada
para fins instrumentais.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 389


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

O fato é que nenhum dos projetos esteve à margem do


programa de pesquisa do Instituto de Pesquisa Social. No entan-
to, isso não quer dizer que, em momentos específicos da trajetó-
ria da Teoria Crítica, não tenha existido uma maior demanda por
determinados projetos.
Segundo Duarte (2001), as próprias condições institucio-
nais do Instituto nas décadas de 1940 e 50 justificam um cer-
to paralelismo entre a Dialética do esclarecimento e as pesqui-
sas empíricas, uma vez que estes últimos trabalhos – como os
Studies in Prejudice – foram financiados pela American Jewish
Commitee, entidade que, por conta de seu objetivo operacional
quanto ao combate do antissemitismo, não estava nem um pou-
co interessada em reflexões totalizantes sobre o fracasso da ra-
cionalidade moderna.
Enfim, a convergência de alguns conceitos com relação ao
antissemitismo – presentes tanto na Dialética do esclarecimento
e como em The Authoritarian Personality – revela que, apesar
de projetos metodologicamente distintos, ambos receberam o
mesmo alinhamento teórico: desvelar o caráter autoritário, seja
pelo viés da compreensão dialética de uma racionalidade instru-
mental, seja pelo entendimento dos pressupostos psicossociais
que formam o indivíduo fascista.
Além disso, a preocupação acerca da pesquisa empírica
social, que aparece de maneira recorrente em diversos textos
posteriores à década de 40, também é um sinal do quanto essa
temática continuou presente nos projetos da Teoria Crítica.

390 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

As leituras indicadas no Tópico 3. 1 tratam de um tema


interessante para as Ciências Sociais no século 20: a possibili-
dade de uma metodologia interdisciplinar e dialética, capaz de
transitar entre a reflexão filosófica e a análise empírica socio-
lógica. Neste momento, você deve realizar essas leituras para
aprofundar o tema abordado.

2.2. AS CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU

O sociólogo, antropólogo e filósofo


Pierre Bourdieu (Figura 3) nasceu em Den-
guin, França, em 1º de agosto de 1930. Se-
gundo Machado, Amorim e Barros (2013,
p. 316-317)
Partindo do papel do capital econô-
mico como determinante da posição
social, Bourdieu fez investigações
pioneiras referentes ao capital cul-
tural, social e simbólico, ao conceito Figura 3 Pierre Bourdieu.
de habitus e de violência simbólica,
de modo a revelar as dinâmicas das relações de poder na vida
social. Seu trabalho enfatizou o papel da prática e incorporação
de formas na dinâmica social e na construção da visão de mun-
do. Autor de grande influência na Sociologia e Antropologia
contemporâneas, publicou, entre vários outros livros, O poder
simbólico (1992); As regras da arte: gênese e estrutura do cam-
po literário (1999); Esboço de uma teoria da prática, precedido
de três estudos de etnologia cabila (2002) e A distinção: crítica
social do julgamento (2007). Faleceu em Paris, França, em 23
de janeiro de 2002.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 391


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Certamente são dois os objetivos de trazer Bourdieu para


a discussão desta obra: compreender os fenômenos sociológi-
cos presentes na sociedade e na cultura, e identificar como esses
elementos se configuram no pensamento do autor. Com base
em algumas leituras de Pierre Bourdieu, o texto está organizado
em duas partes:
• uma, mais voltada aos aspectos da cultura e da subje-
tividade, na qual Bourdieu apresenta os conceitos de
“campo” e “discurso”.
• outra, mais direcionada ao campo da cultura (educa-
ção), principalmente no que tange à ideia da “alquimia
social” promovida pelos mecanismos classificatórios da
escola.

O conceito de “campo” e os ritos de instituição


Entre os conceitos mais conhecidos de Pierre Bourdieu,
sem dúvida, um dos mais significativos é o de “campo”. Aliás, a
ideia de campo é tão fundamental no quadro teórico do autor
que adentrar no seu pensamento sem recorrer àqueles elemen-
tos que formam tal ideia configuraria um esforço reflexivo estéril
e sem pretensões de entendimento da realidade – haja vista que
a maior parte dos seus aspectos teóricos, de uma maneira ou de
outra, estão profundamente ligados à gênese do conceito.
Em que consiste exatamente o conceito de campo para
Bourdieu? Para compreendê-lo, é indispensável retomar outro
conceito, o de “rito”, não como fenômeno de “passagem”, mas
como fenômeno de “instituição” que, entre outras coisas, pro-
move três ações básicas: institui uma diferença, legitima um as-
pecto arbitrário e naturaliza oposições historicamente construí-
das. Vejamos essas características em detalhe.

392 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

O rito como instituição da “diferença”


Ao falar de “rito”, normalmente faz-se uma estreita liga-
ção com aqueles fenômenos sociais de grande importância, que
indicam uma passagem temporal de etapas a serem cumpridas
ou realizadas por um indivíduo numa determinada cultura (fenô-
menos mais conhecidos como “ritos de passagem”). No entanto,
para Bourdieu, os ritos não servem tanto para indicar a passa-
gem do indivíduo para outra etapa social, mas para separar e
classificar aqueles que já passaram daqueles que ainda passarão
e, consequentemente, instituir e legitimar uma constante dife-
rença com relação àqueles que nunca poderão passar por tais
rituais:
Na verdade, é caso de perguntar se, ao enfatizar a passagem
temporal (por exemplo, da infância à vida adulta), essa teoria
não estaria mascarando um dos efeitos essenciais do rito, qual
seja o de separar aqueles que já passaram por ele daqueles que
ainda não o fizeram e, assim, instituir uma diferença duradoura
entre os que foram e os que não foram afetados. Eis por que em
lugar da expressão ritos de passagem talvez fosse mais apro-
priado dizer ritos de legitimação, ou simplesmente, ritos de ins-
tituição (BOURDIEU, 1998, p. 97).

Legitimação do aspecto arbitrário


Assim, não estaria incorreto afirmar que para o rito não
importa o conjunto de indivíduos que passaram ou passarão por
determinado ritual, mas sim a diferenciação desse grupo com
relação àquele conjunto oculto de indivíduos que nunca terão a
chance de passar por tais ritos. Trata-se de um processo de de-
limitação de lugares tão bem realizado que, perante a situação,
não resta alternativa senão reafirmar a legitimidade de tal ação.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 393


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Nesses termos, pode-se dizer que para Bourdieu o rito pra-


ticamente consagra a arbitrariedade e a diferença ao delimitar
um campo específico, com linhas demarcatórias, por exemplo,
que separam gêneros sexuais, etnias, credos religiosos etc. Nou-
tras palavras, percebe-se a legitimação ou consagração de ele-
mentos arbitrários que instauram dicotomicamente a diferença
entre um conjunto instituído em face de um conjunto oculto.
Veja:
Falar em rito de instituição é indicar que o rito tende […] a reco-
nhecer como legítimo e natural um limite arbitrário, ou melhor
operar solenemente, de maneira lícita e extraordinária, uma
transgressão dos limites constitutivos da ordem social e da or-
dem mental a serem salvaguardadas a qualquer preço, como no
caso da divisão entre sexos por ocasião dos rituais de casamen-
to. A marcar solenemente a passagem de uma linha que ins-
taura uma divisão fundamental da ordem social, o rito chama a
atenção do observador para a passagem […] quando, na verda-
de, o que importa é a linha. […] Existe, portanto, um conjunto
oculto em relação ao qual se define o grupo instituído. O prin-
cipal efeito do rito é o que passa quase sempre completamente
despercebido: ao tratar diferentemente homens e mulheres, o
rito consagra a diferença, ele institui (BOURDIEU, 1998, p. 98).

Naturalização das oposições historicamente construídas


Para compreender essa função do rito, torna-se funda-
mental compreender os termos “natureza” e “cultura”. Segundo
Chauí (2010), a natureza é constituída por estruturas e processos
necessários existentes em si e por si mesmos, que independem
das ações humanas para existir; já a cultura nasce da maneira
como os indivíduos interpretam a si mesmos e as suas relações
com a natureza, acrescentando-lhe sentidos novos, alterando-a
por meio do trabalho e da técnica e dando-lhe significados sim-
bólicos e valores.

394 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

No entanto, o problema é que, pelo fato de os indivíduos


não terem consciência da distinção entre natureza e cultura (ob-
viamente porque são educados dentro de uma cultura), acredi-
tam que tudo o que é social existiu desde sempre como algo na-
tural. Com isso, para garantir a manutenção dos padrões sociais
ao longo do tempo (padrões esses amplamente baseados nas
oposições e diferenças grupais), o rito destitui o caráter histórico
e cultural das diferenças e tende a naturalizá-las como se fossem
elementos de mútua complementação, existentes em si e por si
mesmos:
Assim como a instituição consiste em atribuir propriedades de
natureza social como se fossem propriedades de natureza na-
tural, o rito de instituição tende logicamente […] a integrar as
oposições cosmológicas – estabelecendo relações do tipo “o
homem está para a mulher assim como o Sol está para a Lua”
–, o que representa uma maneira bastante eficaz de naturalizá-
-las. Desse modo, ritos diferenciados sexualmente consagram a
diferença entre os sexos, ou melhor constituem uma distinção
legítima, em instituição, uma simples diferença de fato (BOUR-
DIEU, 1998, p. 98-99).

Com isso, instituir passa a ser o cerne do conceito de cam-


po, cujo funcionamento está baseado por regras específicas e
linhas demarcatórias que estabelecem a autoridade (poder),
a disposição e o status de cada um dos seus participantes. Em
Questões de Sociologia, Bourdieu identifica o conceito de campo
como aqueles “espaços estruturados de posições (ou de postos)
cujas propriedades dependem das posições nestes espaços, po-
dendo ser analisadas independentemente das características de
seus ocupantes (em parte determinadas por elas)” (BOURDIEU,
1983c, p. 89). Na obra Coisas ditas, Bourdieu esclarece mais ain-
da a noção de campo:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 395


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Em termos analíticos um campo pode ser definido como uma


rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições.
Essas posições são definidas objetivamente em sua existência e
nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes, agen-
tes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na
estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou
de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos
que estão em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas re-
lações objetivas com as outras posições (dominação, subordi-
nação, homologia, etc.) (BOURDIEU, 1990, p. 72).

Em síntese, campo define-se como um espaço estruturado


de posições no qual seus participantes, a partir de regras espe-
cíficas do jogo, estão em constante disputa pelo poder; nas pa-
lavras do autor, “um espaço – o que eu chamaria de campo – no
interior do qual há uma luta pela imposição da definição do jogo
e dos trunfos necessários para dominar nesse jogo” (BOURDIEU,
1990, p. 119).
Isso quer dizer que o campo institui quem está dentro e
quem está fora de suas linhas demarcatórias; quem não está
dentro não está, portanto, autorizado a fazer parte das regras
específicas daquele campo: “cada campo impõe um preço de en-
trada tácito: ‘que não entre aqui quem não for geômetra’, isto é,
que ninguém entre aqui se não estiver pronto a morrer por um
teorema” (BOURDIEU, 1997, p. 141).
Portanto, só há campo quando as posições dos sujeitos es-
tiverem bem definidas e institucionalizadas pelo espaço social.
Isso pode ser claramente observado pelo exemplo de uma sim-
ples transferência de emprego: em princípio, nesse novo local de
trabalho, o indivíduo é considerado um “herege”, isto é, um no-
vato que, pelo fato de não conhecer as regras específicas daque-
le campo, ainda não está plenamente instituído. Para conseguir
uma posição definida nesse campo, esse sujeito deverá então

396 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

começar a observar as regras que formam a sua estrutura e agir


de acordo com elas.
Isso equivale a dizer que os sujeitos carregam em si mes-
mos as estruturas, porque são as estruturas que configuram (es-
truturam) a mente das pessoas. Nesse sentido, surge um duplo
aspecto acerca da estrutura: por um lado, ela é “estruturada”
pelo discurso histórico-ideológico de poder, que, por sua vez,
institucionaliza as posições dos indivíduos no campo; por outro
lado, contudo, ela também é “estruturante” da subjetividade do
sujeito que age de acordo com tais regras de institucionalização.
Portanto, o “campo” é um locus constituído não apenas
pelo aspecto espacial, mas também temporal e sociolinguístico:
pode ser identificado como um local, uma datação histórica e
uma modalidade de interação discursiva entre sujeitos. A partir
desse aspecto, entra em questão outro elemento importantíssi-
mo para a compreensão de campo: o discurso.

Relação do conceito de “campo” com o aspecto discursivo


Torna-se muito difícil compreender o conceito de campo
desligado do entendimento e do discurso. A noção de discurso
para Bourdieu toma uma direção bem diferente daquela tomada
pela Linguística tradicional de Saussure e Chomsky, pois evita,
acima de qualquer coisa, admitir a hipótese de que a língua é um
sistema abstrato.
Segundo Saussure, no Curso de Linguística Geral, a língua
não propõe fazer qualquer tipo de relação com a realidade, mas
apenas entre os próprios signos, ou seja, a relação arbitrária
entre as unidades linguísticas não é uma arbitrariedade da lin-
guagem com as coisas (como proposta da semântica), mas sim

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 397


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

uma arbitrariedade semiológica reduzida apenas ao âmbito dos


signos. Veja:
O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um
conceito [significado] e uma imagem acústica [significante]. […]
O caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece clara-
mente quando observamos nossa própria linguagem. Sem mo-
vermos os lábios nem a língua, podemos falar conosco ou reci-
tar mentalmente um poema (SAUSSURE, 2006, p. 80).

Já para Chomsky, como observado em sua obra Estruturas


sintácticas, qualquer indivíduo que possui a faculdade de falar é,
portanto, capaz de expressar-se adequadamente em sua própria
língua, e também de compreender o que outros indivíduos es-
tão dizendo – fenômeno esse chamado de “competência linguís-
tica”. Trata-se de uma competência interiorizada, presente nos
atos internos de cada indivíduo, mas que, segundo Chomsky, se
exterioriza a cada ato linguístico, como uma espécie de mecanis-
mo que tem o potencial de formar frases. Dessa maneira, o seu
interesse é pesquisar a chamada “gramática gerativa”, como um
recurso gerador de frases, mas que deve ser estudada de modo
apartado da semântica:
A questão é a de saber se a informação semântica é ou não ne-
cessária para a descoberta ou para a seleção de uma gramática.
[…] Talvez seja possível esclarecer melhor este problema atra-
vés de uma discussão puramente negativa quanto à possibilida-
de de obter uma base semântica para a teoria sintáctica. […] Po-
deria, com idêntico cabimento, perguntar-se: “como é possível
construir uma gramática sem conhecimento da cor do cabelo
dos falantes?” A pergunta que deve ser feita é esta: “Como é
possível construir uma gramática?” Não tenho conhecimento
de qualquer tentativa, pormenorizada, de desenvolvimento
da teoria da estrutura gramatical em termos parcialmente
semânticos ou de qualquer proposta, específica e rigorosa, de
utilização de informação semântica na construção ou avaliação
de gramática (CHOMSKY, 1987, p. 102-103).

398 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Contrário às propostas tanto de Saussure como de


Chomsky, Bourdieu afirma que os indivíduos não fazem uso da
língua apenas para o “domínio prático da linguagem” (enquanto
apropriação psíquica dos signos e da gramática), mas principal-
mente para terem um “domínio prático das situações que per-
mitem produzir um discurso adequado numa situação determi-
nada” (BOURDIEU, 1983a, p. 158). Noutras palavras, Bourdieu
afirma o seguinte:
O habitus linguístico se distingue de uma competência do tipo
chomskyano pelo fato de ser produto das condições sociais e
pelo fato de não ser uma simples produção de discursos, mas
uma produção de discursos ajustados a uma “situação”, ou de
preferência, ajustados a um mercado ou a um campo (BOUR-
DIEU, 1983b, p. 95).

Mas o que o discurso tem a ver com o conceito de campo?


Só há um discurso quando há um campo instituinte que demar-
que e institucionalize uma modalização de poder em seus parti-
cipantes, pressupondo uma lógica de autoridade circunscrita à
sua correspondente posição. A partir dessa definição posicional
no campo, delimitam-se também as vozes de um discurso e a ins-
tituição de uma verdade específica e ideologicamente politizada.
Ou seja, o campo é como uma espécie de arena, na qual os
sujeitos se digladiam com posições e vozes muito bem definidas
e em vista de determinados fins estratégicos:
todo ato de interação, toda comunicação linguística, mesmo
entre duas pessoas, entre dois companheiros, entre um rapaz
e sua namorada, todas as interações linguísticas são espécies
de micromercados, sempre dominados por estruturas globais
(BOURDIEU, 1983b, p. 97).

Outro aspecto interessante é que o discurso do campo


nunca se constitui como um simples monólogo; sempre have-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 399


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

rá um “endereço” e um interesse específico para qualquer ato


discursivo: “sempre que alguém produz um discurso para recep-
tores capazes de avaliá-lo e de dar-lhe um preço” (BOURDIEU,
1983b, p. 96).
É nesse aspecto que se percebe que todo discurso é ideoló-
gico, ou seja, constituído por interesses das mais variadas fontes
que coordenam a intensidade e a direção do discurso em favor
da conservação das regras e dos mecanismos de poder do cam-
po. Nas palavras de Bakhtin, “o domínio do ideológico coincide
com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes.
Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico.
Tudo que é ideológico possui um valor semiótico” (1999, p. 32).
Com relação a esse aspecto, percebe-se uma semelhança
muito grande de Bakhtin com Bourdieu, principalmente em vista
de sua crítica à Linguística tradicional (objetivismo abstrato), que
acabou separando a língua da realidade (conteúdo ideológico):
A separação da língua de seu conteúdo ideológico constitui um
dos erros mais grosseiros do objetivismo abstrato. Assim, a lín-
gua, para a consciência dos indivíduos que a falam, de maneira
alguma se apresenta como um sistema de formas normativas.
O sistema linguístico tal como é constituído pelo objetivismo
abstrato não é diretamente acessível à consciência do sujeito
falante, definido por sua prática viva de comunicação social
(BAKHTIN, 1999, p. 96).

Assim como para Bakhtin, para Bourdieu o discurso é ne-


cessariamente embasado por um poder, cuja função é rearranjar
os mecanismos estruturais e demarcatórios do campo. Percebe-
-se aqui uma dinâmica discursiva que envolve, muda e abriga as
estratégias de manutenção do campo:
do mesmo modo que, ao nível dos grupos tomados em seu
conjunto, uma língua vale o que valem aqueles que a falam, ao

400 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

nível das interações entre indivíduos, o discurso deve sempre


uma parte muito importante de seu valor ao valor daquele que
o domina (BOURDIEU, 1983a, p. 166).

A conservação da estrutura do campo é formada justa-


mente pelo desejo de conservação do campo, viabilizado e ex-
ternalizado pelo discurso do grupo que detém o poder. O polo
dominante é a ortodoxia do campo, ou seja, o conjunto majori-
tário que, por meio da memória do campo, conserva-o em suas
regras específicas (palimpsesto).
Já o polo dominado é a heterodoxia, que não possui autori-
dade suficiente para reorganizar as regras, mas apenas segui-las
em vista da conservação da disposição ideológica e política do
campo. Todavia, ambos, ortodoxia e heterodoxia, reconhecem
veladamente a existência das regras do campo, obviamente a
primeira para conservá-las e a segunda, para substituí-las:
Eles [heterodoxos] podem querer inverter as relações de força
no campo, mas, por isso mesmo, reconhecem alvos, não são in-
diferentes. Querer fazer a revolução em um campo é concordar
com o essencial do que é tacitamente exigido por esse campo,
a saber, que ele é importante, que o que está em jogo aí é tão
importante a ponto de se desejar aí fazer a revolução. Entre
pessoas que ocupam posições opostas em um campo, e que
parecem radicalmente opostas em tudo, observa-se que há um
acordo oculto e tácito a respeito do fato de que vale a pena
lutar a respeito das coisas que estão em jogo no campo (BOUR-
DIEU, 1997, p. 140-141).

As regras de funcionamento do campo dizem respeito


às disposições e posições hierárquicas dos sujeitos no campo.
Quem está mais próximo do centro tem o poder de “falar mais
alto”, ou seja, veicula com mais autoridade a vontade de verdade
do campo. Na falta do sujeito que detenha o poder, há a disputa
de outros pelo espaço de poder. Isso quer dizer que o campo só

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 401


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

se estrutura em vista de uma disputa interna: as circunstâncias


de poder e suas relações sociolinguísticas reorganizam as dispo-
sições dos sujeitos no campo. Na base desse processo encontra-
-se o poder simbólico do discurso:
O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enun-
ciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar
a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo, por-
tanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equi-
valente daquilo que é obtido pela força (física ou económica),
graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for
reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário (BOURDIEU,
1989, p. 14).

Outro aspecto interessante é que a estrutura não possui


um caráter permanente. Pelo contrário, o caráter da estrutura
do campo diz respeito a algo que foi previamente pensado (ma-
quinado) e construído. Logo, se a estrutura do campo é construí-
da, isso significa que o discurso, instrumento do campo, também
possui a mesma natureza: histórica e contextual.
No entanto, a fabricação da estrutura do campo é algo per-
manente, pois sempre haverá um discurso que estruturará as re-
gras do campo, seja em favor de sua conservação, seja em favor
de sua transformação:
O que pode ser dito e a maneira de dizê-lo, numa circunstância
determinada, dependem da estrutura da relação objetiva entre
as posições que o emissor e o receptor ocupam na estrutura de
distribuição do capital linguístico e de outras espécies de capital
(BOURDIEU, 1983a, p. 173).

Com isso, Bourdieu propõe uma modalidade de discurso


encarnada nas relações estruturais do campo, capaz de fazer
com que o sujeito não só entenda as regras do jogo, como tam-
bém possibilite uma intervenção na realidade: o habitus linguís-
tico incita o indivíduo a “utilizar as possibilidades oferecidas pela

402 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

língua e (para) avaliar, praticamente, as condições de utilizá-las”


(1983a, p. 182).
Ou seja, o conceito de discurso para Bourdieu contempla
não só os fatores intralinguísticos e extralinguísticos, como tam-
bém as possíveis condições ideológicas e estruturais do campo
(tanto objetivas como subjetivas) que estão ligadas ao discurso e
que, por isso, interferem na própria interação linguística:
A verdade da relação de comunicação nunca está inteiramen-
te no discurso, nem mesmo nas relações de comunicação; […]
mas também fora dele, nas condições sociais de produção e de
reprodução dos produtores e receptores e da relação entre eles
(BOURDIEU, 1983a, p. 162).

Os ritos de classificação escolar


Outro aspecto muito interessante no pensamento de Bour-
dieu é o relacionado à educação. Em seu livro Escrito de educa-
ção, mais especificamente no texto “As categorias do juízo pro-
fessoral”, Bourdieu propõe a seguinte questão:
submeter à análise […] as classificações que os professores pro-
duzem cotidianamente, tanto em seus julgamentos sobre seus
alunos ou seus colegas atuais ou potenciais como em sua pro-
dução específica (manuais, teses e obras eruditas) e em toda
sua prática (BOURDIEU, 1999, p. 187-188).

Baseado num conjunto de 154 fichas individuais de alunos,


redigidas por volta de 1960, Bourdieu apresenta como os profes-
sores exerciam classificações arbitrárias e adjetivações taxonô-
micas diferenciadas muito mais em função da origem social da
família (capital social) – a partir do hexis corporal do estudante, o
conjunto de propriedades associadas ao uso do corpo, no qual é
possível exteriorizar a posição de classe de uma pessoa – do que
em relação à própria nota dos alunos:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 403


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

os considerados julgamentos aparecem mais fortemente liga-


dos à origem social do que a nota que se exprime; isto sem dú-
vida porque eles traem mais diretamente a representação que
o professor faz das alunas a partir do conhecimento que tem de
antemão do hexis corporal (BOURDIEU, 1999, p. 192).
Para provar mais ainda essa parcialidade avaliativa Bour-
dieu afirma que
as alunas provenientes das frações da classe dominante mais rica
em capital cultural escapam quase totalmente aos julgamentos
mais negativos, mesmo eufemizados, assim como às virtudes
pequeno-burguesas, e lhes são atribuídas com insistência as qua-
lidades mais procuradas (BOURDIEU, 1999, p. 191).
Noutra passagem também diz: “os qualificativos mais favo-
ráveis aparecem com uma frequência cada vez maior na medida
em que a origem social das alunas é mais elevada” (BOURDIEU,
1999, p. 191).
Mas qual a relevância dessas descobertas? O processo des-
crito por Bourdieu levanta um grave problema no âmbito peda-
gógico: há um tipo de classificação, de taxonomia, ocorrendo na
escola que tende a cumprir as exigências da estrutura econômi-
ca dominante, cuja finalidade é definir a posição do indivíduo
no campo, isto é, colocar a pessoa no seu devido lugar; nou-
tras palavras, uma ideologia que tende a estabilizar as origens
sociais dominantes como “dominantes” e as dominadas como
“dominadas”:
Ideologia em estado prático, produzindo efeitos lógicos que são
inseparavelmente efeitos políticos, a taxonomia escolar encerra
uma definição implícita de excelência que, constituindo como
excelentes as qualidades apropriadas por aqueles que são so-
cialmente dominantes, consagra sua maneira de ser e seu esta-
do (BOURDIEU, 1999, p. 196).

Segundo Bourdieu, o problema está justamente no modo


como as classificações sociais acabam se transformando em clas-

404 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

sificações escolares. É evidente a existência de uma classificação


social que separa classes dominantes de dominadas, segundo as
relações de poder e regras específicas dos mais diversos cam-
pos. Essa classificação coloca-se como um sistema que seleciona
e determina a posição do indivíduo dentro do campo.
No entanto, tal classificação precisa ser oficializada ou ins-
titucionalizada, pois, caso contrário, poderá se tornar uma es-
trutura cujas regras tornam-se demasiadamente injustas e ina-
ceitáveis, principalmente para a classe dominada: “instituir é
consagrar, ou seja, sancionar e santificar um estado de coisas,
uma ordem estabelecida, a exemplo precisamente do que faz
uma constituição no sentido jurídico-político do termo” (BOUR-
DIEU, 1998, p. 99).
Neste sentido, oficializar ou instituir as classes dominan-
tes significa dar a elas uma identidade, demarcar seus limites e
linhas de autoridade, oferecer-lhes uma definição social: “‘torne-
-se o que você é’, eis a fórmula que subtende a magia performa-
tiva de todos os atos de instituição” (BOURDIEU, 1998, p. 103).
Noutra passagem, Bourdieu é ainda mais claro quando afirma
que o sistema da instituição tem como estratégia fazer com que
as diferenças arbitrárias e histórico-culturais sejam vistas e incul-
cadas como naturais e eternas:
O trabalho de inculcação através do qual se realiza a imposição
duradoura do limite arbitrário visa naturalizar as rupturas deci-
sórias constitutivas de um arbitrário cultural […] sob a forma do
sentido dos limites, fazendo com que alguns mantenham sua
posição ou se conservem à distância enquanto outros se man-
têm em seu lugar e se contentam com o que são, a serem o que
têm de ser, privando-os assim da própria privação (BOURDIEU,
1998, p. 103).

Dessa maneira, a classificação social precisa do auxílio da


classificação escolar: ao passar pela classificação escolar, as di-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 405


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

ferenças sociais são institucionalizadas como naturais e oficiais,


cujas relações de dominação e poder ditadas pelo capital não
são mais vistas como injustas, mas como estruturas legitimadas.
Bourdieu chama esse processo de alquimia social:
A transmutação da verdade social em verdade escolar
(de “você é um pequeno burguês” em “você é trabalhador, mas
não é brilhante”) não é um simples jogo de escrita sem conse-
quência, mas uma operação de alquimia social que confere às
palavras sua eficácia simbólica, seu poder de agir durável (BOUR-
DIEU, 1999, p. 199, grifo nosso).

Fonte: Watterson (1995, p. 58).


Figura 4 Classificação escolar: alquimia social.

Ou seja, o processo de transformação das “verdades so-


ciais condenáveis” em “verdades sociais institucionalizadas” pre-
cisa passar pelo sistema escolar, para que assim elas se tornem
aceitas pela coletividade. De acordo com o autor, “é sem dúvida
por intermédio das classificações sucessivas que fizeram delas
[classes sociais] o que elas são, que os produtos classificados do
sistema escolar, alunos e professores, adquiriram, em graus dife-
rentes segundo sua posição nessas estruturas, o domínio prático
de sistemas de classificação”, segundo taxonomias escolares des-
tinadas a cumprir determinadas funções (BOURDIEU, 1999, p.
199). E complementa ao acrescentar que a escola é uma “máqui-

406 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

na de transformar classificações sociais em classificações esco-


lares, como classificações sociais reconhecidas-irreconhecidas”
(BOURDIEU, 1999, p. 199).
Portanto, fica claro que em Bourdieu o campo da educação
organiza um processo educativo de tal modo que possa amoldar-
-se aos interesses externos:
A neutralidade da escola não passa na verdade dessa extraor-
dinária denegação coletiva que faz por exemplo com que o
professor possa, em nome da autoridade que lhe delega a ins-
tituição escolar, condenar como escolares as produções e as
expressões que apenas são o que a instituição escolar produz e
exige (BOURDIEU, 1999, p. 197).

Com isso, torna-se então justificável, tendo em vista esse


conchavo de interesses entre educação e políticas públicas, a
forma como as diferenças sociais são formalizadas pela escola
com o intuito de naturalizar e ressignificar as diferenças de clas-
ses na sociedade.
As leituras indicadas no Tópico 3. 2 tratam das contri-
buições de Bourdieu para a Sociologia e para a educação, es-
pecialmente com os conceitos de “campo” e “discurso”. Neste
momento, você deve realizar essas leituras para aprofundar o
tema abordado.

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 6.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizado na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina para
abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material, por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante do
material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 407


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in-
dispensável para você compreender integralmente os conteúdos
apresentados nesta unidade.

3.1. TEORIA CRÍTICA E CIÊNCIAS SOCIAIS

Com o objetivo de relembrar o método dialético e interdis-


ciplinar da Teoria Crítica, cuja fundamentação se assenta tanto
na reflexão filosófica, quanto na pesquisa empírica, sugerimos
que leia os textos indicados a seguir:
• ANTUNES, D. C. De Frankfurt à Califórnia: há conti-
nuidade nas pesquisas empíricas da Escola de Frank-
furt entre 1929 e 1950? In: SEMINÁRIO DE PÓS-GRA-
DUAÇÃO EM FILOSOFIA DA UFSCAR, 6., São Carlos,
set. 2010. Anais… 2010. Disponível em: <http://www.
ufscar.br/~semppgfil/wp-content/uploads/2012/05/
Deborah-Christina-Antunes-De-Frankfurt-%C3%A0-
-Calif%C3%B3rnia-h%C3%A1-continuidade-nas-pes-
quisas-emp%C3%ADricas-da-Escola-de-Frankfurt-en-
tre-1929-e-1950.pdf>. Acesso em: 26 set. 2019.
• ______. Por um conhecimento sincero no mundo falso:
Teoria Crítica, pesquisa social empírica e The authorita-
rian personality. Tese (Doutorado em Filosofia) – Centro
de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal
de São Carlos, São Carlos, 2012. Disponível em: <https://
repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/4791/
Retido.pdf?sequence=1>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• GONÇALVES, A. S. Do materialismo interdisciplinar à
crítica à razão instrumental: um estudo sobre o desen-

408 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

volvimento da Filosofia de Max Horkheimer. Disserta-


ção (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia, 2016. Disponível em: <https://
repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/18426/1/Ma-
terialismoInterdisciplinarCritica.pdf>. Acesso em: 27
nov. 2019.
• MARANHÃO, C. M. S. A.; VILELA, J. R. P. X. Teoria Crítica
e pesquisa empírica: um estudo sobre Theodor Adorno.
In: ENCONTRO DA ANPAD, 34., jan. 2010, Rio de Janeiro.
Anais… 2010. Disponível em: <http://www.anpad.org.
br/admin/pdf/eor1044.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• SILVA, F. M. S. P. Sobre a investigação social empírica:
considerações iniciais baseadas no pensamento de
Adorno e Horkheimer. Inter-Ação: Revista da Faculda-
de de Educação da UFG, v. 29, n. 1, p. 131-143, jan./
jun. 2004. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/
interacao/article/viewFile/1335/1371>. Acesso em: 27
nov. 2019.
• VOIROL, O. Teoria Crítica e pesquisa social: da dialética
à reconstrução. Trad. Bruno Simões. Novos Estudos –
Cebrap: Dossiê Teoria Crítica, n. 93, p. 81-99, jul. 2012.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/nec/n93/
n93a07.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.

3.2. PIERRE BOURDIEU

Para se aprofundar nos conceitos de “campo”, “discurso” e


sua relação com a classificação escolar, leia os artigos indicados
a seguir:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 409


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

• BOURDIEU, P. As Ciências Sociais e a Filosofia. Educação


& Linguagem, ano 10, n. 16, p. 19-36, jul./dez. 2007.
Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/
revistas-ims/index.php/EL/article/viewFile/124/134>.
Acesso em: 27 nov. 2019.
• ______. Capital simbólico e classes sociais. Novos Es-
tudos CEBRAP, n. 96, p. 105-115, jul. 2013. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/nec/n96/a08n96.pdf>.
Acesso em: 27 nov. 2019.
• CARVALHO, K. F. Os conceitos de habitus e campo na
teoria de Pierre Bourdieu. Cadernos de Campo: Revista
de Ciências Sociais, Araraquara: Faculdade de Ciência e
Letras da Unesp, n. 9, p. 101-111, 2003. Disponível em:
<https://periodicos.fclar.unesp.br/cadernos/article/
view/10510/6830>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• CATANI, A. M. A sociologia de Pierre Bourdieu (ou como
um autor se torna indispensável ao nosso regime de lei-
turas). Educação & Sociedade, ano 23, n. 78, p. 57-75,
abr. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
es/v23n78/a05v2378.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• NOGUEIRA, C. M. M.; NOGUEIRA, M. A. A Sociologia da
Educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições.
Educação & Sociedade, ano 23, n. 78, p. 15-36, abr.
2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/
v23n78/a03v2378>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• PEREIRA, E. A. T. O conceito de campo de Pierre Bour-
dieu: possibilidade de análise para pesquisas em histó-
ria da educação brasileira. Revista Linhas, Florianópolis,
v. 16, n. 32, p. 337-356, set./dez. 2015. Disponível em:
<http://www.revistas.udesc.br/index.php/linhas/arti-

410 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

cle/viewFile/1984723816322015337/pdf_97>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
• THIRY-CHERQUES, H. R. Pierre Bourdieu: a teoria na prá-
tica. RAP – Revista de Administração Pública, Rio de Ja-
neiro, v. 40, n. 1, p. 27-55, jan./fev. 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rap/v40n1/v40n1a03.pdf>.
Acesso em: 27 nov. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder às questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) Observe com atenção o trecho a seguir:
A especialização caótica não é superada pelas más sínteses dos resultados
empreendidos pela pesquisa especializada, enquanto, de outro lado, o ob-
jetivo de uma empiria imparcial não pode ser alcançado por aqueles que
procuram reduzir a nada o elemento teórico: ocorre ao invés disso que a
filosofia – ou seja, a intenção teórica dirigida ao universal, ao “essencial”
– deve estar em condições de solicitar e animar as pesquisas particulares
e, ao mesmo tempo, ser suficientemente aberta para se deixar por sua
vez influenciar e transformar pelo progresso dos estudos concretos (HOR-
KHEIMER, 1999, p. 128).
A preocupação com o método das Ciências Sociais, por parte Escola de
Frankfurt, especialmente por Adorno e Horkheimer, resultou em muitos
projetos de pesquisas que levaram em consideração uma visão dialética
da realidade. Foi nesse sentido que Horkheimer apresentou uma metodo-
logia que mais tarde ficou conhecida como “materialismo interdisciplinar”.
Sobre o assunto, assinale a alternativa correta.
a) O materialismo interdisciplinar leva em consideração uma visão espe-
cializada das áreas, que devem servir aos interesses da Filosofia.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 411


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

b) De acordo com Horkheimer, o materialismo interdisciplinar seria uma


retomada do materialismo dialético de Marx, afirmando a luta de clas-
ses como motor da sociedade.
c) A proposta do materialismo interdisciplinar fundamenta-se no cientifi-
cismo social, que agregaria em si a metodologia das Ciências da Natu-
reza e Humanas, afirmando a tese de que os fenômenos da sociedade
precisam ser estudados como coisas.
d) O materialismo interdisciplinar, como o próprio nome diz, fundamen-
ta-se na proposta de utilização das diversas teorias filosóficas para ser-
vir aos interesses das Ciências Sociais.
e) Em vista de inúmeras carências e fragilidades por parte da ciência e
da filosofia, o materialismo interdisciplinar leva em consideração uma
metodologia dialética e tensional, amparando-se tanto na visão filosó-
fica do todo, como na análise concreta científica.

2) Leia com atenção o texto a seguir:


A escola exclui, como sempre, mas ela exclui agora de forma continuada,
a todos os níveis de curso, e mantém no próprio âmago daqueles que ela
exclui, simplesmente marginalizando-os nas ramificações mais ou menos
desvalorizadas. Esses “marginalizados por dentro” estão condenados a os-
cilar entre a adesão maravilhada à ilusão proposta e a resignação aos seus
veredictos, entre a submissão ansiosa e a revolta impotente (BOURDIEU,
1993, p. 485).
Considerando a citação e as abordagens sociológicas de Pierre Bourdieu
com relação ao contemporâneo processo de escolarização, assinale a al-
ternativa correta.
a) O melhor desempenho escolar de certas pessoas está ligado ao dom
natural para os estudos que é despertado logo no nascimento, pois
as aptidões intelectuais facilitam o aprendizado e permitem conseguir
notas mais altas.
b) Historicamente a escola tem sido uma instituição democrática que
respeita as diferenças econômicas, sociais e culturais da sociedade e
garante oportunidades iguais para as pessoas que se esforçam nos
estudos.
c) A escola cumpre uma função social importante, uma vez que ela con-
diciona os alunos a optar, por si mesmos, pelas escolhas de suas vidas,
superando assim as diferenças sociais alienantes.

412 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

d) Ao ocultar seu papel na legitimação e na reprodução dos saberes, dos


valores e das experiências dos grupos dominantes, a instituição esco-
lar esconde também os seus mecanismos “sutis” de exclusão dos gru-
pos marginalizados.
e) A baixa qualidade do ensino oferecido pelas escolas públicas no Brasil
está diretamente relacionada ao grande número de pessoas pobres
que ela inclui, pois a condição econômica determina o desempenho
escolar.

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) e

2) d

5. CONSIDERAÇÕES
Esta unidade apresentou aspectos básicos das Ciências So-
ciais na ótica de alguns autores do século 20: Horkheimer, Ador-
no e Bourdieu. Os dois primeiros compartilham uma abordagem
semelhante, sendo conhecidos como representantes da Teoria
Crítica. Já o terceiro diverge dessa abordagem, apresentando ou-
tros conceitos.
No entanto, o que todos esses autores têm em comum é
a maneira como se mantêm aptos no tratamento metodológico
das Ciências Sociais. É evidente que, em muitos momentos, todos
eles escreveram sobre filosofia, política, educação, antropologia
etc.; porém, ao abordar questões sociológicas, pesquisaram-nas
no âmbito próprio das Ciências Sociais. Por esse motivo, as con-
tribuições de Adorno, Horkheimer e Bourdieu são importantes:
não são palavras apenas de filósofos que prestam serviços às

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 413


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Ciências Sociais, mas de autores que, além de filósofos, também


são cientistas sociais.
Esperamos que a leitura desta unidade tenha contribuído
para alargar a sua formação sociológica, e também para desper-
tar o seu aprofundamento a partir da pesquisa de outros auto-
res, como Georg Simmel (1858-1919), Norbert Elias (1897-1990),
Charles Wright Mills (1916-1962), Nicos Poulantzas (1936-1979),
Jürgen Habermas (1929-), Jean Baudrillard (1929-2007), Zyg-
munt Bauman (1925-2017) entre outros. Fica o convite!

6. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Theodor Adorno. Disponível em: <https://www.escritas.org/pt/estante/
theodor-w-adorno>. Acesso em: 26 nov. 2019.
Figura 2 Max Horkheimer. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/biografias/
max-horkheimer.htm>. Acesso em: 15 out. 2018.
Figura 3 Pierre Bourdieu. Disponível em: <https://www.companhiadasletras.com.br/
autor.php?codigo=00054>. Acesso em: 27 nov. 2019.

Sites pesquisados
ANTUNES, D. C. De Frankfurt à Califórnia: há continuidade nas pesquisas empíricas
da Escola de Frankfurt entre 1929 e 1950? In: SEMINÁRIO DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM FILOSOFIA DA UFSCAR, 6., São Carlos, set. 2010. Anais… 2010. Disponível em:
<http://www.ufscar.br/~semppgfil/wp-content/uploads/2012/05/Deborah-Christina-
Antunes-De-Frankfurt-%C3%A0-Calif%C3%B3rnia-h%C3%A1-continuidade-nas-
pesquisas-emp%C3%ADricas-da-Escola-de-Frankfurt-entre-1929-e-1950.pdf>. Acesso
em: 26 set. 2019.
______. Por um conhecimento sincero no mundo falso: Teoria Crítica, pesquisa social
empírica e The authoritarian personality. Tese (Doutorado em Filosofia) – Centro de
Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2012.

414 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

Disponível em: <https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/4791/Retido.


pdf?sequence=1>. Acesso em: 27 nov. 2019.
ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO. Pierre Bourdieu e a educação. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=4O7TET2IGHs&t=10s>. Acesso em: 26 nov. 2019.
BARROS FILHO, C. Capital social; campo social, acadêmico e religioso. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Gh4GsAaDiH4>. Acesso em: 25 nov. 2019.
BOURDIEU, P. As Ciências Sociais e a Filosofia. Educação & Linguagem, ano 10, n. 16,
p. 19-36, jul./dez. 2007. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-
ims/index.php/EL/article/viewFile/124/134>. Acesso em: 27 nov. 2019.
______. Capital simbólico e classes sociais. Novos Estudos CEBRAP, n. 96, p. 105-115,
jul. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/nec/n96/a08n96.pdf>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
CANAL CURTA! Quem Foi Pierre Bourdieu? 2017. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=VbiA29A4mDk>. Acesso em: 26 nov. 2019.
CARVALHO, K. F. Os conceitos de habitus e campo na teoria de Pierre Bourdieu.
Cadernos de Campo: Revista de Ciências Sociais, Araraquara: Faculdade de Ciência
e Letras da Unesp, n. 9, p. 101-111, 2003. Disponível em: <https://periodicos.fclar.
unesp.br/cadernos/article/view/10510/6830>. Acesso em: 27 nov. 2019.
CATANI, A. M. A sociologia de Pierre Bourdieu (ou como um autor se torna indispensável
ao nosso regime de leituras). Educação & Sociedade, ano 23, n. 78, p. 57-75, abr. 2002.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v23n78/a05v2378.pdf>. Acesso em: 27
nov. 2019.
EQUIPE ORGONAUTAS. A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica: imagens de uma reflexão
viva. 2008. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0XfrUPWet68>.
Acesso em: 26 nov. 2019.
GONÇALVES, A. S. Do materialismo interdisciplinar à crítica à razão instrumental:
um estudo sobre o desenvolvimento da Filosofia de Max Horkheimer. Dissertação
(Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016.
Disponível em: <https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/18426/1/
MaterialismoInterdisciplinarCritica.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
HORKHEIMER, M. Teoria Crítica e marxismo. 1969. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=o-WWvteGCWM>. Acesso em: 26 nov. 2019.
MARANHÃO, C. M. S. A.; VILELA, J. R. P. X. Teoria Crítica e pesquisa empírica: um estudo
sobre Theodor Adorno. In: ENCONTRO DA ANPAD, 34., jan. 2010, Rio de Janeiro.
Anais… 2010. Disponível em: <http://www.anpad.org.br/admin/pdf/eor1044.pdf>.
Acesso em: 27 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 415


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

NOGUEIRA, C. M. M.; NOGUEIRA, M. A. A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu:


limites e contribuições. Educação & Sociedade, ano 23, n. 78, p. 15-36, abr. 2002.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v23n78/a03v2378>. Acesso em: 27 nov.
2019.
PEREIRA, E. A. T. O conceito de campo de Pierre Bourdieu: possibilidade de análise para
pesquisas em história da educação brasileira. Revista Linhas, Florianópolis, v. 16, n. 32,
p. 337-356, set./dez. 2015. Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/
linhas/article/viewFile/1984723816322015337/pdf_97>. Acesso em: 27 nov. 2019.
SILVA, F. M. S. P. Sobre a investigação social empírica: considerações iniciais baseadas no
pensamento de Adorno e Horkheimer. Inter-Ação: Revista da Faculdade de Educação
da UFG, v. 29, n. 1, p. 131-143, jan./jun. 2004. Disponível em: <https://www.revistas.
ufg.br/interacao/article/viewFile/1335/1371>. Acesso em: 27 nov. 2019.
THIRY-CHERQUES, H. R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. RAP – Revista de
Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 1, p. 27-55, jan./fev. 2006. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/rap/v40n1/v40n1a03.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
TV CULTURA. O marxismo da Teoria Crítica. Balanço do século XX, Fundadores
do pensamento, 2003. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=onA7KBpkh8U>. Acesso em: 26 nov. 2019.
UNIVESP. Capital cultural. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=a3eO6-
D4nHo>. Acesso em: 10 out. 2018.
UTV. Entrevista com Pierre Bourdieu. Pensamento contemporâneo, 2000. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=F2WXVTdfAOk&t=260s>. Acesso em: 26
nov. 2019.
VOIROL, O. Teoria Crítica e pesquisa social: da dialética à reconstrução. Trad. Bruno
Simões. Novos Estudos – Cebrap: Dossiê Teoria Crítica, n. 93, p. 81-99, jul. 2012.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/nec/n93/n93a07.pdf>. Acesso em: 27 nov.
2019.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, T. W. Experiências científicas nos Estados Unidos. In: ______. Palavras e
sinais: modelos críticos 2. Trad. Maria Helena Ruschel. Petrópolis: Vozes, 2005a. p.
137-178.
______. Introducción. In: ADORNO, T. W. et al. la disputa del positivismo en la sociología
alemana. Trad. Jacobo Muñoz. Barcelona: Grijalbo, 1973a. p. 11-80.

416 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

______. Notas marginais sobre teoria e práxis. In: ______. Palavras e sinais: modelos
críticos 2. Trad. Maria Helena Ruschel. Petrópolis: Vozes, 2005c. p. 202-229.
______. Research project on anti-semitism: idea of the project. Studies in Philosophy
and Social Science, Institute Social Research, New York, v. IX, n. 1, p. 124-143, 1941.
______. Research project on anti-semitism: idea of the project. In: ______. The stars
down to Earth, and other essays on the irrational in culture. New York: Routledge,
1994. p. 135-161.
______. Sobre la situación actual de la investigación social empírica en Alemania. In:
______. Epistemología y Ciencias Sociales. Trad. Vicente Gómez. Madrid: Frónesis
Ediciones Cátedra, 2001. p. 45-58.
______. Sobre sujeito e objeto. In: ______. Palavras e sinais: modelos críticos 2. Trad.
Maria Helena Ruschel. Petrópolis: Vozes, 2005b. p. 181-201.
______. Sociología e investigación empírica. In: ADORNO, T. W. et al. La disputa del
Positivismo en la Sociología alemana. Trad. Jacobo Muñoz. Barcelona: Grijalbo, 1973b.
p. 81-99.
ADORNO, T. W. et al. The authoritarian personality. New York: WW Norton, 1969.
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Trad. Guido Antônio de
Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Sociologia e investigação social empírica. In:
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Textos básicos de Sociologia. Trad. Álvaro Cabral.
São Paulo: Cultrix, 1978. p. 120-131.
ANTUNES, D. C. Por um conhecimento sincero no mundo falso: Teoria Crítica, pesquisa
social empírica e The Authoritarian Personality. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi
Vieira. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
BOURDIEU, P. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1998.
______. Coisas ditas. Trad. Cássia Silveira e Denise Pegorin. Revisão Técnica de Paula
Montero. São Paulo: Brasiliense, 1990.
______. Economia das trocas linguísticas. Trad. Paula Montero. In: ORTIZ, R. (org.).
Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983a. p. 156-183.
______. Escritos de educação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
______. O mercado linguístico. In: ______. Questões de Sociologia. Trad. Jeni Vaitsman.
Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983b. p. 95-107.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 417


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

______. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1989.
______. Questões de Sociologia. Trad. Jeni Vaitsman. Rio de Janeiro: Marco Zero,
1983c.
______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Trad. Marisa Corrêa. Campinas:
Papirus, 1997.
BOURDIEU, P. (Org.). A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1993,
CHAUÍ, M. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010.
CHOMSKY, N. Estruturas sintácticas. Trad. Madalena Cruz Ferreira. Lisboa: Edições 70,
1987.
DUARTE, R. À procura de uma indução especulativa: Filosofia e pesquisa empírica.
Psicologia & Sociedade, v. 13, n. 2, p. 34-48, jul./dez. 2001.
HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalidade
social. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012a. v. 1.
______. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. Trad. Flávio
Beno Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012b. v. 2.
______. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. Tradução de Luiz Sergio
Repa e Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
HORKHEIMER, M. A presente situação da Filosofia Social e as tarefas de Instituto de
Pesquisas Sociais. Trad. Carlos Eduardo Jordão e Isabel Maria Loureiro. Praga: Estudos
Marxistas, São Paulo, n. 7, p. 121-132, mar. 1999.
______. Autoridade e família. In: ______. Teoria Crítica: uma documentação. Trad.
Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2008h. p. 175-236.
______. Da discussão do Racionalismo na Filosofia Contemporânea. In: ______. Teoria
Crítica: uma documentação. Trad. Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2008f. p. 95-137.
______. Do problema da previsão nas Ciências Sociais. In: ______. Teoria Crítica: uma
documentação. Trad. Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2008e. p. 89-94.
______. Filosofia e Teoria Crítica. In: BENJAMIN, W. et al. Textos escolhidos. Trad.
Edgard Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha. São Paulo: Abril Cultural, 1975a. p.
163-169. (Os Pensadores).
______. História e Psicologia. In: ______. Teoria Crítica: uma documentação. Trad.
Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2008b. p. 13-29.

418 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 6 – AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO SÉCULO 20

______. La función social de la Filosofía. In: ______. Teoría Crítica. Trad. Edgardo Albizu
y Carlos Luis. Buenos Aires: Amorrortu, 2003. p. 272-289.
______. Materialismo e Metafísica. In: ______. Teoria Crítica: uma documentação.
Trad. Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2008c. p. 31-58.
______. Materialismo e moral. In: ______. Teoria Crítica: uma documentação. Trad.
Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2008d. p. 59-88.
______. Notes on Institute Activities. Studies in Philosophy and Social Science, Institute
Social Research, New York, v. IX, n. 1, p. 121-123, 1941.
______. Observações sobre ciência e crise. In: ______. Teoria Crítica: uma
documentação. Trad. Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2008a. p. 7-12.
______. Sobre o problema da verdade. In: ______. Teoria Crítica: uma documentação.
Trad. Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva, 2008g. p. 139-174.
______. Teoria tradicional e Teoria Crítica. In: BENJAMIN, W. et al. Textos escolhidos.
Trad. Edgard Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha. São Paulo: Abril Cultural,
1975b. p. 125-162. (Os Pensadores).
HORKHEIMER, M. et al. Studien über Autorität und Familie: Forschungsberichte aus
dem Institut für Sozialforschung. Lüneburg: Dietrich zu Klampen, 1987.
INSTITUTE OF SOCIAL RESEARCH. Antisemitism among american labor: report on a
research project conducted by the Institute of Social Research (Columbia University) in
1944-1945. Texto datilografado, não publicado, maio 1945. 4v.
JAY, M. La imaginación dialéctica: historia de la Escuela de Frankfurt y el Instituto
de Investigación Social (1923-1950). Versão castelhana por Juan Carlos Curutchet.
Madrid: Taurus, 1989.
______. The Frankfurt School in Exile. In: ______. Permanent exiles: essays on the
intellectual migration from Germany to America. New York: Columbia University Press,
1985. p. 31-33.
MACHADO, I. J. de R.; AMORIM, H.; BARROS, C. R. Sociologia Hoje. São Paulo: Ática,
2013.
PERRIN, A. J.; OLICK, J. K. Translator’s Introduction: before the public sphere. In:
POLLOCK, F. et al. Group experiment and other writings: the Frankfurt School on public
in Postwar Germany. Trad. Jeffrey K. Olick e Andrew J. Perrin. Cambridge/London:
Harvard University Press, 2011, pp. XV-XXXVIII.
POLLOCK, F. (Ed.). Gruppenexperiment: ein Studienbericht. Pref. Franz Böhm. Frankfurt
am Main: Europäische Verlagsanstalt, 1955.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 419


POLLOCK, F. et al. Group experiment and other writings: The Frankfurt School on public
opinion in postwar Germany. Trad. Andrew J. Perrin e Jeffrey K. Olick. Cambridge,
London: Harvard University Press, 2011.
SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. Organizado por Charles Bally e Albert
Sechehaye. Trad. Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo:
Cultrix, 2006.
WATTERSON, B. Os dias estão simplesmente lotados. São Paulo: Best News, 1995. v. 1.
WIGGERSHAUS, R. A Escola de Frankfurt: história, desenvolvimento teórico,
significação política. Trad. Lilyane Deroche-Gurgel e Vera de Azambuja Harvey. Rio de
Janeiro: Difel, 2002.
ZIEGE, E.-M. Antisemitismus und Gesellschaftstheorie: Die Frankfurter Schule im
amerikanischen Exil. Frankfurt: Suhrkamp, 2009.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7
A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Objetivos
• Compreender a formação do Estado brasileiro como episódio singular e
próprio à experiência da colonização portuguesa.
• Esclarecer dois equívocos que precisam ser evitados: a comparação da de-
mocracia brasileira com a democracia grega antiga e a comparação entre
as formações dos Estados brasileiro e europeu.
• Traçar algumas características do Estado patrimonialista.
• Apresentar alguns aspectos do patrimonialismo segundo Max Weber e au-
tores brasileiros.
• Promover uma reflexão sobre o processo de formação do Estado brasileiro
a partir de uma elite restrita.
• Conhecer aspectos relevantes da burocracia centralizadora do Estado
brasileiro.
• Apresentar o fenômeno da cooptação política, do coronelismo e outros
aspectos relacionados (voto de cabresto e mandonismo) presentes na his-
tória do Brasil.

Conteúdos
• Diferenças entre a democracia grega antiga e a moderna.
• Distinções entre a formação do Estado brasileiro e o modelo de Estado
europeu.
• Conceito de patrimonialismo e sua aplicação no Brasil.
• Função das elites na formação do Estado brasileiro.
• Cooptação política e coronelismo.
• Mandonismo e voto de cabresto.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 421


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações
a seguir:
1) Não se limite a ler apenas esta obra. Pesquise e busque, em sites, livros e
revistas, materiais complementares sobre os temas abordados.

2) Mantenha contato com seu tutor e não deixe as dúvidas comprometerem


o seu estudo. Consulte as referências bibliográficas no final de cada unida-
de e expanda o seu campo formativo.

3) Esta unidade apresenta diversos autores brasileiros. Para compreender


melhor o contexto de suas obras, torna-se fundamental ter noção da his-
tória do Brasil. Nesse sentido, consulte os vídeos sugeridos a seguir (e ou-
tros) para inteirar-se do assunto.

4) Para complementar seus estudos, recomendamos a leitura dos seguintes


livros: Os Bruzundangas (Lima Barreto), Minha vida de menina (Helena
Morley), São Bernardo (Graciliano Ramos), Suje-se gordo! (Machado de
Assis) e Fogo morto (José Lins do Rego).

5) No tocante à linguagem cinematográfica, sugerimos os seguintes filmes:


O Auto da Compadecida (Brasil, 2000), Mauá, o imperador e o rei (Brasil,
1999), Deus e o diabo na terra do Sol (Brasil, 1964), Guerra de Canudos
(Brasil, 1997), Abril despedaçado (Brasil, 2001), Baile perfumado (Brasil,
1996), São Bernardo (Brasil, 1972), Fogo morto (Brasil, 1976), Vida de me-
nina (Brasil, 2003).

6) Enfim, para o aprofundamento do tema, sugerimos os seguintes vídeos:

• JACKSON, A. M. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia


brasileira – parte 1. 2010. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=afIM8L-5_h0&t=21s>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• ______. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasi-
leira – parte 2. 2010. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=rflaiLqJNms>. Acesso em: 27 nov. 2019.

422 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

• TORQUATO, L. et al. Coronelismo e clientelismo. 2013. Disponível em: <htt-


ps://www.youtube.com/watch?v=FbHCcrvSs4w&t=171s>. Acesso em: 27
nov. 2019.
• LU LIVROS. Coronelismo Enxada e Voto – Victor Nunes Leal. 2017. Disponí-
vel em: <https://www.youtube.com/watch?v=pwqE1SKcWsE>. Acesso em:
27 nov. 2019.
• UNIVERSITÁRIO. Coronelismo. 2014. Disponível em: <https://www.youtu-
be.com/watch?v=oFjxluZ0-cg>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• TV CULTURA. ACM Neto. Cultura Retrô, 23 fev. 2012. Disponível em: <htt-
ps://www.youtube.com/watch?v=dGtUIoF3sCw&index=2&list=RDQM-
-Wkg2mbykds>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• ______. Coronelismo – Telecurso. Cultura Retrô, 23 fev. 2012. Dispo-
nível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CjcxVvPbfVo&start_
radio=1&list=RDQM-Wkg2mbykds>. Acesso em: 29 nov. 2019.
• RÁDIO UNISINOS. O patrimonialismo brasileiro (Bloco 1). Direito e Literatura,
2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2psviZrAkhI>.
Acesso em: 27 nov. 2019.
• ______. O patrimonialismo brasileiro (Bloco 2). Direito e Literatura, 2014.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ALAp9eg53mo>.
Acesso em: 27 nov. 2019.
• ______. O patrimonialismo brasileiro (Bloco 3). Direito e Literatura, 2014.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TYDJ4j4eQEI>. Aces-
so em: 27 nov. 2019.
• ______. O patrimonialismo brasileiro (Bloco 4). Direito e Literatura, 2014.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PbK9_KBmkJc>.
Acesso em: 27 nov. 2019.
• CANAL FUTURA. Patrimonialismo – André Botelho. Entrevista, 2016. Dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gA0u77bLIo0>. Acesso
em: 10 out. 2018.
• OAB – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Raymundo Faoro – diá-
logo pela democracia. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=gfgb4knxJXQ>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• VALENÇA, E. M. República Oligárquica Brasileira – 1894-1930. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=4v5j_v2mNlA&t=2s>. Acesso
em: 27 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 423


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

• ZANON, M. A. Revisão de texto – Capitulo 03 – Os donos do poder, Ray-


mundo Faoro. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=qbXBrg1eRq8>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• ______. Revisão de texto – Capitulo 04 – Os donos do poder, Ray-
mundo Faoro. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=mkQBvB8rty0>. Acesso em: 27 nov. 2019.
• ______. Revisão de texto – Capitulo 05 – Os donos do poder, Raymundo
Faoro. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OdGBy-
-1xw1M>. Acesso em: 27 nov. 2019.

424 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

1. INTRODUÇÃO
Uma das melhores maneiras de compreender a estrutura
nevrálgica de um determinado Estado é questionando no que
se baseia sua soberania política. No entanto, temos aqui um
dilema, pois, para isso, torna-se imprescindível lançar mão dos
processos histórico-sociais e políticos que de fato constituíram a
soberania daquele Estado.
Nesse sentido, o objetivo desta unidade é esclarecer o
complexo processo que formou o Estado brasileiro, cujo desen-
volvimento não foi claro, e ainda não o é para muitos brasilei-
ros, que, ao falar sobre o assunto, cometem frequentes e graves
equívocos que comprometem ou reduzem a singularidade políti-
ca do país a meros conjuntos de frases veiculadas. Nesse sentido,
a unidade tentará percorrer três etapas:
• Em primeiro lugar, procuraremos desmistificar dois
equívocos sobre a natureza do Estado brasileiro: a com-
paração da democracia brasileira com a democracia
grega antiga e a comparação do Estado brasileiro com
o europeu.
• Em segundo lugar, caracterizaremos o estilo burocrático
patrimonialista que se fez presente no processo de for-
mação do Estado brasileiro.
• Em terceiro lugar, abordaremos aspectos pontuais da
política brasileira, como a formação de elite restrita, bu-
rocracia centralizadora e cooptação política.
Bom estudo!

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 425


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú-
do Digital Integrador.

2.1. DUAS COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS SOBRE O UNIVER�


SO POLÍTICO BRASILEIRO

Neste primeiro momento, abordaremos duas questões


equivocadas a respeito da formação da Estado brasileiro, a sa-
ber: a comparação da democracia moderna ocidental e brasileira
como uma cópia da democracia grega antiga, e a concepção do
Estado brasileiro como extensão do processo de abstração do
Estado europeu.
Somente a partir da demolição destes dois equívocos po-
deremos, enfim, começar a compreender a formação do Estado
brasileiro como um processo singular, resultado das práticas de
poder e das opções políticas tomadas ao longo do tempo.

A equivalência entre a democracia moderna brasileira e a antiga


O primeiro e mais ingênuo de todos os equívocos é con-
siderar a política brasileira como uma extensão ou evolução li-
near do conceito de dignidade democrática da polis grega, re-
toricamente engrandecida em discursos ufanistas de palanque,
desprovidos de sentido, cujos efeitos agradam o senso comum,
mas tendem a descaracterizar a realidade política brasileira. No
entanto, o que pouco se comenta é que a distância entre políti-

426 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

ca brasileira e ideais democráticos da Antiguidade grega é muito


grande.
Dois pontos podem ser analisados para referenciar essa
distinção: o conceito de liberdade e a dependência do indivíduo
em relação à polis.

Sobre o conceito de liberdade


Benjamin Constant (1985), no texto “Da liberdade dos an-
tigos comparada à dos modernos”, discorre de modo objetivo
sobre as singularidades políticas de cada época. Sua tese é a de
que o conceito de liberdade greco-romano não é mais adequado
aos modelos de liberdade de seu tempo, isto é, da modernidade.
Segundo Constant, a liberdade dos antigos baseia-se no
exercício da soberania pública, igualmente distribuída entre to-
dos os cidadãos (homem público), que diretamente discutem e
decidem sobre o que é melhor ou não para a polis, com o obje-
tivo de assegurar o máximo possível o direito e a partilha do po-
der social. Já o conceito de liberdade para os modernos estaria
fundado na possibilidade de atuação do indivíduo de modo indi-
reto e representativo (homem particular), por meio de pessoas e
instituições reconhecidas e eleitas, dentro da esfera pública dos
mecanismos estatais, com o objetivo de garantir a propriedade e
as necessidades privadas:
O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre to-
dos os cidadãos de uma mesma pátria. Era isso o que eles de-
nominavam liberdade. O objetivo dos modernos é a segurança
dos privilégios privados; e eles chamam liberdade às garantias
concedidas pelas instituições a esses privilégios (CONSTANT,
1985, p. 15-16).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 427


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Dependência do indivíduo em relação à polis


A primeira diferença citada oferece margem para com-
preender a segunda: enquanto para a política moderna a ques-
tão da “representatividade política” é algo imprescindível, para
os antigos a política precisa ser o exercício direto do cidadão em
relação à polis, o que elimina, por sua vez, os representantes
intermediários.
De fato, o cidadão antigo jamais cogitaria a hipótese do
isolamento público; afastar-se do público era o mesmo que trair
o próprio sentido da natureza do indivíduo. Nas palavras de
Ruby, era o chamado “idiota”: “chamam de idiotés o cidadão so-
litário que não se envolve nos negócios da Cidade, dito também
indivíduo ‘isolado’, ‘insignificante’ (daí deriva ‘idiota’), incapaz de
oferecer alguma coisa aos outros e de deixar traços” (1998, p.
14). Hannah Arendt, na obra A condição humana, também faz
algumas afirmações a respeito:
Historicamente, é importante notar a diferença entre o despre-
zo com que, nas Cidades-estado gregas, eram vistas todas as
ocupações não-políticas resultantes do fato de que os cidadãos
dedicavam quase todo seu tempo e energia à polis, e o des-
prezo anterior, mais original e mais antigo pelas atividades que
serviam apenas à subsistência (ARENDT, 2007, p. 93).

Ou seja, na Antiguidade clássica, existiu uma radical de-


pendência do cidadão com relação à polis, uma vez que a parti-
cipação na vida pública era considerada o ápice do agrupamento
da vida privada. Na política moderna, pelo contrário, a política
da individualidade dos direitos implode as bases fundamentais
do ideal de coletividade clássica:
O que diferencia de modo radical a situação política da mo-
dernidade relativamente à polis grega é o surgimento da indi-
vidualidade moderna, determinante último da desaparição da

428 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

unidade imediata e transparente dos indivíduos com a vida co-


munitária (TORRES, 1989 p. 26).

Além disso, nada mais anacrônico do que tentar comparar


a formação democrática do Brasil às premissas da democracia
grega: o que se percebeu na formação histórica e política do Bra-
sil não foi uma soberania igualmente distribuída aos cidadãos
brasileiros, muito menos um esforço de descentralização dessa
mesma soberania.
Para Simon Schwartzman, na obra As bases do autorita-
rismo brasileiro, numa tentativa de analisar as ações políticas
patrimonialistas e autoritaristas, o aspecto básico da formação
política brasileira é exatamente a centralização do governo:
Efetivamente, o processo de centralização e crescimento do go-
verno central se dava em um contexto de conflitos e pressões
de todo tipo, e grande parte da história política do Brasil gira
exatamente em torno do tema centralização vs. descentraliza-
ção (SCHWARTZMAN, 1988, p. 71).

A equivalência entre Estado brasileiro e europeu


O segundo equívoco, de caráter mais técnico, é acreditar
que a política brasileira pode ser construída apenas com peças
retiradas do processo de formação do Estado moderno europeu.
Segundo Torres (1989), a noção de liberdade e representativida-
de política está diretamente vinculada ao processo de abstração
do Estado, que se formalizou definitivamente com o amadureci-
mento de três características básicas:
• Soberania: enquanto a formação da soberania do Es-
tado moderno se desenvolve do mais particular para
o mais abstrato, a soberania brasileira tende a se en-
carnar cada vez mais em elites específicas. Ou seja, o

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 429


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

desenvolvimento da ideia de soberania do Estado eu-


ropeu parte da ideia do Príncipe (Maquiavel), enquanto
representante pessoal do poder, até chegar ao Leviatã
(Hobbes), enquanto representante abstrato do poder.
Na política brasileira, a soberania sempre foi individua-
lizada. Na opinião de Carvalho, a pessoalidade da sobe-
rania política brasileira encontra-se na elite: “Os limites
de seu poder de decisão eram os limites do poder do
governo” (1996, p. 48).
• Despersonalização do poder: enquanto, na formação
do Estado europeu, a despersonalização do governan-
te é algo indiscutível. Segundo Kantorowicz (1998), a
noção dos “dois corpos do rei” (corpo natural e corpo
político) tornou-se um consenso na política moderna
europeia. Apesar de não ser possível a dissociação, uma
coisa é o rei enquanto pessoa, outra é a Coroa enquanto
a lei do reino (KANTOROWICZ, 1998). A autoridade não
está, portanto, na pessoa do rei, mas na Coroa que a
ele foi investida. Por isso, não cabe ao rei ter a posse da
Coroa, mas administrá-la.
• Já a formação do Estado brasileiro foi amplamente in-
fluenciada por processos de personalização, com a indi-
ferenciação entre “público” e “privado” sendo uma das
marcas mais constantes na história do Brasil, uma vez
que a posse do que é público parece ser uma necessida-
de política individual.
• Despatrimonialização do poder: enquanto a formação
do Estado europeu foi, aos poucos, assumindo um ca-
ráter não patrimonialista (burocrático-racional) a partir
das monarquias absolutistas, o Estado brasileiro foi in-
versamente formado sobre a base patrimonial. Segundo

430 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Torres (1989), as estruturas estatais despatrimonializa-


das se consolidaram no Estado europeu principalmente
nas áreas da justiça e das finanças públicas.
• No caso da justiça, o esforço de superar os julgamentos
parciais dos senhores feudais por meio de leis gerais foi
um dos progressos do Estado moderno europeu. Já no
caso das finanças públicas, a separação entre a receita
pessoal do rei e o cofre do reino oficializou definitiva-
mente a noção de Estado despatrimonializado (1989).
Para o Estado brasileiro, a distância entre cofres pes-
soais e públicos praticamente não existiu em seu pro-
cesso de formação.
Na charge da Figura 1, observa-se uma crítica do cartunista
Angeli ao fazer referência ao Leviatã de Hobbes, porém compos-
to não por cidadãos, mas por políticos corruptos:

Fonte: Angeli (2007).


Figura 1 Corrupção: a cara da besta.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 431


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

As leituras indicadas no Tópico 3. 1 tratam da singula-


ridade do Estado brasileiro, que necessita ser compreendido
a partir da experiência brasileira – e não em comparação a
padrões políticos de outros lugares e épocas. Neste momen-
to, você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema
abordado.

2.2. ESTADO BRASILEIRO PATRIMONIALISTA

Após várias delimitações ideológicas, pode-se traçar al-


gumas características da formação do Estado brasileiro. A ideia
defendida desde o começo da unidade é justamente a de que a
política brasileira possui um status singular, inimitável, decorren-
te de uma peculiar formação político-econômica, cultural e ideo-
lógica, própria da colonização ibero-americana, particularmente
a de matriz portuguesa.
Um dos aspectos relevantes para a análise da política bra-
sileira é a retomada da história da colonização portuguesa, ten-
tando perceber nela quais elementos são fundamentais para
a compreensão do processo de formação da política brasileira
imperial e republicana. De modo geral, para os autores que se
debruçaram sobre o assunto, a colonização portuguesa influen-
ciou diretamente o tipo de formação política e cidadã da então
colônia brasileira. Holanda, em seu Raízes do Brasil, afirma o
seguinte:
No caso brasileiro, a verdade, por menos sedutora que possa
parecer a alguns dos nossos patriotas, é que ainda nos associa à
península Ibérica, a Portugal especialmente, uma tradição lon-
ga e viva, bastante viva para nutrir, até hoje, uma alma comum,
a despeito de tudo o quanto nos separa. Podemos dizer que de

432 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

lá nos veio a forma atual da nossa cultura; o resto foi matéria


que se sujeitou mal ou bem a essa forma (HOLANDA, 2005, p.
40).

Schwartzman, tentando descrever as origens das ações


centralizadoras neopatrimonialistas herdadas de Portugal,
afirma:
O processo de ocupação espacial do Brasil deve ser visto a par-
tir do entendimento da própria história portuguesa, que parece
jamais ter apresentado a estrutura descentralizada característi-
ca do tipo europeu clássico de organização feudal (SCHWARTZ-
MAN, 1988, p. 40).

Faoro, por sua vez, buscando responder se de fato existe


ou não um pensamento político no Brasil, fala abertamente:
O pensamento político brasileiro, na sua origem, é o pensamen-
to político português. A colônia – a conquista, como se dizia
nos documentos oficiais – prolonga a metrópole, interiorizada,
geograficamente a partir de 1808, culturalmente em cada ato
político, desde a integração da primeira à última (FAORO, 1994,
p. 23).

Fernando Uricoechea, em seu O minotauro imperial, tem


uma posição semelhante:
Historicamente, as classes dominantes e as instituições polí-
ticas brasileiras têm uma textura e uma qualidade tão singu-
lares quanto a sociedade a que pertenceram. Esta sociedade
[portuguesa] ajudou a moldar sua identidade e essência e, ao
fazê-lo, deixou sua impressão no comportamento, organização
e cultura típico delas. Assim, a gênese delas não é fortuita mas
tem uma história longa, dilatada, secular, necessária: a história
colonial que precedeu o [período] monárquico do século XIX,
cujas raízes nativas remontam aos anos de 1520 (URICOECHEA,
1978, p. 23).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 433


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Enfim, a tese de que a colonização portuguesa alterou o


ideário político do Brasil pré-monárquico é um dado incontestá-
vel. No entanto, o que nem todos concordam é se essa influência
ajudou ou atrapalhou a formação política brasileira. Num extre-
mo, há opiniões que tentam observar aspectos positivos na colo-
nização portuguesa ibero-americana (Richard Morse); no outro
extremo, temos opiniões que julgam que a colonização portu-
guesa obscureceu os futuros promissores do Brasil (Raymundo
Faoro) e, por fim, num plano intermediário, em diferentes pro-
porções, opiniões que apontam tanto aspectos positivos como
negativos nesse processo (Vianna, Holanda, Uricoechea, Sch-
wartzman, Carvalho e outros).
Richard Morse, em seu Espelho de Próspero, tem como ob-
jetivo fazer uma análise diferenciada da história e situação da
colonização da América, confrontando a origem de dois mundos
ou de duas formações ideológicas distintas: a Ibero-América, de
origem espanhola e portuguesa, e a Anglo-América, de origem
predominantemente inglesa (MORSE, 1988).
Na opinião do autor, a colonização ibero-americana não
pode ser considerada atrasada, subjugada a uma condição de
inferioridade e dependência à Anglo-América. A tese de Morse
é justamente compreender que a Ibero-América e a Anglo-Amé-
rica tiveram fundações e colonizações diferentes e singulares,
em vista de determinadas opções e escolhas realizadas em sua
pré-história:
Leituras recentes de A Tempestade de Shakespeare sugerem
que Próspero não era um intelectual benevolente e sagaz, mas
sim o colonizador paranoico de uma ilha encantada, a quem
o dramaturgo teria profeticamente identificado na aurora e
na expansão europeia do ultramar. Seguindo essa interpreta-
ção, Próspero se torna, no meu ensaio, os “prósperos” Estados
Unidos. Resguardando-me, tanto quanto possível, do tom re-

434 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

criminatório que domina o “diálogo” norte-sul de ambos os la-


dos, pretendo considerar as Américas do Sul não como vítima,
paciente ou “problema”, mas como uma imagem especular na
qual a Anglo-América poderá reconhecer as suas próprias en-
fermidades e os seus “problemas”. É sabido que um espelho
dá uma imagem invertida. Embora as Américas do Norte e do
Sul se alimentem de fontes da civilização ocidental que são fa-
miliares a ambas, seus legados específicos correspondem a um
anverso e um reverso. Assim a metáfora do espelho parece-me
apropriada ao caso (MORSE, 1988, p. 13).

Dessa forma, não haveria motivos para se falar em inferio-


ridade ou atraso. Pelo contrário, no processo evolutivo da histó-
ria das duas colonizações, Morse afirma que, na pré-história do
Novo Mundo, a colonização ibero-americana estava num estágio
mais avançado do que o da anglo-americana:
a pré-história europeia, completamente achatada, torna-se
o pano de fundo para o importante século da colonização do
Novo Mundo, que revelou que a Espanha e Portugal estavam no
outono e a Inglaterra na primavera do poder mundial (MORSE,
1988, p. 21).

Já para Faoro (1994; 2001), a colonização portuguesa foi


responsável por transferir para a colônia as consequências de
suas opções políticas e econômicas que desembocaram num es-
trutural atraso para ambas as nações. Na obra Existe um pensa-
mento político brasileiro?, Faoro inicia sua reflexão tendo como
ponto de partida a Revolução da Dinastia de Avis (1385), que,
entre tantos elementos importantes, trouxe em seu bojo as raí-
zes da revolução burguesa, fundada na política marítima, “o ger-
me da descoberta do globo e da expansão do mercado” (FAORO,
1994, p. 19).
No entanto, Faoro observa a frustração de um projeto bur-
guês e renascentista, pós-Revolução de Avis, perante o tradicio-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 435


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

nalismo político que acabou predominando no reino e que, em


vez de incentivar uma revolução burguesa, optou em financiar
novas descobertas marítimas. A partir de então, Faoro passa a
descrever as escolhas políticas do pensamento português, que,
em seu processo de formação, tinha dois caminhos à sua frente:
um deles prescindiria da cultura marítima e o levaria ao “pensa-
mento moderno europeu”, de vertente industrial e burguesa; o
outro, o caminho do tradicionalismo político, que prescindiria da
cultura renascentista europeia e da burguesia local e o levaria
ao “reino cadaveroso”. O problema é que Portugal optou pelo
segundo caminho, sepultando de uma vez por todas o seu futuro
e o futuro do Brasil (FAORO, 1994, p. 24-25).
Com isso, segundo Faoro, o Reino de Portugal passou a se
isolar cada vez mais do restante da Europa em virtude de suas
escolhas políticas. Pelo fato de não ter constituído uma econo-
mia interna consistente, de iniciativa privada – que na verdade
foi constantemente barrada pelos interesses públicos da Coroa
–, Portugal começou a ter dificuldades financeiras a partir do
momento em que o negócio com as Índias entrou em crise. Para
agravar mais ainda a situação e decretar “a definitiva vitória do
reino cadaveroso”, o tradicionalismo político ganhou cada vez
mais força, barrando assim qualquer esforço humanista no reino
(FAORO, p. 1994, p. 28).
Na obra Os donos do poder, Faoro continua com seu tom
pessimista, afirmando que, após um curto momento de euforia,
promovida pela Revolução de Avis, aos poucos o progresso eco-
nômico foi se incrustando no reino. Ao ferir a iniciativa privada e
redimensionar uma burocracia estamental (e não racional-legal),
a Coroa acabou barrando o crescimento e a revolução industrial
burguesa no reino, formando um capitalismo nacional e patri-
monialista, que se voltou à subsistência da corte e não à circu-

436 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

lação do capital, fadado assim a agonizar ao longo dos próximos


séculos. Para o autor, nem o açúcar do Brasil, nem o ouro de Mi-
nas Gerais ou os escravos africanos poderiam salvar um sistema
econômico que já estava comprometido e fadado a fracassar em
suas bases. Confira um trecho significativo:
Esta realidade, impedindo a calculabilidade e a racionalidade,
tem efeito estabilizador sobre a economia. Dela, com seu ar-
bítrio e seu desperdício de consumo, não flui o capitalismo in-
dustrial, nem com este se compatibiliza. O capitalismo possível
será o politicamente orientado – a empresa do príncipe para
alegria da corte e do estado-maior de domínio que a aprisiona.
A indústria, a agricultura, a produção, a colonização será obra
do soberano, por ele orientada, evocada, estimulada, do alto,
em benefício nominal da nação. […] Todo o influxo externo, de
produção de bens ou de aquisição de técnicas, sofre o efeito
triturador e nacionalizador do estamento, que retarda a mo-
dernização do país. A árvore, submetida ao oxigênio viciado de
estufa, não perece; produz sempre os mesmos frutos, cada vez
mais pecos, sem polpa, amarelos. Enquanto o mundo corre o
seu destino, a Península Ibérica, mesmo túrgida com as colô-
nias americanas, para as quais transferirá sua herança política
e administrativa, esfria e se congela. A nobreza funcionária,
pobre de horizontes mais amplos, teimosamente empenhada
em viver o seu estilo de vida, amortalha-se nas roupas de con-
quista, mumifica-se com a própria carne. […] O mercantilismo,
que arrastara o Estado a mercadejar, devorava-se a si próprio,
comendo a cauda – impedindo o setor particular de florescer,
ele submete a fidalguia a uma perigosa dieta, entre a fome e
a morte. A crise, atingindo a nobreza, fere todo o reino, sobre
o qual ela incrusta suas unhas envenenadas. Nem o açúcar do
Brasil, nem o escravo africano, nem o ouro de Minas Gerais –
nada salvará este mundo, condenado à mansa agonia de mui-
tos séculos (FAORO, 2001, p. 96-97).

Com isso, fica claro para Faoro (2001) que, na história do


Brasil, houve a formação de uma herança estamental que aca-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 437


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

bou concentrando o poder nas mãos de uma minoria. Trata-se,


portanto, de uma herança encrustada, que se projetou numa ca-
mada institucional atrasada e numa elite aristocrática sem auto-
nomia. Logo, as nações e colônias que estiveram presas a esse
estamento congelado português foram impedidas de uma mo-
dernização adequada. E isso pelos seguintes motivos:
• porque o Estado brasileiro historicamente passou por
um tipo de modernização imposta do alto e pelos in-
teresses da minoria, que não têm noção do atraso que
estão atraindo para si (FAORO, 2001);
• porque o Estado brasileiro sempre optou por uma mo-
dernização alternativa e aquém daquela que redimen-
sionou as sociedades europeias nos séculos 18 e 19
(FAORO, 2001);
• porque o Estado brasileiro passou por uma moderni-
zação sem burguesia, ou seja, pelo viés da adaptação
de um Iluminismo pombalino ausente de luzes liberais,
para assim promover um projeto de progresso amorfo
e sepultado nos ideais estéreis de um patrimonialismo
absolutista (FAORO, 2001).

438 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Figura 2 Os donos do poder.

Vianna (1987), Uricoechea (1978) e Schwartzman (1988)


também demonstram reflexões interessantes sobre esse aspec-
to, que, em geral e guardadas as devidas proporções, acabam
afirmando a existência de uma espécie de hibridismo como re-
sultado da síntese de elementos racionais e tradicionais, decor-
rentes da colonização portuguesa e do processo de formação da
política brasileira.
Segundo Vianna (1987), a colonização portuguesa legou
para o Brasil uma combinação de patriarcalismo, não tão iden-
tificado nos aspectos urbanos da metrópole, e sim de cunho ru-
ralista, porém despótico, que transformou a estável e potencial

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 439


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

hierarquia feudal numa forma de feudalismo mal-acabado, re-


mendado, cujas consequências mais marcantes foram a crença
na onipotência do Estado, a ausência de uma consciência nacio-
nal, a criação de clãs e a cultura da patronagem e do clientelismo:
Eis aí a particularidade nossa, a particularidade da nossa orga-
nização social: todas essas classes rurais, que vemos, no ponto
de vista dos interesses econômicos, separadas, desarticuladas,
pulverizadas, integram-se na mais íntima independência, para
os efeitos políticos. O que nem o meio físico, nem o meio eco-
nômico podem criar de uma forma estável, à semelhança do
que acontece no Ocidente, cria-o a patronagem política, a soli-
dariedade entre as classes inferiores e a nobreza rural (VIANNA,
1987, p. 144).

Fernando Uricoechea, na obra O minotauro imperial, tam-


bém afirma uma ideia semelhante, ao defender a tese do hibri-
dismo político do Estado brasileiro: a grande peculiaridade da
formação política do Brasil, na realidade, é ter conseguido fun-
dir, no seu processo de formação, tanto elementos modernos
e, ao mesmo tempo, formas de governo tradicionais, por meio
de cooptações administrativas com o poder local (URICOECHEA,
1978).
Noutras palavras, a política brasileira adaptou o legado bu-
rocrático português a elementos próprios da administração lo-
cal, constituindo, assim, uma formação híbrida própria, tal qual
a figura mítica do Minotauro – metade homem, metade quadrú-
pede. Com isso, tendo como base teórica Max Weber, Uricoe-
chea afirma que esse processo conteria o surgimento de uma
“burocracia patrimonial”:
Ao final da era colonial, o estado brasileiro, num modo tipica-
mente patrimonial, exibia uma combinação de, por um lado,
uma autoridade altamente centralizada em cujo topo estava o
monarca português e as camadas mais elevadas, burocratiza-

440 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

das, da administração real, e, de outro lado, um poder altamen-


te descentralizado, monopolizado pelos senhores da terra na
sua capacidade de autoridades delegatórias de funções patri-
moniais (URICOECHEA, 1978, p. 49).

Para Uricoechea, essa ideia de burocracia patrimonial con-


segue representar a formação política brasileira de forma mais
adequada do que os conceitos de “estamento burocrático”, de
Raymundo Faoro, e de “clã”, de Oliveira Vianna. O próprio We-
ber, no texto “A psicologia social das religiões sociais”, admite
que, em determinados contextos, há sim a possibilidade de um
hibridismo racional-tradicional:
Seremos forçados, repetidamente, a criar expressões como ‘bu-
rocracia patrimonial’ para deixar bem claro que os traços carac-
terísticos do respectivo fenômeno pertencem em parte à forma
racional de domínio, ao passo que outros traços pertencem à
forma tradicionalista de domínio, neste caso à dos estamentos
(WEBER, 1982b, p. 344)

Já as considerações de Schwartzman, em seu livro As bases


do autoritarismo brasileiro, têm como ponto de partida a tese
levantada por Raymundo Faoro, procurando entender a forma-
ção histórica do Brasil a partir de uma polarização estrutural e
política, na qual há, de um lado, a existência do Estado patrimo-
nial e de sua burocracia estatal asfixiante e, de outro, a socie-
dade civil coagida, dominada e intimidada pela máquina estatal
centralizadora:
É pela perspectiva weberiana que podemos ver que o Estado
brasileiro tem como característica histórica predominante sua
dimensão neopatrimonial, que é uma forma de dominação
política gerada no processo de transição para a modernidade
com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma
sociedade civil […] fraca e pouco articulada. […] Não se trata de
afirmar que, no Brasil, o Estado é tudo e a sociedade nada. O
que se trata é de entender os padrões de relacionamento entre

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 441


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Estado e sociedade, que no Brasil tem se caracterizado, através


dos séculos, por uma burocracia estatal pesada, todo-podero-
sa, mas ineficiente e pouco ágil, e uma sociedade acovardada,
submetida, mas, por isto mesmo, fugidia e frequentemente re-
belde (SCHWARTZMAN, 1988, p. 14).

Segundo o autor, esse padrão de predomínio do Estado fez


com que se estabelecessem historicamente duas características
predominantes:
• com base na ideia de “estamentos burocráticos” de Fao-
ro, o Estado ganha um status de sistema burocrático e
administrativo, chamado de neopatrimonialista (SCH-
WARTZMAN, 1988, p. 14);
• a partir do momento em que se moderniza essa estru-
tura burocrática estamental, surge então uma segunda
característica: o despotismo burocrático (SCHWARTZ-
MAN, 1988, p. 14).
O grande objetivo de Schwartzman é tentar justamente fa-
zer uma reflexão sobre a ideia de Estado neopatrimonial da atua-
lidade, levando em consideração todo seu aparato burocrático e
poder centralizador:
O objetivo […] é discutir essas questões em nível conceitual,
para aplainar o caminho à análise posterior. Nele, chegaremos
à conclusão de que a análise política contemporânea deve recu-
perar o conceito de patrimonialismo, que, embora utilizado por
Max Weber sobretudo para se referir a sociedades tradicionais
de determinado tipo, parece-nos de grande atualidade e impor-
tância. A expressão “neopatrimonialismo” talvez seja adequa-
da para aplicar-se ao sentido atual do conceito, como veremos
mais adiante (SCHWARTZMAN, 1988, p. 53).

Schwartzman apresenta o conceito de patrimonialismo


partindo da concepção weberiana: “O termo ‘patrimonialismo’ –

442 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

um conceito fundamental na sociologia de Max Weber – é usado


para se referir a formas de dominação política em que não exis-
tem divisões nítidas entre as esferas de atividade pública e pri-
vada” (1988, p. 57). Dessa maneira, para o autor, o conceito de
Estado Patrimonial define-se como aquele que procura dominar
todos os setores civis da sociedade como se fossem extensões
estatais, centralizando, assim, suas ações e impedindo, com isso,
o aparecimento de forças autônomas.
No entanto, adverte Schwartzman, apesar de semelhan-
tes, não se pode confundir patrimonialismo com feudalismo.
Nesse sentido, duas diferenças se apresentam: primeiro, a maior
concentração do poder discricionário que se faz presente nos sis-
temas patrimoniais; e segundo, o vínculo de dependência que
se cria com a dominação patriarcal e patrimonial (dependência
radical essa que não se observa entre rei e senhores feudais):
É precisamente neste sentido que os estados modernos que
se formaram à margem da revolução burguesa podem ser
considerados patrimoniais. Este patrimonialismo moderno, ou
neopatrimonialismo, não é simplesmente uma forma de sobre-
vivência de estruturas tradicionais em sociedades contemporâ-
neas, mas uma forma bastante atual de dominação política por
um estrato social sem propriedades e que não tem honra social
por mérito próprio, ou seja, pela burocracia e a chamada classe
política (SCHWARTZMAN, 1988, p. 59).

Portanto, ao falar de patrimonialismo moderno, o autor


substitui o seu caráter tradicional e medievo por uma caracteri-
zação burocrático-legal-racional, própria de uma sociedade que
aderiu apenas em partes ao processo de formação dos Estados
modernos. Ou seja, em tais sociedades, como a brasileira, a re-
lação de poder ainda continua sendo absoluta e patrimonialista,
porém agora sintetizada nos padrões burocráticos das socieda-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 443


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

des europeias. Mais uma vez, observa-se um hibridismo decor-


rente da colonização portuguesa:
Parece razoavelmente claro […] que o patrimonialismo do tipo
europeu ocidental, no período dos regimes absolutistas, era
bastante diferente das outras versões. A principal diferença
consiste no fato de que o patrimonialismo europeu ocidental
se apoiava no surgimento da burguesia, no final do processo,
o sistema de dominação legal, herdeiro dos regimes absolutis-
tas, era fortemente contratual e bem apropriado ao capitalismo
moderno. […] Esses Estados [brasileiros] são, é certo, capazes
de se modernizar e racionalizar sua burocracia, mas sua base de
poder e seus sistemas políticos serão, necessariamente, bem
diferentes dos das democracias ocidentais (SCHWARTZMAN,
1988, p. 64-65).

Com isso, fica evidente a impossibilidade de compreensão


do Estado brasileiro a partir de matrizes europeias e modernas,
tipicamente de vertente inglesa ou francesa. A revolução política
pela qual passou o Brasil, apesar das características burocráticas
presentes em sua formação patrimonialista, não consegue tra-
duzir nem uma formação estatal feudalista, nem uma formação
estatal abstrata racional-legal:
Como, no entanto, o Estado de hoje não é a mesma coisa do
que o Estado do século XVIII, da mesma forma que o Estado
brasileiro é profundamente distinto do Estado francês, ou so-
viético, torna-se necessário deixar de lado essa tradição do
pensamento liberal e partir para uma perspectiva que tome em
conta essas variações (SCHWARTZMAN, 1988, p. 59).

O que há no ideário político brasileiro é uma formação


amalgamada de características maquiavélicas, inerentes a um
Leviatã soberano sem pacto, personalizado até as últimas conse-
quências e bem focado nos interesses burocráticos que melhor
representam os interesses de uma pequena elite privilegiada da

444 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

sociedade, que jura, acima de tudo, estar preocupada com a mo-


dernização do país.
As leituras indicadas no Tópico 3. 2 tratam das caracte-
rísticas do patrimonialismo na formação do Estado brasileiro.
Neste momento, você deve realizar essas leituras para apro-
fundar o tema abordado.

2.3. ASPECTOS PONTUAIS DO ESTADO BRASILEIRO: FORMA�


ÇÃO DE UMA ELITE RESTRITA, DE UMA BUROCRACIA CEN�
TRALIZADORA E DE UMA COOPTAÇÃO POLÍTICA

O objetivo aqui não é comparar matrizes políticas euro-


peias e brasileiras, pois, como diz Morse (1988), o que se deve
promover é a singularidade das escolhas políticas (ibero-ame-
ricana e anglo-americana) e não a sua hierarquização ou con-
fronto. Dessa maneira, com o intuito de melhor compreender
a singularidade política brasileira, algumas correlações serão
realizadas.
Foram apresentadas anteriormente quatro características
do processo de formação do Estado moderno europeu: a sobe-
rania, a burocracia racional-legal, a despersonalização e a des-
patrimonialização. Levando em consideração esses elementos,
é possível encontrar alguns aspectos esclarecedores do contexto
político brasileiro.
Com relação ao primeiro aspecto, não há dúvida alguma de
que o Estado brasileiro é soberano. E qual seria então a diferen-
ça? O contraste ideológico com o modelo de soberania veiculado
na Europa reside justamente no caráter pessoal e passional das
lideranças que assumem os cargos soberanos. A ideia de sobera-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 445


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

nia como algo público despersonalizado, em caráter de investi-


dura, que faz dos governantes apenas representantes e adminis-
tradores do poder, e não os seus donos, durante muito tempo foi
mal compreendido na política brasileira: “O poder – a soberania
nominalmente popular – tem donos, que não emanam da nação,
da sociedade, da plebe ignara e pobre” (FAORO, 2001, p. 379).
Pode-se dizer que a soberania política brasileira está muito
mais próxima da autoridade do Príncipe de Maquiavel, que reduz
ao governante a autoridade que deveria ser impessoal, do que
da soberania do Leviatã, que abstrai a personificação natural,
particular e pessoal e a torna artificial, universal e impessoal.
Segundo Carvalho (1996), a soberania representativa do
Brasil, em especial no período imperial, ficou reduzida a um clu-
be de elite que, durante muito tempo, manteve o poder em suas
mãos. Para o autor, a circulação por cargos era uma forma de
manter o poder do “clube” nas mãos das mesmas pessoas e, com
isso, não correr o risco de fragmentar os ideais políticos do Esta-
do imperial:
Para se ter uma ideia da seletividade do clube e da mobilidade
interna, basta dizer que durante os 67 anos que durou o Impé-
rio elegeram-se 235 senadores e foram nomeados 219 minis-
tros e 72 conselheiros de Estado (contando apenas o segundo
Conselho), num total de 526 posições, que foram preenchidas
por apenas 342 pessoas (CARVALHO, 1996, p. 112).

Segundo Carvalho, o itinerário daquele que aspirava à car-


reira política imperial tinha como ponto de partida o diploma em
cursos superiores, de preferência Direito. Assim, com a titulação
adequada, o apoio da família, e a indicação de um patrono de
destaque no cenário nacional ou provincial, aos poucos o indiví-
duo ia progredindo no cenário político imperial.

446 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

O fato é que a carreira política da elite imperial não era


fácil, mas, uma vez dentro do clube, era também muito difícil
sair dele (CARVALHO, 1996). Com isso, o que o autor percebeu
foi um projeto de formação de uma elite restrita, cuja soberania
pudesse estar nas mãos de poucos e, se possível, dos mesmos,
em consonância com a velha tática centralizadora da coloniza-
ção portuguesa, privilegiar o centro e abafar a autonomia das
periferias:
Os dados apresentados sobre educação, ocupação e carreira
política permitem-nos concluir que existiu no Brasil um gru-
po especial de políticos distinto do que se formou nos outros
países da América Latina. A especificidade desse grupo muito
provavelmente não era devida à origem social. Ela se prendia
à socialização e treinamento deliberadamente introduzidos
para garantir determinada concepção de Estado e capacidade
de governo. Tanto liberais como conservadores, nos períodos
turbulentos de consolidação do poder, quando várias alternati-
vas se colocavam como viáveis politicamente, concordavam em
alguns pontos básicos referentes à manutenção da unidade do
país, à condenação de governos militares de estilo caudilhesco
e absolutista, à defesa do sistema representativo, à manuten-
ção da monarquia e, sem dúvida, também à necessidade de
preservar a escravidão (CARVALHO, 1996, p. 124).

No tocante a burocracia, despersonalização e despatri-


monialização do poder, não poderia haver elemento mais im-
pactante para entender essas questões do que lançar mão dos
processos estratégicos do Estado patrimonial: a cooptação, o
clientelismo, o coronelismo e o mandonismo. Trata-se de proces-
sos de vertente amplamente patrimonial, que, como o próprio
nome já diz, ao contrário do processo de despatrimonialização
e despersonalização, tende a confundir ou a não separar rigoro-
samente as esferas de atividades públicas e privadas. Com isso,
a ideia da formação de um Estado abstrato fica comprometida,

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 447


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

pois boa parte dos esforços burocráticos da administração esta-


tal passava pelo viés dos interesses pessoais.
Schwartzman, para falar da cooptação e do clientelismo,
faz alguns comentários sobre as contradições estruturais e bu-
rocráticas do Estado patrimonial moderno: a estrutura patrimo-
nial moderna, pelo fato de ser também amplamente burocrática,
tende a crescer; no entanto, ao crescer e se tornar mais comple-
xa, tende a se subdividir, tornando-se assim uma ameaça cons-
tante para o poder central e seu caráter autoritarista:
À medida que cresce o domínio patrimonial, também cresce
a necessidade de se delegar poderes e autoridade, ao mesmo
tempo que se reduz a factibilidade do controle central. Além
disso, os mantenedores da delegação patrimonial tendem a re-
ceber seus postos como prebendas políticas e a usá-los como
propriedade particular (SCHWARTZMAN, 1988, p. 63-64).

Logo, como já apresentado, a forma de o Estado neopatri-


monial evitar essa subdivisão e uma eventual descentralização
de sua autoridade é a cooptação política, um recurso estratégico
que, por meio de favores, prestações de serviços, empregos etc.,
visa anular possíveis forças autônomas ou até impedir que elas
se afirmem perante o poder central:
No caso brasileiro, a coexistência de um Estado com fortes ca-
racterísticas neopatrimoniais levou, no passado, à tentativa de
organização da sociedade em termos corporativos tradicionais,
criando uma estrutura legal de enquadramento e represen-
tação de classes que perdura até hoje. Ao mesmo tempo, no
entanto, o mercado se expandia, a sociedade se tornava mais
complexa, e formas autônomas de organização e participação
política eram criadas. O termo “cooptação política”, utilizado
neste livro, busca captar o tipo de relacionamento entre estes
dois sistemas de participação, ou seja, o processo pelo qual o
Estado tratava, e ainda trata, de submeter à sua tutela formas
autônomas de participação (SCHWARTZMAN, 1988, p. 67).

448 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Como exemplos históricos de cooptação, Schwartzman cita


os casos do Ministério do Trabalho, do Sistema Previdenciário e
do PTB: “uma parte importante do sistema de cooptação criado
a partir do regime Vargas foi o Ministério do Trabalho e o siste-
ma previdenciário, mais tarde transformados em capital político
do Partido Trabalhista Brasileiro” (SCHWARTZMAN, 1988, p. 67).
Com isso, fica evidente para o autor a existência de um Estado
forte e soberano, centralizador, patrimonialista, cerceador das
autonomias populares, cuja estratégia é acordo cooptativo entre
a burocracia administrativa e as lideranças locais:
A existência de Estado forte centralizado e de tipo patrimonial
impediu a emergência de grupos políticos autônomos, não
permitiu o estabelecimento de mecanismos de disputa política
através de negociações diretas e estimulou a criação de rela-
ções de dependência entre o Estado central e os diversos gru-
pos sociais, cada qual buscando seus privilégios especiais em
um contexto de dependência e subordinação (SCHWARTZMAN,
1988, p. 67-68).

Carvalho segue um itinerário semelhante a Schwartzman


ao tentar apresentar a cooptação política como forma de ma-
nutenção da burocracia e centralização do poder. Apesar de
patrimonial, o Estado brasileiro imperial possuía uma estrutura
burocrática muito complexa. Aliás, para Carvalho, a burocracia
era a forma mais legítima da vocação das elites imperiais: a elite
política imperial tinha um relacionamento tão estreito com a bu-
rocracia estatal, que
Joaquim Nabuco desenvolve o argumento de que a escravidão,
ao fechar alternativas econômicas para grande parte da popu-
lação livre, fazia com que o funcionalismo público se tornasse a
vocação de todos (CARVALHO, 1996, p. 129).

Isso quer dizer que só tinha perspectiva de futuro aquele


que adentrasse na burocracia estatal.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 449


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Na observação de Carvalho, o corpo burocrático da elite


imperial poderia ser compreendido de dois modos: verticalmen-
te (por estratificação de funções) e horizontalmente (por estra-
tificação salarial, hierárquica e social). Tanto no caso da estra-
tificação vertical como na horizontal, Carvalho apresenta uma
divisão por setores: o civil, o eclesiástico e o militar. Cada setor
possui uma estratificação própria, que depende do grau de pro-
fissionalização e do grau da natureza política das atribuições do
indivíduo.
Para melhor compreender essa estratificação interna de
cada setor, Carvalho organiza níveis hierárquicos distintos para o
corpo burocrático: burocracia política, burocracia diretorial, bu-
rocracia auxiliar e burocracia proletária. As conclusões do autor
são as seguintes:
• alguns setores, como o militar, o judiciário (parte do
civil) e eclesiástico, conseguiram maior unidade insti-
tucional, fornecendo, portanto, mais membros à elite
política;
• quanto mais se desce nos níveis da burocracia, menor
é o salário;
• quanto mais se sobe nos níveis da burocracia, menor é a
quantidade de pessoas nos cargos – ou seja, poucos ga-
nham muito e muitos ganham pouco (CARVALHO, 1996,
p. 130-133).
No entanto, para Carvalho, a divisão burocrática também
poderia acontecer ocorrer em níveis geográficos: central, pro-
vincial e local. Para melhor compreender como acontecia esse
processo, o autor analisa as burocracias que giravam em torno
de três funções básicas do Estado: controle (realizado pelos apa-
relhos judicial, policial e militar), extração de recursos (realizada

450 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

pelo Ministério da Fazenda) e distribuição dos recursos (realiza-


da Ministério do Império e da Agricultura e Obras Públicas). O
autor chamou o primeiro tipo de ação de burocracia coercitiva, o
segundo de burocracia extrativa e o terceiro de burocracia distri-
butiva (CARVALHO, 1996, p. 134-136).
Analisando esse processo burocrático, Carvalho percebeu
uma espécie de acúmulo excessivo no nível nacional da burocra-
cia distributiva, porém praticamente nenhum cargo representa-
tivo no nível local. Com a ausência de um poder executivo mu-
nicipal independente do legislativo, a ação distributiva ficava na
dependência da iniciativa dos líderes locais. Isso mostra o quanto
o sistema político brasileiro (ao contrário do governo americano)
depende da centralização do funcionalismo público:
As afirmações de Uruguai têm validade plena no que se refe-
re às tarefas distributivas ligadas ao desenvolvimento social, à
promoção da educação e da saúde, e do desenvolvimento eco-
nômico, como a construção de obras públicas, a assistência téc-
nica e creditícia, etc. Para tais tarefas, a ação do governo cen-
tral parava nas capitais das províncias, com as únicas exceções
dos serviços de correios e das incipientes estradas de ferro. Os
únicos agentes do governo central no nível local eram os pá-
rocos que, no entanto, se limitavam às tarefas de registro de
nascimentos, casamentos e óbitos. A ação dos párocos era mais
importante na área política-eleitoral do que na administrativa.
Os próprios municípios, aliás, não possuíam um Executivo inde-
pendente do Legislativo. Daí ficar a ação distributiva na depen-
dência da iniciativa dos poderosos locais (CARVALHO, 1996, p.
138).

Carvalho fala, então, dos compromissos e cooptações que


o Estado brasileiro se via forçado a fazer com os poderosos locais,
para manter essa estrutura burocrática complexa do nacional ao
local. Para tanto, faz referência a Weber, mais especificamente
aos tipos de administração que o autor chamou de “litúrgicos”:

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 451


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

“na ausência de suficiente capacidade controladora própria, os


governos recorriam ao serviço gratuito de indivíduos ou grupos,
em geral proprietários rurais, em troca da confirmação ou con-
cessão de privilégios” (CARVALHO, 1996, p. 142). Em consonân-
cia com Uricoechea (1978), Carvalho (1996) cita o exemplo da
Guarda Nacional e a nomeação de inspetores e delegados de po-
lícia em troca de apoio político.
Uma argumentação clássica com relação à cooptação e ao
clientelismo é realizada por Victor Nunes Leal, ao apresentar os
conceitos de coronelismo e mandonismo.
Segundo Leal (1975), o termo “coronelismo” vem da ex-
tinta Guarda Nacional do Império que lutou nas Guerras do Pa-
raguai (1851) e Uruguai (1870) e, com a Proclamação da Repú-
blica, foi abolida durante a República Velha. A Guarda Nacional
era comum em toda cidade, e o posto de coronel era dedicado
ao chefe político do município, que poderia ser algum rico fazen-
deiro ou comerciante. Com o tempo, mesmo após a extinção da
Guarda Imperial (1922), o termo “coronel” ainda continuou sen-
do usado para designar aquele indivíduo poderoso que coordena
e manda na política da cidade.
Em sua obra Coronelismo, enxada e voto, Leal tenta com-
preender e expor a relação existente entre o regime político
representativo e as lideranças locais, cooptadas por privilégios
políticos em troca de eleitores locais. Para Leal, o coronelismo
é basicamente a troca de favores entre poder público e chefes
locais, cuja referência primeira é prestar serviços para a política
local dos coronéis em troca de seus eleitores cativos:
Por isso mesmo, o “coronelismo” é sobretudo um compromis-
so, uma troca de proveitos entre o poder público, progressiva-
mente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes
locais, notadamente dos senhores da terra. Não é possível,

452 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

pois, compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutu-


ra agrária, que fornece base de sustentação das manifestações
do poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil (LEAL,
1975, p. 20).

O aspecto fundamental que predomina na figura do “co-


ronel” é o da liderança. Entra aqui um aspecto até então não
falado: o eleitorado de cabresto.
Nesse contexto, o coronel é aquele que garante a votação
e a eleição dos seus candidatos protegidos (voto de cabresto),
os quais, por sua vez, têm a função de apoiar os interesses do
coronel no poder central, recebendo, assim, dos seus candidatos
eleitos cargos, novas cooptações, verbas, melhorias locais, como
estradas, escolas, obras públicas etc. Quanto maior é o lote de
votos de cabresto, isto é, quanto maior é o grupo de eleitores
que o coronel domina, maior é o seu prestígio político no poder
central:
Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento
primário desse tipo de liderança é o “coronel”, que comanda
discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto.
A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroa-
mento de sua privilegiada situação econômica e social de dono
de terras (LEAL, 1975, p. 23).

O coronel é muito mais do que um simples representante


político; ele é a figura paternalista e patrimonialista da liderança
local: por meio de serviços assistenciais (remédios, alimentação,
trabalho etc.), ele faz a mediação com o poder público central
(que se encontra ausente), atuando assim como autoridade e
conselheiro local. Portanto, não obedecer às ordens do coronel
é perder a segurança de todos os benefícios que ele traz para a
cidade: “Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdição sobre seus
dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às ve-

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 453


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

zes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam”


(LEAL, 1975, p. 23).
A figura do coronel é de extrema importância para a popu-
lação pobre e ignorante dos seus direitos políticos; o sertanejo
tem medo de cogitar a hipótese da falta do coronel – afinal, tudo
depende dele. Para quem nada tem, receber inúmeros benefí-
cios públicos faz dele um herói:
A escola, a estrada, o correio, o telégrafo, a ferrovia, a igreja,
o posto de saúde, o hospital, o clube, o campo de foot-ball, a
linha de tiro, a luz elétrica, e rede de esgotos, a água encanada
– tudo exige o seu esforço, às vezes um penoso esforço que che-
ga ao heroísmo. É com essas realizações de utilidade pública,
algumas das quais dependem só do seu empenho e prestígio
político, enquanto outras podem requerer contribuições pes-
soais suas e dos seus amigos, é com elas que, em grande parte,
o chefe municipal constrói ou conserva sua liderança política
(LEAL, 1975, p. 37).

Outro elemento de grande destaque no coronelismo são


“os favores pessoais de toda ordem”, que refletem justamente
a incapacidade administrativa do município, pois grande parte
desses favores se concretizava em indicações de cargos públicos.
Dessa forma, o apoio político do coronel é um fato crucial tanto
para ganhar uma eleição, como para perseguir os adversários e
inimigos da oposição, relações essas que raramente eram cor-
diais e amigáveis: “a outra face do filhotismo é o mandonismo,
que se manifesta na perseguição aos adversários: ‘para os ami-
gos pão, para os inimigos pau’” (LEAL, 1975, p. 39).
O compromisso da palavra com o coronel é regra geral: “a
regra é ser honrado o compromisso que no município se firma
de homem para homem, e a quebra de sua palavra repugna tan-

454 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

to ao chefe local quanto o exaspera a traição de companheiros”


(LEAL, 1975, p. 41).
O fato é que a ausência do poder público no município au-
menta cada vez mais o poder do coronel, haja vista que é ele
quem faz o papel de mediador com os poderes públicos. Além
disso, a ausência de grupos políticos que representem os interes-
ses dos trabalhadores deixa para o coronel a responsabilidade de
coletar os votos:
a rarefação do poder público em nosso país contribui muito
para preservar a ascendência dos “coronéis”, já que, por esse
motivo, estão em condições de exercer, extraoficialmente,
grande número de funções do Estado em relação aos seus de-
pendentes (LEAL, 1975, p. 42).

Há uma espécie de reciprocidade entre coronel e poder


público, um elemento precisa do outro: o coronel oferece votos
aos candidatos eleitos e os políticos eleitos oferecem empregos,
obras, benefícios públicos ao coronel. Se o coronel não tem vo-
tos para oferecer, o governo não retribui os favores; se o gover-
no não retribui os favores, o coronel não tem como manter seu
prestígio e, consequentemente, a sua quantidade de votos:
É claro, portanto, que os dois aspectos – o prestígio próprio dos
“coronéis” e o prestígio de empréstimos que o poder público
lhe outorga – são mutuamente dependentes e funcionam ao
mesmo tempo como determinantes e determinados. Sem a li-
derança do “coronel” – formada na estrutura agrária do país –,
o governo não se sentiria obrigado a um tratamento de reci-
procidade, e sem essa reciprocidade a liderança do “coronel”
ficaria sensivelmente diminuída (LEAL, 1975, p. 43).

O objetivo do coronel é fazer com que a quantidade dos


seus votos seja alta o bastante para o Governo ter em sua lista de
prioridades tanto a concretização de favores pessoais (nomea-
ção de cargos estaduais e federais) como de favores públicos

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 455


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

(obras para o município) (LEAL, 1975, p. 44-45). Entre os cargos


mais importantes para o coronel, está o de delegado e de sub-
delegado (pois ter a polícia sob sua tutela é sempre um ótimo
negócio) (LEAL, 1975, p. 47). É nesse sentido que, tendo inclusive
a polícia e outros cargos administrativos sob sua tutela, há uma
falta de autonomia do município, o que fortalece a autonomia do
coronel em termos “extralegais”:
Ao lado da falta de autonomia legal […], os chefes muni-
cipais governistas sempre gozaram de uma ampla autonomia
extralegal. […] É justamente nessa autonomia extralegal que
consiste a carta-branca que o governo estadual outorga aos cor-
religionários locais, em cumprimento da sua prestação no com-
promisso típico do “coronelismo” (LEAL, 1975, p. 51).
A consequência mais lógica é, portanto, o cego apoio ou
o simples “fechamento de olhos” por parte das autoridades es-
taduais com relação às ações do coronel. Para Leal, o coronelis-
mo é fruto de uma decadência evidente, pois não passa de uma
mesquinha forma de sobrevivência tanto da pobreza das famílias
que dele dependem, como também do constante sacrifício da
autonomia municipal, que padece em seus representantes le-
gais. Em síntese, segundo o autor, a melhor prova da decadência
do coronelismo consiste neste fato: “é do sacrifício da autono-
mia municipal que ele tem se alimentado para sobreviver” (LEAL,
1975, p. 56).

456 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Fonte: Laerte (apud MACHADO; AMORIM; BARROS, 2013, p. 300).


Figura 3 Consciência coletiva do voto.

Enfim, percebe-se, perante os aspectos apresentados, uma


forte marca burocrática, sem dúvida alguma de vertente racio-
nal weberiana, porém também uma evidente força patrimonia-
lista, elemento inerente ao âmbito da autoridade tradicional.
Retomando os discursos de Schwartzman, Vianna e Uricoechea,
pode-se perceber, de fato, uma tendência híbrida de elementos
modernos e tradicionais.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 457


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

As leituras indicadas no Tópico 3. 3 tratam das temáticas


da elite restrita, da burocracia centralizadora e da cooptação
política no processo de formação do Estado brasileiro. Neste
momento, você deve realizar essas leituras para aprofundar o
tema abordado.

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 7.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizado na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina para
abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material, por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante do
material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador é condição necessária e in-
dispensável para você compreender integralmente os conteúdos
apresentados nesta unidade.

3.1. COMPARAÇÕES EQUIVOCADAS

Para relembrar as questões relacionadas à formação sin-


gular do Estado brasileiro e aos equívocos ao compará-lo com
padrões políticos de outros tempos e lugares (democracia grega
antiga e Estado europeu), leia os seguintes artigos:
• CABRAL NETO, A. Democracia: velhas e novas controvér-
sias. Estudos de Psicologia, v. 2, n. 2, p. 287-312, 1997.

458 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v2n2/


a05v02n2.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.
• CONSTANT, B. Da liberdade dos antigos comparada
à dos modernos. Disponível em: <http://www.fafich.
ufmg.br/~luarnaut/Constant_liberdade.pdf>. Acesso
em: 28 nov. 2019.
• VILANI, C. Democracia antiga e democracia moder-
na. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 4, n. 5,
p. 37-41, dez. 1999. Disponível em: <http://periodi-
cos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/
view/1697/1821>. Acesso em: 28 nov. 2019.

3.2. ESTADO PATRIMONIALISTA

Para conhecer mais sobre as características do Estado pa-


trimonialista brasileiro, acesse os artigos referenciados a seguir:
• CAMPANTE, R. G. O patrimonialismo em Faoro e We-
ber e a Sociologia brasileira. Dados – Revista de Ciên-
cias Sociais, Rio de Janeiro, v. 46, n. 1, p. 153-193, 2003.
Disponível em: <http://www.ufjf.br/virgilio_oliveira/
files/2014/10/Texto-04-Campante-2003.pdf>. Acesso
em: 28 nov. 2019.
• COUTO, E. P. As raízes do patrimonialismo de Estado no
Brasil. Revista Habitus: Revista da Graduação em Ciên-
cias Sociais do IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p.
100-112, nov. 2016. Disponível em: <https://revistas.
ufrj.br/index.php/habitus/article/view/11479/8429>.
Acesso em: 28 nov. 2019.
• PORTELA JUNIOR, A. Florestan Fernandes e o conceito
de patrimonialismo na compreensão do Brasil. Plural

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 459


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

– Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociolo-


gia da USP, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 9-27, 2012. Dis-
ponível em: <www.revistas.usp.br/plural/article/down-
load/74433/78054/>. Acesso em: 28 nov. 2019.
• SILVEIRA, D. B. Patrimonialismo e a formação do Esta-
do brasileiro: uma releitura do pensamento de Sérgio
Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Oliveira Vian-
na. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/
conpedi/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/081.
pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.
• TAVARES, P. V.; FONSECA, P. C. D. Estamento burocrático
e intencionalidade: Raymundo Faoro, Florestan Fernan-
des. Revista de Economia Política e História Econômica,
n. 16, p. 56-74, jan. 2009. Disponível em: <http://pro-
fessor.ufrgs.br/pedrofonseca/files/estamento_burocra-
tico.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.

3.3. ELITE RESTRITA, BUROCRACIA CENTRALIZADORA E COOP�


TAÇÃO POLÍTICA

Por fim, para compreender e aprofundar temáticas como


elite restrita, burocracia centralizadora e cooptação política no
processo de formação do Estado brasileiro, sugerimos as leituras
dos seguintes artigos:
• ARRUDA, L. G. L. Apontamentos sobre mandonismo,
coronelismo e clientelismo: continuando o debate con-
ceitual. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA: CONHE-
CIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL, 27., jul. 2013,
Natal. Anais… 2013. Disponível em: <http://snh2013.

460 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

anpuh.org/resources/anais/27/1390337697_ARQUI-
VO_Apontamentos.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.
• CARVALHO, J. M. Mandonismo, coronelismo, cliente-
lismo: uma discussão conceitual. Dados – Revista de
Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997. Dispo-
nível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0011-52581997000200003&lng=en&nrm
=iso&tlng=pt>. Acesso em: 28 nov. 2019.
• MARTINS, P. E. M.; MOURA, L. S.; IMASATO, T. Corone-
lismo: um referente anacrônico no espaço organizacio-
nal brasileiro contemporâneo? Revista O&S, Salvador,
v. 18, n. 58, p. 389-402, jul./set. 2011. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/osoc/v18n58/a03v18n58.
pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.
• OLIVEIRA, J. F. Origens, desenvolvimento e aspectos do
coronelismo. Revista Sem Aspas, Araraquara, v. 6, n. 1,
p. 74-84, jan./jun. 2017. Disponível em: <https://dial-
net.unirioja.es/descarga/articulo/6263040.pdf>. Aces-
so em: 28 nov. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder às questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) Observe com atenção o texto abaixo:
Em sociedade de origens tão nitidamente personalistas como a nossa, é
compreensível que os simples vínculos de pessoa a pessoa, independen-
tes e até exclusivos de qualquer tendência para a cooperação autêntica

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 461


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

entre os indivíduos, tenham sido quase sempre os mais decisivos. As agre-


gações e relações pessoais, embora por vezes precárias, e, de outro lado,
as lutas entre facções, entre famílias, entre regionalismos, faziam dela um
todo incoerente e amorfo. O peculiar da vida brasileira parece ter sido,
por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do
irracional, do passional e uma estagnação ou antes uma atrofia corres-
pondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras
(HOLANDA, 2005, p. 61).
Um traço formador da vida pública brasileira expressa-se, segundo a aná-
lise do historiador, pela:
a) rigidez das normas jurídicas.
b) prevalência dos interesses privados.
c) solidez da organização institucional.
d) legitimidade das ações burocráticas.
e) estabilidade das estruturas políticas.

2) Leia o trecho a seguir:


Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo
jornais, nem revistas, nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador
rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor.
No plano político, ele luta com o “coronel” e pelo “coronel”. Aí estão os
votos de cabresto, que resultam, em grande parte, da nossa organização
econômica rural (LEAL, 1975).
O coronelismo, fenômeno político da Primeira República (1889-1930), ti-
nha como uma de suas principais características o controle do voto, o que
limitava, portanto, o exercício da cidadania.
Nesse período, essa prática estava vinculada a uma estrutura social:
a) igualitária, com um nível satisfatório de distribuição da renda.
b) estagnada, com uma relativa harmonia entre as classes.
c) tradicional, com a manutenção da escravidão nos engenhos como for-
ma produtiva típica.
d) ditatorial, perturbada por um constante clima de opressão mantido
pelo exército e polícia.
e) agrária, marcada pela concentração da terra e do poder político local
e regional.

462 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) b

2) e

5. CONSIDERAÇÕES
A grande pergunta que se pode fazer é a seguinte: o que
se pode esperar de uma formação política com tais qualidades e
características?
A impressão que se tem é a de que o Estado brasileiro é
fruto de um determinismo cuja origem se encontra nas caravelas
portuguesas. No entanto, acreditar que tudo já estava resolvido
e traçado na pré-história do Estado brasileiro é, sem dúvida algu-
ma, empobrecer o processo de formação política do Brasil.
É evidente que as influências foram, em parte, determi-
nantes para a formação de uma elite restrita e de caráter cen-
tralizador e patrimonialista; no entanto afirmar que o Brasil está
fadado ao fracasso e ao atraso porque a colonização portugue-
sa, num determinado momento de sua história, não celebrou o
pacto das revoluções burguesas e, por isso, não desenvolveu um
Estado racional-legal aos moldes da Inglaterra e da França sem
dúvida alguma é optar por um discurso reducionista.
Quem garante que a matriz racional-legal europeia neces-
sariamente deve ser considerada a única alternativa capaz de
oferecer uma solução adequada à construção de um Estado polí-
tico? Obviamente a política burocrático-patrimonialista também
não é a melhor opção, porém querer compreender os fracassos

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 463


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

políticos do Brasil como consequência da não aceitação de um


itinerário burguês, de vertente racional-legal, é assumir velada-
mente um discurso neoliberal e de grande ênfase economicista.
Além disso, em contraposição àqueles que afirmam que
o atraso político do Brasil é consequência da ausência de uma
ideologia nacional hegemônica e de uma tardia concretização
da consciência de identidade nacional, pode-se muito bem, aos
moldes da tese de Morse, encontrar nesse elemento alguns as-
pectos que também podem ser positivos, como uma maior fle-
xibilidade e plasticidade, pois, apesar da política brasileira ser
hierárquica e altamente conservadora, a ausência de hegemo-
nias ideológicas impede o extremo engessamento de estruturas
políticas e sociais, que, em épocas de inúmeras transformações
e crises mundiais, acaba conquistando uma maior resiliência e
probabilidade de adaptação a um futuro incerto.
O que se poderia, então, esperar de promissor na política
brasileira, quando se tem consciência de um histórico de apa-
tia política por parte daqueles que deveriam exercer o papel de
cidadania? Para responder a esse questionamento, adotamos a
argumentação de José Murilo de Carvalho, apresentada no livro
Os bestializados. Seria a população brasileira alheia e bestiali-
zada, apática politicamente e desarticulada? Ou essa aparente
apatia política da população não seria apenas uma reação de
malandragem em vista de uma potencial abertura política nunca
proporcionada? Bestializado ou bilontra?
Fazendo uso de algumas referências de Carvalho (1997),
certamente, pelo modo como a população se comportou, por
exemplo, na Revolta da Vacina, com inúmeras manifestações de
grupos distintos em torno de um objetivo comum, as falas de
Aristides Lobo (“cidadão inativo”), de Couty (“não havia povo no

464 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Brasil”) e de Raul Pompéia (“o povo fluminense não existia”) pa-


recem não fazer muito sentido, pois, ao mesmo tempo em que
a população carioca do início da República estava à margem da
vida eleitoral, também revelava uma grande iniciativa para a re-
volta popular. O fato é que, ainda hoje, o povo nem sempre es-
colhe vias formais e consagradas para participar politicamente.
Portanto, a população não é tão apática e bestializada quanto se
pensa.
No final do seu livro, Schwartzman afirma duas possibilida-
des de representação do quadro político brasileiro:
• uma primeira, “liberal” e “antiestatal”, que defende a
legitimação do Estado por um sistema democrático de
representação de interesses, tornando-se capaz tanto
de incentivar a iniciativa privada e o capitalismo com-
petitivo, como também de se opor ao autoritarismo po-
lítico, fruto da política do clientelismo e do favoritismo
pessoal;
• uma segunda, “intervencionista” e “centralizadora”,
que, diametralmente oposta à primeira, defende a le-
gitimação do Estado por meio de uma política de maxi-
mização de objetivos coletivos e nacionais, tornando-se
capaz de utilizar as técnicas mais avançadas de planeja-
mento econômico, e também se opor à política repre-
sentativa que defende os interesses privados e particu-
laristas e a livre-iniciativa comercial como uma espécie
mascarada de manutenção das desigualdades sociais
(SCHWARTZMAN, 1988, p. 159).
A conclusão apresentada pelo autor parece-nos sóbria,
apesar de abrangente. Optar por um modelo político misto, con-
servando como quadro político aquilo que for positivo para a

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 465


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

realidade brasileira: um Estado eficiente e moderno, de ampla


sustentação social e de realização de projetos a longo prazo, que,
para tanto, deixe de ser, por um lado, patrimonialista e preocu-
pado com sua sobrevivência, e, por outro lado, esteio de coopta-
ção dos interesses privados.
Enfim, mais do que nunca, precisam-se realçar políticas de
inserção e participação popular, a começar pelos bairros e comu-
nidades menores, com abertura e divulgação de centros cultu-
rais etc., e, por mais utópico que pareça, uma séria reforma na
consciência coletiva, que nos ajude a olhar com mais otimismo
nossa situação, contexto e história, e também nos auxilie a pas-
sar do estado de tutelados para uma condição de inconformismo
social. Não importa saber se o brasileiro incorpora ou não a ma-
triz de cidadania europeia; o que importa é que ele tenha cons-
ciência do seu lugar e espaço na política brasileira. E conhecê-la,
evidentemente, já é um primeiro passo importante.

6. E-REFERÊNCIAS

Figura
Figura 2 Os donos do poder. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/laerte/>.
Acesso em: 30 out. 2018.

Sites pesquisados
ARRUDA, L. G. L. Apontamentos sobre mandonismo, coronelismo e clientelismo:
continuando o debate conceitual. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA:
CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL, 27., jul. 2013, Natal. Anais… 2013.
Disponível em: <http://snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1390337697_
ARQUIVO_Apontamentos.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.

466 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

CABRAL NETO, A. Democracia: velhas e novas controvérsias. Estudos de Psicologia,


v. 2, n. 2, p. 287-312, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v2n2/
a05v02n2.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.
CAMPANTE, R. G. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira. Dados
– Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 46, n. 1, p. 153-193, 2003. Disponível
em: <http://www.ufjf.br/virgilio_oliveira/files/2014/10/Texto-04-Campante-2003.
pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.
CANAL FUTURA. Patrimonialismo – André Botelho. Entrevista, 2016. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=gA0u77bLIo0>. Acesso em: 16 jan. 2020.
CARVALHO, J. M. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão
conceitual. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-
52581997000200003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 28 nov. 2019.
CONSTANT, B. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Disponível em:
<http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/Constant_liberdade.pdf>. Acesso em: 28 nov.
2019.
COUTO, E. P. As raízes do patrimonialismo de Estado no Brasil. Revista Habitus: Revista
da Graduação em Ciências Sociais do IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 100-
112, nov. 2016. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/habitus/article/
view/11479/8429>. Acesso em: 28 nov. 2019.
ESMEIN, A. Cours elémentaire D’Histoire du Droit français. 11. ed. Paris: Librairie
de la Société du Recueil Sirey, 1912. Disponível em: <http://archive.org/details/
courslmenta00esme>. Acesso em: 28 nov. 2019.
JACKSON, A. M. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira – parte
1. 2010. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=afIM8L-5_h0&t=21s>.
Acesso em: 27 nov. 2019.
______. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia brasileira – parte 2. 2010.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rflaiLqJNms>. Acesso em: 27
nov. 2019.
LU LIVROS. Coronelismo Enxada e Voto – Victor Nunes Leal. 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=pwqE1SKcWsE>. Acesso em: 27 nov. 2019.
MARTINS, P. E. M.; MOURA, L. S.; IMASATO, T. Coronelismo: um referente anacrônico
no espaço organizacional brasileiro contemporâneo? Revista O&S, Salvador, v. 18,
n. 58, p. 389-402, jul./set. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/osoc/
v18n58/a03v18n58.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 467


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

OAB – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Raymundo Faoro – diálogo pela


democracia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gfgb4knxJXQ>.
Acesso em: 27 nov. 2019.
OLIVEIRA, J. F. Origens, desenvolvimento e aspectos do coronelismo. Revista Sem
Aspas, Araraquara, v. 6, n. 1, p. 74-84, jan./jun. 2017. Disponível em: <https://dialnet.
unirioja.es/descarga/articulo/6263040.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.
PORTELA JUNIOR, A. Florestan Fernandes e o conceito de patrimonialismo na
compreensão do Brasil. Plural – Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia
da USP, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 9-27, 2012. Disponível em: <www.revistas.usp.br/
plural/article/download/74433/78054/>. Acesso em: 28 nov. 2019.
RÁDIO UNISINOS. O patrimonialismo brasileiro (Bloco 1). Direito e Literatura, 2014.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2psviZrAkhI>. Acesso em: 27
nov. 2019.
______. O patrimonialismo brasileiro (Bloco 2). Direito e Literatura, 2014. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=ALAp9eg53mo>. Acesso em: 27 nov. 2019.
______. O patrimonialismo brasileiro (Bloco 3). Direito e Literatura, 2014. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=TYDJ4j4eQEI>. Acesso em: 27 nov. 2019.
______. O patrimonialismo brasileiro (Bloco 4). Direito e Literatura, 2014. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=PbK9_KBmkJc>. Acesso em: 27 nov. 2019.
SILVEIRA, D. B. Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro: uma releitura
do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Oliveira Vianna.
Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/
XIVCongresso/081.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.
TAVARES, P. V.; FONSECA, P. C. D. Estamento burocrático e intencionalidade: Raymundo
Faoro, Florestan Fernandes. Revista de Economia Política e História Econômica, n. 16,
p. 56-74, jan. 2009. Disponível em: <http://professor.ufrgs.br/pedrofonseca/files/
estamento_burocratico.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.
TORQUATO, L. et al. Coronelismo e clientelismo. 2013. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=FbHCcrvSs4w&t=171s>. Acesso em: 27 nov. 2019.
TV CULTURA. ACM Neto. Cultura Retrô, 23 fev. 2012. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=dGtUIoF3sCw&index=2&list=RDQM-Wkg2mbykds>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
______. Coronelismo – Telecurso. Cultura Retrô, 23 fev. 2012. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=CjcxVvPbfVo&start_radio=1&list=RDQM-Wkg2mbykds>.
Acesso em: 29 nov. 2019.

468 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

UNIVERSITÁRIO. Coronelismo. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/


watch?v=oFjxluZ0-cg>. Acesso em: 27 nov. 2019.
VILANI, C. Democracia antiga e democracia moderna. Cadernos de História, Belo
Horizonte, v. 4, n. 5, p. 37-41, dez. 1999. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.
br/index.php/cadernoshistoria/article/view/1697/1821>. Acesso em: 28 nov. 2019.
VALENÇA, E. M. República Oligárquica Brasileira – 1894-1930. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=4v5j_v2mNlA&t=2s>. Acesso em: 27 nov. 2019.
ZANON, M. A. Revisão de texto – Capitulo 03 – Os donos do poder, Raymundo Faoro.
2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qbXBrg1eRq8>. Acesso
em: 27 nov. 2019.
______. Revisão de texto – Capitulo 04 – Os donos do poder, Raymundo Faoro. 2016.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mkQBvB8rty0>. Acesso em: 27
nov. 2019.
______. Revisão de texto – Capitulo 05 – Os donos do poder, Raymundo Faoro. 2016.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OdGBy-1xw1M>. Acesso em: 27
nov. 2019.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGELI. Tirinha. Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 maio 2007.
ARENDT, H. A condição humana. Trad. Roberto Raposo; Posfácio de Celso Lafer. 10. ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
BODIN, J. Los seis libros de la República. Trad. Pedro Bravo Gala. Madri: Tecnos, 1997.
BRAUN, R. Taxation, sociopolitical structure, and State-Building: Great Britain and
Brandenburg-Prussia. In: TILLY, C (Org.). The formation of national States in Western
Europe. New Jersey: Princeton University Press, 1975. p. 243-327.
CARVALHO, J. M. A construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1996.
______. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
______. Entre a liberdade dos antigos e a dos modernos: a República no Brasil. In:
______. Pontos e bordados. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998a. p. 83-106.
______. Mandonismo, coronelismo e clientelismo: uma discussão conceitual. In:
______. Pontos e bordados. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998b. p. 130-150.

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 469


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

______. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
CONSTANT, B. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Trad. Loura
Silveira. Revista de Filosofia Política, Porto Alegre, n. 2, p. 9-25, 1985.
FAORO, R. Existe um pensamento político brasileiro? São Paulo: Ática, 1994.
______. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. rev. São
Paulo: Globo, 2001.
HOBBES, T. Leviatã: ou matéria, forma e poder de uma República Eclesiástica e Civil.
Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
KANTOROWICZ, E. Os dois corpos do rei: um estudo sobre a teologia política medieval.
Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no
Brasil. 2. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.
MACHADO, I. J. R.; AMORIM, H.; BARROS, C. R. Sociologia hoje. São Paulo: Ática, 2013.
MORSE, R. M. O espelho de próspero: cultura e idéias nas Américas. Trad. Paulo Neves.
São Paulo: Martins Fontes, 1988.
RUBY, C. Introdução à Filosofia Política. Trad. Maria Leonor F. R. Loureiro. São Paulo:
Editora Unesp, 1998.
SCHWARTZMAN, S. As bases do autoritarismo brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus,
1988.
TORRES, J. C. B. Figuras do Estado moderno: elementos para um estudo histórico-
conceitual das formas fundamentais de representação política no Ocidente. São Paulo:
Brasiliense, 1989.
URICOECHEA, F. O minotauro imperial: a burocratização do Estado patrimonial
brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
VIANNA, O. Populações meridionais do Brasil: populações rurais do Centro-Sul. Niterói:
EDUFF, 1987. v. 1.
WEBER, M. A política como vocação. In: ______. Ensaios de Sociologia. Introdução e
organização de Hans H. Gerth e C. Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Revisão Técnica
de Fernando Henrique Cardoso. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982a. p. 97-153.

470 © FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


UNIDADE 7 – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

______. A psicologia social das religiões mundiais. In: ______. Ensaios de Sociologia.
Introdução e organização de Hans H. Gerth e C. Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra.
Revisão Técnica de Fernando Henrique Cardoso. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982b. p.
309-346.
______. Burocracia. In: ______. Ensaios de Sociologia. Introdução e organização de
Hans H. Gerth e C. Wright Mills. Trad. Waltensir Dutra. Revisão Técnica de Fernando
Henrique Cardoso. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982c. p. 229-282.
______. Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia compreensiva. Trad. Régis
Barbosa e Karen Elsebe Barbosa. Brasília: Universidade de Brasília, 1999a. v. 1.
______. Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia compreensiva. Trad. Régis
Barbosa e Karen Elsebe Barbosa. Brasília: Universidade de Brasília, 1999b. v. 2.
______. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, G. (Org.). Max Weber:
Sociologia. Trad. Amélia Cohn e Gabriel Cohn. 7. ed. São Paulo: Ática, 2003. p. 128-141.
(Grandes Cientistas Sociais, v. 13).

© FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS 471

Você também pode gostar