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XVI Congreso de la Asociación Latinoamericana de

Investigadores de la Comunicación (ALAIC)


La Comunicación como Bien Público Global:
Nuevos lenguajes críticos y debates hacia el porvenir
Buenos Aires, Argentina, 26 al 30 de septiembre de 2022
Organizan
 Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC).
 Federación Argentina de Carreras de Comunicación Social (FADECCOS).

GI 10 Culturas, comunicación y narrativas transmedia: ficcionalidades y


prácticas de consumo / GI 10 Culturas, comunicação e narrativas
transmídia: ficcionalidades e práticas de consumo.

Representatividade LGBT nos Quadrinhos: Uma Análise da


Webcomic Potiguar Arlindo
LGBT representation in comics: an analysis of the potiguar webcomic "Arlindo"

Rafaela Bernardazzi Torrens Leite 1


Alison Vinícius da Silva Barbosa 2

Resumo: Esta pesquisa realiza a análise qualitativa da webcomic potiguar Arlindo,


procurando entender como a narrativa atua na construção das personagens LGBTQIA+ da
obra. Para tal, é utilizada análise de conteúdo. A coleta de dados se dá por meio do
cruzamento da análise do conteúdo visual da webcomic e do conteúdo das mídias sociais
de Luísa de Souza, autora da obra. Outro ponto de referência da pesquisa é a relação da
criação do conteúdo da webcomic com o público-alvo e como isso se relaciona com as
características das personagens.

Palavras-chave: WebComic, Quadrinhos, LGBT

Abstract: This research performs a qualitative analysis of the webcomic “Arlindo”, trying
to understand how the narrative acts in the construction of the LGBTQIA+ characters of
the work. For this, content analysis is used. Data collection takes place by crossing the

1
Rafaela Bernardazzi Torrens Leite. IFRN, Doutorado, Brasil, rafaela.bernardazzi@ifrn.edu.br.
2
Alison Vinícius da Silva Barbosa. IFRN, Ensino Fundamental, Brasil, vinicius.barbosa@escolar.ifrn.edu.br.
analysis of the webcomic's visual content and the social media content of Luísa de Souza,
author of the work. Another point of reference for the research is the relationship
between the creation of the webcomic's content and the target audience and how this
relates to the characteristics of the characters.

Key words: WebComic, Comic, LGBT

INTRODUÇÃO

Arlindo é uma webcomic iniciada em 2019 e concluída no ano de 2020. Em 2021 a


obra foi impressa e comercializada pela editora Seguinte, do Grupo Companhia das Letras.
A história se passa na cidade de Currais Novos, no interior do estado do Rio Grande do
Norte e a narrativa acompanha o cotidiano da vida do jovem Arlindo, adolescente
LGBTQIA + de 15 anos de idade que não tem sua sexualidade respeitada na cidade onde
vive. Ao longo da história o personagem percebe a importância de lutar para ser quem ele
é, e as relações sociais construídas por ele, são influenciadas por este pensamento.
As webcomics vêm obtendo espaço no mercado editorial e inovando a forma de
autores e quadrinistas contam suas histórias. Um levantamento realizado pela Pesquisa
Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro, (2022, online3) mostrou que em 2021 houve
um aumento de 36% na venda de livros digitais. Uma das grandes vantagens da internet
para os criadores de histórias em quadrinhos são as plataformas digitais que possibilitam a
divulgação de suas produções, como o Webtoon ou Twitter, além de facilidade na
obtenção do retorno financeiro, utilizando técnicas como o crowdfunding para tal
objetivo.
O Twitter é uma das plataformas utilizadas pelos ilustradores e quadrinistas. Por
permitir a interação entre usuários e por meio de publicações e comentários e auxiliando
no compartilhamento de conteúdo multimídia. O Twitter também é o principal local de

3
Fonte: Pesquisas Produção e Vendas e Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro. (2022, 17 de
maio). Sindicato Nacional de Editores de Livros. https://snel.org.br/pesquisas-producao-e-vendas-e-
conteudo-digital-do-setor-editorial-brasileiro-de-2021-revelam-dados-do-crescimento-do-setor/
acesso a diversas webcomics como Alienaldo de Gabriel Infante (2020), Chapeuzinho de
Aureliano (2021) e Arlindo (2021) de Luíza de Souza, tendo em vista que esta mídia social
facilita a interação entre os leitores e os criadores de conteúdo.
O sucesso da webcomic Arlindo deu origem aos “arlinders”, nome dado aos fãs e
leitores da história de Luíza de Souza. Devido à fidelidade da história com os fãs, Arlindo
se tornou recorde de arrecadação da categoria “HQ’s” na plataforma Catarse, além de
ultrapassar a meta em dinheiro estabelecida em mais de 350% com 4410 apoiadores,
sendo que para 46% destes,4 foi sua primeira compra na plataforma. A obra também
recebeu 5 indicações nas categorias de: “melhor álbum”, “melhor colorista”, “melhor
quadrinista”, “melhor quadrinho” e “melhor roteirista” no CCXP Awards de 20225, o que
aponta uma qualidade técnica do produto lançado e a relevância da temática debatida
pela autora na webcomic.
Eu me comprometi a contar a história desse menino porque a história
dele é a história de muitos meninos e meninas espalhados pelo Brasil. Eu
sinto que é meu dever como voz que é ouvida pelas pessoas, mas que
tem um espaço e um palco ali, e é importante que essas histórias sejam
contadas para as pessoas perceberem que quando elas falam essas
coisas, tem uma criança ouvindo e ela vai provavelmente lembrar disso
pro resto da vida (Souza, 2021a).

Levando esses aspectos em consideração, Luíza de Souza utilizou múltiplas


estratégias durante a criação de Arlindo, sendo elas majoritariamente intencionais,
enquanto outras não. Um desses planos foi o planejamento visual da história, aspecto
este que varia a detalhes como a paleta de cores escolhida a muitos outros aspectos, mas,
principalmente das características dos personagens.

4
Souza, L. Luíza de Souza: depoimento [dez. 2021b]. Entrevistadores: A. Barbosa e R. Bernardazzi. Natal, RN.
Entrevista concedida ao Projeto Representatividade LGBT nos Quadrinhos: Uma Análise da Webcomic
Potiguar Arlindo.
5
Ribeiro, P. H. (2022). CCXP Awards 2022 | Conheça os finalistas de todas as categorias da premiação.
Omelete. Disponível em: https://www.omelete.com.br/ccxp/indicados-ccxp-awards. Acesso em 23 jun.
2022.
PLANEJAMENTO VISUAL

A webcomic Arlindo se utiliza da construção clássica da narrativa das histórias em


quadrinho, o que, segundo Eisner (1989), se faz por meio da relação entre imagem e texto
que o leitor interpreta. O planejamento tem sua importância na construção da história,
mas ainda mais quando se trata de uma história em quadrinhos. Pizarro (2015) ressalta a
importância deste recurso, tendo em vista que o cérebro humano constrói ideias a partir
da primeira impressão que temos de algo ou alguém. Essas ideias, em um momento
futuro, podem não serem mudadas com facilidade, daí a expressão popular brasileira: “a
primeira impressão é a que fica”.
De acordo Nadilson (2001), histórias em quadrinhos são narrativas que utilizam
dois códigos para dizer algo, sendo eles o código linguístico e o imagético, podendo haver
predominância de apenas um destes elementos em uma página ou quadro. Em outras
palavras, a combinação de diferentes técnicas visuais e textuais é necessária para a
criação de comics, já que o imaginário do leitor não se torna tão requisitado como em
outros tipos de literatura. O planejamento pode se dar através de inúmeros detalhes,
como a escolha da paleta de cores, as composições estéticas das ilustrações e até o design
dos personagens, como mostra a figura 1.
Figura 1 - Design do personagem.
Fonte: Ilustração por Luíza de Souza. Montagem por Autoria própria.

O quadrinistra brasileiro Vitor Cafaggi (2020) defende que muitas vezes essa
atração pode surgir de uma estranheza visual que o leitor vai ter com o seu personagem,
como uma diferença física nele. No caso de Arlindo, isso seria perceptível pela coloração
amarelada na pele de todos os personagens da webcomic. Outro fator que auxilia no
design do protagonista são os diversos formatos presentes em sua composição que, além
de causar estranhamento, auxiliam a passar informações sobre ele sem serem ditas
explicitamente e, novamente, Cafaggi (2020) denota que este método pode ser feito de
um jeito mais direto e até de um jeito mais subliminar.
Identificamos, na figura 1, que diversos círculos fazem parte da composição do
personagem principal da obra Arlindo, com o objetivo de tornar o personagem mais
amigável visualmente, assim como diversos outros personagens da cultura pop, como a
Hello Kitty (do seriado Hello Kitty) e o Pikachu (da franquia Pokémon). A força do
personagem está ligada aos seus traços de personalidade amável e seu pensamento, por
isso sua cabeça é grande se comparada ao seu corpo, que por sua vez, é magro e esguio.
Segundo o designer potiguar Beto Leite: “existe uma tensão, um equilíbrio frágil no
pescoço fino [...], o que transparece uma fragilidade no personagem” (2021, online6).
Seus olhos são grandes para fazer jus a sua grande curiosidade e suas orelhas
também possuem o tamanho avantajado, pois é uma consequência não só da sua
curiosidade, mas devido ao conceito original fundador do mesmo, as conversas que
crianças e adolescentes ouvem constantemente sobre indivíduos LGBTQIA +. Arlindo
possui a cabeça quadrada para identificarmos que o mesmo possui conflitos pessoais
internos, mas as pontas dessa forma são arredondadas para fugir de elementos que

6
Leite, R. [betoleite] (2021). TRUQUE - Aula 5 [Video TRUQUE - Aula 5]. Youtube.
https://www.youtube.com/watch?v=XtvxfLHeAJg
fizessem analogia a agressividade, como aspectos pontiagudos, além de gerar uma
estranheza, como citado anteriormente, especialmente se for levado em consideração
que os demais personagens da história possuem cabeças em um formato mais “comum”.

Figura 2 - Página 17 de “Arlindo”

Fonte: Souza, L. (2021a). Arlindo. São Paulo: Editora Seguinte.

Na figura 2, página 17 do quadrinho impresso, por exemplo, é possível identificar


Arlindo cozinhando doces com sua figura materna, Dona Nalva. A página possui diversas
utilidades para a construção da história. Em primeiro lugar, a autora utilizou esse
momento para aprofundar o relacionamento dos dois personagens para o leitor, tendo
em vista que grande parte da personalidade de Arlindo vem de sua mãe, sendo uma fonte
de inspiração, carinho e exemplo positivo em sua vida. Em segundo lugar, levando em
consideração o fato de Arlindo também ser uma grande fonte de estudo para a autora,
muitos são os momentos em que ela utiliza técnicas inspiradas em outras histórias e,
nessa página, não é diferente, onde a composição foi inspirada na graphic novel Bloom de
Kevin Panetta e Savanna Ganucheau (2022). Em terceiro lugar, a música utilizada foi
Ovelha Negra da cantora Rita Lee, cuja letra é utilizada como prenúncio da relação do
menino com o pai. Falando nele, em quarto lugar, essa página é o primeiro momento que
o antagonista Seu Arlindo aparece na história, anunciando sua representatividade
negativa com berros, causando um destaque grande, tendo em vista que a tipografia da
frase “pra quê esse som alto?” é maior e mais robusta. Por último, em quinto lugar, a
página também humaniza o protagonista, gerando um momento de identificação com o
leitor. No entanto, como dito anteriormente, as comics não se limitam ao visual, sendo
necessário a composição textual, na maioria das histórias, para auxiliar na criação de uma
nova narrativa e, em “Arlindo” não é diferente.

PLANEJAMENTO TEXTUAL

De acordo com Felipe Nunes (2020), o texto é o principal canal de contexto em


uma história em quadrinhos, pois ele conecta os personagens, consegue elaborar a trama
e se enquadra nas duas maneiras da história: 1) o texto visível (balões e recordatórias) e 2)
o texto invisível (elementos contados a partir do desenho ou contexto da narrativa). Na
webcomic “Arlindo”, o texto se encontra majoritariamente visível, porém, em específicos
momentos, a ilustração e o contexto são mais que suficientes para se entender o que está
acontecendo.
Páginas de descanso se referem às páginas de uma história cujo objetivo é não
sobrecarregar o leitor com diversas informações simultâneas, dando tempo para associar
e “respirar”. Há também um grande contraste entre essas páginas e as demais, já que os
momentos de alívio apresentam pouco ou nenhum diálogo, servindo justamente para os
leitores “respirarem” entre dois momentos da história. Isso se torna mais visível devido ao
fato de existirem 3 páginas novas de respiro na edição impressa de Arlindo, enquanto não
há indícios delas na publicação da webcomic online. O que mostra que a relação do
conteúdo, seja visual ou verbal, tem relação com a mídia na qual se está publicando o
material. Nesse sentido, também há relação análoga entre o planejamento visual e o
textual, já que devido ao fato das páginas serem postadas periodicamente, a autora
decidiu incrementar mais detalhes na ilustração (como referências de conteúdos dos anos
2000) nos momentos de respiro. Uma vez que a webcomic era lançada periodicamente na
internet a relação do conteúdo disponibilizada a cada publicação tem relação direta aos
momentos de espera do público entre uma página publicada e a seguinte.
Outra característica existente é a diferenciação das cores dos balões dos
personagens. A autora utilizou o recurso do uso de uma paleta de cores reduzida para
diferenciar as falas nas páginas, trazendo mais clareza para o leitor, especialmente se o
personagem não está visível na ilustração.
Por fim, o uso das letras das músicas também é um exemplo de uso de elementos
visuais/verbais na obra. Há relação direta entre o que está sendo cantado em músicas e o
sentimento dos personagens ou o que está acontecendo visualmente na webcomic. Um
exemplo disso, como citado anteriormente é o da figura 2, servindo de contextualização
para o que está para vir na narrativa e uma estratégia de criação de vínculo com o público
leitor da obra.

REPRESENTATIVIDADE
A identificação e representatividade positiva se tornaram fatores cruciais na
webcomic, de acordo com a autora: “Eu fiz esse livro porque era o que eu queria ter tido,
acho que de todas as coisas que eu fiz na vida, isso é o que mais me tem” (Souza, 2021b).
Esse sentimento é crucial para a construção de uma narrativa em história em quadrinhos.
A representatividade positiva na história é ainda mais acentuada se for levado em
consideração que, pelo quarto ano seguido, o Brasil é o país que mais mata pessoas da
comunidade LGBTQIA + do mundo7, mesmo com a determinação pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), que estabelece como crimes a discriminação por orientação sexual e
identidade de gênero.8 Só na região nordeste, local onde se passa Arlindo, a chance de
uma pessoa da comunidade ser assassinada é três vezes maior que a da região sul, mesmo
com a densidade demográfica desta região sendo maior9.
Em Arlindo, o universo em que se passa a história está rodeado de figuras
LGBTfóbicas que utilizam diferentes tipos de preconceito e violência para diminuir, atingir,
repudiar e causar dano em indivíduos LGBTQIA +. Cafaggi (2020) aponta a importância do
conflito dentro da história porque é desta maneira que os leitores vão se identificar com o
personagem principal, dando força para eles superarem os seus desafios. Nesse caso, o
conflito do protagonista são justamente essas atitudes preconceituosas que o atingem,
fazendo-o crer que há problema em ser quem ele é. O conflito principal do protagonista
não é o processo de se descobrir como indivíduo LGBTQIA+, mas como as diversas
relações sociais dele irão reagir com essa informação, sejam essas relações familiares,
românticas ou de amizade.
Conforme a história se passa e conhecemos melhor os personagens, Arlindo passa
por um processo de evolução e amadurecimento ao notar, a partir de falas anteriores de
seus amigos e familiares, que não há nada de errado em se identificar como uma pessoa
LGBTQIA+. Este processo de evolução está presente não só em Arlindo, como também
nestes outros personagens que ele se relacionou, como cita Luíza de Souza, autora da

7
Fonte: Bohrer, L. (2022, 12 de maio). Brasil é o que mais mata pessoas LGBTQIA+ pelo quarto ano
consecutivo. Rede Brasil Atual. https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2022/05/brasil-e-o-pais-que-
mais-mata-pessoas-lgbtqia-no-mundo-pelo-quarto-ano-consecutivo/
8
Fonte: Coelho, G. (2019, 13 de junho). Supremo aprova equiparação de homofobia a crime de
racismo. Conjur. https://www.conjur.com.br/2019-jun-13/stf-reconhece-criminalizacao-homofobia-lei-
racismo
9
Fonte: Cardoso, P. (2021, 14 de setembro). Brasil é o país que mais mata pessoas da comunidade
LGBTQIA+ no mundo. Agências de notícias das favelas. https://www.anf.org.br/brasil-e-o-pais-que-mais-
mata-pessoas-da-comunidade-lgbtqia-no-mundo/
história: “Do mesmo jeito que ele recebe essa força das outras pessoas, as outras pessoas
recebem essa força dele, eu acho que é uma retroalimentação que acaba funcionando
muito bem na história” (Souza, 2021b).
Os amigos do protagonista também são LGBTQIA +, possuindo compreensão das
dificuldades que todos passam por fazerem parte da comunidade. Todos eles
apresentaram questões diferentes desse universo, trazendo mais representatividade
como, por exemplo, o controle parental abusivo e vigilância constante. Destaca-se o fato
de todos estarem no grupo dos “excluídos” no ambiente escolar, já que, devido aos
estereótipos relacionados à sexualidade deles, todos se tornam vítimas de bullying
escolar. As amizades conseguem manter os indivíduos mentalmente estáveis e, de acordo
com Borsa (2012), são a fonte de felicidade e de bem-estar subjetivo, já que dão suporte
social, divisão de experiências, interesses, sentimentos e emoções. É válido ressaltar que
todas as amizades se sentiram confortáveis em contar sobre suas verdadeiras orientações
sexuais para o personagem principal, demonstrando alto nível de confiança e amizade
com ele.
Por fim, a mãe do protagonista, “Dona Nalva”, é o exemplo de boa figura familiar,
impedindo a criação de um pior cenário para o seu filho (como o desenvolvimento de
depressão, ansiedade e etc.), representando um contraste se colocada em comparação
com “Seu Arlindo”, pai do personagem principal. De acordo com a autora da webcomic, a
personagem é a mais realista da história, por existir várias mulheres como ela, que vão
vivendo tanto em função de ser mãe, se afogando na sobrecarga do trabalho e de cuidar
dos outros que acabam esquecendo-se de se enxergar (Souza, 2021a). A partir do
momento que ela desconfia sobre a orientação sexual do filho, a progenitora tenta abrir
espaço para uma conversa com o protagonista, tentando confortá-lo e se colocando em
uma posição vulnerável, criticando a si mesma como mãe, para que o seu filho possa
confiar nela. A personagem também se dispõe a abandonar o conforto de sua casa para
defender o Arlindo, reforçando o exemplo positivo de figura na vida do garoto e,
consequentemente, se torna um exemplo de relacionamento saudável e confiável para os
leitores.
Na webcomic criada por Luíza de Souza, é possível identificar três principais tipos
diferentes desse preconceito, sendo estes a: homofobia internalizada, homofobia social e
a homofobia familiar. Através desses diferentes tipos, cada um com suas específicas
características, são representados distintos manifestos de violência, sendo a principais
formas encontradas do reprodutor desses discursos para atingir o indivíduo LGBTQIA + em
questão. Na obra, as principais categorias de violência identificadas foram: física, verbal e
psicológica.
O preconceito social, mais presente na narrativa, se dá pela aversão do afeto entre
indivíduos da comunidade LGBTQIA + em ambientes públicos e suas formas de expressão
social, além do medo do julgamento popular e o da descoberta de indivíduos presentes no
contexto familiar. A homofobia familiar se identifica como a categoria onde o preconceito
é realizado por um ou mais componentes do grupo familiar do indivíduo que recebe essa
ação, sendo bastante associada com a violência psicológica pelo fato da família ser um
ambiente de segurança e identificação, abrindo um leque de possibilidades para o
preconceito devido a proximidade entre os indivíduos. A homofobia internalizada seria o
preconceito do sujeito pertencente à comunidade LGBTQIA + a si mesmo, ocorrendo
devido à combinação dos padrões heteronormativos do corpo social e as múltiplas
violências distintas presentes no cotidiano da pessoa em questão.
Na figura 3, observa-se o percentual das violências e homofobias citadas
anteriormente na webcomic, desde citações de ocorrências até a prática destas. Já a figura
4, nota-se como estes preconceitos são perceptíveis desde pequenas ações e gestos dos
personagens a diálogos ditos por estes.
FIGURA 3 - PORCENTAGEM DE VIOLÊNCIAS E HOMOFOBIAS APRESENTADAS EM ARLINDO

FONTE: Autoria própria.

Diferentes ações específicas que variam desde pequenos gestos a agressões


explícitas acabam por serem assertivas na representação de vivências do cotidiano de
muitos jovens LGBTQIA+. É por este motivo que alguns arlinders utilizaram hashtags para
compartilhar a experiência de leitura que eles tiveram com seus familiares, com o intuito
de expandir ou introduzir sobre o tema com eles. As hashtags foram utilizadas não só com
esse intuito, sendo múltiplos os seus usos.

USO DE HASHTAGS
O ano de 2020 foi o ápice de popularidade da webcomic, grande parte por causa
do isolamento social decorrente da pandemia do COVID-19, onde o uso da internet
aumentou entre 40% e 50%, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel)10, o que possibilitou que mais usuários encontrassem Arlindo. Outro fator que

10
Fonte: Lavado, T. (2020, 11 de junho). Com maior uso da internet durante pandemia, número de
reclamações aumenta; especialistas apontam problemas mais
auxiliou na popularidade da história foi o uso de hashtags, sendo estas “arlindo”,
“#arlindosoueu”, “#leiaarlindo”, “#arlindoperdeuobv”, “#cinearlinder” e “#arlindosona”,
cada uma com diferentes propostas, porém com o mesmo objetivo: divulgar a história
para mais leitores.
Na figura 5, é possível perceber o nível de interação contínua com essa ferramenta,
criando vínculos sociais entre os leitores ao mesmo tempo que tornava Arlindo um
assunto comentado frequentemente.

FIGURA 5 - QUANTIDADE DE TWEETS COM A HASHTAG “ARLINDO”

FONTE: Autoria própria.

Com isso, o alcance foi expandido consideravelmente, permitindo que pessoas que
não conheciam a história poder apreciá-la, pois além da própria autora utilizar esse
recurso, os próprios leitores poderiam utilizá-lo para compartilhar a história. O uso de
múltiplas hashtags para diferentes tópicos relacionados a webcomic também auxiliou,
tendo em vista que os leitores não se confundiriam. Um exemplo disso foi a

comuns. G1. https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/06/11/com-maior-uso-da-internet-


durante-pandemia-numero-de-reclamacoes-aumenta-especialistas-apontam-problemas-mais-comuns.ghtml
“#arlindosona”, onde artistas e apreciadores da arte puderam usufruir dela para o
entretimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dessa pesquisa foi possível observar como a webcomic Arlindo é um
importante produto de representatividade com alcance ente o público jovem,
principalmente no ambiente digital. Agora, no século XXI, a representação LGBTQIA+ nas
mídias ainda é consideravelmente baixa e, espera-se a criação de novas narrativas
futuramente, trazendo figuras marcantes e positivas na vida de diversas pessoas.
O estudo de histórias em quadrinhos e, especialmente, webcomics abre espaço
para uma ampla área de conhecimento acadêmico e científico. Este texto, assim como
outros, abre espaço para a interpretação significativa da importância da combinação
imagética e textual para leitores brasileiros. O estudo específico em obras nacionais, como
Arlindo merece maior destaque, pois, evidencia-se grande foco em obras norte-
americanas.
A webcomic Arlindo traz mensagens de afirmação e representatividade positivas
até a sua última página, e a última frase “Tá tudo bem. E quando não tá é porque ainda vai
ficar” (Souza, 2021a, p. 183), é algo que se encaixa em múltiplas temáticas, porém o
significado sempre prevalece: esperança.

REFERÊNCIAS

Antunes, P. P. S. (2016). Homofobia internalizada: o preconceito do homossexual contra si


mesmo. [Doutorado, Pontífica Universidade Católica de São
Paulo]. https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/17142/1/Pedro%20Paulo%20Samm
arco%20Antunes.pdf>.

Arlindo, por @ilustralu. (s.d.).


Catarse. https://www.catarse.me/arlindo?ref=ctrse_explore_pgsearch#contributions
Bohrer, L. (2022, 12 de maio). Brasil é o que mais mata pessoas LGBTQIA+ pelo quarto ano
consecutivo. Rede Brasil
Atual. https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2022/05/brasil-e-o-pais-que-
mais-mata-pessoas-lgbtqia-no-mundo-pelo-quarto-ano-consecutivo/

Borsa, J. C. (2013). O papel da amizade ao longo do ciclo vital. Psico-USF, 18(1), 161–162.
https://www.scielo.br/j/pusf/a/zDD9DDxVP3CbSdXdZVnJTvF/?lang=pt

Caffagi, V. (2021). Curso online de Criação de personagem para quadrinhos.


Crehana. https://bityli.com/yfTLkXv

Cardoso, P. (2021, 14 de setembro). Brasil é o país que mais mata pessoas da comunidade
LGBTQIA+ no mundo. Agências de notícias das favelas. https://www.anf.org.br/brasil-
e-o-pais-que-mais-mata-pessoas-da-comunidade-lgbtqia-no-mundo/

Coelho, G. (2019, 13 de junho). Supremo aprova equiparação de homofobia a crime de


racismo. Conjur. https://www.conjur.com.br/2019-jun-13/stf-reconhece-
criminalizacao-homofobia-lei-racismo

Eisner, W. (1989). Quadrinhos e Arte Sequêncial. São Paulo: Livraria Martins Fontes
Editora Ltda.

Lavado, T. (2020, 11 de junho). Com maior uso da internet durante pandemia, número de
reclamações aumenta; especialistas apontam problemas mais
comuns. G1. https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/06/11/com-
maior-uso-da-internet-durante-pandemia-numero-de-reclamacoes-aumenta-
especialistas-apontam-problemas-mais-comuns.ghtml

Leite, R. [betoleite] (2021). TRUQUE - Aula 5 [Video TRUQUE - Aula 5]. Youtube.
https://www.youtube.com/watch?v=XtvxfLHeAJg

Nadilson, M. (2001, setembro). Elementos para a análise das Histórias em Quadrinhos.


XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação. Campo Grande, MS.
http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/145679190592438538598866043670438
455063.pdf

Nunes, F. (2021, 21 de dezembro). Curso online de Introdução aos quadrinhos.


Crehana. https://www.crehana.com/br/cursos-online-dibujo/introducao-aos-
quadrinhos
Pesquisas Produção e Vendas e Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro. (2022, 17 de
maio). Sindicato Nacional de Editores de Livros. https://snel.org.br/pesquisas-
producao-e-vendas-e-conteudo-digital-do-setor-editorial-brasileiro-de-2021-revelam-
dados-do-crescimento-do-setor/

Pizarro, M. R. (2015). "Quem tem Medo do Escuro?” A criação da identidade visual para
personagens animados [TCC, Universidade de
Brasília]. https://bdm.unb.br/bitstream/10483/12184/1/2015_MarianaRezendePizarr
o.pdf

Ribeiro, P. H. (2022). CCXP Awards 2022 | Conheça os finalistas de todas as categorias da


premiação. Omelete. https://www.omelete.com.br/ccxp/indicados-ccxp-awards

Souza, L. (2021a). Arlindo. São Paulo: Editora Seguinte.

Souza, L. Luíza de Souza: depoimento [dez. 2021b]. Entrevistadores: A. Barbosa e R.


Bernardazzi. Natal, RN. Entrevista concedida ao Projeto Representatividade LGBT nos
Quadrinhos: Uma Análise da Webcomic Potiguar Arlindo.

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