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Editora Diagramação

Universidade Estadual de Londrina Luiz Gustavo Tiroli

Capa Revisão Ortográfica


João Victor Begnini Simsic João Fernando de Araújo
Adriana Regina de Jesus

Conselho Editorial

Profª. Drª. Angela Maria de Sousa Lima Profª. Drª. Lucélia Tavares Guimarães
Universidade Estadual de Londrina Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Prof. Dr. Alonso Bezerra de Carvalho Profª. Drª. Marília Favinha


Universidade Estadual Paulista Universidade de Évora – Portugal

Profª. Drª. Bernadete Lema Mazzafera Prof. Dr. Rafael Bianchi


Universidade Norte do Paraná Universidade Estadual de Londrina

Prof. Dr. Cezar Bueno de Lima Prof. Dr. Teodoro Adriano Costa Zanardi
Pontifícia Universidade Católica do Paraná Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Prof. Dr. Fabio Luiz da Silva Prof. Dr. Wendell Fiori de Faria
Secretaria Estadual do Estado do Paraná Universidade Federal de Rondônia

Tradução e reprodução proibidas, total ou parcialmente, conforme a Lei n. 9.610, de 19 de


fevereiro de 1998. O conteúdo dos capítulos é de responsabilidade de seus autores.

Elaborado e distribuído no Brasil em 2023


Universidade Estadual de Londrina
Sumário
Apresentação...................................................................................................07

Prefácio...............................................................................................................10

Capítulo I

DEVIRES EDUCACIONAIS DO PENSAMENTO, VIDA E OBRA DE


JOHANN HERBART: SUA IMPORTÂNCIA E CONTRIBUIÇÕES PARA
EDUCAÇÃO.........................................................................................................13
Eduardo Augusto Farias
Natalia Barbosa Veríssimo
Marta Regina Furlan
Taila Angélica Aparecida da Silva

Capítulo II

VIDA, OBRAS E AS CONTRIBUIÇÕES DE JOHN DEWEY PARA A


EDUCAÇÃO........................................................................................................34
Fernanda Couto Guimarães Casagrande
Fernanda Neri de Oliveira
Darcísio Natal Muraro
Sandra Aparecida Pires Franco

Capítulo III

COMPREENDENDO ELEMENTOS DO PATRIMÔNIO CIENTÍFICO DE


VYGOTSKY À LUZ DA METÁFORA “A ÂNCORA E O BARCO”...........49
Ana Leticia Ferreira
Delci da Conceição Filho

Capítulo IV

LEONTIEV E DAVYDOV: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-


CULTURAL NA EDUCAÇÃO..........................................................................67
Andrieli Dal Pizzol
Camila Fernandes de Lima Ferreira
Diene Eire de Mello
Capítulo V

JEAN PIAGET: CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO........................84


Gláucia Botan Rufato
Maria Fernanda Maceira Mauricio

Capítulo VI

UM OLHAR AMPLIADO DA ESCOLA NA PERSPECTIVA DE PIERRE


BOURDIEU: A VIVÊNCIA ESCOLAR E A CARACTERIZAÇÃO DO
HABITUS.............................................................................................................101
Marcos Maia da Silva
Ravelli Henrique de Souza
Rodrigo Alexandre Cavalarini Faustino
Marta Regina Furlan

Capítulo VII

PAULO FREIRE E SEU LEGADO HUMANO, FILOSÓFICO E


PEDAGÓGICO...................................................................................................117
Kelly Cebelia
Letícia Fucuhara
Darcísio Natal Muraro
Sandra Regina Ferreira de Oliveira

Capítulo VIII

PENSANDO A EDUCAÇÃO PARA FORMAÇÃO HUMANA: DERMEVAL


SAVIANI E OS PRECEITOS BASILARES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-
CRÍTICA..............................................................................................................130
Gislaine Franco de Moura
João Fernando de Araújo
Martinho Gilson Cardoso Chingulo
Adriana Regina de Jesus
Marta Silene Ferreira Barros

Capítulo IX

JÖRN RÜSEN E O ENSINO DE HISTÓRIA: PLANEJANDO UMA AULA A


PARTIR DE SUAS CONTRIBUIÇÕES..........................................................154
Anilton Diogo dos Santos
João Augusto Martin Nantes dos Santos
Capítulo X

NORBERT ELIAS: APONTAMENTOS PARA PENSAR OS PROCESSOS


EDUCATIVOS...................................................................................................172
Dayane Cristina Guarnieri
Emely de Almeida Souza
Mariana Montagnini Cardozo
Tony Honorato

Sobre os organizadores...............................................................................188

Sobre os autores.............................................................................................189
Apresentação

Dizem que o sorriso sincero vem de uma criança que brinca e reencontra
alguém querido. Posso dizer que receber um convite também fez surgir em meu
rosto um sorriso! Ser honrada e ter o nome escolhido para falar de artigos tão
bem estruturados e científicos é muito significativo. Ser abrilhantada com os
estudos originários e a docência de Adriana Regina de Jesus indica o quão
valioso foi o caminho acadêmico realizado para que possa contribuir com a
apresentação de um e-book. Essa realização pessoal e em conjunto só se
engrandeceu pela amizade. Milton Nascimento e Fernando Brant já mencionaram
que “Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito na “Canção da
América”. Assim vou registrar o brilhantismo que esse e-book leva para a
docência de futuros professores e pesquisadores da Educação Superior.
Trata-se de artigos científicos resultados de uma disciplina de doutorado
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Londrina intitulada “Teorias da Educação”. Juntos poderemos observar
estudantes do doutorado em conjunto com seus orientadores e a professora
regente escrevendo sobre pesquisas e pesquisando sobre autores renomados
nas mais diversas áreas da educação.
O primeiro capítulo, DEVIRES EDUCACIONAIS DO PENSAMENTO,
VIDA E OBRA DE JOHANN HERBART: SUA IMPORTÂNCIA E
CONTRIBUIÇÕES PARA EDUCAÇÃO, de Farias, Veríssimo, Furlan e Silva
destacaram a importância do pensamento do filósofo, pedagogo e psicólogo
Johann Herbart para a Educação, com destaque na educação brasileira. O
Capítulo II, VIDA, OBRAS E AS CONTRIBUIÇÕES DE JOHN DEWEY PARA A
EDUCAÇÃO, de Casagrande, Oliveira, Franco e Murato foram destacados alguns
aspectos informacionais acerca da vida e obra, contexto vivenciado, teoria e as
contribuições que John Dewey atribuiu ao campo da educação.
O Capítulo III, COMPREENDENDO ELEMENTOS DO PATRIMÔNIO
CIENTÍFICO DE VYGOTSKY À LUZ DA METÁFORA A ÂNCORA E O BARCO,
Ferreira e Conceição Filho demonstraram elementos do patrimônio científico de

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Vygotsky à luz da metáfora da âncora e do barco, no sentido de contribuir no
processo de formação continuada de professores e professoras.
O Capítulo IV, LEONTIEV E DAVYDOV: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL NA EDUCAÇÃO, de Pizzol, Ferreira e Mello
debruçaram-se acerca do desenvolvimento humano sobre os escritos de
Leontiev e Davydov. No Capítulo V, JEAN PIAGET: CONTRIBUIÇÕES PARA A
EDUCAÇÃO de Rufato e Mauricio apresentaram estudos da Teoria da
Epistemologia Genética, que destaca que o conhecimento se dá por descobertas
realizadas pela própria criança.
No capítulo seguinte, Silva, Souza, Faustino e Furlan debateram no artigo
UM OLHAR AMPLIADO DA ESCOLA NA PERSPECTIVA DE PIERRE
BOURDIEU: A VIVÊNCIA ESCOLAR E A CARACTERIZAÇÃO DO HABITUS o
olhar pedagógico em relação a teoria de Pierre Bourdieu no que condiz a
caracterização do habitus em relação à vivência escolar voltadas às práticas de
objetivação e subjetivação dos sujeitos escolares.
No Capítulo VII, PAULO FREIRE E SEU LEGADO HUMANO,
FILOSÓFICO E PEDAGÓGICO Cebelia, Fucuhara, Muraro e Oliveira
apresentaram o renomado autor brasileiro Paulo Freire e sua trajetória em vida,
obra e sua relevância para a educação.
PENSANDO A EDUCAÇÃO PARA FORMAÇÃO HUMANA: DERMEVAL
SAVIANI E OS PRECEITOS BASILARES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-
CRÍTICA de Moura, Araújo, Chingulo, Jesus e Barros é o próximo capítulo que
apresentou a vida do filósofo Saviani e os preceitos basilares constituintes da
Pedagogia Histórico-Crítica que foi propagada e consolidada como um dos
paradigmas educativos mais bem elaborados acerca da educação para a
formação humana dos sujeitos.
No Capítulo IX, JÖRN RÜSEN E O ENSINO DE HISTÓRIA:
PLANEJANDO UMA AULA A PARTIR DE SUAS CONTRIBUIÇÕES, de Santos
e Santos apresentaram a vida do filósofo e historiador alemão Rüsen e suas
reflexões voltadas à teoria e ao Ensino de História, em uma relação intrínseca
entre a História e a Vida.

8
Para fechar o e-book, o Capítulo X, trouxe o artigo NORBERT ELIAS:
APONTAMENTOS PARA PENSAR OS PROCESSOS EDUCATIVOS, de
Guarnieri, Souza, Cardozo e Honorato sobre a reflexão dos processos educativos
a partir da abordagem sociológica figuracional e da teoria dos processos
civilizadores de Norbert Elias.
Para finalizar essa apresentação que foi gerada a partir de trechos dos
artigos mencionados, podemos expor que a disciplina Teorias da Educação,
ministrada pela Dra. Adriana Regina de Jesus foi esplendorosa, no sentido de
abarcar autores renomados na área da educação que são fontes de pesquisas
primárias desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina, o que significa que a docente ao convidar
para a escrita desse e-book não negou esforços para poder compor as pesquisas
que darão frutos futuros, em especial, valorizando cada pesquisa e cada
orientador com seus respectivos projetos de pesquisa.
Assim, considero-me privilegiada por poder ler de antemão uma obra
resultado de todo o conhecimento desenvolvido em uma disciplina e a confiança
a mim dada. Desejo, assim, uma boa leitura e que essa leitura seja um verdadeiro
ato de ler!

Profª. Drª. Sandra Aparecida Pires Franco


Doutora em Letras pela Universidade Estadual de Londrina
Professora no Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina
07 de fevereiro de 2023

9
Prefácio

Um dos aspectos mais fascinantes da história da ciência é a longevidade


do modelo geocêntrico do universo. No século II, Ptolomeu sistematizou a teoria
que colocava a Terra no centro de um cosmo constituído por diversas esferas
cristalinas onde os objetos celestes estavam presos e, por isso, giravam em torno
de nosso planeta. Era um modelo geométrico bastante complexo, com diversos
círculos, epiciclos e outros elementos que possibilitavam a explicação e a
previsão de inúmeros fenômenos astronômicos – e, por isso, permaneceu aceito
por tanto tempo. Apenas nos séculos XVI e XVII, com Copérnico e Kepler, é que
as ideias de Ptolomeu foram substituídas pela teoria heliocêntrica, que conseguia
explicar e prever muito mais acontecimentos celestes.
Estes exemplos indicam que a ciência busca a verdade, sem dúvida. No
entanto, aquelas construções teóricas - geralmente confundidas com a própria
ciência - são modelos explicativos que fornecem sentido ao mundo e nos ajudam
a viver neste pequeno planeta. Não deveria ser espantoso, portanto, que existam
diferentes teorias competindo pela hegemonia explicativa do mundo. Isto é uma
verdade para as ciências na natureza e, também, para aquelas que lidam com o
humano. Dewey, Piaget, Vigotski, Bourdieu e outros que pensaram sobre a
educação demonstram a riqueza e a complexidade dos fenômenos humanos,
expressando diferentes abordagens e diversos fundamentos filosóficos sobre os
processos de ensino e aprendizagem.
Pressupomos, portanto, que não exista uma boa teoria que não
corresponda aos fatos. Por outro lado, não existe boa prática que esteja
desvinculada de uma boa teoria. Assim, é necessário que os professores
conheçam as diversas teorias educacionais. Evidentemente, o conteúdo e a
experiência também são fundamentais aos docentes – como, aliás, em qualquer
profissão -, mas são insuficientes.
A importância das teorias educacionais reside, em primeiro lugar, na
capacidade que elas têm de fornecer aos professores uma estrutura sobre a qual
poderão construir práticas de ensino mais significativas. Isto ocorre porque a

10
teoria pode fornecer, por exemplo, as explicações sobre os mecanismos de
aprendizagem e possibilitando escolhas conscientes de metodologias e técnicas.
Piaget e Vigotski são bons exemplos desse aspecto: o primeiro fundamenta o
construtivismo e o segundo estabeleceu as bases da pedagogia histórico crítica.
Em segundo lugar, a teoria pode auxiliar os professores a superar muitos
dos saberes da tradição, aqueles nos fazem ensinar da mesma maneira pela qual
fomos ensinados. É possível perceber que na raiz desta realidade está a antiga e
ainda não solucionada questão da prática versus teoria, e que corresponde às
desconfianças mútuas entre educação básica e ensino superior. Assim como não
basta observar e anotar os movimentos dos astros, não podemos estar limitados
à constatação da complexidade da sala de aula. Por outro lado, modelos
astronômicos que não correspondam às observações e que não permitam a
previsão dos fenômenos celestes são pouco úteis, ou seja, teorias educacionais
que estejam desvinculadas do mundo da prática são igualmente problemáticas.
No campo da educação, portanto, somente uma sólida formação teórica permite
aos professores julgar tanto a teoria quanto a prática.
Nestes tempos de valorização da semiformação, em que os conteúdos
científicos, filosóficos e artísticos têm sido substituídos por competências e
habilidades supostamente mais importantes, é ainda mais necessário que os
professores e os futuros professores sejam teoricamente bem formados. Assim,
iniciativas como essa, que reúnem reflexões sobre diversos estudiosos que
pensaram sobre a educação, são muito bem-vindas.

Prof. Dr. Fábio Luiz da Silva


Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista - Assis
Professor da Rede Pública de Educação do Estado do Paraná
11 de fevereiro de 2023

11
JOHANN FRIEDRICH
HERBART

12
Capítulo I

DEVIRES EDUCACIONAIS DO PENSAMENTO, VIDA E


OBRA DE JOHANN HERBART: SUA IMPORTÂNCIA E
CONTRIBUIÇÕES PARA EDUCAÇÃO

Eduardo Augusto Farias


Natalia Barbosa Veríssimo
Marta Regina Furlan
Taila Angélica Aparecida da Silva

Introdução

Este ensaio teórico tem como objetivo destacar a importância do


pensamento do filósofo, pedagogo e psicólogo Johann Herbart para a Educação,
com destaque para a educação brasileira. Para tanto, nos debruçamos na
pesquisa bibliográfica, tentando compreendê-la dentro dos aspectos que
envolvem nossa atuação enquanto educadores em sala de aula.
À luz do aporte bibliográfico, compreendemos que mesmo que os
docentes, ainda muitas vezes, negam a influência da pedagogia tradicional em
suas metodologias, essas ainda acabam abarcando o conjunto de saberes
disseminados por Herbart, tais como a heteronomia, a autonomia moral, a auto-
governança, a disciplina e a ética. Dentro desses aspectos, fica evidente a
contribuição do autor para as teorias da Educação e das Ciências Humanas, uma
vez que ele foi pioneiro na pedagogia, na psicologia e na educação. Tal feito
serviu para que autores que viessem depois dele, criticando-o ou não,
acabassem por usar algumas proposições de seus métodos em suas pesquisas
para superação de paradigmas.
Assim, neste texto destacamos uma breve interlocução entre a vida e
obra do autor, destacando aspectos positivos e alguns contraditórios, mas que
se encontram ainda presentes nas metodologias trabalhadas em sala de aula.
Embora muitas vezes Herbart seja invisibilizado pelo preconceito contra o
tradicional apoiado na ideia de que tudo o que foi anteriormente escrito é

13
considerado como antiquado, salientamos que cada pesquisador e docente
compõem suas teorias segundo a época e conjuntura histórica que vivencia e a
partir do objeto de pesquisa que pretende desvelar, pode romper com
paradigmas que de acordo com o desenvolvimento da sociedade, necessitem
serem superados.

Johann Herbart: considerações sobre a vida e obra

Para compreender o pensamento de Johann Friedrich Herbart, bem


como suas contribuições para a educação, entendemos que seja fundamental
compreendermos um pouco de sua trajetória histórica, bem como a base teórica
utilizada pelo mesmo para a construção do seu pensamento e fundamentação de
sua teoria.
Herbart viveu na Alemanha no século XIX (4 de maio de 1776 a 11 de
agosto de 1841). Ao longo de sua vida estudou filosofia, psicologia e pedagogia,
sendo considerado um dos pensadores de sua época que mais contribuiu, por
meio de suas obras, para a estruturação de uma chamada educação moderna,
provando que as características de seus pensamentos, na separação entre
indivíduo e sociedade, por uma perspectiva parcial de classe e a eliminação das
contradições sociais, com características do positivismo e da fenomenologia, nos
dão uma análise mais subsidiada acerca da realidade.
Sua dedicação aos estudos voltados à educação, lhe
proporcionou oportunidades de conhecer alguns dos maiores intelectuais de
seu tempo. Foi aluno do filósofo Johann Fichte, um importante filósofo alemão,
cujos estudos estavam voltados à subjetividade e à consciência, o que fez com
que fosse considerado como uma ponte entre as ideias de Kant e Hegel.
Herbart, ao longo de sua vida, trabalhou também como professor
particular. Nesse período ficou amigo do educador Johann Heinrich Pestalozzi,
um importante pedagogista e responsável pela reforma educacional ocorrida na
virada do século XIX para o século XX, que defendia que o processo educativo
deveria englobar três dimensões humanas, identificadas com a cabeça, a mão e

14
o coração, tendo o objetivo final a aprendizagem, que deveria acontecer por meio
de uma formação tripla: intelectual, física e moral.
Herbart foi professor na Universidade de Gottingen, em 1802 e em 1808.
Assumiu a cátedra deixada vaga por Immanuel Kant em Konigsberg, onde
lecionou até 1833, quando reassumiu a vaga de professor de filosofia em
Gottingen e fundou um seminário pedagógico com uma escola de aplicação e
internato. O autor é considerado um dos precursores da pedagogia moderna e
acadêmica.
Foi por intermédio dos estudos de Herbart que, pela primeira vez, a
pedagogia passou a ser vista como ciência, sendo organizada de forma
abrangente e sistemática, tendo fins claros e meios definidos. Sendo assim, o
pensamento de Johann Herbart se destaca pela influência do neo-kantismo,
possuindo uma importância fundamental para a educação. Contextualizando a
vida e obra do autor podemos elencar inúmeras situações em que o pensamento
dele se encontra presente na contemporaneidade escolar.
Por isso, apontamos questões relacionadas à superação ou manutenção
de paradigmas tal como proposto por Thomas Kuhn no campo da pesquisa e que
por fim se identifica com as práticas escolares. Kuhn trata sobre um projeto de
pesquisa voltado às ciências naturais, destacando que como educadores
conscientes da realidade que nos cerca, a pesquisa se faz presente em nossas
vidas, tal como, em nosso cotidiano escolar onde elegemos categorias a serem
decifradas.
Se o paradigma é um padrão a ser seguido, acreditamos que a obra de
Johann Herbart acaba muitas vezes sendo esquecida e invisibilizada, o que não
apaga sua importância fundamental para a educação, destacando-se seus
estudos para a subjetividade e consciência e autonomia moral. (LIBÂNEO, 1999;
KUHN, 2006).
Neste sentido, pretendemos neste ensaio teórico explicar as principais
contribuições da teoria do autor para a educação e comparar o modelo de
educação proposto com o modelo de educação no qual temos hoje. Visto que,
elaboramos nossas tessituras a partir da essencialidade da vida e obra do autor

15
que é vasta, trazendo aportes à luz dos conhecimentos acerca das teorias da
educação, compreendendo que a pedagogia trazida por Johann Herbart, embora
de cunho tradicional, ainda se firme como presente na prática educacional de
muitos docentes dos mais diferentes níveis educativos da educação formal.

Apontamentos sobre as contribuições de Johann Friedrich Herbart


para a educação

A teoria construída por Herbert é baseada na filosofia do funcionamento


da mente. Ele se destaca por ser o primeiro educador a pensar nesta estrutura,
com caráter científico, adotando também a psicologia aplicada, como eixo central
de educação, o que desde então contribuiu para que até os dias de hoje, se
estabelecessem pensamentos pedagógicos por meio dos quais se vinculassem
as teorias da aprendizagem à psicologia do desenvolvimento.
O pensador influenciou a obra de Jean Piaget quando ele defende que o
indivíduo se desenvolve a partir da ação sobre o meio em que está inserido,
priorizando, a princípio, os fatores biológicos que podem influenciar o seu
desenvolvimento mental, dando ênfase aos estudos de caráter construtivo.
Segundo Rego (2003, p. 79 apud Piaget, 1996):

Piaget identificou também um padrão de desenvolvimento da


capacidade de julgamento moral das crianças. Seu trabalho
consistiu em identificar as diferentes formas como as crianças,
ao longo de suas fases de desenvolvimento cognitivo, se
comportavam do ponto de vista do julgamento moral. Partiu do
pressuposto de que nenhuma realidade moral é completamente
inata e que “o que é dado pela constituição psicobiológica do
indivíduo como tal são as disposições, as tendências afetivas e
ativas: a simpatia e o medo – componentes do ‘respeito’ –, as
raízes instintivas da sociabilidade, da subordinação, da imitação
etc. e, sobretudo, certa capacidade indefinida de afeição, que
permitirá à criança amar um ideal como amar a seus pais e
tender ao bem de seus semelhantes. Mas, deixadas livres, essas
forças puramente inatas permaneceriam anárquicas, como
afirmou Piaget introduzindo uma exposição sobre a necessidade
da educação moral (Piaget, 1996). Alguns comentários se fazem
necessários aqui em relação à compreensão de que, ao menos
em parte, a moralidade é inata e sobre a tendência ao bem
(REGO, 2003, p. 79).

16
Diferente desses aspectos, os estudos de Herbart não trabalham com o
meio social, pois segundo sua teoria a mente funciona com base em
representações, nas quais essas podem ser imagens, ideias ou qualquer outro
tipo de manifestação psíquica isolada. A dinâmica da mente estaria nas relações
entre essas representações, que nem sempre são conscientes. Elas podem se
combinar e produzir resultados manifestos ou entrar em conflito entre si e
permanecer, em forma latente, numa espécie de domínio do inconsciente. A
descrição desse processo viria, muitos anos depois, a influenciar a teoria
psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939).
Uma das contribuições mais significativas de Herbart para a educação é
o princípio de que a doutrina pedagógica, para ser realmente científica, precisa
comprovar-se experimentalmente, uma ideia do filósofo Immanuel Kant (1724-
1804) que ele aprofundou. Dessa ideia, surgiram as escolas de aplicação que
conhecemos até hoje. Elas respondem à necessidade de alimentar a teoria com
a prática e vice-versa, num processo de atualização e aperfeiçoamento
constantes. Herbart fez um trabalho de grande influência porque aprofundou
suas concepções até as últimas consequências.
Na teoria herbartiana, memória, sentimentos e desejos são apenas
modificações das representações mentais. Agir sobre elas, portanto, significa
influenciar em todas as esferas da vida de uma pessoa. Desse modo, Herbart
criou uma teoria da educação que pretende interferir diretamente nos processos
mentais do estudante como meio de orientar sua formação.

O debate acadêmico a respeito da figura pedagogia de Herbart


reúne questões educacionais relevantes que mostram a
atualidade de seu pensamento não só para o contexto
pedagógico europeu e americano, mas também para a situação
educacional brasileira. A defesa herbartiana do autogoverno
pedagógico, da pedagogia como campo independente de
estudos e do papel de direção intelectual do educador tornam-
se fontes de inspiração para pensar problemas cruciais da
educação brasileira atual. Entre tais problemas destacam-se as
diferentes formas de servidão ou heteronomia assumidas pelas
práticas pedagógicas escolares e a centralidade indevida

17
atribuída ao educando em nome da compreensão equivocada
das metodologias ativas (DALBOSCO, 2018, p. 3).

Desse modo, a instrução é o elemento central de três procedimentos


que, para Herbart, constituem a ação pedagógica. O primeiro é o que chamou
de governo, ou seja, a manutenção da ordem pelo controle do comportamento
da criança, uma atribuição vista com responsabilidade inicialmente dos pais e
depois dos professores.
Trata-se de um conjunto de regras imposto de fora, com o objetivo de
manter a criança ocupada. O segundo procedimento é a instrução educativa
propriamente dita e seu motor é o interesse, que deve ser múltiplo, variado e
harmonicamente repartido. O terceiro é a disciplina, que tem a função de
preservar à vontade no caminho da virtude. Nessa etapa se fortalece a
autodeterminação como pré-requisito da formação do caráter. Ao contrário do
governo, consiste em um processo interno do aluno.
Aldous Huxley (2003) discute em sua obra “Admirável mundo novo”,
alguns princípios do autogoverno, instrução educativa e da disciplina por meio
de uma sociedade futurista que é normalizada através de normas e regras e que
podemos articular com a esfera da escola dentro da proposta de seus muros e
grades, onde todos são condicionados para a harmonia social em respeito ao
que está posto. Na obra de Herbart o professor é visto enquanto um mestre que
orienta o seu aluno as evoluções do processo educativo segundo as normas
vigentes na sociedade.
Não podemos dizer também que esse processo não gera aprendizado,
pois é ciência e como todo processo científico, engloba capacidades mentais de
refletir dos alunos a partir de sua formação da consciência moral. Categorias
como disciplina e concentração são mais que necessárias para a aprendizagem
escolar. A obra do autor Herbart se destaca no apogeu do positivismo enquanto
ciência dura e natural. No entanto, enquanto educadores, temos que nos atentar
para não cairmos em processos educativos que evoquem ou se simpatizam com
o totalitarismo (HUXLEY, 2003; BENELLI, 2014; ARENDT, 2018).

18
Segundo os apontamentos de Arendt (2018, p. 123)

En términos generales, ha sido típico de las teorías liberales partir


de la hipótesis de que “da constancia del progreso... en la
dirección de una libertad organizada y asegurada es el hecho
característico de la historia moderna”, y considerar que toda
desviación de este derrotero es un proceso reaccionario de
dirección opuesta. Esto conduce a pasar por alto las diferencias
de principio entre la restricción de la libertad en los regímenes
autoritarios, la abolición de la libertad política en las tiranías y
dictaduras y la total eliminación de la espontaneidad misma que,
de entre las manifestaciones más generales y elementales de la
libertad humana, es la única a la que apuntan los regímenes
totalitarios con sus diversos métodos de condicionamiento.

Não era esse o objetivo do autor, mas esses princípios acabam sendo
utilizados pelo Estado Burguês de maneira inversa, invertendo os objetivos do
autor que estão mesmo ligados à educação formal e ao desenvolvimento da
capacidade dos alunos dentro de sua contemporaneidade.

"Silêncio, silêncio", murmurou um alto-falante, enquanto saíam


do elevador no décimo quarto andar, e "Silêncio, silêncio",
repetiram incansavelmente, a intervalos regulares, outros alto-
falantes ao longo de cada corredor. Os estudantes, e o próprio
Diretor, puseram-se automaticamente a caminhar nas pontas dos
pés. Eles eram Alfas, por certo, mas até mesmo os Alfas haviam
sido bem condicionados. "Silêncio, silêncio." (HUXLEY, 2003, p.
25).

Alguns desses aspectos são apontados na obra de Huxley (2003),


quando ele comenta sobre a existência de uma sociedade de castas, onde todos
são moldados e pré-condicionados a viverem em paz e harmonia com uma
sociedade antiética e antimoral. O autor aponta para hierarquização e
sistematização de uma sociedade padronizada onde quem não segue os
princípios da mesma passa a ser zombado como o diferente. O livro faz referência
à fabricação em série, de seres humanos corporificados, remediados e
anestesiados para a crença no que é ditado pela norma vigente do padrão
dominante, no qual o destino dos seres humanos passa a ser decidido por meio

19
da genética, onde os privilegiados são colocados nos serviços de comando e os
tidos como limitados, nos serviços braçais.
Tal como Huxley, Herbart diversifica o contexto dominante do seu tempo,
se preocupando com o desenvolvimento do ensino em etapas. Entretanto, Huxley
se difere ao admitir a existência de uma elite que controla a maioria das pessoas
do mundo. Segundo ele, esse grupo de pessoas sempre existirá, sendo que os
meios de controle podem variar e ser cada vez mais eficientes (HUXLEY, 2003).
Como mencionado anteriormente, a proposta de Herbart fundamentou-
se em três conceitos ligados à moralidade como finalidade da educação, que são:
governo, instrução e disciplina. Apresentou o método de ensino que tem como
passos formais a preparação, apresentação, associação, generalização e
aplicação.

❖ Governo: A ação pedagógica de governo é um primeiro


enfrentamento, no âmbito específico da relação entre educador
e educando. É a forma de controle da agitação da criança,
inicialmente exercido pelos pais e depois pelos mestres, com a
finalidade de submeter a criança às regras do mundo adulto e
viabilizar o início da instrução. A noção de governo tem, na
atualidade, um sentido institucional forte, referindo-se quase
exclusivamente ao poder do Estado e aos sistemas e partidos
políticos. Nesse contexto, a noção de governo das crianças caiu
em desuso, desaparecendo também o significado que lhe era
intrínseco na época de Herbart e que delimita o âmbito ético e
pedagógico da relação com as crianças. Por isso, antes do
sentido exclusivamente político, vinculado ao sistema de
governo, a própria noção de governo tinha um estatuto
antropológico claro, relacionado diretamente ao poder de
conhecer e comandar as disposições humanas. Mais
precisamente, trata-se da clássica questão ético-política do
governo dos outros alicerçados no bom governo de si mesmo.
Herbart traduz essa questão para o âmbito pedagógico,
referindo-se ao modo como o adulto exerce sua autoridade em
relação à criança. Na perspectiva pedagógica do
desenvolvimento humano mais amplo, a criança não tem a
mesma condição educacional que o adolescente, jovem, adulto
ou velho.
❖ Instrução: é o principal procedimento da educação e
pressupõe o desenvolvimento dos interesses. O interesse
determina quais as ideias e experiências que receberão atenção
por parte do indivíduo. Herbart não separa a instrução intelectual

20
da instrução moral, pois para ele, uma é a condição da outra.
Para que a educação seja bem-sucedida é conveniente que
sejam estimulados o surgimento de múltiplos interesses.
❖ Disciplina é a responsável por manter firme a vontade
educada, no caminho e propósito da virtude, supondo
autodeterminação, que é uma característica do amadurecimento
moral levando para a formação do caráter que está sendo
proposta, ao contrário do governo, que é heterônomo e exterior,
mais adequado ao trato com as crianças pequenas (LIBÂNEO,
1990, p. 15).

Para Herbart, o conhecimento é dado pelo mestre ao aluno, de modo que


só mais tarde esse último o aplica às experiências vividas. Sua educação é pela
instrução, e neste caso, possui um caráter mais intelectualista. Considera-se que
a principal função da educação em uma sociedade, é a aquisição de ideias por
parte dos alunos. A ideia-chave de sua pedagogia é que a instrução é a base da
educação. Não lhe interessava se a educação fortaleceria a democracia ou a
cultura política.
Os conteúdos mencionados com esses conceitos ainda são muito
interessantes e atuais, embora os significados dos termos tenham mudado ao
longo do tempo. Esse é o problema com os textos históricos: A variação dos
conteúdos e alteração de significados que podem ocorrer ao longo do tempo.
Hoje, empregamos os conceitos como governo das crianças ou disciplina com
um significado diferente dos períodos de Herbart, num contexto de pensamento
totalmente diferente. O governo das crianças não é um apelo à condução
autoritária e ao enquadramento por regulamentos.
No Método de Instrução herbartiano o filósofo propõe 5 passos formais
que favorecem o desenvolvimento da aprendizagem do aluno:

❖ Preparação: neste momento o professor, antes de iniciar


um novo conteúdo, deverá trazer à memória do aluno um
conhecimento já ensinado anteriormente ou algo de sua vivência
que sirva de base para a aquisição do novo conteúdo. Dessa
maneira o professor irá despertar o interesse do aprendiz para a
construção do novo conhecimento.
❖ Apresentação: neste segundo passo deve-se apresentar o
conteúdo chefe do processo de ensino-aprendizagem. Herbart
defende a ideia de que a exposição do conteúdo deve ocorrer

21
com “clareza”, o que para ele é, partir do concreto para o
abstrato; ou, quando se referir à moral, partir das experiências
mais simples e compreensíveis para as mais complexas.
❖ Assimilação (ou associação ou comparação): uma vez que
o novo assunto foi introduzido, isto é, uma vez que foram
apresentadas novas ideias e conceitos morais, históricos e
científicos, estes serão completamente assimilados pelos alunos
à medida que forem relacionados com as ideias e conceitos já
conhecidos. O aluno já é capaz de fazer comparações
(diferenças e semelhanças) dos conceitos novos com os antigos
e fazer associações entre estes, assim a aquisição do novo
conhecimento encontra o seu lugar na mente.
❖ Generalização (ou sistematização): esse é o passo onde a
mente é desenvolvida na sua capacidade máxima. O aluno já não
precisa tanto de experiências concretas, ele já é capaz de
abstrair, chegando a concepções gerais. Esse passo tem grande
importância para a instrução na fase da adolescência.
❖ Aplicação: esse é o passo final. É o exercício daquilo que
o aluno aprendeu. Agora, a ideia aprendida fará parte da mente
funcional e auxiliará o ser na sua interpretação da vida e de tudo
que o rodeia. Um conhecimento assimilado e aplicado é a
segurança de que as informações que passamos para o aluno
não serão sobrecargas de dados sem valor para a mente. Assim,
as novas ideias adquirem um sentido vital e deixam de ser um
acúmulo inútil de informações (LIBÂNEO, 1990, p. 17).

O governo das crianças é, de acordo com Herbart, a parte da educação


que antecede ou é um pré-requisito para a educação. Dessa forma, as crianças
possuem uma vontade e não são capazes de tomar decisões refletidas e,
portanto, devem ser guiadas em seus percursos para que não se prejudiquem a
si ou aos outros. Uma ordem orientadora deve ser dada com o governo das
crianças. Não podemos penetrar na alma da criança afetando sua psique e levá-
la a instabilidade mental. O instrumento do governo das crianças é a vigilância
(cuidado), necessária em situações de perigos, mas não de modo permanente,
porque os meninos e os jovens devem ser ousados, se quiserem se tornar
homens.
O termo “disciplina” está sobrecarregado hoje, porque o disciplinamento
ou mesmo uma instituição disciplinadora (presídio, internato) podem ser
derivados disso. No caso de Herbart, o termo está relacionado à moralidade
(força do caráter moral), à construção do que chamamos hoje de uma moral

22
autônoma estável. Por isso a exigência de uma visão compreensível de um
mundo interligado, que pode ser alcançado através do interesse múltiplo, da
disposição para o bem e da rejeição do mal.
Para Kuhn (2006) a descoberta de um pesquisador começa com a
consciência da anomalia porque de alguma maneira a natureza viola as
expectativas dos paradigmas que governam a ciência normal. Herbart explora
categorias onde ocorre a anomalia e assimila uma teoria da educação, ajustando-
a a seu tempo de vivência histórica, das concepções emanadas pela ciência
moderna e traz como aditivo os seus estudos a partir de um método elaborado,
testado para que educando possam ver a natureza das coisas. Pois tudo tem seu
tempo, no século em que o filósofo e pedagogo supracitado viveu, nasceram os
maiores expoentes dos Estudos das Ciências Humanas, o que faz dele o
organizador da pedagogia enquanto ciência, e ele trabalhou arduamente no
sentido de retirar o aspecto de caridade e benemerência da pedagogia, tendo
constituído nela mesma posteriormente a laicidade do ensino.
Para Herbart, os aspectos das contradições sociais não estavam
presentes no campo de seus estudos. Tal como diz Kuhn, cada pesquisador se
direciona a um específico objeto de pesquisa e por meio dele e da evolução da
sociedade seguem um horizonte infinito de construção e produção de
conhecimento, tendo em vista as particularidades e singularidades que envolvem
cada campo da pedagogia, das teorias educacionais, e da pesquisa como fonte
de contribuição com a sociedade (KUHN, 2006).
Os estudos do autor não trazem também o aspecto da ideologia tal como
vemos nos estudos marxianos, por sua vez, trazem uma proposta de educação
formal na qual se tem a centralidade no professor e os alunos se adaptam ao
aprendizado a partir das categorias, elaborações, planejamento e estratégia
didática voltada à apresentação, assimilação, generalização e aplicação do
conteúdo. Pode ser visto por muitos, como uma lógica conteudista, mas o que
destacamos neste trabalho é que muitas vezes nas práticas educacionais,
conforme a evolução dos paradigmas, os métodos e técnicas de ensino se
configuram totalmente parecidos no método proposto por Herbart,

23
principalmente na educação brasileira que irá abordar com essas categorias
durante a fase da República Velha, evoluindo-se a partir do pensamento do autor
e seu rompimento da educação como caridade. Pois a partir desses conceitos a
educação irá evoluir também no sentido de sair da filantropia e adentrar para o
Estado como condutor dos processos educativos.
Pesquisas recentes, como a Dissertação de Mestrado de Mioto (2010),
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Londrina/PR, demonstram que nas práticas escolares em sala de aula muitos
educadores que diziam que não se enquadraram no sentido da pedagogia
tradicional, por ora, percebidos apresentavam métodos, características e/ou
ainda comportamentos vinculados à pedagogia tradicional herbartiana no que
confere nas relações de poder, nas relações de saber e institucionais. Mioto
(2010) elege categorias, como é o caso da percepção em sala de aula, durante
a fase de campo de sua pesquisa em Escolas da cidade de Londrina, o que nos
faz refletir enquanto a teoria da pedagogia tradicional ainda se encontra presente
no chão da escola e na sala de aula.
Sendo o paradigma uma característica da ciência normal, natural e rígida,
Herbart buscou desorganizar ao seu tempo para fundamentar explicações
científicas substituindo paradigmas em seu século de vivência e seus estudos
continuam em vigência na Educação brasileira e no mundo. O modelo japonês
de educação se pautou na pedagogia tradicional herbartiana e sua metodologia
(LIBÂNEO, 1999). Os estudos de Herbart continuam predominantes na
contemporaneidade por ter organizado a pedagogia e a psicologia como ciências
extraordinárias, capazes de serem revolucionárias nos dias de hoje. Sendo que,
mesmo com a adoção posterior de outro paradigma, a influência dos estudos do
autor se mostrou ainda suficiente para o modelo de sociedade em que vivemos.
Dentre os vários pesquisadores cujas obras foram influenciadas por
Herbart, destacamos Guattari e Deleuze. Propositalmente, o título de nosso artigo
contém a palavra “devir”, que vem a ser uma categoria muito trabalhada pelos
autores e a qual apontamos em nosso trabalho como um conceito de mudança

24
filosófica por onde passam as diversas teorias e complexidades que envolvem a
educação em nossa contemporaneidade.

Um devir não é uma correspondência de relações. Mas


tampouco ele é uma semelhança, uma imitação e, em última
instância, uma identificação. (...). O devir não é uma evolução, ao
menos uma evolução por dependência e filiação. O devir nada
produz por filiação; toda filiação seria imaginária. O devir é
sempre de uma ordem outra que a da filiação. Ele é da ordem da
aliança. (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 18-19).

Deleuze traz para o mundo das ideias uma reorganização dos conteúdos
e da proposta singular expressa por Herbart a partir da lógica do indivíduo, a
imanência de sua teoria não se preocupa com o Estado Social, entretanto traz
dimensões para os estudos linguísticos do significado, do significante e do
sentido que serão aprofundadas por Deleuze e Guattari. As estruturas mentais
encontradas nas ciências educacionais vêm da influência do pensamento
herbartiano no campo da pedagogia, psicologia e psicanálise, as ciências então
possuem uma estrutura que se amplia no conjunto da obra kantiana a partir das
contribuições de Herbart para as teorias educacionais. O campo de atuação e
linha do autor está vinculado basicamente à fenomenologia que teve entre seus
expoentes Jean Paul Sartre entre outros a se influenciarem pela obra de
Immanuel Kant.
Dentre autores influenciados por Herbart destacam-se os da linha
estruturalista, teóricos metafísicos que absorvem a linguagem como estrutura do
pensamento pós-moderno, como se destacam nos estudos vinculados à
genealogia por Foucault. Tais teóricos, como Foucault, Deleuze e Guattari,
apontam para a ruptura da estrutura, considerando a singularidade dos sujeitos,
por isso se destacam como humanistas. Grupos sociais se formam a partir do
discurso que denuncia a estrutura em guerras e lutas de força.
O olhar epistêmico encontra-se na obra de Herbart nos conceitos de
razão universal, sujeito moral e ciência. Direcionado primeiramente como uma
ruptura por romper com a Igreja e o aspecto caritativo da pedagogia, o acúmulo
do saber do autor, como pensava a ciência tradicional, será utilizado pelo Estado

25
para a padronização das ideias e costumes de um povo e que se usado de
maneira inadequada aponta para o fascismo, ou seja, as posições marcadas do
totalitarismo e que aqui nessa obra não aprofundaremos por motivo de termos
outro objeto em questão o de mostrar o quanto a teoria herbartiana da pedagogia
tradicional muitas vezes parece se tornar invisível na escola, mesmo que esteja
presente em suas práticas escolares.
Podemos vislumbrar uma perspectiva de Aldous Huxley (2003, p. 20):

- Coloquem os livros - disse ele, secamente.


Em silêncio, elas obedeceram à ordem. Entre os vasos de rosas,
os livros foram devidamente dispostos - uma fileira de livros
infantis, cada um aberto, de modo convidativo, em alguma
gravura agradavelmente colorida, de animal, peixe ou pássaro.
- Agora, tragam as crianças.
Elas saíram apressadamente da sala e voltaram ao cabo de um
ou dois minutos, cada qual empurrando uma espécie de
carrinho, onde, nas suas quatro prateleiras de tela metálica,
vinham bebês de oito meses, todos exatamente iguais […].

Aqui apontamos que o totalitarismo pode se concretizar num padrão que


será uniformizado nos currículos escolares tendo em vista a homogeneização da
sociedade. Herbart traz estudos epistemológicos e metafísicos associados à
filosofia crítica de Immanuel Kant, reivindica conhecimento a partir de sua
construção enquanto pesquisador e traz diversos elementos para os estudos da
Filosofia da Educação, História da Educação e das Ciências Humanas (BENELLI,
2014).
O filósofo e educador supracitado, para ter estabelecido em seu tempo
uma outra visão de mundo sobre a pedagogia, criou inúmeras hipóteses,
pressupostos teóricos e objetivos e fundamentos que traçaram o impacto no
desmembramento e na manutenção da estrutura educacional pautadas nas
relações de reprodução da vida social.
Sendo que, através das suposições levantamos problemas a serem
elucidados e as técnicas de pesquisa vão se moldando para que se possam
chegar a confirmações das realizações da pesquisa. Cada pesquisador trabalha
a partir dos modelos adquiridos por meio da literatura e educação que são

26
expostos na necessidade de interpretar e conhecer quais as características que
proporcionam o paradigma comunitário a esse modelo. Trabalhamos a partir de
modelos adquiridos que necessitam de um conjunto de regras para que se possa
pesquisar a partir da ética com a sociedade e as instituições pesquisadas a partir
de mais do que dados, mas realizações confirmadas a partir de dados concretos
e epistemológicos que dão o caráter revelador e ético da pesquisa nas áreas
humanas e sociais.
Herbart vai traçando seu quebra-cabeça mental e incorpora a pedagogia
às ciências humanas a partir de seus conceitos desenvolvidos sob o
autogoverno, instrução e disciplina, tendo um caráter moral na educação formal
a partir do respeito do aluno para com o professor em sala de aula.
Se falávamos tanto em diversidade e pluralidade porque não afirmar que
o método herbartiano está presente nas práticas escolares, na sala de aula, bem
como, sustentado pelos currículos, pela BNCC e muitas vezes reafirmados em
nossos planejamentos e conceitos que disseminamos em sala de aula e na vida
cotidiana da comunidade escolar.
Acerca disso, as reflexões traçadas por Amaro (2018, p. 78) nos fazem
entender que “o caminho da autocrítica é muito individual. Muitas vezes, o fato
de se autoavaliar superior aos demais de seu grupo dificulta uma volta à natureza
profissional que seria verdadeiramente profícua e de inestimável valor”.
Herbart descobriu uma área de pesquisa cujo status ainda estava em
dúvida, suas experiências nos marcaram no campo educacional até hoje em dia.
Isso demonstra a habilidade de seus estudos para um paradigma ter sobrevivido
durante todo esse tempo. Sendo readaptado por outros teóricos que fizeram
seus estudos segundo suas experiências e crenças de mundo comum, habituais
e diferentes a partir de cada ser social que realiza suas pesquisas da extração de
dados e fontes de elementos isoláveis, explícitos e implícitos a partir de regras e
normas estabelecidas pela sociedade convencional. Quando o paradigma não é
capaz de resolver todos os problemas estabelece-se uma crise no qual o objeto
de estudo passa a ser denominado “anomalia” (KUHN, 2006)

27
Morin (2000) explica sobre como a hiperespecialização pode impedir a
percepção global. O autor compreende que ela fragmenta em parcelas o
essencial que é dissolvido. Desse modo, pode obstruir o tratamento correto dos
problemas particulares a serem desenvolvidos pelos alunos. Problemas estes
que se caminham no sentido de serem propostos ou pensados em seu contexto.
Destacando que os problemas essenciais jamais são parcelados e os problemas
globais são cada vez mais essenciais.

Enquanto a cultura geral comportava a incitação à busca da


contextualização de qualquer informação ou ideia, a cultura
científica e técnica disciplinar parcela, desune e compartimenta
os saberes, tornando cada vez mais difícil sua contextualização.
O conhecimento especializado é uma forma particular de
abstração. A especialização "abstrai", em outras palavras, extrai
um objeto de seu contexto e de seu conjunto, rejeita os laços e
as intercomunicações com seu meio, introduz o objeto no setor
conceptual abstrato que é o da disciplina compartimentada,
cujas fronteiras fragmentam arbitrariamente a sistemicidade
(relação da parte com o todo) e a multidimensionalidade dos
fenômenos, conduz à abstração matemática que opera de si
própria uma cisão com o concreto, privilegiando tudo que é
calculável e passível de ser formalizado (MORIN, 2000, p. 41-42).

Para Morin (2000) é princípio para nós educadores ensinar a condição


humana, entender os territórios em estão vinculadas às comunidades escolares
compreendendo todo conhecimento pertinente para que possamos enfrentar as
incertezas do mundo contemporâneo. Nesse sentido, a ética se faz presente nos
estudos desse autor enquanto elemento central de análise e que conduz nós
educadores há compreendermos os tempos históricos, sociais que se
materializam na vida moderna no sentido em que as sociedades democráticas se
solidarizam numa ordem interplanetária, transversalizando-se nos horizontes da
educação no sentido de obstaculizar as complexidades presentes no ambiente
escolar, o que nos move aos ires e devires educacionais.
Johann Herbart trabalhou com a perspectiva de Kant, pautada na
tradição da cultura da Grécia, onde o ideal de beleza é branco e a colonialidade
se faz presente, contudo, sua teoria é científica e não pode ser totalmente

28
descartada, mesmo porque o autor rompe com paradigmas ao colocar a
pedagogia no status de ciência valorizando sua transversalidade, teoria e
método.

Considerações para não finalizar, pois será que acabaram as


influências e pensamento do autor para com a prática docente na
educação?

“Quem não se liberta de seus preconceitos artísticos, científicos e


políticos acaba fracassando, inclusive pessoalmente” (HELLER, 2016, p. 9). É fato
que os postulados trabalhados por Herbart inscritos enquanto ciência
pedagógica dentro da esfera neo-humanista, estão na essência da prática
profissional de muitos educadores, mesmo que muitas vezes façamos a negação
de sua influência pela imposição de ideias.
Seus conceitos foram difundidos mundialmente. O problema que temos
é o seguinte: será que em nosso contexto histórico a teoria herbartiana levada a
cabo pela Escola e pelo professor, não acabaria descartando uma parcela da
sociedade tal como na obra de Huxley estabelecendo também uma sociedade
fascista a partir do totalitarismo?
Tendo em vista a sua época histórica vários conceitos utilizados pelo
autor bem como a governança, a vigilância, o cuidado continuam em vigência
vestindo outra roupagem a partir do descobrimento de outros paradigmas por
outros autores das teorias educacionais.
O que fica em questão é: Será que deveríamos descartar a teoria
herbartiana como um todo e se tentássemos será que conseguimos
simplesmente nos livrar de sua influência e importância para a Educação formal
dizendo que esse modelo não é eficiente ou não está mais em vigência? Pois se
falamos tanto em pluralidade e diversidade como educadores competentes,
conscientes e coerentes da realidade que nos cerca, temos que sair da caixinha,
romper com os rótulos e ressignificar o processo de educação de nossos alunos.
Nós acreditamos que pela importância do autor dentro da Educação
Mundial e pelo aproveitamento de suas técnicas e conceitos na estrutura

29
educacional, se faz difícil descartar todas as suas ideias, pois sua influência estará
presente na obra dos autores das Ciências Humanas e Educação que vieram
posteriormente ou ao mesmo tempo que ele. Herbart tem sua influência também
nos estudos sobre ética para que sua proposição teórica não fosse utilizada de
modo enviesado. O que ele propõe está articulado à cultura do século XIX aliada
a suas indagações e problematizações para a necessidade de a pedagogia ser
respeitada no âmbito das Ciências Humanas.
Dessa forma, apontamos alguns pontos confluentes de contradição
social, entendemos que Johann Herbart foi um revolucionário paradigmático para
sua época conceitual, não era seu papel se preocupar com o meio social e com
as contradições inerentes a esse processo, pois sua escolha de pesquisa foi
conceder a Pedagogia o status de ciência moderna que iria vir a contribuir com
as pesquisas sobre crianças, mulheres, aleitamentos maternos, educação infantil,
educação especial, educação de jovens e adultos e nas inúmeras áreas de
atuação que a profissão de pedagogia e outras profissões da área a educação
podem estar presentes.
Para finalizar indagamos você a refletir: o que você pensa sobre a
metodologia utilizada na pedagogia tradicional de Johann Herbart?
Entendemos, de modo geral e resumido, que o conceito de metafísica se
faz presente no uso da pedagogia tradicional e nos apresenta as contribuições
do autor para com a razão pedagógica universal, sendo que, ele forneceu o
fundamento as ciências pedagógicas e a psicologia, trazendo conceitos
estruturados a respeito da natureza e da primazia de sua pesquisa humanista
que hoje é tão expressiva no campo da Filosofia da Educação, História da
Educação e da própria Pedagogia enquanto teoria da Educação.
Concordamos que após o rompimento destes paradigmas surgirão
outros, pois a pesquisa se encontra em movimento, tal como a prática docente
em sala de aula, portanto uma pesquisa finalizada suporta a abordagem de
demais categorias a serem desveladas na tentativa de romper com que está
cristalizado enquanto normas e padrões pré-definidos pela sociedade, tal como
feito por outros pensadores que foram elaborando suas abordagens por meio

30
das contribuições propostas e trazidas por Herbart. Então a estrutura da teoria
Herbartiana apresenta um conceito rígido de padrões, fragmentos e elementos
isoláveis, explícitos ou implícitos. E nós enquanto pesquisadores/as buscamos a
partir da tradição científica particular e da aprendizagem de cada especialista
encontrar o que está invisível na conjuntura de uma sociedade capitalista.
Herbart teve por objetivo geral, humanizar a pedagogia que em
detrimento da visão criacionista de mundo, não era valorizada enquanto saber e
poder de contribuição para a evolução da sociedade. Assim, rompeu com uma
estrutura hierarquizada que ficava a cargo da Igreja, influenciando
posteriormente na compreensão do aluno enquanto sujeito singular e no
entendimento dos discursos metafísicos do poder, guerras e lutas de força que
compreendem a nossa sociedade, dentro da perspectiva positivista e
fenomenológica. Sua proposta de educação a partir da instrução e da percepção
foi esquemática, científica e operativa, contudo, não podemos cair no
reducionismo dizendo que nada do que confere as contribuições do autor está
presente na educação e mesmo em nosso plano de aula ou grade curricular
materializados na prática docente.

Referências

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profissão: reflexões à luz do pensamento de tradição marxista. In: AMARO,
Sarita; CRAVEIRO, Adriéli Volpato (Orgs). Vade Mécum: Ensino e Formação
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Democrática, 2018.

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Editora UNESP. 2014.

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Herbart: autogoverno pedagógico e posição ativa do educando. Educ. Pesqui.,
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31
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de Janeiro: Editora 34. 1997.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 11ª ed. Tradução Carlos Nelson


Coutinho e Leandro Konder. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2016.

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estudo introdutório sobre pedagogia e didática. 1990. Tese (Doutorado em
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pedagógico tradicional: desafiando modelos explicativos. Dissertação de
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Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez.
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PIAGET, J. Os procedimentos da educação moral. In: MACEDO, L. (Org.) Cinco
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1996.

REGO, Sergio. Teoria do Desenvolvimento Moral de Jean Piaget e Lawrence


Kohlberg. In: A formação ética dos médicos: saindo da adolescência com a
vida (dos outros) nas mãos. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ. 2003.

32
JOHN DEWEY
33
Capítulo II

VIDA, OBRAS E AS CONTRIBUIÇÕES DE JOHN DEWEY


PARA A EDUCAÇÃO

Fernanda Couto Guimarães Casagrande


Fernanda Neri de Oliveira
Darcísio Natal Muraro
Sandra Aparecida Pires Franco

Introdução

Neste trabalho serão destacados alguns aspectos informacionais acerca


da vida, obra, contexto vivenciado, teoria e as contribuições que John Dewey
atribuiu ao campo da educação. Em sua teoria, o autor critica a educação
tradicional na defesa de que é preciso abandonar o modelo autoritário e propor
uma escola democrática partindo da ideia de que a escola socializa o indivíduo
por meio da coletividade.

Vida e obra do autor

O filósofo John Dewey nasceu em 21 de outubro de 1859, em Burlington,


Vermont, nos Estados Unidos da América. Filho de Archibald Sprague Dewey e
Lucina Artemesia Rich Dewey. No ano de 1863, a família se muda para a cidade
de Cumberland, retornando, em 1867 para Burlington. No ano de 1875, Dewey
ingressa na Universidade de Vermont, com 16 anos, direcionando seus estudos
no campo da política e das filosofias moral e social. Ao longo de 1879, graduou-
se na Universidade de Vermont. Em seguida, tornou-se professor assistente em
Oil City, na Pensilvânia, onde permaneceu por dois anos, lecionando álgebra,
ciências e clássicos. Em meados de 1881, volta para Vermont, retoma seu
trabalho como professor e seus estudos de filosofia, sob a tutela do prof. Dr.
Henry A. P. Torrey.

34
Em setembro de 1882, ingressa na Universidade John Hopkins com o
intuito de realizar estudos em Filosofia, tendo como professores Charles Sanders
Pierce (Lógica), Stanley Hall (Psicologia) e George Sylvester Morris (Filosofia-
Kant e Hegel). Publica, em abril desse mesmo ano, o artigo “A assunção
metafísica do materialismo” e, em julho, “O panteísmo de Espinosa”. Em 1884,
doutora-se em Filosofia, mas sua tese intitulada “A psicologia de Kant” nunca foi
encontrada nem publicada na íntegra, exceto o texto do artigo intitulado “Kant e
o método filosófico”, publicado no The Journal of Speculative Philosophy. Nesse
período, é recomendado como membro da Sociedade Filosófica de Michigan.
Em setembro do mesmo ano, tornou-se professor de Filosofia na Universidade
de Michigan por recomendação de seu orientador George Sylvester Morris.
Durante o decorrer do ano de 1887 publica dois artigos sobre pontos de
vistas da Filosofia e Psicologia, na Revista Mind, intitulados: “Illusory Psychology”
e “Illusory Psychology” Com estes artigos, Dewey passa a chamar atenção da
comunidade científica para esses assuntos. Casa-se com Harriet Alice Chipman.
Neste mesmo ano, publica seu primeiro livro, intitulado “Psychology”, que foi
adotado como texto base em muitas universidades, mas foi criticado por seu
professor de Psicologia, Stanley Hall, e pelo filósofo William James, que era
mentor de Hall. Em 1888, entra para a Universidade de Minnesota, atuando como
professor de Filosofia Mental e Moral, permanecendo nesse local por cerca de
um ano. Após a morte do seu mentor, George Morris, John Dewey regressou à
Universidade de Michigan tornando-se chefe do Departamento de Filosofia.
No ano de 1894, saiu de Michigan para a recém-criada Universidade de
Chicago, na qual, em breve passou a liderar o departamento de Filosofia e o
departamento de Pedagogia, por sua sugestão criada. Neste mesmo período, ele
defende que a Pedagogia deveria se tornar um departamento independente
dentro da academia, no intuito de formar especialistas em educação. Tendo por
apoio William R. Harper, Dewey torna-se o novo chefe do Departamento de
Pedagogia e de Filosofia desta universidade. Em 1897, publica o artigo “Meu
credo pedagógico” e em 1899, o livro “A escola e a sociedade”.

35
No ano de 1904, por divergências internas na academia, desliga-se do
cargo na Universidade de Chicago e passa a ser professor da Universidade de
Columbia, onde permaneceu como docente em uma carreira ativa até 1930. Em
1910, o livro intitulado de “Como pensamos” foi sua nova publicação. Em 1916,
publica “Democracia e educação” que é considerado um de seus livros mais
importantes. Ao longo de 1920, difunde o próprio pensamento em muitos países,
tais como China, Escócia, Japão, México, Turquia, URSS, de modo a fortalecer o
enfrentamento à crise do pós-guerra. Para tanto, nessa década, ele escreveu
uma série de obras teóricas e políticas. À exemplo, citamos “A filosofia em
reconstrução” publicada em 1920, “Experiência e natureza” publicado em
meados de 1925 e “A busca da certeza” publicado no ano de 1929.
Continua com suas produções na década seguinte, em 1930, escreve
“Individualismo velho e novo”. Em 1934 publica as obras “A arte como
experiência” e “A fé comum”. Em 1935 publica a obra “Liberalismo e ação social”
e no ano de 1938 publica “Lógica, a teoria da investigação e Experiência e
educação”. Desde o início dessa década, trabalha como professor emérito da
Universidade de Columbia, até o ano de 1939. No decorrer de 1939, publica a
obra educacional “Teoria da avaliação” e, a obra política “Liberdade e cultura”.
Aposenta-se na Universidade de Columbia. No decorrer de 1946 escreve
“Problemas de todos”. Em 1949, publica uma obra intitulada “Conhecimento e
transação”. Encerra sua vida e carreira na cidade de Nova York, onde faleceu de
pneumonia, em 2 de junho de 1952.

O Contexto Histórico Norte-Americano

No período Pós-Guerra Civil Americana (1861 a 1865), houve uma


consolidação nacional nos níveis culturais, econômicos, políticos e sociais, além
de um forte movimento de industrialização e desenvolvimento do comércio. O
que gerou uma nova divisão do trabalho com a mudança da estrutura social
agrária e rural para a industrial e comercial urbana. O ensino público entrou em
um processo de secularização e universalização. O Estado e a Igreja se separam,

36
passando a exercerem funções próprias. Evidencia-se a ascensão do
nacionalismo, pautado no liberalismo que valorizava a educação como fator de
desenvolvimento cultural, econômico, político, social, uma emergência da
moderna ciência.
As universidades norte-americanas foram institucionalizadas e
passaram a se organizar sob a forma privada, laica e privada religiosa,
subsidiadas com recursos financeiros vindos de investimentos de capitalistas
industriais e comerciantes americanos na educação. Estes exigiram uma
alteração na administração e no próprio currículo dessas instituições, fazendo
com que os profissionais relacionados à ciência, comércio e indústria
assumissem essa tarefa e o setor clerical perdesse influência. Assim sendo, foi
um período de reforma universitária devido às transformações no campo das
disciplinas acadêmicas e de revolução na imprensa especializada.

O Termo Pragmatismo

De origem grega, o termo “pragma” significa ação, ato, afazeres. O


empregado desta terminologia para indicar o pressuposto de uma nova filosofia
sob o nome de Pragmatismo foi feito originariamente por Peirce, no artigo “Como
tornar claras nossas ideias”, publicado em 1878. Para Peirce, o termo
Pragmatismo faz referência ao sentido expressado por Kant que usara o termo
“pragmatisch” para expressar a ideia de razão relacionada a algum objetivo
humano definido. O sentido original distingue-se radicalmente da opinião que
associa o pragmatismo a uma concepção exclusivamente americana. Peirce
entendeu o pragmático como sendo a maneira como o conhecimento (saber
racional) está relacionado com a ação humana ou conduta (finalidade racional).
Sua preocupação era entender a arte e técnica do pensar, ou seja, a arte de
tornar os conceitos claros, construir definições adequadas e efetivas baseadas e
aplicados à experiência, como seria próprio do espírito do método científico.

37
Figura 1- Esquema para compreensão da concepção de “Pragmatismo” de
Charles Peirce

Fonte: Elaborado pelos autores.

Na perspectiva de Kant, o pragmatismo, como nova concepção de


filosofia, relaciona pensamento e ação guiada pelo hábito, contrapondo-se à
perspectiva da metafísica. Para Peirce “A função do pensamento é produzir
hábitos de ação (...). Para desenvolver seus significados temos simplesmente que
determinar que hábito produz, já que o que uma coisa significa é simplesmente
o hábito que implica ” (CP, 5, 411-412). Desta forma, Peirce elabora a “Máxima
Pragmática”, como um princípio de caráter empírico e operante da nova forma
de conceber o papel da filosofia:

A fim de determinar o significado de uma concepção intelectual,


dever-se-ia considerar quais consequências práticas poderiam
concebivelmente resultar, necessariamente, da verdade de uma
concepção; e a soma destas consequências constituirá todo o
significado da concepção. (PEIRCE, 2003, p. 195).

Desta forma, um conceito não pode ser considerado verdadeiro apenas


como construção intelectual. A verdade de um conceito depende das
consequências práticas, processo esse que consiste na experiência.

38
Matriz Naturalista da Experiência

A experiência consiste “primariamente de relações ativas entre um ser


humano e seu ambiente natural e social” (DEWEY, 1979b, p. 301). A experiência
é da natureza, e como tal ocorre nela, mas também no organismo humano. A
transformação ocorre tanto no mesmo como no meio. O corpo atua sobre as
coisas que o rodeiam, valendo-se de sua própria estrutura, simples ou complexa.
Em consequência, as mudanças que se produzem nesse meio circundante
reagem, por sua vez, ao organismo e sobre suas atividades. O ser vivente sofre
as consequências de seu próprio agir. Esta íntima conexão entre agir e sofrer ou
padecer é o que chamamos experiência. O agir ou o sofrer, desconectados um
do outro, não constituem nenhum dos dois a experiência, pois “[...] uma coisa
vem a sugerir e a significar a outra. Temos, pois, uma experiência em um sentido
vital e significativo” (DEWEY, 1958, p. 110-111). Percebemos assim o valor da
experiência intimamente ligado à continuidade, ao acúmulo e ao crescimento.
Quando pensamos na experiência, dois pontos são cruciais para que
possamos compreendê-las. São eles: “1) A experiência é, primariamente, uma
ação ativo-passiva; não é, primariamente, cognitiva. 2) A medida e valor de uma
experiência reside na percepção das relações de continuidades a que nos
conduz” (DEWEY, 1979b, p. 153).
Há de se esclarecer ainda, que a experiência é também regida pelos
princípios de continuidade e interação. A continuidade corresponde à dimensão
longitudinal da experiência, o que nos permite compreendê-la sob as categorias
da mudança e consequentemente da historicidade. Neste caso, cada experiência
influencia as condições objetivas sobre as quais as novas experiências
acontecem. Pensemos como certas experiências da criança como engatinhar,
caminhar ou falar, por exemplo, influenciam as experiências subsequentes. A
interação compreende a dimensão de lateralidade da experiência, abarcando o
contexto cultural e social. Cada experiência envolve contato social e
comunicação. Ela não é algo que ocorre exclusivamente dentro de uma pessoa.

39
“A criança, por exemplo, começa com um ambiente de objetos muito restrito no
espaço e no tempo” (Dewey, 2011, p. 76).
Aquele ambiente constantemente se expande pelo movimento inerente
à própria experiência sem ajuda da instrução escolar. Assim como a criança
aprende a alcançar as coisas, andar, engatinhar, falar, o conteúdo intrínseco de
sua experiência se amplia e se aprofunda. Entra em conexão com novos objetos
e acontecimentos que despertam novas forças, enquanto isso, o exercício destas
forças refina e alarga o conteúdo da sua experiência. “A vida espacial e a vida
temporal são expandidas. O ambiente, o mundo da experiência, constantemente
cresce de forma ampla e abundante” (DEWEY, 1997, p. 74)
Para Dewey, toda experiência tem sempre este caráter de infância, no
sentido de ser abertura para uma nova possibilidade, uma diferença em relação
ao que já foi e o devir. A experiência não tem um fim determinado de antemão.
Não é possível seguir sempre o mesmo caminho, pois ela é antes de tudo um
“open end” (fim em aberto). O processo de conceber pensando tem sua origem
e lugar na experiência. Ao conceber o pensamento inserido no processo da
experiência, Dewey visa superar os dualismos tradicionais das filosofias que
separavam a experiência do conhecimento e, por consequência, todas as demais
divisões como inteligência e ação, inteligência e emoção, teoria e prática, saber
e fazer, espírito e corpo, trabalho e lazer etc.

Experiência e Pensamento

O objetivo do pensamento é resolver a situação de conflito, isto significa


transformar a situação, introduzindo novos elementos não conhecidos
anteriormente. Atingir esse objetivo é o padrão de sucesso, na qual o
pensamento é um processo de dúvida-investigação. O objeto do pensamento é
uma situação de conflito que antecede e evoca o próprio pensamento. Os dados
emergem da própria situação no processo de investigação, pois o seu objetivo é
o estágio final no desenvolvimento da investigação, que culmina com uma

40
significação verificada praticamente. Portanto, o pensamento tem papel
instrumental e funcional.

Democracia

Antes de tudo, precisamos entender que a “[...] democracia é mais do


que uma forma de governo; é, essencialmente, uma forma de vida associada, de
experiência conjunta e mutuamente comunicada” (DEWEY, 1979, p. 93). Assim
sendo, o autor nos leva a refletir ao inferir que “os dois critérios para aferir-se o
valor de alguma espécie de vida social são a extensão em que os interesses de
um grupo são compartidos por todos os seus componentes e a plenitude e
liberdade com que esse grupo colabora com outros grupos” (Ibidem, 1979, p.
106).
Tais reflexões nos esclarecem que

[...] a democracia tem significação moral e ideal, é porque se


exige de todos uma retribuição social e porque se proporciona,
a todos, oportunidade para o desenvolvimento das suas aptidões
distintivas. O divórcio dos dois objetivos na educação é fatal à
democracia; a adoção da significação mais restrita de eficiência
priva-a de sua justificação essencial (DEWEY, 1979, p. 133).

Nesta perspectiva, a democracia consiste num modo de vida que


permeia todas as experiências da pessoa:

A ideia de democracia é mais ampla e mais completa do que


suas possíveis aplicações nos mais felizes dos casos. Para ser
realizada, ela deve afetar todos os modos de associação
humana: família, escola, indústria, religião. E mesmo no que
tange a arranjos políticos, as instituições governamentais são
apenas um mecanismo de fixar numa ideia canais de operação
efetiva. (DEWEY, 1991, p. 148).

A ideia de democracia perpassa a concepção de educação baseada na


experiência de vida, permitindo reconstruir a teoria na prática, evitando o modelo

41
tradicional de transmissão de conteúdos, que separa estas instâncias,
privilegiando a primeira em detrimento da segunda.
Para Dewey (1980, p. 142) a experiência da criança é indicativa das
tendências de crescimento. Por isso, o professor deve partir destas experiências,
ampliando-as com as experiências mais amplas da própria humanidade. É a partir
da experiência da criação que se traça um planejamento de ações a ser seguido
de modo a atender cada especificidade infantil. Ele ainda defende que a escola
pode desenvolver a capacidade de pensar dos alunos e para ensinar e aprender
deve-se “estimular, promover e pôr à prova a reflexão e o pensamento” Dewey
(1979, p. 167). O método de reflexão é o método de uma experiência educativa
e, consequentemente, um método de educar.

John Dewey e sua influência na Educação

John Dewey, como filósofo da educação, tornou-se um dos maiores


nomes do movimento mundial conhecido como Escola Nova que trouxe enormes
transformações ao ensino na primeira metade do século XX. Sua filosofia
dedicava-se em compreender a capacidade de pensar dos alunos, defendia que
no processo educativo é necessário partir de situações do dia a dia, desenvolver
a troca de ideias de sentimentos e experiências vividas.
Sua visão de educação faz parte das tendências pedagógicas liberais
renovadoras progressistas, especificamente porque a proposta educacional da
Escola Nova discute a possibilidade de compreender o aluno como um ser
integral, ativo e social. No referido movimento, defende-se um atentar-se especial
aos interesses e necessidades da criança, partindo do pressuposto que
considerar a realidade cotidiana do aluno é o caminho mais eficaz para a
aprendizagem ocorrer. Isso porque, o que se percebeu nos movimentos
anteriores foi que “[...] O problema da educação tradicional não foi o fato de os
educadores serem responsáveis por proporcionar o ambiente, mas o de não
levarem em consideração a capacidade e os propósitos de seus alunos [...]”
(DEWEY, 2011, p. 46).

42
Nessa perspectiva, a educação é a própria vida, cabendo a pensar em
um ambiente mais próximo da realidade vivenciada pelos sujeitos aprendizes, a
considerar a capacidade e os propósitos dos alunos. O autor se opunha à
concepção tradicional no sentido de desconsiderar os interesses, não valorizar
os alunos que não atendiam às expectativas, desrespeitando seu ritmo e tempo.
Diferentemente das tendências tradicionais, a Escola Nova objetiva-se a
preparar o aluno para uma sociedade democrática, industrializada e científica.
Dewey (2011) trata sobre a experiência educativa, um conceito extremamente
relevante para a educação, pois tal ideia se baseia no processo de continuidade,
ou seja, toda a experiência vive em experiências futuras, e ao mesmo tempo
carrega em si algo das experiências passadas, e modifica as que estão por vir.
Sobre isso, ele esclarece que

[...] cada experiência afeta para melhor ou para pior as atitudes


que contribuem para a qualidade das experiências subsequentes,
estabelecendo certas preferências e aversões, tornando mais fácil
ou difícil agir nesta ou naquela direção. Além disso, toda a
experiência exerce, em algum grau, influência sobre as condições
objetivas sob as quais novas experiências ocorrem [...] (DEWEY,
2011, p. 37).

Faz parte do processo educativo a reconstrução e reorganização da


experiência, uma vez que ela é algo sempre contínuo, que envolve o sujeito e a
situação, uma reflexão para um novo conhecimento, o qual orientará a qualidade
das experiências futuras em que ambos são modificados, gerando transformação
e continuidade.
Utilizar a experiência como recurso pedagógico aproxima o aluno da
realidade e possibilita uma melhor construção de sentido para ele, abandonando
a forma mecanicista do ensino tradicional que não considera os saberes e os
interesses dos alunos. Entretanto, é necessário criar caminhos, elaborar e
compreender estratégias de aprendizagem, ao invés de utilizar o que já está
pronto. Como afirma Dewey (2011, p. 41)

43
A educação tradicional não teve que enfrentar tal problema,
pôde ignorar sistematicamente essa responsabilidade. O
ambiente escolar de carteira, quadro-negro e um pequeno pátio
era considerado suficiente. Não havia exigência de que o
professor conhecesse intimamente as condições físicas,
históricas, econômicas, ocupacionais etc. da comunidade local
[...]. Um sistema educacional baseado na necessária conexão
entre educação e experiência, se fiel aos seus princípios, deve,
ao contrário, levar todas estas coisas em consideração
constantemente [...].

A educação na tendência tradicional tinha como propósito formar/civilizar


para um tipo de sociedade de sujeitos passivos, obedientes para manter-se numa
condição de obediência e mecanicidade de pensamento e ações. O professor
tinha como dever controlar a criança em sua expressão, impulsos naturais,
desconsiderando a experiência de vida dos alunos, o mais importante era sempre
a informação transmitida na escola e sua memorização.
Em contrapartida, na concepção da Escola Nova, o princípio é de um
trabalho compartilhado, no qual todos têm a oportunidade de contribuir e se
sentir responsáveis, logo a escola precisa assumir

[...] a feição de uma comunidade em miniatura ensinando em


situações de comunicação de umas a outras pessoas, de
cooperação entre elas, visando a propósitos comuns [...] ao
mesmo tempo em que um pequeno sistema social com o
trabalho de todas as demais instituições: a família, os centros de
recreação, as organizações da vida cívica, religiosa, econômica,
política (DEWEY, 1978, p. 7-8).

Para tanto, se faz necessário a prática de um currículo voltado para a


experiência de vida, onde relaciona-se à teoria e a prática. Dewey defende que
a aprendizagem escolar deve ser integrada à vida, ou seja, por meio da
experiência real do aluno, o que for aprendido na teoria tenha a mesma função
que tem no cotidiano. Defende-se a ideia de que “[...] não deve haver nenhuma
separação entre vida e educação. As crianças não estão num dado momento,
sendo preparadas para a vida e, em outro, vivendo. Vida, em condições integrais

44
e educação são o mesmo [...]” (DEWEY, 1978, p.7). Só se desenvolve um
conhecimento, uma ideia, atitude, comportamento, se for praticado.

[...] aprender por experiência em oposição à aprendizagem


através de textos e professores, a aquisição de habilidade e
técnicas como meio para atingir fins que correspondem às
necessidades diretas e vitais do aluno em oposição à sua
aquisição através de exercício e treino, aproveitar ao máximo as
oportunidades do presente se opõe à preparação para um futuro
mais ou menos remoto; o contato com um mundo em constante
processo de mudança em oposição a objetivos e materiais
estáticos (DEWEY, 2011, p. 22).

Nessa perspectiva, o educador tem o papel fundamental de propiciar


situações baseadas no cotidiano e direcionar as experiências para que o
indivíduo alcance uma percepção da realidade, oportunizando a criação de
espaços para que reflita sobre suas ações e resultados. Na perspectiva de Dewey
(2011, p. 38) o educador tem como tarefa “[...] estar alerta para ver quais atitudes
e tendências de hábito estão sendo criadas. Nesse sentido, ele deve, como
educador, ser capaz de avaliar quais as atitudes realmente conduzem ao
crescimento contínuo e quais lhe são prejudiciais [...]”. Pois, o que se percebeu
é que enquanto a tendência tradicional se limita “[...] àqueles que se ajustavam
às condições oferecidas conseguiam aprender. Os demais se viravam da melhor
forma que podiam. [...]” (DEWEY, 2011, p. 47).
A visão de Dewey nos ajuda a compreender as necessidades e
capacidades dos que estão aprendendo em um determinado momento, para que
o trabalho docente seja voltado especificamente para sanar essas necessidades
e desenvolver essas capacidades, de modo a garantir sucesso no processo de
aprendizagem do educando. Tal percepção se torna um grande desafio para o
educador que precisa criar interações entre a curiosidade, o conhecimento
prévio do aluno e a matéria que está sendo estudada, ou seja, levar o conteúdo
escolar para dentro da experiência. Como defendeu Dewey (2011, p. 60), ao
invés de considerar a experiência do discente como irrelevante, “[...] ele tem a
responsabilidade especial de conduzir as interações e intercomunicações que

45
constituem a própria vida do grupo enquanto comunidade [...]”. Para tanto, o
professor assume um papel de pesquisador constante, ativo para construir
experiências, adaptar matérias e relacioná-las com os interesses e capacidades
dos educandos.

O educador deve estudar as capacidades e necessidades do


grupo particular de indivíduos com o qual ele está lidando e, ao
mesmo tempo, deve organizar as condições que disponibilizem
as matérias ou conteúdo de forma a proporcionar experiências
que satisfaçam a essas necessidades e desenvolva essas
capacidades (DEWEY, 2011, p. 59).

No pensamento de Dewey, o professor não parte de ideias prontas,


abandona o papel de detentor do conhecimento e passa ser um facilitador das
atividades do grupo. Torna-se questionador de sua prática. A educação é vista
como experimental, sem respostas prontas, mas hipóteses que vão sendo
experimentadas. Assim formando alunos capazes de elaborar as suas próprias
verdades, conhecimentos e regras morais.

Considerações Finais

O método proposto por Dewey foi uma referência para embasar as


alterações no campo educacional do século XX. Surgiu com a intenção de se
superar aspectos ineficazes percebidos na Teoria Tradicional propondo uma real
mudança no modo de introduzir novos conceitos e uma nova condução da
prática pedagógica, partindo do pressuposto de que a escola forma o
pensamento científico e que as ideias científicas podem e devem ser
contestáveis, não sendo concebidas e defendidas como verdades absolutas.

Referências

DEWEY, John. Experience and nature. New York: Dover Publications, Inc.,
1958.

46
DEWEY, John.Vida e educação. Tradução de Anísio Teixeira. In: DEWEY, John.
Dewey Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural. 1980.

DEWEY, John. The latter works of John Dewey, 1925-1953:1939-1941 (LW)


Edited by Jo Ann Boydston. Volume 16. Carbondale: Sounthen Illinois University
Press. 1991a.

DEWEY, John. Vida e educação. Tradução de Anísio Teixeira. 10. ed. São
Paulo: Melhoramentos. 1978.

DEWEY, John. Como pensamos. Como se relaciona o pensamento reflexivo


com o processo educativo: uma reexposição. Tradução de Haydée Camargo
Campos. 4ª ed. São Paulo: Nacional, 1979a.

DEWEY, John. Democracia e educação. Tradução de Godofredo Rangel e


Anísio Teixeira. São Paulo: Nacional. 1979b.

DEWEY, John. Experiência e educação. Tradução de Renata Gaspar. 2. ed.


Petrópolis, RJ: Vozes. 2011.

PEIRCE, Charles S. Semiótica. 3. ed. São Paulo: Perspectiva. 2003.

47
LEV SEMIONOVITCH
VYGOTSKY
48
Capítulo III

COMPREENDENDO ELEMENTOS DO PATRIMÔNIO


CIENTÍFICO DE VYGOTSKY À LUZ DA METÁFORA
“A ÂNCORA E O BARCO”

Ana Leticia Ferreira


Delci da Conceição Filho

Introdução

O presente texto é fruto do que Freire (1996) denominava de


“curiosidades epistemológicas”, pois, enquanto seres inacabados, estamos
sempre em busca do conhecimento, e, para assim, satisfazer nosso desejo pelo
saber, criando e recriando processos que nos levem a encontrar soluções para
transformar a realidade que nos cerca, transformando-nos também com e por
meio desta.
Em nossas pesquisas, essa curiosidade se torna a mola propulsora que
nos impele a elaborar os instrumentos que contribuirão para a construção do
conhecimento como elemento que venha a satisfazer, no dizer de Freire (1996)
a nossa necessidade ontológica.
Nesse sentido, nossas curiosidades epistemológicas foram despertadas
durante a disciplina “Teorias da Educação”, ministrada no curso de Doutorado
em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Londrina. Os conhecimentos apresentados na disciplina nos
instigaram e então nos empenhamos em estudar o autor e todo seu legado
teórico. Encontramos uma forma de compreender alguns elementos desse
patrimônio científico de Vygotsky à luz da metáfora “A âncora e o barco”, a qual,
melhor explicaremos, com vistas a contribuir para o processo de formação
continuada de professores e professoras, por meio de uma linguagem imagética,
sem, contudo, perder a concreticidade teórica do autor em questão.

49
A ideia de metaforizar alguns elementos da herança científica de
Vygotsky adveio da compreensão de que se faz necessário levar esse
conhecimento para o “chão da escola” de uma maneira que venha a despertar
as curiosidades epistemológicas dos professores e professoras, que aplicam
elementos da teoria vygotskyana, contribuindo para que conheçam,
compreendam e reflitam ainda mais sobre o embasamento teórico de suas
práticas pedagógicas em sala de aula.
Sobre o uso da metáfora, esclarecemos que

Sempre que explicamos ou comunicamos um conceito pela


comparação com outra coisa, estamos usando uma metáfora. As
duas coisas podem ter pouca semelhança concreta entre si, mas
nossa familiaridade com uma permite adquirir uma compreensão
da outra. As metáforas são símbolos, e como tais podem criar
intensidade emocional ainda mais depressa, e de forma mais
completa, do que as palavras tradicionais que usamos. As
metáforas podem nos transformar instantaneamente. Como
seres humanos, estamos sempre pensando e falando em
metáforas (ROBBINS, 1993, p. 297).

Assim sendo, na perspectiva do autor, as metáforas contribuem para o


fortalecimento, a expansividade e o enriquecimento das experiências vivenciadas
no cotidiano, podendo também serem compreendidas como

Um dos meios primários de aprendizado [...]. Aprender é o


processo de fazer novas associações na mente, criar novos
significados, e as metáforas são idealmente apropriadas para
isso. Quando não compreendemos algo, uma metáfora
proporciona um meio de perceber como o que não
compreendemos é parecido com algo que compreendemos
(ROBBINS, 1993, p. 298).

Desse modo, partindo da biografia de Vygotsky, nos propomos a levantar


a âncora do conhecimento e navegarmos por sua teoria à luz da metáfora
proposta, convidando o leitor a embarcar conosco aventurando-se na busca pela
herança científica deixada como legado por Vygotsky.

50
Uma vida impulsionada pela ciência e ancorada no saber

Lev Semyonovich Vygotsky nasceu em 17 de novembro de 1896, em


Orsha, cidade da Bielo-Rússia que na época fazia parte do Império Russo.
Pertencente a uma família judia e de boa posição social, Vygotsky foi o segundo
de oito filhos que o casal teve. Seu pai, Simcha L. Vygotsky, era representante
comercial de uma companhia de seguros e sua mãe, Celia Moiseevna
Vigodskaya, que embora fosse professora, dedicou-se exclusivamente à
educação dos filhos em casa (RUIZA; FERNÁNDEZ; TAMARO, 2004).
Com apenas um ano de idade, devido a problemas de trabalho do pai,
mudaram-se para Gomel, outra cidade bielorrussa, onde Vygotsky passou toda
sua infância. Foi neste período que mostrou a sua paixão pelo teatro e pela
pintura, contando aos pais que quando crescesse queria ser crítico literário. Mas,
não obstante, tendo percebido o seu interesse pelas ciências humanas, os pais
o persuadiram a estudar medicina, curso no qual ingressou quando tinha 17 anos.
No entanto, apenas um mês depois de iniciar seus estudos, sabendo que não
queria dedicar sua vida à medicina, ele renunciou e se matriculou na faculdade
de direito da Universidade de Moscou, cursando paralelamente Filosofia e
História.
Tendo se formado em Direito, Vygotsky tomou a decisão de deixar
Moscou e voltar para a cidade onde cresceu para dar aulas de Psicologia e
Literatura, algo que determinou seu itinerário profissional com uma vida dedicada
ao ensino. Durante esse período em que trabalhou como professor de Psicologia
em Gomel deparou-se com os conflitos das várias teorias entre si e as
controvérsias sobre a origem do desenvolvimento cognitivo. Percebendo-se
nesse contexto, Vygotsky se lançou ao desafio de unificar a Psicologia,
explicando do ponto de vista científico todos os processos emocionais
vivenciados pelo ser humano.
Nesse mesmo tempo, ocorreu a Revolução de Outubro de 1917, que
levou à fundação da Rússia Soviética. Vygotsky esteve fortemente envolvido nos
movimentos da revolução. Isso, juntamente com outros eventos pessoais e

51
profissionais, fizeram com que ele se mudasse para Moscou para continuar o seu
itinerário profissional.
Em 1919, contraiu tuberculose, doença que, na época, era letal. E,
sabendo que sua vida seria curta, Vygotsky trabalhou incansavelmente,
tornando-se uma figura altamente respeitada no mundo da Psicologia.
Sua vida mudou em 1924, pois se casou com Rosa Nóievna Sméjova,
com quem teve as filhas Guita e Ásya Výgodskaya, e porque proferiu um
importante palestra sobre Neuropsicologia no Congresso de Leningrado sobre
investigação reflexológica e psicológica. A palestra apresentava conhecimentos
inéditos acerca do assunto, o que teve enorme repercussão e fez com que o
autor passasse a ser conhecido internacionalmente.
Esse fato também lhe abriu as portas para ingressar como professor do
Instituto de Psicologia Experimental de Moscou, coincidindo com a criação do
laboratório de investigação com um grupo de pesquisadores, dentre os quais, se
pode destacar figuras relevantes como Luria e Leontiev (RUIZA; FERNÁNDEZ;
TAMARO, 2004).
A partir de então, Vygotsky desenvolveu suas contribuições mais
importantes para a Psicologia, especialmente no campo do desenvolvimento
psíquico, formulando a teoria com a qual entraria para a história: a Teoria
Histórico-Cultural (COSTA; MARTINS, 2018).
Vygotsky defendia que nosso desenvolvimento cognitivo e emocional era
resultado de interações sociais, nas quais a herança histórica, os fenômenos
culturais (como a linguagem, dança, teatro, pintura, música etc.) e as estruturas
sociais em que crescemos determinavam nosso modo de ser e de nos
comportar. Essa crença de que os processos mentais eram de natureza social
levou a uma mudança radical no que se sabia sobre o desenvolvimento cognitivo,
mental e emocional das crianças, compreendendo que somos todos, resultados
do ambiente social e cultural em que crescemos.
É importante ressaltar que Vygotsky não negava ou excluía o fator
biológico, porém, não considerava que ele por si só, fosse base suficiente para
garantir o desenvolvimento humano. Para o autor, o social era um dos pilares

52
mais sólidos para isso. Leontiev (1978) destaca que as condições biológicas
referem- se apenas a uma pequena parte na formação das faculdades psíquicas
humanas e que a vivência e a apropriação das condições sócio-históricas
contemplam e agregam muito mais no desenvolvimento humano. Corroborando
com os pensamentos do autor,

Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O


que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em
sociedade. É – ainda preciso adquirir o que foi alcançado no
decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana
(LEONTIEV, 1978, p. 267).

Além dessa revolução na psicologia do desenvolvimento, Vygotsky


trouxe importantes contribuições no campo da neuropsicologia por meio de
teorias sobre como a linguagem determina o comportamento humano, pautando
suas pesquisas nas relações entre aprendizagem e desenvolvimento,
pensamento e fala, criatividade e imaginação, ambiente social e deficiência
intelectual.
Embora sua morte tenha sido prematura, em 1926, com apenas 37 anos,
por causa da tuberculose, a herança científica de Vygotsky é formada por cerca
de trezentos livros, conferências, artigos, monografias sobre a psicologia do
desenvolvimento, a defectologia e a história da arte, entre outras áreas de
conhecimento por onde trilhou, as quais foram recolhidas, organizadas e
difundidas por Luria e Leontiev, formando um legado que continua expressivo
até hoje.

A metáfora da âncora e do barco aplicada à biografia de Vygotsky

Revisitando a biografia de Vygotsky, se pode inferir que na experiência


histórica do autor, a mediação de sua mãe e de seu tutor Salomon Aspic foram
fundamentais para a sua vida acadêmica. De fato, Aspic, ao utilizar o método
socrático durante vários anos em seu trabalho, contribuiu para que Vygotsky
adquirisse uma elevada capacidade inquisitiva e o acesso ao estudo de diferentes

53
línguas, tais como alemão, latim, grego, francês, inglês e o hebreu. Há de se
destacar ainda, seu envolvimento em estudos relacionados aos problemas
concretos que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas enfrentava no
período pré-revolucionário, como o atraso na industrialização, a ruralização, o
analfabetismo e as lutas de classes, entre outros fatores que marcaram aquele
contexto histórico.
No período pós-revolucionário, a militância política de Vygotsky refletiu
diretamente no processo de educação popular e erradicação do analfabetismo
proposto por Lênin, que convocou todas as forças intelectuais do país para
ministrar aulas nas fábricas e nos quartéis, por meio de uma metodologia que
fosse respondente às necessidades dos alunos.
De acordo com Caprini e Zudini (2015) na perspectiva Vygotsky, a
aprendizagem mediada por símbolos é uma forte aliada no processo de ensino
aprendizagem, porque traz em si um significado que contribui para a formação
do pensamento lógico, da vontade, da imaginação e da criatividade.
Diante disso, apresentamos dois símbolos carregados de significados
culturais para nos ajudar a compreender a relevância do legado científico de
Vygotsky para a educação. Trata-se do barco e da âncora, que neste contexto,
assumem a função de metáfora para explicar que a figura de Vygotsky pode ser
interpretada como um barco navegando pelo mar que era a realidade da época
na qual ele estava inserido e participava. Sua erudição extraordinária,
demonstrada por meio de seus pensamentos, era a âncora que o mantinha firme
e ciente acerca dos movimentos que estavam acontecendo, permitindo-lhe
perceber as inconsistências e os problemas da sociedade antes e depois das
Revoluções Russas.
A âncora, enquanto símbolo que remete a uma ferramenta importante
para manter o controle de uma embarcação, fixando-a num determinado porto,
ou liberando-a para partir para outro lugar são as teorias e as pesquisas
desenvolvidas por Vygotsky no sentido de refundar a Psicologia, tendo como
“bússola” (referência metodológica) o materialismo histórico-dialético de Marx.

54
O materialismo histórico-dialético como bússola

O contexto histórico no qual nasceu Vygotsky é aquele da Rússia


revolucionária, que sob o domínio dos czares, com uma economia
essencialmente agrária, vivia as tensões de classes, a fome e o desemprego,
causando agitações sociais e manifestações contra o império com um movimento
latente que foi ganhando corpo a partir de 1905 com o chamado “Domingo
Sangrento” até a Revolução de Outubro de 1917.
Para Souza (2016), a compreensão do percurso teórico desenvolvido por
Vygotsky está intimamente ligada com o contexto histórico que forjou suas ideias,
aquele da Rússia pré e pós-revolucionária. “Assim, recuperar a história significa
entendê-la enquanto desenvolvimento material das formas de produção e
reprodução da existência real dos homens” (SOUZA, 2016, p. 37).
Filho do seu tempo, Vygotsky vivenciou todas essas transformações e viu
a Rússia pós-revolucionária se consolidar como União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, em 1922, após a Guerra Civil que destruiu o país. Aproveitando desse
contexto de reconstrução da sociedade foi que Vygotsky encontrou um clima
favorável para reformular as teorias psicológicas servindo-se da metodologia
marxista.
De acordo com Souza (2016):

O problema, para ele, estava claro. O princípio que deveria


construir a nova psicologia, também estava diante de seus olhos.
Faltava, então, um trabalho de análise exaustivo, que procurasse
exaurir, ao máximo, o que a própria psicologia tinha dado conta
de fazer (SOUZA, 2016, p. 40).

Nesse sentido, Vygotsky estabeleceu para si mesmo, o objetivo de


superar a crise vivida pela psicologia e a maneira de fazer isso foi tentar explicar
cientificamente todos os processos psicológicos, desde os elementares até os
mais complexos.
Embasado na dialética e na concepção marxista de mundo, Vygotsky
propôs uma psicologia científica que abarcasse as criações da cultura; era

55
necessário também, introduzir uma abordagem histórica no próprio cerne da
psicologia e compreender a consciência a partir de sua natureza e estrutura,
como afirmam Caprini e Zudini (2015).
É esse o embasamento que permite a Vygotsky problematizar os
caminhos percorridos pela psicologia até então, opondo-se às teorias científicas,
cuja visão de homem divergia e contrastava entre si devido à concepção
fragmentada e atomística presente na época.

Para os gestaltistas contemporâneos de Vygotsky, a existência


da crise devia-se ao fato de as teorias existentes
(fundamentalmente as concepções behavioristas de Wundt e
Watson) não conseguirem, sob seu ponto de vista, explicar os
comportamentos complexos como a percepção e a solução de
problemas. Para Vygotsky, no entanto, a raiz da crise era muito
mais profunda. Ele partilhava da insatisfação dos psicólogos da
Gestalt para com a análise psicológica que começou por reduzir
todos os fenômenos a um conjunto de “átomos” psicológicos.
Mas, ao mesmo tempo, ele sentia que os gestaltistas não eram
capazes de, a partir da descrição de fenômenos complexos, ir
além, no sentido de sua explicação. Mesmo que se aceitassem
as críticas da Gestalt às outras abordagens, a crise persistia, uma
vez que a psicologia continuaria dividida em duas metades
irreconciliáveis: um ramo com características de "ciência
natural”, que poderia as propriedades emergentes dos
processos psicológicos superiores (COLE; SCRIBNER, 2012, p.
23).

Como se pode observar, para Vygotsky é a partir:

dessa crise metodológica, da evidente necessidade de direção


que mostram uma série de disciplinas particulares – num
determinado nível de conhecimentos - de coordenar
criticamente dados heterogêneos, de sistematizar leis esparsas,
interpretar e comprovar os resultados, de depurar métodos e
conceitos, de estabelecer princípios fundamentais, em síntese,
de dar coerência ao conhecimento, é de tudo isto que surge a
ciência geral (VYGOTSKY, 1999, p. 203).

De acordo com a situação nas décadas de 20 e 30 do século passado,


essa abordagem foi um verdadeiro avanço, pois a maioria dos cientistas idealizou
as funções psicológicas como tal, considerando-as plenamente conscientes, ou

56
as reduziu a uma cadeia de reações biológicas e fisiológicas. Além disso,
Vygotsky foi talvez o primeiro que se comprometeu a descrever e sistematizar
diferentes aspectos do mesmo tipo de reações psicológicas resolvendo o
problema do método e trazendo uma nova concepção de homem para a
psicologia.
Tendo em conta o supracitado, Vygotsky conseguiu

[...] se apropriar do que de melhor, em termos de princípios


metodológicos, o materialismo histórico-dialético criou (...) a
solução apresentada, só poderia ser uma reconstrução da
ciência psicológica, com novos princípios gerais. O objetivo dele
era claro, a criação de uma ciência geral, que possibilitasse
explicar os aspectos fragmentados de seu desenvolvimento
(SOUZA, 2016, p. 41-42).

Foi neste contexto que Vygotsky elaborou o paradigma de pesquisa


Histórico-Cultural na perspectiva teórica do materialismo dialético, superando,
com a utilização desse método, o entendimento das relações entre as diversas
escolas psicológicas. Ele introduziu a ideia de historicismo da natureza da psique
humana e a ideia de transformar os mecanismos naturais dos processos mentais
no curso do desenvolvimento sócio-histórico e ontogenético em pesquisa
psicológica concreta. Essa transformação pode ser entendida como um resultado
necessário da assimilação de uma pessoa acerca dos produtos da cultura
humana no processo de sua comunicação com outras pessoas.
Nas palavras de Vygotsky:

Atualmente, a questão consiste em romper o aprisionamento


biológico da psicologia e passar para o campo da psicologia
histórica e humana. A palavra social, aplicada à nossa disciplina,
possui um importante significado. Antes de mais nada, em seu
sentido mais amplo, essa palavra indica que tudo o que é cultural
é social. A cultura também é produto da vida em sociedade e da
atividade social do homem e, por isso, a própria colocação do
problema do desenvolvimento cultural já nos introduz
diretamente no plano social do desenvolvimento. Além disso,
seria possível apontar para o fato de que o signo localizado fora
do organismo, assim como o instrumento, está separado do
indivíduo e consiste, em essência, num órgão da sociedade ou

57
num meio social. Ademais, poderíamos dizer que todas as
funções superiores formaram-se não na biologia nem na história
da filogênese pura – esse mecanismo, que se encontra na base
das funções psíquicas superiores, tem sua matriz no social
(VYGOTSKY, 2011, p. 864).

Todo esse desenvolvimento teórico de Vygotsky pode ser compreendido


na perspectiva de nossa metáfora como um “lançar âncora”. O seu objeto de
estudo se transformou em um paradigma e a pesquisa experimental foi
impulsionando-o como um barco. Ele parte de uma discussão elementar sobre
os estudos psicológicos na obra “Psicologia pedagógica” (1923) e segue
questionando “os métodos de investigação reflexiológicos e psicológicos” (1924)
e propõe a reestruturação da psicologia no âmbito teórico e metodológico, e para
isso, adota a teoria marxista presente em sua obra “Psicologia da Arte” (1925)
como subsídio e justificativa para suas pesquisas.
Na esfera dessa ancoragem realizada por Vygotsky, vale também
destacar que com base em suas pesquisas, ele sabia para onde queria conduzir
o “barco” da nova psicologia. A busca pela qualidade nas investigações e na
metodologia fica evidente na produção teórica de 1926, intitulada “A
introspecção e o método da psicologia".
Seguindo essa trajetória, Vygotsky “avança para águas mais profundas”,
em 1927, com a obra “O significado histórico da crise da Psicologia: uma
investigação metodológica”. A sua cientificidade, demonstrada por meio da
pesquisa e da produção de materiais escritos, inaugura uma nova fase teórica
com um salto qualitativo em sua busca pela reestruturação da psicologia.
Em termos metafóricos, o protagonismo científico de Vygotsky,
composto por sua produção intelectual, pode ser compreendido na perspectiva
do barco, do qual, ele próprio é o comandante e está determinado a desvendar
o oceano da Psicologia.
Desta forma, se pode afirmar que Vygotsky aprendeu as leis da
navegação e as formas como esse oceano se apresentava diante de si. E para
navegar, soube ler e interpretar as estrelas (teorias anteriores); contou com
outros marujos (Luria e Leontiev) e manteve o contato com o meio externo

58
(histórico-cultural), sem esquecer-se dos elementos profundos e amplos do meio
interno (as funções mentais superiores).

A Zona de Desenvolvimento Iminente: colocando os pingos nos “is”

Diante do exposto até aqui, observa-se a riqueza intelectual na qual


Vygotsky estava mergulhado. E, mesmo tendo um curto período de vida, seu
trabalho intenso ainda se faz atual. O amplo leque de conhecimentos possibilitou
ao autor viabilizar uma teoria estruturada e elaborada de forma consciente e
coerente que fosse possível ser objetivada na prática e ao trazer como cerne de
seus questionamentos o desenvolvimento humano, elabora a Teoria Histórico
Cultural.
Essa Teoria entende que o desenvolvimento humano não é algo pronto
e já pré-estabelecido geneticamente, é um fenômeno que acontece externo ao
homem, vinculado, portanto, ao contexto social e cultural no qual o ser humano
se encontra.
Nos dizeres de Rego (1995, p. 59)

[...] Os fatores biológicos têm preponderância sobre os sociais


somente no início da vida da criança. Aos poucos as interações
com seu grupo social e com os objetos de sua cultura passam a
governar o comportamento e o desenvolvimento de seu
pensamento.

Contudo, é preciso destacar uma problemática envolvendo os trabalhos


de Vygotsky, mais especificamente sobre as publicações de seus escritos e os
equívocos presentes em suas traduções. Para isso, recorremos à obra de Prestes
(2010), denominada “Quando não é a mesma coisa: análise de traduções de Lev
Semionovitch Vygotsky no Brasil: repercussões no campo educacional”, que
abarca a deturpação de conceitos que ocorreram em algumas obras de Vygotsky
e em como isso reverberou negativamente para a interpretação de sua teoria.
A autora nos esclarece que

59
Estudos comparativos revelaram que os textos que estão em "A
formação social da mente" (1984, 1998, 1999) têm muito pouco
ou quase nada em comum com as obras originais publicadas na
União Soviética e, mais recentemente, na Rússia. Ou seja,
dificilmente se pode dizer que são trabalhos do mesmo autor em
línguas diferentes. Portanto, pode-se afirmar que o livro é
levianamente atribuído a Vigotski, pois não foi escrito por ele.
Além desse fato, os organizadores do referido livro parecem se
eximir de qualquer responsabilidade pelos textos publicados.
Caso o leitor seja descuidado e não leia a introdução, jamais
saberá que se trata de uma tradução editada, e a
responsabilidade de atribuir a autoria dos textos a Vigotski será
dele e não dos organizadores do livro (PRESTES, 2013, p. 297).

De acordo com a autora, as obras de Vygotsky que foram traduzidas para


o português não partiram do original Russo e, somado ao fato da assumida
postura metodológica amparada nos preceitos do Marxistas, algumas traduções
buscaram omitir ou modificar algumas palavras e ideias. Contudo, não se
pretende esgotar a temática dos equívocos interpretativos que ocorreram ao
longo dos anos. Nos deteremos apenas na “Zona de Desenvolvimento Iminente”
(ZDI), que na tradução em português foi interpretada como “Zona de
desenvolvimento proximal ou imediata”, diferentemente do russo, cujo termo
original é “Zona blijaichego razvitia”, e significa que:

[...] De um estágio do processo de aprendizagem em que o aluno


consegue fazer sozinho ou com a colaboração de colegas mais
adiantados o que antes fazia com auxílio do professor, isto é,
dispensa a mediação do professor. Na ótica de Vigotski, esse
‘fazer em colaboração’ não anula, mas destaca a participação
criadora da criança e serve para medir seu nível de
desenvolvimento intelectual, sua capacidade de discernimento,
de tomar a iniciativa, de começar a fazer sozinha o que antes só
fazia acompanhada, sendo, ainda, um valiosíssimo critério de
verificação da eficácia do processo de ensino aprendizagem.
Resumindo, é um estágio em que a criança traduz no seu
desempenho imediato os novos conteúdos e as novas
habilidades adquiridas no processo de ensino-aprendizagem, em
que ela revela que pode fazer hoje o que ontem não conseguia
fazer. É isso que Vygotsky define como zona de desenvolvimento
imediato, que no Brasil apareceu como zona de desenvolvimento
proximal (!). Por que imediato e não esse esquisito proximal? Por
dois motivos. Primeiro: o adjetivo que Vygotsky acopla ao
substantivo desenvolvimento (razvitie, substantivo neutro) é

60
blijaichee, adjetivo neutro do grau superlativo sintético absoluto,
derivado do adjetivo positivo blizkii, que significa próximo. Logo,
blijaichee significa o mais próximo, ‘proximíssimo’, imediato.
Segundo: a própria noção implícita no conceito vigotskiano é a
de que, no desempenho do aluno que resolve problemas sem a
mediação do professor, pode-se aferir incontinenti o nível do seu
desenvolvimento mental imediato, fator de mensuração da
dinâmica do seu desenvolvimento intelectual e do
aproveitamento da aprendizagem. Daí o termo zona de
desenvolvimento imediato (BEZERRA apud VIGOTSKI, 2001, p.
X-XI, apud PRESTES 2010, p.169).

Concorda-se com Prestes (2012) ao sugerir que a tradução como Zona


de Desenvolvimento Iminente seja a mais adequada, porque

[...] sua característica essencial é a das possibilidades de


desenvolvimento, mais do que do imediatismo e da
obrigatoriedade de ocorrência, pois se a criança não tiver a
possibilidade de contar com a colaboração de outra pessoa em
determinados períodos de sua vida, poderá não amadurecer
certas funções intelectuais e, mesmo tendo essa pessoa, isso
não garante, por si só, seu amadurecimento (PRESTES, 2012, p.
204-205).

Nesta perspectiva, vale reiterar que o termo que mais se aproxima das
ideias de Vygotsky é o iminente, pois considera a importância da mediação de
alguém para realizar/superar determinadas tarefas. No entanto, essa presença
não certifica que de fato ocorreu seu desenvolvimento, se configurando como
possibilidade. Assim sendo, na ação pedagógica, o professor não pode
considerar somente a autonomia da criança ao desenvolver determinada
atividade sozinha. A preocupação deve centrar-se naquilo que não foi realizado,
mas que há a possibilidade de ser feito a partir da imitação, permitindo que a
criança supere suas próprias dificuldades e se desenvolva a partir da interação
com seus pares, podendo ser um colega de turma, um familiar ou o professor,
conforme afirma Prestes (2012).
Partindo do exposto acima:

[...] há um vínculo entre o nível de desenvolvimento real e


a área de desenvolvimento iminente [ZDI] representado pela

61
complexificação das funções psíquicas que pautam as tarefas do
ensino, no qual a referida área se apresenta como superação do
nível de desenvolvimento real na direção da formação de
conceitos. Por isso, Vigotski afirmou, recorrentemente, que ao
nível de desenvolvimento real a formação de conceitos está
sempre começando (MARTINS, 2013, p. 287).

Clarificando essa ideia, podemos falar da importância de encontrar a


Zona de Desenvolvimento Iminente para cada criança a fim de avaliar o que ela
pode fazer sozinha e onde precisa da interação com seus pares mais experientes.
Por exemplo, uma criança entende a necessidade de amarrar os cadarços, mas
não consegue amarrá-los sozinha, ou conhece os números, mas ainda não sabe
somar e subtrair. Nesses casos, a criança pode receber o apoio de seus pares
mostrando como amarrar os cadarços, contar o que são adição e subtração, de
modo que em breve a criança possa realizar essas tarefas sozinha, sem se
frustrar. Dessa forma, o conceito é útil para estimular a resolução autônoma de
problemas por parte das crianças. Graças a essa teoria de Vygotsky, a educação
é atualmente entendida como um processo colaborativo entre crianças e
professores, de modo que a ação educativa possa levar à resolução de
problemas por conta própria, entendendo que todo sistema educacional deve ser
pensado de acordo com a realidade social, cultural e histórica do ambiente em
que seus alunos crescem. Nesse sentido:

O aprendizado desperta processos de desenvolvimento, que aos


poucos tornar-se-ão funções psicológicas consolidadas do
indivíduo. Devendo a prática pedagógica ser interpretada como
o motor para níveis ainda não alcançados, ou seja, o professor
deve interferir na zona de desenvolvimento iminente (grifo
nosso) (KAULFUSS, 2019, p. 12 – grifo nosso).

Colocar os pingos nos “is”, significa que, na perspectiva de Vygotsky, a


educação não deve ser entendida como uma relação unidirecional professor-
aluno, em que este se limita a aprender de forma passiva o que lhe é transmitido,
mas como um processo dinâmico e fluido, não rígido nem pré-determinado, em
que professor e aluno interagem ativamente na transmissão do conhecimento,

62
com vistas a disponibilizar ou até mesmo criar ferramentas e estratégias
necessárias para tornar o aluno autônomo em seu processo de aprendizagem.
A teoria de Vygotsky teve um impacto significativo no mundo do ensino
e da pesquisa, em especial por suas possíveis aplicações na formação de
professores. As áreas potencialmente afetadas incluem todas as disciplinas, na
medida em que afeta as práticas de ensino e a avaliação, que deve ser elaborada
de forma interdependente em função do conceito de Zona de Desenvolvimento
Iminente descrito acima.
De acordo com Vygotsky, se alguém deseja obter uma boa educação,
deve ser voltado para este conceito, e o professor tem um papel fundamental na
estruturação de um contexto social e colaborativo capaz de orientar e apoiar os
alunos durante a aprendizagem dentro da Zona de Desenvolvimento Iminente.
Este papel implica, em primeiro lugar, que o professor deve mediar e
ajudar na aprendizagem dos alunos, apoiando-os através da interação social no
momento de construção cooperativa. Em segundo lugar, que a atividade de
mediação realizada pelo professor deve ser flexível, com base no feedback que
recebe dos alunos durante as atividades.

Considerações finais

Hoje, como na época de Vygotsky, a ciência deve estar voltada para a


construção de um ser humano melhor, tendo entre seus objetivos o
desenvolvimento de habilidades mentais. A teoria Histórico-Cultural
(principalmente por meio de seu precursor) tornou-se o porta-voz dessas
necessidades, por um conhecimento que fosse a principal ferramenta a ser
aplicada à realidade para transformá-la e, assim, melhorar as condições de vida
das pessoas.
Vemos um Vygotsky comprometido com o processo de erradicação do
analfabetismo na Rússia pós-revolucionária e com a criação de programas
educacionais que pudessem melhorar as habilidades cognitivas das crianças,
mesmo aquelas com deficiências ou com déficits sociais e afetivos.

63
Nessa direção, a contribuição de Vygotsky deve ser retomada dia a dia
por quem tem a possibilidade de promover o desenvolvimento cognitivo das
crianças, mas também o de adultos, principalmente por professores e
professoras, a fim de testemunharem a atualidade de Vygotsky para o processo
educacional por meio de sua teoria Histórico-Cultural, que no âmbito da metáfora
adotada neste trabalho pode ser compreendida na perspectiva da âncora e do
barco. E desse modo, equipados com todos os instrumentos necessários para
navegarmos, conduzimos nossa prática educativa, na luta contra a precarização
do ensino e contra os projetos de desmonte da educação que rondam e
ameaçam nosso “barco”.

Referências

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contributo alle teorie dell’educazione. Edizioni Università di Trieste.
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Mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

COSTA, E. M.; MARTINS, J. B. O projeto Vigotskiano para uma psicologia


científica: anotações sobre “O Significado Histórico da Crise da Psicologia”.
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KAULFUSS, M. A. Vygotsky e Suas contribuições para a educação. Revista


Científica Eletrônica Da Fait. Itapeva: SP. v. 6. p. 1-15. 2019. Disponível
em:http://www.fait.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/CbhpvBuk
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Duarte. Lisboa: Livros Horizontes, 1978.

MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar:


contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-
crítica. Campinas, São Paulo: Autores Associados. 2013.

PRESTES, Z. R. Quando não é quase a mesma coisa: análise de traduções de


Lev Semionovitch Vigotski no Brasil - repercussões no campo educacional.
Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação de Brasília, UnB,
2010. Disponível em:

64
http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_arquivos/45/TDE-2010-09-
15T091824Z-5044/Publico/2010_ZoiaRibeiroPrestes.pdf. Acesso em 19 de jan.
2023.

PRESTES, Z. R. A sociologia da infância e a teoria histórico-cultural: Algumas


considerações. Revista Educação Pública. v.22. n. 01. p. 295-304. 2012.

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educação da criança anormal. Educação e Pesquisa. São Paulo. v. 37. n. 4. p.
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65
ALEXEI LEONTIEV e
VASILY DAVYDOV
66
Capítulo IV

Leontiev e Davydov: Contribuições da Teoria


Histórico-Cultural na Educação

Andrieli Dal Pizzol


Camila Fernandes de Lima Ferreira
Diene Eire de Mello

Introdução

O menino aprendeu a usar as palavras,


Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
(BARROS, 1999)

O poema de Barros (1999) instiga-nos a pensar a respeito do olhar


atento, curioso e inventivo de um menino, que a partir dos espaços e tempos que
vive e das trocas que realiza, se torna capaz de desenvolver suas
capacidades. Assim como o movimento do poema, no presente capítulo nos
propomos a apresentar alguns postulados de dois teóricos da Escola de
Vygotsky, são eles Alexei Leontiev e Vasily Davydov, que seguindo a Psicologia
Histórico-Cultural, advogam a respeito do desenvolvimento humano, do qual não
ocorre por meio de um processo natural. No poema de Barros (1999),
percebemos que o menino, a partir das relações estabelecidas com o meio, se
transforma e transforma o meio. Se aplicarmos o contexto do poema à lógica que
orienta o pensamento de Leontiev e Davydov, é a sociedade e não a natureza,
que deve figurar em primeiro plano como fator determinante do desenvolvimento
humano.
O presente capítulo surge a partir das reflexões da disciplina “Teorias
da Educação”, ofertada no curso de Doutorado em Educação do Programa de

67
Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A
disciplina se propôs dar luz a diferentes teóricos considerados fundamentais para
a educação e, para o texto em questão, selecionamos os autores Leontiev, que
direcionou suas pesquisas para a teoria da atividade e Davydov que sistematizou
a teoria da atividade de estudo e a teoria do ensino desenvolvimental.

Leontiev e Davydov: vidas e obras para a educação

Antes de apresentarmos os autores em questão, é importante


esclarecermos os princípios basilares de suas teorias. Pesquisas desenvolvidas
no campo da neurociência, já há algum tempo, têm sinalizado e chamado atenção
para uma temática muito cara para educadores, nos esclarecendo que para o
desenvolvimento do pensamento humano, somente a carga genética não é
suficiente, é preciso uma rica e vasta experiência desde os primeiros dias de vida
que só pode ser adquirida a partir das interações com outros sujeitos. Isso nos
remete à tese principal da Escola de Vygotsky, da qual Leontiev e Davydov
fortemente fizeram parte, a saber: é pela apropriação da cultura historicamente
acumulada pela humanidade que os indivíduos desenvolvem sua atividade
psíquica e sua personalidade.
Vygotsky e seus colaboradores estabeleceram um divisor de águas no
que tange a psicologia, considerando que para eles, era preciso superar a “velha
psicologia” e postular uma “nova psicologia”, que fosse capaz de eliminar a
dicotomia entre corpo e mente (TULESKI, 2009). Denominada de Psicologia
Histórico-Cultural, tal concepção não percebe a consciência como algo
preexistente ao sujeito, mas sim, vê como essencial o papel da aprendizagem e
da educação para se impulsionar o desenvolvimento. Como afirmado por Aita,
Castro, Lucena e Tuleski (2019, p. 185):

A garantia de humanização, do desenvolvimento das aptidões


humanas, só é possível quando os indivíduos possuem
condições sociais objetivas para se apropriar de instrumentos e
ideias produzidos pela humanidade ao longo do processo

68
histórico, e isso implica um processo educativo, sistemático ou
assistemático, escolar ou extraescolar”.

Fundamentado pela filosofia de Marx, a Escola de Vygotsky coaduna com


os princípios marxianos ao dizer que o homem não nasce humano, mas aprende
a ser um homem. Considerando o que a "[...] natureza lhe dá quando nasce não
lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi
alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana"
(LEONTIEV, 2004, p. 285), uma vez que sua humanidade é externa a ele e
desenvolvida ao longo do processo de apropriação da cultura acumulada pelas
gerações precedentes.
A respeito do processo de aprendizagem, é importante destacar que a
intervenção do adulto é condição fundamental para que ela ocorra. Para tanto, é
necessário considerar que a criança só tem condições de aprender a fazer
sozinha num futuro próximo, aquilo que ela consegue fazer hoje com a
colaboração de um par mais experiente (LEONTIEV, 1978). Cabe lembrar que o
processo de aprendizagem, de apropriação da cultura e dos objetos da cultura é
sempre ativo e ocorre na e pela atividade (sendo esta, a que mobiliza a formação
das novas funções psíquicas).
Sobre as funções psíquicas, estas foram antes relações sociais que se
interiorizaram, ou seja, antes delas se tornarem internas ao indivíduo, são
vivenciadas inicialmente pela forma de atividade interpsíquica. Acerca dessa
percepção do processo de criação das funções como de internalização de
fatores externos, Mello (1999, p. 20) nos chama atenção não somente para a
importância da mediação do educador, “[...] mas também para a necessidade do
direcionamento intencional do processo educativo”. No âmbito da concepção
Histórico-Cultural a atividade é um conceito basilar e Leontiev foi quem
sistematizou esse conceito.

Postulados de Leontiev

Alexei Nikolaevich Leontiev nasceu em 1903 em Moscou e faleceu em


1979, graduou-se em Ciências Sociais em 1924, aos 24 anos. O autor baseou-se

69
na filosofia marxista e juntamente com Vygotsky e Luria, tornou-se referência
para a psicologia, para a educação e para a sociologia, pois seus estudos
contribuíram com o desenvolvimento da teoria de origem sócio-histórica acerca
das funções psíquicas superiores, que são funções especificamente humanas.
Baseando-se nos estudos de Marx, nos pressupostos de Leontiev,
destaca-se que na presença de condições adequadas de vida e de educação, os
indivíduos se desenvolvem. O autor explica que

O homem não nasce dotado das aquisições históricas da


humanidade. Resultando estas do desenvolvimento das
gerações humanas, não são incorporadas nem nele, nem nas
suas disposições naturais, mas no mundo que o rodeia, nas
grandes obras da cultura humana. Só apropriando-se delas no
decurso da sua vida ele adquire propriedades e faculdades
verdadeiramente humanas. Este processo coloca-o, por assim
dizer, aos ombros das gerações anteriores e eleva-o muito acima
do mundo animal (LEONTIEV, 1978, p. 82).

Duarte (2004, p. 47) ressalta que um aspecto central tanto para Marx
como para Leontiev, é o de que os mesmos processos que ocorrem de forma
dialética e que diferenciam a atividade humana da atividade animal, produzem a
historicidade do ser humano, ou seja, movem a história humana. Passemos
então, à análise do que é atividade para Leontiev.
Leontiev chama de “atividade” não qualquer fazer do sujeito, mas aquele
fazer que possui um sentido para o indivíduo que o realiza. A atividade é
compreendida como um processo de transformação da realidade por meio da
ação de outro indivíduo. Desta maneira, acontecem as apropriações advindas
das práticas sociais e culturais.

Por atividade, designamos os processos psicologicamente


caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se
dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que
estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo
(LEONTIEV, 1989 p. 68).

70
Sendo assim, o que nos motiva a realizar uma atividade é a necessidade
ou interesse que nos move em buscar um objeto que satisfaça essa necessidade.
Todo fazer humano tem sempre um sentido, um objetivo, do qual é alcançado ao
final do processo. De acordo com Mello (1999, p. 21), respaldado pelos estudos
de Leontiev,

O sentido é dado pela relação entre o motivo e o resultado


previsto para a ação. Se houver uma coincidência entre motivo
e objetivo, ou seja, se o sujeito atua efetivamente motivado pelo
resultado da ação responde a uma necessidade, motivo ou
interesse do sujeito, então a atividade tem um sentido para o
sujeito que a realiza. Nesse caso, o sujeito está inteiramente
envolvido em seu fazer: sabendo por que realiza a atividade e
querendo chegar ao seu resultado.

Não podemos confundir o termo “atividade” como sinônimo para


“execução de tarefas”, pois a atividade envolve o conhecimento do objetivo pelo
indivíduo, e o objetivo da atividade deve responder a um motivo. Por isso, os
autores dessa teoria tanto defendem a necessidade de envolver a criança no
processo de planejamento.
Leontiev (1989) esclarece que o primeiro ponto a se pensar é que
durante o desenvolvimento da criança, sob a influência das circunstâncias
concretas de vida, o lugar que ela ocupa no sistema das relações humanas se
altera. Entretanto, esse lugar, em si, não determina o desenvolvimento, ele na
verdade, caracteriza o estágio existente já alcançado. Torna-se assim,
necessário, compreender os tipos de atividade presentes na vida do sujeito.
Quando paramos para observar uma criança em suas ações diárias, é
importante percebermos que em cada idade ela apresenta uma sensibilidade
seletiva. A existência desses períodos se explica pelo fato de que o ensino
influencia principalmente aquelas qualidades que estão em processo de
formação. É a atividade que mobiliza a formação das novas funções psíquicas.
Cada estágio do desenvolvimento psíquico caracteriza-se pela relação
principal da criança com a realidade, por um tipo determinado de atividade
principal (que promove desenvolvimento no psiquismo). Mas, o que significa

71
atividade principal? (a) É a atividade significativa e dominante em determinado
estágio de desenvolvimento humano (do nascimento à morte); (b) Os processos
psíquicos são reorganizados, avançam de acordo com as atividades principais e,
(c) A atividade principal é a atividade da qual dependem, de forma íntima, as
principais mudanças psicológicas da personalidade.
A título de ilustração, podemos pensar no bebê, nos primeiros meses de
vida. A atividade que mais vigora, ou seja, a principal, sendo aquela que o coloca
em contato com o mundo que o rodeia, é a comunicação com os adultos que
cuidam dele. No entanto, essa comunicação é emocional e não verbal, pois
podemos observar que o adulto, no contato com a criança, antes dela ser capaz
de responder, se antecipa na resposta, começa a aproximar objetos para que ela
veja e tente pegar, assim, cria-se uma nova necessidade, não só de
comunicação, mas também a de manipulação dos objetos. Inicia-se um processo
de mudança de atividade.
Leontiev (1989, p. 67) explica que a mudança do tipo principal de
atividade e a transição da criança de um estágio de desenvolvimento para outro
correspondem a uma necessidade interior que está surgindo “[...] e ocorre em
conexão com o fato de a criança estar enfrentando a educação com novas tarefas
correspondentes a suas potencialidades em mudança e a uma nova percepção”.
Em relação aos motivos, Leontiev descreve que há motivos eficazes e
motivos compreensíveis. Vamos a um exemplo, de acordo com Ottoni (2022): O
estudante lê o livro. Ele compreende a importância da leitura, da apropriação de
conhecimentos por meio dela – motivo apenas compreensível - porém o que na
verdade o mobiliza a ler esse livro é a prova em si, sendo um motivo realmente
eficaz. Graças ao processo dinâmico característico da atividade, a ação pode se
tornar atividade. A ação da leitura inicialmente vinculada à prova, pode tornar-se
o motivo em si, relacionado ao conteúdo do livro que começa a despertar nele
interesse; o estudante se envolve na ação tornando uma atividade para ele.
A obra de Leontiev é vasta, assim como a sua contribuição para a
educação. Esse autor nos inspira a olhar para a criança, no processo educativo,
com altas condições de desenvolver suas capacidades. Para ele, não existe

72
indivíduo predisposto ou não pré-disposto à uma atividade científica, artística,
musical, esportiva etc. As condições de vida, dadas a essa criança é que cria o
talento correspondente.

Postulados de Davydov

Vasily Vasilovich Davydov foi um psicólogo russo, responsável pelo


Instituto de Psicologia da Academia Russa de Educação. Na mesma linha da
Teoria Histórico-Cultural, Davydov bebeu da fonte de Leontiev para o
desenvolvimento da Teoria da Atividade e Teoria do Ensino Desenvolvimental.
A Teoria da Atividade de Estudo (TAE) se concentra na importância da
atividade do aluno para o processo de aprendizagem. Ela afirma que o aluno deve
ser ativo e envolvido no processo de aprendizagem ao invés de simplesmente
receber informações passivas. A TAE também enfatiza a importância da
motivação, da auto-regulação e da auto-avaliação para o processo de
aprendizagem.
Davydov (1988, p. 158) afirma que

No processo da aprendizagem, que é a atividade principal dos


primeiros períodos da idade escolar, as crianças reproduzem
não somente o conhecimento e habilidades correspondentes aos
fundamentos daquelas formas de consciência social, mas
também as capacidades construídas historicamente, que estão
na base da consciência e do pensamento teóricos: reflexão,
análise e experimento mental.

Ele organiza sua teoria a partir do princípio do abstrato ao concreto,


apoiado pela teoria materialista dialética. Desse modo, suas pesquisas eram
objetivadas no desenvolvimento do pensamento, Davydov considerava que o
ensino oferecido pelas escolas era precário e insuficiente para a formação de
crianças e jovens. Seu desejo era que a escola pudesse organizar o ensino de
maneira a oportunizar autonomia aos sujeitos, na qual ocorresse o
desenvolvimento mental.

73
Em sua pesquisa no campo da psicologia pedagógica, Davidov
destacou a importante conexão entre a educação e o
desenvolvimento. Assim, por meio do convívio com adultos e os
demais, a criança vai desenvolvendo suas funções psíquicas
dentro da escola, e a longo prazo, a criança se apropria das
aprendizagens, tornando-as parte de si. Davidov assimila o
aprendizado como inerente com base no desenvolvimento
histórico e social (CAMILO, 2021, p. 04).

Assim, por meio dos estudos de Davydov, é possível compreender que


a Zona de Desenvolvimento Intermitente (ZDI) se faz necessária para que as
crianças e jovens possam, em idade escolar, ativar os processos mentais. Para
ele, essa ativação é muito difícil de ocorrer fora do ambiente escolar.
Para isso, precisamos compreender o conceito da Teoria da Atividade
que embasa todo o processo da Teoria Desenvolvimental pesquisada tanto por
Davydov como por Elkonin.

Mas a atividade de estudo [baseada na escola] tem um conteúdo


e uma estrutura especiais e deve ser diferenciada de outros tipos
de atividade que as crianças realizam tanto nos anos iniciais da
escolarização quanto em outros momentos na vida (por exemplo,
da atividade lúdica, da atividade sócio-organizacional, da
atividade relacionada ao trabalho, por exemplo) (DAVYDOV,
1988, p. 158-159).

Ainda que na escola as crianças desempenhem todas as atividades


citadas por Davydov e muitas outras, a atividade principal que é elemento
contribuinte neste período é a atividade de estudo. Pois, “[...] ela determina o
surgimento das principais formações psicológicas básicas de uma faixa etária,
define o desenvolvimento mental geral das crianças em idade escolar e, também,
o desenvolvimento de sua personalidade” (DAVYDOV, 1988, p. 159).
Como mencionado anteriormente, o eixo fundamental da teoria é a
atividade, que é compreendida como a maneira de transformar a realidade por
meio da ação do outro. Ao continuar os estudos bebendo da fonte de Leontiev,
Davydov acrescentou que o desejo também faz parte do processo de
transformação, pois além do motivo, o desejo amplia as possibilidades de
envolvimento com o objetivo a ser alcançado.

74
Destaca-se ainda,

O foco fundamental da Teoria da Atividade de Estudo sempre


esteve, em maior ou menor proporção, na análise do papel da
tarefa de estudo e dos conteúdos curriculares no processo de
autotransformação das crianças pela via do desenvolvimento do
pensamento teórico (modos generalizados de ação e conceitos
científicos) (PUENTES, 2020, p. 13).

A compreensão acerca da gênese do pensamento teórico e a clareza


acerca da finalidade da educação escolar em promovê-lo, trazem alguns desafios
para a organização do ensino. Se queremos formar um sujeito capaz de
compreender teoricamente o mundo e a sociedade à sua volta de maneira a ter
instrumentos para transformá-los, também temos que pensar em formas de
ensino que sejam transformadoras.
Mesmo não sendo o objetivo deste texto, cremos ser necessária a
menção de que por meio dos estudos e pesquisas de Puentes (2020), ele indicou
uma certa periodização do desenvolvimento para TAE, em três etapas: etapa
operacional (1959 a 1970); etapa motivacional (1971 a 1996) e por último a etapa
emocional (1997 a 2018). Complementa-se ainda que essas etapas mencionadas
estão relacionadas entre o conceito, conteúdo e estrutura da Atividade de
Estudo.
A etapa operacional (1959 a 1970) estão rigorosamente relacionadas
com as origens do sistema Elkonin-David-Repkin, tendo como objeto de estudo
os fundamentos psicológicos.

A partir disso, foi possível definir, pela primeira vez, o conceito,


objetivo e conteúdo da Atividade de Estudo, bem como
representar a sua estrutura geral. O estudo ficou definido como
aquele tipo de atividade humana na qual se garante a realização
da tarefa de estudo. Como objetivo e resultado da tarefa foi
estabelecida a própria modificação do sujeito da ação e como
conteúdo o domínio de determinados modos de ação
(PUENTES, 2020, p.3).

75
Salientou ainda que neste momento a atividade de estudo estava limitada
à realização da tarefa e ao domínio de diferentes modos de ação, isso separado
da ação subsequente. Já na etapa motivacional a abordagem direcionou-se para
a elaboração e o aperfeiçoamento da Atividade de Estudo para o
desenvolvimento intelectual e moral das crianças, em que Puentes (2020, p. 9)
considera:

[...] o produto final da Atividade de Estudo, isso é, a


transformação do aluno, passava a integrar também o conteúdo
dessa atividade. [...]aspecto relevante a ser ressaltado tem
relação com a especificidade dos componentes estruturais da
Atividade de Estudo, que propõe: 1) às necessidades; 2) os
motivos; 3) as tarefas; 4) as ações; 5) as operações, bem como
com a definição que faz de alguns deles.

Alguns pontos dessa etapa ficaram com algumas lacunas das quais
encontram conceituação na etapa emocional (1997 a 2018), em que o autor
aponta que Davydov encontrou na emoção uma possibilidade para superar a
carência de estudos frente às leis internas das necessidades e de esfera
motivacional para a Atividade de Estudo.

Propostas de encaminhamento mediada pela teoria

Ao longo do texto, buscamos esclarecer que a atividade é o modo pelo


qual a criança se relaciona com a realidade, visando produzir as condições
necessárias para sua satisfação física e psíquica. Leontiev (1987) ressalta, que
determinadas atividades têm um impacto mais decisivo na promoção do
desenvolvimento psíquico, sendo chamada de atividade principal, que se
distingue em cada estágio do desenvolvimento. Essa atividade condiciona as
mudanças mais importantes nos processos psíquicos da criança.
Amparado pelos estudos de Leontiev, Daniil Elkonin (1987) uniu ao
conceito de atividade a sistematização da teoria da periodização do
desenvolvimento psíquico, trazendo os princípios de divisão dos
estágios/períodos. Segundo o Elkonin (1987), os principais estágios do

76
desenvolvimento que os sujeitos passam são: comunicação emocional direta;
atividade objetal manipulatória; jogos de papéis sociais; atividade de estudo;
comunicação íntima pessoal, e a atividade profissional/estudo1. Importante
ressaltar que para os autores Leontiev e Elkonin, o que determina o estágio e a
mudança de um período para o outro não é a idade do indivíduo, mas as
condições sócio-históricas que ele vivência e as oportunidades que são dadas a
ele.
Com o intuito de contribuir com profissionais da escola básica, e
fundamentadas na Teoria Histórico-Cultural, objetivamos nessa seção, oferecer
subsídios para o professor propor ações de ensino e promover situações
favoráveis à aprendizagem, pois, corroboramos com Pasqualini (2019, p. 131-
132), ao afirmar que o ato de ensinar mediado e com intervenção do professor
aspira à garantia da apropriação do conhecimento pela criança, possibilitando o
seu desenvolvimento.
Seguindo a preposição ligada à atividade principal de cada período do
desenvolvimento humano, iremos propor algumas reflexões voltadas às crianças
em seus primeiros anos de vida, que vivenciam um processo de comunicação
emocional direta, fase basilar para os demais períodos do desenvolvimento do
sujeito, inclusive da atividade de estudo, que se inicia na fase escolar.
De acordo com Leontiev (1978), quando nasce um bebê, nasce um
candidato à humanização, isso significa que a escola, enquanto espaço
educativo, precisa oportunizar aos bebês o contato com profissionais
capacitados e não incipientes de formação, uma vez que, nesta etapa da vida, é
preciso possibilitar ao bebê vínculos de comunicação que promovam
aprimoramento das capacidades psíquicas, e o ajude a se tornar humano.

A relação da criança com a realidade circundante é social desde


o princípio. Deste ponto de vista, podemos definir o bebê como
um ser maximamente social. Toda relação da criança com o

1
Para aprofundar o conhecimento a respeito da periodização do desenvolvimento, sugerimos o
acesso à obra completa do autor: ELKONIN, D. Sobre el problema de la periodizacion del
desarrollo psíquico em la infância. In: SHUARE, M. (org.) La Psicologia Evolutiva y pedagógica
en la URSS. Moscú: Editorial Progreso, 1987.

77
mundo exterior, inclusive a mais simples, é a relação refratada
por meio da relação com outra pessoa. A vida do bebê está
organizada de tal modo que em todas as situações se faz
presente de maneira visível ou invisível outra pessoa
(VYGOTSKY, 1996, p. 285)

Com a afirmação acima, fica evidente que o bebê é dependente em


relação ao adulto, bem como a sua essencialidade que é social e não apenas
biológico, isto é, o desenvolvimento quando considerado um processo histórico-
cultural, não é visto como predeterminado, assim os estágios do desenvolvimento
psíquico não são naturais, mas sim, sociais.
Assim, nesta etapa, marcada pela relação emocional e afetiva que o bebê
estabelece com o adulto, exige cuidado e atenção, que visam provocar
comunicação e mediar a relação, a fim de originar cada vez mais, atividades
complexas. Com isso, vamos refletir a respeito do espaço para esse bebê em
instituições educativas que precisam acolhê-lo.
Claro, que em um primeiro momento, as necessidades iniciais do bebê
são predominantemente biológicas e orgânicas e, de forma progressiva, surgem
as necessidades sociais, por meio das experiências sociais. Magalhães, Eidt e
Lazaretti (2017) explicam que essa experiência social é formada pela atividade
conjunta entre bebê e o adulto e, a partir dessa relação, são potencializadas as
principais conquistas do bebê. A partir disso, o que podemos e precisamos
considerar nos espaços educativos para os bebês?
Lima, Valiengo e Ribeiro (2014, p. 152), apontam que um dos focos do
trabalho educativo, na fase inicial do bebê, diz respeito à organização intencional
de situações educativas “[...] que possibilitem à criança perceber cores, sons,
texturas, cheiros, sabores, resultante da relação comunicativa do(a) professor(a)
com o bebê”.
Os autores, ainda destacam, que nessa relação, o profissional, no caso,
o professor, precisa propor oportunidades educativas capazes de garantir o
direito dos bebês a ricas experiências, a saber: gustativas, auditivas, olfativas,
táteis e visuais. Neste processo, é preciso se dirigir ao bebê de forma carinhosa,
olho no olho, falar diretamente a ele, enaltecer o barulho e o cheiro da chuva, é

78
um exemplo, ou ainda instigar a saborear uma fruta. Quando consideramos que
a atividade principal do período é a atividade emocional direta, o espaço é
organizado e preparado de forma cuidadosa, a fim de oportunizar as condições
necessárias para que haja aprendizagem e desenvolvimento. É o professor que
pode possibilitar, atrair ao bebê para uma comunicação e criar nela novas
necessidades.
Nos momentos de cuidado com o bebê, como a troca de fraldas ou
banho, por exemplo, é importante dedicar um tempo de qualidade, ou seja,
sempre conversar com o bebê, nomear os objetos da cultura, verbalizar as ações,
como por exemplo: - agora vamos lavar a cabecinha? o que a gente precisa para
lavar os cabelos? onde fica o cabelo? Criando assim, a necessidade de
comunicação.
Na educação infantil, principalmente com os bebês e crianças pequenas,
o professor (par mais desenvolvido) elabora seu planejamento dotado de
intencionalidades pedagógicas, em que pré-estabelece objetivos para que o seu
aluno possa alcançar. Assim, o planejamento deve estar pautado na Estrutura
Geral da Atividades (Figura 1), que exemplificamos abaixo:

Figura 1: Estrutura Geral da Atividade

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Salientamos que no processo de aprendizagem, a intervenção do


professor é condição fundamental para a promoção do desenvolvimento das
funções psicológicas superiores.

79
Figura 2: Teoria da Atividade em vídeo - QR Code

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Considerações finais

Nesse texto, nos propomos a apresentar os postulados de Leontiev e


Davydov embasados pela Teoria Histórico-Cultural, a fim de oferecer subsídios
para o professor da Educação Básica propor ações em sua prática pedagógica e
contribuir com a aprendizagem e desenvolvimento do aluno. Nesse contexto, o
trabalho do professor encontra um lugar fundamental, na organização intencional
do planejamento com vistas a promover saltos qualitativos das crianças. Por isso,
que aos educadores, cabe uma grande responsabilidade, pois educar é garantir
ao outro o direito de se humanizar. Ainda, destaca-se a importância de lembrar
que a sociedade é fator determinante para que ocorra/aconteça o
desenvolvimento humano e isso não acontece sem o papel da escola.
Permeado pelo processo ativo de apropriação da cultura e dos objetos,
a internalização e desenvolvimento ocorrem, motivados pelo interesse, pela
necessidade e pelo desejo, e perpassam não somente nas fases iniciais de vida,
mas nos acompanhando até a morte. Destacamos que a atividade é
compreendida tanto pelo processo de transformação da realidade em
consequência da ação de outro indivíduo, quanto por meio das apropriações das
práticas sociais e culturais.

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VYGOTSKY, L.S. Obras escogidas. Tomo IV. Madri: Visor. 1996.

82
JEAN PIAGET
83
Capítulo V

JEAN PIAGET: CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO

Gláucia Botan Rufato


Maria Fernanda Maceira Mauricio

Introdução

O processo de aprendizagem tem sido o foco de inúmeros estudos e


pesquisas, cada qual com suas perspectivas peculiares. Esse estudo
fundamenta-se nos pressupostos de Jean Piaget, apresentando nas notas
preliminares a biografia do autor, desde sua infância até a sua morte.
Posteriormente, destacamos os principais pressupostos da teoria
piagetiana, advindas de seus estudos em Biologia, Filosofia, Matemática,
Psicologia e, sobretudo, seus estudos da Teoria da Epistemologia Genética, que
destaca que o conhecimento se dá por descobertas que a própria criança faz.
Trata-se de um processo que outros pensadores antes dele já haviam intuído,
mas que ele submeteu à comprovação por meio da prática. Vem de Piaget a ideia
de que o aprendizado é construído pelo aluno e é sua teoria que inaugura a
corrente construtivista. Educar, para Piaget (2007, p. 13), é "provocar a
atividade", isto é, estimular a procura do conhecimento.

Quem foi Jean Piaget?

Dificilmente, quem trabalha na educação não conhece o nome de Jean


Piaget e a importância de sua teoria acerca do desenvolvimento da inteligência
infantil e da construção do conhecimento e da aprendizagem. A história desse
importante pesquisador se inicia em 9 de agosto de 1896, data de seu
nascimento, na cidade de Neuchâtel, na Suíça. Seu pai, Arthur Piaget, era
professor universitário de Literatura Medieval e sua mãe, Rebeca Suzanne, foi
uma das primeiras socialistas suíças. A obra “Autobiografia” de Jean Piaget,

84
redigida inicialmente em francês e traduzida para o inglês por Donald MacQueen,
traz um pouco da história de Piaget contada por ele mesmo. No Brasil, Richard
Evans, no livro “Jean Piaget: o homem e suas ideias”, apresenta excertos dessa
autobiografia, como a descrição que o autor faz de seus pais:

Meu pai, que ainda é um homem ativo, dedicou a maior parte de


seus escritos à literatura medieval e, em menor grau, à história
de Neuchâtel. É um homem de mente meticulosa e crítica, que
detesta generalizações improvisadas apressadamente, e não
tem medo de começar uma briga quando encontra a verdade
histórica distorcida para obedecer a respeitáveis tradições. Entre
muitas outras coisas, ele me ensinou o valor do trabalho
sistemático, mesmo em pequenas coisas. Minha mãe era muito
inteligente, enérgica, fundamentalmente, uma pessoa muito boa.
Dotada de um temperamento neurótico, porém, tornou a vida de
nossa família um tanto confusa. (PIAGET, 1980, p.125).

Desde a infância, Piaget se mostrava uma criança cuja capacidade


científica se destacava, pois ele se interessava por várias coisas. Ele escreve:
“Dos sete aos dez anos, tornei-me intensamente interessado por mecânica,
pássaros, fósseis da Era Secundária e Terciária e por conchas do mar (PIAGET,
1980, p. 125). Aos 11 anos de idade, por exemplo, escreveu seu primeiro artigo.
Seu trabalho tratava sobre um pardal albino que ele observara em 1907: “Tendo
visto um pardal albino num parque público escrevi um artigo de uma página para
um jornal de História Natural de Neuchâtel. O jornal publicou minhas linhas, e eu
estava ‘lançado’” (PIAGET, 1980, p.126).
Depois desse artigo, Piaget escreveu uma carta ao Museu de História
Natural e pediu permissão para estudar, após o expediente, as coleções de
pássaros, fósseis e conchas que lá existiam. O diretor Paul Godet, especialista
em moluscos, concordou e convidou Piaget para assisti-lo duas vezes por
semana. Foram quatro anos de estudo e colaboração no museu que lhe
concederam receber em troca várias espécies para sua própria coleção, além
das classificações para suas amostras.
Esses estudos foram muito importantes para o desenvolvimento
científico de Piaget e o ajudaram a enfrentar a crise filosófica da adolescência,

85
servindo como instrumento de proteção para o que o autor chama de “demônio
da Filosofia”. De acordo com Aranha (2012) a relação do pai agnóstico, com a
mãe religiosa, desde muito cedo, representou para Jean um conflito entre ciência
e religião, compondo-se em uma experiência cuja clarificação constituiria uma
de suas preocupações existenciais. Aos quinze anos, Piaget enfrentou esse
conflito: sua mãe era devota protestante e por isso recebeu instrução religiosa
em um curso de seis semanas sobre os fundamentos da doutrina cristã.
Em 1915, Piaget se formou em Biologia e em 1918, defendeu sua tese
de doutorado sobre moluscos e nesse mesmo ano iniciou seus estudos sobre
Psicologia em Zurique, especialmente no campo da psicanálise. Começou a
trabalhar em um laboratório de psicologia, assistia às aulas ministradas pelo
psicólogo Carl Jung e trabalhou com o psicólogo Alfred Binet (pedagogo e
psicólogo francês). Em 1919 ingressou na Universidade de Paris para trabalhar
com testes de inteligência infantil:

Então ocupei meus pacientes em conversações padronizadas


por interrogatórios psiquiátricos, com o objetivo de descobrir
algo sobre o processo de raciocínio, subentendido em suas
respostas certas e, especialmente, nas erradas. [...]. Sem que o
Dr. Simon soubesse exatamente o que eu estava fazendo,
continuei por mais dois anos a analisar o raciocínio verbal de
crianças normais, apresentando a elas várias questões e dando-
lhes tarefas que envolviam relações concretas simples causa e
efeito. Além disso, obtive permissão para trabalhar com as
crianças anormais de Salpétrière. Empreendi, então, a pesquisa
com números, usando os métodos de manipulação direta, assim
como o da conversação. Recomecei, desde então, esse trabalho,
em cooperação com A. Szeminska [...]. Finalmente, encontrara
meu campo de pesquisa. (PIAGET, 1980, p. 137).

Piaget (1980) notou que as crianças francesas da mesma faixa etária,


cometiam erros semelhantes nos testes e concluiu que o pensamento lógico se
desenvolve gradualmente. Começou então a estudar o desenvolvimento das
habilidades cognitivas das crianças. A partir desses experimentos, Piaget
escreveu vários artigos, dos quais, um foi enviado para E. Claraparède, que além
de aceitar e publicar o estudo, convidou Piaget para ser o diretor de estudos no

86
Instituto Jean Jacques Rousseau, em Genebra, em 1921, no qual se dedicou mais
alguns anos a estudar o pensamento da criança e as origens da vida mental. Ele
afirma que:

[...] após ter ganho, assim, objetiva e indutivamente,


conhecimento sobre as estruturas elementares da inteligência,
eu estaria em posição de atacar o problema do pensamento em
geral e construir uma Epistemologia Psicológica e Biológica
(PIAGET, 1980, p.138).

Os resultados das pesquisas foram sistematizados nos seus cinco


primeiros livros sobre Psicologia Infantil. São eles: “A linguagem e o pensamento
na criança” (1923), “O Raciocínio na criança” (1924), “A representação do
mundo na criança” (1926), “A causalidade física na criança” (1927) e “O juízo
moral na criança” (1931). A partir dessas publicações, os postulados de Piaget
ganharam o mundo e ele foi convidado a discursar em vários países “[...] para
apresentar minhas ideias e discuti-las em universidades e perante outros
professores. Contudo, na época, eu não tinha interesse por Pedagogia, visto que
não tinha filhos” (PIAGET, 1980,140). Em 1923, Piaget casou-se com Valentine
Châtenay, uma de suas assistentes de pesquisa.
Em 1925, Piaget começou a lecionar Psicologia, História da Ciência e
Sociologia, na sua cidade natal, Neuchâtel. Piaget relata que nessa época tinha
muitas atribuições:

incluíam, na Faculdade de Letras, o ensino de Psicologia e de


Filosofia da Ciência, um seminário de Filosofia e, também, duas
horas de Sociologia no Instituto de Ciências Sociais. Além disso,
continuei a ensinar Psicologia Infantil no Instituto J. J. Rousseau
(PIAGET, 1980, p. 149).

Foram quatro anos dedicados ao curso de Filosofia da Ciência. Durante


esses anos, nasceram seus filhos, uma em 1925, Jacqueline, outra em 1927,
Lucienne, e um menino em 1931, Laurent. Com a ajuda da esposa, Piaget
observou as reações dos filhos, submetendo-os a várias experiências, cujos
resultados foram publicados em três volumes que tratam principalmente da

87
gênese da conduta inteligente, das ideias de constância e causalidade objetivas
e dos começos do comportamento simbólico (imitação e brincadeira). Os três
volumes são “O nascimento da inteligência na criança (1937); A construção do
real na criança (1937); A formação do símbolo na criança (1945)” (PIAGET, 1980,
p. 149).
De acordo com Piaget (1980), o benefício principal desses estudos foi
aprender de forma mais direta, a maneira como as operações intelectuais são
preparadas pela ação sensório-motora, mesmo antes do aparecimento da
linguagem.
Em 1929, Piaget começou a lecionar História do Pensamento Científico,
em Genebra, e assumiu o Gabinete Internacional de Educação dedicado a
estudos pedagógicos. O autor marcou a década de 1930 com a publicação de
vários trabalhos sobre as fases de desenvolvimento, por meio das observações
de seus filhos. Em 1936, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” pela
Universidade de Harvard. Em 1940 Piaget assumiu o cargo de professor-diretor
no Laboratório de Psicologia, publicando trabalhos sobre a formação de
conceitos matemáticos e físicos com a parceria de outros pesquisadores. Em
1946, tornou-se membro do Conselho Executivo na constituição da UNESCO
(ARANHA, 2012).
Na década de 1950, Jean Piaget fundou o Centro Internacional para a
Epistemologia Genética, em Genebra, destinado a pesquisas sobre a formação
da inteligência. Os resultados dessas pesquisas foram publicados em 1955, com
o título de “A Epistemologia Genética”, consagrada como sua primeira tese sobre
a teoria do conhecimento. De acordo com Aranha (2012), em 1967, Piaget
publicou sua principal obra da maturidade chamada de “Biologia e
Conhecimento” e em 16 de setembro de 1980, faleceu em Genebra.

A problemática do conhecimento

O interesse pela biologia e pela evolução do conhecimento como um


processo construtivo fez nascer uma nova teoria epistemológica do pensamento.

88
O mestre de Genebra aprofundou seu olhar buscando explicar a razão da
evolução do pensamento orientado pela questão: "Como se passa de um
conhecimento menos elaborado para um conhecimento mais elaborado?"
(PIAGET, 1975).
Sua teoria fundou as bases para a compreensão da gênese do
conhecimento e promoveu uma transformação no olhar acadêmico sobre esses
aspectos, por demonstrar que para saber como o ser humano chega ao
pensamento lógico é preciso buscar na criança a origem e a explicação. Piaget,
ao elaborar a teoria psicogenética, procurou mostrar as mudanças qualitativas
pelas quais passam as crianças, desde o estágio inicial de uma inteligência
prática (período sensório-motor), até o pensamento formal, lógico-dedutivo
(período operatório-formal).
Segundo Piaget (1975), o conhecimento não pode ser concebido como
algo pré-determinado desde o nascimento (inato), nem como resultado do
simples registro de percepções e informações (empírico). Resulta das ações e
interações do sujeito com o ambiente onde vive. Todo conhecimento é uma
construção que vai sendo elaborada desde a infância, por meio das interações
do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou
cultural.
Na teoria piagetiana, o desenvolvimento é um processo contínuo que se
dá por meio de organizações e reorganizações das estruturas de tal modo que
cada nova reorganização feita pelo sujeito, integra-se à anterior. Sendo assim,
para Piaget (1978), o desenvolvimento consiste em uma constante, do estado de
menor equilíbrio para um de equilíbrio superior. Esta constante do
desenvolvimento ocorre de maneira sucessiva que Piaget definiu como
demonstrada em estágios, que revelam as construções acumuladas até ali e que
constituem a estrutura de pensamento, que resultam da inter-relação de quatro
fatores que dão condição e explicam o desenvolvimento cognitivo.
O primeiro desses fatores é a hereditariedade, compreendida como a
maturação. Para Piaget e Inhelder (1994), esse fator coloca restrições no
desenvolvimento cognitivo, determinando o alcance das possibilidades. A saber,

89
“[...] a maturação, a ritmo de manifestação do potencial herdado, é o mecanismo
pelo qual esses limites são estabelecidos” (WADSWORTH, 1997, p. 34). No
entanto, essas limitações mudam à medida que a maturação progride, mediante
a prática de ações da criança sobre o seu meio.
A experiência é o segundo fator identificado por Piaget, ela se refere à
interação da criança com o objeto. Essa manipulação do objeto pode se dar por
meio da ação, em sentir, cheirar, pegar o objeto, ou pode se constituir em uma
ação mental, um pensamento. Essas experiências são o que promovem no sujeito
assimilações e acomodações provocando a mudança nas estruturas
(WADSWORTH, 1997).
A interação social é o terceiro fator destacado pelo autor como condição
para o desenvolvimento. “Por interação social, Piaget quer dizer o intercâmbio
de ideias entre pessoas” (WADSWORTH, 1997, p. 35). É nessa interação que os
desequilíbrios são provocados. Esse intercâmbio de ideias se dá nas brincadeiras
das crianças, nas relações com os colegas, com os adultos, com os familiares,
na escola, em casa e com o conhecimento produzido por eles.
Todas elas são importantes para o desenvolvimento intelectual. Essas
interações se desdobram em experiência física, onde o sujeito age sobre o objeto
e retira dele suas características principais por abstração empírica e em
experiência lógico-matemática que constituem as ações coordenadas sobre os
objetos.
Segundo Piaget (1978), a maturação, a experiência e a interação social
não são suficientes para explicar o desenvolvimento. Por fim, o quarto fator se
refere a equilibração, entendido pelo autor como o fio condutor de todo o
processo. “A equilibração é o regulador que permite que novas experiências
sejam incorporadas, com sucesso, aos esquemas” (WADSWORTH, 1997, p. 36).
Assim, quatro são os fatores necessários para o desenvolvimento cognitivo:
maturação, experiência ativa, interação social e equilibração (WADSWORTH,
1997, p. 36).
Esse funcionamento dinâmico de construção e reconstrução possibilita
ao sujeito, progredir em suas construções e alcançar patamares mais elevados e

90
esquemas mais complexos. Um pressuposto da teoria piagetiana é que todo
sujeito busca uma autopreservação, ou uma adaptação para satisfazer as suas
necessidades. Reconhecer o saber e o conhecer como necessidades de todos e
para todos é, portanto, muito valorizado nesta teoria. O estar adaptado
corresponde a um estado relativo de equilíbrio, que quando rompido é
desequilibrador, e o sujeito, a partir de ações motoras ou mentais, retoma o
processo adaptativo para resolver o desequilíbrio (PIAGET, 1975).
Além da adaptação, os sujeitos também buscam uma frequente
organização para integrar as novas informações aos conhecimentos já existentes
e progredir na direção de formas mais complexas e potentes de inteligência. A
adaptação e a organização se caracterizam então, como duas variantes
funcionais dos processos que atuam no desenvolvimento.
Piaget preocupou-se em esclarecer, que o conhecimento não está
pronto no sujeito, nem no meio, mas é resultante de uma contínua interação entre
eles. O sujeito epistêmico participa de um processo dinâmico, com implicações
mútuas, onde na relação sujeito/objeto constrói formas de pensamento e
paralelamente seus conhecimentos (PIAGET, 1975).
Apoiado em Piaget, Macedo (1994) expõe que interagir é poder assimilar
o objeto às estruturas do sujeito, “implica possuir um esquema qualquer por meio
do qual um elemento exterior pode nele ser incorporado” (MACEDO, 1994, p.
146). As mudanças provocadas no sujeito a partir da sua interação com o objeto
e que exigem uma constante adaptação e organização, segundo Piaget (1975),
ocorrem por assimilação e acomodação que complementam o processo de
equilíbrio.
A assimilação é o processo em que o sujeito incorpora o objeto a
esquemas já estruturados, “implica em ajustar as características dos objetos”
(MACEDO, 1994, p.146), ou seja, uma consequente acomodação, pois da mesma
forma que o sujeito incorpora o objeto nas suas estruturas, estas se modificam
com as características dos objetos. É nessa correspondência entre a assimilação
e a acomodação que se encontra a causa do desenvolvimento e da construção
das estruturas cognitivas.

91
De forma geral, cada progresso do desenvolvimento se abre para novas
perturbações que não se colocavam antes. O novo equilíbrio atingido tende a ser
mais estável e mais amplo que o anterior, pois proporciona novas trocas com o
meio. Quando realizou o estudo das estruturas do pensamento Piaget observou
aspectos constantes e comuns a todas as idades, estruturas sucessivas que se
compõem das mais elementares às mais complexas que conduzem ao “equilíbrio
final”, que foram por ele organizados nos quatro principais estágios do
desenvolvimento, os quais apresentamos a seguir.

Os estágios do desenvolvimento

Com base no estudo da gênese psicológica do pensamento humano,


Piaget buscou em sua teoria do conhecimento, distinguir as raízes das diversas
variedades de conhecimento a partir de suas formas mais elementares e
acompanhar seu desenvolvimento em níveis subsequentes. Os níveis de
desenvolvimento que Piaget formulou consistem em estágios do
desenvolvimento cognitivo, que não implicam em um período crítico, mas em um
conjunto de instrumentos cognitivos cuja construção depende das formas
anteriores que são a condição para o avanço.
A divisão em quatro estágios evolutivos e sequenciais do crescimento
humano, qualitativamente diferentes entre si, que vão desde o nascimento à
idade adulta, não é uma divisão arbitrária, mas uma elaboração de décadas de
pesquisas sobre a criança. Em cada estágio, a criança desenvolve um novo modo
de operar, sendo variável de indivíduo para indivíduo, obedecendo a um
desenvolvimento gradual.
A ordem de sucessão indicada pelo autor é constante e varia em função
dos fatores apresentados anteriormente- a maturação, a experiência, a interação
e a equilibração- que evidenciam o caráter interacionista do processo de
construção do conhecimento.

92
Estágio sensório-motor

O primeiro estágio definido por Piaget é denominado “sensório motor” e


ocorre do nascimento aos dois anos de idade. É um período em que os esquemas
reflexos, a partir das experiências, vão tornando-se sofisticados. A inteligência é
prática e não verbalizada, onde a criança explora o meio a partir dos movimentos
e dos sentidos. De início, as ações dos bebês reduzem-se a ações reflexas como
sugar, puxar, agarrar, e quando passam a funcionar repetidamente, constroem
os primeiros esquemas. Aos poucos os esquemas vão sendo modificados e
integrados uns aos outros, como pegar e sugar, olhar e puxar. A partir daí a
criança começa a se perceber como fonte de seus movimentos e torna-se distinta
do meio.
Ao longo dessa etapa, apoiada na percepção e na motricidade, as ações
do sujeito gradualmente revelam construções de noções práticas de espaço,
tempo, causalidade e a noção de permanência do objeto. A criança começa a
perceber que os objetos continuam existindo mesmo quando estão fora do seu
campo visual, e progressivamente as ações práticas vão dando lugar a
representação dos objetos através de esquemas mentais. Ao final do primeiro
ano de vida, a criança começa a adquirir a linguagem, o que caracteriza o início
do segundo estágio do desenvolvimento, nomeado de pré-operatório
(WADSWORTH, 1997).

Estágio pré-operatório

O estágio pré-operatório ocorre dos dois aos sete anos e é marcado pelo
aparecimento das primeiras formas de linguagem e diversas formas de
representação. A partir da aquisição da linguagem, observa-se o início da
socialização da ação e do pensamento, o indivíduo é também capaz de
reconstruir suas ações passadas de forma narrada. A criança nessa fase é
egocêntrica, não conseguindo acompanhar transformações e conservá-las. A
assimilação e a acomodação tomam a forma de brinquedo e de imitação. A

93
principal característica é a interiorização dos esquemas e o progresso é o
desenvolvimento da função simbólica e a representação dos objetos ausentes.
Configura-se uma modificação dos esquemas motores em esquemas
representativos e conceituais.
No decorrer de todo esse estágio, a criança interage com o meio a partir
de seus esquemas representativos que geram modificações em suas condutas e
proporcionando uma organização mais estável. Embora já realize ações mentais,
elas ainda não se compõem em operações, pois, uma operação não existe de
forma isolada e exige a coordenação de ações reversíveis e compensadoras para
se constituir, o que ainda nesse estágio configura-se uma limitação.
O pensamento pré-operatório é caracterizado pela sua irreversibilidade,
pelas relações não conservadoras, por classificações empíricas e pela falta de
inclusão lógica entre as partes e o todo. Para que a criança deste período evolua,
é necessário romper as barreiras do egocentrismo, o que a permitirá descentrar
seu pensamento, acompanhar e conservar as transformações, possibilitando
construções lógicas, que marcam a transição para o próximo estágio
(WADSWORTH, 1997).

Estágio operatório concreto

No estágio das operações concretas, percebemos a importância da


experiência física na construção das estruturas lógico-matemáticas. Durante os
primeiros anos de vida, a criança focaliza sua atenção no conteúdo físico
observável do objeto, e conforme cresce, há um maior equilíbrio entre os
aspectos físicos e lógico-matemáticos, e uma eventual distinção entre as
propriedades físicas do objeto (aquilo que se pode ver, pegar, sentir) e aquilo
que não se pode ver (operações, relações, abstrações).
Para a criança, a elaboração da imagem mental é possível desde o
período anterior, porém se consolida no estágio operatório concreto, de maneira
que a inteligência se torna representativa mediante transformações lentas e
sucessivas, tornando-se como possibilidade, o lidar com todos os conjuntos

94
simbólicos e representativos que a cerca. Por volta dos sete anos, o pensamento
se torna mais flexível, menos egocêntrico, abrindo espaço para as condutas de
reversibilidade, sendo a criança capaz de realizar as operações lógicas de
classificar, ordenar, seriar e obter um pensamento mais móvel em relação à
realidade concreta (WADSWORTH, 1997).
Quanto à capacidade de classificar que se define em agrupar objetos
observando suas semelhanças ou diferenças, Piaget mostra a partir de
experimentos, que a criança vai se tornando capaz, de maneira progressiva, de
coordenar seus critérios. Primeiro demonstra a compreensão de uma parte, e
depois de outra, até conseguir incluí-las em um todo.
Para Piaget (1978), ordenar significa colocar os objetos de forma
organizada. A ordem, como noção em desenvolvimento, auxilia os processos de
contagem. Essa noção se constrói mentalmente pela criança até chegar ao ponto
de compreender que o número permanece idêntico a si mesmo, seja qual for à
disposição das unidades das quais é composto. Logo, não necessariamente, a
ordem de contagem dependerá de colocar os objetos enfileirados um após o
outro, ou mesmo utilizando qualquer relação organizada externamente, mas sim
por meio de uma ordenação mental.
A seriação, por sua vez, é uma operação que requer que a criança
consiga ordenar uma sequência segundo um critério. São empregadas relações
assimétricas para seriar objetos, como organizar e separar objetos de uma
coleção em função de um atributo, tal como tamanho, colocando-os em ordem
do menor para o maior ou do maior para o menor, ou também pela espessura,
pelo peso, pela idade e outros (WADSWORTH, 1997).
A conservação ocorre quando a criança percebe que a quantidade não
depende da arrumação, forma ou posição. Esta é atingida quando a criança é
capaz de conceber que uma quantidade permanece a mesma, seja qual for a
disposição dos elementos que a compõem. É saber que o número de um
conjunto de objetos pode apenas ser mudado por adição ou subtração
(WADSWORTH, 1997).

95
Estágio operatório formal

O quarto e último estágio, denominado operatório formal, marca a


entrada da criança na adolescência. Nesse período, o pensamento atinge um
nível mais abstrato, o sujeito se torna capaz de elaborar hipóteses, compreender
conceitos abstratos e fazer deduções. Nota-se uma crescente capacidade de
lidar com representações de representações, construindo um pensamento
hipotético dedutivo. Por volta dos doze anos, os objetos concretos são
abstraídos e o sujeito passa a manipular simbolicamente os objetos tornando-se,
então, capaz de pensar logicamente, de formular hipóteses e buscar soluções a
partir da observação da realidade (WADSWORTH, 1997).
O avanço decorrente desse estágio se dá sobre a construção da lógica
das proposições, da lógica da combinatória e da coordenação entre a
reversibilidade por inversão e por reciprocidade. A coordenação desses fatores
equilibra o sistema de operações inversas e recíprocas. Neste estágio o
adolescente terá atingido sua forma final de equilíbrio e seu desenvolvimento
intelectual constituirá na ampliação de seus conhecimentos.

As contribuições de Jean Piaget para a educação

A essência da obra de Piaget se encontra na reflexão sobre os


mecanismos mentais que permitem ao ser humano construir, desde seus
primeiros anos de vida, conhecimentos e a ferramenta para seu alcance: a
inteligência. Essa construção não ocorre por acaso, pois para Piaget (2007) os
conhecimentos não são fruto apenas da transmissão social, mas, sobretudo das
atividades estruturadas do sujeito, pois o sujeito é ativo e participa de sua própria
evolução mental através de trocas que realiza com os meios físico e social e das
ações que exerce sobre eles.
Para comprovar sua tese, Piaget fez inúmeras pesquisas com bebês,
crianças e adolescentes e escreveu muitos artigos e livros sobre epistemologia,
psicologia, filosofia, biologia e sobre educação. Vale ressaltar que Piaget sempre

96
enfatizou que não era educador, porém realizou várias reflexões e pesquisas
sobre educação, criando uma teoria denominada por ele próprio de
“Epistemologia Genética”. Segundo Piaget (2007), a criança passa por várias
fases de desenvolvimento que estão relacionadas com a capacidade do ser
humano, ou seja, com a construção da psique.
Piaget dedicou toda sua vida a explicar como a inteligência humana se
desenvolve, partindo do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é
determinado pelas ações mútuas entre o indivíduo e o meio. Ou seja, o sujeito
não é passivo sob a influência do meio, isto é, ele responde aos estímulos
externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu próprio
conhecimento, de forma cada vez mais elaborada. Sendo assim, a educação de
um modo geral, deve ser um processo de construção do conhecimento, através
da reflexão, pautada em um novo modo de conceber o mundo, a vida e as
relações sociais, mas para que isso se efetive, nossos educadores precisam,
fundamentalmente, de um bom aporte teórico.
Do expresso até o momento, é possível perceber que Piaget, mesmo não
tendo direcionado seus estudos à prática pedagógica na escola, ou metodologias
de ação no contexto escolar, apresenta proposições das quais é possível declinar
implicações pedagógicas e educacionais, pois discute os processos cognitivos
para os quais os professores pensam as proposições pedagógicas.
Através da teoria piagetiana, o professor pode saber quando ensinar
determinado conteúdo e de que forma deve ser ensinado, pois através dos
estágios estudados, é possível visualizar o desenvolvimento dos sujeitos e como
o professor pode organizar as propostas pedagógicas de modo a favorecer as
aprendizagens naquele momento do desenvolvimento, considerando as
características próprias do pensamento. Isso significa dizer que o professor sabe
quando e como ensinar ao seu aluno e que desenvolvimento pode-se esperar
desse aluno, dependendo do estágio pelo qual está passando.
Em suma, é importante respeitar o desenvolvimento do aluno e a forma
como este aprende. É importante também conhecer como o sujeito organiza em
sua estrutura cognitiva as informações recebidas do meio. Somos seres

97
diferentes e por isso percebemos o ambiente de formas diferentes e damos a ele
significados de acordo como o percebemos.
Sua teoria do conhecimento permite ao professor compreender como o
aluno constrói a realidade, como este conhece as coisas que o rodeiam e
favorece a elaboração de ações que suscitam esse movimento cognitivo. Suas
descobertas sobre os estágios do desenvolvimento, tornam-se imprescindíveis
para que o docente compreenda que a experiência sobre objeto (ou seja,
ordenar, classificar, distribuir, comparar, juntar) permite ao aluno estruturar seu
pensamento. Tal estruturação permite o pleno desenvolvimento das operações
lógicas, que, por conseguinte, possibilita, num futuro próximo, a construção do
raciocínio formal.
O professor é o mediador, o instigador, para desenvolver desafios para
que o educando se lance a novas possibilidades. No entanto, Piaget foi mal
compreendido por alguns pesquisadores que entenderam que o educador
deveria lançar a responsabilidade do aprendizado somente à criança, mas sabe-
se que essa concepção é equivocada, porque o professor é um agente da
aprendizagem como mediador e possui também função ativa na tarefa de
ensinar. De fato, o planejamento do professor torna-se instrumento muito
importante para suscitar, evocar e mediar as construções cognitivas.
Nessa perspectiva, é fundamental criar desafios para as crianças, propor
situações de aprendizagens que geram desequilíbrio diante das experiências já
assimiladas. Isto implica em envolvimento dos professores, em postura de intensa
observação (tal como indica o método clínico-crítico), ao desenvolvimento de
seus alunos, independente da área que atuem e que esses ofereçam e busquem
alternativas para que o estudante amplie seu horizonte de desenvolvimento,
formando sujeitos capazes, autônomos, participativos e atuantes na sociedade
em que vivemos.

Referências

ARANHA, Maria Lúcia. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo:


Moderna, 2012.

98
MACEDO, Lino de. Ensaios construtivistas. 4. ed. São Paulo- SP: Casa do
Psicólogo. 1994.

PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do


desenvolvimento. Tradução de Marion Merlone dos Santos Penna. Rio de
Janeiro: Zahar. 1975.

PIAGET, Jean. Formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho,


imagem e representação. Tradução de Álvaro Cabral e Christiano Monteiro
Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1978.

PIAGET, Jean. Autobiografia. in EVANS, Richard. Jean Piaget: o homem e


suas ideias. Rio de Janeiro: Forense. p. 125-153. 1980.

PIAGET, Jean. INHELDER, Barbel. A representação do espaço na criança.


Tradução de Bernardina Machado de Albuquerque. Porto Alegre: Artes
Médicas. 1994.

PIAGET, Jean. Epistemologia Genética. Tradução de Álvaro Cabral. 3ª ed.


Martins Fontes: São Paulo. 2007.

WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de


Jean Piaget. São Paulo: Pioneiras. 1997.

99
PIERRE BOURDIEU
100
Capítulo VI

UM OLHAR AMPLIADO DA ESCOLA NA PERSPECTIVA


DE PIERRE BOURDIEU: A VIVÊNCIA ESCOLAR E A
CARACTERIZAÇÃO DO HABITUS

Marcos Maia da Silva


Ravelli Henrique de Souza
Rodrigo Alexandre Cavalarini Faustino
Marta Regina Furlan

Introdução

O presente estudo é fruto de estudos e pesquisas realizadas na disciplina


de Teorias da Educação, ofertada no curso de Doutorado em Educação no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Londrina em que os autores realizaram uma aula expositiva sobre Vida e Obra
de Pierre Bourdieu (1930 – 2002).
Dessarte, o estudo em questão visa preliminarmente, através de uma
análise bibliográfica, realizar um traço histórico sobre a vida e obra do autor,
evidenciando sua trajetória pessoal e acadêmica.
Posteriormente ao realizar e inclinar nossos estudos para a área da
educação, a sessão visa ampliar o olhar pedagógico em relação à teoria de Pierre
Bourdieu no que tange a caracterização do habitus em relação à vivência escolar
voltada às práticas de objetivação e subjetivação dos sujeitos escolares. De
maneira suscinta, apresentar o papel da escola na reprodução e legitimação das
desigualdades sociais, amparados pelas seguintes obras de Bourdieu: A
Reprodução (1992); Escritos da Educação (1998) e A Economia das Trocas
Simbólicas (1987) e de autores que dialogam com a teoria.
Por fim, as considerações finais buscam enfatizar a importância das
contribuições de Bourdieu a partir do movimento dialético, apontamento social e
reflexão crítica sobre a escola em tempos ditos como contemporâneos (Segunda

101
Metade do Século XXI), a fim de repensar a prática educacional buscando a
transformação efetiva do ensino a partir da teoria do autor.

Vida e obra de Pierre Bourdieu

Em primeiro de agosto de 1930, em uma pequena aldeia situada na zona


rural da cidade de Denguim, na França, nasce Pierre Félix Bourdieu, considerado
um dos mais renomados e importantes sociólogos, cujas contribuições ainda se
fazem presentes para estudiosos da contemporaneidade.
Bourdieu pertencia a uma família camponesa de baixo status social, uma
vez que seus pais eram agricultores da aldeia em que viviam. Sua origem social,
considerada camponesa e de zona periférica que se elevou através do sistema
escolar, fez com que o sociólogo optasse em estudar em uma instituição de
mesmo cunho social, aprofundando-se no campesinato de países com alto índice
de pobreza, como Argélia e de países europeus, como a democracia francesa.
Também se propôs a analisar os conflitos internos da educação como
reprodutores de desigualdades sociais. O que levou a se graduar em Filosofia
pela Escola Normal Superior (ENS) em Paris, na França (WEISSHEIMER, 2002).
No caminhar de sua trajetória acadêmica houve interrupções, pois
Bourdieu fora convocado para servir o exército francês em 1955, no pós-Guerra
da Argélia (1956–1962). Porém, após servir ao exército na Argélia, foi convidado
a assumir o cargo de docente assistente na Faculdade de Letras em Argel.
Embora seja renomado como sociólogo, num primeiro momento, Bordieu
estudou filosofia e não a sociologia em si. A mudança para o campo da sociologia
ocorreu no período que lecionava em Argel, aprofundando-se no estruturalismo
de Claude Lévi-Strauss, o que o levou a produzir uma etnografia da sociedade
Cabila. Ao voltar para França, em 1960, foi assistente de Raymond Aron e no ano
seguinte, se tornou docente da Universidade de Lille. Em 1964, passou a ser
institucionalmente um sociólogo, ocupando o cargo de diretor da École des
Hautes Études en Sciences Sociales (KOURY, 2007).

102
O sociólogo possuía um fiel compromisso com a ciência e movimentos
sociais de sua época, o que o levou a fundar o centro de pesquisas sociológicas
no ano de 1968. Após anos de estudos, na década de 1990, após diversas
premiações e titulações., Bourdieu consolidou seus ideais e compromissos
contra o patriarcado, se apoiando em movimentos sociais que intensificou sua
militância em relação à justiça social, pessoal e acadêmica (WACQUANT, 2002).
Em consonância com Wacquant (2002), a prática social de Bourdieu
enquanto sujeito social inspirou o autor em suas inovações teóricas a partir de
sua resistência para denunciar o sistema e a política através de atividades
pragmáticas de investigação e denúncia, uma vez que:

Seu engajamento pessoal nas lutas sociais contra a globalização


neoliberal e na defesa da autonomia intelectual, dos
desempregados, dos desabrigados e dos imigrantes ilegais, o
seu compromisso com o universal é amplamente manifesto em
seu incansável empenho para difundir os instrumentos do
pensamento crítico e para construir um intelectual coletivo capaz
de fazer avançar uma consciência crítica (KOURY, 2007, p. 207).

A prezada citação nos leva a um dos pontos específicos da obra de


Bourdieu, em relação ao que ele acusou como determinada desconstrução de
“falsas antinomias estruturais da sociologia”, realizando a interpretação da
história e consolidação da estrutura patriarcal francesa, através de mecanismos
de objetivação e subjetivação para interpretar o indivíduo e a sociedade em que
ele está imposto.
Pierre Bourdieu não era apenas um pesquisador excepcional,
reconhecido pela comunidade acadêmica internacional, mas um intelectual
empenhado nas lutas sociais e no debate público (VASCONCELOS, 2002, apud
KOURY, 2007, p. 207). O sociólogo, diante de seus estudos, demonstrou que as
ciências, em predominância as sociologias em conjunto com a militância
sociopolítica, podem constituir as faces de um mesmo trabalho (KOURY, 2007),
que é o de analisar e apontar críticas à realidade social em busca da
transformação delas.

103
Bourdieu morreu de câncer aos 71 anos, em 23 de janeiro de 2002, nos
deixando uma vasta contribuição de obras, que alcançaram inúmeros espaços,
principalmente o acadêmico. Entre suas obras, podemos destacar: “Os
herdeiros” (1964), “A Reprodução” (1970), “A Distinção” (1979), “Coisas ditas”
(1987), “O poder simbólico” (1992), “A miséria do mundo” (1993), “Razões
Práticas” (1994) e sua última e considerada uma das mais potentes “A
dominação masculina” (1998).
Nas próximas sessões, visamos destacar a presença do habitus presente
na obra de Bourdieu em confluências à instituição de poder que é a escola.

A vivência escolar e a caracterização do habitus referente à


reprodução

A escola como instituição social na contemporaneidade tem buscado, ao


longo do tempo, por intermédio do ensino, tornar os discentes, cidadãos
reflexivos sobre o seu papel como agentes de transformação no meio social em
que vivem. Por mais que se perceba que o ambiente educacional tem se
resumido em reproduzir a lógica liberal de ensino, tornando a escola pública, um
lugar de docilização e subserviência do sujeito ou ainda, levando a uma educação
mínima de criticidade, em alguns espaços escolares também tem buscado
romper com a lógica dominante, tornando a escola um lugar de resistência e
emancipação do sujeito. Esse texto tem o objetivo de expor uma visível
apresentação do papel da escola na reprodução e legitimação das desigualdades
sociais.
Entender as relações de desigualdades presentes na sociedade é
também perceber como elas refletem a vivência escolar. Nestas relações, por
vezes, os sujeitos trazem consigo a submissão e dependência, fruto das
características do Estado colonizador e ainda que coloniza sujeitos através do
sistema capitalista, fragmentando a sociedade em classes sociais.
Esta normatividade social constituiu o patriarcado proveniente da
dominação masculina, em que, de acordo com Bourdieu (2019), constitui

104
condutas disciplinares dominantes também na relação entre os sujeitos, pois
classifica esses de acordo com o sexo, em que indivíduos masculinos são
provenientes à opressão do sexo oposto (fêmea). Deste modo, o patriarcalismo
ao longo dos anos, por intermédio de mecanismos sutis e de controle, busca
manipular as massas e promover o empobrecimento das subjetividades humanas
também por intermédio do sexo, gênero e sexualidade.
Essa característica também se apresenta no ambiente escolar de várias
formas: o sujeito, ao adentrar no ambiente escolar, revive a estrutura escolar
semelhante daquela que encontra no ambiente externo, reproduzindo assim, a
passividade, a dependência de pensamento reflexivo e em dados momentos a
mesma estrutura dividida em classes.
No prefácio do livro “A reprodução” (1992, p. 11), Bourdieu afirma que
os vários capítulos deste livro apontam para um mesmo princípio de
inteligibilidade: o “das relações entre o sistema de ensino e a estrutura das
relações entre as classes”. Percebe-se que o ambiente escolar, assim como
outras instituições sociais, reflete a dinâmica das relações de classe, onde a
hierarquia de poder está estruturada historicamente.
Assim, as estruturas sociais, a relação de classe e as desigualdades
sociais se perpetuam na vida das famílias dos jovens estudantes. Na instituição
de ensino, estes modelos de dependência e subalternidade também se
apresentam no projeto de escola vigente predominantemente na maioria das
instituições escolares.
O pressuposto de inteligibilidade nos direciona as reflexões de Bourdieu
sobre a escola, pois esta instituição, no que concerne o desenvolvimento de seu
trabalho, deve ser compreendida na perspectiva de Bourdieu em conjunção com
o sistema de relação e classes (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2022). Deste modo, a
categoria “classe” está estritamente ligada ao modelo de escola que se configura
historicamente em nossa sociedade, uma vez que, a instituição escolar não se
faz neutra, mas ativa em relação aos sistemas de conhecimentos e avaliações a
partir de critérios universais, que categoriza os estudantes a partir da dominação,
legitimação e reprodução das classes sociais

105
Desta maneira, toda a estrutura escolar, representada desde o espaço
físico, os documentos que regulamentam o currículo e as diretrizes escolares,
não é mera construção. De acordo com o autor, a estrutura escolar também é
uma ferramenta da classe burguesa em reproduzir seu modelo de dominação.
Essa classe burguesa elabora, estrutura e sinaliza os objetivos que os sujeitos
precisam relacionar na sua vida escolar, moldando, instruindo e tornando os
mesmos dóceis para o exercício da obediência e submissão face ao trabalho
explorado e degradante.
Os conteúdos abordados, as formas com que eles são tratados, os
modelos “perfeitos” de sociedade que se reproduz na escola como norte a ser
seguido, as estruturas físicas como lugar de repressão, vigilância e castigo(
mesmo que indiretos), são de fáceis percepções quando estudamos a escola não
somente como o que idealizamos que ela seja.
A escola real ou aquela que está disponível aos jovens, busca um modelo
dependente de sociedade que em sua maioria, contam com uma organização
escolar já determinada pelo Estado, com sistemas de controle e punições que
em nada contribuem para uma educação emancipadora do sujeito, impedindo a
formação humana e reflexiva a partir do próprio sujeito e realidades sociais.
Bourdieu nos apresenta a noção de arbitrário cultural ao realizar o
movimento de discordar ou criticar um determinado padrão de ação que seja
para o sistema educacional algo desfocado culturalmente. Bourdieu se aproxima
aqui de um conceito antropológico de cultura, em que não deve ser comparado
à dominação, logo, uma cultura específica não se configura como superior às
outras presentes no meio social. Mas na sociedade capitalista há um modelo
perfeito de sociedade – a perfeição seria a obediência da classe dominada aos
modelos pré-estabelecidos pela classe dominante sem a opção de contestação,
mesmo que essa prática seja inconveniente ou arbitrária. É como se existisse um
modelo ideal de procedimentos que a classe dominada ao adentrar nas esferas
das instituições sociais, fosse “obrigada” a seguir um modelo logicamente
desenvolvido pela estrutura do capital.

106
Assim sendo:

Os valores que orientariam cada grupo em suas atitudes e


comportamentos seriam, por definição, arbitrários, não estariam
fundamentados em nenhuma razão objetiva, universal. Apesar
de arbitrários, esses valores – ou seja, a cultura de cada grupo –
seriam vividos como os únicos possíveis ou, pelo menos, como
os únicos legítimos. Para Bourdieu, o mesmo ocorreria no caso
da escola. A cultura consagrada e transmitida pela escola não
seria objetivamente superior a nenhuma outra. O valor que lhe é
concedido seria arbitrário, não estaria fundamentado em
nenhuma verdade objetiva, inquestionável. (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2022, p. 28).

É como se a cultura escolar desenvolvida pela burguesia fosse o guia


para a sociedade, não cabendo contestação por parte dos dominados. Ao se
converter o arbitrário cultural em cultura legítima, a última, para Bourdieu, deve
ser compreendida a partir da relação entre os arbitrários que disputam uma
sociedade determinada e suas relações de poder entre as classes e grupos
sociais que vivem em tal sociedade.
Aqui já podemos caracterizar a relação de poder exercida pela classe
dominante e o contexto de classe nas relações sociais, pois o arbitrário cultural
se correlaciona com a força social da classe que o sustenta, efetivando valores
arbitrários aptos a se estruturar como cultura legítima, sustentados pela
dominação de classes. Assim sendo, a cultura escolar quando legitimada,
sustenta um modelo de classe dominante (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2022).
Podemos assim entender que uma cultura de comportamento escolar só
é legitimada no ambiente escolar porque já foi trazida por uma lógica dominante,
que detentora dos privilégios de classe, legitimam o discurso e reproduz para o
restante da sociedade. Essa constatação se solidifica a partir do processo de
dominação que nossa sociedade passou nos princípios de colonização e mesmo
com novas configurações, se estende até o presente recente.
É neste momento que entendemos os motivos que dificultam o
protagonismo dos dominados em conquistar seus direitos e serem ouvidos na
sociedade, bem como na escola. A relação de classe no ambiente escolar

107
reproduz a lógica da sociedade, estruturando e podando toda e qualquer
tentativa de inversão da pirâmide social na relação de poder. A superação deste
paradigma seria uma ameaça para uma lógica historicamente elaborada e
legitimada pelos próprios sujeitos detentores do poder econômico, político e
ideológico, causando reações rápidas e repressoras ao indivíduo ou ao grupo
que ousar romper com esta estrutura de poder.
A autoridade pedagógica nos ditames de Bourdieu, se constitui em sua
ação exercida, que apenas se garante quando a cultura arbitrária socialmente
imposta em relação à cultura da escola, é enganadora. Isto porque, ela manipula
a partir de uma falsa verdade. Mesmo que vinculado a uma classe arbitrária é
necessária a legitimação da cultura escolar. Deste modo, criam-se mecanismos
sutis para que essa cultura seja demonstrada como neutra, com um falso
discurso sobre liberdade de expressão e múltiplas formas de diversidades
presentes em seu ambiente.
Assim sendo, a autoridade e autoritarismo pedagógico mediante as
ações da escola, se legitimam por meio dos conteúdos que a mesma transmite
para se demonstrar como não arbitrária e/ou livre de rótulos sociais referentes a
classe.
Desta Maneira, Bourdieu esclarece que:

A troca transforma as coisas trocadas em signos de


reconhecimento e, mediante o reconhecimento mútuo e o
reconhecimento da inclusão no grupo que ela implica, produz o
grupo e determina ao mesmo tempo os seus limites, isto é, os
limites além dos quais a troca constitutiva, comércio,
comensalidade, casamento, não pode ocorrer. Cada membro do
grupo encontra-se assim instituído como guardião dos limites do
grupo (BOURDIEU, 1998, p. 68).

Este seria um desafio utópico na perspectiva da relação de poder já


imposta na sociedade, uma vez que ao adentrar na instituição escolar, a classe
dominante entende que ali é o espaço de reprodução em massa de uma
sociedade, moldando, podando e adestrando determinada camada da sociedade
em um processo que Kant chama de Docilização, ou seja, a formação de sujeitos

108
dóceis em aprender o pré-determinado, dóceis ao trabalho explorado e a
dominação do sujeito em si ao adentrar nas esferas psicológicas.
Uma vez reconhecida como neutra, o comportamento social da
instituição escolar, na perspectiva de Bourdieu, vela quaisquer suspeitas em
relação à reprodução de corpos subservientes e da legitimação das
desigualdades sociais impostas pelo patriarcado. Assim, a escola cria
formalmente uma espécie de equidade estabelecida na relação instituição-aluno.
Segundo Bourdieu,

para que sejam favorecidos os mais favorecidos e


desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente
que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que
transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios
de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das
diferentes classes sociais (BOURDIEU, 1998, p. 53).

A escola, por meio da dissimulação, utilizaria de mecanismos de exclusão


em relação ao diferente, em uma ética dissimulada de privilégio estudantes que
chegam de famílias consideradas privilegiadas e excluir aqueles considerados
marginalizados, ou seja, fora dos padrões implicados pela sociedade patriarcal.
Nesta perspectiva, Bourdieu compreende o ensino como uma relação que deve
ser essencialmente igualitária, porém, não deve se ignorar que ele legitima e
reproduz desigualdades sociais. Uma vez que “O argumento do autor é o de que
a comunicação pedagógica, assim como qualquer comunicação cultural, exige,
para a sua plena compreensão e aproveitamento, que os receptores dominem o
código utilizado na produção dessa comunicação”. (NOGUEIRA; NOGUEIRA,
2022, p. 29).
A escola, neste sentido, possui o papel de se organizar e perceber
sensivelmente quem são os sujeitos que estão além da instituição, introduzindo
o conhecimento a partir da realidade deles, os considerando na sua realidade
social, tornando o aprendizado mais próximo das diversas realidades existentes
em nossa sociedade, não somente da sociedade burguesa.

109
Em outras palavras, a comunicação pedagógica é rentável no grau em
que é assimilada e compreendida pelos estudantes. Assim, tal comunicação
depende do domínio intelectual estudantil, que na perspectiva de Bourdieu, varia
conforme a longitude existente entre o cultural arbitrário apresentado pela
instituição escolar como cultura legítima em confluências com a cultura de
origem dos estudantes, proveniente de suas culturas familiares. Uma vez que,
para os estudantes vindos das classes dominantes, a cultura escolar se
encaixaria em sua própria cultura familiar, porém de maneira sistematizada. E
para os estudantes de classes consideradas como dominadas, a cultura é vista
como “estranha”.
De acordo com Setton,

Ou seja, a teoria praxiológica, ao fugir dos determinismos das


práticas, pressupõe uma relação dialética entre sujeito e
sociedade, uma relação de mão dupla entre habitus individual e
a estrutura de um campo, socialmente determinado. Segundo
esse ponto de vista, as ações, comportamentos, escolhas ou
aspirações individuais não derivam de cálculos ou
planejamentos, são, antes, produtos da relação entre um habitus
e as pressões e estímulos de uma conjuntura (SETTON, 2002).

Desta maneira, ao retratar a comunicação pedagógica como uma


tradição realizada pela escola, Bourdieu entende que ela pleiteia implicitamente
seu aproveitamento pleno e domínio prévio relacionado a um conjunto de
habilidades e diversificadas experiências culturais e linguísticas que são
‘degustadas’ apenas para membros de alta classe. Os sujeitos que adentram no
ambiente escolar deveriam ser considerados em suas diferenças culturais,
sociais e econômicas, uma vez que precisam ligar os temas científicos à prática
social.
Caso os docentes propagassem “sua mensagem” de forma igualitária a
todos os estudantes, considerando que todos tivessem mecanismos usuais de
decodificação instrumental, tais instrumentos seriam ainda dominados, por
aqueles que têm a cultura escolar como cultura familiar, iniciando-se na
linguagem da escola e seus conteúdos.

110
Como argumento central de Bourdieu nessa relação, se evidencia que
ao dissimular a cultura subjetiva do ser como cultura das classes dominantes, a
instituição escolar presume de maneira igual os efeitos benéficos relacionados
ao sucesso escolar das classes que dominam. Assim sendo:

As diferenças nos resultados escolares dos alunos tenderiam a


ser vistas como diferenças de capacidade (dons desiguais)
enquanto, na realidade, decorreriam da maior ou menor
proximidade entre a cultura escolar e a cultura familiar do aluno.
A escola cumpriria, assim, portanto, simultaneamente, sua
função de reprodução e de legitimação das desigualdades
sociais. A reprodução seria garantida pelo simples fato de que os
alunos que dominam, por sua origem, os códigos necessários à
decodificação e assimilação da cultura escolar e que, em função
disso, tenderiam a alcançar o sucesso escolar, seriam aqueles
pertencentes às classes dominantes. A legitimação das
desigualdades sociais ocorreria, por sua vez, indiretamente, pela
negação do privilégio cultural dissimuladamente oferecido aos
filhos das classes dominantes (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004, p.
87-88).

Desta maneira, Bourdieu (2019) evidência que em relação às classes


dominadas, existe uma imposição de violência simbólica exercida pela escola,
reafirmando que tal violência “é exercida a partir de um princípio simbólico
conhecido e reconhecido pelo dominante e pelo dominado” (SOUZA, 2020, p
63). Sabe-se que o efeito de maior impacto da violência simbólica em exercício
na escola não é a perda do cultural familiar, nem mesmo a imputação de uma
cultura exterior nova, mas sim o reconhecimento, do conjunto de seres que
pertencem às camadas dominantes, uma vez que, esse reconhecimento
demonstra a desvalorização “do saber-fazer tradicional – por exemplo, da
medicina, da arte e da linguagem populares, e mesmo do direito consuetudinário
– em favor do saber e do saber-fazer socialmente legitimados” (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2022, p. 31).
A reprodução tratada por Bourdieu em relação à legitimação das
desigualdades existentes na sociedade propiciadas pela instituição escolar, não
é resultado de uma falta de bagagem cultural, mas sim demonstrada pelo autor
que a escola prioriza a valorização da dominação de comunicação, referentes ao

111
conjunto de normas linguísticas da cultura do saber de modo específico,
reproduzindo corpos obedientes a tal instituição.
Em consonância com Nogueira e Nogueira (2022), o sistema escolar
tende a reproduzir dois moldes culturais. O primeiro é por intermédio das
representações sociais, em que se têm os estudantes considerados como
esforçados e/ou estudiosos, em uma relação de compensação ao distanciamento
da cultura considerada como legítima, opor meio de uma dedicação árdua às
atividades escolares. E o segundo molde cultural, é aquele valorizado como o
sucesso escolar, dos estudantes abrilhantados pelo protagonismo de sua cultura,
sendo caracterização como talentoso, inteligente e à frente dos conteúdos
ensinados para seu nível de ensino.
De acordo com Bourdieu,

É provável por um efeito de inércia cultural que continuamos


tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social,
segundo a ideologia da escola libertadora, quando, ao contrário,
tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais eficazes de
conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade às
desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom
social tratado como dom natural (BOURDIEU, 1998, p. 41).

Entende-se então, que o sistema escolar valoriza uma postura de


brilhantismo de seus alunos, o que Bourdieu observa nos sistemas avaliativos,
tanto formais, quanto diagnóstico, em particularidade, nas avaliações repassadas
por intermédio da oralidade em que existe do estudante um alto domínio sobre o
conteúdo ensinado. Essa exigência se daria justamente pelo fato de a escola
exigir um discurso dominante, caracterizado nos ideais únicos de sociedade.
Assim, são exigidos uma aptidão verbal e um domínio do saber em relação à
cultura escolar e a cultura familiar, que apenas a classe dominante pode oferecer,
instituindo a violência simbólica e exclusão das classes não dominante no
ambiente escolar.
Desta maneira, torna-se necessário a reflexão sobre todo esse sistema
de opressão que a escola causou e causa nos corpos estudantis, para que tal
estrutura de pensamento seja desconstruída, a fim de traçar novos rumos para a

112
educação em tempos contemporâneos, principalmente que foque na diversidade
cultural e humana, na experiência e inclusão social. Uma vez que, em
consonância com Bourdieu, as relações humanas e escolares se interseccionam.

Considerações finais

A partir dos estudos de Pierre Bourdieu, principalmente na esfera das


instituições escolares, é possível destacar sua reflexão sobre a não naturalidade
das desigualdades sociais na sociedade e, em contrapartida, no ambiente
escolar. A desnaturalização da desigualdade fez com que seus estudos
possibilitassem a afirmação que assim como a sociedade, onde as relações de
poder dominante são sustentadas pela caracterização do capitalismo moderno,
a escola também é um dos mecanismos que a classe dominante se utiliza para
incorporar o pensamento ideológico dominante de forma ininterrupta ao longo
da história das sociedades.
Sendo assim, a desigualdade social existente na escola deixa de ser algo
natural, como se determinada lei já tivesse sido instituída e, ao mesmo tempo,
essas leis ao serem amplamente difundidos a partir da classe dominante,
supunham que os dominados “aceitariam” de forma acrítica, os conteúdos e as
regras de comportamento dentro do ambiente.
Os estudantes ao adentrarem no ambiente escolar, trazem consigo uma
bagagem cultural de sua vivência, seja com a família, seja a partir dos espaços
frequentados e até do repertório cultural oportunizado ou não através da
realidade econômica e social. Desta forma, a escola, a princípio se torna para
muitos, algo estranho, irreal para suas realidades externas, porém, com o passar
do tempo, mesmo contra a sua vontade, “aceita” um modelo de indivíduo não
necessariamente em si, mas para o outro. É neste momento que Bourdieu define
que o habitus já se tornou presente no indivíduo e ao fazer parte de sua vida,
reforçado pelo ambiente escolar dominante, ele acaba aceitando e deixando de
criticar aquele modelo imposto na escola.

113
É também importante destacar que, o processo de dominação aferido
pela classe dominante dentro do ambiente escolar, ao mesmo tempo em que
significa um impedimento de mudança e emancipação do sujeito, significa
também um paradigma a ser vencido. A mudança se faz também a partir dos
indivíduos que pertencem à escola, sejam eles alunos, professores, diretores,
equipe pedagógica e demais sujeitos. Mesmo que não seja possível uma ruptura
total, pequenas mudanças e possibilidades de criticidade do aluno já representa
o início de uma possível revolução.

Referências

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simbólica. Tradução Maria Helena Kühner -15. edição – Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil. 2019.

BORDIEU, Pierre. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,


1987.

BORDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Uma introdução ao texto de Pierre


Bourdieu. Revista Brasileira Sociologia da Educação, RBSE. Volume 6 ·
Número 16. 2007. Disponível em https://www.cchla.ufpb.br/rbse/KouryDoc.pdf.
Acesso em 19 dez. 2022.

NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. A sociologia da


educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educação & Sociedade.
v. 23. p. 15-35. 2022. Disponível em
https://www.scielo.br/j/es/a/wVTm9chcTXY5y7
mFRqRJX7m/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 19 dez. 2022.

NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio M. Martins. Bourdieu e a


educação. Belo Horizonte: Autêntica. 2004.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma


leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação. nº 20. 2002.
Disponível em
https://www.scielo.br/j/rbedu/a/mSxXfdBBqqhYyw4mmn5m8pw/abstract/?lang=
pt. Acesso em 17 dez. 2022.

114
SOUZA, Ravelli Henrique de. Da repressão sexual ao direito de ser e saber
em contos literários infantis: agora é nossa vez. 2020. 168 fls. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2020.
Disponível em
http://www.uel.br/pos/ppedu/images/stories/downloads/dissertacoes/2020/SOU
ZA_-_Ravelli_Henrique.pdf. Acesso em 20 dez. 2022.

WACQUANT, Loïq J. D. O legado sociológico de Pierre Bourdieu: duas


dimensões e uma nota pessoal. Revista de Sociologia e Política. n.19. p. 95-
110. Curitiba: PR. 2002. Disponível em
https://www.scielo.br/j/rsocp/a/HGpKfnF8jnQX3PQzWs3ZwRj/ abstract/?lang=pt.
Acesso em 14 dez. 2022.

WEISSHEIMER, Marco. O legado crítico de Pierre Bourdieu. Revista Espaço


Acadêmico I. 2002. Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/010/10
bourdieu02.htm. Acesso em 10 nov. 2022.

115
PAULO FREIRE
116
Capítulo VII

PAULO FREIRE E SEU LEGADO HUMANO, FILOSÓFICO


E PEDAGÓGICO

Kelly Cebelia das Chagas do Amaral


Letícia Regina dos Santos Rodrigues Fucuhara
Darcísio Natal Muraro
Sandra Regina Ferreira de Oliveira

Introdução

Paulo Freire, professor, filósofo da educação, doutor honoris causa,


patrono da Educação brasileira e alfabetizador do povo, foi arduamente criticado
em seu país nos últimos anos, com discursos permeados de equívocos, ofensas
e argumentos mentirosos (CLAVERY, 2019), enquanto no mundo, figura entre os
3 autores mais lidos (BASÍLIO, 2015; MONTESANTI, 2016). Mesmo após sua
morte em 1997 ele ainda é conhecido mundialmente como um influente
pensador da educação por inovar a pedagogia com diversas teorias filosóficas.
Dentre suas obras mais conhecidas, o livro “A Pedagogia do Oprimido”
traz o conceito de Educação Bancária para criticar o ensino meramente
conteudista que apenas deposita conteúdos ao invés de formar alunos reflexivos,
críticos e conscientes de sua própria condição de opressão. Em resposta a esta
percepção, propôs uma educação libertadora, como um processo democrático
de conscientização e humanização, em que homens e mulheres se constroem
juntos, socialmente, problematizando a própria realidade para a transformação
do mundo. (FREIRE, 1987).
Devido sua relevância para a educação e diante da necessidade de
superar equívocos, nos propomos a fornecer este breve panorama para
responder quem era Paulo Freire e quais suas contribuições para a educação.
Assim, em um primeiro momento, abordaremos sua vida, sua família, seus
amores e uma breve bibliografia produzida pelo autor. Posteriormente,
analisaremos suas contribuições como alfabetizador e filósofo da educação.

117
Seu exemplo ético e amoroso como filho, esposo e pai, sua leitura de
mundo e da palavra escrita, suas obras e conceitos humanizadores para a
educação, constituem um legado social, filosófico e educativo para o mundo, para
pais e mães, para professores e professoras, para estudantes e em qualquer ser
em que se habite a gentitute.

A boniteza na vida de Paulo Freire

No dia 19 de setembro de 1921, em Recife, capital do Estado brasileiro


de Pernambuco, nasceu Paulo Reglus Freire, quarto filho de um capitão da
Polícia Militar chamado Joaquim Temístocles Freire e da dona de casa, que sabia
bordar e tocar piano, a sra. Edeltrudes Neves Freire. O casal tinha os filhos
Armando, Stela e Temístocles, irmãos que após a morte de seu pai, se dedicariam
a trabalhar para que Freire pudesse estudar. Armando, o irmão mais velho,
conseguiu um trabalho na Prefeitura Municipal do Recife. Stela conquistou um
diploma de professora de primeiro grau e começou a lecionar. E Temístocles,
trabalhava o dia inteiro em Recife realizando entregas e prestando serviços para
um escritório comercial (VALE, 2005).
Era uma família amorosa, unida e dedicada, que alfabetizou Paulo à
sombra de uma mangueira, rabiscando com gravetos no chão, deixando
memórias e experiências que o influenciaram profundamente, tanto como ser
alfabetizado, como alfabetizador. Como leitor da vida, de pessoas, de mundo e
da palavra escrita. Como pensador e filósofo da educação, que o influenciou a
escrever diversas obras, inclusive uma que retrata estas memórias: “À sombra
desta mangueira” (FREIRE, 2015).
Freire refletiu esta esfera de amorosidade e reciprocidade na família que
formou, pois sempre se referia com muito carinho a ela. Em 1944, casou-se com
a professora primária Elza Maria Costa de Oliveira Freire (1916-1986), com quem
teve 5 filhos: Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim,
Lutgardes. Elza foi uma grande companheira, na vida, no exílio e no exemplo
como educadora, pois muito lhe influenciou.

118
Quando eu tinha vinte e dois anos encontrei minha primeira
mulher, Elza [...], uma grande educadora. [...]. Elza vivia muito
bem a tensão entre liberdade e autoridade. Fui seu professor de
sintaxe. Foi assim que a conheci. Teria ela de fazer um concurso
de cujo resultado dependia um degrau a galgar em sua carreira
profissional e me procurou para lhe dar aulas em torno da
matéria. Por causa daquele curso de sintaxe eu sou hoje avô de
oito netos [...] (FREIRE, 2001, p. 101- 102).

Seu casamento com Elza durou 42 anos de vivência amorosa e solidária,


até que em 24 de outubro 1986 ela faleceu, deixando Freire em abatimento
profundo, a ponto de ele dizer na ocasião: “Em momentos como esse que eu
experimento agora, morre-se um pouco” (VALE, 2005, p. 50). Ele possuía uma
visão positiva da boniteza de seu casamento e de ser gente, percebendo a beleza
de um relacionamento amoroso mesmo em meio os descompassos de nossa
humanidade:

Acho que uma das melhores coisas que podemos experimentar


na vida, homem ou mulher é a boniteza em nossas relações
mesmo que, de vez em quando, salpicadas de descompassos
que simplesmente comprovam a nossa gentetude. Foi esta
experiência que com Elza vivi... a vida, com amor” (FREIRE, 1992,
p.33 – grifo nosso).

Mas foi atuando como orientador na PUC-PR que Freire reviveu a


boniteza das relações humanas, ele reencontrou Ana Maria, filha de seu amigo
Aluízio e agora, sua orientanda na dissertação de mestrado. Fortalecendo a
amizade de anos, Freire se apaixonou e casou-se novamente em 1988. Com Nita,
como a chamava, “viveu uma relação de amor profundo e de paixão intensa. De
cumplicidade e de ternura” (VALE, 2005, p. 50). Ele já a conhecia por ser filha de
seu amigo de longa-data, Aluízio Pessoa de Araújo, que havia lhe proporcionado
uma bolsa de estudos e sua primeira experiência como professor. Nita, como a
chamava carinhosamente, passou a se chamar Ana Maria Araújo Freire. Ela é
educadora, doutora em Educação, escritora, doutora Honoris Causa e
responsável legal pelas obras de Paulo Freire e por continuar seu legado.

119
Freire era grato pela parceria e dedicação de suas esposas, quando
recebeu o título de doutor honoris causa, reconheceu o mérito delas ao dedicar
o prêmio à memória de uma e à vida de outra (VALE, 2005). Em poucas palavras,
a história de Freire se resume em um exemplo de esperança, de amor pela
gentitute e pela boniteza, palavra que gostava de usar para se referir às pessoas
que amava, às suas relações humanas, ao gosto por ensinar e pela experiência
humana como um todo (FREIRE, 1992, 1996, 1997, 2000).
E para pontuar os fatos marcantes da existência de Freire, vale lembrar
que quando entrou na escola em 1927, já era alfabetizado por seus pais, com
gravetos, à sombra das mangueiras. Contudo, isso não desmereceu seu encanto
pedagógico por sua primeira professorinha, Eunice Vasconcelos, a ponto de em
1994 escrever uma matéria em sua homenagem, intitulada “Que saudade da
Professorinha” (FREIRE, 1994).
Não apenas de encantos, as perdas e conflitos sociais também fizeram
parte de sua infância. Com a crise econômica de 1929 que paralisou o comércio
mundial, sua família perdeu a casa e assim, em 1931, com 10 anos, Paulo e sua
família deixam Recife e vão para Jaboatão dos Guararapes, cidade próxima, com
aluguel mais barato. E seu afetuoso pai que já vinha adoecendo desde que ele
nasceu, faleceu em 1934 (GRANDES PENSADORES DA EDUCAÇÃO, 2022)
Em 1937, Freire e sua família desejavam que ele continuasse estudando,
o que era difícil pela escassez econômica e ausência de escolas públicas que
ofertassem o nível secundário. Fato que fez com que sua mãe saísse pedindo
bolsas de estudos em escolas, e no Colégio Osvaldo Cruz, conversou com o
dono, Aluízio Pessoa de Araújo, que lhe disse que daria a bolsa somente se seu
filho fosse dedicado aos estudos, e ela lhe garantiu que estudioso ele era (VALE,
2005). Ali, Freire não só concluiu seus estudos secundários, mas teve sua
primeira experiência como professor em 1941.
Em 1943, iniciou o curso de Direito em Recife e em 1947 começou a
trabalhar no SESI, onde permaneceu até 1964 assumindo vários cargos na área
da educação ao longo do tempo. Quando se formou em Direito, desistiu de
advogar logo após sua primeira causa, por não querer processar um dentista

120
endividado em início de carreira e corrobora com uma justiça falha e opressora,
que é feita só em favor de alguns (LEAL, 2013). Com isso, percebeu e decidiu
por sua verdadeira vocação, seria um educador.
De 1952 a 1961 atuou como professor na Escola de Belas Artes da
Universidade do Recife, onde em 1959, para conseguir uma cadeira de História
e Filosofia da Educação, escreveu a tese “Educação e Atualidade Brasileira”, a
qual lhe deu o título de doutor. Contudo, só conseguiu assumir a cadeira como
professor de Filosofia e História da Educação, em 1960, na Universidade do
Recife (BEISIEGEL, 2010).
De 1962 a 1963 Freire põe em prática seu projeto de alfabetização de
adultos, que vinha desenvolvendo. Com a parceria de seus antigos alunos,
procuraram alfabetizar trabalhadores em Recife-PE, Natal-RN, João Pessoa-PB e
em Angicos-RN, o que ganhou notoriedade nacional e internacional ao alfabetizar
300 trabalhadores, o que também lhe rendeu o convite para iniciar o Plano
Nacional de Alfabetização em Brasília-DF (GRANDES PENSADORES DA
EDUCAÇÃO, 2022).
Em 1964, enquanto coordenava o Programa Nacional de Alfabetização
no governo de João Goulart, veio o Golpe Militar e se instalou o regime de
Ditadura. Freire foi preso por 70 dias, afinal, um projeto de alfabetização que
visava a autonomia do povo, poderia mudar o cenário político. Era de se
considerar que somente alfabetizados poderiam votar e restavam dúvidas se os
trabalhadores votariam em seus coronéis após serem alfabetizados e
conscientizados (BEISIEGEL, 2010).
Ao ser solto, foi exilado, e com sua família passaram anos fora do Brasil,
primeiramente na Bolívia e no Chile, e depois na Suíça e nos Estados Unidos. Foi
convidado a lecionar em Harvard e permaneceu por 10 meses, cargo que deixou
em 1970 para trabalhar em Genebra como consultor do departamento de
Educação do Conselho Mundial de Igrejas, lecionando na Universidade de
Genebra e viajando com sua equipe do Instituto de Ação Cultural (IDAC). Tal
possibilidade lhe permitiu implantar programas de alfabetização na Ásia,

121
Oceania, América e países de língua portuguesa da África (Cabo Verde, Angola,
São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau) (GADOTTI; FREIRE, 1996).
Quando conseguiu anistia em 1980, retornou ao Brasil e foi morar no
estado de São Paulo. Depois de 16 anos fora, relatou que teve que reaprender
o Brasil. Até 1990 lecionou como docente na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo e na Universidade Estadual de Campinas. De 1989 a 1991 foi
Secretário da Educação do Município de São Paulo, implementando o Movimento
de Alfabetização de Adultos (MOVA-SP). Em 02 de maio de 1997, Freire faleceu
aos 75 anos, de infarto agudo do miocárdio, na cidade de São Paulo.
Para quem com ele conviveu, ficaram as memórias e o exemplo de uma
pessoa que em meio a teorias acadêmicas e reconhecimentos, se manteve
amoroso e acessível a todas as pessoas. Para seu filho Lutgardes, a convivência
com Elza e Paulo fora bastante harmoniosa, “eles eram muito amorosos com a
gente. Sempre respeitando muito cada um dos filhos e é claro, educando cada
um do seu jeito.” (LUTGARDES FREIRE apud RODRIGUES, 2021).
Mario Sérgio Cortella, dividiu com Freire a gestão da Secretaria de
Educação da cidade de São Paulo em 1989, foi o último orientando de Paulo
Freire durante doutorado pela PUC-SP. (MORAES e RIBEIRO, 2021). E referindo
a ele como amigo, o descreve:

Paulo Freire, [...] era esperançoso. Alguém que nos animava o


tempo todo, mas não era ingênuo. Ele tinha uma experiência
séria, [...] era afetivo. Ele tinha uma capacidade imensa de escuta.
Ele era capaz, de fato, de prestar atenção em alguém,
independente de quem fosse a fala. Mas ele era implacável com
relação ao descuido, à fratura ética. (CORTELLA apud
NASCIMENTO, 2021).

Para sua viúva, Nita Freire (FREIRE, apud LUIZE, 2022, n.p.), conviver
com Paulo foi um presente de Deus, pois ele foi “um homem de uma lisura, de
uma honradez pouco vista. Tinha conduta ética intocável. E era homem de uma
delicadeza, essa que era praticamente nunca vista”. E para nós educadores e
educadoras, fica seu exemplo com as palavras ditas por ele que Nita faz questão

122
de ressaltar: “um educador tem que construir suas virtudes, ter coragem de
amar. Eu tenho coragem de amar”. (FREIRE, apud LUIZE, 2022, n.p.)

Paulo Freire: alfabetizador, professor e filósofo da educação

Ao observar o modo de educar que predominava no Brasil, Freire (1987,


1992, 1997) percebeu um ensino que chamou de bancário, pois apenas
depositava conteúdos dissociados da realidade, o que favorecia a formação de
uma mentalidade massificada e alienada, que reproduzia pensamentos para
manter um status quo que beneficia uma elite e oprime o povo, pois subtrai sua
autonomia e em contrapartida, sua humanidade. Freire (1992, 2000, 1996) para
superar o ensino bancário, propõe uma pedagogia libertadora para promover o
pensar reflexivo, o qual chama de “pensar certo”. Sua proposta, ressaltava a
importância da formação de uma consciência autônoma, dialógica e
humanizadora, na qual as pessoas se constroem juntas, conscientizando e
problematizando para transformar a realidade.
Um dos fatores que excluía e aumentava as desigualdades, era o
analfabetismo. Diante da necessidade de alfabetizar o povo e da limitação das
cartilhas tradicionais que traziam palavras que não faziam nenhum sentido para
os trabalhadores, procurou formas de valorizar a leitura de mundo que cada um
trazia de suas vivências, e a partir delas, alfabetizar com palavras que lhes trazia
um significado, pois acreditava que a leitura de mundo antecede a leitura da
palavra escrita (FREIRE, 1967, 2015).
Por esse motivo, alfabetizava com palavras geradoras, a partir da
decodificação fonética de expressões do cotidiano, como tijolo, cimento, terra,
enxada e roça (PEREIRA, 2022). Procurou também, valorizar artistas locais,
buscando imagens e transferi-las para cartões e projeções de desenhos
associados a tais palavras. Como recorda a professora Maria Eneida, que vinha
às aulas em Angicos com seus pais, “Quando falava a palavra tijolo, a imagem
que projetava era a de um homem construindo e utilizando tijolos” (ENEIDE apud
BECK, 2016, n.p.). Com dedicação prévia, ele levantava o universo vocabular de

123
onde estava inserido e preparava fichas de leitura e projeções para utilizar nas
aulas.
Freire não deixou publicado um passo a passo de seu método de
alfabetização, por isso sua filosofia de educação não é tão difundida, conhecida
e aplicada no Brasil. Contudo, Freire destaca-se mundialmente como autor,
somando quase 40 livros publicados em vida e postumamente, além de cartas,
entrevistas, ensaios e artigos. No Brasil, ele permeia alguns espaços acadêmicos,
trazendo conceitos e indagações reflexivas a fim de refletir a prática pedagógica,
pois “ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 1996).
Como filósofo e pensador da práxis educativa, partiu do universo dos
conceitos para uma prática pedagógica que viesse de encontro com as teorias e
deixou seus conceitos para que se tornassem luzes a guiar educadores e
educadoras. Acreditava que a conscientização era dialógica, pois se faz entre um
para com os outros e se manifesta socialmente. Por isso, em seu modo de
educar, transformava as classes em círculos de leitura, os alunos se tornavam
participantes de grupos de discussões e os professores eram coordenadores de
grupos de debate.
Deste modo, a própria aula era um espaço dialógico e democrático que
preparava para a participação social. O programa da aula se orientava a partir de
situações existenciais capazes de desafiar agrupamentos e promover a reflexão
crítica, orientados por uma pedagogia da conscientização, da pergunta e da ação
cultural para a mudança. Otimista, Freire transformou o substantivo esperança
em verbo, ao ressaltar a importância de esperançar uma mudança, contudo,
elucidava que a esperança não se tratava de espera, mas de uma ação para a
mudança.
Freire (1987, 1996, 2000) acreditava na capacidade humana de ser mais,
de conscientizar e alcançar a autonomia e a liberdade, por isso, defendia a ética
universal do ser humano e entendia que o pensar certo se relacionava com amar
a boniteza de ser gente, como uma vocação ontológica. Daí a importância de a
escola ser humanizadora, um espaço que promove um vínculo crítico, amoroso,
ético e estético. As contribuições teóricas de Freire envolvem conceitos que

124
muitos teóricos temem se tornar piegas, como a ousadia de amar e o considerar
a humanidade em sua totalidade. Vejamos o que o autor nos diz:

É preciso ousar, no sentido pleno desta palavra, para falar em


amor sem temer ser chamado de piegas, de meloso, de a-
científico, senão de anti-científico. É preciso ousar para dizer,
cientificamente e não bla-bla-blantemente, que estudamos,
aprendemos, ensinamos, conhecemos com o nosso corpo
inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos,
com os medos, com as dúvidas, com a paixão e com a razão
crítica (FREIRE, 1997, p. 8).

É importante ressaltar também, a seriedade e responsabilidade que


Freire (1996, 1997) atribuiu à tarefa de ensinar. Compreendia que ensinar exige
rigorosidade metódica, pesquisa, ética, consciência do inacabamento, respeito
ao saber, ao ser do outrem e sua autonomia. Diferenciava um ensino autoritário
do ato de educar com autoridade, pois rejeitava um ensino opressor que nega
autonomia do estudante. Contudo, defendia um educar com autoridade, a partir
do exemplo, da conscientização, do diálogo, da importância de trazer a fomentar
a importância dos deveres e responsabilidades (FREIRE, 1997). Educava para
contrapor o autoritarismo que silencia o estudante se valendo de um discurso de
superioridade, mas também redarguir o ensino permeado de licenciosidade, que
deixa o estudante solto, para fazer o quiser, pois isso seria apenas colocar os
alunos no papel do opressor (FREIRE, 2000). A educação libertadora rejeita a
opressão de qualquer lado, e preza por formar uma consciência moral de
responsabilização, cooperação e humanização (FUCUHARA, 2022).

Considerações finais

Paulo Freire vai além do acadêmico, pois não alcançou reconhecimento


a partir de um discurso irrelevante e distante das pessoas e da realidade de seu
país. Ao contrário, em uma sociedade global elitista, é de se admirar que um
brasileiro, nordestino, de origem humilde, professor de pobres trabalhadores,
preso, exilado e aberto ao diálogo com qualquer pessoa; figure entre os principais

125
autores do mundo e seja estudado em universidades renomadas como Harvard.
Mérito que não teve em seu país, chegando a ser muito criticado e culpabilizado
nos últimos anos, especialmente pelo ex-presidente da república (2019-2022),
que o culpou pela precária educação brasileira, sendo que Freire não chegou a
ocupar nenhum cargo público federal no Ministério da Educação e seu plano
nacional de alfabetização não ter sido implantado (CLAVERY, 2019;
NASCIMENTO, 2021).
Transcendendo seus títulos honoríficos, a pessoa de Paulo Freire deixou
um legado de humanização e amorosidade, que vive através das pessoas que
conviveram com ele e se expressa em suas obras, que partem da filosofia da
educação para uma prática pedagógica conscientizadora, libertadora e
transformadora, capaz de transformar pessoas, para que estas transformem o
mundo.

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em Educação Integral. 2015. Disponível em: <
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126
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/12/17/apos-bolsonaro-chamar-paulo-
freire-de-energumeno-senado-aprova-homenagem-a-educador.ghtml. Acesso
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FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Exemplar 1405. Rio de


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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. São Paulo: Paz e Terra. 1992.

FREIRE, Paulo. Que saudades da professorinha. Acervo Paulo Freire. São


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127
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RODRIGUES, Júlia. ‘Quando ele voltava de viagem era uma festa’, relembra
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inovador na educação, da teoria à prática. Pró Futuro. E - book Grandes
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content/uploads/pdfs/ebook-grandes-pensadores-da-
educa%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em 20 ago. 2022.

128
DERMEVAL SAVIANI
129
Capítulo VIII

PENSANDO A EDUCAÇÃO PARA FORMAÇÃO HUMANA:


DERMEVAL SAVIANI E OS PRECEITOS BASILARES DA
PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Gislaine Franco de Moura


João Fernando de Araújo
Martinho Gilson Cardoso Chingulo
Adriana Regina de Jesus
Marta Silene Ferreira Barros

Introdução

Desde os primórdios da civilização humana, os povos buscaram


estabelecer procedimentos e maneiras para transmitir seus hábitos, princípios,
histórias, técnicas e organização social, às gerações mais novas de seus
integrantes, de forma a perpetuar e consolidar sua existência ao longo dos anos.
Longe de ser uma tarefa fácil, os povos constantemente criam e
readaptam os meios utilizados para produzir e fazer perdurar sua história
enquanto sociedade. Nesse movimento, a educação se desvela como o principal
processo por meio do qual a cultura historicamente elaborada pela humanidade
é transmitida às gerações futuras.
Dada tal importância, ao longo dos anos, a educação passou a ser objeto
de estudos e reflexões para que fosse aprimorada e pudesse ser cada vez mais
bem desenvolvida. Com isso, diferentes países do mundo cunharam teorias e
concepções educacionais que melhor serviriam à formação dos sujeitos mais
novos.
No caso do Brasil, ao revisitarmos a história, podemos observar que
desde seu descobrimento em 1.500, organizaram-se processos educativos.
Inicialmente, com fins puramente de domínio da população, como acontecia no
período dominado pelos Jesuítas e posteriormente, também no período
Pombalino.

130
Com o passar dos anos, a educação no país passa a assumir outros
papéis e a formação da população para o mercado de trabalho passa a ser
prioridade. Felizmente, os estudos acerca do tema apresentaram avanços e
muitas teorias foram desenvolvidas para que a educação pudesse ser repensada
para além de fins específicos de dominação ou para apenas a preparação dos
sujeitos para o mundo do trabalho. Destacamos aqui, o papel de contribuir para
a formação humana dos sujeitos que a educação passa a assumir, principalmente
com os estudos desenvolvidos no século XX.
Essa nova concepção, faz com que tudo o que se tenha produzido acerca
da educação seja reavaliado, pois novos caminhos precisam ser encontrados
para se repensar a formação dos sujeitos. Instigados por maiores conhecimentos
acerca desse novo modo de pensar a educação, neste texto, temos como
objetivo compreender as contribuições de Dermeval Saviani para a educação a
partir dos pressupostos basilares constitutivos do paradigma educativo por ele
elaborado e brilhantemente denominado como Pedagogia Histórico-Crítica,
tendo em vista que tal teoria defende e salienta mais que qualquer outra, a
questão da formação humana dos sujeitos.
Para tanto, iniciamos a organização do texto apresentando uma breve
biografia de Dermeval Saviani a fim de possibilitar ao leitor um maior
conhecimento sobre o autor e sua história no campo educativo. Em seguida, são
apresentados os preceitos basilares constituintes da Pedagogia Histórico-Crítica
para que possamos compreender como ela foi pensada, desenvolvida e
propagada até que se consolidasse como um dos paradigmas educativos mais
bem elaborados acerca da educação para a formação humana dos sujeitos.
Na sequência, são tecidas algumas considerações finais sobre a temática
abordada ao longo do trabalho e findamo-nos, elencando as referências
bibliográficas utilizadas como nossa base teórica para fundamentar as
discussões.

131
Memória, história e biografia: conhecendo a vida e obra de Dermeval
Saviani

A postura ética de Dermeval Saviani, bem


como sua contribuição acadêmica, seja na
formação de quadros ou por meio de suas
inúmeras publicações, é um dos melhores e
maiores testemunhas da luta pela educação
básica e superior hoje no país. (MARSIGLIA;
CURY, 2017, p. 497).

A epígrafe acima citada, descreve de forma clara e sucinta a importância


e relevância de Saviani, que é o principal idealizador da Pedagogia Histórico-
Crítica, da qual falaremos mais adiante. Nesse primeiro momento, então, nosso
foco será apresentar aspectos gerais de sua biografia, ressaltando a trajetória
acadêmica, bem como algumas de suas principais produções.
Saviani é um educador brasileiro, nascido em Santo Antônio de Posse,
no estado de São Paulo, em 25 de dezembro de 1943. Poucos foram os escritos
ou publicados a respeito de seus pais, apenas menções de que eram
descendentes de imigrantes italianos, trabalhadores que nunca frequentaram os
bancos escolares, ainda que fossem alfabetizados. Em 1948, a família mudou-se
para a capital paulista, levando o pai e a maioria dos seus irmãos a se tornarem
operários nas fábricas da cidade (MARSIGLIA; CURY, 2017).
Já sobre o percurso acadêmico de Dermeval se inicia com o curso
primário, que se deu entre os anos de 1951 e 1954, data de sua conclusão em
São Paulo no Grupo Escolar de Vila Invernada (FREITAS et al., 2018). Em
seguida, de 1956 a 1959 cursou o ginásio no Seminário Nossa Senhora da
Conceição. Já em 1962, concluiu o curso colegial, e no mesmo ano ingressa no
Seminário Maior, em Aparecida do Norte (SP), onde inicia seus estudos
filosóficos. No fim de 1963, deixa o seminário, e transfere seu curso de Filosofia
para a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP), onde se graduou
também em Educação.
Em 1966, concluiu o curso de Filosofia na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da PUC/SP e nesse período, antes mesmo de concluir o curso,
foi indicado para ser monitor da cadeira de Filosofia da Educação para o curso

132
de Pedagogia. Por este motivo, Saviani abandonou o trabalho que exercia no
Banco Bandeirantes e começou a trabalhar na secretaria de Educação de São
Paulo. No ano seguinte, de forma oficial, assumiu a função de docente na PUC-
SP, na cadeira de Fundamentos Filosóficos da Educação, bem como docente no
Ensino Médio, ministrando Filosofia em escolas públicas e privadas. Como
professor da PUC/SP, auxiliou na criação dos cursos de Mestrado e Doutorado
em Filosofia da Educação. Em seu livro “Educação: do senso comum à
consciência Filosófica”, há, inclusive, um capítulo intitulado: “Subsídios para
fundamentação da estrutura curricular da PUC/SP”.
Concluiu seu doutorado em Filosofia da Educação também na PUC/SP,
no ano de 1971. Sua tese é publicada em formato de livro no ano de 1973, com
o título “Educação Brasileira: estrutura e sistema”. De 1973 até 1978, atuou como
professor do curso de Doutorado em Educação, na PUC-SP. De acordo com
Marsiglia e Cury (2017, p. 497)

Por essa época, em período parcial, trabalhou na Universidade


Federal de São Carlos, no Programa de Pós-Graduação em
Educação, do qual não só foi coordenador como também
cofundador. Também realizou estudos temporários no exterior,
em países como França, Itália e Alemanha.

Ajudou na criação da Associação Nacional de Educação (ANDE) em


1979 e foi um dos fundadores da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPED) e do Centro de Estudos de Direito Econômico
e Social (CEDES). Em 1980, ingressou na UNICAMP, instituição na qual
permanece como professor colaborador até hoje.
A respeito de suas obras, Saviani tem uma vasta produção de livros e
capítulos de livros, prefácios e artigos publicados em revistas nacionais e
internacionais. Mas, diante de todas as suas publicações, ainda que neste estudo
fosse aprofundado tal tema, dificilmente seriam contempladas todas as suas
produções, portanto, faremos aqui alguns destaques: Em 1982 é publicado:
“Escola e Democracia: para além da curvatura da vara”, um artigo que está
publicado na revista “Germinal: marxismo e educação em debate”.

133
No ano seguinte, 1983, lança o livro: “Escola e Democracia”, nele, Saviani
faz um diagnóstico das principais teorias pedagógicas, suas contribuições e
limites. O livro se divide em 4 capítulos: “As teorias da educação e o problema
da marginalidade”, “Escola e Democracia I: A teoria da curvatura da vara”,
“Escola e democracia II: Para além da teoria da curvatura da vara” e “Onze teses
sobre Educação e Política”. Um dos maiores problemas que o autor levanta no
livro é sobre o analfabetismo, predominante na maioria dos países da América
Latina. Não obstante, sua preocupação é de compreender como as teorias da
educação interpretam os dados por ele levantados.
Em seguida se dedica à tarefa de apresentar teorias educacionais e
explanar como elas compreendem o problema da marginalidade. Nesse
momento, ele fala das “não críticas” que vêm a sociedade de forma harmoniosa
e a educação como instrumento para corrigir as distorções. Em contraposição,
ele nos apresenta também as teorias “crítico-reprodutivistas” que, por sua vez,
veem a sociedade como marcada pela eterna luta entre duas classes
antagônicas. Nesse contexto, portanto, a educação é instrumento para reforçar
a dominação e a exploração, assim, Saviani revela o problema da marginalidade
e analfabetismo.
Diante dessa constatação, a problemática recai no fato de como as
diversas teorias pedagógicas intervêm de maneira efetiva para sanar a questão
da marginalidade social. Desta maneira, Saviani objetiva atingir a máquina
político-educacional, para isso, ele cria a teoria da “Curvatura da Vara”, que
procura dar um equilíbrio real na compreensão da Pedagogia Histórico-Crítica
(SAVIANI, 2008).
Para se entender as causas da marginalidade, é necessário antes de
tudo, compreender a dinâmica escola-sociedade, bem como o papel do
professor, e para tal, é fundamental, se interpretar também as diferentes
pedagogias: Tradicional, Tecnicista e Escolanovista. Isso feito surge então, a
necessidade de se superar essas Pedagogias reprodutivistas, de modo a
proporcionar ao professor, uma pedagogia que seja mais crítica, que por sua vez,

134
engloba conteúdos de cunho político-sociais analíticos para o entendimento das
manifestações da marginalidade social.
No livro, o autor ainda levanta duas questões que se configuram como
sendo contraditórias, primeiro, as pedagogias não críticas (entenda-se
tradicionais), que tem como premissa ou finalidade conservar a sociedade tal
como ela se encontra para se preservar o status quo. Não obstante, Saviani
compreende que a Pedagogia Nova, que vê na educação a possibilidade de se
acabar com a marginalidade, assim, este fator é visto como um desvio político
social, e não necessariamente um fenômeno natural.
Bem, mas onde Saviani deseja chegar com suas críticas às teorias
reprodutivistas, que por sua vez, não são capazes de erradicar a miséria que se
encontra sistematicamente incrustada na estrutura política social? Mais uma vez,
entender a relação entre educação e sociedade é fundamental, e para tal, ele
propõe a metáfora da “Teoria da Curvatura da Vara”, que por meio dela, procura
defender a necessidade de se ajustar a educação, visto que quando a vara fica
torta, se curva de um dos lados. Desse modo, Saviani compreende que não é
suficiente endireitá-la, colocando-a na direção correta, mas é preciso curvá-la
para o seu oposto, para então, poder trazê-la para o centro. Mas para essa
curvatura reversa, as pedagogias tradicionais são dispensáveis, é preciso, para
tal, uma pedagogia que se diga revolucionária.
Nesse sentido, a escola se caracteriza como uma instituição política e
pedagógica que tem finalidade de socializar o saber sistematizado, tão
necessário para a transformação das relações de produção de modo a viabilizar
a construção de uma sociedade que seja mais igualitária. A Pedagogia Histórico-
Crítica, por sua vez, tem como fundamento a transformação política da sociedade
marginalizada, visto que ela, por meio da educação, interfere na sociedade, de
modo a favorecer mudanças, mudanças essas de caráter social que alteram as
condições de vida da sociedade marginalizada.
Por isso, a perspectiva social da Teoria Histórico-Crítica sugere um
projeto pedagógico político que procura superar a ideologia do neoliberalismo.
justamente por isso, Saviani pretende ir para além da Teoria da Curvatura da

135
Vara, avançando em direção a uma Teoria Crítica da Educação que supere o
caráter ilusório das Teorias Não-Críticas bem como a impotência das Teorias
Críticas-Reprodutivistas.
Com isso, temos uma reflexão muito mais ambiciosa em relação ao que
os Pioneiros da Educação Nova pretenderam, ou seja, fazer a revolução social
pelas vias da revolução educacional. Contudo, o que o movimento de 1968
pretendia, era mudar as bases da sociedade pela revolução cultural, que de
acordo com Saviani, “abrangia, não apenas a escola, mas todo âmbito cultural”
(SAVIANI, 2013, p. 58).
No entanto, não teve tanto sucesso, devido ao caráter muito radical que
acabou ameaçando a ordem constituída. Diante disso, Saviani (2003, p. 66) nos
ajuda na compreensão de que “as teorias crítico-reprodutivistas são elaboradas
tendo presente o fracasso do movimento de maio de 1968. Com isso, buscam,
pois, pôr em evidência a impossibilidade de se fazer uma revolução social pela
revolução cultural”.
Não obstante, no decorrer da carruagem, os limites da teoria crítico-
reprodutivista foram se evidenciando, pois conforme Saviani (2013, p. 58) “Ela
revela-se capaz de fazer crítica do existente, de explicitar os mecanismos do
existente, mas não tem proposta de intervenção prática”, o que por sua vez não
resolvia o problema que era enfrentado pelos educadores, que tentavam
compreender como atuar de modo crítico no campo pedagógico e como ser um
professor que, com sua ação, pode desenvolver uma prática de caráter crítico?
A Teoria Crítico-Reprodutivista não foi capaz de dar uma resposta para
essas questões, visto que, para ela, é impossível que o professor desenvolva uma
prática que seja crítica. Não apenas isso, ela também compreende que é
impossível se ter uma atuação que seja contrária às determinações materiais
dominantes. Foi então, diante dessas limitações, clamores e inquietações que se
formulou uma teoria que pudesse superar a visão crítico-reprodutivista. Nesse
cenário, a Pedagogia Histórico-Crítica se apresenta como possibilidade de
superação das pedagogias crítico-reprodutivistas, a saber: Teoria do sistema de

136
ensino como violência simbólica, Teoria da escola como aparelho ideológico do
Estado e Teoria da escola dualista.
Isto posto, entre 1980 e 1991 outras publicações marcaram o percurso
acadêmico de Saviani. Destacam-se algumas obras que repercutiram e fizeram
a diferença no campo da educação, dentre elas: “Educação: do senso comum à
consciência filosófica” (1980), “Ensino público e algumas falas sobre
universidade” (1985), “Sobre a concepção de Politecnia” (1989) e “Pedagogia
Histórico-Crítico: primeiras aproximações” (1991). Para concluir, temos ainda o
livro “História das ideias pedagógicas no Brasil”, publicado em 2007, que procura
rastrear a história da educação no Brasil. É um livro extremamente importante,
visto que nele, o autor apresenta de forma panorâmica as ideias pedagógicas do
país e como elas influenciaram certas práticas pedagógicas.
Para facilitar a compreensão, realizou uma periodização, organizando a
educação no Brasil em quatro períodos: o primeiro (entre 1549 e 1759) em que
predomina uma vertente religiosa e concepção tradicional, onde se tem a
consagração dos colégios jesuítas que tinham como referência um conjunto de
ideias pedagógicas expressas no Ratio Studiorum (plano de estudo). Já o
segundo período (entre 1759 e 1932) predomina as vertentes religiosa e leiga da
Pedagogia Tradicional, reformas Pombalinas, Correntes de pensamento e
movimentos sociais (ecletismo, positivismo, catolicismo, abolicionismo,
anarquismo e comunismo).
O terceiro (entre 1932 e 1969) em que é concepção é moderna e na qual
se destaca o Manifesto dos Pioneiros da Educação, a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as discussões sobre o Plano Nacional
de Educação e a campanha em defesa da escola pública. O quarto (entre 1969
e 2001), no qual se expressa a concepção dialética, com destaque para a teoria
crítico- reprodutivista, pedagogias contra- hegemônicas, implantação de
indústrias monopólicas e o período político brasileiro marcado pelo golpe militar
de 1964.

137
As bases para uma Pedagogia-Crítica

O percurso acadêmico de Saviani propõe uma oposição ao que fora


falado e escrito acerca da educação desde o início do século XXI e atualmente
enfrenta desafios, primeiro, por um ecletismo que traz uma desvalorização no
campo dos estudos pedagógicos, e segundo, a realidade de que muitos
consideram sem sentido a defesa de uma pedagogia marxista. Para
compreendermos como se deu a consolidação de um novo paradigma
educacional proposto pelo autor e os pressupostos que culminam na Pedagogia
Histórico-Crítica, é preciso antes, entender quais são suas bases, sua relação
com o Marxismo e as influências da Psicologia Histórico-Cultural para os seus
estudos.
Tendo como posicionamento crítico a defesa de uma sociedade
igualitária, Saviani se aprofunda nos estudos de Marx e se apropria da premissa
de que, para se ter uma pedagogia histórico-crítica, é preciso que os indivíduos
em formação tenham uma postura crítica perante a luta de classes, o que propõe
a oposição entre o capitalismo e o comunismo. Ou seja, para que uma pedagogia
seja crítica, os sujeitos devem ter claro o conhecimento sobre as relações de
poder que estão imbuídas no capitalismo, assim, "quem prefira não se posicionar
em relação à luta de classes não poderá adotar de maneira coerente essa
perspectiva pedagógica" (DUARTE, 2011, p. 7).
Ainda que o comunismo não seja uma realidade a qual as gerações atuais
poderão vivenciar no Brasil, Duarte (2011), afirma que as premissas para que a
humanidade chegue a esse estágio de desenvolvimento estão dadas na própria
realidade capitalista. Ou seja, o comunismo

[...] não é um estado de coisas que deve ser instaurado, um ideal


para o qual a realidade deverá se direcionar. Chamamos de
comunismo o movimento real que supera o estado de coisas
atual. As condições desse movimento […] resultam dos
pressupostos atualmente existentes (MARX; ENGELS, 2007, p.
28).

138
Esta defesa está embasada na Ideologia Alemã de Marx e Engels que
afirmam que com a divisão de trabalho, acontece uma contradição entre os
interesses dos indivíduos ou das famílias singulares e o interesse coletivo de
todos os que se relacionam mutuamente, pressupõe uma dependência recíproca
dos indivíduos entre os quais o trabalho está dividido. Ao fixar-se uma atividade
social, essa consolidação do produto foge do controle de seu autor, o que
propicia a sua alienação. De tal forma:

O poder social, isto é, a força de produção multiplicada que


nasce da cooperação dos diversos indivíduos condicionada pela
divisão do trabalho, aparece a esses indivíduos, porque a própria
cooperação não é voluntária mas natural, não como seu próprio
poder unificado, mas sim como uma potência estranha, situada
fora deles, sobre a qual não sabem de onde veio nem para onde
vai, uma potência, portanto, que não podem mais controlar e
que, pelo contrário, percorre agora uma sequência particular de
fases e etapas de desenvolvimento, independente do querer e
do agir dos homens e que até mesmo dirige esse querer e esse
agir (MARX; ENGELS, 2007, p. 38).

Em outras palavras, se há uma separação entre os interesses particulares


e comuns enquanto atividade, por consequência haverá uma divisão em que a
própria ação do homem se torna um poder que lhe é estranho e que a ele é
contraposto, sendo um poder que subjuga o homem ao invés de ser dominado
por ele.
Para Duarte (2011) esta análise que envolve a dialética entre a alienação
e o desenvolvimento dos seres humanos é fundamental para a produção histórica
das condições objetivas e subjetivas para que os indivíduos superem os limites
de uma existência presa ao ambiente local imediato, o que indica a necessidade
de se pensar uma pedagogia que ouse “lutar para que se torne cada vez mais
intensa em todos os indivíduos a necessidade de criação da capacidade de
fruição dessa produção material e espiritual universal” (DUARTE, 2011, p. 10).
É necessário que esta pedagogia valorize a liberdade dos indivíduos e
não apenas que forme alunos que se adaptam à realidade da qual fazem parte,
mas, ao contrário, tenham consciência sobre o movimento das contradições, a

139
realidade da alienação e a necessidade de apropriação da riqueza espiritual
universal e multifacetada. Para tanto, Duarte (2011) discorre sobre três aspectos
fundamentais para uma pedagogia que seja histórica e crítica, sendo eles: a
individualidade livre e universal na sociedade comunista; a auto-atividade como
atividade plena de sentido e fundamento da vida e, por fim, as relações humanas
plenas de conteúdo.
Acerca da individualidade livre nesta sociedade comunista, o autor afirma
que a liberdade do indivíduo seria menos restrita sem as condições alienadas da
divisão do trabalho no capitalismo, porém, alcançar esta liberdade seria possível
apenas por meio de uma luta revolucionária que superasse a realidade
comandada pelo capital. O capital infere na vida dos sujeitos quando eles passam
a se relacionar pelo valor de troca, se tornando unilaterais, abstratos com suas
relações desprovidas de conteúdo. A defesa então é de uma apropriação do
conhecimento por parte de todos e não atribuída parcialmente à classe
trabalhadora.

Se transpusermos o raciocínio sobre a apropriação universal


para a questão do conhecimento, na medida em que ele também
integra as forças produtivas, então fica claro que a pedagogia
histórico-crítica não poderia preconizar outra coisa que não fosse
a apropriação, pela classe trabalhadora, da totalidade do
conhecimento socialmente existente. Claro que não se trata de
afirmar que cada indivíduo poderá apropriar-se dessa totalidade,
mas que a classe trabalhadora, no processo revolucionário,
deverá apropriar-se desse conhecimento (DUARTE, 2011, p. 14).

Na mesma linha, o autor propõe a auto-atividade como atividade plena


de sentido, afirmando que no ideal comunista não há separação entre a atividade
material e espiritual, assim, a alienação do trabalho dá lugar à auto-atividade,
sendo esta, o meio pelo qual o indivíduo desenvolve a sua personalidade e marca
a sua individualidade pela riqueza humana, ou seja, se pode ter uma vida plena
de sentido e o trabalho não reduzido apenas a um meio de sobrevivência,
superando-se o seu caráter alienado.

140
Por fim, sobre as relações humanas plenas de conteúdo, Duarte busca
estabelecer uma relação que à primeira vista pode causar estranheza, entre a
defesa de uma pedagogia que a educação escolar ocupa lugar central na
transmissão e apropriação de conteúdos clássicos e a ideia de que as relações
entre os indivíduos podem ser plenas de conteúdo, afirmando que

[...] uma das formas de entendermos a concepção marxista de


comunismo é a de que se trata de uma sociedade na qual as
relações humanas e a vida humana são plenas de conteúdo, em
oposição ao caráter unilateral, abstrato e vazio das relações
humanas na sociedade capitalista (DUARTE, 2011, p. 16).

Além da base marxista, as pesquisas de Saviani foram pautadas na


perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural, que também tem seu estofo
filosófico em Marx e Engels, fora idealizada principalmente por Lev Semenovich
Vygotski, Alexander Romanovich Luria e Alexis Nikolaevich Leontiev, e buscava
encontrar possibilidades de superação dos enfoques idealistas ou materialistas
mecanicistas vigentes na psicologia desde as suas origens. Tanto a Psicologia
Histórico-Cultural quanto a Pedagogia de Saviani veem o trabalho em uma
perspectiva de humanização, num processo pelo qual o homem se desenvolve e
se realiza como ser humano, portanto, o trabalho passa a ser para ele a principal
atividade, conscientemente orientada para atingir determinados fins. Assim, a
Psicologia Histórico-Cultural, dentre tantas contribuições, propõe:

a) desgarram o desenvolvimento psíquico de suas bases


concretas, isto é, sociais e históricas; b) pressupõem a formação
das estruturas psíquicas complexas como consequência natural
do desenvolvimento de estruturas simples; c) preterem a
existência dos fenômenos psicológicos em suas intervinculações
e interdependências priorizando análises por decomposição; d)
identificam o desenvolvimento psíquico com a maturação de
suas bases orgânicas (MARTINS, 2012, p. 1).

De tal maneira, se busca a centralidade do trabalho social na constituição


humana para explicar a gênese e percurso do desenvolvimento psíquico, da
estruturação do psiquismo enquanto processo que requer a captação da imagem

141
subjetiva da realidade objetiva, num percurso em que pelo trabalho social, no
desenvolvimento histórico, as funções psíquicas elementares do sujeito se
qualificam em suas propriedades, como funções psíquicas superiores (MARTINS,
2012).

A psicologia histórica cultural, que ancora seus fundamentos na


escola de Vigotski, no mesmo sentido que a pedagogia histórico
crítica, postula que o trabalho do professor é fundamental no
processo de mediação para a aprendizagem do aluno. Afirma
que o bom ensino é aquele que se antecipa ao desenvolvimento.
Portanto, o trabalho do professor é ensinar aquilo que a criança
não é capaz de fazer sozinha (HADDAD; PEREIRA, 2013, p. 110).

Para ambas, o professor precisa organizar o ensino possibilitando o


avanço do psiquismo a patamares superiores. No mesmo sentido, Martins (2012,
p. 3) afirma que o profissional promove pela mediação do ensino “a interiorização
dos signos da cultura, modifica radicalmente o desenvolvimento e a estrutura das
funções psíquicas, reconstituindo suas propriedades e possibilitando-lhes o mais
amplo alcance”, sistema interfuncional este, que abarca a sensação, percepção,
atenção, memória, linguagem, pensamento, imaginação e sentimentos.
Contextualizadas as bases e referenciais que deram suporte aos estudos
de Saviani e tecidas a necessárias considerações acerca do Materialismo de
Marx e a Psicologia Histórico-Cultural, a seguir serão aprofundados os
pressupostos teóricos da pedagogia proposta pelo autor que é o foco deste
estudo, além das questões práticas que envolvem o trabalho educativo e a ação
dos profissionais nas instituições escolares.

A consolidação de um novo paradigma educacional: os


pressupostos de Saviani culminam na chamada Pedagogia
Histórico-Crítica

Aos que se empenham em estudar Saviani e sua vasta contribuição para


a educação, é rápida a percepção de que suas ideias se fundamentam nos
pensamentos de Karl Marx e nos pensamentos de Lev Semionovitch Vygotski.
Tal constatação é extremamente relevante, uma vez que os conhecimentos

142
filosóficos, políticos, psicológicos e sociais elaborados pelas teorias de ambos,
são o alicerce sobre o qual se sustenta o paradigma da Pedagogia Histórico-
Crítica.
Marx construiu um legado histórico no campo da Filosofia ao analisar o
capital e seus desdobramentos, inferências e controle sobre a sociedade. Seus
postulados do século XIX trazem um novo olhar para a sociedade e geram uma
revolução, pois colocam em evidência relações sociais, uma organização e
funcionamento totalmente interdependentes do capitalismo. Muitas foram as
tentativas de refutação da teoria de Marx, mas todas sem muito sucesso, pois
ainda na contemporaneidade, podemos perceber que ele estava certo em suas
convicções e constatações.
Como já mencionado, muitos outros estudiosos, das mais diversas áreas
do conhecimento, a partir dos postulados marxistas, começaram a analisar e
relacionar tais preceitos com as suas teorias, como foi o caso de Vygotski no
ramo da Psicologia, em sua breve vida, no começo do século XX. O psicólogo
russo, numa explicação muito simples, procurou estudar as correlações
existentes entre a formação da mente humana e as relações e interações sociais
às quais os sujeitos estabelecem ao longo de suas vidas. Proveniente desses
estudos, Vygotski foi o proponente da teoria que aqui já fora mencionada,
conhecida como Psicologia Histórico-Cultural.
Ambas as teorias acima abordadas, por serem muito consistentes em
suas premissas, acabaram por influenciar muitos estudos na área da educação.
Trataremos aqui, especificamente, sobre os estudos desenvolvidos por Dermeval
Saviani no Brasil a partir da segunda metade do século XX e que se entendem
até os dias de hoje no campo educativo.
O referido autor, analisando o contexto brasileiro, constatou que as
tendências pedagógicas existentes no país no final do século passado eram
extremamente reprodutivistas, pouco preocupadas com a aprendizagem,
desenvolvimento e formação humana dos sujeitos. Ao invés disso, o ensino
pautado nessas tendências, direcionava-se basicamente para a reprodução de

143
ideias e técnicas que tinham como finalidade a preparação do sujeito para o
mercado de trabalho (SAVIANI, 2013).
Observava-se que tais tendências já não eram suficientes para atender
às demandas educativas e sociais da época, pois ainda faltava um elemento que
fosse capaz de explicar determinados problemas e fenômenos. Para Saviani isso
era evidente, então ele nos explica que:

Desde que comecei a trabalhar em filosofia da educação,


procurei abordar as questões educacionais em termos dialéticos.
Até então o problema da dialética na educação não se havia
colocado no Brasil de forma explícita e sistemática. Em um texto
inédito, de 1969, denominado Esboço de formulação de uma
ideologia educacional para o Brasil, fiz um primeiro esforço neste
sentido, discutindo o problema dos objetivos da educação
brasileira e dos meios para atingi-los. Essa tentativa isolada foi
tomando corpo (SAVIANI, 2013, p. 59).

É na abordagem dialética da educação que a teoria de Saviani se atém à


teoria de Marx, pois este último é quem percebe e defende a dialética como um
elemento crucial para entender as contradições entre princípios teóricos ou
fenômenos empíricos que acabam por constituir as relações sociais e
consequentemente, a própria sociedade.
Os primeiros passos dados por Saviani em 69 não se encerraram
naquele texto. Ao passo que adentramos aos anos 70, os estudos se intensificam
e no ano de 1978, em um seminário sobre educação na cidade de Campinas-
SP, no qual percebia-se que as tendências crítico-reprodutivistas e histórico-
críticos ainda não se distinguiam com clareza, o autor apresenta o termo
“Pedagogia Histórico-Crítica”, buscando superar os limites apresentados pelas
teorias crítico-reprodutivistas. Sobre isso, Saviani (2013, p. 61) explica:

“Cunhei [...], a expressão “concepção histórico-crítica”, na qual


eu procurava reter o caráter crítico de articulação com as
condicionantes sociais que a visão reprodutivista possui,
vinculado, porém, à dimensão histórica que o reprodutivismo
reprodutivista perde de vista. Os críticos-reprodutivistas têm
dificuldade em dar conta das contradições exatamente porque
elas se explicitam no movimento histórico.

144
Há de se esclarecer que a visão crítico-reprodutivista surge
especificamente nos idos de 1968, por meio de um movimento e que teve sua
manifestação mais repercutida na França, mas que reverberou também por
outros países, inclusive no Brasil, realizado por de jovens que se propunham a
implementar uma revolução cultural, ou seja, “o movimento pretendia realizar a
revolução social pela revolução cultural” (SAVIANI, 2013, p. 57). É necessário,
no entanto, para fins de esclarecimentos, salientar que Saviani compreende e
reconhece o papel desempenhado por tão visão. O que ele propõe é olharmos
para além dos limites apresentados por ela. Quando ele faz esse movimento,
consegue estabelecer a diferenciação entre as perspectivas crítico
reprodutivistas e a nova perspectiva: a “Histórico-Crítica”, procura ser crítica sem
ser reprodutivista.
Nesse contexto, o problema de abordar dialeticamente a educação
começou a ser discutido mais ampla e coletivamente, o que permitiu que, no ano
de 1979, a Concepção Histórico-Crítica, pudesse ser claramente compreendida.
Tem-se, no referido ano, um marco para a consolidação do novo paradigma
educativo. Naquela conjuntura, a primeira turma do curso de Doutorado em
Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na época com 11
doutorandos, tentava perseverantemente formular teoricamente o fenômeno
educativo com vistas à superação do crítico-reprodutivismo presente nas
tendências pedagógicas existentes até então.
Nesse movimento, destaca-se a tese “Educação e Contradição”, de
Carlos Roberto Jamil Cury, a partir da qual, houve um maior empenho em colocar
a contradição como a categoria-chave e mostrar como as outras se subordinam
a ela: mesmo o aspecto reprodutor da educação é contraditório e não mecânico
(SAVIANI, 2013).
As discussões acerca da nova tendência ganham força com o passar dos
anos, o que faz com que os críticos da época passem a voltar seus olhos para a
perspectiva a fim de identificar possíveis fragilidades e vulnerabilidades que

145
pudessem ser suficientes para desconfigurar e deslegitimar a teoria como um
paradigma.
No entanto, tais esforços foram em vão e em 1991 é publicado o livro
“Pedagogia Histórico Crítica: Primeiras aproximações”, que traz todos os
pressupostos e princípios que sustentam a teoria e a validam como um
paradigma educacional consistente e legítimo.
No livro ficam ainda mais evidentes as correlações da nova teoria com o
marxismo e com a Psicologia Histórico Cultural. Para definir educação, Saviani
usa a categoria marxista “trabalho” para que haja uma compreensão lógica e
consistente do conceito. Ele explica que:

[...] diferentemente dos outros animais, que se adaptam à


realidade natural tendo a sua existência garantida naturalmente,
o homem necessita produzir continuamente sua própria
existência. Para tanto, em lugar de se adaptar à natureza, ele tem
que adaptar a natureza a si, isto é, transformá-la. E isto é feito
pelo trabalho. Portanto, o que diferencia o homem dos outros
animais é o trabalho. E o trabalho instaura-se a partir do
momento em que seu agente antecipa mentalmente a finalidade
da ação. Consequentemente, o trabalho não é qualquer tipo de
atividade, mas uma ação adequada a finalidades. É, pois, uma
ação intencional (SAVIANI, 2013, p. 11).

No entanto, agir sobre a natureza para produzir sua existência é só a


primeira das tarefas, pois o processo de produção da existência humana implica
algo a mais: “primeiramente, a garantia da sua subsistência material com a
consequente produção, em escalas cada vez mais amplas e complexas, de bens
materiais; tal processo nós podemos traduzir na rubrica ‘trabalho material"'
(Ibidem, 2013, p. 11-12).
Porém, para produzir materialmente, o homem necessita antecipar em
ideias, os objetivos da ação, o que significa que ele representa mentalmente os
objetivos reais. Tais aspectos constituem o que chamamos de “trabalho não
material”. Trata-se aqui da produção de ideias, conceitos, valores, símbolos,
hábitos, atitudes, habilidades. Numa palavra, trata-se da produção do saber, seja

146
do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da
produção humana. Aqui se encontra a educação (Ibidem, 2013).
Assim, pode-se concluir que a educação é um fenômeno próprio dos
seres humanos. Pode-se inferir então, que a compreensão da natureza da
educação passa pela compreensão da natureza humana, pois

Podemos dizer então, que a natureza humana não é dada ao


homem, mas é por ele produzida sobre a base da natureza
biofísica. Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular,
a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito,
de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam
ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente,
à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse
objetivo (SAVIANI, 2013, p. 13).

Nas inferências acima, fica evidente a articulação das ideias do autor


também para com as ideias de Vygotski, ao abordar a questão da
interdependência que um sujeito tem com o outro para produzir sua existência e
garantir que a cultura seja elaborada, para que as futuras gerações tenham
acesso a ela e se humanizam por meio dela.
Diante de tais constatações, podemos compreender que a educação
corresponde ao processo de transmissão (por parte das gerações mais antigas)
e apropriação (por parte das gerações mais novas) da cultura historicamente
elaborada pela humanidade ao longo dos anos. Torna-se uma tarefa ainda mais
complexa tendo em vista a necessidade de se desenvolver e criar os meios mais
eficazes que facilitem ambos os processos.
Assim, fica evidente que as relações sociais são a base para o trabalho
educativo. E é nesse ponto que uma das críticas mais persistentes acerca da
teoria se faz: a crítica em relação à prática pedagógica docente nessa
perspectiva. O próprio autor nos leva a refletir quando infere que

Se a educação é mediação no seio da prática social global, e se


a humanidade se desenvolve historicamente, isso significa que

147
uma determinada geração herda da anterior um modo de
produção com os respectivos meios de produção e relações de
produção. E a nova geração, por sua vez, impõe-se a tarefa de
desenvolver e transformar as relações herdadas das gerações
anteriores (SAVIANI, 2013, p. 121).

Assim, a questão da prática pedagógica começa a ser questionada sob


o pretexto de que a nova teoria não dava maiores respaldos e esclarecimentos
sobre como funcionariam os supracitados processos de transmissão e
apropriação de conteúdo. Embora Saviani apresentasse 5 passos fundamentais
às atividades para que sua teoria pudesse ser concretizada, esses passos ainda
não eram bem compreendidos.
Foi a partir dessas discussões que surge a figura de João Luiz Gasparin,
estudioso da área da educação, que simpatizando com a nova perspectiva,
brilhantemente desenvolveu a obra “Uma didática para a Pedagogia Histórico-
Crítica” a fim de oferecer arcabouço teórico e prático para que fosse possível
colocar a teoria em prática e a educação pudesse ser compreendida e valorizada
como prática social.
Como explica Gasparin (2012), o livro é elaborado a partir de uma
conversa ocorrida entre ele e Saviani, na qual o autor fora questionado sobre o
porquê de ainda não ter traduzido a Pedagogia Histórico-Crítica para uma
didática e ele responde simplesmente que a sua parte foi feita.
Tal resposta fez com que Gasparin se sentisse desafiado e felizmente o
levou a desenvolver então a proposta didática para o novo paradigma
educacional. O resultado do trabalho de Gasparin nos apresenta com maior
clareza os 5 passos já anteriormente anunciados por Saviani, a saber, são eles:
Prática social, Problematização, Instrumentalização, Catarse e Prática social. A
seguir, uma breve explicação sobre cada um deles.
No primeiro passo, Gasparin (2012) o concebe como “Prática Social
Inicial” que é a prática social guiada pelos conhecimentos prévios da criança,
sem uma instrução mais elaborada e sem conhecimentos mais aprofundados.
Esse primeiro momento se caracteriza por “uma preparação, uma
mobilização do aluno para a construção do conhecimento escolar. É uma

148
primeira leitura da realidade, um contato inicial com o tema a ser estudado”
(GASPARIN, 2012, p. 13). Em outras palavras, é o contato inicial da criança com
o conteúdo a ser estudado.
O segundo passo corresponde à “Problematização” que é fundamental,
pois instiga o interesse da criança, o que é fundamental para que o conhecimento
cotidiano do aluno, seja utilizado para a constituição de conhecimento mais
elaborado.
Trata-se de “um desafio, ou seja, a criação de uma necessidade para que
o educando, através de sua ação, busque os conhecimentos” (GASPARIN, 2012,
p. 33). A problematização é o momento em que se instiga a criança acerca de
determinada temática para que ela se sinta interessada em aprendê-lo.
O terceiro passo, conhecido como “Instrumentalização”, de acordo com
Gasparin (2012, p. 49):

[...] realiza-se nos atos docentes e discentes necessários para a


construção do conhecimento científico. Os educandos e o
educador agem no sentido da efetiva elaboração interpessoal da
aprendizagem, através da apresentação sistemática do conteúdo
por parte do professor e por meio da ação intencional dos alunos
de se apropriarem desse conhecimento.

Ou seja, este passo corresponde ao momento em que o conhecimento


científico é apresentado aos alunos por meio do conteúdo, para que por eles seja
assimilado e recriado, para que, assim que apropriado, seja utilizado como um
instrumento de (re) construção pessoal e profissional.
O quarto passo mencionado é a “Catarse”, que corresponde a uma
expressão bem mais elaborada de se compreender a prática social. Em outras
palavras, é a síntese, o resumo, que os alunos são capazes de fazer a partir do
conteúdo estudado e apropriado. É a conclusão por eles obtida a partir do tema
estudado e que culminará na consolidação de um novo conceito (GASPARIN,
2012).
O quinto e último passo é a “Prática Social Final”, que é a prática social
reelaborada e transformada pelos conhecimentos assimilados a partir do estudo

149
de determinado conteúdo. Abarca nela, as novas ações praticadas pelos
estudantes a partir dos conteúdos apreendidos. Nessa etapa, se pode observar
mudanças de comportamento e opinião dos alunos, a partir dos conceitos
adquiridos (Ibidem, 2012).
Com esses passos, Gasparin consegue esclarecer a questão didática da
Pedagogia Histórico-Crítica que tanto causava questionamentos. Estando
compreendidos os procedimentos teóricos e os práticos metodológicos, a teoria
de Saviani se consolida ainda com mais consistência como um paradigma
educacional originalmente brasileiro.
Assim, a formação humana premeditada pelas ideias de Marx e
posteriormente pelas de Vygotski, se tornam possíveis dentro das premissas
dessa nova teoria.

Considerações finais

Não se pode falar da educação brasileira sem mencionar Dermeval


Saviani. Suas contribuições para área da educação são inequívocas. Legou-nos
um conjunto de trabalhos que denunciam as lacunas de muitas teorias
educacionais, bem como nos apontam caminhos e possibilidades para se
construir uma educação mais humana.
Procuramos traçar de forma objetiva o histórico e trajetória de Dermeval
Saviani, este que se configura como sendo um educador que em suas reflexões
concernentes à educação, nos provoca a abraçar um modelo educacional que
esteja fundamentado numa visão mais histórica e que ao mesmo tempo, seja
crítica.
Diante das inquestionáveis contribuições de Saviani para a área da
educação, estudos que relacionam a ação docente e a formação humana são
indispensáveis para a melhoria da qualidade no atendimento nas instituições
educativas. É perceptível que muitas foram as teorias e concepções que
buscavam compreender a maneira como os sujeitos aprendem e o que os

150
diferencia dos animais, entretanto, Dermeval Saviani, contemplou de maneira
brilhante vários aspectos necessários e basilares para este propósito.
Ao apresentar a biografia do autor, é possível observar que, dentre
muitos de seus escritos, prevaleceu uma abordagem que relaciona aspectos
históricos e sociais da formação do sujeito, bem como a defesa de um
posicionamento crítico deles, a fim de que tenham consciência da realidade que
os cerca, além da relação de classes presentes no sistema capitalista no qual
está inserido.
A partir das ideias de Marx e tendo também como referencial os estudos
da Psicologia Histórico-Cultural, a Pedagogia Histórico-crítica propõe a
superação das perspectivas até então apresentadas com tendências
reprodutivistas que não foram capazes de sanar as necessidades sociais da
comunidade. Uma ação docente planejada que contemple uma prática social,
problematização, instrumentalização, catarse e novamente a prática social seria
um caminho para um trabalho educativo que efetivamente mude a realidade dos
sujeitos.
A defesa, portanto, é de uma superação da alienação da atividade do
trabalho e valorização da liberdade dos indivíduos, para que não apenas se
adaptem à realidade, mas possam interiorizar os signos e apropriar-se da cultura
elaborada ao longo da história, e assim, tenham condições de humanizar-se e
elevar suas funções psíquicas à patamares cada vez mais superiores.

Referências

DUARTE, Newton. Fundamentos da pedagogia histórico-crítica: a formação do


ser humano na sociedade comunista como referência para a educação
contemporânea. In: MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão (org.). Pedagogia
histórico-crítica: 30 anos . Campinas, SP : Autores Associados. v. 30. p. 7-21.
2011.

FREITAS, Carmen Laenia Almeida Maia et al. Dermeval Saviani: um pouco de


sua vida, algumas de suas obras. Revista do Instituto de Políticas Públicas de
Marília, v. 4, n. 2, p. 19-32, 2018.

151
GASPARIN, João. Luiz. Uma didática para a Pedagogia Histórico-crítica. 5.
ed. Campinas: São Paulo. Autores associados. 2012.

HADDAD, Cristhyane Ramos; PEREIRA, Maria de Fátima Rodrigues. Pedagogia


histórico-crítica e psicologia histórico cultural: inferências para a formação e o
trabalho de professores. Germinal: marxismo e educação em debate. v. 5. n.
2. p. 106- 117. 2013. Disponível em:
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em: 19 jan. 2023.

MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão. CURY, Carlos Roberto Jamil. Dermeval


Saviani: uma trajetória cinquentenária. Interface, comunicação, saúde,
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https://www.scielo.br/j/icse/a/YpJBw9wZgwpLLFVS3Y6qZkd/abstract/?lang=pt#:
~:text=Dermeval%20Saviani%3A%20una%20trayectoria%20cincuentenaria&tex
t=Da%20uni%C3%A3o%20compromissada%2C%20%C3%A1urea%2C%20por,
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Acesso em: 19 jan. 2023.

MARTINS, Lígia Márcia. Contribuições da Psicologia Histórico- Cultural para a


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UNICAMP. Mesa-redonda Marxismo e Educação: Fundamentos da Pedagogia
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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo.


2007.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Edição Comemorativa. Campinas:


Autores Associados. 2008.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. 11.


Ed. rev – Campinas. São Paulo: Autores Associados. 2013.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 21ª ed. São Paulo, Cortez e Autores
Associados, 2003.

152
JÖRN RÜSEN
153
Capítulo IX

JÖRN RÜSEN E O ENSINO DE HISTÓRIA: PLANEJANDO


UMA AULA A PARTIR DE SUAS CONTRIBUIÇÕES

Anilton Diogo dos Santos


João Augusto Martin Nantes dos Santos

Introdução

Pode-se dizer que, atualmente, na academia, vive-se um crescimento e


desenvolvimento de pesquisas no campo do ensino de História. Grupos de
pesquisas, revistas científicas, programas de pós-graduação, cursos e eventos
nos inclinam a perceber esse fenômeno. Como doutorandos de um programa
público de pós-graduação, estamos inseridos neste amplo movimento.
É precisamente desse ponto que este texto busca contribuir com tal
crescimento. Sempre partindo de uma perspectiva de que o ensino de História
esteja cientificamente fundamentado no diálogo com a epistemologia da História.
De acordo com Bittencourt (2018, p. 127) o ensino de História era
organizado “como um estudo mnemônico sobre um passado criado para
sedimentar uma origem branca e cristã, apresentada por uma sucessão
cronológica de realizações de grandes homens” e, portanto, pouco afeito à uma
ideia de múltiplos agentes produtores de ações humanas que geram mudanças
ao longo do tempo.
Esse panorama começa a mudar com relação ao Ensino de História nas
escolas brasileiras a partir da década de 1980. De acordo com Germinari (2011),
o fim do regime militar e a adoção por parte dos professores e professoras de
História de novas perspectivas teórico-metodológicas, resultaram em novas
experiências em sala de aula, o que, por sua vez, exigiu da academia “a criação
de espaços nos cursos de graduação voltados à reflexão sobre a prática do
ensino de história” (GERMINARI, 2011, p. 55), fazendo com que

154
“na década de 1980 a formação de professores do ensino de história passa
a ser objeto de reflexão e pesquisa nos meios acadêmicos” (Ibidem, p.55).
No bojo desse movimento surgiram pesquisas que buscavam mapear as
ideias históricas de jovens e adultos na perspectiva da chamada “cognição
histórica”, com o intuito de desvendar como esses grupos apreendem história.
No Brasil, o primeiro grande grupo de pesquisa neste campo surge em Curitiba,
na Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob a orientação da professora Maria
Auxiliadora Schmidt, primeiro refletindo sobre a produção teórica de países como
Inglaterra e Portugal e depois aprofundando na teoria de Rüsen, na qual a própria
epistemologia da História torna-se referência para entender como aprendemos
História e como melhorar o modelo de ensino desta disciplina.

Rüsen e a epistemologia da história: ponto de partida para a


aprendizagem histórica

Estabelecida, atualmente, a importância da teoria de Rüsen para o campo


da Educação Histórica no Brasil, é preciso compreender quem foi Jörn Rüsen e
quais são de fato essas contribuições. Uma vez está consolidada a ideia de que
a Didática da História é uma área importante da Teoria da História, proposta por
esse pensador. Assim, quem é este autor e qual o cerne de seu pensamento?
Rüsen é um relevante filósofo e historiador, nascido em Duisburgo, na
Alemanha, no ano de 1938. Suas reflexões são bem conhecidas por
pesquisadores brasileiros, principalmente as voltadas à teoria e ao ensino de
História. Ele acredita existir uma relação intrínseca entre a História e a Vida.
Segundo Alves (2011), Rüsen parece crer que a vida deve nortear o
trabalho historiográfico, e que sem essa direção, não há a construção racional de
um conhecimento histórico.
Durante a década de 1980, Rüsen publicou a trilogia Grundzüge einer
Historik (Fundamentos de uma teoria da história), obra que representa o corpo
de suas perspectivas teóricas. Alguns de seus livros foram inicialmente
traduzidos e publicados no Brasil pela editora da Universidade de Brasília, com

155
tradução de Estevão de Resende Martins. Dentre essas obras podemos destacar:
“Razão Histórica” (2001), “História Viva” (2007) e “Reconstrução do Passado”
(2007).
As reflexões do historiador alemão sobre a consciência histórica e o
pensamento histórico, interessaram à educação, e isso levou a incorporação de
alguns conceitos por esse campo de pesquisa. Esse fenômeno levou o autor a
publicar alguns textos voltados ao ensino e à aprendizagem histórica. Obras
como o livro “Teoria da História” (2015) e a coleção de textos “Jörn Rüsen e o
Ensino de História” (2011) foram publicadas pela Universidade Federal do
Paraná, justamente por contribuírem para as pesquisas em Educação Histórica.
Para Rüsen, a Didática da História é uma área importante da Teoria da
História. Isso porque facilita o entendimento histórico e estabelecendo objetivos
e formas da formação histórica dentre de um dado contexto político, social,
cultural e institucional (RÜSEN, 2011). Entretanto, essa noção sobre a Didática
Histórica foi desenvolvida ao longo do incremento de relevantes eventos
históricos que precisamos compreender.
Desde a antiguidade até meados do século XVIII, prevalecia na Europa a
noção de que a Didática (ou o uso prático da História) ocupava papel central na
formulação de qualquer história. Isso porque, acreditava-se que a História devia
ser escrita e ensinada para que os destinatários aprendessem algo relevante à
vida, uma noção da história como mestra da vida (KOSELLECK, 2006).
Até mesmo a escrita da história era orientada por interesses e problemas
práticos. “Assim parecia ser, segundo Reinhart Koselleck, desde a antiguidade
clássica, quando se servia da ‘história como coleção de exemplos’ a fim de que
fosse possível ‘instruir por meio dela’” (SADDI, 2010, p. 43).
Entretanto, tal paradigma de valorização da Didática da História como
algo útil à vida, passou a ser decomposto. Durante todo o século XVIII foi se
esvaziando os significados da História Mestra da Vida, enquanto os historiadores
buscavam a cientifização e a especialização da história. Isso acabou por, no final
do século XIX, separar a Ciência Histórica da Didática da História.

156
Um conjunto de mudanças profundas no século XVIII
transformou este espaço de experiência e terminou por esvaziar
o sentido do antigo topos. Começava a prevalecer a ideia de que
a História não ensina através de exemplos, posto que o que foi
certo para um tempo passado, não seria válido para um outro
tempo, o tempo presente (SADDI, 2010, p. 69).

Durante esse processo, a Didática da História foi substituída pela


metodologia da pesquisa histórica, ocasionando um estreitamento dos
propósitos e das finalidades da história. Algo chamado por Rüsen de
“irracionalização da história” (RÜSEN, 2007, P. 25). Ou seja, a História não mais
respondia às precisões práticas dos homens e sociedades. Desta forma, a
Didática da História não era ainda uma disciplina científica e reduzia-se a elaborar
métodos de transmissão de conteúdo.

O ato de ensinar, de transmitir a História às novas gerações – a


denominada Didática da História – sofreu uma espécie de
assepsia, pois deixou uma função estruturante na aprendizagem
histórica (mesmo limitada à reprodução de um conjunto de
memórias do cotidiano prático das pessoas) e se tornou
conjuntural (até mesmo marginal) à medida que lhe foi destinada
a pragmática função de treinar professores que simplesmente
deveriam transformar saber histórico acadêmico em saber
histórico escolar. (ALVES, 2011. p.19).

Desta maneira, a História tinha suas autorreflexões limitadas apenas à


metodologia e a empiria dos historiadores, não se comprometendo com a
Didática. Os professores e estudantes deveriam apenas reproduzir a História
ideologicamente concebida, por isso, Rüsen chamou esse ensino de “didática da
cópia” (RÜSEN, 2007. p. 89). Tal dicotomia começou a ser superada em meios
aos questionamentos sobre essa separação da Alemanha, durante as décadas
de 1960 e 1970.
Isso se deve a uma crise de legitimidade da Ciência Histórica e do ensino
de História. A História como ciência e a História como ensino não tinham
condições de abarcar as necessidades que a sociedade alemã apresentava. Tal
sociedade e os indivíduos que nela viviam precisavam de uma História capaz de

157
oferecer ferramentas para identificar a mudança temporal vivida, produzindo uma
autocompreensão e orientação à ação desses indivíduos.
Para Rüsen, era necessária a incorporação da Didática da História na
Ciência Histórica. Era imperativo relacionar as produções historiográficas com a
vida prática dos indivíduos na sociedade. Até mesmo as habilidades
metodológicas dos historiadores deveriam servir para edificar o raciocínio
histórico.
Rüsen arquiteta tal valorização após a derrubada do muro de Berlim,
momento em que os alemães de diferentes costumes se deparam com uma
diferente realidade historicamente construída. Neste contexto, a consciência
histórica auxiliaria na compreensão e na crítica ao cotidiano.

Consciência histórica como caminho metodológico

Um dos conceitos centrais da teoria rüseana é a Consciência Histórica.


Para o teórico alemão, a consciência histórica serve como um elemento de
orientação à vida prática. É ela que “sustenta e é sustentada (pela) consciência
social e, por isso, é simultaneamente geradora de, e alimentada por um sentido
de identidade” (BARCA, 2011. p. 31).
Por meio da mediação da memória histórica, o indivíduo busca uma
orientação temporal. Conscientemente, ele se localiza no tempo, age e cogita um
futuro de forma intencional.
Para Rüsen, “a forma linguística dentro da qual a consciência histórica
realiza sua função de orientação é a narração” (RÜSEN, 2011. p. 59). Assim, ao
analisarmos os elementos que constituem a narração histórica: forma, conteúdo
e função, é que observamos a consciência histórica dos indivíduos.
Nas narrativas as competências da experiência, da interpretação e da
orientação se manifestam, e desvelam a consciência histórica. O autor vai além
e salienta que a narrativa histórica está ligada também ao ambiente da memória,
pois possibilita compreender continuidades (organizando o passado, o presente
e o futuro) e serve para se fundar identidades de seus autores e ouvintes.

158
Entretanto, não é somente pela memória que se recupera o passado trabalhado
pela consciência histórica.

Seja qual for o modo em que a consciência histórica penetra no


passado, como no itinerário dos arquivos da memória, o impulso
para esse retorno é sempre dado pelas experiências do tempo
presente. Ou seja, a consciência histórica é o local em que o
passado é levado a falar e este só vem a falar quando
questionado; e a questão que o faz falar origina-se da carência
de orientação na vida prática atual, diante das suas experiências
no tempo. Trata-se de uma lembrança interpretativa que faz
presente o passado, no aqui e agora (SCHMIDT, 2009. p. 16).

Ou seja, um elemento fundamental para a consciência histórica é o


presente, ou ainda o passado presente. O edificar da consciência histórica
coopera no desenvolvimento de operações mentais que permitem a
interpretação das experiências de evolução no tempo, experiências essas do seu
mundo ou de si mesmos. Para que o indivíduo possa se orientar intencionalmente
na sua vida prática no tempo (SCHMIDT, 2009).
A partir da relação construída pela consciência histórica entre passado e
presente, é possível verificar a aprendizagem histórica por meio da narrativa
histórica, de acordo com o tipo de narrativa. Rüsen estabelece a tipologia de
narrativas históricas levando em consideração a memória, as continuidades,
identidades, mas principalmente, os sentidos do tempo. Características estas,
vinculadas com as condições da vida prática de cada indivíduo ou grupo.

Esta função geral pode ser realizada de quatro modos diferentes,


de acordo com as quatro condições necessárias que devem ser
preenchidas para que a vida humana possa continuar em seu
curso no tempo: afirmação, negação, regularidade,
transformação (RÜSEN, 2007. p. 98).

Cada condição necessária produz um tipo específico de narrativa


histórica. Quando se confecciona uma narrativa tradicional, há a valorização da
temporalidade eterna, buscando as origens e permanências dos modos de viver,
portanto, suprindo as necessidades de afirmação. Na narrativa de tempo

159
exemplar, a necessidade de regularidade é atendida através da extensão
espacial do tempo histórico, resgatando casos em que regras são estabelecidas
e generalizadas para todos os tempos e espaços.
Já a narrativa crítica tem um sentido de julgamento da temporalidade,
problematizando os modos de vida, alterando ideias de continuidade e
principalmente negando os padrões de identidade. O último tipo de narrativa, o
mais complexo, é chamado por Rüsen de genética (2007).
Segundo o autor, essa tipologia oferece um maior entendimento sobre a
temporalidade. Percebem-se as transformações nos modos de vida e permite a
escolha do mais apropriado, através do desenvolvimento consciente das
continuidades e mediação das mudanças. Esse tipo de narrativa revela um sujeito
mais emancipado, pois age de maneira livre e proativa, percebendo-se como
autor da sua relação com a dinâmica temporal.
Assim, Rüsen (2007) organiza as consciências históricas tendo por base
a análise das narrativas. Segundo ele, há uma crescente complexidade nas
narrativas, ligadas às distinções entre a temporalidade individual e a dos outros,
às formas de significação histórica, abstrações, operações lógicas, orientações
(internas e externas) e a autocompreensão histórica.
O conceito de Consciência Histórica está intrinsecamente ligado à
necessidade do ser humano em se orientar temporalmente e tem sido um objeto
central nos estudos recentes em Educação Histórica.
Em pesquisas da Educação Histórica, para analisar os tipos de
consciência histórica dos indivíduos, não basta explorar conceitos históricos de
natureza epistemológica.
É necessário perceber o uso de conhecimento substantivo movimentado
em relação com os conceitos de segunda ordem. E a partir destes indicadores,
insurgir alguns princípios na apropriação conceitual por parte dos estudantes.
Desta forma podemos perceber como esses estudantes fazem uso da História
para as suas vidas.

160
A experiência do estudante como o centro da aprendizagem
histórica: uma sugestão de atividade

Feita toda a contextualização e apresentação teórica, apresentamos


como possibilidade, um plano de ensino em que a questão dos direitos da mulher
emerge como tema central do debate, mesmo que no currículo base o tema seja
a existência dos movimentos sociais e como suas dinâmicas políticas e culturais
reverberam na vida de todos e todas.

Tabela 1- Modelo de plano de aula para o ensino de história


MODELO DE PLANO DE ENSINO
Tema Movimentos sociais, políticos e culturais.
Ano ou Série 2ª série do Ensino Médio.
Número de aulas 3 aulas.
Objetivos Discutir e analisar as causas da violência contra
mulheres com vistas à tomada de consciência e à
construção de uma cultura de paz, empatia e respeito
às pessoas.
Conteúdos A luta e as conquistas das mulheres ao longo da
história.
Encaminhamentos A aula terá como principais recursos as imagens e
metodológicos e textos organizados sistematicamente em slides. Segue
recursos abaixo da tabela o encaminhamento organizado a partir
dos slides.
Avaliação Rescrever o contrato de professora de 1923 a partir dos
valores sociais após as lutas e conquistas das mulheres
no mundo contemporâneo. Posteriormente, elaborar
uma narrativa refletindo sobre as representações
sociais das mulheres no passado, no presente e no
futuro.
Referências Texto e imagem trabalhados em sala:
Liberdade em duas rodas.
Victor Andrade de Melo e André Schetino
Revista de História da Biblioteca Nacional
Edição nº 57 - Junho de 2010. p. 42-45
Transcrição e tradução de um contrato de
professora
(Cidade de San Salvador, América Central, 1923)
https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/contrato-de-
professora-em-1923-proibia-de-casar-
frequentarsorveterias-andar-com-homens-16384742
Fonte: Elaborado pelos autores.

161
❖ Primeira aula:

Começar apresentando aos estudantes um conjunto de slides a seguir:

Figura 1 - Ciclista em São Paulo

Fonte: Reprodução da internet.

Figura 2 - Polêmica em jogo de futebol

Fonte: Reprodução da internet.

162
Figura 3 - Deputadas Federais em 2018

Fonte: Reprodução da internet.

Figura 4 - Oficiais mulheres nas Forças Armadas do Brasil

Fonte: Reprodução da internet.

Os alunos devem anotar as sensações que as imagens dos slides lhe


causaram. Sugere-se que após lançar a problematização aos estudantes, sejam
anotadas suas ideias prévias para analisar as respostas dadas por esses. Os

163
estudantes enunciarão em suas narrativas as representações das mulheres. O
professor poderá questionar se tais representações devem ser desnaturalizadas.
Após essa etapa, o docente irá conduzir a seguinte questão: “Papéis
sociais das mulheres foram naturalizados. É possível desconstruir algumas
representações que foram delegadas somente às mulheres?” Para isso os alunos
serão submetidos ao seguinte slide e responderão a essa problematização à luz
de suas experiências.

Figura 5 - O "dono de casa"

Fonte: Reprodução da internet.

❖ Segunda aula:

Nesse momento, será observado se os alunos conseguem fazer a


analogia de fontes históricas como janelas pelas quais temos a visão de um
determinado feito histórico. Essas visões nos fornecem evidências a partir da qual
inferimos e construímos argumentativamente uma narrativa. Como base para a
aula os alunos serão apresentados a uma ação humana corriqueira, a saber,
andar de bicicleta, para que eles possam inferir por si, como essa ação se
modificou ao longo de tempo e da própria experiência humana no tempo.

164
Figura 6 - Liberdade sobre rodas

Fonte: Reprodução da internet.

Figura 7 - Feminismo e ciclismo

Fonte: Reprodução da internet.

Nesse momento da aula, podemos fazer a analogia de fontes históricas


como janelas pelas quais temos a visão de um determinado feito histórico. Essas
visões nos fornecem evidências a partir da qual inferimos e construímos
argumentativamente uma narrativa. Devemos destacar o caráter multiverso de
perspectivas da história a partir de fontes e elaborar junto aos estudantes um

165
recorte de um passado específico (problematizando a partir de um
conteúdo/tempo/espaço). Veja abaixo exemplos de recortes.

Figura 8 - Perspectivas históricas: ciclismo

Fonte: Reprodução da internet.

Figura 9 - Perspectivas históricas: prática de esportes

Fonte: Reprodução da internet.

166
Figura 10 - Perspectivas históricas: política

Fonte: Reprodução da internet.

Figura 11 - Perspectivas históricas: Forças Armadas no Brasil

Fonte: Reprodução da internet.

❖ Terceira aula:

Para finalizar, analisaremos juntos aos estudantes um contrato de


professora firmado em 1923 na cidade de San Salvador na América Central. O
contrato foi traduzido, digitado e analisado pela historiadora Jane Soares de

167
Almeida. Sugere-se ler com os estudantes cada artigo do contrato e
posteriormente, sugerir a reconstrução dos artigos a partir de valores
contemporâneos pós conquistas de movimentos feminista.

Figura 12 - Transcrição e tradução de um contrato de professora (Cidade de


San Salvador, América Central, 1923)

Fonte: KAPA, Raphael. Contrato de professora em 1923 proibia de casar, frequentar sorveterias
e andar com homens. O Globo, 2015. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/contrato-de-professora-em-1923-proibia-de-casar-
frequentarsorveterias-andar-com-homens-16384742. Acesso em 26 fev. 2023.

Por fim, os estudantes podem elaborar uma narrativa refletindo sobre as


representações sociais das mulheres no passado, no presente e no futuro.

168
Considerações finais

Para Rüsen a História parte do indivíduo e de como ele interage com a


experiência humana no tempo. Dada a centralidade do agir e sofrer dos humanos
no tempo como motivador para a formulação de sentido, só faz sentido, em sua
matriz disciplinar, como a própria realidade ou como a forma pela qual o indivíduo
toma essa realidade para si.
Assim, o ensino de história, consolida-se como o agente primeiro do
processo de tomada de consciência do ser, sendo, parte integral da aquisição de
saberes que dará ao sujeito condições de tomar e tornar essa realidade sua, tanto
que o pensamento histórico que dá origem a matriz de disciplinar, tem como
ponto inicial as carências de orientação do sujeito diante de seu próprio agir e
sofrer no tempo e coaduna em um modelo de orientação existencial por ele
chamando de função.

Referências

ALVES, Ronaldo Cardoso. Aprender história com sentido para a vida:


consciência histórica em estudantes brasileiros e portugueses. 322 p. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo. São Paulo- SP. 2011.

BARCA, Isabel. O papel da Educação Histórica no desenvolvimento social. In:


CAINELLI, Marlene. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Educação Histórica: teoria e
pesquisa. Ijuí- RS: UNIJUÍ p. 21-48. 2011.

BITTENCOURT, Circe Fernandes. Reflexões sobre o Ensino de História.


Estudos avançados. v. 32. 2018. Disponível em: <
https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/152562/149061> Acesso em:
26/02/2023.

GERMINARI, Geiso. Educação Histórica: a constituição de um campo de


pesquisa. Revista HISTEDBR On-line. Campinas: SP. n.42. p. 54-70. 2011.
Disponível em:
<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8639866/
7429> Acesso em: 26/02/2023.

KAPA, Raphael. Contrato de professora em 1923 proibia de casar, frequentar


sorveterias e andar com homens. O Globo, 2015. Disponível em: <

169
https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/contrato-de-professora-em-1923-
proibia-de-casar-frequentarsorveterias-andar-com-homens-16384742>. Acesso
em 26/02/2023.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos


históricos. Tradução de Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira. Rio de
Janeiro: Contraponto/Editora PUCRio, 2006.

RÜSEN, Jörn. História Viva: Teoria da História III, formas e funções do


conhecimento histórico. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília-DF:
Universidade de Brasília, 2007.

RÜSEN, Jörn. Teoria da História: uma teoria da história como ciência. Curitiba:
Editora UFPR, 2015.

SADDI, Rafael. Didática da História como sub-disciplina da ciência histórica.


História & Ensino. Londrina- PR. v. 16. n. 1. p. 61-80. 2010. Disponível em: <
https://repositorio.bc.ufg.br/bitstream/ri/13724/5/Artigo%20-
%20Rafael%20Saddi%20Teixeira%20%20%20-%202010.pdf> Acesso em:
26/02/2023.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Literacia histórica: um desafio para a educação


histórica no século XXI. História & Ensino. Londrina- PR: Universidade Estadual
de Londrina. v. 15. p. 9-22. 2009. Disponível em:
<https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/histensino/article/view/11424> Acesso
em: 26/02/2023.

170
NORBERT ELIAS

171
Capítulo X

NORBERT ELIAS: APONTAMENTOS PARA PENSAR OS


PROCESSOS EDUCATIVOS

Dayane Cristina Guarnieri


Emely de Almeida Souza
Mariana Montagnini Cardozo
Tony Honorato

Introdução

Este ensaio busca apresentar contribuições e possibilidades analíticas


embasadas na abordagem sociológica figuracional e dos processos civilizadores
propostas pelo sociólogo alemão Norbert Elias para se pensar os processos
educativos. Para isso, inicialmente parte-se de uma obra autobibliográfica –
Norbert Elias por ele mesmo (2003) – para apresentar a trajetória de vida e obra
do intelectual aqui estudado. Em seguida, discutem-se alguns dos conceitos e
perspectivas analíticas desenvolvidas pelo autor e que se apresentam como
alternativas investigativas em torno dos processos educativos. Norbert Elias
(1897-1990) é um dos sociólogos mais conhecidos contemporaneamente. Um
judeu alemão que perdeu seus pais para o regime nazista de Hitler, mas,
sobretudo, que fez das atrocidades do regime o combustível para escrever suas
teses e teorias. Nasceu no dia 22 de junho de 1897, em Breslau, sendo filho
único. Uma de suas obras mais conhecidas é “O processo civilizador” (ELIAS,
1993; 2011).
Ao longo de sua trajetória, Norbert Elias desenvolveu pesquisas
considerando a perspectiva histórica de temas sociais. Atualmente, suas teorias
repercutem em investigações interdisciplinares que buscam a realização de
análises e sínteses processuais que consideram a abordagem de longa e média
duração do tempo histórico como instrumento fundamental para compreender
as mudanças nas estruturas sociais e nas personalidades dos indivíduos. Norbert

172
Elias não desenvolveu estudos específicos relacionados aos processos
educativos escolarizadores, porém ao se propor investigar a formação da
civilização ocidental debruçou-se sobre os processos sociais, estruturais e
psicológicos a fim de compreender a dinâmica indivíduo e sociedade na história.
Com isso, recorreu a processos de aprendizagem, internalização e naturalização
de comportamentos e condutas sociais para a compreensão dos fenômenos
históricos e sociais.

Norbert Elias: trajetória de vida, experiência e produções


intelectuais

Seu pai, era um judeu, dono de uma empresa têxtil em Breslau, na


Alemanha, e possuía um poder aquisitivo considerável. Um homem fechado que
conservava poucas relações sociais, mas que era obcecado pelo trabalho. Teve
apenas um filho, portanto, transferia para Norbert Elias tudo aquilo que não
conseguiu obter, como a oportunidade de frequentar uma universidade. O
ingresso do sociólogo no curso de Medicina deu-se por esse desejo do pai. Sua
mãe, por sua vez, ocupava o lugar de sociabilidade e a do lar.
Norbert Elias, em entrevista, comenta sobre a importância dos seus pais
em sua trajetória, seja na vida, seja na academia. A relação de segurança e
proteção parental criada, possibilitou a criação de um indivíduo que, mesmo em
dificuldades, acreditava em si e no seu potencial.

[...] Nunca duvidei de mim mesmo - sempre acreditei ser capaz


de fazer algo relativamente importante. Essa fé nunca foi
abalada. - Como explica isso? — Não se pode responder a essa
pergunta. Se quiserem, sempre resguardei o sentimento de
segurança que meus pais me proporcionaram. Nunca perdia a
coragem. O seminário dos colaboradores sempre focalizou tudo;
depois de cada confronto agressivo, eu voltava no ano seguinte
com algo de novo e, agora, algumas dessas coisas vão ser
publicadas. O que não compreendo bem em tudo isso e que
nunca fiz projeto em minha vida; atravessei-a como o cavaleiro
do lago de Constanz, sem temer que o gelo cedesse. Eis a
maneira como concebo a vida (ELIAS, 2003, p. 78).

173
Mesmo quando se deparava com questões que atravessavam os sujeitos
do mundo acadêmico, a título de exemplo, a dificuldade em escrever, a
comparação e a autoexigência, Elias carregava uma fé inabalável sobre si
mesmo, confiava que esse sentimento era normal e que fazia parte do processo
da escrita acadêmica e não se deixava paralisar por tais pensamentos.
O comentário do autor, citado acima, vai de encontro com as
divergências encontradas para comunicar suas ideias, teorias e obras. Era um
homem que não se aliava a partidos, mas tinha o seu próprio: “desmistificar as
ocultações”. Contudo, não é porque não se filiava aos partidos que não possuía
uma posição política, apesar de achar a ideologia de esquerda irrealista,
acreditava no Estado de direito.
O sociólogo, por ter recebido uma boa formação, passou pela faculdade
de Medicina e pela de Filosofia. Os estudos biológicos foram essenciais para a
formação das suas teses sociais e o ajudaram a se tornar um sociólogo de
destaque.

Os sociólogos têm uma atitude defensiva com respeito a biologia


porque temem que a sociologia perca sua substância na biologia.
A meu ver, não se pode construir uma teoria [...] digamos, da
atividade humana, sem saber como o organismo é construído e
como ele trabalha. Inclusive, quando são desenvolvidas teorias
epistemológicas, em filosofia, e que não se sabe nada sobre as
estruturas do cérebro, aí tem algo de errado. Quanto a mim,
ocorreu-me inserir em minhas aulas de sociologia um corte do
cérebro, a fim de mostrar aos estudantes como os homens são
construídos, porque só aí eles são capazes de compreender
como as sociedades funcionam. Dessa forma, não reduzo a
sociologia à biologia (ELIAS, 2003, p. 38).

Lembrar de Norbert Elias é lembrar de uma vida ativa, mesmo já em


idade avançada, ele ainda nadava, escrevia e viajava. Fato curioso, pois quando
criança contraía todas as doenças imagináveis que um pequeno poderia pegar.
Cresceu em uma Alemanha Imperial, mas não compartilhava de uma admiração
pelo Imperador e não nutria um espírito nacionalista, isso não quer dizer que não
se banhava da cultura germânica e nem se considerava alemão, pelo contrário,

174
esse sentimento existia. Quando perguntado se ele sentia mais alemão do que
judeu, o autor alega que, para ele, essas duas coisas eram indissociáveis, ele ser
judeu não elimina a cultura alemã que o englobava (ELIAS, 2003).
Muito jovem foi convocado para a Guerra. Trabalhava com linhas
telefônicas assegurando o funcionamento das linhas de telefone e do telégrafo
que ligavam as trincheiras ao quartel-general. Em 1924, após a Primeira Guerra,
quando os seus pais se viram em uma situação financeira preocupante, ele foi
obrigado a procurar um emprego, e conseguiu na fábrica de forno de fundição
em Bleslau. Neste momento, Adolf Hitler, já se tornara chefe do Partido Nacional-
Socialista (1921).
Norbert Elias esbanjava bravura, no início da década de 1930, ele foi à
Frankfurt ouvir um grande discurso de Hitler. De forma disfarçada, trocou suas
vestes para que pudesse passar pela barreira formada pela SS e não ser
reconhecido.

Era fascinante[...] O Führer fez a massa superexcitada esperar


quase duas horas; entoavam-se cantos patrióticos e, às vezes,
eu também tinha que mover os lábios, pois não podia ser o único
a permanecer em silencio. Em certo momento, deixei a reunião
por um instante e dei de cara com um colega assistente que era
nacional-socialista. Foi um momento bem estranho, mas foi
nesse momento que o Führer chegou. Era realmente um orador
fora de série. Uma coisa me ficou particularmente na lembrança:
o momento em que ele deu sua benção às crianças, no final. Eu
nunca vivera algo similar antes! Ele fez as crianças se
aproximarem, colocou-lhes as mãos sobre a testa e lhes falou. E
a massa ficava loucamente entusiasmada (ELIAS, 2003, p. 55).

No livro - Multidões em cena: propaganda política no Varguismo e no


Peronismo (1998) – a autora, Maria Helena Rolim Capelato, mostra-nos que a
presença de crianças nas propagandas políticas nunca é por acaso, a função
simbólica, é a necessidade do poder de flertar com as massas, além disso, a
função simbólica de um representante político ao redor das crianças, assimila a
infância à ingenuidade de um país, onde precisa-se de uma mão forte e firme

175
para ser governada. Podemos observar a mesma cena no Brasil no Governo de
Getúlio Vargas, 1930-1945,

[...] desenha-se a figura paternal de Vargas acariciando as


crianças (uma delas empunha a bandeira do Brasil) e no desenho
se lê: ‘Crianças! Aprendendo no lar e nas escolas o culto da
Pátria, trareis, para a vida prática, todas as probabilidades de
êxito” (CAPELATO, 1998, p. 48).

Quando as forças nazistas foram ganhando poder, ficou insustentável


para Norbert Elias continuar vivendo na Alemanha, em 1933 foi para Suíça,
procurando emprego nas universidades, porém não encontrou. Foi para a
França, também sem sucesso em ser professor universitário. Contudo, em Paris
abriu a sua oficina de brinquedos, ficando lá até 1935. Após esse período, vai
para a Inglaterra, passando pelo itinerário alemão. Seria sua última viagem antes
da Segunda Guerra Mundial para sua terra natal.
No entanto, algumas observações não poderiam escapar a esta análise,
é perceptível enquanto a entrevista vai acontecendo durante a narrativa escrita,
que mesmo em uma situação, em que um ditador estava no poder, os alemães
ainda sentiam segurança em viver no país, não somente os alemães, mas
também, os judeus. Quando, posteriormente, seus pais foram o visitar na
Inglaterra, insistiu com todas as suas forças para que ficassem, “ainda ouço as
palavras de meu pai como se fosse ontem: ‘Nunca fiz nada de mal. O que eles
podem fazer comigo?’” (ELIAS, 2003, p. 61).
Durante sua estadia na Inglaterra, o autor foi acolhido pelo comitê de
refugiados judeus e começou a escrever sua obra mais conhecida “O processo
civilizador” (ELIAS, 1993; 2011), tendo consciência de que constituía um ataque
implícito contra a onda de estudos acerca das mentalidades e dos
comportamentos feitos pelos psicólogos da época. Seu livro foi escrito no Museu
Britânico, um lugar que o autor atribuía sentimentos de paz e relaxamento. Sua
obra foi publicada em 1938 na Suíça e conta com o financiamento de seu pai, e
o segundo volume veio à lume em 1939 publicado em Oxford, pela editora
Blackwell. Com a publicação do livro, ganha uma bolsa de pesquisador sênior na

176
London School of Economics and Political Science, em Londres, na Inglaterra.
Em 1940, recebeu uma carta avisando que seu pai havia morrido e logo em
seguida, sua mãe desaparecera em Auschwitz.
A referida obra integra bem o período em que foi escrito. Não é apenas
um livro sobre a França do século XVIII, mas um livro que foi escrito por um
refugiado alemão em Londres às vésperas da II Guerra Mundial, todas as suas
vivências e experiências são atravessadas por suas teorias.

— Em outras palavras, que relação existe entre o processo


civilizador e o Estado totalitário? — No que diz respeito a
Alemanha... ao contrário dos Franceses, holandeses ou ingleses,
os alemães viveram sob um regime absolutista sem interrupção
desde o século XVI ou XVII. Mesmo sob o Impérios, os príncipes
ainda eram bastante presentes; malgrado a existência dos
parlamentos que nomeavam os ministros. Em seguida, as antigas
autoridades foram varridas pela derrota de 1918, e, depois do
que se costuma chamar a Revolução, as pessoas se viram
subitamente com uma estrutura de personalidade fundada no
princípio da obediência e da disciplina em relação a um monarca
poderoso, num Estado onde — estou exagerando um pouco —a
parte externa do supereu desaparecera. Foi assim que, sob a
República de Weimar, inúmeros alemães começaram a pedir um
homem forte que lhes devolvesse a possibilidade de se controlar
(ELIAS, 2003, p. 68).

Em 1962, foi convidado para ser professor na Universidade de Gana, na


África. Foi ali que sua paixão pela cultura africana ficou evidenciada. Para o
Norbert Elias, a arte africana vai de encontro com a teoria dos processos
civilizadores, o que ele relaciona também, com a psicanálise de Freud.

[...] Essa arte fala de maneira muito mais forte e direta as


emoções do que a arte tradicional do século XIX ou do
Renascimento. E isso vai perfeitamente de encontro a minha
teoria dos processes civilizadores; pois assistimos ao longo do
Renascimento a um enorme avanço civilizador que se exprimiu
sobretudo através da tentativa de conferir as pinturas e as
esculturas o tom mais realista possível. No século XX, assistimos
a uma forte reação contra essa tendência. Pode-se também
relacionar isso com Freud: o que se produziu na psicanálise - o
fato de que possamos nos permitir, num nível superior, maior
expressão das emoções - encontra-se da mesma maneira na arte

177
não-naturalista, que se aproxima muito mais do sonho. As
esculturas africanas têm a mesma qualidade. Há, por exemplo,
máscaras apavorantes e máscaras amistosas, mas todas se
dirigem mais intensamente ao inconsciente, se preferirem
(ELIAS, 2003, p. 81).

Em 1964, retorna para a Universidade de Leicester, Inglaterra, e com seu


aluno John Scotson, publica - Estabelecidos e Outsiders (1965). Já em 1969, com
72 anos publica “A sociedade da corte”, e é convidado para ser professor da
Universidade de Amsterdã, na Holanda. Em 1970, vem à lume a edição -
Introdução à sociologia. Em 1977, com 80 anos, recebe o prêmio “Theodor W.
Adorno” pelo conjunto da obra, na Universidade de Frankfurt, Alemanha, e um
ano depois a Universidade de Bielefeld, também da Alemanha, lhe confere o título
de doutor “Honoris Causa”.
Mas, a sua produção acadêmica não para por aqui, 1982 é publicado - A
solidão dos moribundos -, e em 1983 - Envolvimento e alienação. Em 1984 -
Sobre o tempo. Em 1985 - A condição humana. Em 1986, em parceria com Eric
Dunning, publicam - A busca da excitação: Esporte e lazer no processo de
civilização. Em 1987, o último ensaio - A sociedade dos indivíduos - é publicado.
Com 92 anos, publica - Os alemães (1989).
Norbert Elias, morre em Amsterdã, em 1º de agosto de 1990, aos 93
anos, no mesmo ano da reunificação alemã. Nesse ano é publicado a última obra
do autor, que inclusive, foi o livro principal para a escrita desta primeira parte do
ensaio, - Norbert Elias por ele mesmo. Morreu, sem filhos e sem esposa, porém
deixou seu nome registrado nos estudos sociológicos sendo reconhecido
mundialmente.

Norbert Elias e a educação: alguns apontamentos

Norbert Elias, não desenvolveu estudos específicos ou direcionados aos


processos educativos escolarizadores e, menos ainda, adotou a escolarização
como problema e objeto de investigação. Entretanto, ao pensar sobre os
processos estruturais, sociais e psicológicos que caracterizaram a formação da

178
civilização ocidental, Elias (1993, 2011) recorreu aos processos de
aprendizagem, internalização e naturalização de comportamentos e condutas
sociais que estiveram presentes no decurso desse fenômeno, a fim de
compreender as dinâmicas que delinearam a relação indivíduo e sociedade na
história. Ainda, ao problematizar a questão do tempo, Elias (1998c), questionou
os símbolos sociais produzidos pelos indivíduos enquanto patrimônios do saber
acumulados e transformados pela experiência intergeracional – orientadas por
processos de aprendizagens – na longa duração histórica.
Considerando a abordagem sociológica figuracional e a teoria dos
processos civilizadores proposta por Norbert Elias, entende-se que é possível
interpretar os fenômenos e os processos educacionais escolares. Pois, Elias
(1998c) desenvolve uma teoria sociológica de vasto alcance, dando ênfase aos
elementos essenciais da produção do saber e da atividade de conhecimento.
Para ele, o objeto do saber é o fluxo incontável das relações, gerações e a
evolução da humanidade, e não mais o indivíduo isolado. Propõe, com isso, uma
mudança no horizonte intelectual, no qual, o interesse está em compreender
como a humanidade adquire e produz conhecimento, ou seja, direciona o olhar
ao desenvolvimento dos símbolos sociais que funcionam como instrumentos de
orientação, ensino e aprendizagem (ELIAS, 1998c).
Elias (1993, 2011) demonstrou como os processos de transformação da
estrutura da sociedade influenciaram nos processos de transformação do
comportamento e da personalidade do indivíduo, ressaltando que ambos se
desenvolveram de forma interdependente e influenciam-se mutuamente. Com
isso, possibilitou certa percepção de como a civilização dos costumes e
comportamentos foi se tornando gradativamente uma atitude internalizada pelo
homem, por meio da qual o indivíduo foi naturalizando– aprendendo – modos de
ser e de se comportar, internalizando sentimentos, emoções, medos, e
desenvolvendo uma personalidade e uma conduta específica.
Norbert Elias afirma que “um dinamismo social específico desencadeia
outro de natureza psicológica, que manifesta suas próprias lealdades” (ELIAS,
2011, p. 106). Portanto, como primeiro apontamento, tem-se que não é possível

179
compreender os processos sociais que educam os indivíduos sem considerar as
estruturas e dinâmicas correspondentes à sociedade que integram. Elias (2011)
propõe a apreensão dos processos psicogenéticos e sociogenéticos, que
caracterizam a educação dos indivíduos em seus tempos e espaços específicos,
enquanto processos interdependentes. Assim, a psicogênese resultante dos
processos de aprendizagem e de formação individual acontece indissociável e
de maneira integrada à sociogênese circunscrita nesse processo formativo,
sendo que esta, vincula-se às dinâmicas sociais, históricas e estruturais que
correspondem a sociedade da qual o indivíduo é parte.
Para além da relação de interdependência entre a formação dos
processos psicológicos individuais (psicogênese) e das estruturas e dinâmicas
sociais (sociogênese) que caracterizam a aprendizagem do indivíduo, Norbert
Elias (1998c) evoca a importância de se conceber sociedade, indivíduos e
fenômenos sociais a partir da sua dimensão processual. Pois,

A “civilização” que estamos acostumados a considerar como


uma posse que aparentemente nos chega pronta e acabada,
sem que perguntemos como viemos a possui-la, é um processo
em que nós mesmos estamos envolvidos. Todas as
características distintivas que lhe atribuímos – a existência de
maquinaria, descobertas científicas, formas de Estado, ou que
quer que seja – atestam a existência de uma estrutura particular
de relações humanas, de uma estrutura social peculiar, e de
correspondentes formas de comportamento (ELIAS, 2011, p.
70).

Com isso, admite-se que os seres humanos, a sociedade e seus


fenômenos correspondentes – dentre eles, a educação – compõem eventos que
devem ser entendidos e observados como partes e aspectos de um processo
que permanece em um fluxo contínuo estruturado (ELIAS, 1998b). Desse modo,
Norbert Elias, instiga a ruptura com o olhar e com o uso de conceitos estáticos,
inclusive nas análises dos processos educativos e de aprendizagem dos seres
humanos em sociedade.
Os conceitos e os símbolos sociais – por serem elaborados e
sistematizados por homens inseridos em um tempo e um espaço específico –

180
não podem ser considerados como dados universais. Assim, os diferentes
objetos e problemas científicos devem ser admitidos, nessa perspectiva, como
“[...] patrimônio de conhecimentos de que dispõe uma sociedade num dado
momento” (ELIAS, 1998c, p. 100). Com isso, entende-se que as mudanças
experienciadas pelas sociedades e, mais especificamente, as mudanças e
transformações nas instituições escolares e nos processos educativos, – apesar
de não serem previamente planejadas por um indivíduo ou um grupo social
específico – são estruturadas, uma vez que se desenvolvem com uma
organização social e se originam em respostas a demandas de reorganização e
de transformações no interior dessas relações.
Destaca-se que,

O fato de os homens deverem e poderem se orientar em seu


mundo adquirindo um saber, e de, com isso, sua vida individual
e coletiva depender totalmente da aprendizagem de símbolos
sociais, é uma das particularidades que diferenciam o ser
humano de todos os outros seres vivos (ELIAS, 1998c, p. 20 –
grifos nossos).

Os seres humanos possuem características e capacidades que os


possibilitam aprender com a experiência, e não apenas com a experiência
diretamente vivenciadas, mas também por meio da transmissão de
conhecimentos e de experiências acumuladas pelas gerações anteriores, na
longa duração histórica. Esses aprendizados abrangem tanto o domínio dos
diferentes níveis de síntese na elaboração e assimilação dos símbolos sociais que
orientam as sociedades, como interferem no controle e na modificação de
comportamentos, condutas e das emoções humanas com base em fatores
aprendidos (ELIAS, 1998b).
Assim, “[...] para se orientar, os homens [...] utilizam percepções
marcadas pela aprendizagem e pela experiência prévia, tanto a dos indivíduos
quanto a acumulada pelo longo suceder de gerações” (ELIAS, 1998c, p. 33). As
capacidades e competências humanas adquiridas por meio do processo histórico
de constituição da sociedade, tais como a aprendizagem de comportamentos,

181
condutas e o desenvolvimento do autocontrole são características que garantem
a sobrevivência da humanidade e a sua evolução a níveis diferentes de interação
e complexificação. Estes são aspectos aprendidos, cerceados por mudanças que
perpassam as várias sociedades, situadas em um tempo e espaço específico, as
quais constroem e experienciam as relações nas diferentes figurações sociais e
se organizam por meio de símbolos produzidos e aprendidos e da integração em
instituições, de acordo com seu respectivo nível de complexidade.
Ao olhar para o indivíduo em um modelo conceitual que o insere na
sucessão da cadeia das gerações, Elias (1998c), propõe entender a regulação
social e a formação da consciência pessoal exercidos pelos símbolos sociais. Ao
referir-se aos símbolos sociais de orientação, os quais são aprendidos e
praticados, faz-se necessário compreender que a sua função é a integração
social, a fim de atender as demandas que estão relacionadas ao nível de
desenvolvimento da sociedade da qual é parte.
A instituição – ou melhor, pensando com Norbert Elias –, a figuração
escolar, nada mais é do que uma das relações humanas correspondentes aos
símbolos sociais e demandas estruturais produzidas nesse processo. A educação
escolar formal surge e se consolida como uma das figurações sociais de
formação – cuja dinâmica e organização passam a ser planejadas
intencionalmente –, a qual se torna essencial para a internalização e difusão de
uma sociedade civilizada. Desse modo, o processo educacional - vinculado à
educação formal – tem funções precisas no processo de civilização ocidental.
Funções as quais podem modificar-se de acordo com o estágio de
desenvolvimento e estrutura de organização da sociedade.
Outro aspecto importante para se pensar os processos educativos e de
aprendizagem, são as relações, os equilíbrios e os desequilíbrios de poder que
atravessam as figurações sociais, dentre elas a escola e os processos de
aprendizagem. Pois, de acordo com Elias (2011), com a maior complexificação
da sociedade e maior complexificação nas dinâmicas sociais que atravessam os
indivíduos, as relações de poder que integram essas figurações se tornam cada
vez mais complexas e diversificadas. Ao pensar nas relações de poder que

182
integram a relação “pais e filhos”, Elias (1998a) indica que é possível verificar, no
decorrer do processo de civilização da sociedade ocidental, uma transição de
uma relação mais autoritária - na qual o domínio dos pais é quase que absoluto
– para uma mais igualitária.
Uma vez que,

[...] também neste caso existe uma reciprocidade nas relações


de poder. As coisas não se limitam ao poder dos pais sobre os
filhos, se não que, os filhos, inclusive os recém-nascidos,
também exercem um poder sobre os pais. Por meio de seus
gritos podem pedir auxílio. Em muitos casos, o nascimento de
um filho obriga que os pais reorganizem seu estilo de vida. Ao
perguntar-se como os filhos exercem um poder considerável
sobre os adultos, encontra-se novamente uma circunstância já
assinalada: os filhos cumprem uma função para os pais.
Representam o cumprimento de determinados desejos e
necessidades (ELIAS, 1998a, p. 419 - tradução nossa).

Considerando os equilíbrios e desequilíbrios nas relações de poder,


citando o exemplo da figuração familiar, podem-se elencar elementos
característicos dos processos educativos e da organização das instituições
escolares – tendo em vista as relações sociais nela existentes – para pensar e
compreender como se dão as relações de poder e de interdependência nessa
figuração. Do mesmo modo, deve-se compreender essa figuração em sua
relação de interdependência com as diferentes figurações que integram a
sociedade, tais como: família, Estado, religião etc., e as relações de poder que,
nessas redes de interdependência, influenciam e criam demandas para essa
figuração específica.
Quando se fala em educação – inclusive a escolar - como símbolo social,
questiona-se sobre a sua particularidade e natureza, para isso, é necessário
realizar uma comparação com as sociedades que viviam em um estágio de
desenvolvimento anterior, dessa maneira, é possível perceber a direção e o
desenvolvimento da humanidade, por meio das transformações e continuidades
que ocorreram nos símbolos sociais. Uma significativa pergunta a ser feita com
a perspectiva pautada em Norbert Elias é: como/por que chegamos nesse nível

183
de determinação de educação escolar institucionalizada, na qual ela adquire um
status hegemônico e consensual como padrão de aquisição e se torna uma
segunda natureza, internalizada por grande parte das sociedades
contemporâneas?
As instituições como a escola e a universidade adquiriram papéis
figuracionais e instrumentais a fim de materializar as ideias em torno da educação
dos indivíduos em sociedade. Mas é preciso indagar como elas ajudaram a
internalizar essa autodisciplina que impõe tanto a necessidade, quanto o desejo
de se educar com base nas regras e conhecimentos estabelecidos pelas
instituições. As práticas desenvolvidas nessas instituições corroboram para
modelar os indivíduos desde a infância e se perpetuam por toda a sua vida a
considerar as relações sociais escolarizadas, que imperam no atual estágio das
sociedades contemporâneas. Dessa forma, vislumbra-se a importância da
compreensão dos conceitos e dos símbolos, enquanto, resultantes de um longo
processo histórico de desenvolvimento social.
A direção na qual se desenvolve o saber é inseparável da direção tomada
pelas transformações das formas de vida comunitária dos indivíduos. Ao focar
nas modificações que afetam os diferentes setores constituídos pelas disciplinas
civilizadoras impostas aos afetos e as funções, percebe-se que o processo é
marcado pela indissociabilidade entre as transformações na vida coletiva e na
personalidade a considerar relação entre coerção externa e a autoimposta
(ELIAS, 1998c).
A coerção externa e a autoimposta se movimentam e se desenvolvem
pautadas nas relações de poder que são comunicáveis por meio dos símbolos
sociais compreendidos pela sociedade e que visam construir um relativo grau de
coesão e certa homogeneidade. Tendo em vista que as sociedades complexas
são mais diferenciadas e interdependentes, esse grau de coesão precisa ser
também funcional para a organização da sociedade e para isso as posições que
as pessoas ocupam nos grupos precisam ser constituídas, de certa forma, a
educação escolar formal contribui para essa constituição de posições.

184
A educação escolar formal se tornou um símbolo social importante
quando se apresenta como uma mediadora, que traduz anseios sociais
diversificados, em um conteúdo material, mais ou menos coeso. Assim, ao longo
do processo de desenvolvimento humano ela se institucionalizou, formando
também, um grupo mais ou menos coeso em suas crenças, como a superioridade
de grupo escolarizado - detentor do conhecimento. Portanto, para se diferenciar
e legitimar sua posição de poder, esse símbolo social, estigmatiza os não
escolarizados, que são excluídos das políticas e das melhores posições de
poder.
A inferioridade era reforçada ao se deparar com uma sociedade, na qual,
a escrita estava se tornando uma forma de comunicação predominante. Assim,
apesar do estigma ser construído no imaginário social, a inferioridade precisa
possuir uma base objetivada de explicação, como as dificuldades que os
analfabetos teriam para se comunicar e participar de uma sociedade letrada que
se ampliava. Atualmente, além dos índices de analfabetismo, temos outros
aspectos de exclusão que se baseiam na educação formal, como a qualidade do
ensino e sua diferenciação social no interior da figuração escolar.
Apesar das desigualdades e contradições, a educação formal continua a
ser aceita como um caminho natural seguido pela maioria das sociedades
contemporâneas. Pode-se questionar os métodos, os professores, os currículos,
os conteúdos e as plataformas analógicas e digitais, mas a necessidade da
educação formal, ainda consegue avançar no tempo como consenso, pois, os
níveis de escolaridades garantem um certo grau de ascensão social e mudanças
de ocupações de postos nas figurações sociais.
Dessa forma, se intensifica na personalidade um autocontrole à medida
que a experiência educacional escolar tende a exigir uma ampliação do tempo
de estudos e o adiamento de alguma forma de ascensão social, que tende,
geralmente, ser deslocada para o futuro. Esse autocontrole gera um forte
sentimento de expectativa, o que por um lado, incentiva os indivíduos a seguirem
o fluxo estrutural da sociedade, e por outro, gera angústias de um futuro que se
distância.

185
Considerações finais

Pensando com Norbert Elias, destaca-se a importância de conceber a


relação entre a formação dos processos psicológicos individuais (psicogênese)
com as estruturas e dinâmicas sociais (sociogênese) nos processos educativos
escolares, pois ambos, atravessam o processo de aprendizagem individual no
social, mas também influenciam diretamente na definição de saberes,
conhecimentos, conteúdos e condutas sociais a serem ensinados em figurações
sociais específicas e destinadas à essa função – a escola.
Admite-se, também, a importância de entender os saberes e
conhecimentos, inclusive aqueles difundidos pela figuração escolar, enquanto
patrimônios do saber que foram produzidos na longa duração histórica. Por meio,
desse entendimento e a partir de certo distanciamento em relação ao
conhecimento que é socialmente difundido, torna-se possível compreender e
questionar o desenvolvimento dos símbolos sociais e das condutas e
comportamentos que orientam as sociedades e o processo de ensino e
aprendizagem da sociedade em questão.
Destaca-se, ainda, as relações, os equilíbrios e os desequilíbrios de
poder que, indicados por Norbert Elias, integram e atravessam as diferentes
relações sociais, dentre elas, pode-se apontar as relações de poder que
contribuem e influenciam na definição da organização, estrutura e funcionamento
da figuração escolar enquanto tal. Assim como, as relações de poder presentes
nos processos internos que orientam e definem as dinâmicas sociais de
aprendizagem que acontecem dentro da figuração escolar.
Por ora, buscou-se neste ensaio apresentar algumas possibilidades
analíticas para compreender os processos educativos escolares tendo em vista
a abordagem sociológica figuracional e a teoria dos processos civilizadores
propostas pelo sociólogo alemão Norbert Elias. A expectativa é avançar com o
debate teórico-conceitual e com as investigações e análises dos processos de
escolarização.

186
Referências

CAPELATO, Maria H. R. Multidões em cena. Propaganda política no


varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus, 1998.

ELIAS, Norbert. La civilización de los padres. In: ELIAS, Norbert. La civilización


de los padres y otros ensaios. Santa Fé de Bogotá: Editorial Norma s.a.,
1998a. p. 291407-450.

ELIAS, Norbert. Norbert Elias por ele mesmo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003.

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Rio


de Janeiro: Zahar, 1993. v. 2.

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Uma História dos Costumes. 2 ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 2011. v. 1.

ELIAS, Norbert. Sobre los seres humanos y sus emociones: un ensaio


sociológico procesual. In: ELIAS, Norbert. La civilización de los padres y otros
ensaios. Santa Fé de Bogotá: Editorial Norma s.a., 1998b. p. 291-329.

ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998c.

187
Sobre os organizadores

ADRIANA REGINA DE JESUS


Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Doutora em
Educação pela Pontifícia Católica de São Paulo. Docente do Programa de
Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Estadual de Londrina. Líder
do grupo de Pesquisa pelo CNPq: Currículo, Formação e Trabalho Docente.

LUIZ GUSTAVO TIROLI


Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Membro do grupo de pesquisas e estudos Currículo,
Formação e Trabalho Docente da Universidade Estadual de Londrina.

JOÃO FERNANDO DE ARAÚJO


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Educação pela Universidade
Estadual de Londrina. Membro do grupo de Pesquisa "Currículo, Formação e
Trabalho docente" UEL/CNPQ

188
Sobre os autores

Adriana Regina de Jesus


Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Doutora em
Educação pela Pontifícia Católica de São Paulo. Docente do Programa de
Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Estadual de Londrina. Líder
do grupo de Pesquisa pelo CNPq: Currículo, Formação e Trabalho Docente.

Ana Leticia Ferreira


Doutoranda pelo Programa de Pós- Graduação em Educação- PPEDU- UEL da
Universidade Estadual de Londrina- UEL. Membro do Grupo de pesquisa: "O
social e o cultural na formação e Práxis educativa: Implicações da Teoria
Histórico-Cultural e Pedagogia Histórico-Crítica no ensino, aprendizagem e
desenvolvimento humano na educação escolar" (UEL).

Andrieli Dal Pizzol


Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Londrina-UEL. Membro do Grupo de Pesquisa Didatic - didática,
aprendizagem e tecnologia (UEL); Pedagoga Equipe Multidisciplinar Núcleo de
educação a distância (NEAD) Universidade Estadual do Centro-Oeste
(Unicentro).

Anilton Diogo dos Santos


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do grupo de pesquisa “História e Ensino”.
Professor da Secretaria de Educação do Estado do Mato Grosso do Sul e da
Secretaria Municipal de Brasilândia/MS.

Camila Fernandes de Lima Ferreira


Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Londrina-UEL. Membro do Grupo de Pesquisa Didatic - didática,
aprendizagem e tecnologia e do Grupo de Pesquisa Travessias Luso-Brasileiro
na Educação da Infância. Professora e Coordenadora Acadêmica Geral da EAD
do Centro Universitário Filadélfia – UniFil.

Darcísio Natal Muraro


Doutorado pela Universidade de São Paulo. Graduação em Filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Graduação em Teologia pelo Instituto
Teológico São Paulo. Mestrado em História e Filosofia da Educação pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor Associado
da Universidade Estadual de Londrina, Professor / orientador no Programa de
Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) da UEL no núcleo Filosofia
e Educação. Coordenador do Grupo de Pesquisa “A educação filosófica e a
política: a comunidade democrática como espaço público na escola”. E-mail:
murarodnm@gmail.com.

189
Dayane Cristina Guarnier
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do “Grupo de Pesquisa Processos Civilizadores -
GPROC”.

Delci da Conceição Filho


Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação - PPEDU -
da Universidade Estadual de Londrina - UEL e Mestre em Educação (2011)
pela mesma Universidade, pela qual também é graduado em História (1996).
Atua na Rede Estadual de Educação como professor e pedagogo.

Diene Eire de Mello


Pós doutora em Educação com foco em e-learning pela Universidade Aberta de
Portugal. Doutora em Educação e Mestre em Tecnologia. Docente do Programa
de pós-graduação em Educação (PPEDU-UEL). Coordenadora do grupo de
Pesquisa Didatic - didática, aprendizagem e tecnologia. Coordenadora do Curso
de Especialização em Docência na Educação Superior (CEMAD- UEL).
Coordenadora do GT-11 - Comunicação e Educação- Anped Sul.

Eduardo Augusto Farias


Doutorando em Educação pela UEL. É membro do Grupo de Pesquisa "GEPEITC
- Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Infância e Teoria Crítica". Autor de
vários livros e artigos, suas áreas de atuação e pesquisa envolvem o campo da
Educação Inclusiva, EJA, Etarismo, Antirracismo, Adoção, Infância, Maternidade
Negra e Rede Intersetorial de Trabalho com Famílias.

Emely de Almeida Souza


Mestranda em História Social pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Professora da Secretaria de São Paulo.

Fernanda Couto Guimarães Casagrande


Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Londrina - UEL.
Docente do ensino superior e coordenadora pedagógica na rede municipal de
Londrina.

Fernanda Neri de Oliveira


Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Londrina, membro do
Grupo de Pesquisa "GEPEITC - Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação,
Infância e Teoria Crítica" e do Grupo de Pesquisa “A educação filosófica e a
política: a comunidade democrática como espaço público na escola”. Professora
da educação básica do município de Londrina.

Gislaine Franco de Moura


Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do Grupo de Pesquisa "O social e o cultural na
formação e Práxis educativa: Implicações da Teoria Histórico-Cultural e

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Pedagogia Histórico-Crítica no ensino, aprendizagem e desenvolvimento humano
na educação escolar" (UEL) e membro também do Grupo de Pesquisa “Leitura
e práticas pedagógicas na escola da Infância em tempos de pandemia: ação
docente para o ensino e aprendizagem online e presencial” (UEL/CNPQ).

Gláucia Botan Rufato


Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina- PR. Membro do Grupo de Pesquisa Estado,
Políticas Públicas e Gestão. Professora da Secretaria Municipal de Educação de
Maringá-Paraná.

João Augusto Martin Nantes dos Santos


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do grupo de pesquisa “História e Ensino”.
Professor da Secretaria de Educação do Estado do Paraná.

João Fernando de Araújo


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina- PR. Membro do grupo de pesquisa
“Currículo, formação e trabalho docente” (UEL/CNPQ) e membro também do
grupo de estudos e pesquisas “Gênero, Currículo e Educação” (UEL/CNPQ).

Kelly Cebelia
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do grupo de Estudo e Pesquisa Lugares de
aprender: relações entre escola, cidade, cultura e memória, desenvolvido na
UEL.

Letícia Regina dos Santos Rodrigues Fucuhara


Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do Grupo de Pesquisa "A educação filosófica e a
política: a comunidade democrática como espaço público na escola"
desenvolvido na UEL.

Marcos Maia da Silva


Doutorando em Educação e Mestre em Ciências Sociais pela Universidade
Estadual de Londrina - UEL. Membro dos Projetos Estado, Políticas Públicas e
Gestão da Educação, ofertado pela Universidade Estadual de Londrina - UEL.
Atualmente é professor na rede estadual de ensino do Paraná.

Maria Fernanda Maceira Mauricio


Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Especialista em Metodologia do Ensino da Matemática
(2020). Especialista em Psicopedagogia Clínica, Institucional e Empresarial
(2019). Membro do grupo de pesquisa: "Processos de escolarização no cotidiano
escolar". Professora da rede municipal de Bela Vista do Paraíso e de Londrina.

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Mariana Montagnini Cardozo
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do “Grupo de Pesquisa Processos Civilizadores -
GPROC”. Professora da Secretaria Municipal de Educação de Londrina.

Marta Regina Furlan


Pós-Doutorado em Educação pela Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho
e Pós-Doutorado em Educação pela Universidade do Extremo Sul Catarinense
(2021). É Coordenadora do Projeto CRITinfância - Reinventando novos sentidos
para a Educação Infantil, em que realiza ações que visam a reflexão crítica,
pedagógica e da intencionalidade na educação infantil. É Líder do Grupo de
Pesquisa "GEPEITC - Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Infância e
Teoria Crítica.

Marta Silene Ferreira Barros


Doutorado em Educação na área de Didática, Teorias de Ensino e Prática
Escolares pela Universidade de São Paulo - USP. Doutorado Sandwich em
Sociologie de L'éducation pela Université Charles-de-Gaulle em Lille - França.
Pós-Doutorado em Educação pela UNESP de Marília. Docente do Departamento
de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação.

Martinho Gilson Cardoso Chingulo


Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Londrina. Membro do
grupo de pesquisa “Currículo, formação e trabalho docente” (UEL/CNPQ).

Natalia Barbosa Veríssimo


Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Londrina -UEL. Membro
do Grupo de Pesquisa Cognitivismo e Educação. Experiência na área de
Educação Especial com ênfase em Práticas Pedagógicas Inclusivas. Professora
Efetiva na Prefeitura Municipal de Londrina-Pr (PML). Coordenadora Pedagógica
(PML).

Ravelli Henrique de Souza


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do Grupo de Pesquisa "Semiformação e
Educação no Contexto da Sociedade Danificada: Para Além do Território
Demarcado" vinculado ao "GEPEITC - Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação, Infância e Teoria Crítica" desenvolvido na UEL.

Rodrigo Alexandre Cavalarini Faustino


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro dos Projetos Estado, Políticas Públicas e Gestão
da Educação, ofertado pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Atualmente
é professor na rede estadual de ensino do Paraná.

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Sandra Aparecida Pires Franco
Doutorado em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (2008) e Pós-
Doutorado em Educação pela UNESP de Marília - SP (2016). É líder do Grupo de
Pesquisa Leitura e Educação: práticas pedagógicas na perspectiva da Pedagogia
HIstórico-Crítica. Faz parte do Grupo de Pesquisa PROLEAO e do projeto
PROCAD 2014. É professora-adjunta do Departamento de Educação da
Universidade Estadual de Londrina - UEL, coordenadora do projeto leitura e
atividade de estudo: práticas pedagógicas com a leitura literária na Educação
Básica.

Sandra Regina Ferreira de Oliveira


Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - SP.
Professora Associada da Universidade Estadual de Londrina e Docente do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL.

Taila Angélica Aparecida da Silva


Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Londrina - UEL.
Membro do Grupo de Pesquisa "GEPEITC - Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação, Infância e Teoria Crítica". Professora da educação básica do município
de Cambé. Coordenadora de projetos Cáritas.

Tony Honorato
Pós-doutor, Doutor e Mestre em Educação. Docente no Departamento de
Educação (EDU) e no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPEdu) da
Universidade Estadual de Londrina.

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