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Samuel Silva S.

Buel

O SONHO DE UM PASTOR

2021
Em conformidade com as regras internacionais de catalogação e
publicação (CIP) Câmara brasileira do livro, SP, Brasil.

Literatura universal/ Religião / espiritualidade

Copyright©Original em português-Buel Santos Silva Samuel


O sonho de um pastor / Samuel Da Silva Santos – São Paulo - SP
184 p - Livro Digital
1 ed. - 2021

Por tratar-se de obra atrelada ao original, fica expressamente


proibido a reprodução total ou parcial da mesma para fins de
compartilhamento por quaisquer meios.

Ediçãonãocompartilhável
Dedico esta obra a meu pai,
Sr. Mariano Costa dos Santos,
De quem aprendi os reais valores da vida.
Considerações iniciais.......................................................7

O Convite ........................................................................... 17

Senso do divino.................................................................25

A resistência do vaso.......................................................33

Pastor não é de ferro....................................................... 41

Dominando o ego .............................................................55

Dormi e sonhei ..................................................................67

A segunda parte do sonho ........................................... 103

O chacoalhão ................................................................... 155

Uma questão de consciência....................................... 173

O preço do tempo........................................................... 175

Considerações finais.......................................................181
Nasceu na Capital de São Paulo,
nos idos de 1971. Estudou em es-
colas públicas, unidades do Estado
e Municipais. Desde a tenra idade,
viu-se inclinado para as letras. As
via, como que portadoras de vida
própria, como que possuídas de
uma força incomum, capazes de
arrebatar-lhe o espírito levando-o a
lugares desafiadores. Percebeu, lo-
go de início, que as instituições formais de ensino, eram
pautadas em bases ideológicas no sentido de fazer o
educando apenas a repetir processos de aprendizagem e
não a por sob o crivo da crítica esses mesmos processos.
Não nega, em hipótese alguma, da importância dos meios
educativos-institucionais, porém, discorda de que esses
sejam os únicos meios de garantir o desenvolvimento in-
tegral do sujeito em face as demandas do saber bem co-
mo da vida. Sabe que a escola se funda em procedimen-
tos metodológicos visando o conhecimento, sem, contu-
do, ensinar a arte da sabedoria, a qual constitui a alma do
conhecimento. Acredita, que se o sujeito histórico praticar
também e/ou sobretudo, o autoconhecimento, pode cons-
truir a partir desse empreendimento, meios mais eficazes
para o saber se posicionar e se defender em face de um
mundo hostil e ao mesmo tempo repleto de possibilidades
à frente. Advoga, de que o diploma escolar já não é mais
garantias de estabilidade num ambiente em que as mu-
danças se dão em velocidades surpreendentes.
7

Considerações iniciais

Ao olhar para o espelho, Martins, se vê na forma


de ovelha sendo ao mesmo tempo pastor. Tentar ultra-
passar a fronteira que divide seu ser e o dever ser como
um sendo no mundo dos desafios, provocou-lhe tacita-
mente um senso sutil de desânimo.

O reflexo no espelho, revelou sua verdadeira face.


Seu ser objetivo em contraste ao seu ser exigido pela
convenção, pelos ditames, pelas regras de conduta, o es-
tatuto, as doutrinas da igreja, etiquetas e os modos de
posicionamento sociais com vistas à tão famigerada ética
pastoral.

Curiosamente, a imagem refletida não perpassa o


ser da imagem em que o verdadeiro ser humano ali, bem
em frente do “vidro espelhar”, se percebeu de modo nu,
real. Na esteira de sua factível condição de ser tão frágil
8

como os demais mortais. A credencial e as vestimentas


pastorais não o transformaram em pastor. Nem mesmo a
bíblia que ele carregou na mão e a leu todos os dias, o
definiu como tal. O chamado pastoral é muito mais pro-
fundo, sublime e divino.

Deveria estar focado no querer de Deus e não em


seu próprio querer? Quebrar a barreira que o impedia de
atingir o episcopado e a que o limitava de exerce-lo com
cadência e dignidade na prática, foi um desafio deveras
intrigante, posto na linha tênue de sua dorsal subjetivida-
de. Toda a roupagem exterior construída na beleza de
sua reputação assimetricamente ao estado objetivo de
seu coração, o levou a punir a si mesmo, dado a percep-
ção clara do contraste entre seu desejo e sua práxis epis-
copal. Observar por um prisma técnico analítico o com-
portamento de Martins, nos possibilitaria o cogitar dos fe-
nômenos psicológicos característicos e presentes em ca-
da um de nós, que podem, nos impelir a romper o vínculo
com o amor divino em virtude do “sentimento de poder” e
“status quo”, como se pudéssemos sobrepujar factual-
9

mente nossa humanidade. Ou seja, a credencial não reti-


ra de mim minha humanidade, apenas me confere o sen-
so de uma maior responsabilidade em me manter humilde
em face do dever ser e sobretudo do dever fazer pelas
causas do reino. Sacrificaria a própria família?

O discurso literal aqui resumido, analisa o pastor


em face do lema de se ver a si mesmo como instrumento
de Deus por meio do gerenciamento de sua condição la-
tente. De sua posição de representante, que representa
pelo “argumento sólido”, o testemunho vivo dos seus pá-
reos que sentem na pele e no coração, o peso subjacente
do chamado tão espinhoso e ao mesmo tempo glorioso.
Daria a vida pela missão sem considerar outras situações
tão presentes em sua luta diária e que se tratavam de
questões tão importantes quanto?

São milhares desse perfil que estão neste exato


momento a olhar para o espelho e a se questionar: quem
sou eu? Uma multidão de Martins da vida, na vida se per-
gunta: valeu a pena? Baseado em fatos concretos, a psi-
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cologia eclesiástica do autor, nos convida a esta reflexão,


na qual, Martins teve de constatar o fato de ter de pasto-
rear a si mesmo antes de pastorear os outros, carentes
de paz amor e salvação.

Martins alimentou seu anseio o qual se transformou


em desejo no enredo factual de sua existência. Como
persona central e portador de uma psicologia icônica,
desdobrou-se num movimento de busca pelo divino, ten-
do de lutar contra seus algozes que na realidade não es-
tavam fora mas dentro dele mesmo.

A princípio, se queixa de ser uma vítima indefesa


dos “ataques vindo de fora”. Depois, empreende uma ba-
talha com vistas a demonstrar suas razões e justificativas
de sua inocência honesta e dolo social impecável.

Só tardiamente, cai em si e se percebe finalmente


como culpado direto do desastre “construído” com suas
próprias mãos, apesar de ter sido uma pessoa intelectu-
almente bem preparada para condutas assertivas em sua
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vida. O desfecho da narrativa, traz a baila o fato da inteli-


gência do representante ser bastante assimétrica às suas
habilidades de autocontrole e inteligência emocional. Mar-
tins, reflete a realidade vivida por muitos obreiros dos
quais é exigido atitude exemplar.

Os dizeres aqui delineados se desdobram e vão na


esteira da psicologia de uma grande parcela dos obreiros
chamados, ungidos e comissionados a obra do evange-
lho, e que não podem evitar o desafio característico da
missão. Luta incessante.

O texto, corresponde o resultado de muitas conver-


sas que tive com outros líderes de diversas denomina-
ções. Testemunhos e fatos reais, vividos por muitos des-
ses pastores.

Dessas interações, procurei resumir neste opúscu-


lo, elementos, experiências, vivencias, crises existenciais,
dramas familiares e desafios ministeriais vários, através
da vida do pastor Martins. Alguns nomes e lugares são
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onde parte dos “fatos ocorreram”, outros, porém, foram


“compostos” a fins de facilitar a construção da narrativa
tendo em vista o entendimento das citações em termos
literais. Algumas expressões “fortes”, marcadas por epi-
sódios dramáticos e vivenciados por muitos desses obrei-
ros, demonstram que, atingir o episcopado e exerce-lo na
prática, não é, nem de longe, tarefa simples ou fácil como
alguém queira cogitar.

Tendo em vista preservar a integridade moral, pes-


soal e familiar de alguns dos expoentes, me cerquei de
reservas de cuidados durante o processo da construção
do texto, no sentido de salvaguardar a privacidade dos
contatados. Posto nestes termos, a presente narrativa re-
fere-se a testemunhos vivos e compostos que se desdo-
bram numa só estória, mas que traz na sua essência, o
que é a vida de um pastor na prática, não apenas, mas
especialmente o que acontece quando alguém toma para
si, a obra de Deus como se fosse propriedade privada.
Fatores psicológicos com farto peso emocional, em assi-
metria as demandas do dever ministerial, põe o líder a se
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“ver numa corda bamba”, altamente dependente da graça


de Deus. Martins, começa bem, mas num dado momento,
deixa-se levar pelo perfeccionismo e sentimento de poder
social sobre os outros em função de sua posição diferen-
ciada. Os fragmentos da história real contados nas pági-
nas do livro, vai de encontro com a subjetividade desse
pastor, o qual, depois de tudo, desenvolveu seu principal
sonho, mas desta vez, foi um sonho estando ele inteira-
mente acordado!

Neste trabalho, não vou me ater muito no que refe-


re a minha vida comum em termos subjetivos, mas sim
“ao fator forte”, que me fez trilhar caminhos fundamentais,
por meio dos quais, foi deveras alterado meu modo de
pensar agir e viver.

As abordagens delineadas nesta obra não é de ca-


ráter doutrinal, não tem por prerrogativa central, a citação
de uma enorme lista de ordenação ético moral, nem tão
pouco induz sutilmente o (a) leitor (a) e/ou ouvinte do tex-
to, a agir em consonância aos ditos do mesmo. A narra-
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tiva nos termos dos dizeres desta reflexão, é um convite a


interrogação do “eu”- “ego”, como sujeito de desconstru-
ção do seu próprio ser ordinário em direção às possibili-
dades de renovação de vida, propósitos mais elevados e
nobres. Não tenho e nem pretendo ter a audácia de te di-
zer o que tens de fazer ou não no que tange a vossa vida
ministerial e pessoal. Apenas, peço licença para comuni-
car as ações de Deus, intervindo na minha subjetividade.

Quais os critérios, cenários e ferramentas que mol-


daram minhas perspectivas sobre meu passado, presente
e futuro, e o que me levou às práticas para um novo olhar
sobre o mundo envolto em suas múltiplas formas de ma-
nifestações e ocorrências mil?

Qual força ou poder me induziu a renunciar minhas


vontades particulares, pondo em meu peito o desejo ávido
de ir ao campo missionário mesmo em meio a dor e os
descasos desdenhosos dos outros que não eram minha
família de sangue? Porque me lancei numa batalha espiri-
tual, deixando de viver minha vida normal-natural bem
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como resolver muitas de minhas demandas pelas forças


de meu braço e conhecimento intelectual? Estaria eu,
nesta nova trajetória a perder meu precioso tempo ou to-
do o esforço despendido valeria a pena?

Atalhos existem. No entanto, dependendo do que


se trata e/ou das questões envolvidas, atalhos não são
bem vindos! Sobretudo se a alma realmente deseja a au-
têntica metamorfose de seu ser em direção ao novo ser.
Eu não poderia andar em novidade de vida sem antes fa-
zer morrer minha velha vida, a qual, estava mergulhada e
por demais saturada do que é comum - ordinário-natural.

Obviamente não iria me desumanizar neste pro-


cesso. Não obstante, pude constatar como testemunha
viva, como me tornei um ser humano melhor, um pai mais
presente e compreensivo, um marido mais atencioso,
cordial e mais comedido, especialmente depois das duras
experiências vividas no “vale das lágrimas”. Imagine você
ter de se fazer de forte sem ser? Ter de lidar com o des-
crédito de sua própria família da qual deveria advir o cari-
16

nho do apoio e compreensão lhe conferindo ao menos, o


senso de sentir o conforto das pessoas próximas a você
nas horas mais difíceis de seu episcopado, mas que ao
contrário, ignoram o que Deus tem com você?

Este livro vai tratar de um homem chamado para o


ministério e vivia como se todos os dias tivesse que co-
mer o “pão que o diabo amassou”! Do ponto de vista prá-
tico, havia uma fissura gigantesca entre seu ministério e
sua vida! Parecia ter todos os motivos e mais um pouco
para largar o cajado e ir fazer outra coisa que não tivesse
nenhuma ligação com vida pastoral. Por fim, o que o le-
vou a superar a si mesmo e não dar bolas para a dor e o
desdém dos outros, e, quais as condições que o impeliu
a se tornar mais forte ainda no lugar de desistir de vez?
Este livro revela a face de um líder que era “o sofrimento
em pessoa”, não apenas, mas principalmente como ele
conseguiu converter tudo isso em vitória!

Boa leitura!
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O Convite

Lembro-me como se fora hoje. Eu estava em mi-


nha inseparável cadeira de balanço lendo um livro sobre
gerenciamento de dados. O relógio marcava 13h. Eu ha-
via terminado de almoçar. Tudo o que eu queria era ape-
nas ler o livro, aproveitando aquele silêncio da sala, que
dava ao ambiente, um “certo ar” convidativo a alma a se
lançar na esteira da concentração necessária à absorção
do conteúdo, cujo assunto me pareceu bastante impar e
de uma singularidade voraz.

De fato me concentrei. Algum tempo havia se pas-


sado. Ali, naquele mesmo lugar, meu ser mesclou-se às
letras impressas naquelas páginas espessas e de um be-
ge áspero, vigoroso. Foi como se tivesse retornado de ou-
tra dimensão, quando o dito silêncio com a concentração
evaporaram-se pelo tocar do som do telefone.
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Quem estava do outro lado da linha? Peguei o tele-


fone. Era um jovem querendo me vender um plano de sa-
úde. Minha concentração havia “ido pro ralo”. Coloquei o
telefone no gancho, retornei a minha cadeira de balanço
de modo a tentar dar continuidade a leitura. Na pressa,
me esbarrei numa pilha de outros livros que estavam so-
bre minha mesa de trabalho. Obviamente tive que me
agachar para pegá-los. Não pude deixar de ver entre os
exemplares esparramados pelo chão, um pedaço de pa-
pel um tanto amassado. Desamassei o papel.

Lembrei-me de que se tratava de uma frase que


um pastor amigo meu havia escrito por ocasião de um
culto em Taipas – SP. A frase ali expressa trazia o se-
guinte teor: “pastor não é de ferro simplesmente pelo
fato de pastor também ser gente”! Fiquei por alguns
instantes olhando aquela expressão. Atentei para o for-
mato das letras escritas à caneta. Percebi, mais atenta-
mente, que eram letras feitas com o punho do sofrimento,
como quem estivera a exprimir emoções fortes, como al-
guém que se esforça para sorrir por fora tendo ao mesmo
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tempo o coração aos pedaços. Me emocionei. Eu conhe-


cia o pastor. Ele foi uma pessoa que muito me ajudou
com seus conselhos práticos, especialmente no início de
meus trabalhos literários. Pastor e Miss. Fernando Péres
Vargas.

Confesso que não mais consegui dar continuidade


a minha leitura sobre gerenciamento de dados. Minha
mente se fixou na frase do pastor. Fiquei exausto. Ador-
meci. Sonhei “um sonho forte”. “Sonho eclesiástico”! Al-
guém me pedia para escrever seu testemunho.

Como relatar o testemunho de alguém que estava


em meus sonhos? Se se tratava de sonho então não era
real certo? Mas será que existe mesmo uma separação
radical entre sonho e realidade? Será que Deus queria
me dizer algo para compartilhar com outras pessoas a
respeito de seus propósitos mais notórios, ainda mais
considerando que grande parte do que sonhei veio de
modo bem claro e significativo em minha mente!? Não sei
exprimir com singelas letras, se se tratava de uma revela-
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ção, ou se foi o resultado do “peso da comida no estôma-


go”. Adormeci na cadeira.

Pelo visto foi um sono profundo. Não posso preci-


sar em qual momento do meu sono que me vieram so-
nhos estranhos, porém, muito próximos da realidade.

Ouvi claramente o tocar do telefone. Eu estava


dormindo. “Quem estava do outro lado da linha? Peguei o
telefone. A voz, mesmo meio trêmula e rouca, vinha de
um espírito gaguejante. Voz inconfundível. Pr. Martins. A
princípio achei estranho aquela ligação. Não era comum
receber telefonemas, ainda mais em se tratando de um
pastor muito ocupado com seus afazeres.

Aliás, o pastor Martins não tinha muito tempo para


dar conta das inúmeras responsabilidades a ele conferi-
das, de modo que, conforme ele mesmo dizia, tinha de
fazer “malabarismos”, de modo a encontrar tempo além
do tempo, tendo em vista cumprir as tarefas, muitas das
quais eram de difícil resolução. Me vi lisonjeado, confesso
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que sim, aquela ligação muito me alegrou. De uma coisa


não pude calar, dado que meu espírito curioso não hesi-
tou em perguntar: pastor Martins, a paz do Senhor Jesus!
Vs.a parece estar gripado estou certo disso?

Se eu estivesse gripado seria menos mau, na ver-


dade, estou ansioso para você poder registrar em folhas
brancas meu testemunho! Testemunho? Registrar um tes-
temunho em folhas brancas... como assim pastor não en-
tendi! Quero lhe convidar a escrever um livro tratando de
parte de minha estória de vida ministerial e familiar, no
sentido de ajudar outros líderes de ministério cristão,
através desta reflexão, não procederem conforme eu pro-
cedi, não pensarem a causa de Cristo como propriedade
privada e/ou particular, mas sim como uma missão que
começa de dentro para fora.

Eu até que comecei, continuou Martins, mas de


modo equivocado. Por isso, hoje o choro e o soluço me
acompanham. Meu olhar ainda vê de modo vazio. Minha
face ainda se revela pálida e minha voz se expressa um
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“bocado” rouca. Então, gostaria que viesse em minha ca-


sa para que eu possa lhe comunicar em detalhes pesados
e pormenores singulares esse testemunho, o qual, creio
que vai ser de muita valia na vida das pessoas que o ler.
Vou lhe fazer ciente de situações difíceis que envolvem a
mim, minha família e meu ministério. Vou lhe solicitar al-
gumas ressalvas no ato da escrita é claro, pois não pre-
tendo e nem tão pouco quero ser o sujeito ativo da inten-
sificação de meu próprio sofrimento nem da minha família
a qual amo, muito mais agora do que antes.

Afinal, uma das premissas fundamentais da ética


pastoral é não fazer pesar sua própria cruz nos ombros
dos outros! Não obstante ás ressalvas requeridas, não
vou hesitar em tornar público o essencial, isto é, fazer
constar em letras e/ou por meio delas, o que acontece
quando a gente é ungido, chamado, comissionado, solici-
tado mas que não observa com um olhar mais honesto,
em que bases estão sendo edificados nossos “edifícios” e
principalmente nosso comportamento durante o processo
construtivo da vida pessoal, social e cristã. Antes que o
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pastor Martins terminasse a fala, fiquei pensativo. Então,


pedi que ele me desse um tempo para pensar. Ele retru-
cou: pense logo meu amigo... pois, amanhã poderá ser
muito tarde! Por favor, amigo e irmão em Cristo, eu lhe
peço para registrar em letras parte de minha vida pre-
gressa, não demore muito em me responder, pois, não
quero ser sepultado antes de ter registrado o que tenho a
dizer, principalmente a liderança evangélica do Brasil e do
mundo.
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“Poderia eu admitir minha culpa. Para isso, teria de fazer o


que teria de ter feito muito antes que as coisas chegassem a esse
ponto. Ter desenvolvido o senso de humanidade. Se o perfeccionis-
mo se fez presente em mim, então, me vi por isso mesmo, lançado
no caminho da imperfeição, da qual, não poderia sair nem tão pouco
posso. Afinal, a vida é essencialmente problemática. O “modi operan-
di”, satisfatórios e razoavelmente práticos seria ser prático! Ou seja,
não tentar “consertar o mundo”, e sim, administrar melhor as situa-
ções e conflitos do dia-a-dia. Se eu quisesse ser uma pessoa melhor
no mundo de meus relacionamentos pessoais, precisaria mudar ur-
gentemente meu quadro interior”.

“Então, pensativo, perguntei ao ser que comigo estava:


quando afinal meus sonhos serão realizados? O ser me
respondeu: Não te preocupes em demasia com teus
sonhos enquanto dormes, te concentre muito e muito
mais, e, com todas as forças que tens, com teus sonhos
reais enquanto estiveres existencialmente acordado!”
Senso do divino

Quando criança, meus pais me levavam à igreja.


Nas muitas e muitas aulas dominicais, ministradas por
professores amigos e irmãos, dos quais, muitos deles
ainda vivem na região onde morei no extremo leste de
São Paulo. Aprendi bastante.

Eu queria aprender ainda mais! Eu achava maravi-


lhoso o modo como o líder da congregação pregava. Un-
ção, “fogo puro”! Meu pastor, como sempre, expunha a
palavra de Deus com esmero pericial, cadência, coerên-
cia, inteligência, sabedoria e eficácia no Espírito Santo.
Eu queria ser como ele! Minha mãe havia comprado uma
pequena bíblia para mim. Bíblia simples, “da capa verde”,
ainda a tenho disposta na minha estante, as páginas bas-
tante surradas, é verdade, contudo, não nego que tenho
um apreço e carinho bastante singular e significativo por
ela. (Vers. JFAC – 1948)
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Hoje, se você vir aqui na minha casa, irá encontrar


mais livros do que móveis! Só de bíblia tenho cerca de 25
exemplares, umas seis delas são em outros idiomas. In-
glês, Espanhol, alemão, francês, grego, hebraico, latim e
mais pilhas e pilhas de livros de vários estilos e gêneros
literários. Sempre mantive a informação de que é Deus
quem capacita seus obreiros.

Uns anos mais tarde, percebi que não bastava ter o


desejo de pregar, ainda que eu estivesse cheio do Espíri-
to Santo! Eu precisaria conhecer a bíblia de modo o mais
profundo possível, inclusive estudar as línguas originais
do texto sagrado.

Dito isso, não via a hora de chegar a oportunidade


ímpar de finalmente me matricular numa escola de ensino
bíblico-teológico, a fim de mergulhar com alma e paixão,
naquele universo do qual e não pretendia sair tão cedo.
Minha mãe, infelizmente, não teve boas oportunidades de
estudo, pois, o lugar onde morou era um sítio e a escola
mais próxima ficava cerca de 9 km de distância.
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Além disso, os pais dela não dispunham de recur-


sos que fossem suficientes e que viabilizasse uma educa-
ção decente para ela. Mamãe passou uma boa parte de
sua vida trabalhando no campo antes de se casar com
papai. Aliás, foi meu pai quem a ensinou a soletrar e
aprender algumas palavras. Hoje ela lê alguma coisa,
mas ainda com relativa dificuldade.

De vez em quando, no calor de meus pensamentos


mais nostálgicos, me aparece as imagens das lembran-
ças do dia em que comuniquei à mamãe que pretendia
fazer um curso teológico.

Ela olhou para mim de jeito sério, percebi uma visí-


vel preocupação estampada em seu rosto. Você tem cer-
teza que isso vai dar certo Martins? Respondi que tinha
certeza absoluta.

Ela devolveu da seguinte forma: “certeza absoluta


só existe uma e ela tem um nome : Deus”! Embora ma-
mãe não nutrisse muita simpatia com esse meu desejo de
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estudar mais a fundo o texto sagrado, pelas vias da exe-


gese e hermenêutica, e, talvez, ela estivesse pautada no
versículo que diz: “a letra mata”, algo movente em mim
me forçava a alimentar cada vez mais a aspiração e inspi-
ração com vistas a esse propósito.

Desde meus doze anos de idade passei a ler a bí-


blia com mais frequência. Porém, muitos textos bíblicos
me vinham como se estivessem trancados dentro de “cai-
xinhas de segredos” de modo que me escapava, muitas
vezes, o sentido e/ou significado daquelas palavras.

Apesar disso, não desanimei, dado as dificuldades


que eu encontrava do ponto de vista da interpretação das
mensagens que eu lia. Hoje em dia, me vem à lembrança
essas coisas. Muitos dos textos que me apareciam por
demais obscuro, hoje, já estão delineados e bem esclare-
cidos dentro do meu coração. São incontáveis os muitos
equívocos que me afetaram naquela época em virtude do
peso da ignorância bastante presente em meu ser, o qual,
nitidamente ainda estava em processo de formação.
29

Tenho muito o que aprender ainda é claro, afinal, o


conhecimento é vasto e profundo!

Agora, muitas opiniões que me eram aceitas e váli-


das e que faziam parte integrante do de meu cabedal de
conhecimentos sobre as coisas naquela época, já não
mais se aplicam, nem tão pouco servem como referenci-
ais no que tange minhas tomadas de decisão na vida ho-
je. “Quando eu era menino, falava como menino, sentia
como menino, discorria como menino, mas, logo que che-
guei a ser homem, acabei com as coisas de menino.” (1
Cor. 13:11)

Isso não significa, contudo, meu ato ou efeito de


denegrir ou ridicularizar o que me era peso opinioso sobre
as situações da vida, da religião, da igreja nem da bíblia.
Afinal, eu estava saindo da pré-adolescência!

Aquele meu modo tortuoso de ver o mundo e con-


ceber as ideias sobre o mesmo, na verdade foram de-
graus da escada dos processos dos atos fragmentados
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do conhecer em direção ao conhecimento mais elabora-


do. Todo escritor que escreve bem, com estilo e beleza
começou escrevendo de modo tortuoso!

Todo perito sério, chegou a perícia pela dinâmica


da observação atenta dos fenômenos e causas que de-
terminaram uma dada ocorrência. Uma das melhores ma-
neiras de lidarmos com o saber do presente é respeitando
as opiniões do passado, pois, foram matrizes que, mesmo
caóticas, viabilizaram e impulsionaram as condições ne-
cessárias para o desenvolvimento e consequentemente o
robustecer do conhecimento. Não por acaso, uma das
máximas da pedagogia é: Você aprende mais e melhor
fazendo! Muitos jovens e também adultos mais velhos fi-
cam fascinados no que refere a vida ministerial de um
pastor. Por isso, se entregam de coração aos estudos,
teologia, se consagram, oram e inclusive alguns deles,
chegam até mesmo a estudar no exterior, como se hou-
vesse um certo “status quo” ou uma espécie “glamour“
chegar a posição de ministro do evangelho. Um fato curi-
oso, é que, não poucos aspirantes a esse cargo, quando
31

realmente estão atuando na área, ficam frustrados por


perceber que “status” e “glamour“ ficam bem distantes,
devido, o pesado senso do dever bem como dos desafios
que surgem pela frente, levando o novo ministro, a “ter
de por o pé no chão” e se conscientizar de que, “ a coisa
é bem mais séria do que se pensa”! No fundo, pastorear
não é para quem quer e sim para quem é chamado!

Saber lidar com pressões que vem de fora, estar


apto a fim de contornar situações desagradáveis que po-
dem surgir no meio da comunidade, ser capaz de se auto
liderar primeiro antes de liderar os outros bem como estar
disposto a desenvolver o gerenciamento das próprias
emoções de modo a “evitar que o círculo pegue fogo”! É
verdade que, mesmo se uma pessoa não tiver nenhuma
predisposição, talentos, nem perfil para liderar ministeri-
almente, mas vir a desenvolver significativo desejo a esse
fim, é possível sim, que ela possa alcançar tal feito. Afinal,
a graça de Deus é abundante e ele usa quem ele quer
para a glória e louvor Dele!
32

Levanta-te,
e desce à casa do oleiro, e lá te farei ouvir as minhas palavras.
E desce à casa do oleiro, e eis que ele estava fazendo a sua
obra sobre as rodas, Como o vaso, que ele fazia de barro,
quebrou-se na mão do oleiro, tornou a fazer dele outro vaso,
conforme o que pareceu bem aos olhos do oleiro fazer. Então
veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Não poderei eu fazer
de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? diz o Senhor. Eis
que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha
mão, ó casa de Israel. (Jeremias 18:2-6 )
33

A resistência do vaso

Sonhar é viver e viver é sonhar. A vida começa


quando se começa a sonhar. Intuir, imaginar, arquitetar,
planejar, ter vontade de, desejar e fazer acontecer.

Permitir que o espaço e o tempo tomem parte des-


ses processos todos, nos quais, o ato de vontade verda-
deira, eleva a potência do espírito ávido por mudança, a
formar e organizar ideias em prol de uma causa , de uma
bandeira, de uma cidade, de um país indo ao encontro
dos objetivos pela formação das condições disponíveis e
necessárias aos ideais propostos.

Todo ser humano em condição normal traz em si o


fenômeno da capacidade de sonhar! A criatividade com
significativa dose de emoção, dá as mãos a imaginação
do coração bem como asas as possibilidades do pensa-
mento. Abrir o pensamento para a vida, corresponde a
34

nutrir o pensamento de vida, pois, a vida é dinâmica, bela,


singular, única e indefinidamente caríssima!

Quem não sonha não vive e quem não vive está


morto! ( pois há mortos vivos que pensam estar vivos mas
na verdade estão mortos!). Se um ser vivente, portador
das condições normais de pensamento e emoção, não
estiver disposto a dar sentido e significado a sua subjeti-
vidade, é porque tem o direito de fazê-lo devido ao peso
subjacente do fator liberdade.

Liberdade é a instância que não nos condiciona por


antecipação ao dever ser e/ou ter de fazer compulsoria-
mente isso ou aquilo. Diferentemente disso, nos confere a
possibilidade da escolha! Na bíblia tem um versículo cujo
teor é muito forte: “O homem se queixa de seus próprios
pecados”! É verdade que muitas circunstâncias negativas
nos afetam de modo imprevisível. Porém, é inegável que
boa parte de nossas dores, derivam de escolhas dúbias,
fortuitas, impensadas as quais acatamos ou por luxúria,
vaidade e até mesmo por uma certa cota de preguiça de
35

modo a sopesar os prós e os contras de nossas deci-


sões. No fundo, o que a gente quer é atingir um estado de
bem estar por meio da realização do que queremos para
nós e/ou para nossa família. Queremos ser felizes!

Agora, imagine um homem que passou grande par-


te de sua vida à procura da felicidade, empreendeu muito
esforço, suou a camisa, “comeu o pão que o bicho amas-
sou”, e depois de muitos anos se deu conta de que a feli-
cidade sempre esteve do lado dele e ele não sabia! Tem
um ditado que diz: ‘a gente só dá valor às coisas quando
perde’ ( Isso é verdadeiro quando falta energia por exem-
plo). Existe um termo grego o qual traz a seguinte compo-
sição: “eudaimonia”.

Não tem nada haver com demônios! Eudaimonia


quer dizer felicidade. E quem não quer ser feliz? Bem, fe-
licidade é, em termos filosóficos muito abrangente, tem
diversas conotações, inclusive podemos nos deparar com
situações que são inóspitas e degradantes para nós, po-
rém, são causas de felicidade para quem as vive!
36

Dependendo da situação, o que é razão de tristeza


para mim pode ser razão de alegria para o outro, e do
contrário é procedente idem.

Talvez eu tenha feito confusão entre minhas vonta-


des particulares em contraste àquelas de ordens mais
complexas e profundas.

O que eu pretendia no decorrer prático de minha


vida não casava com meus sentimentos e pensamentos
mais descolados de mim, como se meu querer me deso-
bedecesse e me empurrasse às outras vias, as quais, cu-
riosamente eu desconhecia de todo. Isso foi impactante!

É muito fácil quando interagimos com um outro ser


humano. ( Não tão fácil quanto parece) Contudo, é dema-
siado profundo e intrigante quando interagimos com
Deus!” Ver o mundo em cima do pico do monte é diferen-
te de querer ver esse mesmo mundo estando ao pé do
monte. Episcopado significa lugar alto.
37

Para atingir o episcopado é preciso subir em ter-


mos de ter de escalar a montanha em meio a situações
grotescas, inóspitas e não poucas vezes ferrenhas a pon-
to de desejarmos desesperadamente parar! Paulo, o
apóstolo, salienta que se alguém deseja o episcopado
excelente coisa deseja.

De fato, coisa excelente é; mas “cousa quente


idem”! Colocar uma coisa quente nas mãos de quem não
tem o chamado e não está preparado para tal seria indu-
bitavelmente letal. Creio que você pode imaginar a aflição
que é segurar uma batata quente nas mãos.

Todo seu pensamento vai girar em torno de: “tenho


de soltar essa batata”! A lógica é simples: porque eu teria
de queimar minhas mãos? Lance agora teu pensamento
no vaso passando pela fornalha.

Depois de pronto, coloque nele quantas batatas


quentes você quiser e espere uma reclamação sequer. O
vaso vai transformar as batatas em purê de batatas sem
38

reclamar, pois ele está preparado para o exercício prático


de sua missão! Só vai para o fogo vaso útil!

A metáfora da “batata quente” e os trocadilhos


“descascar pepinos e abacaxis”, me força a necessidade
de ter de ser um vaso forte o suficiente para resistir altas
temperaturas sem trincar e muito menos rachar.

Mas seria eu tal vaso? Será mesmo que durante


todos esses anos servindo no altar me mantive intacto e
não deixei vasar o óleo da unção que sobre mim foi dis-
posto graciosamente por Jesus? Longe de mim ser cúm-
plice e muito menos autor de minha miserabilidade espiri-
tual em não dar conta do recado!

Onde retirar o índice adequado e/ou nível de po-


tência espiritual prática de um coração mergulhado em
dúvidas sarcásticas as quais não poucas vezes tinham
me visitado sobretudo nas caladas das muitas e muitas
madrugadas da vida ondular a mim divinamente concedi-
da? Constar tacitamente em mim mesmo, a fraqueza dé-
39

bil e debilitante, era perceber o ser humano que sou tão


carente e necessitado do apaziguamento de alma e espí-
rito, ao mesmo tempo, identificar idem, no seio de tal fra-
queza, a constante, inigualável e doce voz... não pare!

De rosto sereno, aparentemente calmo e tranquilo,


sendo forçado a me segurar por dentro a fim de não ser
causador inconsequente de explosões destruidoras das
almas ávidas por paz, luz, vida e amor.

Percorrer os caminhos áridos do processo intros-


pectivo a fim de dominar meus instintos mais abrasivos,
era como me ver numa prancha de surf, sem contudo,
saber surfar as enormes ondas da vida com destreza e
eficácia. Não obstante a isso, me vi desafiado a isso. Ou
seja, aniquilar o “eu” em prol do “theos”.
40

A igreja constitui a noiva do cordeiro do ponto de


vista espiritual. Ao mesmo tempo, a igreja enquanto corpo
físico tem peso social e cível. Ou seja, lidamos com diver-
sas personalidades dentro do mesmo corpo. E neste pro-
cesso, muitas vezes temos de nos policiar a fim de prati-
carmos a empatia no sentido de mantermos a mais estrei-
ta convivência possível dentro desta comunidade.

A oração, a fé, associada a uma inteligência espiri-


tual necessária, nos confere maior embasamento neste
processo. Gostaríamos sim, que as coisas fossem mais
fáceis, porém, o mundo é essencialmente problemático.
Enquanto estivermos aqui neste tabernáculo ambulante
não temos como fugir!

Em contrapartida, temos a possibilidade de usar-


mos as ferramentas de Deus de maneira que, com mais
destreza e eficiência, possamos lidar com os diversos
conflitos os quais vez por outra surgem no meio da cami-
nhada cristã.”
41

Pastor não é de ferro

Debruçar-me-ia diante da fúria do adversário o qual


desejava com todas as ânsias me engolir por inteiro tão
somente por causa da promessa que sobre mim repousa-
va mesmo antes de eu nascer ? Se assim eu fizesse, en-
tão tudo o que Deus havia reservado para mim passaria
como uma folha em branco!

Sinceramente, eu não queria ser “tal folha em


branco”! Isto é, não queria de jeito algum passar por essa
via dos sentidos existentes, sem viver na pele o peso da
responsabilidade e, ao mesmo tempo, o sentimento da
presença graciosa do pai das luzes me confortando a ca-
da dia apesar dos pesares.

Vez por outra, eu acordava de madrugada e os


pensamentos se sacudiam dentro de mim literalmente,
mostrando-me as imagens de pessoas, as quais, eu sabia
que por mim não nutriam a menor simpatia sequer.
42

Ao contrário, queriam me ver destruído, pior que


isso, algumas delas desejavam a minha própria morte! E
o mais interessante é que muitas dessas pessoas convi-
viam comigo, participavam da ceia do Senhor, comiam o
pão e bebiam o cálice, símbolos de nossa salvação. Mas
Deus me pediu calma, paciência e silêncio. Confesso que
às vezes meu corpo fervia e eu queria mudar aquele ce-
nário real com minhas forças.

Confesso, ainda, que depois de vários anos servin-


do no ministério santo, pensei em parar. Vozes estranhas
zumbiam dentro de mim dizendo: é melhor você colocar
uma bermuda e um chapéu de palha e ir pescar no rio ao
invés de ficar pescando almas no mundo. Assim, pelo
menos os peixes seriam como terapia e também como
alimento. Afinal, gerenciar os peixes da água era mais fá-
cil do que gerenciar pessoas. Pessoas são, do ponto de
vista prático, complexas. Múltiplas personalidades dentro
do mesmo corpo, cada qual possuidor de suas qualidades
em termos de características peculiares de modo que mi-
nha interação com elas careceria de uma certa perícia,
43

beirando o que poderia parecer com o que se chama de


precisão cirúrgica. Para isso, tinha de me policiar o tempo
todo no trato com os outros que estavam sob minha res-
ponsabilidade, tinha de por em andamento tácito, formas
práticas de comunicação que fossem voltadas ao cresci-
mento espiritual, social e comportamental daquela comu-
nidade cristã. Isso exigia bastante de mim. Se Jesus in-
cumbiu a mim tal responsabilidade com aquela pequena
parte de sua enorme igreja presente na face da terra, que
direito eu teria de dizer não a Jesus?
44

“Depois de tantas bênçãos alcançadas e tantas alegrias


da parte do Senhor, principalmente nos primeiros anos de meu
episcopado, porque justamente agora eu iria abrir mão de meu
ministério pautado única e exclusivamente em motivos fúteis
como picuinhas dos que “dizem ser irmãos” e os chama-
dos, “disse me disse” ou coisas do tipo: “ouvi um passarinho
contar” misturados com “bacias de fofocas por atacado” que
surgiam no seio daquela comunidade”?
45

Só existem apenas duas pessoas que conhecem


de modo mais geral preciso e profundo o significado da
vida de um pastor na prática: a primeira é o próprio Jesus,
a segunda, é a pessoa do próprio pastor!

Nem mesmo a mulher do líder espiritual consegue


captar com precisão o sentimento que ele tem ou carre-
ga no curso do exercício de seu ministério.

Dizendo em outras letras, quem está de fora, ou


melhor, quem não tem o cargo de pastor ou não exerce
função ministerial na área de liderança, costuma pensar
e/ou conceber a ideia de que vida pastoral é igual a uma
vida sem problemas, pois, parte-se do pressuposto de
que basta alguém ser consagrado ao ofício santo, e, en-
tão, logo este alguém fica imune aos ataques, conside-
rando inclusive a doutrina de que num ungido de Deus
ninguém pode tocar em termos de praticar maldades con-
tra tal escolhido. Agora, o fato é que as coisas em termos
episcopais não são bem assim! No passado eu também
nutria ideias similares a estas que acabei de expor.
46

Porém, algum tempo depois de já estar à serviço


do mestre, dei de cara com a realidade de que ser ungido
não nos confere a forma do “ homem de aço” como o “su-
per-homem” por exemplo.

Ser ungido nos confere tão somente o fato da un-


ção, mantendo portanto nossa humanidade inalterada.
Isso é, fui ungido mas não me tornei um anjo desencar-
nado por isso e nem livre de quaisquer investidas adver-
sárias!

Fui ungido mas ainda sofro o impacto da realidade


que sobre mim recai, agora, com mais intensidade do que
antes, dado a posição que alcancei em virtude da divina
graça do Senhor Jesus.

Tendo me dado conta de que não me tornei o “ho-


mem de ferro” nem o “homem de aço” por ter recebido a
unção de pastor, tive, mesmo que forçosamente, conviver
e aprender a viver o chamado de Deus em meio a lágri-
mas, dissabores e aborrecimentos diversos, os quais, in-
47

sistiam em se fazer presente durante minha jornada pas-


toral. É muito fácil e relativamente simples dizer o que faz
um pastor e como ele deve se comportar, bastante razoá-
vel ainda, quaisquer considerações a respeito de ética
pastoral do ponto de vista de sua posição como pai, pas-
tor, cidadão, marido, amigo, profissional etc.

De outro lado, é imperativamente complexo per-


mear os meandros mais sutis subjacentes à esfera dos
sentimentos de um líder de igreja, o qual, tem a missão
de estar firme, de pé e muitas vezes, simultaneamente
tentando segurar as emoções fortes, inclusive com as
próprias mãos caso isso fosse possível, tão somente para
não ver as almas se dispersarem para longe do aprisco.

Tal contraste e tais assimetrias entre o chamado


ministerial e a realidade do mundo da vida prático-
cotidianas, em termos do dever -ser e do dever-fazer, pe-
lo gerenciamento de minhas próprias emoções como lí-
der. Tendo em vista a convivência pacífica e harmônica
entre os membros da comunidade, condições adversas,
48

vieram como um balde de água fria, em cima de todas as


esperanças as quais eu procurava com terríveis esforços
manter. Confesso, foi a gota d'água! Posto isso, também
pensei: “era uma vez um cajado na mão de quem pensa-
va que era um pastor”.

Quero dizer, eu estava beirando o desânimo termi-


nal. Será que a estas alturas dos fatos, todas as promes-
sas de Deus sobre mim antes mesmo de nascer seriam
miragens ou fumaça se dissipando pelo ar? Terrível cons-
tatação é o sentimento da assimetria entre a unção e o
exercício prático pastoral.

Nunca neguei a unção de Deus sobre mim. Nunca


neguei a fé nem tão pouco pretendo fazê-lo. Também não
nego a luta que tive de empreender em oração, gemidos
e lágrimas contra um batalhão querendo me destroçar até
os ossos caso pudesse. Digo pudesse, sim, nestes ter-
mos condicionais, pois ainda estou vivo! Ferido sim, aba-
tido também, mas ainda estou de pé! Estou mancando
sim, afinal fui ferido profundamente mas a espada de
49

Deus está intacta na minha mão e especialmente guarda-


da em meu coração! Por isso mesmo, o tal balde de água
fria do qual falei, que veio se derramando querendo con-
gelar todas as minhas esperanças possíveis para sem-
pre, despertou em mim um efeito contrário, a este efeito
dei um nome sugestivo; desejo de vitória. Na minha juven-
tude todos os meus projetos não tinham nada haver com
o ministério pastoral. Meus anseios eram todos comuns,
típico da maioria das pessoas. Estudar, trabalhar, casar,
formar uma família, ter uma casa, um carro e um sofá so-
bre o qual poderia descansar, e vez por outra, ir na praia
e em tempos mais livres, por uma carne para assar num
momento de descontração com a família e amigos.

Na verdade, eu não pensava, não fazia esforço al-


gum, não sonhava em um dia estar numa tribuna expondo
a doutrina de Deus para as pessoas. Talvez, para não di-
zer muito provavelmente, minha timidez de falar em públi-
co especialmente para um grande número de ouvintes era
o que me mantinha neutro a quaisquer possibilidades de
estar à frente de um grupo de gente esperando uma pala-
50

vra de consolo, conforto, edificação ou coisa parecida.


Francamente, eu tinha dificuldade de falar até mesmo em
roda de amigos com 3 ou 4 pessoas no total. Eu era mais
reservado. Falava pouco e ouvia muito! Geralmente eu
não era inclinado a dar opiniões sobre a vida dos outros,
me ocupava mais com meus afazeres do dia a dia e sem-
pre considerava que cada um deveria cuidar de si mesmo
e que os problemas dos outros não eram meus proble-
mas e a recíproca sempre seguindo em consonância.

Isso significava que, se alguém estivesse triste ou


deprimido por quaisquer razões, eu seria a última pessoa
a ajudar em termos de uma conversa visando um conse-
lho ou uma orientação com vistas às possibilidades reais
da pessoa melhorar daquele quadro e vir a ter uma vida
relativamente normal. Creio que mesmo sem ter muita
noção disso, eu nutria a ideia de que questões emocio-
nais e/ou dramas pessoais e de família se se tratavam
de assuntos por deveras particulares e que, por isso, eu
deveria ficar no meu lugar cuidando de meu cercado sem
me preocupar muito com o que acontecia ao meu derre-
51

dor. Notadamente, se percebe que em mim não constava


nenhum perfil típico de quem seria, no futuro, líder de mi-
nistério. Eis aí exemplos práticos de que a vida sempre
nos surpreende! São reservas de surpresas e mais sur-
presas. Há uma expressão muito em voga que contém o
seguinte teor: “De onde não se espera é que sai.” Do pon-
to de vista cristão, Deus faz uso das circunstâncias da vi-
da a fim de nos revelar em nós seu eterno poder. Quem
diria que de um coração objetivamente tímido como o
meu sairia palavras de poder, transformação e salvação
dos que estavam perdidos, conduzindo-os ao reino de
Deus pela força operante do evangelho enquanto puro
poder e graça? Neste ponto, considerei ter de me expor a
um movimento objetivamente traumático como no conhe-
cido exemplo da águia no que refere ao processo de re-
novação de vida em vida ou mais vida com mais vitalida-
de. Mas como proceder nesta direção se meu corpo e
mente estavam aos farrapos mesmo sendo um ungido de
Deus? Eu havia recebido vários golpes. Estava enfraque-
cido! Foi então que num certo dia, do mais profundo âma-
go de minha alma, eis que emergiu um sonho.
52

Mergulhar em mim mesmo com pitadas generosas


de sinceridade a fim de saber quem de fato eu era, me
veio deveras contundente.

Auto reflexão para me ver a partir de um ponto de


vista muito pessoal, traria o óbvio, mas que eu não queria
admitir. Afinal, eu me policiava com vistas a perfeição!
Minhas elaborações mais concisas, me impelia a ver meu
ambiente externo organizado e, portanto, tudo teria de es-
tar no seu devido lugar.

Ao escalar a montanha de minha subjetividade me


preparei para o “salto interior”. O que de fato eu vi? Me
deparei frontalmente com o rosto de quem tinha medo fer-
renho do fracasso. Constatei um ser acuado e contraditó-
rio em termos de intenção e ação.

Testemunhei alguém construído e empossado na


égide do falsilóquio, feito aos reveses e evidenciado nas
formas obtusas dos discursos puramente formais, no sen-
tido de impedir a expansão dos ouvidos, corações e olhos
53

alheios aos meus tidos “perfeitos”! ( Caso contrário, have-


ria cura para o alheio) Por quais razões abriria mão do
“zelo” pela negação do uso abusivo da razão instrumental
enquanto condição sine qua non da manutenção da dis-
paridade entre sujeito-objeto? Me disseram que eu iria
passar por um “inferno”, mas que seria necessário caso
quisesse ver pelas lentes da exegese e hermenêutica. De
fato esse “inferno” me foi deveras terrível!

Deus me havia incumbido a falar do amor dele sem


causar dor a ninguém! Minha vontade convertida em de-
sejo ávido por justiça divina em ver ordem e progresso
social dentro da igreja. Ver a alegria da irmandade na fé,
louvor, oração e adoração, alimentava ainda mais minhas
esperanças no tocante as possibilidades da felicidade so-
cial e coletiva. Me pareceu forçoso ter de estabelecer uma
polaridade consciente entre meu saber e meu fazer em
que aquele representava minha cruz e esse minha mis-
são. Não por minha cruz pesada nos ombros dos “peque-
ninos”, antes, ajuda-los a carregar a cruz deles também
por meio dos conselhos pastorais. Não apenas passei a
54

ansiar por liberdade, me vi para além disso. Eu queria ser


também um instrumento de
emancipação de alguns es-
píritos visto que não teria
meios de salvar todos. Pois,
a maior parcela das almas
toma a escuridão como referência de vida e nisso fica ali-
enada. O conhecimento está disponível, mas nem todos o
busca. Assim como está escrito na bíblia: “Era ele a luz
dos homens, mas estes preferiram as trevas”.

No entanto, é imperativo advertir que não é justifi-


cável ultrapassarmos o bom senso. É preciso entender
que a obra de Deus é simples e se dá de modo imperioso
nos corações daqueles que o busca. Espalhar o evange-
lho em termos de divulgação não é o mesmo que espar-
rama-lo a esmo! Eu sabia que tinha de pregar a palavra, e
ao mesmo tempo, alimentava a estreita necessidade do
uso do “cuidado todo especial”, de modo que o Espírito
Santo pudesse melhor se expressar no âmago daquelas
almas ávidas por refrigério e consolo.
55

Dominando o ego

Caso você tivesse me conhecido quando eu tinha


meus 17 anos, você estaria bastante propenso a pensar
que meu futuro seria no clube do palmeiras como goleiro
ou atacante! Pois, desde cedo, tinha aprendido a admirar
o referido time de tal modo que minha casa era pintada de
verde e branco, meu chinelo também, as toalhas de mesa
e até os pano de prato! Por todos os cantos que se olhava
lá estava alguma coisa cor ou sinal lembrando o “timão do
coração”. Eu não tinha a menor desconfiança de que, um
dia, minha paixão, amor e dedicação, estariam voltados
para o reino em seus propósitos mais nobres em termos
de resgate das almas carentes de afeto, vida amor e paz.

Bem, palmeirense roxo e ao mesmo tempo com


uma timidez para ninguém botar defeito! De tão tímido
que eu era isso chegava a contagiar o ambiente! As pes-
soas ao meu redor tentavam “me consertar” dizendo que
aquela minha timidez não me levaria além, e, portanto, as
56

oportunidades passariam por mim e eu ficaria para traz!


Até mesmo quando eu ia jogar bola no campo, os colegas
de equipe ficavam preocupados porque eu não me en-
turmava e não dava nenhuma opinião do que, onde e o
porquê disso ou daquilo.

Contraditoriamente, eu era bom no gol. Me chama-


vam de “mão santa”, porque mesmo bolas mais difíceis
eu pegava. Quero dizer, minha rede quase nunca balan-
çava ante o impacto de bolas adversárias. Por esta razão
também me chamavam de: “o bom goleiro”!

Neste livro, minha ênfase não é a bola de borracha


nem de couro, mas a espada como a de dois gumes, em
que as lâminas afiadas acertaram minha alma em cheio,
me levaram a sentir, fazer, pensar e ver de modo distinto
a vida como um todo.

Até hoje, por vezes, ainda me ponho a pensar no


que Jesus me deu para carregar com esmero, zelo e
amor e como tinha de me policiar e esbofetear a mim
57

mesmo a fim de que não viesse a fazer minha própria


vontade mas sim a daquele que me comissionou a esta
missão.

E que missão! Sabia que eu não teria de defender


uma simples bandeira qualquer mas sim causas que não
eram minhas mas de Deus. Até que eu chegasse ao pon-
to no qual eu estaria pronto para tal.
58

Então, chegou o grande dia antecedido por muitos


outros dias de oração, leitura bíblica, consagração e forte
vontade de ir ao mundo e dizer o que Deus queria... Eu
estava bem na frente do es-
pelho! Neste ínterim, ouvi
claramente a voz do Senhor
Deus soprar em meu cora-
ção a seguinte sentença:
Calma meu servo, pois ago-
ra vou amassar o barro , vou
te reduzir a pó, vou eliminar
de sua substância toda a impureza. Então, vou formá-lo
com minhas mãos e vou te fazer passar pela fornalha de
modo que estejas realmente pronto! Então murmurei: eu
pensava que já estava no ponto e Deus diz que ainda vai
começar a me amassar! Todos os jejuns, orações, estu-
dos bíblicos, teologia e muitas e muitas palestras em que
participei não foram suficientes? Deus respondeu: não.

Não? E quando vai ser? Vai ser no meu tempo, as-


severou o Senhor. Fiquei aflito. Tentei digerir aquela con-
59

versa que tive com Deus a fim de captar algum sentido


que fizesse sentido para meu pobre espírito no que tange
às razões pelas quais Deus não me liberou no momento
em que julguei estar preparado para a obra!

Como de assalto, me apareceu duas palavras de


pesos pesados. Ego e aniquilamento. Porque me vieram
as palavras citadas! Lembrei do Capítulo 2 de filipenses
em que Paulo, o apóstolo de Jesus, declara: “Que em vós
haja o mesmo sentimento que houve em Cristo, o qual,
tendo a forma de Deus não tem por usurpação ser igual a
ele mas antes promove o auto aniquilamento assumindo a
forma humana”.
60

Pensei: não sou Saulo de Tarso, nem Saulo, con-


vertido em Paulo a caminho de Damasco, sou apenas um
crente da modernidade e literalmente já sou humano e se
eu for me aniquilar abaixo de minha condição natural vou
me tornar o que, um animal irracional? acho que Deus vai
me usar de acordo com os novos tempos. Meu ego preci-
sava ser refinado!
61

Ego é uma palavra grega que designa o eu em


termos humano-psicológicos. Já o aniquilamento é o ca-
minho para amortecimento das pulsões de minha huma-
nidade a fim de dar lugar a glória de Deus.

A fala de João Batista; que eu diminua e que ele


cresça tem toda relação neste processo.

Em termos práticos, minha preparação tinha que


passar pela minha destruição. Em outros termos, para eu
ser edificado em Cristo e com Cristo eu precisaria ser
destruído em termos egoístas. Reduzir a potência de
meu próprio ego afim de permitir ao meu espírito uma
maior e melhor abertura ao diálogo com o outro.

A interação harmônica entre o líder e o liderado re-


pousa no respeito às diferenças individuais entre os sujei-
tos de uma coletividade, em que, o líder lidera sem o ônus
do julgamento antecipado por preconceitos, antes, põe o
diálogo a percorrer linearmente nos trilhos da empatia ne-
62

cessária, a qual, corresponde a um dos principais fatores


de coesão social.

Então entendi. Não adiantaria muita oração, jejuns,


longas horas de leitura bíblica, cursos e/ou palestras se
eu não estivesse disposto a passar pelo processo de mu-
dança interna. Não uma mudança “meia boca”, mas sim
uma transformação radical. Daí me certifiquei do fato de
Deus ter me dito que eu ainda teria de ser quebrado pri-
meiro antes de ser reconstruído sob a ótica e a lógica do
Espírito Dele! Nosso espírito pode estar carregado de
sentimentos negativos que certamente atrapalham o tra-
balhar de Deus em nós.

No começo não interpretei corretamente a doutrina


do aniquilamento. Mais tarde fui esclarecido pelo Senhor.
Eu não poderia, caso quisesse ser um obreiro aprovado,
trair meu desejo de Deus.

Não me cabia a sensação de falta de nexo entre o


querer dele em mim e meus pensamentos que iam teimo-
63

samente em direções contrárias, de modo que me era ta-


refa árdua ter de surrar a mim mesmo, a fim de evitar o
rompimento com o autor do universo justamente a quem
eu esperava o aval para dar início ao que me foi prometi-
do ainda antes de minha concepção.

De fato, seria por demais prematuro de minha parte


contender com Deus. Na verdade é uma ação inútil. Pois,
contender com ele é perder tempo. Das duas uma; ou eu
me entrego a fim de ser trabalhado por ele ou eu me per-
co em minhas ilusões de sentido. Obviamente não queria
estar iludido, muito menos me perder no mar das ilusões.
Me iludir não, mas fazer reluzir a luz de Deus em cora-
ções escurecidos pelo pecado era o que eu mais almeja-
va na minha vida. O meu desejo de ir ao campo missioná-
rio rivalizado pelas minhas fortes emoções, me fazia per-
der o controle na hora de descascar “pepinos e abacaxis”,
isso corroía minha pobre alma aos poucos. Não podemos
negar as emoções, afinal, elas constituem partes inte-
grantes e importantes de nossa humanidade. No entanto,
uma pessoa emocionalmente descontrolada pode ter sua
64

qualidade de vida prejudicada, pois, oportunidades podem


ser perdidas e palavras podem ser mal proferidas como
flechas lançadas as quais não retornam a posição inicial.

Dizem que o tempo cura todas as dores. Isso quer


dizer que seria possível alguém esquecer uma flecha que
lançou e a pessoa atingida esquecer o golpe? Eu queria
ser um espadachim de Deus. Usar e manusear bem a es-
pada para fins de salvação, proteção, defesa, e resgate
das almas sem contudo ferir as pessoas pelo uso abusivo
da mesma espada. A espada de Deus não nos foi entre-
65

gue para ferir indivíduos mas para lutar contra os verda-


deiros adversários de nossas vidas.

Portanto, tomai toda a


armadura de Deus, para que
possais resistir no dia mau e,
havendo feito tudo, ficar fir-
mes. Estai, pois, firmes, ten-
do cingidos os vossos lom-
bos com a verdade, e vesti-
da a couraça da justiça; E
calçados os pés na preparação do evangelho da paz;
Tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis
apagar todos os dardos inflamados do maligno. Tomai
também o capacete da salvação, e a espada do Espírito,
que é a palavra de Deus; (Efésios 6:13-17) As hostes es-
pirituais da maldade as quais guerreiam o tempo todo nas
regiões celestiais.
66

Nosso pior inimigo não tem osso nem carne. É in-


visível, porém real. Basta observar o que ele é capaz de
fazer no seio de uma família, por exemplo: coloca pai con-
tra filho, filho contra pai, marido contra esposa e assim vai
promovendo brigas, intrigas e discórdias em todos os
cantos em que pode adentrar. Tudo o que eu tinha de fa-
zer para ser um promotor de paz era inutilizar as forças
dos inimigos de Deus.

Assim, eu estaria em paz no meio da guerra. A


calma e o silêncio libertavam meu espírito a expor com
mais clareza a pauta a ser seguida.

Desenvolver a habilidade do domínio próprio, Inte-


ligência espiritual, tática santa, confiança em Deus, com
vastas a mapear com destreza o terreno adversário tendo
em vista não errar o alvo, e para não errar o alvo é primei-
ramente preciso nascer de Deus, pois os nascidos de
Deus não erram! “A carne só é carne, mas o espírito é
essencialmente espírito”. (Bíblia Sagrada)
67

Dormi e sonhei

Lembro me como se fosse hoje, numa noite de


quarta feira, o clima estava deveras agradável, noite cal-
ma e serena, eu olhava pela janela de meu quarto, a lua
clara e bela. Meus olhos estavam pregados de sono.
Adormeci ali mesmo no sofá da sala e tive um sonho
através do qual minhas ponderações sobre mim mesmo,
minha família, e meus projetos de vida seriam drastica-
mente alterados.

Tal sonho não tinha a menor sofisticação, ao me-


nos pela forma como se desenrolou os acontecimentos
em meu espírito enquanto dormia.

Na verdade, revelou-se pesado demais tendo em


vista as cenas que me responderam somaticamente, da-
do o suor que escorria dos meus poros por causa da força
que eu fazia tentando me despertar como se estivesse
preso numa outra dimensão para além daquela que co-
68

nheço em forma de existência. Parecia mais uma visão do


que um sonho comum! Eu estava num canto de uma pa-
rede meio escura, parede cheia de fissuras como se ti-
vesse sido alvejada por tiros de canhão.

Eu estava sentindo muito frio. Meus cabelos por


pentear, meus olhos esbugalhados e vermelhos revelan-
do nitidamente o sentimento de medo causando em meu
pobre corpo um tremor tácito e aterrador. Me vi a mim
mesmo à direita do muro enquanto eu estava à esquerda
e não compreendia como eu poderia me ver num canto
específico se eu estava em outro diferente, como se eu
fora dois de mim mesmo! Como poderia contemplar a
mim mesmo estando fora de mim? Confesso que isso me
assustou de maneira contumaz. Me curvei a fim de en-
contrar meus sapatos postos em meus pés, mas achei
pés descalços e feridos nas pedras, as quais, não se api-
edaram de meu ser enquanto corria desesperado no sen-
tido de fugir daquele que eu acreditava vir em minha dire-
ção com fúria sarcástica afim de me devorar por inteiro.
Corri como um louco, tentei agarrar com unhas e dentes
69

travados meu escasso suspiro com as sobras e sombras


de minhas mãos gélidas e visivelmente cálidas. Quando
finalmente pensei estar de pé e protegido de qualquer mal
que viesse me afligir, me dei de cara novamente com a
parede escura. Sem perceber, senti uma mão tocar meu
ombro direito por uma das fissuras da parede. Tentei em
vão escapar.

Me contorcia na esteira da angústia estafante que


me invadiu naquele terrível e incomparável momento. Eu
queria por tudo no mundo, sair daquela situação o mais
rápido possível. A mão por ora desconhecida foi mais for-
te do que meu desespero. Àquela sensação estranha, me
“colocou contra a parede” da dor malogra, forçando os
pueris resquícios de meu juízo mergulhado em meu sen-
so quase raso de morte.

Naquele instante miseravelmente eterno, como se


eu tivesse sido violentamente posto em brasas vivas a
ponto de ficar fora de si e sem que eu pudesse ver ao
menos o rosto daquele que me prendia. Então, meus tím-
70

panos foram sensibilizados pelo som suave e sereno de


uma voz que dizia: Por quais razões tentas tu fugir dos
planos que sonhei para ti? Porventura tu conheces real-
mente qual será o desfecho dos projetos que desenhas-
tes para ti mesmo, pautados e delineados nas profunde-
zas de teu ego? Saiba que a maior parte dos perigos de
morte que passastes até o dia de hoje são ignorados por
ti, pois fui eu quem te livrou. Enquanto tu dormia em teus
sonhos naturais, eu estava sempre ali do teu lado, ouvin-
do o som do teu respirar e as batidas de teu coração.

Me percebi aturdido, constatando ao mesmo tem-


po, que sobre mim foi lançado de propósito, correntes en-
cadeadas e algemas como se fossem feitas de diaman-
tes, as quais, trancafiaram por impacto contundente,
meus braços e pernas. Desfaleci.

Aparentando estar aos farrapos, cansado aos mon-


tes, não podia mais cogitar portanto quaisquer possibili-
dades factíveis de fuga aparente. Os minutos passaram
depressa. Não percebi o tempo. Quero dizer, o tempo ali
71

corrido não era o mesmo dos meus conhecidos existenci-


almente, mais que isso, me pareceu ser o tempo da eter-
nidade. Acordei. Mas não foi um despertar para o cotidia-
no ainda. Ou seja, eu estava desperto, porém, não havia
saído das cenas daquele sonho o qual insistia deveras
em se fazer presente no seio de meu sono profundo. Nes-
te ínterim, enquanto dormia, finalmente vi aquele que
pensei ser meu opressor. No entanto, o rosto dele me era
ainda alheio. A parede esburacada não estava mais ali.

O lugar onde me dei conta de mim era diferente,


menos hostil, aparentemente calmo. Perguntei ao ser que
estava de pé ao meu lado _ Quem é você e que lugar é
este? Onde estamos? O ser me respondeu: este lugar é
de onde emergem todas as formas de pensamentos, pla-
nos, intentos e projetos dos homens que estão do lado de
fora. Sem entender ainda, indaguei: fora de que?

O ser me disse: “quem está do lado de dentro não


pode vir para fora sem fazer uso dos elementos de fora
afim de se manifestar em imanência, e quem está do lado
72

de fora não pode vir para dentro sem primeiramente ter


seu tabernáculo entrado em processo de dissipação inte-
gral. Aquele ser falava comigo como se eu entendesse
tudo o que ele estava dizendo sobre situações internas e
externas. Da boca dele pude ouvir algo do tipo: “o que te
digo agora tu obviamente não entendes mas entenderás
depois”! Eu estava deitado na areia aquecida pelo sol, pa-
recia areia perto de uma praia.

Então ele me disse: Levanta-te venhas comigo,


pois tenho coisas firmes e profundas para te mostrar, coi-
sas as quais tu ainda não cogitas, mas te serão muito
úteis quando estiveres envolvido ativamente nas causas
intrínsecas de meu ministério a ser realizado em ti.

Nos pomos a caminhar a passos lentos. No come-


ço, maravilha, fácil de se caminhar em terreno plaino. Mas
ao chegar ao pé do monte me vi desanimado pois o
mesmo era muito alto e íngreme. Não me veio a menor
vontade de iniciar a subida. Senti o peso do cajado do ser
estranho bater em minhas costas meio forte.
73

Como tu pretendes chegar ao episcopado... de he-


licóptero? Queres certificar tua unção subindo ao monte
dentro de uma cabine com ar condicionado e água fres-
ca? Não penses tu que minha obra é realizada com sol-
dados despreparados e fracos de espírito!

Tenho de te esmerilhar a fim de retirar as rebarbas


que te impedem de ter a menor noção de meu querer e
de minha perfeita vontade, tenho de arrancar os teus
olhos de carne e por no lugar deles olhos de fogo de mo-
do que possas ver para além de sua pequenez e frugal
insignificância cósmica. Teimoso, murmurei: “porque as
coisas tem de ser tão difíceis se existem modos e cami-
nhos mais fáceis de chegar ao objetivo?

Porque preciso me esforçar nas vias lineares e


maçantes da vida se posso desenvolver medidas e ações
exponenciais a fim de ganhar tempo o qual é inclusive fa-
tor caríssimo”? A cajadada nas costas foi mais forte dessa
vez. Então caí desmaiado. Ao me recompor depois da-
quela, “não sei se poderia chamar aquilo de bendita pan-
74

cada”, ainda estava meio zonzo, meus olhos mostravam-


se um tanto apagados de modo que enxergava pouco.

Andava tateante tentando me apoiar entre os ga-


lhos secos que encontrava, a medida em que me pus for-
çosamente a escalar a difícil e intrigante montanha áspe-
ra, composta por rochas grandes médias e pequenas,
somadas a milhares de outros pedacinhos de pedras, pe-
daços destas as quais me faziam por vezes escorregar e
tombar feio, feridas mostravam-se visíveis por várias par-
tes de meu corpo vil. O ser que estava comigo dizia: con-
tinua o processo, está dando certo! Terás algumas que-
das, mas faz parte do plano preparatório... se parares
agora não serás capaz de gerenciar seu eu próprio, não
terás meios qualitativos para se conter quando necessá-
rio, não saberás suportar a dor e o desdém dos outros
que não sabem o que saberás, nem tão pouco tem o que
tu terás, se não passares pelas duras lições que tenho
para ti, não disporás do ato de amor a alteridade nem a
comunidade para a qual quero lhe enviar. Tenhas cuidado
impar com teu coração. Te revistas abundantemente da
75

humildade, pois, de nada irá adiantar tua preparação sem


refrear teu ego. A prepotência e a altivez irão te perseguir,
mas você precisa ser forte e resistir para não pores tudo a
perder!

Enfrente seu próprio medo, lute contra tua ignorân-


cia espiritual, beba a água da verdadeira fonte que lhe
confere vida e vida com abundância, ponha teus joelhos
no chão e peça por sabedoria pois esta do alto vem. “E,
se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a
Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em
rosto, e ser-lhe-á dada”. Tiago 1:5. Ao subir cerca de
15% da montanha, vi entre as rochas, uma fenda enorme
que dava acesso a uma caverna aparentemente úmida e
escura. O ser que me conduziu aquela luta ferrenha, o
qual comecei a vê-lo agora como meu mentor espiritual,
sugeriu para que eu entrasse na caverna. Perguntei: vou
sozinho? Sim, irás só, mas ficarei de longe observando
seu comportamento no meio das trevas que irão lhe cobrir
por inteiro. Trevas porque? Perguntei de modo calado pa-
ra mim mesmo. O mentor escutou a fala silenciosa de
76

meu espírito fatidicamente perturbado e inquieto, devol-


veu a resposta em forma de ironia socrática:

Te porei um bocado de trevas a fim de testar sua


resistência em face do sarcasmo fático e cruel da vida
presente. Permitirei aos pássaros de morte voar sobre tua
cabeça a fim de provocar-lhe a busca da defesa contra
seus adversários mais sutis. Ficarás preso pelo visgo im-
pregnado de lama no meio da cova escura e então cha-
marás pelo meu nome a fim de que possa socorrê-lo.
Ventos de morte sopraram naquela noite fria de doer.
Tempo vorazmente tempestivo.

Procurei por ti e não te achei. Me pusestes neste


buraco cujas paredes são feitas de solidão desdenhosa e
vazio geral. Minha alma secou-se em face da opacidade
que tirou sem dó nem piedade meu senso visual.

Tudo me veio na forma de um breu com sinal de


escuridão tal, de modo que eu me esmurrava feito um
neurótico, a fim de “criar coragem”, de modo a viabilizar
77

as possibilidades de deslocamento possível para a outra


banda que me pareceu mais segura em contraste as
agruras que eu estava vivenciando friamente na pele ali
mesmo. Não pude me deslocar.

O alívio de uma alma saturada de pesar não veio


no instante em que mais desejei que viesse. Como se não
bastasse, os pássaros de morte dos quais o mentor refe-
riu, vieram mais violentos e poderosos do que pensei. Vi a
morte de perto. Piadas, deboches e risos desdenhosos
ecoaram ao fundo da caverna.

O “sangue subiu a cabeça”, meu rosto avermelhou-


se de fúria e desejo de vingança. Como poderia me mexer
se eu estava preso na lama força e peso fazia meu corpo
ficar contorcido dado a força que eu fazia por mim mesmo
na tentativa deveras frustrante por querer muito sair dali?
Foi aí que clamei pelo nome dele. Se ao procurar um cor-
rimão no qual possa me escorar não o encontro nem
mesmo os degraus a fim de firmar os meus pés, cairei en-
78

tão definitivamente no precipício? Meu corpo está prestes


a ser engolido por essa areia movediça!

Agora, se porventura meus olhos mesmo míopes


podem alcançar o pico da montanha, a pergunta que fica
no ar é: de onde virá o socorro? O eco do que pareceu
ser minha última interrogação foi forte. O silêncio que se
seguiu por alguns minutos foi interrompido por um outro
eco vindo da outra banda; teu socorro vem de dentro!
Questionei : dentro de que ou de quem? A voz continuou:
Deus implica interioridade pura! Por isso, se queres solu-
ção ela vem de dentro! Mentor, você está aí? Foi você
quem disse estas palavras? Deus está dentro de que e de
quem? E como faço para acessá-lo de modo que possa
finalmente calar meus adversários? Mais uma cota longa
de silêncio se seguiu. Um fosso de desequilíbrio mental
me invadiu, me vi engolido pelo meu próprio ego, dali não
tinha como sair sem me valer de um auxílio especial ex-
terno, tendo em vista todas as possibilidades de resgate
possível terem sido esgotadas, ao menos sob meu ponto
79

de vista. O escuro e o silêncio foram demasiadamente


aterradores.

De corpo preso pela lama, não tinha portanto mo-


vimentos possíveis de auto livramento. O que me havia
restado era o reflexo de mim mesmo. Sob a égide do co-
gitar de meu espírito tudo o que eu tinha de fazer era es-
perar. Mas esperar quem e o que? Sinceramente, nessas
alturas dos acontecimentos eu estava contando com um
verdadeiro milagre! Foi neste ínterim que me lembrei de
Sansão. Preso às colunas, e sem os olhos para ver, alvo
de cuspidas, chacotas e risadas debochadas, sua única
saída era clamar pelo dono do universo. Nisto ponderei,
nisto pensei reflexivamente e concluí que minha briga não
era contra a carne e o sangue mas sim contra as hostes
espirituais do mal.

Meu interior foi sacudido com três palavras de cali-


bre pesado: sabedoria, conhecimento e inteligência. Sa-
bedoria para discernir bem a situação, conhecimento para
agir bem na situação e inteligência para gerenciar bem e
80

estrategicamente as ações tendo em vista a viabilidade


da solução pelo caminho mais sensato possível. Sendo a
vida essencialmente problemática, não saber agir com as
ferramentas adequadas e necessárias de Deus e em
Deus, é por mais problemas onde já tem muitos proble-
mas. Não fomos chamados para espalhar e sim para jun-
tar, instruir os novatos na fé, sendo canal de bênçãos pe-
los vieses da consolação, exortação e edificação. Se não
mergulharmos no universo interno de Deus e olharmos
apenas para fora de nós mesmos, iremos ficar presos pe-
las aglomerações da vida apenas no aspecto social políti-
co e cultural e teremos, em função disso, extrema dificul-
dade do ponto de vista da interação com o outro devido
as famigeradas diferenças de personalidades típicas de
cada sujeito inserido no tecido social cultural e histórico.
Do mais profundo abismo clamo por ti. Porque não me
ouves? Permitistes que tal situação malogra e saturada
por inteiro de sarcasmos viessem testar meu pobre ser,
quando isso terá um desfecho plausível? Minha alma ge-
me de dor e frio intenso, neste meu presente momen-
to. Por qual razão te mostras indiferente e tão distante de
mim? A exaustão me afetou sobremaneira, enfraquecido
81

estou, rogo por teu refrigério santo, solicito por uma tré-
gua ou irei desfalecer em definitivo! Bastante tempo havia
se passado e eu ainda estava ali na obsolescência obtusa
de minha finitude. Simplesmente atolado. Agora, não sei
explicar com razoável acerto como a virada de paradig-
mas se deu apesar daquele cenário estupendamente in-
fernal!

Não sei expor em simples palavras como aquela


força vital emergiu, me levando a negar e não dar bolas
para minha própria dor. Pois, busquei do fundo de minhas
entranhas por meio dos últimos resquícios de suspiros os
quais ainda me mantinham acordado, um certo pedaço
possível de força vital. Entrementes, no meio do núcleo
central das trevas, promovi um esforço tremendo, terrível
e por demais doloroso. E eis que consegui finalmente de-
satolar o braço direito daquele lamaçal sem igual.

Ao erguer o braço, eis que minha mão agarrou um


galho o qual estava preso a parede de pedra. Então, as
esperanças renasceram! Imagine caso puder, como é ten-
82

tar puxar para fora um corpo pesado com a força de um


único braço agarrado a um galho seco, ainda mais, es-
tando o resto do corpo, coberto por quantidade significati-
va de lama visguenta e de substância estridentemente
implacável!

Com a chegada das esperanças, mais uma vez


chegaram também os pássaros de morte. Com suas gar-
ras afiadas, feriam os tecidos de minha face de modo que
o sangue escorria. Sangue, medo, escuro, desdém, pia-
das e risadas debochadas de seres que acreditaram e
ainda acreditam piamente na minha desistência e derrota
total.

Fui lançado contra a parede do escárnio ferrenho,


em praça pública me vi em estreito estado nu, desprezível
e estonteantemente embebido da vergonha descarada e
deveras implacável, me vi como quem estivesse prestes a
ser engolido por serpentes peçonhentas e saturadas de
veneno mortal. Qual a alma neste mundo conseguiria tra-
duzir em letras garrafais, todos os processos pelos quais
83

passa, aquele que foi chamado afins de pôr a face em pe-


rigo e tudo o mais em sua frugal vida, tudo em função de
causas nobres que vão muito mais além dos meros proje-
tos existenciais e/ou puramente humanos-materiais?

Quem nesta vida passageira poderia cogitar ao


menos, as sombras de um coração missionário, avivado
pela fé, amor e graça, com vistas ao empreendimento,
crescimento, vitalidade, harmonia, consolidação e inte-
gração do povo por meio da palavra pregada? Em minhas
modestas, porém, inquietas e intrigantes reflexões, ficava
por vários minutos como se estivesse fora do meu eu
próprio. Meus juízos mais profundos, geraram arrazoa-
mentos sobre como Deus tem, em suas razões divinas,
múltiplas formas de agir e trabalhar com o barro.

Vir a ser um vaso de honra é uma verdadeira hon-


ra! Mas a glória não é do barro, principalmente quando
ele tem a forma de vaso! A lógica mais óbvia do vaso é
que ele serve. Serve para colocar algo dentro. Ao se colo-
car um conteúdo dentro dele tal não é dele, mas de quem
84

colocou o conteúdo nele! Isso significa que os dons que


estão em nós não são nossos mas de Deus! Por isso que
o versículo da bíblia não é : desperta o “teu dom” que há
em ti mas sim o “dom que há em ti”.

“Por esta razão te lembro que despertes o dom de


Deus, que há em ti pela imposição das minhas mãos.
Porque Deus não nos deu o espírito de covardia, mas de
poder, de amor e de moderação”. (II Tim. 1:6) Como mi-
nha índole e hábitos de personalidade precisavam ser
trabalhados nos moldes do Espírito de Deus, era impera-
tivo eu estar alinhado a estes propósitos. Pondo em ou-
tras letras, para que meu espírito pudesse ser fortalecido
e eu pudesse trilhar o árduo caminho da autonegação em
prol dos propósitos divinos, tinha de estar à disposição do
trabalhar dele em minha vida.

Considerando o versículo citado, “Deus não nos


deu o espírito de covardia mas de poder”, necessitaria eu
alcançar tal poder em virtude desse alinhamento espiritual
imprescindível a minha formação e preparação ao minis-
85

tério. A conhecida expressão bíblica; Eis me aqui envia-


me a mim, revela nitidamente tal disposição.

Não tentar interromper Deus. Pois, a Deus nin-


guém interrompe e nem tão pouco pode interromper! No
entanto, eu como sujeito de liberdade e embebido de li-
berdade, poderia resistir a voz do Espírito Santo indo na
contramão do que ele havia sonhado para mim.

Agora, um fato é incontestável, não obstante ter o


conhecimento de minha liberdade e claramente as possi-
bilidades de desvio de rota bem como os caminhos dis-
poníveis e as possibilidades não obstruídas de fuga feito
Jonas, não teria, nem tão pouco tenho, a menor ideia do
tamanho do preço que eu iria pagar pelo ato da negação
consciente do que teria que fazer com relação ao manda-
to divino. Bem, diante de mim ficou essa lacuna que me
fez pender ora para um lado ora para outro.

Melhor dizendo, Ou eu daria ouvidos a voz de meu


ego preocupado com minhas deficiências óbvias como
86

falta de coragem, medo, timidez e desejo de não atender


ao chamado de Jesus, ou eu me poria definitivamente nas
mãos do mestre dos mestres e deixaria ele me usar se-
gundo sua vontade e querer.

Ali, sentado naquela pedra, e, ao mesmo tempo


deixando meus pés ser banhados pelas águas salgadas
da praia, de braços cruzados e com meus olhos voltados
para o horizonte daquele lindo fim de tarde, meditava e
meditava sem parar nestas coisas.

Faço ou não faço? Vou ou não vou? Se cuidar de


mim e da minha família já dá trabalho, imagina então ter
de cuidar de um rebanho composto por muitas pessoas
umas diferentes das outras? Em minha meditação imagi-
nei Paulo, o qual impondo as mãos sobre Timóteo dizia:
“desperta o dom”. Isto é um imperativo para ninguém co-
locar defeito! Tal, sugere uma ação consensual por parte
do interlocutor em termos de reciprocidade e adesão à
proposta imperiosa. Constatei em face desse pensamento
o seguinte: há coisas que Deus faz e coisas que a gente
87

tem de fazer. Deus já me chamou e já me incumbiu certo?


Então falta eu despertar o dom em mim já posto e parar
com esse mau hábito de ficar me pondo o tempo todo em
lugar de vítima! De todos os meu grandes problemas cer-
tamente a maior parte deles foram e são causados por
mim mesmo! Não posso deixar que situações e/ou even-
tos externos me incomode a ponto de perder o foco, a fé,
a esperança e o amor a vida nem as pessoas da vida en-
quanto o meu dia ainda brilha.

De certa forma, esse meu medo do desconhecido,


medo de ter medo, medo de errar e errar feio, principal-
mente medo de ferir os outros com minhas palavras e ati-
tudes, também contribuíam para essa pseudo justificativa
de minha resistência. Justificaria eu minha própria fraque-
za? Atribuiria razões lúcidas e coerentes a sentimentos de
medo e portanto ausência de coragem, a qual insistia em
se fazer presente em minhas experiências subjetivas? Pa-
ra desbravar eficazmente sobre o mal pelas vias do po-
der do espírito, como diz Paulo: “ espírito de poder”, seria
crucial eu mesmo me dar conta disso e viabilizar pela fé,
88

amor e esperança tal abertura! Eu não teria justificativas


minimamente plausíveis indo na contramão de tal poder!
Se a mim o poder foi dado, então qual a lógica do medo,
sentimento de fraqueza e complexo de inferioridade
mesclado ao senso raso de vítima?

Então, no lugar de procurar a vítima em mim mes-


mo e nos outros, eu tinha de focar unicamente no poder
de Deus, para lutar contra as hostes da maldade, as quais
são as entidades que guerreiam o tempo todo no núcleo
central das regiões celestiais e que são as instâncias ver-
dadeiramente responsáveis pelo mal no mundo.

Me veio, por causa dessa reflexão, um princípio


chamado de "o princípio do espírito acordado”. “porque é
sabido que há espíritos que dormem", espíritos dormen-
tes e espíritos despertos. Tolo é quem dorme.

O sábio também dorme, porém sempre com um


olho aberto! Enquanto a frugalidade de meu espírito esta-
va em evidência eu estava dormindo. Frugal é uma termi-
89

nologia que dá ênfase a atitudes infanto-juvenis. Quando


eu iria crescer então, e, portanto, entender a dimensão do
eterno querer do ponto de vista do fazer e do operar de
Deus em mim?

Na verdade, eu só poderia crescer e me tornar po-


deroso em Deus caso tomasse a vitamina do Espírito de-
le! Tornar-se poderoso em Deus não é ser necessaria-
mente igual a Deus. Pois não há ser igual a Ele!

É terminantemente inegável que Deus é um “ser


especial” de instância e natureza estritamente interna.
Nestes termos, salienta-se que poderoso em Deus é
aquele que manifesta e só pode manifestar na imanência
o querer e a vontade daquele que envia o vaso, a cumprir
na terra seu mandato divino. Isto é, a manifestação dos
valores do transcendente na imanência, em que, o pri-
meiro, não sofre quaisquer resquícios de variação e o se-
gundo é movido e só se move por causa e em função da-
quele que não é afetado pelos ordinários e múltiplos fe-
nômenos das variabilidades têmporo - espaciais. Então eu
90

disse: Deus é infinito e eu sou apenas uma ínfima parte


de uma pequena gota d'água no fundo de um balde.

Assim profetizou Isaías: “Na verdade todas as na-


ções do mundo são como uma gota d’água num balde,
como um grão de poeira na balança; o Eterno carrega as
ilhas distantes como se fossem grãos de areia”. Isaías
40:15. Sempre que me ponho a ler o texto sagrado, entre
as narrativas que mais me atraem, são as que se referem
a vida de Paulo. Já imaginou ser imitador de Cristo? Tra-
zedor das marcas de Cristo no corpo?

Ter a mente de Cristo? Sofredor de dores de parto


por Cristo? Se fazer de grego, de gentio, de criança pelas
causas de Cristo?

Nisso me concentrei deveras, me pondo a refletir


por períodos às vezes delongados. Se Paulo não era
Cristo e se comportava como se fosse pela imitação, sen-
do ao mesmo tempo um ser de carne e osso assim como
eu e todos os demais viventes humanos, quais as barrei-
91

ras impeditivas a me tornar um Paulo em plena moderni-


dade tardia? Alguém poderia cogitar que a época em que
Paulo viveu foi marcada por grandes sofrimentos e perse-
guições, problemas de ordem sócio-políticas, invasões, e
desordens de todo tipo. Com isso, se justificaria o fato de
Paulo, o apóstolo dos gentios ter maior resistência psico-
lógicas e físicas, bem como seus contemporâneos, do
que nós viventes dos tempos modernos, em que, apesar
dos inegáveis problemas humanos hoje, e em diversos
sentidos, a justiça, o direito, às liberdades e as leis de
proteção social humanas são, “apesar de imperfeitas e/ou
incompletas”, mais pomposas e tácitas do que àquelas
típicas da antiguidade. O apóstolo dos gentios não era de
modo algum masoquista. Esse homem, o qual trazia na
carne (um espinho), não sofria porque era indiferente, não
passava dissabores deletérios por gosto próprio, mas sim
por causas superiores à sua pequenez. A propósito, o
nome Paulo significa pequeno em termos gregos! Na sua
pequenez, marcada pela obediência e entrega devocio-
nal, casada com uma profunda humildade claramente es-
tampada em sua alma, corpo e espírito, esmurrava o pró-
prio corpo buscando na medida do possível, desobedecer
92

este em prol à obediência maior, mais nobre e magnífica.


Fazer enfermar a mim mesmo em prol da causa dele,
pontuava esse caminho, Paulo de Cristo!

Delongadas horas e por diversas vezes eu pensa-


va nisso. Ser como Paulo talvez, mas conseguiria eu viver
assim como Paulo viveu?

Sendo minha índole, hábitos, personalidade meio


que não muito adequados à sociabilidade razoavelmente
tida como normal, e, também, dificuldades de me expres-
sar em público por causa da já citada timidez, me expor
as multidões me seria bastante desconfortante, dado
que concretizava e confirmava tacitamente o fato de “ser
mais reservado e comedido”. Eu não me via como arauto
do povo, muito menos um episcopal com propósitos espi-
rituais-religiosos. Pensar em Moisés e em Paulo entre ou-
tros condutores de multidões, era como estar pensando
literalmente em homens mergulhados no caldeirão do so-
frimento tácito e abrasador! Eu tinha de ter sim, e por isso
mesmo, reservas de espírito a fim de interpretar o cha-
93

mado de Deus, e, ao mesmo tempo, tentar desatar o nó


que me mantinha preso nas teias de uma certa ignorância
desmedida e desconcertante. Condições assimétricas en-
tre o querer dele em mim e o meu querer por mim mes-
mo, em termos de manter uma vida normal não condicio-
nada às causas pastorais me afligia sobremaneira.

Além do mais, minha inclinação a leitura bíblica,


oração, jejum e consagração, não tinham relação alguma
com a vontade de ser pastor! Tudo o que eu queria era
apenas exercer uma vida cristã em termos ético-morais, ir
a igreja e me ver como mais um “membro de banco”, isso
é, ir lá, nos dias de culto, exclusivamente para receber a
palavra, sem me preocupar em ser o sujeito ativo do dis-
curso, o qual, um dia iria ser um “trazedor da palavra”,
afins de aliviar os corações afligidos pelos dramas e con-
flitos do dia-a-dia. Confesso que tentei entender Deus.
Certamente eu não o compreenderia. Porém, ele me co-
nhecia e me conhece muito bem, pois ele sonda não ape-
nas o meu, mas todo o coração em termos dos seus in-
tentos mais sutis e profundos!
94

A vida tem lá suas surpresas. Passamos por situa-


ções corriqueiras em que o cotidiano apresenta as idas e
vindas das pessoas simplesmente ocupadas com seus
afazeres, trabalhos, projetos, aspirações, sonhos e inten-
ções das mais variadas possíveis.

Muitas vezes, as circunstâncias nos dizem não, e,


então, algumas, senão muitas de nossas expectativas,
são frustradas em função de nossa subjetividade prática
em termos de vivências e interações pessoais-
interpessoais serem dadas em fluxos não lineares e for-
temente marcados pelos vieses contingenciais da própria
vida, que não tem, sequer, o menor propósito de nos in-
formar qual será o cenário mais alegre, feliz e promissor
do amanhã. Como havia pensado na vida de Sansão, em
seus piores momentos, pensei também na vida do rei Sa-
lomão, em seus piores momentos, sobretudo a partir das
ocasiões dúbias e sarcásticas em que muitas de suas mu-
lheres o levam a se afastar de Deus.
95

Num momento, Salomão é o sábio e famoso por


sua sabedoria. Num outro momento, Salomão está só,
pensando que tipo de tolice o levou a tomar certas atitu-
des. As falas, nem sempre a força é do forte, não é todos
os dias que a sabedoria mora na casa do sábio, e que
nem sempre a vitória é de quem chega primeiro, faz o sá-
bio se dar conta de sua finitude e efemeridade existencial.

Em vista disso, com o corpo alma e espírito, o sá-


bio abraça a humildade do saber que, a vida, se dá nos
trilhos das contradições em que numa dada ocasião você
ri, e em outra você chora. E o coração fica mais próximo
do céu, quando se aceita a notícia que abaixo do sol tudo
é vaidade e aflição de espírito. Na doutrina do tempo, Sa-
lomão pontua que tudo tem seu lugar no tempo e que ca-
da pedaço de tempo é rasgado para se dar lugar as pró-
ximas ocorrências de eventos dentro e no tempo. Ou se-
ja, não se pode rir e chorar ao mesmo tempo, como tam-
bém não se pode ficar acordado enquanto se está dor-
mindo!
96

O rasgar do tempo não é o passar do tempo, mas


sim a mudança do estado das coisas e situações tempo-
rais em que uma ocorrência é substituída por outra. O dia
é contraditório à noite e a recíproca segue na mesma li-
nha. Sansão, Salomão, Davi, Moisés, Abraão, Paulo o
apóstolo idem. Todos tiveram suas contradições. Como
seres finitos, estavam atrelados às condições não lineares
da vida e propensos a serem afetados por circunstâncias
e imprevisibilidades. Contudo, todos tinham a fé e espe-
rança depositadas em Deus!

Então, eu não precisaria alcançar primeiro a perfei-


ção para finalmente começar a fazer a obra. Tudo o que
eu tinha que ter era tão somente a fé, coragem, esperan-
ça e um certo preparo. Não quero dizer que eu teria de
estar perfeitamente preparado, mas estar razoavelmente
preparado com vistas a atingir a perfeição! Um detalhe, a
perfeição só se atinge quando se entra para dentro em
definitivo! Do lado de fora não existe perfeição, mas tri-
lhas, lutas e batalhas para chegar lá!
97

A verdadeira perfeição é isenta de contrariedades,


por isso, a única data que aparece como não passível
e/ou não suscetível de contrariedades tem o nome de dia
perfeito! Alguém bastante instruído, poderia questionar o
raciocínio da importância de se ter um certo preparo para
atuar no ministério pastoral. Isso poderia acontecer diante
da máxima que diz: Deus não escolhe capacitados mas
capacita os escolhidos!

Na verdade, Deus capacita tanto os capacitados


quanto os não capacitados! Todos tem uma certa cota ou
nível de potência a ser elevado em condição de ato ou
efeito pelo exercício dos dons e talentos! Tudo no univer-
so é regido por leis determinadas. Uma semente de laran-
ja, por exemplo: carrega elementos em potência cujo
efeito, se, submetidos às leis necessárias, transformarão
aquela semente numa laranjeira. No entanto, se a força
do vento jogar essa semente no meio das rochas, certa-
mente a semente não cumprirá os propósitos elementares
de sua natureza, pois faltarão às condições indispensá-
veis à sua germinação, formação e crescimento. Fatal-
98

mente a semente irá se queimar e apodrecer no meio das


pedras. Do mesmo modo, não basta saber que disponho
de dons e talentos em potência dentro de mim, é preciso
eu cuidar desse potencial levando-o a ser trabalhado com
esmero e zelo de modo que a obra Deus seja executada
com destreza e eficácia! Deixar os ventos do mundo es-
palhar as sementes postas por Deus em meu coração,
implica fazer as oportunidades passarem sem uso efetivo,
ficando minha vida como uma folha em branco!

O tempo passou, cruzei os braços, negligenciei o


que havia recebido do Senhor. Então, passei a morrer aos
poucos à medida que os dons de Deus definhavam-se
dentro de meu ser. Por quais razões iria eu não deixar
Deus trabalhar em mim? Imaginar o quase fim do dia, e
minha folha ainda estava em branco simplesmente por
que não dei lugar para Deus escrever minha história!

Eu estava prestes a entrar para dentro, tendo mi-


nhas mãos vazias! Uma boa parte do meu dia já tinha
passado. E agora? Já tenho uma certa idade, isso faz
99

piscar a luz vermelha, como quem está dizendo: tem de


ser agora ou então nunca mais! Ou eu assumia de vez o
episcopado, ou eu sairia de vez do mundo e… era uma
vez alguém que foi quase um pastor e só não foi porque
teve medo infantil e, por isso mesmo, deixou o tempo
passar sem sequer a esperada missão iniciar.

Cedo saí de casa e estou ciente de que cedo volta-


rei para lá. No dia em que retornar para o mesmo lugar de
onde vim, sei que a porta irá se fechar, então, nunca mais
haverá, outra oportunidade singular parecida ou igual a
que tenho agora. Tudo o que tenho é o meu ser sendo no
tempo e pela imbricação permissiva dos espaços que me
acolhe e me permite as possibilidades factíveis de
ser, fluir e se mover na dinâmica do que é dado em ter-
mos relativamente críveis.

Enfim, não havia acordo. Não tinha o menor cabi-


mento eu negar a realidade que apareceu bem diante de
meus olhos, ouvidos e mente. A decisão carece de luci-
dez, Tenho de recobrar meus sentidos e fazer uso prático
100

do imperativo paulino - despertar o dom dentro de mim, e


por a andar o mais rápido que puder, as condições e mé-
todos precisos a aplicabilidade do que a mim foi divina-
mente incumbido.

“Da obtusidade sádica do meu ser, meu ser ia sem fazer uso
adequado do de-
ver ser para mim e
para o outro. A
alteridade deveria
ser meu foco em
termos de amor.
Almas de Deus
espalhadas no
mundo. Eu contido
em mim mesmo,
como num casulo,
como na caverna
do narcisismo cí-
nico despretensio-
so. Tinha de surrar a mim mesmo. Claro que sim! Afinal, eu tinha
“culpa no cartório”, como atuaria e poria a mão no arado sem aparar
primeiro as arestas que engordavam minha pujança tênue e exacer-
badamente declarada em minha face? Difícil imaginar ter de recupe-
rar o tempo perdido. Mais difícil ainda, e/ou impossível, é de fato fa-
101

zê-lo. O que me resta agora é só um pedaço de tempo, o qual não


posso deixa-lo escapar sem antes fazer o que tenho de fazer custe o
que custar. Pois, nesta luta vou estar sob as misericórdias de Deus
até que ele cumpra em mim sua perfeita vontade”.

Nesta altura da narrativa, poder-se-ia pensar o


nosso amado pastor Martins de modo isolado? Não po-
demos nos esquivar de nossa realidade mais tácita e pre-
sente em nós mesmos. Na imbricação dessa psicologia
que nos pune e nos une num mesmo tom. Dando parecer
como o transparecer de alguém carente e ao mesmo
tempo valente e que de repente se percebe a si mesmo
em apuros.

Sorridente, de terno e gravata, cabelo bem cortado,


perfume importado e, simultaneamente, tendo um cora-
ção a pedir por socorro. Da assimetria entre caráter e re-
putação, desta última, a preocupação em não fazer vir a
tona a primeira, sob pena de fazer parecer feio.
102

Pois, demonstrar tristeza não me é aprazível. En-


tão, evito o desagradável me esforçando a dar um sorriso
mesmo que internamente esteja aos pedaços. Mas não
sou de ferro. Assim como todos, sou também carente da
graça de Deus, carente de vossas orações idem.
103

A segunda parte do sonho

Enquanto arrazoava essas coisas, não percebi o


mentor se aproximando. Com o cajado, me derrubou da
pedra sobre a qual eu estava sentado. Me perguntou:_
porventura conseguistes sair da lama como? Respondi
que não sabia, mas que tinha uma leve ideia que uma
força misteriosa havia me resgatado de lá, visto que devi-
do minha visível fragilidade, isso não me permitiria ser
salvo sem ajuda externa. O mentor retrucou: Qual ajuda
externa? Que eu saiba não houve auxílio externo intervin-
do em seu resgate! Então, admirado, questionei o mentor;
diga-me por favor, se não houve recurso para além das
minhas possibilidades, como explicar o fato de eu vir pa-
rar aqui na beira da praia?

Batendo por três vezes o cajado na superfície de


uma rocha, ele respondeu; no auge de teu desespero, e
apego a um desejo ardente por escape, tuas entranhas se
moveram para extrair o melhor de ti, e foi aí, que tua ver-
104

dadeira força vital se manifestou! Que isso lhe sirva de


regra, que tal não seja excluído de seu arsenal, sempre
que tiveres alguma demanda, em especial as de cunho
complexo, grite por ele, o chame e clame. Afinal, ele não
está fora, posicionado em algum ponto específico da ga-
láxia, mas sim dentro.

O entusiasmo implica o poder que parte de dentro


e só se manifesta por meio da coragem singular, original.
Ao me levantar a poucos minutos de ter sido derrubado
da pedra, fiquei me sacudindo a fim de retirar os restos de
areia que ficaram impregnados na minha roupa.

Por uns instantes, feito em milésimos de segundos,


virei meu rosto para o lado do sul, e, de repente, não es-
tava mais próximo da praia, mas sim pendurado numa
corda a altura da metade da montanha a qual eu estava
escalando! Nunca vi uma corda para balançar tanto! Qua-
se enfartei ao ter a “brilhante ideia” de olhar para baixo e
ganhar uma tontura que me deixou mais perturbado ain-
da. Me vi, embebido de angústia, medo, associado a um
105

senso de vazio inexplicável. Depois de várias tentativas,


consegui pisar os pés numa rocha meio plana de uns
30cm, grudada na parede do monte. Ouvi mais uma vez a
voz do mentor: solte a corda!

Se com a corda meu medo era gigante, soltar a


corda seria meu fim! Desobedeci. Afinal, não queria cair
daquela altura e me espatifar no chão árido daquele lugar
feito de sutilezas, ironias e sarcasmos dúbios de doer o
núcleo do espírito.

Engano meu! Não constatei o ato proposital em


que o mentor, sem manifestar uma única gota de piedade
à minha condição miserável, cortou a corda! Fiquei ali de
pé, sobre uma base de 30cm apenas. Onde é que eu iria
encontrar o “espírito do malabarismo” para me manter
naquela altura que eu estava? O mentor sugeriu: abra os
braços, levante um pouco uma das pernas e olhe firme
para o horizonte! Eu fiquei paralisado! Queria gritar mas o
som não saía de minha boca. Novamente ouvi o som do
106

silêncio. Então, fechei meus olhos e dei um mergulho nas


profundezas do meu espírito.

Mil cairão ao teu lado e dez mil à tua direita e tu


não serás atingido. Entrega teus caminhos nas mãos do
Senhor, confia nele e ele tudo fará!

Aquele que habita no esconderijo do altíssimo, à


sombra do onipotente descansará.

Direi do Senhor ele é meu refúgio e fortaleza, meu


baluarte forte e minha salvação!

Ainda de olhos fechados, vagarosamente fui abrin-


do meus braços, assim como a águia abre suas asas, e
erguia calmamente pela fé, minha perna esquerda, me
mantive equilibrado por vários minutos de uma altura de-
veras significativa.

Muitos jovens e também adultos mais velhos ficam


fascinados no que refere a vida ministerial de um pastor.
107

Por isso, se entregam de coração aos estudos, teologia,


se consagram, oram e inclusive alguns deles chegam até
mesmo a estudar no exterior.

Como se houvesse um certo status quo ou uma


espécie de “glamour” para chegar a posição de ministro
do evangelho. Um fato curioso, é que não poucos aspi-
rantes a esse cargo, quando realmente estão atuando na
área, ficam frustrados por perceberem que “status” e
“glamour” ficam bem distantes! Muitos fazem de tudo para
serem consagrados, e, quando são, fazem de tudo para
sair de tal posição, devido o pesado senso do dever, bem
como dos desafios que surgem pela frente, levando o no-
vo ministro a ter de pôr o pé no chão e se conscientizar
de que “ a coisa é bem mais séria do que se pensa”!

Pensar é fácil. Difícil é viver na prática, a guerra


psicológica pela qual passa o ungido de Deus na linha tê-
nue quando da divisão e forçosa administração do bloco
paradoxal entre o sentimento e o dever. Ter de apresentar
um rosto sereno e calmo para a comunidade estando ao
108

mesmo tempo interiormente aos pedaços, ter de dar con-


selhos pastorais as pessoas com problemas diversos, e
simultaneamente, vê a si mesmo mergulhado em pergun-
tas profundas e inquietantes que não querem calar.

O foco aqui referido, não faz alusão ao fator “ re-


beldia do ministro” em não querer realizar a vontade de
Deus, mas sim as crises latentes as quais o ministro vi-
vência e que o coloca numa “corda bamba”, pedindo-lhe
um “equilíbrio funcional tácito” durante seu labor ministe-
rial. Uma frase quase sentenciosa traz o seguinte teor: “
pastor é espelho”.

Essa frase que alguém poderia chamar de “uma


máxima”, traz a conotação pejorativa de que se o espelho
quebrar, todos os que estavam olhando para ele ficariam
quebrados por reflexo como num efeito cascata. A gente
ainda vive a falsa sensação que o pastor é super-homem
e que os membros são apenas ovelhas simples do cam-
po. Isso posto, fica no ar a ideia: a ovelha pode errar por
ser simples ovelha?
109

Pastor não pode errar tão somente pelo fato de ser


pastor? Não se pode negar o fato da unção de Deus na
vida daquele que foi chamado ao santo ofício, mas tam-
bém não se pode prescindir do argumento de que “pastor
não é uma máquina” e sim um ser humano como qual-
quer outro ser humano passível e obviamente suscetível a
fraquezas. Como já colocado neste trabalho, é imperativo
se ater ao todo, isso é, ao conjunto da obra. Pensar num
ungido/humano, é pensar em alguém que não obstante,
ter recebido a unção como marca da promessa e do cha-
mado, implica saber que tal ungido não dispõe dos meios
possíveis de suprimir sua humanidade em função da un-
ção sobre ele posta.

Querer se desumanizar sem sair da esfera da exis-


tência tácita da vida, embebida de desafios diversos e
muitas vezes complexos, é o mesmo que tentar ser Deus
sem o ato da encarnação! Sofrimentos e dificuldades, são
características peculiares da vida prática! Deus não pode
sofrer. Jesus sofreu. Na teologia da encarnação de Deus,
temos a paixão de Jesus/homem. Se Cristo não tivesse
110

aniquilado a si mesmo, simplesmente não haveria a teo-


logia da paixão de Cristo, pois, não poderia sofrer en-
quanto forma absoluta de Deus. Se na posição de pastor
não posso me afastar de minha humanidade factualmen-
te, e, na qualidade de humano, não disponho dos meios
possíveis para fugir dos dramas e dificuldades presentes
na atmosfera dos sentidos da vida prático-cotidiana.

Poderia eu gerar em mim, uma certa cota satisfató-


ria de felicidade e sentimento de realização que pudesse
ao menos, cobrir o senso de pesar de meu coração que
pende para a desistência dos afazeres ministeriais a mim
incumbidos?

A expressão angustiante: “Eloí, Eloí, lamá sabactâ-


ni", de Jesus na cruz, revela a presença do silêncio se-
guido do senso de “abandono pelo divino”. No meu caso,
da assimetria entre meu entusiasmo de ter sido chamado
e depois sentir-me abandonado, coloquei minha fé em
cheque! Pode até soar como fator de escândalo, minha
referência sobre a possibilidade de abrir mão do arado,
111

em virtude do senso de incompatibilidade entre meu eu e


a causa pela qual tinha me posto a lutar. Pelo que me
consta, até aqui me ajudou o Senhor!

Nesta via, então, exponho que entre eu e Deus tem


muito mais afinidade e proximidade que distância! Isso
significa que, apesar do fato de meu coração ter entrado
em processo de crise existencial, e, mesmo me sentindo
deslocado como quem tivera perdido os referenciais, as
mãos de Deus e suas misericórdias sempre estiveram
sobre mim e continuam sobre mim! Oras, se estou bem
com Deus e Ele está bem comigo, quais os motivos justi-
ficáveis e/ou coerentes atestariam meu senso de abando-
no? É simples e fácil julgar um líder de ministério quando
o observador está aquém da realidade que marca e de-
termina a vida episcopal deste líder. Difícil, é tentar, e,
muito mais difícil ainda, é conseguir carregar a mesma
cruz que o líder carrega! Um dos atributos intrínsecos de
Deus é a justiça. Deus é justo e por essa razão não nos
sobrecarrega com o peso que não podemos levar.
112

Toda a bagagem de vida e experiências práticas


servindo ao Senhor durante os anos de meu episcopado,
foram tecidas sobre o calor dos calos, frio, chuva, enfer-
midades, muitas vezes incompreensão por parte de al-
guns obreiros, entre outros, “obreiros não sei de quem”,
que procuravam “puxar meu tapete”.

Como se não bastasse, indiferença significativa da


parte dos meus filhos que não alimentavam consenso
com minha fé, inclusive minha esposa.

Eu dizia: “ minha família é exemplar, (isso no início


de minha carreira pastoral).

É consenso o cristão não se lançar em relaciona-


mentos pelo viés do jugo desigual. Isso é fato. O relacio-
namento tem de ser no Senhor. Caso contrário pode virar
divórcio? Mas e se você casa com alguém que no início é
uma benção nas mãos de Deus, e, com o passar dos
anos se deixa levar pela vaidade do mundo e esfria na fé,
não quer ir mais na igreja, passa a criticar a doutrina, a
113

bíblia e se levantar contra tudo o que diz respeito as coi-


sas de Deus e de sua maravilhosa obra?

A salvação é individual certo? Pode alguém casar


com uma pessoa que não tem fé nenhuma e depois essa
pessoa vir a ser um vaso nas mãos de Deus.

Do contrário, pode alguém casar com uma pessoa


que é um vaso de benção e que depois de algum tempo
vira um vaso de desonra. Porque esse vaso escolheu prá-
ticas de desonra se antes era vaso de benção?

Livre arbítrio! O papel do líder é aconselhar, avisar,


indicar o caminho por sugestão e não por obrigação! Há
pastores que casaram com esposa crente e depois ela
saiu da igreja por conta própria. Há pastores cujos filhos
são rebeldes e seguem em linha antagônica ao que
aprenderam na infância. Tudo isso é por demais estres-
sante. Sobretudo, quando um líder se vê obrigado a ter de
lidar e gerenciar tipos problemáticos como estes citados,
entre outros pesados e de gravidade ainda mais aguda.
114

Muito do que aprendi na faculdade de teologia me


foi bastante útil. Hoje, não faço uso de parte significativa
do que aprendi. Se pudesse desaprender muito do que eu
aprendi, eu desaprenderia, seguindo uma certa vontade
de aprender coisas novas e de cunho prático.

A vida pastoral tem muito haver com dinamismo,


proficiência e coerência cristã. Não se pode operar pasto-
ralmente embebido de teorias que muitas vezes só provo-
cam o ego do educando. Na verdade, muita teoria força a
mente adentrar em terrenos escorregadios e perigosos,
mas que, em tese, são perigos baseados no desafio da
alma, ávida por encontrar respostas às perguntas que es-
tão para além daquelas, típicas de um coração saturado
de humildade espiritual. Por que digo em tese? Porque
existem respostas que Deus nos confere e outras que são
próprias e/ou pertencentes a Ele!

A revelação está dada numa via especial. Essa via


tem um nome, Jesus. Oras, se esta condição de salvação
especial de Deus, revelada na pessoa de seu filho, já foi
115

posta em nós, e, sua missão já consta explicitada forte-


mente em nosso coração, subjaz nestes termos, que não
nos falta nada, justamente dado que a plenitude do nosso
pai que está no céu, se manifesta em nós como comple-
tude por antecipação.

Cristo é a resposta, e as nossas teorias são espe-


culações muitas vezes dúbias, difusas e fortuitas. A ironia
que se instaurou e me afetou de modo contundente, foi a
constatação de que Cristo sendo a resposta, minha famí-
lia teria de estar bem em todos os sentidos!

Tentar encontrar um nexo explícito que provocasse


em mim uma abertura de “olhos para ver”, como na ora-
ção de Eliseu: “abra os olhos do moço para que ele ve-
ja”, (Bíblia sagrada) era o mesmo que ter de dar quase
compulsoriamente de cara com o senso de deslocamento
e desordem interna sutil, gerando em meu ser, a ebulição
da alma indo ao encontro com a aflição de espírito. Na
qualidade de pastor ter de dar respostas a quem me pe-
dia conselhos, sendo eu também um carente!
116

Poderia um cego guiar outro cego? Você até pode


fazer a pergunta: “como um pastor pode dizer que está
cego e com conflitos internos”? Muita gente ainda pensa
que pastor é o “homem de ferro”!

Minha cegueira não me permitiu ver o que eu teria


de ter visto muito antes mesmo de ter sido ungido para o
ministério. Eu estava cego com relação ao ambiente ex-
terno porque meus olhos estavam voltados para mim
mesmo! Na faculdade você não aprende a ter empatia.

Na faculdade, se aprende teoremas, por meio de


processos metodológicos e regras de como se comportar
e/ou ética pastoral num viés da pedagogia do obreiro, en-
tre outras coisas mais, exegese, hermenêutica e línguas
bíblicas. Incrível! Eu, pastor X, fulano de tal, líder de uma
grande igreja, com um currículo vasto, diplomas, posição,
cara de quem estava realizado e ao mesmo tempo, sujei-
to de minha própria incompetência em não enxergar o ób-
vio! Afinal, o que eu queria da minha vida mesmo? Quais
eram meus verdadeiros anseios e sonhos? Onde estava o
117

meu foco: numa bandeira? Missão? Construir templos e


mais templos e consagrar obreiros para servirem nas
congregações e pontos de pregação? Foi aí que me dei
conta de mim mesmo caindo em si, como no efeito do fi-
lho pródigo. Só vai se dar conta de sua miséria na consta-
tação de ser o causador da própria miséria. Dar passos
largos em direção ao sonho e realização daquilo que
sempre foi meu desejo. O de conhecer Deus mais a fun-
do, e, paradoxalmente, confrontar-me com a crise que me
corroía por dentro, ante o fato de ter lutado todos esses
anos para ganhar o mundo sem ter empreendido esforços
mais concisos e necessários,
a fim de ganhar minha pró-
pria família. Onde estava
meu verdadeiro tesouro? Eu
procurava o que em termos
de missão?

Temos, porém, este tesouro em vasos de barro,


para que a excelência do poder seja de Deus, e não de
nós. Em tudo somos atribulados, mas não angustiados;
118

perplexos, mas não desanimados. Perseguidos, mas não


desamparados; abatidos, mas não destruídos; (2 Corín-
tios 4:7-9)

A lógica mais sensata seria: conquistar a mim


mesmo. Então, poderia a partir daí, conquistar minha fa-
mília. Assim, eu estaria pronto para dar passos maiores
para além de meu cercado, ir para além das fronteiras
conhecidas. Seria mais justificável se se tão somente eu
tivesse me preocupado com a missão interna. Cuidar dos
meus . Amar teu próximo não significa ter de ir para os
Estados Unidos nem para a Europa, mas sim cuidar com
zelo e esmero daqueles que estão bem perto de nós. Nis-
to ponderei, nisso pensei. Se se meu dia ainda brilha, se
meu sol ainda faz aquecer a pele do meu corpo, então
tenho tempo. De início, minhas crises latentes me faziam
sentir como vítima dos ataques dos outros em termos de
fofocas e disse me disse. Depois, fui buscar ferramentas
necessárias afim de resolver o problema do sentimento
de vítima que deixava meu ser abalado como se Deus e
todos estivessem contra mim.
119

Dado as razões que


me falta para justificar meu
sono enquanto estou acor-
dado. Freneticamente inde-
lével. Pois, o que hei de
fazer para driblar as in-
cógnitas dessa vida que
passa feito um raio diante
de mim, e, ao mesmo tempo, meu tempo é cortado de meu ser?
Onde posso firmar meus pés fora das bases sólidas concedidas
a minha subjetividade enquanto um ser-sendo nesta atmosfera
dos sentidos sensórios, cujas margens em perspectiva, relevo e
profundidade me escapam quase de todo? Meu tempo é curto.
Vim para cá e daqui partirei para lá. Mas não posso partir sem
fazer valer o que me é muito caro e raro. Viver é desafio. Desa-
fiar é viver nesta imensa arena dos gladiadores. Se meu sono
vem, então minha vida vai. Como uma simples folha em branco.
Não, não, não quero isso. Afinal a vida é curta, cara e rara.
Dessa raridade quero fazer uma pérola que tenha duração para
além do que é simplesmente efêmero frugal. A vida é rica. Deus
é tudo.
120

“A teologia me ajudou a compreender exegé-


tica e hermeneuticamente melhor, muitos tex-
tos antes ocultos a minha vil ignorância. Tem-
pos depois, uma séria e profunda reflexão,
impingiu em mim, a estreita e gritante neces-
sidade de renovar-me em prol das vivências
coletivas, entre as quais, a família é ponto
crucial”.
121

Minha relação a dois

Parece que ainda estou vendo aquela moça simpá-


tica sentada no canto esquerdo do penúltimo banco que
compunha o grupo da mocidade. As vezes, um dos portei-
ros, o cooperador João Castro, dizia: (brincando) Eu sei
porque você está vindo nos cultos de oração... é por cau-
sa de fulana não é? Eu ficava vermelho!

Bem, na verdade eu ia para orar mesmo, as vezes, con-


fesso, eu parava um pouco a oração só para dar mais
uma olhada para ela. O problema era que ela fazia o
mesmo e depois começava a rir baixo para não fazer es-
cândalo dentro da congregação. Dessas idas e vindas e
nessas trocas de olhares que persistiram por muitos dias,
finalmente ganhei uma namorada! Eu estava no terceiro
ano de faculdade em teologia. Entre os professores, esta-
va o Gilberto Cintra. Não sei se o Cintra, estava sendo ho-
nesto quando dizia que eu levava jeito para teólogo.
122

Bem, se honesto ou não pouco importava, o fato


era que eu propus a me aplicar de corpo, alma e espírito
ao propósito que eu vinha alimentando em esperança
desde a pré-adolescência.

Aquele mesmo desejo que eu havia confiado a


mamãe. Estudar mais a fundo o texto bíblico.

Eu me via como um jovem de sorte. Primeiro por-


que Jesus me achou, segundo, porque passei a seguir
uma carreira ministerial, e terceiro, porém tão importante
quanto, encontrei minha “cara metade”. ( Se bem que
“cara metade” é um conceito que dá muitas reservas para
discussões acaloradas). Mas tudo bem. Minha vida estava
indo de vento em popa.

Meu sol estava brilhando e tudo mostrava-se claro


e conciso. Parecia que eu tinha ganho asas e me sentia
como se estivesse voando! ( Asas saturam-se com o tem-
po e depois voltamos a sentir o pé no chão).
123

Felicidade pura. Tudo estava dando certo. Quando


comuniquei ao meu pastor que estava de namoro com
Marisa, ele olhou para mim de modo bastante sério e per-
guntou: isso é sério irmão Martins? Eu respondi que sim.
Alguns milésimos de segundos passaram.

O pastor Ronaldo me fez uma segunda pergunta:


isso é sério Sr. Martins? Meneei a cabeça afirmativamente
demonstrando um certo acanhamento. Depois ele se posi-
cionou para fazer uma terceira pergunta e eu o interrompi
dizendo que já sabia o que ele iria me perguntar. Sabe
mesmo o que vou lhe perguntar Sr. Martins? Sei, respondi
meio baixo. Se sabes então vai falar com o pai dela!

Até hoje me ponho a refletir o por que o pastor me


fez a mesma pergunta quase que por três vezes! Não dis-
ponho de palavras adequadas e/ou suficientes a fim de
explicar as batidas de meu coração quando minha namo-
rada Marisa, resolveu me apresentar aos pais dela. Eu ia
descendo a rua onde ela morava com seus pais.
124

Por coincidência se assim posso definir, o pai dela


já ia saindo de casa. Ele nos viu.

Fiquei mais assustado do que um rato em face de


um perigo iminente. Ele vinha a passos largos em nossa
direção. Era o irmão Pedro. O rosto dele me pareceu rígi-
do, com um olhar penetrante e que parecia prestes a sol-
tar algum tipo de fogo abrasivo e mortal e... quando ele
se aproximou... Martins, Que bom vê-lo por aqui!

Cuida bem da minha menina Ok! Outrossim, não


passe o sinal antes do casório! Fiquei pasmo! Ele já sabia?
Rindo, Marisa respondeu de modo meigo: meu pai não
nasceu ontem seu bobo!

Fui com Marisa até o portão de sua casa. Dei um a


paz do Senhor a Sra. sua mãe, e decidi retornar ao meu
lar depois de um beijinho tímido na testa daquela que se-
ria minha futura esposa. Seria mesmo? Marisa de Souza
Iria ser transformada em Marisa Martins? Bem, o desenro-
125

lar da narrativa prossegue. Cada dia que se passava eu


me via mais apaixonado por ela.

Parecia um sonho! Alguns diziam que Deus tinha


posto aquela jovem em meu caminho e que ela era a mi-
nha preparada. Eu só não gostava muito de ouvir palavras
do contra como: “acho que esse namoro não vai virar
casamento”, pois Martins e Marisa não tem nada haver
um com o outro.

Sempre achei que essas vozes negativas eram fru-


tos da inveja de quem não queria minha felicidade. Since-
ramente, não me importei muito com essas “dores de co-
tovelo”, eu realmente estava focado nos objetivos que
havia posto em meu coração. Trabalhar, estudar, me for-
mar e casar.

Minha feição pelas letras sagradas me impeliam a


se aprofundar mais e mais nos mistérios da fé. Eu era um
leitor voraz! Hoje em dia, ainda leio alguma coisa, mas
126

não tanto quanto antes. Eu queria ser como os pregado-


res. Queria ser como meu pastor, mas apenas no quesito
pregar. Não queria ser pastor. Talvez um professor de
teologia, ou ainda um orientador em reuniões de escola
dominical, nada mais além disso. Entre os desafios que eu
teria de lidar com o tempo, era vencer a timidez que não
poucas vezes ficava estampada em meu rosto. Assim que
passei a namorar Marisa, ela passou a me ajudar “a me
soltar”, ficar mais natural na frente dos outros. Outro dia
ela me ensinou uma técnica.

Quer se sentir mais confortável na frente dos ou-


tros Martins? Respondi que sim. Então, desenvolva a téc-
nica do espelho! Técnica do espelho? Como assim, não
entendi ! Bem, Martins, ao se levantar pela manhã, vá até
o espelho e diga por três vezes.

“Eu sou gente e não um animal! Faça isso todos os


dias até você se acostumar a se ver como gente! Olhei
para Marisa e fiz cara de bravo, perguntei para ela o por-
127

que ela ainda estava comigo se me via como animal. Não,


não, Martins, estou usando uma figura de linguagem! Tive
que engolir aquela “figura de linguagem” referida por Ma-
risa”.

Por mais incrédulo que estivesse quanto a proposta


do espelho, me arrisquei nisso por alguns dias. Até pensei
estar “pagando mico”. Algumas semanas mais tarde, eu
estava me sentindo melhor, confesso que me senti como
se estivesse passando por uma metamorfose, saindo de
minha “animalidade” e me tornando mais humano.

( Nossos hábitos nos fazem para melhor ou para


pior dependendo de nossas ações conscientes ou não).
Embora fosse um leitor assíduo da bíblia, eu nunca tinha
proferido um sermão na congregação. Todas as vezes em
que eu recebia uma oportunidade, eu lia um versículo e já
me preparava para louvar. Os irmãos inclusive me incenti-
vavam a gravar um disco. Porém, eu não me via como um
cantor. Na verdade, minha rouquidão seguido dos tremo-
128

res de minhas mãos sinalizavam justamente que eu preci-


saria ser lapidado em todos os sentidos para finalmente
alcançar o milagre de uma voz afinada. Meu coração “foi a
mil”, quando o pastor Ronaldo, adentrando a porta da
congregação, bateu em meu ombro e me disse: “neste
culto com a mocidade você vai pregar! Eu queria me es-
conder debaixo dos bancos. Eu não queria que a parte
dos louvores terminasse logo, pois não desejava, por in-
crível que pudesse parecer, a hora da mensagem che-
gar... e então, meus tímpanos ouviram a voz do pastor
Ronaldo_ o irmão Martins está com a palavra.

Peguei a bíblia, me dirigi a tribuna, abri o livro san-


to no Salmo 23 1-6 , e apesar das minhas pernas estarem
“dançando sozinhas”, nem eu mesmo pude decifrar a pro-
porção do poder e unção que sobre mim veio naquela noi-
te de Sábado, dia 12 de Outubro. Deus me usou ali, com
poder e graça pela eficiência de seu santo Espírito. A
mensagem foi entregue por um período de 45 minutos
aproximadamente. Quando fui entregar o microfone para
129

o pastor Ronaldo, ele estava de joelhos, orando. Ao se


levantar, vi lágrimas abundantes brotar de seus olhos.

Minha primeira preleção! Encerrada a reunião, to-


dos fomos para casa. Ainda sentindo os efeitos do impac-
to da glória manifesta por um viés majestático naquele
culto, minhas mãos ainda meio trêmulas, alcançou o mo-
lho de chaves preso a reata de minha calça de algodão
azul marinho. Virei a chave, a porta abriu, seguido do
rangido estridente das dobradiças.

Me dirigi até a cama, sentei na beirada, e, virando


o rosto um pouco para a direita, dei de cara com o espe-
lho. Meu reflexo me fez mergulhar nos pilares de uma re-
flexão aguda, profunda e interrogativa.

Se a timidez revelou-se nítida e evidente, como ex-


plicar o nexo das palavras vindas de minha boca? Dessa
indagação, surgiu a razão feita de brasas vivas em forma
de voz divinal. Você não é tímido! Deus não é tímido.
130

Esse sentimento ganha mais força quando a gente


o alimenta na mesma perspectiva. Do encontro que tenho
com minha própria fraqueza constato que fraco sou e nes-
ta posição sou tendente a ficar me “sentindo fraco” e/ou
tímido o suficiente para justificar de modo frugal minha
inação diante dos desafios suscetíveis de superação. No
geral, a gente tende a supervalorizar em termos de subes-
timar os dramas e problemas da vida além de suas reais
problemáticas em si mesmos. ( o tal do “ fazer uma tem-
pestade num copo d àgua). Se minha timidez me parecia
um “problemão” era porque assim eu a definia. Eu estava
dando mais razão a minha timidez do que as condições
factíveis a minha disposição de enfrentamento daquilo que
era tão somente a sombra de um “probleminha”. Antes
de pegares o metro ou a trena para medires o tamanho
de seus desafios, divida-os em pedaços. Assim, terás uma
melhor e maior visão de onde começar a dominá-los.
Achei interessante essa observação. A sugestão de Marisa
quanto a técnica do espelho, à primeira vista me pareceu
loucura, mas depois tudo começou a fazer sentido. A par-
tir desse ponto, propus a mim mesmo, desenvolver algu-
131

mas técnicas mais sofisticadas de modo que pudesse me


auto superar, inclusive até atingir o status daquilo que
mais tarde veio a ser um dos principais fatores de minha
ruina pessoal e ministerial. O Perfeccionismo. Dominar a
si mesmo, e/ou auto superar-se gera em nós dignidade e
bem estar. Ultrapassar os limites do bom senso, contudo,
pode nos levar a frustração e desilusão sem precedentes.

Lembremos de Salomão, o rei. Soube pedir bem,


sabedoria. Mas no curso de sua vida, não soube lidar bem
quanto aos limites do bom senso. Daí seu pesar, e suas
reflexões feitas em sentimentos de angústia, registradas
no Eclesiastes e Provérbios principalmente.

A igreja estava linda. Toda florida. Tapete vermelho


indo da porta até o pé do altar. Marisa, de véu e grinalda,
apresentava-se bela, radiante! Quem diria que depois de
três anos, finalmente casaria. Então casei com ela! O ir-
mão Pedro, pai dela, fez sinal com as mãos. Eu entendi, O
sinal era, cuide bem da minha menina! Olhei para ele, e,
132

sorrindo, pisquei o olho esquerdo enquanto meneava a


cabeça em sentido afirmativo.

Foi essa pessoa quem escolhi, a fim de ser minha


esposa e futura mãe de nossos filhos! Minha idade, 33. Eu
era cinco anos mais velho que minha mulher. Depois de
casado, ainda fiquei congregando durante 5 anos naquele
mesmo templo. Um ano antes de completar 26 anos con-
gregando naquela mesma igreja, eu e minha esposa mu-
damos para Maringá PR. Mamãe e papai pensaram que
nunca mais iam me ver. Os acalmei dizendo: não se preo-
cupem, o quanto antes estarei de volta!

Eles tinham medo que eu “sumisse do mapa”, e o


tal medo deles aumentou ainda mais depois que casei
com a filha do irmão Pedro. Fiquei uns 11 meses no Para-
ná. Eu pretendia comprar um terreno lá e depois chamar
meus pais para morar comigo. Porém, os planos muda-
ram, especialmente depois que minha filha Roseane nas-
ceu. Parto difícil.
133

Nosso primeiro fruto nos veio quando ainda morá-


vamos em São Paulo. Ele se chama Rafael. Tinha três
anos de idade quando nos mudamos para Maringá. Então,
já tínhamos dois filhos_ um menino e uma menina!

Minha bebê nasceu com 5 meses de gestação. Fi-


cou sob os cuidados médicos para ganhar peso. Decidi
então voltar para São Paulo. Liguei para alguns amigos
residentes na Capital Paulista, a fim de adiantar algumas
questões em termos de Moradia e trabalho.

Em termos práticos, no Paraná as coisas não esta-


vam indo muito bem para mim, isso do ponto de vista
econômico. Eu ganhava um dinheiro razoável com meus
serviços de tapeçaria e estofados, mas a família estava
crescendo e eu precisava ampliar minha carteira de clien-
tes. Se bem da verdade, em São Paulo, eu já tinha um
bom número de contatos e, neste sentido, eu acreditei
que voltando a minha cidade natal, as coisas iriam melho-
rar. Durante as ligações que fiz, no sentido de dar um
134

upgrade em minha vida pessoal e profissional, um de


meus amigos que a propósito era pastor, me fez uma
proposta ministerial. ( Não era o pastor Ronaldo)

Logo de cara rejeitei. Ele insistiu. Meu amigo e ir-


mão Martins, você se formou em teologia e eu gostaria
que o amado ficasse a frente de uma das congregações
de nosso ministério, pois mesma está praticamente sem
pastor! Por obséquio, venha nos ajudar a organizar algu-
mas coisas que estão fora do lugar.

Caso você aceitar o convite, a gente vai ceder-lhe


uma casa pastoral, água, luz, telefone e um salário para a
sua manutenção pessoal e familiar.

Acredite caro leitor (a), fiquei irritado com aquela


proposta. Eu não queria ser pastor e não estava gostando
nenhum pouco daquele convite, pois, embora sendo um
teólogo, eu não me via como um ser ungido à frente de
um rebanho. Mas meu amigo me pediu calma.
135

Pense bem Martins, você tem até a semana que


vem para dar um parecer sobre esse importante assunto.

Caso contrário, terei de convidar alguém, que não


sei quem e se se terá condições suficientes e/ou necessá-
rias para levar este desafio a patamares ainda maiores,
pois, o campo é grande e poucos são os obreiros prepara-
dos a este divino propósito. Passaram- se quinze dias e eu
não dei resposta alguma a quem me fizera esse convite
inesperado. Neste curto período que fiquei no Paraná,
passei a congregar numa igreja Batista tradicional, lidera-
da pelo pastor Beto, do qual, aprendi outras coisas e as-
suntos que ainda não conhecia.

Marisa, embora não concordasse em ficarmos nes-


sa igreja Batista, se esforçava no sentido de me acompa-
nhar durante o tempo em que estivemos por lá. O tempo
“passou depressa”. Quando pensei que não, já estava de
malas prontas para regressar a maior cidade do Brasil. Por
meio de uma indicação, encontrei um imóvel para alugar
136

numa região ao sul de São Paulo. Marisa achou o imóvel


um pouco pequeno, mas era o que podíamos pagar. Voltei
ao meu ofício de tapeceiro. Pense na dificuldade de reco-
meçar tudo de novo, praticamente do zero, minhas eco-
nomias estavam quase que esgotadas, tentei, junto a al-
guns bancos um possível empréstimo. Empréstimo nega-
do, por motivos de não ter garantias mínimas de que iria
saldar a dívida. Como ainda tinha alguma reserva própria,
aluguei um salão, não muito longe de casa.

Tinha de reiniciar minhas atividades profissionais o


quanto antes, a família maior, mais pessoas para alimen-
tar, aluguel, agua, luz, gás, dentre outras despesas mais,
exigiam de mim, ação mais enérgica no sentido de não
deixar a “peteca cair”. Eu tive que “me virar nos trinta”.
Não posso dizer se ironia do destino ou provação, a coisa
parecia não querer pegar. Não pingava cliente na minha
loja. E, quando aparecia alguém, os serviços eram: pe-
quenos reparos, o dinheiro que entrava, quase não cobria
o aluguel do salão. A reserva que eu ainda tinha dava
137

mais ou menos para um ano e meio. Parece bastante


tempo. Na verdade não é. O tempo não espera. Eu não
poderia deixar a vasilha secar sem antes ter outras fontes,
através das quais, conseguiria repor as margens de recur-
sos necessários ao meu bem estar, principalmente a segu-
rança social e alimentar dos meus.

Passados quatro meses, depois que regressei de


Maringá, vi a coisa apertar. Então, murmurei: não vai dar
para continuar neste lugar sem nada ganhar! Na esteira
de rimas em rimas, eu não queria rimar, muito menos me
queimar, no bojo sádico daquela falta de cliente em forma
de gente que talvez por misericórdia que fosse, pudesse
ali pisar, para até que enfim, algum “bom negócio fisgar”.

Mas cadê? Negócios até que chegavam, mas não


de modo suficientes com vistas as possibilidades de mi-
nhas contas pagar. Cadê? O tempo passa, não espera, a
gente se desespera especialmente quando há, mais gente
que nos espera, confiando em nosso amor em termos de
138

provisão, proteção e concórdia. Meus pequenos precisa-


vam de mim eu teria de dar o meu melhor. Servo de
Deus, crente em Cristo Jesus. Com fé no coração, pé no
chão e sem dinheiro no bolso!

Ainda bem que eu tinha fé, de que as coisas iriam


melhorar, mesmo que as circunstancias colocasse na mi-
nha frente um “NÃO”, do tamanho do mundo!

Eu sabia, por paradoxal que pudesse parecer, lá no


fundo sutil de meu coração teimoso-medroso, uma vós
pedindo calma e mais calma. Me chegou um sofá azul,
grande. De tamanho gigante e azul fulgurante. Todo sur-
rado e rasgado com vontade. ( Não sei quem o rasgou).

O cliente perguntou: essa coisa tem salvação? Sor-


rindo eu disse: sim, tem, claro! Depois que o cliente saiu,
deixando o “pepino” para eu “salvar”, digo- consertar,
sentei no sofá rasgado e ali fiquei a meditar. Poxa vida,
sou formado em teologia. Mas que bom que também sou
139

tapeceiro! Maravilhas Jesus! Tu és bom pai, obrigado por


me dar o dom de consertar sofá! Mas voltei a ficar sério,
pus a mão esquerda no queixo, meus olhos mostravam-se
de modo tal denunciando minha farta preocupação. Veio
esse azul hoje, e amanhã, o que será? Deveras aflito, fe-
chei os olhos, e pedi a Deus para falar comigo. Abri a bí-
blia, e saiu na parte que fala: “do suor de teu rosto come-
rás o teu pão até que retornes ao pó”.

Depois daquela leitura, me vi com o martelo na


mão fixando pregos na base do sofá azul. Não percebi
uma alma adentrar o recinto. Meu susto foi evidente
quando ouvi a voz de Rogério.

Martins, tudo bem com você?

Pastor Rogério o que faz aqui por essas bandas,


está perdido?
140

Martins, meu amigo, se eu estivesse perdido re-


almente acreditas que eu te acharia aqui na zona Sul de
São Paulo?

Então, perguntei: conseguiu encontrar o pastor pa-


ra tomar conta da congregação que estava sem líder?

Encontrei mas não deu certo. Porque não? Ele é


pastor não é? Sim ele é, o problema é que ele não é você
Martins!

Olhei para o rosto de Rogério, ele estava tranquilo.

Então, pastor Rogerio, me diga: o que te faz pensar


que eu seria o líder ideal para o cargo? É simples Martins,
você tem o dom, além do mais você tem preparação bíbli-
co-teológica, estudou comportamento e ética pastoral em
disciplina psicológica e filosófica. Mais que isso, você é
humilde! Tudo o que um ministro com bagagem intelectu-
al precisa ter como coroamento do conhecimento.
141

Humildade! Pensativo, retruquei: se trabalhando


aqui está difícil cuidar dos meus pequenos, o que vou fa-
zer como pastor de igreja? Vamos seu Rogério, me expli-
que! Sorrindo, Rogério abriu sua pasta e me entregou um
envelope dizendo: Só abra esse papel depois que eu sair
daqui Ok! Eu disse: tudo bem.

Coloquei o envelope na mesa. Tendo passado cerca


de meia hora, Rogério se retirou e foi embora. Continuei a
pregar pregos na base do sofá azul. Aquele dia em que
recebi a visita inesperada de Rogério, era uma segunda
feira, o dia de culto de oração numa pequena igreja que
ficava justamente na mesma rua da casa onde passei a
morar de aluguel.

A denominação era: Assembleia de Deus M. Madu-


reira. Eram quase 18h, saí depressa. Esqueci o envelope
na mesa. Disse para mim mesmo: tudo bem, amanhã de
manhã eu vou ler a carta que Rogério me entregou. Ao
retornar para casa, tomei meu banho.
142

Marisa e as crianças já estavam prontas para irmos


a igreja. Eu estava muito apreensivo. Naquele culto, Deus
falou fortemente ao meu coração através da palavra trazi-
da pelo pastor Renato. Deus renovou minhas forças na-
quela noite e o ânimo voltou a ter vida em minha vida.

No dia seguinte, ao retomar o trabalho na oficina,


fui logo em direção ao envelope que estava sobre a mesa.
Nele, de fato tinha uma carta.

Ao abrir, dentro da mesma havia um cheque. Fiquei


deveras estupefato e comigo mesmo murmurei: mas, este
pastor Rogério... não deveria fazer isso!

Ao observar melhor o teor daquele cheque, fiquei


mais abismado ainda, ao constatar que se se tratava de
um valor equivalente a 20 meses do aluguel de minha
oficina! No sábado seguinte àquele episódio, saí mais ce-
do do trabalho e fui procurar o pastor Rogério, a fim de
devolver o cheque, pois, ele não tinha nenhuma obrigação
143

de me ajudar sem mais nem menos. Afinal, como pai e


marido era eu quem tinha de prover meu próprio recurso
bem como o sustento dos meus! Quando a secretária dele
o informou que eu estava na sala de espera, imediata-
mente recomendou para que eu adentrasse o gabinete
pastoral. Olá, Martins, meu amigo e irmão em Cristo, boa
tarde na paz, você não sabe qual é minha satisfação em
vê-lo por aqui! Eu disse: olá, pastor Rogério, a paz! Por
favor queira receber o cheque de volta pois... Não, não,
irmão Martins, pelo amor de Deus não me faça esta des-
feita! Esse valor não vai me fazer a mínima falta e, a pro-
pósito, não estou lhe fazendo nenhum favor! Deus pediu
para mim fazer isso, e , se você rejeitar o valor, estarás
rejeitando o que Deus quis que eu fizesse! O pastor Ro-
gério me pareceu bastante sincero. Você tem algum com-
promisso hoje Martins? Me perguntou o pastor Rogério.
Não, não tenho, porque a pergunta? Gostaria que fosse
comigo em uma das congregações do ministério, pois
quero lhe mostrar algo. Como eu não tinha nada a fazer
naquele dia, aceitei. O templo era enorme, a casa pastoral
era ampla e espaçosa. Um jardim florido e muito bonito
144

na frente. Um terraço com pilastras de mármore branco e


janelas com vidros coloridos saltavam aos olhos de quem
observa. Perguntei: Quem é o obreiro que pastoreia aqui?
Rogério olhou para mim, vi umas gotas de lágrimas caí-
rem de seus olhos castanhos. Lamentou, tentei colocar
dois obreiros aqui mas eles não estavam preparados para
o arado. Tentei consolar, dizendo que Deus iria prover um
líder que estivesse a altura, e... Rogério, me interrompeu
e disse: você é esse líder, Martins! Não me deixe levar es-
se trabalho sozinho, por favor; vamos ajudar um ao outro
em nome de Jesus! Fiquei deveras reflexivo, despedindo
do pastor Rogério, retornei para casa e fiz saber a Marisa
o ocorrido. Três semanas depois, estava de mudança para
a casa pastoral onde morei por 27 anos. Ali, servi como
pastor durante todo esse tempo. Diante de amigos e mal-
dizentes, tentei contornar da melhor forma possível as cri-
ses que surgiam vez por outra, e “disse-me disse”, mistu-
rados “a fofocas e fofocas de baciada” e meu nome sendo
levado a presidência do ministério, como se eu não fosse
um pastor mas um desertor de ovelhas perdidas, sem ru-
mo nem direção. Nas reuniões de obreiros, Rogério, per-
145

guntava se estava tudo bem, eu dizia que sim, na verdade


alguns probleminhas mas que dava para levar pelas vias
da graça de Jesus. (Eu estava me fazendo de forte)!

Muita gente gostava de meu trabalho. Porém, com


o passar do tempo foi adentrando outras pessoas, advin-
das de outros ministérios, como pastores diáconos e pres-
bíteros, muitos dos quais, passaram a fazer parte do cor-
po de obreiros oficiais daquela congregação.

Então, como se diz: onde há gente há problemas,


um monte deles passaram a ser os grandes motivos de
minhas muitas e muitas noites em claro. Numa certa oca-
sião de ceia, um dos presbíteros, puxou minha gravata
com força que por pouco não tive o pescoço quebrado.
Caí no chão da tribuna, e, como se não bastasse, me des-
feriu golpes com chutes e socos e ali fiquei como que
desmaiado. Os demais obreiros reagiram e tentaram se-
gurar o presbítero agressor que saiu para a rua com muita
ira no seu coração. Esse tal, era um dos que diziam que
146

eu não era pastor e sim um perfeccionista e que queria


levar os trabalhos da congregação a ferro e fogo.

Quando aquela sena horrível aconteceu, eu estava


trazendo a palavra oficial da noite. Pregando sob a égide
da unção e poder do Espírito Santo, sem perceber o peri-
go, fui violenta e maldosamente atingido na frente de to-
dos os presentes. Me foi um verdadeiro pesadelo acorda-
do! Quiseram chamar a polícia, mas eu não quis dar quei-
xa, preferi esperar a “poeira baixar”, os ânimos exaltados
se acalmarem, a fim de que mais tarde, pudesse conver-
sar amigavelmente com o agressor, para saber os motivos
pelos quais ele agiu daquela maneira tão vil, ardilosa e
insensata.

No dia seguinte, uma parte da equipe de obreiros,


se dirigiu a casa do presbítero violento. Ele estava, mas
não recebeu meus obreiros. Dois meses depois, daquele
evento tempestivo, fui informado de que o tal, alugara um
salão ali perto e estava aliciando e/ou abduzindo parte de
147

minha comunidade a se deslocar para a “igreja que ele


abriu”. Ele rompeu por conta própria, os laços com nosso
ministério e abriu um ministério próprio.

Como se não bastasse, vivia dizendo que eu era um


pastor `rígido”, e que minha igreja iria “falir” e que o povo
que eu lutei tanto para ganhar para Jesus, iria perecer se
não saísse urgentemente de onde estava e fosse para
igreja dele! Não me preocupei muito com isso, ao menos
à princípio. Contudo, conforme o tempo ia passando, per-
cebi a falta de alguns irmãos. Fui pesquisar a razão. Qual
não foi minha surpresa, cerca de 15% da comunidade pa-
ra a qual eu estava me dedicando, estava dando ouvidos
a vós daquele que queria a minha morte!

Então, reagi e comecei a doutrinar os irmãos que


ainda estavam comigo. Dizia: Cuidado, existe um lobo por
aqui, ele é violento, rancoroso, invejoso, falso, dissimula-
do e terrível pescador de aquário! Apesar dos pesares, ele
tinha uma “boa lábia”, e aproveitando a humildade de
148

muitas ovelhas, ele procurava com toda a astúcia do in-


ferno arrebata-las para si. Eu disse: Deus, o que está
acontecendo? Onde estão tuas promessas e porque me
trouxestes para cá a fim de cuidar de um povo em que
uma parcela dele parece não entender teu querer e tua
perfeita vontade? Ainda assim, mesmo aflito, tentei recu-
perar as almas que tinham sido aliciadas.

Com calma, procurei aconselhar, mas muitas delas


se mostraram indiferentes de modo que não deixei de no-
tar olhos desdenhosos vindos em minha direção, como
quem diz: vai embora pois você não é mais nosso pastor!
Nesta luta ferrenha, consegui ao menos resgatar algumas
e traze-las novamente ao aprisco.

Em Julho de 2014, dois pastores e um diácono que


serviam comigo no altar, levaram à presidência do minis-
tério, uma reclamação por escrito a qual compunha o se-
guinte teor:
149

Ao Sr. Pastor, Presidente deste ministério,


Viemos por meio desta, expor a Vs.; a que, juntos,
testemunhamos e confirmamos, conduta inade-
quada do Sr. Martins, o qual, não sabemos se po-
demos denomina-lo mais como pastor, pois, o
mesmo, vem conferindo tratamento indisciplinar
com a comunidade para a qual fora designado.

Ultimamente, o mesmo tem negado oportu-


nidades aos irmãos que gostariam de dar seus tes-
temunhos , barrando os trabalhos e iniciativas im-
portantes ao bem estar e crescimento da igreja, e,
nas reuniões locais, discorda de toda e qualquer
opinião dos demais obreiros, que, não obstante fa-
zerem parte oficialmente da diretoria, são obriga-
dos a ficarem calados e seguirem fielmente o que o
“líder” acha que está certo. Rogamos e reiteramos
a necessidade de providencias cabíveis e disciplina-
res com vistas a uma solução plausível e urgente.
150

Justificamos nosso descontentamento dado a in-


sustentabilidade desta situação inconsistente.

Nos é muito triste e desconfortante ver ape-


nas uma parte da igreja que, em virtude de poder
cooperar por terem recursos, a outra parte fica
apenas “olhando a ceia passar sem poder cear”
conjuntamente conosco. Biblicamente, sabemos
que a ceia é do Senhor Jesus, e, nós da comunida-
de, deveríamos ter tudo em comum conforme o re-
gistro sagrado.

Postas as considerações sob esses termos,


solicitamos encarecidamente de Vs.; a junto ao
corpo disciplinar ético deste ministério, que sejam
tomadas as providencias cabíveis, necessárias e
urgentes sobre esse caso, pois, a igreja está so-
frendo com um líder que, passou a confundir pasto-
rado com ditadura evangélica e entender sua posi-
151

ção de liderança como fator de poder pelo poder


sobre os outros, considerados imperfeitos para ele.

Naquela ocasião, não era mais o pastor Rogério


quem estava na presidência e sim seu irmão mais novo -
Sandoval. Logo após ler a carta de reclamação, Sandoval,
asseverou que iria apurar os fatos o quanto antes. Assim
como o Rogério, Sandoval tinha me dado carta branca pa-
ra administrar os trabalhos da igreja e eu sempre acreditei
estar fazendo um bom trabalho.

Contrariamente, as coisas ficaram um tanto difíceis,


sobretudo nos últimos anos em que estive ali. Não conse-
guia entender o porque de tanta discórdia por parte de
alguns irmãos, muitos dos quais queriam me ver longe
das atividades eclesiásticas. No fundo no fundo, algo re-
almente estava fora dos eixos e, o problema central disso
não era com os outros, mas comigo! Só tardiamente, fui
perceber que, de fato, eu estava “pegando pesado” com
minhas palavras e ações, de modo que, vi em mim mes-
152

mo, um sujeito áspero e asqueroso o qual, tinha ultrapas-


sado os limites do bom senso, não se policiou de modo o
mais sensato possível no trato com as pessoas que tinha
de zelar com elevada estima, empatia e esmero pastoral.
Pena que “o leite tinha sido derramado”. Aquela dedicação
que eu sempre mantive para com os meus, foi se tornan-
do apática. Já não estava dando muita atenção a minha
esposa e não poucas vezes, discutia com meus filhos, exi-
gindo deles, exemplar disciplina e “perfeição em termos
de conduta”.

Quaisquer situações em que eu presenciasse “equí-


vocos”, eu os repreendia de modo ríspido e com postura
exacerbadamente arrogante, muitas vezes na frente dos
outros! Depois que me tornei pastor a convite de Rogério,
não me dei conta de que chegaria, como de fato cheguei,
ao cúmulo do absurdo, de conceber a missão evangélica
acima de tudo sem dosar a verdade de que a missão de
Deus se faz em conjunto no todo. Eu mesmo não estava
me reconhecendo. Me escapava, qual fator me levou a se
153

comportar com tanta altivez e senso de superioridade fe-


bril. Numa certa ocasião, isso em 2013, meu filho Rafael,
fez uns movimentos mais fortes com as baquetas da bate-
ria. Julgando que aquilo estava mais para “samba munda-
no” do que para “hino evangélico”, repreendi o meu filho
com um tom de voz muito amargo e ainda lhe falei “umas
verdades”, como: se for para bater na bateria a ponto de
quebrar as baquetas, nunca mais coloque as mãos neste
instrumento está ouvindo seu “moleque irresponsável”?

Rafael, envergonhado, abaixou a cabeça. Ao per-


ceber que imediatamente todos os olhares se voltaram
para ele, entrou em crise de choro abundante. Depois
desse episódio, Rafael nunca mais pisou na igreja. Tentei
conversar com ele e me retratar, mas foi em vão

Algumas semanas depois ele saiu de casa e até ho-


je não o vi mais. Quando Rafael foi embora, evidentemen-
te muito decepcionado comigo, Marisa entrou em proces-
so de crise emocional e nossa relação conjugal tornou-se
154

cada vez mais difícil. Discussões e mais discussões acalo-


radas passaram a fazer parte do ambiente, que em tese,
deveria ser um “doce lar”. A família começou a se desmo-
ronar por entre os meus dedos. Meu desejo ávido por per-
feição culminou em perfeccionismo desenfreado e vil. Per-
cebi, tardiamente, que quanto mais organização e discipli-
na eu procurava ver do lado de fora e na vida dos outros,
mais desorganizado e indisciplinado eu ficava por dentro!
Isso tornou-se contagiante à medida em que já não tinha
controle sobre minhas emoções mais concisas.
155

O chacoalhão

O ano da “bomba que estourou nas minhas mãos”,


foi o de 2016. Nestas alturas, minha filha Roseane, já es-
tava com quase 29 anos. Ela deixou a igreja. Decidiu se-
guir o próprio caminho amigando-se com um rapaz que
conheceu na faculdade.

Desde que meus filhos eram crianças, eu pratica-


mente os obrigava a estar em todos os cultos. A família
toda reunida. Eu, Marisa e as crianças, chovesse ou fizes-
se sol. Eles tinham de dar exemplo de boas maneiras, eu
não aceitava falhas, caso se comportassem fora das re-
gras estabelecidas, o castigo vinha de modo implacável,
não tinha negociata nem acordo.

Em Setembro do ano de 2016, um casal de nossa


igreja me procurou para aconselhamento. Queriam divor-
ciar-se em função das constantes crises conjugais.
156

Marquei com eles em meu gabinete. Enquanto es-


tava ouvindo o casal, Marisa apareceu justamente naquela
mesma hora. Batendo fortemente na porta do recinto pas-
toral, gritava pelo meu nome. Demonstrando um nervo-
sismo extremado, dizia que queria falar comigo de qual-
quer jeito. Pedi licença ao casal. Abri a porta. Com os
olhos cheio de lágrimas, Marisa olhou para mim e disse:
acabou. Tirou a aliança do dedo e a jogou contra meu pei-
to. Disse ainda mais -- Se sua família é apenas sua mis-
são, a igreja e o ministério, não existe mais razão para eu
viver com você. Eu te amei Martins, te amei muito! Você
casou comigo mas vive com a igreja. Nosso casamento
está insustentável. Não tenho meus filhos comigo, minha
vida está apática e triste e não tenho como viver mais
nesse estado. Fiquei deveras apreensivo com aquela cena.
Neste interim, o casal que veio me pedir conselhos ficou
abismado ao presenciar aquela situação lamentável. Ten-
tei segurar as emoções mas não pude. Confesso que perdi
o controle e sem um nexo aparente que fosse ao menos
justificável, tentei convencer Marisa a se acalmar e pensar
melhor a decisão radical que estava prestes a tomar. Mi-
157

nha esposa saiu do gabinete sem dizer adeus e sem olhar


para trás. Não tive mais condições de dar continuidade ao
aconselhamento e, então, marquei um outro dia com o
casal. Pedi que não contasse a ninguém o que eles tinham
presenciado ali. Depois desse episódio, ainda permaneci
cerca de 5 horas dentro do gabinete andando em círculos.
Pensamentos sarcásticos e dolorosos se sacudiam dentro
de mim.

Minha secretária, Suelly, certamente escutou todos


os detalhes do “bate boca”. Isso me causou um vergonha
sem igual! Exausto e visivelmente abalado, peguei minha
pasta e subi as escadas que davam acesso a casa pasto-
ral. Indo até o quarto, coloquei a pasta em cima do criado
mudo. Quando fui guardar meu paletó no guarda roupa,
constatei que a parte reservada as roupas de Marisa, es-
tava vazia. Ela foi embora para a casa dos pais dela. Sen-
tei na beirada da cama, elevei as duas mãos a cabeça e
lamentei: meu Deus, o que foi que eu fiz? Ali meu mundo
desabou. Ali, dei de cara com a realidade cruel, sádica e
158

fria de uma vida toda vivida sem as ancoras necessárias


da sabedoria as possibilidades de vivencias coletivas pos-
síveis. Então, descontrolado, não vi saída possível para
aquela situação malogra e dolorosa que caiu sobre minha
cabeça. Não “tinha mais cabeça” para pensar de modo
sensato, não tinha mais ânimo para a missão a qual quis
levar a ferro e fogo.

Meu perfeccionismo me puniu e minha não habili-


dade em saber separar as coisas, baniu de mim as espe-
ranças de virada de paradigma. Rasguei literalmente mi-
nha credencial. Coloquei minhas coisas em caixas de pa-
pelão e fui para Suzano, município de São Paulo. Lá, alu-
guel uma pequena casa de dois cômodos onde permaneci
como se fora um foragido. Nessa casa morei por cerca de
um ano e seis meses.

Deletei todos os meus contatos. Não queria falar


com ninguém. Alguns meses mais tarde, arrisquei em pro-
curar saber de Marisa. Então, me veio a triste e dolorosa
159

notícia de que a mulher com quem casei e tive dois filhos,


falecera num terrível acidente de carro.

O impacto em meu coração foi grande ao dar de


cara com a não mais possibilidade de lhe pedir perdão.

Tardiamente, deparei-me com a lógica da coisa. Na


verdade, eu não era vítima da boca dos outros. Vi em
mim mesmo, a presença tácita e clara da culpa derivada
da negligência com relação aos outros e aos meus princi-
palmente, dado minhas ações cegas, impensadas, não
comedidas e portanto incoerentes.

Levantei meus olhos para o alto. Me vi como uma


criança carente de afago e consolo. Meu rosto revelou-se
pálido. Estava aos frangalhos. Mais que isso, eu parecia
um retalho humano, esfarrapado, informe de alma e espí-
rito, muito desejoso do abraço de Deus. Entrementes, caí
por terra, literalmente.
160

Meu corpo fragilizado e esparramado pelo chão se-


co tremia de angústia. Minha oração em súplicas manifes-
tava-se como murmúrios sem palavras audíveis nem com-
preensíveis. Caso alguém pudesse escutar-me, não me
entenderia, por causa da falta de nexo daquilo que saía de
minha boca de modo abafado e estafante. Choro e saliva
misturavam-se enquanto minha pobre face tocava meio
forte o chão frio e ríspido naquela sala, a qual parecia po-
der sentir meu estado dúbio e vil.

Se eu pudesse retornar no tempo, teria pensado


um milhão de vezes antes de me lançar como aluno do
curso de teologia, por meio do qual, eu teria conhecimen-
tos para, depois, atuar na qualidade de pastor de uma
grande igreja aqui na grande cidade de São Paulo. Será
mesmo que me arrependi? E se me arrependi, quais ou
que tipos de situações me levou a querer “cavar um bura-
co no chão e me auto enterrar vivo”? Então, eu disse para
mim mesmo: Levantar-me-ei e irei ter com minha família
161

e dir-lhe-ei : família, pequei contra os céus e contra ti.


Não sou digno de ser chamado de pai nem de marido.

Qual será a reação? Caindo em si e constatando o


óbvio, não poderia deixar para amanhã, pois, o amanhã
poderia ser tarde. Teria de agir antes que o colapso defi-
nitivo do fim do tempo, viesse bater em minha porta.

Meu sonho se intensificou ainda mais. Não deixei o


pastorado. Não havia me afastado em definitivo do evan-
gelho, embora tivesse dilacerado minha credencial e mer-
gulhado de corpo inteiro na vergonha moral do “tamanho
do mundo”. Eu sabia que a unção de Deus ainda estava
dentro de mim. Meu real problema não estava na unção
nem em Deus, mas na minha índole. Por mais doído que
fosse àquela situação malogra e exacerbadamente icônica
que me afetara de modo certeiro e contundente, tudo o
que o diabo queria, era me ver morto. Se minha esposa e
filhos estavam ausentes, muito por motivos de meu pró-
prio orgulho e senso débil de perfeição, eu não teria mais
162

nada a perder? Se tudo o que construí ao longo desses


anos de vida tinha literalmente “ido pro ralo”, certamente
não tinha mais nada a perder certo? Bem, pensei seria-
mente nisso. Satanás estava prestes a dar o xeque mate.
Minha dor psicológica, misturada a remorsos pesados,
principalmente por não ter conquistado a confiança de
minha querida família, me corroía aos poucos, mas de
modo intenso.

Minha alma suava, meu coração se estremecia de


pesar por não poder recuperar o tempo perdido! Me vi
deitado na cama do escárnio, me vi debaixo de um zim-
bro. Cadê aquele homem eloquente que quando abria a
boca Deus falava no meio do povo?

Cadê aquele teólogo, profundo conhecedor disso ou


daquilo, exegese, hermenêutica etc. como essas coisas
agora iriam me fazer sossegar o coração que só faltava
sair do peito de tanto bater forte! Cadê aquele homem
destemido, cheio de coragem e vigor? Ficou no passado?
163

Se minha esposa se foi e meus filhos desaparece-


ram, então, o maior inimigo de minha alma, iria dar um
sorriso debochado e, não apenas, mas também o xeque
mate certo? Confesso, eu estava prostrado esperando
passivamente a espada de meu adversário atingir fatal-
mente meu pescoço fazendo rolar minha cabeça e ruir to-
dos os meus sonhos em definitivo.

Confesso, eu estava sem nenhuma força. Aliás, eu


a procurava na tentativa de sair do fundo do poço. Será
mesmo que meus sonhos se resumiriam com meu sangue
esparramado pelo chão?

Será mesmo que depois de tudo, o saldo final seria


a risada do diabo em face de minha derrota? Com meu
rosto banhado das lágrimas quentes, vertidas dos meus
olhos tristes, gritei loucamente aos céus. Ali, já não mais
estava o teólogo, e sim, um ungido de Deus, prestes a ser
sugado pela angustia estafante que lhe afetava de todo.
Quando me dei conta de que todos os pontos negativos
164

estavam ligados para legitimar minha desistência cabal do


evangelho, só faltava eu dar um sim positivo afim de selar
minha vontade. Aquele foi um dos momentos mais difíceis
de toda minha vida. Falar sério com Deus.

Ao erguer minha face para o alto, antes que come-


çasse quaisquer justificativas e/ou razões de meus argu-
mentos, eis que a vós do todo poderoso, interrompeu as
intenções fortuitas de meu pobre espírito e me disse: cal-
ma soldado, afinal eu ainda não dei a última palavra! Sou
eu o Senhor Deus de Isaque, Abraão e Jacó, conheço a ti
e tenho observado todos os teus caminhos, por quais ra-
zões realmente acreditas que deves ficar frustrado e com
desejo de morte pelo que se passou?

Tu realmente pensas que não te conheço? Real-


mente estás seguro de que todas as situações difíceis pe-
las quais passásseis, foras tu o único culpado? Por quais
motivos, pretendes carregar em teus ombros, culpas
alheias junto com as tuas?
165

Tu tens erros grandes, de fato, mas tu não é cul-


pado do sofrimento de todos! Todos os homens são res-
ponsáveis pelos seus atos em face da liberdade que pos-
suem, tu serás julgado pelas tuas ações, e não pelas
ações alheias! Fique atento, levanta-te e te põe de pé,
pois a obra ainda não terminou! Aliás, a jornada é longa,
há muitas almas a ganhar para o reino, e, para tanto, dei-
xa eu te usar no poder de minha unção depositada em ti
para o louvor e poder de minha glória!

A vos de Deus ainda ecoava dentro de mim, en-


quanto meu espírito teimoso, insistia em se prender no
caos de meu narcisismo obtuso e rígido. Porque me era
tão penoso reconhecer o óbvio? Como me recuperar do
baque que parecia um gigante bloco de pedra sobre meu
corpo, o qual, ansiava por refrigério diante do calor ardo-
roso da tribulação espúria que não me cedia um minuto
de alívio sequer? Eu sentia a presença de Deus ali, mesmo
enquanto eu gemia, devido as dores psicológicas seguidas
de respostas somáticas. Mas meu inimigo também estava
166

ali. Esse tal, havia usado pessoas para me derrubar do


altar. Agora, ele ansiava furiosamente para ver de cama-
rote, o momento de meu esfacelamento integral. Aí sim,
ele teria dado o xeque mate. Digo teria, faço uso dessa
condicional, pois eu não poderia permitir tal.

Como viabilizar a virada de paradigmas? De que jei-


to não dar bolas para a dor e o escárnio alheio, se a dor
me era tão presente e evidente no mais alto grau de seu
sentido? Como negar a mim mesmo no meio da penúria e
fazer gerar a força vital que gritava no fundo de meu ser
por liberdade? Como transformar essa força em potência
numa dinamite operante por meio das armas de Deus?

A vida é desafio. Viver é puro desafio. O principal


desafio de todos é o desafiar a si mesmo, como o ato inin-
terrupto de esmurrar a si mesmo, não dando lugar ao
complexo de vítima, antes, se pondo na frente da batalha,
sem titubear. Vencer não é uma questão de sorte, mas de
atitude. Não é qualquer atitude que me conduzirá a vitó-
167

ria, mas sim aquela que for confeccionada nos trilhos mi-
nuciosos do espírito, atento e aberto na esfera do divino,
pois, é dessa estreita e necessária relação, que os cami-
nhos são aplainados, tornando-se mais claros e concisos,
em prol de vivencias mais humanas e pacíficas. Recupera-
ria minha posição de pastor e teria condições objetivas de
ministrar a palavra depois de tudo o que passei?

Qual eu preferiria; engolir o xeque mate do diabo


ou me lançar nos braços de Deus e ser reconstruído no-
vamente como num efeito de um novo vaso? Bem, como
eu não queria e nem pretendo passar por esta existência
dos sentidos sensórios como se fosse um folha em bran-
co... decidi por Deus me reconstruir e terminar os próxi-
mos capítulos de minha história.

Se os primeiros capítulos pareciam evidenciar o


meu fim, certamente, os últimos me farão contar e cantar
a minha vitória, pois, por mais esfarrapado que esteja, eu
ainda alimento no fundo do meu peito, a ânsia da espe-
168

rança de rever meus filhos e me retratar. Tá ... mas... e o


xeque mate do diabo? Aha, convenhamos amigos leito-
res (as), o diabo sempre foi e sempre será um perdedor,
afinal, nós temos um grande Senhor e Salvador, ele é o
dono do universo. Seu nome é Jesus!

A vida é desafio e bela em simultâneo. A vida é


dramática e traumática idem. As muitas comédias e entre-
tenimentos não podem apagar o peso do trágico. As rosas
são carregadas de espinhos e esses são características
peculiares do ser das rosas que apesar da presença dos
tais em seus corpos, não nos negam seu perfume e beleza
que saltam aos olhos de quem as observa! O lutador não
está isento de receber golpes, muitas vezes golpes pesa-
dos, dolorosos. O olho roxo, suor e sangue do lutador são
marcas típicas do espírito de luta. Minha genialidade e
meus talentos não inibem o escárnio e o desdém que sur-
gem de “fora”, como setas contra minha auto estima. O
escárnio e o deboche, hoje, constituem a gasolina do meu
empenho e a vitamina que fortalece meus músculos espi-
169

rituais que me conduzem para o alvo. Essa experiência


com minha esposa e filhos, realmente me causou dor,
mas também me fortaleceu! Meu perfeccionismo se con-
verteu em performance de espírito, atento e aberto às
possibilidades de Deus e em Deus. Não mais ando con-
forme a conveniência de minhas vontades, estou focado
em decisões lúcidas, sei em quem tenho crido. Agora, sei
o que quero e o que pretendo. Estou convencido de que
minha maior arma vem de Deus e nada poderá me segu-
rar em face desse imperativo categórico: vencer, vencer e
vencer! Retornaria ao arado? Decisão difícil, mas... O que
você faria se caso estivesse no meu lugar, retomaria o
posto ministerial ou não?
170

Certamente me tornei um pastor melhor ao assu-


mir humildemente a grande necessidade de lutar contra
mim mesmo no sentido de superar meu ego conciso,
contundente. Pois, era preciso, mais que nunca, ter de
proceder do modo que teria de ter procedido muito antes.
Eu não poderia, de jeito algum, esperar o sono vir a fim
de começar a sonhar com dias possivelmente melhores.
Eu tinha que me ater aquilo que era urgente enquanto eu
estava acordado! Então, acordado, sonhei em como con-
quistar a própria família para Deus, ( ou pelo menos parte
do que sobrou dela) e, sobretudo, para o louvor e a glória
de Deus. Meus filhos estão bastante magoados comigo.
Todos os dias eu oro, sonho e desejo avidamente reen-
contra-los, para pelo menos tentar reparar o grave erro
que cometi. Eu tinha de proceder o mais breve possível. O
sol não poderia se por em definitivo sem que antes eu
dominasse a mim mesmo! Passei anos de minha vida lu-
tando contra meus “adversários que estavam fora”, até
me dar conta de que eu seria de fato um vencedor se fos-
se capaz de domar meu egoísmo teimoso contundente e
destrutivo. No meu sonho fui capaz de conquistar a mon-
171

tanha, mas na vida real, deixei a desejar em função de


meu senso neurótico perfeccionista. Não obstante o caos
que me veio, ainda me resta um pedaço de tempo. Me
servirei desse fragmento para finalmente poder dar o bra-
do de vitória.

De cima do monte me veio a palavra; desce e diga ao povo que


marche! Então, desci. Então, sofri. Diante do desafio,
perguntei: de onde me virá o socorro? A vos de trovão
respondeu: do Senhor, o qual fizera o céu e a terra!
172

Me chamastes antes que eu fosse formado no


ventre de minha mãe. Pusestes em mim teu Espírito e
me confiastes essa missão cuja causa é tua. Teu
querer e perfeita vontade revelaram-se nobres em
meus caminhos. Embora meus planos pessoais me
impelissem à outros fins, minhas justificativas se
mostraram frágeis diante de ti. Anos e mais anos de
minha vida. Achei ser forte sem ser.
Noites e mais noites mau dormidas, não foram
suficientes para que eu viesse a dar conta de minhas
atitudes não adequadas aos propósitos elevados do teu
santo altar. Lhe peço que renove meu ser.
Faça de mim um novo vaso em tua presença e
não retires de mim o teu espírito. Depois desse vale,
aprendi a lição. O coração de um líder lutador, precisa
ser forjado no caldeirão da humildade e da disposição
incondicional de servir fielmente aquele que o chamou
para essa maravilhosa obra.
173

Uma questão de consciência

No calar do dia me vejo jogado contra meu ser


posto em evidencia tácita real.

Minha verdadeira face revelando meu verda-


deiro eu que se insere no fosso calado de um espírito que
surra a si mesmo, diante do indelével, febril tempo da fal-
ta de ânimo válido para fins de guerra.

Porque me perturbaria diante de meu futuro tão


distante e incompreensível, de meu passado tão rústico e
de meu presente tão ansioso por dias melhores?

Como me afetaria em bom sentido, na esperança


de produzir em mim, uma certa cota de sinceridade, que
pudesse, imprimir em meu peito alguma clareza evidente
e razoavelmente posta em nitidez rumo a perfeição?
174

Porque eu percorreria tal, donde extrairia o possível


do ponto de vista do solúvel se o óbvio estava bem diante
de meus olhos os quais teimavam em não ver! A pior ce-
gueira corresponde aquela em que teimamos em não ver!

( Assim como diz o ditado popular: o pior cego


é aquele que...) Marisa não teve culpa do que aconteceu.
Na verdade, ela sempre foi inocente quanto a esses pro-
blemas que nos sobreveio depois que casei com ela.

Se o fenômeno do perfeccionismo tomou conta


de meu coração, foi porque não queria lidar de modo legí-
timo com minhas imperfeições concisas e impregnadas
naturalmente em meu ser natural humano. Em outros
termos, meu senso de querer o perfeito aqui na existência
do mundo natural, iria matar minhas esperanças com re-
lação a minha família e meu ministério, caso eu não mu-
dasse o curso de minhas ações! Na esfera humana não
existe o 100% perfeito. Caso alguém buscar isso aqui,
inevitavelmente dará de cara com a Sra. Utopia
175

O preço do tempo

Num surrado banco de praça, estava um Sr. De 95


anos de vida, lendo seu jornal predileto. Era um empresá-
rio muito bem sucedido nos negócios.

Logo depois, um jovem de 25 anos de idade, vinha


vindo em direção a ele e sentou-se do lado. O jovem mos-
trava-se muito inquieto. Parecia nervoso demais.

Então, aquele Sr. percebendo tal inquietação, inda-


gou: O que lhe acontece rapaz, porque esse desespero
todo se vejo uma face tão jovial?

O moço olhou para o idoso e devolveu: Simples-


mente estou desempregado e não sei o que vou fazer pa-
ra pagar minhas contas!

O empresário então lhe fez uma proposta inusita-


da: Te dou $95 milhões em troca de sua idade.
176

Eu fico sem dinheiro e com sua idade. Você fica


com minha idade e rico, topa?

O jovem, arregalou os olhos, depois olhou para o


chão, pensou, pensou e pensou de novo. Erguendo a ca-
beça, fitou bem os olhos azuis do empresário idoso e fri-
sou: Não, não meu Sr.; Meu muito obrigado pela oferta,
pode ficar com seu dinheiro e sua idade, pois vejo agora
que o tempo não tem preço!

O jovem levantou-se e saiu depressa como quem


não queria perder nem um só minuto sequer de seu pre-
cioso tempo.

O empresário, apreensivo, ficara visivelmente sem


jeito. Colocou o jornal numa das pernas e cruzou os bra-
ços. Lançando seus olhos cansados no vazio do horizonte
daquele belo fim de tarde, murmurou: se se tão somente
eu tivesse antes tido a mesma coragem que esse jovem
177

acabou de ter, talvez, hoje eu ainda teria minha querida


família comigo!

Das idas e vindas do vento, do


despertar do dia que logo dá lugar a noite, procuro
o ponto x da questão que me coloca diante dos
desafios diversos, afim de que dentro do tempo
hábil, possa cumprir a cota de minha tarefa
enquanto um ser que vai retornando aos poucos
para casa. A viagem de volta ao lar, me dá a
sensação de um descontínuo, como que um
evaporar-se de um ser que respira os parcos
pedaços de ar que ainda lhe restam.
Não posso vacilar. Esta é a única
oportunidade da qual disponho de não deixar a
timidez e/ou medo ofuscar meus olhos! Peço a
Deus, todos os dias, sabedoria de modo que saiba
corrigir meus passos e endireitar minhas veredas,
fazendo com que o tempo presente, não seja
faltoso de sentido possível.
Meu ser, não pode se perder, antes
do fazer acontecer, os propósitos nobres que o pai
das luzes me confiou. Não necessariamente como
forma de justificar a mim mesmo, mas de
adequação lúcida da ação à unção pujante no
núcleo central de um coração vencedor.
178

Tempo meu, tempo meu; porque não te apiedas de mim e


não me esperas a resolver minhas pendencias? Porque corres tão de-
pressa e não me permites um fôlego extra, afim de que possa reparar
o que deixei para trás e que me seria tão bom caso pudesse rever, o
que teria de ter feito antes... sabe... tempo meu, seu teimoso impla-
cável! Todos os dias vou me consumindo como que sumindo literal-
mente do mapa do universo. Muito do que eu deveria fazer, não fiz.
Então o tempo me respondeu: Agora é tarde! O que me é de mais
caro vai se esvaindo por entre meus dedos. Meu ser se perde de mim
à medida que o tempo se esgota pelo esgotar de minhas forças. Não
179

me é dado o recuperar do ontem. O ontem se passou e o hoje passa,


ficando para trás todas as esperanças do retorno. Não há o retornar
possível, mas sim a oportunidade do chamado agora.

O tempo precioso tem esse nome. Agora. Caso contrário o


nunca se fará presente de modo eterno, mas neste ponto, não haverá
mais um corpo vivo e consciente de si e do mundo para nele se ex-
pressar e viver intensamente. Nisto, se instaura a responsabilidade
integral de mim mesmo, afim de assumir de modo oportuno, e, até
mesmo importunamente, o que está ainda diante de mim.

Atuar, atuar, atuar e não parar! Fazer valer cada segundo dos
pedaços de respiração, das afetações e experiências da existência que
ainda me impacta e me determina. Meu ser não pode ir sem primeiro
cumprir a que veio. Passar como uma folha em branco por esta exis-
tência dos sentidos sensórios é o mesmo que viver sem viver.

Não quero acordar na estação de chegada, antes disso, quero


viajar neste trem da vida, mas vendo e vivendo na pele, o senso do
frio e calor, do vento, da brisa e contemplar as belas paisagens da
vida na vida. Afinal, a vida é cara demais para simplesmente ser lan-
çada fora como se fosse um objeto qualquer. Dar prioridade as coisas
prioritárias e não lançar meus resquícios de tempo ao leu nem aos
ventos. Forjar a mim mesmo na luz do espírito em conexão ao Espíri-
180

to Santo cuja eficiência operante me induz e me conduz a trilhar ve-


redas embebidas abundantemente dos desafios no ato do viver e do
fazer no dia-a-dia. Nutrir meu coração com palavras boas.

Sorrir para alguém. Me dispor das nuances sutis de um racio-


cínio antenado e afiado de modo a por em evidencia, ações categóri-
cas no curso da luta incessante. Dizer não ao desânimo. Dizer sim a
vida. Caso esta se mostrar difícil, se tornará fácil à medida em que a
renovação do propósito e mente estiverem focados.

Sobrepujar a dor e os desdéns alheios, vencer a si mesmo.


Não implica aqui necessariamente proceder como no uso indiscrimi-
nado de palavras vazias na ânsia de se ver livre do impacto implacá-
vel do mundo como num efeito de positividade ou auto ajuda.

Muito diferente disso, vencer, implica ação categórica consci-


ente e não o resultado de sorte, uma vez que a sorte geralmente está
vinculada a um espírito preparado e que busca a visão por antecipa-
ção. Ver o que ninguém vê. Ver o invisível. Ver o que parece loucura
aos olhos de muitos. Ver na luz de Deus não é o mesmo que ver de
qualquer modo.
181

Considerações finais

Alguma vez você já refletiu que quando estamos


enfraquecidos sofremos todos os tipos de julgamento e
como se não bastasse, ainda fazem venenos mortíferos de
modo que venhamos a morrer de vez? Estando Martins,
em face de lamentos e exclamações como: “a lamuria me
afetou de todo, de maneira contundente.

Me vi aos farrapos como que jogado literalmente


contra a parede do escárnio e do senso de solidão cômica
sutil. Minha alma contorcendo-se dentro de mim, ansiava
por um pedaço de refrigério que fosse. Entrementes, o
Espírito que tudo sabe e tudo vê, falou de modo claro em
meu coração: calma meu servo, não despedaces a tua fé,
e não abra mão de suas esperanças nesta altura de tua
vida, pois, eu sou aquele que lhe pode conferir saída real
mesmo onde não há saída possível! Se os espíritos do
contra, perceber que você está conseguindo sair da lama,
182

então meu amigo e companheiro, se prepare para a guer-


ra! Isto é, estás enfraquecido, então vão procurar te ferir.
Estás saindo da lama? Então vão querer te matar!

Outro dia fiz uma pergunta a um grupo de pessoas


que vieram me visitar: Quem de vocês pode me dizer qual
é o momento em que o soldado sofre mais, quando está
treinando ou quando está na guerra? Acertaram, quando
ele está treinando! Quando você está totalmente despre-
parado, as lições de treinamento para a guerra são difí-
ceis, dolorosas e o desânimo quer se fazer presente e fa-
zer de nós “gatos e sapatos”! Do contrário, um soldado
que passou nos testes de resistência e foi submetido a
todo o tipo de experiência traumática, necessária à sua
formação, se torna uma máquina humana pronto para a
batalha! Isso não significa que ele se tornou um imortal,
ou um dos heróis das muitas cenas cinematográficas,
mas adquiriu maiores condições afim de atuar em missões
difíceis do ponto de vista do combate em termos de ata-
que e defesa. “Você consegue imaginar neste seu mo-
183

mento de vida, como a solidão e o sentimento de vazio


tem o poder de nos fragilizar e nos trancar em correntes
encadeadas de forças psicológicas, a ponto de nos confe-
rir a certeza inequívoca de que o fim chegou? Consegues
porventura, sopesar ou fazer um balanço de seus dias
passados e relembrar quantas idas e vindas fizeram você
chorar, inclusive, “poços de lágrimas”, por situações que
não pode resolver e experiências traumáticas que te mar-
caram até os dias atuais?

“O que dizer o que falar. Quando dizer e


quando calar. Se ao calar sou afetado pelas consequências
de meu não dito, e, se no ato do dizer me vejo julgado pelo
que disse. A lguém me entendeu e me agradeceu. Outro, se
sentiu ofendido, por isso, me puniu com seu banimento
num efeito de cancelamento. A quem agradar no ato de
falar, a quem agradar pelo ato do calar. Há muitas
palavras douradas que nos enriquecem, há muitas outras
prateadas que nos enobrecem. Alguém ao ler um livro de
mil páginas, voltou a sua vida normal cotidiana. Outro
alguém, ao ler um livreto de dez páginas, teve sua vida
completamente transformada! De ditos e não ditos, vão
indo as pessoas no mundo dos fenômenos, no qual tudo o
que se precisa ouvir para se viver bem e feliz, são as
palavras eletras na forma eno som do puro silêncio”.
Samuel S.S.
184

Já conferistes qual é a cota de esperança que ainda


lhe resta afim de ver a glória de Deus enquanto ainda é
dia? A noite vem, queiramos ou não, a noite vem! Ministro
do evangelho, em nome de Jesus, deixe-me te comunicar
algo que você já sabe, mas que não reflete muito, talvez
dado a aflição que lhe afeta hoje. Se se só faltam algumas
horas para o nosso dia terminar, então não vamos termi-
nar nosso tempo restante deitados! Afinal, somos solda-
dos de Cristo e servos de Deus pai. Usemos a espada do
espírito com força, fé, coragem, e amor. Pelo viés do po-
der daquele que nos enviou, pois, soldado de Deus não
abaixa a cabeça, antes disso, está sempre pronto a lutar
em prol das causas do reino pelo poder operante e efici-
ente do Espírito Santo.

Permita-me a redundância... cuide-se !

O autor.
185

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