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Universidade Federal da Paraíba

Programa de Pós-Graduação em Sociologia


Discente: Bruna R. Silva Melo

Resenha referente às apresentações em sala de aula

Seguindo a programação da disciplina de Tópicos Especiais em Sociologia II: A


análise de Trajetórias e Disposições Sociais, cada discente se responsabilizou por três textos
com a finalidade de apresentar seminários para a turma. Portanto, no presente documento
constam resenhas sintéticas dos textos pelos quais fiquei responsável, intitulados: “O
batalhador e sua família”, “Populismo ou medo da maioria?” e “A miséria do amor dos
pobres”, sendo os dois primeiros capítulos parte do livro Os Batalhadores e o último parte do
livro A Ralé brasileira, ambos de organização do sociólogo Jessé Souza.
De início, acredito ser válido pontuar questões comuns dos três textos, para depois
abordá-los separadamente. Como dito, as duas obras trabalhadas são de organização do Jessé
Souza, e contam, portanto, com diversos colaboradores alinhados às categorias
bourdieusianas de Trajetórias e Disposições sociais. Dessa maneira, é possível afirmar que a
metodologia utilizada pelos colaboradores se resumiu a pesquisas qualitativas, entrevistas em
profundidade e destaque para interlocutores com potencial de expansão da análise. Como
uma contação de histórias, a fluidez textual cativa o leitor, e eu quase não percebi o tempo
passar.
Em geral, os textos apresentam dados e tecem análises na mesma proporção. Portanto,
entendo que as entrevistas em profundidade são ferramentas fundamentais para depreender
categorias bourdieusianas das vidas dos interlocutores, como o habitus e as disposições. Além
disso, percebe-se que os colaboradores têm a categoria trabalho enquanto um guarda-chuva,
que abrange outras categorias igualmente importantes, como o afeto, mas em profunda
relação com a vida trabalhista. Por esse motivo, chama-se Batalhadores e Ralé.

I. O Batalhador e sua família


No texto O Batalhador e sua família, a principal preocupação da colaboradora Tábata
Berg é retratar a relação do batalhador com a sua família, já que o senso comum entende que
a família batalhadora é dotada de a. uma rede de benefícios mútuos (com um centro de poder)
e b. possibilidade de tirar vantagem do outro. Isso porque imagina-se que as classes populares
não possuem o que é mais caro à vida pública: impessoalidade e igualdade. Dessa maneira,
sua intenção é entender como se dá a reprodução da classe da ralé estrutural, a diferença
existente entre a ralé e os batalhadores e o elemento de reprodução da classe batalhadora.
Para tanto, Berg faz uso da empiria a partir de três estudos de caso: Paulo e Helena,
Seu Luís e Seu Manoel. Tais representantes familiares fazem parte do núcleo rural e possuem
como fonte de renda os ganhos da agricultura. Ademais, os interlocutores possuem um
passado comum: vida trabalhista iniciada ainda quando criança, aprendizado laboral com os
pais, privação de lazer e muito, muito esforço para atingir a classe batalhadora.
De fato, há algumas diferenças entre as famílias. Por exemplo, Helena possui um
medo gigante de retornar à vida miserável que tinha, e por isso empreende uma economia
exagerada: se priva de comprar até um sorvete fora de casa. A colaboradora chama tal
fenômeno de Constante Antecipação Inconsciente da Inconstância do Mercado, que diz
respeito a esse controle financeiro paranoico e é, segundo as classes médias, o que garante a
sobrevivência das classes baixas às inconstâncias do mercado.
Já a família do Seu Luís empreende outra maneira de economizar, que é a ação
orientada a um futuro objetivado no presente. Além disso, há mais verticalidade e intensidade
nesta família, além de ser mais visível a dominação masculina pautada na divisão sexual do
trabalho, que é base não só da propriedade, mas das relações afetivas.
Portanto, valida-se a chamada Ética do Trabalho Duro ancorada em um aprendizado
prático do trabalho, isto é, os pais ensinam aos filhos; é a parte de conhecimento prático do
mercado que os batalhadores conseguem alcançar, e é com essa ética que eles podem contar e
talvez ascender, pois não possuem capital cultural legítimo nem econômico comuns da classe
burguesa.
Ademais, há uma espécie de moralidade ao redor do sacrifício (recíproco) dos
interesses individuais em prol do grupo familiar. Como a família é a base da pequena
propriedade rural e prepara seus membros não somente para determinada função no mercado,
mas também inclina seus corpos ao trabalho duro - e a aceitar e naturalizar isso. Ao ascender
à classe trabalhadora, nota-se, portanto, um novo tipo de proprietário em ascensão: o filho do
trabalhador adaptado à ética do trabalho duro.

II. Populismo ou medo da maioria? Como transformar em tolice as razões da massa


Neste texto são abordados os batalhadores do Cariri, mais precisamente de Juazeiro
do Norte. De acordo com a colaboradora, a região foi escolhida porque abrange um dos
maiores mercados e centros universitários; possui 242.139 habitantes; é um centro de
peregrinação religiosa que movimenta cerca de 2,5mi de fiéis todos os anos; tem como figura
principal o Padre Cícero (Padim Ciço), o profeta, santo, cangaceiro, coronel, e protagonizou
diversos conflitos na região; é um lugar de mistura entre religião e política.
O Padim Ciço é muito importante na medida em que é uma figura envolvida na
economia e na moral da cidade. Molda a ética do trabalho duro, constitui a disposição
profunda do batalhador, forma a identidade social do nordestino enquanto um indivíduo
batalhador. Assim, arrastou uma onda de trabalhadores mais desqualificados para frentes de
trabalho no campo em terras inexploradas. É nesse sentido que a colaboradora trata dos
chamados batalhadores-empreendedores, categoria que abrange aqueles que partem da
experiência em trabalhos braçais e do conhecimento prático para microempreendimentos
relativamente estáveis, adquirindo uma visão estratégica do mercado.
A metodologia deste texto se resumiu a entrevistas em profundidade com 40 pessoas
na região do Cariri e Semiárido nordestinos em um espaço de tempo de 5 meses. Uma
entrevista ganhou destaque e foi dada como “tipo ideal”, a Dona Das Dores, pois expressa
exatamente o que os pesquisadores captavam de maneira fragmentada nas outras. Dona Das
Dores é dona de uma microconfecção de roupas infantis para o público popular, presidente da
Associação de Costureiras Populares (Ascospop), começou com o trabalho braçal na
agricultura desde cedo, ensinado pelos pais, mas logo passou a trabalhar fora para manter a
família.
Na trajetória da Dona Das Dores foi possível observar a ética do
sofrimento/purificação, isto é, a salvação pelo sofrimento; a busca do conforto na providência
divina; orgulho do próprio sofrimento; conciliação entre trabalho e oração e, por fim, a
certeza de que somente o trabalho duro pode tirar da situação miserável. Dona Das Dores
mostra a possibilidade de expansão da análise para outros casos, e mais: embora não de
maneira tão dramática como com o Padre Cícero, a ética do trabalho duro pode ser vista em
todo o sertão nordestino.

III. A miséria do amor dos pobres


Aqui, são abordadas as seguintes temáticas: as mulheres da ralé, a punição imposta
pelos homens e por elas mesmas, bem como as condições sociais e modos de vida que criam
mulheres para uma luta desesperada pelo amor dos homens. Dessa forma, o objetivo dos
colaboradores é investigar como se dá a passagem de garota para mulheres destituídas dos
atributos que atraem a “face carinhosa” dos homens, além de descrever o constante jogo de
sedução e conquista, e a impossibilidade dessas mulheres de ter o sexo como “brincadeira”,
pois é capaz de destruir a dignidade.
A metodologia adotada foi, mais uma vez, a pesquisa qualitativa, com entrevistas em
profundidade. No entanto, não se sabe a amostra nem o lugar onde foi realizada a pesquisa,
tampouco há trechos transcritos. Sabe-se que as principais interlocutoras são Jane e Dina,
adolescentes que moram em (in)determinada comunidade, sofrem com o abandono paterno
(seja físico ou emocional) e possuem o fundamento moral religioso como legado materno.
Para além disso, frequentam o baile funk como um momento de extravaso do tédio diário,
mas voltam à realidade da solidão quando as luzes se acendem.
Neste texto, muitos detalhes são abordados, porém aqueles com relevância
sociológica foram abordados. Pode-se concluir que enquanto Jane, que sabe que o “príncipe
encantado” nunca virá, possui o chamado “Prévio desencanto das uniões para toda a vida”,
Dina possui um sonho irrealista de amor romântico. É por isso que diz-se que Jane
incorporou uma disposição compulsiva para ver afeto em caminhos fechados para a
afetividade. Em triste comparação entre meninas da ralé e da classe média, entende-se que
essas últimas não sabem o que é a angústia pois recebem afeto masculino desde sempre, já se
libertaram da vulgaridade, então o “príncipe encantado” é a única opção, além de possuírem
outras fontes de afeto.
Trazendo questões dolorosas, como imagino que também sejam as outras partes de A
Ralé, este capítulo aborda o amor e o afeto de maneira sociológica por meio de uma
metodologia bastante pertinente que é a bourdieusiana. A partir das trajetórias, atentando-se
para a possibilidade de ampliação da análise, foi possível conhecer meninas em um cenário
mais comum do que possa parecer, o que nos faz, enquanto pesquisadores, valorizar a
metodologia de Bourdieu de Trajetórias e Disposições sociais.

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