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UNIVERSIDADE GAMA FILHO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

O Século da Higiene: Uma História de Intelectuais

da Saúde (Brasil, Século XX)

Edivaldo Gois Junior

Rio de Janeiro, 2003


EDIVALDO GOIS JUNIOR

O SÉCULO DA HIGIENE: UMA HISTÓRIA DE


INTELECTUAIS DA SAÚDE (BRASIL,
SÉCULO XX)

Tese apresentada ao Curso de Doutorado


em Educação Física, Área de
concentração Educação Física e Cultura,
Universidade Gama Filho, como requisito
parcial à obtenção do Título de Doutor
em Educação Física.

Orientador: Prof. Dr. Hugo Rodolfo Lovisolo

RIO DE JANEIRO
2003

ii
Dedico aos meus pais

iii
AGRADECIMENTOS

A lista poderia ser enorme, mas o papel é extremamente


finito. Portanto temos que lembrar das pessoas que estiveram mais
próximas na fase de elaboração desse trabalho. Meu especial
agradecimento A

Soraya, minha esposa,


sem ela, nunca teria vencido essa batalha.

Tiago e Érika, meus irmãos,


que sempre estiveram e estarão presentes em todos os
momentos felizes e tristes.

Hugo Lovisolo,
Muito mais do que um orientador.

Antônio Jorge G. Soares,


um novo e importante amigo.

Sérgio, Roberto, Bira, Arthur, Georgios, Pepe, Vagner,


João Paulo,
amigos do cotidiano, que agüentaram meu mau humor.

Fabri, Hélder, Coriolano e Renato,


cariocada competente e cordial, enfim, fantásticos.

Agradeço a Deus, que me deu o dom de ensinar, aos meus


alunos, aos amigos, a todos meus professores.

iv
Agora não importa o que fizeram de ti,
Mas o que tu vais realizar com o que fizeram de ti.

Jean Paul SARTRE

v
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................. p.viii
ABSTRACT......................................................................................................... p. ix
1. INTRODUÇÃO............................................................................................... p.1
1.1 Introdução....................................................................................................... p.1
1.2 Problema......................................................................................................... p.3
1.3 Posição............................................................................................................ p.4
1.4 Delimitando o objeto....................................................................................... p.6
1.5 Caminhando para uma hipótese...................................................................... p.12
1.6 Limites de estudo............................................................................................ p.14
1.7 Estrutura do Estudo......................................................................................... p.14
2. MOVIMENTO HIGIENISTA NA EUROPA.............................................. p.17
2.1 Do contexto..................................................................................................... p.17
2.2 Industrialização............................................................................................... p.19
2.3 Cuidados com a saúde dos pobres................................................................... p.20
2.4 A urbanização e as epidemias......................................................................... p.21
2.5 O idealismo do Movimento Higienista........................................................... p.25
2.6 O motor humano............................................................................................. p.30
2.7 Desenvolvimento e debates na Biologia e Medicina...................................... p.43
3. OS HIGIENISTAS DO BRASIL................................................................... p.47
3.1 Brasil: início do século XX............................................................................. p.47
3.2 Abandono do povo: as epidemias................................................................... p.53
3.3 Pessimismo em relação à raça e o povo.......................................................... p.57
3.4 A resposta nacionalista.................................................................................... p.64
3.5 Discussão intelectual sobre os problemas do Brasil....................................... p.69
3.6 Os higienistas: crítica da sociedade e polêmica racial.................................... p.97
3.8 como mudar? A intervenção higienistas......................................................... p.121
4. A EDUCAÇÃO FÍSICA E OS HIGIENISTAS............................................ p.134
4.1 O exemplo francês.......................................................................................... p.134
4.2 Os intelectuais brasileiros, os higienistas e os métodos ginásticos no Brasil. p.137
4.3 O melhor método............................................................................................ p.141
4.4 Outras propostas, os mesmos objetivos.......................................................... p.145
4.5 A Educação Física e as teorias higienistas...................................................... p.147
4.6 O exemplo da Revista Educação Physica (1932-1945) sobre os ideais
higienistas.............................................................................................................. p.154
5. O NOVO HIGIENISMO NOS ESTADOS UNIDOS E EUROPA............. p.161
5.1 O abandono do rótulo...................................................................................... p.161
5.2 O novo higienismo social................................................................................ p.163
5.3 O novo higienismo da saúde física................................................................. p.166
5.4 Educação Física, Medicina Esportiva e saúde física....................................... p.170
6. OS SEGUIDORES BRASILEIROS DA SAÚDE FÍSICA: A TESE......... p.179
6.1 O discurso “brasileiro”da Educação Física e Medicina Esportiva.................. p.179
6.2 Da fadiga ao estresse....................................................................................... p.198
6.3 A tese do combate à doença na Saúde pública................................................ p.202
7. REDEMOCRATIZAÇÃO E CRÍTICA DA SAÚDE FÍSICA................... p.207
7.1 Os anos 80 e momento da antítese.................................................................. p.207

vi
7.2 O movimento sanitário.................................................................................... p.208
7.3 A VIII Conferência Nacional de Saúde.......................................................... p.215
7.4 A ampliação do conceito de saúde.................................................................. p.218
7.5 A antítese da Educação Física......................................................................... p.222
8. MOVIMENTO DE SAÚDE E SUAS POLARIDADES.............................. p.236
8.1 Os anos noventa e a busca de uma síntese...................................................... p.237
9. HISTÓRIA COMPARADA: EXISTE DICOTOMIA ENTRE
“MOVIMENTO HIGIENISTA” E “MOVIMENTO DA SAÚDE”?............. p.262
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS (PARALELOS QUE SE CRUZAM)......... p.269
BIBLIOGRAFIA BÁSICA................................................................................ p.280

vii
RESUMO

PROBLEMA: No fim do século XIX e início do século XX, chegava ao Brasil,


mediante reapropriações e reinterpretações, um novo ideal, a exemplo da
cultura grega, com a preocupação central na saúde. Suas propostas residiam na
defesa da Saúde Pública, na Educação, e no ensino de novos hábitos.
Convencionou-se chamá-lo de “movimento higienista” (SOARES, 1990) ou
“movimento sanitarista” (HOCHMAN, 1998). Este movimento tem uma idéia
central que é a de valorizar a população como um bem, como capital, como
recurso talvez principal da Nação (RABINBACH, 1992). Preconizando normas e
hábitos que colaborariam com o aprimoramento da saúde coletiva e individual,
Tínhamos como hipótese que o “movimento higienista” era altamente
heterogêneo sob o ponto de vista teórico (nos seus fundamentos biológicos e
raciais) e ideológico (liberalismo e antiliberalismo). Além disto, seus
pressupostos continuariam em voga até o fim do século XX, contrariando a tese
de que o movimento teria se encerrado na década de 30 ou 40. OBJETIVOS:
Comparar o discurso atual do campo da saúde com os dos higienistas.
Problematizar as periodizações exclusivamente políticas no campo da
historiografia da Educação Física e Saúde. MÉTODO: Realizamos uma
pesquisa histórica comparando os ideais dos chamados higienistas do início do
século XX, com os dos atuais intelectuais do campo da Saúde e Educação
Física no Brasil. RESULTADOS OBTIDOS: Percebemos a continuidade de um
discurso heterogêneo nos aspectos políticos e científicos, contudo eles tinham e
têm em comum nas diferentes periodizações, uma intervenção profissional com
o intuito de reformulação de hábitos coletivos e individuais. CONSIDERAÇÕES
FINAIS: Deste modo, defendemos a tese de que o “movimento higienista” ou
sanitarista do início do século XX no Brasil extrapola a periodização tradicional
que lhe imputa o término nos anos 30 ou 40, dependendo do autor, e prossegue
com suas tradições e ideais heterogêneos até o fim do século XX, e muito
possivelmente, até hoje, no início do século XXI, não ganhando características
que determinem uma diferenciação histórica entre as duas intervenções.

viii
ABSTRACT

PROBLEM: In the end of the XIX century and beginning of the XX century, it
arrived to the Brazil, by means of new interpretations, a new ideal, like the Greek
culture, with the central preoccupation in the health. Their proposed resided in
the defense of the Public Health, in the Education, and in the new habits
teaching. It stipulated denominate him of “hygienist movement” (SOARES, 1990).
This action has a central idea that is the one of valorize the population as one
well, like capital, like perhaps main resource of the Nation (RABINBACH, 1992).
Praising rules and habits that would collaborate with the refinement of the
collective and individual health, we had as hypothesis that the “hygienist
movement” was highly heterogeneous under the theoretical point of view (in their
biological and racial foundations) and ideological (liberalism and anti-liberalism).
Beyond of this, their presuppose would continue in vogue until the end of the XX
century, thwarting the thesis that the action would have whether closed in decade
of 30 or 40. OBJECTIVE: Compare the current speech of the field of the health
with the of hygienists. Analyze historical periods exclusively political in the field of
the historiography of the Physical Education and Health. METHOD: We
accomplish a historical research comparing the ideals of the called hygienists of
the beginning of the XX century, with the intellectual current of the field of the
Health and Physical Education in Brazil. OBTAINED RESULTS: We realize the
continuity of a heterogeneous speech in the political and scientific aspects,
however they had and have in common in the different ages, a professional
intervention with the objective of reformulate of collective and individual habits.
FINAL CONSIDERATIONS: Thus, we defend the thesis that the “hygienist
movement” of the beginning of the XX century in Brazil extrapolate the traditional
historical period that imputes you the terminus in the 30 or 40, depending on the
author, and it prosecutes with her traditions and heterogeneous ideals until the
end of the XX century, and very maybe, by today, at the beginning of the century
XXI, not winning characteristic that determine a historical differentiation input
both interventions.

ix
1. INTRODUÇÃO

Enquanto houver historiadores, suas


explicações serão incompletas, pois nunca
poderão ser uma regressão ao infinito.
(VEYNE, 1995, p. 56)

1.1 Introdução

Atualmente, quando abrimos jornais e revistas, encontramos

convites e convocações para a reformulação de nossos estilos de vida. Somos

incentivados à prática de exercícios, às dietas balanceadas, ao abandono do

fumo e do álcool, enfim, à busca de uma vida saudável.

Temos que nos preocupar com a longevidade e a qualidade de vida

na sociedade contemporânea. Prevalece a afirmação do valor moral da luta

contra o envelhecimento e a morte.

O físico Stephen Hawking, aos 60 anos, com exclusivamente os

movimentos das mãos, diz com otimismo que sua situação felizmente o priva

da tentação de perder tempo praticando jogging ou jogando tênis. Claro que

esta é uma exceção, talvez uma declaração esnobe, contudo, todos se vêem

pressionados a buscar a saúde. Todos parecem querer a saúde. Mas, o que é

saúde?

Uma pergunta simples, mas que suscitou, ao longo dos tempos,

respostas bem diferenciadas por parte de seus defensores. Uma história que

parece não ser exclusiva dos dias atuais, que nos remete à mitologia grega e

sua preocupação com a saúde, reservando no Olimpo o espaço para um deus

especializado nas artes médicas, Asclépio, ou Esculápio.


O deus da medicina era filho de Apolo e da mortal Korinis (Colônis),

que, ao se ver grávida, uniu-se a Ísquis temendo que Apolo a abandonasse na

velhice. Apolo matou Ísquis e Ártemis, a pedido do irmão, liquidou Colônis a

flechadas e retirou Asclépio do ventre da mãe morta. Este foi entregue ao

centauro Quíron por Apolo.

Asclépio foi iniciado nas artes médicas. Em pouco tempo chegou até

a aprender a ressuscitar os mortos. Usava a serpente – hoje símbolo das

profissões médicas – como símbolo de mutação, do estado doentio para o

saudável. Como Asclépio descobriu o segredo de devolver a vida aos mortos, o

Inferno, reino de Plutão, estava sendo despovoado. Isso promoveu a ira do

deus dos infernos que procurou seu irmão Zeus, queixando-se de Asclépio.

Com medo que a ordem dos mundos fosse abalada, Zeus fulminou-o com seus

raios. Por causa da morte de seu filho, Apolo arremessou-se contra os

Cíclopes, por terem fabricado os relâmpagos que atingiram Asclépio, e, como

castigo, Zeus o enviou para servir ao rei Admeto da Tessália, como escravo.

Contudo, Asclépio deixou duas filhas: Higéia e Panacéia.

A primeira representa a prevenção e a segunda a cura. A

contrariedade das intervenções das duas irmãs também representou duas

velhas culturas sanitárias, dois modos distintos – socialmente condicionados,

como sempre – de abordar a saúde e a doença (CAPISTRANO, 1995).

Contudo, estas não foram as únicas divergências que atingiram o ideal da

busca da saúde. Várias histórias se construíram na longa duração sobre a

busca incansável do homem pelo domínio da saúde.

2
A nós coube a tarefa de garimpar e apresentar os ideais, nas suas

continuidades e descontinuidades, de intelectuais e defensores da saúde na

realidade brasileira do século XX.

1.2 Problema

No fim do século XIX e início do século XX, chegava ao Brasil,

mediante reapropriações e reinterpretações, um novo ideal, a exemplo da

cultura grega, com a preocupação central na saúde. Suas propostas residiam

na defesa da Saúde Pública, na Educação, e no ensino de novos hábitos.

Convencionou-se chamá-lo de “movimento higienista” (SOARES, 1990) ou

“movimento sanitarista” (HOCHMAN, 1998). Este movimento tem uma idéia

central que é a de valorizar a população como um bem, como capital, como

recurso talvez principal da Nação (RABINBACH, 1992).

Preconizando normas e hábitos que colaborariam com o

aprimoramento da saúde coletiva e individual, pretendemos mostrar que o

“movimento higienista” era altamente heterogêneo sob o ponto de vista teórico

(nos seus fundamentos biológicos e raciais) e ideológico (liberalismo e

antiliberalismo). Além disto, seus pressupostos continuaram em voga até o fim

do século XX, contrariando a tese de que o movimento teria se encerrado na

década de 30 ou 40.

3
1.3 Posição

Nossa preocupação metodológica central, mediante a descrição

deste objeto de estudo, é a questão do posicionamento. Tentamos evitar as

predefinições partidárias e ideológicas. Não porque as excluamos, mas porque

tentamos controlá-las metodologicamente. O envolvimento com o objeto de

estudo não significa a assunção da parcialidade. As leituras de, entre outros,

Eric Hobsbawn e Quentin Skinner fortaleceram em nós a confiança em

podermos nos orientar pela procura da imparcialidade, embora, sabemos que

ela jamais é absoluta. Autores que se não nos deram um modelo metodológico,

deram indicações de como realizar a tarefa de contar a História. Nosso

orientador Hugo Lovisolo, por exemplo, sempre cita o argumento de Thomas

Merton de que se de fato é impossível um ambiente estéril, poderíamos fazer

cirurgias nos esgotos, contudo, sábia e praticamente procuramos os ambientes

cirúrgicos “mais estéreis possíveis”. Não acreditamos que isto seja diferente no

campo da História e das Ciências Sociais.

Em Hobsbawn, primeiramente, percebemos a importância da

imparcialidade ou isenção1. Este autor recomenda: “É muito importante que os

historiadores se lembrem de sua responsabilidade, que é, acima de tudo, a de

se isentar das paixões de identidade política – mesmo se também as

sentirmos” (HOBSBAWN, 1998, p. 20). Ele quer nos ensinar que uma história

deve ter universalidade, e não a identidade de um grupo político ou racial. Por

exemplo, uma história pode ser contada para os que pretendem revolucionar o

mundo, outra para quem pretende reformar e outra para quem é conservador.

1
Da mesma forma nos orientou Antônio Jorge nas suas aulas sobre Popper.

4
Uma história para os judeus, outra para os alemães. Hobsbawn pensa que a

construção destas histórias de identidades (políticas, nacionais, raciais) possa

fazer com que a História perca sua universalidade, tornando-se uma história de

identidade. Muitos pesquisadores voltam-se ao passado procurando uma

legitimação para seus atos no presente. Eles utilizam a história para justificar

suas posições (HOBSBAWN, 1998).

Ensina-nos, também, Quentin Skinner:

Quando digo que a tarefa do historiador é a do anjo


registrador quero dizer que sua aspiração deve ser a de recapturar o
passado nos seus próprios termos deixando de lado, no possível, as
dúvidas pós-modernistas quanto à total viabilidade disso. (...) O que
quero dizer é que nossos valores devem nos motivar a escolher os
assuntos que queremos estudar. Mas, uma vez feita a escolha, a
recuperação do passado exige grande imparcialidade. (SKINNER, 1998,
p. 7)

Com esta passagem, entendemos que a escrita da história exige

imparcialidade. Deste modo, ao descrevermos os ideais do “movimento

higienista” brasileiro, optamos nem por defendê-lo nem por atacá-lo, mas

vislumbrar sua complexidade e seus próprios termos no seio da sociedade que

se formou entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX,

ou seja, no seu próprio contexto.

À medida que o trabalho se intensificava, percebíamos que havia

matizes de valores da época que eram diversos dos da sociedade atual, o que

ocasionou mais obstáculos na sua caracterização. Vimos que o discurso

higienista também era fruto de uma sociedade em processo de industrialização,

o que acarretou certas ênfases na questão da preparação do trabalhador, na

5
urbanização, no controle de novas doenças epidêmicas e ocupacionais. Ou

seja, o discurso higienista voltava-se para questões pertinentes ao seu tempo,

aos valores da época como trabalho, disciplina, intervenção.

Como qualquer discurso é datado, sua interpretação

descontextualizada pode produzir anacronismos. Descobrimos que ignorar este

contexto e valores da época comprometeria esta narrativa. Segundo Gramsci,

devemos ter historicidade, o que significa ter “a consciência da fase de

desenvolvimento de nossos tempos e do fato de que ela está em contradição

com outras concepções de outros tempos” (GRAMSCI, 1978, p. 13). Enfim, nós

não poderíamos julgar pensamentos e atitudes envolvidas por valores que às

vezes são contrários aos valores de hoje. Tentamos olhar para o passado sem

prejulgá-lo.

A partir destas dificuldades encontradas, tentamos desenrolar nosso

objeto de estudo. Vimos que os problemas estavam apenas começando.

1.4 Delimitando o objeto

A primeira dificuldade revelou-se na delimitação do recorte histórico.

Seria muito difícil determinar datas que fossem consideradas como a inicial e

terminal na vigência do discurso higienista, estabelecendo sua periodização.

Poderíamos ter adotado uma periodização determinada pela história política,

isto seria possível caso considerássemos este discurso como específico das

tendências ideológicas do século XIX, ou como específico produto do

liberalismo, conforme o ponto de vista de GHIRALDELLI (1988).

6
Contudo, esta prerrogativa não se manteve, pois, quando

examinamos as fontes, no caso brasileiro, notamos que sua consolidação se

deu durante a Ditadura Vargas, momento brasileiro caracterizado pelo domínio

ideológico das tendências centralizadoras, não-liberais. Parece-nos mais

coerente determinar um marco inicial baseado em ocorrências que tornaram

possível a demanda do “movimento higienista” europeu, como a

industrialização, a urbanização, a bacteriologia, a fisiologia e a filantropia, além

das diversas ideologias que militaram na segunda metade do século XIX, como

o liberalismo e o positivismo, mas, também, o socialismo.

Assim, podemos perceber que o corte temporal inicial desse

movimento se dá na segunda metade do século XIX e o final, indicado pela

bibliografia, seria na década de 30 ou 40 do século XX.

Porém, realizamos um corte por certo arbitrário, que tem seu início

no Brasil em 1901 e caminha até o fim do século XX. Este texto panorâmico

tem por objetivo, além de periodizar, observar a continuidade e

descontinuidade dos ideais higienistas, defendendo sua permanência no fim do

século XX.

A intenção de acompanhar as descontinuidades e continuidades

pode dificultar o trabalho historiográfico, mas não impedi-lo. Não acreditamos

na tese de que retratar pequenos recortes temporais possa determinar e

garantir a qualidade de dados e interpretações dos trabalhos historiográficos.

Pode-se observar que muitos historiadores, inclusive os da Escola dos

Annales, se utilizaram de trabalhos panorâmicos e de síntese, como por

exemplo, Phillipe Ariès, na história da infância, Roger Chatier com a história do

livro, e assim por diante.

7
Alguns historiadores têm afirmado recentemente que uma

metodologia ortodoxa em história não pode substituir outra. Ou seja, de nada

adianta substituir a história de acontecimentos pela história de longa duração, a

política pela social, a macro pela micro. Elas devem conviver, de acordo com

Carlo Ginzburg:

Entendo que desempenhei, ao lado de outros, o papel de


abre-alas a um tipo de trabalho que busca trazer para o centro da
história fenômenos até então considerados periféricos, como, por
exemplo, a feitiçaria a partir da visão dos feiticeiros e o mundo visto por
um moleiro. Mas, por outro lado, muito cedo percebi que aquilo não era
o suficiente. Em outras palavras, senti que, tendo insistido nesse ponto,
era preciso ir adiante; tendo a batalha sido ganha, o problema era evitar
clichês. (...) A idéia de se opor a chamada micro-história à macro-
história não tem sentido, assim como também é absurda a idéia de se
opor a história social à história política. (GINZBURG apud PALLARES-
BURKE, 2000, p. 288)

Da mesma forma, quando Georges Duby, tenta justificar a história

global como tradição da Escola dos Annales, substitui o falso debate entre os

defensores do acontecimento, do evento (criticados pelos estruturalistas,

principalmente, por Lévi-Strauss) e os da longa duração (como Braudel,

defensores de uma visão estruturalista) pela vontade de combinar esses dois

níveis de abordagens (DOSSE, 2001). “Ele não renuncia em momento algum à

ambição da primeira geração dos Annales, de construir uma história global.”

(DOSSE, 2001, p. 102).

Assim, não vemos como empecilho, nadar contra maré e a

unanimidade da “História de Migalhas”, como chama François Dosse, e buscar

uma história-síntese sobre um novo objeto. De modo algum, também, negamos

8
a influência da nova história neste trabalho, sobretudo, na luta da assunção de

novos objetos, como a morte, o corpo, a sexualidade, a história das mulheres,

e, por que não da saúde?

A segunda dificuldade foi definir o que era um higienista. As

definições enciclopédicas eram muito restritas, definindo-os como estudiosos

da Higiene, como médicos sanitaristas. Porém, o “movimento higienista” era

muito mais amplo. Contava com apoio de educadores, políticos, advogados,

engenheiros, instrutores de ginástica, enfim, uma gama bastante diversa de

profissões foi influenciada pelos pressupostos higienistas. Assim, não

entendemos os higienistas como apenas médicos. Pensamos, então, em

caracterizá-los como intelectuais que tinham em comum o desejo de melhorar

as condições de saúde coletiva e individual da população brasileira. Somente

dentro deste modelo podemos dar uma certa unidade aos higienistas. Contudo

a tarefa não era tão simples, pois, o que é um intelectual?

Em Gramsci é encontrada a definição mais usual para intelectual.

Em sua obra “Os intelectuais e a organização da cultura”, ele defende a

existência de dois tipos específicos de intelectuais: os intelectuais tradicionais e

os orgânicos. Os primeiros teriam o papel de manter e justificar o constituído.

Já os intelectuais orgânicos defenderiam determinadas classes sociais,

organizando seus interesses, aumentando seu poder (GRAMSCI, 1978a). Esta

tipologia acaba criando duas polarizações, uma entre o orgânico e tradicional, e

outra entre os defensores das classes dominantes e das classes dominadas.

Dentro desta lógica, um intelectual está a favor ou contra os

interesses dos trabalhadores ou empregadores. Contudo, percebemos que

seria muito difícil caracterizar o “movimento higienista” e seus intelectuais

9
dentro desta perspectiva. Não poderíamos caracterizá-los como intelectuais

orgânicos favoráveis ou contrários aos interesses dos trabalhadores, sem

imputar-lhes uma homogeneidade de ideais inexistente. Em outras palavras,

esta história não poderia ser narrada com “vilões” e “mocinhos”.

Neste sentido, tornou-se mais interessante o uso da definição de

Hugo Lovisolo. Segundo ele, o que caracteriza um intelectual é seu desejo de

formar mais intelectuais, ou seja, tornar a sociedade mais crítica e

intelectualizada. Com esta definição, podemos considerar os higienistas como

intelectuais e muitos outros que não se adaptam à tipologia gramsciana. Deste

modo, para Lovisolo, podemos compreender porque os educadores físicos, que

também se consideram intelectuais, procuram que o atleta seja criticamente

consciente de seus movimentos físicos e dos jogos sociais e políticos dos quais

participam. Na verdade, eles estão tentando intelectualizar aquela prática. Em

seus termos, do mesmo modo:

Os médicos que insistem para que conheçamos e


administremos criticamente nosso próprio organismo para crescermos
em 'autonomia'. Em todos os casos, o pensar por si mesmo, o ser
intelectualmente adulto está presente. Parece-me que é este o bojo da
tradição na qual os intelectuais são emotivamente formados e talvez seja
esta a grande ligação com o cotidiano e com os diferentes segmentos da
sociedade. Em definitivo, autores críticos dos intelectuais, como
Foucault, Bourdieu ou Habermas procuram, nem sempre explicitamente,
que pensemos por nós mesmos, autonomamente, de forma emancipada.
Eles também querem reproduzir intelectuais. (LOVISOLO, 1998a, p. 7)

Se os intelectuais têm em comum o desejo de formar outros, seria

difícil não considerar os higienistas como tal. Tinham um discurso heterogêneo,

e às vezes oposto, mas tinham algo em comum: o desejo de educar a

10
população nas normas higiênicas. Eles tinham a missão de convencer e

racionalizar a prática de diversos segmentos sociais, como por exemplo, os

médicos, os instrutores de ginástica e as classes dirigentes, da importância da

Educação Higiênica.

Fora esta caracterização, Lovisolo ainda identifica outras categorias

dentro da sua definição de intelectual. Segundo ele, existem os intelectuais

academicistas e os intervencionistas/cientificistas (LOVISOLO, 1997).

Os primeiros são aqueles interessados no saber pelo saber, não se

preocupando imediatamente com a aplicação de suas descobertas teóricas,

separando o político do científico. Já os intervencionistas propõem a

reestruturação do mundo a partir da ciência, postulando a necessidade de um

conhecimento útil para a sociedade, estabelecendo formas de interação com o

povo, tentando conduzi-lo, educá-lo e conscientizá-lo (LOVISOLO, 1997).

Os higienistas se definem como intervencionistas na medida em que

usam suas teses para indicar as melhores formas de evitar a doença, quando

procuram explicações econômicas, sociais, biológicas, para o estado de

doença do povo. E, também, quando propõem estratégias, ainda que de forma

difusa, para o equacionamento de problemas da Saúde Pública.

Podemos, então, encarar os higienistas como intelectuais

cientificistas que tinham como ideal o melhoramento das condições da Saúde

coletiva e individual, através do encaminhamento de propostas de intervenção,

que, por muitas vezes, seguiam direções opostas, mas com o desejo de

alcançar o mesmo objetivo.

11
1.5 Caminhando para uma hipótese

Se tivéssemos o intuito de analisar os higienistas como intelectuais

dentro da tipologia gramsciana, teríamos que defini-los como intelectuais

orgânicos e enfrentaríamos o problema de definir a favor de qual classe social

eles teriam atuado. A historiografia dos anos 80 optou por esse modelo e, com

argumentos pouco sólidos, definiu-os como intelectuais a serviço das classes

dominantes. Nesta visão, os higienistas seriam defensores do capital. Seu

discurso e sua ação, homogêneo ou unitário, seriam determinados pelos

interesses das elites sociais. Ainda em uma perspectiva gramsciana, poderiam

ser montados argumentos que salientassem sua participação como defensores

dos trabalhadores e opositores do capital.

Assim, a tipologia de Gramsci levaria na direção de um jogo no qual

estamos obrigados a distinguir e agrupar os defensores de um e outros,

opressores e oprimidos. Consideramos, a partir da leitura de seus escritos e da

avaliação de suas ações, que esta tipologia cria uma polarização que se torna

difícil conceber na análise histórica dos higienistas.

Seria mais preciso caracterizar seu discurso como heterogêneo, que

por muitas vezes, mediava os interesses entre as classes sociais, sem

necessariamente assumir os interesses de opressores ou oprimidos. A visão

dual que divide entre o bem e o mal, se assemelha à retórica americana versus

os islâmicos radicais. Para os americanos, os terroristas são bandidos e para

os islâmicos radicais, os americanos representam o Grande Satã. Para os

comunistas, os empresários, capitalistas, são exploradores e para os

anticomunistas, os camaradas comem criancinhas. Assim, acaba-se com a

12
dialética. Teríamos, em oposição, que pensar a possibilidade que, além dos

interesses dos oprimidos e opressores, também estariam em jogo os interesses

dos próprios intelectuais. Estes interventores estariam interessados em

construir uma sociedade que favorecesse os intelectuais. Acreditamos que seja

esta a hipótese que pode ser derivada do trabalho de LOVISOLO (1997).

Em termos concretos, partiremos da hipótese secundária de que os

ideais do “movimento higienista” não eram determinados pelos interesses da

camada dominante, embora os higienistas, em sua função de mediadores, os

levassem em conta.

A hipótese central que será defendida neste estudo é que os ideais

dos higienistas, que influenciaram a cultura da época, permaneceram até o fim

do século XX2. Em particular, os discursos e a intervenção na área da saúde

partilhavam do intuito de cuidar melhor da população através de uma

intervenção estatal e privada, melhorando sua saúde. Para isto, foram

adotadas estratégias como a esterilização, a regulamentação dos casamentos

e, atingindo outros setores da sociedade, a conquista de direitos trabalhistas e

a defesa da democratização da Saúde e da Educação, constituindo, assim, um

ideário heterogêneo. No fundo, tratava-se da construção de uma população

mais sadia, disciplinada e educada, enfim, física e intelectualmente mais

preparada.

2
Nos dias de hoje o próprio movimento da saúde pode ser considerado como derivado do
discurso higienista do início do século XX.

13
1.6 Limites do Estudo

Este estudo enumera alguns limites que devem ser lembrados.

Primeiramente, privilegiamos as fontes primárias e secundárias, que

abordassem o tema da saúde no século XX, destacando as contribuições dos

intelectuais, na maioria das vezes, profissionais da saúde.

Outra preocupação residiu no possível entendimento de que este

trabalho tivesse a intenção de escrever uma história da Saúde Pública no

Brasil. Não nos posicionamos como historiadores da Saúde Pública, ou mesmo

da Medicina ou Educação Física. Não foi este nosso objetivo, mas sim a

descrição de ideais, revelando continuidades e descontinuidades na história de

um movimento social que almejou uma sociedade brasileira saudável no século

XX. Determinamos, assim, nosso recorte.

Também é necessário admitir que nosso olhar partiu de nossa

formação na área de Educação Física e não na área de História. No entanto,

defendemos que a tarefa historiográfica tem sua especificidade, e, quando a

encaramos, devemos buscar as explicações teóricas da História.

1.7 Estrutura do Estudo

Para compararmos o denominado “movimento higienista” da

primeira metade do século XX com o quadro contemporâneo dos intelectuais

da saúde da segunda metade do mesmo século, adotamos a seguinte

estruturação.

Primeiramente, no segundo capítulo, buscaremos em uma revisão

bibliográfica as interpretações de autores que se concentraram na historiografia

14
da saúde pública e da industrialização na Europa, principalmente, nos séculos

XVIII e XIX. Nesse resgate, almejamos encontrar subsídios para uma possível

comparação com as interpretações brasileiras sobre o “movimento higienista”.

Em seguida, no terceiro capítulo, apresentaremos fontes primárias e

secundárias que discutem o problema da saúde no Brasil do início do século

XX. Pautaremos, nesse momento, as contribuições de intelectuais brasileiros,

como Alberto Torres, Fernando de Azevedo, Gilberto Freyre e outros, que com

suas obras influenciaram o campo da saúde e o “movimento higienista”.

Demonstraremos essa influência nas obras de Miguel Couto, Belisário Penna,

Oliveira Viana, Afrânio Peixoto. Esse desenho teórico possibilitou-nos observar

um intenso debate interno no “movimento higienista”, caracterizando-o,

principalmente, pela sua heterogeneidade política e metodológica, contudo

havia alguns consensos, como a importância da Educação Física nesse

processo de higienização da sociedade brasileira. Nesse momento,

precisamente no quarto capítulo.

A partir do quinto capítulo até o oitavo, esse texto ganha novas

conotações, descrevendo a possibilidade de continuação de muitos ideais do

“movimento higienista”. Mais precisamente no quinto capítulo,

compreenderemos o abndono do rótulo higienista, e, as novas nuances do

campo da saúde na Europa, mas também, nos Estados Unidos. No sexto

capítulo apresentaremos a forte influência americana nas concepções de

saúde no Brasil, principalmente, em relação aos que chamamos higienistas da

saúde física. Identificaremos correntes e seus pressupostos até o fim do século

XX.

15
Já no sétimo e oitavo capítulos, contaremos a reação do movimento

sanitário às proposições dos higienistas da saúde física, que intensifica uma

heterogeneidade no discurso dos intelectuais da saúde. Perceberemos as

motivações do campo da Educação Física defronte a nova realidade, para

finalmente, observarmos uma tendência de síntese e diálogo nos anos

noventa.

Diante de toda essa explanação, ao fim do texto, no nono capítulo

compararemos as duas épocas identificando continuidades e

descontinuidades, para, finalmente, defendermos a tese de permanência dos

ideais higienistas até o fim do século XX no capítulo final. Deste modo,

defenderemos a tese de que o “movimento higienista” ou sanitarista do início

do século XX no Brasil extrapola a periodização tradicional que lhe imputa o

término nos anos 30 ou 40, dependendo do autor, e prossegue com suas

tradições e ideais heterogêneos até o fim do século XX, e muito possivelmente,

até hoje, no início do século XXI, não ganhando características que

determinem uma diferenciação histórica entre as duas intervenções.

Bom, desse modo, vamos contar essa história.

16
2. MOVIMENTO HIGIENISTA NA EUROPA

2.1 Do contexto

Para entender a influência do “movimento higienista” no Brasil,

deveremos começar descrevendo, de forma sintética, o contexto no qual suas

idéias tiveram origem e ganharam repercussão. Pareceu-nos pertinente

consultar obras de historiadores europeus que revelassem os aspectos do

movimento para, posteriormente, estabelecer suas relações com o movimento

no Brasil, tentando apreender tanto semelhanças quanto diferenças.

O que podemos perceber, inicialmente, é que o movimento surgiu

em um contexto de crescimento do capitalismo industrial, manufatura e grande

indústria, na Inglaterra, França e Alemanha. O quadro de constante

crescimento da indústria e da pobreza constituiu um cenário propenso às

reformas de vários setores da sociedade. Nesse mesmo contexto, Marx, em

seu livro “O Capital”, apresentou sua famosa lei da “pauperização” crescente

do proletariado3. Assim, a crescente exploração dos trabalhadores e os sérios

problemas de saúde desta classe influenciaram na construção de um ideário

que pretendia tornar as relações entre empregadores e empregados mais

justas. Exemplo importante é o clássico trabalho de Engels sobre a situação da

saúde do proletariado inglês (RABINBACH, 1992). Mas este não é o único

aspecto que caracteriza o contexto até o século XVIII e XIX. Inicia-se, também,

um novo discurso de valorização da população, caracterizando uma mudança

3
Lembramos que a primeira edição de O Capital é de 1868. Sobre a “manufatura” e a “grande
indústria” e suas condições de operação e vida dos trabalhadores, sua obra continua sendo
uma excelente fonte.

17
na filantropia, que começa a ser adotada por novos governos liberais na

Inglaterra e França.

Analisando o século XIX, constataremos que o “movimento

higienista” já se encontrava em alicerces sólidos. Vários profissionais de

diversas áreas começam a disseminar seu discurso de melhoria dos padrões

de vida. O argumento de autoridade do ideário era a urgência – comprovada

pelas teses científicas – na intervenção da sociedade nos problemas da

população. O surgimento da ciência do trabalho colaborou para a redução da

jornada, o aumento nos intervalos e melhores condições de vida para o

trabalhador (RABINBACH, 1992).

Outro aspecto relevante nesse contexto é o resultado da

urbanização, que parece associado a novas doenças e epidemias (ROSEN,

1994). Esta demanda não é ignorada pelos médicos, que defendem diferentes

formas de prevenir e tratar as moléstias. Exigindo teses, contribuíram para o

desenvolvimento da ciência no campo da medicina e da Saúde Pública. Deste

modo, a ciência passa a determinar a melhor forma para cada um cuidar de

seu corpo, em um projeto de mudanças de hábitos em relação a ele

(RABINBACH, 1992).

Estes aspectos que colaboraram na efetivação da idéia de que a

população era a grande riqueza da nação. Uma idéia revolucionária, se

contraposta à profecia malthusiana4.

4
Malthus, no século XIX, acreditava que a produção de alimentos crescia em progressão
aritmética, e a população crescia em progressão geométrica, chegou, então, a concluir que se
não se controlasse o aumento da população, teríamos uma grave crise que espalharia a fome
pelo mundo. Sua profecia não se manteve, pois com a industrialização a produção aumentou e
o problema passou a ser a distribuição de renda.

18
2.2 Industrialização

O século XVIII marcou na Inglaterra o desenvolvimento das

tecnologias industriais, modificando profundamente o panorama social e

econômico do país. Os ingleses, com o desenvolvimento do comércio

internacional, começaram a trabalhar com tecidos de algodão ao invés da lã.

Ao mesmo tempo, uma série de aperfeiçoamentos técnicos permitiu um maior

crescimento da produção. Com o surgimento dos teares, nasce o maquinismo.

A indústria metalúrgica também teve um crescimento considerável. O ferro

passa a ser trabalhado de forma cada vez mais eficaz. As tecnologias estavam

se aperfeiçoando, e, por volta de 1780, Watt, pautando-se em teses anteriores

de Papin e Newcomem, cria a máquina a vapor (ALBA, 1986, p. 210).

O desenvolvimento dessas tecnologias possibilitou à Inglaterra a

supremacia no campo da indústria, gerando riquezas, aumento da

produtividade e da produção.

A França também tinha à sua disposição a tecnologia necessária

para o desenvolvimento da indústria. E foram Inglaterra e França os dois

países que primeiro sentiram as conseqüências sociais da industrialização.

Ainda não preparados para o trabalho industrial, os trabalhadores rurais

perderam seus empregos no campo. As pequenas propriedades também

perderam representação econômica. Muitos destes trabalhadores migraram

para as cidades na Inglaterra. Segundo ALBA (1986, p. 257), devido a uma

imensa concorrência entre os trabalhadores, os salários eram baixos. Em

decorrência, o desemprego tornou-se um problema de grande proporção

causando o aumento da pobreza.

19
2.3 Cuidados com a saúde dos pobres

Este aumento da pobreza, que assolava a Inglaterra desde o fim da

Idade Média, passou a ser a preocupação central de alguns intelectuais na

Europa. George Rosen nos mostra que vários projetos foram elaborados para

amenizar o problema. Em 1601, a Lei Elisabetiana tornou-se a base da

administração inglesa da Lei dos Pobres (ROSEN, 1980).

Inicialmente, ela delegava o cuidado dos pobres às comunidades

locais, como as paróquias, que tiveram a incumbência de atender a esta

demanda. Segundo Rosen:

A despeito de várias ações, porém, o problema da massa


de trabalhadores, permaneceu sem solução. Na segunda década do
século XIX, a pobreza e o infortúnio social se espalhavam mais do que
nunca, em virtude das mudanças na agricultura e na indústria. (ROSEN,
1994, p. 153)

No século XVIII, a pobreza passou a ser encarada cada vez mais

como uma doença social. Interessante é observarmos que o trabalho nesta

época é visto como uma virtude moral, e o ócio, um vício. Se o indivíduo está

ocioso, é por falta de vigor moral. A pobreza era encarada como um vício

individual e eticamente condenável.

No Antigo Regime, os Hospitais Gerais eram reclusões para os

vagabundos. A esmola e as companhias de caridade eram ineficazes no

combate à pobreza. Existiam projetos, datados desde o século XVII, propondo

a utilização da força de trabalho dos pobres. Rosen cita os mais relevantes da

Inglaterra. São os trabalhos de Samuel Hartlib, William Petty e Jonh Graunt.

20
Samuel Hartlib, segundo Rosen, estava interessado em propostas

de reforma econômica e social. Em 1641, publica “A Description of the Famous

Kingdom of Macaria”. Nesta obra, o autor demonstra vários experimentos sobre

remédios obtidos através das experiências científicas. Ele também defendia a

idéia de que padres teriam mais utilidade às comunidades se adquirissem mais

conhecimentos sobre a arte de curar. Hartlib vê no padre que atende aos

pobres a possibilidade de dar uma atenção médica mais preparada às classes

populares. Mas por que não o médico? Esta classe era inacessível aos pobres,

pois seus serviços tinham um alto custo econômico e eles eram em pequeno

número. Autores da esquerda também adotaram esta proposta de atenção

médica por conta dos padres, como exemplifica Rosen com Gerrard

Winstanley. Este era membro do Partido Democrático Popular conhecido como

levellers (ROSEN, 1980). Hartlib desenvolveu ainda outro plano de atenção aos

pobres, no qual propunha uma lista de médicos dispostos a prestar serviços

gratuitamente.

Outro autor citado por Rosen é William Petty. As propostas de Petty

estavam coerentes com uma tendência do puritanismo de esquerda e direita,

que refletia um desejo pragmático de aplicar os conhecimentos às

necessidades práticas e imediatas da sociedade. Ele propõe um hospital bem

equipado onde um médico mais experiente superviosionaria os outros médicos,

dissecaria os corpos e estudaria as teses experimentais sobre as doenças.

Esta inclinação para a elaboração de projetos é vista como o início da

composição de uma estrutura teórica e prática dentro da qual os problemas

sociais da saúde seriam enfocados no século XVIII e XIX, no “movimento

21
higienista”. Petty foi pioneiro também em estudos aritméticos de mensuração

dos fatores sociais e econômicos da população.

Graunt seguiu, igualmente, a orientação estatística de análise dos

fatores sociais. Ele começou a considerar os números de morte e nascimento

em relação às doenças, chegando a várias conclusões. Entre elas, percebeu

que o número de mortes no campo era menor do que na cidade. As teses

demonstraram a utilidade da aritmética política de Petty. Ainda foi ele que deu

a maior contribuição a esta área ao perceber que não bastava considerar a

fertilidade natural e a população como condições primordiais de alcance da

prosperidade econômica, era preciso ultrapassar os obstáculos ao

desenvolvimento da população. Achava fundamental criar condições sociais

capazes de promover a saúde e prevenir a doença. Para ele, o Estado tinha o

dever de criar estas condições, visto que as políticas de Saúde Pública, até o

início do século XVIII na Inglaterra, eram desestruturadas, entregues aos

poderes locais e sem recursos para investir em saúde.

2.3 A urbanização e as epidemias

Outro problema gerado pela industrialização foi a urbanização sem

planejamento. À medida que os trabalhadores do campo migravam para as

cidades, encontravam condições precárias de higiene. Antes, isolados no

campo, a transmissão das doenças era dificultada, mas agora estavam todos

juntos em ambientes insalubres. Para os médicos, isto significou uma maior

proliferação das enfermidades.

22
Não havia saneamento básico apropriado. Somente a partir do

século XVII, o Estado passou a cuidar deste problema. Antes, isto cabia aos

indivíduos. Mesmo assim, o Estado não cumpria seu dever, segundo Jonh

Stow, “há muito negligenciada e forçada a ser um canal, muito estreito e

imundo, ou por completo obstruído” (STOW apud ROSEN, 1994, p. 104).

De fato, as epidemias se proliferaram pelas cidades e surgiram

novas doenças. Rudolf Virchow elaborou uma teoria segundo a qual a doença

epidêmica seria uma manifestação de desajustamento social e cultural. Ele

afirmava que, com o novo contexto histórico, apareciam novas doenças

epidêmicas. Nos séculos XVI e XVII, entre estas novas doenças estavam o

suor inglês, o tifo exantemático, o escorbuto e outras (ROSEN, 1994).

O raquitismo foi outra doença que se alastrou pela Inglaterra. Rosen

observa que esta doença transformou-se em uma ameaça para a saúde das

crianças. A causa da manifestação e aumento da incidência da doença, nos

conta Rosen, tem origem “na severa pressão econômica e à terrível pobreza,

em especial no sul da Inglaterra” (ROSEN, 1994, p. 80). Esta doença poderia

ser evitada pelo consumo de cálcio, fósforo e vitamina D, mas, como o leite

(rico nestes componentes), estava sendo pouco consumido devido aos altos

preços e ao aumento do desemprego, a população se absteve de seu

consumo.

Na França, a industrialização começa efetivamente no século XIX,

trazendo os benefícios já conhecidos, e também os problemas enfrentados

pela Inglaterra. Durante o século XIX, este país enfrentou muitos problemas

referentes à saúde pública. A urbanização apressada e sem estrutura

condicionou os novos operários a péssimas condições de vida. Rosen observa

23
a semelhança dos sótãos lotados de pessoas em Manchester e Liverpool aos

de Lille e Ruão.

As paupérrimas condições de vida despertaram uma mentalidade de

reação a este quadro. Diversos escritores, médicos e filósofos começaram um

discurso de melhoria de vida da população. Sem dúvida esta mentalidade que

começa a ser construída vai dar suporte ao “movimento higienista”.

Como pudemos observar até agora neste capítulo, os governos se

preocupavam minimamente com a população. Não existia uma política nacional

de saúde que cuidaria dos problemas da prevenção, da nutrição, da habitação

e do saneamento. Naquele momento surgia uma mentalidade de intervenção

que reagiria à situação de extrema pobreza. Este discurso cria os alicerces do

“movimento higienista”, que usaria a autoridade científica para convencer

governos, industriais e a própria população. Uma passagem do poeta francês

Charles Baudelaire mostra a situação:

Como pode alguém, seja de que partido for, e sejam quais


forem os preconceitos sobre os quais se criou, não se sensibilizar diante
dessa multidão doentia que respira a poeira das fábricas, engole a
penugem de algodão, tem seus organismos saturados com chumbo
branco, mercúrio e todos os venenos necessários à criação de obras de
arte, e dorme, em meio a vermes, em bairros onde a maior e a mais
simples das virtudes humanas se aloja ao lado dos vícios mais
emperdernidos e do vômito do penitenciário? (BAUDELAIRE apud
ROSEN, 1994, p. 188)

A sensibilidade aos problemas dos trabalhadores parece atingir

diversos segmentos profissionais. A busca do melhor por meio da intervenção

influenciou a filantropia em novas maneiras de cuidar do povo e da

conservação das crianças, além de ensinar o povo a poupar. Assim, em vez de

24
um direito à assistência do Estado, cujo papel seria aumentado, vindo a

perturbar o jogo dessa sociedade, ela pretendia fornecer os meios para o povo

alcançar uma futura autonomia através do ensino da virtude da poupança. Por

parte do Estado, o papel seria sancionar, por meio de uma tutela cuidadosa, as

demandas de ajuda que ainda permanecessem, já que elas constituiriam um

indício flagrante de falta de moralidade (DONZELOT, 1980).

A filantropia prega o conselho eficaz no lugar da caridade

humilhante, uma norma preservadora no lugar de repressão destruidora. É isso

que os filantropos se propõem a mudar, fazendo da incitação à poupança a

chave mestra do novo dispositivo da assistência.

2.5 O idealismo do “movimento higienista”

No início do século XVII, a classe trabalhadora da indústria crescia

vertiginosamente na Europa. Devido este fato, estes trabalhadores foram os

primeiros, juntamente com os mineiros e marinheiros, a terem seus ofícios

investigados pela medicina. As doenças ocupacionais começaram a ser temas

de obras médicas. Ramazzini publicou o primeiro tratado geral sobre doenças

dos trabalhadores, mas a sua obra clássica foi “De Morbis Artificum Diatriba”

(Discurso sobre as doenças dos artífices). Este autor dedicou-se a chamar a

atenção para a necessidade da prevenção das enfermidades dos

trabalhadores, estudando mais de quarenta profissões (ROSEN,1994). Em

seus termos:

Visitando a casa de um pobre, o doutor deve se contentar


com um banquinho, em lugar da cadeira de espaldar alto; deve
examinar o paciente com cuidado; e, às perguntas recomendadas por

25
Hipócrates, deve acrescentar mais uma: qual é sua profissão?
(RAMAZZINI apud SCLIAR, 1998, p. 87).

As jornadas de trabalho eram intensas e tomavam quase todo o dia.

O trabalhador esgotava-se em pouco tempo, ocasionando várias enfermidades

e falta de disposição, que eram encaradas como tendência à ociosidade, e falta

de virtude para o trabalho; não uma doença. A produção industrial era, na

Inglaterra, central para a atividade econômica. Portanto, o trabalho ocupava

posição de destaque nas preocupações da sociedade.

No século XVIII e XIX, o trabalho industrial já representava o centro

das preocupações sociais e econômicas. Ele garantia a riqueza da nação e

qualquer infortúnio que fosse causado ao trabalho era fonte de discussões.

Neste quadro, o trabalhador passa a ser importante, o gerador das riquezas,

portanto, deveria ser cuidado:

Uma população grande e sadia estava no centro do


interesse dos aritméticos políticos porque era um meio, essencial, para
se aumentar a riqueza e o poder da nação do Estado. Em conseqüência,
estadistas, legisladores, administradores, médicos, homens de negócio
reconheceram suas responsabilidades ante o povo. Responsabilidade,
por exemplo, pelos cuidados da saúde, pela prevenção das doenças,
pela assistência médica aos necessitados. (ROSEN, 1994, p. 95)

No século XIX, como em nenhum outro, foi colocado em pauta o

corpo e seus cuidados, além da tentativa de identificar a importância e os

limites do corpo. Mais do que isto, foi a época de debate em defesa de uma

melhoria das condições de vida do trabalhador industrial. Para retratarmos esta

época explicaremos os ideais populacionistas e a idéia da fadiga. São todos

26
tópicos que levam o homem a cuidar de seu corpo, buscando novas formas de

preservá-lo.

Dois pensamentos colaboram com o discurso do corpo como uma

máquina no século XIX. São estes: a idéia populacionista e a descoberta da

fadiga. Estes dois eventos, apoiados pelas descobertas científicas no campo

da fisiologia, sustentaram o discurso do “movimento higienista” na Europa.

Mas em que consistem estas representações que constituíram a

base do pensamento higienista?

Começaremos pela a idéia populacionista.

Cada homem fazia parte da força social, que por sua vez dependia

da qualidade e da quantidade dos trabalhadores. Sendo assim, a riqueza de

uma nação era medida pelo número de trabalhadores que ela poderia ter. A

idéia populacionista defendia a livre procriação, que garantiria uma maior força

social. Deste modo, cada mulher e cada homem são vistos como um capital da

nação.

Se o corpo do homem passa a ser visto como uma riqueza, qualquer

adversidade que o faça adoecer ou falecer representa um prejuízo irreparável

para a força social da nação. Com isto, surgem discursos que defendem o

cuidado e a relevância de cada trabalhador para o país.

E é no contexto destes cuidados com o homem que é descoberto o

conceito de fadiga, fundamental para a melhoria da condições de vida dos

trabalhadores.

A fadiga parece ser o termo do século XIX para expressar o que hoje

é chamado de estresse. Estamos esgotados, a vida conturbada nos deixa

27
abatidos. Da mesma forma, o trabalhador industrial do século passado sentia a

fadiga, que parecia limitar a produção.

Anson Rabinbach, em “The Human Motor”, explica como se deu esta

descoberta dos limites do homem. Segundo ele, aparece na literatura médica

em 1887 uma mudança na percepção de trabalho. Os médicos começaram a

considerar o excesso de trabalho como causa de degenerações físicas.

Apontaram a fadiga como o sinal principal da recusa do corpo em aceitar as

disciplinas da sociedade industrial moderna. Se a fadiga existiu antes da

sociedade moderna, ainda não havia aparecido como um termo médico e nem

recebido atenção significativa. Em 1870, porém, um discurso médico novo

começou a desenhar a topografia da fadiga e colocar marcos em seu terreno

ainda inexplorado (RABINBACH, 1992).

Rabinbach cita médicos que começaram a publicar artigos sobre a

fadiga. Para o francês Carrieu, o uso exagerado dos elementos anatômicos

causa problemas, muitas vezes irreversíveis ao organismo.

A imagem moderna da fadiga revela a crescente preocupação do

homem com sua saúde e com a saúde do trabalhador. A doença, a invalidez e

a morte representam imediatamente uma perda para a economia do país. A

fadiga era o grande mal, desanimando os trabalhadores, representando

prejuízo com a diminuição da produção.

Lovisolo encontra na obra de Comênio (1592-1670), no século XVII,

a idéia de fadiga. Ele, preocupado com os processos educacionais, via que a

fadiga atrapalhava a absorção dos conteúdos. Observava que longas horas de

estudo sem descanso comprometiam a eficiência e produtividade do estudo.

Dois séculos antes de a fadiga se tornar o centro das teses sobre o trabalho,

28
este pedagogo já a identificava como um mal que deveria ser evitado na Escola

que idealizou (LOVISOLO, 1999).

Além disso, como uma máquina precisa de um combustível para seu

funcionamento, não seria diferente com a máquina mais complexa da história,

ou seja, o motor humano. Esta metáfora tinha sido inaugurada no século XVI

por Descartes, que dizia ser o corpo do homem uma máquina. Eis a passagem

deste filósofo onde ele se maravilha com a complexidade da máquina humana:

O que não aparecerá de maneira alguma estranho a quem,


sabendo quão diversos autômatos, ou máquinas móveis, a indústria dos
homens pode produzir, sem aplicar nisso senão pouquíssimas peças, em
comparação à grande quantidade de ossos, músculos, nervos, artérias,
veias e todas as outras partes existentes no corpo de cada animal,
considerará esse corpo uma máquina que, tendo sido feita pelas mãos
de Deus, é incomparavelmente mais bem organizada e capaz de
movimentos mais admiráveis do que qualquer uma das que possam ser
criadas pelo homem. (DESCARTES, 1999, p. 11)

As novas descobertas da física, especialmente a termodinâmica, e

da fisiologia do século XIX legitimaram o discurso higienista, que adotou a

estratégia da metáfora do motor humano para realizar seus objetivos.

Foram os higienistas que pregaram novidades no cuidar do corpo.

Novidades que prometiam alcançar um melhor bem-estar para a vida cotidiana,

que afastariam as epidemias e tornariam os homens mais dispostos para o

trabalho, gerando, assim, riquezas para o país.

A metáfora da máquina humana formou parte de uma estratégia de

popularização dos novos hábitos higiênicos, que pretendiam responder à

questão de como melhorar as condições de vida dos trabalhadores da indústria

e da população em geral.

29
Um dos papéis centrais da metáfora do “homem-máquina” foi o de

convencer os capitalistas a cuidar de seus recursos humanos.

2.6 O motor humano

O contexto histórico legitimou a necessidade do cuidado com o

trabalhador. Rabinbach elenca várias comprovações empíricas desta tese na

Europa, como veremos neste capítulo.

Durante as últimas décadas do século XIX, o liberalismo europeu

alinhou-se às doutrinas científicas da conservação da vida. Seus pilares

gêmeos eram o medicamento e a biologia. A higiene social sancionou a visão

de que a sociedade seria melhor através da noção de equilíbrio. Para os

reformadores, era a sociedade um delicado organismo cujas funções

dependiam da intervenção estatal. Estatísticas poderiam atestar o custo da

negligência em relação às condições sociais, como também os benefícios

potenciais de remover seus efeitos danosos. Teorias científicas foram adotadas

nos estudos estatísticos para enfatizar as raízes sociais da doença.

O discurso higienista pregava a melhoria na saúde, a longevidade e

a conservação do trabalhador, que poderiam aumentar as forças produtivas da

nação. Descreve RABINBACH (1992) que, na obra de Louis Querton, o

catecismo da energia social era patente, reunindo argumentos biológicos,

estatísticos e sociológicos para apoiar o aumento da intervenção estatal para a

construção, conservação e valorização da máquina humana.

O Solidarismo, uma doutrina desenvolvida por Léon Bourgeois,

enfatizava a moral mútua e coletiva, bem como as obrigações sociais de todos

30
os sócios produtivos da sociedade. Reformas que poderiam reduzir a

exploração promover a produtividade, aumentando a justiça social.

Em 1900, em uma exposição em Paris, o ministro socialista do

comércio, Alexandre Millerand, apontou os resultados positivos de tais

agrupamentos incentivadores da defesa social, aumentando a solidariedade.

Segundo ele, as reformas reduziram as fraquezas individuais, permitindo

superar os obstáculos do ambiente.

Economistas do Solidarismo, inclusive Charles Guide, Charles Rist,

Paul Cauwès e Raoul Jay, fundaram uma revista onde enfatizavam os custos

sociais da saúde debilitada do trabalhador. Este periódico criticava os baixos

padrões de vida da população, o que causava uma queda na produtividade

pessoal do trabalhador. O Solidarismo era a base ideológica dos reformadores

republicanos, que acreditaram que melhorando a saúde dos trabalhadores,

melhorariam a produtividade e preservariam o capital da nação.

Rauol Jay resumiu o cálculo essencial do positivismo social francês

em 1904. Para ele, uma nação que permitisse a destruição ou redução das

forças mentais e físicas dos trabalhadores manuais fazia um péssimo

planejamento. Essas forças físicas e morais são uma parte do capital nacional,

como as máquinas. O industrial que, para reduzir os custos de produção, não

fizesse a manutenção das máquinas, seria considerado um tolo. Segundo ele,

se nós não pensamos o mesmo de um industrial que impõe um trabalho

excessivo aos trabalhadores e paga um salário insuficiente, é porque nós

sabemos que ele nunca terá que consertar o dano causado pela negligência

criminal de deteriorar a saúde do indivíduo. O dano é assumido pela nação

(RABINBACH, 1992).

31
O interessante é observarmos que o “movimento higienista” elabora

uma estratégia para convencer governos e empresários baseada no

produtivismo. Mas seu interesse não é colaborar em uma maior exploração do

povo. Sua preocupação também era com a saúde da população. Pois, se não

fosse assim, o quadro de exploração do século XVII teria sido mantido, e

quando um trabalhador adoecesse, tendo sua produção diminuída, seria

facilmente substituído devido às altas taxas de desemprego. No entanto, os

higienistas queriam regular este contexto com o objetivo de diminuir a pobreza,

melhorando as condições de vida.

Muitos socialistas europeus compartilharam o ideário do “movimento

higienista”, mesmo sendo às vezes céticos em relação aos motivos das

reformas liberais. Mas, diante do quadro de abandono em que se encontrava a

população, a necessidade da intervenção estatal era uma questão que

superava as barreiras ideológicas. Segundo um sindicalista francês, a

solidariedade entre os indivíduos é ferida pela exploração e pelo o

esgotamento pessoal, com isto a energia de produção está

correspondentemente reduzida. Um panfleto que circulou com o título de

“Travail et sumenage” (Trabalho e Esgotamento) reivindicava soluções para o

esgotamento das energias, como regra na experiência do trabalho. Alguns

economistas, e até mesmo empresários industriais, compartilharam esta

percepção do poder operário como um recurso nacional precioso.

O discurso da preservação do poder operário como a solução para

as questões sociais emergiu gradualmente, ao término do século XIX, em um

espaço entre o sindicalismo e o liberalismo. Depois de 1900, a conservação da

32
energia foi aplicada a vários assuntos sociais: jornada de trabalho, acidentes

industriais, seguro de saúde, duração do serviço no exército, método formal de

educação e o papel de mulheres na força operária. Na França e na Alemanha,

no período até a Primeira Guerra Mundial, a ciência do trabalho contribuiu a

uma constelação nova de conhecimentos e políticas dedicadas a conservar a

energia do corpo social (RABINBACH, 1992).

Se pensarmos nestas comprovações empíricas de que, na Europa, a

ciência do trabalho legitimou as lutas sindicais, podemos refutar interpretações

que vislumbram o “movimento higienista” como mero aliado dos interesses

dominantes, embora pudessem existir convergências e elas serem enfatizadas

para se atingirem os objetivos.

Muitos empresários e economistas, segundo Rabinbach, resistiram,

no entanto, às propostas dos higienistas, dizendo que os custos dos salários

mais altos fariam a indústria perder competitividade. Outros diziam que com

menos horas de trabalho, o trabalhador iria com mais freqüência ao botequim,

consumiria mais bebidas alcoólicas e chegaria ao trabalho sem condições para

produzir.

Em contrapartida, os higienistas explicitavam casos que provavam o

crescimento da produtividade com a redução da jornada e aumento do salário.

O economista Lujo Bretano acreditava neste pressuposto, argumentando que

com o aumento dos salários, o trabalhador ganharia em satisfação e bem-

estar, refletindo este benefícios em maior produtividade (RABINBACH, 1992).

Este discurso não foi aceito sem muita resistência, como exemplo, o

economista alemão Wilheim Hasbach tentou refutar as teses de Bretano. No

33
entanto, cresceu o número de obras que defendiam a melhoria nas condições

de vida dos trabalhadores e a redução do tempo de trabalho.

Na Alemanha, um exemplo de defesa da melhoria das condições de

trabalho e de vida é a obra “O Comércio de Algodão na Inglaterra e no

Continente”, uma tese das indústrias de algodão inglesas e alemãs, escrita em

meados de 1890 por Gerhard Schulze-Gãvernitz. Para ele, a superioridade

física da operação das fábricas inglesas quando comparada com o continente é

reconhecida pelos alemães da mesma maneira que a sua própria superioridade

física (RABINBACH, 1992). Sua análise atribuía esta superioridade a salários

mais altos e aumento do consumo. Ainda parafraseando este autor, o

investimento que a indústria inglesa fez em saúde almejava, principalmente,

um padrão melhorado do viver. O progresso na nutrição do trabalhador, que a

Inglaterra viu durante o século XIX, é o fator favorável mais importante à

capacidade para competição da indústria inglesa (RABINBACH, 1992).

Outro exemplo a ser citado é o da British Gainsborough

Commission, comissão do governo inglês, que, ao completar sua investigação

na Alemanha, concluiu, em 1905, comprovando as teses dos reformadores

alemães, que, apesar de trabalhar mais horas, seus trabalhadores eram

inferiores aos trabalhadores ingleses em produtividade pessoal. E uma

comparação detalhada dos trabalhadores germânicos com os americanos,

administrada no mesmo ano, mostrou resultados semelhantes.

John Rae, um economista socialista britânico, defendia a experiência

européia na Jornada de Oito Horas. Segundo ele, era possível melhorar a

capacidade de competição dos fabricantes da Europa reduzindo as horas de

trabalho, como foi feito na Inglaterra.

34
Outro aspecto que poderia diminuir a produtividade era uma nutrição

não adequada do trabalhador. Estudos foram feitos comparando trabalhadores

de vários países com os ingleses e foi descoberto que a nutrição inglesa

baseada em rosbife era superior à do francês, baseada em sopa e vegetais,

portanto, pobre em proteínas. Hector Denis, reformador socialista, discutiu, na

Câmara belga de Deputados, que era possível quantificar o poder operário em

calorias de energia. Émile Waxweiler, analisando a dieta do trabalhador

americano, também observou que o trabalhador nos Estados Unidos tinha uma

melhor qualidade de vida se comparado ao europeu, e, assim, condições mais

favoráveis para a expansão da força produtiva.

Não só a energia física foi melhorada pela elevação do padrão de

vida, mas também a capacidade mental. O progresso na nutrição do povo, que

a Inglaterra viu durante esse século, é um elemento relevante para o aumento

da capacidade de competição da indústria inglesa.

O discurso do solidarismo higienista e o discurso socialista

elaboraram argumentos para convencer os governos e empresários da

necessidade do aumento dos salários, da redução da jornada e da melhoria

das condições de vida.

Com a ascensão na economia da Alemanha e da França, depois de

1895, o dia de oito horas se tornou, segundo Rabinbach, a demanda universal

do movimento operário internacional, superando até o assunto do salário.

Os socialistas europeus viram o dia de oito horas como o

oferecimento de numerosos benefícios permanentes, como proteção contra a

exploração excessiva, um lazer mais produtivo e salários mais altos. A

celebração do Dia Primeiro de Maio em nome do dia de oito horas, em 1889,

35
dirigiu o movimento internacional dos trabalhadores à meta da redução da

jornada de trabalho. Como Cross discute, o movimento das oito horas era o

resultado de trinta anos de luta política e ideológica, que teve o apoio das

investigações científicas dos higienistas, reivindicando o cuidado com

trabalhador.

Com tantos movimentos e argumentos favoráveis, os empresários

começaram a fazer experiências baseados no exemplo inglês, reduzindo a

jornada de trabalho.

Depois de 1890, pequenos industriais começaram a testar a semana

de trabalho encurtada, para observar os números da produtividade. Estes

esforços foram empreendidos por razões econômicas, mas também

pretendiam que eles servissem de modelos para outros industriais.

Um experimento particularmente influente foi o do industrial belga e

engenheiro L. C. Fromont. Ele tentou aplicar a doutrina da conservação de

energia aos seus trabalhadores. Com a jornada de dez horas em dois turnos,

observou que os trabalhadores sempre estavam sonolentos, desatentos,

intoxicados e constantemente reclamavam de náuseas. Quando a

administração anunciou, em 1897, que apresentaria um sistema de três turnos

de oito horas cada, os trabalhadores ameaçaram boicotar o sistema por causa

de uma esperada redução dos salários. Mas os salários não foram reduzidos.

Os resultados foram positivos, havendo uma sensível redução nos casos de

doença. Neste regime novo, informou Fromont, a produtividade subiu um terço

em um período de seis meses. As relações operárias melhoraram, os custos de

produção abaixaram, e houve um declínio no alcoolismo e na indisciplina. O

sucesso de Fromont foi divulgado amplamente na Bélgica pelo Instituto de

36
Solvay e pelo Escritório do Trabalho Belga, em prol de uma redução legal da

jornada de trabalho.

Em 1906, a indústria alemã Bosch também introduziu o dia de oito

horas com resultados semelhantes. Porém, na Alemanha, quem fez este

experimento e obteve maior repercussão, foi a indústria de Ernst Abbe, diretor

da Carl-Zeiss. Em 1901, Abbe foi o primeiro industrial alemão a introduzir o dia

de oito horas, monitorando cuidadosamente a produtividade dos trabalhadores.

Ele entrou em acordo com os trabalhadores, que manteriam a produtividade, e

em troca, não teriam uma redução nos salários. Abbe considerou sua

experiência como prova conclusiva da observação inicial nas características

sociais e fisiológicas do trabalho moderno.

O trabalho mecânico é caracterizado por uma uniformidade e

repetição que devem evitar o esgotamento, a fadiga progressiva, pois sempre

usa o mesmo organismo, o mesmo músculo, o mesmo sistema nervoso central

e as mesmas partes de cérebro. Segundo Abbe, quanto mais longo o dia de

funcionamento, maior a necessidade de períodos mais longos de atividade

improdutiva, de ócio, comparando ao estado ocioso de qualquer máquina. Ele

também observou, no começo da experiência, o esgotamento extremo dos

trabalhadores, mas logo não notou a fadiga. A produtividade e o poder de

concentração deles tinham aumentado. Abbe resumiu sua experiência no

seguinte axioma: para cada pessoa, em cada tipo de trabalho, e para a

produção diária de uma determinada quantia de tempo de trabalho há um

limite; a redução de tempo operário tem que resultar em uma subida de

desempenho de trabalho (RABINBACH, 1992).

37
O que podemos considerar nestas passagens comentadas por

Rabinbach, é que a preocupação do “higienismo” não era somente com a

produtividade, mas também com o bem-estar da população, tese que é

facilmente comprovada com as fontes primárias destes congressos na Europa.

O sanitarista industrial alemão Emmanuel Roth, também, apontou para o fato

de que a redução do dia de trabalho era desejável em um ponto de vista

higiênico.

Vários anos antes, Armand Imbert tentou demonstrar a utilidade da

ciência do trabalho para solucionar o debate sobre os salários entre os

trabalhadores e as companhias de comércio do porto de Sète. Comparando os

mais baixos salários ganhos pelos trabalhadores da vinicultura (quatro a cinco

francos em dez horas por dia) com os salários mais altos dos trabalhadores

das docas (oito francos por oito horas) concluiu que a diferença estava

garantida, substancialmente, pelo grau de fadiga. Para ele, aquela

desigualdade de salário não correspondia à quantidade de trabalho dinâmico

produzida, mas pela intensidade de fadiga, quer dizer, pelo valor da energia

interna gasta no trabalho. Se fosse adotado este método, os salários não

seriam medidos pela produtividade, mas pelo dispêndio de energia que ele

provocasse.

Imbert quis demonstrar que só a ciência do trabalho pode mediar as

relações entre o capital e o trabalho, tornando esta relação mais justa. A

ciência poderia ser imparcial, provendo uma solução baseada na

experimentação. A distinção que Imbert fez entre desempenho de trabalho e

fisiologia soou para o trabalhador como a possibilidade de basear as reformas

38
no trabalho não só por uma porcentagem de produção e desempenho, mas por

uma taxa fisiológica objetiva do trabalho.

Outros adeptos da ciência do trabalho eram mais cautelosos na

legislação sobre a duração do dia de trabalho. André Liesse advertiu que se a

proposta de Imbert fosse adotada, não seria possível estabelecer um padrão

na jornada de trabalho para todas as indústrias em todos os países, já que

cada profissão teria que ser investigada para se obter as despesas fisiológicas

e determinar o salário. Amar também caracterizou a demanda da jornada de

oito horas como “não científica”, pois desconsiderava a quantia de trabalho

com o tipo de trabalho, idade e sexo do trabalhador. O sanitarista alemão

Theodor Sommerfeld concordou que a diversidade de métodos e situações de

trabalho requeria uma diferenciação e aproximação específica em lugar de uma

política nacional. Kraepelin também defendeu, em última instância, que a

produtividade deveria levar em conta a procedência dos resultados dos estudos

sobre a fadiga. Porém, a maioria dos peritos em fadiga acreditava em um limite

de máximo de horas de trabalho, e esta questão passou a ser o novo problema

da ciência do trabalho.

Na França, dois acontecimentos desencadearam extensos debates

sobre o valor do poder operário e as implicações fisiológicas de reforma. O

primeiro foi, após debates que duraram de 1899 e 1904, as dificuldades

encontradas pelos reformadores para afiançar uma lei de dez horas na jornada.

O segundo foi o impacto de uma lei que ordenou, em julho de 1906, todos os

estabelecimentos comerciais a darem um dia de folga durante a semana.

Em 1910, Renê de Viviani, o ministro do trabalho no governo de

Georges Clemenceau, propôs em uma nova lei reduzir gradualmente para dez

39
horas o dia de funcionamento para todos os trabalhadores. Houve resistência

por parte dos empresários, mas, nos debates, os argumentos fisiológicos da

ciência do trabalho (especialmente o de Imbert) garantiram a execução da lei

proposta. Os partidários da ciência do trabalho comemoraram a vitória de seus

argumentos depois de duas décadas de debates.

A ciência da fadiga persistia com seu discurso de que o trabalho

físico excessivo afetava as funções do aparato circulatório progressivamente,

ao restringir a circulação das veias, prejudicando gradualmente o coração e

provocando uma arteriosclerose geral. O desenvolvimento corporal do

trabalhador é retardado em comparação a outras classes sociais. Para os

higienistas, era preciso garantir uma nutrição saudável, a fim de manter um

equilíbrio da despesa e do consumo do organismo. Um trabalho diário de dez

horas é, em geral, o limite máximo, sendo o ideal dois períodos de quatro horas

de trabalho separados por um intervalo de duas horas, ou seja, o dia de oito

horas.

Numerosas experiências demonstraram que quatro horas eram o

limite máximo até a ocorrência de um intervalo. A quantia máxima absoluta de

trabalho no curso de um dia, sem dano para o organismo humano, era

calculada em Calorias (Kcal). Um trabalhador fadigado estaria impossibilitado

de descansar o suficiente para compensar esta perda de energia, e

freqüentemente, recorreria a uma excitação, como o alcoolismo, para estimular

artificialmente o corpo e diminuir a sensação de fadiga.

Dr. Maurice de Fleury, um sócio proeminente da Academia do

Medicamento de Paris, alertou que, para todo trabalhador, era necessária uma

“higiene racional”, que poderia determinar uma dose diária de trabalho sem

40
deteriorar suas forças. Ele calculou o limite de oito horas em um estudo

realizado nos Estados Unidos, onde pesquisou trabalhadores franceses

empregados em grandes fábricas de Chicago. Constatou que os trabalhadores

reclamavam da intensidade de trabalho e da falta de períodos de descanso

durante o dia. Os franceses reivindicavam, no consulado da França, os

intervalos. Reclamavam que não havia tempo suficiente para fumar um cigarro,

ou até mesmo o simples entretenimento de assoviar (RABINBACH, 1992).

Eduard Vailliant, socialista francês, foi quem introduziu a frase “limite

fisiológico” durante uma fala em defesa da jornada de oito horas na Câmara de

Deputados, em novembro de 1910. De acordo com Vaillant, o “limite fisiológico”

do trabalhador era a duração máxima de tempo de trabalho e esforço que

poderiam ser gastos razoavelmente. A fisiologia pode fixar este limite com

precisão. Segundo ele, a renda (nutrição) necessária e as forças que um

organismo têm de gastar devem estar em equilíbrio. Os desperdícios

acumulados conduzem a um estado de esgotamento que terminaria em

enfermidade ou óbito.

Em numerosos livros e artigos, Vaillant enfatizou a conexão entre

fisiologia e política. De acordo com seus textos, no trabalho muscular ou mental

há limites de tempo e intensidade que não podem ser ultrapassados sem

representar um perigo ao trabalhador. O esgotamento deve ser evitado. O

trabalhador tem o direito à nutrição adequada, a um sono regenerativo, ao

relaxamento da noite, merecendo também um dia de repouso. Vaillant também

era partidário de um laboratório nacional para o estudo da fisiologia do trabalho

que foi fundado em 1913.

41
Mais que qualquer outro político na esquerda francesa, Vaillant fez

largo uso da ciência do trabalho em nome da questão social. Ele considerou os

trabalhos de Imbert e os estudos experimentais de Amar, provas conclusivas

da necessidade não só da redução de horas, mas da melhoria das diversas

condições de trabalho. Vaillant também estava preocupado com a produção.

Sua proposta era especializar cada trabalhador no setor em que ele se

familiarizasse mais, conforme suas aptidões. Assim, a produtividade

aumentaria e permitiria uma redução geral na duração do dia de trabalho. Ele

almejava um equilíbrio entre um dia de funcionamento menor e a intensidade

de trabalho. Este equilíbrio, no entanto, poderia ser fixado para cada ocupação

pela fisiologia, ao estabelecer os limites de desempenho não-danosos ao

“motor humano”.

O argumento ilusório de que menos horas fariam a indústria perder

competitividade foi desmentido ao se observar que as nações que se

desenvolveram menos economicamente, adotavam mais horas e salários mais

baixos. Vaillant previu um futuro extraordinário para a França, que adotou as

soluções científicas da higiene do trabalho. Para ele, a nação que procura

pautar sua legislação trabalhista pelos estudos da ciência do trabalho recolhe

dados suficientemente úteis para organizar o trabalho, de forma a extrair, no

limite do possível, as energias dos trabalhadores e todo o poder operário.

Baseado nestas premissas, a nação poderia aumentar sua produtividade sem

alterar o organismo do trabalhador. Para ele, tal procedimento é o mais eficaz à

nação para estabelecer um sistema normal e natural de produção.

Simultaneamente, a nação estaria se preparando para a competição

internacional (RABINBACH, 1992).

42
Como vimos, na Europa, a intervenção nas relações de trabalho por

parte do Governo foi legitimada pelo discurso científico dos higienistas do

trabalho. A tese também avançou no sentido de controlar as doenças, como

descrevemos a seguir.

2.7 Desenvolvimento e debates da Medicina e Biologia

O “movimento higienista” também teve debates internos. O mais

polêmico na Europa foi sobre as causas das enfermidades, entre as teorias do

contágio e dos miasmas.

A teoria dos miasmas afirmava ser as más condições do ambiente a

causa das enfermidades e epidemias. Uma doença se desenvolveria conforme

sua adaptação a determinadas condições de ambiente, que variavam desde a

temperatura até a insalubridade das habitações. As opiniões eram baseadas na

observação de que as doenças tinham maior inserção em ambientes

insalubres. A falta de saneamento, sem tratamento de esgotos, água potável e

asseio corporal tornavam as classes trabalhadoras mais suscetíveis às

doenças. Esta proposta sustentou os argumentos dos higienistas que queriam

convencer as autoridades públicas da iminência de uma intervenção em nível

de políticas de saneamento básico, educação higiênica, prevenção e

atendimento médico. Muitos dos reformadores sanitários defendiam esta

opinião5 (ROSEN, 1994).

Em contraposição às teorias miasmáticas, os contagionistas

afirmavam ser o contato com o indivíduo enfermo o meio pelo qual as doenças

5
José Luís dos Anjos (1995) considerou que esta explicação teórica (dos miasmas) não era
adotada pelos higienistas, pois ia contra os interesses das elites sociais. Neste item

43
se propagavam. Para controlar a doença e prevenir as epidemias, eles

defendiam o isolamento do indivíduo.

Além destas duas posições, uma terceira teoria conciliava a duas

correntes. Ela defendia a existência de agentes contagiosos, mas que só se

manifestavam em conjunção com outros fatores, como os sociais, climáticos e

econômicos.

Segundo Rosen,

No confronto entre as teorias do miasma e do contágio, até


a última do século XIX a primeira dominou. Em um estudo excelente
sobre o anticontagionismo, E. Ackernecht apontou que ‘pouco antes de
sua vitória final e avassaladora, as teorias do contágio e do contágio vivo
experimentaram as mais profundas depressões e desvalorizações em
sua longa e tormentosa carreira; e pouco antes de seu desaparecimento
o anticontagionismo alcançou seu auge de elaboração, aceitação e
respeito científico. (ROSEN, 1994, p. 212, grifos nossos)

O século XIX representou o domínio das teorias miasmáticas sobre

as do contágio. Assim, é possível entender o porquê de a reforma sanitária ter

dado grande ênfase às condições ambientais e sociais, discursando pela

necessidade do cuidar da população.

Desta maneira, podemos imaginar que quando as renovadas teorias

do contágio ganham repercussão, a necessidade de cuidado com a melhoria

das condições sanitárias perde espaço, porém a metáfora do motor humano

continuou viva, assim como o discurso de cuidar da população. Os próprios

pesquisadores da medicina continuaram a exigir melhorias nas condições de

vida.

comprovamos que a teoria dos miasmas foi central no movimento higienista até o início do
século XX.

44
As teorias miasmáticas foram superadas em prestígio científico

pelas do contágio no final do século XIX, contudo foram muito reformuladas

pelas descobertas de Louis Pasteur. Suas teses renovaram as teorias

contagionistas, com as novidades trazidas da microbiologia, inaugurando a

bacteriologia.

A primeira descoberta de Pasteur deu-se no campo da química. Ele

queria saber porquê, no processo de produção de vinho e cerveja,

ocasionalmente, eles deterioravam. Estudando os processos de fermentação,

descobriu que o processo desandava em virtude da contaminação por

organismos vivos. Para prevenir esta contaminação, ele formulou o método de

pasteurização, que consiste em elevar a temperatura do produto em um nível

de intolerância a estes microorganismos. Deste modo, descobriu-se a

existência de micróbios no ar e em líquidos.

Em 1856, Pasteur foi convidado a investigar uma doença que se

propagava sobre os viveiros do bicho-da-seda. Depois de testes, ele estava

convencido de que duas doenças atingiam os viveiros, sendo causadas por

agentes externos específicos, por diferentes micróbios. Somando isto às

noções de vetor, portador humano e inseto hospedeiro, a bacteriologia estava

respaldada a estudar a causa de cada enfermidade. Em 1868, Antoine Villemin

relatou em seus “Études sur la Tuberculose” que esta doença não se originava

em homens ou animais, ou em virtude da atmosfera insalubre ambiente. Seu

motivo seria um processo virulento, germes microscópicos capazes de se

multiplicar no organismo e serem transmitir pelo ar, contaminando outros

indivíduos.

45
Outras teses sobre outras doenças surgiram derrubando o princípio

dos miasmas e as antigas teorias do contágio. Contudo, este não foi o fim da

intervenção sobre os hábitos da população.

Ao contrário, Georges Vigarello explica que com as teorias de

Pasteur inaugurou-se uma nova concepção de cuidados com o corpo, pois

descobriu-se que o grande inimigo do asseio corporal estava além de nossa

percepção, nos invisíveis micróbios. Portanto a lavagem deveria ser diária e

rigorosa. Roupas limpas não eram suficientes para conter as doenças, era

preciso expulsar estes microorganismos com a água (VIGARELLO, 1985).

Depois de séculos de história, o microscópio de Pasteur mostrou

que as doenças eram transmitidas por agentes invisíveis, e que no banho

eliminava-se milhões destes agentes nocivos à saúde. E, em tempos de

Revolução Industrial, Vigarello cita uma passagem que retrata a metáfora

usada para dar conta da conscientização em torno da higiene:

Toda a máquina exige a limpeza freqüente das suas


engrenagens e a rejeição, não menos freqüente, das escórias ou partes
inutilizadas do carvão. Sendo o corpo humano uma máquina das mais
delicadas, é necessário velar pela sua limpeza e pela expulsão regular
dos seus dejetos. (VIGARELLO, 1985, p. 165)

Como podemos observar, a metáfora do motor humano que deve

ser cuidado continuou com as novas descobertas da ciência, que chegaram até

o Brasil.

46
3. OS HIGIENISTAS DO BRASIL

Eu falo em nome das crianças dos meios rurais e operários, filhos da rua e
da miséria, brotadas em lares onde escasseia o pão e sobram as provações e
onde o agasalho do corpo e a própria subsistência não provém do salário certo,
mas de expedientes aleatórios. Eu falo em nome dessas crianças enfezadas e
anêmicas, quase maltrapilhas que enchem grande número de escolas públicas,
bem perto do bulício e do fausto dos grandes centros da cidade, e trazem, na
tristeza apática, nas olheiras fundas e no olhar sem brilho, quando não nas
escolioses, e em toda espécie de estigmas, a marca do meio social em que
definham, e todos os sinais de uma debilidade congênita agravada pelas taras
hereditárias e pela penúria de meios malsãos, e oferecida como presa fácil à
contaminação ambiente. (AZEVEDO, 1934)

3.1 Brasil: início do século XX

Como vimos no capítulo anterior, o “movimento higienista”, na

Europa, teve como objetivo central a proteção da população, mediando e

gerando “soluções científicas” nos conflitos entre o capital e os trabalhadores.

No Brasil, o movimento teve papel semelhante no início da industrialização.

Porém, havia um aspecto especialmente preocupante para alguns higienistas

brasileiros, a formação do povo, daí suas tendências eugênicas. Mas, antes de

discutirmos esta premissa, é mais adequado descrever o contexto brasileiro.

O início do século XX, no Brasil, representou, no campo político, a

tentativa de consolidação da República, dominada pelo poder econômico dos

grandes agricultores. O principal papel do Estado parecia ainda ser a

continuidade da tarefa central dos tempos do Império: manter a unidade política

territorial do Brasil. Sendo assim, os investimentos no exército brasileiro

superavam qualquer outra prioridade política. A República, muitas vezes pelo

uso da força bélica, reprimiu revoltas, com o intuito ou mediante a justificativa

de manter unificado o país.

47
Nesse momento o Estado prioriza a unidade do poder. A sociedade,

no entanto, crescia em complexidade e diversificação dando lugar à

emergência de novos setores e atores sociais. Alguns políticos e intelectuais do

início do século postularam como tarefa pensar os problemas do Brasil e

formular propostas que os solucionassem. A sociedade da época reclamava a

modernização do Brasil e de suas cidades. Incomodava aos brasileiros o

paradoxo do atraso econômico e social tendo como pano de fundo a riqueza

natural. Assim, a explicação do fracasso econômico de um país com amplas

condições de ocupar um lugar entre as nações mais prósperas passaram a

formar parte do debate político e intelectual. O Brasil era ainda um país jovem,

que, no futuro, poderia ser um orgulho de civilização. Esse sentimento chega

até nossos dias: Brasil, país do futuro. Mas, quando os brasileiros observavam

o também jovem país da América do Norte, se perguntavam sobre os motivos

de nosso fraco desenvolvimento em comparação aos Estados Unidos. A partir

deste questionamento central, os intelectuais brasileiros construíram ou

importaram as mais variadas explicações.

Durante um longo tempo, a tese de maior repercussão para o

fracasso econômico foi a fatalista, na qual os componentes explicativos raciais

eram fortes. Segundo esse pensamento, os brasileiros eram constituídos por

raças inferiores, com baixa capacidade para o trabalho, portanto, o Brasil

nunca poderia ser uma nação economicamente forte. A pergunta de Von

Martius, sobre se a miscigenação era boa ou ruim para o Brasil, respondia-se

negativamente.

O Brasil tinha que ser um país bem-visto pelos estrangeiros. Com o

intuito de melhorar sua imagem, as elites brasileiras tentaram “embranquecer”

48
o país, embora a porcentagem da população classificada como branca no

censo nacional tivesse um modesto crescimento entre 1872 e 1890 e a grande

parcela de brasileiros era ainda classificada como negra ou mulata

(SKIDMORE, 1998).

Como acreditavam que o negro e o índio eram inferiores, os

brasileiros sentiam-se em desvantagem. Para confirmar suas teses, esta

corrente fatalista adotou as teorias racistas de europeus como Conde

Gobineau, Gustave Le Bon e Vacher Lapouge. Estes apontavam a “evidência”

biológica e histórica para justificar suas afirmações da superioridade branca. O

Brasil dificilmente poderia ter esperanças de alcançar algum êxito na tentativa

de “embranquecer” o país devido à grande quantidade proporcional de negros.

Porém, os brasileiros brancos estavam apostando basicamente na mistura de

raças e na imigração branca em massa para, gradualmente, tornarem-se

equivalentes à raça superior, com o desaparecimento do elemento negro no

país (SKIDMORE, 1998).

Uma outra corrente de pensamento do Brasil do início do século

pregava um orgulho nacional cego aos problemas nacionais. Representante

deste pensamento, Afonso Celso demonstrava que o Brasil já era um motivo de

orgulho, pois era um país gigantesco, belo, formidável e berço de raças

diferenciadas. Para ele, as raças brasileiras eram valorosas (CELSO, 1943).

Este pensamento representa a primeira reação às críticas estrangeiras, um

esboço de um nacionalismo de defesa, que desmente a inferioridade e ressalta

as qualidades do país, como ensina Adalberto MARSON (1979).

Mas é ainda um terceiro pensamento que critica substancialmente

as duas correntes citadas que tem a maior inserção entre os higienistas: o

49
pensamento intervencionista. De acordo com este, o povo brasileiro não era

produtivo porque estava abandonado pelas autoridades governamentais, que

pouco faziam pela educação e saúde dos brasileiros, que estavam doente e

abandonados.

Diferentemente dos fatalistas e ufanistas, os intervencionistas

exigiam do Estado uma atitude construtiva na melhoria das condições de vida

da população. Os higienistas tiveram um papel preponderante para que se

pensasse, e ainda pensemos, a produtividade mais como resultado das

condições dos trabalhadores do que como produto de suas características

raciais. Assim, as condições sociais, econômicas e educacionais passaram a

ser mais significativas que os determinantes raciais. Isso provocou uma

mudança na consciência nacional sobre os problemas brasileiros.

A partir da ciência experimental, foi provado que o problema da

saúde do brasileiro tinha solução, derrubando as teorias deterministas raciais.

Era preciso agir para sanear o país. Segundo Gilberto Hochman e Nízia Lima,

os conhecimentos dos médicos-higienistas sobre a saúde


dos brasileiros e sobre as condições sanitárias em grande parte do
território nacional, revelados ao público em meados da década de 1910,
absolviam-nos enquanto povo e encontravam um novo réu. O brasileiro
era indolente, preguiçoso e improdutivo porque estava doente e
abandonado pelas elites políticas. Redimir o Brasil seria saneá-lo,
higienizá-lo, uma tarefa obrigatória dos governos. (HOCHMAN & LIMA,
1996, p. 23)

Grande parte dos higienistas não era racista, ao contrário,

colaboraram na superação dessa ideologia. Eles e boa parte da

intelectualidade brasileira do início do século reconheceram a doença como o

50
principal problema do País e o maior obstáculo à civilização. O movimento pelo

saneamento do Brasil concentrou esforços na rejeição do determinismo racial e

climático e na refutação de um nacionalismo ufanista. Para alcançar este

objetivo, era preciso convencer o Estado a cumprir seu papel no campo social,

pois este se encontrava inoperante nas questões nacionais.

O discurso pelo saneamento dos sertões não era o único a habitar

as entidades científicas da saúde no início desse século. Na verdade, esta

tendência ganha espaço na década de 20 (HOCHMAN, 1998).

Na primeira década do século XX, por influência dos sucessos da

bacteriologia na Europa, um modelo campanhista centrado nas imunizações e

na fiscalização de hábitos toma conta do Rio de Janeiro. Datam do final do

século XIX e início do século XX a fundação de oito institutos de tese

bacteriológica no eixo Rio-São Paulo (LUZ, 1982). Nessa perspectiva

contagionista, que, segundo HOCHMAN (1998), atribuía a difusão das doenças

na população aos microorganismos, gerava um programa de ação que

procurava evitar o contato dos indivíduos doentes com os saudáveis,

garantindo ao movimento um papel de regulação da vida privada e pública.

Oswaldo Cruz é o nome mais aparente desta linha, contudo, suas orientações

causaram revoltas por parte do povo, que desembocaram na Revolta da

Vacina.

Ocorrida no ano de 1904, seu pretexto imediato foi a campanha de

vacinação obrigatória contra a varíola. Este fato que causou indignação no

povo, e logo oposições políticas aproveitam o ensejo para criticar a Primeira

República. Essas oposições eram formadas por dois grupos. O primeiro, muito

difuso, era composta genericamente por simpatizantes dos governos militares

51
de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Tratava-se primeiramente de

jovens oficiais, formados nas escolas técnicas de preparação de cadetes. Eles

propunham uma reorganização geral da sociedade, inspirada na teoria de

Augusto Comte, o positivismo, somada a uma ditadura militar. O outro

agrupamento dos conspiradores era formado pelos monarquistas depostos

pelo novo regime (SEVCENKO, 1984). Na descrição de Nicolau Sevcenko:

O argumento do governo era de que a vacinação era de


inegável e imprescindível interesse para a saúde pública. E não havia
como duvidar dessa afirmação, visto existirem inúmeros focos
endêmicos de incidência da varíola no Brasil, sendo o maior deles
justamente a cidade do Rio de Janeiro. Esse mesmo ano de 1904
atestou um amplo surto epidêmico, sendo que até o mês de junho
haviam sido contabilizados oficialmente mais de 1.800 casos de
internações no Hospital de São Sebastião, no Distrito Federal. Durante o
ano de 1904 o total de óbitos devidos à varíola seria de 4.201. A
medida, além do mais, insistiam as fontes do governo, fora adotada com
pleno sucesso na Alemanha em 1875, na Itália em 1888 e na França,
em 1902; por que não o seria então no Brasil, onde sua incidência era
muito mais grave? (SEVCENKO, 1984, p. 12)

A oposição respondia que, no Brasil, os métodos utilizados eram

autoritários. Sem falar na desconfiança que a vacina provocava no início do

século, com relatos de mortes após a inoculação.

É interessante observar que até mesmo Rui Barbosa tinha receio da

vacina, com vemos abaixo:

Não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a


temeridade, a violência, a tirania a que ele se aventura, expondo-se,
voluntariamente, obstinadamente, a me envenenar, com a introdução no
meu sangue, de um vírus sobre cuja influência existem os mais bem
fundados receios de que seja condutor da moléstia ou da morte.
(BARBOSA apud SEVCENKO, 1984, p.15)

52
A população se rebela, a cidade do Rio de Janeiro transforma-se em

um campo de batalha, que é controlada depois de uma forte repressão. Por

trás da campanha de vacinação estava Oswaldo Cruz e a bacteriologia. A

historiografia especializada destacou o aspecto autoritário, como estratégia das

classes dominantes para opressão e controle do povo, como o trabalho de

MARINS (1998). Vemos que este texto trata o “movimento higienista” de forma

precipitada, sem conhecer as tensões internas que aconteciam no mesmo, sem

conhecer os ideais dos vários higienistas, simplesmente o encaram como um

projeto de sociedade positivista, sem saber que inclusive positivistas e liberais

foram contra suas indicações, como demonstra o episódio da Revolta da

Vacina.

3.2 Abandono do povo: as epidemias

Vários historiadores relatam o panorama de abandono que a

Primeira República e os governos anteriores impuseram ao povo brasileiro.

Sem condições mínimas de saneamento básico, sem hospitais públicos, sem

remédios e assistência médica, e ainda analfabetos e despreparados para o

trabalho, o povo brasileiro, segundo os higienistas, estava doente. Uma doença

causada pela falta de intervenção do Estado. Saúde e Educação eram áreas

destinadas à responsabilidade dos Estados da União. Muitos destes, sem

verbas suficientes, atribuíam um plano secundário às questões sociais.

Segundo Lycurgo Santos Filho, até “princípios do atual século, a assistência

hospitalar esteve praticamente entregue às Irmandades de Misericórdia. Não

53
dependeu, portanto dos governos, mas da caridade pública”. (SANTOS FILHO,

1980). Só com o início de epidemias, em situações emergenciais, que os

governos intervieram, como no caso da vacinação contra varíola no início do

século XX, ainda, segundo Santos Filho:

Da mesma forma que as câmaras (municipais, na


época responsáveis pela saúde pública), os capitães-generais,
governadores das capitanias, cuidaram da defesa da saúde,
mormente por ocasião da irrupção de epidemias. (SANTOS
FILHO, 1980, p. 74)

Sobre a mesma intervenção emergencial do Estado em caso de

epidemias, relata Tânia Maria FERNANDES (1999, p. 83): “As instituições

responsáveis pela vacinação foram criadas em resposta a momentos de crise,

em geral causados por epidemias, e não como resultado de uma política de

organização institucional”.

Esta intervenção, segundo Paulo Marins, era incipiente. No Rio de

Janeiro, por exemplo, as habitações da maioria da população encontravam-se

em péssimo estado sanitário. As epidemias eram cada vez mais freqüentes.

Surtos de cólera-morbo, febre amarela, varíola, malária, tuberculose e peste

bubônica faziam muitas vítimas fatais, devido às péssimas condições de

salubridade oferecidas pelas ruas imundas, e, sobretudo, pelas casas lotadas,

sem saneamento básico e fornecimento de água. Já a assistência aos pobres

era mais acessível na forma de “curandeirismo” africano, muito disseminado na

antiga capital brasileira e nas outras capitais do Brasil (MARINS, 1998).

No Estado de São Paulo, o quadro não era diferente. Para Rodolpho

Telarolli Júnior, a aceleração da imigração européia para o Estado resultou em

uma aglomeração de estrangeiros no porto de Santos em ambientes insalubres

54
e propícios às manifestações epidêmicas. No início da República houve

grandes epidemias de febre amarela, além da varíola e febre tifóide. A

mortalidade pelas doenças transmissíveis chegou a responder por um terço

dos óbitos no Estado na década de 1890. Estas, ainda, não eram atestadas por

médicos, e sim, por leigos. Quando os casos epidêmicos eram alarmantes,

havia a assistência médica, em decorrência de esquemas especiais montados

pelo serviço sanitário estadual para atender a estas situações. Este quadro

permaneceu em vigência até meados da década de 20 (TELLALORI JÚNIOR,

1996).

As autoridades não davam uma assistência digna à população.

Somente em casos extremos poderia se verificar a ação governamental. Este

esquema de controle foi chamado por Telarolli Júnior, de “campanhista-

policial”, que tinha o objetivo de controlar epidemias, mas não de prevenir ou

assistir a população.

Em 1899 irrompeu na cidade de Santos, São Paulo, uma


epidemia mortífera, que se propagou a diversos pontos do país. (...) Era,
de fato, a peste bubônica. (...) Então, as autoridades paulistas e federais
cogitaram logo da instalação de estabelecimentos para a fabricação de
vacinas e do soro contra a peste. (SANTOS FILHO, 1980, p. 103)

Contudo, este era o início da intervenção dos higienistas junto à

sociedade, custeada pelo Estado. A campanha social do “movimento

higienista” ainda tinha muitos objetivos a alcançar, fundando a medicina social

no Brasil.

Como relatamos, o quadro era de abandono nas capitais, e no

campo a situação não era diferente.

55
O interior do Brasil encontrava-se em condições tão precárias

quanto as cidades. Euclides da Cunha testemunhou isto no Nordeste,

caracterizando o sertanejo como um homem de coragem para resistir aos

sofrimentos. O sertanejo não era inferior por sua natureza, mas pelo abandono.

Ele desabafa dizendo: “Não temos unidade de raça” (CUNHA, 1933, p. 70). O

autor não estava falando em “embranquecimento da raça”, teoria em voga no

período; ao contrário, defendeu a melhoria das condições de vida do sertanejo,

que poderia ser alcançada com a intervenção do Estado. Cunha esboça a

necessidade de os governos saírem do gabinete para conhecer os problemas

brasileiros, que se refletiam no isolamento do sertanejo (HOCHMAN & LIMA,

1996).

Dante Moreira Leite atesta que o pensamento de Euclides da Cunha

indicava como características do sertanejo a honra, força, audácia e

religiosidade. O escritor ressalta sua simpatia pelo sertanejo, julgando-o um

exemplo a ser seguido pelo Litoral (LEITE, 1976). Thomas Skidmore também

relata este ideal de Euclides da Cunha ressaltando que sua principal

mensagem era evidenciar o abismo que existia entre os sertanejos, isolados no

interior, e os bispos e políticos (SKIDMORE, 1998). Ainda este mesmo

brazilianist descreve o interesse no desbravamento do interior do Brasil.

Destacando a personagem histórica de Cândido Rondon, relata a viagem do

presidente norte-americano Roosevelt e sua admiração com o potencial

econômico de nossas reservas naturais. Em paralelo, assistíamos ao

crescimento de cientistas que tentaram fazer um levantamento da vastidão do

interior e de seus problemas sociais. Um deles seria Carlos Chagas, que

erradicou a malária em diversas regiões. Segundo Skidmore:

56
Pioneiros como Rondon e Chagas lideraram um crescente
esforço para educar o público no sentido de compreender que muitos
brasileiros eram improdutivos por causa das doenças causadas por
necessidades médicas e sanitárias não satisfeitas. E os esforços desses
pioneiros levariam a importantes campanhas de saúde nas décadas de
1910 e 1920 – campanhas que ajudaram brasileiros esclarecidos a
desafiar as teorias deterministas raciais e climáticas que tão
freqüentemente dominavam as discussões da elite sobre o lugar do
Brasil no mundo. (SKIDMORE, 1998, p. 117)

É este ideal que enfocaremos nas obras dos higienistas no Brasil: a

intervenção estatal como princípio para melhorar as condições de vida da

população. Com esta realização, derrubariam definitivamente as teses

pessimistas e deterministas sobre o povo do Brasil.

3.3 Pessimismo em relação à raça e ao povo

No fim do século XIX e início do século XX, estava no auge uma

teoria que pregava que raça não se limitava a determinadas características

étnicas, mas também representava características psicológicas coletivas.

Dante Moreira Leite chamou essas características de Caráter Nacional

Brasileiro.

Caráter Nacional Brasileiro seria uma análise do nosso povo a partir

de características psicológicas coletivas herdadas dos negros, índios e brancos

(LEITE, 1976). Era um discurso que pretendia explicar a questão do nosso

atraso no desenvolvimento econômico e cultural em relação aos Estados

Unidos e à Europa, investigando o que havia de específico no brasileiro.

57
Influenciados por escritores europeus, alguns autores acreditavam

em um determinismo biológico que condenava o brasileiro a ter certas

características, que, para eles, poderiam ser herdadas geneticamente. Em

resumo, nosso povo teria pensamento e atitude natos que eram herdados das

raças negra, indígena e branca.

O discurso em torno da raça passa ser referência para as elites

brasileiras. Intelectuais como Lapouge e Le Bon começam a ser seguidos no

Brasil por defenderem a tese de raças superiores e inferiores. Um texto de Le

Bom esclarece suas idéias:

(...) pelo simples fato de que a raça é diferente e desprovida


das qualidades fundamentais que possui aquela que povoa os Estados
Unidos, todas essas repúblicas [da América], sem uma só exceção, são
perpetuamente presas da mais sangrenta anarquia e, malgrado as
riquezas surpreendentes do seu solo, caem uma após outra nas
dilapidações de toda a sorte, na falência e no despotismo. (LE BON,
apud LIMA, 1980, p. 43)

Da mesma forma se pronunciou Vacher Lapouge sobre a América

Latina: “elas chegam ao mundo muito tarde, e a raça em si mesmo é muito

inferior. O México, onde o elemento indígena a absorveu completamente, e o

Brasil, imenso estado negro, que retornou à barbaria, são os dois únicos de

uma importância numérica séria” (LAPOUGE apud LIMA, 1980, p. 44).

O determinismo biológico das limitações das raças dos brasileiros

provoca um ambiente de pessimismo em relação ao desenvolvimento do país.

Muitos viam as características psicológicas herdadas dos índios e negros como

um obstáculo intransponível para o desenvolvimento do Brasil.

58
Leite cita muitos destes deterministas. Podemos destacar aqui

Oliveira Vianna, que defendia a tese de que o Brasil era formado por uma

aristocracia muito bem dotada geneticamente de qualidades positivas herdadas

dos europeus. Porém, em contraposição, possuía um povo inferior,

responsável pelo atraso do país (VIANNA, 1959). O povo era inferior por ser

formado por raças inferiores. Também, Alberto Sales é influenciado pelas

teorias deterministas-raciais em voga no Brasil, e acredita em uma raciologia.

Esta prega que o Brasil não poderia alcançar os padrões de desenvolvimento

da Europa e América do Norte por ter uma raça inferior, devido à mestiçagem

com os negros. Para ele:

A raça africana, pela sua inferioridade moral e pela sua inaptidão social e
política, sendo introduzida brusca e violentamente no seio das
populações inteiramente distintas, certamente que não podia contribuir
para o seu desenvolvimento moral e intelectual, senão para seu atraso.
(SALLES apud VITA, 1965, p. 106)

A discussão sobre a raça era muito difundida neste recorte histórico.

Todos estavam preocupados com uma raça que desenvolvesse o país e

garantisse a formação de um Estado Nacional. Esta idéia defendia uma

unidade de território, etnia, e língua, que na época eram alguns dos principais

definidores do povo (HOBSBAWN, 1990). Sem estes pressupostos, o Brasil

não se formaria como nação. Objetivo que só foi alcançado nos anos 30.

Até mesmo um dos intelectuais estrangeiros mais importantes

ligados à esquerda, influenciado pelo pensamento da época, indicava a raça

como um elemento relevante na constituição nacional. Antonio GRAMSCI

(1978a) escreve: "na América do Sul (...) a composição nacional é muito

59
desequilibrada mesmo entre os brancos, mas complica-se ainda mais pela

imensa quantidade de índios, que em alguns países formam a maioria da

população”.

A valorização da homogeneidade racial é um discurso seguido no

Brasil, a heterogenidade é considerada um mal, como pode ser entendido a

partir da citação de Gramsci. Esta linha adota a tese da inferioridade das raças

brasileiras como motivo principal para o nosso atraso. Nossa raça seria inferior,

segundo os deterministas, pois em nossa formação os elementos negro e

indígena não possibilitariam, por suas características psicológicas negativas,

um desenvolvimento de nosso povo.

Leite exemplifica estas teses com as fontes de vários escritores

brasileiros. Por exemplo, o médico da Escola Tropicalista Bahiana, Nina

Rodrigues achava que os negros e índios deveriam ter um tratamento

diferenciado no Código Penal brasileiro por terem uma mentalidade infantil,

inferior à dos brancos. Este autor passa a defender, na área médica, a idéia de

Eugenia.

A partir da teoria evolucionista, é reforçada, entre outras, a teoria da

degeneração, os estudos de eugenia, que, tomados à luz do método positivista,

isto é, na procura de evidência dos fatos, dão origem aos estudos de

Psiquiatria Organicista. Estes estudos se propunham a demonstrar que seres

degenerados apresentavam evidências físicas de suas taras. Desta forma, tais

indivíduos teriam atos e idéias não condizentes com o estado normal, pois

seriam portadores de "deficiências genéticas", que se traduziam nessas taras

físicas ou mentais. Ou seja, as deficiências culturais e sociais, como o

analfabetismo, tinham, para estes higienistas, explicações na genética. Os

60
negros têm sua cultura comparada e considerada como inferior. A diferença

racial passa a ser um dado indicativo de sua inferioridade, tanto biológica

quanto social, frente ao branco (LUZ, 1982).

Assim como os loucos, os criminosos e os negros, vários outros

grupos minoritários passaram a ser objeto de controle científico na época, por

parte dos seguidores da Eugenia, principalmente a partir dos estudos de

Galton. Nina Rodrigues, médico da Escola Tropicalista de Salvador, é um dos

adeptos desta corrente. Ele defende que o médico é o profissional mais

indicado para estabelecer normas sociais ou leis, pois conhece a natureza

humana mais do que um jurista, paralelamente ao fato de se ater às teorias

eugênicas, busca a consolidação do poder por parte do médico (LUZ, 1982).

Outro exemplo é Afonso de Mello Franco, Advogado e diplomata,

Afonso Arinos formou-se em 1927 pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.

Na juventude dedicou-se à literatura e acompanhou seu pai em missões

diplomáticas no exterior. Ocupou-se também do jornalismo, atividade que

desempenharia em vários momentos de sua vida. Ele aponta o Brasil como

uma civilização de duas culturas: uma primitiva e outra mais avançada. Ele

acredita no determinismo racial, colocando cada característica psicológica do

brasileiro como influência de determinada raça. Achava, também, que os

negros e índios teriam desrespeito à ordem legal.

Esta imagem de povo ruim também influenciou, em um primeiro

momento de sua obra, Monteiro Lobato, que se redimiu destas considerações

pessimistas em relação ao caboclo. Mesmo assim, é interessante conhecermos

este pensamento.

61
Para Lobato, o caboclo, comum no interior do Brasil, ao contrário do

que mostrou Euclides da Cunha com o sertanejo, era um parasita, um piolho da

nossa terra, incapaz de produzir, só podendo usufruir o que a natureza poderia

lhe dar. Em suas palavras, este funesto parasita da terra era o interiorano,

espécie de homem baldio, inadaptável à civilização, que vivia à beira dela na

penumbra das zonas fronteiriças. À medida que o progresso chegava, ele se

escondia no interior (LOBATO, 1961a).

Lobato achava que o Modernismo6 passava uma falsa idéia positiva

do caboclo. Este movimento literário, para Lobato, retomava o Indianismo da

fase romântica da literatura brasileira. Nos seus escritos:

Pobre Jéca Tatú! Como és bonito no romance e feio na


realidade.
Jéca mercador, Jéca lavrador, Jéca filosofo... Quando
comparece ás feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre
coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto
de espichar a mão e colher – cocos de tucum ou jissára, guabirobas,
bacuparis, maracujás, jataís, pinhões, orquídeas; ou artefatos de
taquara-póca – peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de caçador;
ou utensílios de madeira mole – gamelas, pilôesinhos, colheres de pau.
(LOBATO, 1961a, p. 281)

Lobato ressaltava os aspectos negativos do caboclo, caracterizando-

o como um preguiçoso, que não se movia nem sequer para manter a

organização de sua moradia. Não consertava seu telhado e nem limpava sua

casa, tudo era abandonado pelo desleixo daquele habitante. “Quando a palha

do teto, apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jéca, em vez de

6
Movimento literário.

62
remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a

água gotejante” (LOBATO, 1961a, p. 282).

Mas, ainda nesta fase pessimista de Lobato, podemos perceber

prenúncios de sua futura atividade política em favor da intervenção. Ele

começava a descrever a ignorância do Jeca Tatu, a falta de informação, a falta

de assistência médica. Isso se dava no momento que o romancista indicava

que o caboclo não sabia quem era o presidente da República, pensando que

quem fosse o chefe de Estado do país era o imperador. Este isolamento aos

principais fatos políticos do país, não se daria pelo fato de o caboclo ser uma

raça inferior. Era evidente que esta falta de informação era produto do

analfabetismo enraizado no Brasil. Da mesma forma, a crença do caboclo no

curandeirismo como forma de combate às doenças provinha da mesma causa:

a falta da Educação. Como ele descreve:

Doenças hajam [sic] que remédios não faltam. Para


bronquite, é um porrete cuspir o doente na oca de um peixe vivo e
solta-lo: o mal se vai com o peixe água abaixo... Para 'quebranto de
ossos', já não é tão simples a medicação. Tomam-se três contas de
rosário, três galhos de alecrim, três limas de bico, três iscas de palma
benta, três raminhos de arruda, três ovos de pata preta (com casca;
sem casca desanda) e um saquinho de picumã; mete-se tudo numa
gamela d’água e banha-se naquilo o doente, fazendo-o tragar três
goles da zurrapa. É infalível. (LOBATO, 1961a, p. 288)

Escritores brasileiros influenciados pelas teorias deterministas

européias tentam comprovar suas teses com generalizações de atitudes

psicológicas por parte das raças. Comprovando isto, pensam que se nosso

povo é geneticamente debilitado, o país sempre será pobre, sem termos o que

fazer e realizar. Mas esta ideologia tem seus opositores. Entre eles, os

63
nacionalistas, alguns intelectuais, e também vários higienistas, que às vezes se

opõem a estas teorias radicalmente, ou por outras, as negam, mas conservam

alguns elementos deste pensamento influente na época. Isto será visto mais

adiante. Neste momento, vislumbraremos a oposição nacionalista.

3.4 A resposta nacionalista

Nacionalismo no Brasil. Podemos começar a retratar esta

problemática pela explicação do que vem a ser este sentimento.

Definir nacionalismo seria inviável. Segundo Marson, não

encontramos o nacionalismo em estado puro, mas permeado em teorias mais

abrangentes. As correntes ideológicas tendem a se caracterizar pelo emprego

do nacionalismo. Ao longo dos períodos históricos, o nacionalismo tem-se

relacionado a princípios e valores mais gerais, em consonância à sua

incorporação em reivindicações diversas e contraditórias entre si, na mesma

época e país. Não se trata, apenas, de um simples caso de interpretação, mas

do fato de o nacionalismo extrair o seu padrão dessas referências teóricas mais

amplas, não sendo possível atribuir-lhe um estado teórico distinto, a não ser

em grau de generalidade difusa (MARSON,1979).

Adalberto Marson pontua várias manifestações de nacionalismo,

como o religioso, econômico, político, literário e várias correntes ideológicas e

políticas nacionalistas.

Marson nos faz refletir que, percorrendo uma ampla literatura

especializada, é fácil perceber que os esforços dos estudiosos esbarram,

geralmente, na mesma dificuldade: como reunir características gerais, capazes

64
de identificar sobre uma única expressão, manifestações de idéias e

comportamentos, que se arvoram justamente na particularidade, na

autodeterminação, na singularidade, no irredutível nacional? E esta dificuldade,

que nos parece a principal, desdobra-se em muitas outras. À medida que se

aprofunda no estudo da temática nacionalista, verificamos os traços tipológicos,

as suas expressões conceituais e seus conteúdos, os critérios para sua

análise, as conexões com os referenciais determinantes (classes sociais,

partidos, comunidades, regimes políticos, formas de dominação social,

dependência externa). Não é preciso apelar a muitos argumentos para

demonstrar a distância que separa, debaixo do mesmo vocábulo,

manifestações com objetivos tão específicos: o nacionalismo monárquico

autoritário e reacionário, o nacionalismo liberal, o industrial-desenvolvimentista,

o anti-colonialista, o fascista e nazista.

No seu significado político, o estudioso vê-se impossibilitado de

construir uma tipologia que contenha princípios de generalidade e coerência,

pela flagrante diversidade de aplicação contextual deste “ismo” em condições

variáveis no tempo e no espaço, em função de países, sistemas

socioeconômicos, regimes políticos e grupos sociais. O impasse é encontrado

na tarefa de classificar, descrever e comparar, enfim, de construir uma tipologia

(GOIS JÚNIOR, 1997).

Segundo Marson, podemos constituir algumas variáveis

secundárias, que são: o sentimento de superioridade (caracterizando o

nacionalismo ofensivo); e uma atitude de defesa e preservação (caracterizando

o nacionalismo defensivo) que pode ser exemplificado como o nacionalismo do

terceiro mundo.

65
Dentro do Nacionalismo encontramos palavras-chaves que, se

estudadas, desvendam esta questão no Brasil do início do século XX. São elas:

a unidade e a resistência à cultura estrangeira por parte dos nacionalistas.

Podemos também identificar os nacionalistas em duas vertentes: os ufanistas e

os realistas.

Na questão da unidade podemos caracterizar o esforço da recém-

proclamada República brasileira em manter a unidade do país, principalmente

no que se refere ao seu território. Na Revolta da Armada e na Guerra de

Canudos, ambos episódios históricos retratados pela Literatura brasileira, a

presença do exército para garantir a unidade política e territorial é

preponderante. Os governos do início do século no Brasil têm como prioridade

a consolidação do poder. Os símbolos nacionais são divulgados, um

nacionalismo de manutenção da ordem toma o Exército brasileiro.

Outra característica do nacionalismo brasileiro é a resistência de

alguns intelectuais à cultura estrangeira. Como o Brasil é condenado pelos

estrangeiros à barbárie, o país é malvisto. Assim, começou-se a exaltar um

nacionalismo defensivo em relação aos europeus. Ao invés de aceitarmos as

críticas aos brasileiros, por que não criticamos a cultura européia, criando uma

cultura genuinamente brasileira? Esta tese atravessa todos os espaços

profissionais brasileiros, como a sociologia e o esporte. Por exemplo,

Graciliano Ramos achava que a adoção do futebol pelos jovens era “fogo de

palha” (SOARES & LOVISOLO, 1997). Em seus termos: “Temos esportes em

quantidade. Para que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O Futebol

não pega, tenham certeza.” (RAMOS apud SOARES & LOVISOLO, 1997, p.

12).

66
Para ele, o esporte nacional seria a “rasteira”, valorizando o que é

por natureza criado aqui. Outro exemplo pode ser analisado na obra-prima de

Lima Barreto: “Triste Fim de Policarpo Quaresma”. Policarpo, um nacionalista

convicto, tinha a idéia de mudar o país. A primeira medida que conseguiu

formular foi uma reforma cultural que valorizasse o que fosse verdadeiramente

do Brasil. Propõe, então, que a língua portuguesa fosse substituída pela tupi-

guarani. (BARRETO, 1997). Estes são apenas alguns exemplos.

Em resposta ao discurso determinista-racial era preciso valorizar as

culturas nacionais. O sentimento nacional porta, em si mesmo, que a convicção

de suas riquezas culturais, sejam elas religiosas, gastronômicas, intelectuais ou

sociais devem se tornar exemplos para o mundo e ultrapassar as fronteiras de

seu país, tornando-se universais. No Brasil do início do século, a valorização,

por parte dos nacionalistas, de nossos recursos naturais, do índio, de nossa

cultura popular, teria como objetivo mostrar ao mundo o nosso potencial. Com

todos esses valores amalgamados, criaram nosso nacionalismo que, por ser

difuso em sua natureza, caminhou para duas vertentes, como dito antes, a

ufanista e a realista.

A primeira ignorou as críticas européias, não observou os problemas

nacionais, exaltando o que tínhamos de bom, como se o país já fosse a nação

mais importante do mundo. O exemplo clássico desta vertente é o livro de

Affonso Celso “Porque me ufano do meu país”, um livro ridicularizado pela

maioria dos intelectuais brasileiros, inclusive nacionalistas, pelos seus apelos

exagerados que ressaltavam a grandiosidade da nação. Este escrito do início

do século XX aproximava-se do romantismo indianista da metade do século

XVIII. Segundo Leite, Celso defendia-se de seus críticos dizendo que, em

67
matéria de patriotismo, melhor um otimismo ingênuo do que um pessimismo

azedo. Sua obra tem uma intencionalidade clara do nacionalismo de defesa,

argumentando sobre a grandeza do território, da beleza, do valor do povo e das

raças. Tudo o que era considerado problema para o Brasil, em Affonso era

qualidade (CELSO, 1943). Os românticos, da mesma forma, faziam a mesma

exaltação. Todas as qualidades do Brasil eram ressaltadas nas obras de

Castro Alves, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela e Gonçalves Dias. Nas

palavras do último:

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
(DIAS, 1959, p. 235)

Contudo, nos deparamos com um nacionalismo que não questiona

os problemas brasileiros, o que não acontece com o nacionalismo realista. Este

questiona a necessidade da intervenção. Aponta problemas e soluções para o

país. Este nacionalismo está consciente do atraso do Brasil e, a partir disso,

pauta a questão do desenvolvimento. Desse modo, representou o papel de

estimular o progresso de nacionalismos europeus do século XIX, como na

Alemanha, e, no Brasil do início século XX, em forma de denúncia à falta de

saúde, educação e a necessidade da modernização.

Esta tipologia de nacionalismo realista pode ser exemplificada com o

próprio Policarpo Quaresma de Lima Barreto. Esta personagem planeja uma

reforma cultural para o Brasil, mas que não faz nenhum sucesso. Depois,

observa na agricultura a grande vocação nacional, porém se decepciona com

68
as dificuldades do campo. Finalmente, vê que o problema nacional só pode ser

resolvido com intervenção estatal, no sentido de reformar o país. Fazendo um

estudo que é entregue a Floriano Peixoto, espera ansiosamente pela resposta

do seu idolatrado líder. Quando acontece este fato, ele se decepciona com o

presidente, que diz: “mas, pensa você, Quaresma, que eu hei de pôr a enxada

na mão de cada um desses vadios (...)” (BARRETO, 1997, p. 143). Nesta obra,

Lima Barreto mostra a missão dos intervencionistas, como Quaresma, em

convencer os governantes da possibilidade de desenvolvimento. Todavia esta

personagem teve um triste fim, sendo fuzilado pelo governo.

Mas, abandonando a ficção e caminhando para a história,

encontramos um autor como Alberto Torres, que vê na falta de organização

política o mal do Brasil. Um nacionalista que exalta nosso potencial, sobretudo

ressaltando nossos problemas. Um nacionalismo realista, que os higienistas e

os intelectuais intervencionistas apóiam, como veremos a seguir.

3.5 Discussão intelectual sobre os problemas do Brasil

O Brasil forma, na primeira metade do século XX, um conjunto de

intelectuais que abandonam as explicações deterministas-raciais sobre nosso

país. Para estes pensadores, os problemas do Brasil residiam na falta de

intervenção do Estado na solução de questões sociais. Tratava-se de cuidar da

população brasileira. Com esta tese os intervencionistas combateram e

criticaram a literatura estrangeira determinista-racial, apontaram os caminhos a

serem seguidos pelo Estado na melhoria das condições de vida do povo, e

indicaram como melhor explorar o potencial econômico brasileiro. Neste

69
momento, vislumbraremos nuances das obras de Alberto Torres, Gilberto

Freyre, Fernando de Azevedo, Monteiro Lobato e Manoel Bonfim.

Alberto Torres (1865-1917) participou da campanha abolicionista, do

movimento republicano, foi Presidente (como era denominado) do Estado do

Rio de Janeiro. A obra deste autor é polêmica, pois, embora possa ser

apontado como um liberal, sua obra foi referência de integralistas, porém, se

fossem lidos hoje, afirma Dante Moreira Leite, seus trabalhos suscitariam teses

da esquerda brasileira (LEITE, 1976).

A obra de Torres em um primeiro instante não causou um grande

impacto. Teve mais repercussão na década de 30 com a influência da

Sociedade de Amigos de Alberto Torres. Entre os integrantes desta sociedade

encontrava-se Oliveira Vianna, historiador, sociólogo e bacharel em direito, foi

consultor jurídico do Ministério do Trabalho e ministro do Tribunal de Contas,

além de membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico

Geográfico Brasileiro. Um nome de destaque no cenário político nacional e

adepto das teorias deterministas-raciais. Mas, se Alberto Torres era um

intervencionista e Vianna um determinista, o que aproximava os dois

pensamentos?

Algumas das idéias organizacionais de Torres eram seguidas por

Vianna, principalmente aquela que indicava a necessidade de um poder

centralizador e moderador no comando dos Estados; e as que criticavam o

absenteísmo liberal do Estado – fato que faz Nelson Saldanha sugerir uma

continuação entre os dois pensamentos (Cf. SALDANHA, 1978). Contudo, os

dois pensamentos possuíam uma ruptura radical, como indica Barbosa Lima

Sobrinho:

70
Havia também, em Oliveira Viana, alguma coisa de
desalento e pessimismo. Não confiava no homem brasileiro. Deixara-se
aprisionar pelo preconceito de raças e aceitara, em relação aos
mestiços, doutrinas estrangeiras que não passavam, no caso brasileiro,
de manifestações teorizantes, como tantas outras que êle [sic] profligava.
Já Alberto Torres, libertando-se de todos jogar êsses preconceitos,
manifestava sua confiança no homem brasileiro, confiança no futuro e
um otimismo tranqüilo com os seus alicerces firmados na realidade
nacional. (LIMA SOBRINHO, 1978, p. 323)

Uma ruptura, que indicava em Alberto Torres a denúncia da

importação de teorias racistas européias, pois percebia que elas nos negavam

qualquer otimismo em relação ao futuro.

Há raças superiores e raças inferiores? Torres fez esta indagação

aos seus contemporâneos. Para ele, a resposta seria, invariavelmente,

negativa. Sobre as teses étnicas, ele dizia:

Pareceu-me oportuno destruir essas ilusões. A dúvida sobre


o valor das raças no Brasil, nos centros intelectuais de nossas cidades, é
mais um resultado do preparo – todo receptivo – dos que nos dirigem a
opinião, que os conduz a tomar por dogmas tudo quanto os livros
estrangeiros nos trazem, inclusive suas sentenças condenatórias,
arestos com que o instinto político das nações adiantadas, dando por
superioridade absoluta a superioridade eventual e relativa que mostram
hoje, fazem títulos à dominação das que chamam “raças inferiores”.
(TORRES, 1990, p. 12)

Fica patente em sua obra a condenação das teorias deterministas.

Para Torres, elas teriam um interesse político-ideológico. Faz uma crítica

aberta a Gobineau e Malthus, Vacher de Lapouge, certas filiações políticas e

sociais do darwinismo e a Nietzsche. Conta que estes surgiram, de origens e

71
de fontes diversas, quase na mesma geração, chegando, por métodos

científicos, à mesma conclusão: a afirmação da superioridade morfológica e

irredutível, de certas raças e certos povos.

Com este quadro, a antiga aristocracia recorre à ciência na busca de

títulos de superioridade. Contudo, outros cientistas, segundo Torres,

comprovaram a falsidade destas teses. Por exemplo, a História negou a eterna

superioridade branca nos rumos da civilização. Os trabalhos dos egiptólogos já

haviam desvendado uma civilização, anterior à helênica, rica em

descobrimentos e investigações, arrojada e perita nas construções da arte

monumental, relativamente apurada no desenho das artes plásticas. Esta raça

era uma raça trigueira, se não escura. As probabilidades de sua origem,

asiática ou africana, excluem qualquer filiação à estirpe dos homens do Centro

e do Norte da Europa.

Com isso, todo o edifício da superioridade ariana ou teutônica ruiu

por terra, com a demonstração irrefragável de que as fontes da nossa

civilização brotaram de cérebros de homens do Mediterrâneo, quase

certamente da margem Sul deste mar (TORRES, 1982). Isto posto, Torres

mostrava que a relativa superioridade que a Europa usufruía em relação ao

Brasil era temporária, e não definitiva. Era possível intervir na raça brasileira

através de meios como a Educação e a Saúde. Para comprovar a possibilidade

da melhoria das qualidades do povo brasileiro, Torres adota o culturalismo de

Franz Boas:

Esta prova bastaria para aniquilar a pretensão de


superioridade das raças loiras, ou antes, da raça loira teutônica, pois
que, dentre os próprios loiros, alguns – a imensa massa dos
braquicéfalos do Centro da Europa, por exemplo – são repelidos pelos

72
grandes eleitores da ciência selecionista; mas a ciência, prosseguindo
em suas indagações, chegou à conclusão de que, ao lado das
diversidades físicas, verificadas na estrutura humana, nada,
absolutamente nada, autoriza a afirmação de uma desigualdade radical,
na constituição cerebral, em seu funcionamento, em seu poder de
desenvolvimento. A relação entre os caracteres físicos e os caracteres
psíquicos jamais se conseguiu afirmar com dados definitivos e
irrefutáveis. Recentes investigações, do mais ilustre, talvez, dos
antropologistas americanos, o Sr. Boas, demonstraram que os
caracteres somáticos de uma raça alteram-se, notavelmente, de uma
geração para outra, com a simples mudança para um meio novo.
(TORRES, 1982, p. 59)

Portanto, não haveria um caráter hereditário. A cultura e a influência

do meio é que determinariam as qualidades psíquicas do povo. Então,

condenar o povo brasileiro por suas características hereditárias nacionais,

como pregavam os deterministas, não tinha base científica. Ao contrário, era

possível mudar o povo garantindo o direito constitucional de Saúde e

Educação.

Para mudar este quadro adverso que condenava o povo brasileiro à

miséria, a proposta de Torres pautava-se na garantia de direitos constitucionais

ao povo, com recursos estatais. Era preciso mudar as condições de vida, para

mudar o Brasil. O primeiro passo seria a formação de um Estado Nacional que

garantisse a unidade política.

Em seu pensamento, o Brasil seria, em primeira análise, uma

associação de indivíduos e famílias que habitavam aqui com ânimo de

permanência, protegidos pelo conjunto dos órgãos da sua política, ou seja, o

“Estado”, formando, posteriormente, graças à consciência de uma continuidade

histórica de heranças morais e materiais, a nação brasileira. Contudo em sua

época a formação do Estado Nacional é atrelada à unidade racial. Tese que ele

73
refuta, pois chega à conclusão de que a raça é, de todos os elementos da

nacionalidade, talvez o menos ativo.

Comprovava sua tese afirmando que nenhum dos povos

contemporâneos é formado de uma raça homogênea. A Suíça, com a sua

população variada, de origens francesa, germânica, italiana, contém ramos

ainda hoje radicalmente destacados dos três grandes tipos étnicos europeus: o

nórdico, o mediterrâneo e o braquicéfalo central. Os Estados Unidos, dizia ele,

reunia representantes de todas as estirpes étnicas; a população austro-

húngara forma um verdadeiro mosaico de variedades humanas. Mesmo assim,

nenhum desses povos deixou de formar uma nação no aspecto moral, político

e social. A Suíça e os Estados Unidos, países federados, eram nações de forte

e vigorosa unidade, no sentimento, no espírito e na harmonia dos interesses. O

Brasil contava exemplares de raças extremas, mas só um cuidadoso estudo

etnológico autorizaria a classificação de cada alemão de Blumenau como

germânico e de cada italiano, espanhol ou português de São Paulo, de Minas e

do Rio de Janeiro, como latino. Portanto, a variedade de raças também não

impediria a formação do Estado Nacional, nem mesmo do sentimento de

nacionalidade (TORRES, 1982).

Formado o Estado Nacional, o segundo passo seria a intervenção

nos problemas do país, que para ele eram claros:

Nunca tivemos política econômica, educação econômica,


formação de espírito industrial, trabalho de propaganda e de estímulo
para a aplicação das atividades. Organizamos, pelo contrário, uma
"instrução pública", que, da escola primária às academias, não é senão
um sistema de canais de êxodo da mocidade do campo para as cidades
e da produção para o parasitismo. A política fiscal, motivada unicamente
pelas necessidades dos tesouros, foi sempre adversa à produção –

74
suporte efetivo, afinal, de toda a carga das tributações, diretas ou
indiretas. O protecionismo, recente, viu contrabalançadas as vantagens
que prometia à produção, pelos entraves à circulação e ao comércio,
pelos tributos estaduais e municipais, pelos açambarcamentos, pelo
enxerto de intermediários e de especuladores. (TORRES, 1982, p. 129)

Ou ainda:

Possuímos uma enorme população ociosa e miserável,


sabem-no todos. Esta população ou vagueia pelos desertos, sem polícia,
do país, ou apodrece, nas regiões centrais, dia a dia mais alheada do
trabalho. Que fazer por esta gente?
Nada? Mas por quê? De todos os tempos, a idéia da
assistência, do socorro, do remédio à calamidade, à miséria, à fome
dominou instituições e regimes sociais, sem que nenhuma teoria as
repelisse; a organização secular das sociedades não é outra coisa mais
que o lento processo formador desse conjunto de hábitos e de
instituições que entretêm a associação espontânea dos compatrícios,
para a distribuição dos bens da vida – a partir do mínimo da habitação e
do alimento. Hoje, os órgãos e aparelhos desta organização espontânea
estão mostrando, em toda parte, a sua insuficiência: a política acode às
necessidades com a legislação social. (TORRES, 1980, p. 25)

As políticas adotadas em seu tempo pelo Estado eram insuficientes

para resolver os problemas brasileiros. O povo estava doente e abandonado

pela inanição do Estado. Para Torres, as grandes causas da fraqueza física

do brasileiro tinham, principalmente, três naturezas: cósmico-sociais,

decorrentes da falta de estudo do clima e das condições da vida sã em

nossos meios, geralmente úmidos e quentes, e das sucessivas

transformações meteóricas e climatéricas; escassez e impropriedade dos

alimentos; e causas econômicas, sociais e pedagógicas, relativas à

75
prosperidade e à educação do povo. Os fatores patológicos cooperavam para

a nossa decadência física.

Em relação às medidas profiláticas, como as campanhas de

controle epidêmico, Alberto Torres compreendia que todos os esforços eram

incompetentes ou simples desvios na localização dos fatos reais. Mal

atacavam as moléstias e nunca extinguiam as predisposições mórbidas. Era

preciso, antes de tudo, resolver o problema geral da economia nacional

(TORRES, 1982).

Alcançando o êxito organizacional, o Estado Brasileiro poderia

intervir com eficiência. Poderíamos confiar na melhoria das condições de vida

e de trabalho de nosso povo e ter otimismo em relação ao futuro. Em seus

termos:

Não temos senão motivos, assim, para confiar na energia e


na capacidade das nossas raças.
Ao fator moral da confiança cumpre juntar, contudo, outros,
mais importantes, que devem visar à solução dos nossos mais sérios
problemas: a consolidação do caráter do povo, pela educação; a defesa
da sua economia física, pela alimentação e pela higiene pessoal,
doméstica e pública; a defesa da sua economia social, pela política
econômica. A causa principal do êxito de quase todo imigrante nos
países novos é o estímulo da esperança de fortuna sobre terras ricas,
prometedoras e férteis: é um fenômeno, verificado, de psicologia social,
na história das migrações. É preciso que a nossa sociedade mantenha,
nos herdeiros, e estimule, nos indígenas e nos descendentes desses
colonos forçados que foram os escravos, a mesma ambição laboriosa.
(TORRES, 1982, p. 71)

O idealismo de Torres consistiu na negação das teorias

deterministas e na busca da intervenção estatal por meio de uma melhor

organização. Segundo Vera Marques, o pensamento de Torres torna-se

76
referência para as teorias higienistas que criticavam as teorias racistas

(MARQUES, 1997).

O pernambucano Gilberto Freyre destaca-se como um dos principais

intelectuais da história brasileira, colocando-se como um dos pioneiros e um

dos marcos teóricos de uma geração que superava as explicações

reducionistas de arianistas, que pregavam a inferioridade biológica do povo

brasileiro. Assim como Alberto Torres, Gilberto Freyre via em Franz Boas e sua

teoria culturalista a chave para as explicações que os brasileiros tanto

almejavam, ou seja, o motivo de nosso atraso. Freyre é categórico, para a

explicação de um atraso cultural, social e econômico dava respostas

socioculturais. Em seus termos:

O Professor Franz Boas é a figura de mestre de que me


ficou até hoje maior impressão. Conheci-o nos meus primeiros dias em
Colúmbia. Creio que nenhum estudante russo, dos românticos, do
século XIX, preocupou-se mais intensamente pelos destinos da Rússia
do que eu pelos do Brasil na fase em que conheci Boas. Era como se
tudo dependesse de mim e dos de minha geração, da nossa maneira de
resolver questões seculares. E dos problemas brasileiros, nenhum que
me inquietasse tanto como o da miscigenação. Vi uma vez, depois de
mais de três anos maciços de ausência do Brasil, um bando de
marinheiros nacionais – mulatos e cafuzos – descendo não me lembro
se do São Paulo ou do Minas, pela neve mole do Brooklyn. Deram-me a
impressão de caricaturas de homens. E veio-me à lembrança a frase de
um Iivro do viajante americano que acabara de ler sobre o Brasil: "the
fearfully mongrel aspect of most of the population" [sic]. A miscigenação
resultava naquilo. Faltou-me quem me dissesse então, como em 1929
Roquete-Pinto aos arianistas do Congresso Brasileiro de Eugenia, que
não eram simplesmente mulatos ou cafuzos os indivíduos que eu
julgava representarem o Brasil, mas cafuzos e mulatos doentes.
(FREYRE, 1992, p. xlviii)

77
No prefácio da primeira edição de Casa Grande e Senzala, Freyre

vai ao encontro do pensamento de uma geração que não mais se pautava em

questões raciais, mas nas explicações sociais, sobretudo aquelas que residiam

em dados favoráveis a uma intervenção no campo da saúde, daí a grande

influência de intelectuais como Torres e Freyre no “movimento higienista”.

Retomemos os escritos de FREYRE (1992), em um prefácio de grande valor

histórico:

Foi o estudo de Antropologia sob a orientação do Professor


Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor –
separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência
cultural. Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura;
a discriminar entre os efeitos relações puramente genéticas e os de
influência sociais, de herança cultural e de meio. Neste critério de
diferenciação entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio.
Também na diferenciação entre hereditariedade de raça e hereditariedade
de família.
Por menos inclinados que sejamos ao materialismo histórico
tantas vezes exagerado nas suas generalizações – principalmente em
trabalhos de sectários e fanáticos – temos que admitir influência
considerável, embora nem sempre preponderante, da técnica da produção
econômica sobre a estrutura das sociedades; na caracterização da sua
fisionomia moral. É uma influência sujeita à reação de outras, porém
poderosa como nenhuma na capacidade de aristocratizar ou de
democratizar as sociedades; de desenvolver tendências para a poligamia
ou a monogamia; para a estratificação ou a mobilidade. Muito do que se
supõe, nos estudos ainda tão flutuantes de eugenia e de cacogenia,
resultado de traços ou taras hereditárias preponderando sobre outras
influências, deve-se antes associar à persistência, através de gerações, de
condições econômicas e sociais, favoráveis ou desfavoráveis ao
desenvolvimento humano. Lembra Franz Boas que, admitida a
possibilidade da eugenia eliminar os elementos indesejáveis de uma
sociedade, a seleção eugênica deixaria de suprimir as condições sociais
responsáveis pelos proletariados miseráveis – gente doente e mal nutrida;
e persistindo tais condições sociais de novo se formariam os mesmos
proletariados. (p. xlviii-xlix)

78
Não nos coube nesse texto nenhuma tentativa de esmiuçar

profundamente a obra de Freyre, tarefa cabível a pesquisadores específicos.

Contudo, é inegável a importância histórica de Freyre no “movimento

higienista”, quando praticamente sentencia a necessidade de uma intervenção

social na superação dos problemas brasileiros.

O terceiro autor a ser analisado é Monteiro Lobato. Ele nasceu em

1882, na cidade de Taubaté, São Paulo. Formou-se em Direito, tornou-se

colunista do jornal O Estado de S. Paulo e escritor. Morreu em 1948.

Ele representava muito bem o debate entre os deterministas e os

intervencionistas. Isto porque defendeu as duas posições em momentos

diferentes de sua obra. Em seu artigo “Velha praga”, Lobato condena o

interiorano como o “parasita” de nossa terra, como vimos anteriormente. Mas

depois, devido ao contato com a campanha sanitária de Belisário Penna e às

viagens ao Estados Unidos, percebeu que o problema brasileiro estava no

setor econômico e social. Compreendia que o desenvolvimento dos Estados

Unidos se respaldava na tese e na exploração do petróleo, o que não vinha

sendo feito no Brasil. Nossas possíveis riquezas naturais mantinham-se

inexploradas. E, além disto, o homem do campo estava abandonado e

entregue às doenças, sem educação e sem assistência médica.

Quando tenta se aprofundar na questão do caboclo, conhece os

higienistas da Liga Pró-Saneamento do Brasil, como Belisário Penna, o mais

importante deles. O contato com este higienista faz Lobato refletir sobre os

problemas do Brasil. Ele percebe que a causa primeira da miséria, ao contrário

do que tinha pensado, não era o caboclo. Ele não era culpado das doenças, do

abandono. A culpa era da falta de saneamento. E, para resolver o problema,

79
não bastava uma reforma constitucional, era preciso intervir imediatamente.

Quando Penna expõe este quadro a Lobato, este vê seu ânimo exaltado. O

último, na ocasião, era muito criticado pela descrição que fizera do caboclo.

Então, reconhece que foi injusto em sua análise. Observa que a culpa residia

nas elites e em um Estado inoperante que deixara o Jeca chegar naquele

estado de indolência. Não se passa muito tempo e Monteiro Lobato já era uma

das lideranças da campanha higienista. Nos seus escritos:

(...) perdoa-me, pois, pobre opilado, e crê no que te digo ao


ouvido: és tudo isso sem tirar uma vírgula, mas ainda és a melhor coisa
desta terra. Os outros, os que falam francês, dançam o tango, fumam
havanas e, senhores de tudo, te mantêm nessa geena infernal para que
possam a seu salvo viver vida folgada à custa do teu dolorido trabalho,
esses, meu caro Jeca Tatu, esses têm na alma todas as verminoses que
tu tens no corpo. Doente por doente, antes tu, doente só do corpo.
(LOBATO apud LEITE, 1976, p. 345)

Na sua publicação “Problema Vital”, ele abandona o pessimismo em

relação ao povo brasileiro, refaz seu pensamento, pautando-se em uma crítica

à literatura estrangeira determinista-racial, e, ainda, defende a tese de que o

caboclo é a solução e não o problema do Brasil, desde de que a obra do

saneamento obtivesse êxito. Ele diz: “respiramos hoje com mais desafogo. O

laboratório dá-nos o argumento por que ansiamos. Firmados nele

contraporemos à condenação sociológica de Le Bon a voz mais alta da

biologia” (LOBATO, 1961, p. 264). E continua:

Em todos os países do mundo as populações rurais


constituem o cerne das nacionalidades. Taurinos, torrados pelo sol,
enrijados pela vida sadia ao ar livre, os camponeses, pela sua robustez e
saúde, constituem a melhor riqueza das nações. São a força, são o futuro,

80
são a garantia biológica dos grupos étnicos. Pela capacidade de trabalho
mantêm eles sempre elevado o nível da produção econômica; pela saúde
física, mantêm em alta o índice biológico da raça, pois é com sangue e o
músculo forte do camponês que os centros urbanos retemperam a sua
atividade. (LOBATO, 1961, p. 255)

O Jeca Tatu, caricatura do caboclo, passa a ter outro sentido em sua

obra. Em “Idéias de Jeca Tatu”, defende o que é genuinamente brasileiro. Para

ele, influenciado pelos nacionalistas, o que é de criação brasileira deve ter mais

valor do que o estrangeiro. Em vez de importarmos as idéias dos estrangeiros

no campo da literatura e das artes, era preciso criar um estilo brasileiro e

ignorar os movimentos do exterior (LOBATO, 1961b).

Seu idealismo o leva à discussão política e econômica. Ele se tornou

um defensor da modernização do Brasil através da industrialização, da

exploração de nossos recursos naturais e da procura do petróleo. Segundo

Leite, Lobato era um dos primeiros intelectuais brasileiros a buscar em fatores

econômicos as explicações para o nosso atraso (LEITE, 1976). Foi, sem

dúvida, um intelectual importante, que teve uma influência sobre o “movimento

higienista” na negação das teorias raciais, o que não é diferente no próximo

autor a ser tratado.

Este escritor é Fernando de Azevedo, um velho conhecido da

historiografia da Educação Física. Foi estudado por Lino Castellani Filho na

descrição do “movimento higienista”. Tem uma ligação com nossa área devido

às publicações em periódicos de Educação Física e por ter escrito o livro “Da

Educação Física”. Contudo, Azevedo não só se dedicou à “causa da educação

physica” [sic], mas publicou uma vasta obra em que analisou a sociedade

brasileira como um todo, por exemplo, em a “Cultura Brasileira”. Ele também foi

81
um militante, participando da discussão dos Congressos de Eugenia e de

Higiene. Foi um dos educadores responsáveis pelo movimento escolanovista.

Obteve cargos no ministério de Gustavo Capanema.

O que nos interessa neste momento é analisarmos sua obra no que

tange às reformas educacionais e higienistas. Azevedo pensava que os

problemas brasileiros residiam em um povo fraco, mas esta não era uma

situação definitiva. Seu projeto de melhoria do povo ou da raça tinha dois

pilares: Educação e Saúde.

Elaborou, então, um projeto de Escola Pública que englobasse

essas duas questões. Neste, ele criticava a precariedade das condições sociais

do povo. A proposta educacional deste intelectual baseava-se na estruturação

das escolas, na democratização do ensino, na educação do trabalho, na

educação higiênica, e na educação física.

Azevedo via o país em uma situação caracterizada pela degradação

e o abandono. Via em nossas crianças o retrato de um povo fraco fisicamente.

Percebia que o Estado não dava sequer conta da alfabetização e ressaltava as

precárias condições do sistema de ensino no Brasil. Para ele, no primeiro

relance das inspeções nas escolas, no aspecto material, mais acessível à

observação, notava-se o completo abandono. As escolas, em sua maioria,

instaladas em velhas edificações de aluguel e, às vezes, mesmo em ruínas, ou

em prédios mal adaptados aos fins escolares, constituíam um atentado aos

nossos foros de cultura e a todos os princípios rudimentares de higiene e

educação. Mas, além das instalações, as próprias crianças proletárias estavam

abandonadas, como relata:

82
(...) quem tenha tido o ensejo de observar e experimentar ao
vivo o estado de miséria física e social de grande parte da população
escolar, de centros urbanos e rurais, não pode passar despercebida a
necessidade de incorporar, nas reformas, planos de assistência higiênica
e alimentar às crianças pobres, de uma população, sem seiva, sugada
até à medula menos pela miséria do que pelas verminoses, pela sífilis e
pelas endemias. Mas, entregando-me rasgadamente a uma política de
assistência social, sentia que todo êsse esforço [sic] não atingiria os
objetivos visados, se, ao mesmo tempo, não procurasse pôr em via de
solução o problema do tratamento das crianças enfêrmas das escolas
públicas. (AZEVEDO, 1934, p. 184)

“As graves questões de educação pública ainda não se haviam

erguido entre nós, do plano secundário a que foram sempre relegadas”

(AZEVEDO, 1934, p. 42). Continua ele, dizendo que, até então, quase todas as

reformas realizadas no Brasil eram superficiais. Não procediam, geralmente, se

não por inserções arbitrárias de novos processos ou padrões de técnica do

sistema tradicional do ensino, isto é, por meio de inovações, acréscimos e

substituições que se distribuíam sem elementos de coesão sobrepondo-se na

legislação escolar, em camadas correspondentes a períodos distintos e a

orientações diferentes. O que também incomodava Azevedo era que os

destinos da Educação brasileira, na maioria das vezes, eram entregues a

políticos ou a técnicos aprisionados a fórmulas didáticas. Para ele, mudar a

Educação no Brasil seria uma questão de modificação do espírito e filosofia

educacionais, para que estes caminhassem para a democratização e o

liberalismo. Dizia ele:

Ora, se o jogo das causas econômicas e o progresso das


máquinas desenvolveram, na sociedade atual, o predomínio da indústria,
que criou uma civilização em mudança; o alargamento quantitativo das
sociedades, com a multiplicação dos círculos e dos contatos sociais,

83
trouxe, em conseqüência, o desenvolvimento das idéias igualitárias, que
presidem à nossa evolução social. A educação nova, nas suas bases, na
sua finalidade e nos seus métodos, não podia, pois, fugir, de um lado, às
idéias de igualdade, de solidariedade social e de cooperação que
constituem os fundamentos do regime democrático, e por outro lado às
idéias de tese racional, trabalho criador e progresso científico, que guiam
a sociedade cada vez mais libertada da tirania das castas e da servidão
dos preconceitos. (AZEVEDO, 1934, p. 17)

O intuito deste seria a fundação da Escola laica, obrigatória e

igualitária. Democratizar a Educação seria um grande passo para a

modernização do Brasil, seguindo o caminho de superação do atraso

(AZEVEDO, 1994a). Para isto, tentou criar um sistema educacional baseado

nas mais recentes descobertas científicas. Previa uma instrumentalização das

escolas, com rádio, disco e cinema como materiais que pudessem auxiliar na

relação professor-aluno. Para modernizar, também, era necessária a

industrialização, que por sua vez exigia uma educação para o trabalho.

Assim, propõe uma escola do trabalho. Para ele, a Educação não

poderia ficar alheia ao fenômeno da industrialização. Por este motivo, ele foi

descrito na historiografia como um utilitarista. Mas ele mesmo já se defendia

dessas considerações:

Mas, a escola nova, igual para todos, organizada em regime


de vida e trabalho em comum, própria para desenvolver a consciência
social de igualdade, solidariedade e cooperação, e a consciência
econômica do trabalho produtivo, não deve tender a sacrificar ou
escravizar o indivíduo à comunidade, nem a prescindir os valores morais,
na formação da personalidade humana. Eu tenho da vida, e, portanto, da
educação, uma concepção integral, que não me permite considerar o
homem apenas como instrumento de trabalho; que me criou a
consciência da necessidade de aproveitar, na educação, todas as forças
ideais, isto é, tudo aquilo que dá sentido e valor à vida humana, e, que

84
portanto, me obriga a reivindicar para o indivíduo seu direito em face da
sociedade, à qual aliás ele tanto mais se adaptará e servirá, como
unidade eficiente, quanto mais desenvolver e aperfeiçoar sua
personalidade, “em todos os sentidos”. (AZEVEDO, 1934, p. 19)

Azevedo pensava que seu projeto não era somente pragmático, mas

que a Educação integral, nos sentidos moral, físico e intelectual, era um direito

da criança e uma obrigação dos educadores. Uma educação completa e não-

imediatista. Esta concepção educacional pretendia, nas palavras de Azevedo,

desenvolver amplamente a criança, incutindo-lhes valores morais, como

cooperação, espírito de iniciativa, responsabilidade e perseverança.

Sobre o utilitarismo, Azevedo diz que não se pode tratar os

indivíduos como meios ou máquinas sem pensamento, que só devem executar

o gesto prático. Mesmo propondo “o esforço produtivo que ordena o

pensamento à utilidade imediata de ação, não se contenta apenas com a

utilização científica do homem, em vista de seu Rendimento máximo na

engrenagem econômica” (AZEVEDO, 1934, p. 21), procura uma base larga

sobre a vida. Para ele, a Escola, dentre suas funções, deveria cultivar o valor

do trabalho, mas isto não seria exclusivo aos proletários, e sim a todos.

As idéias européias do homem como uma máquina influenciaram

muito Azevedo. Sua proposta também pretendia preencher esta lacuna.

Preparando a criança para o trabalho, não no sentido de lhe ensinar uma

profissão, pois isto era papel da Educação Profissional, mas de ensinar o valor

do trabalho produtivo. E, através da educação física, preparar esta máquina,

pois:

85
(...) a intensidade febril da vida moderna, com todas as emoções que nos
faz constantemente experimentar, obrigando-nos a trabalhar e a produzir
como máquinas, não se pode suportar senão, a expensas do sistema
nervoso que se mantém em alta tensão, sempre vibrante em seu
máximo grau. Ao lado e simultaneamente com esses fatores que
contribuem para o esgotamento das energias individuais, trabalhadas e
enervadas por toda espécie de solicitações externas, o veículo fácil e a
máquina reduziram, nas grandes cidades cada vez mais industrializadas,
as oportunidades para os exercícios e para as fadigas físicas,
multiplicando as ocasiões de contágios pela interpenetração cada vez
mais profunda dos círculos sociais e profissionais, nas ruas, nas escolas,
nas fábricas, no teatro. (AZEVEDO, 1934, p. 174)

A Educação Física seria um outro pilar no projeto educacional de

Azevedo, mas este assunto será discutido em outro capítulo.

Fica claro que a educação teria um papel de preparação dos futuros

trabalhadores, mas isto, na época, longe de ser um mal, era uma unanimidade

entre todas as posições políticas no Brasil e na Europa. Vivíamos um tempo de

grande valorização social do trabalho produzida no século XIX. Não podemos

esquecer que o próprio marxismo é uma antropologia do trabalho que valoriza

seu papel criador. Azevedo assistiu à importação de mão-de-obra estrangeira,

fato que incomodava nacionalistas e intervencionistas. Propõe, então, que a

Educação, que se completaria com a educação higiênica, auxilie na formação

de trabalhadores brasileiros. Tratava-se de um voto de confiança de Azevedo

no povo brasileiro.

A proposta de Azevedo não mediria esforços no sentido de ensinar

as concepções higiênicas aos alunos. A escola teria um papel preponderante

no saneamento do país. Como Saúde e Educação eram suas preocupações

centrais, as duas esferas acabam se completando em uma estrutura sólida que

mudaria o país. Pelo menos, foi assim que pensou o educador.

86
Ele criticou a forma como a educação tradicional tratou os assuntos

da saúde, sempre deixando em plano secundário, sem uma estrutura que

possibilitasse o ensino da higiene e da Educação Física. Na Escola Nova

construíram-se edifícios amplos e arejados. As crianças teriam assistência

médica que se prolongaria até a casa do aluno com as visitas das enfermeiras.

Da escola, partiria um atendimento que visava atingir toda a sociedade. O

projeto pretendia inculcar novos hábitos higiênicos que se difundiriam em todos

os lares através da educação da criança. Para ele, pela educação sanitária, se

estabeleceria uma vigilância constante, reprimindo-se imediatamente qualquer

negligência, mostrando a importância da saúde. Para isto, seriam usados

palestras, filmes, exposições, cartazes e folhetos, além de todos os meios de

difusão de práticas higiênicas, como dramatizações e concursos infantis,

associações e patrulhas sanitárias.

No entanto, era imprescindível uma intervenção estatal para que a

escola pudesse alcançar este nível estrutural, mas isto não feria os princípios

liberais de Azevedo. Ele sabia que o investimento do Estado na Educação e na

Saúde deveria estar em primeiro plano e tenta convencer o Estado a intervir.

Ele nega as teorias deterministas raciais quando prega que a nossa raça

estava ruim, mas poderia ser melhorada com a intervenção estatal na Saúde e

Educação, fazendo com que o povo adquirisse qualidades físicas e intelectuais

que seriam transmitidas para gerações futuras. Este é o projeto eugênico que

Fernando de Azevedo defende em suas publicações. Ele não defendia o

embranquecimento da raça, nem mesmo a regulamentação dos casamentos

entre raças consangüíneas.

87
Para entendermos precisamente o que ele pretendia, temos que

observar esta passagem:

A superioridade ethnica de um povo é uma equação entre


os elementos de sua formação e as condições históricas que sobre eles
actuaram. A quem atende na heterogeneidade de elementos ancestrais
que, fusionando-se, deram o produto híbrido e impreciso de nossos
genes, e nas condições, que os influenciaram, não pode surpreender o
espetáculo desagradável desse povo sem um tipo ainda para o qual
tenda um tipo ethinico definido, mas ao contrário, imperado raquítico, e,
por isto, destinado aos pessimistas á absorção ou ao menos á quase
impossibilidade de se tornar um dia uma força viva de humanidade e
uma glória real de civilização latina. (AZEVEDO, 1933, p. 14)

Pode-se entender deste modo que o pensamento de Azevedo

tentava unir duas teorias: a determinação genética e a determinação do meio.

Entendia que o povo brasileiro estava em formação, portanto adquirindo

características do meio (Educação, Saúde), e estas seriam herdadas

geneticamente pelas gerações futuras (AZEVEDO, 1950). O que pretendia era

melhorar a raça através da democratização da saúde e da educação. Este

pensamento era uma das tendências da Eugenia, como veremos mais adiante.

Ainda nos resta, nesta descrição do pensamento destes intelectuais

brasileiros, analisar um pensador da esquerda daquela época. Estamos falando

de Manoel Bonfim (1868-1932).

Ele foi um dos primeiros intelectuais da esquerda brasileira. À

historiografia da Educação Física, ele só foi reapresentado7 em 1998 por José

Tarcísio Grunenvalt no VII Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e

Educação Física. Grunenvalt apresentou Bonfim como uma mentalidade que

7
Inezil Penna Marinho, no livro “História Geral da Educação Física”, cita Manoel Bonfim como
um dos defensores da Educação Física bem orientada.

88
destoava da unanimidade dos intelectuais da época, como Alberto Torres,

Euclides da Cunha e Oliveira Vianna. Era a voz que se erguia contra o

determinismo racial (GRUNENVALT, 1998). Porém, já pôde ser visto que esta

afirmação pode ser relativizada, pois, em primeiro lugar, não havia

unanimidade entre os intelectuais da época – uns eram seguidores de

Gobineau (determinismo racial) como Oliveira Vianna, e outros eram críticos,

como Monteiro Lobato, Fernando de Azevedo e Alberto Torres. Em segundo

lugar, Bonfim não é o primeiro e nem o único a criticar o determinismo racial.

Os autores supracitados também faziam esta crítica. E em terceiro, Grunenvalt

cita Dante Leite para afirmar que as análises daqueles autores eram simplistas,

e, realmente, Leite procura e encontra lacunas em todos os autores, inclusive

em Manoel Bonfim. Mas, Grunenvalt omite a crítica de Leite a Bonfim, dizendo

que este último representa uma superação ideológica no pensamento

brasileiro.

Para Leite, Bonfim e Torres representam apenas prenúncios de

libertação. Estavam adiantados em relação aos racistas de sua época, contudo

não superaram este pensamento, pois, segundo Leite, a superação das

ideologias racistas é alcançada por Monteiro Lobato e Caio Prado Júnior

(LEITE, 1976). Veremos a seguir que sua mentalidade longe de destoar de

todos, ia ao encontro da mentalidade higienista intervencionista de Fernando

de Azevedo. Para isto, ressaltaremos sua crítica da sociedade, o que ele

pensava sobre raça, nacionalidade (caráter nacional brasileiro) e sua proposta

Educacional.

Como os autores intervencionistas, Bonfim via um Brasil que

abandonou seu povo. A miséria do povo do interior e das periferias dos

89
grandes centros, obrigatoriamente, incomodava muito aquele marxista. Nas

suas palavras:

Na luz ofuscante da terra pátria como fundo vivo de


tradições constantemente contrariadas, um Povo apagado, deprimido
sob um século de esperanças mortas, singela melancolia, que só
Coração aviventa. É a Própria substância da nação brasileira. Em
reverso de miséria, o estado da massa Popular explica-se pela
degradação dos dirigentes: fúria de desejos materiais, sugestões de
cobiça, embate de egoísmos grosseiros... depressão de apetites
saciados, ou desfalecimentos de vontades, no despeito de ambições
insatisfeitas... deposita-se em vasa, onde afundou toda a nobreza das
consciências dominantes, e sobre a qual há de decantar-se um povo
esgotado, pois que a vida lhe tem sido o perpétuo labor de pariá, a nutrir
a renascente infecção. (...) Pobre povo! Tão naturalmente simples na
grandeza destas paisagens! Pobres gentes, essencialmente boas, para
aceitar a secular espoliação que as avilta! (...) Mal se explica o
amesquinhamento atual; mal se explicaria, se não soubéssemos como
até agora, esse povo, que é a própria nação brasileira, tem sido, apenas,
o manso e ignaro rebanho, desleitado e tosquiado, pelos três ou quatro
milheiros de politicantes, e as centenas de mil outros parasitas, senhores
da produção, carrapatos sobre a distribuição da mesma produção.
(BONFIM, 1996, p. 538-9)

A imagem que Bonfim passa do povo brasileiro reflete a apatia,

bondade, depressão. Para Bonfim, as elites tinham o interesse de manter este

estado de degradação da população, pois assim ela poderia ser eternamente

explorada. Um povo que não tem Educação, não se conscientiza de seus

direitos, aceitando a espoliação. O único interesse de nossos dirigentes, para

ele, era manter seus privilégios. Eles eram os culpados do atraso do Brasil, e

não o povo. Bonfim denunciava a inoperância do Estado. Mais uma voz

clamava por reformas sociais que possibilitassem ao Brasil superar as

dificuldades econômicas. A sua explicação para o quadro depreciativo que nos

90
atingia era a falta de vontade política em investir no povo. Para ele, as teorias

racistas eram pretexto para a dominação européia. Dizer que os brancos são

superiores é reservar-lhes o lugar de comando na sociedade. Pela sua

superioridade, seriam mais capazes de manter a ordem da sociedade.

Portanto, as teorias racistas pregavam que o domínio das elites brancas era

natural. Isto revolta Bonfim.

No livro “O Brasil Nação”, ele reserva no capítulo IX um subtítulo

para discutir a raça. Começa dizendo que “num povo que exprime em patente

nacionalidade, caracterizada numa história inconfundível, com tradições

seguras, o primeiro esforço de engrandecimento político está em apurar o seu

valor nacional” (BONFIM, 1996, p. 484).

Para ele, é a explicação histórica que dá conta das características

raciais dos povos. Quando fala sobre as teorias deterministas raciais, ele é

taxativo:

À questão da raça – para reduzir à inanidade do próprio


merecimento, as baboseiras, pretensiosas e erradas, dos que,
brasileiros, e das classes dirigentes, têm feito para esta pátria um
estigma de irremissível inferioridade – o ter, na massa da população
característica, a combinação dos três fatores, onde entra o caboclo e o
negro, condenados, inumanamente, antipatrioticamente, e
asmaticamente, por inferiores. (...) Nesse critério, o francês Gobineau,
mesquinha mentalidade de diplomata, que se promoveu a conde,
considerou-se promovido também em sangue, e proclamou, sobre as
raças desiguais, a absoluta superioridade dos germanos. (BONFIM,
1996, p. 485)

Para ele, a superioridade da Alemanha não vinha de um

determinismo racial, mas da cultura e disciplina do povo. Exemplifica dizendo

91
que a organização das colônias italianas e alemãs no sul do Brasil, que servia

de argumentação aos deterministas, se explicaria por aspectos culturais. Seria

difícil para o caboclo brasileiro, acostumado historicamente a uma forma de

vida influenciada pelo regime de trabalho escravo, organizar-se melhor que os

imigrantes. Mas isto não significava que o caboclo era naturalmente inferior, ele

estava inferior.

Para Bonfim, a formação da raça, no aspecto étnico, estava se

completando no Brasil. A raça brasileira seria o mestiço, como vemos nesta

passagem:

Há, reconheçamo-lo, uma fortíssima proporção de sangue


índio, hoje contado nos pretensos brancos – morenos, de cabelos
corridos; há, também, em muitas partes do país, forte dosagem de
sangue negro. Mas como o número de misturas é ainda maior; dada a
tradicional ausência de preconceitos – preto no mulato, o mulato no
claro, o claro no branco... em dois, ou três séculos, com o infalível afluxo
de estrangeiros brancos, teríamos uma população relativamente
homogênea, com o negro, muito esmaecido, e o caboclo incorporado ao
branco. (BONFIM, 1996, p. 486)

Como o problema racial estava se resolvendo, com a formação de

uma raça tipicamente brasileira, ou seja, o mestiço, o moreno, só restava

formar o sentimento de nacionalidade. Para Bonfim, criar o Brasil Nação, não

diferente de seus contemporâneos, era além de ter uma raça homogênea, ter

um sentimento de nacionalidade. O brasileiro deveria ter algo que o

diferenciasse dos estrangeiros para, assim, se sentir brasileiro. Por isso, em

sua obra, ele constrói uma história do Brasil que ressalta o sentimento de amor

à pátria, vislumbrado pelo romantismo de Castro Alves pela valorização de

92
nossos antepassados (os índios), exaltados pelo indianismo de José de

Alencar.

Bonfim tece uma série de elogios a poetas e romancistas destes

movimentos literários, inclusive dedica seu livro a Castro Alves. Bonfim é um

nacionalista, mas não deixa que este sentimento o faça esquecer os problemas

do Brasil. Ele conta a história do Brasil, com o objetivo de análise das nossas

características. Influenciado pelo seu tempo, ele acredita na teoria do Caráter

Nacional. Esta defendia a tese de que cada povo tinha características

psicológicas coletivas que eram transmitidas hereditariamente. Ele cita Ribot

para dizer que:

(...) num povo esta soma de caracteres psíquicos, que se


encontram em toda a sua história, em todas as instituições e épocas,
chama-se caráter nacional (...) a permanência do caráter nacional é o
resultado a ao mesmo tempo a prova experimental de hereditariedade
psicológica nas massas. (BONFIM apud LEITE, 1976, p. 255)

Adotando esta teoria, Bonfim chega à conclusão de que o Brasil é

um país atrasado por ter sido colonizado por portugueses. Fazendo críticas aos

ibéricos, ele faz generalizações sobre estes povos. Dizendo que, depois das

lutas contra os mouros, os ibéricos tornaram-se agressivos, conquistadores e

fazedores de escravos (BONFIM, 1905).

Na tentativa de defender o brasileiro, este autor constrói um estigma

psicológico para o ibérico. Apesar de procurar explicações econômicas, sociais

e culturais para o que ele considerou atraso dos mestiços do Brasil, ele

acredita em um Caráter Nacional Brasileiro, e não se liberta da idéia da

transmissão de traços psicológicos, bastante preconizada em seu tempo.

93
Portanto, o brasileiro teria uma raça, que tinha características psicológicas

adquiridas que seriam transmitidas às gerações futuras. Diante desta teoria, o

que deveria ser feito era investir na cultura e educação deste povo, ensinando-

lhe valores que se transmitiriam hereditariamente aos seus filhos.

Bonfim acreditava que a educação deveria servir à nação e à

humanidade. Por sua vez esta humanidade se realizava nos grupos nacionais.

Então, a tarefa primeira da Educação era disponibilizar os conhecimentos,

fórmulas e métodos que constituíssem os valores. Com este aprendizado,

dizia, uma geração superaria a outra nos valores sociais, fazendo com que o

homem caminhasse para uma melhor organização, ensinando a criança a

abandonar valores egoístas e a cultivar a justiça, para que os interesses

nacionais não fossem sacrificados (BONFIM, 1996).

Para ele, a Educação era o grande projeto para o Brasil. Dizia que

faltavam homens valorosos em nosso país, então, o caminho era formar estes

homens. Esta seria a suprema virtude da educação: é sempre possível

transformar uma criatura normal, em um indivíduo inteligentemente produtor e

moralmente disciplinado para uma vida livre.

As questões da produção e do trabalho eram patentes na proposta

de Bonfim. Vivíamos um período de valorização do trabalho. Educar também

significaria preparar para o trabalho. Bonfim afirma que a campanha de que

resultasse a efetiva instrução tinha que ser, antes de tudo, uma excelente

escola de disciplina e de apuro moral: estudar significava metodizar o esforço,

disciplinar-se para o trabalho assíduo e conscientemente livre. Ele tenta, então,

definir o que é educação, pois, para ele, este era um termo vago em sua

época, dizendo que não bastava repetir o termo, como se nele houvesse

94
qualquer valor. A educação deveria ser pautada em valores claros (BONFIM,

1926). Um desses valores era o trabalho. Afirma:

(...) apuram a instrução superior, antes de propagar a


primária – fazem doutores para boiarem sobre uma onda de analfabetos.
Em vez do ensino popular, que prepare a massa geral da população –
elemento essencial numa democracia, em vez de instrução profissional –
industrial, onde tem saído o progresso econômico de todas as nações
(...) (BONFIM apud GRUNENVALT, 1998, p. 534, grifos nossos)

A preocupação com a formação dos trabalhadores justificava-se pela

importação de mão-de-obra estrangeira, a imigração. Bonfim via que a

formação educacional do povo brasileiro era mais eficaz do que a simples

imigração. Este era o caminho que o Brasil devia percorrer, a exemplo do que

ocorreu nos países europeus. Ele afirmava que todas as nações modernas

tinham investido na educação do povo. Citava a Inglaterra do começo do

século XVIII, que, em tempos de crise, não titubeou em tratar a educação como

o recurso mais sólido nas recuperação das energias sociais. Na Alemanha do

pós-primeira guerra, com o país destruído, foi criada a Escola Nacional Única,

que instituía o ensino profissional obrigatório dos 14 aos 17 anos de idade. E,

como não poderia deixar de ser, cita como exemplo a Rússia da revolução de

1917, que segundo ele, apesar dos imensos obstáculos, conseguiu, através da

Educação, criar uma nova Rússia. Dizia ele: “A Rússia antiga desapareceu

irremissivelmente, que da obra educativa, empreendida e em parte realizada

pelo bolchevismo, sortiu uma Rússia nova, potente nas energias essenciais do

seu povo”. (BONFIM, 1996, p. 546)

Outra missão da educação era ensinar os preceitos higiênicos.

Absolutamente, Bonfim não era contra a educação higiênica, ao contrário,

95
achava-a imprescindível. Como esses preceitos eram científicos, ele os

aceitava e defendia sua divulgação entre as crianças. Não pensava que estes

novos hábitos eram imposições da burguesia, ou ainda, uma estratégia de

dominação do proletariado. Pensava que a saúde do trabalhador e das

crianças devia ser cuidada através do ensinamento das novas descobertas

científicas.

Para efetivar na Escola um clima propício para o ensino da higiene,

Bonfim propõe uma reforma das instalações escolares que atendesse às

normas da engenharia higiênica. Com salas amplas, arejadas, iluminação

natural e ainda restrições no tempo de estudo, com o intuito de não fadigar o

estudante. Enfim, seguindo todos os pressupostos adotados pelos higienistas.

(BONFIM, 1926). Parte integrante destes princípios, a Educação Física

também foi abordada por este autor. Não diferentemente de Fernando de

Azevedo, ele observa que a importância desta prática reside na formação de

um povo forte, disposto ao trabalho. Nos seus termos:

(...) temos que considerar a educação physica como um


desenvolvimento apurado do organismo, no sentido de bem adaptá-lo às
condições normaes da vida que lhe é dada. É obvio que esta expressão
– condições de vida inclui, não só as condições climatericas, como as
proprias condições sociais, porque elas exigem no homem real
capacidade de trabalho e produção. (BONFIM apud GRUNENVALT,
1998, p. 536)

Como vimos, o pensamento do educador Manoel Bonfim não se

diferenciava do de Fernando de Azevedo no seu aspecto central. O Brasil tinha

um povo fraco, que não poderia desenvolver o país, pois estava doente. Mas

esta não era uma condição definitiva. Através da Educação e da Saúde

96
poderíamos melhorar este povo, torná-lo apto ao trabalho. Por isso estes

autores são considerados intervencionistas, que têm a incumbência de

convencer a sociedade da importância das reformas sociais. Pensamentos tão

próximos apesar das opostas posições políticas.

Assim, pudemos conhecer um pouco destes intelectuais

intervencionistas, que debateram e derrubaram as teses deterministas-raciais.

Mostraram que nosso povo não estava condenado ao fracasso eterno de suas

predisposições genéticas, mas, ao contrário, só precisavam de assistência

médica, alfabetização e de preparação para o trabalho. Nisto consistiu o

idealismo destes intelectuais, que viram muitos dos seus objetivos não serem

alcançados. Jorge Nagle mostra que a maioria das suas metas foi alcançada

apenas no seu aspecto jurídico, não saindo do papel na Primeira República

(NAGLE, 1974).

Estes debates dos intelectuais descritos até o momento chegam aos

higienistas e médicos.

3.6 Os higienistas: crítica da sociedade e polêmica racial

Quando os intelectuais começam a exigir da sociedade uma

intervenção no sentido de melhorar as condições sociais da população,

segundo eles, um passo impreterível para a modernização do país, os médicos

que trabalhavam na área da Higiene se interessaram por este debate. Algumas

vezes esta discussão partia dos próprios “higienistas”, influenciando

intelectuais como Monteiro Lobato.

97
Da célebre frase de Miguel Couto: “O Brasil é um imenso hospital”

em 1916, ao aumento do papel do Estado nas áreas sociais em 1930, os

higienistas debateram, se opuseram, fizeram antagônicas propostas de

intervenção e mudaram um quadro político de apatia para um debate polêmico

em torno da modernização. Atingiram todos os setores da sociedade com o

argumento da Higiene. Para eles, Higiene seria uma área de conhecimento da

Biologia que teria por objetivos: melhorar a qualidade de vida humana, prevenir

as doenças, aprimorar a saúde e descobrir cientificamente os melhores hábitos

para a defesa da saúde individual e coletiva8. Com esta autoridade, os médicos

prescreveram novos hábitos sobre todas as condições que pudessem afetar de

algum modo a saúde, ou seja, todas as atividades humanas (trabalho, escola,

moradia, asseio corporal, moralidade). Se o país estava doente, cabia curá-lo,

ou, em seus termos, saneá-lo.

Os “higienistas” tomam como referência a idéia dos intelectuais

intervencionistas da falta de Saúde e Educação do povo, dizendo que têm a

melhor fórmula para resolver o problema. A situação de miséria do Brasil tinha

explicações nestes fatores sociais, assim, eles podiam, com o simples apoio

financeiro do Estado, cumprir o papel de modernizadores do Brasil. Muitos

deles foram atrás deste título. O primeiro passo que tomaram foi a crítica da

situação de abandono e depois a negação do determinismo racial, como se

8
Cf. Todos os manuais de higiene aqui estudados concordavam com essa definição. Abreu,
Henrique Tanner de. Estudos de hygiene. Rio de Janeiro: Quaresma, 1929; Assali, Nicolau.
Higiene do Trabalho. São Paulo: [s.n.], 1942; Bandeira de Mello, Jorge. Atmosfera do
interior dos edificios e locais de trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 1945; Baptista, Amaro
Augusto de Oliveira. Elementos de higiene. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1941; Barreto,
João. Hygiene do Trabalho Industrial. Rio de Janeiro: Oscar Mano, 1937; ______. Tratado
de Higiene. 2. ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948; Barroso, Sebastião. Hygiene para
todos. São Paulo: Melhoramentos, [19--]; Ellis Júnior, Alfredo. Noções elementares de
hygiene e de biologia. São Paulo: Saraiva, 1933; Fontenelle, José Paranhos. Compendio de
Hygiene. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1940; Peixoto, Afrânio. Elementos de

98
estivessem afirmando aos intelectuais que concordavam com suas explicações

para o atraso e estavam dispostos a colaborar na intervenção.

Miguel Couto, sobre a questão do determinismo racial, era

categórico:

Não há raças humanas, nem superiores nem inferiores, o


que há são povos adaptados ao meio em que nasceram e se formaram,
e que transferidos para outros se constituem o centro do metabolismo
longo e eficiente (...). Um país de imigração como o nosso, na altura em
que se acha, já está em tempo de cuidar de sua seleção social não tanto
pelo medo do contágio dos efeitos, como pela necessidade de apuro de
qualidades. (COUTO, 1932, p. 82)

Couto afastava-se do pensamento determinista-racial. Para ele, as

características do indivíduo não eram somente transmitidas geneticamente.

Elas sofriam a influência do ambiente, e para ele, assim como para Fernando

de Azevedo e Manoel Bonfim, estas qualidades adquiridas com a influência do

ambiente poderiam ser transmitidas às gerações futuras, como era defendido

pela teoria evolucionista de Lamarck. Portanto, se o povo brasileiro se

encontrava frágil no aspecto da saúde, isto não era devido à sua constituição

genética inferior, como pregavam os deterministas-raciais, mas pelo ambiente,

pela condição de abandono, que vinha inferiorizando a raça no decorrer dos

tempos. Então, seria necessário melhorar a raça através da educação, como

ele mesmo indica:

(...) só há um problema nacional: a educação do povo. A


decadência da raça não se há de fazer na nossa terra e o remédio do

Hijiene. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1913; Takaoka, S. Tratado pratico de hygiene no
Brasil. [S.l.: s.n.], [19--?].

99
soberano é a cultura; o culto se faz são, o são se torna forte e o forte
herda à prole a sua robustez. (COUTO, 1933, p. 142, grifos nossos)

Através da Educação seriam formados uma cultura brasileira e um

povo mais saudável, com melhores condições de vida. Se a educação fosse

democratizada, o povo poderia adquirir virtudes valorizadas na época, cuidaria

melhor de si próprio, educaria melhor seus filhos e seria preparado para o

trabalho moderno, possibilitando ao Brasil um maior desenvolvimento. O

brasileiro seria mais saudável, pois aprenderia os novos hábitos higiênicos

indicados pelos cientistas e criaria um sentimento comum de nacionalidade,

uma cultura própria. Estes eram os objetivos da intervenção através da

Educação e da Saúde. Com este discurso, estes higienistas colaboraram para

a melhoria das condições de vida do trabalhador.

Belisário Penna, líder da Liga Pró-Saneamento do Brasil, também

compartilhava da idéia de povo doente e abandonado pelo Estado. Ele não

acreditava nas teorias européias sobre a inferioridade da raça brasileira.

N’um país de doentes e analphabetos. Como o Brasil, a


preocupação máxima, primordial, de governantes conscientes deveria
ser a do saneamento physico, moral e intelectual dos seus habitantes.
Não há prosperidade, não pode haver progresso entre
indivíduos ignorantes, e muito menos quando á ignorância se juntam as
moléstias e os vícios, o abatimento physico e intellectual, as lesões de
orgãos essenciais. (PENNA, 1923, p. 25)

Em seus escritos, encontramos o ideal da intervenção do Estado no

sentido de promover a Saúde e Educação do povo. Não encontramos

referências sobre a adoção de uma teoria evolucionista lamarkista (melhoria do

genótipo pela modificação do fenótipo) como encontramos na obra de Manoel

100
Bonfim, Fernando de Azevedo e Miguel Couto. Esse autor aproxima-se mais do

pensamento de Alberto Torres. Para ele, o problema do Brasil era falta de

vontade política e organização. Em seus termos:

(...) todos os problemas relativos à salubridade das regiões


e à saúde dos seus habitantes prendem-se intimamente aos de sua
organização política e social. Cada um delles não pode ser resolvido
sem o concurso dos outros; são rodas conjugadas de uma maquina, que
só funciona regularmente quando suas engrenagens se ajustam e os
seus eixos não se deslocam. (PENNA, 1923, p. 68)

Na sua opinião, era preciso organizar o país. Recursos, dizia ele,

não faltavam ao governo, pois havia uma política de empréstimos financeiros e

emissão de títulos da dívida pública (precatórios), a qual ele criticava.

Penna tinha uma preocupação central: sanear o interior do Brasil.

Nos relatórios de Carlos Chagas e Oswaldo Cruz, ele verificou o estado de

completo abandono do povo, sem nenhuma espécie de assistência, entregue à

malária e outras doenças. O povo do interior não tinha informações sobre as

formas de prevenção das moléstias. Mesmo que a população soubesse todas

as indicações médicas e as formas de profilaxia, não teria condições de

praticá-las, pois não tinha nem recursos para se alimentar, quanto mais para se

medicar.

Belisário tinha claro que não bastava ensinar a população a se

cuidar. Era preciso ensinar-lhe a trabalhar, a garantir seu sustento através de

um emprego com salário justo. Mas, como indicar ao indivíduo que tomasse

banhos todos os dias e usasse roupas limpas, se ele não tinha nem o que

comer? Diante deste quadro o higienista poderia direcionar seu discurso para

outros setores da sociedade, mas ao contrário, discursou em favor da mudança

101
deste panorama desolador, denunciando um país que deixava seu povo

padecer isolado no campo. Dizia ele: “eis a causa da apavorante mortandade

de crianças, de que não há muito os jornais se ocuparam, gastando muita tinta

sem descortinar o seu principal factor – a fome” (PENNA, 1923, p. 90).

Ele aponta a fome do povo do interior e, também dos centros

urbanos como a causa de nossa debilidade física, levando à conclusão de que

o nosso problema era social. Ele propunha uma visita às periferias do Rio de

Janeiro, pois ali o mesmo contexto desolador seria encontrado, criado pelas

más condições de vida dos trabalhadores.

Para ele, longe de ser o problema brasileiro racial, eram os fatores

sociais determinantes da situação de debilidade de nosso povo. E o caminho

para a superação era o investimento no ensino da ciência em todos os ramos

da atividade humana, assistidos pela medicina e higiene, e no ensino do

trabalho profissional, que exigiam a intervenção do Estado. Nos seus escritos:

Nós ficamos mais ou menos impassíveis, alegando que o


mal foi importado da África ou de alhures, que está generalizado, que é
próprio do clima e da raça, que é muito difícil de combater-se, e
queijandas tolices. (PENNA, 1923, p. 56)

Para o leitor que conhece o “movimento higienista” pela

historiografia da Educação Física dos anos 80 e por muitos autores da

historiografia da Saúde Pública, a leitura dessas passagens deve causar, no

mínimo, uma reflexão. Vale lembrar que este autor foi um dos mais

representativos do “movimento higienista” do Brasil, influenciando intelectuais

como Monteiro Lobato, organizando expedições pelo interior do Brasil, onde

diagnosticou várias doenças, e denunciando a falta de responsabilidade do

102
Estado com o problema da saúde. Unido a Arthur Neiva, liderou a Liga Pró-

Saneamento do Brasil, um dos movimentos de maior repercussão no meio

médico, que deu origem à Sociedade Brasileira de Higiene. Sempre teve em

mente que a obra do saneamento era um projeto de intervenção social.

Definitivamente, o nosso problema era social.

Outro importante nome da história de intervenção da higiene é João

de Barros Barreto (1890-1956), médico carioca, que foi diretor do

Departamento Nacional de Saúde durante o Estado Novo e professor de

Higiene. Estudou a Higiene profundamente, publicando um tratado sobre o

tema, onde discutia a área em diferentes aspectos, ensinando suas normas

para os diversos setores da vida. Não foi um crítico do governo, como Penna,

mesmo porque este último criticava os governos da Primeira República, que

tinham uma política de completa abstenção nos setores sociais. Barreto é

posterior a Penna. Torna-se um membro do Governo Vargas, que, devido às

pressões populares, está mais disposto a intervir nos setores sociais, muitas

vezes seguindo as orientações de higienistas como Barreto e Fernando de

Azevedo.

Mas o que é interessante perceber na obra de Barreto é a insistência

em comparar nossos índices sociais aos dos países europeus, mostrando o

quanto, ainda, tínhamos que construir para atender a nossa população. Era

claro para aquele médico que o Brasil não tinha realizado nem uma parcela

ínfima das reformas sociais necessárias. Portanto, destacaremos neste

momento como ele via os problemas sociais da mortalidade infantil e pré-natal

e a questão do trabalho industrial.

103
Sobre a mortalidade infantil e pré-natal, Barreto começa

questionando o alto índice de mortes das mães no parto. Diz que no Brasil, os

coeficientes de mortalidade materna variavam, em 1944, nas capitais, entre 2,9

(Curitiba) e 21,9 (Teresina) por 1000 nascidos vivos, sendo 6,4 o coeficiente

mediano, correspondente a Cuiabá. Afirma ele que, “enquanto isto, em muitos

países Escandinavos, a Holanda, Inglaterra, Estados Unidos, o Uruguai, a

Austrália estão na vanguarda de todos, com os mais baixos coeficientes”

(BARRETO, 1948, p. 626).

Para reverter estas estatísticas, Barreto indica o exame pré-natal,

que dependeria da construção de uma rede pública de atendimento à gestante.

Ainda indicava o afastamento das mulheres do trabalho industrial e pesado,

direcionando-as à oficinas de trabalho leve, uma primeira etapa até a Lei de

Licença Maternidade. Sempre mostrando os índices sociais de países

desenvolvidos, o autor denuncia a precariedade da Saúde no país. O mesmo

se repete com as taxas de mortalidade infantil. Já no que tange às causas dos

altos números, ele pensa que a maior influência reside nos fatores médicos e

econômico-sociais. Diz que “a má situação econômica mostra correlação

acentuada com a mortalidade infantil” (BARRETO, 1948, p. 662).

Para combater estas causas, ele propõe a educação higiênica da

mulher com o objetivo de superar a ignorância e negligência delas nos

cuidados com os recém-nascidos e crianças. Afirma que a ignorância materna

era um elemento importante, que na prática, para quem procurava combater a

mortalidade infantil, o grande desvelo era pela educação higiênica da mulher

(BARRETO, 1948). Barreto tenta mostrar como se construiria um programa de

combate à mortalidade, considerando as causas sociais como um dos fatores a

104
ser combatido. O outro aspecto que vamos tratar na obra deste higienista é o

trabalho industrial.

Ele descreve a introdução dos maquinismos no mundo do trabalho

como umas das características da modernização, mas defende a tese que este

trabalho exige, por parte do operário, muita atenção, fadigando-o mais

rapidamente. O ambiente industrial torna-se ruim para a saúde do trabalhador.

O automatismo das máquinas, o ruído e a repetição de gestos constituíam

fatores importantes no desgaste físico e mental do trabalhador. Além disso, a

duração da jornada de trabalho era outro fator onde a higiene deveria interferir.

Barreto aponta vários trabalhos científicos que mostravam a

melhoria da produção e da qualidade de vida do trabalhador quando estes

tinham uma jornada de trabalho reduzida de 53 horas/semana para 48. O que

significa oito horas de trabalho diário, possibilitando um sono adequado (8

horas) e período de ócio (8 horas). Mostra, também, a inconveniência do

trabalho noturno para a saúde, o período de férias e os repousos durante a

jornada. Regras, que se fossem adotadas, protegeriam os trabalhadores

(BARRETO, 1937). E é realmente na década de 30 que a legislação brasileira,

assim como na Europa do século XIX (RABINBACH, 1992), que por pressões

sociais dos higienistas e sindicalistas, alcança estes objetivos no aspecto

jurídico. Mas este assunto será descrito mais adiante, quando for discutida a

intervenção do “movimento higienista”.

Barreto é um autor que aponta as formas de intervenção da Higiene,

entendendo que os médicos não devem ficar alheios às causas sociais das

doenças, à falta de educação do povo, à necessidade de proteção dos

trabalhadores. O que interessa a ele é a intervenção. Ele pauta seu discurso

105
em causas médicas e sociais para a doença, aliando as descobertas da

bacteriologia com as das teorias de Higiene do meio (miasmas). Escreve

quando o discurso intervencionista é o mais aceito, quando vários manuais de

higiene são publicados. Neste momento o discurso determinista-racial já não

representava um obstáculo às reformas higienistas intervencionistas, mas,

trinta anos antes, não era este o contexto em que viveu Afrânio Peixoto.

Afrânio Peixoto (1876-1947) era um médico baiano, que fez carreira

no Rio de Janeiro. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, professor de

História da Educação e reitor da Universidade do Brasil, além de exercer muita

influência na Escola Tropicalista da Bahia. Ele também escreveu contra as

idéias pessimistas em relação ao futuro do Brasil, contidas nas explicações

deterministas (raciais e climáticas). Sobre a raça, uma referência de Peixoto é

o livro “Clima e Saúde”.

Neste livro, ele propõe uma discussão e refuta as teorias que

pregavam que o Brasil não poderia se desenvolver por ser uma raça inferior e

ter um clima tropical propício à proliferação de epidemias. Para isto, faz uma

análise das mais importantes obras de brasileiros e europeus sobre o tema.

Mostra que não é partidário de nenhuma das teorias, ao contrário, coloca-se

como um observador atento às lacunas dos autores ambientalistas e

deterministas-raciais. Começa criticando os últimos, afirmando que o

sentimento humano de superioridade de um grupo sobre outro está presente

em todos os povos. Cita, por exemplo, os Tupis que chamavam sua língua de

boa, e a dos inimigos, os Tapuias, de ruim. Já para os romanos (latinos), todos

os outros grupos europeus eram bárbaros e para os nórdicos europeus, que

eram os arianos, os puros, os outros eram latinos, semitas, mediterrâneos e

106
negros. Com isto, quer mostrar que existe em todos os povos um sentimento

de superioridade em relação ao outro. Neste sentido, elogia a iniciativa de

Affonso Celso de glorificar o seu país em detrimento ao outro.

A partir deste ponto, começa a refutar as teorias racistas, como a de

Gobineau, que, para ele, só está preocupado em valorizar sua própria

linhagem, construindo uma série de dogmas. Segundo Peixoto, os povos

europeus necessitavam dessas ilusões, até mesmo para justificarem seu

domínio sobre os outros. Porém, a raça ariana era um mito. Ele mostra que não

existem raças puras, todas se misturaram. Finaliza sua crítica ao determinismo

racial, dizendo que estas idéias ganham maior repercussão quando são

adotadas pelos outros povos, como era o caso do Brasil de Oliveira Vianna

(PEIXOTO, 1938). Era preciso não aceitar, e provar que o Brasil tinha futuro.

Se para Gobineau, a população do Brasil iria desaparecer, Peixoto atenta para

o fato do Brasil ter passado de 10 milhões de habitantes em 1872 para 47

milhões em meio século depois.

Peixoto ainda guardava suas críticas para as teorias climáticas, que

tinham como um de seus pressupostos a tese de que o clima tropical era

propício à transmissão de doenças, portanto era determinante para as

epidemias (teoria miasmática). Se o Brasil tinha um clima favorável às

epidemias, isto explicava as doenças. Peixoto rejeitava esta tese por ser

adepto das novas teorias bacteriológicas, e, como já vimos, a teoria dos

miasmas atribuía ao ambiente – causas sociais e climáticas – o motivo das

doenças. A Bacteriologia comprovou experimentalmente a fragilidade de alguns

dos pressupostos dos miasmas, por exemplo, que as condições de

temperatura não são determinantes na transmissão das doenças e que os

107
fatores sociais poderiam influir (adotou este pressuposto da teoria miasmática),

mas o grande responsável pela maioria das epidemias seria um determinado

microorganismo que, através de um vetor, se propagava na população. Armado

desta argumentação, Peixoto defende:

Não existem doenças climáticas, porque nenhuma é


produzida pelo clima, ou cuja sua etiologia seja feita por ele. (...) Sem
mosquito não há transmissão, portanto, não há febre amarela.
Combatemo-lo para extinguir a febre amarela. (...) A ancilostomose
depende de um verme, deposto no solo que nele pisam e por aí se
infestam. Esta é a verdade verdadeira, provada, experimentada. Por que
chamá-la doença climática, tropical? (PEIXOTO apud MARQUES, 1997,
p. 56)

Ele tem a função intelectual de renegar as teorias estrangeiras sobre

o determinismo racista e climático. Para ele, a solução para os problemas do

Brasil estava distante, pois faltava a “educação higiênica do povo, competência

técnica e administrativa aos governos” (PEIXOTO, 1938, p. 290). Ele quer

deixar claro que basta a intervenção competente para o Brasil se tornar um

país moderno. Em suas palavras:

O clima com juízo, educação, higiene, não nos impede


nada. Antes, tudo teremos com ele vencido, se tivermos juízo, educação,
higiene. (...) A Europa e até a América do Norte nos querem dissuadir
disso... Não cremos mais neles, pois que a evidência nos mostra que se
enganaram (...) O perigo não está no clima nem na saúde. O perigo está
em nós mesmos... Educação... educação... Com ela virá a higiene, e
tudo mais (...) (PEIXOTO, 1938, p. 295)

Não obstante ao colocado, Peixoto é um intelectual que, apesar de

seu nacionalismo na tentativa de refutar as terias pessimistas em relação ao

108
Brasil, é um autor que não se desprende do racismo das teorias que critica. Ele

coloca em sua obra que o Brasil necessita também do embranquecimento de

sua raça, mas não como se fez nos Estados Unidos, com a eliminação dos

negros em prol de uma raça branca pura. Ele diz que as imigrações “nos dão

esperança de uma mestiçagem proxima dos europeus, integrados no tipo

branco” (PEIXOTO, 1913, p. 359). Ele julga o embranquecimento um fato

positivo para o Brasil, mesmo sendo proveniente da mistura de raças, o que

era condenado pelos eugenistas americanos. Para estes, a mistura

degeneraria a raça branca (SKIDMORE, 1998; 1989). Já Peixoto achava que a

mistura de raças poderia embranquecer o país, combinada com a alta

mortalidade dos negros.

Apesar de ser um higienista que via na Educação do povo uma

intervenção impreterível, ele é influenciado pela escolha da raça branca,

juntando-se a João Batista de Lacerda em um ideal de Brasil embranquecido. A

posição deste higienista e de outros causa muita polêmica e controvérsia no

“movimento higienista”, que pode ser vista nos Congressos de Higiene e

Eugenia.

Peixoto é um higienista que vive um momento de grande discussão

sobre a intervenção higienista. Às vezes, vai contra o determinismo racial,

noutras, prega o embranquecimento, talvez por opções culturais. Isto reflete um

campo polêmico e aberto a interpretações contrastantes, contudo, o valor das

condições sociais aparece como um ponto de consenso e a intervenção como

necessidade. São os contrastes políticos e intelectuais do “movimento

higienista” que descreveremos a seguir.

109
3.7 O “movimento higienista”: seus contrastes e sua complexidade

O “movimento higienista” compunha-se de uma frente ampla que

abrigava várias posições políticas, indo da esquerda à direita, e vários métodos

de intervenção, indo da vacinação, controles de focos, democratização da

Educação e Saúde à regulamentação de casamentos, esterilização,

segregação (correntes da Eugenia). Com o intuito de descrever melhor este

panorama a partir das fontes primárias, pretendemos desvelar as

complexidades deste movimento no Brasil.

Depois da descrição que fizemos até aqui, podemos perceber que o

“movimento higienista”, como todo movimento social amplo, aglutinava meios

teóricos e práticos diversos para chegar à mesma finalidade, ou seja, melhorar

a saúde da população. Por exemplo, o movimento estudantil “Fora Collor”,

ocorrido em 1991, reuniu milhares de estudantes com um único objetivo:

derrubar o presidente. Mas se formos discutir os meios teóricos e práticos para

chegar até este objetivo, as idéias iam do anarquismo ao liberalismo. Não se

pode rotular esse movimento, com várias bandeiras comunistas, de esquerda,

pois se faria de maneira precipitada. Da mesma forma aconteceu com o

Movimento “Diretas Já”, na década de 80. Também, no Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), onde encontramos stalinistas,

trotskistas, reformistas e pessoas que só querem trabalhar. Enfim, quando um

movimento é amplo e democrático, várias mentalidades influenciam sua

intervenção e teoria.

Embora os higienistas não fizessem passeatas, tinham outras

formas de pressionar, que eram discutidas nos Congressos de Higiene e

110
Eugenia. Eram discutidos os meios para se chegar ao objetivo. Pela bibliografia

da época podemos observar que não havia discordância sobre as normas das

várias divisões da Higiene. Assim sendo, as normas sobre a Higiene da Escola,

do Trabalho, das Ruas, do Asseio Corporal não se contradiziam9 com exceção

de um tema: a Higiene da Raça, ou, Eugenia. Pedro Ângelo Pagni afirma que:

A leitura do movimento eugênico feita apenas por um de


seus integrantes poderia fazer com que se tivesse uma leitura
homogênea desse movimento. O próprio Renato Khel, todavia, apressa-
se em desmistificar essa idéia, dizendo que dentro desse movimento há
uma disputa entre os "consangüinaristas" e os "anti-consangüinaristas”.
O que implica dizer que havia divergências dentro desse movimento,
sobretudo teóricas. Disputas essas que também podem ser verificadas,
por exemplo, nos próprios textos e documentos de seus integrantes. Um
exemplo típico desse conflito é uma análise antropológica, realizada por
Fróes da Fonseca sobre a questão da raça, onde ele chega a concluir
que o problema do Brasil não é racial (...). (PAGNI, 1994, p. 123-4)

Para entender esta primeira divisão entre os higienistas, que se

resume aos favoráveis à regulamentação dos casamentos entre os mais aptos

(até mesmo entre primos) e os que eram contra, cabe analisar as teorias em

voga na época sobre o tema. Assim, descreveremos sucintamente as teorias

da antropologia física (corrente etnológico-biológica), do darwinismo social, de

Galton, Lamarck, dos bacteriologistas e dos interventores sociais, em relação à

raça.

A corrente etnológico-biológica baseava-se no estudo das

características físicas das raças. Paul Broca, médico francês, um dos maiores

9
Cf. os manuais de higiene: Abreu, Henrique Tanner de. Estudos de hygiene. Rio de Janeiro:
Quaresma, 1929; Baptista, Amaro Augusto de Oliveira. Elementos de higiene. Porto Alegre:
Livraria do Globo, 1941; Barroso, Sebastião. Hygiene para todos. São Paulo: Melhoramentos,

111
nomes desta corrente, constatou que o cérebro dos negros era menor que o

dos brancos, pressupondo uma superioridade intelectual dos últimos. Esta

primeira teoria defendia um determinismo racial (MARQUES, 1997;

SKIDMORE, 1989). Interessante constatar que nenhum higienista faz alusão a

esta teoria nos Congressos de Higiene e Eugenia, comprovando que o

movimento estava interessado em correntes teóricas mais avançadas que

justificassem a intervenção.

Os darwinistas sociais usavam a teoria evolucionista de Charles

Darwin para comprovar a tese de raças superiores e inferiores. Segundo eles,

as raças superiores teriam uma melhor adaptação ao meio em que viviam, e

sobreviveriam, o que não aconteceria com as raças inferiores, condenadas a

desaparecer. Portanto, a humanidade evoluiria, chegando a uma raça

homogênea, mais apta (MARQUES, 1997; SKIDMORE, 1989). Esta teoria foi a

base da campanha de embranquecimento do Brasil. A alta mortalidade dos

negros, causada por sua inferioridade, e a mistura de raças com tendência de

embranquecimento fariam o elemento negro desaparecer do país. Afrânio

Peixoto, como mostramos, tinha esta certeza, pois confiava na base desta

teoria. Por outro lado, não poderíamos dizer que Peixoto e outros eram

darwinistas sociais em um sentido estrito, pois apostavam na mistura de raças,

o que era condenado pelos darwinistas sociais.

Em uma outra corrente da Eugenia com base na evolução biológica

de Darwin está Galton. Para ele, a evolução natural poderia ser auxiliada pela

intervenção médica. Isto se daria através da regulamentação de casamentos.

Os médicos identificariam os mais aptos e favoreceriam seus casamentos,

[19--]; Takaoka, S. Tratado pratico de hygiene no brasil. [S.l.: s.n.], [s.d.]; Ellis Júnior,
Alfredo. Noções elementares de hygiene e de biologia. São Paulo: Saraiva, 1933.

112
além disto, esterilizariam os doentes mentais. Sobre a hereditariedade, Galton

tinha a seguinte posição: caracteres adquiridos como educação, robustez, não

se transmitiam hereditariamente. (MARQUES, 1997). O médico baiano Nina

Rodrigues defendeu estas idéias em Salvador.

Outro adepto desta teoria, como veremos mais adiante é Waldemar

Areno, médico e professor da cadeira de Higiene da Escola Nacional de

Educação Física e Desportos. Ele diz que, excetuando as discussões em

setores da Biologia, já era evidente que características adquiridas não eram

transmitidas às gerações futuras. Também era favorável à regulamentação dos

casamentos e à esterilização de indivíduos disgênicos (ARENO, 1949). Cabe

destacar que os eugenistas não determinavam estes indivíduos disgênicos pela

raça na década de 30 e 40, mas sim por portarem determinadas doenças. O

maior nome destas idéias no Brasil era Renato Kehl.

Ao contrário da teoria de Galton, Lamarck pregava que caracteres

adquiridos para adaptação ao meio poderiam ser transmitidos

hereditariamente. Isto justificava a evolução do pescoço da girafa, uma

adaptação ao meio, que a possibilitou de se alimentar de vegetais de altas

árvores – esta teoria não é mais aceita atualmente. A necessidade do meio

gerou uma característica que passou a ser codificada geneticamente.

(MARQUES, 1997). Esta teoria foi usada para justificar a intervenção higienista

na Educação e na Saúde do povo. Adquirindo cultura, a população adquiriria

um caráter que seria passado hereditariamente aos descendentes. Esta teoria

e a dos interventores sociais, baseariam o higienismo intervencionista, que

objetivava a democratização da Saúde e Educação para melhorar a raça.

113
Esta teoria é exemplificada na obra de Manoel Bonfim, onde ele

narra que, após o contato com os mouros, os ibéricos adquiriram uma

agressividade contundente, que foi transmitida de geração em geração pelo

caráter nacional – características psicológicas coletivas herdadas

geneticamente (BONFIM, 1905). Ele acreditava que características

psicológicas adquiridas na história de um povo fossem transmitidas

hereditariamente. Talvez Bonfim nunca tivesse lido Lamarck ou Mendel10, mas,

por influência de seu tempo, acaba usando pressupostos da teoria lamarckista.

Outra corrente, muito técnica, era a dos bacteriologistas.

Os bacteriologistas não se preocuparam em discutir o problema da

raça, da nacionalidade, do Estado-Nação, como as outras correntes. Era mais

técnica e empirista, ou seja, sua intervenção era marcada pelo diagnóstico,

localização do foco, e no planejamento de eliminação do agente transmissor,

caso fosse um inseto, por exemplo. Também defendiam o isolamento do

doente para evitar a proliferação da doença, e, sobretudo, defendiam a

imunização através da vacina. Foram os seguidores da Bacteriologia que

marcaram a história da saúde pública no Brasil, principalmente, na primeira

década do século XX, com a intervenção de Oswaldo Cruz. Do outro lado, a

teoria dos miasmas criava novos adeptos, os intervencionistas sociais.

Os interventores sociais queriam uma intervenção higienista com o

objetivo de prestar assistência médica aos pobres, de democratizar as normas

higiênicas, de tornar o trabalho justo. Viam, porém, que isto só seria alcançado

através de reformas sociais profundas que atingissem a organização política e

fomentassem um Estado interventor. Queriam sanear o país através da

10
As experiências mendelianas da época serviram de prova empírica para o Lamarckismo.

114
Higiene. Não se pautavam no discurso racial, pois, para eles, o problema

brasileiro era social. O mais representativo deles no “movimento higienista”

seria Belisário Penna.

Todas estas mentalidades foram amalgamadas nos Congressos de

Higiene e Eugenia, que resultou em um grande debate entre as correntes.

Muitos higienistas em meio a esta conturbada discussão acabaram

abandonando as correntes teóricas e defendendo uma prática interventora, que

muitas vezes unia pressupostos de teorias diferentes. Esse quadro também foi

suscitado pela crescente influência dos americanos, através da Fundação

Rockfeller, mas trataremos disso mais adiante.

Essas influências colaboram para uma complexidade no

entendimento do pensamento higienista, o que se reflete na descrição de Vera

Marques sobre as divergências dos congressos, como evidenciaremos a

seguir.

A partir dos anos 20, o discurso da eugenia afasta-se dos

pressupostos arianistas defendidos por Oliveira Vianna e das teorias

deterministas-raciais e começa a se aproximar de um pensamento mais

próximo de Galton, que não tinha tanta ênfase em um determinismo racial,

mas, no melhoramento da espécie. Renato Kehl foi o defensor da tese de

melhoramento racial através de uma intervenção da eugenia. Ele queria a

aprovação, em várias entidades e congressos de movimento, da

regulamentação dos casamentos. Por exemplo, na Sociedade Eugênica de

São Paulo, sua proposta foi derrotada, resultando no seu desligamento da

mesma. Mais tarde, ele se expressa desta forma sobre ela:

115
Meus senhores (...) a associação eugênica que tive a honra
de fundar sob os auspícios de Arnaldo Vieira de Carvalho, depois da
morte deste ilustre patrício e depois de minha transferência para esta
capital [Rio de Janeiro] caiu em estado de latência, para não dizer que
morreu, devido a inconstância no entusiasmo que despertam as
iniciativas sérias e altruísticas no nosso país. (KEHL apud MARQUES,
1997, p. 58)

Kehl abandonou a entidade e partiu com sua campanha para o Rio

de Janeiro, cético em relação aos progressos paulistas na questão da raça.

Mas esta não seria a primeira e nem a última vez que as teorias sobre a

Eugenia entrariam em confronto. Ele teria que enfrentar, ainda, a influência do

pensamento de Alberto Torres no “movimento higienista”, que resultava na

rejeição às teorias deterministas-raciais. Os higienistas perceberam que a

causa da debilidade do povo era a incapacidade das elites em cuidar dos

problemas sociais. No Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, o antropólogo

Fróes da Fonseca, ao ler “Lições de Eugenia” de Renato Kehl, que foi

distribuído no Congresso, assim se pronunciou:

Não nos parece pois que a organização das populações


brasilienses seja problema racial. Como o têm reconhecido todos os
grandes espíritos que têm procurado pôr em equação o nosso futuro, o
problema fundamental é o da educação em geral e o da higiene em
especial. (FONSECA apud MARQUES, 1997, p. 66)

Era a defesa dos interventores sociais, que vinham na Higiene uma

forma de melhorar o homem brasileiro, sem qualquer idéia de características

raciais superiores ou inferiores. Concordavam com eles os adeptos da teoria

lamarckista. Era preciso intervir nas condições sociais do país. No entanto,

estas não eram as únicas explicações para o atraso brasileiro. Assim defende

116
Roquete Pinto: “(...) é uma questão bastante difícil, à primeira vista; pois que o

resultado dos casamentos é condicionado não somente por fatores biológicos

mas também por fatores sociais” (PINTO apud MARQUES, 1997, p. 66). Ele

deixava claro que não adiantaria os casamentos entre indivíduos mais aptos,

se estes não tivessem as condições sociais favoráveis. Por outro lado, diz que

não é só o aspecto social, o biológico também conta. É preciso que o povo

adquira características positivas, pois estas iriam ser transmitidas aos filhos.

Tínhamos que melhorar as condições sociais para melhorar a raça. Tínhamos

que progredir, como alude Fernando de Azevedo: “Progredir ou desaparecer,

que significará isto, senão regenerar ou desaparecer! A regeneração physica é

incontestavelmente um dos maiores factores do progresso, senão for, talvez,

este o próprio progresso” (AZEVEDO, 1933, p. 14).

Indutivamente, se não podemos definir uma mentalidade higienista,

posto as várias divergências teóricas em relação à intervenção no Brasil,

podemos, no entanto, definir o “movimento higienista” pelo que tinha de

comum, ou seja, seu objetivo: o estabelecimento de normas e hábitos para

conservar e aprimorar a saúde coletiva e individual.

Contudo, alguns autores defendem a tese de que a partir da década

de 30, o pensamento social brasileiro e os seus intelectuais abandonaram as

teorias que julgavam nossa raça debilitada, como aponta Lilia Schwarcz:

Raça permanece, porém, como tema central no


pensamento social brasileiro, não mais como fator de desalento, mas
talvez como fortuna, marca de uma especificidade reavaliada
positivamente. (...) No país, vez por outra, é ainda possível ouvir a
utilização do argumento, seja para reafirmar certa diferença cultural entre
as raças, seja para afirmar uma valorização da mestiçagem.
(SCHWARCZ, 1993, p. 287)

117
Segundo Vera Marques, parafraseando Renato Ortiz, a partir de

meados da década de 30, a cultura brasileira superou as teorias sobre raça e a

preocupação do recém-formado Estado Nacional de Getúlio Vargas, estaria

centrado no desenvolvimento social, impondo as explicações sociais para o

atraso do Brasil, como já pregavam os escritores modernistas (MARQUES,

1997).

Se estes autores estiverem corretos em sua análise, esta mudança

na mentalidade dos intelectuais brasileiros pode ter influenciado decisivamente

os debates higienistas sobre a Eugenia, pois qualquer pensamento que se

aproximasse de alguma forma do determinismo biológico estaria fora do campo

mais moderno do debate brasileiro, dado que poderia ser entendido e traduzido

como determinismo racial. A raça brasileira no debate intelectual não era mais

considerada ruim, ao contrário, era motivo de orgulho. Então para que

eugenizar a raça?

Assim, a corrente galtoniana (teorias da Eugenia) fica

descontextualizada com a nova realidade do pensamento social brasileiro. Já

as teorias intervencionistas sociais e lamarckistas poderiam encontrar uma

maior legitimidade na discussão. Paralelo a isto, os bacteriologistas, isentos

deste debate, continuaram com suas campanhas de imunização, gozando dos

privilégios que alcançaram quando, na década de 20, venceram várias

epidemias. Desse modo, dois grupos higienistas vencem a guerra política

interna (os bacteriologistas e os intervencionistas) e conseguem influenciar o

Governo, através da ocupação de cargos públicos, havendo, assim, uma

miscigenação das duas intervenções.

118
Se não podemos comprovar este fato, podemos colher indícios que

caminhem nesta direção. Primeiro, quando Fróes da Fonseca diz, no

Congresso de Higiene, que Renato Kehl estaria equivocado, pois o problema

do Brasil era social, e não racial, ele usou o argumento de autoridade: “Como o

têm reconhecido todos os grandes espiritos”, ou seja, os intelectuais. O

consenso sobre a dominância das condições sociais estava consolidado. Em

segundo lugar, as sucessivas derrotas dos seguidores de Galton, como Renato

Kehl, nas tentativas de aprovação da regulamentação de casamentos.

Terceiro, o fato de o primeiro Governo Vargas (1930-1945) nunca ter seguido

as orientações galtonianas. Não existiram leis regulamentando o casamento e

ninguém foi esterilizado. O que não aconteceu com as propostas dos

higienistas intervencionistas que, de modos diversos, insistiam sobre a

mudança das condições sociais mediante a intervenção estatal. Com estas

reivindicações, o Estado criou leis trabalhistas, como o salário mínimo e a

jornada de oito horas entre outras. Ele aumentou o seu papel interventor nos

aspectos sociais. E, em quarto, os bacteriologistas não perderam seu poder de

barganha, principalmente pelo apoio da Fundação Rockefeller, que, já na

primeira década, assinara contratos com o Governo brasileiro para o estudo e

combate da febre amarela e outras doenças.

Com a crescente influência dos americanos na América Latina, o

governo pós-trinta de Getúlio Vargas prosseguiu com as orientações da

fundação americana no campo da saúde nas campanhas, desta vez, contra a

malária. Além disso, a fundação, em parceria com o Estado de São Paulo,

fundou o Instituto de Higiene, que se tornou posteriormente a Faculdade de

Saúde Pública da USP. Manteve-se a tradição da medicina experimental e da

119
bacteriologia iniciada nos nomes de Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e

Clementino Fraga, todos dirigentes do campo da saúde no Brasil.

Estes indícios podem nos levar a crer na interpretação de que o

“movimento higienista” se aglutinou, a partir da década de 30, em um interesse

maior na intervenção política e social do que nas teorias galtonianas de

Eugenia. Uma intervenção amalgamada entre os intervencionistas e os

bacteriologistas como desejava, já em 1907, Oswaldo Cruz. Nas suas palavras:

Na luta indireta, o higienista procura fortalecer, dar ganho


de causa a uma das forças antagônicos que entram em jogo no
mecanismo produtor da infecção (...). Pois bem, quando por meios
adequados se procura levantar, e escoltar as forças naturais de defesa
orgânica, o bacilo é aniquilado e a infecção não se estabelece. (...)
Forneçam-se habitações higiênicas, alimentação abundante e boa, não
se permita o trabalho de crianças nas fábricas, evitem-se os
esgotamentos orgânicos de causas higiênicas, físicas e morais; enfim,
ponha-se todo o conjunto completo capaz de erguer a resistência
orgânica, que se terá fornecido ao organismo a arma da luta que fará
sucumbir o bacilo assaltante. (CRUZ apud LUZ, 1982, p. 209)

Consolida-se uma intervenção profilática mista somente na década

de 30. As campanhas de vacinação dos bacteriologistas fundem-se às

campanhas pelo desbravamento do interior dos intervencionistas, como

profetizou Oswaldo Cruz.

Esta década também traria um novo Governo. Seria com o apoio

deste que os higienistas, finalmente, teriam poder político de ação, com o

aumento das verbas, como veremos a seguir.

120
3.8 Como mudar? A Intervenção Higienista

Poderíamos, inicialmente, pensar na tese de que a predominância

das concepções higienistas-liberais11 na Educação e na Saúde perdurou até

1930, sendo substituída por uma tendência autoritária. Concordaríamos com

esta divisão, concebida pela tomada de poder em 1930, no campo político.

Porém, no campo educacional e da saúde é a partir deste momento que os

higienistas tem à sua disposição o Aparelho Estatal para intervir nos setores

sociais. Por exemplo, com a mudança do espírito político (do liberalismo para a

Ditadura) não há uma mudança de mentalidade da teoria da Educação Física

(GÓIS JUNIOR, 1996; 1997a). Isto é, não é mudando o governo que se mudam

os ideais.

Os higienistas seguiram com o mesmo ideal, com as tendências

intervencionistas ocupando lugar de destaque no discurso. Afinal, o Estado

frágil da primeira República tinha caído, dando lugar a um Estado mais

disposto a intervir. Os higienistas aproveitam-se deste contexto. Vários deles

são nomeados para cargos burocráticos, como Fernando de Azevedo no

Ministério da Educação. A relação desses com o Governo parecia muito boa.

Por exemplo, Fernando de Azevedo sofreu forte crítica por parte da Igreja

(segmento de importância política), pois esta não queria a instituição de uma

Escola laica. O Governo, representado por Gustavo Capanema, mediou o

conflito, dando liberdade de ação a Azevedo (SCHWARTZMAN, 1982). Isto

mostra o prestígio que os higienistas gozaram no governo Vargas. Portanto a

121
mentalidade higienista não data até 1930, ao contrário, no Brasil, é a partir

desta que a intervenção higienista é mais presente.

O governo Vargas representou o início da centralização do poder do

Estado na formação do Estado Nacional. Antes da década de 30, os poderes

locais tinham autonomia, cada Estado da Federação cuidava dos aspectos

sociais em seu território. Porém, a maioria dos Estados não disponibilizavam

recursos para áreas sociais. Além disto, a área da Saúde precisava de uma

intervenção nacional, sendo inócua uma regional. Quando ocorre a

centralização do poder, o Estado aumenta seu papel na intervenção nacional

(HOCHMAN, 1993). Os higienistas de esquerda e direita esperavam

ansiosamente por isto. Agora, com os recursos garantidos pelo Estado, era o

momento de agir.

Com o objetivo de aprimorar a saúde coletiva e individual, os

higienistas estipularam várias normas em vários setores da vida humana, para

não dizer em todos.

No campo teórico, os higienistas brasileiros, desde o início do século

nas campanhas sanitárias, não se importaram tanto com o debate entre a

teoria dos miasmas e a da bacteriologia ocorrido na Europa, dando maior

ênfase para a questão da raça e nacionalidade. Quando este debate foi

resolvido na década de 30, por via das dúvidas, adotaram as duas formas de

prevenção: combatendo o microorganismo causador da doença (bacteriologia)

e propondo a melhoria das condições de vida (miasmas).

11
É entendido que há uma relação determinista entre o movimento higienista e os princípios
liberais. Porém, mostramos que esta relação é mais complexa, haja vista que o movimento
tinha o apoio de diversos posicionamentos políticos.

122
Com isto, o discurso higienista estava presente não somente nas

campanhas de vacinação, como já evidenciamos, mas na urbanização das

cidades, na Educação, na industrialização e em outros vários setores.

Com relação à urbanização das cidades, os higienistas criaram

normas para construção das habitações e das vias públicas. Também

indicaram a urgente necessidade de construção de redes de água e esgoto.

Sobre a habitação, os higienistas diziam que a vida moderna,

industrial, urbanizada criara novas demandas para a organização do lar. Os

higienistas deveriam ser ouvidos na construção das casas. Eles indicariam o

melhor material, o local mais adequado e a distância ideal entre uma habitação

e outra. Por exemplo, Afrânio Peixoto criticava os ainda recentes apartamentos

dos Estados Unidos (PEIXOTO, 1913). Imaginamos o que ele diria se pudesse

dar uma olhada no futuro. Este autor ainda cita o exemplo de Belo Horizonte,

onde era legalizada a necessidade dos conselhos higienistas na construção

das moradias. As normas para o local eram as seguintes: este deveria ser

elevado, em declive suave, bem ventilado, mas não exposto aos ventos fortes,

tendo árvores, águas de percurso na proximidade, e nunca na vizinhança de

floresta. O terreno deveria ser poroso, permeável, evitando a contaminação por

impurezas e infecções. As casas deveriam ser isoladas do chão por um

alicerce impermeável e separadas das demais pelo isolamento. Isto protegeria

o solo, as ruas e as casas contra novas infecções12.

No que diz respeito às vias públicas, os higienistas indicavam a boa

limpeza destas, que dependia do tipo de pavimentação. Na escolha do tipo de

pavimentação, eles descreviam a vantagem e desvantagens dos vários

12
Cf. os manuais de higiene citados anteriormente.

123
materiais, levando em consideração a resistência ao tráfego, durabilidade, a

ação das águas que escorrem a superfície, os efeitos do calor e das variações

de temperatura. Teriam ainda, de ser levados em conta o custo, a sonoridade

do material de revestimento, o grau de impermeabilização, e o seu desgaste

com formação de poeiras. Depois desta análise, eles chegam à conclusão que

o asfalto e o macadame (cascalho e areia) são as melhores pavimentações.

Mas conforme o local, poderia se usar outros materiais. Eles ainda indicavam a

organização de coleta de lixo, como uma tarefa impreterível, assim como, a

varredura das ruas. As ruas deveriam largas e arborizadas.

Outra tarefa da sociedade seria, em caráter de urgência, construir

uma estrutura de Saneamento Básico. Esta obra era imprescindível para o

controle de doenças que se transmitiam através da água e dos dejetos. Desde

o início do século, os sanitaristas defendiam esta proposta. Oswaldo Cruz,

adepto e seguidor da bacteriologia, como já tinha estudado a influência da

água contaminada na transmissão de doenças (CRUZ, 1972), defendeu em um

artigo a construção de rede de água e esgotos. Neste, Cruz mostra que a

morosidade da construção das redes no Bairro da Gávea unida aos hábitos

não-higiênicos da população provocaram a insalubridade do local. Para sanear

definitivamente o bairro, Cruz indica as seguintes medidas: o aterro total da

Lagoa Rodrigo de Freitas; a construção de habitações higiênicas para os

operários, interligadas com a rede e com latrinas; a demolição das estalagens;

o calçamento das ruas; e o abastecimento suficiente de água (CRUZ, 1972a).

Isto posto, vimos que os higienistas influenciaram na urbanização

das cidades. Isso também se deu no campo educacional.

124
A primeira crítica que reinava entre os higienistas era a questão

estrutural das escolas. A Escola era insalubre. Os prédios eram muito antigos,

não possuíam janelas amplas, que pudessem ventilar o ambiente das salas de

aula. Não havia estrutura para a prática de hábitos higiênicos como a

Educação Física (AMARAL, 1932; SÁ, 1942).

As carteiras eram desconfortáveis. A iluminação era insuficiente. Os

horários escolares eram muito prolongados, sem intervalos. Tudo isto

colaboraria na infelicidade do estudante no ambiente de ensino,

impossibilitando seu aprendizado.

Com o intuito de melhorar esta situação, o Movimento dos Pioneiros

da Escola Nova traziam novas propostas, que se baseavam na estruturação de

uma Escola mais liberal, que deveria ser gratuita, obrigatória, e laica. Com isto,

eles visavam democratizar a educação. Um dos seus principais colaboradores

era Fernando de Azevedo. Este educador via a interligação do problema

higienista e do educacional. Ele tentou estruturar uma Escola que se

constituísse da união destes dois aspectos. Nesta escola, a prática de hábitos

higiênicos e saudáveis era central. No seu programa, a educação higiênica e a

Educação Física têm lugar de destaque, como afirma abaixo:

A escola nova é, pois, nova ainda uma vez porque,


encarando a educação como um "processo", eleva a formação física do
indivíduo ao mesmo nível da formação moral e intelectual,
encorporando-a no sistema como um aspecto fundamental do processo
educativo; fazendo da atividade o princípio do aprendizado e dando à
escola uma organização que, por si mesma satisfaz às necessidades de
movimento das crianças e abre largas perspectivas a tôdas as formas de
atividade favoráveis à criação de hábitos higiênicos e à educação
sanitária. (AZEVEDO, 1934, p. 172)

125
A crítica de Azevedo era dirigida à escola tradicional, onde as

normas de higiene e os princípios de saúde não podiam ser ensinados por falta

de uma estrutura apropriada e pela excessiva valorização da educação

intelectual. Os higienistas querem mudar este espírito. Com este intuito, ele

valoriza o ensino da Higiene e da Educação Física.

Para os higienistas, a higiene escolar era, antes de tudo, uma obra

de profilaxia, uma disciplina mais prática do que de conhecimento de princípios

e de regras. Eles queriam ensinar a importância da higiene para a preservação

e o aprimoramento da saúde individual e coletiva. A higiene cuidaria de todos

os aspectos da vida humana, como dizia Azevedo: “desde os mais humildes

trabalhos da criança, até às operações mais delicadas da cirurgia, passando

por tudo o que exige justeza e precisão, a higiene é uma virtude capital”

(AZEVEDO, 1934, p. 177). Ainda, seriam proferidas palestras elementares,

ilustradas, sobre a higiene corporal, o uso dos alimentos e das bebidas, os

perigos do alcoolismo e do fumo, os micróbios e as enfermidades contagiosas.

Deste modo a Escola poderia contribuir com os ideais higienistas.

Além da escola, outra instituição atingida pelos ideais higienistas foi

a Indústria. Como vimos, segundo Rabinbach, o “movimento higienista”

europeu teve um papel importante na conquista dos direitos trabalhistas.

No Brasil, inicialmente, os higienistas mostravam que as mudanças

no mundo do trabalho (industrialização) eram uma preocupação da higiene.

Mas o que mudaria na vida cotidiana com a industrialização?

Eles chegaram à conclusão de que a vida moderna sofreria uma

intensificação. A pressão da produtividade nos obrigaria a trabalhar como

máquinas, em um ritmo insuportável, caso não fossem seguidas as indicações

126
higienistas. Conscientes da discussão que tomou a Europa com “The Human

Motor”, os brasileiros, já no início da industrialização do país, indicaram normas

para o trabalho industrial. Para isto, descreveram o que era a fadiga industrial,

o que ela poderia acarretar ao país e como evitá-la.

Segundo eles, a velocidade das máquinas veio exigir maior atenção

dos operários e, ao lado desta, surgiram novas causas de fadiga, decorrentes:

do ritmo das máquinas, ao qual pode não estar adaptado o operador; dos

ruídos; da repetição das mesmas operações, com o automatismo; da

monotonia que traz ao trabalho; das posições fixas13. Esta nova realidade

tornou o operário tenso e cansado, interferindo na produtividade, baixando o

rendimento e causando acidentes. Quando isto acontecia, o empregador

sentia-se em uma posição tranqüila para demitir o funcionário, substituindo-o

imediatamente.

Os higienistas sabiam e provavam que a fadiga, porém, não era só

produto da intensificação da atenção e automatismo dos operários. As

condições do ambiente em que vivia e trabalhava, ou seja, a sua qualidade de

vida, e os fatores psicológicos também influenciavam na ocorrência da fadiga.

O higienista Nicolau Assali, ao analisar a produtividade dos

funcionários em relação à jornada de trabalho diária e semanal, concluiu que

havia ciclos de produtividade no trabalho do funcionário, identificando três

13
Cf. os manuais de higiene que tratam da Higiene do Trabalho. Abreu, Henrique Tanner de.
Estudos de hygiene. Rio de Janeiro: Quaresma, 1929; Assali, Nicolau. Higiene do Trabalho.
São Paulo: [s.n.], 1942; Bandeira de Mello, Jorge. Atmosfera do interior dos edificios e
locais de trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 1945; Baptista, Amaro Augusto de Oliveira.
Elementos de higiene. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1941; Barreto, João. Hygiene do
Trabalho Industrial. Rio de Janeiro: Oscar Mano, 1937; ______. Tratado de Higiene. 2. ed.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948; Barroso, Sebastião. Hygiene para todos. São Paulo:
Melhoramentos, [19--]; Ellis Júnior, Alfredo. Noções elementares de hygiene e de biologia.
São Paulo: Saraiva, 1933; Fontenelle, José Paranhos. Compendio de Hygiene. 5. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 1940; Peixoto, Afrânio. Elementos de Hijiene. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1913; Takaoka, S. Tratado pratico de hygiene no Brasil. [S.l.: s.n.], [19--?].

127
fases. A primeira é a motivada, onde o funcionário executa com prazer sua

profissão; a segunda é uma fase estacionária, onde o operário não tenta

aprimorar seu serviço; e a terceira é a fase da fadiga, nesta, o trabalhador não

consegue exercer suas funções com atenção e prazer. Segundo os higienistas,

com algumas medidas higiênicas, poderia se evitar a fadiga, prolongando a

primeira fase de trabalho. Estas normas seguiam no sentido de dar ao

trabalhador melhores condições de vida e trabalho, o que não foi aceito por

muitos empresários, como alude Assali:

Mas, apezar [sic] de tudo isto, e todo esses progresso


notavel, nem todos os capitalistas seguem este método. Há certo
número de fábricas e usinas, cujos os donos tem a única preocupação
de acumular a maior quantidade de lucros. Não se importam com a vida
do operário e nem com a exploração do povo. (ASSALI, 1942, p. 6)

Os higienistas no Brasil, como na Europa, percebiam que poderiam

mediar as relações de trabalho entre os patrões e empregados, pois somente a

ciência poderia julgar o que é justo nesta relação. E é o que fazem. Propõem

uma série de normas higiênicas com o intuito de proteger o funcionário da

fadiga e dos acidentes, como descreveremos abaixo.

Primeiramente, os higienistas identificaram as causas da fadiga.

Sabiam que a automação, assim como as condições de vida e o fator

emocional do trabalhador tinham influência nesta doença. Mais

especificamente, os higienistas descobriram que o regime de carga horária, o

trabalho prolongado e pesado, o trabalho noturno, as condições estruturais das

fábricas, como iluminação, ventilação, poluição sonora, no mundo trabalho,

poderiam causar fadiga. Contudo, as condições de vida do trabalhador fora da

128
fábrica também repercutiam sobre o cansaço do funcionário. Assim sendo, ele

não poderia estar mal alimentado e nem ser um alcoólatra. O ideal seria que

ele tivesse uma moradia digna e tempo de lazer.

Conhecendo as causas, como os higienistas propunham a solução

deste problema? Eles indicaram a redução da jornada de trabalho para oito

horas diárias, assim o operário teria tempo suficiente para o sono, e para se

dedicar à família e ao entretenimento. Além desta redução, propunham, fora do

horário de almoço, intervalos periódicos para descanso. Sobre a jornada

semanal, indicavam que o ideal seria eliminar o trabalho aos sábados,

chegando a uma jornada de quarenta horas semanais. Ainda indicavam as

férias remuneradas de quinze dias por ano de trabalho14. Desta forma, segundo

eles, a produtividade aumentaria e a saúde do trabalhador seria conservada.

Os acidentes de trabalho também seriam reduzidos substancialmente. Além

disto, visando dar segurança ao trabalhador, indicaram a adoção de

equipamentos de segurança.

Os higienistas, em seus manuais, propuseram a adoção obrigatória

de equipamentos de proteção ao trabalhador, como máscaras, visores, luvas,

capacetes, protetores de engrenagem. Todo este material deveria constar em

legislação como itens obrigatórios a serem fornecidos pelo empregador. Havia

um ideal higienista que tinha o objetivo de proteger o trabalhador, como atesta

Afrânio Peixoto:

A concurrencia da máquina venceu ao operario e para


subsistir coajiu-o a um salario de miseria, ou para aumentá-lo a um
trabalho extenuante. (...) E o mal é crescente porque o consumo não
aumenta na medida das capacidades de produção, e esta, para subsistir,

129
e para desenvolver-se, exonera-se no operario. Resultado: salarios de
fome, embora a estafa no trabalho [sic]. (PEIXOTO, 1913, p. 405)

Os higienistas tinham claro que as melhores condições de vida

(moradia, alimentação, educação, saúde) dependiam do aumento dos salários.

Com isto, eles se aliaram aos movimentos sindicais, no plano do discurso,

quando pediam pela redução da jornada de trabalho e melhores condições de

trabalho visando proteger a saúde do trabalhador. Isto é claro para eles quando

criticam os empresários exploradores e a crise de emprego provocada pela

Revolução Industrial. Se a população não tinha recursos para o pão, ela

cuidaria de seus hábitos higiênicos? Eles sabiam que não. Este fato poderia

suprimir qualquer otimismo em relação aos seus ideais. Portanto, devido a esta

demanda social, os higienistas se colocam contra a exploração desmedida do

trabalho.

Por exemplo, no que diz respeito ao trabalho infantil, eles se

posicionaram contra, usando dos seguintes argumentos:

Há, ademais, a imprescindível necessidade de atender às


medidas de outra ordem, econômicas, sociais e muito especificamente
as que se incluem na esfera educacional. A) Vêm à baila, deste modo, o
problema dos sem trabalho e o da fixação dos salários mínimos;
atendidos, contribuem para melhorar o padrão de vida para a família, do
qual depende, indiscutivelmente, muito do que diz respeito à saúde e ao
bem-estar dos menores. O estabelecimento, para estes, de um salário
mínimo tem, também, a significação valiosa de por termo à exploração,
de que freqüentemente os menores são vítimas, de parte de
empregadores inescrupulosos. B) A instrução, a seu turno, será passível
freqüentemente de modificações, nos seus tipos e modo de organização.
E isto, principalmente; para atender às crianças de mentalidade abaixo
da normal, já que se sabe que são sobretudo elas que deixam

14
Cf. os manuais de higiene.

130
precocemente a escola, à procura de emprego. Fora daí, e mais
generalizadamente, valerão de muito as medidas que, fazendo
obrigatória a instrução, elevam o limite da compulsoriedade, aquém do
qual a ocupação só será permitida, se exercida fora das horas de aula ou
nos períodos de férias, e, assim mesmo, para número reduzido de
ofícios. A tendência é para, apenas, tolerar a ocupação, já assim restrita,
dos 14 anos 16 anos, o que importa em fixar, nesta idade, o limite
mínimo habitual, para início do trabalho, embora se reconheça a
vantagem de se continuar a instrução até aos 18 anos (...) C) Visando a
proteção dos menores empregados nas indústrias, é, de fato, de suma
importância estabelecer, para a admissão, um limite mínimo de idade.
Poupar o mais possível, aos menores, os malefícios da ocupação, é o
que se tem em vista. Na impossibilidade, então, de se ir de chofre ao
extremo, tem-se procurado elevar, progressivamente, o mínimo de idade
em que o trabalho será consentido. A tendência, já se viu, é para tê-lo
nos 16 anos, pois que, na vasta maioria dos casos, os reajustamentos
fisiológicos e psicológicos da puberdade não se completam antes desta
época. Assim, formalmente, se deve prescrever, com duas ressalvas,
porém: a das profissões que oferecem, para o adolescente, grande
perigo, físico ou moral, e para as quais o limite ascende até aos 18 e
mesmo aos 21 anos; e a dos ofícios leves, em que, ao contrário, se
tolera o trabalho dos 14 aos 16 anos, idealmente com a restrição de que
não ultrapasse oito horas diárias, o período total, dedicado à escola e à
ocupação. [sic] (BARRETO, 1948, p. 821-2)

A melhoria dos fatores sociais era impreterível para o projeto

higienista. Com estas propostas nas mãos, eles colaboram na pressão social

que se fazia ao Governo, no sentido de conquistar direitos trabalhistas. Datam

desta época (década de 30) as leis sobre as férias e o salário mínimo e a de

redução da jornada de trabalho. Todas esta conquistas foram produto não só

do movimento sindical, mas também dos conselhos e normas higienistas.

A conservação e o aprimoramento da saúde do trabalhador eram

vistos pelos higienistas como responsabilidades da sociedade. Com a Era

Industrial, a força de trabalho começa ser valorizada e o homem passa a ser a

131
grande riqueza das nações. Os higienistas sempre alertavam para este

aspecto: se o povo brasileiro não se desenvolvesse, estaria fadado ao

desaparecimento. Quando se percebe a grande influência dos aspectos sociais

sobre este desenvolvimento do povo, os higienistas buscam as referências dos

intelectuais para respaldar uma intervenção social. Mesmo colocando-se contra

o interesse dos industriais, eles viam como sua obrigação primeira o zelo pela

saúde coletiva e individual.

Depois das considerações feitas neste capítulo, podemos perceber

que não é fácil afirmar, como fazem diferentes autores, que os interesses

econômicos das elites moviam o discurso higienista. Sobretudo se

consideramos que os interesses são conscientes ou explicitados por

organizações ou atores privilegiados, reconhecidos das elites, em vez de

serem afirmações de conteúdos inconscientes ou estruturais que apenas os

analistas podem distinguir. Isto é, segundo Gilberto Hochman, não são os

interesses dominantes que regem os ideais higienistas do início do século, pois

“as políticas de saúde são partes constitutivas de um processo mais amplo e

complexo, no qual o Estado e as elites estatais têm especificidades que lhe

fornecem autonomia em relação aos interesses societais, e têm objetivos

também específicos, diversos e mesmo divergentes dos das elites societais”

(HOCHMAN, 1993, p. 41).

Quando foi necessário, alguns higienistas se colocaram contra o

governo e as elites, outras vezes, se uniram. Isto era determinado pelo

contexto que a história ditava. Daí a complexidade do “movimento higienista” e

do seu entendimento. Como mostramos, este era um movimento amplo,

influenciado por várias concepções políticas, pelos intelectuais, pelas teorias

132
em voga sobre raça. Influenciados, sobretudo, por todo um contexto que

desautoriza o historiador a considerá-lo, simplesmente, de interesse às elites

econômicas. Às vezes, pelo contrário, os higienistas nos mostraram, já em sua

época, os verdadeiros problemas nacionais, como a falta de Saúde e

Educação.

Agora, nos resta refletir e descrever como a área de Educação

Física foi considerada pelos higienistas como importante estratégia no alcance

de seus objetivos.

133
4. A EDUCAÇÃO FÍSICA E OS HIGIENISTAS

4.1 O exemplo francês

A relação dos higienistas com a Educação Física possui uma história

que extrapola as fronteiras brasileiras. Na verdade, vários países da Europa,

como Alemanha, Suécia e Dinamarca, tiveram sua história influenciada pela

mentalidade da Educação Física, que, por sua vez, foi influenciada pelos ideais

higienistas. Por que e como isto acontece? A resposta para esta indagação

guarda histórias interessantes sobre os ideais da Higiene e Educação Física.

Inicialmente, descreveremos sucintamente o contexto francês que

possibilitou esta relação.

Na França do século XIX, tinha-se a idéia de que a população do

país poderia desaparecer. Diante da ameaça da fadiga, nos termos dos

higienistas, a população francesa estava debilitada, indisposta, fraca

fisicamente. Isto poderia comprometer a supremacia do país. Era preciso

cuidar da energia social, recuperando os franceses.

Os higienistas apontaram os caminhos desta recuperação. As suas

indicações caíram sobre a necessidade de criação de uma ginástica

racionalizada e científica, capaz de recuperar o francês do estado de fadiga.

Neste momento, inicia-se na França a relação entre os ideais higienistas e a

Educação Física (RABINBACH, 1992).

Durante o século XIX, os exercícios ginásticos feitos pela mocidade

francesa caíam no descrédito das autoridades militares. Eles eram praticados

de uma forma irracional, que mais poderia debilitar o homem do que prepará-lo

134
fisicamente. Segundo os higienistas, era necessário metodizar a ginástica,

torná-la contemporânea às teorias da fisiologia, que refutavam o valor do

desgaste físico, defendendo uma economia e desenvolvimento da energia no

treinamento. Com este objetivo, conta Rabinbach, o governo francês organizou

uma reforma da Educação Física do país. Ouvindo as várias propostas,

formaram-se dois grupos: de um lado estavam os adeptos do esporte inglês,

como Pierre de Coubertin, no outro, os protagonistas da ginástica racional,

como Philippe Tissié, Fernand Langrage, Georges Demeny, Etienne-Jules

Marey e Angelo Mosso. Estes cientistas da fadiga condenaram o esgotamento

e descuido do ritmo do corpo, inerente no treinamento atlético dos esportes.

Mas até mesmo entre os fisiologistas não havia nenhum acordo sobre qual

método ginástico era preferível (RABINBACH, 1992).

O movimento de reforma da Educação Física caminhou. Uma

coalizão realizada entre higienistas e fisiologistas resultou na conclusão de que

a nação estava em um estado de declínio físico, e que uma baixa taxa de

crescimento populacional ameaçava a existência da França. Os exercícios

físicos não poderiam ter uma distribuição desorganizada e difusa de

esgotamento ou dores, mas um rigoroso jogo unificado de atividades baseado

no desenvolvimento repetitivo e calculado de energia física. Nas palavras de

Langrage, a higiene nos exercícios não é nenhum esforço extenuante, é

trabalho (RABINBACH, 1992).

Em 1891, com a iniciativa do higienista francês Vaillant, Georges

Demeny recebeu a autorização para criar um curso de Educação Física, o

primeiro do gênero na França: a Escola Joinville-le-Point.

135
Em 1900, Marey foi designado para encabeçar uma Comissão de

Higiene, que teria o objetivo de indicar a melhor prática para os jovens

franceses, ou seja, decidir entre a ginástica e os esportes. Ele optou pela

Ginástica, a mesma escolha feita posteriormente no Congresso de Fisiologia

Educacional. Alguns meses mais tarde, o Ministério de Guerra pede uma

modificação substancial na educação nas escolas e no Exército. Como

resultado, Demeny foi comissionado para desenvolver um programa novo de

Educação Física adequado às demandas de um exército moderno. Isto posto,

a Escola Joinville-le-Point cria um regulamento de treinamento militar. Este

regulamento passa a ser adotado no exército, e também nas escolas, fato que

foi criticado severamente por Tissié (RABINBACH, 1992).

Posteriormente, o método francês recebeu outras contribuições com

o objetivo de melhorar a condição física dos franceses. Principalmente pela

influência de Demeny, este método estava preocupado em erigir práticas

físicas que possibilitassem a economia do esforço e a execução dos exercícios.

Era um estudo fisiológico que procurava determinar o aperfeiçoamento do

gesto técnico, isto é, o movimento deveria ser executado com o menor

dispêndio de energia possível (GOELLNER, 1996).

Assim sendo, o método francês era baseado nas mais recentes

teorias da fisiologia da época, que atestavam a necessidade de se evitar a

fadiga. Ele tenta ser construído respeitando estes princípios. Por exemplo, na

prática dos exercícios do método eram prescritas algumas orientações

higiênicas, que tinham o objetivo de não estafar (fadiga mental) e fadigar o

praticante, portanto, orientavam o tempo de duração da atividade e o horário, a

temperatura climática ideal, o uniforme adequado e o local (MARINHO, 1953).

136
A prática destes exercícios colaboraria na formação de um homem

apto ao trabalho industrial e de um bom soldado. Os higienistas consideravam

que o método poderia auxiliar no desenvolvimento físico e moral da população,

o que significava desenvolvimento econômico para a nação.

Na França estes objetivos são alcançados. O país torna-se uma das

potências econômicas mundiais. Os higienistas comemoram a reabilitação do

povo, o crescimento populacional, o crescimento da indústria, enfim, o

desenvolvimento econômico.

E é com esta prerrogativa que o método chega ao Brasil, encarado

por muitos como a solução dos problemas nacionais.

4.2 Os intelectuais brasileiros, os higienistas e os métodos ginásticos no

Brasil

A inserção do método francês no Brasil não foi dificultada pelo

contexto histórico em que vivíamos, ao contrário, ajustava-se perfeitamente às

nossas demandas sociais.

Se percebermos que o discurso intelectual brasileiro passava a

valorizar a população e a exigir uma intervenção estatal, e que os higienistas

viam o método francês como o mais científico e as atividades físicas como uma

das prioridades do sistema educacional, podemos afirmar que a Educação

Física vivia um momento favorável para a sua consolidação na sociedade.

Vamos explicitar melhor estes dois fatores que favoreceram a consolidação da

Educação Física no Brasil.

137
Em primeiro lugar, o discurso dos intelectuais brasileiros, a partir da

década de 30, se afastavam paulatinamente das teorias deterministas raciais.

O povo brasileiro não era debilitado por natureza biológica, apenas estava

abandonado, sem assistência, entregue às doenças. Diante disto, o que se

tinha a fazer era pressionar o governo no sentido de uma intervenção social.

Era preciso educar o povo, dar atendimento médico, ensiná-lo a trabalhar na

indústria e a prevenir as moléstias. Desta forma, nosso povo se reconstituiria.

Em segundo, os higienistas têm a mesma finalidade de melhorar a

saúde da população. Além disso, seriam eles que orientariam a intervenção

social, dizendo como ela deveria ser feita. E é na constituição deste plano de

intervenção que todos os higienistas mostram-se favoráveis à atividade física

como hábito higiênico. Por exemplo, João de Barros Barreto dizia que os

exercícios físicos eram a coordenação e sistematização dos movimentos

musculares, que deveriam ser regrados, sem abusos, para que trouxessem

inúmeros benefícios ao organismo humano. Segundo ele, a ausência das

atividades físicas poderia prejudicar o pleno funcionamento do corpo, causando

deformações no aparelho digestivo, respiratório e no sistema cardiovascular.

Ele segue na descrição dos vários motivos que deveriam convencer o homem

da necessidade da adoção das atividades físicas como um hábito impreterível

(BARRETO, 1948).

A Educação Física como uma medida profilática para se evitar a

fadiga estava presente nos manuais de higiene da época. Diziam os higienistas

que o treinamento físico resultante da prática continuada e metodicamente

intensificada dos exercícios musculares até um certo limite, levaria a uma

adaptação funcional a maiores exigências, um aperfeiçoamento da resistência

138
ao esforço requerido, um rendimento mais nítido do trabalho solicitado, enfim,

um aumento na resistência à fadiga. Com esta adaptação às exigências

acrescidas de esforço, era possível alcançar um ponto ideal, reduzindo-se em

torno de 40% o dispêndio de energia necessária a um determinado exercício;

tudo isto, graças à melhoria de ação do sistema nervoso, ao apuro na

coordenação dos movimentos, eliminando-se os supérfluos15.

A Educação Física teria o papel de aprimorar a condição de saúde

do indivíduo, possibilitando uma melhora da adaptação ao trabalho industrial,

pois ela reduziria a fadiga do trabalhador, aumentando a produção. Apenas a

partir desses argumentos, a historiografia da Educação Física da década de 80

considerou a prática da ginástica uma estratégia de dominação gerada pelas

elites. Mas, como vimos anteriormente, o discurso em torno da fadiga não era

determinado pelos interesses dominantes e, muitas vezes, ia a favor dos

interesses do trabalhador.

Um dos objetivos do discurso da fadiga era convencer os industriais

da necessidade das reformas higienistas, como a redução da jornada de

trabalho e o investimento na saúde dos trabalhadores. Para isto usavam como

argumento o aumento da produção que resultaria na formação de um

trabalhador mais descansado e melhor alimentado, mais sadio e, não raro,

melhor educado. Contudo, houve grande resistência por parte dos empresários

que visavam ao lucro imediato e acreditavam que quanto maior a jornada de

trabalho maior seria o lucro, colocando no campo oposto os interesses

higienistas.

15
Cf. os manuais de higiene da época.

139
De fato, nos parece que alguns higienistas pretendiam reeducar os

próprios capitalistas, uma reiterada aspiração dos intelectuais. Outro intuito

principal dos higienistas era conservar e aprimorar a energia social. Era preciso

cuidar da população para pautar a questão do desenvolvimento econômico nos

termos da época. Assim, a Educação Física, sem ter outra escolha, fazia parte

do projeto higienista no Brasil. A sua melhor aplicação respeitando estes ideais

era o método francês.

O método ginástico francês tinha mais respaldo da Fisiologia.

Compartilhava da idéia de cuidar do corpo para retardar a fadiga: “[O método]

Manifesta-se, de um lado, por uma luta mais eficaz contra as doenças, e de

outro, por ser um melhor rendimento da máquina [o motor humano, segundo

Rabinbach] e por uma melhor reparação das despesas e daí o retardamento da

fadiga” (BASES PEDAGÓGICAS DO MÉTODO FRANCÊS apud MARINHO,

1953, p. 90).

Nos termos de Amoros:

Os benefícios e a utilidade comum, são os fins principais da


Ginástica; a prática de todas virtudes, de todos os sacrifícios, os mais
difíceis e generosos são os meios, a saúde, o prolongamento da vida, o
melhoramento da espécie humana, o aumento da riqueza e fôrça
individual e pública, são os seus resultados. (AMOROS apud
MARINHO, 1953, p. 62, grifos nossos)

A Educação Física teria uma posição central no projeto higienista.

Inclusive as suas orientações são pautadas nos pressupostos da Higiene, pois

a sistematização das atividades físicas nasce da demanda higienista de

aprimoramento da saúde da população. Percebendo que o método francês é

uma das melhores expressões desta ligação, as autoridades brasileiras não

140
demoraram em adotá-lo como modelo no Brasil, até que fosse elaborado um

método brasileiro.

A partir deste contexto, a área da Educação Física começa a se

estruturar com o apoio do Governo e dos higienistas na década de 30. Datam

desta época a inauguração de diversos cursos de Educação Física e a

organização de livros e periódicos sobre o tema.

Assim começa a se construir o debate de nossa área, diante das

teorias higienistas e na discussão do melhor método de ensino.

4.3 O melhor método

Em meados da década 30 no Brasil, era consenso entre os

professores/instrutores de Educação Física que nossa área deveria ter como

objetivo a educação integral do indivíduo.

Educar integralmente significava formar física, moral e

intelectualmente o homem. Este discurso estava pautado em uma

contraposição em relação à educação tradicional, muito centrada nos estudos

intelectuais, pois formar integralmente era imprescindível o ensino da

Educação Física. Por este fato, é comum encontrarmos em diversas propostas

educacionais a defesa desta prática. Dentro desta perspectiva podemos citar

Rousseau, Pestallozzi, Locke, Manoel Bonfim e Fernando de Azevedo.

A explicação está no caráter utilitário atribuído à Educação Física.

Há de se entender utilitarismo, nos termos da época, como reação a Ciência

academicista, desinteressada pela aplicação imediata de seus conhecimentos.

Era preciso inaugurar uma Educação e Ciência utilitárias e interventoras que

141
auxiliassem na resolução dos problemas da sociedade. Deste modo, seria a

Educação Física grande auxiliar da Educação utilitária na Escola. Ao lado de

disciplinas como Higiene e Biologia, ela teria como objetivo o ensino dos

preceitos higiênicos que significavam muito mais que normas profiláticas, mas

também o ensinamento de valores.

A Educação passa a ter o papel de transformador da sociedade, ao

ensinar novos valores e hábitos. Parte integrante desta, a Educação Física se

consolida neste projeto aqui descrito, que via na saúde individual e coletiva o

alicerce de uma sociedade moderna e mais própera.

Assim, esta área aceita este papel, tendo a saúde como o seu

objetivo principal, pois, no fim das contas, só sobreviveriam os povos realmente

fortes e preparados para o trabalho. Segundo o editorial da Revista

EDUCAÇÃO PHYSICA (1939, n. 30), seria indispensável que todos, sem

exceção, cuidassem seriamente de sua saúde. Todos os editoriais desta

revista ressaltavam os benefícios sociais, morais e educativos da Educação

Física.

Inezil Penna Marinho, em artigo nesta mesma revista indicou que a

falta de cuidados com sua própria saúde seria um crime ou pecado físico16. O

indivíduo que agisse dessa forma estaria cometendo um pecado que não só o

atingiria diretamente, mas a sociedade como um todo (MARINHO, 1943).

Podemos entender, desta forma, que o interesse pela saúde era cada vez mais

crescente em nosso século, possibilitando a consolidação da prática

educacional da Educação Física.

16
Esta idéia tem origem nos pensamentos de Hébert Spencer (LOVISOLO, 1999a).

142
A Revista Educação Physica apontava, em 1937, que a grande

demanda da área era pela educação higiênica:

A prática da Educação Physica abrange a aplicação em


larga escala de principios e methodos hygienicos. Além disso oferece um
campo de acção sem igual para a divulgação de conhecimentos de
Hygiene Pessoal. Em resumo, a Educação Physica presta uma
contribuição bem definida para attingir aquellas condições que tendem
não só para o prolongamento da vida, como também para sua amplitude,
por exemplo, boa saúde. (EDUCAÇÃO PHYSICA, 1937, n. 13, p. 12)

Dentro desta perspectiva podemos pensar que a mentalidade

higienista foi a grande responsável pela estruturação da Educação Física, mas

além da saúde do corpo, a Educação moral se torna uma das preocupações

centrais de nossa área na primeira metade do século XX.

Preocupados com a questão dos valores, as primeiras divergências

na área da Educação Física começaram a surgir em relação a algumas

orientações de atividades físicas. Se os educadores físicos eram unânimes em

considerar o desenvolvimento da saúde moral e física os seus objetivos, eram

divergentes na indicação da melhor forma de atingir seus anseios. Alguns

optavam como melhor forma educativa o esporte, outros a ginástica, e se a

opção era esta última, ainda restava escolher o melhor método ginástico.

Como já descrevemos, no século XVIII e XIX havia certa oposição

entre Esporte e Ginástica, que pode ser observado na obra de Spencer, um

defensor dos jogos e opositor dos exageros da ginástica (LOVISOLO, 1999a).

Mesmo assim, ainda considera a ginástica melhor do que o sedentarismo17.

17
Cf. MARINHO, Inezil Penna. Os clássicos: Spencer. Revista Educação Physica, Rio de
Janeiro, n. 73, 1943.

143
Por outro lado, Georges Hébert apontou os perigos morais do

Esporte mal orientado em artigo traduzido na Revista Educação Physica.

Segundo ele, a competição leva ao excesso e à fadiga, prejudicando o alcance

do valor utilitarista do esporte. Nos seus termos:

No esporte exclusivo, o individualismo é exaltado pela idéia


de chegar em primeiro lugar ou de ser o mais forte. Tanto mais se
afirmam e se expressam os sentimentos egoístas, quanto maior o
exagero do esforço. Se o sucesso corôa os esforços, o amor próprio
super excitado tende a gerar a vaidade. (HÉBERT, 1941, p. 31)

Podemos perceber uma oposição entre atividade física voltada para

a saúde e para o esporte de rendimento. Para Hébert, quando se considera o

Esporte apenas com meio de se definir os melhores, o valor utilitarista da

saúde moral e física acaba se perdendo. Assim, para que o Esporte tivesse um

valor educacional era preciso incutir valores como cooperação e altruísmo.

Alguns artigos passam a demonstrar o valor moral do Esporte bem orientado,

consolidando essa mentalidade. Por exemplo, Octávio Resende mostra os

benefícios morais:

Para o adestramneto physico, tomado como meio de melhor


servir à sociedade, devemos, pois, dar preferência aos jogos que
desenvolvam o espírito de corporação, de muito auxilio, bem
caracterizado no vocabulo ‘association’ como que é conhecido, na
Inglaterra, o football. (RESENDE, 1932, p. 15)

Com isto, o Esporte passou a ser pensado como um meio

educacional, desde que bem-orientado nos valores da época.

144
A oposição entre Ginástica e Esporte passa a ser substituída pela

Ginástica e Esporte bem orientados e mal orientados. Isto suscitou uma

concorrência entre os métodos ginásticos, criando defensores e opositores.

Contudo, eles tinham em comum a valorização de uma Educação Física que

preparasse o homem física e moralmente, dentro dos preceitos da Higiene.

Então, o que diferenciava as propostas dos métodos ginásticos não eram seus

objetivos (o alcance da saúde moral e física), mas sim as melhores formas de

alcançá-los, como demonstraremos abaixo com o Método Natural e o Sueco.

4.4 Outras propostas, os mesmos objetivos

O debate da Educação Física começava a se construir tendo como

norte a discussão do melhor método, como já dissemos. No entanto, as

diferenças não estavam nos objetivos, mas sim nos meios.

Desta forma, por exemplo, o Método Natural de Hébert, idealizado

no início do século XX, tinha como objetivo melhorar a saúde, que estava

debilitada pela facilidade da vida moderna. Nos seus termos:

Nos países civilizados, os hábitos legados pelos


ascendentes, as obrigações sociais, as convenções, os preconceitos
afastam o homem da vida natural ou ar livre e o impedem
freqüentemente, desde a própria infância, de exercer sua atividade num
sentido conveniente. Em conseqüência desse fato, seu desenvolvimento
físico encontra-se travado ou limitado, para maior prejuízo de sua saúde
e de seu vigor [sic]. (HÉBERT apud MARINHO, 1953, p. 140)

Assim sendo, este método tinha como objetivo compensar o

artificialismo da vida moderna, melhorando a saúde coletiva e individual, mas o

145
que o diferenciava dos outros era sua proposta de intervenção. Seu ponto

central era o desenvolvimento de exercícios naturais do homem primitivo, que

foram abandonados parcial ou integralmente na modernidade, pois o homem

primitivo tinha uma saúde exemplar. Tratava-se, portanto, de seguir seu

exemplo, praticando atividades físicas naturais em contato com o meio

ambiente.

Esta proposta tenta se legitimar como a melhor, defendendo esta

tese e refutando outras. Com isso, Hébert também direcionou críticas aos

outros métodos, por exemplo, condenando a valorização do gesto técnico. Para

ele, era importante desenvolver atividades naturais do homem (lançar, nadar,

correr) sem ter uma preocupação exagerada com o gesto, mas sim com a

atividade. Da mesma forma, o domínio político de médicos na orientação da

Educação Física preocupava Hébert. No seu ver, um método não poderia ser

baseado centralmente na fisiologia e anatomia, mas sim na pedagogia

(MARINHO, 1953). Mesmo sendo contra a grande influência da Medicina na

área, não era contra a saúde como objetivo principal da Educação Física.

Um segundo exemplo a ser citado pode ser descrito no Método

Sueco. Sua criação dá-se no início do século XIX, tendo como idealizador

Henrik Ling. A influência dos ideais do “movimento higienista” é notável no seu

texto.

Ling dividiu a Ginástica em quatro partes, de acordo com diferentes

objetivos. A primeira seria a Ginástica pedagógica ou educativa, que teria como

objetivo: “assegurar a saúde, evitar a instalação de vícios e defeitos posturais e

enfermidades, desenvolvendo normalmente o indivíduo” (LING apud

MARINHO, 1953, p. 187). Acrescentando as Ginásticas médica, militar e

146
estética, o método estava completo. Contudo, o eixo principal era a ginástica

pedagógica, como alude Ling: “Dos quatro tipos de ginástica, o que mais

diretamente nos interessa é a pedagógica ou educativa, base de todo o

moderno sistema sueco” (LING apud MARINHO, 1953, p. 187).

Portanto o objetivo era, também, a demanda higienista do

aperfeiçoamento da saúde coletiva e individual. O que diferenciava este

método de outros, era a organização metodológica dos exercícios.

Podemos, então, concluir que os objetivos higienistas criaram a

possibilidade de organização de nossa profissão, que se deu dentro das

instituições militares, mas de acordo com os ideais higienistas de alcance da

saúde, consolidando este objetivo como a grande tradição da Educação Física.

4.5 A Educação Física e as teorias higienistas

Sobre a questão da importância da nossa área no aprimoramento da

saúde e na prevenção da fadiga, os higienistas e os instrutores/professores de

Educação Física não discutiam. Para alcançar este objetivo, para a maioria, o

melhor método era o francês, devido o estudo fisiológico de Demeny, apesar

de se ter a idéia que nenhum método seria melhor para o povo brasileiro do

que um nacional.

Na tentativa de incentivar esta iniciativa, Inezil Penna Marinho e

Hollanda Loyola, na década de 40, escreveram artigos defendendo a

147
elaboração de um método nacional18. Estas idéias eram aceitas por todos, mas

nenhum método nacional foi adotado.

Além dos métodos, o que também dividia as teorias da Educação

Física era a questão da colaboração da Educação Física no aprimoramento

racial da população.

Nesta, havia o embate de duas orientações, uma lamarckista,

defendida por Fernando de Azevedo, e outra galtoniana, defendida pelo

professor de Higiene da Escola Nacional de Educação Física da Universidade

do Brasil Waldemar Areno.

Fernando de Azevedo, ao conceder uma entrevista para a Revista

Educação Physica, onde foi considerado pelos redatores um apóstolo da área

no Brasil, é definitivo sobre as questões deterministas-raciais. Foi perguntado

se ele acreditava na tão falada inferioridade física de nosso povo, ou se ele

julgava que a pobreza orgânica de nosso mestiço era produto de fatores

sociais como falta de alimentação e educação. Fernando de Azevedo

respondeu desta forma:

Existe sem duvida uma inferioridade physica, que se


prende, porém, não á raça ou melhor, ás raças que entraram na
composição de nosso povo, mas ás condições de vida de nossas
populações rurais, sertanejas, ou praieiras. A inferioridade physica do
nosso povo não é uma questão racial, mas um problema social e
econômico, de saúde publica e de educação. A solução desse problema
está numa política de engenharia sanitária ou de saneamento das
regiões em que vegetam e se arruinam as nossas populações. (...)
Melhoram-se as condições de vida de um povo, e o estado de saúde
melhorará, em conseqüência. (AZEVEDO, 1933, p. 46)

18
Cf. Loyola, Hollanda. Para um método nacional. Educação Física, Rio de Janeiro, n. 39,
1940. e Marinho, Inezil. Método Nacional de Educação Física. Educação Física, Rio de
Janeiro, n. 85, 1945.

148
A intervenção de Azevedo era pautada na democratização da

Educação e da Saúde. Através desta reforma social o povo superaria sua

debilidade, adquirindo condições de trabalho e hábitos higiênicos. Este projeto

regeneraria o povo brasileiro, como aludia Azevedo. Para ele, como já

mostramos, a superioridade étnica de um povo era resultante de sua história e

de sua formação genética. Sendo que o primeiro influenciaria o segundo

formando a raça (lamarckismo).

Azevedo acreditava que a raça brasileira ainda estava sendo

definida, portanto, se o povo tivesse melhores condições de vida e adquirisse

hábitos saudáveis, estas características poderiam ser transmitidas

geneticamente a gerações posteriores. O papel da Educação Física em seu

projeto pedagógico seguia estes princípios lamarckistas, como comprovamos

abaixo:

Uma vez introduzida pela educação nos habitos do paiz, a


pratica desta cultura physica sustentada durante uma larga serie de
gerações, depuraria a nossa raça de diatheses morbidas, locupletando-
a, progressivamente, pela creação incessante de individuos robustos.
Os mortos governam os vivos. As gerações de amanhã apuradas, por
systema, pela educação physica – afinadora da raça e collaboradora do
progresso – imprimiriam assim, nas que lhes succedessem, o cunho de
seu caracter, para que pudessem, com o augmento do patrimonio
biologico hereditario, aperfeiçoar ainda mais a natureza humana.
(AZEVEDO, 1933, p. 14)

Com este referencial podemos perceber que a Educação Física, no

pensamento de Fernando de Azevedo, fazia parte de um projeto de inculcação

de novos hábitos, que, por sua vez, construiriam um novo homem brasileiro

149
(GÓIS JUNIOR, 1998). Este seria apto ao trabalho, saudável, disposto e

colaborador no desenvolvimento de uma grande nação – exatamente como

almejávamos, se é que perdemos este sentimento hoje.

Deste modo, a importância da Educação Física em seu projeto

pedagógico é patente. Azevedo quase não pensa a Higiene sem ela. Segundo

ele, a educação popular, para desenvolver economicamente o país, teria que

começar pela proteção higiênica e formação física da população escolar. No

seu pensamento, o problema da saúde era capital, em toda e qualquer

organização educativa. A intervenção se fazia urgente e a escola tradicional

não poderia auxiliar seu projeto, pois nele, a ginástica seria obrigatória,

praticada em ambientes destinados para este fim, e regrada pelas normas

higiênicas. Assim sendo, a escola tradicional não serviria a este fim, devido às

antigas instalações e à valorização do ensino intelectual. Este não era a único

problema. Também era necessário criar cursos de formação de professores da

área, onde estes pudessem aprender os métodos científicos dela. Sem dúvida

a opinião deste educador foi determinante para a estruturação, ainda insípida e

precária em sua época, da Educação Física (AZEVEDO, 1934; 1920). Ele foi

um precursor da escolarização da ginástica no Brasil.

Seu projeto era o da democratização da Educação e Saúde. Para

isto, o seu melhor instrumento pedagógico era a Educação Física. Mas nem

por este motivo, foram poupadas críticas por parte dos professores galtonianos,

como podemos destacar com Waldemar Areno.

Este era professor catedrático de Higiene Aplicada, Fisiologia e

Anatomia da Escola Nacional de Educação Física e Desportos. Este,

aprioristicamente, discorda de Azevedo na questão do lamarckismo. Para ele,

150
caracteres adquiridos, como valores educativos e robustez, não eram

transmitidos geneticamente (Galton) (ARENO, 1949). Mas nem por isso a

Educação Física perde o sentido em sua proposta. Nela, aquela área teria

outro papel, não menos importante do que na proposta de Azevedo.

Para Areno, na sua época, os interesses econômicos em certas

profissões impediam a aplicação dos princípios higiênicos, sacrificando a

saúde. O erro, dizia ele, era flagrante, porque a recompensa do trabalho

excessivo convertida em benefício econômico era insignificante diante da

imensa riqueza que representaria o bem viver. O corpo e o espírito teriam o

direito aos mesmos cuidados e a conservação da saúde seria verdadeiramente

um dever. Mas qual seria realmente o valor de um indivíduo intelectualmente

rico que se apresentasse incapaz no físico, enfraquecido no seu vigor e na

base fundamental que é a saúde? Por isto, ele afirmava que a Educação Física

tinha muita importância, pois era um hábito higiênico capaz de aprimorar e

conservar a saúde coletiva e individual.

O exercício físico orientado e praticado sob as suas variadas

modalidades, adaptado às várias idades, ao sexo, ocupação e condições

individuais, proporcionaria acentuada melhoria na circulação e respiração, nas

trocas metabólicas e aumentaria a atividade do sistema nervoso, por causa da

melhor irrigação. Já o sedentário, na sua opinião, apresentaria uma diminuição

geral da força muscular, um menor desenvolvimento dos músculos e ainda,

teria diminuída a sua capacidade de trabalho intelectual. Em resumo, seria um

doente, um inferior, vencido por si próprio, alegando as mais variadas

enfermidades. No entanto, seria portador realmente de um único mal

151
responsável: a falta de exercício físico (ARENO, 1941). Daí a importância da

Educação Física para Areno. Contudo, ele dizia:

A educação física é elemento indissociável da educação, é


uma das partes dela e a educação não se transmite por herança. Os
filhos dos ginastas ou desportistas não usufruirão qualquer vantagem
genética, em virtude do passado dos pais. Não há assim ação sôbre as
células germinadoras dos efeitos dos exercícios físicos sôbre o organismo
humano, efeitos que só alcançarão as células corporais, as células
somáticas [sic]. E não se deve portanto repetir a afirmativa errônea, de
que a educação física se destina a melhorar a raça. (ARENO, 1949, p. 32)

Se não era a Educação Física que melhoraria a raça brasileira, o

que seria? Na sua opinião, seria a Eugenia, nos termos de Galton, ou seja,

através da regulamentação de casamentos e da esterilização.

Areno defendia a existência de uma legislação que regulamentasse

o casamento. Os casais passariam por um exame pré-nupcial que

diagnosticaria a presença ou auseência da disgenia. Se o resultado fosse

negativo, seria emitida uma autorização governamental para o casamento.

Outra medida seria a esterilização dos indivíduos disgênicos. Estes eram os

doentes mentais, criminosos, tarados, nos termos dos galtonianos. Com isto, o

patrimônio hereditário seria conservado e aprimorado. A raça melhoraria, como

alude Reinaldo Busch:

O Homem como rei da natureza, faz uso de sua inteligência


conseguindo, pelo cruzamento experimental e seleção de genitores
entre animais domésticos, produtos de bela perfeição física e de
apuradas capacidades inatas. Os exímios cavalos de corrida, as vacas
ricamente leiteiras, os porcos de rápida e rendosa engorda, os cães de
faro ultra sensível e possuidores em alto grau de tendências específicas
para diversos tipos de caças, são exemplares raciais obtidos através de

152
pacientes investigações em que o homem interesseiramente gasta sua
inteligência em observar, experimentar e raciocina para aperfeiçoar
esses animais. (...)
Entretanto, sem descrer da hereditariedade de caracteres
bons ou maus de robustez ou de fraquezas orgânicas na sua espécie, o
homem não faz uso em si mesmo da ciência que aplica para selecionar
animais. Esquece que traria reais benefícios para sua descendência se
assumisse uma atitude eugênica quando tivesse de contrair núpcias. Ao
invés de controlar suas impressões e sentimentos afetivos por
raciocínios, em face de observações e investigações mórbidas na
pessoa e na ascendência de quem é objeto de suas inclinações, ele
deixa-se levar só pelo coração, ou usa o cérebro para previsões
estranhas aos interesses da saúde da prole. Do ponto de vista
eugênico, casa-se às vezes bem, por acaso, outras vezes mau,
conhecendo ou não as predisposições hereditárias do outro cônjuge.
(BUSCH, 1943, p. 58)

Os galtonianos defendiam a tese de que a seleção natural de Darwin

deveria ser auxiliada através da intervenção do homem, porém os seus

métodos nunca foram seguidos no Brasil. Mas, sem dúvida, tiveram influência

na mentalidade da Educação Física, representada pelos periódicos da época.

Também é interessante constatar que não encontramos nestas revistas

nenhuma referência direta a uma suposta inferioridade dos negros e índios,

como encontramos na bibliografia brasileira anterior aos anos 20. Como estes

periódicos se organizam a partir dos anos 30, divulgavam as teorias mais

modernas, que já não falavam de uma culpa da raça negra e indígena em

nossa debilidade física. E os professores/instrutores optaram por qual teoria?

Embora existam indícios, como já mostramos, de que os higienistas

optaram pela proposta de intervenção social, a Educação Física, entre os

higienistas lamarckistas e os higienistas galtonianos, não se decidiu nem por

uma, nem por outra. Podemos constatar isto nos periódicos da época, que

153
divulgavam as duas teorias como em um debate democrático. Além disso, as

duas correntes atestavam a importância da Educação Física, e era isto que

interessava aos educadores físicos, mostrar sua importância no projeto

higienista e na sociedade, como vislumbraremos em seguida.

4.6 O exemplo da Revista Educação Physica (1932-1945) sobre os ideais

higienistas

A questão da higiene foi abordada pela revista Educação Physica

numa coluna específica, denominada “Hygiene”, mostrando que, inclusive em

sua organização interna, esta questão é fundamental para o esboço de uma

concepção de Educação Física na época. Esta coluna se ocupou de aglutinar

uma série de artigos a respeito da divulgação de hábitos higiênicos e de

cuidados com o corpo, procurando estabelecer a educação higiênica como um

dos pilares da Educação Física. O seu objetivo, com isto, era o de aprimorar a

saúde individual e coletiva da população, seja instruindo-a diretamente, ou por

intermédio dos instrutores de Educação Física – um dos públicos-alvos da

revista, como vimos anteriormente.

Entre os hábitos de higiene e cuidados com o corpo divulgados por

essa coluna, podemos encontrar algumas orientações sobre o como deveria

ser a alimentação, o asseio corporal e a prática de exercícios físicos. Não

pretendemos aqui descrevê-los, mas apenas apresentar passagens dos artigos

publicados que revelam uma preocupação com cada uma dessas orientações.

Em relação à alimentação, um dos artigos dessa coluna, após

mostrar como deveria ser a escolha dos alimentos, anuncia o seguinte: “sem

154
nutrição não póde haver vida. Della depende o crescimento e desenvolvimento

do corpo” (EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 16, 1938, p. 65). No que diz respeito aos

cuidados com o corpo, os exercícios físicos são elementos impreteríveis para o

alcance de uma saúde coletiva e individual. De acordo com outro artigo da

revista, sua prática garantiria saúde e beleza física ao organismo: “A

gymnastica, por exemplo, abrange marchas, corridas, exercicios calisthenicos,

(...) exercicios propriamente hygienicos que têm por fim fortalecer e

desenvolver os orgãos vitaes” (EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 19, 1938, p. 9). Com

isso, essa coluna pretendia provar a importância da prática do exercício físico

como um dos elementos de propagação da saúde física. Até mesmo sobre os

cuidados com o asseio corporal, prescreve como deve ser o banho, como

mostra outro artigo:

O asseio nos preserva das indisposições e das doenças;


ele é para o corpo o que “a decência é para os costumes”. (...) O Banho
saudavel, por excelência é o frio, de chuveiro, precedido de uma boa
ensaboagem e tomado pela manhã [sic]. (EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 61,
1942, p. 26)

A revista não poupa linhas de exaltação à educação higiênica de

nosso povo, uma condição almejada desde o século XIX e que, agora,

encontrava um veículo para se difundir.

“A educação physica é um meio efficaz de propagar a hygiene e

alcançar a saúde” (EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 19, 1938, p. 9). Esta é a frase

que sintetiza os objetivos desta coluna. Além de se preocupar com o

aprimoramento da saúde, ela procura veicular padrões de beleza física, ela

enfatizando que: “A belleza, em seu mais amplo sentido, não se limita aos

155
simples traços do rosto, preconceito ainda em voga. É, sim o desenvolvimento

completo do sêr inteiro, a harmonia das proporções.” (EDUCAÇÃO PHYSICA

n.15, 1938, p. 1).

Reforçando estas considerações sobre a beleza física, ela divulga

em suas páginas a exposição de uma série de fotografias, mostrando corpos

em trajes de banho ou de ginástica, modelados pelos exercícios físicos. Era

um incentivo para que surgissem novos praticantes de atividade física,

motivados pelo padrão de beleza corporal por ela difundido.

Só que estes modelos corporais, aos nossos olhos – de pessoas

imersas no moderno culto ao corpo –, podem parecer dotados de uma rigidez,

uma falta de sensualidade, mas, num momento onde a maioria da população

ainda mantinha-se reservada em relação a certos trajes e a exposição dos

corpos seminus, a exposição dessas fotografias é um meio de fazê-las

perceber o seu corpo de um modo diferente. A revista parece, assim, querer

influenciar os seus leitores em relação ao vestuário, mostrando seus modelos

em roupas mais confortáveis e incentivando a uma maior exposição de seus

corpos.

Esta nova representação do corpo veiculada, mostra o que talvez

seja o início da inculcação de uma relação das pessoas com o próprio corpo,

onde sua nudez e sensualidade começaram a ser assumidas, em nome da

saúde individual e da beleza física. Mas quais os motivos desta preocupação

com a saúde e com a beleza física expressa nas colunas e nas imagens da

revista Educação Physica?

Podemos dizer que as preocupações com a saúde e com a higiene,

durante o período (1932-1945) em que foi publicada a revista, também

156
estavam presentes na Europa. Na realidade, tais preocupações começam a

aparecer um pouco antes nos países desse continente, mais especificamente

na virada do século XIX para o século XX. Segundo Mary Lucy del PRIORE

(1994), com a ascensão da burguesia, o vigor saudável passou a ser

valorizado, o corpo ficou mais aparente, e a saúde passou a ser considerada

“o mais precioso dos bens humanos”. Ainda segundo a autora,

a limpeza tal como ela é proposta pela burguesia não torna


apenas o corpo resistente: ela assegura uma ordem. A pureza da
pele, a disciplina da lavagem teria suas correspondências
psicológicas alcançando um resultado fisicamente invisível, mas
moralmente eficaz. (PRIORE, 1994, p. 52)

Desse modo, além de assegurar a manutenção da ordem social vigente, a

difusão desses hábitos de higiene promoveram um efeito moral e psicológico

sobre boa parte da população.

Tais efeitos dizem respeito não só às mudanças de hábitos em

relação à higiene e ao asseio corporal, mas também em relação ao vestuário.

Na verdade, há uma mudança geral na própria maneira como as pessoas se

relacionam com o seu próprio corpo, colocando o seu cultivo como o centro de

toda a vida pública e privada, tal como mostra Antoine PROST (1992),

referindo-se às décadas de 30 e de 40 na França. Segundo esse historiador,

as roupas usadas pelas pessoas a partir desse período teriam se tornado mais

confortáveis, expondo mais o corpo, desenvolvendo o que denomina de

“moderno culto ao corpo”.

Este processo que ocorre em outros países a que se referem esses

historiadores também ocorreu aqui no Brasil durante o período em que a

157
revista é publicada, ou até um pouco antes. A higiene do povo tornava-se

importante nesse momento, pois o Brasil vivia um processo de industrialização

e de urbanização dos grandes centros que começou a ocorrer, com maior

ênfase, no início do século XX. A população não estava mais isolada no

campo, ela começava a migrar para as cidades em busca de melhores

oportunidades e de ascensão social. Para uma convivência possível entre os

indivíduos em um ambiente saudável eram necessárias novas normas

higiênicas. Segundo PAGNI (1997, p. 68), houve no início do século XX, “uma

maior disseminação de alguns hábitos e práticas visando a prevenção de

doenças, a higiene e o asseio pessoais”. Essas discussões ganharam espaço

na imprensa da época, com debates sobre questões que eram alicerces de um

projeto de desenvolvimento do país, em suas condições econômicas e

culturais.

A grande meta desse projeto era disseminar, juntamente com a

educação formal, hábitos e cuidados com o corpo. Isto começa a ser

concretizado no Brasil quando a educação formal se institucionaliza na escola,

especialmente das escolas públicas. Este processo é lento, primeiramente

atinge as classes mais privilegiadas, mas para que este projeto realmente

tivesse êxito, era preciso a democratização da Escola, para que estes hábitos

e cuidados atingissem a toda a população. Havia o intuito de alterar a cultura

da população, que começa na higiene e aperfeiçoamento do corpo, como os

eugenistas e higienistas pregavam.

A educação higiênica teria como objetivo civilizar o brasileiro, para

haver uma socialização pacífica da população. Com este tipo de educação,

objetivava-se formar as pessoas para que estas se relacionassem com o seu

158
corpo, mas sem dar vazão àquilo que a moral da época considerava

reprovável: a promiscuidade, a liberação plena dos desejos e das paixões.

Aliás, esta moral já estava inteiramente internalizada pelas pessoas, o que

permitiu com que esta relação com o corpo e a sua exposição pública, pregada

pelos higienistas e médicos, fosse possível.

Um dos meios de expressar esta internalização da moral e do

autocontrole das emoções durante esse período foi o esporte. Outros, foram

estes preceitos e imagens difundidos pelos higienistas e médicos, em veículos

como a revista Educação Physica. Este é o papel da revista: colaborar na

difusão desses hábitos e cuidados, inclusive o esporte, educando a população

e modificando os costumes populares em relação à saúde, a higiene e ao

asseio corporal, assim como a sua imagem de beleza física e a maneira de se

relacionar com o seu próprio corpo.

Há, entre as questões abordadas pela revista, uma nítida

preocupação com a formação moral da juventude. Nesse sentido, ela

estabelece uma série de modelos de conduta a serem seguidos pelos seus

leitores e pela juventude em geral. Esses "exemplos à sociedade" ocuparam

algumas páginas da revista, como o do “verdadeiro esportista”. Este, segundo

a revista (EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 2, 1932, p. 12) deveria obedecer às

ordens de seu mestre, não sendo nem faltoso ao cumprimento de seu dever e

não fazendo coisa alguma que fosse indigna de um cavalheiro e um verdadeiro

cidadão. A disciplina torna-se uma das maiores virtudes do esportista, um

exemplo a ser seguido pela sociedade em geral, que deveria, acima de tudo,

respeitar as autoridades. O esportista também deveria ser análogo a um

gentleman.

159
A revista também se preocupava com a formação de uma elite que

liderasse essa nova condição de um país em fase de industrialização. O artigo

“Características de um verdadeiro leader” (EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 7, 1936,

p. 44) mostra o líder que “pode disciplinar os outros”, dando ordens e

comandando outros, mas que deve “ter moralidade”. Finalizando, o verdadeiro

líder deveria ser altruísta, “leal a sua instituição e seu grupo” e nunca trair.

Estas são algumas das indicações em relação à formação moral,

difundidas pela revista. Há também alguns apontamentos no sentido de instruir

as pessoas que se dedicam à prática dos exercícios físicos e dos esportes

para não deixarem de lado sua formação intelectual. Isto pode ser verificado

em um artigo, onde se traça um modelo do que seria o “homem educado”.

Nestes termos:

O homem educado está familiarizado com os magnos


recursos que lhe oferecem a recreação do intellecto e a esthetica.
Sobre a natureza, a literatura, a musica e as outras artes sabe o
bastante para em tempo oportuno escolher com aceito entre uma
divisão elevada e outra vulgar. (EDUCAÇÃO PHYSICA , n. 7, 1936, p.
65, grifos nossos)

A revista, por essas indicações e apontamentos, pretendeu, além de

difundir hábitos higiênicos e cuidados com o corpo, prescrever valores morais e

incentivar a educação intelectual. Na verdade, procurava entender a Educação

Física como parte da educação integral.

160
5. O NOVO HIGIENISMO NOS ESTADOS UNIDOS E NA EUROPA

5.1 O abandono do rótulo

A partir da década de 50, o “movimento higienista” acaba perdendo

o rótulo de Higiene. Isto pode ser explicado, primeiro, pelo fato dos hábitos

higiênicos já estarem suficientemente inculcados. Segundo, pela contínua

heterogeneidade do movimento. Terceiro, pelo conceito de higiene.

Aos poucos, seus membros percebem que aquele rótulo já não mais

mantinha uma certa unidade e interesses comuns, passando, desta maneira, a

uma progressiva desestruturação do movimento.

O início da desestruturação pode ser compreendido pelo fim dos

Congressos de Higiene no Brasil, organizados pela Sociedade Brasileira de

Higiene (SBH). O primeiro realizou-se em 1923, no Rio de Janeiro, e a sua

quinta e última edição, em 1929, em Recife. Madel LUZ (1982) identificou a

intenção e fundação de outra entidade neste ano, a Associação Brasileira de

Higiene, fato que para ela poderia representar uma possível cisão na SBH,

porém após a fundação desta entidade concorrente, não foram encontrados

documentos que pudessem confirmar sua efetiva organização e estruturação.

Outro fato importante dá-se na década seguinte, quando muitos dos

membros da SBH passaram a ocupar cargos públicos no Governo Vargas,

tornando-se de críticos a executores até o fim do Estado Novo. A grande

maioria dos ideais higienistas não é realizada no governo, o movimento se

enfraquece. A SBH se extinguiu na década de 30, para só ressurgir em 1943.

Se nos ativermos brevemente à experiência brasileira em torno da

Saúde Pública, podemos observar que esta tendência de desmonte da

161
organização do movimento higienista, já a partir da década de 40, tem origem

na constante heterogeneidade dos ideais higienistas. Como observa CAMPOS

et al. (1987, p. 26): “O Departamento Nacional de Saúde passa por reformas

sucessivas, tornando-se cada vez mais complexa sua estrutura organizacional

e cada vez mais confusa a divisão de atribuições entre os seus múltiplos

setores, a par dos conflitos entre grupos com interesses e prioridades

distintas”.

Esta heterogeneidade, representada principalmente entre a oposição

da bacteriologia e dos intervencionistas sociais da Liga Pró-Saneamento do

Brasil – que posteriormente fica conhecida como a Sociedade Brasileira de

Higiene – foi responsável pelo descrédito no rótulo higienismo.

Concomitantemente, o antigo Instituto de Hygiene de São Paulo

passa a ser chamado, em 1945, de Faculdade de Higiene e Saúde Pública da

Universidade de São Paulo e logo após, na década de 50, abandona o nome

de Higiene, chamando-se, como é até hoje, Faculdade de Saúde Pública da

Universidade de São Paulo (CANDEIAS, 1998). Isto pode ser explicado pelo

fato da palavra higiene carregar consigo o teor técnico das intervenções

campanhistas policiais marcadas pelos tempos de Oswaldo Cruz. Já, ao

contrário, Saúde Pública representa muito melhor a amplitude da questão

social e educacional que foi inserida nos ideais higienistas.

162
5.2 O Novo Higienismo Social

Paralelamente, no exterior, segundo Juarez de Queiroz CAMPOS et

al. (1987), na década de 30, com as principais doenças transmissíveis sob

controle, os países industrializados voltam suas atenções para a consolidação

e manutenção destas conquistas, mediante o desenvolvimento e o

aprimoramento da legislação e da fiscalização sanitárias. Destaque desta fase

é a fundação da Escola John Hopkins nos Estados Unidos, onde o fundador da

Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Geraldo Paula

Souza, alcançou o título de doutor em Saúde Pública (CANDEIAS, 1998). Esta

Instituição, de serviços voltados para o trabalho sanitário de campo e o

combate às doenças infecciosas, também manifestava grande interesse na

educação em saúde.

A partir das décadas de 40 e 50, chega-se à constatação, na Europa

e nos Estados Unidos, após o término da II Guerra Mundial, da necessidade de

uma maior cooperação das nações desenvolvidas para a atenuação dos

graves problemas econômicos e sociais dos países de Terceiro Mundo. A

situação de miséria absoluta de muitos destes povos fomentava a agitação

social e ameaçava o equilíbrio de forças estabelecidas pelas potências nos

diversos continentes, além de reduzir a capacidade laboral e o poder aquisitivo

de grandes contingentes das sociedades (CAMPOS et al., 1987).

As altas taxas de crescimento populacional exigiam o

desenvolvimento de mecanismos sociais que viabilizassem o acesso da

população pobre aos recursos de assistência à saúde. Desenvolvem-se, então,

políticas em cujas diretrizes encontram-se orientações para uma intervenção

163
estatal mais decidida nos setores sociais, através de planos integrados, nos

quais os problemas de saúde sejam abordados dentro de uma perspectiva

global de desenvolvimento. Para CAMPOS et al. (1987), integração passa a ser

a palavra-chave, significando a união entre a Prevenção e a Cura. Dentro desta

perspectiva, as previdências sociais começam a surgir.

Essas associações entre o social e o médico intensificam-se nos

países industrializados. A busca pelo corpo saudável até este momento tem

uma característica de coletividade. Independente das intervenções sociais ou

da bacteriologia, elas são pensadas e planejadas a partir de um sentido de

coletividade que vai ganhando cada vez mais amplitude.

Para George ROSEN (1994), as políticas sanitárias representaram,

na primeira metade do século XX na Europa e nos Estados Unidos, um

aumento representativo na expectativa de vida das populações, sobretudo pela

intervenção bacteriológica. Contudo, alguns sanitaristas mais críticos, não se

davam por satisfeitos. Percebiam que aquelas conquistas pouco significaram

para as condições de vida da população mais pobre.

Este autor ainda observa um aumento espantoso na renda per

capita dos Estados Unidos de 1860 a 1920, porém, a acumulação ainda não

tinha melhorado as condições de saúde do povo. Diante deste quadro, os

governos dos países industrializados foram obrigados a se afastarem do

liberalismo e intervir socialmente. Em suas palavras:

A repugnância diante do sofrimento humano não era nova e


tinha sido um elemento da luta pela reforma sanitária e fabril. Segundo os
princípios do liberalismo econômico, porém, durante a maior parte do
século XIX se acreditava que o aumento da produção iria banir a
escassez. Assim, seria eliminada a pobreza e reduzido o sofrimento ao

164
máximo. A realidade inescapável, na virada do século, de serem a
pobreza, as doenças, o vício e o sofrimento fenômenos urbanos de larga
escala, e sintomas de uma moléstia social de raízes mais fundas, tornou
impossível sustentar confiança nessa crença. Desde o rastilho de
descontentamentos e desordens na Inglaterra, na América, na Alemanha,
e em outros países, uma onda de opinião dissidente se ergueu, e se
converteu em programas de reforma. Embora as origens desses
movimentos variassem de país a país, houve em todos um afastamento
da ordem da livre competição, do liberalismo; em grau maior ou menor, os
reformadores aceitavam a necessidade da interferência do Estado.
(ROSEN, 1994, p. 255)

Assim como os intervencionistas sociais brasileiros exigiam uma

intervenção estatal na área da saúde, os próprios países industrializados,

desde o século XIX, já se conscientizavam desta necessidade. Esta

mentalidade foi se estabelecendo e ganhando novas nuances. Uma destas

facetas mais interessante é o crescimento da autonomia do indivíduo em

cuidar de sua saúde. É criado o conceito de fatores de risco, cabendo ao

indivíduo afastar-se destes. Há, desta maneira, mais um paradoxo nos ideais

higienistas: mesmo lutando em um sentido público pela intervenção do Estado

(coletivo), eles propunham uma Educação voltada para a saúde que

instrumentalizasse o indivíduo a alcançar sua própria vitalidade (individual).

Esta é a grande diferenciação entre o velho e o novo higienismo, o

momento em que os ideais higienistas abandonam as políticas campanhistas-

policiais e aderem à conscientização do indivíduo, resgatando sua autonomia,

elaborando políticas de convencimento e de educação.

É isto que separa, mas não de forma definitiva, Oswaldo Cruz de

qualquer médico que indique a prática de atividades físicas ou a abstinência do

fumo.

165
Quando a saúde passa a ser considerada uma questão de

educação e conscientização em vez de ser um caso de polícia, há uma

mudança de estratégia de convencimento, mas não de ideal. Um exemplo

disto é o surgimento, segundo ROSEN (1994), da nova enfermeira de saúde

pública, devido à necessidade de formar novos recursos humanos que

soubessem trabalhar junto ao povo, oferecendo-lhe informações que

possibilitassem o próprio cuidado. A esta eram incumbidas as tarefas de

educação, assistência social e suas funções de enfermagem. Desta forma a

enfermeira torna-se uma sanitarista (ROSEN, 1994).

Do mesmo modo, o professor de Educação Física também teria o

papel de educação para a saúde, e, como já foi mostrado, ele acatou este

dever (GÓIS JUNIOR, 2000).

Definitivamente, entre os séculos XIX e XX, a Saúde torna-se

questão de Educação. Este fato mantém as características coletivas do

movimento, porém também a leva a um processo de autonomia e

individualização. Processo este que se efetivou em algumas tendências atuais

do novo higienismo. Pois, se no início do século, quem não cuidasse da saúde

cometia um pecado físico contra a nação (coletivo), hoje, temos que ter auto-

confiança, auto-estima e perseverança para alcançarmos a saúde (individual).

5.3 O novo higienismo da saúde física

Como vimos anteriormente, o “novo higienismo”, mesmo em uma

vertente mais social, como o Higienismo Social, apresenta uma

166
individualização na conquista da saúde. Porém é na vertente do higienismo da

“saúde física” que isto fica mais evidente.

O corpo de cada indivíduo passa ser o seu próprio centro. As

pessoas passam a se preocupar mais com os seus corpos do que com outros

fatores que também poderiam trazer satisfação e felicidade. O corpo passa ser

a própria imagem da saúde.

Por exemplo, na Europa, podemos destacar o homem esportivo do

historiador Antoine Prost. O que encontramos na França em meados do século

XX é um fenômeno, que ele chama de desabrochar do corpo. Este fenômeno,

segundo ele, representa uma modificação na relação do indivíduo consigo

mesmo, fato que constitui um importante capítulo na História da vida privada.

Sentir-se bem com o próprio corpo passa a ser um ideal, o centro do prazer

(PROST, 1992).

Diante deste quadro, a intervenção higienista da “saúde física” atém-

se principalmente nos fenômenos físicos que alterem as condições de saúde e

estéticas, do indivíduo. As questões sociais e coletivas ficam em um segundo

plano. O interesse central desta vertente é intervir sobre os fenômenos físico-

biológicos e quantitativos da saúde. Portanto, existe nesta tendência uma

influência flagrante da Epidemiologia e da Bacteriologia. Os aspectos físico-

biológicos e suas metodologias são os focos centrais dos seus estudos, que

buscam melhorar a condição de vida das pessoas mesmo que, por certas

ocasiões, suas propostas estivessem fora da realidade de milhares de

pessoas. Estes “novos higienistas”, na verdade, preocupam-se mais com a

elaboração e divulgação de seus programas de saúde do que com a

167
democratização dos mesmos. Esta tendência tem início nos Estados Unidos, e

é retratada no livro de Michael Goldenstein, “Movement of Health”.

Segundo GOLDENSTEIN (1992), o “movimento de saúde” começa a

ganhar forma na sociedade americana com um processo de medicalização.

Alguns observadores têm descrito o período posterior à II Guerra Mundial como

o marco inicial da medicalização. Tudo passa a ser medicalizado, como

doenças mentais e comportamentos criminais. Antes, o comportamento era

visto como um problema, tipicamente como um pecado, melhor tratado pela

autoridade religiosa. Mais tarde, estas condições vieram a ser vistas como

crimes, para depois serem vistas como enfermidades. Claro que pecado, crime

e enfermidades não são perspectivas exclusivas, elas se cruzam

simultaneamente. Contudo, o processo de medicalização não só se restringiu

aos comportamentos desviantes da sociedade, como também criou orientações

para a vida normal.

A medicalização da vida quotidiana tornou-se característica principal

da sociedade ocidental. Nesta transição, o desenvolvimento das vidas de

indivíduos normais foi solo apropriado para a observação médica, julgamento,

instrução e controle. A orientação sexual das crianças, os comportamentos,

entre outros passam a ser assuntos de saúde e enfermidade.

Outro exemplo de medicalização é o esforço crescente para lidar

com o envelhecimento da população americana como um problema médico. A

geriatria, desenvolvida como uma especialidade médica, tentava garantir às

pessoas um envelhecimento normal, da mesma forma para as crianças, a

pediatria.

168
Logo, o fenômeno de medicalização, que se preocupava com os

padrões de normalidade nas vidas das pessoas, passa a centralizar seu

discurso em atitudes e comportamentos que são melhores que o normal, que

previnem a ocorrência da doença e maximizam a saúde. Dado a largura desta

definição, é difícil imaginar qualquer aspecto de vida humana que esteja fora

destes cuidados (GOLDENSTEIN, 1992).

Como seu eixo é o corpo saudável, seus pensamentos estiveram

intimamente ligados à doença e aos fatores de risco. Este fato foi tão marcante

que, atualmente, quando as pessoas são perguntadas sobre sua saúde,

respondem pensando na ausência ou presença de alguma doença. Com estas

características, as orientações higienistas ficaram cada vez mais presentes,

sobretudo aquelas que se centravam na nutrição19, no fumo, no álcool e no

sedentarismo.

Segundo Rita BARATA (1996) este discurso centralizou as

preocupações da Epidemiologia até a década de 80. Para ela, os vínculos

entre epidemiologia, bacteriologia, parasitologia, virologia e imunologia se

estreitam bastante na primeira metade do século XX (“movimento higienista”),

produzindo inúmeros avanços no conhecimento e controle das doenças

transmissíveis. Este acúmulo permitiu o desenvolvimento da metodologia de

análise da chamada epidemiologia descritiva, ou seja, quantificação estatística

das causas de doença, elaborando leis reproduzíveis em qualquer ambiente.

Quando as doenças transmissíveis/parasitárias são controladas nos

países industrializados, o foco da atenção passa a ser as doenças crônico-

degenerativas, pois não se pode mais definir um agente etiológico, um único

169
causador, e sim múltiplos fatores que levam à doença. Assim, a partir da

segunda metade do século, o mesmo modelo de multicausalidade foi ajustado

à problemática das doenças crônico-degenerativas, deslocando suas teses

para a identificação de um conjunto relativamente amplo de fatores

comportamentais, ambientais e de herança familiar envolvidos (BARATA,

1996). Neste caso, principalmente os comportamentos para evitar os fatores de

risco são propagandeados por estes novos higienistas.

Rita BARATA (1996) cita a famosa investigação conduzida por

DOLL & HILL a respeito do hábito de fumar e da incidência de câncer de

pulmão entre os médicos britânicos, criando uma metodologia rígida que

afastasse as teses do erro. Com isso, os fatores de risco são determinados:

fumar, beber, ter uma vida sedentária e a má alimentação tornam-se vícios,

crimes contra a saúde. Isto desenha um código moral de auto-controle e

mudança de comportamento. Mas, o que diferencia os fatores de risco dos

princípios da higiene? Deixemos a tentativa desta resposta para outro capítulo,

onde trataremos deste assunto mais especificamente.

Nos ideais do novo higienismo da saúde física e dos fatores de

risco, as áreas de Medicina Esportiva e Educação Física colaboraram, e muito,

com esta corrente.

5.4. Educação Física, Medicina Esportiva e saúde física

Nos países industrializados, armou-se nestas áreas um verdadeiro

arsenal de argumentos contra o sedentarismo e seus males. Segundo estes

19
Cf. BREWER, Sarah. Saúde e alimentação. São Paulo: Manole, 1998, 80 p.

170
“novos higienistas”, nunca na história da humanidade se precisou tanto das

atividades físicas com o intuito de compensar os males do sedentarismo da

vida moderna. Desta forma, os indivíduos estariam em seus carros, sentados

em suas cadeiras de escritório, em elevadores, escadas rolantes, em seus

sofás com a televisão e o controle remoto. Sem saber, estavam se auto-

destruindo, pois este estilo de vida leva as pessoas a um caminho sem volta, o

das doenças crônico-degenerativas.

Inúmeros estudos foram realizados já na década de 60, alertando a

população dos perigos do sedentarismo. Principalmente, em seu discurso, a

questão da individualização da busca do corpo saudável, ou seja, sem

doenças, dentro de sua visão, ficou clara. Fica sendo responsabilidade de cada

um afastar-se dos fatores de risco para determinada doença. É uma questão

de mudança de hábitos, e o papel dos “novos higienistas” é defender o estilo

de vida ativo. Entre estes, destacaram-se Kenneth Cooper, Michael Pollock e

Jürgen Weineck.

Não encontraremos muitas divergências no pensamento destes

intelectuais, sobretudo se nos concentrarmos em suas obras inicias e de maior

circulação.

Comecemos pelo mais famoso e popular, Kenneth Cooper. Seu

nome no Brasil ficou identificado com o jogging. As pessoas não corriam em

praças e parques públicos, elas praticavam ”cooper”. Cooper é um dos

principais divulgadores dos benefícios das atividades físicas.

No fim dos anos 60 e início dos anos 80, Cooper publica dois livros,

editados no Brasil com os respectivos títulos de “Aptidão física em qualquer

idade” (1972) e “Capacidade Aeróbia” (1972a).

171
Nestes dois primeiros livros, Cooper parece pretender reunir todos

os argumentos possíveis que tornem imprescindível para qualquer indivíduo a

prática de atividades físicas. Ele defende o exercício aeróbio como o mais

eficiente no alcance dos objetivos saudáveis.

Cooper nos mostra uma série de testes e programas, as bases do

método, o sistema de desenvolvimento da aptidão física, os efeitos do

treinamento, e os hábitos a serem mudados pelo praticante, como uma boa

nutrição, e o abandono do fumo e do álcool.

Inicialmente, em sua obra, Cooper insiste na necessidade do

indivíduo entregar-se com abnegação ao esforço do exercício físico. A idéia é

convencer o leitor de que para usufruir os benefícios da atividade física, deve-

se estar preparado para enfrentar os desafios que empreendem a prática do

exercício físico. Não se deve desistir, e sim, resistir, é preciso subir a montanha

para admirar-se com a vista no topo. Esta idéia é identificada por LOVISOLO

(1998) como uma atitude estóica, ou seja, a ação que exige esforço passa a ter

características morais. O treinamento exige esforço, treinar, em grego, é

asceses. O atleta deve aceitar estoicamente os esforços do treinamento. A

atitude estóica deve estar, também, presente no cotidiano da pessoa comum

que treina com o intuito da longevidade e saúde.

Esta imagem de sofrimento para alcançar o objetivo passa a ser

propagada. Junto a este pensamento também se ergue a imagem do atleta

como o exemplo de saúde a ser seguido. Sabe-se, atualmente, que esta

imagem é falsa, porém ela ainda resiste na mentalidade da população.

O esporte passa a ser veiculado como sinônimo de saúde, pois se o

atleta é saudável, devemos praticar esportes. Se o atleta treina, todos devemos

172
treinar, se ele corre, devemos correr e assim por diante. Embora Cooper

defenda, nesta fase inicial, o treinamento aeróbio através do jogging, ele

colabora na analogia do esportista com um exemplo de saúde. Imagem que a

própria fisiologia desbancaria anos mais tarde, mostrando os malefícios à

saúde do treino de alto rendimento.

O atleta é o exemplo estético de saúde, toda e qualquer propaganda

comercial atrela o esportista ao produto que proporciona a saúde. A partir deste

momento, a saúde vira um produto, e o atleta é o garoto propaganda.

Deste fato em diante, esta área passou a sofrer muitas influências

econômicas. A indústria esportiva explodiu, no bom sentido. Dezenas de

cursos de graduação em Educação Física espalharam-se, academias de

ginásticas ressurgiram com fôlego total, megaempresas de materiais esportivos

brotaram no mundo afora. A saúde passou a ser vendida para quem pode

comprar.

Finalizando os comentários sobre este “novo higienista”, é

interessante destacar o papel que seu pensamento teve na área de Educação

Física e Medicina Esportiva. Depois de Cooper, outros vários pesquisadores

surgiram no mundo todo, inclusive no Brasil, sob esta ótica de intervenção na

saúde pública, que conceitua a saúde como algo palpável, mensurável. Através

das metodologias da fisiologia do esforço e da epidemiologia criou-se uma

tradição, um novo higienismo.

Um dos seguidores desta tradição foi Pollock. O sedentarismo é seu

tema central. Segundo ele, desde os tempos da Revolução Industrial, com o

advento da tecnologia a uma velocidade assustadora, até hoje, observou-se

uma transformação notável de uma sociedade acostumada aos trabalhos

173
pesados, com uma estrutura basicamente rural e fisicamente ativa, numa

população de cidadãos urbanos ansiosos e estressados.

Para o autor, este quadro permitiu à atual sociedade uma vida de

relativo conforto. Os ceifadores e os cortadores de grama manuais ou de tração

foram substituídos por ceifadores mecânicos, com os mais avançados

dispondo até de assentos que suportam o peso do indivíduo – até mesmo a

própria grama vem sendo substituída por turfa sintética. Os elevadores e as

escadas rolantes substituíram as escadas – haja vista a dificuldade de serem

encontradas escadas abertas num destes modernos arranha-céus. A

caminhada até o mercado da esquina foi substituída pela curta jornada

motorizada até o supermercado localizado no shopping center da vizinhança.

A vida está se tornando cada vez mais fácil em seu ponto de vista.

Mesmo lembrando o fato da existência de populações urbanas periféricas que

estão aquém destes benefícios, ele não discursa sobre as possibilidades de

acesso. Prefere, em resumo, questionar: “será que lucramos alguma coisa com

este recém-adquirido sedentarismo? Será que este estilo de vida sedentário

não vem contribuindo, de sua própria maneira, para o surgimento de um novo

conjunto de problemas?” (POLLOCK & WILMORE, 1993, p. 2).

Para Pollock, é necessário refletir sobre o assunto quanto à maneira

simples, mas ao mesmo tempo complexa, com que as funções corporais e os

sistemas orgânicos se harmonizam de uma forma tão consistentemente

perfeita e delicada. A quebra desta harmonia, mesmo que de maneira simples

(por exemplo, um simples resfriado ou uma cefaléia de tensão), fará com que

todo o organismo sofra. Ele prossegue alertando sobre a existência de todo um

conjunto de evidências que começa a demonstrar, sem sombra de dúvidas,

174
que a inatividade física e a condição cada vez mais sedentária de nossas

existências representam uma grave ameaça para o nosso corpo, provocando

uma séria deterioração das funções corporais normais. Problemas clínicos

graves e comuns, como as coronariopatias, a hipertensão, a obesidade, a

ansiedade e a depressão, além dos que se relacionam com a coluna lombar,

estão direta ou indiretamente relacionados com a ausência de atividade física.

Além da inatividade física, diversos outros fatores estão associados

a estas doenças ou problemas clínicos, incluindo-se aí o tabagismo, a

superalimentação, a inadequação da dieta, o consumo excessivo de álcool e o

estresse emocional, fatores que representam as complicações do estilo de vida

moderno. Assim, com o objetivo de provocar um impacto mais significativo

sobre a melhoria da saúde como um todo e reduzir o risco de desenvolvimento

de doença e disfunção, é imperativo abordar o indivíduo como um todo,

alterando seu estilo de vida por completo para a obtenção de hábitos saudáveis

(POLLOCK & WILMORE, 1993).

Em todo o seu livro publicado em parceria com Wilmore, Pollock

discute aquelas doenças e problemas de saúde associados que são atribuíveis,

pelo menos em parte, à inatividade física, enfocando mais a doença

cardiovascular e a obesidade. Abordando a fisiopatologia da doença, os fatores

de risco associados, para, por fim, sumariar os conhecimentos atualmente

disponíveis sobre o que a atividade física pode fazer para prevenir e tratar esta

doença ou condição, ele termina sua introdução afirmando que “a aptidão física

é bem mais do que a simples ausência de doença e que a boa forma física

representa uma maneira segura de se obter a saúde ideal” (POLLOCK &

WILMORE, 1993, p. 2).

175
Fica bastante aparente que o conceito de saúde de Pollock

restringe-se à saúde física do corpo. Fatores econômicos, emocionais e sociais

são ignorados. Quando, poucas vezes, se fala no emocional, é sobre estresse,

quando pouco se fala sobre o social é apenas uma estatística fria. Estas

questões nunca são aprofundadas. No entanto, quando o problema é a

fisiologia de um ataque cardíaco, são dedicadas páginas e páginas. Afirmando

que a aptidão física é uma maneira segura de se obter saúde, a idéia que se

tem neste momento é que basta a pessoa alcançar os índices físicos que

medem a aptidão física para se diagnosticar uma pessoa saudável.

Esta idéia restrita de saúde contradiz, como veremos mais à frente,

o conceito da própria Organização Mundial de Saúde. Como já vimos, o

conceito do Higienismo Social torna-se o eixo central desta corrente. Pollock

atribui ao exercício físico uma relação positiva de causa e efeito com a Saúde,

fato que já não é unanimidade nem na área da Educação Física, mas nos

ateremos mais a esta questão posteriormente.

Outro renomado autor desta corrente é Jürgen Weineck. Ele nos

mostra dados que atestam que a prevenção de doenças degenerativas do

aparelho cardiovascular é um dos principais problemas da medicina, ocupando

o primeiro lugar entre as causas de morte em nações industrializadas. Na

Alemanha Ocidental, de 900.000 casos de morte a metade deve-se a

problemas cardiovasculares. Weineck é preciso ao afirmar que este quadro é

de uma nação industrializada, ou seja, dos países ricos, já que o terceiro

mundo ainda convive com moléstias contagiosas, provenientes principalmente

da falta de saneamento básico.

176
Weineck, sem rodeios, vislumbra sobre sua preocupação central: as

causas das doenças cardiovasculares. Classificou-as, deste modo, em um

conjunto de fatores exógenos (hábitos de vida e alimentação não muito

saudáveis, vícios) e endógenos (fatores de risco como alta pressão arterial, alto

colesterol etc.). A falta de movimentação e uma vida muito sedentária também

têm um papel importante no desenvolvimento destas doenças, segundo o

autor, pois um órgão ou membro se desenvolve na medida em que é

exercitado.

Para ele, as pessoas que não praticam esportes têm o dobro de

probabilidade de sofrer um infarto do que pessoas que praticam esportes. Para

pessoas sedentárias, este risco aumenta ainda mais depois dos 40 anos.

Entretanto, para o esportista, o risco de infarto permanece baixo e constante

por mais 20 ou 25 anos. Um treinamento de resistência aeróbia como o jogging

mostrou-se ideal para a prevenção de doenças cardiovasculares e

hipocinéticas, pois aumenta o desempenho físico geral e a capacidade

cardiopulmonar (WEINECK, 1999).

Este autor parece ser mais cuidadoso que Pollock e Cooper,

restringindo-se na discussão da realidade dos países industrializados e das

atividades físicas relacionadas ao sistema cardiovascular. Ele deixa claro que

as políticas de saúde pública voltadas às camadas populares não são centrais

em seu pensamento. Embora avalie que tenha desenvolvido um treinamento

para saúde com esta premissa, ele evidencia que seu conceito de saúde,

também é restrito à saúde do corpo, que, ao seu ver, pode ser quantificada e

treinada.

177
Contudo, é compreensível que Weineck, como indivíduo nascido e

inserido em um país industrial como a Alemanha, se preocupe com esta

temática. Porém não compartilham da mesma prerrogativa seus seguidores

brasileiros.

178
6. OS SEGUIDORES BRASILEIROS DA SAÚDE FÍSICA: A TESE

Concomitantemente a estes fatos, o higienismo da saúde física no

Brasil sofre um processo de americanização. Culturalmente, o Brasil,

sobretudo na segunda metade do século XX, passa a enxergar os Estados

Unidos como o grande exemplo a ser seguido, substituindo a “Belle Époque”

de influência francesa. As campanhas americanas em torno desta intervenção

da saúde, como “saúde do físico”, baseavam-se na prevenção de doenças

cardiovasculares, rechaçando os maus hábitos como sedentarismo, má

nutrição e vícios. As atividades físicas, a boa nutrição e a abstinência de álcool

e fumo são os novos hábitos higiênicos a serem difundidos, assim como o

banho, a escovação dos dentes e a lavagem das mãos foram divulgados no

século XIX.

Estes novos hábitos, nos Estados Unidos, como vimos, pretendiam

proteger a saúde do homem moderno e estressado. No Brasil a realidade

social era completamente diferente, mesmo assim, nos grandes centros

urbanos brasileiros, organizaram-se os “novos higienistas” da saúde física com

um discurso orientado sobre as bases americanas da Medicina Esportiva, da

Nutrição e da Educação Física.

6.1 O Discurso “Brasileiro” da Educação Física e Medicina Esportiva

O “novo higienismo”, que privilegia a saúde do corpo em um sentido

estrito, começa a se consolidar no Brasil. Podemos levantar algumas hipóteses

sobre esta fase histórica.

179
A base desta tendência é divulgar novos hábitos que não têm

somente uma base técnica na fisiologia, mas também um significado moral e

estético. Quando um “novo higienista”, apoiado pelos meios de comunicação,

alerta para a necessidade de o indivíduo mudar seus hábitos, ele não está

fazendo um discurso meramente técnico. Na verdade, ele é também moral,

pois o indivíduo deve ter perseverança, força de vontade, autocontrole para se

afastar dos vícios, dos maus hábitos. É necessária uma mudança de atitude,

que mude sua vida (LOVISOLO, 1995).

Se este apelo moral funcionar, o higienista acredita que cumpriu seu

papel, colaborando para um mundo melhor, sem doenças, na promoção de

uma melhor qualidade de vida. Ele está cumprindo seu ideal. É isto que

continua aglutinando o velho e o novo higienismo. Podemos definir o

“movimento higienista” pelo que ele tinha e tem em comum, ou seja, o objetivo

de estabelecer normas e hábitos para conservar e aprimorar a saúde coletiva e

individual. É somente neste aspecto que podemos encontrar certa

homogeneidade.

No restante, o “novo higienismo” continuou heterogêneo. Contudo,

ao pensarmos nesta tendência da saúde física, devemos considerar que estes

higienistas importam um conceito de saúde dos países desenvolvidos,

mostrando os benefícios da atividade física e de uma alimentação balanceada.

Mas não discutem como tornar tudo isto acessível à população mais pobre,

como faziam muitos “velhos higienistas”.

Entretanto, seu discurso, já na década de 70, tornava-se muito

presente. Seus ideais e normas espalham-se rapidamente. Segundo

LOVISOLO (1995), isto se deve a quatro fatos: o apoio do governo, da

180
indústria esportiva, das empresas seguradoras de saúde e dos especialistas.

Primeiro, o governo se vê seduzido pelas promessas de redução de gastos

com hospitais. Segundo, as indústrias de materiais esportivos faturam milhões

com a pastoral da saúde. Terceiro, as empresas de seguro de saúde

oferecendo descontos para as pessoas que cultivam bons hábitos. E, por

último, os especialistas, que ganham com a venda de programas de atividade

física, nutrição, com terapias, criando toda uma rede de profissionais da saúde

individual. A Educação Física, a Fisioterapia, a Nutrição, todas elas vêem sua

área de atuação se expandir no desenvolvimento da saúde individual.

Assim está formado o contexto para a apresentação das

mentalidades dos profissionais da saúde do físico. Entre estas áreas,

destacam-se, em suas propostas, a Educação Física e a Medicina Esportiva.

As representações mais significativas da saúde física residiam na

literatura estrangeira. Na década de 80, eram raros os livros escritos por

brasileiros que associavam saúde e aptidão física, na maioria das vezes eram

autores estrangeiros, principalmente os norte-americanos, as referências da

área acadêmica dos higienistas da saúde física ligados à Educação Física e

Medicina Esportiva no Brasil. Em 1988, a Escola de Educação Física da USP

publicou uma das raras referências em português sobre o tema. Valdir

Barbanti era seu editor, contudo, os textos eram traduções de artigos de

autores estrangeiros. Barbanti apresentava a revista “Aptidão Física & Saúde”

da seguinte forma:

Um sério obstáculo no desenvolvimento dos profissionais de


Educação Física e dos Esportes em nosso país, tem sido a falta de
publicações especializadas e a dificuldade de acesso à literatura
estrangeira. Durante os muitos cursos de extensão e de pós-graduação

181
ministrados em quase todo país, pude notar a deficiência e dificuldade de
conseguir bibliografia atualizada. Mesmo quando eu carregava comigo
este material, muito pouco uso dele era feito, por se tratar de publicações
em línguas estrangeiras. (BARBANTI, 1988, p. 3)

Até a década de 90 podemos ainda observar a bibliografia dos

estudos brasileiros sobre aptidão física e constatar a enorme influência das

literaturas norte-americana e européia. Dessa forma, os ideais dos novos

higienistas da saúde física consistiam em idéias importadas, muitas vezes não

condizentes com a situação econômica brasileira, sobretudo no interior do

país.

Essa influência estrangeira dava-se não somente no campo teórico,

mas também na intervenção. Mauro Guiselini relatou que em 1975, Helmut

Schulz, convidado pela Prefeitura Municipal de São Paulo e pela Universidade

de São Paulo, ministrou grandes aulas abertas ao público de Matroginástica,

uma prática de exercícios físicos que congrega toda a família. Essas sessões

eram realizadas em campo aberto no Parque Ibirapuera. Helmut Schulz e seu

programa ganharam adeptos no Brasil, sendo divulgado principalmente por

campanhas televisivas como o “Mexa-se” (GUISELINI, 1985).

Mauro Guiselini, autor de um livro sobre o assunto, e um dos

introdutores de Ginástica Aeróbia no Brasil, confessou ser discípulo do alemão

Schulz, demonstrando essa influência:

Assim, o autor desse livro esteve [ele próprio, Guiselini], desde


o início, integrado ao movimento de implantação e desenvolvimento da
atividade física entre pais e filhos no Brasil (Matroginástica Schulz – 1975),
pois, a partir de sua introdução, passou a realizar experiências práticas,
procurando, ao mesmo tempo, adaptar a proposta original às características

182
da população brasileira nos seus diversos aspectos: social, educacional,
cultural e econômico. (GUISELINI, 1985, p. 9)

Guiselini somente promete a referida adaptação, pois em seu livro

não existem indícios de adaptação à realidade brasileira, muito menos nos

aspectos citados, já que o livro consiste na descrição das bases do

Desenvolvimento Motor, na aquisição de habilidades motoras, e no formato do

programa. Este é um pequeno exemplo da influência dos países

industrializados no campo da saúde física, mesmo com uma realidade tão

diferenciada.

Elencamos neste texto as principais idéias dos “novos higienistas”

desta tendência. Destacaram-se na área de Educação Física e Medicina

Esportiva nomes, como Valdir Barbanti, Turíbio Leite de Barros Neto,

Dartagnan Pinto Guedes.

Um dos primeiros intelectuais a defender uma mentalidade

higienista que se baseava em um estilo de vida ativo, para um

desenvolvimento da aptidão física foi o Prof. Valdir Barbanti.

Barbanti é professor da Escola de Educação Física e Esporte da

Universidade de São Paulo (USP), uma das maiores e mais importantes do

país. Milita na área do Treinamento Desportivo, onde é autor de livros com boa

inserção no mercado. Sobre a questão da Saúde, publicou, no fim da década

de 80, “Aptidão Física: um convite à saúde”. Ateremo-nos mais a esta obra por

focalizar melhor a área de interesse desta tese.

Barbanti não nega que a origem de seu pensamento tem uma

influência norte-americana flagrante. Ele mesmo identificou o início do conceito

de “aptidão física moderna” na década de 60. Segundo ele, em 1967, um

183
técnico de atletismo da Universidade de Oregon, chamado Bill Bowerman,

escreveu um livro chamado “Jogging” e iniciou o movimento de corridas nos

Estados Unidos. Na sua descrição, apontou que Kenneth Cooper foi o grande

divulgador desta mentalidade. Barbanti descreveu a trajetória de Cooper,

reconhecendo que seus livros deram um impulso inicial ao movimento de

Aptidão Física que se alastrou pelo mundo todo. Milhões de pessoas

aprenderam a palavra Aeróbia e começaram a correr, nadar, pedalar, caminhar

etc. (BARBANTI, 1990). Esse fato revela que Barbanti identificou em Cooper

uma figura importante na divulgação daqueles preceitos higienistas, colocando-

se claramente como um discípulo dessa tradição.

Ainda na década de 70, aproveitando a popularização da atividade

aeróbia, Jackie Sorensen, numa tentativa de popularizar a dança, criou a

Dança Aeróbia, que foi seguida por Jane Fonda.

Barbanti conta que estes programas chegam ao Brasil com o nome

de Ginástica Aeróbia, reconhecendo seu forte apelo comercial.

Posteriormente, Barbanti conceituou a Aptidão Física Relacionada à

Saúde, que, segundo ele, mede a qualidade da saúde que pode ser

representada ao longo de um continuum. Em um extremo, o indivíduo estaria

doente, acamado, com nenhuma possibilidade de fazer qualquer atividade, e,

no outro, ele estaria com uma saúde ótima, com grande capacidade funcional

em todos os aspectos da vida (BARBANTI, 1990). Na verdade, não

conseguimos imaginar a mensuração da qualidade da saúde. Isto não fica claro

em seu texto.

Por outro lado, uma característica em seu discurso ficou evidente: a

presença da metáfora do homem-máquina, idêntica à do início do século. Para

184
o autor, existem muitas maneiras de se comparar o corpo humano a uma

máquina. A máquina converte uma forma de energia em outra na execução de

um trabalho. Do mesmo modo, uma pessoa converte energia química em

mecânica no processo de andar, correr, saltar, dançar, jogar bola. Em suas

palavras:

Ela pode, como uma máquina, aumentar a intensidade da


ação pelo acréscimo da proporção de energia que é convertida de uma
forma para outra. Assim ela anda mais rápido pelo aumento do
metabolismo e pela velocidade de ação dos combustíveis, que dão mais
energia para o trabalho muscular.
Em suas raízes, todas as atividades físicas são baseadas na
bioenergética que controla e limita o rendimento nessas atividades.
Quando o corpo se movimenta, muitos processos fisiológicos
e psicológicos ocorrem simultaneamente. Por exemplo, quando alguém
corre aumenta a contratilidade e a freqüência dos batimentos do coração;
o metabolismo é aumentado; os hormônios são mobilizados; a
temperatura corporal é elevada.
Neste sentido, o corpo é uma máquina, afinal, ele é formado
por mais de bilhões de células; o esqueleto com mais de 200 ossos que
servem de suporte para mais de 600 músculos, comandados por cerca de
11 quilômetros de fibras nervosas e irrigados por mais de 96 milhões de
vasos sanguíneos.
Nosso coração bombeia quase 6.000 litros de sangue a cada
dia; os olhos têm cerca de 100 milhões de receptores, os ouvidos contêm
mais de 24 mil fibras. Milhares de reações químicas estão acontecendo a
cada instante. Ao lado desse fabuloso aparato biológico, existe o cérebro
que é capaz de pensar numa velocidade de 800 palavras por minuto,
capaz de lembrar eventos do passado como se eles estivessem
acontecendo hoje; e capaz de prever eventos que nunca aconteceram,
como se eles estivessem realmente acontecendo. (BARBANTI, 1990, p.
17-8)

Ele ainda defende que o corpo é mantido por um equilíbrio dinâmico

que necessita de atividades para funcionar normalmente. O rompimento do

185
equilíbrio causado, por exemplo, por hábitos alimentares errôneos ou

deficientes, por padrões de pensamentos negativos, pela vida sedentária pode

resultar (e freqüentemente resulta) em doenças, discordâncias e desordens

emocionais (BARBANTI, 1990).

Este quadro tornava-se alarmante para este “novo higienista”, ao

passo que a sociedade se modernizava e a vida das pessoas ficava mais fácil

do ponto de vista do conforto. Em oposição, o sedentarismo se estabelecia na

vida cotidiana, acarretando um aumento no índice de doenças

cardiovasculares. A saída para esta situação era a prática de atividades físicas,

principalmente o exercício, o esporte, aumentando o rendimento físico das

pessoas20 (BARBANTI, 1990).

Barbanti reconhecia que o prolongamento da vida pela atividade

física ainda era uma questão em debate, mas afirmava que ela melhorava a

qualidade de vida das pessoas ativas. Para ele, a comprovação disso estava

evidente pela participação das pessoas de meia idade e idosos que entraram

na onda “fitness”21 no mundo todo.

Este autor ainda pretendeu mudar a imagem do idoso inativo.

Caminhar, correr, andar de bicicleta, nadar, fazer exercícios de musculação

seriam formas adequadas para as pessoas de idade avançada. Essas

atividades beneficiariam grandemente as pessoas em todas as idades. Ele

estava convencido de que podia melhorar a vida de muitas pessoas, bastaria

inculcar uma nova mentalidade, a da vida ativa em todas as idades. Em seus

termos:

20
Como veremos nos próximos capítulos desta tese, esta teoria ainda não é comprovada
cientificamente.

186
O exercício é a verdadeira fonte de juventude. É uma
grande mentira que a vida começa aos 40, como é uma grande mentira
que ela deveria terminar por aí em termos de atividade física. A imagem
do vovô e vovó sentados na cadeira de balanço, está sendo substituída
pelo vovô e vovó jogando tênis ou correndo maratonas. (BARBANTI,
1990, p. 115)

Há de se admitir que este trabalho de conscientização em torno dos

benefícios da vida ativa não é condenável. Contudo, o que pode ser criticado é

a restrição dos condicionantes de promoção à saúde, sobretudo restringindo a

intervenção higienista com a mera aplicação de programas de exercícios, sem

se preocupar com o acesso a eles e com as condições sociais da saúde.

Sobre a questão do envelhecimento, ele afirmou que a literatura

sugeria que a maior ameaça ao envelhecimento não era o processo de

envelhecimento em si mesmo, mas a inatividade. A atividade não influenciaria

na longevidade das pessoas, porque ela não teria influência sobre os

mecanismos intrínsecos do envelhecimento normal, contudo, estimava-se que

a atividade física regular poderia ser capaz de retardar o declínio fisiológico que

acompanha o envelhecimento em até cerca de 50% (BARBANTI, 1990).

Este foi o ideal de Barbanti: conscientizar as pessoas do benefício

das atividades físicas. Para isso, ele não estava sozinho, existia todo um

movimento cultural que englobava governos, meios de comunicação, empresas

e higienistas. Terminou seu livro estabelecendo os bons hábitos de um bom

cadáver:

1. RECUSE TODOS OS CONVITES PARA PRATICAR QUALQUER


ATIVIDADE FISICA... CANSA MUITO!!

21
Apresentaremos este conceito mais adiante.

187
2. RENUNCIE A QUALQUER ATIVIDADE FÍSICA NO FIM DE
SEMANA... MELHOR É FICAR EM CASA VENDO TELEVISÃO,
DORMIR MUITO, DESCANSAR!!
3. NUNCA ANDE A PÉ, MESMO SE TIVER QUE IR DE UMA ESQUINA
A OUTRA... AFINAL, PRA QUE SERVE O AUTOMÓVEL?
4. SEMPRE QUE PUDER, FIQUE SEM FAZER NENHUM
MOVIMENTO... ASSIM VOCE NÃO GASTA ENERGIA!!!
5. QUANDO TIRAR FÉRIAS, PASSE O DIA TODO DEITADO,
SENTADO, PARADO, AFINAL... NINGUÉM É DE FERRO!!
6. JAMAIS SUBA OU DESÇA UMA ESCADA... POR QUE
INVENTARAM O ELEVADOR?
7. COMA BASTANTE, BEM MAIS DO QUE VOCÊ PRECISA, ASSIM
ESTARÁ GARANTINDO QUE DE FOME, VOCÊ NÃO MORRE.
8. APROVEITE TODAS AS DELÍCIAS DA VIDA. INGIRA MUITO
ÁLCOOL E FUME BASTANTE... É ELEGANTE.
9. SE ALGUM AMIGO CONVIDÁ-LO PARA JOGAR BOLA, CORRER,
JOGAR TÊNIS OU NADAR, FUJA DELE... ESCOLHA MELHOR SUAS
AMIZADES.
10. E SE ALGUÉM CONVENCÊ-LO A FAZER ALGUMA ATIVIDADE
FÍSICA, CUIDADO... NÃO DEIXE QUE ISSO SE TRANSFORME NUM
HÁBITO. Faça tudo isto. E descanse em paz. (BARBANTI, 1990, p. 139-
140)

No Brasil, esse movimento recebeu o apoio, no início da década de

80, de uma “febre”, a Ginástica Aeróbia, e sua prática aumentou de maneira

jamais vista. Centenas de Academias foram abertas, e sua prática atingiu

principalmente a população jovem. Aparelhos de ginástica, antes restritos aos

clubes, passaram a ser produzidos em série, podendo ser comprados e

levados para casa. O agasalho de ginástica e o tênis, antes, restritos aos

atletas, passaram a fazer parte da moda. O exercício, o esporte e a atividade

física subitamente se tornaram coisas de prestígio. Estrelas de cinema, de

novelas, políticos (até presidentes) e líderes em vários setores aparecem

orgulhosamente praticando seus programas de exercícios na mídia. Tudo,

desde carros a roupas e bebidas, foi vendido usando a imagem do exercício.

188
Outro autor importante nesta corrente, a partir da década de 80, foi

Turíbio Leite Barros Neto. Médico e fisiologista, Barros Neto destaca-se com

seu trabalho de treinamento desportivo no São Paulo Futebol Clube.

Atualmente, além do trabalho com Esporte, ministra aulas na Unifesp

(Universidade Federal de São Paulo, antiga Escola Paulista de Medicina).

Devemos observar que estes autores, na história, têm de dez a vinte anos na

frente de seus antecessores americanos, portanto reformulam algumas teses, o

que não os desvincula da escola americana, mesmo porque as reformulações

são importadas das mesmas escolas de fisiologia norte-americanas, que

continuavam restringindo os aspectos da saúde à biologia.

Barros Neto foi e continua sendo um dos principais autores que

desvincula o treinamento esportivo para alto rendimento do treinamento para

saúde, tese que se afirma na década de 90, desmitificando o atleta como

símbolo inexorável da saúde física. Este autor diz que quem tem que fazer

sacrifício é o atleta de alto rendimento. Ele tem o esporte como opção

profissional e não como opção de saúde ou lazer. Os indivíduos que praticam

atividade física como opção de saúde física e mental devem respeitar seus

limites de tolerância. Os benefícios do exercício se situam abaixo do limiar de

dor. Ninguém precisa e nem deve sofrer ao fazer exercício (BARROS NETO,

1997).

Este higienista também se mostrou defensor dos exercícios

aeróbios. Para ele, a prática regular de atividades físicas seria, certamente, um

dos hábitos mais saudáveis que se podia recomendar. No entanto, o fato das

pessoas que procuravam as atividades físicas por questões somente estéticas

o preocupava. Afirma:

189
Infelizmente, a maioria das pessoas que procura iniciar a
prática de exercícios em academias ou clubes se preocupa muito mais
com a estética do que com a saúde. É possível conciliar um corpo
bonito com um coração saudável? Claro que sim.
Devemos, entretanto, entender que nem sempre os
exercícios que fortalecem ou torneiam os músculos são saudáveis para
o coração. A realização dos exercícios contra-resistência nos aparelhos,
tão comuns nas academias, deve ser sempre acompanhada de
exercícios aeróbios como caminhar, pedalar, correr, nadar, etc.
A combinação adequada dos exercícios de força e dos
exercícios aeróbios levará, sem dúvida, ao fortalecimento dos músculos
com melhora da estética corporal e contribuirá para manter o coração
saudável e prevenir as doenças cardíacas. (BARROS NETO, 1997, p. 7-
8)

Barros Neto defendeu os exercícios aeróbios, alertando para a

necessidade de combiná-los com o trabalho de força, geralmente com objetivos

estéticos. Ainda homenageia o precursor dos exercícios aeróbios, Dr. Keneth

Cooper, que, segundo ele, muito havia contribuído, a partir do final da década

de 60, com a divulgação em todo o mundo dos benefícios dos exercícios

aeróbios. Desde então, passou a ser um consenso a importância da realização

dos exercícios moderados de média a longa duração, ou seja, aqueles que

solicitam o oxigênio para produzir energia, os aeróbios. Comprovando mais

uma vez a figura mítica que representava Cooper entre os brasileiros

(BARROS NETO, 1997).

Outra grande preocupação de Barros assemelhava-se à dos demais

adeptos da saúde física: a questão da influência da atividade física sobre o

envelhecimento. Para ele, isto representava avaliar a possibilidade de o

indivíduo ativo, principalmente na chamada "terceira idade", ter a expectativa

de uma melhor qualidade de vida e talvez – por ter a consciência de que esta

190
tese não é comprovada no rigor científico – retardar os efeitos do

envelhecimento. Mesmo assim, parafraseando-o, tornava-se uma providência

obrigatória, principalmente para os indivíduos mais idosos uma avaliação física

criteriosa e uma adequada orientação para a prática de exercícios (BARROS

NETO, 1997).

Ele afirmava que a inatividade física levaria a uma regressão

progressiva da capacidade funcional de diversos órgãos e sistemas do nosso

corpo, principalmente o muscular. Assim sendo, no indivíduo mais idoso e

sedentário, existiria uma soma de efeitos determinantes da perda de massa

muscular: idade e inatividade (BARROS NETO, 1997). O autor chamou a

atenção para o fato de este quadro criar um círculo vicioso prejudicial à

qualidade de vida. Para ele, a atividade física no idoso traria benefícios como a

prevenção da osteoporose. Em suas palavras: “Felizmente os programas de

atividade física na terceira idade têm cada vez mais se difundido na população

e podemos ter a expectativa de, num futuro próximo, observar os resultados,

inclusive na melhor capacidade de trabalho, produtividade e, sobretudo, auto-

estima do idoso” (BARROS NETO, 1997, p. 49).

A melhoria da qualidade de vida proporcionada simplesmente pela

prática de exercícios físicos era o objetivo idealista de Barros, pois para ele,

estes seriam o grande remédio na prevenção das doenças. Este ideal e a

supervalorização dessas práticas também são evidenciados no discurso de

Dartagnan Pinto Guedes.

Dartagnan Pinto Guedes é professor no curso de graduação em

Educação Física da Universidade Estadual de Londrina (UEL) no Estado do

Paraná. Sua área de estudos é a Composição Corporal.

191
Este autor das décadas de 80 e 90 concentrou seu discurso na

questão da obesidade. Para ele, os homens engordavam porque consumiam

com regularidade mais alimento do que necessitavam para atender ao seu

gasto de energia proveniente do trabalho biológico e porque o organismo

humano, em suas próprias palavras, “com eficácia muito superior à de

qualquer outra máquina, converte e armazena rapidamente em gorduras esse

excesso de alimento” (GUEDES, 1998, p. 9).

O leitor pode observar que as metáforas do homem-máquina, do

motor humano, criadas nos primórdios do movimento higienista, ainda

permanecem no discurso de Guedes. Para introduzir seu pensamento, o autor

faz até referências históricas e culturais à questão da obesidade. Descreveu

que em outros tempos (na Idade Média) ser gordo e pesado era uma distinção

social, pois trabalho duro e alimentação escassa, sem luxo, conferiam peso

corporal reduzido aos indivíduos pertencentes às classes sociais menos

favorecidas. A obesidade era símbolo de riqueza. No campo estético, padrões

da época privilegiavam o excesso de gordura – mulheres com maiores

quantidades de gordura eram tidas como referência de beleza. Para ele, tal

fato ocorria porque os nossos antepassados desconheciam as agressões

metabólicas e funcionais do excesso de peso corporal e associavam gordura

corporal aos níveis mais elevados de saúde.

Observou, de forma correta, que no século XX a obesidade estava

muito distante dos padrões de beleza e já não evidenciava prestígio social ou

econômico. Podemos observar que o autor utilizou o argumento estético para,

posteriormente, correlacionar com o argumento da saúde. Em seus termos:

192
Aliadas a isso, evidências têm apontado que o excesso de
gordura e de peso corporal, por si só, induz a graves disfunções
orgânicas, congrega-se a um conjunto de doenças associadas e
aumenta a probabilidade de limitações funcionais e morte prematura.
Assim, seja com finalidades estéticas ou com objetivos de manutenção
e promoção da saúde, o controle do peso corporal passou a constituir-
se em importante preocupação do homem moderno. (GUEDES, 1998, p.
9)

Seja por uma motivação estética, seja por uma manutenção de

saúde, é necessário controlar o peso. Esta foi a tese de Guedes e ela é

fundamental para que possamos entender esta pastoral da saúde. Com a

inculcação destes novos hábitos, a prática de atividades físicas em academias

proliferou rapidamente nos centros urbanos brasileiros. Com isto, as pessoas

que se associaram a estas práticas foram criticadas pelo seu individualismo e

egoísmo. Muitos argumentavam, sobretudo, baseados no livro “O que é

Corpolatria”, que era egoísta dispensar horas e horas ao seu próprio corpo

com objetivos estéticos (CODO & SENNE, 1983). Este quadro resultou na

utilização do discurso da saúde para justificar os objetivos estéticos do

praticante, ou seja, pergunta-se a um indivíduo o motivo da prática do

exercício físico e colhe-se a resposta de motivação para a saúde quando na

maioria dos casos, o interesse verdadeiro é estético.

Armou-se, desta forma, uma correlação entre estética e saúde. Isto

preocupava este novo higienista, pois sabendo que em muitos casos o objetivo

é estético, ele reconhece os riscos desta mentalidade, e alerta que,

(...) o controle do peso corporal pode tornar-se um


problema social porque confunde emagrecer com reduzir o peso
corporal, porque aliena grandes somas de recursos para satisfazer
dispendiosos programas miraculosos e de resultados imediatos,

193
porque indisciplina o uso de produtos dietéticos e multiplica as
carências nutricionais e porque aumenta os custos com prestações
sociais por incapacidade e com tratamentos para resolver
complicações das reduções bruscas de peso corporal. O controle do
peso corporal também se torna novo problema clínico porque as
restrições dietéticas violentas provocam desnutrição, com todas as
suas complicações, porque a utilização indiscriminada de fármacos
para redução do peso corporal agrega complicações de forma até
agora desconhecidas, porque se multiplicam perturbações
psicoemocionais e surge nova patologia comportamental em
conseqüência da insatisfação com a imagem corporal e com o desejo,
muitas vezes frustrado, de redução do peso corporal. (GUEDES, 1998,
p. 9-10)

O autor relativizou os benefícios de tais métodos. Sabia que estes

representavam, também, um risco à saúde, embora considerasse o argumento

estético um importante chamariz para a mudança de hábito.

Para Guedes, o importante era estabelecer programas de controle

do peso corporal que não prejudicassem o funcionamento orgânico, tendo em

vista normalizar a constituição corporal ou, pelo menos, o que já é bastante

vantajoso para a saúde, melhorar a proporção entre os constituintes nobres do

organismo (GUEDES, 1998). E, como todo higienista, importava, também,

estabelecer mecanismos de conduta individual e coletiva que possibilitassem a

manutenção da saúde, em seu caso, em uma intervenção individual.

Guedes expôs as causas e as conseqüências do excesso de

gordura e de peso corporal, os aspectos associados à orientação dietética e à

prática de atividade física, e a necessidade de se processarem modificações

no comportamento.

194
Contudo, Guedes tornou sua intervenção mais coletiva no momento

em que pretendeu popularizar estes hábitos através das aulas de Educação

Física na Escola.

No II Congresso Brasileiro de Atividade Física e Saúde, que é

realizado anualmente em Florianópolis, Dartagnan Pinto Guedes demonstrou

sua insatisfação com as aulas de Educação Física na escola. Começou seu

texto apresentando um quadro alarmante: não mais de 15% das crianças e

adolescentes brasileiros conseguiam apresentar as exigências motoras

mínimas para satisfazer os aspectos relacionados à saúde, ou ainda, outros

20% já demonstravam índices de adiposidade bastante comprometedores

antes mesmo do período de maior acúmulo de gordura corporal (GUEDES,

1999). Diante destes fatos, o autor defendeu que as aulas de Educação Física

deveriam ser repensadas.

Para Guedes, existia alguma preocupação de parcela da sociedade

quanto à necessidade de incluir em nosso cotidiano a prática regular de

programas de exercícios físicos. Reconheceu que essa mudança de

comportamento era tímida, pois alcançava setores privilegiados da sociedade,

mas não tinha inserção no meio escolar. Ele observou que outros profissionais

da saúde como médicos, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos,

procuravam incentivar mais a prática da atividade física como meio de

promoção da saúde do que o próprio professor de Educação Física. Neste

momento, passou a discursar contra a tradição esportiva da Educação Física.

Segundo ele, estas aulas estavam, geralmente, voltadas somente ao

rendimento atlético, não promovendo a saúde (GUEDES, 1999). Assim,

195
Guedes já pertencia a uma corrente que desvinculava o Esporte de

desempenho da Saúde.

Ele pretendeu apresentar subsídios que pudessem levar os

professores a refletir sobre a possibilidade de promoção da implementação de

programas de educação física escolar direcionados à educação para a saúde.

Fica claro que o tipo de intervenção que Guedes propunha, mesmo

pensada em termos coletivos, atendendo a grandes contingentes da

população, ainda guarda consigo características de individualismo. Ele

defendia o treino, o controle da obesidade, ou seja, o autocontrole, embora fale

em educação para a saúde, demonstra que seu conceito de saúde é

extremamente biológico. Ele engrossa o grupo que vislumbra a saúde como

algo que pode ser treinado.

Na década de 90, os higienistas desta corrente por diversas

ocasiões pronunciavam o conceito de saúde da Organização Mundial de

Saúde sem perceber que o próprio conceito ia de encontro ao que pregavam.

Eles pensavam que o conceito se referia a uma maior vigilância sobre todos os

aspectos da vida para afastar as doenças (GUEDES, 1995), e ignoravam que

a OMS defende a saúde como um conceito amplo que diz respeito ao bem

estar social, além do físico e emocional (OMS, 1981).

Outra característica marcante no discurso de Guedes é a questão

político-social brasileira que ele parece ignorar. Em seus escritos:

Em nosso país, ainda que sejam necessárias estatísticas


mais aprimoradas, é cada vez mais evidente a íntima americanização
dos hábitos alimentares, o que, aliado à progressiva redução da
atividade física do cotidiano em razão da mecanização e do avanço
tecnológico de nossa sociedade, torna possível prognosticar paulatino

196
aumento na prevalência da obesidade e do sobrepeso nos diferentes
segmentos da população brasileira. (GUEDES, 1998, p. 19)

O autor apresentou a realidade brasileira tendenciosamente

semelhante à norte-americana no que diz respeito ao quadro de prevalência

da obesidade, fato que não se poderia defender estatisticamente, como ele

próprio reconhece, mesmo porque uma significativa parcela da sociedade

brasileira é desnutrida.

Estes “novos higienistas” perceberam que estavam defendendo

idéias fora do lugar. Em vez de relativizarem estas idéias, como alguns

fizeram, pretenderam maquiar a própria realidade brasileira, que ainda estava

longe da realidade descrita. Afinal, até o fim do século XX, o Brasil convivia (e

ainda convive) com problemas sociais graves, como a fome, que é retratada

no pensamento do autor da seguinte maneira:

Em condições de vida livre e em ambiente natural, os


humanos comem quando sentem fome e param de comer quando se
sentem saciados, ou seja, quando o organismo identifica que a
quantidade e a natureza do que foi ingerido são suficientes para
compensar dispêndios e para manter a quantidade fixa dos nutrientes
que lhe é própria.
O centro de controle do consumo de alimentos, responsável
pela sensação de fome e de saciedade, encontra-se no hipotálamo.
Mediante a ação de agentes moduladores, como níveis de glicose,
triglicerídios e aminoácidos no plasma, ou em razão de variações na
temperatura do hipotálamo, este discrimina e integra informações
recebidas e emite ordem quanto a estimular ou a reprimir o apetite.
(...)
No fundamental, o despertar da fome decorre de alterações
no nível sanguíneo de glicose: quando este se reduz a níveis
estabelecidos biologicamente, sente-se fome. À medida que o estômago
se preenche, a produção de calor associada aos alimentos ingeridos
aumenta e os depósitos de nutrientes se reabastecem, o hipotálamo

197
integra essas informações e emite mensagens para cessar a ingestão
de alimentos.
O excesso de gordura e de peso corporal é reconhecido
como importante fator de risco predisponente ao aparecimento e ao
desenvolvimento de disfunções orgânicas que elevam acentuadamente
os índices de morbidade e mortalidade, o que vem resultando em
preocupação constante na área da saúde pública. (GUEDES, 1998, p.
143-6)

O conceito da fome foi tratado de forma puramente biológica, sendo

que também deveria ser levado em conta o aspecto social.

No caso da Educação Física, como diz Lovisolo, há uma perda do

caráter público da intervenção da Educação Física ao extremo, como no dito

“personal training” ou no tratamento do estresse. Os interesses privados e

individuais tornam-se mais relevantes que os públicos. A intervenção sobre as

condições públicas e sociais deixa espaço para a ação individual no plano da

saúde, para a responsabilidade de cada um com sua própria saúde.

Nesta visão, algumas perguntas não tinham sido formuladas, como:

qual é o sentido para um indivíduo que passa fome ou luta desesperadamente

por condições mínimas de reprodução, fazer trinta minutos de exercícios

aeróbios? Afinal, porque este indivíduo gostaria de alcançar uma maior

longevidade? Para quê, se sua vida não tem qualidade? Além disso, também

não foi defendida uma maior democratização do saneamento básico, ignorando

que, no mundo, segundo o Fundo das Nações Unidas para a População, três

quintos da população mundial não têm acesso à rede de água e esgotos22.

22
Cf. Informação retirada de: Veja, São Paulo/Rio de Janeiro, n. 1.617, p. 87, 29 set. 1999.

198
6.2 Da fadiga ao estresse

Os velhos higienistas, de modo geral, preocupavam-se

consideravelmente com os malefícios dos trabalhos repetitivos da indústria na

saúde do trabalhador (GÓIS JUNIOR, 2000). As longas jornadas de trabalho

unidas a um mal descanso favoreciam um quadro de prevalência de doenças.

Este discurso reapareceu no novo higienismo, mas com outras roupagens: o

alvo deixou de ser a população e passou a ser o estereótipo do homem

moderno, ou seja, o trabalhador dos escritórios, da vida corrida, dos grandes

centros urbanos, dos automóveis, do materialismo.

Este deslocamento dos ideais higienistas pode ter sido causado pelo

abandono, por parte dos governos, de políticas de intervenção na Saúde

Pública. Por exemplo, a partir dos anos 30, o governo brasileiro passou a

investir no trabalhador, por tê-lo como um bem da nação. A Saúde era um

projeto coletivo que, a partir dos anos 70, se individualiza cada vez mais. Na

intervenção dos novos higienistas adeptos da saúde física, o estresse era um

grande inimigo na busca do corpo saudável e da melhor qualidade de vida.

A Educação Física retomou sua tradição de legitimação perante a

sociedade e colocou o exercício e as atividades físicas no topo da lista dos

antídotos do estresse, como alude Guiselini:

Melhor qualidade de vida. Essa é, sem dúvida, a busca de


todos nós. Estamos freqüentemente preocupados em controlar a
poluição sonora, do ar e dos rios, preservar o verde, descobrir uma
alimentação saudável e, acima de tudo, diminuir ou evitar o estresse.
(...)
Como muitas das situações que provocam estresse são
inevitáveis, o ser humano precisa encontrar mecanismos que o ajudem

199
a conviver com esse mal que aflige, diariamente, milhares de pessoas.
Os exercícios podem ser uma opção. As recentes teses têm dado uma
importância significativa à prática regular de atividade física como meio
de combater o estresse.
Ao participar de um programa cuja meta é melhorar a sua
qualidade de vida, você vai verificar que o exercício:
- ajuda a controlar o estresse e reduz a tendência à
depressão: você enfrenta com mais coragem e disposição os problemas
diários. Melhora, inclusive, o seu humor. As pessoas que se exercitam
tendem a ser mais alegres e dinâmicas. (GUISELINI, 1996, p. 18-9)

Também, para BARBANTI (1990), os exercícios podiam aliviar ou

regular o estresse por causa dos seus benefícios psicológicos. Para ele, outro

beneficio psicológico do exercício seria o suporte social que proporciona,

quando realizado em grupos, como por exemplo, em uma academia, onde a

interação social está presente. É interessante observar que estes benefícios

psicológicos colocados por Barbanti podiam ser obtidos em qualquer instância

em qualquer ambiente, como em uma biblioteca, discoteca, prostíbulo, enfim,

onde possa haver prazer e convívio social, mas por que, necessariamente, a

academia de ginástica? Para Giovani Novaes:

O estresse parece como uma espécie de bruxaria dos


tempos modernos, para movimentar indústrias de como se gerenciar o
estresse através de programas, métodos e até de quinquilharias ou
parafernálias eletrônicas. Sendo assim, o sistema de intervenção a partir
do estresse parece estar totalmente desenhado para ampliar e solidificar
formas de autocontrole individual. As terapêuticas pretendem uma
espécie de remodelação da personalidade humana, na direção de um
controle cada vez maior e equilibrado sobre os fatores estressantes que,
se supõe, a sociedade moderna gera e que, portanto, estão tanto no
ambiente como na estrutura interior dos indivíduos. (NOVAES, 1997, p.
13)

200
Os novos higienistas da saúde física falavam do estresse como se

estivessem apresentando um novo quadro, uma situação sem precedentes,

uma nova ordem. Contudo, o estresse sempre esteve presente na história do

homem. Elias exemplifica bem esta tese:

Os homens têm memória curta. Nos países mais


desenvolvidos já quase se desconhece como foi difícil e cheia de
perigos a vida dos nossos antepassados no meio das estepes
selvagens, dos rios indomáveis – que, com freqüência, inundavam de
repente as terras – e das florestas gigantescas, onde todos os seres
vivos, plantas, animais, homens, se encontravam permanentemente em
guerra entre si. (ELIAS, 1985, p. 22)

Mesmo com a crescente influência do higienismo da saúde física no

Brasil, o panorama do quadro de saúde no país não havia se modificado

substancialmente. As doenças epidêmicas e endêmicas de caráter social ainda

afligiam a população brasileira e, como as questões ligadas ao higienismo da

saúde física se localizavam cada vez mais no campo da iniciativa privada, o

governo brasileiro deveria atender às demandas interventoras daquele

higienismo centrado nas questões sociais. Contudo, o governo brasileiro das

décadas de 60 e 70 pautava-se em uma Ditadura Militar que omitiu a

necessidade de intervenção na pobreza. Ao contrário do que aconteceu na

Ditadura Vargas, os militares não deram espaço ao Higienismo Social,

somente discutiram o controle das doenças epidêmicas e endêmicas ligadas à

pobreza, mas não pautaram uma intervenção na melhoria das condições

sociais.

201
6.3 A tese do combate à doença na Saúde Pública

Como já dissemos, os temas socioeconômicos do Higienismo

Social, mesmo ganhando adeptos no exterior, no Brasil, ficam sufocados nos

anos 60 e 70. Seria inoportuno para um higienista, nos anos de repressão,

defender melhores condições de vida para os trabalhadores, saneamento

básico, combate à fome e às desigualdades sociais. Assim, as políticas

governamentais na área da Saúde Pública concentram-se nos pressupostos

da Bacteriologia e da Epidemiologia.

Isto fica demonstrado na consulta aos anais da VI Conferência

Nacional de Saúde, organizada no governo Ernesto Geisel, em 1977.

Participaram desta conferência: membros do Conselho Nacional de Saúde,

dirigentes de órgãos e entidades subordinados ou vinculados ao Ministério da

Saúde e outros funcionários especificamente designados pelo Ministro da

Saúde; representantes dos Ministérios integrantes do Conselho de

Desenvolvimento Social; diretores dos serviços de saúde das Forças Armadas;

secretários de Saúde dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos

Municípios polarizadores das Regiões Metropolitanas e outras autoridades de

saúde das Unidades Federativas, especialmente convidadas; e representantes

oficiais de outros órgãos públicos, especialmente convidados.

A Conferência foi para estes poucos, a sociedade civil praticamente

estava excluída da discussão. Observemos o discurso do então presidente da

República, Ernesto Geisel:

O diagnóstico, em saúde pública, baseia-se na análise de


indicadores dentro de uma série histórica. Um dado atual exprime a

202
situação do momento mas não retrata a evolução do fenômeno; não
basta, assim, para avaliar ações de saúde, muito menos para justificar
modificações.
Inegavelmente os indicadores estão, ainda hoje, em nível
muito inferior ao que todos desejaríamos ver.
O registro puro e simples dos atuais índices, sem
aprofundamento na análise de sua tendência, leva com freqüência a
apreciações fragmentárias e superficiais, de caráter negativista, gerando
o desânimo e o pessimismo.
Necessário é examinar em profundidade, identificar, dentro
da série histórica, a evolução dos indicadores de saúde e reconhecer os
progressos registrados. Só então haverá condições para criticar o que
foi feito e, sobretudo, para sugerir alternativas mais eficazes. (GEISEL,
1977, p. 19)

Geisel sustenta seu discurso nas estatísticas, que caminhavam

lentamente para um aumento na expectativa de vida do brasileiro, da mesma

forma como o número de postos de saúde e hospitais. Porém, ainda era claro,

que o acesso à saúde não era democrático. A economia crescia, mas as

desigualdades prevaleciam. A saúde era um campo muito rico para a

observação deste quadro.

Esperava-se, desta forma, que o congresso discutisse estas

questões, mas o debate restringiu-se aos quadros de presença e ausência de

doenças específicas, como registra o discurso do Superintendente da

Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), Dr. Ernani da

Mota:

Das grandes endemias parasitárias, grandes pela sua


natural tendência a se expandir por extensos espaços do território
nacional, pela gravidade da sua agressão ao organismo do homem e
pela evidente repercussão que têm sobre o desenvolvimento das
populações expostas ao risco, três delas merecem especial destaque: a
malária, a esquistossomose e a doença de Chagas, que,

203
justificadamente, ocuparão maior tempo e mais largo espaço para a
análise do seu comportamento epidemiológico e para que se reavive o
conhecimento dos meios que, se vem utilizando no seu combate.
Outro grupo de doenças endêmicas, menos expansivas
porque apresentam distribuição focal predominante, mas de real
importância em saúde pública, está incluído nos programas das grandes
endemias: são a leishmaniose, peste, filariose e tracoma; sendo que as
duas primeiras, como se sabe, podem apresentar formas anátomo-
clínicas severas e surtos epidêmicos.
É de se destacar, também, a febre amarela, incluindo a
vigilância contra o vetor urbano, o “Aedes aegypti”, pelos exaustivos
trabalhos profiláticos que exige.
Há de se lembrar, também, que ao lado d'essas entidades
mórbidas de caráter endêmico, ter-se-á que perfilhar a tuberculose e a
hanseníase, que retratam não menor faixa de transmissão.
(...)
A definição da problemática das grandes endemias, a sua
delimitação geográfica, o levantamento dos seus índices e indicadores
epidemiológicos, o equacionamento das medidas para o seu combate,
com a estratégia e as táticas peculiares a cada uma, bem como os
resultados colhidos até aqui, formam o contexto desta apresentação.
(MOTA, 1977, p. 31)

O discurso do Dr. Ernani Mota evidencia uma política de Saúde

Pública centrada nas doenças, endemias e epidemias, em uma política

campanhista semelhante à de Oswaldo Cruz no início do século XX. O

discurso, focado somente na doença, omite as causas sociais de falta de

Educação, saneamento básico, atenção médica, que, ainda hoje, caracterizam

muitos países do terceiro mundo, inclusive o Brasil. Os ideais higienistas de

Belisário Penna não tiveram eco naquela conferência, muito menos o teor

militante e interventor do Higienismo Social, que foram sufocados até o fim da

Ditadura e a reabertura política.

O mais intrigante nesta trama é que o próprio governo conhecia as

bases de um Higienismo Social. A partir deste fato, foi elaborado um discurso

204
que pretendia mostrar os perigos da veiculação de tais idéias, mesmo

concordando com as múltiplas causas da doença, incluindo-se as sociais,

alerta para o fato de a área de Saúde Pública não dever opinar sobre questões

que, para ele, estão fora de seu campo de intervenção. Podemos observar

isso no discurso do Secretário Geral do Ministério da Saúde, Dr. José Carlos

Seixas:

Saúde, como um bem incorporado à vida de pessoas ou


populações, é o resultado da interação de uma multiplicidade de fatores
causais, tanto de natureza individual (hereditários) quanto de natureza
ambiental (físicos, biológicos, sociais). E, portanto, saúde como campo
de tese e estudos, esmiúça-se em todo e qualquer campo da existência
e da atividade humana, seja econômico (no sentido restrito), sociológica,
físico, biológico, etc., a fim de avaliar como os fatores multicausais
influem no processo saúde/doença. Entretanto, saúde, como campo da
atividade humana produtiva, para satisfazer direta e imediatamente as
necessidades decorrentes do processo saúde-doença de pessoas ou
coletividades não pode, e não deve, avocar para si atividades de outros
campos dos quais, no entanto, não se deve alhear. O setor produtivo
saúde pode, e deve, limitar o campo de atividades executivas de seus
serviços. Por exemplo: para qualquer agência de Saúde Pública, de
saúde coletiva, é de máxima importância que a coletividade humana
objeto de suas atividades seja não apenas um agrupamento de
pessoas, mas sim um agrupamento comunitário. Entretanto, um serviço
de Saúde Pública pode e deve desenvolver suas ações dentro de uma
coletividade não agregada comunitariamente, tentando favorecer,
paralelamente, o aumento de seu grau de coesão social. Ressalte-se
que em tal circunstância não pode atribuir-se essa transformação como
seu objetivo específico. Por outro Iado, num consultório, também, por
exemplo, o profissional médico pode vir a tipificar a pobreza de uma
pessoa como causa básica predisponente de um estado de doença,
devendo a dessa constatação chegar até a ajustar sua proposição
terapêutica a tal realidade pessoal sem pretender, no entanto, arcar
profissionalmente com a responsabilidade da superação da condição
individual de pobreza. (SEIXAS, 1977, p. 139)

205
O governo militar, mesmo atrelando suas políticas a uma Medicina

da Saúde Física, não poderia ignorar as teorias de Saúde Pública que

cresciam no exterior e no próprio Brasil. Embora a repressão sufocasse esta

tendência, os militares permaneciam atentos. A intencionalidade do discurso

do Dr. Seixas é defender uma certa desvinculação social do médico em

relação ao povo, sobretudo o povo interiorano. O médico deveria privilegiar

sua intervenção técnica, e não se envolver em lutas políticas pela

democratização de uma qualidade de vida respeitável. Isto mostra que, se os

“novos higienistas sociais” não podiam discursar publicamente, podiam exercer

seus ideais no atendimento ao público pobre.

Mas nossa história não termina por aqui. Até agora poderíamos

pensar que pesava um certo grau de homogeneidade entre os novos

higienistas. Na verdade, com o fim da ditadura militar nos anos 80, o

movimento volta a alimentar uma heterogeneidade política. Apesar de haver

uma oposição velada em plena ditadura, é com o fim dos “anos de chumbo”,

que o discurso higienista volta a ser público e democrático.

206
7. REDEMOCRATIZAÇÃO E CRÍTICA DA SAÚDE FÍSICA

7.1 Os anos 80 e o momento da antítese

Em 1985, um governo civil substituiu o governo militar. Foi o retorno

da democracia, com eleições diretas para Presidente marcadas para o ano de

1990. Contudo a liberdade de expressão já reinava no Brasil dos anos 80, que

já havia conquistado um lento processo de reabertura política desde o fim dos

anos 70.

Com isto, tudo que havia sido sufocado volta à tona. O movimento

sindical, o estudantil, a imprensa livre. O campo da música surgiu com uma

nova classe média cantando um Rock nacional com temas sociais. Surgem

bandas como Legião Urbana, Barão Vermelho, com Cazuza, Paralamas do

Sucesso, Engenheiros do Hawaii, Titãs. Hoje, as pessoas que têm por volta de

40 anos e outros vitimados por tragédias pessoais, nos anos 80, representaram

a mudança, a indignação. A crítica pesada de Cazuza à burguesia, admitindo

ser um burguês, mas ser um artista, a Legião Urbana prometendo a revolução

com “Geração Coca-Cola”, e tantas outras incontáveis músicas confirmavam o

clima de antítese dessa década.

Esta ebulição atinge muitos setores profissionais. No caso da Saúde,

trouxe de volta a visão do Higienismo Social, trilhando o caminho para o

vislumbramento da característica central do “movimento higienista”: a

heterogeneidade, principalmente a política.

207
7.2 O Movimento Sanitário

Na área de Saúde Pública organizou-se um movimento que

pretendia garantir a saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Esta

corrente, surgida a partir da oposição ao regime militar nos anos 60 e 70,

ganhou maior repercussão no período de redemocratização. Na VIII

Conferência Nacional de Saúde, em 1986, dava-se por vitoriosa na

promulgação da Constituição de 1988. Estes anos representaram a luta da

sociedade civil e dos higienistas ligados à Medicina Social pela organização e

garantia constitucional da saúde da população. Neste momento, o “movimento

higienista” volta a ter as características coletivas da Liga Pró-Saneamento do

Brasil, organizada pela Sociedade Brasileira de Higiene nos anos 30.

Para Rita BARATA (1996), este movimento foi chamado de

“epidemiologia social” porque representava uma tentativa de superar pelo

menos quatro componentes da produção epidemiológica: o positivismo, o

reducionismo, o indutivismo e o empirismo. Adotando o materialismo dialético

como marco teórico para explicar o processo saúde-doença, estes intelectuais

tentaram romper com a visão positivista, ultrapassando o simples registro das

correlações observáveis entre os fatos, para buscar a origem dos processos

que determinam o padrão desigual de distribuição da saúde e da doença nos

grupos humanos.

Novamente, o “movimento higienista” cobrava das autoridades

governamentais uma intervenção na área de saúde. Eles se organizam em

torno da seguinte frase: “Saúde: direito do cidadão e dever do Estado”.

208
A proximidade do discurso dos novos higienistas do movimento

sanitário e dos velhos intervencionistas sociais era flagrante. Inclusive, foi

admitido por seus próprios membros quando parafraseavam higienistas do

século XIX, como fez Jairson Silva Paim, ao referir-se a Rudolf Virchow:

Data do século passado a emergência dos primeiros


movimentos sociais pelo reconhecimento do direito à saúde. Neste
contexto, foram estabelecidos os princípios básicos da medicina social,
que se confundiam com um projeto mais amplo de reforma social.
(...)
Na visão de Rudolf Virichow, cientista militante da medicina
social emergente, "O Estado democrático requer que todos os cidadãos
gozem de um estado de bem-estar, porque reconhece que todos têm
iguais direitos”. (PAIM, 1986, p. 47)

No mesmo congresso, Hélio Pereira DIAS (1986), também defendeu

estes princípios. Para ele, a saúde para todos é um conceito global cuja

aplicação exige o emprego de esforços na agricultura, na indústria, no ensino,

nas habitações e nas comunicações, assim como na medicina e na saúde

pública. Houve, desde a sua gênese, um enlaçamento do “movimento sanitário”

com o pensamento brasileiro de esquerda. Noções “gramscianas” passaram a

ser aplicadas por profissionais da saúde, como é o caso de Edmundo GALLO

(1989).

Para Gallo, com o processo de redemocratização do país, a área de

saúde passou a receber as influências do fortalecimento do movimento dos

profissionais do setor e da crescente tematização da questão da saúde na

sociedade em geral (GALLO, 1989). O Movimento Sanitário acumulou êxitos,

forçando reformas administrativas importantes, como a implantação do Sistema

Único de Saúde (SUS) e o direito constitucional à saúde.

209
Este movimento sanitário, a vertente de esquerda do novo

higienismo, ainda que tenha partido de intelectuais do setor, visa atender

principalmente às necessidades das populações mais pobres, ao mesmo

tempo em que fere interesses das grandes empresas privadas e das

multinacionais da área de saúde. Parece, então, que podemos entendê-la na

lógica capitalista e de luta de classes. Mesmo estudioso de Gramsci, Gallo

adverte que tal inserção pode comprometer os seus objetivos revolucionários:

Nesse sentido, a reforma sanitária se insere no quadro


mais geral da luta de classes do país. Por outro lado, seria errôneo a
partir desta constatação remeter a luta na área de saúde à dicotomia
classe operária versus burguesia, sob pena de estreitar a base social e
política do Movimento Sanitário, e colocar em xeque o próprio projeto
hegemônico. (GALLO, 1989, p. 93)

Fala-se, neste momento, da necessidade de construção de um

movimento mais amplo. Isto pode ser visto como o prenúncio de uma tentativa

de síntese. Contudo, a tendência da década de 80 no Brasil é eleger o

capitalismo como o grande mal, e maior responsável pelo estado de saúde do

povo. Vários intelectuais da saúde aderem a este princípio, como o próprio

Edmundo Gallo, Gastão Campos e Emerson Merhy.

Gallo, por exemplo, pensou em traçar estratégias de luta contra-

hegemônicas dentro da área de Saúde Pública. Para ele, esse processo de

dirigir um bloco de forças em torno de propostas consensuais, como será visto

a seguir, é o que Gramsci denominava de hegemonia, em contraposição à

coerção. A hegemonia pressupõe uma longa luta de persuasão na sociedade

civil, que, por seu caráter prolongado, foi chamada metaforicamente por

Gramsci de "guerra de posição”. Para o setor saúde, Gallo via uma íntima

210
vinculação desta teoria gramsciana com o quadro vigente da saúde pública no

Brasil (GALLO, 1989).

Outra estratégia adotada por estes intelectuais era a confirmação de

teses marxistas (materialismo histórico) na história da saúde pública no Brasil.

O marxismo torna-se muito influente, e, com o fim da ditadura, os marxistas na

década de 80 estavam lutando pelos seus ideais. Os intelectuais marxistas de

várias áreas, inclusive os da Saúde Pública, tiveram a incumbência de escrever

uma história que confirmasse o pensamento marxista. Esta tese marca

definitivamente a historiografia brasileira da época, sobretudo a história da

Saúde Pública, da Educação, da Educação Física e da Medicina, que por

muitas vezes eram escritas não por historiadores, mas pelos próprios

intelectuais destas áreas.

Gastão CAMPOS (1991), em seu trabalho “A saúde pública e a

defesa da vida”, atrela a história da Saúde Pública ao modo de produção

capitalista, sustentando sua narrativa no uso das instituições médicas por parte

do Governo (símbolo dos interesses capitalistas) como forma de coerção do

povo. Segundo Campos, o Estado oligárquico utilizou as práticas sanitárias

objetivando a criação de condições mais favoráveis de expansão do vigente

modelo agroexportador. Assim, mobilizou importante parcela dos recursos de

vários estados brasileiros, como o Rio de Janeiro e São Paulo, criando um

extenso aparelho institucional capaz de realizar atividades de polícia sanitária.

Para ele, o governo da República Velha tinha concedido poder político aos

higienistas, com o intuito de controlar a população. Na verdade, o interesse na

erradicação das principais epidemias urbanas, como as de varíola, febre

amarela, febre tifóide, entre outras, era eliminar uma série de constrangimentos

211
impostos pelo quadro sanitário ao desenvolvimento das principais cidades

brasileiras (CAMPOS, 1991).

Para Campos, o governo investia em saúde com interesses

econômicos, como se fizesse um investimento. Não contrariamos esta tese,

contudo, o que Campos omite é a história daqueles intelectuais da saúde, os

velhos higienistas. A intervenção destes consistia apenas em interesses

econômicos? Ou, havia ideais subjacentes a esta lógica que interferiam nos

rumos desta história, como por exemplo, a vocação de defesa da vida, à qual

Campos se atrela? Não podemos negar a conclusão de que a Saúde Pública,

relativamente, conseguiu um prestígio, um montante de recursos financeiros e

uma parcela de poder político, aqui entendido como capacidade de interferir

sobre o espaço urbano, sobre o modo de vida dos indivíduos e sobre a própria

definição de prioridades em Saúde.

Ele continua sua história em 1930, defendendo a tese de que a

Saúde Pública perde progressivamente, em termos relativos, importância

dentro do conjunto de políticas sociais do Estado brasileiro. O que incomoda

este novo higienista na intervenção da Saúde Pública e sua história é o fato de

que elas omitiam as principais causas do processo de saúde-doença,

impedindo a atuação sobre os principais problemas de saúde da população.

Realiza também, uma crítica interessante ao modelo dos novos

higienistas da saúde física, dizendo que a maneira como se combatia, nos

anos 80, as recentes epidemias da dengue, por exemplo, deixaria Osvaldo

Cruz envergonhado. Pois, segundo Campos, privilegia-se o combate ao vetor,

medida ineficaz para o controle da epidemia, sendo que, na realidade, se

deveria controlar a reorganização do espaço urbano, uma vez que focos de

212
infestação do Aedes aegypti estão em locais carentes de infra-estrutura urbana

básica (CAMPOS, 1991). Observa-se que as medidas sanitárias de Campos

são muito semelhantes às da teoria dos miasmas e dos intervencionistas

sociais.

Da mesma forma a história contada por Emerson Elias Merhy em “O

capitalismo e a Saúde pública” defende um panorama histórico da Saúde

Pública determinado pelo capitalismo, ou seja, pelos interesses

governamentais da classe dominante. Em seus escritos:

O conjunto dessas ações, historicamente, era assumido


pelo Estado local, e dentre as mais significativas encontram-se as
práticas sanitárias, enquanto práticas que tinham como objetivo a
reprodução do espaço urbano e da população de trabalhadores,
segundo a óptica estrutural do modo de produção capitalista e de acordo
com a dinâmica que as forças sociais adquirem nessa formação social.
(MERHY, 1987, p. 69)

Mehry elege como norte em sua narrativa as medidas profiláticas de

Emílio Ribas em São Paulo, identificando o período entre 1900 e 1920, como

marcos temporais desta intervenção. Para ele, Emílio Ribas, além de ter

consolidado a introdução dos fundamentos bacteriológicos para as ações

sanitárias, deu as diretrizes para a operacionalização da questão sanitária.

Naquele momento, as práticas sanitárias mantêm nítido o caráter das

campanhas e da polícia sanitária. Ele afirma que o principal alvo das práticas

sanitárias era algumas doenças infecto-contagiosas, dentro do estilo das ações

bacteriológicas, e que ainda era alcançada uma eficácia significativa quanto a

estes objetivos.

213
Este autor não esconde o fato de Geraldo Horácio de Paula Souza,

primeiro Diretor da Faculdade de Saúde Pública de São Paulo (FSP), ter

representado uma oposição à bacteriologia de Emílio Ribas, combatendo

enfaticamente a desinfecção terminal e advogando para a Saúde Pública uma

medicina social, de ação promotora e protetora da saúde, que almejava uma

consciência sanitária nos indivíduos, aliada ao saneamento ambiental. Ele não

esconde o mérito dos pressupostos de Paula Souza e nem o fato de ele ter

sido Diretor Geral do Serviço de Saúde Pública no Estado de São Paulo entre

1922 e 1927.

Dentro desta perspectiva historiográfica da saúde pública, não havia

espaço para interpretações que colocassem interesses governamentais

opostos aos interesses capitalistas. Neste momento é importante resgatar o

pensamento de Gilberto Hochman:

Os autores que trataram das políticas estatais da saúde na


primeira república em geral consideram-nas como resultados de
estratégias das classes dominantes e pensam que seu desenvolvimento
estaria associado à dinâmica do capitalismo, (...) e os sanitaristas e
burocratas da saúde como intelectuais ligados aos interesses
dominantes. Afastar-me-ei dessa perspectiva, considerando que as
políticas de saúde são partes constituitivas de um processo mais amplo
e complexo, no qual o Estado e as elites estatais têm especificidades
que lhe fornecem autonomia em relação aos interesses societais, e têm
objetivos também específicos, diversos e mesmo divergentes dos das
elites societais. (HOCHMAN, 1993, p. 41)

Porém, o que se almejava na perspectiva de esquerda do novo

higienismo não era a construção de uma narrativa histórica precisa, mas sim de

214
uma que não era contada na ditadura. O intuito era mostrar e denunciar a

exploração da classe trabalhadora.

Além do aspecto da historiografia, o movimento sanitário teve

realmente êxito nas lutas políticas de organização de um Sistema Único de

Saúde que garantisse a democratização da atenção médica e que fosse

discutido com a sociedade civil. Vários de seus objetivos foram alcançados,

como reformas na Constituição que atendessem à sua tese: a Saúde para

Todos. A Constituição brasileira de 1988 tornou-se uma das mais atuais do

mundo no que se concerne à saúde. O clima era de reivindicação. Este era,

também, o propósito da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986. Desta

vez, aberta não somente para profissionais da saúde, mas para os diversos

setores da sociedade, inclusive sindicatos.

7.3 A VIII Conferência Nacional de Saúde

Nesta Conferência, a fala do ministro da Saúde, Roberto dos Santos,

no governo José Sarney, detinha-se na questão da prevenção da doença.

Desde o início do século sabia-se que era mais barato investir na prevenção do

que na doença instalada, o que trazia a Saúde para a área educacional. O

papel da Educação na Saúde, mais uma vez é alardeado, assim como faziam

os velhos higienistas da intervenção social. Nos termos de Santos:

Em defesa desses interesses, difundiu-se a idéia de que


somente depois que a moléstia se instala, merecia a saúde do
trabalhador ser cuidada com meios resultantes da contribuição direta do
mesmo trabalhador. A prevenção da doença, as medidas de ordem
profilática que asseguram a preservação da saúde, justamente as mais

215
importantes e que deveriam vir em primeiro lugar, não mereciam a
aplicação das contribuições diretas do operário e deveriam ficar sujeitas
à variável escala de prioridades adotada por governos que, por longo
tempo, consideraram de escassa significação os problemas sociais.
(SANTOS, 1986, p. 16)

O tom de todo o congresso marcava uma mudança nos modelos e

conceitos sobre a Saúde no Brasil, que, como vimos, atendia a uma realidade

americana, e não brasileira. Por vezes os discursos caminhavam para um

anticapitalismo revelando a utopia de alguns de seus participantes em mudar o

modelo econômico mundial. O objetivo era justiça social, que, como se sabe,

ainda hoje é um grande problema estratégico brasileiro, seja ele capitalista ou

comunista.

Mas o congresso tinha um problema prático de como melhor

organizar os recursos da Saúde. Este problema burocrático, sobretudo depois

do congresso, foi a temática central do movimento sanitário. Contudo, embora

se adiantasse um pouco esta questão, o momento era de comemoração,

esbravejando os conceitos até então entalados na garganta por uma ditadura

militar. Estes aspectos ficam claros no discurso de Carlyle Guerra de Macedo,

Diretor Geral da Organização Pan-americana de Saúde:

A humanidade hoje, companheiras e companheiros, tem os


recursos e as condições de eliminar da face da terra a miséria, a fome e
o desespero. Mas ao invés de cuidar do homem e de suas
necessidades, a humanidade destina um trilhão de dólares norte-
americanos, cada ano, na preparação da capacidade de destruir. Isso
significa quase dois milhões a cada minuto, quando com uma parcela
apenas dessa quantidade imensa de recursos, saúde para todos seria
uma realidade. E não só a saúde, mas também as condições de vida e
de bem-estar que seguramente significariam o estabelecimento da paz.
(MACEDO, 1986, p. 27)

216
Sobre a questão dos conceitos de Saúde, a fala do então Presidente

da Fundação Oswaldo Cruz, Antônio Sérgio Arouca, foi definitiva. Seu conceito

de Saúde atrelava-se ao da Organização Mundial de Saúde (OMS), tendo

como significado principal a amplitude do conceito de saúde para o bem estar

social. Devemos lembrar que os higienistas da saúde física, mesmo

parafraseando a OMS, tinham uma outra visão sobre o conceito, que tendia à

necessidade de afastar qualquer fator de risco à saúde.

Arouca ressaltou que o conceito de saúde e doença que vem sendo,

nos últimos anos, colocado pela Organização Mundial de Saúde, foi também

criticado por seus termos muito genéricos e abstratos. Ele não poderia servir de

base para a determinação de quantas pessoas têm ou não saúde em um certo

país, dificultando os trabalhos quantitativos da Epidemiologia. Mesmo assim,

Arouca defendeu a manutenção do conceito, sobretudo no Brasil, que vivia um

momento de transição. Para ele, saúde não é apenas ausência de doença, não

é simplesmente o fato de que, num determinado instante, por qualquer forma

de diagnóstico médico ou exame, não seja constatada doença alguma na

pessoa. Para a OMS, é mais do que isso: além da simples ausência de

doença, saúde deve ser entendida como bem-estar físico, mental e social

(AROUCA, 1986).

Desse modo, a saúde começa a ganhar uma dimensão muito maior

do que somente uma questão de hospitais e de medicamentos. Nesse

momento, eles se diferenciam em relação aos higienistas da saúde física. Para

os novos higienistas sociais, um povo com saúde deveria ter direito a uma

educação condigna, a uma alimentação que possibilitasse e garantisse a

217
reprodução humana saudável, e a uma habitação que não fosse a casa do

barbeiro, nem um mangue com seus caranguejos, mas um lugar que permitisse

ao camponês condições dignas de existência (AROUCA, 1986).

7.4 A ampliação do conceito de Saúde

O conceito de Saúde já foi muito discutido, principalmente, pelos

intelectuais da área. Uma lembrança bastante clara de nossa época de

estudante reside em indagações, como por exemplo, o que é ter saúde?

Uma boa descrição da trajetória deste conceito foi feita por Juarez

CAMPOS et al. (1987). Ele explica que Galeno conceituou Saúde como um

estado de razoável funcionamento do corpo, caracterizado pela ausência de

dor e pela manutenção do vigor no desenvolvimento das tarefas próprias de

cada idade.

No século XX, Jesse Williams, da Universidade de Columbia, se

referiu à saúde como qualidade vital que permite ao indivíduo viver mais e

servir melhor. Já a Associação Médica Americana afirma que a saúde depende

do funcionamento normal dos tecidos e órgãos do corpo; da compreensão

prática dos princípios básicos da maneira saudável de viver; e do ajuste

harmônico ao ambiente físico e psicológico, contribuindo tudo isto para uma

vida mais rica e mais útil à humanidade (CAMPOS et al., 1987). Embora aqui o

conceito ainda guarde consigo uma visão biológica da saúde, percebemos uma

tendência a ampliar o conceito, quando se fala do ambiente físico, portanto

sofrendo uma influência das teorias miasmáticas, sem mencionar a questão do

estado psicológico como fator integrante da vida saudável. Campos ainda

218
vislumbra a idéia de Perkins, de que a Saúde é um relativo equilíbrio de forma

e função do organismo, resultante de sua capacidade de ajustamento às forças

que tendem a perturbá-lo. Nota-se aqui o reconhecimento pleno de que a

saúde resulta de um jogo de ações e reações que se passam não apenas no

meio interno do organismo, mas entre ele e o ambiente que o envolve

(CAMPOS et al., 1987).

Contudo, é com o desenvolvimento das ciências sociais no campo

da Saúde no século XX que o conceito se amplia. Na concepção de San

Martín, saúde é adaptação do Homem ao ambiente natural, à herança biológica

e aos padrões culturais e sociais. Na ótica de Ferrara, saúde seria o estado

ótimo de vitalidade física, mental e social, que surge como decorrência da ação

do Homem frente aos conflitos e suas soluções (CAMPOS et al., 1987).

Segundo CAMPOS et al. (1987), a incorporação da expressão “bem-

estar social” aos conceitos de saúde data do pós-guerra. Entre os acordos

feitos pelos países desenvolvidos, instituiu-se uma política de ação frente à

pobreza do chamado Terceiro Mundo, foi fundada a Organização das Nações

Unidas e, como uma de suas agências, a Organização Mundial da Saúde. Em

sua carta de princípios, saúde é conceituada como "estado de perfeito bem-

estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou

enfermidade”.

Este conceito amplo passa ser difundido pelos intelectuais da saúde,

porém de formas diferentes, com ênfases diferenciadas. No Brasil, para os

intelectuais da saúde física, destaca-se a questão de a saúde não ser a

ausência de doença, o que provoca a necessidade de investimentos na

prevenção, em medidas profiláticas e educação para a saúde, enfim, os

219
anseios dos novos higienistas estavam sendo plenamente alcançados. Para os

novos higienistas sociais, destacava-se a influência dos fatores

socioeconômicos na prevalência das enfermidades, necessitando-se de uma

ampla reforma social que possibilitasse a melhoria da infra-estrutura e da

qualidade de vida das populações mais pobres.

Mesmo sob o mesmo conceito, o “movimento higienista” continua

com suas características heterogêneas. Com os mesmos objetivos, mas

formas de intervenção diferenciadas.

O campo do conceito de saúde, mesmo com a relativa aceitação dos

princípios da OMS, nos anos 80, representou um campo de debates intensos

na Saúde Pública. José Carlos PEREIRA (1986), em pronunciamento na VIII

Conferência Nacional de Saúde, analisou o conceito do processo saúde-

doença, denunciando o fato de que no Brasil, apesar da institucionalização do

conceito da OMS, a Saúde era pensada de forma exclusivamente biológica.

Em suas palavras:

Ora, saúde e doença são objetos ao mesmo tempo


sociais e biológicos. Os homens são sadios, enfermam e morrem não
segundo apenas variáveis biológicas, mas por razões, o mais das
vezes, sociais. Quanto à assistência médica, mais facilmente se
percebe que ela é constituída por um conjunto de práticas sociais que
obedecem a poderosos determinantes econômicos, políticos e de
outras ordens também não-médicas.
A assistência médica é, inquestionavelmente, objeto de
estudo nas Ciências Sociais, principalmente da Sociologia. Trata-se,
por certo, de uma instituição social, com a especificidade de se
constituir de um complexo de ações e relações sociais referidas à área
médica. Mas pode ser objeto também de uma disciplina de fronteira à
qual nos referiremos adiante. Tal disciplina, em outra de suas
vertentes, volta-se, igualmente, para o estudo das determinações
extra-biológicas da saúde e da doença, principalmente desta, quando

220
encarada não em termos de indivíduos isolados, mas de uma
população que apresenta segmentos sociais vivendo em condições
diferenciadas. Assim, quando se analisa como enfermidade ocorre e
se distribui na população descobre-se que o fato de ela se
individualizar em determinados organismos biológicos é, em grande
parte, uma conseqüência de serem esses organismos membros
participantes de determinadas relações sociais. (PEREIRA, 1986, p.
29)

PEREIRA (1986) conta que a Medicina vai deixando de ser quase

que apenas o conhecimento (biológico principalmente) da doença e dos meios

de curá-la e/ou a ciência do corpo biológico, normal e patológico. Os médicos

estavam percebendo, cada vez com maior clareza, que a explicação das

doenças e sua cura são facilitadas pelo conhecimento do contexto social em

que vivem as pessoas.

Os médicos notavam, como já defendiam a Filosofia e a Psicologia,

que o corpo era algo indissociável da alma e do homem. Sendo assim, não

poderia se dizer a um paciente, por exemplo, traga seu corpo ao meu

consultório e fique em casa. O homem é um ser integral, não podendo ser

dicotomizado. Ao dar este passo, a Medicina atualiza seus conceitos. Por isso,

Pereira defende que ainda que, como fenômeno biológico, a doença possa ter

características universais, podendo o homem ser encarado como um ser

isolado, mas da perspectiva da Medicina Social, fora de seu contexto social

esse homem é uma abstração, algo que não existe. Ele relata que:

Por isso, uma visão reducionista do problema de saúde e


doença, perdendo de vista essa totalidade social, acaba não
proporcionando o entendimento procurado do problema. A divisão deste
em partes, para se proceder à análise, pode ser conveniente apenas
quando, em seguida, faz-se a síntese, chegando a uma concepção

221
enriquecida do conjunto do qual se partiu. Só quando se tem um mínimo
de percepção dos fatores sociais produtores da enfermidade é que se
pode compreender porque a presença da causa necessária de uma
doença não necessariamente a desencadeia se não estiverem
presentes as condições suficientes para que ela exista. É nesse sentido
que se pode dizer que a verdadeira causa da tuberculose são as
precárias condições de vida e não o bacilo de Koch. (PEREIRA, 1986, p.
32)

Podemos observar que no Brasil, a partir dos anos 80, como a

exemplo do conceito da OMS, a análise do papel e das características da

saúde na sociedade moderna ganha novas representações. Em outras

palavras, reedita as velhas representações dos intervencionistas sociais

brasileiros e das teorias miasmáticas européias, ao caracterizar a saúde por

fatores multicausais.

Este fato é importante na saúde pública porque coloca frente a frente

os novos higienistas, os sociais e os da saúde física.

E lembrando disto, como que a área de Educação Física, fortemente

influenciada pela saúde física, recebeu nos anos 80 estes novos conceitos?

7.5 A antítese da Educação Física

Na história dessa profissão no Brasil, os anos 80 são,

particularmente, muito importantes. Longe daquele discurso quase que

unânime23 da preparação de atletas e aprimoramento físico com fins estéticos e

de saúde dos anos 70, a Educação Física ganha em diversidade e debate. Isto

pode ser observado no seguinte trecho de Apolônio Carmo:

222
(...) cultivar a Educação Física como elemento de saúde
teria alguma validade se as condições sociais e humanas para a prática
dessa atividade fossem consideradas e respeitadas, no tocante à
alimentação dos alunos, às condições de higiene na escola, recursos
materiais disponíveis, os salários dos professores e outros aspectos
didático-pedagógicos e materiais. (CARMO, 1985, p. 33)

A Educação Física ainda não tinha descoberto efetivamente a

História, Sociologia, Filosofia. Estava muito restrita às visões biológicas e não

compreendia o homem como um ser totalizado. Entre os motivos que levaram

à diversidade do discurso dos intelectuais da Educação Física, podemos

destacar o ingresso de professores de Educação Física em pós-graduações na

área de Educação. Neste âmbito, começaram a dialogar com outros

profissionais, como pedagogos e filósofos. Mais especificamente, o curso da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com uma influência marxista

muito forte, colaborou na construção de um discurso de antítese. Castellani

disse que se alguém não seguisse esta vertente teórica na PUC teria sérias

dificuldades24. Se compararmos os textos dos orientadores da PUC e de seus

alunos da área de Educação Física, como por exemplo os textos de LIBÂNEO

(1985) e RIBEIRO (1982) em comparação aos de GHIRALDELLI (1988) e

CASTELLANI (1988), respectivamente, percebemos facilmente uma

similaridade de idéias.

23
Deve-se fazer justiça a pensamentos da década de 70 que traziam certa diversidade à área,
como o movimento Esporte para Todos e a Educação Física Humanista, como exemplos
representativos.
24
Lino faz estas considerações em entrevista a Amarílio Ferreira Neto. Cf. FERREIRA NETO,
1996, p. 206.

223
Deste modo, o discurso de antítese da Educação Física foi

elaborado nos limites da Pedagogia. Fato que acarretou, por parte desses

profissionais o abandono da questão da saúde.

Explicando melhor, diferentemente da área de Saúde Pública, que

encaminhou seu discurso para o acesso e democratização da saúde, a

Educação Física direcionou seu pensamento para as questões de Metodologia

do Ensino, com base na pedagogia de esquerda de Demerval Saviani e Paulo

Freire, por exemplo. Ao criar uma nova proposta de Educação Física Escolar,

estes intelectuais, que não chamaremos de higienistas, pois seus objetivos não

são os deste movimento social, abandonam o discurso da saúde e constroem o

discurso de uma Educação voltada para a formação do homem crítico e

revolucionário.

Esta tendência da Educação Física, que chamaremos Crítica, ataca

os ideais da saúde. Autores como Valter Bracht e João Paulo Medina, sem

falar no Coletivo de Autores, foram responsáveis por intensos e novos debates

nessa área.

A exemplo do movimento sanitário da Saúde Pública, a Educação

Física Crítica era baseada em pressupostos marxistas. No entanto, esta fazia

uma leitura do marxismo pelo viés das teorias da Educação, como a concepção

Histórico-Crítica, Crítico-Social dos conteúdos e outras tensões internas das

teorias de esquerda da área de Educação.

Sem dúvida, a teoria de maior influência é a Histórico-crítica, pois

resgata a concepção de luta de classes para a Escola. Segundo Demerval

SAVIANI (1983), a Escola era um dos campos de batalha onde se construiria

uma contra-hegemonia. Este axioma ia contra uma tese muito aceita no campo

224
das Ciências Sociais, que era cético a um projeto da Escola que não

reproduzisse as características da sociedade capitalista. Os adeptos desta

teoria ficaram conhecidos como crítico-reprodutivistas (GHIRALDELLI JÚNIOR,

1994).

Na década de 80, a concepção histórico-crítica ganha muitos

partidários na Educação, e, conseqüentemente, na Educação Física. Saviani

vence o debate e a Escola é colocada como uma das instituições mais

estratégicas para um projeto revolucionário.

A partir deste quadro, intelectuais da Educação Física começaram a

elaborar estudos para uma nova Educação Física, que elegeria como seus

rivais o modo de produção capitalista e o desenvolvimento da aptidão física.

Sobre o Capitalismo, Valter Bracht, atualmente professor da

Universidade Federal do Espírito Santo, coloca que:

A sociedade capitalista na qual vivemos, com o auxilio do


mito da liberdade (individual) e da igualdade de oportunidades, mantém
uma estratificação social extremamente injusta. Para a manutenção de
seus privilégios a classe dominante necessita que sejam aceitos como
normais e desejáveis determinados valores, como por exemplo, a
competição ou concorrência baseadas na idéia de igualdade de
oportunidades, o que leva ao culto do individualismo. (BRACHT, 1992,
p. 108)

Como o capitalismo é o inimigo, foi necessário traçar estratégias

para mudar o status quo. No que tange à Educação Física, deveriam construir

uma Metodologia de Ensino que contribuísse com os interesses da classe

trabalhadora, nos moldes das teorias de Gramsci, ressaltando o papel dos

intelectuais na luta de classes. É com este objetivo que é publicado o livro

“Metodologia do Ensino da Educação Física” do Coletivo de Autores, grupo

225
formado por Lino Castellani Filho, Carmem Lúcia Soares, Valter Bracht, Celi

Taffarel, Michelli Escobar e Elizabeth Varjal.

Neste livro fica claro que, para os autores, a Educação Física em

toda a sua história vinha sendo atrelada aos interesses dominantes. Eles

elegem como símbolo desta Educação Física, a concepção de aptidão física,

muito influenciada pelos higienistas da saúde física. Em seus escritos:

A perspectiva da Educação Física escolar, que tem como


objeto de estudo o desenvolvimento da aptidão física do homem, tem
contribuído historicamente para a defesa dos interesses da classe no
poder, mantendo a estrutura da sociedade capitalista.
Apóia-se nos fundamentos sociológicos, filosóficos,
antropológicos, psicológicos e, enfaticamente, nos biológicos para
educar o homem forte, ágil, apto, empreendedor, que disputa uma
situação social privilegiada na sociedade competitiva de livre
concorrência: a capitalista.
Procura, através da Educação, adaptar o homem à
sociedade, alienando-o da sua condição de sujeito histórico, capaz de
interferir na transformação da mesma. Recorre à filosofia liberal para a
formação do caráter do indivíduo, valorizando a obediência, o respeito
às normas e à hierarquia. Apóia-se na pedagogia tradicional influenciada
pela tendência biologicista para adestrá-lo. Essas concepções e
fundamentos informam um dado tratamento do conhecimento.
(COLETIVO DE AUTORES, 1993, p. 36)

Da mesma forma pensava João Paulo Medina, um dos intelectuais

mais influentes na Educação Física da década de 80. Além disto, seus escritos

eram baseados na obra de Paulo Freire, principalmente no aspecto

classificatório utilizado por Freire para diferenciar os níveis de consciência: a

intransitiva, transitiva-ingênua e a revolucionária.

Para ele, a Educação Física recebia forte influência da tradição, de

certa forma, da pedagogia tradicional. Esta pedagogia possui uma visão

226
dualista ou pluralista do homem, e, tendo como uma de suas características a

produção de um "espírito" superior, erudito, culturalmente intelectualizado,

tende a desvalorizar o corpo ou considerá-lo num plano secundário. Assim,

existe, na visão do autor, uma equivocada divisão entre o corpo e a mente,

valorizando a última. Por esta razão, quando trabalha o corpo, faz isto de

maneira fragmentada e não consegue percebê-lo além dos seus limites

biológicos. Deste modo, os profissionais portadores desta concepção sentem-

se muitas vezes constrangidos ao assumirem o papel de educadores,

desvalorizando-se e sendo desvalorizados pela comunidade na qual trabalham.

O seu conceito básico é o da Educação Física como uma educação do físico.

Preocupam-se com os aspectos físicos da saúde ou do rendimento motor do

homem (MEDINA, 1995).

A crítica que Medina faz é justamente contra os higienistas da saúde

física, que, para ele, definiam a Educação Física simplesmente como um

conjunto de conhecimentos que visam o aprimoramento físico das pessoas. Os

aspectos psicológicos e sociais ocupavam um papel secundário, periférico ou

mesmo irrelevante. Com isto, Medina aproxima-se muito do conceito de saúde

amplo da OMS. Porém, este autor não constrói um modelo alternativo de

educação para saúde que pudesse fugir daquelas características da saúde

física, ensinando um conceito mais amplo de saúde. Ao invés disto, ele e a

Educação Física Crítica optam pela intervenção pedagógica excluindo a

questão da saúde, caminhando para o discurso do ensino da cultura corporal.

Esta linha da Educação Física é cética sobre o papel da educação

para a saúde como conteúdo desta prática pedagógica. Assim, abandona a

Saúde, que, historicamente, é uma importante tradição da área.

227
Valter Bracht ainda reforça esta idéia. Parafraseando BRACHT

(1992), uma visão funcionalista (refere-se os higienistas da saúde física) advém

das ciências biológicas e da saúde de sua orientação positivista. Em seus

termos:

Daí advém também grande parte de suas limitações e seus


reducionismos, que em termos de concepção pedagógica têm sido
denominada e denunciada como "biologista”. Na verdade, a concepção
positivista da ciência não pode fornecer o fundamento para a prática
pedagógica, porque ela radicaliza a separação entre teoria e prática. "Ela
apresenta como medida absoluta da cientificidade, os critérios da
comprobabilidade intersubjetiva e da consistência lógica. A prática
humana dirigida por decisões (...) é denunciada como a-científica por
escapar ao alcance experimental e à fixação empírica como validade
universal, como tudo que não pode ser subsumido a este esquema. A
partir deste modelo teórico, questões complexas, como por exemplo a da
saúde, sofrem uma redução de cunho biologista. (BRACHT, 1992, p. 45-
6)

A Educação Física Crítica tinha um papel histórico importante: o do

questionamento. Este é um momento de antítese na Educação Física.

Perguntas como as de Bracht – “Saúde? Mas quem ganha com a saúde do

trabalhador? Civismo? que tipo de cidadão, o subserviente? o adaptado,

aquele ‘ensopado’ de ideologia burguesa? Aquele que não questiona e serve

ao poder?” (BRACHT, 1992, p. 48) – colocam o discurso de Saúde como um

dos alvos desta linha de pensamento.

Valter Bracht apóia-se no filósofo Jacques Royer para afirmar que o

movimento é humano e o Homem é fundamentalmente um ser social. Para

ambos, a motricidade já não é mais biológica e sim histórica e social (BRACHT,

1992). Diferentemente dos higienistas sociais da Saúde Pública, que queriam a

228
valorização do social em conjunto com o biológico, Bracht quer a substituição

de um pelo outro. Isto também não deixa de ser um reducionismo, ao passo

que desconsidera as relações biológicas.

No entanto, João Medina é o único autor desta concepção que fez,

ainda de maneira superficial, uma discussão sobre a ampliação do conceito de

saúde. Ele conta que na época do Império, por exemplo, a nossa educação era

nitidamente dividida em uma educação intelectual, outra moral e outra física. A

Educação Física daquele tempo tinha como preocupação básica melhorar o

nível de saúde e higiene da população escolar. Para ele, esta concepção ainda

perdura e significa um atraso, pois considerar a aquisição e manutenção da

saúde através de preceitos de higiene que incluam algumas sessões semanais

de ginástica seja ainda hoje a grande meta da Educação Física significa estar

atrasado um século, na sua opinião. Descreve que as ciências progrediram, e

não podemos desprezar este progresso. Com a posse de um rol de

conhecimentos muito maior do que o de épocas passadas e, portanto, as

noções em torno dos mesmos fenômenos evoluíram consideravelmente,

deveria a Educação Física rever sua prática. É neste momento, que toma como

exemplo a ampliação do conceito de saúde (MEDINA, 1995). Vislumbra que:

O que as ciências revelam como verdade sobre a saúde em


1882 não passa de superficialidade, ingenuidade ou mesmo equivoco
em 1982. O próprio conceito da palavra evoluiu de uma idéia de
"ausência de doença" para a de “um estado de completo bem-estar
físico, mental e social”.
Este aspecto da evolução do conhecimento, entretanto, não
é o único a ser incluído em uma análise da situação da Educação Física
modernamente. (...)
Retomemos mais uma vez o termo “saúde”, tão utilizado
como expressão ligada aos objetivos da Educação Física. Mesmo

229
considerando o moderno conceito de 'um estado de completo bem-estar
físico, mental e social", este seu sentido pode não estar contribuindo em
nada para um ato educativo mais eficaz. Se algo não se processar na
consciência do professor e do aluno, tal conceito continuará tão vago
quanto qualquer outro de épocas anteriores. É preciso, antes de mais
nada, que se entenda visceralmente o que é este estado de completo
bem-estar físico, mental e social. (MEDINA, 1995, p. 59-60)

Ele não desconsidera a possibilidade de se educar para a saúde,

desde que o profissional esteja consciente da amplitude do termo. Poderia se

desenhar aqui pensamentos para Educação Física que não caminhassem,

necessariamente, para uma dicotomia entre Saúde e Educação, como ocorrido

na década de 80.

Criaram-se tribos na Educação Física, a área perdeu sua unidade.

Ela colheu bons resultados desta diversidade, mas também uma certa

intolerância, que apontou para radicalismos, cometidos tanto pelos higienistas

da saúde física como pelos intelectuais da Educação Física Crítica.

A exemplo da Saúde Pública, escreveram uma história da área que

ressaltasse a luta de classes. Todos os questionamentos que apontamos sobre

o uso do materialismo histórico na historiografia da Saúde Pública também

cabem perfeitamente a esta linha da historiografia na Educação Física.

Na década de 90, algumas críticas foram elaboradas com o intuito

de relativizar muitas das teses da historiografia da Educação Física da década

anterior. Pedro Ângelo PAGNI (1995), Alberto PILLATI (1994), Ademir

GEBARA (1994) e, mais recentemente, na ocasião da orientação deste

230
trabalho, Hugo LOVISOLO (1998)25 apontaram muitas lacunas na produção da

“História Crítica” – como ficou conhecida a historiografia da década de 80.

A tese principal desta historiografia sobre o “movimento higienista”

em relação à Educação Física, representada, principalmente, por Lino

CASTELLANI FILHO (1988), Paulo GHIRALDELLI JÚNIOR (1988) e Carmem

Lúcia SOARES (1990), com respectivamente os seguintes textos: “Educação

Física no Brasil: uma história que não se conta”; “Educação Física

Progressista”; “O pensamento médico higienista e a Educação Física no Brasil:

1850-1920”, é que a teoria e a prática dos higienistas e dos

professores/instrutores de Ginástica/Educação Física era determinada pelos

interesses das classes dirigentes. A este respeito, Francisco Caparroz afirma,

com propriedade:

Não que as condições a este respeito estivessem


totalmente equivocadas ou que não se devessem operar análises neste
sentido, não se trata disso, mas sim de mostrar que operar análises
única e exclusivamente nesta perspectiva pode levar fatalmente a certos
reducionismos, como acreditar que o processo histórico é totalmente
determinado pela macroestrutura, o que levaria então a crer, que não há
espaços para as contradições e conflitos, já que há apenas e tão
somente um movimento (paradoxalmente) estático e linear de
reprodução da ideologia dominante. (CAPARROZ, 1997, p. 74-5)

25
Ademir Gebara (1994) e Luís Alberto Pillati (1994) questionaram a questão da periodização
política adotada pela “História Crítica”. Pedro Ângelo Pagni, em “História da Educação Física
no Brasil: notas para uma avaliação” (In: FERREIRA NETO, 1995), faz uma crítica sobre a
produção de Fernando de Azevedo, Inezil Penna Marinho e Lino Castellanni Filho sobre
história da Educação Física, ressaltando lacunas na historiografia destes autores. Hugo
Lovisolo, em “História Oficial e história crítica: pela autonomia do campo” (In: Coletânea do VI
Congresso Nacional de História da Educação Física, 1998), vê semelhantes essas duas formas
de escrever história na Educação Física Brasileira, pois estiveram da mesma forma
preocupadas mais com a legitimação de uma pedagogia do que com a reconstrução da
história.

231
Concordamos com a análise de Caparroz. Não precisamos

desconsiderar as interpretações desses autores, mas devemos testá-las e não

simplesmente aceitá-las como verdades absolutas.

Por exemplo, Castellani considerou, baseado em um livro de

Jurandir Freire Costa, que os higienistas colaboravam em um projeto racista de

supremacia da raça branca e de opressão da classe trabalhadora. Como

comprovamos nesta passagem:

Os médicos higienistas, então, através da disciplinarização


do físico, do intelecto, da moral, e da sexualidade, visavam “...multiplicar
os indivíduos brancos politicamente adeptos da ideologia nacionalista...”
“É por isso que nos cumpre – dizia o Dr. Joaquim José dos Remédios
Monteiro, citado por Jurandir – envidar todos os esforços para o
melhoramento da geração atual pela garantia da procriação, pela
educação física...” Educação Física associada à Educação Sexual, a
qual segundo os higienistas “deveria transformar homens e mulheres em
reprodutores e guardiões de proles e raças puras...” (COSTA, 1999, p.
213)26

Castellani, baseado nesta citação, considerou o “movimento

higienista” unido na questão da superioridade da raça branca, atribuindo a este

movimento um discurso unívoco e homogêneo. Demonstramos nesta tese que,

por muitas vezes, higienistas como Fernando de Azevedo, Miguel Couto entre

outros teceram duras críticas a esta ideologia.

A História Crítica da Educação Física centraliza-se na

intencionalidade dos Governos na implantação desta prática na Escola,

desconsiderando os valores e ideais de instrutores e higienistas favoráveis

àquela proposta. Como bem coloca João Paulo Medina:

232
E não se trata aqui de minimizar ou mesmo ridicularizar os
personagens e pioneiros que, no passado, trabalharam e lutaram pela
ginástica, pelo esporte ou pela Educação Física e, de uma forma mais
ampla, por uma cultura física. Se, por exemplo, Per Henrik Ling possuía
uma visão acentuadamente anatomista do movimento do homem, isto
não quer dizer que sua contribuição tenha sido pouco relevante para a
evolução da Educação Física em todo o mundo ocidental. Este mestre
sueco foi de fato um dos decisivos precursores de uma Educação Física
realmente científica, preocupada em ampliar as possibilidades da
atividade física e educativa de sua época. Como igualmente importante
foi o papel do pedagogo inglês Thomas Arnold, ou do francês Pierre de
Coubertin para o desenvolvimento do esporte como fenômeno educativo
e cultural, apesar das críticas que se possa fazer hoje às posições
político-sociais de ambos à luz dos conhecimentos atuais. Da mesma
forma temos que reconhecer e reverenciar a lucidez de um Rui Barbosa
que há cem anos atrás, em tom profético para a época, já defendia a
necessidade da atividade física para a formação mais plena do homem
brasileiro (...). Cada época deve ser analisada pela ótica da realidade
que a circunscreve e não faz sentido a aplicação de princípios antes
prevalentes, mas que atualmente se mostram superados pelos novas
conhecimentos estabelecidos. Nas ciências não existem verdades
eternas. (MEDINA, 1995, p. 61-2)

Com isto, Medina, como alude Quentin Skinner, resgata o passado

em seus próprios termos.

Outra crítica, desta vez da autoria de Hugo Lovisolo, caminha no

mesmo sentido à medida que considera que uma história narrada sem uma

maior imparcialidade, como foi feito na década de 80, está sujeita a acreditar

que questões, como: de que lado está a história narrada? a quem defende?

quais são seus heróis? qual sua moralidade ou sua política?, têm mais

importância enquanto critérios de aceitabilidade do que a consistência da

26
Lino cita esta passagem de Jurandir Freire COSTA (1999) como argumento de autoridade
em seu livro. (Cf. CASTELLANI FILHO, 1988, p. 44)

233
narrativa, das provas factuais, da originalidade no tratamento dos materiais da

história. O problema, então, não é porque ou com qual intencionalidade se

pensa que os ideais higienistas alienavam o povo ou eram funcionais ao

liberalismo. O problema é como se demonstra essa convicção. Não se trata de

expulsar as convicções, trata-se de afinar o como. Nos termos de Lovisolo:

Os autores e as produções da "história crítica" da educação


física tornaram-se parte dos dogmas e seus autores, citados e recitados,
por vezes contra sua vontade, parece que estão além da crítica teórica e
empírica. A citação dogmática pode ser resultado de que estamos,
alguns dos de dentro, com disposições favoráveis para aceitar como
válida e boa sua narrativa da história dos esportes e da educação física.
Uma narrativa altamente ideologizada pelas preocupações de denunciar
"projetos" e "ações" de dominação e de justificar os contraprojetos, por
vezes supostos, de emancipação dos grupos historicamente
subordinados ou dominados. Esta é sem dúvida uma dimensão da
história, contudo, não é a única nem sempre a mais relevante. Assim, a
história crítica inventa sua própria redução histórica para se contrapor a
outros reducionismos. Reproduz, em espelho deformado, aquilo que
pretende combater. (LOVISOLO, 1998, p. 57)

Esta historiografia, segundo Lovisolo, preocupou-se mais em revisar

trabalhos da historiografia da Educação27 que fossem ao encontro de suas

interpretações, do que com a reconstrução da história de uma forma

consistente. Assim, por exemplo, a história crítica não poderia ter ignorado que

os fisiologistas e higienistas, no século passado na Europa e no Brasil, foram

aliados importantes da classe trabalhadora (LOVISOLO, 1998), pois eles

despertaram o público para a idéia de que um povo sadio e educado é um

capital de inestimável valor para o país, dando fundamento a reivindicações

27
Demerval Saviani (1983), Maria Luísa Santos Ribeiro (1982), Otaíza Romanelli (1984),
Libâneo (1985), Alcir Lenharo (1986), Edgar de Decca (1988).

234
dos trabalhadores, ajudando-lhes a consolidar a idéia de que Saúde e

Educação deveriam ser prioridades do Estado. Defenderam a redução da

jornada de trabalho como medida profilática no combate às doenças

ocupacionais. Enfim, por diversas vezes, colaboraram na melhoria das

condições de vida da população em geral, como demonstramos nesta tese.

A historiografia comentada nesta crítica também parte do

pressuposto de que a população em geral não pode resistir à ideologia dos

governos. Se o governo é liberal, todos passam a ser influenciados a ter um

pensamento liberal. Se transportarmos esta lógica para nossos dias,

entenderíamos que o pensamento dos professores de Educação Física era

autoritário até 1985 e passou a ser neoliberal?

Neste sentido, Max Weber pode nos ensinar que o indivíduo deve

estar no centro da problemática. No seu trabalho mais paradigmático, ele

mostra, por exemplo, que o desenvolvimento do capitalismo vai depender da

mentalidade das pessoas. Temos que entender que o protestantismo não foi

criado para ser funcional ao capitalismo, mas, em uma lógica de interação

entre os atores sociais, contribuiu na consolidação do espírito capitalista. Nas

suas palavras: “(...) o racionalismo econômico, embora dependa parcialmente

da técnica e do Direito Racional, é ao mesmo tempo determinado pela

capacidade e disposição dos homens em adotar certos tipos de conduta

racional” (WEBER, 1967, p. 11).

Finalizando, ressaltamos uma interpretação comum a todos os

autores: o “movimento higienista” atendia aos interesses da camada dominante

da população. Defendemos a tese de que esta relação é mais complexa, mais

235
“weberiana”, procurando afinar esta reflexão, ou seja, o velho higienismo era

um movimento social amplo, onde se abrigavam várias posições políticas.

236
8. O MOVIMENTO DE SAÚDE E SUAS POLARIDADES

Até este momento do texto, podemos, sucintamente, explicar os

processos históricos que influenciaram os ideais da saúde. Percebemos

inicialmente, no século XIX, a polaridade entre a teoria miasmática, com suas

explicações sociais; e a bacteriologia, com suas bases positivistas,

estabelecendo as leis de funcionamento das causas da doença em um único

agente externo. Neste debate, a bacteriologia, graças aos estudos de Pasteur,

parece vencer, não definitivamente, o debate teórico. Contudo, no campo da

intervenção higienista, as práticas sanitárias se diversificam entre a duas

tendências, com imunizações e saneamento dos ambientes. Este quadro

possibilitou, no Brasil, uma maior diferenciação entre as correntes, resultando

em um movimento heterogêneo, com distintas correntes e orientações. O

movimento torna-se tão heterogêneo que o rótulo “movimento higienista” é

abandonado. Posteriormente, nas décadas de 50, 60 e 70, o Brasil passa por

um processo de “americanização” de sua cultura e ciência. Desta forma, os

discursos da Saúde Pública e da Epidemiologia migram, gradualmente, das

explicações etnológicas das doenças parasitárias, para a explicação dos

fatores de risco de multicausalidade das doenças crônico-degenerativas,

propagando o ideal da saúde física. Na década de 80, a polaridade de

discursos na área renasce com os higienistas sociais, e na década de 90, a

área passa por uma crise epistemológica, como veremos adiante.

237
8.1 Os anos noventa e a busca de uma síntese

Como já dissemos no início desta tese, os pontos de vista

apresentados não determinam fases estereotipadas da história destes

intelectuais, determinando periodizações onde uma e outra se destacam. Na

verdade, estes pontos de vista estão dialeticamente se imbricando, mantendo-

se e transformando-se.

Como veremos a seguir, nas áreas de Saúde Pública e Educação

Física as idéias passaram por mudanças, continuações e descontinuações

motivadas pela oposição e diálogo entre as partes. Parece-nos que esta

década desencadeou a tentativa de um acordo e a aceitação da diferença no

lugar das críticas ácidas da década de 80. Contudo, as oposições mantiveram-

se, e seria difícil o contrário. Com objetivos diferenciados e visões de mundo

diversas, como evitar o conflito? Ele ocorreu, mas de uma nova forma. As

posições em relação à busca da Saúde, ao mesmo tempo em que se firmavam,

buscavam escutar o outro, e, conseqüentemente, mudavam. Assim, fica

anunciada uma crise epistemológica, uma crise de modelos.

No caso desta historiografia das ciências da Saúde, podemos

observar na década de 90 a perfeita caracterização de uma crise de

hegemonia na Saúde Pública. Se pensarmos na polarização que área vivia até

a década de 80, e percebermos que esta polarização é pulverizada na década

seguinte, sendo substituída por diversas linhas teóricas, podemos observar que

a crise começa a ocorrer a partir da diversificação teórica dos higienistas

sociais. Estes, anteriormente, em sua maioria adeptos do marxismo, passam a

adotar outras perspectivas filosóficas. A própria crise que o marxismo enfrentou

238
com a queda do muro de Berlim influencia muito este quadro. Alguns

higienistas migram para a fenomenologia e para abordagens sistêmicas, outros

permanecem fiéis ao marxismo, e ainda surgem popperianos na Saúde

Pública, como veremos a seguir.

Já os higienistas da saúde física, adeptos de uma epidemiologia

descritiva, com a defesa dos fatores de risco, ainda eram muito influentes. A

partir de uma aliança com a mídia, seus ideais continuavam sendo amplamente

divulgados. Devemos agora explicar mais detalhadamente este quadro.

Primeiramente, os higienistas sociais que permaneceram no

marxismo continuaram com seus ideais de reformulação da sociedade, como

critério principal para uma vida saudável. Sua idéia central é erradicar a doença

maior, o capitalismo.

Discutiremos brevemente esta posição, pois já a fizemos

anteriormente neste texto. Contudo, causa surpresa um discurso interno da

esquerda brasileira, representada por um de seus maiores adeptos no campo

da saúde, David Capistrano. Embora um pouco longo, é muito interessante, em

seus termos:

Penso que precisamos admitir claramente que a esfera da


cultura e da ciência possui autonomia em relação à esfera da prática
política.
O conhecimento científico, o conhecimento
aproximadamente verdadeiro do real, independente de quem o formula
e da posição política que defenda, independente de quem paga a tese,
tem um valor próprio que é decorrente de sua maior ou menor
aproximação com a realidade, e presta-se a diferentes usos na prática
social, inclusive na prática política. Acho que temos que reconhecer
essa idéia em toda a sua radicalidade, especialmente para poder
colocar a questão de como articular a prática política do ponto de vista
de quem tem uma determinada posição política – como é o caso, aliás,

239
de todas as pessoas que estão nesta mesa –, e de como articular o
mundo do trabalho e o mundo da cultura. (...)
Vou citar um exemplo da nossa área de saúde coletiva: lá
pelos anos 70, depois de declinar continuamente, a mortalidade infantil
começou a aumentar no país todo, e particularmente em São Paulo.
Naquele tempo o professor e sanitarista Walter Leser publicou na revista
da Fiesp um artigo correlacionando o comportamento da mortalidade
infantil com o salário mínimo, o nível do salário real e a extensão da
rede de abastecimento de água e saneamento básico. Isto é, um estudo
de epidemiologia clássico, simples, publicado pela revista do poderoso
sindicato dos empresários paulistas, feito por um professor universitário
que nunca foi, não é e nem provavelmente será um homem de
esquerda. Se fôssemos fazer a crítica epistemológica do trabalho de
Leser, poderíamos encontrar mil insuficiências, reducionismos etc. (O
professor Jaime Breilh, do Equador, poderia fazer um livro inteiro de
considerações críticas.) Mas, independente disso, de quem pagou, de
onde foi publicado e de quem era o autor, o conteúdo concreto de seu
estudo, de sua observação, foi um poderoso instrumento de trabalho
político para o movimento sindical, para o movimento dos sanitaristas e
para a saúde pública de um modo geral. Não quero entrar nos
meandros da discussão sobre a neutralidade do conhecimento
científico, mas acho que temos de admitir que qualquer tipo de
conhecimento, mesmo que parcialmente verdadeiro do real, é algo que
pode ser apropriado de diferentes formas, por diferentes forças políticas
e por diferentes classes da sociedade.
A negação desse conhecimento através de critérios que
não sejam os de validação de conhecimento, próprios da ciência é um
sério obstáculo para uma aproximação entre o mundo do trabalho e o
mundo da cultura e da ciência. E isso não só expressa uma cegueira
ideológica, mas conduz a erros políticos graves. (CAPISTRANO, 1995,
p. 29-31)

Esta passagem de David Capistrano é muito interessante,

primeiramente pela coragem, pois é comum que um discurso deste tom fosse

rotulado de diversas formas não agradáveis ao leitor. Por se tratar de um autor

de envergadura na esquerda brasileira, estas opiniões poderiam causar a

motivação para uma remodelação destes higienistas. Contudo, este discurso

240
não se tornou regra, mas demonstra um anseio em ouvir o outro, em ser

democrático, sem perder o ideal original de uma sociedade mais justa. O

exemplo citado por Capistrano ilustra muito bem que a vulgarização da idéia de

um intelectual associado aos interesses de determinada classe é muitas vezes

perigosa para os anseios revolucionários. Também é um prenúncio de síntese

posterior à ontológica polarização dos higienistas na década de 80.

Na década de 90, as metodologias das ciências sociais passam a

influenciar decididamente as ciências da saúde. O clima de interdisciplinaridade

como proposta para a crise, que não atingia somente o marxismo, a saúde

pública, o positivismo, mas sim a Ciência de um modo geral, levava a um certo

consenso neste aspecto. Para os intelectuais, era preciso abandonar os limites

de uma ciência disciplinar, onde cada ciência deveria ter seus próprios objetos

de estudo e metodologias. Exemplificando melhor, podemos imaginar a ciência

como o mapa da América do Sul. Ao Brasil cabe o estudo da vida biológica, à

Argentina, o estudo do passado dos homens, à Colômbia o estudo das

sociedades, e assim por diante. O discurso da interdisciplinaridade pregava a

instituição de eixos transversais que atravessassem as ciências e que cada

assunto fosse discutido a partir da ótica de cada ciência, conjuntamente. É a

proposta de fim das fronteiras científicas e de suas estruturas disciplinares.

Esta conjuntura foi um dos fatores que ligaram efetivamente a tese

social à tese da saúde, até aqui, principalmente de caráter biológico. Uma das

instituições brasileiras de tese que mais aderiu a esta proposta foi a FIOCRUZ,

em especial na publicação de seu periódico “História, Ciências, Saúde”.

É principalmente dentro desta instituição onde se constroem as

críticas a uma epidemiologia descritiva dos higienistas da saúde física. Para

241
Rita BARATA (1996), surge uma nova proposta de ciência epidemiológica, que

teria como base a teoria da complexidade, propondo diversidade e pluralidade

nos estudos dos objetos, criticando fortemente a relação linear de causalidade

da epidemiologia. A autora defende uma dialética aplicada à epidemiologia,

onde a categoria de totalidade fosse respeitada (BARATA, 1996). Esta corrente

pode ser identificada na coletânea “Epidemiologia Hoje”.

Vários autores tentam chegar a um acordo sobre os caminhos das

ciências sociais na epidemiologia. Publicado em 1998, este livro parece ser um

divisor de águas para esta corrente da complexidade. Um dos textos mais

instigantes é da autoria de Luís Castiel e proclama uma epidemiologia mestiça:

É importante considerar seriamente a possibilidade da


tradição quantitativa das ciências ditas naturais, em geral, e da
epidemiologia, em particular, de apresentar sinais de desgastes em
suas propostas de produzir conhecimento. (...)
Enfim, a especulação acerca das possibilidades de
incorporar os agentes provocadores de perturbações aos nossos
esquemas científicos, de modo a gerar outra(s) racionalidades(s)
epidemiológica(s) e outra(s) relação(ões) (inclusive metafóricas) entre
sujeito e objeto, não constitui um exercício diletante e inócuo. Desta
forma as “impurezas” não adquirem inevitavelmente o incômodo
significado de “confundimento”. Talvez, admitindo mestiçagens, seja
possível alcançar outro patamar de compreensão e de intervenção
sobre o adoecer humano. (CASTIEL, 1998, p. 250-1)

Castiel preocupa-se com os métodos quantitativos da

epidemiologia, com a unicidade desta abordagem, construindo críticas ao

modelo. Contudo, ele não está sozinho. No livro “Epidemiologia Hoje”,

podemos identificar facilmente esta tendência. Por exemplo, para Juan

Samaja, professor da Universidade de Buenos Aires: “Assim como Marx

242
sustentava que não é a quantia que uma pessoa tem no bolso que informa

sobre sua classe social, mas sim sua inserção no sistema de produção, não

são essas taxas que revelam a saúde ou a doença das populações” (SAMAJA,

1998, p. 31). Ou ainda, para CZERENIA & ALBUQUERQUE (1998, p. 75):

“Sendo assim, a construção metodológica do risco, enquanto efeito causal

médio, apresenta limites que precisam ser considerados no momento de sua

aplicação como estimador, tanto para inferências individuais quanto para as

populacionais”.

O que esta corrente critica neste momento, é que os fatores de risco

são correlações relativas, que podem ocorrer ou não, portanto não são

determinantes da doença. Contudo, muitos higienistas da saúde física

consideram fatores de risco como a obesidade uma doença. O fator de risco

passa a valer como a própria doença. Por exemplo, um senhor de setenta

anos, que teve um estilo de vida totalmente insalubre, fumava, bebia, é

convidado a passar um dia saudável em uma academia de ginástica. O fato

deste senhor não ter nenhuma doença cardíaca, prova que os fatores de risco

podem levar à doença, mas isto é relativo, porque o senhor não ficou doente.

O que se critica é o fato de os higienistas da saúde física e a própria mídia

encararem o fator de risco como a própria doença, incutindo uma moralidade

na sociedade, onde o comer, o fumar e o sedentarismo são perniciosos. Para

CASTIEL (1996, p. 260):

Diante deste alcance, é preciso ter em mente a dimensão


múltipla da "relatividade" do risco: é um conceito produzido em uma
época particular, especificada como tardo-modernidade; a categoria
está ligada a determinada visão do mundo e do que é a experiência
humana, de modo a influenciar os correspondentes enfoques teóricos,

243
conceituais e metodológicos adotados em sua produção, com ênfase
em seu caráter probabilístico e respectivas conseqüências; as
pessoas lidam e percebem seus riscos (e dos outros) de modos
variados – envolvem aspectos que ultrapassam os saberes científicos
e mesclam dimensões simultaneamente biológicas, psicológicas,
socioculturais. Enfim, se pode haver uma certeza estabelecida acerca
das verdades sobre os riscos é que estas são relativas (...)

Os próprios higienistas da saúde física não ficaram alheios a estas

críticas e ensaiaram suas respostas. Como exemplo, podemos vislumbrar o

editorial da Revista de Saúde Pública da FSP da Universidade de São Paulo,

escrito por José Alberto Neves Candeias:

Quanto muito, podem levantar-se dúvidas sobre a


qualidade dos procedimentos usados no processo experimental, não em
termos gerais, mas para cada caso, frente às evidências obtidas em
cada fase do experimento. E, provavelmente, não poder-se ir mais
longe, na tentativa de enfrentar os "filósofos da dúvida" e alguns
"cientistas da dúvida", em nome dos raros indivíduos com propensão
natural para inventar o futuro da ciência e da tecnologia... Que assim
seja! (CANDEIAS, 1999, p. 1)

Outro fato importante no campo da saúde pública acontece: o

desenvolvimento da biologia molecular. No início, muitos consideraram o fim da

celeuma das explicações do processo saúde-doença. Com os avanços na tese

genética e o Projeto Genoma, alguns consideraram que o fator desencadeador

da doença seria uma deformação em um único gene para determinada doença.

Porém, logo estas opiniões se diversificaram. Uma outra corrente defendia que

o gene deformado seria apenas uma predisposição, que acarretaria a doença

conforme sua relação com fatores ambientais. Ainda, duas correntes

intermediárias surgiram: na primeira, as doenças para as quais os genes

alterados representam causa necessária, porém insuficiente para a

244
determinação das mesmas; e a segunda, onde as doenças que prescindem da

alteração genética, podendo ser causa suficiente (BARATA, 1996). Portanto o

problema não foi resolvido.

A isto, ainda, uniu-se o problema da clonagem humana para fins

terapêuticos, que, por uma questão de limites, não abordaremos nesta tese,

pois sua repercussão é muito recente e merece uma análise mais aprofundada

na área da bioética.

Em paralelo, a epidemiologia tradicional dos higienistas da saúde

física continuou em voga, mas com prenúncios de uma visão menos

reducionista. É o que se observa no trabalho de Roseli Sichieri, “Epidemiologia

da Obesidade”, desenvolvido no Rio de Janeiro. Na tentativa de testar suas

próprias hipóteses, Sichieri admite:

Em países como o Brasil, onde as doenças infecciosas


ainda têm um importante papel na morbidade, pode-se perguntar se um
indicador definido para os países desenvolvidos, pois os estudos
longitudinais concentram-se nos Estados Unidos e Europa, teria o
mesmo valor preditivo. (SICHIERI, 1998, p. 17)

Podemos perceber que as críticas elaboradas na década de 80

influenciaram uma parcela dos higienistas da saúde física. Mesmo fiéis ao

empirismo e à estatística, estes higienistas perceberam a falta de contexto de

seu discurso, identificando falhas graves em sua orientação, como observa

Sichieri:

Dentro deste quadro epidemiológico nutricional no Brasil,


as estratégias de saúde coletiva, em relação à obesidade, não podem-
se igualar àquelas dos países centrais, e também não podem-se

245
restringir aos macronutrientes. Adotar, por exemplo, as estratégias
seguidas pelos países desenvolvidos, como estimular a redução do
consumo de gordura, podem também significar o consumo de ferro e
vitamina. (SICHIERI, 1998, p. 21)

Trata-se de uma epidemiologia com mais responsabilidade social e

científica. Da mesma forma, uma tese de Carlos Augusto MONTEIRO &

Wolney Lisboa CONDE (2000), ao estudar o quadro de obesidade e

desnutrição na cidade de São Paulo, ao contrário do que esperava o discurso

americanizado da Saúde Pública, chega à conclusão de que no período de 22

anos (1974-1996), o risco de obesidade permaneceu baixo e restrito às

crianças pertencentes às famílias mais ricas. Já a desnutrição na infância foi

controlada na cidade de São Paulo, tornando-se relativamente rara mesmo

entre as famílias mais pobres. O que surpreendeu foi a irrelevância da

obesidade em uma cidade como São Paulo. Há de se ter em mente que, no

âmbito da redução dos índices de desnutrição, este era um resultado esperado

dentro da realidade dos grandes centros urbanos, mas o que dizer do interior

do país?

Este estudo serve como argumento sólido contrário ao discurso que

pregava uma mudança do quadro epidemiológico brasileiro da desnutrição para

a obesidade, se em um grande centro esta tese não se confirma, se confirmará

então no sertão nordestino? E, ainda mais surpreendente, é que o próprio autor

do texto, dois anos antes desta tese, acreditava que:

Mais recentemente, tem-se demonstrado que igual ou


ainda maior dinamismo pode caracterizar o perfil nutricional das
populações, sendo esta situação particularmente visível, nos dias
presentes, nos chamados países em desenvolvimento. São traços
marcantes da transição nutricional desses países o rápido declínio da

246
maior parte das enfermidades carenciais e a ascensão vertiginosa da
obesidade e das diversas enfermidades que se associam a essa
condição. (MONTEIRO apud SICHIERI, 1998, Prefácio)

Os higienistas da saúde física na década de 90, ainda colaboraram

em um discurso sobre fatores de risco, em um modelo de prevenção centrado

no individual, mensurando a saúde. Mas no Brasil, eles contaram desta vez

com um forte aparato da mídia para alcançar seus ideais. Os temas da saúde

física dividiram espaço com a política na primeira capa das principais revistas

brasileiras. Uma revista de grande circulação no país advertia, na primeira

página: “Nunca é tarde para reparar os estragos do fumo, do álcool e da vida

sedentária”. A saúde passou a ser tema dos livros de auto-ajuda,

representando uma boa fatia do mercado editorial brasileiro. Também se

correlacionou com a espiritualidade e a estética. Contudo, estes temas já

foram abordados, ou ainda devem ser abordados em estudos posteriores.

Já na área de Educação Física, no final da década de 90, Fabiano

Devide publicou um artigo sobre as posições em relação à Saúde na Educação

Física, identificando dois grupos. O primeiro buscaria ampliar a relação da

Educação Física com a Saúde no sentido de reconhecer os seus diversos

determinantes, além da prática regular de exercícios físicos. O segundo grupo

teria uma influência norte-americana, estabelecendo uma relação entre

Educação Física e Saúde para o desenvolvimento da aptidão física (DEVIDE,

2000).

Concordamos com a existência destas duas tendências, e ainda

ressaltamos que a primeira corrente nasce a partir de fortes críticas da década

de 80, somadas ao contato de alguns profissionais com os estudos de Saúde

247
Coletiva da área de Saúde Pública. A segunda buscava a reiteração dos

interesses dos higienistas da saúde física. Devemos considerar que, ao

descrever tendências, corremos o risco de ocultarmos divergências internas,

pois estamos falando de intelectuais da saúde, sendo impossível uma

concordância permanente entre os mesmos, mas podemos em linhas gerais

agrupá-los em interesses comuns, como descreveremos abaixo.

- Primeira tendência: novas críticas ao conceito de saúde; negação

da relação positiva entre saúde e atividade física; promoção da saúde; busca

da realidade brasileira.

A exemplo dos estudos de Saúde Coletiva, esta tendência também

passou a criticar o conceito de Saúde da OMS, que definia saúde como bem-

estar físico, mental e social. O que foi considerado anteriormente uma

conquista, passa a ser alvo preferencial de críticas por parte de cientistas

sociais da saúde. Como já dissemos, mesmo sendo considerado um avanço, o

conceito passou a ser visto como demasiadamente genérico. Ele não garantia

nada, pois, por exemplo, a epidemiologia não conseguia definir parâmetros

para a quantificação do estado de saúde das populações. Deste conceito

genérico da OMS, esta tendência passou a defender o conceito de acesso a

direitos sociais, como trabalho e moradia que possibilitassem a Saúde

(CARVALHO, 2001; PALMA, 2001), seguindo o exemplo dos higienistas

sociais. Alexandre Palma, citando Minayo:

Saúde é o resultante das condições de alimentação,


habitação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É,
assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da

248
produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de
vida. (MINAYO apud PALMA, 2001, p. 29)

Outra característica deste grupo era a questão da negação de uma

relação positiva entre saúde e atividade física. Uma das estudiosas do assunto

é a Professora Yara Maria de Carvalho, da USP. Em seu livro, “O mito da

atividade física e saúde”, Carvalho mudou os tons das críticas ao modelo dos

higienistas da saúde física. Em vez de negar os ideais da saúde para a área de

Educação Física, como vimos na década de 80, ela redimensionou a crítica

para o como fazer, sem excluir os objetivos da saúde.

Em outras palavras, ela não nega a importância do desenvolvimento

de uma educação para saúde no âmbito da Educação Física, como, por

exemplo, defendia CASTELLANI (1988), ela simplesmente reorientou os

objetivos da Saúde, denunciando o entendimento equivocado sobre o conceito

de Saúde (CARVALHO, 2001). A autora evidencia a impossibilidade de a

atividade física promover a saúde, pois a saúde remete a diretos do cidadão

como habitação, escola, saneamento básico, alimentação, sendo que a

atividade física não poderia e não pode racionalizar estas necessidades. Em

seus termos:

Contemporaneamente, a atividade física, ao tempo que


canaliza a atenção da sociedade para sua capacidade de delinear
corpos saudáveis, fortes, belos, mascara outros determinantes do setor
saúde e do quadro social brasileiro. De outra forma, se superestima o
papel de determinação da atividade física em relação à saúde.
Contudo, se até pouco tempo atrás a tônica do discurso
enfatizava a atividade física como produtora da saúde, hoje,
paralelamente a este discurso, convive-se com a disseminação de outro
que, ganhando cada vez mais espaço, vincula a atividade física, por si
só, ao poder de remediar a doença. (CARVALHO, 2001, p. 87)

249
Neste sentido, a autora busca vislumbrar a negação de uma

supervalorização da atividade física no campo da saúde, atentando para outros

determinantes mais radicais na obtenção da saúde, quais sejam, as condições

de vida de um povo, sua qualidade de vida social. Podemos observar que seus

ideais não são contrários à manutenção da saúde, eles redirecionam o como,

diferenciando-se das tendências críticas da década de 80.

Sobre o aspecto da promoção da saúde, Yara CARVALHO (2001)

também desmonta a pretensão dos higienistas da saúde física em destacar o

hábito de atividade física como promotor da saúde. A promoção da saúde

tornava-se na área de Educação Física um lugar comum, onde muitos se

resguardavam. Defender que a área tem um papel impreterível na tarefa de

proporcionar saúde aos indivíduos tornava-se um referencial quase que

unânime. Esta posição ignora os conceitos elaborados dentro dos estudos da

Saúde Pública, que diferenciam os programas de promoção da saúde e de

educação para a saúde.

Segundo FLORINDO (1998) os primeiros teriam como intenção agir

sobre os fatores determinantes da saúde, diferenciados para cada realidade

local. Por exemplo, a necessidade de uma estrutura de saneamento básico e

água potável; baixos salários; e moradias insalubres na Europa do século XVI

eram fatores determinantes. Agir sobre estes problemas estruturais era a

iniciativa de promoção da saúde. Já educação para saúde consistia em

programas que tinham como objetivo mudar os hábitos de uma população, com

objetivos de manutenção da saúde.

250
Portanto na realidade local brasileira o modo de intervenção

higienista deveria ser diverso do modo norte-americano. Não era esta a

proposta dos higienistas da saúde física que continuavam copiando os modelos

dos Estados Unidos e países europeus. Para promover a saúde no Brasil era

necessário intervir nos problemas socioeconômicos prioritariamente em relação

à questão do sedentarismo.

Esta nova geração de oposição aos higienistas da saúde física

passa a criticar a questão da impossibilidade do acesso às atividades físicas

em um país subdesenvolvido como o Brasil, mesmo porque no caso da

Educação Física, segundo CARVALHO (2001a), este acesso era restrito a

quem podia pagar pelo serviço do profissional. No entanto, não se colocam

contrários a uma Educação Física voltada para a saúde. Aguinaldo Gonçalvez,

professor da Unicamp, segue esta caracterização, ao retomar a discussão

social da saúde na Educação Física. O seu trabalho mais significativo foi um

livro publicado com colaboradores: “Saúde Coletiva e Urgência em Educação

Física”. Nele, Gonçalves relata um quadro brasileiro de Saúde Pública bastante

diferenciado do norte-americano. Para o autor, o Brasil ainda tinha muito que

caminhar na busca de estruturas de Saneamento básico, habitação, vestuário,

alimentação, todos impreteríveis a um projeto de saúde das populações.

Também destaca o papel da violência urbana e dos acidentes de trabalho,

como causas importantes das mortes brasileiras. Desta forma, constituía-se um

novo quadro epidemiológico brasileiro para ele, e a área de Educação Física

deveria estar atenta a isto. Sobre a fome, relata:

No nível coletivo, os principais obstáculos à superação dos


agravos nutricionais são resultado da carência de alimentos nos locais e

251
nas oportunidades em que continuamente são necessários.
Caracterizam-se tanto como agudos, em crises sociais, guerras e
catástrofes climáticas, quanto como crônicos, em ambientes adversos à
agricultura ou no subdesenvolvimento social e econômico. Os principais
fatores ligados a eles são os relativos à produção, à distribuição, ao
acesso e ao consumo. (...) quando muitos passam fome e uns poucos
sofrem de distúrbios associados ao consumo exagerado de nutrientes.
(GONÇALVES et al., 1997, p. 28)

A exemplo da área de Saúde Pública, a Educação Física cultivou os

adeptos da saúde coletiva, ou seja, os higienistas sociais, porém, com dez

anos de atraso.

Afinal, o que definitivamente diferenciava estes novos higienistas

sociais dos críticos da década de 80?

Os críticos não tinham em sua agenda um projeto de intervenção da

Educação Física no campo da Saúde. Negavam esta possibilidade, tinham

objetivos de uma Educação transformadora e revolucionária para a Educação

Física. Já os higienistas sociais tinham objetivos de democratização da Saúde

e por sua vez das atividades físicas. Esta teria um importante papel, não único,

mas importante na área da Saúde. Vejamos alguns exemplos.

Paulo de Tarso Farinatti, professor da Universidade do Estado do

Rio de Janeiro (Uerj) ao criticar a exclusão de posições atreladas à Saúde e

aptidão física na área de Educação Física, comenta:

(...) não podemos absolutamente negar que nos campos


biológico e técnico-desportivo o professor busca ferramentas
importantes para cumprir sua tarefa pedagógica (...) Incluem-se aqui
aspectos muitas vezes negligenciados quando se fala em Educação
Física Escolar, como os fisiológicos, biomecânicos, a chamada vertente
biomédica da disciplina. (FARINATTI, 1994, p. 43)

252
Ao contrário dos críticos da década de 80, os novos higienistas

sociais da Educação Física usavam o discurso da ampliação da intervenção

contra um reducionismo biológico, mas sem negar o valor de uma visão

biologicista. Mesmo denunciando a superficialidade de discursos dos

higienistas da saúde física, esta tendência não desconsidera a dimensão

biológica e psicológica da saúde, apenas almeja ampliar esta visão,

contextualizando-a em uma rede de relações sociais (FONTE & LOUREIRO,

1997). O movimento de saúde passou neste momento por prenúncios de

consenso na área. Dizemos prenúncios, pois a heterogeneidade ainda se

configurava sua principal característica no final do século XX. Ainda, nos

termos de Farinatti:

O planejamento e execução de programas visando o


engajamento em atividades corporais (na escola ou fora dela) é, assim,
uma questão não só de saúde pública – como encarada por alguns –
mas de cidadania. Só assim poderemos construir com o educando a
noção de que a oportunização à prática de atividades físicas constitui-se
em direito tão fundamental quanto acesso à educação, saneamento
básico ou transporte público – pelo qual, portanto, vale a pena se lutar.
(FARINATTI, 1994, p. 47)

A atividade física é colocada com um direito do cidadão. Sendo

assim, estes novos higienistas proclamam a necessidade de organização em

torno do ideal de democratização destas atividades, não esquecendo dos

direitos fundamentais e das boas condições de vida que possibilitem o acesso.

Da mesma forma que não abandonam os objetivos de justiça social idealizados

fortemente pelos críticos da década de 80, passam, também, a aceitar o

253
diferente, no caso a visão “biologizada”, considerada anteriormente, símbolo da

ciência positivista e capitalista.

- Segunda tendência: confirmação e relativização do prisma da

aptidão física e supervalorização da atividade física.

Nos anos 90, uma entidade científica de prestígio nacional na área

da Educação Física, que representa muito bem esta tendência, ganhou renome

internacional: o Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São

Caetano do Sul (Celafiscs). Contudo, sua história remete ao ano de 1974,

quando foi fundado. No início de sua intervenção, o Celafiscs foi marcado pela

sua consonância com os ideais do higienistas da saúde física.

Este centro de estudos, criado em uma das cidades de maior renda

per capita do país, não mantinha nenhuma relação de dependência com

qualquer universidade, e assim mantém-se até hoje. Suas teses possuem uma

linha claramente definida dentro da área biológica. Outra característica é a

predominância quantitativa de sua produção (OLIVEIRA et al., 1994).

Desde sua fundação, ele conta com a presidência do médico Victor

Matsudo, que sempre se ateve aos estudos da medicina esportiva, de onde

vem grande influência dos ideais dos higienistas da saúde física.

Nos anos 90, este ideário continua, mas não da mesma forma. O

Celafiscs muda, talvez por sua dinâmica, ou por sua disposição em debater.

Pode-se perceber a influência das críticas realizadas na década de 80 em seu

discurso teórico. Por exemplo, quando se criticava a falta de interesse do

Centro nas questões sociais, ao seu modo, ele realizou teses comparativas

entre escolares de alto e baixo nível socioeconômico (MATSUDO et al., 1998).

Quando se criticava o individualismo de sua intervenção, procurou construir um

254
projeto como o “Agita São Paulo”, que atingiu grandes parcelas da população

da cidade de São Paulo, mas tudo ao seu modo.

É relativamente simples entender o Celafiscs, quando se lê o artigo

intitulado “Celafiscs: XX anos de história em ciências do esporte”28. O que

deveria ser um trabalho historiográfico tornou-se um trabalho estatístico que

enfatizava o índice de eficácia da produção científica do Centro. O artigo

assemelha-se a um currículo, com listas de congressos, artigos publicados,

membros da entidade, procedência dos pesquisadores, formação profissional,

sexo. Isto comprova que o Celafiscs nunca poderá realizar teses sociais

inserido em sua perspectiva disciplinar, como alguns autores cobram da

entidade, pelo simples fato de não ser este seu perfil, por não saber realizar

estes trabalhos. Quando alguns autores cobram que os higienistas da saúde

física percebam os fundamentos políticos e sociais da saúde e da doença, que

entendam a luta de classes, que isto marque sua intervenção, estes autores

(OLIVEIRA, 1994) denunciam o teor ideológico deste discurso, mas também

defendem uma totalidade inalcançável na perspectiva de Ciência Moderna

adotada pelo Centro.

O Celafiscs não fará uma intervenção social, pois, além de não estar

preparado para isto, não é de sua competência. Sua visão de mundo é parcial,

e parte de um ponto que não é o das Ciências Sociais. No entanto, buscando

um consenso, a entidade tenta propor a resolução de alguns desafios. Um

exemplo é o projeto “Agita São Paulo”.

Mediante a colocação de alguns pesquisadores sociais da área de

Educação Física (MEDINA, 1995; CASTELLANI, 1988; MAIA, 1997), de que os

28
Cf. OLIVEIRA, L. C; MATSUDO, V.; MATSUDO, S., 1994, p. 05-20.

255
interesses da Atividade Física e Saúde, voltados aos interesses da classe

dominante, tinham como centro o individualismo de sua intervenção, sendo

acessível a quem pode pagar. O Celafiscs tenta ao seu modo, dentro de sua

visão de mundo que não é total, escutar estas demandas, e cria com grande

apoio governamental, um projeto que facilitaria o acesso à Atividade Física.

Nas diretrizes gerais do Manifesto de São Paulo para a Promoção da Atividade

Física nas Américas, determina: “Aumentar oportunidades para iniciação e

manutenção de comportamentos ativos, ao longo da vida”. Nas palavras finais

do Manifesto:

Em resumo, a presente convocação de pessoas, grupos e


instituições das Américas coloca em destaque a diferenciação de
condições sociais, educacionais e de saúde, existentes em todos os
países do continente e almeja alcançar uma vida mais saudável, como
exercício da cidadania e inserção entre as necessidades básicas de
nossas populações. (CELAFISCS, 2001, p. 3)

O caráter coletivo do manifesto representa uma variação importante

desta vertente higienista, claramente influenciada pelas constantes críticas

exercidas na década de 80 e 90. O “Agita São Paulo” defende que qualquer

atividade física da vida cotidiana ou incorporada a ela é válida e que as

atividades podem ser realizadas de forma contínua ou intervalada, isto é, o

importante é "acumular" durante o dia pelo menos 30 minutos de atividade, sem

a necessidade de uma orientação específica, de aparelhos de academia

(ANJOS, 1999) e outros fatores que dificultam o acesso.

Apesar disto, quando o Celafiscs e seu projeto “Agita São Paulo”

tentam exercer um papel de promoção da saúde, eles supervalorizam o hábito

higiênico da atividade física. Segundo FLORINDO (1998), em 1986, na cidade

256
de Otawa (Canadá), através da Carta da Primeira Conferência de Promoção em

Saúde, o conceito de promoção da saúde foi concebido como o processo de

capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e

saúde, identificando aspirações, satisfazendo necessidades e modificando

positivamente o meio-ambiente. Portanto, para se promover a saúde em países

pobres, como o Brasil, deve-se resolver problemas sociais e estruturais. O

problema, desta forma, passa a ser o acesso. Com isto, justifica-se a crítica de

que a Atividade Física e seus programas não podem promover a saúde. A

atividade física é apenas um hábito higiênico. Parece-nos que esta idéia não

conseguiu se configurar no meio da Educação Física. Os higienistas da saúde

física continuam divulgando a atividade física e seus benefícios como Oswaldo

Cruz defendia a água filtrada como bebida, mas não percebem isso. A atividade

física, assim como o escovar dos dentes, os banhos diários, não promovem a

saúde isoladamente, são apenas hábitos higiênicos. Segundo o Manifesto do

“Agita São Paulo”:

A presente chamada à ação para a prática da atividade


física regular, visando a promoção da saúde, é considerada como um
exercício de cidadania, devendo constar como um dos itens prioritários
na pauta dos agentes políticos locais ligados ao campo da saúde,
educação e área correlatas (...). (CELAFISCS, 2001, p. 2)

A supervalorização da atividade física é patente na área de

Educação Física. Para esses profissionais, ela é capaz de resolver a maioria

dos problemas da humanidade, exatamente como no início do século, quando

a área buscava uma legitimação.

257
Na década de 90, o Celafiscs continuou se transformando e, ao

mesmo tempo, mantendo sua tradição. Além do Celafiscs, toda a tendência

dos higienistas da saúde física passa por uma crise de identidade. Isto pode

ser interpretado como a tomada de consciência de que as abordagens

utilizadas na construção de conhecimentos sobre o real se tornaram obsoletas.

Em conseqüência, surge a necessidade de desenvolver novas formas de

representar – ou talvez devamos dizer construir – esse real. Durante tais

períodos, alguns dispositivos teóricos e/ou metodológicos continuam sendo

aceitos e utilizados apesar de darem mostras de evidente desgaste (MIRA,

2000).

Motivado por novas teses, inclusive na própria área de Fisiologia do

Exercício, que questionavam as velhas verdades, o discurso do fitness (aptidão

física) passa a perder espaço para o wellness (bem-estar físico e mental). Da

mesma forma, autores como MIRA (2000) passam a questionar o benefício dos

exercícios físicos para saúde, atestando apenas a necessidade de mudança

para um estilo vida ativo, onde atividades físicas sem orientação e aparelhos

de ginástica, como um simples andar, subir escadas já cumprissem as metas

de uma vida saudável no aspecto físico.

O final do século XX representa uma crise de paradigmas para os

higienistas da saúde física da área de Educação Física. Vejamos como isto

ocorreu.

Nos anos 60, como vimos, o atleta era o símbolo da saúde. Sua

imagem era pregada pela mídia e pelos higienistas da Medicina Esportiva.

Deste modo, para se obter saúde bastava treinar como atletas. É este o

paradigma das propostas de treinamento de Kenneth COOPER (1972):

258
atividades extenuantes que não tinham aderência e, algumas vezes,

provocavam efeitos adversos aos prometidos. Não raro, eram noticiadas

mortes de pessoas que buscavam esses limites físicos. Também se observou

que os testes de aptidão física dos anos 60 mediam componentes associados

a fatores hereditários e sociais. Estes testes eram divididos em: análise da

aptidão física relacionada à saúde (força e resistência muscular, flexibilidade,

aptidão cardiovascular e composição corporal) e análise dos componentes

relacionados com a aptidão física e habilidades motoras (agilidade, tempo de

reação e velocidade) (NAHAS & CORBIN, 1992). Já nos anos 80, teses

demonstravam que:

Quanto à aptidão física, a evidência atual sugere que níveis


elevados não significam, necessariamente, melhor saúde. Em outras
palavras, aptidão física e saúde – embora associadas – significam
coisas diferentes, e os programas de atividade física serão diferentes
dependendo do objetivo (altos níveis de aptidão ou bem-estar saúde).
(NAHAS & CORBIN, 1992, p. 49)

NAHAS & CORBIN29 (1992) citam teses demonstrando que níveis

moderados de aptidão física são suficientes para reduzir os riscos de doenças,

e que níveis altos são desnecessários para a saúde. É a substituição da

potência máxima pela moderação, pelo equilíbrio.

Esta é a palavra-chave para este grupo nos anos 90: o equilíbrio.

Por exemplo, muitos editoriais da Revista Brasileira de Atividade Física &

Saúde, editada no Estado do Paraná, defenderam esta noção. Em seus

termos:

29
Maurício Nahas é professor da Universidade Federal de Santa Catarina e Charles Corbin
professor da Arizona State University (EUA).

259
Com isso, muitas pessoas relacionam a prática dos
exercícios físicos ao seu extremo: o atleta. Imaginam-se levantando
pesos, participando de longas maratonas, fazendo “aeróbia”, “step”,
“cárdio-funk” ou outra atividade em moda para poder garantir as
esperadas vantagens. Com a extraordinária evolução observada nas
últimas décadas no campo do conhecimento relacionado ao binômio
“atividade física e saúde” constata-se que não é preciso tornar uma
pessoa atleta para assegurar-lhe uma vida mais saudável. Pelo
contrário, as teses têm demonstrado que essa estratégia pode, até
mesmo, comprometer um melhor estado de saúde, pelo excessivo nível
de esforço que demanda. (GUEDES, 1995, p. 2)

A sociedade da década de 90 valorizava extremamente o corpo e,

para algumas pessoas, toda a atividade física ressaltada pela mídia estaria

relacionada com a saúde. Por exemplo, se faz de uma determinada atividade

com música frenética que faz sucesso uma aula aeróbia, defendendo seus

benefícios para a saúde. Abdallah ACHOUR JUNIOR (1996) alerta, no mesmo

editorial da Revista Brasileira de Atividade Física, que é abusivo divulgar um

produto com esse fim, sem sua comprovação científica30. O autor, ainda em

outro editorial, reforça a idéia do equilíbrio, afirmando que:

O binômio atividade física & saúde parece não se associar


com valores extremos e isolados. Nesse contexto, se a meta for
relacionar aptidão física à saúde, é importante que as atividades físicas
sejam moderadas, com a harmonia de todos os componentes da
aptidão considerados importantes e de maneira constante. (ACHOUR
JUNIOR, 1996a, p. 3-4)

30
Observa-se que a imagem que o autor tem de saúde é algo mensurável e físico.

260
Podemos identificar, ainda, nesta década uma outra variação

interessante. Vimos nestas últimas passagens que o conceito de aptidão física

(identificado no mercado como fitness) tomou duas vertentes, com exercícios

para a saúde e outros para performance. Outros autores abandonaram a

terminologia do fitness, identificado como a busca do máximo, do modelo

atlético, e passaram a utilizar o termo wellness para saúde e bem-estar

(LOVISOLO & SALGUEIRO, 2001). Isso resultava em uma variação teórica,

que se afastava da busca do máximo, e aproximava-se da busca do valor

médio, da moderação, do equilíbrio. O modelo é a média, o normal é o médio,

o saudável é o médio.

Contudo, diversos estabelecimentos de ginástica, sentindo esta

variação, adaptaram suas demandas, sem necessariamente mudar a

concepção filosófica de sua prática. Eles criaram um novo modismo, em que

aulas de yoga e decoração esotérica cumpriam o dever de equilíbrio entre

corpo e mente.

O Encontro Nacional de Atividade Física (Enaf), maior evento

brasileiro do gênero, modificou suas demandas, inserindo cursos que tinham

como foco o novo conceito de wellness. Outros eventos seguiram o exemplo do

Enaf.

No entanto, o discurso de associação causal entre o exercício, a

aptidão física e a saúde continuava sofrendo várias críticas no fim do século

XX. Uma tese de doutorado da Universidade Gama Filho, da autoria de Carlos

MIRA (2000), ao estudar os conceitos de atividade física e exercício físico,

chegou à conclusão de que o exercício físico tinha somente uma intervenção

estética, e não nos componentes da saúde física. O autor defende que:

261
A hipótese que levantamos poderia ser enunciada da
seguinte maneira: os efeitos de prevenção e proteção adicional que se
atribuem aos exercícios físicos – em pessoas saudáveis e normalmente
ativas – não passam de ser hipóteses valorativas; isto é, ancoradas em
critérios de valor e não em fatos científicos. Ou dito em outras palavras,
entre exercício físico e saúde existem inter-relações, interações,
retroações complexas e recíprocas, mas não existe uma relação positiva
de causa-efeito. De maneira geral, é a saúde que conduz à atividade e
ao exercício físico e não o contrário. (MIRA, 2000, p. 3-4)

Talvez o estudo de Carlos Mira possa configurar uma nova

perspectiva para a intervenção da atividade física como hábito higiênico, o que

só saberemos daqui a alguns anos ou décadas. Uma pergunta que se faz

presente neste ponto das análises é: Será realmente que este movimento

social pela saúde (GOLDENSTEIN, 1992; LOVISOLO, 1995) se diferencia do

“movimento higienista”?

262
9. HISTÓRIA COMPARADA: EXISTE DICOTOMIA ENTRE “MOVIMENTO
HIGIENISTA” E “MOVIMENTO DA SAÚDE”?

Temos como hipótese, nesta tese, que o “movimento higienista” do

final do século XIX e início do século XX no Brasil é o mesmo “movimento da

saúde” (1950-2000), com algumas adaptações aos tempos pós-industriais. É

certo que todo movimento social não é estático e linear, ele sofre contradições,

é dialético e se transforma a todo o momento. Hipoteticamente, defendemos

que o “movimento higienista” passou por apropriações, mas não se esgotou

nos anos 50.

Podemos enumerar os argumentos contrários a esta hipótese:

1) Alguns autores defendem que a preocupação central do

“movimento higienista” e a sua intervenção estavam no nível coletivo (PAGNI,

1997). Já o “movimento de saúde” teria uma preocupação individual, com a

observação empírica do “personal training”.

Para Pedro Ângelo PAGNI (1997), a prescrição dos hábitos

higiênicos faziam parte de um projeto coletivo com finalidades educativas

visando uma formação moral, por mais questionáveis que fossem aos olhos de

hoje, na década de 90, os hábitos teriam um fim em si mesmo. Nos seus

escritos:

A formação moral e do caráter foram deixadas de lado em


sua prática, restando apenas a relação do indivíduo com seu próprio
corpo como um fim em si mesmo. Nessa relação, os indivíduos buscam
desesperadamente encontrar no próprio corpo sua identidade pessoal,
destituída do mundo do trabalho e das responsabilidades sociais,
deslocando para sua vida privada toda a satisfação não mais desfrutada
no mundo público. (PAGNI, 1997, p. 81)

263
Pagni considera a prescrição dos exercícios físicos e a inculcação

dos hábitos higiênicos no início do século XX, um movimento que tinha um

projeto coletivo de democratização da Educação, de preocupação com a

formação moral da população, e a formação da identidade nacional brasileira,

como mostra nos escritos de Fernando de Azevedo (PAGNI, 1997; 1994).

Na década de 90, Pagni enxergava um “movimento de saúde”

individualista, sem preocupação social. O “personal training” seria o símbolo

deste movimento, com expressão do individualismo, da preocupação com o

próprio corpo e do acesso a quem pode.

Analisando o colocado, concordamos que o “movimento de saúde”

tem seu caráter individual e as orientações médicas, em um sentido restrito,

apelam para a consciência individual de fuga dos fatores de risco. Mas outras

teses também coexistem dentro do próprio “movimento de saúde”. Por

exemplo, o Higienismo Social da década de 80, com todo seu discurso voltado

para as preocupações sociais, denunciou este aspecto do pensamento e

intervenção do “movimento de saúde”, ou melhor, dos higienistas da saúde

física. Esta tese tornou-se geral para todo o movimento, mas, na verdade, faz

parte do ideário de apenas uma das tendências do “movimento de saúde”. É

certo que esta tendência tem maior apoio dos meios de comunicação, que por

sua vez comercializaram a saúde quantificada e física, e não a social, que não

dá lucro às empresas com a venda de bebidas isotônicas. Da mesma forma,

uma “pelada” na periferia não vende como uma Copa do Mundo, e ambas são

práticas do futebol.

Quando Pagni enxerga o objeto “movimento de saúde” somente

pela prática de exercícios físicos em academias, ele generaliza uma

264
caracterização individualista para todo o movimento social – também comunga

desta opinião Hugo Lovisolo. Pagni demonstra, em seus estudos sobre o

“movimento higienista” centrado em Fernando de Azevedo, como poucos na

historiografia da Educação, as preocupações democráticas e coletivas de

Fernando de Azevedo. Percebe a proposta de formação de um país moderno

e de democratização da educação, enfim, de um projeto coletivo (PAGNI,

1994).

No entanto, as próprias orientações de Fernando de Azevedo e do

“movimento higienista” também tinham seu nível de individualização. Como

admite o próprio autor que “juntamente com a prescrição de hábitos e de

asseio corporal, os exercícios físicos eram prescritos para os indivíduos

provenientes de famílias mais ricas e dos meios mais cultos que tinham

acesso aos serviços prestados pelos médicos” (PAGNI, 1997, p. 59-60).

Mais adiante, sobre o programa de Educação Física, elaborado por

Fernando de Azevedo, diz que: “A ginástica contribuiria, assim, para a

educação da vontade individual, para consciência dos limites físicos e

fisiológicos do indivíduo” (PAGNI, 1997, p. 76-7).

Podemos observar que tanto o “movimento de saúde” como o

“movimento higienista” migram dialeticamente de preocupações com o

indivíduo/privado para o coletivo/público. Portanto, por este aspecto, eles não

se diferenciavam.

2) Acredita-se que o “movimento higienista” diferencia-se do

“movimento da saúde” por suas características autoritárias e disciplinares,

obrigando a população a seguir seus preceitos através de força policial. Já o

“movimento da saúde” busca a consciência do indivíduo.

265
É preciso ter em mente que ambos os movimentos não estão

isolados da influência social, econômica e política das sociedades que os

pregaram. Portanto, é correto afirmar que o “movimento higienista” utilizou

estratégias de coerção física para, por exemplo, imunizar com vacinas as

populações mais carentes. Mas também é correto afirmar que os próprios

higienistas construíram uma autocrítica, buscando outros meios e a partir deste

momento o movimento se diversifica em várias posições, como já vimos no

início desta tese.

Temos que observar que as políticas médicas da primeira década do

século XX no Brasil viam o povo como uma criança, que não sabia o que era

benéfico para si. A partir deste argumento e de uma autoridade científica, eles

invadiram a liberdade individual da população, procurando fiscalizar a higiene.

Contudo, neste período, a sociedade era autoritária e disciplinadora. Se nos

lembrarmos do uso excessivo e freqüente da coerção física na Escola e na

educação familiar, temos a medida da tentativa de inculcação da

disciplinarização e das características estóicas (resignação, perseverança,

altruísmo) na sociedade brasileira da época. Mais uma vez devemos relembrar

dos ideais heterogêneos do movimento e que suas estratégias campanhistas-

policiais eram utilizadas pelos higienistas da Bacteriologia.

No final do século XX, estas estratégias não teriam êxito, porque

cultivamos, na cultura ocidental, o hedonismo, a busca do prazer. Temos que

ter prazer em tudo, no trabalho, na igreja, na escola, na atividade física, na

higiene. O conforto e o prazer do espaço privado tornou-se um fim em si

mesmo e neste contexto não houve espaço para a coerção física.

266
Mesmo assim ainda houve uma normatização, que não se deu a

partir da coerção física, mas da ideológica, através de uma pastoral da saúde,

que determinou, em nome da ciência, o que devemos fazer para afastar os

fatores de risco. Não fume, não beba, não seja sedentário, não coma

demasiadamente, tornaram-se normas do final do século XX. Normas que são

cobradas socialmente.

LOVISOLO (1995) ensina que, dentro deste quadro, apesar das

diferenças notáveis em termos de técnicas utilizadas e das diferenças nos

fundamentos filosóficos, científicos e religiosos, o “movimento da saúde”

estruturou-se e ganhou força a partir do acordo sobre a necessidade de

promover mudanças nos hábitos de relacionamento com o próprio corpo e que

isto implicava mudanças nas mentes, nos espíritos, nas psiques ou nas

consciências. O movimento demanda mudanças de atitudes e de estados de

consciência para mudar hábitos corporais. Por outro lado, promete que a

mudança nos hábitos corporais gera mudanças nos estados psíquicos,

modificando hábitos de conduta, tanto mentais quanto corporais; em outras

palavras, trabalha com a normatização. Desta forma, se encaramos a vacina

com uma invasão de privacidade, o mesmo deve ocorrer com o preservativo no

ato sexual.

Podemos concluir que, se existem diferenças entre os dois

movimentos no aspecto das estratégias de convencimento, estas se dão mais

como uma variação da história cultural da sociedade como um todo do que

como uma variação do “movimento higienista” em si. O “movimento higienista”

adaptou seu discurso e estratégia às mudanças da sociedade, mas continuou

com os mesmos objetivos, mais vivo do que nunca.

267
3) O “movimento higienista” centrado na higiene esgotou-se no

tempo, desaparecendo, quase que espontaneamente, quando as normas

higiênicas foram inculcadas pelas populações. O “movimento de saúde” é uma

evolução do higienismo.

Alguns higienistas atuais defendem o caráter democrático científico

do “movimento da saúde” em detrimento ao movimento do início do século.

Como alude NAHAS & CORBIN (1992, p. 55):

Nos EUA, nestes primeiros cem anos da profissão, a


prioridade parece ter evoluído circularmente desde o “higienismo” dos
últimos anos do século passado até a educação para a “aptidão física e
a saúde” deste final de século. Entretanto, a similaridade entre as duas
épocas parece ficar só na terminologia. Atualmente, existem diferentes
conceitos de saúde e aptidão física (mais centrados no indivíduo), além
da fundamentação científica muito mais evidente e de objetivos ligados
a todas as fases da vida (...), mais preocupada com a preparação do
indivíduo para decisões bem-informadas sobre exercícios, esportes,
bem-estar e saúde para uma vida inteira.

Afinal, houve uma evolução ou involução do início ao fim do século

XX? Somos bastante céticos em relação a um progresso ou involução deste

objeto de estudo na história. Nos termos de LOVISOLO (1995, p. 113):

O relativismo é o principal crítico da idéia de progresso. O


uma idéia fora de lugar, malvada e sem fundamentos. Enfrentamos, de
fato, obstáculos consideráveis para afirmarmos o progresso da pintura
moderna em relação à clássica, para entender que Joyce é superior a
Cervantes ou que nossos padrões morais são superiores aos da Grécia
clássica ou aos de uma tribo amazônica. Temos, assim, muitas
dificuldades em formular argumentos sólidos que nos levem, sobretudo,
a aceitar o progresso estético e moral. Porém, é também muito
complicado estabelecer a superioridade da física relativista em relação à
física clássica, neste caso a discussão desliza para campos altamente

268
sofisticados da história e epistemologia da ciência. Todos esses objetos
pareceriam ser portanto não comparáveis ou incomensuráveis, como se
afirma numa linguagem mais técnica. Assim, o relativismo opera a partir
de dificuldades reais em se estabelecer o progresso e empurra na
direção de se pensar que a própria idéia pode provocar problemas
maiores do que aqueles que parece querer solucionar.

Realmente seria complicado ater-se a estas preocupações, mas

temos confiança de que os conclamados movimentos de intervenção na área

da saúde não se colocam em termos de superioridade e inferioridade nos

termos de NAHAS & CORBIN (1992). Por seus argumentos, consideram o

movimento recente mais científico, mas precisamos pensar que o

conhecimento é provisório, que, desta forma, o que é aceito hoje, pode no

futuro ser rejeitado, e mais do que isto, pode-se retomar um paradigma do

passado. Por exemplo, os fisiologistas do exercício hoje defendem a

moderação a exemplo dos gregos antigos (LOVISOLO, 2002), mas até a

década de 70 defendiam uma performance atlética. Será que os gregos da

Antigüidade tinham mais recursos científicos que os fisiologistas da década de

70?

Sobre o aspecto do individual/coletivo, demonstramos as

desconfianças dessa rotulação. Mesmo assim, o que os autores Vinícius Nahas

e Charles Corbin defendem como progresso, ou seja, a defesa da ascensão do

individual, outros encaram como regresso.

269
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS (PARALELOS QUE SE CRUZAM)

É impossível o cruzamento entre linhas paralelas, porém desta

forma encontramos a maneira mais apropriada de se defender a hipótese de

continuação do “movimento higienista” até o fim do século XX. Aliás, uma

hipótese sugerida por alguns autores da historiografia da Educação Física,

como Carmem Lúcia Soares, é: “e perguntamos se os apelos da mídia às

formulas frenéticas de cuidar do corpo, hoje, não seriam a nova roupagem de

um higienismo e eugenismo pós-moderno?” (SOARES, 2001, p. 137). E da

historiografia da Medicina, nas palavras do psicólogo Jurandir Freire Costa:

Em resumo, quando observamos os resultados da


educação higiênica, uma conclusão se impõe: a norma familiar
produzida pela ordem médica solicita de forma constante a presença de
intervenções disciplinares por parte dos agentes de normalização. De
fato, muitos dos fenômenos apontados, hoje em dia, como causas da
desagregação familiar, nada mais são que conseqüências históricas da
educação higiênica. (COSTA, 1999, p. 15)

Embora nos diferenciemos dos autores supracitados em algumas

interpretações, concordamos com a sobrevivência do “movimento higienista”.

Empiricamente, podemos demonstrar que seu desaparecimento foi

precipitado. Vamos aos paralelos:

1) Na utilização de parâmetros antropométricos.

As semelhanças metodológicas dos higienistas da saúde física com

os estudos matemáticos do século XIX, que buscavam identificar os níveis

antropométricos médios dos homens.

270
Para QUÊTELET (apud CANGUILHEM, 1995, p. 124): “A principal

idéia, para mim, é fazer prevalecer a verdade e mostrar o quanto o homem,

mesmo à sua revelia, está sujeito às leis divinas e com que regularidade as

cumpre”. Quêtelet julga que as leis biológicas, por influência divina, podem ser

quantificadas em uma média, que não é a aritmética, e sim, uma mensuração

mais freqüente. A partir desse cálculo, determina-se o homem médio, normal,

e quanto mais ele se afasta dessa média mais caminha para a anormalidade

(CANGUILHEM, 1995).

No fim do século XX, os higienistas da saúde física muito se

utilizaram do método estatístico de Quêtelet, mais especificamente, do IMC

(índice de massa corporal), para identificar o homem médio e os seus desvios.

No XXIV Simpósio Internacional de Ciências do Esporte, dos 12 temas livres

apresentados na área de Cineantropometria e Composição Corporal, 10

trabalhos utilizaram-se do método de Quêtelet. Recentemente, um trabalho

publicado no Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte defendeu a forte

influência de Quêtelet na Educação Física (SALGUEIRO & LOVISOLO, 2001).

2) Supervalorização das atividades físicas na promoção da saúde.

Em 1938, defendia-se, no editorial da Revista Educação Physica,

que: “A educação physica é um meio efficaz de propagar a hygiene e alcançar

a saúde” (EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 19, p. 9, 1938). Na primeira metade do

século XX, o objetivo era legitimar a área na sociedade brasileira, portanto, o

discurso tinha um caráter muito forte de propaganda dos benefícios das

atividades físicas, como por exemplo: “Só são realmente fortes, os países de

população forte e, para que se robusteçam os naturais de um Estado, é

imprescindível a cultura física” (EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 30, p. 5, 1939). Para

271
os seus defensores, a prática de atividades físicas fortalecia o homem e

afastava a doença, sendo símbolo da saúde.

No fim do século XX, constatamos, nos editoriais da Revista

Atividade Física & Saúde, que não houve uma variação daquele discurso. Nos

termos do Diretor da Revista:

Tem sido evidenciado que as pessoas ativas demonstram


menores incidências de doenças crônico-degenerativas comparado com
pessoas inativas. Se inúmeros indícios nos levam a estabelecer uma
relação de causa-efeito entre atividade física e saúde ou entre a
inatividade e as enfermidades, pode-se questionar quais são as reais
dificuldades de adoção de um estilo vida ativo? (ACHOUR JUNIOR,
1995, p. 4)

Ambos supervalorizam o papel da atividade física. Segundo

LOVISOLO (1995), isto se explica no interesse destes profissionais em

valorizar sua intervenção na sociedade. Em seus termos: “Na promoção da

saúde os especialistas encontraram um campo que lhes permite lutar pelo

prestígio na mídia e na moda e fazer bons negócios” (p. 129).

3) Os higienistas da saúde física continuam tratando o corpo como

uma máquina.

A metáfora criada no auge do higienismo no século XIX na Europa,

continua no discurso de vários higienistas, como pode ser observado neste

trecho:

O corpo humano é uma máquina capaz de fazer inveja ao


mais sofisticado computador. (...) Todo esse conjunto impressionante
necessita de cuidados. Isso requer dedicação, investimento e alguns
procedimentos que você precisa conhecer. (GUISELINI, 1996, p. 15)

272
Parece-nos um discurso muito próximo à descrição de Georges

Vigarello da história da higiene na Revolução Industrial. (Cf. p. 46)

Temos a certeza que muito não precisamos nos alongar sobre a

comparação acima, tamanha a força das fontes, que sugerem uma

proximidade muito evidente.

4) Da mesma forma ocorre a continuidade entre as interpretações

biológicas dos higienistas da Bacteriologia com os da saúde física, no que

tange às explicações biológicas das causas das doenças. A diferença que se

coloca é que, no primeiro caso, as teorias da bacteriologia definiam o agente

biológico externo causador da doença, e no segundo, os fatores de risco

ameaçavam a saúde biológica, substituindo assim o micróbio pelo fumo, por

exemplo. O reducionismo biológico é característico das duas correntes

separadas pelo tempo, mas não pelos ideais.

5) Semelhança entre os hábitos higiênicos do início do século, e os

fatores de risco.

É patente o aspecto normativo dos dois movimentos. Ambos querem

identificar a melhor forma de viver, afastando-se da doença. Se no início do

século XX a novidade era o banho diário, como na seguinte passagem: “O

asseio nos preserva das indisposições das doenças, ele é para o corpo o que a

decência é para os costumes. (...) O Banho saudável por excelência é o frio, de

chuveiro, precedido de uma boa ensaboagem tomada pela manhã”.

(EDUCAÇÃO PHYSICA, n. 61, p. 26, 1942), no fim do século eram divulgados

os benefícios do uso do preservativo como fator de segurança, como hábito

273
higiênico. O caráter de prescrição dos hábitos individuais é uma constante nos

dois movimentos históricos.

6) Da fadiga ao estresse.

Evitar a fadiga, o esgotamento, o cansaço, enfim, o estresse. Para

épocas diferenciadas, as mesmas receitas de recuperação (alimentação, sono,

atividade física, lazer e autocontrole). Antes, necessitávamos realizar atividade

física para resistir ao esforço físico do duro processo de trabalho; agora,

necessitamos realizar atividade física para substituir a falta de esforço físico, o

sedentarismo no processo de trabalho e na vida cotidiana. Mudam os tempos,

mas o higienismo mantém a receita (LOVISOLO, 2002).

A primeira teoria sobre estresse foi elaborada pelo fisiologista

austríaco Hans Seyle, ainda na década de 1930, porém, seu livro “Stress: a

tensão da vida”, publicado em 1956, tornou-se sua obra mais famosa sobre o

assunto (DATTI, 1997). Contudo, sua caracterização da síndrome do estresse,

pouco se diferencia da Fadiga do século XIX, e ambos foram discursos centrais

em cada movimento em sua época.

7) A legitimidade na Ciência.

Os dois movimentos gozaram de prestígio científico e usaram o

argumento de autoridade da ciência para alcançar a legitimidade da opinião

pública. Além disto, demonstraram uma enorme confiança em uma sociedade

regida pela tutela da Ciência. Nos termos do editor da Revista de Saúde

Pública da Universidade de São Paulo:

A produção de conhecimentos científicos, como toda


atividade humana, diz respeito às suas finalidades sociais e está
estreitamente vinculada à busca constante de melhores condições de
vida, procurando responder às crescentes e renovadas necessidades de

274
bem-estar e de conforto das populações. Os avanços alcançados pela
ciência moderna vêm fornecendo ao Homem elementos para alterar e
dominar a Natureza; a sua adequada utilização vem promovendo as
alterações perseguidas em todos os campos e, especificamente,
naquele da saúde podem-se apontar as positivas contribuições que a
sua aplicação provoca nos perfis epidemiológicos e no aumento da
sobrevida com qualidade, sem evidentemente esquecer os persistentes
desafios ainda presentes, no nosso meio. (GOLDBAUM, 1999, p. 1)

Este discurso que apresenta um otimismo em relação às conquistas

científicas no campo da saúde, não se difere do discurso do início do século

XX, em que o cientificismo era patente, era a resposta correta. Os avanços da

ciência experimental e o controle de diversas epidemias construíram uma ponte

entre a ciência e a modernidade. Longe da crise do final do século XX, a

ciência gozava de imenso prestígio, contudo, o discurso dos cientistas da

saúde (os higienistas) continuava sem variações importantes.

8) O argumento da economia de recursos governamentais.

Como já demonstramos, o argumento de autoridade científica

angariou prestígio político para estes intelectuais do campo da saúde, mas

além disso, eles sempre utilizaram o discurso da economia de recursos

governamentais. Com isto, poderiam ter o apoio político suficiente para

normatizar os hábitos saudáveis, indicando a melhor forma cotidiana de se

viver.

No início do século XX, como já vimos, a estratégia de

convencimento utilizada com os governos baseava-se na política do homem

como o maior valor das nações. Portanto, quando o governo investia em um

cidadão, com educação e serviços de saúde, e este, por motivo de doença,

tornava-se improdutivo, representava um prejuízo ao Estado.

275
Da mesma forma a medicina preventiva, com o objetivo de afastar

as possibilidades de se ficar doente, não se restringindo ao tratamento clínico,

posterior à instalação da doença, por diversas vezes utilizou o argumento da

diminuição dos recursos públicos gastos com saúde, enfatizando que a

prevenção era muito menos onerosa para o Estado do que o tratamento.

9) Incutir hábitos saudáveis: a educação para a saúde e a educação

higiênica.

Os dois movimentos viam na educação uma poderosa arma de

auxílio na propagação dos ideais higienistas. Através de uma educação para

saúde ou educação higiênica, objetivavam a reformulação dos hábitos das

crianças, para posteriormente atingirem os adultos. Também através de uma

estratégia óbvia, como por exemplo, a criança de hoje é o adulto de amanhã,

ou pela própria influência da criança na família. Vejamos o texto a seguir:

O progresso maior em materia de protecção e


melhoramento da saude provém da educacão hygienica dos indivíduos,
começada o mais cedo possivel, para que desde o inicio da vida sejam
creados habitos sadios, em vez de, mais tarde, com grandes
difficuldades, ser necessario combater os máos costumes já arraigados
e procurar substituil-os por normas de proceder de accôrdo com as
regras da hygiene. Assim, é nas escolas que deve ser feito o maior
esforço educativo, procurando-se que viva a criança num meio
perfeitamente hygienico e cercado de pessoas cujos habitos são os que
se quer incutir como bons. E não somente se obtem, por esse modo,
que os habitos do escolar se formem ao influxo desse meio sadio, como
tambem se consegue exercer, por intermédio da criança, accentuada
influencia no lar e na família. (FONTENELLE, 1930, p. 841)

Mais uma vez os paralelos se cruzam, não fossem a ortografia de

época e o uso do termo higiene, o texto de um higienista do início do século XX

276
sobre a educação higiênica, facilmente seria confundido com uma visão atual

de educação para saúde. Observemos as semelhanças:

A Educação Física escolar pode representar o ambiente


ideal para a aprendizagem de conceitos importantes para toda a vida. A
Educação Física é o melhor meio para reunir informações, atitudes e
ações associadas com comportamentos saudáveis. A avaliação da
aptidão física, o desenvolvimento de programas para as necessidades
individuais e a discussão de conceitos básicos relacionados à saúde
individual podem ser partes de um amplo esquema educacional.
(NAHAS & CORBIN, 1992, p. 50)

Os dois movimentos representam o desejo da classe médica e dos

profissionais da saúde de elaboração de um projeto de sociedade, que

julgavam melhor. Eles indicam a ambição de intervenção política destes

intelectuais, constroem um modelo, e tentam colocá-lo em prática. Anseiam

conscientizar a sociedade dos benefícios de uma vida saudável, lançando mão

de diversas estratégias.

10) Intervencionistas sociais e higienistas sociais.

Todo movimento social gera suas contradições, e não foi diferente

com o “movimento higienista”. Embora os próprios críticos da atualidade

(higienistas sociais da década de 80) não destaquem ou desconheçam o

engajamento político de higienistas do início do século, sobretudo no Brasil, de

intervencionistas sociais como Belisário Penna e Miguel Couto, e até mesmo

de higienistas da bacteriologia, como Carlos Chagas, um dos higienistas mais

destacados da Alemanha, por exemplo, Rudolf Virchow, militou, inclusive em

partidos de esquerda, participando de protestos atrás de barricadas contra o

governo em 1848. Tornou-se forte opositor do Chanceler Otto Von Bismark, a

277
ponto do mesmo desafiá-lo a um duelo, que nunca se realizou (SCLIAR, 1996).

Vejamos os escritos de Belisário Penna (1923):

O descaso pelos problemas de saúde publica manifesta-se


na exiguidade das verbas destinadas esse fim, e até na ausencia de tal
verba nos orçamentos innumeros municipios, cujas rendas são
absorvidas na quasi totalidade por intendentes, secretários, collector e
fiscaes. São chefes e cabos eleitoraes das varias oligarchias que nos
felicitam e que vão levando a nação, a passos largos, para a perda da
sua soberania [sic]. (PENNA, 1923, p. 29)

(...) não convem absolutamente aos magnatas de posse


dessa rica e vasta propriedade, que os seus súbditos ou servo se
instruam e adquiram saúde, pois que seria isto o ponto final do seu
nefasto predomínio. (ibidem, p.32)

Todos os problemas relativos á salubridade das regiões e á


saúde dos seus habitantes prendem-se intimamente aos de sua
organização política e social. (ibidem, p. 68)

Comparando este discurso com o dos higienistas sociais da década

de 80, podemos observar uma clara continuação dos ideais da Liga Pró-

Saneamento do Brasil, posterior Sociedade Brasileira de Higiene. Por exemplo,

para Gastão Campos, deveria ser organizado um novo Movimento Sanitário,

que teria como objetivo criticar radicalmente o modelo médico sanitário do fim

do século XX no Brasil, deixando claro os determinantes sociais do processo

saúde-doença, buscando, no cerne deste movimento, constituir uma sociedade

justa (CAMPOS, 1991).

Depois dessa retrospectiva histórica, podemos perceber que as duas

épocas só podem se definir, devido à sua heterogeneidade, pelo que tinham de

comum, ou seja, por um objetivo central: o estabelecimento de normas e

278
hábitos para conservar e aprimorar a saúde coletiva e individual. É somente

neste aspecto que podemos encontrar certa homogeneidade. Fora isto, só

podemos encontrar uma mentalidade higienista em uma generalidade difusa e

heterogênea, tanto no âmbito político quanto no científico.

Por exemplo, se fizermos uma analogia com outro movimento social,

como o movimento estudantil, verificaremos que as divergências entre as

ramificações do mesmo são várias. No Brasil, temos a União da Juventude

Socialista, a Juventude Petista, os trotskistas, os independentes, até mesmo, a

Juventude Pepebista. Existem diversas posições que, em determinado

momento, estão lado a lado para defender seus interesses, com no caso de

construção de mais escolas e na democratização do ensino. Ainda no caso do

movimento estudantil, em sua história, observamos, variações entre os

“subversivos” da década de 60, e os “caras-pintadas” da década de 90, mas

não é por isso que se conta uma história do movimento estudantil que

desvincule as duas épocas e a influência que uma exerce sobre a outra,

embora os contextos cultural e político sejam diferentes.

Deste modo, defendemos a tese de que o “movimento higienista” ou

sanitarista do início do século XX no Brasil extrapola a periodização tradicional

que lhe imputa o término nos anos 30 ou 40, dependendo do autor, e

prossegue com suas tradições e ideais heterogêneos até o fim do século XX, e

muito possivelmente, até hoje, no início do século XXI, não ganhando

características que determinem uma diferenciação histórica entre as duas

intervenções.

Esperamos poder auxiliar e esclarecer os profissionais e intelectuais

da saúde a buscarem na sua história a resposta para essas perguntas:

279
Devemos ou não procurar uma nova mentalidade, que se afaste da intervenção

higienista? Estes ideais devem se preocupar mais com a realidade brasileira?

Devemos ou não unir forças no desenho de uma intervenção que conviva com

a diversidade e construa possibilidades para um país melhor e mais justo?

Desejamos, sinceramente, poder colaborar com este debate.

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