Você está na página 1de 2

Começo citando Miguel de Unamuno, apreciador de Miguel de Cervantes que inaugurou o "hispanismo"

com sua obra "Dom Quijote de La Mancha". O hispanismo é necessário para entender Portugal. O
próprio Unamuno diz numa carta ao Teixeira de Pascoaes assim: "Sin conocer a Portugal no se conoce a
España; por el contraste y por lo otro". Unamuno também diz o seguinte: "En la ciencia, en el
conocimento de las razones de las cosas, de la ley de los movimientos, en la matemática, en fim, buscan
unos hombres y unos pueblos el secreto del universo, de la vida y la muerte. Otros le buscan en la
religión (...) Y hay quien busca en el amor el secreto de la vida, de la muerte y del universo, y su razón de
ser. Tal creo, aquí, en Portugal." Por meio disto você consegue traçar um paralelo que ainda hoje é vivo
entre o homem ibérico do além mar e o homem ibérico nordestino. Um encara as tragédias recorrentes
em sua terra, como a fome, pobreza, guerras e a necessidade do sacrifício, e outro que encara a seca,
pobreza e o sofrimento de maneira estóica. "O nordestino é, antes de tudo, um forte", como disse
Euclides da Cunha em "Os sertões", livro que você também DEVE ler. Tal como o português, o amor é o
cerne da cultura popular nordestina, o riso, a bondade e alegria encobrem a tormenta e o pessimismo. É
a simbiose entre o cataclisma, tragédia e felicidade. Eis o povo português e também o povo nordestino.
Porém o amor, na cultura portuguesa, além de ser o cerne de sua filosofia é o sentimento que o faz se
sentir vivo ou morto. Disto nasce o fado, que o nordeste herdou todas as características e as colocou na
chamada "cantoria popular", e na música popular no geral. Também existia o "fado dança", praticado no
Brazil colônia. O grande expoente musical do nordeste é o Luiz Gonzaga e em suas músicas se vê esse
sentimento ambíguo causado justamente pelo amor. "O português é constitucionalmente pessimista",
afirma Unamuno, e daí você pode investigar a raíz dessa ambiguidade (otimismo e pessimismo)
provocada pelo amor na cultura ibérica. Tu também podes entender muito melhor a hispanidade por
meio do que o Unamuno chama de "personagem propriamente hispânico": Don Quijote de La Mancha.
Unamuno dedicou-se por muito tempo a escrever e comentar toda a obra magna da España. Um texto
famoso do autor para que você entenda melhor a hispanidade é o "Vida de Don Quijote y Sancho", que
na minha opinião é um dos melhores, seguidos por sua vez pelo "El Caballero de la triste figura", os
ensaios unamunianos "Quijotismo", "La causa del quijotismo" e "Glosas al Quijote". Estes textos te
apresentarão o personagem de Miguel de Cervantes pela ótica apurada do Unamuno. Lembrando que
Unamuno descreve os personagens de Cervantes como sendo ele próprio.

Partindo disso, chegamos ao mais importante livro de Miguel de Unamuno, chamado "Do sentimento
trágico da vida nos homens e nos povos", onde ele escreve lapidarmente: "O universo visível, o universo
que é filho do instinto de conservação, me é estreito, como uma jaula pequena para mim e contra cujas
barras minha alma bate em seus vôos; falta-me no ar o que respirar. Mais, mais, cada vez mais, quero ser
eu e, sem deixar de sê-lo, ser ademais os outros, adentrar a totalidade das coisas visíveis e invisíveis,
estender-me ao ilimitado do espaço e prolongar-me ao inacabável do tempo." (página 38)

Estas palavras poderiam ter saído da própria boca do Alonso Quijano, o Dom Quijote de La Mancha, que
abandonara seu próprio nome para enfim se tornar um cavaleiro livre e andante. Ele sentia a
necessidade de se autodenominar-se outro para sentir-se livre.

"O sentimento trágico da vida é um sentimento de fome de Deus", diz Unamuno. Talvez por isso que na
cultura Ibérica no geral, tanto em Portugal e Espanha, quanto no nordeste do Brasil, se vê o grande
fervor religioso, quando se tem religião. Herdaram de nós o nosso modo de ser ibérico. Tu podes
observar isto tanto conhecendo melhor essas pessoas, como também conhecendo melhor a poesia, a
música popular, os movimento messiânicos e a grande literatura de cordel, herança direta de Portugal.

Eu quis aqui resumir o que penso com base em artigos, livros, poesia e afins que tenho lido durante a
minha vida. Mas eu poderia me alongar e continuar a escrever cada vez mais, só que isso demandaria
muito tempo, e talvez eu precisasse escrever um artigo mais bem elaborado com os escritos DAS
LITERATURAS Ibéricas, porque não existe apenas uma, todos elencados em ordem de importância
segundo o que penso. Vou te indicar autores e obras que seguem a mesma linha do que eu descrevi
como sendo a cultura Ibérica.

- Os Maias, Eça de Queiroz (1888), que apresenta a vida portuguesa do século XIX. Por meio deste livro
tu consegues traçar um paralelo entre a sociedade portuguesa e brasileira, que compartilham aspectos
como: o apego às aparências, predileção pela forma em detrimento do conteúdo, atitudes românticas
perante a vida e principalmente a "mania" de culpar a tudo e todos, menos a si próprio, pelo próprio
fracasso.

- O Arcanjo Negro, Aquilino Ribeiro (1940), autor esse que segundo Olavo de Carvalho: " pega todas as
palavras que existem na língua portuguesa e as usa todas. E usa de uma maneira tão genial e tão
fantástica, que eu duvido que haja no Brasil, hoje, quem seja capaz de lê-lo”. Na minha opinião esté um
livro onde podes observar o estrago que ocorre quando o personagem abandona sua cultura ibérica e a
substitui pelo ateísmo.

- Mensagem, de Fernando Pessoa (1934), que retrata magistralmente a grandeza de Portugal. O paralelo
entre "Os Lusíadas", de Camões, e "Mensagem" é inevitável. Muitos afirmam que Pessoa é o "Supra-
Camões". O personagem é o D. Sebastião, que busca restaurar a grandeza de Portugal por meio da
literatura e cultura, devido ao desânimo que o presente lhe causa.

- Dom Quixote, Miguel de Cervantes, que não preciso nem me alongar aqui porque já falei do livro antes.

- Os Lusíadas, de Camões, dispensa comentários.

- Tragédia Castro, ou "Poemas Lusitanos" (1598) é uma tragédia portuguesa muitíssimo inspirada nos
gregos. Vale a pena ler e entender os conflitos internos dos personagens ibéricos. Inês de Castro é um
dos brilhantes personagens.

Depois de conhecer melhor a cultura Ibérica do Velho Continente, tu precisas buscar a cultura ibérica do
Brasil, que creio estar concentrada no nordeste, principalmente na figura de Gilberto Freyre, Ariano
Suassuna e seu movimento Armorial, que visa resgatar e preservar a cultura ibérica nordestina.

Livros como o "Livro do Nordeste", Gilberto Freyre (1925), te ajudarão a entender melhor o que quero
dizer. Também não se deve esquecer da "lusotropicologia" das décadas de 50 e 60. "O manifesto
regionalista" (1926), Casa-grande & senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936), "Nordeste" (1937),
"Tradição e Região" (1941), "Interpretação do Brasil" (1947), "O Auto da Compadecida" (1955) e a
própria Heráldica DEVEM ser estudados, também, com a mesma seriedade das grandes obras
portuguesas. Gilberto Freyre é o intérprete supremo do brasileiro, e principalmente do nordestino.

Você também pode gostar