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Os imaginários sociodiscursivos

A abordagem sobre os imaginários sociodiscursivos que faremos ao longo desse


projeto fundamenta-se na noção adotada por Charaudeau (2017) sobre o tema. Inicialmente,
em seu artigo intitulado “Os estereótipos muito bem. Os imaginários ainda melhor” o autor
questiona se existe a possibilidade de que seja trabalhada a noção de estereótipos na análise
do discurso. Ele observa, ainda que seu uso, embora desempenhe o papel de função
identitária por ser construído a partir do emprego de termos que circulam em grupos sociais e
que compartilham os seus significados, acaba rejeitando aquilo que designa. Tais termos, por
fazerem um julgamento negativo, caírem no senso comum ou apresentarem preconceitos
quando empregados geram suspeitas quanto a sua verdade. Essa suspeita faz com que o uso
da noção de estereótipo como um conceito seja descartada.

Além disso, ele faz uma distinção entre “o real e a realidade”. A realidade, segundo o
autor, corresponde ao mundo empírico e se impõe ao homem que vai significá-la por meio de
sua atividade significante que é a fala. O real é a atividade significante do homem. Portanto a
realidade para tornar-se real precisa ser significada;

e esse trabalho de formatação se faz por meio da razão que, por sua
vez, se faz por meio da linguagem: o real precisa remeter a uma razão,
diz ainda Baudrillard, uma racionalidade que constrói oposições.
(CHARAUDEAU, 2017, pág.574.)

Logo, as representações sociais (a fala, os discursos) vão funcionar como um sistema


de construção do real, elas são definidas como noções que justificam e explicam fatos sociais,
sendo “uma mecânica de engendramento dos saberes e dos imaginários” (CHARAUDEAU,
2017, pág. 576). Ou seja, tanto os saberes, quanto os imaginários são construídos pelas
representações sociais que são formas de compreensão do mundo compartilhadas por
determinado grupo e que se depositam em sua memória coletiva.

Pensando em todos estes fatores e utilizando o termo em posição de substantivo “


imaginário” para o autor, é um bom conceito para a análise do discurso substituindo
"estereótipos''. Como ele nasce desse processo de significação do mundo e é atravessado por
questões de ordem afetiva e por questões racionais desempenha papel de criação de valores e
de justificativa de ação. Os imaginários são classificados como sociais à medida que
acontecem dentro de um domínio de prática social, além de possuírem medida mutável
dependendo do tamanho do grupo e sua memória coletiva histórica. Sendo assim eles podem
ser pessoais, coletivos ou comunitários e a depender da prática discursiva na qual se
encontram inseridos podem ter valor positivo ou negativo.

Então a atividade de significação do homem gera discursos que constroem saberes.


Estes, por sua vez, se estruturam em saberes de conhecimento e saberes de crença. O saber de
conhecimento impõe o mundo ao homem. Já o saber de crença impõe o homem ao mundo.
Esses saberes constituem os imaginários, o que Charaudeau (2017) problematiza é justamente
o fato de que ambos são manipulados pelo homem em defesa de uma determinada ideologia
“É uma das questões mais delicadas de se tratar, a questão de saber em qual nível de
generalidade ou de profundidade se situam os imaginários” (CHARAUDEAU,2017, pág.
589) pois facilmente um saber é cruzado com outro na construção dos discursos.

Tentativa de discussão

6.1.1- A corporeidade da personagem pela perspectiva dos imaginários sociodiscursivos

A noção de estereótipos, por atribuir valor negativo àquilo que designa, é descartada
pois aponta para uma verdade duvidosa. Já os imaginários ao desempenhar a função de elo
social e de justificativa de ação permite ao analista descrever características identitárias de
uma determinada comunidade sem fazer juízo de valor (Charaudeau, 2017.). Ao analisarmos
comentários negativos feitos por internautas no trailer do filme A pequena sereia, o que fica
explícito ,primeiramente, é que há ,por parte desse público, uma negação total ao fato de que
o papel principal, no filme, possa ser interpretado por uma atriz de pele negra. Isso porque
pela perspectiva criada através da significação que este grupo dá à realidade, um corpo negro
não deve ou não deveria ocupar papéis de destaque.

Pensando em como, historicamente, pessoas negras foram desumanizadas e parte


desse processo de desumanização se deu , entre tantos outros, por meio da desvalorização de
sua aparência física em prol da beleza de pessoas brancas, é possível afirmar que a nostalgia
(vontade de ver a Ariel como ela sempre foi apresentada pela Disney; branca, ruiva e de
olhos claros) vem para disfarçar o discurso racista que se sustenta , nesse caso, em em forma
de opinião relativa, a qual pode ser facilmente confrontada se a compararmos com outros
discursos. A facilidade de rejeitar um corpo negro e expor preconceitos em redes sociais, que
possuem amplo acesso de outras pessoas vem da forma como esse grupo compreende o
mundo. O avanço das discussões sobre o racismo, a importância da representatividade para
que crianças negras cresçam desejando mais e acreditando que podem mais, faz aumentar
debates na sociedade sobre pontos importantes. Um deles abarca questões sobre o lugar que
corpos brancos ocupam na sociedade, assim como o lugar que corpos negros ocupam. Daí
urge a necessidade de romper com processos históricos de subalternidade, inferioridade e
invisibilidade, os quais atravessam a experiência de indivíduos negros enquanto seres
humanos há seculos.

Como o público recebe o teaser do filme, que aparentemente propõe uma mudança
quanto a representação ao colocar como personagem principal a atriz Halle Bailey pela
perspectiva dos imaginários sociodiscursivos, não pode ser interpretado como verdade ou
mentira, até mesmo devido ao fato de existirem opiniões contrárias a depender do grupo
analisado. Houve um movimento no Twitter do #NotMyAriel por parte de alguns internautas.
Mas, o auge aconteceu quando um usuário compartilhou em seu perfil uma imagem editada,
misturando então o rosto de Bailey com uma ruiva branca e garantiu aos fãs que seria capaz
de “corrigir” o filme completamente após o lançamento, o mesmo foi suspenso da rede como
pode-se ver na imagem retirada do twitter;
Ou seja, a corporeidade da atriz não é aceita por determinado grupo, pois, para ele o
papel de personagem principal deve ser ocupado por uma atriz branca . Não há problema para
este grupo que não exista uma sereia , mas sim que na realidade ela seja negra. O termo
woke, traduzido como lacradora, é um termo pejorativo usado normalmente para desmerecer
ou insultar movimentos progressistas normalmente associados aos movimentos raciais,
feministas e LGBTQIA +. O termo caracteriza e simplifica todo um movimento que é
complexo e possui inúmeras particularidades, o que possivelmente constrói imaginários
negativos em relação aos movimentos citados.

Assim o imaginário da tradição não será concebido da mesma forma em um domínio


de prática social que se constrói a partir de diferenciação de raças. Pois, quando uma negra é
cotada como atriz a interpretar o papel de personagem principal, quem julga que pessoas
brancas são mais bonitas que pessoas negras irá pressupor que algo ruim está acontecendo. Já
para pessoas negras o mesmo fato aponta para uma possibilidade histórica de mudança e é
visto como algo muito positivo e inovador como mostram alguns comentários.

Aí eu pensei em colocar um comentário daquelas meninas do vídeo que vc passou

Então, no domínio da tradição o julgamento de valor varia quanto ao costume


(Charaudeau, 2017) é nos domínios de práticas sociais que são construídos os imaginários.
Para alguns o ideal é que estruturas de organização social se mantenham, enquanto para
outros uma mudança é muito desejada.

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