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Da subordinação à emancipação: a evolução da representatividade feminina nos

filmes de animação de diversos estúdios a partir dos anos 1930

Pesquisadoras: Ana da Silva FELIX, Beatriz Costa SANTOS, Beatriz Fernandes dos
SANTOS, Gabriely Mello HAND, Hannah Motta COQUEIRO, Laura Ferreira Dares
MEDEIROS
Orientadora: Prof.ª Dra Eliane Maria Diniz Campos

Introdução

Levando em consideração que os meios de comunicação de massa exercem um papel


imprescindível na propagação de pensamentos, na construção de estereótipos e na
concretização de ideias da classe dominante, infere-se que o poder midiático consegue
determinar o que é ou não é aceito. Assim sendo, regulam nossas práticas e, em se tratando da
infância, longas metragens de animação são ferramentas lúdicas que facilitam o entendimento
de novos e complexos sentimentos. Além disso,  apresentam  personagens com valores e atitudes nos
quais as crianças podem se espelhar, já que estas estão em uma fase de aprendizado e assimilação do
mundo e são mais suscetíveis às influências do meio externo, tais como as animações mencionadas.
Essas experiências acontecem devido à catarse, um conceito difundido principalmente por
Aristóteles (entre 335 a.C. e 323 a.C.), fenômeno que pode ser ainda mais forte em crianças. A catarse
manifesta-se quando somos afetados ou afetadas pelas experiências de determinada pessoa ou
personagem, num processo de intensa identificação. Para melhor entendimento desse processo, nos
aprofundamos no olhar e na compreensão de crianças sobre o mundo, através de materiais
como o livro “A psicanálise dos contos de fadas”, publicado pelo psicanalista Bettelheim em
2009.
Assim, esta pesquisa consiste em verificar como personagens femininas foram
retratadas em longas-metragens de animação desde a década de 1930 até os dias atuais. Com
o intuito de averiguar a evolução da imagem das mulheres nesse tipo de filme, analisamos
diversos aspectos que os compõem, como por exemplo, os traços físicos das personagens, nos
quais nota-se uma padronização nítida. Além do âmbito visual, também relatamos os papéis
das personagens para a construção de uma determinada narrativa. A partir da seleção de
algumas animações e leitura de artigos referentes ao respectivo tema, aprofundamo-nos a
respeito dos fatores que tornam a representação feminina, no cinema mainstream,
estereotipada, como a falta de mulheres na produção desses filmes e a repetição dos clichês
ordinários.

Metodologia

À priori, foi feita a seleção dos critérios que seriam, futuramente, utilizados para a
escolha dos longas-metragens de animação a serem analisados. O primeiro parâmetro
determinado foi a seleção dos quatro estúdios de animação mais relevantes da atualidade:
Walt Disney Animation Studios, Pixar Animation Studios, DreamWorks Animation e
Universal Pictures, já que uma das premissas da pesquisa era que a escolha contemplasse
diversos estúdios e não somente o Disney. A segunda etapa foi analisar as maiores bilheterias
de cada estúdio, dos previamente selecionados, considerando o contexto específico de cada
época.
Sucessivamente, fizemos uma triagem utilizando os seguintes aspectos: representação
de personagens femininas e relevância das animações para a história do estúdio. Assim,
obtivemos a seguinte listagem de animações dos respectivos estúdios: Walt Disney
Animation Studios (Branca de Neve - 1937; Peter Pan - 1953; A Bela Adormecida - 1959; A
Princesa e o Sapo – 2009); Pixar Animation Studios (Toy Story - 1995; Procurando Nemo -
2003; Divertidamente - 2015); DreamWorks Animation (Caminho para El Dorado - 2000;
Shrek- 2001; Como Treinar o seu Dragão 3 - 2019); Universal Pictures (Barbie e o Quebra
Nozes - 2001; Barbie no Mundo dos Vídeo Games - 2017).
Inicialmente, o planejamento traçado era o de assistirmos aos filmes de maneira
coletiva e compartilhada na sala de vídeo da biblioteca da Escola SESC de Ensino Médio.
Porém, devido à pandemia de Covid-19 e ao isolamento social, cada uma assistiu às obras,
respeitando sua própria disponibilidade. Foi definido um cronograma estipulando o limite de
uma semana para assistirmos a cada filme da lista e fazer os apontamentos pertinentes. As
análises individuais consideraram aspectos como o papel da mulher perante a narrativa e
também sua representação gráfica.
Para complementar nosso entendimento na área, o egresso Adriano Monteiro,
atualmente cursando Cinema na PUC-RJ, foi convidado a fazer um workshop acerca do tema:
“O cinema e a construção de valores”. Ao final da palestra, Monteiro fez a sugestão de quatro
artigos a respeito do tema, dos quais selecionamos três para leitura: Representação feminina
no cinema de animação mainstream dos últimos 25 anos; Feminismo e príncipes encantados:
A representação feminina nos filmes de princesa da Disney; A representação feminina nos
desenhos animados clássicos da Disney. Foi feita uma divisão em duplas e cada uma ficou
responsável pela leitura e apresentação oral de um artigo para as demais integrantes do grupo
de pesquisa.
Após esse percurso, foi feita uma reavaliação do recorte da pesquisa, adicionando uma
especificação temporal (a partir de 1930) e também de produtoras, acrescentando um estúdio
do Oriente: Studio Ghibli, levando em consideração, assim, um olhar não ocidental e
também sem enfoque tão explícito em agradar ao público consumidor. Destarte, selecionamos
duas de suas mais famosas produções (Princesa Mononoke - 1997; O Conto da Princesa
Kaguya - 2013). Finalmente, reuniões foram feitas para conclusão do nosso projeto de
pesquisa por meio da análise dos dados bibliográficos e cinematográficos selecionados
durante todo o processo.

Resultados e Discussão

No decorrer da pesquisa, recolhemos diversas informações que reafirmaram a ideia de


que as animações têm grande poder de influência, principalmente sobre o público infantil a
partir das reproduções de comportamentos sexistas que estereotipam a imagem feminina. Há
uma padronização dos traços nas ilustrações de personagens femininas,
construindo alguns estereótipos que se adaptam aos distintos papéis que a personagem exerce
na trama. Por exemplo, as “vilãs”, geralmente, são punidas com a velhice e feiura com traços
caricatos e exagerados; enquanto as “mocinhas” possuem traços finos, e personalidade doce e
meiga, expressando juventude e vitalidade. 
Normalmente a relação entre esses dois estereótipos é baseada na inveja e
cobiça, incitando a rivalidade feminina. Esses padrões podem ser igualmente
observados em figuras não humanas: parece existir sempre a necessidade de reafirmar a
feminilidade da personagem com traços estereotipados, como: cintura fina, olhos grandes e
marcas de maquiagem. Analisando o comportamento das personagens, foi possível notar que
o processo de transição de uma personalidade “submissa” e coadjuvante em sua própria
história para uma personalidade que se destaca foi gradual, vagarosa e distante de ser uma
mudança ideal.
Desta maneira, nota-se que, por muitos anos, infelizmente, estereótipos como o
da mulher que precisa “ser salva” por um homem, a mulher que devota sua vida ao casamento
e à família ou o “casaram-se e viveram felizes para sempre” foram reproduzidos pela mídia,
de forma geral, até serem contestados por novos ideais.  Entretanto, infelizmente, essas
ideologias vigentes ainda estão fortemente atreladas àquelas difundidas nas produções
obsoletas, nas quais a mulher segue perdendo seu protagonismo para os personagens
masculinos.

Conclusão

Analisando os processos de produção das animações, notamos a padronização da


estética, personalidade e comportamento de personagens femininas, e como a escassa
presença de mulheres no cenário das produções influencia diretamente para a uniformização
das características femininas em animações. Esse é o principal fator que impede uma
representação não idealizada da imagem feminina nas telas. Um relatório publicado em 2018
(The Celluloid Ceiling: Behind-the-Scenes Employment of Women on the Top 100, 250, and
4
500 Films of 2018) mostra que somente 20% de todos os diretores, escritores, produtores,
produtores executivos e editores trabalhando nos top 250 filmes de bilheteria nacional
estadunidense são mulheres. Homens não são capazes de reproduzir fielmente a diversidade
dos corpos e pensamentos femininos, afinal não se encontram em seu “lugar de fala”, e
costumam reproduzir o estereótipo da personalidade feminina sexualizada. Mesmo quando
são objetos inaniimados ou animais sendo ilustrados na versão feminilizada, os produtores
procuram aplicar olhos grandes, cintura fina, cabelo longo e traços exagerados de
maquiagem. Há um processo de distorção e deificação dos corpos femininos.
Ainda é possível notar traços da padronização da figura feminina em animações
recentes. Esse fenômeno ocorre, majoritariamente, devido ao cinema blockbuster,
propagando estereótipos a fim de agradar um público específico que aceita no conteúdo que
consome apenas caracterizações femininas específicas, favorecendo a cultura dominante e a
permanência de padrões europeus, os quais definem o conceito de belo, de delicado e de
correto. Para que haja a ruptura desse ciclo vicioso, deve-se democratizar o acesso do público
a um catálogo de filmes diversificados que representam personagens femininas de forma que
se pareçam mais com a realidade, para além do mainstream. Devido à má educação de
público, e o interesse lucrativo das grandes empresas, filmes independentes que trazem
diversas lições, aparências e produções não são tão valorizados. O consumo e divulgação de
filmes independentes pelo público infantil é essencial para que a construção da imagem
feminina seja múltipla e o mais próxima possível da realidade, fazendo, assim, com que os
ideais pregados pelas grandes empresas cinematográficas deixem de ser propagados, e a
imagem da mulher seja, finalmente, retratada de maneira autêntica.

Referências

BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos Contos de Fadas. Tradução de Arlene


Caetano. 16ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
BREDER, Fernanda Cabanez. Feminismo e príncipes encantados: a
representação feminina nos filmes de princesa da Disney. 2013. 74 f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação - Habilitação em Jornalismo) - Escola de
Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
PIMENTA, Kareen Arnhold. Estereótipo de princesas: a representação feminina
nos desenhos clássicos animados da Disney. 2009. 49 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em Comunicação - Habilitação em Jornalismo) - Escola de Comunicação,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
SÁ, Gabriela; TAVARES, Paula. Representação feminina no cinema de animação
mainstream dos últimos 25 anos. ResearchGate, 4 nov. 2017. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/320852865. Acesso em: 19 out. 2020.

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