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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – PUCMinas – 2023

Narrativas Empoderadas: o “Gerador de Selfies” na divulgação do


filme “Barbie” (2023) e o uso dele no Instagram1
Aelton Alves de Melo Júnior2
Universidade Federal Fluminense - UFF, Niterói, RJ

RESUMO
Narrativas Empoderadas evidenciam o protagonismo de grupos sociais, e nos pôsteres do
filme "Barbie" (2023), essa abordagem aparece ao se ressaltar as capacidades femininas.
Incentivando o público a se associar a essa narrativa, o site "Barbie - Gerador de Selfies"
produz pôsteres do filme usando imagens dos usuários. Observando o compartilhamento
no Instagram das imagens geradas, analisamos como usuários produziram narrativas
empoderadas de si. No estudo relacionamos narrativa e redes sociais (MOTTA, 2013;
BUTLER, 2015; MARTINO, 2016; BASTOS, 2020). Constatamos no material coletado,
que os usuários se empoderam ao narrar sobre identidade e conquistas profissionais.

PALAVRAS-CHAVE: Narrativas Empoderadas; Barbie; Engajamento; Redes Sociais.

INTRODUÇÃO
Em 1959 a empresária Ruth Handler criou a emblemática personagem “Barbie”,
materializada primeiro como boneca, essa atravessou gerações contribuindo com noções
e imaginários sobre feminilidade. A Barbie, nas últimas décadas, por causa da sua
representação feminina e imagem iconográfica, tem sido alvo de críticas fervorosos sobre
ela promover padrões de beleza inalcançáveis e representações estereotipadas de gênero.
E por influência dessas críticas, diferentes transformações narrativas e comerciais foram
ocorrendo ao longo do tempo, de modo a reposiciona-la frente às mudanças sociais.
Partindo deste ponto, podemos apresentar de forma sucinta, estudos que buscaram
relacionar a Barbie e empoderamento feminino. Encontramos pesquisas como a de Mary
Rogers (1999), que nos chama a atenção ao examinar a influência cultural da boneca
Barbie, explorando seu impacto na sociedade a partir das várias formas de representar o
feminino. Janaine Rolim (2020) indica que em embalagens de brinquedos da Barbie há
frases empoderadoras sobre o feminino, ao demarcar que a Barbie poder ser líder, tomar
decisões e perseguir seus sonhos. Luz e Fraga (2020) debatem o impacto da boneca Barbie
ao longo de cerca de sessenta anos, explorando como a Barbie foi adaptada às

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Trabalho apresentado no GP30 Tecnologias e Culturas Digitais, evento do 46º Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, realizado de 4 a 8 de setembro de 2023.
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Doutorando em Mídia e Cotidiano pelo PPGMC/UFF e Mestre em Ciências Sociais pelo PPGCS/UFCG.
E-mail: aeltonjuniormelo@gmail.com

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transformações sociais ao incentivar meninas a perseguirem seus sonhos em uma


variedade de profissões. Já Mariana Daher (2017) diz que discursos publicitários, em
torno da boneca Barbie, contribuiu para a (re)construção da identidade da personagem,
adaptando-a às diferentes realidades sociais ao longo do tempo.
Lendo os debates dos autores apresentados acima, nos foi notório que houve e ainda
há articulações discursivas e mercadológicas sobre empoderamento feminino através da
personagem-boneca. E percebendo tal fato, podemos apontamos que há, com a Barbie, a
ocorrência do que chamaremos aqui de “narrativas empoderadas”.
Podemos adiantar que narrativas empoderadas são representações, histórias e
discursos que destacam ou promovem o protagonismo e/ou empoderamento de grupos
sociais marginalizados, como mulheres, negros, LGBTQIAP+, entre outros. São
narrativas que ao promover o protagonismo e/ou empoderamento desses grupos sociais,
buscam romper ou tencionar, por exemplo, com alguns estereótipos e imaginários.
Com tal ponto de vista, o foco nesta pesquisa são as narrativas empoderadas sobre o
feminino. No contexto da Barbie, indicamos que tais narrativas podem se manifestar por
meio de representações que a destacam como uma mulher diversa e multiprofissional.
Estas representações podem serem encontradas, por exemplo, nos brinquedos da marca
Barbie licenciados pela empresa Mattel e, também, em diversos materiais audiovisuais
da/sobre a personagem.
A grosso modo, podemos apontamos que a narrativa empoderada da Barbie faz
referência à ideia de mulher multifacetada. Dessa forma, indicamos que há em curso
narrativas sobre um ideal feminino progressista, e que como narrativa empoderadora,
pode, por exemplo, incentivar a autoconfiança de quem consome ou interage com a
narrativa da personagem-boneca. Aliás, tal perspectiva é fortalecida por um dos slogans
comerciais da Barbie, “você pode ser tudo que quiser”. E assim, como destaca Janaine
Rolim em sua dissertação: “[...] a Barbie cumpre a proposta inicial de sua produção
estabelecida pela criadora Ruth Handler, que é: ‘a menininha poderia ser tudo o que ela
quisesse. Barbie sempre representou o fato de que uma mulher tem escolhas’” (ROLIM,
2020, p. 95 – tradução nossa).

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Com este contexto, em nossa perspectiva o filme “Barbie” (2023), dirigido e escrito
por Greta Gerwig3, tem como plano de fundo a ideia de narrativas empoderadas sobre o
feminino. Neste filme, a narrativa da personagem é ambientada em um mundo habitado
por diferentes bonecas Barbies, ou melhor, este mundo é comandado por mulheres no
poder, pois, elas são as profissionais que sustentam essa suposta sociedade (em clara
referência as diversas bonecas). A narrativa do filme se desencadeia quando a
protagonista começa a questionar sua existência, e buscando respostas irá de encontro ao
mundo real (mundo dos humanos), lugar este que é apresentado diferente do seu,
comandado por homens. Além disso, o filme faz questionamentos sobre o patriarcado,
aborda pautas feministas, entre outros temas de gênero. Mas, nosso estudo não é sobre o
filme em si, mas sobre algumas estratégias on-line de divulgação deste longa-metragem.
Para promover o filme diversas estratégias de marketing foram adotadas,
principalmente em sites de redes sociais (SRS): Facebook, Instagram, Twitter, TikTok
etc. Mas, destacamos aqui a rede social Instagram, ambiência em que houve intenso
engajamento do público com a obra, ato que se deu pelo compartilhando de imagens,
vídeos dos trailers e relatos de lembranças com os brinquedos e com a personagem Barbie.
Bastos (2020) ressalta que um dos sentidos mais comuns atribuídos a noção de
engajamento é o de “[...] narrativas e práticas dominantes [...] como aprofundamento e
frequência das reações e interações entre instituições e usuários da internet, mediadas por
sites de redes sociais (SRS)” (BASTOS, 2020, p. 19). O autor critica, no entanto, o
equívoco epistemológico de circunscrever a noção de engajamento apenas ao ambiente
online, argumentando que esse uso esvazia o sentido político que o termo
verdadeiramente carrega. Contudo, mesmo reconhecendo o grau de importância de sua
problematização, optaremos por manter o termo "engajamento" no sentido de "[...]
alinhamento ideológico entre instituições (principalmente empresas), suas marcas e seus
públicos" (BASTOS, 2020, p. 196).
Um dos pontos altos da promoção do longa e que gerou engajamento on-line, se deu
com a divulgação, na internet, de pôsteres que apresentavam os personagens e atores do
filme. Nestes pôsteres, frases enfatizam, de modo empoderador, as profissões ou
conquistas de cada personagem mulher: "Esta Barbie é tudo”, "Esta Barbie tem um

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Greta é frequentemente associada a um olhar feminista em suas obras, que trazem à tona questões de
gênero e empoderamento feminino.

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prêmio Nobel", "Esta Barbie é presidente" etc. (imagem 01). Frente a isso, observa-se que
há nestas peças a ocorrência do que estamos chamando de “narrativas empoderadas”,
pois, o que está sendo comunicado é uma exaltação às capacidades femininas das
personagens, que por sua vez, se constrói como uma pré-narrativa, antecipando um pouco
da narrativa do filme.

Imagem 01: Pôsteres de divulgação do elenco do filme “Barbie” (2023)

Fonte: Instagram

Tendo por base os pôsteres oficiais, outra ação de divulgação foi lançada para gerar
ainda mais engajamento em SRS, que foi o site “Barbie - Gerador de Selfies”4. Neste, o
uso de inteligência artificial (IA) possibilita que o usuário entre no universo do filme.
Fazendo o upload de uma fotografia, a IA recorta a imagem do sujeito e o coloca no lugar
da Barbie no pôster, além de ser possível escrever uma frase sobre si, aliás, o próprio site
sugere frases que exaltam as qualidades do sujeito.
Ao ser lançado em abril de 2023, o “Barbie - Gerador de Selfies” virou trend 5 em SRS,
de modo que marcas, anônimos e famosos, de diferentes países, entraram na onda de
produzirem seus pôsteres, ou seja, se engajando com a proposta da campanha do filme.
Tal fenômeno ocorreu principalmente no Instagram, uma vez que o formato da imagem
gerada é ideal para se publicar no espaço dos Stories desta rede, mas, a imagem também
foi largamente publicada no feed dos usuários – em diversas utilidades, como finalidades
comerciais e pessoais.

4
O “Barbie - Gerador de Selfies”, está disponível em: https://www.barbieselfie.ai/br Acesso em:
14/07/2023
5
Trend, em português, significa tendência. No contexto do Instagram, trend refere-se a conteúdos gerados
pelos usuários e que se propagam rapidamente, se tornando ações virais na plataforma. Trends podem ser
desafios, danças, sons e outros tipos de conteúdo que acabam ganhando destaque nos algoritmos da
plataforma.

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Nesse processo, ao olharmos as publicações feitas com as imagens geradas, notamos


que, em algumas das vastas publicações, os usuários estavam “narrando a si” (BUTLER,
2015), explicando melhor, haviam publicações que possuíam conteúdos narrativos em
que, por exemplo, usuários se afirmam feministas, se posicionam como bons
profissionais, demonstram orgulhos sobre gênero/sexualidade ou que estavam narrando
memórias pessoais com a personagem-boneca Barbie.
Adotamos aqui os pensamentos da filósofa Judith Butler (2015) sobre narrar a si
mesmo. Com base nesta autora, observa-se que contar nossa própria história consiste em
apresentar ao outro a forma como nós reconhecemos. Com ela, compreendemos que
narrar a si é um desafio por si só, pois, não estamos narrando somente a nós, mas também
ao tempo e espaço em que estamos inseridos, porque somos influenciados e moldados
pelas construções sociais que nos precedem.
Olhando previamente para as publicações, e fazendo ligação com a nossa percepção
de que há nos pôsteres do filme a ocorrência de “narrativas empoderadas”, questionamos:
nestas publicações no Instagram, feitas com o uso de imagens geradas pelo "Barbie -
Gerador de Selfies", é possível identificar narrativas empoderadas de si?
Com este caminho de pensamento, objetivamos: observar o conteúdo de publicações
feitas na rede-social Instagram, cuja as imagens foram geradas pelo “Barbie - Gerador de
Selfies”, e posteriormente, dialogar como a campanha de promoção do filme “Barbie”
(2023) pôde ou não incentivar os usuários, desta rede social, a produzirem narrativas
empoderadas sobre si.

NARRATIVAS EMPODERADAS

O termo “empoderamento” possui usos e sentidos diversos (SARDENBERG, 2006),


por vezes aparece associado a ideias radicais e por vezes associado a discursos
empresariais. A pesquisadora brasileira e feminista negra Joice Berth (2019), nos oferece
uma perspectiva basilar sobre a "teoria do empoderamento", ela dialoga com pensamentos
de Paulo Freire, compreendo, assim, o empoderamento como uma aliança entre a
conscientização crítica e a transformação na prática.
De forma geral, a noção de empoderamento significa “dar poder” (BERTH, 2019), e
este ato deve ser entendido como um conceito político, uma ferramenta de luta que busca
emancipar grupos de minorias sociais que não possuem poder e voz social. Dessa forma,

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“[...] empoderamento se refere a uma gama de atividades, da assertividade individual até


à resistência, protesto e mobilizações coletivas, que questionam as bases das relações de
poder” (SHARMA apud. SARDENBERG, 2006, p. 06).
É fundamental compreender que o objetivo do empoderamento, segundo Berth (2019),
não é retirar poder de um grupo para entregá-lo a outro, criando uma inversão de papéis.
Em vez disso, o empoderamento é um caminho para a emancipação, que se concretiza
por meio do enfrentamento das opressões e do desenvolvimento das consciências de
classe, gênero, sexualidade, raça e outras formas de identidade. Ao fortalecer as vozes
das minorias sociais, o empoderamento busca criar uma sociedade mais justa, equitativa
e inclusiva. Logo, o caminho para a emancipação é pavimentado pelo empoderamento.
O foco que damos, nesta pesquisa, é sobre o empoderamento feminino, logo adotamos
o viés de empoderamento que Sardenberg (2006) aponta como feminista. Pensar neste
viés, consiste em observar as construções sociais sobre o feminino, sendo “necessário
pensar os contextos em que os interesses masculinos estão em sobreposição aos femininos
e que na maioria das vezes são vistos como natural e inquestionável porque sempre foi
assim” (PIRES, 2022, p. 32). Dessa maneira, o empoderamento feminino pode aparecer
em ações que promovem resistência a questões que subjugam as capacidades das
mulheres, bem como a promoção dos papéis de protagonismo destas.
Sardenberg (2006) ainda nos esclarece que os agentes do empoderamento feminino
podem ser vários, pois, são diversas as ações transformadoras que podem trazer
informações de conscientização ou que induzem a ações práticas. A autora dirá que o
processo de empoderamento feminino “[...] tem que ser desencadeado por fatores ou
forças induzidas externamente. As mulheres têm que ser convencidas, ou se convencer
do seu direito à igualdade, dignidade e justiça” (SARDENBERG, 2006, p. 08).
Com essa noção, temos a compreensão de que narrativas midiáticas que exaltam as
capacidades de grupos minoritários, podem promover uma maior compreensão das
experiências e desafios enfrentados socialmente por estes, contribuindo para uma maior
valorização de suas identidades e lutas por igualdade e justiça.
E é com este sentido que compreendemos a existência midiática de “narrativas
empoderadoras”. Se nos permitirmos esboçar um conceito geral para o que chamamos de

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"narrativas empoderadas"6, este termo se refere às representações de personagens,


histórias e discursos que destacam, promovem o protagonismo e o empoderamento de
diferentes grupos sociais marginalizados, por exemplo: mulheres, negros, LGBTQIAP+,
entre outros. São narrativas que vão além dos estereótipos, pois, oferecem visões
progressistas que colocam o sujeito ou o grupo representado em posto de poder e de
destaque.
Voltando para Berth (2019), ela evidencia que o empoderamento precisa ser coletivo,
pois, precisa-se empoderar o grupo, apesar da ideia de empoderar também ser um
processo individual. O empoderamento em sua forma individual implica no
desenvolvimento cognitivo pessoal, no domínio e controle autônomo de si mesmo,
porém, pode resultar na diminuição dos processos de solidariedade social. Mas, por outro
lado, “indivíduos empoderados formam uma coletividade empoderada [...] por indivíduos
com alto grau de recuperação da consciência do seu eu social, de suas implicações e
agravantes” (BERTH, 2019, p. 36).
Com este debate é possível observar que a questão do empoderamento é difícil de
definir, tudo vai depender do olhar que se aplica no estudo. E é por isso que adotaremos
aqui uma abordagem, digamos, entusiástica, ao considerar as narrativas midiáticas como
poderosas ferramentas capazes de estimular processos de autoconsciência, de auxiliar
grupos sociais na busca pela emancipação e incentivar reflexões sobre si mesmos.
Defendemos, assim, que as narrativas empoderadas promovem estímulos individuais,
mas que, de grão-em-grão, tais estímulos podem mover camadas mais coletivas, pois,
como diz Sardengerg (2006): “[...] o processo de empoderamento não é linear, mas sim
espiral. A espiral do empoderamento afeta todo mundo: o indivíduo, a facilitadora, o
coletivo, a comunidade” (SARDENBERG, 2006, p. 08).
Até aqui buscamos definir “empoderamento”, mas, corriqueiramente também
estamos usando o termo “narrativa”. Para a definição deste, nos apoiaremos em Luiz
Gonzaga Motta (2013)7. O autor dirá que narrar é um ato humano, que é através deste ato
que damos sentido à vida, porque as narrativas “[...] são estruturas que preenchem de

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O conceito está sendo construído em minha pesquisa de doutoramento no Programa de Pós-Graduação
em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (UFF).
7
É importante contextualizar que Motta (2013) parte de uma perspectiva menos linguística e mais cultural
ou antropológica sobre o estudo de narrativas, sua proposta de estudo de narrativas recai mais nos processos
e contextos da comunicação, e menos sobre a narrativa enquanto obra fechada.

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sentido a experiência e instituem significação à vida humana. Narrando, construímos


nosso passado, nosso presente e nosso futuro” (MOTTA, 2013, p. 18). Dessa forma, ao
narrar “[...] estamos nos produzindo e nos constituindo, construindo [...] nossas leis,
nossos costumes, nossos valores morais e políticos, nossas crenças e religiões, nossos
mitos pessoais e coletivos, nossas instituições” (MOTTA, 2013, p. 18).
Motta (2013) complementa o pensamento, sobre narrativa, dizendo que “as narrativas
forjam indivíduos e nações” (MOTTA, 2013, p. 34), obviamente não de forma totalitária,
“[...] mas através de contradições, confrontos, enfrentamentos sociais e simbólicos”
(MOTTA, 2013, p. 34). Pois, ele dirá, o discurso é coconstruído coletivamente e de forma
coparticipativa e interacionista.
Motta (2013) ao falar sobre a relação entre mídia e narrativa, mostra como esta última
é utilizada pelos meios de comunicação para tentar moldar percepções, valores e
identidades na sociedade. E desta forma, para ele, estudar as narrativas ajuda a
entendermos quem somos, e “[...] verificar como as narrativas estabelecem consensos a
partir de dissensos” (MOTTA, 2013, p. 27).
Com tal noção, apontamos que para promover o empoderamento de grupos
minoritários e marginalizados, os meios de comunicação de massa podem adotar
estratégias como aumentar a representatividade e a diversidade destes em filmes, novelas,
seriados etc. Isso envolve incluir personagens protagonistas pertencentes a esses grupos,
para que o público se sinta representado e pertencente, incentivando, assim, processos de
empoderamento individuais.

Narrativas de si e empoderamento feminino em publicações no Instagram

Temos conhecimento que poderíamos aprofundar e tencionar mais o nosso debate


sobre “narrativas empoderadas”. E de fato esse ponto será feito em outra oportunidade de
pesquisa8. Por hora, precisamos caminhar de encontro ao nosso recorte de pesquisa.
Luis Martino no texto “A potência da alteridade nas mídias digitais” nos explica que a
enunciação de si é um ato elementar da constituição da identidade, isto é, “cada indivíduo
identifica-se a partir do emaranhado de discursos que o constitui, a partir do qual ele ou

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O conceito está sendo construído em minha pesquisa de doutoramento no Programa de Pós-Graduação
em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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ela se reconhece e se representa, mas também de onde se apresenta para os outros e de


onde enxerga a alteridade” (MARTINO, 2016, p. 03).
Martino, ainda nos conta que nas mídias digitais, a alteridade está longe de ser
transparente, pois, o “[...] discurso de si encontra-se no intervalo entre duas assimetrias
fundamentais: de um lado, a diferença entre o discurso construído de si e o que se é”
(MARTINO, 2016, p. 03). A partir das reflexões do autor, observamos que apreensão do
outro através redes sociais, limita-se apenas a uma visão rápida e superficial baseada nas
atualizações dos seus perfis on-line.
Logo, a quantidade de informações disponíveis on-line sobre alguém pode levar a uma
ilusão de transparência. A exposição de si não necessariamente leva à compreensão
verdadeira do outro, mas, revela a reverberação de discursos que o constitui. Explicando
melhor, conforme vimos com Butler (2015), o ato de enunciar a si revela o ponto de vista,
em tempo-espaço, que esse sujeito enuncia, ou seja, revela as influencias e construções
sociais que os cercam, ou no caso, as condições sociais que moldam a formação do "eu".
A partir de Martino (2016), pontuamos que no cotidiano presencial a alteridade do
outro é percebida através de uma narrativa imediata. Já nas mídias digitais, o sujeito é
reduzido ao seu perfil e postagens on-line, algo que pode gerar a inferência de que os
dados ali presentes são verdades absolutas.
Desde modo, talvez possamos entender que as publicações feitas com imagens geradas
pelo “Barbie - Gerador de Selfies”, são rastros digitais sobre os sujeitos que as publicaram.
Dessa forma, o estudo desses rastros digitais, sob o viés de narrativas empoderadas, pode
nos fornecer insights sobre questões de gênero, empoderamento e expressão pessoal.
Sem mais delongas, vamos agora para observar as publicações no Instagram de
pessoas que utilizaram o "Barbie - Gerador de Selfies". Realizamos uma busca por
hashtags e palavras-chave e como recorte temático, priorizamos publicações de perfis
profissionais de mulheres que se destacam por narrar a si.
É importante frisar que nosso foco é o conteúdo das publicações, logo, não buscaremos
conhecer quem são as mulheres por trás das postagens, mas somente observar como elas
se apresentam nas imagens e nos textos.
A primeira publicação que escolhemos (imagem 02), foi publicada no Instagram em
08 de abril de 2023, no perfil “Pixaim – Ateliê Criativo” da empresária Sandra Kelli. Na
imagem da publicação, vemos uma mulher negra envolta da identidade visual dos

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pôsteres do filme “Barbie” (2023). Na parte superior da imagem temos a frase “This
Barbie is artesã e empreendedora”. Interpretamos, assim, que inspirada pelas mensagens
dos pôsteres originais, ao utilizar o gerador de selfies, a usuária quis destacar suas
qualidades enquanto empresaria. Tal sentido também é reforçado na fotografia dela, na
qual ela posa apresentando um dos produtos do seu ateliê, uma bolsa cor-de-rosa.

Imagem 02: Publicação da empresária Sandra Kelli no perfil do “Pixaim – Ateliê Criativo”.

Fonte: Instagram9

Se associando à “Barbie”, na legenda da publicação, ela irá narrar mais sobre si, se
mostrando como uma figura forte e multifacetada, capaz de desempenhar várias funções
como biologia, artesã, empreendedora, esposa, mãe e dona de casa.
Seu texto também destaca o esforço diário de equilibrar todas as suas
responsabilidades cotidianas, através da expressão "matar um leão por dia". Tal expressão
pode transmitir a noção de coragem e determinação. Além disso, ela enfatiza a
importância do cuidado próprio e da autoestima para enfrentar as tarefas diárias.
Observa-se que no conteúdo desta publicação a usuária, Sandra Kelli, buscou narrar a
si de uma forma positiva, progressista, e até tencionando algumas construções sociais
sobre o feminino, apesar de também reforçar a ideia tradicional de mulher dona de casa.

9
Publicação disponível em: https://www.instagram.com/p/CqylxdcAFb-
/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ%3D%3D Acesso em: 04 de agosto de 2023.

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Mas, ela também busca influenciar o próximo, ao incentivar o autocuidado, de não


esquecer de si frente aos afazeres cotidianos.
Já na próxima publicação (imagem 03) – publicada em 9 de abril de 2023 –, a psicóloga
financeira, Luciana Cardoso, usou o “Barbie – Gerador de Selfie” para dizer que ela não
é a Barbie. Na imagem da publicação a usuária aparece sorridente segurando embalagens
com cifrões estampados (representando dinheiro, pois, seu perfil profissional aborda
economia e psicologia), mas o que se destaca é a intervenção na arte, em que ela risca o
logotipo do filme “Barbie” (2023) e escreve acima deste “eu não sou a”.

Imagem 03: Publicação da psicóloga financeira Luciana Cardoso

Fonte: Instagram10

Na legenda, buscando não se vincular à Barbie, ela escreve que não se identifica com
os valores associados a personagem-boneca. Ela dirá que esta promove padrões de beleza
inatingíveis, além de incentivar o consumismo, algo longe de sua visão de mulher
independente. E com isso ela escreve: “Diferente do que a maioria tem afirmado, EU
NÃO SOU A BARBIE. Ao menos aquela Barbie que, até hoje, todas nós conhecemos”.
De algum modo, ela não parece reconhecer os esforços da Mattel em desmitificar a
noção estereotipada em volta da Barbie. Além disso, a usuária enfatiza suas qualidades

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Publicação disponível em:
https://www.instagram.com/p/Cq1NY3nOhcB/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ%3D%3D Acesso em: 04 de
agosto de 2023.

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como mulher, mãe, esposa e profissional competente, orgulhando-se de ter se libertado


de certos padrões sociais que, segundo ela, a Barbie sempre defendeu.
Ao final da legenda da publicação, Luciana diz que não é uma Barbie “porque não
preciso manter uma imagem ‘perfeita’ e inferior ao homem, para conseguir ser uma
mulher elegante e de sucesso”. Inferimos, assim, que a usuária se empodera ao negar se
associar a Barbie, e que ela buscou utilizar o gerador de selfies para narrar a si de uma
forma mais autentica e crítica. Ela se empodera a partir de si mesma, de sua história
pessoal, de suas qualificações e conquistas.
Na publicação seguinte (imagem 04) postada em 10 de abril de 2023, da produtora de
conteúdo, Ju Lopes, vemos na imagem uma mulher de corpo gordo, vestida em tons
rosados e em uma pose confiante. Na imagem ela escreve “This Barbie is real” (Essa
Barbie é real), e na legenda da postagem, a usuária irá narrar sua relação com seu corpo
e com a boneca Barbie.

Imagem 04: Publicação da microempresária e produtora de conteúdo Ju Lopes.

Fonte: Instagram 11

11
Publicação disponível em:
https://www.instagram.com/p/Cq3WW6NJ3SA/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ%3D%3D Acesso em: 04
de agosto de 2023.

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A autora da publicação, começa seu texto questionando as expectativas em torno da


identificação com a Barbie e como muitas meninas sonham em ser como ela, apesar de
não se encaixarem no padrão corporal representado pela boneca. E assim ela diz “eu
nunca fui padrão, nunca cheguei perto do estereótipo dela”, mas, ela diz, que em sua
imaginação infantil a boneca tinha seu corpo e seu cabelo (que na época era cacheado).
No entanto, em seguida ela levanta uma preocupação sobre quantas meninas podem ter
sofrido, por não se encaixarem e tentarem se encaixar no padrão de beleza irreal e
inalcançável das bonecas da Barbie.
Ao concluir o texto, a autora interrompe sua narrativa pessoal e ressalta a importância
de buscar referências genuínas, que não se restrinjam apenas a aspectos estéticos, mas
também a valores, a fim de desenvolver uma autoimagem saudável. E se promovendo
como um modelo de “pessoa real” a ser seguido, ela enfatiza: “Busque pessoas que
realmente façam sentido para a sua realidade”.
Em resumo, a publicação (imagem 04) é uma chamada à reflexão sobre a influência
dos padrões de beleza e a busca por modelos irreais de perfeição, especialmente entre as
meninas desde a infância. A usuária se empoderada, ao destacar a necessidade de
valorizar a diversidade de aparências, além de incentivar a buscar por referências que
sejam genuínas e relevantes para cada indivíduo. Sua mensagem é importante para
promover a autoaceitação e a construção de uma imagem positiva de si mesmo,
independentemente de se encaixar ou não em padrões de beleza pré-estabelecidos pela
sociedade.

CONCLUSÃO
Ao desenvolver esta pesquisa, percebemos que estávamos produzindo um ensaio sobre
o que compreendemos como “narrativas empoderadas”. Nestas narrativas há
representações progressistas de grupos marginalizados, como mulheres, negros,
LGBTQIAP+, entre outros. Essas narrativas vão além dos estereótipos, oferecendo visões
que colocam esses sujeitos ou grupos em posições de poder e destaque na narrativa
contada. E isso é algo que, acreditamos, contribuir para o desenvolvimento de sensos de
empoderamento pessoal, bem como valorização de identidades diversas.
Com a noção de narrativas empoderadas, tivemos como foco a ideia de
empoderamento feminino. Para feministas, como Sardenberg (2006), o empoderamento

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das mulheres é o caminho para que estas conquistem autonomia, e talvez, se libertarem
de algumas opressões socais, por exemplo, opressões de gênero e patriarcais.
Iniciamos o estudo com a observação de que nos pôsteres de divulgação do filme
"Barbie" (2023), haviam frases que expressavam "narrativas empoderadas" sobre o
feminino. Mas, foi quando vimos as publicações virais de imagens dos pôsteres geradas
pelo “Barbie – Gerador de Selfies”, por usuários da rede social Instagram, nos
questionamos se nelas havia a presença de narrativas empoderadas de si – nestas
publicações os usuários se apresentam de modo a exaltar suas capacidades se associando
ou se distanciando da personagem-boneca Barbie.
Com base no que debatemos com Martino (2016), Butler (2015) e Motta (2013) a
narrativa é um ato humano que contribui para a formação de identidades, além disso, as
narrativas situam o sujeito enunciador em um contexto social. E ao analisar três
publicações de mulheres no Instagram, notamos que elas se apresentaram em narrativas
de maneiras diversas, exaltando diferentes qualidades de si mesmas, expondo como elas
querem ser lidas e, de forma transversal, revelando um pouco sob quais circunstancias
ideologias elas enunciam.
Logo, ao narrar a si nas publicações, as usuárias deixaram rastros digitais sobre quem
são, ou melhor, sobre como querem serem lidas por outros (seus seguidores). Nesse
contexto, ao narrarem a si, elas encontram na ambiência do Instagram um espaço para
expressão, valorização de suas conquistas e defesa de suas identidades. Evidenciando
diferentes expressões de empoderamento feminino, vimos que algumas mulheres se
apropriaram da figura da Barbie para destacar suas qualidades, enquanto outras rejeitaram
essa associação, questionando os estereótipos de beleza e consumo associados à
personagem-boneca. E essas escolhas discursivas, demonstram que não houve um
engajamento total de concordância com a estratégia da campanha do filme "Barbie"
(2023), uma vez que houve discordâncias e questionamentos sobre a representação da
personagem-boneca.
Ao refletirmos sobre as publicações e a apropriação da figura da Barbie, surge um
questionamento crítico: até que ponto a imagem da Barbie, que historicamente promoveu
padrões inalcançáveis de beleza e consumo, pode ser realmente transformadora e
empoderadora para as mulheres, considerando a necessidade de valorizar a diversidade e
desconstruir estereótipos de gênero?

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – PUCMinas – 2023

REFERENCIAS:

ROLIM, Janaíne dos Santos. Female empowerment: a multimodal analysis of


representations of women in images of Barbie dolls’ packages. Dissertação, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, 2020.

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MATRIZes, [S. l.], v. 14, n. 1, p. 193- 220, 2020. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/157540. Acesso em: 15/07/2023.

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Ribeiro. Editora Pólen Livros, São Paulo, SP, 2019.

BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo - Crítica da violência ética. Autêntica, São Paulo,
SP, 2015.

DAHER, Mariana de Alcantara Calil. Now can we stop talking about my body?:
discurso publicitário e o processo de (re)construção identitária da boneca Barbie. 2017.
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MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília: Editora UnB, 2013.

ROGERS, Mary F. Barbie culture. London: Sage, 1999.

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weberiano. 2022. Dissertação (Ciências Sociais) – Universidade Federal de Campina
Grande, Campina Grande, PB.

SARDENBERG, Cecília. Conceituando “Empoderamento” na Perspectiva


Feminista (transcrição revisada da comunicação oral apresentada ao I Seminário
Internacional: Trilhas do Empoderamento de Mulheres – Projeto TEMPO, NEIM/UFBA,
Salvador, 2006, ampliado na versão 2009. Disponível em:
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/6848 Acesso em: 01/08/2023.

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