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S.lwato Trwc>
Un h,'lrt dade do Porto
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gênaa das raízes que servlmrn de matriz à alma OJlturaJmerrte batiam com os hórrores da Grande Guerra, dizia hJciclamen e 80Sc
mesuça das gerações desassossegadas sa {das da c:oronizacão seus concidc1dãos, falando das Lendas e tradições br , eíras: "Só
portuguesa. uma coisa sohrenadii no cataclismo; só uma arte d fia os icono-
a rdade, oo eríamos, desde já. avançar com a conclusão Identidade clas1as, só um tesouro não teme o Sél:lue - o fundo de radlções,
de que o Modernismo português, propriamente dito, se caracte- cultural de ideal, de p~ia, que são a lma de uma raça e o documento úni
rizou por um apagamento da tradição (da traditlo). enquanto que, co de sua identidade entre os seus- companheiros de planeta. A
discursiva
no Brasil e Afnca, era da trooição que se andava â procura, desventura lheia nos aconchega uns aos outro . Aprowitemos
Porta to. o modernismo estético teve em Portugal e nas áreas desse mo ente para nos conhecermos. Durant um ~ lo esti·
de expressão portuguesa diferentes motivações, apesar ds allcer- vemos a olhar para fora. para o estrangeiro : olhemos agora 1:rnra
r-se numa base comum - a revolutlo. nós mesmos" 1
a história do povos. reunidos por circunstâncias vária; O apelo de Afonso Arinos reflete já a al'lSiedade da descob r-
m mesmo territõrio, há semp e um momento em que o es· ta em que a geração dos anos 20 v,via Reflete, pri cipalmen e,
p1mo coletivo e nação 1parece e procura afirmar•se a partir de o desejo do Brasil da se.r brasíleiro, de lutar ecldidam nte contra
cenas referéncias culturais que passam a constituir, por assim identidades o perlferismo cultural e rlosóf ico em que parecia encerrado.
maneira depensar
diZPr, o modelo básico para realçar a difere~a que ímpulsiona Este fenômeno do períierismo cultural poder-se-á concep ua-
os seus comportamentos políticos. Foi 8S91m na fundação da na- lizar como um modus \/ivencH e um mo U$ cogitandi periféricos a
cionalídade portuguesa, assim teria de ser na construção da bra- qualquer das culturas e referência que possam localizar h1storíca-
s1lldade e da africanidade. enhum povo consegue saber exata- mente um povo Quer dizer que o brasilelfo, como o africano, en-
mente para onde wi, ou eve ir. sem que desct1bra, primeiro, don- quanto nã"o assume a sua difemnça, no seio das cultur de refe-
de wm. Isto é, quais são as suas ,arzes. Não vamos entrar em ex- RAÍZES rência a que esteja I gado, será sempre culUJralmente um perifé-
plicações nietzscheanas da antropologia filosófica da célebre eo- rica. Foi isto que A onso Arinos, e com ele urn plêiade de Jovens
rla do mito do "eterno retomo", porqu disso não necessitamos cBValelros graálicos da brasilídade, en endeu. Graça Aranha, entre·
pa-a compreender os motivos po( que os povos colonizados, em tanto, erigido em mes re, no sentido etimológico do termo. da
determin o mo nto, desP.jam autodetermlner-se e conduzir uma geração de 22, parece não ter compreendido que a brasilidade
existência wltur especitrca Isso acontece, normalmente, quando jamais emergiria se se continuasse a insis r nos modelo~ estéticos
eles se dão conta das contradições em que ementa o sistema deva- e filosóficos genuinamen e europeus. De fato, a sua 'Estética da
lo res ético st, trco-políticos que lhes impõem, de maneira mais ou vida, forjada em França e trazida para o Brasíl em 1921, ltura
menos agressiva. E. sobretudo, quando concluem que esse sistema em que o escritor regressa ~ sua t rra, não era filooofl a que pudes
de v lores nõo sa 1sfez minimamente as suas necessidades ínterio- Acordar das se interpretar o Brasil e fornecer-lhe os ntosofemas aproprioclos
res, obrigando~hes a alma a verter as suas emoções em metros e identidades à assunção da brasilidade latent , porque o ideal de Graça Ara
neocolonização
ri mos totalmente exógenos. nha confessa-o ele nm seguintes palavras . "O nosso encanto estarta
Se assumirmo c!GUi o conceito de colonização numa acepção em ser uma naçào americana com esp1nwalidade latina" 2 1:.sta
mais cultural o Que propriamente política, isto é, se nos lembrar- al1rmação reveta, sem dúvida, a mentalida e culturalmente perl-
mos de que um povo pode ser culturalmente cofonizacto m que o êrica do s~u autor, fazendo do aranhlsmo uma corrente de pensa-
seja poh 1camente, em sentido estrito, compreenderemos facilm8'1· mento Incapaz de respol'lder à an!i1roade dum pa{s que t8fia
te todas as conseqüências éticas e estéticas que um acontecimento reivindicar o seu es atuto mes iço par ,1cen uar a sua unidad~
da dimensão da Primeira Guerra Mundial arrastou consigo. Para resultante da c:trversidad de elementos que concorr m pa,a e ar
nos cingirmos ~enas, de momento, aos efeitos que provocou no o Brasil pôs-quinhentista. Falar da expressão "Bastardo"
Bras,1. citemos a palavra esclarecida de Afonso Arinos que, em Os jovMs da Semana de Arte Moderna, respeítando embofa
f ver iro de 1915, er,quanto a Europa e afinal o Mundo se de- tilosof,a do seu mais velho, sabiam, todavia, que não era possív 1
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construír a b illdade BSt íca apenas sobre o elemento europeu
.
História do Brasil. Após recordar alguns dos textos mais celebríza-
que a c;olonização tr8r1$plantara para o Cruzeiro do Sul. Os outros dos pelo Movimento Modernista Brasileiro, como a Evocaçlo do
elementos, que Graça Aranha considerava primitivos, fazi m par- Recife, de Manuel Bandeira, o Acalento do wlngueiro, de Mdrio
te integrante da realidade brasilica e, por isso, não podiam, nem de Andrade, o Pau Brasfl, de Oswald de Andrade, Um homem na
deviam, ser marginalizados dum projeto destinado a conferir um muftidlo, de Ribeiro Couto, o Inverno, de Jorge de Uma, Osório
esta uto verdadeiramente nacional ao pensamento fflosóf1co e as· de Oliveira conclui: "Porque se libertaram de todo e Qualquer pre-
tético brasileiro. conceito europeu e, em especial, do preconceito intelectualista re-
A cornm1e "primitivis(a" da Semana de Ane Moderna afir- presentado por Graça Aranha, é que os modernistas puderam ne-
ma-se, tão, como a mais indicada para brasllei r o Brasil. Ela cionallzar a poesia brasileira",
inha, alíás, prerursores em Que podia ai cerçar-se, na senda do ape- "Nacionalízar a poesia brasileira" é, sem dúvida, a expressão
lo do paisagista Afonso Arinos. C-om eferto, em Catímb6, de As- sinedóquica que mais convêm para traduzir os objeti~s profun-
censo Ferreira. na Toada do negro no banzo, de Murilo Araújo. ler! dos da Semana de Arte Moderna. Essa "nacionalização" inha, afi-
em Uru~ngo ou em Cobra Norato, de Aaul Bopp, e ainda na nal, o sentido duma descoberta. Da descoberta dopa I desempe-
melhor poesia de Jorge de Líma, de raii profundamente elt.iri- nhado pelo ind lgena. mas sobretudo pelo negro, na formação da
ca, encontravam os jovens modernistas motivos sobejos para f~ alma e do caráter brasílicos. Elat a descobena. implicava, portanto,
zerem da Tnspiração folclórica o elemeruo essencial da brasiti- que e líteratura e a arte, em geral, deixassem de estanciar pelos sa-
dade estética. A con 1rmá-lo surgiu Macunsíma, de Mário de An~ lões e bairros das cidades, onde a pureza desses dois elementos
drade, acerca do qual escreveu José Osório de Olivoíra : "Mas o antropclógicos já 11ão existia, para enveredarem pela rota bandei-
mais completo e Importante resultado da inspiração folclórica rante à demanda do senão e da civillzac;ão rural donde n~u ver-
foi o l lvro de Mário de Andrade, Macunaima o herói sem n nhum dadeiramente o homem brasileiro. Era um pouco o regresso â tra-
canlter, escrito numa prosa em que entram, propositadamento, dição inavgyrada dum modo partiw lar~nta feliz por Euclides da
todo os modismos, todas as particularidades lingüís1icas regionais, Cunha com O; senlSes. Era, se quisermos. reconhecer que a "na-
todos os idiotismos populares - lívro que, pelo próprio estilo, pre- cíonaliza;âo" da literatura brasileira exigia. primeiro, a sua regio-
tende ser uma rapsódia do falar brasileiro, e que, pela matéria que Vidas secas nalização, uma vez que o sertã'o e o sertanejo são substancialmente
contém, é uma antologia do folclore variado e heterogêneo do diferentes de regiio para região. O romana. nordestino, sem dúvi-
lmenso Brasil"3 • da, a vertente mais rica e importa te a(da do Movimento Moder-
Mecuna{ma pretende, pois. mostrar. de algum modo, o cami- nista, confirma-o à sociedade.
nho possível para a Lite atura Brasileira, enquanto, consciente- I= esse "romance nordestino" o mais citado fator extrínseco
mente. realiza a unidade da escrita a partl r da heterogeneidade dos da formação das consciências literárias modernas da Africa de ex-
elementos culturais e lingüístrcos que a suportam. E mostra tam- pressão portuguesa, a par da poesia telúrica e de empenhamento
bém que o elemento "primitivo" é indtspel'\Savel â br~ilidade, por- social dum Jorge de Lima ou dum Drummond de Andrade ou, aln-
que esta nâ'o se concebe sem a participação dos vários fatores his· Autores brasileiros
da, mais recentemente, da prosa poética mais original que o Brasil
tórlco-cul uraís que podem f&'L~la extsitr. Não se trata, portanto, "influência" nos
autores africanos conhecw até hoje como o é e de João Guimarães Rosa, sem es-
de decorar os textos brasileiros com mo lvos exó icos captados na quecer 1Smbém Manuel Bandeira e Rlbeiro Couto, entre outros.
.,,,mente indígena ou na africana, mas de reconhecec que a bras11t A lfsts poderia. efetivamente, ser alargada, mas os nomes citados
dooe é uma realidade complexa. ruto de, pelo menos, rrês com- emparceirando oom José Uns do Rego, Armando Fontes, Graci-
ponentes his 6rico-ct.ilturais de base . a européia, a ind fgena e a afn· liano Ramos e J0<9e Amado são os bastantes para falarmos de ln-
cana. Invoquemos, de novo, Jo~ Osório d Oliveira para colher- fluênciffi diretas da Literatura BrasHeira no emergir das literaturas
mos nele mais uma abahiada opinião a propósito da importância nacionais na África colonizada por Portugal. Confirmemo-lo com
que é preciso conceder aos elementos culturais não-europeus da Fernando Costa Andrade, poeta angolano, que, na circunstância,
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bem pode representar toda a Literatura Africana de Expressão sando também em revista a importância que o elemento negro te-
Ponuguesa. quando afirma: "Entre a nossa I eratura e a -.ossa, ve na Literatura Brasileira romêntica e slmboHsta, a fim de ten'lar-
amigos brasileiros, os elos são muito fortes. Experiências semelhan- mos perspàciivar até que ponto a Literatura bras ílica anterior ã Se-
tes e lnfluênc1as s,multãneas se verificaram. É fácil. ao ob rvador mana de Arte Moderna pode ter ajudado ao trajeto da emergência
corrente, encornrar Jorge Amado e os seus Capitães de are a nos da africanidade literária.
nossos melhores escritores. Drummond de Andrade, Gracll ial'lo. Jor- Parece que o primeiro escritor brasileiro a íncorporar elemen-
ge de Lima, Cruz e Sousa, Mário de Andrade e Solano Trindade, tos nstivistas nas suas produções foi o poeta Gregório de Matos
Gui marães Rosa, têm uma presença grata e amiga, uma presença de Guerra de quem S(lvio Romero e João Aibeíro, no seu Compên-
mestres das jovens gerações de escritores angolanos''". dio de história de literatura brasileira, disseram: "Se e alguém no
O romance nordestino e a ,poesia telúrica continham, na ver- Brasil se pudesse conferi-r o título de fundador da nossa literatura,
ade, os elementos míticos e ideológicos necessários para atraírem esse devena ser Gregório de Matos Guerra"'. Araripe Júnior, po-
a geração de coloniz~os afrrcmos que, no início da década de 40, rém, não foi da mesma opinião e achava mesmo que Gregório de
entra definitivamen e em desasso$ego e em si uação de ruptura Matos era ainda um brasilelro~uropeu, Para o fim que temos em
oom o sistema de valores que lhes e,am lmpos os. Além de respon- vista ná'o nos interessa discutir, aqui e agora, o maior ou menor
derem âs suas preocupações sociais, pelo cariz neo-realista do seu grau de aut8flticidade bras,1ica de Gregório de Matos. Pretendemos
discurso, esse romance e essa poesia tocavam-nos ambém m (tica apenas refutar aqueles que, estudando 8 influência da Lrteratura
e culturalmente, na medida em que ai poderiam reconhecer a lin- Brasileira sobre as Literaturas Africanas de Expressão Portugues3i
guagem da sua música ou da sua religião. É ainda Costa Andrade considerélll já Importante o contributo daquele poeta baiano nesse
que citamos: "Os Angolél'los, os lorubas, Nagôs, Achantis, Haus- relacionamento, procurando justíflca -se com o fato de o escritor
sas, Mandlngas, Fulas da Guiné e Sudão negri>maometano, os ea- ter sido deportado para Angola, no séc. XVI 1, em conseqüência do
lubas do Congo, deram uma raiz plural à vossa m(lsica, a que se SB°U envolvimento numa ação de protesto "contra a dominação es·
juntou alguma coisa da Europa que a todos dominou despotica- trangeira'' levada a cabo na Bahia e af. em Angola, ter participado,
mente". E aínda: ''Se os Santos e Sudaneses vos trouxeram os 0rl- como dizem, em ''sublevações anticolonialistas, antes de retornar
~s, 0lorum, Xangõ, Ogum e a incomparável lemanjá, os nomes a PemambtJ(:O, onde morrei.J'',
vários do COndomblé, ou Catlmb6, Macumba, os Angolanos trou,- e óbvio que esta I igação episódica de G reg6rio de Matos a
xeram-vos entre outros Ka!unga" 5 • Angola, numa época em Que neste território africa:,o não havia o
Perante tamanha 'cientidade hístórico-c:ultural, aliada ã filoso- minimo de condições para que a poestasatírlca do brasiteiro fosse
fia estética que subjaz:ia, sobretudo, ao romance nordes lno e que aproveitada, devido à ausência duma Intelectualidade angolense
9:!rvia inteiramente aos objetivos pollticos da emergência das lite- preocupcda com o fenômeno da autenticidade ooltural, não deve
ra uras nacionais na África lusófona, não é de estranhar que a Lite- autorizar a concJusão de que as relaçõ~ entre a tlterariedade afri-
ratura Brasileira modernista e pós,,mordénista passasse a ser o mo- cana e a brasilelra começaram lá atrás, no séc. XVII. Era demasia-
delo de referêncfa extrínseca mais importante para as gerações em- do cedo para que a sem nte da brasilidade pudesse ser ransplan-
penhadas no surgimento da afrfcanidade litefária. Africanidade tada para Africa, por várias razões, ma& principalmente porque
que, tal como a brasHidade, resultaria de um longo processo de ma- vivia-se, nesse empo, o apogeu do tráfico escravagisui, não sendo,
turaçao cultural qlJ8, por circtmstâncias várias que não adíanta es- portanto, o Brasil dessa era um exemplo ~ec(vel para os poucos
pecifica, só emergiria autenticamente na mencionada década de africanos culturalmente esclarecidos. Será fácil de compreender
40. l: por isso que n§o friei muito atrás no tempo buscar as rei~ que o Brasil, que atraiu a intelectualidade africana da expres.,ão
ções entre s atricanidade e a co~stn.,ção da brasilidade. Limitar- portugUesa, toi o que salu do grito de lpiranga de 1822. Foi o Bra·
me-eí a alguns apontamentos breves sobre a abertura que a Lltera· sll do Abolicionismo; não o escravocrata, Isto significà que não inte-
tura Colonial do Brasil fez ao tratamento de emas netívistas, pes- ressa recuar aquém do sé . XI X, quando se pretenda estudar as
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Influências da Literatura Braslleir nas Literaturas Africanas de 1810 é. llã'O foí a poesia relvindlcatlva dum estatuto Cúltural prôprio
Expressão Portuguesa, também porque estas sõ começam a dar os que exerceu in'fluência sobre africanos °:'ltos, e nom~adamente
primeiros passos Justamente e partir da segunda metade desse sá- angolEW\OS, que, então, procuravam garantir o reconhecimento da
w lO. sua diferença como "filhos do país", mas, sim, a poesia amorosa
Situemo nos, então, no séc. XI X e procuremos realçar os no· e a lírica sentimental, como acontecera no Brasil. Na verdade, no
mes mais signlficattvos da teratura Brasileira diretamente relacio· Pfímeíro hvm de poesia publicooo em Angola - Espontaneidades
na:los rom a ljteratura do Abolicionismo e da reivindicação dum da minha alma. As senhonl4t africanas (1849), da autoria do mes-
estatuto social digno para os aborígenes e para os negms. iço bEJ19ue1ense, Josá da Silva Maia Ferreira, que viveu no Rio de
Comecemos po falar do indianismo. Este movimento estéti- Janeiro, durante algum tempo, faz-se uma evocação a Gon~l-ves
co iniciado pela plêiade mineira foi. no dizer de Capristano de Dias na ep ígrafa, durante algum tempo, faz-se uma evocaçao a
Abreu, um "dos primeiros prodromos vísfveis do movimento que Gonçalves Días na epígrafe do poema "A Saudade" com versos ex·
enfim culmlnou na independência: o sentimento de superioridade traídos do poema "Queixumes", do brasllei ro. E nâo se diga que a
a Portugal'' 7 • Afirmar as virtudes do índio, nas suas múltipfas poesia indianista de Gonçalves Dias não Influenciou a geração dos
acep~es. poderia ser, de fato, um processo de sacudir um pouco "filhos do país'', porque ela lhes era desconheci_da, un;a ~ que
o enorme peso que a tradição e a mitologia poética portuguesas ti· eles apenas travavam conhecimento com a poesia br~1lelfa atra-
nham na maneira de ser e de estar no mundo do bra$ileiro. O (n - de Alexandre vés do Almanach de lembranç.M, a partir de 1872 chamado Al-
d:io poderia, assim, ser, e foí-o, o primeiro mito poético nacional Magno de manach de lembranças luso-brasilelro. O argumento não colhe,
do Brasil. Para isso muito contribuiu o poeta Gonçalves Dias qu Castilho porque, no caso particular de Maia Ferreira, o conhecimento da
aJptantou de largo o indianismo da plêiade mineira. Dos seus poe- poesia do indianista era direto. O que temos de concluir é que a
mas indianistas com Y.Jua..Plram.a disse Alcântara Machado: "Po- geraç.ão dos "filhos do país", por influência dlreta do ultr&-roman·
dem ser falsos os índios de Y.Juca-Pirama. Pouco importa: os tismo po uguês, não divis8\lõ a dimensão social Que a poesia e.ª
sentimentos que exprimem são nossos, e bem nossa, rom o seu literatura, ,em geral, podem ter Poetava, portan o, SéQUl_ldo os ca-
gosto violento de fruta do mato, com o seu cheiro de floresta vir· Exótico nones da época, u ílizando consabidos teit-motlven, deixando ao
gem, com a sua música bárbara de maracás e de borés, a 1/ngLrB jornalismo nascente o papel de intervenção sociopolítica, sobretlJ-
que faJ11m'' 1 • do através do editorial, da crônica e do folhetim.
Vai no mesmo sentido de pôr em relevo o caráter nacionalista Esta conclusão ganha tanta mais consistência quanto é certo
da poesia (ndia de Gofçalves Dias o que dele afirmaRonald de Car- que o que aconteceu com o ir'ldianrsmo ororreria também com o
valho: ''foi ele sem dúvida a primeira voz definftiva da nossa poe- condoreirismo. Antes, porâm, de falarmos do çondoreirTsmo, tem·
sia, aquele que nos Integrou na pr6pria consciência nacional, que Escola de poesia bl'emos de passagem que mesmo o Gonçalves Dias da Canção do
nos deu a oportunidade venturosa de olharmos, rosto a rosto, nos- 3 fase exmo o do patriotismo sentímental, não foi muito glosado, em
sos cenários f fsicos e morais"'. Romantismo África: senão tardiamente como comprova a Canção ambaqulsta,
Mas, embora dum ponto de vista nacional, de afirmação da de João Baptlsta Pereira, um colono ngolaoo poeta da década de
brasilídade, a poesia Indianista de Gonçalves Dias fosse ímportant&, 40,
a \/8 dade é que o público cu I o braslleiro apreciou-lhe mais a su.i Nas parmêra do Brasil
poesia amorosa e a sua li rica patdótica sentlmenta1, Que ele expri- ''Na plllffll,.do B,-11, Canta, canta o sabiá;
me na celebrada Canção do exmo, o que significa que as classes c.i111. ~ o lllb1':
s.,. em Men:,a ou em Abl'N Seja em Março ou em Abril
wltas elnda não tinham sen ido a necessidade interior de deixaram , _ a.dl••c.,tl. Passa os dia a cantá.
de ser europdias para se assumirem como brasileiras.
No que ooncerne aos ecos que, em Africa, teve a p0e.5ia de O m qu• Cílil1II • mfdMle
- eoblvlt:t• como o II o - Dizem que canta a soidade
Gonçalves Dias o fenômeno, par es,tranho que pareça, é idêntico, - Coisa triste como o luto -
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Desta branco da cedade
O.ta trw,co • ca•de Que não mais voltou ao Puto. n!o desejavam criar, pela via poética situações de p rturbação do
Que nla rNU IIORQU eo Puto,
staws quo em que se encontravam, acicatando esp(ritos coloni s
E 01 ;ent• aonh• 110 ouvi! E os gentes sonha ao ouvil que só esperavam uma boa oportunidade pata abrirem hostílida·
Otllb tio B,_il!n
O sabiá do Brasil! des, Autoríza·l)OS esta conclusão o fato de os t xtos africanos de
Por este início do poe a de Baptista Pereira se reconhece fa- expressão portuguesa de cariz mais socia terem começado a apa-
cilmente o poema matrli de Gonçalves Dias: recer, nomeadamente em Angola. qua do a agressividade ver~I
dos colonos contra os ''filhos do pais" entra em cooa para os fins
"Mlnh tffl'II rn pllmel,.
OndtÇl!l1a o Abl6:,
do séc. XIX e princfp os do século atual. Recordaremos, de passa-
N .-- qut .:fui gorV'Jl!Tl, Condoreirismo: ideias igualitárias
gem, o Incidente que motivou o protesto coletivo da "Voz de An-
Nlo gorgti1m como"·" gola Clamando no Oeseno" e a poesia social dum lou~e~o do
Carmo Ferreira ou dum Jorge Rosa que precedem a escrita inter
Analisando, agora, o que se ~ u com a poesia condoreira de wntlv-a de Pedro da Paixão Franco em que terá fei o sentir-se a
que Castro Alves. o célebre "poeta dos escravos", foi o apogeu, verifi- influência do negro brasileiro Luis Go11Zaga de Pinto GéWlla, autor
caremos que, ~esar de o poeta ser amplamente conhecido, em de poemas importantes como "A Catiw" e "O Coleírinho", nos
Afnca, atravês do Almanach, a sua poesia que mais tocou os seus qua,s evidencia o orgulho da cor e dos cit,elos crespos, ao mesmo
contemporâneos africanos não foi a social, mas a sensual am que. tempo que se mostra doso de ctve o mundo o conslde,e "o Orfeu
do mesmo modo, era mestre. E aqul, mais do que com o lndianit- de e belo enca~inhado", numa atitude que diríamos precursora
mo de Gonçalves Dias que era historícamente dtstante da África, do amoso anifesto de Niágara que despoletaria, a partir de
além de ser requintado fingímento poético, havia fortes motjvos 1905 o chamado Renascimento Negro.
para que os poetas colonizados de expre.~o portuguesa acompa- Este Luís Gama, "filho de uma escrava QlJe não se converteu
nhas-sem o "poeta condor" na sua p~a socia. Primeiro, porque ao catei cismo e chegou a ser denunciada por ronspiração re\lOIU-
a causa dessa poesia lhes dizia historicamente respeito, uma vez cionâria a favor dos negros" 1 º antecede, de algum modo, o poe~
que se baseava no Abolicionismo; oogundo, p0rque a afirmação moça bicano José Crawirlnha no que este tem de orgulhoso rei-
dos valores africanos, subjacentes ã brasilidade, era a valorlzação vindicar da sua ancestralidade negra, sem negar embora a sua pa-
da própria rultura afrlcana de que os ''filhos do país" se diziam tern idade européia à boa maneira do cubano Nícolàs Guillén.
legítimos herdeiros e defensores. Estranha-se. por isso. que essa Se apreciarm~s. entretanto, as produções poéticas africanas
geração de intelec uais africanos não enha seguido o poeta revo- e expressão portuguesa do decllnar do século passado. com refe-
lucionário que, pondo em prática o seu lema mobilizador - rência especial para aquel que são da responsabilidade de a~go~a-
".. a praça é do povo como o céu é do condor" -. compôs poe- nos e de san omenses. uma vez que em Moçambique elas nao sao
mas tão belos quão fmponantes como "Vo"l13S d'Africa". "A significativas, nessa tase, constataremos, oomo já f!cou dito: Q\J a
Canção do Africano" e o "Navio Negreiro", qual deles o mais dimensão social dos textos cede o lugar a um exo ismo hng1Jístl~o
conhecido. e temático, com reqw bros sentlm ntatS, característico do ~,lo
Também aqu1 não deixa de ser curioso que tenhamos ele dos poetas que os inspirariam e que. no caso presente, seriam
esperar até a década de 40 para, em Viriato da Cruz. o mais ge- essencialmt!nte Gonçalves Crespo, Casimiro de A reu e Crui
nuíno poeta angolano, enrontrarmos os ecos da poesía soeiat de Sousa E:.-te último com maior influência do que os outros. sobr~
Castro Alves, ali~s recebidos via Jorge de Lima que o jovem an- tudo em Caetano da Costa Alegre, o poeta santomense de que f_? 1
golense glosa no seu épico poema - ''Mamã Neg ra - Cântico de ler oontemporân o e a quem mot1vou a grande preocupação. que n.ao
Esperança''. Que explicação encontrar para este estelheamento era aper,as poética, com a temática da cor da pele, que é prepon·
dos poetas africanos oi ocen 1stas da poesia social vinda do Brasil? derante na sua poesia,,
A resposta mais provável poderá ser a de que os "filhos do país"
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Cruz e Sousa, negro nascido aínda escravo. fo, o continuador l'wfc) hlt dlllAda qw 1>1~Jt1 uma vutr1111plka;&J pow,.,_: 1 ln u6ncl
do maio. Ccux • SoUIAI n11Kau 91'!1 Sanui c.t1rine, omlt e lnllu6ncla
necessário, sem ser epfgono, da poesia social de Castro Alves, ainda "11111111'-' naturtl-• rnuho ,.,._ f0111:11ntn "'...,, matr lflCOn·
Que a sua poética, feita dum m (stico artificialismo, seja essencial- tta•• uro lll•rníô como Fritz M.l llar, • •" tofnu fort«nen e I ln
men_te romftntlco-simbolista, afetada, por isso. a um tempo. pelo uu,ncit do J*llmiirno filOIIÓflco vmlnloo, pa,:iculsnnent, de
Sc:hopanhai1r. PodtMe,11, portanto, pana- que o gano pttl1 poe11l11
pea,mismo de Schopenhauer e, como multo bem observou Ja- nótdlca I ne o 111ul!Jldo da !lflucllÇIS'o. Ma,q 11M i.mbl'1ffl'IOlld
nhef~z Jahn, pelo n;smo de Baudelaire. Cons derooo por Roger qut no 0111,0 t){1rlfflC do 8 ,-,1 , o utrO t,o"*" dt cor, T01> I• 81r•
Bast1de um precursor da Negritude, enquanto Claire Cáa via nele o reto, fo 1 procuru tambtm I a,a ln,pi raçlo no pllilaammtD ~münl·
prógono do Renasc mente Negro, Cruz e Sousa. debatendo-se eo. ~ permitido cl nr qu1 1,cltt• um len4meno, cuja •lllPI lcaçlo
'6 pod'c •T encontrá ruma iH do inc;cu,,-;f,ni1 rrlll, nt
entre o racismo e a escravidão, temáticas dominantes também na von11d1 de mudar ffllf'ltalmmt1 de cur:4 praci50 cl-&rto m.lhor
sua o~ra, ent:eaa-se, como o fez o santomense Costa Alegre. ao "*º • proourar • po,etla(Hj I fllolofit dOI 1ndh1(dm1 ~· dm e pele
matino poético da cor da pele. deixando-se. por assim dizer inva- rrM!lulfn, iffl , , 01 pol!U do Nortt ." 11
NOTAS
1 - 0$Õf1IO DE OLIVE:IRA, J. - Klin4N branda nw.r.ura ......... Li1boa, Edito-
rial lnqq•rlto, 1939. p. 1OS.
2-lbld .. p. 111.
3 - lbid~ p.107.
• -COSTA ANDRADE, F.-u.n,ra..,1an1 (()plnl6-). l.iíbcMt, Ediç(5el 70. p. 28.
6 - lbkS.,p . 27.
8-0SORIO oe OLIVEIRA,J, -op.clt.,p.30.
7 - lbld., p. 40.
8 - lbid., p . cz.
9-1 ld., p . ~ .
1O - M.-.TOS, Graml.N> de. - lnifulnda da llttif11tvff twail•ra tobr. • Otw-- llfri,.
_,.deli pomqu-. p .95, rnlmeognrf• do ,.,10,-.
11 - BASTI DE, R~.- 1:làHIM lftobrailairoL 5"o Paulo, Pwrspecth.a, 973. p.6'2-3.
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