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ENSAIO SOBRE A OBRA (E A TEMÁTICA DE)

“A OBSESSÃO
ANTIAMERICANA”,
DE JEAN-FRANÇOIS
REVEL

Paulo César Gonçalves; A44153;


3º Ano, Estudos Culturais, Univ. do Minho;
UC de Cultura Norte-Americana.
I.
O QUE (ACHO QUE) É
Antes de tudo o resto, convém sublinhar que o autor desta obra, Jean-François Revel
(1924 – 2006), foi, até ao começou da década de ’70, socialista. Tornar-se-ia, com o
tempo, um acérrimo crítico do socialismo, sobretudo do comunismo, propalando ideias
e ideais liberais. O autor veicula, aparentemente, os ideais do livre mercado e do
capitalismo.

Revel abraça, nesta obra, a ideia de que os Estados Unidos da América são o alvo fácil
e preferencial para as críticas provenientes das classes trabalhadoras, ou mais baixas,
cujo motus pensador estará, ainda, preso ao socialismo da “guerra fria”, focalizando o
seu raciocínio em França, país no qual parece existir, segundo o próprio, um sentimento
antiamericano (“9 em cada 10 décimas do pensamento francês é ocupado a difamar os
Estados Unidos”). Contudo, pegando nesse exemplo, e acrescentando-lhe, amiúde,
críticas/ataques provenientes de países de índole política insuspeita (Coreia do Norte,
Cuba, entre outros exemplos), tenta construir uma tese sustentada num suposto ódio
global aos Estados Unidos da América e sua política exterior (com o Iraque à cabeça).

Os argumentos utilizados como sustentação para a defesa deste pensamento surgem-nos


despidos, mais pelo simplismo do que pela simplicidade. Alguns exemplos:

- Revel defende o G8 e a sua cimeira, aproveitando para atacar os grupos que se lhe
opõem, apelidando-os de “marxistas” (capítulo terceiro);

- Revel reduz o pensamento de esquerda, que classifica como totalitário, a assomos de


activistas, à revelia do superior interesse global;
- A pobreza a Sul é justificada pela pressão que os apaniguados de esquerda exercem
sobre o mundo.

- Revel teoriza sobre os movimentos afectos ao terrorismo, colocando-os no mesmo


pote: o Islamismo. Para o autor, a grossa maioria dos muçulmanos que vivem em
França, originários de outros países, sobretudo do Magreb, é, potencialmente, terrorista,
atribuindo à falta de vontade de integração esse “fatalismo”;

Assim, Jean-François Revel, membro da Academia Francesa, foi, até à morte, um


acérrimo defensor do neo-capitalismo norte-americano, e das intervenções do mesmo no
mundo, do qual esta obra é exemplo.

II.
O QUE ACHO (QUE É)
Jean-François Revel acaba por ser alvo de uma mediatização fora do comum por,
precisamente, ter estado, em períodos distintos, dos dois lados da barricada. Não
existem áreas cinzentas, aqui. Por isso, Revel não se limita a ser, apenas, um qualquer
“desertor”.

Escrever sobre Revel exige-nos pesquisar Revel, e perceber, por “a + b”, que o autor
esteve, a partir de determinada altura, do lado dos Estados Unidos da América, mesmo
quando, a meu ver, a poderosa nação teria, forçosamente, de enfrentar a censura de seus
pares, por questões éticas: Golfo Pérsico, no início da década de ’90, Kosovo, no fim da
mesma década, e Afeganistão, no começo do novo milénio. A ideia de “país libertador”,
ou “da liberdade”, não colhe em mim qualquer afeição. Isto é válido para qualquer
nação, quando, ou se, se arrolar desse papel.
Acredita que existe muita desinformação, e que há uma recusa em prestar informação
verdadeira sobre os Estados Unidos, assim como acerca dos inimigos da Democracia.
Revel crê numa espécie de “teoria conspirativa” das forças de bloqueio marxistas, de
forma a derrotar o indisfarçável poderio norte-americano.

Partindo de um ponto que, aparentemente, conhece de forma mais profunda (ou será
visão enviesada?), acusa a França de ser uma nação ressabiada em relação aos Estados
Unidos da América, desde o pós-guerra (numa espécie de “sentimento de culpa
retorcido/complexo de inferioridade esquerdista com origem no Plano Marshall). Revel
acha, ou acredita, que o comunismo anda por aí, pronto a atacar novamente: um
fantasma pairando, exibindo, de forma dúbia, a sua agenda.
“A falsidade nunca impediu que uma teoria prosperasse, desde que sustentada por uma
ideologia e protegida pela ignorância.”

Esta frase de Revel é, quanto a mim, verdadeira. Para mal dos seus pecados, aplica-se,
como uma luva, aos Estados Unidos da América. Veja-se o caso das armas de
destruição maciça. Portanto, as conclusões de Revel também conseguem ser dúbias.
Não professo, ou professarei, a teoria antiamericana, mas sei apontar-lhe grosseiras
falhas. Numa visão mais ampla, ou mais generalista, identifico nos Estados Unidos da
América paradoxos e ideais atentórios da condição humana:

- Os Estados Unidos da América, “terra dos sonhos e das oportunidades”, é um país de


contrastes profundos e de leis completamente ultrapassadas;

- Os Estados Unidos da América, antiga colónia, “terra dos sonhos e das


oportunidades”, impõem a sua agenda liberal, de “ready-made”, de “estandardização”,
de “sociedade de lucro”, ao restante mundo, no pós-guerra;
- Os Estados Unidos da América, “terra das oportunidades”, arrola-se de uma suposta
“superioridade moral” para, através dela, “evangelizar” os povos e as nações; Levou,
em nome da Paz, guerra a determinados pontos (com interesses por esclarecer);

- Os Estados Unidos da América, apesar de nunca terem passado por uma eminente
ditadura, impuseram uma outra espécie de regime ditatorial ao mundo: o da finança e do
lucro;

- Os Estados Unidos da América foram capazes de eleger, para Presidente, um Trump.

Defenderia Revel um Trump, da mesma forma que defendeu um Reagan ou, mais
recentemente, um W. Bush (que, tal como Trump, foi eleito com menos votação do
que o seu concorrente directo, Al Gore)?

Algumas conclusões de Revel encontrariam, devidamente situadas, eco em Trump,


como por exemplo a ideia de que os muçulmanos (que vivem em França) nutrem ódio
pelo Ocidente. É uma conclusão simplista e própria do ideário da extrema-direita.

Por outro lado, revelador do paradoxo do seu pensamento, Revel dá-se ao trabalho de
comparar Estados Unidos da América e União Europeia no que a democracia diz
respeito, apontando falhas ao modelo europeu, que considera pouco democrático (no
que concerne ao peso real de cada Estado membro). Ambos têm falhas evidentes, mas
Revel prefere omitir as americanas (existem estados que elegem o mesmo número de
eleitos que outros cinco vezes maiores em população).

Ainda que as provas e os dados demonstrem, de forma inequívoca, o oposto, Revel


defende a sua dama capitalista de forma tenaz, procurando atribuir ao ‘velho’
socialismo as causas do desiderato presente (quando este resvala para campos pouco
abonatórios).

Exemplo-mor dessa construção é a prosa (amputada) que Revel dedica a África, nas
palavras do próprio o “único continente do mundo onde é constatável uma concreta e
absoluta pauperização”. Revel, sem vergonha, explica esse “fado” aos olhos da
cegueira do socialismo, fruto do acatamento da cartilha chinesa/soviética (omitindo o
apartheid da África do Sul, ou o militarismo em outras zonas de África).

Em suma, e em jeito de conclusão, esta obra peca pela sua abordagem pela rama,
independentemente da ideologia professada, ou dos pensamentos que possam definir os
leitores. É, ainda, um manancial acrítico, apesar de sabermos que o “inimigo” está bem
definido (apostando na vitimização do título). O passado de Revel, e o seu aparente
conhecimento do pensamento socialista, não ajuda a definir uma linha equidistante. A
questão é: Não me parece que ele o procurasse, pois não?

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