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O colóquio teve como oradores Norberto Costa, jornalista e investigador, que dissertou sobre o

tema “A Literatura de Agostinho Neto e a consciencialização nacional”, moderado pelo poeta e


membro da União dos Escritores Angolanos, Pombal Maria.

Norberto Costa resumiu o teor da sua comunicação nos seguintes termos: “A minha
comunicação visa demonstrar a dimensão cultural do primeiro Presidente da República de
Angola, Dr. António Agostinho Neto, líder do percurso epopeico da história do nacionalismo
moderno do século XX e fundador da nação angolana.

A abordagem sobre esta insígne figura e homem de cultura parte de 1922 a 1975, e está
dividida em três períodos: O primeiro vai de 1922 a 1947, fase em que Agostinho Neto fez o
ensino primário com os pais, infância reflectida em três poemas “As palmeiras da minha
mocidade”, “Caminho do Mato” e “Havemos de voltar”.

O segundo período, de 1947 a 1975, compreende a vida política de Agostinho Neto que inicia
em Lisboa, quando da sua primeira prisão em Outubro de 1951, resultante da sua militância no
MUD-Juvenil e por ter participado no Congresso dos Estudantes em Bucareste, Roménia, em
1953, assim como as suas reivindicações ao direito de autodeterminação dos povos africanos,
em particular Angola, merecendo-lhe mais três prisões até evadir-se de Portugal, em 1962, com
auxílio do PCP, Partido Comunista Português a pedido do MPLA. Agostinho Neto torna-se líder
convicto, abnegado e determinado daquele movimento político de libertação através da eleição
na Primeira Conferência Nacional do Movimento, decorrido em Leópoldville-Kinshasa em 1962.

Por fim o terceiro período de 1975 a 1979, é a fase em que Agostinho Neto proclama a UEA,
União dos Escritores Angolanos, onde assume mais uma vez a sua postura de homem de
cultura, e preocupa-se, enquanto estadista, com problemas adversos ao desenvolvimento do
país designadamente, a erradicação do analfabetismo, inserção do ensino das línguas nacionais
no sistema de ensino, assim como no labor literário, profissionalização dos artistas e dos
escritores, para se dedicarem à pesquisa cultural e à criação artística a tempo inteiro ou pelo
menos “em fins-de-semana activos”. Agostinho Neto preocupou-se neste período com a
implementação de um debate aberto e activo, a favor da identidade cultural local e a dignidade
colectiva nacional, por si postulada desde os tempos da juventude, em busca da reconversão
cultural, no âmbito do “Movimento de reafricanização dos espíritos”e não só, bem como da
reafirmação da angolanidade embebida na africanidade: “a cultura angolana é africana, mais
sobretudo angolana”, dizia Agostinho Neto.

Por sua vez, Hélder Simbad, professor universitário, desenvolveu o tema, “Análise psicocrítica
na prosa de Agostinho Neto”, moderado por Domingas Monte, professora universitária, que
começou por considerar “que a literatura, enquanto manifestação artística, está na base do
surgimento duma área que revolucionou os estudos sobre o comportamento humano: a
Psicanálise. No quadro dos estudos literários, privilegia-se o termo «psicocrítica», porque o que
ocorre, na verdade, é uma psicoleitura interpretativa do comportamento do narrador,
personagens e, por vezes, do autor. Hélder Simbad destacou, na sua análise crítica, a palavra
“Inferno” para designar “tormento constante”, que na sua óptica constitui a trama principal do
conto “Náusea”, de Agostinho Neto, e fê-lo através de uma abordagem etimológica, e
comparativa. Velho João, o protagonista de “Náusea”, transfere o sentido metafórico do
«inferno» para o «mar», «Kalunga». Um inferno, nas suas palavras, um lugar de tormento num
espaço marinho”. “Náusea”, continua o crítico, é, segundo os registos históricos, a única
narrativa literária de Agostinho Neto, não como um pequeno conto, e sim como um conto
pequeno de infinita grandeza, pelas suas virtualidades intrínsecas.

Hélder Simbad refere que o título “Náusea”explicita o estado de espírito do povo consciente
em relação ao contexto adverso. Quem, nas vestes de colonizado, não sentiria «nojo» e
«repugnância» por aqueles que o têm cativo? Essa «náusea» encerra uma dupla dimensão
conotativa deveras significativa: Primeiro: Náusea pelo passado emanado, metaforicamente,
pelas ondas do mar, trazendo à memória do protagonista a chegada do colono e o tráfico de
escravos. Segundo: Náusea pelo duro presente que persistia doloroso, revelando um enorme
fosso social entre colonizadores e colonizados. “Náusea” é um conto de denúncia, escrito num
período de opressão. A opressão exige estratégia, que, por sua vez, exige mestria.

E Agostinho Neto, em “Náusea”, serve-se genialmente das possibilidades alegóricas do mar


para denunciar os actos hediondos cometidos pelo colono e alertar os seus símiles. Se o mar,
para o ocidente, representado pelo então «Império Colonial Português», é sinónimo de
descobertas, aventura, bravura, conquistas, para o autor de “Náusea”, representa a porta de
entrada do grande mal, o colonialismo, bem como o princípio das grandes transformações
infra-estruturais e culturais”.

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