Você está na página 1de 113

APONTAMENTOS DE HISTÓRIA DA EXPANSÃO PORTUGUESA

Professora Alexandra Pelúcia

Referência Bibliográfica da obra geral:


OLIVEIRA E COSTA, João Paulo; RODRIGUES, José Damião; OLIVEIRA, Pedro Aires, História
da Expansão e do Império Português, Lisboa, A Esfera dos Livros, Novembro de 2014 [1ª ed.]

Sara Martinho Ferreira


2º ano de licenciatura em História
Ano letivo 2020/2021
- A HISTORIOGRAFIA DA EXPANSÃO E CONCEITOS OPERATÓRIOS -
A importância da área disciplinar

Porquê estudar esta matéria? Segundo José Mattoso, “A observação do passado não se destina a um
macabro trabalho de desenterrar mortes. Não é uma viagem ao reino das sombras, nem pode resultar
de uma predileção bafienta pelo que o tempo esterilizou. O que está morto, está morto. De facto, só
me interessam as coisas vivas, que me interpelam, que se metem comigo. Só me interessa o presente
e a maneira de me movimentar no espaço e no tempo em que vivo. Quero com isto dizer que só me
atrai, no passado, aquilo que me permite compreender e viver o presente. O que acontece, é que,
para o compreender, não me basta conhecer uma pequena parcela, tenho de o conhecer todo, não
obviamente em todos os pormenores, mas como uma totalidade na qual tenho de me inserir. Também
não posso escolher da História só aquilo que me agrada, mas igualmente o que incomoda, ou até o que
põe em causa as minhas ideias, nas sucessivas interpretações que, nas diversas fases da minha vida,
vou dando à realidade. Ora é justamente de uma constante tentativa de comparar o presente com o
passado que resultam as principais alterações acerca da minha maneira de ver a sociedade e o mundo.
Para mim, portanto, a História não é a comemoração do passado, mas uma forma de interpretar
o Presente”1

E qual a importância da História da Expansão portuguesa no contexto da História de Portugal?


Estamos a falar de um longo capítulo histórico, complexo, mas dotado de uma enorme importância.
Tal como enuncia Joaquim Barradas de Carvalho, “os descobrimentos marítimos e a expansão dos
séculos XV e XVI constituem o centro, o fulcro dos oitos séculos da história de Portugal”2
Desenvolvendo mais a sua ideia em outras obras, afirma também que “Portugal não pode ser

Não devemos usar a expressão “grandes feitos”, “apogeu”, “época de ouro” que tem sempre uma
conotação de valorização e opinião. Um historiador deve reger-se pela subjetividade e critica das
fontes, não devendo pronunciar juízos de valor, sendo que “O rigor historiográfico distancia-se de
leituras triunfalistas e decadentistas, a puxar o elogio ou a censura, procurando, em alternativa, a justa
dimensão de análise através da investigação dos contextos, amplos e intrincados, que configuram cada
problemática e tempo histórico”3
- Segundo a professora, e os portugueses tiveram um papel precursor a partir do século XV, isso
não tem a ver com o carater heroico. Se esse movimento foi desencadeado e houve um carater
precursor dos portugueses nesse desenvolvimento, foi porque houve contextos favoráveis à
escada mundial e europeia. A analise histórica não passa pela valorização nem desvalorização,
mas sim pela análise de contextos: não há heróis bem vilões, há circunstâncias favoráveis e
contextos que explicam as demais situações.

1
MATTOSO, José, A Escrita da História, Lisboa, Temas e Debates – Círculo de Leitores, 2019, p. 21
2
CARVALHO, Joaquim Barradas de, “A explicação de Portugal de Alexandre Herculano”, in Estética do Romantismo em
Portugal: primeiro colóquio, Lisboa, Grémio Literário, 1974, p. 29
3
PELUCIA, Alexandra, Afonso de Albuquerque, Corte, Cruzada e Império, Lisboa, Temas e debates – Círculo de Leitores,
2016, p. 29

2
Conceitos elementares: em que medida e com que legitimidade os podemos usar?

- Descobrimentos: este conceito é muito autocentrado, o que não implica que outras pessoas não
conhecessem essa realidade. É nessa medida que este conceito, ao longo das últimas décadas, tem sido
alvo de debate e discussão, porque de facto o conceito tem uma conotação autocentrada. Contudo, a
verdade é que o conceito pode ter outras leituras. A título de exemplo, os portugueses descobriram o
brasil ou os portugueses descobriam uma rota de acesso ao brasil. Será que não podemos dizer também
que os ameríndios descobriram os portugueses? No relato de pero Vaz de Caminha vemos ameríndios
a descobrirem galinhas. Portanto, temos de ter consideração é que nesta altura houve contactos que
geraram atitudes difusionistas e rececionistas. A chegada de europeus a quaisquer outros espaços fora
da Europa implicou também que, nesses mesmos espaços, as respetivas populações entrassem em
contacto com Europeus e descobrissem outras diversas realidades.
Em termos técnicos, o que significa então “descobrir”? Segundo Vitorino Magalhães Godinho, “As
chaves do descobrir são, por conseguinte: saber onde se pretende chegar; estabelecer marcos na via
susceptível de nos conduzir ao destino; daí, conseguir traçar a rota que nos reconduzirá ao ponto de
largada; e, finalmente, saber regressar ao mesmo destino e chegar são e salvo. O regresso é evidente a
chave mestra.”4

“A ideia de “descobrimento” faz sentido quando se pensa na incorporação de um conhecimento novo


no património geográfico preexistente; o que, no caso dos séculos XV e XVI, significou quase sempre
na representação na cartografia da época. “Descobrimento” nada tem que ver portanto com a ideia de
senso comum do primeiro a chegar [...]. o que verdadeiramente conta é o impacte e a assunção dessa
novidade como dado desde então adquirido no conhecimento geográfico. Viagens fortuitas de
resultados ignorados nada contam: mais importante do que chegar é a capacidade de regressar e a
possibilidade de representação gráfica nos mapas da época”5

“Descobertos, sim: os descobrimentos deram início a um processo de conhecimento global – de


mundialização - que não teria retrocesso e se iria pelo contrário aprofundado com o correr dos séculos.
As sociedades preexistentes à época das grandes explorações marítimas tinham níveis civilizacionais
muito díspares, mas uma coisa em comum: ignoravam-se totalmente umas às outras [...]. A mais perene
das consequências dos descobrimentos marítimos portugueses e europeus foi precisamente pôr em
contacto realidades civilizacionais que jamais se isolariam, e a disseminação de um conhecimento
geográfico universal […]. O processo teve inevitavelmente custos, e muitas dessas culturas que
sobreviviam na exata medida do seu isolamento soçobraram perante os mais fortes, às vezes até à
total extinção. Ficaram os mais fortes, e o seu conhecimento mútuo tem sido em crescendo, graças a
processos de aculturação sucessivos de maior ou menor intensidade e ao que desde há algum tempo
passámos a designar “globalização””6

4
GODINHO, Vitorino Magalhães, O papel de Portugal nos séculos XV e XVI. Que significa descobrir?
5
DOMINGUES, Francisco Contente, “Descobrimento”, in Dicionário da Expansão Portuguesa 1415-1600, Vol. I, s.l.,
Círculo de Leitores, 2016, p. 335
6
Idem, pp. 336-337

3
- Expansão: Por comparação com descobrimentos, tem um significado mais alargado, desde logo na
cronologia (desde o século XV aos XIX, falando no caso português). Portanto, estamos a falar de um
período cronológico longo, não estando restrito às rotas marítimas, mas é ainda genérico a outro nível,
nomeadamente no que toca aos tipos de agentes envolvidos: abarca tanto a expansão dos portugueses
no sentido oficial (patrocinada pela Coroa), mas também fenómenos de expansão associados à
iniciativa privada.

- Império: o concento de império tem raízes no mundo romano, e pressupunha domínios territoriais
extensos, subordinados a um centro político, embora com variáveis formas de domínios. No caso
português, é preciso ter em consideração que são raríssimas vezes aquela em que se encontra o
vocábulo “império”. Portanto, em que medida podemos usar esta expressão? Segundo em professora,
deve ser usado apenas em contexto de comodismo operatório, sempre em consciência que na época a
expressão não era utilizada, mas visto que nos estamos a referir na generalidade dos interesses
ultramarinos portugueses na época.

- Descompartimentação: ao contrário da palavra “descobrimentos”, usada logo a partir dos séculos


XV e XVI, este conceito foi uma criação de Pierre Chaunu, com a expressão original em francês de le
désenclavement planétaire. Utilizou pela primeira vez este termo numa obra que publicou em 1969,
replicando o mesmo noutros textos que foi publicando ao longo do tempo.
“Apenas existe história económica e social do mundo porque se desenha, a partir da
descompartimentação planetária marítima entre 1439 e 1540, o primeiro esboço de um mundo”7
este conceito teve algum eco em Portugal, mas continua a ter muito eco em França

- Globalização: Este conceito começou a tronar-se verdadeiramente corrente – em termos de


comunicação social e não aplicado à História – a partir da década de 1980. Mas no que toca à sua
ligação à esfera historiográfica, em 1970 dois grandes historiadores Fernand Braudel e Immanuel
Wallerstein, temos duas grandes visões acerca da economia-mundo. Do ponto de vista historiográfico
foi do ponto de vista da história económica que este conceito começou a ser usado.
Assim sendo, o que podemos entender como globalização? Segundo a professora, corresponde a um
fenómeno que equivaleu ao início e à paulatina ampliação de múltiplas formas de interação entre a
generalidade das sociedades humanas à escala planetária.
- Histórias conectadas: um historiador da Universidade da Califórnia propõe a expressão para
exprimir a ideia de um mundo e sociedades humanas que passam a comunicar de uma nova
forma

A verdade é que continuam a existir abusos: Valerie Hansen, professora da Universidade de Harvard,
considera que a Globalização iniciou no ano 1000, referindo os movimentos dos vikings, ou
movimentos migratórios que sucederam nessa mesma época, por exemplo, mas estes movimentos não
são totalmente de avanços para geografias totalmente desconhecidas. Segundo a professora, ela pode
estar amais a falar de fenómenos de descompartimentação ao invés de globalização. A grande questão

7
LÉON, Pierre (Dir), História Económica e Social do Mundo, Vol. I, O Mundo Em Expansão, Séculos XIV-XV, Lisboa,
Livraria Sá da Costa Editora, 1984 [pub. original: 1978], Tomo 1, pp. 11-12

4
aqui também é: este processo de globalização não voltou atrás, não só num sentido geográfico, como
temporal, ao invés de processos com princípio, meio e fim.

A historiografia da Expansão:
- As cronicas quatrocentistas e quinhentistas e as primeiras reflexões históricas da expansão
- A “primeira história de Portugal”
- Diferentes regimes, a mesma visão político-historia: Monarquia Constitucional (1820-1910),
Primeira Republica (1910-26) e o Estado Novo (1926-74)
- O regime democrático: modernização da visão politico-histórica e renovação académica

Não podemos dissociar a questão da historiografia da questão da nossa identidade. Nós enquanto
cidadãos dos mundos, portugueses, e interessados em história, temos de ter noção que a matéria da
expansão portuguesa se transformou muito rapidamente como um fortíssimo fator de estruturação da
identidade e da memoria, o que implica ao longo do tempo usos instrumentais da história.
tendo em consideração que muito rapidamente a expansão se tornou um fator de construção da
identidade portuguesa, temos de ter em consideração alguns aspetos:

As crónicas régias portuguesas dos séculos XV e XVI, feitas a mando do monarca, muitas delas
estavam inteiramente dedicadas à problemática da expansão. Quando chegamos ao século XVI temos,
de facto, uma descoberta surpreendente: numa cronica de Damião de Góis, a cronica de D. Manuel I,
mas também a cronica de D. João III, assinada por Francisco de Andrada, descobrimos que o grosso
de conteúdos são dedicados às problemáticas daquilo que se passa fora de Portugal. É uma parte
minoritária do teto que estava consagrada aquilo que se passava nas fronteiras ibéricas portuguesas.
assim sendo, o imaginário da expansão tomava conta do país.
Outro grande exemplo é que, desde a fundação da nacionalidade até ao século XVI, foram escritas
histórias parcelares, mas nenhum autor desde então teve o desejo de escrever a História de Portugal,
desde as suas origens até ao tempo tratado. Luiz Vaz de Camões escreveu um poema épico, uma
primeira visão de longo curso sobre a história de Portugal, desde as origens ao século XVI. O late
motive desta história foi a chegada de Vasco da Gama à India, pois durante a viagem de vasco da gama
narra a história de Portugal.

O século XIX marcou o nascimento da História como disciplina científica, onde se começou
verdadeiramente a pensar como se deve fazer História, ocorrendo verdadeiramente consagração
disciplinar da História. Ao mesmo tempo, também a europa do século XIX foi marcada pela
emergência e estruturação dos chamados Estados de Nação, marcados pelo nacionalismo, sendo a
História um alimento dessas tendências Nacionalista.
Isto irá deixar a história bastante permeável ao uso instrumental, algo que se irá refletir entre 1826 e
1974, no âmbito da construção dos respetivos regimes políticos, que visavam a afirmação e projeção
de cada uma das nações, incluindo a posição de Portugal na Europa e restantes partes do mundo, e
disso mesmo temos reflexos historiográficos.
- O segundo Visconde de Santarém publicou em paris uma obra intitulada de Memória sobre a
prioridade dos Descobrimentos portugueses na costa da África Ocidental, afirmando
indiretamente que os portugueses têm mais direito de estar em africa do que outras nações.

5
- Temos também o exemplo das comemorações centenárias (por exemplo os 300 anos do
aniversário da morte de Camões, 400 anos do aniversário da Chegada de VG à India), algo que
foi aproveitado pelo regime do Estado Novo para celebrar todos aqueles considerado pelos
mesmos como heróis portugueses, parte da história da época Expansionista ou não,
apropriando-se claramente da Expansão portuguesa, uma forma clara instrumentalização
politica – algo observável na Exposição de 1940 ou no Cortejo Português, onde foram
mostradas figuras dessa época
Aquilo que é importante sublinhar, é que, para além desta apropriação política, tivemos vários
historiadores conotados como da oposição e que também foram refletidos sobre a expansão. A
ditadura apropriou-se, de facto, da expansão, mas que também na oposição houve pessoas que
olharam para essa temática de forma diferente

Sensivelmente a partir dos anos 80, houve de facto uma renovação não só académica, como em
termos de perspetiva política. Foi se digerindo melhor o trauma das heranças do império, e houve
uma renovação historiográfica clara (por exemplo, alguns nacionalistas foram afastados). No que toca
à renovação da perspetiva política, o estabelecimento da democracia em Portugal não significou
necessariamente que o sistema político não instrumentalizasse a expansão, usando sim essa temática
de forma a projetar o futuro e analisar inúmeras perspetivas e situações - os pressupostos de utilização
são diferentes, sem dúvida.
Portanto, houve uma verdadeira explosão científica e bibliográfica acerca da História da Expansão,
mas é importante reter também que esta explosão é potenciada também por historiadores estrangeiros
com interesse na História da Expansão. o grosso dos historiadores estrageiros que se interessaram por
temas portugueses fizeram-no incidindo nomeadamente sobre a Expansão Portuguesa.

6
- OS DESCOBRIMENTOS E A EXPANSÃO VISTOS PELAS SOCIEDADES
CONTEMPORÂNEAS -

Quais são os usos de que a História pode ser alvo nas sociedades contemporâneas?

1. A valorização do Passado como estratégia, meramente pessoal ou colética, de culto de alegadas


épocas douradas, de alavancamento do confronto com outros grupos e / ou de sustentação de
empreendimentos nacionalistas. Observamos, claramente, este uso da história nas sociedades
contemporâneas, de forma a romantizar ou a mostrar um lado mais heroico / positivo da História de
um determinado país – claramente a seu favor. A História deve ser feita sem estarmos a querer
interesses nacionais. A História não deve ser feita com nacionalismo básico.
- Circum-navegação: a Magalhães o que é de Magalhães, a Elcano o que é de Elcano. E sem
nacionalismos | História | PÚBLICO (publico.pt)
- Historiadores portugueses arremetem contra la espanolidad de la primera vuelta al mundo por
su “patriotismo. primário” (abc.es)

2. O choque com o Passado em função dos problemas de sociedades do Presente, tais como a
discriminação racial, social, económica, cultural, política. a consciência de testemunhar História a
fazer-se.

3. A integração do passado na identidade coletiva, incorporando tanto aspetos “positivos” como


“negativos” e suscitando a assunção de responsabilidades face ao presente e ao Futuro.
Olhar para a história descortinando juízos de valor, incorporando e refletindo tudo aquilo que houve
de mais “positivo” como aquilo sucedeu de “menos positivo”, sendo que devemos também
contextualizar estas situações perante as novas gerações.
- Exemplo: a edificação do padrão dos Descobrimentos em 1960, para valorizar uma nação,
exaltar um regime político, numa exata época em que Portugal estava perante um regime
ditatorial de extrema direita.

Memória e História: A Memória enquanto construção humana, dependente da forma naturalmente


seletiva e / ou subjetiva como vai sendo fixada, em função. A memória enquanto construção humana,
dependente da forma naturalmente seletiva e/ou subjetiva como vai sendo fixada, em função dos
interesses de acordo com os quais é fixada; não necessariamente articulada com “consciência cívica”.
A História engloba uma pluralidade de “feitos” e “misérias humanas”.
- “Embora inseparáveis, História e memória são coisas diferentes. E devem ter tratamentos
diferentes. A primeira, é uma questão teórica, a segunda uma questão política. Muitos estão
preocupados com a reescrita da História. Mas isso é o que não nos deve preocupar. isso é o que
os historiadores fazem todos os dias na sua profissão. Porque descobrem novas fontes, novos
métodos, novas interpretações. O passado está morto, mas a História está viva. A História é o
presente a interpelar o passado. E há muito tempo que a História não é só uma. Não é apenas a
visão do vencedor. E também a visão do vencido. E o que a intolerância dos nossos dias não
pode fazer regressar é a visão única: antes dos vencedores, agora dos vencidos”.8

8
TEIXEIRA, Nuno Severiano, “Memória tolerável e memória intolerável”, in PÚBLICO, 17/06/2020

7
A deontologia Historiográfica: Este conceito prende-se na abordagem da História em estado de
“castidade mental” (Luís Filipe Thomaz), partindo estritamente da análise das fontes para as
conclusões, recusando atitudes parciais, maniqueístas e anacrónicas durante os processos de
investigação e interpretação. Vários historiadores abordam este conceito:

“Existem duas maneiras de ser imparcial: a do sábio e a do juiz. Têm uma raíz comum que é a honesta
submissão à verdade. [...] Chega, contudo, um momento em que os dois caminhos se separaram. [...]
Infelizmente, à força de julgar, acaba-se fatalmente por se perder até o gosto de explicar.
Misturando-se os ecos das paixões do passado aos preconceitos do presente, a realidade humana
reduz-se a um quadro a preto e branco. [...] Para penetrar numa consciência estranha que o intervalo
das gerações separa de nós, quase precisamos de nos despojar do próprio eu. Para lhe dizermos o que
julgamos dela, basta continuar a ser quem somos. É muito mais fácil escrever a favor ou contra
Lutero do que perscrutar a sua alma [...]”9

“[...] A História pátria não deve ser escrita com amor à Pátria – como o não deve ser com ódio à Pátria,
nem com amor ou ódio ao que quer que seja, pois os sentimentos pessoais do escritor são, de uma
maneira ou doutra, uma forma de filáucia ou amor de si próprio [...]. Esse total apagamento do sujeito
congnoscente perante o objecto do seu conhecimento – que, por razões diferentes os positivistas
propugnavam outrossim – não é fácil, nem se consegue alcançar sem uma certa ascese; mas é
sumamente necessário, sobretudo num campo como o da história ultramarina, sempre em risco de se
transformar num factor de dissenção entre os povos”10.

“Tanto é falso dizer que os portugueses durante a ditadura resistiram e a combateram, como o é afirmar
que todos foram cúmplices e delatores. [...] em Portugal, num contexto diferente e durante uma longa
ditadura, houve carrcascos, vítimas e passivos e que, entre todas essas categorias, existiram várias
tonalidades de cinzento. Cabe aos historiadores dizer a verdade sobre o que aconteceu no passado e
mostrar como a ética soçobrou em ditadura. E, aos cidadãos, cabe dizer que não querem ir por aí”11.

Contestação vs. Integração de Símbolos: símbolos deixados pelos portugueses nos demais
territórios que conquistaram, devem ou não permanecer lá?
- Padrão de Diogo cão devolvido à Namíbia pelo museu Histórico da Alemanha em 2019
- Estatua de Vasco da Gama na praça do Palácio dos Capitães-Generais, em Moçambique. No
pós 25 de abril, também foi retirada deste espaço, e, entretanto, foi recolocada
- Moçambique, fortaleza de Maputo – Estátua do Mouzinho de Albuquerque
- Estatua de Luiz Vaz de Camões na praça de S. Francisco de Xavier, na Velha Goa (Goa
conquistada em 1510 pelos portugueses), documentada numa fotografia de 1962. Na
atualidade, a estátua está integrada no Museu Arqueológico de Goa
Estamos a falar de autênticos símbolos coloniais, feitos em Portugal no Âmbito de uma “conquista”
territorial. aquilo que temos de ter em questão é a integração do passado

9
BLOCH, Marc, “A Análise Histórica”, in Introdução à História, 5ª. ed., Mem Martins, Publicações Europa-América, s.d.,
cap. IV
10
THOMAZZ, Luís Filipe F. R., De Ceuta a Timor, s.l., Difel, 1994, p. xvii
11
PIMENTEL, Irene Flunser, “Carrascos, vítimas, cúmplices e passividade. O caso da PIDE”, in Público, 21/02/2021

8
- OS MUNDOS INDÍGENAS -
Que circunstâncias se que se foram verificando ao redor do mundo se articularam para
desencadear este processo?

Antes de começarmos a discutir porque é que no território português se iniciou um movimento deste
género, temos de olhar para a situação do mundo, fazendo uma análise das circunstâncias e diferentes
contextos à escala macro. No caso de Portugal, tentaremos compreender se este foi só um reino eleito,
ou um reino integrado num espaço e num tempo em que uma serie de condicionalismos acabaram por
propiciar estas ações.

Que condições sé que se foram verificando /que existiam ao redor do mundo, e como é que em Portugal
uma serie de circunstâncias se articularam para desencadear este processo?
Nas vésperas da expansão portuguesa, o mundo está dividido em duas grandes partes: sociedades
semi-isoladas e sociedades completamente isoladas entre si.
Ao olharmos para a generalidade destas diversas sociedades, aquilo que podemos verificar é que as
mesmas podiam estar limitadas nas suas condições ou motivações para saírem do respetivo espaço.
Isto nomeadamente por condições de variada natureza – tecnológicas, político-militares e por vezes
até sociais – mas também inúmeras motivações. Logo, será com base nestes dois vetores que iremos
fazer a nossa análise.

1.1. Começaremos pelas sociedades que menos condições tinham: quer nos continentes americano,
quer no africano, mas quer também na Oceânia, encontramos exemplos de sociedades que estavam
fechadas por si próprias, e que poucas ou nenhumas condições tinham para levar a cabo um processo
expansionista. Estamos a falar de sociedades compostas ainda com uma grande massa populacional de
caçadores-recolectores, encontradas nomeadamente na América do Norte, Brasil, em variadíssimos
espaços africanos, mas também na Oceania. Viviam dos recursos que a natureza lhes facultava, mas a
ausência de condições diminuiria este tipo de movimentos.

A verdade é que, no mesmo continente americano e africano – e como é obvio no continente asiático
– irão existir exceções, mas esta é apenas uma visão geral. Portanto, se olharmos para os espaços
americanos mais desenvolvidos que já existiam nos primórdios do século XV, encontramos inúmeras
civilizações, onde era notório um avanço e desenvolvimento. Mas será que tínhamos o avanço e
desenvolvimento suficiente?
Não obstante de existirem, elas não comunicavam entre si, e a maior evidencia que temos disso mesmo
tem a ver com a chegada dos castelhanos à América e a respetiva difusão. Sempre que os castelhanos
chegavam para novos espaços, eram recebidos com surpresa, ou seja, a notícia da chegada dos
castelhanos às Antilhas em 1492 e por aí fora, não fluía entre os demais territórios da América.
Por outro lado, tínhamos outro tipo de inibições, sendo que estamos a falar com civilizações com um
desenvolvimento bastante apreciável nomeadamente do ponto de vista tecnológico, mas também falhas
surpreendentes, um pouco paradoxais:
- Neste mundo de grandes civilizações estavam desenvolvidas vias de comunicação, contudo,
havendo vias/ rotas de comunicação, nenhum destes grupos nem tinham nem utilizava a roda.
- Desenvolvimento de sistema de irrigação, mas o arado era desconhecido neste espaço.

9
- Tinha se desenvolvido a metalurgia do outro, mas não se havia desenvolvido a metalurgia do
ferro.
- Em adição a tal, estas civilização já tinham desenvolvidos expansões a nível territorial, mas
expansão de natureza marítima dificilmente poderiam ser possíveis.
- Por fim, desenvolvem-se também importantes e relevantes observações astronómicas, mas não
as conseguem colocar em prática.
A paz também não imperava no sio destas civilizações Americanas, não havendo estabilidade
interna dentro destes mundos, uma das condições extremamente fundamentais que se verificavam em
Portugal no início do século XV (pós 1411). Havia rivalidades internas num espaço meramente
regional

1.2. O espaço asiático

India (não como um Estado, mas sim como um conjunto geográfico)

A Índia, no início dos seculos XV, não tem estabilidade interna: falamos de um Norte controlado
política e militarmente por forças muçulmanas, e um Sul regido por forças hindus em termos políticos.
Logo, havia um constante confronto militar entre o Norte muçulmano e o sul Hindu
O subcontinente indiano está quase separado do resto da Ásia, através nomeadamente de cordilheiras
montanhosas, o que torna difícil uma invasão – apesar de possível, difícil. Contudo, a Índia tem uma
imensa frente geográfica voltada para o mar. Então porque é que não desencadeou um processo
expansionista? Para além da instabilidade interna, deparamo-nos com toda uma panóplia de
condicionantes

– Questões religiosas: para os grupos sociais mais destacados do mundo hindu, o mar (a água) era
considerado poluente e, portanto, desse ponto de vista eram apenas as castas mais baixas que
contactavam com atividades económicas que contactavam com o mar. Não havia qualquer interesse
nas castas mais elevadas em envolverem-se no tráfego marítimo os de casta alta e de casta baixa não
se “misturavam”, e jamais um hindu de casta alta viajaria por via marítima. Por isso mesmo, é
importante considerar que, desde sempre, que estes contactos que foram associados por outros mundos
religiosos e na costa ocidental indiana, estabeleceram-se comunidades muçulmanas que se passaram a
encarregar da atividade comercial a longa distância.

– Autossubsistência do mundo asiático: ao invés da Europa que tinha uma série de carências. A Ásia
nunca procurou a europa em termos económicos, isto desde tempos muito remotos, sendo sempre a
europa à procura da ásia de forma a encontrar subsistência. Não só isto, mas também a necessidade de
consumo de produtos exóticos e de luxo. Assim sendo, o mundo asiático, à escala do continente, era
autossuficiente, não precisando de olhar para a Europa ou virar-se para a mesma como uma fonte de
abastecimento.
Falando mais especificamente do caso da Índia, numa posição relativamente central, e dadas as suas
riquezas internas e à sua centralidade geográfica foi sempre muito mais a Índia que foi procurada do
que teve ela própria de procurar fora dos seus mercados

10
China

Na China encontramos características – por um lado semelhantes àquelas que encontramos na Índia,
por outro bastante diferentes. Não temos dúvidas sobre a sua capacidade de organização, assim como
de desenvolvimento tecnológico e científico, estando em contacto com outras regiões da Ásia, do ponto
de vista comercial, devido também a uma boa capacidade de navegação.

Pressões militares que a China, ao longo da sua história, sofreu no seu território: a edificação da
Grande Muralha da China foi o maior exemplo da tensão constante que temos entre a china e os seus
vizinhos nómadas da ásia central. Genericamente, esta civilização era tranquila internamente, um
espaço controlado a partir de um centro político. portanto, os grandes focos de tumulto para a
civilização chinesa vinham do exterior.

Não obstante esta situação, houve um movimento excecional, que ocorreu nas primeiras décadas do
século XV (1405-1433): na altura a dinastia reinante era a dinastia Ming, por ordem do poder central,
foram organizadas e realizadas 7 grandes expedições marítimas, comandadas todas elas por Cheng
Ho, um duque (?) do palácio. O raio de alcance destas expedições, partindo da China, alcançou os
mares do pacifico-ocidental, e depois entrando pelo indico dentro, alcançou não só a generalidade da
asia marítima, mas como a costa oriental do continente africano. portanto, a china teve toda a
capacidade científica e tecnológica de protagonizar expedições / viagens que banhavam espaços
asiáticos, mas também tiveram motivações para saírem do seu espaço
Isto fez com que eles levassem a suserania chinesa a outros espaços, que a autoridade do imperador
chinês fosse conhecida, afirmando-a e até mesmo espalhando-a por outros espaços mais
geograficamente próximos (por exemplo, Malaca)
Estas missões foram interrompidas por decreto do próprio poder central chinês, porque na altura aquilo
que se estava a notar era um recrudescimento dos nómadas da asia central nas fronteiras chinesas.
Portanto, a lógica encontrada foi para abandonarem estas expedições – inclusive a sua memória (relatos
e textos) – implicando que a china, de alguma forma, se fechasse sobre si própria. Nas décadas
seguintes esta pressão bárbara persistiu, mas em meados do século XV houve inclusive um imperador
chinês que foi aprisionado em combate.

Islão

Nasce na Península da arábia nos inícios do século VII, tanto uma religião que é proselitista (que se
quer expandir), como uma civilização que, segundo Fernand Braudel, é “de movimento, de trânsito”,
por exemplo do movimento – conquista - e trânsito – atividades mercantis. O comércio está no ADN
do mundo muçulmano, sendo considerada uma profissão nobre, desde logo porque o profeta era
comerciante.
Por via da conquista muçulmana, o Norte de África foi islamizado, e a partir desse Norte de África
islamizado estabeleceram-se relações comerciais com o interior africano. Assim, o islão enquanto
civilização nasceu e começou imediatamente a expandir-se, e todo o desenvolvimento da civilização
islâmica foram acompanhados de expansão territorial, acompanhada de expansão comercial.
Estas conexões e interações com a África a sul do Sara, levaram também à penetração religiosa do
islão, mas sobretudo à penetração comercial. Assim sendo, estes impérios africanos são anteriores por

11
um lado, mas, por outro lado, são impérios/reinos que já estão conectados com outras rotas comerciais
africanas.

Temos de considerar também que o Islão, em termos comerciais – não em termos político militares -,
também se expandiu para outras regiões do Índico, nomeadamente a partir do século XIII. A grande
pressão foi a invasão mongol, o que levará a movimentos de exilio e de refugiados, e é a partir do
século XIII que começa a proceder-se a uma islamização do Índico. Não um controlo político ou
religioso, mas sim eram eles que controlavam os grandes tráfegos marítimos.

Em suma, este constitui-se como um movimento meramente informal, e portanto não houve
necessidade de qualquer movimento conquistador. Assim sendo, o Islão não precisava de expandir
mais. a ásia era o continente das grandes riquezas, e portanto o islão nos inícios do século estava em
pleno processo de expansão.

Japão

“É certo que as grandes civilizações da Ásia Oriental, especialmente a China e o Japão, nunca se
interessaram pela exploração do oceano, mas isso não resultava de um impedimento, mas tão‐só do
facto de que os Nipónicos sempre privilegiaram uma política de isolamento e de que os Chineses se
interessaram preferencialmente pelos contactos com o Ocidente de onde vinham as ameaças militares
e onde existiam mercados possuidores de produtos muito desejados pelos consumidores chineses. Na
verdade, o desinteresse pelo mar dos povos americanos, mesmo dos construtores de grandes
civilizações urbanas, contribuiu para que o Pacífico fosse pouco navegado e não fosse entendido como
um eixo de comunicação e de comércio até à chegada dos Europeus.”12

“O oceano Índico, por sua vez, era atravessado por rotas oceânicas intercontinentais desde os alvores
da nossa era. A emergência de grandes impérios no Mediterrâneo Oriental, na bacia do Nilo, na
Mesopotâmia, no planalto iraniano e nos vales do Indo e do Ganges, a Ocidente, e na China, a Oriente,
contribuíram para que a comunicação e o jogo das trocas se intensificassem e para que os mais
aventureiros fossem experimentando os caminhos do mar. [...] à semelhança do Mediterrâneo, o Índico
era um espaço fervilhante de comércio, e as trocas nunca pararam, embora os senhores do comércio
fossem mudando ao longo do tempo.”13

12
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p.20
13
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 20

12
- O CARÁCTER EUROPEU DA EXPANSÃO PORTUGUESA -
Que circunstâncias europeias motivaram a expansão? Quais foram os seus entraves?

Já nos finais da Idade Media, a Europa constituía-se como um continente descompartimentado no seu
seio / interior, dotado de uma memoria / identidade coletiva, a par de ainda estar a viver uma época de
relativa homogeneidade religiosa. A memoria coletiva estava associada à descompartimentação visível
e ativa que se fez sentir ao longo dos séculos, sendo que no interior do continente, qualquer grande
novidade num qualquer ponto do mesmo, de uma forma relativamente rápida se espraiava por todo o
continente.
- A título de exemplo, a tomada de Constantinopla foi uma notícia rapidamente se espalhou, ou
até mesmo a descoberta / invenção de imprensa.
- Também podemos dar um exemplo relacionado com a expansão ultramarina: na década de
1430, já depois de terem passado o Cabo Bojador, enfrentaram dificuldades técnicas de
navegação, ultrapassadas graças a reuniões de sábios que rapidamente resolveram o assunto.
Os problemas técnicos de navegação foram também ultrapassados com técnicos da Borgonha,
e, portanto, foi de uma colaboração entre técnicos de Borgonha e sábios portugueses, que no
ano de 1440 foi possível resolver o problema

Assim sendo, a par destas descompartimentação Europeia e da memória coletiva, nos finais da Idade
Média estavam reunidas as condições suficientes para se lançar uma expansão ultramarina, também já
havendo capacidade intelectual / técnica para tentar resolver eventuais problemas.
Contudo, embora havendo um desenvolvimento económico, a Europa era carente de matérias primas
(metais preciosos – ouro – e outros produtos de luxo como as especiarias, têxteis) sendo que, desde a
Antiguidade Clássica, se habituara a olhar para outros espaços, como o continente Africano e o mundo
asiático. Logo, havia toda a uma panóplia que interessavam à europa e eram importantes para aa sua
económica, mas que não se encontravam no seu território, suscitando uma maior ambição por parte
dos Europeus em se estenderem a outras terras.

Importante não esquecer um aspeto essencial sobre o Atlântico: tal como enuncia João Paulo Oliveira
e Costa na obra História da Expansão e do Império Português, ao contrário do Mediterrâneo, as
características do Atlântico “tornavam a navegação em mar alto muito mais difícil do que num espaço
fechado, como o Mediterrâneo, ou mesmo do que numa área semifechada como o Índico.”14 Porém,
isso não significa que não fosse possível proceder-se a tal, reunindo para isso todas as condições e
motivações necessárias.

Em termos geopolíticos, a Europa era um continente cercado e ameaçado, nomeadamente pela


sua geografia física: a ocidente pelo Atlântico – o Mar Oceânico, tal como era designado –, e a par
disso a Europa cristã também cercada em termos político-militares por parte do bloco islâmico.
- Estabelecido na Anatólia, o Império Otomano já ameaçava a Europa na segunda metade do
século XIV, agravada com a conquista da Constantinopla no ano de 1453.
- A Europa sentia, efetivamente, este cerco, e importa sublinhar que ainda havia presença
muçulmana na Península Ibérica – o reino de Granada só seria anulado em 1498 – e por outro

14
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 20

13
lado os choques marítimos entre cristãos e muçulmanos eram frequentes no mediterrâneo, mas
até ao seculo XVI o literal português ainda era alvo de ataques de muçulmanos com origem no
norte de África.
Logo, desde a Península Ibérica até ao Mediterrâneo Oriental, este cerco / ameaça muçulmana
era claramente sentida

Em termos religiosos, não obstante a ameaça muçulmana e islâmica, é importante acentuar uma
característica do cristianismo, a circunstância de ser uma religião com uma vocação universalista e
proselitista, ou seja, sendo uma religião que almejava à sua expansão e disseminação. um dos grandes
sinais de que. europa tinha dado que não estava satisfeita com aquilo que tinha, tinha sido dado nos
finais do século XI, com a organização da 1ª cruzada (1096-1099) que visava a reimplantação de um
domínio cristão sobre Jerusalém.
- Aqui, a Europa já tinha dado um sinal forte de expansão para fora do seu continente, mas não
por via marítima, o continente queria mais e tinha ambições, tanto económicas como religiosas.

Outra condição essencial que os reinos europeus da época teriam de ter para infletir num movimento
expansionista: seria preciso estabilidade interna no seio dos reinos europeus, para lançar um grande
empreendimento expansionista. O movimento das cruzadas não correspondeu à organização de cada
um dos reinos, foi um movimento lançado pelo papado ao qual se juntaram demais reinos, contribuindo
como podiam.

Se pensarmos na europa nos inícios do século XV, olhando para a Europa mediterrânica e atlântica,
que situação político-militar encontramos? Será que tinham a paz e estabilidade suficiente?
Será que, mesmo reunindo todas as motivações necessárias para suscitar um movimento
expansionista, seria possível avançar um movimento deste género sem estabilidade interna?

No caso da Itália, os seus territórios estão retalhados interiormente.


No que toca a Castela, Aragão e Granada, são territórios da Península Ibérica, que ainda não estava
livre de ameaças muçulmanas. A par disto, longo do século XV foi frequentíssima a rivalidade e
choque militar entre Castela e o reino de Aragão. Todo o século XV Castelhano foi, do ponto de vista
político-militar, muito conturbado, sendo que Castela só irá dar o “sim” a Colombo quando sente que
a situação interna está estabilizada: eliminou-se o reino de granada, estabeleceram-se tréguas entre
Castela e aragão, um reino em situação de acalmia interna.
A Inglaterra e a França desta altura estão em guerra, a Guerra dos 100 anos, que só acabaria em 1453.
no ano de 1429 é o ano em que aparece Joana d’Arc, ano em que já o Infante D. Henrique tinha gente
sua a promover iniciativas de como passar o Cabo Bojador. Assim sendo, é obvio que em Inglaterra e
França não se está a pensar fora do espaço europeu.
- Mas, se este conflito acabou nos meados do século XV, porque é que não pensaram em
expandir? Em Inglaterra logo depois tivemos uma guerra civil interna, a guerra das rosas, e em
França aspirava agora a uma expansão maior, controlando um ducado da Borgonha, possuindo
assim inúmeras guerras com Borgonha.

Estes exemplos são suficientes para percebermos que a Europa por um lado tinha condições e
motivações para avançar, mas a verdade é que nos primórdios do século XV, os reinos que tinham

14
condições geográficas para o fazer estavam com conflitos internos ou em conflitualidade com outros
reinos europeus.

O caso português: Posto isto, vamos focar a nossa atenção mais especificamente em Portugal, um
reino europeu, que como tal partilhava da generalidade destas características, motivações e condições,
mas a verdade é que este conjunto de motivações se fazia sentir muito particularmente em Portugal.

Fator geográfico: Portugal é um espaço atlântico. Claro que há uma dimensão interior, mas qualquer
ponto da fronteira portuguesa com Espanha país estás a poucas centenas de quilómetros do mar, a par
de termos uma costa litoral extensa. Isto mesmo foi reconhecido interna e externamente de um ponto
de vista precoce, pois é nos meados do século XIII que as estruturas dirigentes do reino estão a
reconhecer este caráter atlântico do reino de Portugal, mas também um reconhecimento externo:
- Afonso III, em 1253, determinou que todo o comercio externo português deveria ser feito por
via marítima, um reconhecimento da “atlanticidade” de Portugal, para além do tratado de
Alcanizes, celebrado poucos anos depois, que viria a cimentar essa mesma fronteira.
- A afirmação, referente ao reino de Portugal, elucida-nos acerca das “Da outra parte do cerco,
o mar. Do outro lado temos o muro de Castela”15. Esta frase era válida no século XV, mas
igualmente válida na época de Afonso III, devido a este conhecimento geoestratégico, que
Portugal era um reino bloqueado por duas fronteiras: Ocidental marítima, e Oriental territorial.

Carreira da Flandres: comunicação marítima direta entre a Península Italiana e Flandres, que visava
motivações comerciais, e no âmbito do estabelecimento desta rota vai se suceder que Lisboa tornou-
se um ponto de escala desta rota, beneficiando desta linha para a exportação e produtos portugueses, e
Lisboa começava a ganhar um caráter cosmopolita. Isto porque, nomeadamente após a assinatura do
tratado de Alcanizes, que reforçava a condição de potência marítima de Portugal, foram se instalando
em Lisboa, paulatinamente, comunidades estrangeiras que beneficiavam de privilégios concedidos
pela Coroa. Este facto comprovava mais a posição importantíssima e estratégica de Portugal, e os
benefícios que a dita “atlanticidade” nos trazia.
“O estuário do Tejo reunia condições excepcionais e Lisboa atraiu rapidamente mercadores de variadas
partes da Europa.”16

Ao longo de Portugal, onde estão localizadas as grandes localidades / cidades do país? Todas elas
estão localizadas no litoral, à fachada atlântica, sendo a grande exceção a esta lógica Évora, possuindo
este reino desde muito cedo um caráter de implantação do litoral dos principais centros políticos do
reino. A título de exemplo, na sequência da morte de D. Fernando e da crise sucessória de instala, pelo
meio é marcado pelo cerco castelhano a Lisboa, a mesma cidade apenas conseguiu resistir pois chegou
a ajuda do Porto, por via marítima.

15
Gomes Eanes de Zurara in Crónica da Tomada de Ceuta, Capítulo XIX: escrita para ajudar os leitores para
compreender em parte as razões da conquista de Ceuta
16
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 25

15
Os seguintes exemplos são claros sinais da valorização do mar, e da estratégia atlântica que Portugal
beneficiava e valorizava:
- A meados do século XIV, por volta de 1345, os castelhanos ocuparam as ilhas canárias – entre
a costa africana e a ilha da madeira – e, portanto, como reação a este início de ocupação
castelhana o rei Afonso IV organizou ocupações marítimo portuguesas às canarias. Isto
significa mais uma manifestação da “antlaticidade” portuguesa, numa época em que o país já
estava definido em termos geopolíticos desde 1249. De facto, “D. Afonso IV não apontava
apenas em direcção ao reino de Fez; o olhar do monarca abarcava todo o mar oceano que
rodeava Portugal e que ele entendia como seu.”17
- Em 1377, o rei D. Fernando [de Portugal] que lançaria expedições militares contra Castela,
determinando também que a madeira das matas reais podia ser utilizada para a construção de
embarcações de grande porte.
- Também foi lançada em 1380 a Companhia das Naus, uma espécie de “corporativa” na qual
estavam inscritos mercadores, caso houvesse naufrágios ou ataques a embarcações portuguesas

“Há, ainda assim, uma linha que parece ter tido um dinamismo suficientemente forte para que estivesse
sempre presente no espírito dos governantes portugueses e dos seus principais agentes económicos,
enquanto iam moldando o destino do país – a importância crucial da fronteira marítima. Por isso,
o reino apetrechou‐se; viu crescer um porto capaz de construir e abastecer muitos navios e integrou‐se
em redes de negócios internacionais que se estendiam do Báltico ao Mediterrâneo Oriental; organizou
canais por todo o país que fizessem chegar à costa os produtos necessários para o comércio e para a
indústria naval; estendeu a sua intervenção diplomática até às águas do estreito de Gibraltar e do canal
da Mancha e desenvolveu uma doutrina diplomática que encarava o mar oceano como uma área de
intervenção privilegiada e mesmo de hegemonia. E no Além‐Mar estavam as ilhas que podiam ser
ocupadas e as terras de África em que se podia prolongar a guerra santa que estivera na génese de
Portugal.”18

O reino tinha uma outra característica, nomeadamente religiosa e espiritual: Portugal nasceu no seio
no auto de rebeldia de Afonso Henriques face a Leão e Castela, mas depois toda a expansão do reino
foi feita contra os interesses islâmicos. Por conseguinte, o sentimento de Guerra santa e a ideia de
percecionar o muçulmano como um rival estava lá desde o início do reino de Portugal. Foi em
1139, na sequência da Batalha de Ourique, D. Afonso Henrique assumiu o título de rei, sendo que era
dito que a realeza portuguesa folha escolhidas por Deus.
Logo, “Apesar do medo do mar, Portugal afirmou‐se desde a sua fundação como uma potência
marítima, e assim foi entendido pelos demais príncipes da Cristandade. Além disso, teve a sua génese
na guerra santa. [...] Quer isto dizer que Portugal se moldou na guerra contra o mouro.”19

Em 1249, Portugal deixou de ter muçulmanos contra o quais lutara no território peninsular. Mas será
que desapareceu essa noção de lutar contra os muçulmanos? Em 1340, ocorreu a Batalha do Salado
– fora do território português – que consistiu no confronto entre forças castelhanas e muçulmanas, mas

17
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 27
18
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 31
19
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 23

16
com a ajuda da Coroa portuguesa, determinada pelo rei D. Afonso IV de Portugal. Uma coisa é
fronteira territorial, outra coisa é fronteira estratégica: a defesa da fronteira territorial pode implicar a
conceção / definição de uma fronteira estratégica mais alargada. Aquilo que temos aqui é uma
antevisão de Ceuta e do reinado de D. João I, as primeiras visões expansionistas do reino.
- 1320: primeira bula atribuída a D. Dinis, Bula Apostolice Sadis, que dava à Coroa portuguesa
usufruto de rendimentos eclesiásticos, para que com esses rendimentos a coroa de armar contra
forças muçulmanas.
- A bula seguinte não passou da teoria, mas deu-nos um sinal muito mais claro da fronteira
territorial e estratégica: em 1341, a coroa portuguesa de Afonso IV recebeu a Bula Gaudemus
et Exultamos: mais uma vez, dava à Coroa portuguesa usufruto de rendimentos eclesiásticos,
para que com esses rendimentos a coroa de armar contra forças muçulmanas. Contudo, também
enunciava claramente para alutar contra as forças muçulmanas do Norte Africano.
“Em meados do século XIV a Coroa portuguesa tinha, pois, uma doutrina oficial sobre o Além‐Mar –
proclamava o direito a alargar os seus domínios continentais ao território africano nas mãos dos mouros
e o direito a ocupar as ilhas adjacentes.”20

Em suma, reino de Portugal estava a mostrar a sua atlanticidade desde as origens a sua capacidade
marítima desde os seus primórdios.

20
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 27

17
- OS RITMOS DO TEMPO -
A Evolução Geoestratégica do Império (1415-1815)

A discussão que vamos ter vem na sequência do que foi analisado na aula passada: a partir de uma
caracterização a europa nos finais da Idade Média e, tendo em conta essas características e outras
específicas do território português, afunilámos a nossa análise no reino de Portugal.
Contudo, não podemos fazer uma associação entre o reinado de D. Afonso IV e o início da expansão
portuguesa, tendo que devemos esperar pelos inícios do século XV

1415: A primeira conquista

Na sequência da disputa do trono entre D. João I e a filha de D. Duarte, casada com o rei de Castela,
emergiu uma guerra entre ambos os reinos no seio peninsular (1385-1411). Esta guerra foi pautada por
vários sucessos militares da parte portuguesa. Na sequência desta guerra chegou-se à conclusão de que
o melhor era não existir um prolongamento do conflito, sendo celebradas tréguas entre Portugal e
Castela. Em termos práticos, significam as tréguas e paz. Em termos, jurídicos, porém, isto não
significada que o conflito tivesse ficado completamente sanado, ou seja, juridicamente não foi
discutido um acordo de paz, o que dava à coroa portuguesa espaço pata intervir sem ter a preocupação
eminente sobre Castela, mas também não dava uma garantia à coroa portuguesa de um possível ataque
castelhano. Só em 1431 é que a paz foi formalizada, e isso significa que o reino de Portugal,
durante estes anos, viveu num relativo suspense.

Do ponto de vista estritamente português, em função de tudo isto, a coroa portuguesa tinha uma
posição muito mais facilitada, pois Castela estava cercada de ambos os lados. Esta suspensão de
combates deixou Portugal confrontado com a realidade de um reino bloqueado em termos
geoestratégicos, mas também bloqueado em termos socias: a coroa portuguesa não podia prescindir
socialmente da nobreza, que obviamente era um dos pilares fundamentais da organização social da
época. Logo, a verdade é que também não podia prescindir da nobreza em termos “profissionais”,
exatamente devido ao perigo do conflito com Castela, não podendo dizer aos senhores para
regressarem às suas terras e pegaram nas suas armas, precisando que a nobreza tivesse disposta a pegar
nas suas armas ao menor sinal de perigo.
- Genericamente, toda a medievalidade portuguesa foi pautada por inúmeras manifestações
militares mais ou menos frequentes, mas agora chegávamos a uma situação de tréguas e alguma
incerteza quanto ao futuro.

Se esta situação não era tão dramática para nobreza de terras e senhoriais, para os filhos segundos da
nobreza (nobreza secundogénita), significativa em termos quantitativos, não só ficou desocupada, mas
ficou também privada de perspetivas de promoção social e económica, pois é exatamente através da
guerra que conseguem angariar por parte da coroa a atribuição de privilégios, cargos e honras.
Portanto, havia que fazer algo para romper com esta situação.

Por outro lado, temos outras situações: a dinastia de Avis era recente, marcada pelo estigma da
Bastardia – que não deixava de ofuscar o brulho da mesma – e por outro lado não nos podemos
esquecer que já havia pronúncios que vinham do reinado de D. Dinis e de certa forma de D. Afonso

18
IV, os tais que os portugueses estavam dispostos a intervir militarmente contra os muçulmanos,
nomeadamente no Norte de África.

Importância geoestratégica de Ceuta: se em 1415 estava em vigor a impossibilidade de organizar uma


expedição militar a Ceuta.
- Estreito de Gibraltar: canal de comunicação entre o mar mediterrâneo e o Oceano Atlântico
Desde o 3º quartel do século XIII está em funcionamento uma rota comercial entre a Península Italiana
e o Noroeste Europeu, relevando-se como um espaço importantíssimo, culminando numa disputa
territorial entre várias forças deste lugar. assim sendo, no que toca à escolha do alvo concreto sobre o
qual se iria incidir a primeira expansão ultramarina portuguesa, tratou-se de escolher um espaço
fundamental que se trataria de assegurar a navegação em todo este espaço.

Uma das razões para se ter conquistado Ceuta foi a importância dos cereais e da circunstância da
cidade ser um centro aurífero? Isto é uma forma simplista de analisar todo este panorama, pois se
Ceuta tivesse sido conquistada pelo ouro, os portugueses da época não teriam sido muito inteligentes:
havendo sucesso português nesta área, as rotas do comércio de ouro iriam ser desviadas. Por outro
lado, havendo produção de cereais no Norte de África, isso não implica que essa mesma produção não
existe em todos os lados, inclusive Ceuta, que não é uma zona de produção cerealífera.
- “Uma coisa é certa – não procuramos uma razão única para justificar a expedição, mas
antes um feixe de motivações que tocavam os indivíduos de formas diversas, mas que os
empurravam a todos no mesmo sentido: o assalto a uma cidade muçulmana através de uma
operação naval.”21
Ceuta foi conquistada pela importância geoestratégica, “Ceuta é a Chave do Mediterrâneo”
- “Firme no extremo ocidente peninsular, Portugal buscava novas fontes de riqueza e novos
negócios; queria alargar o território sob domínio da Coroa e dilatar o espaço da Cristandade e
precisava de um território onde a nobreza pudesse mostrar as suas competências guerreiras sem
ser no espaço peninsular ou mesmo europeu. A guerra com os mouros era tida por natural entre
os cristãos e não obrigava Portugal a ganhar inimizades perigosas no Ocidente Cristão.
Enclausurado entre o mar e o muro de Castela, o reino tinha de encontrar uma forma de
se valorizar sem pôr em risco a segurança da fronteira terrestre.”22

Logo, em 1415 essa conquista representou a representação prática extensiva de Portugal fora do
território Europeu, mas ao mesmo tempo não foi uma grande novidade, pois Portugal já olhava para o
norte de áfrica como lugar de ampliação, e também porque este local já vinha de um tempo muito
antigo de rivalidade entre diferentes confissões religiosas. “Nestes tempos, a maioria dos cristãos
acreditava na justeza da guerra contra os mouros e a Cristandade tinha um desejo congénito de se
dilatar. Neste caso, a reconquista de territórios que já haviam sido cristãos e que tinham sido perdidos
para o Islão era ainda menos questionada.”23, forma de pensar essa que fez com que esta iniciativa
recebesse o total apoio da Igreja.

21
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 33
22
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 33
23
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 36

19
1434: O início da Revolução Geográfica

A conquista de Ceuta em 1415 não implicou nenhuma revolução geográfica, apesar de ter implicado
a saída de Portugal num espaço europeu. Anteriormente à ultrapassagem do Cabo bojador já tínhamos
chegado à Madeira (1419, tendo em conta que implica chegar ao local e lá regressar reiteradamente) e
aos açores (1427)
Está em curso uma revolução geográfica, nomeadamente depois da passagem do Cabo Bojador
no ano de 1434, pois está a começar a vencer-se o medo que poderia ser paralisante o medo de avançar
para mar aberto, assim como para paragens desconhecidas. Quando essa fronteira de conhecimento foi
finalmente transposta em 1434, estamos a dar início a essa revolução geográfica:

O Cabo Bojador era muitas vezes considerado o limite do Ocidente africano, com a criação de imensas
teorias, e, quando essa barreira foi transposta, tudo mudou nas mentalidades dos navegadores. Tal
como enuncia João Paulo Oliveira e Costa na obra História de Portugal e do Império Português, “A
passagem do Bojador representou, sem dúvida, o princípio de uma era nova, pois jamais um acidente
geográfico voltou a causar tanto medo aos exploradores que foram desbravando o desconhecido. Esse
é o mérito extraordinário da viagem de Gil Eanes, que podemos considerar como uma expedição
revolucionária. Com efeito, o mito do mar tenebroso desfez‐se no dia em que Gil Eanes regressou a

20
Portugal e o sucesso daquele punhado de homens repercutiu‐se por toda a Europa”24. Assim sendo,
“este cabo representava o limite das terras conhecidas pelos habitantes do Velho Mundo.”25

O Infante D. Henrique está envolvido nesta revolução geográfica. A Coroa portuguesa, em termos
institucionais, absteve-se de qualquer outra iniciativa em termos ultramarinos dado que sentiu que não
havia condições para mais, até devido ao conflito com Castela. Tendo-se estabelecido a presença
portuguesa em Ceuta, a nobreza via uma oportunidade, dado que era necessária uma presença de uma
força militar no local.
Decerto que o Infante alterou o rumo da Coroa: além de um príncipe, preocupado com o
conhecimento e com a luta contra os muçulmanos, era também pragmático, preocupado por lançar
uma nova era. A intervenção do Infante cria uma nova era mundial. Mas também temos de ter em
consideração de que o Infante não era perfeito. Na sua vida cometeu erros estratégicos grosseiros,
como o ataque militar a Tânger em 1437, e se foi inovador ao lançar a expansão marítima, não o fez
pensando na glória que iria ter por estar a promover o rompimento de barreiras geográficas: fê-lo
porque queria dinamizar atividade comercial, encontrar produtos interessantes, encontrar o mítico
reino cristão de Preste João (Índia Etiópica) e, claramente, saber até onde é que se estendia o poderio
dos muçulmanos.
- “Impedido de passar a Marrocos, congeminou alternativas e resolveu tentar achar o célebre
Preste João, um rei cristão que se cria poderosíssimo e que se supunha existir a sul do
Magrebe islâmico. Existia, de facto, uma cristandade nas costas dos mouros, mas tratava‐se
da Etiópia, que era capaz de se defender das investidas dos muçulmanos, mas que não era o
aliado desejado pelos cristãos para a cruzada. O desconhecimento espicaçou a curiosidade e, a
partir de 1422, o infante D. Henrique começou a ordenar a alguns dos seus marinheiros que
tentassem passar o cabo Bojador.”26

Portanto, encontramos um leque de opções estratégicas do Infante D. Henrique, tomadas a título


pessoal. Por outro lado, tendo esta ação um carater revolucionário e moderno – tendo em condição os
meios e matérias que engendrou – mas aquilo que acontecia eram que os objeitos do infante eram
medievais, em boa parte com os conflitos relacionados com as forças muçulmanas.
Ao fazer tudo isto, o Infante D. Henrique estava a fazê-lo enquanto senhor privado, da aristocracia, e
não por ordem da Coroa portuguesa. Assim, tinha a seu favor a sua própria personalidade (perseverante
devido a todos os fracassos) e as condições materiais: terceiro filho de D. João I, era um grande senhor,
tornado duque de Viseu, governador da Ordem de Cristo.

“O duque de Viseu era [...] o maior defensor da continuação da Cruzada em África. No parecer
que escreveu em 1436 afirmava mesmo que até no Evangelho se encontravam argumentos favoráveis
à guerra santa. Obstinado, sempre à espreita de uma oportunidade para voltar e enfrentar o mouro, o
infante era, contudo, um homem multifacetado. Duque de Viseu e governador da Ordem de Cristo,
senhor da Madeira, detentor de monopólios como o da produção e venda de sabão e o da pesca do
atum no Algarve, administrava as terras dos seus senhorios e interessava‐se muito pela sua dimensão

24
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 48
25
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 48
26
OLIVEIRA E COSTA, 2014, pp. 47-48

21
económica. O sonho da cruzada e a sua vivência intensa do Cristianismo não o impediam de dar
também atenção aos negócios da sua Casa e de estar sempre interessado em melhorá‐los e aumentá‐
los. O infante D. Henrique tinha uma personalidade sedutora e persuasiva; conciliador por natureza,
foi durante décadas o elo de ligação mais estável entre os diferentes membros da família real.”27

No fundo, “foi D. Henrique quem abriu o caminho que transformou o oceano Atlântico de uma
barreira intransponível no principal eixo de comunicação da Humanidade. A existência de condições
técnicas favoráveis, o crescimento e o bloqueio da Cristandade em geral, e de Portugal em particular,
favoreceram o espírito irrequieto de D. Henrique”28

O que se passou então entre 1434 e 1437? Durante esses 3 anos, continuou-se a viajar pelo Bojador,
nomeadamente através de expedições organizadas pelo Infante. Contudo, em 1437 foi decidida uma
interrupção de viagens, o que significa que até 1440 não houve novas viagens até à costa ocidental
africana. Tal decisão centra-se muito no facto de, em 1437, o infante se querer concentrar nos
preparativos de uma nova ofensiva militar na cidade no Norte de Africa, Tanger. Isto ajuda-nos
a confirmar a tal mentalidade “bipolar” de D. Henrique, na medida em que o mesmo possuía e
reclamava dois interesses muitos claros: por um lado, um interesse de expansão ultramarina, mas este
mesmo interesse encontrava-se interligando sempre com os interesses da intervenção portuguesa no
Norte de Africa, quase como um cavaleiro medieval.

Contudo, esta expedição revelou-se um fracasso, muitas vezes mencionada como um “desastre” e,
em última análise, essa responsabilidade deveria ser incutida ao Infante, que acumulou na sua
preparação erros militares e estratégicos. Tal como é enunciado na obra História da Expansão e do
Império Português, o Infante foi “impulsivo na forma de atacar, mas sem cuidar da logística”29. Heis
o que aconteceu:
- As forças portuguesas foram cercadas pelas forças muçulmanas, sendo confrontadas com
apenas duas soluções: ou se rendiam e morriam, ou partiam para negociações com as forças
muçulmanas. Contudo, o que seria espectável é que, nessas negociações, o infante assumisse a
sua responsabilidade como causador daquele incidente, beneficiando a posição muçulmana.
- O maior benefício que os muçulmanos poderiam obter com esta negociação era a saída da hoste
portuguesa das suas praças, e o maior triunfo seria a saída dos portugueses de Ceuta.
Obviamente, naquele preciso momento, o Infante não tem a capacidade de decidir e realizar
isso, tendo de consultar a Coroa de volta a Portugal.
- No seguimento destes acontecimentos, para que a hoste portuguesa saísse de tanger a salvo,
vão exigir contrapartidas, a apresentação de um penhor humano, para além que fique cativo
nas forças muçulmanos para que o acordo seja cumprido. Logo, o Infante aceitou o sacrifício
do seu irmão mais novo D. Fernando.
- Contudo, o que não se viria a saber era que D. Fernando não ia regressar a Portugal, nem ia
sair daquele sítio vivo. D. Henrique poderia ter assumido as responsabilidades e ficar cativo no
lugar do seu irmão.

27
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 47
28
OLIVEIRA E COSTA, 2014, pp. 48-49
29
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 43

22
“Encurralado no palanque, D. Henrique teve de negociar com os mouros e estes pediam a
devolução de Ceuta para deixar partir os portugueses. O infante não tinha poderes para tomar
decisão tão grave, e deixou o seu irmão, D. Fernando, por refém, mas, assim que se viu livre do aperto,
logo defendeu a manutenção de Ceuta, ao mesmo tempo que congeminava soluções alternativas para
salvar o irmão. O rei e o reino viram‐se então a braços com uma crise grave.”30

É importante reter, antes de passarmos para uma descrição da sucessão destes acontecimentos, que “A
documentação mostra‐nos que Ceuta tinha receitas avultadas e que entrava ouro nos cofres da Coroa.
[...] No entanto, ia ganhando força uma corrente de opinião que criticava a manutenção da cidade. A
guarnição numerosa em permanente estado de alerta exigia um recrutamento contínuo de homens e de
armas e os povos do interior não apreciavam naturalmente a ida de jovens para uma guerra que não
lhes trazia benefício directo.
Ficou célebre uma carta que o infante D. Pedro escreveu em 1426, na qual afirmava que Ceuta era um
«sumidoiro de gentes, armas e dinheiro» e se manifestava contra a forma como a praça era mantida.
Esta frase tem sido considerada como uma verdade indiscutível, mas é, na verdade, a opinião de um
agente político; D. Duarte e D. Henrique, pelo menos, sendo seus irmãos, não diriam o mesmo.”31

Na sucessão destes acontecimentos, a obra História da Expansão e do Império Português elucida-nos


de forma clara acerca dos diferentes partidos que se formaram, nomeadamente no que toca à tomada
de uma decisão, que passaria ou por salvar a vida de D. Fernando, ou por recuperar Ceuta. Assim
sendo, eram postas em causa destas duas hipóteses, que nos elucidam de forma clara quais eram os
interesses dos diferentes partidários:
1. “Um punhado de fidalgos, encabeçados pelos infantes D. Pedro e D. João, defendia a
devolução de Ceuta e contava com o apoio dos representantes dos concelhos do interior
do país. Os fidalgos eram talvez os únicos que colocavam a vida de D. Fernando acima dos
interesses da Coroa, enquanto as populações da maioria das vilas e cidades do reino
manifestavam o seu desinteresse por uma cidade que lhes representava custos e vidas humanas,
sem que tirassem proveito imediato da sua manutenção”32
2. “Muitos outros fidalgos, sob a égide do ausente infante D. Henrique e do conde de Arraiolos, e
com o apoio tácito do próprio rei, entendiam que Ceuta não podia ser entregue aos mouros
e que tinha de se encontrar uma outra forma de resgatar o infeliz D. Fernando. Este partido
contava com o apoio quase unânime dos eclesiásticos, pois parecia‐lhes impensável entregar
voluntariamente uma cidade cristã aos infiéis.”33

Contudo, o rei D. Duarte faleceria no ano de 1440, sem ter designado qual seria a solução que poderia
ser imposta. Em adição a tal, o seu sucessor – D. Afonso V – tinha apenas 6 anos na altura, o que gerou
uma crise sucessória no reino. Contudo, o Infante D. Pedro acabou por assumir a regência enquanto
D. Afonso não atingia a maioridade, tentando desde logo resolver a questão de Ceuta.

30
Ibidem
31
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 39
32
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 44
33
Ibidem

23
Assim sendo, logo em abril desse mesmo ano, “[...] enviou uma expedição chefiada por D. Fernando
de Castro com a missão de proceder à entrega da cidade africana e ao resgate do infante D.
Fernando.”34. Contudo, esta revelou-se um fracasso, sendo que D. Fernando acabaria mesmo por
falecer sem chegar a Portugal, a 5 de junho de 1443. Logo, tal como é enunciado na dita obra,
“Confirmava‐se, assim, a verdadeira importância de Ceuta, como «a chave do Mediterrâneo».”35

Não obstante esta situação, aquilo que os portugueses observaram ao longo destas suas expedições foi
que era relativamente fácil viajar para Sul devido a ventos favoráveis junto à costa ocidental
africana. Logicamente, também se verificava que era difícil regressar a Portugal, porque esses
mesmos favoráveis em direção Sul não eram favoráveis na viagem de volta [a Norte].
Portanto, o enfrentamento dessas dificuldades técnicas e a solução que deveriam ter causado uma causa
útil para que, do ponto de vista técnico, se pudessem arranjar soluções para tratar destas problemáticas
que impediam a navegação. Quando as viagens são retomadas em 1441, é utilizada uma embarcação
nova, a caravela adaptada e adotada, que passa a ser a principal embarcação portuguesa. Junto com a
caravela, encontramos a técnica da bolina.

Logo, o início da década de 40 abriu uma nova conjuntura, não só porque as viagens foram retomadas,
mas também porque em 1443 temos o pleno e oficial reconhecimento o protagonismo que o infante
D. Henrique tinha alcançado nesta vertente da exploração da costa ocidental africana. Foi emitida
pela Coroa uma carta de doação que concedia ao Infante D. Henrique o monopólio de navegação
e comércio. Assim sendo, só as embarcações que eram propriedade do Infante ou tinham a sua
autorização – e desde que lhe pagassem os devidos direitos – é que podiam viajar para sul do Bojador,
e aí realizar a sua atividade económica.
- Este monopólio foi concedido a título vitalício, ou seja, dado para ser usufruído por ele todos
os dias da sua vida.
- Por outro lado, é ainda de sublinhar que no texto desta carta de doação o Infante D. Henrique
foi reconhecido pela coroa portuguesa como o pai das viagens pela Costa Ocidental
Africana

Com efeito, tal como enuncia João Paulo Oliveira e Costa, “só em 1443, 28 anos depois da jornada
de Ceuta, é que a Coroa assumiu uma doutrina de hegemonia marítima, durante a regência de D.
Pedro, transformando, assim, as iniciativas privadas de D. Henrique numa causa nacional; depois D.
Afonso V levou a cabo uma política de avanços sistemáticos em todas as direcções, que permitiu
finalmente que D. João II concebesse um plano para o império; este acabou por ser concretizado por
D. Manuel I que, no início do seu reinado, assistiu ao rasgar dos horizontes e ganhou acesso a
desvairadas partes, umas há muito desejadas, outras até então desconhecidas.”36

No ano seguinte, em 1444, aconteceu outro marco importante no âmbito destas viagens: o primeiro
contacto com terras africanas subsarianas. Este residia necessariamente nas pessoas, na medida que
eram populações muçulmanas, as quais portugueses atacavam, fazendo-as cativas, e dirigindo-as para

34
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 45
35
Ibidem
36
OLIVEIRA E COSTA, 2014 p. 18

24
a mão de obra escrava. À medida que se vai navegando cada vez mais para Sul, começam a encontrar-
se solos mais férteis, assim como a possibilidade também de encontrar ouro, Arguim: constituiu o
primeiro espaço importante no qual os portugueses resgataram ouro. Por outro lado, descendo a costa
os portugueses foram encontrando outros animais exóticos. No fundo, um ecossistema mais rico
traria possibilidade de negócio maiores

Contudo, revela-se também uma crescente resistência por parte das populações locais, que inclusive
ao resistir, no ano de 1446, foram pouquíssimos os sobreviventes portugueses. Por conseguinte, em
1448, o Infante tomou uma decisão estratégica fundamental: a tónica das relações dos portugueses
na costa ocidental africana não deveria ser colocada na violência, mas sim nas relações pacificas
e não inimizando a relação com as populações, assim como as trocas comerciais. Isto não significa que
a mão de escrava acabasse por completo, ou que os portugueses não estivessem armados, mas agora
os portugueses sabiam que, negociando com outros africanos, os escravos que eles reduzissem à
escravidão na sequência dos conflitos tribais africanos. Há aqui uma situação de mútuo interesse, tanto
por parte de africanos como de portugueses, que estão dispostos a negociar comercialmente uns com
os outros
Em 1460, ano da morte do Infante, é alcançada a Serra Leoa.

No entanto, há que salientar estes aspetos no que toca à iniciativa henriquina: a necessidade que o
Infante e a coroa portuguesa vão sentir no que toca à gestão do seu monopólio, visto que a Coroa ainda
se impunha como força suprema política, apesar de não ter intervenção direta na gestão do património.
Ao atribuírem ao infante um monopólio vitalício e não hereditário, significa que a Coroa estava a
reservar terreno para o futuro.
Isto quer dizer que, apesar da Coroa portuguesa ter abdicado em 1443 em qualquer intervenção direta
nas expedições na costa ocidental africana, encontrava-se atenta ao processo. Assim sendo, foi numa
coligação direta entre D. Afonso V e o Infante D. Henrique que foram solicitadas e obtidas em Roma,
junto do papado, duas bulas fulcrais para a história da expansão portuguesa. No texto das duas bulas
as entidades identificadas como benificiárias foram o Infante D. Henrique e a Coroa portuguesa – na
altura com D. Afonso V
- Bula Romanus Pontifex, 1455: atribuiu ao Infante e coroa portuguesa o mesmo monopólio de
navegação e comercio a Sul do Bojador. Portanto, legitimava e reconhecia a Portugal este
mesmo monopólio de navegação e comércio a sul do Bojador
- Bula Inter Ca(o)etera, 1456: Fez a mesma coisa, mas agora com aplicação em termos
espirituais. Atribuiu-se um direito de padroado, ou seja, toda a responsabilidade da expansão
do Cristianismo, envio de leigos e construção de Igrejas nestas paragens ficaria a encargo dos
portugueses, não de uma intervenção direta de Roma.

Ambas as Bulas legitimavam a intervenção portuguesa a sul do Bojador, como lhe reconheciam
um direito de monopólio. assim sendo, é importante também sublinhar a jurisdição geográfica “desde
a sul do Bojador até às terras dos Índios”. Há quem veja nesta expressão a primeira manifestação que
os portugueses queriam chegar à Índia, mas a verdade é que não nos podemos esquecer que, em termos
da geografia medieval, a verdade é que se considerava a existência de várias índias.
Numa altura em que o papado funcionava como a grande instituição, obter bulas legitimando esta
supremacia da coroa portuguesa significava uma autêntica afirmação daquele que era o “Império”

25
português pelo mundo. Isto em termos teóricos, porque depois em termos práticos nem sempre valeu
aos portugueses.

1479: Conquistas em Marrocos e o Atlântico como um Mare Nostrum

A partir de 1460, ano da morte do Infante, é observável uma nova conjuntura, na medida em que D.
Afonso V teve cerca de 21 anos para tornar-se o senhor pleno deste empreendimento, e outro em que
teve de conviver com o Infante. Tal como já foi afirmado, e refletindo acerca dos princípios da carta
atribuída ao Infante, enquanto o mesmo foi vivo e foi beneficiando deste monopólio, as intervenções
diretas régias estavam claramente limitadas.

O que sucedeu no capítulo das conquistas em Marrocos? O rei Afonso V subiu ao trono por volta
dos 6 anos idade, e apenas 1 ano depois do desastre de Tanger, crescendo assim com este trauma bem
presente na família real. Tendo em conta esta situação e contexto, aquele que viria a ser futuro rei
encontrava-se suficientemente permeável às posições dos seus conselheiros. Assim, a sua primeira
vitoria no Norte de África traduziu-se na conquista de Alcácer-Ceguer.
- O foco de Tanger foi transferido para Alcácer Ceguer, tomada pelos portugueses no ano de
1458, ataque esse bem-sucedido.
- No ano de 1463, cerca de 5 anos após uma iniciativa bem sucedida em Alcácer Ceguer, o rei
voltou ao Norte de África, agora novamente com a ideia de conquistar Tanger. Este ataque
foi mal sucedido, apesar da derrota não ter uma dimensão comparável ao ataque de 1437.
- Assim, espera até 1471, preparando armas e um exército significativo. O que aconteceu foi
que, na sequência da intervenção militar de Arzila, D. Afonso V e as forças portuguesas
puderam ocupar Tânger, devido ao facto da população de Tanger fugir após se aperceberam da
intervenção militar que se sucedia em Arzila: “Com a queda de Arzila, a população de Tânger
percebeu que o cerco se tornava insuportável e abandonou a cidade, e D. Afonso V acabou por
a ocupar sem luta.”37
Assim, em 1471 os portugueses já tinham uma rede significativa nas praças no Norte de África

Também é de sublinhar que, em 1471, na sequência da conquista de Arzila e ocupação e Tanger, D.


Afonso V celebrou um acordo de tréguas com aquele que viria a ser o novo sultão de Marrocos:
um acordo de tréguas – não de paz – que estava previsto ter a duração de 20 anos, ou seja, até 1491.
Isto numa altura em que D. Afonso V ainda era relativamente novo, e também em que tinha reunido
um enorme exército português. Logo, se havia altura ideal para se continuar uma iniciativa militar
expansionista em Marrocos, era justamente nesta altura.

Tendo se estabelecido este acordo de tréguas, nos inícios da década de 1470, Afonso V está satisfeito
com aquilo que tinha alcançado no Norte de África: tem uma rede de praças, e um significativo
domínio no estreito de Gibraltar, não tendo pretensões de continuar a sua expansão nessa mesma zona.
D. Afonso V não estava obcecado pela guerra contra os mouros e esteve sempre empenhado no sucesso
da expansão marítima. A sua decisão de 1471 dá a entender que o seu grande objectivo, relativamente
ao reino de Fez, era Tânger, quiçá o seu trauma de infância, pois assistira com 5 anos à tragédia dos

37
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 65

26
seus tios e à angústia mortal do pai. Na posse de Tânger, o rei adiou a guerra em África por vinte anos,
o que significava que não pensava verdadeiramente em voltar a este teatro de operações.”38

Assim sendo, não é correto dizer que D. Afonso – cognominado de O Africano – só se focava na
expansão no Norte de África. Tal afirmação é sustentada também por outros motivos:

O Infante D. Fernando recebeu em termos de herança do Infante D. Henrique – seu tio e pai adotivo –
a casa ducal de Viseu, com todas as terras e privilégios, recebeu também o governo da ordem de Cristo
e, em termos ultramarinos, recebeu o senhorio dos Arquipélagos atlânticos, ou seja, Madeira, Açores
e Ilhas do Cabo Verde. Logo, a casa senhorial de Viseu, com um imenso património, tinha estes
interesses, mas a verdade é que se viu privada.
Em 1460 D. Afonso V decidiu que agora o monopólio da exploração vai para o usufruto da Coroa.
Isto é a maior prova que o rei não pensava só na expansão no Norte de África. Nem quando Afonso V
arrendou o comércio da Guiné a Fernão Gomes, nem isso significou uma demissão de interesses por
parte da coroa:
- A concessão foi apenas feita por 6 anos (1468-1474). É importante denotar que vamos ver em
livros e artigos que o contrato começou em 1469, o que é mentira, pois a verdade é que não
chegou até aos dias de hoje contrato original, mas apenas referencias feitas em cronicas.
- Isto significou que Fernão Gomes tinha o direito de desenvolver atividade comercial em termos
monopolistas na zona da Guiné, mas para isso tinha de pagar verbas à coroa portuguesa. Por
outro lado, o reconhecimento geográfico de novas zonas foi acompanhado pela Casa real, que
não se demitiu do interesse da exploração da costa ocidental africana ao entregar o comércio a
Fernão Lopes.

Em adição a tal, Afonso V preocupou-se em fortificar Arguim, nomeando pela primeira vez um
Capitão português para Arguim. Entre 1466-1472, concedeu privilégios no comercio com a Guiné.
Portanto, temos variadíssimos sinais de que Afonso V tinha interesses claros na expansão ultramarina.
O desenvolvimento atlântico começou a suscitar o interesse de Castela sob esta zona, passando a
disputar com Portugal a hegemonia ultramarina. Em 1479, foi assinado o Tratado de Alcáçovas
(Toledo, pois fora ratificado no ano seguinte em Toledo), em que a Coroa castelhana veio reconhecer
aquilo que os portugueses reivindicavam para si, desde as décadas de 1440/50, mesmo através das
bulas papais anteriormente referidas: o monopólio de comércio a Sul do cabo Bojador. Não obstante a
posição de supremacia portuguesa, Castela acabou por disputar com Portugal o usufruto do
monopólio, no entanto, Castela acabou por dar o braço a torcer, reconhecendo que não tinha essa
capacidade, através desse Tratado.

É preciso sublinhar, porém, que o Tratado de Alcáçovas foi assinado no rescaldo de um conflito entre
portugueses e castelhanos. Henrique IV, no âmbito do seu matrimónio, apenas teve uma filha, onde
pairavam dúvidas sobre a paternidade e, consequentemente, legitimidade dessa filha – Joana, a
Beltraneja (supostamente filha de Béltran). Joana, porém, foi reconhecida como filha e herdeira.
Na sequência da morte de Henrique IV em dezembro de 1479, Isabel a Castelhana movimentou-se
para tomar o trono de Castela, contando com o apoio de Aragão, tentando afastar D. Joana. por seu

38
OLIVEIRA E COSTA, 2014, pp. 65-66

27
turno Afonso V de Portugal passou a intervir para defender os direitos da sobrinha Joana, culminando
uma guerra.

Até 1479, o que sucedeu foi uma guerra entre os dois reinos: uma frente tradicional, sendo guerra
travada na Península Ibérica, mas também a Sul do Bojador. Mas a verdade é que Isabel aproveitou
este pretexto para, em termos práticos, disputar o monopólio português de comércio e navegação a sul
do Bojador, algo que se sucedeu através de assaltos, etc. Contudo, os portugueses conseguiram travar
esta guerra, muito por conta do seu conhecimento acerca destas zonas – 30 anos de experiência e de
contacto destas regiões, conhecendo as rotas, ventos e correntes –, sendo que Castela só começou a
expansão muito mais tarde.

Deste conflito resultou uma espécie de empate: se na frente ibérica Castela acabou por levar a melhor,
na frente atlântica foi Portugal que levou a melhor. Através do tratado de Alcáçovas toledo, Afonso V
reconheceu a realeza de Isabela, a Católica e, em adição a tal, a Coroa portuguesa reconheceu a
soberania castelhana sobre as ilhas canárias, usando-a apenas como ponto logístico, em caso de
necessidade. Já Castela reconheceu a tal supremacia portuguesa a sul do Bojador, uma área de total
hegemonia portuguesa.

Portanto, em 1479 e 1480, consuma-se aquilo que


Portugal já estava a reivindicar há muitos anos através
de várias estratégias, vindo a conhecer agora este
estatuto de superioridade face à única potência
europeia que viria a tentar afrontar esta posição
portuguesa.

1494: A mina de ouro e o Mare Clausum

O reinado de D. Afonso V terminou em 1481 e, nessa sequência, subiu ao trono o seu filho D. João
II, que reinaria até 1495. O ano de 1494 estará claramente associado ao Tratado de Tordesilhas, mas
também às “Minas e Ouro” – que marcaram o reinado de d. João II, que reinaria em Portugal até 1495.

Temos de começar com a questão da Mina de Ouro, remontando para o ano do início do reinado de D.
João II. No mapa correspondente a este tópico, é observável um novo círculo vermelho, que
corresponde ao território do atual Gana. Aqui, em 1481, fez-se levantar a chamada Fortaleza de S.
Jorge da Mina. Assim que foi levantada, a verdade é que em termos estatutários ela ganhou os termos
de cidade – em bora em termos práticos ser só uma fortaleza. Importância política, estratégica,
económica e financeira que o reino Português atribuiu a S. Jorge da Mina.
O que havia então nesta região? Ouro. Mas se o mesmo já era explorado desde o tempo do Infante D.
Henrique, porque é que era tão importante agora? A grande diferença estava nas quantidades – não

28
que os portugueses estivessem a explorar literalmente uma mina de ouro – mas o que se passava ali
era um tráfico de ouro e não uma mineração, ou seja, esta era uma zona da costa africana à qual o ouro
afluía em maior quantidade. Sem o ouro da mina não podemos compreender a políticas de
centralização política desencadeada por D. João II.

Apesar de nos encontrarmos em 1481, a verdade é que esta região já tinha sido percecionada como
importante região aurífera no contexto do acordo com Fernão Gomes, entre 1468-74, sobre a vigência
do Tratado da Guiné. Não obstante importância da região já tinha sido percecionada, não tinha havido
condições – em função da guerra com Castela – para avançar, algo feito só em 1481.
Assim sendo, o que aconteceu foi que nos primeiros meses do ano, ainda reinava D. Afonso V
(importante sublinhar pela continuidade entre as opções de Afonso V e de D. João II, sendo que
independentemente do rei que estivesse no trono, o processo de São Jorge da Mina seria iniciado), foi
emitido um Breve Papal concedido a todos os membros da expedição para a preparação da fortaleza
de S. Jorge da Mina, um “lugar no paraíso”, garantindo mais gente nessa expedição. Através desse
documento temos a prova de quando começou a ser erigido a fortaleza. Foi a partir daí que se
começou a traficar o ouro. D. João II segundo estava altamente envolvido neste processo: o pai tinha-
lhe dado as responsabilidades da expansão portuguesa a sul do Bojador, depois de Fernão Gomes, em
1474.
Assim, é notória a importância estrutural da minha para a coroa portuguesa, nomeadamente entre 1480
e 1550, sendo uma mola de sustentação financeira da mesma.

No reinado de D. João II, os objetivos ideológicos e religiosos são de uma importância fulcral,
sendo que, nesse sentido, acredita que tem responsabilidade em contribuir para a disseminação do
cristianismo, garantido um lugar no Paraíso. Ademais, também, visava uma estratégia de apoio
político, uma vez que sabemos de vários acordos com líderes de regiões da Costa Africana, oferecendo-
se a esses líderes apoio político e militar – uma vez que tinham conflitos internos – se se convertessem
ao cristianismo. Logo, a atividade missionária em territórios ultramarinos marca o reinado de D.
João II.

A região associada a esta atividade missionária é o Congo, e aquilo que aconteceu foi que no reinado
de D. João II, de uma forna inovadora, arrancou-se uma atividade missionaria nessa mesma região.
Na região do Congo, a partir de 1490, a liderança do Congo aceitou a aliança política e militar dos
portugueses, adotando o cristianismo, além de consentir a disseminação do cristianismo na região,
através de pessoas especializadas. Podemos, portanto, falar em atividade missionária. Esta política
missionária está associada a uma organização, reflexão, ponderação, planificação, onde mostra uma
política efetiva e formal, ao contrário do que se fazia até então.
- Recordemos que já era objetivo do Infante de proceder a uma expansão religiosa, havendo a
partir daí já uma tripla noção: reino cristão, reino poderoso militarmente e rico. Contudo, é
importante reter que aquilo que tivemos com Infante não foi justamente uma política
missionaria efetiva e missionaria, apenas pretensões de espalhar o cristianismo.

Havia uma iniciativa portuguesa movida não só por interesses financeiros e logísticos, mas
também por interesses religiosos, sendo que D. João II tenta continuar esta política, tendo como foco
fundamental a Etiópia

29
No que toca à chegada à Etiópia, tomemos atenção à personagem de Pero da Covilhã. Pero da
Covilhã, um sabido, viajou de espaços banhados pelo mar vermelho, reconhecendo uma série de
informações entregues a emissários judeus de D. João II, informações essas fulcrais para compreender
melhor o sistema de monções, a fim de saber qual a melhor altura do ano para se partir para o Oriente.
Contudo, já no reinado de D. Manuel, foram cometidas falhas na organização da viagem de Vasco da
Gama, marcadas por falhas no sistema de monções – influencias sobre correntes e ventos no oceano
indico, marcado por épocas de tempestade. Mas se as informações chegaram ao rei de Portugal, não
se percebe nem faz sentido se, mesmo possuindo estes dados, como é que, mesmo assim, cometeram
gralhas. São colocadas três hipóteses “em cima da mesa”:
- Ou as informações foram lacunares e incompletas;
- Ou não chegaram, de todo, as mãos de D. João II;
- Ou até eram completas, mas por alguma razão ninguém prestou atenção.

Aquilo que sabemos é que, enquanto Pero da Covilhã tinha esta missão, soube que Afonso de Paiva
morreu, sendo que a sua missão era, a partir da cidade do Cairo, descer para Sul e alcançar o território
da Etiópia. Portanto, após tal acontecimento, pero da Covilhã assumiu essa missão, cumprindo-a
efetivamente. A procura do reino cristão deveria ser feita não na costa ocidental africana, mas sim a
partir do Egito. Contudo, o que acontece é que pero da Covilhã nunca mais deu resposta, deixando a
Coroa portuguesa na incógnita, sem saber o que realmente aconteceu após o mesmo tomar a iniciativa
de proceder a essa missão.
Estes factos batem relativamente certo, porque em 1520 – exatamente quando os portugueses
alcançaram efetivamente o espaço da Etiópia a partir da Índia –, vão encontrar Pero da Covilhã na
corte etiópica. A explicação dada pelo mesmo foi que, ao alcançar o território, algo que efetivamente
aconteceu tal como era desejado, não lhe permitiram sair do reino, ficando assim lá estabelecido junto
da corte.

Não obstante este foco da Etiópia, retomemos a nossa atenção para a Costa ocidental Africana. Como
já foi referido acima, na região do Congo, a partir dos inícios da década de 1490 tudo correu bem: a
liderança do Congo aceitou a parceria política e militar dos portugueses, adotou o cristianismo –
nomeadamente s família real, que servia como exemplo à restante população, tornando mais fácil a
difusão da sua confissão religiosa –, e consentiu na presença de sacerdote (pessoal especializado) para
disseminar o cristianismo no território. Logo, pela primeira vez, no quadro da expansão portuguesa
com D. João II, foi procedida a uma efetiva atividade missionaria.

Outra dinâmica extraordinariamente importante é a busca pela passagem de comunicação entre o


Atlântico e o Índico: nos anos de 1470 já se pensava no subcontinente indiano. Temos dois indícios
fortes:
- 1470: o rei D. Afonso V decreta um monopólio da Coroa portuguesa sobre alguns produtos,
sendo estes o lacre39, pau brasil e pedras preciosas [gemas], sendo só isso que o documento
enuncia. Mas o que tem a ver com índia / Oriente? Até 1470, em nenhum dos espaços onde os
portugueses, estavam não conseguiram encontrar nenhum destes produtos. Contudo, os

39
Produto utilizado para selar as cartas, sendo aquela espécie de “cera” vermelha que estamos acostumados a ver

30
conheciam estes produtos, provenientes dos mercados asiáticos, querendo agora ter mais
controlo sobre os mesmos40.
- 1474: coroa portuguesa pede, através de um dos sacerdotes da Sé de Lisboa, Paolo Toscanelli,
um parecer técnico-científico. A melhor forma de se encontra uma rota para se chegar “à índia
das gemas e das especiarias”41. Aqui já não nos restam dúvidas para entender as pretensões
expansionistas para o subcontinente asiático dos portugueses através de Toscanelli.
Em 1474, a coroa portuguesa ao quere saber um parecer técnico-científico através de
Toscanelli, que lhe dirá que a melhor forma de se chegar às índias é navegar para o Ocidente

Com este pensamento posto em Oriente, faz todo o sentido que D. João II, logo a partir de 1482 e até
1487/88, patrocine grandes expedições marítimas, de modo a explorar a Costa Africana. Com Diogo
Cão, onde a Costa já estava a infletir para Norte, fizeram-se duas expedições. Bartolomeu Dias,
organizou uma expedição onde se passa para o Índico – Cabo das Tormentas/ Da Boa Esperança. Estas
expedições permitiram, em seis anos, explorar a restante Costa Ocidental Africana, demostrando que,
no reinado de João, procurava-se, o mais rápido possível, chegar à Índia, às especiarias, as gemas, e
aos cristãos. Este é um facto impressionante, pois antes demoraram cerca de 30 anos a explorar a costa
africana, e em 6 anos navegaram toda uma imensidade de costa

Em 1494 assina-se o tratado de Tordesilhas.

Balanço geral devido ao reinado de D. João II: O Tratado de Tordesilhas é um dos assuntos mais
importantes para compreendermos não só o reinado de D. João II, mas também o futuro que
marcou as etapas da expansão portuguesa. A reivindicação do monopólio por parte de Portugal
viria a ser desafiada do ponto de vista teórico e pratico, sendo que o Tratado de Alcáçovas reconhecia
da parte castelhana a soberania portuguesa. Contudo, no final do reinado de D. João II, houve a
necessidade por parte das duas coroas de forjar um novo tratado, nomeadamente devido a dois
aspetos essenciais:

– Realização da viagem de Cristóvão Colombo: Colombo foi um homem que viveu em Portugal,
aproveitando a sua conexão com Portugal para desenvolver os seus conhecimentos náuticos, e em 1484

40
O nome “Brasil” irá provir justamente do pau brasil, sendo que no subcontinente americano havia em abundância à
data da chegada dos portugueses a esse local.
41
Citação enunciada pela professora em aula de um registo documental da época, o qual não apanhei a referência.

31
apresenta pela primeira vez a D. João II o seu plano de navegar para Ocidente, a fim de alcançar a
Asia. A coroa portuguesa, tendo na mão desde 1474 o parecer de Toscanelli, jamais perseguiu esse
mesmo objetivo, apostando na circunavegação do continente africano para alcançar o Oceano Indico.
D. João II recusa esta proposta, e podemos supor que um dos seus fundamentos terá já estado
relacionado com, no início do seu reinado, o patrocínio da deslocação / expedição de homens de
ciência, no sentido de nos territórios africanos situados na linha Equatorial se desenvolverem medições
astronómicas. Dados empíricos permitiram a esses homens ter uma noção mais aproximada e realista
da verdadeira medição da circunferência terrestre. Isto ia de encontro à proposta de Colombo porque
de acordo com a ideia do mesmo, navegando-se para ocidente, achava que ia encontrar terras asiáticas
de forma relativamente rápida, pois acreditava que a circunferência terrestre era menor do que é na
realidade.

Qual era a tradição portuguesa? Apoiar livres iniciativas de privados apenas do ponto de vista
político, e não do ponto de vista económico e financeiro.
Os encontros reais de ilhas semearam na mente de muitos homens o sonho de encontrarem novos
territórios insulares no atlântico, uma ambição que estimulou variadíssimas pessoas. Logo, a coroa
portuguesa consentia que agentes privados fizessem buscas oceânicas, procurando encontrar novas
ilhas, mas nesse caso tinham de ser esses agentes a assegurarem e subsidiarem os custos da expedição.
Em caso de sucesso, a coroa garantia para si a soberania das ilhas encontradas, reservando também
para si o exercício da justiça suprema (condenação à morte / amputação de um membro, eram
prerrogativas régias). Logo, a coroa portuguesa não tinha por hábito de particionar em termos
financeiros expedições que não eram concebidas pela mesma
Isto também foi uma razão para João II dar uma resposta negativa a Colombo.
Colombo acaba por organizar uma expedição, começa a ser pressionado pela tripulação para regressar,
porque era necessário manter a bordo manter água e comida para regresso. Porém, teve a sorte de
encontrar as Antilhas. Após isto, D. João II reclama por si a soberania destes territórios, reivindicação
disputada com a coroa castelhana, o que vai despoletar a assinatura do Tratado de Tordesilhas.

– Viagens de exploração oceânica realizadas com o patrocínio da coroa portuguesa no Atlântico


Sul

Área de influência portuguesa e castelhana: divisão feita através de Meridianos.


- Portugal: Cobria o Atlântico Sul, parte do território do atual Brasil, domínios dos espaços
Orientais
- Castela: território próximo ao continente americano (exceto o Brasil), oceano pacífico e
extremo oriental da Ásia

Entretanto, D. João II tinha particionado outras viagens de exploração oceânica no Sul, desenvolvidas
com o objetivo de, em pleno Atlântico – e não juntinho à costa africana –, procurar / detetar quis seriam
os melhores ventos e correntes, passiveis de levar os portugueses para a zona do Cabo da Boa
Esperança. A verdade é que estas expedições permanecem até hoje indocumentadas, mas também
não temos dúvidas que elas se realizaram:

32
– Desde logo, percebendo a insistência de D. João II e dos seus representantes diplomáticos nas
negociações de Tordesilhas. Isto porque, de acordo com os Reis Católicos e o papa Alexandre VI, o
meridiano de influência portuguesa deveria ter ficado mais a Ocidente do que realmente ficou.
Contudo, se D. João II fez questão de a deslocar mais para ocidente, era porque claramente tinha a
noção que, para se avançar o melhor possível para a rota do cabo da boa esperança, tinha de se fazer
uma pequena inflexão para ocidente, não seguindo necessariamente um trajeto junto à costa ocidental
africana.

– Na obra A Travessia do Mar Oceano, estudo da autoria de Francisco Contente Domingues, é feita
uma reflexão acerca de uma viagem realizada por Duarte Pacheco Pereira a cerca de 1492. Durante a
mesma, Duarte Pacheco Pereira desembarcou em terra no Ocidente, terra essa que hoje em dia temos
a certeza absoluta ser brasileira.
Inclusive sabemos que Duarte Pacheco Pereira foi encontrado em S. Tomé a descansar, mais uma pista
indireta de que, de forma regular, D. João II mandava pessoas ao mar a fazer explorações.
Inclusive, ele foi um dos portugueses que integrou a negociação do Tratado de Tordesilhas. Portanto,
seriam coincidências a mais ter um veterano da exploração do Atlântico ali presente nas negociações,
e, portanto, tinha o objetivo de fazer salvaguardar mais para o ocidente o meridiano de influência
portuguesa, fundamental para a sua rota de navegação para a Índia.
No entanto, fala-se que o Brasil foi descoberto e assinalado no ano de 1500. Porque é que Duarte
Pacheco pereira nunca reivindicou um descobrimento do Brasil? Porque, de acordo com as
concessões geográficas de alguns homens da época, acreditava-se que Duarte Pacheco Pereira tivesse
estado numa faixa / cintura de terra que envolveria os continentes e os respetivos oceanos, ao invés do
Brasil propriamente dito. Esta representação da dita “cintura de terra” é observável na cartografia da
época.

Vasco da Gama, em 1498, segue para uma rota direta sem hesitações, sinal obvio que a fase atlântica
da viagem já estava completamente definida. Isto ajuda a compreender porque é que houve 10 anos de
hiato entre a viagem de Bartolomeu Dias e a de Vasco da Gama, sendo necessárias expedições,
negociações, para além de uma crise sucessória em Portugal.

1521, “Mais longe que Gregos e Romanos”42: o Império Marítimo no período manuelino

Embora o império continue a ser essencialmente marítimo – uma espécie de talassocracia –, pois não
assenta no princípio sistemático de terra. Interesses religiosos, mas também interesses económicos.
Subordinado por D. Manuel I, este império representou uma ampla novidade na história do mundo.
Com o mesmo, a área de influência portuguesa cobria Portugal, a Europa (em termos diplomáticos),
herdando todo um processo que levava influencia e capacidade de interferência portuguesa a territórios
africanos. Em adição a tal, em função da viagem de Vasco da Gama (1497-1499) e de Pedro Alvares
Cabral (1500), fica com uma esfera de influência que alcança 4 continentes e dois oceanos. Logo, foi
o primeiro estadista a nível mundial.

42
Designação de Luís Vaz de Camões (?)

33
Porque é que não há círculo vermelho na américa do Sul no mapa? Sabemos que, com o Tratado de
Tordesilhas, ficou integrado na jurisdição portuguesa. Sabemos que em 1500, com o objetivo principal
de alcançar a Índia, Pedro Álvares Cabral saiu de Lisboa – pois a viagem de Vasco da Gama foi
exploratória – sendo que todos os anos passou a sair uma armada de Portugal destinada à comunicação
com a India, o movimento da “carreira da India”, inaugurado por Cabral.
Também sabemos que Cabral, através de documentos – carta de Pero Vaz de Caminha –, confirma-
nos a chegada ao atual território brasileiro
Porque é que se dirigiu para ocidente para se chegar à Índia? Cabral afastou-se mais do que tinha
sido necessário no que toca àquela pequena inflexão para Ocidente. Na viagem de Vasco da Gama há
registo de avistamento de ervas a flutuarem e aves a voarem. Terá sido em função desta circunstância,
e da necessidade de se confirmar se havia ali terra ou não, que Cabral se deslocou um pouco mais para
ocidente do que aquilo que era necessário, visando a salvaguarda da carreira portuguesa da India.

O território brasileiro, para D. Manuel I, teve sempre uma importância meramente subsidiária,
sendo que a sua maior importância tem a ver com a sua posição geostratégica – se aqui existe terra,
tem de estar sob a égide a Coroa portuguesa, para garantir a segurança marítima da navegação
portuguesa do Atlântico Sul. O Grande foco de Manuel primeiro não está a ocidente, mas sim a Oriente
Não era importante para si mesmo, mas eram sim agentes privados que pagavam ao rei para terem uma
exploração.

“Ideia imperial manuelina”: conceito historiográfico cunhado pelo professor Luís Filipe Tomás, que
nos finais dos anos 80 publicou em França um trabalho com este mesmo título. Muito brevemente,
esta ideia consistiu: D. Manuel I tinha objetivos e ambições imperiais, e também sabemos que D.
Manuel se tornou rei de Portugal em 1495, uma espécie de “rei acidental”. Então, nesta ideia imperial,
é fundamental termos em consideração não só as ambições do rei, mas também termos a noção que
ele acreditava que era um eleito de Deus, isto por conta da sua ascensão inesperada ao trono português:
- Acreditava-se, não só D. Manuel, como as pessoas que o rodeavam (alimentando essa ideia em
si), que os reis da monarquia portuguesa eram eleitos por Deus, mas depois com Manuel I, no
seio desta linhagem de reis portugueses, tinha sido escolhido para liderar os portugueses para

34
começar uma nova era da humanidade: destruição do bloco islâmico, e triunfo de Deus e
Jerusalém Celeste
- O Quinto Império seria este império subsequente à derrota definitiva do “mal”. O Império
Mameluco, para D. Manuel I, era o grande alvo a abater. Logo, D. Manuel I era o escolhido
pelos portugueses pelo mundo para a abertura desta quinta e última era, a era venturosa.

Quando ele nasceu, era o 6º na linha de sucessão ao trono português, e quando se tornou rei não foi
um simples rei que cria continuar o plano de D. João II. Claro que o fez, mas deu a esse mesmo plano
uma carga nova, a carga messiânica. Nesta logica expansionista, vai marcar o reinado de D. Manuel:
- A gestão dos senhorios Atlânticos
- Também na nota de combate ao Islão, é incrementado o esforço de conquistas no Norte de
África
- Foco a Oriente

Temos, então, a viagem inaugural de Vasco da Gama e de Pedro Alvares de Cabral. Estas duas viagens
revelaram a D. Manuel I e aos agentes portugueses que cumpriam com estes desígnios expansionistas,
que era necessário fazer aprendizagens.

O primeiro português que desembarcou em Calecute foi um degradado – condenado – “Vimos buscar
cristãos e especiarias”, porque estão convencidos que vão encontrar uma Índia de maioria cristã. Foi
só com a viagem de Cabral que houve um aclaramento, pois achava-se aqueles santos um bocado
estranhos, que se compreendeu que aquela era outra religião, o hinduísmo, com a qual os portugueses
começaram a contactar e a entender as suas características.
O que se está aqui a desenhar, que acaba por tornar possível a perspetiva portuguesa, é a questão de os
portugueses conseguirem estabelecer algumas parcerias com algumas entidades locais, chave para se
começar a construir o chamado Estado Português da India:
- Conceito da época, que nasceu do século XVI – com referências mais antigas da década de
1530, mas foi a partir da segunda metade do século XVI que esta expressão se vulgarizou. Em
termos historiográficos, porque precisamos de conceitos operatórios, aplicamos este conceito
logo ao reinado de D. Manuel I, pois foi no seu reinado que teve de decidir que os portugueses
tinham de continuar ou não a manter contacto, negociações, e “investir” a Oriente.

Esta era essencialmente uma linha marítimo-comercial: Em primeiro lugar visava a viabilização do
trafico português de especiarias, o que levou a contactos com a costa do Malabar, que corresponde ao
extremo sul da costa ocidental Indiana. Aqui estavam localizados pequenos-grandes reinos (pequenos
no que toca à sua dimensão, mas grandes em termos de produção de especiarias). Mas a verdade é que
era necessário pagar a compra destas especiarias, e os portugueses rapidamente aperceberam-se que a
aquisição de especiarias tinha de ser feita em troca de metais precisos – sobretudo ouro. Nesse sentido,
vão olhar para a costa Oriental Africana, nomeadamente Sofala, passando a funcionar como um dos
principais entrepostos ao qual chegava ouro proveniente do interior do continente. Este mesmo ouro
era traficado, e não simplesmente extraído / saqueado pelos portugueses.

35
Os títulos de “governador” e “vice-rei”: a diferença honorifica no título comparando com vice-rei,
sendo nomeadamente questões de ordem político-social que levavam a coroa portuguesa a atribuir essa
titulação. Assim sendo, nem todos os governadores eram denominados vice-reis. Quando morria de
forma inesperada quem estava a dirigir o estado da Índia, a partir dos inícios do governo de D. João
III, instituía-se um sistema de sucessão, sendo que cada dirigente quando saia de lisboa levava várias
cartas consigo – três alternativas de nomes de pessoas enunciadas para governadores – sendo essas
cartas abertas à morte do governador / vice-rei.
- Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque foram dois governadores do Estado da Índia
neste período

Por outro lado, aquilo que também era normal fazer era enviar-se para a costa oriental africana têxteis
de algodão. A par do arroz, eram o produto comercial que em maior peso – no sentido literal – que era
traficado no indico. Estes eram absolutamente vitais para se aceder ao ouro da costa Oriental africana,
sendo grandes produtoras de têxteis:
- Guzerate (Costa Ocidental Indiana)
- Costa do Coromandel (eixo meridional da costa oriental indiana)
- Bengala: Nordeste do subcontinente indiano
Foi esta a estrutura viabilizada na época de Francisco de Almeida, uma espécie de “esquema comercial
em triângulo”, de forma a viabilizar o comércio de especiarias: adquirem ouro africano, levado ao
Nordeste do continente indiano, que por sua vez tinha os tais têxteis de algodão.

Já na época de Afonso de Albuquerque, a situação e diferente: enquanto que na época de Francisco de


Almeida se tenta viabilizar o comercio de especiarias, com Afonso de Albuquerque o que se tentou
fazer foi aumentar a viabilização portuguesa nos tráficos interasiáticos, tão ou mais valiosos do que o
trafico de especiarias para a Europa.
O rei também teria manifestado interesse em Ormuz e Malaca – ambos localizados em regiões com
uma importância geoestratégica extrema, apesar de serem dois pequenos entrepostos comerciais.
- Ormuz, pela afirmação portuguesa: 1507, 1508 e novamente em 1515
- Malaca foi conquistada na sequência de uma única campanha, 1511
- O único aspeto no qual Afonso de Albuquerque inovou foi na conquista de Goa em 1510,
tornando-se a 1ª base portuguesa na Ásia no qual os portugueses exerceram plena e total
soberania, sendo este um espaço também com ótimas condições de defesa.

Entre Goa e Ormuz estava estabelecido um dos mais rentais tráficos do indico, a exportação de cavalos
árabes, pois a India continuamente necessitava de cavalos, em função da sua dificuldade de reprodução
de cavalos. Por outro lado, as continuas guerras internas do subcontinente levava a esta constante
necessidade de importação de animais de guerra.
Portanto, neste período e até aos finais do reinado de D. Manuel I, temos condensada a estrutura do
império português na Índia. Não podemos esquecer que a ilha de Moçambique se tornou
importantíssima, uma base naval que dava apoio às embarcações que viajavam para a India – sendo
feita aí a chamada invernada.

36
Por outro lado, temos de falar do enorme falhanço da época manuelina:
- Temos de assinalar também uma das coisas que não foram cumpridas por D. Manuel e que, na
altura, foram mesmo consideradas como um falhanço. Afonso de Albuquerque diz que era
objetivo português ir a Meca e deixá-la reduzida a cinza; também se pensou em criar ligação
com os Persas, xiitas. Esta aliança político-militar era para se lançarem ao ataque ao Mameluco,
algo que nunca foi conseguido.
- Por outro lado, entre 1516-1517, temos de assinalar outra questão, que teve a ver com a decisão
do império otomano avançar com mais conquistas a sul, sendo a conquista do império
Mameluco materializada nesses mesmos anos.

Ao longo do século XVI o peso brasileiro foi aumentando: enquanto que com D. Manuel I o Brasil era
uma espécie de pluma, tendo o estado da Índia uma enorme importância, e qua do chegamos ao reinado
de D. João III, o estado português da Índia vai declinando o seu peso no contexto geral do império.

1549, os primeiros domínios territoriais: novos protagonistas

Que grandes questões temos a assinalar para o período de D. João III?

Podemos dizer que foi com D. João III que o império português se modernizou, nomeadamente em
termos ideológicos. Caiu a ideia de cruzada: fundamental na expansão portuguesa desde o seu início,
levada ao seu limite com d. Manuel I, essa mesma ideia agora caiu. Isto n significa que se passou a
viver em paz com os muçulmanos, que não se produzissem choques e interesses contra os mesmos,
independentemente de qual fosse a região do império. Contudo, foi sim abandonada a ideia de D.
Manuel de derrotar completamente do bloco islâmico. Caindo o mito do poderio do reino de Peste
João e com a nova mentalidade do monarca D. João III, a ideia de derrotar completa e definitivamente
o Islão (embora continuasse a haver conflitos). Começa-se a ter uma visão e objetivos mais
pragmáticos.
- Isso foi visível no âmbito da história portuguesa associada ao Estado da Índia, mas também
noutra dimensão geopolítica, nomeadamente no Norte de África. É observável, a partir da
década de 40, um claro desinvestimento português na presença portuguesa no norte de África,
sendo que em 1542 os portugueses sofreram uma significativa derrota militar na medida em
que acabaram por ser expulsos de Santa Cruz do Cabo de Gué: a cidade era controlada pelos
portugueses, houve um ataque muçulmano, e os portugueses foram obrigados a abandonar.
Aquilo de que aconteceu com D. João III foram abandonos puros e simples: os portugueses “fizeram
as almas” e confinaram / reduzem a sua presença no Norte de Africa a apenas 3 núcleos: Ceuta,
Tanger e Mazagão. Isto amplia mais a ideia de que a luta sistemática contra os muçulmanos não fazia
sentido.

Em adição a tal, na área atlântica houve uma redução da área de hegemonia portuguesa: a região a
sul do Golfo da Guiné, com ameaças inglesas e francesas. O desligamento relativamente ao Brasil
durante o período manuelino teve os seus custos, deixando esse território mais permeável à presença
e intervenção francesa.

37
Logo, D. João III organiza uma expedição portuguesa em 1530-33, com visa a expulsar os franceses
da região (embarcações francesas anuladas, apreendidas e destruídas pela armada portuguesa), o que
significou uma maior secularização do litoral brasileiro – culminando na fundação de 3 bases. Por
outro lado, foi nesta expedição que foi fundada a vila de São Vicente, o primeiro povoado português
no Brasil. O primeiro movimento de exploração económica do território pensando já na cana de açúcar
também veio na sequência desta mesma expedição.
- Claramente que o rei português estava decidido a apostar no território brasileiro – outro
grande contraste entre D. João III e D. Manuel I – sendo que d. João III considera que o brasil
tem importância por si próprio, não apenas subsidiário. Em 1549 é fundado o Governo Geral
do Brasil, associado ao alargamento do povoamento da região, sobretudo nas áreas costeiras.

Relativamente à dimensão Oriental do império português, verificamos que em termos de estruturas


não houve modificações, no entanto temos uma diferença que tem a ver com o crescimento das áreas
de Missionação portuguesa. Isto remete-nos para a questão nos novos protagonistas: a Companhia
de Jesus foi fundada em Roma no ano de 1540, sendo encaminhados para Lisboa jesuítas nesse mesmo
ano. Por conseguinte, na armada rumo à Índia em 1541, já estavam a sair de Lisboa os primeiros
Jesuítas, que visava à conversão das gentes destes territórios ao cristianismo.
Independentemente da nacionalidade concreta dos sacerdotes que operavam no terreno – de grande
maioria portugueses, mas que podiam provir de outras regiões europeias – e eles estavam a agir no
quadro do padroado português, estando subordinados à Coroa portuguesa.

Os jesuítas, sobretudo eles, através das atividades missionárias, determinaram a expansão da


soberania ou da influência político-militar portuguesa: é de destacar o Brasil e até mesmo o Japão
(mais do ponto de vista diplomático, cativando senhores japoneses para iniciativas comerciais com os
portugueses)

Logo, a partir da 2ª metade do século XVI, este império não é apenas dinamizado pela nobreza,
enquanto coordenadores e agentes no terreno, sendo que passamos a ter os agentes missionários como
os protagonistas efetivos.

Há que sublinhar também o protagonismo da iniciativa privada portuguesa: monista fase, o império
está também a crescer – não significando estritamente conquistas, incluindo interesses comerciais – e

38
portanto, esta iniciativa privada vai ser importante na expansão territorial do Brasil, mas também ao
facto da dinamização de interesses comercias no extremo oriente.

1575, a hegemonia sobre dois oceanos: novas cidades na América, África e Ásia

Existe uma tendência para associar o reinado de D. Sebastião a uma época de um forte e quase
instantâneo recrudescimento no que toca à área de influência do Império português, algo que pode ser
um pouco tendencioso e simplista.
Aquilo que vemos é que, em termos de capacidade de ação marítima não há aqui grandes novidades,
mas vemos uma expansão dos interesses portugueses. Uma coisa que é preciso ter em atenção é que,
na verdade, o grande expansionismo português mais atrativo paras crónicas e até mesmo para a
memoria das gentes terminou nos finais do reinado de D. Manuel I. Obviamente que a situação
referente ao abandono das praças no Norte de África não deixou toda a nobreza contente,
nomeadamente a nobreza cortesã. Em contrapartida, o império continuava a crescer e a desenvolver-
se, sendo um exemplo disso o Brasil, mas o seu crescimento não foi feito com base em vários ataques
como foi feito com os muçulmanos.

Assim sendo, o período de D. Sebastião teve longe de representar a decadência total e profunda,
apesar de esta conceção ser muito apoiada no desastre em Alcácer Quibir. Foi um desastre quer pelo
seu resultado, quer tendo em conta baixas portuguesas (mortes, feridos e prisioneiros), assim como no
que toca à do próprio morte do rei em combate, e, portanto, todos os custos políticos que de aí
decorreram. Contudo, a decisão de intervenção de D. Sebastião no Norte de África naquela conjuntura
não foi tão disparatada. Ele decide intervir numa fase em que o Império Otomano está a avançar mais
para o Mediterrâneo Ocidental.
Onde é que errou? Avançou sozinho (sendo que o seu tio Filipe II não o apoiou militarmente), com
um exército cuja liderança não havia sido modernizada, alimentado por uma nobreza com pouca ou
nenhuma experiência em termos de combate, isto também a par de um grande erro final: o rei entrar
na cena de batalha

Não obstante este desastre militar, observamos claros sinais de dinamismo no reinado de D.
Sebastião:
- Para além dos conflitos do Estado Português da Índia, é observável uma expansão dos
interesses no Brasil: no final do reinado de S. Sebastião, os portuguese estão a controlar toda
a linha de costa brasileira. Isto tinha sido feito com recurso a campanhas militares, assim como
com base no crescimento da exploração da cana de açúcar
- Como símbolo deste expansionismo português, já não alimentado por tantas batalhas, temos
também a fundação de novas cidades, nomeadamente nos inícios ou durante o reinado de D.
Sebastião. Seguindo uma logica geográfica, de Ocidente para Oriente, temos: Rio de Janeiro,
no ano de 1565, uma zona que os franceses tentaram ocupar, mas que os portugueses
conseguiram expulsar, que revela uma importância estratégica logo desde início, recebendo
desde logo a titulação de cidade;
Luanda, no ano de 1576, alimentada pelo alastramento dos interesses portugueses,
nomeadamente no que toca à iniciativa privada, constituindo os prazos que vão estar na origem
da colonização da região;

39
Macau, no ano de 1567; Nagasaki, fundada no início da década de 70, devido à presença dos
missionários da companhia de jesus e dos comerciantes portugueses. Passou a ser, a partir de
então, o porto terminal da carreira comercial do Japão, que ligava a India ao japão, explorada
com maior rentabilidade no reinado de D. Sebastião.

Portanto, o império de D. Sebastião está a crescer


mais em termos comerciais do que propriamente em
termos militares, o que não satisfaz a nobreza
portuguesa. Este facto irá ajudar a alimentar a ideia de
que o império com D. Sebastião está em decadência

1615: o fim da hegemonia marítima e consolidação territorial

No entanto, foi com a morte de D. Sebastião, que culminou no estabelecimento da união ibérica após
uma crise sucessória, que as coisas começaram efetivamente a piorar. O arrastamento de Portugal para
a Monarquia Hispânica e para os seus conflitos, levou a que a medio prazo os portugueses perdessem
a hegemonia marítimo-naval: navegações de neerlandeses, ingleses e franceses começavam a desafiar
a concessão do Monopólio português de navegação e comércio.

No entanto, até 1615 em termos de domínios


comerciais ou entrepostos portugueses em terra
ainda não se tinham verificado perdas: nem no
Brasil, nem no mundo atlântico, nem no mundo
oriental.

1641: O ataque holandês / neerlandês

Claro que não foram só os neerlandeses a atacar, mas a partir dai já é possível ver perdas significativas:
- Nordeste brasileiro, perdido integralmente para os Neerlandeses (WIC);
- Na Costa Ocidental Africana, perda de S. Jorge da Mina na costa Ocidental Africana; S. Tomé
e Príncipe; Luanda
- No quadro asiático, perda de Ormuz, na região do Golfo Pérsico, para os ingleses em 1622,
mas também para os safávidas – na sequência de uma aliança realizada entre ambos.

40
Não foi só intervenção de Norte e Europeus que acabou por custar a perda de várias áreas controladas
pelos portugueses, mas também outras mutações. No subcontinente indiano, as perdas não foram, neste
período, significativas, algo que se altera mais tarde, nomeadamente no que toca ao caso de Malaca e
do Japão. Em função das evoluções políticas japonesas, os portugueses acabaram expulsos do
território, quer em termos de ação religiosa, quer em termos de ação comercial – devido ao
aparecimento dos neerlandeses. Logo, também são ataques por coligações de interesses, não sendo
apenas os europeus a reagir contra os portugueses e, à perda da tal hegemonia marítimo-comercial,
tinha-se somado a perda de vários entrepostos e espaços controlados pelos portugueses.

Portanto, não só se confirmou a perda a antiga hegemonia portuguesa, quer agora agravada pela perda
de vários aspetos estruturantes do império português. O que é que sobrou deste Império português?
Perderam-se alguns espaços onde tinha havido territorialização, mas os grandes espaços que
sobreviveram foram espaços que, entretanto, tinha aviado alguma territorialização: essencialmente
o império marítimo-comercial tinha entrado em decadência, mas tinham sobrevivido vários espaços
onde a presença portuguesa se tinha territorializado, visto que a presença portuguesa noutras regiões
tinha culminado na criação de laços identitários.
- No Brasil (mais meridional), a partir do qual foi possível resistir contra os neerlandeses;
- No espaço de Moçambique as tais propriedades contruídas pelos portugueses vão alimentar
uma maior presença colonial portuguesa;
- Por outro lado, no próprio contexto asiático, própria territorialização também se desenvolvia,
sobretudo em Goa, que em 1543 os portugueses anexaram as terras firmes vizinhas de Goa,
ficando a controlar em goa cerca de 700km2 (sendo que a ilha por si só tinha 100km2)
Logo, ficaram as “bases” para que o império subsistisse no futuro, embora de forma mais reconfigurada

Tendo em conta esta cronologia, temos de referir mais um aspeto: em dezembro de 1640 tinha se
reproduzido o golpe de restauração em Portugal, estando nele localizada uma dinastia portuguesa – os
Braganças – sendo que esta notícia demorou a chegar consoante a parte do império. À exceção de uma
única posição, todos os espaços subordinados à autoridade portuguesa manifestaram a sua lealdade
perante D. João IV: Goa e o caso das autoridades de São Salvador, capital do Estado do Brasil.
- Em todo o império português só houve um único ponto perante a monarquia hispânica, Ceuta,
muito explicável perante a posição geostratégica da mesma: ajuda no controle da entrada e

41
saída no Mediterrâneo; proximidade física extrema entre o território espanhol Ibérico e Ceuta.
Perante as potenciais ameaças militares vindas de Espanha, Ceuta tinha uma vida mais difícil,
e isso justifica o entendimento de ambos os locais nessa altura.
É com base nesta situação que temos de perceber o que se passou os anos a seguir. No caso brasileiro,
a notícia da restauração teve um impacto psicológico muito positivo, nomeadamente porque contribuiu
para o suscitar de revoltas contra a ocupação neerlandesa.
Em 1649 foi criada a Companhia Geral de comércio do Brasil, que tinha não só um braço comercial
como militar: ação militar no atlântico extremamente importante para a recuperação de várias partes
de território brasileiro que haviam sido tomadas pelos neerlandeses

1663: O império territorial

Portugal não mais restaurará a sua posição de hegemonia marítimo-comercial, mas o império
continuará a subsistir, não agora em termos marítimos e comerciais, mas sim no aproveitamento da
experiência de territorialização. Isso foi particularmente visível no caso brasileiro, sendo
essencialmente um esforço humano técnico e militar, que levou à recuperação do território, algo
definitivo em 1654, quando os neerlandeses declararam a sua rendição.
Vemos não só a restauração do antigo domínio português sobre o Brasil, mas também o
aprofundamento da expansão nesse território, conduzida em direção ao Sertão (interior do território).
É de destacar dois momentos fundamentais, para espectativa de avanço para o interior já estava a
germinar há algum tempo:
- Expedição desenvolvida entre 1637-1639 por um oficial denominado de Pedro Teixeira, que
a partir da região litorânea da Amazónia, partiu à frente de uma expedição que se infiltrou pelo
interior do continente americano, chegando até Quito (atual capital do Equador): Clara violação
do tratado de Tordesilhas pela parte portuguesa.
- 1648-1651: expedição encabeçada por António Raposo Tavares, que partiu de São Paulo
descreveu uma curva, seguindo uma rota interior, indo “desaguar” a Belém do Pará. Foi como
se assim, simbolicamente, estava a começar a fixar as fronteiras interiores do Brasil

Apesar deste notório investimento e atenção no território sul americano, no contexto do Estado
português da Índia também se tinha produzido territorialização, algo aprofundado no século XVIII.
Jamais teve em causa uma saída dos portugueses dos seus espaços asiáticos. É verdade que, outrora,
D. João III acabou por sacrificar espaços do império português – nomeadamente praças norte africanas
–, mas temos de ter em conta que, nos meados do século XVII, se a presença portuguesa na Ásia não
oferecesse benefícios ainda substanciais, também podemos acreditar que também poderia surgir a
discussão acerca da manutenção destes lugares.

Contudo, há que ter em atenção um pormenor fundamental para a sustentação desta tese de que
abandonar a Ásia não estava nos planos dos portugueses: após a Restauração de 1640 foi criado o
Conselho Ultramarino, que se tornou o ministério especializado que passou a dar apoio à dinasta de
Bragançana gestão do império. Sabemos que um dia deste trabalho era dedicado às ilhas atlânticas,
outros ao brasil, assim como outros destinados a matérias da presença portuguesa na ásia –
nomeadamente 3 dias. Não deixa de ser significativo que, no pós-Restauração, o Estado da India ainda
trazia atenção às autoridades centrais portuguesas.

42
Assim sendo, reforçando uma ideia que já foi referida anteriormente, o império que se está a
desenvolver na segunda metade do século XVII é essencialmente territorializado.

Relativamente a mapa anterior, neste já é observável a recuperação militar de Luanda, tal como de São
Tomé e Príncipe. Porquê a necessidade destas recuperações? O Brasil tinha de mão escrava provinda
do continente africano, possuindo o mesmo então uma posição geostratégica atlântica. De tal forma
que o esforço militar de reconquista foi desenvolvido a partir do Brasil, com Salvador de Sá.

Se o império se conseguiu terriotirializar, e de forma relativamente tranquila, foi porque justamente


em 1663 se tinha produzido a paz definitiva com as Províncias Unidas, sendo que anteriormente já se
tinha selado a aliança com a Inglaterra.
Em adição a tal, em 1669 o regente D. Pedro (D. Pedro II) decidiu recusar uma proposta de aliança
feita pela França de Luís XIV – que olhava com muito interesse para os territórios asiáticos – pois
houve a consciência clara que o estabelecimento de uma aliança com a França acabaria por arrastar
Portugal para novas guerras europeias.

“Portugal tornou‐se rapidamente numa potência asiática ao mesmo tempo que dominava o Atlântico
Sul. Com a união das coroas ibéricas, viu‐se arrastado para a geoestratégia de Filipe II e foi incapaz
de suportar o ataque simultâneo de Ingleses e Neerlandeses, seus velhos aliados, mas encarniçados
inimigos de Madrid. O final do século XVI assistiu ao colapso do império marítimo e à fatal
convicção de que o império estava em decadência, mas foi precisamente nas últimas décadas de
Quinhentos e nas primeiras de Seiscentos, enquanto as naus soçobravam e se perdiam os negócios da
prata japonesa, das especiarias asiáticas ou o que restava do ouro da Mina, que o império se recompôs
e se reconfigurou, agora subordinado ao paradigma da territorialidade, que se afirmou como a
nova dinâmica imperial, e que se revelou suficientemente pujante para derrotar os Holandeses no Brasil
e em Angola, para conservar a costa oriental africana e todos os portos com hinterland na Ásia, e para
pagar a Guerra da Restauração.”43

1700, a expansão na América e em Africa: “Tribo Portuguesa”

A cada mapa vemos sempre uma maior densificação da presença portuguesa em africa, mas também
novamente o avanço para o Sertão Brasileiro. Temos de ter em conta que, na última década do século

43
Oliveira e Costa, 2014, p. 102

43
XVII – não se sabe a data ao certo –, foi descoberto ouro no espaço do atual estado do Brasil de Minas
Gerais, localizada na retaguarda de São Paulo do Rio de Janeiro. De facto, os portugueses tinham
alimentado a espectativa de encontrar ouro em grandes quantidades no território brasileiro desde o
inico do século XVII, algo que só se sucederia agora.
Encontraram ouro em quantidades fantásticas, o que alimentou um desejo de exploração maior:
- Maior investimento no avanço para os sertões do Brasil, incentivando a um avanço para o
interior do espaço brasileiro
- Enormes consequências em termos económicos e financeiros, sendo que a riqueza e
prosperidade do Brasil foram cada vez mais e imensamente aproveitadas pela coroa
portuguesa, algo notório ainda hoje em dia de Norte a Sul do país.
- Consequências demográficas, com um salto significativo da demografia do Brasil
colonial, quer por migração interna, quer por uma intensa emigração a partir do reino de
Portugal. A descoberta de ouro em minas gerais gerou uma corrida ao ouro em minas gerais,
significando uma deslocação significativa da população da la, assim como de mão-de-obra
escrava (geralmente empregues nas plantações e engenhos da cana-de-açúcar) e, por outro lado,
temos também a assinalar a partir de Portugal uma migração significativa em direção ao Brasil,
a ponto de no século XVIII se estabelecerem limites à emigração para o reino do Brasil –
inclusive começou a impor-se o uso de passaporte.

Estando a presença portuguesa espalhada um pouco


por todo o mundo, havia de facto grupos humanos
cuja identidade já não era estritamente asiática,
africana ou portuguesa. Este conceito de Tribo
portuguesa foi aplicado pela historiografia

1815: A colónia torna-se reino

Ano em que, por decisão da coroa portuguesa, o Brasil foi elevado ao estatuto de Reino, muito por
conta da saída da família real e da coroa portuguesa aquando as invasões napoleónicas.
Entre o século XVI e estes inícios do século XIX o brasil foi construindo paulatinamente condições
para a sua independência:
- Condições territoriais: o Brasil resulta de uma construção, quer a nível humano (com
contributo de portugueses, africanos, ameríndios), quer a nível religioso, cultural ou até mesmo
geopolítico. Na sequência de todas as dinâmicas que estamos a observar, genericamente, nas
vésperas da sua independência o Brasil está construído do ponto de vista territorial.
É importante também assinalar a concretização de dois tratados: 1750, Tratado de Madrid;
1777, Tratado de Santo Ildefonso. Foram estes dois tratados que, genericamente reconheceram

44
e atribuíram ao Brasil atual as fronteiras que nós conhecemos. Logo, havia reconhecimento
internacional das fronteiras brasileiras
- Por outro lado, o Brasil estava construído em termos económicos e financeiros (era mais
Portugal que precisava do Brasil do que Brasil precisava de Portugal). Os seus recursos isto
gerava uma economia rica e dinâmica
- Condições demográficas: inícios do século XIX foi de crescimento demográfico sucessivo
- No Brasil já germinavam ideias de independência. Em 1789 já havia sido suscitada uma
ideia de independência do estado de Minas Gerais – isto nomeadamente por parte das elites da
região –, algo que nunca resultou, mas que lá andava muito por conta de influência do Norte
americano (que há pouco tempo havia reclamado a sua independência.

Contudo, apesar do Brasil possuir todas estas condições favoráveis a uma possível independência,
faltavam as condições políticas, algo que foi melhorado com a ida da coroa portuguesa para o
território. A declaração de independência chegará a 1822, decretada por um membro da família real
portuguesa.

A independência do Brasil faz com que a atenção ultramarina portuguesa se direcione para o continente
africano e asiático. Goa vai ser alvo da territorialização (foram sendo anexados territórios, as velhas
conquistas, e, em meados do século XVIII, decide-se conquistar novos locais). É importante sublinhar
também que, em 1752, a administração do território de Moçambique é passada para si mesmo, sendo
autonomizada relativamente a Goa e passando a ter autoridades centrais próprias.
Cada espaço devia ter autoridades centrais, o que se passava em Brasil, Angola, Moçambique e Goa.

45
NAVEGAÇÃO E CARTOGRAFIA

Sem a navegação e a cartografia, os portugueses simplesmente não tinham desenvolvido uma


exploração marítima. Obviamente tinham conseguido desenvolver uma expansão no Norte de Africa,
mas a expansão na Costa Ocidental Africana teria sido extremamente difícil de desenvolver.

1. Embarcações e Instrumentos

Barca: foram as embarcações utilizadas pelos homens da casa senhorial do infante D. Henrique nas
tentativas de passagem do bojador, sendo que esta embarcação esteve em uso até 1436.
De muito pequena dimensão, era uma embarcação muito utilizada em Portugal à época, tanto na
navegação costeira como na navegação fluvial: não era um barco muito grande, mas satisfazia
perfeitamente os interesses portugueses da época.
“Tratava‐se de um navio pequeno apenas com uma coberta, sem estruturas relevantes à proa e à popa,
e que dispunha de um mastro com uma vela quadrada. Apropriado para a navegação costeira em águas
de ventos variáveis, cedo se revelou pouco adequado para as viagens ordenadas pelo infante D.
Henrique.”44
Tal como enfatiza João Paulo Oliveira e Costa, “o regresso ao reino só era possível bolinando, ou
seja, navegando contra a direcção do vento, o que exigia um outro tipo de velame, bem como um casco
mais resistente para a navegação no mar alto” - algo que, claramente, as barcas não tinham capacidade
de fazer, devido à sua pequena estrutura e velas quadradas. Assim sendo, “Nos anos de 1435 e 1436,
os marinheiros da Casa de Viseu voltaram a passar o Bojador, mas depois as viagens foram
interrompidas.”45
Assim sendo, rapidamente se percebeu que não era a embarcação ideal. Logo, de 1437 a 1440 houve
uma interrupção das viagens de exploração da costa ocidental Africana, sendo um dos fatores a
chegada por parte dos portugueses a esta conclusão: é possível navegar com estas embarcações, mas
com muitas limitações e dificuldades, nomeadamente na viagem de regresso.
Em 1440 sabemos que foram feitos testes relativos à nova embarcação, procedendo-se a algumas
afinações – segundo o testemunho de Gomes Eanes de Zurara

“Depois de várias experiências nos canais entre Bruxelas e Antuérpia e de algumas viagens pelo mar
do Norte, surgiu a caravela.”46 Assim, as viagens foram retomadas usando-se eta embarcação, a
Caravela Latina com dois ou três mastros, sendo que as primeiras só tinham dois mastros. A
caravela já existia, sendo utilizada por portugueses e outros povos no Mediterrâneo. Contudo, o que
aconteceu foi que a caravela foi adaptada, e, portanto, as características apontadas são as características
da caravela latina, que é uma invenção dos portugueses
Em comparação com a barca, qual seria a necessidade de termos uma estrutura coberta abaixo da
zona do leme? A questão fundamental era que, os homens que viajavam nas barcas viajam
completamente desprotegidos, não tendo uma estrutura física que os protegesse. Portanto, o castelo

44
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 50
45
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 50
46
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 50

46
tem então esta importância: já confere maior proteção à tripulação. Por conseguinte, são também
observáveis melhorias nas zonas da proa e da popa.
Outra característica também fundamental são as velas triangulares, uma das características
completamente fundamentais e revolucionárias. Permitiam, ao contrário das velas de pano retangular,
a utilização da técnica da bolina: navegar em zig-zag, e com isso enfrentar ventos contrários.
Ora, mas de “zigzagueamos” e se andamos a cruzar o oceano, o que é que isto implica também? A
técnica da bolina passou a obrigar os homens a perderem o contacto visual com a linha de costa. Estar
no meio do mar sem qualquer ponto de referência, em conjugação com a orientação astronómica
permitirá navegar no mar sem ter qualquer contacto com a linha de costa.
Nos finais do século XV já se utilizavam caravela latinas, com velas triangulares. Neste caso, nos
finais do século, passaram a existir três mastros, em vez de dois.

- A Escola de Sagres é um mito, que nem sequer foi iniciado por portugueses. A primeira
arquitetura deve-se a um inglês, Samuel Purchas, que viveu entre os finais do século XVI,
sendo este um clérigo que publicou vários relatos de viagens marítimas. Deu origem a este
mito, na tentativa de fazer com que os ingleses partilhassem um “bocadinho” das honras das
viagens marítimas, exaltando para tal a descendência inglesa do Infante D. Henrique. Porém,
não há qualquer evidência coeva que ateste a existência desta escola.
Aquilo que se pode afirmar é que, claramente, houve homens que se debruçaram sobre estes
problemas, nem todos eles portugueses – a adaptação da caravela não foi feita só por
portugueses –, portanto foi-se fazendo “escola” prática de navegação, não de forma formal
enquanto instituição, mas de forma prática.
“A lenda da Escola de Sagres perdura ainda hoje, embora seja destituída de fundamento. Basta
notar que o promontório de Sagres era um ermo até 1443, e que D. Henrique só começou a
edificar o seu paço aí nos anos seguintes. O documento mais antigo assinado em Sagres data
de 1 de Novembro de 1446, doze anos depois da viagem pioneira de Gil Eanes e 24 anos depois
de o infante ter começado a tentar vencer o Bojador.”47

A partir de 1441, a Caravela passou a ser a embarcação portuguesa para as viagens marítimas, onde os
acertos já estariam todos definidos após a realização de vários estudos – permitindo a retoma às
expedições marítimas de forma mais adequada. As viagens de regresso já não eram feitas à vista da
linha de costa, mas, sim, pelo mar alto, sob a técnica da bolina, graças às velas triangulares.

O quadrante, que começou logo a ser utilizado no século XV, permite fazer os cálculos da latitude,
sendo que para tal efeito o próprio astrolábio será fundamental. Estando em mar alto, é preciso recorrer
à medição da altura dos astros, para haver uma orientação marítima, sendo esse o objetivo do
instrumento. O quadrante era utilizado de forma privilegiada recorrendo à Estrela Polar.
O astrolábio surge mais tarde, nos finais do século XV (década de 1490). A partir do momento em
que os portugueses cruzam o Equador, a Estrela Polar deixa de ser visível. Nesse sentido, o Astrolábio
faz a medição recorrendo ao Sol: “o desaparecimento da estrela polar criou dificuldades que

47
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 51

47
demoraram a ser superadas, o que sucedeu com a adaptação do astrolábio à medição da latitude pela
altura do Sol.”48
- O aspeto comum entre o quadrante e astrolábio é que ambos ajudam ao cálculo das latitudes.
Antes das navegações portuguesas, estas invenções já existam, mas, tal como aconteceu com
as caravelas, foram adaptadas. Não foram os portugueses que os inventaram, colocando-lhes
sim um caráter náutico.

Nau: As Naus começaram a ser utilizadas logo no âmbito da viagem de Vasco da Gama em 1497, que
contava com duas naus e uma caravela. A Nau de São Gabriel é uma das poucas evidencias materiais
da viagem de Vasco da Gama, que levava uma imagem do arcanjo a bordo durante a expedição
portuguesa – e por isso sendo também conhecida como Arcanjo de S. Gabriel.
Aquilo que se tinha verificado nos anos anteriores, nomeadamente nas viagens de Bartolomeu Dias e
outras indocumentadas, é que houve novos conhecimentos que ajudaram Vasco da Gama. Como a rota
estava definida e já se tinha conhecimentos oceânicos e dos ventos, pode-se voltar às velas de pano
redondo. Além disso, tornou-se obrigatória na carreira da Índia em função do caráter transoceânico da
viagem.
- Embarcação maior, possuindo uma maior capacidade de carga, quer humana quer material.
- A proa e poupa têm mais espaço devido aos seus dois castelos, o que lhe confere também uma
maior proteção – sendo que as pessoas estão protegidas neste espaço pelos dois castelos
- Mais velas, de diferentes formatos: pano redondo (quadradas) e triangulares. Porquê? Estando
definida a melhor rota, sabendo que existem ventos favoráveis, podem ser utilizadas as velas de
pano redondo – quadrangulares –, em conjunto com as velas triangulares, caso fossem necessárias.
- Naus também levavam a bordo armas de fogo pesadas, algo que requer outra capacidade de carga
que a Caravela não tem.
- Em relação aos mantimentos, as Naus permitem um armazenamento de mantimentos, em
quantidade, muito maior que a Caravela. Uma viagem de Lisboa a Índia (se corresse bem e sem
paragens) duraria cerca de 6 meses e, portanto, a bordo, tinha de haver carga razoável de
mantimentos que oferecessem margem de segurança a problemas técnicos.
- Com muito mais níveis, mais alta, mais “funda” do que a Caravela; ou seja, Alto Bordo. Em caso
de se enfrentar ondulação forte e elevada, enquanto navio de Alto Bordo, oferece maior segurança.

Galeões: começaram a ser desenvolvidos a partir de inícios do século XVI, sendo, por excelência,
navios de guerra e máquinas de armamento – ou seja, máquinas navais de guerra –, também podendo
ser destinado a carga ou a viagens da carreira da Índia. Com diferentes níveis, são um navio de Alto
Bordo, assim como a Nau – apesar de serem maiores que as mesmas.
Jorge Semedo de Matos foi a primeira pessoa que inventou uma hipótese muitíssimo plausível que
explica o regresso inesperado quando Diogo Cão estava a fazer a sua segunda viagem na costa africana:
quando desiste de prosseguir para sul era porque estava a chegar a uma zona mais pobre, onde seria
complicado encontrar mantimentos, além do espaço das caravelas serem limitadas, o que fazia que os
tripulantes começassem a sentir dificuldades.

48
OLIVEIRA E COSTA, 2014, p. 67

48
As próprias calmas equatoriais faziam com que muitas embarcações ficassem paradas em alto mar,
sendo um desafio físico e psicológico, além da falta de mantimentos associada. Muitas vezes se optava
por fazer escala no Brasil para descanso e abastecimento.

Cartografia

A mais antiga Carta Cartográfica que conhecemos: carta do Atlântico, de autoria anónima, produzida
no âmbito da expansão. Como as Cartas se destinaram a uma utilização prática, fazia com que se
estragassem mais rápido.
Não se trata de uma invenção portuguesa, do ponto de vista técnico, as cartas portuguesas são herdeiras
da técnica mediterrânica – rumo e estima. No entanto, a cartografia portuguesa apresenta uma grande
inovação:
- O desenvolvimento da navegação astronómica, em articulação com o cálculo das latitudes;
adaptando o quadrante e o astrolábio para o efeito. Capacidade de desenvolver a navegação em
mar alto e, para cumprir esse desígnio, desenvolver várias estratégias para o conseguir.

O mapa mais antigo que nos mostra a ligação entre o Atlântico e o Índico. Não representa a
cartografia portuguesa, mas demonstra desenvolvimento náutico.

Planisfério anónimo, dito de Cantino, 1502. Representa a cartografia portuguesa do início do século
XVI. Representação a Ocidente: Costa brasileira, América do Sul, subcontinente africano, costa
oriental africana. As latitudes estavam inscritas de forma indireta: estão representadas na linha do
equador, mais a Norte o tropico de câncer, a Sul o tropico de capricórnio; indiretamente estas 3 linhas
dão a referência de latitude. Este é uma cartografia exemplificativa do período manuelino: rotas,
espaços marítimos comercias, alvos militares e ideológicos (Meca, Jerusalém).

Estes mapas, para além de reflexos cartográficos propriamente ditos, tiveram também reflexos na
cartografia também em termos técnicos, tornando-se um elemento auxiliar e precioso para um bom
desenvolvimento das expedições portuguesas na época. A cartografia foi fundamental para que os
homens conseguissem, de facto, regressar ao ponto de partida. Não obstante, a cartografia também
tinha uma componente artística e monumental, quadro fundamental.

49
Algumas imagens que pertencem ao Atlas Miller49, Lopo Homem, onde são observáveis uma série de
mapas que pretendem mostrar, de facto, como era o mundo no século XVI.
A dimensão técnica a par da dimensão informativa e monumental / artística: No ano de 1519
houve a preocupação de desenhar o mundo tal como era conhecido pelos portugueses, e na grande
maioria dos casos foi desenhado de uma forma tão rigorosa quanto possível.
Monumento não só considerando a sua beleza artística, mas também o podemos considerar um
Monumento pois, tendo a referência cronológica de 1519, isto permite-nos ter a consciência que os
homens tinham da problemática da revolução geográfica, tendo a noção que a mundividência do
mundo se tinha alterado.
Neles, observamos, para além de uma representação dos mares e terras, o desenho de animais e
pessoas, assim como de gentes ilustrativas no espaço no qual em que são colocadas. Vemos
portugueses no oceano, mas também as linhas de (?) usadas na navegação

Mapa 1: Europa do Norte e Noroeste Atlântico. Mapa 2: Oceano indico setentrional com Arábia e India.

Mapa 3: Oceano indico meridional Mapa 4: Golfo do Sião (atual Tailândia)

Mapa 5: Madagáscar Mapa 6: Oceano Atlântico Sudoeste com Brasil

49
Atlas Miller, Lopo Homem, [Pedro e Jorge Reinel, António de Holanda] – 1519 – BNF, Cartes et Plans, CPL DE D-26179
(Res)

50
Mapa 7: Oceano Atlântico Central

Fernão Magalhães, em 1519, saiu de Castela em viagem patrocinada por Carlos V para tentar chegar
às ilhas Melucas, através da circunavegação do continente americano, e foi aí que se teve noção de
como realmente era constituída a terra

Único mapa não completamente realista que faz


parte destes mapas. O que temos aqui de
irrealista?
- Zona de água está no meio da terra, ou
seja, a zona oceânica está rodeada por uma
faixa de terra.
- África muito pequena

Diogo Ribeiro elaborou o seguinte


planisfério50, documento esse que nos ajuda
a refletir e entender o avanço e conhecimento
do século XVI

50
Planisfério de Diogo Ribeiro – 1529 – Biblioteca Apostólica Romana, Cidade do Vaticano

51
- EXPERIÊNCIA E CIÊNCIA -

A melhor forma de se compreender o impacto da expansão portuguesa no desenvolvimento da temática


da experiência e ciência, é recorrendo a trechos documentais da época.
A Revolução Científica é um dos grandes marcos do século XVII. E quando pensamos na mesma,
qual foi o fator de base essencial para a eclosão e desenvolvimento da Revolução Científica na Europa
do século XVII? A expansão ultramarina portuguesa foi a grande influência, pois a Revolução
Científica do século XVII não poderia ter emergido sem s ter em conta toda a evolução epistemológica
que aconteceu a partir do século XV e do século XVI. Todos estes desenvolvimentos que se pulsaram
a partir do século XV e XVI levaram à emergência do conhecimento científico, à valorização do
empirismo e da experiência
Esta foi uma emergência paulatina, sendo um grande contraste também entre a medievalidade e a
modernidade.

Duarte Pacheco Pereira escreveu uma obra fundamental, Esmeraldo de Situ Orbis, na qual reflete
acerca do espírito científico que está a emergir, havendo muitas antigas conceções do que era o mundo
que, devido às viagens empreendidas pelos portugueses no século XVI, foram desmentidas,
culminando na valorização da experiência como fonte de conhecimento, ou seja, uma valorização
do conhecimento empírico como elemento fundamental para o desenvolvimento humano das
realidades físicas do planeta terra:
- “[...] alem do que dito he ha expiriencia, que he madre das cousas nos desengana e de toda
duuida nos tira”51

A partir da expansão portuguesa, e a partir do momento em que Duarte Pacheco pereira começou a
escrever sobre este assunto, a experiência passa a ser concebida como a observação das realidades
Inclusivamente, há um historiador holandês R. Hooykaas qualificou o D. João de Castro como “o mais
moderno espírito do século XVI”, pois o mesmo fez exatamente o mesmo que Duarte Pacheco pereira
– valorizando o conhecimento empírico fundamental para o desenvolvimento humano das realidades
físicas do planeta terra – mas foi ainda maios além, promovendo mesmo experiências científicas:
utilizava os marinheiros a bordo das suas naus para promover efetivamente este tipo de experiências,
estando à procura de respostas para determinados fenómenos.

Também esta valorização da experiência / empirismo foi feita de forma gradual, constituindo-se
como um processo em construção. Para estes homens, quer portugueses quer agentes estrangeiros
colaboradores da coroa portuguesa – nem sempre era fácil para cortar com as ideias que vinham de
trás:
– Temos, no primeiro excerto, uma referência a espaços africanos com unicórnios e “homens com
cauda e que comem os filhos”52. Eventualmente, poderia na cabeça dele, se terem misturado
informações: por um lado, fantasia – unicórnios – e canibalismo

51
Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo de Situ Orbis, pub. in Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa, dir. José Eduardo
Franco e Carlos Fiolhais, vol. 6, Primeiros Escritos de Geografia e Ecologia, coord. Alexandra Pelúcia, Alexandra Soares
Rodrigues, João Paulo Oliveira e Costa, José Miguel Pereira, Orlando Gama e Viriato Soromenho Marques, s.l., Círculo
de Leitores, 2018
52
Segundo a carta de Antonioto Usodimare, 12.12.1455, in As Viagens dos Descobrimentos Portugueses, p. 144

52
– Já no segundo excerto, para uma breve contextualização, houve uma necessidade, quando Vasco da
Gama chegou ao Índico e à Índia os portugueses não estavam bem informados sobre as comunidades
locais e certos aspetos. Logo, D. Manuel, procurando informações obre a mina de Sofala, chegou à
conclusão que há uma grande mina de ouro, mas depois fala-se de homens que traziam ouro às costas,
mas que muitos deles tinham 4 olhos, e que comiam homens: “[...] allí alló nuevas que entre los
hombres que traen el oro allí á cuestas, vienem muchos que tienen cuatro ojos, dos delante y dos
detrás, y son hombres pequeños de cuerpo é bermejos, y diz que son crueles é que comen los hombres
con quien tienen guerra, y que las vacas del rey traen collares de oro gruesos al pescuezo.” 53

Mas que razão e atitude humana explicarão o facto de o fantástico estar presente neste(s)
documento(s) de forma tão vincada? Exatamente a questão do fascínio. Toda a Idade Média foi
passada com os europeus – sobretudo os europeus da elite – havia ideias fantásticas sobre aquilo que
seria a realidade do mundo, e para estes homens era ainda muito difícil romper por completo com estes
elementos fantásticos. A mentalidade do homem renascentista.
Não era fácil nem desejável um rompimento com o passado, algo observável também num excerto de
Duarte Pacheco Pereira, no qual o mesmo enuncia: “Nesta terra ha muito grandes cobras de vinte pees
en longuo e mays e muito grossas// e alem destas ha outras cobraas tam grandes que tem hum / quarto
de leguoa de longuo e ha grossura e olhos boca e dentes Respondem a sua grandeza [...] e isto he
duro de crer a quem nom tem a pratica destas cousas como ha nos teemos”54

No final deste excerto de Duarte Pacheco Pereira é observável uma descrição de como se procedia aos
cálculos da latitude, sendo que “ha experiensia nos teem emsinado porque por muitos annos e tempos
que esta Regiam das ethiopias de guinee teemos naueguadas e praticadas em muitos luguares
tomamos as alturas do sol e sua decrinasam para se saber os graaos que cada luguar se aparta em
ladeza da mesma equinosial para cada hum dos polos”55
No último excerto, Duarte Pacheco Pereira vez desacreditar a teoria de Ptolomeu que apontava para a
existência de uma língua de terra entre o extremo do sul do continente africano e do extremo oriente
do continente asiático, referindo-se de forma abstrata ou concerta a outros autores, dizendo também
que os portugueses não encontraram “sereas e outros grandes peixes e hanimaes nociuos.”56

Definição das grandes categorias de produção escrita que vão elencar a expansão portuguesa
- Obras de carater técnico-prático: Cartografia, livros de marinharia, diários de bordo e guias
náuticos. Ou seja, elementos que podem ter uma carga mais iconográfica ou que podem mesmo
estar associados à dimensão escrita, mas com uma componente técnico-pratica, pois mesmo
que seja escrito, é com o intuito de auxiliar a navegação

53
Carta de D. Manuel I aos Reis Católicos, Santarém, 27.VII.1501, pub. por Jaime Cortesão, in A Expedição de Pedro
Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil, Lisboa, IN-CM, 1994, p. 186.
54
Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo de Situ Orbis, pub. in Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa, dir. José Eduardo
Franco e Carlos Fiolhais, vol. 6, Primeiros Escritos de Geografia e Ecologia, coord. Alexandra Pelúcia, Alexandra Soares
Rodrigues, João Paulo Oliveira e Costa, José Miguel Pereira, Orlando Gama e Viriato SoromenhoMarques, s.l., Círculo de
Leitores, 2018
55
Ibidem
56
Ibidem

53
- Obras teórico-críticas: obras que mais do que as que foram acabadas de citar, envolveram
muito mais reflexão e crítica, embora também estejam ligadas à sabedoria do mar – mas numa
dimensão mais critica e analítica. A título de exemplo, encontramos inseridas nesta categoria
obras como Esmeraldo de Situ Orbis de Duarte Pacheco Pereira, Tratado da Espera de Pedro
Nunes (1537), Roteiro de Mar Roxo de D. João de Castro (1541), Colóquio dos simples e das
drogas (um tratado de medicina) de Garcia da Orta (1563)
Feita então esta apresentação, na próxima aula serão faladas das outras duas tipologias que marcam a
ciência portuguesa.

54
- A REVOLUÇÃO GEOGRÁFICA O CONTEXTO NA PRIMEIRA GLOBALIZAÇÃO -

Velhas conceções

Dois primeiros textos incidem sobre o Cabo Bojador:


“Sómente com a vista do ferver destas aguas, e baixo que achauam, concebiam que o mar dalli por
diante era todo aparcellado, e que não se podia navegar” João de Barros, Da Ásia, Lisboa, Livraria
Sam Carlos, 1973, I, i, 2.
“Despois deste Cabo não há aí gente nem povoação alguma; a terra não é menos arenosa que os
desertos de Líbia, onde não há agua, nem arvore, nem herva verde; e o mar é tão baixo, que a uma
legua de terra não há de fundo mais que uma braça. As correntes são tamanhas, que navio que lá passe,
jamais poderá tornar” Gomes Eanes de Zurara, Crónica de Guiné, s.l., Livraria Civilização, 1973 p.
50.

O 3º texto é escrito no século VII, por santo Isidoro de Sevilha, referindo algumas excentricidades:
“Do mesmo modo que em cada povoação aparecem alguns homens monstruosos, assim também no
conjunto do género humano existem alguns povos de seres monstruosos [...]. Os cinocéfalos devem o
seu nome ao facto de terem cabeça de cão; os seus próprios latidos manifestam que se trata mais de
bestas que de homens. Nascem na Índia. Também a Índia engendra cíclopes. Denominam-se
«cíclopes» porque ostentam um olho no meio da fronte. [...] Crê-se que na Líbia nascem os blemnias,
que apresentam um tronco sem cabeça e que têm a boca e os olhos no peito. Há outros que, privados
de cerviz, têm os olhos nos ombros. Escreveu-se que nas distantes terras do Oriente há raças cujos
rostos são monstruosos: umas não têm nariz, apresentando a superfície da cara totalmente plana e sem
traços; outras ostentam o lábio inferior tão proeminente que, quando dormem, cobrem com ele todo o
rosto para se preservarem dos ardores do Sol; outras têm a boca tão pequena, que apenas podem ingerir
a comida servindo-se da estreita abertura de uma caba de aveia. Dizem que há algumas que não
possuem língua e utilizam para comunicar entre si unicamente sinais ou gestos.”57

As viagens portuguesas e o confronto com a realidade

Comecemos por um relato de Diogo Gomes “Tudo isto achámos ao contrário, porque o polo ártico
vimos habitado até além do prumo de polo, e a linha equinoxial também habitada por pretos, onde é
tanta a multidão de povos que custa a acreditar. E aquela terra meridional está cheia de árvores de
frutos [...] e as árvores são tão grossas e de tamanha altura que só vendo se pode crer” 58
- Não só está a afirmar que o território é habitável porque tem natureza fértil para isso, como de
facto havia muitas populações humanas instaladas nesses mesmos territórios africanos
- Esta conceção foi causada pela revolução geográfica e globalização.
- Indício da circulação de informação à escala da Europa, visto que este relato não é diretamente
escrito pelo próprio Diogo Gomes.

57
S. Isidoro de Sevilha, Etimologias, vol. VII, Madrid, La Editorial Catolica, 1983, pp. 49 e 51 (texto traduzido)
58
«Do Primeiro Descobrimento da Guiné por Martim Behaim Segundo Relato de Diogo Gomes», in As Viagens dos
Descobrimentos Portugueses, org. José Manuel Garcia, Lisboa, Editorial Presença, 1983, p. 35

55
Descobertas do mundo natural e humano e sua difusão
O que está aqui em causa não é apenas esta descoberta de frutos e animais, sendo que isto são apenas
exemplos para entender uma realidade maior e mais complexa.

Neste excerto é descrito por escrito o ananás: “Outra fruta há nesta terra [do Brasil] muito melhor, e
mais prezada dos moradores de todas, que se cria em uma planta humilde junto do chão: a qual planta
tem umas pencas como de erva babosa. A esta fruta chamam ananases e nascem como alcachofras, os
quais parecem naturalmente pinhas, e são do mesmo tamanho, e alguns maiores. Depois que são
maduros têm um cheiro mui suave e comem-se aparados feitos em talhadas. São tão saborosos, que a
juízo de todos, não há fruta neste Reino que no gosto lhes faça vantagem”59

Descrição da preguiça: “Um certo animal se acha também nestas partes, a que chamam Preguiça [...]
o qual tem um rosto feio, e umas unhas compridas quase como dedos. Tem uma gadelha grande no
toutiço que lhe cobre o pescoço, e anda sempre com a barriga lançada pelo chão, sem nunca se levantar
em pé como os outros animais: e assim se move com passos tão vagarosos, que ainda que ande quinze
dias aturado, não vencerá distância de um tiro de pedra. O seu mantimento, é folhas de árvores e em
cima delas anda o mais do tempo; aonde pelo menos há mister dois dias para subir, e dois para
descer.”60

Descrição das bananas: “Uma planta se dá também nesta província, que foi da ilha de São Tomé,
com a fruta da qual se ajudam muitas pessoas a sustentar na terra. Esta planta é mui tenra e não muito
lata, nem tem ramos senão umas folhas que serão seis ou sete palmos de comprido. A fruta dela se
chama bananas: parecem-se na feição com pepinos, e criam-se em cachos: alguns deles há tão grandes
que têm de cento e cinquenta bananas para cima. [...] Esta fruta é mui saborosa, e das boas que há na
terra: tem uma pele como de figo (ainda que mais dura) a qual lhe lançam fora quando a querem
comer”61
- Nesta altura já estavam no Brasil, mas a origem que Pedro Magalhães de Gândavo atribui às
bananas esteve na ilha de S. Tomé. Seria a origem africana, ou estaria noutra parte do mundo?
India, a partir da Ásia
- Ele compara a banana a pepinos (na forma), que existiam em Portugal e na Europa, para que
um publico europeu que não conhece as bananas possa imaginar como era este fruto

Relato do Imperador mongol Jahangir: “No reino do meu pai, muitos frutos de outros países, que
até então não existiam na Índia poderiam lá [em Agra] ser obtidos [...]. entre estes, um chamado ananás,
de fino sabor e excelente fragância, cresce nos portos dos firangis62. Muitos milhares são produzidos
anualmente no jardim Gul-afshan em Agra.”63

59
Pero Magalhães de Gândavo, História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, Lisboa, BNL,
1984, fl. 17v (texto modernizado)
60
Idem, fl. 22v
61
Idem, fl. 17 e 17v. (texto modernizado)
62
Designação dos Europeus de forma genérica, sendo aqui os portugueses que estão em causa.
63
Memórias do imperador mogol Jahangir (r. 1605-1627), cit. in Goa e o Grão-Mogol, ed. Jorge Flores e Nuno Vassalo e
Silva, Lisboa, FCG, 2004, p. 101

56
- Temos um relato de um imperador mogol e da Índia que o ananás era desconhecido naquela
região, sendo levado para lá pelos portugueses, e tornando-se um hábito de consumo da corte
mongol.

Japão, um relato de um dignitário japonês de como reconheceu os portugueses: Os Namban “de


todas as cousas do mundo que lá vão por fora têm dado grandes informações, nas quais afirmam em
sua verdade que há outra terra muito maior que esta nossa, e de gentes pretas e baças, coisas incríveis
ao nosso juízo”64
O excerto seguinte faz também referencia ao espanto dos japoneses perante gentes de origem
africana, japoneses esses que possuem um isolamento não só geográfico, como também político e
cultural: “É gente que folga muito de ver gente preta, principalmente cafres de Moçambique, que
vieram de 15 a 20 léguas a vê-los; fazem-lhes muita honra três ou quatro dias”65

Descrição dos portugueses: “De que país são os homens esquisitos que vêm a bordo? Goho respondeu
na areia: são nambans. Distinguem vagamente o que é um senhor e o que é um vassalo, mas têm grande
falta de maneiras. Quando bebem, bebem muito, mas não usam copos. Quando comem, comem com
os dedos e não usam pauzinhos. Vão atrás das suas emoções e não sabem controlar-se. Costumam
negociar vendendo coisas que os nativos não têm. É uma gente inofensiva, não há razão para temer”66
- Excerto muito interessante, pois conseguimos rever alguns dos portugueses em algumas destas
descrições.
- Temos de ter em consideração também da perspetiva de quem está a descrever, e daquelas que
eram as características do povo japonês há cinco séculos atrás, se o que a divisão e separação
daquilo que é um senhor ou vassalo seria ainda muito mais aguda no Japão do que em Portugal.

Descrição da Batalha de Shimabara (1584): “Pelo corno da praia vinham os filhos de Tacanobu
[Ryuozoji Takanabu, inimigo dos cristãos] com outros capitães nobres, com mais lustrosa, limpa e
bem ordenada gente. Acertaram de estar [...] a dois meios-falcões já ditos na embarcação do regedor
de Arima [aliado cristão] [...] e outros fidalgos honrados. E por não haver ali bombardeiro, um cafre
carregava os tiros e um soldado japão apontava, e um malabar lhe punha fogo”67
- Esta batalha opunha japoneses, havendo dois lados: um cristão, e outro não cristãos. Tomando
em conta o seguinte excerto da mesma: “E por não haver ali bombardeiro, um cafre carregava
os tiros e um soldado japão apontava, e um malabar lhe punha fogo”. Temos aqui três origens
geográficas distintas, um africano, japonês e um homem oriundo da Índia.
- Ainda há aqui também outra questão, a utilização de artilharia. À chegada dos portugueses, o
Japão desconhecia por completo as armas de fogo.

64
Carta de Otomo Yoshinori reproduzida por Fernão Mendes Pinto, in Peregrinação, s.l., IN-CM, 1998, pp. 395-396
(texto modernizado).
65
Carta de Jorge Álvares, 1547, pub. in Monumenta Historica Japoniae, vol. II, Roma, IHSI, 1975, p. 14 (texto
modernizado).
66
Teppo-Ki, Crónica da Espingarda (1607), cit. por João Paulo Oliveira e Costa, in Portugal e o Japão – O Século Namban,
Lisboa, IN-CM, 1993, p. 2.
67
Luís Fróis, História de Japam, vol. II, Lisboa, BNL, 1983, p. 59 (texto modernizado)

57
Descrição do Padre Francisco Cabral e dos seus óculos, sendo que as pessoas ocorriam de longe a
ir vê-lo, acreditando piamente que ele tinha quatro olhos: “como tinha vista curta, ajudou-se dos óculos
para ver o sítio e nobreza daquela terra. A gente plebeia se muito estranhava pelos vestidos, sem
comparação foi neles maior a admiração que tiveram dos óculos, e como o padre passava de caminho
e eles não podiam fazer reflexão sobre o que viam, totalmente se persuadiu alguma gente simples que
o padre tinha quatro olhos, dois no lugar comum, onde os têm naturalmente todos os homens, e outros
dois, com alguma distância deitados para fora que reluziam como espelho e que era cousa temerosa de
ver. Correu esta fama pela gente popular por cousa tão certa e infalível, que [...] concorreu no dia em
que os padres haviam de tornar tanta multidão de homens, mulheres e meninos que foi estimada em
quatro ou cinco mil almas”68
- Óculos também como novidade no Japão

Como é que isto se processava em termos de iconografia?

A Teoria das Zonas – macróbio, Comentário ao Sonho de


Cipião – s.d. – BnF, Manuscritis, Latin 6371, fl. 20v
Mapa que desmente a teoria das zonas, sendo que se
acreditava que se havia 5 xonas (2 temperadas, duas frígidas,
e no centro a região tórrida)

Carta da Ecúmena – Ptolomeu (séc. II d.c.) – Geografia – mss. Início séc. XV, Constantinopla? –
BnF Manuscritis, Grec 1401, fls. 50v-51

As obras de Ptolomeu, após a queda do império


romano, perderam-se na Europa, só passando a ser
conhecido pela mesma exatamente a partir do início do
século XV.
Inclui a Europa, Ásia e África, sendo que vemos aqui
então no oceano indico a língua que, de acordo com a
teoria de Ptolomeu, a fazer a comunicação direta até ao
extremo oriente asiático, fazendo isto o indico um
oceano fechado

68
Ibidem, vol. II, p. 363. (texto modernizado)

58
Seres Monstruosos – Gregor Reisch, Margarita
Philisophica, 1503
Alguns dos monstros descritos por Isidoro de Sevilha no
início do século VII.

Beatus de Liébana – Burgo de Osma Codex (1086) –


Biblioteca de la catedral del Burgo de Osma
Visão mítica e esquemática da realidade mundial
Mundo dividido em 3 continentes – embora aqui apareça um
quarto, sendo que para algumas mentalidades poderia haver
um denominado de continente dos antípodas, onde nenhuma
forma de existência humana normal poderia existir.
- Canto superior esquerdo: Europa
- Canto inferior esquerdo: África
- Topo superior: representação da asia
- Ainda encontramos a referência ao paraíso

Iluminura realizada por Simon Marmion, in Batthélemy l’Anglais (séc. XIII), Livre des
Jean Mansel, La Fleur des Historiens, c. 1459- Propriétés des Choses – tradução de Jean
1463 – Bibliothèque Royyale Albert I, Corbinchon, 1479-1480 – BnF, Manuscrits, Fr.
Bruxelas, Mss. 9231, fl. 281v. 9140, fl. 226v
- Referencia aos 3 filhos de Noé, que - Mapa onde são também representados os
teriam povoado a europa, África 3 continentes

59
Dois mapas muito importantes: apesar de não serem diretamente portugueses, o que importa aqui
sublinhar é a globalização que está aqui patente.
- No primeiro mapa, vemos um mapa mundo, com os continentes (América do Norte e Sul,
Espaço Chinês a ocupar o centro do mapa, o resto da Asia, a India, o continente africano, e a
Europa). Em adição a tal, temos animais representados.
- O segundo mapa já é japonês, sendo que vemos no seu centro um papa mundo convencional,
mas com uma particularidade: quer à esquerda, quer à direita (sendo que este mapa está pintado
num biombo), aquilo que se encontram são vários casais representativos de vários povos do
mundo.

No que toca à revolução Geográfica, altera-se completamente a maneira de ver, de pensar e de


descrever o mundo, algo observável por exemplo na cartografia.
Se agora deixarmos a geografia e pensarmos em termos de globalização? O que é que os textos que a
professora nos indica do que marcou a globalização? Ampliação dos conhecimentos, das realidades
físicas, humanas e culturais, de descobrimento recíproco e contacto entre os demais povos

Peter Mason acerca dos exotismos: “o exótico nunca está em casa”


O exótico é aquilo que é diferente, sendo que a quilo que é normal para umas pessoas não é normal
para as outras em função das suas especificidades geográficas e culturais, sendo um conceito sempre
muito fluído e abrangente.

Marfins Afro-portugueses do Benim: Aqui estão representados


portugueses que, por si só, são vistos por outras comunidades como
exóticos. Um cavaleiro, outro com uma espada (alguém da nobreza), e
ainda havia um caso de um homem com elementos de escrita na mão
1º Saleiro: Séc. XVI – MNAA, Lisboa, 750 ESC
2º Saleiro: Séc. XVI – The British Museum, Londres, 1878. 11-1.48ª-C

60
Vasco Fernandes e Francisco Rodrigues, Adoração dos Magos –
Retábulo da Sé de Viseu, c. 1501-1506 – Museu Nacional de Grão Vasco,
Viseu, Inv.2145
Vasco Fernandes substituiu um rei negro por um ameríndio brasileiro

Albrecht Durer, Rinoceronte, 1515 – xilogravura, Staatliche


Graphische Sammlung, Munique, 14. 106
- O artista nunca tinha visto o rinoceronte, mas as descrições
chegadas a Durer ajudaram-no a refresentar este rinoceronte

Anónimo, Chafariz d’El-Rei, c. 1570-1580 – Colecção Berardo,


Lisboa
- Dá-nos conta da omnipresença dos africanos em Lisboa

O tema do exótico está também umbilicalmente ligado aos outros temas que temos andado a estudar,
e, portanto, o exótico e a sua difusão e particulares sensibilidades são exatamente um reflexo do
desencadeamento do processo de revolução geográfica, e também do processo de globalização.

Assim, relativamente às imagens que vimos, observamos variadíssimos objetos: quadros, desenhos;
escultura móvel ou imóvel. Por outro lado, verificamos também que essa diversificada iconografia
tinha diversos centros de produção: objetos produzidos na europa, africa ou ásia-. No caso americano,
especialmente no brasil, não é conhecido pela professora um elemento destes que represente os
portugueses.

61
Fraca representatividade da dimensão americana na série de imagens
“O exótico nunca está em casa.”69 Aquilo que é exótico para umas pessoas, não é exótico para outras
É, assim, subjetivo consoante a localização do individuo. Por exemplo, o elefante africano é exótico
para um europeu, como um produto europeu é exótico para um africano. Logo, o exótico acaba por ser
tudo aquilo a que um determinado povo não está habituado a ver.
Assim, os objetos que vimos na aula anterior resultaram, inevitavelmente, do contacto entre as diversas
culturas, e cada cultura produzirá aquilo que para si é exótico.

Enquanto que os objetos de produção europeia mostravam objetos / animais extra-europeus, nos
objetos produzidos no contexto africano e asiático, em termos de grandes categorias, o que víamos?
Portugueses e escravos. Portanto, significa que quem está a ser representado é a dimensão do exótico
para os japoneses.
Deste modo, o contacto com novas comunidades também pode ser considerado exótico? Sim.

Não foram só pessoas, animais que circularam, mas também ideias e pensamentos.
De facto, com a revolução geográfica e um processo de globalização em curso, quer testemunhos
escritos quer aspetos criados através de cultura material, que refletiram o exótico, e a interação entre
diferentes comunidades humanas e diferentes tipos de culturas humanas.

69
Peter mason

62
CRÓNICAS E LITERATURA DE VIAGENS

Mais duas topologias de textos produzidos no contexto da expansão portuguesa.


- Obras de carater geográfico e antropológico: visam promover, por via da escrita, como é
que é a terra, a natureza (dos espaços recém contactados pelos portugueses) mas também quais
são as características das pessoas que as habita. Estas têm, depois, várias subcategorias:
Cartas escritas à mão, mas também tratados de ciência
Foram produzidos vocabulários, gramáticas e dicionários da língua tupi, chines, japonês
Relatos de viagens (marítimas e terrestres)
Obviamente a cara de Pero Vaz de Caminha não deixa de corresponder a um relato de
viagem, mas o grosso da carta é a descrever a terra e gentes.
- Obras de caráter doutrinário e ideológico: enaltecimento dos feitos. Narrativa de um
processo, mas pretendendo legitimar esse processo, visando glorificá-lo, assim como ao
protagonismo dos portugueses nesse mesmo. Texto de D. João de Barros: tecnicamente, é uma
crónica.

Aspeto importante a reter: Como já sabemos, houve toda a uma construção e exaltação que foi feita
logo a partir da época. Calcula-se, olhando para a produção cronística portuguesa do século XVI, 60%
dos conteúdos foram consagrados a matérias expansionistas, o que nos dá a ideia do peso e da
consciência da importância do processo que foi adquirida logo na época.
Portugal, apesar de estar numa periferia geográfica europeia, foi a experiência da expansão portuguesa
que dotou Portugal de uma nova centralidade política e económica na Europa daquele tempo.

Texto de João de Barros

A partir de meados dos anos 30, foi nomeado feitor da casa da Índia, e ao ser o máximo responsável
pelo principal organismo que em Lisboa organizava o comércio com espaços ultramarinos, teve acesso
privilegiado a documentação, assim como a pessoas – testemunhos orais - que participaram no
processo. Em adição a tal, sendo feitor da casa da Índia deu-se ao trabalho encomendar (pedir para que
enviassem para Lisboa) textos asiáticos, posteriormente traduzidos.
Estamos perante uma obra de caráter doutrinário e ideológico, sendo o seu objetivo enaltecer aqueles
que eram considerados os feitos dos portugueses.

Começa logo por relatar o nascimento do islão. Se ele quer relatar os “feitos dos portugueses no além-
mar, porque é que remonta ao islão? Qual seria a sua conceção? João de Barros reconhece uma visão
larga da história, tendo a noção de que para os seus leitores melhor compreendessem o processo,
entende começar com o nascimento do islão. Faz uma pequena historia do islão, abordando-a, para
depois chegar à Península Ibérica, movimento de reconquista, para depois chegar á formação do reino
de Portugal, e no fundo “repescar” a importância de guerra santa, e em que medida é que a mesma
estabeleceu uma ponte entre a história medieval de Portugal e a história da expansão portuguesa.
Mesmo nos capítulos seguintes, o que fez foi historizar / cronicar o processo da expansão portuguesa
no atlântico.

63
Claramente, João de Barros também considera a influencia e intervenção direta de Deus na história. A
identidade religiosa é toral e absoluta, e João de barros comunga da ideia de que os portugueses ~soa
um povo eleito por Deus, para desencadear um processo que visaria a derrota do islão.

Neste texto monta uma espécie de plano. Queria trabalhar não só o continente asiático, mas também
dedicar uma secção dos seus textos à Europa, Africa e América, e em termos temáticos queria
desenvolver vários temas, nomeadamente conquista, navegação e comércio. Isto é, sem dúvida, uma
visão larga da história, um projeto cronistico de âmbito global também.

Carta de Pero Vaz de Caminha

As duas primeiras páginas são muito ilustrativas do processo que era chegar a uma terra completamente
desconhecida por parte dos portugueses. Apesar de teros muitos relatos de viagens produzidos neste
contexto, não temos tanto quntido isso relatos de descobrimento, ou seja, uma memoria escrita
exatamente ao mesmo tempo da chegada ao território. É um relato que segue muto próximo os
descobrimentos, quase como se tivéssemos a viver aquele acontecimento na primeira pessoa.
Outra questão a ter em conta tem a ver com, com base na leitura e interpretação e análise da descrição
da navegação da viagem, qual é a conclusão que formamos relativamente à intencionalidade ou
casualidade do contacto com esta terra? Intencional e não casualidade no encontro desta terra, pois
Cabral não teria incidido demasiado para oriente senão a mando do rei de Portugal, no sentido de se
deslocar algo para o Ocidente para comprovar que lá havia terra. Assim, isto ajuda a

Do ponto de vista português, europeu, do resto do mundo, aquilo que vai acontecer é que há a
integração de um conhecimento de uma terra, e por outro lado quando falamos e descobrimentos não
devemos estar a falar do alcance de territórios desconhecidos por parte da humanidade, pois temos de
ter em conta que há um processo de mútuo conhecimento entre diferentes culturas.

“Andam nus, sem nenhuma cobertura, bem estimam nenhuma coisa cobrir nem mostrar suas
vergonhas. E estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar o rosto.” (p. 247)

Na descrição do corpo das mulheres, eles comparam a parte genital feminina. Admiração, ao invés de
criticar as mulheres, compreendendo que a nudez era completamente natural na zona, e que nada tinha
de provocatório: exaltação do corpo humano, e exaltação da beleza do copo humana. Assim sendo,
estamos perante descrições naturalistas, sendo quê o espírito de 1500 ainda é muito renascentista e
humanista – apesar de, como é obvio, existirem sempre sensibilidades em todas as épocas. Assim
sendo, este texto é renascentista e Humanista, um claro reflexo dessa cultura de pensamento.

Expectativas religiosas: Ameríndios era amenistas, mostrando tendências religiosas, mas não tinham
uma religião bem formulada, e obviamente que ficaram extremamente curiosos frente aos portugueses.
A imitarem os gestos dos portugueses, dá-se um sinal dos mesmos, futuramente, procedem a uma
conversão religiosa para o cristianismo com relativa facilidade e pouca resistência.

Expectativas materiais: apercebem-se que o exótico pode ser uma boa capacidade de negócio (?)

64
Caminha também descreveu a terra, ou seja, dando conta dos achadiços e fertilidade da terra, e
portanto fica ali claramente o convite para D. Manuel lançar a colonização do espaço – algo que não
aconteceu, pois o mesmo focou-se muito mais na Índia, sendo D. João III que irá desencadear o
processo de colonização do Brasil. Além da ideia da esperança de vir ali encontrar ouro e prata, a terra
por si só e pela sua riqueza natural já parecia apontar para as mais valias de uma futura colonização do
espaço.

Alem da descrição da nudez dos índios, temos a descrição das vivências, aldeias, respetivas habitações.

65
- O COMÉRCIO MUNDIAL –
A mundialização do comércio e a construção de uma “Economia-mundo”

A expansão portuguesa, seguida da expansão castelhana e das expansões norte europeias,


mundializaram o comércio. Sendo este um tema tão vasto e complexo, falando em comércio mundial,
podemos apontar diversas características que marcam esta nova conjetura.

A expansão iniciada no seculo XV e séculos subsequentes, desde logo, abriu novos circuitos e rotas
comerciais, para negócios que até então já se faziam, ligando os 3 continentes. Portanto, o que temos
agora são circuitos alternativos de comunicação, ou seja, novos circuitos para velhos negócios “os
circuitos multiplicavam‐se”70
- Novo circuito que liga Europa e Africa, nomeadamente a partir dos anos 40 com a introdução
da Caravela Latina.
- Novos circuitos entre Africa e Ásia
- Novos circuitos entre a Ásia e a Europa, com a descoberta e exploração da rota do cabo – pois
o comércio entre a Europa e a Ásia já existia há seculos, como por exemplo relações comerciais
sistemáticas com o subcontinente indiano pelo Império Romano

“O circuito que sustentava este comércio mostra‐nos como o paradigma do imperialismo marítimo
continuava activo, nesta fase em que o modelo da ocupação de territórios começava a moldar a
configuração do império.”71

Quais são os velhos negócios que passam a beneficiar destes novos circuitos comerciais?
- Especiarias, também na África (malagueta, pimenta de (?)
- Metais preciosos, por exemplo o ouro que os portugueses passam a sacar do continente africano
- Tecidos magrebinos, têxteis do Norte de África
- Marfim (africano, mas também asiático nomeadamente com a intervenção portuguesa)
- Animais exóticos: neste caso, aquilo que até ao período moderno mais se fazia era o tráfico de
peles de animais, sendo que com os portugueses trazem-se novidades como trazer animais
vivos
- Escravatura
- Pau Brasil, que já chegava à Europa, mas por via da Ásia
- Tecidos de luxo (cedas, de origem asiática)

Então, onde temos as grandes transformações e novas rotas que foram criadas e exploradas desde
então?
- Relação de uma nova rota entre a Europa e a América.
- Relação comercial também direta entre África e a América, e aqui obviamente um excelente
exemplo é o tráfico de escravos. Contudo, no caso do Brasil colonial processaram-se contactos
diretos entre os outros domínios coloniais portugueses, enviando do Brasil para África farinha

70
Oliveira e Costa, 2014, p. 139
71
Oliveira e Costa, 2014, p. 139

66
de mandioca, tabaco, cachaça, e até conchas (muitas vezes usadas nos mercados africanos
como moeda)
- Relação comercial direta entre a Ásia e a América (carreira portuguesa da Índia fazia esse
papel), algo visível em diversos aspetos

Novidades absolutas também em termos de transações comerciais: o açúcar da madeira (pela primeira
vez Portugal produz um produto com alto valor no mercado e altamente cobiçado nos mercados
europeus). O tabaco americano, encontrado pelos castelhanos e portugueses, levado para
comercialização para a Europa, África, inclusive para a Ásia. Os animais exóticos, sobretudo primeiro
as aves exóticas (com uma dimensão mais pequena e maior facilidade de transportabilidade). As
porcelanas chinesas, que a partir dos inícios do século XVI estão a chegar à Europa e não a circular
apenas nos mercados asiáticos.

Problemática do trafico de escravos: Um dos capítulos mais específicos do comércio à escala


mundial, e depois descemos a um nível mais específico. A professora começa a descrever vários
circuitos comerciais, e que nos ajudam a compreender que o trafico de escravos no Atlântico, sendo
gigantesco pela maior massa de humanos transportados por diferentes regiões, mas também temos
gigantismo em termos geográfico. O tráfico de humanos escravizados era uma das redes comerciais
que se interligavam umas nas outras, e que ajudavam a configurar uma “Economia mundo”

- “O crescimento do domínio territorial português na América levou ao desenvolvimento da


produção açucareira e a colónia foi‐se tornando num sustentáculo económico do reino.
Inicialmente, os colonos recorriam à escravização dos índios como forma de obter a mão‐de‐
obra necessária. Tirando partido da inimizade entre as tribos, os colonos cativavam
tranquilamente os inimigos dos seus aliados, embora fossem sofrendo uma oposição cada vez
mais encarniçada dos Jesuítas, que defendiam a liberdade dos índios e que procuravam agrupá‐
los em aldeias separadas das vilas coloniais.”72

- “A escravização dos índios prosseguiu nas décadas seguintes, mas a partir de 1570 as capitanias
do Nordeste começaram a importar maciçamente escravos africanos, o que gerou novos
circuitos florescentes do trato negreiro. Os Africanos tinham uma capacidade quase inesgotável
de vender prisioneiros aos Europeus e as sociedades coloniais americanas atraíram milhões de
escravos ao longo do tempo, gerando um dos mais intensos êxodos humanos da História, a par
do próprio fluxo de europeus para o Novo Mundo.”73

- “Pouco depois, a produção açucareira gerou novos produtos para o trato oceânico, pois, além
do açúcar que adoçava o paladar dos Europeus, começou a ser enviada aguardente para África,
numa diversificação dos géneros que compravam os cativos e iniciando uma ligação directa
afro‐americana, que se intensificou nas décadas seguintes e que seria enriquecida, mais tarde,
com a venda de tabaco, produto que teve grande sucesso por todo o Mundo.”74

72
Oliveira e Costa, 2014, p. 147
73
Oliveira e Costa, 2014, p. 147
74
Oliveira e Costa, 2014, p. 147

67
Os portugueses foram essencialmente transportadores, assumindo sobretudo um papel de
intermediação comercial, acedendo a produtos no Norte de África – as chamadas quinquilharias, os
têxteis norte africanos, os próprios cavalos norte africanos – mas depois estes produtos eram utilizados
para a prática de se aceder à posse de escravos na costa ocidental africana, que seriam distribuídos para
outros escravos europeus.

Parte dos escravos aos quais os portugueses acediam em diversos pontos da costa ocidental africana
eram levados para S. Jorge da Mina, sendo uma das moedas de troca utilizadas pelos portugueses para
aceder ao ouro de s. Jorge da mina, não sendo apenas levados para o exterior do mundo africano.
Se depois pensarmos que o ouro de São Jorge da Mina era traduzido para o reino, para também servir
como moeda de troca para as compras de outros portugueses necessitavam dos mercados europeus,
faz com que possamos afirmar que estamos perante a construção de uma economia mundo
Mastros: em Portugal não há arvores de enorme porte, e por isso os mastros eram importados
nomeadamente da região do Báltico, apenas um de muitos exemplos que eram necessários para
alimentar e assegurar a própria construção naval portuguesa.
Não eram só artigos exigidos, eram também adquiridos a prata e o cobre europeus necessários aos
tráficos portugueses do mundo asiático, sendo que de lá viriam especiarias, drogas, têxteis mais ricos
e pedras preciosas

Depois, e ainda em articulação com o trafico de escravos e a economia mundo, havia alguns produtos
que, embora produção em geografais distintas, os portugueses asseguravam a respetiva
comercialização, quer estejamos a faalr do espaço atlântico, quer no espaço asiático, seguindo rotas
diferentes, situação esta onde se aplica o tráfico de escravos – visto como um “produto” pelos
portugueses à época
- Este caso também se pode aplicar ao trafico de cavalos, metais preciosos, animais exóticos,
têxteis.

Em suma, estamos a falar de envolvimento português em vários complexos histórico-geográficos, as


quais produções poderiam ser distintas com rotas distintas, mas produtos esses que eram explorados
pelos portugueses. Controle da coroa de inúmeros tráficos, apesar das iniciativas privadas que se
organizaram, constituíram companhias comerciais monopolistas – pelo Estado.

68
- MODOS E AGENTES DE GOVERNO -
Os protagonistas da expansão portuguesa: agentes e modelos de governo

Quem foram os grandes protagonistas da expansão portuguesa, nomeadamente em termos de liderança


do processo. Temos de ter em consideração que todos os grupos sociais portugueses participaram
direta ou indiretamente na expansão portuguesa.
Contudo, sabemos que, tal como o reino, não eram os estratos populares que asseguravam o exercício
do poder, e, portanto, tínhamos uma sociedade de ordem corporativa, profundamente hierarquizada.
Nesse âmbito, podemos considerar a Coroa como coração e alma dessa sociedade corporativa, e se
tivermos em consideração que essa sociedade se concebia a si mesmo à imagem de um corpo físico,
mas há os chamados “membros superiores” e “membros inferiores” desse mesmo corpo social.

Nos inícios do século XV, depois de terem sido assinadas as tréguas entre Portugal e Castela em 1411,
materializou.se em definitivo um bloqueio social e económico sentido por boa parte da nobreza
portuguesa, nomeadamente aqueles que eram filhos segundos ou filhos ilegítimos, ou até mesmo
aqueles que, fazendo parte do estrato nobiliárquico, não tinham acesso a senhorios. Como se
pudéssemos dizer que boa parte da nobreza portuguesa tivesse ficado numa situação de “desemprego”,
um bloqueio social e económico da nobreza.

Portanto, o início das intervenções portuguesas no Norte de Africa, e depois do envolvimento da


evolução da casa real do Infante D. Henrique na expansão portuguesa, e todas as mudanças que dai
recorre, implicou sempre que a coroa precisasse de agentes colaboradores, que no terreno
concretizassem as instruções da coroa portuguesa que assegurassem o governo e a administração dos
interesses portugueses.

A empresa expansionista em estruturação a partir do século XV, foi substancial – a par da ausência de
recursos do reino – e tudo isto articulado com o início e desenvolvimento da expansão portuguesa,
para percebermos a macrocefalia, o papel expansionista que o estado português vai alcançar desde o
período moderno. Isto significa que a coroa precisava de agentes, mas também precisava de
renumerar esses agentes, e será também exatamente a construção de um processo expansionista

Se é a coroa que está a controlar o processo do ponto de vista político, a determinar os avanços, a
tutelar o processo do ponto de vista económico e financeiro, eram os ganhos que a coroa portuguesa
obtinha que, em parte, eram reinvestidos na remuneração dos agentes da nobreza. Variadíssima
bibliogafia historiográfica internacional faz sempre a referência ao crescimento e reforço dos centros
políticos perante as periferias políticas e sociais: realezas a afirmarem-se claramente face à nobreza
- Pela via do crescimento dos aparelhos burocráticos
- Pela via da guerra
No caso português, a guerra – num contexto ultramarino – até foi um motor de crescimento, mas foi o
processo expansionista que foi fundamental para garantir a afirmação do centro político português /
Estado / Coroa.
Portanto, a expansão deu oportunidade à Coroa portuguesa de empregar uma vasta mão de obra
nobiliárquica, que no reino não teria novas oportunidades de ascensão social e económica. O
Historiador Elias fala na “domesticação da nobreza”, a nobreza que passa a ficar sob a dependência da

69
Coroa, para intervir sobretudo nas suas áreas de atividade tradicionais – guerra e administração –
encontrando ali fontes de renumeração, ao mesmo tempo que se encontravam subjugadas à Coroa.
Por outro lado, as formas de renumeração que a Coroa vai utilizar para compensar estas intervenções
já não vão ser necessariamente as tradicionais (atribuição de senhorios ou de cargos), mas os
pagamentos em numerário (Não são meros salários, a renumeração de funções, apesar de esses
existirem), renumerações dadas em mercê.
Com o crescimento exponencial dos rendimentos da Coroa, a mesma aposta cada vez mais na
distribuição de tensas aos membros da nobreza. Portanto, isto tornou-se possível graças à expansão,
colocando a nobreza portuguesa na orbita de claríssima dependência da coroa. Este é um processo de
afirmação da coroa, implicando isto a subordinação da nobreza à mesma

“Escudeiros, cavaleiros ou fidalgos, conforme a importância do cargo ou da missão, estes membros da


Casa Real participavam no comércio como capitães, feitores, escrivães ou almoxarifes sem entenderem
que estavam a praticar uma função vil, pois não estavam a actuar como mercadores privados, mas
antes como agentes da Coroa, ou seja, estavam a prestar auxilium ao seu rei, como era próprio de um
nobre. Como grande parte dos negócios ultramarinos era de monopólio régio, nomeadamente o do
ouro e o das especiarias, a expansão ultramarina permitiu a sobrevivência de amplos sectores da
nobreza sem terem de se reconverter socialmente para outras funções menos honrosas. Desde
Ceuta que os filhos segundos da nobreza viam nas partes de Além‐ ‐Mar uma oportunidade para
mostrarem as suas capacidades militares e de poderem sobressair perante a Coroa, enquanto os plebeus
tinham mais possibilidades de melhorar as suas condições participando no povoamento das ilhas ou
entrando para as tripulações das caravelas. No tempo de D. João II alguns pilotos ganharam privilégios
próprios da nobreza, enquanto alguns nobres viam reforçada a sua posição no seio da hierarquia
nobiliárquica.”75

“Vale a pena enfatizar que, de facto, os primogénitos da nobreza passaram pouco pelo império.
Ainda os encontramos com alguma facilidade nas praças de Marrocos em passagens curtas destinadas
a ganhar experiência guerreira, mas dificilmente os topamos na Guiné ou na Índia. Os herdeiros de
morgados, senhorios e títulos tinham a sua vida garantida e só partiam por amor ao risco e à aventura,
o que era pouco comum.”76

A verdade é que a nobreza não era homogénea, sendo composta por diferentes estratos. Se
correspondia a um grupo hierarquicamente superior, a verdade é que internamente também se
hierarquizava (uma coisa era ser um senhor de título, outra coisa era ser um mero escudeiro /
cavaleiro); uma coisa era ser-se “Duque de Bragança”, outra coisa era ser-se “Barão”, “Visconde”,
Marquês”. Portanto, a tal noção é que não podemos olhar para o fenómeno da expansão portuguesa e
pensar que qualquer elemento da nobreza servia em qualquer caso e qualquer geografia, sendo que
temos de ter em conta três vetores essenciais:
- Estatuto nobiliárquico específico dos agentes envolvidos: a nobreza não é homogénea
- Tipo de cargo ou de missão que eles iam exercer
- Geografia onde iriam exercer esse cargo ou missão

75
Oliveira e Costa, 2014, p. 125
76
Oliveira e Costa, 2014, p. 126

70
O Norte de África foi o primeiro espaço de intervenção quer da Coroa portuguesa, quer da nobreza
portuguesa, sendo que a presença da nobreza portuguesa nessa região foi necessariamente
militarizada, pesando-se sobretudo interesses políticos, geoestratégicos e religiosos.
Para dominar era preciso conquistar, mas mesmo depois de conquistar era preciso manter-se o aparelho
militar para se defender de tentativas de rebelião e resistência, cercos, etc. Portanto, deste ponto de
vista, o papel da nobreza como homens de guerra foi absolutamente fundamental nas demais praças
do Norte de África.
Isto implicou também que o governo dessas praças e das regiões envolventes, que o sistema de governo
aplicado aí fosse o chamado sistema das capitanias portuguesas, onde o aparelho era fortíssimo,
assim como as exigências e as capacidades militares.
No âmbito da economia e da expansão do império português, os negócios norte africanos nunca foram
os mais rentáveis, sendo essencial ente uma importância a nível político, geoestratégico – estreito de
Gibraltar – e a questão religiosa
Portanto, estabelece-se uma forma de domínio e administração essencialmente político-militar

Quais são os membros da nobreza portuguesa que se interessem pelo Norte de África? Podemos
dizer que a generalidade da nobreza se interessou pelo Norte de África, sendo que também devemos
acrescentar indivíduos que formalmente não estando integrados na nobreza, mas sendo indivíduos
relativamente abastado do terceiro estado, iam para o Norte de África combater na esperança que lhes
fosse atribuído algum feito na esperança de lhe ser atribuído um título de cavaleiro, uma forma de
promoção – o que tentava também os setores mais baixo da nobreza.
Isto também era importante para a nobreza de primeira grandeza77 que, ocasionalmente – e
nomeadamente até os seus herdeiros –, se deslocava ao Norte de África para protagonizarem
“estágios”, estadias de curta ou média duração, participando em ações de combate. Era altamente
importante que na nobreza de primeira grandeza que no reino até podia ter que comer no reino (no
sentido em que tinham os seus rendimentos e formas de subsistência), mas para a qual era importante
em termos sociais, políticos e religiosos, afirmando, ao regressar a casa, que tinham justificado o valor
do seu grupo social no qual inseriam.
- Em Alcácer Quibir, todas as grandes casas senhoriais do reino de fizeram representar nesta
expedição junto ao monarca.
- A generalidade da nobreza portuguesa se interessou por esta iniciativa, e a alta nobreza nunca
se enjeitou numa ida ao Norte de África – isto de forma generalizada, pois temos de saber
analisar cada um dos contextos e situações.

A verdade é que o Norte de Africa não foi o único espaço que precisou de administração. Portanto,
foquemos agora o nosso olhar nas ilhas atlânticas, com um novo cenário geográfico e social
Foram encontradas no âmbito de um processo de exploração desencadeado pelo Infante D. Henrique,
que levou à ocupação ao arquipélago da Madeira e ilhas dos Açores, sucedendo-se o mesmo com os
arquipélagos de Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe

77
Nobreza de primeira grandeza / alta nobreza: estamos a falar não só da nobreza titular, mas também outras series
de pessoas que podem não ter títulos, mas altos cargos na estrutura do reino – quer seja na corte, quer seja fora dela –,
os simples senhores de senhorios, detentores de domínios territoriais senhoriais.

71
A coroa reconheceu a D. Henrique a tutela desses mesmos espaços e, a este propósito, é necessário ter
a noção que o Infante beneficiou de um regime de monopólio formal a partir de 1443, beneficiando do
mesmo até 1460. Contudo, as ilhas atlânticas – nomeadamente aquelas que foram primeiro encontradas
pelos portugueses – a tutela do Infante sobre esses espaços foi formalizada muito antes
- 1433: formalizado o senhorio do infante no Arquipélago da Madeira, sendo que possuímos
registos documentais disso
- Não temos a documentação doa açores, mas não temos dúvidas que nos finais dos anos 30,
formalmente o Infante D. Henrique era considerado senhor donatário das ilhas dos Açores
- Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe mais tarde

Portanto, temos então ilhas, independentemente dos negócios agrícolas que lá foram explorados, não
implicaram intervenções militares. Portanto, não havia necessidade – à semelhança do verificado no
Norte de africa – de um sistema de governo militarizado, sendo aí estabelecido um sistema de
Capitanias e donatários: articulação entre um sistema de senhorialismo e “capitalismo” – porque a
economia das ilhas atlânticas foi dedicada não só para assegurar a subsistência das populações que lá
se instalaram, mas também dinamizada em função dos interesses exteriores, da sua inserção em redes
económicas mais vastas.

“o sistema de governação dos arquipélagos ficou conhecido como o das capitanias‐donatarias. As


capitanias eram hereditárias e formaram‐se algumas dinastias notáveis, de que a mais relevante foi,
sem dúvida, a dos capitães do Funchal, iniciada por João Gonçalves Zarco. (...) Ao doar as ilhas, a
Coroa evitava consumir energias no alargamento territorial, mas ganhava o mar, e ainda
assegurava benefícios para a economia do reino, pois as novas sociedades insulares geravam novas
produções e novas trocas que engrandeciam a actividade económica do reino.”78

Portanto, este foi então essencialmente o modelo de exploração das ilhas atlânticas, mas que também
exerceu um concurso de exploração da nobreza portuguesa.

Então, que nobrezas participaram neste processo nas ilhas atlânticas?

– Nobreza da primeira grandeza (e mais do que isso, a família real portuguesa – se pensarmos no
Infante D. Henrique ou até mesmo na sua descendência). Mas a verdade é que nenhum destes
donatários jamais se deslocou a estas ilhas, temos apenas aqui uma intervenção na gestão superior.
Contudo se o donatário não está em permanência nas ilhas, significa que o mesmo vai precisar de quem
o represente, sendo que vão surgir as figuras dos Capitães do donatário
- Capitães do donatário: estão a representar o donatário
- Capitão-donatário é um conceito diferente do acima apresentado: alguém que recebeu uma ilha,
figuras que são simultaneamente os senhores das terras, mas que tiveram a obrigação de se
deslocar para os territórios
Nos casos das ilhas tivemos essencialmente capitães do donatário. Estamos a pensar em gente que
estava vinculada à casa senhorial do Infante D. Henrique, de baixa nobreza, escudeiros ou
cavaleiros da casa senhorial. Estes homens, que foram nomeados capitães, tiveram esta nomeação

78
Oliveira e Costa, 2014, p. 41

72
oportunidade das suas vidas, mas também das suas famílias. Quem for servir o Infante D. Henrique
nas variadíssimas ilhas, gente oriunda da pequena nobreza, teve uma possibilidade de acederam à
propriedade terra, pois puderam ser proprietários de terras nas ilhas, coisas que no reino jamais
poderiam imaginar.
Isso conjugado com o serviço das capitanias, acabou por lhes valer – em alguns dos casos – uma
significativa promoção social e económica.

Pequena síntese do que foi falado na aula anterior: A expansão portuguesa foi um processo cujo
arranque e desenvolvimento exigiu um recurso crescente por parte da coroa portuguesa a agentes de
guerra – que coordenavam e protagonizavam a guerra, apesar de também termos estratos populares –
mas também a agentes de governo que, obviamente, in loco, conduziam estes processos militares,
políticos e administrativos
Isto permitiu à nobreza portuguesa e sobretudo aos seus estratos mais frágeis vencer o seu bloqueio
social e económico ao qual estariam destinados caso permanecessem dentro do reino. Em grande
medida, é a expansão e estruturação e organização do império que vão dar a largos estratos da nobreza
portuguesa a oportunidade de continuarem num grupo social distinto e privilegiado, mas ao mesmo
tempo a continuarem a desenvolver atividades que caracterizavam esse mesmo grupo: de guerra, mas
também de governo e administração.

Outro aspeto importante a reter é que, apesar de tudo isto, da expansão ter sido uma espécie de boia
de salvação para a nobreza, a verdade é que esta nobreza não participava de forma indistinta em
atividades além-mar, sendo que “Todo o fidalgo é nobre, nem todo o nobre é fidalgo”79. Portanto,
temos de ter em conta a triangulação de interesses para percebermos que tipo de nobreza vai ocupar
estes cargos:
- Estatuto nobiliárquico
- Tipo de cargo ou missão que vão exercer alem mar
- Geografia concreta desse mesmo exercício

É sobretudo nobreza de linhagem, e inclusive membros titulares da nobreza, que muitíssimas vezes
vão estar associados à capitania da fortaleza, etc. Contudo, esta mesma nobreza de escudeiros e
cavaleiros que, ao chegarem às ilhas e receberem terras ou posições como capitães do donatário
tiveram a oportunidade de progredir socialmente, sendo uma espécie de “nobreza de serviços”
(político-administrativos) que se está a afirmar nas ilhas. Mas a nobreza vai mimetizando
comportamentos da nobreza senhorial, deslocando-se até ao Norte de África para combater,
desenvolvendo uma política de casamentos com a linhagem do rei, e estes descendentes dois primeiros
capitães dos donatários já estão, de facto, enquadrados nesta alta nobreza, na nobreza de primeira
grandeza.

A nobreza de “primeiríssima água”, que é titular ou que esta muito próxima dessa órbita, apenas
participou na exploração do Atlântico apenas por duas formas:
- Ou porque tutelava o processo, participando enquanto entidade promotora e beneficiária dos
seus lucros, não se deslocando até às mesmas

79
A professora tirou isto de uma obra coordenada pelo Mattoso, mas não apanhei qual.

73
- Com a autorização ou da casa senhorial Viseu-Beja ou do coro a partir de 1460, temos outros
dois senhores que chegaram a ser investidores nos estratos africanos. Trata-se também de
participar no processo, mas de forma muito pontual e sempre à distância.
Até à viagem de Bartolomeu Dias, estamos a falar de homens da pequena nobreza – escudeiros ou
quando muito cavaleiros, primeiro da casa do Infante ou depois da casa real.

Sistema de moradias / filhamentos da Casa Real: como se a coroa portuguesa passasse a ser a
entidade paterna de um número de filhos que eram a nobreza portuguesa, passando a estabelecer-se
uma relação de clientelismo entre a coroa portuguesa e a sua nobreza, que encontrou na expansão
a oportunidade de continuar a exercer as suas atividades tradicionais.

“Percebe‐se, assim, que o grupo social que conduziu o processo expansionista neste período foi a
nobreza. Todas as tarefas de responsabilidade eram cometidas aos seus membros: o comando dos
navios; a diplomacia; a condução da guerra; o controlo dos negócios da Coroa; o registo
administrativo; a manutenção de víveres, armas e apetrechos. Eram secundados por marinheiros e
homens de armas, em que se destacavam, normalmente, os bombardeiros, na sua maioria recrutados
no estrangeiro, sobretudo na Flandres e na Alemanha. Os cargos ultramarinos mais importantes,
nomeadamente governo de regiões, capitania de fortalezas, chefia de feitorias, de escrivaninhas e de
almoxarifados, eram atribuídos a um oficial por períodos de três anos, renováveis. Só as capitanias de
Ceuta, Tânger e Arzila estiveram predominantemente na mão de linhagens senhoriais. Era uma forma
de evitar a corrupção e de a Coroa”80

Agentes e modos de governo

Modelos e agentes na Costa Ocidental Africana, sobretudo para os tempos iniciais do século XV e até
ao terceiro quartel do século XVI: Temos, de facto, capitães que são nomeados para comandarem a
estrutura portuguesa, sendo que ouve também uma fortificação desses espaços – quer Arguim, quer
S. Jorge da Mina –, agora o que é importante ter noção é que a fortificação desses espaços não
implicou uma guerra com as populações locais. Isto servia não só para defesa a eventuais ataques
europeus, mas também a estrutura militar era muito no sentido de controlar os próprios portugueses
internamente, para garantir a boa canalização de um ouro que se acumulava em S. Jorge da Mina.

O que notamos na administração destes espaços? Os portugueses não faziam a guerra, por outro lado
não está em causa colonização, e, portanto, aquilo que prevalece é o modelo de presença comercial.
Ainda assim, a nobreza que foi nomeada para estes lugares, em especial S. Jorge da Mina, notamos
uma diferença face às nomeações feitas para as ilhas do Atlântico: aqui, os homens que são nomeados
já são homens da corte – possuindo uma proximidade com os reis de Portugal e que pertençam à
primeira nobreza de linhagem, embora não pertençam às principais linhagens de nobreza do reino.
- Destaca-se o nome de Duarte Pacheco Pereira, outro dos homens que esteve à frente de S. Jorge
da Mina, considerado o “Aquiles Lusitano” em função das suas façanhas militares.

80
Oliveira e Costa, 2014, pp. 126-127

74
Primeiramente, antes de incidirmos sobre esta questão, pensemos, por exemplo, na situação do império
português a partir dos meados do século XVI em diante: centenas de cargos passam a estar à
disposição da nobreza portuguesa. Estamos a falar de indivíduos, que pertencendo à nobreza tinham
à sua disposição uma panóplia de cargos, tais como escrivães de fortalezas / feitorias, feitores
(condução dos negócios), meirinhos, alcaides, capitães de navios, capitães de armadas, capitães de
fortalezas, homens que estavam no aparelho central de governo ultramarino em Salvador ou em Goa,
etc.
Isto junto com as oportunidades de combate, claro.

Tomemos como exemplo o caso do Estado Português da Índia: Foi em 1505 que D. Manuel I
nomeou Francisco de Almeida como seu representante direto no terreno, passando a intitular-se de
vice-rei* por autorização do monarca.

Antes de falarmos do sistema de governo do Estado Português da Índia, é necessário ter noção que
antes desta nomeação, houve uma gestão dos interesses portugueses, e genericamente podemos dizer
que entre 1497 até 1504, o modelo político-administrativo foi o governo de capitães-mores, pois as
grandes decisões estavam subjugadas à chegada anual da armada portuguesa. Foram estes homens, de
forma episódica – ficando lá apenas cerca de 3 meses – representavam a máxima autoridade portuguesa
da região, embora que Cabral tivesse deixado em 1500 os primeiros agentes portugueses, escrivães e
feitores.

É a partir daqui que podemos começar a caracterizar o governo do estado da Índia: sabemos que no
Norte de África é militar, do Atlântico que misturava o senhorialismo com o “capitalismo”, e no caso
da Costa Ocidental Africana, não obstante uma estrutura de proteção militar, o que estava em causa
era um modelo de administração comercial. No caso do Estado da Índia é um modelo que mistura
comércio e guerra, pois sabemos que o que tinha atraído os portugueses à índia tinham sido estímulos
comerciais – mas também religiosos –, mas a verdade é que a presença portuguesa vai suscitar vai
levar à necessidade da guerra: ou se comprava a guerra, implicando isso custos materiais e humanos,
ou que se desistia.

Assim, a administração do Estado português da Índia vai se desenvolver articulando experiências que
já vinham de trás: militar do Norte de África e comercial da costa ocidental africana
- Por outro lado, foi a complexidade de toda esta gestão, que fez com que os agentes portugueses
que tomassem consciência de que era preciso ter em consciência no Malabar, é preciso
estabelecer no terreno uma autoridade portuguesa em permanência, e que ao mesmo tempo
represente direitamente o rei de Portugal
- Temos também de considerar a enorme distância que separa a Índia de Portugal, que por via
terrestre como por via marítima, o que culminava numa enorme dificuldade de comunicação
com a índia.

Assim sendo, fazendo uma pequena síntese do que foi acima dito, foi adotada esta solução em função
da distância, mas também da complexidade das estruturas político-administrativas que eram
exercidas nos territórios

75
* Este título era absolutamente novo na História de Portugal – mas não na História da Europa – mas
esta própria designação de vice-rei pressupõe que os dirigentes supremos do Estado da Índia recebam
alguns poderes de natureza majestática. Foi adotada esta solução em função da distância, mas também
da complexidade das estruturas político-administrativas que eram exercidas nos territórios, o que fazia
com que o mesmo tivesse poderes como o de condenar homens à pena de morte.
Tem poderes que nenhum oficial do rei tinha tido até então, e é considerado um representante direto
do rei de Portugal

Nem todos os homens nomeados pelos reis de Portugal eram vice-reis, sendo que muitos eram vice-
reis ou governadores. Quer no Brasil quer na Índia estavam em causa quer interesses militares, quer
interesses económicos, sendo o seu ponto comum a dimensão militar, a complexidade das estruturas
de governo, e, portanto, dai isso justificar a nomeação de vice-reis e governadores. Assim sendo, temos
de ter em consideração:
1. As funções eram exatamente as mesmas, sendo um governador não tinha menos
responsabilidade que um vice-rei
2. A diferença fundamental é que é mais prestigiante ter o título de vice-rei.

É então aqui que entra uma nota distintiva, e é aqui que voltamos à intervenção do tipo de agentes,
àquela triangulação de interesses, baseados no tipo de cargo e estrato da nomeação.
A título de exemplo, Vasco da Gama era filho do alcaide-mor de Sines. Quando se avançou para um
novo complexo histórico geográfico, imediatamente porque o rei de Portugal não tendo toda uma
noção perfeita da complexidade das sociedades indianas. Não estamos a falar de uma família titular,
mas sim de uma família que tinha tido no seu seio este serviço, algo relevante do ponto de vista social
e político, o que pode ter pesado na nomeação da Vasco da Gama.

Portanto, a criação do Estado Português da Índia implicou o recurso a linhagem. No entanto, é preciso
termos em consideração que o Norte de África foi a única frente da expansão portuguesa que atraiu
toda a nobreza e, no caso do Estado Português da Índia, isto não era um espaço que atraia a nobreza
titular ou os seus herdeiros (apesar de haver exceções, como é obvio)
- 1521: Nomeação de D. Duarte de Meneses como governador, na altura o filho herdeiro do
Conde de Tarouca – embora que quando o pai morreu, D. João III nunca lhe tenha concedido
esse título (sendo que os mesmos podem decidir isso)
- 1524: Vasco da Gama regressa à India para a governar com o título de vice-rei, pois iria
reformar o governo do Estado Português da Índia, e por outro lado em termos simbólico ele
tinha estabelecido a ligação entre Portugal e India.

A partir daí, nota-se uma “elitização do cargo”: Tomemos como exemplo o caso de D. Constantino,
filho do 4º duque de Bragança e irmão do 5º, não tinha nenhum título, mas era um elemento central da
Casa de bragança. Quem o foi substituir passados 3 anos (duração destes mandatos, sendo que eram
renováveis)? Quando D. Constantino foi rendido no lugar, foi por D. Francisco Coutinho, 3º conde de
redondo, sendo o caso de D. Constantino ponto de partida para que a primeira nobreza se aproximasse
do governo do Estado da Índia, sendo esse caminho que vemos ao longo do século XVI: a frequência
da nomeação de titulares / condes tornou-se cada vez maior

76
No Brasil verificamos também um caminho para esta mesma elitização, caminho esse feito de forma
mais lenta e tardia, até porque o governo geral do Brasil só foi estabelecido em 1549. Por outro lado,
o Brasil de 1549, um espaço muito reduzido, apresentava características muito peculiares por
comparação com o Estado Português da Índia. O Brasil não era muito atrativo para a nobreza
portuguesa, pelo menos para os mesmos estratos, por conta de não haver aí um ideal de guerra contra
os muçulmanos. Assim sendo, nesse local, é observável uma diferença na nomeação do governador
Tomé de sousa era um filho bastardo de um quinto ou sexto filho dos Sousa que eram da vila de Rates
(Minho).

Em comparação com os homens que até então haviam governado o Estado Português da Índia, o Brasil
está a fazer um caminho – sendo que a coroa apostou sucessivamente no território, com várias
experiências –, o rei decide fazer um governo geral do Brasil: as capitanias donatarias não foram
anuladas, modelo que outrora não havia funcionado muito bem por si só, sendo que o mesmo agora
está intercalado com o governo geral do Brasil. Foi a medida que o Brasil se foi desenvolvendo ao
longo da segunda metade do século XVI, que o Brasil se afirmará. Cada vez mais no âmbito na
estrutura no Império Português. Mas quando é que vemos titulares a serem nomeados para o governo
do Brasil? Só a partir de 1630. A elitização do governo do Brasil é mais tardia, mas isso também
denuncia a clara afirmação do Brasil no contexto do império português, tonando-se o grande motor do
mesmo, suscitando o interesse da primeira nobreza portuguesa.

É de denotar também a importância dos agentes privados no processo expansionista português. Tal
como enuncia João Paulo Oliveira e Costa, “Muitas vezes tornaram‐se concorrentes dos oficiais da
Coroa e até se disponibilizavam para negociar com outros agentes privados que procuravam
ludibriar o monopólio régio. Eram os lançados, que, apesar disso, representaram quase sempre uma
certa difusão da civilização europeia e do nome de Portugal pelos territórios por onde andavam.
Encontramo‐los, então, principalmente nos Rios da Guiné, no golfo de Bengala e no mar da China,
que eram zonas menos patrulhadas pelos oficiais d’el‐rei. Estes indivíduos podem ser vistos como o
prenúncio de uma das novas dinâmicas expansionistas que se afirmariam no seio do Império Português
durante o reinado de D. João III. Embora veiculassem o nome de Portugal, agiam em nome próprio e
afrontavam os interesses da Coroa sempre que necessário”81

81
Oliveira e Costa, 2014, p. 127

77
- O PADROADO, ORDENS RELIGIOSAS, E MISSIONAÇÃO -

O impacto religioso: Vivemos, hoje em dia, num mundo globalizado, e essa globalização manifesta-
se também a nível religioso, e a prova disso é que temos religiões com uma quantidade de fiéis à escala
mundial (Cristianismo, com o catolicismo e variadíssimas doutrinas protestantes; o islão; o budismo).
O cristianismo foi a primeira religião que adquiriu este cunho global começando pelo século XV, algo
que se desenvolverá com os processos expansionistas que se irão observar a partir de então. Esta é uma
característica em construção no período moderno, mas que em grande medida se deve à própria
natureza do cristianismo, não exclusiva do cristianismo, o universalismo / proselitismo: o cristianismo
corresponde a uma religião que desde as suas origens teve como objetivo a sua disseminação.

“A Igreja desempenhava agora um papel importante na expansão, quer na consolidação da


autoridade da Coroa, quer no alargamento dos negócios. Na maior parte das situações, os missionários
eram ainda arautos da civilização ocidental, o que lhes dava uma aura de civilizadores que ajudava a
justificar o próprio império.”82

“A propagação do Cristianismo foi sempre uma das razões invocadas por todos os agentes da
Expansão Portuguesa para justificar a sua acção. No entanto, nos primeiros cinquenta anos dos
Descobrimentos não se registaram movimentações de clérigos em direcção às terras recém‐
descobertas; pelo contrário, houve mesmo o impedimento de deixar passar para a Guiné o grupo de
frades catalães que fora idealizado pelo papa, em 1462. D. João II também não enviou religiosos com
a missão de anunciarem espontaneamente o Evangelho pelas terras de África, mas promoveu a criação
de novas cristandades.”83

As motivações forma religiosas foram importantíssimas, estando sempre presentes na expansão


portuguesa. No entanto, a formalização / oficialização da vinculação do reino de Portugal e das
autoridades portuguesas comprometidos com o processo expansionista encontrava-se, de certo modo,
ligada a termos religiosos. De forma a compreender tal conceito, temos de voltar a duas bulas já
anteriormente faladas, que atribuíram e reconheceram ao Infante D. Henrique, mas também ao rei da
época (D. Afonso V) monopólios de navegação. Contudo, direitos de matéria religiosa também foram
inseridos nestas mesmas bulas:
- Bula Romanus Pontifex, 1455: atribuiu ao Infante e coroa portuguesa o mesmo monopólio de
navegação e comercio a Sul do Bojador. Portanto, legitimava e reconhecia a Portugal este
mesmo monopólio de navegação e comércio a sul do Bojador. Em termos religiosos, conferia
o direito de Portugal enviar pessoal religioso para os territórios por si explorados;
reconhecimento do direito das autoridades portuguesas fundarem igrejas nesses mesmos
territórios.
- Bula Inter Ca(o)etera, 1456: Fez a mesma coisa, mas agora com aplicação em termos
espirituais. Atribuiu-se um direito de padroado, ou seja, toda a responsabilidade da expansão
do Cristianismo, envio de leigos e construção de Igrejas nestas paragens ficaria a encargo dos

82
Oliveira e Costa, 2014, p. 153
83
Oliveira e Costa, 2014, p. 84

78
portugueses, não de uma intervenção direta de Roma. Atribui à Ordem de Cristo a jurisdição
espiritual sobre estes mesmos territórios.

Isto ter acontecido por via destas duas duplas significou o estabelecimento oficial do chamado direito
do padroado português: conjunto interligado e indissociável de direitos, mas também de deveres,
que passariam a marcar a intervenção das autoridades portuguesas na esfera da religiosidade e
espiritualidade. Todas as superfícies que foram atingidas pela expansão portuguesa foram atingidas
neste direito de padroado.
Deveres e obrigações fundamentais:
- Genericamente, temos de ter em consideração que estamos a falar do dever de expandir a
religião cristã, sendo que passa a ser a responsabilidade da Coroa portuguesa promover a
expansão do cristianismo.
- Obrigação de organizar o processo, não a partir de Roma, mas sim a partir da Corte portuguesa
- Obrigação financiar o processo, quer do ponto de vista dos recursos humanos, quer do ponto
de vista de recursos materiais (enviar pessoal religioso, sustentar este pessoal religioso, alfaias
religiosas, promover a construção de estruturas físicas religiosas = conjunto de encargos
bastante pesados)
Depois temos o reverso, os direitos: também havia benefícios a extrair no âmbito do padroado, embora
enquanto que os deveres tinham uma carga material muito visível, os benefícios do lado dos direitos
eram mais difusos – o que não deve subentender a sua importância:
- Prestígio para o reino de Portugal e para a coroa portuguesa no contexto da Cristandade que é
fiel a Roma
- Portugal passa a ter o direito de criar dioceses (sendo que na atualidade esse é um direito que
cabe a Roma / Papa). Isto não quer dizer que não houvesse comunicação a Roma, mas a decisão
primeira partia de “Lisboa”
- Apresentação das candidaturas à generalidade dos cargos eclesiásticos, mas com grande
destaque aos principais cargos eclesiásticos: passa a ser direito da coroa portuguesa proceder à
nomeação de todas as funções religiosas exercidas em função da expansão portuguesa. Era
Portugal que apresentava o nome, mas tinha de ser Roma a formalizar estas candidaturas.

Isto significa, então, uma verdadeira máquina que tem de ser colocada em funcionamento em termos
de estrutura religiosa. Tal como enuncia João Paulo Oliveira e Costa, “A Santa Sé mostrava, assim, o
seu empenho em que a cristianização dos povos ultramarinos se realizasse depressa, mas acabou por
constatar a sua incapacidade de intervir directamente na região. El‐rei de Portugal tinha o monopólio
da navegação para as terras de missão e não estava interessado em que a Igreja actuasse livremente
nesses territórios. Os direitos de padroado davam‐lhe a possibilidade de enviar e custear os clérigos da
sua confiança, ou seja, aqueles que seriam coniventes com os interesses políticos e comerciais da Coroa
lusa; a evangelização ficava subordinada à vontade dos príncipes.”84

A propósito da questão das dioceses, como está acima enunciado, este passa a ser um direito da coroa
portuguesa (quer a sua construção, quer a apresentação de nomes). Contudo, foi muito tardia a criação

84
Oliveira e Costa, 2014, p. 67

79
da primeira diocese portuguesa no contexto da expansão marítima – não falando do Norte de África –
, sendo que foi apenas em 1514 que isto se sucedeu. A primeira diocese a ser criada foi precisamente
a do Funchal, mas tinha uma especificidade: não tinha apenas jurisdição sobre a ilha da madeira, pois
na altura quando foi criada tinha jurisdição sobre todos os espaços ultramarinos portugueses (sendo
que os portugueses já tinham chegado ao Brasil, Índia)

“O expansionismo primitivo não carecera (...) de uma grande estrutura eclesiástica, pois controlava
apenas uma série de pequenas guarnições, à excepção das sociedades insulares, que eram apoiadas por
clero em número apropriado. Baseado numa lógica de conquista e de ocupação de espaços, o Império
Castelhano cedo montou uma estrutura diocesana de enquadramento, e em 1531 já existiam 12
bispados nas Índias de Castela, enquanto o império de matriz marítima dos Portugueses tinha apenas
um, o do Funchal, criado em 1514.”85

Crescimento da rede de dioceses no contexto da expansão e do império português


- 1514: Diocese do Funchal, a primeira diocese a ser criada
- 1533: 4 dioceses (Angra do heroísmo; Cabo Verde; São Tomé; Goa86)
- 1551: criação da diocese da Caía, com sede em Salvador
- 1558: Cochim e Malaca
- 1576: Macau
- 1588: Funai
- 1596: Congo
- 1600: Angamale (vai começar a tutelar formalmente os cristãos de São Tomé)
- 1606: São Tomé de Meliapor, na costa oriental da índia)
- 1676: Brasil, com a criação das dioceses de Olinda e Rio de Janeiro
- 1677: Maranhão
- 1690: dioceses de Pequim e Nanquim
- 1719: Belém do Pará
- 1745: Dioceses de Mariana e de são Paulo

Porquê o caráter tardio destas criações? Porque havia um modelo religioso específico português,
nomeadamente em relação com a expansão castelhana no mundo americano (desde o início marcada
pela conquista / domínio efetivo do território, e pela rapidez de progressão do domínio castelhano na
américa). Portanto, de firma quase automática, as autoridades castelhanas estabeleciam também uma
administração religiosa, e, portanto, quase automaticamente eram criadas dioceses que tutelavam as
regiões do império espanhol na américa, e só a seguir se estabelecia o trabalho de conversão.
Contudo, na conceção portuguesa, para criar uma diocese, devia já haver instalada no terreno uma
cristandade suficientemente forte em número e em espírito (nas suas crenças) que suportava essa
mesma diocese.

85
Oliveira e Costa, 2014, p. 153
86
Podemos dizer que foi exatamente em 1529, no inico de governo de Nuno da Cunha no Estado português da Índia,
que foi formalizado o estatuto de Goa como capital do estado português da Índia. Logo, foi pouquíssimo depois que
foi elevada à categoria de diocese

80
“Depois, em 1533, D. João III promoveu a criação de quatro novas dioceses: Angra, Cabo Verde, São
Tomé e Goa. O rei reconhecia, assim, a especificidade dos arquipélagos atlânticos, espaços antigos de
territorialização, e encarava ainda as ilhas africanas como possíveis pólos de coordenação da
evangelização do continente africano; ao mesmo tempo dotava o Estado da Índia de uma
indispensável autonomia para a celebração plena dos sacramentos pelos seus súbditos a leste do
cabo da Boa Esperança. A Índia fora visitada por bispos desde o final do reinado de D. Manuel I,
mas a sua passagem breve pelos mares do Oriente tivera pouco efeito. O crescimento do número de
cristãos exigia uma solução permanente.”87

Porém, Roma nem sempre via isto com bons olhos: quando em 1622 foi criada a Sagrada
Congregação da Propaganda Fide: organismo da Santa Sé, sendo o reino de França um dos seus
impulsionadores, criado em parte como resposta aos alegados atrasos portugueses no contexto da
expansão da fé (muito impulsionado pelos interesses específicos do reino de França)
Não obstante os interesses religiosos portugueses serem fortíssimos, a verdade é que a aposta das
autoridades portuguesas nunca foi a multiplicação rápida das dioceses.

Como se desenvolveu a disseminação do cristianismo sobre a égide dos portugueses? Apesar de


interesses fortíssimos, a verdade é que ao longo do século XV não podemos falar de grandes sucessos
religiosos. Se pensarmos nas ilhas euro-atlânticas, aí não havia grande novidade, pois o grosso dos
elementos que as colonizavam eram, na sua grande maioria, de origem europeia, praticando lá as
mesmas práticas de fé que já praticavam.
Contudo, relativamente aos arquipélagos afro-atlânticos, a situação não foi exatamente a mesma no
que dizia respeito aos agentes de colonização de origem europeia, mas os escravos que foram forçados
a estar em cabo verde e São Tomé, foram também forçados à conversão ao cristianismo
Se pensarmos na Costa Ocidental Africana, qual terá sido a dimensão do alastramento do
cristianismo? Foi pouca, à exceção de um único caso, a região do Congo – aliança política, militar e
comercial entre as Coroas de Portugal e do Congo; família real do Congo converteu-se ao cristianismo,
e com isso aceitou a expansão do cristianismo no seu território; envio de algum pessoal religioso para
o Congo, havendo a aposta na formação eclesiástica de jovens daí em Portugal.

Jorge Santos Alves introduz o conceito de “Sacerdotes de armada”, relativamente aos interesses
religiosos portugueses no Oriente (Estado Português da Índia) e no Brasil, nomeadamente no período
entre 1500 e 1542: não obstante haver estabelecimentos portugueses, em todos estes espaços na prática
os sacerdotes apenas se dedicavam praticamente ao apoio espiritual aos portugueses que lá residiam,
sendo esta a sua grande missão (oficiar as missas, ministrar os variadíssimos sacramentos). Isto não
quer dizer que as conversões não fossem feitas com uma política missionaria ativa, mas sim conversões
de populações que acabavam por interagir muito com os portugueses

Eram geralmente grupos socioeconómicos muito baixos que se convertiam, e que por causa desse
estatuto se relacionavam com os portugueses. Por outro lado, estes agentes viviam próximo do mar, e
portanto os pescadores cujas aldeias estavam próximas das fortalezas portuguesas podiam aceitar-se
converter ao cristianismo, assim como as bailadeiras (que se relacionavam intimamente com os

87
Oliveira e Costa, 2014, pp. 153-154

81
portugueses, dai resultando filhos mestiços que depois eram educados na fé cristã). Isto porque só
pessoas de casta baixa é que aceitavam relacionar-se com os portugueses.
Para pessoas que sejam elementos que pertençam a castas muito baixas ou não tenham casta, isto pode
significar uma promoção: estão a ser admitidas num complexo social e religioso que, teoricamente,
lhes garante que “Deus” olha por elas também, um Deus para o qual os pobres serão valorizados. Sito
pode ser um elemento atrativo para quem está integrado na sociedade indiana, nomeadamente no
hinduísmo.

Este período dos sacerdotes de armada, até ao surgimento da Companhia de Jesus essencialmente, o
pessoal religioso que esteve no terreno alem mar a fornecer este acompanhamento espiritual, estava
associado às ordens religiosas mendicantes, muito particularmente à ordem dos Franciscanos – apesar
de notarmos a presença de alguns dominicanos –, sem dúvida os protagonistas dos processos até ao
surgimento da Companhia de Jesus.
Esta nova ordem religiosa que se vem juntar às mendicantes que já estavam no terreno, sendo que
temos uma ordem nova que está a nascer na europa, e que de imediato é exportada para o resto do
mundo. Fazem inclusive um voto de obediência direta ao papa.

Estes sacerdotes de armada, quando contactavam com povos não europeus, apesar de tudo na tentativa
de os converter ao cristianismo, faziam-no com uma roupagem estritamente europeia e ocidental, o
sistema da Tábua Rasa: a transmissão do cristianismo a povos não europeus sem grandes
preocupações de adaptação. E porque é que estas preocupações poderiam ser relevantes?
A chegada dos portugueses com um substrato cultural religioso europeu e cristão, o choque religioso
foi tremendo. Se não havia a preocupação de adaptação e explicação da menagem religiosa, ela tinha
muita dificuldade em passar, o que acaba por explicar porque é que ao longo do século XVI as
conversões existiram, mas foram muito limitadas em número.

Então porque é que 42 foi o ano de viragem? Esta está relacionada com a Companhia de Jesus,
formalmente fundada em Roma em 1540, desenvolvendo-se no espírito de contrarreforma. A coroa
portuguesa, sempre fiel a Roma, percebeu a importância desta ordem, e imediatamente João II
convidou esta companhia a instalar-se em Portugal, e os seus agentes partirem em direção a pontos
alem mar
- Em 1541, já estavam agentes desta companhia em Portugal e a embarcar rumo a outros
territórios ultramarinos. Esta armada portuguesa, um contingente de três jesuítas, chegaram à
Índia em maio de 1542.
- No caso do Brasil, temos de ter em consideração que em 1542 o processo de colonização já
estava em curso, mas ganharia alento especial a partir de 1549, com a fundação do governo
geral do Brasil. Contudo a bordo da armada que levou tome de sousa para o Brasil ia a bordo
o padre jesuíta Manuel da Nóbrega.

Isto é um movimento de viragem porque os jesuítas teriam características especiais (algo que não
estava inscrito num programa oficial da companhia / de atividade missionária, mas muitos membros
desta companhia foram impulsionadores de métodos “revolucionários”): efetivamente, a partir dos
anos 40, começa a ser observável o surgimento de um método da adaptação e de acomodação
cultural, que acabariam por suscitar sucesso missionário, conversões em número significativo

82
- Aprendizagem das línguas locais, para se poder fundamentar um diálogo mais ou menos fluente
com o crente;
- Privilegiar os contactos com as autoridades políticas locais (chefe de uma tribo, grande senhor
do Japão, imperador mongol), pois conseguindo o favor / simpatia das mesmas e a sua
conversão, o trabalho de conversão da generalidade das populações seria muito mais facilitado
- Recurso à música como estratégica catequética (no caso do Brasil)
- Organização de representações teatrais (com enredo de natureza religiosa) para cativar as
populações (também no caso do Brasil)
- Adaptação de conceitos. A título de exemplo, em vez de um centurião (conceito romano),
falava-se num samurai no Japão;

Estes esforços de adaptação e acomodação territorial foram fundamentais para a expansão do


cristianismo em regiões em que o estado Português da India não tinha autoridade formal. No caso do
Brasil, não nos podemos esquecer que aí havia um poder político e militar português, havendo por isso
também políticas organizadoras que visavam uma conversão tão sistemática quanto possível. Não
obstante, não foi apenas um sucesso de adaptação política e religiosa que tiveram efeito no Brasil, mas
também uma negociação com as comunidades aldeãs que não estavam sob a égide política portuguesa.

A este propósito, é importante referir outras grelhas cronológicas, de forma a compreendermos


completamente outra realidade relacionada com a Companhia de Jesus. Para uma breve
contextualização, a Companhia de Jesus foi classificada por Charles Boxer de forma muito sugestiva
a Companhia de Jesus como a primeira “Multinacional” do mundo. Dá-nos, sobretudo, a ideia do
grau de organização da mesma, que veio revolucionar o contexto missionário. A professora até se
atreve a dizer mais, no sentido em que é verdadeiramente com a entrada da Companhia de Jesus em
termos ultramarinos, daqui se seguiu finalmente conversões em número significativo, que foram
alcançadas quer num contexto de domínios coloniais (Brasil, território de Goa) em função dos novos
métodos missionários, obviamente muito associado também ao exercício de um domínio português.
Contudo, é também observável a criação da cristandade noutras partes não diretamente subordinadas
ao Brasil e ao Estado Português da Índia, o que nos permite falar de uma “multinacional”
- Brasil: chegada em 1549
- 1542: criação de missões na Índia, mais especificamente em goa
- 1565: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas em Macau
- 1579: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas no Império Mogol da Índia, o coração de um
potentado muçulmano
- 1583: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas na China
- 1598: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas em Pegu e Bengala (Ásia do Sueste)
- 1615: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas em Cochinchina (atual Vietname)
- 1616: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas em Camboja
- 1624: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas no Tibete (Região montanhosa, não de fácil
acesso)
- 1626: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas Tonquim (Norte do Vietname)
- 1615: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas no Cião

83
- 1642: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas em Laos (interior profundo do continente
asiático, altamente montanhosa, não de fácil acesso)
- 1547: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas na região do Congo
- 1557: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas na Etiópia
- 1560: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas em Angola e Moçambique / Monomotapa
- 1604: estabelecimento formal e oficial de Jesuítas em Cabo verde, sendo que a partir do mesmo
os jesuítas também exerceram a sua influência religiosa sobre o território fronteiro da Guiné

Com esta dispersão geográfica, conseguimos entender bem este qualificativo de primeira
multinacional do mundo. Efetivamente, a geografia da intervenção da Companhia de Jesus, ou até
mesmo generalizando mais o padroado português, sobretudo do Oriente – pois no caso do Brasil o que
estava em causa a construção da colónia, sendo um acompanhamento natural (a medida que o território
vai se construído, a confissão religiosa dos dominadores vai alastrar-se ) – há estabelecimento das
ordens religiosas em territórios não só influenciados / controlados / dominados pelo estado português
da Índia (uma rede de estabelecimentos, bens e interesses), houve diversos territórios que não eram
controlados diretamente pelo Estado Português da índia que vão, mesmo assim, presenciar a sua
influencia, espaços de muito difícil acesso na época. Logo, as fronteiras de atuação religiosa num
quadro oficial português não coincidiam com as fonteiras de atuação religiosa militar, política,
comercial.
Nessa medida, também não devemos cair na tentação que os membros das ordens religiosas se
limitaram a ser agentes de divulgação do catolicismo (neste caso, mais o cristianismo), mas também
agentes da divulgação da cultura e ciência ocidentais
- A título de exemplo, em Pequim criaram mesmo um observatório astronómico.

A crise do padroado, sobretudo no contexto da presença portuguesa no Oriente (?), e influências e


impactos da união ibérica: a partir do momento em que se deu a união ibérica, pressões das ordens
religiosas mendicantes da Espanha, que já instaladas nas Filipinas olhavam para os territórios do
japão e da china com um apetite missionário. Portanto, as pressões para as ordens mendicantes
espanholas começaram na época de Filipe II, mas foi só na época de Filipe III de Espanha e II de
Portugal que esses missionários passaram a ter acesso a regiões do extremo Oriente.
Depois, o que se vai seguir ao longo do século XVII em função das perdas, é um declínio do
cristianismo em alguns territórios (Japão, com um primeiro édito anti-cristão em 1587, mas é só com
outro édito que vai ser decretada a expulsão de todos os missionários; 1663 estava consomada a
expulsão dos portugueses da região do Malabar; expulsão dos portugueses em 1658 da ilha do Ceilão;

Outro elemento importante para crise do padroado português do Oriente foi a instituição da Sagrada
congregação da propaganda fide, criada muito sobre estímulo da França de Luís XIV, uma instituição
que a França queria instrumentalizar para favorecer a sua expansão na ásia

Entre 1645 e 1742 sucede-se um importante movimento, denominado de Querela dos ritos chineses,
uma discussão que se arrasta por quase 100 anos, até que em 1742 Roma condenou formalmente a
Companhia de Jesus pela adoção de ritos chineses. No quadro das suas políticas de adaptação de
acomodação cultural:

84
- Confúcio, mestre espiritual que marca espiritualmente e de forma transversal praticamente toda
a evolução chinesa. Sendo um mestre espiritual era alvo de rituais de veneração; associado ao
mesmo, estão associados valores como o respeito aos entes da família, havendo por isso o culto
de Confúcio, mas o culto dos antepassados também.
- Os jesuítas não se inibiam de participar em rituais de confissão a Confúcio (sendo que na sua
cabeça estavam mais a proceder a uma homenagem, reconhecendo o seu caracter de mestre e
percebendo a sua importância para cultura chinesa). Em adição a tal, temos questões como os
conceitos. O conceito de Deus e missa eram difíceis de apresentar aos chineses, tendo por isso
de se usar uma palavra do vocabulário chines o mais próximo desse conceito.
- Sendo assim, a designação do ritual para os cultos dos antepassados passou a ser usado pelos
jesuítas como um sinonimo de missa, enquanto que Deus os jesuítas encontraram duas
palavras: sumo senhor e céu.
Portanto, o que aconteceu foi que um seculo de tensões entre a missão da China associada ao padroado
português foi a condenação formal por parte de Roma destes ritos chineses, o que significou hipotecar
qualquer hipótese de desenvolvimento futuro do cristianismo / catolicismo na China

Portanto, nos meados do século XVIII isto não deixa de constituir um revés para a toda a companhia,
e outros fracassos se vão seguir no contexto do império português, sobretudo do consulado do
Sebastião José de Carvalho e Melo:
- Em 1755, no Brasil, mais concretamente na região do Maranhão (alto norte do Brasil) estava
sob controlo político-administrativo da Companhia de Jesus, e não somente religioso desde
1686. Em 1755 o Marquês afastou a Companhia de Jesus da região, criando a Companhia Geral
do comércio do Maranhão, atribuindo o seu governo ao seu próprio irmão.
- Por outro lado, em 1750 foi assinado o Tratado de Madrid entre as coroas portuguesa e
espanhola que estabeleceu as fronteiras entre os domínios coloniais portugueses e espanhóis
na América do Sul. No âmbito desse tratado havia uma região conhecia como os sete povos
das missões, que estava essencialmente nessa altura debaixo da tutela espanhola. O tratado
define que passa a estar sob a alçada da coroa portuguesa. Essa região era composta pela tribo
dos guaranis, havendo uma resistência à entrega da jurisdição desse espaço ao estado do Brasil,
havendo inclusive uma luta armada (Guerra Guaranítica) com o apoio dos jesuítas.
- Em 1759 o Marquês de Pombal expulsa os jesuítas de Portugal e de todos os estabelecimentos
/ territórios do império português. Estamos em meados do século XVIII, o que não significa
que houve uma extinção do catolicismo no âmbito do império português, notando-se uma
perturbação do funcionamento das estruturas religiosas, sobretudo as tais técnicas de
acomodação e adaptação cultural entraram em maior retração

Foi então neste quadro que François Pyrad de Laval se associou a uma companhia comercial
francesa, constituída para organizar uma viagem comercial à asia, que viveu uma série de peripécias.
Esta expedição naufragou nas Maldivas, depois foram feitos prisioneiros, e as tantas foram entregues
como prisioneiros a goa as autoridades portuguesas, sendo que a preocupação das autoridades
portuguesas é, sempre que possível. eliminar ou controlar esses europeus que estavam a aparecer. Tudo
isto se passou entre 1601 e 1610, e foi então neste contexto que ele escreveu as suas viagens.
Faz grandes críticas às autoridades e vivências portuguesas.

85
- Através do texto conseguimos perceber que a prática da escravatura marcava o Estado
Português da India.
- Chama a atenção também para a circunstância que nas missas compareciam portugueses,
mestiços, população local convertida. Fala também nas procissões que se realizavam todos os
domingos, e como em todos os dias santos havia peregrinações em Goa.
- Refere a questão dos Jesuítas quererem só estar diretamente dependentes do papa, o que nos
chama a atenção da problemática da rivalidade, ciúme e invejas das ordens religiosas, o que
marcava profundamente a vida religiosa no contexto do império português. O grande ponto de
encontro era, de facto goa, na medida em que todas as ordens religiosas tinham a sua sede
estabelecida aí mesmo. Mesmo na zoas de Goa territorializadas houve dois espaços, um
estregue aos franciscanos e outro aos jesuítas, como campos de missionação exclusiva.
No fundo, é uma fonte que descreve o quotidiano a variadíssimos níveis, e o que a torna ainda mais
interessante é o facto de este ser um observador a nível externo, pois se fosse um súbdito português
isso afetaria o seu prisma de analise. São dois volumes com imensos capítulos, fazendo a descrição
dos poderes políticos, comercial e militares portugueses, sendo uma fonte deveras complexa e
completa.

Influências religiosas portuguesas: memorias históricas e evidências contemporâneas [um


pequeno aparte]

Brasil: S. Salvador de Baia e minas gerais com – Expressão religiosa, de acordo com os resultados
evidencias materiais da presencia destas ordens no dos censos de 2020: 87% da população declarou-se
cristã e, mais especificamente, 64,4% como
território. O país que tem a maior comunidade católica
católica no mundo é exatamente o Brasil. – Resultado: o Brasil corresponde ao país com a
maior comunidade católica do mundo

India: Também encontramos as vivencias – Distribuição religiosa da população, de acordo


contemporâneas do catolicismo em diferentes com os censos de 2011: Hindus (66,08%; Cristãos,
25,10% - ou seja, ¼ da população; muçulmanos –
espaços da influência portuguesa. Em Cochim, Goa. 8,33%)
– Nota: em 1909, a percentagem de cristãos no
território corresponderia a 80,33%

86
AS RIVALIDADES EUROPEIAS ALÉM-MAR
Choques e rivalidades entre o reino de Portugal e outros estados europeus

Consciencialização de que o arranque da expansão portuguesa – e depois de outras expansões


europeias, uma das consequências que suscitou foi a emergência de novos cenários geoestratégicos
e novos pretextos para a proliferação de conflitos armados e rivalidades entre os estados
europeus.
A Europa até ao século XV não vivia no melhor dos mundos, sendo que muitas vezes eclodiam
conflitos, e portanto essa realidade mantém-se durante o seculo XV, mas agora com esta novidade que
a geografia dos conflitos se alastra, sendo que as causas dos mesmos podem ser também de origem
ultramarina.
Contudo, a propósito de problemas estritamente do foro europeu / continental, entre a Inglaterra e a
França e entre a França e as Províncias Unidas: coques que se projetavam para fora do mundo europeu.

Os grandes casos que temos que elencar são, nomeadamente:


1. O caso de Castela, nomeadamente tendo em conta o seu relacionamento com Portugal
2. A França
3. A Inglaterra
4. As Províncias Unidas

1. Castela

Reino cujo relacionamento externo com Portugal foi tanto estimulante como condicionante da
expansão portuguesa. Isto no sentido de, em função das situações que se viviam em determinadas
conjunturas, os portugueses podiam tanto decidir avançar a expansão como retrair-se, tendo em conta
os perigos que vinham da fronteira com Espanha.

Após a conquista de Ceuta, a capacidade de Castela fazer retrair Portugal fez-se sentir. Em 1418, houve
um novo pedido de Portugal junto a Roma no sentido que fosse concedida uma Bula de Cruzada; neste
mesmo ano também foi pedida a Castela a confirmação da paz (oficializada em 1431), recusando-a.
Face a esta situação, as verbas consagradas para financiar a nova expedição ao Norte de África foram
de imediato desviadas para o reforço do aparelho de proteção militar na raia, na fronteira luso-
castelhana, sinal de retraimento. No mesmo sentido, a resposta dada no ano seguinte, em 1419, dada
por D. João I ao Infante D. Henrique: quando este estava em Ceuta, à frente de um contingente militar
significativo, decidiu atacar Gibraltar, algo que foi travado pelo monarca. O ataque a Gibraltar
significava um novo confronto contra os muçulmanos, algo que podia suscitar conflitos, dado que esse
território estava na parte que pertencia a Castela.

Podemos justificar, em parte, a decisão de se partir para uma nova expedição em Tânger, em 1437,
encabeçada pelo Infante, que não será bem-sucedida. Em 1436, D. Duarte, deu luz verde para o
desencadeamento desta ação militar, a segunda portuguesa. O Infante D. Henrique pressionava a Coroa
para se voltar a África
Não sendo o único fator que nos ajuda a perceber por que razão D. Duarte deu luz verde para isso,
Castela estava a tentar influenciar negativamente a cúria romana contra os interesses portugueses.

87
Empenho da coroa portuguesa e do próprio Infante em irem obtendo Bulas ao longo do tempo que
legitimavam as intervenções expansionistas portuguesas: claramente isto resulta da noção muito clara
de que Casela estava à “espreita”, a acompanhar este movimento.
E quando dizemos isto, mais do que Castela, convém designar o soberano que então governava, pois
podemos dizer que a primeira metade do século XV foi um período de tensão entre as duas coroas
ibéricas
- Teve em curso uma guerra
- Após a guerra, nas décadas seguintes, foram mantendo-se as tensões (mesmo após a celebração
da paz oficial)
Quem ocupou o trono foi sempre a mesma pessoa, o que ajuda a explicar este tom de tensão com
Portugal, D. João II de Castela. Sendo filho do D. João I de Castela, derrotado em Aljubarrota, justifica
muito da posição agressiva que o torno castelhano foi assumindo

Mudança significativa para benefício dos interesses portugueses: desde logo, temos que notar que
Henrique IV de Castela não tinha a fibra de D. João II. Repetidas vezes procurou o apoio político –
quando não o apoio militar – para lidar com a alta nobreza castelhana, procurando na aliança com
Portugal encontrar a balança da relação, apaziguando as pressões e tensões que anteriormente haviam
sido desenvolvidas pela coro castelhana nos domínios portugueses
20 anos de perfeita acalmia na relação dos dois anos e de desenvolvimento “tranquilo” da expansão
portuguesa – Norte africana, mas também de desenvolvimento pacífico, na Costa ocidental africana

Os problemas só surgiram no contexto da morte de Henrique IV (dezembro de 1474), o que culminou


na deflagração num novo conflito militar entre os dois reinos ibéricos.
A 24 de maio de 1475 Isabel dirige aos seus súbditos uma exortação, para que “por mar e por terras
com mão à armada ou de qualquer e outra madeira como melhor puderdes fazer, façais guerra e todo
mal e dano que puderdes ao rei e ao reino de Portugal e às pessoas naturais de Portugal” (traduzida
pela professora)
Pouquíssimos meses depois, no dia 19 de agosto, Isabel também clarificou os teatros de guerra, os
fundamentos pelos quais os castelhanos podiam navegar para la do bojador, tentar fazer conquistas e
tentar desenvolver atividade comercial na região: “os meus progenitores de onde eu venho sempre
tiveram a conquista das partes de África e da guine e levaram o quinto das mercadorias que das ditas
partes (...) se resgatavam, até que o nosso adversário de Portugal se intrometeu (...) na dita
conquista e levou o quinto das mercadorias por consentimento do rei D. Henrique, meu irmão”
- Faz uso de argumentos falsos para legitimar esta sua intervenção Isabel estava a reescrever a
História a favor das forças castelhanas, em função das mais valias materiais, comerciais, que
estavam associados ao Reino de Portugal

Saragoça: ainda não se tinha resolvido a dúvida geográfica, mas o que ficou decidido foi a compra
das ilhas Melucas a Carlos V: a partir dai a relação com Castela acabou por se tranquilizar naquilo que
dizia respeito a política expansionista

Ainda assim, tendo havido esta tranquilização, a instituição do pós-união ibérica trouxe novos motivos
de tensão – mas não novas guerras: não obstante os reis passarem a ser os mesmos, isto não eliminou
nos diversos espaços que marcavam a presença ibérica no mundo focos de tensão.

88
A título de exemplo, o período da união ibérica foi aproveitado por muitíssimos portugueses para se
instalarem em carias áreas urbanas da América espanhola para aí começarem a participar ativamente
os tráficos locais. A título de exemplo, desenvolveram-se comunidades de origem portuguesa numa
zona do atual Caribe, dominada sobretudo por cristãos novos, a ponto de praticamente os principais
negócios da cidade ficarem sob os cristãos novos de origem portuguesa, o que suscitou inimizades: o
facto de serem portugueses, e por outro serem pessoas de ascendência judaica. Portanto, segundo
estudo do professor Juan Martinez Fernandez, o maior especialista espanhol em história da América
colonial.
- Publicou um trabalho intitulado de Eliminando a competência. E de que forma o fizeram?
Através da Inquisição.

2. A França

Os choques com a França surgiram, face a Castela, numa cronologia mais tardia. Contudo, da parte
portuguesa, temos um indício explícito relativamente à consciência que as autoridades portuguesas
tinham face a um potencial perigo apresentado pela frança
Documento datado de 1460 (ano em que morreu o Infante D. Henrique): o Infante D. Fernando
escreveu ao seu irmão Afonso V uma carta, na qual há uma única frase em que o mesmo relembra
Afonso V para os perigos e ameaças que os franceses representavam para as ilhas portuguesas. E não
temos mais nenhuma documentação portuguesa da época que forneça explicações, sendo uma
referência absolutamente isolada e episódica, mas que nos deixam “com a pulga atrás da orelha”: isto
é um claro sinal de que a França estava de olho nos portugueses.

Tivemos de esperar até aos inícios do século XVI, mais particularmente ao reinado de Francisco I
(chegado ao trono no ano de 1514), para que esta rivalidade se manifestasse de forma mais ostensiva.
Qual foi a clausula do Testamento de Adão que me excluiu a mim e à França da partilha do mundo?
Marca, sem dúvida, uma posição mais agressiva, algo visível em variadíssimos aspetos:
- O corso francês no Atlântico, muito especificamente em torno dos Açores. (perdi-me)

Os franceses foram aproveitando esse alheamento português, o que lhes permitiu instalar-se na Baía
de Guanabara em 1555, um espaço completamente virgem da presença portuguesa o que permitiu a
instalação dos franceses na região, até que finalmente houve a decisão de intervenção militar
portuguesa, o que levou em 1560 à expulsão dos franceses dai, e no ano de 1565 fundarem a cidade
do Rio de Janeiro: reconhecimento da ameaça que os franceses representavam no território brasileiro
Em 1615 tivemos os franceses a instalarem-se na região do Maranhão.
Portanto, o Brasil perdurou no espírito francês sempre com uma grande atração, ao mesmo tempo
suscitando a preocupação regular da coroa portuguesa.

Apesar destas manifestações de interesse francês, na prática, a guerra nunca eclodiu formalmente
entre a França e Portugal. Até se produziram combates entre franceses e portugueses além-mar, mas
a verdade é que isso nunca suscitou uma declaração formal de guerra. Porquê? Há uma historiadora
portuguesa, Ana Maria Ferreira, estudou muito estes relacionamentos, falando neste conflito com uma
guerra de fogo lento: não era uma guerra oficial, e sobretudo não se tratou de uma guerra de grande
dimensão. Porque a verdade é que não havia interesse de ambas as partes. Havia interesses de os

89
portugueses travarem os franceses, e da parte da coroa francesa não havia interesse de uma forma
gritante a (?) os interesses da coroa portuguesa.
A chave desta questão é Espanha: se Portugal comprasse a guerra com a França por causa destes
empurrões que a frança vinha empurrando, fatalmente teria de se virar para o bloco militar chefiado
por Carlos V, abandonando a sua posição tradicional no contexto europeu de neutralidade face aos
conflitos europeus.

3. A Inglaterra

No caso de Inglaterra, até aos inícios do seculo XVII não tivemos confrontos efetivos, mas ainda assim
causou algumas dores de cabeça à coroa portuguesa: isto aconteceu logo no início de reinado de D.
João II, pois chegaram a Portugal noticias de ingleses a prepararem expedições até à guiné.
D. João II envia uma pessoa da corte à embaixada inglesa, agindo assim por antecipação. Tinha em
mente dois objetivos – os quais se concretizaram:
- Reiterar a aliança anglo portuguesa
- Obter da parte inglesa o reconhecimento do monopólio português a Sul do Bojador

De que forma Henrique VII manifestou os seus interesses? Tentando encontrar uma zona de
comunicação marítima entre a europa e o mundo asiático, uma tentativa alternativa de antecipar a ideia
de Fernão de Magalhães. Contou com os serviços de um veneziano para procurar uma passagem de
comunicação em direção à Ásia, mas a partir da região noroeste do planeta terra. Em 1497/98, anos
em que Vasco da Gama saiu de Portugal e está a alcançar a Índia, procede a estas mesmas tentativas.

Se D. Manuel I imediatamente assumiu um novo título régio a seguir à saída de Vasco da Gama de
Lisboa, e isso era sobretudo para propaganda europeia. Uma das preocupações de D. Manuel era que
Malaca não estivessem na área de influência portuguesa, ordenando que os seus homens avancem: se
eles já lá estivessem poderiam alegar que tinham chegado primeiro, ou seja, tinham direito de
precedência. Este conceito, o de real político, o pragmatismo político, sempre existiu, em qualquer
época. A geografia do mundo ainda não era toda conhecida, portanto, na cabeça de D. Manuel, era
natural haver dúvidas pelas reais distâncias ou o desconhecimento dos extremos.
- Havia uma corrida entre os europeus para verem quem chegada à Asia primeiro, mas os
ingleses não o conseguiram, estando patente um desejo europeu mais lato de alcançar a Ásia.
- Portanto, naquilo que teve relacionado com esta relação bilateral anglo-portuguesa, a verdade
é que no seculo XVI isto não ocasionou um conflito direto.

Se tomarmos em consideração o século XV e XVI, as potências que efetivamente alimentaram


rivalidades diretas com Portugal, levando a tensões diplomáticas ou guerras abertas, ou à guerra de
fogo lento, foram potencias do sul da Europa que efetivamente colocaram problemas a Portugal
(Castela, França e Veneza) – sendo esta uma conflitualidade direta assumida por Portugal, ou ate
mesmo um mero conflito diplomático ou militar.
Naquilo que esteve então em causa por Veneza jamais deflagrou uma guerra direta entre os dois
poderes. Embora nunca tenha feito esforços diretos no sentido de alcançar a Ásia, a verdade é que foi
afetada pelo sucesso da viagem de Vasco da Gama.

90
- Veneza passa a ser uma entidade particularmente ativa da atividade de espionagem em Lisboa
(Lunardo Cá Masser é um dos agentes, em Portugal deste outubro 1504 e finais de 1506,
estando inclusive em interrogatório junto do rei D. Manuel quatro vezes)
- Em 1502 na armada de Vasco da Gama que partiria para a India, foram embarcados dois
italianos que se identificaram como milaneses, contratados por supostamente serem
especialistas em pedras preciosas. Na altura, D. Manuel interessado nas pedras preciosas
indianas, estes dois homens foram contratados
- Assim que chegaram a Cochim, estes dois homens desertaram, fugiram para Calicute, na qual
começaram a ajudar as forças locais no sentido de se construir artilharia de acordo com os
modelos europeus – passam a servir os interesses de Calicute

São então potencias do sul da Europa que protagonizam ou suscitam os principais problemas de
rivalidades, nos finais do século XVI em função da união ibérica outras rivalidades vão surgir,
manifestando-se através da guerra (conflitualidade direta e oficial)
A união ibérica significou uma interrupção num dos princípios mais fortes da diplomacia portuguesa,
que tinha acompanhado toda a formação e desenvolvimento do reino de Portugal: o princípio da
neutralidade que tinha assumido ao longo de toda a Idade Media do reino português, muito devedor
do posicionamento geoestratégico de Portugal. As guerras externas que Portugal conheceu ao longo
da Idade Media foram alimentadas por Castela

- 1622: expulsão dos portugueses de Ormuz, a única perda verdadeiramente digna de nota, pois
começou a determinar a crise económica e financeira do Estado Português da Índia. A respetiva
alfandega, um dos seus principais sustentáculos económicos e financeiros.
- Não foi preciso esperarmos pela restauração para se proceder a uma pacificação das relações
anglo-portuguesas na Ásia. (1632/33?).

Efetivamente, foi o relacionamento entre Portugal e os Países Baixos que ocasionou a grande guerra
que Portugal viveu em finais do século XVI, e sobretudo ao longo do século XVII. Isto porque os
Países Baixos estavam em revolta contra os poderes dos Habsburgo desde 1568, que duraria até 1648.
Mas só em 1663 é que foi produzido um acordo de paz entre a parte portuguesa e neerlandesa.

Charles Boxer, quando se referiu a este conflito entre Portugal e as Províncias Unidas, falou de uma
primeira guerra mundial, “Uma vez que as possessões ibéricas estavam espalhadas por todo o mundo,
a luta subsequente foi travada entre quatro continentes e sete mares”88, referindo-se à guerra de 1914
e 1918 como “duvidosa” nesse sentido.
Um dos dados mais relevantes para percebemos porque boxer equacionou esta luta como a verdadeira
primeira guerra mundial são, sem dúvida, as frentes de guerra. Houve um palco de guerra na
Europa, mas depois tivemos palcos de guerra em África, América do Sul, Ásia – uma enorme
amplitude geográfica que abarcava quatro continentes, sendo que na Africa, Ásia e América
encontrávamos uma situação plural e não apenas de uma entidade política específica “como aconteceu
na Europa). Claro que o império português foi claramente visado, pois em termos geostratégicos era
essencialmente marítimo-comercial, e a territorialização efetuada não era substancial.

88
Citação enunciada pela professora na aula, não tenho a referência concreta.

91
Por outro lado, não foram só portugueses, castelhanos, ingleses e neerlandeses que estiveram
envolvidos em conflitos, sendo que localmente também tivemos intervenções e alianças (Congo,
japoneses, gentes da Índia, população da atual Indonésia) – blocos de alianças foram chamados a
funcionar.

Não obstante, Peter Hamer tem uma diferente terminologia: “primeira guerra global”. A professora
olha com mais simpatia para esta terminologia, pois é disto que se trata: a propósito de um problema
bilateral gera-se um conflito com expressão em todos os continentes. Ente conflito do século XVII,
tendo uma dimensão global, mais uma vez foi suscitada a propósito de rivalidades que na origem eram
estritamente europeias

Em 1663, após este conflito, Portugal retomou a sua política diplomática de neutralidade face aos
espaços políticos europeus, sendo que entre 1668 e 1669, o regente D. Pedro resistiu sempre às
pressões da França de Luís XIV para forjar uma aliança entre os dois reinos, que deveria ter lugar no
contexto asiático.

Contudo, a verdade é que algum tempo depois, nos inícios do século XVIII, o Portugal de D. João V
não manteve a mesma postura. A propósito da guerra de sucessão espanhola (1701-1713), Portugal
achou por bem intervir no conflito, um assunto estritamente europeu. Estava interessado em aumentar
a sua área de domínio na Bacia Amazónica, sendo que na década de 1680 os portugueses e tinham
tentado maior influência do estuário do Rio da Prata (que divide atualmente o território da argentina e
do Uruguai), fundando la a colónia de sacramento, para articular relações económicas entre o sul do
brasil e esta região do rio da prata.

Quebra decidida face às autoridades portuguesas no sentido de, com a intervenção na guerra, tentar
interesses ultramarinos

Guerras napoleónicas: todos nós sabemos que Portugal continental foi invadido três vezes pelas forças
de napoleão, causa direta para saída da família real portuguesa para o brasil, a verdade é que estas
guerras tiveram outra consequência: m consequência das guerras napoleónicas e da alegada ameaça
que os franceses estavam a fazer na India,
- 1779-1813: houve uma ocupação inglesa dos territórios portugueses na Índia, tudo isto por
conta de um pretexto que se preparava um alegado ataque francês

92
CONFRONTOS E COLABORAÇÕES COM POVOS ULTRAMARINOS

Tema potencialmente polémico: a história não é nem pode ser entendida meramente a preto e branco,
sendo que temos sempre as zonas cinzentas.
De um lado, claro que houve violência e atos barbáricos por parte dos portugueses no seu ato de
colonialização de outos povos. Contudo, também é importante termos noção que a expansão europeia
que está em curso a partir da idade moderna não vieram interromper cursos perfeitos da História, no
sentido em que em qualquer dos espaços em que chegaram havia relações de conflitualidade local.
Aquilo que se sucedeu foi que em muitíssimos casos esses atores perceberam a chegada dos europeus
como um potencial fator de desempate.
- Inferioridade numérica europeia: os agentes portugueses, por comparação com os agentes
locais, eram sempre inferiores.
- Superioridade militar europeia
- O sucesso dos portugueses e europeus deveu-se sempre ao estabelecimento de alianças com
povos locais

Analise por áreas geográficas: para percebermos que em todos esses espaços houve conquista,
atividade militar portuguesa, violência quanto não barbari, domínio forçado de populações, mas
também alianças (no sentido diplomático, mas também militares efetivas)
1. Africa
2. Estado Português da Índia
3. Brasil

1. Africa

Sambemos que existiu guerra e violência associadas aos momentos de conquista, mas também
conflitualidade e violência associada às incursões, ataques e pilhagens feitas a partir de Tânger, Ceuta
e as demais praças portuguesas no Norte de africa.
Contudo, desde o século XV e até meados do século XVI (finais do reinado de d. Manuel I,
nomeadamente a partir de 1515, a estrela portuguesa em Marrocos começou a perder fervor). Logo,
neste seculo havia uma grande divisão interna no espaço marroquino, um vimos de grande
conflitualidade. O islão é um mundo muito marcado por profundas divergências em termos políticos,
militares logo a partir do século VII.
Portanto, isto não foi fundamental para ajudar os portugueses em termos de conquista – pois não houve
nenhum momento ninguém que abrisse portas para os portugueses entrarem. Apesar de Portugal nunca
ter beneficiado em apoios nestes momentos de conquista, a verdade é que a divisão interna era tão
grande que havia partidos pro portugueses entre as forças muçulmanas, algo que se tornou
evidente a partir da paz que D. Afonso V fez com o sultão de Fez em 1461
Alguns foram forçados a submeter-se, mas também alguns eram aliados, sendo que tinham
buscado apoio e proteção militar dos portugueses. Estes mouros de pazes, a generalidade dos mesmos
reconhecia a supremacia política portuguesa, pagavam tributos à mesma e etc.

1515: tentativa de instalar um núcleo, na qual morreram 5000 portugueses

93
Tomemos como exemplo o caso de Yahya ben Ta'fut (Bentafufa), um muçulmano, mouro de paz, e
também um dos aliados de Portugal no Norte de África. De tal forma era importante para os
portugueses, mais especificamente no reinado de Manuel I, que foi nomeado alcaide-mor dos mouros
de Pazes, o interlocutor privilegiado dos portugueses. Do lado muçulmano, olhavam para Bentafufa
como um agente de ligação, e, portanto, se eram um agente de ligação não representava os interesses
muçulmanos, nunca reconhecendo a confiança plena de dois destes mundos
- Assim sendo, segundo a professora, é observável nestas situações uma eficácia portuguesa:
mesmo no caso do Norte de africa, as alianças foram mais importantes até por ações de
conquista

No que toca a outros aspetos relacionados com o mundo africano, é de destacar que a ação portuguesa
além-mar não foi sempre e somente perspetivada em termos de conquista e agressividade militar.
Obviamente que tinha sempre esta componente, mas a par dela também se perspetivavam outras
alianças – portugueses nunca negligenciam a aliança e negociação com outras populações locais.
- A título de exemplo, as alianças patrocinadas na época de D. João II: a do Congo foi só a mais
visível e a que teve mais consequências para o futuro, mas a região do Senegal (jalofos) D.
João II também fez aliança com líderes tribais, que visava converter destes aliados ao
cristianismo, mas do outro lado o interesse era captar o apoio português para as conflitualidades
militares locais.

Dicotomia clara: houve expressões de domínio, imperialismo e de violência clara (Barbari da parte
portuguesa), mas também tivemos o estabelecimento de alianças com vários povos locais, que
acabaram por auxiliar o estabelecimento do domínio português em certas regiões.

2. O mundo asiático

Recurso à extrema violência, barbari, também se aplica aqui.

O primeiro aspeto que temos de sinalizar tem a ver com as primeiras manifestações de imperialismo
português nos espaços asiáticos, que resultaram da necessidade portuguesa de tentar dominar o espaço
in loco da região. Um dos objetivos de D. Manuel era aceder a um espaço produtor de especiarias, e
tendo ficado logo dificuldades de relacionamento com Calicute no decurso da viagem de vasco da
gama, ficou lado para o lado português que a acompanhamento do tráfego de especiarias dependia
sempre também do afrontamento militar de Calicute.

Também é importante sublinhar no caso do imperialismo português, que implicou recurso à atividade
bélica naval, foi dispensado o recurso a alianças. Em terra, os portugueses não estavam no seu “habitat
natural”, ou seja, mesmo que estivessem em minoria relativa, eventualmente, em boa parte dos casos,
em combate naval os portugueses conseguiam sair vitoriosos.
- A título de exemplo, a primeira derrota naval significativa sofrida pelos portugueses no
espaço asiático foi às mãos dos chineses, em 1522, que derrotaram eficazmente a armada
portuguesa

94
No entanto, no Índico Ocidental esse não era o cenário porque não estavam envolvidas apenas 2 ou 3
naus em combate, mas também por outros aspetos:
- Superioridade da construção naval portuguesa: navios robustos, ao contrário das
embarcações de costa indiana, mais pequenas e frágeis.
- Superioridade tática portuguesa: no Índico não eram frequentes os combates navais e, por
outro lado, os portugueses recorriam sistematicamente à artilharia. Uma das táticas era a tática
da coluna (navios portugueses colocavam-se em coluna, e um de cada vez ia abrindo fogo sobre
os navios índicos, verdadeiramente essencial par os triunfos portugueses no mar arábico)
- Superioridade do armamento português, ao nível da artilharia, mas também a nível das
armas de defesa pessoal (maior parte dos portugueses combatia com armadura, ao contrário da
maior parte dos asiáticos). Inclusive, na primeira década do seculo XVI foram pouquíssimas
as baixas portuguesas no indico ocidental

Em 1502 temos também duas inovações importantes:

Elas tornaram-se mais sistemáticas, reiteradas, a partir dos anos de 1502 e 1503, essencialmente em
duas regiões. Estamos a falar, por um lado, a zona da qual partiram as embarcações muçulmanas
carregadas de especiarias, em direção a mar vermelho, de forma a alcançar a região de Alexandria. Os
portugueses também decorriam à tática verde. Dispersavam-se, mas estavam à vista uns dos outros, e
por isso é fácil que os navios inimigos caíssem na “rede naval” portuguesa
- Costa indiana do Malabar
- Boca do mar vermelho, junto ao Estreito de Meca
Foi a partir do ano de 1502 que, por ordens diretas de D. Manuel – aplicadas in loco por Vasco da
Gama – que começou o patrulhamento regular da costa de Malabar, enquanto que o de Meca começou
em 1503, tendo sido António de Saldanha o responsável

Instituição do chamado Sistema de Cartazes (autoridades portuguesas emitiam um documento escrito


que funcionava como uma espécie de um salvo conduto, exibido as embarcações navais portuguesas
aos navios asiáticos, para serem inspecionados – se eram navios de potencias aliadas dos portugueses,
e se a bordo não levavam mercadorias proibidas pelos portugueses)

O recurso à violência extrema: Foi também em 1502 que se deu a estadia de Vasco da Gama na Índia
e mar Arábico, uma outra questão exatamente associada à problemática da guerra naval. Em setembro
desse mesmo ano, assim que chegou à costa do Malabar, em vez de se dirigir a um dos portos
portugueses (Cochim ou Cananor), deslocou-se para o extremo Norte da costa do Malabar (monte Eli,
que está muito próximo do mar, acidente geográfico que é considerado a fronteira norte da Costa do
Malabar), para aguardar embarcações muçulmanas que previsivelmente estariam de regresso da zona
do mar vermelho
Acaba por lhe aparecer um navio indiano (Mîrî), especificamente propriedade do samorim de Calicute,
e aquilo que Vasco da Gama ordena é a perseguição daquela embarcação – sendo que havia combates
que podiam durar dias – sendo no dia 3 de outubro que a nau miri foi controlada e destruída pelos
portugueses.

95
Nós, enquanto historiadores, temos a sorte de ter um relato pormenorizado escrito por uma testemunha
ocular deste ataque, um escrivão português (Tomé Lopes) que ia a bordo de outra nau. Aquilo que
aconteceu é que esta miri trazia a bordo algumas centenas de pessoas (homens, mulheres e crianças,
sobretudo muçulmanos, de regresso da peregrinação a meca). Quando se iniciou a perseguição, a partir
da Mîrî houve tentativas de negociação com os portugueses, havendo inclusive a possibilidade de
pagar um elevadíssimo resgate a Vasco da Gama. Tomé Lopes, acerca deste resgate, disse que o
mesmo seria suficiente ara libertar do cativeiro todos os portugueses que estavam prisioneiros no Norte
de Africa, e ainda restariam “grandes riquezas ao rei nosso senhor”

Porém, Vasco da Gama recusou. A 3 de outubro, vasco da Gama tendo apostado no combate e total
destruição da nau, Tomé Lopes escreveu “uma data da qual me recordarei todos os dias da minha
vida”, pois assistiu a um massacre de pessoas, descrevendo os seus gritos. “E foi assim, após tantos
combates que com muita crueldade e sem nenhuma piedade o almirante fez queimar esta nau com toda
a gente que aí se encontrava”

Mas se no mar os portugueses eram autónomos, em terra precisavam de parcerias. A afirmação do


Estado Português da Índia só foi possível graças a estas parcerias, pois os portugueses nunca foram
muito bem vistos, pela concorrência comercial e as diferenças religiosas. Em cada região que
encontraram, os portugueses efetivamente verificaram que parte da população se encontrava
descontente com a hegemonia local, sendo exemplo disso o que aconteceu na costa oriental africana,
como no sultanato de Quiloa, encontrando-se o sultanato de Melinde descontente. Ora, na viagem
inaugural de Vasco da Gama, a armada não foi bem recebida em Quiloa, mas contrariamente, foram
bem recebidos em Melinde.

Vijayanagar - Bisnaga – Narsinga: império hindu com o qual os portugueses estabeleceram uma
parceria diplomática, comercial e política. Mas a aliança a enfatizar é com Cochim, que envolvia
alianças maiores (no que toca aos partidos que estavam em combate).

No caso do conflito entre Calecut e Portugal, também foram criadas alianças com comunidades nativas
que permitiram uma regulação das questões do Malabar. É neste contexto podemos identificar os
blocos de alianças que se estabeleceram no Malabar. Os dois campos eram rivais não só do ponto de
vista comercial, como do ponto de vista militar (guerra naval, mas nos combates em terra para os
portugueses já era importante contar com o apoio de aliados)

– Primeiro bloco: Portugal, Cochim e Cananor, Mouros da Terra*, Genoveses e florentinos


Os portuguese enfrentaram em dificuldades, mas em última análise não tiveram de sair da região, pois
as rivalidades locais foram um pretexto para consolidar a posição dos portugueses na região, através
do estabelecimento de alianças.
Por exemplo, no litoral chines, os portugueses não conseguiram explorar rivalidades locais
Portanto, a exploração das rivalidades: as divisões já existiram, os portugueses apenas se aproveitaram
delas para tentar reinar na região, e capitalizar a sua presença na mesma.
*Os mouros da terra são parceiros muçulmanos, comunidades que residem na costa do
malabar e que se dedicavam sobretudo ao comércio de âmbito local.

96
– Segundo bloco: Calicute, Mouros de Meca*, Veneza
*Mouros de Meca: Grandes mercadores, muçulmanos, originários do próximo médio oriente,
que dominavam os grandes tráficos comerciais entre o mundo asiático – nomeadamente índia
– e o mar vermelho e golfo Pérsico. Estes tinham tudo a perder com a chegada dos portugueses.

Neste contexto de guerra, os anos de 1503/04 foram chave: mercê de vários combates que ocorreram
no mar, mas também ocorreram em terra, que os portugueses conseguiram segurar a sua posição, e
derrota Calicute (não é no sentido de aniquilar, mas sim chega a conclusão de que nem com as suas
parcerias locais vai conseguir expulsar os portugueses)
Apesar da dimensão do império mameluco, em 1509 esta armada enviada pelos mamelucos foi
derrotada pelos portugueses, ficando claro que os portugueses já não são desalojáveis nem sequer com
a intervenção de uma grande potencia externa.

Sem estas vitórias nestes primeiros anos, não poderia emergir e desenvolver-se o chamado estado
português da Índia. Para os portugueses foi sempre vital o recurso a tropas locais, homens de armas
indianos, fundamentais em diversos momentos da construção militar do estado português da Índia.

Conquista de Goa em 1510: Em 1510, Goa foi alvo de duas conquistas portuguesas. Uma que foi
bem-sucedida, mas que levou a uma contraofensiva. Os portugueses deixaram passar as chuvas,
estando encurralados, e depois saíram de Goa, voltaram ao Malabar e preparam a segunda tentativa de
conquista, dia 24 de novembro, que foi definitiva até 1561. Goa foi conquistada, sendo importante no
ponto de vista geoestratégico e comercial (chegavam os cavalos da Pérsia), uma zona costeira de
grande importância, mas que desde 1490 estava sob controle do sultanato, um poder indiano de base
muçulmana, de Bijapur.

Temos de falar de Timoja, um corsário indiano de fé hindu, que aconselhou Afonso de Albuquerque a
conquistar Goa. Esta comunidade teria de gozar de liberdade religiosa e impostos mais baixos, pagando
a conivência dos hindus de Goa. Dada a sua importância, Afonso de Albuquerque tentou investi
novamente, no dia de Santa Catarina, padroeira da cidade de Goa.
Numa primeira fase, parcerias locais. Afonso de Albuquerque apaga, por antecipação, a conivência
dos hindus de goa. Bijapus conseguiu reconquistar goa, mas AA estava determinado à reconquista da
cidade, e portanto regressa para numa nova investida logo em novembro. Quais foram as forças que
conquistaram goa para a coroa manuelina em 24 de novembro de 1510? 2 mil portugueses e 6 mil
indianos que respondiam perante Timoja – uma negociação, sem dúvida, essencial para assegurarem
a conquista da cidade. Se algo não corresse bem, estavam 15000 homens prontos para combate,
percebendo assim a importância das alianças nesta época.
Fé leva à fúria: portuguesa, e mais específica a Afonso de Albuquerque. “Aos lavradores da terra
mandei que não matassem”. A fúria também não esteve apenas do lado português, mas também do
lado hindu.

Conquista de Malaca em 1511: D. Manuel I já tinha dado instruções para que os portugueses a
conquistassem, algo materializado por Afonso de Albuquerque. nesta armada seguiam 800
portugueses, mas também 200 homens do Malabar. A cidade de malaca era cosmopolita, tendo várias
comunidades estrangeiras, entre elas a comunidade dos mercadores chineses, e dos mercadores quelins

97
(Coromandel) outras comunidades de mercadores, mas, neste caso, indianos originários da costa do
Coromandel, costa oriental indiana. Face as dificuldades que os portugueses encontraram, a
comunidade chinesa e a comunidade dos quelins, que já viviam em malaca e aceites localmente,
preferiram apoiar a conquista da cidade por parte de um novo poder, distinto do poder muçulmano que
controlava a sociedade.
- Nina Chatu, grande parceiro de Afonso de Albuquerque em Malaca

Na perspetiva de Manuel primeiro e de aa havia a perspetiva de reconquistar Jerusalém para mãos


cristãs. Aquilo que é absolutamente claro a partir das cartas de aa é que se pensou numa via de ataque
a partir do mar vermelho, mas antes de chegar a Jerusalém vai parar a Meca.

“Vemos, assim, que o reforço da rede de fortalezas e de territórios sujeitos ao Estado da Índia na área
do Índico Ocidental resultou sempre de acções militares bem‐sucedidas.”89

3. O caso do Brasil

O espaço brasileiro foi outro no qual os portugueses se instalaram, mondando-o geopoliticamente, e,


portanto, aquela visão idílica – quase como uma descoberta de um verdadeiro paraíso terrestre – que
Pero Vaz de Caminha transmite a D. Manuel em 1500 não perdurou para todo o sempre
Mais uma vez é observável uma dicotomia de confrontos e colaborações neste território, sendo que
é de realçar o período e 34 a 49, que viria a suscitar relativas movimentações neste meio.

Foi um relativo fracasso que levou à institucionalização do governo geral do Brasil. Mas há que
sublinhar que vários dos beneficiários das capitanias não apostaram na dinamização dos territórios a
eles atribuídos. Assim sendo, são observáveis sucessos desiguais, sendo que há casos de capitanias
que se desenvolveram e prosperaram suficientemente e outras em que os problemas foram gritantes,
não obstante a presença e intervenção dos respetivos donatários.

Feita esta constatação, qual foi o grande fator de distinção entre estas capitanias? A questão
fundamental foi o relacionamento com as comunidades ameríndias instaladas nos territórios dessas
mesmas capitanias.
- As capitanias que mais prosperaram a partir de 34 e até à instituição do Governo geral do Brasil
– resposta que vem da coroa, de uma terceira etapa, na administração do território. O que foi
verificado foi que as capitanias que mais prosperaram foi naquelas em que foi possível alcançar
um bom nível de entendimento com as comunidades ameríndias que lá residiam. (falta o
primeiro caso). Outro caso em que aconteceu foi no caso a capitania de Pernambuco (São
Vicente está a sul do rio de Janeiro)
- Nos casos opostos, em que o esforço de colonização e aproveitamento do espaço quase que
“naufragou”, em função da animosidade e confrontação com as comunidades ameríndias
locais – porque, depois, a situação foi revertida. A título de exemplo, tal acontece nas
Capitanias da Baía ou na capitania do Espírito Santo.

89
Oliveira e Costa, 2014, p. 151

98
Importância do ano de 1549 a dois níveis:
- Transferência do estabelecimento da Companhia de Jesus no Brasil, que se tornou uma aliada
não só religiosa, mas também político-militar do governo geral do Brasil, concorrendo para
isso com base na conversão de comunidades ameríndias ao cristianismo. Uma consequência
imediata é que os ameríndios convertidos se tornavam, automaticamente, aliados políticos e
militares da coroa portuguesa
- Estabelecimento de um governo geral com preocupações a nível político, militar, económico,
etc.

Duas dimensões de aliança:


- Índios aldeados: aliança bem mais próxima e forte. Estavam fixados e residiam em aldeias,
nos quais os padres da Companhia de Jesus tinham extrema importância – quase como líderes
das mesmas – e nestas aldeias, habitadas por ameríndios, estavam estabelecidas no interior do
perímetro controlado pelos portugueses. Estavam dentro do perímetro do “Brasil que já
existia”90. Em adição a tal, eram os índios aldeados que constituíam o grosso humano da hoste
quando os portugueses partiam

- Índios aliados: também havia aliança. Não viviam em território formalmente controlado pelos
portugueses, encontrando-se na zona de fronteira, e a “muralha do sertão”91. Uma muralha
humana, composta por aliados, que protegia o Brasil português, espaço já controlado
eficazmente pelos portugueses, às ameaças do sertão (interior, o grande espaço que está para
além da costa).

Portanto, estas realidades ajudam-nos a compreender que também na construção do território brasileiro
esta dupla realidade se observava. A resistência de determinadas comunidades ia sendo vencida com
a ajuda de outras comunidades ameríndias, aliadas políticas e militares dos portugueses, e que também
se haviam convertido ao cristianismo.
- 1559: Governador Mem de Sá levou a cabo uma campanha no Sertão da Baía que era composta
por uma força de 300 portugueses e de 4000 índios
- Expulsão dos franceses da Baía da Guanabara: houve um enfrentamento entre os portugueses
que se consideravam os legítimos detentores do espaço brasileiro face aos franceses,
considerados invasores. Em cada um dos lados da barricada estavam apoios ameríndios. Do
lado francês estavam os Tamoios (dessa mesma região), sendo que os portugueses em 1560
liderados por Mem de Sá, e com o apoio de jesuítas, tinham do seu lado Temiminós (Espírito
Santo) Tupiniquins (S. Vicente) e Maracajás (inimigos diretos dos Tamoios – várias tribos
guerreavam entre si). Foi com recurso a esta diversa aliança étnica que os portugueses
conseguiram levar de vencida os franceses e os respetivos aliados tamoios. Face à vitoria deste
bloco, procedeu-se à concessão de terras em regime de sesmarias, e os parceiros índios também
as receberam.
- 1590: expedição na zona do Rio Grande do Norte, visando o alargamento do espaço do domínio
português, com 178 ibéricos e mais de 800 índios.

90
Expressão muito sugestiva por parte da professora, não usar
91
Mais uma expressão sugestiva

99
- 1603: Siará, expedição que começou com 65 luso-castelhanos e 200 aliados ameríndios, mas,
no decurso dessa expedição, a hoste portuguesa foi reforçada com novos índios.

Estes aliados eram fundamentais não só porque aumentavam o número da hoste, mas também porque
conheciam muito melhor o terreno, as respetivas técnicas de combate, assim como quem estava “do
outro lado da barricada”.

Estes avanços nos territórios eram sempre feitos com recuso à violência perante outras comunidades
ameríndias, até à estabilização das fronteiras – sempre esta dinâmica do confronto, violência, guerra,
mas também colaboração com comunidades ameríndias.
O Tratado de Madrid, 1750 é um bom exemplo disto: implicava a cedência espanhola em territórios
que, hoje em dia, pertencem ao Uruguai, e aí houve resistência por parte dos índios guaranis à entrada
do domínio português. Ou seja, no século XVIII, ainda havia estes confrontos.

100
MIGRAÇÕES, RACISMOS E MISCIGENAÇÕES

1. As migrações

Temos, de facto, uma situação de base, da qual é preciso salientar três grandes aspetos:
- Relacionada com a demografia portuguesa dos finais da Idade Média e inícios da época
moderna. Aquilo que sabemos é que, em termos demográficos, continuamos a ser um pequeno
país, sendo que há cidades no mundo que têm uma população igual ou superior a Portugal.
- A partir de 1415 em diante este país entrou em processo de expansão.
- Por outro lado, temos de ter em atenção a outra questão: reduzida participação feminina nestas
saídas do reino. Houve saída de mulheres, mas o grosso teve a ver com a saída de homens.

O primeiro “recenseamento” feito em Portugal foi levado a cabo entre 1527 e 1532 (Numeramento de
1527). Foi feita a contabilização do número de fogos existentes no reino, alcançando.se que existiam
cerca de 281 mil fogos. Fala-se de números médios de 3-4 pessoas por fogo, mas não há certezas.
Portanto, com base nas médias, aquilo que se calcula é que poderiam existir cerca de 1M e 200mil
pessoas em Portugal.
Não eramos nenhuma potência demográfica
Também era importante denotar que, muito rapidamente, chegou a haver ecos literários desta “sangria
demográfica”: se não havia muita gente no reino, por muito pouca que fosse aquela a sair, fazia
sempre “mossa”. Portanto, estes ecos literários certamente representam um exagero, mas não deixa
de ser interessante que referir que este exagero é resultado desta precessão.
- Sá de Miranda, em pleno reinado de D. João III, “Ao cheiro desta canela, o reino se despovoa”
- Manuel de Severim de Faria, a meados do século XVII: “A primeira causa da falta de gente
que se padece neste reino são as nossas conquistas.”
Cerca de 10% da população no reino de Portugal eram humanos escravizados.

A emigração tinha duas vertentes:


- Emigração voluntária, decidida individualmente: por casa uma das pessoas, algo aplicável
a todos os grupos sociais (bloqueio social e económico da nobreza, dificuldades de sustento,
etc.)
- Emigração organizada: relacionada com movimentos de colonização organizadas pelas
autoridades portuguesas, quer as autoridades centrais, quer pelo Estado Português da India ou
o Governo Geral do Brasil. Na década de 1670 encontramos o estímulo do envio de casais para
atual território moçambicano, mas também gente dos açores para a região brasileira do Pará.

Quanto a números, é tudo muito difícil. A ásia, espaço mais atraente no século XVI, calcula-se que
por volta de 1540 estivesse nos domínios asiáticos cerca de 7mil portugueses, e por volta de 1570 o
número mais que tivesse duplicado (16mil). Estes números são referentes aos portugueses de gema,
os reinóis, gente que tinha nascido no reino. Outra coisa são os luso-descendentes
Em 1511 já estavam a nascer luso-descentes na Índia – fruto da política de casamentos mistos
“abençoada” por Afonso de Albuquerque.

101
Entre 1500 e 1580, tivessem saído de português para o Brasil ao todo de 280 mil pessoas. Depois,
grosso modo, entre 1580 e 1640 (período da união ibérica) tivessem saído 300 mil pessoas.
Brasil na época de 1570, calcula-se que houvesse 57 mil habitantes nesse Brasil português (e não o
ameríndio não controlado a partir de Salvador da Baía): 25 mil portugueses – reinóis e luso-descentes
–, 10 mil índios, 14 mil africanos. Foi nesta década que começou a disparar a transferência de humanos
escravizados de África rumo ao Brasil.

Apesar de tudo, a partir do seculo XVII, foi o Brasil que começou a destacar-se claramente. Isto
aconteceu de tal forma que, a partir dos finais do século XVII e sobretudo a parti dos inicos do século
XVIII começaram a ser criados no reino de Portugal mecanismos restritivos face à saída rumo ao
brasil. Estas medidas arrancaram logo em 1697 – sendo que foi exatamente nesta década que se
começou a descobrir ouro em quantidades significativas na região brasileira de Minas gerais
Estas medidas foram repetidas em 1709, 1711 e também em 1720, mas este ano já com uma
especificidade: foi estabelecido e tornado obrigatório o uso de passaporte. Assim sendo, a partir desta
promulgação, só portugueses com passaporte podiam sair dos portos nacionais em direção ao Brasil

Receio das autoridades metropolitanas (Conselho Ultramarino) portuguesas face às ameaças que o
brasil enquanto foco de atração representava para a Portugal: “Por este modo se despovoará o reino”
– claro receio do despovoamento do reino!

A verdade é que o Brasil, nos finais da década de 1770, contava com uma população à volta de 2M de
pessoas, sendo que este número foi sempre em crescendo, mesmo após a independência.

Importante reter que a demografia foi uma das condições para independência do Brasil. Não só
tinha grandeza territorial, características e condições económicas mais que suficientes para aguentar a
independência, ganhou condições políticas, como condições demográficas.

2. Racismo e Miscigenações

Emigração feminina ter sido amplamente minoritária face à masculina. No entanto, ela existiu.
João III criou um sistema, as Orfãs d’El Rey. Neste sistema, em meados do século XVI, órfãs de
estratos sociais menos favorecidos que não tinham dote para atrair um marido socialmente mais
destacado, eram apadrinhadas pelos reis de Portugal que passavam a dar um dote às mesmas: cargos
na estrutura do império, mais especificamente no Estado Português da Índia.
Ora o casamento efetivo, estas mulheres vindas do reino eram altamente disputadas, visando aquilo
que era a reprodução biológica, mas também por conta dos seus dotes.
Isto está também relacionado com o preconceito com a cor da pele, mas também com o preconceito
social. A desigualdade e discriminação perpassava toda a sociedade portuguesa, uma sociedade de
ordens altamente hierarquizada, que tinha “tabus” de relacionamento local.

Testamento de Martim Afonso de Sousa, 1560: “e não ficando filhos machos nem fêmeas, nascidos
de legitimo matrimonio dos ditos nossos filhos (...) ou outros descentes legítimos, a que a sucessão
deste nosso morgado deva ele pertencer, então herde o aja Tristão de Sousa meu filho bastardo e seus
filhos varões ou fêmeas de legitimo matrimónios, com tal condição que não case na Índia ainda que

102
seja com mulher deste reino, porque, em tal caso, o havemos por incapaz e indigno da sucessão da
nossa casa e deste morgado.”92
- Isto dá-nos, claramente, a noção das diferenças sociais na perspetiva de alguém pertencente à
alta nobreza, a nobreza de primeira grandeza.
- Havia a clara noção de que as mulheres que saiam do reino saíam para sempre, pois no reino
não ocupavam posições sociais de destaque.

Fenómenos migratórios pesaram sempre na balança demográfica portuguesa, tendo em conta a falta
de potência demográfica do reino de Portugal. Ainda assim houve alturas particularmente importantes
do ponto de vista político, nas quais não houve intervenção por parte da coroa para evitar saídas do
reino, apesar de mais tarde esse panorama vir a mudar-se.
Esta migração era essencialmente masculina, com muitas poucas saídas femininas
Essas saídas femininas que ocorreram, algumas vezes decorreram sob a tutela da coroa portuguesa
(por exemplo, o caso das Orfãs d’El Rey). Estas saídas do reino por parte das mulheres eram sempre
um último

A raridade do elemento feminino português no contexto da expansão está na base de um dos processos
que também marcou a expansão, os processos de miscigenação ou mestiçagem. Neste caso, é
necessário ter em conta que ocorreram de duas formas:
- De forma livre e espontânea
- Sob o patrocínio das autoridades portuguesas, que também desenvolveram estímulos e
concederam apoios nesse sentido.
Os arquipélagos atlânticos africanos (Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe) são os primeiros casos onde
ocorre essa miscigenação. Presença muito maior de população de origem africana
D. João II, para estimular o povoamento de S. Tomé, chegou a enviar crianças judias retiradas aos seus
pais, sendo posteriormente enviadas crianças ao território, as mesmas tinham melhores condições de
se aclimatarem, uma logica do rei e dos seus conselheiros que não funcionou (sendo que a maior parte
delas acabou por morrer). Portanto, surge a ideia de conceder uma escrava a um degredado
(condenado), que muitas vezes foram transferidos a territórios ultramarinos. para que dessa relação
pudessem nascer filhos e as gerações contribuíssem para o povoamento da ilha.

“Assim, a mestiçagem não representa uma política deliberada da Coroa de Portugal, nem sequer
uma abertura especial da cultura lusa ao «outro», mas mostra‐nos, sem dúvida, uma grande
capacidade de adaptação. A mestiçagem foi, pois, a solução encontrada pelos portugueses espalhados
pelo Mundo para consolidarem a sua posição, além de ter sido para muitos a única hipótese de
constituir família e ter descendência legítima.”93

“As referências a Portugal, ao rei e à religião eram os elementos agregadores de todos os súbditos da
Coroa, mas o crescimento do império deveu‐se, em grande medida, à sua face mestiça.”94

92
Citado pela professora em aula
93
Oliveira e Costa, 2014, p. 159
94
Oliveira e Costa, 2014, p. 159

103
Falando em políticas de miscigenação estimuladas pelos poderes portugueses, temos também que
considerar as legitimações de bastardos nascidos de uniões não matrimoniais entre portugueses e
mulheres “locais”. Esforço feito junto ao clero para tornar a união oficial
Foi neste sentido que decorreu uma prática no contexto da formação do Estado Português da Índia sob
a égide de Afonso de Albuquerque. O governador começa a fomentar aquilo que começa a ser
designada como uma política de casamentos mistos.

Estas sociedades mestiças formaram-se não por mérito, mas por mera estratégia de
sobrevivência: demografia do reino, concebida no seu conjunto, não era forte; o elemento feminino
português pouco saía do reino. Portanto, a fixação de portugueses além-mar teve de se fazer com base
a este recurso, por isso é que muita vez é que se encontra apadrinhado pelos poderes portugueses
- Em 1510, uma carta de Afonso de Albuquerque nos revela que esta situação foi uma opção
estratégica e a solução possível, e não a que seria a perfeita do ponto de vista das autoridades
portuguesas
“Aqui se tomaram algumas mouras, mulheres alvas [mulher clara, branca] e de bom parecer”
Fala das mulheres do Malabar mais dadas à “devassidão”, do que as muçulmanas “mais
púdicas”.
- Tomé Pires, também refeindo-se ao Malabar, diz que era hábito “os homens estarem com os
olhos no teto” (relação sexual em que a mulher esta em cima e o homem em baixo, algo que
não era normal no contexto português) afirmando ainda que alguns portugueses tinham
experimentado e estavam a gostar.

Logo, a partir destas fontes documentais, é possível compreender que o preconceito está lá desde a
base. Apesar de estes casamentos terem envolvido pessoas de origens étnicas e geográficas diferentes,
a verdade é que a promoção destes casamentos por parte de uma autoridade política, o
governador que o fez com a autorização da Coroa, não estava isenta de preconceito, sobretudo
de natureza racial. Estava de facto a apostar-se na formação de sociedades miscigenadas, mas esta foi
só uma solução de recurso, face à fraqueza genérica de demografia portuguesa e face à exiguidade do
elemento feminino no contexto da Expansão. Portanto, subjacente aos casamentos mistos estava uma
atitude utilitária, pragmática e não isenta de preconceito.

Contudo, é também importante denotar que “os mestiços do Império Português foram sempre um
corpo que defendia, genericamente, os interesses do império e nunca foi encarado com desconfiança
pelos oficiais da Coroa.”95

Os homens que se uniam com estas mulheres – no sentido de relações matrimoniais – eram de calibre
social mais baixo, que integrava as hostes e a estrutura portuguesa. Um fidalgo tinha sempre a
expectativa de regresso, que a comissão do serviço servisse para ganhar honra, e voltar ao reino com
uma posição mais consolidada (enquanto um homem de calibre mais baixo não teria, geralmente, essa
expectativa). Estes homens foram também seduzidos do ponto de vista material

95
Oliveira e Costa, 2014, p. 160

104
Também surgem travões à mestiçagem: logo na época de Albuquerque houve quem contestasse o
sistema, mas é somente mais tarde, nomeadamente no século XVII, que surge verdadeiramente uma
política de travão a estas medidas
- 1620: determinação diretamente emanada da coroa portuguesa que determinava que as
mulheres que em Portugal fossem condenadas ao degredo deixassem de ser enviadas para cabo
verde e são Tomé, sendo enviadas para o Brasil, para que “se extinguissem, quando for
possível, as castas de mulatos”
- Prazos do vale do Zambeze (atual território moçambicano): a partir dos finais do século XVI,
mas sobretudo com maior força ao longo do século XVII, passaram a ser construídos
latifúndios e subordinados à Coroa portuguesa. Contudo, estes prazos eram geralmente
patrilineares, sendo a sua transmissão feita por via masculina por um prazo de tempo
delimitado (duração de 3 vidas). Mas neste território específico, o Vale do Zambeze, a
transmissão dos prazos passou a ser feita por via matrilinear, inclusive algumas Orfãs d’El
Rey foram também agraciadas com prazos. Na década de 1660 foram enviados casais para o
vale do rio Zambeze, porque se ia tentar colonizar o espaço.

A existência deste preconceito, demonstra-nos dualidades contraditórias: na mesma sociedade


portuguesa que escravizava estabeleciam-se alianças com reis negros, encontrando-se também aberta
à mestiçagem, era mesma que a criticava e tentava revertê-la. Assim sendo, tanto se trabalhou em
prol da mestiçagem como se notou uma discriminação social e étnica.

Francisco Bettencourt afirma que, no caso da expansão portuguesa, o racismo claro que existiu e se
manifestou, mas manifesta-se ao nível da discriminação e não da segregação – no racismo da
segregação há um monopólio de recursos, sendo que as populações não têm qualquer tipo de acesso a
recursos.

No contexto da East India Company, em 1793, foi proibido o acesso a quaisquer cargos por pessoas
mestiçadas. Já no contexto do império português era possível ver frutos da miscigenação com acesso
a alguns lugares e cargos (não aos do topo, claramente). Inclusive, podíamos até encontrar população
de pele absolutamente escura, humanos escravizados alforriados a exercerem também eles cargos. Aí,
tanto mulatos como “negros livres”96, podiam ter acesso a partir de 1528 em cabo verde e 1546 em S.
Tomé e Príncipe assento em negócios de comércio local. Contudo, nunca há mérito, mas sim estratégia,
uma adaptação às condições e realidades

Nestas regiões, foi permitido aos mulatos e negros livres passarem a ter assento nos órgãos e acentos
municipais, na primeira metade do século XVI. É neste sentido que podemos dizer que nos espaços
ultramarinos portugueses havia discriminação e racismo, uma vez que os escravos tinham direitos
muitíssimo limitados, pois tinham sido batizados, mas juridicamente não podiam contar com a
proteção de ordens religiosas ou com a organização em confrarias religiosas.
No contexto da escravatura desenvolvida e praticada no império português, com as populações de
origem africana como grandes alvos, essa população escrava, apesar de tudo, tinha poucos, mas

96
Expressão muito sugestiva por parte da professora, NÃO USAR POR FAVOR

105
alguns direitos97: direito de se organizar em confrarias religiosas; direito de apresentar petições ao rei
de Portugal, nomeadamente se os respetivos proprietários estão a tratá-los mal.

No fundo, o racismo existia, marcou a expansão e o império português, tal como existiu a prática de
miscigenações, o que não significa que os portugueses sempre se abriram ao contacto com o outro
“Finalmente, deve‐se reconhecer que, apesar de não ter resultado de uma «vocação inata» dos
Portugueses, a mestiçagem se tornou numa parte da identidade lusíada com o passar do tempo”98

97
É necessário ter em conta que isto não serve para desculpar o que aconteceu, é apenas uma constatação de factos
98
Oliveira e Costa, 2014, p. 160

106
AS SOCIEDADES COLONIAIS
O que define uma sociedade colonial? Quais são as suas semelhanças e particularismos?

As sociedades coloniais, independentemente do método, nascem sempre por iniciativa europeia,


desenvolvendo-se no espaço extraeuropeu, acrescentando especificidade, pois estão sujeitas a
caraterísticas naturais diferentes das sociedades europeias, condicionando o desenvolvimento destas
sociedades. Estamos a falar de um fenómeno de cosmopolitismo que se cinge pela presença de várias
pessoas de vários tipos humanos e nacionalidades. Assim sendo, ao longo dos séculos XVI e XVII era
comum encontrar vários europeus que iam visitando os espaços de influência portuguesa

Primeiramente no que toca à caracterização destas sociedades, é de denotar que na expansão falamos
de povos, pessoas, mas também companhias, como na expansão neerlandesa, inglesa e francesa. Isto
contrasta com o modo de intervenção português e espanhol, no qual o estado se converte quase numa
empresa comercial, intervindo diretamente, ao contrário do Norte onde o estado se limita a conceder
poderes, dignos de um estado, como fazer guerra e paz, criar ligações comerciais. Não significa que
não houvesse interesses religiosos de expandir o cristianismo. A diferença é que para a coroa
portuguesa e espanhola o catolicismo era usado como bandeira nacional para se implantar. Aqui, até a
iniciativa privada usava a bandeira religiosa, como no japão apesar do cristianismo já estar banido. Já
os nortenhos não queriam implicar a religião forçosamente inicialmente pois podia prejudicar as
relações comerciais.

Em adição a tal, havendo domínio religioso do cristianismo importa ter em consideração que o
cristianismo implantado nestas sociedades, tendo uma aparência ortodoxa, podia esconder, conter,
manifestação de fenómenos de sincretismo.
- Em Goa, ainda hoje em dia, temos dois fenómenos curiosos: os colares de flores que usam os
hindus, amarelos e laranja, aparece em Cristos. Goa ainda hoje se distingue do resto da Índia,
sobretudo ao nível da paisagem com igrejas e capelas. A população hindu venera ainda S
Francisco Xavier apesar de ser cristão, devido ao sincretismo que aconteceu, congregando
comunidades religiosas. Deve-se também ao facto do corpo se manter intacto. Oferecem ainda
hoje as coroas de flores ao corpo.
- No Brasil temos também influencias religiosas a penetrarem no cristianismo, mostrando que
os escravos que eram convertidos mantinham algumas crenças animistas. Os sincretismos
religiosos causam alterações nas religiões, não mudando drasticamente o culto. Não obstante,
o Brasil suscitou a primeira corrida ao ouro de sempre, colonial. Isto aumentou a emigração
das pessoas para o Brasil. Isto levou a mais cruzamentos entre etnias. Havia preservação
identitária portuguesa, mas isto não significava o aniquilar da cultura indígena. Hibridismo
cultural, conceito.

Devemos também ter em consideração que há regiões em que o cristianismo penetra com mais
facilidade, como S. Tomé, Brasil, em comparação com a Ásia, onde as crenças são mais estruturadas
e complexas, nas quais o cristianismo tem maior dificuldade em penetrar que nas mais simples, como
animismos, em África negra e Brasil. As religiões estruturadas, mais complexas, penetram mais fácil
e fazem raízes facilmente sobre animismos, onde há outra religião monoteísta não penetra tanto.

107
Timor é um exemplo pois está num espaço marginal. A sua riqueza natural não era significativa, não
fazendo parte das rotas comerciais muçulmanas, por isso nunca foram convertidos ao islão, tendo um
animismo, sendo por isso facilmente penetrado pelo cristianismo.
Já no caso do Norte de África, marcadamente Islão, não penetrou, não havendo adaptação cultural.
As gãocarias eram comunidades de aldeia. Estavam organizados comunitariamente, pagando
impostos, não per capita mas pela aldeia. As gãocarias vão ser mantidas, para serem cobrados os
impostos.

Se quiséssemos apenas escolher um termo definidor das sociedades coloniais seria hibridez, claro que
não equitativa. A hibridez encontrava-se em todo o lado, até mesmo em instituições locais, claro que
seria dominante, mas haveria margem de manobra para valorizar instituições locais.

Não obstante os seus particularismos, havendo claramente características transversais, o que


caracteriza uma sociedade colonial? Circunstância de implica o estabelecimento de um domínio
político-institucional, administrativo, legislativo, inicialmente militar, provindo de uma conquista.
Claramente há uma supremacia do ocupante nestes demais quadros
- Hibridismo cultural: Esta não é necessariamente uma hibridez equitativa, sendo que temos
claramente matrizes europeias, mas também locais.
Nos campos da gastronomia (a vinha d’alhos existe em goa, assim como a bebinca também é
indo-portuguesa, de Goa. São misturas da culinária portuguesa e indiana. Os portugueses do
Brasil para a Índia levam o caju, ananás, tabaco etc… fusão de dietas alimentares. Também a
arte tem hibridismo, com arte indo-portuguesa, como no mobiliário, santo.
Vivências religiosas e quotidianas, mas também em vertentes mais específicas como o
próprio vestuário
As próprias línguas crioulas (algo particularmente visível no continente africano), assim como
influencia noutros ramos do vocabulário (na medida em que a língua participa também neste
hibridismo, introduzindo e aprendendo palavras de umas línguas para as outras, criando
origens).
- Hibridismo social: miscigenações (“esta mestiçagem não se resumir a uma questão de sangue;
tinha uma grande dimensão cultural, pois integrou expressões religiosas e práticas alimentares
e gerou comunidades bilingues”99) e conflituosidade, nomeadamente em dois níveis: latente –
escravatura, racismo, discriminação; manifesta – explosão, lutas armadas desenvolvidas pelos
quilombos)
- Em cabo verde os instrumentos de trabalho são uma clara penetração.

Especificidades das sociedades coloniais no contexto do império colonial português

Madeira e Açores: A descoberta e colonização das ilhas atlânticas, pela sua localização
geoestratégica, podemos concluir que não existiam grandes diferenças climáticas e ambientais,
relativamente ao continente. Por outro lado, o processo de colonização foi feito com uma relativa
rapidez. Em termos institucionais, as diferenças relativamente ao modelo metropolitano não eram

99
Oliveira e Costa, 2014, p. 160

108
drasticamente diferentes. Portanto, por tudo isto, os Açores e Madeira tornaram-se prolongamentos
naturais do reino, não fazendo sentido falar em sociedades coloniais.

Cabo Verde e São Tomé são os dois primeiros exemplos de sociedades coloniais dignas deste
nome. Isto porque não tinham presença humana e a potencia geostratégica é percecionada pelos
portugueses. O importante era a proximidade face a África, sendo usado como base para os negócios
com o continente, quer fossem humanos escravizados ou outros produtos. Cabo Verde funcionava no
limite até a chegada dos portugueses. Quando Portugal chega usa os recursos de arvores escassos que
existem que leva a ter menos humidades, vegetação, etc., o ecossistema não era o melhor antes e ficou
pior. S Tomé tinha uma natureza exuberante por outro lado.

Temos sociedades coloniais marcadas pela tensão, confrontos explícitos ou implícitos, isto porque
temos a hierarquização, discriminação, segregação. Provoca-o a escravatura, mas que não significa
obrigatoriamente que haja confrontos.
As revoltas de escravos em S. Tomé eram mais comuns e recorrentes que em Cabo Verde, isto
porque o sucesso estava mais comprometido, pois havia oficiais para seguir os fugitivos. As sociedades
estas marcam-se pela conflituosidade mesmo entre portugueses. A primeira revolta de escravos em s
Tomé é de 1528. Nos anos 70 começamos a ter os angolares, que eram sobreviventes de navios de
escravos naufragados

- O primeiro movimento autonómico no Brasil é datado de finais do século XVIII, uma clara
manifestação de tensão política. Em 1787, dois anos antes, ocorreu a conjura dos pintos, que
também visava sacudir o poder de Goa, iniciativa essa que fracassa também. Quem está por
trás é a elite local, naturais.

Voltando aos angolares, teriam chegado a ilha e em 1570 teriam sido eles a lançar ataques contra os
portugueses. A grande revolta de escravos dá-se entre 1595-96, a denominada de revolta do Amador,
escravo que liderou a revolta em S. Tomé, aproveitando o momento em que o governador local estava
em conflito com o bispo, dividindo a sociedade.

O caso do Brasil: Ambrósio Fernandes Brandão, figura sobre a qual não sabemos a data de
nascimento (c. 1560-1630), nasceu em Portugal, e é cristão-novo (aliás chegou a ser indiciado pela
Inquisição). A sua transferência para o Brasil talvez possa estar associada a essa questão
discriminatória. Durante a estadia no Brasil, foi senhor de vários engenhos dedicados à exploração da
Cana de Açúcar. Por volta do ano de 1618, escreveu os Diálogos das Grandezas do Brasil – fonte
histórica, mas não é composta por documentos oficias; não constitui memória do autor e, portanto, não
é autobiográfico. Ao compor o seu texto, Ambrósio foi transmitindo informações relativas ao Brasil
através do enredo, com recurso a duas personagens ficcionais que, claramente, tendem a elogiar o
chegado de Portugal.

Lendo a obra ficamos com uma perspetiva completa sobre a situação do Brasil Colonial do século
XVIII, a nível político-institucional:
- O autor descreve as diferentes capitanias do Brasil; este modelo das capitanias, estabelecido em
1534, ainda perdurava no Brasil. Existem capitanias pertencentes a senhores (ex. Porto Seguro) e

109
outras pertencentes à Coroa. Em todo o Brasil denotava-se a malha política baseada no sistema de
capitanias; a Baía, apesar de pertencer a esse sistema, distinguia-se pela Baía de São Salvador
porque era a capital política do Brasil, tendo jurisdição sobre o território brasileiro, onde se
encontravam as sedes das instituições do território. Olinda, por outro lado, como capital
económica. Competição entre ambas.

O estado da Colonização; realidade geopolítica em construção do Brasil:


- Os portugueses, em termos de expansão, não estão só fixados no Brasil; dispersão de interesses
expansionistas pelo Mundo. Por outro lado, é percetível através do texto que até 1618 os
portugueses ainda estavam a avaliar o seu domínio na região da costa. Os inícios da década de
1560, com o governo de Mem de Sá, o Brasil em termos de domínio litorâneo ia desde São Vicente
do Sul a Pernambuco do Norte. Ainda no período de D. Sebastião, decorreu o avanço para outros
espaços a norte de Pernambuco, e é aqui que encontramos referências as conquistas (Paraíba, Rio
Grande no Norte, Seara, o Pará). Assim, na época de Ambrósio Fernandes Brandão, nos finais da
década de 1610, o domínio costeiro português ia desde o para até São Vicente.

Caracterização da Sociedade:
- Pessoas escravizadas, Marinheiros, Gentes de Ofícios, Mercadores, Lavradores de mantimentos,
Senhores de engenho (nobrezas da Terra).
- Identifica um grupo específico de Lavradores: aqueles que trabalhavam para obter rendimento da
terra. A população que residia no Brasil, desde as pessoas escravizadas ao governador geral, todos
precisam de comer para viver, sendo necessário haver produção suficiente de modo a cobrir toda
a população. Assim, as gentes de ofícios asseguravam o funcionamento básico e regular da
colónia.

Domínio económico:
- Algodão, Tabaco, Cana de Açúcar, Madeira. Ou seja, apesar da importância do açúcar, não se
trata de monocultura. Os engenhos, caça da Baleia (permitia a iluminação). Capitania do
Pernambuco – Olinda: açucares, criação de gado, “lavouras de mantimentos”, cultivo do
algodão e exploração do pau-brasil.
- Alviano refere que a riqueza de pedras preciosas está toda do lado espanhol, “suspirando” pelas
mesmas; a grande exploração de metais preciosos só teve início nos finais do século XVII,
sobretudo na região de Minas Gerais.
- As grandes riquezas económicas todas elas têm que ver com a produção de recursos para
exportação

Estado Português da Índia: É importante referir que não é possível falar de colonialismo português
em todos os espaços do Estado da Índia, mas Goa é um bom exemplo. A sociedade colonial de Goa
caracterizava-se pela presença do domínio político-militar luso, pela existência de casamentos mistos
e miscigenação, também pela introdução e difusão do cristianismo. Em Goa podemos encontrar marcas
culturais perenes, nomeadamente a língua portuguesa, a gastronomia e o folclore. Ainda hoje existem
vestígios na paisagem, nomeadamente na arquitetura civil, militar e religiosa.

110
“TRIBOS” PORTUGUESAS

Este império associado à expansão ultramarina portuguesa é multi oceânico e pluricontinental,


conceitos esses que não são coincidentes, mas relacionam-se.
Por vezes podemos apropriar-nos de conceitos usados na época como Estado da India.
Temos outros conceitos operatórios que não resultam do seu uso em fontes coevas do tempo, tendo
sido criados por historiadores em trono duma órbita e com carater tão explicito que se enraizou e
vulgarizou, como por exemplo Luís Filipe Tomás, a rede, para o Estado da India. É uma entidade
política dispersa, não é continuo. Cada espaço não é importante por si próprio mas sim em articulação
com os outros. Também a ideia imperial manuelina é um conceito historiográfico criado.

Império sombra: conceito de George Winius, o conceito cria-se e se é útil cola. Relaciona-se com a
noção oficiosa, com regiões não incluídas estritamente no reino português, mas com presença
portuguesa variada. É um império não oficial, onde não há dispositivo político institucional e militar
português, agindo com mais liberdade. Império implica o domínio sistemático de locais, enquanto o
português é mais marítimo comercial, em que mais tarde se introduz a territorialização
- Os portugueses, geralmente de baixo estrato social, que desertaram das fileiras oficiais, ou
então que cumpriram as suas missões e serviços, muitos deles procuraram regiões onde o
Estado Português da Índia não estava muito presente, sendo essas a zonas onde essa iniciativa
privada portuguesa tinha maior espaço de atuação. Iniciativa privada, onde se instala e
desenvolve atividades sem atender aos interesses do estado português.
A iniciativa privada preferia instalar a oriente do cabo Comorim, era mais tranquilo.
- Quem alimentava o império sombra português podia tê-lo numa atividade tão legitima quanto
possível, mas também fazê-lo em termos mais violentas

“Tribos” portuguesas: Foi destes espaços de Império sombra português que acabaram por emergir
tribos portuguesas. Ainda hoje há alguns, como os Kristang de Malaca, os Topasse(s) na ilha das
Flores. A sua principal caraterística é o catolicismo, marca religiosa, mas também uma influência
linguística que perdurou. Também os bayinguys.
Este conceito foi criado e disseminou-se através de Leonard Andaya, estando em consideração
sociedades que podemos considerar como “crioulas” formadas no âmbito do império sombra, não no
formal, com um vinco de influência portuguesa que se misturam ou contactam com pops locais, tendo
filhos, e também conversões.
Tem origem na presença portuguesa, significando um vínculo à presença portuguesa informal, vínculo
também ao catolicismo, e também a questão linguística. Eventualmente podiam-se encontrar outras
características, como na vivencia quotidiana, como no uso de roupa e objetos influenciados pelos
portugueses, como calças e chapéu.

Outra característica destas tribos portuguesas é terem-se desenvolvido essencialmente já depois da


presença informal portuguesa começar a esvaziar. Após a influencia biológica direta, a dinâmica
cultural própria foi o que garantiu a sua sobrevivência, estando muito ligadas à identidade que
construíram, reivindicando os seus traços distintivos.
- Inicialmente aplicava-se só ao mundo malásio e indonésio.

111
- Na Ásia, as regiões
- No extremo sul da Índia existe um cabo, o Comorim, que divide a costa e o indico oriental do
ocidental.
- Na costa ocidental há uma presença muito mais forte e oficial do que no lado oriental. Isto
porque a presença islâmica no indico ocidental era mais forte, mas eram onde estavam também
os interesses comerciais, no oriental estavam muito menos. Se há um maior interesse comercial
e uma rivalidade islâmica há uma maior necessidade de estabelecer fortalezas e a presença.

Quando o império sombra se começa a instalar no terreno, em Portugal temos cerca de 1.4kk pessoas.
Mesmo que se quisesse uma empresa semelhante à do Ocidente era impossível pois não haveria
recursos humanos nem materiais, não sendo exequível

As pessoas deste império sombra que dão origem às tribos portuguesas: São renegados;
levantados; chatins; aventureiros; conselheiros; mercenários; assaltantes marítimos. São portugueses
de um estrato social baixo, da plebe, que podem desenvolver atividades comerciais, ou outras. Não
impede que haja fidalgos que romperam com o estado português.

- Gonçalo vasco Coutinho era um fidalgo importante mas em 1540 pediu perdão por crimes de
sangue, mas continuou preso. Como era fidalgo tinha contactos, conseguindo organizar uma
fuga da prisão, coletiva, embarcando numa fusta indo para o golfo de bengala, onde
dificilmente encontraria portugueses. Chegando lá a forma de sobrevivência seria a pirataria,
resultada de iniciativa individual, sem o apoio do estado. Significa que se tornaram
“levantados”

- Já um “renegado” era diferente, sendo um levantado também, era posto de lado da comunidade,
renegando à Fé. Um renegado abjurou o cristianismo e assumiu outra religião, normalmente o
islão.

- Chatins: dedicados à atividade comercial, privados, usado de forma pejorativa.

- Assaltantes marítimos: a serviço de ninguém ou coroas indianas. Entre estes encontramos


nomes como: Manuel de Matos; Domingos Carvalho; Sebastião Gonçalves Tibau; Filipe de
Brito Nicote; Diogo Veloso. Ficaram par a história, constituindo os que atraíram a atenção do
Estado da Índia, mesmo Lisboa e Madrid, usando estes homens como quinta coluna para
estimular a expansão portuguesa na ásia, fazendo eles parte do império sombra, seriam usados
para aumentar o império oficial. Eram líderes que estão na origem das tribos portuguesas
(Chatigão e Arracão)
Estes homens vão entrar em ligações com potencias locais, reis, que os contratam para fazer
ataques. Os três primeiros conquistaram a ilha de Sudiva em diferentes tempos. A conquista de
Sebastião Gonçalves Tibau foi tão bem sucedida, que Lisboa e Madrid negociaram com ele
sendo mandada uma armada para a região, querendo conjugar ambas forças para fazer uma
iniciativa contra Arracão

112
Filipe Brito operava mais a sul dominou o Sirião, tendo estado ao serviço de Arracão. Chegou
a acordo com o Estado Português da Índia, tornando oficial o domínio da região
Diogo Veloso foi ativo no Camboja
Estas tribos eram muitas, podendo ser encontradas por todo o sudeste asiático
A leste do cabo Comorim houve então muitas iniciativas destas, levando as tribos.

Este panorama ajuda-nos a compreender que a expansão não tem só uma atuação oficial da grande
nobreza, mas também teve o contributo destes estratos mais baixos.

113

Você também pode gostar