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“POR ESTE TEJO ACIMA”, Hyland, Paul

O PORTUGUÊS QUE PODE HAVER EM (CADA UM DE)


NÓS

- ENSAIO (ESPECULATIVO) EM TORNO DE UMA VIAGEM


EXTERIOR QUE É, OU PODERÁ SER, NO FUNDO,
A DESCOBERTA INTERIOR -

Paulo César Gonçalves; A44153, 3º ano;


Trabalho para a UC de “Literatura de Viagens”;
Estudos Culturais, Universidade do Minho
INTRODUÇÃO

Para Hyland, Portugal é, acima de tudo, um estado de espírito. Sendo inquestionável


que o Portugal de hoje, ou o da data em que esta obra foi concebida, não é, por exemplo,
o Portugal da expansão marítima, pelo menos em teoria/prática, cumpre perceber, de
forma paradoxal, que um e outro complementam-se, pela tragicidade do seu fado, como
se o segundo fosse consequência do primeiro, ou de como a História é cíclica e voraz.
O Portugal contraditório que Hyland nos apresenta é, por isso, mas não só, um Portugal
completo, rico pela diversidade: universal(ista).
Assim, o autor “navega” pelas águas do presente, buscando no passado as respostas para
as questões que lhe habitam a mente, tentando antever, de forma cautelosa, um futuro
que não (se) sabe. A Hyland, atrai, parafraseando Vinícius de Moraes no seu
“Monólogo de Orfeu”, a “charla antiga” de Portugal, mas não a desvinculando, nunca,
do Portugal que vai conhecendo e pelo qual se sente, como numa experiência mística,
atraído.

DESENVOLVIMENTO

Começando por Lisboa, capital de Portugal, Hyland resume o país a partir da sua cidade
mais importante, símbolo de um passado repleto de glória, terra que é, simultaneamente,
um museu vivo. Há, também, um sentimento muito inglês nisto tudo, porque os
britânicos, sobretudo os ingleses, vitoriam as memórias significativas do passado como
se fossem delas contemporâneos, trazendo ao cimo a veia tradicionalista da sua cultura.

Como o título sugere, é a partir do Rio Tejo, curso geográfico e lógico da viagem, que
Hyland penetra na (presente) realidade do país.

Contudo, a viagem de Paul Hyland não se cose de modo aparentemente sequencial: não
há, de todo, qualquer tipo de propensão aliada à procura de destinos que estão
identificados como sendo atracções turísticas. Hyland transforma a sua jornada num
“moto” de interacção e contacto entre ele próprio e as pessoas (o povo), assim como
com os espaços com que se vai deparando. É dessa sequência pouco sequencial que o
autor produzirá as suas próprias conclusões.

Hyland não teme a contradição, talvez por identificá-la como parte integrante do ser e
sentir tão portugueses, prometendo apresentar o país da forma que o mesmo a ele se
apresentar.

O Autor recorre, à medida em que é confrontado com diferentes “memórias”, sejam elas
ostensivas ou não, a trechos da História de Portugal. Nessas alturas, tenta estabelecer
algumas associações entre o que lhe é apresentado e o que teria, efectivamente, ocorrido
no passado. Há uma comparação que é desenhada entre a figura do “Rei-Menino”, Dom
Sebastião, de quem se dizia não querer casar, e o contemporâneo, ao livro, enlace de
Dom Duarte Pio, pretendente ao extinto trono lusitano, com Isabel de Herédia.

Estas variações não são factuais, no sentido em que não há ligação aparente: vivem do
momento (e da vontade do autor). Hyland consegue, em pouco tempo, depois de uma
breve exemplificação de um certo tipo de patriotismo (ligado ao futebol), traçar um
paralelo entre o local onde a testemunhou, a Avenida General Humberto Delgado, com
a figura, após pesquisa, do General em si, oposicionista em relação ao Estado Novo (ou
outra forma de patriotismo que compreende a luta pela democracia, tendo por
consequência a própria vida).

Ao contrário do que acontece, por exemplo, em “Felizmente há luar”, de Luís de Sttau


Monteiro, em Hyland, e na sua obra, as associações ao passado não são metafóricas. O
fenómeno é místico, do domínio do desconhecido, e acontece sem razão aparente.

Há uma quebra temporal que permite ao passado imiscuir-se no presente, reforçando a


questão paradoxal desta visão. O Portugal de outras eras pode ser experienciado agora, e
não apenas através dos escritos que nos foram legados em livros. Para Hyland, achar
Tomar é viver noutro tempo. Mais uma vez, Portugal é um estado de espírito, uma
imanência que existe enquanto organização política há mais de 800 anos, mas que é, na
verdade, na conclusão do autor, um sentimento, talvez como nenhum outro existente.

Em quase-oposição a esta crença, Hyland procura deslindar as razões que levaram


Portugal, descobridor da maior parte da orbe terrestre, fundador do primeiro Império
moderno, o país, a determinada altura, mais rico do mundo, a transformar-se naquilo
que hoje apresenta. Será que no virar as costas ao mar residirá a resposta?

A relevância do passado não o faz distanciar-se do presente, de como está localizado.


Ele quer ver e descobrir o país à luz da contemporaneidade, à sua maneira, com alguns
flashbacks de permeio.

CONCLUSÃO

Paul Hyland é, ou tentou ser, pode quase dizer-se, ou escrever-se, um português em


potência. E o que será isto do português em potência? Poderá ser todo aquele que, sem
saber ao certo explicá-lo, por vias lógicas, se sinta atraído pela ideia de um sentimento
algures entre a esperança e o medo, ou, como sentenciou Pessoa, “o destino ou o
castigo” (sem a parte do nascer cá).

Numa “voyage autor de ma chambre” muito peculiar, Hyland demonstra que é possível
ser-se, ou tentar-se ser, português sem o ser pelo nascimento (ou por laços mais ou
menos lógicos).
Emaranhando-se na história, na crença e, sobretudo na identidade que é estado de
espírito/sentimento, Hyland mostra aos portugueses, e não só, de que modo pode um
estrangeiro irmanar-se de uma veia que não é, aparentemente, sua, mostrando-a, original
e renovada, aos que a quiserem ver através dos seus olhos e do seu sentir.

Não parece desligada disto tudo, como já foi, aliás, escrito, a ideia de uma certa
contradição, até paradoxo, inerente à natureza de Portugal. Que a mesma nos seja
apresentada por alguém de “fora” é, igualmente, contraditória: pelo valor que
conferimos àquilo que é de outras paragens, como validação, ou, ao mesmo tempo, ser
possível desvalorizar a conclusão por não lhe atribuirmos conhecimento de causa.

De modo a conhecer-se, o português teve de se colocar no desconfortável papel de


abandonar o arado e trocá-lo pelo barco. Porque o conhecimento do outro é
conhecermo-nos de forma plena. E assim, com as duas faces da moeda visíveis, Hyland
percebe que o Portugal que se deu ao trabalho de conhecer, no terreno, é o mesmo
Portugal que, mesmo não o parecendo, foi a “lanterna do mundo”, nas palavras de
Neruda (e na dos livros que leu).

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