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Conselho Editorial
Profª. Drª. Angela Maria de Sousa Lima Profª. Drª. Lucélia Tavares Guimarães
Universidade Estadual de Londrina Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Prof. Dr. Cezar Bueno de Lima Prof. Dr. Teodoro Adriano Costa Zanardi
Pontifícia Universidade Católica do Paraná Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Prof. Dr. Fabio Luiz da Silva Prof. Dr. Wendell Fiori de Faria
Secretaria Estadual do Estado do Paraná Universidade Federal de Rondônia
Prefácio...............................................................................................................10
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Sobre os organizadores...............................................................................188
Sobre os autores.............................................................................................189
Apresentação
Dizem que o sorriso sincero vem de uma criança que brinca e reencontra
alguém querido. Posso dizer que receber um convite também fez surgir em meu
rosto um sorriso! Ser honrada e ter o nome escolhido para falar de artigos tão
bem estruturados e científicos é muito significativo. Ser abrilhantada com os
estudos originários e a docência de Adriana Regina de Jesus indica o quão
valioso foi o caminho acadêmico realizado para que possa contribuir com a
apresentação de um e-book. Essa realização pessoal e em conjunto só se
engrandeceu pela amizade. Milton Nascimento e Fernando Brant já mencionaram
que “Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito na “Canção da
América”. Assim vou registrar o brilhantismo que esse e-book leva para a
docência de futuros professores e pesquisadores da Educação Superior.
Trata-se de artigos científicos resultados de uma disciplina de doutorado
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Londrina intitulada “Teorias da Educação”. Juntos poderemos observar
estudantes do doutorado em conjunto com seus orientadores e a professora
regente escrevendo sobre pesquisas e pesquisando sobre autores renomados
nas mais diversas áreas da educação.
O primeiro capítulo, DEVIRES EDUCACIONAIS DO PENSAMENTO,
VIDA E OBRA DE JOHANN HERBART: SUA IMPORTÂNCIA E
CONTRIBUIÇÕES PARA EDUCAÇÃO, de Farias, Veríssimo, Furlan e Silva
destacaram a importância do pensamento do filósofo, pedagogo e psicólogo
Johann Herbart para a Educação, com destaque na educação brasileira. O
Capítulo II, VIDA, OBRAS E AS CONTRIBUIÇÕES DE JOHN DEWEY PARA A
EDUCAÇÃO, de Casagrande, Oliveira, Franco e Murato foram destacados alguns
aspectos informacionais acerca da vida e obra, contexto vivenciado, teoria e as
contribuições que John Dewey atribuiu ao campo da educação.
O Capítulo III, COMPREENDENDO ELEMENTOS DO PATRIMÔNIO
CIENTÍFICO DE VYGOTSKY À LUZ DA METÁFORA A ÂNCORA E O BARCO,
Ferreira e Conceição Filho demonstraram elementos do patrimônio científico de
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Vygotsky à luz da metáfora da âncora e do barco, no sentido de contribuir no
processo de formação continuada de professores e professoras.
O Capítulo IV, LEONTIEV E DAVYDOV: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL NA EDUCAÇÃO, de Pizzol, Ferreira e Mello
debruçaram-se acerca do desenvolvimento humano sobre os escritos de
Leontiev e Davydov. No Capítulo V, JEAN PIAGET: CONTRIBUIÇÕES PARA A
EDUCAÇÃO de Rufato e Mauricio apresentaram estudos da Teoria da
Epistemologia Genética, que destaca que o conhecimento se dá por descobertas
realizadas pela própria criança.
No capítulo seguinte, Silva, Souza, Faustino e Furlan debateram no artigo
UM OLHAR AMPLIADO DA ESCOLA NA PERSPECTIVA DE PIERRE
BOURDIEU: A VIVÊNCIA ESCOLAR E A CARACTERIZAÇÃO DO HABITUS o
olhar pedagógico em relação a teoria de Pierre Bourdieu no que condiz a
caracterização do habitus em relação à vivência escolar voltadas às práticas de
objetivação e subjetivação dos sujeitos escolares.
No Capítulo VII, PAULO FREIRE E SEU LEGADO HUMANO,
FILOSÓFICO E PEDAGÓGICO Cebelia, Fucuhara, Muraro e Oliveira
apresentaram o renomado autor brasileiro Paulo Freire e sua trajetória em vida,
obra e sua relevância para a educação.
PENSANDO A EDUCAÇÃO PARA FORMAÇÃO HUMANA: DERMEVAL
SAVIANI E OS PRECEITOS BASILARES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-
CRÍTICA de Moura, Araújo, Chingulo, Jesus e Barros é o próximo capítulo que
apresentou a vida do filósofo Saviani e os preceitos basilares constituintes da
Pedagogia Histórico-Crítica que foi propagada e consolidada como um dos
paradigmas educativos mais bem elaborados acerca da educação para a
formação humana dos sujeitos.
No Capítulo IX, JÖRN RÜSEN E O ENSINO DE HISTÓRIA:
PLANEJANDO UMA AULA A PARTIR DE SUAS CONTRIBUIÇÕES, de Santos
e Santos apresentaram a vida do filósofo e historiador alemão Rüsen e suas
reflexões voltadas à teoria e ao Ensino de História, em uma relação intrínseca
entre a História e a Vida.
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Para fechar o e-book, o Capítulo X, trouxe o artigo NORBERT ELIAS:
APONTAMENTOS PARA PENSAR OS PROCESSOS EDUCATIVOS, de
Guarnieri, Souza, Cardozo e Honorato sobre a reflexão dos processos educativos
a partir da abordagem sociológica figuracional e da teoria dos processos
civilizadores de Norbert Elias.
Para finalizar essa apresentação que foi gerada a partir de trechos dos
artigos mencionados, podemos expor que a disciplina Teorias da Educação,
ministrada pela Dra. Adriana Regina de Jesus foi esplendorosa, no sentido de
abarcar autores renomados na área da educação que são fontes de pesquisas
primárias desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina, o que significa que a docente ao convidar
para a escrita desse e-book não negou esforços para poder compor as pesquisas
que darão frutos futuros, em especial, valorizando cada pesquisa e cada
orientador com seus respectivos projetos de pesquisa.
Assim, considero-me privilegiada por poder ler de antemão uma obra
resultado de todo o conhecimento desenvolvido em uma disciplina e a confiança
a mim dada. Desejo, assim, uma boa leitura e que essa leitura seja um verdadeiro
ato de ler!
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Prefácio
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teoria pode fornecer, por exemplo, as explicações sobre os mecanismos de
aprendizagem e possibilitando escolhas conscientes de metodologias e técnicas.
Piaget e Vigotski são bons exemplos desse aspecto: o primeiro fundamenta o
construtivismo e o segundo estabeleceu as bases da pedagogia histórico crítica.
Em segundo lugar, a teoria pode auxiliar os professores a superar muitos
dos saberes da tradição, aqueles nos fazem ensinar da mesma maneira pela qual
fomos ensinados. É possível perceber que na raiz desta realidade está a antiga e
ainda não solucionada questão da prática versus teoria, e que corresponde às
desconfianças mútuas entre educação básica e ensino superior. Assim como não
basta observar e anotar os movimentos dos astros, não podemos estar limitados
à constatação da complexidade da sala de aula. Por outro lado, modelos
astronômicos que não correspondam às observações e que não permitam a
previsão dos fenômenos celestes são pouco úteis, ou seja, teorias educacionais
que estejam desvinculadas do mundo da prática são igualmente problemáticas.
No campo da educação, portanto, somente uma sólida formação teórica permite
aos professores julgar tanto a teoria quanto a prática.
Nestes tempos de valorização da semiformação, em que os conteúdos
científicos, filosóficos e artísticos têm sido substituídos por competências e
habilidades supostamente mais importantes, é ainda mais necessário que os
professores e os futuros professores sejam teoricamente bem formados. Assim,
iniciativas como essa, que reúnem reflexões sobre diversos estudiosos que
pensaram sobre a educação, são muito bem-vindas.
11
JOHANN FRIEDRICH
HERBART
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Capítulo I
Introdução
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considerado como antiquado, salientamos que cada pesquisador e docente
compõem suas teorias segundo a época e conjuntura histórica que vivencia e a
partir do objeto de pesquisa que pretende desvelar, pode romper com
paradigmas que de acordo com o desenvolvimento da sociedade, necessitem
serem superados.
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o coração, tendo o objetivo final a aprendizagem, que deveria acontecer por meio
de uma formação tripla: intelectual, física e moral.
Herbart foi professor na Universidade de Gottingen, em 1802 e em 1808.
Assumiu a cátedra deixada vaga por Immanuel Kant em Konigsberg, onde
lecionou até 1833, quando reassumiu a vaga de professor de filosofia em
Gottingen e fundou um seminário pedagógico com uma escola de aplicação e
internato. O autor é considerado um dos precursores da pedagogia moderna e
acadêmica.
Foi por intermédio dos estudos de Herbart que, pela primeira vez, a
pedagogia passou a ser vista como ciência, sendo organizada de forma
abrangente e sistemática, tendo fins claros e meios definidos. Sendo assim, o
pensamento de Johann Herbart se destaca pela influência do neo-kantismo,
possuindo uma importância fundamental para a educação. Contextualizando a
vida e obra do autor podemos elencar inúmeras situações em que o pensamento
dele se encontra presente na contemporaneidade escolar.
Por isso, apontamos questões relacionadas à superação ou manutenção
de paradigmas tal como proposto por Thomas Kuhn no campo da pesquisa e que
por fim se identifica com as práticas escolares. Kuhn trata sobre um projeto de
pesquisa voltado às ciências naturais, destacando que como educadores
conscientes da realidade que nos cerca, a pesquisa se faz presente em nossas
vidas, tal como, em nosso cotidiano escolar onde elegemos categorias a serem
decifradas.
Se o paradigma é um padrão a ser seguido, acreditamos que a obra de
Johann Herbart acaba muitas vezes sendo esquecida e invisibilizada, o que não
apaga sua importância fundamental para a educação, destacando-se seus
estudos para a subjetividade e consciência e autonomia moral. (LIBÂNEO, 1999;
KUHN, 2006).
Neste sentido, pretendemos neste ensaio teórico explicar as principais
contribuições da teoria do autor para a educação e comparar o modelo de
educação proposto com o modelo de educação no qual temos hoje. Visto que,
elaboramos nossas tessituras a partir da essencialidade da vida e obra do autor
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que é vasta, trazendo aportes à luz dos conhecimentos acerca das teorias da
educação, compreendendo que a pedagogia trazida por Johann Herbart, embora
de cunho tradicional, ainda se firme como presente na prática educacional de
muitos docentes dos mais diferentes níveis educativos da educação formal.
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Diferente desses aspectos, os estudos de Herbart não trabalham com o
meio social, pois segundo sua teoria a mente funciona com base em
representações, nas quais essas podem ser imagens, ideias ou qualquer outro
tipo de manifestação psíquica isolada. A dinâmica da mente estaria nas relações
entre essas representações, que nem sempre são conscientes. Elas podem se
combinar e produzir resultados manifestos ou entrar em conflito entre si e
permanecer, em forma latente, numa espécie de domínio do inconsciente. A
descrição desse processo viria, muitos anos depois, a influenciar a teoria
psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939).
Uma das contribuições mais significativas de Herbart para a educação é
o princípio de que a doutrina pedagógica, para ser realmente científica, precisa
comprovar-se experimentalmente, uma ideia do filósofo Immanuel Kant (1724-
1804) que ele aprofundou. Dessa ideia, surgiram as escolas de aplicação que
conhecemos até hoje. Elas respondem à necessidade de alimentar a teoria com
a prática e vice-versa, num processo de atualização e aperfeiçoamento
constantes. Herbart fez um trabalho de grande influência porque aprofundou
suas concepções até as últimas consequências.
Na teoria herbartiana, memória, sentimentos e desejos são apenas
modificações das representações mentais. Agir sobre elas, portanto, significa
influenciar em todas as esferas da vida de uma pessoa. Desse modo, Herbart
criou uma teoria da educação que pretende interferir diretamente nos processos
mentais do estudante como meio de orientar sua formação.
17
atribuída ao educando em nome da compreensão equivocada
das metodologias ativas (DALBOSCO, 2018, p. 3).
18
Segundo os apontamentos de Arendt (2018, p. 123)
Não era esse o objetivo do autor, mas esses princípios acabam sendo
utilizados pelo Estado Burguês de maneira inversa, invertendo os objetivos do
autor que estão mesmo ligados à educação formal e ao desenvolvimento da
capacidade dos alunos dentro de sua contemporaneidade.
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da genética, onde os privilegiados são colocados nos serviços de comando e os
tidos como limitados, nos serviços braçais.
Tal como Huxley, Herbart diversifica o contexto dominante do seu tempo,
se preocupando com o desenvolvimento do ensino em etapas. Entretanto, Huxley
se difere ao admitir a existência de uma elite que controla a maioria das pessoas
do mundo. Segundo ele, esse grupo de pessoas sempre existirá, sendo que os
meios de controle podem variar e ser cada vez mais eficientes (HUXLEY, 2003).
Como mencionado anteriormente, a proposta de Herbart fundamentou-
se em três conceitos ligados à moralidade como finalidade da educação, que são:
governo, instrução e disciplina. Apresentou o método de ensino que tem como
passos formais a preparação, apresentação, associação, generalização e
aplicação.
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da instrução moral, pois para ele, uma é a condição da outra.
Para que a educação seja bem-sucedida é conveniente que
sejam estimulados o surgimento de múltiplos interesses.
❖ Disciplina é a responsável por manter firme a vontade
educada, no caminho e propósito da virtude, supondo
autodeterminação, que é uma característica do amadurecimento
moral levando para a formação do caráter que está sendo
proposta, ao contrário do governo, que é heterônomo e exterior,
mais adequado ao trato com as crianças pequenas (LIBÂNEO,
1990, p. 15).
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com “clareza”, o que para ele é, partir do concreto para o
abstrato; ou, quando se referir à moral, partir das experiências
mais simples e compreensíveis para as mais complexas.
❖ Assimilação (ou associação ou comparação): uma vez que
o novo assunto foi introduzido, isto é, uma vez que foram
apresentadas novas ideias e conceitos morais, históricos e
científicos, estes serão completamente assimilados pelos alunos
à medida que forem relacionados com as ideias e conceitos já
conhecidos. O aluno já é capaz de fazer comparações
(diferenças e semelhanças) dos conceitos novos com os antigos
e fazer associações entre estes, assim a aquisição do novo
conhecimento encontra o seu lugar na mente.
❖ Generalização (ou sistematização): esse é o passo onde a
mente é desenvolvida na sua capacidade máxima. O aluno já não
precisa tanto de experiências concretas, ele já é capaz de
abstrair, chegando a concepções gerais. Esse passo tem grande
importância para a instrução na fase da adolescência.
❖ Aplicação: esse é o passo final. É o exercício daquilo que
o aluno aprendeu. Agora, a ideia aprendida fará parte da mente
funcional e auxiliará o ser na sua interpretação da vida e de tudo
que o rodeia. Um conhecimento assimilado e aplicado é a
segurança de que as informações que passamos para o aluno
não serão sobrecargas de dados sem valor para a mente. Assim,
as novas ideias adquirem um sentido vital e deixam de ser um
acúmulo inútil de informações (LIBÂNEO, 1990, p. 17).
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autônoma estável. Por isso a exigência de uma visão compreensível de um
mundo interligado, que pode ser alcançado através do interesse múltiplo, da
disposição para o bem e da rejeição do mal.
Para Kuhn (2006) a descoberta de um pesquisador começa com a
consciência da anomalia porque de alguma maneira a natureza viola as
expectativas dos paradigmas que governam a ciência normal. Herbart explora
categorias onde ocorre a anomalia e assimila uma teoria da educação, ajustando-
a a seu tempo de vivência histórica, das concepções emanadas pela ciência
moderna e traz como aditivo os seus estudos a partir de um método elaborado,
testado para que educando possam ver a natureza das coisas. Pois tudo tem seu
tempo, no século em que o filósofo e pedagogo supracitado viveu, nasceram os
maiores expoentes dos Estudos das Ciências Humanas, o que faz dele o
organizador da pedagogia enquanto ciência, e ele trabalhou arduamente no
sentido de retirar o aspecto de caridade e benemerência da pedagogia, tendo
constituído nela mesma posteriormente a laicidade do ensino.
Para Herbart, os aspectos das contradições sociais não estavam
presentes no campo de seus estudos. Tal como diz Kuhn, cada pesquisador se
direciona a um específico objeto de pesquisa e por meio dele e da evolução da
sociedade seguem um horizonte infinito de construção e produção de
conhecimento, tendo em vista as particularidades e singularidades que envolvem
cada campo da pedagogia, das teorias educacionais, e da pesquisa como fonte
de contribuição com a sociedade (KUHN, 2006).
Os estudos do autor não trazem também o aspecto da ideologia tal como
vemos nos estudos marxianos, por sua vez, trazem uma proposta de educação
formal na qual se tem a centralidade no professor e os alunos se adaptam ao
aprendizado a partir das categorias, elaborações, planejamento e estratégia
didática voltada à apresentação, assimilação, generalização e aplicação do
conteúdo. Pode ser visto por muitos, como uma lógica conteudista, mas o que
destacamos neste trabalho é que muitas vezes nas práticas educacionais,
conforme a evolução dos paradigmas, os métodos e técnicas de ensino se
configuram totalmente parecidos no método proposto por Herbart,
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principalmente na educação brasileira que irá abordar com essas categorias
durante a fase da República Velha, evoluindo-se a partir do pensamento do autor
e seu rompimento da educação como caridade. Pois a partir desses conceitos a
educação irá evoluir também no sentido de sair da filantropia e adentrar para o
Estado como condutor dos processos educativos.
Pesquisas recentes, como a Dissertação de Mestrado de Mioto (2010),
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Londrina/PR, demonstram que nas práticas escolares em sala de aula muitos
educadores que diziam que não se enquadraram no sentido da pedagogia
tradicional, por ora, percebidos apresentavam métodos, características e/ou
ainda comportamentos vinculados à pedagogia tradicional herbartiana no que
confere nas relações de poder, nas relações de saber e institucionais. Mioto
(2010) elege categorias, como é o caso da percepção em sala de aula, durante
a fase de campo de sua pesquisa em Escolas da cidade de Londrina, o que nos
faz refletir enquanto a teoria da pedagogia tradicional ainda se encontra presente
no chão da escola e na sala de aula.
Sendo o paradigma uma característica da ciência normal, natural e rígida,
Herbart buscou desorganizar ao seu tempo para fundamentar explicações
científicas substituindo paradigmas em seu século de vivência e seus estudos
continuam em vigência na Educação brasileira e no mundo. O modelo japonês
de educação se pautou na pedagogia tradicional herbartiana e sua metodologia
(LIBÂNEO, 1999). Os estudos de Herbart continuam predominantes na
contemporaneidade por ter organizado a pedagogia e a psicologia como ciências
extraordinárias, capazes de serem revolucionárias nos dias de hoje. Sendo que,
mesmo com a adoção posterior de outro paradigma, a influência dos estudos do
autor se mostrou ainda suficiente para o modelo de sociedade em que vivemos.
Dentre os vários pesquisadores cujas obras foram influenciadas por
Herbart, destacamos Guattari e Deleuze. Propositalmente, o título de nosso artigo
contém a palavra “devir”, que vem a ser uma categoria muito trabalhada pelos
autores e a qual apontamos em nosso trabalho como um conceito de mudança
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filosófica por onde passam as diversas teorias e complexidades que envolvem a
educação em nossa contemporaneidade.
Deleuze traz para o mundo das ideias uma reorganização dos conteúdos
e da proposta singular expressa por Herbart a partir da lógica do indivíduo, a
imanência de sua teoria não se preocupa com o Estado Social, entretanto traz
dimensões para os estudos linguísticos do significado, do significante e do
sentido que serão aprofundadas por Deleuze e Guattari. As estruturas mentais
encontradas nas ciências educacionais vêm da influência do pensamento
herbartiano no campo da pedagogia, psicologia e psicanálise, as ciências então
possuem uma estrutura que se amplia no conjunto da obra kantiana a partir das
contribuições de Herbart para as teorias educacionais. O campo de atuação e
linha do autor está vinculado basicamente à fenomenologia que teve entre seus
expoentes Jean Paul Sartre entre outros a se influenciarem pela obra de
Immanuel Kant.
Dentre autores influenciados por Herbart destacam-se os da linha
estruturalista, teóricos metafísicos que absorvem a linguagem como estrutura do
pensamento pós-moderno, como se destacam nos estudos vinculados à
genealogia por Foucault. Tais teóricos, como Foucault, Deleuze e Guattari,
apontam para a ruptura da estrutura, considerando a singularidade dos sujeitos,
por isso se destacam como humanistas. Grupos sociais se formam a partir do
discurso que denuncia a estrutura em guerras e lutas de força.
O olhar epistêmico encontra-se na obra de Herbart nos conceitos de
razão universal, sujeito moral e ciência. Direcionado primeiramente como uma
ruptura por romper com a Igreja e o aspecto caritativo da pedagogia, o acúmulo
do saber do autor, como pensava a ciência tradicional, será utilizado pelo Estado
25
para a padronização das ideias e costumes de um povo e que se usado de
maneira inadequada aponta para o fascismo, ou seja, as posições marcadas do
totalitarismo e que aqui nessa obra não aprofundaremos por motivo de termos
outro objeto em questão o de mostrar o quanto a teoria herbartiana da pedagogia
tradicional muitas vezes parece se tornar invisível na escola, mesmo que esteja
presente em suas práticas escolares.
Podemos vislumbrar uma perspectiva de Aldous Huxley (2003, p. 20):
26
expostos na necessidade de interpretar e conhecer quais as características que
proporcionam o paradigma comunitário a esse modelo. Trabalhamos a partir de
modelos adquiridos que necessitam de um conjunto de regras para que se possa
pesquisar a partir da ética com a sociedade e as instituições pesquisadas a partir
de mais do que dados, mas realizações confirmadas a partir de dados concretos
e epistemológicos que dão o caráter revelador e ético da pesquisa nas áreas
humanas e sociais.
Herbart vai traçando seu quebra-cabeça mental e incorpora a pedagogia
às ciências humanas a partir de seus conceitos desenvolvidos sob o
autogoverno, instrução e disciplina, tendo um caráter moral na educação formal
a partir do respeito do aluno para com o professor em sala de aula.
Se falávamos tanto em diversidade e pluralidade porque não afirmar que
o método herbartiano está presente nas práticas escolares, na sala de aula, bem
como, sustentado pelos currículos, pela BNCC e muitas vezes reafirmados em
nossos planejamentos e conceitos que disseminamos em sala de aula e na vida
cotidiana da comunidade escolar.
Acerca disso, as reflexões traçadas por Amaro (2018, p. 78) nos fazem
entender que “o caminho da autocrítica é muito individual. Muitas vezes, o fato
de se autoavaliar superior aos demais de seu grupo dificulta uma volta à natureza
profissional que seria verdadeiramente profícua e de inestimável valor”.
Herbart descobriu uma área de pesquisa cujo status ainda estava em
dúvida, suas experiências nos marcaram no campo educacional até hoje em dia.
Isso demonstra a habilidade de seus estudos para um paradigma ter sobrevivido
durante todo esse tempo. Sendo readaptado por outros teóricos que fizeram
seus estudos segundo suas experiências e crenças de mundo comum, habituais
e diferentes a partir de cada ser social que realiza suas pesquisas da extração de
dados e fontes de elementos isoláveis, explícitos e implícitos a partir de regras e
normas estabelecidas pela sociedade convencional. Quando o paradigma não é
capaz de resolver todos os problemas estabelece-se uma crise no qual o objeto
de estudo passa a ser denominado “anomalia” (KUHN, 2006)
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Morin (2000) explica sobre como a hiperespecialização pode impedir a
percepção global. O autor compreende que ela fragmenta em parcelas o
essencial que é dissolvido. Desse modo, pode obstruir o tratamento correto dos
problemas particulares a serem desenvolvidos pelos alunos. Problemas estes
que se caminham no sentido de serem propostos ou pensados em seu contexto.
Destacando que os problemas essenciais jamais são parcelados e os problemas
globais são cada vez mais essenciais.
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descartada, mesmo porque o autor rompe com paradigmas ao colocar a
pedagogia no status de ciência valorizando sua transversalidade, teoria e
método.
29
educacional, se faz difícil descartar todas as suas ideias, pois sua influência estará
presente na obra dos autores das Ciências Humanas e Educação que vieram
posteriormente ou ao mesmo tempo que ele. Herbart tem sua influência também
nos estudos sobre ética para que sua proposição teórica não fosse utilizada de
modo enviesado. O que ele propõe está articulado à cultura do século XIX aliada
a suas indagações e problematizações para a necessidade de a pedagogia ser
respeitada no âmbito das Ciências Humanas.
Dessa forma, apontamos alguns pontos confluentes de contradição
social, entendemos que Johann Herbart foi um revolucionário paradigmático para
sua época conceitual, não era seu papel se preocupar com o meio social e com
as contradições inerentes a esse processo, pois sua escolha de pesquisa foi
conceder a Pedagogia o status de ciência moderna que iria vir a contribuir com
as pesquisas sobre crianças, mulheres, aleitamentos maternos, educação infantil,
educação especial, educação de jovens e adultos e nas inúmeras áreas de
atuação que a profissão de pedagogia e outras profissões da área a educação
podem estar presentes.
Para finalizar indagamos você a refletir: o que você pensa sobre a
metodologia utilizada na pedagogia tradicional de Johann Herbart?
Entendemos, de modo geral e resumido, que o conceito de metafísica se
faz presente no uso da pedagogia tradicional e nos apresenta as contribuições
do autor para com a razão pedagógica universal, sendo que, ele forneceu o
fundamento as ciências pedagógicas e a psicologia, trazendo conceitos
estruturados a respeito da natureza e da primazia de sua pesquisa humanista
que hoje é tão expressiva no campo da Filosofia da Educação, História da
Educação e da própria Pedagogia enquanto teoria da Educação.
Concordamos que após o rompimento destes paradigmas surgirão
outros, pois a pesquisa se encontra em movimento, tal como a prática docente
em sala de aula, portanto uma pesquisa finalizada suporta a abordagem de
demais categorias a serem desveladas na tentativa de romper com que está
cristalizado enquanto normas e padrões pré-definidos pela sociedade, tal como
feito por outros pensadores que foram elaborando suas abordagens por meio
30
das contribuições propostas e trazidas por Herbart. Então a estrutura da teoria
Herbartiana apresenta um conceito rígido de padrões, fragmentos e elementos
isoláveis, explícitos ou implícitos. E nós enquanto pesquisadores/as buscamos a
partir da tradição científica particular e da aprendizagem de cada especialista
encontrar o que está invisível na conjuntura de uma sociedade capitalista.
Herbart teve por objetivo geral, humanizar a pedagogia que em
detrimento da visão criacionista de mundo, não era valorizada enquanto saber e
poder de contribuição para a evolução da sociedade. Assim, rompeu com uma
estrutura hierarquizada que ficava a cargo da Igreja, influenciando
posteriormente na compreensão do aluno enquanto sujeito singular e no
entendimento dos discursos metafísicos do poder, guerras e lutas de força que
compreendem a nossa sociedade, dentro da perspectiva positivista e
fenomenológica. Sua proposta de educação a partir da instrução e da percepção
foi esquemática, científica e operativa, contudo, não podemos cair no
reducionismo dizendo que nada do que confere as contribuições do autor está
presente na educação e mesmo em nosso plano de aula ou grade curricular
materializados na prática docente.
Referências
31
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio
de Janeiro: Editora 34. 1997.
HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. Porto Alegre: Editora Globo, 2003.
32
JOHN DEWEY
33
Capítulo II
Introdução
34
Em setembro de 1882, ingressa na Universidade John Hopkins com o
intuito de realizar estudos em Filosofia, tendo como professores Charles Sanders
Pierce (Lógica), Stanley Hall (Psicologia) e George Sylvester Morris (Filosofia-
Kant e Hegel). Publica, em abril desse mesmo ano, o artigo “A assunção
metafísica do materialismo” e, em julho, “O panteísmo de Espinosa”. Em 1884,
doutora-se em Filosofia, mas sua tese intitulada “A psicologia de Kant” nunca foi
encontrada nem publicada na íntegra, exceto o texto do artigo intitulado “Kant e
o método filosófico”, publicado no The Journal of Speculative Philosophy. Nesse
período, é recomendado como membro da Sociedade Filosófica de Michigan.
Em setembro do mesmo ano, tornou-se professor de Filosofia na Universidade
de Michigan por recomendação de seu orientador George Sylvester Morris.
Durante o decorrer do ano de 1887 publica dois artigos sobre pontos de
vistas da Filosofia e Psicologia, na Revista Mind, intitulados: “Illusory Psychology”
e “Illusory Psychology” Com estes artigos, Dewey passa a chamar atenção da
comunidade científica para esses assuntos. Casa-se com Harriet Alice Chipman.
Neste mesmo ano, publica seu primeiro livro, intitulado “Psychology”, que foi
adotado como texto base em muitas universidades, mas foi criticado por seu
professor de Psicologia, Stanley Hall, e pelo filósofo William James, que era
mentor de Hall. Em 1888, entra para a Universidade de Minnesota, atuando como
professor de Filosofia Mental e Moral, permanecendo nesse local por cerca de
um ano. Após a morte do seu mentor, George Morris, John Dewey regressou à
Universidade de Michigan tornando-se chefe do Departamento de Filosofia.
No ano de 1894, saiu de Michigan para a recém-criada Universidade de
Chicago, na qual, em breve passou a liderar o departamento de Filosofia e o
departamento de Pedagogia, por sua sugestão criada. Neste mesmo período, ele
defende que a Pedagogia deveria se tornar um departamento independente
dentro da academia, no intuito de formar especialistas em educação. Tendo por
apoio William R. Harper, Dewey torna-se o novo chefe do Departamento de
Pedagogia e de Filosofia desta universidade. Em 1897, publica o artigo “Meu
credo pedagógico” e em 1899, o livro “A escola e a sociedade”.
35
No ano de 1904, por divergências internas na academia, desliga-se do
cargo na Universidade de Chicago e passa a ser professor da Universidade de
Columbia, onde permaneceu como docente em uma carreira ativa até 1930. Em
1910, o livro intitulado de “Como pensamos” foi sua nova publicação. Em 1916,
publica “Democracia e educação” que é considerado um de seus livros mais
importantes. Ao longo de 1920, difunde o próprio pensamento em muitos países,
tais como China, Escócia, Japão, México, Turquia, URSS, de modo a fortalecer o
enfrentamento à crise do pós-guerra. Para tanto, nessa década, ele escreveu
uma série de obras teóricas e políticas. À exemplo, citamos “A filosofia em
reconstrução” publicada em 1920, “Experiência e natureza” publicado em
meados de 1925 e “A busca da certeza” publicado no ano de 1929.
Continua com suas produções na década seguinte, em 1930, escreve
“Individualismo velho e novo”. Em 1934 publica as obras “A arte como
experiência” e “A fé comum”. Em 1935 publica a obra “Liberalismo e ação social”
e no ano de 1938 publica “Lógica, a teoria da investigação e Experiência e
educação”. Desde o início dessa década, trabalha como professor emérito da
Universidade de Columbia, até o ano de 1939. No decorrer de 1939, publica a
obra educacional “Teoria da avaliação” e, a obra política “Liberdade e cultura”.
Aposenta-se na Universidade de Columbia. No decorrer de 1946 escreve
“Problemas de todos”. Em 1949, publica uma obra intitulada “Conhecimento e
transação”. Encerra sua vida e carreira na cidade de Nova York, onde faleceu de
pneumonia, em 2 de junho de 1952.
36
passando a exercerem funções próprias. Evidencia-se a ascensão do
nacionalismo, pautado no liberalismo que valorizava a educação como fator de
desenvolvimento cultural, econômico, político, social, uma emergência da
moderna ciência.
As universidades norte-americanas foram institucionalizadas e
passaram a se organizar sob a forma privada, laica e privada religiosa,
subsidiadas com recursos financeiros vindos de investimentos de capitalistas
industriais e comerciantes americanos na educação. Estes exigiram uma
alteração na administração e no próprio currículo dessas instituições, fazendo
com que os profissionais relacionados à ciência, comércio e indústria
assumissem essa tarefa e o setor clerical perdesse influência. Assim sendo, foi
um período de reforma universitária devido às transformações no campo das
disciplinas acadêmicas e de revolução na imprensa especializada.
O Termo Pragmatismo
37
Figura 1- Esquema para compreensão da concepção de “Pragmatismo” de
Charles Peirce
38
Matriz Naturalista da Experiência
39
“A criança, por exemplo, começa com um ambiente de objetos muito restrito no
espaço e no tempo” (Dewey, 2011, p. 76).
Aquele ambiente constantemente se expande pelo movimento inerente
à própria experiência sem ajuda da instrução escolar. Assim como a criança
aprende a alcançar as coisas, andar, engatinhar, falar, o conteúdo intrínseco de
sua experiência se amplia e se aprofunda. Entra em conexão com novos objetos
e acontecimentos que despertam novas forças, enquanto isso, o exercício destas
forças refina e alarga o conteúdo da sua experiência. “A vida espacial e a vida
temporal são expandidas. O ambiente, o mundo da experiência, constantemente
cresce de forma ampla e abundante” (DEWEY, 1997, p. 74)
Para Dewey, toda experiência tem sempre este caráter de infância, no
sentido de ser abertura para uma nova possibilidade, uma diferença em relação
ao que já foi e o devir. A experiência não tem um fim determinado de antemão.
Não é possível seguir sempre o mesmo caminho, pois ela é antes de tudo um
“open end” (fim em aberto). O processo de conceber pensando tem sua origem
e lugar na experiência. Ao conceber o pensamento inserido no processo da
experiência, Dewey visa superar os dualismos tradicionais das filosofias que
separavam a experiência do conhecimento e, por consequência, todas as demais
divisões como inteligência e ação, inteligência e emoção, teoria e prática, saber
e fazer, espírito e corpo, trabalho e lazer etc.
Experiência e Pensamento
40
significação verificada praticamente. Portanto, o pensamento tem papel
instrumental e funcional.
Democracia
41
tradicional de transmissão de conteúdos, que separa estas instâncias,
privilegiando a primeira em detrimento da segunda.
Para Dewey (1980, p. 142) a experiência da criança é indicativa das
tendências de crescimento. Por isso, o professor deve partir destas experiências,
ampliando-as com as experiências mais amplas da própria humanidade. É a partir
da experiência da criação que se traça um planejamento de ações a ser seguido
de modo a atender cada especificidade infantil. Ele ainda defende que a escola
pode desenvolver a capacidade de pensar dos alunos e para ensinar e aprender
deve-se “estimular, promover e pôr à prova a reflexão e o pensamento” Dewey
(1979, p. 167). O método de reflexão é o método de uma experiência educativa
e, consequentemente, um método de educar.
42
Nessa perspectiva, a educação é a própria vida, cabendo a pensar em
um ambiente mais próximo da realidade vivenciada pelos sujeitos aprendizes, a
considerar a capacidade e os propósitos dos alunos. O autor se opunha à
concepção tradicional no sentido de desconsiderar os interesses, não valorizar
os alunos que não atendiam às expectativas, desrespeitando seu ritmo e tempo.
Diferentemente das tendências tradicionais, a Escola Nova objetiva-se a
preparar o aluno para uma sociedade democrática, industrializada e científica.
Dewey (2011) trata sobre a experiência educativa, um conceito extremamente
relevante para a educação, pois tal ideia se baseia no processo de continuidade,
ou seja, toda a experiência vive em experiências futuras, e ao mesmo tempo
carrega em si algo das experiências passadas, e modifica as que estão por vir.
Sobre isso, ele esclarece que
43
A educação tradicional não teve que enfrentar tal problema,
pôde ignorar sistematicamente essa responsabilidade. O
ambiente escolar de carteira, quadro-negro e um pequeno pátio
era considerado suficiente. Não havia exigência de que o
professor conhecesse intimamente as condições físicas,
históricas, econômicas, ocupacionais etc. da comunidade local
[...]. Um sistema educacional baseado na necessária conexão
entre educação e experiência, se fiel aos seus princípios, deve,
ao contrário, levar todas estas coisas em consideração
constantemente [...].
44
e educação são o mesmo [...]” (DEWEY, 1978, p.7). Só se desenvolve um
conhecimento, uma ideia, atitude, comportamento, se for praticado.
45
constituem a própria vida do grupo enquanto comunidade [...]”. Para tanto, o
professor assume um papel de pesquisador constante, ativo para construir
experiências, adaptar matérias e relacioná-las com os interesses e capacidades
dos educandos.
Considerações Finais
Referências
DEWEY, John. Experience and nature. New York: Dover Publications, Inc.,
1958.
46
DEWEY, John.Vida e educação. Tradução de Anísio Teixeira. In: DEWEY, John.
Dewey Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural. 1980.
DEWEY, John. Vida e educação. Tradução de Anísio Teixeira. 10. ed. São
Paulo: Melhoramentos. 1978.
47
LEV SEMIONOVITCH
VYGOTSKY
48
Capítulo III
Introdução
49
A ideia de metaforizar alguns elementos da herança científica de
Vygotsky adveio da compreensão de que se faz necessário levar esse
conhecimento para o “chão da escola” de uma maneira que venha a despertar
as curiosidades epistemológicas dos professores e professoras, que aplicam
elementos da teoria vygotskyana, contribuindo para que conheçam,
compreendam e reflitam ainda mais sobre o embasamento teórico de suas
práticas pedagógicas em sala de aula.
Sobre o uso da metáfora, esclarecemos que
50
Uma vida impulsionada pela ciência e ancorada no saber
51
profissionais, fizeram com que ele se mudasse para Moscou para continuar o seu
itinerário profissional.
Em 1919, contraiu tuberculose, doença que, na época, era letal. E,
sabendo que sua vida seria curta, Vygotsky trabalhou incansavelmente,
tornando-se uma figura altamente respeitada no mundo da Psicologia.
Sua vida mudou em 1924, pois se casou com Rosa Nóievna Sméjova,
com quem teve as filhas Guita e Ásya Výgodskaya, e porque proferiu um
importante palestra sobre Neuropsicologia no Congresso de Leningrado sobre
investigação reflexológica e psicológica. A palestra apresentava conhecimentos
inéditos acerca do assunto, o que teve enorme repercussão e fez com que o
autor passasse a ser conhecido internacionalmente.
Esse fato também lhe abriu as portas para ingressar como professor do
Instituto de Psicologia Experimental de Moscou, coincidindo com a criação do
laboratório de investigação com um grupo de pesquisadores, dentre os quais, se
pode destacar figuras relevantes como Luria e Leontiev (RUIZA; FERNÁNDEZ;
TAMARO, 2004).
A partir de então, Vygotsky desenvolveu suas contribuições mais
importantes para a Psicologia, especialmente no campo do desenvolvimento
psíquico, formulando a teoria com a qual entraria para a história: a Teoria
Histórico-Cultural (COSTA; MARTINS, 2018).
Vygotsky defendia que nosso desenvolvimento cognitivo e emocional era
resultado de interações sociais, nas quais a herança histórica, os fenômenos
culturais (como a linguagem, dança, teatro, pintura, música etc.) e as estruturas
sociais em que crescemos determinavam nosso modo de ser e de nos
comportar. Essa crença de que os processos mentais eram de natureza social
levou a uma mudança radical no que se sabia sobre o desenvolvimento cognitivo,
mental e emocional das crianças, compreendendo que somos todos, resultados
do ambiente social e cultural em que crescemos.
É importante ressaltar que Vygotsky não negava ou excluía o fator
biológico, porém, não considerava que ele por si só, fosse base suficiente para
garantir o desenvolvimento humano. Para o autor, o social era um dos pilares
52
mais sólidos para isso. Leontiev (1978) destaca que as condições biológicas
referem- se apenas a uma pequena parte na formação das faculdades psíquicas
humanas e que a vivência e a apropriação das condições sócio-históricas
contemplam e agregam muito mais no desenvolvimento humano. Corroborando
com os pensamentos do autor,
53
línguas, tais como alemão, latim, grego, francês, inglês e o hebreu. Há de se
destacar ainda, seu envolvimento em estudos relacionados aos problemas
concretos que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas enfrentava no
período pré-revolucionário, como o atraso na industrialização, a ruralização, o
analfabetismo e as lutas de classes, entre outros fatores que marcaram aquele
contexto histórico.
No período pós-revolucionário, a militância política de Vygotsky refletiu
diretamente no processo de educação popular e erradicação do analfabetismo
proposto por Lênin, que convocou todas as forças intelectuais do país para
ministrar aulas nas fábricas e nos quartéis, por meio de uma metodologia que
fosse respondente às necessidades dos alunos.
De acordo com Caprini e Zudini (2015) na perspectiva Vygotsky, a
aprendizagem mediada por símbolos é uma forte aliada no processo de ensino
aprendizagem, porque traz em si um significado que contribui para a formação
do pensamento lógico, da vontade, da imaginação e da criatividade.
Diante disso, apresentamos dois símbolos carregados de significados
culturais para nos ajudar a compreender a relevância do legado científico de
Vygotsky para a educação. Trata-se do barco e da âncora, que neste contexto,
assumem a função de metáfora para explicar que a figura de Vygotsky pode ser
interpretada como um barco navegando pelo mar que era a realidade da época
na qual ele estava inserido e participava. Sua erudição extraordinária,
demonstrada por meio de seus pensamentos, era a âncora que o mantinha firme
e ciente acerca dos movimentos que estavam acontecendo, permitindo-lhe
perceber as inconsistências e os problemas da sociedade antes e depois das
Revoluções Russas.
A âncora, enquanto símbolo que remete a uma ferramenta importante
para manter o controle de uma embarcação, fixando-a num determinado porto,
ou liberando-a para partir para outro lugar são as teorias e as pesquisas
desenvolvidas por Vygotsky no sentido de refundar a Psicologia, tendo como
“bússola” (referência metodológica) o materialismo histórico-dialético de Marx.
54
O materialismo histórico-dialético como bússola
55
necessário também, introduzir uma abordagem histórica no próprio cerne da
psicologia e compreender a consciência a partir de sua natureza e estrutura,
como afirmam Caprini e Zudini (2015).
É esse o embasamento que permite a Vygotsky problematizar os
caminhos percorridos pela psicologia até então, opondo-se às teorias científicas,
cuja visão de homem divergia e contrastava entre si devido à concepção
fragmentada e atomística presente na época.
56
as reduziu a uma cadeia de reações biológicas e fisiológicas. Além disso,
Vygotsky foi talvez o primeiro que se comprometeu a descrever e sistematizar
diferentes aspectos do mesmo tipo de reações psicológicas resolvendo o
problema do método e trazendo uma nova concepção de homem para a
psicologia.
Tendo em conta o supracitado, Vygotsky conseguiu
57
num meio social. Ademais, poderíamos dizer que todas as
funções superiores formaram-se não na biologia nem na história
da filogênese pura – esse mecanismo, que se encontra na base
das funções psíquicas superiores, tem sua matriz no social
(VYGOTSKY, 2011, p. 864).
58
(histórico-cultural), sem esquecer-se dos elementos profundos e amplos do meio
interno (as funções mentais superiores).
59
Estudos comparativos revelaram que os textos que estão em "A
formação social da mente" (1984, 1998, 1999) têm muito pouco
ou quase nada em comum com as obras originais publicadas na
União Soviética e, mais recentemente, na Rússia. Ou seja,
dificilmente se pode dizer que são trabalhos do mesmo autor em
línguas diferentes. Portanto, pode-se afirmar que o livro é
levianamente atribuído a Vigotski, pois não foi escrito por ele.
Além desse fato, os organizadores do referido livro parecem se
eximir de qualquer responsabilidade pelos textos publicados.
Caso o leitor seja descuidado e não leia a introdução, jamais
saberá que se trata de uma tradução editada, e a
responsabilidade de atribuir a autoria dos textos a Vigotski será
dele e não dos organizadores do livro (PRESTES, 2013, p. 297).
60
blijaichee, adjetivo neutro do grau superlativo sintético absoluto,
derivado do adjetivo positivo blizkii, que significa próximo. Logo,
blijaichee significa o mais próximo, ‘proximíssimo’, imediato.
Segundo: a própria noção implícita no conceito vigotskiano é a
de que, no desempenho do aluno que resolve problemas sem a
mediação do professor, pode-se aferir incontinenti o nível do seu
desenvolvimento mental imediato, fator de mensuração da
dinâmica do seu desenvolvimento intelectual e do
aproveitamento da aprendizagem. Daí o termo zona de
desenvolvimento imediato (BEZERRA apud VIGOTSKI, 2001, p.
X-XI, apud PRESTES 2010, p.169).
Nesta perspectiva, vale reiterar que o termo que mais se aproxima das
ideias de Vygotsky é o iminente, pois considera a importância da mediação de
alguém para realizar/superar determinadas tarefas. No entanto, essa presença
não certifica que de fato ocorreu seu desenvolvimento, se configurando como
possibilidade. Assim sendo, na ação pedagógica, o professor não pode
considerar somente a autonomia da criança ao desenvolver determinada
atividade sozinha. A preocupação deve centrar-se naquilo que não foi realizado,
mas que há a possibilidade de ser feito a partir da imitação, permitindo que a
criança supere suas próprias dificuldades e se desenvolva a partir da interação
com seus pares, podendo ser um colega de turma, um familiar ou o professor,
conforme afirma Prestes (2012).
Partindo do exposto acima:
61
complexificação das funções psíquicas que pautam as tarefas do
ensino, no qual a referida área se apresenta como superação do
nível de desenvolvimento real na direção da formação de
conceitos. Por isso, Vigotski afirmou, recorrentemente, que ao
nível de desenvolvimento real a formação de conceitos está
sempre começando (MARTINS, 2013, p. 287).
62
com vistas a disponibilizar ou até mesmo criar ferramentas e estratégias
necessárias para tornar o aluno autônomo em seu processo de aprendizagem.
A teoria de Vygotsky teve um impacto significativo no mundo do ensino
e da pesquisa, em especial por suas possíveis aplicações na formação de
professores. As áreas potencialmente afetadas incluem todas as disciplinas, na
medida em que afeta as práticas de ensino e a avaliação, que deve ser elaborada
de forma interdependente em função do conceito de Zona de Desenvolvimento
Iminente descrito acima.
De acordo com Vygotsky, se alguém deseja obter uma boa educação,
deve ser voltado para este conceito, e o professor tem um papel fundamental na
estruturação de um contexto social e colaborativo capaz de orientar e apoiar os
alunos durante a aprendizagem dentro da Zona de Desenvolvimento Iminente.
Este papel implica, em primeiro lugar, que o professor deve mediar e
ajudar na aprendizagem dos alunos, apoiando-os através da interação social no
momento de construção cooperativa. Em segundo lugar, que a atividade de
mediação realizada pelo professor deve ser flexível, com base no feedback que
recebe dos alunos durante as atividades.
Considerações finais
63
Nessa direção, a contribuição de Vygotsky deve ser retomada dia a dia
por quem tem a possibilidade de promover o desenvolvimento cognitivo das
crianças, mas também o de adultos, principalmente por professores e
professoras, a fim de testemunharem a atualidade de Vygotsky para o processo
educacional por meio de sua teoria Histórico-Cultural, que no âmbito da metáfora
adotada neste trabalho pode ser compreendida na perspectiva da âncora e do
barco. E desse modo, equipados com todos os instrumentos necessários para
navegarmos, conduzimos nossa prática educativa, na luta contra a precarização
do ensino e contra os projetos de desmonte da educação que rondam e
ameaçam nosso “barco”.
Referências
64
http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_arquivos/45/TDE-2010-09-
15T091824Z-5044/Publico/2010_ZoiaRibeiroPrestes.pdf. Acesso em 19 de jan.
2023.
65
ALEXEI LEONTIEV e
VASILY DAVYDOV
66
Capítulo IV
Introdução
67
Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A
disciplina se propôs dar luz a diferentes teóricos considerados fundamentais para
a educação e, para o texto em questão, selecionamos os autores Leontiev, que
direcionou suas pesquisas para a teoria da atividade e Davydov que sistematizou
a teoria da atividade de estudo e a teoria do ensino desenvolvimental.
68
histórico, e isso implica um processo educativo, sistemático ou
assistemático, escolar ou extraescolar”.
Postulados de Leontiev
69
na filosofia marxista e juntamente com Vygotsky e Luria, tornou-se referência
para a psicologia, para a educação e para a sociologia, pois seus estudos
contribuíram com o desenvolvimento da teoria de origem sócio-histórica acerca
das funções psíquicas superiores, que são funções especificamente humanas.
Baseando-se nos estudos de Marx, nos pressupostos de Leontiev,
destaca-se que na presença de condições adequadas de vida e de educação, os
indivíduos se desenvolvem. O autor explica que
Duarte (2004, p. 47) ressalta que um aspecto central tanto para Marx
como para Leontiev, é o de que os mesmos processos que ocorrem de forma
dialética e que diferenciam a atividade humana da atividade animal, produzem a
historicidade do ser humano, ou seja, movem a história humana. Passemos
então, à análise do que é atividade para Leontiev.
Leontiev chama de “atividade” não qualquer fazer do sujeito, mas aquele
fazer que possui um sentido para o indivíduo que o realiza. A atividade é
compreendida como um processo de transformação da realidade por meio da
ação de outro indivíduo. Desta maneira, acontecem as apropriações advindas
das práticas sociais e culturais.
70
Sendo assim, o que nos motiva a realizar uma atividade é a necessidade
ou interesse que nos move em buscar um objeto que satisfaça essa necessidade.
Todo fazer humano tem sempre um sentido, um objetivo, do qual é alcançado ao
final do processo. De acordo com Mello (1999, p. 21), respaldado pelos estudos
de Leontiev,
71
atividade principal? (a) É a atividade significativa e dominante em determinado
estágio de desenvolvimento humano (do nascimento à morte); (b) Os processos
psíquicos são reorganizados, avançam de acordo com as atividades principais e,
(c) A atividade principal é a atividade da qual dependem, de forma íntima, as
principais mudanças psicológicas da personalidade.
A título de ilustração, podemos pensar no bebê, nos primeiros meses de
vida. A atividade que mais vigora, ou seja, a principal, sendo aquela que o coloca
em contato com o mundo que o rodeia, é a comunicação com os adultos que
cuidam dele. No entanto, essa comunicação é emocional e não verbal, pois
podemos observar que o adulto, no contato com a criança, antes dela ser capaz
de responder, se antecipa na resposta, começa a aproximar objetos para que ela
veja e tente pegar, assim, cria-se uma nova necessidade, não só de
comunicação, mas também a de manipulação dos objetos. Inicia-se um processo
de mudança de atividade.
Leontiev (1989, p. 67) explica que a mudança do tipo principal de
atividade e a transição da criança de um estágio de desenvolvimento para outro
correspondem a uma necessidade interior que está surgindo “[...] e ocorre em
conexão com o fato de a criança estar enfrentando a educação com novas tarefas
correspondentes a suas potencialidades em mudança e a uma nova percepção”.
Em relação aos motivos, Leontiev descreve que há motivos eficazes e
motivos compreensíveis. Vamos a um exemplo, de acordo com Ottoni (2022): O
estudante lê o livro. Ele compreende a importância da leitura, da apropriação de
conhecimentos por meio dela – motivo apenas compreensível - porém o que na
verdade o mobiliza a ler esse livro é a prova em si, sendo um motivo realmente
eficaz. Graças ao processo dinâmico característico da atividade, a ação pode se
tornar atividade. A ação da leitura inicialmente vinculada à prova, pode tornar-se
o motivo em si, relacionado ao conteúdo do livro que começa a despertar nele
interesse; o estudante se envolve na ação tornando uma atividade para ele.
A obra de Leontiev é vasta, assim como a sua contribuição para a
educação. Esse autor nos inspira a olhar para a criança, no processo educativo,
com altas condições de desenvolver suas capacidades. Para ele, não existe
72
indivíduo predisposto ou não pré-disposto à uma atividade científica, artística,
musical, esportiva etc. As condições de vida, dadas a essa criança é que cria o
talento correspondente.
Postulados de Davydov
73
Em sua pesquisa no campo da psicologia pedagógica, Davidov
destacou a importante conexão entre a educação e o
desenvolvimento. Assim, por meio do convívio com adultos e os
demais, a criança vai desenvolvendo suas funções psíquicas
dentro da escola, e a longo prazo, a criança se apropria das
aprendizagens, tornando-as parte de si. Davidov assimila o
aprendizado como inerente com base no desenvolvimento
histórico e social (CAMILO, 2021, p. 04).
74
Destaca-se ainda,
75
Salientou ainda que neste momento a atividade de estudo estava limitada
à realização da tarefa e ao domínio de diferentes modos de ação, isso separado
da ação subsequente. Já na etapa motivacional a abordagem direcionou-se para
a elaboração e o aperfeiçoamento da Atividade de Estudo para o
desenvolvimento intelectual e moral das crianças, em que Puentes (2020, p. 9)
considera:
Alguns pontos dessa etapa ficaram com algumas lacunas das quais
encontram conceituação na etapa emocional (1997 a 2018), em que o autor
aponta que Davydov encontrou na emoção uma possibilidade para superar a
carência de estudos frente às leis internas das necessidades e de esfera
motivacional para a Atividade de Estudo.
76
desenvolvimento que os sujeitos passam são: comunicação emocional direta;
atividade objetal manipulatória; jogos de papéis sociais; atividade de estudo;
comunicação íntima pessoal, e a atividade profissional/estudo1. Importante
ressaltar que para os autores Leontiev e Elkonin, o que determina o estágio e a
mudança de um período para o outro não é a idade do indivíduo, mas as
condições sócio-históricas que ele vivência e as oportunidades que são dadas a
ele.
Com o intuito de contribuir com profissionais da escola básica, e
fundamentadas na Teoria Histórico-Cultural, objetivamos nessa seção, oferecer
subsídios para o professor propor ações de ensino e promover situações
favoráveis à aprendizagem, pois, corroboramos com Pasqualini (2019, p. 131-
132), ao afirmar que o ato de ensinar mediado e com intervenção do professor
aspira à garantia da apropriação do conhecimento pela criança, possibilitando o
seu desenvolvimento.
Seguindo a preposição ligada à atividade principal de cada período do
desenvolvimento humano, iremos propor algumas reflexões voltadas às crianças
em seus primeiros anos de vida, que vivenciam um processo de comunicação
emocional direta, fase basilar para os demais períodos do desenvolvimento do
sujeito, inclusive da atividade de estudo, que se inicia na fase escolar.
De acordo com Leontiev (1978), quando nasce um bebê, nasce um
candidato à humanização, isso significa que a escola, enquanto espaço
educativo, precisa oportunizar aos bebês o contato com profissionais
capacitados e não incipientes de formação, uma vez que, nesta etapa da vida, é
preciso possibilitar ao bebê vínculos de comunicação que promovam
aprimoramento das capacidades psíquicas, e o ajude a se tornar humano.
1
Para aprofundar o conhecimento a respeito da periodização do desenvolvimento, sugerimos o
acesso à obra completa do autor: ELKONIN, D. Sobre el problema de la periodizacion del
desarrollo psíquico em la infância. In: SHUARE, M. (org.) La Psicologia Evolutiva y pedagógica
en la URSS. Moscú: Editorial Progreso, 1987.
77
mundo exterior, inclusive a mais simples, é a relação refratada
por meio da relação com outra pessoa. A vida do bebê está
organizada de tal modo que em todas as situações se faz
presente de maneira visível ou invisível outra pessoa
(VYGOTSKY, 1996, p. 285)
78
um exemplo, ou ainda instigar a saborear uma fruta. Quando consideramos que
a atividade principal do período é a atividade emocional direta, o espaço é
organizado e preparado de forma cuidadosa, a fim de oportunizar as condições
necessárias para que haja aprendizagem e desenvolvimento. É o professor que
pode possibilitar, atrair ao bebê para uma comunicação e criar nela novas
necessidades.
Nos momentos de cuidado com o bebê, como a troca de fraldas ou
banho, por exemplo, é importante dedicar um tempo de qualidade, ou seja,
sempre conversar com o bebê, nomear os objetos da cultura, verbalizar as ações,
como por exemplo: - agora vamos lavar a cabecinha? o que a gente precisa para
lavar os cabelos? onde fica o cabelo? Criando assim, a necessidade de
comunicação.
Na educação infantil, principalmente com os bebês e crianças pequenas,
o professor (par mais desenvolvido) elabora seu planejamento dotado de
intencionalidades pedagógicas, em que pré-estabelece objetivos para que o seu
aluno possa alcançar. Assim, o planejamento deve estar pautado na Estrutura
Geral da Atividades (Figura 1), que exemplificamos abaixo:
79
Figura 2: Teoria da Atividade em vídeo - QR Code
Considerações finais
Referências
80
BARROS, M. Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.
81
OTTONI, T. P. M. E. Processos Educativos e Avaliativos sob a luz da Teoria
Histórico-Cultural: considerações sobre os instrumentos de avaliação. Pós-
Doutorado. Curitiba: PR. 2022.
82
JEAN PIAGET
83
Capítulo V
Introdução
84
redigida inicialmente em francês e traduzida para o inglês por Donald MacQueen,
traz um pouco da história de Piaget contada por ele mesmo. No Brasil, Richard
Evans, no livro “Jean Piaget: o homem e suas ideias”, apresenta excertos dessa
autobiografia, como a descrição que o autor faz de seus pais:
85
servindo como instrumento de proteção para o que o autor chama de “demônio
da Filosofia”. De acordo com Aranha (2012) a relação do pai agnóstico, com a
mãe religiosa, desde muito cedo, representou para Jean um conflito entre ciência
e religião, compondo-se em uma experiência cuja clarificação constituiria uma
de suas preocupações existenciais. Aos quinze anos, Piaget enfrentou esse
conflito: sua mãe era devota protestante e por isso recebeu instrução religiosa
em um curso de seis semanas sobre os fundamentos da doutrina cristã.
Em 1915, Piaget se formou em Biologia e em 1918, defendeu sua tese
de doutorado sobre moluscos e nesse mesmo ano iniciou seus estudos sobre
Psicologia em Zurique, especialmente no campo da psicanálise. Começou a
trabalhar em um laboratório de psicologia, assistia às aulas ministradas pelo
psicólogo Carl Jung e trabalhou com o psicólogo Alfred Binet (pedagogo e
psicólogo francês). Em 1919 ingressou na Universidade de Paris para trabalhar
com testes de inteligência infantil:
86
Instituto Jean Jacques Rousseau, em Genebra, em 1921, no qual se dedicou mais
alguns anos a estudar o pensamento da criança e as origens da vida mental. Ele
afirma que:
87
gênese da conduta inteligente, das ideias de constância e causalidade objetivas
e dos começos do comportamento simbólico (imitação e brincadeira). Os três
volumes são “O nascimento da inteligência na criança (1937); A construção do
real na criança (1937); A formação do símbolo na criança (1945)” (PIAGET, 1980,
p. 149).
De acordo com Piaget (1980), o benefício principal desses estudos foi
aprender de forma mais direta, a maneira como as operações intelectuais são
preparadas pela ação sensório-motora, mesmo antes do aparecimento da
linguagem.
Em 1929, Piaget começou a lecionar História do Pensamento Científico,
em Genebra, e assumiu o Gabinete Internacional de Educação dedicado a
estudos pedagógicos. O autor marcou a década de 1930 com a publicação de
vários trabalhos sobre as fases de desenvolvimento, por meio das observações
de seus filhos. Em 1936, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” pela
Universidade de Harvard. Em 1940 Piaget assumiu o cargo de professor-diretor
no Laboratório de Psicologia, publicando trabalhos sobre a formação de
conceitos matemáticos e físicos com a parceria de outros pesquisadores. Em
1946, tornou-se membro do Conselho Executivo na constituição da UNESCO
(ARANHA, 2012).
Na década de 1950, Jean Piaget fundou o Centro Internacional para a
Epistemologia Genética, em Genebra, destinado a pesquisas sobre a formação
da inteligência. Os resultados dessas pesquisas foram publicados em 1955, com
o título de “A Epistemologia Genética”, consagrada como sua primeira tese sobre
a teoria do conhecimento. De acordo com Aranha (2012), em 1967, Piaget
publicou sua principal obra da maturidade chamada de “Biologia e
Conhecimento” e em 16 de setembro de 1980, faleceu em Genebra.
A problemática do conhecimento
88
O mestre de Genebra aprofundou seu olhar buscando explicar a razão da
evolução do pensamento orientado pela questão: "Como se passa de um
conhecimento menos elaborado para um conhecimento mais elaborado?"
(PIAGET, 1975).
Sua teoria fundou as bases para a compreensão da gênese do
conhecimento e promoveu uma transformação no olhar acadêmico sobre esses
aspectos, por demonstrar que para saber como o ser humano chega ao
pensamento lógico é preciso buscar na criança a origem e a explicação. Piaget,
ao elaborar a teoria psicogenética, procurou mostrar as mudanças qualitativas
pelas quais passam as crianças, desde o estágio inicial de uma inteligência
prática (período sensório-motor), até o pensamento formal, lógico-dedutivo
(período operatório-formal).
Segundo Piaget (1975), o conhecimento não pode ser concebido como
algo pré-determinado desde o nascimento (inato), nem como resultado do
simples registro de percepções e informações (empírico). Resulta das ações e
interações do sujeito com o ambiente onde vive. Todo conhecimento é uma
construção que vai sendo elaborada desde a infância, por meio das interações
do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou
cultural.
Na teoria piagetiana, o desenvolvimento é um processo contínuo que se
dá por meio de organizações e reorganizações das estruturas de tal modo que
cada nova reorganização feita pelo sujeito, integra-se à anterior. Sendo assim,
para Piaget (1978), o desenvolvimento consiste em uma constante, do estado de
menor equilíbrio para um de equilíbrio superior. Esta constante do
desenvolvimento ocorre de maneira sucessiva que Piaget definiu como
demonstrada em estágios, que revelam as construções acumuladas até ali e que
constituem a estrutura de pensamento, que resultam da inter-relação de quatro
fatores que dão condição e explicam o desenvolvimento cognitivo.
O primeiro desses fatores é a hereditariedade, compreendida como a
maturação. Para Piaget e Inhelder (1994), esse fator coloca restrições no
desenvolvimento cognitivo, determinando o alcance das possibilidades. A saber,
89
“[...] a maturação, a ritmo de manifestação do potencial herdado, é o mecanismo
pelo qual esses limites são estabelecidos” (WADSWORTH, 1997, p. 34). No
entanto, essas limitações mudam à medida que a maturação progride, mediante
a prática de ações da criança sobre o seu meio.
A experiência é o segundo fator identificado por Piaget, ela se refere à
interação da criança com o objeto. Essa manipulação do objeto pode se dar por
meio da ação, em sentir, cheirar, pegar o objeto, ou pode se constituir em uma
ação mental, um pensamento. Essas experiências são o que promovem no sujeito
assimilações e acomodações provocando a mudança nas estruturas
(WADSWORTH, 1997).
A interação social é o terceiro fator destacado pelo autor como condição
para o desenvolvimento. “Por interação social, Piaget quer dizer o intercâmbio
de ideias entre pessoas” (WADSWORTH, 1997, p. 35). É nessa interação que os
desequilíbrios são provocados. Esse intercâmbio de ideias se dá nas brincadeiras
das crianças, nas relações com os colegas, com os adultos, com os familiares,
na escola, em casa e com o conhecimento produzido por eles.
Todas elas são importantes para o desenvolvimento intelectual. Essas
interações se desdobram em experiência física, onde o sujeito age sobre o objeto
e retira dele suas características principais por abstração empírica e em
experiência lógico-matemática que constituem as ações coordenadas sobre os
objetos.
Segundo Piaget (1978), a maturação, a experiência e a interação social
não são suficientes para explicar o desenvolvimento. Por fim, o quarto fator se
refere a equilibração, entendido pelo autor como o fio condutor de todo o
processo. “A equilibração é o regulador que permite que novas experiências
sejam incorporadas, com sucesso, aos esquemas” (WADSWORTH, 1997, p. 36).
Assim, quatro são os fatores necessários para o desenvolvimento cognitivo:
maturação, experiência ativa, interação social e equilibração (WADSWORTH,
1997, p. 36).
Esse funcionamento dinâmico de construção e reconstrução possibilita
ao sujeito, progredir em suas construções e alcançar patamares mais elevados e
90
esquemas mais complexos. Um pressuposto da teoria piagetiana é que todo
sujeito busca uma autopreservação, ou uma adaptação para satisfazer as suas
necessidades. Reconhecer o saber e o conhecer como necessidades de todos e
para todos é, portanto, muito valorizado nesta teoria. O estar adaptado
corresponde a um estado relativo de equilíbrio, que quando rompido é
desequilibrador, e o sujeito, a partir de ações motoras ou mentais, retoma o
processo adaptativo para resolver o desequilíbrio (PIAGET, 1975).
Além da adaptação, os sujeitos também buscam uma frequente
organização para integrar as novas informações aos conhecimentos já existentes
e progredir na direção de formas mais complexas e potentes de inteligência. A
adaptação e a organização se caracterizam então, como duas variantes
funcionais dos processos que atuam no desenvolvimento.
Piaget preocupou-se em esclarecer, que o conhecimento não está
pronto no sujeito, nem no meio, mas é resultante de uma contínua interação entre
eles. O sujeito epistêmico participa de um processo dinâmico, com implicações
mútuas, onde na relação sujeito/objeto constrói formas de pensamento e
paralelamente seus conhecimentos (PIAGET, 1975).
Apoiado em Piaget, Macedo (1994) expõe que interagir é poder assimilar
o objeto às estruturas do sujeito, “implica possuir um esquema qualquer por meio
do qual um elemento exterior pode nele ser incorporado” (MACEDO, 1994, p.
146). As mudanças provocadas no sujeito a partir da sua interação com o objeto
e que exigem uma constante adaptação e organização, segundo Piaget (1975),
ocorrem por assimilação e acomodação que complementam o processo de
equilíbrio.
A assimilação é o processo em que o sujeito incorpora o objeto a
esquemas já estruturados, “implica em ajustar as características dos objetos”
(MACEDO, 1994, p.146), ou seja, uma consequente acomodação, pois da mesma
forma que o sujeito incorpora o objeto nas suas estruturas, estas se modificam
com as características dos objetos. É nessa correspondência entre a assimilação
e a acomodação que se encontra a causa do desenvolvimento e da construção
das estruturas cognitivas.
91
De forma geral, cada progresso do desenvolvimento se abre para novas
perturbações que não se colocavam antes. O novo equilíbrio atingido tende a ser
mais estável e mais amplo que o anterior, pois proporciona novas trocas com o
meio. Quando realizou o estudo das estruturas do pensamento Piaget observou
aspectos constantes e comuns a todas as idades, estruturas sucessivas que se
compõem das mais elementares às mais complexas que conduzem ao “equilíbrio
final”, que foram por ele organizados nos quatro principais estágios do
desenvolvimento, os quais apresentamos a seguir.
Os estágios do desenvolvimento
92
Estágio sensório-motor
Estágio pré-operatório
O estágio pré-operatório ocorre dos dois aos sete anos e é marcado pelo
aparecimento das primeiras formas de linguagem e diversas formas de
representação. A partir da aquisição da linguagem, observa-se o início da
socialização da ação e do pensamento, o indivíduo é também capaz de
reconstruir suas ações passadas de forma narrada. A criança nessa fase é
egocêntrica, não conseguindo acompanhar transformações e conservá-las. A
assimilação e a acomodação tomam a forma de brinquedo e de imitação. A
93
principal característica é a interiorização dos esquemas e o progresso é o
desenvolvimento da função simbólica e a representação dos objetos ausentes.
Configura-se uma modificação dos esquemas motores em esquemas
representativos e conceituais.
No decorrer de todo esse estágio, a criança interage com o meio a partir
de seus esquemas representativos que geram modificações em suas condutas e
proporcionando uma organização mais estável. Embora já realize ações mentais,
elas ainda não se compõem em operações, pois, uma operação não existe de
forma isolada e exige a coordenação de ações reversíveis e compensadoras para
se constituir, o que ainda nesse estágio configura-se uma limitação.
O pensamento pré-operatório é caracterizado pela sua irreversibilidade,
pelas relações não conservadoras, por classificações empíricas e pela falta de
inclusão lógica entre as partes e o todo. Para que a criança deste período evolua,
é necessário romper as barreiras do egocentrismo, o que a permitirá descentrar
seu pensamento, acompanhar e conservar as transformações, possibilitando
construções lógicas, que marcam a transição para o próximo estágio
(WADSWORTH, 1997).
94
simbólicos e representativos que a cerca. Por volta dos sete anos, o pensamento
se torna mais flexível, menos egocêntrico, abrindo espaço para as condutas de
reversibilidade, sendo a criança capaz de realizar as operações lógicas de
classificar, ordenar, seriar e obter um pensamento mais móvel em relação à
realidade concreta (WADSWORTH, 1997).
Quanto à capacidade de classificar que se define em agrupar objetos
observando suas semelhanças ou diferenças, Piaget mostra a partir de
experimentos, que a criança vai se tornando capaz, de maneira progressiva, de
coordenar seus critérios. Primeiro demonstra a compreensão de uma parte, e
depois de outra, até conseguir incluí-las em um todo.
Para Piaget (1978), ordenar significa colocar os objetos de forma
organizada. A ordem, como noção em desenvolvimento, auxilia os processos de
contagem. Essa noção se constrói mentalmente pela criança até chegar ao ponto
de compreender que o número permanece idêntico a si mesmo, seja qual for à
disposição das unidades das quais é composto. Logo, não necessariamente, a
ordem de contagem dependerá de colocar os objetos enfileirados um após o
outro, ou mesmo utilizando qualquer relação organizada externamente, mas sim
por meio de uma ordenação mental.
A seriação, por sua vez, é uma operação que requer que a criança
consiga ordenar uma sequência segundo um critério. São empregadas relações
assimétricas para seriar objetos, como organizar e separar objetos de uma
coleção em função de um atributo, tal como tamanho, colocando-os em ordem
do menor para o maior ou do maior para o menor, ou também pela espessura,
pelo peso, pela idade e outros (WADSWORTH, 1997).
A conservação ocorre quando a criança percebe que a quantidade não
depende da arrumação, forma ou posição. Esta é atingida quando a criança é
capaz de conceber que uma quantidade permanece a mesma, seja qual for a
disposição dos elementos que a compõem. É saber que o número de um
conjunto de objetos pode apenas ser mudado por adição ou subtração
(WADSWORTH, 1997).
95
Estágio operatório formal
96
enfatizou que não era educador, porém realizou várias reflexões e pesquisas
sobre educação, criando uma teoria denominada por ele próprio de
“Epistemologia Genética”. Segundo Piaget (2007), a criança passa por várias
fases de desenvolvimento que estão relacionadas com a capacidade do ser
humano, ou seja, com a construção da psique.
Piaget dedicou toda sua vida a explicar como a inteligência humana se
desenvolve, partindo do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é
determinado pelas ações mútuas entre o indivíduo e o meio. Ou seja, o sujeito
não é passivo sob a influência do meio, isto é, ele responde aos estímulos
externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu próprio
conhecimento, de forma cada vez mais elaborada. Sendo assim, a educação de
um modo geral, deve ser um processo de construção do conhecimento, através
da reflexão, pautada em um novo modo de conceber o mundo, a vida e as
relações sociais, mas para que isso se efetive, nossos educadores precisam,
fundamentalmente, de um bom aporte teórico.
Do expresso até o momento, é possível perceber que Piaget, mesmo não
tendo direcionado seus estudos à prática pedagógica na escola, ou metodologias
de ação no contexto escolar, apresenta proposições das quais é possível declinar
implicações pedagógicas e educacionais, pois discute os processos cognitivos
para os quais os professores pensam as proposições pedagógicas.
Através da teoria piagetiana, o professor pode saber quando ensinar
determinado conteúdo e de que forma deve ser ensinado, pois através dos
estágios estudados, é possível visualizar o desenvolvimento dos sujeitos e como
o professor pode organizar as propostas pedagógicas de modo a favorecer as
aprendizagens naquele momento do desenvolvimento, considerando as
características próprias do pensamento. Isso significa dizer que o professor sabe
quando e como ensinar ao seu aluno e que desenvolvimento pode-se esperar
desse aluno, dependendo do estágio pelo qual está passando.
Em suma, é importante respeitar o desenvolvimento do aluno e a forma
como este aprende. É importante também conhecer como o sujeito organiza em
sua estrutura cognitiva as informações recebidas do meio. Somos seres
97
diferentes e por isso percebemos o ambiente de formas diferentes e damos a ele
significados de acordo como o percebemos.
Sua teoria do conhecimento permite ao professor compreender como o
aluno constrói a realidade, como este conhece as coisas que o rodeiam e
favorece a elaboração de ações que suscitam esse movimento cognitivo. Suas
descobertas sobre os estágios do desenvolvimento, tornam-se imprescindíveis
para que o docente compreenda que a experiência sobre objeto (ou seja,
ordenar, classificar, distribuir, comparar, juntar) permite ao aluno estruturar seu
pensamento. Tal estruturação permite o pleno desenvolvimento das operações
lógicas, que, por conseguinte, possibilita, num futuro próximo, a construção do
raciocínio formal.
O professor é o mediador, o instigador, para desenvolver desafios para
que o educando se lance a novas possibilidades. No entanto, Piaget foi mal
compreendido por alguns pesquisadores que entenderam que o educador
deveria lançar a responsabilidade do aprendizado somente à criança, mas sabe-
se que essa concepção é equivocada, porque o professor é um agente da
aprendizagem como mediador e possui também função ativa na tarefa de
ensinar. De fato, o planejamento do professor torna-se instrumento muito
importante para suscitar, evocar e mediar as construções cognitivas.
Nessa perspectiva, é fundamental criar desafios para as crianças, propor
situações de aprendizagens que geram desequilíbrio diante das experiências já
assimiladas. Isto implica em envolvimento dos professores, em postura de intensa
observação (tal como indica o método clínico-crítico), ao desenvolvimento de
seus alunos, independente da área que atuem e que esses ofereçam e busquem
alternativas para que o estudante amplie seu horizonte de desenvolvimento,
formando sujeitos capazes, autônomos, participativos e atuantes na sociedade
em que vivemos.
Referências
98
MACEDO, Lino de. Ensaios construtivistas. 4. ed. São Paulo- SP: Casa do
Psicólogo. 1994.
99
PIERRE BOURDIEU
100
Capítulo VI
Introdução
101
Metade do Século XXI), a fim de repensar a prática educacional buscando a
transformação efetiva do ensino a partir da teoria do autor.
102
O sociólogo possuía um fiel compromisso com a ciência e movimentos
sociais de sua época, o que o levou a fundar o centro de pesquisas sociológicas
no ano de 1968. Após anos de estudos, na década de 1990, após diversas
premiações e titulações., Bourdieu consolidou seus ideais e compromissos
contra o patriarcado, se apoiando em movimentos sociais que intensificou sua
militância em relação à justiça social, pessoal e acadêmica (WACQUANT, 2002).
Em consonância com Wacquant (2002), a prática social de Bourdieu
enquanto sujeito social inspirou o autor em suas inovações teóricas a partir de
sua resistência para denunciar o sistema e a política através de atividades
pragmáticas de investigação e denúncia, uma vez que:
103
Bourdieu morreu de câncer aos 71 anos, em 23 de janeiro de 2002, nos
deixando uma vasta contribuição de obras, que alcançaram inúmeros espaços,
principalmente o acadêmico. Entre suas obras, podemos destacar: “Os
herdeiros” (1964), “A Reprodução” (1970), “A Distinção” (1979), “Coisas ditas”
(1987), “O poder simbólico” (1992), “A miséria do mundo” (1993), “Razões
Práticas” (1994) e sua última e considerada uma das mais potentes “A
dominação masculina” (1998).
Nas próximas sessões, visamos destacar a presença do habitus presente
na obra de Bourdieu em confluências à instituição de poder que é a escola.
104
condutas disciplinares dominantes também na relação entre os sujeitos, pois
classifica esses de acordo com o sexo, em que indivíduos masculinos são
provenientes à opressão do sexo oposto (fêmea). Deste modo, o patriarcalismo
ao longo dos anos, por intermédio de mecanismos sutis e de controle, busca
manipular as massas e promover o empobrecimento das subjetividades humanas
também por intermédio do sexo, gênero e sexualidade.
Essa característica também se apresenta no ambiente escolar de várias
formas: o sujeito, ao adentrar no ambiente escolar, revive a estrutura escolar
semelhante daquela que encontra no ambiente externo, reproduzindo assim, a
passividade, a dependência de pensamento reflexivo e em dados momentos a
mesma estrutura dividida em classes.
No prefácio do livro “A reprodução” (1992, p. 11), Bourdieu afirma que
os vários capítulos deste livro apontam para um mesmo princípio de
inteligibilidade: o “das relações entre o sistema de ensino e a estrutura das
relações entre as classes”. Percebe-se que o ambiente escolar, assim como
outras instituições sociais, reflete a dinâmica das relações de classe, onde a
hierarquia de poder está estruturada historicamente.
Assim, as estruturas sociais, a relação de classe e as desigualdades
sociais se perpetuam na vida das famílias dos jovens estudantes. Na instituição
de ensino, estes modelos de dependência e subalternidade também se
apresentam no projeto de escola vigente predominantemente na maioria das
instituições escolares.
O pressuposto de inteligibilidade nos direciona as reflexões de Bourdieu
sobre a escola, pois esta instituição, no que concerne o desenvolvimento de seu
trabalho, deve ser compreendida na perspectiva de Bourdieu em conjunção com
o sistema de relação e classes (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2022). Deste modo, a
categoria “classe” está estritamente ligada ao modelo de escola que se configura
historicamente em nossa sociedade, uma vez que, a instituição escolar não se
faz neutra, mas ativa em relação aos sistemas de conhecimentos e avaliações a
partir de critérios universais, que categoriza os estudantes a partir da dominação,
legitimação e reprodução das classes sociais
105
Desta maneira, toda a estrutura escolar, representada desde o espaço
físico, os documentos que regulamentam o currículo e as diretrizes escolares,
não é mera construção. De acordo com o autor, a estrutura escolar também é
uma ferramenta da classe burguesa em reproduzir seu modelo de dominação.
Essa classe burguesa elabora, estrutura e sinaliza os objetivos que os sujeitos
precisam relacionar na sua vida escolar, moldando, instruindo e tornando os
mesmos dóceis para o exercício da obediência e submissão face ao trabalho
explorado e degradante.
Os conteúdos abordados, as formas com que eles são tratados, os
modelos “perfeitos” de sociedade que se reproduz na escola como norte a ser
seguido, as estruturas físicas como lugar de repressão, vigilância e castigo(
mesmo que indiretos), são de fáceis percepções quando estudamos a escola não
somente como o que idealizamos que ela seja.
A escola real ou aquela que está disponível aos jovens, busca um modelo
dependente de sociedade que em sua maioria, contam com uma organização
escolar já determinada pelo Estado, com sistemas de controle e punições que
em nada contribuem para uma educação emancipadora do sujeito, impedindo a
formação humana e reflexiva a partir do próprio sujeito e realidades sociais.
Bourdieu nos apresenta a noção de arbitrário cultural ao realizar o
movimento de discordar ou criticar um determinado padrão de ação que seja
para o sistema educacional algo desfocado culturalmente. Bourdieu se aproxima
aqui de um conceito antropológico de cultura, em que não deve ser comparado
à dominação, logo, uma cultura específica não se configura como superior às
outras presentes no meio social. Mas na sociedade capitalista há um modelo
perfeito de sociedade – a perfeição seria a obediência da classe dominada aos
modelos pré-estabelecidos pela classe dominante sem a opção de contestação,
mesmo que essa prática seja inconveniente ou arbitrária. É como se existisse um
modelo ideal de procedimentos que a classe dominada ao adentrar nas esferas
das instituições sociais, fosse “obrigada” a seguir um modelo logicamente
desenvolvido pela estrutura do capital.
106
Assim sendo:
107
reproduz a lógica da sociedade, estruturando e podando toda e qualquer
tentativa de inversão da pirâmide social na relação de poder. A superação deste
paradigma seria uma ameaça para uma lógica historicamente elaborada e
legitimada pelos próprios sujeitos detentores do poder econômico, político e
ideológico, causando reações rápidas e repressoras ao indivíduo ou ao grupo
que ousar romper com esta estrutura de poder.
A autoridade pedagógica nos ditames de Bourdieu, se constitui em sua
ação exercida, que apenas se garante quando a cultura arbitrária socialmente
imposta em relação à cultura da escola, é enganadora. Isto porque, ela manipula
a partir de uma falsa verdade. Mesmo que vinculado a uma classe arbitrária é
necessária a legitimação da cultura escolar. Deste modo, criam-se mecanismos
sutis para que essa cultura seja demonstrada como neutra, com um falso
discurso sobre liberdade de expressão e múltiplas formas de diversidades
presentes em seu ambiente.
Assim sendo, a autoridade e autoritarismo pedagógico mediante as
ações da escola, se legitimam por meio dos conteúdos que a mesma transmite
para se demonstrar como não arbitrária e/ou livre de rótulos sociais referentes a
classe.
Desta Maneira, Bourdieu esclarece que:
108
dóceis em aprender o pré-determinado, dóceis ao trabalho explorado e a
dominação do sujeito em si ao adentrar nas esferas psicológicas.
Uma vez reconhecida como neutra, o comportamento social da
instituição escolar, na perspectiva de Bourdieu, vela quaisquer suspeitas em
relação à reprodução de corpos subservientes e da legitimação das
desigualdades sociais impostas pelo patriarcado. Assim, a escola cria
formalmente uma espécie de equidade estabelecida na relação instituição-aluno.
Segundo Bourdieu,
109
Em outras palavras, a comunicação pedagógica é rentável no grau em
que é assimilada e compreendida pelos estudantes. Assim, tal comunicação
depende do domínio intelectual estudantil, que na perspectiva de Bourdieu, varia
conforme a longitude existente entre o cultural arbitrário apresentado pela
instituição escolar como cultura legítima em confluências com a cultura de
origem dos estudantes, proveniente de suas culturas familiares. Uma vez que,
para os estudantes vindos das classes dominantes, a cultura escolar se
encaixaria em sua própria cultura familiar, porém de maneira sistematizada. E
para os estudantes de classes consideradas como dominadas, a cultura é vista
como “estranha”.
De acordo com Setton,
110
Como argumento central de Bourdieu nessa relação, se evidencia que
ao dissimular a cultura subjetiva do ser como cultura das classes dominantes, a
instituição escolar presume de maneira igual os efeitos benéficos relacionados
ao sucesso escolar das classes que dominam. Assim sendo:
111
conjunto de normas linguísticas da cultura do saber de modo específico,
reproduzindo corpos obedientes a tal instituição.
Em consonância com Nogueira e Nogueira (2022), o sistema escolar
tende a reproduzir dois moldes culturais. O primeiro é por intermédio das
representações sociais, em que se têm os estudantes considerados como
esforçados e/ou estudiosos, em uma relação de compensação ao distanciamento
da cultura considerada como legítima, opor meio de uma dedicação árdua às
atividades escolares. E o segundo molde cultural, é aquele valorizado como o
sucesso escolar, dos estudantes abrilhantados pelo protagonismo de sua cultura,
sendo caracterização como talentoso, inteligente e à frente dos conteúdos
ensinados para seu nível de ensino.
De acordo com Bourdieu,
112
educação em tempos contemporâneos, principalmente que foque na diversidade
cultural e humana, na experiência e inclusão social. Uma vez que, em
consonância com Bourdieu, as relações humanas e escolares se interseccionam.
Considerações finais
113
É também importante destacar que, o processo de dominação aferido
pela classe dominante dentro do ambiente escolar, ao mesmo tempo em que
significa um impedimento de mudança e emancipação do sujeito, significa
também um paradigma a ser vencido. A mudança se faz também a partir dos
indivíduos que pertencem à escola, sejam eles alunos, professores, diretores,
equipe pedagógica e demais sujeitos. Mesmo que não seja possível uma ruptura
total, pequenas mudanças e possibilidades de criticidade do aluno já representa
o início de uma possível revolução.
Referências
114
SOUZA, Ravelli Henrique de. Da repressão sexual ao direito de ser e saber
em contos literários infantis: agora é nossa vez. 2020. 168 fls. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2020.
Disponível em
http://www.uel.br/pos/ppedu/images/stories/downloads/dissertacoes/2020/SOU
ZA_-_Ravelli_Henrique.pdf. Acesso em 20 dez. 2022.
115
PAULO FREIRE
116
Capítulo VII
Introdução
117
Seu exemplo ético e amoroso como filho, esposo e pai, sua leitura de
mundo e da palavra escrita, suas obras e conceitos humanizadores para a
educação, constituem um legado social, filosófico e educativo para o mundo, para
pais e mães, para professores e professoras, para estudantes e em qualquer ser
em que se habite a gentitute.
118
Quando eu tinha vinte e dois anos encontrei minha primeira
mulher, Elza [...], uma grande educadora. [...]. Elza vivia muito
bem a tensão entre liberdade e autoridade. Fui seu professor de
sintaxe. Foi assim que a conheci. Teria ela de fazer um concurso
de cujo resultado dependia um degrau a galgar em sua carreira
profissional e me procurou para lhe dar aulas em torno da
matéria. Por causa daquele curso de sintaxe eu sou hoje avô de
oito netos [...] (FREIRE, 2001, p. 101- 102).
119
Freire era grato pela parceria e dedicação de suas esposas, quando
recebeu o título de doutor honoris causa, reconheceu o mérito delas ao dedicar
o prêmio à memória de uma e à vida de outra (VALE, 2005). Em poucas palavras,
a história de Freire se resume em um exemplo de esperança, de amor pela
gentitute e pela boniteza, palavra que gostava de usar para se referir às pessoas
que amava, às suas relações humanas, ao gosto por ensinar e pela experiência
humana como um todo (FREIRE, 1992, 1996, 1997, 2000).
E para pontuar os fatos marcantes da existência de Freire, vale lembrar
que quando entrou na escola em 1927, já era alfabetizado por seus pais, com
gravetos, à sombra das mangueiras. Contudo, isso não desmereceu seu encanto
pedagógico por sua primeira professorinha, Eunice Vasconcelos, a ponto de em
1994 escrever uma matéria em sua homenagem, intitulada “Que saudade da
Professorinha” (FREIRE, 1994).
Não apenas de encantos, as perdas e conflitos sociais também fizeram
parte de sua infância. Com a crise econômica de 1929 que paralisou o comércio
mundial, sua família perdeu a casa e assim, em 1931, com 10 anos, Paulo e sua
família deixam Recife e vão para Jaboatão dos Guararapes, cidade próxima, com
aluguel mais barato. E seu afetuoso pai que já vinha adoecendo desde que ele
nasceu, faleceu em 1934 (GRANDES PENSADORES DA EDUCAÇÃO, 2022)
Em 1937, Freire e sua família desejavam que ele continuasse estudando,
o que era difícil pela escassez econômica e ausência de escolas públicas que
ofertassem o nível secundário. Fato que fez com que sua mãe saísse pedindo
bolsas de estudos em escolas, e no Colégio Osvaldo Cruz, conversou com o
dono, Aluízio Pessoa de Araújo, que lhe disse que daria a bolsa somente se seu
filho fosse dedicado aos estudos, e ela lhe garantiu que estudioso ele era (VALE,
2005). Ali, Freire não só concluiu seus estudos secundários, mas teve sua
primeira experiência como professor em 1941.
Em 1943, iniciou o curso de Direito em Recife e em 1947 começou a
trabalhar no SESI, onde permaneceu até 1964 assumindo vários cargos na área
da educação ao longo do tempo. Quando se formou em Direito, desistiu de
advogar logo após sua primeira causa, por não querer processar um dentista
120
endividado em início de carreira e corrobora com uma justiça falha e opressora,
que é feita só em favor de alguns (LEAL, 2013). Com isso, percebeu e decidiu
por sua verdadeira vocação, seria um educador.
De 1952 a 1961 atuou como professor na Escola de Belas Artes da
Universidade do Recife, onde em 1959, para conseguir uma cadeira de História
e Filosofia da Educação, escreveu a tese “Educação e Atualidade Brasileira”, a
qual lhe deu o título de doutor. Contudo, só conseguiu assumir a cadeira como
professor de Filosofia e História da Educação, em 1960, na Universidade do
Recife (BEISIEGEL, 2010).
De 1962 a 1963 Freire põe em prática seu projeto de alfabetização de
adultos, que vinha desenvolvendo. Com a parceria de seus antigos alunos,
procuraram alfabetizar trabalhadores em Recife-PE, Natal-RN, João Pessoa-PB e
em Angicos-RN, o que ganhou notoriedade nacional e internacional ao alfabetizar
300 trabalhadores, o que também lhe rendeu o convite para iniciar o Plano
Nacional de Alfabetização em Brasília-DF (GRANDES PENSADORES DA
EDUCAÇÃO, 2022).
Em 1964, enquanto coordenava o Programa Nacional de Alfabetização
no governo de João Goulart, veio o Golpe Militar e se instalou o regime de
Ditadura. Freire foi preso por 70 dias, afinal, um projeto de alfabetização que
visava a autonomia do povo, poderia mudar o cenário político. Era de se
considerar que somente alfabetizados poderiam votar e restavam dúvidas se os
trabalhadores votariam em seus coronéis após serem alfabetizados e
conscientizados (BEISIEGEL, 2010).
Ao ser solto, foi exilado, e com sua família passaram anos fora do Brasil,
primeiramente na Bolívia e no Chile, e depois na Suíça e nos Estados Unidos. Foi
convidado a lecionar em Harvard e permaneceu por 10 meses, cargo que deixou
em 1970 para trabalhar em Genebra como consultor do departamento de
Educação do Conselho Mundial de Igrejas, lecionando na Universidade de
Genebra e viajando com sua equipe do Instituto de Ação Cultural (IDAC). Tal
possibilidade lhe permitiu implantar programas de alfabetização na Ásia,
121
Oceania, América e países de língua portuguesa da África (Cabo Verde, Angola,
São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau) (GADOTTI; FREIRE, 1996).
Quando conseguiu anistia em 1980, retornou ao Brasil e foi morar no
estado de São Paulo. Depois de 16 anos fora, relatou que teve que reaprender
o Brasil. Até 1990 lecionou como docente na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo e na Universidade Estadual de Campinas. De 1989 a 1991 foi
Secretário da Educação do Município de São Paulo, implementando o Movimento
de Alfabetização de Adultos (MOVA-SP). Em 02 de maio de 1997, Freire faleceu
aos 75 anos, de infarto agudo do miocárdio, na cidade de São Paulo.
Para quem com ele conviveu, ficaram as memórias e o exemplo de uma
pessoa que em meio a teorias acadêmicas e reconhecimentos, se manteve
amoroso e acessível a todas as pessoas. Para seu filho Lutgardes, a convivência
com Elza e Paulo fora bastante harmoniosa, “eles eram muito amorosos com a
gente. Sempre respeitando muito cada um dos filhos e é claro, educando cada
um do seu jeito.” (LUTGARDES FREIRE apud RODRIGUES, 2021).
Mario Sérgio Cortella, dividiu com Freire a gestão da Secretaria de
Educação da cidade de São Paulo em 1989, foi o último orientando de Paulo
Freire durante doutorado pela PUC-SP. (MORAES e RIBEIRO, 2021). E referindo
a ele como amigo, o descreve:
Para sua viúva, Nita Freire (FREIRE, apud LUIZE, 2022, n.p.), conviver
com Paulo foi um presente de Deus, pois ele foi “um homem de uma lisura, de
uma honradez pouco vista. Tinha conduta ética intocável. E era homem de uma
delicadeza, essa que era praticamente nunca vista”. E para nós educadores e
educadoras, fica seu exemplo com as palavras ditas por ele que Nita faz questão
122
de ressaltar: “um educador tem que construir suas virtudes, ter coragem de
amar. Eu tenho coragem de amar”. (FREIRE, apud LUIZE, 2022, n.p.)
123
onde estava inserido e preparava fichas de leitura e projeções para utilizar nas
aulas.
Freire não deixou publicado um passo a passo de seu método de
alfabetização, por isso sua filosofia de educação não é tão difundida, conhecida
e aplicada no Brasil. Contudo, Freire destaca-se mundialmente como autor,
somando quase 40 livros publicados em vida e postumamente, além de cartas,
entrevistas, ensaios e artigos. No Brasil, ele permeia alguns espaços acadêmicos,
trazendo conceitos e indagações reflexivas a fim de refletir a prática pedagógica,
pois “ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 1996).
Como filósofo e pensador da práxis educativa, partiu do universo dos
conceitos para uma prática pedagógica que viesse de encontro com as teorias e
deixou seus conceitos para que se tornassem luzes a guiar educadores e
educadoras. Acreditava que a conscientização era dialógica, pois se faz entre um
para com os outros e se manifesta socialmente. Por isso, em seu modo de
educar, transformava as classes em círculos de leitura, os alunos se tornavam
participantes de grupos de discussões e os professores eram coordenadores de
grupos de debate.
Deste modo, a própria aula era um espaço dialógico e democrático que
preparava para a participação social. O programa da aula se orientava a partir de
situações existenciais capazes de desafiar agrupamentos e promover a reflexão
crítica, orientados por uma pedagogia da conscientização, da pergunta e da ação
cultural para a mudança. Otimista, Freire transformou o substantivo esperança
em verbo, ao ressaltar a importância de esperançar uma mudança, contudo,
elucidava que a esperança não se tratava de espera, mas de uma ação para a
mudança.
Freire (1987, 1996, 2000) acreditava na capacidade humana de ser mais,
de conscientizar e alcançar a autonomia e a liberdade, por isso, defendia a ética
universal do ser humano e entendia que o pensar certo se relacionava com amar
a boniteza de ser gente, como uma vocação ontológica. Daí a importância de a
escola ser humanizadora, um espaço que promove um vínculo crítico, amoroso,
ético e estético. As contribuições teóricas de Freire envolvem conceitos que
124
muitos teóricos temem se tornar piegas, como a ousadia de amar e o considerar
a humanidade em sua totalidade. Vejamos o que o autor nos diz:
Considerações finais
125
autores do mundo e seja estudado em universidades renomadas como Harvard.
Mérito que não teve em seu país, chegando a ser muito criticado e culpabilizado
nos últimos anos, especialmente pelo ex-presidente da república (2019-2022),
que o culpou pela precária educação brasileira, sendo que Freire não chegou a
ocupar nenhum cargo público federal no Ministério da Educação e seu plano
nacional de alfabetização não ter sido implantado (CLAVERY, 2019;
NASCIMENTO, 2021).
Transcendendo seus títulos honoríficos, a pessoa de Paulo Freire deixou
um legado de humanização e amorosidade, que vive através das pessoas que
conviveram com ele e se expressa em suas obras, que partem da filosofia da
educação para uma prática pedagógica conscientizadora, libertadora e
transformadora, capaz de transformar pessoas, para que estas transformem o
mundo.
Referências
BASÍLIO, Ana Luíza. Paulo Freire no seu devido lugar. Centro de Referências
em Educação Integral. 2015. Disponível em: <
https://educacaointegral.org.br/reportagens/paulo-freire-em-seu-devido-
lugar/?gclid=Cj0KCQiAw8OeBhCeARIsAGxWtUxvuPNfnN-
Ncls0i89vlIY8pQOgLnnb-kxraTCNIVFK1Vzq2jIns2waAgIxEALw_wcB> Acesso
em: 25 jan. 2023.
126
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/12/17/apos-bolsonaro-chamar-paulo-
freire-de-energumeno-senado-aprova-homenagem-a-educador.ghtml. Acesso
em: 25 jan. 2023.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
1987.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São
Paulo: Olho d´água. 1997.
FREIRE, Paulo. A sombra desta mangueira. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2015.
GADOTTI, Moacir. FREIRE, Ana Maria Araújo. Paulo Freire: uma biobliografia.
São Paulo: Cortez e Instituto Paulo Freire. 1996.
127
LUIZE, Ohana. Celebrando a coragem de amar. Revista Revestrés. Teresina:
PI. 2022. Disponível em: https://revistarevestres.com.br/reves/brasil/celebrando-
a-coragem-de-amar/. Acesso em 26 jan. 2023.
RODRIGUES, Júlia. ‘Quando ele voltava de viagem era uma festa’, relembra
caçula de Paulo de Freire. Jornal Diário de Pernambuco. Recife: PE. 2021.
Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-
basica/2021/09/4950281-quando-ele-voltava-de-viagem-era-uma-festa-
relembra-cacula-de-paulo-freire.html . Acesso em 26 jan. 2023.
128
DERMEVAL SAVIANI
129
Capítulo VIII
Introdução
130
Com o passar dos anos, a educação no país passa a assumir outros
papéis e a formação da população para o mercado de trabalho passa a ser
prioridade. Felizmente, os estudos acerca do tema apresentaram avanços e
muitas teorias foram desenvolvidas para que a educação pudesse ser repensada
para além de fins específicos de dominação ou para apenas a preparação dos
sujeitos para o mundo do trabalho. Destacamos aqui, o papel de contribuir para
a formação humana dos sujeitos que a educação passa a assumir, principalmente
com os estudos desenvolvidos no século XX.
Essa nova concepção, faz com que tudo o que se tenha produzido acerca
da educação seja reavaliado, pois novos caminhos precisam ser encontrados
para se repensar a formação dos sujeitos. Instigados por maiores conhecimentos
acerca desse novo modo de pensar a educação, neste texto, temos como
objetivo compreender as contribuições de Dermeval Saviani para a educação a
partir dos pressupostos basilares constitutivos do paradigma educativo por ele
elaborado e brilhantemente denominado como Pedagogia Histórico-Crítica,
tendo em vista que tal teoria defende e salienta mais que qualquer outra, a
questão da formação humana dos sujeitos.
Para tanto, iniciamos a organização do texto apresentando uma breve
biografia de Dermeval Saviani a fim de possibilitar ao leitor um maior
conhecimento sobre o autor e sua história no campo educativo. Em seguida, são
apresentados os preceitos basilares constituintes da Pedagogia Histórico-Crítica
para que possamos compreender como ela foi pensada, desenvolvida e
propagada até que se consolidasse como um dos paradigmas educativos mais
bem elaborados acerca da educação para a formação humana dos sujeitos.
Na sequência, são tecidas algumas considerações finais sobre a temática
abordada ao longo do trabalho e findamo-nos, elencando as referências
bibliográficas utilizadas como nossa base teórica para fundamentar as
discussões.
131
Memória, história e biografia: conhecendo a vida e obra de Dermeval
Saviani
132
de Pedagogia. Por este motivo, Saviani abandonou o trabalho que exercia no
Banco Bandeirantes e começou a trabalhar na secretaria de Educação de São
Paulo. No ano seguinte, de forma oficial, assumiu a função de docente na PUC-
SP, na cadeira de Fundamentos Filosóficos da Educação, bem como docente no
Ensino Médio, ministrando Filosofia em escolas públicas e privadas. Como
professor da PUC/SP, auxiliou na criação dos cursos de Mestrado e Doutorado
em Filosofia da Educação. Em seu livro “Educação: do senso comum à
consciência Filosófica”, há, inclusive, um capítulo intitulado: “Subsídios para
fundamentação da estrutura curricular da PUC/SP”.
Concluiu seu doutorado em Filosofia da Educação também na PUC/SP,
no ano de 1971. Sua tese é publicada em formato de livro no ano de 1973, com
o título “Educação Brasileira: estrutura e sistema”. De 1973 até 1978, atuou como
professor do curso de Doutorado em Educação, na PUC-SP. De acordo com
Marsiglia e Cury (2017, p. 497)
133
No ano seguinte, 1983, lança o livro: “Escola e Democracia”, nele, Saviani
faz um diagnóstico das principais teorias pedagógicas, suas contribuições e
limites. O livro se divide em 4 capítulos: “As teorias da educação e o problema
da marginalidade”, “Escola e Democracia I: A teoria da curvatura da vara”,
“Escola e democracia II: Para além da teoria da curvatura da vara” e “Onze teses
sobre Educação e Política”. Um dos maiores problemas que o autor levanta no
livro é sobre o analfabetismo, predominante na maioria dos países da América
Latina. Não obstante, sua preocupação é de compreender como as teorias da
educação interpretam os dados por ele levantados.
Em seguida se dedica à tarefa de apresentar teorias educacionais e
explanar como elas compreendem o problema da marginalidade. Nesse
momento, ele fala das “não críticas” que vêm a sociedade de forma harmoniosa
e a educação como instrumento para corrigir as distorções. Em contraposição,
ele nos apresenta também as teorias “crítico-reprodutivistas” que, por sua vez,
veem a sociedade como marcada pela eterna luta entre duas classes
antagônicas. Nesse contexto, portanto, a educação é instrumento para reforçar
a dominação e a exploração, assim, Saviani revela o problema da marginalidade
e analfabetismo.
Diante dessa constatação, a problemática recai no fato de como as
diversas teorias pedagógicas intervêm de maneira efetiva para sanar a questão
da marginalidade social. Desta maneira, Saviani objetiva atingir a máquina
político-educacional, para isso, ele cria a teoria da “Curvatura da Vara”, que
procura dar um equilíbrio real na compreensão da Pedagogia Histórico-Crítica
(SAVIANI, 2008).
Para se entender as causas da marginalidade, é necessário antes de
tudo, compreender a dinâmica escola-sociedade, bem como o papel do
professor, e para tal, é fundamental, se interpretar também as diferentes
pedagogias: Tradicional, Tecnicista e Escolanovista. Isso feito surge então, a
necessidade de se superar essas Pedagogias reprodutivistas, de modo a
proporcionar ao professor, uma pedagogia que seja mais crítica, que por sua vez,
134
engloba conteúdos de cunho político-sociais analíticos para o entendimento das
manifestações da marginalidade social.
No livro, o autor ainda levanta duas questões que se configuram como
sendo contraditórias, primeiro, as pedagogias não críticas (entenda-se
tradicionais), que tem como premissa ou finalidade conservar a sociedade tal
como ela se encontra para se preservar o status quo. Não obstante, Saviani
compreende que a Pedagogia Nova, que vê na educação a possibilidade de se
acabar com a marginalidade, assim, este fator é visto como um desvio político
social, e não necessariamente um fenômeno natural.
Bem, mas onde Saviani deseja chegar com suas críticas às teorias
reprodutivistas, que por sua vez, não são capazes de erradicar a miséria que se
encontra sistematicamente incrustada na estrutura política social? Mais uma vez,
entender a relação entre educação e sociedade é fundamental, e para tal, ele
propõe a metáfora da “Teoria da Curvatura da Vara”, que por meio dela, procura
defender a necessidade de se ajustar a educação, visto que quando a vara fica
torta, se curva de um dos lados. Desse modo, Saviani compreende que não é
suficiente endireitá-la, colocando-a na direção correta, mas é preciso curvá-la
para o seu oposto, para então, poder trazê-la para o centro. Mas para essa
curvatura reversa, as pedagogias tradicionais são dispensáveis, é preciso, para
tal, uma pedagogia que se diga revolucionária.
Nesse sentido, a escola se caracteriza como uma instituição política e
pedagógica que tem finalidade de socializar o saber sistematizado, tão
necessário para a transformação das relações de produção de modo a viabilizar
a construção de uma sociedade que seja mais igualitária. A Pedagogia Histórico-
Crítica, por sua vez, tem como fundamento a transformação política da sociedade
marginalizada, visto que ela, por meio da educação, interfere na sociedade, de
modo a favorecer mudanças, mudanças essas de caráter social que alteram as
condições de vida da sociedade marginalizada.
Por isso, a perspectiva social da Teoria Histórico-Crítica sugere um
projeto pedagógico político que procura superar a ideologia do neoliberalismo.
justamente por isso, Saviani pretende ir para além da Teoria da Curvatura da
135
Vara, avançando em direção a uma Teoria Crítica da Educação que supere o
caráter ilusório das Teorias Não-Críticas bem como a impotência das Teorias
Críticas-Reprodutivistas.
Com isso, temos uma reflexão muito mais ambiciosa em relação ao que
os Pioneiros da Educação Nova pretenderam, ou seja, fazer a revolução social
pelas vias da revolução educacional. Contudo, o que o movimento de 1968
pretendia, era mudar as bases da sociedade pela revolução cultural, que de
acordo com Saviani, “abrangia, não apenas a escola, mas todo âmbito cultural”
(SAVIANI, 2013, p. 58).
No entanto, não teve tanto sucesso, devido ao caráter muito radical que
acabou ameaçando a ordem constituída. Diante disso, Saviani (2003, p. 66) nos
ajuda na compreensão de que “as teorias crítico-reprodutivistas são elaboradas
tendo presente o fracasso do movimento de maio de 1968. Com isso, buscam,
pois, pôr em evidência a impossibilidade de se fazer uma revolução social pela
revolução cultural”.
Não obstante, no decorrer da carruagem, os limites da teoria crítico-
reprodutivista foram se evidenciando, pois conforme Saviani (2013, p. 58) “Ela
revela-se capaz de fazer crítica do existente, de explicitar os mecanismos do
existente, mas não tem proposta de intervenção prática”, o que por sua vez não
resolvia o problema que era enfrentado pelos educadores, que tentavam
compreender como atuar de modo crítico no campo pedagógico e como ser um
professor que, com sua ação, pode desenvolver uma prática de caráter crítico?
A Teoria Crítico-Reprodutivista não foi capaz de dar uma resposta para
essas questões, visto que, para ela, é impossível que o professor desenvolva uma
prática que seja crítica. Não apenas isso, ela também compreende que é
impossível se ter uma atuação que seja contrária às determinações materiais
dominantes. Foi então, diante dessas limitações, clamores e inquietações que se
formulou uma teoria que pudesse superar a visão crítico-reprodutivista. Nesse
cenário, a Pedagogia Histórico-Crítica se apresenta como possibilidade de
superação das pedagogias crítico-reprodutivistas, a saber: Teoria do sistema de
136
ensino como violência simbólica, Teoria da escola como aparelho ideológico do
Estado e Teoria da escola dualista.
Isto posto, entre 1980 e 1991 outras publicações marcaram o percurso
acadêmico de Saviani. Destacam-se algumas obras que repercutiram e fizeram
a diferença no campo da educação, dentre elas: “Educação: do senso comum à
consciência filosófica” (1980), “Ensino público e algumas falas sobre
universidade” (1985), “Sobre a concepção de Politecnia” (1989) e “Pedagogia
Histórico-Crítico: primeiras aproximações” (1991). Para concluir, temos ainda o
livro “História das ideias pedagógicas no Brasil”, publicado em 2007, que procura
rastrear a história da educação no Brasil. É um livro extremamente importante,
visto que nele, o autor apresenta de forma panorâmica as ideias pedagógicas do
país e como elas influenciaram certas práticas pedagógicas.
Para facilitar a compreensão, realizou uma periodização, organizando a
educação no Brasil em quatro períodos: o primeiro (entre 1549 e 1759) em que
predomina uma vertente religiosa e concepção tradicional, onde se tem a
consagração dos colégios jesuítas que tinham como referência um conjunto de
ideias pedagógicas expressas no Ratio Studiorum (plano de estudo). Já o
segundo período (entre 1759 e 1932) predomina as vertentes religiosa e leiga da
Pedagogia Tradicional, reformas Pombalinas, Correntes de pensamento e
movimentos sociais (ecletismo, positivismo, catolicismo, abolicionismo,
anarquismo e comunismo).
O terceiro (entre 1932 e 1969) em que é concepção é moderna e na qual
se destaca o Manifesto dos Pioneiros da Educação, a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as discussões sobre o Plano Nacional
de Educação e a campanha em defesa da escola pública. O quarto (entre 1969
e 2001), no qual se expressa a concepção dialética, com destaque para a teoria
crítico- reprodutivista, pedagogias contra- hegemônicas, implantação de
indústrias monopólicas e o período político brasileiro marcado pelo golpe militar
de 1964.
137
As bases para uma Pedagogia-Crítica
138
Esta defesa está embasada na Ideologia Alemã de Marx e Engels que
afirmam que com a divisão de trabalho, acontece uma contradição entre os
interesses dos indivíduos ou das famílias singulares e o interesse coletivo de
todos os que se relacionam mutuamente, pressupõe uma dependência recíproca
dos indivíduos entre os quais o trabalho está dividido. Ao fixar-se uma atividade
social, essa consolidação do produto foge do controle de seu autor, o que
propicia a sua alienação. De tal forma:
139
realidade da alienação e a necessidade de apropriação da riqueza espiritual
universal e multifacetada. Para tanto, Duarte (2011) discorre sobre três aspectos
fundamentais para uma pedagogia que seja histórica e crítica, sendo eles: a
individualidade livre e universal na sociedade comunista; a auto-atividade como
atividade plena de sentido e fundamento da vida e, por fim, as relações humanas
plenas de conteúdo.
Acerca da individualidade livre nesta sociedade comunista, o autor afirma
que a liberdade do indivíduo seria menos restrita sem as condições alienadas da
divisão do trabalho no capitalismo, porém, alcançar esta liberdade seria possível
apenas por meio de uma luta revolucionária que superasse a realidade
comandada pelo capital. O capital infere na vida dos sujeitos quando eles passam
a se relacionar pelo valor de troca, se tornando unilaterais, abstratos com suas
relações desprovidas de conteúdo. A defesa então é de uma apropriação do
conhecimento por parte de todos e não atribuída parcialmente à classe
trabalhadora.
140
Por fim, sobre as relações humanas plenas de conteúdo, Duarte busca
estabelecer uma relação que à primeira vista pode causar estranheza, entre a
defesa de uma pedagogia que a educação escolar ocupa lugar central na
transmissão e apropriação de conteúdos clássicos e a ideia de que as relações
entre os indivíduos podem ser plenas de conteúdo, afirmando que
141
subjetiva da realidade objetiva, num percurso em que pelo trabalho social, no
desenvolvimento histórico, as funções psíquicas elementares do sujeito se
qualificam em suas propriedades, como funções psíquicas superiores (MARTINS,
2012).
142
filosóficos, políticos, psicológicos e sociais elaborados pelas teorias de ambos,
são o alicerce sobre o qual se sustenta o paradigma da Pedagogia Histórico-
Crítica.
Marx construiu um legado histórico no campo da Filosofia ao analisar o
capital e seus desdobramentos, inferências e controle sobre a sociedade. Seus
postulados do século XIX trazem um novo olhar para a sociedade e geram uma
revolução, pois colocam em evidência relações sociais, uma organização e
funcionamento totalmente interdependentes do capitalismo. Muitas foram as
tentativas de refutação da teoria de Marx, mas todas sem muito sucesso, pois
ainda na contemporaneidade, podemos perceber que ele estava certo em suas
convicções e constatações.
Como já mencionado, muitos outros estudiosos, das mais diversas áreas
do conhecimento, a partir dos postulados marxistas, começaram a analisar e
relacionar tais preceitos com as suas teorias, como foi o caso de Vygotski no
ramo da Psicologia, em sua breve vida, no começo do século XX. O psicólogo
russo, numa explicação muito simples, procurou estudar as correlações
existentes entre a formação da mente humana e as relações e interações sociais
às quais os sujeitos estabelecem ao longo de suas vidas. Proveniente desses
estudos, Vygotski foi o proponente da teoria que aqui já fora mencionada,
conhecida como Psicologia Histórico-Cultural.
Ambas as teorias acima abordadas, por serem muito consistentes em
suas premissas, acabaram por influenciar muitos estudos na área da educação.
Trataremos aqui, especificamente, sobre os estudos desenvolvidos por Dermeval
Saviani no Brasil a partir da segunda metade do século XX e que se entendem
até os dias de hoje no campo educativo.
O referido autor, analisando o contexto brasileiro, constatou que as
tendências pedagógicas existentes no país no final do século passado eram
extremamente reprodutivistas, pouco preocupadas com a aprendizagem,
desenvolvimento e formação humana dos sujeitos. Ao invés disso, o ensino
pautado nessas tendências, direcionava-se basicamente para a reprodução de
143
ideias e técnicas que tinham como finalidade a preparação do sujeito para o
mercado de trabalho (SAVIANI, 2013).
Observava-se que tais tendências já não eram suficientes para atender
às demandas educativas e sociais da época, pois ainda faltava um elemento que
fosse capaz de explicar determinados problemas e fenômenos. Para Saviani isso
era evidente, então ele nos explica que:
144
Há de se esclarecer que a visão crítico-reprodutivista surge
especificamente nos idos de 1968, por meio de um movimento e que teve sua
manifestação mais repercutida na França, mas que reverberou também por
outros países, inclusive no Brasil, realizado por de jovens que se propunham a
implementar uma revolução cultural, ou seja, “o movimento pretendia realizar a
revolução social pela revolução cultural” (SAVIANI, 2013, p. 57). É necessário,
no entanto, para fins de esclarecimentos, salientar que Saviani compreende e
reconhece o papel desempenhado por tão visão. O que ele propõe é olharmos
para além dos limites apresentados por ela. Quando ele faz esse movimento,
consegue estabelecer a diferenciação entre as perspectivas crítico
reprodutivistas e a nova perspectiva: a “Histórico-Crítica”, procura ser crítica sem
ser reprodutivista.
Nesse contexto, o problema de abordar dialeticamente a educação
começou a ser discutido mais ampla e coletivamente, o que permitiu que, no ano
de 1979, a Concepção Histórico-Crítica, pudesse ser claramente compreendida.
Tem-se, no referido ano, um marco para a consolidação do novo paradigma
educativo. Naquela conjuntura, a primeira turma do curso de Doutorado em
Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na época com 11
doutorandos, tentava perseverantemente formular teoricamente o fenômeno
educativo com vistas à superação do crítico-reprodutivismo presente nas
tendências pedagógicas existentes até então.
Nesse movimento, destaca-se a tese “Educação e Contradição”, de
Carlos Roberto Jamil Cury, a partir da qual, houve um maior empenho em colocar
a contradição como a categoria-chave e mostrar como as outras se subordinam
a ela: mesmo o aspecto reprodutor da educação é contraditório e não mecânico
(SAVIANI, 2013).
As discussões acerca da nova tendência ganham força com o passar dos
anos, o que faz com que os críticos da época passem a voltar seus olhos para a
perspectiva a fim de identificar possíveis fragilidades e vulnerabilidades que
145
pudessem ser suficientes para desconfigurar e deslegitimar a teoria como um
paradigma.
No entanto, tais esforços foram em vão e em 1991 é publicado o livro
“Pedagogia Histórico Crítica: Primeiras aproximações”, que traz todos os
pressupostos e princípios que sustentam a teoria e a validam como um
paradigma educacional consistente e legítimo.
No livro ficam ainda mais evidentes as correlações da nova teoria com o
marxismo e com a Psicologia Histórico Cultural. Para definir educação, Saviani
usa a categoria marxista “trabalho” para que haja uma compreensão lógica e
consistente do conceito. Ele explica que:
146
do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da
produção humana. Aqui se encontra a educação (Ibidem, 2013).
Assim, pode-se concluir que a educação é um fenômeno próprio dos
seres humanos. Pode-se inferir então, que a compreensão da natureza da
educação passa pela compreensão da natureza humana, pois
147
uma determinada geração herda da anterior um modo de
produção com os respectivos meios de produção e relações de
produção. E a nova geração, por sua vez, impõe-se a tarefa de
desenvolver e transformar as relações herdadas das gerações
anteriores (SAVIANI, 2013, p. 121).
148
primeira leitura da realidade, um contato inicial com o tema a ser estudado”
(GASPARIN, 2012, p. 13). Em outras palavras, é o contato inicial da criança com
o conteúdo a ser estudado.
O segundo passo corresponde à “Problematização” que é fundamental,
pois instiga o interesse da criança, o que é fundamental para que o conhecimento
cotidiano do aluno, seja utilizado para a constituição de conhecimento mais
elaborado.
Trata-se de “um desafio, ou seja, a criação de uma necessidade para que
o educando, através de sua ação, busque os conhecimentos” (GASPARIN, 2012,
p. 33). A problematização é o momento em que se instiga a criança acerca de
determinada temática para que ela se sinta interessada em aprendê-lo.
O terceiro passo, conhecido como “Instrumentalização”, de acordo com
Gasparin (2012, p. 49):
149
de determinado conteúdo. Abarca nela, as novas ações praticadas pelos
estudantes a partir dos conteúdos apreendidos. Nessa etapa, se pode observar
mudanças de comportamento e opinião dos alunos, a partir dos conceitos
adquiridos (Ibidem, 2012).
Com esses passos, Gasparin consegue esclarecer a questão didática da
Pedagogia Histórico-Crítica que tanto causava questionamentos. Estando
compreendidos os procedimentos teóricos e os práticos metodológicos, a teoria
de Saviani se consolida ainda com mais consistência como um paradigma
educacional originalmente brasileiro.
Assim, a formação humana premeditada pelas ideias de Marx e
posteriormente pelas de Vygotski, se tornam possíveis dentro das premissas
dessa nova teoria.
Considerações finais
150
diferencia dos animais, entretanto, Dermeval Saviani, contemplou de maneira
brilhante vários aspectos necessários e basilares para este propósito.
Ao apresentar a biografia do autor, é possível observar que, dentre
muitos de seus escritos, prevaleceu uma abordagem que relaciona aspectos
históricos e sociais da formação do sujeito, bem como a defesa de um
posicionamento crítico deles, a fim de que tenham consciência da realidade que
os cerca, além da relação de classes presentes no sistema capitalista no qual
está inserido.
A partir das ideias de Marx e tendo também como referencial os estudos
da Psicologia Histórico-Cultural, a Pedagogia Histórico-crítica propõe a
superação das perspectivas até então apresentadas com tendências
reprodutivistas que não foram capazes de sanar as necessidades sociais da
comunidade. Uma ação docente planejada que contemple uma prática social,
problematização, instrumentalização, catarse e novamente a prática social seria
um caminho para um trabalho educativo que efetivamente mude a realidade dos
sujeitos.
A defesa, portanto, é de uma superação da alienação da atividade do
trabalho e valorização da liberdade dos indivíduos, para que não apenas se
adaptem à realidade, mas possam interiorizar os signos e apropriar-se da cultura
elaborada ao longo da história, e assim, tenham condições de humanizar-se e
elevar suas funções psíquicas à patamares cada vez mais superiores.
Referências
151
GASPARIN, João. Luiz. Uma didática para a Pedagogia Histórico-crítica. 5.
ed. Campinas: São Paulo. Autores associados. 2012.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 21ª ed. São Paulo, Cortez e Autores
Associados, 2003.
152
JÖRN RÜSEN
153
Capítulo IX
Introdução
154
“na década de 1980 a formação de professores do ensino de história passa
a ser objeto de reflexão e pesquisa nos meios acadêmicos” (Ibidem, p.55).
No bojo desse movimento surgiram pesquisas que buscavam mapear as
ideias históricas de jovens e adultos na perspectiva da chamada “cognição
histórica”, com o intuito de desvendar como esses grupos apreendem história.
No Brasil, o primeiro grande grupo de pesquisa neste campo surge em Curitiba,
na Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob a orientação da professora Maria
Auxiliadora Schmidt, primeiro refletindo sobre a produção teórica de países como
Inglaterra e Portugal e depois aprofundando na teoria de Rüsen, na qual a própria
epistemologia da História torna-se referência para entender como aprendemos
História e como melhorar o modelo de ensino desta disciplina.
155
tradução de Estevão de Resende Martins. Dentre essas obras podemos destacar:
“Razão Histórica” (2001), “História Viva” (2007) e “Reconstrução do Passado”
(2007).
As reflexões do historiador alemão sobre a consciência histórica e o
pensamento histórico, interessaram à educação, e isso levou a incorporação de
alguns conceitos por esse campo de pesquisa. Esse fenômeno levou o autor a
publicar alguns textos voltados ao ensino e à aprendizagem histórica. Obras
como o livro “Teoria da História” (2015) e a coleção de textos “Jörn Rüsen e o
Ensino de História” (2011) foram publicadas pela Universidade Federal do
Paraná, justamente por contribuírem para as pesquisas em Educação Histórica.
Para Rüsen, a Didática da História é uma área importante da Teoria da
História. Isso porque facilita o entendimento histórico e estabelecendo objetivos
e formas da formação histórica dentre de um dado contexto político, social,
cultural e institucional (RÜSEN, 2011). Entretanto, essa noção sobre a Didática
Histórica foi desenvolvida ao longo do incremento de relevantes eventos
históricos que precisamos compreender.
Desde a antiguidade até meados do século XVIII, prevalecia na Europa a
noção de que a Didática (ou o uso prático da História) ocupava papel central na
formulação de qualquer história. Isso porque, acreditava-se que a História devia
ser escrita e ensinada para que os destinatários aprendessem algo relevante à
vida, uma noção da história como mestra da vida (KOSELLECK, 2006).
Até mesmo a escrita da história era orientada por interesses e problemas
práticos. “Assim parecia ser, segundo Reinhart Koselleck, desde a antiguidade
clássica, quando se servia da ‘história como coleção de exemplos’ a fim de que
fosse possível ‘instruir por meio dela’” (SADDI, 2010, p. 43).
Entretanto, tal paradigma de valorização da Didática da História como
algo útil à vida, passou a ser decomposto. Durante todo o século XVIII foi se
esvaziando os significados da História Mestra da Vida, enquanto os historiadores
buscavam a cientifização e a especialização da história. Isso acabou por, no final
do século XIX, separar a Ciência Histórica da Didática da História.
156
Um conjunto de mudanças profundas no século XVIII
transformou este espaço de experiência e terminou por esvaziar
o sentido do antigo topos. Começava a prevalecer a ideia de que
a História não ensina através de exemplos, posto que o que foi
certo para um tempo passado, não seria válido para um outro
tempo, o tempo presente (SADDI, 2010, p. 69).
157
oferecer ferramentas para identificar a mudança temporal vivida, produzindo uma
autocompreensão e orientação à ação desses indivíduos.
Para Rüsen, era necessária a incorporação da Didática da História na
Ciência Histórica. Era imperativo relacionar as produções historiográficas com a
vida prática dos indivíduos na sociedade. Até mesmo as habilidades
metodológicas dos historiadores deveriam servir para edificar o raciocínio
histórico.
Rüsen arquiteta tal valorização após a derrubada do muro de Berlim,
momento em que os alemães de diferentes costumes se deparam com uma
diferente realidade historicamente construída. Neste contexto, a consciência
histórica auxiliaria na compreensão e na crítica ao cotidiano.
158
Entretanto, não é somente pela memória que se recupera o passado trabalhado
pela consciência histórica.
159
exemplar, a necessidade de regularidade é atendida através da extensão
espacial do tempo histórico, resgatando casos em que regras são estabelecidas
e generalizadas para todos os tempos e espaços.
Já a narrativa crítica tem um sentido de julgamento da temporalidade,
problematizando os modos de vida, alterando ideias de continuidade e
principalmente negando os padrões de identidade. O último tipo de narrativa, o
mais complexo, é chamado por Rüsen de genética (2007).
Segundo o autor, essa tipologia oferece um maior entendimento sobre a
temporalidade. Percebem-se as transformações nos modos de vida e permite a
escolha do mais apropriado, através do desenvolvimento consciente das
continuidades e mediação das mudanças. Esse tipo de narrativa revela um sujeito
mais emancipado, pois age de maneira livre e proativa, percebendo-se como
autor da sua relação com a dinâmica temporal.
Assim, Rüsen (2007) organiza as consciências históricas tendo por base
a análise das narrativas. Segundo ele, há uma crescente complexidade nas
narrativas, ligadas às distinções entre a temporalidade individual e a dos outros,
às formas de significação histórica, abstrações, operações lógicas, orientações
(internas e externas) e a autocompreensão histórica.
O conceito de Consciência Histórica está intrinsecamente ligado à
necessidade do ser humano em se orientar temporalmente e tem sido um objeto
central nos estudos recentes em Educação Histórica.
Em pesquisas da Educação Histórica, para analisar os tipos de
consciência histórica dos indivíduos, não basta explorar conceitos históricos de
natureza epistemológica.
É necessário perceber o uso de conhecimento substantivo movimentado
em relação com os conceitos de segunda ordem. E a partir destes indicadores,
insurgir alguns princípios na apropriação conceitual por parte dos estudantes.
Desta forma podemos perceber como esses estudantes fazem uso da História
para as suas vidas.
160
A experiência do estudante como o centro da aprendizagem
histórica: uma sugestão de atividade
161
❖ Primeira aula:
162
Figura 3 - Deputadas Federais em 2018
163
estudantes enunciarão em suas narrativas as representações das mulheres. O
professor poderá questionar se tais representações devem ser desnaturalizadas.
Após essa etapa, o docente irá conduzir a seguinte questão: “Papéis
sociais das mulheres foram naturalizados. É possível desconstruir algumas
representações que foram delegadas somente às mulheres?” Para isso os alunos
serão submetidos ao seguinte slide e responderão a essa problematização à luz
de suas experiências.
❖ Segunda aula:
164
Figura 6 - Liberdade sobre rodas
165
recorte de um passado específico (problematizando a partir de um
conteúdo/tempo/espaço). Veja abaixo exemplos de recortes.
166
Figura 10 - Perspectivas históricas: política
❖ Terceira aula:
167
Almeida. Sugere-se ler com os estudantes cada artigo do contrato e
posteriormente, sugerir a reconstrução dos artigos a partir de valores
contemporâneos pós conquistas de movimentos feminista.
Fonte: KAPA, Raphael. Contrato de professora em 1923 proibia de casar, frequentar sorveterias
e andar com homens. O Globo, 2015. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/contrato-de-professora-em-1923-proibia-de-casar-
frequentarsorveterias-andar-com-homens-16384742. Acesso em 26 fev. 2023.
168
Considerações finais
Referências
169
https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/contrato-de-professora-em-1923-
proibia-de-casar-frequentarsorveterias-andar-com-homens-16384742>. Acesso
em 26/02/2023.
RÜSEN, Jörn. Teoria da História: uma teoria da história como ciência. Curitiba:
Editora UFPR, 2015.
170
NORBERT ELIAS
171
Capítulo X
Introdução
172
Elias não desenvolveu estudos específicos relacionados aos processos
educativos escolarizadores, porém ao se propor investigar a formação da
civilização ocidental debruçou-se sobre os processos sociais, estruturais e
psicológicos a fim de compreender a dinâmica indivíduo e sociedade na história.
Com isso, recorreu a processos de aprendizagem, internalização e naturalização
de comportamentos e condutas sociais para a compreensão dos fenômenos
históricos e sociais.
173
Mesmo quando se deparava com questões que atravessavam os sujeitos
do mundo acadêmico, a título de exemplo, a dificuldade em escrever, a
comparação e a autoexigência, Elias carregava uma fé inabalável sobre si
mesmo, confiava que esse sentimento era normal e que fazia parte do processo
da escrita acadêmica e não se deixava paralisar por tais pensamentos.
O comentário do autor, citado acima, vai de encontro com as
divergências encontradas para comunicar suas ideias, teorias e obras. Era um
homem que não se aliava a partidos, mas tinha o seu próprio: “desmistificar as
ocultações”. Contudo, não é porque não se filiava aos partidos que não possuía
uma posição política, apesar de achar a ideologia de esquerda irrealista,
acreditava no Estado de direito.
O sociólogo, por ter recebido uma boa formação, passou pela faculdade
de Medicina e pela de Filosofia. Os estudos biológicos foram essenciais para a
formação das suas teses sociais e o ajudaram a se tornar um sociólogo de
destaque.
174
esse sentimento existia. Quando perguntado se ele sentia mais alemão do que
judeu, o autor alega que, para ele, essas duas coisas eram indissociáveis, ele ser
judeu não elimina a cultura alemã que o englobava (ELIAS, 2003).
Muito jovem foi convocado para a Guerra. Trabalhava com linhas
telefônicas assegurando o funcionamento das linhas de telefone e do telégrafo
que ligavam as trincheiras ao quartel-general. Em 1924, após a Primeira Guerra,
quando os seus pais se viram em uma situação financeira preocupante, ele foi
obrigado a procurar um emprego, e conseguiu na fábrica de forno de fundição
em Bleslau. Neste momento, Adolf Hitler, já se tornara chefe do Partido Nacional-
Socialista (1921).
Norbert Elias esbanjava bravura, no início da década de 1930, ele foi à
Frankfurt ouvir um grande discurso de Hitler. De forma disfarçada, trocou suas
vestes para que pudesse passar pela barreira formada pela SS e não ser
reconhecido.
175
para ser governada. Podemos observar a mesma cena no Brasil no Governo de
Getúlio Vargas, 1930-1945,
176
London School of Economics and Political Science, em Londres, na Inglaterra.
Em 1940, recebeu uma carta avisando que seu pai havia morrido e logo em
seguida, sua mãe desaparecera em Auschwitz.
A referida obra integra bem o período em que foi escrito. Não é apenas
um livro sobre a França do século XVIII, mas um livro que foi escrito por um
refugiado alemão em Londres às vésperas da II Guerra Mundial, todas as suas
vivências e experiências são atravessadas por suas teorias.
177
não-naturalista, que se aproxima muito mais do sonho. As
esculturas africanas têm a mesma qualidade. Há, por exemplo,
máscaras apavorantes e máscaras amistosas, mas todas se
dirigem mais intensamente ao inconsciente, se preferirem
(ELIAS, 2003, p. 81).
178
civilização ocidental, Elias (1993, 2011) recorreu aos processos de
aprendizagem, internalização e naturalização de comportamentos e condutas
sociais que estiveram presentes no decurso desse fenômeno, a fim de
compreender as dinâmicas que delinearam a relação indivíduo e sociedade na
história. Ainda, ao problematizar a questão do tempo, Elias (1998c), questionou
os símbolos sociais produzidos pelos indivíduos enquanto patrimônios do saber
acumulados e transformados pela experiência intergeracional – orientadas por
processos de aprendizagens – na longa duração histórica.
Considerando a abordagem sociológica figuracional e a teoria dos
processos civilizadores proposta por Norbert Elias, entende-se que é possível
interpretar os fenômenos e os processos educacionais escolares. Pois, Elias
(1998c) desenvolve uma teoria sociológica de vasto alcance, dando ênfase aos
elementos essenciais da produção do saber e da atividade de conhecimento.
Para ele, o objeto do saber é o fluxo incontável das relações, gerações e a
evolução da humanidade, e não mais o indivíduo isolado. Propõe, com isso, uma
mudança no horizonte intelectual, no qual, o interesse está em compreender
como a humanidade adquire e produz conhecimento, ou seja, direciona o olhar
ao desenvolvimento dos símbolos sociais que funcionam como instrumentos de
orientação, ensino e aprendizagem (ELIAS, 1998c).
Elias (1993, 2011) demonstrou como os processos de transformação da
estrutura da sociedade influenciaram nos processos de transformação do
comportamento e da personalidade do indivíduo, ressaltando que ambos se
desenvolveram de forma interdependente e influenciam-se mutuamente. Com
isso, possibilitou certa percepção de como a civilização dos costumes e
comportamentos foi se tornando gradativamente uma atitude internalizada pelo
homem, por meio da qual o indivíduo foi naturalizando– aprendendo – modos de
ser e de se comportar, internalizando sentimentos, emoções, medos, e
desenvolvendo uma personalidade e uma conduta específica.
Norbert Elias afirma que “um dinamismo social específico desencadeia
outro de natureza psicológica, que manifesta suas próprias lealdades” (ELIAS,
2011, p. 106). Portanto, como primeiro apontamento, tem-se que não é possível
179
compreender os processos sociais que educam os indivíduos sem considerar as
estruturas e dinâmicas correspondentes à sociedade que integram. Elias (2011)
propõe a apreensão dos processos psicogenéticos e sociogenéticos, que
caracterizam a educação dos indivíduos em seus tempos e espaços específicos,
enquanto processos interdependentes. Assim, a psicogênese resultante dos
processos de aprendizagem e de formação individual acontece indissociável e
de maneira integrada à sociogênese circunscrita nesse processo formativo,
sendo que esta, vincula-se às dinâmicas sociais, históricas e estruturais que
correspondem a sociedade da qual o indivíduo é parte.
Para além da relação de interdependência entre a formação dos
processos psicológicos individuais (psicogênese) e das estruturas e dinâmicas
sociais (sociogênese) que caracterizam a aprendizagem do indivíduo, Norbert
Elias (1998c) evoca a importância de se conceber sociedade, indivíduos e
fenômenos sociais a partir da sua dimensão processual. Pois,
180
não podem ser considerados como dados universais. Assim, os diferentes
objetos e problemas científicos devem ser admitidos, nessa perspectiva, como
“[...] patrimônio de conhecimentos de que dispõe uma sociedade num dado
momento” (ELIAS, 1998c, p. 100). Com isso, entende-se que as mudanças
experienciadas pelas sociedades e, mais especificamente, as mudanças e
transformações nas instituições escolares e nos processos educativos, – apesar
de não serem previamente planejadas por um indivíduo ou um grupo social
específico – são estruturadas, uma vez que se desenvolvem com uma
organização social e se originam em respostas a demandas de reorganização e
de transformações no interior dessas relações.
Destaca-se que,
181
condutas e o desenvolvimento do autocontrole são características que garantem
a sobrevivência da humanidade e a sua evolução a níveis diferentes de interação
e complexificação. Estes são aspectos aprendidos, cerceados por mudanças que
perpassam as várias sociedades, situadas em um tempo e espaço específico, as
quais constroem e experienciam as relações nas diferentes figurações sociais e
se organizam por meio de símbolos produzidos e aprendidos e da integração em
instituições, de acordo com seu respectivo nível de complexidade.
Ao olhar para o indivíduo em um modelo conceitual que o insere na
sucessão da cadeia das gerações, Elias (1998c), propõe entender a regulação
social e a formação da consciência pessoal exercidos pelos símbolos sociais. Ao
referir-se aos símbolos sociais de orientação, os quais são aprendidos e
praticados, faz-se necessário compreender que a sua função é a integração
social, a fim de atender as demandas que estão relacionadas ao nível de
desenvolvimento da sociedade da qual é parte.
A instituição – ou melhor, pensando com Norbert Elias –, a figuração
escolar, nada mais é do que uma das relações humanas correspondentes aos
símbolos sociais e demandas estruturais produzidas nesse processo. A educação
escolar formal surge e se consolida como uma das figurações sociais de
formação – cuja dinâmica e organização passam a ser planejadas
intencionalmente –, a qual se torna essencial para a internalização e difusão de
uma sociedade civilizada. Desse modo, o processo educacional - vinculado à
educação formal – tem funções precisas no processo de civilização ocidental.
Funções as quais podem modificar-se de acordo com o estágio de
desenvolvimento e estrutura de organização da sociedade.
Outro aspecto importante para se pensar os processos educativos e de
aprendizagem, são as relações, os equilíbrios e os desequilíbrios de poder que
atravessam as figurações sociais, dentre elas a escola e os processos de
aprendizagem. Pois, de acordo com Elias (2011), com a maior complexificação
da sociedade e maior complexificação nas dinâmicas sociais que atravessam os
indivíduos, as relações de poder que integram essas figurações se tornam cada
vez mais complexas e diversificadas. Ao pensar nas relações de poder que
182
integram a relação “pais e filhos”, Elias (1998a) indica que é possível verificar, no
decorrer do processo de civilização da sociedade ocidental, uma transição de
uma relação mais autoritária - na qual o domínio dos pais é quase que absoluto
– para uma mais igualitária.
Uma vez que,
183
de determinação de educação escolar institucionalizada, na qual ela adquire um
status hegemônico e consensual como padrão de aquisição e se torna uma
segunda natureza, internalizada por grande parte das sociedades
contemporâneas?
As instituições como a escola e a universidade adquiriram papéis
figuracionais e instrumentais a fim de materializar as ideias em torno da educação
dos indivíduos em sociedade. Mas é preciso indagar como elas ajudaram a
internalizar essa autodisciplina que impõe tanto a necessidade, quanto o desejo
de se educar com base nas regras e conhecimentos estabelecidos pelas
instituições. As práticas desenvolvidas nessas instituições corroboram para
modelar os indivíduos desde a infância e se perpetuam por toda a sua vida a
considerar as relações sociais escolarizadas, que imperam no atual estágio das
sociedades contemporâneas. Dessa forma, vislumbra-se a importância da
compreensão dos conceitos e dos símbolos, enquanto, resultantes de um longo
processo histórico de desenvolvimento social.
A direção na qual se desenvolve o saber é inseparável da direção tomada
pelas transformações das formas de vida comunitária dos indivíduos. Ao focar
nas modificações que afetam os diferentes setores constituídos pelas disciplinas
civilizadoras impostas aos afetos e as funções, percebe-se que o processo é
marcado pela indissociabilidade entre as transformações na vida coletiva e na
personalidade a considerar relação entre coerção externa e a autoimposta
(ELIAS, 1998c).
A coerção externa e a autoimposta se movimentam e se desenvolvem
pautadas nas relações de poder que são comunicáveis por meio dos símbolos
sociais compreendidos pela sociedade e que visam construir um relativo grau de
coesão e certa homogeneidade. Tendo em vista que as sociedades complexas
são mais diferenciadas e interdependentes, esse grau de coesão precisa ser
também funcional para a organização da sociedade e para isso as posições que
as pessoas ocupam nos grupos precisam ser constituídas, de certa forma, a
educação escolar formal contribui para essa constituição de posições.
184
A educação escolar formal se tornou um símbolo social importante
quando se apresenta como uma mediadora, que traduz anseios sociais
diversificados, em um conteúdo material, mais ou menos coeso. Assim, ao longo
do processo de desenvolvimento humano ela se institucionalizou, formando
também, um grupo mais ou menos coeso em suas crenças, como a superioridade
de grupo escolarizado - detentor do conhecimento. Portanto, para se diferenciar
e legitimar sua posição de poder, esse símbolo social, estigmatiza os não
escolarizados, que são excluídos das políticas e das melhores posições de
poder.
A inferioridade era reforçada ao se deparar com uma sociedade, na qual,
a escrita estava se tornando uma forma de comunicação predominante. Assim,
apesar do estigma ser construído no imaginário social, a inferioridade precisa
possuir uma base objetivada de explicação, como as dificuldades que os
analfabetos teriam para se comunicar e participar de uma sociedade letrada que
se ampliava. Atualmente, além dos índices de analfabetismo, temos outros
aspectos de exclusão que se baseiam na educação formal, como a qualidade do
ensino e sua diferenciação social no interior da figuração escolar.
Apesar das desigualdades e contradições, a educação formal continua a
ser aceita como um caminho natural seguido pela maioria das sociedades
contemporâneas. Pode-se questionar os métodos, os professores, os currículos,
os conteúdos e as plataformas analógicas e digitais, mas a necessidade da
educação formal, ainda consegue avançar no tempo como consenso, pois, os
níveis de escolaridades garantem um certo grau de ascensão social e mudanças
de ocupações de postos nas figurações sociais.
Dessa forma, se intensifica na personalidade um autocontrole à medida
que a experiência educacional escolar tende a exigir uma ampliação do tempo
de estudos e o adiamento de alguma forma de ascensão social, que tende,
geralmente, ser deslocada para o futuro. Esse autocontrole gera um forte
sentimento de expectativa, o que por um lado, incentiva os indivíduos a seguirem
o fluxo estrutural da sociedade, e por outro, gera angústias de um futuro que se
distância.
185
Considerações finais
186
Referências
ELIAS, Norbert. Norbert Elias por ele mesmo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Uma História dos Costumes. 2 ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 2011. v. 1.
187
Sobre os organizadores
188
Sobre os autores
189
Dayane Cristina Guarnier
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do “Grupo de Pesquisa Processos Civilizadores -
GPROC”.
190
Pedagogia Histórico-Crítica no ensino, aprendizagem e desenvolvimento humano
na educação escolar" (UEL) e membro também do Grupo de Pesquisa “Leitura
e práticas pedagógicas na escola da Infância em tempos de pandemia: ação
docente para o ensino e aprendizagem online e presencial” (UEL/CNPQ).
Kelly Cebelia
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do grupo de Estudo e Pesquisa Lugares de
aprender: relações entre escola, cidade, cultura e memória, desenvolvido na
UEL.
191
Mariana Montagnini Cardozo
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Londrina. Membro do “Grupo de Pesquisa Processos Civilizadores -
GPROC”. Professora da Secretaria Municipal de Educação de Londrina.
192
Sandra Aparecida Pires Franco
Doutorado em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (2008) e Pós-
Doutorado em Educação pela UNESP de Marília - SP (2016). É líder do Grupo de
Pesquisa Leitura e Educação: práticas pedagógicas na perspectiva da Pedagogia
HIstórico-Crítica. Faz parte do Grupo de Pesquisa PROLEAO e do projeto
PROCAD 2014. É professora-adjunta do Departamento de Educação da
Universidade Estadual de Londrina - UEL, coordenadora do projeto leitura e
atividade de estudo: práticas pedagógicas com a leitura literária na Educação
Básica.
Tony Honorato
Pós-doutor, Doutor e Mestre em Educação. Docente no Departamento de
Educação (EDU) e no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPEdu) da
Universidade Estadual de Londrina.
193