Você está na página 1de 34

10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ...

e a Crítica da Dissociação-Valor

Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje


... e a Crítica da Dissociação-Valor
 
Sobre a problemática insistência em experiência, práxis, empiria, sujeito,
classe e "realidades vividas" das mulheres na decadência do patriarcado
capitalista
 
Roswitha Scholz
 
 
Introdução * 1. Marxismos tradicionais e suas modificações em concepções feministas * 1.1
Lise Vogel: O marxismo e a opressão das mulheres* 1.2 Cinzia Arruzza: Marxismo e
Feminismo * 1.3 Silvia Federici: Feminismo e colonização * 1.4 Tove Soiland: Esboços de
um feminismo marxista no século XXI * 1.5 Gabriele Winker: A revolução dos cuidados * 2.
Beatrice Müller: Uma reinterpretação marxista tradicional da teoria da dissociação-valor?
Abjecção-valor versus dissociação-valor * 3. Teoria crítica e feminismo hoje * 3.1 Lisa
Yadhoshara Haller: Capital, género, Estado * 3.2 Sarah Speck: Sociologia, teoria crítica e
feminismo * 3.3 Barbara Umrath: Teoria crítica e estudos de género nas ciências sociais * 4.
O sujeito político mulher, as realidades vividas das mulheres e a "experiência" como base
da política feminista. "Outside the Box": A queda de uma revista? * 5. Resumo: Feminismo,
marxismo, teoria crítica e dissociação-valor como contraditório contexto de socialização
em decadência. A insistência na experiência, na "realidade vivida", no marxismo
tradicional, na classe e afins em tempos incertos * Bibliografia
 
 
Introdução
Na última década têm vindo a florescer o feminismo marxista e o tema teoria crítica e feminismo.
Foram organizados muitos congressos e publicadas muitas antologias; várias revistas feministas
tiveram como tema "feminismo materialista" (em 2022 vai ser publicado pela Suhrkamp o volume
"Teoria crítica e feminismo", editado por Karin Stögner e Alexandra Colligs). O desconstrucionismo
até agora hegemónico tem sido acusado de "não ser materialista" (ver, por exemplo, Trumann
2018). As tentativas de casar mais ou menos Butler com o Marx tradicional ainda existem, embora
as premissas de ambos sejam de facto incompatíveis (ver, por exemplo, Meißner 2010, Adamczak
2017, 2018, Colligs 2021). No entanto, de um modo geral verificou-se uma oscilação no sentido do
materialismo. As discussões de hoje giram tanto, se não mais, em torno de cuidados, classe,
sujeito e afins; mesmo desconstrucionistas ou teóricas do ponto de vista bem sucedidas não
podem evitar dar ao "material" um lugar central. Aqui também está de novo a levantar a cabeça
um anacrónico marxismo do movimento operário, que vê a contradição social fundamental na
oposição entre a classe trabalhadora e a classe capitalista.
Em geral, há um entusiasmo por práxis e movimento, em torno do movimento climático, da
questão da habitação, do feminismo (queer) etc. A teoria e os pontos de vista estruturais
abrangentes foram relegados para segundo plano, ou movem-se frequentemente à partida no
horizonte interpretativo dos movimentos sociais e da política. Com isto, dizer que estamos perante
"uma forma em si mesma ambivalente, que é contestada e cuja configuração também é resulta de
relações sociais de força" (Scheele/Wöhl 2018, ver também a minha discussão com Beatrice
Müller abaixo), também está contra uma teoria que determina a dissociação-valor como forma
social basilar. A qual, consequentemente, teria de ser modificada ou rejeitada na sua radicalidade.
Após uma moda do fetiche na esquerda – mediada sobretudo pela "Nova Leitura de Marx" – o
marxismo da luta de classes está a regressar, na continuada decadência do capitalismo, não
obstante o declínio do marxismo do bloco de Leste desde 1989. As tendências retrógradas e

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 1/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

autoritárias estão a evidenciar-se, não só à direita, mas também à esquerda. Nem há inibição em
relação a uma referência ao desbotado socialismo de Estado, a Lenine etc. E também grupos
feministas que (antigamente) se ligavam à teoria crítica estão hoje a enfatizar a empiria, a
experiência, a práxis (política), tentando reavivar um feminismo da luta de classes, como vou
mostrar. A esquerda e as feministas de esquerda também contribuíram assim para as teorias da
conspiração na pandemia de coronavírus, ao verem como problema fundamental as relações
personificadas de dominação, em termos de "classe dominante". Do ponto de vista da crítica da
dissociação-valor, vou agora debater algumas destas novas concepções do feminismo marxista
surgidas desde os anos noventa. (1)
 
1. Marxismos tradicionais e suas modificações em concepções feministas
 
1.1 Lise Vogel: O marxismo e a opressão das mulheres
De momento Frigga Haug é provavelmente a mais influente feminista alemã vinda do marxismo
tradicional e das classes. Mas é preciso criticá-la da perspectiva da dissociação-valor, como eu
também já fiz (Scholz 2011/2000). Por conseguinte, gostaria de discutir aqui a concepção de Lise
Vogel, que é comparável à de Haug, tal como exposta na tradução do seu livro “Marxismo e
Opressão das Mulheres”, que ultimamente faz concorrência a Haug (Vogel 2019). Vogel já
desenvolveu a sua teoria no início dos anos oitenta. Mas esta só foi agarrada no decurso do
debate feminista sobre Marx nos últimos anos, e apresenta-se sob a etiqueta "social reproduction
theory" (SRT), uma designação colectiva que também engloba várias outras concepções teóricas
do feminismo marxista.
Numa perspectiva do marxismo das classes, Vogel quer incluir sistematicamente na análise do
capitalismo a reprodução da força de trabalho, a "componente doméstica do trabalho necessário"
em grande parte invisível, que permaneceu na sombra em Marx e não cria "valor", mas que, no
entanto, tem uma importância essencial para a produção de mais-valia. Trabalho assalariado e
trabalho doméstico estão, portanto, relacionados um com o outro. Ambos são indispensáveis para
a "reprodução social no capitalismo". Trata-se aqui também de substituir trabalhadores que
morreram por novos trabalhadores. Além disso, na esfera da reprodução também são atendidos,
para além das crianças, os doentes, os idosos etc. Os capitalistas esforçam-se por poupar
"trabalho necessário" (no sentido da mais-valia relativa), bem como trabalho doméstico, uma vez
que a redução do trabalho doméstico liberta força de trabalho adicional (processos de
racionalização da lida da casa, educação nas escolas etc.). Em geral, "os processos de
reprodução da força de trabalho são um terreno em disputa". Assim, as pessoas que trabalham
lutam pelas melhores condições possíveis para a sua própria renovação, o que pode incluir uma
certa medida ou uma certa forma de trabalho doméstico. Uma vez que tanto o capital como a
classe trabalhadora estão geralmente fragmentados em diferentes estratos, não são alcançados
os mesmos resultados a todos os níveis" (ibid.: 265).
Vogel também aborda a dimensão política relativa à reprodução da força de trabalho, que,
segundo Marx – assim diz Vogel –, reside no cruzamento da produção com a circulação. Os
donos da mercadoria força de trabalho e os capitalistas são iguais no mercado, enquanto que as
mulheres são desiguais. Apenas "as mulheres das classes subordinadas (realizam) trabalho
doméstico, mas todas as mulheres são afectadas pela desigualdade nas sociedades capitalistas"
(ibid.: 266). Vogel, com Althusser, preocupa-se com a estrutura abstracta do capitalismo; os
processos, contextos e acontecimentos históricos concretos têm de ser também examinados. A
reprodução da força de trabalho também pode ser assumida por migrantes, escravos etc., não
está ligada à família, parentesco, heterossexualidade etc., mas normalmente em todas as
sociedades de classes tem lugar em tais contextos sob administração masculina. Vogel apresenta
os seguintes factos, entre outros, como razão para tal: "Da perspectiva das classes dominantes, a
procriação pode, portanto, ser dispendiosa, uma vez que o trabalho das mulheres grávidas e
daqueles que cuidam delas poderia fazer parte do mais-trabalho. Por outro lado, a procriação nas
classes subalternas renova a força de trabalho e é, portanto, benéfica para as classes
dominantes. Da perspectiva das classes subalternas, podem surgir outras contradições. A maioria
das formas em que a reprodução da força de trabalho é organizada fazem uso de relações entre
mulheres e homens baseadas na sexualidade e no parentesco [...] Tais arranjos são normalmente

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 2/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

legitimados pela supremacia masculina e sustentados por estruturas institucionalizadas de


opressão das mulheres" (ibid.: 259s.).
É perfeitamente óbvio que falta em Vogel um entendimento global da forma da dissociação-valor,
que não só abranja ambas as classes (históricas!), mas também estruturas racistas e anti-semitas
para além da relação hierárquica de género, sem colocar cada uma das dimensões numa relação
de derivação linear com a dissociação-valor como meta-relação fechada, mas também permitindo
que estas estruturas existam na sua própria lógica.
Aqui, para Vogel, o trabalho doméstico não é realmente outra coisa, mas apenas um diferente
dentro da forma do valor (mais-valia). Vogel apenas dá assim uma pincelada no conceito de
reprodução de Marx. Deste modo, ela ontologiza e desistoriciza a produção/reprodução e a
relação de género.
Dück/Hajek acusam Vogel de uma limitação estruturalista, de estreitamento económico, de
esquecer o sujeito e de esquecer a história. O mesmo pode fazer a crítica da dissociação-valor.
No entanto, Dück/Hajek, por seu lado, estão limitadas em termos político-gramscianos. Elas não
têm um conceito de crise e também querem apontar para a classe, apenas contra um pano de
fundo teórico diferente do de Vogel. Dück/Hajek hipostasiam assim a dimensão da acção e da
política, numa limitação à teoria da regulação (cf. Dück/Hajek 2019). Dizem, com razão, que as
discussões dos últimos anos não podem ser ignoradas, mas então teríamos de ir além da teoria
de Gramsci e da regulação, e avançar para a crítica da dissociação-valor.
 
1.2 Cinzia Arruzza: Marxismo e Feminismo
Também Cinzia Arruzza está preocupada com a compatibilidade de marxismo e feminismo no
sentido do marxismo tradicional (Arruzza 2017). Ela sublinha que eles não se poderiam passar um
sem o outro, mesmo havendo diferenças e conflitos. Ela traça várias fases desta relação, tanto na
história do movimento como na produção da teoria feminista, até às tendências interseccionais e
queer. Aqui ela ataca noções de um sistema duplo, segundo o qual o patriarcado e o capitalismo
devem ser entendidos como lógicas separadas, devendo a partir daí ser estabelecida a ligação
entre os dois. E conclui que, em vez disso, o capitalismo, o capital, é dominante, e que a opressão
das mulheres hoje em dia é causada principalmente por ele: "Ao contrário da hipótese de que a
relação entre homem e mulher deve ser vista em categorias de exploração, o patriarcado como
forma de organização de parte da produção sobreviveu durante algum tempo e o que dele resta
passou para segundo plano no capitalismo. Este processo não tem sido de modo nenhum linear,
sendo que o capitalismo, por um lado, rompeu os laços económicos baseados no patriarcado,
mas, por outro, preservou as relações de poder e a ideologia patriarcal, utilizando-as de maneira
diferente. Destruiu a família como unidade de produção, reformulou-a completamente e
transformou-a, para assegurar a reprodução da força de trabalho. Aqui as relações de poder
patriarcais desempenharam um papel útil: o capitalismo foi forçado a transferir a actividade de
reprodução para a família, para o que a subordinação das mulheres era vista como um garante, e
ao fazê-lo colocou o fardo sobre as mulheres, explorando as relações de opressão entre homem e
mulher" (ibidem: 130s.). O seu objectivo é "compreender o contexto global em que o capitalismo
toma relações de poder pré-capitalistas e as utiliza para criar hierarquias no seio dos explorados e
oprimidos, para desenhar trincheiras e erguer barreiras. O mesmo se aplica à relação das
mulheres com o trabalho, que se tornou uma questão central com o aumento constante do
trabalho feminino, e requer um estudo aprofundado da teoria da divisão do trabalho por género,
que não se ocupe exclusiva ou predominantemente da actividade de reprodução. A raça e o
género têm sido e continuam a ser instrumentos importantes da divisão do trabalho" (ibid.: 131). É
verdade que Arruzza se opõe à tese da contradição primária e secundária, mas o que é senão
isso, quando ela vê o capitalismo como um princípio estrutural avassalador e o género e a raça
como INSTRUMENTOS da divisão do trabalho? Ela preocupa-se aqui principalmente com o
"surgimento da consciência de classe" e a este respeito com a tomada em consideração da
"importância fundamental da ideologia patriarcal e das relações de poder patriarcais [...] Pois não
se trata apenas da desvalorização implícita ou explícita do trabalho das mulheres, que é
constantemente considerado subordinado e complementar ao trabalho dos homens, mas também
dos efeitos e dos problemas que surgem na formação da consciência de classe, que muitas vezes
impedem a mobilização e a iniciativa das mulheres. Subestimar ou ignorar a interacção das
condições económicas e da opressão ideológica faz perder de vista a complexidade crescente dos
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 3/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

problemas da construção de um novo movimento de trabalhadores e trabalhadoras, face à


crescente inclusão do trabalho das mulheres na classe trabalhadora" (ibidem: 131s.). Para que tal
aconteça, segundo Arruzza, é necessária uma "renovação do marxismo" e a inclusão do género e
da raça no seu sentido (ibid.: 132).
Embora as tensões entre o movimento das mulheres e o movimento operário sejam descritas na
história, em última análise tanto Vogel como Arruzza querem integrar o feminismo no marxismo ou
no movimento operário. Assim a declaração de Heidi Hartmann: "O feminismo e o marxismo são
um só. E este um é o marxismo" também se aplica às "novas" concepções delas (ver sobre o
debate de Arruzza com Hartmann (ibid.: 118ss.)). Aqui está um cavalo de Tróia do marxismo
tradicional. O marxismo androcêntrico e os camaradas masculinos são hoje basicamente retirados
da linha de tiro.
Arruzza faz a distinção entre um feminismo operaista, que assume que o trabalho doméstico
também cria mais-valia, e um feminismo materialista, que implica que não só os capitalistas
lucram com a opressão das mulheres, mas também os homens.
"Os resultados são parcialmente os mesmos: tenta-se decifrar o género com os instrumentos da
crítica da economia política, e no final o género torna-se classe, num caso a classe trabalhadora,
no outro a classe patriarcal especialmente criada. Deste modo a esfera da reprodução é também
subsumida sob a esfera da produção e ignora-se o seu carácter específico" (ibid.: 98s.).
No entanto, no final, Arruzza também assume que a reprodução e as actividades de cuidados
estão localizadas dentro do universo da mais-valia, e o seu Outro, necessário precisamente para
que a esfera da produção exista de algum modo, é basicamente deixado de fora. Neste sentido,
Arruzza escreve: "Qualquer pessoa que já tenha tido actividade política conhece os problemas
que as mulheres têm em falar, [...] o que se deve, por um lado, à internalização da opressão de
género e à auto-subestimação que a acompanha, e, por outro lado, aos mecanismos de opressão
e às relações de poder que emanam dos membros masculinos da organização" (ibid.: 132s.).
Arruzza não inclui sistematicamente esta dimensão; ela permanece ao nível de uma descrição da
situação. No entanto, todos sabem que os camaradas políticos e teóricos geralmente tratam a
raça e o género como meras contradições secundárias, e que é necessária uma luta, mesmo em
contextos de esquerda, para afirmar tais dimensões como importantes e essenciais. Em vez disso,
Arruzza preocupa-se com a harmonia na "constituição de um novo movimento operário". Mas
Arruzza não tem problemas reais com teorias da contradição secundária de qualquer maneira,
como tentei mostrar. Arruzza insiste que a relação de género não deve ser concebida a-
historicamente, mas à luz de um velho marxismo das classes. O materialismo vulgar manda
cumprimentos.
Isto torna-se ainda mais claro no manifesto "Feminismo para os 99%", que Arruzza escreveu
juntamente com Nancy Fraser e Tithi Bhattacharya (que segue Vogel) (Arruzza et al. 2019). Não
entrarei nisso aqui, porque estou preocupada principalmente com o nível teórico (mas ver: Scholz
2020).
Para Fraser, as relações hierárquicas de género são apenas um "aspecto" da crítica, como se
afirma no próprio manifesto (Arruzza et al. 2019: 81). Olhar em termos histórico-sociais no
contexto de crítica do trabalho para a problemática do fetiche e para a dissociação-valor como
contexto basilar, ou seja, mercadoria, valor, dinheiro, capital, dissociação – Vogel e Arruzza estão
longe disso (o que também se aplica a D'Atri 2019, a propósito).
 
1.3 Silvia Federici: Feminismo e colonização
Em contraste com Arruzza e Vogel (esta última vinda de um canto estruturalista), a abordagem de
Silvia Federici move-se numa tradição operaista, sendo Rosa Luxemburgo a verdadeira
autoridade para ela. Com Mariarosa Dalla Costa, ela assume que as actividades reprodutivas
femininas também produzem "valor", na forma da produção da mercadoria força de trabalho
(Federici, 2012: 39s.). Para Federici, a acumulação original não é um acontecimento passado
isolado, mas um princípio básico do capitalismo, uma parte do processo de acumulação capitalista
que é essencial para a sua expansão. A separação entre o produtor e os seus meios de produção
molda assim essencialmente a sociedade até aos dias de hoje. O resultado são expropriações
maciças, crises económicas e guerras na era da globalização (cf. ibid.: 40s.). De acordo com
Federici, a teoria da luta de classes de Marx deve ser alargada. "Acima de tudo, devemos
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 4/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

reconhecer que a história da acumulação original não pode ser compreendida do ponto de vista
de um sujeito universal abstracto. Pois um aspecto importante do projecto capitalista foi a
desarticulação do corpo social, tendo as pessoas sido forçadas sob vários regimes disciplinares,
que produziram uma acumulação de 'diferenças' e hierarquias". Esta história deve também ser
"escrita do ponto de vista dos escravizados, dos colonizados, dos povos indígenas, cujas terras
são o alvo principal dos cercamentos" (ibid.: 42). Para Federici, a caça às bruxas também
desempenhou um papel fundamental no processo de acumulação original nos séculos XVI e XVII,
designadamente porque permitiu ao Estado apropriar-se do corpo das mulheres, criminalizando a
contracepção (ibid.: 43). Assim deverá ter sido multiplicado o proletariado, segundo Federici (ver
também Federici 2012 a).
O surgimento da "dona de casa a tempo inteiro" e de uma esfera da reprodução correspondente
foi consequência da mudança de um "modo de exploração do trabalho baseado no espremer da
‘mais-valia absoluta’ para outro baseado no espremer da mais-valia relativa" (Federici 2012: 30),
ou seja, o encurtamento do dia de trabalho, através da utilização da tecnologia, com o aumento
associado da intensidade do trabalho. O salário médio do trabalhador masculino aumentou; mais
trabalho e dinheiro foram então investidos na reprodução dos trabalhadores e trabalhadoras. Nas
últimas décadas, verificou-se então um aumento da actividade remunerada das mulheres, embora
as actividades da mulheres se situem frequentemente na escala salarial mais baixa. Deve-se
"notar que a entrada das mulheres no trabalho assalariado ocorreu na altura de um ataque
histórico aos direitos e reivindicações dos trabalhadores, uma vez que o redimensionamento, a
externalização de partes do processo de produção e a flexibilização das disposições da legislação
laboral levaram a uma diminuição dos salários [...] e tornaram o trabalho precário [...]" (ibid.: 72).
Neste contexto, as mulheres são frequentemente empregadas em actividades no sector dos
serviços que anteriormente eram realizadas a título privado. Além disso, elas têm de retomar os
serviços que desapareceram devido a cortes nos benefícios sociais. É verdade que, nos centros
capitalistas, partes consideráveis da lida da casa foram externalizadas e comercializadas. Embora
as tecnologias tenham levado a uma reorganização da produção, segundo Federici isto não se
aplica à esfera reprodutiva, apesar da utilização do computador também neste domínio. Entre
outras coisas, as compras e o trabalho sexual podem ser feitos desta maneira, são utilizados
robôs de cuidados, são estabelecidas redes sociais via Facebook etc. No entanto, o trabalho de
cuidados tem um carácter diferente, que não pode ser coberto pela tecnologia, porque tem uma
componente afectiva e uma lógica de tempo que se opõe à execução técnica (cf. ibid.: 75s.). As
mulheres do Sul, em particular, têm de suportar as consequências negativas da globalização. Têm
de trabalhar mais para obter alimentos, têm de cuidar dos doentes, e assim por diante. As
mulheres recorrem frequentemente ao trabalho feito em casa para obterem mini-salários, a fim de
melhor responderem às exigências da família e da profissão.
Federici entende agora a globalização como uma série de medidas políticas, através das quais o
capital internacional respondeu às crises internacionais do trabalho e da acumulação dos anos
sessenta e setenta. Segundo Federici esta foi também alegadamente uma reacção a lutas
anticoloniais, movimentos de direitos civis e ainda outras lutas, cada uma das quais emanada de
outros sujeitos, incluindo mulheres. Federici vê a globalização como uma "recolonização" (ibid.:
60s.). Demarca-se aqui das posições que pressupõem que um tipo de acumulação baseada na
produção de mercadorias foi substituído pela financeirização, e daquelas que pressupõem uma
transição de uma sociedade da produção para uma sociedade do conhecimento, com o trabalho a
tornar-se cada vez mais imaterial. Critica também as referências ao fragmento das máquinas dos
Grundrisse e as hipóteses de um "fim do trabalho" (cf. ibid.: 52). Em vez disso, é mais significativo
para ela que o capital tenha baixado o custo da força de trabalho, através de uma expansão em
grande escala do mercado de trabalho mundial. Aqui ela assume o aumento constante do trabalho
precisamente na era da globalização. Segundo Federici, a globalização minou os movimentos
anticoloniais e o movimento das mulheres e restaurou as hierarquias. Para ela, as antigas
colónias são centros estratégicos de acumulação original. Foram o local da escravatura; há
séculos que têm sido exploradas como fornecedoras de matérias-primas. Na opinião de Federici,
a reorganização económica e social das colónias ou das antigas colónias foi uma condição básica
para a reestruturação do mercado de trabalho mundial à escala global. A "desindustrialização" e o
desmantelamento das comunidades de trabalhadores resistentes no Ocidente não teria sido
possível se os locais de produção não tivessem sido deslocalizados para o "Terceiro Mundo",
baixando assim o custo da trabalho. Não foi por acaso que os processos mais brutais de
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 5/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

desapropriação e empobrecimento tiveram lugar nas colónias, com ataques violentos contra as
populações locais. As guerras na América Central nas décadas de 1980 e 1990, entre outras, bem
como as da Somália e do Iraque, também devem ser vistas neste contexto. "De facto", diz
Federici, "a violência foi mais uma vez a parteira de uma nova forma de acumulação" (ibid.: 60).
Deste modo foram abertas novas oportunidades para a extracção de petróleo, diamantes, lítio e
coltan. "As remoções de terra que a acompanham criaram uma diáspora, conduzindo milhões de
pessoas do campo para as cidades, que cada vez mais se assemelham a campos de refugiados"
(ibid.: 60s.). Os produtos locais foram exportados, muitos países foram forçados a fazer
ajustamentos estruturais por instituições como o FMI e similares. Em África, isto também leva a
uma nova caça às bruxas, entre outras coisas porque as mulheres mais velhas se recusam a
abandonar as suas áreas de cultivo próprias – segundo Federici (cf. ibid.: 63).
Os benefícios do Estado social também foram cortados nos países ricos. Na Grécia, Itália,
Espanha, EUA, também há tendências para o empobrecimento de uma grande parte da
população. Segundo Federici, a nível mundial a figura do trabalhador está a tornar-se a do
imigrante, do trabalhador migrante, do refugiado (cf. Federici 2013: 48). Contra isto, diz Federici, a
resistência faz-se sentir em todo o mundo, uma ilusão quando se considera, por exemplo, o que
aconteceu com a rebelião árabe.
 
E mesmo as opositoras às alterações climáticas só querem uma "revolução" imanente. O principal
inimigo é o "capital". É perfeitamente óbvio que para Federici não há obsolescência do trabalho
abstracto, com a dessubstancialização do capital e a desvalorização do valor, mediada pela
contradição em processo (cf. Ortlieb 2009). À maneira tipicamente operaista, ela vê na
globalização, pelo contrário, uma recolonização como contra-revolução, no sentido de um
entendimento subjectivistamente modificado das classes. Ela contrapõe a eterna acumulação de
capital a posições que descobrem um novo tipo de acumulação na financeirização. O capital pode
mobilizar a força de trabalho mal remunerada à escala global e tomar terras até ao fim dos
tempos. Para Federici, simplesmente tem de haver uma expansão do trabalho, na medida em que
as actividades reprodutivas femininas, actividades de subsistência dos camponeses, actividades
na economia subterrânea etc. também devem ser consideradas como trabalho e criar "valor". As
actividades reprodutivas femininas tornam-se relevantes para ela, especialmente tendo por fundo
a reprodução da força de trabalho, sem considerar a sua lógica própria, como no contexto da
crítica da dissociação-valor.
É impressionante que Federici preste pouca atenção à anomia e aos processos de
asselvajamento enquanto tais. Para ela, não são o produto de uma lógica de valorização no
sentido da teoria da dissociação-valor e de um correspondente processo de decadência. Para ela,
a miséria do mundo é antes resultado do capital, no sentido de uma classe capitalista
personificada. Para ela, a coisa verdadeira é uma perspectiva de “commons”, ou seja, uma
economia de solidariedade a partir de baixo em pequena escala. Neste contexto, ela apela mesmo
a um "re-encantamento do mundo" (2020).
 
1.4 Tove Soiland: Esboços de um feminismo marxista no século XXI
Tove Soiland é na verdade uma representante feminista do marxismo lacaniano. Mas também
tenta uma concepção feminista da economia política em sentido estrito. Soiland, em sua
dissertação "A base do iceberg. Esboços de um feminismo marxista para o século XXI" (2018),
segue ainda Federici. Ela também se refere a Bennholdt-Thomsen (as chamadas mulheres de
Bielefeld, Maria Mies, Veronika Bennholdt-Thomsen e Claudia von Werlhof também têm Federici
como teórica de referência) para criticar Marx. Bennholdt-Thomsen assume, com Rosa
Luxemburgo, que o capital só pode acumular-se através de formas não capitalistas, e que está
decisivamente dependente delas. Transfere agora este pressuposto para a esfera da reprodução
no Norte capitalista. O trabalho de subsistência seria, em certo sentido, uma espécie de base do
capitalismo, que suporta o trabalho assalariado. Bennholdt-Thomsen assume então uma "massa
marginal" no capitalismo avançado, que não se reproduz exclusivamente através do trabalho
assalariado. De acordo com Bennholdt-Thomsen, esta "massa marginal" é agora a normalidade.
Não se refere ao exército de reserva marxiano, mas antes "reproduz-se gratuitamente da
perspectiva do capital [...] [estando] contudo disponível para ele de acordo com as necessidades

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 6/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

[...], assumindo assim uma função que é altamente importante para a manutenção global do
sistema capitalista". Uma vez que a própria produção de subsistência pertence ao capitalismo,
Bennholdt-Thomsen fala também de "subsunção marginal". "No caso da reprodução, então, não é
só que o capitalismo produz o seu próprio exterior. Ele também tem um grande interesse em
manter esse exterior" (ibidem: 11). Isto também se refere às existências precárias de hoje, que ao
mesmo tempo vivem da produção de subsistência e, consequentemente, têm de fazer "trabalho
extra" para além do trabalho assalariado. "Por conseguinte, aquilo a que Bennholdt-Thomsen
chama 'subsunção marginal' não é sobre a questão de uma mudança de forma entre trabalho
remunerado e não remunerado, mas precisamente sobre a preservação do trabalho não
remunerado, que é necessário para o regime de acumulação fordista, ou, mais precisamente,
sobre a inter-relação, que é constitutiva das relações pós-fordistas, entre trabalho remunerado e
trabalho não remunerado, ambos subsidiando em conjunto 'o trabalho assalariado normal'"
(ibidem: 11, ênfase no original). Soiland resume: "Com uma teoria clássica da mais-valia e a
atitude clássica do movimento operário não se chega a lado nenhum aqui [...], uma vez que
estamos a lidar com formas de trabalho completamente diferentes" (ibid.: 12). Tal como Federici,
Soiland não partilha a fé no progresso nem o optimismo do movimento operário sobre o
desenvolvimento das forças produtivas como condição prévia para a emancipação. Em vez disso,
ela acredita que são necessárias teorias feministas que possam dar uma "contribuição
significativa para a discussão sobre a persistência" (ibidem: 3). Neste contexto, de acordo com
Soiland, só hoje é que a actividade reprodutiva (feminina) pode tornar-se uma questão importante,
porque se tornou escassa, devido à actividade profissional das mulheres no decurso da
socialização capitalista avançada.
Soiland não quer optar por uma perspectiva de subsistência e uma política de pequenas redes
como Federici e Bennholdt-Thomsen. Pelo contrário, ela vê a contradição entre o trabalho
assalariado e o trabalho de cuidados como uma espécie de nova contradição principal.
Basicamente, está reformistamente interessada numa revalorização maciça do trabalho de
cuidados, num recuo da motivação do lucro e das esferas e áreas correspondentes. Em contraste
com a crítica da dissociação-valor, a abolição da divisão do trabalho por género não é
particularmente importante para ela. Ao contrário de Federici, ela não lida com a colonização e
exploração no chamado Terceiro Mundo, ou fá-lo apenas implicitamente. O seu foco são os
trabalhos femininos de cuidados.
Soiland parte de um conceito ontológico de trabalho, que também transfere para as actividades
reprodutivas. Estas e as actividades de subsistência em geral são para ela a base do capitalismo.
Em contraste com a crítica da dissociação-valor, ela assume que o "trabalho" está a expandir-se
cada vez mais, em vez de ver que está a tornar-se cada vez mais obsoleto. Soiland não consegue
ver que não são apenas o valor e o trabalho abstracto que estão em crise, mas também os
domínios dissociados. Isto é evidenciado pela crescente profissionalização dos serviços sociais,
que justamente não geram mais-valia e têm de ser patrocinados pelo Estado, mas cujo
financiamento em si mesmo está a enfrentar limites (Scholz 2013). O capitalismo não se perpetua,
mas as crises tornam-se visíveis em muitos aspectos, de modo que em muitos lugares se fala do
possível fim do capitalismo ou do pós-capitalismo (cf. Scholz 2017). Soiland, por outro lado,
partilha a opinião de Bennholdt-Thomsen sobre a formação de uma "massa marginal" e de um
"pós-capitalismo", no contexto de um capitalismo indestrutível. Não diz uma palavra sobre a
financeirização, quer em termos da superestrutura especulativa, quer em termos de orçamentos
familiares. Ignora também a estratégia de shareholder-value das empresas e afins, que entre
outras coisas desencadeou o crash de 2008, bem como uma dívida pública que tem financiado o
inchaço dos serviços sociais profissionais desde os anos setenta. Tais tendências, contudo, fazem
com que seja provável que ocorram grandes crashes num futuro próximo. No entanto, Soiland
pelo menos admite que já não há muito a fazer com as antigas classes.
Assim, Soiland não vê que os domínios "fortes na criação de valor" também caíram em crise no
decurso da desvalorização do valor, pelo que basicamente vê a tensão entre as esferas de
produção e reprodução como a nova contradição principal, no contexto de um "capitalismo eterno"
que é sempre capaz de se regular a si próprio. Deste modo as mulheres representam para ela um
novo sujeito revolucionário. Mas não são os cuidados e as actividades reprodutivas que
constituem a base do capitalismo, pelo contrário, o valor (mais-valia) e a dissociação são
mediados dialecticamente, constituindo como tais o contexto basilar do patriarcado capitalista.

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 7/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

 
1.5 Gabriele Winker: A revolução dos cuidados
Gabriele Winker queixa-se, como de costume, que Marx não teve em conta as actividades
reprodutivas das mulheres, não pagas e pagas, e pretende "integrá-las na teoria do valor do
trabalho de Marx". O valor da força de trabalho inclui tanto o custo da reprodução da força de
trabalho como o de uma "nova geração" (Winker 2018: 102). O que é necessário para a
reprodução é aqui objecto de luta renhida. O capitalista apropria-se da mais-valia, ou seja, do que
vai para além destes custos de reprodução, ignorando o trabalho não remunerado de cuidados no
domínio da reprodução como trabalho necessário. Assim, a actividade reprodutiva não é trabalho
que cria mais-valia, mas contribui quando muito indirectamente para a obtenção de mais-valia.
Na fase fordista nas metrópoles, no entanto, o modelo de sustento da família está obsoleto desde
os anos setenta. Isto aconteceu por razões de concorrência internacional, da crise económica e
porque os movimentos de mulheres protestaram. Os salários reais caíram então e o modelo de
dona-de-casa / sustento-da-casa foi privado da sua base económica. Com Marx, Winker afirma
que "à medida que a participação das mulheres na actividade remunerada aumenta, o salário
médio diminui, uma vez que já não é necessário um salário familiar e são dois membros da família
a contribuir para cobrir os custos da subsistência de uma família. Mesmo que tal família, devido à
falta de tempo para parte do trabalho reprodutivo anteriormente não remunerado, compre mais
bens e serviços, e tenha assim de ser pago mais salário a dois membros da família do que
anteriormente a uma pessoa, isto melhora as condições de valorização, uma vez que dois
trabalhadores assalariados fornecem uma quantidade significativamente mais elevada de trabalho
excedente" (ibid.: 104s.).
Para a valorização do capital, o emprego remunerado de ambos os membros vale a pena, uma
vez que a mais-valia criada é maior. Isto é especialmente verdade se o trabalho reprodutivo
também for feito gratuitamente. "Isto diminui o valor da força de trabalho e aumenta assim a mais-
valia. O trabalho reprodutivo não remunerado não cria, por si só, mais-valia. No entanto, influencia
indirectamente a quantidade de mais-valia em sentido positivo, ao reduzir os custos médios de
reprodução da força de trabalho, uma vez que não têm de ser incluídos nos custos de reprodução
certos bens, como explicações por uma empresa educativa, a alimentação num restaurante ou a
limpeza por um(a) empregado(a) doméstico(a). Pelo contrário, se todo o trabalho reprodutivo
fosse assumido por trabalhadores remunerados, os custos de reprodução da força de trabalho
poderiam aumentar significativamente. Tal aumento é maciçamente combatido pelas políticas de
saúde, educação e família, por exemplo, ao forçar a poupança do pessoal de enfermagem nos
hospitais, ao aceitar emprego irregular sem seguro social a baixos salários por hora em lares
privados, e ainda ao continuar a atribuir o cuidado não pago de crianças e familiares às mulheres,
incluindo as que têm actividade remunerada, nas famílias. Para a valorização do capital, é por isso
importante não só que a força de trabalho seja reproduzida, mas também que essa reprodução se
faça o mais barato possível" (ibid.: 105s.). Esta situação resultou numa enorme sobrecarga de
quem presta os cuidados, na sua maioria mulheres. Uma análise de classe (sic!) explica os baixos
salários dos trabalhadores em part-time e precários de hoje. No que diz respeito às diferenças de
desempenho, as pessoas com deficiência, por exemplo, recebem salários mais baixos, embora
precisem de mais recursos para manter a sua força de trabalho. Os salários mais baixos das
mulheres e dos migrantes são legitimados pelas diferenças naturais e étnicas. Winker defende
aqui a inclusão de concepções (des)construcionistas. A minimização dos custos de reprodução
também é conseguida através da reatribuição de actividades reprodutivas às mulheres sem
remuneração,ou através de migrantes mal pagos(as) que assumem estas actividades.
Winker assume hoje uma crise da reprodução: "Na medida em que a intensificação da contradição
entre a maximização do lucro e a reprodução da força de trabalho afecta a disponibilidade
quantitativa e qualitativa do trabalho, de tal modo que, prospectivamente, isso implica uma
deterioração significativa das condições de valorização do capital, falo de uma crise da
reprodução social, que deveria ser muito mais considerada nas análises da crise [...] Actualmente,
a política empresarial e estatal está a fazer tudo o que está ao seu alcance para aumentar a
extensão do trabalho de reprodução dos/as trabalhadores/as assalariados/as e para impor
diferentes níveis de reprodução através dos crescentes diferenciais salariais. No entanto, a
valorização do capital está longe de estar assegurada” (ibid.: 108). Os e as migrantes devem,

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 8/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

portanto, ser utilizados para trabalhos de cuidados, o que agrava as crises nos seus próprios
países.
Winker vê um rendimento básico e uma redução do horário de trabalho como pré-requisito para
poder investir mais tempo no trabalho de cuidados e no trabalho político e da sociedade civil. Isto
teria de ser acompanhado por uma redistribuição das actividades estruturadas em função do
género. Os trabalhos de cuidados teriam de tornar-se mais relevantes nos debates. Teria de haver
uma "democratização de todos os domínios dos cuidados" (ibid.: 110). Estes teriam de ser
retirados do processo de valorização e teria de ser revertida a privatização nos sectores da saúde,
cuidados e educação, na medida em que tivesse ocorrido, porque as actividades de cuidados não
podem ser subordinadas à lógica do lucro. A participação, planificação e organização devem ter
lugar a nível comunitário e distrital, por exemplo, em assembleias distritais e através de grupos de
assistência e conselhos de cuidados. Isto deveria ser feito, portanto, a um nível descentralizado.
Winker assume a necessidade de uma "revolução dos cuidados" (2015). Com base numa
reorientação no sector dos cuidados, a "produção de bens e serviços" deve também ser
redesenhada em função da necessidade e do valor de uso. No entanto, o trabalho de cuidados
não deve tornar-se um constrangimento para os indivíduos. Winker, referindo-se a Habermann, é
de opinião que já estamos a experimentar "formas embrionárias de tal coexistência [...] em
projectos concretos de produção ponto a ponto com base nos ‘commons’". O trabalho remunerado
e não remunerado e a economia capitalista devem ser abolidos. Apenas o trabalho e o lazer
devem ainda estar sujeitos a uma distinção, a favor do lazer, sendo que Winker assume com Marx
um "reino da necessidade" e um "reino da liberdade" (Winker 2018: 112). Deste modo, uma
sociedade de solidariedade deve ser estabelecida para lá de classe, raça, género e padrão de
desempenho (físico).
Mais uma vez, Winker subsume a lógica das actividades de reprodução e cuidados sob a lógica
do valor (mais-valia); o dissociado feminino não deve ser algo independente em mediação
dialéctica com o valor, mas o valor está sempre presente e é o primeiro. Para Winker, não existe
uma metalógica da dissociação-valor que vá para lá do económico, nem com ela uma perspectiva
que torna possível a hierarquia de género precisamente através disso, não deixando de forma
barata o valor e o homem a dominarem sobre o feminino e o domínio da reprodução. É
precisamente assim que se constitui a dominação capitalista patriarcal.
Os custos da dimensão da reprodução são o verdadeiro critério da definição de Winker dos
cuidados no capitalismo. Ao fazê-lo, ela está no caminho da ontologia do trabalho. Tanto o
trabalho remunerado como as actividades de cuidados são supostamente "trabalho", razão pela
qual ela também determina ideias de uma futura sociedade emancipada (reino da necessidade –
reino da liberdade) dentro de critérios de ontologia do trabalho. A crise da reprodução, porém,
teria de ser determinada a partir da lógica da dissociação-valor e não a partir da necessidade de o
capital recrutar novas forças de trabalho. Neste contexto, a contradição em processo entre matéria
e forma, combinada com a dissociação do feminino, cria hoje mais desclassificados, excluídos,
supérfluos e marginalizados do que trabalhadores assalariados para o capital (cf. Scholz: 2018). A
crise desde os anos setenta teria de ser vista neste continuum, em vez de ser interpretada na
imanência do valor (mais-valia). Desde então toda a sociedade da dissociação-valor tem estado a
ficar fora de controlo. Se as mulheres têm vindo a trabalhar profissionalmente cada vez mais
desde a crise dos anos setenta, tal facto já não pode ser desterrado para figuras de
argumentação "bem sucedidas" a concluir pela mais-valia, mas testemunha desde há muito tempo
a crise da constelação da dissociação-valor como um todo, na medida em que as mulheres estão
cada vez mais envolvidas na esfera do emprego, mas esta esfera em si está a derreter cada vez
mais, e com ela a massa de mais-valia que poderia ser redistribuída a financiar serviços
profissionais. Assim, as actividades de cuidados são cada vez mais necessárias (razão pela qual
são recrutados cada vez mais prestadores de cuidados estrangeiros), até porque podem ser
prestados cada vez menos pelas mulheres, mas também cada vez menos podem ser financiados,
daí também as taxas fixas por caso e afins.
Winker determina as suas visões utópicas a partir da perspectiva dos cuidados. A partir daqui
deverá ter lugar uma remodelação de toda a sociedade, independentemente do facto de os
cuidados terem sido sempre imanentes ao patriarcado capitalista. O rendimento básico, a redução
do horário de trabalho e afins esbarram nos limites da viabilidade financeira. Escusado será dizer
que a divisão do trabalho por género deve ser discutida numa perspectiva de dissociação-valor.

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 9/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

No entanto, as ideias de democratização, de retirada do trabalho de prestação de cuidados da


lógica da valorização, e da criação de conselhos de prestação de cuidados equivalem
praticamente a uma nacionalização e municipalização do trabalho de cuidados, situação em que
os e as assistentes sociais, gestores de projectos, prestadores de serviços pessoais poderiam
esperar – dentro das actuais condições precárias – um posto elevado na administração da crise e
nas suas instituições, que reconhecidamente teriam de ser patrocinadas pelo Estado social, mas
já não o podem ser devido à falta de geração de mais-valia relativa. Donde se conclui que os
cuidados devem ser retirados da lógica da valorização…
Winker apela à consideração da dimensão psicossocial como uma dimensão importante da sua
abordagem dos cuidados, sem se alongar sobre isso. Beatrice Müller assume este nível numa
modificação da minha teoria da "dissociação-valor" como “abjecção-valor”. Ao fazê-lo, no entanto,
ela junta psicologia social e teoria social em termos de lógica da identidade.
 
2. Beatrice Müller: Uma reinterpretação marxista tradicional da teoria da dissociação-valor?
Abjecção-valor versus dissociação-valor
Durante muito tempo a crítica da dissociação-valor foi ignorada ou omitida. Beatrice Müller é aqui
uma das poucas excepções. Contudo, ela quer remodelar a dissociação-valor na abjecção-valor:
"Parece necessária uma reconceptualização teórica porque Scholz, por um lado, representa uma
variante de Marx que não permite repensar os actores e as relações de poder e, por outro lado,
não teoriza suficientemente o contexto psicanalítico. Como resultado do deslocamento por mim
efectuado, o contexto das relações de género patriarcais e do modo de produção capitalista surge
na minha visão como forma de abjecção-valor (abjecção significando rejeição)" (Müller 2013: 33,
cf. entretanto em detalhe: Müller 2016).
Pretende-se assim que a teoria e crítica da dissociação-valor seja tornada compatível com um
certo entendimento do marxismo tradicional – alargado pela psicanálise. A ideia central de Müller
será agora apresentada e criticada, a fim de esclarecer a diferença em relação à crítica de
dissociação-valor e os seus contornos.
Para melhor entrar no plano psicanalítico Müller agarra-se principalmente a Julia Kristeva e vira-a
em termos de “abjecção-valor” para explicar a inferioridade das actividades de cuidados: "O que é
abjecto é o signo persistente da relação necessária do sujeito com a animalidade, com a
materialidade e, em última análise, com a morte. ... Estas ameaças têm de ser negadas e
descartadas", diz Müller, com base em Grosz (ibid., 36). Onde a "abjecção" é para ela um modus
fundamental da ordem simbólica. "O (trabalho de) cuidados [...] é o trabalho relacional necessário
de base corporal, que é excluído, tornado invisível e rejeitado em condições patriarcais
capitalistas, porque desestabilizaria económica e culturalmente a sociedade capitalista patriarcal"
(Müller 2016: 80).
Para Müller os cuidados e o trabalho de cuidados são pressupostos da forma económica do
capitalismo. Ela baseia-se principalmente em Marx e no entendimento de fetichismo de Joachim
Hirsch, que ela contrapõe à "crítica do valor fundamental": "Um entendimento do valor como forma
social... proporcionado por uma abordagem analítica da forma, no entanto, permite a análise dos
limites estruturais, por um lado, e das lutas e actores sociais, por outro. Além disso, com tal
perspectiva pode ser percebida muito claramente a limitação do alcance da abordagem teórica.
Esta reside na ‘determinação geral das formas sociais'... e não na análise das condições
históricas concretas. No entanto, a análise das formas sociais pode servir como base e pré-
requisito para análises concretas. Segundo Joachim Hirsch... ‘as formas sociais são formas
reificadas e fetichizadas, a serem decifradas apenas através da sua crítica teórica, assumidas na
relação recíproca entre indivíduos sociais de uma maneira independente da sua vontade e acção
conscientes, e que moldam as suas percepções imediatas e orientações de comportamento:
mercadoria, dinheiro, capital, direito, Estado." (Müller 2013: 41). Müller asume então as suas
explicações em termos de abjecção-valor como base para estudos empíricos no sector dos
cuidados ambulatórios (Müller 2016).
Müller empreende aqui a "colonização" da crítica da dissociação-valor com a teoria da regulação.
Os limites internos do patriarcado capitalista, tal como afirmados centralmente por uma crítica do
valor fundamental / crítica da dissociação-valor, são rejeitados com referência a Michael Heinrich,
e assume-se uma processualidade no sentido da teoria da regulação, que não conhece nenhum
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 10/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

colapso do capitalismo, mas assume por princípio que pode ser sempre encontrada de algum
modo uma possibilidade de acumulação, portanto que o capitalismo é no fundo infinito.
Assim, a crítica da dissociação-valor é transferida para um contexto teórico contra o qual ela se
vem demarcando há anos, para não dizer há décadas, e na realidade em discussões
aprofundadas e em muitos lugares (ver, por exemplo, Kurz em relação à teoria da regulação,
2005, p. 423s.; Kurz, 2012, em relação a determinados entendimentos da análise da forma do
valor à la Michael Henrich e Kurz/Lohoff, já em 1989, em relação a um "fetiche da luta de classes"
de esquerda, cf., no entanto, a crítica em Scholz, 2008).
Assim o trabalho abstracto, como combustível e conteúdo da produção de mais-valia, é por ela
referido às relações de classe, dependendo ele para Müller em última análise de um contexto de
"luta" (ver sobre isso Kurz, que também afirma uma "substância material abstracta do fetiche do
capital", mas duma perspectiva da crítica da dissociação-valor – Kurz, 2012, p. 192).
A crítica efectuada pela crítica radical do valor a outras abordagens marxistas é intencionalmente
ignorada por Muller. Ignorado é também que uma despropositada confusão entre psicanálise e
teoria social crítica é problemática, e que é descartada pela crítica da dissociação-valor, na
tradição da crítica da identidade de Adorno. Uma vez que psicanálise e teoria social crítica
pertencem a dois planos diferentes, têm de ser separadas como tais e simultaneamente pensadas
em conjunto em termos de dialéctica negativa, no metaplano da dissociação-valor como princípio
formal social, no entanto sem que as premissas (epistemológicas) sejam equiparadas (ver Scholz,
2011, espec. p. 124s.). A este respeito, pode ser constatada em Müller uma "fobia da lacuna"
(Christine Kirchhoff).
 
No fundo a relação de género é psicologizada e mais uma vez deslocada para dentro do sujeito.
Corre-se aqui o risco, portanto, de uma psicologização gritante não só da teoria / da crítica social
em geral, mas especialmente, mais uma vez, da relação assimétrica de género. Central para
Müller é a troca de mercadorias com base em Brentel e Heinrich, com as pessoas interagindo no
mercado. O valor surge, no entanto, apenas dentro de uma relação social. Com recurso a Brentel
escreve ela: "As categorias da economia burguesa, assim, ‘contrariamente à aparência de
relações DE COISAS pré-dadas, devem ser decifradas como DETERMINAÇÃO DA RELAÇÃO
ESPECIFICAMENTE SOCIAL e HISTÓRICA DOS SERES HUMANOS ATRAVÉS DOS SEUS
TRABALHOS'" (Müller 2013: destaque no original). Ela refere-se aqui nomeadamente a
Kannankulam, quando põe em agenda as relações de classe como relação central: "Marx
analisou as relações sociais por trás da rigidez de formas naturais rígidas. Numa formulação mais
concreta analisou as relações de classe que podem ser descritas como "combustível" e
"conteúdo" da produção de mais-valia" (ibid.: p. 39).
É crucial para Müller que o processo de valorização do valor não só ignora as relações de classe,
mas também os cuidados. A abjecção do trabalho de cuidados para Müller, portanto, é um
pressuposto para a produção de mais-valia, sendo ela própria concretizada pelas relações
patriarcais capitalistas. Müller escreve: "Sendo assumida a abjecção permanente dos cuidados e
do trabalho de cuidados para fora da produção de valor, então há também – e isso parece-me ser
central – uma estrutura fundamental da sociedade decididamente concebível de modo diferente.
Porque, como consequência deste deslocamento pode ser assumido como combustível para a
forma patriarcal-económica não apenas um antagonismo com base nas classes, mas sim um
antagonismo de classes e um antagonismo entre os Outros abjectos e os não-abjectos" (ibid., p.
39, destaque no original). E ainda: "Esta forma (do capitalismo patriarcal, R. S.) em última análise
apenas pode ser rompida pelas lutas comuns das classes e dos Outros abjectos." (ibid, p. 41).
Para Müller, no entanto, segundo sugerem as suas observações, quando ela parte de
"contradições" sobretudo orientada em termos de teoria da regulação e gramscianos, trata-se
sobretudo de "lutas" e "forças e contra-forças" contra o pano de fundo de uma determinação
relacional vazia, de modo que o valor seria uma relação social, à qual depois se subordinaria
exteriormente uma existência corporal. Tais teorias foram e são sempre aduzidas para evitar a
possibilidade de colapso no contexto do "sujeito automático". Assim a forma, como entendida por
Müller (ou Hirsch), na verdade significa “estrutura", que é separada dos processos sociais
concretos, mesmo que, em seguida, estes sejam reconduzidos a esta forma/estrutura. Assim as
categorias marxianas não são categorias reais, que tentam perceber um processo real e, assim,

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 11/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

conceptualizá-lo como PROCESSO, mas primeiro está a estrutura, sobre cujo pano de fundo
então a história real se pode reproduzir. Por outras palavras, não se vê que esta "forma"/estrutura
já existe como tal EM PROCESSO pela sua própria natureza.
Torna-se assim claro que aqui se pretende que a crítica da dissociação-valor, como "ideologia
hostil ao capitalismo", para usar as palavras de Boltanski/Chiapello (2006), entre mesmo em
abordagens neomarxistas pós-modernas que não se atrevem a abalar a hipótese da continuação
do patriarcado capitalista, mas na verdade se preocupam com a sua manutenção, para assim
poderem continuar a civilizar melhor o "sistema" de maneira reformista até à sua suposta
irreconhecibilidade, não obstante este "sistema" em decaimento realmente objectivo lhes gorar os
planos.
 
3. Teoria crítica e feminismo hoje
 
3.1 Lisa Yadhoshara Haller: Capital, género, Estado
Para além das tentativas de casar diferentes variantes do marxismo tradicional com a crítica
feminista, o tema teoria crítica / feminismo também está em plena expansão, na senda de uma
viragem materialista. De seguida gostaria de abordar algumas concepções proeminentes que se
encontram neste espectro. Começo pelas reflexões de Lisa Yadhoshara Haller sobre capital,
Estado e género. De modo diferente de Müller, Lisa Yadhodhara Haller tenta compreender de
novo o problema da análise da forma e das relações de género examinando a relação entre
capital, Estado e género, a fim de prosseguir contra este pano de fundo a análise dos problemas
da "parentalidade no capitalismo" em estudos empíricos. "Se nos servirmos do método de análise
da forma de Marx e o utilizarmos para analisar actividades para além da forma do valor – tais
como serviços de assistência – podemos imaginar como, através da rotina de realização de
actividades, são adquiridas qualidades ou capacidades que numa perspectiva macro se parecem
com características de género, por exemplo, as mulheres aparecem como cuidadoras [...] Assim,
a divisão dos domínios de actividade é acompanhada pela formação de uma divisão de trabalho
entre os dois sexos. Os domínios de actividade, que estão necessariamente divididos a nível
macro devido ao seu diferente potencial de criação de valor, sugerem uma divisão complementar
do trabalho com a coordenação de trabalho de cuidados e trabalho remunerado" (Haller 2018: 85).
À semelhança de Müller, ela recorre a Hirsch, Bentel, Backhaus etc. para depois determinar a
relação entre o nível da estrutura (do valor) e o nível da acção, tendo em conta o Estado (Haller
2018a: 17ss.). Em primeiro lugar, a relação entre a acção e a estrutura: "Embora a produção
intersubjectiva da diferença de género ocorra em inúmeras acções entre indivíduos, a sua
multiplicação na acção quotidiana gera um certo conhecimento e transfere-o para uma relação: a
relação de género". Seguindo Meißner, ela escreve ainda: "A invisibilidade do acto de produção dá
uma indicação de que a produção da diferença de género 'não pode (ser) entendida simplesmente
como uma intervenção intencional e propositada, mas como uma intervenção cujos motivos, e
também efeitos, nunca são totalmente acessíveis e controláveis' [...] Embora as diferenças de
género sejam generalizadas nas relações de género, estas só adquirem validade quando o
público em geral se orienta efectivamente por elas. A institucionalização das relações consuma-se
'nas costas dos sujeitos'. O ponto de partida do processo em que os sujeitos se localizam em
termos de género é formado por transferências de valores que, através dos direitos a benefícios,
conduzem a uma separação entre os serviços privados de assistência e as formas públicas de
troca" (Haller 2018: 86s.).
Ergo: "Porque esta ordem de género não é negociada colectivamente, mas generalizada no
decurso de uma variedade de interacções, parece aos sujeitos uma ordem externa e, portanto,
objectiva. Assim, as relações de género vividas pela maioria dos sujeitos, baseadas numa divisão
rígida do trabalho, generalizam-se e tornam-se independentes como relação de género
caracterizada pela desigualdade" (ibidem: 87).
Neste contexto, o Estado, uma vez que tem sempre de mediar entre a sociedade e os indivíduos,
deve ser a instância que também regula o familiar e a sua relação com a sociedade e, portanto,
também está envolvido na divisão do trabalho por género. Haller refere-se aqui ao debate sobre a
derivação do Estado nos anos setenta e a Eva Genetti. "A forma que o Estado assume em
condições na forma do valor, segundo Genetti, configura o enquadramento macroestrutural em
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 12/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

que se constituem as relações de género [...] Para responder como isto acontece em detalhe, a
análise da forma do Estado oferece outros pontos de contacto: Através do estabelecimento,
financiado pelo Estado, de uma esfera privada, regulada soberanamente pelo direito privado, o
Estado separa um do outro dois domínios de actividade, que constituem uma unidade para lá das
formas económicas na forma do valor, e que também dependem necessariamente um do outro
sob condições na forma do valor. Assim, a redistribuição de valor cria espaços livres para lá da
forma do valor, nos quais a força de trabalho pode ser produzida, restaurada e mantida" (ibid.:
81s.).
Assim para Haller não há hoje uma crise do Estado, no máximo ela é implicitamente sugerida.
Basicamente, as dificuldades da "parentalidade no capitalismo" são entregues à política (que está
ela própria em crise!), em vez de ver que o próprio Estado tem um carácter primariamente
patriarcal, e que isto mesmo é um problema.
No que diz respeito ao entendimento da sociedade, ela remete para Adorno e, neste contexto,
para Becker-Schmidt e outras, que já tinham incluído o nível de acção e da estrutura per se: O
"teorema de uma dupla socialização das mulheres engloba, por conseguinte, relações macro-
estruturais contraditórias, combinadas com o recurso a uma teoria do sujeito de base psicanalítica,
com os conflitos internos dos sujeitos que têm de se debater com as condições [...] No contexto
dos processos de socialização, o aspecto do 'trabalho', entendido como uma actividade com o
objectivo de formar uma subjectividade, assume um significado central" (Haller 2018: 49). Aqui,
"assume-se uma relacionalidade entre o nível macro e o nível micro [...], segundo a qual as
actividades necessárias para a reprodução social são divididas. Mas estas, por sua vez, estão
reciprocamente relacionadas com as interacções com as quais os sujeitos produzem
diferenciações de género" (ibidem: 50).
Ao contrário das suas afirmações de que inclui contradições, Haller coloca a estrutura e o nível
estrutural de acção / psicológico numa relação harmoniosa (mesmo vendo ela certamente que tal
estrutura é insustentável em relação à família e à dupla socialização das mulheres), contra o pano
de fundo das comuns determinações da forma de Hirsch, Bentel etc., os quais não podem
realmente deixar esta forma como está, mas têm como pré-requisito uma possibilidade imanente
de acção dentro dela para a rebentar. Adorno, porém, escreve: "A verdade do todo está na
unilateralidade, não na síntese pluralista; uma psicologia que não quer ouvir nada sobre a
sociedade e ideossincraticamente insiste no indivíduo e na sua herança arcaica fala mais sobre a
fatalidade social do que de uma que se adapta tendo em conta 'factores' sociais ou uma
abordagem holística da ‘universitas literarum’ já inexistente" (Adorno 1998: 45).
Em vez de psicologia, poderíamos também falar aqui de interaccionismo simbólico. Haller também
escolhe o que gosta das várias teorias para poder entrelaçar facilmente os níveis da acção e da
estrutura, o que quase faz lembrar o funcionalismo estrutural, por exemplo, quando descreve uma
característica comum "actividade" no marxismo e em abordagens micro, tais como o
interaccionismo simbólico e a etnometodologia, como sendo uma base comum. Contudo, nestes
últimos, actividade significa interacção simbolicamente mediada, o que é algo bastante diferente
de em Marx. Gildemeister/Wetterer ainda em 1992 se distanciam polemicamente de uma teoria da
divisão do trabalho por género e vêem a "produção" do género em micro-processos interactivos
como a base da dupla sexualidade, em que mesmo as instituições ainda desempenham um papel
subordinado (cf. Gildemeister/Wetterer 1992). Mais tarde, Gildemeister também pressupõe o nível
interactivo como primário, embora ela tenha em conta pressupostos de normalização e processos
de institucionalização na interacção. Contudo, a "defesa da teoria social" ainda está presente nela,
constata também Becker-Schmidt (cf. Becker-Schmidt 2013: 36s.). Haller, no entanto, não aborda
tais diferenças, uma vez que o seu interesse está principalmente na prática da investigação no
que diz respeito a investigações empíricas, e as questões metodológicas só limitadamente entram
no seu campo de visão.
Um interaccionismo simbólico não pode proceder senão em termos de individualismo
metodológico, e a este respeito também pode ser tornado frutuoso enquanto tal. No entanto, é
problemático quando Haller ignora as contradições entre a forma e o nível de acção e, em última
análise, as deixa dissolverem-se em interacções, para deste modo chegar à independência das
relações sociais. Mais uma vez a citação feita acima: "Porque esta ordem de género não é
negociada colectivamente, mas generalizada no decurso de uma variedade de interacções,
parece aos sujeitos como uma ordem externa e, portanto, objectiva. Assim, as relações de género
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 13/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

vividas pela maioria dos sujeitos, baseadas numa divisão rígida do trabalho, generalizam-se e
tornam-se independentes como relação de género caracterizada pela desigualdade" (Haller 2018:
87).
Becker-Schmidt e outras são por ela interpretadas como se estivessem conscientes de uma forma
social, mas em vez disso elas equiparam-na a banais conceitos sociológicos. Mesmo quando são
mencionados conceitos como mercadoria, valor etc., eles levam uma existência marginal, como
pano de fundo. Também poderiam ser eliminados sem afectar a argumentação global e sem perda
de substância. A forma / o nível macro é para elas uma "referência objectiva a actividade"
ontologicamente concebida, ou seja, trabalho (Haller 2018a: 45). Deste modo, a história e o
conteúdo são perdidos e escondidos, nomeadamente na medida em que Becker-Schmidt, mas
também Gudrun-Axeli Knapp em particular, estiveram envolvidas numa desdramatização
sociológica da relação hierárquica de género e forneceram fórmulas ocas para a sua
determinação sem a trazer ao conceito, sendo esta determinação da forma (no seu caso: a troca)
acrescentada apenas externamente. Na essência, entregam-se à relacionalidade vazia das
relações, que só formalmente tem um fundo de forma, que Haller agora lhes imputa. Adorno,
designadamente no seu ensaio sobre a sociedade, deu um pouco aso a isso (Adorno 1998a);
contudo, a sua obra como um todo não deixa dúvidas de que teria desaprovado uma abordagem
tão analítica da forma e acanhadamente sociologista, embora Adorno também tivesse de ser
corrigido em termos de dissociação-valor. De facto, Becker-Schmidt e Knapp movem-se assim
num nível sociológico meso, que não faz justiça à "forma" nem às "dimensões micro" (e de facto
para lá das referências afirmativas aos pseudo-sujeitos com as correspondentes necessidades
que caíram nas condições reais). Em vez disso, a dissociação-valor teria de ser determinada
como o nível macro, o nível interaccionista como o nível micro, e o nível da "dupla socialização
das mulheres", com Regina Becker Schmidt, como o nível meso.
É verdade que Haller se limita: "E aqui, ao lidar com as relações económicas, a coisa torna-se
realmente complicada para nós, feministas materialistas. Pois os domínios divergentes de
actividade remetem uns para os outros, mas não são conciliáveis sob o capitalismo" (Haller 2018:
87).
Contudo, isto não é simplesmente um problema de conteúdo, mas teria de ser abordado em si a
um nível fundamental para determinar os níveis micro e macro. No caso de Haller, existe também
uma "fobia da lacuna" em relação aos níveis da estrutura e da acção, como já vimos com Müller
em relação ao nível psicossocial, o que em princípio funde ambos os níveis e ainda atribui um
nível macro a Becker-Schmidt & Cª.
Ela não chega assim a uma dissociação do feminino, em oposição à forma do valor e em
cruzamento dialéctico com esta como forma da ausência de forma, que é o que constitui a
dissociação-valor como princípio da forma em oposição àquela, razão pela qual também tem de
ser pensada não como hermética, mas como fragmentária desde o início. Neste contexto, Haller
não vê uma crise fundamental objectiva do capitalismo. Assim também não pode ver que toda a
harmonia de estrutura e acção, que ela no fundo pressupõe, está hoje ainda mais a rebentar pelas
costuras. A ideia de uma contradição em processo no sentido da crítica da dissociação-valor é-lhe
estranha. Por outras palavras, Haller não está consciente da "funcionalidade disfuncional"
(Stückler 2019) do patriarcado capitalista de hoje. Isto também é evidente no facto de ela não
colocar as suas pesquisas no contexto de um "asselvajamento do patriarcado", em que as
instituições de trabalho remunerado e família estão hoje em erosão.
É de notar que Haller, ao contrário de Vogel, Winker e outras, não se limita a subsumir actividades
de cuidados sob a geração do valor (mais-valia), mas agarra-as na sua própria qualidade e, nisso
estando dialecticamente ligadas ao valor. No entanto, fá-lo – como já foi mencionado – definindo
actividades (também no sentido do interaccionismo simbólico) e trabalho como factos ontológicos,
não ascendendo assim à dissociação-valor como o verdadeiro nível da forma.
Ora o que é que Haller quer alcançar como consequência? Ela quer uma valorização das
actividades de cuidados!
Haller está positivamente preocupada em primeiro lugar com o que imanentemente parece ser
transcendente. Ela ignora por completo o facto de que os cuidados também são algo
completamente imanente, e não só não têm de ser divertidos (independentemente de serem feitos
por mulheres ou homens), mas a sua dissociação ou a divisão de esferas em valor e actividades

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 14/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

de cuidados também já significa em si uma reificação. Isto é algo que ela menciona mas a que
não dá realmente seguimento. No fundo, as actividades de cuidados – e mesmo num sentido
antropológico – são para ela o centro da socialidade em geral, o que ela tem em conta contra a
dominação do "valor". Aqui ela junta descomplicadamente o nível da forma e o lado psicossocial à
semelhança de Müller, "estrutura e acção" estão agora juntas sem complicações. Em todo o caso,
para Haller, uma classe personalizada de capitalistas não é a raiz de todo o mal. No entanto,
também não chega a falar de um patriarcado capitalista, também para ela tudo se passa no
"capitalismo".
 
3.2 Sarah Speck: Sociologia, teoria crítica e feminismo
Sahra Speck, por outro lado, não quer saber de nenhuma forma. Para os seus estudos empíricos,
também ela retoma a visão sociológica de Becker-Schmidt, e chega à conclusão banalmente
correcta de que o homem já não é o ganha-pão da família e a mulher já não é uma mera dona de
casa. Ignora-se completamente que Becker-Schmidt & Cª celebraram a "dupla socialização" das
mulheres (a sua responsabilidade pela família e pelo trabalho) como não idênticas, apesar de
todos os lados negativos que também enumeram e dos quais a resistência aumentaria. O
escândalo do duplo fardo, que Speck também aborda e que é típico das condições pós-fordistas,
foi escrito em letras pequenas, enquanto que as "resistências" foram escritas em letras grandes.
Becker-Schmidt/Knapp não foram, portanto, pioneiras de uma crítica social radical de maneira
crítica e feminista, mas sim, com um Adorno reducionista, executoras da pós-modernidade no
espírito do tempo, no contexto de uma ética do trabalho e de uma lógica patriarcal capitalista
imanente, com um desajeitado disfarce sociológico "sério", que deste modo ainda legitimava
"criticamente" o espírito do tempo pós-moderno. As mulheres são levadas a sério no seu ser-
assim limitado e tomadas pelo valor nominal, e em vez de as verem como imanentemente
limitadas, vêem a família e o trabalho remunerado como premissas inelutáveis da sua
"emancipação" (cf. Scholz 2011: 73ss.).
De acordo com Speck, a teoria crítica é central para o feminismo, na medida em que põe o foco
tanto em "contextos sociais globais" como na dimensão psicológica, numa perspectiva
interdisciplinar. Neste contexto, um "pensamento dialéctico em contradições, tensões e
paradoxos" deve ser tornado fecundo na ciência feminista, uma vez que a empiria e os
diagnósticos do tempo testemunham precisamente tais contradições, sendo que eles – muito
justificadamente – são exigidos por uma "confrontação com o próprio ponto de vista crítico" na
tradição da teoria crítica (Speck 2018: 64s.): O nível fundamental, a dissociação do feminino no
sentido categorial de uma contradição em processo, que teria de ser redefinida qualitativamente
na sua dimensão teórica nesse sentido, não só é deixado de fora, como é sufocado no
sociologismo. Nisso tal crítica acaba por permanecer sem conceito. Só nos últimos anos é que
surgiu de algum modo uma crítica do fetiche em Becker-Schmidt (ver, por exemplo, Becker-
Schmidt 2016: 91), provavelmente desencadeada por uma moda do fetiche no debate da
esquerda desde cerca de 2005 (cf. Scholz 2014). É significativo que Becker-Schmidt escape
geralmente sem qualquer crítica em toda a discussão (feminista) e seja considerada a grande
representante de uma teoria crítica feminista. A universidade tenta assim dar-se ares de crítica
radical como instituição fossilizada mesmo na crise fundamental. O pensamento mal abstracto em
contradições, tensões, paradoxos etc. é também característico de outras teóricas feministas, como
mostrarei depois, sobretudo com referência a Tina Jung.
Não deve ser negado que Haller, Speck, e também Müller desenterraram valiosos conhecimentos
de estudos empíricos (que não serão aqui discutidos porque estamos a lidar com hipóteses
teóricas fundamentais), mas que, contra o pano de fundo de hipóteses "mais transversais" de
divisão-(dissociação)-valor, hoje não fazem justiça à crise global da sociedade da dissociação-
valor, que não deve ser reduzida a um contexto de "cuidados". As mulheres não são apenas
enfermeiras e mães duplamente socializadas e parceiras de relacionamento! Neste contexto, deve
ser visto que a dissociação-valor representa o contexto basilar, e não apenas de "capitalistas",
mas sim de relações patriarcais capitalistas, para lá de uma caracterização construída das
mulheres que hoje (têm de) fazer o seu serviço como administradoras da crise "duplamente
socializadas" na decadência do patriarcado capitalista. A lógica da dissociação-valor determina a
estrutura da sociedade como um todo.
 
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 15/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

3.3 Barbara Umrath: Teoria crítica e estudos de género nas ciências sociais
O estudo sistemático da ligação entre relações hierárquicas de género e teoria crítica tem sido até
hoje um desiderato. Esta lacuna está agora a ser preenchida por Barbara Umrath no seu livro
"Género, família, sexualidade: O desenvolvimento da teoria crítica na perspectiva dos estudos de
género nas ciências sociais" (Umrath 2019). Ela também trata da ligação entre "modo de
produção e relação de género" (ibidem: 16), onde entende "materialismo" no sentido da teoria
crítica, em termos da sociedade como um todo, ou seja, os níveis culturais e subjectivos também
são incluídos. A teoria crítica, contudo, é também associada ao "materialismo histórico"; como se
esta não se tivesse constituído como entidade separada em relação ao marxismo tradicional e não
tivesse incluído a dimensão psíquica e cultural (cf. ibid.: 29). Como o título do livro sugere, a sua
investigação tem lugar ao longo dos campos temáticos do género, da família e da sexualidade
(evidentemente que não pode ser aqui tida em conta toda a complexidade das exposições de
Umrath). Ela contradiz leituras feministas que criticam a teoria crítica (por exemplo, a "Dialéctica
do Iluminismo") por apenas produzir clichés de género, e a literatura secundária por não ter em
conta as questões de género, ou por não as ter suficientemente em conta. E demonstra que o
problema do género foi investigado em muito maior medida na teoria crítica, e que ainda há nela
um pouco que continua por superar na teoria feminista, mesmo que este problema não tenha sido
sistematicamente investigado. "A crítica da teoria crítica [...] não é 'apenas' dirigida ao capitalista,
mas também ao carácter patriarcal da sociedade burguesa. A 'emancipação da mulher' [...] requer
nada menos do que uma mudança fundamental de toda a formação social a nível macro, e uma
mudança profunda dos sujeitos socializados e da sua composição psíquica a nível micro.
Característica da teoria crítica é assim um pensamento conjunto de várias relações de poder,
desigualdade e dominação, que só analiticamente podem ser separadas, bem como a percepção
de que estas, por sua vez, estão constitutivamente ligadas a certos modos de subjectivação [...].
No entanto, os teóricos e teóricas críticos lutam com a questão de saber até que ponto a
emancipação significaria a adesão à diferença de género, ou uma 'superação' no sentido de
androginia" (ibidem: ênfase no original). Umrath também entrou nos arquivos, trazendo à luz
muitas coisas desconhecidas, ou que não receberam atenção suficiente. Além disso, dá voz a
autores pouco divulgados, como Ernst Schachtel, que já tematizou relações jurídicas, relações de
género e classe (ibid.: 203ss.).
Globalmente, Umrath conseguiu dar um novo olhar à teoria crítica, diferente das leituras anteriores
no feminismo, que se agrupavam principalmente em torno do sujeito feminino. Ela constata que,
dependendo do ponto de vista, assume-se que a teoria crítica tem um centro: Crítica da economia,
relações de classe ou dominação da natureza (ibid.: 66).
Mas, pelo menos para Adorno, a troca é um "facto fundamental" da sociedade, como ele deixa
claro em vários lados, por exemplo na Polémica do Positivismo, no texto "Sociedade" ou na
"Dialéctica Negativa". Isto significa que, a um nível mais profundo de análise social, ele está
preocupado com o problema da forma social e da sua independência. Na minha opinião, Umrath
presta muito pouca atenção a este problema. Em vez disso, seguindo Neupert-Doppler, ela critica:
"A força de uma teoria da sociedade como 'totalidade' e relações sociais autonomizadas reside
em 'apontar não possibilidades de emancipação, mas as suas dificuldades' [...], como Alexander
Neupert-Doppler tão apropriadamente escreve, tendo em conta a forma e a crítica do fetiche
segundo Marx, em cuja tradição a teoria crítica também se move. Ao fazê-lo, preserva
indirectamente ao mesmo tempo a ‘utopia de uma possível libertação futura’, que se agarra a uma
‘saudade do inteiramente Outro’ para além das formas da sociedade actual" (ibidem: 262). Neste
contexto, ela critica a teoria crítica: "Ao dirigir o seu foco para a representação das mulheres, a
recepção feita pelos estudos das mulheres apontou assim simultaneamente para um limite
fundamental do entendimento da teoria crítica da sociedade, que é característico da teoria crítica:
uma teoria da sociedade como 'totalidade' e relações sociais autonomizadas tende a não perceber
suficientemente a 'lógica própria' nas práticas dos actores sociais, e a não dar espaço suficiente
aos seus auto-entendimentos. Neste sentido, a teoria crítica também está pouco inclinada a
atribuir aos movimentos a possibilidade de uma mudança emancipatória do todo em momentos
especiais" (ibid.: 261s.). No final, embora Umrath concorde com a teoria crítica em que não pode
haver emancipação sem a emancipação da sociedade, ela está na orientação subjectiva. Em vez
disso, teria de ser colocada no centro a forma fetichista de socialização e a sua autonomização,
que é produzida pelos próprios indivíduos, para que as orientações subjectivas e de movimento
não sejam degustadas na sua abstracção, como foi e é amplamente o caso na esquerda e no
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 16/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

feminismo, que de um modo geral pouco querem saber de um contexto fetichista. No entanto, o
foco aqui não deve ser a troca, mas a dissociação-valor como contexto social basilar e, em
relação com isto, os níveis material, cultural-simbólico e psicossocial, na sua separatividade e
simultânea mediatidade.
Umrath, pelo contrário, favorece as perspectivas de Erich Fromm e especialmente de Herbert
Marcuse (ver abaixo), que sugerem perspectivas práticas, e ao fazê-lo, tomam as mulheres e o
feminino em conotação positiva como instância utópica, por assim dizer extrateoricamente.
É também problemático que Umrath tome os estudos de género, que determinaram a orientação
dos estudos das mulheres desde os anos noventa, como padrão para avaliar a teoria crítica, ou
que queira mediá-los com a teoria crítica. Os estudos de género têm sido desacreditados em
ampla frente no contexto feminista desde a última década (não posso entrar aqui em detalhes –
ver, por exemplo, os trabalhos de Tove Soiland). Muitas vezes pretende-se hoje em dia mediar
entre si os estudos de género e a questão da classe. A problematização da teoria do género nos
últimos anos é mencionada pela Umrath, mas não é explorada em pormenor.
Umrath vê a força da teoria crítica no facto de ela analisar as relações multidimensionais de
dominação, não só capitalista e patriarcal, mas também "dominação da natureza e anti-semitismo
moderno [...] Segundo a teoria crítica, tudo isto forma um complexo de dominação", pelo que se
trata de "um todo marcado por disparidades e contradições [...]" que precede o indivíduo e, no
entanto, também tem de ter em conta a constituição dos sujeitos na sua intersubjetividade, sem
cair na "personalização, moralização e voluntarismo". Em vez disso, as perspectivas
interseccionais são muitas vezes limitadas a questões subjectivas individuais de discriminação,
não representação etc., sem análises estruturais. Aqui, no entanto, as dimensões globais da
desigualdade e da dominação também teriam de ser (teoricamente) incluídas (ibid.: 378ss., ênfase
no original).
Marcuse recebe um reconhecimento especial neste contexto. "Marcuse desenvolve o que é
provavelmente o esboço mais abrangente de emancipação [...] no seu envolvimento com o novo
movimento de mulheres: A emancipação é entendida por ele como um processo, no decurso do
qual os modos de trabalho e o objectivo da produção mudariam, tal como mudariam a sexualidade
e as relações de género, o sentimento sensível e a razão", o que incluiria um "potencial queer".
Umrath também refere o debate marginal sobre homossexualidade, que segue a abordagem de
Marcuse (ibid.: 45ss.).
Ela preocupa-se assim em utilizar a teoria crítica para "desenvolver novamente a coragem para o
pensamento utópico" (ibidem: 381). Embora Umrath esteja ciente das disputas de
Bovenschen/Schuller com Marcuse (1978 – não podemos entrar aqui em detalhes), ela refere-se a
ele positivamente no que diz respeito à sua problemática construção da feminilidade como ideia
de utopia.
Os trabalhos da crítica da dissociação-valor, em que uma dissociação-valor que automaticamente
se relativiza funciona como um nível macro, são mencionados fugazmente por Umrath, mas não
há nenhum debate com eles. Talvez isto se deva também ao carácter de uma tese de
doutoramento, onde o quadro académico é mais importante do que o envolvimento com
argumentos (Andrea Maihofer e Regina Becker-Schmidt, juntamente com Heike Brunkhorst, foram
as orientadoras do doutoramento).
 
3.4 Tina Jung: Crítica e política na teoria crítica e na teoria feminista
Se Umrath chega directamente à variante da práxis da teoria crítica com Marcuse, Tina Jung faz
aqui um desvio através do caminho teoricamente pesado de Adorno e Horkheimer, especialmente
da "Dialéctica do Iluminismo" (Jung 2016). No seu livro, compara tanto a anterior teoria crítica
(especialmente de Adorno/Horkheimer) como a "crítica reconstrutiva" de Jürgen Habermas & Cª
(ibid.: 128s.) com as teorias feministas e com a sua relação com a crítica e a política/práxis.
Ignorarei a "crítica reconstrutiva" nas minhas observações, uma vez que não é o tema deste
artigo. De resto Jung também a rejeita em grande parte. Basicamente, ela afirma: "A actividade
científica e a teoria crítica não são, portanto, um fim-em-si, mas situam-se num quadro de
referência à sociedade". Esta é a diferença relativamente a um "entendimento tradicional da
ciência" (ibid.: 255). A teoria feminista também critica o androcentrismo da ciência. "A ciência e a
elaboração da teoria crítica são entendidas como uma actividade política e social que visa
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 17/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

normativamente o desmantelamento das relações de dominação. Já em Horkheimer e Adorno, e


ainda mais na teoria feminista, as específicas condições de possibilidade da teoria social crítica
entram numa visão auto-reflexiva e autocrítica – e tornam-se assim objecto de uma política da
verdade, que visa mudar ou mesmo revolucionar o campo da ciência num sentido material (por
exemplo, restaurar as condições de possibilidade de 'comportamento crítico') [...] A política da
teoria pode consistir, por exemplo, em desenvolver uma abertura, activando e possibilitando
perspectivas sobre a realidade, ou em instigar reflexões que permitam às pessoas formar uma
'atitude crítica' ou 'comportamento crítico', que seja a base para moldarem as suas próprias vidas"
(ibid.: 256). Jung admite, contudo, que a teoria crítica mais antiga não se concebeu como "política"
no sentido do conceito comum de política; quase nunca comentou a política. Isto é diferente com a
teoria feminista: a crítica feminista "submete [...] o objecto 'política' a uma dissolução explícita das
fronteiras [...] A democracia, o Estado, as formas convencionais e não convencionais de
participação e os/as protagonistas políticos tornam-se a ocasião e o objecto da crítica feminista.
Ao mesmo tempo, porém, a dimensão da política que compreende teoria e política como uma
forma de política é também objecto de uma reflexão crítica e de uma discussão feroz" (ibidem:
257). Jung resume: "Os limites e as diferenças entre ciência e política não devem ser demasiado
descuidados em nome da sua 'unidade' e inter-relação mútua, como se pode argumentar
seguindo a teoria crítica mais antiga e as abordagens feministas que lhe são próximas neste
ponto. Aqui, a ciência e a elaboração teórica parecem estar desobrigadas da acção, e podem ou
devem permitir-se uma tolerância ambivalente, que não é necessariamente sustentável sob a
pressão da acção na prática. Pelo contrário, a diferença entre ciência e política deve ser
trabalhada com intenção crítica, de acordo com um argumento feminista" (ibidem: 257). No
entanto, Jung aponta para os diferentes contextos em que surgiram a teoria crítica mais antiga
(nacional-socialismo/Holocausto) e a teoria feminista. Ela vê uma "política de distanciamento"
especialmente na "Dialéctica do Iluminismo" (ibid.: 259).
No movimento de mulheres mais recente, a unidade da ciência e da política foi inicialmente
enfatizada. No entanto, há já algum tempo que há queixas de que a teoria feminista se tem
distanciado cada vez mais da política e, simultaneamente, da "academização e profissionalização
da ciência feminista" e de uma conexa desradicalização final. Jung não quer concordar com isto
sem reservas: "No entanto, a ciência feminista não perdeu completamente a sua dimensão prática
– continua a funcionar como um quadro de referência, como fonte de palavras-chave e como
produtora de conhecimentos concretos sobre o género em várias formas de prática feminista.
Verifica-se que o conteúdo político da teoria feminista [...] também já é produzido pelo método da
crítica, pela sua orientação, pelo tipo de problema – e produz a construção do objecto – e não
apenas por um momento de imediata proximidade à práxis ou pela 'aplicabilidade' de estratégias
políticas feministas extrateóricas" (ibid.: 261).
Por princípio Jung constata: "Em geral, no caso de teorias sociais críticas, é importante aplicar um
conceito amplo de política, que não só seja capaz de tematizar diferentes dimensões da política /
do político, mas também vá além dos aspectos dos objectos clássicos da teoria política (como o
Estado, a democracia, a política constituída) para fazer perguntas sobre dominação e
emancipação em geral como formas de teorização política. Perspectivas de investigação
baseadas numa compreensão estreita da política passam sistematicamente ao lado do conteúdo
político da crítica nas teorias críticas e feministas" (ibidem: 262).
Segundo Jung, tanto para a teoria crítica como para o feminismo trata-se de uma "crítica da razão,
da sociedade e do sujeito" (ibidem: 264). Em contraste com o pessimismo da teoria crítica mais
antiga, a teoria feminista é mais positiva: trata-se para ela da "questão da ligação e diferença,
continuidade e mudança na estruturação autoritária das sociedades modernas". Aqui, as análises
feministas apontam para constelações contraditórias (por exemplo, entre a ordem moderna do
género e as visões modernas de emancipação), das quais surgem concretamente as rupturas a
que os movimentos feministas podem ligar-se" (ibidem: 265).
Com Gudrun-Axeli Knapp, ela apela a "suportar realidades ambivalentes" (Knapp citada em Jung:
ibid.: 267). Ao fazê-lo, a teoria feminista tem de questionar-se sempre sobre o seu enredamento
nas condições dadas. Aqui, Jung volta a diferenciar-se da teoria crítica mais antiga, que rejeita
uma ligação à prática política. Ela fala contra uma postura de "mensagem na garrafa" e, em vez
disso, defende o "lançamento de tomates", ou seja, a acção política. "No entanto, a elaboração
teórica feminista está consciente da tensão entre 'dissidência e participação' [...] em que entra [...]

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 18/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

A participação aparece como um pré-requisito precário para a mudança. Não é a retirada, mas
uma ofensiva política de localização,
que clarifica criticamente a própria localização, é que
constitui a resposta feminista à percepção do carácter social e político da ciência". Além disso,
seguindo Knapp, ela escreve: "É precisamente esta (auto-)reflexividade, a possibilidade de
dissidência e de lidar com fundamentos aporéticos no 'nós' feminista que é vista como o motor
central da capacidade inovadora e da dinâmica produtiva da elaboração teórica feminista" (ibid.:
269s., ênfase no original).
Jung vê o terreno comum entre a teoria crítica mais antiga e a teoria feminista, registe-se, na
seguinte constelação: ambas "insistem num entendimento da crítica como comportamento político
crítico, que ainda não corresponde aos seus próprios conceitos, tendo em conta os elementos que
possam conter de exclusão dos sempre 'Outros', dos desvalorizados, dos considerados
desviantes e objecto de desconfiança. A crítica é condicionada pela experiência histórico-social e
tem por objectivo apontar possibilidades alternativas de acção. Ambas as variantes teóricas
defendem um certo conceito de verdade, ou a ideia de que pode ser defendida a reivindicação de
um "geral" ou de uma "razão geral". No entanto, ligam isto ao momento da prática cooperativa e
da "verdade partilhada" do maior número possível, que tem necessariamente de permanecer
aberta ao que é considerado ‘particular’". Deste modo, "[visam] iluminar contextos complexos e
contraditórios da experiência e, para isso, partem do campo de tensão entre o real e o possível"
(ibidem: 264).
 
Em Jung, pode reconhecer-se uma ontologia de resistência, contradição e ambivalência (em
contraste com Haller, que confunde diferentes níveis e faz deles uma "concepção" compacta e
manejável). O "carácter contraditório ou ambíguo da realidade social é o ponto de partida decisivo
tanto para a teoria crítica como para a teoria feminista" (ibid.: 265). Consequentemente, ela refere-
se a Becker-Schmidt/Knapp no seu livro (ibid.: 189ss.). Assim permanecendo como estas no nível
sociológico da aparência. Ela não conhece uma forma social nem a sua crítica, e define as
relações sociais não por último como um complexo, no sentido de uma ligação relacionalista de
diferentes esferas e relações de género, da qual resultariam então, por princípio, contradições,
ambivalências, não-simultaneidades e diferenças.
É assim estranho a Jung um contexto social basilar como a dissociação-valor, contexto do qual
emergem então tais tendências na superfície social, no desenvolvimento desde a modernidade
até à pós-modernidade. Deve também notar-se que um entendimento da sociedade como uma
estrutura contraditória não dá necessariamente origem a um potencial de resistência e
emancipação. Como é bem sabido, também existem, por exemplo, mulheres com orientação de
direita, que querem voltar às relações tradicionais de género por causa do duplo fardo, há também
gays e lésbicas na AfD, migrantes que são nacionalistas alemães etc. que se mostram na actual
estrutura contraditória da socialização da dissociação-valor em decadência. A natureza anti-
sistémica da teoria crítica de Adorno é determinada na e através da crítica do princípio da troca,
ou seja, contradições, ambivalências, não-simultaneidades não se sustentam, por assim dizer,
simplesmente por si. Neste contexto, a crítica do princípio da troca, na perspectiva aqui
representada, teria naturalmente de ser substituída por uma crítica da dissociação-valor como
contexto basilar, como já foi dito repetida vezes. É precisamente a relação assimétrica de género
que necessita de um conceito, pois é a relação de dominação mais obscura de todas, em vez de a
tornar à partida ainda mais confusa, através de determinações sociológicas e de uma
complexidade nebulosa.
Em Jung esta ontologia da resistência inclui também uma ideologia do progresso. A era pós-
moderna do feminismo, especialmente na década de 1990, com os seus processos de adaptação
às condições existentes e ao empreendimento académico, bem como as respectivas críticas, são
amplamente discutidas. No entanto, estas últimas acabam por ser relativizadas, até surgir uma
narrativa de resistência e contradição que, depois de muito pingue-pongue dialéctico, acaba por ir
parar à mediação de uma relação teórico-prática com inclinação prático-política, hipostasiando
esta como a última palavra em sabedoria. Assim, as observações de Jung equivalem na realidade
a uma falsificação da história. As objecções das críticas feministas, que têm resistido e continuam
a resistir à adaptação, são de facto irrelevantes. Afinal, a teoria feminista é também alimentada
por perspectivas políticas, e há também transferências de pessoal da esfera científica para a
política e vice-versa. Também o feminismo estatal há muito que tem sido alvo de críticas, como a
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 19/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

própria Jung deixa claro. A teorização feminista extra-académica, como a crítica da dissociação-
valor, por maioria de razão está ausente no trabalho de Jung. Quando ela insiste na autonomia da
teoria, refere-se sempre à produção académica da teoria crítica no feminismo, sem realmente
problematizar a sua submissão ao empreendimento académico.
É mencionado o facto de que a teoria crítica de Adorno e Horkheimer queria escapar às restrições
da universidade, mas finge-se que as suas descendentes feministas ainda estão nessa viagem,
como se a teoria crítica só tivesse batido no fundo com Habermas & Cª e não também com as
suas filhas e netas social-democratas e verdes no feminismo. Jung esboça basicamente um
cenário de resistência apenas dentro de um empreendimento científico e político
institucionalizado. Resistência e tendências para além disto não lhe ocorrem de todo. A este
respeito, um tédio da teoria e da prática feministas ainda recebe aqui a sua consagração
dialéctico-teórica. Jung sugere também que tais abordagens, mesmo marginalizadas, constituíram
ainda essencialmente o feminismo nas últimas décadas. Nem uma palavra sobre o facto de que a
crítica social radical já não contava para o desconstrucionismo, também por ela bem apreciado e
que determinou o discurso hegemónico.
Também é preciso salientar aqui que as Meninas Alfa frequentemente incriminadas, os media
burgueses como "Die Zeit" e também as actrizes de Hollywood foram os primeiros a oferecer
novamente resistência feminista na prática, e as orientações feministas e de esquerda nesse
sentido apenas depois os seguiram ou em grande parte se formaram. Isto também contradiz uma
narrativa de resistência e progresso em grande parte ininterrupta do feminismo de esquerda. Em
muitos aspectos, o novo "feminismo materialista" teve mesmo de ser forçado à sua sorte noutro
lugar.
Além disso, Jung utiliza um conceito inflacionário de política, que supostamente abrange toda a
resistência, no sentido de "o privado é político". Mesmo um confronto com o nacional-socialismo,
tal como se encontra em Adorno/Horkheimer, tem agora de ser declarado político. Aqui o conceito
de democracia é para ela sacrossanto. A democracia já não precisa de ser examinada mais de
perto e criticamente como conceito central, no sentido de que é a forma correspondente de
governo da socialização da dissociação-valor, mas é entendida como algo por si só positivo.
Mas, entretanto, outro desenvolvimento já se tornou notório desde a publicação da obra de Jung.
Embora ela ainda apresente a relação entre desconstrucionistas e feministas sócio-críticas como
harmoniosa, estalou abertamente uma disputa entre estas perspectivas – ver, por exemplo, a
discussão em torno do volume "Reflexões mordazes" (l'Amour laLove 2017), mas também a
disputa entre as professoras Sabine Hark/Paula Irene Villa e a investigadora feminista Barbara
Holland-Cunz, que levou à demissão desta última da universidade, bem como à interrupção de
todo o departamento da Universidade de Giessen porque, segundo Hark/Villa, trabalhavam não
cientificamente (cf. Rukaj 2020).
 
4. O sujeito político mulher, as realidades vividas das mulheres e a "experiência" como
base da política feminista. "Outside the Box": A queda de uma revista?
Hoje também está a experimentar um renascimento (e também na obra de Jung) o conceito de
experiência, que já no passado tinha desempenhado um papel importante no feminismo. Que hoje
se insista novamente na "experiência" (feminina) deve-se provavelmente também ao facto de
agora o "materialismo" estar de novo a erguer a cabeça, após os tempos de chumbo do
desconstrucionismo. O último número da revista feminista "Outside the box", que até agora tem
estado muito próxima da teoria crítica e de um feminismo teórico, por assim dizer, distanciado,
também faz deste tema o seu foco (Outside the box, 2019). O meu objectivo de seguida não é
rever toda esta edição, mas apresentar e criticar a referência geral que percorre como um fio
condutor toda a edição, referindo-me a artigos seleccionados.
Num debate com textos de Laura Penny e Margarete Stokowski, Constanze Stutz opõe-se a uma
hipóstase da experiência na cultura pop feminista. "Penny e Sokowski criam narrativas e
classificações para ilustrar as suas experiências de dor, sofrimento ou insucesso, como
multiplamente partilhadas e socialmente mediadas. No seu trabalho, porém, o sujeito político
mulher é substituído pela condensação das experiências individuais numa subjectividade feminina
de sofrimento [...] Outros objectos ou campos de batalha, fora do próprio narcisismo corporal e
sexual na luta pela capacidade de agir, tais como a diferenciação salarial, a distribuição desigual
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 20/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

do trabalho ou do acesso aos recursos, desaparecem na lista interminável de campos temáticos


que ainda têm de ser abordados e combatidos, mas não são objecto de análise" (Stutz 2019: 11).
Stutz critica o facto de as considerações da teoria social estarem em grande parte ausentes daqui.
"Não se desenvolve um entendimento da razão pela qual o ódio às mulheres concretas e a tudo o
que é feminino continua a abrir caminho, e de onde provém a perpétua compulsão à repetição na
história feminista" (ibidem: 13). O capitalismo e o patriarcado não são tematizados. Com
"compulsão à repetição", um conceito que Stutz adopta de Karina Korecky, ela significa que até
hoje "as feministas [têm de] lutar uma e outra vez para encontrar as suas próprias respostas a
experiências em grande parte não reconhecidas. A compulsão à repetição é impulsionada pela
dificuldade fundamental da historiografia feminista e pelo esquecimento social dos conhecimentos
já adquiridos e conquistados [...] Assim, apesar de toda a flexibilização, o velho permanece no
novo" (ibid.: 10). Por muito correcto que seja tudo o que Penny e Stokowski escreveram, segundo
Stutz, elas queriam principalmente fazer do "feminismo um estilo de vida" (ibid.: 14).
Num certo sentido, Stutz critica assim um equivocado recurso à "experiência", que acaba por
deixar de fora a teoria social e a política. No seu texto "A outra mulher. Experiências feministas
como base da política feminista", Koschka Linkerhand tenta colocar a experiência, a teoria e a
política numa apropriada relação (de tensão), insistindo numa "mulher sujeito político" como
"conceito de luta". Ela também traça a história do segundo movimento de mulheres, e aborda
particularmente o feminismo queer, em que a "experiência feminina entre igualdade e diferença"
lhe parece particularmente relevante (Linkerhand 2019: 20).
Também faz uma breve passagem pela história do movimento femininista desde 68. Enquanto no
início estavam no centro o "nós" e o sujeito político mulher, bem como a experiência feminina de
sofrimento da opressão, rapidamente se fizeram notar as diferenças no movimento das mulheres.
Lésbicas, transfeministas, mulheres judias, mulheres negras e, após a queda do Muro de Berlim,
as mulheres do Leste afirmaram a sua própria visão das coisas. "Parte da dor que as feministas
infligiram umas às outras nestas lutas resultou da dificuldade em estabelecer a experiência
feminina como base da sororidade feminista, sendo porém confrontadas com as diferenças entre
as mulheres. A Outra provou não ser simplesmente uma mulher, mas
outra mulher" (ibid.: 21,
destaque meu). Linkerhand culpa por esta situação uma mudança nas relações de produção. A
dona-de-casa e o homem como ganha-pão da família estavam agora obsoletos. As leis foram
alteradas em conformidade (por exemplo, as mulheres eram agora autorizadas a trabalhar sem a
permissão dos maridos). De acordo com Linkerhand, as exigências feministas eram compatíveis
com o sistema. Foram implementadas pelo Estado e o feminismo institucionalizou-se.
Após o colapso do Bloco de Leste, o sujeito político mulher foi posto em causa, tal como o sujeito
movimento operário. As diferenças entre mulheres brancas e mulheres de cor faziam-se agora
sentir fortemente. Além disso, um sujeito neoliberal cada vez mais normativo estava submetido a
"coerções de autoconfiguração e auto-optimização" (ibid.: 23). O feminismo queer e com ele uma
política da linguagem instalaram-se. "Como não há uma crítica materialista das relações de
género patriarcais baseada na teoria do sujeito, o ser-mulher torna-se um dos muitos géneros
possíveis, e a afirmação própria torna-se o único critério para saber quem e o que deve ser
considerado mulher ou feminino" (ibidem: 23). E ainda: "A experiência individual é assim
estabelecida como parte de uma pluralidade de mundos da experiência, que não podem ser
mediados uns com os outros nem ligados uns aos outros em termos de teoria social. A outra
mulher torna-se apenas a Outra, que é para ser aceite reconhecida na sua diferença e
inquestionavelmente. O desejo de a compreender na sua socialização concreta e nas suas
experiências quotidianas, bem como nas suas opiniões políticas – ou seja, abordá-la com
perguntas e com vontade de discutir – é considerado desrespeitoso" (ibidem: 24, ênfase no
original). De acordo com Linkerhand, o problema entre diferença e igualdade percorre assim a
história do movimento das mulheres no que diz respeito à "mulher sujeito político".
À luz da concepção de produção e reprodução de Haug, em que as mulheres são
cumulativamente responsáveis pela "produção da vida" – sendo que o patriarcado capitalista se
espalhou por todo o mundo – Linkerhand nota cultural e historicamente, com Gayle Rubin, "uma
variedade infinita e uma semelhança monótona" das relações de género. Linkerhand defende
agora que se examine o que é comum e o que é separador, tendo por fundo a práxis de vida
comum. "O interesse pelo conhecimento de uma teoria feminista materialista deveria ser avançar,
a partir das próprias experiências e da troca delas, para a análise do patriarcado capitalista. A

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 21/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

análise, por sua vez, tem de permitir-se ser questionada pelos relatos de outras mulheres sobre as
suas experiências e ser novamente mediada com elas. Centra-se num sujeito político mulher com
o qual o maior número possível de mulheres pode relacionar-se, e ligando-se ao qual podem
situar e descrever as suas lutas feministas. O objectivo prático da elaboração teórica feminista
deveria ser o de permitir às mulheres libertarem-se das coerções patriarcais. Isto envolve tanto
melhorias dentro das sociedades existentes como a transformação do patriarcado capitalista
global, numa situação social em que o género e a sexualidade deixariam de ser categorias de
dominação. Ambas as perspectivas têm de ser dialecticamente mediadas uma com a outra na
teoria feminista". Ela toma para si a reivindicação de Rosa Luxemburgo de uma "Realpolitik
revolucionária" (ibid.: 25). A experiência feminina tem de incluir também o racismo e a transfobia.
Aqui também é preciso reflectir sempre sobre a cumplicidade. Neste contexto, ela também se
pronuncia contra um feminismo radical que recai no biológico e torna impossível a cooperação
com mulheres trans (não posso entrar aqui em mais pormenores) (cf. ibidem: 26).
Linkerhand resume: "A coisa só se torna verdadeiramente interessante quando estas disposições
de um feminismo materialista são expostas em campos de crítica concretos: por exemplo, uma
crítica detalhada da socialização feminina, que faz justiça aos pontos comuns globais, mas
também às imensas diferenças; ou uma análise da luta feminista em muitos países pelo direito ao
aborto [....] Para além de uma sóbria aliança de conveniência, com base no sofrimento partilhado,
daqui resultam possibilidades que as feministas também devem considerar no interesse de uma
vida mais bela: a solidariedade empática, o impulso para aprender umas com as outras, e o
enriquecimento através da simultânea proximidade e estranheza da outra mulher". Ela própria,
pelo contrário – diz Linkerhand – se terá "movimentado em grande parte por caminhos
metateóricos" (ibidem: 27).
Depois de algumas autoras de "Outside the box" basearem as suas análises na teoria crítica e na
crítica da dissociação-valor (razão pela qual esta revista recebe aqui um pouco mais de atenção),
parecem agora estar a ser cada vez mais assumidas as posições marxistas tradicionais e
praxiológicas, por exemplo a de Frigga Haug (cf. Posster 2018), em que a "experiência" das
mulheres se torna uma categoria basilar; no entanto, continua a não ser completamente claro o
que realmente se entende por isso. Parece que este conceito tem uma plausibilidade ad hoc sem
pressupostos, mesmo que as mudanças históricas também sejam reflectidas.
Continua sem se reflectir sobre as tradições problemáticas deste conceito ou de conceitos
relacionados, como, por exemplo, da filosofia de vida ou da sociologia do conhecimento. É de
suspeitar que Linkerhand segue aqui o conceito marxista tradicional de Haug de "trabalho de
memória". Na sua concepção global, Haug refere-se a Gramsci, entre outros, no contexto de um
politicista marxismo das classes.
De acordo com isto, trata-se de "começar pelo entendimento do quotidiano e ao mesmo tempo
compilar no colectivo de trabalho o estado da teoria que entrou na consciência do quotidiano". O
trabalho de memória "relaciona-se criticamente com o movimento de mulheres e com os estudos
de mulheres (entre outros)" (Haug 2018: 31). Ligado a isto, "as formas mudam da análise para o
relatório, da experiência subjectiva para as propostas, da crítica para a esperança" (ibid.: 24, nota
1).
Esta concepção de "experiência" parece estar agora a ser expandida interseccionalmente, por
assim dizer, pela esquerda. É agora suposto apadrinhar um movimento de mulheres diferenciado
hoje em dia, em vez de tomar como ponto de partida para a análise e a crítica "práticas"uma
dissociação-valor que a si mesma se relativiza, com a sua referência a uma "totalidade concreta",
e que, aliás, já em 2000 defendeu seguir os pontos comuns e as diferenças entre as mulheres (cf.
Scholz 2011: 44s.) Neste contexto, o nível da forma está largamente ausente no trabalho de
Linkerhand quando se afirma o pressuposto abstracto da "experiência".
A "experiência" e a subjectividade são também pontos de partida centrais para Katharina Lux na
mesma edição de "Outside the box". Para além de posições no movimento das mulheres dos anos
setenta, que se referem positivamente à auto-experiência no feminismo, ela adopta uma
abordagem particularmente crítica da anterior revista feminista "A mensageira negra". "Não é,
portanto, surpreendente que A Mensageira Negra encontre o seu metier na crítica da literatura, da
filosofia e da arte – um campo em que a consciência feminista se pode manter pura da suja
prática colectiva dos grupos de encontro" (Lux 2019: 70, ênfase no original). No entanto, talvez as
autoras da "Mensageira negra" estivessem cansadas de serem constantemente afectadas como
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 22/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

mulheres e feministas, e de terem de se conformar com as atribuições e clichés de sensibilidade


feminina, e simplesmente tomaram a liberdade de adoptar uma visão de crítica teórica,
distanciada dos ditames de preocupação nos contextos das cenas feministas da época! Isto é
claro a partir das citações feitas por Lux da Mensageira Negra. Ela opõe-se tal ponto de vista:
"Nos grupos de encontro, formaram-se amizades, quem não ousava falar falou, quem se tinha
sentido inferior desenvolveu auto-confiança. A prática do encontro foi também uma tentativa de
moldar a vida de uma forma auto-determinada e colectiva, e de estabelecer relações entre
mulheres" (ibid.: 70s., ênfase no original). Qualquer pessoa que estivesse em tais grupos de
encontro nessa altura (como eu) sabe que as hierarquias informais rapidamente se
desenvolveram ali, e que a articulação era um pré-requisito para se expressar em tais grupos, que
normalmente consistiam em mulheres (brancas) da classe média; em breve toda a organização se
fundiu num "movimento psicológico" em que se tratava de "trabalhar a si mesmo" e formar um "eu
empresarial" (Ulrich Bröckling), indispensável para o "novo espírito do capitalismo"
(Boltanki/Chiapello). Lux também sabe isso quando escreve que "a autotransformação [...] tornou-
se a auto-optimização da mercadoria força de trabalho" (ibid.: 72). No entanto, há nela uma certa
romantização dos grupos de encontro no anterior movimento das mulheres.
Lux tenta clarificar a ideia de encontro com referência a Ute Daniel como se segue: "À
semelhança da propriedade privada, que na realidade se baseia no trabalho social, o encontro –
por muito pessoal que seja – também está embutido no processo de interpretação social. É
verdade que as experiências não podem ser feitas e as interpretações não podem surgir fora do
horizonte da sociedade capitalista. No entanto, não estão completamente determinadas". Ela cita
como exemplo grupos de encontro no feminismo! E termina o seu texto: "Pode ser importante
reflectir sobre a socialidade da experiência e fazer experiências colectivas" (ibid.: 72, ênfase no
original). O que aqui permanece insuficientemente reflectido e reavaliado são as experiências
históricas com grupos de encontro no feminismo por parte das "preocupadas" da época, que
agora, de algum modo, estão de novo a ser colocadas no coração por Lux, contra o seu melhor
julgamento. A razão pela qual estes grupos, se eram tão fantásticos (na sua suposta dicção
feminista sócio-crítica), desapareceram de novo tão rapidamente, não é respondida por Lux. No
entanto, é precisamente a dimensão histórica da experiência em "Outside the box" que deve ser
tida em conta! (cf. Posster 2018). É possível que este seja um problema geracional, mas teria de
ser esclarecido no contexto da dissociação-valor.
Ao mesmo tempo, estão a surgir novos constrangimentos de cena. Enquanto em "Reflexões
mordazes" (Patsy l'Amour laLove 2017, ver acima) um autoritarismo na cena queer foi
veementemente e muito justamente denunciado, Linkerhand & Cª pregam agora uma nova moral
de cena em "Outside the box", que é estabelecida por uma necessidade de ser político. Tanto
quanto uma crítica ao feminismo individualizado do estilo de vida, como por exemplo em Stutz,
pode ser justificada – isto expressa um desconforto com a existência individualizada da mulher de
hoje, que como tal representa um desconforto geral de "ser mulher"; tal desconforto individual diz
frequentemente mais sobre as estruturas sociais do que um forçado entrar na política e na
estrutura, embora isto também deva ser diversamente relativizado; especialmente desde que uma
fase pós-moderna do estilo de vida em si já desapareceu há muito tempo. Contudo, isto também
tende implicitamente a denegrir uma distância crítica e um pensamento teórico crítico, que
contradiz as certezas da cena política e é indispensável para permitir que a teoria e a prática
feministas se tornem auto-reflexivas e não caiam nas condições mesmo na aparente crítica, como
foi demonstrado no passado, por exemplo, na medida em que um feminismo pós-moderno ajudou
o neoliberalismo. A crítica "política" de esquerda ao feminismo do estilo de vida torna-se assim um
programa anacrónico, que ainda quer estabelecer um regime político em incertos tempos de
decadência – por outras palavras, em formulação polémica, anseia mais uma vez pelas "insígnias
partidárias e fardas dos coronéis" (Umberto Eco): a teoria é basicamente suposta andar de novo
de mãos dadas com a prática e a política, apesar de todas as subtilezas dialécticas e da alegada
consideração de particularidades.
Na minha opinião, a resistência feminista mostra-se precisamente ao resistir a um ditame absoluto
e potencialmente autoritário de práxis, e ao permitir-se tratar a relação assimétrica de género
como uma variável filosófica e distanciada, no sentido da teoria da dissociação-valor, que, como
disse, não exclui de modo nenhum um compromisso teórico-social prático, mas não se identifica à
partida com ele.

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 23/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

Por exemplo, já escrevi antes: " [...] contrariaria o próprio conteúdo da teoria da dissociação-valor
afirmar a totalidade negativa como um ponto de referência teórico e também prático ‘de cima’, por
assim dizer. O feito, que não é de modo nenhum fácil de alcançar, consiste [...] em suportar a
tensão entre o geral, o particular e o individual, entre pontos comuns e diferenças, precisamente
ao nível do compromisso de prática social. Assim, mais uma vez: nem a dissolução da totalidade
nas diferenças, nem a dissolução das diferenças na totalidade. E, praticamente falando, tanto no
quadro regional como no quadro global" (Scholz 2005: 264). Isto é verdade não só no contexto
mais estreito das "mulheres" e do feminismo, mas também para as diferenças e disparidades
sociais no contexto da sociedade da dissociação-valor como um todo. No entanto, Linkerhand faz
frente nas organizações contra a minha alegada total hostilidade à práxis. Seria sem dúvida cínico
insistir apenas numa teoria abstracta hoje em dia, mas é bastante errado tomar como algo
imediato, no sentido de um marxismo tradicional modificado, a relação hierárquica de género; em
vez disso, esta tem de ser erguida a um nível devidamente elevado de abstracção, para
finalmente chegar a um entendimento assim (quebrado) (também) da prática, tendo por fundo a
teoria da dissociação-valor. A este respeito, a "mensagem na garrafa" (Horkheimer/Adorno) é
indispensável para o feminismo, e hoje mais necessária do que nunca. Além disso, as mulheres
em particular sempre foram proibidas de entrar em paisagens abstractas e distanciadas; as
mulheres sempre foram consideradas práticas per se, e um feminismo pós-pós-moderno à la
Koschka Linkerhand ainda segue o exemplo, por muito elaborado e teórico que seja e pseudo-
dialecticamente pretenda contradizer um postulado de preocupação (cf. Linkerhand, 2018). Neste
contexto, também na "Outside the box" as contradições são, por assim dizer, o bem teórico mais
elevado, no qual tudo pode ser resolvido, mas que em última análise desemboca na teoria da
práxis.
Decisivo aqui seria reflectir que a própria experiência já é o resultado do processo social de
socialização da dissociação-valor, que não existe em abstracto, mas que tão pouco pode ser
estabelecida em falsa concretude. A este respeito, é de esperar que a posição de Koschka
Linkerhand & Cª não dure muito tempo. Também problemático é que em Linkerhand, com Frigga
Haug, sejam determinadas "relações de género como relações de produção"; em contraste, da
perspectiva da dissociação-valor, as mulheres e as actividades dissociadas são precisamente o
Outro da produção; assim, também não podem ser derivadas das relações de produção, por
assim dizer como "base".
A crise fundamental do patriarcado capitalista e a sua decadência são completamente deixadas
de fora por Linkerhand. Quando Linkerhand fala das "realidades vividas das mulheres", isso não é
mais explicado. Mas torna-se claro, quando ela diz com Federici, entre outras coisas, que nas
favelas do "Terceiro Mundo" as mulheres se juntaram na sua miséria para assegurar a reprodução
da família e da comunidade, e também cooperaram com os homens desta comunidade para este
fim, sendo que as mulheres, por outro lado, resistiram à violência no casamento e na família. A
partir desta constelação, é agora suposto ganharem a necessidade de sair da miséria de
administradoras da crise (Linkerhand 2020). Involuntariamente vem-me à ideia que o vento sopra
do lado operaista. Isto tem muito a ver sobretudo com o pathos do movimento de esquerda, mas
tem pouco a ver com as "realidades vividas" destas mulheres de carne e osso. Estas "realidades
vividas" das mulheres tornam-se uma frase. Linkerhand refere-se aqui a uma feminista do círculo
(crítico) do Islão e transfere isso para as condições locais (cf. ibid.).
As fundamentalistas islâmicas são deixadas de fora. Hoje em dia, seria mais apropriado perguntar
até que ponto a exigência de solidariedade das mulheres e de um sujeito político feminino vai ao
encontro das condições sociais de decadência em que as mulheres têm de unir forças,
simplesmente devido à erosão do trabalho remunerado e da família, para gerir a sua vida
quotidiana, quando os homens estão a tornar-se cada vez mais incertos. As mulheres só podem
emancipar-se para lá da subjectividade política e da política de identidade, unindo forças para se
defenderem contra elas.
Neste contexto, uma teoria feminista "separada" deve ser defendida precisamente em nome da
efectiva abolição prática das relações patriarcais capitalistas, sobretudo na crítica da vida
quotidiana, da "vida real" e da normalidade (secretamente desejada por muita gente) que não quer
mais do que uma vida monótona nos moinhos de degraus e na família. Só assim pode a teoria
feminista, em aliança dialecticamente mediada com a práxis, realizar o seu objectivo. Sim, a
questão é se a TEORIA tem um carácter transcendente, especialmente numa situação como a

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 24/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

actual, em que prevalece um entusiasmo geral pela prática e pelo movimento, e se uma teoria
feminista não deveria aqui aprender alguma coisa com Adorno, para depois ir além dele na crítica
da dissociação-valor. Mesmo que esta última saiba que a própria teoria é uma componente da
sociedade capitalista patriarcal, isto pode ser urgentemente exigido hoje, especialmente também
na decadência do patriarcado capitalista (e não só depois do nacional-socialismo). Nisto, como
disse, numa atitude feminista de mensagem na garrafa se mostraria, a meu ver, uma verdadeira
actividade subversiva de partisans do feminismo nos dias de hoje. Uma crítica social que não se
limite a uma falsa práxis e a determinações de agit-prop da vida supostamente real (das mulheres)
tem de fazer avançar tal necessidade no sentido de uma "crítica imanente", contra o pano de
fundo de tendências sociais realmente contraditórias hoje em dia. Tratar-se-ia de relações de
género "a longo prazo" e não apenas de uma perspectiva no aqui e agora, que no seu
reducionismo provavelmente não vai durar muito tempo.
Adorno também sabe que a teoria crítica não pode simplesmente ignorar a experiência, mas não
faz dela o ponto de partida abstracto da sua "dialéctica negativa". No entanto, são-lhe estranhas
considerações praxiológicas e a insistência numa "imediatidade imediata". As suas observações
seguintes são válidas, mesmo que ainda tivessem de ser colocadas num contexto de crítica da
dissociação-valor (para mais sobre isto, ver Scholz 2011): "No entanto, quanto mais criticamente
se compreende a autonomia da subjectividade, quanto mais ela se torna consciente de si
enquanto algo por sua parte mediatizado, tanto mais imperativa se torna a obrigação do
pensamento de confrontar-se com aquilo que lhe proporciona a firmeza que não possui em si
mesmo. De outro modo, não haveria nem mesmo aquela dinâmica com a qual a dialéctica
movimenta o peso daquilo que é firme. Não se deve recusar pura e simplesmente toda
experiência que se apresenta de maneira primária". Mas é tanto mais verdade que a própria
imediatidade deve ser entendida como mediada: "Para a dialéctica, a imediatidade não
permanece como aquilo pelo que ela se apresenta imediatamente. Ela se transforma em momento
ao invés de ser fundamento" (Adorno 1966: 49s. [2009: 41]). Isto também é verdade em relação
ao próprio pensamento: "À tese abstrata da condicionalidade de todo pensamento é preciso
lembrar concretamente a sua própria condicionalidade, a ofuscação em relação ao momento
supraindividual pelo qual apenas a consciência individual se torna pensamento. Por detrás dessa
tese encontra-se o desprezo do espírito em favor do predomínio das relações materiais como a
única coisa que conta aí. Em verdade, as perspectivas divergentes possuem sua lei na estrutura
do processo social como uma totalidade preordenada" (ibid. 46s. [2009: 38s.]). Em Linkerhand &
Cª perde-se ideia de uma socialização fetichista em geral, para já não falar no sentido de uma
socialização da dissociação-valor, de uma sociedade que se torna independente em relação aos
indivíduos que eles próprios a produziram.
Na ‘Outside the box’ da "experiência", no entanto, existem definitivamente também contradições
que apontam para uma relação dividida da relação teoria-práxis apresentada até agora, que se
resume à prática política (não posso entrar aqui em mais pormenores). Só se pode esperar que
esta divisão não conduza a uma situação em que "Outside the box" se torne completamente
"Inside the box", ganhando vantagem o peso da práxis e da experiência, com uma referência
nostálgica ao segundo movimento de mulheres e ao marxismo tradicional. É disto que se vai tratar
novamente no resumo que se segue.
 
5. Resumo: Feminismo, marxismo, teoria crítica e dissociação-valor como contraditório
contexto de socialização em decadência. A insistência na experiência, na "realidade
vivida", no marxismo tradicional, na classe e afins em tempos incertos
Do ponto de vista da crítica da dissociação-valor, pode constatar-se nos últimos anos, em
contextos feministas de orientações completamente diferentes, uma maior insistência em
experiência, "realidade vivida", práxis, marxismo tradicional, classe, sujeito (mais ou menos
implicitamente também "trabalho") e afins, após uma fase de desconstrucionismo (ao qual é
atribuído frequentemente "distanciamento", ainda que também ele vise de facto particularidades –
cf. Scholz 2011): As contradições, ambivalências, diferenças, não-simultaneidades sociais etc. são
altamente valorizadas, especialmente nas abordagens que seguem a teoria crítica. Todavia: não
são tidas em conta as contradições, ambivalências, diferenças etc. na decadência do patriarcado
capitalista, nem a crise fundamental que a acompanha. Tal análise prossegue uma ontologia de
contradição e resistência. Permanece completamente no imanente; o facto de estas contradições
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 25/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

poderem um dia levar-se a si próprias ao absurdo permanece completamente fora de


consideração.
Uma posição agit-prop é apresentada veladamente, por exemplo, no ping-pong dialéctico de Jung
entre teoria e prática, mas também em Linkerhand, com as supostas "realidades vividas das
mulheres", que não passam de um lugar comum. Até Linkerhand volta a saber isso depois em
"Outside the box", quando afirma que a sua invocação do sujeito político mulher é apenas um
metanível, situação em que (já) não quer saber nada da crítica da dissociação-valor, que
estabelece um metanível na exigência de levar a sério a relação hierárquica de género como
dimensão filosófica – agora de forma realmente abstracta.
Neste contexto, seria necessário esclarecer o que significa "metanível" em termos de crítica da
dissociação-valor. É o que, de acordo com a forma social, não se funde simplesmente nas
categorias marxianas do valor, como pensam as abordagens androcêntricas, pelo contrário, é a
dissociação do feminino, no sentido das actividades reprodutivas, e também a subvalorização das
qualidades conotadas como femininas (sensibilidade, emocionalidade, cuidado, fraqueza de
carácter e de entendimento etc.), e, em termos psicossociais, um tipo de dissociação do feminino
em indivíduos masculinos e femininos diferente em cada caso, é isso que constitui este metanível
em geral. Não se trata aqui de uma definição formal, puramente epistemológica, de provas
filológicas ou de um platonismo de modelos como um super-nível acima de tudo, pelo contrário, a
categoria da dissociação-valor é uma categoria real, que tem de ter em conta à partida
desenvolvimentos empíricos históricos concretos, no sentido de uma totalidade concreta e da sua
processsualidade (cf. Scholz 2009). É isto essencialmente o que se entende quando falamos da
dissociação-valor como forma fundamental do patriarcado capitalista, que por sua vez conhece
"metateóricamente" a sua própria relatividade, mas tem de afirmar-se absolutamente como tal,
para como tal poder existir quebrada.
 
Em contraste, é apenas lógico que "Outside the Box" depois mergulhe na construção de um ponto
de vista de classe. "Outside the Box" torna-se "Inside the Fox" quando entrevistam a iniciativa
"Solidariedade contra o coronavírus" que se centra na classe (redacção de Outside the Box 2020).
Fox deve rimar com box, supõe-se, e em todo este embaraço rimado se mostra que se trata
apenas de uma questão de esperteza saloia, que tenta de algum modo encontrar o caminho e
orientar-se nas relações contraditórias de dissociação-valor, sendo que Charlotte Mohs tem usado
o antagonismo das classes há muito tempo visando uma amálgama de feminismo e socialismo
(Mohs 2018). Agarrar a relação hierárquica de género como uma variável filosófica na sua
dimensão real é assim mais uma vez evitado e subsumido na categoria da classe, como no
apogeu do pós-modernismo/pós-estruturacionalismo queer. De algum modo, apesar de todas as
invocações de um "sujeito político mulher", não é obviamente permitido que a hierarquia de
género seja um tema central, mas pretende-se que ela seja sempre subsumida sob algo
essencialmente anterior, o que aponta para um inconsciente social patriarcal (Scholz 2011).
Seria crucial, em vez disso, conduzir uma investigação inteiramente "materialista" no contexto da
teoria da dissociação-valor (!) sobre a razão pela qual o feminismo está a tornar-se novamente
relevante hoje em dia e, ao fazê-lo, apontar também as possíveis armadilhas para o feminismo no
patriarcado decadente. Por muita que seja a alegria por haver novamente movimentos feministas
há alguns anos, não se deve deixar que a distância da teoria ao movimento/política fique fora de
controlo (cf. também Böttcher 2020).
Os movimentos têm sempre, inevitavelmente, algo de chamativo e simplificador, que abstrai da
complexidade das condições. Apontar isto é tarefa da teoria, que é de facto carregada por um
momento somático da crítica social, por amor da coisa e justamente deste momento somático e
da "experiência", mas não pode simplesmente entregar-se-lhe.
Aqui também não pode ajudar nenhuma dialéctica entre teoria e prática, por princípio neutra em
termos de género; aqui não se pode simplesmente recuar para a "mediação", não se trata de um
"trabalho sobre a diferença" (Gudrun-Axeli Knapp), que sempre tivemos no pós-modernismo, mas
do trabalho do conceito. O próprio conceito de experiência teria ainda de ser questionado pela sua
condicionalidade – também nada limpa – num contexto de filosofia da vida. É preciso salientar que
tal conceito só pode subsistir em contextos históricos concretos, na sua limitação dialéctica, e não
é por princípio a causa primária da crítica social, como a sabedoria pseudodialéctica nos quer

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 26/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

fazer crer. Assim nos aproximaríamos das verdadeiras "realidades vividas" das mulheres e da sua
análise, que não pode ser feita sem uma crítica fundamental da dissociação-valor, a qual nem
sempre está à espreita das possibilidades de acção. Só assim se pode abrir a porta a uma
sociedade diferente, sem falso positivismo. Na medida em que tal caminho não é tomado, a
posição ameaça sempre derivar para uma posição de classe, que é aparentemente a raiz de tudo.
Aqui Speck defende uma distância científica, em oposição a uma perspectiva política e de
preocupação, mas apenas no contexto de uma epistemologia "crítica" sociologicamente limitada,
fora da problemática da forma (Speck 2018: 66).
Isto remete-nos para o ponto de partida do ensaio. Não se trata de ensinar pedagogicamente às
mulheres uma consciência feminista, um ponto de partida que hoje se refere de novo
frequentemente, como outrora se referia ao "Terceiro Mundo", agora às mulheres indisciplinadas
da América Latina, cujo ponto de partida, no entanto, é em si mesmo muitas vezes irreflectido. Ou
o formam devido às contradições sociais ou não. Uma tal consciência não pode ser determinada
"de cima", no sentido de um "sujeito político" tornado anacrónico. É necessário abster-se – por
assim dizer – do leninismo feminista. Um impulso pseudopopulista e um correspondente
entendimento teoria-práxis, que visa a experiência/prática como entidade, só dificulta e não ajuda
nada a ir além das miseráveis condições dadas, especialmente quando são necessários maciços
esforços subjectivos – mas para além de um desejo (!) voluntarista.
Além disso, uma perspectiva de trabalho da experiência e de trabalho da memória assume a
perspectiva daqueles que supostamente já sabem e só querem ser informados com maior
precisão; isto simplesmente nada tem a ver com as "realidades vividas" de facto pelas mulheres;
afunda-se numa posição de agit-prop induzida pela classe média, na autopiedade da mulher
branca, por assim dizer. Neste contexto, ignora-se também o facto de hoje em dia existirem
identidades intermédias, identidades em que é difícil a classificação numa comunidade. Não só
existem mulheres de negócios cosmopolitas, por exemplo negras, e "identidades trans", mas
também há numerosas "pessoas de cor" masculinas proeminentes, ou "pessoas com
antecedentes migratórios" que estão à direita, tais como Ken Jebsen, Xavier Naidoo, Attila
Hildmann, o líder dos "Proud Boys" nos EUA é um afro-cubano, mas também podem ser aqui
citadas posições de liderança lésbicas femininas na AfD, como Alice Weidel.
Em vez disso, Koschka Linkerhand (que, a propósito, se refere continuamente a concepções com
um conceito positivo de trabalho – sobretudo Haug e Federici) escreve a propósito da sua viragem
para uma práxis da experiência e do movimento: "A edição da Outside the box sobre o tema do
trabalho baseia-se também no facto de todas na redacção terem estado num meio estudantil,
terem estudado humanidades e montado o seu plano de vida, mas ainda sem terem como
actividade principal o trabalho assalariado. E depois da edição chegou o momento em que muitas
foram ameaçadas com o trabalho assalariado e o pânico irrompeu. Depois disso, houve também
um confronto com a vida real, que consiste principalmente no terrível trabalho assalariado. Para
mim, foi também uma época de mudança radical" (Charlotte e Koschka 2019). Isto é revelador,
não só duma determinada geração, mas de toda a esquerda (feminista) numa situação histórica
particular, nomeadamente a do declínio do patriarcado capitalista em geral, e porque é que uma
crítica radical do valor como tal não abre caminho, mas, se for de algum modo atendida, é
imanentemente reinterpretada – e isto acontece muitas vezes; sem ser citada explicitamente, ela é
assim simplesmente incorporada e adaptada de acordo com o establishment intelectual. Uma
posição que diz que a vida quotidiana e de classe média está em colapso, como a crítica da
dissociação-valor, tem assim de ser descartada, porque se pretende manter a todo o custo tal vida
quotidiana e tal normalidade.
Assim, é de notar que no decurso da pesquisa se tornou claro que todas elas querem ir para um
nível empírico-prático (basicamente apenas com excepção de Vogel, que – mesmo que orientada
para a luta de classes – vem do canto estruturalista de Althusser, e é a este respeito que também
inclui lutas). Arruzza gostaria de unir o feminismo com o marxismo da classe operária de forma
verdadeiramente pacífica e amigável, Federici gostaria disso numa variante operaista, Tove
Soiland de facto numa perspectiva da teoria da regulação, que, no entanto, faz dos cuidados e do
trabalho assalariado a principal contradição. Gabriele Winker quer que algo de transcendente
surja a nível dos conselhos municipais através dos cuidados, os quais, por outro lado, devem ser
subordinados ao trabalho da mais-valia. Beatrice Müller, transformando a teoria e a crítica da
dissociação-valor numa crítica da abjecção-valor, tenta agora misturar estes níveis com o

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 27/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

psicossocial, conduzindo o problema a uma solução de reforma social e tornando esta frutuosa
para investigações empíricas.
Não menos é de notar que o político-prático e o empírico constituem o ponto de fuga central das
concepções baseadas na teoria crítica. A intenção de Lisa Haller aqui é – basicamente –
encontrar uma forma de cruzar as considerações da teoria da dissociação-valor (uma fonte de
inspiração que Haller não identifica explicitamente, no entanto) com pressupostos interaccionistas,
na empiria da família, das relações pais-filho, sendo que as suas investigações servem mais para
o aconselhamento político e sócio-pedagógico do que para a crítica radical. Elas vão assim dar
aos cuidados neste sentido ainda como momento sistémico transcendental.
Barbara Umrath fornece uma nova interpretação da teoria crítica contra um fundo feminista, mas
rejeita uma abordagem negatória, que na minha opinião seria o pré-requisito para uma abordagem
selectivamente prática (!) das relações, e termina com uma interpretação ingénua e patética de
Marcuse, apesar de todas as críticas feministas à sua adulação da feminilidade há mais de 40
anos. Tina Jung retoma onde Adorno e Horkheimer pararam, mas quer a todo o custo salvar a
dimensão da acção no que diz respeito ao feminismo. Ignorando em grande medida as tendências
afirmativas do desconstrucionismo, ela quer construir no feminismo um movimento de resistência
que chega até aos dias de hoje e ainda inscreve uma adaptação do feminismo estatal e
institucional num continuum de relação dialéctica teórica e prática de um feminismo per se
construído como resistente, pelo que, para ela, a causa primária de tudo é uma experiência
abstracta que não é mais elaborada (e que de facto também não pode ser elaborada
abstractamente).
Koschka Linkerhand e Outside the box postulam de facto a "experiência" pura e simples, embora
supostamente queiram ver experiência e conhecimento num contexto, ignorando o facto de que
uma socialização fetichista de dissociação-valor já precede sempre o entendimento dos
indivíduos.
Assim estão elas hoje em dia em plena sintonia. Na mesma linha, o anúncio de uma antologia
"Teoria crítica e feminismo" a ser publicada 2022 afirma: "As contribuições, entre outras de Regina
Becker-Schmidt, Seyla Benhabib, Nancy Fraser, Rahel Jaeggi, Sarah Speck e Barbara Umrath,
tratam de questões de subjectividade e identidade, ideologia e discriminação, bem como de
trabalho e corpo. Por um lado, ligam-se a debates passados e, por outro, iluminam novos
aspectos de uma teoria crítica feminista" (Stögner/Collings 2022), tudo isto tendo por fundo
"sociólogas de renome", como se diz no texto de apresentação. Aqui se deixa de fora a extra-
académica crítica da dissociação-valor da teoria crítica feminista, que, no entanto, formulou esta
fundamentalmente em termos de teoria da dissociação-valor e não principalmente em termos de
teoria do sujeito.
Em demarcação de tais concepções, é pois necessário insistir na força da negação e não da
adaptação ao establishment. Só assim – se funcionar – se poderá mover de algum modo qualquer
coisa na Realpolitik, em vez de apelar a uma "Realpolitik revolucionária" com Rosa Luxemburgo,
como faz Koschka Linkerhand (ou a um "reformismo radical", a que Joachim Hirsch tem vindo a
apelar há décadas com referência ao capitalismo tardio – cf. também Kurz 1994).
Assim, seria de retomar as vantagens da teoria crítica. Mesmo que ela, problematicamente, insista
com nostalgia num desbotado sujeito burguês como pré-requisito para a emancipação após a
experiência do nacional-socialismo, e insista redutoramente na troca em vez da dissociação-valor
como facto fundamental, ela não tem um entendimento sociológica do capitalismo no sentido das
classes como o marxismo tradicional, ao qual Becker-Schmidt, no entanto, quer voltar, e no
sentido da sociologia burguesa como contexto primário relacionalista, mas agora também no
sentido do género.
A relação assimétrica de género continua a ser lavrada também no trabalho de Umrath; em última
análise, ela chega a "múltiplas formas de dominação" como consequência da teoria crítica.
Continua escondido o fundo teórico da dissociação-valor como contexto social basilar, que permite
os níveis macro (dissociação-valor), meso (raça-classe-género) e micro (para determinar o nível
dos indivíduos eventualmente muitas vezes divididos) em relação entre si. A propósito, esta crítica
também se aplica a um entendimento relacionalista de raça, classe, género e anti-semitismo de
Karin Stögner, que não chega à determinação da forma no sentido da crítica da dissociação-valor,
mas tem um entendimento mais tradicional da forma, que equivale ao marxismo das classes, e

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 28/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

também uma referência afirmativa ao iluminismo. O que não pode ser aqui discutido em pormenor
(ver, por exemplo, Stögner 2019).
A crítica da dissociação-valor tem de cuidar de todos os problemas sociais, também para além do
"género" e para além de todas as identidades de grupo e individuais (e para além de "mulheres"
na assunção de um "sujeito político"). Escusado será dizer que, neste contexto, tem de preocupar-
se, entre outras coisas, com melhores salários e condições de trabalho no sector dos cuidados.
Umrath possivelmente não chega a uma crítica da dissociação-valor, que sabe do carácter geral
da relação de género, e precisamente por isso – porque não pode afirmar o estatuto androcêntrico
do sujeito da contradição principal – tem de relativizar-se para poder afirmar-se como geral, o que
tem de ter pouca importância particularmente no capitalismo com o seu alto grau de socialização e
a dominância da esfera pública; ela permanece aqui ao mesmo nível da "teoria crítica", que
integrou a relação hierárquica de género, mas não a inclui sistematicamente; também no seu caso
existe um "desmantelamento" (Tove Soiland) com outras formas de dominação, no contexto da
primazia de práxis-política-sujeito, em vez de se referir a uma relação de dissociação-valor que a
si mesma já sempre se limita e é contraditória. A minha esperança é – como disse – que no
processo, pelo menos Outside the box não se torne agora "Inside the box" para quem quer algo
semelhante a Umrath.
Na maioria das concepções marxistas feministas mais recentes, a "classe" é mais uma vez tratada
como uma categoria central e, portanto, também no fundo subjacente à relação assimétrica de
género como categoria de análise. Em contraste, a crítica da dissociação-valor, como categoria
basilar em si quebrada, tem em conta a partir da sua lógica interna outras relações sociais de
disparidade, porque já não pode pressupor um sujeito masculino epistémico autónomo, que crê ter
de se afirmar abstractamente. Precisamente como tal, a dissociação-valor como forma basilar do
patriarcado capitalista e a crítica que a acompanha da lógica da identidade têm de afirmar-se
radical e absolutamente como uma forma que é em si contraditória e que também se relativiza.
Aqui ela também tem de contar com o poder do negativo, numa altura em que o feminismo e a
esquerda animados pelo movimento voltam a carecer de distância crítica e de reflexão teórica
face às suas acções, e não é raro ver-se hostilidade para com os intelectuais.
Falta uma "Mensageira Negra", especialmente hoje em dia, no clamor pela prática à qual a teoria
teria de ser subordinada (cf. a nova edição: Vukadinovic 2020). A conhecida exigência de
esquerda: "E onde está o positivo? (Erich Kästner) tem de ser combatida, especialmente hoje em
dia, se nada de realmente positivo pode ser identificado. Em muitos casos, o pêndulo balança a
favor da prática quando se fala de uma dialéctica teoria-práxis. A teoria é principalmente um
apêndice do movimento e destina-se a legitimá-lo. Por mais que a crítica a um estilo de vida
feminista seja acertada (ver acima), tão pouco um feminismo contemporâneo, a quem não é
permitido ser mau para o espírito do tempo, pode invocar uma desbotada subjectividade política.
A insistência num "sujeito político mulher" é também um anacronismo, na medida em que a
política, mas também o próprio sujeito, se encontram agora numa crise fundamental. A este
respeito, é errado subsumir sob estas categorias a necessidade de as mulheres unirem esforços
para combater as relações capitalistas patriarcais. Uma visão que se move ao nível das ideias de
luta e de acção, relativizando a elaboração teórica, paga aqui o preço de ser anacrónica e também
"inverídica". O discurso do "sujeito político mulher" obscurece o facto de as mulheres se terem
tornado hoje mais relevantes na esfera política como um todo, porque a política e a categoria
sujeito há muito que caíram numa enorme crise estrutural, na decadência do próprio patriarcado
capitalista.
Neste contexto, hoje em dia é preciso ter centralmente em conta o processo histórico da
dissociação-valor, desde a formação da dupla sexualidade até ao asselvajamento do patriarcado.
Isto é para ser mantido, para além de todas as conjunturas (políticas). Mesmo que haja uma
"compulsão à repetição", isso não deve levar a supor que é sempre o mesmo. As mudanças na
pós-modernidade são prontamente esquecidas no "feminismo materialista" de hoje em dia, a fim
de poder voltar às categorias clássicas e de longa data. Existem, contudo, modulações históricas
como um todo que mostram que também pode ser de outra maneira, ou seja, que a socialização
patriarcal capitalista da dissociação-valor também pode estar a chegar ao seu fim (mesmo
bárbaro!). Hoje vivemos numa era de restauração. Isto é verdade não só para os programas de
direita e de frente transversal, mas também para as esquerdistas e feministas queer (queer de

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 29/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

esquerda), que acreditam poder lidar com a realidade de hoje recorrendo ao marxismo tradicional
e ao feminismo tradicional com categorias ultrapassadas.
Por outro lado, a insistência na experiência, na realidade vivida, na tradição, no sujeito e na
classe, nos cuidados em tempos incertos também traz à cena contra-reacções vitalistas (embora
as duas tendências possam também sobrepor-se). A "vida", como contrapólo dialéctico do espírito
do tempo à classe e ao marxismo tradicional, é suposto estabelecer "o todo", por exemplo, na
obra de Eva von Redecker. Vitalistamente, ela acaba em vida abstracta e "posse material" (von
Redecker 2020). Mas isto tem de ser tratado noutro lado e seria um novo tema.
O coronavírus foi apenas um acelerador deste processo, para utilizar aqui esta formulação sem
graça, razão pela qual não foi aqui tratado em pormenor, mesmo que uma relativa retoma fosse
registada posteriormente, o que, no entanto, resulta apenas das profundidades da queda já
medidas. É de notar que na esquerda (feminista) mainstream de várias cores existe hoje um
altamente problemático sentimento contra a abstracção, que pode ser favorável justamente às
tendências anti-semitas que estão a aumentar bastante (cf. Postone 1988).
 
Bibliografia
Adamczak, Bini (em conversa com Friederike Beier): Feminismus im Herzen der Revolution
materialisieren [Materializar o feminismo no coração da revolução], in: Beier, Friedericke/Haller,
Lisa Yashodhara/Haneberg, Lea: materializing feminism. Positionierungen zu Ökonomie, Staat und
Identität [materializing feminism. Posicionamentos sobre economia, Estado e identidade], Münster,
2018.
Adorno, Theodor W.: Negative Dialektik, Frankfurt/Main, 1966. Trad. port. (seguida nas citações):
Dialética Negativa, Zahar, Rio de Janeiro, 2009
Adorno, Theodor W.: Zum Verhältnis von Soziologie und Psychologie [Sobre a relação entre
sociologia e psicologia], in: Soziologische Schriften I [Escritos sociológicos I], Frankfurt/Main,
1998, 42–85. Trad. port. em: Ensaios sobre psicologia social e psicanálise, Unesp, 2015.
Adorno, Theodor W.: Gesellschaft [Sociedade], in: Soziologische Schriften I, Frankfurt/Main,
1998a, 9–20.
l’Amour laLove, Patsy (Hrsg.): Beißreflexe: Kritik an queerem Aktivismus, autoritären Sehnsüchten,
Sprechverboten [Reflexões mordazes – Crítica do activismo queer, de desejos autoritários e de
proibições de falar], Berlin, 2017.
Arruzza, Cinzia: Feminismus und Marxismus. Eine Einführung [Feminismo e marxismo. Uma
introdução], Karlsruhe, 2017.
Becker-Schmidt, Regina: Konstruktion und Struktur: Zentrale Kategorien in der Analyse des
Zusammenhangs von Geschlecht, Kultur und Gesellschaft [Construção e estrutura: Categorias
centrais na análise da relação entre género, cultura e sociedade], in: Graf, Julia/Ideler,
Kristin/Klinger, Sabine (Hrsg.): Geschlecht zwischen Struktur und Subjekt: Theorie, Praxis,
Perspektiven [Género entre estrutura e sujeito: Teoria, práxis, perspectivas], Leverkusen-Opladen,
2013.
Becker-Schmidt, Regina: „Frauenmarkt“, Luce Irigarays Blick auf die wertsteigernde Ökonomie
männlicher Repräsentation, welche als Quelle von Ausbeutung von Marx übersehen wurde ["O
mercado das mulheres", a visão de Luce Irigaray sobre a economia de representação masculina
que faz crescer o valor, a qual foi negligenciada como fonte de exploração por Marx], in: Busch,
Charlotte/Dobben, Britta/Rudel,Max/Uhlig, Tom David (Hrsg.); Der Riss durchs Geschlecht.
Feministische Beiträge zur Psychoanalyse [A cisão pelo género. Contribuições feministas para a
psicanálise], Gießen, 2016, 71–94.
Böttcher, Herbert: Wir müssen doch etwas tun! Handlungsfetischsmus in einer reflexionslosen
Gesellschaft 16.12.2020, auf exit-online.org. Trad. port.: Temos de fazer alguma coisa! Fetichismo
da acção numa sociedade sem reflexão, online: http://www.obeco-
online.org/herbert_bottcher6.htm
Boltanski, Luc/Chiapello, Eve: Der neue Geist des Kapitalismus, Konstanz, 2006. Trad. port.: O
novo espírito do capitalismo, Martins Fontes, São Paulo, 2020.

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 30/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

Bovenschen, Silvia/Schuller, Marianne. Weiblichkeitsbilder, in: Gespräche mit Herbert Marcuse,


Gesprächsteilnehmer: Herbert Marcuse, Silvia Bovenschen, Marianne Schuller [Conversas com
Herbert Marcuse, participantes: Herbert Marcuse, Silvia Bovenschen, Marianne Schuller],
Frankfurt/Main, 1978, 65–87.
Charlotte & Koschka: Interview mit Irma: “Wir wollten unser Leben umkrempeln, von oben bis
unten“ [Entrevista com Irma: "Queríamos virar as nossas vidas de pernas para o ar, de cima a
baixo"], in: Outside the box, Nr. 7, Erfahrung, Leipzig, 2019, 166–177.
Colligs, Alexandra: Identität und Befreiung. Subjektkritik nach Butler und Adorno [Identidade e
libertação. Crítica do sujeito segundo Butler e Adorno], Frankfurt/Main, 2021.
D’Atri, Andrea: Brot und Rosen. Geschlecht und Klasse im Kapitalismus [Pão e rosas. Género e
classe no capitalismo], Hamburg, 2019.
Dück, Julia/Hajek, Katharina: Über die Kapitallogik hinaus – feministische Klassenpolitiken denken
[Para lá da lógica do capital – Pensar políticas de classe feministas], in: Prokla. Zeitschrift für
kritische Sozialwissenschaft, Nr. 197, 2019, 591–595.
Federici, Silvia: Die Reproduktion der Arbeitskraft im globalen Kapitalismus und die unvollendete
feministische Revolution [A reprodução da força de trabalho no capitalismo global e a revolução
feminista inacabada], in: Dies.: Aufstand aus der Küche. Reproduktionsarbeit im globalen
Kapitalismus und die unvollendete feministische Revolution [Levantamento a partir da cozinha.
Trabalho reprodutivo no capitalismo global e a revolução feminista inacabada], Münster, 2012, 21–
86.
Federici, Silvia: Caliban und die Hexe. Frauen, der Körper und die ursprüngliche Akkumulation,
Wien, 2012a. Trad. port.: Calibã e a bruxa, Orfeu Negro, Lisboa, 2020.
Federici, Silvia: Ursprüngliche Akkumulation, Globalisierung und Reproduktion [Acumulação
original, globalização e reprodução], in: Backhouse, Maria/Gerlach, Olaf/Nowak, Andreas (Hrsg.):
Die globale Einhegung, ursprüngliche Akkumulation und Landnahme im Kapitalismus [O
cercamento global, a acumulação original e a colonização no capitalismo], Münster, 2013, 40–52.
Federici, Silvia: Die Welt wieder verzaubern. Feminismus, Marxismus & Commons [Reencantar o
mundo. Feminismo, Marxismo e ‘Commons’], Wien, 2020.
Gildemeister, Regine/Wetterer, Angelika: Wie Geschlechter gemacht werden. Die soziale
Konstruktion der Zweigeschlechtlichkeit und ihre Reifizierung in der Frauenforschung [Como se
constroem os sexos. A construção social da dupla sexualidade e a sua reificação nos estudos das
mulheres]. In: Knapp, Gudrun-Axeli/Wetterer, Angelika (Hrsg.): Traditionen Brüche. Entwicklungen
feministischer Theorie [Rupturas de tradições. Desenvolvimentos da teoria feminista], Freiburg i.
Br., 1992.
Haller, Lisa, Yashodhara: Kapital – Staat – Geschlecht. Eine theoretische Analyse der
Vermittlungszusammenhänge [Capital – Estado – Género. Uma análise teórica dos contextos de
mediação], in: Beier, Friederike/Haller Lisa Yashodhara/Haneberg, Lea (Hrsg.): materializing
feminism, Münster, 2018, 69–94.
Haller, Lisa, Yashodhara: Elternschaft im Kapitalismus. Staatliche Einflussfaktoren auf die
Arbeitsteilung junger Eltern [Parentalidade no Capitalismo. Factores estatais que influenciam a
divisão do trabalho entre pais jovens], Frankfurt/Main, 2018a.
Haug, Frigga: Selbstveränderung als gesellschaftliche Praxis [Autotransformação como prática
social], in: Scheele, Alexandra/Wöhl, Stefanie (Hrsg.): Feminismus und Marxismus, 2018, 24–39.
Jung, Tina: Kritik als demokratische Praxis: Kritik und Politik in Kritischer Theorie und
feministischer Theorie [Crítica como práxis democrática: Crítica e política na teoria crítica e na
teoria feminista], Münster, 2016.
Kurz, Robert: Das Ende der Politik. Thesen zur Krise des warenförmigen Regulationssystems, in:
Krisis. Beiträge zur Kritik der Warengesellschaft, Nr. 14, Bad Honnef 1994, auch auf exit-
online.org. Trad. port.: O fim da política. Teses sobre a crise do sistema de regulação da forma da
mercadoria, online: http://www.obeco-online.org/rkurz105.htm
Kurz, Robert: Das Weltkapital. Globalisierung und Schranken des warenproduzierenden Systems
[O capital mundial. Globalização e limites do sistema produtor de mercadorias], Berlin, 2005.

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 31/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

Kurz, Robert: Geld ohne Wert. Grundrisse zu einer Transformation der Kritik der politischen
Ökonomie, Berlin, 2012. Trad. port.: Dinheiro sem valor. Linhas gerais para a transformação da
crítica da economia política, Antígona, Lisboa, 2014.
Kurz, Robert/Lohoff, Ernst: Der Klassenkampffetisch. Thesen zur Entmythologisierung des
Marxismus [O fetiche da luta de classes. Teses para a desmitologização do marxismo], in:
Marxistische Kritik, Nr. 7, 1989, 10–41.
Linkerhand, Koschka: Angst und Aggressivität im Feminismus ... und die Notwendigkeit sich
Objekte jenseits von Sprachpolitik zu setzen [Medo e agressividade no feminismo... e a
necessidade de colocar objetivos além da política da linguagem], in: Feministisch streiten. Texte
zu Vernunft und Leidenschaft unter Frauen [Discutir à maneira feminista. Textos sobre razão e
paixão entre mulheres], Berlin, 2018, 216–227.
Linkerhand, Koschka: Die andere Frau. Weibliche Erfahrungen als Grundlage feministischer Kritik
[A outra mulher. Experiências femininas como base da crítica feminista], in: Outside the box, Nr. 7,
Erfahrung, Leipzig, 2019, 20–27.
Linkerhand, Koschka: Mitten unter uns. Was sind Femizide? Überlegungen zum transnationalen
Kampf gegen Frauenmorde. Erster Teil [Entre nós. O que são feminicídios? Reflexões sobre a luta
transnacional contra o assassinato de mulheres. Primeira parte], in: konkret-magazin.de,
https://konkret-magazin.de/aktuell/543-mitten-unter-uns 25.11.2020.
Lux, Katharina: „Es liegt nicht in unserem Interesse, Erfahrungen in eine vorgefaßte Theorie
einzupassen …” Erfahrung und feministisches Bewusstsein in der autonomen Frauenbewegung
der 1970er Jahre ["Não é do nosso interesse encaixar a experiência numa teoria preconcebida..."
Experiência e consciência feminista no movimento autónomo de mulheres dos anos de 1970], in:
Outside the box, Nr. 7, Erfahrung, Leipzig, 2019, 64–73.
Meißner, Hanna: Jenseits des autonomen Subjekts. Zur gesellschaftlichen Konstitution von
Handlungsfähigkeit im Anschluss an Butler, Foucault und Marx [Para lá do sujeito autónomo.
Sobre a constituição social da capacidade de agir segundo Butler, Foucault e Marx], Bielefeld,
2010.
Mohs, Charlotte: No Women’s Liberation without Socialism! No Socialism without women’s
Liberation! in: Linkerhand, Koschka (Hrsg.): Feministisch streiten. Texte zu Vernunft und
Leidenschaft unter Frauen [Discutir à maneira feminista. Textos sobre razão e paixão entre
mulheres], Berlin, 2018, 146–159.
Müller, Beatrice: Wert-Abjekton als konstituierende und strukturierende Kraft von Care-Arbeit im
patriarchalen Kapitalismus [A abjecção-valor como força constitutiva e estruturante do trabalho de
cuidados no capitalismo patriarcal], in: Femina Politica, Nr. 1, Leverkusen 2013, 31–43.
Müller, Beatrice: Wert-Abjektion. Zur Abwertung von Care-Arbeit im patriarchalen Kapitalismus am
Beispiel der ambulanten Pflege [Abjeção-valor. Sobre a desvalorização do trabalho de cuidados no
capitalismo patriarcal a partir do exemplo da assistência ambulatória], Münster, 2016.
Ortlieb, Claus Peter: Ein Widerspruch von Stoff und Form – Zur Bedeutung der Produktion des
relativen Mehrwerts, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 6, Bad Honnef, 2009, 23–
54. Trad. port.: Uma contradição entre matéria e forma. Sobre a importância da produção de mais-
valia relativa para a dinâmica de crise final, online: http://o-beco-pt.blogspot.com/2010/06/claus-
peter-ortlieb-uma-contradicao.html
Outside the box, Nr. 7, Erfahrung [Experiência], Leipzig, 2019.
Posster, Kim: Das Verbindende zur Sprache bringen, ohne dabei das Besondere zu übersehen.
Interview mit den „Outside the box“- Redakteurinnen Constanze Stutz und Kimey Pflücke
[Trazendo à fala o que nos liga sem deixar de ver o particular. Entrevista com as redactoras de
"Outside the box" Constanze Stutz e Kimey Pflücke], in: konkret-magazin.de, Aktuell,
https://www.konkret-magazin.de/aktuell/402-dasverbindende-zur-sprache- bringen-ohne-dabei-
das-besondere-zu-uebersehen 19.10.2018.
Postone, Moishe: Nationalsozialismus und Antisemitismus. Ein theoretischer Versuch [Nacional-
socialismo e anti-semitismo. Ensaio teórico], in: Diner, Dan (Hrsg.): Zivilisationsbruch. Denken
nach Auschwitz [Ruptura civilizacional. Pensar após Auschwitz], Frankfurt/Main 1988, 242–254.

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 32/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

Redaktion outside the box: Interview von Inside the fox mit „Solidarisch gegen Corona“ [Entrevista
de Inside the fox com "Solidariedade contra o coronavírus"], (https://outside-mag.de/papers/128),
August 2020.
von Redecker, Eva: Revolution für das Leben. Philosophie der neuen Protestformen [Revolução
pela vida. Filosofia das novas formas de protesto], Frankfurt/Main, 2020.
Rukaj, Sahra: Verschwindende Körper. Geschlechterforschung. Wie dem akademischen
Feminismus das weibliche Subjekt abhanden kommt [Corpos desaparecidos. Pesquisa de género.
Como o feminismo académico está perdendo o sujeito feminino]: der Freitag, Nr. 31, 2020.
Scheele, Alexandra/Wöhl, Stefanie (Hrsg.): Feminismus und Marxismus, Weinheim, 2018.
Scholz, Roswitha: Differenzen der Krise – Krise der Differenzen. Die neue Gesellschaftskritik im
globalen Zeitalter und der Zusammenhang von „Rasse“, Klasse, Geschlecht und postmoderner
Individualisierung [Diferenças da crise – crise das diferenças. A nova crítica social na era global e
a conexão entre “raça”, classe, género e individualização pós-moderna], Bad Honnef, 2005.
Scholz, Roswitha: Überflüssigsein und „Mittelschichtsangst“. Das Phänomen der Exklusion und die
soziale Stratifizierung im Kapitalismus, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 4, 2008,
Bad Honnef, 58–104. Trad. port.: O ser-se supérfluo e a “angústia da classe média”. O fenómeno
da exclusão e a estratificação social no capitalismo, online: http://www.obeco-
online.org/roswitha_scholz8.htm
Scholz Roswitha: Gesellschaftliche Form und konkrete Totalität. Zur Dringlichkeit eines
dialektischen Realismus heute, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 9, Bad Honnef,
2009, 55–100. Trad. port.: Forma social e totalidade concreta. Na urgência de um realismo
dialéctico hoje, online: http://www.obeco-online.org/roswitha_scholz12.htm
Scholz, Roswitha: Das Geschlecht des Kapitalismus. Feministische Theorien und die postmoderne
Metamorphose des Patriarchats [O sexo do capitalismo. Teorias feministas e a metamorfose pós-
moderna do patriarcado], Bad Honnef 2011/2000 (1ª edição).
Scholz, Roswitha: Die Bedeutung Adornos für den Feminismus heute – Rückblick und Ausblick auf
eine widersprüchliche Rezeption, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 10, Berlin
2012, 190–207. Trad. port.: A importância de Adorno para o feminismo hoje. Retrospectiva e
perspectiva de uma recepção contraditória, online: http://www.obeco-
online.org/roswitha_scholz20.htm
Scholz, Roswitha: Fetisch Alaaf! Zur Dialektik der Fetischismuskritik im heutigen Prozess des
„Kollaps der Modernisierung“. Oder: Wieviel Establishment kann radikale Gesellschaftskritik
ertragen?, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 12, Angermünde, 2014, 77–117.
Trad. port.: Viva o fetiche! Sobre a dialéctica da crítica do fetichismo no actual processo de
‘Colapso da modernização’. Ou: quanto establishment pode suportar a crítica social radical?,
online: http://www.obeco-online.org/roswitha%20scholz18.htm
Scholz, Roswitha: Editorial, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 14, Angermünde,
2017, 7–18. Trad. port.: Índice e Editorial da Revista EXIT! nº 14, online: http://www.obeco-
online.org/editorial_exit14.htm 
Scholz, Roswitha: Christoph Columbus forever? Zur Kritik heutiger Landnahmetheorien vor dem
Hintergrund des „Kollaps der Modernisierung“, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr.
13, Berlin, 2016, 46–100. Trad. port.: Cristóvão Colombo forever? Para a crítica das actuais
teorias da colonização no contexto do "Colapso da modernização", online: http://www.obeco-
online.org/roswitha_scholz24.htm
Scholz, Roswitha: It’s the class stupid? Degradierung, Deklassierung und die Renaissance des
Klassenbegriffs, 2018, auf exit-online.org. Trad. port.: It’s the class, stupid? Desclassificação,
degradação e renascimento do conceito de classe, online: http://www.obeco-
online.org/roswitha_scholz34.htm
Scholz, Roswitha: Der Kapitalismus, die Krise ... die Couch – und der Verfall des kapitalistischen
Patriarchats. Einige kritische Bemerkungen zum Lacan-Marxismus von Slavoj Zizek und Tove
Soiland, in: exit! Krise und Kritik der Warengesellschaft, Nr. 17, Springe, 2020, 45–89. Trad. port.:
O capitalismo, a crise ... o divã – e o declínio do patriarcado capitalista. Notas críticas sobre o
marxismo lacaniano de Slavoj Žižek e Tove Soiland, online: http://www.obeco-
online.org/roswitha_scholz37.htm
www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 33/34
10/11/2022 11:41 Roswitha Scholz - Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

Soiland, Tove: Der Sockel des Eisbergs: Umrisse eines feministischen Marxismus für das 21.
Jahrhundert [A base do iceberg. Esboços de um feminismo marxista para o século XXI], 2018, em
soziopolis.de. https://www.soziopolis.de/der-sockel-deseisbergs.html 3.3.2021
Speck, Sarah: Kritische und feministische Theorie: Plädoyer für eine neue Liaison [Teoria crítica e
teoria feminista: Por uma nova ligação], in: Feministische Studien, Nr. 1, 2018, 59–67.
Stögner, Karin/Colligs, Alexandra (Hrsg.): Kritische Theorie und Feminismus, Berlin (sai em 2022).
Stückler, Andreas: Dysfunktionale Funktionalität, in: Kritiknetz.de,
https://www.kritiknetz.de/images/stories/texte/Stueckler_Dysfunktionale_Funktionalitaet.pdf 15.
Sept. 2019.
Stutz, Constanze: Auf dem Fleischmarkt untenrum frei unterwegs – Zum Wiederholungszwang
pop-feministischer Erfahrungsliteratur der Gegenwart [No mercado da carne em queda livre –
Sobre a compulsão de repetir a literatura experimental feminista pop contemporânea], in: Outside
the box, Nr. 7, Erfahrung, Leipzig 2019, 8–15.
Stögner, Karin: Hass, Identität. Differenz. Essay: Über die Aktualität des autoritären Charakters
[Ódio, identidade, diferença, ensaio: Sobre a actualidade do carácter autoritário], in: jungle world,
Nr. 47, 2019.
Trumann, Andrea: Von der Dekonstruktion der Identität hin zu ihrer Verfestigung. Eine
Auseinandersetzung mit Judith Butler und ihren Adept*innen [Da desconstrução da identidade à
sua consolidação. Um debate com Judith Butler e seus adeptos e adeptas], in: Beier,
Frederike/Haller, Lisa, Yashodhara/Haneberg, Lea (Hrsg.): materializing Feminism.
Positonierungen zu Ökonomie, Staat und Identität [Materializando o feminismo. Posicionamentos
sobre economia, Estado e identidade], Münster, 2018, 119–140.
Umrath, Barbara: Geschlecht, Familie Sexualität. Die Entwicklung der Kritischen Theorie aus der
Perspektive sozialwissenschaftlicher Geschlechterforschung [Género, família, sexualidade: O
desenvolvimento da teoria crítica na perspectiva dos estudos de género nas ciências sociais],
Frankfurt/Main, 2019.
Vogel, Lise: Marxismus und Frauenunterdrückung. Auf dem Weg zu einer umfassenden Theorie
[Marxismo e opressão das mulheres. Para uma teoria abrangente], Münster, 2019. Original:
Marxism and the Oppression of Women: Toward a Unitary Theory. Brill/Haymarket, 2013
(expanded from the 1983 edition)
Vukadinovic, Vojin, Sasa (Hrsg.): Die Schwarze Botin, Ästhetik, Kritik, Polemik, Satire 1976–1980
[A Mensageira negra. Estética, crítica, polémica, sátira 1976-1980], Göttingen, 2020.
Winker, Gabriele: Care Revolution. Schritte in eine solidarische Gesellschaft [A revolução dos
cuidados. Passos para uma sociedade solidária], Bielefeld, 2015.
Winker, Gabriele: Das Ganze der Arbeit revolutionieren! [Revolucionar a totalidade do trabalho!] in:
Scheele, Alexandra/Wöhl, Stefanie: Feminismus und Marxismus, Weinheim, 2018.
 
(1) Nos meus comentários sobre Silvia Federici, Tove Soiland e Beatrice Müller, recorro a passagens parcialmente
revistas de artigos anteriores publicados na exit! (Scholz 2014, 2016, 2020).
 
 
Original “Marxismus – Feminismus – Kritische Theorie heute ... und die Wert-Abspaltungs-Kritik.
Zur problematischen Insistenz auf Erfahrung, Praxis, Empirie, Subjekt, Klasse und die „gelebten
Realitäten“ von Frauen im Verfall des kapitalistischen Patriarchats” in: www.exit-online.org,
27.02.2022. Tradução de Boaventura Antunes

http://www.obeco-online.org/

http://www.exit-online.org/

www.obeco-online.org/roswitha_scholz39.htm 34/34

Você também pode gostar