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Perguntava-se Simone de Beavouir em 1949. (perceba como faz tempo!). Quando ela escreveu O
Segundo Sexo não exis a o conceito de "gênero", justamente porque não exis am teorias
feministas empenhadas em analisar as origens e os métodos da opressão machista. Isso foi feito só
depois, é justamente por isso que seus livros foram um marco para os estudos feministas (e
con nuam sendo).
Gênero é uma hierarquia entre os sexos. Ele se apoia nas diferenças biológicas entre machos e
fêmeas para construir e naturalizar a elaboração social de determinados comportamentos, que
levam a um sistema de castas sexuais, no qual existe um grupo explorado (mulheres) e um grupo
explorador (homens). Ou seja, ele é uma forma de controlar socialmente os sexos, mais
especificadamente, o sexo feminino. Sendo assim, concordamos com Loreta quando ela diz que:
Cartaz que integrou série de publicidade sovié ca pelo empoderamento das mulheres. A frase diz: "O fascismo é o pior inimigo das mulheres"
"O gênero passa a ser construído alocando atributos culturais às dis nções de sexo,
estabelecendo um sistema de valores e prá cas que vão criar uma dis nção do feminino para
o masculino."
Podemos então voltar para a pergunta de Beavouir, e trazer completa uma de suas citações mais
importantes:
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum des no biológico, psíquico, econômico
define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização
que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de
feminino”
Exato! Isso significa que nossa prá ca precisa ter como obje vo final a abolição do gênero, ou seja,
só acreditamos que uma sociedade será plenamente livre de machismo quando nela também não
exis rem mais classes que nos dividam. Quando as diferenças raciais também não nos separem.
Quando as condições que criaram o gênero não existam mais.
"De modo que, assim como para assegurar a eliminação das classes econômicas, é preciso a
revolta da classe baixa (o proletariado) e, numa ditadura temporária, a tomada dos meios de
produção, assim é preciso a revolta da classe baixa (mulheres) e a tomada do controle da
reprodução: a res tuição às mulheres da propriedade dos seus corpos, bem como do controle
feminino da fer lidade humana (…) Assim como o obje vo final da revolução socialista seria
não somente a eliminação do privilégio de classe econômica mas a dis nção da classe em si
mesma, assim também o obje vo final da revolução feminista deve ser não somente a
eliminação do privilégio masculino mas a dis nção do sexo em si mesma:diferenças genitais
entre seres humanos não mais importariam culturalmente."(FIRESTONE)
"Do ponto de vista marxista sobre a questão do gênero, surge o feminismo emancipacionista,
que visa a tão somente puxar o fio da radicalidade até o patamar da transformação da
sociedade e con nuar puxando até o processo de construção de uma nova, em todas as suas
etapas, enquanto persis r a força estrutural/cultural[ou dominação-exploração]da opressão
de gênero."
Nesse ponto, creio que a autora Catherine McKinnon conseguiu sinte zar com grande qualidade:
As relações sociais são consubstanciais.O que isso quer dizer? Pode ser entendido como: unidade
de substância. Ou seja, o termo expressa o que todas essas relações tem comum: a sua própria
essência. Dizendo assim, reconhecemos que nossa luta é pela abolição da propriedade privada. É
nesse sen do que afirma Engels, em seu livro A origem da família, da propriedade privada e do
Estado:
Muitas vezes, as pessoas tendem a ver as relações como superpostas (ou seja, se acumulando umas
em cima das outras, de maneira quan ta va), na esperança de não perder nenhuma forma de
opressão. Porém, nessa busca, quase sempre caem no erro de não conceber a dinâmica das relações
sociais (ou seja, a dialé ca), transformando as opressões em eixos está cos e estruturas
desconectadas. Para não cair nesse erro, nós usamos a metáfora do nó:
“O nó, formado por estas três contradições, apresenta uma qualidade dis nta das
determinações que o integram. Não se trata de somar racismo + gênero + classe social, mas
de perceber a realidade composta e nova que resulta desta fusão. (…) Não se trata de
variáveis quan ta vas, mensuráveis, mas sim de determinações, de qualidades, que tornam a
situação destas mulheres muito mais complexa.” (SAFFIOTI, 2004).
Engels foi o primeiro a afirmar categoricamente que a primeira divisão social do trabalho é a que se
fez entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos. A propriedade privada surge nesse
contexto.
"(…) portanto, está dada a propriedade, que já tem seu embrião, sua primeira forma, na família,
onde a mulher e os filhos são escravos do homem. A escravidão na família, ainda latente e
rús ca, é a primeira propriedade, que aqui, diga-se de passagem, corresponde já à definição
dos economistas modernos, segundo a qual a propriedade é o poder de dispor da força de
trabalho alheia. Além do mais, divisão do trabalho e propriedade privada são expressões
idên cas — numa é dito com relação à própria a vidade aquilo que, noutra, é dito com relação
ao produto da a vidade" (ENGELS, A origem da família, da propriedade privada e do Estado)
Porém, engana-se quem pensa que o "trabalho reprodu vo" se limita ao ato de parir crianças.
Podemos entender o trabalho reprodu vo como sendo o trabalho dispendido para recompor uma
força de trabalho. Por exemplo, o pai de família (patriarca) precisa ter suas roupas limpas, jantar na
mesa, casa arrumada, enfim, todas as necessidades básicas para estar na manhã seguinte em seu
escritório, cumprindo sua extensa jornada de trabalho. Ele também não tem tempo para levar seus
filhos para a escola, ou para cuidar dos idosos da família. Tudo isso é sempre trabalho de sua
esposa.
Pôster sovié co idealizado por Alexander Rodchenko e Lilia Brik (que aparece na foto) para incen var a leitura
É
sem receber salário pelo trabalho domés co. Tudo isso cons tui o trabalho reprodu vo. É
importante notar também que, ao percebermos como as mulheres são sugadas para manter o
sistema capitalista funcionando, também estamos combatendo a visão economicista sobre a
questão da mulher, que erroneamente é atribuído a Marx e Engels:
Sendo assim, aqui temos explícito outra base na qual o feminismo emancipacionista se situa: a
divisão sexual do trabalho. Precisamente como formulou Loreta:
Desta forma, sustentamos que a tese do feminismo emancipacionista fala por si mesma: emancipar
as mulheres para emancipar a sociedade, e emancipar a sociedade para emancipar as mulheres. Os
ensinamentos de Loreta Valadares ainda são muito atuais, e são base fundamental para que nós,
feministas que estamos encarando novas questões de nossa geração, saibamos elaborar uma
resposta que vá na raiz do problema: ou seja, a propriedade privada, em todas as suas formas. Afinal
de contas, assim como Loreta, concordamos que “(…) mesmo tendo sido derrotado em sua primeira
experiência histórica, o socialismo é, ainda o único projeto capaz de abrir passagem ao processo
que vise fim das discriminações de gênero, de raça e de classe".
Referências Bibliográficas:
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