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O ENCONTRO DOS MÍSTICOS DO CARMELOCOM

A ESPIRITUALIDADE DA LIBERTAÇÃO

O encontro só é possível entre duas pessoas, dois sujeitos, esses precisam ter suas
identidades bem definidas. Isso não impede que o encontro seja um momento de enriquecimento
mútuo, bem pelo contrário, as relações interpessoais nos fazem crescer, amadurecer, enfim, elas
nos enriquecem. Falar de um possível encontro entre a Espiritualidade da Libertação e os
Místicos do Carmelo1 é proporcionar um diálogo entre duas grandes linhas da espiritualidade
cristã, permitindo assim que ambas sejam enriquecidas. O Espírito Santo, inspirador dessas duas
correntes, é quem garante a unidade e a diversidade entre elas. Além de serem suscitadas pelo
mesmo Espírito, ambas têm como centro o Reino de Deus, embora acentue mais um ou outro
aspecto para nele chegarmos. Elas estão vinculadas a uma mesma origem e a um mesmo fim.
Nesse encontro não procuraremos fazer uma mera comparação para perceber as semelhanças e
diferenças, mas buscaremos elaborar uma síntese de ambas para vivermos a espiritualidade em
nosso contexto atual.
Inicialmente precisamos nos convencer de que esse encontro é importante, sem essa
disposição torna-se difícil de realizá-lo com profundidade. Assim, a nossa investigação deve
partir da pergunta: Por que fazer um encontro entre os Místicos do Carmelo e a Espiritualidade da
Libertação? Podemos pensar que o simples fato de serem linhas de espiritualidade distanciada
pelos séculos basta para justificar tal aproximação. No entanto, nesse caso o objetivo do nosso
estudo seria apenas aproximá-las para compará-las, não seria um verdadeiro encontro, pois não
haveria diálogo e nem crescimento mútuo.
Conforme nos lembra o filósofo Ortega, “o homem é fruto do seu contexto”. Arrancar
uma pessoa, um pensamento e mesmo uma espiritualidade de seu contexto é assassiná-la. Os
Místicos do Carmelo são frutos de uma época e, que por sinal era muito diversa da nossa
realidade latino-americana do século XXI. Isso exige que sejam feitas releituras de suas obras e
de suas espiritualidades, essas ocorrem a partir do contexto do leitor. Quem sabe aqui estaria o
sentido desse encontro. A Espiritualidade da Libertação está inserida nesse novo contexto, mais

1
Essa aproximação já foi feita por outros autores, portanto, não é uma iniciativa original. Destaco aqui alguns
autores: Camilo Maccise; Gustavo Gutiérrez; Pedro Casaldáliga e José María Vigil.
do que isso, ela nasce da práxis que nele vai acontecendo em vista de libertação. É nesse contexto
de opressão que devem ser lidos os Místicos do Carmelo.
Além disso, Gustavo Gutiérrez, na sua célebre obra “Beber no próprio poço” lembra:

Existe uma grande riqueza nos caminhos que a comunidade cristã foi encontrando,
ao longo da história, para o seguimento de Jesus. Esta é uma experiência à qual
não podemos renunciar. Esta tradição deve ser aproveitada para enriquecermos a
atual vivência espiritual do povo pobre2.

Desse modo o encontro entre ambas correntes de espiritualidade proporcionaria não


apenas a releitura dos Místicos do Carmelo, mas também o enriquecimento da Espiritualidade da
Libertação. Nesse caso, a espiritualidade dos Místicos do Carmelo se tornaria uma fonte na qual o
povo cansado encontrasse água abundante que o saciasse e os animassem na luta por libertação.
Tendo respondido a questão sobre a finalidade desse encontro, procuraremos realizá-lo da
melhor forma. Por isso, faz-se necessário conceituar o que entendemos por “Místicos do
Carmelo” e o que entendemos por “Espiritualidade da Libertação”. Ao falar de Místicos do
Carmelo não estamos nos referindo a toda a espiritualidade carmelitana, mas a experiência de
alguns santos carmelitas, não são eles os únicos místicos dessa família religiosa, mas são os mais
conhecidos, além disso neles encontramos pontos em comuns, a saber: Santa Teresa de Jesus, São
João da Cruz e Santa Teresinha do Menino Jesus. Por Espiritualidade da Libertação entendemos
o movimento popular que nasceu na América Latina à luz do Vaticano II e das Conferências
Episcopais de Medellín e Puebla na busca por libertação. Tendo essas definições presentes
passaremos a caracterizá-los.

1 - OS MÍSTICOS DO CARMELO

Camilo Maccise, citando o teólogo Jesús Castellano, pontualiza algumas questões sobre
os místicos:

Existem mais místicos que se pensa; os místicos têm uma experiência cristã e
eclesial muito próxima aos problemas da vida da Igreja, com capacidade de abrir
novos horizontes à evangelização; que os místicos autênticos são pessoas cheias de
realismo, equilíbrio, humanidade, capacidade de ação e de relação, de criatividade.
2
Gustavo GUTIÉRREZ. Beber no próprio poço: itinerário espiritual de um povo, p. 45.
Finalmente, que a mística verdadeira está longe de ser uma evasão da realidade
porque, se é autêntica, lança as pessoas pelos caminhos da história3.

Isso nos permite situarmos os Místicos do Carmelo, eles não são pessoas desligadas da
realidade ou alheias a história, bem pelo contrário, são pessoas cheias de dinamismo e capacidade
de responder aos anseios de seus tempos. Como autênticos místicos, os do Carmelo, foram
agentes de transformação social em seu tempo.
Entre os elementos comuns que nitidamente percebemos nos Místicos do Carmelo está a
valorização da história pessoal de cada um. Deus parte do concreto, da vivência, assim, a vida é o
ponto inicial da espiritualidade. Santa Teresa, mulher carismática, de agradável conversação,
percebe que Deus está presente em nós e se comunica a nós 4. O relacionamento humano serve-lhe
de base para o relacionamento com o Divino. Desse modo, a oração é parra Teresa, nada mais do
que, “um trato de amizade com aquele que sabemos que nos ama” 5. São João da Cruz, homem de
grande profundidade interior, conhecedor da pobreza e da miséria participa dos sofrimentos de
Cristo. São João da Cruz não para na “noite escura”, mas procura nela encontrar a presença de
Deus, Deus será a “Chama Viva” que transformará o coração humano em amor. O amor é o
grande agente de transformação social. Santa Teresinha, órfã de mãe aos quatro anos de idade,
recebe o carinho paterno, esse lhe permite criar confiança no amor do pai Celeste, que é todo
amor e bondade.
A vida não é apenas a base, é nela que acontece o encontro com o Senhor. Esse encontro
que não é apenas um acontecimento histórico, mas é um processo de tomada de consciência do
Absoluto de Deus em nossas vidas. Essa é a experiência fundante, referencial nas horas de
cansaço e desânimo, uma espécie de porto segura na hora da tempestade. O fruto desse encontro
é vasto e amplo, no entanto, não é autêntico se não nos aproximar de Deus e dos irmãos. Ele
permite atos de generosidade, de radicalidade na vivência do Evangelho, os mártires são os mais
fiéis testemunhos dessa verdade. Percebemos nos Místicos do Carmelo um intenso desejo de
doar-se totalmente a Deus e ao seu projeto. Teresa impulsionada por essa experiência coloca-se
como andarilha de Deus. João da Cruz trilha o caminho do despojamento total em vista do
3
Hay más místicos auténticos de los que se piensa; que los místicos tienen una experiencia cristiana y eclesial muy
cercana a los problemas de la vida de la Iglesia, com capacidad de abrir nuevos cauces a la evangelización; que los
místicos auténticos son personas llenas de realismo, equilibrio, humanidad, capacidad de acción y de relación, de
creatividad. Finalmente, que la mística verdadera está muy lejos de ser una evasión de la realidad, porque, si es
autêntica, lanza a las personas por los caminos de la historia.
4
Santa Teresa de JESUS. Obras Completas, p.
5
Ibidem, p.
seguimento a esse Absoluto. Teresinha sente seu coração ardendo de amor e de desejo de
anunciar o Evangelho, quer ser ao mesmo tempo: profeta, apóstola e mártir...
Há um outro elemento significativo em suas vidas: o amor e a vivência da pobreza. O
seguimento a Cristo passa pela pobreza. A riqueza é um empecilho para o seguimento. Aqui
deve-se ter o cuidado de não idolatrar a pobreza, ela não tem sentido em si mesma, bem pelo
contrário, ela é em muitos casos fruto da opressão dos poderosos. A pobreza deve ser vista na
mesma perspectiva vivida por Cristo. Ela é uma inserção no mundo dos preferidos de Deus, os
pobres. “Grandes muros são os da pobreza” 6, recordará Santa Teresa citando Santa Clara, a
pobreza nos livra de estarmos dependentes dos poderosos que por sustentar-nos limitam o nosso
anúncio do Evangelho. Em São João da Cruz a pobreza é um tema fundamental, ela se evidencia
principalmente na experiência inicial do Carmelo Reformado em Duruelo, a inserção no meio
dos pobres, alimentada pela oração contínua causava ao primeiro carmelita descalço um grande
contentamento7. Santa Teresinha trilhou um caminho espiritual de intensa preocupação com a
vivência da pobreza, a Infância espiritual nada mais é do que um colocar-se como pequeno, para
que Deus se coloque ao seu lado.

2 - ESPIRITUALIDADE DA LIBERTAÇÃO

A Espiritualidade da Libertação está inserida num contexto amplo que é a espiritualidade


cristã. Antes de conhecermos as suas principais características, procuraremos entender o que se
entende por espiritualidade. “O termo espiritualidade é relativamente recente na história da
Igreja. Tal expressão começa a ser empregada a partir do século XVII em ambientes religiosos
franceses, que viviam, então um momento de grande riqueza em contribuições e obras sobre este
assunto”8. Embora o termo seja recente, a sua vivência é bem mais antiga.
A palavra espiritualidade vem da palavra espírito. Esse termo teve várias compreensão na
história da humanidade. Procurando perceber o seu significado cristão analisaremos a
antropologia semítica e grega9. Para a antropologia semítica o homem era constituído de “Ruah”,
“Nefesh” e “Basar”. Por “Ruah” eles denominavam o sopro vital do ser humano e por “Nefesh”
designavam o pescoço, era por ele que o sopro vital passava, por ele passava portanto a
6
Santa Teresa de JESUS. Obras Completas, p 305
7
Cf. ibidem, p. 649-655.
8
Gustavo GUTIÉRREZ. Beber no próprio poço, p. 62-63.
9
Cf. Relatório da aula do dia 09/03/06 de Fundamentos de Espiritualidade no Itepa.
inspiração divina. Por “Basar” entendiam o barro ou o corpo. Esses três elementos estão unidos
entre si, não há dicotomia entre eles, pois são aspectos do mesmo ser humano, sem eles não há
vida. Já a antropologia grega concebia o ser humano formado por três elementos o “Soma”, o
“Pneuma” e o “Sarx”. Por “Soma” se entende a carne biológica, o corpo. Por “Pneuma” entendia-
se o espírito e por “Sarx” a negatividade ou a carne numa visão negativa. Na hierarquia grega
encontramos a seguinte ordem: em primeiro, o Pneuma; em segundo, o Soma e em terceiro o
Sarx. No encontro dessas duas culturas o termo semítico Basar foi traduzido por Soma e por Sarx
grego, dando ao aspecto do corpo um sentido negativo, o qual não havia para os hebreus. Nefesh
e Ruah semítico, foi traduzido por Pneuma grego. Disso decorreu dois erros, as coisas ligadas ao
Pneuma, ou seja, ao espírito foram tidas como mais importantes e a separação entre o espírito e
corpo.
Isso permitiu uma compreensão de espiritualidade dualista. De um lado está a vida
corporal, essa era sinônimo de pecado, do outro esta a vida espiritual, essa era compreendida
como algo alheio as coisas desse mundo. A vida espiritual tinha predomínio sobre a vida
corporal. Quem quisesse viver uma espiritualidade deveria negar o corpo e distanciar-se do
mundo, pois esse era visto como lugar do pecado. Nesse caso qualquer engajamento em causas
sociais era má visto, pois nada tinha de espiritual. Essa mentalidade não é coisa de um passado
muito distante, ela ainda está presente.
Gutiérrez cita dois enganos que ocorrem na compreensão da espiritualidade: “Durante
muito tempo, a espiritualidade cristã foi apresentada como uma questão das minorias. Ela parecia
ser propriedade de grupos seletos, de um certo modos fechados, e ligada, quase sempre, à
existência das ordens religiosas”10. “Freqüentemente o caminho espiritual é apresentado como
uma cultura de valores individuais orientada para o aperfeiçoamento pessoal” 11. Esses enganos
limitam a vivência de uma espiritualidade e consequentemente a própria ação de Deus.
Caracterizar de forma satisfatória a Espiritualidade da Libertação não é uma atividade
fácil, pois são muitos os elementos que a compõem. Assim procuraremos destacar os elementos
principais. Esse esclarecimento é importante para não reduzirmos a Espiritualidade da Libertação
ao que será dito.

10
Gustavo GUTIÉRREZ. Beber no próprio poço, p.23.
11
Ibidem, p.26.
O primeiro dado referente a essa espiritualidade é quanto a sua origem. Ela nasce da
experiência suscitada pelo Espírito no povo pobre que começa a se organizar em vista da
libertação. Como lembra Gutiérrez: em matéria de espiritualidade cada um deve beber no próprio
poço12. A experiência do povo pobre é fonte dessa nova espiritualidade. É ela quem produz a
própria água que saciará o peregrino cansado em busca da terra prometida. Por isso, tal
espiritualidade é conhecida como Espiritualidade Latino-americana já que nasceu em nosso
continente.
Ela é baseada na experiência fundante do povo de Israel, o êxodo. Nele, o povo de Deus
se organiza para enfrentar o faraó que lhes oprime a vida. Essa organização, que permitiu a
libertação, é vista como momento teofânico. Deus faz-se presente na luta de seu povo explorado.
Ele opta pelos fracos e caminha ao seu lado. É importante perceber que é o povo pobre o grande
sujeito desse processo. A essa experiência deve ser associada o exemplo da Igreja primitiva, que
vive valores tão profundos como a caridade, a solidariedade, a hospitalidade e a partilha. Essas
duas experiências são ao mesmo tempo base e inspiração para a Espiritualidade Latino-
americana.
Na origem dessa espiritualidade não está uma experiência pessoal, mas sim comunitária.
Quem sabe aqui esteja uma das grandes novidades. É o povo que faz a experiência, ele é o
sujeito. Essa fé comunitária permite ao povo rezar, celebrar, mas também se organizar na
sociedade em questões políticas. Por conseguinte não visa o bem pessoal, mas o bem da
comunidade. Não é a santificação pessoal, mas a construção de uma “nação santa”, essa passa
pelo viés da justiça.
A Espiritualidade da Libertação engaja-nos na sociedade. Não há dicotomia, a sociedade,
o mundo e mesmo a política não é visto como pecaminoso. Bem pelo contrário, a política passa a
ser vista como caminho de santidade.

“Santidade política” é uma expressão que fez sucesso nos último anos entre nós.
Sem dúvidas expressa com exatidão uma intuição muito viva na espiritualidade
latino-americana (...) É uma santidade que sai de si mesma e procura os irmãos.
seu objetivo não é alcançar a santidade própria, a perfeição de si mesmo, mas
conseguir a “vida em abundância” (Jo 10,10) para os irmãos. É uma santidade toda
ela voltada para o projeto de Deus para a nossa história... Uma santidade que não

12
Ibidem. p.17
foge da luta, nem da modernidade, nem do centro urbano, mas que os enfrenta a
partir do Espírito13.

Por fim é importante caracterizar essa espiritualidade na sua dinâmica: morte – vida;
opressão – libertação e cruz – ressurreição. A realidade latino-americana é de opressão, os nossos
povos passam pela cruz da miséria e da exploração, essa cultura da morte encontra a sua
superação no primado da vida. A ressurreição de Cristo é uma Boa notícia para os crucificados da
história. Disso decorre que na América Latina, a espiritualidade é fonte de esperança na luta por
libertação e na superação das situações de morte.
Essa libertação, que é construída pelo povo, passa pela cruz, o engajamento na causa do
Reino gera perseguidores. A vivência dessa espiritualidade deu a “Igreja dos Pobres” muitos
mártires. “A memória subversiva de tantos mártires é alimento forte da espiritualidade de nossas
comunidades e da resistência de nossos povos, caminho da libertação (...) Um povo ou uma Igreja
que se esquecem de seus mártires não merecem sobreviver” 14. Essa fé martirial não é apenas
vivência da radicalidade do Evangelho, mas ato de fé na ressurreição da história, ou seja, crença
que essas estruturas de injustiça serão transformadas.

3 – MÍSTICOS DO CARMELO E ESPIRITUALIDADE DA LIBERTAÇÃO: UM


CAMINHO PARA VIVENCIARMOS A ESPIRITUALIDADE HOJE.

Ao contrário do que se esperava, a pós-modernidade suscitou um espírito religioso. Essa


vivência da religião passa por algumas características importantes. Uma delas é a
desinstitucionalização da fé. A fé é vivida apenas numa dimensão pessoal, exclui qualquer
iniciativa de luta social. O que se busca muitas vezes é a sensação prazerosa que o encontro com
o sagrado causa. Esse tipo de espiritualidade é fruto do neoliberalismo, que prega o relativismo, o
hedonismo, o egoísmo e o consumismo. Essa mentalidade está presente no senso comum das
pessoas, propor-lhes outra espiritualidade não é uma empreitada fácil principalmente se esta
provém da tradição, no entanto, queremos mostrar que é necessário voltarmos a tradição
espiritual na nossa Igreja para superar essa vivência da fé alienante através de duas linhas
concretas, a da Libertação e a do Carmelo.
Dom Pedro Casaldáliga constata:
13
Pedro CASALDÁLIGA e José María VIGIL. Espiritualidade da Libertação, p. 201.
14
Ibidem, p. 182.
Toda a América Latina, que faz parte do Terceiro Mundo, atravessa por uma hora
de mundialização, de neoliberalismo, de pós-modernidade. Esta hora tem,
certamente, muito de “poder das trevas”, mas que deve ter muito mais, se
acreditarmos no Espírito, de “Kairós do Reino”15.

Esse “Kairós do Reino” é graça de Deus, mas é construção humana. A Espiritualidade da


Libertação e os Místicos do Carmelo nos ajudaram propondo princípios para que esse “tempo da
graça” aconteça de fato.
Essas duas correntes de espiritualidades têm como ponto inicial a vida. É na vida das
pessoas que Deus vai se manifestando. A revelação ocorre na história e não fora dela. A diferença
esta no sujeito da espiritualidade, enquanto os Místicos do Carmelo partem da experiência
pessoal, a Espiritualidade da Libertação parte da fé comunitária. Ao estabelecermos uma síntese,
podemos afirmar a necessidade desses dois momentos: o pessoal e comunitário. Esses dois
momentos não podem ser vistos como opositores ou como contrários, mas como dois momentos
de um mesmo processo. A vivência desse processo nos abrira para o terceiro momento: o social.
Esse último passa a ser o fruto de uma autêntica espiritualidade cristã, pois engaja na construção
do Reino.
A experiência – encontro com Deus – que é fundamental para os Místicos do Carmelo terá
um novo lugar, quem indicará esse lugar é a Espiritualidade da Libertação. O pobre é o novo
lugar teofânico. Essa experiência se dá na inserção em seu meio. É convivendo com o “reverso da
história” que encontraremos a Deus. Essa experiência do pobre é o grande fundamento do
seguimento a Jesus. Sem ela, ao vir as perseguições e conflitos, o desânimo tomará conta. É ela
quem permitira uma verdadeira e consciente opção pelos pobres.
O encontro com Deus gera um processo de conversão, assim foi com os Místicos do
Carmelo, assim também é na América Latina. No entanto, essa conversão não se reduz a nível
pessoal.
Não basta uma conversão à simples justiça nas relações individuais. A justiça é
também sociocultural e a dinâmica da conversão deve chegar a esse terreno. Os
cristão não devem questionar apenas a sua vida pessoal, mas também a cultura em
que vivem, que os induz a não perceber as injustiças coletivas16.

15
Idem, Nossa Espiritualidade, p. 15.
16
Segundo GALILEA, O caminho da espiritualidade, p. 149.
A oração silenciosa proposta pelos Místicos do Carmelo torna-se imprescindível para
discernir os caminhos que devemos tomar a fim de superar a economia neoliberal que escraviza o
ser humano. É no silêncio do contato com Deus que vai nascendo caminhos alternativos de
contestação ao sistema vigente. A oração não é uma passividade diante da exploração capitalista,
mas um espaço sagrado para encontrarmos força para superar tal opressão.
Esse são alguns elementos que surgiram do encontro entre os Místicos do Carmelo e a
Espiritualidade da Libertação. Deles conseguimos destacar alguns princípios que podem nortear o
caminho da espiritualidade em nossa atualidade. Essas duas tradições espirituais, de origem
autenticamente cristã, permitem o nosso povo não esmorecer na luta por libertação.

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