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INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo abordar o feminismo marxista, sua história e
principais pensadoras. O referido movimento social é uma das diversas vertentes
do feminismo, que se diferencia por entrelaçar-se aos ideais marxistas, defendendo
que a emancipação feminina e a plena igualdade de gênero só será alcançada
através da luta anticapitalista, considerando esta um pilar mantenedor do
patriarcado.

1 O PENSAMENTO MARXISTA

O marxismo pode ser considerado como um conjunto de ideias e teorias


elaboradas primariamente por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-
1895). Essas ideias abrangem áreas como filosofia, economia, história, política e
sociologia, sendo Marx também um dos fundadores da sociologia. As principais
obras desenvolvidas por Marx foram O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852),
Contribuição à crítica da economia política (1867) e “O Capital” (1867). Engels
elaborou A dialética da natureza (1883), A origem da família, da propriedade privada
e do Estado (1884). Ambos escreveram em conjunto o Manifesto Comunista (1848).
De acordo com Moraes, 2000, o marxismo e a psicanálise constituem as duas
maiores revoluções teóricas do século XX, sendo a análise dinâmica da luta de
classes e a especificidade de funcionamento do modo de produção capitalista
válidas em todos os seus pressupostos e desdobramentos.
A abordagem marxista é desenvolvida no contexto histórico da Revolução
Industrial, em um momento de transição do feudalismo para o capitalismo moderno,
onde acentuou-se a exploração ao trabalhador, afetado pela rápida industrialização
que prejudicou o proletariado com longas jornadas de trabalho, salários reduzidos, e
principalmente ausência de legislações trabalhistas.
O marxismo propõe diversas teorias, sendo as mais conhecidas a teoria da
Luta de Classes, da Mais Valia e do Materialismo dialético, usado como método de
análise da sociedade.
O materialismo dialético é uma ferramenta usada para compreensão da
história, sendo a dialética marxista uma vertente que considera a história como algo
sempre transitório, em movimento, transformada pelas ações humanas, de forma
oposta ao idealismo de Hegel (1770-1831)
Já a teoria da Mais valia, discorre sobre a desigualdade salarial na relação
patrão-empregado. O mesmo afirma que o esforço realizado pelo operário não é
convertido em salário de forma justa. O tempo trabalhado e o esforço demandado
gera determinado lucro a mais que não é repassado ao operário, fator que gera o
lucro do empregador. Basicamente, a mais valia representa o montante que o
trabalhador gera e não lhe é entregue em forma de salário.
O conceito de luta de classes, em resumo, defende que é o antagonismo
entre as classes sociais que move a história. Sendo estas divididas entre aqueles
que possuem os meios de produção, como fábricas, terras e afins, e a outra classe
que possui apenas sua mão de obra, força de trabalho.
Segundo Moraes, 2000, no tocante à questão da mulher, a perspectiva
marxista assume uma dimensão de crítica radical ao pensamento conservador. Em
A origem da família, da propriedade e do estado, de Engels, a condição da mulher
ganha um relevo especial pois a instauração da propriedade privada e a
subordinação das mulheres aos homens são dois fatos simultâneos, marco inicial da
luta de classes.

2 DIÁLOGO DO MARXISMO COM O FEMINISMO

De acordo com Marx e Engels em a Ideologia Alemã, 1859,

A divisão do trabalho repousa sobre a divisão natural do trabalho na família e


sobre a separação da sociedade em famílias isoladas e opostas umas às
outras, e esta divisão do trabalho implica ao mesmo tempo a repartição do
trabalho e de seus produtos; distribuição desigual, na verdade, tanto em
quantidade como em qualidade; ela implica pois a propriedade; assim, a
primeira forma, o germe reside na família, onde a mulher e as crianças são
escravas do homem. A escravidão, ainda latente e muito rudimentar na
família, é a primeira propriedade.

No Manifesto Comunista, 1848, é reafirmada a mesma relação entre a


opressão da mulher, família e propriedade privada. A ênfase na história das
relações humanas permite a compreensão da família como fenômeno social em que
a divisão social do trabalho é também uma divisão sexual entre funções femininas e
masculinas. Mais do que isso, abriu espaço para novos tipos de projetos e relações
entre os sexos. Com Engels e Marx, as feministas da esquerda europeia puderam
construir uma teoria da opressão (MORAES, 2000).
O feminismo é um movimento social que possui diversas vertentes, contudo,
todas defendem a luta pela igualdade de gênero, considerando o fato de vivermos
em uma sociedade patriarcal. Ao longo da história da civilização ocidental, as
mulheres eram representadas e tratadas como inferiores aos homens, sendo
privadas de direitos fundamentais de todo cidadão, como ler, escrever, votar,
trabalhar, privadas de escolhas de uma forma geral, onde a função do sexo feminino
era restrita a reprodução, trabalho doméstico e cuidado à família. Com a Revolução
Industrial, há uma mudança nas dinâmicas econômicas e assim as mulheres
começam a fazer parte do proletariado. Diante desse contexto, com o início da
organização da classe operária, greves e lutas por melhores condições de trabalho,
emerge o recorte de gênero e inicia-se a relação entre feminismo e marxismo.

Segundo Cisne, 2014,

O sentido de uma luta revolucionária, portanto, deve estar atento para a


desalienação das relações sociais ao passo que luta pelo humano e sua
humanização. Logo, a luta pelo fim das relações que tornam a mulher objeto
de exploração, inclusive sexual, enfim, a luta pela emancipação das
mulheres está associada à luta pela emancipação humana. p. 115.

O marxismo direciona o questionamento dos papéis que são socialmente


impostos, sobretudo no que diz respeito ao corpo feminino, uma vez que estes
papéis sociais e condicionamentos servem a uma moral burguesa. O feminismo
marxista considera que vivemos em uma sociedade patriarcal, racista e capitalista,
sendo todos esses pontos essenciais para a manutenção da opressão feminina. Ou
seja, entende-se que o machismo estrutural e a definição da mulher como um ser de
segunda classe estão estritamente ligados ao sistema capitalista. Como por
exemplo, o assédio sexual, que tem como um dos pontos de origem o trabalho,
numa forma hierárquica de poder, um poder oferecido pelo patriarcado e sustentado
pelo capitalismo. Logo, busca-se a emancipação feminina através da destruição do
capitalismo.
Alexandra Kollontai (1872-1952), umas das principais teóricas do feminismo
marxista, membra do partido bolchevique e líder revolucionária russa, traz em seu
texto “O trabalho feminino no desenvolvimento da economia”, de 1921, importantes
observações sobre a realidade feminina em um estado socialista, destacando
aspectos relacionados à maternidade. Segundo a autora, para que a mulher tenha a
possibilidade de participar do trabalho produtivo sem violar sua natureza ou romper
com a maternidade, é necessário que o coletivo assuma todos os cuidados da
maternidade que pesa sobre as mulheres, reconhecendo, assim, que a
responsabilidade de criar e educar deixa de ser uma função da família privada e
passa a ser uma função social do Estado. O poder soviético, com base nesse
princípio, esboça uma série de medidas para remover o fardo da maternidade das
mulheres e transferi-las para o estado. Kollontai (1921) pontua também que a
missão do poder soviético é proporcionar as condições para que o trabalho da
mulher não seja desperdiçado em atividades não produtivas no lar e na criação dos
filhos, mas que seja aplicado na geração de novas riquezas para o Estado, para o
coletivo dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, a autora destaca que é importante
preservar não apenas os interesses da mulher, mas também a vida da criança, e
isso se torna possível à medida que se permite que a mulher combine trabalho e
maternidade.
Ainda de acordo com Kollontai, 1921,

O poder soviético tenta criar uma condição na qual a mulher não precise se
prender a um homem a quem despreza apenas por não ter para onde ir com
seus filhos, na qual a mulher não precise temer pela sua vida e pela vida de
seu filho. Na república operária, não são os filantropos, com sua caridade
humilhante, mas os operários e camponeses, companheiros na criação de
uma nova sociedade, que se esforçam para ajudar a mãe trabalhadora e se
empenham para amenizar o fardo da maternidade. A mulher que suporta a
provação de reconstruir a economia em pé de igualdade com o homem, a
mulher que lutou na guerra civil, tem o direito de exigir, nesse momento tão
importante de sua vida, no momento em que ela presenteia a sociedade com
um novo membro, que a república operária, o coletivo, assuma a
responsabilidade de prover ao futuro do novo cidadão.
Saindo do espectro socialista e da realidade vivida pelo gênero feminino
durante a URSS, é importante frisar que a desigualdade sofrida pela mulher no
capitalismo piora ao longo dos anos.
Realizando um salto histórico e focando na atual condição da mulher na
sociedade ocidental, percebe-se que os homens não estão submetidos a tensão
estrutural entre o trabalho doméstico e o trabalho remunerado, diferentemente das
mulheres, que mantêm uma dedicação parcial tanto no trabalho remunerado como
no doméstico. De acordo com Toledo, 2005, a desigualdade entre os gêneros como
criação cultural só pode ser formulada enquanto tal em uma sociedade onde
existem dominados e dominantes, e a mulher cumpre uma função social e
econômica enquanto ser dominado. Restringir o problema a uma questão somente
de gênero pode mascarar os determinantes econômicos que separam homens e
mulheres das diferentes classes, além de diluir as diferenças que existem entre as
mulheres burguesas e proletárias. A questão de gênero se manifesta de forma
distinta em cada classe social e tratar de forma global essa questão mascara esse
fato, transmitindo a ideia que todas as mulheres estão unidas por igual
problemática. Apesar de todas sofrerem com a problemática de gênero, sofrem de
forma diferente e as saídas para elas são diferentes, de acordo com a classe social
a que pertencem.

CONCLUSÃO
Percebe-se um consenso entre as autoras citadas sobre a subordinação da
mulher ao homem estar associada à criação do conceito de família como um núcleo
composto por homem, mulher e filhos.
O marxismo e o feminismo marxista são exaustivamente estudados na
academia e a produção literária sobre os mesmos é considerável, sendo importante
citar também o advento da internet, que facilitou o acesso à informação e acendeu a
chama de debates de cunho político na última década. Por fim, O feminismo
marxista entende que não pode haver socialismo, comunismo ou mesmo
democracia verdadeira caso as mulheres continuem sendo consideradas
propriedades, meras máquinas de gerar filhos, e não seres humanos.
REFERÊNCIAS

ÁVILA. Maria Betânia. As mulheres no mundo do trabalho e a relação corpo e


sujeito. Cadernos de Crítica Feminista. Recife. Ano V, n. 4, dez. 2011.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: a experiência vivida.1980.
CISNE, Mirla. Feminismo e consciência de classe no Brasil. São Paulo: Cortez,
2014.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado.
1884.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. 1844.
KOLLONTAI, Alexandra. O Trabalho Feminino no Desenvolvimento da
Economia. 1921
MARX, Karl. O manifesto comunista. 1848.
MARX, Karl.; ENGELS, Friedrich.; LÊNIN, Vladimir. Sobre a mulher. São Paulo:
Global, 1979.
MORAES, Maria Lygia Quartim. Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças.
Crítica Marxista. São Paulo, n. 11, p. 95-96, 2000.
TOLEDO, Cecília. Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide. 2005

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