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SERGIO AUGUSTO DE AVELLAR COUTINHO

Sergio A.de A.Coutinho


CADERNOS
(…) quando se fala de defesa da
DA
soberania e da integridade territorial
nacionais, admite-se a possibilidade
LIBERDADE

CADERNOS DA LIBERDADE
extrema da guerra. E, quando se fala de
guerra, é preciso serenidade e bom senso.
Uma visão do mundo diferente do
Os argumentos têm que ser claros, senso comum modificado
objetivos e baseados na inteligência e nas
informações seguras. Na discussão do
tema, não há lugar para declarações
bombásticas e ações passionais.

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CADERNOS

DA

LIBERDADE

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Sergio Augusto de Avellar Coutinho

CADERNOS

DA

LIBERDADE

Uma visão do mundo


diferente do
senso comum modificado
- 2003 -

Grupo

Sografe
Belo Horizonte - 2003
Copyright @ 2003 by Sergio Augusto de Avellar Coutinho

Capa:
Heloisa Helena Coutinho / Gustavo de Araújo Corrêa
Ilustrações: PREFÁCIO
Simone Oliveira Paes Leme
Ilustração da Capa: Jarbas Passarinho
Escultura da artista plástica ANÁDIA BERNACHI
Acervo do Clube Militar Rio Sérgio Coutinho figura entre os mais abalizados
Digitação e Diagramação: Allender Guilherme conhecedores das doutrinas sociais e políticas contem­
Márcio Guilherme porâneas. Este livro é a prova não só de quem estuda
Liliane Pires da Costa como de quem tem a capacidade de analisar, com equilí­

Impressão: Sografe brio que desafia a crítica facciosa, a evolução do socialis­


mo nas suas duas vertentes: a democrática, no pluralismo
partidário, e a tirânica, em que só há dois partidos políti­
C871 Coutinho, Sergio Augusto de Avellar, 1932- cos: o que está no poder e o que está nos cárceres, se
Cadernos da liberdade: uma visão do sobreviveu às sevicias do Estado policial e delator. A que,
mundo diferente do senso comum modificado / no pluralismo democrático, existe na Europa, ora no po­
Sergio Augusto de Avellar Coutinho. der, ora na oposição, e a que teve seu carro-chefe na
Belo Horizonte: Ed. Sografe, 2003. extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e seus
244 p. satélites e, ainda assim, não se dá por vencida.
Nos três cadernos temáticos que compõem o li­
ISBN n. 85-903934-1-0 vro, o leitor tem desde as instigantes colocações do Pró­
Inclui bibliografia logo, sobre as ocorrências que caracterizam a Nova Or­
dem Mundial decorrente do colapso da União Soviética, a
1. Comunismo. 2. Política. 3. Nova ordem globalização na sua vertente econômica e política, a
mundial. I. Título.
trajetória histórica do pensamento de Marx, seu corolário
leninista e gramscista, até os desafios dos nossos dias,
COO 320.532
tudo em linguagem accessível.
Pode parecer, a um leitor apressado, que não tem
MFA CRB-12009
cabimento o autor refutar a idéia de que o comunismo
morreu, mas se perseverar na leitura logo verá que sua

Grupo objeção não tem razão de ser. Acompanhará a variante


que Gramsci prescreveu para a tomada do poder pela
conquista da hegemonia ao revés da luta armada leninista.
E verá que lia reforma intelectual e moral que Gramsci
recomenda como instrumento da luta pela hegemonia no mento de Lênin, de Rosa Luxemburgo, de Gramsci, da
seio da sociedade civil já produziu efeitos mais profundos Escola de Frankfurt e de Althusser". Mais que um estudo
e danosos do que se poderia imaginar no Brasil", conclu­ acadêmico de Marx, os petistas do governo da capital de
são a que o autor chegou quando dialogou com leitores São Paulo proclamam ser o objetivo do ciclo" provar que
do seu excelente livro sobre a Revolução Gramscista o socialismo e o marxismo não estão definitivamente
no Ocidente. Verá, ainda, como prospera outra tática de mortos, como afirmaram muitos políticos e intelectuais,
conquista do poder pelo etapismo, a aliança da burgue­ há pouco mais de dez anos, quando se desagregou a
sia ingênua com os comunistas que a lisonjeiam chaman­ União das Repúblicas Socialistas Soviéticas". Isso corro­
do-a de progressista, companheiros de viagem em que, bora a tese do autor quanto ao comunismo remanescen­
no processo da via pacífica, um é o inocente útil, iludido, te, já que se trata de capitação política. O fato de o ciclo
e outro é o aproveitador. ter professores universitários como conferencistas não
No Primeiro Mundo constata-se a decadência ou causa estranheza. Em 1970, o conceituado escritor fran­
o deperecimento do comunismo, onde os próprios parti­ cês Jules Monnerot publicou um livro Démarxiser
dos socialistas já admitem o socialismo sem a fidelidade L'Université, que o saudoso Gustavo Corção me dedicou.
aos básicos postulados marxistas da abolição da proprie­ Eu era ministro da Educação do governo Médici e no li­
dade privada e do capitalismo, a ponto de Jean-François vro, no capítulo dedicado à "L'escroquerie Intellectuele
Revel escrever que "de socialistas esses partidos só têm du marxisme", Monnerot mostrava à exaustão a infiltra­
o nome". Enquanto isso, os partidos comunistas continu­ ção comunista nas universidades francesas onde "o valor
am sendo sedutores no Brasil, onde há, com representa­ verdade havia sido traído na Universidade francesa, cujos
ção parlamentar o PCdoB e, sem cadeira no Congresso, professores, funcionários encarregados da função pen­
o velho "Partidão", PCB, de Oscar Niemeyer, os trotskistas samento, substituíram a verdade pelo mito".
PSTU e Partido da Causa Operária (PCO). A considerar, Virtude, ainda, a ressaltar neste livro - um com­
ainda, o PPS, novo nome do antigo PCB, além dos mar­ pêndio que bem poderia servir ao estudo universitário - é
xistas-Ieninistas das facções internas do PT. o equilíbrio do autor, que repudia o maniqueísmo tão ao
Quanto ao PT histórico, é de deter-se o leitor no gosto dos radicais em seus julgamentos, quando no ca­
papel do Foro de São Paulo, inspirado em Fidel Castro, pítulo Amazônia em Perigo se lê: "Na discussão do tema
como resposta das esquerdas, especialmente do Tercei­ (Amazônia) não há lugar para declarações bombásticas
ro Mundo, que começou em São Paulo, em 1990, com "a e ações passionais".
proposta de fazer dar certo na América Latina o que fra­ Destacar, recomendando, um capítulo dentre ou­
cassou no Leste europeu". Ainda que pareça estar o PT tros é tarefa equívoca, pois todos são essenciais para a
em plena metamorfose, no poder, é de atentar para re­ inteligência do livro como um todo, um alerta de quem
cente simpósio de iniciativa da Secretaria Municipal de não cede aos histerismo dos que negam sem apresentar
São Paulo, realizada em outubro deste ano. Trata-se de argumentos e, ao contrário, fundamenta cada uma de suas
um ciclo de palestras sob "Marx e o Marxismo em 12 Li­ conclusões, compondo grave advertência para nos pre­
ções" na Biblioteca Mário de Andrade, proferidas por catarmos do perigo, seja de subestimar a atuação do MCI,
mestres da USP e da UNICAMP "contemplando o pensa- seja das ameaças concretas, posto que envoltas, no "man-
to diáfano da fantasia" com que os marxistas-Ieninistas
SUMÁRIO
escondem suas verdadeiras intenções no Brasil.
Claro é que o autor será objeto de contestações, PRÓLOGO . . .. .. . .. . . . . .. . . ... . . .
.... ... ... .... ... ... . . . .
.. . . .. . .... .. .. .. . . ........ .. ..... .. ... .. 11
não aquelas que possam incidir, aqui e ali, provocadas • A Prisão Sem Grades .. .. . . . . . . . .. . .. . . . .. .
... . .. . .. . ... ... . ..... .. .... ...... . .. . ... 11

por sua judiciosa mas polêmica análise sobre a Amazô­


• O Prisioneiro . . . .. .. . .. . ..... .. . . . .. .. .. ... . .....
.. ....... . . .. . . . ... . . .. ... ... .. .. . . ....... 16
• A Libertação . . . .... . .. . .. . .. .......... . . . ..... . . . ... 22
nia em Perigo, mas no que é essencial como o raio-x do
. . . .... .... ... . .. . . .. . . .. . ...... .. .. . . .

I
Movimento Comunista Internacional e seu ramo brasilei­ ,
PRIMEIRO CADERNO .... .. .
. .. ....... .. ....... ... ......... .. . . ......... . ........... . ..... 27
ro. É provável que seja acusado do "feio crime do
anticomunismo", como ficou patente quando Jean-Paul O COMUNISMO NÃO ACABOU .... ... . .. .. .. .
. .. ... . . ........... ... .
. . .. ..... 27

Sartre travou debate famoso com Raymond Aron. Este


- O MOVIMENTO COMUNISTA INTERNACIONAL - MCI ... 27
grande pensador criticou a União Soviética, o que levou
......

-A CONCEPÇÃO REVOLUCIONÁRIA DE GRAMSCI ..... 39 ..... ........

Sartre publicar que "Todos os anticomunistas são uns cães - O MOVIMENTO COMUNISTA NO BRASIL - MCB . 49 .............. ...

a serviço do fascismo. Não tem direito de criticar o comu­ -CANTO DO CISNE OU CANTO DA SEREIA . . 63 . ......... . . . . . . . . .. . . . . .

nismo quem a ele não pertencer, pois é preciso simpati­ -A "VIA PAcíFICA" PARA O PODER . . . . . . . . . 71 .. . ..................... . . .. . .. .

zar com o movimento comunista para ter o direito de o -A INTERNACIONAL REBELDE N O BRASIL . 81 . . .. . . . . ... . . .............

corrigir". Criou-se o princípio do anti-anticomunismo. Ao


SEGUNDO CADERNO .... . .
.. ..... . ........ .. ... .
. . .... . ...... .. .. ... ......... . ........... 97
que Aron respondeu: "Não podia aceitar essa interdição
da crítica, e já que os comunistas dizem que quem não é INTERNACIONALISMOS INTROMETIDOS .... . ..
.. . ....... . . . . 97
.. ... ... .

por eles é contra eles, e porque detesto os campos de


concentração, sou naturalmente contra". Mas o próprio -A SOCIAL-DEMOCRACIA . . . . . . ... . . . . . .. 97 ... . ..... . . ... .... . . . .. ... .................. ..

- O FABIANISMO . . . . .. . . . . .. .. . . . 111
Aron teve que debater com intelectuais que insistiam em
.. ......... .. ............. .... .... ..... .. .... . ....... ...... . .. .

-O FABIANISMO NAS AMÉRICAS . .. . . . . .. . . 119 .. .. ............ . ..... ..... . . ..... ....

ser apenas não comunistas, conquanto não negassem a - O CONSENSO DE WASHINGTON . . .. . . . . ... .. 137 ...... ..... ... ... .. . .... . .. ...

existência dos campos de concentração, mas criticando -O MOVIMENTO POLíTICO DE LA ROUCHE . . . . . 143 . ... . .......... ......

o anticomunismo. Escreveu, então, um magnífico ensaio -AS RECORRÊNCIAS FABIANAS DA TEORIA


que teve o nome de Ópio dos Intelectuais, até hoje ab­ CONSPIRATÓRIA DE LAROUCHE . . .. . ..... ... . ...... 169 . . .. ..... . .. . ........

solutamente atual. E é isso, ou melhor, por isso, que este


TERCEIRO CADERNO .......... ...... . ................ . ................... . .. . .... 175
.. . ... .

excelente livro deverá encontrar críticos até exaltados. Eles


se aborrecem com a verdade. E exasperam-se ao não O MUNDO CÃO .. . ................ . ...... . . ...
. . .......... . . ... . .. .
. . . . .. ..... . . . .... . . . . 175
poder refutá-Ia.
-A NOVA ORDEM MUNDIAL . 175 ...................... ... . . . . . .............. ............

- A GLOBALIZAÇÃO PARA LEIGOS . . . .. . . . 183 . . . . .. ........ ........ ................

-A NOVA FACE DA GUERRAFRIA . . . . . 19 1 .... .......... .... ...... . . . . . . .. . . . ...... .

-AMAZÔNIAEM PERIGO . .. . . . . 199 .................... .......... ............. .. ... .. .....

-AMEAÇAS E DESAFIOS . . . . . . . . .. .. . 225 . . . . .. .... .. ... ............ . .. . ....... ...........

EPíLOGO ... .. . .
... . . . .... . .... . . . . . . . . ................ . ...... . .
... ........ . .... ........... . ....... 237

BIBLIOGRAFIA ... .. .... . ...


. . . . ......... . .............. . . . . . . . . . . . ................ . . . . . . . . ..... 241
====== Cadernos da Liberdade =======

A PRISÃO SEM GRADES PRÓLOGO

Sergio A. de A. Coutinho

o Cárcere Intelectual- En­


quanto nós brasileiros fizermos in­
terpretações e emitirmos opiniões
sobre os acontecimentos nacionais
e internacionais, prisioneiros de in­
formações fantasiosas, conceitos
induzidos e dados parciais, só che­
garemos a conclusões errôneas e
a soluções insensatas.

Nova Ordem Mundial é a denominação que se


tem dado ao momento histórico contemporâneo que teve
início em 1991 com o colapso da União Soviética, o fim
da bipolaridade do poder mundial e da Guerra Fria.
Estes acontecimentos têm sido interpretados com
parcialidade, considerando apenas seus aspectos mais
evidentes: o surgimento da potência hegemônica e a
globalização da economia. Não somente como uma sim­
plificação, mas também por omissão deliberada e falsifi­
cação de dados feitas por um movimento internacional
ativo que não se deixa revelar nem ser mencionado.
Deste modo, os estudos históricos, as interpreta­
ções políticas e as avaliações da atualidade não levam
Pala"ras-lIl'-OrllcllI em consideração o Movimento Comunista Internacional
que s� oculta na palavra-de-ordem "o comunismo aca­
bou" e que se projeta num terceiro componente da Nova
Ordem Mundial: a Guerra Fria agora com nova face.

• A Prisão Sem Grades

Qu ando escrevi o livro A REVOLUÇÃO

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===== Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

Gramscista NO OCIDENTE, publicado em abril de 2002, discutidas ou postas em dúvida, até por pessoas cultas e
pretendia conscientizar o segmento democrático da soci­ bem informadas. Para elas, as "versões" dos fatos são
edade nacional de que uma nova concepção revolucio­ inquestionáveis "verdades" que não precisam ser subme­
nária marxista-Ieninista estava em curso no Brasil. Quis tidas ao crivo da lógica, do bom senso ou da dúvida.
descrever o processo concebido por Antônio Gramsci para Evidentemente, o consenso alcançado pelas es­
que todos soubéssemos como ele se vinha desenvolven­ querdas é um grande êxito. Assim, as pessoas, como o
do no País e como, na prática, buscava a tomada do po­ "homem coletivo", estão contribuindo para o sucesso de­
der e a implantação do socialismo científico ou socialis­ las no País.
mo marxista protocomunista. Acrescentam-se a este fenômeno interno, fontes
Na verdade, tive a pretensão de motivar uma opo­ de influência externa, que difundem equivocadas expli­
sição cívico-democrática para deter e reverter a "transi­ cações para nossas dificuldades políticas, econômicas e
ção para o socialismo", antes que chegasse à crise or­ sociais e interpretações facciosas dos acontecimentos
gânica (a), à ruptura e à tentativa de tomada do poder, internacionais. Os argumentos fogem à lógica mas são
com a destruição do Estado liberal-democrático ainda frágil aceitos sem crítica por muitos brasileiros intelectualizados.
no Brasil. A manipulação da opinião pública por todos os
A recepção e comentário de muitos leitores do meu meios de comunicação social (a mídia, a cátedra acadê­
livro me fez acreditar que os meus objetivos não estavam mica, o ensino médio, a manifestação artística, a literatu­
plenamente alcançados, atribuindo este fato a uma posi­ ra, etc) foi capaz de modificar os valores e conceitos tra­
ção intelectual e a juízos de valor já modificados nas pes­ dicionais das pessoas, massificando seus juízos, inter­
soas pelo movimento revolucionário sutil a que me refiro. pretações e atitudes. Na verdade, as pessoas foram pri­
Ao mesmo tempo, pude pressentir que a reforma inte­ vadas do poder de crítica e da capacidade de elaborarem
lectual e moral (b) que Gramsci recomenda como ins­ opiniões próprias e independentes. Parece que traçaram
trumento da luta pela hegemonia no seio da sociedade um círculo de giz em torno de si e se deixaram encerrar
civil já produziu efeitos muito mais profundos e danosos em uma prisão sem grades (d). Muralhas invisíveis são
no Brasil do que se poderia imaginar. Em trinta anos de construídas pelo senso comum modificado, vigiadas pelo
atuação, os intelectuais orgânicos, os neomarxistas de "patrulhamento ideológico" e pela auto-censura do "po­
linha gramscista, conseguiram obter uma conformação, liticamente correto". Dentro da prisão, todos têm a mes­
involuntária e despercebida, dosenso comum dos inte­ ma opinião, os mesmos pontos de vista, sempre coinci­
grantes da sociedade nacional às ideologias intermedi­ dentes com as palavras-de-ordem e chavões ideológicos
árias e às palavras-de-ordem das esquerdas (c). Acei­ difundidos e repetidos até adquirirem condição de verda­
tação passiva do que se estabeleceu ser "politicamente de absoluta. Mesmo aquelas pessoas mais esclarecidas
correto". acabam sucumbindo à insistência e ao temor da vigilân­
Sob o aspecto político-ideológico do senso comum cia intelectual. Temem ser consideradas "aberração in­
modificado, certas palavras-de-ordem se incorporaram à dividuai" (e).
opinião geral como conceitos axiomáticos. Apesar das Gramsci em os Cadernos do Cárcere cita um epi­
mais gritantes evidências de sua falsidade, já não são sódio ocorrido em Milão no Século XVII que ilustra

12 l3
===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

exatamente a "inibição" do bom senso diante do senso "patrulhador" intolerante e intoxicado pela sua ideologia
comum modificado pelo boato que passava a ser critério radical. É um instrumento revolucionário leninista que,
de verdade e juízo de valor pela repetição: atualmente, tem também grande importância para a rea­
lização da reforma intelectual e moral da sociedade como
- NT: "Em Milão, na epidemia do Séc XVII, acreditava-se parte da luta pela hegemonia. Com este processo se
que os untadores, que deveriam prevenir o contágio, usa­ faz a neutralização dos intelectuais adversários ou mes­
vam ao contrário substância infecciosa para propagar a mo indiferentes, por meio da crítica tendenciosa ou pela
peste". desqualificação pessoal do adversário visado. Não se trata
- Gramsci: "Manzoni distingue entre bom senso e senso de contradizê-lo pelo debate, pela discordância ou crítica
comum (. . . ) sobre peste e sobre untadores. Falando do racional, mas de anulação do oponente sem discussão, o
fato de que existia quem não acreditava nos (boatos con­ que significaria não aceitar democraticamente a opinião
tra os) untadores, mas era incapaz de defender sua opi­ contrária ou discordante.
nião contra a opinião vulgar difusa, escreve (Manzoni)": A desqualificação do opositor é o processo os­
"vê-se que era um desabafo secreto da verdade, uma tensivo mais usado no patrulhamento. Não se discutem
confidência doméstica; havia bom senso, mas ficava as idéias nem se critica o pensamento expresso pelo in­
escondido por medo do senso comum". telectual democrata. O que se busca é desprestigiar o
autor, retirar-lhe a autoridade e a idoneidade, para invali­
A nova cultura ou "filosofia nova" é uma postu­ dar a obra. O adversário geralmente é estigmatizado por
ra individual e coletiva modificada, que resulta de um com­ ser "reacionário", por ser "de direita", "fascista", "autoritá­
plexo e longo processo de reforma intelectual e moral rio", por ser "agente da CIA", estar a "soldo do capitalis­
ou "revolução cultural" conduzida no contexto da luta mo", dos "banqueiros internacionais", da "globalização",
pela hegemonia, uma das fases da concepção revolucio­ etc, etc, etc. Infeliz do opositor que tiver "telhado de vi­
nária de Antônio Gramsci. A nova cultura ou filosofia nova dro"; com certeza será crucificado publicamente.
se expressa subjetivamente no senso comum modifi­ A "exfiltração" do intelectual democrata é a
cado, opinião vulgar difusa na generalidade das pessoas outra forma do patrulhamento, dissimulado e invisível.
em certa época e que as predispõe a cooperar, inocente Importa em tirar espaço de sua atividade e o alcance da
mas objetivamente, com o movimento revolucionário. Ou, sua influência. Em primeiro lugar, isolando-o e constran­
no mínimo, a desconsiderá-lo como perigo político atual, gendo-o no seu lugar de trabalho ou no seu campo de
concreto. atividade, nos órgãos de comunicação social, nas univer­
sidades, nas escolas, nas editoras, na área artística, nas
* * *
repartições públicas, nas empresas estatais e até mesmo
em certas empresas privadas onde os intelectuais de es­
Patrulhamento ideológico é um processo políti­ querda têm emprego e já conquistaram a "hegemonia".
co de intimidação que é usado contra os adversários para Se o intelectual democrata se acomodar no silêncio de­
os calar e impedir que exponham seus pensamentos e fensivo e se submeter à opressão deste tipo oculto de
opiniões ou que se manifestem contra as idéias do patrulhamento, poderá eventualmente conservar seu

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===== Sergio Augus�o de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

emprego; caso contrário, acabará despedido ou levado a tas "verdades" e concordando com certas explicações que
se demitir pela pressão, artimanha ou esvaziamento fun­ trazem enganoso apelo patriótico; ocultam, na realidade,
cionaI. Muitas vezes, o afastamento do "reacionário" é compromisso com projetos ideológicos e com interesses
conseguido por denúncias públicas falsas ou manipula­ políticos de grupos internos e estrangeiros. Sem se dar
das, sempre de origem oculta, mas amplamente orques­ conta, o indivíduo torna-se prisioneiro do senso comum
trada nos noticiários. A chamada "fritura" é uma forma de modificado. Adere ou desenvolve por si mesmo uma li­
"exfiltração" ou "defenestração" do alvo patrulhado. nha de pensamento e de opinião que faz sintonia
O patrulhamento ideológico, nas suas duas for­ insuspeitada com afirmações do movimento de "transi­
mas, é uma espécie de terrorismo intelectual e moral, ção para o socialismo". O "prisioneiro", consciente e ex­
antidemocrático, implacável e inescrupuloso. Estes plicitamente repudia esta sintonia, mas inconsciente e
adjetivos se aplicam também às pessoas que voluntária implicitamente colabora para a formação do consenso.
ou remuneradamente o praticam; algumas, convencidas O cidadão, circunstancialmente inserido neste processo
de estarem cumprindo um dever "ético" revolucionário, de reforma cultural e moral, além de prisioneiro, pode ser
outras com um certo rancor e sadismo político. O identificado, mesmo sob protesto, como um pré-socia­
"patrulhador" é uma pessoa má, preconceituosa, intole­ lista, politicamente correto, isto é, pessoa que, sem per­
rante e, freqüentemente, mentirosa e anônima. Cumpre ceber, aceita e pratica conceitos coincidentes com as pa­
a função de agente carcereiro da "prisão sem grades". lavras-de-ordem das esquerdas ou com valores renova­
O patrulhamento ideológico não é apenas um ins­ dos pela "natural" evolução cultural.
trumento revolucionário, mas a antecipação de outros mé­ Inconscientemente está armando "a mão que o
todos que o Estado totalitário, a estatolatria de Antonio vai apedrejar".
Gramsci, aplicará para realizar as transformações da so­ O pré-socialista, geralmente, pertence à classe
ciedade civil e do indivíduo, após a conquista do poder. média ou, como a classificam os marxistas, à pequena
burguesia. Não surgiu espontaneamente na "sociedade
civil", mas é o produto de uma progressiva e perseveran­
• O Prisioneiro te reforma intelectual e moral a que vem sendo subme­
tido. O objetivo intencional desta penetração cultural é a
O cidadão encerrado nas muralhas do senso co­ mudança do senso comum burguês ligado às tradições
mum modificado produzido pelos intelectuais orgânicos históricas, morais e culturais da sociedade nacional. Os
que conquistaram o monopólio do discurso e o poder de novos conceitos, insistentemente "orquestrados" por to­
censura dos fatos, é o prisioneiro intelectual, ainda por dos os meios de difusão, são absorvidos pelas pessoas e
cima, refém do patrulhamento ideológico e do guião poli­ formam o senso comum modificado, criando uma cons­
ticamente correto. O cidadão, frustrado pelo mau desem­ ciência coletiva homogênea que contribui para a aceita­
penho do seu país, desiludido pela falta de competência ção tácita da "transição para o socialismo". É bom que se
dos seus dirigentes, inseguro diante da recém emergida diga que a assimilação de novos conceitos, valores e
potência hegemônica e de uma conjuntura internacional opiniões é feita de forma insensível, progressiva e sem
adversa e ameaçadora, acaba sendo convencido de cer- vinculação ideológica aparente .

16 17
======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

Vejamos alguns conceitos já interiorizados pelos se uniram para explorar os países pobres.
pré-socialistas, e que os caracterizam. Para fazer da lei­ O O Pré-Socialista acredita que a biodiversidade
tura dos itens listados um passatempo divertido e amazônica é uma imensa riqueza que estimu­
educativo, marque com um "tique" ou "gaivota" aque­ la a cobiça dos países ricos.
les que correspondem aos seus próprios conceitos e O O Pré-Socialista acredita que os Estados Uni­
opiniões: dos da América querem apossar-se da Ama­
O O Pré-Socialista acredita que o comunismo zônia pelas suas riquezas e reservas de água
acabou. doce.
O O Pré-Socialismo acredita que o "socialismo O O Pré-Socialista acredita que os países ricos
democrático" apregoado é um sistema político podem vir a intervir na Amazônia para defen­
semelhante à social-democracia. der o meio-ambiente e os índios.
O O Pré-Socialista acredita que a "transição para O O Pré-Socialista acredita ser motivo de orgu­
o socialismo" pregada pelos partidos de es­ lho que a Amazônia, o Pantanal e outras áre­
querda é pacífica e democrática. as de preservação sejam consideradas
O O Pré-Socialista acredita que socialismo é patrimônio da humanidade.
sinônimo de justiça social. O O Pré-Socialista acredita que o presidente
O O Pré-Socialista acredita que Fidel Castro não George W. Busch é um autoritário de direita;
é um ditador. um novo Hitler.
O O Pré-Socialista acredita que a medicina é O O Pré-Socialista acredita que o FMI é um or­
muito adiantada em Cuba. ganismo dos países ricos para oprimir e impor
O O Pré-Socialista acredita que o regime comu­ regras econômicas intervencionistas nos paí­
nista da China está evoluindo para a demo­ ses do Terceiro Mundo.
cracia e para a economia de mercado. O O Pré-Socialista acredita que a globalização é
O O Pré-Socialista acredita que os Estados Uni­ um instrumento criado pelos países ricos, par­
dos da América são opressores dos países ticularmente pelos Estados Unidos, para ex­
pobres. plorar os países pobres.
O O Pré-Socialista acredita que os Estados Uni­ O O Pré-Socialista acredita que a preservação
dos da América, após o colapso da União So­ ambiental é mais importante do que o progresso.
viética, se tornaram potência hegemônica que O O Pré-Socialista acredita que a sociedade bra­
têm o objetivo de criar o império mundial. sileira é preconceituosa e racista.
O O Pré-Socialista acredita que os atentados O O Pré-Socialista acredita que o racismo no
terroristas de 11 de setembro de 2001 contra Brasil é oculto, sutil e disfarçado.
Nova Iorque e Washington foram um mereci­ O O Pré-Socialista acredita que nas cadeias só
do castigo pela prepotência, arrogância e so­ existem pobres e negros.
berba norte-americanas. O O Pré-Socialista acredita que a Justiça prote­
O O Pré-Socialista acredita que os países ricos ge os ricos e poderosos.

18 19
======= Sergio A�gusto d.e Avellar Coutinho =======
======= Cadernos da Liberdad.e ======

o O Pré-Socialista acredita que o criminoso de


O O Pré-Socialista acredita que a felicidade e o
colarinho branco é "mais abominável" do que
prazer pessoais são os valores mais impor­
o assassino, o estuprador e o seqüest: ador.
tantes da vida humana.
O O Pré-Socialista acredita que a socIedade
O O Pré-Socialista acredita que a união conju­
civil organizada é contrapartida do Estado
gai episódica ou temporária deve substituir a
ópresso�
. indissolubilidade do matrimônio.
O Pré-Socialista acredita que cidadama e di-
. .

O
O O Pré-Socialista acredita que a liberação se­
reito coletivo de reivindicar do Estado e da pró-
xual é a realização da igualdade de direitos de
pria sociedade.
. homens e mulheres.
O O Pré-Socialista acredita que o socialmente le-
O O Pré-Socialista acredita que a homossexua­
gítimo é mais importante do que a 1���lida e
:
? lidade é uma opção pessoal.
O O Pré-Socialista acredita que a oplnlao publi­
O O Pré-Socialista acredita que o casamento ou
ca é critério de verdade e de legitimidade.
a união civil de pessoas do mesmo sexo é um
O O Pré-Socialista acredita que os poderosos e
direito legítimo.
os políticos querem manter o povo na igno­
O O Pré-Socialista acredita que o Brasil precisa
rância para melhor dominá-lo.
ser mudado e passado a limpo.
O O Pré-Socialista acredita que a História "ofici­
ai" do País é falseada pelas classes dominan­
Se você assinalou mais de 16 itens desta lista de
tes em seu proveito.
conceitos e opiniões, do senso comum moderno, certa­
O O Pré-Socialista acredita que a personagem
mente você já se tornou um pré-socialista, talvez sem o
popular é mais importante do que o vulto his-
saber, mas bem integrado no novo contexto cultural e ide­
tórico.
ológico induzido.
O O Pré-Socialista acredita que o lucro e a ri-
Entretanto, é bom que se saiba que estes concei­
queza pessoais são obscenos e afrontam as
tos e opiniões não foram assumidos espontaneamente
classes pobres.
como pode parecer. Foram competentemente induzidos
O O Pré-Socialista acredita que a pessoa que
nas escolas, nos jornais, na televisão, no rádio, na litera­
discorda do senso comum moderno (modifi­
tura, nas novelas, no teatro e pelo comportamento de gru­
cado) é preconceituoso, reacionário ou "aber-
pos "conscientes e ativos", de tal modo que, inconsciente
ração individual".
. e progressivamente, o cidadão comum é levado à ade­
O O Pré-Socialista acredita que os preceitos
são a certas palavras-de-ordem e ideologias interme­
morais religiosos e tradicionais são tabus
diárias das esquerdas marxistas. O processo indutor da
anacrônicos e "castradores" da liberdade indi-
mudança do senso comum "burguês" é parte da concep­
viduaI.
ção revolucionária de Gramsci. A massificação decorren­
O O Pré-Socialista acredita que a informalidade
te constitui a "prisão sem grades" que leva os indivíduos
contribui para a aproximação das pessoas e
à perda do espírito crítico, à apatia e à insensibilidade
as liberta de obrigações sociais inúteis.
próprios do prisioneiro. E daí, ao papel de inocentes úteis

20
21
======= Sergio Augus to de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Li1erdade
.

e de formadores do consenso; isto é, à concordância coberta individual na atividade intelectual, seja pela re­
com a socialização do País e à colaboração, agora cons­ velação oferecida pelos intelectuais tradicionais na ta­
ciente, para o seu sucesso. refa cívica de esclarecimento que vierem a conduzir no
seio da sociedade nacional.
Percebida a existência de uma fonte indutora de
• A Libertação idéias, é preciso que as pessoas se disponham a realizar
uma reavaliação crítica do senso comum modificado do
A libertação da "prisão sem grades" é um proc�s­ qual suas posições intelectuais e morais são expressões.
so que só pode ter início se a pessoa tiver a percepçao Torna-se, assim, imprescindível saber-se distinguir o real
de que é prisioneira de um empreendimento de reforma do imaginário.
intelectual e moral levado a efeito por alguma "força A reavaliação crítica é uma espécie de reciclagem
oculta" político-ideológica. É um processo extremamente intelectual em que se confronta o "subjetivo" (senso co­
delicado porque a pessoa culta está tão convencida das mum modificado) com o "objetivo" (bom senso que não
"suas idéias" que terá dificuldade para perceber que elas consegue prevalecer), o que se pensa que é com o que
lhe foram induzidas. Quando chamada à atenção, prova­ é realmente. É o caminho para a aquisição do pensa­
velmente não admitirá que possa ter sido influenciada por mento independente e livre da opressão das frases fei­
uma fonte de inteligência externa de forma intencionada. tas, dos chavões e das palavr as-de-ordem
Protestará com veemência e sinceramente que suas opi­ operacionalizadas, orquestradas e permeadas com
niões nada têm de ideológicas e de comprometimento sutileza pela comunicação de massa das esquerdas e
com a esquerda. Efetivamente, não têm nada a ver ?.? m repetidas sem censura por todos. A reavaliação crítica
. deve levar a pessoa a "CAIR NA REAL", libertando-a de
as idéias de esquerda mas, mesmo assim, suas oplnloes
e atitudes não deixam de ter afinidade com as palavras­ uma falsa, enganosa e enigmática nova cultura. É um
de-ordem e ideologias intermediárias do movimento mar­ processo inverso àquele gramscista a que vem sendo
xista no País. submetida a sociedade nacional.
Quando se incorpora ao senso comum a crença
ou opinião de que "o comunismo acabou" e de que "es­ "Perceber o óbvio é mais difícil que ser
querda e direita são coisas do passado", as pessoas se enganado com uma fantasia"
"desligam" da realidade e, inconscientemente, transfor­ (Affonso Romano de Sant'Ana - 2003)
mam um desejo em afirmação categórica. Não percebem
o equívoco nem podem imaginar que esta opinião lhes foi A reavaliação crítica da nova cultura é também um
induzida em um processo de reforma intelectual e mo­ julgamento das próprias opiniões. Entretanto não se co­
rai ou, segundo alguns autores, de revolução cultural, gita de uma mudança de valores pessoais mas de uma
conduzida principalmente pelos intelectuais orgânicos mudança da ótica de avaliação da atualidade histórica
de linha gramscista. A reformulação da opinião que se acrescentando uma componente que tem sido omitida
formou pela insistente repetição da informação, só pode­ pelos intelectuais orgânicos: - A permanência do Movi­
rá ocorrer pela percepção da realidade, seja pela des- mento Comunista Internacional e da Guerra Fria sob

22 23
===== Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ===== ======= Cadernos da Li1erdade =======

novas condições políticas mundiais. mobilização popular ou de propaganda; p.e. direitos huma­
A percepção da realidade é o momento inicial da nos, ecologia, paz, guerra ilegal, império, anticapitalismo,
antiglobalização, soberania, nacionalismo, diretas já, etc.
reavaliação crítica da nova cultura, significando reconhe­
(d) Prisão Sem Grades é expressão cunhada pelo estudioso
cer primeiramente que a negação da existencia do comu­
de Gramsci e conferencista José Saldanha Fábrega Lou­
nismo após a derrocada da União Soviética é uma falá­
reiro, alegoria da liberdade intelectual anulada pelo consenso
cia. Entenda-se aqui comunismo não só como sistema
e pelo conformismo que se impõem sem coerção ao ho­
político, econômico e social, mas também como movi- mem na sociedade socialista, ou pelo senso comum modi­
.
mento revolucionário. ficado na sociedade burguesa ainda na fase de luta pela
A pretensão deste livro é apresentar alguns as­ hegemonia (concepção revolucionária gramscista). Neste
pectos da Nova Ordem Mundial sob uma ótica ideologi­ segundo entendimento, a prisão sem grades é oposição à
camente independente, oferecendo temas para a medi­ figura da "prisão de mil janelas" que Maria Antonietta
tação e para a discussão. Principalmente, entregando as Macciocchi faz da sociedade civil onde se dá a hegemonia

chaves da libertação da "prisão sem grades", do senso das classes dominantes (burguesas):
"Maria Antonietta Macciocchi nos dá uma imagem bastante
comum modificado, criado pelos intelectuais neomarxistas
impressionante do que seria a sociedade civil em Gramsci
atuantes, perseverantes e sutis.
enquanto "terreno", ou "lugar" onde se concretiza essa
hegemonia das classes dominantes que, no plano do indiví­
duo, envolve o cidadão por todos os lados, integrando-o desde
NOTAS a infância no universo escolar e mais tarde no da igreja, do
exército, da justiça, da cultura, das diversões e inclusive do
sindicato, e assim até a morte, sem a menor trégua; essa
(a) Deliberadamente, estou usando termos e expressões ("ca­
prisão de mil janelas simboliza o reino de uma hegemonia,
tegorias") marxistas, leninistas e gramscistas para que o
cuja força reside menos na coerção que no fato de que suas
leitor adquira capacidade crítica e se torne capaz de perce­
grades são tanto mais eficazes quanto menos visíveis se
ber a linguagem das esquerdas e de entender o seu signi­
ficado geralmente enganoso.
tornam." (Macciocchi, 1976, p. 152, citada por Luna Galano
(b) Reforma Intelectual e Moral é um dos empreendimentos
Hochcovitch em "Gramsci e a Escola", Editora Ática, 1992)
Com alguma ironia, as figuras da prisão de Macciocchi e
da luta pela hegemonia que, na concepção revolucionária
da prisão de Fábrega se completam. À medida que a refor­
de Gramsci, inclui a superação do senso comum burguês,
ma intelectual e moral conduzida pelas esquerdas de práxis
a conscientização político-ideológica e a formação do con­
gramscista for obtendo êxito em uma sociedade, os "prisio­
senso.
neiros" burgueses da prisão de mil janelas se vão transfe­
(c) IDEOLOGIA INT ERMEDIÁRIA - Conceito político aceitá­
rindo para a prisão sem grades dos pré-socialistas.
vel ou eufemismo que traduz a ideologia revolucionária (omi­
(e) Senso Comum - "Conjunto de opiniões tão geralmente acei­
tida), aproximando-a dos anseios e expectativas da popu­
tos em época determinada que as opiniões contrárias apa­
lação; p.e. socialismo democrático, democracia radical (go­
recem como aberrações individuais" (Aurélio Buarque de
verno de classe), radicalismo democrático (luta de classe),
Holanda Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguesa­
nacionalização (estatização), independência, etc.
PALAVRAS-OE-ORDEM - Tema, chamamento ou lema de
Nova Fronteira - 2ª Edição). Nesta definição já se pode
surpreender o senso coml,lm modificado, insidiosamente
operacionalização das Ideologias Intermediárias, de
inserido na obra sob a forma de "politicamente correta".

24 25
======= Cadernos da Liberdade =======

PRIMEIRO CADERNO

o COMUNISMO NÃO ACABOU

As novas coisas velhas - As mesmas


linhas político-ideológicas antigas, ago­
ra com outra roupagem.

o MOVIMENTO COMUNISTA
INTERNACIONAL
- M C 1-

Sergio A. de A. Coutinho

o papel destacado da Internacional Comunista


Soviética no período de 1919 a 1945 e durante a Guerra
Fria de 1946 a 1991 que confrontou, ideológica, política e
militarmente, os EUA e a URSS, após a Segunda Guerra
Mundial, deu às pessoas comuns a impressão de que o
MCI se confundia com a própria União Soviética. Assim,
a queda do Muro de Berlim, o colapso da URSS e a desa­
gregação da comunidade de países satélites do Leste
europeu pareceram para elas as marcas do fim do comu­
nismo. Estariam assim exorcizados os fantasmas da re­
volução e da terceira guerra mundial.
A difusão da idéia de que o comunismo acabou é
um ardil que os neomarxistas passaram a usar para for­
mar nas pessoas uma atitude intelectual, um "senso co­
mum modificado", favorável à nova e disfarçada prática
revolucionária, agora com aparência social-democrata.
O Movimento Comunista Internacional - MCI -
continua a ser um amplo e dinâmico empreendimento de

27
===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

inspiração marxista que tem os propósitos de promover a Socialista (1950) que permanece atuante até hoje, em
revolução do proletariado e de implantar o comunismo especial na Europa onde os partidos social-democratas
em todos os países do mundo. Não é um organismo são seus filiados.
monolítico (nunca foi) nem um conluio unânime e centra­ Neste meio tempo, 1919, a IIIª Internacional, de­
lizado, mas um complexo de concepções revolucionári­ pois denominada Internacional Comunista, é fundada
as, muitas vezes conflitantes, de fontes de irradiação, de com a referência vitoriosa da Revolução Bolchevista e o
entidades e de campanhas de toda natureza, cujo impul­ respaldo da União Soviética. O êxito da Revolução deu
so comum é a mesma inspiração ideológica e a identida­ motivo à elaboração de uma metodologia revolucionária
de dos objetivos sucessivos a atingir: a tomada do poder, (o marxismo-Ieninismo) que passou a ser o modelo
o socialismo científico ou marxista e, finalmente, o comu­ dogmático para o MCI e que estabeleceu um centro difusor
nismo. da revolução mundial- Moscou.
O marco inicial do MCI é o Manifesto Comunista A IVª Internacional, também conhecida como In­
de Marx e Engels (1848). A operacionalização das idéias ternacional Trotskista, foi fundada em Bruxelas (1938).
dos fundadores do marxismo e a promoção da revolução Foi o resultado de mortal divergência ideológica entre
do proletariado no mundo foram tentadas com a criação Trotski e Stalin surgida no contexto da luta pelo poder na
da internacional, isto é, de um sistema coordenado, cons­ União Soviética após a morte de Lenine em 1924. Trotski,
tituído de organismos supranacionais de implementação, expulso do Partido e do País, terminou seus dias assas­
orientação e apoio aos movimentos revolucionários nos sinado no México.
diferentes países capitalistas. Na prática histórica, foi mais Embora a Internacional Comunista soviética,
de uma internacional que se fundou com este propósito. com suas agências de difusão revolucionária (Comintern,
A Iª Internacional foi fundada em Londres (1864) Cominform e, finalmente, o próprio Partido- PCUS), te­
e teve sede em Nova Iorque. Durou pouco devido às con­ nha sido proeminente no MCI, outras linhas e opções ide­
trovérsias nascidas em decorrência da sua heterogênea ológicas e pragmáticas também tiveram a sua presença
constituição: comunistas, socialistas, anarquistas, e influência no movimento comunista. Outros focos
anticapitalistas e gente das mais variadas tendências de difusores independentes (Iugoslávia e Albânia) ou resul­
esquerda. Em 1876 se dissolveu. tantes de êxitos revolucionários e de algumas rebeldias
A "ª Internacional, fundada em 1889 foi a tentati­ (China Popular de Mao Tse Tung, Coréia do Norte, Cuba
va dos socialistas de substituir a Iª Internacional, mas tam­ de Fidel Castro e Vietnã) animaram o MCI e perturbaram
bém não teve êxito como movimento mundial numa épo­ a vida nacional de muitos países.
ca de exacerbado nacionalismo (final do século XIX e iní­ A Internacional Comunista soviética era muito vi­
cio do século XX). Aos poucos foi evoluindo da sua ten­ sível porque tinha um centro irradiador e uma estrutura
dência ideológica inicialmente marxista e revolucionária operacional localizada em Moscou e, subsidiariamente,
para o socialismo utópico reformista. Em 1923 também nos países socialistas satélites. Tinha poder real para di­
se dissolveu, ainda que suas organizações se tivessem rigir e apoiar concretamente o movimento revolucionário
mantido ativas em âmbito nacional principalmente. Após de sua área político-ideológica. Com o desaparecimento
a Segunda Guerra Mundial foi fundada a Internacional deste centro, o MCI ficou menos nítido. Na realidade, não

28 29
====== Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ====== ======= Cadernos da Li1erdade =======

desapareceram nem o comunismo, nem o MCI. Saiu de tes em quase todos os países do mundo antes alinhados
cena, é verdade, a Internacional Comunista soviética com com a Internacional Comunista soviética, adotando no­
todo o seu instrumental de difusão e de apoio. vas denominações e siglas.
O Movimento Comunista Internacional depois de A Intelligentsia Anarco-Comunista, ou Interna­
um breve momento de perplexidade e de reavaliação, cional Rebelde é um conjunto de muitíssimas organiza­
retomou sua atuação graças à permanência da estrutura ções não-governamentais (ONG) de esquerda que têm
e das tendências ideológicas remanescentes e das inde­ como identificação a luta anticapitalista e antineoliberal;
pendentes de Moscou. Hoje apresenta quatro fontes de conseqüentemente a luta contra a globalização. Os gru­
irradiação, de certa forma difusas, que denomino de pos participantes são heterogêneos, reunindo socialistas,
"intelligentsias", com sede na Europa e projeções em comunistas e anarquistas. Semelhante composição teve
quase todos os países do mundo, inclusive nos Estados a I Internacional (1864 - 1876) em que as diferentes ten­
Unidos. Identificam-se principalmente com as linhas prag­ dências integrantes tinham por denominador comum o
máticas do marxismo revolucionário. anticapitalismo. Os participantes da Internacional Rebel­
A Intelligentsia marxista-Ieninista trotskista (IV de se identificam com uma espécie de "V Internacional".
Internacional) continua muito ativa e adota uma linha ra­ Parece-nos mais exato que se trata da I Internacional
dicai por intermédio dos partidos comunistas operários (bis) que reaparece no pós-comunismo soviético. (Ler o
em muitos países. Ainda tem sede em Bruxelas; está texto A INTERNACIONAL REBELDE NO BRASIL). O
dividida em cinco linhas ou tendências particulares. Anarquismo, movimento radical, é a principal linha políti­
A Intelligentsia marxista-Ieninista gramscista, co-ideológica da Internacional Rebelde. Propõe a passa­
que começou a ganhar influência na Europa a partir da gem direta para o comunismo sem Estado, substituído
Segunda Guerra Mundial, passou a ter expressão inter­ por um governo autogestionário, uma espécie de federa­
nacional marcante, inclusive nas Américas, depois do ção ou associação de grupos autônomos da sociedade,
colapso soviético porque propõe uma estratégia de tran­ dentro dos quais os indivíduos agem com autonomia e
sição para o socialismo que renova a concepção revolu­ liberdade. Quanto à organização econômica, visa a trans­
cionária marxista-Ieninista e se aplica às sociedades do formar os meios da produção em propriedade de produ­
tipo "ocidental", isto é, de capitalismo moderno e de de­ tores livremente associados ("Socialismo Libertário") A
mocracia avançada. Poderíamos dizer que é a "Vª Inter­ concepção anarquista pretende a mediação de posições
nacional" que revitaliza o Movimento Comunista Interna­ extremas mas conduz a resultados idênticos ao do mar­
cional. Sua práxis revolucionária para a tomada do poder xismo: fim do Estado, abolição da propriedade privada e
(luta pela hegemonia) tem receptividade inclusive em par­ a eliminação de classes. É muito ativo e, com freqüência,
tidos de outras linhas político-ideológicas. sua militância radical aparece nos noticiários, com suas
A Intelligentsia Marxista-Ieninista stalinista (III bandeiras pretas, paus e pedras nos enfrentamentos com a
Internacional) sobreviveu à débàcle da União Soviética e polícia e nas demonstrações de protesto em vários países.
continua presente nos países socialistas remanescentes
(China Popular, Coréia do Norte, Cuba e Vietnã) e atuan­ Cada uma das "intelligentsias" é constituída por
te por intermédio dos partidos comunistas ainda existen- um birô, instituto ou congresso, por partidos nacionais,

30 31
===== Sergio A�gusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liherdade =======

movimentos político-sociais, entidades e organizações menos clara mas tão concreta como na Guerra Fria en­
internacionais tais como as ONG. Não exercem propria­ tre as duas superpotências no passado. Agora, o con­
mente comando mas, em âmbito internacional, induzem, fronto se apresenta com duas ações de oportunidade:
orientam e apóiam os movimentos revolucionários nacio­ - Agitação e Propaganda (Agit-Prop) orientada para o
nais. São independentes mas são solidários a partir de antiamericanismo, para isolar os EUA e inibir o uso do
um consenso "ético", reconhecendo um objetivo comum seu poder nacional.
- o comunismo utópico. - Ação Assimétrica, valendo-se dos ressentimentos, te­
A visão marxista-Ieninista continua a ser aquela mores e meios bélicos de grupos e países islâmicos e de
que foi indicada no Manifesto Comunista de 1848: Terceiro Mundo, para golpear a Potência Hegemônica com
- O caráter internacionalista do movimento comu- incursões armadas e terrorismo.
nista; Estas ações caracterizam uma Guerra Fria semelhante à
- O âmbito nacional da luta de classes. de pós-Segunda Guerra Mundial, agora com uma nova
face.
O comando revolucionário, ou direção objetiva da revo­ Em âmbito internacional, além das organizações
lução é encargo dos partidos-vanguarda do proletariado não-governamentais, a própria Organização das Nações
em cada país. Unidas é usada pelo MCI para favorecer os regimes naci­
Estes partidos, em geral e independentemente de onais de esquerda e os movimentos revolucionários em
sua linha político-ideológica, passaram a adotar prática países do Terceiro Mundo. A ONU é também usada para
de inspiração gramscista (a). Assumem aparência demo­ impedir ou dificultar as ações dos países "imperialistas"
crática e atuam principalmente por meio dos intelectuais contra aqueles regimes e movimentos, mesmo quando
orgânicos e por intermédio de "aparelhos privados vo­ agem no uso do princípio da legítima defesa. O MCI con­
luntários" e de "aparelhos privados de hegemonia" sob a segue influir tanto na Assembléia Geral como no Conse­
forma de organizações não-governamentais. lho de Segurança da ONU por intermédio das represen­
Mascarando suas ligações ideológicas, ostentam atuação tações dos Estados socialistas e dos Estados constrangi­
de autênticos movimentos populares. Usam o ativismo dos pela opinião pública nacional e internacional. Entre­
para impressionar a opinião pública e para fazer acreditar tanto, sua atuação continuada se faz por intermédio das
que a expressam, para exercer a "pressão de base" ou organizações internacionais ligadas à ONU (FAO,
intimidar os governos democráticos. As demonstrações e UNICEF, OIT, OMS, BIO, FMI, etc), quase todas infiltradas
manifestações "populares", supostamente espontâneas, por dirigentes e funcionários comunistas, socialistas e sim­
freqüentemente são coordenadas com idênticos eventos patizantes.
em outros países. Os temas são traduzidos em palavras­
* * *
de-or de m relacionadas com direitos humanos,
ambientalismo e pacifismo (b).
O antagonismo Socialismo versus Capitalismo, concreti­ Além das linhas revolucionárias marxistas e anar­
zado pelo confronto URSS x EUA de 1945 a 1991, mu­ quistas citadas, componentes do Movimento Comunista
dou de expressão, manifestada agora numa oposição Internacional, há outros movimentos ideológicos de es-

32 33
===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

querda que são adjacentes ao MCI, sem a ele pertence­ aspecto ostensivo de confrontação bélica e ideológica
rem obviamente, mas que completam o cenário socialis­ entre duas potências que representavam o antagonismo
ta mundial: entre o mundo de concepção capitalista e o mundo de
O Nasserismo, concepção revolucionária socia­ concepção socialista, mas continua ativo, ofensivo e do­
lista não-marxista que se caracteriza pelo nacionalismo tado de iniciativa. Entidade difusa e invisível, vale-se das
radical. Tem origem no pensamento e na ação política do franquias democráticas dos países "ocidentais" e con­
primeiro presidente do Egito, Gamai Abdel Nasser. De trola uma parcela apreciável da mídia, da intelectualidade
alguma forma, é o modelo do socialismo autoritário dos e da atividade editorial internacional. Para medir sua ca­
países islâmicos. pacidade ofensiva, basta assinalar a eficiência com que
A Internacional Socialista, com sede na Europa, mobiliza a opinião pública contra os Estados Unidos e com
é reformista (não-revolucionária) e, atualmente, é repre­ que inibe os governos "burgueses" liberais ou sociais-de­
sentada pelos partidos social-democratas, particularmente mocratas a tomar posições de solidariedade com aquele
naquele continente. Doutrinariamente é pluralista, tendo país, mesmo quando sofreu os mais brutais atentados
por objetivo ideológico o socialismo utópico, construído terroristas que se tem notícia na História.
progressivamente por meio de reformas institucionais de­
mocráticas. Tem tendência continuísta e o modelo aca­
NOTAS
bado é o "Wellfare State" da Suécia.
O Fabianismo, movimento socialista, também
(a) As atividades revolucionárias da fase de acumulação de for­
reformista predominantemente britânico; teve origem na
ça que, na concepção leninista, antecede à ruptura e o as­
Inglaterra em 1883/84. Exerce forte influência ideológica
salto ao poder, são vulgarmente denominadas de subver­
no trabalhismo inglês (Labour party) que tem exercido o
são. Na concepção gramscista, a subversão é conduzida
governo por diversas vezes depois de 1945. Tem cresci­ como luta pela hegemonia, assumindo a aparência de
do sua atividade e prestígio internacionais. Nos anos de participação no jogo político legítimo da democracia burgue­
1920 propôs a Terceira Via, conceito que, de vez em sa (Ler o Texto CONCEPÇÃO REVOLUCIONÁRI A DE
quando, é relembrado por personalidades de tendência GRAMSCI).
socialista como solução mágica dos problemas sociais e (b) Constatação fácil de se fazer:
políticos dos países, principalmente do Terceiro Mundo. - Nas demonstrações, passeatas, protestos, e comícios pú­

Socialismo nacionalista populista, tendência po­ blicos que tenham por tema a paz, os direitos humanos ou
defesa do meio ambiente, em qualquer parte do mundo
lítica sem definição ideológica, mas autoritária, estatizante,
(exceto nos países islâmicos), os manifestantes sempre
demagógica e xenófoba. Este tipo de esquerda se tem
portam bandeiras, muitas de cor vermelha com siglas e sím­
manifestado na América Latina com feição golpista e com
bolos comunistas e de ONG engajadas. São evidências visí­
desfecho freqüente em ditaduras pessoais.
veis de que o comunismo não morreu:
- Paz, direitos humanos e meio ambiente sempre foram pa­
A saída de cena da Internacional Comunista sovi­ lavras-de-ordem dos partidos, organizações e movimentos
ética evidentemente não representou o fim de Movimento ligados à Internacional Comunista soviética até a derruba­
Comunista Internacional. É verdade que este perdeu seu da do Muro de Berlim (1989).

34 35
====== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======

- Só os "partidos de massa" e organizações internacionalistas


têm estrutura e militância (quadros e simpatizantes) para
mobilizar manifestações organizadas (com símbolos, carros
de som, faixas, bandeiras e animadores) simultaneamente
em diversas cidades do país e do exterior. As demonstra­
ções feitas em várias cidades do mundo, inclusive nos EUA,
em março e abril de 2003 em defesa da paz e contra o ata­
que norte-americano ao Iraque tiveram estas características.
Evidentemente, não só comunistas participam das grandes
INTELLIGENfSl>\ INTELLIGENfSIA
manifestações. Também se incluem outras organizações de
MARXISTA-STALINISTA IvIARXISTA-TROTSKISTA
e sq u e r d a, p a cifistas, s o c i a l is t a s, a n a rquistas, alI INTERNACIONAL) av INTERNACIONAL)
antiamericanistas e pessoas de boa fé sensíveis às motiva­
Movimentos e entidades Tendências e linhas
ções dos protestos ligadas a ideologias intermediárias Intern&ionais Intemacionais
sedutoras. Partidos Comunista Partidos Comunistas
• CIuna.
Cuba

INTELLIGENfSIA
ANARCO-COMUNISTA
MARXISTA-GRAMSCISTA
INTERNACIONAL. REB ELD E
("V INTERNACIONAL")
("I INT ERNACIONAL (bis)")
Movimentos e El\t�:lades
Entidades Promotoras
Intern&ionais
Comunidades Altemativas
• ONGs
Foruns
P811idos ''Democratas''
ONGs

36
======= Cadernos da illerdade =======

CONCEPÇÃO REVOLUCIONÁRIA
DE GRAMSCI (a)

Sergio Augusto de A Coutinho

Antonio Gramsci (1891-1937), marxista e intelec­


tual italiano, foi na sua mocidade socialista revolucionário
e membro do Partido Socialista Italiano, no seio do qual
fez sua iniciação ideológica. Tornou-se imediato simpati­
zante da revolução bolchevista de 1917. Participou do
congresso que constituiu a fração comunista do PSI e, já
em janeiro de 1921, os delegados dessa facção decidi­
ram fundar o Partido Comunista Italiano. Em outubro de
1922 os fascistas chegam ao poder. Em 1926, endurece­
ram o regime a pretexto de um alegado atentado contra a
vida de Mussolini. Gramsci é preso e processado do que
resultou sua condenação a mais de 20 anos de reclusão.
A partir dos primeiros meses de 1929, Gramsci começou
a redigir suas primeiras notas e apontamentos que vie­
ram a encher, no transcorrer de seis anos, trinta e três
cadernos do tipo escolar.
a tema mais importante, aliás conteúdo central da
matéria contida nos chamados "Cadernos do Cárcere", é o
pensamento político do autor que traz contribuições inédi­
tas e atualizadas ao marxismo e uma concepção da estra­
tégia para a tomada do poder ("transição para o socialis­
mo"). Uma concepção melhor aplicável às sociedades "oci­
dentais" (países capitalistas, liberal-democráticos adianta­
dos) do que a estrategia marxista-Ieninista vitoriosa na Re­
volução Bolchevista da Rússia, país de sociedade do tipo
"oriental", com inexpressiva "sociedade civil". Na época, a
Revolução Russa se tornara o modelo clássico, dogmático,
para a Internacional Comunista.
A concepção e estratégia desenvolvidas essenci­
almente nos Cadernos é o que podemos chamar

39
======= Sergio Augusto de Aveilar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

Gramscismo ou, mais abrangentemente, Marxismo­ sa. Em outras palavras, disputar com a burguesia a
Gramscismo. hegemonia sobre a sociedade civil e conquistá-Ia como
Os comentadores e intérpretes da obra prelúdio da tomada da sociedade política (o Estado) e do
gramsciana geralmente se restrigem à discussão de seus poder.
fundamentos e conceitos político-ideológicos. Não reve­ A partir desta visão original, Gramsci desenvolveu
lam com maior clareza descritiva a atuação e a prática seu conceito estratégico de transição para o socialismo.
revolucionárias que Gramsci propõe e que passam ne­ A grande invenção contida na concepção revolu­
cessariamente pela crise orgânica (institucional), pela "rup­ cionária de Gramsci, está na mudança da direção estra­
tura", pela tomada do poder, pela destruição do estado tégica de tomada do poder. Em vez de realizar o assalto
burguês e fundação do "Estado-Classe" (totalitário, direto ao Estado e tomar imediatamente o poder como na
"estatolatria") e pela implantação da nova ordem socialis­ concepção de Lenine, a sua manobra é de "desgaste",
ta marxista. Assim, o conhecimento da concepção revo­ designando a sociedade civil como primeiro objetivo a
lucionária gramscista fica incompleto para as pessoas co- conquistar, ou melhor, a dominar. Conquistar a socieda­
muns. de civil significa lutar pela hegemonia, isto é, elevar as
Gramsci foi um convicto marxista-Ieninista. Em que classes subalternas (operários, camponeses e excluídos
pesem as idéias inovadoras que propõe, permanece sem­ da sociedade burguesa), inferiorizar a burguesia e enfra­
pre ligado, intelectual e ideologicamente, ao marxismo; não quecer o Estado burguês. Isto será feito predominante­
é um dissidente nem um "herético", mas um inovador. mente pela guerra psicológica ou penetração cultural para
No momento em que constatou o fato histórico de minar e neutralizar as "trincheiras" e defesas da socieda­
que a estratégia marxista-Ieninista de tomada do poder, de e do Estado burgueses. Nesta longa luta de desgaste
vitoriosa na Rússia em 1917, não teve êxito nos países se incluem a "neutralização do aparelho de hegemonia"
europeus (entre 1921 e 1923 na Alemanha, Polônia, da burguesia e do "aparelho de coerção" estatal (b) e a
Hungria, Estônia e Bulgária) de economia capitalista e de "superação" dos meios materiais e dos valores intelectu­
sociedade democrática, passou a considerar outro mo­ ais e morais das classes subalternas e das classes bur­
delo revolucionário. Fez assim, a distinção entre socieda­ guesas, fazendo-as aceitar (ou a se conformar com) a
de "oriental" e sociedade "ocidental", compreendendo que transição para o socialismo como coisa natural, evolutiva
a "transição para o socialismo" teria que ter concep­ e democrática (c).
ções diferentes numa e noutra condição político-social. A luta pela hegemonia se desenvolve preliminar­
O ataque frontal ao Estado para a tomada imedia­ mente na realização de uma profunda reforma intelec­
ta do poder, com o emprego da violência revolucionária tual (ideológica) e moral (cultural) da sociedade civil. Tra­
)
foi comparada por Gramsci à "guerra de movimento". E ta-se "de elaborar uma filosofia que se torne o senso­
a concepção estratégica original de Lenine. comum renovado, coerente com a filosofia popular" e
Nas sociedades "ocidentais", a luta teria que ser com os fins buscados no processo político-ideológico no
semelhante à "guerra de posição", longa e obstinada, qual tudo deve estar inserido. Para isto, é preciso estabe­
conduzida no seio da sociedade civil para conquistar cada lecer um amplo sistema orgânico e também "espontâneo"
"trincheira" e cada defesa da classe dominante burgue- no interior da sociedade civil, abrangendo variados ca-

40 41
====== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ====== ====== Cadernos da Liberdade =======

nais informais, desligados das organizações políticas (par­ autoritária que, fazendo a censura de fato e assumindo o
tidos e estado), por meio do qual se fará a penetração monopólio do discurso, exercem a direção cultural e polí­
dos novos sentimentos, conceitos e expectativas. Sub­ tica da sociedade civil e do próprio Estado. O projeto
versão cultural que tem por objetivo a formação do con­ gramsciano de superação do senso comum burguês é
senso que criará as condições para a tomada do poder. um elemento desencadeador de um fenômeno em ca­
O agente destas ações é o intelectual orgânico. deia, criando um clima de mudanças, naturalmente
Todos os membros do partido revolucionário devem ser estimulador, que elimina a estabilidade dos valores e con­
considerados "intelectuais", não importa em que níveis ceitos da sociedade, enfraquecendo suas convicções cul­
funcionais se encontrem. O novo intelectual não é ape­ turais e suas resistências morais e cívicas (d).
nas um orador eloqüente, o eletrizador de multidões, mas Finalmente, quando uma pessoa supera critica­
aquele que se tornou dirigente; aquele que orienta, influ­ mente o senso-comum e aceita novos valores e concei­
encia e conscientiza ("especialista + político"). tos culturais e sociais, terá aceito uma filosofia nova e
Os intelectuais tradicionais, cujo tipo é vulgar­ estará em condições de compreender uma nova concep­
mente reconhecido como cientista, filósofo, literato, artis­ ção do mundo e contribuir para a sua concretização.
ta e profissional dos meios de comunicação social, estão G ramsci admite porém a possibilidade de ocorrer
ligados a valores e cultura antigos, sem identificação com um instante crítico e delicado no processo de transforma­
uma ideologia de classe, formando um grupo isolado sem ção intelectual e moral da sociedade; um vácuo ético-so­
ligação com as massas. cial e individual, um período de relaxamento e de dissolu­
O grupo que luta pela hegemonia e pelo domínio ção moral decorrente da perda momentânea dos valores
(conquista do poder) vai lutar também pela assimilação e e tradições anteriores.
conquista ideológica dos intelectuais tradicionais. O risco para ele é necessário e se justifica porque
Os intelectuais estão difundidos nos partidos, nos uma "nova concepção se está formando". O empreendi­
órgãos de comunicação social, nas cátedras, nos "apare­ mento revolucionário, apesar de tudo, é "ético" porque é
lhos privados de hegemonia", nas ONG, nas comunida­ adequado aos fins pretendidos.
des (de moradores de favelas, acadêmicas, de minorias,
etc) e na manifestação artística, ativos e conscientes po­ * * *

liticamente, mas sem evidências nítidas de vinculação com


as organizações políticas. É uma atuação difusa, Superando Lenine, sem o negar entretanto,
abrangente, anônima na generalidade, mas muito efetiva,
Antonio Gramsci propôs uma nova estratégia de
"moderna" e uníssona dos intelectuais orgânicos cuja
"transição para o socialismo". Após o colapso do co­
unidade de ação é dada pelo "consenso" e pela "vontade
munismo soviético em 1991, suas idéias passaram
coletiva", consciência dos objetivos revolucionários que
a ter especial interesse em todo o mundo como uma
perseguem.
Assimilando ou tomando os intelectuais tradicio­ alternativa e como um modelo revolucionário próprio,
nais adesistas ou ingênuos por aliados, "inocentes úteis" para as sociedades do tipo "Ocidental".
ou "companheiros de viagem", constituem uma oligarquia Por isto, a estratégia gramscista é hoje aco-

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===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

Ihida por uma importante parcela da esquerda mar­ Gyorgy Lukács, um dos filósofos da Escola de Frankfurt

xista brasileira e vem tendo um significativo êxito na sua


reconhecia que a revolução comunista não teria êxito n �
Europa sem que antes não tivesse sido destruída a cultura
aplicação prática, particularmente a partir de 1980. Mes­
ocidental cristã. Gramsci foi além das considerações mo­
mo os partidos revolucionários marxista-Ieninistas e
rais e culturais da resistência ao comunismo, incluindo tam­
nasseristas aceitam a práxis gramscista, própria da luta bém, as instituições privadas e estatais como elementos
pela hegemonia que bem simula o jogo democrático legí­ materiais defensivos dos valores burgueses.
timo, mascara seus propósitos e objetivos e ilude fazen­ De qualquer modo, a Revolução Cultural da Escola de
do crer que adotam uma linha social-democrata. Frankfurt e a "Guerra de Posição" gramscista somam es­
Os avanços revolucionários no campo das mudan­ forços na destruição da sociedade liberal-democrática.
ças intelectuais e morais chegaram a um ponto tal que "Mas haverá um período de relaxamento e

alguns intelectuais democratas acham que já é irreversível. até de libertinagem e de dissolução moral.
Isto está longe de se excluir, mas também
Entretanto o movimento revolucionário apresenta defici­
não constitui argumento válido. Períodos de
ências e vulnerabilidades que, exploradas inteligentemen­
dissolução moral muitas vezes se verifica­
te, permitem ainda a sua contenção e reversão. Mas, se
ram na história, ainda que a mesma con­
a sociedade nacional permanecer como espectadora im­ cepção moral geral mantivesse seu domí­
passível, complacente e até mesmo simpática à reforma nio, e originaram-se de causas reais con­
intelectual e moral que vem sofrendo, certamente a revo­ cretas, não de concepções morais: eles
lução marxista-gramscista será vitoriosa a médio prazo. muitas vezes indicam que uma concepção
E, assim, o Brasil seria o exemplo histórico de ter envelheceu, desagregou-se, tornou-se pura
sido o primeiro país no mundo onde a concepção hipocrisia formalista, mas tenta se manter
em pé coercivamente, forçando a socieda­
gramscista de tomada do poder teria tido êxito.
de a uma vida dupla; precisamente à hipo­
crisia e à duplicidade reagem, de forma exa­
NOTAS gerada, os períodos de libertinagem e dis­
solução, que anunciam quase sempre que
uma nova concepção está se formando. "
(a) E s t e t exto é um ext rato da obra A REVOLUÇÃO
(Antonio Gramsci - Cadernos do Cárcere). .
Gramscista NO OCIDENTE, do mesmo autor.
(d) A mudança intelectual e moral supõe o rompimento com o
(b) Os "aparelhos privados de hegemonia" da classe dominan­
passado. Assim, as tradições culturais, éticas e religiosas
te e os aparelhos de coersão do Estado burguês são as
devem passar por uma profunda revisão e a história nacio­
"trincheiras e fortificações" que impedem a revolução nos
nal ("oficial") será "reescrita" com a crítica dos valores cívi­
países de capitalismo moderno e de democracia avança­
cos burgueses e sob a ótica da opressão da classe domi­
da: São elas o próprio Estado e suas agências governa­
nante e da luta de classes.
mentais e as instituições civis: os partidos políticos, o sindi­
cato, a escola, a igreja, a família, o aparelho policial, as
forças armadas, etc.
(c) Pouco antes de Gramsci fazer o seu diagnóstico e reco­
mendar a neutralização das "trincheiras" da burguesia,

44 45
ESTRATÉGIA LENINISTA
("Guerm de Movimento")
\
R

ESTRATÉGIA GRAMSCISTA
("Guerm de Posição")

LUTA PELA HEGEMONIA

Organiz.ação das classes subalternas


i
Reforma intelectual e moral
ln telectuais Neutralização das "trincheiras"

Ampliação do Estado
====== Cadernos da I..iberdacle ======

o MOVIMENTO COMUNISTA NO
BRASIL

Sergio A. de A. Coutinho

o Movimento Comunista no Brasil - MCB - sem­


pre foi a projeção no país de um empreendimento maior
identificado como Movimento Comunista Internacional -
MCI. Por isto, também retratou e ainda retrata o espectro
do comunismo mundial: refletiu as suas crises e repetiu
as suas divisões, dissidências e contradições. Quando
caiu o Muro de Berlim (1989) e a União Soviética ruiu
(1991), pareceu para muitas pessoas que o comunismo
havia desaparecido em todo o mundo e, conseqüente­
mente, no Brasil. Esta apressada conclusão da opinião
pública veio bem a calhar para os marxistas, naquele crí­
tico momento do comunismo internacional e nacional, e
passou a ser uma palavra-de-ordem de conveniência e
de operação política dos Partidos marxista-Ieninistas.
Na verdade, nem o MCI, nem o MCB desaparece­
ram; muito menos o comunismo morreu.

* * *

o movimento comunista passou a ter presença


no Brasil quando um grupo de nove pessoas fundou o
Partido Comunista/Seção Brasileira da Internacional Co­
munista - PC/SBIC - em 25 de março de 1922 (a). Des­
de então, a história do MCB é a do próprio Partido Comu­
nista Brasileiro (pelo menos até 1966), tendo sido balizada
pelos acontecimentos que marcaram três tentativas con­
cretas de tomada do poder, todas malogradas pela resis­
tência institucional e orgânica da sociedade brasileira:

49
===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho =====
======= Cadernos da Li1erdade =======

- 1935 - A Intentona Comunista A partir de 1943, com as atenções gerais e as pre­


- 1961/64 - O Tentame de 1964 ocupações oficiais voltadas para a guerra na Europa, o
- 1966/75 - O Terrorismo e a Guerrilha PCB pôde iniciar a sua reorganização. Com a queda da
ditadura Vargas, a anistia e a redemocratização do país,
As duas primeiras tentativas se devem à iniciativa consegue a sua legalização em 1945 e até participa das
do PCB; a terceira já é conseqüência da dissidência dos eleições daquele ano com um candidato à Presidência
grupos marxista-Ieninistas que optaram pela violência re­ da República. A existência legal do Partido foi curta, pois
volucionária de modelo chinês (maoístas) e cubano em maio de 1947 o T ribunal Superior Eleitoral cassou o
(foquistas). seu registro por suas notórias ligações internacionalistas
e pela natureza ditatorial do seu programa. O Partido vol­
Em 1930, o Bureau Sul-Americano da Internacio­ tou à clandestinidade.
nal Comunista impôs ao PCB uma linha radical: a "revo­ O XX Congresso do PCUS convocado por Kruschev
lução imediata". Nesta ocasião, Luiz Carlos Prestes, já em 1956, gerou uma longa crise no PCB por aceitar os pon­
iniciado no marxismo-Ieninismo, recusa-se a participar da tos aprovados naquele conclave: condenação do stalinismo
Revolução de 1930 e publica em Buenos Aires um mani­ e a Coexistência Pacífica.
festo expondo idéias nitidamente comunistas. Em 1931, Como se não bastassem as constrangedoras re­
foi para a União Soviética com o apoio do Komintern. velações do líder soviético, o mesmo Congresso aprovou
A chegada de Prestes ao Brasil em maio de 1935, resoluções ainda mais surpreendentes para os comunis­
escolhido a dedo para comandar militarmente a revolu­ tas, particularmente brasileiros, aliciados e criados nos
ção (b), precipita os preparativos da sua eclosão. O le­ dogmas marxista-Ieninistas consagrados desde a criação
vante estala sucessivamente (novembro de 1935) em da III INTERNACIONAL em 1919. Paradoxais devem ter
Natal, Recife e Rio de Janeiro, com inusitada violência. parecido a doutrina da "Coexistência Pacífica", a estraté­
A pronta e enérgica resposta do Exército, imune ao gia da "Via Pacífica" para a tomada do poder e a extinção
proselitismo comunista, frustrou a primeira tentativa de to­ do Cominform, sucessor do Comintern bolchevista.
mada do poder levada a efeito pelo PCB. Aliás o movimento No âmbito do Movimento Comunista Internacio­
revolucionário foi precipitado, mal preparado, improvisado e nal, a divergência mais grave foi a da China Popular de
sem um mínimo de articulação. Mao Tse Tung que se agravou a partir de 1960 e culmi­
O levante revolucionário de 1935 se caracterizou nou com o rompimento com a URSS em 1963, tomando
pela violência armada sob a forma de levante militar, exe­ rumos próprios, tornando-se novo centro irradiador do
cutado no modelo da Revolução Bolchevista de 1917. comunismo mundial.
Para o PCB, aqueles acontecimentos foram dra­
A Intentona - "um intento insensato" - não é uma máticos. As divergências tiveram idêntico desdobramen­
designação pejorativa, mas a denominação do que to no seio do Partido, sempre tão fiel à orientação de
exatamente foi o assalto ao poder arriscado pelos comu­ Moscou. As controvérsias finalmente vieram à tona no
nistas em 1935. seu Congresso em 1960.
A nova postura do PCB, aderindo às resoluções

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-

======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Li1erdade =======

do XX Congresso, provocou ásperas discussões inter­ esta meta pelo "domínio do governo", antecipando a alter­
nas e o afastamento de vários quadros discordantes, par­ nativa da "via eleitoral". Para tanto teria que aprofundar os
ticularmente intelectuais, jornalistas e artistas. Entretan­ compromissos com o Presidente e fazê-lo parte do em­
to, a divergência mais grave se transformou em "racha", preendimento. Por esta razão apoiou decisivamente a sua
isto é, em cisão. Em 1962, o grupo divergente mais radi­ posse quando contestada pelos ministros militares.
cai, repudiou a "via pacífica" e criou o PARTIDO COMU­ O "Partidão" agiu coerentemente. Entretanto, as
NISTA DO BR ASIL (PC do B). Os dissidentes preconiza­ demais organizações marxistas-Ieninistas e as esquer­
ram a violência revolucionária como único caminho para das nacionalista-populistas fizeram opção pela violência
"dar o poder ao povo". Valendo-se da experiência trazida armada. Esta escolha as levou a uma radicalização in­
do PCB, iniciaram o trabalho de massa, principalmente sensata (grevismo e tumultos) o que acabou provocando
no campo, e se aproximaram da doutrina do maoísmo e justificando a apreensão da sociedade brasileira e a
chinês, o que culminou com a chamada "Guerrilha do reação político-militar de 1964, uma contra-revolução res­
Araguaia" (anos de 1970) de resultados tão trágicos. De­ tauradora. Com isto, o projeto do PCB foi interrompido
pois disto, o PCdoB foi buscar a sua inspiração "stalinista" justamente quando se mostrava tão promissor.
no atrasado e anacrônico regime da Albânia. O que se passou nas esquerdas no Brasil naque­
As divergências no Partido Comunista Brasileiro les anos de 1961 a 1964 foi a convergência de interes­
favoreceram o surgimento de novas organizações revo­ ses, ambições e objetivos de lideranças populistas de um
lucionárias e exacerbou o nacionalismo populista, todos lado com os de um movimento comunista revolucionário
realizando "análises" próprias da "realidade brasileira", do outro. Aquelas eram barulhentas e ostensivas; este
preconizando diferentes soluções para as contradições era consistente, objetivo e com uma estratégia de toma­
internas da sociedade nacional. E assim, o PCB, até en­ da do poder bem montada, agindo perseverante e discre­
tão único centro organizado do MCB, viu-se acompanha­ tamente.
do de novas organizações marxistas muito independen­ Embora a indisciplina inoculada em setores inferi­
tes da "ortodoxia do partidão". ores das Forças Armadas e a ameaça de ruptura da hie­
A inopinada renúncia do Presidente Jânio Qua­ rarquia tenham sido o fator de unanimidade dos militares
dros desencadeou grave crise ( Agosto de 1961). Os Mi­ e a razão que os moveu em 31 de março de 1964, na
nistros Militares manifestaram a inconveniência da posse realidade mais do que defendendo valores institucionais,
do Vice-Presidente João Goulart. A radicalização de posi­ estavam realizando uma contra-revolução.
ções contrárias quase leva o país à guerra civil. Nesta Após a contundente derrota, a "autocrítica" da es­
crítica situação surge uma solução de compromisso, o querda foi imediata, acre e simplista. O PCB, que saiu do
Parlamentarismo e João Goulart assumiu o governo. acontecimento praticamente ileso, acusou a intromissão
O Partido Comunista Brasileiro, tinha um projeto de Cuba, o radicalismo das Ligas Camponesas e o exa­
consistente para a tomada do poder: a "via pacífica". Seu cerbado movimento nacionalista-populista do ex-Gover­
primeiro objetivo seria a conquista do governo para im­ nador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola de terem pre­
plantar transitoriamente um governo "popular-democráti­ cipitado o processo revolucionário e provocado a reação
co". As circunstâncias favoreciam a tentativa de realizar político-militar.

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===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ====== ======= Cadernos da Liherdade =======

As outras organizações e dissidências do Partido A derrota política e militar da violência revolucioná­


acusaram, por sua vez, o PCB e sua "via pacífica" de ria, terrorista e guerrilheira, dá a medida da sua inutilida­
incapazes de realizar a revolução. de. A violência não derrubou a "ditadura militar" nem im­
Terminada a perplexidade da derrota em 1964, plantou a nova ordem socialista. O grande desserviço que
bem ou mal resolvidas as controvérsias internas, que a luta revolucionária insensatamente prestou ao Brasil foi
nunca deixariam de dividir as esquerdas, e assumidas as o de ter retardado a redemocratização do país.
respectivas opções revolucionárias, o MCB em 1966 fi­ A autocrítica das esquerdas comunistas começou
cou constituído por dois partidos (o PCB ortodoxo e o logo depois dos primeiros reveses da violência armada.
PCdoB revolucionário) e um grande e crescente número Em Portugal, 1975, o grupo "Debate" publicou um docu­
de organizações político-militares (OPM), de estrutura mento intitulado "Plataforma Política para a União dos
foquista ou "militarista", de inspiração cubana. Comunistas Brasileiros" (UCB) no qual foram apontadas
No período de 1968 a 1974, podiam ser contadas as conclusões básicas a que tinha chegado. A retomada
quase três dezenas delas, além de umas poucas organi­ do conceito de Partido como vanguarda da revolução,
zações trotskistas. Ocorreu a "atomização" das esquer­ levou ao dilema: um partido já existente (domínio do
das. Enquanto o PCB se estruturava para retomar o tra­ MDB?) ou criação de um partido novo. Alguns dos que
balho de massa, a esquerda revolucionária fazia a op­ optavam por esta alternativa uniram-se para fundar o
ção pela violência armada. Todos os marxistas-Ieninistas Partido Socialista Brasileiro (PSB), velha sigla, anterior a
e mesmo os trotskistas aderiram à idéia do foco guerri­ 1964.
lheiro; menos o Partido Comunista do Brasil (PC do B) Entretanto, quando os sindicalistas do ABC
que ficou com o modelo stalinista-maoísta da Revolução Paulista, unidos a marxistas independentes (particular­
Chinesa. mente intelectuais e artistas) e com a ajuda da esquerda
Por falta de adequada "acumulação de forças", clerical, começaram o trabalho de criação do Partido dos
as organizações militaristas que, por concepção, deveri­ Trabalhadores (PT), a esquerda "militarista" (ex-foquistas)
am implantar o foco guerrilheiro rural, nunca consegui­ e a esquerda "trotskista", imediatamente identificaram a
ram sair do terrorismo urbano. nova agremiação como aquela que poderia unir as es­
Repassando os atos de violência praticados em oito querdas no Brasil. Efetivamente, em 1979, estava funda­
anos de terrorismo (1966 - 1974), pode-se bem medir a do o Partido e a ele vieram a se reunir diferentes organi­
sua brutalidade: assaltos, atentados ao patrimônio, explo­ zações ligadas ao terrorismo e à violência armada do
sões, roubos, rapto de diplomatas, seqüestros de aviões período de 1966 a 1974. Assim, pôde-se identificar dois
comerciais, assassinatos e "justiciamentos". O mais trá­ agrupamentos no seio do Partido dos Trabalhadores re­
gico, as perdas de vidas humanas: a morte de mais de cém-criado:
uma centena de agentes da lei e de outro tanto dos própri­ - A "articulação", reunindo os sindicalistas, mar­
os terroristas, "morrendo sem razão". A isto tudo somam­ xistas independentes, intelectuais, religiosos progressis­
se as vítimas inocentes, pessoas comuns alheias ao con­ tas, artistas e estudantes - os fundadores ou moderados.
fronto, feridas, mutiladas e mortas na mira errante dos in­ -Os "organizados", reunindo organizações foquistas
sensatos. Realmente, foram "anos de chumbo". remanescentes (esquerda militarista) e organizações

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===== Sergio Augusto d.e Avellar Coutinho ===== ====== Cadernos da Liberdade ======

trotskistas (esquerda trotskista) - os revolucionários ra­ levaram a nova frustração quando assistiram daqui a der­
dicais. rubada do Muro de Berlim, a dramática e repentina disso­
lução da União Soviética, a desarticulação do MCI e o
Com algumas modificações, o Partido tem esta desmoronamento do Sistema Socialista alinhado com
arrumação interna até hoje. É interessante chamar a aten­ Moscou (1989 - 1991).
ção para o fato de que, das organizações ligadas ao ter­ O Partido Comunista Brasileiro (PCB), de ori­
rorismo dos anos de 1970, só uma não se integrou ao entação soviética e de vinculação ao PCUS, evidentemen­
Partido dos Trabalhadores: o MR-8 (Movimento Revolu­ te foi o mais atingido por estes acontecimentos. Diante
cionário 8 de Outubro) que guardou a sigla e atua inde­ da reviravolta do comunismo internacional, viu-se obriga­
pendente e sem pretender registro eleitoral. do a tentar salvar o seu projeto, fazer um esforço quase
O ano de 1979 também marcou a consolidação heróico de sobrevivência e engendrar uma nova face. No
da denominada Igreja Progressista que, tomando a Teo­ ano de 1991 o partido realizou dois Congressos sucessi­
logia da Libertação e o marxismo como suportes ideoló­ vos, o IXº e o Xº (ler o Texto Canto do Cisne ou Canto da
gicos, cada vez mais se afastou da submissão à hierar­ Sereia?). Outra vez o PCB se dividiu internamente, agora
quia da Igreja Católica Romana, sem no entanto, e por com três correntes divergentes: A primeira, a dos "reno­
conveniência, romper com ela. vadores", sugerindo uma definição "renovada" do socia­
Este fato, a criação do Partido dos Trabalhadores lismo; a segunda, a dos "ortodoxos", marxistas-Ieninistas
e a sobrevivência do PCB e do PC do B proporcionariam pró-Cuba, país comunista remanescente; a terceira, a dos
os pontos de referência para a reorganização das esquer­ "revolucionários", pequeno grupo também marxista­
das no período que se seguiu. leninista crioulo que defendia a articulação com o PT e
A anistia de 1979 proporcionou o imediato retorno com o PSB numa frente de esquerda. Prevaleceu expres­
ao Brasil de todos aqueles que foram voluntariamente para sivamente a tese dos renovadores mas com o receio de
o exterior e daqueles poucos que foram banidos. Ao che­ um novo "racha" no Partido como aconteceu em 1962 no
garem, juntaram-se aos que, pela mesma nova circuns­ Vº Congresso em torno da Coexistência Pacífica. Assim,
tância, emergiam da clandestinidade. O ambiente políti­ o velho Partidão, o "PC Bom" vestiu roupas novas, aban­
co era favorável para a retomada dos projetos revolucio­ donou velhos símbolos e adotou outra denominação -

nários interrompidos em 1974. Partido Popular Socialista (PPS). Renegou o socialis­


As e s q uerdas voltaram, imediatamente, à mo real e outras "categorias" leninistas, assumindo um
militância política, nas organizações de massa e infiltradas socialismo dito renovado, de definição incerta mas com
nos partidos políticos de oposição e nos partidos de es­ nítidas referências granscistas.
querda já existentes ou recém-criados. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) sem­
A partir de 1979 a esquerda marxista-Ieninista re­ pre abominou as atitudes "revisionistas" dos PC ortodo­
tomara a "acumulação de forças" para nova tentativa de xos; o colapso do socialismo soviético apenas confirmou
tomada do poder. Entretanto, o próprio MCI começou a que não estavam equivocados. Portanto, o PCdoS nada
trazer um ingrediente perturbador. A Perestroika e a tinha a reformular, permanecendo nas suas posições
Glasnost de Gorbatchev inquietaram as esquerdas e as stalinistas e revolucionárias inspiradas na luta de c1as-

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ses. Em seu VIIIº Congresso, reafirmou abertamente to­ socialismo. Ficou menos ruidosa após 1991, muito mais
das as suas posições anteriores, prosseguindo na linha provavelmente pelas atitudes firmes do Papa João Paulo
da Esquerda Revolucionária. II em condenação à Teologia da Libertação e à esquerda
As Organizações Militaristas e Trotskistas não clerical, do que por inibição pela crise do comunismo.
se sentiram constrangidas pelo colapso do socialismo Porém os mais notáveis religiosos filomarxistas ainda não
soviético; nada mais do que um desconforto momentâ­ fizeram a sua autocrítica, ao contrário, continuaram fir­
neo. Por isto, continuaram agregados ao Partido dos Tra­ mes em suas posições e solidários àqueles que se opõem
balhadores, permanecendo na linha interna radical e de aos "revisionistas" social-democratas.
oposição aos "moderados" não só no Partido como tam­ As esquerdas adjacentes a Movimento Comunis­
bém na Central Única dos Trabalhadores (CUT). ta no Brasil se completam com grupos de menor expres­
são mas muito atuantes: os anarquistas, os "socialistas"
É interessante saber que as esquerdas no Brasil populistas (d) e o Movimento Revolucionário Oito de Ou­
também incluem outras linhas político-ideológicas não­ tubro, MR-8, organização da "luta armada" do período de
marxistas, cujas organizações e partidos entretanto mui­ 1966 a 1974.
to se relacionam com os grupos e partidos revolucionári­ O sinótico seguinte esquematiza as esquerdas
os do Movimento Comunista. São freqüentes as alianças brasileiras no ano de 2003:
eleitorais e a "sintonia" das respectivas palavras-de-or­
dem, numa aceitação generalizada do "pluralismo das AS ESQUERDAS NO BRASIL
esquerdas", das frentes populares e das "alianças de clas­
se" recomendadas por Gramsci. Neste grupo não-mar­
UE RDA REVOLUCIONÁRIA
xista estão:
COInunista
A Esquerda Reformista brasileira, representa­ Stallnista - PCdoB. PCB (novo) e MR-8

da pela social-democracia da Internacional Socialista T"otskista - PSTU e PCO

Gramscista - PPS e PSB


(POT) e pela social-democracia Fabiana (PSOB), não (Comunista)

sofreu qualquer abalo com os acontecimentos na União


L=:;AROUISTA
Movinlento Sectário

Soviética. '---4' L=AS SERISTA (Socialista)

Laborlsta - PT
A Esquerda Laborista, representada pelo Parti­
do dos Trabalhadores, se define como socialista. É radi­
@ ES UERD A REFORMISTA
cai na atuação política, expondo uma prática nasserista
(c), socialismo autóctone sem vinculação ao marxismo.
�IANISTA

Social- Dcnlocnlcia Ingtes,. - fablalUI - PSDB

Aproxima-se entretanto da concepção pragmática de TERNACIONAL SOCIALISTA


Sodal DcnlOCntcla da II Intcl'11ftclonnl- PDT
Gramsci, principalmente pela atuação dos seus intelectu­
ais orgânicos, adquirindo uma feição política mais
E
@ OUERDA CLERICAL
lVlovhlH�ltto
identificada com a revolução do que com o reformismo.
A Esquerda Clerical não se abalou com o que
E
@ OUERDA POPULISTA
aconteceu na União Soviética; tem uma visão própria do Antigo Tnlbalhislno

58 59
===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ====== Cadernos da Liberdade ======

A débâcle do comunismo soviético deu oportuni­ NOTAS


dade à descoberta da concepção revolucionária do italia­
no Antônio Gramsci. A práxis gramscista, própria de uma
(a) O Partido Comunista/Seção Brasileira da Internacional
fase aparentemente democrática de luta pela hegemonia Comunista (BC/SBIC) logo se autodenominou Partido
no seio da sociedade dita burguesa foi também adotada Comunista do Brasil com a sigla PCB. Pouco antes
ou aproveitada "de carona" por todos os partidos da es­ da Intentona de 1935, adotou a denominação de Parti­
querda revolucionária (e). Os "empreendimentos" políti­ do Comunista Brasileiro para descaracterizar sua li­
cos e psicológicos desta fase servem tanto para construir gação à Internacional Comunista Soviética, guardando
a hegemonia das "classes subalternas" e a conquista da a mesma sigla PCB. Em 1962, após o XX Congresso

"sociedade civil" pela atuação dos partidos gramscistas, do PCUS, um grupo dissidente "rachou" com o Partido
e fundou o novo Partido Comunista do Brasil, agora
como para a "acumulação de forças" e a criação do clima
com a sigla PC do B que guarda até hoje. O velho Par­
revolucionário pelos partidos comunistas de orientação
tido, o Partidão, prosseguiu, sempre fiel a Moscou, até
stalinista e trotskista. Nas condições políticas atuais, to­
1991 quando o colapso da URSS o levou a renovar-se
dos eles são organizações políticas legais que fizeram e a assumir nova feição e nova sigla: PPS (Partido Po­
opção tática pela "via pacífica" para a conquista do poder, pular Socialista). Outra vez, uma dissidência interna,
tratando de ostentar uma prática legítima de participação contrária a esta mudança, reuniu-se e recriou o antigo
do jogo político com todas as aparências democráticas PCB.
na atual fase revolucionária. (b) Agentes revolucionários enviados pela Internacional
A luta pela hegemonia, na verdade subversão in­ Comunista se anteciparam a Prestes para o preparo da

telectual e moral da sociedade nacional, se tem notabili­ revolução no Brasil: Henry Berger (i.e. Arthur Ernest
Ewert), alemão; Rodolfo Gluoldi e Carmem, argentinos;
zado pelo protagonismo de uma difusa classe constituída
Leon-Jules Valée e Alphonsine, belgas; Victor Allen
de intelectuais orgânicos colocados em posições-cha­
Barron (agente de ligação), americano; Paul Franz
ve de comunicação de massa: mídia, cátedra acadêmica
Gauber e Érika, alemães. Em abril de 1935, Prestes
e do ensino médio, artes, editoras, etc. Assimilando ou chegou ao Brasil acompanhado de sua mulher Olga
tomando os intelectuais tradicionais adesistas ou Benário, ativista comunista alemã.
ingênuos por aliados, inocentes úteis ou companhei­ (c) Nasserismo, concepção revolucionária socialista não­
ros de viagens, já constituem uma oligarquia autoritária marxista; que se caracteriza pelo nacionalismo radical.
que, fazendo a censura de fato e o monopólio do discur­ Tem origem no pensamento e ação política do primeiro
so, exercem a direção cultural e política da sociedade e presidente do Egito Gamai Abdel Nasser. De alguma

do próprio Estado e conduzem o processo revolucionário forma é o modelo do socialismo autoritário dos países
islâmicos; capitalismo de estado.
por meio do consenso em termos de objetivos e práti­
O nasserismo do Partido dos T rabalhadores não se
cas, o que lhes garante unidade de ação e de propósitos.
refere a uma linha político-ideológica assumida mas a
uma referência ao socialismo autóctone não-marxista
que parece ter adotado.
(d) Socialismo nacionalista populista, tendência política
sem definição ideológica, mas autoritária, estatizante,

60 61
-

===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

demagógica e xenófoba. Este tipo de esquerda se tem


CANTO DO CISNE OU CANTO
manifestado na América Latina com feição golpista e
com desfecho freqüente em ditaduras pessoais. DA SEREIA?
(e) A geral aceitação de certos aspectos pragmáticos de
concepção revolucionária gramscista pelos diferentes
Sergio A. de A. Coutinho
partidos de esquerda tem constituído um traço comum
e um fator que contribui para a formação de "frentes" e
a adoção de semelhante estratégia de tomada de po­ No dia 19 de julho de 1991, valendo-se do direito
der. E s t e fenômeno tem sido denominado de de ocupar gratuitamente a Rede Nacional de Televisão, o
"transversalidade" . Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, apresentou-se
à audiência com um discurso novo e tendo como figura
central o Deputado Roberto Freire, recém-eleito Presiden­
te do Partido. Esta apresentação se deu logo após o seu
IX Congresso realizado no Rio de Janeiro no período de
30 de maio a 02 de junho de 1991.
Da mesma forma que ocorreu no anterior V Con­
gresso (1960), o Partido se reuniu em clima de graves
divergências internas. Em ambas as ocasiões, os desen­
tendimentos decorreram de crise maior no centro
irradiador principal do Movimento Comunista Internacio­
nal, a União Soviética e seu Partido PCUS.
O Congresso de 1960 se realizo'J logo depois do
famoso XX Congresso do PCUS quando Kruschev fez
surpreendentes denúncias do Stalinismo. deixando a nu
as terríveis atrocidades, expurgos e a própria face per­
versa do regime.
Em 1989, acontecimentos dramáticos tiveram lu­
gar na Europa. Primeiro, a queda do Muro de Berlim, a
reunificação da Alemanha e o desmoronamento do co­
munismo no Leste Europeu, pondo em evidência a tirania
e a ineficiência do regime socialista-marxista. Segundo,
as divergências internas na União Soviética e no Partido,
ficando claro que as mudanças tentadas (Perestroika e
Glasnost) não foram tão amplas e tão profundas como
ingenuamente o mundo esperava e aplaudia.
A crise do socialismo se tornou explícita na
Perestroika de Gorbatchev (1985) e culminou na repenti-

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===== Sergio A�gusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Li1erclacle ======

na dissolução da União Soviética em 1991. A velocidade Algumas defecções ocorreram, juntando-se os dis­
dos acontecimentos demonstrou todo o fracasso do soci­ sidentes a outras agremiações de esquerda ou simples­
alismo marxista e a ilusão do comunismo. mente se declarando "marxistas independentes", como o
O choque da revelação e a visão contundente da escritor Jorge Amado, já afastado do PCB há muitos anos
realidade trouxeram, inicialmente, a perplexidade ao Movi­ mas sempre com ele solidário.
mento Comunista no Brasil. Diante desta reviravolta abrupta No X Congresso do PCB, reunido logo a seguir
e surpreendente, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), se (1992), o Partido "operacionalizou" a sua "transmutação",
viu na contingência de tentar salvar todo um projeto e fazer abandonando suas antigas feições "comunistas" e sím­
um esforço quase heróico de sobrevivência. bolos que o identificavam. Passou a se dominar Partido
Obrigado a engendrar uma nova face e a elaborar Popular Socialista - PPS - e se identificou como organi­
uma definição "renovada" de socialismo, o Partido refez zação de "centro-esquerda". Efetivamente assumiu uma
suas posições nos IXº e Xº Congressos (1991 e 1992). definição gramscista, portanto revolucionária e comunis­
O IX Congresso do PCB se realizou em um mo­ ta, embora tenha mudado o papel de partido vanguarda
mento extremamente adverso para o prestígio do Partido do proletariado para partido orgânico das classes subal­
e de grande perplexidade interna: o dilema: - ou renovar ternas. No fim, a mesma coisa. A imediata conseqüência
para sobreviver ou conservar por coerência. desta nova postura foi o"racha". Os dissidentes ortodo­
Diante destas alternativas, as opiniões se dividi­ xos deixaram o partido e fundaram, ou refundaram o Par­
ram no Partido e três correntes se manifestaram mais tido Comunista Brasileiro - PCB (o novo) que guardou a
significativamente: a primeira, a dos "renovadores" (os mesma linha marxista-Ieninista stalinista histórica..
"novos comunistas") com Roberto Freire à frente; a se­ O Partidão renovado vestiu roupa nova. Renegou
gunda, a dos "ortodoxos', marxistas-Ieninistas pré­ o Socialismo Real e assumiu um socialismo, de definição
perestroika e simpáticos à posição cubana, com o ambígua com inconfundíveis referências às concepções
arquiteto Oscar Niemeyer e Juliano Siqueira; a terceira, revolucionárias de Antônio Gramsci. Renegou a Ditadura
uma tendência alternativa constituída por pequeno grupo. do Proletariado e o Centralismo Democrático, adotando
marxista-Ieninista do Rio Grande do Sul defensor de uma conceitos transmudados, tais como "pluralismo socialis­
articulação com o PT e o PSB numa frente de esquerda. ta" e "radicalismo democrático" (a), expressões mal
No final do Congresso, prevaleceu a posição re­ explicadas que significam mesmo democracia popular
novadora, na verdade uma "glanost" à brasileira. Roberto ou democracia de classe, nada tendo a ver com a de­
Freire foi eleito Presidente do Partido e sua corrente con­ mocracia representativa. Esta, sistema de governo fun­
tou com expressiva maioria (54% dos votos) elegendo 38 dado na soberania popular, do povo como um todo e no
dos 71 membros do Comitê Central. Os "renovadores", pluralismo político e social. Aquela fundada na classe pro­
com o seu conceito de "pluralismo" esperam poder admi­ letária, excluídas todas as demais, sistema de governo
nistrar as divergências: "Sou presidente do Partido Co­ totalitário e de partido único.
munista Brasileiro na sua pluralidade. Vou exigir ape­ Enquanto isto se passava com o ex-PCB, as de­
nas (...) a unidade de ação, não de pensamento", de­ mais linhas marxistas-Ieninistas fixaram-se em suas mes­
clarou Roberto Freire. mas posições e até pareceram estar mais seguras de suas

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===== Sergio A�gusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade ======

antigas convicções. supor que é ainda uma alternativa viável. Mesmo se po­
O movimento Comunista Internacional se articu­ deria alegar que aqui poderemos nos valer da experiên­
lou depois de ter perdido a sustentação do antigo centro cia alheia e não incorrermos nos mesmos erros de lá.
irradiador do comunismo e o Movimento no Brasil conti­ A terceira causa é a de que os partidos e grupos
nuou ativo e chegou mesmo a ganhar alento no esforço comunistas, exceto o ex-PCB, não se alhinhavam com o
de a u t o -afirmação. Além da liberalidade, senão pensamento do PCUS e a orientação soviética. Deste
permissividade, da nossa legislação partidária, podemos modo, estes partidos podem até apontar o fracasso do
apontar algumas causas para a sobrevivência do MCB e socialismo soviético e de seus satélites como comprova­
do Partidão, em particular: ção de que a sua posição dissidente sempre esteve
Em primeiro lugar, sem dúvida, persiste no cha­ correta.
mado Terceiro Mundo a crença de que o socialismo ainda A quarta explicação está na compreensível resis­
é uma solução milagrosa para um país subdesenvolvido. tência intelectual da liderança marxista-Ieninista local em
O fracasso na Europa e na África teria ocorrido em outros aceitar a inviabilidade e conseqüente fracasso do socia­
ambientes, em outras circunstâncias e por mil outras ra­ lismo e, por extensão, a inviabilidade do sonhado comu­
zões que não se aplicariam ao nosso país e à América nismo. Aceitar estas verdades seria reconhecer que labu­
Latina. taram em erro toda uma vida, atestado de incompetência
O nosso atraso econômico e social ainda poderia e de falta de visão. Seria admitir que preconizaram para o
encontrar explicações em temas de fácil aceitação por país e para o mundo um sistema brutal e ineficiente. Por
um povo frustrado e ingênuo como, por exemplo, no "Im­ isto convinha que a autocrítica, se houve, fosse amena e
perialismo" que continua sendo sedutora bandeira de luta, que se reconhecesse que o socialismo não fracassou.
no "modelo econômico neoliberal" ou na "globalização", Os regimes e os homens, estes sim, fracassaram, por­
que é instrumento da oligarquia financeira mundial. A po­ que transigiram com o capitalismo e se deixaram derrotar
breza ostensiva e irreversível de parcela ponderável de pela conspiração do imperialismo ocidental.
nosso povo dá pretexto à condenação do capitalismo por O quinto motivo seria a profissionalização dos
selvagem, injusto e concentrador de renda. Associa-se a quadros comunistas que os deixa sem opção ideológica
esta argumentação a convivência histórica da nação com e de sobrevivência. Não há como voltar atrás, nem estão
um Estado patrimonial e previdenciário que faz crê-lo ca­ forçados a isto. O fracasso é alheio, de outros países, e
paz de promover o desenvolvimento e uma mais justa não deles.
distribuição de renda. Para isto bastaria que viesse a ser A última razão é talvez a mais importante: a so­
conduzido por "forças progressistas" e comprometidas brevivência de regimes comunistas em Cuba e na China
com as "causas populares". Popular. A Revolução Chinesa ainda está em curso e as
A segunda razão, o fato de o sistema político e transformações decorrentes ainda se fazem visíveis e
econômico vigente no Brasil não ser socialista, poupou notadas. O processo lá ainda não está esgotado embora
aqui o socialismo da crítica de ter fracassado. Assim, não já se manifestem algumas oposições. Aliás, violentamen­
tendo sido posto à prova e não tendo sido expostas as te reprimidas. O socialismo cubano só sobrevive às cus­
suas imperfeições e monstruosidades, poder-se-ia até tas da ditadura de Fidel Castro. Não tem a menor possibi-

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====== Sergio A�gusto de Avellar Coutinho ====== ======= Cadernos da Liberdade =======

lidade de vir a proporcionar ao povo cubano os níveis de NOTAS


bem-estar prometidos. Mesmo assim a propaganda
enaltece os supostos êxitos nas áreas sociais. A decanta­
(a) As expressões "radicalidade democrática" ou "radicalização
da ordem interna decorre muito mais do poder totalitário
da democracia" são formas eufêmicas ou criptográficas.
praticado pelo regime do que do socialismo que se mos­ Significam si mplesmente "luta de classe", m a is
trou incapaz de impulsionar o progresso, aumentar a ri­ atualizadamente, "luta pela hegemonia".
queza nacional e melhorar a qualidade de vida dos cuba­ "Democracia radical", significa "ditadura do prole­
nos. Mas os marxistas daqui continuam aplaudindo o di­ tariado", governo de uma classe, excluída todas as outras '
tador Fidel Castro. em especial a burguesia, "não povo".
Apesar de tudo, restam quatro centros de irradia­
ção do comunismo mundial (China, Cuba, Vietnam e
Coréia do Norte), agora muito mais como exemplos de
suposto êxito do socialismo do que focos de efetiva pro­
moção revolucionária.
A sobrevivência de um Movimento Comunista no
Brasil constitui sempre um risco de novas tentativas de
ruptura revolucionária para a tomada do poder.
Porém, o que isto mais representa hoje é a per­
manência de idéias ultrapassadas mas sedutoras e
perturbadoras do processo evolutivo do país. Estas idéi­
as, o patrulhamento ideológico e a revolução cultural
gramscista continuarão a suscitar expectativas equivoca­
das e a proporcionar argumentos e bandeiras para uma
pregação socialista e para o populismo, tão do nosso gosto
político.

Finalmente, cabe-nos indagar: - o comunismo aca­


bou mesmo ou se travestiu, num mimetismo para iludir e
para viabilizar o seu projeto.
Afinal o processo de transformação do Partidão em
Partido Popular Socialista é o canto do cisne ou o canto da
sereia - a morte iminente ou a sedução perigosa?

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======= Cadernos da Liberdade =======

A "VIA PAcíFICA" PARA O PODER

Sergio A. de A. Coutinho

A noção que as pessoas geralmente têm da revo­


lução comunista está ligada aos seus aspectos visíveis e
impressivos ou seja, a subversão no seu início (as gre­
ves, as demonstrações e eventuais atos de perturbação
da ordem pública), o ato de força (levante popular e mili­
tar, guerrilha, terrorismo) na tomada do poder e os
expurgos e fuzilamentos no desfecho de tudo. Estas são
imagens que nos deixaram a Revolução Bolchevista de
1917 na Rússia, a Intentona Comunista de 1935 no Bra­
sil, os filmes históricos e o noticiário de todos os dias. Na
verdade, são exemplos da concepção revolucionária mar­
xista-Ieninista e adotada como modelo dogmático pela
Internacional Comunista soviética, desde 1919 com a cri­
ação da III Internacional.
Entretanto, logo depois do XX Congresso do Par­
tido Comunista da União Soviética (PCUS), convocado
por Nikita Kruschev em 1956, uma nova versão da revo­
lução marxista-Ieninista foi recomendada, particularmen­
te para os países ocidentais democráticos. Ficou conhe­
cida como "Via Pacífica" para a conquista do poder ou
"etapismo". Em síntese, é uma alternativa em que o as­
salto direto ao estado burguês e a tomada imediata do
poder são conduzidos em duas etapas. A primeira, para
conquistar o governo, valendo-se das franquias demo­
cráticas e dos caminhos legais do jogo político. A segun­
da, para a tomada do poder, dentro do governo.
Podemos ter uma visão sintética das duas con­
cepções de tomada do poder no seguinte esquema
(Sinótico de Sa de Ac):

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===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

TOMADA DO PODER plesmente; é longamente preparado numa "acumulação


de forças" que inclui a preparação do "braço armado" do
Partido e a criação das "condições objetivas e subjetivas"
ASSALTO AO PODER para a ruptura revolucionária. Na preparação do momen­
to "concretamente decisivo", estando o Partido na clan­
- Levante Armado
destinidade ou na legalidade, é preciso:
- Guerrilha - criar o clima revolucionário (pela subversão);
- Guerra Civil - aprofundar e explorar a crise institucional (ou
crise orgânica para Gramsci);

}
- empregar a força, realizando a "ruptura" (a
superação da ordem legal).

- Via Parlamentar A tomada do poder abre caminho para a imposi­


ção da nova ordem (eliminação dos adversários, destrui­
Governo � Golpe-de-Estado
ção do aparelho de hegemonia da burguesia e dos ór­
- Via Eleitoral gãos de dominação do estado e imposição da Ditadura
do Proletariado), a realização das transformações políti­
cas, econômicas e sociais e a implantação do estado so­
Para bem compreender a diferença de uma e ou­
cialista.
tra concepção importa distinguir o entendimento de to­
mada do poder e de conquista do governo:
• Na "via pacífica" a tomada do poder é realizada
em duas etapas. Na primeira, denominada Revolução
Conquistar o governo é tomar posse da adminis­
Nacional Democrática, o partido revolucionário (na le­
tração executiva do Estado, legalmente ou, eventualmen­
galidade) usa as franquias democráticas do país e de­
te, pela força.
senvolve uma ação política aparentemente legítima para
Tomar o poder significa superar a ordem jurídico­
conquistar o governo pela via parlamentar, nos regimes
institucional, apossando-se do Estado para impor uma
parlamentaristas, ou pela via eleitoral, nos regimes
nova ordem.
presidencialistas. Esta etapa é, geralmente, realizada
A tomada do poder será sempre um "ato de for­
numa "frente popular" com outros partidos de esquerda e
ça", cruento ou incruento, mas sempre uma imposição
mesmo com organizações de centro e de direita. A
incontrastável.
neutralização ou eliminação destes aliados será feita de­
pois da tomada do poder, prevalecendo apenas o partido
• O assalto ao poder, na concepção leninista clássica, é
revolucionário hegemônico.
feito pelo emprego da violência revolucionária, passando,
Na segunda etapa, denominada Revolução So­
evidentemente, pela derrubada do governo legal.
cialista, o partido ou frente popular, já no governo, inicia
O momento da tomada do poder não acontece sim-
a acumulação de forças para realizar o "salto qualitativo",

72 73
-

===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Li1erdade =======

o golpe-de-es tado, para superar a ordem jurídico­ Todo este jogo político e psicológico será conduzi­
institucional vigente e implantar a Ditadura. do com ostensiva aparência de legalidade, de jogo de­
A preparação do "salto qualitativo" é um intenso mocrático legítimo e terá por finalidade criar o clima revo­
trabalho político e psicológico de agitação e propaganda, lucionário e gerar a crise institucional. Para precipitar o
conduzido principalmente pelas pressões de cúpula e desfecho, um incidente de impacto pode ser provocado
pelas pressões de base. como, por exemplo, um atentado violento atribuído ao
As pressões de cúpula são realizadas pelo go­ adversário, uma demonstração pública de grandes pro­
verno e pelos seus organismos. Consistem principalmen­ porções ou um conflito popular. O ato final será o golpe­
te na apresentação de reformas e na insistência de sua de-estado, em força ou "branco", que, eventualmente,
aprovação no Congresso (eventualmente com recursos poderá ter o respaldo do Congresso intimidado, a "legiti­
ao judiciário), exigência de poderes especiais e de modi­ midade" de um indiscutível plebiscito, ou de uma monu­
ficações constitucionais. Incluem ainda a intimidação dos mental manifestação popular.
adversários por meio de denúncias, processos judiciais e Tudo isto, porém, só será possível com a organi­
até de chantagem e corrupção. zação do "braço armado" do Partido. Ele poderá ser cria­
O g o verno pode ainda cria r dificuldades do pelas "comissões de fábrica", sindicatos, movimentos
econômicas, desabastecimento e outras restrições para rurais, polícias expurgadas e politizadas (federais e esta­
alegar ingovernabilidade, culpando os opositores, duais) e por setores cooptados das forças armadas. Es­
"especuladores, empresários corruptos, sonegadores, a tas, de resto, deverão ser neutralizadas pelo seu afasta­
serviço do imperialismo internacional". mento dos problemas nacionais, restrições orçamentári­
As pressões de base são conduzidas pelas or­ as e operacionais, limitação de competência e inibição
ganizações de "frente" ou pelas "bases" do partido (apa­ pela propaganda adversa. As forças armadas serão neu­
relhos privados de hegemonia, na concepção de Gramsci) tralizadas principalmente pela perda do apoio e da confi­
que reforçam as pressões de cúpula, com greves, de­ ança da Nação, que será convencida da necessidade de
monstrações, protestos, atentados, terrorismo, sabotagem mudanças radicais.
e toda sorte de manipulação da opinião pública para cons­
* * *
tranger o Congresso ou o Judiciário e levá-los a decidir
de acordo com os interesses revolucionários. Um pálido
exemplo da eficácia das pressões de base pode ser re­ Precedentes históricos, anteriores às resoluções
cordado na militância dos "caras pintadas" para pressio­ do XX Congresso do PCUS, e tentativas posteriores de
nar o Congresso a votar o "impeachment" do Presidente tomada do poder pela alternativa "etapista", oferecem
Collor de Mello em 1992. exemplos e ensinamentos da condução desta concepção
A combinação das pressões de base e de cúpula revolucionária.
pode ocorrer no recurso ao referendo popular, o plebis­ Curiosamente, os dois primeiros episódios não
cito, que pode ser até convocado com abuso de poder foram conduzidos no curso de movimentos revolucionári­
para superar eventual resistência do Congresso às pro­ os comunistas mas no de golpes de direita. Os fascistas
postas revolucionárias. chegaram ao governo da Itália em 1922, obtendo a no-

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--

===== Sergio Augusto de AveIlar Coutinho =====


======= Cadernos da Liberdade =======

meação de Mussolini para chefe do gabinete depois de


O braço armado do Partido Comunista era consti­
uma intensa e radical campanha política. Em 1924, o Duce
tuído de milícias populares (ex-combatentes, ex-partisans
acaba obtendo poderes discricionários como resultado de
e reservistas), guardas das fábricas (operários armados)
um processo de pressões de base e de cúpula, subme­
e a Polícia Nacional, subordinada ao Ministério do Interi­
tendo a ordem constitucional ao seu arbítrio. O ato de
or, sob controle dos comunistas no governo de coalizão.
efeito decisivo foi a Marcha sobre Roma, demonstração
Não havia forças armadas na Tchecoslováquia, anterior­
fascista de força e de suposto apoio popular. O braço ar­
mente dissolvidas pelos invasores alemães após a ocu­
mado do partido era ostensivo e constituído pelos "cami­
pação do país em 1938.
sas pretas" fascistas.
Parece que Gramsci já havia vislumbrado anteri­
T ática semelhante foi adotada pelos nazistas na
ormente este modelo revolucionário (via parlamentar)
Alemanha em 1933, levando Hitler ao governo do país. como caminho muito apropriado para a tomada do poder
Para forçar a decisão do Presidente, o ato de pressão
nos países de regime parlamentarista.
final foi o incêndio do Reichstag, imediatamente atribuído
Depois do XX Congresso do PCUS (1956), há dois
aos comunistas. Com a morte do Presidente Hindenburg
exemplos concretos de tentativas de tomada do poder
em 1934, o líder nazista assumiu discricionariamente po­ pela "via pacífica", aliás, ambos sem êxito.
deres plenos. O braço armado do partido era constituído
Este modelo foi tentado no Brasil pelo Partido
pelos "Camisas Pardas" (as "S.A.").
Comunista Brasileiro (PCB) a partir da crise resultante da
Os nazistas contaram com o espontâneo
inesperada renúncia do Presidente Jânio Quadros e da
alheiamento das forças armadas, ausentes do processo
objeção militar à posse do vice-presidente João Goulart
político. Até mesmo guardavam reservada simpatia pelo
(1961). O Partido apoiou o seu aliado Goulart que aca­
movimento p o l ítico de Hitler pela s u a tend ência
bou assumindo a presidência numa solução política que
anticomunista e, principalmente, pelo seu radical nacio­
estabeleceu o parlamentarismo no país. Assim o Partido
nalismo e revanchismo bélico. chegou ao governo na pessoa do líder trabalhista e
O modelo exemplar de conquista do poder pela
populista.
via parlamentar foi o da Revolução Tcheca (1945 -1946). O presidencialismo foi restabelecido logo depois,
O jogo de pressões de base e de pressões de cúpula
com a convocação de um plebiscito e grande mobilização
conduzido pelo Partido Comunista participante do gover­
popular. O domínio do governo pelo partido ficou eviden­
no de coalizão estabelecido após a libertação da
te e o processo revolucionário foi assim descrito por Luiz
Tchecoslováquia do jugo alemão levou o regime à insta­
Carlos Prestes:
bilidade, com a sucessão de gabinetes sem força políti­
ca. A crise institucional só teria solução com a entrega do
"Um p oder oso movimen t o de
governo aos comunistas pelo Presidente Benes, sob pres­
massa, sustentado pelo poder central e
são militar da União Soviética. Conquistado o governo,
tendo em seu núcleo um dos partidos
ocupadas as posições decisivas, afastados os opositores
mais sólidos do continente (o PGB) ins­
e, com o respaldo do braço armado são consumados o
talado no seio do aparato estatal (. . . ) .
golpe-de-estado e a tomada do poder pelos comunistas
Um exército penetrado dos pés à

76 77
...

===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ====== Cadernos da Liherdade =======

cabeça por um forte movimento demo­ de Fuzileiros Navais. Talvez contasse também com ele­
crático e nacionalista (. . ) .
. "
mentos mobilizados pela esquerda populista de Brizola e
'� tomada do estado burguês de de Francisco Julião, respectivamente, os "grupos dos
seu interior para fora. Finalmente, uma onze" e as "Ligas Camponesas".
vez a cavaleiro do aparelho do estado,
converter rapidamente, a exemplo de No Chile, Salvador Allende tentou a "via pacífica"
Cuba de Fidel ou do Egito de Nasser, a em 1971-1973. Elegeu-se Presidente da República pelo

revolução nacional-democrática em Partido Socialista em aliança com os partidos de esquer­


(revolução) socialista". (Citado por Luis da, formando uma frente denominada Unidade Popular

Mir, A Revolução Impossível). (UD). Para vencer o segundo turno eleitoral, fez um acor­
do com o Partido Democrata Cristão (Pacto Democráti­
A revolução comunista conduzida pela "via pacífi­ co) comprometendo-se a preservar a democracia e não
ca" foi interrompida pela intervenção cívico-militar quan­ recorrer ao golpe. Mesmo assim, depois de vitorioso, ten­
do ficou evidente a tentativa da tomada do poder em cur­ tou o "salto qualitativo" mas sem êxito. Nas eleições par­
so pela agitação incontrolada e os desacertos políticos e lamentares de 1972, a UD foi derrotada. Allende teve que
econômicos do governo. radicalizar a acumulação de forças. Com a descoberta de
O modelo etapista foi conduzido "doutrinariamen­ seu plano golpista, foi deposto por um movimento cívico­
te" e serve de exemplo didático para se acompanhar e militar. A precipitação do processo revolucionário teve que
entender os movimentos revolucionários em curso em se dar pelo curto prazo remanescente do mandato presi­
outros países e no Brasil, especialmente. dencial e por não ser permitida constitucionalmente a re­
As pressões de cúpula foram exercidas sobre o eleição naquele país.
Congresso, exigindo a aprovação das chamadas Refor­ No Brasil, a prudente tradição republicana impe­
mas de Base e de medidas de exceção (estado de sítio) dindo mandatos sucessivos nos cargos executivos foi que­
que fortaleciam o Presidente, abriam caminho para o "salto brada por Fernando Henrique Cardoso que conseguiu
de qualidade", e para a ruptura da ordem legal. emenda à Constituição que lhe garantiu candidatar-se para
As pressões de base foram conduzidas particu­ um segundo termo presidencial. Em 1964, João Goulart
larmente pelos movimentos sindical e estudantil com gre­ não conseguiu tal prerrogativa apesar da pressão de cú­
ves, manifestações e distúrbios. O ato exemplar de pres­ pula e do apoio do Partido Comunista Brasileiro.
são e de impacto sobre o Congresso e a sociedade foi o Os modelos de tomada de poder, tanto o assalto
denominado Comício da Central de 13 de Março de 1964, ao poder, como a "via pacífica", são alternativas que os
numa tentativa de mobilização popular e de demonstra­ partidos revolucionários marxistas e masseristas podem
ção de apoio nacional irrestrito. adotar no Brasil. Teoricamente, os partidos marxistas­
O Partido contava, para o momento da ruptura, leninistas stalinistas (PCdoB e PCB, novo) e trotskistas
com um braço armado constituído de milícias de operári­ (PST U e PCO) preferem doutrinariamente o modelo de
os que deveriam ser reunidas pelos sindicatos e de um assalto ao Poder. Os partidos marxistas-Ieninistas­
segmento de militares aliciados no Exército e no Corpo gramscistas (PPS e PSB) não declaram opção para a to-

78 79
-

===== Sergio,Augusto de Avellar Coutinho =====


======= Cadernos da Li1erdade ======

mada do poder, mas por tendência, inclinam-se para a


A INTERNACIONAL REBELDE
"via pacífica".
Os partidos brasileiros de esquerda estão na le­ NO BRASIL
galidade, participando regularmente do processo político
do país. Todos lançaram candidatos próprios à Presidên­ Sergio A. de A. Coutinho
cia da República nas eleições de 2002, exceto os parti­
dos stalinistas, PCdoB e PCB, que apoiaram a candida­ Com a derrubada do Muro de Berlim (1989) as
tura do Partido dos Trabalhadores. Portanto, as organi­ esquerdas em todo o mundo se preocuparam com o futu­
zações revolucionárias marxistas e nasseristas, ao dis­ ro do movimento comunista, passando a buscar alternati­
putarem eleitoralmente o governo federal, estavam ten­ vas e a tomar medidas para a criação de suportes inter­
tando realizar a primeira etapa da "via pacífica" para a nacionais que lhes dessem sobrevivência.
tomada do poder no país, por si mesmos ou em aliança Fidel Castro tomou a frente, pretendendo recons­
(frente popular) com o partido de melhores condições truir uma "III Internacional" nas Américas e reunir os par­
hegemônicas. No segundo turno, a frente popular reuniu tidos e organizações marxista-Ieninistas revolucionários
todos os partidos de esquerda (revolucionários e refor­ numa entidade supranacional.
mistas), exceto os trotskistas e os fabianos, em torno do O Partido dos Trabalhadores (PT), embora não
PT que, vitorioso, realizou com êxito a Revolução Nacio­ fosse alinhado com a Internacional Comunista soviética
nal Democrática, a primeira etapa de Via Pacífica. que desaparecera, também sentiu a necessidade de re­
pensar e de fortalecer suas posições no contexto do soci­
alismo mundial em acomodação. Na ocasião, a proposta
P de Fidel Castro para realizar um encontro das organiza­
A 1------' ,.

'\CUMULAÇAo DE FORÇ'A.'i
o
n
ções revolucionárias da América Latina foi a oportunida­
te
n, f------, R de bem aceita por Luiz Inácio Lula da Silva. Assim veio a
o
se fundar o denominado Foro de São Paulo (FSP).
Dez anos depois, nova e mais ampla oportunidade

1< se apresentou ao Partido dos Trabalhadores, quando se


juntou às atividades da autodenominada "Internacional
Rebelde" recém fundada na França (1999). Com isto, o PT
ampliou a sua iniciativa, com maior participação internaci­
p
o
"
onal, patrocinando em Porto Alegre outro empreendimen­
y.
R to ao qual se denominou Fórum Social Mundial (FSM).

* * *

2" ETAPA-REVOLUÇAO
SOC'lALL'flA

A VIA I'ACÍFICA
O Foro de São Paulo (FSP) é uma congregação
OU de partidos, organizações e movimentos de esquerda,
ETAJ'ISTA

80 81
. tas r�vol� c.ionários d�
predomir'tan�9J1lente �arxista�leninis - MR-8 ....; Movimento Revolucionário 8 de Outubro -
criada em 1.990 com patrocm _ lo do PartI­
América Latina, - 'r Brasil ;Y
do Comunista Cubano e do Partidó dos Trabalhadores . - PPS - Partido Popular Socialista - Brasil
Alegadamente teria sido uma iniciativa geral das entida­ - ElN - Exército de Libertação Nacional - Colômbia
. .
des participantes com a finalidade de debater o socIalIs­ - FARC � Forças Annadas Revolucionárias çja Colômbia
mo após o colapso da União Soviética e discutir uma "al­ - PCCr� Partido Comunista Colombiano
ternativá popular e democrática ao neoliberalismo". - Presentes por el Socialismo - Colômbia
A idéia da.fundaçãó surgiu de uma reunião havida - MIR-Movimento Independente Revolucionário - Chile
em Havana, 'convocada por luiz'lnácio lula dá Silva, a - PCC - Partido Comunista do Chile
pedido do'Partido Comunista Cubano e por sugestão de - MPD - Movimento Popular Democrático - Equador
Fidel Castro, � que ' c ompareceram representantes de - PS/FA-Partido Socialista - Frente Amplio - Equador
várias organizações de esquerda do Continente. A lista - PT - Partido dei Trabajo - México
dós membros do' Comitê Coordenador e dos integrantes - PIP - Partido Independentista Puertorriquenho
do Foro, dão uma idéia da sua heterogênea composição - Novo Movimento Independentista Puertorriquenho
mas deixa claro o traço comum marxista-Ieninista e revo­ - FS - Frente Socialista - Porto Rico
lucionário de quase todos: . -'Movimento Revolucionário Tufac Amaru - Peru
- PCC .: Partido Comunista Cubano f1
- PCP - Partido Comunista Peruano
- PT - Partido 'dos Trabalhadores - Brasil -- Alianza por la Democracia - República Dominicana
'- 'FSlN - Frenfe Sandinista de L:ibertação Nacional - - Fuerza de la Revolucion -República Dominicana
, ,(
Nicàráguá ' . - Movimento tzqLiierda Unida - República Dominicana
- FMLM - Frente Farabundo:Martí de LibertaÇão Na-
_ .

- 'PTD - Partido de los Trabajadores Dominicanos


. ' . ' J' " '
cit>nàl -B Salvador' - PCU - Partido 'Comunista de Uruguay , �

. . '_M� 19 - Aliança 'Democrática M:'19 - Colômbia J - PSU Partidó Socialista de Uruguay


'
- Gru'po Terr6rista1té Jean Bernardes Aristides..!. Rái..i - MPP -Movimento de Participación Popular - Uruguai
- 'U RNG '- Unlãer'Rév oiluêión,ária N aC'ional da - POR ...... P.artido Obrero Revolucionário Trotskista
. , " ,' .J'
' •

Guatemala", 1 ,, ' . , Posadista - Uruguai


. -- PRD -' Partido da Revolução-Democrática .... México - PCV - Partido Comunista de Venezuela
'''' '" t
MBl ':""Moviménto Bolívia'Livre (maoísta)'
I',

'- ,
:. Causà R ":Oausa Aadicàl-Vehezuela (Hugo Ohaves) Gomo já foi dIto, a primeira reunião da entidade se
. ,
n - Frente Ampla do Uruguai" ,.. deu em São Paulo em julho de 1990 com a denominação
I
.; TPP � Todos'por la Pátria' " ,I"
. de Encontro de Partidos e Organizações de Esquerda da
- FDA - Frente Democracia Avançada - Argentina América latina e Garibe, convocada pelo PT. Reuniu cer­
- PCA - Partido Comunista Argentino ca de 48 'organizações de diversos países e de variada
- PI - Partido Intransigente - Argentina oriéntàção político-ideológica.
- PSB .:... Partido SOCialistá Brasileiro' A denominação Foro de São Paulo f icou
- PCB - Partido Comunista Brasileiro i 1 L estabelecida na segunda reunião, ocorrida no ano s�guinte
. Ir

82 83
======= Sergio Augu.to.de Avellar Coutinho ======= ====== Caderno. da l.iLerdade ======

(1991) na Cidade do México. "Encontro" passou a desig­ Enquanto Fidel Castro tomava a iniciativa criando
nar as reuniões do Foro que, praticamente, ocorrem anu­ o Foro de São Paulo, as tendências marxista-Ieninistas
almente, desde a sua fundação: clássicas, geralmente centradas em partidos-vanguarda,
I Encontro - São Paulo - 1990 se refaziam no âmbito do movimento comunista interna­
II Encontro - Cidade do México - 1991 cional. O restante das esquerdas revolucionárias "hete­
- III Encontro - Manágua, Nicarágua - 1992 rodoxas" (socialistas revolucionários, anarquistas, comu­
- IV Encontro - Havana 1993 - nistas não leninistas, etc) permaneceu fragmentado, mas
- V Encontro - Montevidéu - 1995 não inativo. Proliferando em milhares de organizações
- VI Encontro - EI Salvador - 1996 não-governamentais (ONG) atuava principalmente tendo
- VII Encontro - Porto Alegre - 1997 por palavras-de-ordem o pacifismo, os direitos humanos
- VIII Encontro - Cidade do México - 1998 e o meio ambiente.
- IX Encontro - Manágua - Nicarágua 2000 - Em J 998, foi criada em Paris a Associação para
X Encontro - Havana - 2001 uma Taxação às Transa ções (financeiras e
- .. XI Encontro - Antigua - Guatemala - 2002 especulativas) para Ajuda aos Cidadãos - ATTAC. Action
pour une Taxiation des Transations financiares et pour
Do X Encontro participaram 513 delegados e ob­ laide aux Citoyens. Entre os fundadores estavam sindica­
servadores de 82 países, 73 partidos membros da Améri­ tos e diversas tendências político-ideológicas, destacan­
ca latina e 138 outros partidos revolucionários da Euro­ do-se as anarquistas. À ATTAC se reuniu ao Le Monde
pa, Ásia e África. Diplomatique (o Diplô), publicação periódica de esquer-
Nos encontros, de um modo geral, têm sido ela­ . da que passou a difundir as idéias do grupo. As duas en­
boradas resoluções e recomendações que reafirmam os tidades atraíram um sem número de ONG e de movimen­
objetivos socialistas e anti-imperialistas comuns, bem tos alternativos - minorias sociais, raciais, sexuais (gays,
como declarações que defendem a soberania de Cuba e lésbicas) e feministas de todo o mundo. A atuação inicial
do regime comunista de Fidel Castro. da nascente "Internacional" se fez pela aplicação da pres­
O Foro de São Paulo pretende fazer re­ são de base sobre os governos democráticos e social­
nascer a III Internacional, retomando a caminha­ democráticos da Europa para forçá-los a agir segundo
da do Socialismo mundial a partir da América suas teses. Em seguida, partiu para a promoção de gran­
latina. Apresenta-se como a natural continuação des e violentas manifestações antiglobalização, toda vez
da Organização latino-Americana de Solidarie­ que ocorria uma reunião internacional de países ou de
dade (OlAS) criada em 1967 em Havana por organizações liberais ou capitalistas:
sugestão e participação de Salvador Alende que
viria ser o presidente revolucionário do Chile em - 2000 - Em Seatle, EUA, Rodada Alternativa em
1970. Possivelmente, o objetivo mais imediato oposição à Rodada do Milênio da OMC.
seja reverter o isolamento de Cuba no Continen­ - 2000 - Em Melbourn, Austrália.
te e no mundo. - 2000 - Em Genebra, Suíça, contra reunião de
organizações da ONU.
* * *

84 85
======= Sergio AuguRo de Avellar Coutinho ======= ====== Cadernol da Liberdade ======

- 2000 - Praga, na Eslováquia, em protesto à reu­ Em fevereiro de 2000, dois integrantes da esquer­
nião do FMI. da clerical brasileira (políticos do Partido dos Trabalhado­
- 2001 - Quebec, Canadá, em oposição à reunião res) reuniram-se em Paris com os dirigentes da AT TAC e
da Cúpula das Américas. do Le Monde Diplomatique e propuseram a criação do
- 2001 - Goteborg, Suécia, contra a reunião da Forum Social Mundial (FSM) em caráter permanente (a).
Cúpula da U
. nião Européia. A idéia foi bem recebida e, com a realização do primeiro
- 2001 - Gênova, Itália, contra a reunião da Cúpu­ encontro em Porto Alegre em 2001 , estava fundada a In­
la de Chefes de Estado do G.8. ternacional Rebelde ou Internacional da Resistência. O
- 2001 - Washington, EUA, a manifestação "US FSM tem o caráter de encontro de debates e de con­
Day" contra a intervenção militar no Afeganistão gresso anual de nova "Internacional".
após os atentados terroristas de 11 rde Setembro. O Fórum Social Mundial (FSM) passou a se reu­
- 2003 - Evians, França, protestos contra a reu­ nir anualmente desde 2001 em Porto Alegre, RS, por ini­
nião da Cúpula de Chefes de Estado do G8, da ciativa das entidades francesas e da esquerda clerical
qual participaram também governantes de países ligada ao PT, para discutir "alternativas mais adequadas
emergentes, inclusive Lula da Silva. para alcançar o 'mundo novo' do socialismo".
Para um dos seus ideólogos internacionais, o
Algumas destas demonstrações foram à extrema Fórum seria o "embrião de uma autêntica internacio­
violência, conseguindo, às vezes, interromper os eventos nal rebelde", expressando a intenção de construir uma
contra os quais foram mobilizadas. O grupo promoveu entidade de orientação mundial das esquerdas "hetero­
ainda alguns encontros de discussão, antes de assumir a doxas". Lula, presidente de honra do PT, reconheceu que
amplitude de uma internacional: o objetivo do FSM é "impulsionar o esquerdismo e o
- 1999 - O II Encontro Americano pela Humanida­ socialismo no mundo inteiro".
de contra o Neoliberalismo em Belém do Pará. O FSM tem sido convocado e patrocinado até aqui
- 2001 - Fórum Mundial de Educação. pelo Partido dos Trabalhadores, valendo-se do fato de ter
- 2001 - Fórum Social de Gênova, oposto à reu- ocupado os governos do Estado do Rio Grande do Sul e
nião da Cúpula de Chefes de Estado da G.8, que da Prefeitura de Porto Alegre nos últimos anos, o que lhe
se transformou em violentas manifestações. facilitou a realização de um evento de tão grandes pro­
porções.
O grupo anarco-comunista de Paris tem ligações O Fórum Social Mundial, também chamado Fórum
com os fundamentalistas e terroristas islâmicos. Isto fi­ de Porto Alegre, se reuniu em três anos seguidos (b):
cou patente no fórum social e nos distúrbios de Gênova - 1º FSM - 2001
onde foram identificados militantes da Jihad libanesa, do - 2º FSM - 2002
Hamas, do PKK Curdo e de outros movimentos radicais - 3º FSM - 2003
islâmicos. Bem Bella, ex-presidente revolucionário da Ar­
gélia, compareceu ao I Encontro do Fórum Social de Por­ As datas de realização intencionalmente coinçi­
to Alegre. dem com a realização do Foro Econômico Mundial,

86 87
...

===== Sergio Augulto de Avellar Coutinho ===::::;:::=== ====== Cadernos da Liberdade ======

Davos, Suíça (c) como forma simbólica de oposição ide­ T ransformistas e Transgêneros" (e).
ológica e de luta antiglobalização. Alguns participantes importantes do FSM identifi­
Cada reunião anual do FSM é um acontecimento monu­ cam-na como uma "V Internacional" em formação. Entre­
mental, constando de centenas de palestras, conferênci­ tanto sua heterogeneidade, linhas ideológicas e amplitu­
as, debates, visitas turísticas, reuniões particulares, etc, de o assemelham à antiga I Internacional. Realmente
com a presença de milhares de delegados, participantes pode-se identificar uma ligação genética em linha direta
e visitantes. Para o 3º FSM em 2003, compareceram cer­ da Internacional Rebelde (2000) com a I Internacional
ca de 100 mil representantes de 5.717 Organizações Não­ (1864 -1876), não só pela semelhança da "diversidade"
Governamentais de 156 países. Pretensiosamente, seus político-ideológica dos seus integrantes (anarquistas, so­
organizadores disseram que o Foro Social Mundial é maior cialistas revolucionários, comunistas, anticapitalistas e
do que a Organização das Nações Unidas em termos de "libertários") mas também por uma relação histórica que
representatividade. pode ser descrita (Ver Figura).
Os temas tratados ou discutidos nestes eventos Após a dissolução da I Internacional em 1876, os
estão principalmente ligados à reformulação de uma socialistas reformistas fundaram a II Internacional (1889
orientação ideológica e pragmática para as esquerdas - 1923) que veio a dar origem à atual Internacional Soci­
revolucionárias que se acham muito diversificadas alista, social-democrata. Os comunistas marxistas encon­
atualmente e não muito bem integradas ao Movimento traram seu espaço na III Internacional (1919-1991) cria­
Comunista Internacional. da pela Revolução Bolchevista vitoriosa na Rússia (outu­
A principal preocupação tem sido a discussão das alter­ bro de 1917).
nativas mais adequadas para alcançar o "mundo novo" Os remanescentes "heterodoxos" permaneceram
socialista: ativos mas não se estruturaram numa entidade
internacionalista.
- Reformismo ou revolução No período entre as duas Guerras Mundiais, os
- Diversidade ou vanguarda da revolução (d) anarquistas e seus próximos socialistas e comunistas não­
leninistas desencadearam a sangrenta Revolução Espa­
Os militantes ligados à Teologia da Libertação e nhola (1936 - 1939). Embora tenham sido derrotados, o
anarquistas declaram-se geralmente pelo reformismo, acontecimento tornou-se emblemático pela sua origem
enquanto setores radicais do PT, membros do Partido ideológica e por ter contado com o apoio das esquerdas
Comunista Cubano, "Chavistas", militantes de MST e mundiais, inclusive da Internacional Comunista soviética;
zapatistas do comandante Marcos do México manifestam­ primeiro exemplo de ''transversalidade'' representada pela
se pela revolução. solidariedade do MCI.
Também são tratados temas ligados· a O mesmo período de entre-guerras assistiu a fun­
"desconstrução dos fundamentos da civilização cristã", dação da Escola de Frankfurt (1923), ligada à III Interna­
em primeiro lugar da família tradicional. No 3º Fórum/2003, cional, cujos movimentos filosóficos existencialista,
este assunto foi abordado por movimentos feministas e desconstrucionista e pós-moderno vão produzir a Revo­
pelo movimento "Gays, Lésbicas, Bissexuais, lução Cultural dos anos de 1960, com objetivo de destruir.

88 89
p

======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho =======

a cultura ocidental cristã como ,recomendara Gyorgy


Lukács (e outros membros da Escola, Jean Paul Sartre,
T ======

nista Soviética
Cadernos da Liberdade ======

Finalmente, o colapso da III Internacional Comu­


(1991) deu oportunidade para que os
T heodor Adorno, Michel Foucout e Herbert Marcuse): anarco-comunistas ocupassem espaço e criassem uma
"desconstrução" da família e da Igreja, liberação sexual, multidão de organizações não-governamentais da mais
revisão da história, etc. A ela se vai juntar ativamente a variada natureza. O Fórum Social Mundial veio a propor­
esquerda heterodoxa remanescente da I Internacional que cionar certa aglutinação e certa unidade à diversidade e,
ajudou a produzir os movimentos musicais rebeldes, o com isto, a pretender realizar a "transversalidade" com a
movimento hippie de anticultura e de tolerância amoral e criação de uma Internacional Rebelde. Seus militantes,
os movimentos alternativos de toda espécie, raciais, se­ na maioria, são burgueses, "proletários", saídos das bar­
xuais, sociais, etc. ricadas da Revolução de Sorbone" (1968).
Pode-se dizer que a Revolução Cultural foi o pri­ Embora a Internacional Rebelde se distinga subs­
m e i r o e m p r e e ndimento marxista q u e r e a l i z o u a tancialmente dos social-democratas (sucessores da Il ln­
"transversalidade" ampla das esquerdas mundiais. Suas ternacional) e dos marxistas-Ieninistas (remanescentes da
teses e afirmações foram aceitas e difundidas por todas III e IV Internacionais), admite a necessidade de aproxi­
as tendências, inaugurando uma visão moral permissiva mação com a esquerda social-democrática e com a ex­
( contra-valores) e um novo comportamento social trema esquerda radical. Considera o seu papel de
informalizado e amoralizado. O clima de rebeldia e de "transversalidade", isto é, abrangência de todo o Movi­
inconformismo gerado principalmente na juventude, aca­ mento Comunista Internacional (MCI), idêntica à
bou por levá-Ia à desobediência civil e à revolta. Usada transversalidade da Revolução Cultural da Escola de
como massa de manobra pela esquerda anarco-comu­ Frankfurt e a do Gramscismo emergido após a II Guerra
nista, explode nos violentos distúrbios estudantis de 1968 Mundial e que permeiam todas as esquerdas mundiais.
em Paris contra o governo de De Gaule, em Washington A predominância do movimento anarquista é mais
contra a Guerra do Vietnã e no Rio de Janeiro contra o ou menos notória pela visão de "diversidade" e de
governo do movimento restaurador-democrático de 1964. "transversalidade" do movimento e pela afirmação de um
Estes episódios sincronizados em várias capitais da Eu­ dos seus representantes no FSM de que "mais impor­
ropa e da América ficaram conhecidos como Revolução tante que a tomada do poder é a destruição do capi­
.
da Sorbone. talismo".
A Revolução Cultural preparou, de certo modo a A Internacional Rebelde é minoritária em relação
emergência do gramscismo. Enquanto aquela propõe a ao marxismo-Ieninismo no MCI mas a sua atuação é mais
desconstrução dos valores ocidentais cristãos, Gramsci, visível. Não tem ainda força política para impor sua agen­
mais objetivo, propõe a reforma intelectual e moral da da aos partidos de esquerda clássica, inclusive ao pró­
sociedade burguesa, abrindo caminho para a formação prio PT. Entretanto é extremamente ativa, particularmen­
da hegemonia das classes subalternas. O Gramscismo te por intermédio das ONG, que saíram das suas exclusi­
tornou-se a segunda "transversalidade" do movimento vas palavras-de-ordem e passaram à ação política e para
comunista, permeando todas as suas tendências, inclusi­ a pressão de base sobre os governos, como demonstra­
ve os grupos heterodoxos oriundos da I Internacional. ram em 2003 nas manifestações de âmbito mundial con-

90 91
======= Sergio Augusto. de AveIlar Coutinho ======= ====== Cadernos da Liberdade =======

tra os Estados Unidos e a guerra contra Saddan Husseim. tiva de inserção no Movimento Comunista Internacional.
A opção internacionalista do PT, concretizada a
* * *
partir de 1990, também se manifesta em dois outros acon­
tecimentos, relacionados com a social-democracia, tor­
É interessante notar que o Foro de São Paulo nando mais complicada a compreensão da sua linha ide­
reúne partidos e organizações político-ideológicas. O ológica:
Fórum Social Mundial, diferentemente, congrega prin­ - Presença de luiz Inácio lula da Silva e de outros
cipalmente organizações não-governamentais (ONG) que membros do PT na reunião do Diálogo Interamericano
desempenham o papel de "organizações privadas de fabianista, levados por Fernando Henrique Cardoso
hegemonia" dos diversos movimentos anarco-comunis­ (1992).
tas, socialistas revolucionários, comunistas não-Ieninistas - Admissão do Partido dos Trabalhadores como "mem­
e outros de definição ideológica não muito clara. Desta bro observador' da Internacional Socialista (2003).
maneira, os dois empreendimentos se completam; o pri­
meiro, o FSP, sucede à Organização latino-Americana No plano nacional, o Partido e lula ainda mantêm
de Solidariedade (OlAS); o segundo, o FSM, repete a I uma prática aparentemente social-democrática que ca­
Internacional, t e n t ando coordenar as esquerdas mufla a sua práxis revolucionária gramscista e desvia a
heterogêneas do MCI. atenção do significado da aliança eleitoral com partidos
burgueses, socialistas e comunistas, constituindo uma
Ao assumir o co-patrocínio do Foro de São Paulo, frente popular de concepção leninista.
junto com o Partido Comunista Cubano, e ao participar
da iniciativa de reunir o Foro Social Mundial, o Partido
dos Trabalhadores aprofundou a sua ambigüidade ideo­
NOTAS
lógica. A feição nasserista do seu socialismo não-marxis­
ta original, indefinido entre revolucionário e reformista, foi
complicada pelas afirmações de duas tendências inter­ (a) Os representantes brasileiros na reunião em Paris com os
diretores da ATTAC e do "Diplô" foram Francisco (Chico)
nas. A primeira, a dos marxista-Ieninistas revolucionários,
Whitaker, Secretário da Comissão Justiça e Paz da CNBB
os "organizados", antigos grupos terroristas (trotskistas
e Vereador de São Paulo pelo PT e Oded Grajew, empre­
e foquistas) que se juntaram ao PT após a Anistia de 1979.
sário e também político do PT. Em Paris, encontraram-se
É mais entusiasmada pelo FSP. A segunda, a do grupo com Bernard Cassen, dirigente da ATTAC, e com Ignácio
do clero marxista integrante da "articulação", fração inter­ Ramonet, editor do Le Monde Diplomatique.
na que abrange os fundadores do Partido, são pessoas (b) Tem sido divulgado (Set 2003) que o encontro do 4º FSM
que se inclinam mais para a FSM. terá lugar em Belo Horizonte onde o prefeito é do Partido
O patrocínio e ativa presença do PT nos dois dos Trabalhadores.
conclaves incerem o Partido dos Trabalhadores no con­ (c) Foro Econômico Mundial, Davas, Suíça, é um centro de

junto das esquerdas internacionalistas, aproximando-o de debates sobre o capitalismo e a economia mundial. Cria­

organizações e movimentos revolucionários e à perspec-


ção do Prof Klaus Schob (1970), realizando reuniões anu­
ais de banqueiros, financistas e empresários de importância

92 93

-
======= Sergio �gusto de Avellar Coutinho =======

internacional.
(d) A palavra diversidade tem sido usada pelas esquerdas com
diversos significados. Aqui, significa "pluralismo das esquer­
das", conceito que se opõe ao de hegemonia de um parti­ 1876
1864
(;)
do-vanguarda revolucionário de inspiração marxista­
leninista. ( t-' >z o - (1)Z i:'::I M �z - )
(e) Os movimentos alternativos e de minorias são estimulados Anticapitalistas
ou mesmo criados pelas organizações de esquerda revolu­ T T T
cionária como componente auxiliar da luta de classes
..,
"-'
o � (1
o
a
..... .....
(aprofundamento das contradições internas) e como ele­ �
g,
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mento ativo da "desconstrução" da família tradicional e dos e.
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valores da civilização ocidental cristã. D:>
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REVOLUÇÃO CULTURAL

INTERNACIONAL
REBELDE

94
======= Cadernos da Li1erdade =======

SEGUNDO CADERNO

INTERNACIONALISMOS INTROMETIDOS

-
INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL
(ESCOLA DE FRANKFURT) As velhas coisas novas As novidades
- 1923 - político-ideológicas que já eram velhas
quando foram resgatadas.
• Gyorgy Lukács
• Jean Paul Sartl"e
• Theodore AdOl"no A SOCIAL-DEMOCRACIA
• Michael Foucault
Sergio A. de A. Coutinho

A Social-Democracia é um movimento político-ide­


Existencialismo ológico de difusão mundial, embora a sua prática se realize
Desconstl"ucionismo no interior de cada país, sem qualquer ingerência
centralizadora da entidade internacional que a divulga. De
Pós-Modernismo
um modo geral, os partidos social-democratas não são mar­
xistas, portanto não são revolucionários, mas revisionistas
ou reformistas (a). Em tese, podem ser distinguidos do
Revolução Cultm"al
marxismo pelos seguintes pontos doutrinários:
• Movimento Hippie - Anos 50 / 60 1) Quanto à estatização dos meios de produção
• Desconstl"ução da Família - A propriedade privada é aceita porém condi­
• Libel1:ação Erótica cionada ao interesse e à sua função social.
• Revisão da Histól"ia 2) Quanto à luta de classes
- A luta de classes é reivindicatória e conduzida
de forma a atingir a emancipação do proletari­

( • Distúrbios Estudantis - 1968


)
ado (o socialismo) por meio de reformas
institucionais progressivas.
3) Quanto ao monismo político (partido único)
- Convivência entre as diferentes correntes do
pensamento político, aceitando o "pluralismo
democrático" .
4) Quanto à conquista do poder
- A conquista do governo é buscada no jogo

97

-
===== Sergio Àugusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da LiherdaJe =======

político legítimo e não pela violência revolucio­ A II Internacional, igualmente, nunca teve real po­
nária. der de coordenação dos partidos filiados, ainda que ti­
vesse adotado o princípio do internacionalismo do prole­
A concepção reformista e democrata de realizar o tariado. O sentimento nacionalista prevaleceu nas orga­
socialismo e superar o capitalismo (mudanças institucionais nizações integrantes, vindo a se exacerbar na Primeira
progressivas) leva os partidos socialistas a preferirem a Guerra Mundial. Como conseqüência, a partir de 1919 a
forma de governo parlamentarista (generalizada na Euro­ Internacional entrou em declínio.
pa), não importa se monárquica ou republicana. Com efei­ Além do mais, no seio da entidade permanecia a
to, o parlamentarismo proporciona-lhes maior facilidade de controvérsia entre reformistas e revolucionários. Com
acesso ao governo, a longa permanência na gestão do a vitória da Revolução Bolchevista na Rússia (outubro de
Estado (continuísmo) e maior rapidez de volta ao poder 1917) foi criada a III Internacional soviética, em comple­
em caso de eventual derrota eleitoral. ta oposição à II Internacional. Alguns partidos socialistas,
Por esta mesma r a zão, nos sistemas mesmo contrários ao comunismo de Lenine, criaram a
presidencialistas são a favor da reeleição do presidente e Internacional de Viena (conhecida por "Internacional Dois
propõem a reforma institucional para adoção do parla­ e Meio") na tentativa de unificar as duas Internacionais.
mentarismo. Não deu certo; o modelo revolucionário leninista tornara­
Os partidos nacionais e organizações políticas se dogmático para os comunistas soviéticos, não dispos­
desta linha político-ideológica, na sua grande maioria, são tos a se acomodarem com os socialistas reformistas.
filiados ou associados à Internacional Socialista, enti­ Em 1923, a II Internacional e a Internacional de Vi­
dade fundada em 1951, mas com antecedentes que re­ ena se dissolveram. Em lugar delas surgiu a Internacional
montam ao século XIX. Suas raízes e s t ã o no Socialista e Trabalhista que duraria até 1945. Em 1947 foi
revisionismo de Eduard Bernstein que substitui a ação substituída pela Conferência Socialista Internacional que,
revolucionária do socialismo marxista por uma prática em 1951 muda de nome para Internacional Socialista
política parlamentar e democrática e por uma atividade como hoje é conhecida. A entidade congrega a social-de­
reivindicatória sindical. Pode-se considerar que sua mocracia internacionalmente, mas não se propõe centrali­
atuação histórica se inicia na fundação do Partido Social­ zar as ações dos partidos e organizações socialistas a ela
Democrático Alemão em 1875. ligados, concedendo a cada um deles a liberdade para atuar
Em 1889, por ocasião das comemorações do cen­ conforme as peculiaridades nacionais. Funciona assim
tenário da Tomada da Bastilha, socialistas de 23 países como um grande foro mundial de debate e de difusão do
se reuniram em Paris para a fundação da II Internacio­ socialismo na sua versão não-marxista. De fato, a Interna­
nal. Recorde-se que, em 1864, foi fundada em Londres a cional Socialista rejeita a prática marxista-Ieninista:
Associação Internacional dos T rabalhadores que ficou - "Centralismo democrático" dos partidos co­
conhecida como I Internacional, de influência marxista e munista-Ieninistas (b);
revolucionária. Durou pouco, sendo dissolvida em 1867, - Ditadura do proletariado (estatolatria);
sem ter tido efetiva capacidade de conduzir a revolução - Unidade nacional do partido comunista (par-
proletária mundial. tido único).

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Por esta posição dos social-democratas, os mar­ ta-Ieninistas. Entretanto, a tradição política provinda his­
xistas-Ieninistas os acusam de revisionistas, reformistas toricamente do Estado patrimonial, centralizador e
e oportunistas. Apesar desta oposição irredutível, os co­ paternalista, tem certas afinidades com o Estado socialis­
munistas não deixam de buscar pragmaticamente o apoio ta, controlador e intervencionista. Esta tendência sincrética
dos social-democratas para atingir seus objetivos. Real­ se manifesta no populismo e nas definições "socialmente
mente, os partidos marxistas-Ieninistas, principalmente avançadas" e reguladoras da vida privada dos cidadãos
aqueles que estão na legalidade, tentam passar uma ima­ contidas numa prolixa legislação. Por exemplo, na Cons­
gem democrática, confundindo o seu discurso com o da tituição Federal (245 artigos), no Estatuto da Criança e
social-democracia, mascarando o seu projeto revolucio­ do Adolescente (267 artigos) e no Código Civil (2.046 ar­
nário e iludindo os burgueses conservadores. Os princí­ tigos). O populismo e o nacionalismo xenófobo se fazem
pios político-ideológicos da Internacional Socialista ser­ confundir com socialismo, gerando um "esquerdismo"
vem muito bem aos propósitos comunistas de conduzir o oportunista e ideologicamente indefinido que se manifes­
movimento revolucionário pela via pacífica (Ler o Texto A ta no uso inconsistente das palavras "social" e "socialis­
V I A PAcíFIC A PARA O PODER), particularmente na eta­ mo". O esquerdismo exerce um fascínio bajulador sobre
pa que denominam "Revolução Democrática-Nacional" as elites intelectuais, políticas e econômicas. Por isto, a
que deve anteceder a tomada do poder. administração pública se deixa levar para o
Os partidos social-democratas têm grande impor­ assistencialismo paliativo e episódico, um arremedo de
tância política e eleitoral nos países da Europa Ocidental "Welfare State".
e no Japão. Na Noruega, Suécia, Dinamarca, Holanda e Criou-se no Brasil uma grande simpatia pela es­
outros, foram capazes de realizar avançadas reformas querda, não só a reformista quanto a revolucionária, uma
socialistas criando nestes países o denominado "welfare permissiva tolerância à sua ação e à ambigüidade ideoló­
state", aqueles de eficiente previdência social administra­ gica, levando a opções de "centro-esquerda", de "tudo
da pelo Estado. pelo social", e abrindo uma vulnerável sofreguidão por
Na Grã-Bretanha, a social-democracia constitui "mudanças". Grande número de partidos políticos traz em
uma versão própria. É representada pelo Partido Traba­ suas siglas o "S" de social ou de socialista, sem qualquer
lhista (Labour party) que não está ligado à Internacional razão doutrinária concreta, apenas simulando posições
Socialista mas ao pensamento político-ideológico da "progressistas" e "reformistas". Somente o Partido Demo­
Fabian Society (Ler o Texto O FABIANISMO). crático Trabalhista (PDT) tem efetiva relação com a Inter­
Na Ásia, África e América Latina, os partidos da nacional Socialista (c) mas, na verdade, sua prática polí­
linha socialista têm pouca expressão, salvo no Chile e na tica mais se identifica com o populismo e o nacionalismo
Venezuela. Nestes continentes, não conseguem compe­ xenófobo, combinação conhecida por "socialismo more­
tir com as organizações revolucionárias comunistas. Os no". A Internacional não tem influência significativa na prá­
partidos socialistas geralmente adquirem feição naciona­ tica política nacional embora alguns de seus líderes es­
lista e populista. trangeiros mais expressivos, de vez em quando, se per­
No Brasil, também o socialismo reformista tem tido mitam fazer comentários e recomendações incômodas
pouca projeção, obscurecido pelas organizações marxis- em assuntos brasileiros, particularmente sobre direitos

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humanos, ambientalismo, minorias raciais e pacifismo. desde 1932, somente com um pequeno hiato fora do Ga­
Há um grande número de organizações não-governa­ binete.
mentais (ONG) que são inspiradas, influenciadas ou liga­ No governo, o Partido pôde realizar as progressi­
das ideológica e financeiramente à Internacional, a parti­ vas reformas, atingindo seus objetivos socialistas funda­
dos e a entidades social-democratas, principalmente na mentais em poucos anos:
Europa. Estas ONG atuam tanto no exterior quanto no - Estatização e controle da economia
país, exercendo grande influência e até mesmo pressão - Nivelamento dos rendimentos das pessoas
sobre a opinião pública, políticos, personalidades, - Criação de um amplo sistema previdenciário
governantes e instituições. Na década de 1970, muitas estatal.
delas se juntaram a outras controladas pela Internacional Apesar de terem adotado medidas socializantes
Comunista Soviética para pressionar os governos do re­ radicais, os socialistas suecos não estatizaram completa­
gime restaurador de 1964 e para denunciá-los por viola­ mente os meios de produção, tentativa de "simbiose" do
ção de direitos humanos, com o objetivo de desestabilizá­ socialismo com o capitalismo. Com isto não entravaram a
los e de forçá-los a abertura política que desse novamen­ modernização da economia do país e a geração da pros­
te o espaço político necessário às atividades ostensivas peridade geral (d).
das esquerdas no Brasil. Para implantar o socialismo e perenizá-Io, o Parti­
do Social-Democrata conseguiu a continuidade no poder
* * *
e criou um Estado centralizador e controlador da econo­
mia e da sociedade, mantendo todavia a monarquia e to­
Se quisermos ter uma visão antecipada de como das as aparências da democracia parlamentar.
seria o Estado e a sociedade socialistas na concepção Quem governa efetivamente não é a Dieta por in­
social-democrata, podemos tê-Ia no socialismo reformis­ termédio do Gabinete mas uma "nomenclatura" instalada
ta já realizado na Suécia, com a aparência sedutora do no Estado e o "aparat" ("aparato") do movimento traba­
Welfare State, o estado previdenciário. lhista dirigido pelo Partido e pela Confederação Sindical
O Partido Social-Democrata Sueco foi criado em (LO). Neste binômio, o Partido tem a seu cargo os assun­
1889 com inspiração no Partido Social-Democrata Ale­ tos parlamentares e a administração do governo; os sin­
mão e, inicialmente, com forte tendência ideológica mar­ dicatos, tratam da obtenção dos recursos financeiros, do
xista. Porém, há muito os socialistas suecos abjuraram controle ideológico dos trabalhadores (vale dizer, de toda
Marx. Mas a sua prática político-ideológica ainda revela a população) e dos votos destes. Partido e Confederação
forte influência marxista. Rejeitando o caminho revolucio­ Sindical são efetivamente ramos do Estado, constituindo
nário optaram pela "via parlamentar" para conquistar o uma estrutura abrangente de controle das massas. Es­
governo e, no seio dele, realizar os seus objetivos. tende-se pelo país inteiro por meio de organizações lo­
Em 1918, o Partido já era o mais importante da cais e funcionais de toda natureza (escritórios, bibliote­
Dieta (Parlamento) e, a partir de 1920, chega ao governo, cas, cursos, comitês, agências, etc) parecidas com o sis­
sozinho ou em coligação por várias vezes. Tornou-se tema de organizações de base (células comunistas) mar­
hegemônico na Suécia, detendo o poder exclusivamente xista-Ieninistas.

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A Confederação Sindical Sueca (LO) se organiza de introduzi-Ia na coletividade.


em dois ramos de atuação: um de função política e de A educação sexual também é obrigatória nas es­
controle das massas e outro de função propriamente sin­ colas para as crianças desde os doze anos. Segue orien­
dicaI. tação estatal e se insere no processo de liberação do sexo
Dentre as organizações de base, destacam-se pela dirigida ideologicamente para desacreditar a moralidade
importância e poder de influência a Liga da Temperança tradicional burguesa e compensar as frustrações políti­
Social, a União das Mulheres (SD) e a dos Jovens Socia­ cas (principalmente quanto à liberdade individual), fazen­
listas. Todas as localidades, por menores que sejam, pos­ do acreditar numa libertação pelo sexo.
suem a sua Casa do Povo, escritório do movimento tra­ Para modificar os homens é preciso desligá-los
balhista geralmente localizado ao lado ou no mesmo edi­ do passado. A orientação oficial é apagar a história da
fício do governo municipal. nação e só enaltecer as realizações socialistas após 1932,
Nesta estrutura de dominação social e cultural, a quando o Partido se consolidou no poder e se tornou
Associação Educativa dos Trabalhadores Operários (ABF) hegemônico.
tem a seu cargo a preparação dos quadros políticos, sin­ O Estado exerce o controle do livro didático, reco­
dicais e de funcionários, proporcionando forte unidade mendando as obras convenientes, editando aquelas que
ideológica ao conjunto dos integrantes do "aparat" (e). passam a ser o padrão oficial e estatizando as editoras.
Ninguém chega a integrar a "nomenclatura" do Estado Além do trato polítiCO-Ideológico dos assuntos educacio­
sem passar pela ABF. Os cidadãos de formação universi­ nais, há o evidente objetivo de "descristianização" da so­
tária podem porém ascender ao Partido e ao Serviço PÚ­ ciedade sueca. Hoje, apenas 4% da população é cristã
blico passando pelos cursos das organizações dos Jo­ praticante e a tendência é a "paganização" da moral e
vens Socialistas. A Associação Educativa também supe­ dos costumes. A Igreja Luterana da Suécia continua a ser
rintendente a educação de adultos, transformando-se na a religião oficial. Todas as iniciativas para separar a Igreja
principal agência de propaganda socialista e de forma­ do Estado têm sido proteladas, pois parece mais impor­
ção da opinião pública. tante mantê-Ia sob controle do "aparat". Com relação a
O sistema de educação pública e privada está sob Igreja Católica, há grandes restrições oficiais manifesta­
controle direto do Estado e se volta para a formação do das, evidentemente, de forma velada e por meio de exi­
"homem novo", o homem coletivo, expressão que indica gências burocráticas para seu livre funcionamento ou para
o comportamento homogêneo de todos em benefício da a construção de templos.
coletividade e não para realizar o individualismo'. A mídia na Suécia tornou-se o principal agente do
"Não se vai à escola para obter consenso manifestado pelo conformismo que garante a
resultado pessoal, mas para aprender continuação das coisas como elas estão. O sistema de
a atuar como membro de um grupo". rádio e televisão é monopólio estatal. O seu papel na pro­
(Olof Palme, Primeiro Ministro) paganda oficial e na difusão ideológica pode ser deduzi­
A formação pré-escolar em estabelecimentos pú­ do pelo fato de não estar subordinado ao Ministério das
blicos se tornou obrigatória como um meio de afastar a Comunicações, como é comum em outros países, mas
criança desde cedo da orientação educativa da família, e ao Ministério da Educação. A imprensa é privada e, for-

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malmente, é livre. Entretanto, os jornalistas são também crática do Estado, sobre a educação (incluindo as univer­
condicionados social e politicamente, aderindo inconsci­ sidades), sobre as forças armadas e sobre a inteira soci­
entemente ao "senso comum modificado" que reconhe­ edade.
ce a excelência do sistema previdenciário estatal, a se­ Aparentemente feliz e sentindo-se seguro do pon­
gurança social e econômica das pessoas e a prosperida­ to de vista social (previdência) e econômico (emprego e
de do país, tudo construído pelo Estado Socialista. A mai­ salário), o povo sueco não só é dependente do Estado,
oria dos profissionais de imprensa é oriunda das escolas mas também é condicionado cultural e politicamente e
de jornalismo de onde já vêm "de cabeça feita". Os jorna­ conformado com o continuísmo do regime, com a carga
listas também fazem parte do conformismo coletivo. tributária e com as limitações da sua iniciativa e desejos
Por si mesma, a mídia segue a linha de pensa­ pessoais. Intimamente vinculado à social-democracia
mento do Partido, sem crítica mas com aparente inde­ dominante, perdeu o verdadeiro sentido de liberdade. O
pendência. Deste modo, é praticamente impossível à opo­ cidadão passou a ser súdito do Estado e não mais o seu
sição fazer-se ouvir. soberano como nas democracias liberais.
a sistema previdenciário montado pelos social­ O condicionamento e o conformismo criaram no
democratas suecos ao longo dos anos é realmente efici­ povo sueco uma tendência ao consenso e à servidão po­
ente e amplo, abrangendo aposentadoria, pensões, as­ lítica. Deste modo, o Partido Social-Democrático conse­
sistência à saúde e outros numerosos benefícios sociais. gue manter-se indefinidamente no poder. Numa interpre­
Este é o "carro-chefe" da sua propaganda. tação gramsciana, os quadros partidários e sindicais que
Em outros países europeus certos setores de pre­ operam o "aparat" socialista e a "nomenclatura" estatal
vidência são mais avançados mas, na Suécia, o sistema constituem hoje a "classedirigente" e o Estado Socialis­
se tornou institucional. A assistência social (os socialistas ta,"classe política", é a esfera da superestrutura que
preferem dizer o "Serviço Social") é instrumento de mani­ exerce o domínio e a coersão sobre a "sociedade civil",
pulação das massas. É ela que deu ao Partido condições apesar da Suécia continuar a ser formalmente uma de­
de formar o consenso e de obter a hegemonia política e mocracia (f). Mas é uma democracia de pluralismo não
permanência no poder. O povo sueco foi convencido a operante, não representativo e sem alternância no poder.
considerar a Previdência como a sua principal e A hegemonia do Partido Social-Democrático Sue­
insubstituível "conquista" e isto ele acredita dever ao Es­ co deve-se também à omissão, conformismo e arrivismo
tado Socialista. Ainda que o sistema seja extremamente do centro conservador. Praticamente não há oposição
oneroso, contribuindo para uma das maiores cargas tri­ política. Só a extrema esquerda (comunistas) e a direita,
butárias do mundo (cerca de 40% do PIS e 20% em im­ minoritárias, ainda fazem o contraditório, com chance
postos diretos), qualquer proposta de redução de impos­ apenas de conquistar alguns governos locais de menor
tos ou qualquer tentativa de mudança política são vistos importância. No mais, só servem para dar legitimidade à
como ameaças à segurança social proporcionada pelo social-democracia no poder.
sistema previdenciário estatal. Na prática, na Suécia existe um regime de parti­
a "aparat" assim estruturado tem penetração, in­ do único, uma monocracia partidária cuja continuidade
fluência e controle social e político sobre a máquina buro- no poder é garantida pela doutrinação, pela propaganda,

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pela manipulação dos eleitores e pela "estatolatria". O na, reconheceu Leonel Brizola como seu representante
Estado Social Sueco é, em última análise um novo tipo no Brasil. Para obtenção desse reconhecimento, dis­
de estado totalitário. putou com Fernando Henrique e Miguel Arraes que ti­
Podemos fazer uma conclusão didática, isto é, que nham idêntica pretensão. Brizola contou com o apoio
ensina e que é útil para quem presta atenção ao mundo: do social-democrata português Mario Soares.
(d) "Não espanta que toda tentativa de fusão de capitalis­
o socialismo teórico ou socialismo utópico pregado e
mo com socialismo resulte numa contradição ainda
buscado pelos social-democratas reformistas não é mui­
mais funda: quando os socialistas desistem da
to diferente do socialismo científico ou socialismo real
estatização integral dos meios de produção e os capi­
dos marxista-Ieninistas revolucionários (9). talistas aceitam o princípio do controle estatal, o resul­
Reformistas ou revolucionários, todos pretendem tado, hoje em dia, chama-se "terceira via". Mas é sem
construir o socialismo que imporá, pelo condicionamento tirar nem pôr, economia fascista. De um lado, burgue­
ou pela força, o igualitarismo que sufocará a liberdade e ses cada vez mais ricos mas - como dizia Hitler - 'de
a individualidade das pessoas. A diferença fica só na con­ joelhos ante o Estado'. De outro, um povo cada vez
cepção de tomada do poder. mais garantido em matéria de alimentação, saúde,
habitação, etc, mas rigidamente escravizado ao con­
trole estatal da vida privada." (Olavo de Carvalho, in
NOTAS Vitória do Fascismo, O Globo,
27 Jul 2003).
(e) É curiosa a semelhança com a estrutura do movimen­
(a) A expressão socialismo democrático poderia refe­ to criado pelos sindicalistas fundadores da Partido dos
rir-se à social-democracia. Entretanto a ela não se Trabalhadores; o Partido (PT), a Central Única dos
aplica adequadamente pois os socialistas revolucio­ Trabalhadores (CUT) e o Instituto Cejamar. O Partido
nários (marxistas) a usam de forma enganosa para tentou ainda um quarto "ramo", a Central Única do
indicar sua própria concepção revolucionária. O termo Movimentos Populares
democracia é empregado com o sentido implícito de (f) "No seu sentido literal de 'governo pelo povo', (demo­
democracia popular ou democracia de classe que cracia) pode querer designar tanto o sistema parlamen­
não tem o mesmo entendimento de democracia liberal tar como a ditadura do proletariado . ( .. ) Pode designar
ou democracia representativa. realidades quase opostas. Tudo depende daquilo que
(b) Centralismo democrático é o modelo de gestão polfti­ se estende por 'povo' e 'governo' mas, em todos os ca­
co-administrativo do partido comunista-Ieninista no qual sos, a palavra 'democracia' tem, de qualquer forma duas
há adequadação das demandas e reivindicações das constantes: é um termo político e é um símbolo positi­
bases partidárias com o comando do aparelho de vo. Na Suécia, só subsiste a segunda" (Roland Huntford,
direção. Na prática, isto significa que as decisões nas­ em o Modelo Vivo da Novo Totalitarismo, 1984).
cem da discução franca no seio dos organismos (g) "Assim, o socialismo repudia o comunismo, mas o ad­
coletivos (comitês, comissões, congressos, soviets, mira em silêncio e tende para ele". (Plínio Correia de
etc). Porém, após a deliberação, a decisão é impositiva Oliveira em Revolução e Contra-Revolução, 1998).
e indiscutível para os órgãos de execução e para os
membros do partido.
(c) Em 1979, a Internacional Socialista, reunida em Vie-

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o FABIANISMO

Sergio A de A Coutinho

o Fabianismo é uma doutrina e um movimento


político-ideológico socialista democrático, reformista e não­
marxista, de concepção inglesa. Teve origem na Fabian
Society (a) fundada em Londres no final de 1883 e início
de 1884 (b) por um grupo de jovens intelectuais de dife­
rentes linhas socialistas, com o propósito de reconstruir a
sociedade com o mais elevado ideal moral possível.
Objetivamente tinha a finalidade de promover a gradual
difusão do socialismo, entendido como fim das injustiças
econômicas e sociais da sociedade liberal, burguesa e
capitalista. Mas, ao mesmo tempo rejeitava a doutrina
marxista e, especialmente, a transformação pela revolu­
ção violenta. A idéia era a de que a transição do capitalis­
mo para o socialismo poderia ser realizada por meio de
pequenas e progressivas reformas, dando início ao socia­
lismo no contexto da sociedade capitalista. Por isto, o
fabianismo rejeita a luta de classes. Reconhece, entretan­
to, a necessidade de ajudar os trabalhadores a conquistar
a igualdade econômica. O Estado não é um organismo de
classe a ser tomado mas um aparelho a ser conquistado e
usado para promover o bem-estar social.
Embora os primeiros fabianos ainda sofressem
influências do marxismo, os seus conceitos de economia
não eram os de Marx, mas de John Stuart Mills e Willian
Stanley Jevons. Discordando da teoria marxista do valor,
cuja fonte e medida é o trabalho, mas, preferiram o crité­
rio da utilidade. Tal conceito se adapta às modernas con­
dições econômicas do final do século XIX e aponta para
uma crescente intervenção estatal na economia para pro­
mover a maior felicidade de um maior número.
Sidney Webb e Bernard Shaw reconheciam que o
desenvolvimento promovido pelo "Iaisser faire" (o capita-

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lismo liberal) correspondia também a uma intervenção tentes que tenham poder ou meios de influência,
do Estado em defesa do trabalhador ou, pelo menos, na "permeandd' este ou aquele ponto da sua doutrina, mi­
melhoria da qualidade e condições de vida. A legislação nistrando "duas ou três gotas de socialismo", na justa
sobre salários, condições e jornada de trabalho e sobre a medida. Acreditam que não existe uma separação nítida
progressiva taxação dos ganhos capitalistas é um meio entre socialistas e não socialistas e que todos podem ser
inicial de realizar a eqüitativa distribuição de benefícios. persuadidos a ajudar na realização de reformas para a
O passo seguinte na direção do socialismo, em termos concretização do socialismo.
de reformas sociais mais profundas, será a adoção da Em 1889, sete membros fundadores, sob orienta­
propriedade e administração estatais das indústrias e dos ção de Shaw, redigiram um livro que levou o nome de Fabian
serviços públicos. Neste particular, os fabianos preferem Essays in Socialism (Ensaio Fabiano sobre o Socialismo),
a municipalização à nacionalização dos meios de produ­ resumindo as bases doutrinárias da Sociedade.
ção e dos serviços públicos. Cogitaram também da cria­ Em 1895 f o i fundada a London S chool of
ção do "imposto único". Economics (Escola de Economia de Londres) que pas­
Os membros da "Fabian Society" são principalmen­ sou a ser, desde então, o principal centro de difusão do
te intelectuais, professores, escritores, e políticos. Foram pensamento Fabiano.
seus principais fundadores Edward R. Pease, o casal A Sociedade Fabiana não se dispôs a se organi­
Sidney e Beatrice Webb, G eorge Bernard Shaw (c), H. G. zar em partido, permanecendo sempre como um movi­
Wells e outras destacadas personalidades. Efetivamente, mento. Entretanto, em 1906 um grupo de fabianos e sin­
a Fabian Sociey tem sido sempre um grupo de intelectu­ dicalistas fundou o Labour Party (Partido Trabalhista bri­
ais. Com as adesões de Bernard Shaw (1884) e de Sidney tânico) que adota o fabianismo como uma das fontes da
Webb (1885), a sociedade começou a assumir seu caráter ideologia partidária (d). Depois disto, até mesmo o Parti­
próprio, vindo a se tornar efetivamente socialista a partir do Liberal britânico foi levado a adotar certas teses
de 1887. fabianas.
Seu proselitismo, em determinadas questões, se­ Em 1912 é criado o Departamento Fabiano de
gue uma prática de "permeação" das suas idéias socia­ Pesquisa (Fabian Research Department) que passa a
listas entre os liberais e conservadores, principalmente conduzir as principais atividades da Sociedade. Um de­
pessoas que estejam ocupando pontos-chave do poder, sentendimento interno levou à separação do Departamen­
em todos os níveis e campos. Tentam convencê-Ias por to (1915) que passou a ter vida autônoma (espécie de
meio de uma argumentação socialista objetiva e racional federação) com a denominação de Departamento Traba­
em vez de uma retórica passional e de debates públicos. lhista de Pesquisa (Labour Research Department).
Realistas, os fabianos procuram convencer também to­ Em 1930, um ativo grupo de deputados trabalhis­
das as pessoas, independentemente da classe a que tas fundou, independente da Fabian Society, o New Fabian
pertençam, que o socialismo é desejável e que melhor Research Bureau. Em 1938 , este órgão se fundiu à Soci­
realizará a felicidade humana. edade Fabiana, recriando a instituição que recupera a vi­
Coerente com sua doutrina de progressividade, talidade que vinha perdendo desde 1915. Logo são
os fabianos estendem sua atuação às instituições exis- estabelecidas agências fabianas especiais no exterior e

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nas colônias, ampliando a sua área de atuação. ministração política do Estado e a "permeação" ideológi­
Em 1945 o Labour Party chega ao poder na Grã­ ca dos membros do governo de modo a minar as bases
Bretanha expandindo o fabianismo. O Partido no governo da economia capitalista. Aceita o risco ou conveniência
consegue realizar boa parte do ideário dos fabianos. de facilitar a atuação do socialismo revolucionário se isto
Em 1952 são publicados os New Fabian Essays contribuir para a evolução da social-democracia.
enfatizando a meritocracia e o emprego de técnicos com­ Nos últimos 25 anos, os partidos socialistas e tra­
petentes na gestão dos negócios públicos. As reformas balhistas fabianos tornaram-se mais moderados e mais
políticas, antes recomendadas para a realização das trans­ acomodados ao capitalismo.
formações socialistas, agora deveriam ser principalmen­ Em termos de internacionalismo, o fabianismo tem
te reformas econômicas e sociais. sido sempre considerado a ala direita do movimento soci­
Atualmente, a Fabian Society atua principalmente alista. Ideologicamente, coloca-se em posição intermedi­
como um centro de discussão intelectual, de propaganda ária entre o capitalismo democrático e o marxismo revo­
e de difusão do socialismo democrático e como uma re­ lucionário. Com esta posição, em 1929, o movimento
ferência na Grã-Bretanha para os socialistas, em especi­ fabiano se propõe como a Terceira Via, identificação
al de classe média, que não desejam comprometer-se ambígua quando, na propaganda política, não vem acom­
com o Labour Party. panhada de uma definição clara e ostensiva (e). Após o
Antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) os colapso da União Soviética em 1991, o apelo sedutor da
fabianos tinham pouca preocupação com o movimento Terceira Via voltou à cena para atrair as esquerdas deso­
socialista em outros países. Durante o conflito adotaram rientadas e os intelectuais idealistas sempre sensíveis às
até uma posição nacionalista exacerbada. novidades.
Na prática política, parece que os fabianos não têm Repudiando o conceito de luta de classes, os
dificuldade de entendimento com os socialistas revolucio­ fabianos em geral reconhecem que a lealdade ao seu
nários podendo apoiá-los ou com eles fazer alianças, par­ próprio país vem antes do que qualquer lealdade ao mo­
ticularmente para atingirem algum objetivo imediato. vimento internacional do proletariado. Isto não impede que
Na década de 1930, os fabianos acompanharam trabalhem pela preservação da paz e pela crescente coo­
com atenção a experiência de implantação do socialismo peração econômica e política internacional. Bernard Shaw,
na União Soviética conduzida por Lênin e Stalin. Em 1931, em discordância com a atitude nacionalista fabiana, foi a
visitaram aquele país Bernard Shaw e, em seguida, o casal favor de uma unificação do mundo em unidades políticas
Webb. Dão um testemunho entusiasmado da produção e econômicas maiores. Determinados fabianos realmen­
planejada e do controle burocrático soviético. De alguma te manifestaram a aspiração de um Estado mundial do
forma dão também uma explicação e mesmo uma justifi­ tipo tecnocrático, cujo germe deveria ser o Império Britâ­
cação para a tirania e os horrores do regime, de que já se nico, com a função de planejar e administrar os recursos
começava a ter notícia. humanos e materiais do planeta. A este respeito, chama
O fabianismo tem como conduta pragmática a a atenção as relações de afinidade, se não de filiação,
aceitação do "pluralismo da esquerda", a alternância no entre os fabianos e círculos mundialistas anglo-saxões
poder, o exercício da influência político-ideológica na ad- como o Royal lnstitute of Internacional Affairs (inglês) e o

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Councilon Foreign Relations (norte-americano, criado em ropéia. A Internacional Socialista só foi fundada em 1924,
1919) (Ler o Texto O FABIANISMO NAS AMÉRICAS). oriunda da II Internacional.
Provavelmente, foi a partir do conhecimento des­ (c) Bernard Shaw era marxista, mas abandonou definiti­
vamente o marxismo quando se reuniu com outros in­
ta idéia de império mundial, da existência de relações dos
telectuais socialistas para fundar o Fabian Society.
fabianos com intelectuais e políticos norte-americanos e
(d) Em 1893 alguns grupos fabianos locais foram absorvi­
da atuação de certas organizações não governamentais
dos pelo "Independent Labour Party", fundada por Keir
nos EUA que o senhor Lyndon H. La Rouche Jr. engen­
Hardie. Em 1900, representantes da "Fabian Society"
drou a teoria conspiratória de um eixo Londres-Nova se reuniram com sindicalistas socialistas para criar um
Iorque da oligarquia financeira internacional para a cria­ grupo sindical separado no Parlamento. Para tanto foi
ção de um império mundial de língua inglesa, com a su­ criado o Comitê de Representação Trabalhista (que tam­
pressão dos estados nacionais (Ler o Texto O MOVIMEN­ bém incluía representantes do "Independent Labour
T O POLíT ICO DE LA ROUCHE). Party"); que veio a se tornar (1906) o atual "British Labour
Entre as organizações não governamentais nor­ Party"; um partido socialista com apoio sindical.
(e) Terceira Via seria o "meio termo" de capitalismo e so­
te-americ a n a s , está uma denominada Diálogo
cialismo, abandonando as desvantagens de um e ou­
Interamericano, fundada em 1982, cujos integrantes são
tro e reunindo as suas virtudes. Depois de 2002, a
notáveis personalidades "permeadas" pelo socialismo
Terceira Via passou a ser denominada Governança
fabiano.
Progressista, outra expressão tão ambígua quanto
Foi por intermédio do Diálogo Interamericano, que à anterior.
o Sr Fernando Henrique Cardoso se uniu em 1982 ao
movimento fabiano, tendo tentado atrair também o Se­
nhor Luiz Inácio Lula da Silva (Ler o Texto O FABIANISMO
NAS AMÉRICAS).

NOTAS

(a) A Sociedade Fabiana tomou sua denominação do


nome do general romano Quintus Fabius Máximus ( ?
-203 aC), o Contemporizador, que venceu Aníbal, con­
duzindo uma campanha em que evitou a batalha direta
até quando chegou o momento propício.
(b) O movimento fabianista não tem qualquer vinculação
com o marxismo e com o comunismo internacional.
Foi criado depois da dissolução da Iª Internacional
(1876) e antes da fundação da IIª Internacional (1889).
Embora promova o socialismo utópico, reformista, não
tem também vinculação com a social-democracia eu-

116 117

-
======= Cadernos da Liberdad.e =======

o FABIANISMO NAS AMÉRICAS

Sergio A. de A. Coutinho

A idéia da criação de um império mundial de lingua


inglesa, que o economista e teórico político norte-ameri­
cano Lyndon H. La Rouche Jr denuncia internacionalmen­
te, tem, possivelmente, como fonte idéias de seguidores
do fabianismo, movimento socialista democrático inglês
orientado pela Fabian Society (1889) (Ler o texto O
FABIANISMO).
Os primeiros sinais do fabianismo nos Estados
Unidos se manifestaram ainda no século XIX, com o in­
tercâmbio de professores entre as universidades britâni­
cas e norte-americanas. Sidney Webb esteve naquele país
em 1888 e, em 1905, foram criadas a Escola Rand de
Ciências Sociais e a Sociedade Socialista Interescolas.
Pouco depois, cátedras acadêmicas em ciências sociais
e políticas foram estabelecidas em Harvard, Princeton,
Colúmbia, Nova Iorque e Pensilvânia.
Em 1919 é fundada nos EUA a entidade privada
internacional Council on Foreign Relations (Conselho
de Relações Exteriores) por um grupo de especialistas
em política externa para tratar e promover as relações
entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. São destaca­
dos membros da Comissão: Henry Kissinger, Secretário
de Estado do ex-presidente Nixon, Zbigniew Brzezinski,
assessor do ex-presidente Carter, George Schultz, Se­
cretário de Estado do ex-presidente Reagan e Samuel
Huntington.
As aparentes identidades ideológicas com a Fabian
Society sugerem a "permeação" fabiana nos membros
da entidade e uma possível filiação àquela sociedade in­
glesa. Pode-se ainda acrescentar o intercâmbio que o
Conselho mantêm com seu congênere inglês Royal
Institute of Internacional Affairs, RIJA (a) muito influen-

119

-
$2

===== Sergio Augusto de AveUar Coutinho ===== ====== Cadernos da Liberckde =======

ciado pelos conceitos políticos ideológicos da Fabian Mais tarde, a "Trilateral Commission" foi ampliada
Society e pelas idéias de um império mundial trazidas por para 350 membros, distinguidas pessoas dos negócios,
Bernard Shaw e por outros preeminentes fabianos. A pro­ da mídia, do meio acadêmico e dos serviços públicos
pósito, a partir de 1930, o autor inglês William Jandell (exceto membros de Governo), dos sindicatos e das ONG.
Elliott passou a divulgar a teoria de que os EUA deveriam Assim também foi ampliada a sua área internacional:
converter-se em um novo império global. Este senhor América do Norte, incluindo o México; Europa, abrangen­
exerceu grande influência sobre Henry Kissinger, Zbigniew do a União Européia, e o Japão, evoluindo para um grupo
Brzezinski e Samuel Huntington. da Ásia e Pacífico.
A importância que o Conselho de Relações Exte­ A entidade se reúne anualmente, bem como os
riores adquiriu, pode ser medida pelo fato de que, a partir grupos regionais, respectivamente em Paris, Nova Iorque
de 1944, todos os Secretários de Estado (Relações Exte­ e Tóquio.
riores), exceto dois (James F. Byrnes e Collin Powell), A fundação da Comissão coincide com os primei­
foram seus membros. ros sinais da crise financeira mundial e com o primeiro
A entidade pode ser considerada o braço político "choque do petróleo", década de 1970. Declaradamente,
do movimento fabiano nos Estados Unidos e se projeta sua finalidade era observar e discutir em conjunto os prin­
em várias outras entidades privadas voluntárias (b). cipais problemas comuns às três áreas econômicas.
Objetivamente, pode-se dizer que a finalidade prática era
controlar o sistema financeiro internacional. Mas também
• Trilateral Commission a entidade tinha objetivos políticos que coincidem com
muitos conceitos fabianos.
A entidade privada internacional Trilateral Aparentemente, a Comissão Trilateral cogita es­
Commission (Comissão Trilateral) foi fundada em 1973 tabelecer um governo mundial, como imaginavam certos
por iniciativa do banqueiro norte-americano David pensadores fabianos (c), e recomenda a criação de uma
Rockfeller e destacados membros do Council on Foreign força militar internacional, sob controle da ONU. Segun­
Relations, assumindo os papéis de órgão de planejamento do o Senador norte-americano Barry Goldwater, a entida­
estratégico e de elemento operativo dessa entidade, vale de representa um esforço habilmente coordenado para
dizer, do movimento fabiano nos Estados Unidos. A enti­ assumir o controle e o domínio da humanidade.
dade se tornou realidade graças ao professor Zbigniew Para realizar seus objetivos, a Comissão conside­
Brzezinski da Universidade da Colúmbia que foi o seu ra, em primeiro lugar, ser necessário dominar o Governo
primeiro diretor-executivo dos EUA, no mínimo influenciá-lo favoravelmente aos seus
Inicialmente foram criteriosamente selecionados desígnios. Jimmy Carter, membro da Trilateral, foi o pri­
e convidados cerca de vinte intelectuais das áreas finan­ meiro Presidente eleito (1976) com apoio da entidade.
ceira e política para comporem a Comissão: as cabeças Assim foi também com George Bush, eleito em 1980 e
mais brilhantes da América do Norte (EUA e Canadá), da 1984.
Europa Ocidental e do Japão, formando o núcleo "trilateral" Outras importantes personalidades são também
da entidade. membros (d) da Trilateral:

120 121
======= Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ======= ======= Cadernos da Li1erdade =======

- Henry Kissinger, ex-Secretário de Estado na completava com a declaração da moratória do pagamen­


administração Richard Nixon; to da dívida externa do México e com os movimentos re­
- Cyrus Vance, ex-Secretário de Estado, na volucionários comunistas na América Central (Nicarágua,
administração Jimmy Carter; Costa Rica, Honduras, EI Salvador e Guatemala).
- Robert Mc Namara, ex-Secretário de Defesa; Em conseqüência, em outubro de 1982, foi criada
- George Schultz, ex-Secretário de Estado na a entidade privada internacional Diálogo Interamericano
administração Ronald Reagan; (DI), com a participação de personalidades da Trilateral
- Howard Baker, ex-Secretário de Estado na (Robert Mc Namara, Cyrus Vance, George Schultz, Elliot
administração Ronald Reagan. Richardson e outros), de 48 representantes da América
Latina, inclusive seguidores da Teologia da Libertação.
Após o colapso da União Soviética em 1991 e o Fernando Henrique Cardoso foi um dos fundadores do
fim da Guerra Fria, os mebros da Comissão Trilateral DI.
passaram a se referir a uma Nova Ordem Mundial. Ti­ O DI funciona como instrumento executivo da
rando proveito do desaparecimento do contra-ponto sovi­ Comissão Trilateral para a América Latina. Os temas que
ético, os trilateralistas e o Presidente Bill Clinton procura­ o Diálogo Interamericano procurou forçar ou induzir a se
ram universalizar os conceitos de democracia liberal, di­ submeterem os governos da região são trazidos da
reitos humanos e economia capitalista de mercado. Isto Trilateral, temas que também esta procura introduzir na
já em um mundo em processo no sentido da globalização política oficial dos EUA. A idéia de inspiração fabiana pa­
moderna e em um momento em que organizações não­ rece ter sido a de promover uma ampla abertura política
governamentais (ONG) de toda natureza e de diferentes nos países latino-americanos, muitos ainda sob regime
tendências ideológicas passaram a proliferar nacional e militar autoritário, para dar espaço e condições para
internacionalmente (e). o restabelecimento da democracia e para abrir cami­
nho à transição para o socialismo reformista.
Para tanto, haveria necessidade de remover os
• Diálogo Interamericano (DI) obstáculos existentes; de imediato, os das forças arma­
das daqueles países. As sugestões ou "exigências" do DI
A eclosão da Guerra das Malvinas em abril de 1982 foram levadas à execução por um empreendimento de­
e o agravamento da crise da dívida dos países latino­ nominado Projeto. Democracia (1982), cujos principais
americanos trouxeram preocupações à Comissão pontos são:
Trilateral. Em decorrência, três seminários foram realiza­ - Submissão das forças armadas ao controle
dos, entre junho e agosto de 1982, sob patrocínio do Cen­ político civil;
tro Acadêmico Woodrow Wilson (f) para examinar a situ­ - Participação das forças armadas no comba­
ação no Continente que, segundo entendiam, afetava os te ao narcotráfico;
interesses dos grupos econômicos internacionais e que - Criação de uma força militar multinacional
decorria, em primeiro lugar, da existência dos regimes para intervir em favor da paz no caso de con­
militares autoritários na América Latina. A situação se flitos regionais e de violação dos direitos hu-

122 123

..
..
l

======= Sergio Augusto Je Avellar Coutinho ======= ====== CaJernos Ja LiherJaJe ======

manos; . O Diálogo Interamericano, pouco antes do colap­


- Defesa dos Direitos Humanos. so soviético, apoiou a proposta trilateral de uma nova divi­
- Conceito de soberania limitada (direitos hu- são das áreas de influência entre os EUA e URSS, parti­
manos e meio ambiente); cularmente na América Central e Caribe (uma nova Yalta),
visando manter o equilíbrio de poder no confronto ideoló­
Em uma reunião realizada em 1986, à qual com­ gico e militar Leste x Oeste.
pareceram membros da Trilateral (Mac George Bundy, Após a derrocada da União Soviética, o DI passou
Robert Mc Namara, Elliot Richardson) e destacados par­ a recomendar o acolhimento dos comunistas em postos
ticipantes latino-americanos, foram feitas algumas reco­ do governo, uma espécie de "esquecimento e pacifica­
mendações, depois divulgadas pelo Informe do Diálogo ção" ou de "coexistência dos contrários"; manifesta soli­
Interamericano: dariedade fabiana com as esquerdas.
Em apoio ao Projeto Democracia, duas outras
- Legalização ("descriminização" seletiva) de entidades foram criadas. A primeira (1983), o National
certas drogas; Endowments for Democracy - NED - (Fundo Nacio­
- Direito da URSS se manifestar sobre assun­ nal para a Democracia), se organizou para constituir
tos Ocidentais; e prover recursos financeiros para o projeto. Recebe
- Criação de uma "rede democrática" com contribuições de fundações (Rockefeller e outras) e,
poder de se opor, tanto aos comunistas, segundo La Rouche, subsídios do Congresso dos
quanto aos militares da Região; EUA. Os recursos financeiros são repassados a or­
- Reduzir a participação dos militares nos as­ ganizações n ão-governamentais (ONG), partidos
suntos de natureza civil. políticos, sindicatos, jornais, programas universitári­
os e a toda organização e movimento que possa di­
Alguns membros mais radicais desta entidade de fundir e contribuir para a realização dos objetivos do
orientação fabiana defendem também a criação de um tri­ Projeto Democracia.
bunal internacional para julgamento de pessoas acusadas A outra entidade, a Comissão Bipartidária Naci­
de violação de direitos humanos, inclusive com a revisão onal (1984), também conhecida como "Comissão
da anistia de que se tenham beneficiado militares que luta­ Kissinger", foi criada para tratar especificamente da situ­
ram contra a subversão comunista em seus países. ação revolucionária da América Central, relacionada com
O Diálogo preocupou-se ainda com um problema o confronto Leste x Oeste da Guerra Fria.
considerado de segurança nacional: as imigrações Na visão conspiratória de Lyndon La Rouche, o
desordenadas de latino-americanos para os Estados Uni­ Diálogo Interamericano repres entaria os
dos. Considerou que o controle da natalidade nos países "narcolegalizadores" do Establishment anglo-americano
do Terceiro Mundo seria a única solução para evitar a e foi o "centro de mando ocidental da campanha de Mos­
descaracterização da cultura americana. Note-se que a cou (sic) para desacreditar, manietar e até desmantelar
lealdade nacional é mais forte do que o internacionalismo as instituições militares da Iberoamérica".
fabiano.

124 125
ps

===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos ela Lilierclade ======

• O Fabianismo no Brasil Henrique Cardoso e Miguel Arraes assistem ao vitorioso,


discursando na condição de líder brasileiro da social-de­
o Fabianismo chegou ao Brasil com Fernando mocracia e representante oficial da organização no Bra­
Henrique Cardoso, depois que retornou ao país, de seu sil" (Luís Mir, A Revolução Impossível, pág 689 a 691).
asilo político na Europa, com seus companheiros do cha­ O insucesso em obter a filiação na Internacional
mado grupo de São Paulo, alguns ex-militantes da Ação Socialista, levou Fernando Henrique a se aproximar do
Popular. Integrantes mais próximos de Fernando movimento fabianista. Em 1982, participou da reunião de
Henrique Cardoso, ex-Presidente da República; entre eles fundação do Diálogo Interamericano. Por sua vez, Miguel
José Serra (Senador e ex-ministro da Saúde, ex-presi­ Arraes, também descartado pela Internacional Socialista,
dente da UNE); Mário Covas (ex-deputado federal e ex­ vai juntar-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) funda­
governador do Estado de São Paulo); Sergio Motta (o do em 1985, fazendo renascer a sigla do antigo partido
Serjão, ex-coordenador político de FHC); Fernando de mesmo nome.
Gasparian e outros. Ao retornar do seu auto-exílio em 1979, Fernando
Henrique e os seus correligionários do grupo paulista in­
Asilado na Europa, depois de ter passado pelo gressaram no partido do Movimento Democrático Brasi­
Chile, Fernando Henrique Cardoso reformulou suas cren­ leiro onde, com outros anistiados de esquerda constituiram
ças marxistas e passou a pretender filiação junto à Inter­ a ala dos "autênticos". Participam da Constituinte de 1987/
nacional Socialista (oriunda da II Internacional). Talvez 88 onde o grupo de FHC desempenhou ativo papel na
tenha sido o resultado de uma reavaliação crítica da ex­ tentativa de implantar o socialismo e o parlamentarismo
periência socialista revolucionária de Salvador Allende. no Brasil. Quase tiveram êxito completo se não fosse a
A iniciativa coincidia com o esforço de Leonel reação do Centrão (bloco suprapartidário de constituin­
Brizola em 1978/79, ainda asilado, para juntar-se à Inter­ tes) na última hora.
nacional Socialista na Europa, redefinindo sua posição Na Constituinte, é interessante notar a convergên­
política, visando o futuro retorno ao Brasil. Concorria, cia das esquerdas reformistas e revolucionárias, todas
porém, com idênticas pretensões não só de Fernando procurando ampliar ao máximo as franquias democráti­
Henrique mas também de Miguel Arraes. cas e, se possível, antecipar a "República Socialista" ou,
Com ousadia e persistência, Brizola aproximou­ no mínimo, algumas reformas de transição.
se dos expoentes socialistas europeus, particularmente Logo após a Constituinte (1988), o grupo de
de Mário Soares, do qual conquistou o apoio e a amiza­ Fernando Henrique e diversos outros integrantes dos "au­
de. Miguel Arraes e Fernando Henrique tudo fizeram para tênticos" divergiram e saíram do PMDB, fundando o PSDB,
neutralizar o ex-governador, inclusive com a elaboração Partido da Social Democracia Brasileira. Estava assim
de um dossiê depreciativo que FHC entregou a Mário criada a organização política do fabianismo no Brasil.
Soares. Nada adiantou; na reunião da Internacional Soci­ Em 1992, o então Senador Fernando Henrique,
alista em Viena (1979), a organização, com a influência participou da reunião do Diálogo Interamericano de
de Mário Soares e por unanimidade, fez opção por Brizola. Princeton, para a qual convidou e levou Luiz Inácio Lula
" ... na platéia, derrotados, Fernando Gasparian, Fernando da Silva e alguns outros membros do Partido dos Traba-

126 127

-
======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

Ihadores. Para o Diálogo, o desaparecimento da União gundo mandato, Fernando Henrique tratou de manter, a
Soviética tinha deixado as esquerdas revolucionárias da todo custo, a estabilidade monetária e o Plano Real que
América Latina sem base de apoio. Entretanto, reconhe­ já lhe havia garantido a eleição de 1994.
cia que sua organização e capacidade de mobilização Para pagar dívidas públicas, o serviço desta dívi­
ainda poderiam ser úteis para o programa pretendido pela da e remunerar investimentos financeiros, foi buscar re­
entidade. Podemos aduzir que o PT, como partido cursos num vasto e mal conduzido programa de
laborista, tivesse muita afinidade com o fabianismo, daí privatizações.
porque estava sendo atraído. O primeiro ponto de uma A esquerda de oposição lhe fez e faz ferina acu­
ação comum foi a opção pela via eleitoral, buscando-se o sação de ter desbaratado o patrimônio público, entregan­
abandono da violência armada. O Diálogo Interamericano do-o ao capital estrangeiro e o estigmatizou de "neoliberal",
daria toda a sustentação política aos eleitos da esquerda não tão grande ofensa para um socialista fabiano. Assim,
para que tomassem posse e fossem mantidos no poder. FHC reelegeu-se em 1998, logo no primeiro turno do pleito
Lula, já comprometido com o Foro de São Paulo, presidencial.
concordou com o programa mas não se filiou ao Diálogo. O comprometimento de mais de 60 por cento do
A reunião de 1992 do DI pode explicar muitas ini­ orçamento da União com os encargos financeiros, limitou
ciativas do governo de FHC, a sua postura com relação à drasticamente a margem para investimentos e mesmo
campanha eleitoral de 2002 e à vitória de Lula na disputa para custeio, levando o governo a aumentar significativa­
presidencial (Ver o texto A INTERNACIONAL REBELDE mente a carga tributária, hoje uma das maiores do mun­
NO BRASIL). do.
Em 1994, FHC se elegeu Presidente da Repúbli­ Com relação às recomendações do Diálogo
ca, disputando o segundo turno com Lula. Governou com Interamericano, expressas no Projeto Democracia, podem
a oposição dos partidos da esquerda revolucionária, in­ ser citadas as seguintes realizações de Fernando
clusive do Partido dos Trabalhadores, mas com o apoio Henrique Cardoso e de seu Partido:
dos partidos liberais democráticos de centro.
Na condução política da sua administração e nas 1) Abertura democrática, com franquias ampliadas
relações com o Congresso, onde não tinha maioria, usou e garantidas na Constituinte, com o trabalho de
o poder e certos recursos autoritári o s. Valeu-se FHC nas comissões e de Mário Covas no Plená­
descontraidamente das Medidas Provisórias fugindo das rio.
demoradas tramitações e das resistências parlamenta­ 2) Acolhimento dos comunistas, primeiro no Partido,
res. Demonstrou ainda as tendências parlamentarista e depois nos cargos de governo e, finalmente, com
continuista do seu partido e do seu grupo político mais indenizações das famílias de terroristas mortos
'
próximo. Sem muito esforço, mas com uma eficiente e pela "repressão", de início limitadas às dos que
convincente negociação individual com os parlamentares, morreram nas prisões e agora generalizadamente.
conseguiu emenda à Constituição, quebrando a antiga e 3) Afastamento sumário do serviço público ou veto
prudente tradição republicana que não permitia a reelei­ de nomeação de qualquer pessoa acusada de tor­
ção do Presidente da República. Para assegurar o se- turador ou de ter pertencido a órgãos de seguran-

128 129

-
p

======= Sergio A�gusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Li1erdaJe =======

ça durante o governo dos militares presidentes. A nos e de complementação social. Foi promovida
demissão ou veto era imediato, sem qualquer apu­ uma "ampliação do Estado" que daria inveja a um
ração formal ou de provas das acusações, num projeto concebido por Antonio Gramsci. A ONG
ato ilegal de restrição à Lei de Anistia. Viva Rio por exemplo, além do respaldo governa­
4) Submissão das Forças �rmadas ao controle polí­ mental, recebe subsídios das fundações interna­
tico civil, com a criação do Ministério da Defesa, cionais Rockefeller, Mac Arthur, Brascan e outras.
afastando os militares de participação e influência
nas decisões nacionais, inclusive nos assuntos de Fernando Henrique Cardoso é seguidor dos con­
segurança. Foi aventada também a criação de uma ceitos da Terceira Via participando das idéias de um "con­
Guarda Nacional para retirar do Exército ou res­ senso internacional de centro-esquerda", acompanhan­
tringir a sua destinação constitucional de defesa do a posição de Anthony Giddens (teórico da Terceira Via),
da lei, da ordem e dos poderes constituídos. Não Tony Blair (líder trabalhista inglês), Leonel Jospin, Bill
dispondo de recursos para tal projeto, a iniciativa Clinton, De La Rua e Schoreder. O ideal da Terceira Via é
ficou limitada à criação de um segmento fardado a humanização do capitalismo mediante uma administra­
da Polícia Federal, subordinada ao Ministério da ção pública e econômica socialista (confluência do me­
Justiça. lhor do socialismo e do capitalismo). Em termos práticos,
As restrições de recursos orçamentários para as os social-democratas fabianos concordam com a aplica­
instituições militares se devem mais às limitações ção dos planos e recomendações do Fundo Monetário
financeiras do Estado assoberbado com o paga­ Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comér­
mento de dívidas e de remuneração de investi­ cio (OMC) de forma categórica.
mentos. Entretanto são impeditivos de evolução O fabianismo no Brasil não fica apenas na atividade
da máquina de guerra, contribuindo para seu pro­ política de Fernando Henrique e seu partido. Como o
gressivo enfraquecimento e crescente dependên­ gramscismo, também já penetrou nos meios acadêmicos,
cia do controle político civil. já "permeia" alguns intelectuais e alguns grupos de
A campanha de desprestígio das Forças Armadas militância como a União Jovem Socialista.
está mais ligada ao ativismo das esquerdas revo­
lucionárias do que ao projeto d o Diálogo
* * *

Interamericano. De qualquer forma, este e aquela


acumulam efeitos negativos contra as instituições O governo FHC (1994 - 2000) deixou o País com
militares nacionais. gravíssimos problemas sociais e econômicos, pouco ten­
5) Uso e suporte às Organizações Não Governamen­ do feito na realização da transição para o socialismo. As
tais de inspiração e de ligação a entidades inter­ lentas e progressivas transformações são próprias do pro­
nacionais fabianas e outras com transferência de cesso reformista fabiano. Portanto, não se fale de fracas­
funções públicas e de recursos governamentais, so, porque a semente desta vertente social-democrática
particularmente nas áreas de educação, saúde, está plantada e aparentemente, superou no País a linha
segurança pública, meio-ambiente, direitos huma- da Internacional Socialista representada pelo decadente

l30 l31

-
======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade ======

Partido Democrático Trabalhista de Leonel Brizola. vimento em um mundo em contínua mudança e cres­
Por outro lado, o movimento fabianista pôde e pode cente complexidade".
O Instituto é mantido por subsídios voluntários, doações,
realizar, em determinados momentos, um papel subsidiá­
contribuições dos associados e receitas próprias.
rio da esquerda revolucionária. Muitos aspectos da con­
O Royal lnstitute é ideologicamente influenciado pela Fabian
cepção pragmática do fabianismo coincidem com certos
Society. É representado nos Estados Unidos pela Chatam
processos gramscistas de mudanças pacíficas e progres­
House Fundation, destinada a promover as relações anglo­
sivas para conquistar a sociedade civil e enfraquecer a americanas e a fazer aquele Instituto mais acessível aos
sociedade política. Depois de 1980, os dois fatos novos simpatizantes norte-americanos.
mais significativos e menos perceptíveis nas esquerdas (b) Ver adiante o gráfico anexo OS ORGANISMOS PRIVADOS
no Brasil foram as presenças do fabianismo reformista e INTERNACIONAIS.
do gramscismo revolucionário. (c) A idéia "trilateral" da Comissão pode ter sido inspirada na
É equivocada a afirmação de que o presidente e sugestão de Bernard Shaw de uma unificação do mundo
em unidades políticas e econômicas maiores.
intelectual FHC tenha promovido a imagem favorável do
A idéia de criação de um império mundial é também Fabiana.
Brasil no exterior; o que ele fez foi circular nos meios so­
(d) Ver adiante o anexo PERSONALIDADES DO SISTEMA
cialistas europeus promovendo a sua própria imagem in­
FABIANO NOS EUA.
ternacional.
(e) Nesta obra, fazemos uma distinção entre entidade (insti­
Terminado seu governo, Fernando Henrique Car­ tuição ou organismo) privada e organização não-gover­
doso agora é "homem do mundo", promovido e "badala­ namental (ONG).
do" pelos movimentos e organismos da esquerda inter­ (f) O Centro Acadêmico Woodrow Wilson é uma entidade pri­
nacional. Lembra um pouco Bernard Shaw, um dos fun­ vada norte-americana, criada em 1968 com a finalidade de
dadores do fabianismo na Inglaterra, marxista reformado realizar estudos e pesquisas políticas e de documentos. Em
que se transformou em socialista reformista. A diferença 1977, criou um programa de estudos latino-americanos fi­
nanciado pelas fundações Rockefeller, Ford e Mellon e com
fica na retórica vazia e na produção literária reduzida do
subsídios do governo dos EUA.
intelectual brasileiro.
Apesar de tudo, FHC voltará; pessoalmente ou
representado, mas voltará.

NOTAS

(a) A entidade privada internacional Royal Institute of


International Affairs (RIIA) foi fundada em 1920 com sede
na Chatham House (nome pelo qual é também conhecida)
em Londres e com a finalidade de proceder a análise dos
temas internacionais. É uma associação de personalida­
des que têm por objetivo declarado "ajudar pessoas e or­
ganizações a se manterem na vanguarda do desenvol-

132 133

b
ORGANISMOS PRIVADOS
INTERNACIONAIS PERSONALIDADES DO SISTEMA
FABIANO NOS ESTADOS UNIDOS
EUA

COUNCn. ON F OREIGN AFF AIRS

TRILATERAL COMMISSION

DIÁLOGO INTERAMERICANO (DI)


COh>DSSÃO BIPARTIDÁRIA NACIONAL

NATIONAL ENDOWn.IENT FOR Dn.IOCRACY (NED)


T T T T T
DAVID RO CKEFELLER X X

ZB IGNIEW B RZEZINSKI X X

HENRY KISSINGER- Secret&t I Nh:on X X X X

CYRUS VANCE- Secret&tl Carter X X X

GEORGE SCHULTZ- Secret&t/Reagan X X X

SAMUEL HUNTINGTON- Ideólogo TriIaEral X X X

HOWARD BAKER - Secret&t I Rea",aan X X


I
I ROBERT MCNAM ARA- Secret Defesa X X
I
J JIMMY CARTER- Presidente EUA X X

BILL CLINTON ?

GEORGE BUSH (pai) - PresidenE EUA X

MacGEORGE BUNDY X X

ELLIOT BIClLo\RDSON X X

PAUL VOLCKER X

LANE KIRKLAND X X
-
l------.:I<c.- - - - - - - - -
JOHNSILBER X X

- - -P;:,�- - -+- ABRAHAN LO\VENTHAL X X

CARL GERSHMAN X X
Fabiana
RICHARD FEINBERG X

LOUIS GOODMAN X X

..

======= Cadernos da Liherdacle =======

o CONSENSO DE WASHINGTON

Sergio A de A Coutinho

Consenso de Washington foi a denominação que


o economista e pesquisador inglês John Williamson (a)
do Institute of Intérnational Economics (IIE) com sede
em Washington deu às conclusões a que chegaram os
participantes de uma conferência por ele reunida com a
finalidade de analisar a crise econômica ocorrida nos pa­
íses emergentes da América Latina na década de 1980.
Os Estados latino-americanos que, até então, tiveram
papel decisivo na formulação de um projeto nacional e na
realização do desenvolvimento econômico, foram atingi­
dos pela crise e, progressivamente, paralisados pela dívi­
da externa acumulada, pela estagnação e pela inflação.
John Williamson escreveu um artigo que serviu
de base para a convocação, em novembro de 1989, de
uma conferência que reuniu cerca de 50 pessoas, econo­
mistas de diversos países, dentre os quais vários latinos
americanos, executivos do Governo e de agências
econômicas dos EUA, do Fundo de Reserva Federal, do
F u n d o Monetário In ternacional (FMI), do B an c o
Interamericano d e Desenvolvimento (BID) e d e membros
interessados do Congresso norte-americano.
À primeira vista, pode parecer tratar-se de um
conclave conspiratório do imperialismo econômico para
dominar os países do Terceiro Mundo, em particular da
América Latina. Na realidade, a reunião de Washington
tinha por objetivo fazer a avaliação da crise e discutir a
formulação de uma política de ajustes e de mudanças na
estrutura econômica, recomendáveis para estes países
sem qualquer intenção intervencionista.
Logo depois, 11390, as conclusões a que chega­
ram os participantes da reunião foram publicados pelo
Professor Williamson em um livro a que deu o título de O

137

-
======= Sergio Augusto ele Avellar Coutinho =======
====== Cadernos ela I.iberclacle ======

Consenso de Washington. 3) Gastos Públicos


Entre os economistas e especialistas dos países Prioridades:
desenvolvidos há realmente uma opinião coincidente so­ - Educação
bre a natureza da crise dos países latino-americanos na - Saúde
época e sobre as reformas necessárias para superá-Ia. - Investimentos na infra-estrutura
Na conferência de Washington, portanto, verificou-se uma - Fim dos subsídios
razoável concordância sobre estes pontos. Numa visão
comum, as causas fundamentais da crise seriam: Os gastos militares foram tratados
como uma prerrogativa inalienável dos go­
1) Excessivo crescimento e presença do vernos soberanos, portanto f o r a do
Estado na economia, que se expressa parti­ monitoramento da tecnocracia internacional.
cularmente por:
- Protecionismo 4) Reforma Tributária
- Substituição de importações
- Ampliação da base de tributação
- Excesso de regulamentação
- Moderação das taxas
- Empresas estatais

5) Taxa de Juros
2) Populismo econômico, manifestado no:
- Determinada pelo mercado
- Atendimento das demandas salariais e
- Competitiva
paternalismo social
- Déficit público 6) Taxa de Câmbio
- Determinada pelo mercado

7) Política Comercial
Em suma, a crise latino-americana teria origem
- Liberdade de importação
na indisciplina fiscal e no estatismo.
- Taxas aduaneiras recomendadas, entre
Deste diagnóstico, surgiram as dez recomenda­
10 e 20%
ções mais ou menos óbvias e coerentes com o pensa­
mento econômico dominante no seminário: 8) Investimentos Estrangeiros diretos
- Ampliação
1) Disciplina fiscal
- Não mais déficit fiscal 9) Privatização
- Reduzir a presença do Estado na econo­
2) Fim da inflação mia
- Estabilidade monetária - Eliminar as atividades deficitárias

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===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

10) Desregulamentação tem podido constatar. Países que adotaram as recomen­


- Dar flexibilidade à economia dações de Washington ou que as admitiram como condi­
ção de empréstimos internacionais, obtiveram êxito na
Note-se que nenhuma referência foi feita à dívida estabilização mas não conseguiram retomar o crescimento
externa. Em resumo, o Consenso recomendou basica­ econômico. Seja por má aplicação, seja por incompetên­
mente duas coisas: promover a estabilização da econo­ cia, o fato é que o resultado final desejado tem sido frus­
mia e reduzir o tamanho do Estado. trado e o insucesso tem-se manifestado pela estagnação
A política econômica e as reformas recomenda­ e pelos reflexos sociais negativos, particularmente pelo
das pelo Consenso de Washington são orientadas pelos desemprego.
conceitos do capitalismo e do livre mercado, coerentes Tudo isto põe em dúvida a pertinência (b) e até
com o sistema econômico dos países do primeiro mundo; mesmo a boa fé das recomendações do Consenso, re­
um programa neoliberal adaptado para a América Latina. forçando as interpretações e argumentos das esquerdas
Do ponto de vista ideológico são a expressão do que vêem nelas instrumentos de dominação das "oligar­
neoliberalismo e do processo de globalização tornados quias financeiras globalizadas" e das "potências imperia­
hegemônicos após a derrocada do socialismo soviético listas". Esta é uma visão ideológica de propaganda que
em 1991. não corresponde exatamente à realidade mas é uma ex­
Numa interpretação apressada, as políticas reco­ plicação simplista que impressiona e convence, sem críti­
mendadas parecem imposições. Não o são efetivamente; ca, os patriotas ciosos de sua nacionalidade e frustrados
entretanto o sistema bancário privado e os organismos pelos insucessos verificados em duas "décadas perdidas".
financeiros internacionais, progressivamente, as foram Apesar das experiências mal sucedidas, da má fé
colocando como condição para a concessão de emprés­ de certas interpretações e da crença generalizada no cli­
timos e financiamentos aos países em dificuldade, tor­ ma de conspiração internacional contra os países do Ter­
nando-se critério de garantia que o agente financeiro cre­ ceiro Mundo, é preciso, em nome do bom senso, que se
dor exige do tomador. Por isto, as esquerdas acusam o diga que o Consenso de Washington não foi a invenção
FMI de ser instrumento de dominação do imperialismo diabólica de manipulação do poder econômico e político
norte-americano para impor condições de submissão aos mundial. Não é uma organização clandestina nem foi o
países latino-americanos, violando a sua soberania. instrumento de uma conspiração internacional. Não é o
Com relação ao próprio Consenso de Washington resultado de reuniões de organizações internacionais ou
e apesar das suas boas intenções, pode-se entender que nacionais dos EUA. Não é FMI nem governo norte-ameri­
suas recomendações não deixam de ser uma espécie de cano, simplesmente é o título de um livro de conteúdo
"ingerência tutelar", um ato de meter o bedelho nos paí­ polêmico.
ses menos desenvolvidos e fragilizados pela crise O Consenso de Washington é o resultado da con­
econômica. solidação de opiniões coincidentes e óbvias do ponto de
O Consenso sugere que é suficiente estabilizar a vista capitalista liberal que se transformaram em reco­
economia, liberalizá-Ia e privatizá-Ia para que o país reto­ mendações para resolver a crise dos países latino-ameri­
me o desenvolvimento. Entretanto não é bem isto que se canos (c).

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-

======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ====== ======= Cadernos da Liberdade =======

As boas intenções dos participantes do seminário o MOVIMENTO POLíTICO


reunido pelo Professor John Williamson não produziu re­
sultados completos nos países que os adotaram (d), seja DE LA ROUCHE
pela incompetência dos governos, seja pelo irrealismo das
pretensiosas recomendações do Consenso de Washing­ Sergio A de A Coutinho
ton. Ou pelas duas coisas juntas. O que não se pode daí
deduzir é que o socialismo ou inversamente o nacionalis­ O cidadão norte-americano Lyndon H. La Rouche
mo exacerbado possa ser uma boa alternativa. Jr lidera um empreendimento de amplitude internacional,
Quem sabe se um projeto nacional criativo, inte­ cujas idéias e maneira de operar assemelham-no a uma
ligente, racional, e despreconceituoso não seria uma so­ entidade radical. Alguns dos seus opositores e críticos
lução mais eficaz? identificam o movimento que dirige como uma espécie de
seita ou culto político-ideológico.
O empreendimento não possui propriamente uma
NOTAS expressão ideológica declarada. Sua atitude e pregação
se baseiam em alegadas elaborações conspiratórias in­
(a) O professor Williamson já residiu no Brasil; é casado com ternacionais das oligarquias econômicas dos Estados
uma brasielira e tem um filho também brasileiro; fala bem o Unidos da América em conluio com as da Grã-Bretanha,
português. para fundação de um império mundial permanente de lín­
(b) Em entrevista ao jornalista Boris Casoi, no seu programa gua inglesa, com a eliminação dos demais Estados naci­
de TV Passando a Limpo de 30 de agosto de 2003, o pro­ onais soberanos.
fessor Williamson disse que as recomendações do Con­
Na explicação deste projeto internacionalista, a
senso de Washington, na verdade, não foram completas,
conspiração anglo-americana se torna fantástica quando
deixando de considerar alguns aspectos importantes da
La Rouche revela que nela está incluída a idéia de Waffen
economia dos países latino-americanos.
- SS - internacionais 'como sucessoras das legiões ro­
(c) "Vale lembrar que o Consenso do Washington não é obra
de estadistas, por mais que se veja nele uma conspiração manas para o estabelecimento de um império mundial
neoliberal. Foi resultado, sim, das observações de um aca­ permanente, sem Estados soberanos. (. . . ) . E já começa­
dêmico americano, preocupado com estratégias que pu­ mos o caminho de criação do império mundial de língua
dessem por fim à inflação crônica de vários países, entre inglesa na qual os Estados nacionais deixam de existir e
eles o Brasil. Defendeu a estabilidade da economia através as agências supranacionais, controladas principalmente
de austeridade fiscal e monetária. E, por óbvio, tornou-se pelos anglo-americanos, teriam o poder (EIR, Jun/Jul
consenso e deu bons resultados". (Editorial, Jornal do Bra­ 2001) (a).
sil, 19 de outubro de 2003).
La Rouche faz a interpretação dos fatos históricos
(d) Na mesma entrevista a Boris Casoi, o professor Williamson
e dos acontecimentos contemporâneos com base em uma
disse que o Chile foi o único país, que seguindo as reco­
trama internacional de interesses políticos e econômicos,
mendações do Consenso de Washington teve êxito
tudo explicado no contexto de uma assustadora "Teoria
econômico.
da Conspiração (b).

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-
======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho =======
======= Cadernos da Liberdade ====:==:===

Esta atração de La Rouche pela "teoria da conspi­ - Premiere Services;


ração" teria antecedente no crédito que consta ter atribu­ - Fusion Energy Foundation (c);
ído ("grande fundo de verdade") ao livro PROTOCOLO - The Club of Life;
DOS SÁBIOS DO SIÃO, cuja autenticidade é duvidosa e - Schiller Institute;
foi refutada por um tribunal suíço na década de 1930. - PM - Printing;
Com relação ao seu próprio país, La Rouche acre­
- International Caucus of Labor Committees;
dita que há dois Estados Unidos: um "é o belo farol de - Hamilton Systems Distributors, Inc;
esperança e templo de liberdade dos pais fundadores, de - Executive Intelligence New's Service;
Lincoln e Martin Luther King'; tradição que diz represen­ - John Marshall Distributors, Inc;
tar hoje. O outro EUA "é a tradição do Império Britânico, - MMW Publications;
da Confederação, do escravismo, da idéia de dominar o
- Lafayette / Leesburg Ltda, Partners hip;
mundo através do império mundial' (EIR, Jun/Jul 2002).
- Mid-West Circulation Corporation;
La Rouche não revela como pretende mudar este qua­ - Publication General Management;
dro, ficando apenas na orquestração de denuncias e acu­ - Publication Equities;
sações que passam a ser o fundamento doutrinário e o - Republic Security Services;
motivo de permanência da sua organização política. - Southeast Politicai Literature Sales;
A entidade de La Rouche abrange um grande e - Word Comp.
complexo conjunto de organizações, institutos, comitês e
fundações que atuam na difusão das idéias do seu fun­ Além das organizações, a entidade política de La
dador. Este sistema também se encarrega de gerar re­ Rouche possui publicações diversas:
cursos financeiros com atividades comerciais, particular­
mente editoriais, com arrecadação de contribuições pri­ - Executive Intelligence Review - EIR (a);
vadas e com a obtenção de empréstimos de pessoas físi­ - EIR News for London County;
cas. Estes recursos não só financiam as atividades do - Meddle East Insider;
sistema, mas também sustentam o seu líder e membros - The New Federalist;
do numeroso quadro de militantes.
- 21 sI Century Science Technology.
A grande rede de organizações de frente da com­
plexa entidade internacional abrange unidades de diver­ * * *

sas naturezas; umas são empresas e outras aparelhos


privados de sustentação (difusão ideológica, propaganda
A atuação da entidade La Rouche pode ser vista
e obtenção de recursos): em três fases:

- Campaigner Publications, Inc (c);


- 1960 (Aprox) a 1973
- Caucus Distributors, Inc (c); - 1973 (Aprox) a 1989
- New Benjamin Franklin House, Publishing - 1989 aos dias atuais
Co;

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===== Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liherdade =======

• Fase 1960-1973 sidente Walter Mondale seriam agentes da KGB.


Nas campanhas contra as drogas e prevenção da
Na década de 1960, La Rouche foi um ativista AIOS, ele e seus seguidores produziam as mais fantásti­
estudantil, atuando numa organização de esquerda radi­ cas acusações e denúncias contra autoridades e perso­
cai, Students for Democratic Society, junto à Universida­ nalidades norte-americanas e internacionais. Dentre ou­
de de Colúmbia no estado de Nova Iorque. tras coisas alegavam que judeus influentes, o FMI, ban­
Esta foi a época da rebeldia dos estudantes no queiros internacionais, os serviços de inteligência ingle­
mundo todo, inclusive nos Estados Unidos, onde aderi­ ses e israelenses faziam parte do narcotráfico mundial,
ram às palavras de ordem do comunismo internacional chefiado pela Rainha da Inglaterra. O FMI seria o respon­
contra a presença americana na guerra do Vietnã. É inte­ sável pelo desenvolvimento do vírus HIV. Essa gente e o
ressante notar que, mesmo depois de ter mudado suas cartel internacional da droga na Suíça teriam usado o
posições ideológicas a partir de 1970, La Rouche rara­ combate ao mosquito em certos países para espalhar o
mente faz declarações claramente contrárias ao comu­ vírus da AIOS no mundo.
nismo e as esquerdas. La Rouche se lançou candidato à Presidência dos
Estados Unidos em quatro oportunidades (1976, 1980,
• Fase de 1973 a 1989 1984, 1988) pelo seu pequeno partido US Labor Party
(já extinto), concorrendo às primárias pelo Partido De­
Este período vai desde o fim da Guerra do Vietnã mocrata.
(janeiro de 1973) até o processo judicial e condenação Até 1984, a entidade de La Rouche agia como uma
de La Rouche (janeiro de 1989) por fraude financeira e agência de obtenção e difusão de inteligência. A partir de
fiscal. então, as organizações integrantes se transformaram num
A partir dos anos de 1970, La Rouche, mudou suas aparato de contínua obtenção de fundos e recursos fi­
posições assumindo uma linha política confusa e mal nanceiros. Esta nova feição operativa acabou por levar a
definida, com afirmações que abrangiam pontos de vista entidade e seus integrantes ao escândalo. Em 1987, La
que iam da esquerda radical à direita extremada; para Rouche foi processado por estelionato, sonegação de
muitos de feição fascista. impostos e obstrução da justiça em mais de uma instân­
Nesta época a atuação da entidade se dirigiu prin­ cia da justiça federal dos EUA. O seu movimento político
cipalmente para campanhas anti-AIDS e antidrogas e para havia conseguido contribuições e tomado empréstimos
as tentativas de La Rouche se inserir na política do seu financeiros privados estimados em cerca de US$ 30 mi­
país. lhões, com a alegada finalidade de financiar as campa­
Desde o início da sua atividade pública, mais do nhas políticas de La Rouche, as promoções de preven­
que realizar um objetivo político, fez-se notável pelas de­ ção e tratamento da AIOS e de combate às drogas, bem
núncias de espantosas conspirações internacionais, de­ como de custear as atividades de suas organizações. O
senvolvendo assim sua promoção pessoal. Por exemplo, processo foi iniciado pelas denúncias das pessoas lesa­
Jimmy Carter estaria envolvido no terrorismo internacio­ das, cujos empréstimos não foram remunerados como
' prometido e muito menos devolvidos, salvo para as pes-
nal. Henry Kissinger, Secretário do Estado, e o Vice-Pre-

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======= Cadernos da Liberdade =======

soas importantes e influentes que poderiam criar proble­ - Conceito de soberania limitada e fim dos
mas para a entidade. Estados nacionais;
Em janeiro de 1989, Lyndon La Rouche foi conde­ - Desmantelamento das forças armadas dos
nado a 15 anos de prisão. Igualmente, seis colaborado­ países do Terceiro Mundo;
res foram também condenados a penas diversas. La - Sistema de livre mercado internacional.
Rouche se disse perante a Corte vítima da maquinação
de membros comunistas do governo e de personalidades Com relação à idéia de império mundial, La Rouche
ligadas ao narcotráfico internacional. Declarou ainda que afirma que os Estados Unidos pretendem "perpetuar-se
havia uma conspiração do serviço de inteligência britâni­ no poder por meio da estratégia de guerras perpétuas
co para assassiná-lo na prisão. De qualquer modo, não para estabelecer um novo império romano anglófono,
cumpriu integralmente a pena a que foi condenado, be­ sobre as ruínas dos Estados nacionais subjugados".
neficiado por recursos e disposições legais. Em janeiro A crise financeira mundial não é muito nitidamen­
de 1994 foi solto na situação de liberdade condicional. te discutida por La Rouche, que simplifica as causas e
exagera as implicações. O ex-operador de computador é
• Fase Atual a partir de 1989 tido por seus seguidores como um grande economista.
Entretanto, suas teorias pessimistas não são levadas
Mesmo com a prisão de La Rouche as organiza­ muito a sério. Usa-as para respaldar e difundir suas idéi­
ções e membros de sua entidade política continuaram as e fundamentar interpretações dos fatos políticos e so­
ativas, principalmente pelo trabalho de sua esposa Helga ciais nacionais e internacionais segundo suas conveniên­
Zepp-La Rouche, de nacionalidade alemã e presidente cias. Seus argumentos e previsões catastróficas são ge­
executiva do Instituto Schiller. Esta organização foi criada ralmente desenvolvidos com base em afirmações
em 1984 com a finalidade de "impedir o divórcio da Euro­ fantasiosas e contidas num clima conspiratório, envolven­
pa Ocidental e dos Estados Unidos'. Efetivamente, é um do a participação deliberada de personalidades, agênci­
órgão de propaganda e de difusão das idéias de La as transnacionais e governos, tudo relacionado com com­
Rouche. plicadas tramas e interesses ocultos. Para ele, os vilões
Com a queda do Muro de Berlim (1989) e o colap­ da bancarrota mundial são o FMI, demais agências finan­
so da União Soviética (1991), o foco da Te oria ceiras internacionais e a globalização. As medidas de aus­
Conspiratória de La Rouche mudou. A partir de então os teridade e de estabilização impingidas aos países do Ter­
alvos das denúncias passaram a ser a Nova Ordem Mun­ ceiro Mundo, em particular da América Latina, pelo FMI
dial "de Bush" e a crise financeira mundial numa econo­ ferem as suas soberanias, estimulam a subversão comu­
mia globalizada, tudo interpretado sob a ótica da conspi­ nista e aumentam o desemprego; principalmente são um
ração do "Establishment" anglo-americano e da criação meio para destruir o Estado nacional soberano. Esta teo­
do império mundial sob a liderança dos Estados Unidos. ria também faz crer que a dívida externa dos países é a
Segundo La Rouche, a Nova Ordem Mundial de raiz de todos os problemas da América Latina. La Rouche
Bush se caracteriza por três aspectos ou objetivos princi­ se diz líder mundial contra a globalização.
pais da oligarquia anglo-americana:

148 149

-
====== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ====== ======= Cadernos da l.iberdade =======

• Atividades de La Rouche na América Latina e no com a Guerra das Malvinas e o início da crise da dívida
Brasil externa dos países do Continente. Em setembro de 1982
o governo do México havia decretado unilateralmente �
Os contatos internacionais iniciais de La Rouche moratória do pagamento da sua dívida externa, marcan­
foram tentados na índia, T urquia e Itália. Com relação à do o início da chamada crise da dívida (e).
América Latina, as primeiras referências se fazem 'em Para La Rouche, a Guerra das Malvinas "não era
1974, denunciando uma conspiração anglo-americana apenas um conflito pelas ilhas, mas que fora provocada
contra a soberania dos países do Continente. Fazia en­ por interesses financeiros anglo-americanos cada vez
tão citação de uma política do Presidente Carter de con­ mais desesperados pela bancarrota do sistema financei­
trole da natalidade, plano para esterilizar as mulheres nos ro mundial'.
países subdesenvolvidos para reduzir os nascimentos e Esta afirmação parece ser fantasiosa, pois his­
as populações como via para impor a dominação sobre toricamente é sabido que a iniciativa da invasão das Ilhas
estes países. Nesta época, realmente apareceu no Brasil Malvinas foi da Argentina. A explicação corrente para tal
uma ONG denominada Bem Estar Familiar (Bemfam) ato de guerra (inclusive as esquerdas nacionais e inter­
promovendo o planejamento familiar e o controle da na­ nacionais também assim propalam) é que foi uma ten­
talidade. Foi acusada de proceder a esterilização genera­ tativa do governo militar de unir o povo argentino e desvi­
lizada de mulheres pobres. A Bemfam recebia recursos ar sua atenção dos problemas políticos e econômicos
financeiros da ONG Internacional Planned Parenthood internos.
Federation - IPPF (d). Mais tarde, nos anos de 1980, a Continuando a fazer revelações sobre a conspira­
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro instalou uma ção contra estados nacionais latino-americanos, La
CPI para investigar a atuação da Bemfam no Estado. Na Rouche coloca-se como defensor da soberania destes
oportunidade, o jornalista mexicano da Executive países e contra os planos de desestabilização a que es­
Intelligence Review, Lorenzo Carrasco, declarou que "do­ tariam submetidos pelo "Establishment" anglo-america­
cumento reservado do Conselho de Segurança Nacional no, com a participação direta do Governo dos Estados
dos EUA, afirma a participação do Governo americano e Unidos. Logo depois de sua visita ao Palácio de Los Pinos
de entidades particulares daquele país nos programas de no México, em 1982, La Rouche propôs, como resposta
redução da natalidade em 13 países do Terceiro Mundo à conspiração o "calote coletivo" dos países ibero-ameri­
nas últimas décadas'. Henry Kissinger teria sido um dos canos: "que visassem o ponto mais vulnerável das
artífices desse trabalho. pretensas potências coloniais: o sistema financeiro". Os
Ainda em torno de 1974, La Rouche referiu-se a países unidos deveriam decretar a moratória conjunta do
uma denominada "Tese de McNamara" que propunha a pagamento da dívida externa e criar o mercado comum
criação de uma força interamericana para substituir as ibero-americano.
forças armadas na América Latina. Em 1984, La Rouche foi recebido também pelo
La Rouche começou a atuar mais efetivamente a Presidente Raul Affonsin da Argentina.
partir de 1982, quando foi recebido pessoalmente pelo Na sua pregação política, La Rouche apela para

Presidente do México Lopez Portillo. A ocasião coincidia os sentimentos naCionalistas de políticos e militares (al-

150 151

>
ps

======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

vos prediletos do seu proselitismo), dirigindo-os para uma têm estigmatizado como líder de extrema direita por suas
disposição antiamericana e chauvinista. As denúncias de posições ortodoxas de defesa da ordem social e da pro­
uma conspiração anglo-americana que ameaça a exis­ bidade. La Rouche possivelmente vê no PRONA e no seu
tência soberana dos estados nacionais plantam a des­ líder uma via de difusão de seu discurso no País, onde o
confiança, o temor e uma atitude de hostilidade emocio­ movimento só dispõe de um pequeno escritório de repre­
nai e cívica contra os EUA, agravando as frustrações de­ sentação no Rio de Janeiro. Geraldo Luis Lino e Dennis
correntes das próprias dificuldades políticas, econômicas Small são representantes da MSIA no Brasil.
e sociais. Lorenzo Carrasco, jornalista mexicano e membro
O movimento político de La Rouche com sede nos do Partido Laboral Mexicano (Marivilia Carrasco, presi­
Estados Unidos se projeta na América Latina por meio de dente do Partido, é sua irmã) e Silvia Palácios, também
visitas, conferências, publicações e de algumas organi­ mexicana, estão há muito tempo radicados no Brasil e
zações criadas nos países-alvo, principalmente na Amé­ têm filhos brasileiros. São representantes da entidade
rica Central, México, Peru, Colômbia, Venezuela, Argen­ política de La Rouche no País, membros do comitê exe­
tina e Brasil. cutivo da MSIA e correspondentes da publicação Executive
Os organismos principais de propagação de suas Intelligence Review (EIR).
idéias na íberoamérica são os Partidos Laborais, especi­ São muito ativos e insinuantes, procurando apro­
ficamente na Colômbia, México, Peru e Venezuela. Não ximações com políticos e, em particular, com militares
são partidos autenticamente nacionais mas braços das brasileiros, tanto da ativa como da reserva. Já participa­
organizações de La Rouche: Internacional Caucus of ram de atividades na Escola Superior de Guerra (ESG) e
Labor Communities (ICLC) e Latin América Executive como painelistas no Simpósio sobre "As Lições da Guer­
Communities. ra no Golfo", na Escola de Comando e Estado-Maior do
O Movimento de Solidariedade Ibero-america­ Exército (Junho de 1991).
no (MSIA) foi criado como parte da complexa entidade Em 1991, a entidade La Rouche lançou nos Esta­
La Rouche (1992) na América Latina particularmente no dos Unidos uma campanha contra a realização da confe­
México, Colômbia, Brasil e Argentina. Relacionou-se com rência sobre meio ambiente denominada Rio-92 progra­
o Movimento de Identidade Nacional e Internacional Ibero­ mada para o Rio de Janeiro no ano seguinte. Segundo
Americana (MINEII) fundado pelo Coronel Mohamed Ali alegava, a Rio-92 seria um pretexto para os países ricos
Seineldim, condenado a prisão perpétua por ter chefiado fazerem a "internacionalização da Amazônia". A campa­
um levante armado nacionalista contra o Presidente Carlos nha foi lançada no Clube Nacional de Imprensa em Wa­
Menen (1). shington com o propósito de impedir a realização da con­
No Brasil, o movimento La Rouche não fundou um ferência. Em seu lugar propunha uma reunião para dis­
partido laborista, possivelmente por não haver espaço cutir a " nova ordem econômica" com base na igualdade
político para tal. Entretanto, aproximou-se do Partido da dos Estados nacionais soberanos.
Reconstrução da Ordem Nacional (PRONA), partido de O jornalista Lorenzo Carrasco foi o principal ora­
centro-direita, nacionalista, cujo presidente e fundador é dor. Acusou o Secretário de Meio Ambiente brasileiro José
o Dr Enéias Ferreira Carneiro. As esquerdas no Brasil o Lutzemberg de receber dinheiro da entidade britânica Gaia

152 153
...

===== Sergio Augusto d.e Avellar Coutinho =====


======= Cad.ernos da Liberdad.e =======

F undation para defender a preservação da Amazônia. Zepp-La Rouche. Não realizaram contatos com autorida­
Lutzemberg teria sido nomeado por indicação do Prínci­ des federais, que não lhes seriam simpáticas pela linha
pe Charles. Segundo ainda Lorenzo Carrasco, a Rio-92 ideológica fabianista que adota o Presidente FHC. Aliás
"tem como objetivo central impor às nações, que ali estão os seguidores de La Rouche acusam FHC de ser sub­
representadas, a nova ordem mundial inaugurada san­
misso aos planos do "Establishment" anglo-americano.
grentamente pelo Presidente George Bush e seus alia­ Entretanto realizaram muitos contatos com perso­
dos no holocausto contra o Iraque". O jornalista mexica­ nalidades civis e militares da reserva nacionalistas e, em
no expôs também suas teses sobre a Rio-92 e sobre a geral, antiesquerdistas e antiamericanistas.
Internacionalização da Amazônia na Comissão Parlamen­ Uma série de palestras e encontros foi realizada
tar de Inquérito da Câmara dos Deputados em agosto de em São Paulo pelo casal La Rouche e por outros ilustres
1991.0 relatório da CPI assim se referiu às suas declara­ conferencistas, eventos organizados em conjunto pela
ções àquele foro de investigação, sem as comentar: Associação de Diplomados da Escola Superior de Guer­
ra/São Paulo (ADESG/SP) e pela Executive Intelligence
"O jornalista Lorenzo Carrasco Review (EIR). Na Câmara Municipal, o visitante recebeu
trouxe à CPI uma infinidade de o título de cidadão paulistano, homenagem de iniciativa
denúncias quanto à atividade de da vereadora Hevanir Nimtz do PRONA. Palestras foram
entidades transnacionais de ins­ proferidas no Parlamento Latinoamericano, na Associa­
piração anglo-americana que pre­ ção Comercial de São Paulo e no Centro de Estudos do
tendem subjugar os países do T ribunal criminal de São Paulo.
Terceiro Mundo sob a orientação Além do Dr Enéas F. Carneiro, presidente do
da chamada nova ordem interna­ PRONA, duas outras ilustres personalidades convidadas,
cional, da qual a Guerra do Golfo um militar da reserva e um membro do Congresso Nacio­
seria a primeira manifestação. nal, proferiram também palestras sobre os temas trazi­
Denuncia a intenção anglo-ame­ dos pelo visitante. Embora tratando com atenção os pon­
ricana de reduzir as forças milita­ tos de vista de La Rouche, ambos, nas respectivas áreas
res nacionais, e instituir o de cogitação, fizeram alguns reparos às afirmações e in­
apartheid tecnológico entre outras terpretações por ele apresentadas.
medidas neo-imperialistas." (Diá­ O último evento desta visita de La Rouche, foi a
rio do Congresso Nacional, 22 Fev sua rápida participação na 5ª Reunião Brasil-Argentina -
1994). A Hora da Verdade - organizada conjuntamente pelo
Movimento de Solidariedade Ibero-Americano (MSIA) e o
A presença em importantes eventos oficiais no Movimento de Identidade Nacional e de Integração Ibero­
Brasil mostra o ativismo e a capacidade de penetração Americano (MINEII), dirigida pelo Coronel Mohamed Ali
dos representantes do movimento de La Rouche no País. Seineldin. Esta foi a primeira oportunidade em que o MSIA
De 11 a 15 de junho de 2002, ocorreu uma visita a se reuniu em âmbito nacional.
São Paulo de Lyndon La Rouche e de sua mulher Helga
* * *

154 155

"
c

===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liherdade ======

Não é nosso objetivo fazer um juízo de valor sobre denação de La Rouche e de outros membros do movi­
a entidade política de La Rouche, mas apenas descrevê­ mento, deixam alguma dúvida quanto à finalidade do seu
la tão precisamente quanto possível. Afinal de contas é empreendimento.
mais um movimento internacionalista presente no Brasil.
Sua atitude ostensiva é de oposição a um • A Espantosa Conspiração Mundial
"Establishment anglo-americano" que diz estar ligado à
oligarquia financeira e ao narcotráfico internacionais, e A maquinação anglo-americana que La
que tem um projeto de império mundial sob domínio dos Rouche denuncia não saiu simplesmente da sua imagi­
EUA. Na prática, a militância de La Rouche é dirigida con­ nação, mas de uma interpretação pessoal da história,
tra o seu próprio país e suas acusações o aproximam da bastante discutível, e de fatos reais que ele relaciona com
apostas ia cívica. Por que e para que? Além do mais, apre­ outros de forma nem sempre pertinente. Deste modo, as
senta-se na América Latina como paladino da soberania suas teses políticas se apresentam como uma fantástica
dos Estados nacionais, cuja existência afirma estar e continuada conspiração internacional.
ameaçada de destruição pelo "Establishment". A sua pre­ Transcrevem-se adiante algumas declarações e
gação tem efetivamente provocado a hostilidade e o sen­ afirmações do líder e de seus seguidores. Devem ser li­
timento antiamericanista, sem qualquer crítica, em um das com atitude crítica quanto à coerência histórica, à
amplo segmento de intelectuais brasileiros, particularmen­ lógica política, à racionalidade do argumento e ao bom­
te entre políticos, militares, diplomatas, professores e senso. Esta posição intelectual é indispensável para se
empresários. fazer uma avaliação independente da sua concepção
O sentimento de exacerbado nacionalismo com a polítco-ideológica e dos seus objetivos, pois algumas re­
exaltação dos valores de soberania nacional e de integri­ ferências são fantásticas e outras parecem fantasiosas.
dade territorial, acabarão criando certa "sintonia" com pa­
lavras-de-ordem de anticapitalismo e anti-imperialismo da * * *

esquerda revolucionária. As afinidades de posição contra


os EUA poderão levar os nacionalistas dogmáticos ao "con­ "Claro que ela (a Rainha Elisabeth II)
senso" com as esquerdas revolucionárias. O fato é que o está distribuindo drogas (... ) isto em ter­
chauvinismo antiamericano pode propiciar a formação de mos de responsabilidade: como chefe
uma aliança político-social entre "burgueses" e revolucio­ de uma quadrilha que está distribuindo
nários com indesejadas conseqüências para o país. Um drogas; ela sabe que isto está aconte­
simples incidente internacional poderá ser o fato cendo e não está fazendo nada para
desencadeador do bloco histórico, "união dos contrários". impedi-lo" (Entrevista à NBC, "First
Um questionamento, que pode vir associado às Camara", Março 1984).
perguntas do por quê e para quê do movimento, é o da
origem dos recursos financeiros que sustentam o em­ * * *

preendimento e o numeroso quadro de militantes. Os pro­ "A Monarquia Britânica, desde a virada
cessos judiciais de 1987 a 1989 que acabaram em con- do século (XX), esteve no centro do

156 157

Dn
p

===== Sergio Augusto de Aveilar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade ======

complexo de instituições usadas para "Embora o atentado à vida da Primeira


concretizar a Revolução Bolchevista" Ministra Gandhi (...) seja orquestrada
(EIR, Março 1986). por conta de Moscou, o terrorismo Sihi
não funcionaria tão eficazmente, como
* * *
tem demonstrado, sem a estreita coo­
peração do FBI, do Departamento de
"O Senador Joseph Mc Carthy era am­ Estado dos EUA e do Ministério dos
plamente controlado por três expres­ Assuntos Externos do Canadá" (EIR,
s õ e s da rede britâni ca: a f a m í l i a Set 1985).
Kennedy (parvenus t o the clivedon set
and the British Fabian Society) na pes­ * * *

soa de Ro bert Kennedy, a família


Buckley ( .) e o Sionismo (. .)" (New
. . .
"Numa íntima di�isão de trabalho, o
Solidarity, Jul 1978). Departamento de Estado dos EUA, o
Fundo Monetário Internacional (FMI) e
* * *
a Liga Antidifamação (ADL) da B' nai B'
rith desenvolveram uma combinação
"Henry Kissinger, desde o início dos anos para ajudar a economia de Israel com
de 1950, foi um agente britânico e traidor a p oio da D o p e, Inc, cartel do
dos Estados Unidos. Kissinger subver­ narcotráfico" (EIR, Mar 1985).
teu os EUA; tentou destruir as instituições
políticas e os governos constitucionais * * *

estabelecidos, para comprometer a eco­


nomia americana. Por estes crimes, "Com esta política, Alfonsin e seus ami­
Henry Kissinger é condenável por traição" gos socialistas se propõem a dar o gol­
(Campaigner Special Report 13, 1978). pe de misericórdia a qualquer setor ou
instituição nacionalista que se oponha
* * *
ao "condomínio" que Washington tem
"La Rouche atribuiu a responsabilidade arranjado com Moscou e que destina as
principal pelo complô para assassinar nações subdesenvolvidas à lata do lixo"
Indira Ghandhi a uma facção da Inteli­ (EIR, Ju11989, artigo de Cynthia Bush).
gência Britânica.... Mas o trabalho foi
efetivamente realizado por ordem da * * *

União Soviética" (New Solidarity, Nov


1984). "A resposta (razão da prisão do Cei
Seineldin) não está em Menen, mas em
* * *

158 159

..
-

======= Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ======= ===::==== Cadernos da Liherdade =======

seus padrinhos do "establishment" anglo "Hoje temos um novo conceito de políti­


americano, cujos objetivos políticos res­ ca militar nos Estados Unidos ( );
0 0 ' mas
pondem ao acordo global de comparti­ poder-se-ia traçar, de uma maneira ime­
lhar o poder com Gorbatchov e os sovi­ diata, o exemplo das "Waften-SS", a
éticos" (EIR, Ju11991, artigo de G Small idéia de uma "Waften-SS" internacionais
e D Small). como sucessoras das legiões romanas
para o estabelecimento de um império
* * *
permanente, sem Estados nacionais
soberanos ( )
0 0 ' "

"A política de desmantelar as instituições "Depois que Eisenhower, o último repre­


militares está em marcha há muitos sentante da tradição militar americana,
anos. Nos anos de 1980 foi imposta pelo saiu da Presidência, ( ) que se passou
0 0 '

projeto Democracia de Henry Kissinger ao redor do mundo? O que aconteceu


e Oliver North, ( 0 0 ' ) na Inglaterra onde o governo caiu com
( ...) A preparação para uma nova era de a armação de um escândalo e assumiu
cooperação entre as superpotências e o tipo terrível de Harold Wilson que ini­
d e política econômica e interna­ ciou o processo de destruição da civili­
cionalista, tipo Fundo Monetário Inter­ zação ocidental, por dentro, no campo
nacional" , exige a reestruturação das econômico. Depois houve o atentado
instituições militares iberoamericanas contra a vida de Charles de Gaule, que,
sob a supervisão norte-americana e a à sua maneira, havia adotado a política
criação de uma nova cultura política ci­ de defesa estratégica. Houve ainda o
vil" (EIR, Jul 1991, artigo de G Small e assassinato de Érico Mattei da Itália.
D Small). Houve o assassinato do Presidente
* * *
Kennedy que faz parte do mesmo pro­
cesso. Tivemos a expulsão de Adenauer
"Que conclusões pode tirar a história do governo da Alemanha, para dar lugar
sobre um grupo de funcionários e as­ a uma nova política.
sessores americanos que promoveram Mais tarde, em 1965, tivemos a remo­
insurreições comunistas e guerra civil ção de Erhard do governo alemão em
em países decisivos para combater a outro golpe-de-estado(oo.).
influência soviética na região, por exem­ Logo tivemos a Guerra da Indochina, a
plo Panamá e México ( )1"
0 0 ' (EIR, Jul Guerra do Vietnã que é uma mudança
1991). fundamental na política militar ( )
0 0 ' '

E começamos o caminho na criação do


* * *
império mundial de língua inglesa, em

160 161

...
p

======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liherdade =======

que os Estados nacionais deixam de (EIR, Resumo Executivo, Jul 2002).


existir e as agências supranacionais,
controladas principalmente pelos * * *

angloamericanos, teriam o poder mun­


dial" (EIR, Resumo Executivo, Jul "A política que se desenvolveu dentro
2002). da instituição militar e de outras em tor­
no da monarquia britânica e em torno
* * *
da Wall Street nos Estados Unidos foi a
de usar as lições das Waffen-SS para
"(... ) La Rouche apresentou (... ) o qua­ criar um exército profissional (...), para
dro de desintegração do sistema finan­ criar um império de língua inglesa no
ceiro mundial e as tentativas da facção transcurso de uma ou duas gerações"
"utopista" anglo-americana de perpetu­ (EIR, Resumo Executivo, Jul 2002).
ar-se no poder por meio de uma estra­
tégia de "guerras perpétuas" para esta­ * * *

belecer um novo Império Romano


anglófono sobre as ruínas dos Estados "Durante o período posterior a 1971,
nacionais subjugados" (EIR, Resumo houve uma mudança radical na atitude
Executivo, Jul 2002). dos EUA com respeito às nações das
Américas em particular e, igualmente,
* * *
à África ao sul do Saara. Kissinger dis­
se isso de forma muito clara em 1974
"Em 1936 entrou um novo fator a con­ ( . ..). "
formar esta política [de Roosevelt]. Os "Os interesses fundamentais dos EUA
britânicos que inicialmente colocaram são os seguintes: no Hemisfério Sul há
Hitler no poder na Alemanha, com a in­ recursos naturais imensos. Se permi­
tenção de que este fizesse guerra con­ tirmos que as populações da África, do
tra a União Soviética, para que logo os Centro e Sulamérica cresçam, esta gen­
britânicos e franceses lhe caíssem so­ te se desenvolverá tecnologicamente e
bre a sua retaguarda; subitamente des­ usará os recursos naturais que têm em
cobriram que o Estado-Maior alemão seu próprio território. E, quando chegar­
havia convencido Hitler de atacar o Oci­ mos para roubar estes recursos, já não
dente primeiro. estarão lá" (EIR, Resumo Executivo, Jul
Daí os britânicos fizeram duas coisas: 2002).
destituíram o rei pró-nazista, Eduardo
VIII, para se aliarem aos americanos" * * *

162 163
======= Sergio Augusto de Aveilar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

"(...) aí incluída a variante neocolonialista cos corruptos dos Estados Unidos, que
que os britânicos e os pagãos do mes­ são parte do mesmo esquema" (O
mo naipe (como os príncipes Philip e Complô, pág 11).
Charles), da família real britânica, pro­
motora do culto a Gaia, a mãe de Sata­ * * *

nás, pretendem impor ao mundo" (O


Complô, pág 14). "(...) hoje, um dos principais instrumen­
tos da estratégia desmilitarizadora é o
* * *
fomento de insurgência terroristas na
Ibero-América" (O Complô, pág 21).
"O projeto de desmembrar o Brasil pro­
vém da inteligência colonial britânica, * * *

(...), o que outorgaria à oligarquia reuni­


da em torno da decadente Casa de Este livro estava prestes a ser editado, quando
Windsor uma vantagem estratégica na nos chegou número do boletim "Solidariedade Ibero-Ame­
restauração do poder mundial (. ..)" (O ricano" (2ª quinzena de agosto de 2003) dirigido por Sil­
Complô, pág 24). via Palácios. Por ele ficamos sabendo que o "Movimento
de Solidariedade Ibero-Americano comunica o seu desli­
* * *
gamento da organização política de Lyndon LaRouche"
acrescentando que o movimento continuará suas
"O comunismo está morto, o que deixa atividades no México, Brasil e Argentina.
como única potência mundial a combi­ No mesmo boletim, os editores da Executive
nação anglo-americana: a inteligência Intelligence Review (EIR) declararam que os ex-corres­
britânica no comando da força pondentes ou colaboradores do EIR, Marivilia Carrasco
estadunidense" ( O Complô, pág 29). (México), Lourenço Carrasco e Silvia Palácios (Brasil),
Geraldo Terán e Diana Olaya de Terán (Argentina) e Angel
* * *
Palácios (México) não estão mais associados à Executive
Intelligence Review e organizações políticas associadas
"Um é o conjunto de axiomas adotados a Lyndon LaRouche. "Estes ex-colaboradores romperam
pelos que dirigem a política atual do com ele, política e filosoficamente, em torno do tema subs­
Fundo Monetário Internacional (FMI) ou tantivo da contínua exposição pública que LaRouche vem
do imperialismo britânico, os que impe­ fazendo desde 1984 do sinarquismo (grifo nosso) o nome
lem a extensão maçônica formal para o faxismo universal".
estadunidense do imperialismo britâni­ Nesta declaração, aparece novamente os argu­
co, o Rito Escocês da Maçonaria, pelo mentos próprios da "teoria da conspiração" adotada por
menos nos níveis superiores, e católi- LaRouche e seus seguidores para explicarem um complô

164 165

..
jiiI •

===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho =====


======= Cadernos da Liberdade =======

mundial das oligarquias anglo-americanas. (c) As organizações empresarias Campaigner Publications Inc,
"Foi o mesmo sinarquismo, hoje associado a Caucus Distributors Inc e Fusion Energy Fundation foram
Cheney (Vice-Presidente dos EUA), que criou os gover­ judicialmente liquidadas em 1987 para pagamento de mui­
nos fascistas da Itália, Alemanha, Espanha, França de tas federais por atividades irregulares no valor de cerca de

Vicky e de LavaI e outros, que tentaram conquistar o US$ 16 milhões.


(d) A Planned Parenthood Federation of América atua em âm­
mundo sob a liderança de Adolfo Hitler. Estes sinarquistas
bito mundial e afirma que "a mulher deve ser dona de seu
estão mobilizados pelo Partido Nazista de Hitler por inter­
próprio destino". A organização foi fundada em 1916 por
médio da Espanha de Franco, usaram seus canais no
Margaret Sanger.
México para uma maciça penetração da América do Sul. (e) O Presidente José Sarney também decretou a moratória
Esta rede sinarquista, construída ao redor de uma caba­ do pagamento da dívida externa brasileira, criando dificul­
la maçônica oculta, continuou a operar nas Américas dades políticas e econômicas para o país e para seu gover­
mesmo após a derrota nazista com componentes de di­ no (1985-1990).
reita e esquerda e está crescentemente ativa na (f) Seineldim teve a pena indultada em maio de 2003; está em
atualidade ". liberdade.

Com o rompimento do movimento de LaRouche


com seus colaboradores no Brasil, ficam as dúvidas quan­
to ao seu futuro na América Latina e no País (quem o
representará aqui?) e o do Movimento de Solidariedade
Ibero-Americano (MSIA). Seus membros afirmam que o
movimento continuará independentemente. Para que e
com que meios?

NOTAS

(a) A publicação Executive Intelligence Review (EIR) é também


editada em língua espanhola com o nome de EIR -
Resumen Ejecutivo; circula no Brasil.
(b) Teoria da Conspiração é um tipo de especulação que atri­
bui aos acontecimentos políticos, econômicos e sociais
explicações ligadas a uma trama ou jogo de interesses
inconfessáveis de protagonistas ostensivos ou ocultos.
Consiste em fazer relações entre fatos disparatados.
Freqüentemente recorre à "petição de princípio" para de­
monstrar sua tese. Esta "teoria" é muito usada para impres­
sionar as pessoas em geral ou grupos específicos.

166 167

Dr -
======= Cad.ernos da Liherd.aJ.e =======

AS RECORRÊNCIAS FABIANAS DA
TEORIA CONSPIRATÓRIA DE
LA ROUCHE
Sergio A. de A. Coutinho

o conteúdo central da tese política do economista


e, digamos, cientista político norte-americano Lyndon H.
La Rouche Jr. se resume numa conspiração internacio­
nal que ele atribui ao "Establishment anglo-americano" (a
oligarquia financeira mundial) que pretende criar um im­
pério mundial, anglófono.
Esta teoria conspiratória se completa com afirma­
ções correlatas tais como: o envolvimento direto do Go­
verno dos Estados Unidos na condução do projeto impe­
rial, o desmantelamento das forças armadas nacionais e
neutralização da Igreja Católica, dominação por meio do
controle da natalidade e demográfico (esterilização das
mulheres), subordinação aos organismos econômicos e
financeiros mundiais, internacionalização ou
desmembramento de áreas territoriais sob alegações de
defesa do meio ambiente, dos direitos humanos e das
populações indígenas e o "apartheid" tecnológico. T udo
isto dirigido contra os países do Terceiro Mundo, para a
América Latina em particular.
Segundo La Rouche, o projeto do "império mundi­
al" teria recebido prioridade a partir de 1991, quando, no
quadro de uma Nova Ordem Mundial, o "Establishment"
começa a constatar a "bancarrota" do sistema financeiro
globalizado e o agravamento da crise econômica interna­
cional, a começar pelos Estados Unidos mesmos.
Esta idéia de um império mundial anglófono tem
origem possivelmente no conhecimento das concepções
internacionalistas de personalidades e intelectuais
fabianos, ingleses e norte-americanos.

169
======= Sergio Au�sto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

A existência nos Estados Unidos de organizações - Direitos Humanos;


privadas internacionais ligadas a outras correlatas na Grã­ - Conceito de soberania limitada nas ques-
Bretanha proporciona sustentação às acusações de La tões de meio ambiente e direitos humanos.
Rouche sobre a formação de um "Establishment anglo­
americano", segundo ele, expressão de uma oligarquia La Rouche e seus seguidores agravam as inten­
financeira internacional. Estamos a nos referir às organi­ ções destas recomendações ou ações, traduzindo-as em
zações privadas internacionais Council on F oreign duas afirmações peremptórias:
Relations, Trilateral Commission e Diálogo Interamericano
nos EUA e ligadas à Fabian Society, a London School of - Extinção dos Estados nacionais soberanos e
Economics e ao Royal Institute of International Affairs na - Desmantelamento das forças armadas
Inglaterra (Rever o texto O FABIANISMO NAS AMÉRI­ ibero-americanas.
CAS).
Na década de 1970, ao denunciar a política de Com a expressão Apartheid Tecnológico, refe­
controle da natalidade de Jimmy Carter, La Rouche já rem-se às restrições, imposições e pressões que real­
acusava um plano "malthusiano" de dominação dos paí­ mente o Governo dos EUA exerce sobre os países emer­
ses do Terceiro Mundo por meio da redução das suas gentes para impedir que desenvolvam principalmente ar­
populações. mas nucleares e veículos (mísseis) lançadores de armas
O Projeto Democracia da organização fabiana Di­ de destruição em massa.
álogo Interamericano lhe deu motivo a interpretações que Para La Rouche, tudo isto faz parte da política ofi­
reforçam a teoria conspiratória de um império mundial. ciai dos EUA e as organizações privadas citadas e outras
As recomendações do Projeto (1982) objetivamente se são de "fachada" e instrumentos de execução, para o que
destinavam a forçar a abertura política nos países latino­ recebem recursos financeiros oficiais. Outras vezes, afir­
americanos, então sob regime militar. Recordando, as "re­ ma que as organizações privadas internacionais são, di­
comendações" eram principalmente as seguintes: ferentemente, instrumentos do "establishment anglo-ame­
ricano", que impõem as idéias de submissão dos países
- Submissão das forças armadas ao controle latino-americanos ao próprio governo norte-americano.
político civil;
- Mudança do pensamento militar quanto à " As medidas propostas pelo Diá­
segurança interna e ao combate à subversão; logo Interamericano em escala
- Redução das forças armadas ou limitação regional provinham do temário glo­
de sua expansão; bal que o Establishment anglo­
- Participação das forças armadas no comba­ americano conseguiu impor como
te ao narcotráfico; política ofc
i ial dos Estados Unidos'
- Criação de uma força militar interamericana (O Complô, pág 37).
para intervir em casos de conflitos regionais
e de violação dos direitos humanos; " (...) o Pentágono está envolvido em

170 171
======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

um plano para reduzir ou, mesmo abolir tativa concreta de reversão, anseia por mudança. Por isto,
as Forças Armadas latino-americanas' os brasileiros transformaram o medo numa aposta nas
(O Complô, pág 15). promessas eleitorais de 2002. Quem sabe se o novo Pre­
sidente não vai dar certo? Buscam também alguma com­
Apesar de históricos antecedentes como o da po­ pensação na criação de um "bode expiatório", de prefe­
I ítica do "big s t i ck" de Teddy Roosevelt, do rência, identificado com uma causa exterior que absolva
intervencionismo ("diplomacia da canhoneira") e da a nação da culpa da própria desventura. Vem a calhar a
prepotência norte-americanas e, a partir do colapso sovi­ teoria conspiratória de La Rouche. Apelando para o naci­
ético (1991), da posição de potência hegemônica que os onalismo de um segmento intelectual e sensível da na­
EUA adquiriram, não se pode afirmar que a criação de ção, denuncia o causador de todos os males e de todos
um império mundial seja objetivo nacional ou de governo os desencantos. Que melhor "bode" do que o "Satã do
daquele país. Nem que os denunciados empreendimen­ Norte"? É um "bode" emblemático visível e consensual.
tos de desmantelamento das forças armadas do Terceiro Aí estão tanto os chauvinistas quanto os esquerdistas para
Mundo e da subseqüente eliminação da soberania dos apontá-lo. Por paradoxal que possa parecer, as duas li­
Estados Nacionais o sejam. É verdade que há "interes­ nhas divergentes, por natureza ideológica, têm semelhan­
ses" e "pressões" políticas e econômicas de grupos pri­ te opinião, identificando a potência hegemônica, os Esta­
vados que constrangem o governo norte-americano e que, dos Unidos da América, como uma ameaça e como res­
direta ou indiretamente, acabam sendo incorporados à ponsáveis dolosos por todas as dificuldades por que pas­
política oficial dos EUA, principalmente nos governos de sa o País. Coincidência específica das posições de agru­
políticos ligados ao fabianismo e às organizações pamentos contraditórios que se movem no caminho do
difusoras desta linha ideológica como Jimmy Carter, Bill inevitável consenso buscado pelas esquerdas revolucio­
Clinton e George Bush (pai). (Ler o Texto AMEAÇAS E nárias.
DESAFIOS). O preconceito (no sentido vernacular), o despei­
to, o rancor, o temor e outros sentimentos menores ce­
* * *
gam todos e não os deixam ver (e nem a querer ver) as
próprias omissões, negligências, insensatez e traições.
Desde a fundação da "Nova República" no Brasil, O nacionalismo conclamado por um internacionalista es­
tendo por marcos a promulgação da "Constituição Cida­ trangeiro não tem relação com um projeto nacional e
dã" de 1988 e a eleição de Tancredo Neves, a nação bra­ ganha a feição de um nacionalismo dogmático. Perden­
sileira só acumulou frustrações e perdas de autoestima. do a nitidez dos fatos e o poder d e crítica pela
Desesperançada, não encontra, em si mesma, motiva­ radicalização, os patriotas passam a interpretar o momento
ção e iniciativa; não vê em seus dirigentes, desde 1985, histórico e os acontecimentos sob a ótica da alegada cons­
capacidade para dar solução concreta para seus proble­ piração internacional que visa à destruição das soberani­
mas conjunturais e estruturais, mas só discurso vazio, as nacionais. Curiosamente, as linhas ideológicas
imobilismo, inocuidade. Principalmente não vê um proje­ antiamericanas têm inspirações no exterior: as do mar­
to nacional. Na falta de uma referência, de uma expec- xismo-Ieninismo nas suas três tendências mundiais

172 173
===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

(stalinismo, trotskismo e gramscismo) e as do


TERCEIRO CADERNO
"Iarouchismo" sincrético.
Voltando a La Rouche, podemos dizer que a sua
teoria da conspiração parece ser uma interpretação pes­ o MUNDO CÃO
soal da ideologia fabiana e dos seus projetos objetivos,
particularmente os referentes à América Latina. Se, nos
seus textos, livros e conferências, fossem substituídas as Depois do Muro de Berlim - As surpresas
expressões "Establishment anglo-americano", "oligarquia desagradáveis que poderiam ter sido adivinhadas
financeira internacional" e "política governamental dos com o surgimento da Nova Ordem Mundial.
EUA" pela expressão "movimento fabiano internacio­
nal", com toda a certeza, o leitor ou ouvinte encontraria
um discurso mais lógico, mais compreensível e mais pró­
A NOVA ORDEM MUNDIAL
ximo da verdade. Repetimos a indagação já feita:

-A troco de que, o senhor La Sergio A. de A. Coutinho


Rouche se apresenta como volun­
tário paladino dos países da Amé­ Ao terminar a Segunda Guerra Mundial (1939 -
rica Latina que diz ameaçados em 1945), os países, que tanto aspiraram uma paz duradou­
sua existência nacional soberana, ra, logo se viram em um mundo bipolarizado entre os
pelo seu país de nascimento? Estados Unidos, gigante militar e econômico, e União
Soviética, colosso militar e territorial. Esta realidade de­
terminou uma ordem internacional, caracterizada por fa­
tores permanentes de tensão, por ameaças à paz mundi­
al e pela formação dos antecedentes à situação que hoje
vivemos.
Em primeiro lugar, pelo surgimento do antagonis­
mo entre as superpotências que ficou conhecido por Guer­
ra Fria, uma oposição político-ideológica e, principalmente,
uma disputa pela hegemonia mundial. De um lado, os
EUA, democráticos e capitalistas; de outro, a URSS, tota­
litária e socialista. Do ponto de vista militar, os aspectos
marcantes foram a corrida armamentista, o equilíbrio ar­
mado precário ("paz nuclear") e a criação das alianças
militares opostas - a OTAN e o Pacto de Varsóvia, res­
pectivamente.
O planeta ficou dividido em áreas de influência: o

174 175
..

===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho =====


====== Cadernos da Liberdade ======

mundo livre ocidental e o mundo socialista. O equilíbrio


sentar os primeiros sinais de crise econômica e de perda
entre as superpotências era o delicado resultado da ad­
da capacidade de competir com os Estados Unidos, par­
ministração do antagonismo de modo a não se deixar
ticularmente nos campos militar e tecnológico. O denomi­
transformar numa terceira guerra mundial. O confronto
nado programa norte-americano "Guerra nas Estrelas" foi
direto era evitado e, assim, a oposição se manifestava
o golpe definitivo. Gorbatchev (1986-1991) ainda tentou
nos conflitos periféricos (Coréia, Indochina e Vietnã) e
solucionar a crise com os programas Perestroika e
nas crises agudas episódicas como a de Berlim (1948) e
Glasnost, mas tudo em vão.
a dos mísseis em Cuba (1961).
A queda do Muro de Berlim em 1989 foi o aconte­
O segundo fator de tensão e de ameaça à paz
cimento emblemático da derrota soviética no confronto
mundial foi a "exportação" da revolução socialista mun­
ideológico com os Estados Unidos.
dial, projeto patrocinado pela Internacional Comunista
O inesperado colapso da União Soviética (1991)
soviética. Daí resultaram as revoluções violentas na
foi o desfecho da crise do socialismo real, ineficiente
Grécia, Malásia, China, Cuba, as guerras de libertação
em si mesmo e incapaz de superar a competição
na África e a subversão na América Latina e no Terceiro
econômica e tecnológica com o ocidente capitalista e li­
Mundo.
beraI. Com a superpotência socialista, sucumbiu também
A d i cionalmente, o pós-guerra acentuou a
a Internacional Comunista soviética (Terceira Internacional),
disparidade dos níveis de desenvolvimento político,
a linha ortodoxa do Movimento Comunista Internacional
econômico, social e cultural dos países, colocando-os em
Remanesceram, todavia, as repúblicas socialis­
"mundos" diferentes: Primeiro Mundo, os países ricos
tas distantes, a China Popular, Cuba, Coréia do Norte e
(EUA, França, Grã-Bretanha e os derrotados e restaur ­
� Vietnã, as linhas e os partidos revolucionários stalinistas,
dos Japão, Alemanha e Itália); no Segundo Mundo, os pal­
trotskistas e gramscistas em diferentes países. Mas, o
ses socialistas, militarmente fortes mas socialmente defi­
confronto das superpotências, o foco de difusão do co­
cientes; no Terceiro Mundo, os países subdesenvolvidos.
munismo soviético e a ameaça da guerra catastrófica, já
Neste mundo bipolar, o Brasil alcançou uma posi­
tinham deixado de existir.
ção de certa projeção e de certa comodidade na rela­
� O desaparecimento da superpotência socialista
ções internacionais. Sua participação militar efetlva na _

pôs fim à Guerra Fria e uma Nova Ordem Mundial se


Segunda Guerra Mundial junto com o bloco das naçoe� estabelece, com uma aparência não menos aflitiva, cheia
aliadas o levou ao natural alinhamento com o mundo lI­ de desajustes e de plantadas desconfianças e suspeitas.
vre. Tornou-se o "aliado desejado" pela sua participação
na guerra, sua posição geo-estratégica, sua economia A Nova Ordem Mundial pode ser caracterizada
em desenvolvimento e sua tradição cultural cristã e oci­ pelos seguintes "fatos novos":
dental. Além do mais, nos anos de 1970 atingiu o status
de "nação emergente" ao alcançar o oitavo PIB mundial, - A potência hegemônica mundial (os Estados
um crescimento médio anual de 6 a 8 por cento, embora Unidos da América);
ainda com sérias deficiências sociais. - A globalização econômico-financeira (libera­
A partir de 1982 a União Soviética começou a apre- lismo econômico em escala mundial);

176 177
..

======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho =======


====== Cadernol da Li1erdad.e ======

- A Guerra Fria com uma nova feição; cráticos da América Latina e Ásia".
- Os Coadjuvantes Notáveis. (Jean-François Revel - A Obsessão

Antiamericana, tradução, 2002)


Acrescentam-se ainda outros ingredientes nega­
tivos que perturbam a vida e as relações das nações: o A globalização, na verdade, é o surto imediato do
terrorismo internacional (nacionalista, religioso ou como liberalismo econômico e da franca expansão do livre mer­
parte da nova face da Guerra Fria), o crime organizado cado em âmbito mundial que irromperam naturalmente
mundializado e ligado ao contrabando, ao lenocínio e ao com o desaparecimento do sistema socialista soviético. A
narcotráfico. E mais: a proliferação das organizações eclosão deste fenômeno político-econômico apanhou os
não-governamentais, o ativismo destas e de grupos "po­ países latino-americanos despreparados e fragilizados.
liticamente corretos", exercendo pressão sobre os gover­ Para o Brasil, coincidiu com a crise da dívida no fim da
nos e a opinião pública. déc!ada de 1970, com a hiperinflação, com o fracasso dos
Anteriormente, a bipolaridade do poder mundial planos de estabilização da moeda e com a recessão. T udo
representava um referencial para os países da América isto resultou em estagnação que restringiu a capacidade
Latina em geral e para o Brasil em particular. O alinha­ competitiva de sua economia (Ler o texto A
mento com os EUA era uma posição política lógica para GLOBALIZAÇÃO PARA LEIGOS) e gerou uma grande
os países democráticos e também ameaçados pela sub­ taxa de desemprego.
versão patrocinada pela Internacional Comunista soviéti­
ca. Os países do continente americano eram considera­ O fim da União Soviética e da Internacional Co­
dos pelos Estados Unidos seus aliados; por isto as rela­ munista a ela associada, não significou o fim do Movi­
ções entre todos eram relativamente boas e cooperativas. mento Comunista Internacional como já comentamos em
O advento de uma potência hegemônica, sem Texto anterior (Ler o Texto O MOVIMENTO COMUNISTA
maiores oposições internacionais nos campos econômico, INT ERNACIONAL). No campo ideológico, permaneceu o
militar e político criou uma situação nova e desconfortável antagonismo Socialismo versus Capitalismo que se ma­
para as nações menos poderosas, gerando um sentimento nifesta numa nova Guerra Fria na qual o MCI vai se utili­
oculto de inferioridade e uma aberta sensação de amea­ zar do antagonismo dos grupos fundamentalistas
ça pairando sobre a soberania dos Estados nacionais. islâmicos e da guerra assimétrica para golpear os EUA.
Mas é preciso reconhecer que:
'� superpotência americana re­ Os atentados terroristas de 11 de setembro de
sulta, por uma parte, somente da von­ 2001 contra as torres gêmeas de Nova Iorque e contra o
tade e da criatividade dos americanos; Pentágono em Washington mostraram um tipo inédito de
por outra, é devido aos fracassos acu­ confronto global (Ler o texto A NOVA FACE DA GUERRA
mulados do resto do mundo: - falência FRIA) e exibiram a monstruosidade do terrorismo interna­
do comunismo, naufrágio da África, as cional como fenômeno novo, pela sua ousadia e pelo al­
divisões européias e os atrasos demo- cance mundial.
Os acontecimentos nos Estados Unidos produzi­
ram nos brasileiros sentimentos contraditórios: de um lado,

178 179
===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ====== Cadernos da Liberdade =======

repulsa, indignação e reprovação à violência inédita; de foi a URSS de 1946 a 1991.


outro, o constrangimento, intelectual de alguns e político­
ideológico de outros, que impediu a manifestação franca - '� China, a exemplo da ex-URSS,
de solidariedade aos EUA, olhados com ressentimento e é ideologicamente propensa à domi­
como inimigos potenciais. Perdendo o espírito nobre e nação regional, se não mundial (. .. !"
solidário próprio do caráter coletivo nacional, alguns com­
patriotas quebraram o dilema, manifestando regozijo, dis­ "O fortalecimento militar da China,
creto ou ostensivo, pelo êxito dos terroristas fanáticos na aliado ao crescimento de sua econo­
ação espantosa contra o "império"; justo castigo, justifi­ mia, inevitavelmente é um desafio à
caram, à sua arrogante hegemonia (a). posição dos EUA na Ásia (. ..r.
(Henry Kissinger) (b).
Embora o mundo ainda não se apresente
bipolarizado, muitos brasileiros já antecipam uma posi­ Os protagonistas de peso não têm poder, isola­
ção de restrição e de suspeita em relação à potência da ou coletivamente, para constituírem o contraponto da
hegemônica. potência hegemônica. Entretanto têm expressão sufici­
ente para serem levados em consideração pelos EUA (c).
A globalização e uma nova guerra fria são fenô­ Este elemento da nova ordem mundial é importantíssimo
menos da nova ordem mundial que, à primeira vista, só para o Brasil porque lhe abre alternativas nas relações
teriam relação com a potência hegemônica. Entretanto, com os Estados Unidos. O mundo não fica assim tão ex­
também estão envolvidos outros protagonistas de peso a clusivo.
que denominamos coadjuvantes notáveis:
- A União Européia, no seu conjunto, pela sua A Nova Ordem Mundial gera ou agrava certos an­
expressão econômica e pelo poder militar de tagonismos, mais de natureza subjetiva do que de natu­
seus membros mais destacados: Alemanha, reza objetiva, e deixa de ser apenas o desdobramento
França e Itália. histórico e lógico da ruína soviética e do surgimento ine­
- Grã-Bretanha, país do grupo dos ricos (G7), vitável da potência hegemônica norte-americana. O po­
potência militar nuclear, aliada histórica da der incontrastável produz, sem dúvida, certas tentações
potência hegemônica. e inclinações de arrogância, prepotência e de liberdade
- O Japão, a segunda economia do mundo. de ação para agir unilateralmente quando prevalecerem
- A República da Rússia, potência militar com seus interesses, principalmente de segurança nacional.
grande arsenal nuclear herdado da URSS. A parceria política e militar com os países latino-america­
- A República Popular da China, potência mili­ nos perdeu sua razão de ser. Esta é uma realidade
tar nuclear, com potencialidade econômica, incômoda com a qual as nações do Continente têm que
territorial e demográfica para vir a ser uma conviver e resolver; a hostilidade ou a resignação são
superpotência capaz de representar o papel inúteis. É preciso encarar os fatos com realismo, e formu­
de antagonista da potência hegemônica, como lar um Projeto Nacional factível e com base em dados

180 181
....

======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ====== Cadernos da Liberdade ======

concretos. Antes porém, é preciso conhecer e compre­


A GLOBALIZAÇÃO PARA LEIGOS
ender objetivamente os componentes da Nova Ordem
Mundial sem o que, as interpretações e ações serão me­
Sergio A. de A. Coutinho
ramente passionais e, portanto, inócuas.

O termo globalização se tornou de uso vulgar e


NOTAS ganhou ampla difusão na última década. Veio, desde logo
acompanhado de uma forte carga interpretativa ideológi­
(a) Jean-François Revel cita no seu livro "A Obsessão ca que, muitas vezes torna difícil entender o verdadeiro
Antiamericana" as declarações de Celso Furtado e Frei Boft significado do complexo processo que representa. O con­
solidários aos terroristas e reconhecendo o merecido casti­ ceito pode ser aplicado nos campos político, cultural e,
go infligido ao "império". mais comumente, econômico quando estendido ao âm­
(b) Henry Kinsiger, in Nuvens de Tempestades se Acumulam, bito mundial.
o Estado de São Paulo, 12 Set 1999. Neste último campo, globalização é o processo
(c) Em 2003, Alemanha, França e Rússia se opuseram à inter­
de integração e de interdependência da economia, em
venção militar no Iraque, contra Saddan Hussein, levando
âmbito mundial, entre países, sociedades e grupos
os Estados Unidos a irem à guerra contando apenas com a
econômicos, particularmente:
sua aliada histórica, a Grã-Bretanha.

- Na produção de bens e serviços;


- No comércio exterior;
- No mercado financeiro;
- Na difusão de dados e informações.

Na prática, o processo se identifica não só pela


amplitude planetária mas também pela presteza, flexibili­
dade e facilidade das seguintes operações:

- Processo produtivo multinacional, buscan­


do menores custos operativos (mão-de-obra
barata, incentivos fiscais, facilidade de obten­
ção de insumos, proximidade de mercados,
segurança, etc).
- Trocas comerciais sem fronteiras, com am­
pla e rápida circulação de mercadorias e pro­
cura de novos mercados.
- Circulação instantânea de capitais para in­
vestimentos, aplicações e até para especula-

182 183
======= Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ======= ====== Cadernos da Liberdade ======

ção, buscando rendimento e segurança. 1" FASE 1450 - 1792 Mercantilista


- Disponibilidade imediata de informações e 2" FASE 1792 - 1950 Capitalista Industrial
comunicações. 1950-1991 Capitalismo x Socialismo
3" FASE
1991 -hoie Capitalista Tecnológica

A globalização, como fenômeno econômico, ga­


A primeira fase vai do início das Grandes Nave­
nhou a percepção pública generalizada no início dos anos
gações à Revolução Industrial; a segunda fase vai da
de 1990, quando tomou as características atuais. No en­
Revolução Industrial à Revolução Tecnológica e a tercei­
tanto, já era um fenômeno antigo, existindo a partir das
ra fase vai da Revolução Tecnológica aos dias atuais. Na
Grandes Navegações e dos Descobrimentos, (Século XV)
terceira fase podemos identificar dois períodos: de 1950
que abriram o mundo à cultura, à economia e à polít c

� a 1991, o da Guerra Fria, do confronto de dois sistemas ide­
européias. Até então havia áreas econômicas auto-sufIcI­
ológicos, e, finalmente, da globalização atual, pós-1991, em
entes e isoladas, cujos contatos entre si eram episódicos,
que se dá o surto e o predomínio do liberalismo econômico
raros ou intermitentes:
e expansão do livre mercado em âmbito mundial.
A moderna globalização é o resultado de três fato­
1) A á r e a da Europ a, com três centros
res determinantes principais:
autônomos: do Mediterrâneo (Gênova, Veneza,
Milão e Florença), do Mar do Norte (Lille, Bruges e
1) Tecnológicos
Antuérpia) e do Mar Báltico (Lubeck e Hamburgo).
- As telecomunicações diretas e instantâneas, re-
2) A da Ásia Menor e Oriente Médio, o comércio
sultante dos avanços da eletrônica e do uso de satélites;
bizantino dominado pelo Império Otomano, atuando
- A cibernética, proporcionando a automação,
no Mar Egeu e no Mar Negro. 3) A da China (Can­
os robôs industriais e o teleprocessamento de
tão e Xangai), projetando-se n� Coréia, Mar da
dados (informática);
China e Ásia Central. 4) A da India (Bombaim,
- Transportes de longo alcance rápidos, segu­
Calcutá e outros portos), atuando no Oceano índico
ros e baratos.
e Golfo Pérsico. 5) A da Arábia e África do Norte,
2) Econômicos
projetando-se na África Negra, Mar Vermelho e
- Aumento do consumo de bens e serviços;
costa africana oriental. 6) Finalmente, isolada e
- Crescimento da produção e aumento da pro-
desconhecida, a área do Novo Mundo, com três
dutividade;
centros autônomos das civilizações Pré-Colom­
- Competição e busca de mercados;
bianas: Astecas, Maias e Incas.
- Acumulação de capitais.
3) Políticos
Depois do século XV, o mundo estava aberto econo­
- Fim da Guerra Fria;
micamente. Os "países ricos" eram, inicialmente, Portugal
- Desaparecimento do sistema socialista sovi-
e Espanha e, em seguida, a Inglaterra, França e Holanda.
ético.
A partir daí, podemos reconhecer três fases dis­
Duas características identificam a globalização con­
tintas da globalização:
temporânea e desmentem certas interpretações ideológicas:

184 185

h ,. d
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- Primeiramente, o sistema econômico mun­ (subsídios à agricultura) prejudica nossas exportações de


dial é predominantemente privado e funcio­ produtos agrícolas e agroindustriais para aquela área. O
na segundo as leis de mercado. protecionismo é uma realidade e não uma conspiração.
- Entretanto, os Estados têm marcado presen­ Para superá-lo serão necessárias medidas e negociações
ça no processo econômico mundial, principal­ comerciais e políticas objetivas, resolvidas bilateralmen­
mente em defesa dos interesses nacionais, te ou com a intermediação de organismos internacionais.
exercendo o que se denomina protecionismo Sem dúvida, é um óbice .à prosperidade das nações sub­
- taxação de certos itens de importação, sub­ desenvolvidas ou intermediárias. Lamentar ou deblaterar
sídios à produção e à exportação, substitui­ não leva a nada, entretanto.
ção de importações e apoio administrativo-di­ Passada a primeira década da globalização mo­
plomático às empresas nacionais. derna pode-se constatar o óbvio - ela favorece muito mais
os países ricos industrializados do que os países em de­
A ingerência do Estado na economia não como senvolvimento. Entretanto, mesmo aqueles, encontram
agente, mas como regulador econômico, é o que carac­ também dificuldades, tanto assim que recorrem às medi­
teriza o neoliberalismo, palavra atualmente "satanizada" das protecionistas. Igualmente, os países procuram inte­
pelas esquerdas. É bom que se diga também que não grar áreas de livre comércio regionais (CE, CEI, ALCA,
existem empresas internacionais, extranacionais ou MercoSul, etc) para preservar um espaço econômico
transnacionais. Todas são nacionais embora atuando no melhor controlado e menos competitivo. Com tudo isto,
mercado internacional e, eventualmente, associadas a parece que há uma crise financeira mundial, produzida
empresas estrangeiras ou com filiais em outros países. pelos desequilíbrios gerados pelo vertiginoso proces­
O protecionismo é um mecanismo de defesa de so de globalização, que afeta tanto os países pobres
certos setores econômicos internos que se apresentam quanto os ricos.
sem capacidade de enfrentar a concorrência internacio­
A globalização surpreendeu os países de Ter­
nal na arena do livre mercado, muitas vezes perturbada
ceiro Mundo fragilizados. O Brasil chegou à era
pela competição desleal e fraudada. O protecionismo
globalizada depois da "década perdida" dos anos de
geralmente visa não só favorecer a atividade econômica
nacional, mas principalmente evitar conseqüências soci­ 1980. Mesmo assim, a globalização não lhe tem sido
ais negativas como o desemprego. Evidentemente, seja favorável mais por falta de competência administra­
praticado por países ricos, seja praticado por países em tiva e política do que pela adversidade da competi­
desenvolvimento, as medidas protecionistas são ção e dos "interesses" internacionais.
perturbadoras do livre mercado e, quase sempre, os par­ A inserção em um sistema econômico
ceiros de economia mais fraca são, em termos relativos, globalizado exige que o país realize a s seguintes condi­
os que levam maior desvantagem. O protecionismo nor­ ções principais:
te-americano (taxação) dificulta as exportações brasilei­ - Poupança interna (capitais).
ras de aço, sapatos e suco de laranja para aquele merca­ - Tecnologia própria ou dominada.
do. O protecionismo de países da Comunidade Européia - Produção de significativo volume e de boa

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...
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qualidade. dos EUA;


- Mercado interno amplo e dinâmico. - A globalização é a causa de todas as dificul­
dades econômicas dos países do Terceiro
o Brasil atende razoavelmente a estas condi­ Mundo;
ções particularmente as duas últimas. Entretanto, não - Globalização é sinônimo de especulação fi­
se tem desempenhado bem, o que se mostra no péssi­ nanceira (investimentos especulativos).
mo crescimento do seu produto interno bruto: de 465
bilhões de dólares em 1990, passou para apenas 513 Apesar de todas as aparências, das interpretações
bilhões em 2001, acompanhado de uma taxa de de­ apressadas ou comprometidas ideologicamente, dos dis­
semprego que subiu de 3,7 para 6,4 por cento no mes­ cursos de conveniência ou a pretexto de explicação de
mo período. fracassos, a globalização é um fato, uma realidade que
Enquanto isto, a República Popular da China fez oferece oportunidades e obstáculos aos países interme­
crescer o seu PIB de 387 bilhões em 1990 para 1 trilhão, diários:
cento e cinqüenta bilhões de dólares em 2001, com taxa
de desemprego que subiu apenas de 2,5 para 3,1 porcento "Não existe conspiração dos paí­
em igual período. Não foi milagre do socialismo, mas a ses ricos para penalizar as nações
decisão de entrar "de cabeça" na globalização, sem pre­ em desenvolvimento, mas poucas
conceitos ideológicos e sem se lastimar da Nova Ordem conseguiram colher os frutos da
Mundial. "Ironicamente, os comunistas chineses ajuda­ glob alização." (VEJA, 29 Mai
ram a provar que o capitalismo é indispensável para tirar 2002)
as pessoas da pobreza" (VEJA, 29 Mai 2002).
O liberalismo econômico, a economia de merca­ A afirmação é verdadeira mas pessimista. Sendo
do e o capitalismo passaram a ser o sistema dominante uma realidade que os países em desenvolvimento não
na globalização, constituindo concretamente a negação podem mudar, só lhes resta encarar a globalização como
e o óbice dominante ao socialismo. A constatação desta um desafio que deve ser aceito com competência e de­
evidência cria para as esquerdas, principalmente para as terminação, sem lamúrias, com "engenho, arte e jeito".
de inspiração marxista, uma dificuldade doutrinária cons­
trangedora. Por isto, passaram a incluir no elenco de suas
palavras-de-ordem a estigmatização ideológica da
globalização:

- A globalização é o capitalismo selvagem


mundializado;
- A globalização é o instrumento de domínio e
de exploração engendrado pelos países ricos;
- A globalização é invenção do imperialismo

188 189
======= Cadernos da Li1erdade =======

A NOVA FACE DA GUERRA FRIA

Sergio A de A Coutinho

Guerra Fria foi o nome que se deu à situação de


ostensivo antagonismo, uma aguda oposição, entre os
Estados Unidos da América e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas no período de 1946 (pós Segunda
Guerra Mundial) e 1991 (colapso da URSS e do comunis­
mo soviético). Foi um conflito não declarado, que se ca­
racterizou pelo continuado estado de tensão entre as duas
potências, refletindo uma quase beligerância em que as
hostilidades se faziam particularmente nos campos políti­
co, econômico e psicológico, em guerras periféricas (a)
limitadas, envolvendo aliados e satélites, em incidentes
diplomáticos e militares, na intensa atividade de inteligên­
cia e na corrida armamentista.
O desfecho ideológico, político e militar foi a extinção
da superpotência soviética, a desarticulação momentâ­
nea do movimento comunista internacional - MCI - e o
desaparecimento de seu principal centro irradiador. Pas­
sada a inicial perplexidade das esquerdas mundiais, o MCI
foi aos poucos retomando o seu protagonismo agora en­
riquecido com o resgate da concepção revolucionária de
Antônio Gramsci e com o surgimento de uma
autodenominada Internacional Rebelde de inspiração
anarquista. A esquerda marxista-Ieninista denominada
ortodoxa, até então vinculada à Internacional Comunista
soviética (III Int e rnaciona l), não desapareceu,
remanescendo nos históricos partidos comunistas nacio­
nais que perseveram nas antigas concepções (como o
novo PCB e PCdoB no Brasil) e nos sobreviventes países
socialistas: Cuba, Vietnã, Coréia do Norte e China Popu­
lar. Esta última tem potencialidade para vir a ser a nova
superpotência, mas há ingênuos que acreditam que a RPC

191

-
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======= Sergio AuINsto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

está aos poucos se tornando capitalista e democrática. to, O mais ativo protagonista do Movimento Comunista tem
O Troskismo (IV Internacional) não se deu por sido o anarco-comunismo, tanto na Europa como dentro
afetado pelo desastre soviético, conservando as suas di­ dos próprios Estados Unidos. Evidentemente, não se
versas tendências e partidos em diferentes países do omitem as demais tendências da linha marxista-Ieninista,
mundo, como o PSTU no Brasil. O Gramscismo (diga­ freqüentemente contando com o apoio e a eventual par­
mos, a "V Internacional") vem à cena do comunismo in­ ticipação dos socialistas não marxistas e social-democratas.
ternacional como uma opção renovada do marxismo­ O antagonismo MCI vs. EUA é o primeiro e prin­
leninismo, oportuna e adequada ao momento histórico, cipal elemento da configuração de uma nova e peculiar
particularmente nos países do "tipo Ocidental" entre os Guerra Fria.
quais se inclui o Brasil. Finalmente, o movimento anarco­
comunista começa a ganhar nova expressão a partir de Além desta oposição, há um outro antagonismo
1999, reunindo milhares de organizações não-governa­ bastante evidente entre o Islamismo e o Sionismo que
mentais de "segunda geração", isto é, ligadas à agitação se tornou atual com a criação do Estado de Israel e a
e propaganda do movimento socialista revolucionário e eclosão da luta dos palestinos árabes para fundarem seu
do anarquismo. próprio Estado independente. Concretamente, este anta­
O MCI rapidamente se reorganizou e as esquer­ gonismo se define pelo processo de oposição de gover­
das marxistas internacionais vão retomando consisten­ nos e grupos islâmicos de um lado e o Estado de Isra­
temente seu ativismo, particularmente na Europa e na el de outro que, indo além da competição, se apresenta
América. Para se ter certeza disto, basta ver o mar de sob a forma ostensiva de conflito
bandeiras vermelhas e negras mostrado nas televisões Curiosamente, Antonio Gramsci já havia de­
e fotos nos noticiários das demonstrações "pacifistas" e senvolvido uma argumentação que hoje pode dar
manifestações de protesto lá e aqui. Parece que, neste
uma explicação, sob a ótica marxista, das interações
particular, a África foi esquecida, com suas misérias,
agressivas que ocorrem entre os opositores identifi­
conflitos, regimes socialistas inviáveis que o MCI deixou
cados neste antagonismo. Em carta à sua cunhada
como herança de sua fórmula de guerra revolucionária
Tatiana Schucht datada da prisão de Turi em 5 de
de libertação.
outubro de 1931, o comunista italiano comenta:
Superada a Guerra Fria entre as superpotências
URSS e EUA, o antagonismo (b) capitalismo vs. soci­ "Mas também os árabes s ã o
alismo marxista todavia permanece, com a mesma na­ semitas, irmãos carnais dos ju­
tureza de rivalidade e competição político-ideológica. deus e tiveram o seu período de
Concretamente, este antagonismo passa a se definir pelo agressivi-dade e de tentativa de
processo de oposição entre os EUA e o MCI, com uma império mundial. Na medida, en­
aparência menos nítida: de um l a d o , a potência tão, em que os judeus são ban­
hegemônica evidente, de outro, um conjunto difuso de queiros e detentores de capital fi­
organizações e entidades pouco visíveis. Neste confron- nanceiro, como dizer que os mes-

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======= Sergio f\ugusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

mos não participam da agr es­ Este antagonismo, tem causas subjetivas mais
sividade dos Estados imperialis­ profundas e anteriores - a frustração do sonho imperial
tas?" (A. Gramsci, Cartas do Cár­ islâmico e a sensação de insegurança gerada pela pre­
cere, Civilização Brasileira, 1966). sença da potência hegemônica, a quem grupos islâmicos
radicais consideraram obstáculo às suas aspirações e
o esquema abaixo ilustra os dois antagonismos e ameaça à sua existência (d).
suas decorrências: A atualidade deste antagonismo também vem a
explicar a afinidade oportunista do MCI com os países e
ANTAGONISMO grupos islâmicos, expressa pelo apoio político e moral,

CAPITALISMO MARXISMO embora estes, em geral sejam radicalmente antimarxistas.


���E�U� A��� �--� VS�--�M-��MC� �I���
Finalmente, como decorrência lógica destas com­
plexas interações, estabelece-se o antagonismo MCI
versus Israel. Este é o quarto e último elemento que
completa a configuração da nova face da Guerra Fria
(ver esquema).

Objetivamente, este é o confronto político-ideológi­


co e militar que se estabeleceu entre os Estados Unidos
ANTAGONISMO da América (e de Israel) de um lado e o MCI (e os países
islâmicos) de outro - a Segunda Guerra Fria.
Os dois antagonismos - EUA vs. MCI e países No quadro desta Segunda Guerra Fria é que se dá
islâmicos ou grupos fundamentalistas vs. Israel não acon­ o confronto a que se tem denominado G u e r r a
tecem independentemente. Em âmbito mundial vão ge­ Assimétrica, caracterizada pelo terrorismo internacional
rar recíprocas interações, afinidades (c) e novos anta­ de origem islâmica e pelo acionamento paralelo de uma
gonismos, completando a complexa configuração da Se­ ampla campanha de propaganda adversa das esquerdas
gunda Guerra Fria. Com efeito, Israel, desde a sua cria­ em escala mundial contra os chamados países imperia­
ção em 1948, tem recebido apoio político e moral dos listas.
Estados Unidos da América, caracterizando uma afini­ Guerra Assimétrica pode ser definida como o con­
dade de nível cooperação e supostamente de nível alian­ junto de ações armadas irregulares e ações psicológicas
ça militar. continuadas, conduzidas em âmbito mundial contra uma
Efetivamente os EUA são garantes do Estado de potência por organizações radicais ou ilegais (criminosas).
Israel. Este fato é a causa objetiva que se identifica no an­ Os agentes hostis podem ter o incentivo e o apoio velado
tagonismo governos islâmicos e grupos fundamentalistas de governos radicais simpáticos ou coniventes, de movi­
versus EUA nos dias atuais, terceiro elemento da confi­ mento político-ideológico internacional ou de Estado
guração da nova Guerra Fria (ver esquema). antagônico, visando exaurir a potência-alvo, desgastá-Ia

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-

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internacionalmente e limitar a sua ação política e militar. cano , - inclu sive no Br asil, a d e s p e i t o d a
As organizações radicais ou terroristas podem ter irracionalidade d e tal atitude nas circunstâncias dos
ligações com movimentos pol íticos ou religiosos indiscriminados atos terroristas, vitimando civis ino­
fundamentalistas como a AIKaeda e o Hamás. Redes In­
centes e cidadãos estrangeiros.
ternacionais ilegais (narcotráfico, contrabando, lenocínio,
Terminada a intervenção militar no Afeganistão, o
etc) podem ter relação com as organizações terroristas.
terrorismo palestino é retomado contra Israel; o mesmo
Os objetivos da Guerra Assimétrica são ideológi­
esquema psicológico e de propaganda pacifista se repe­
cos, políticos ou religiosos (fundamentalistas). O antago­
te. Ainda que aparentemente desaprove os insanos aten­
nista real da potência, não podendo agir diretamente con­
tados dos homens-bomba contra a população civil inde­
tra seu opositor, por conveniência ou por falta de poder
fesa, novamente o Mel conduz a campanha internacio­
para tal, "delega" a execução das ações armadas - incur­
nal contra a retaliação militar israelense e a alegada ali­
sões, golpes-de-mão, sabotagem e atentados terroristas
ança dos EUA. Idêntica campanha foi desencadeada con­
- a organizações radicais e às "redes" hostis, caracteri­
tra os Estados Unidos para inibir sua ação política e mili­
zando um conflito da periferia para o centro. As organiza­
tar e retirar o apoio de outros países à pretendida inter­
ções e redes são usadas como "braço armado" do anta­
venção armada contra Saddan Hussein (Segunda Guer­
gonista principal.
ra do Golfo), como parte de uma política de "tolerância
Os atentados terroristas ocorridos em âmbito mun­
zero" ao terrorismo internacional. Desta vez, a campanha
dial, particularmente após 1991, contra os Estados Uni­
psicológica teve grande êxito, isolando, politicamente a
dos e outros países "imperialistas" e "capitalistas" são
potência hegemônica, levando-a a agir unilateralmente.
ações armadas de uma guerra assimétrica que substituiu
Aqui está a nova face da guerra fria, aliás, não tão
a guerra periférica.
"fria" como aquela em que se confrontaram EUA e URSS
Nos atentados terroristas de 11 de setembro
de 1946 a 1990, uma guerra de propaganda com eventu­
de 2001 em Nova Iorque e Washington, as manifes­
ais conflitos periféricos, agora não tão periféricos assim.
,

tações de espanto e de repúdio foram logo seguidas Estamos assistindo o confronto de duas ideolo­
de uma campanha pacifista mundial visando a inibir gias no qual fica evidente que o comunismo não mor­
uma resposta militar norte-americana. As esquerdas, reu, embora se faça de morto para desarmar os espíri­
fazendo a opinião pública, tratou de convencer pes­ tos e a resistência das sociedades democráticas.
soas e governos de que as principais vítimas seriam
crianças inocentes atingidas pelos bombardeios NOTAS
indiscriminados para eliminar os terroristas ocultos e
abrigados. Ao mesmo tempo insinuaram que os aten­
(a) Guerra Periférica - Na guerra fria ou no confronto entre
tados foram justa resposta do mundo árabe contra a duas potências, conflito secundário entre uma delas e um
prepotência, arrogância e agressividade imperialista Estado apoiado ostensivamente pela outra; ou guerra entre
norte-americanas. Esta indução realmente surtiu efei­ dois Estados, cada um apoiado ostensiva ou veladamente
pelas potências antagônicas.
to, fazendo aflorar o ressentimento geral anti-ameri-

196 197
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======= Cadernos da Liberdade ======

(b) Antagonismo - Processo de interação política,


econômica, psicossocial ou militar de oposição entre
AMAZÔNIA EM PERIGO
dois estados, grupos humanos, organizações ou movi­
mentos, que se manifesta pela rivalidade, competição ou Sergio A. de A. Coutinho
conflito.
(c) Afinidade - Processo de interação política, econômica, A Amazônia no imaginário universal é uma imen­
psicossocial ou militar de integração entre dois Estados, sa e exuberante floresta tropical ("rain forest") cobrindo
grupos humanos, organizações ou movimentos que se
vastíssima bacia fluvial, rios caudalosos, onde vivem ser­
manifesta pela simpatia, cooperação ou aliança.
pentes enormes (as terríveis "anacondas"), jacarés vora­
(d) Para Jean-François Revel: "A causa principal deve achá­
zes (os "alligators") e tribos de índios exóticos e canibais.
la, sem dúvida, no ressentimento que não sessa de se
intensificar contra os Estados Unidos, sobretudo depois
A esta imagem fascinante, acrescentam-se noções mais
da derrocada comunista e da emergência deste como objetivas mas, em certa medida, equivocadas: o vazio
única superpotência mundial". demográfico, a espantosa fertilidade do solo e a riqueza
Os ressentimentos fundados ou resultantes da frustração de mineral oculta. Esta opinião generalizada há muito tempo
aspirações não realizadas, se completam com a sensação de tem atraído a curiosidade e o interesse pela região, esti­
insegurança diante da potência hegemônica e, abrangendo mulando especulações, sugestões, projetos mirabolan­
tudo, o sentimento coletivo de inferioridade. tes e fora de propósito de personalidades estrangeiras.
Também o espírito de pesquisa e de aventura trouxe à
ATENTADOS TERRORlSTAS Amazônia exploradores, cientistas e excursionistas ilus­
Contra os EUA
,
tres, cujos relatos atraíram mais atenção para a região.
ANO ALVO MEIO M F
1975 AtI'Oporto La Guardia Bomba 17 75 Antecedentes Históricos
1983 Ernbab:ada no Líbano SlÚc!da 63

1983 BIlSt MiIi!ar no Líbano Bomba 241


Em 1743, o astrônomo francês Charles Marie
1984 Embab:ada no Líbano Can'1lBomba 73 70
Condamine realizou uma expedição àAmérica do Sul com
1988 Avi�o tm vôo Bomba? 281
a finalidade de medir o arco de meridiano terrestre, próxi­
1993 Wol'ld Trall< Ctnttr - NY Bomba 6 100
mo ao equador. Neste empreendimento científico, des­
1995 Oklalloma Bomba 168 200
ceu o Rio Amazonas e sobre esta viagem publicou um
1996 Atlanta (Olipiada) Bomba 2 110
livro.
1998 Embab:ada tm Nairobi Bomba
244 O naturalista alemão Alessander Von Hunboldt, em
1998 Embab:ada na Tanzánia Bomba
viagem com o francês Aimé Conjaud Bonplaud, pelas re­
Wol'ld Trall< Ctnttr - NY
2001
Ptnmgono - Washington
Colisoo II< Miõts 2.823
giões tropicais do Novo Mundo, de 1799 a 1807, esteve
2000 Dtstroltr USS Colt Bomba submtrsa 17
na Amazônia dando-lhe a denominação de Hiléia, em gre­
2001 Avião tm rôo Bomba? 265 go, "a floresta de verdade". É curioso e educativo recor­
2002 Pmonalidadts (stlttivo) Biológico (Antraz) ? dar que o Governo Português, ao tomar conhecimento
2002 Consulado no PaqlÚs�o Carro Bomba 11 45 da presença dos viajantes na região, deu ordens termi­
2003 Embab:ada tm Riad Carro Bomba 20 nantes aos governadores do Grão-Pará e do Maranhão

198 199
====== Sergio Augusto de Aveilar Coutinho ===== ======= Cadernos ela Liberclacle =======

proibindo a entrada de estrangeiros em seus domínios. Comandante Clerk chega a Belém, entretanto as autori­
Humbolt publicou os resultados de suas viagens no livro dades brasileiras não permitiram a entrada do barco no
"Viagens às Regiões Equinociais do Novo Mundo", Rio Amazonas.
obra em trinta volumes. Em 1853, o Governo dos Estados Unidos apre­
No início do século XIX, a borracha havia chama­ sentou pedido formal de abertura do Amazonas à nave­
do a atenção como nova matéria prima. Antes apenas gação internacional, recorrendo à mobilização da opinião
usada artesanalmente para a impermeabilização de pa­ pública mundial. A resposta brasileira foi negativa.
nos e confecção de botas, calçados, chapéus e bolsas; As questões surgidas no Caribe (Antilhas e Cuba)
aos poucos ganhou importância para diversos usos in­ arrefeceram o interesse norte-americano na Amazônia.
dustriais (a). Entretanto o Império do Brasil entendeu que, mais cedo
Várias plantas produzem látex, entretanto a serin­ ou mais tarde, teria que permitir a navegação do Rio
gueira amazônica (Hevea Brasiliensis) é a que melhor Amazonas a navios de outras bandeiras, como ele pró­
pode ser utilizada. A procura do novo material deu origem prio já havia exigido no Prata. Para isto, preparou as con­
a um novo ciclo econômico, o Ciclo da Borracha, que durou dições de garantia dos interesses e da soberania nacio­
de 1827 a 1947 gerando grandes riquezas, fazendo pros­ nais: fundação da Companhia de Navegação do Amazo­
perar as cidades de Belém e Manaus. nas de Irineu Evangelista de Souza (Barão de Mauá), cri­
Com a crescente importância da borracha, não só ação da Província do Amazonas (presença da autoridade
a curiosidade atraiu a atenção para a Amazônia mas, a no interior) e estabelecimento dos postos aduaneiros. Só
partir de m e ados do século XIX, também as então abriu o Rio Amazona� à navegação internacional
potencialidades econômicas da região. Surgiu então em (1867). Infelizmente, a companhia de navegação nacio­
certos setores norte-americanos interesse de natureza nal não prosperou. Em 1873, a empresa inglesa "T he
colonialista em relação à região. Em 1850, o Tenente de Amazon Steam Navegation Company" sucedeu a organi­
Marinha Matthew Fontaine Maury iniciou uma campanha zação de Mauá. Os ingleses pretenderam então investir
para a abertura dos rios amazônicos à navegação inter­ na cultura da borracha, mas não lhes foi permitido. Coin­
nacional, alegando o interesse da humanidade e a in­ cidentemente, o inglês Henri Alexander Wickman obteve
capacidade brasileira para gerir a região. A campanha e levou 70.000 sementes da seringueira para aclimatação
publicitária que conduziu, despertou o interesse de em­ da planta no Jardim Botânico de Kew na Inglaterra.
presas privadas e do próprio Governo americano. Após a Guerra da Secessão nos Estados Unidos
Nos anos de 1851 e 1852, dois oficiais de mari­ (1860 - 1865) algumas organizações filantrópicas (hoje
nha dos Estados Unidos - Lardner Gibbon e William Lewis as chamariam de organizações não-governamentais) pre­
Herdon - reconheceram o Rio Amazonas. O primeiro des­ tenderam assentar na Amazônia os ex-escravos, libertos
ceu o rio a partir de Iquitos, e o segundo subiu o curso de pela União ao vencer os Confederados do Sul. A iniciativa
água, saindo de Belém. Terminaram a expedição, en­ não vingou como anteriormente foi bem sucedida outra
contrando-se em Itacoatiara. semelhante na África (b).
Ainda nesta mesma época é fundada a "T he Steam Na mesma época, muitas famílias de confedera­
Navegation Company of New York". O navio "Amazon" do dos saíram dos Estados Unidos, emigrando para outros

200 201
-

===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Li1erdade =======

países. Para o Brasil, vieram dois grupos; um deles veio velado do governo ao empreendimento.
para o Pará onde esperava estabelecer uma colônia agrí­ A questão se resolveu com o hábil trabalho diplo­
cola. Não prosperou e o núcleo de imigrantes norte-ame­ mático do Ministro das Relações Exteriores Rio Branco.
ricanos não deixou vestígio de sua presença. Outro gru­ Negocia e indeniza (110 mil libras esterlinas) o Bolivian
po emigrou para a Província de São Paulo e lá teve êxito Syndicate que desiste da sua concessão. Faz acordo com
(c). a Bolívia, trata dos limites, tudo acertando no Tratado de
Em 1876, os ingleses levaram sementes da serin­ Petrópolis de 1903.
gueira já aclimatada na Inglaterra para a Ásia, iniciando o A competente atuação de Rio Branco deu solução
seu cultivo e exploração de forma racionalizada na definitiva à Questão do Acre. Nesta ocasião, é bom que
Malásia, Ceilão, Tailândia, Borneo e em outras áreas. Ti­ se diga, não houve qualquer ingerência ou pressão de
veram êxito, obtendo um produto de melhor qualidade algum Estado ou Governo estrangeiro que pudesse cons­
para a indústria e mais barato. Iniciava-se uma concor­ tranger a soberania nacional, embora estivessem envol­
rência que viria a ser fatal para a produção brasileira de vidos interesses privados de empresas transnacionais (d).
borracha. Dez anos depois de resolvida a Questão do Acre,
De qualquer modo, a demanda mundial provocou o próprio Theodore Roosevelt, ex-presidente dos EUA,
uma verdadeira corrida de nordestinos para a Amazônia. veio em excursão ao Brasil, visitar os sertões de Mato
No início do ciclo, as seringueiras foram exploradas na Grosso e Amazonas (1913 a 1914). Qualquer suspeita
foz do Rio Amazonas e, progressivamente a exploração de intenção imperialista nesta viagem perde consistência
se foi interiorizando para as bacias dos afluentes Tapajós, quando se sabe que foi acompanhado na expedição pelo
Xingu, Madeira, Juruá, Purus e Javari, penetrando no Acre General Rondon, aliás a pedido de Roosevelt e indicação
a partir de 1877, na época ainda território boliviano. Os do Governo brasileiro. Em seu livro publicado logo depois
seringais acreanos eram particularmente produtivos, atra­ da viagem, referiu-se a Rondon de modo admirável, re­
indo, milhares de brasileiros que, de boa fé, entraram em conhecendo o seu caráter, cultura e conhecimento dos
território estrangeiro, daí surgindo inevitavelmente o con­ sertões brasileiros.
flito. Tem início a Questão Acreana em 1899. Decorren­ Na preservação e ampliação do fascínio interna­
tes foram os choques armados com forças bolivianas e a cional pela Amazônia, mais notável do que a expedição
revolta que culminou com a declaração de independên­ do ex-presidente Roosevelt foi a exploração que o Coro­
cia do Acre. O governo boliviano, tentando garantir a pos­ nel inglês Fawcett realizou em duas viagens aos sertões
se do território, o deu, em concessão de exploração, a brasileiros.
uma empresa privada, The Bolivian Syndicate of New York Na sua segunda excursão (1925), em busca de
City in North América, consórcio de empresários norte­ uma cidade lendária no interior das florestas do Brasil
americanos e financistas ingleses. A concessão autoriza­ Central, o explorador inglês desapareceu com o seu filho,
va a companhia manter uma força de segurança própria. possivelmente morto pelos índios calapagos. A tragédia e
Consta que se juntou ao grupo de empresários um dos o mistério acrescentaram novos motivos de curiosidade e
filhos de Theodore Roosevelt, então presidente dos EUA, de interesse pela Amazônia.
o que não significava, necessariamente o apoio oficial ou Na década de 1920 a borracha ainda tinha grande

202 203
====== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ====== ===== Cadernos da Liherdade =====

valor econômico. A vantagem competitiva, quase mono­ do Sudeste asiático não podem ser confinados nos seus
pólio, dos ingleses na produção da borracha extraída nos limites geográficos enquanto há espaços vazios ao redor
seringais cultivados na Ásia, levou alguns empresários do mundo. Eles não podem respeitar o fato de que estas
norte-americanos a tentar o cultivo da seringueira. A com­ terras tenham proprietários"(e).
panhia Firestone investiu num projeto na Libéria (1926). Em 1948, a ONU, por intermédio da UNESCO,
Henry Ford desenvolveu dois empreendimentos no Bra­ propôs a criação do Instituto Internacional da Hiléia
sil: Fordlândia (1928) e Belterra (1929) no Vale do Tapajós. Amazônica com a finalidade de realizar pesquisas cientí­
Encontrou dificuldades técnicas e estas plantações de se­ ficas. Na verdade seria uma ingerência nos assuntos in­
ringueiras nunca chegaram à produtividade do cultivo asiá­ ternos dos países da região e do Brasil em particular.
tico. O surgimento da borracha sintética (1946), melhor e Felizmente, a intrometida iniciativa não foi além da
mais barata, praticamente acabou com a borracha extraí­ incômoda proposta.
da da seringueira. Estava findo o Ciclo da Borracha. Em 1960, o Instituto Hudson, entidade privada com
As notícias dos grandes investimentos privados na sede nos EUA, patrocinou o projeto dos Grandes Lagos
região somadas aos relatos dos viajantes e exploradores ou Mar Mediterrâneo Amazônico de invenção do profes­
sobre a exuberância e mistérios da selva equatorial fize­ sor Hermann Kahn. Seria construída uma barragem no
ram crer, aos que não a conheciam, que se tratava de um Rio Amazonas na altura de Gurupá que, inundando a flo­
promissor paraíso e nova fronteira da civilização. Daí en­ resta, proporcionaria franca navegação no interior do con­
tão começam a aparecer projetos e propostas grandio­ tinente, interligação entre as bacias fluviais e a geração
sas mas pouco adaptados à realidade amazônica. de imensa quantidade de eletricidade. O projeto nem foi
Algumas publicações recentes e alguns conferen­ cogitado.
cistas fazem referência ao Japão que teria, na década de Os governos do período da Revolução Restaura­
1930, sugerido a ocupação da Amazônia com exceden­ dora de 1964 (1964-1985) dispensaram uma objetiva
tes populacionais de outras áreas do mundo. Parece ser atenção à Amazônia, realizando grandes projetos de
improcedente esta informação, mas pode ter uma equi­ integração da região ao restante do país, de desenvolvi­
vocada relação com um fato verdadeiro na qual figura o mento econômico auto-sustentado e de ocupação
ex-ministro da índia S. Chamdrasekhar. Tendo sido re­ demográfica racional.
presentante do seu país na ONU, aí fez um discurso que As realizações valorizaram a região e, evidente­
ficou célebre, ameaçando os países que faziam restrição mente, atraíram outra vez as atenções internacionais para
à imigração asiática embora possuíssem espaços vazi­ ela, além de criar novas oportunidades de investimentos
os; referia-se especificamente ao Brasil, Canadá e Aus­ e de empreendimentos econômicos. Serve de exemplo o
trália. Neste discurso, referiu-se também ao Alasca entre Projeto Jarí do empresário norte-americano Daniel Keith
os detentores de espaços vazios. O ex-ministro indiano Ludwig que instalou uma fábrica de celulose para produ­
escreveu depois o livro "Hungry People and Empaty ção de papel e uma vasta área de reflorestamento para
Lands" (Povos Famintos e Terras Vazias), valendo-se de fornecer a matéria-prima necessária. Embora o empre­
estatísticas de
1949. Disse o autor: "Como não há mais endimento tenha progredido razoavelmente, o empresá­
Novos Mundos a descobrir e conquistar, as populações rio encontrou dificuldades. Acabou desistindo do projeto,

204 205
====== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ====== ======= Cadernos da Liberdade =======

passando-o para um grupo empresarial nacional. zônia passou a ser quase a única razão reconhecida da
ameaça que pairaria sobre a nossa soberania na região.
Desde 1750 até os anos de 1960 não se pode Os recursos que geralmente são citados como alvo
efetivamente reconhecer qualquer iniciativa ou tentativa da "cobiça" imperialista podem ser classificados em qua­
estrangeira que tenha representado violação da sobera­ tro categorias: minérios, petróleo, biodiversidade e água
nia brasileira na Amazônia, embora algumas de suas po­ potável.
sições tivessem nítida motivação colonialista como a cam­ Quanto aos recursos minerais da Amazônia, sua
panha do Tenente Matthew F. Maury e a concessão cedi­ natureza e localização são razoavelmente bem conheci­
da pela Bolívia ao Bolivian Syndicate. A "cobiça" alienígena das desde os levantamentos iniciados pelo projeto RADAN
ficou restrita ao interesse comercial e a alguns investi­ nos anos de 1960. As principais reservas são de bauxita
mentos, principalmente na exploração extrativa da serin­ (Pará), cassiterita (Rondônia), ferro (Carajás, PA) e
gueira nativa e na tentativa do seu cultivo racional. manganês (Amapá). Estes minérios estão sendo normal­
A única demanda de origem oficial, isto é, de go­ mente explorados e exportados a preços de mercado. Há
verno estrangeiro, foi referente à abertura do Amazonas ainda reservas significativas de metais importantes como
à navegação internacional. o titânio e o nióbio. Este último tem sido apontado como o
O fato mais claro de ameaça à nossa soberania principal alvo da "cobiça" internacional.
neste período não tem origem na Inglaterra ou nos Esta­ As principais reservas deste metal (cerca de 86%
dos Unidos, mas na França; a Questão do Amapá, em das reservas mundiais) estão em Araxá (MG) e Catalão
que os franceses pretenderam estender a sua Guiana (GO). São exploradas e o minério é exportado (9). As
até o Rio Araguari sob alegação de tratar-se do Rio Vicente ocorrências descobertas no Parque Nacional do Pico da
Pinzón (1). Neblina (Amazonas) praticamente dobram as reservas
É importante reconhecer que o governo brasileiro brasileiras. O fato de o nióbio ser um metal raro e de ser
soube, até hoje, dar soluções oportunas, competentes e indispensável para os projetos de foguetes espaciais não
definitivas a todos os problemas até aqui surgidos. significa liminarmente que a Amazônia está ameaçada
de invasão. Antes Minas Gerais e Goiás estariam sob a
A "cobiça" Internacional mesma ameaça.

A partir dos anos de 1970, as ingerências interna­ O petróleo da Amazônia não é abundante. As re­
cionais em assuntos da Amazônia passam a ser de natu­ servas de Urucu (Amazonas) são pequenas, embora o
reza política e, principalmente, a ter razões ideológicas. óleo seja de excelente qualidade. A prospecção é da
Entretanto, parece que a nossa percepção do problema PETROBRAS. A exploração comercial é viável, mas apre­
está geralmente incompleta quando damos ênfase ape­ senta restrições econômicas, particularmente pelas difi­
nas aos interesses econômicos capitalistas e imperialis­ culdades de acesso à área e de transporte (h). Por si só,
tas mundiais, de certa forma concordando com teses e as reservas amazônicas de petróleo não justificam a "co­
palavras-de-ordem das esquerdas marxistas. A cobiça biça" internacional, possivelmente nem para o futuro (re­
dos países ricos nos imensos recursos naturais da Ama- serva técnica), quando houver escassez absoluta do pro-

206 207
-

======= Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ======= ====== Cadernos da Liberdade ======

duto no mundo. Até lá, uma fonte de energia alternativa pela escassez de água que já começa a se antecipar pelo
provavelmente já estará em uso. crescente consumo nos países do Primeiro Mundo.
Deste modo a Amazônia seria, a curto prazo, o
Outro recurso natural que tem sido apontado como grande manancial da humanidade, foco da "cobiça" dos
motivo de "cobiça" é o que passou a s e chamar países ricos, particularmente da América do Norte, Euro­
biodiversidade. A expressão foi inventada para indicar pa e Extremo-Oriente. A afirmação é uma simplificação
justamente o conjunto dos recursos da flora e da fauna semelhante àquela que os ambientalistas diziam e as
amazônica (i). Na realidade, a variedade de espécies personalidades estrangeiras repetiam: "a Amazônia é o
animais e, principalmente, de espécies vegetais é assom­ pulmão do mundo". A bacia hidrográfica amazônica cons­
brosamente rica na região, mas o seu valor econômico é titui realmente uma grande disponibilidade de água doce.
pequeno. Tirando os produtos extrativos (castanha, es­ Porém, as maiores reservas do líquido estão bem espa­
sências, frutas, fibras, etc) só podemos apontar como de lhadas pelo planeta, nas calotas polares, nas geleiras das
valor comercial a madeira de lei e a borracha, esta já sem montanhas e cordilheiras e na precipitação da neve nos
grande expressão. A exploração ilegal e predatória da países frios. Dois exemplos ilustrativos: O Canadá retira
madeira e o seu descaminho para compradores no exte­ água doce das geleiras e até cogitou de exportá-Ia para a
rior é uma prática duplamente criminosa, infelizmente Califórnia; na Serra da Estrela em Portugal há barragens
motivada pela "cobiça" de brasileiros. (muros de pequena altura) ao longo de sucessivas cur­
A flora medicinal é apontada como uma riqueza vas de nível das encostas para deter a neve, capitar a
cobiçável. Realmente há uma grande potencialidade para água do degelo e dirigi-Ia para as tubulações que a levam
a pesquisa e identificação de princípios ativos importan­ a uma usina hidrelétrica antes de ser distribuída para con­
tes. Entretanto, este valor só existe para quem tem capa­ sumo (I).
cidade de pesquisar, identificar e, principalmente, de sin­
tetizar a droga em laboratório. A "biopirataria" é um es­ Realmente a Amazônia possui riquezas naturais
cândalo mais pela falta de vigilância, incompetência, cor­ variadíssimas que podem sustentar seu próprio desen­
rupção e cobiça de pessoas inescrupulosas, do que pela volvimento. Entretanto não possui nada tão extraordiná­
atividade dos coletores estrangeiros disfarçados de mis­ rio que possa ser causa de "cobiça" internacional e de
sionários, turistas, viajantes e amantes da natureza. A uma conseqüente invasão militar.
pesquisa nacional independente ou mesmo associada a Os recursos disponíveis não são negados aos
grandes laboratórios internacionais é algo mais racional países interessados e têm sido exportados sem restrições,
do que acreditar na "sabedoria milenar dos pajés" ou con­ com vantagens recíprocas para os vendedores nacionais
tinuar a deblaterar a "cobiça" dos países ricos e imperia­ e compradores estrangeiros. O bom senso indica que não
listas (j). há necessidade da conquista física das fontes produto­
Ainda sobre interesses internacionais, recente­ ras para se obter os bens desejados. É uma questão de
mente tem sido apontada a vasta disponibilidade de água investimento e de comércio, contratos livremente negoci­
potável dos rios da Bacia Amazônica. Os recursos hídricos, ados, como tem sido há mais de 200 anos. Por isto, não
como se diz, vão se tornando cada vez mais importantes parece provável uma guerra de conquista desencadeada

208 209
======= Sergio Aug'luto de Avellar Coutinho =======
======= Cad.ernos ela Li.berclade =======

pela potência hegemônica ou por qualquer outro país


pública nacional e internacional.
ambicioso.

Na linha dos direitos humanos, a atuação das


Ameaça Continuada - O "Humanismo" das Esquerdas
ONG foi principalmente dirigida contra os governos mili­
tares na América Latina (denúncias da tortura) e contra
As reais ameaças à soberania brasileira na Ama­
os países que possuem minorias étnicas (acusações de
zônia começam a aparecer depois de 1970 com o
genocídio).
surgimento do ativismo comunista disfarçado por uma
Depois de 1985, o Brasil tem sido especialmente
espécie de humanismo prático e moderno, que se mani­
alvo de campanhas em "defesa" do índio, não como indi­
festa pelos movimentos de defesa da paz, dos direitos
víduo, mas como etnia, minoria e "nação". Muitas reser­
humanos e do meio ambiente em âmbito internacional.
vas indígenas, pela pressão (nacional e internacional) das
Têm por objetivo inibir e enfraquecer os estados capita­
ONG, antropólogos engajados e personalidades "politi­
listas e, na década de 1970, desestabilizar os governos
camente corretas", tornaram-se áreas de segregação e,
militares anticomunistas no poder de vários países da
cada vez, mais afastadas do controle do Estado, sob a
América do Sul. A estrutura deste movimento diversifica­
alegação de preseNação da cultura (sic) original dos po­
do não está diretamente ligada aos Partidos mas tem por
vos. Nestas áreas, a presença de "especialistas" estran­
base uma rede de numerosas organizações não-gover­
geiros individualmente ou de ONG subvencionadas pelo
namentais (ONG) "aparelhos privados voluntários", na
próprio governo brasileiro tem-se tornado maior do que a
concepção de Gramsci.
dos agentes e autoridades nacionais. Algumas reseNas
As ONG são instrumentos que exercem "pres­
indígenas se estão transformando em verdadeiros
são de base" sobre os governos democráticos e condu­
enclaves dentro do território nacional. Atualmente há apro­
zem a "agitação e propaganda" para mobilizar as mas­
ximadamente 250 reseNas no Brasil, das quais cerca de
sas e usá-Ias nas demonstrações, manifestações e pro­
70 estão na faixa de fronteira. Na Amazônia, algumas têm
testos em favor das suas palavras-de-ordem.
enorme extensão, maior que muitos países europeus.
As teses do "humanismo" prático das esquerdas,
por força do ativismo das ONG e de intelectuais orgâni­
- Caiapós................... 133.466 km2
cos, tornaram-se afirmações "politicamente corretas", in­ - lanomâmis .............. 96.649 km2
corporando-se à opinião pública generalizada (senso co­ - Javari ...................... 83.380 km2
mum modificado) à qual os governos democráticos (par­ - Alto Rio Negro .. . .. . . . 81.649 km2
ticularmente nos regimes parlamentaristas europeus) são
muito sensíveis e dispostos a atuar de conformidade. A criação de grandes reseNas indígenas na Ama­
zônia, estimulada, como dissemos, por organizações in­
Na linha do pacifismo, os principais alvos são os ternacionais, personalidades estrangeiras e brasileiras
governos dos países membros da OTAN, em especial, os geralmente de esquerda, principalmente as situadas na
Estados Unidos, buscando inibir as suas ações políticas faixa de fronteira e contíguas a outras reseNas seme­
e militares e retirar-lhes o prestígio e o apoio da opinião lhantes em país vizinho podem representar uma perigosa

210 211
======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade =======

vulnerabilidade (m). Mais tarde, poderá vir a ser alegada rem o Protocolo de Kyoto (1997), documento com evi­
(dentro e fora do Brasil) a autodeterminação da "nação dente significado político-ideológico para constranger os
indígena" e exigida a sua independência ou países capitalistas (o).
internacionalização, sob proteção e administração de al­ O Brasil tem dado uma resposta razoável ao pro­
gum organismo internacional. Um incidente como o cha­ blema da preservação ambiental e às críticas internacio­
mado "massacre" dos sem-terra em Eldorado dos Carajás nais com a criação das unidades de conservação: par­
(pa) poderá ser usado como pretexto até para uma inter­ ques nacionais, estações ecológicas e áreas de proteção
venção militar internacional, como aconteceu em Kosovo ambiental. Entretanto tem proporcionado algumas condi­
na ex-Iugoslávia. A verdade é que nós e o governo temos ções de vulnerabilidade; particularmente:
contribuído para que isso possa acontecer. A mediata - Grande extensão das unidades
causa da ameaça à soberania nacional não é estrangeira - Contigüidade com reservas indígenas
mas o resultado das continuadas omissão e imprudência - Contigüidade com a fronteira
dos brasileiros e dos seus governantes. - Convênio com ONG conservacionistas na-
cionais e estrangeiras
Na linha da ecologia, as pressões se fizeram e se - Aceitação da condição de patrimônio da
fazem em defesa do meio ambiente, colocando embara­ humanidade.
ços a projetos de desenvolvimento, denunciando as
atividades industriais capitalistas ou o uso da energia nu­ Para ilustrar, o Estado de Roraima tem 70 por cento
clear como poluidores. da sua área destinada às reservas indígenas e unidades
Com relação ao Brasil, os dois alvos principais são de conservação, fora portanto da jurisdição estadual. São
o programa nuclear Uá inviabilizado) e a Amazônia. Nesta, consideradas imprudentemente patrimônio da humanida­
as alegações têm sido o desmatamento e as queimadas. de pelos próprios brasileiros, a floresta amazônica, a Mata
O mito do "pulmão do mundo" acabou por impres­ Atlântica e o Pantanal.
sionar personalidades internacionais proeminentes, as
mais conhecidas Margareth Teatcher, AI Gore, Françoise Novamente podemos dizer que a maior ameaça à
Mitterrand, John Major, Gen Patrick Hugles e Gorbachov. soberania nacional não é estrangeira mas a incompetên­
Fizeram declarações ameaçadoras ao Brasil. Embora já cia, a demagogia e a imprudência dos nossos governantes
não mais ocupassem cargos de governo em seus países e a traição dos intelectuais orgânicos brasileiros
e os pronunciamentos não expressassem a posição ofici­ propagadores do "humanismo de resultados" da esquer­
ai destes, pareceram-nos ameaças claras de uso da for­ da internacional. Com isto, criam condições e dão pretex­
ça militar para defender a ecologia na Amazônia (n). As to para que outros governos, principalmente europeus,
manifestações arrogantes foram feitas na década de 1980 eventualmente proponham a internacionalização de áre­
e tinham muito de populismo político e de posição "poli­ as amazônicas ou mesmo tomem a iniciativa extrema de
ticamente correta" que perdeu importância com a realizar uma intervenção militar em defesa dos índios e
desmistificação da fantasia da Amazônia - pulmão do da preservação ambiental.
mundo, e com a recusa dos Estados Unidos de ratifica-

212 213
===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadem.os da Liherdade =======

Perigo Concreto - a "Narcoguerrilha" Colombiana têm de 15.000 a 20.000 guerrilheiros e controla uma área
de cerca de 42.000 km2, uma extensa faixa que vai desde
No período de 1956-1974, o Movimento Comu­ as fronteiras do Equador e Peru até a fronteira da
nista Internacional foi ofensivo na América Latina, por in­ Venezuela. Esta área se estende de Sudoeste (região de
termédio de suas diferentes tendências revolucionárias. Caquetá) a nordeste (região de Vichada) em torno da fron­
Teve êxito em Cuba (1959) mas foi severamente derro­ teira do Brasil ("Cabeça do Cachorro"), mas muito distan­
tado no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia e, tardia­ te desta (aproximadamente 700km)
m e nte, no Peru. Entretanto, na C o l ô m b i a ainda Ainda assim, elementos da guerrilha têm entrado
remanescem dois movimentos guerrilheiros que hoje con­ em território brasileiro para cumprirem diferentes fins. Mais
trolam duas extensas áreas do país, cuja localização per­ significativo foi um ataque guerrilheiro das FARC contra
mite o acesso de grupos armados às fronteiras do Brasil: um posto militar brasileiro em 2002, daí resultando a mor­
- As Forças Armadas Revolucionárias da Colôm­ te de um soldado do Exército.
bia (FARC) de inspiração leninista-maoísta, cria­ O Exército de Libertação Nacional tem cerca de
das em 1964. 5.000 guerrilheiros e atua numa área de aproximadamente
- O Exército de Libertação Nacional (ELN) de ins­ 4.500 km2, região de Araucá, próximo a fronteira da
piração marxista-guevarista, criado em 1965. Venezuela.
O presidente André Pastrana, assumiu o governo Para complicar mais ainda este quadro interno da
com o projeto de obter a paz com os movimentos guerri­ Colômbia, existem grupos paramilitares ilegais, financia­
lheiros. Unilateralmente criou uma "zona desmilitarizada", dos por fazendeiros e narcotraficantes, que combatem a
acreditando que esta concessão pudesse fazer progredir guerrilha. O grupo mais átuante é o que se denomina
negociações de paz com as FARC. O ELN também plei­ "Autodefesas Unidas da Colômbia" (AUC).
teou uma "área desmilitarizada" obtendo idêntica conces­
são. Completando a complexa situação de contesta­
Como se poderia esperar de negociações com ção à ordem institucional colombiana, soma-se o
movimentos comunistas, nada foi conseguido de cons­ narcotráfico.
trutivo para a paz. Mas os dois grupos guerrilheiros obti­ A Colômbia é o maior produtor de cocaína no
veram sem luta "áreas liberadas" que ficaram sob seus mundo e o quinto de heroína. Fornece 80% da droga
respectivos controles. As FARC ainda aproveitaram as consumida nos Estados Unidos.
condições propostas de negociação para criar o seu "bra­ O cultivo da coca, a produção e o tráfico mundial
ço político", o Movimento Bolivariano, na tentativa de ga­ de cocaína são controlados por "cartéis", o mais mencio­
nhar projeção inter' nacional e reconhecimento de belige­ nado o de Calí. O Brasil é um importante mercado consu­
rante. Com este objetivo, mantêm escritório de represen­ midor da droga e seu território é usado como rota para os
tação no Brasil, ingressou no Foro de São Paulo e têm Estados Unidos e Europa. O narcotráfico tem sido a prin­
freqüentado o Foro Social Mundial, com apoio de impor­ cipal atividade do crime organizado no nosso país, assu­
tantes políticos brasileiros de esquerda. mindo crescente gravidade. Diversas entradas (campos
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, de pouso clandestinos e vias fluviais) introduzem a droga

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======= Sergio Augusto de Avellar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liherdade =======

no Brasil, via Amazônia. Há indício de trânsito de insumos - Pressões internacionais ou norte-americanas


químicos para processamento da coca e de armas para a para obter a cooperação e a participação (inclusi­
guerrilha pela região, bem como de instalação de unida­ ve militar) na execução do Plano Colômbia. Pos­
des de refino em território nacional. sivelmente, o atual governo brasileiro não estará
A associação do narcotráfico com a guerrilha, prin­ disposto a concordar.
cipalmente com as FARC, voltada para a proteção das - Pressões externa e interna, particularmente das
atividades de plantio, trânsito e refino da coca, proporcio­ esquerdas, para manter o Brasil fora do conflito e
nou aos movimentos guerrilheiros expressivas vantagens para tolerar o homizio de guerrilheiros fugitivos.
operativas e condições de permanência em atividade: - Dificuldade do Governo brasileiro de mostrar-se
- Consideráveis recursos financeiros neutro perante os governos e a opinião pública
- Acesso a fornecedores de armas no exterior ' ) internacional, se tiver que impedir militarmente o
- Facilidade de movimento de representan- refluxo de guerrilheiros para o território nacional;
tes da guerrilha em outros países. involuntariamente estará cooperando com o cer­
O Governo da Colômbia perdeu a capacidade de co da guerrilha (papel de "bigorna").
eliminar o narcotráfico e os movimentos revolucionários. - Eventual expansão do conflito ao território da
Com o objetivo de criar condições para combater o Venezuela, podendo ameaçar a soberania brasi­
narcotráfico, por extensão, a guerrilha e desenvolver leira em Roraima, justamente coincidente com a
medidas de recuperação sócio-econômica do país Reserva lanomâmi, dando pretexto a pressões
(irradicação e substituição do cultivo da coca, direitos internacionais em defesa dos índios.
humanos e desenvolvimento econômico), o governo ela­ - Transferência do narcotráfico para o território
borou o Plano Colômbia (2000). O governo dos EUA brasileiro (depósitos e instalações de
aprovou a ajuda financeira de US$ 1,3 milhão ao Plano processamento da coca).
Colômbia, dos quais 70% destinados à área militar - Pressões de organizações internacionais (ONG
(reaparelhamento e treinamento militar), incluindo o for­ e outros pacifistas, de direitos humanos e de de­
necimento de helicópteros e de assessores militares. fesa do meio ambiente, inibindo a ação militar bra­
A posição do governo brasileiro tem sido até o pre­ sileira em defesa da soberania nacional.
sente (2003) a de não ingerência nos assuntos colombia­ - Refluxo da população civil (refugiados) para ter­
nos. O governo dos Estados Unidos porém insiste em um ritório brasileiro, particularmente em Tabatinga.
maior envolvimento do Brasil, principalmente na repres­ - Aliciamento de brasileiros pela guerrilha, princi­
são do narcotráfico na fronteira. palmente índios e garimpeiros para constituir a
Caso as ações repressivas ao narcotráfico e à força de sustentação no Brasil.
guerrilha a ele associada na Colômbia sejam conduzidas - Possibilidade de violação do território nacional,
com vigor e o confronto se tornar grave, são de esperar acidental ou intencional, por forças regulares co­
reflexos políticos, psicossociais e militares no Brasil. Numa lombianas em perseguição a guerrilheiros, para
imediata cogitação podem ser listadas os seguintes im­ impedir o apoio externo ou destruir áreas de ho­
plicações: mizio. Ainda, violação por grupos guerrilheiros em

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===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos da Liberdade =======

fuga ou para usar o território brasileiro como "san­ dida da necessidade.


tuário" ou área de homizio. Ao apresentarmos, de forma menos contundente,
- Possibilidade de recontro de forças brasileiras os argumentos com que geralmente são citados os peri­
com grupos guerrilheiros ou com unidades regu­ gos e ameaças atuais e potenciais à soberania brasileira
lares que tenham penetrado no território brasileiro. na Amazônia, não estamos tentando desqualificar as de­
- Passagem pelo território nacional de armas e núncias e advertências que são feitas enfática e caloro­
suprimentos para a guerrilha, com ou sem a coni­ samente. Porém, quando se fala de defesa da soberania
vência de brasileiros. e da integridade territorial nacionais, admite-se a possibi­
- Escalada da luta na Colômbia resultando na in­ lidade extrema da guerra. E quando se fala de guerra, é
tervenção direta de forças internacionais ou dos preciso serenidade e bom senso. Os argumentos têm que
EUA unilateralmente no conflito. ser claros, objetivos e baseados na inteligência e nas in­
formações seguras. Na discussão do tema não há lugar
Aparentemente, o Plano Colômbia ainda não foi para declarações bombásticas e ações passionais.
plenamente implementado, indicando uma perenização
do problema. O governo colombiano, numa demonstra­ NOTAS
ção de fraqueza, voltou a falar de negociações com a
guerrilha. A médio prazo, depois de encaminhado o pro­
(a) O Governo Português (1802) fez o cirurgião Francisco
blema do Oriente Médio, pode acontecer uma participa­
Xavier de Oliveira voltar a Belém para aí instalar uma fábri­
ção militar direta de uma força internacional ou norte­ ca de artefatos de borracha. Os Estados Unidos tornaram­
americana. Uma intervenção militar na Colômbia pode se apreciável importador de sapatos impermeáveis e de
produzir uma interferência estranha direta ou indireta na outros artigos de borracha nela fabricados.
Amazônia brasileira, relacionada com o conflito ou a pre­ (b) Em 1821, mediante um acordo com os sobas nativos, a
texto de defesa do meio ambiente e dos direitos huma­ Sociedade Americana de Colonização tomou posse do Cabo
nos das "nações indígenas". Mesurado na costa ocidental da África, onde hoje está
Monróvia. No ano seguinte, desembarcaram os primeiros
* * * negros livres logo seguidos por Jehudi Ashmun, branco
norte-americano que se tornou o verdadeiro fundador da
Libéria. Em 1843, o país tornou-se independente; língua
A defesa da soberania e da integridade territorial
oficial, o inglês.
nacionais é um dever institucional das Forças Armadas (c) Um grupo de famílias confederadas emigrou para São Paulo
da Nação que não pode ser negligenciado. Fazem bem onde se estabeleceu com êxito. Deixaram como marca de
os militares que se preocuparam com todas as possíveis sua presença a progressista cidade de Americana e seus
ameaças, por menores e mais remotas que sejam, descendentes (quinta geração) lá ainda vivem, completa­
adotando medidas dissuasórias e tomando iniciativas pre­ mente integrados e absorvidos na sociedade brasileira.
ventivas concretas e razoáveis para enfrentar as hipóte­ (d) Alguns autores e escritores da esquerda, engajados com

ses adversas. Também cumprem uma obrigação ao exi­ interpretações marxistas da histórica, têm divulgado ver­
sões que não correspondem à verdade dos fatos e tentam
girem meios para tal, com base em fatos e na exata me-
demonstrar a intervenção imperialista dos EUA na Ques-

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====== Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ====== ======= Cadernos da Liberdade =======

tão do Acre em benefício dos seus interesses e dos empre­ Euclides da Cunha, escrito em viagem marítima de Manaus
sários do Bolivian Syndicate. Primeira versão: A canhoneira para o Rio de Janeiro em 1906 (Genesco de Castro, o Es­
americana Wilmington sob comando do Capitão Chapman tado Independente do Acre e Plácido Castro, 1930).
Tood subiu os rios Amazonas e Purus para levar os repre­ (e) Estas informações me foram passadas por Jarbas Passa­
sentantes do Sindicato, e impor a ocupação do Acre. Se­ rinho, fazendo referência ao livro "Povos Famintos e Terras
gunda versão: As forças de Plácido de Castro se confron­ Vazias" do indiano S. Chandrasekhar.
taram com combatentes bolivianos e americanos na Re­ (f) É oportuno lembrar que a França é o único país europeu
volta Acreana. que tem fronteira com o Brasil por extensão do seu territó­
Realmente, a canhoneira Wilmington, na ocasião do rio no Departamento da Guiana, capital Caiena.
conflito, aportou em Belém (início de 1899). Não consta ter (g) Há denúncias veiculadas na imprensa de que as compa­
subido o Amazonas sem autorização do Governo Brasilei­ nhias mineradoras de nióbio em Minas Gerais e Goiás
ro embora alguns autores afirmem que tal tenha aconteci­ subfaturam as exportações, possivelmente para manter
do. A verdade porém é que este navio nunca subiu o Purus contas bancárias privadas ilegais no exterior. Embora es­
com representantes do Sindicato. Parece que veio ao Bra­ tas denúncias deixem insinuado um complô com capitalis­
sil com missão de colher informações sobre o conflito no tas estrangeiros, esta irregularidade, se verdadeira, nada
Acre. O Capitão Tood teve mais de um contato com o côn­ tem a ver com a "cobiça" na Amazônia, pelo menos de
sul boliviano em Belém. A versão para estes "suspeitos" empresas ou de governos estrangeiros. Seria um caso de
encontros tem sido a de que houve entre eles uma conspi­ crime fiscal ou de corrupção que deveria ser apurado pela
ração contra o Brasil. Todavia, nada aconteceu e a polícia.
canhoneira Wilmington, inopinadamente, suspendeu e dei­ (h) A exploração do campo de Urucu foi iniciada em 1988.
xou Belém de regresso ao seu país (maio de 1899). É im­ Atualmente, a extração de petróleo é de 100 mil barris/dia,
portante saber que havia uma flotilha da Marinha do Brasil correspondendo a 5,5% da produção nacional. O óleo ex­
no Amazonas e que em 1900, subiu até o Acre sem que traído é levado por um oleoduto de 285km até a localidade
tenha havido qualquer incidente bélico. de Coari. Projeto em fase final de elaboração prevê a cons­
Uma delegação de representantes do Bolivian Syndicate trução de um gasoduto de Coari a Manaus (423km) para
só chegou ao Brasil em 1902, subindo para o Acre em alimentar quatro usinas termelétricas, substituindo o uso
embarcações fretadas em Belém. Eram 15 ou 20 pessoas. de óleo diesel como combustível (5 milhões de m3/dia).
Chegaram à Vila de Antimaci (região de Cachoeira Purus), Deverá estar pronto em 2006. Outro gasoduto está sendo
abaixo de Porto Alonso (hoje Porto Acre) então ocupado projetado para levar o gás natural (2 milhões de m3/dia)
pelos revoltosos de Plácido de Castro. Assim não puderam para Porto Velho, Rondônia (263km).
entrar no Acre e aí estabelecer o núcleo inicial da empresa (i) O termo biodiversidade é de criação recente. Só as edi­
na sua concessão. A delegação desistiu do seu intento e ções posteriores ao ano 2000 do Dicionário Aurélio e do
resolveu retornar a Belém. O Bolivian Syndicate, assim, Dicionário Howaiss o registram.
nunca chegou a' se implantar no Acre. U) A expressão pejorativa "biopirataria" poderia também nos
Com relação à presença de combatentes americanos no criar certo constrangimento: As espécies vegetais econo­
conflito, não há qualquer registro ou testemunho fundamen­ micamente mais importantes para o Brasil, cana-de-açú­
tado que confirme esta versão tendenciosa. O próprio Plá­ car, café e soja, nenhuma é nativa; foram "pirateadas" no
cido de Castro, chefe da Revolta Acreana, não faz qual­ Oriente. Sem esquecer de outras plantas que se supõem
quer referência a este fato, nem na sua correspondência brasileiras: coco da Bahia, manga, caju, arroz, feijão, etc. E
nem no minucioso relato que fez da Revolta a pedido de os animais domésticos: o boi, cavalo, carneiro, cabra, o

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búfalo, agalinha, etc. Vice-Presidente dos EUA:


(I) Como curiosidade, o Lago Baikal na Sibéria é o mais pro­ "Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazô­
fundo do mundo chegando a 1750m de profundidade máxi­ nia não é deles,mas de todos nós."
ma. Medindo 674km de extensão por 50km (média) de lar­ - François Mitterrand, 1989,ex-presidente da França:
gura; profundidade média de 700m. Isto representa um re­ - "O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre
servatório de 34 trilhões de metros cúbicos de água doce. a Amazônia."
(m) A demarcação da Reserva lanomâmi,por exemplo,com 9 - John Major, ex-primeiro-ministro da Grã-Bretanha:
milhões de hectares,foi anunciada pelo Presidente Collor - As nações desenvolvidas devem estender o domínio
de Mello em novembro de 1991. Está na faixa de fronteira da lei ao que é comum a todo o mundo. As campanhas
(oeste de Roraima) com a Venezuela. Idêntica medida foi ecologistas internacionais sobre a região amazônica
antecipada pelo governo venezuelano. Em julho de 1991 o estão deixando a fase propagandista para dar início a
Presidente Andrés Perez havia criado um parque nacional uma fase operativa que pode definitivamente ensejar
indígena ianomâmi na faixa de fronteira contígua. As duas intervenções militares sobre a região."
áreas justapostas constituem um "país da nação ianomâmi". - General Patrick Hugles, então chefe da organização de
O Projeto Calha Norte previa a instalação de um pelotão de inteligência das forças armadas dos Estados Unidos,
fronteira em Surucucu no interior da Reserva. Sua instala­ em palestra num estabelecimento de ensino militar:
ção foi retardada por uma forte oposição de antropólogos, - "Caso o Brasil resolva fazer uso da Amazônia que
ecologistas, clérigos católicos e ONG brasileiras sob ale­ ponha em risco o meio ambiente nos Estados Unidos,
gação de que a presença militar levaria doenças de todo temos de estar prontos para interromper este processo
tipo, inclusive venéreas, e o estupro das índias da Reser­ imediatamente."
va. A verdadeira razão era impedir a presença da autorida­ O general foi formalmente desautorado pelo governo
de federal na área. dos EUA, porém suas declarações permanecem como
(n) Diversas personalidades internacionais se manifestaram na a expressão de uma opinião pessoól adversa.
década de 1980 sobre a defesa do meio ambiente da Ama­ - Mikail Gorbatchov, 1992,ex-presidente da União Sovié­
zônia e puseram em dúvida os direitos soberanos do Brasil tica:
sobre aquela área. Estas declarações são muito citadas para "
- ... 0 Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a
demonstrar a existência de interesses territoriais dos paí­ Amazônia aos organismos internacionais competentes."
ses ricos na Amazônia ou de um projeto para internaciona­ (o) Nenhum dos 168 países signatários do Protocolo de Kyoto
lizar a região e abri-Ia às nações para a pesquisa e desen­ o ratificaram até 2002. Os membros da União Européia só
volvimento como foi feito na Antártica. o ratificou em maio de 2002,5 anos'depois. O Presidente
Vamos citar algumas declarações arrogantes destas per­ George Bush retirou a adesão americana a este protocolo,
sonalidades, lembrando apenas que, quando as fizeram, depois de o Senado não o ter ratificado.
não eram chefes de governo e, portanto não falavam em
nome dos seus Estados.
- Margareth Teatcher, 1983,ex-primeiro ministro da Grã­
Bretanha:
- "Se os países subdesenvolvidos não conseguem pa­
gar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus
territórios e suas fábricas."
- AI Gore, 1985, então senador norte-americano e, depois,

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======= Cadernos da Liberdade =======

AMEAÇAS E DESAFIOS

Sergio A. de A. Coutinho

A nova ordem mundial surgida com o colapso


da União Soviética em 1991 e o fim do sistema comunis­
ta a ela ligado agravaram a complexidade da inserção
internacional dos Estados-nação e das relações multila­
terais, com reflexos perturbadores e intranqüilizadores.
O Brasil entrou nesta nova era já em desvanta­
gem e fragilizado pelo desgaste de sua posição de nação
emergente. Os anos de 1980 foram a "década perdida",
seguida por outra de ainda pior desempenho político,
econômico, social e moral. Nesta situação de penúria, as
adversidades exógenas se apresentaram mais graves do
que realmente são.

Começando pela Globalização, ela é para nós


muito mais um desafio do que uma ameaça como muitos
acreditam e outros querem fazer crer. O Brasil tem, po­
tencialmente todas as condições para se inserir na eco­
nomia globalizada e dela tirar vantagens. O que é preci­
so, preliminarmente é recuperar internamente a sua pró­
pria economia. Estamos perdendo tempo a lastimar e a
nos queixar das medidas protecionistas (taxas e subsídi­
os) praticadas pelos Estados Unidos e União Européia.
Como já dissemos (Ler o Texto GLOBALIZAÇÃO PARA
LEIGOS), estas medidas dos países ricos (e de qualquer
outro país) não têm o objetivo deliberado de prejudicar o
Brasil, mas o de proteger certos setores da própria eco­
nomia da concorrência globalizada e garantir emprego
para seus cidadãos. Negociações bilaterais e no âmbito
da Organização Mundial do Comércio (OMC), conduzidas
com habilidade e competência, poderão levar a soluções
alternativas satisfatórias. O que devemos procurar são
novos mercados, valendo-nos de "vantagens comparati-

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===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ======= Cadernos ela Liberdade ======

vas". Se certos produtos nacionais são sobretaxados pela mocracia representativa, somando-se a todas as nossas
potência hegemônica, visando impedir sua entrada no país precaridades políticas.
(por exemplo, suco de laranja, aço e sapato), isto signifi­
ca que são competitivos e que têm condições de disputar Os países a que estamos denominando "coadju­
melhor outros mercados. O grande desafio que a nova vantes notáveis" no cenário da nova ordem mundial são
ordem mundial faz ao Brasil na área da globalização é aqueles que, pelo seu destacado poder nacional gozam
competitividade. de uma certa autonomia em relação à potência
hegemônica. São outros centros de poder mundial que
A nova Guerra Fria, até o momento, não tem proporcionam ao Brasil alternativas econômicas e políti­
afetado diretamente o Brasil. Deste modo, pelo menos cas, atenuando a presença dominante dos EUA. Não se
por enquanto, não temos nada a ver com as intervenções trata de encontrar neles aliados para desenvolver um an­
militares norte-americanas no Oriente Médio. São um pro­ tagonismo nacionalista, mas para abrir maiores espaços
blema deles, embora um país que deseja ter projeção de atuação e de independência para melhor atender os
mundial, como o nosso, não pode ficar indiferente ao ter­ interesses nacionais. Considerar, aprioristicamente, que
rorismo internacional, muito menos ser-lhe simpático por­ todos os países capitalistas são imperialistas ou que fa­
que golpeia a potência hegemônica que invejamos e te­ zem parte de uma conspiração global contra os países
memos. Fora disto, melhor faríamos se não déssemos pobres é uma atitude chauvinista e preconceituosa, con­
opinião e se não emitíssemos juízos de valor sobre pro­ traproducente porque só contribuirá para o isolamento do
blemas reais dos outros. Brasil. Na verdade, a existência dos países coadjuvantes
Ainda que a Guerra Fria não nos diga respeito, o notáveis em número significativo é particularmente van­
Movimento Comunista Internacional, que está por trás tajosa e reduz, de alguma forma, �s preocupações e
dela, efetivamente nos ameaça diretamente, na medida ameaças que a presença da potência hegemônica possa
em que as organizações não-governamentais a ele liga­ representar.
das atuam no Brasil e tentam levar a efeito um projeto
revolucionário aqui. É o caso da Internacional Rebelde O aspecto mais sensível da nova ordem mundial
de inspiração principalmente anarco-comunista que tem é, sem dúvida, o advento da potência hegemônica, os
proporcionado projeção internacional ao Foro Social Mun­ Estados Unidos da América. Seu poder, político,
dial (FSM) que se reúne anualmente em Porto Alegre e, econômico, psicossocial, militar e tecnológico é
proximamente, em Belo Horizonte. De forma indireta, incontrastável, conferindo-lhe uma postura imperial e uma
outras tendências do MCI dão estímulo e apoio ao movi­ conduta autônoma, liberdade de ação que tem sido qua­
mento comunista no Brasil para realização do seu objetivo lificada de arrogante e ameaçadora. A simples existência
de tomar o poder e de implantar o socialismo de um país de singular poder é muito desconfortável para
protocomunista no País. as demais nações, produzindo, inevitavelmente, uma per­
O Movimento Comunista Internacional, nas suas manente sensação de insegurança.
diferentes linhas político-ideológicas e na sua influência Os Estados Unidos porém têm dado inúmeros
nos partidos comunistas no Brasil, é uma ameaça à de- exemplos de respeito e generosidade como foram reco-

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nhecidos na maneira como tratou os inimigos derrotados maneira geral cordial e cooperativa, relações de aliados
na Segunda Guerra Mundial. Além de garantir a indepen­ na Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria. Uma das
dência da Alemanha Ocidental, Itália e Japão, solidaria­ vias alternativas de franco entendimento foi a dos contatos
mente contribuiu para o soerguimento destas nações. de militares. Na intimidade, chama-se esta prática de "di­
Porém, surpreendentemente, também são conhecidos plomacia militar'. Muitas vezes, de maneira informal, di­
exemplos históricos de prepotência para fazer valer os versas dificuldades foram contornadas ou mesmo resol­
interesses nacionais (a). Além do mais, os norte-ameri­ vidas em nosso benefício pelas relações entre camara­
canos freqüentemente arrogam-se um papel messiânico das militares.
e se atribuem a função de "gendarmes do mundo". T rata­ Somente no período presidencial de Jimmy Carter
se de uma potência que muitos identificam como de pos­ (1976-1980) as relações do Brasil com os EUA foram de
tura imperial. certa forma difíceis. Sob a influência das teses fabianas
(Ler o Texto O FABIANISMO NA AMÉRICA) e da entida­
Apesar de tudo, quer queiramos, quer não queira­ de internacionalista Diálogo Interamericano, certos pon­
mos, a potência hegemônica é uma realidade e com ela tos da política do Presidente Carter nos foram bastante
temos que, inevitavelmehte, conviver e lidar. Para isto tere­ incômodos. Na época, estávamos no governo Geisel e
mos que ter sabedoria, isenção e competência, qualida­ havia uma campanha da esquerda internacional acusan­
des que certamente serão apreciadas pelo interlocutor. do os governos militares de violação dos direitos huma­
Antes de mais nada temos que entender, sem juízos ante­ nos, tortura de presos políticos e genocídio indígena. Na
cipados, os pontos de vista da potência hegemônica antes mesma época, o Brasil deu ênfase a seu programa nu­
de julgá-los deliberadamente imperialistas e perigosos. clear criando agências governamentais, desenvolvendo
Temos que buscar e manter relações francas, objetivas e a pesquisa, construindo a primeira usina nuclear de gera­
construtivas, indo além da acadêmica combinação de ar­ ção de energia elétrica e, posteriormente, assinando acor­
gumentos apoiados em ideais da ordenação jurídica inter­ do com a então República Federal da Alemanha para o
nacional (legitimidade) com argumentos ligados a aspec­ desenvolvimento de um processo de enriquecimento do
tos econômicos conjunturais Uustiça e equidade). urânio para reatores.
A política fabianista de Carter incluía os seguintes
Vejamos algumas dificuldades nas relações com pontos incômodos para o Brasil:
os Estados Unidos no passado recente e na atualidade, - Política de controle da natalidade nos países de
identificando-se três períodos de definição da política Terceiro Mundo, evidente intromissão nos seus
norte-americana: assuntos internos. À época, operou no Brasil uma
- 1946-1991 - Guerra Fria ONG denominada Bem-Estar da Família
- 1991-2001 - Hegemon
. ia dos EUA (BENFAM). Suspeitou-se de ser subsidiada
- 2001-hoje - "Tolerância Zero" para com o indiretamente pelo Governo Carter, por intermé­
terrorismo dio de outra ONG com sede nos EUA _ Planned
No período da Guerra Fria (1946-1991) a política Parenthood Federation - fundada em 1916.
norte-americana com referência ao Brasil foi, de uma - Política de Direitos Humanos que, na verdade,

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======= Cad.ernos da Liherd.ac:le =======

tomou forma de pressão política e econômica. A de Mísseis ("recado" ao Brasil).


tal ponto chegou a impertinência do Governo - Não realização de vendas de armas para regi­
Carter, que levou o Presidente Geisel a reagir com ões onde haja tensão, por exemplo Oriente Médio
altivez, denunciando (1977) o Acordo Militar Bra­ ("recado" para o Brasil).
sil-EUA, gesto simbólico de desagrado e de inde­ - Subordinação das forças armadas à autoridade
pendência civil (c).
- Não-proliferação de armas nucleares. A insistên­ - Combate ao narcotráfico.
cia norte-americana sobre o governo alemão aca­ - Adesão ao tratado de não proliferação de ar-
bou por esvaziar o acordo de cooperação na área mas nucleares ("recado" ao Brasil).
nuclear entre o Brasil e a Alemanha. - Preservação da paz na região com reestruturação
das forças militares e prevenção dos conflitos.
A não proliferação de armas nucleares tem sido
um ponto permanente da política norte-americana. Por No que diz respeito ao Brasil os "recados" mais
isto, não foi de estranhar a insistência para o Brasil aderir evidentes nesta época dizem respeito ao desenvolvimen­
ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). to de armas modernas e à indústria bélica.
De 1992 a 2002, os governos brasileiros (Collor
No período que se seguiu à derrocada da URSS de Mello e FHC), por iniciativa própria, contribuíram para
(1991) até o atentado às torres gêmeas de Nova Iorque o desmantelamento da indústria de armamento e puse­
(11 Set 2001), governos de George Bush (pai) e de Bill ram, literalmente, uma "pá de cal" no programa nuclear
Clinton, a política norte-americana passou a dar atenção brasileiro. O insano gesto simbólico de Fernando Collor
a pontos coerentes com o fim da Guerra Fria. de Mello é completado por Fernando Henrique Cardoso
Na Conferência de Comandantes dos Exércitos com a assinatura em 1996 do acordo banindo os testes
das Américas, o Secretário de Defesa Dick Cheney (go­ nucleares. Formalmente, condicionamos nossa sobera­
verno George Bush, pai, 1988-1992) (b) dirigiu-se aos nia, como comentou o falecido jornalista Paulo Francis:
participantes expondo os pontos de vista norte-america­
nos, evidentemente contidos na política de governo na­ "Abdicamos de armas nucleares antes de
quela ocasião. tê-Ias, o que é uma cessão de soberania
nacional".
- Incentivo à adoção do sistema de livre mercado
nas Américas. É instrutivo saber que o Congresso dos Estados
- Redução das forças armadas como medida de Unidos não ratificou o acordo que os próprios EUA havi­
economia, a exemplo das forças dos EUA (corte am assinado.
de 25% no orçamento militar, redução do arsenal Finalmente, 1998, o Presidente Fernando Henrique
militar, etc). assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TPN) na
- Não difusão da tecnologia dos mísseis pela ob­ presença do Secretário Geral da ONU, Kafi Ann�n (d). ,

servação do Regimento de Controle da Tecnologia O fato é que, em termos de grandeza nacional, so

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nos restaram os projetos do Veículo Lançador de Satélite mentamos O possível desdobramento internacional de um
(VLS) e do submarino nuclear, ambos definhando por fal­ incidente que envolva a morte de índios em confronto
ta de recursos. social que possa ser taxado de massacre.
Segundo, a prevenção do desenvolvimento e pro­
No período que se seguiu aos atentados terroris­ dução de armas consideradas de destruição em massa.
tas de 11 de setembro de 2001, no governo George W. Nelas se incluem os vetores de lançamento, particular­
Bush (filho) a visão geral da estratégia Internacional dos mente os mísseis de médio e longo alcance. O Brasil não
EUA é praticamente a mesma da década de 1990, acres­ deve esperar do Primeiro Mundo transferência de
cida da preocupação específica com a "tolerância zero" tecnologia na área de armamentos e de certos equipa­
ao terrorismo internacional (e): mentos nem facilidades técnicas, econômicas e financei­
- Defender as aspirações pela dignidade huma­ ras para desenvolver seus próprios projetos. Por isto, se
na (direitos humanos). pretende ganhar maior expressão nacional e no âmbito
- Derrotar o terrorismo global e impedir os seus internacional, terá que desenvolver, longa e penosamen­
ataques contra os EUA. te, tecnologia própria e perseverar na execução dos seus
- Trabalhar com outros países para dissipar con­ programas estratégicos.
flitos regionais. Terceiro, a não menção ao narcotráfico, que sa­
- Impedir que os inimigos (também terroristas) bemos ser permanente preocupação dos EUA e ter impli­
ameacem os EUA com armas de destruição em cações na narcoguerrilha na Colômbia. Parece que, mo­
massa (f). Inclui-se aí o impedimento de transfe­ mentaneamente, perdeu prioridade para o antiterrorismo.
rência para outros países de tecnologia relaciona­
* * *
da com estas armas e seus vetores.
- Dar início a uma era de crescimento econômico
global através do livre mercado e do livre co­ Na nova ordem mundial indiscutivelmente, o prin­
mércio. cipal ator é a potência hegemônica. Mas não é o único;
- Desenvolver a abertura das sociedades e a há outros protagonistas: aliados, concorrentes e antago­
construção da democracia. nistas... E o resto do mundo. Nós brasileiros temos que
- Desenvolver a cooperação com outros centros pensar seriamente onde nos inserir ou nos conformar em
principais de poder global (os "coadjuvantes ser o "resto do mundo", fragilizados e vulneráveis, res­
notáveis"). sentidos e temerosos. Estamos precisando de um proje­
- Transformar as instituições de defesa nacio­ to nacional, e de um posicionamento definido, realista e
nal para atender os desafios e oportunidades do soberano neste mundo novo e em relação aos seus pro­
momento. tagonistas. É perda de tempo a lamúria e a imprecação
contra o "satã do norte".
Destes pontos, chamam a nossa atenção em par­ Para entender as posturas norte-americanas a
ticular: primeira consideração a se fazer é compreender os seus
Primeiro, a defesa dos direitos humanos. Já co- objetivos nacionais permanentes:

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====== Sergio Augusto de AveIlar Coutinho ======= ======= Cadernos da Liberdade ======

- Segurança nacional
NOTAS
- Prosperidade nacional
- "The american way of Iife"
(a) As atitudes aparentemente contraditórias da política exter­
na dos EUA (generosidade versus prepotência) possivel­
Observando com um pouco de atenção, podemos
mente refletem um traço do caráter dos norte-americanos:
constatar, com certo desapontamento que os três
espontaneamente são solidários, gentis e generosos, mas
princípios correspondem àqueles que abandonamos a
rudemente ciosos, egoístas e até implacáveis na exigência
partir de 1985 - Segurança e Desenvolvi mento, dos seus direitos, interesses e precedência.
deixando a nação sem uma referência de progresso (b) Dick Cheney é atualmente Vice-Presidente dos EUA, na
político, econômico e social. Perdemos grandeza e, por gestão George W. Bush (filho).
isso, ficamos fracos, desconfiados, amedrontados, vendo (c) A tese de subordinação das forças armadas latino-ameri­
ameaças por todos os lados. canas ao poder civil é de inspiração fabiana e constou dos
Todas as atitudes "imperiais", arrogâncias, ações temas apresentados na reunião do Diálogo Interamericano
em 1992, da qual participou o Senador Fernando Henrique
políticas e militares "unilaterais" dos EUA quando não têm
Cardoso. A criação do Ministério da Defesa no Brasil tem
a concordância de outras nações se explicam na realiza­
origem nesta idéia do socialismo fabiano a que aderiu FHC.
ção de seus objetivos e, somos obrigados a reconhecer,
(d) A assinatura do acordo banindo os testes nucleares foi fei­
legítimos.
to no período do governo de Bill Clinton, sabidamente mem­
Uma atitude preliminarmente de reserva, crítica e bro da Conferência T rilateral, entidade internacional per­
hostilidade aos EUA não será construtiva nem útil para os tencente ao movimento socialista fabiano (Ler o Texto O
interesses brasileiros e para a realização dos nossos FABIANISMO NAS AMÉRICAS). Coincidentemente, FHC
objetivos nacionais permanentes (aliás já nem se fala mais é membro do mesmo movimento internacional.
neles). E mais, contribuirá para o nosso isolamento exter­ (e) Documento "Estratégia de Segurança Nacional dos Esta­
no e para a formação do consenso com as esquerdas dos Unidos da América", Setembro de 2002.
(f) Arma de destruição em massa - aquela que produz devas­
revolucionárias no País. Serão mais profícuas e mais se­
tação ou elevadas baixas nas forças militares atingidas e
guras as relações soberanas e o bom entendimento com
na população civil, geralmente artefato nuclear ou sistema
a potência hegemônica, do que exacerbar antagonismos,
de lançamento de agentes letais químicos, biológicos e
suspeitas, ressentimentos e rancores. T rata-se de agir nucleares.
com bom senso e não em função de um senso comum
modificado.
A nova or dem mun dial, encarada com
objetividade, competência e disposição política é muito
mais um desafio estimulante do que uma ameaça global.

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===== Cadernos da Liberdade =====

EPílOGO

Sergio A. de A. Coutinho

A Libertação Intelectual - A par­

tir do momento em que conhece­


mos os fatos históricos e não as
versões ideológicas difundidas e
orquestradas como "politicamen­
te corretas", nós brasileiros pode­
..
mos fazer interpretações e emitir
opiniões sobre os acontecimentos
nacionais e internacionais, livres
da "prisão sem grades", do senso
comum modificado que nos indu­
zem os movimentos intelectuais
de esquerda.

Retomando alguns temas políticos relacionados


com a atualidade brasileira e mundial que, vulgarmente,
são difundidos de forma falseada, queríamos alertar que
somos prisioneiros de um empreendimento de reforma
intelectual e moral conduzido por um movimento político­
ideológico. Apresentamos determinados fatos correntes
e históricos para que o leitor tivesse oportunidade de com­
parar com as versões que são divulgadas e que já foram
assimiladas no senso comum da sociedade nacional.
Duas verdades precisam ser ditas ou, até mes­
mo, reveladas para muitas pessoas:

1º - O Comunismo não morreu; perdeu a re­


ferência e o respaldo da Internacional Comu­
nista Soviética, é verdade, mas não morreu.
2º - A Nova Ordem Mundial não é uma cons-

237
===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho ===== ===== Cadernos da Liberdade =====

piração planetária, embora seja adversa para irreversíveis ou de reversão demorada e extremamente
um país fragilizado como o Brasil. Não é ela­ penosa.
boração da potência hegemônica ou da oli­ A corrupção que hoje contamina, de alto a baixo,
garquia financeira internacional para liquidar a sociedade nacional é outro fenômeno que constrange
os Estados soberanos do Terceiro Mundo. os brasileiros.
Subversão e corrupção aparentam ser coisas dis­
A nova ordem mundial não é em si uma ameaça, tintas; são processos independentes, sem dúvida, mas
mas um desafio cujo enfrentamento exige "engenho, arte se complementam e somam os efeitos perversos. A in­
e jeito". Antes porém, exige uma restauração nacional competência político-administrativa dos governantes re­
em todos os campos, principalmente moral. força e completa o processo catastrófico.
O Comunismo revolucionário, este sim, é uma A corrupção desenfreada, despudorada, debocha­
ameaça para a sociedade brasileira, se esta ainda quiser da não chega a inviabilizar a Nação pelo que rouba, pelo
conservar suas aspirações de liberdade, de dignidade e que sonega, pelo que frauda, mas pela desmoralização,
de individualidade humanas e os valores ocidentais e cris­ pela permissividade, pela impunidade e pelo clima de
tãos. degradação moral e cívica que gera, contaminando o
A subversão no Brasil, velha expressão que pode Estado e a própria sociedade. Faz com que não haja mais
muito bem ser retomada e atualizada, corresponde às bons empreendimentos de interesse público, mas negó­
fases precedentes do que pode vir a ser a quarta tentati­ cios que trazem vantagens, boas comissões e benefícios
va de tomada do poder (a) pelo movimento comunista. O para homens de governo ímprobos e funcionários públi­
caminho revolucionário ainda é indefinido, em razão da cos cínicos e petulantes. Aliás, esta cultura também já
"pluralidade" das esquerdas. A tendência político-ideoló­ contamina as pessoas comuns e a iniciativa privada. Há
gica que conquistar primeiro a hegemonia, dirá se usará uma "cultura" de propina, favorecimentos, facilidades,
a via pacífica, a via da violência armada ou a via agrados, envolvendo sempre uma "comissão" pecuniária
campesina. ou uma vantagem ilícita. A corrupção se institucionalizou:
Os avanços revolucionários chegaram a um pon­ vai desde o flanelinha ilegal da esquina até os mais altos
to tal que alguns intelectuais democratas acham que já é executivos e governantes. Assim ela exaure o tesouro do
irreversível. país e dos particulares e desmantela a estrutura física e
Sem chegar a tal pessimismo, também as pesso­ moral da sociedade e do Estado nacionais. Com isto e
as esclarecidas têm manifestado grande preocupação com por isto, os desmandos somados à incompetência polí­
a evolução política e moral do país. Realmente, a mudan­ tico-administrativa, com toda a certeza, estão a nos levar
ça induzida do senso comum, geralmente atribuída, sem para um trágico desfecho.
muito critério, a uma amoralidade e tendenciosidade ide­ A reversão do quadro adverso de subversão des­
ológica da mídia, é parte de uma intencional reforma inte­ percebida e de corrupção evidente só poderá ser feita
lectual e moral da sociedade, conduzida pelo processo por uma reação orgânica da sociedade nacional. Para
de subversão cultural. Já atingiu extensão e profundida­ isto, é preciso, antes de mais nada, restabelecer o bom
de tais que produziram estragos morais e culturais senso e, depois, mobilizar as vontades que estão inibi-

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===== Sergio Augusto de Avellar Coutinho =====

das, que carecem de motivação, de espaço e de um mí­ BIBLIOGRAFIA


nimo de organização inicial para se manifestarem e agi­
rem construtivamente. Não se pode esperar o surgimento
de personalidades e de lide r a n ç a s s a l v a doras - Coutinho, Sergio A. de A., A Revolução Gramscista
("cesaristas", como as denomina Gramsci). Neste clima
no Brasil, Estandarte Editora, Rio, 2002.
de passividade e de adesão tácita, homens do momento
- Mir, Luis, A Revolução Impossível, Editora Best Seller,
aparentemente não estão disponíveis hoje no Brasil.
S. Paulo, 1994.
Em resumo, grandes ameaças à soberania nacio­
- Huntfort, Roland, Modelo Vivo do Novo Totalitarismo,
nal e à existência dos brasileiros como nação ocidental e
Revista Por Que, Rio, 1989.
cristã estão dentro do próprio país. - Castro, Genesco de, O Estado Independente do Acre,
Repetindo, a solução tem que ser orgânica nas­ Rio, 1930.
cida no seio da sociedade para que seja factível, eficaz e - Araújo Lima, Cláudio, Plácido de Castro, um Caudi­
definitiva. lho contra o Imperialismo, Civilização Brasileira Edito­
Para que isto venha a acontecer, ESTOU FAZEN­ ra, Rio, 1973.
DO A MINHA PARTE. - Downs, Robert B., Fundamentos do Pensamento Mo­
derno, Biblioteca do Exército, Rio, 1969.
Rio, 20 de outubro de 2003. - Revel, Jean-François, A Obsessão Antiamericana,
Univer-Cidade, Rio, 2003.
NOTAS - Dei Nero Augusto, Agnaldo, A Grande Mentira, Biblio­
teca do Exército, Rio, 2001.
- Carvalho, Ferdinando de, Lembrai-vos de 35, Bibliote­
(a) Recordando: O movimento comunista, como já vimos, fez
ca do Exército, Rio, 1981.
três tentativas concretas de tomada do poder no Brasil:
- Meira Penna, J. O. de, A Ideologia do Século XX, Nór­
- 1935 - A Intentona Comunista; usou a violência revolucio­
nária (assalto armado ao poder). dica, Rio, 1994.
- 1961/64 - O �entame de 1964; ensaiou a "via pacífi­ - Távora, Araken, Brasil, 1º de Abril, Bruno Buccini Edi­
ca" para o poder. tora, Rio, 1964.
- 1968/74 - O Terrorismo Urbano; preliminar frustada do que - Pinheiro, Paulo Sergio, Estratégias da Ilusão, Editora
seria a guerrilha "foguista" de orientação cubana. Schwary, São Paulo, 1992.
- A Guerrilha rural; modelo maoísta (revolução do campo para - Grupo de Autores, O Complô, EIR Editora, Rio, 1997.
a cidade), que fracassou no sul do Pará.

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