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Recensão crítica: “Lusitanidade e Negritude”

De Léopold Sédar Senghor


Edição: Academia de Ciências de Lisboa – Instituto de Altos Estudos – Nova Série;
Fascículo 1
Lisboa, 1975

Maria Luísa Amorim da C. Carvalho


230656

Lusofonia e CPLP
Prof. Pedro Borges Graça

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1. Introdução
O presente trabalho consiste na elaboração de uma recensão crítica que versa
sobre a temática da aproximação das culturas portuguesa e africana seguindo a
comunicação de Léopold Senghor intitulada "Lusitanidade e Negritude". Tal desafio
é realizado no âmbito da disciplina de Lusofonia e CPLP lecionada pelo Prof. Pedro
Borges Graça. Posto isto, a intenção do respetivo trabalho passa por analisar o
discurso acima mencionado e refletir criticamente sobre a temática nele
apresentada. Segue-se assim uma pequena introdução ao tema e à obra, alvo desta
recensão.

Léopold Sédar Senghor foi um singular académico, chefe de estado, poeta e


escritor Senegalense agraciado com o Grande-Colar pela Ordem Militar de
Sant'Iago da Espada em Portugal, que viveu entre 1906 e 2001. É autor do discurso
intitulado: "Lusitanidade e Negritude", proferido a 27 de janeiro de 1975 na
Academia das Ciências de Lisboa. O documento insere-se num contexto posterior
ao golpe de 25 de Abril, permitindo a liberdade de expressão fundamental para
qualquer declaração como a que se segue, conforme reitera o autor na página 28:
"Naturalmente, eu não vos faria esta conferência durante o regime de Salazar [...] o
Portugal novo não sofre de complexos [...]".

Primeiro presidente da República do Senegal e um dos precursores do conceito


de "Negritude", Léopold Senghor pretende com a sua exposição aproximar culturas
distintas com o mesmo ideal de dignificação humana, unindo-as no que lhes é
comum, promovendo uma convivência fraterna entre as “Raças” num período pós-
colonial.

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2. Desenvolvimento

A análise do texto através de uma perspectiva puramente formal, inicia-se


com uma introdução em que o autor passa a cumprimentar e agradecer aos
presentes, faz uma breve referência à história da Academia em que se encontra e,
finalmente, passa a apresentar o objetivo principal do discurso. Expõe suas ideias e
factos sobre a civilização portuguesa, passando pela composição da sua etnia até o
que denomina por ser a natureza gentil do homem português. E, de seguida, após
uma sumária exposição da cultura africana, celebra as parecenças entre ambas a
fim de chegar ao encontro de um fundamento para a tal "Comunidade luso-afro-
brasileira".

Começa por caracterizar o povo português como um povo rude e trabalhador,


guerreiro e resistente ao invasor, dando exemplos como o de Viriato em 181 a.C. e
de seu papel na resistência contra a expansão romana na Hispânia nas guerras
lusitana, bem como o fez Fernando Pessoa em sua obra "A Mensagem"
relativamente à mesma personagem histórica: "Vivemos, raça, porque
houvesse/Memória em nós do instinto teu". Ao fazê-lo mostra-se empático com os
portugueses, reconhecendo que a sua história colonizadora - e aqui utilizo a
expressão sem qualquer conotação negativa - é produto da sua própria natureza:
"Povo trabalhador pois, este que desbravou as selvas [...] do Novo Mundo [...]" (pág.
32).

O facto de o próprio Léopold Senghor ter sido também um poeta, e ainda


professor de literatura, atribui-lhe uma certa autoridade quando cita outros poetas
portugueses como Camões e Pessoa, que exaltam o povo português em suas
respetivas obras máximas: cantam, segundo o autor, a força, o ardor e a grandeza
de alma, mais do que só nos “Descobrimentos” como também no comércio
mercantilista e nas inovações técnicas da altura, não esquecendo o enorme
contributo português para o alargamento do conhecimento do mundo no séc. XV.
Mostrando-se claramente ávido a rica cultura portuguesa através de elogios que faz

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tanto à nível da coragem e da força quando à nível cultural, contribui de forma
positiva - na perspectiva de um português - para a construção de sua tese.

O autor não hesita em salientar a gentileza e a doçura do povo português,


seja através dos comportamentos - e aqui dá o exemplo do icónico abraço entre
portugueses e africanos que seguia à assinatura dos tratados das negociações de
libertação em África -, ou até através das expressões linguísticas correntes como o
"[...] por favor, obrigado, com licença, etc." (pág. 38). Toda esta "ternura portuguesa"
expressa-se ainda, segundo o autor, na Xenofilia própria do português: a sua
simpatia - e até empatia - pela cultura estrangeira, algo que se confirma quando se
vê a quantidade de portugueses que vivem completamente adaptados no
estrangeiro. Léopold Senghor acredita ainda que esta gentileza e ternura que
encontra no povo lusitano também é comum aos “Negros”: ressalta a honestidade e
a cortesia com que os próprios recebiam os colonizadores - mesmo que numa
posição de inferioridade -, e até nas expressões linguísticas. Dá o típico exemplo da
"saudade", palavra portuguesa para o qual até encontra correspondente nas línguas
negro-africanas, presumindo que esta afinidade linguística luso-negra expressa uma
relação de parentesco bastante profundo.

Numa segunda parte, dedica-se a defender o seu "sangue negro" naquilo que
para si mostra-se indispensável na união das duas culturas: a força e o trabalho.
Ambas são características exaltadas por Léopold Senghor tanto na etnia
portuguesa: "Povo trabalhador pois, este que desbravou as selvas [...]" (pág. 32),
como na raça africana: "[...] os Negros [...], construíram, à força de trabalho e de
audácia, o Novo Mundo." (pág. 36). Refere-se ainda ao valor dos guerreiros negros
nas literaturas grega e romana e salienta o seu vigor e capacidade de trabalho,
fazendo um interessante paralelo entre as raças com base nessa mesma
característica, dando um exemplo comum à história de ambas as culturas: o "Novo
Mundo".

Ao apresentar um elemento histórico-cultural comum aos portugueses e


africanos, constrói um laço que vai para além de um elenco de características
étnicas similares. Demonstra que ambas partilham uma história comum, o que, mais
do que uma língua, mostra ser a grande componente de união entre os dois povos:

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a história constrói tradição e cultura. O conceito de Kulturgeschichte (História
Cultural) define exatamente isto: a antropologia combinada com a história. de certa
forma define a cultura de determinado povo, que é levada como parte daquilo que
representa o seu passado e simboliza as suas raízes. Dito isto, a breve menção que
faz ao "Novo Mundo", que para muitos até pode passar despercebida, ou até -
atrevo-me a dizer - escusada, no presente trabalho apresenta-se como principal
objeto de análise para a fundamentação da tese defendida pelo autor. Duas culturas
que partilham o mesmo elemento histórico, mesmo que de diferentes perspectivas,
inevitavelmente hão de partilhar também alguns fundamentos culturais. E, se assim
o é, mais motivo há para a sua união do que para o contrário.

3. Conclusão

Tendo em conta tudo o que foi acima mencionado, o que parece ser o
verdadeiro elo de convergência da Lusitanidade e Negritude é, para além das
características étnicas ao longo do discurso mencionada e as parentes expressões
linguísticas, o passado e legado comum entre elas: o Descobrimento do Novo
Mundo para o português e a colonização para o africano, que com denominações e
alcances diferentes referem-se ao mesmo fenómeno. A troca de experiência e
cultura que se deu em tal momento histórico contribuiu de forma positiva, para
ambos os lados, para a construção de cada uma das identidades culturais,
corroborando para que desenvolvessem tal sinergia.

O estudo do discurso de Léopold Senghor expõe a paridade entre as culturas de


forma cativante e gentil, sendo sempre muito cordial com o público e na forma como
aborda o assunto da colonização que, em 1975, era ainda e de certa forma,
bastante sensível aos portugueses. A tendência na época era justamente o
contrário, o que mostrou-se bastante intrigante. Para além da subtileza com que
versa sobre este assunto, admira-se ainda o facto de ser africano e "colonizado" e,
ainda assim, posicionar-se em prol de uma união de culturas e de povos e de tudo
aquilo que lhes é comum, desmerecendo o que lhes afasta.

Concluo não deixando de ressaltar a importância da paz e da comunhão em


solidariedade entre povos unidos por um passado, nunca pondo em causa as suas

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próprias identidades culturais, que podem ser diferentes, mas sempre
complementares.

4. Bibliografia
• Apontamentos de aula
• Burke, P. (2008). O que é História Cultural? Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editora. cap. III
• Henriques, I. C. (2019) A Presença Africana em Portugal, uma história
secular: preconceito, integração, reconhecimento (séculos XV-XX). Lisboa,
Ligrate - Atelier Gráfico, Lda., 1ª ed.
• Pessoa, F. (1972) Mensagem. Lisboa, Ática, 10ª ed.
• Sénghor, L. S. (1975). Lusitanidade e Negritude. Lisboa, Academia de
Ciências de Lisboa - Nova Série - Fascículo 1

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