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A operação de sistemas discriminatórios produz

diferenças significativas de status cultural e status


material entre os diversos grupos humanos. A falta
de apreço culturalpor membros desses segmentos
legitima a exclusão de oportunidades educacionais e
profissionais.Por isso, as lutas por novas formas de
inclusãode minorias geram uma discussão sobre as
possíveis estratégias para a criação de mecanismos
que permitam o alcance de um nível maior de dignidade
pessoal e de justiça material nas sociedades liberais.
As reflexões sobre empoderamento, portanto,

englobamuma série de ações necessáriaspara a


garantia do reconhecimentodessas pessoas como
Indivíduoscapazes de operar de forma competentena
esfera pública. A perpetuação de desigualdades permite
que a responsabilidadepela condição social inferiorseja
atribuídaa eles, o que encobre a atuação de práticas
excludentes destinadas a preservar os privilégios dos
grupos dominantes.
0 livroEüpoderamenlo,de Joice Berth.nos oferece
parâmetrosrelevantespara o entendimentode um
tema cuja importânciaé sempre descartada por ser
vista como mero reflexo das políticasde identidade.
Ao contrário do que pensam. a discussão sobre o FEMINISMOS
problema do protagonismosocial, tópico central da
noção de empoderamento,tem importânciacentral
PIORAIS
COORDENAÇÃO
em sociedades que pretendem desenvolver uma
cultura democrática.Isso requer a adoção dos meios
DJAMIU RIBEIRO
necessários para que todos os seus membros possam
ter as mesmas chances de construíremos próprios
destinos por meio do gozo do mesmo apreço social.
FEMINISMOS
PIORAIS
COORDENAÇÃO
DJAMIU RIBEIRO

JOICE
BERTH
P
il !

l SÃO PAULO l 2019


Copyright © 2019 Joice Berth
Todos os direitos reservados a Pólen Livros, e protegidos pela
Lei 9.610, de 19.2. 1998. É proibida a reprodução total ou parcial
sem a expressaanuência da editora.

Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico


da Língua Portuguesa.

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Lizandra Magon de Almeida
AGRADECIMENTOS
Produção editorial
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Aos meus filhos, Caique, Marina,
Reüsão Priscilla e Camila, meus corações
Solaine Chioro fora do peito.
Lizandra Magoa de Almeida
Aos meus pais, avós, e em especial
Projeto gráfico e diagramação
Daniel Mantovani às mulheres, pela vida
e ensinamentos abençoados.
Foto de Capa
Diva Nassar Aos amigos-irmãos amados Djamila
Ribeiro, Brenno Tardelli e lsis
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação(CIP)
Angélica llacqua CRB-8/7057 Vergílio, que tanto acreditam em
mim como nunca ninguém antes.
Berth, Joice
Empoderamento/ Joice Berth. - São Paulo : Sueli Carneiro ; Pólen, 2019. Ao amparo espiritual e sempre
184p.(Feminismos Plurais/ coordenação de Djamila Ribeiro) fundamental da Seara de irmãos
Bibliograâa de umbanda e do babalorixá
ISBN 978-85-98349-75-6
Rodney de Oxóssi.
1.Poder(Ciências social) 2. Mhoiias -Poder 3. Mulheres- Poder4.
Negros - Poder 1. Título 11.Ribeho, Djamila 111.Série
19-0703 CDD 305.56

Índices para cptálogq $i$temático:1. Minorias - Poder

;' 'k \ q.
www.polenlivros.com.br
www.facebook.com/polenlivros
(ãlpolenlivros
(11) 3675-6077
SUMÁRIO
Apresentação 11

Introdução 17

Breve histórico da palavra empoderamento


]iDOderamento ...... - ------. 27
Opressões esüuturais e empoderamento
Um ajuste necessário 49
Acesso a mecanismos de participação social
Um debate sobre democracia e empoderamento 81

ixleg
Ressiginiâlcação pelo Feminismo Negro ....aonnneP p nPuePO o nnnnPP 91

empoderamento .............. 111


es de empoderamento
Estética e a6etividade: noções
Considerações finais 151
Notas e referências 157
"A revolução começa comigo, no interior. E melhor reser-
varmos tempo para tornar nossos interiores revolucioná-
rios, nossas vidas revolucionárias, nossos relacionamentos
revolucionários. A boca não vence a guerra.

(Tom Cade Bambara, Secas of .Rwo/uf/o/z.


a Collection ofÁxioms, Passagemand Proverbsà
APRESENTAÇÃO
DjamilaRibeiro

FEMINISMOS
P IU REIS O objetivo da coleção Feminismos Plurais é trazer
para o grande público questões importantes referentes
aos mais diversos feminismos de forma didática e
acessível. Por essa razão, propus a organização - uma
vez que sou mestre em Filosofia e feminista de uma
série de limos imprescindíveis quando pensamos
em produções intelectuais de grupos historicamente
marginalizados: essesgrupos como sujeitospolíticos.
Escolhemos começar com o feminismo negro
para explicitar os principais conceitos e deHmitiva-
mente romper com a ideia de que não se está discu-
tindo projetos. Ainda é muito comum se dizer que o
feminismo negro traz cisões ou separações, quando
é justamente o contrário. Ao nomear as opressões a
de raça, classe e gênero, entende-se a necessidade de
não hierarquizar opressões,de não criar, como diz
E-
Angela Davis, em JUu/mexes/zegxas/za consfmção de uma =
nova uropía, "pãmazia de uma opressão em relação

13
a outras". Pensar em feminismo negro é justamente coleção é organizada e escrita por mulheres negras e
romper com a cisão criada numa sociedade desigual. indígenas, e homens negros de regiões diversas do país,
Logo, é pensarproyetos,novos marcos civilizatórios, mostrando a importância de pautarmos como sujeitos
para que pensemosum novo modelo de sociedade. as questõesque são essenciaispara o rompimento da
Fora isso, é também divulgar a produção intelec- narrativa dominante e não semios tão somente capí-
tual de mulheres negras, colocando-as na condição tulos em compêndios que ainda pensam a questão
de sujeitos e seres ativos que, historicamente, vêm racial como recorte.
fazendo resistência e reexistências. Grada Kilomba em Pfa/zfaffans .ü#ànones. Episocín
Entendendo a linguagem como mecanismo de ofEveWdayRacism, d] z'.
manutenção de poder, um dos objetivos da coleção é
Esse livro pode serconcebido como um modo
o Compromisso com uma linguagem didática, atenta
de "tornar-se um sujeito" porque nesses escri-
a um léxico que dê conta de pensar nossas produções tos eu procuro trazer à tona a realidade do
e articulações políticas, de modo que seja acessível, racismo diário contado por mulheresnegras
como nos ensinam muitas feministas negras. Isso de baseado em suas subjetividades e próprias
forma alguma é ser palatável, pois as produções de percepções.(KJI.OMBA, 2012,p. 12)
feministas negras unem uma preocupação que vincula
a sofisticação intelectual com a prática política. Sem termos a audácia de nos compararmos com
Joice Berth, neste volume, apresentaa Teoria do o empreendimento de Kilomba, é o que também
Empoderamentoa partir das reflexõesde teóricos pretendemos com essa coleção. Aqui estamos falando
que hoje se dedicamao tema. São pensadoresque ''em nosso nome''. '
entendem empoderamento como a aliança entre cons-
cientizar-se criticamente e transformar na prática, Djainila Ribeiro
algo contestados e revolucionário na sua essência.
Com vendas a um preço acessível, nosso objetivo é
contribuir para a disseminação dessas produções. Para
n além desse título, abordamos também temas como

;aB
encarceramento, racismo estrutural, branquitude, 5-
lesbiandades, mulheres, indígenas e caribenhas, Eram.se-
= =
xualidade, afetividade, interseccionalidade, empodera-
mento, masculinidades. E importante pontuar que essa

14 15
INTRODUÇÃO
de poder sob um viés negativo ou, no mínimo, com
alto potencial limitador da mobilidade social e jugo
daqueles que não o têm.
O conceito de poder tem sido interpretado de
diversas formas, mas na definição de Hannah Arendt,
que pensa em poder a partir da ação coletiva, temos
a ideia que norteia o signiâcado social e subjetivo de
poder e que se aplica na compreensão do que falamos
quando assumimos a necessidade de empoderar
grupos minoritários, porque

[...] O poder corresponde à habilidade hu-


Antes de iniciar as reflexões sobre as dimen-
mana não apenas para agir, mas para agir em
sões que envolvem os processos de empoderamento, conjunto. O poder nunca é propriedade de
é conveniente elucidar exatamente de que poder um indivíduo; pertence a um grupo e pemia-
estamos falando quando utilizamos esse neologismo nece em existência apenas na medida em que
que significa, grosso modo, "dar poder" . o grupo conserva-seunido. Quando dizemos
que alguém está "no poder", na realidade nos
Muitos escritos fazem esse questionamento
referimos ao fato de que ele foi empossado
supondo uma inviabilidade do uso do conceito por por um certo número de pessoas para agir em
não entenderem
quem dá poder e de que tipo de seu nome.'
poder estamos falando.
Para aqueles que têm se dedicado aos estudos Já o filósofo francês Michel Foucault, diferente-
e reflexões sobre os efeitos tanto individuais .quanto mente da tradição da Ciência Política, pensou o poder
coletivos, acumulados por séculos de exploração, não como algo que está localizado ou centradoem
alienação e aliciamento de pessoas, o entendimento uma instituição. Enquanto na teoria política tradi-
do que seja poder é quase intuitivo. Mas também é cional se atribui ao Estado o monopólio do poder, =
intuitivo para aqueles que apenas sobrevivem às
intempéries diárias do sistema de opressão e domi-
Foucault verifica uma espécie de microHisica do
poder, articulado ao Estado, mas que atravessa toda a
5-
nação presentes em suas vidas pensar no significado -=
= a)
esüutura social. E importante salientar que o Hósofo
=
l.LJ
'6
'')

18 19
hancês não está negando a importância do Estado na de que se precisa, no automatismo dos há-
bitos. Na época clássica, se descobre o corpo
nessa concepção, mas atenuando para o fato de que as como objetoe alvo de poder, ao coiro que
relações de poder ultrapassam o nível estatal e estão se manipula, se modela, se treina, que obede-
presentes em toda a sociedade. Sendo assim, o poder ce, responde, se torna hábil ou cujas corças se
seria uma prática social construída historicamente. multiplicam. Enâm, torna-se um corpo dódl,
Em sua obra .A41c=r(#s/ca
dopo(Zn, Foucault afirma que que pode ser submetido, utilizado, transfor-
mado e aperfeiçoado.'
Q objetivo seria captar o poder em suas extremidades,
em suas últimas ramificações,
Quando assumimos que estamos dando poder, em
[. . .] captar o poder nas suas formas e institui- verdade estamos falando na condução articulada de
ções mais regionais e locais, principalmente indivíduos e grupos por diversos estágios de autoaíir-
no ponto em que ultrapassam as regras de di- mação, autovalorização, autorreconhecimento e auto-
reitoqueo organizame de]imitam.[...] Em conhecimento de si mesmo e de suas mais variadas
outras palavras, captar o poder na extremida- habilidades humanas, de sua história, e principalmente
de cada vez menos jurídica de seu exercício".'
de um entendimentoquanto a sua posição social e
política e, por sua vez, um estado psicológico percep-
Foucault salienta que as relações de poder das
tivo do que se passa ao seu redor. Seria estimular,
instituições, escolas e prisões são marcadas pela disci-
em algum nível, a autoaceitação de características
plina. Nesse sentido, fará a discussão sobre biopo- culturais e estéticas herdadas pela ancestralidade que
lítica e biopoder, de como os corpos e a educação Ihe é inerente para que possa, devidamente munido
são consolados por essa imposição normatizadora.
de infomiações e novas percepções críticas sobre si
Segundo o HHósofo,a disciplina fabrica indivíduos, mesmo e sobre o mundo em volta, e, ainda, de suas
é uma técnica específicade poder que os domina.
habilidades e características próprias, criar ou desco-
Segundo sua análise, enquanto o sujeito é colocado
brir em si mesmo ferramentas ou poderes de atuação
em relações de produção e de signiâcação, é também,
no meio em que vive e em prol da coletividade.
dessemesmo modo, colocado em relaçõesde poder.
Essa é a síntesedo poder a ser desenvolvidono =
[. . .] uma coação calculada, lentamente, per-
processo de empoderamento ressigniíícado pelas
diversas teorias do feminismo negro e intersec- ;aB
5-
cone cada parte do corpo, tornando-se seme-
a)
cional. Diferentemente do que propuseram muitos =
a)
lhante a algo que se fabrica, de uma massa
=
0 informe, de um corpo inapto, fez-se a máqui- de seus teóricos, o conceito de empoderamento é

21
20
instrumento de emancipação política e social e não Trata-se, nesse momento, de uma boa opomnli-
se propõe a "viciar" ou criar relações paternalistas, dadepara discutir uma crítica feita ao termo empodera-
assistencialistas ou de dependência entre indivíduos, Dento, no sentidode que estariaconfinado à subjugação
tampouco traçar regras homogêneas de como cada implícita nas relações de poder. Nesse sentido, alguns
um pode contribuir e atuar para as lutas dentro dos teóricos preferem o termo fortalecimento. No entanto,
grupos minoritários. o empoderamento que seguimos neste trabalho não
Muitas vezes, estar imerso na realidade opres- visa retirar poder de um para dar a outro a ponto de se
siva impede uma percepçãoclara de si mesmo inverter os polos de opressão, e sim de uma postura de
enquanto oprimido. A este nível, a percepção de si enÊentamento da opressãopara eliminação da situação
como contrário ao opressornão significa ainda que injusta e equalização de existênciasem sociedade.
se comprometaa uma luta para superara contra- Empoderar, dentro das premissas sugeridas,é,
dição: um polo não aspira a sua libertação,mas a antes de tudo, pensar em caminhos de reconstrução
sua identificação com o polo oposto. Trata-se de uma das bases sociopolíticas, rompendo concomitante-
visão individualistadevido a sua identiâcação com mente com o que está posto, entendendo ser esta a
o opressor, sem a consciência de si mesmo enquanto formação de todas as vertentes opressoras que temos
pessoa, enquanto membro de uma classe oprimida. visto ao longo da História. Esse entendimento é um
Não é com o objetivo de serem livres que desejam dos escudos mais eficientes no combate à banalização
a reforma agrária, mas sim para adquirir uma terra e ao esvaziamentode toda a teoria construídae de
e, desse modo, converterem-se em proprietários, sua aplicação como instrumento de transformação
ou, mais precisamente, em patrões de outros üaba- social. Nesse sentindo, vale citar a intelectual indiana
Ihadores. Isso ilustra a afirmação segundo a qual, Badiwala, em "Conceituando 'empoderamento' na
durante a fase inicial da luta, os oprimidos encontram perspectiva feminista", de Cecília M. B. Sardenberg:
no opressor seu "tipo de homem".s
Portanto, absorver o significado atual de poder O termo empoderamentose refere a uma
gama de atividades,da assertividadeindivi-
pressupõe que estejamos assentados passivamente dual até a resistência,protestoe mobiliza-
em suas mais variadas falhas sistêmicas.Daí parte ção coleüvas, que questionam as bases das =
a necessidade de questionar continuamente de que relaçõesde poder. No caso de indivíduose =-
poder estamos falando e quais os possíveis caminhos grupos cujo acesso aos recursos e poder são
-=
= a) de trabalho social empregaremos, no sentido de não deterá)inados por classe, casta, etnicidade e
= 'Õ
inverter a lógica atual, mas de subvertê-la. gênero, o empoderamento começa quando L.u a.
L-LJ 'D

22 23
eles não apenas reconhecem as forças sistê-
micas que os oprimem, como também amuam O preHuo"auto" cabe aqui como indicativode
no sentidode mudar as relaçõesde poder
existentes. Portanto, o empoderamento é um que os processos de empoderamento, embora possam
processo dirigido para a transformação da receber estímulos externos diversos da academia, das
natureza e direção das forças sistêmicasque artes, da política, da psicologia, das vivências coti-
marginalizam as mulheres e outros setores dianas etc., é uma movimentação interna de tomada
excluídos em determinados contextos.ó de consciência ou do despertar de diversas potenciali-
dades que definirão estratégias de enílentamento das
Sendo assim, se faz necessária a análise de Patrícia práticas do sistema de dominação machista e racista.
Hill Collins, que remete ao processo de empodera- Há que se definir essesparâmetros,uma vez que a
mento muito mais como um movimento de resposta ausência dessas considerações provoca a execução
interna ao estímulo externo do que o contrário. Em inversa do que prega o conceito de empoderamento,
Oz/íszcZnw/fé/n o qual, em tradução lide, seria o pois não fornece estratégiaspara a libertaçãoindi-
mais próximo a "Forasteira de dentro" --, a pensadora vidual a serviço da emancipação coletiva, mas cria
Patrícia Hall Collins dá três chaves do pensamento sistemas de dependência em que indivíduos negros ou
feminista aÊo-americano, que pode alavancar a apli- de outras vivências de gênero não apenas deixam de
cabilidade da Teoria do Empoderamento: entender o signiâcado, como passam a usar a serviço
de suas reproduções das práticas internalizadasde
Uma afirmaçãoda importânciada autode- racismo e sexismo.
finição e da autoavaliaçãodas mulheresne-
gras é o primeiro tema-chave que permeia
declarações históricas e contemporâneas do
pensamentofeminista negro. Autodeíínição
envolve desafiar o processo de validação do
conhecimento político que resultou em ima-
gens estereotipadas externamente definidas
da condiçãofemininaaüo-americana.Em 0
contrapartida, a autoavaliação enfatiza o
a) conteúdo específico das autodeíínições das ;aB
=
muheres negras, substituindo imagens exter-
= 0 namente definidas com imagens autênticas
de mulheres negras.7

24 25
BREVE HISTÓRICODA PALAVRA EMPODERAMENTO
é um neologismos, ou sqa, um fenómeno linguístico
que cria uma palavra ou expressãonova ou, ainda,
aUibui um novo sentido a uma palavra já existente.
Em geral, esse fenómeno acontece quando uma
pessoa está tentando expressar algo e não encontra
uM termo preciso, então ocorre uma adaptação ou
criação a partir de uma palavra já existente e conhe-
cida que produz um significadoaproximado.Um
bom exemplo desse fenómeno linguístico é a palavra
"deletar", que anualmente substitui em muitos
diálogos o verbo "apagar", advindo da palavra da
língua inglesa de/ere,que passou a ser incorporada ao
nosso idioma pelo uso massivo dos computadores.
Powmé um substantivo
da línguainglesaque No Camóndge .Dlafo/zaT, dicionário da britânica
significa basicamente habilidade ou permissão para Universidade de Cambridge, a palavra e/npowermefzf,
que alguém realize alguma coisa. Também pode termo cunhado pelo sociólogo estadumdenseJulian
significar autoridade, força, entre outras coisas.8 Já Rappaport em 1977, tem o seguinte significado: "o
a palavra e/npowa',que de acordo com o Merdam- processo de ganhar liberdade e poder para fazer o que
Weósrer.D/a/a/za/y,
um dos mais confiáveisdicionários você quer ou controlar o que acontece com você"."
online da América e que pertenceà marca homó- Da mesma forma, a palawa "empoderamento", ao
nima, já conhecida no mercado editorial, foi usada pé da letra, significa dar poder ou capacitar. Para o
pela primeira vez em 1651, surgiu de uma adaptação sociólogo, era preciso instrumentalizar certos grupos
específica do próprio idioma inglêschamada verá/ng, oprimidos para que pudessem ter autonomia.
que consiste em transformar um substantivo em Ainda sobrea formaçãoda palavra,como nos
verbo. Logo, o significado ao pé da letra de e/npoweré aponta Rude Baquero, professora da IJniversidade
=
dar poder ou habilidade a algo ou a alguém. do Vale do Rio dos Sinos, no D/aonáno de Z,/ngz/a
A formação da palawa inglesa muito se asse- Por/ugz/esa Co/zfemporánea da Academia Ciências de
melha ao processo de formação do correspondente Lisboa e registradono MorDebe'', aparecedescrita =
=

=
a)


na língua portuguesa. No Brasil, "empoderamento' como um anglicismoformadoa partir da língua
l.LJ '')

28 29
portuguesa e que significa obtenção, alargamento ou
reforço do poder. alguns trabalhos realizados, cuja seriedade e proítln-
didade fazem com que sejam indispensáveis para a
Cabe lembrar que a origem da palavra é inglesa,
compreensão.
com elementosde latim em sua formação, e que não Encontramos em Zmnnerman e Perkins, por
existe ainda correspondêncianos dicionários que exemplo, uma definição interessante da Teoria do
usamos anualmente.Contextualizando:
Empoderamento, capaz de traçar um ponto de partida
De todas as palavras-chave que entraram no para as reflexões que serão apresentadas:
léxico do desenvolvimento nos últimos üínta
O empoderamento é uma consta'ração que liga
anos, o "empoderamento" é provavelmente o
mais usado e abusado. Como muitos outros forças e competênciasindividuais,sistemas
natwais de suporte e comportamento pró-ati-
termos importantes que foram inventados
vo no âmbito das políticas e mudanças sociais
para representar um conceito político claro, (Rappaport, 1981, 1984). A pesquisa e a inter-
elefoi "incorporado" de uma forma que pra- venção da teoria do empoderamento unem o
ticamente o roubou de seu signi6cado origi- bem-estarindivídua! ao meio político e social
nal e valor estratégico..i:
mais amplo. Teoricamente, a consüução une a
saúde mental à ajuda mútua e luta para criar
Quando falamos em empoderamento, sobretudo uma resposta comunitária. Isso nos obriga a
nos dias de hoje, concluímos que estamos diante de pensar em termos de bem-estarvmm doen-
um conceito complexo, muito distorcido e incom- ça, competências vmsm déâcits e força vmsm
&aquezas. Da mesma forma, a pesquisa sobre
preendido, o que se deve em grande parte ao debate
empoderamento centra-sena identiÊcação de
acrítico sobre o tema. Exatamente por isso o termo capacidades, em vez de eilllatizarfatores de
também vem sendo severamente criticado, não por risco e explorar influências problemáticas do
seu significado, mas pela maneira esvaziada com meio social ou em vez de culpar as vítimas."
que é utilizado e que foge completamente das raízes
da teoria proposta - como veremos mais à frente. É É razoável dizer que essesautores, que definem
um exaustivo exercício de pesquisa se atentar e iden- empoderamento enquanto teoria, foram assertivos
= tificar o que deve ou não deve ser levado em consi-
deração, dada a vasta gama de citações e literatura a
ao comparar diversas fontes autorais que versam
sobre o tema e identiHlcam os pontos em comum
E-
respeito nos mais diversos campos do pensamento. para, então, trazer a definição supracitada, como =
=. '3
L-&J -''D Contudo, apesar do esvaziamento, destacam-se bem pontuam no mesmo artigo:
30 31
As defiúções de empoderamento abundam.
Rate Baquero's sobre a possível raiz do conceito.
Não pedimos aos autores nesta questão es-
pecial que adotem qualquer definição espe- Segundoa autora, o viés conceitualtem estreita
cífica. Contudo, pedimos que considerassem ligação cóm a Reforma Protestante realizada na
cuidadosamente sua própria concepção de Europa, desencadeada pelo monge e professor de
empoderamento e tornassem suas definições teologiabíblica Maninho Lutero, no século XVI.
tão claras quanto possível. Embora exijamos Além de desenvolver95 tesescriticando a estrutura
ao leitor comparar a conceptualização de cada corrupta da Igreja naquele período da História, ele
artigo, todos eles implicam que o empodera-
traduziu para o alemão os escritos bíblicos, que até
mento é mais do que o consüuto psicológico
tradicional com o qual às vezes é compara- então eram em latim, o que diâcultava o acesso pelas
do ou conftxndido(por exemplo, autoestima, camadas mais pobres da população da época e abria a
autoeíicácia, competência,autocontrole). As possibilidade de manipulações de acordo com os inte-
várias definiçõesgeralmentesão compatíveis resses de parte expressiva do clero.
com o empoderamento como "um centrali-
Ao popularizar esses escritos, Lutero confronta
zador de processos contínuos intencionais
o controle hegemónico da informação pelo clero,
na comunidade local, envolvendo respeito
dando acesso às classes desfavorecidas que, por não
mútuo, reflexões críticas, cuidados e parti-
cipação grupal, por meio das quais pessoas dominar o latim, aceitavam o que lhes era fornecido
enâ'aquecidas possam se valer da distribuição como palavra de Deus. Esse raciocínio nos indica
igualitária de recursos necessários, tendo fa- que o poder da informaçãojá era exercidocomo
cilitado o acesso e controle sobre esses recur- instrumento de manipulação e hierarquia social,
sos"(Cornell EmpowermentGroup, 1989), conforme nos indica o artigo da pesquisadora que
ou simplesmenteum processo pelo qual as
muito se dedicou ao entendimento da Teoria do
pessoas têm controle sobre suas vidas(Ra-
ppaport, 1987), participações democráticas Empoderamento, Rude Baquero:
na vida de sua comunidade e uma compreen-
são crítica do meio que as cerca(Zimmer- A escrita sempre esteve,de alguma forma,
man, lsrael, Schulz, Checkoway, 1992).:' associada ao poder. Nas civilizações~andgas,
os escribas detinham o poder da escuta, pois c/3 €1D

Contudo, essas definições iniciais não apenas o domínio dessa tecnologia era de conheci-
mento restrito. Esse poder os aproximava das
5-
servem de ponto de partida para a compreensão da classesdominantes(reis, faraós) que sancio- =
teoria, como sustentam os apontamentos feitos por
= a)

= '3 navam as informações que deveriam ser re-


L-LJ ''D

32 33
gistradas.Assim, poucos tinham o poder de
decidir o que sextaou não registrado,poucos
Iniciaremos, portanto, com Bárbara Bryant
tinham o poder -- a capacidade de fazer --este Solomon, uma intelectual negra e assistente social
registro e, portanto, de deciâ'á-lo. O proces- nreíniadatanto nos EUA quanto internacionalmente
so de Reforma, iniciado por Lutero no sécu- noF suas reflexões e projetos, com destaque para a
lo XVI, na Europa, oportuniza,com certas formação da "Iniciativa Acadêmica Comunitária",
restrições, um empoderamento por parte das voltada a incluir jovens desfavorecidos na univer-
pessoas,pois a traduçãoda Bíblia do latim
sidade, o que no Brasil chamamos de cursos prepa-
para o dialeto local o que contribuiu para
a afirmação deste, flituramente, como idioma ratórios populares, além de ser professora PhD pela
oficialda Alemanha --possibilitoua leitura southern California University e autora do livro .B/mÉ
dos "textos sagrados" entrea comunidade, a Empowerment: Social Work in Oppressed Communitiesm
qual, por conseguinte, passa a realizar sua lei- Importante ressaltar que, além de acadêmica, ela
tura e sua hermenêutica,tornando-sesujeito trabalhou por mais de 50 anos como assistente social,
de sua religiosidade." atuando pela saúde mental e pelo fortalecimento
social de comunidades étnicas e de minorias, desen-
Baquero nos dá um importantecaminho para a volvendo métodos de pesquisa de dados importantes
compreensão histórica da Teoria do Empoderamento,
do e para o lugar social de grupos sub-representados.
bem como uma de suas principais dimensões: a da Em seu livro citado, direcionado a profissionais do
informação como instrumento de libertação. Julguei serviço social, a acadêmica descreve a forma pela qual
importante trazer uma investigação genealógica sobre
as comunidades negras são retratadas negativamente, e
diferentes abordagens do empoderamento, antes de o impacto disso na autoimagem dessas comunidades.
adentrar nas imbricações profundas reveladas pelos Nesse sentido, profissionais estavam se tornando mais
pensamentos e epistemologias negros, que trazem atentos à importância dos fatores étnicos em seus
intersecções que se contrapõem à narrativa universal. trabalhos para que estespudessem causar um impacto
Entendo, ainda, de suma importância destacar e levar mais efetivo na melhora da qualidade de vida desses
ao conhecimentode pessoasque se interessampelo grupos. Para a autora, o contexto sócio-histórico é
tema da produção intelecMal de homens e, sobretudo, fundamental para pensar a resolução de problemas n
mulheres negras, uma vez que essas contam com referentesà população negra. Ou sda, partir da reali- :-
ainda maior invisibilidade, apesar de suas brilhantes dade concreta dessesgrupos e criar ferramentas eman- -=
n a)
= 'Õ
e ftlndamentais conüibuições. cipatórias para o acesso a uma vida mais digna:
l.LJ ''D

34 35
Os efeitos das imagens negativas do ne- por BárbaraSolomon,no entanto,o termo
gro são traçados em como eles operam em formalmente entrou em uso por provedores
grandes instituições sociais, como a família, de serviços sociais e pesquisadores.:9
grupos de pares e escolas. Esses efeitos estão
ligados ao surgimento de problemas pessoais Desde já, percebe-se que Solomon alia seu estudo
e sociais característicos encontrados em co-
à prática profissional do serviço social emancipatória
munidades negras. Seguindo uma discussão
anterior, o empoderamento é definido como de grupos oprimidos, os quais, anteriormente,em
um processopelo qual a autodireçãoe o pro séculos de estudo sobre o tema, não se encontravam
cesso de ajuda são as forças de cura e fortale- como elemento principal de análise. Vemos, então,
cimento entre a população negra.i8 um dos principais pontos revolucionários da episte-
mologia negra, qual seja, a transformaçãoconcreta
Solomon inaugurou a aplicação da Teoria do em comunidades,por meio do trabalho de base e
Empoderamento para pesquisa e gestão social de compromisso ético com a pesquisa acadêmica, alcan-
populações invisibilizadas pelo olhar dominante, çando resultados que o conceito nem sempre alcança,
lembrando que Lutero popularizou a informação posto que muitas vezes está cercado pelos muros da
que não chegava a povos de baixa renda e, certa- intelectualidade dominante.
mente, oprimidos. Nesse sentido, vale trazer as refle- Encontramos outras referências ao trabalho
xões da PhD em Sociologia e professoratitular da de Bárbara Bryant Solomon, que a colocam como
Universidade de Montreal, Alce-Emmanuêle Calvos: precursora do trabalho aplicado da Teoria do
Empoderamento em comunidades oprimidas, refe-
O empoderamento refere-se a princípios, renciando seus estudos e trabalhos em serviço social
como a capacidadede indivíduose grupos realizados com a população negra. No entanto, vale
agirem para garantir seu próprio bem-estar
dizer, porém, que diversas literaturas apontam o
ou seu direito de participar da tomada de
decisõesque lhes dizem respeito, que orien- educador brasileiro premiado mundialmente e mais
taram pesquisa e intervenção social entre po- vezes citado no exterior, Paulo Freire, como um dos
pulações pobres e marginalizadas por várias precursores da análise aplicada à realidade de grupos c"'3eH

décadas nos Estados Unidos(Simon, 1994).


Não até a década de 1970, e especialmente
oprimidos, quando pensou na década de 1960 sobre a E-
;aB
Teoria da Conscientização, a qual inspirou a Teoria do =
em 1976,com a publicaçãode l?ZacéE;mpo
n a)
werment: Soda! Work {n OppvessedCommunities Empoderamento, como veremos a partir de agora.
= '8 U. B-H

36 37
O educador é da tradição de pensadores e pensa- da compreensão.Se a compreensãoé critica
doras que refletem a partir da realidade concreta. ou preponderantementecrítica, a ação tam-
concebendo, assim, a Teoria da Conscientização como bém o será. Se é mágica a compreensão, má-
prática para a libertação e de estratégias de atuação de gica será a ação".2i
Freire, que recebeu 29 títulos de Honoris Causa,
grupos oprimidos. Ao contrário de Julian Rappaport,
Freire não acreditaque é necessáriodar ferramentas desenvolveu uma pedagogia crítica, pois pensava a
para que grupos oprimidosse empoderem;em vez educação como um ato político. Em uma de suas obras
disso, afimia que os próprios grupos subalternizados mais conhecidas, .4pe(á2EOEüdo opnm/áo, publicada em
1968,enquanto estava no Chile exilado pela Ditadura
deveriam empoderar a si próprios, processo esse que
se inicia com a consciência crítica da realidade aliada Militar brasileira, o educador e filósofo anteviu uma
a uma prática uansformadora. Sendo assim, ele reftlta postura revolucionária em seus leitores. Para o autor.
sua obra seria de interesse de pessoas radicais, que se
o paternalismo, que chama de forma dócil de subju-
gação. Em sua análise, Freire afimia que a consciência interessariampela transformação real da sociedade e
crítica "é a representação das coisas e dos fatos como responsáveispela efetiva prática e conduta de üans-
se dão na existência empírica"zo, bem como em suas 6ormação pelo pensamento consciente e libertário de
correlações causais e circunstanciais. Já o que ele povos oprimidos. Em linguagem totalizante, marcada
chama de consciência ingénua seria aquela que se pe[o objetivo da ]ibertação dos homens, limitação de
sobrepõe aos fatos, com o objetivo de dominação e, seu pensamento que será posteriormente aprofundada,
justamente por isso, julgando entendê-losconforme conseguimoster uma boa compreensãodo que signi-
seu desejo. A consciênciamágica, ao contrário da fica ser um radical na visão do autor, que afínna que:
ingênua, teria como objetivo a docilidade, a inércia
O radical, comprometido com a libertação
diante dos fatos, característicaspróprias também da dos homens, não se deixa prender em "cír-
consciência fanática, que seria, para ele, a patologia, a culos de segurança", nos quais aprisione
cólera da consciência ingênua. Aíimla o autor: também a realidade. Tão mais radical quanto
mais se inscreve nesta realidade para, conhe-
Acontece, porém, que a toda compreensão de cendo-a melhor, melhor poder transforma-la.
algo corresponde, cedo ou tarde, uma ação.
Captado um desafio, compreendido, admiti-
Não teme enâentar, não teme ouvir, não
teme o desvelamentodo mundo. Não teme 5-
= a)
das as hipótesesde resposta, o homem age. o encontro com o povo. Não teme o diálo- =
= '6 A natureza da ação corresponde à natweza go com ele, de que resulta o crescente saber
l.&J ''D

38 39
de ambos. Não se sentedono do tempo, nem
dono dos homens, nem libertador dos opri-
midos. Com eles se compromete, dentro do
::s'=.='É';li:,Sl= ';:====«= li=1.
tempo, para com eles lutar.2z
sentido, Freire denunciava reações intolerantes de
pessoasque não sabiam lidar com a denúncia concreta
de situações opressoras e rechaçavam de pronto refle-
A forma como o pensador reflete o radical é
xões sobre teorias e práticas transformadoras. A essas
interessante e dialoga com uma série de elementos
reações, o educador chamou-as de sectárias. Vale
necessáriospara a união entre consciênciae prática. destacarque o autor chamou a atenção para o fato
Percebemos, pelo pensamento de Freire, que a pessoa
de que esse sectarismo aflige, inclusive, mentes revo-
radical pela transâomlação da realidade degradante lucionárias, sendo um importante ponto de destaque,
que atinge vários povos é uma pessoa que se interessa e
principalmente diante da realidade concreta anal,
busca informação, mergulha na realidade tão profundo na qual a Teoria do Empoderamento,que inspira
quanto queira transforma-la, bem como tem escuta, extensa e rica produção, é muitas vezes alvo de desle-
comprometimento e compartilha espaço. Vejo que suas
gitimação, inclusive por pessoas do campo progres-
reflexões dialogam com Djamila Ribeiro quando a íiló-
sista,as quais, não raro, confundem-secom a figura
sofa vai pensar o conceito de empatia. Para ela, empatia do opressor. Nesse sentido, destaca-se:
não é um sentimentoque pode acometer um indivíduo
um dia, outro não, mas sim uma construção intelectual Enquanto a sectarização é mítica, por isto
que demanda esforço, disponibilidade para aprender e alienante, a radicalização é crítica, por isto
ouvir. Tão mais empática a pessoa será quanto mais ela libertadora. Libertadora porque, implicando
conhecer a realidade que denuncia uma opressão. no enraizamento que os homens fazem na op-
ção que fizeram, os enganacada vez mais no
Paulo Freire alerta, porém, que haveriapessoas esforço de transformação da realidade concre-
que não ultrapassariam as primeiras páginas de seus ta, objetiva. A sectarização, porque mítica e
livros. Umas por julgarem ser blá-blá-blá,expressão irracional, transforma a realidade numa falsa
semelhante ao "mimimi" empregada nas redes realidade, que, assim, não pode ser mudada.a
sociais, a quem pensavam que se perderia por tratar de n
= Freire apresenta uma densa análise sobre a
temas como diálogo, esperança, humildade, simpatia; 5«
a) já outras "por não quererem ou não poderem aceitar sociedade de classes e sua relação de exploração
=
q) as críticas e a denúncia que fazemos da situação com as classesmenos favorecidas,entre as quais ele
= 0 U. Bn

40 41
nomeia uma relação entre colonizador e colonizado. dado, não é suRcienteno que diz respeitoà
transformação da sociedade como um todo, é
mostrando as implicações dessas relações desiguais. absolutamente necessário para o processo de
Se o educador 6oi, conforme apontam diversos estu- transformação socia].[. . .] Sua curiosidade,
diosos, o precursor da Teoria do Empoderamento sua percepção crítica da realidade são funda-
quando trouxe ao mundo a Teoria da Conscientização, mentais para a transformação social, mas não
mais adiante ele mesmo demonstra preocupação com são,por si sós, suficientes.a
a distorção que o conceito permite em quedoe casa(!h.
corlc#czízo
do pn2#nsoPS, o qual assina com o professor Logo, percebe-seque Freire teoriza a conscienti-
Ira Shot. E nesselivro que os autorestranscrevemum zação a partir do social e do coletivo, e não apenas a
diálogo reflexivo entre dois educadores, alertando para partir do individual, como muitas vezes vemos sendo
a necessidadede não pensar no conceito como uma aplacadoo conceito. O educador brasileiro dialogou
fórmula instantânea que vai permitir uma ascensão hternacionaJmente e iruspiroua união do pensamento
compulsória para grupos oprimidos. Eles salientam com a transfomiação social, a alteração material das
também que o trabalho teórico que se estabelece deve condiçõesdegradantesàs quais um grupo social é
ser concomitante com a aplicabilidade no meio em que submetido. Cabe destacar que foram grandes as refe-
se faz necessário. Escrevem que: rências de Freire ao intelectual negro Guerreiro Ramos.
Ainda que Paulo Freire passe por diversos
Esta é a questão.Não acreditona autoliber- autores,e que suas reflexõestenham sido decisivas
tação. A libertação é um ato social. [. . .] Não,
para o desenvolvimento da teoria e sua aplicação
não, não. Mesmo quando vocêse sente,in- correta nos meios necessários,parte do movimento
dividualmente, mais livre, se esse sentimento
não é um sentimentosocial, se você não é feminista da década de 1980 questiona a abordagem
capaz de usar sua liberdade recente para mu- e o direcionamento da teoria proposta pelo educador,
dar os outros a se libertarem através da trans- a qual teria um limite ao não ter se atentado para o
formação global da sociedade, então você só fato de que o oprimido não é um conceito abstrato,
está exercitando uma atitude individualista
porque é marcado por gênero, raça, sexualidade e
no sentido do anpowe7mmfou da liberdade.
outras categorias. A abordagem de Freire serve inega-
Deixe-me aproflmdar um pouco mais nessa
questão do empowammf.[...] Enquanto que velmente para a compreensão de caminhos e estra- 5-
o ampowen7zmf individual ou o en2powenmf tégias de erradicação de desigualdades, e inclusive é -=
= 'Õ
de alguns alunos, ou a sensaçãode ter mu- um dos alicerces do pensamento da feminista negra U. Bn
L-üJ '''D

42 43
norte-americana bell hooks, o qual veremos a fundo Cabe aqui um parêntesepara lembrar o primeiro
nos próximos capítulos, mas vale dizer que tanto ela volume da coleção Feminismos Plurais, lido escrito
quanto outras pessoas que se debruçaram sobre o
pela HIÓsofaDjamila Ribeiro, que traz a explanação
tema sofisticaram a análise ao refletir as intersecções teórica do que vem a ser lugar de falaz8,e também do
de grupos que combinam opressões. Nesse sentido. artigodo Dr. Adilson J. Moreira intitulado "Pensando
trazemos a reflexão da feminista e pesquisadora como um negro".zç Ambos os trabalhos refletem em
indiana Srilatha Batliwala que refleteque: que medida o posicionamento social determina a
O conceito de empoderamento feminino sur- profundidade de ações ou reflexões que versam sobre
as desigualdades sociais. Muitos estudiosos propagam
giu de críticas e debates gerados pelo movi-
mento das mulheres durante a década de 1980. pesquisas importantes sobre agendas que podem
quando as Feministas, especialmente no que eliminar as desigualdades. Entretanto, devemos
era então conhecido mais amplamente como prestar atenção nos limites dessas proposições e arti-
terceiromundo"(antes do termo "sul global" culações do pensamento, uma vez que, enquanto não
ter ganhado notoriedade), se viram cada vez damos voz a pensamentosespecíficos de intelectuais
mais descontentes com os modelos em grande
medida apolídcos e económicos na maioria que se formam dentro dos grupos diretamente atin-
das intervenções de desenvolvimento.27 gidos, não temos a dimensão exala de quais ações
realmente desencadeiam mudanças.
Como é possível observar nessa breve contex-
Na época, havia uma crescente interação entre o
rualização, são muitas as definições e literaturas que
feminismo e a abordagem da conscientização desen-
fiam sobre empoderamento, mas podemos destacar
volvida por Paulo Freire na América Latina. Mas se
os principais pontos de confluência:
Freire ignorou o gênero e a subordinação das mulheres
1. há a discussão semântica, por se tratar de um
como elemento crítico para a libertação, havia outras
neologismo e tradução de e/npowermenf, do inglês, e
visões importantes influenciando ativistas e movi-
há autores que creditam a Paulo Freire essa criaçãol
mentos sociais que emergiram naquele momento,
2. a diferença entre a definição de Rappaport e
entre eles a redescoberta dos "subalternos", de
Freire. Se, para o prüneiro, empoderamento é viabi-
Antonio Gramsci, e o papel hegemónicodas ideolo-
gias dominantes, e o despontar das teorias da cons-
lizar instrumentos para que os grupos oprimidos 5-
n a) possam ser fortalecidos, para Freire, os próprios =
trução social e pós-colonial.
=
L-&J
'3
''D
grupos optímidos devem empoderar a si mesmos, L.u a.

44 45
desconfiando da docilidade das classesdominantes e São elas a dimensão cognitiva(visão crítica
das estruturas de poder; da realidade), psicológica(sentimento de au-
toesüma), política(consciência das desigual-
3. a influência do pensamentode Bárbara Bryant dades de poder e a capacidade de se organizar
Solomon, com o objetivo de pensar empoderamento e se mobilizar) e a económica(capacidade de
como metodologia para profissionais do serviço social. gerar renda independente).30
e de Paulo Freire, com seus trabalhos nas teorias sobre
Empoderamento e Conscientização Crítica de indiví-
duos, leva a crer que é possível que os mesmos desen-
volvam sozinhos habilidades adormecidas pela atuação
no meio em que vêem;
4. Empoderamento como teoria está estritamente
ligado ao trabalho social de desenvolvimento estra-
tégico e recuperação consciente das potencialidades
de indivíduos vitimados pelos sistemas de opressão,
e visa principalmente a libertação social de todo um
grupo, a partir de um processoamplo e em diversas
frentesde atuação, incluindo a emancipação intelec-
tual. Solomon pensou empoderamento aplicado aos
profissionaisdo serviço social e comunidades opri-
midas. A Teoria do Empoderamento, na concepção
de Freire, vem da Teoria da Conscientização Crítica;
5. para fins de síntese,é importantedestacara
definição da professora feminista norte-americana
Nelly Stromquist:

n
5-
O empoderamento consiste de quatro dimen-

E€ sões, cada uma igualmente importante, mas


não suficientepor si própria, para levar as =
= a) mulheres a atuarem em seu próprio beneãcio.
=
l-&J .

''D
L.u a.

46 47
OPRESSOES ESTRUTURAIS E EMPODERAMENTO:
UM AJUSTE NECESSÁRIO
Essa concepção é fundamental para pensar as desi-
gualdades por uma. perspectiva de género, partindo
dos lugares sociais das mulheres.
Outra questão fundamental é aprofundar essa
análise, posto que anualmente passou-se a esvaziar
essa perspectiva para um "empoderamento femi-
nino", que mais parece uma tautologia que se resume
em não explicara origem do conceito e nem a que
se propõe, ou seja, promove a despolitização do
conceito, reduzindo-o a mera expressão das liber-
dades individuais.
Essa visão superficial,que se descoladaquela
propostapelas feministasdo Sul Global, levou a
Por todas as informações que foram elencadas, desentendimentos, ou melhor, ao entendimento de
abre-seum momento importante neste capítulo para
que empoderamentofeminino é a superação indi-
pensarmos em quão é imperativo ajustar as discussões
vidual de certas opressões, mas sem romper de fato
acerca da Teoria do Empoderamento ao exato enten- com as estruturas opressoras. Explico: é julgar que
dimento das dinâmicas e significados das opressões se empoderar é transcender individualmente certas
estruturais e sua relação indissociável com o conceito,
barreiras, mas seguir reproduzindo lógicas de opres-
bem como com a aplicabilidade da teoria.
sões com outros grupos, em vez de se pensar empo-
O movimento feminista, sobretudo aquele que deramento como conjuntos de estratégias necessa-
foi construído a partir do rompimento com a ideia
riamente antirracistas, antissexistas e anticapitalistas
universal da categoria mulher, ou soja, ressignificando
e as articulaçõespolíticas de dominação que essas
categorias diversas de mulheres pela premissa da inter-
condições representam.
seccionalidade negras, indígenas, latino-americanas
Essa definição autocentrada, já explicitada por
e mulheres de cor ou não brancas, entre outras é que
acaba por reestruturar as bases iniciais para o enten-
Freire como equivocada, gera essa incógnita relação
entre individual e coletivo nos processos de empode- 5-
;a
dimento e aplicabilidade, bem como para a detecção ramento. Nesse sentido, vale destacar as reflexões da =
das fissuras e distorções que necessitavam de atenção.
=
L-iJ

'D
sociólogacolombiana Madalena León: L.u a.

50 51
Uma das contradições fundamentais do uso individualpode ser uma ilusão, pois, em sua visão,
do termo "empoderamento" se expressa no o empoderamento precisa incluir mudanças indivi-
debate entre o empoderamento individual e o duais e coletivas, em
coletivo. Para quem o uso o conceito na pers-
pectiva individual, com ênfase nos processos [. ..] um processo desenvolvido com a comu-
cognitivos, o empoderamento se circunscreve nidade, com cooperaçãoe solidariedade.Ao
ao sentido que os indivíduos se autoconfe- levar em conta o processo histórico que cria a
rem. Toma um sentido de domínio e controle falta de poder, torna-se evidente a necessida
individual, de controle pessoal. de de alterar as esüuturas sociais anuais: isto
E "fazer as coisas por si mesmo", "ter êxito é, reconhecer o imperativo da mudança.s3
sem a ajuda dos outros". Esta é uma visão
individualista, que chega a assinalar como
prioridade que os sujeitos soam independen- Como bem ressalta León, toda e qualquer
tes e autónomos no sentido de domínio de si ação que se pense sob a perspectivada Teoria do
mesmos, e descarta as relações entre as esüu- Empoderamento visa primordialmente a mudança
turas de poder e as práticas da vida cotidiana social com rompimento ativo e processual, tanto cole-
de indivíduos e grupos, além de desconectar tivo quanto individual, com as esüuturas de poder
as pessoas do amplo contexto sócio-político,
histórico, de solidariedade e do que represen- que foram articuladas para serem hierarquizantes à
ta a cooperaçãoe a importânciade preocu- custa da escassez de grupos situados na base.
par-se com o outro.si Trata-se da antítese de uma visão liberal de
dimensionamento meramente individual do empo-
Ora, se a coletividade é o resultado da junção de deramento,uma vez que parte de grupos sociais e
muitos indivíduos que apresentamalgum ou alguns transformações coletivas em grupos historicamente
-- elemento em comum, é intrínseco que estamos oprimidos por uma estrutura dominante.
falando de um processo que se retroalimenta conti- Há que se deixar muito bem pontuado que, uma
nuamente. Indivíduos empoderados formam uma vez que se trata de instrumentoimportante nas lutas
coletividade empoderada e uma coletividade empo- emancipatórias de minorias sociais, sobretudo de cunho
derada, consequentemente,será formada por indiví- racial e de gênero, não podemos cair na vala comum
duos com alto grau de recuperação da consciência do e seguir permitindo que o termo padeça de relevância 5«
a)
seu eu social, de suas implicações e agravantes. León prática e ideológica por meramentecair nas raias do =
a)
= segue aüumando o quanto esse empoderamento pensamento liberal, servindo, assim, de sustentação
8
52 53
do saber que fatalmente é a raiz da situação que aia a bem, não apostamos na sorte ou em uma consciência
necessidade de haver um processo de empoderamento. ingênua ou mágica como postulou Freire leia-se aqui:
Vale dizer que isso não signiHlcaque a dimensão teoriasesvaziadas de uma prática real. Esses elementos
individual esteja ahjada do processo, ao contrário. O Comtrutivosprecisam ter qualidade individual para
empoderamento individual e coletivo são duas faces que o resultado soja igualmente qualitativo. E esses
indissociáveis do mesmo processo, pois o empode- elementos isolados não conseguem complementar a
ramento individual está fadado ao empoderamento função ii)icial que é edificar a moradia.
coletivo, uma vez que uma coletividade empoderada Ressalte-se que o fato de um sujeito pertencente
não pode ser formada por individualidades e subje- a um grupo oprimido ter desenvolvidopensamento
tividades que não estejam conscientemente atuantes crítico acerca de sua realidade não retira a dimensão
dentro de processos de empoderamento. estrutural que o coloca sob situações degradantes.
E o empoderamentoum favorresultantedajunção Essa é uma das razões pelas quais o empoderamento
de indivíduos que se reconstroem e desconstroem em é um processo gradual. Exemplificando o exposto,
um processo contínuo que culmina em empodera- pensemos em um rapaz negro, brasileiro, que teve
mento prático da coletividade, tendo como resposta seus talentos reconhecidos e passou a ser absorvido
as transformaçõessociais que serão desítutadaspor nos meios de privilégio do topo da nossa pirâmide
todos e todas. Em outras palavras, se o empodera- social. Embora ele esteja economicamente em mobi-
mento, no seu sentido mais genuíno, visa a escada lidade social ascendentee tenha saído do lugar de
para a contraposição fortalecida ao sistema domi- subalternidade reservado para sua coletividade, a
nante, a movimentação de indivíduos rumo ao empo- marca expressada por sua negritude não permitirá que
deramento é bem-vinda, desde que não se desconecte o vínculo social e permanente com a coletividade seja
de sua razão coletiva de ser. Como dito anteriormente, rompido. Enquanto essa comunidadenão se empo-
partindo das reflexões de Paulo Freire, a consciência dera, ele continua em constante ítagilidade social e
crítica é condição indissociáveldo empoderamento. expostoàs violências que atingemsua coletividade,
Traçando uma simeüia simples,se o empodera- como o genocídio, por exemplo. Seria preciso esta-
mento fosse uma casa, os indivíduos seriam seus compo- belecer a necessidade de avaliar e articular diversas
nentes consüutivos -- tijolos, argamassa, telhado, piso, dimensões de trabalho rumo à aplicação da Teoria do 5-
pintura etc. Serão adquiridos e trabalhados para que a Empoderamento como instrumento de emancipação =
junção de todos eles seja a tão sonhada moradia. Pois e erradicação das estruturas que oprimem.
= '6 t.b H-e
L-LJ 'D

54 55
Outras são as barreiras estruturais no efetivo enquanto tecnologia de opressão, e, por conse-
processo de conceituação, disseminação e prática quência,vem identificandooutros tipos de uso do
do empoderamentoa grupos oprimidos: a do conhe- silenciamento. Sobre esse silenciamento opressivo em
cimento, por exemplo, aqui entendido sob alguns especial,a partir do qual podemos também refletir a
aspectos. Um dos contextos é o prdeto político de realidade brasileira, a pensadora afirma que ocorre
educação pública de base que é sucateado histori- porque o oprimido percebe de imediato que o grupo
camente no país em favor da mercantilização da opressor não está disposto ou é incapaz de assimilar o
educação, barreira importante para a formulação de que está sendo dito. Ou seja, com o tempo, em razão
consciência crítica. Lamentavelmente, observamos até da repulsa em dialogar abertamente sobre as opres-
os dias de hoje uma indisposiçãoinstitucional, midiá- sões que estruturam nossa sociedade, deixamos de
úca e política para a reflexão crítica. Em consequência, falar sobre elas ou falamos apenas o que é permitido.
as teoriaspor aqui se perdemfacilmenteem meio a Em longo prazo, o silenciamento dos grupos opri-
um emaranhado de superücialidades. Soma-se a isso o midos e o endurecimento do conveniente desinteresse
silenciamento compulsório das populações oprimidas, dos grupos dominantes em discutir nossas matrizes
sobretudo da comunidade negra, o qual atravanca o opressoras geradoras das desigualdades deixou um
potencial de discussões, uma vez que abordar questões enorme atraso na produção de conhecimento, visto
raciais tem sido alvo de muita rejeição e ridicularização, que há uma incompletudeem quasetudo que se
inclusive institucional. O silenciamento é uma prática propõe a estudar sobre temas conelatos, e uma super-
recorrente das estruturas opressoras que operam neste ficialidade generalizada que foi mutilando todas as
país o que, em longo prazo, impõe aos indivíduos que Forças que carecem do conhecimento profundo para
pertencem a esses grupos o que a dra. Kristie Dotson, se atualizar e instrumentalizar a sociedade no sentido
professora associada de íilosoHia da Universidade de de viabilizar práticas de erradicação dos nossos
Memphis, nos EUA, chama de zes/fmonü/smor&a7ng problemas históricos. Para esse quadro, a dra. Dotson
- sufocamento testemunhal, em português que signi- tem outro termo cunhado, per/z/c/oz/szg/zoxance em
fica "o ahjamento da própria vivência para assegurar português, ignorância prejudicial, de má-fé, perni-
que o discurso contém apenas conteúdo para o qual o ciosa, que se constitui em violência epistêmica.Isto
público demonstra interesse em assimilar".n é, que atinge saberes e conhecimentos da população
Essa feminista negra norte-americana vem se negra, no sentido de haver uma deliberada ação no
dedicando ao estudo específico do silenciamento
= a)

= '6 sentido de diâcultar o acesso e negar a produção


LLJ ''D

56 57
intelectual dos grupos historicamente oprimidos. dito no capítulo "The Mask", em .lJZafzraffo/z.A4êmodes.
Essa ignorânciaadvém do fato de as classesdotni- Epóodesof.EvmyúEzyRa(úm, em que afirma que quer
nantes perpetuarem a manutenção das desigualdades
[. ..] fiar sobre a máscara do silenciamento.
e lutarem de todas as formas contra a perda da hege-
monia do discurso único. Tal máscarafoi uma peça muitoconcreta,
um inlsüumento real que se tomou parte do
Sobre silenciamento e ignorância prdudicial a prometocolonial ewopeu por mais de trezen-
grupos oprimidos, podemos também pensar a reali- tos anos. Ela era composta por um pedaço de
dade das mulheres negras a partir da frase da ativista metal colocado no interior da boca do sujeito
negra brasileira, Monique Evelle, em 2015, quando Negro, instalado entre a língua e a mandíbula
afirmouem palestra:"nunca füi tímida, füi silen- e fixado por detrás da cabeça por duas cordas,
uma em tomo do queixo e a outra em torno do
ciada". Essa aíimlação denunciaum sistemaque nariz e da testa. Oâcialmente, a máscara era
funcionaa partirda opressãopelo apagamento, o usada pelos senhores brancos para evitar que
que também está na fala da feminista negra caribenha aÊicanos/as escravizados/as comessem ca-
Audre Lorde quando diz que "o peso do silêncio vai na-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam
acabar nos engasgando". Assim como Dotson, Lorde nas plantações, mas sua principal função era
reílete que tal silêncio não é individual, mas um silen- implementar um senso de mudez e de medo,
visto que a boca era um lugar tanto de mudez
ciamentoinstitucional,uma conduta, uma ação que quanto de tortwa. Nesse sentido, a másca-
provoca esse silenciar de grupos subalternizados.35 ra representa o colonialismo como um todo.
A diversidade da fomiação da população brasileira Ela simboliza políticas sádicas de conquista
tem sido negligenciadaem nossa sociedade em geral e dominação e seus regimes brutais de silen-
e mais especificamentenos meios acadêmicos e inte- ciamento dos(as) chamados(as) "Outros(as)"
lectuais. Sueli Carneiro, em sua tese de doutorado "A Quem pode falar? O que acontece quando fa-
lamos? E sobreo que podemos fiar?s8
construção do outro como não ser como fundamento
do ser"x, reforça a reflexão de Boaventura Sousa
Santos ao definir o desprezo sos saberes produzidos
O reforço do protagonismo dos movimentos
sociais, especialmentedo Feminismo Negro, que se a
pela intelectualidadenegra como mais uma estratégia
de genocídio de toda uma raça, autorizada pelos meios
deu por uma disputa maior de narrativas dessesmovi- 5-
acadêmicos.s7 Já Grada Kilomba reflete sobre a tutela mentos com a expansão da internet, fez com que =
n a) outros discursos e demandas viessem para o censo da
= 'ã branca que define quem, quando e o que pode ser
LIJ 'D

58 59
discussão. Conceitos como lugar de fala e representa- Seguindo os princípios da interseccionalidadede
tividade passaram a ganhar espaço e força, ao mesmo Crenshaw, o posicionamento de mulheres negras é
tempo em que o contradiscurso, que almeja desestru- urn divisor de águas para toda a luta feminista, uma
turar essa evolução, passa a esvaziar e/ou tirar a legi- vez que levanta questionamentos acerca da homo-
timidade deles, pela distorção ou cooptação.
geneidade do ser feminino universal, cunhado por
A população negra foi conÊmada,entre outras mulheresbrancas dentro do feminismo, e ressignifica
práticas, à desumanização de escravizados de ontem todo o trabalho de empoderamento partindo desse
e de hoje ainda que a escravizaçãode hoje seja /oms social que, invariavelmente, abarca outros enten-
oculta e consequente de séculos de escravização de dimentos que envolvem as opressões em outros níveis,
fato, já que a abolição completa da escravização inclusive determinando a diversidade e a complexi-
de pessoasnegras nem foi processadade maneira dadeque adquire à medida que se insere nas realidades
correra pela sociedade e avançou pouco mais do que
adjacentes dos grupos minoritários. O pensamento
algumas mudanças de legislação, muito devido à de feministas negras abre dimensões importantes do
negação de saberes, produção e potencial intelectual trabalho de empoderamento, ao mesmo tempo que
negra que foi, é e tem sido mais um caminho e6lciente define a necessidade de interligação entre essas dimen-
para mantê-la no lugar da subalternidade. sões e que não se pode dissociar os processosindivi-
No caso de mulheres negras e seu peculiar posi- duais dos processos coletivos.
cionamento na encruzilhada das opressões que cons- Como bem exempliHlca um dos maiores expoentes
truíram nossa sociedade, para lembrar da interseccio- do Feminismo Negro brasileiro, Sueli Carneiro, em
nalidade cunhada por Kimberlé Crenshaw-há uma um de seus artigos fundamentais para o entendi-
invisibilidade que é consequência da articulação dos mento do /omssocial do grupo de mulheres negras,
grupos subalternizadosdentro da pirâmide social; intitulado "Enegrecendo o feminismo: a situação da
afinal, sofre racismo o homem negro e sobe machismo
mulher negra na América Latina a partir de uma pers-
a mulher branca. E onde fica a mulher negra? Não pectiva de gênero", diz que
bicaem lugar algum, ou bicaem um não lugar. Ou,
como brilhantemente define Kilomba, ocupa o lugar Em geral, a unidade na luta das mulheres
-« := de "o outro do outro", ou ainda, nas considerações em nossas sociedades não depende apenas
de Audre Lorde, mulheres negras são as sísfexsoz/ís/der da nossacapacidadede superaras desigual-
=
= a)
que, em tradução literal, signiâlca "irmãs de fora' dades geradas pela histórica hegemonia mas-
J
= 'ã culina, mas exige, também, a superação de .L&

60 bl
ideologias complementares desse sistema de devidamente identificadas e aprofundadas, estão
opressão,como é o caso do racismo. O ra- assentadasde maneira definitiva em todas as ações
cismo estabelecea inferioridade social dos
segmentosnegros da população em geral e promovidas, tendo como norte o empoderamento,
das mulheres negras em particular, operando sejaindividual ou coletivo, assim como
ademaiscomo favor de divisão na luta das
A importância dessas questões para as popu-
mulheres pelos privilégios que se instituem
lações consideradas descartáveis, como são os
para as mulheres brancas. Nessa perspectiva,
negros, e o crescente interesse dos organismos
a luta das mulheres negras contra a opressão
de gênero e de raça vem desenhando novos internacionais pelo controle do crescimento
contornos para a ação política feminista e dessaspopulações, levou o movimento de mu-
lheres negras a desenvolver uma perspectiva
anü-racista, enriquecendo tanto a discussão internacionalista de luta. Essa visão interna-
da questão racial, como a questão de gênero
na sociedade brasileira.sç cionalista está promovendo a diversi6cação
das temáticas, com o desenvolvimento de no-
vos acordos e associaçõese a ampliação da
Se o Feminismo Negro luta pela erradicação do cooperação interétnica. Cresce entre as mu-
racismo como estruturante social, ele se alude ao lheres negras a consciência de que o proces-
movimento negro. Se o Feminismo Negro aponta as so de globalização, detemlinadopela ordem
opressões atreladas ao gênero, ele se aglutina a linha neoliberal que, enfie outras coisas, acentua o
de õ'entedo Feminismo dito universal. Então, temos processo de feminização da pobreza, coloca
a necessidade de articulação e intervenção
a necessidade de explicitar todas as contribuições do da sociedade civil a nível mundial. Essa nova
Feminismo Negro, suas proposições e apontamentos consciência tem nos levado ao desenvolvi-
para que em um só tempo tenhamosum entendi- mento de ações regionais no âmbito da Amé-
mento profundo dos caminhos da História, bem rica Latina. do Caribe. e com as mulheres
como dos princípios norteadores de novas ações e negras dos países do primeiro mundo, além
da participação crescente nos fóruns interna-
posturas que visam a equidade como potencial elimi- cionais, nos quais governos e sociedade civil
nador das opressões. se deâ'ontem e definem a inserção dos povos
H
Sob esse aspecto, o artigo de Carneiro prossegue
5-
terceiro-mundistas no terceiro milêBio.40
consolidando essa necessidade de assimilação do
;aB
pensamento de mulheres negras para a evolução das Não é possívelformarum pensamento
crítico =
= a)

= 'ã
discussões acerca das nossas fissuras sociais que, já completo, em qualquer área do conhecimento,
L-LJ 'D

62 63
negando os apagamentos e exclusõesfomentadas ao que a emancipação .de mulheres negras representa
longo da nossa História, como fazem, por exemplo, que toda uma sociedade estará de fato se movimen-
quase todos os teóricos do urbanismo, que ignoram tando rumo à evolução e à erradicação dos nossos
as opressões como válvula motriz das desigualdades mais agudos problemas.
que eles, assertivamente, já assumiram que existem, Não por acaso, toda luta social que mexe em
criando uma modalidade nomeada pela PhD Melissa acúmulos e excedentes de privilégios, provocando
M. Valle, de coZoró///zd
z/r&afzzkm,
em português, urba- uma tensão estrutural na sociedade, pelo incó-
nismo daltânico. modo premeditado de indivíduos que estão em uma
Cito o Urbanismo porque é o meu campo de posição de conforto social, tende seguramente a ser
estudo e formação, mas certamentepoderia citar alvo de estratégias de autoproteção desses grupos,
t(idas as outras áreas possíveis e imagináveisdo que acabam por criar estratégias quase instintivas de
conhecimento dito universal. defesa aguerrida de seus interesses. E o movimento
Nesse sentido, é urgente falar sobre as temá- reativoque ao menor sinal de perigo sai em defesa
ticas do pensamento do Feminismo Negro, não daquilo que acredita ser seu por direito, desconside-
como supérflua manifestação identitária, mas como rando que acúmulose excedentessão construídosà
importante contribuição para a reestrumração social custa da escassez e da exploração de outros. Daí surge
a partir das necessidadesde grupos minoritários, a distorção do sentido real das ferramentas, de estra-
tendo em vista o /ecussocial e as experiênciasque tégias sociais e políticas empregadas pelos grupos que
dele emergem. Como bem pontua Djamila Ribeiro, buscam primordialmente o direito à existência plena e
em Z,agarde#a/a,vai muito além da função, enquanto a justa distribuição das benesses sociais. O empodera-
instrumento de luta pelo direito de existir, o preen- mento, assim como o lugar de fala, coloca-se em uma
chimento da lacuna que os cânones do pensamento posição estratégicade descortinador da bipolaridade
universal deixaram. No mesmo caminho de racio- social, que ao mesmo tempo anseia pela igualdade em
cínio, o empoderamento é a continuidade do processo um sintoma confuso de crise ética, mas não se mostra
que garantirá que essa existência pleiteada pelo lugar disposta a olhar para seus acúmulos e questiona-los
de fala se desenvolvade maneiraplena e eficiente
nas ações para a emancipação possível de mulheres
no sentido de promover um recuo em nome de uma
transformação social completa e possível. 5-
negras e de outros sujeitos sociais oprimidos. Cabe =
n a)
zo lembrar a poderosa fala de Angela Davis, que afirma
l.&J ':

64 65
os autores, essa apropriação.cria um processo de
despolitização/homogeneização e, por conta disso, o
termo passou a ser disputado no campo ideológico de
desenvolvimento.
Por sua vez, nos últimos anos, percebe-se
que um número crescente de instituições da
Sociedade Civil introduz em sua estratégia a
abordagembaseada em direitos, a qual tem
sua origem na luta pelo reconhecimento e
promoção do conjunto de direitos huma-
nos(civis, políticos, económicos, culturais
etc.). As próprias agênciasde cooperaçãoe
organizações financeiras multilaterais vêm
progressivamente adotando esta nova concep-
Importante destacar a abordagem do empodera- tualização na formulação de suas políticas e
mento pela perspectiva económica como prática de estratégias. Dessa forma, a noção de direitos
Fortalecimento de comunidades, e como o conceito e a abordagem baseada em direitos passam
também a ser motivo de debate e disputa no
6oi utilizado no campo de políticas públicas e por
organizações não governamentais, no sentido de campo de desenvolvimento,tal como ocorre
no caso de empoderamento."
supostamente criar estratégias de desenvolvimento
voltadaspara a superação da pobreza. Jorge Romano
e Mana Antunes, no livro Empodexame/zro e d2neüos
Romano, intelectual argentino e professor na
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no
fzo comóaíe a poóngza4:,aHumam, na introdução, que
a noção de empoderamentopassou a ser utilizada primeiro capítulo do seu limo com Mana Antunes,
entitulado "Empoderamento: recuperando a questão
pelos movimentos sociais, e posteriormentepassou a
do poder no combate à pobreza", chama atenção
= ser incorporada como prática das ONGs na década
de 1970. Porém, alertam que o conceito e a abor- para o fato de o conceito de empoderamentoter sido
cooptado pelo discurso dominante do ma!/zs/xeam 5-
dagem "coram gradualmente apropriados pelas =
de agências internacionais, como o Banco Mundial,
agências de cooperação e organizações financeiras
= a)
multilaterais(como o Banco Mundial)"42.Segundo para servir como um instrumentode manutenção
= 'ã
L-&J -D

68 69
das práticas assistencialistas, de modo a continuar flHdamental é como se pode imaginar que o processo
exercendo o controle social sobre grupos oprimidos de empoderamento possa ser neutro, desconsiderando
e não incentivar a transformação. Essa dominação por completo suas dimensões ideológicas e políticas
estaria atendendo uma lógica neoliberal, que não visa com o propósito de domesticar grupos oprimidos:
o fortalecimentocomunitário, fazendo a manutenção
do coníinamento aos lugares sociais específicos. Para Busca-se reduzir os efeitos do empoderamen-
o autor, trata-se de re6ormismo e não mudança funda- to, no melhor dos casos, aos de uma pro-
mental. O objetivo, portanto, seria criar uma prática gressão aritmética e não potencializar suas
possibilidades enquanto desencadeador de
meramente assistencialista, uma prática de depen-
progressões geoméuicas. Com essa pasteuri-
dência. Mais uma vez, então, vemos uma teoria ser zação do empoderamento,tem-seprocurado
concebida com propósito revolucionário e transfor- eliminar seu caráter de fermento social.a
mador para ser desvirtuada a atender algum interesse
de grupos dominantes. Assim, notamosque empoderamento
é um
Assim, o empoderamento invocado pelos bancos processo e não um fim em si mesmo. O que o autor está
e agências de desenvolvimento multilaterais e bila- dizendo é que valer-se de um uso refomnsta e paterna-
terais, por diversos governos e também por ONGs, lista é retirar a potência necessária para alterar o estado
com muita sequência vem sendo usado como um anual das coisas, mantendo-as como estão, sem alterar
instrumento de legitimação para que se continue a distribuição do poder, para ele ficar concentrado onde
perpetuando uma ordem. Agora com um novo nome. sempreesteve.Esse tipo de visão pasteurizadabusca
Ou, para controlar, dentro dos marcos por eles esta- neutralizar o potencial revolucionário. Vãe dizer que
belecidos, o potencial de mudanças impresso origi- não é possível alterar as relaçõesde poder sem necessá-
nariamente nessas categorias e propostas inovadoras. rios conflitos e questionamentos, uma vez que pensar
Situação típica de transformismo(gatopardismo): em empoderamento é pensar práticas e discursos polí-
apropriar-se e desvirtuar o novo, para garantir a conti- ticos contestatários. Dessa forma
nuidade das práticas dominantes. Traduzindo aos
novos tempos: mudar "tudo" para não mudar nada.« A abordagem de empoderamento não pode
=
Seguindo na crítica, Romano questiona como ser neutral, nem ter aversão a conflitose
a seus desdobramentos. O desdobramen-
5-
poderia haver empoderamento sem alteração nas =
to dos conflitos significa que o processo de
= dinâmicas das relações de poder. Outro ponto

70 71
mudança, uma vez deslanchado, permeia e e organizações se sentirem os mensageiros quase que
sq inâlüa em outras dimensões vividas pelas
exclusivos da "cartilha" empoderadora, julgando-se
pessoas e grupos sociais. O empoderamento
implica contágio,não assepsia.E fermento como únicas réguas a se medir empoderamentoe
social: está mais para inovação criativa que afastando, muitas vezes, pessoas para quem a teoria
para evolução controlada.a mais seria potente.
Agentes de mudanças externas podem ser cata-
lisadores essenciais, mas a dinâmica do processo de
Romano parte de Gita Sen, intelectualindiana, empoderamento é definida pela extensão e a rapidez
professora universitária em Bangalore e referência
com que as pessoasmudam a si mesmas. Isso signi-
internacionalno estudo sobre o tema, para aíinnar fica que, se os governos capacitam as pessoas, elas se
qüe o empoderamento não pode ser considerado
fortalecem, dessa forma, os governos não empoderam
'uma dádiva" ou algo que pode ser feito a alguém por
as pessoas; as pessoas empoderam-se. Assim, o que as
outra pessoa. Segundo a autora, governos, agências e
políticas governamentais e ações podem fazer é criar
ONGs não empoderam as pessoas e as organizações.
um ambiente favorável ou agir como uma barreira ao
O que as políticas de ações governamentais podem processo de empoderamento.«
fazer é criar um ambiente favorável ou, opostamente,
Dito isso, com destaquepara as críticasao esva-
colocar barreiras ao processo de empoderamento. ziamento do significado do sentido original de empo-
Além disso, Romano se mostra preocupadocom o deramento pela perspectiva económica para mulheres
empoderamento ser algo "tecnicizado", pensado
negras,bem como para outros grupos vitimados pelo
em sala de aula, ao invés de trocas de experiências
sistema de dominação, vamos prosseguir para avaliar
coletivas e conjuntas de enÊentamento aos variados alguns casos importantes para a presente discussão,
sistemas de dominação: "isto é, se supervalorizaram
como a aderência expressiva ao aftoempreendedo-
os efeitos políticos da ação pedagógica em detrimento
rismo, que também é conhecido como movimento
dos efeitos pedagógicas da ação política"47. Suas refle-
ó/acÉ mo/zq/, o qual consiste basicamente em criar
xões remetem à noção fteiiiana de empoderamento,
estratégias para que a circulação de dinheiro e o
de uma consciência crítica entrelaçadacom a prática
consumo se concentre dentro da comunidade negra,
transformadora. No entanto, o autor alerta para o
= b-- concebendo uma reversão estratégica do signiâcado
risco de se "superpolitizar" a noção de empodera-
de poder, sobretudose for pautada pelo fortaleci- -=
mento, no sentido específico de alguns movimentos
= 'ã mento de toda comunidade/população negra, pela
L-LJ '''D

72 73
preferência radical de produções feitas por e para No pós-abolição, marcadamente no processo de
pessoas negras, desde o planejamento do produto até Üdustrialização, em que houve o incentivo à vinda de
a propaganda, em um movimento inverso ao que o europeus que assumiram os postos de trabalho, essa
racismo faz, ao excluira existêncianegraenquanto lógicanão foi eliminada; ao contrário, ganhou novos
consumidora. E essa dimensão económica tem um contornos, sendo possível manter a exploração de
histórico muito mais profundo do que parece num mão de obra da negritude, só que agora com uma boa
primeiro momento. Cabe um parêntesepara dizer máscara social que a um só tempo ia de encontro com
os novos arcabouços jurídicos que proibiam a escra-
que pessoas negras historicamente empreendem por
necessidade, posto que o racismo estrutural impede vização, mas não rompiam com o esquema usado
a colocação em empregos formais. Por conta disso, e durantetodo o período colonial: havia um "salário",
com o avanço de um discurso neoliberal e de preca- ou os serviços prestados eram "pagos". Esse paga-
rização do trabalho, é fundamental estar atento ao mento, bem sabemos, embora a história não enfatize,
discurso "fácil" do empreendedorismo, que visa, era somentepara garantir alguma alimentação e/ou
muitas vezes, precarizar ainda mais situação dos local para dormir.
trabalhadores, sobretudo para negros e negras. Esse movimento perverso seguiu até os dias
E evidente que perpassa o processo de empo- de hoje, em que as sutis alteraçõesnão foram sufi-
deramento o fortalecimento social que o dinheiro/ cientespara formar uma populaçãonegra economi-
capital proporciona. E uma estratégiade dominação camente passível de sobrevivência e existência digna
e aniquilamento de mobilidade social manter grupos e, menos ainda, que possa consubstanciara formação
de uma classe média negra. As minorias sociais são
exploradoslonge dos confortos e das benessesque
o capitalismo proporciona -- e isso tem sido deitohá prioritariamente pobres e é isso que garante que as
séculos. Os escravizados nunca tiveram possibilidade possibilidades de se mover para outra posição na
de acúmulo significativo de capital; quando muito, pirâmide social sejam escassas; para alguns, impos-
alguns poucos puderam comprar suas alforrias. No síveis. Olhando desse ponto, fica muito óbvio que
entanto, diante da possibilidade jurídica da compra grupos sociais minoritários precisam do fortaleci-
da liberdade,era essencialque se garantisseque as
riquezas jamais chegassemàs mãos daquelesque a
mento económico. Vale dizer que há uma tradição
de estudo de empoderamento pela perspectiva econó- 5-
mica por organizações internacionais como a ONU, =
produziam, sob pena de perder o foco de construção
das riquezas, que era a exploração de mão de obra. Unesco além de pesquisa em países do sul da Afia,
= 'Õ
L-&J '''D

74 75
em especial quando se discute microcréditos para
populações pobres de países com baixo Índice de periferia de São Luís, em um importante exercício
Desenvolvimento Humano(IDH) e/ou com grandes ãe ouvir sobre a transformação da realidade a partir
desigualdades. Em 2006, por exemplo, o Nobel da das próprias mulheres por meio de entrevistas, ao
invés de análises distantes e questionários rígidos. Os
Paz 6oilaureado a Muhammad Yunus. Ele é natural
de Bangladesh, criou o conceito de microcrédito e é pesquisadoresrelataram que aumentou o número de
conhecidocomo o banqueiro dos pobres. Yunus criou mulheres que procuram métodos anticoncepcionais;
o Banco Grameen, que emprestavamicrocréditosa que elas passaram a se sentir fortalecidas para enfren-
tarem o assédio dos próprios maridos, e o aumento do
mulheres, sem que elas precisassem apresentar garan-
número de mulheres que pediram o divórcio.49,sa
tias, e a juros baixos. Vale destacar, contudo, críticas
Outro importante exemplo a ser apontado é o
ao sistema de microcrédito por gerar insuportável
programa Renda Básica de Cidadania, de autoria do
pressão social para pagamento em instituições que
cobram taxas dejuros extorsivas, além de um acúmulo professor da Fundação Getúlio Vargas, ex-senador
de dívidas, conforme mostram alguns estudos.
e anal vereador da cidade de São Paulo, Eduardo
Suplicy, que visa uma forma de distribuição de renda
No Brasil, agora pela perspectiva da gestãopública,
no país. Lamentavelmente, apesar de ter sido sancio-
são vários estudos nacionais e internacionais que
nado como lei federal em 2004, pelo presidente
apontam o programa Bolsa Família, implementado
Lula, ele nunca foi regulamentado. Por esse sistema,
pelo governo Lula, como um exemplo de programa cada cidadão ou cidadã receberia uma quantia fixa
destinado às mulheres, que favoreceu o ambiente
para que elas conseguissemo mínimo de autonomia por mês determinada pelo Estado, independente de
trabalhar ou não. Vale dizer que política parecida
por serem responsáveis pela retirada da renda, alte-
rando a dinâmica de relações de poderes de diversas foi implementada na Finlândia e Holanda em 2017.
Assim como ocorrido no Bolsa Família, o programa
famílias. A antropóloga Wãlquíria Domingues Leão
Rêgo, professora titular na Universidade Estadual de pensa a perspectiva da mulher. Em sua obra .Renda
de c/dada/z/a.czsaída épe/aporra, Suplicy destaca que
Campinas, e o filósofo italiano Alessandro Pinzani.
g da UniversidadeFederal de Santa Catarina, anali-
os direitos das mulheres não estão restritos somente
=
à emancipação no que diz respeito a seus direitos
legais, económicos e/ou políticos, mas englobam 5«
saram, durante cinco anos, mulheres destinatárias
do programa no interior do Piauí, litoral de Alagoas,
= a)
o direito à libertação pessoal. Apesar do programa =
Renda Básica não ter sido implementado,o autor =;.
=
t-LJ

'''D
Vale do Jequitinhonha, interior do Maranhão, e a

76
77
Por Him, cabe lembrar que, tendo em vista
acredita que o Bolsa Família é um dos meios para
alcançar tal objetivo. as premissas de interseccionalidade, desvenda-se
a encruzilhada das opressões na compreensão do
A mulher tem o direito de participar da rique- lugar estratégicoem que se situam mulheresnegras
za da nação, que ela mesma ajudou a cona. e funcionando como limítrofe da possibilidade de
unir. Tem direito a um paüimânio correspon- desenvolvimento social para esse grupo mmontâno
dente a seu esforço na construção de nossa em especial, faz muito sentido trabalhar o conceito de
sociedade, direito à isonomia profissional
com os homens,a uma vida digna e a Uma maneira ampla, porém, sempre incitando a aplicabili-
renda capaz de Ihe prover suas necessidades. dade dele em nossas vidas. O feminismo negro e suas
Tem direito não apenas a sua emancipação pensadoras têm se debruçado em diversas reflexões a
referente a seus direitos legais, económicos respeitodo conceito propriamentedito, bem como de
ou políticos, e à sua libertação pessoal, mas suasramificações, tendo em vista que nenhum outro
tambéma viver num país com desenvolvi-
mento saudável e dwadouro.si grupo necessitetanto dessesprocessos e de sua aplica-
bilidade quanto as mulheres negras.

Entretanto, é preciso ressaltar, como já dito.


que esse fortalecimentopode ajudar no processo
de empoderamento,mas não é ele sozinho que
garante que essesgrupos estqam longe das agruras
de se viver em um sistema racista, patriarcal, fobico
etc. Sobretudo quando esse fortalecimento econó-
mico acaba por cair na pior armadilha, ao deixar
de manter o movimento de fortalecimento de toda
a comunidade, caindo na devolução sumária do
capital duramente acumulado para as mãos do
grupo opressor.
Ressalte-se que no sistema capitalista as pessoas =«
negras não são as donas dos meios de produção e =
n a) são as que mais sentem o peso das desigualdades.
=
l.iJ
'8
'D
Esse entendimentopolítico é fundamental. U. Ra

78 79
ACESSO A MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃOSOCIAL:
UM DEBATESOBRE DEMOCRACIA E EMPODERAMENTO
A importância da participação da sociedade
civil se faz nestecontextonão apenaspara
ocupar espaços antes dominados por repre-
sentantes de interesses económicos. encrava-
dos no Estado e seusaparelhos. A importân-
cia se faz para democratizar a gestão da coisa
pública, para inverter as prioridades das ad-
ministrações no sentido de políticas que aten-
dam não apenas as questões emergências, a
partir do espólio de recursos miseráveis desti-
nados às áreas sociais.s2

Isso signiHlcadizer que falar em empoderamento


de um grupo social é necessariamente falar sobre
democracia e expansão da sua anual restrita apli-
Já que estamos falando sobre gestão pública, cação. Empoderamento, na vida política pública,
parece-nosuma boa hora para tambémdiscutirmos também é efetivado pelo exercício dos direitos polí-
rapidamente mecanismos de participação popular ticos, entre os quais a participação como cidadão e
na rotina democrática,uma vez que a Teoria do cidadã na discussão pública é a principal ferramenta
Empoderamento significa que esses grupos opri- Por sua vez, quando falamos de grupos oprimidos,
midos poderão ter .acesso às decisões da vida cujas vozes muitas vezes são silenciadas, conforme
pública, para além do voto a cada quatro anos, em vimos anteriormente, o acesso a espaços de deci-
conselhos de bairros, plebiscitos, consultas prévias, sões em sociedade é uma dentre tantas estratégias
de resistência.
entre outros diversos mecanismos de participação
e que abrem a via para tantos diálogos e demandas Ocone que no Brasil são poucos os incentivos
para a população participar da democracia em curso.
sufocadas. Mana da Glória Gohn, professora
titular da Universidade Estadual de Campinas, em Marcello Baquero, professor titular de Sociologia na
Empoderamento e participação da comunidade em Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no artigo
n a)
políticas sociais", explica: "Consüuindo uma outra sociedade: o capital social =
= '8
l-BJ '')
na estruturação de uma cultura política participativa
82
83
suasredes e suas organizações". Conmdo, a Câmara
no Brasil"ss, problematiza a falta de estímulo para a
aprovou o prometocontrário exatamente no sentido de
participação social como um duro obstáculo colocado
derrubar o plano de participação. Vale enfatizar que
pelas esüuturas que mantém sistemas de opressão:
as pesquisas e a luta pela ampliação da participação
Como estimular e motivar os cidadãos a social continuam.ss
participar politicamente em um contexto Entretanto,apesarde o Plano Nacional de Partici-
de üagmentação e crescente desigualdade pação Social ter sido rechaçado, em algumas cidades
social? Como criar e/ou reconstituir um am- o debate já é uma realidade. Como exemplo temos a
biente estimulante para a participação políti- luta pela Participação Social na cidade de São Paulo,
ca? Tais desafios são gigantescos, pois o Es-
tado, ao longo de sua história, tcm perdido megalópole da América Latina. O tema ganhou maior
a credibilidade em convocar seus cidadãos proleção após o projeto de lei de participação ter sido
para en&entar essa tarefa. Tornou-se impe- desenvolvido na gestão da prefeitura de Fernando
rativo, portanto, reíletir sobre mecanismos Haddad, na Secretaria de Direitos Humanos, em espe-
que proporcionem o retorno do cidadão à cial na coordenadoria de Participação Social, à época
esfera política.n encabeçada pela coordenadora Mana José Scardua e
seu adjunto José Luiz Lima - /n memo#a/z --, carinho-
No Brasil, diversos movimentos sociais coram
samente conhecido como Zé Luiz, conhecido por sua
derrotados na instimição da Política Nacional de mobilização e participação popular, um dos grandes
Participação Social (Decreto 8.423/14), que regula- responsáveispelo avanço da pauta na cidade. O
mentava a criação de mecanismos de participação prometode lei é um exemplo de consulta à população,
da liopulação nas decisões da vida pública, como foram oito consultas virtuais, 14 reuniões por região
conselho, comissões, ouvidorias, entre outros. O e diversasaudiênciaspúblicas, e ainda contavacom
texto estabelecia objetivos e diretrizes criados para representantes de todas as secretarias, entre outras
a sociedade civil compartilhar decisões, pois órgãos integrações. Além disso, no decreto para elaboração
da administração pública federal teriam de consi- de conselhos que discutüiam a questão, foi insti-
derar essesconselhos e ouvi-los na hora de formular. tuída a paridade de gênero, bem como cadeiras para
avaliar e monitorar suas políticas e programas. Um migrantes e imigrantes. Atualmente, o prometoestá 5-
dos méritos do plano era abranger o conceito de em trâmite na Câmara dos Vereadoressob relatoria ;aB =
n a) sociedade civil para contemplar "[. . .] os movimentos do vereador Eduardo Suplicy, sendo, sem sombra de U. B-a
=
L-bJ

'D
sociais institucionalizados ou não institucionalizados,
85
84
dúvidas, um prometoque poderia ser adaptado para substancial, traz muitas histórias de vida e é
atender os demais municípios do país.s' um processo longo e demorado de formação,
Em entrevista por telefone, que me concedeu conscientização, escuta; é a contramão do
para elaboração do livro em março de 2018. mundo que tem a urgência de tudo, a urgência
do lucro. Trata-se de pensar não um projeto
Scardua, que foi presidentedo Conselho da Mulher de governo, mas um prometode sociedade.
do Estado do Espírito Santo, é mestre em Psicologia
pela Universidade Federal do Espírito Santo e, anual- Ainda pela via interseccional, há uma importante
mente, assessora parlamentar, confere-nos uma discussão a ser feita sobre empoderamento de grupos e
importante reflexão para o debate sobre empodera- o cenário da participação social. O professor de Direito
mento, participação social e ampliação do alcance e Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de
do géntidode democracia:
Campinas(PUC-Campinas), Pedro Pulzatto Peruzzo,
em sua tese de doutorado pela Faculdade de Direito
Não há que se pensar em participação popu-
lar numa cidade de 12milhões de habitantes da Universidade de São Paulo, defende que o Brasil
se ela não for descentralizada.A ideia da assinou tratados suficientes,como a Convenção 169
participação popular e direta é o processo de da Organização Internacional do Trabalhosa,promul-
consüução da democracia e também um pro- gada no país, para que seja regulamentada a consulta
cesso longo de desconsüução do ódio contra
prévia à população indígenapara leis e programas
política, um processo cultural de conscienti-
zação e empoderamento, de pertencimento que a atmga:
das pessoas e grupos que se propõem a delibe-
rar política pública. A gente ainda não conse- [. . .] a ser aplicado como requisito imprescin-
guiu agregar essa cultura na sociedade porque dível para todas as medidas administrativas
temos um processo muito vil de dominação e legislativas suscetíveis de afetar os povos
ideológica das médias, uma demonização da indígenas no Brasil, em sintonia com o que
política, como também por conta do própiío tem sido construído no sistema Interamerica-
processo de fomiação educacional. Mas é
no de Direitos Humanos e em outros países
americanos."
muito importante que as pessoas entendam n
= que é difícil participarsocialmente,pois as
pessoas têm o direito de chegarem cruas e, Quando sustentamos aqui a consulta prévia
com o tempo, constituírem-se, empoderarem- como uma forma de enraizamentoda democracia =
se. Fazer participação social é extremamente
participativa, estamos dialogando com essa proposta L.u a.

86 87
de uma cidadania de baixo para cima. Em outros Cumpre destacar, entretanto, que a partici-
pação da sociedade civil não pode, nunca, se
termos, o que estamos entendendo aqui por demo-
resumir à participação nos espaços dos con-
cracia participativa não significa a anulação das selhos ou outros criados na esfera pública.
funções do Congresso Nacional ou dos gestores Até para que essa participaçãosda qualifí-
públicos, mas o fortalecimento de processos em cada[.. .] ela deverá advir de esüuturas par-
que grupos minoritários tenham a oportunidade dcipativas organizadas autonomamentena
de apresentaros seus pontos de vista e, se for o sociedade civil. O chamado trabalho de base
é fundamentalpara alimentare fortalecera
caso, de dizerem "não" às propostasde leis e às
representação coletiva nos colegiados da es-
políticas públicas de cima pra baixo e que, por fera pública. Essa esfera pública não pode ser
isso mesmo, repetem a lógica colonial e violam vista como um degrau superior, que surgiu
direitos humanos reconhecidos na Constituição, nos para eliminar ou superar formas e níveis de
tratados e convenções internacionais e na legislação mobilização e organização que existiam na
inüaconstitucional.59 sociedade brasileira nos anos 1970/80, pois
No mesmo sentido, a falta de regulamentação esta é uma visão etapista, linear e evolutiva.''

de consulta pública às comunidades quilombolas


é apontada como um dos obstáculos enítentados
pelo programa Brasil Quilombola, implementado
pela Secretaria Nacional de Políticas de Promoção
da IgualdadeRacial, de 2004, que tcm como obje-
tivo consolidar os marcos da política de Estado para
áreas quilombolas, conforme nos aponta a pesquisa
de mestrado da intelectualnegra AJlyne Andrade, na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.óo
Entretanto, é necessário destacar que os mecanismos
de participação social são apenas uma entre tantas n
ferramentas necessárias para o empoderamento da
população, não sendo, portanto, um fím em si mesmo,
5-
=
n a) conforme Gohn nos traz o alerta:
= 'ã
L&J ''D

88 89
RESSIGINIFICAÇÃO PELO FEMINISMO NEGRO
que o feminismo negro não é uma complementação
ou adição ao feminismo dito universal, e sim parte
de uma perspectiva de se pensar projetos e aborda-
gens que deem conta das opressões estruturais, a
partir de formulações políticas de mulheres negras.
Para a pensadora, as mulheres negras se autodefi-
nirem é uma estratégiaimportantepara combater a
"invenção da mulher negra" pela ótica colonizadora.
Collins entendeo lugar da mulher negra, mais que
marginalizado, como um lugar de potência. O femi-
nismo negro, nesse sentido, visa trazer estratégiasde
superação das opressões estruturais, como ampliar
Compreender o legado de teóricas e pensadoras o conceito de humanidade. Nesse sentido, Juliana
negras e seu entendimento e assimilação do conceito Borges afirma, no artigo "A urgência do pensamento
é, hoje em dia, essencial para aproftindarmos ainda feminista negro para a democracia", que
mais essa noção, a qual foi assimiladapor mulheres Em visita recentevisita ao Brasil, a soció-
negras antes mesmo de a teoria ser acessível a elas. loga aâ'o-americanaPatrícia Hall Collins
Estratégias de enfrentamento ao sistema racista e delineou algumas das questões centrais
redes de solidariedade política fazem parte do legado dele. Em primeiro lugar, uma das premis-
de luta dessas mulheres. A intelectual e feminista sas fundamentais é de que o pensamento
negra Lélia Gonzalez afirmava que, como mulheres feminista negro não é um aditivo de outros
feminismos, mas uma formulação própria
negras, não compartilhamos somente história de feita a partir das necessidades, conhecimen-
opressão; é preciso conhecer as triUias dos caminhos tos e formas de atuação política próprias
de luta percorridosnessas opressões.Em outras das mulheres negras. Em segundo lugar, o
palavras, não perder a perspectiva histórica de resis- senso de humanidade indissociável da luta n
=
tência e possiblidades de reexistir a partir da auto- feminista negra, a defesa de si conectada à
defesa do outro, tendo em vista o proces- 5«
deHmição. A socióloga Patrícia Hill Collins em seu
so de desumanização que corpos negros =
livro, -B/acéÃem//z/sf
Tboag&f,alerta para o fato de passaram, seja das populações negras em

92 93
diáspora, seja da constante.desumanização Em "Reftising to be a victim", bell hooks fãa da
das populações negras em Áõ'ica. Ressaltou importância dessas estratégias, pensando a necessi-
também a interseccionalidade, que evoca a dade de conüapor identidade vitimada ao que chama
heterogeneidade, e sublinhou a disputa pelo
de resistência militante.
poder, e não de identidades, como centro
deste pensamento, tendo na luta anticapita- Vinda de comunidades feministas no sul se-
lista sua forma, já que o capitalismo é um
sistema indissociável das desigualdades e
gregacionista, eu nunca tinha escutado das
da dominação do outro visando o lucro e
mulheres negras sua vitimização. eníten-
acúmulo e concentraçãode riquezas. Por tando a dureza, a destruição causada por
Him,a descolonização dos corpos, mentes e falta e privação económica, a injustiça cruel
espantosnegros, sela na noção metafórica do apartheidracial, eu vivia em um mun-
sqa na noção literal e de entendimentode do em que as mulheres ganhavam força no
defesa da liberdade.ó2 compartilhamento de saber e recwsos, e não
porque se juntavam na base de serem víti-
mas. A despeito da incrível dor de viver no
Para hooks, uma nova moldura conceitual é ftlnda- apartheid racial, as pessoas negras sulistas
mental para que essesgrupos possam sair da ideia de não falavam sobre nós mesmas como vítimas
vitimização para a de responsabilidadepor se enâentar mesmo quando nós éramos humilhadas. Nós
as estruturas opressoras. Obviamente que a autora nos identiâcávamos mais pela experiência da
resistênciae üiunfo do que pela natureza de
reconhece que grupos são vitiinizados quando opri- nossavitimização. Era um fato que a vida era
midos, estruturalmentefiando, mas chama a atenção dura, que havia so&imento.era pelo enüen-
para o fato de reivindicar a identidadevitimada como tamento desse so&imentocom graça e dig-
ferramenta de luta, em vez de se pensar mecanismos nidade que uma pessoa experienciavatrans-
de enõentamento às opressões, fixando esses grupos formação. Durante a luta pelos direitos civis,
quando nos demos as mãos para cantar "nós
num lugar inerte que não promove a descolonização
política. Seria pensar, como a intelectual afirma em vamos superar", nós estávamos empoderadas
e empoderadospor uma visão de preenchi-
: "Moving Beyond Pain" texto que escreveu sobre o
álbum da cantora Beyoncé, .Z:emo/jade
--, como não
mento, de vitória.«

podemos apenas levar em conta uma "medida de nossa


capacidade de aguentar a dor, mas sim uma celebração A intelectual estadunidense pensa em formas =
coletivasde superação,ou seja, em empoderamento
= a)

= 'Õ
de nosso movimento além da dor".ó3
L-üJ 'D

94 95
da comunidade negra para superação das barreiras sobre recursos materiais, intelectuais e ideologia""
colocadaspelo racismo e sexismo; mostra a impor- Segundo essa mesma autora, o poder decisório emana
tância de se pensar ações de conscientização da reali- do controle sobre essesrecursos, que tem estado, em
dade em que esse grupo se encontra, de desvelamento grande parte, sob o controle masculino. Contudo, nós,
das desigualdades para que esse grupo empodere mulheres, principalmente mulheres negras, não fomos
a si mesmo para enRentamento e transcendência. nunca totalmente desempoderadas.Tentamos, de
O exemplo que dá sobre as estratégias de solidarie- uma maneira ou de outra, "expandir nosso espaço"
dade política da comunidade em que nasceu, mostra mesmo quando as ideologias patriarcais conseguiram
o quanto mulheres negras, historicamente,estão minar essas tentativas.
pensando em empoderamento, porque, como bem Se nos Estados Unidos a experiência intelectual
observa a HHósofa estadunidense Angela Davis, o de mulheres negras estava pautada pelo desenvol-
conceito de empoderamento nunca foi novidade para vimento dessas mulheres e de sua comunidade, no
esse grupo: Brasil e em,vários lugares da América Latina também
havia processos de empoderamento em curso:
O conceitode Empoderamentonão é novo
para mulheres alto-americanas. Por quase Estudos a respeito das experiênciasdas mu-
um século, temos nos organizado em grupos lheres escravas nas Américas têm apontado
voltados a desenvolver coletivamente as esüa- para o grau de resistência delas no interior das
tégias que iluminem o caminho rumo ao po- plantações. Não cooperadoras no trabalho
der económico e político para nós mesmas e diário tinham que ser castigadas severamente.
para nossa comunidade. Ao longo da última Nas áreas rurais "onde a maior parte estava
década do século XIX, após serem repetida- empregadanas plantações" era por meio da
mente rechaçadas pelo radialmente homogê- linguageme da música que educavamseus
neo movimento pelos direitos das mulheres, 61hos, reinventandosentidos culturais. Nas
as mulheres negras formaram seu própria áreas urbanas, ocuparam importantes espa-
moümento associativo.ós
ços, fazendo deles territórios dos mercados
de trabalho, dos seus próprios corpos, desejos
n
= Dentro da perspectiva de um pensamento deco-
lonial, Srilatha BatliwajaaHumaque a característica
e identidades de gênero envolventes.ó'
5-
;aB
mais conspícua do termo empoderamento está na Para citar um exemplomais conhecido, podemos =
palavra "poder", definido por ela como "controle falar de Tia Cinta e sua atuação fundamental dentro

96 97
de sua comunidade, acolhendo e criando meios de obras em reíletir o que podemoschamar de uma
proteção e fortalecimento, além de transformar o pedagogia interseccional. A estudiosa estadunidense
espaço que Hlcou conhecido como "Pequena Áftica«. amplia a visão para pensar também as intersecções de
no Rio de Janeiro, em uma resistência Cultural raça, gênero e sexualidade ao pensar as condições do
e exaltação religiosa. Podemos também falar da oprimido na sociedade.
Irmandadede Nossa Senhorada Boa Morte, do Em. Eu.sittarldoa transgredir: a educação comoprática
importante papel social que terreiros cumpriram da //herdade,óç
livro publicado em 1994, bell hooks
no Brasil, das estratégiasencontradaspara a manu- pensa uma pedagogia insurgente com o objetivo de
tenção das religiões a6'o-brasileiras. ensinar os estudantes a transgredir as 6'inteiras colo-
Exatamente por essa constatação, a da execução cadas pelo racismo, sexismõ e opressão de classe.
prática do conceito de empoderamento que já vinha Na introdução dessaobra, hooks conta como era o
sendo aplicado historicamente por mulheres negras, ambiente escolar da instituição de ensino que &equen-
não podemos somente referenciar os que foram tava à época do aparüieid, um lugar político e de resis-
considerados precursores da historiograHlatradi- tência antirracista que a fez perceber a importância do
cional, sob pena de cair no engodo da falaciosa conhecimento como prática contra-hegemónicapara
limitação acadêmica que preserva seus cânones e resistir às estratégias de colonização. No primeiro
impõe uma epistemologia dominante que ignora as capítulo, denominado "Pedagogia enga;fada", hooks
produções de povos considerados implícitos dentro explana como a obra de Paulo Freire a fez perceber os
da normatização hegemónica. E, convenhamos, limites do processo pedagógico com o qual foi ensi-
essa seria justamente a contradição que Paulo Freire nada e a entendera necessidadede romper barreiras
pretendia evitar, isto é, a retomada da exclusão impostas por esse sistema limitante. "Paulo Freire" é
com a hierarquização revisitada, tendo como base o nome do quarto capítulo do livro, em que a autora
o discurso e o conhecimento concentrado como se inspira para falar da influência deste educador
poder que é capaz de manipular pela propagação da em sua vida e o quanto se sentiu conectada com os
história única.ó8 trabalhadores camponeses de Guiné-Bissau, mesmo
ela tendo vivido numa comunidade rural do sul dos =
Além dessa importante abordagem trazida por
Davas, é necessário voltar e retomar a intelectual Estados Unidos. 5-
; aB
= a)
negra bell hooks e suas reflexõescomo educadora. A pensadora faz uma análise interessante sobre -=
= 'ã leitora e admiradora de Paulo Freire, que baseia suas uma pedagogia sem imposição de n'onteiras, que
L-LJ '')

98 99
possa ser pensada em uma rede de solidariedade.No de raça, porém corrobora com a de gênero, como é o
capítulo 9, "Estudos Feministas: acadêmicas negras". caso de lideranças negras masculinas, além das próprias
a autora critica a falta da análise racial nesse campo mulheres engajadas na luta pelo feminismo, mas que
do conhecimento dos estudos de gênero. Para hooks, a têm dificuldades em reconhecer o sistema racial vigente.
mulher negra tem um papel central para a reformulação
e aprofundamento do pensamento feminista por trazer [. . .] Fico inüígada com poderosos líderes ne-
olharesa partir do seu lugar social. Esse incomodo gros visionários que podem falar e agir apaixo
nadamente em resistência a dominação racial
com a invisibilidadedas mulheresnegras, porém, já e abraçar a dominação sexista de mulheres;
havia sido abordado em seu prüneiro lido, publicado com feministas brancas que trabalham diaria-
em 1981 e intitulado .4/#? /a coma/z. ÓZacÉwomm a/zd mente para enadicar o sexismo, mas que tem
#an;nísm,70
título baseado no famoso discurso homó- grandes pontos cegos quando se bata de reco-
nimo de Sojouner Truth. nhecer e resistir ao racismo e à dominação por
Além disso, ao abordar o amor como prática de parte da supremacia branca no planeta.7:
liberdade, hooks alerta para o fato de como indivíduos,
mesmo sendo anticapitalistas, acabam muitas vezes Percebam que hooks usa os verbos reconhecer
tratando o outro como objeto de consumo. Ou seja, tem e resistir, denotando um agir, colocando-se em
consciência formada a respeito das diversas desigual- contraposição, assim como Freire também o fazia,
dades e da raiz que as formamr mas não é o bastante a casos em que indivíduos apenas se conscientizam
para que sejam abrangentes ou, ao menos, respeitosas sem potencial transformador da ação, da prática.
Encontramos em Audre Lorde a mesma percepção de
para com as lutas alheias. Destaco essa construção
intelectual com base no amor e no abeto verdadeiro que considerar apenas a conscientização de sujeitos
por abranger o que estamosdiscutindo sobre empode- oprimidosnão se traduz em ganho imediato para a
ramento, principalmente na rede de soma de subjeti- coletividade, uma vez que diversas dentes precisam
vidades que constroemum coletivo. Ao passo que as ser articuladaspara ampliar a visão da real diversi-
pessoasse tratam com respeito,reconhecendoo valor dade que somos, enquanto seres humanos, pois
c''» efD
da humanidadeno outro e distanteda ideia do uso
ou do descartável,com mais fios construirão a teia de
[. . .] em algum lugar, à margem da consciên-
cia, há o que eu chamo uma norma mítica,

n a)
um grupo social empoderado. Por essa razão, hooks que cada um de nós conhece nos nossos co- =
= 'ã questiona quem se solidarjza na luta contra a opressão rações "Esse não é eu". Na América, esta
L-&J 'D

100 101
norma geralmenteé definida como branco l,onde, Sueli Carneiro e outras, diz que não se pode
magro, masculino, jovem, heterossexual, cais. hierarquizar as opressões, considerando algumas mais
tão e financeiramente seguro. Com essa nor. urgentesque as outras, e sim olhar a partir de uma
ma miuca que as armadilhas do poder reside
nessa sociedade. Aqueles de nós que ficam de perspectiva interseccional, identificando como elas
fora desse poder geralmente identifica uma se inter-relacioname em que elas se somam, poten-
maneira pela qual somos diferentes, e acredi- cializando seusefeitos sobre um grupo de indivíduos.
tamos ser a principal causa de toda opressão Nesse aspecto, é preciso levar em conta que se trata
esquecendo-sede ousas distorções em torno de um ponto a se pensar sobre a real conscientização
da diferença, algumas das quais nós mesmos
podemos estarpraticando. Em geral, dentro que indivíduos apresentam sobre o sistema como um
do movimento de mulheres hoje, mulheres todo, ainda que não seja conveniente esquecer que
brancas se concentram na opressão que as
há uma tendência de que oprimidos reproduzam
atinge por serem mulheres e ignoram diferen- comportamentos opressores internalizados. As revo-
ças de raça, preferência sexual, classe e idade lucionárias reflexões de Crenshaw sobre intersec-
Existe a pretensão de uma homogeneidade cionalidade, como especiâcidade das dinâmicas das
de experiência encoberto pela palavra irman-
dade que não existe de fato.72 opressões, devem ser compreendidas:

[...] Em um artigo anterior, usei o conceito


Obviamente, as experiências práticas têm de interseccionalidade para denotar as várias
mostrado o quanto é diãcil o desenrolar de um maneiras pelas quais raça e gênero intera-
processo de empoderamento de todo um grupo, tendo gem para moldar as múltiplas dimensões das
alguns atores, ainda que conscientizados a respeito da experiências de empregação das mulheres
existência da opressão, aquando de forma reducionista negras. Meu objetivo era ilustrar que muitas
das experiências que as mulheres negras en-
e cuidando apenas de erradicar aquilo que o aflige. hentam não são classiâcadas dentro das íton-
Nesse sentido, os estudos e experiências do Femi- teiras üadicionais da raça ou discriminação
nismo negro, bem como as lutas empreendidasnesse de gênero,uma vez que essasítonteirassão
campo de resistência, têm ressigniHicado os caminhos atualmente compreendidas e que a intersec-
=
H L-
que se acreditou, até então, serem oportunos para o ção do racismo e do sexismo afeta as vidas
das mulheres negras de maneiras que não 5-
i.ÜJ a; empoderamento de grupos minoritários. O entendi-
podem ser capturadas completamente exami- =
a- a)c) mento do pensamento de Kimberlé Crenshaw. Audre
=
nando as dimensões de raça ou gênero des-
=
t-&J
'6
'D
U. R-e

102 103
sas experiências separadamente. Aproveito reprodução de opressões diversas, direcionadas ao seu
essas observações aqui explorando as Várias meio já oprimido, desmentem qualquer possibilidade
maneiras pelas quais raça e gênero se cruzam
para moldar os aspectos esüuturais, políticos de que podem servir como condutores de sujeitos opri-
e representacionais
da violênciacontraas midosna busca pela sua emancipação sociopolítica.
mulheres não-brancas[. ..].73 bell hooks, em seu ensaio "0 amor como prática de
liberdade", nos dá pistas sinceras de como e quando
O empoderamento enquantoprática social neces- esses fenómenos acontecem:
sária, no ápice da sua cooptação e distorção, tem
Sem uma ética do amor moldando a direção
sido literalmente vendido, sobretudo por aqueles que
de nossa visão política e nossas aspirações
almçjam manter o s/arm gz/oformador de acúmulos e radicais, muitas vezes somos seduzidas/os,
desequilíbrios sociais. Esse fenómeno social cria clãs de uma maneira ou de outra, para dentro de
de micro-opressores que não têm condições psicoló- sistemas de dominação: imperialismo, sexis-
gicaspara conduzir outros indivíduos pelos caminhos mo, racismo, classismo. Sempre me intrigou
processuais de autodescoberta sociopolítica, simples- que mulheres e homens que passam uma
mente porque nem ao menos buscaram erradicar vida trabalhando para resistir e se opor a uma
forma de dominação possam apoiar sistema-
dentro de si mesmos as internalizações perversas do ticamente outras. Fiquei intrigada com pode-
sistema de opressão a que estão expostos. rosos líderes negros visionáüos que podem
Entretanto, se por um lado é fácil, até'certo ponto, falar e agir apaixonadamenteem resistência
detectar a cooptação do conceito pelo mercado ávido à dominação racial e aceitar e abraçar a do-
por vender empoderamento como mais uma facili- minação sexista das mulheres;com feminis-
dadeesvaziadade sentido,por outrohá um alerta tas brancas que trabalham diariamentepara
enadicar o sexismo,mas que têm grandes
vermelho que surge quando estamos diante de falácias
pontos cegos quando se trata de reconhecer
sobre o conceito proferidas por lideranças políticas que e resistir ao racismo e à dominação por parte
amuamdentro dos movimentos sociais emancipatórios. da supremacia branca do planeta. Examinan-
Muitos indivíduos que lutam pela quebra dos sistemas do criticamente esses pontos cegos, concluo
que muitas/os de nós estão motivadas/os a a
= de opressão e dominação se julgam aptos a empo-
derar pessoas. No entanto, suas próprias condutas, por
mover-se contra a dominação unicamente E-
quando sentimos nossos interesses próprios =
vezes totalitárias, por vezes estreitamente vinculadas a diretamente ameaçados. Muitas vezes, então,
= 0

104 105
o anseio não é para uma transformação co. tiverem sido reduzidas pela microíinança e
letiva de sociedade,para um Himda política evangelistas, entre outras formas mais genéri-
de dominações; mas simplesmentepara o íim cas, despojado de todos os vestígios de poder
do que sentimos que nos machuca. É por isso e política, vale a pena reinvindicá-la?
que precisamos desesperadamentede uma Na verdade,sim. E deveserrecuperadapor-
ética do amor para intervir em nosso desejo que nossa visão de transformação social con-
autocentrado por mudança.74 tinua sendo de importância única, em um
mundo onde balas mágicase soluçõesme-
cânicas tentam evadir os processos mais fun-
Infelizmente, em uma sociedade que mantém e
damentais da justiça social que estavam no
propaga valores dúbios e uma moral condicionada cerne do pensamento feminista desde os pri-
a interessesque não traduzem as necessidades cole. meiros dias. Mas a tarefa de recuperação tem
uvas, não estamoslivres de nos depararmoscom três componentesvitais. Em primeiro lugar,
indivíduos que mantêm seus pontos cegos, seja por precisamos realmente recuperar as agendas
ignorância ou por conveniência. como o empoderamento e os espaçospara
Nesse contexto, as intenções iniciais do conceito envolver o discurso principal do qual fomos
marginalizados: os espaços de outros movi-
de empoderamentosobem grande perigo da inversão mentos sociais como a justiça económica, o
de valorespropostos, de deturpaçãoe uso como mais meio ambiente e os direitos humanos, onde o
um instrumento de dominação incorporado a uma gênero não está mais presente. "
espéciede atualização do modasopexandzdo sistema que
almejamos desconstruir. Retomando o pensamento de Considerando o empoderamento sob uma ótica
Batliwala sobre essa questão do esvaziamento, encon- não apenas conceitual, mas também prática e apli-
tramos uma reflexão fundamental sobre a necessidade cável é possível pensar em dimensões necessárias
de restituirmos de sentido práticas como o empodera- que ramificam esse processo e que nos permite ter
mento no seu sentido de transformação coletiva: uma noção de fato de que caminhos são válidos e,
principalmente,quais os perigos e, até mesmo, os
= Hoje, me faço uma pergunta simples: se esta momentos em que podem haver fissuras que faci-
palavra e a ideia representada por ela foram litem o escoamento do sentido e da necessidade real n
apreendidas e redefínidas por políticas po-
pulistas, ideologias fundamentalistas e neo- do processo como instrumento emancipatório dentro
de um sistema de dominação e opressão. O processo =
= a) conservadoras, administração corporativa, se
= '3
L-BJ 'D

106 107
de entendimento e desenvolvimento de cada Uma
dessas dimensões vai culminar no empoderamento
de sujeitos em simbiose com o empoderamento da
coletividade. E esse processo, além de necessário, é
indissociável das lutas por emancipação sociopolítica.
Quando Patrícia Hill Collins identifica que há
uma tecnologia de articulação de opressões estrutu-
rais de raça e gênero, a autora nos dá pistas claras da
necessidade de sermos pragmáticos no entendimento
e aplicabilidade do conceito de empoderamento em
nosso meio social. Essa identiHlcação e aplicabili-
dade devem transpassar áreas também estruturais
da formação de subjetividadesou na reconstrução
dessas. Ou sqa, todas as possibilidades devem ser
trabalhadas e, quando necessário, ressigniHicadase/
ou reconstruídas. Como exemplo, podemos pensar
no sentido de autoestima, de ascensão económica
acesso à cultura e informação, formação de lide-
ranças, entre outras práticas. Assim, percebemos
com as autoras citadas, que empoderamento já era
utilizado como importante estratégia de sobrevi-
vência e resistênciade mulheres negras, e após sua
teorização, as mulheres negras, marcadamente as
feministas negras, pensam de uma maneira mais
abrangente ao ter a interseccionalidade como ferra-
menta essencial de estratégia e de luta política.
=€ L-
H
l.&J q)
n a)
= 'ã
l.&J 'D

108
ESTÉTICA E AFETIVIDADE
NOÇÕES DE EMPODERAMENTO
entre o que é de fato belo ou não. Portanto, o belo é
uma percepção e como percepção pode ser alterada,
manipulada ou influenciada. E isso tem acontecido
ao longo da história. Os conceitos estéticos acerca do
belo têm mudado de acordo com os valores e intenções
da época. Houve um tempo em que belo era o corpo
adiposo, de formas voluptuosas, curvilíneos, fartos.
Nos anos 1980, experimentamos os meios de comuni-
cação aliados à moda que pautava a magreza esque-
léticacomo ideal a ser seguido.Afora todo o pensa-
mento desenvolvido por diversos filósofos e pensadores
[. . .] contornos irrecuperáveis que minhas no estudo da estética e de seus signiâcados, há uma
mãos tentam alcançar. confluência a partir de uma consideração.
Beaüiz Nascimento, no documentário (h!'
Temos, então, nesse campo, um elemento impor-
tante nos processos de dominação de grupos histo-
Discussões apaixonadas se formam em torno da ricamente oprimidos, pois, uma vez que se criam
pergunta: estética é empoderamento?Talvez essas padrões estéticos pautados pela hierarquização das
discussões pudessem ser reduzidas se entendês- raças ou do gênero, concomitantementecriamos dois
semos os valores que circulam em torno da estética grupos: o que é aceito e o que não é aceito e, portanto,
que e inerenteà imagem e em que medida a forma deve ser excluído para garantir a prevalência do que
com que padrões criados no cerne de uma sociedade é socialmentedesejado. E, assim se deu com o fenó-
plurirracial e patriarcal podem ser fatalmente exclu. tipo da raça negra, desde o período colonial, que, de
dentes e desestimulantesda autoestima de grupos acordo com Grada Kilomba, é "a máscaraque não
historicamente oprimidos. pode ser esquecida.Ela 6oiuma peça muito concreta,
Estética, uma palawa originária do grego aZsf&es&, um instrumento real, que se tornou parte do prometo
significa, genericamente, percepção ou sensação. É a colonialeuropeupor mais de 300anos" 7'
parte da Filosofia que estuda o que julgamos e perce- Nossa visão de nós mesmos começa a ser distor-
;aB
n a) bemos daquilo que é considerado belo, as emoções que cida e influenciada de forma extremamentenegativa =
=
L-&J

'''D
essa percepção produz e a definição que se pode fazer e agressiva por obra do colonizador. Ele precisaria

112 113
incutir em nossas mentesa perspectivaque o favo. O empoderamento como autoconfiança e au-
toestima deve integrar-se em um sentido de
recia e que era a de inferioridade e desumanização. processo com a comunidade, a cooperação e
pois "agora, em face da resistência dos colonizados. a solidariedade.Ao ter em conta o processo
a violência assumirá novos contornos, mais soHlsti- histórico que cria a carência de poder, torna-
cados; chegando, às vezes, a não parecer violência. se evidente a necessidade de alterar as esüu-
mas verdadeira 'superioridade'"77. turas sociais vigentes; quer dizer, se reconhe-
Seguimosa partir daí e ao longo da História. ce o imperativo da mudança.78
em um mergulho profundo e quase irreversível em
um estado de alienação a respeito de nós mesmos Uma mulher negra pode alisar seus cabelos na
e de nossa autoimagem. As consequências desse busca consciente ou inconsciente pela estética euro-
mergulho foram sendo passadas de geração para peia/caucasiana que foi cunhada pelo colonizador
geração, até chegarmos aqui, nesse momento histó- como aceitável, agradável, desejável. Embora essa
rico em que pessoas negras, que estudam e refletem deturpação de suas características fenotípicas possa
para atear na esfera da formação de saberes, Ihe trazer uma sensação de bem-estar ao se vislum-
começam a se cona'ontar com as distorções em brar diante do espelho, saber que esse cabelo não é seu
todos os níveis em que foram largamente alimen- e, portanto, exigirá um conjunto de cuidados para se
tadas. Porém, não à custa de um mergulho profundo manter, incluindo táticas para que os outros esqueçam
em si mesmo, mas na busca interior potesuas raízes esse detalhe incómodo e a insatisfação que inevitavel-
culturais, emocionais, artísticas, afetivas etc. Um mente circula pelo seu interior, acaba por alimentar,
resgate, é exatamente essa a palavra. Um resgate diante das dificuldades de manter a aparência colo-
lento e gradual daquilo que fomos e que podemos nizada, as rejeiçõesdo sistemaracista que semprea
retomar para continuar sendo. vitimaram. Ao se deparar com uma mulher branca
Parece-me inquestionável que, sem o fortaleci- de cabelosnaturalmentelisos, se jogando ao mar
mento da autoestima, não temos força para iniciar sem nenhuma amarra, a ilustração irá alimentaro
sequer um processo lúcido de empoderamento. E auto-ódio implantado e desenvolvido ao longo da
autoestima, ao contrário do que prega a banalização História, mesmo que de forma involuntária.
conceitual do termo, não está ligada exatamente às Nesse momento, olhando mais de perto, temos as =-
considerações que fazemos acerca de nossas belezas intersecções de opressão machista e racista pautando =
u a)
estéticas. Como afirma León, a existência de mulheres negras, pois ao homem
=
l.&J

'D

114 115
negro, algumas cobranças estéticas para aproximação cuspir de volta para a boca do sistema racista todas as
da imagem do homem caucasiano são facultativas. ofensas, rejeições, exclusões que nos são direcionadas
Os cabelos são um importante elemento estético ao longo de toda uma vida.
de autoaHumaçãoe de cultivo do amor à própria Mas os cabelos são apenas um primeiro elemento,
imagem, sobretudo para mulheres, sejam elas da etnia e de grande importância, que responde sozinho, sobre-
que forem. E esse estigma recai sobre os ombros de tudo nas mulheres negras, pelo orgulho necessário
mulheres negras desde a mais tenra infância, pois para dar início aos processos de empoderamento. Há
nossos cabelos são alvo constante de diversas injúrias também a aceitação dos sinais fenotípicos do rosto
rejeições e manifestações racistas, esteja ele alisado ou e do corpo, além da cor da pele. Nossos rostos, que
ao natural. Assim como a canção composta em 1940 trazem as informações reais de nossas origens afri-
pelo jornalista brasileiro David Nasser, em parceria de canas, também são alvo constante de escárnio e depre-
Rubens Soares, interpretadaspor diversos nomes da ciação. Nariz e boca são campeõesnisso. Humoristas
MPB, que diz: "Nega do cabelo duro/Qual é o pente e comediantes, com seus trabalhos marcadamente
que te penteia?/Qual é o pente que te penteia?". racistas e desumanizadores, sempre usaram esses
Nossos cabelos tornam-se,desde muito cedo. um destaques de nossos rostos como elemento de suas
fardo difícil que, ao longo de nosso crescimento e piadas, exagerando e caricaturando de maneira extre-
desenvolvimento físico, vai pesando cada vez mais e mamente violenta. O intolerável Z)/acÉÊace,técnica
abala a percepção de nossa identidade, pois indepen- teatral usada no começo do século XX que consistia
dente de nossas escolhas estéticas e dos cuidados que em fantasiar pessoas brancas de negras de forma
temos com eles, os preconceitos raciais, estereótipos grotesca, é um exemplo clássico de como os veículos
e clichês que foram implantados com a Hmalidade de de comunicação e as artes em geral tiveram e ainda
ridicularizar esse atributo permanecem solidiâcados têm papel importante no flagelo de nossa autoes-
no senso comum da opinião pública e necessitamde tima e autoaceitação.
um árduo trabalhode ressignificaçãopara libertar Imaginemos uma criança em plena década
mulheres negras dessas estratégias de desqualifi- de 1960que,por uma sorte ou azar --, já tinha
cação da estética negra. Parecem-nos, então, muito contado com uma televisão excludente que trabalhava n
coerentes os discursos e narrativas de enõentamento incansavelmente para a elevação do padrão branco

= a)
do racismo vigente, que exaltam os cabelos como como o único a deter beleza, elegânciaetc. E, ao =
=
L-LJ

''D
elemento de orgulho racial, pois amá-los significa mesmo tempo, tendo contato com as propagandase L.b B-B

116 117
programas que caricaturavam a imagem de sujeitos desseideário de hierarquização racial. Nos programas,
negros, aguçando a repulsa racista já devidamente novelas, filmes, propagandas etc., a imagem da pessoa
plantada no imaginário social. O efeito óbvio na negra oscilava entre a escassezpremeditada e aceita
criança negra seria de repulsa de si mesma, e na pela branquitude, que sempre quis se assemelhar a
criança branca, de superioridade de sua condição e cidadãos do continente europeu, negando ao máximo
rejeição da condição da criança negra. E isso ainda suas raízes aRo-ameríndias, e o vilipêndio descarado
perdura nos dias de hoje, fazendo com que os negros de nossas identidades, cimentando no imaginário de
e negras que apontam esses crimes premeditados e toda uma sociedade a forja de uma existência casual
intencionais soam destratados e rachados de rebeldes. ou causal, a exemplo das novelas globais que dialo-
vltumstas ou o que seja equivalente e oposto ao real gavam e reproduziam os costumes e a mentalidade da
impulso de autodefesa de sua dignidade e da dos seus. segunda metade do século XX, e que nunca levaram
Nesse campo da estética, porém, pessoas negras ao ar uma história negra completa, com família,
sempre resistiram criando movimentos sucessivos abetos,trabalho, desejos e anseios, tão comuns como
de reafirmação da beleza negra e valorização de os de qualquer pessoa branca retratada nessemesmo
nossas imagens aÊo-brasileiras. Devemos, sim, veículo. Os símbolos de beleza exaltados e os prota-
chamar esses movimentos de resistência, pois o são gonistas de diversas histórias sempre foram brancos.
ao disputar em um campo tomado pelo poder branco Até mesmo quando se adaptava a literatura que
dominante que detém os mecanismos necessários trazia explicitamente a presença de personagens e
para articular e influenciar multidões de cidadãs e histórias negras e que viviam em territórios negros,
cidadãos: os meios de comunicação. como é o caso dos livros de Jorge Amado, esses perso-
Durante décadas, desde que a televisãofoi criada nagens eram embranquecidos e reforçavam os ideais
e se tornou veículo autêntico de comunicação de de mestiçagem nacional, que, em verdade, se resumia
massas, por volta de 1964, diariamente pessoas negras à cultura do branqueamento como forma de recupe-
são bombardeadas com a informação de inadequação ração da dignidade do povo brasileiro "manchada"
e/ou de inexistência. Aquele aparelho que aden- pela negritude aíticana que aqui foi depositada. E
trava com sequência gradatíva os lares brasileiros é contra esse discurso que se abre a possibilidade =

: :E constituídospor indivíduos que não questionaram e, de aplicação da autodefinição,que pode mudar de 5-


= a)
portanto, não eliminaram a mentalidade colonial anti- maneira decisiva a autoimagem de toda a população =
= 'Õ negros, viabilizava a consolidação pacífica e cordial negra. Patrícia HiU Collins reílete que
l.LJ 'D

118 119
A insistência quanto à autodefínição das atingidos diretamente por essa ideologia do padrão
mulheres negras remodela o diálogo inteiro branco como única forma aceitável, criar mecanismo
Saímos de um diálogo que tcnta determinar interioresde autoamor e autovalorização.
a precisão técnica de uma imagem para Outra
que ressalta a dinâmica do poder que funda-
Principalmente quando consideramos que nas
menta o próprio processo de definição em si culturas ocidentais o belo/bonito é sinónimo de supe-
Feministas negras têm questionado não ape- rioridade, ou seja, ultrapassa o campo da estética,
nas o que tem sido dito sobre mulheres ne. uma vez que o senso comum aponta que tudo que é
grau, mas também a credibilidade e as inten. bonito só pode ser bom. Exemplo disso são os contos
ções daquelesque detêm o poder de deHlnir. de fadas ainda difundidos e propagados, ainda que
Quando mulheresnegrasdefinema si pró-
anualmente exista uma tendência se fumando baseada
prias, claramente rejeitam a suposição irre-
fletida de que aqueles que estão em posições na diversidade, mas que continuam com o vtês prin-
de se arrogarem a autoridade de descreverem cipal de demarcar o espaço de vilas, vilões, heroínas e
e analisarem a realidade têm o direito de es- heróis através da beleza
tarem nessas posições. Independentemente Malcolm X, em um de seus emocionantes
do conteúdode fato das autodefínições
de
mulheres negras, o ato de insistir na autodeâ- discursos para as massas que lutavam contra as
nição dessas mulheres valida o poder de mu- violências do racismo na América do Norte, pergunta:
lheres negras enquanto sujeitos humanos. '9 'Quem te ensinou a odiar seu cabelo, seu nariz, a cor
da sua pele?"80.Ele está perguntando, de forma mais
Muitas são as críticas sobre os limites e incon- especíntca,quem te ensinou a odiar sua imagem ou
gruências do potencial da estética no processo de aparência.Ou, mais especificamenteainda, quem
empoderamento.Todas pecam sobremaneira quando acabou com sua possibilidade de amar a si mesmo a
subestimam a potência que gera a confiança na própria partir daquilo que pode ser visto.
imagem. Não é possível passar por um processo de É fundamental para o processo de luta no campo
empoderamento produtivo se não nos fortalecermos e da estéticaque fique evidenteque toda essa cons-
nos encontrarmos dentro da nossa própria pele. Sem trução negativada imagem da pessoa negra não teve
= um trabaUio contínuo para erradicar do lugar natura- outra motivação senão sociopolítica. A interiorização
lizado na sociedade a crença de que pessoas negras da aparência e da estética negra em detrimento da
são inadequadas, desprovidas de harmonia e beleza branca foi tão somenteuma das tecnologiasempre- =
l

= 0 física, fica extremamente


difícil para essessujeitos, gadas para sustentar e justificar o sistema de opressão

120 121
e exploração de sujeitos para acúmulo de privilégios Eu sou irmão negro
sociais e, exatamente por isso, fica evidente a neces. Eles me mandam comer na cozinha
cidade de quebrar esse esquema que perdura com Quando chegam as visitas
eâcácia secular, que Mas eu rio,
E como bem,
E cresça forte.
Durante séculos de escravidão, a perversida- Amanhã
de do regime escravista materializou-sena Eu estarei na mesa
fobia como o corpo negro era visto e trata. Quando as visitas vierem
do. A diferença impressa nesse mesmo corpo Ninguém ousará dizer-me
pela cor da pele e pelos demais sinais diacrí- 'Vá comer na cozinha
ticos serviu como mais um argumentopara Então
justificar a colonização e encobiír intendo. Além disso
nalidades económicas e políticas. Foi a com- Eles verão como eu sou'bonito
paração dos sinais do corpo negro(como o
E terão vergonha
nariz, a boca, a cor da pele e o tipo de cabelo) Eu também sou América.82
com os do branco europeu e colonizador que,
naquele contexto, serviu de argumento para a
formulação de um padrão de beleza e de leal. Frente a esses diversos e intermináveis apon-
dade que nos persegue até os dias anuais. 8i tamentos, que poderiam se estender e se desdobrar
em inúmeros outros, concluímos que não podemos
O poema "Eu também sou América", de autoria confundir ou esvaziar o sentido político do forta-
de Langston Hughes, intelectual que estava entre os lecimento da estética nos processos de empodera-
expoentes de um dos movimentos aHlrmativosmais mento individual que afeta o coletivo. Bem como não
expressivosdos aRo-americanose que ficou conhe- podemos subestimar seu potencial político de apoio à
cido como Renascimento do Hadem (1920-1940), reconstrução da imagem de sujeitos negros, de qual-
surgindo em prol da liberdade de expressão, insinua quer idade e em qualquer tempo
na última estrofeque "eles verão como sou bonito": Esvaziar conceitualmente o empoderamento pelo
está falando, entre outras coisas, da quebra dos este- argumento falacioso da busca simplista pela estética =

a) reótipos e clichês racistas que apontam, na imagem perfeita seria reduzi-lo a uma simples exaltação cari-
da pessoa negra, uma inferioridade ou fealdade. cata e &agilizada de uma beleza dissociada das raízes ; aB
q> -=
= como descreve:
negras, da ancestralidade aíticana que carregamos L4.... Bn

122
123
e da herança que isso representa, iniciando, a partjr número desproporcional em relação aos brancos e em
desse entendimento, um movimento de valorização lugares de pouca visibilidade. Há também a represen-
real e afetiva de cada elemento do nosso fenótipo que tação negativa e/ou fortalecedora dos estereótipos já
é ridicularizado e desvalorizado pelos sistemas 'de consolidados como do homem negro perigoso, a mae
dominação que se servem largamenteda alienaçãode preta, a mulata fogosa, entre outros.
nossas características positivas e da distorção de nossa E fato que o Feminismo Negro ou o Movimento
autoimagem. Isso é resultado de um fortalecimento de Mulheres Negras, dentro dos feminismos, foi
gradual de nossa admiração por nós mesmos e não responsável pelo resgate conceptual e ressignificação
estará dissociado de uma carga mínima que seja de do empoderamento. Tendo como fator limítrofe a
informação histórica. Esse foHalecimento também permanência na base da pirâmide social, esse resgate
será pautado pela representatividade,pois à medida mostra-se fundamental para nossa movimentação
que nos vemos de maneira positiva nos espaçosmais na luta pela quebra da formação hegemónica dessa
diversos é que podemos reconhecer e assimilar a pirâmide. Podemos chamar de resgateporque não
possibilidadede nossa própria imagem como posi- é novidade para os movimentos de mulheres negras
tiva também. Muitas são as formas de se trabalhar a necessidade de busca por processo de empodera-
esses movimentos que são inerentes e se intercalam mento como condição de sobrevivência. Ainda que as
em intensidade, e o principal deles é o imagético. teorias tenham nascido das mãos de homens brancos,
Precisamos nos ver de forma positivas literalmente, foram as práticas interseccionaisque cunharam, de
pois essas imagens vão ressignificaro imaginário que forma irreversível, esse conceito no rol de ações e
será abalado e simultaneamente reconstruído. estratégias de luta de todos os movimentos por eman-
O cinema, o teatro, a televisão, a moda, a música, cipação e libertação sociopolítica.
a dança e todas as expressõesartísticas serão ferra- Muito antes de nos sabermos feministas e nos
mentas importantes para que isso seja colocado em posicionarmosnessa trincheira de luta por ajustes
prática e justamente por isso esse é um dos campos sociais, já praticávamos intuitivamente o conceito de
mais perversos em relação ao racismo atuante. Nesses empoderamento,aplicando em nossas vidas e na vida
lugares de trabalho imagético, somos sistematica- estratégias de fortalecimento da autoestima e de reco-
mente excluídos, dando a ideia de que não existimos nhecimento de nossos potenciais.
= a)
enquanto seres artísticos e, portanto, portadores de Davas, em .A4u/deres, m/fzzxa e po/íf/ca, dedica um
=
L-LJ

--)
estética desejável ou, ainda, somos colocados em capítulointeiro em uma análise/homenagemà força

124 125
descomunal e a perseverança admirável de Winnie conscientementeou não. E o instinto de sobrevivência
Mandela. Ela mesma também é um exemplo de 6oi facilitador para adentrarmos esse campo e propa-
empoderamento construído e aplicado em momentos garmos técnicas e modos de articulações positiva,
críticos de sua história. O fato é que, ao conseguirmos capazes de aquecer, aproximar e trocar diversas expe-
erradicar em nós a estratégia racista de despersona- riências fortalecedoras, inclusive enfie gerações dife-
lização e alienação da imagem negra, nos fortale. rentes. Não fosse essa experiência quase espiritual de
cemos e podemos caminhar gradativamenterumo à ressignilicaçãode nossa autoimagem, ainda que timi-
aceitação da autoimagem e posterior admiração por damente, nossas ancestrais de luta teriam sucumbido
ela. Como podemosreagir às agressõesdo mundo às diversas violências das práticas de desestruturação
exterior se, ao nos depararmos com nosso reflexo humana empregadaspelo racismo. Mulheres negras,
no espelho, o único sentimento é de inadequação e em toda a diáspora, sentindo-seviümadas pelastécnicas
repulsa pela aparência que caracteriza nossa identi- de atuação do racismo intercaladoà lógica pauiarcal
dade? O que nos motivaria a lutar por emancipação e solidificada e natwalizada, saíram e saem ainda hoje
equidade racial e de gênero se carregamos um senti- em busca de modos de sobrevivência, de fortalecimento
mento constante de distorção e não pertencimento mútuo e inlstrumentalizaçãoprática das lutas diárias, no
pautado pela estética que aponta ausência de beleza âmbito íàmiliar, profissional ou a6etivo.
e, portanto, de qualidades humanas louváveis? Nos Infelizmente, no Brasil, muitas das nossas infor-
versosde "Sou função", do grupo RacionaisMc's, mações históricas foram covardementeapagadas
os compositores escrevem que "se ser preto é assim dos compêndiose o pouco que sobrou foi detur-
ir à escola pra quê?/Se meu instinto é ruim e eu não pado, deixando apenas o que era conveniente para
consigo aprender".83
os sistemas de dominação alienadores. Mas, quando
0 fortalecimento visível de sujeitos brancos, bem observamos nossas correspondentes ou nossas
como suas manifestações de liberdade e aceitação em irmãs de cor, como algumas gostam de chamar --,
toda e qualquer situação, por mais tímido ou retraído constatamos facilmente que mulheres negras nunca
; que possam ser, nos indica que é impossível o pleno
desenvolvimentoe o gozo da cidadania plena sem
estiveramde braços cruzados. Tomando isso como
análise, a postura de homens intelectuaisnegros, em =
admiração por si mesmo, pela sua imagem, sua cultura
especial aqueles que se destacaram na vida pública

= a) e sua história. Pessoas negras, em especial, mulheres ou artísticaa partir da década de 1960,em que a =
=
l-LJ

'''D
negras, assimilaram isso e trabalharam esse aspecto, autoaíírmação da estética negra não suplantava
126
127
algumas demonstrações claras de auto-ódio
usadas pela branquitude em seus movimentos quase
pela rqeição a mulheres negras, tanto para convívio
silenciosos que visam concretizar sua falsa posição de
social quanto para relações afetivas, não podemos
dar ao luxo de desprezar os limites do fortalecirnp.t. superioridade social.
Somos bonitos ou somos feios guardadas as
da individualidade negra através da estética e da amei.
ração da beleza do fenótipo e genética negra.
devidas adequaçõesao conceito real de belo, que
Nem todas as pessoas negras que usam turbantes.
é pautado pela proporção, estilo e harmonia das
formas e desenhos da figura humana tanto quanto
dreadlocks, tranças, cabelo natural, ou qualquer nll trn
elemento estético que demarca o seu pertencimento
qualquer figura humana pode ser. E a adequação
ou não aos parâmetrosestabelecidospelo conceito
à negritude estão conscientes das barreiras políticas filosófico de belo/beleza/estética não molda caráter
que êgsa aparência impõe e do quanto ainda terão de
e nem anula outras qualidades humanas, não cria
trabalhar internamente e externamente para amadu-
juízo de valor humano algum, como fazem supor os
rccer as práticas -- intelectuais e psicológicas -- que
perversos contos de fadas escritos para doutrinar o
levam ao empoderamento, que será expresso por um
imaginário infantil com as ignorâncias já cultivadas
verdadeiroamor a si mesmo,a sua aparênciareal de
e perpetradas por adultos. É fundamental que enxer-
pessoa negra e aos traços de ancestralidade que carre-
guemos a estética como um dos pilares do processo
gamos na raiz de nossa formação como indivíduo.
de empoderamento. Vqa bem, um dos pilares, não
Em outras palavras, o limite do fortalecimento
mais nem menos importante que os outros que serão
da subjetividade de pessoas negras pela estética é a
expostos mais adiante.
linha divisória que o coloca, de fato, em permanente
Uma boa relação com nossa autoimagem é
autonomia diante da rejeição, da ridicularização e de
uma ferramenta importante de reconhecimento de
todos os desestímulosque o posicionamentoracista valores ancestrais ou de reaHnmação de necessidade
da branquitude é capaz de usar como arma de enâa-
de aprofundamento na busca pelo autoconhecimento
quecimento e alienação para manter o sistema de de nossa história e entendimento de nossa condição
b dominação e opressão histórica de toda a população
negra. E, sem sombra de dúvida, um trabalhotão social de indivíduo negro. Mas de maneira alguma

árduo quanto necessário, pois o primeiro contato que


devemosconcluir que apenasisso basta, ou ainda que
toda pessoa que consegue transgredir esteticamente 5-
temos conosco mesmos se dá pela aparência, e esse =
= a)
está empoderada ou absorvida pelo significado polí-
é um dos campos de ataque racista mais comumente
-lJ 'D
tico que a estéticaancestralafhcana tem.
128
129
Indivíduos negros erroneamenteavaliados coma Esse mito tem trabalhado para a negação da iden-
empoderados, tendo como critério apenas a autoaâr. tidade negra, minando a confiança na imagem através
mação da estéticanegra, podem trazer a banalização das da propagação de uma estéticapadronizada e exclu-
lutas antinacismo, pois reproduzirão e expressarão equí- dente, hipervalorizada e definida como única forma
vocos racistas que lhes foram ensinados e internalizados de ser perfeito:
por toda a vida, tornando-secaricaturanas mãos da
branquitude atenta a essas âagilidades da questão racial. O racismo latino-americano é su6lcientemen-
No caso de mulheresnegras,em especialfemi- te sofisticado para manter os negros e índios
na condiçãode segmentossubordinadosno
nistas negras, podemos considerar com certo come. interior das classes mais exploradas, graças a
dimento e generosidade um passo importante que é a sua forma ideológica mais eficaz: a ideologia
autóafimiação expressapelo uso dos cabelos naturais do branqueamento. Veiculada pelos meios
ou com penteadosque remetemà a&icanidade,pelo de comunicação de massa e pelos aparelhos
uso pontual de exagerosou extravagânciasestéticas ideológicos tradicionais, ela reproduz e per-
de toda ordem, pela relação ressignificada com seu petuaa crença de que as classificaçõese os
valores do Ocidente branco são os Únicos e
próprio fenótipo ou traços negroides expressa por verdadeiros universais. Uma vez estabeleci-
exibição insistente que deixa explícita a valorização do. o mito da superioridadebranca demons-
da beleza que foi categoricamente rejeitada e detur- tra sua eficácia pelos efeitos de estilhaça-
pada pelas práticas racistas. mento, de ítagmentação da identidade racial
Lélia González, em seu brilhanteartigo em que que produz: o desejo de embranquecer(de
limpar o sangue" como se diz no Brasil) é
discorre sobre o conceito de amefticanidade, alerta internalizado, com a simultânea negação da
paraas diferenças
na expressão
do racismoque própria raça, da própria culHra.m
ocorrem em território europeu e latino-americano.
pontuando que, na América Latina, a expressão Conhecendo a trajetória dos veículos de comuni-
do racismoé disfarçada,sorrateirao bastantepara cação de massa e também dos tradicionais, e conside-
persuadir pessoas negras de que não estão diante de
rando o racismo como ideologia e prática estrumral,
um sistema de dominação racista. E salienta que o esüuturante e institucional, concluímos facilmente que
branqueamento como ideologia e prática, exaustiva-
LLJ q) a forma massivamente usada para alienação e o estilha- ;aB
=
mente veiculado pelos meios de comunicação, cravou çamento de que fHa Gonzalez não poderia ser outro
a. ê.5
= '6
L-&J 'D
no imaginário social a superioridade da raça branca. senão o trabalho imagético de perpetuação da ideia de u. a--

130 131
amor branco. Sou amado como um branco.
inferioridade da pessoa negra, valendo-se da hiperva- Sou um branco.
lorização da estéticabranca como ideal de peúeição. Seu amor abre-me o ilustre corredor que con-
Considerando também que a importância narcísica que duz à plenitude. . . Esposo a cultura branca, a
a sociedade confere à beleza estética ao atribuir maior beleza branca, a brancura branca.
Nestes seios brancos que minhas mãos oni-
valor humano aos que possuem o perfeito encaixe nos
presentesacariciam, é da civilização branca,
padrões estabelecidos,temos um dos quadros mais da dignidade branca que me aproprio.8s
perversos de alienação e aliciamento político de indi-
víduos que, aliados a outros fatores,contribuiu sobre- Obviamente, a manifestação desse desço repen-
maneira para a Êagilidade que ainda ecoa no íntimo
tino de ser branco se dá pelo aprisionamento elencado
de grande maioria de indivíduos negros, inclusive
pela rejeição de si mesmo e de sua aparência negra
daqueles que aparentemente brecaram a atuação dessa
em detrimento da brancura que Ihe parece ser única
tecnologia racista dentro de si, uma vez que sujeitos
portadora de dignidade. Notem que o desejo repen-
negros, quando não manifestam rejeição a si mesmo, o
tino de ser branco, vem da parte mais negra da alma
fazem de maneira externa e, quase inconsciente, rejei-
dessehomem negro. Seria a parte mais negra de sua
tando tudo aquilo que elejulga ter eliminado nele. Essa
alma a que comporta toda a alienação psicológica que
é uma das raízes da famigerada discussão sobre o prete- o induz a odiar a si mesmo e tudo que possa lembrar a
rimento e celibato definitivo de mulheres negras que
sua ancestralidadenegra, ou seja, é onde ele se vê tal
sofrem a dura rejeição de homens negros, que preferem
qual eleé, um homem negro, e exatamentepor isso, é
mulheres brancas na ânsia de ter a brancura que tanto
dali que brota o desejo de ser branco alimentado pela
almejam,como bem exemplificaFrantz Fanon em
percepção exata de si mesmo e da rejeição automática
Peles meras, máscaras brancas.
que se dá frente essa percepção.
Devemos, também, considerar, independente-
Da parte mais negra de minha alma, através
da zona de meias-tintas, me vem este desejo mente do nível de consciência racial que o indivíduo
repentino de ser branco. negro apresenta, a reafimlação de sua estética ancesüal
Não quero ser reconhecidocomo negro, e africana, que é invariavelmenteum incentivo ou uma
= sim como branco. Ora e nisto há um reco- contede inspiração poderosa capaz de fazer o chamado «
a)
nhecimento que Hegel não descreveu - quem simbólico para todas as pessoas negras para a beleza =
pode proporciona-lo, senão a branca? Aman-
q)
do-me ela me prova que sou digno de um real que as características estéticas da negritude tem, L.b a.
= 0
133
132
dispondo inconscientemente da mesma prática usada direcionados exclusivamente para essas mulheres de
pelos meios de comunicação de massa para inseijr no características diferentes das caucasianas. Porém, o
senso comum dos espectadoresque apenas a aparência debate sobre capitalismo nesse viés se torna essencial:
branca é admirável, aceitável e desejável. as empresas deixaram de investir tanto em produtos
A afirmação da estética negra é, sim, um combate de alisamento, para investir nos de cachos, ou seja,
difícil diante de todas as estratégias de negação e alie- o capitalainda seguenas mãos de quem detémo
nação de mentalidades negras acerca da validação poder, ainda que tenhamos algumas iniciativas e
de sua aparência. Podemos seguramente afirmar pequenos empreendimentos de pessoas negras.
que esse movimento vem sendo realizado com mais Estamos longe do ideal, mas é inegável que avan-
responsabilidade nas lutas do Feminismo Negro, çamos nesse sentido. Linhas inteiras de produtos
que vem abrindo espaço nas mídias hegemónicas, formulados para cabelos crespos, maquiagens para
no mercado da cosmetologia e da estética, na moda todos os tons de pele negra, cremese HHtrossolares
etc., uma vez que muitas mulheresse inspiramna específicos etc. O trabalho expressivo de youtubers
aparência de muitas feministas negras ou mesmo e influenciadoras digitais negras também faz impor-
aquelas que não tem nenhum vínculo ideológico com tante dente na luta pela valorização da estética negra,
o Feminismo N egro -- que avançaram dentro do que o uma vez que mesmo longe do discurso feminista
cerco racista permitiu, tencionando um sistema petri- ou racial dialogamcom a própria imagem, dizendo
ficado que excluía eou colocava a beleza da mulher e reafirmando que sim, pessoas negras, sobretudo
negra como exótica, casual ou esporádica. mulheres negras, são naturalmente bonitas.
As indústrias de cosméticos e artigos de Elas se autodefinem e ressignificam a si mesmas,
cuidados estéticos, em geral, se depararam nos servindo de exemplo positivo a ser seguido por outras
últimos anos com consumidoras cada vez mais que se enxergam semelhantes a elas. Exercem a
exigentes, que não aceitam mais gastar seus recursos eficiência da representatividade,ainda que a grande
financeiros com criações que não foram pensadas maioria estejaapartada das dimensões existentesnos
para atender suas necessidades. Essas consumi- processosde empoderamento.E preciso permitir que
doras, em grande número, começaram a produzir ou um dos alertas acerca da discussão do feminismo
consumir produtos de fora --na medida do possível -- tenha total responsabilidade e esteja em evidência,
ou simplesmente entupir os SAC das empresas com pois é o questionamento da necessidade imposta para =
= a)

= 'ã reclamações, reafirmando a exigência de cuidados mulheres de serem bonitas. U. B-a


L-&J ''D

134 135
Essa imposição da beleza, ao longo da história. lugar que não é capaz de agregar ou valorizar outras
deixou uma larga brecha para a livre incursão dos mais qualidades, senão as que objetiíicam e aprisionam pela
variados estereótipos que, aplicados à sociedade, além busca incessante em manter-se nele e/ou pela rejeição
de conoborar com o esquema de hierarquização de da própria imagem quando não se encaixam dentro dos
mulheres, estimula a rivalidade feminina -- no âmbito padrões e requisitos que esse lugar exige.
das práticas de dominação e opressão por gênero. Simonede Beauvoir,em O segundo
sexo,já aler-
Mas não só isso, para a mulher negra, tais discussões tava sobre o conceito de beleza como estratégia de
se mostram flmdamentais pois, em toda sociedade controle masculino, uma vez que são os homens que
racista, somos excluídas do conjunto de apontamentos detém o lugar privilegiado de poder e decisão, que
que estabelecemquem é portador da beleza real. pauta o que é belo, bonito e desejável em uma mulher.
Essa construção perversa do conceito de beleza Notem que o mesmo critério não se aplica à condição
é um exemplo oportuno para o aprofundamento das masculina, como bem exemplifica a questão dos pelos.
reflexões, já que deixa muito visível a intersecção E execrável para a mulher que mantenha os pelos do
entre as opressões machistas e racistas, e o quanto é corpo e até os ostente. Isso é considerado no mínimo
ilusório para mulheres brancas a insistência em manter desleixo. O mesmo não se aplica a homens que não só
silenciosamenteo lugar da beleza construído pela os mantêm como também os ostentam como símbolo
opressão de raça e gênero. Ainda que para a mulher de masculinidade. Beauvoir discorre sobre como nós,
branca pareça convenienteocupar esse lugar, é abso- muheres, estamos sempre às voltas com a busca para
lutamente importante o entendimento de que não é permanecer dentro de padrões que não criamos, e que
conveniente mantê-lo e muito menos sentir-se confor- são, de longe, impossíveis de serem alcançados por
tável dentro dele, já que ele também é aprisionados. todas; ainda reflete que
Nem todas as mulheres brancas vão atender os
O ideal da beleza femininaé variável;mas
padrões que compõem esse lugar, ou seja, seu caráter
excludenteé permanente, e ainda fortalece o alto valor certas exigências permanecem constantes.
Entre outras, exige-seque seu corpo ofereça
aparente que esse lugar prenuncia, que não é humano as qualidades inertes e passivas de um objeto. =
nem respeitado como deveria. Em outras palavras,
mesmo as mulheres brancas que são consideradas
porquanto a mulher se destina a ser possuí-
da. A beleza viril é a adaptação do corpo a
5-
bonitas se deparam com diversas práticas machistas dire- flmçõesativas,é a força, a agilidade,a flexi- =
H a)
cionadas a elas a partir da consüução desumana desse bilidade, a manifestação de uma transcendên-
= '3
L-ÜJ 'D

136 137
cia a animar uma carne que não devenunca Quando fão em reconhecer-se belo/bonito quero
recair sobre si própria. O ideal feminino só é dizer também do reconhecimento dessa beleza em
simétrico em sociedades como as de Esparto.
da Itália fascista, da Alemanha nazista, que nossos pares sociais. Em uma sociedade que esti-
destinavam a mulher ao Estado e não ao in- mula o culto à autoimagem, encontramos pessoas
divíduo, que a consideravam exclusivamente negras que se consideram belas, mas não reconhecem
como mãe e não atentavam em absoluto para beleza em seu semelhantenegro. Ou seja, aquilo
o erotismo. Mas, quando a mulher é entregue que essa pessoa cultua nela está muito mais relacio-
ao homem como um bem, o que elereclama
nado ao narcisismoensinado em nossa sociedade
é que nela a carne estala presente em sua pura
facticidade.Seu corpo não é tomado como do que à compreensão política do que representa
a irradiaçãode uma subjeüfidade,mas sim amar a negritude projetada na estética do outro.
como uma coisa empastelada em sua imanên- Isso é especialmentecomum em homens negros e
cia; esse corpo não deve lembrar o resto do se conHnma quando pensamos seriamente no prete-
mundo, não deve ser promessa de outra coisa rimento afetivo de mulheres negras. Muitos homens
senão de si mesmo: precisa deter o desço.u
negros que se pensam empoderados e que têm até um
trabalho de militância aviva ostentam sua imagem e
Refletimos anteriormente sobre o fortaleci-
aparentemente tem orgulho dela, realçando inclu-
mento necessário que pode vir através da estética
sive aquilo que não deveriam: estereótipos.Mas todo
e da sustentação do processo de empoderamento.
esse aparente autoamor é colocado em xeque diante
No entanto, é prudente reforçar que, sem o entendi-
da projeção de sua negritude na estéticade mulheres
mento político do que a estética representa enquanto
negras. A repulsa indisfarçável, aliada ao culto da
instrumento de contranarrativa importante, ela se
beleza padronizada pela branquitude, indica que não
esvazia e perde a força de motivar e movimentar
há um entendimentopolítico da importância de sua
todo um grupo. Olhar-se no espelho e se achar bela/
estética. Ao contrário, indica um recuo perigoso que
bonita não implica necessariamente em uma acei-
enítaquece e causa confusão quanto a suas ações que
tação pautada pelo autoamor. Se não percebemos
visam a emancipação da coletividade.
que devemos entender a beleza e amá-la porque a
A rejeição exacerbada e desqualificadora da
houve movimentaçõespolíticas que induziram o
beleza padronizada pela branquitude também nos
pensamento contrário a isso, não avançaremos no
confunde, no sentido de fazer parecer uma valori- -=
processo de empoderamento.
= 0 zação dos elementosda estéticanegra. Não é atitude u.L

138 139
que exala certeza política e/ou segurança Sobre o como estratégiapolítica das mais potentese eficazes:
valor estético de si mesmo desqualificar sujeitos "A revolução começa com o Eu, no EU".87
brancos e suas feições. Se entendemos que não há um Entender a autoavaliação de si mesmo e, prin-
padrão projetado nas características Hisicase estéticas
cipalmente, conseguir detectar aquilo que o sistema
de pessoasbrancase compreendemos
que se trata conseguiu adulterar em nós mesmos, é um ato polí-
tão somente de estratégia política o uso e imposição tico importante. É lavar-se de toda a carga violenta e
da estética branca como elemento hierarquizador e
limitadora que os sistemasde opressão e dominação
supervalorizado, não temos a intenção de desqualifi- conseguiu implantar em nosso âmago. No filme 7%e
cá-lae sim de entenderque o fenótiponegro não sÓ arear.Deóafezs,que nos traz importante reflexão sobre
é harmonioso como também é portador de beleza e
empoderamento, o professor Melvin B. Tolson, inter-
merecedor de admiração.
pretado pelo açor Denzel Washington, é um articu-
Esse entendimento é necessário sobretudo para lados político e, quando trabalha com seus alunos no
mulheres negras que, compreensivelmente,prqetam a nível que, profissionalmente,Ihe cabe o educacional,
repulsa do homem negro por sua estética reconhecida
ele não deixa de trabalhar coÚuntamente o nível
na mulher negra e na mulher branca, ridicularizando-as
psicológico, estimulando a confiança deles naquilo
da mesma forma o que o sistema racista tem feito com
elas. E contraproducente alimentar rivalidades entre quejuntaramde conhecimento
e, vez por outra,
trazendo à tona uma abordagem sutil de suas vidas
mulheres, sobretudo quando estamos diante de uma
pessoais, nos assuntos que identificam como comum
luta pela emancipação coletiva de seres humanos que a toda pessoa negra, ou soja, a dimensão familiar da
vivem sob sistema de opressãode gênero. São linhas
atuação dos sistemasde dominação e opressão.
tênues e ações que de tão naturalizadas estão assen- Aprofundando o que pensamos quando falamos
tadas como enüaves importantes que desarticulam em afetividade,na definiçãode Henri Wallon, que
grupos minoritários de dentro para cora e precisam se dedicou a esse estudo tornando-a peça central de
ser percebidas,entendidas e eliminadas, sob pena de toda sua obra, seria ela um domínio funcionalcujo
comprometer todas as lutas, em momentos que difi- desenvolvimento é dependente de uma ação conjunta
cultam diagnosticá-lose trata-los com eficiência.
de dois fatores estruturantes: o orgânico e o social.
Nesse sentido, é sempre oportuno trazer à Ambos mantêm uma estreita relação entre si, equi-
lembrança os dizeres da feminista alto-americana =
= a) librando-se para suprimir possíveis desajustes ocasio-
= 'Õ Tom Cade Bambara, e estabeleceresse pensamento nais entre um e outro, e não podem ser consideradas
l.LJ ''D

140 141
de maneira determinista quando analisamos sua Para grupos dominantes, o autoamor é construído
função no desenvolvimento humano. Segundo o ao longo de suas vidas, sda pelo reforço positivo
estudioso, "[. ..] a constituição bio]ógica da criança da masculinidade no caso de homens --, seja pelo
ao nascer não será a lei única do seu futuro destino. reforço positivo estimulado pela visão de si mesmo
Os seus efeitos podem ser amplamente transformados em todos os espaços, principalmente como padrão de
pelas circunstâncias sociais, da sua existência, onde a tudo de melhor que a pele branca significa. Mas, para
escolha individual não será ausente".88 grupos oprimidos, o desgaste na relação desenvol-
Essa fundamentaçãoteóricade Wallon é a linha vida consigo mesmo é tremendamente afetado pela
condutora para pensarmos na função da afetivi- pressão social negativa, tanto pela ausência de sua
dade nos processosde empoderamento.Se há, na autoimagem como reforço positivo quanto pela insa-
teoria, a assunção de uma interferência social no tisfação alimentada pela crença que assimilam das
desenvolvimento da afetividade, e estamos falando estratégiasde grupos dominantes, de inferioridade e
de uma sociedade estruturada pelos sistemas de subalternidades "naturais". Em outras palavras, eles
opressão e dominação, então a percepção empírica passam por processos contínuos de desqualificação,
da influência social nas relações entre indivíduos enítaquecendo sistematicamente suas possibilidades
que envolvem afetividades deve ser considerada ou de desenvolver o amor por si mesmos e o reconhe-
ao menos vista com maiores critérios. Ainda nos cimento de seus pontos positivos e até de sua huma-
estudos sobre afetividade, bica esclarecido que afeti- nidade. Sendo assim, ainda podemos considerar a
vidade é constituída pelo conjunto de emoções, boas rejeição a si mesmo, enquanto indivíduo, que estará
ou ruins, que influem diretamente nos estados de proaetada em seus pares sociais, promovendo a impos-
bem-estar dos indivíduos. sibilidade de formarem relações saudáveis, sejam de
Essa compreensão foi desenvolvida por bell amor, sejam de amizade.
hooks em alguns momentos em que a estudiosa expli- Falar de afetividadede uma maneiraglobalé
cita a necessidadedo amor aplicado aos meios de falar do cultivo da autoestima em sua completude,
militância, ou seja, em grupos minoritários que plei- não isolando a aceitação estéticacomo central, mas
teiam üansformações sociais completas questionar os considerando-a em conjunto com um movimento
padrões relacionais e nossos sentimentos e proÜeções no sentido de aprender a amar-se de fato para poder
alavancadas por eles passa a ser uma das necessidades distribuir esse amor de maneira fluida, inspirando =
a. o dentro de processos de empoderamento. e influenciando aqueles cuja sensibilidade está
= '6
l.LJ '')

142 143
de estímulo ao autoamor deve ser também contínuo,
adormecida pelas técnicas entorpecentes de desestru.
duração pessoal e coletiva de um sistema opressor. seja pelo autocuidado, pela alimentação do inte-
Por outro lado, não há como negar a existência lecto ou pelo cultivo das boas relações com outras
de impeditivos sociais para que esse determinado mulheresnegras, tendo em vista que ser gentil com
grupo, etnicamentedefinido, alcance certos pata- aquelas que nos servem de espelho social é uma
mares sociais, significando que esse(s) indivíduo(s) se ação empoderadora do nosso estado emocional,
encontrem ceifados em suas possibilidades. Como é pois é agir com gentileza para conosco mesmas.
possível, então, a essas pessoas se amarem, se respei- Isso não significa, evidentemente,aturar abusos ou
romancear essas relações, pautando-as pelas mesmas
tarem e se valorizarem, quando se enconüam diante
desses impeditivos, senão pela via da luta social lógicas eurocêntricas de hierarquia entre mulheres:
em busca do que é seu por direito social, jurídico e tendocomobase a divisãoentreboa ou mâ, até
também na ordem do direito humano?8P mesmo porque
O processo de fortalecimento da autoestima
[...] a mudança também pode ocorrer no es-
e estratégias conscientes de desenvolvimento das paço privado e pessoal da consciência de uma
relações consigo mesmo também faz parte de um mulher individual. Igualmentefundamental,
processo ativo de empoderamento e deve ser levado esse tipo de mudança é também pessoalmen-
a sério, embora nem sempre nos meios de militância te empoderador.Qualquer mulher Negra in-
isso seja considerado um elemento indiretamente dividual que é forçada a permanecer "imóvel
do lado de dentro" pode desenvolvero "lado
político. Para o grupo de mulheres negras, tendo em de dentro" de uma consciênciamodiâcada
vista as condicionantes que influem no acúmulo da como esfera de liberdade. É essencial se tor-
experiência como sujeito oprünido, esse processo nar pessoalmente empoderado por meio do
torna-se invariavelmente uma questão de sobrevi- autoconhecimento, mesmo em condições que
vência. Sempre é necessário alertar mulheres negras limitam severamente a habilidade de agir.9'
para que estabeleçamum ritmo próprio de fortaleci-
mento e reinvenção de si mesmas, pois as violências Também cabe aqui uma breve reflexão sobre o a
= :s
que as atingem as descaracterizam e desestruturam preterimento afetivo e celibato definitivo de mulheres E-
continuamente enquanto não são compreendidas. negras. É importante detectar essa õssura interna das =
Assim sendo, em todos os lugares e tempos, relações desenvolvidas pela população negra e enten- =;.
= a)
dê-lacomo mais uma das tecnologiasde dominação, u. a-
= '8 enquanto as opressões se fazem atuantes, o trabalho
145
144
aliciamento e opressão. Alimentar a movimentação humanidades para caberem em modelos opressores.
de homens negros na direção da rdeição de si mesmo Recusando-se a ser vítimas, entendem que estar em
proHetadona presença Hisicade mulheres negras, seus um modelo de relacionamento opressor não lhes
pares sociais, tem sido um jogo bastante eficiente. cabe, pois entendem como urgente o debate sobre
Estudos como o de ClaudeteAlves e Ana Cláudia masculinidade; os homens têm se responsabilizado
Lemos Pacheco sobre afetividade de mulheres negras pelas mudanças para não infligirem dores emocio-
são fundamentais para entendermos essas questões. nais às mulheres negras. Seria preciso que mulheres
Em }qroz//«gxa,livro que trata de sua dissertação de negras tenham considerações mais amplas sobre
mestrado, cujo o título é "Solidão da mulher negra: sua afetividade e reinventem novas formas de vivenciá
subjetividade e seu preterimento pelo homem negro -las.tendo em vista o modelo racializado com que as
na cidade de São Paulo", Alves aborda as consequên- relações se dão, colocando esse grupo em situação
cias do preterimento das mulheres negras, fazendo de extrema desvantagem, como bem pontua Beatriz
uma análise histórica e crítica das raízes e manutenção Nascimento, em "Eu sou atlântica":
dessepreterimento, assim como Ana Pacheco, em seu
iixlo Mulher negra: afetiüdade e solidão, aborda cama a Há poucas chances para ela numa sociedade
mulher negra está fora, de maneira geral, do "mercado em que a atração sexual está impregnada de
modelos raciais, sendo ela representanteda
afetivo" e naturalizada no lugar da ultrassexualização, etnia mais submetida. Sua escolhapor parte
o que chama de mercado do sexo. do homem passa pela crença de que seja mais
Há uma representação social baseada na raça e no erótica ou mais ardente sexualmente que as
gênero, a qual regula as escolhas afetivas das mulheres demais, crenças relacionadas às característi-
negras. A mulher negra e mestiça estaria fora do cas do seu físico, muitas vezes exuberantes.
'mercado afetivo" e naturalizada no "mercado do Entretantoquando se trata de um relacio-
namento institucional, a discriminação ét-
sexo", da erotização, do trabalho doméstico, feminili- nica ítinciona como um impedimento,mais
zado e "escravizado"; em contraposição, as mulheres reforçado à medida que essa mulher alça
brancas seriam, nessas elaborações, pertencentes "à uma posição de destaquesocial, como nos
e
=
cultura do abeto", do casamento, da união estável.91
Porém, cabe ressaltar,voltando a bell hooks,
referimos acima. No contexto em que se en-
contra cabe a essa mulher a desmistificação 5-
;aE
que muitas mulheres estão nesse estado de do conceito de amor. transformando este em =
dinamizador cultural e social(envolvimento
= 0 'solidão" porque não aceitam mais negociar suas

146 147
na atividade política, por exemplo), buscan.
do mais a paridade entre os sexos do que a
igualdade iluminista". Rdeitando a fmtasia
da submissão amorosa, pode surgir uma mu.
Iher preta participante, que não reproduza a
comportamento masculino autoritário, já que
se encontra no oposto deste, podendo assim
assumir uma postura crítica intemiediando
sua própria história e seus ethos. Levantaria
ela a proposta de parcerias nas relações se-
xuais que, por íim, se distribuiria nas relações
sociais mais amplas.çz

a- o
= 'ã

148
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse sentido,inspiradosem Freire, hooks,
Collins, Davas, Badiwala, partimos daqueles e
daquelas que entendem empoderamento como a
aliança entre conscientizar-se criticamente e trans-
formar na prática, algo contestador e revolucionário
na sua essência. Partimos de quem entende que
os oprimidos devem empoderar-se entre si e o que
muitos e muitas podem fazer para contribuir para
isso é semear o terreno para tornar o empoderamento
fértil, tendo consciência, desde já, que, ao fazê-lo,
entramos no terreno do inimaginável: o empodera-
mento tem a contestaçãoe o novo no seu âmago,
revelando, quando presente, uma realidade sequer
antes imaginada. É, sem dúvidas, uma verdadeira
Percebemos que existe uma tradição interna- ponte para o futuro.
cional de estudo do empoderamento enquanto cate- Vale dizer que há a importânciade se empo-
goria conceitual e teoria aplicada, dialogando com derar no âmbito individual, porém é preciso que
as mais variadas áreas do conhecimento,como a também haja um processo conjunto no âmbito cole-
Economia, Direito, Saúde Pública, Serviço Social, tivo. Quando falamos em empoderamento, estamos
Administração Pública etc. E esse é, sem sombra falando de um trabalho essencialmente político,
de dúvidas, um vasto horizontepara pensar e agir ainda que perpasse todas as áreas da formação de um
em formas de resistência e superação de diversas indivíduo e todas as nuances que envolvema cole-
opressões que atingem grupos oprimidos, tanto tividade. Do mesmo modo, quando questionamos
na academia quanto na prática emancipadora. o modelo de poder que envolve esses processos,
Infelizmente, apesar de toda a riqueza de sentido e de entendemos que não é possível empoderar alguém.
Ê tantas pessoas que se debruçam sobre o tema, muitas Empoderamos a nós mesmos e amparamos outros n
vezes presenciamos seu esvaziamento e discussão indivíduos em seus processos,conscientesde que a 5«
n sem seriedade, feita de forma acrítica que não faz jus conclusão só se dará pela simbiose do processo indi- =
a- a>
=
o '8 ao potencial candente, do que estamos falando. vidual com o coletivo.
L-bJ '')

152 153
Quando há a distância dos sentidos originais do
signiâcado em empoderamento, o resultado Costuma
ser a apropriação do discurso para venda de um empo-
deramento pasteurizado, de fachada, paternalista
mais interessado em manter o estado atual das coisas
do que em estimular o caldo efervescente de persona-
lidades e demandas silenciadas por opressões que se
cruzam. Ressaltamosque, em uma realidadecapita-
lista, é importante criar estratégias de fortalecimento
económico, e tal demanda é fundamental para surgi-
mento de condições favoráveis ao empoderamento.
Vale para fortalecimento financeiro, estético, afetivo,
dentre tantos que oxigenam a corrida grupos opri-
midos pela existência digna, sobretudo de mulheres
negras. Pela ressignificação pelo Feminismo Negro,.
ampliamos o conceito de humanidade, bem como o
potencial transformador, nomeando realidades por
produções teóricas e redes de empoderamento que
trazem a dimensão individual, comunitária e coletiva
de afirmação, valorização e reconhecimento.

n a)
=
t-bJ

''')

154
NOTAS E REFERÊNCIAS
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s. FOIJCAUlir, Miche!. Plk/ar epz/ Ir nascimento da prisão. 12. "MorDebe é uma base de dados que contémpalavras
Traduçãode Raquel Ramalhete.Petrópolis:Vozes, 1987.p. do português, apresentando mais de 135.000 lemas e cerca
117-118
l
de 1,5 milhões de formas flexionadas e, que fornece infor-
6. FREIRA, Paulo. Co#scfmfímção:
teoria e práticada liber- mação sobre as características formais do léxico do português
tação, uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. como a ortografia, a flexão e as relações morfológicas entre
São Paulo: Editora Moraes, 1980.p.31. palavras". Cf.: BAQUERO,]iute Vivian Ange]o. .4 símafão
cím,:4mémras:democracia, capital social e empoderamento
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2018. [Transcrição revisada da comunicação oral apresentada
ao l Semináriojlnternacional: Trilhas do Empoderamento de 13. No original: "Of all the buzzwords that cave entered
Mulheres Projeto TEMPO, promovido pelo NEIM/UFBA, the development lexicon in the past diirty years, "empower-
ment" is probably the most widely used and abused.Like
em Sa[vador, Bahia] .
many other important termo that were coined to represent 5«
a) 8. COLLl:NS, Paüicia Hill. Jprendemdo rom a oz/ísz'cín a clearly political concept, it has been "mainstreamed" in a =
wzfà//z:a significação sociológica do pensamento feminista manner that has virtually robbed it of its original meaning
= 0 L.u a.

158 159
and strategic vague". BATLIWALA, Srilatha. Putting power which people lacldng an equal share of valued resources gaja
back indo empowerment.Open Democracy, 30 jul. 2017. greater access to and control over those resources'(Comeu
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05 mar. 2018. (Tradução minha). tion in the lideof their community(Rappaport,1987), and
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14. No original: "Empowemient is a construct that links indi- lsrael, Schulz, Checkoway, 1992)". PERKINS, Douglas D.;
vidual strengdis and competencies, natural helping systems, ZIMMERMAN, Marc A. Empowerment Theory, Research
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and intervendonlink individual well-beingwith the larger
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a responsivecommunity. It compelsus to think in temia of Ret®fa.Deóafn,Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 174-175,jan./abr.,
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onidenti8ing capabilidesinsteadof catalogingiisk factorsand 17.Ibidem. Uma traduçãoliteral do título do livro é
exploríng environmental iilíluences of social problema instead 'Empoderamento Negro: trabalho social em comuni-
of blamingvictims".PERKINS, DouglasD.; ZIMMERMAN, dades oprimidas". Cf.: SOLOMON, Bárbara Bryant. B/ack
Marc A. Empowerment 'rheory, Research and Applications.. Empowame/zaSocial Work in Oppressed Communities. Nova
.4mmcczn
Joz/ma/of Gommz/fzÍO
/:Wcéo/clW,H 23, P. 570, out., York: Columbia University Press, 1976.
1995. (Tradução minha).
18. No original: "The eüectsof negativeimagemof black are
15. No original: "Deíinitions of empowermentabound. We traced as they operate in major social institutions such as the
did not ask the audiors in tais special issue to adhere to any family, peer groups, and schools. These eHects are connected to
particular defíútion. We did, however, ask riem to carefülly the emergence of characteristic personal and social problems
consider their own conceptions of empowerment and to make encountered in black communities. Following upon an earlier
their deíinitions as clear as possible. Although we urge the
discussion, empowerment is deíined as a process whereby self
reader to compare each article's conceptualization, they all direction and the helping process are the healing and streng-
imply that empowerment is more dlan the traditional psycho- diening forcei among blacks". SOLOMON, Bárbara Bryant.
logical constructs with which it is sometimes compared or c'o ef9
BZacêEmpowe/me/zf:Social Work in Oppressed Communities.
confüsed(e.g., seK-esteem, seK-emcaW- competency, locos
of control). 'E'he various deíinitions are generally consis-
Nova York: Columbia University Press, 1976. p. 27. 5-
tent with empowerment as 'an intentional ongoing process 19. No original: "Empowerment refers to principles, suco as ;aE=
centered in the local community, involving mutual respect, the ability of individuais and groupsto act in order to ensure
0 critical reflection, caring, and group participation, ülrough

160 161
their own well-beingor their right to participatein deci- Trajetórias fenonõmicas e empoderamento: histórias de vida
de mulheres na economia social e solidária catarinense. 2015
sion-making that concerne them, that have guided research
on and social intervention among poor and marginalized Tese(doutorado) Universidade Federal de Santa Catarina,
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05 mar. 2018
Communities by Bárbara Solomon, however, does the
term formaUy come isto usage by social service provi- 27. No original: "'lbe concept of women's empower-
ders and researchers". Cf.: CAllVES, Acne-Emmanuêle. ment emerged üom critiques and debates generated by die
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São Paulo: was at the time growing interaction between feminism and
the 'conscientisation' approach developed by Paulo Freire
EditoraPaz e Terra. 1986.p. 104.
in Laün America.But whereFreireignoredgenderand
20. Ibidem. p. 105-106. the subordination of women as a criticamelement of libera-
don, there were odier important influences on activista and
21. FREIRA, Paulo. Pe(iagoEía
do oprimido.17. ed. Rio de
Janeiro: Editora Paz e Tema, 1987.p. 18. nascent social movements at this time: among them the redis-
covery of Antonio Gramsci's "subalterns" embodying and
22. Ibidem. p. 16. the hegemonic role of dominant ideologies, the emergence
of social construction theory and post-colonialtheory'
23. Ibidem. p. 16.
BATLIW:ALA, Srílatha. Putting power back unto empower-
24. FREIRA, Pau]o; SUOR, ]ra. ]Medoe oz/sadia:o cotidiano ment. Disponível em: <https://www.opendemocracy. net/
do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. article/puttin&.powei:.back.unto.empowerment.0>.Acesso
em: 05 mar. 2018.(Tradução minha)
25. Ibidem. p. 71
28. Cf.: RIBEIRO, Djamila. OgméZugar(ã:#a/a?Belo
Hoiízonte
26. Nessesentido,conferiraTeoriadaDelimitaçãodeSistemas Grupo Editorial Letramento, 2017.(Feminismos Plwais). e
=
desenvolvida pelo intelectual aõ'o-brasileiro, "um
social em que os indivíduos envolvem-se em atividades auto-
sistema
29. Cf.: MOREIRA. Adilson rosé. Pensando como um 5-
motivantes, que possibilitem a singularidade aflorar, mas com negro: ensaio de hermenêutica jurídica. .Ret,ísra de .Dznefro =
consciência social". Cf.: SIMON, Vanêssa Silveira Pereira. Bxasz'/e/xa,
v. 18, p. 393-420, 2017.

162 163
30. Cf.: SARDENBE]RG, Cecília M. B. Conceituando EI empoderamiento incluye tanto el câmbio individual como
empoderamento" na perspectiva feminista, p. 6. Disponível la acción colectiva. EI empoderamiento como autoconâanza
em: <https ://repositório.ufb a.br/ri/handle/ri/6848 > y autoestima debe integrarse en un sentido de proceso con
Acesso em: 05 mar. 2018.[Transcrição revirada da comuni- la comunidad, la cooperación y la solidaridad. AI tcner en
cação oral apresentada ao l Seminário Internacional: Trilhas cuenta el procedo histórico que crea la carencia de poder, se
do Empoderamento de Mulheres PrometoTEMPO, promo- hace evidente la necesidad de alterar las esü.ucturas sociales
vido pelo NEIM/UFBA, em Salvador,Bahia]. vigentes; es decir, de reconocer el imperativo del câmbio
31. No original: "Una de las contradicciones fundamentales Cf.: LEON, Madalena. EI empoderamiento de las mujeres
Encuentro del primer y tercer mundos en los estudios de
en el uso del término 'empoderamiento' lo expresa el debate
género. .Rwlsfa Estudos áe Género: La Ventana, Espanta, v. 2,
entre el empoderamiento individual y el colectivo. Para
n. 13, p. 97, 2001. (Tradução minha).
quieneslo usan desdeel área de lo individual, con énfasis
en los procesoscognitivos,el empoderamientose circuns- 33. No original: "The üuncating of one's own testimony
cribe al sentido que los individuos le autoconãeren. Toma un in order to insure dlat the testimony contains ody content
sentido de domínio y contrai individual, de contrai personal. 6or which one's audience demonstrates testimonial compe-
Es 'hacer las cosaspor sí mesmo',es 'teneréxito sin la ayuda tence". DOTSON, Kíistie. 7hacÉíng E7)ís/emir Ho/e/zce,
de los otros'. Esta es una visión individualista,que lleva a 7 zzcê/ng
.fyad/cesaf SfZecfng.
Hypatia, v. 26, n. 2, p. 242,2011.
seõalar como prioritários a los sujetos independientes y autó- (Tradução minha).
nomos con un sentido de domínio de sí mesmos, y desconoce
las relacionei entre las esüucturas de poder y las prácticas 34. Para quem quiser se aproítindar, ver mais em Pode o subal
de la vida diária de los individuos y grupos, además de que terno fiar?: especulaçõessobre o saaifício das viúvas, 1985
escrito pela pensadora indiana Gayaüi Chakravorty Spivak.
desconecta a las personas del amplia contexto sociopolítico,
histórico,de lo solidário,de lo que representala coopera- 35. CARNEIRO, Aparecida Sueli. A consüução do outro
ción y lo que significa el preocuparsepor el outro". LEÓN, como não-ser com fundamento do ser. 2005. Tese(Doutorado
Madalena. EI empoderamientode las mujeres: Encuentro emEducaçãojunto àAreaFiloso6iadaEducação) Programa
del primer y tercer mundos em los estudios de género. .Emigra de Pós-Graduação em Educação da Universidadede São
Esüdos de Géfzero:La Ventava, Espalha, v. 2, n. 13, p. 97, Paulo, São Paulo. Disponível em: <https://negrasoulblog
2001. (Tradução miiúa). lhes.wordpress.com/2016/04/a-construc3a7c3a3o-do-outro-
como-nc3a3o-ser-como-fundamento-do-ser-sueli-carneiro-
32. No original: "Este empoderamiento puede ser una
simple y mera ilusión, si no está conectado con el contexto tesel.pd». Acesso em: 05 mar. 2018.
= y se relaciona con acciones colectivas dentro de un proceso 36. Ibidem
a) político. Si bien es cierto que resulta importante reconocer
37. Kn.,OMBA. Grada. The Mask. In: KH.OMBA. Grada =
las percepciones individuales, no se puede reduzir el empo-
deramiento de manera que ignore lo histórico y lo político. Phneation ]demories: Episodes of Everyda) Racism. \sAi3nSexl

164 165
Unrast Verlag, 2. ed., 2010. p. 1-2. Tradução de Jessica documentário "Severina: as novas mulheres do sertão". de
Oliveira. Disponível em: <https://wwwrevistas.usp.br/clt/ Eliza Capas, e realização da Agência Pública. Disponível em:
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38.CARNEIRO, Sueli. Enegrecendo
o feminismo:a sertao/>. Acesso em: 05 mar. 2018.
situação da mulher negra na América Latina a partir de uma 50. SUPL]CY. Eduardo Matarazzo. Re/zda de (]dada/zía
perspectiva de gênero. Geledés, 06 mar. 2011. Disponível
a saída pela porta. 7. ed. São Pauta: Cortez Editora, 2013
em: <https:// www.geledes.org.br/enegrecer-o-feminismo- P. 164.
situacao-da-mulher-negra-na-america-latina-partir-de-uma
perspectiva-de-genero/>. Acesso em: 05 mar. 2018. 51. GOHN, Malta da Glória. Empoderamento e partici-
39. Ibidem pação da comunidade em políticas sociais. SazZdee Socüda(ü
v. 13,n. 2, p. 25, 2004.
40. ROMANO, Jorge O.; ANTUNES, Mana. .Empacíênammra 52. BAQUERO, M. Construindo uma outra sociedade: o
e d/n?/fos
/zocumóafe
ã pobreza.Rio de Janeiro: Action Aid, capital social na estruturação de uma cultura política parti-
cipativa no Brasil. Rwísfa de Soc/o/ogz'a
e Po/z'/íca,
n. 23, 2003
41. #!dem. p. 5. 53. ÜÍdbn. P. 83
42. ]b/dem.p. 5
54. Para quem quiser se dedicar mais ao tema de partici-
43. #jc&m.P. lO. pação social, recomendo o artigo "0 Decreto n. 8243/2014
e os desafios da consolidação democrática brasileira", de
44. #/dem. P. ll autoria do professor de Direito na Faculdade de Direito de
45. #zcZbm. P. ll
SãoPaulo, Eduardo C. B. Bittar. Cf.: BITTIAR, Eduardo C. B
O Decreto n. 8243/2014 e os desafios da consolidação demo-
46. Ibidem. p. 12. crática brasileira. Emigrade / áu/mação
ZegísZafíva,
ano 51, n
203, p. 7-38, jul./set., 2014
47. SEN, Gita. E/npowezmefzf as a/z approacg /a poverO.
Working Paper Sedes, n. 97, v. 7, dez. 1997. 55. Para maiores informações, destaco o link para acesso à
48. SANCHES, Mariana. O Bolsa Família e a revolução íntegrado prometo.
Cf.: CÂMARA MUNICIPAL DE SAO
feminista no sertão. Made Claire, 21 nov. 2012. Disponível PAUL.O. Consultar documentos: Área de Documentação
em: <https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres- Legislativa(por SGP.3). Disponível em: <http://splegiscon-
= sulta.câmara.sp.gov.br/Pesquisa/DetailsResumido?COD. e
do-Mundonoticia/2012/11/o-bolsa-família-e-revolucao
feminista-no-sertão.html>. Acesso em: 05 mar. de 2018. MTRA. LEGL:l&ANO.PCSS.CMSP:2016&COD. =«
PCSS.CMSP=393>. Acesso em: 05mar. 2018.
=
49. Para quem quiser se aprofundar no tema, recomendoo
= 0 56 IApesar da garantia expressa desses direitos na legislação

166 167
oficial, os procedimentosde participaçãonas tomadas de Quilombola. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015
decisão e, em especial, para formulação das consultas aos P. 159.
povos tradicionais ainda não se desenvolveuao ponto de
significar um processo de diálogo que sda capaz de propor- 60. GOHN, Mana da Glória. Empoderamento e partici-
cionar a comunicaçãonão apenasdas decisõesjá tomadas pação da comunidade em políticas sociais. Sazídee Sociedade,
pelo Estado, como oconeu desde o início da exploração colo- v. 13, n. 2, p. 12, 2004
nial, mas também dos interessese discordânciaspor parte 61. BORGES, Juliana. A urgência do pensamento femi-
de todos os interlocutores envolvidos". PERIJZZO, Pedra
nista negro para a democracia. Blog da Boitempo, 06 abr.
Pulzatto. Direito à consulta prévia aos povos indígenas no 2017. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.
Brasil.RwísfaZ)InFIro
eP7cíxls,
Rio deJaneiro,v.XX, n. XX, p. br/201 7/04/06/a-urgencia-do-pensamento-feminista-negro
1-33, 2017.
-para-a-democracia/>. Acesso em: 05 mar. 2018.
57. #z'cÍàn.P. 29. 62.H00KS, bela.Movimentar-se
para além da dor.
58. #jdbm. P. 13. Tradução de Charâ Nunes e Larissa Santiago. Blogueiras
Negras, ll maio 2016. Disponível em: <http://blogueirasne-
59. Nesse sentido:"É certo que os movimentossociais gras. org/2016/05/11/movimentar-se-para-alem-da-dor-bel-
organizados têm sido protagonistas em apontar e lutar pela l-hooks/>. Acesso em: 05 mar. 2018.(griíb nosso)
alteração dos problemas para a política, como ocorreu com
a normativa que permitiu a instalação de equipamentos 63. No original: "Coming to womanhood in the segregate
públicos em comunidades certificados e o que possibilitou a South l had never heard black women talk about themselves
isenção do Imposto Territorial Rural(ITR) para as comuni- as victims. Facing hardship, the ravagesof economic packand
dades quilombolas. Essas mudanças, entretanto, têm todas deprivadon, the cruel Inlustice of racial apartheid. l lived in
sido feitas à fórceps, tendo em vista que os mecanismos de a world where women gained strength by sharing knowledge
participação social da política são ainda â'ágeis, particular- and resources, not by bonding on die bases of being victims.
mente, se consideradas não a sua existência, mas a absorção Despitethe incrediblepaio of living in a racial apartheid,
das sugestõesao programa. Um exemplo dessa â'ágil Southern black people did not speak about ourselves as victims
absorção do conceito de participação social é o próprio even when we were downtrodden. We identiâed ourselves
processo de regulamentação do procedimento de consulta more by the experienceof resistanceand üiumph than by the
préviada Convenção169da OIT, constantemente
denun- nature of ow victimization. It was a fíven that lide was hard,
= ciado por prescindir do conhecimento e da participação dos that therewas suaering. It was by facing that suaêringwith
principais interessados na consü'ução desse marco legal: os 0
5-
grace and dignity that one experienced transformation. Duíing
indígenas, quilombolas, as comunidades e povos tradicio- civil rights struggle,when we joined hands to sing 'we shaU
nais". SILVO, Allyne Andrade e. Direito, desenvolvimento overcome,' we were empowered by a vision of flilíHlment, =
e políticas públicas: uma análise jurídica do Programa Brasil of victory". H00KS, bela. Ki///ng R({ge, .E/zdínE Racíp72z. Nova
0 York: Henry Holt and Company, 1996,p. l.(Tradução minha).

168 169
oficial, os procedimentos de participação nas tomadas de Quilombola. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015.
decisão e, em especial, para formulação das consultas aos P. 159
povos tradicionaisainda não se desenvolveuao ponto de
60. GOHN, Mana da Glória. Empoderamento e partici-
significar um processo de diálogo que soja capaz de propor-
cionar a comunicação não apenas das decisões já tomadas pação da comunidade em políticas sociais. Saú& e Sociedade,
pelo Estado, como ocorreu desde o início da exploração colo- v. 13,n. 2, p. 12, 2004.
nial, mas também dos interesses e discordâncias por parte 61. BORGES, Juliana. A urgência do pensamento femi-
de todos os interlocutores envolvidos". PERIJZZO, Pedra nista negro para a democracia. Blog da Boitempo, 06 abr
Pulzatto; Direito à consulta prévia aos povos indígenas no 2017. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.
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1-33,2017.
-para-a-democracia/>. Acesso em: 05 mar. 2018.
SI, Bideü:p. 29. 62. H00KS, bela. Movimentar-se para além..da dor.

Élii:;n n 141z:;l :
58. üz'(Üm.P. 13. Tradução de Charõ Nunes e Larissa Santiago.Blogueiras
59.Nesse sentido:"É certo que os movimentossociais
organizados têm sido protagonistas em apontar e lutar pela l.hooks/>. Acesso em: 05 mar. 2018. (grifo nosso)
alteração dos problemas para a política, como ocorreu com
a normativa que permitiu a instalação de equipamentos 63. No original: "Comhg to womanhood in the segregate
públicos em comunidades certificados e o que possibilitou a Souto l had never heard black women talk about themselves
isenção do Imposto Territorial Rural(ITR) para as comuni- as victims Facing hardship, the ravagesof economic lack and
dades quilombolas. Essas mudanças, entretanto, têm todas deprivadon, the cruel Inlustice of racial apardieid. l livedin
sido feitas à fórceps, tendo em vista que os mecanismos de a world where women gained strength by sharing knowledge
participação social da política são ainda õ'ágeis,particular- and resowces, not by bonding on the basis of being wcüms.
mente, se consideradas não a sua existência, mas a absorção Despite dle incrediblepala of living in a racial apardieid
das sugestões ao programa. Um exemplo dessa frágil Southem black peopledid not speak about owselves as vicüms
absorção do conceito de participação social é o próprio even when we were downtrodden. We idenüõed owselves
processo de regulamentação do procedimento de consulta more by the experience of resistance and triumph dlan by the
prévia da Convenção 169 da OIT, constantemente denun- natwe of our vicümization. It was a fiven diat lidewas hard,
ciado por prescindir do conhecimento e da participação dos that there was suaering. It was by facing that suãMg with
=
grace and dignity that one experienced transformation. Duíing
principais interessadosna construção desse marco legal: os

indígenas, quilombolas, as comunidades e povos tradicio-
nais". S]].VA, Allyne Andrade e. Direito, desenvolvimento HliÊÍÜêuqe==.=:H :müSo: :!'tE..« ;aE
=
e políticas públicas: uma análisejurídica do Programa Brasil of üctory". nooKS, báu. Kf//íng .Rege, EfidínE Rms«?. No«a
= 0 York' Henry Holt and Company, 1996,p. ]. (]'radução minha).

168 169
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intersection of racism and sexism factors lato Black women's
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livesin ways that cannot be capturedwholly by looking at
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and politics,is it worth reclaiming?
Indeedit is. And it
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flindamental processes of social jusdce that were at the =
72. No original: "ln an earlier article, l used the concept of
= 0 intersectionality to denote the various ways in which race core of feminist thinking â'om its earliest days. But the talk

170 171
e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressigniíi-
of reclaiming has three vital componente. First, we need to cação cultural?Rwísfa B/ /Zeína
de.Educação,n. 21, p. 42, set./
need to actualiy reclaim the agendas such as empowerment dez., 2002.
and the spaces for engaging the mainstream discourse 6'om
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JOICE BERTH, arquiteta e urbanista pela
Universidade Nove de Julho, especialista em
DireitoUrbanístico,pesquisasobredireito
à cidade com recorte de gênero e raça, é
colunistada revistaCada Cap/ta/e
assessora parlamentar.

Este livro foi composto pelas família tipográfícas Calisto MT.


Foi impresso pela gráfica Pancrom em papel Pólen Soft 80g/m
em abril de 2019

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