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Raça e identidade:

entre o espelho, a invenção e a ideologia

Maria Lúcia Montes

O tema de hoje, "Raça e Identidade", constitui, sem dúvida, uma questão


complexa. No contexto deste curso, minha palestra remete um pouco à
da professora Lilia Schwarcz. Sem retomar exatamente a mesma questão
por ela abordada - o pensamento evolucionista e o papel estratégico
que este atribui à raça na construção da teoria antropológica em seus
primórdios - retomar ao problema da raça envolve, aqui, talvez não tanto
a teoria como as conseqüências desta no plano do senso comum, criando
um conjunto de estereótipos que estão na base do preconceito racial, in-
felizmente encontrado com ahundància maior do que gostaríamos, não
só na sociedade br.asileira, mas também em outras partes do mundo.
Há, assim, um espectro bastante amplo de questões que poderiam ser
abordadas, e que vão desde essa retomada da importância histórica do
evolucionismo até o problema de entendermos, de um ponto ele vista
político, o significado dos recentes movimentos de grupos étnicos que
têm se organizado de uma maneira absolutamente clar.a, visível e as-
sertiva - sejam eles os vários movimentos negros, sejam movimentos de
grupos indígenas, como a União das Nações Indígenas - par& afirmar,
diante da sociedade nacional, sua identidade étnica e reivindicar, a partir
daí, o reconhecimento de seus direitos enquanto cidadãos deste país.
Nessa ampla gama de questões que se cruzam para dar conta do proble-
ma da raça hoje, inclui-se também a da identidade. Poderíamos trabalhar

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com a dimensão psicológica ou psicanalítica do problema da identidade,


com a sua dimensão antropológica, naturalmente, além de podermos
nos interrogar sobre como se coloca esta questão nas sociedades con-
temporãneas: num contexto em que a globalização apresenta cada vez
mais como risco a possibilidade de homogeneização da população
mundial na aldeia global, como fica a questão da diferença e o proble-
ma da identidade, através dos quais os diferentes grupos humanos
marcam sua presença, afirmando a heterogeneidade como um
patrimônio comum da grande família humana? Será que o mundo con-
temporãneo tomou a questão da identidade supérflua? Será que a questão,
nessa nossa realidade globalizada, perdeu o interesse, ou será, ao contrário,
que as guerras que constituem hoje o horizonte dramático de situações,
como a da Bósnia, não estão, na verdade, colocando sob uma forma
muito peculiar a questão da identidade? Neste caso, isto indicaria que tal
questão tem a ver com um suhstra.to que nem sempre é racial, mas se
baseia no mesmo tipo de raciocínio com o qual se construiu uma certa
forma de relação entre r.1ça e identidade - pred<>amente este tema que
eu tenho hoje que discutir com vocês.
Nessa gama enorme de questões, vou fazer um recorte menor, tentando
mostrar em três momentos distintos como a questão da identidade vai
recortar diferentemente a questão da raça - a identidade racial substituí-
da depois pela identidade étnica I
e a identidade cultural - e como, ao
mesmo tempo, essas diferente\; construções são fundamentais para se
entender por que o preconceito.: subsiste, apesar da crítica da teoria cien-
tífica. Isto é o que nos permite. ~tar contra ele, permitindo sobretudo às
suas vítimas se organizar para éÔmbatê-lo, através da afirmação vigorosa
de sua posição identitária e ~ reivindicação de seus direitos enquanto
cidadãos, que a lei reconhece como iguais e livres. Assim, num primeiro
momento, vou tentar recortar dois enfoques teóricos distintos da questão
da identidade perante a questão da raça -de um lado, o que vou chamar
de visão reificadora e, de outro, o que chamo qe visão relaciona/ da
identidade - para mostrar ainda, num terceiro momento, como estas
questões remetem aos três termos que escolhi para nortear esta dis-
cussão. Em outras palavras, refletir sobre raça e identidade, a meu ver,
consiste em algo como situar-se entre o espelhá, a invenção e a ideologia.
Assim, ao fmal desta discussão gostaria de justilkar por que pensar a
questão da identidade diante do problema' da raça exige que se lance
mão dessas três diferentes perspectivas. 1
Vejamos então o que estou chamando de visão reificadora da identi-;
dade, e como ela vai incidir sobre. a problemática racial. Diria que estou

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enfeixando sob a mesma rubrica um conjunto de concepções que par-


tilham um certo número de pressupostos, os quais, pela maneira mesma
como colocam a questão da identidade, distorcem a visão que dela se
tem, tanto quando se fala de indivíduos como de coletividades, e assim,
por esse viés, elas vão recortar de uma maneira muito específica a relação
entre raça e identidad0 meu ver, o pressuposto básico que estas pos-
turas que chamo de reificadoras compartilham é a idéia da unidade e
da fidelidade a si mesmo, quer se trate de pensar a coerência psíquica
dos indivíduos, quer de algo como a integridade dos grupos sociais ou
das culturas. Por que chamo essa perspectiva de visão reificadora?
Porque, no fundo, a noção de identidade que daí decorre, e que se en-
contra mais difundida no senso comum, é mais ou menos aquela que
tem por modelo a carteira de identidade, o famoso RG que nos dá um
numerozinho e permite a identificação absolutamente inconfundível da
nossa singularidade individual, que nào se parece com nenhuma outra, com
nome, sobrenome e número de registro próprios: isso somos nós.
O que significa um documento como o RG? Significa que aquilo que o
valida é a idéia de que, embora passemos por diferentes vicissitudes ao
longo da vida, embora da infância à juventude muitas vezes mudemos,
às vezes de perspectiva de vida ou do lugar onde moramos, às vezes
mesmo quase de personalidade - já que, por exemplo, na adolescência
é muito <:omum mudar de letra, conforme aumenta nossa maturidade -
existe alguma coisa básica, uma espécie de núcleo identitário, que per-
manece sempre igual a si mesmo. É ele que nos permite reconhecer
nossa coerência psíquica e nossa identidade, nossa pem1anência enquan-
to pessoas identificáveis, sempre iguais a si mesmas ao longo do tempo.
Ou seja, a idéia da identidade como algo que permanece sempre o mesmo
é a noção mais básica que sustenta a visão do senso comum. O que se
pressupõe é que esta identidade que está no RG é a marca de nossa coe-
rência psíquica e da nossa identidade como pessoa, indivíduo singular e
insubstituível.
Entretanto, nada mais enganoso do que esta evidência do senso comum
que está no nosso cotidiano, e na qual nem pensamos quando tiramos
1..
o famoso RG e dizemos: "Aqui está a minha identidade". Por quê?
Porque a tradição antropológica, desde o estudo clássico de Mauss sobre
a noção de pess04 como categoria do espírito humano, acostumou-se a
pensar que essa idéia de identidade que remete a uma pessoa singular,
a uma individualidade específica, é uma construção que resulta· de um
processo histórico extremamente longo e complexo, e que a própria
noção que temos de pessoa, de individualidade e singularidade, que

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definiria a identidade enquanto permanência, é uma criação recente ela


nossa história.
Como sabemos, a idéia de pessoa remete a persona, palavra latina que
designa máscara, e que, de modo implícito, para. nós contém uma refe-
rência à atuação daquele que fala através da máscara. O que ocorre ~
que, quando perguntamos em outros tipos de sociedade o que se vê por
trás da máscara, descobrimos que não é o indivíduo, não é uma pessoa
singular que a reveste, mas, ao contrário, é a própria máscara que é o
essencial. É ela que tem uma identidade, é ela que representa uma
função e um papel social, e cabe aos indivíduos dar voz à máscara,
preencher o papel, dar significado a uma função social. A máscara, mais
do que aquele que por trás da máscara fala, é o que é significativo em
outros tipos de sociedade.
Da mesma forma, a idéia de que cada pessoa tem um nome que a iden-
tifica de uma maneira singular é algo que praticamente todas as so-
ciedades de tradição não-ocidental desmentem categoricamente. Para
citar o exemplo de Mauss, os zuni e os pueblo são grupos que têm um
estoque limitado de nomes próprios para determinadas funções sociais
e, assim, quem exerce uma dessas funções tem de levar esse nome,
e não outro. Assim também sabemos que as sociedades xinguanas, a
cada transfotmaçào da vida social do indivíduo, alteram-lhe o nome.
Pensemos ainda no exemplo' palinês, que Geertz 0978) tão lindamente
analisou em A Interpretação ·~as Culturas, ao consideràr as noções de
pessoa, tempo e conduta erri .Bali. Nesse estudo, Geettz mostra que a
idéia de que alguém devesse' .rh um nome próprio seria uma coisa as-
sustadom, nessa cultura onde'.'a individualidade representa quase uma
ameaça, na medida em que. toda a idéia de organização social e a
própria interação entre as pessoas são articuladas de modo a negar e a
aplainar as possíveis saliências decorrentes do desempenho individual
de certos papéis e funções. Em outras palavms, aqui, como em outràs
sociedades não-ocidentais, a máscara é o que ituporta, não a pessoa; o
nome atribuído à função é o que importa, muito mais do que o nome
da pessoa ou do indivíduo que a exerce. .
Vemos assim que a idéia de identidade prpch.i:Zida por este nosso sistema
de identificação, em que se imagina que ·da ~ig~ifique a permanência de
alguma coisa sempre igual a si mesma, é ê.)go qlle a história das culturàs
e das sociedades humanas contradiz da ~neira mais categórica. Não há
como pensarmos essa pessoa, essa singubtridade, fora de um certo esti-
lo de construção social da realidade pof determinado gmpo humano,
que autoriza e legitima um con~nto de funções exatamente para essa

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pessoa individualizada, singularizada. E mesmo essa construção, carac-


terística das civilizaçôes de tradição ocidental, é o resultado de um longo
processo histórico. Na análise dessa noção de pessoa como categoria
iclentitária, Mauss mostra que um salto fundamental é dado em Roma,
no momento em que se reconhece a noção de pessoa jurídica, que con-
siste na idéia de que alguém é autorizado a utilizar uma máscam, e uma
máscam própria: é a minha própria máscam que vou apresentar à so-
ciedade, e não outra. Ao mesmo tempo, no entanto, a pessoa jurídica
identitka os romanos como sendo todos pertencentes a Roma, o que
signilka que não pertencem a um clã ou a uma família, mas, acima disso
tudo, pettencem a Roma. Assim se reconhece que estão integrados em
um sistema identitário que vai construir, simultaneamente, a idéia de
um pettencimento mais global, que está acima das identificações par-
ciais, e uma identidade cada vez mais absolutamente individualizada,
como direito a portar a sua máscara própria e falar em seu próprio
nome, como romano.
Uma evolução que vai produzir no interior da noção de pessoa jurídica
a idéia de que ela abriga uma espécie de conteúdo substantivo - alguém
que é responsável pelos seus atos, sentimentos, juízos, emoções, etc., e
é responsável, portanto, pela continuidade da sua própria existência, como
pessoa e consciência moral - será introduzida pelo Cristianismo. É São
Paulo quem diz: "não há judeus nem gregos, não há escravos nem livres,
não há homem nem mulher, porque sois todos filhos de Deus".
Ao fazer esta afirmação, tal como os romanos quando dizem que todos
pertencem a Roma, São Paulo está de fato assegurando que o homem
se constrói verdadeiramente como ser humano nessa dimensão de uni-
versalidade - para além de todas as identificações parcelárias que o uniam
a um grupo, uma sociedade, etc., afirmando-se assim como ser humano
em geral, homem em geral- ao mesmo tempo em que ele se individua-
liza e se singulariza como uma consciência moral. Esta é a consciência
de homens que são todos iguais entre si, já que são todos filhos de Deus.
E esse processo, digamos assim, de interiorização, que vai da máscara
para a pessoa e da pessoa para a interioridade de uma consciência
moral, será enfim completado pela modernidade, com a idéia, própria
da Psicologia, ele uma configuração psíquica do indivíduo que é sujeito
de desejos, conflitos, etc., responsável pelos seus próprios atos e, por-
tanto, responsável pela manutenção de uma certa permanência de si
mesmo ao longo do tempo, enquanto sua identidade.
É evidente, portanto, que quando se faz esse trabalho de desconstrução
da noçJo de identidade individual como uma evidência do senso comum,

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revela-se que por trás dela se esconde um longo processo da História e


a existência de diferentes culturas que constroem identidades de uma
maneira muito ri:~ais ampla, de modo que não conseguimos entender o
que é o indivíduo e a pessoa fora da relação que eles mantêm com o
grupo e a sociedade de que são parte.t{~uando partimos do pressuposto
de que identidade é algo que remet~ à permanência, àquilo que resiste
e fica, sempre igual a si mesmo ao longo do tempo, estamos na verdade
perdendo de vista a enorme variedade e diversidade de maneiras de
constmir a identidade dos indivíduos nos diferentes grupos e sociedades
humanas. Isto é o que chamo de visão reificadora da identidade e esse
é o pressuposto que tal visão, sempre um pouco psicologizante, parti-
lha com outras versões da mesma idéia, qualquer que seja sua forma de
expressão, escamoteando justamente essas diferenças.
E por mais que eu esteja falando de um ponto de vista centrado na figu-
ra do indivíduo, não se pode esquecer que isso se aplica também às
sociedades. A professora Lilia, em sua palestra, falou sobre o início da
Antropologia, quando as teorias evolucionistas tentavam dar conta si-
multaneamente da diversidade e da unidade do gênero humano, da
diferença entre grupos sociais e culturas, e de algo comum a todos os
homens. O que estava na base dessas teorias era uma certa idéia de
que, se conseguíssemos encontrar um denominador comum, algo que
ao mesmo tempo todos os horpens pattilhassem e que pudesse também
diferenciá-los, teríamos resga:'tado simultaneamente a igualdade e a
diferença, a unidade do gênei-Q humano e a diferença entre as culturas.
Assim, teríamos uma maneir~ de distingui-los, detem1inando simul-
taneamente aquilo que os identificaria entre sijFoi à idéia de raça que
se atribuiu esta função, como a professora Lilia já mostrou e, dessa pers-
pectiva, relegamos a diferença ao reino da natureza, pois é ela que, no
plano biológico, diferencia os homens em raças distintas. Então, enten-
dendo que a cada raça é atribuída uma certa capacidade civilizatória,
podemos assim ordenar a infinita variedade da humanidade numa es-
cala, de acordo com as raças humanas e o gráu de desenvolvimento
que cada Uma pode atingir, permitindo-lhe p<Jssar do estágio mais ínfimo
de evolução do gênero humano, que é ~ selvageria, para a barbárie e
depois chegar até a civilização. ' l .
O que se pressupõe nesse tipo de conceí1çào é que cada raça contém
em si uma espécie de potencial para crip determinados tipos de com-
portamentos sociais, valores, padrôes pSÍ~Juicos: mais afetivos ou mais
racionais, mais organizados ou menos oxganizados, capazes de ter uma
.
família bem-ordenada ou não, rmonogâmica ou não, capazes de ter
.• ;

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Estado ou não, de ter uma religião ou não. Em outras palavras, a cada


raça é atribuído um potencial de desenvolvimento da sua humanidade,
enquanto composta de seres individuais que são parte de grupos deter-
minados e fixos, e é esse potencial que os encadeia, digamos assim, na
grande série da evolução do genero humano. A raça é, portanto, o que
garante a unidade e a diversidade dos homens, e é ela ainda que estabe-
lece os limites dentro dos quais vamos poder identificar cada gmpo, não
apenas como parte da grande família humana, mas também com as
caraderísticas que lhe são próprias. O pressuposto em que esta con-
cepção se embasa - e é por isso que falávamos de visão reificadora - é
que temos, por meio ele um dado da natureza, que é a raça, algo que
indica a constância e a permanência ele certas c-aracterísticas de deter-
minados gmpos humanos, assim como, do ponto de vista psicológico,
dizíamos que por trás do RG está o pressuposto de que cada pessoa
permanece, ele algum modo, psiquicamente coerente, e tem, portanto,
um certo núcleo identitário que continua sempre igual a si mesmo. Do
mesmo modo se pressupõe agora que há uma integridade das culturas
e dos gmpos humanos, a partir da qual podem ser definidos os limites
e o potencial de cada um deles.
Embora desde o início deste século as teorias antropológicas tivessem
feito uma vigorosa crítica dessa dimensão racL<;ta do evolucionismo, nem
por isso ela é menos persistente no senso comum, pois é ela que nos
permite identificar o indivíduo pelo gmpo e o grupo pelo indivíduo. É
por isso que sabemos que todos os índios são preguiçosÓS e que todos
os negros são alegres, afáveis e emotivos, porque isso faz parte daquele
estoque de qualidades que é atribuído genericamente ao gmpo a partir
da raça. Assim, conhecendo como eles são, até convivemos bem com os
negros gentis e emotivos, mas devemos nos cuidar deles e dos índios,
porque em algum momento os avatares da raça virJ.o à tona, e então
eles demonstrarão que são efetivamente selvagens, brutais, monstnwsos,
próximos da animalidade, etc. Em suma, há um imaginário que se cons-
trói em torno da diferença, que tem uma ancoragem profunda nessa
leitura das sociedades e das culturas que tenta explicar a dif~rença, e
portanto a identidade de cada grupo social, dentro de limites dados por
um continuum da natureza. A diferença e o continuum são dados por
esse mesmo elemento, que é a raça dos homens, como se a biologia,
por si só, fosse capaz de fixar os contornos da totalidade da experiência
humana, explicando a vida dos homens e das sociedades. E é essa visão
reificadora que está na base da idéia psicologizante da identidade. É
também ela que sustenta uma visão da identidade dos grupos humanos

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que associa identidade e raça de um modo fixo, congelado, fazendo


com que a r.aça seja o suporte da diferença e ao mesmo tempo da con-
tinuidade da evolução. O preconceito efetivamente se funda nos este-
reótipos que derivaram desse imaginário, criado em tomo de uma certa
versão da questão da raça e da identidade.
Contudo, se formos levar às últimas conseqüências esta versão da re-
lação entre raça e identidade, e fazer, do ponto de vista da Antropolo-
gia, o mesmo tipo de leitura que fizemos da versão psicologizante quando
citei Mauss, sem dúvida nos lembraremos de Lévi-Strauss, ou pelo menos
de Lévi-Strauss, pois vários outros autores, antes dele, também t1zeram
essa leitura. Entretanto, Lévi-Strauss talvez seja o crítico mais cabal do
racismo a que levou essa visão evolucionista. Boas 0959) também já
fizera essa crítica, em inúmeros e importantes estudos; porém, h:í um es-
tudo clássico de Lévi-Strauss (1976), que lhe foi encomendado pela Unesco,
chamado Raça e História, com o qual ele tenta, por assim dizer, demolir
essa construção teórica que associa a identidade a uma base biológica
pensada a partir da raça. Nesse livro ele faz um inventário minucioso
de diferentes sociedades humanas, para chegar à conclusão de que
certamente não é a raça, mas sim a cultura, que as define, e que, por
outro lado, a diferença entre as culntras não poderia ser pensada como
se pensava a diferença entre as raças - um continuum evolutivo do
inferior até o superior. A diferença entre as culturas não poderia ser
pensada nessa perspectiva de ~voluçào histórica simplesmente porque
diferentes culturas têm difereritçs relaçôes com a História, com o tempo
e com a tr.ansformação. Em o11ltas j
palavras, não podemos associar nem
sequer características cultur.tis . :. : quanto mais raciais - a um certo tipo de
evolução que leva do inferior fiO superior, ela harbárie e da selvageria à
civilização.
Na verdade, o que Lévi-Strauss assim carJlteriza é a existência de so-
ciedades "quentes", amigas da História, para as quais um tempo cumu-
lativo é condição de transfonnação, mudança e progresso. Mas, ao lado
dessas sociedades, há que se reconhecer a existência de outras, as so-
ciedades frias, onde, a partir da própria base ecolÓgica, organização social,
cosmologia, etc., se constroem verdadeims 111liqúinasdesuprimiro tem-
po que são os mitos, como Lévi-Strauss oS d~fine. Esta é, pois, para tais
sociedades, uma fonna de escamotear a rnudança, mesmo enquanto está
em curso, porque ela não é vista como um'a· coisa positiva. Na verdade,
nessas sociedades, a mudança não é inte~retada senão em função de
um parâmetro anterior, de um tempo mítico, ao qual toda a história deve
remeter.

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Percebemos assim que essa visão contribui poderosamente para desar-


ticular a conexão r.aça/identidade e mça/evoluçào, que tinha por co-
rolário a hierarquização de r.aças ou grupos divididos entre inferiores e
superiores, na medida em que a partir dela nos desembaraçamos da
noção da mça como capaz de definir o potencial dos gmpos humanos,
e passamos a caracterizá-los através da sua cultura. Entretanto, por mais
que essa análise seja importante - e por mais que eu ame Lévi-Stmuss -
nào podemos deixar de reconhecer que, mesmo nessa concepção, ainda
persiste uma certa idéia de integridade e pennanência da cultura, sempre
idêntica a si mesma, sobretudo naquelas sociedades consideradas sem
História, ou de tempo não-cumulativo. Isto porque a mudança é vista,
nessas sociedades, como algo que só pode vir de for<L: a História lhes é
exterior e é, na verdade, produtora de processos de transformação que
vão resultar na altemção ela cultura original, como a aculturação. Mas é
inegável que essa forma de mudança vinda ele fora não pode deixar de
trazer consigo uma certa tensão, porque a transformação se dá por con-
tato, seja ele pacífico, feito em função de trocas comerciais, seja pelo re-
sultado de invasão, guerra por disputa de controle territorial, poder, etc.
Em outras palavras, não se pode pensar a mudança, e a aculturação que
dela resulta, sem uma certa destmiçào da integridade que mantinha a
unidade da sociedade e da cultura, que se submetem à transformação
em mzào de uma injunção exterior. A aculturação é, em certo sentido,
sempre cúmplice de alguma forma de dominação.
Entretanto, dessa perspectiva, pensar a questão da identidade ao menos
exige, e ao mesmo tempo permite, que nos descartemos dessa idéia ter-
rível de identidade racial, em que o potencial do indivíduo é medido por
uma espé<.ie de estereótipo elo grupo, ou o gmpo é medido pelo compor-
tamento do indivíduo. Pois é isto o que ocone nesses casos car.lcterísti-
cos que encontr..1mos no dia-a-dia: alguém conhece um sujeito ótimo e
lida muito bem com ele até que, por alguma razão, se desgosta desse
sujeito e então diz: "Mas também, o que se podia esperar? É negro!". Na
verdade, esse tipo de raciocínio está atribuindo uma característica
imaginária do grupo ao indivíduo, e incriminando, a partir do indiví-
duo, a totalidade do grupo. Á idéia da raça oferece essa facilidade de
permitir um tal processo de transição entre o indivíduo e o grupo, seja
através da generalização de características próprias ao indivíduo que
se transferem pam o gmpo ou, ao contrário, ela particularização ao nível
do indivíduo de camcterísticas genéricas atribuídas ao gmpo. Isto é algo
absolutamente terrível, pois a identidade atribuída a um ou outro fica
condicionada dentro desses limites. Ora, quando se trata a qi.lestào de

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uma perspectiva como a de Lévi-Strauss, por mais que ainda se pense a


identidade como associada a uma certa forma de integridade e de tota-
lidade das culturas, já não se pode mais considerá-la senão como iden-
tidade étnica: a identidade de um grupo que se diferencia dos outros
por um conjunto de características étnicas e que tem formas de cultura,
costumes, valores etc., que lhe são próprios. E isto é válido ainda quan-
do se pense que a mudança em suas formas de cultura seria fruto de
processos de aculturação, em que a integridade do grupo estaria sendo,
de algum modo, perturbada e alterada por efeito da dominação.
Eu queria contrapor esta outra idéia de identidade que aqui se esboça
àquelas perspectivas que estou agrupando com o nome de visão reifi-
cadora. Embora saiba que, evidentemente, há sutilezas que estou
deixando de lado e diferenças enormes entre elas, estou agrupando sob
a mesma designação esse conjunto de posições, para melhor contrapor
a elas esta outra visão de identidade que vai recortar de uma maneira
diferenciada a questão da raça como etnia e vai se abrir para outro tipo
de preocupação, levando-nos às questões de ordem política a que me
referi no início.
Na verdade, quando analisamos dessa outra perspectiva a questão da
identidade, percebemos que ela é um processo de construção que não é
compreensível fora da dinâmica que rege a vida de um grupo social em
sua relação com outros grupos distintos. Assim, percebemos que é im-
possível pensar a identidade c~o coisa, como permanência estática de
algo que é sempre igual a si mesmo, seja nos indivíduos, seja nas so-
ciedades e nas culturas. Ao coRti-ário, é preciso pensar que, uma vez que
as sociedades são dinâmicas e :1 vida social não está pardda, também a
identidade não é uma coisa ftxa, mas algo que resulta de um processo
e de uma construção. E não podemos entender essa construção sem o
contexto onde ela se dá.
( Quando estava analisando a idéia de pessoa em Mauss, deixei de lado
· uma discussão muito bonita de Manuela Carneiro da Cunha em Os Mor-
; tos e os Outros 0978), retomada depois em um pequeno artigo do seu
' livro Antropologia do Brasil (1986a), sobre a· nação de pessoa Krahó,
que creio vale a pena retomar, porque ela e'xempliftca bem essa nova
perspectiva. Nesses textos, Manuela most:rq 'qué não podemos entender o
que é pessoa sem entender as diferentes fprmas ·de ordenação das rela-
ções sociais, que se manifestam de modo exemplar na sociedade Krahó
pela diferença nas relações entre os amigbs formais e os companheiros.
Amigos formais são pessoas que foram designadas, obrigatoriamente,
para manterem um certo tipo de relação altamente regulamentada - uma

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relação de enorme respeito, deferência e solidariedade, mas apenas em


situações especiais, já que no cotidiano a relação entre eles é efetiva-
mente de evitaçào. Além disso, e de uma forma que é contraditória só
na aparência, cada um deles mantém com os parentes do outro um con-
vívio informal, ao mesmo tempo descontraído e duro, característico das
relações jocosas. Este estranho absoluto que é o amigo formal é alguém
de quem não se deve chegar perto, embora se esteja o tempo inteiro
preocupado com aquilo de que ele necessita, o que ele quer ou deseja;
mas não se vai nunca perguntar isso a ele, sendo sempre através de um
terceiro que seu amigo vai manter-se informado. E o outro faz a mesma
coisa. Ou seja, se sou membro da sociedade Krahó, mantenho uma dis-
tância enorme desse amigo formal, que é um outro em mim: é uma
forma de eu me ver na figura desse outro, do qual, por esta rdzão, tenho
de estar distante. Já com os companheiros se dá o contrário, pois partilham
de um convívio cotidiano extremamente ameno e livre. Companheiros
são, por exemplo, crianças que nascem na mesma época, passam juntas
pelos mesmos rituais de iniciação, realizam juntas as mais diferentes
atividades, sendo inclusive, depois de adultos, co-responsáveis pelo exer-
cício de ce1tas funções públicas. Só deixam de ter esse tipo de rela-
cionamento quando se casam, em geral na mesma época, mas seus filhos
podem reatar depois o mesmo tipo de relação. Com esses é possível
manter um convívio extremamente próximo: são um outro eu.
Esta noção Krahó de pessoa mostrd que não podemos falar de identi-
dade sem pensar em processo de identificação; e não podemos pensar
nesse processo sem pensar, simultaneamente, no reconhecimento da al-
teridade, pam que seja possível estabelecer e criar a relação. Ora, se todo
processo de criação de identidade é um processo de reconhecimento da
alteridade, em relação à qual vou constituir e afirmar minha própria
identidade - um eu outro, ou um outro eu, como no modelo Krahó - é
preciso pensar que diferentes contextos e situações vão configurar alte-
ridades distintas, em frente das quais um grupo vai posicionar-se e
definir-se. Isso ocorre quer para que um indivíduo se identifique com o
grupo, quer para que o grupo, no seu conjunto, identifique seus membros
através um certo número de características, quer, ent1m, para que a
própria sociedade identifique o grupo por meio desse conjunto de sinais.
Em outms palavms, a identidade não existe senão contextualizada, como
um processo de construção, e pressupõe o reconhecimento da alteri-
dade para a sua afimiação. Assim, não é possível pensá-la fora desse
contexto que define algo em relação ao qual eu, por contmste, vou con-
seguir definir quem sou. Identidade, desse ponto de vista, é sempre um

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Raça e diversidade

conceito relaciona/, contrastivo, e é sempre resultado de um processo de


negociação.
É ainda Manuela Carneiro da Cunha quem, trabalhando com esta noção,
nos cita o exemplo dos negros escravos que, depois de libertos, nos
finais do século XIX, voltaram para a Nigéria. Esses negros, que aqui no
Brasil eram denominados africanos, ao chegarem à Nigéria descobrem,
assustadíssimos, que lá são brasileiros! Mas que história é essa, que iden-
tidade é essa que muda segundo o meio social à sua volta e faz com
que, paradoxalmente, esses negros estrangeiros venham a assumir, na
condição de homens livres, exatamente aquelas características que lhes
eram negadas quando estavam aqui - e que inclusive eles próprios ne-
gavam- sendo chamados de os africanos, mas que lá passaram a afir-
mar, transformando-se em os brasileiros? Que jogo maluco é esse?
Na verdade, se pensarmos no problema da identidade como resultado
de um processo de identificação - para voltar à questão da raça, agora
tmduzida em sua dimensão étnica -o que devemos nos perguntar, neste
caso, é o que significa, no Brasil do século XIX, a idéia de que existem
negros, de um modo geral. Esta é uma idéia em que seguramente se em-
basa o preconceito, pois de fato, no próprio século XIX - e até Nina Ro-
drigues, por exemplo - se reconhecia a existência de gmpos bem dife-
renciados: sabia-se que existiam os Fanti, os Ashanti, os Ijexá, isto é, uma
grande vaiieclade de gmpos étnicos distintos. Entretanto, todos eles vi-
r.:~vam automaticamente os ajr/t;anos, quando considerados em oposição
aos crioulos e aos brancos. Na.realidade, pensar os africanos era pensar
a condição negra como assodkda à escmvidào e, efetivamente, havia
J
uma constmção de tal ordem que não era a camcterística física, det1nido-
ra das diferenças étnicas, qu~ era levada em conta. Ou antes, ela era
levada em conta no interior de um sistema de classitkação que lhe
atribuía um valor de marca dis~intiva, em função da disputa de prestígio,
poder, etc., dentro e entre os diversos gmpos sociais em confronto. Em
outrc1s palavras, n~g_!D é~~çrc1yo; daí a ideologia cl~) branqueamento estar
fundada sobre uma prática que vai progressivamente afastando da cor a
condição de escravo. Escravos mais claros su6CÍtavam até uma certa ge-
nerosidade das pessoas: aos mais branquinhos, libertá-los era um sinal
de reconhecimento do seu potencial pani se' tomarem brancos - isto é,
livres, não-escravos, portanto não-negros.,

\
~ssim, nã? ~ d~ se espa~tar qu~ n~una sociedade que p~o~uziu esse
t1po de d1stmçao e de d1ferencmçao, incontremos no ultuno censo
i cento e tanto; tons de cor a partir elos quais indivíduos não-brancos
não se identificam como negros, Há o peso da História por trás desse

58
Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia

fato extraordinário. O indivíduo pode ser azul, moreno, mulatinho,


moreninho claro, roxo, verde até, ou seja, invoca-se uma quantidade
enorme de nuanças para permitir a diferenciação. Em uma sociedade em
que há apenas um século ser negro era ser escravo, e em que, emlx)-
ra se soubesse que existiam diferenças étnicas, todos os negros eram
agrupados como africanos porque eram escravos, aí, evidentemente, ser
branco é um valor; branquear-se é um valor, não ser negro é um valor.
O senso comum, na forma mais preconceituosa possível, fala de "negro
de alma branca" e diz: "Ele é negro mas é tão bonzinho". Este n,1~~
dói no fundo da alma, porque está dizendo, na verdade, que um negro
só pode ter uma determinada identidade e aceitar uma certa forma de
identificação a pa1tir elo momento em que se distingue daquelas carac-
terísticas negativas que sempre foram histórica e contextualmente cons-
truídas, contrastivamente constmídas, para definir o que é a identidade
negra num país como o Brasil.
Vemos assim que a idéia elo negro de alma branca constitui uma fórma
terrível de expressão do preconceito. Mas ela explica também por que
as pessoas se desiclentificam com a sua própria cor. A cor está aí, mas
em suma: será que basta ter a cor, basta uma característica biológica da
raça, para que as pessoas se identifiquem e sejam identificadas como
pertencentes a um determinado grupo étnico? O que estou tentando
mostrar é que há uma complexidade infinita de processos sociais que,
em contextos e situações determinadas, vão constmir diferencialmente
sistemas ele identificação, os quais vão permitir, em momentos distintos,
afirmação de identidade ou não-identificação. Esta, eu diria, é a dimen-
são prcx-essual ela constmção da identidade. contextualizacla, relaciona)
e que, obviamente, está fundada em interesses bem determinados, de
natureza social e política, de disputa por prestígio, poder, etc.
Mas voltemos aos negros de Manuela Carneiro da Cunha, que se eles-
cobrem brasileiros. Na Nigéria eles eram chamados negros brancos, e
causavam um enorme espanto, simplesmente porque er..1m católicos.
Como a maioria dos negros à sua volta era protestante e apenas os
padres eram católicos, eles eram negros bmncos porque, no sistema ele
relaçôes em que se encontravam, a cor tinha deixado de ser relevante,
tinha simplesmente sumido, para que eles pudessem ser identificados,
em função desse contexto que permitia, de lado a lado, o jogo ela iden-
tificação. Porque esses mesmos negros, que aqui eram os africanos, acu-
sados de serem fetichistas e que lá viraram católicos, ao chegarem lá,
começarJm a valorizar a comida, a arquitetura e uma série de outros signos
identificatórios deles enquanto brasileiros, já que isso os distinguia do

59
Raça c diversidade

resto dos negros com os quais mantinham relações e lhes permltla


adquirir uma nova posição de prestígio e poder. Essa posição, diga-se
de passagem, derivava do comércio da noz-de-cola, dos tecidos, da
palha-da-costa, do sabão-da-costa, etc., isto é, todos os elementos indis-
pensáveis à realização dos cultos fetichistas que, no Brasil, eles eram
acusados de praticar.
Observem, então, que esse jogo extraordinário, esse qüiproquó maravi-
lhoso, mostra como a identidade se afirma enquanto resultado de um
processo, situada em um dado contexto, e em função de um sistema de
relações sociais, fundado num jogo determinado de interesses. É um
conceito relaciona) e contrastivo, com uma dimensão política sem a qual
é impossível entendê-lo.
Entretanto, por mais que se diga que a identidade é uma construção, ela
não é aleatória; está fundada em determinados elementos estruturais que
não podem ser negados. É mais uma vez Manuela Carneiro da Cunha
quem mostra, ainda a propósito dos negros estrangeiros, num lindo ar-
tigo chamado "Etnicidade: da culmra residual mas irredutível" (1986b) ,
como, nesse processo de migração, ninguém leva a culmm inteira para
a diáspora. Ninguém leva todos os elementos que definem o seu coti-
diano e sua experiência de vida, seu sentido de pertencimento, seus
laços e seus sinais de identificação como membro de um grupo ou uma
determinada sociedade. É imppssível a pessoa fazer a mala, botar melo
isso nas costas e levar embora;~ninguém leva a cultura inteira. O que se
leva são aqueles elementos que, na bagagem culmral, no estoque de
vivências, práticas, cosmmes ~ lvalores partilhados em comum, podem
ser re-significados no novo coritexto, sendo aí escolhidos e rearranjados
em função desse sistema de contrastes sem o qual não é possível en-
tender a identidade. Percebe-se, portanto, que não é qualquer coisa que
pode servir de elemento para á construção da identidade, pois ela tem
uma base cultural absolutamente irredutível. Entretanto, não se pode
pensá-la sem o contexto e sem a história. Esses vão 405 poucos diferencian-
do o significado que um conjunto de elementos çulturais tem num deter-
minado meio, e que agora é mobilizado, a partir de um outro ponto de
vista e outro sistema de oposições, para construir contrastivamente
uma (nova) identidade. · -'
""' Por que, então, eu dizia que falar de raça ,e identidade, de identidade
racial- racista, dos evolucionLc;tas -, de ideptidade étnica - moderna, dos
antropólogos - ou, por fim, de identidade, cultural, no mundo contem-
porâneo, é algo que remete ao espelho, à' invenção e à ideologia? Creio
que esse exemplo ele Manuela Carneiro da Cunha deixa claro que, na

60 ....
Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia

realidade, estamos sempre constmindo identidades num jogo de con-


trastes, com elementos que não são aleatórios, mas que são, no entanto,
re-significados em função do contexto, de interesses e de posições de
poder, que tazem com que um gmpo reivindique uma nova visibilidade
dentro da sociedade.
Não é por a<.:aso - para trazer a discussão para uma situação mais re<.-ente -
que, nos anos 60, Stockley Carmichael produziu uma verdadeira revo-
lução nos Estados Unidos quando afmnou, num grande comício público,
"Black is beautifult. Notem que todas aquelas características associadas
ao negro mmo elementos negativos - o cabelo é ruim, a pele é feia
porque é escura, quando é gordo o traseiro fica saltado para trás, enfim,
todo um conjunto de características físicas, raciais, associadas a uma
identidade negra, e que sempre foram vistas negativamente, como uma
maneira de a sodedade tornar inferior aquele que é apenas diferente-
é o que está em jogo quando Carmichael diz que "Black is beautiful!'.
Porque o que está dizendo é o seguinte:

Não! Vamos assumir esses traços que, por essa razão, passa1~1o a ser vistos
como bonitos! Vejam esse cabelo, que pode ser penteado de mil maneiras
diferentes! Vt-iam a cor dessa pele! Afinal de contas, as branquinhas vào à praia
para bronzear-se e tentar ficar da nossa cor. E a roupa que se usa? Vamos
pensar nas roupas: por que nào as coloridas? Na América, é cool, é bem a
gente vestir ton-sur-ton. Na África não há ton-sur-ton, a gente anda vestida
com uma variedade de cores, com uma infinidade de desenhos. Por que,
então, não vamos assumir que essas coisa~ são bonitas?

Assim, no estoque cultural que era possível reivindicar como perten-


cente a um patrimônio negro, escolhem-se certas características por con-
traste. Isso que denigre, no sentido próprio do trocadilho infame, isso
que torna menor e inferior, é recuperado como algo que possibilita uma
identifkação positiva e constrói uma nova identidade. Por isso não
podemos entender o que significa identidade hoje fora desse processo,
efetivamente político, de afirmação e re-significação das diferenças, em
função da afirmação de uma identidade que só pode ser entendida por
contraste e por oposição.
Conversando com minha amiga Glória Moum, que pesquisa festas em
comunidades negras que ela chama de "quilombos contemporâneos",
perguntávamo-nos o que significa pensar quilombo hoje, neste ano de
Zumbi dos Palmares. Glória Moura trabalha com gmpos negros, comu-
nidades que são de fato remanescentes de velhos quilombos, ou que

61
Raça e diversidade

vivem em ten-as d<Y&das pelos senhores com o fim da escr..tvidão, ou !,1!11pos


que compraram temts pam aí viverem reunidos. Essas comunidades negras
atlrmam sua identidade pela manutenção de um conjunto de tradições
festivas que, efetivamente, só se conse1va porque é capaz, de algum modo,
de se manter em diálogo com a sociedade abrangente, e em contraste
com ela. Lembrei-me também de outro amigo, Norton, pesquisador do
Rio Gr<mde do Sul que, conversando com membros do movimento negro,
perguntou se eles conheciam uma comunidade de batuqueiros que
sempre existiu por lá, afirmando suas tmdiçôes de dançar no Treze de
Maio, na festa do Rosário de São Benedito. Eles não conheciam; foram
ver, gostamm muitíssimo e tlcaram tão interessados que contaram para
a mass media inteira, jornal, rádio, televisão. Assim, no ano seguinte,
para surpresa dos batuqueiros. a festa estava cheia de luzes, câmeras,
pessoas filmando, divulgando notícias em todos os jornais. Em uma torma
de valorizar essa coisa lindíssima que é o batuque. Era esse patrimônio
cultuml negro que estava sendo reatlrmado em diálogo e em contmste
com a sociedade abrangente.
Claro que, numa visão folcloristica da cultura, ou numa visão reitlcado-
ra da identidade, muitos diriam que, quando uma festa deixa de ser
tradicional, quando o grupo que a produz começa a dialogar com os
meios de comunicação de massa, já se perdeu a autenticidade de ambos:
essa é uma forma de aculturaç~o, e se está perdendo ao mesmo tempo
a identidade que era própria ~ grupo. Eu, contrário, digo "Viva!" cada
vez que os meios de comunica,~ão de massa são obrigados a valorizar
os batuqueiros, os dançadores'· àe jongo, os congos e os moçambiques,
pois isso lhes dá visibilidade. E:,: a partir dessa visibilidade, esses grupos
alcançam uma outra posição de poder, a partir da qual negociam não
apenas o reconhecimento de sua condição de produtores de cultura,
mas também de cidadãos brasileiros discriminados, dos quais são tir<tclos
os direitos básicos da cidadania. -
Em oposição aos quilombos ele Glória Moura, eu. pensava no que vivo
imaginando que devem ser os quilombos cont~mporâneos: as galems
rap efunk, esses garotos que se identificam por um estilo muito próprio,
por um conjunto de atitudes, modo de vestir, roupas, sapatos, um corte
de cabelo, uma música que eu, pessoalmenté: acho chatíssima, mas não
importa, porque é através dessa música q,ue eles afim1am sua identi-
dade enquanto jovens negros, pobres e dy;criminados nesta sociedade.
Manuel Ribeiro, personagem do livro de i'*nir Ventura, Cidade Partida
0994), um arquiteto ligado ao CER e ao Viva Rio, que tmbalha com esses
grupos no Rio de janeiro, diz que se o governo alguma vez quiser criar

/ ·-
Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia

uma política para a juvenniCie pobre neste país, basta pegar a letrJ dos
funks desses meninos que aí se encontrará todo um programa político.
Pois através de sua música, esses jovens estão afirmando a sua condição
de negros, pobres e discriminados, e sua postum realmente de oposição
ao sistema inteiro, que os condena a viver nessa posição. Se souberem
prestar atenção, perceberào que eles estão afirmando: ''Eu sou mais eu"
e ''Estamos aqui parJ afirmar nossa reivindicação de um lugar ao sol nessa
sociedade. Não é para pedir, é para dizer ao que viemos''.
Chamo essas galeras de quilombos modernos, porque esses meninos
têm uma capacidade extrJordinária ele se reunir a partir da simples
chamada de um disc-jóquei: juntam-se dois mil, três mil, em menos de
uma horJ. Se alguém disser "Venham com uma rosa bmnca na mão!",
eles vêm; se disserem "Venham de camisa cor de maravilha!", eles vêm.
Vêm, marcam presença num happeninl{. deixam seu recado com toda
clareza e se dissolvem na massa anônima da grJncle metrópole, para se
refugiar depois nas periferias pobres onde nascerJm. Sào guerrilheiros
urbanos, são os novos quilombolas dos tempos que correm. Entretanto,
a identidade étnica que se afirma aí é incompreensível sem esse con-
texto, sem essa dinfunica da sociedade moderna, e sem essa vigorosa as-
serção política de identificação que exige o reconhecimento daquilo que
os distancia e os diferencia dos outros.
Enfim, quer estejamos falando no plano psicológico quer no social, indi-
vidual ou coletivo, a identidade significa, na verdade, um recorte num
jogo de identificações, que vai permitir a um determinado grupo reco-
nhecer-se e ser reconhecido pelas carJ.cterístícas que o identificam e que
o distinguem dos demais. Segundo essas categorias ele se identifica, e é
pelos outros identificado. É nesse jogo de espelhos que a sociedade per-
manentemente inventa e reinventa novas identidades e que a questão
racial, que se trJnsfom1ou em questão étnica, hoje é essencialmente uma
questão política, uma questão de afirmação de direitos daqueles sobre
os quais, numa sociedade como esta, 400 anos de patrimonialismo e pelo
menos 300 anos de escravidão deixaram marcas profundas. E ainda hoje
precisamos lutar para, primeiro, fazer com que elas sejam percebidas, se
tornem visíveis e, depois, para termos condição de, opondo-nos a elas,
lutarmos com todas as forças para que elas se apaguem. Notem, porém,
que, mais do que a nós, essa tarefa cabe efetivamente àqueles que já a
encamparam, isto é, às vítimas desse sistema discriminatório, que iden-
tifica negativamente a mça e a origem étnica, tornando o diferente infe-
rior. Cabe a eles, sobretudo, lutar, e já o estão fazendo: estão afirman-
do com toda a clare7.a e a força necessária a evidência da sua identidade

63
Raça e diversidade

contrastiva, política, reivindicando não apenas um lugar ao sol, mas


também seus plenos direitos enquanto cidadãos. Por isso eu dizia que a
identidade é um jogo de espelhos, e um jogo em que a invenção se
renova de modo permanente. Mas sem a dimensão política que o co-
manda, é impossível entender do que falamos, ao tratar da questão de
raça e identidade.

Debate

Pergunta: Fiquei muito alegre com a exposição da professora e quero,


nào sei se fazer uma denúncia, mas pelo menos dizer o que sinto. Sou
baiano, vim agora para estudar na USP. Na Bahia nós, negros, somos
normais, apesar de que somos também discriminados; mas a gente
chega aqui na USP, em São Paulo, e o pessoal olha assim para a gente,
e pensa: "Como é que ele conseguiu chegar aqui?". Assim, a gente
sente que a USP é racista. Infelizmente eu tenho de dizer isso. A Uni-
versidade Federal da Bahia também é racista, e a sociedade baiana
também, apesar de toda aquela coisa cultural, aquela afirmação da
identidade, mas há muitas deficiências nessa afirmação da sociedade
baiana. E aqui em São Paulo eu me senti mais discriminado ainda: se
é negro, pobre, nordestino, está acabado aqui. Assim, é interessante
começar a desconstruir todo esse esquema que foi feito a partir de nós
mesmos. E uma coisa boa é -b que a USP fez agora, com este Semi-
nário, que na verdade confroh·.~ muitas coisas. É interessante começar:
mos a mexer com isso demro e nós mesmos, e isso eu tenho feito. E
uma experiência minha, porqü tenho mexido também com essa gama
de preconceitos que nos foi passada, essas idéias que vão inculcando
na nossa mente, de que nós somos inferiores, somos feios, que a nossa
identidade tem de ser negada: É um trabalho muito difícil de se fazer,
é duro avançar e quebrar essas coisas. Concluindo, tenho observado
que a população branca brasileira subestima a jnteligência do negro.
Por exemplo: não deixa o negro entrar no mercado de trabalho e depois
fica assustada quando vê o negro, na marginálidade, burlar verdadei-
ras ilhas de seguranças que são os condomínios e fazer um trabalho
bem-feito de organização de assalto, seqüestro, etc. É uma surpresa para
a população branca perceber que a população 'negra consegue ter essa
inteligência para fazer as coisas, mesmo q~e de um modo etTado, ruim,
negativo. E por que não canalizar essa fqteligência, que já se percebe
de um modo negativo, para uma coisa positiva? É algo a se pensar e
a se fazer.

64 ..::.,·
i
Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia

Maria Lúcia: Só gostaria de acrescentar à sua exposição, com a qual


concordo inteiramente, dois comentários. Quando estávamos discutindo
raça e identidade, o que tentei dizer para vocês? É a raça que constrói a
identidade? Não. É a cultura sozinha, desencarnada, que constrói a iden-
tidade? Não. É o jogo das relações sociais e das relações de poder através
das quais as pessoas, elas próprias, constroem por meio da cultura esse
sistema de contrastes que define a identidade.
Assim, quando você diz que a USP é racista, não se trata só da USP: a
sociedade brasileira é racista, de um modo muito peculiar e particular.
Creio que é um grande desafio entendermos isso; é problema para bran-
co, negro, mulato, mais claro, mais escuro, azul, verde, roxinho, etc. Isto
é, nós somos essa sociedade da mistura, e vamos ter que nos haver, em
algum momento, com a questão racial, que não se refere só à raça, que
não é apenas uma questão de cultura, mas é também e sobretudo um
avatar da história da escravidão que ainda pesa sobre nós.
Por outro lado, quando você fala da inteligência do negro na margina-
lidade, lembro de meu queridíssimo amigo Joãosinho Trinta, que costu-
ma dizer que o que produziu a marginalidade, e vai permanentemente
reafirmando o lugar inferior do negro, é uma estrutura social que con-
dena à miséria a maioria da população deste país, que, por acaso, é
negra. Por isso, onde essa população mostra a sua capacidade de criar
é exatamente no avesso da sociedade. Veja o sistema educacional, por
exemplo. Não é apenas o mercado de trabalho que discrimina; ele o faz
porque a educação discriminou primeiro. É a falência do sistema edu-
cacional brasileiro que está em jogo quando Joãosinho Trinta diz: "É
preciso oferecer urna alternativa ao fascinante mundo do crime". Sim,
pois, evidentemente, no mundo do crime a criança se mobiliza para pôr
em prática tudo que ela sabe, tudo que ela quer, tudo que ela é: sua
atenção, sua inteligência, sua capacidade de observação, de liderança e
de cooperação, sua criatividade. Que escola oferece isso a uma criança?
Se assaltar um supermercado é um feito - porque ali há uma coorde-
nação entre a ação individual e a ação coletiva, a partir da necessidade
de identificar quem é o otário, conhecer a rotina da segurança, mapear
e prever as rotas de fuga, etc. - então esta é uma escola absolutamente
fascinante. E estão dentro dela apenas os negros e os pobres, porque os
ricos puseram seus filhos na outra escola - a instituição escolar propria-
mente dita - para tentar livrá-los da tentação da escola da rua. Mas ali
seus fllhos também estão sendo deseducados, porque, sem a capacidade
de despertar o interesse e a criatividade que a escola do crime suscita, a
instituição escolar faliu.

65
Raça e diversidade

Creio, portanto, que é uma revisão geral da sociedade brasileira que pre-
cisa ser feita, dentro de nós mesmos e nas nossas in!>tituições, para evitar
que justamente essa inteligência, que é marca de uma identidade nega-
tiva, só se mostre pelo seu avesso, pelo crime. E isso diz respeito não
apenas ao negro, mas à maioria da população pobre deste país, que por
acaso é negra, numa sociedade que carrega a herança de 300 anos
de escravidão. Assim, acho que você está coberto de razão.

Pergunta: Você falou que a identidade é um processo, é algo construído.


Na palestra da professora Lilia, ela dizia que para alguns países a iden-
tidade é uma questão importante e as pessoas se questionam sobre isso.
Gostaria de saber por que você acha que para o Brasil essa é uma
questão que incomoda tanto e faz com que as pessoas se perguntem tanto
a respeito dela?

Maria Lúcia: Creio que isso tem a ver com o peso da história deste país.
O professor Francisco Weffort, que agora que se tornou ministro da
Cultura está preocupadíssimo com a identidade nacional, descobriu de
repente que há um boi-bumbá lá em Parintins, porque Joãosinho Trinta
o levou até lá para ver. Começou a descobrir, como nós todos que
estávamos na USP e nos acostumáramos a ver o resto do Brasil de longe,
que há urna extraordinária diversidade cultural neste país, e que tentar
pensar a identidade nacional nbs obriga a vê-lo de uma perspectiva mais
ampla, não apenas a partir de~es centros onde estão os pólos dinâmi-
cos da economia. Veja São P::t~o: se você não quiser saber que existem
outros universos culturais seriâo o da Universidade ou dos imigrantes
bem-sucedidos que vieram para cá, é só não ir até as periferias pobres
que cercam a metrópole, para você imaginar que o Brasil já chegou ao
século XXI.
Mas o que está recalcado por trás desse divórcio? Há uma história com-
plexa que, entre outras coisas, compreende COlllO elemento essencial
uma herança da escravidão que - sem querer n,e'gar de modo algum sua
barbárie e seu horror, que são os mesmos em toda parte - tem pecu-
liaridades que são muito próprias deste país. Pensem na questão do
branqueamento, que a professora Lilia já cómentou com vocês. Fiquei
estarrecida quando comecei a descobrir a.c;Iuan,t!dade de homens ilustres
que, em plena sociedade escravocrata, eram negros e, depois, quando
descobri que há uma quantidade enornJ peruas em São Paulo que têm
o nome deles. Vejam, por exemplo, a avenida Rebouças - quem sabe
que Rebouças foi negro? Teodoro Sampaio - quem sabe que Teodoro

66 ..::;
Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia

Sampaio era negro? E o que fazer com Machado de Assis, que era
mulato e que, à medida que foi tendo sucesso, foi mudando de cara nas
imagens, até finalmente ficar branquinho, com o cabelinho meio
crespinho? E Castro Alves, o que fazer com ele, que branqueou de vez?
O que fazer com Cruz e Sousa, que ninguém nesse país sabe que é negro?
O que fazer com essa quantidade de pessoas que, porque foram bem-
sucedidas, branquearam, desapareceu-lhes a cor? Estou tão perturbada
com essa questão que, quando vejo rua com nome de gente, minha
brincadeira agora é perguntar: "De que cor é essa rua?".
Na verdade, sob a escravidão, houve um legado extraordinário à
sociedade brasileira de homens negros ilustres. Isso é um supremo
paradoxo, pois, a partir do momento em que, logo após a Abolição, a
República declara a liberdade e a igualdade de todos os homens, re-
conhecendo todos como cidadãos, com direitos iguais frente à lei, a so-
ciedade brasileira vai deixar esses novos cidadãos por conta própria, ou
por conta das vicissitudes do mercado de trabalho e de um processo de
desenvolvimento comandado por uma elite oligárquica, que mono-
poliza o Estado como sua propriedade privada - constituindo o Estado
"patrimonial burocrático" de que fala Raymundo Faoro. E é então que a
maioria dessa população de origem escrava, negra ou mestiça, é efeti-
vamente jogada na marginalidade e na clandestinidade, tomando-se
praticamente invisível.
Creio, assim, que tocar na questão da identidade obriga a repensar a
questão racial e pensá-la junto com a questão da extraordinária injustiça
social vigente neste país. Portanto, creio que é urna questão crucial para
o Brasil, mas é uma questão que, como várias outras que doem, preferi-
mos relegar aos porões ou botar uma pedra em cima, enquanto a socie-
dade for o que é e não mudar a correlação das forças sociais em presença:
isto é, enquanto os discriminados e injustiçados, como grupos organiza-
dos, não forem reivindicar sua cidadania e enquanto nós próprios, que
somos os privilegiados dessa ordem social, não nos dispusermos a de-
nunciar aquilo que está na base dos nossos próprios privilégios. Até lá,
a questão da identidade, por mais crucial que seja, vai ficar soterrada em
um passado que gostaríamos de varrer para debaixo do tapete, porque
é extremamente feio e continua plenamente vigente, ainda hoje, nas
suas conseqüências nefastas para a sociedade brasileira.

Pergunta: Como lidar com a discriminação do negro contra o próprio


negro? Por exemplo, afirma-se que Benedita da Silva não teria sido eleita
prefeita pelos próprios negros do Rio de Janeiro.

67
Raça e diversidade

Maria Lúcia: Creio que isso tem a ver com a natureza desta nossa
sociedade que, como demonstra Roberto DaMatta, é complicada, porque
o tempo todo oscila entre uma lógica que trata os brasileiros como indi-
víduos e outra que os considera enquanto pessoas. Claro que somos
todos iguais, mas há uns que são mais iguais que os outros. Quem é
mais igual são aqueles que são capazes de demonstrar que estão inseridos
numa certa rede de relações sociais: "Eu sou amigo do parente do conhe-
cido de alguém importante". Essas são as pessoas. E as solidariedades
verticais que assim se formam, nessa organização hierárquica da socie-
dade, tornam muito mais difícil a formação de solidariedades horizon-
tais entre iguais, o que se toma possível a partir do momento em que
todos são considerados indivíduos iguais e livres.
Eu diria que a mesma razão que impediu que Benedita fosse eleita impediu
que o Lula fosse eleito, no ano em que a sua campanha tinha como
slogan: "Um brasileiro igualzinho a você". Mas quem quer votar num
brasileiro igualzinho a si próprio? Se ele sabe que é um pobre coitado
na vida, e que as formas de ter prestígio e poder correm por conta das soli-
dariedades verticais que o fazem entrar numa rede de relações em que
ele se torna pessoa, alguém, e não um mero indivíduo - um sujeitinho,
ou cidadão, como diz a linguagem policial? Quem vai querer enfiar-se
dentro de uma lógica da individualidade igualitária, que pressupõe a for-
mação de redes de sociabilid~de e de solidariedade horizontais, numa
sociedade em que o que vaft é ser amigo do rei? Creio, então, que
não se trata apenas da discri~nação do negro contra o próprio negro;
trata-se da discriminação do ~bre contra o próprio pobre, que se deve
à natureza desta sociedade. )

Pergunta: Gostaria que a professora tocasse na relação entre globalização


e aculturação, que falasse do que a senhora considera aculturação. No
senso comum, por exemplo, os jovens negros que ouvem o funk e o
rap, que tomam isso como referência para a construção da sua identi-
dade, são vistos como alienados, aculturados, cpmo recebendo simples-
mente algo que vem de fora, dos Estados Unidos, da indústria cultural,
e que estaria fora da raiz cultural deles, que seria a dos batuqueiros, este-
reotipadamente. Quanto à aculturação, o qu~ seria ela dentro desse pro-
cesso de globalização, já que essa mesma gl.pbali72.ção é recebida de forma
diversa entre povos de culturas diferenJes, causando formas também
distintas de reação e suscitando novas fúrmas de identidade?

Maria Lúcia: Essa discussão com relação aos batuqueiros e às galeras de

68
Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia

funkeiros, tive que enfrentá-la em meio a um debate que eu mesma


provoquei, discutindo com um pessoal das escola de samba pouco
tempo atrás. Num seminário promovido pela Secretaria Municipal de
Cultura, falávamos da importância da cultura do brincar, do carnaval como
expressão dessa culturà e como elemento formador da identidade cultural
brasileira. Evidentemente, é uma questão espinhosa para os próprios
negros, sobretudo se eles são do samba, o fato de que os jovens de
seus próprios grupos se voltem para o rap, para o funk, etc., e não se
interessem pelas raízes negras tradicionais da cultura brasileira.
Pessoalmente, como gosto de batuqueiro e acho o funk chatinho do
ponto de vista musical, adoraria que se voltasse ao batuque. Mas quem
sou eu para dizer isso aos garotos de periferia, numa sociedade racista
que lhes diz que negro é pobre, feio, sujo, fedido, não vai dar nada na
vida, é ladrão, etc.? Onde vocês acham que eles poderiam encontràr
referências culturais positivas, a partir das quais pudessem elaborar sua
identidade enquanto grupo, exceto, exatamente, numa música de pro-
testo, e numa música que nos Estados Unidos constrói uma identidade
negra como um valor positivo?
Assim, creio que eles certamente retomam das raízes americanas o valor
positivo do negro presente nesse tipo de música, que inclusive lhes
permite organizar-se enquanto gmpo, nas galeras. Mas quando se vê o
que eles cantam, lá nos Estados Unidos ou aqui, já não é exatamente a
mesma coisa. Como esta é uma música que trabalha com o cotidiano e
o re-significa através dessa forma de cantar que é meio melodia e meio
fala - espécie de melopéia, uma coisa meio estranha - o cotidiano que
está na música é o deles, e não dos americanos. Então, pensando a
questão de uma perspectiva mais ampla, é possível perceber que, efeti-
vamente, o que eles estão retomando é um elemento culturàl que, lá
como aqui, tem como base comum a diáspora africana, porque quem
canta essa música é negro americano, e o negro foi escravo tanto aqui
quanto lá. Temos então uma forma cultural vinda de comunidades negras
que estão usando esse tipo de música para afirmar positivamente a sua
identidade. Isto é o que é re-significado no contexto do cotidiano bra-
sileiro desses jovens negros, numa sociedade cujo racismo é tão grande
que eles não são capazes de encontrar referências positivas no âmbito
da própria cultura negra local.
Quem é que sabe de batuque numa cidade como São Paulo? Quantos
de vocês já viram batuque- ou congada, jongo, moçambique, etc.? É
claro que tudo isso existe, está mesmo logo aqui, ao nosso lado - por
exemplo, em Carapicuíha, Cotia, Mogi das Cruzes, Embu, Itapecerica

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Raça e diversidade

da Serra e mesmo em muitos bairros da periferia da própria cidade.


Mas isso é folclore- a cultura do outro conservada em formo! - e nós
não vamos nos preocupar com isso, que é coisa de gente atrasada ou
enrão assunto de especialista. Agora, cultura de verdade é a que se
aprende aqui, na Universidade, ou então a que é divulgada nos meios
de comunicação de massa. É dessa forma que se desqualificam as
raízes culturais brasileiras de origem negra, relegadas à condição de
folclore, e no máximo elas se institucionalizam como tarefa obrigatória
da escola. Então, todo mês de junho é preciso dançar quadrilha, e no
mês de dezembro tem de ensaiar pastoril por causa do Ciclo de Natal,
etc. Ao tr'.atar desse modo essas formas de cultura popular, a gente acaba
com elas como cultura viva e depois se espanta quando elas não são
conhecidas.
Então, para voltar à questão da aculturação que me foi colocada, e que
estou tratando da perspectiva do problema da identidade, é uma prova
a mais do racismo deste país e da discriminação cultural que aqui se
produz o fato de que, se um negro quiser afirmar uma identidade étni-
ca positiva, construída através da arte e da música, ele terá de procurar
suas referências numa cultura estr'.angeir.a. Entretanto, no contexto de
uma sociedade globalizada, eu diria que isso é a coisa mais normal que
existe. Cada vez mais as informações estão sendo difundidas em uma es-
cala universal, na chamada aldeia global, e o perigo da homogeneidade
que existiria como horizonte de~e '· processo está sendo, na verdade, co-
tidianamente desmentido pelas práticas sociais, políticas e culturais nos
mais diversos recantos do pia~. Em outras palavras, quanto mais se
difunde e se homogeneíza a informação, tanto mais ela se estende e
também se particulariza, em fut;lção do contexto em que é recebida, re-
traduzida e re-significada. Se pensarmos que estamos falando em termos
de aldeia global, a cultura como instrumento de criação de identidade
grupal não deveria ter a menor importância. No entanto, a guerm da
Bósnia está aí, e ela é justificada em nome de un;ta especificidade cul-
tural que está, frente a esse contexto de globalizas:ão, insistindo na parti-
cularidade do elemento local. Este é um dos riscos efetivos do mundo
contemporâneo, pois quando esse processo d~ retradução resulta numa
visão congelada do patrimônio cultural de um grupo, ele pode levar à
violência e à guerr.a. É para evitar essa distorção que temos de estar
atentos à dinâmica da cultura em nossas· ~~ciedades complexas, com-
preendendo o processo permanente de fc;-significação que ela impõe
aos seus conteúdos, mesmo - e talvez so~retudo - na aldeia global. É
só dessa perspectiva que a afirmação da diferença pode tornar-se um

. 70
. .......
í
Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia

enriquecimento da experiência humana, levando assim à tolerância, ao


invés de provocar a violência e a guerra.
Entretanto, no varejo, nas pequenas situações do cotidiano, de um modo
gemi, não tenho nenhum grande problema com os perigos da globa-
lização. Lembro-me da época em que começou a aparecer aquela
molecada que ia pam a rua dançar o break igual ao Michael jackson.
Isso me deixava meio apavorada, mas deixei de me inquietar rapidinho
quando vi que os meninos eram capazes de fazer todos aqueles movi-
mentos quebrados, de boneco de madeira, de marionete, horrorosos,
iguaizinhos ao Michael jackson, mas no final da dança substituíam os
gestos duros e angulosos pelo quadradinho do samba, e aí os movi-
mentos ficavam fluidos, flutuantes, redondos, o que é uma marca carac-
terística da dança no contexto brasileiro. Então, por mais que pareça que se
está simplesmente copiando ... A professora Lilia cosn1ma dizer isso: "a
cópia é sempre original". É impossível apenas copiar. Ao copiar, restitui-se
à cópia uma originalidade que lhe é própria, porque ninguém é c-apaz
de apenas copiar sem re-significar. Creio que, desse ponto de vista, o
contexto da globalização não me assustaria.

Pergunta: O que me preocupa são certas posições que acho um tanto


di<;cutíveis. Como é que alguém pode informar que Benedita da Silva
não foi eleita no Rio porque não teve os votos dos negros? Espera lá,
Benedita da Silva não foi eleita porque a cidade do Rio de janeiro não
votou nela! Seria melhor a gente chamar a Benedita aqui para que ela
mesma conte o que significaram as eleições, a discriminação que ela
sofreu, a ponto de ser chamada de macaca, na zona sul, nos shoppings.
O Antonio Pitanga foi obrigado a quase agredir pessoas, jogar gente do
terceiro andar de um shopping center. Houve fulano na zona sul jogando
pedra no carro dela. Então, vamos devagar. Negros, vocês querem que
a gente salve o Brasil, mas também vocês têm que ajudar! Este é o
primeiro ponto. Ponto dois: é muito importante colocar bem essa questão
da globalização. Existe uma questão muito séria no Brasil com relação à
discriminação e estamos ouvindo aqui neste Seminário o quanto ela é
sub-reptícia. Vou dar dois exemplos: a Bandeirantes há mais de oito anos
tinha cinco programas de negros aos domingos, campeões de audiência,
com a Chie Show, a Zimbabwe, a Black Mad, que são das maiores
equipes de bailes aqui de São Paulo. Todos esses programas foram tira-
dos do ar, sob o argumento de que não eram comerciais. Recentemente
existia também um programa na Rádio Metropolitana, o Rap Brasil, que,
pela minha pesquisa, era o campeão de audiência dessa rádio, e também

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Raça e diversidade

foi tirado do ar, sob o argumento de que não era comercial. O pessoal do
rap está fazendo abaixo-assinado para conseguir apoio para que o pro-
grama volte. É muito simples dizer que esses caras são alienados. Acon-
tece que a opção de música que essa moçadinha faz não é de consumo
no país. Outra coisa: existe toda uma discussão sobre rap e samba. O
pessoal do rap tem urna visão de que o samba é totalmente alienado, sub-
misso, vendido, é coisa de passar na televisão, na Globo. Hoje, infeliz-
mente, se vê isso nas rádios e quase não se consegue achar samba que
preste. Há urna juventude contra essa velha-guarda, que vê que o samba
é algo vendido. Eu não compactuo totalmente com isso, mas o samba de
São Paulo hoje é uma porcaria, um lixo, de se jogar fora. E para encerrar,
o que acho muito estranho é que, quando a juventude negra escolhe o
funk ou o rap, incomoda, mas o rock não. Temos quatro festivais de rock
no país, lotados, as televisões dão a maior cobertura, patrocínio de Minis-
ter, Philipps, Continental, e isso não incomoda; não é alienação, não é jo-
gada de vendagem, não é nada. Agora, quando o negro vai buscar fora
uma expressão cultural, ele está alienado, não tem consciência! Assim não
dá! Por favor, deixa a negadinha escolher o que eles bem entenderem!

Pergunta: Você afirmou que a identidade é relaciona! e contrastiva,


porém afirmou também que não é qualquer elemento que pode ser
usado para a construção da identidade. Você acredita que há algo de
permanente no repertório cult+l?

Maria Lúcia: Essa é uma long<d:liscussão minha com a professora Lilia.


Acredito que possa haver dete~adas linguagens culturais que têm uma
permanência maior, dada pelo seu próprio caráter anódino. Isso eu não
estou inventando, foi Mauss quem inventou, e também Lévi-SI:r'auss. Ele
diz com relação à linguagem corporal que, exatamente porque o conjun-
to de gestos de urna sociedade ou de uma determinada cultura são in-
significantes, é que eles podem permanecer, pelo seu próprio caráter
anódino. Por exemplo, em diferentes sociedades, hã maneiras distintas de
se deitar ou sentar: há civilizações de rede e civilizáções de cama, há gente
que vive em civilizações de cadeira, outros q4e vivem em civilizações de
cócoras. Essas coisas são tão pequenas, passam tão despercebidas que,
por isso mesmo, elas podem permanecer de uma maneira mais constante
ao longo da tempo, marcando uma História 'de longa duração.
Então - para retomar a provocação e de'volvê-la - gosto de batuque
porque aquelas velhas negras absolutamen.Íe deslumbrantes, que pesam
cem quilos, se movem com uma leveza que me dá vontade de chorar

.n
Raça e identidade: entre o espelho, a invenção e a ideologia

quando vejo. E o rapé chato, e o rock não. Eu estava falando dos gestos,
mas acho que também certos elementos musicais têm esse tipo de
permanência e, no caso da música popular brasileira, grande parte do
seus padrões rítmicos é uma herança africana no Brasil. Meus amigos
etnomusicólogos me explicaram que se tomarmos o padrão rítmico e o
time line - que é o tempo que o padrão demora até voltar a repetir-se
- na música africana, da África mesmo, e nas mais variadas formas de
manifestações culturais de origem negra no Brasil, percebe-se que certas
estruturas são iguais.
Não é por acaso que Lévi-Strauss estudava mito e parentesco como as
linguagens por excelência nas quais se pode ver a permanência das
estruturas. Eu diria que a linguagem corporal e certas estruturas rítmicas,
certos padrões musicais, são lugares onde se pode perceber uma per-
manência maior da cultura e a longa duração da História. É uma
permanência que talvez não seja eterna, mas que tem padrões mais está-
veis do que o resto da cultura - por exemplo, do que as linguagens
verbais, faladas, que são muito mais envolvidas na dinâmica da vida social.
É nesse ponto que a professora Lilia e eu temos alguma divergência. Ela
acha que essas estruturas também se transformam com o correr da
História, enquanto eu, ao contrário, penso que elas permanecem mais
do que ela gostaria. Já discutimos muito, mas ainda não chegamos a uma
conclusão a respeito.
Agora, quanto à permanência de padrões culturais negros na cultura
brasileira, e que estão no samba e não no rap, ela ocorre via diáspora,
como já mencionei, e por toda a lógica da dinâmica cultural. Mas se me
perguntarem o que é mais rico musicalmente, isso já é outra coisa. Não
gosto de rap porque acho chato, mas se me botarem na frente de um
gmpo de batuqueiros, fico lá pela madrugada afora e choro de alegria,
porque eles são um deslumbramento. Aquelas negras velhas - que
fazem parte dessa velha-guarda chata, babaca, etc., na versão politica-
mente correta elo movimento negro - conservam uma tradição e uma
história que, se fôssemos realmente voltar às raízes africanas, devíamos
ir até lá e beijar as mãos dessas senhoras sábias, que guardam no
corpo e na memória elementos de uma cultura que esta sociedade per-
manentemente insiste em negar. Não apenas porque não é comercial;
é porque é o outro lado da lua, é uma outra civilização: é o avesso do
avesso do avesso do avesso.

Pergunta: Se entendi bem o conjunto ela sua expos1çao, globaliza-


ção e identidade não se constituem num novo paradigma, mas, ao

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Raça e diversidade

contrário, num falso problema. Seria então a globalização a condição


para legitimação das identidades?

Maria Lúcia: Não sei se é um falso problema, e não creio que tenha ten-
tado dizer que é um falso problema. O que procurei dizer é que não vejo
nenhuma incompatibilidade entre as duas coisas, porque são movimen-
tos simétricos e complementares. Quanto mais a informação se globa-
liza no pólo da emissão - para falar numa linguagem da comunicação -
mais no pólo da recepção ela é re-signíficada dentro do contexto. Creio
que isso não reduz a questão a um falso problema, mas mostra uma
complementaridade entre processos que só na aparência são paradoxais.
Ou seja, quanto mais a cultura aparentemente se homogeneiza nesse
processo, mais ela, simultaneamente, se particulariza e assume carac-
terísticas locais específicas. Creio que este é um paradoxo na aparência,
o que não faz dele um falso problema.

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