Você está na página 1de 152

IBEROGRAFIAS

Revista de Estudos Ibéricos

Centro de Estudos Ibéricos


Ano II - Nº 2 - 2006
COORDENAÇÃO DESTE NÚMERO
Rui Jacinto
Virgílio Bento
Alexandra Isidro

SECRETARIADO
Ana Margarida Proença

CONCEPÇÃO E PAGINAÇÃO
Grafismos - Pedro Bandeira, Lda

IMPRESSÃO
Imprensa de Coimbra, Lda

EDIÇÃO
Centro de Estudos Ibéricos
Câmara Municipal da Guarda
Praça do Município
6300-854 Guarda
e-mail: cei@cei.pt
site: www.cei.pt

ISSN: 1646-2858
Depósito Legal: 231049/05
Novembro 2006
Índice

7 Camões e Cervantes: um diálogo ibérico


9 Camões e Cervantes: um diálogo ibérico - Eduardo Lourenço
13 La letra/las letras de los personajes cervantinos. Materiales de escritura y escritores en el
Quijote - Ana Martínez Pereira
23 Lisboa como destino alegórico en el Quijote apócrifo - Luis Gómez Canseco
29 Camões e Cervantes. Duas formas de expressão da realidade peninsular entre a glória e o
desengano - Aníbal Pinto de Castro

37 O nosso Tempo: nas fronteiras da cultura


39 O nosso Tempo e o Tempo dos outros - Eduardo Lourenço
43 Elogio à Guarda - Guilherme d’Oliveira Martins
47 Política cultural – sim ou não? - Nuno Júdice
51 La construcción de un modelo de ciudad de cultura: Salamanca en los años 80 y 90 -
Jesús Málaga Guerrero
69 El patrimonio cultural como factor de desarrollo regional y local. El caso de Las Edades del
Hombre - Eva Vicente Hernández
81 Emprego cultural - José Soares Neves
91 Los portugueses y España: el síndrome de Aljubarrota - Agustín Remesal
105 Y Dios creó la Frontera - Agustín Remesal

113 Prémio Eduardo Lourenço [2º edição – 2006]


116 O Duplo Rosto da Fronteira - Eduardo Lourenço
117 Agustín Remesal: La Palabra y la Imagen más allá de las Fronteras - Valentín Cabero Diéguez
121 Palavras de agradecimento - Agustín Remesal

123 CEI: Actividades | 2006


126 I. Ensino e formação
134 II. Investigação
137 III. Eventos
139 IV. Edições

141 Uma Casa de Causas: Inauguração da sede do Centro de Estudos Ibéricos


Eduardo Lourenço, Isabel Pires de Lima, Salvador Ordoñez Delgado, Álvaro Guerreiro,
Enrique Battaner, Jorge Seabra Santos, Jorge Mendes
Apresentação

…………
Camões e Cervantes:
um diálogo ibérico
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico

Eduardo Lourenço

Em véspera da inauguração do Centro de Estudos Ibéricos sugeri que se fizesse uma sessão cultural
que tivesse como objectivo pensar ou evocar, de algum modo, referências míticas da nossa cultura ibérica:
Camões e Cervantes, tanto mais que, este ano, o mundo inteiro celebra o aparecimento dessa obra sem
par chamada Dom Quixote.
De uma maneira muito sumária, vou tentar associar um pouco essas duas referências culturais servindo-me,
de algum modo, de uma referência intermediária: Oliveira Martins. Foi, efectivamente, Oliveira Martins
quem me sugeriu esta ideia de um Centro de Estudos Ibéricos, pois foi ele o primeiro a pensar na
Península como um todo, não só na História, mas também na ordem ideológica, espiritual e cultural, em geral.
Na primeira tentativa que conhecemos de pensar em conjunto a civilização ibérica – a de Oliveira
Martins –, não apenas na sua face propriamente histórica, quer dizer, na sua acção de expressão de uma
vontade política com autonomia no meio dos outros povos, era natural esperar que, na caracterização do
génio peninsular, encontrasse no paralelo entre Camões e Cervantes o seu objecto de peregrinação.
Próximos no tempo, tempo quase de pai primeiro e de filho segundo, soldados e poetas de um Portugal
e de uma Espanha no auge da sua afirmação, no tabular do mundo, esse paralelo devia iluminar, como nenhum
outro, o mistério do génio peninsular de que ambos se tornaram, até hoje, a expressão mítica.
Pode pensar-se, apenas por razões de patriotismo, que Oliveira Martins conferisse a Camões, nessa matéria,
um estatuto emblemático raro, em todo o caso diferente do que concede a Cervantes. Não se trata,
na sua perspectiva, de qualquer valoração de ordem literária, que seria absurdo, mas, unicamente, da diversa
relação do minhoto, como ele entende o génio peninsular. Sem hesitação, Oliveira Martins rotula Os Lusíadas
de testamento da Espanha, a Portugal coube, uma vez, a honra de ser o intérprete da civilização peninsular
perante o mundo. Esse livro, brasão da História de toda a Espanha e átomo redondo da nossa existência
nacional, é o Poema de Camões: Os Lusíadas.
Da visão de Oliveira Martins sobre a acção humana, histórica ou privada, faz parte a ideia de que a
vida em si mesma, na sua forma mais alta, é heroísmo em acto, o que quer dizer epopeia vivida. É o seu
ideal heróico voluntarista, pois pouca gente tem tido, entre nós, a consciência de que a outra face do
heroísmo é uma espécie de inversão dele, uma espécie de sentimento de que esse próprio heroísmo
confina com a celebridade do fracasso, ou ele mesmo pode não ter justificação realmente em si.
Porque é que Oliveira Martins consagra um capítulo da sua História da Civilização Ibérica a Camões?
Por razões de ordem patriótica, naturalmente, mas também pela sua própria visão do mundo como
fundamentalmente epopeica, mesmo se é uma epopeia condenada ao fracasso, de que os próprios Lusíadas
seriam exemplo.
No caso da relação de Os Lusíadas com a nossa acção no mundo, Oliveira Martins considera o Poema
como uma espécie de epitáfio da Nação ou mesmo a Bíblia da Nação. Era natural esperar que se
encontrasse outra forma de heroísmo, um outro género, que sugerisse a Oliveira Martins consagrar a
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
10

Cervantes um capítulo, não tão importante como essa decadência é menos um fruto das célebres três
o que consagra a Camões, mas, provavelmente, causas descobertas na Inquisição pelos Jesuítas, do que
ainda maior. Ignoro porque é que Oliveira Martins, o preço do seu histórico Quixotismo de que o literário,
na sua visão sintética e, ao mesmo tempo, histórica com o seu desengano, será apenas o melancólico reflexo.
e mítica do nosso passado peninsular, não reservou Escreve ele: «a Espanha de Filipe é a mesma de Jiménez;
a Cervantes a atenção singular que consagrou a o Portugal de D. João III é o mesmo de D. João II».
Inácio de Loyola e a Camões. Claro que ele não Não há sentimento nem ambições diversas, há apenas
ignora Cervantes! a sombra da velhice, o cansaço, depois da grande
Numa breve passagem da História da Península obra. Toda a energia vencida se perverte e, assim,
Ibérica aproxima Cervantes de um istmo activo do a Espanha, além de sofrer as consequências gerais
Dom Quixote, tão heróico como ele na vida, mas já desorganizadoras provocadas pelas descobertas,
firme de uma expressão de uma Espanha exausta sofria, particularmente, da perversão do espírito que,
de feitos épicos. nobre e entusiasticamente, avassalara a Europa.
Quando Filipe II era o monarca mais importante Indicando com mais precisão o lugar de Dom
do seu tempo, na Europa e, consequentemente, Quixote nesta poética de uma decadência heróica,
no mundo, segundo a nossa visão europeio-centrista, escreve: «a Espanha vê no título de Dom Quixote
mas Rei de uma Espanha que seria mais consciente a condenação dos antigos cavaleiros e aplaude essa
do que Portugal, que era, ao mesmo tempo, muito e sátira que noutro alcance seria apenas um brinquedo
nada, como os próprios Lusíadas o demonstram. erudito». Bem longe se escondiam, já no passado,
Esta imagem de Cervantes tornou-se, por assim as figuras dos “Amadís”. A cavalaria que Cervantes
dizer, Clássica. O seu livro, como “Bíblia do Desengano”, condena – escreve Oliveira Martins – não é, porém,
tem suscitado comentários sem fim. Na visão de só essa, é também a divina, o que ele acusa é a
Oliveira Martins, intrinsecamente dramática – não teimosia louca num heroísmo já sem significação
apenas como leitura de civilização de culturas ibéricas, nem alcance. Cervantes, em pessoa, fora mordido
mas como visão geral do mundo –, e, ao mesmo por esse vírus e, agora, velho e desenganado, o
tempo, pessimista e estóica um herói do desengano antigo humorismo dos graciosos da comédia
como Cervantes, devia encontrar uma compreensão castelhana encarna dentro dele produzindo uma
e até uma adesão íntima maior do que qualquer obra genial, embrulhado na capa esburacada,
outro autor. Afinal, e antecipando um desengano através da qual viu o sol a rir-se para ele.
mais profundo do que no séc. XVII ibérico, Cervantes O dualismo do drama espanhol aparece vivo na
poderia ser reclamado como patrono. Oliveira Martins biografia do escritor que, no final, conclui, condenando
tinha mais motivo do que ninguém para compreender em massa a nação cuja vida se reproduzia na sua.
o desengano positivo do mundo Barroco que Esqueçamos esta condenação que não existe no
Cervantes exemplifica, exorciza e transfigura, visto Dom Quixote, pelo menos na minha leitura. Retenha-
que essa atitude de Dom Quixote tem a virtude de mos apenas a dupla face de um livro de inicial
elevar o desengano particular de uma época tentação satírica, pouco a pouco submersa por uma
virtualmente épica e, ainda, a componente essencial compreensão de fundura incomparável da alma
do destino humano. humana que insufla nas proezas caricatas e sublimes
Cervantes aparece na História da Civilização da banda desenhada divina da nossa condição humana,
Ibérica no limiar daquilo que, durante três séculos, todo o peso daquela bondade que o seu contempo-
nós chamámos a decadência da Espanha e, mais lata- râneo Shakespeare comparava ao leite da vida.
mente, da nossa Península. Não há no Quixote o desdenhoso sorrir que
O livro imortal de Cervantes só com um roman- Oliveira Martins aí vê, mesmo associado a ironia
tismo acederá a um estatuto mítico de uma ilustração, penugenta, que mais certeiramente lhe associa.
de uma eterna luta entre o espírito e o real, que é, A poética do Dom Quixote revela daquela ironia
para Oliveira Martins, o eco sublimado da decadência transcendente que o autor da História de Portugal
histórica da Espanha. Mas, ao contrário de Antero, revê no seu amigo Antero e, talvez com mais
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
11

propriedade, de um humor transcendente que é A famosa e pertinente inscrição de Cervantes


uma novidade no olhar europeu, um riso ou um num espaço de liberdade de pensar e criticar é fruto
sorriso que sublinha a nossa impotência diante do da ironia do autor da luxúria e da loucura, Erasmo,
ideal, mas vive dele e o aproxima da nossa conatural e também do ambiente erasmista que a própria
e intrínseca fragilidade humana. Milagre sem Península há muito vivera, à sua maneira, mas que
repetição na nossa Península! Só nas páginas de se tornara o baluarte cultural e político contra a
Dixon, Dostoievsky ou de Tchecov conhecerá, um dia, Europa, cada vez mais protestante. Qualquer
uma versão comparada. versão da loucura era erasmista e a sua função
Como em todas as obras de génio, esse humor subversiva dos valores culturais de tradição medieval
transcendente que, no Dom Quixote, tanta origina- era não só perigosa, como impensável.
lidade encarna, não é a expressão de uma virtualidade A crítica do estado do mundo, a começar pelo
universal e abstracta da nossa condição, mas filha mais próximo, só pode ser feita de dentro, pondo
de um tempo. Tempo como história e tempo como a sociedade e os homens na cruz da sua contradição
cultura. Aquele que vive na Península como crepúsculo cristã ou latamente evangélica. Não à maneira de
de um Renascimento que, só por excepção, conhecemos. Alfonso de Valdês, fiel de um Gil Vicente sem mor,
Camões é, realmente, a excepção das excepções. mas à sua combatente de Deus em Lepanto,
A expressão da sua palinódia sob a forma maneirista, glorificando o Cecílio, chocando-se na sua vida de
antes de se tornar visão do mundo, na Idade Barroca. todos os dias contra uma sociedade, onde o abismo entre
Cervantes está entre tempos: o da idade crítica os ideais de justiça e de caridade pleonasticamente
e irónica de Erasmo, que nos aflorou mas não nos evangélicas era tão grande como o que separava os
penetrou, mesmo sob a forma hiperbólica de uma heróis da ficção cavaleiresca do comum dos mortais.
loucura onde toda a crítica do mundo e, antes de Se alguma vez tinha existido o mundo encantado
mais, da sua religiosidade tradicional era possível do Amadís, dos Cavaleiros da Tábula Redonda,
que o mundo de Quevedo já fosse o do desengano das aventuras assumidamente delirantes das
tolerante e melancólico do Dom Quixote, e o amargo novelas de cavalaria, nos novos tempos, na
desapiedado e ressentido do Buscón, ou da total impiedosa luta pelos bens do mundo desesperada
desilusão do Criticón que, em nome de uma fé pela conquista da América e pelo triunfo da idade
quase mágica, converte o mundo numa fantasmagoria burguesa, deixara de ser no mundo exemplar a
carnavalesca, digna de Jerónimo Bosh ou de Gil Vicente. ordem de ficção para se tornar no mundo de evasão
Já não sendo tão medieval como o dele, o mundo e, mais gravemente, de mentira.
de Cervantes é o mundo em que o riso e a graça Realista, lírica ou onírica, toda a dita época é
não vivem da sombra da maldade. Mais tarde, virtualmente alegórica, nela se inscrevendo o sentido
Baudelaire dirá o espírito do mal que na Modernidade da vida humana como destino transcendente, pelo
constituirá o seu ressort permanente. Também não é menos na Península. A humanidade não goza ainda
o da bondade de Rousseau onde não há lugar para de qualquer dignidade e, quando isso acontecer, a sua
ela, pela nossa condição, ser virtualmente paradisíaca. dignidade aliterária advém-lhe de uma denegação
No mundo de Cervantes, nem Deus está morto nem ou indiferença a essa finalidade transcendente.
o Diabo conduz o mundo, mas também não é o No tempo de Cervantes, toda a literatura séria
de Gil Vicente em que, graças aos Céus, o Diabo releva o sublime, como “Os Lusíadas”, com a sua
é o cómico por excelência e o terror que inspira e galateia. Todas as obras estão escritas ou visam
está ao serviço divino, como estratégia de Deus. escrever-se numa espécie de empírico literário.
O mundo de Cervantes é contra todos os sentidos, E talvez o género específico e a proeza literária
um mundo em estado de graça, não apenas para que o Dom Quixote representa não seja mais que
nos fazer rir ou sorrir fora da magnanimidade real uma invenção sem precedentes de ter feito baixar
ou virtual do sarcasmo, forte tradição peninsular, o sublime do céu à terra.
mas também de uma ironia que nunca foi muito a A famosa invenção do romance como realidade
nossa especialidade. moderna não consiste senão nessa transubstan-
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
12

ciação às avessas sob a máscara da paródia na com precisão, como se isso se tornasse contraditório,
aparência que já tinha servido Aristóteles para sair com frios de morte.
da Idade Média, positivamente ou magicamente, O livro por excelência deixara de ter leitura
continuando no Jardim da Armida. Cervantes apren- humana ou estava fechado. A literatura não é o
derá a lição e guardará a forma, invertendo o conteúdo, espelho da verdade se não for o lugar onde ela
revestindo e revestindo-se do seu herói do mundo vacila. Todo o programa da literatura futura está,
da loucura e inventando para tornar nossa a sua por assim dizer, inscrito no Dom Quixote.
mais original criatura: Sancho, o primeiro e o mais Primeiro que ninguém, Cervantes conheceu
genial dos heróis sem qualidade nenhuma, o mais esta vertigem num género mouro. Ele tinha escrito
universal pela sua ignorância não douta, uma um livro onde pusera já não só o seu género,
universalidade que é da sabedoria humana mais mas toda a sua vida. Um livro cuja profunda seriedade
próxima da inocência que podemos conceber. escapava aos que riam com ele e asseguravam o
Despida da sua máscara sibilina, a loucura sucesso inaudito. Esse livro, destinado a encantar os
quixotesca é a condição transcendental da sabedoria, séculos futuros era grosseiramente imitado e troçado.
do sonho que propícia uma vivência e um entendi- A sua vida, o seu sangue, a alma da sua alma, eram
mento do mundo e de nós mesmos ao rés da vida, apenas papel escrito. A este desafio sem precedentes
mas de uma vida elevada acima de si mesma pelo devemos a segunda parte do Dom Quixote, que não
combate heroicamente travado e perdido de é apenas uma tradicional continuação das aventuras
Dom Quixote. Qualquer que seja a ideia que se faça do ilustre fidalgo, como as que eram correntes na
da intenção ou das intenções de Cervantes ao escrever grande voga da segunda fase da ditadura de
o Dom Quixote, a sua intrínseca ambiguidade é cavalaria, mas que é verdadeiramente o terceiro
inseparável dela, como elmo de Mambrim, e terá Quixote, aquele que nunca teria existido sem a
sempre a dupla leitura da sua aparência e da sua misteriosa e eficaz impostura de Avelanede
enigmática proliferante e irredutível realidade. (confesso que no meu panteão privado guardo
É certamente o primeiro livro que se pode chamar sempre uma vela acesa em honra do famoso
“work in progress” ou livro “in fieri”. Assistimos à impostor). Sem ele não teríamos a segunda parte
sua génese e evolução, tanto na sua composição do Dom Quixote. A invenção do livro que não vive
rapsódica e recompiladora da primeira parte, como de paródia, ou da crítica à ficção como mentira do
na coerência e afirmação das personagens. Nada há mundo, mas da ficção como essência do livro, de
de mais elucidativo no Dom Quixote que o baptismo todos os livros e através dele da nossa incontornável
das personagens imortais, a hesitação em nomeá-las e interminável ficção.
La letra/las letras de los personajes cervantinos.
Materiales de escritura y escritores en el Quijote

Ana Martínez Pereira


Universidade do Porto

A estas alturas del año cervantino, y a estas alturas de los años –siglos– de crítica, poco más se puede
añadir sobre El Quijote y su autor, más que pequeñas pinceladas surgidas de lecturas personales.
Mis palabras serán sólo eso: una tenue pincelada sobre un detalle, un apunte sobre la presencia en
El Quijote de un elemento tan nimio y a la vez tan esencial como es la escritura.
Las letras, la lectura, los libros, la cultura, son mucho más que temas en esta obra: son su génesis,
su cuerpo y su alma. Es la literatura lo que persigue Don Quijote en la primera parte, y es la literatura la
que lo encuentra a él en la segunda.
La capacidad lectora de muchos de los personajes que desfilan a lo largo de las dos partes de la obra,
así como sus lecturas, han sido ampliamente analizadas por la crítica, empezando por la propia cultura
que exhibe Don Quijote, lector y estudioso autodidacta que no sólo conoce al dedillo todas las historias
de caballerías, sino que demuestra en sus correrías un generoso conocimiento de las artes y la filosofía.
No ha merecido la misma atención, sin embargo, la presencia abundante de la habilidad escritora,
menos generalizada en nuestro Siglo de Oro.
Son muchas las situaciones en las que la escritura se erige en protagonista de la historia, en vehículo
esencial de la misma. Algunas de esas situaciones son las que quiero comentar, considerando la escritura
desde sus aspectos más técnicos, que van desde el momento de su aprendizaje hasta los usos que cada
uno otorga a esta práctica; veremos también los utensilios que se emplean para escribir y los soportes,
evidentemente relacionados con el uso y la función de la escritura. Nos olvidaremos (casi completamente,
casi) del significado textual de esa escritura.
En los siglos XVI y XVII había varios modos de acceder al conocimiento de las primeras letras.
El curriculum escolar básico consistía en leer, escribir, contar y doctrina cristiana, y podía ser impartido
en una escuela parroquial o municipal, o bien por maestros particulares que atendían a uno o varios niños
al mismo tiempo. Era además habitual que una primera parte del aprendizaje se realizara en el propio hogar,
muchas veces la única enseñanza que recibían las niñas. En las poblaciones en las que había maestro de
primeras letras, contratado por el Ayuntamiento, se puede suponer que todos los niños podrían estar
escolarizados, pero la realidad no era esa: la población, mayoritariamente rural, contaba con el trabajo de
los niños desde una edad muy temprana, y la escuela era siempre algo secundario. Lo vemos en el propio
hijo de Sancho cuando, antes de comenzar la tercera salida, Sancho conversa con su mujer Teresa Panza
y esta le dice: «Advertid que Sanchico tiene ya quince años cabales, y es razón que vaya a la escuela, si es
que su tío el abad le ha de dejar hecho de la Iglesia»1. Es una edad muy tardía para ir a la escuela, incluso

1 Segunda parte, Cap. V, p. 665. Todas las citas remiten a la siguiente edición: Miguel de Cervantes, Don Quijote de la
Mancha (dir. Francisco Rico), Barcelona: Instituto Cervantes/Crítica, 1998.
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
14

para la escuela de gramática, posterior a la de primeras Tampoco se regodea Cervantes en la descripción


letras, y en este contexto sólo puede entenderse de de los malos tratos que habitualmente se infringían
forma burlesca, en la que se resalta la ignorancia a los niños en todas las escuelas, entre otras razones,
de los padres y, tal vez, algo de inocencia. porque son muy pocos los niños que aparecen en
En las ciudades el desamparo de muchos niños El Quijote: tan solo se menciona la infancia en los
era aun peor, con un incremento del abandono y el muchos relatos biográficos que hay en la obra,
vagabundeo desde la segunda mitad del siglo XVI. destacándose en alguno de ellos la educación que
Pero incluso estos niños que, huérfanos, vagaban han tenido sus protagonistas en esa etapa de su
por las calles de las grandes ciudades, eran en vida. En El Quijote los personajes adquieren vida
ocasiones recogidos por las Escuelas de la Doctrina, propia a partir de los 13-14 años, no como niños,
donde se les proporcionaba una educación muy sino como jóvenes que comienzan a participar de
elemental y se les iniciaba en el arte de pedir y servir. la sensualidad y del amor; en esta obra el amor
La lectura y la escritura formaban parte de esta apasionado es siempre entre jóvenes (sin olvidar,
enseñanza (no tanto en las niñas, para quienes las por supuesto, el de Don Quijote hacia Dulcinea).
normas de los colegios establecían que sólo en los Para la mayoría de estos jóvenes amantes
casos en los que la alumna mostrara decidida cervantinos, el ejercicio de la escritura forma parte
inclinación y habilidad hacia la escritura, se le de su vida cotidiana, pero resulta algo excepcional
facilitaría ese aprendizaje). en el periplo de muchos otros. Cervantes utiliza la
Las referencias a la crueldad que se ejercía sobre escritura de sus personajes de forma interesada para
estos niños, así como la pésima calidad de sus maestros su relato, obviamente, y por ello en ocasiones pone
y la dureza de sus métodos, eran materia común la pluma en manos inesperadas. La determinación
en la literatura de la época. Cervantes menciona estilística de Cervantes hacia la verosimilitud,
en dos ocasiones a estos niños y niñas de la que intentó llevar a la práctica en todas sus obras,
doctrina, las dos en un contexto en el que se pone le conduce a la necesidad de explicar la capacidad
de relieve la caridad de Sancho hacia estos niños. escritora de algunos personajes en quienes el lector
La primera ocasión es cuando Sancho se lamenta extrañaría ese conocimiento. No así con los de más
de tener que acompañar a su amo volando sobre elevada posición social, a quienes ya se les supone
Clavileño, en otra de las crueles bromas forjadas ese dominio desde una edad temprana y no por
por los duques, en la Segunda Parte. Muy sensatamente ello hay que explicarlo.
se queja Sancho: «Cuando esa caridad se hiciera Lo que sí parece ser general, sin distinción de
por algunas doncellas recogidas o por algunas niñas cuna, es el acceso a los libros de caballerías, o más
de la doctrina, pudiera el hombre aventurarse a que a los libros, a las aventuras en ellos contadas.
cualquier trabajo; pero que lo sufra por quitar No podía ser de otro modo, ya que de esta referencia
barbas a dueñas, ¡mal año!»2. La segunda vez, en cultural parte precisamente la historia y es lo que
boca del mismo Sancho, cuando en una carta la justifica. El primer ejemplo lo tenemos en el ventero
informa a su amo de la marcha de su gobierno en de la primera venta que Don Quijote confunde con
la ínsula Barataria y le explica su decisión de ofrecer castillo y en la que es armado caballero. Este hombre
a estos niños todas las avellanas que, con engaños, parece conocer bien el estilo y los contenidos de
vendía una mujer en el mercado3. (Pero la verdadera los libros de caballería, aunque en este caso no se
dimensión de la amarga vida de estos niños alcanza nos explica cómo pudo adquirir este hombre esos
su más patética realidad en el relato que de su vida conocimientos4. Sabemos de algunos personajes
nos hace Pedro de Urdemalas en la pieza teatral lectores de este tipo de obras, pero hay otros en los
del mismo título, del mismo Cervantes.) que ese conocimiento se produce a través del oído:

2 Segunda parte, Cap. XL, p. 954.


3 Segunda parte, Cap. LI, p. 1051.
4 Primera parte, Cap. III.
La letra/las letras de los personajes cervantinos. Materiales de escritura y escritores en el Quijote
15

no de otro modo ha podido acceder a estas historias parte, se niegan a leerle a Don Quijote las sentencias
la prostituta que acompaña al ventero cuando arma y acusaciones de cada uno de los reos, por lo que
caballero a Don Quijote, la cual hace alarde de un debe preguntarles directamente a ellos. Los guardias
dominio completo del lenguaje técnico de tal cere- no leen las sentencias no porque no sepan, sino por
monia, empleando ella misma el formulismo final falta de tiempo y ganas. Más tarde, cuando ya de
más adecuado: «Dios haga a vuestra merced muy regreso a la aldea están en la venta de Juan Palomeque,
venturoso caballero y le dé ventura en lides»5. un cuadrillero de la Santa Hermandad pretende
Durante toda la obra queda claro el conocimiento prender a Don Quijote pues recuerda que lleva un
que la mayoría de las mujeres demuestra hacia la mandamiento contra él; este guardia llevaba los
literatura caballeresca, tanto que Dorotea puede documentos en un «pergamino», que debe entenderse
fingir a la perfección el papel de dama en apuros, como una cartera «y poniéndosele a leer despacio,
y en la casa de los duques es la duquesa quien parece porque no era buen lector, a cada palabra que leía
controlar mejor las situaciones inventadas. ponía los ojos en Don Quijote»7. Si su lectura es
De este primer ventero nos queda constancia, torpe, no debemos esperar mayor destreza en la
además, de que sabía escribir y contar, pues es con escritura; quizá incluso no debemos esperar que
un libro de cuentas con el que toma juramento a sepa escribir en absoluto.
nuestro hidalgo aventurero: «Advertido y medroso Muchos padres que contrataban un maestro para
desto el castellano, trujo luego un libro donde asentaba sus hijos esperaban con ello facilitar a los vástagos
la paja y cebada que daba a los arrieros»6. La dedi- una mejor situación para acceder a un trabajo de mayor
cación al comercio, fuera este de la clase que fuera, prestigio y ganancia, como era el de escribano
siempre requería unos básicos conocimientos de público. En estos casos, el nivel de lectura y escritura
aritmética para llevar las cuentas y una mínima habili- exigidos era muy superior a los adquiridos por los
dad con la escritura para poder anotar y comprender mercaderes, ya que el propio oficio consistía en ello.
esas mismas cuentas o los cambios de monedas. Son varios los escribanos que aparecen en El Quijote.
Es frecuente encontrar contratos de maestros Cuando luchan a espada los dos estudiantes que,
con alumnos (más bien con sus padres), en los que junto a dos labradores, viajan hacia la boda de Camacho
la enseñanza del arte de contar era una exigencia y Quiteria, a los que se unen Don Quijote y Sancho,
prioritaria debido a la intención de introducir al hay un labrador del que se dice que era escribano,
niño en el negocio familiar o colocarlo como pupilo y es quien da fe del final de la lucha y del ganador8.
en algún oficio. Este aprendizaje interesado o En los pueblos pequeños era habitual esta situación:
profesional de la escritura podía llevar a distintos un labrador, ventero o comerciante, que hacía funcio-
grados de especialización. Este del ventero sea nes de escribano, ya que el poco volumen de papeleo
quizás el más básico: la escritura como herramienta generado por el lugar no permitía la contratación
no esencial para la realización de ese trabajo, pero de un escribano público cuyo sueldo debía salir de
sí muy útil para evitar engaños y poder controlar las arcas del ayuntamiento más cercano.
uno mismo su negocio. Similares funciones realizan otros dos escribanos
Lo mismo se podría decir de los guardias o que aparecen casi al final de la obra. Álvaro Tarfe,
cuadrilleros que aparecen en la historia. En principio personaje de Avellaneda, se encuentra con Don
no parece una profesión que exigiera demasiada Quijote en un mesón. Este le hace declarar por
cultura, pero algunos de ellos deberían saber leer escrito, ante el alcalde y un escribano, que él es el
al menos. Los primeros que aparecen, aquellos que verdadero Don Quijote y no el que él sirvió9. Y ya
llevan encadenados a los galeotes en la primera al final de sus días, Don Quijote pide un escribano

5 Primera parte, Cap. III, p. 61.


6 Primera parte, Cap. III, p. 60.
7 Primera parte, Cap. XLV, p. 528.
8 Segunda parte, Cap. XIX, p. 789.
9 Segunda parte, Cap. LXXII, p. 1208.
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
16

para hacer testamento, no porque él estuviera Este grupo de los escribanos y el cronista que
impedido de escribir, sino porque era necesaria su escribe sobre el gobierno de Sancho en la ínsula
presencia y su firma para dar fe y para validar el Barataria, son los que pueden considerarse profesio-
documento10. No es el mismo caso del protagonista nales de la escritura. Tal vez habría que añadir al guía
de la Novela del Curioso Impertinente, Anselmo, que conduce a Don Quijote a la cueva de Montesinos,
quien al final de sus días pide «aderezo de escribir», escritor de libros de los que se imprimen y van
para dejar en sus últimos momentos de vida dedicados a grandes señores. El tratamiento de este
constancia de aquello que le había sucedido. No le escritor como profesional resulta burlesco,
dio tiempo a terminar y lo encontraron «tendido precisamente por la dificultad que existía en ser
boca abajo, la mitad del cuerpo en la cama y la un profesional de la escritura a tiempo completo,
otra mitad sobre el bufete, sobre el cual estaba con sin protección y sin mecenas, difíciles de conseguir.
el papel escrito y abierto, y él tenía aún la pluma En los temas absurdos que trata este autor en sus
en la mano»11. En este caso no estamos ante un libros se ve una crítica al exceso de libros impresos
documento oficial, sino frente a una memoria que algunos consideraban innecesarios13. Y aún
personal, un relato autobiográfico. tendríamos que incluir entre los profesionales a
También Sancho, durante su gobierno en Barataria, Cide Hamete, ya que en la segunda parte aparece
necesita de los servicios de un escribano cuando casi como un personaje más, interviniendo en la
recorre las calles haciendo la ronda, el cual debe narración con anotaciones al margen.
tomar nota de los casos con los que se encontraren. Pero no son estos los únicos personajes que
Suponemos que es el mismo al que en otras emplean la escritura. Veremos que entre los no
ocasiones Sancho se dirige nombrándolo secretario. profesionales los hay de dos tipos, o más bien de
Veamos un interesante pasaje, cuando Sancho tres: aquellos que por su origen noble o adinerado
recibe correo del duque: han sido enseñados de niños, frente a los de origen
«(…) y sacando un pliego del seno, le puso humilde, incluso marginal, en quienes su práctica
en las manos del gobernador, y Sancho le puso de la escritura debe ser explicada por no ser algo
en las del mayordomo, a quien mandó leyese «natural» y previsible de su condición; un tercer
el sobrescrito, que decía así: A Don Sancho grupo lo formarían aquellos que parecen estar en
Panza, gobernador de la ínsula Barataria, el segundo grupo pero que en algún momento de
en su propia mano o en las de su secretario. la historia, se revela su origen acomodado: en estos
Oyendo lo cual Sancho, dijo: casos la escritura es una de las marcas que indica
– ¿Quién es aquí mi secretario? su condición noble o su riqueza.
Y uno de los que presentes estaban respondió: Compartiendo un mismo espacio, un espacio
– Yo, señor, porque sé leer y escribir, y soy bucólico, nos encontramos con estos tres grupos
vizcaíno. de escritores no profesionales. Después de su lucha
– Con esa añadidura –dijo Sancho– bien con el vizcaíno Sancho y Don Quijote vuelven al
podéis ser secretario del mismo emperador. camino y pasan la noche en compañía de unos
Abrid ese pliego y mirad lo que dice»12. cabreros que escuchan atónitos la retórica de Don
Tenían fama los vizcaínos de tener buena letra, Quijote. Entre ellos destaca un «zagal muy entendido
y muchos escribanos eran vascos. También de esta y muy enamorado y que, sobre todo, sabe leer y
tierra fueron los primeros calígrafos que publicaron escribir y es músico de un rabel, que no hay más
manuales de escritura en España. que desear» 14. Cervantes debe destacar estas

10 Segunda parte, Cap. LXXIIII, p. 1218.


11 Primera parte, Cap. XXXV, p. 422.
12 Segunda parte, Cap. XLVII, pp. 1007-1008.
13 Segunda parte, Cap. XXIIII, p. 830.
14 Primera parte, Cap. XI, p. 124.
La letra/las letras de los personajes cervantinos. Materiales de escritura y escritores en el Quijote
17

cualidades del zagal porque, por su ocupación, no Los verdaderos pastores y gente de campo no
era esperable que supiera escribir. hacen uso de la escritura, a no ser ese primer pastor
Sin embargo, de los fingidos pastores Crisóstomo que les presenta la historia de Grisóstomo y
y Marcela no debemos dudar de que sabían escribir. Marcela y que ya vimos que su capacidad escritora
De Crisóstomo se nos dice que era «famoso pastor era subrayada como algo diferente, excepcional.
estudiante», «hijodalgo rico» que estudió muchos De forma similar ocurre en otros personajes: Ginés
años en Salamanca y volvió «muy sabio y muy de Pasamonte o el bandolero Roque Guinart.
leído». Es además autor de coplas, villancicos y Entre los reos que libera Don Quijote en la
autos, y ha cubierto el bosque del nombre de primera parte está claro que no falta el ingenio,
Marcela, escrito en la corteza de los árboles15. pero tal vez sí las letras. Uno de ellos va en «hábito
También él mismo escribe su testamento, un testa- de estudiante» y se dice que es «muy gentil latino»,
mento muy literario, diferente al que leeremos de lo cual, en este pasaje germanesco, es una alabanza
Don Quijote al final de la obra. Crisóstomo deja a la sagacidad del delincuente18. Mención aparte
escrito en su testamento que le entierren junto a merece el último reo: Ginés de Pasamonte. Su aspecto,
todos sus escritos y algunos libros de poseía, pero su tono orgulloso y los cuidados con los que va
Vivaldo consigue alcanzar algunos y salvarlos de encadenado ya nos señalan la excepcionalidad de
las llamas, entre ellos esa última «Canción deses- este personaje cuya personalidad es destacada entre
perada» que escribió antes de morir y que da inicio la de sus compañeros. Además sabe escribir, y ha
al capítulo XIV. escrito nada menos que su propia vida («cuya vida
De Marcela sabemos que también posee riquezas está escrita por estos pulgares», nos dice)19. Ante
y su retiro en los bosques es voluntario. Nada se la autoconfesión de escritor, inaudita, el guarda
nos dice sobre la formación de Marcela, pero su corrobora: «Dice verdad (…) que él mesmo ha escrito
discurso no deja dudas sobre su cultura. su historia, que no hay más que desear, y deja empeñado
No son los únicos pastores o cabreros que el libro en la cárcel en docientos reales»20.
aparecen en la novela, y todos ellos parecen hacer Justo antes de entrar en Barcelona, en su encuentro
cierta la frase que el cura, ya en el cap. L, le dice a con el bandolero Roque Guinart, hay un momento
uno de ellos: «Eso creo yo muy bien –dijo el cura–, en el que el bandolero pide «aderezo de escribir,
que ya yo sé de esperiencia que los montes crían de que siempre andaba proveído», para hacer un
letrados y las cabañas de los pastores encierran salvoconducto a unos viajeros y que no fueran
filósofos»16. molestados durante el camino. Esta capacidad de
De camino a Zaragoza (finalmente será Barcelona), escribir no es habitual en un bandolero; tampoco
ya fuera de la casa de los duques, Don Quijote y lo son los modos y el habla de Roque, que ya llaman
Sancho se encuentran con una gente, hidalgos y la atención de Don Quijote. No llega a explicarse
doncellas, que se han disfrazado de pastores y han el origen de este bandolero, dejándonos en un
fingido una Arcadia. Se subraya el hecho de que misterioso: «Yo de mi natural soy compasivo y
sean hidalgos, ya que no es un entretenimiento bienintencionado, pero, como tengo dicho, el querer
propio de labradores. Se han aprendido incluso dos vengarme de un agravio que se me hizo, así da con
églogas para recitar por los campos: una de todas mis buenas inclinaciones en tierra, que
Garcilaso y otra «del excelentísimo Camoens en persevero en este estado, a despecho y pesar de lo
su misma lengua portuguesa»17. que entiendo»21.

15 Primera parte, Cap. XII, p. 133.


16 Primera parte, Cap. L, p. 575.
17 Segunda parte, Cap. LVIII, p. 1101.
18 Primera parte, Cap. XXII, p. 241.
19 Primera parte, Cap. XXII, p. 242.
20 Primera parte, Cap. XXII, p. 243.
21 Segunda parte, Cap. LX, p. 1125.
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
18

La maleta perdida de Cardenio nos da ocasión de Don Quijote refleja varios tópicos sobre la
para algunos episodios y elementos interesantes escritura en el Siglo de Oro. Leamos:
relacionados con la escritura. El primero ese «– Así es la verdad –dijo el de la Triste
«librillo de memoria ricamente guarnecido»22 en Figura–, pero ¿qué haremos para escribir la carta?
el que Cardenio dejaba constancia de sus lamentos – Y la libranza pollinesca también –añadió
amorosos expresados en cartas nunca enviadas y Sancho.
en poemas, todo ello escrito «en borrador, aunque – Todo irá inserto –dijo Don Quijote–;
de muy buena letra». Esta «buena letra» indica una y sería bueno, ya que no hay papel, que la
esmerada formación del escriba y, posiblemente, escribiésemos, como hacían los antiguos,
un origen noble, como bien deduce Don Quijote, en hojas de árboles o en unas tablitas de cera,
quien «conjeturando por el soneto y carta, por el aunque tan dificultoso será hallarse eso ahora
dinero en oro y por las tan buenas camisas, que como el papel. Mas ya me ha venido a la
debía de ser algún principal enamorado»23. memoria dónde será bien, y aun más que bien,
En la historia de Cardenio aparecen los muchos escribilla, que es en el librillo de memoria que
billetes que escribió a su amada Luscinda y las fue de Cardenio, y tú tendrás cuidado de hacerla
respuestas de ella. Su habilidad escritora es también trasladar en papel, de buena letra, en el primer
la del creador, ya que le escribía canciones y lugar que hallares donde haya maestro de
poemas. Una carta es la que lo separa de Luscinda, escuela o de muchachos, o, si no, cualquiera
la que escribe el duque Ricardo solicitando su sacristán te la trasladará; y no se la des a
compañía para su hijo, hermano mayor de Don trasladar a ningún escribano, que hacen letra
Fernando. Un billete, esta vez escrito por Cardenio, procesada, que no la entenderá Satanás»25.
será también origen de la traición de Don Fernando. Sancho, hombre práctico, hace objeción de la firma:
Luscinda se presenta como aficionada a la lectura: si se traslada la firma no podrá ser la original. «Nunca
«habiéndome pedido Luscinda un libro de caballerías las cartas de Amadís se firman», responde Don Quijote
en que leer, de quien era ella muy aficionada, que era ya situado de nuevo en su mundo literario. A Sancho,
el de Amadís de Gaula…»24. sin embargo, le preocupa más la libranza que le
Las cartas juegan un papel importante en las recompensará de la pérdida de su asno, documen-
diferentes historias. También en la propia historia to cuya validez depende de la firma. Esa cédula
de nuestro hidalgo. En el cap. XXV, Don Quijote que escribirá Don Quijote inmediatamente después
decide retirarse, como Beltenebros, a hacer penitencia de la carta dirigida a Dulcinea contrasta notablemente
en Sierra Morena. Para informar de la fingida con esta última. Don Quijote sabe cuándo debe
situación dolosa envía una carta a Dulcinea a través volver a la realidad de los otros y el documento
de Sancho, y espera respuesta escrita de su amada, que le escribe a Sancho es técnicamente perfecto,
aunque luego afirma que «a lo que yo me sé acordar, escrito con la claridad y los formulismos exigidos,
Dulcinea no sabe escribir ni leer y en toda su vida sin asomo de todo el ornato que anteriormente
ha visto letra mía ni carta mía». Era de esperar había volcado sobre la carta a Dulcinea.
que Aldonza Lorenzo no supiera escribir y la Don Quijote demuestra conocer algo de historia
situación contraria hubiera quebrado la verosimilitud de la escritura al mencionar esas tablitas de cera y
de la historia. hojas de árboles que, en otros tiempos, sirvieron
Antes de conocer el contenido de esta carta se de soporte para la escritura. Las otras referencias
plantea el problema de dónde escribirla para que proceden de la experiencia y del tópico –muy
Sancho la haga llegar a Dulcinea. Todo el parlamento justificado– sobre la mala letra de los escribanos.

22 Primera parte, Cap. XXIII, p. 252.


23 Primera parte, Cap. XXIII, p. 255.
24 Primera parte, Cap. XXIIII, p. 264.
25 Primera parte, Cap. XXV, p. 282.
La letra/las letras de los personajes cervantinos. Materiales de escritura y escritores en el Quijote
19

A los maestros de escuela no se les exigía poseer También Don Quijote, como Grisóstomo,
una gran cultura, pero sí un buen conocimiento emplea la corteza de los árboles en su retiro en
práctico de las artes de escribir. Aunque en el Siglo Sierra Morena para grabar los versos que le
de Oro fueron blanco de numerosas críticas por su inspiraba el recuerdo de Dulcinea. Se dice que
incapacidad pedagógica, por su incultura, e incluso empleó también la arena, blando soporte de una
por la mala letra que enseñaban, Cervantes parece efímera escritura28. Tan sólo unas pocas coplas
valorar positivamente a estos profesionales. Vuelve a talladas en la corteza de los árboles pudieron ser
hacerlo así cuando en la segunda parte, en casa de recuperadas y ser incluidas en esta historia.
los duques, la dueña Rodríguez entra en el aposento Nuestro más ilustre analfabeto es, sin duda,
de Don Quijote y le cuenta su vida, hablándole el propio Sancho Panza. Sancho reconoce que no
entre otras cosas, de su hija, que «canta como una sabe leer ni escribir: «La verdad sea –respondió
calandria, danza como el pesnamiento, baila como Sancho– que yo no he leído ninguna historia jamás,
una perdida, lee y escribe como un maestro de porque ni sé leer ni escrebir»29; en el cap. XXVI,
escuela y cuenta como un avariento»26: todo son vuelve a afirmar «no sé la primera letra del abecé»30.
comparaciones positivas, incluida la del maestro Pero no por eso carece de la educación básica que,
de escuela. Los archivos nos demuestran que sobrepasando el ámbito escolar, alcanzaba a la
Cervantes era demasiado optimista y que no todos generalidad de los muchachos; así, en el cap. XX,
los maestros de escuela poseían estas dotes de demuestra conocer (con mayor o menor memoria)
perfección a la hora de escribir, pero sin duda su las sentencias del pseudo Catón que fueron lectura
oficio les obligaba a tener una letra, al menos, clara. de formación infantil muy difundida31. Cuentos,
Los escribanos públicos, por el contrario, fueron consejas y refranes tampoco faltan en la formación
deteriorando su estilo de escritura a favor de la máxima de Sancho, exponente de una cultura oral muy
rapidez y mayor espacio, ya que cobraban por línea presente en esa época. En el cap. XXV, hace mención
escrita. El resultado es esa endemoniada letra de las Fábulas de Esopo, otro de los librillos
procesal a la que se refiere con horror Don Quijote. aconsejables para los niños: «Si ya quisiera la suerte
Vemos que el librillo de memoria de Cardenio que los animales hablaran, como hablaban en
es reutilizado ahora por Don Quijote de dos maneras tiempo de Guisopete, fuera menos mal, porque
muy diferentes. Sirve, por una parte, para contener departiera yo con mi jumento lo que me viniera
el borrador de la carta a Dulcinea, que después en gana»32. El labrador que camina de noche por
deberá ser trasladada a un papel. Es el mismo uso El Toboso, y el mismo Sancho, conocen perfectamente
que le había dado Cardenio. Pero además le sirve el romance de Gaurinos «Mala la hubistes, franceses,
a Don Quijote como soporte de un documento | en esa de Roncesvalles», muchas veces publicado
legal, esa libranza que le exige Sancho para pagar en pliegos sueltos y que debían de conocer por
su asno perdido. No era este el uso habitual de los haberlo escuchado cantar, más que leer33. Sancho,
libros de memoria que, aunque poco definidos y en esta segunda parte, hace un uso del romancero
de contenido tan variado como cada uno de sus que no veíamos en la primera parte.
poseedores, deben entenderse como anotaciones También él hace uso de las epístolas en la novela.
personales sin validez legal. Así se lo explicará más En una primera informa a su mujer de su nombra-
tarde a Sancho el cura de su pueblo, cuando se miento como gobernador: él debe dictar la carta,
encuentren en la venta de Juan Palomeque27. ya que vuelve a repetir (esta vez a la duquesa) que

26 Segunda parte, Cap. XLVIII, p. 1020.


27 Primera parte, Cap. XXVI, p. 296.
28 Primera parte, Cap. XXVI, p. 292.
29 Primera parte, Cap. X, p. 114.
30 Primera parte, Cap. XXVI, p. 297.
31 Primera parte, Cap. XX, p. 212.
32 Primera parte, Cap. XXV, p. 271.
33 Segunda parte, Cap. IX, p. 698.
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
20

él no sabe leer ni escribir, pero esta vez añade que por algo burlón, y así, dio un bollo y dos huevos a
sí sabe firmar34. Era esa una situación común en el un monacillo que sabía escribir, el cual le escribió
Siglo de Oro, ya que la firma podía ser necesaria en dos cartas, una para su marido y otra para la
muchos documentos. duquesa, notadas de su mismo caletre»37. (Teresa
Las cartas entre Sancho y su mujer, o las que Panza hace bien en dudar de Sansón Carrasco.)
ellos escriben a los duques y a Don Quijote, no Sancho debe cuidar aun más su recepción de
tienen la misma categoría que las cartas de los cartas cuando es gobernador, ya que siempre se
personajes de más alto nivel cultural: es siempre encuentra rodeado de gente. Por ello, cuando recibe
un recurso cómico. La forma de recepción y carta de Don Quijote, Sancho le dice al secretario
emisión es siempre indirecta, ya que necesitan de «que si no viniese en ella alguna cosa digna de
la participación de varios intermediarios: uno secreto, la leyese en voz alta»38. El secretario, pues,
primero que la escriba y otro que la lea en el lugar primero la lee para sí y después en voz alta: «Bien
de destino. se puede leer en voz alta, que lo que el señor Don
Cuando Sancho se ve obligado a relatar a Don Quijote escribe a vuestra merced merece estar
Quijote su falso encuentro con Dulcinea, le es estampado y escrito con letras de oro». Sancho le
preciso dar detalles sobre la reacción de la responde por vía del secretario, aunque le ordena
muchacha al leer la carta de Don Quijote. «La carta que no cambie ni una coma de lo que él le dicte,
–dijo Sancho– no la leyó, porque dijo que no sabía otro de los peligros que debían temer todos
leer ni escribir, antes la rasgó y la hizo menudas aquellos que necesariamente tenían que confiar en
piezas, diciendo que no la quería dar a leer a nadie, la fidelidad del escribano.
porque no se supiesen en el lugar sus secretos»35. Sancho parece desenvolverse bien en la Ínsula,
Generalmente, en las aldeas aquellos que no sabían a pesar de su falta de formación. Los habitantes
leer llevaban las pocas cartas recibidas al cura para del lugar que le han dado como ínsula se admiran
que se las leyera. En este caso, Sancho, al mentir a de la cordura de Sancho, «un hombre tan sin
su amo, consigue acomodarse al que sería un letras»39. Ellos, Don Quijote y, en menor medida,
sentimiento de pudor en Dulcinea, y así se inventa el propio Sancho parecen ser los únicos preocupados
esa destrucción de la carta para que no sea conocido por esta carencia. Ante el cercano destino como
de nadie su contenido. Más tarde, cuando Teresa gobernador en la ínsula que el duque le ofrece,
Panza reciba carta de su marido y de la duquesa se Sancho vuelve a reconocer sus pocas letras: «Letras
mostrará menos precavida para escuchar las cartas –respondió Sancho–, pocas tengo, porque aún no
recibidas, pero en cambio sí cuidará de que su sé el abecé, pero bástame tener el Christus en la
respuesta no sea conocida de todos. memoria para ser buen gobernador»40. Es decir,
Se dice en la novela que Teresa, después de que ni siquiera la cartilla ha aprendido, pero sí es
conocer el contenido de las cartas «Salióse en esto buen cristiano. Don Quijote, cuando le da sus
Teresa fuera de casa con las cartas, y con la sarta al consejos para gobernar, sí le plantea el problema
cuello, e iba tañendo en las cartas como si fuera un de que no sepa leer ni escribir, por el mal efecto
pandero»36. La carta la leen, por fin, el cura y el que hace en un gobernador ya que, dice, es señal
bachiller, y este último «se ofreció de escribir las de su origen demasiado humilde o bajo, o de que
cartas a Teresa de la respuesta, pero ella no quiso fue un niño «tan travieso y malo, que no pudo
que el bachiller se metiese en sus cosas, que le tenía entrar en él el buen uso ni la buena doctrina»41.

34 Segunda parte, Cap. XXXVI, p. 931.


35 Primera parte, Cap. XXXI, p. 360.
36 Segunda parte, Cap. L, p. 1039.
37 Segunda parte, Cap. L, p. 1044.
38 Segunda parte, Cap. LI, p. 1048.
39 Segunda parte, Cap. XLIX, p. 1025.
40 Segunda parte, Cap. XLII, p. 968-969.
41 Segunda parte, Cap. XLIII, p. 976.
La letra/las letras de los personajes cervantinos. Materiales de escritura y escritores en el Quijote
21

Le aconseja que al menos aprenda a firmar, a lo que que los amantes han vuelto a su ser y las dueñas
Sancho responde que ya sabe, en «unas letras como han perdido las barbas. Lo hace sobre un blanco
de marca de fardo», es decir, grandes, mayúsculas pergamino de vitela colgado de una lanza y escrito
probablemente, y no muy rectas. Atiende al pedido con letras doradas45.
de Sancho de que le dé por escrito los consejos Por último, en la pared, frente a la silla del
para que, en caso de que se le olviden, pueda pedir juzgado al que llevan a Sancho para que tome
a alguien que se los lea. posesión de gobernador en la ínsula Barataria hay
Hasta ahora hemos visto diversos tipos de textos «unas grandes y muchas letras» que Sancho no
escritos sobre variadas superficies: sentencias, entiende y hace que se las lean, las cuales son una
documentos notariales, testamentos, cuentas, inscripción en la que queda constancia de la fecha
cédulas, poemas y canciones, cartas y billetes, libros, en la que él tomó posesión46.
hasta un salvoconducto, escritos básicamente sobre En estos últimos ejemplos nos hemos encontrado
pliegos de papel, en un libro de cuentas, un librillo con textos o palabras escritos sobre una lápida de
de memoria, pero también en la corteza de los metal, un pergamino con letras doradas, y una pared
árboles o sobre la arena. Pero no son estas las únicas incisa, superficies todas ellas de gran resistencia y
letras que vemos en El Quijote. que por ello acogen textos que deben perdurar en
En las bodas de Camacho encontramos nuevos el tiempo, como la limpieza que exhibe Sancho en
soportes escriturarios: los que ofrecen las procesiones el comer, que según Don Quijote «se puede escribir
y danzas festivas que preceden a la celebración de la y grabar en láminas de bronce, para que quede en
boda (que nunca se llevará a cabo). Algunos danzantes memoria eterna en los siglos venideros»47.
llevan carteles a sus espaldas que identifican la La corteza de los árboles también puede conside-
alegoría que representan, o los carros y arquitecturas rarse un material perdurable. Grisóstomo acompaña
efímeras que portan también carteles con leyendas el nombre grabado de Marcela con una corona,
y empresas42. Veremos a Don Quijote en una haciendo con ello una especie de empresa o emblema
situación similar cuando Antonio Moreno lo pasee de la amada48. La función sería similar a la figura,
por Barcelona, vestido con cierta elegancia y con «triste figura», que Don Quijote planea pintar en
un pergamino cosido a sus espaldas, sin que él lo su escudo, esta sí verdadera empresa que lo define
supiera, que decía «Este es Don Quijote de la Mancha», e identifica49. Es esta la superficie que en principio
con lo cual todos los que lo leían lo nombraban al pasar, escoge Don Quijote para dejar memoria de su
sorprendiendo a Don Quijote su propia fama43. derrota: ya vencido, a la salida de Barcelona, piensa
Al final de la historia que cuenta la dueña por un momento en colgar sus armas de un árbol,
Dolorida vemos unas letras en siríaco escritas sobre como un trofeo, y grabar en el árbol unos versos
una lápida de metal, en las que se reta a Don Quijote sacados del Orlando furioso, aunque finalmente
para desencantar a los amantes Don Clavijo y la abandona la idea50.
infanta Antonomasia, convertidos en mona y en El uso del pergamino da idea de antigüedad y,
cocodrilo por el gigante-mago Malambruno44. por tanto, de verdad. Al final de la primera parte,
De nuevo el mismo mago/gigante Malambruno se habla de unos versos que se encontraron en
se comunica por escrito con Don Quijote para hacerle «unos pergaminos escritos con letras góticas»,
saber que ha terminado con éxito su aventura y y todo ello dentro de una caja de plomo encontrada

42 Segunda parte, Cap. XX, p. 795-798.


43 Segunda parte, Cap. LXII, p. 1136.
44 Segunda parte, Cap. XXXIX, p. 947-948.
45 Segunda parte, Cap. XLI, p. 963.
46 Segunda parte, Cap. XLV, p. 992.
47 Segunda parte, Cap. LXII, p. 1134.
48 Primera parte, Cap. XII, p. 133.
49 Primera parte, Cap. XIX, p. 205.
50 Segunda parte, Cap. LXVI, pp. 1168-1169.
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
22

en los cimientos de una casa. Todo ello remite a pluma para escribille, y muchas la dejé, por no saber
un pasado lejano, tanto el soporte como el tipo de lo que escribiría; y estando una en suspenso, con el
letra empleada, y más aun el hecho de haberlo papel delante, la pluma en la oreja, el codo en el
encontrado enterrado bajo una casa. Es esta otra bufete y la mano en la mejilla, pensando lo que
forma de comicidad, pues en la historia hay diría, entró a deshora un amigo mío (…)».
suficientes datos como para situarla muy cerca del La segunda es también del autor, de otro autor.
tiempo real de la redacción, y el lector debía de En el último párrafo del libro vuelve a aparecer
darse cuenta de ello51. Estos poemas son los de los Cide Hamete, quien en este caso le habla a su pluma
académicos de Argamasilla que se incluyen al final y le indica lo que ella misma puede responder si
de la primera parte de la obra. «presuntuosos y malandrines historiadores» la
Termino con dos imágenes. La primera del Prólogo cogen para seguir escribiendo52. Termina el libro,
de la primera parte, donde vemos al autor en el mismo pues, con las palabras de la pluma que lo escribió,
acto de escribir, o de querer hacerlo, esperando la colgada y abandonada, como las armas de Don Quijote,
inspiración de las musas: «Muchas veces tomé la una vez cumplida su tarea.

51 Primera parte, Cap. LII, p. 591.


52 Segunda parte, Cap. LXXIIII, pp. 1222-1223.
Lisboa como Destino
destino alegórico
Alegórico
en El
el Quijote
Quijote Apócrifo
apócrifo
Luis Gómez Canseco
Luis Universidad
Gómez Canseco
de Huelva
Universidad de Huelva

Camões
Tanto Miguel de Cervantes como sue Cervantes:
émulo Alonso Fernández umdediálogo ibérico
Avellaneda vivieron en un mundo
Eduardo Lourenço
lingüístico, literario y cultural en el que las fronteras entre Portugal y España marcaban no sólo límites
y separaciones, sino también espacios compartidos. En los siglos XVI y XVII y más allá de las polémicas
y los enfrentamientos políticos, esas fronteras no estaban delimitadas y separadas por ríos, sino desdibujadas
por el intercambio, la convivencia y las experiencias comunes y por un riquísimo ir y venir de libros,
ideas, impresores, predicadores, profesores universitarios y personas de toda índole. Y, en realidad, no es
posible explicar el Renacimiento español sin Portugal, ni el portugués sin España.
En los libros del manco, la presencia de la lengua y la cultura portuguesas se sigue aquí y allá. Si miramos
al Quijote, cuya impresión acogieron ya en los primeros meses de 1605 los talleres lisboetas de Jorge Rodríguez
y los de Pedro Crasbeeck, veremos cómo el cura Pero Pérez atribuye el Palmerín de Ingalaterra «a un
discreto rey de Portugal», ateniéndose a la noticia de que fue el rey Don Juan III quien lo compuso. Más tarde,
en el capítulo XX de la primera parte, Sancho entretiene la noche y sus miedos con el cuento inacabado
de Lope Ruiz y la pastora Torralba. La historia tiene lugar en los campos de Extremadura, pero resulta
que el pastor, con la intención de huir de la jurisdicción sentimental de la tal Torralba, decide «pasarse a
los reinos de Portugal» y se topa con una crecida del río Guadiana y «un barco, tan pequeño, que solamente
podían caber en él una persona y una cabra», con todo lo que ello conlleva en la narración del escudero.
Llega el capítulo XXII de la segunda parte y don Quijote encarece, desde las profundidades de la cueva
de Montesinos, los viajes del infante don Pedro: «así le haré yo de no sosegar y de andar las siete partidas
del mundo, con más puntualidad que las anduvo el infante don Pedro de Portugal, hasta desencantarla»,
recordando acaso el Libro del infante Don Pedro de Portugal, que anduvo las cuatro partidas del mundo y
que se había impreso en Salamanca en 1547. Pero es en el capítulo LVIII de 1615 donde aparece uno de
los testimonios más hermosos sobre la presencia de la cultura portuguesa en Cervantes. Don Quijote y
Sancho acaban de salir del palacio de los duques y así, como si nada, se encuentran con un grupo de
gentes entretenidas que han dado en pasar unos días vestidos de pastores. Y entre sus entretenimientos,
cómo no, está la poesía y la poesía más fina de la época. La geografía pudiera parecer extraña, pues los
personajes andan por tierras aragonesas, aún así, la noticia que desvelan las dos hermosísimas jóvenes
disfrazadas de pastoras resulta emocionante:
Traemos estudiadas dos églogas, una del famoso poeta Garcilaso, y otra del excelentísimo Camões en
su misma lengua portuguesa, las cuales hasta ahora no hemos representado.
Estamos en la fingida Arcadia y unos españoles que vivían lejos de la raya de Portugal no tenían
problema para representar y entender los versos de Don Luís de Camões en su misma lengua portuguesa.
Los trabajos de Persiles y Sigismunda insisten en esa misma comunicación de lenguas, pues también del
español Antonio se dice que sabía muy bien la lengua portuguesa. De hecho, la identifica de inmediato
cuando escucha otros versos amorosos:
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
24

“En esto, yendo navegando, con el espacio en tratar y hablar con ellos y en ver los gestos
que podían prometer dos remos, que no y falsos visajes que están haziendo. Mayormente,
llevaba más cada barca, oyeron que de la una si aciertan los amores en un portugués músico
de las otras dos salía una voz blanda, suave, muy querelloso y pobre o en otros hombres
de manera que les hizo estar atentos a escuchalla. desta qualidad graciosos, en verdad que te
Notaron, especialmente el bárbaro Antonio andes todo el día sin comer tras ellos”.
el padre, que notó que lo que se cantaba era Volviendo a Cervantes, es en Lisboa donde un
en lengua portuguesa, que él sabía muy bien. pintor deja testimonio en lienzo de los viajes de
Calló la voz, y de allí a poco volvió a cantar en Periandro y Auristela y donde el retrato de la dama
castellano, y no a otro tono de instrumentos lanza la nombradía de su belleza por Portugal,
que al de remos que sesgamente por el tranquilo Francia e Italia. Es también en la capital portuguesa
mar las barcas impelían; y notó que lo que donde tiene lugar la historia del polaco que asesina
cantaron fue esto”. (Persiles, 75) a Don Duarte, hijo de Doña Guiomar de Sosa,
El cantor, que también usaba de las dos lenguas que luego se ve obligada a protegerle y que como
para sus versos, es nada menos que el noble juramento de grado mayor dice: «aunque fuérades
portugués Manuel de Sosa, que a su vez cuenta la mil veces castellano, os librara yo si pudiera, y os
historia de su vida «en medio portugués y en medio libraré si puedo» (Persiles, 314). Es esa Lisboa que
castellano» (Persiles, 76), para morir de amor con el español Antonio describe con términos de elogio
el punto final. Más adelante se afirma que «sola la y admiración:
portuguesa puede competir en ser dulce y agradable» “Agora sabrás, bárbara mía, del modo que
con el valenciano (Persiles, 359), y cuando los has de servir a Dios, con otra relación más
viajeros enamorados llegan a Lisboa, se encontrarán copiosa, aunque no diferente, de la que yo te
en una iglesia el curioso epitafio del enamorado he hecho; agora verás los ricos templos en que
portugués que vieron morir en su periplo nórdico: es adorado; verás juntamente las católicas
“AQUÍ YACE VIVA LA MEMORIA DEL YA MUERTO ceremonias con que se sirve, y notarás cómo
MANUEL DE SOSA COITIÑO, CABALLERO PORTUGUÉS, la caridad cristiana está en su punto. Aquí,
QUE, A NO SER PORTUGUÉS, AÚN FUERA VIVO. en esta ciudad, verás cómo son verdugos de la
NO MURIÓ A LAS MANOS DE NINGÚN CASTELLANO, enfermedad muchos hospitales que la destruyen,
SINO A LAS DEL AMOR, QUE TODO LO PUEDE; y el que en ellos pierde la vida, envuelto en la
PROCURA SABER SU VIDA Y ENVIDIARÁS SU eficacia de infinitas indulgencias, gana la del
MUERTE, PASAJERO”. (PERSILES, P. 274) cielo. Aquí el amor y la honestidad se dan las
Cervantes ilustra con la historia de este caballero manos, y se pasean juntos, la cortesía no deja
portugués una creencia extendida entre los españoles que se le llegue la arrogancia, y la braveza no
del Siglo de Oro, que imaginaban a todos los consiente que se le acerque la cobardía. Todos
portugueses enamoradizos y melosos; por eso el sus moradores son agradables, son corteses,
maestro Correas recoge en su Vocabulario de refranes son liberales y son enamorados, porque son
y frases proverbiales el dicho «Es muy portugués» y discretos. La ciudad es la mayor de Europa y
lo explica asegurando que se usaba «para decir que la de mayores tratos; en ella se descargan las
uno es muy enamorado». El médico Francisco riquezas del Oriente, y desde ella se reparten
López de Villalobos llegó un poco más lejos en por el universo; su puerto es capaz, no sólo de
sus Sentencias, pues, cuando se detiene a detallar naves que se puedan reducir a número, sino
en el capítulo VI «Cómo el amador es loco de atar», de selvas movibles de árboles que los de las
lo hace acudiendo a peregrinos ejemplos portugueses: naves forman; la hermosura de las mujeres
Tiene un bien esta locura, que haze sus admira y enamora; la bizarría de los hombres
locos tan mansos y tan bien condicionados que pasma, como ellos dicen; finalmente, ésta es
osarás sin miedo ninguno llegarte a ellos, la tierra que da al cielo santo y copiosísimo
y aun a las vezes holgarás y hallarás passatiempo tributo”. (Persiles, 271)
Lisboa como destino alegórico en el Quijote apócrifo
25

Pero acaso lo más significativo para entender el Peregrino en su patria y que limita la geografía
la función simbólica de la capital portuguesa en de la acción a la Península Ibérica. Pero no por
Los trabajos de Persiles y Sigismunda es el hecho de ello, el itinerario que siguen los protagonistas carece
que, tras su recorrido por las tierras bárbaras del del envés alegórico que caracterizó al género
norte, Periandro y Auristela se reintegren a la bizantino durante el Renacimiento. Este viaje a
civilización cristiana por tierras de Portugal. través de España y Portugal representa también el
Aunque su destino último esté en Roma, como otro peregrinaje interior de unos personajes que
cabeza de la cristiandad, Lisboa es el punto de la van desde el pecado a la redención. Los protagonistas
geografía europea que Cervantes eligió para su de la alegoría son Doña Luisa, priora de un
vuelta al orden, y así escribe: «Llegó el navío a la monasterio de religiosas, y Don Gregorio, un galán
ribera de la ciudad, y en la de Belén se desembar- joven y rico. Ambos son amigos desde la infancia,
caron, porque quiso Auristela, enamorada y devota pero esa amistad viene a transformarse en amor; y
de la fama de aquel santo monasterio, visitarle como en la Celestina o en otros muchos amores de
primero, y adorar en él al verdadero Dios libre y las historias cervantinas, lo que comienza con el
desembarazadamente, sin las torcidas ceremonias lenguaje y las formas del amor cortés y del neopla-
de su tierra» (Persiles, 272). tonismo entonces tan a la moda, envuelven y
Esa misma fue la función alegórica que Alonso disfrazan una pasión carnal.
Fernández de Avellaneda otorgó a Lisboa en el Los primeros requiebros, los intercambios de
«cuento de los felices amantes», que ocupa los prendas y billetes amorosos terminan en querellas
capítulos XVII, XVIII, XIX y XX del Segundo tomo contra las rejas del locutorio que separan los
del ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha, cuerpos de los amantes. De nada les sirve ya el
que contiene su tercera salida: y es la quinta parte de retórico intercambio de almas neoplatónico, pues
sus aventuras, publicado en 1614. El narrador de la urgencia del cuerpo les arrastra. Y así apunta el
la historia es un ermitaño llamado fray Esteban, ermitaño narrador del relato: «Duróles este trato
que vuelve desde Roma en compañía de un soldado por más de seis meses, hasta que, estando los dos
que, a su vez, viene de Flandes. Ambos se convierten un día hablando en el locutorio, comenzó don
en cuentistas para solaz de los oyentes ficticios y Gregorio a maldecir las rejas, que eran estorbo de
adoctrinamiento de los lectores reales. Esta novelita que él gozase del mejor bien que gozar podía y
es heredera, como las Ejemplares, de las novelle deseaba; y lo mesmo decía ella». Al cabo es la propia
italianas, aunque Avellaneda prefirió inclinarse a monja quien da un paso al frente y le propone a su
lo moral, ya que él mismo había censurado las amante escaparse, para poder, dice, «gozar ambos
Novelas cervantinas por ser «más satíricas que sin zozobras el dulce fruto de nuestros amores»
ejemplares, si bien no poco ingeniosas» (Avellaneda, (Avellaneda, 458). Para preparar la fuga, el joven
195). La trama reproduce por extenso la famosa roba a sus padres y la prelada arrampla con las joyas
leyenda de Margarita la Tornera, que recogían y los dineros del convento, aunque en el momento
numerosas obras devotas de la época, como los mismo de partir, se dirige a la Virgen implorando
Sermones del Discípulo de Johannes Herolt o los perdón y protección para las monjas cuyo gobiernos
Ilustres milagros e historias memorables de Cesario está dispuesta a abandonar:
de Heisterbach. La historia hubo de ser tan atractiva “No quiero emprender la jornada sin encomen-
para los lectores devotos y tan conocida en la época, daros, Señora, como os encomiendo con las
que el mismo Lope de Vega se sirvió de ella en la mayores veras que puedo, estas religiosas que
comedia La buena guarda, compuesta en 1610, hasta ahora han estado a mi cargo. Tenelde,
por los mismos años del Quijote apócrifo. pues, dellas, Madre de piedad, pues son vuestras
Como el Persiles cervantino, la narración de hijas, a las cuales yo, como mala madrastra,
Avellaneda tiene una estructura bizantina, aunque dejo y desamparo”. (Avellaneda, 461)
se atiene a esa suerte de bizantinismo doméstico El recorrido que los personajes van a seguir
que ya había ensayado el mismo Lope de Vega en desde la lujuria al arrepentimiento y la penitencia
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
26

tiene su trasunto en la peripecia bizantina. Y el negros, las propiedades que les quedaban y aun los
mismo narrador lo subraya al revelar el tránsito vestidos de Doña Luisa. Acuciados por la necesi-
que los amantes siguieron, dice, «por el camino dad, salen de Lisboa, que se convierte en punto de
fragoso de sus torpezas» (Avellaneda, 462). Ese viaje destino y retorno en ese recorrido que ambos hacen
se inicia en «una ciudad de las buenas de España»; desde el pecado a la virtud. Aún les queda un
y Avellaneda, como Cervantes al comienzo de su peldaño más abajo en el descenso hacia la degradación,
Quijote, decidió no descubrir al lector el nombre pues llegan a Badajoz pidiendo limosna y se ven
de la ciudad con la intención de ahondar en la obligados a acogerse en el hospital de pobres,
verosimilitud de la historia. Desde allí, los amantes, donde un caballero administrador del mismo se
como también lo hacen los protagonistas del enamora de Doña Luisa y la pretende. Entonces
Persiles cervantino, eligen como destino Lisboa: don Gregorio consiente que su dama se vea con el
“Continuaron su camino los ciegos amantes, caballero y finge salir de la ciudad para que lo hagan
con los justos miedos y sobresaltos que imaginar con acomodo. El límite de la caída llega cuando
se pueden de quien anda en desgracia de Dios, Doña Luisa se convierte en cortesana:
algunos días, sin parar jamás hasta que llegaron “Publicóse el negocio, con escándalo del
a la gran ciudad de Lisboa, cabeza del ilustre pueblo; que de ver el toldo de la dama, la
reino de Portugal. Allí, pues, hizo Don Gregorio bizarría de Don Gregorio y la familiaridad con
una carta falsa de matrimonio; y alquilando que trataba con el caballero, frecuentando las
una buena casa, compró sillas, tapices, bufetes, entradas de casa el uno del otro (que todo lo
camas y estrado con almohadas para su dama, allanó el gusto del natural y necesidad del
con el demás ajuar necesario para moblar una forastero), nació el echar de ver todos tenía
honrada casa, comprando juntamente para el tienda la forastera de entretenimientos, la cual
servicio della un negro y una negra. Cargó tras aumentó la ocasión de la murmuración con el
esto de galas y joyas para adorno suyo y de su engalanarse, ponerse a la ventana y gustar de
bella Doña Luisa”. ser vista y visitada, todo con consentimiento
Frente a la rigidez castellana, Lisboa representa de Don Gregorio, que ya no se le daba nada
en el Quijote apócrifo una vida más libre, más rica del medrar a costa de la votada honestidad
y más sofisticada. Los dos años que Doña Luisa y (pero profanada escandalosamente) de la ciega
Don Gregorio pasan allí se caracterizar en la novela religiosa, de quien de nuevo comenzaron a
por el deleite y la satisfacción de los sentidos: picarse otros tres mancebos ricos de la ciudad,
«Pasaron la vida muchos días, acudiendo en aquella admitiendo sus presentes, billetes y recados la
ciudad a todo cuanto apetecían sus ciegos sentidos, dama, sin reparar en comprarlos a costa de
como fuese de entretenimiento, disolución y fausto, su honra”.
sin perder fiesta ni comedia la gallarda forastera Avellaneda subrayó esa degradación con una
(que así la llamaban los portugueses) de cuantas intervención de Sancho, al final del capítulo XVIII,
en Lisboa se hacían». La vida lisboeta representa en la que confunde fonéticamente Badajoz con un
el lujo y el placer, aunque, en último término, más «badajo» de honda carga sexual y Mérida con
que una Lisboa real e histórica, Avellaneda optó «mierda», con una nueva geografía tan alegórica
por una Lisboa alegórica, que representa el punto como escatológica: «Par Dios –dijo Sancho– que eso
culminante de la pasión amorosa y del pecado: de badajos y esotro que por su mal olor no lo oso
«Dos años estuvieron en Lisboa los ciegos amantes, nombrar declaran bien cuán gran puerco y badajo
gastándolos en la vida más libre y deleitosa que era ese Don Gregorio, que dejó la monja entre
imaginarse puede, pues todo fue galas, convites, tantos cuervos o demonios». (Avellaneda, 472-473)
fiestas y, sobre todo, juegos, a que don Gregorio se A partir de ahí, Don Gregorio abandona a Doña
dio sin moderación alguna» (Avellaneda, 462-463). Luisa y va solo a Madrid para tomar plaza de pícaro
Al final, las deudas acumuladas en el juego y servir a un amo. La monja se hunde entonces en
obligan a don Gregorio a vender sus esclavos la prostitución, aunque, por acción de la gracia
Lisboa como destino alegórico en el Quijote apócrifo
27

divina, se inicia luego su reconversión religiosa, que Concordia liberi arbitrii cum gratiae donis, divina
le empuja al retorno a su convento. Su vuelta se praestientia, providentia, praedestinatione et reprobatione,
produce simbólicamente andando y vestida de esto es ‘Concordia del libre albedrío con el don de
peregrina, con lo que el viaje adquiere una la gracia, la divina presciencia, la providencia,
dimensión penitencial: la predestinación y la reprobación’. Este Profesor
“…se vistió de peregrina, con sombrero, en la universidades Coimbra y Évora pretendía
esclavina, bordón y un grueso rosario al cuello conjugar la eficacia de la gracia y la omnisciencia
y alpargatas a los pies; y cubierta deste penitente divinas con el libre albedrío. Los dominicos de
traje, arrebozado el rostro, se salió una noche Salamanca y Valladolid salieron al campo escanda-
obscurísima de Badajoz, tomando la derrota lizados y llevó la voz cantante el confesor de santa
hacia su tierra, acompañada sólo de suspiros, Teresa, fray Domingo Báñez. Los jesuitas
lágrimas y deseos de salvarse, desviándose defendían la capacidad del hombre para alcanzar
cuanto le era posible de los caminos reales y en alguna medida el bien divino a través de sus
procurando caminar casi siempre las noches, obras y consideraban intrínsecamente similares la
en las cuales entraba en las posadas de menos gracia eficaz y la gracia suficiente, para cuyo efecto
bullicio a tomar dellas lo más necesario para era necesario el consentimiento humano. De algún
su sustento, saliéndose luego al campo… modo, los molinistas consideraban que el hombre
Padeció también hambre, sed y frío, por ser participaba en su salvación. Por su parte, los dominicos
tiempo en que le hacía grande el en que dieron preponderancia absoluta a la voluntad
caminaba, y por la misma causa la molestaron divina sobre la humana, que en ningún caso podía
las aguas y arroyos”. (Avellaneda, 477-478). resistirse a la gracia eficaz y no había sino de sino
Vuelta la monja al convento, se le aparece la admitir su recepción. En tiempos tan convulsos,
Virgen para recriminarle su acción y le explica que, no es de extrañar que los dominicos acusaran de
como en el milagro de Margarita la Tornera, ella pelagianismo a los jesuitas por limitar la acción de
le había sustituido durante todo el tiempo, sin que la gracia divina, mientras que los jesuitas tacharan
nadie hubiera notado su ausencia. Lo que sigue es a los dominicos de calvinistas por rayar en la predes-
el cilicio, el castigo del cuerpo y el rezo del rosario. tinación y no dejar margen a la libertad del hombre.
Don Gregorio, por su parte, tras oír el sermón de Como nadie se ponía de acuerdo y el volumen de
un dominico, decide ir en peregrinación a Roma los acusaciones aumentaba, el Papa Clemente VIII
y, a regreso, va al reencuentro de su antigua dama convocó a los teólogos en la Congregación de auxiliis,
con una indumentaria que contrasta con las galas que elucubró a lo largo de diez años, hasta 1607,
y los lujos de sus amores lisboetas: «…un vestido sin llegar a conclusión alguna. A su muerte, Paulo V
de paño liso, sin gorbión alguno, el sombrero suspendió la congregación y aprobó la licitud de
puesto en los ojos, sin espada ni más compañía ambas doctrinas, con lo que la polémica aún habría
que bonísimos deseos y unas planchas grandes de de sobrevivir varios años más en la Península
hoja de lata, hechas rallo, en pecho y espaldas, y Ibérica. Fue en estas circunstancias cuando se
una cruz entre la ropilla y jubón, con rosario y horas escribió este «Cuento de los felices amantes»,
en la faltriquera» (Avellaneda, 494). Tras penitencias inserto por completo en la polémica y profunda-
y mortificaciones sinnúmero, ambos mueren en mente preocupado por la cuestión del auxilio
olor de santidad, pues su viaje les había llevado divino. Por esas fechas, también Lope de Vega escribió
desde la caída a la gloria. comedias atentas a la disputa, como La buena
Pero todo este cuento no tendría sentido si no guarda o La devoción del rosario, que incluye como
se explicara en el contexto de la controversia de auxiliis, personaje alegórico al «Auxilio Divino». Son obras
una polémica teológica en la que estuvieron enzarzadas compuestas en los primeros años del siglo XVII,
las Universidades españolas y portuguesas del siglo al tiempo que este segundo Quijote avellanedesco.
XVII. El origen de la polémica estuvo en un libro La defensa que se hace en el libro de la orden
que el jesuita Luis de Molina publicó en 1588: dominica y el uso insistente de un concepto
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
28

teológico como el de gracia eficaz sirven para situar (permitiéndolo así su divina Majestad por su
el texto de Avellaneda en medio de esta polémica secreto juicio y por dar muestras de su
y, más exactamente, en el ala bañecista. El cuento omnipotencia, la cual manifiesta, como canta
del apócrifo presenta siempre a sus personajes la Iglesia, en perdonar a grandes pecadores
sometidos a la inexorable providencia divina y con gravísimos pecados, y por mostrar también lo
una capacidad de acción radicalmente limitada. que con Él vale la intercesión de la Virgen
A decir verdad, estos «felices amantes» son meras gloriosísima, madre suya, y con cuántas veras
marionetas en el escenario. En primer lugar, la interpone ella en favor de los devotos de su
las pasiones carnales impulsan sus voluntades sin santísimo rosario), la perdió por un deleite
que ellos puedan oponerse; siendo Dios, en último sensual y momentáneo”. (Avellaneda, 462)
término, quien consiente el pecado para luego hacer Del mismo modo, las circunstancias de la vuelta
de la historia un ejemplo de su poder y generosidad. al redil de la virtud estaban señaladas por la
Después es Dios mismo, por obra propia o con la providencia divina, tal como explica el ermitaño:
intermediación de la Virgen, quien los conduce “Comenzó a cavar en la consideración de
hacia el bien y la virtud recobrada, sin que a Doña su mal estado tras esto, y Dios a obrar secreta-
Luisa o a Don Gregorio les quepa otra cosa que mente en su conocimiento, como aquel que
aceptar y seguir la voluntad divina. la quería dejar por ejemplo de penitentes y de
Una vez que estos pecadores, rechazando el pecado, lo que con su divina misericordia puede la
han reconocido la gracia y la misericordia de Dios intercesión de su electísima Madre, y, final-
y han hecho propósito de enmienda, ya están mente, de lo que a ella la obligan los devotos
preparados para recibir el auxilio de la gracia divina de su sanctísimo rosario con la frecuentación
y llegar a ser «felices», es decir, salvados para la de tan eficaz y fácil devoción, que se encendió
vida eterna, a pesar de haber sido, como anunciaba de suerte su espíritu en amor y temor de Dios,
el título de la novelita, «amantes» y, por tanto, que empezó a deshacerse en lágrimas,
pecadores. No es, pues, la acción del pecador la apesarada de las ofensas cometidas contra
que determina su salvación o condena. Los personajes Su Majestad, confusa por no saber cómo ni
cumplen con sus buenas o malas acciones morales en quién hallar remedio ni consejo; que tan
y de ahí se sigue un camino u otro, pero, en último cargada estaba de desatinos”. (Avellaneda, 476)
término, es Dios quien dispone y quien les hace Del mismo modo que Cervantes hizo de Lisboa
pasar por el pecado, para luego ganarles con la puerta de entrada de los protagonistas de Los trabajos
virtud. Por ello, cuando se narra la caída en la de Persiles y Sigismunda a la civilización cristiana y
tentación, el asunto se presenta como inevitable: europea, Alonso Fernández de Avellaneda eligió
«…el ser él tan principal y gentil hombre, y conocido la capital portuguesa como un destino alegórico
suyo desde niño, ayudó a que el demonio (que lo en el que doña Luisa y don Gregorio inician su
que a las mujeres se dice una vez, se lo dice a solas retorno a la gracia divina. Con la intención de hacer
él diez) tuviese bastante leña con ello para encender, de la literatura vía de adoctrinamiento devoto,
como encendió, el lascivo fuego con que comenzó Avellaneda vertió en la ficción los principios en
a abrasarse el casto corazón de la descuidada torno a la controversia de auxiliis que defendían
priora» (Avellaneda, 454). Esa caída se justifica los teólogos dominicos. De algún modo, esos textos
como fruto del consentimiento divino, pues, al fin literarios y esas lucubraciones teológicas surgieron
y al cabo, Dios da cauce a su plan de salvación: en un ámbito geográfico y cultural en el que las
“…aquélla que había profesado y prometido fronteras entre Portugal y España estaban desdibu-
castidad a Dios, y la había guardado hasta jadas y en el que los personajes, los versos y las ideas
entonces con notables muestras de virtud transitaban entre uno y otro reino sin problema.
Camões e Cervantes. Duas formas de expressão da
realidade peninsular entre a Glória e o Desengano

AnÍbal Pinto de Castro


Universidade de Coimbra

Quero, antes de mais, agradecer o convite que me fizeram para vir encerrar este Colóquio que celebra
a inauguração das novas instalações do Centro de Estudos Ibéricos, criado pelo sentido beirão
transplantado para o sol da Provença, o meu admirado Colega e Amigo, Doutor Eduardo Lourenço
(deixe-me chamar-lhe assim, na tradição da nossa alma Accademia Conimbrigensis!) honra tanto mais
desvanecedora quanto me é dado encontrar-me uma vez mais com ele e com outros Colegas, na minha
condição de aluno atento e disponível para com eles aprender o que não sei.
Sempre entendi e pratiquei a firme convicção de que, mantendo embora marcas específicas que
profundamente as diferenciam como realidades estéticas autónomas, e independentemente das línguas
que lhes servem de expressão (o que é, só por si, factor essencial a essa diversificação!), ambas as literaturas
peninsulares apresentam, ao longo dos séculos, afinidades tão marcantes que constitui um grave erro
histórico e metodológico estudá-las sem partir da base comum e dos liames formais, conteudísticos e
culturais que essa comunidade travou ao longo dos vários períodos estéticos através dos quais se vieram
desenvolvendo, muitas vezes até para exprimirem o que, nos planos social, económico e sobretudo político,
mais opunha a Espanha a Portugal.
Mas isto sem nunca renegar a convicta condição de português em que sempre vivi e na qual quero e
espero morrer, justamente porque fundada nessa mesma osmose estética e cultural.
Lia há dias num dos capítulos d’ A pintura do mundo, de Frederico Lourenço, esta frase posta na boca
da personagem de um helenista convertido às belezas da Roma renascentista:
“À espera do avião para Lisboa […] começo a compilar o que tenho de ver da próxima vez que
vier a Roma. Uma coisa é certa: eu, que sempre fui grego, acabo de me tornar romano.
O que equivale a dizer: sim, quero mesmo ser português”.1
Eu estou na mesma!
Diria até que esta minha convicção e prática, como investigador e professor, consolida mais na minha
consciência de nacionalidade a firme vontade de me manter fiel às responsabilidades que dela para mim decorrem.
E foi pensando nesta minha realidade que, neste ano jubilar das celebrações do quarto centenário da
primeira edição do Quijote, me lembrei de vos falar, nesta circunstância igualmente fasta, de como o
tempo que foi, afinal, partilhado pelos dois grandes Escritores peninsulares, sendo um tempo de crise,
os conduz, embora por caminhos diferentes das auras da glória às angústias do desengano e à procura de
novos recursos de sobrevivência.
Eu sei que quando, nos princípios de Janeiro de 1605, saía, em Madrid, das oficinas de Juan de la
Cuesta, o volume contendo as quatro primeiras partes de El ingenioso Hidalgo Don Quixote de la Mancha
“compuesto” por Miguel de Cervantes Saavedra e dedicado ao Duque de Bejar, tinha decorrido um

1 Frederico Lourenço, A formosa pintura do mundo. Ficções. Lisboa, Edições Cotovia, 2005, p. 166.
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
30

quarto de século sobre o dia em que Camões havia A bibliografia produzida por ocasião do cente-
trocado a luz deste mundo perecível pela visão nário da sua morte, em 1998, tem dilucidado com
beatífica do assento etéreo. Mas – repito – o tempo rigor essa situação.
cultural e as condições socio-políticas em que Em Portugal a crise tinha-se manifestado com
ambos tinham vivido e escrito eram essencialmente cores bem mais dramáticas e sombrias, à medida
os mesmos. Por outro lado, não me parece haver que aumentavam as dificuldades da administração
dúvidas de que, embora com algumas diferenças e manutenção do Império, por parte de um País de
cronológicas em ambos os países, e à medida que tão escassos recursos materiais e humanos, que o
se avançava pela segunda metade do século XVI, sucessivo desaparecimento dos filhos de D. João III
são progressivamente visíveis os sinais de crise. acentuara a fragilidade da independência nacional
É sabido como em Espanha, desde o final do e que D. Sebastião arrastara a nação para o desastre
reinado de Filipe II, falecido no Escorial a 13 de fatal consumado nos areais de Alcácer Quibir.
Setembro de 1598, a situação dos domínios herdados As vicissitudes da regência disputada entre
de Carlos V se viera agravando, mercê da guerra a D. Catarina de Áustria e o Cardeal D. Henrique e
Flandres, da inimizade com a Inglaterra que levaria a situação decorrente da perda da independência
ao desastre da Invencível Armada, em 1588, dos dife- em 1580 contêm outros tantos passos dessa via crucis
rendos militares com a França, causados pela portuguesa que no plano cultural, social, moral e
protecção dada pelo Rei aos Católicos, e que só religioso, desencadeia um tempo agónico, em que
cessariam definitivamente no mesmo ano da sua as consciências se debatem entre as dores de alma
morte, pela paz de Vervins, bem como das cada de um reino enlutado e os temores que nelas desenca-
vez maiores dificuldades em administrar um deava a noção do pecado e um sentido penitencial
império tão diversificado e extenso, pela quase da vida que, no âmbito da nova espiritualidade nascida
exclusiva mão do Monarca, consagrado sem do Concílio de Trento, surgia como a única tábua
descanso à sua famosa actividade do papeleo. de esperança numa dimensão escatológica da vida.
A perda da Flandres, que nem a integração de Não faltam na obra de Camões, como na de
Portugal nos domínios espanhóis conseguiria verda- muitos outros escritores nossos da segunda metade
deiramente recompensar, se não em termos econó- de Quinhentos, expressões claras dessa angústia,
micos, pelo menos em termos de prestígio político, umas vezes provada no quotidiano vivido e outras
acarretara grave amputação à imagem da Espanha intuído como uma dolorosa possibilidade iminente,
no quadro da Europa pós-tridentina, que só em num desconcerto múltiplo do mundo, bem mais
parte viria a recuperar-se pela vitória de Lepanto, dramático do que o mondo alla rovescia, de tão
em 1571. E a crise nas almas ou nas consciências, profundas raízes medievais.
a começar pelo próprio Rei, não era muito diferente, É certo que tais expressões ou reacções se
solicitado como se via pelos desencontrados revestem, em ambas as grandes literaturas penin-
impulsos entre as questões da governação e a sua sulares, de aspectos específicos. Há, no entanto,
persistente aposta na defesa da Catolicidade no entre ambas alguns traços que gostaria de sublinhar,
âmbito de uma Europa una sob o primado da Igreja até como linhas de orientação destas minhas conside-
de Roma. Se o político se via a braços com tão rações. E parecem-me elas a consciência da crise,
diversas e por vezes opostas ordens de interesses a simultaneidade de certos temas e géneros nas
ou de valores, o homem não teria maior tranquilidade, opções dos escritores e do público para o qual escreviam,
dilacerado pelas consequências da incapacidade do e ainda os caminhos para a superar, que conduziam,
Príncipe Carlos, e a sua morte na prisão a que o na sequência das preferências genológicas herdadas
condenara o próprio pai, as suspeitas de traição e do Renascimento, a uma valorização de várias formas
as suas acidentadas relações com D. João de Áustria de épico, mas de um épico de novas motivações,
e a queda, com a consequente perseguição, do valido de diferentes matizes e de outros significados.
António Pérez, que não deixou de levantar conflitos, Ora é neste contexto peninsular que ganha
em especial com as Cortes de Aragão. talvez um singular significado a consideração
Camões e Cervantes. duas formas de expressão da realidade peninsular entre a Glória e o Desengano
31

simultânea de ambas as obras, como faces diferen- ferimentos que sofrera no cerco de Pamplona,
ciadas de uma mesma medalha. E seja o primeiro em 1521. Ou recordar como D. João III, andando
desses aspectos o da ficção cavaleiresca cujas raízes pelos 19 anos, acompanhara e favorecera tão de
mais profundas mergulhavam na mística medieval perto João de Barros na elaboração da Crónica do
da matéria de Bretanha e na lenda, algo sacralizada Imperador Clarimundo, enquanto este a ia escrevendo,
pela própria Igreja, de Demanda do Graal pelo servindo-lhe de banca as arcas do guarda-roupa
Rei Artur e pelos pares que com ele se sentavam à do Príncipe; e com tal atenção que, no dizer de
volta da Távola Redonda. Manuel Severim de Faria, confirmado por Frei Luís
Sempre me deu que pensar a fortuna alcançada de Sousa, “ele mesmo lhe ia revendo e emendando
na literatura portuguesa durante a primeira fase os cadernos que compunha”2.
do Renascimento e por um género de profunda Fernão Lopes e Zurara são, em si, cronistas cujas
marca medieval que, pelos seus conteúdos, se afastava personagens se revestem de profundos traços
cada vez mais do quotidiano vivido (não havia já tirados da leitura das novelas de cavalaria, que, além
pelos caminhos da Europa cavaleiros andantes à disso, haviam “contaminado” fortemente outras
procura de aventuras ou apostados em defender variantes do género, em especial a novela sentimental
órfãs, donzelas e viúvas), e que, em termos de que tão importante lugar alcançara no século XV
estética, não se compaginava com o novo gosto ibérico, graças a autores como Diego de S. Pedro e
trazido pelo Humanismo, primeiro, e pelo Renasci- Juan Rodríguez del Padrón ou, entre nós, com a
mento, depois, tanto nos conteúdos como nas epigonal e belíssima criação de Bernardim Ribeiro,
formas codificados pelas regras da Poética e da na Menina e Moça.
Retórica de matriz aristotélica, actualizadas por Gil Vicente, para além das personagens que na
Horácio, por Cícero e pelos seus comentadores extensa galeria dos seus autos em cuja caracteri-
quinhentistas, sobretudo italianos. zação usou traços visíveis de tais figuras míticas,
O fenómeno foi uma realidade e deixou na consagrou à matéria cavaleiresca duas extensas
produção literária portuguesa do tempo marcas tragicomédias, o Dom Duardos e o Amadis de Gaula.3
visíveis e profundas. E o próprio Camões, n’ Os Lusíadas, apesar das
O certo é que cavalaria, senão como modo de reiteradas afirmações de fidelidade à verdade
vida, ao menos como ideal e como tema literário histórica e à concepção de um herói que fosse
específico de um género cuja dispositio fortemente homem de carne e osso, não desaproveitou o filão,
condicionava, continuava a suscitar o interesse dos de modo que não só fez de personagens como
criadores literários e a insinuar-se com maior ou Leonardo e Veloso cavaleiros, como, para definir
menor explicitude outros géneros, da poesia lírica o herói colectivo da grei portuguesa que tomara
à epopeia, da novela sentimental à cronística para objecto do seu canto, nele inseriu, em lugar
historiográfica. Nem escaparam a essa sedução os algo perturbador da unidade de acção do Poema,
contadores de histórias de proveito e exemplo o famoso episódio dos Doze de Inglaterra, que
moral e religioso. Basta ler Frei Heitor Pinto, tinha, aliás, atrás de si, uma longa tradição na
ou lembrar como os biógrafos de Inácio de Loyola história do imaginário nacional.
sublinhavam o entusiasmo com que o futuro Santo E não será ilícito pensar na influência que toda
fundador da milícia jesuítica, se entregava à leitura esta literatura novelesca iria ter na formação da
de livros de cavalarias durante a convalescença dos mentalidade e dos ideais de governação do próprio

2 Veja-se ao trabalho fundamental de Isabel de Livros Portugueses de cavalarias. Do Renascimento ao Maneirismo, Lisboa,
19982.
Veja-se Manuel Severim de Faria, Discursos vários políticos. Intr., actualização e notas de Maria Leonor Soares Albergaria
Vieira. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999, p. 33 e Fr. Luís de Sousa, Anais de D. João III. Pref. e notas
de M. Rodrigues Lapa, 2.ª ed. Lisboa, Sá da Costa, vol. I, p. 11.
3 Veja-se a este propósito o meu artigo As dramatizações vicentinas da novela da cavalaria, in Gil Vicente. 500 anos depois.
Actas do Congresso Internacional. Lisboa, Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, 2003, p. 13-30.
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
32

D. Sebastião, de tão nefastas consequências para o “Bom Vasco de Lobeira, e de grão sem,
futuro político de Portugal!… de prão que vós avedes bem contado
Ora a matriz primeira e mais forte de toda esta o feito d’ Amadis o namorado,
fortuna fora inquestionavelmente a edição da sem quedar ende por contar i rem.
versão castelhana do Amadis.
A longa novela, de origem e autoria ainda tão E tanto nos aprougue, e a tão bem,
envoltas em brumas, encontrara larga difusão na que vós seredes sempre ende loado,
Península ao longo da primeira metade do século XVI, e entre os homens bons por bom mentado,
a partir da edição promovida em 1496, em Sevilha, que vos lerão adiante e que ora lem”8
por García Órdoñez de Montalvo ou, sobretudo, Ao compor a história do seu Ingenioso caballero
a partir da sua reedição em Saragoça em 1508, D. Quixote de la Mancha, tinha certamente Cervantes
numa versão que seria depois repetidas vezes em mente toda a intrincada e escura floresta de
impressa em Salamanca (1510 e 1519), Sevilha enganos dos livros de cavalarias que o século de
(1511, 1526 e 1531), novamente Saragoça (1521), Quinhentos legara à sua geração. Até porque desse
Veneza (1533), entre muitas outras4. conhecimento nasce, afinal, toda a intenção descons-
Sem prejuízo de outras obras, em especial o trutiva que, por várias maneiras e em vários tons,
Libro segundo del Emperador Pelmerín en que se lhe ditou os mais profundos significados daquela
cuentan los grandes y hazañosos fechos de Primaleón incomparável e arrebatadora figura do protagonista!
y Polendus, sus fijos, y de otros buenos caballeros Mas desse horizonte comum de expectativas
estrangeros que a su corte vinieron, segundo livro do nasceria, poucos anos depois da morte de Camões,
chamado ciclo dos Palemirins, pela primeira vez um fenómeno de copiosa recepção literária que se
impresso em Salamanca, em 1512, também ela estenderia a toda a história da cultura portuguesa
objecto de intensa difusão editorial5, de que cumpre posterior9, mas de que, neste momento, nos interessam
lembrar de modo muito especial uma de 1566, apenas os primeiros passos, e logo visível no imediato
por Manuel João, duas de 1588 e 1598, por Simão aparecimento de edições cervantinas saídas dos
Lopes6, o paradigma mais difundido e que exerceu prelos portugueses, em simultâneo com a publicação
um mais vasto e prolífico fenómeno de recepção das principes pelos impressores espanhóis.
criativa entre nós, foi, com efeito o Amadís. Referirei como exemplo as da Primeira Parte do
Não quero fatigar a vossa paciência com a Quixote, saída, como já referi, em 1605 dos prelos
justificação desta minha afirmação. Limito-me, madrilenos de Juan de la Cuesta, foi logo publicada
por isso, a lembrar aqueles dois misteriosos sonetos de por Jorge Rodrigues, em Lisboa, trazendo estampadas
António Ferreira que, segundo Miguel Leite Ferreira, licenças de impressão datadas de 26 de Fevereiro
o filho e benemérito editor dos Poemas Lusitanos, desse ano, sendo logo objecto de uma nova tiragem;
seu pai fizera “na linguagem que se costumava neste e logo em Março seguinte, Pedro Craesbeeck
reino em tempo D’el-rei D. Dinis, que é a mesma publicava outra, cujas licenças estão datadas de
em que foi composta a história de Amadis de 27 de Março desse mesmo mês.
Gaula, por Vasco de Lobeira…”7, no primeiro dos Passados anos, aquele mesmo Jorge Rodrigues
quais afirma: editava a Segunda Parte da obra, que aparecera

4 Sobre as muitas edições quinhentistas da obra, veja-se Edwin E. Place, Amadís de Gaula. Ed. y anotación por…
Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1971, p. XVII-XXV.
5 Só para o século XVI tenho notícia das de Sevilha (1524), Toledo (1528, Veneza (1534), de novo Sevilha (1540),
Medina de Campo (1563) e Bilbao (1585)
6 Pode ver-se a respectiva descrição em António Joaquim Anselmo, Bibliografia das obras impressas em Portugal no século
XVI. Lisboa, Biblioteca Nacional, 1928, n.ºs 717, 792 e 820.
7 António Ferreira, Poemas Lusitanos. Ed. crítica, introdução e comentário de T. F. Earle. Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2000, p. 508-509.
8 Ib., p. 95.
9 Veja-se, para o Romantismo, Maria Fernanda de Abreu. Cervantes no Romantismo português. Cavaleiros andantes,
manuscritos encontrados e gargalhadas moralíssimas. Lisboa, Editorial Estampa, 1994
Camões e Cervantes. duas formas de expressão da realidade peninsular entre a Glória e o Desengano
33

em 1615 lançada também por Juan de la Cuesta. e sonhava com a sua senhora Dulcineia del Toboso,
Uma das licenças, assinadas por Frei Luís dos no cap. VI da Primeira Parte.
Anjos, tem a data de 12 de Agosto de 1616; a outra, Antes, porém, de serem lançados pela janela fora
subscrita por Bartolomeu da Fonseca, António para serem queimados, cada uma das obras é objecto
Dias Cardoso e Frei Manuel Coelho, é de 22 do de um ou vários comentários críticos que justificam
mesmo mês; e uma terceira, de Luís Machado e tal destino. Pelo menos ao princípio, que depois a
Gama, é de 10 de Setembro seguinte. falta de paciência não lhes consente a demora do
E o mesmo se poderia dizer das Novelas Exemplares exame nem do juízo!… Não vou passá-los todos
e dos Trabajos de Persiles y Sigismunda, que, aparecidas em revista, embora vontade para isso não me
pela primeira vez em Madrid, em 1617, logo surgiram faltasse. Vou deter-me apenas nos dois que
sempre nas versões originais em Lisboa, as primeiras escapam às chamas justiceiras – o Amadis e o
editadas por António Álvares e as segundas por Palmeirim de Inglaterra.
Jorge Rodrigues. O primeiro que das estantes de D. Quixote vem
Nem sequer a Inquisição, tão vigilante, sempre, às mãos da enraivecida sobrinha é o Amadis. Diz então
quanto às fantasias do género novelesco, as baniu o Cura:
do consumo dos leitores e só o índice de 1624 “– Parece cosa de misterio ésta; porque,
impôs quatro ligeiras emendas10. según he oído decir, este libro fue el primero
Razão tinha, pois, o Bacharel Sansão Carrasco de caballerías que se imprimió en España,
quando, recém-chegado de Salamanca, dava conta y todos los demás han tomado principio y origen
a D. Quixote e a Sancho Pança da recepção de éste; y así, me parece que, como a dogma-
alcançada pelas suas cavalarias: tizador de una secta tan mala, le debemos,
“Es tan verdad, señor – dijo Sansón– que sin excusa alguna, condenar al fuego”12.
tengo para mi que el día de hoy están Mas o Barbeiro opõe-se:
impresos más de doce mil libros de la tal “– No, señor – dijo el Barbero –; que
historia; si no, dígalo Portugal, Barcelona y también he oído decir que es el mejor de
Valencia, donde se han impreso; y aún hay todos los libros que de éste género se han
fama que se está imprimiendo en Amberes, compuesto; y así, como a único en su arte,
y a mí se me trasluce que no ha de haber se debe perdonar”.13
nación ni lengua donde no se traduzca”11. Quanto ao Palmeirim de Inglaterra, visto em
Creio que este generoso fenómeno de recepção conjunto com o de Oliva, a justificação, aliás distintiva,
não será difícil de compreender, se, como já sublinhei, revela maior pormenor, como se vê deste passo:
tivermos em conta a persistência do género cavalei- “Y abriendo otro libro, vio que era Palmerín
resco nas preferências de leitura dos portugueses de Oliva, y junto a él estaba otro que se
dos séculos XVI e XVII, que, aliás, estão ainda llamaba Palmerín de Inglaterra, lo cual visto
por determinar em termos de História da cultura por el Licenciado, dijo:
e de Sociologia da Literatura, num fenómeno que, – Esa oliva se haga luego rajas y se queme,
se for considerado em si, não deixa de apresentar que aún no queden de ella las cenizas, y esa
também aspectos de marcada singularidade. palma de Inglaterra se guarde y se conserve
O sinal mais claro desse conhecimento é o auto como a cosa única y se haga para ella otra
de fé a que, por decisão da sobrinha, os amigos da caja como la que halló Alejandro en los
honrada família Quijana submetem a fornecida despojos de Darío, que la diputó para guardar
livraria do alucinado cavaleiro, enquanto ele dormia en ella las obras del poeta Homero. Este libro,

10 Veja-se Jorge Peixoto, op. cit., p. 597.


11 Parte II, cap. 3.
12 Obras Completas. Recopilación, estúdio preliminar, prólogos y notas po Ábgel Valbuena Prat. Madrid, Aguilar, 1964, p. 1051.
13 Ib.
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
34

señor compadre, tiene autoridad por dos Com efeito, o texto de Morais revela uma adesão
cosas: la una porque él por sí es muy bueno, franca do autor ao novo gosto que o Renascimento
y la otra, porque es fama que le compuso un trouxera e impusera, conciliando-os embora com
discreto rey de Portugal. Todas las aventuras a tradição medieval que servira de correia de
del castillo de Miraguarda son bonísimas y transmissão à temática cavaleiresca. Seria longo
de grande artificio; las razones cortesanas y demonstrar agora esta afirmação; não quero, no
claras, habla con mucha propiedad y entanto, deixar de trazer à colação dois ou três
entendimiento. Digo, pues, señor Maese aspectos, que se me afiguram mais significativos.
Nicolás, que éste y Amadís de Gaula queden É por demais evidente a sua componente lírica,
libres del fuego, y todos los demás, sin hacer muito mais forte do que no comum das novelas de
más cala y cata, perezcan”14. cavalaria, acaso a reflectir a leitura atenta da novela
Que razões teriam os bons vizinhos e amigos sentimental. Aduzirei apenas, a comprová-lo, esta
de D. Quixote para este tratamento dado ao livro página relativa à história de Miraguarda. Não admira
que, na sua versão definitiva, aparecera sob a por isso, que essa sequência narrativa tivesse causado
responsabilidade de Francisco de Morais? especial impressão empática no estro de Camões!
A obra aparece publicada pela primeira vez na Mas outros aspectos se podiam invocar, como a
sua versão portuguesa em 1564 ou 1567, de acordo mais estreita relação dessa vivência lírica com as
com os exemplares conhecidos, mas fora certamente histórias cavaleirescas narradas, o que lhes dá um
precedida de outra ou outras, pois trazia na portada forte tom de verosimilhança dentro do fantasioso
a indicação de que “Vay corregida e emendada próprio do género; a ocorrência do locus amoenus,
nesta terceira impressam de alguns erros”, havendo que a literatura renascentista tanto pusera em voga;
notícia de uma que remontava muito provavelmente ou a incidência da cultura clássica, com uma
a 1544, tivera também uma versão castelhana rasgada intenção de significação simbólica.
publicada em Toledo em 1547 e 1548, atruída, Mas o factor mais importante da empatia de
a partir de um acróstico que figurava no prólogo a Cervantes com a obra reside certamente num
Diego Hurtado de Mendoza, facto que mais uma factor que, a meu ver, ainda não mereceu a devida
vez, punha a questão da prioridade do texto atenção por parte dos críticos. É que o Palmeirim
original, definitivamente resolvida desde 1904, por contém, relativamente à vida e de modo especial
William Purser a favor de Portugal15. aos conteúdo das histórias narradas, uma subtil
Circulando embora anónima até à edição de ironia ou um forte traço moralizante que, ora mais
1592, tivera larga voga ao longo de todo o século, explícito, ora mais sub-reptício, se insinua num jogo
através de sucessivas edições e fora traduzida, que, sem atingir as dimensões do Quixote, estabelece
embora a partir da versão castelhana, para francês, entre ambas as obras estreitos laços de afinidade.
inglês e italiano. E impressionara poetas como Quase se diria que, embora sem a genial dimensão
D. Simão da Silveira e Camões, que glosou, pelo que Cervantes, o autor do Palmeirim quisera delibe-
menos, dois motes, um à terção de Miraguarda radamente antecipar-se na intenção de denunciar
(“Ver e mais guardar/ de ver outro dia, /quem o as fraquezas da ficção cavaleiresca ou então se servia
acabaria”), e outro (“Triste vida se me ordena, / dela para a transformar numa pedagogia, se bem
pois quer vossa condição / que os males, que dias que não a dirigisse especificamente à ensinança
por pena / me fiquem por galardão”)16. de príncipes, e muito menos de D. Sebastião, como
É claro que as razões de ordem estética invocadas com demasiada pressa se tem dito.
pelo Licenciado cervantino pesaram na decisão de o Mantinha-lhe ainda em relação às caracterís-
pouparem às chamas que consumiriam todos os outros. ticas que, desde a Idade Média, identificavam o

14 Ib., p. 1052-1053.
15 Veja-se Palmerín of England. Some remarks on this romance and the controversy concerning its authorship. Dublin, Belkfast,
Cork, London, 1904.
16 Vide Rimas. Texto estabelecido, revisto e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão. Coimbra, Atlântida, 1973, p. 33 e 38-39.
Camões e Cervantes. duas formas de expressão da realidade peninsular entre a Glória e o Desengano
35

género, em especial pela valorização do lirismo, algumas das figuras que ficcionalmente a encarnavam.
ainda que configurado já pelos cânones do Renasci- Ou seja, a sua actividade como autor de uma
mento italiano; mas insistia com flagrante preocupação literatura de folgar como que se distanciava mais
pedagógica num tom moralizante, bem visível na de uma adesão convicta aos factos e personagens
formulação apotegmática de muitas sentenças desse mundo imaginado. E não o tomava a sério,
postas na boca do narrador ou das suas personagens. procedendo assim a posição mental de Cervantes
E os pontos sobre que insistia nestas formulações e salvando a sua obra das chamas destruidoras a
sentenciosas, como a oposição entre as armas e as que a Sobrinha do dementado fidalgo da Mancha
letras, a função social e militar dos escudeiros na queria condenar todos quantos haviam dado volta
hierarquia da nobreza em confronto com a condição ao juízo do tio.
dos cavaleiros, ou o dissídio entre a perícia militar Significa isto que, aproveitando embora esse
e o saber jurídico, entre vários outros estavam na filão temático, num género que lograra, ao longo
ordem do dia, e a eles havia de consagrar mais do século XVI, dos favores do público, esses geniais
específica atenção sob a forma de diálogos entre criadores de uma ficção que, embora por caminhos
um Fidalgo e um Escudeiro, entre um Cavaleiro e diversos, não esquecera ainda o preceito horaciano
um Doutor, entre uma Regateira e um moço de do utile et dulce, visavam criar paradigmas ficcionais
estribeira, em tom muito semelhante ao que encon- que, por assim dizer, permitissem aos seus contem-
tramos nos autos de Gil Vicente ou nas cartas em porâneos superar as crises em que se debatiam.
prosa de Camões. Camões, através de um herói cavaleiresco que
De não menor significado nesta linha de fugisse aos modelos demasiado imaginosos que a
interpretação da subtil e profunda relação do tradição greco-latina e a epopeia ariostesca haviam
Palmeirim com o Quixote é o novo desenho que o inculcado ao gosto do primeiro Renascimento
primeiro traz do paradigma do cavaleiro andante, europeu e ibérico, para nos dar n’ Os Lusíadas um
sobretudo através da personagem de Floriano, cujo herói profundamente marcado pela humanidade
comportamento amoroso se caracteriza claramente das fraquezas de quem sofre, tem medo, peca, erra
pela capacidade de sedução em detrimento do e apodrece, ainda quando encontra nessa mesma
valor cavaleiresco. humanidade o melhor das suas forças para as
Não creio que esta perspectiva da vivência aventuras da Índia ou para, num futuro imediato,
amorosa seja uma simples transposição do caso em nova arrancada regeneradora da “apagada e vil
pessoal do autor para as páginas da novela, por vezes tristeza” em que via sossobrar a pátria, romper “nos
afirmada com base no cotejo do texto ficcional com campos de Ampelusa / Os muros de Marrocos e
a Desculpa de uns amores que tinha em Paris com uma Trudante” levando o jovem D. Sebastião, também
dama francesa da Rainha D. Leonor, por nome Torsi, ele formado nos ideais de uma espécie de cavalaria
sendo português, pelo qual fez a história das damas cruzadista ao divino, a ser um novo Alexandre que
francesas no seu Palmeirim. não tivesse inveja “à dita de Aquiles”.
O que terá acontecido é que Morais, conhecedor Esta mudança no conceito do herói e do epos
de certos usos da cortesania francesa graças ao que ele configura terá vastíssimas e profundas
período passado em França, onde, a partir de consequências no período barroco, visto que dele
Novembro de 1540, acompanhou o embaixador nascerá um anti-herói ou um herói pela santidade,
D. Francisco de Noronha, Conde de Linhares em patentes em tantos poemas de Seiscentos e, de modo
missão diplomática junto de Francisco I – e particular, nos relatos de naufrágios que, em hora
mereceram-lhe relatos próprios acontecimentos feliz, Bernardo Gomes de Brito viria a reunir,
como as festas feitas por ocasião da boda do Duque em parte, sob o título de História trágico-marítima.
de Clèves com Eleanora (1541) ou as exéquias do No caso de Cervantes, a desconstrução do herói
próprio Rei (1540) –, teve da matéria cavaleiresca cavaleiresco envereda por outro caminho e recorre
uma visão mais de corte que de errância e dela se a outros processos, sem que tal opção se limite à
serviu para a concepção da sua novela e de (pelo menos) dimensão do cómico ou do burlesco a que tantas
Camões e Cervantes: um diálogo ibérico
36

vezes o reduziram leituras mais apressadas; antes D. Quijote de la Mancha, y soy ahora, cómo he
incutindo uma riquíssima e densa filosofia de vida dicho, Alonso Quijano el Bueno” (p. 1522).
que partia de uma cultura, de um conhecimento Aqui se resumem as semelhanças e diferenças
muito atento e profunda do homens, da colectividade que fazem de ambas as obras a expressão de um
que eles formavam e da crise que viviam no seu tempo comum de crise comum. Só que, Camões,
tempo. E o caminho escolhido para a vencer é rejeitando um modelo que a literatura épica e
formular a lição a partir da matéria ficcional que cavaleiresca estereotipara, dividido entre a fideli-
tanto seduzira uma época, mas que irremedia- dade a um apolíneo ideal e o desencantado desengano
velmente já não tinha curso. E o capítulo final de de uma realidade feita de sombras e misérias,
toda a obra, em que se narra a morte de D. Quixote pretende criar um novo herói que, na sua humanidade,
é fundamental para esta interpretação. representasse o homem que manejava com igual
A morte do ingenioso hidalgo deve-se à lei natural perícia numa mão a espada e noutra a pena. Enquanto
que rege a humanidade, mas devia-se também, pelo o manco de Lepanto, porventura senhor de uma
menos numa interpretação de Cide Hamte Benengeli, visão do homem e do mundo mais exacta, como bem
“a la melancolía que le causaba el verse vencido”. o mostram algumas das suas Novelas ejemplares,
Mas, mais significativo ainda do que isso é o facto desce do ideal da loucura a uma interpretação mais
de ter recuperado o juizo, como diz à sobrinha: cordata da vida e vai, por entre as facécias do
“Yo tengo juicio ya, libre e claro, sin las andante cavaleiro e do seu rotundo escudeiro, dar
sombras caliginosas de la ignorancia, que sobre voz a uma filosofia de vida que o Barroco depois
el me pusieron mi amarga y continua leyenda desenvolverá noutros planos e por outros caminhos.
de los detestables libros de caballerías.” (p. 1521). E é por estes caminhos, porventura ainda que
E a expressão simbólica desse reencontro com não de todo varridos de sombras e dúvidas hermenêu-
a sua verdadeira personalidade está na recuperação ticas, que as suas obras representam duas das mais
do nome, pois diz aos seus vizinhos e amigos: acentuadas e específicas linhas do perfil que define
“– Señores, […] vámonos poco a poco, as duas grandes expressões da realidade ibérica de
pues ya en los nidos de antaño no hay pájaros todos os tempos e que – estou certo – há-de
hogaño. Yo fui loco, y ya soy cuerdo: fui continuar a mantê-las individualizadas no futuro.
O nosso tempo:
nas fronteiras da cultura
O nosso Tempo e o Tempo dos outros

Eduardo Lourenço

Pela primeira vez, enquanto actores culturais, os europeus se encontram confrontados, não só do interior
mas do exterior, com uma temporalidade própria, digamos, finita. E isto não pode ser indiferente para
a relação que têm com a sua História com Cultura ou da sua Cultura como História. A sua e a dos outros,
agora percebida e vivida, como não só diversa, nas suas manifestações, mas como originariamente outra
para não permitir pensar a Cultura como um conceito unívoco e universal onde a pluralidade das culturas
a si mesma se compreende e se transcende. Cultura já não quer dizer explicita ou implicitamente Europa
como o era sob a forma hegeliana do Espírito e esta consciência da intrínseca finitude da nossa cultura
nada tem que ver com a famosa constatação desabusada de Valery de que “nós, as civilizações sabemos
que somos mortais”. Esta mortalidade geral era, ao fim e ao cabo, consoladora para um grande europeu,
estilo Valery. O que nos aconteceu, o que nos acontece, é bem mais radical e mais interessante: mortais
ou não, nós europeus não nos imaginamos já como culturalmente paradigmáticos. E isto tem as suas
consequências quanto ao nosso destino cultural de europeus confrontados com outros destinos tão
convencidos como o nosso o foi de que a ele e a ele só cabiam a vocação da universalidade e a gerência
do sentido da aventura humana. Os outros não só nos interpelam como sempre o fizeram não como nos
julgam e nos contestam ou nos remiram por lei, tendo para connosco aquele reflexo de compaixão,
de equidade ou de remorso que os europeus conheciam já nos Persas de Esquilo e um dia os levaram a
redigir os Ensaios ou as Cartas Persas. A cultura europeia que julgava o mundo está em julgamento e daí
podermos continuar os nossos jogos culturais como se estivéssemos sós no mundo. O mais lúdico dos
prazeres humanos converteu-se em jogo de vida e morte, não porque estejamos à beira de ser submersos
por uma barbárie mais inquietante do que aquela que nós mesmos inventámos, mas apenas por uma
rasura intensiva e invencível da nossa imaginária identidade. Ao menos devemos saber de que é que
estamos doentes e se, condenados à morte, para poder sair da nossa História que julgávamos “nossa”,
de olhos abertos, e não feridos de um sonambulismo encenável.
Desde que tiveram consciência de si, os europeus – Heraclito ou Hesíodo – viveram na convicção de
que o seu tempo – o do “seu trabalho e dos seus dias”, tanto como o dos seus sonhos – era partilhado por
toda a Humanidade. O encontro com outras culturas, após um instante de perturbação, como quando se
confundiram com um novo mundo, não abalou a sua convicção de serem os “senhores do tempo”. O que se
confinava, fossem Péricles ou Alexandre – os europeus paradigmáticos na ordem da vontade de poderio
de vocação universal – na convicção de serem também os senhores da História. Aliás a História nunca
foi para nós outra coisa que a metamorfose, lenta mas bem sucedida, do nosso tempo particular de gregos,
romanos e cristãos num tempo virtualmente universal. Aqueles que primeiro mediram o nosso planeta
deram-lhe, para fins práticos, a sua hora exacta. Todos os aeroportos do mundo nos confinam nesta crença
de um tempo único. O tempo europeu não só continua a medir, aparentemente sem oposição, o ritmo
abstracto da mudança cósmica herdada da Babilónia, como confere uma orientação preciosa à nossa
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
40

viagem que sem esta escansão de tempos, seria vivida uma temporalidade histórica, diversa da nossa.
como escoamento intemporal ou eterno retorno. O que significa novo milénio – um milénio de
O nosso tempo foi tempo de César em lembrança memória – para quem só existe há 500 anos?
da primeira Europa imperial, em seguida “tempo Na realidade, só a referência ao tempo da cultura
de Deus”, ao mesmo tempo promessa de salvação europeia está impregnada de uma inquietação de
e guerra do tempo no coração do homem. Esta consonância trágica pelo facto da nossa cultura ter
temporalidade veio dar ao destino europeu a figura assumido e bem cedo o papel de Sibila e de Cassandra
felliniana de uma nau chi va… Foi sempre como da aventura humana. Nós nascemos interrogando
um barco que o imaginário europeu se represen- a Esfinge de que desconfiávamos tanto. Todas as
tou o seu destino viajante – barco de Noé, de Ulisses, culturas, salvo a nossa, existem em função de uma
nau dos Loucos, nau redentora de Colombo – levando resposta, de uma crença ou discurso mítico, fonte
a bordo a humanidade inteira. Mas agora que o tempo de uma familiaridade com o tempo que os europeus,
europeu se tornou ao mesmo tempo, universal e finito, desde Heraclito e Píndaro, mas sobretudo desde
agora que já não sabemos se a nau mítica possui S. Agostinho, nunca conheceram.
ainda o desejo e a força de continuar a sua errância, Paradoxalmente, o fim do segundo milénio,
temos o tempo todo para examinar a ficção gloriosa esvaziado de antemão da sua dimensão sagrada,
que fez da Europa uma espécie de D. João da na medida em que a Europa já não se vive como
História, quer dizer, o seu conquistador indulgente. cultura crística, está em vias de dissolver a sua
Pela primeira vez desde que os Europeus temporalidade trágica num outro tipo de temporali-
assumiam o destino de mediadores entre outros dade ligada a culturas que nunca tiveram a necessidade
povos e continentes, a Europa de Marco Pólo toma de dramatizar a sua relação com o tempo, como se
consciência do seu espaço finito. Todas as naves elas não fossem para lado nenhum. À semelhança
europeias voltariam ao porto. Simultaneamente o do antigo Egipto, a China, a Índia, o Japão, o Islão
seu tempo abstractamente universal, inscrito em fundamentalista aderem ao seu eterno presente,
todos os relógios do mundo, tornou-se o de uma ou ao imemorial dele, que se mudam ou renovam-
temporalidade encolhida, cortada, por assim dizer, se, naturalmente, não sem nunca afivelarem a
do élan irresistível das épocas com que se julgava máscara que a nossa cultura revestiu tão cedo: essa,
responsável pelo futuro. Como se a Europa sofresse a de Édipo de que erguiam e prendiam evocações;
de uma espécie de anemia, pelo simples facto de já de onde viemos, quem somos, para onde vamos?
não crer num futuro que fosse, de algum modo, Tudo se passa, nesta aurora de outro milénio,
se não o acabar do seu sonho conquistador, pelo como se nós, também, tivéssemos renunciado a ir
menos do seu papel entre as demais culturas. para qualquer lado, talvez porque outros, nossos
Os europeus veneram ainda o fim do século e herdeiros, para aí vão em nosso lugar. Esta visão
sobretudo o fim do segundo milénio depois de Cristo, releva talvez de um olhar demasiado contagiado
com a ideia de que esta celebração comportava uma por um presente europeu particularmente hamletiano,
carga simbólica particular. Na verdade, só para nós, assaltado pelos demónios da abdicação e da impotên-
europeus da Europa, o conceito de “fim de século” cia no momento em que nós julgávamos realizar o
ou de “fim de milénio” tem uma ressonância única. grande sonho comunitário. Seja como for, a Europa
Nós sentimos bem que esses marcos não têm o não vive o seu tempo próprio com aquela paixão
mesmo sentido para as grandes culturas não-europeias inquieta e inquietante, poderosamente apoiado
– China, Japão, Índia, Islão – ou não evocam ou pelo futuro, que parecia deportá-la para além de si
expressam os mesmos valores fantasmas, os mesmos mesma no momento em que marcava com a sua
devaneios, esperanças ou nostalgias. A essência do inquietação febril o ritmo mesmo da História.
tempo e a memória e as memórias não são sobrepo- Esta espécie de psico-drama da cultura europeia,
níveis. Mesmo as culturas que retomaram, à sua a melancolia que dela exala, é por assim dizer a sombra
maneira, a herança do modelo europeu, como os fatal da ilusão europeia por excelência: a de se
Estados Unidos ou a América Latina, relevam de identificar com uma temporalidade que relevava
O nosso Tempo e o Tempo dos outros
41

quer de uma Fé de alcance universal, quer da caracterizaria a nossa relação com a História
universalidade mesma da Razão, que poderia dar enquanto história europeia. Mas esta observação
conta de tudo, mesmo do mistério ou do enigma é demasiado genérica. Se comporta alguma verdade,
da História. Em todas as outras culturas, o tempo devia aplicar-se a outras culturas, tão dinâmicas
dos homens é o tempo de Deus ou dos deuses. Só ou mais que a da Europa. Ora não é o caso.
a cultura europeia pretendeu que o tempo de Deus Nós sabemos que essas culturas não ressentem
fosse o tempo dos homens. nada que possa comparar-se à nossa melancolia
Quando este desafio prometaico perdeu a sua histórica. Elas relevam de uma outra temporalidade
razão de ser, a invocação do homem tendo-se que nenhuma tragédia empírica – mesmo a de
tornado para si mesmo um fardo mais pesado do Hirochima – é capaz de afectar. São culturas que,
que parecia a confiança em Deus, a nossa sede pareceu por razões opostas vivem na denegação quase
extinguir-se. Também nós, como as culturas masoquista dos valores religiosos ou éticos – que
extáticas, estamos vivendo o nosso presente como lhe servem de referência… Não são, como a cultura
se não fossemos para parte alguma. Como personagens europeia, sobretudo como cultura cristã, com a
de Herman Hess aspiramos ao repouso, o repouso misteriosa culpa original mesmo transfigurada em
do sonho, durante o qual anjos à moda de Wim condenação da redenção. Não é assim a ideia de
Wenders se encarregariam das nossas tarefas sobre- nenhum japonês, nem de nenhum americano
-humanas, ou como o de Buda, sonho de pálpebras (apesar da herança cristã) imaginar que a sua cultura,
fechadas, como resposta inacessível ao sofrimento apesar dos horrores de que os seus países tornaram
que o aqui vivo do tempo inflige aos nossos culpados, penitenciar-se publicamente por essas
corações de carne e sangue. Mas aquilo que no catástrofes da sua responsabilidade e consideradas
Oriente releva da mesma funda sabedoria, de uma uma mancha indelével como a que Auschwitz deixou
experiência vivida, no Ocidente, em particular na na consciência europeia. Mesmo o Vietname não foi
nossa Europa esquecida dos seus próprios sonhos peripécia que turvasse a sério a imagem da América
de absoluto, não passa de uma mera “fascinação” como pátria da Democracia e da Liberdade. A nossa
lúdica. Bem significativo, todavia, de uma deriva mais consciência significa que, apesar de tudo, o
profunda, de uma incapacidade de assumir o tempo essencial da nossa cultura, o seu enraizamento ético,
como essência do ser. cujos referentes são Sócrates e o texto bíblico, foi
De continente sedutor – com o que há de demo- preservado. Por quanto tempo? É sobre esta linha
níaco ou perverso em toda a sedução – a Europa invisível e precária, que o destino europeu, suspenso
transformou-se num continente seduzido. De certo, da ideia de liberdade de escolha, de responsabili-
o espectáculo da nossa cultura – ou da nossa cultura dade e de salvação, parece hesitar, como se também
concebida em Espectáculo – não parece muito ele fosse tentado por um destino pragmático, típico
diferente daquele que nós evocámos sempre com de uma cultura de indiferença. E pior do que tudo:
júbilo, o de todas as grandes épocas criadoras do da grande indiferença como cultura.
passado europeu: tempo das catedrais, do Renasci- Mas como cultura dominante é aquela onde todos
mento, da festa Barroca, do Romantismo – apesar estamos planetariamente submersos e ontolo-
da sua essência doentia ou do elán nunca realmente gicamente distraídos. Esta é a verdadeira versão
terminado do conhecimento objectivo do mundo, de tão glosada – também ludicamente – morte de
com os seus frutos ao mesmo tempo mágicos e Deus. Que a ninguém importa como se ele tivesse
inquietantes. As mudanças e as metamorfoses da outro contendor, que a nossa própria morte – morte
sociedade europeia, em todos os domínios, são vertigi- de seres incapazes de distinguir o que os salva do
nosas. As da Cultura também, mas não da mesma que os perde. Que Messias nos poderá salvar desta
vertigem. Poder-se-ia mesmo supor que existe um perdição vivida com um esplendor que converteu
laço profundo entre uma mutação tão rápida que o espectáculo – mau grado os seus horrores e
se nos torna indiferente, e o sentimento de tempo indigência – numa Las Vegas mítica, numa
suspenso que na ordem do sentido e do símbolo, Jerusalém celeste às avessas?
Elogio à Guarda

Guilherme d’Oliveira Martins

Começo por invocar, nesta Cidade e nesta circunstância, o conceito de fronteira. Num tempo de
fronteiras abertas e de fronteiras imaginárias, torna-se necessário entender que as linhas separadoras das
culturas, das línguas e das pertenças se tornaram menos factores rígidos de separação e, cada vez mais,
linhas de aproximação, de contacto, onde as diferenças podem e devem tornar-se factores de complemen-
taridade. É certo que há o bairrismo, o regionalismo ou até o tribalismo, se quiserem. No entanto, apesar
das diferenças, há uma sobrevivência da fronteira ou da raia que passa pelo reconhecimento de que se
impõe distinguir para unir. As fronteiras definem-nos, mas também nos separam e aproximam, e obrigam-nos
a pôr a ênfase num conceito de identidade onde têm de funcionar dois critérios distintos – o que define
o mesmo e o que caracteriza e distingue o outro.
E se já vi formular receios a propósito das identidades e da sua expressão, devo dizer que os receios
advêm de uma certa má consciência, já que só as identidades e o seu reconhecimento permitem entender
o pluralismo, deixando de o confundir com uma amálgama ou com alguma terra de ninguém. E aqui,
na Guarda, com “altiva solidão”, sentimos bem a fronteira, a interioridade e a sua influência, a identidade
e o seu significado e a exigência do reconhecimento de que a conflitualidade ancestral, que os dilemas
imemoriais entre Portugal e Espanha, se não desapareceram por milagre, têm de dar lugar à compreensão
de que passou a haver um espaço comum de cultura e de diálogo.
Falo na terra que viu nascer, por proposta de Eduardo Lourenço, a ideia do Centro de Estudos Ibéricos.
E essa proposta merece ser especialmente invocada no ano do quarto centenário da publicação de
Dom Quixote. Haverá ironia na invocação do Cavaleiro de triste figura? Não! Em vez de uma saída ou
de uma fuga do mundo, do que se trata é de entender que os combates imaginários, contra os moinhos
de vento deste mundo, têm de dar lugar ao exercício concreto e activo da vontade. Disse-o Herculano,
na sua determinação especial, apesar do seu cepticismo. E que significado tem Alonso Quijano?
A personificação de um sonho que chega ao fim e que se esgota – sonho comum às duas nações ibéricas.
Afinal, 1578 e 1588 são marcos terríveis da nossa História comum. Depois de Alcácer-Quibir, realizou-se
a estranha profecia de que os povos ibéricos chegariam à glória ou à perdição abraçados. O certo é que
o episódio da “Invencível Armada” foi bem a demonstração trágica disso mesmo. E o “cavaleiro da triste
figura” representou esse tempo de fuga para a ilusão, quando o eixo da política europeia, sonhado pelo
Príncipe Perfeito, deixou de poder ser a entrada do Mediterrâneo e a Ibéria, para passar a ser o Mar do
Norte, reforçado pelos capitais financeiros e pelo espírito empreendedor dos judeus expulsos da Península.
E se tempos havia para usar de coruja e tempos para voar como falcão, o certo é que o sonho do falcão
rapidamente regressou à impotência da coruja.
Se se tivesse consumado “a união dinástica de Portugal ao resto da Espanha já unificada, e a
História da Península, a História da Europa seriam diversas. Que papel teria tido no mundo um
império exclusivamente senhor de todas as regiões descobertas?” (História de Portugal, pág.155).
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
44

Eis como continuamos a ter de reflectir sobre uma orientais da Índia e para chegarem ao triste miolo
ideia de fronteira de aproximação e de separação. da sabedoria, à compreensão da vaidade final de
Aqui, nesta Cidade, passou Oliveira Martins já todo o esforço. Parece que ali pousa a lúgubre
muito doente, a caminho do teatro da Batalha sabedoria do Eclesiastes. Neste povo triste,
de Toro, em busca do fantasma de D. Afonso V tristíssimo, a gente diverte-se, sem dúvida, mas
e das pretensões da “Beltraneja”, mas sobre- diverte-se como se dissesse: comamos e bebamos
tudo preocupado com o tempo de coruja do que amanhã morreremos” (Por Tierras de Portugal
Príncipe D. João II, que ansiava pela circunstância y España, pág. 77).
de falcão. Ainda sentimos a “grande solidão das Beiras”,
“Só sei que em baixo, na estação donde não saí, de que falava Jorge Dias. Nota-se a “interioridade”
por falta de carruagem que me levasse ao alto, onde do Portugal profundo. A distância, que tanto
fica a cidade, tive de resumir o meu almoço a uns perturbou as gerações cosmopolitas do século XIX
ovos quentes …”. Viu, assim, apenas “de longe a (de Garrett a Antero, de Herculano a Oliveira
mole negra da Sé”, a “torre do castelo e mais nada, Martins), nota-se aqui intensamente. Daí a
quase”. Em “volta de mim via um terreno desolado curiosidade de Unamuno. E Eduardo Lourenço
onde as searas de centeio, frias e raras, pareciam diz que a “cidade de D. Sancho pagou caro o seu
cãs em crânio de velhos; via pastores e rebanhos papel de sentinela”. Mas voltemos a Unamuno:
de ovelhas nos seus redis, sobre a terra lavrada para “Em resumidas contas, o fruto maior que resultou
a estrumarem; via aqui, além, pinheirais magros, desta visita à Guarda é poder dizer – afirma
granitos nus, extensões tristes mosqueadas por Unamuno – alguma vez quando se fala da Guarda:
moitas breves de piornos que o vento dobrava e a também a vi”.
chuva miúda batia monotonamente”… E daqui E lá foi D. Miguel para Salamanca – sempre
foi Oliveira Martins a Salamanca – cidade coalhada Salamanca: “Atravessei a fronteira a ler Camilo,
de “monumentos esplêndidos: templos e palácios, fronteira que aí não é assinalada nem por rio nem
escolas, hospitais e seminários, do século dourado por montanha, nem por alguma demarcação natural.
da vida espanhola, a partir do reinado de Fernando Atravessei a fronteira; aos dengosos acentos da triste
e Isabel, a continuar pelo domínio imperial da Casa fala portuguesa sucederam os recortes da «récia»
da Áustria. Venha a Salamanca e não perderá o fala castelhana. Já de noite passei por Ciudad Rodrigo,
seu tempo” (Cartas Peninsulares). que é a Guarda espanhola da fronteira e ainda
Unamuno, anos depois, diria da Guarda quase conserva as muralhas – umas ridículas e inofensivas
o mesmo e até que nem sequer tinha sido escolhida muralhas – das quais na Guarda portuguesa não
pela Sociedade de Propaganda de Portugal como restam senão minguadíssimos restos”.
digna de visita. Mas ele forçou a nota e veio. A fronteira não se faz sentir, deste modo,
Guarda de quê? Cidade de fronteira, obrigada à pelo obstáculo físico, mas apenas pela transição dos
tarefa constante e fiel de guardar. Como disse falares. É a fronteira virtual que marca a distinção
Tomás Ribeiro: “voltada a Espanha, de pé na das culturas, mas que liga, como se fossem
montanha – já sem farda nem marmita, mas firme realidades vistas ao espelho, a Guarda e Ciudad
a guardar”. Assim, se compreende a Catedral Rodrigo. O velho Tratado de Alcanices aí está bem
fortaleza e o anfiteatro montanhoso, mas Unamuno vivo, como o mais antigo da Europa, mais forte do
deplora o liceu rudimentar e comenta as diatribes que as marcas aparentemente frágeis que não se
de um jornal republicano (estava-se em 1908). notam e não se dá por elas. E Miguel de Unamuno
E acrescentava: “Que terá este Portugal para assim regressa a Salamanca, estranhamente saudoso do
me atrair? Que terá esta terra por fora rente e branda outro lado de si mesmo, o lado português. “Quod
e por dentro atormentada e trágica? Eu não sei; natura non dat ; Salamantica non praestat…” E a
mas quando mais lá vou, mais desejo voltar. Unamuno António Machado chamou-lhe “nosso
Cheguei a crer se não será que estes extremos D. Quixote de Salamanca”.
ocidentais se deram as mãos espirituais aos extremos Por um momento, voltamos a ouvir D. Sancho I:
Elogio à Guarda
45

“Ay eu coitada, como vivo passado e do futuro. E salva-se do outro lado do


en gran cuydado por meu amigo espelho. E assim permite compreendermos que
que ey alongado muito me tarda devemos pensar não apenas com a razão, mas “com
o meu amigo na Guarda”. todo o corpo e com toda a alma”. E eis que se
confrontam o quixotismo e o sancho-pancismo –
Carolina Michaëlis considerou esta cantiga de ou seja, a pura ilusão e a poeira dos caminhos.
amigo como a mais antiga do galaico-português, E como define Unamuno esse confronto? A fé
de 1119 – e é a Guarda que se invoca, já fronteira de Quixote baseia-se na incerteza e o racionalismo
imaginária, já fronteira lugar de aproximação, de Sancho dúvida da razão… Duas faces da mesma
porque mesmo na corte de Leão se usava o galaico- moeda. E no fim Sancho converte-se à crença do
-português para trovar. mestre, esperando que o mesmo volte a reaparecer.
E as duas atitudes combatem – “é na manutenção
“Ay eu coitada, como vivo desta luta entre o sentimento e a inteligência que
en gran deseo por meu amigo reside a lei fecunda e salvadora”. E os factos como
que tarde e non veio! Muito me tarda o senso comum encarregam-se, a cada passo, de se
o meu amigo na Guarda”. desmentir mutuamente. E que lição tira o Quixote
de Salamanca? “A necessidade de combater todos
O “meu amigo na Guarda” é a sentinela, é quem os que se resignam, seja ao catolicismo, seja ao
vigia, procura e trova, quem dá o alerta, mas é quem racionalismo, seja ao agnosticismo, e a de fazer com
está longe e desterrado na fronteira, que durante que todos vivam inquietos e palpitantes”. Só serão
séculos nos separou do resto da Ibéria ou Espanha rejeitados os mornos, os neutros, os que não
– sem podermos esquecer o que Orlando Ribeiro lutarem, os que recusam a agonia, enquanto luta…
entendeu melhor do que ninguém. Mas voltemos à fronteira. Esta exige que compreen-
Afinal a Cordilheira Central é a grande fronteira damos, mais do que conheçamos.
e a grande coluna vertebral da Península a distinguir Eduardo Lourenço lembrava, na sessão solene
o Atlântico e o Mediterrânico e a constituir a perso- das comemorações dos Oitocentos Anos da Guarda:
nalidade ibérica nesse entendimento tenso de contrastes. “tivémos um Vergílio Ferreira para apreender como
Mas, na interrogação da fronteira, vivemos a ninguém a solidão sideral e, ao fim e ao cabo,
“tragédia da alma de D. Quixote” – na luta entre o vivificante, dos ermos e dos páramos onde o destino
que o mundo é, “tal como nos mostra a razão da nos fez nascer. Mas toda a gente se lembra da Aparição,
ciência e o que queremos que seja segundo o que hino ao mais solar, embora também solitário,
nos diz a fé da nossa religião”. E a verdade é que recanto de Portugal e pouco se lembra da Estrela
Quixote ”não se resigna nem ao mundo, nem à Polar, elegia da cidade, do luar de Janeiro e suas frias
sua verdade, nem à ciência, nem à lógica, nem à claridades, ao menos por fora e ardentes por dentro”.
arte ou à estética, nem à moral ou à ética”. Quixote E se falamos de Vergílio Ferreira, temos de
combate. Por quem? “Por Dulcineia, pela glória, lembrar o próprio Eduardo Lourenço, símbolo e
por viver, para sobreviver. Não por Isolda, que é a emblema, marca e sinal: “Estar na fronteira como
carne eterna; não por Beatriz, que é a teologia; sempre esteve, mas agora mais próxima da Europa
não por Margarida, que é o Povo; não por Helena, do que do resto de Portugal não acordou nela
que é a cultura. Combate por Dulcineia e ganha-a, (na Guarda) outras exigências e outra vocação? A Beira
uma vez que vive”… Domina o mundo, pela ironia. com a sua cidade está mais no caminho da Europa
Quixote não é pessimista, “porque o pessimismo é até nós, do que de nós até à Europa”. Foi sempre
filho da vaidade, é coisa da moda, é puro snobismo”, assim. “A Europa passa-lhe à porta, mas pouco
sans noblesse – no dizer certo de D. Miguel. E D. Quixote mais do que isso. Compreende-se que um genérico
só não é vencido porque entende a vida e o riso. projecto europeu a não contente ou exalte ou esteja
Grita no deserto, mas não é capaz de regressar à fora do seu alcance. Esse é o projecto de Portugal no
realidade. Deixa-se enredar na pura ilusão – do seu conjunto. Que resta à Guarda? Mobilar melhor
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
46

a sua estelar solidão histórico-cultural, sem ter, representar uma fuga à realidade; (c) por ligar o
enfim o sentimento de a quebrar?” sentimento e a razão – com a ironia e a auto-ironia;
Mas o Professor, o filósofo de Salamanca, dizia: (d) e por permitir uma paradoxal relação entre o
“Quanto mais lá vou, mais desejo voltar”. Este era “sentimento trágico” e a própria “vida”.
o seu veredicto saudoso, ciente de que a marca e a E se falamos na União Europeia dos objectivos
identidade portuguesas valiam a pena. E o nosso de paz, segurança, cidadania e desenvolvimento
modo de estar mereceria ser considerado. sustentável, não podemos esquecer ainda que a
Quixote combate pela vida. Sancho representa “ideia de fronteira” passa a assumir uma nova
o lado comezinho dessa vida, e é-o de tal maneira importância, que se prende com: (a) a definição
que se converte ao sonho e à loucura do amo. de espaços culturais e linguísticos abertos; (b) a
Eis a encruzilhada em que estamos. consagração de metas e de novas fronteiras no
Guarda, fronteira, azimute – poderemos definir sentido de desafios e de estímulos para o futuro;
de várias maneiras este lugar alcandorado nas (c) a compreensão de uma cidadania europeia e da
montanhas. Mas encontramos aqui condições pluralidade de pertenças que deve constituir um
únicas para se compreender o sonho antigo do factor de enriquecimento mútuo dos Estados e
Príncipe Perfeito. Contra a “fronteira do subdesen- povos europeus, numa União de Estados livres e
volvimento” importa favorecer a complementaridade. soberanos. A Europa passa à porta e temos de saber
Daí a persistência do velho sonho, que levou os tirar consequência de estar mais no caminho até
Reis Católicos a fazerem-se acompanhar, na última nós, reforçando a via de nós até à Europa.
morada, da urna funerária de uma criança – o Ser a mais ibérica e dialogante das terras e das
Príncipe Miguel da Paz, futuro rei português de fronteiras – eis o grande desafio, num tempo em
uma Espanha que não chegou no momento áureo que faz sentido lembrar a vontade de autonomia,
da afirmação do Império. “A mais lusitana das de independência e de emancipação, ao lado da
fronteiras, no momento em que elas se apagam, vontade de sermos nós com os outros, retomando
podia ser a mais ibérica e dialogante das terras e o uso de coruja e a esperança no voo do falcão.
do diálogo aberto e vivificante com o deserto de Estudar, compreender, viver a ligação dos povos
que nos separámos e continuou a florir em nós no peninsulares, entendendo as verdadeiras causas da
silêncio” – é Eduardo Lourenço que nos aponta o sua decadência antiga e fazendo hoje das fraquezas
dedo desafiador. Tem razão? O certo é que se fala forças, faz sentido – sem suspicácia nem complexos,
de fronteira ibérica, fala de fronteira já europeia – e certos de que tem de haver equilíbrio na ponderação
porque a dimensão europeia reequacionou hoje a de valores e interesses e nunca subalternização…
relação ibérica. Não se trata de regressar a “iberismos” Num tempo de incertezas e de excessos mercanti-
serôdios e desajustados, mas de pensar uma Europa listas, de uma globalização muito esquecida da
a partir da identidade histórica peninsular e das economia humana e de uma sociedade que se
suas diferenças intrínsecas. Faz sentido, assim, fragmenta e se destrói na anomia e na falta de
cultivar o novo conceito desta fronteira. Não se perdeu memória, é altura de lançar as bases de uma
o sentido do Estado-nação, mas esta toma novas cidadania cosmopolita equilibradora da razão e do
formas e qualidades. E a fronteira, por isso mesmo, sentir pessoal da dignidade do ser. Sob a ironia de
ganhou um outro sentido cultural. Há culturas e línguas Quixote, trata-se de entender que não basta ser
diferentes, mas há interesses próprios e interesses céptico ou cínico – dominados pela vaidade cega.
comuns que constroem uma democracia supranacional. Sem vontade e sem esperança caminhamos para o
Por isso, D. Quixote pôde ser usado como símbolo: nada, num mar de invejas e de pensamentos vãos
(a) por ter nascido depois de iniciada a inexorável – condenados a abundar nos factores da decadência.
decadência peninsular de mil e seiscentos; (b) por poder Precisamos de metas, de objectivos e de determinação.
Política Cultural – Sim ou Não?

Nuno Júdice

A cultura portuguesa no estrangeiro pode parecer um dado adquirido. Se pensarmos na projecção de


algumas grandes figuras da nossa criação – Fernando Pessoa, José Saramago, António Lobo Antunes,
na literatura; Manoel de Oliveira, no cinema; Siza Vieira, na arquitectura; Paula Rego, na pintura – o nome
de Portugal adquire uma projecção que se torna incontestável no tempo presente. Isso deve-se, sem dúvida,
à qualidade das obras referidas, mas não se deve esquecer que, apesar disso, Fernando Pessoa – para dar
este exemplo – permaneceu décadas ignorado ou menosprezado, embora traduções suas existissem já em
França, desde a década de 1950. É, portanto, também um fenómeno aleatório essa difusão – e importa
saber que, muitas vezes, ela passa pelo apoio que lhe é concedido por parte de entidades públicas ou
privadas no quadro de uma política externa cultural.
No caso português, essa política existiu em fases bem diversas do século XX: a primeira, no consulado
de António Ferro, sob a ditadura de Salazar. Apesar da sua filiação política no contexto totalitário,
Ferro teve a visão que vinha da sua formação futurista, de olhar a cultura como um dado cosmopolita;
e embora a esse facto associasse um folclorismo estilizado que integrava a sua visão cultural no quadro
ideológico do Estado Novo, o seu projecto conseguiu difundir para o exterior uma imagem de Portugal que
encontrou em homens como Marinetti, Valéry Larbaud, Paul Valéry, propagandistas mais ou menos discretos.
A segunda fase surge, já no final da Ditadura, com a implantação da Fundação Gulbenkian como
pólo cultural em Paris, abrindo para o plano universitário o estímulo ao estudo da realidade portuguesa.
Era um projecto muito circunscrito ao plano académico, tendo sido individualidades desse meio que
durante muitos anos tiveram a seu cargo a direcção do Centro; mas o certo é que se existe um sólido
grupo de lusófilos na Universidade francesa, tal se deve a esse trabalho de algumas décadas. Também a
existência do Instituto de Alta Cultura, que depois de várias mudanças de nome e de dependência
(do Ministério da Educação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e, em breve, associado também
ao Ministério da Cultura) se tornou no Instituto Camões, constitui um apoio que se foi fortalecendo,
inicialmente através dos leitorados, e depois alargando a sua actividade para outros domínios – como o
apoio à tradução e edição de autores portugueses no estrangeiro, complementado pela Fundação
Gulbenkian e o Instituto Português do Livro.
Estamos aqui a referir o plano institucional – do Estado ou de sólidas entidades privadas, como a
Fundação Gulbenkian. Se se trata aparentemente de apoios sólidos, há, por outro lado, uma fragilidade
inerente a esta situação – económica, no caso da Fundação; mas também política, no caso do Estado,
uma vez que o apoio depende unicamente da boa ou má vontade dos Governos que se sucedem. E o que
se verifica, por outro lado, é que essa vontade não está tanto dependente de forças políticas que ganham
eleições, mas da personalidade de quem tem vindo a ocupar os cargos. A política cultural tem, necessaria-
mente, um elemento subjectivo que lhe está ligado – e que passa pela boa ou má relação do titular com
o meio cultural, tanto como da capacidade de utilizar os meios ao seu dispor para privilegiar determinadas
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
48

opções em detrimento de outras (uma vez que os sem dificuldade, ser aceite por esses meios. O que
recursos são escassos). Assim, pode verificar-se um se verifica é que surgiu a ideia, em certos meios
predomínio da criação viva ou um privilegiar do ligados à política externa, de que um conselheiro
património; um acento na descentralização, ou um cultural deverá ser alguém com um perfil de gestor,
reforço da centralidade lisboeta, etc.. mais do que com um perfil cultural. É, sem dúvida,
Com altos e baixos, o que verificámos, nas a morte anunciada da nossa divulgação externa, se
últimas décadas do século XX, foi a existência de enveredarmos por essa linha, como já se verifica
uma política de internacionalização da nossa nalguns países; e se é um facto que um conselheiro
cultura que, no plano interno, teve consequências deverá ter um mínimo de aptidão para conseguir
moderadamente positivas. Tal começou em fins uma gestão dos seus meios – sobretudo em casos
da década de 80, com as «Belles étrangères», em em que haja um centro cultural a dirigir – também
Paris; a que se seguiu a Europalia, em Bruxelas, é um facto que uma Embaixada, ou o próprio
em 1991; após o que tiveram lugar, em 1997, centro, terá de ter pessoal qualificado para o
Portugal como país convidado da Feira do Livro assessorar nessa tarefa, deixando-o livre para
de Frankfurt e, em 2000, do Salon du Livre de Paris. exercer o trabalho de programação e de contactos,
Foram investimentos importantes, mas que tiveram incluindo a procura mecenática, indispensável para
como corolário um estímulo ao conhecimento que haja uma regularidade na difusão cultural do
efectivo da nossa cultura por parte de públicos que, nosso País.
de outro modo, nunca aí teriam acesso; bem como Já não estamos, hoje, num momento de fechamento
o interesse de muitos editores em autores portu- ao exterior da nossa Cultura, e de insistir no bacoco
gueses; e, finalmente, o Prémio Nobel atribuído a investimento em aspectos locais ou provincianos.
um escritor português, José Saramago. Pode envolver-se sob o manto diáfano de um
Mas outros resultados surgem destas iniciativas, nacionalismo disfarçado esse projecto – mas o que
menos visíveis em termos públicos, mas não menos aí se encontra, sobretudo, é a necessidade eleitora-
importantes. Refiro-me à inclusão, mais ou menos lista de captar votos. O acento posto, hoje, na
sistemática, de autores portugueses, ou de outras procura de um público, e na adopção de linhas de
manifestações da nossa cultura – designadamente comunicação «fáceis», não é mais do que a cedência
a música (com predomínio para o fado), o cinema, ao episódico e ao anedótico, que pode funcionar
o bailado, as artes plásticas – em inúmeros aconteci- num determinado momento, mas não só não
mentos internacionais, e que importa estimular e deixará marcas, como não encontrará uma implantação
acompanhar de forma continuada para não perder consistente num terreno criativo e dinâmico em
o balanço adquirido. No caso do estrangeiro, é termos internacionais.
fundamental para esse esforço a existência de Ora o que se verifica, por outro lado, é que nós
interlocutores credíveis, quer a nível de embaixadas, nos encontramos, cada vez mais, num mundo em
quer no plano universitário – refiro-me a conselheiros que não devemos agir isolados, se nos queremos
ou adidos culturais, quando existem, ou a leitores afirmar. Em determinado momento, pela década
devidamente preparados para esse efeito. Ora o de 1980-90, essa afirmação foi confundida com a
que temos vindo a verificar, nos últimos anos, é uma procura de uma linguagem descaracterizadora das
progressiva redução, ou pura e simples eliminação, nossas diferenças, procurando seguir as modas
de leitorados, por um lado, e de postos de conselheiro, estéticas dominantes no mercado artístico interna-
por outro lado. Tal não seria grave se, nos lugares cional – sobretudo no campo das artes plásticas.
em que existem, encontrássemos pessoas capacitadas Hoje, essa linha evoluiu também em direcção à
para exercer esses cargos, e suficientemente conhe- literatura e, de certo modo, ao cinema; mas o que
cedoras quer do ambiente local – sendo fundamental se verifica é que há uma perda de capacidade de
que um conselheiro seja alguém com ligações aos afirmação criativa sempre que enveredamos por
meios culturais do país em que é colocado ou, esse caminho; mas como a criação estética é sempre
pelo menos, com a credibilidade suficiente para, um processo em mudança, o que se perde com a
Política Cultural – Sim ou Não?
49

globalização e a mediatização pode ganhar-se com encontrar outra repercussão mediática; porém, isso
outras formas de expressão que se desenvolvem ao aumenta a oferta nesses grandes centros sem
lado dessa. aumentar necessariamente o público, o que conduz
Nessa procura de internacionalização não é ao fenómeno das salas vazias e de uma banalização
apenas a componente externa que deve ser estimu- dessa oferta, que, no caso de se verificar nessas
lada, paradoxalmente, é também no próprio interior localidades, teria, sem dúvida, outro impacto.
do País que devemos procurar desenvolver um Mas isto obrigaria também a uma alteração
diálogo com outras culturas. Um exemplo a seguir, radical do mapa da oferta cultural; e sabemos que
embora, como é óbvio, sem a mobilização de meios só através de manifestações com alguma projecção
económicos desse acontecimento, será a Expo´ 98 nacional – como festivais, encontros literários ou
como um momento em que isso foi conseguido, outros – é que essa projecção se consegue. Haveria
na sequência de uma experiência já interessante também que dinamizar a oferta através de uma
que foi a Lisboa 94. A atracção de um público inter- valorização de tudo o que, regionalmente, pode
nacional, através do atractivo resultante do desenvol- suscitar o interesse desse público: e isto obriga,
vimento de aspectos próprios da imagem cultural, como é evidente, à formação de equipas próprias e
patrimonial ou paisagística do nosso País, é fundamental profissionais para produzirem esse acontecimento
para que os próprios portugueses possam olhar para e o promoverem. Infelizmente, estamos muito
dentro com uma visão bem diferente da que destruiu, atrasados na formação universitária desses quadros,
sistematicamente, a nossa identidade – lembremo-nos que não deverão ser necessariamente do próprio
da catástrofe que atingiu muitos centros históricos, poder local – sendo até preferível que sejam equipas
ou grande parte do litoral, com a especulação à margem desse poder local dados os riscos de buro-
urbana a partir da década de 1960. cratização que isso comporta, sendo um exemplo
É aqui essencial o papel de um poder local capaz do que se pode fazer com êxito as «Correntes de
de agir também ele com uma visão que possa até, escrita» da Póvoa de Varzim, que junta precisamente
nalguns casos, ir bem além da que entidades gover- as duas dimensões nacional e internacional na
namentais possam ter (ou não ter); e refiro casos efectivação do projecto.
como a geminação de Montrouge e Amarante, Será quando as entidades nacionais e locais
que deslocou para o Museu Sousa-Cardoso a bienal tomarem consciência desta realidade que uma
de artes plásticas realizada naquela cidade francesa; alteração do quadro actual poderá ter lugar.
trata-se de um acontecimento local – mas sem Existem, neste momento, muitas infra-estruturas
dúvida atraindo o que de mais inovador se encontra indispensáveis para a realização destes aconteci-
na criação estética francesa, sendo no entanto mentos: bibliotecas públicas, auditórios, salas de
indispensável, por outro lado, que se encontrem espectáculo, para não falar do nosso clima que
formas de divulgação nacionais desses aconteci- permite que cenários naturais ou históricos
mentos. Sabemos, no entanto, que os interesses (castelos, claustros, praças, etc.) possam ser utilizados
eleitorais obrigam a um investimento nas (pobres) para iniciativas de maior audiência; falta uma
dinâmicas locais, em que se esgotam os magros política que se dirija nesse sentido e uma visão
orçamentos da cultura. Esta visão estreita não só aberta capaz de dinamizar os «agentes culturais»
não dinamiza nem torna visível o que é local, como capazes de dar vida a estes projectos.
cria uma clientela que acaba por produzir o círculo Não queria também deixar de referir um dos
vicioso de investimentos perdidos, dado que nada pontos em que, infelizmente, estamos ainda muito
acrescentam ao desenvolvimento da região. longe de uma realização ajustada de acontecimentos
O problema, por outro lado, é que esta situação e propostas culturais inovadoras. Refiro-me aos
cria um bloqueio: muitos jovens criadores – sobretudo media. Trata-se de um desajuste trágico entre o
no plano do teatro e afins, mas também nas artes que é o País – que deu, de facto, passos grandes no
plásticas, etc. – não se deslocam para fora dos sentido de integrar a cultura na sua vivência
grandes centros onde a sua actividade poderá democrática – e a divulgação desses aconteci-
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
50

mentos. Os chamados «jornalistas culturais» são, mentos nacionais, fazendo sair os nossos represen-
muitas vezes, incapazes de ir para além da banali- tantes do chamado «gueto» luso-português.
dade informativa, quando o fazem, ou gente de São estas as linhas fundamentais do que deveria
«fine bouche», com uma pseudo-formação ser uma política cultural dinâmica e segura de obter
cosmopolita que os leva a desdenhar do que se resultados que, como se sabe, nunca são imediatos,
passa em Portugal sob o pretexto de que no estran- mas a médio ou longo prazo. Poderei dar o exemplo
geiro é que se faz bem e melhor. Tendo uma longa de um escritor: se ele é convidado para um aconte-
prática de contacto com festivais dos mais diversos cimento no estrangeiro e tem êxito, pelas circuns-
tipos, no estrangeiro, posso dizer que, em Portugal, tâncias organizativas que referi, o livro que irá ser
se fazem coisas de idêntico, ou superior, nível de traduzido devido a esse contacto só sairá no
realização – mesmo quando há pouco público, mínimo um a dois anos ou mais depois que se
em Portugal, para certas coisas, o mesmo se verifica passou. Mas se nada se fizer sob o pretexto de que
no estrangeiro. O que é importante nestes aconte- é no imediato que terá de haver um resultado, então
cimentos é a sua implantação e continuidade; e é é certo que nada se fará.
também a sua repercussão na imprensa, que dá a Muitas são, por outro lado, as condicionantes
conhecer culturas outras e, frequentemente, para o bom êxito destes resultados; mas a fundamental
marginais em relação às grandes culturas (que são está na existência de estímulos, de uma criteriosa
as capazes de atrair grande público). O que os jornais escolha, e da boa formação das pessoas capazes de
deviam fazer, por isso, era não só chamar a atenção dar vida aos espaços existentes, ou às iniciativas
para o que se passa, como – para além disso – dar culturais existentes ou a criar, aproveitando efemérides,
lugar a notícias que permitam divulgar nomes ou lugares simbólicos, etc.. Estará isto a acontecer?
personalidades aí intervenientes. Há motivos para estarmos inquietos porque, se há
O que acontece com Portugal no estrangeiro, excepções, não é esta a regra, tal como o ensurde-
por isso, tem também a ver com esta filosofia. cedor silêncio em relação ao projecto de algumas
Não se diga que não vale a pena levar escritores, instituições oficiais decisivas para o bom sucesso
ou músicos, ou cinema, ao estrangeiro, a países da nossa cultura não é nada esclarecedor. O optimismo
próximos ou distantes, sob o pretexto de que não não é necessariamente uma virtude; e em momentos
terão repercussão local. Isso não acontecerá, claro, como este, muitas vezes, é mais saudável a interro-
se os responsáveis pela organização não tiverem gação e a crítica do que um simples encolher de
contactos nesses países que permitam potenciar ombros, mesmo que, como se sabe, a criação se faz
uma presença; e o ideal será que os convites e a muitas vezes, senão quase sempre, à margem e
organização passem por entidades ou aconteci- contra apoios ou protecções.
La construcción de un modelo de ciudad
de cultura: Salamanca en los años 80 y 90

Jesús Málaga Guerrero

Introducción

Al auspicio de la constitución de 1978, el 3 de abril de 1979 se celebraron las primeras elecciones


municipales democráticas en España. Durante los 40 años de dictadura franquista, los ayuntamientos
languidecieron y formaron parte, como último eslabón, de la estructura piramidal del Estado totalitario,
construido después del golpe de fuerza y la Guerra Civil desencadenada el 18 de julio de 1936.
Los alcaldes y concejales no democráticos obedecían ciegamente las órdenes que emanaban del mando
que en cada provincia estaba representado por el gobernador civil. Éste cargo público, representante,
con todos los poderes, del dictador, nombraba y cesaba a su gusto cuantos responsables institucionales
existían en su demarcación, con el objeto de mantener controlado cada rincón de España, como exigía
el régimen autoritario vigente.
El panorama municipal español nacido de la Constitución de 1978 es completamente diferente al
vivido en los años de la dictadura. Los ayuntamientos dejan de ser tutelados, se les reconoce autonomía
en todo lo que se refiere a sus competencias, se les aporta financiación suficiente y, lo que es más importante,
sus representantes fueron elegidos, desde entonces, por sufragio universal cada cuatro años.

Elección o no de un modelo

A los ayuntamientos democráticos se les planteó, en un primer momento, la necesidad de seguir un


modelo de desarrollo específico para su municipio o dejar que la iniciativa de los ciudadanos encaminase
los pasos de la ciudad hacia una definición acomodada a las circunstancias. La primera pregunta que nos
hicimos los responsables municipales en ciudades como Salamanca fue si era necesario un modelo para
una ciudad que había funcionado desde 1918 como una ciudad educadora, con buenos resultados sociales
y económicos, al menos hasta el siglo XVII, y cuya universidad, siete veces centenaria, tras una decadencia
de varios siglos comenzaba a dar signos de un nuevo renacimiento.
Nos decantamos por un modelo concreto de ciudad para Salamanca, por una definición que implicaba
seguir la senda de otras ciudades europeas que habían progresado optando por la especialización,
en contraposición de aquellas que eligieron la polivalencia.
Los primeros años de andadura de los ayuntamientos democráticos, como se puede comprobar en las
hemerotecas, fueron de intensa actividad en la gestión. Había ciudades como Salamanca donde se daban
carencias propias del tercer mundo; faltaba el agua en los barrios altos, solamente el centro estaba asfaltado,
muchos de sus niños carecían de escuelas dignas, todavía se podían ver chabolas e infraviviendas en
barrios como Pizarrales, Tejares, Prosperidad, Puente ladrillo o Chamberí Alambres, y la luz, en más de
una calle, brillaba por su ausencia.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
52

A estos acuciantes problemas se unían los propios industrialización basada en la alta tecnología como
de un país colocado, a mediados de los años 70, es el caso de muchas de las ciudades del cinturón
en un segundo mundo. La falta de viviendas, la de Madrid y de Barcelona. La totalidad de las
precaria urbanización de calles, la carencia de un capitales apostaron por los servicios, se convirtieron
plan de urbanismo al que atenerse, el nulo reciclaje en grandes suministradoras de los mismos, donde
de la basura, la escasa semaforización o la alta trabajaba personal muy capacitado y especializado,
relación profesor alumno en las escuelas estaban a y por último, todas se convirtieron en lugares de
la orden del día. Las necesidades de una ciudad implantación comercial, sobre todo, en los últimos
del primer mundo estaban todas por cubrir, en casi años, acogiendo grandes superficies comerciales
ninguna ciudad española se cumplía con los que han diezmado el pequeño comercio.
mínimos exigibles para un medio ambiente También ha influido en la especialización la
adecuado. La depuración de aguas residuales era situación geográfica. No es lo mismo la opción que
mínima y se hacían vertidos directos a los ríos, puedan tomar ciudades costeras como San Sebastián
la recogida de basura se realizaba a plena luz del o Gijón que las urbes situadas en el interior de la
día y las infraestructuras culturales solamente península, cuyo más significativo exponente lo
estaban presentes en las grandes ciudades. podemos encontrar en ciudades castellanas como
En pocos años, tuvimos que solucionar problemas Palencia o Burgos. Hay capitales fortaleza, militares,
que la mayoría de las ciudades europeas habían que perdieron su razón de ser con los cambios
superado hacía ya muchos años. Elegir un camino habidos en las técnicas modernas de defensa,
concreto en estas circunstancias era arriesgado, más ejemplo de ello es la ciudad de Ávila.
fácil era optar por solucionar las muchas demandas Los cruces de caminos han sido históricamente
de los ciudadanos que producía mayores gratificaciones lugares de concentración humana. En España han
personales y políticas y dejar para mejores tiempos respondido a este modelo muchas ciudades, pero
la definición del rumbo de futuro de la ciudad. valga el ejemplo de dos de ellas, una en Castilla,
Medina del Campo, y otra en Aragón, Zaragoza,
que a medio camino entre las ciudades más
Los modelos tradicionales de ciudad
pobladas y económicamente más fuertes de
En España, los modelos de ciudad que se han España, ha sabido aprovechar como nadie ese lugar
podido observar a través de los siglos han sido privilegiado que ocupa.
muchos y muy variados. Así, hay ciudades que Las ciudades fronterizas han poseído características
responden a las características de su territorio, singulares, antes, como lugar de paso de las mercancías
desde aquellas que viven en función de su comarca legales o ilegales del mercado entre dos países, ahora
como es el caso, en la provincia de Salamanca, que hemos eliminado las fronteras con Portugal y
de Béjar y Ciudad Rodrigo, aquellas cuya vocación Francia, siendo el punto de unión del desarrollo
es más amplia, recogiendo a toda una provincia, armónico con los dos países vecinos. El caso que mejor
como las ciudades de Ávila y Soria y algunas, pocas, responde a estas características de las que hablamos
con influencia regional o supraprovincial, que en es la ciudad extremeña de Badajoz. En otros
Castilla y León se corresponderían con Valladolid tiempos también funcionaron las ciudades con
y Salamanca respectivamente vocación religiosa, a este modelo respondía, antes
Otro de los modelos que ha funcionado es el de ser capital de Galicia, Santiago de Compostela.
de la especialización. Algunas capitales optaron en Mención aparte tienen aquellas ciudades elegidas
el pasado por la industria, con la implantación en por la fortuna como capitales de Estado. En ellas se
su territorio de fábricas tradicionales, que demandaban dan otras dimensiones distintas a las del resto de ciudades
mucha mano de obra necesitada de poca especiali- de la nación. Madrid y Lisboa son algo distinto al resto
zación, Avilés y Gijón fueron un claro ejemplo de de las capitales de España y Portugal. La concentración
estas opciones en el pasado inmediato. En la en ellas de la administración de los poderes del
actualidad, algunas ciudades han impulsado su Estado las hace ciudades singulares.
La construcción de un modelo de ciudad de cultura: Salamanca en los años 80 y 90
53

andaluza desde la charra, puede, de un tirón, sin


Modelo de ciudad y territorio
cansancio, realizar el viaje sin parar.
La respuesta vocacional de cada ciudad va a estar
en consonancia con el desarrollo de su comarca.
El modelo cultural de Salamanca
Aquellas capitales que han crecido a base de despoblar
su entorno, tienen un desarrollo que podemos En Salamanca optamos por una definición
catalogar como de “pan para hoy y hambre para concreta, al modelo de ciudad educadora por el
mañana”. Béjar es el paradigma de lo que decimos. que apostamos desde 1218, añadimos el de ciudad
Su comarca se ha desertizado, yendo sus habitantes cultural. Así como la ciudad del Tormes se recuperaba
a vivir a la ciudad. Cuando ésta ha entrado en crisis, en los años 80 de la decadencia de la universidad
su entorno no ha podido socorrerla por estar que casi desaparece a finales del siglo XIX, la actividad
totalmente descapitalizado y deshabitado. cultural y las infraestructuras culturales, en aquellos
Lo mismo podemos decir de aquellas capitales años, eran escasas y con poca impronta en la vida
de provincia que han optado por recoger en su cotidiana de Salamanca.
término municipal a la población joven y dinámica La decisión la tomamos obedeciendo a dos pará-
de sus respectivas provincias y en unas décadas su metros que considerábamos importantes tener en
zona de influencia ha quedado envejecida, despoblada cuenta: en primer lugar entrar con pleno derecho
y desertizada. No hay más que mirar a cada una en las redes de ciudades ya existentes en Europa:
de las nueve provincias de la Comunidad de educadoras, turísticas, Patrimonio de la Humanidad
Castilla y León para ver reflejado este modelo, que formaban lobby potentes capaces de atraer
que se puede resumir como una extensa comunidad inversiones privadas y recursos de las instituciones
con una gran ciudad, Valladolid, tres medianas, europeas, nacionales y autonómicas y en segundo lugar,
León, Salamanca y Burgos, unas cuantas poblaciones diferenciarnos de las ciudades de nuestro entorno,
que subsisten de forma aislada como Ávila, ganando tiempo y adelantándonos en dotar a nuestra
Palencia, Segovia, Soria, Zamora, Ponferrada, ciudad de infraestructuras exclusivas y únicas.
Miranda de Ebro y Miranda de Duero, y pocas Éramos conscientes de que nacíamos a un
más; y el resto un gran desierto. mundo cada vez más competitivo y que el proceso
Otro proceso que se ha dado en el último tercio de urbanización de España tenía todavía mucho
del siglo XX y que ha influido en la definición de recorrido. Nuestros pueblos se envejecían y
muchas capitales es el empequeñecimiento sufrido despoblaban quedando comarcas totalmente deserti-
en la percepción del territorio. La modernización zadas. Valga como ejemplo el caso de Salamanca
de las comunicaciones, con la construcción de que a finales del siglo XIX tenía 22.000 habitantes
autovías y trenes de alta velocidad, ha acortado los y en estos momentos, contando los pueblos
tiempos de viaje y han reducido horas las distancias dormitorios de su alrededor, ronda las 200.000
entre poblaciones. La Ruta de la Plata va a acortar almas. Mientras esto ocurre en la capital de
a 4 horas el viaje entre Salamanca y Sevilla. Una autovía provincia, comarcas salmantinas como las Arribes
que estará concluida en 2008 habrá reducido a la del Duero tienen 6 habitantes por kilómetro
mitad el tiempo que se tardaba en recorrer los 470 cuadrado, índice claro de su desertización.
kilómetros que separan estas dos ciudades. Hace Teníamos también un temor, algunas ciudades
unos años era impensable realizar dicho desplaza- que habían optado por la especialización en un solo
miento de un tirón, el viajero se iba deteniendo en sector, cuando éste se venía abajo, la ciudad toda
Béjar, Plasencia, Cáceres, Mérida… para descansar, entraba en depresión. Respondía al dicho español
repostar, comer, comprar. El paso por las poblaciones de “poner todos los huevos en la misma cesta”.
hacía más lento si cabe el viaje. Ahora, con El ejemplo lo teníamos muy cerca, en Béjar, la
carreteras seguras y modernas, que evitan las ciudad más poblada e industrializada de la
ciudades y pueblos, y vehículos seguros y provincia de salamanca. Históricamente había
confortables, el viajero que se traslada a la capital concebido su desarrollo basado en la industria del
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
54

textil, cuando este sector se vino abajo, la ciudad cinchada y forrada de piedra para poder aguantar
toda se empobreció, gran parte de su comercio en pie sin derrumbarse.
cerró, sus jóvenes emigraron y pasó, en veinte años, A principios del siglo XIX la Guerra de la
de 18.000 a 15.000 habitantes. Independencia se ceba con Salamanca, los ejércitos
francés e inglés entran y salen de la ciudad saqueando
palacios y conventos y destruyendo casas, colegios
Opciones para Salamanca
e iglesias, dejando a la ciudad sin muchos de los
La apuesta municipal del Partido Socialista en monumentos más significativos y bellos.
sus doce años, tres mandatos, de permanencia al La decadencia de la universidad se acrecienta
frente del ayuntamiento de Salamanca fue definir con la desaparición de los Colegios Mayores y la
Salamanca como una ciudad cultural. Para lograrlo Guerra de la Independencia. A finales del siglo
tuvimos que recuperar el patrimonio histórico XIX, poco antes de la llegada a Salamanca de don
artístico que estaba en un total abandono, proteger Miguel de Unamuno, unas decenas de alumnos
de la especulación al barrio antiguo a través de un asisten a las aulas como pobres testigos de la
nuevo planeamiento, hacernos, como punto de universidad más antigua de la Península Ibérica.
arranque de la operación, con el Palacio de Congresos Por último, Salamanca se convertirá en la capital
de Castilla y León, ya que no existía ninguno en la del bando sublevado contra la República en los años
Comunidad Autónoma, poner en marcha, al de la Guerra Civil, 1936-39, aumentando progresi-
menos, una Casa de Cultura, construir Archivos, vamente su población en los últimos 50 años.
Museos y Bibliotecas, erigir varios teatros En ellos se produjo el proceso de especulación del
convencionales y uno Lírico y abrir una Filmoteca suelo y degradación del Barrio Antiguo, cayendo
y Fototeca con carácter regional. La idea era simple bajo la piqueta muchos edificios que no estaban
conceptualmente, pero compleja para llevarla a protegidos o que si lo estaban no tuvieron valedores,
cabo, solamente sería posible si el proyecto tuviera en el régimen de Franco, para ser salvados.
continuidad en el tiempo. Necesitábamos dotar a Todos estos factores influyeron a través de la
la ciudad de las infraestructuras culturales de las historia y de forma brutal y despiadada en la
que carecía a la vez que programábamos actos destrucción del patrimonio, y solamente desapareció
culturales y los producíamos. su amenaza con la aprobación y puesta en marcha
del Plan Especial del Recinto Universitario y Zona
Histórico Artística acompañado de la Operación
Historia de un deterioro
Piloto que el Gobierno de España puso en marcha.
El estado lamentable del Barrio Antiguo de
Salamanca venía de largo. De todas las guerras y
Recuperación del patrimonio
calamidades sufridas por la ciudad, recogidas en
los muchos libros de historia de Salamanca publi- La recuperación de los monumentos históricos
cados, hemos de destacar algunas como causantes y artísticos se realizó a través del Plan Especial de
en gran medida del deterioro de la monumenta- la Zona Antigua y la Operación Piloto que el Gobierno
lidad de la capital salmantina. del Estado propuso a varias ciudades españolas
El 26 de enero de 1626 intensas lluvias provocaron entre las que se encontraba Salamanca. El Plan
inundaciones en los barrios más próximos al río, Especial se enmarcó en el Plan General de Ordenación
llevándose de calle seres humanos, animales, casas, Urbana y tuvo entre sus cometidos el incentivar la
iglesias, conventos, hospitales y ermitas, quedando construcción en el barrio antiguo, que carecía
asolada gran parte de la ciudad. de población y la poca que había era marginal.
En 1775 el terremoto de Lisboa que destruyó Para darnos cuenta del deterioro al que había
la capital de Portugal, afectó al caserío y a muchos llegado el barrio que da identidad a Salamanca,
de los monumentos salmantinos, especialmente la cabe reseñar que los salmantinos, a principios de los
catedral, cuya torre de las campanas tuvo que ser años ochenta, no se atrevían a pasear por sus calles
La construcción de un modelo de ciudad de cultura: Salamanca en los años 80 y 90
55

cuando llegaba la noche, y por zonas como el barrio envoltura del caserío y las alineaciones que hacen
Chino y la calle La Palma, no se aventuraban a el conjunto.
pasar ni a pleno día. La Operación Piloto fue ideada en los primeros
Una virtud que tuvo el Plan Especial es que Gobiernos Democráticos para salvar algunos
catalogó todo las edificaciones y vestigios históricos, cascos históricos degradados, considerados priori-
desde las prerromanas y romanas hasta el moder- tarios para España. La mayor parte de los municipios
nismo y el racionalismo. Para poder actuar en ellas elegidos tenían un tamaño medio o eran pueblos,
el propietario tenía y tiene que someterse a cumplir la ciudad más grande del grupo fue Salamanca y,
con el grado de protección de cada uno de los por cierto, la única en la que el experimento salió
edificios catalogados, que oscila desde la integral, tal como se concibió.
en la que se debe conservar todos los elementos Se trataba de juntar en una mesa a cuantos
esenciales de la edificación, tanto externos como tenían algo que decir sobre el patrimonio de la ciudad.
internos, a la protección menor, solamente paisa- El Gobierno del Estado, el Gobierno Autonómico,
jística, donde se permitía y se permite construir el Ayuntamiento, la Diputación, la Diócesis,
respetando las fachadas y el alineamiento. la Universidad de Salamanca, la Universidad
El ayuntamiento ayudó con dos medidas Pontificia de Salamanca, Caja Salamanca y Soria,
fundamentales a la recuperación del Barrio Antiguo: Cámara de Comercio, en fin, hasta una veintena
en primer lugar dio ayudas, de hasta un millón de de organismos llegaron a implicarse con el
pesetas de los años 80, a cuantos rehabilitaran una patrimonio de Salamanca,
casa en el citado barrio siempre que la dedicaran Cada una de las instituciones se comprometió
para vivienda habitual, y posteriormente comenzó a costear la rehabilitación de un edificio, asfaltar
una campaña que denominó “Salvemos un monumento una calle o recuperar un jardín histórico. Milagrosa-
cada año” que llevó a rajatabla el lema y que mente cada uno de los compromisos fue pasando
consistió en, sin tener competencias en la recupe- del papel a la realidad y en pocos años Salamanca
ración del patrimonio, dedicar parte de su escaso comenzó a tener una nueva fisonomía. Desapareciendo
presupuesto a la rehabilitación de monumentos. el deterioro de sus calles y casas, los salmantinos
Así fueron puestos en valor y en utilidad, entre empezaron a superar su baja autoestima, a estar
otros, los siguientes bienes muebles: la Torre del orgullosos de su pasado y a pasear por el día y por
Clavero, la Fonda Vera Cruz, El Huerto de la noche por su casco antiguo, ocupándolo y
Calixto y Melibea, San Polo, San Blas, el Jardín poseyéndolo. Se abrieron comercios, se veían niños
del Visir, la Casa de Lis, el Palacio del Obispo, el jugando en las calles, se habitaron sus casas.
Colegio de Cañizares, la Casa de las Viejas, la El charro, tan dado al escepticismo, fue aceptando
Casa de las Conchas, la Plaza Mayor, o la Torre que se estaba en vías de la salvación del barrio que
de Abrantes, estos tres últimos en colaboración muchos habían dado por perdido,
con otras administraciones. Otros bienes como el El Ministerio de Obras Públicas concedió por
órgano de Salinas, un realejo cuya caja estaba a este motivo al Ayuntamiento de Salamanca el
punto de desaparecer por la carcoma, pasaron a premio CEOTMA, que valoraba las mejores
ser objeto de ornato y a deleitar con su melodía intervenciones institucionales en patrimonio
como en los tiempos de Fray Luis de León. en España.
Con el Plan Especial se comenzó a valorar los
pequeños monumentos, los llamados menores,
Varias formas de enfocar la recuperación
el caserío, el entramado de calles, las puertas,
del patrimonio
los llamadores, las fachadas, los escudos y pequeños
detalles ornamentales. Se pasó de una ciudad con Las capitales que formaron parte del selecto
monumentos a otra monumental. Antes del Plan grupo “Ciudades Patrimonio de la Humanidad”
Salamanca tenía un conjunto de monumentos de fueron en sus inicios, tres de Castilla y León: Ávila,
gran importancia artística, pero carecía de la Segovia y Salamanca, una gallega, Santiago de
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
56

Compostela, otra castellano manchega, Toledo y, ayuntamiento democrático realizó viviendas sociales
por último, una extremeña, Cáceres. Las seis de calidad en solares situados en el centro del Barrio
compitieron sanamente por conseguir una recupe- Histórico. Así hoy se pueden contemplar dignísimas
ración ejemplar de sus cascos históricos, pero de promociones de viviendas donde se realojaron las
forma distinta. Podemos observar tres modelos en familias expropiadas del barrio catedralicio,
el método empleado. Un primer grupo de ellas en pleno Patio Chico, detrás de la catedral. Así mismo,
recuperaron su casco, pero no dieron una función algunas familias del barrio Chino y San Vicente
a sus contenedores más significativos, otras se trasladaron a vivir a un bloque de viviendas,
ciudades patrimonio optaron por una formula en el último de los barrios citado, que guarda los
mixta y, por último, el modelo Salamanca cuyo más estrictos criterios de calidad.
resultado está a la vista. Es una forma de actuar Así volvió la vida al conjunto de barrios que
que implica más deterioro, pero la población por conformaban el casco antiguo: catedralicio,
entero disfruta de su patrimonio, haciendo posible universitario, Chino, Palma, San Vicente, Bretón
una mejor calidad de vida para sus ciudadanos. o el entorno sur de la Plaza Mayor. Todos ellos se
Salamanca optó por la recuperación con “bicho fueron llenando de habitantes, de comercios, de
dentro” que de forma expresiva indicaba que aquel cafeterías y bares y lo que era tristeza y desierto
monumento que se restauraba debía pensarse para durante las horas de la noche, pasó a ser bullicio y
una finalidad o función. Se renunciaba a la formula actividad humana y económica durante las 24 horas
de restaurar por restaurar. En los muchos edificios del día.
que pasaron en estos años de la ruina a lucir su
esplendor se fueron ubicando bibliotecas, museos,
Ciudad para el disfrute
archivos, salas de exposiciones, facultades y hasta
un teatro, un auditorio y un conservatorio. Uno de los empeños de las corporaciones
Rechazamos la idea imperante en el franquismo socialistas fue apostar por la peatonalización del
de restaurar para que fuera visto, dejando los barrios Barrio Antiguo. Primar al peatón y sacar los coches
antiguos como exposiciones de un pasado, como de sus calles fue una labor difícil que contó con la
museos al aire libre que una vez cerrada la oposición frontal y agresiva de la oposición, de
exposición quedara en el más absoluto de los algunos medios de comunicación y de la mayoría
silencios. En las restauraciones de la dictadura se de los comerciantes de las calles peatonalizadas.
trataba de reproducir El Pueblo Español de Se aprobó un Plan de Tráfico que dejó para los
Barcelona, donde se concentran los monumentos viandantes las calles principales del centro de la
más significativos de España, en cartón piedra, ciudad. Las calles Toro, Zamora, Rua, Compañía,
expuestos como atracción de feria. Úrsulas, Meléndez, Bordadores, entre otras,
Esta idea de ciudad por la que apostamos, debía pasaron a ser disfrutadas por los ciudadanos que
compatibilizar el uso terciario, especialmente se desplazaban y se desplazan a pie.
cultural y comercial, con el de vivienda. Era necesario Desde entonces Salamanca es una de las
realizar una política de colonización y repoblación ciudades españolas que ofrece mayor número
del barrio antiguo por parejas jóvenes y familias de calles peatonales y se puede recorrer sin
autóctonas. Así nació una idea que no fue muy coches desde las puertas Zamora y Toro hasta el
comprendida por la ciudadanía, pero que supuso Puente Romano.
apoyo, gran atractivo y singularidad para el Plan
Especial aprobado.
El paradigma del Palacio de Congresos
El ayuntamiento tardofranquista derribaba
viviendas en mal estado del Barrio Chino o del El modelo de ciudad fue ensayado, por primera
Conejal y a sus habitantes los trasladaba a barriadas vez, en la operación emprendida por el Ayuntamiento,
construidas en los extremos periféricos de la ciudad, la Junta de Castilla y León, la Diputación Provincial
así es como nació el barrio San José. El primer de Salamanca, la Cámara de Comercio, Caja Salamanca
La construcción de un modelo de ciudad de cultura: Salamanca en los años 80 y 90
57

y Soria y la Universidad, para dotar a Salamanca


Teatros
de un Palacio de Congresos, Exposiciones y Palacio
de la Música de carácter regional. Se trataba de una Salamanca ha sido pionera en las manifesta-
política de largo alcance, iniciada cuando la ciudad ciones teatrales a través de la historia. Juan del
tenía pendiente de solucionar problemas graves de Encina, el reconocido iniciador del teatro en
abastecimiento de agua, luz, escuelas y asfalto. Por este España, vivió y escribió gran parte de su obra en la
motivo la medida no fue bien acogida por la mayoría ciudad del Tormes. La universidad de Salamanca
del pueblo salmantino, azuzado por algunos mantuvo esta tradición teatral durante la segunda
partidos políticos que emplearon la demagogia para mitad del siglo XX con la creación de la cátedra
desacreditar la edificación del Palacio. de teatro que regentó con gran prestigio el profesor
Doce años se tardó en ponerlo en marcha, desde Martín Recuerda.
que surgió la idea hasta 1992 que comenzó su La ciudad mantuvo en los últimos años de la
andadura. Se construyó un edificio emblemático, dictadura algunos cines teatro cuya programación
en un lugar degradado, en pleno barrio Chino, teatral se reducía a 15 días en las ferias y fiestas de
el solar del antiguo Colegio de Oviedo, propiedad septiembre. El resto de los meses del año los citados
de la Universidad de Salamanca que había intentado establecimientos proyectaban solamente sesiones
edificar un colegio menor que quedó inconcluso. de cine. El resto de la actividad teatral estaba ligada
La colonización de este céntrico barrio, conocido a periodos ocasionales de representaciones en el
como el de los Caídos por su estado lamentable ámbito de la Universidad o en los Festivales de
de destrucción y marginalidad, se había iniciado España, que al aire libre se celebraban en los meses
en 1980 con la rehabilitación para auditorio de la de junio en la Plaza Mayor.
iglesia de San Blas que estaba dedicada a depósito La primera que rompe una lanza a favor de la
de leña, cisco y carbones. creación de infraestructuras teatrales institucio-
No fue suficiente el Auditorio y el Palacio de nales es la Universidad de Salamanca a finales de
Congresos para integrar en la ciudad el barrio de los años 60. Construye en Anayita el Teatro Juan
la Palma. El ayuntamiento y otras administraciones del Encina que se pone en funcionamiento con
tuvieron que invertir en otras construcciones, una compañía de teatro estable ligada a la cátedra
en el solar y ruinas del Colegio Menor de Santa María de teatro de la universidad, con una programación
de Cañizares se trasladó el Conservatorio Profesional vanguardista de gran calidad. Llegada la democracia,
de Música; a la entrada de la Vaguada de la Palma durante estos últimos años, tres nuevos teatros se
se construyó el Instituto de Enseñanza Media que han abierto en salamanca, el de Caja Duero, en la
lleva el nombre de la calle donde se edificó y en el Plaza de Santa Teresa, el Teatro del Liceo, en la
Barrio de San Vicente, como ya hemos indicado, plaza del mismo nombre, emplazado en el antiguo
el ayuntamiento construyó un bloque de viviendas convento de San Antonio del Real, y el centro de
sociales para albergar a las familias cuyas casas en Artes Escénicas que junto al DA2 conforman en
ruinas fueron demolidas y sus moradores quedaron el este de la ciudad un gran complejo cultural
en la calle. A todos estos recursos aportados por nacido con motivo de la celebración en Salamanca
las distintas administraciones hay que añadir los de la Capitalidad Europea de la Cultura.
gastos de urbanización de calles, canalización del
arroyo de los Milagros y el empedrado de granito
Museos abiertos en democracia
guardando criterios artísticos.
A partir de ahí comenzó a actuar lentamente la Las infraestructuras culturales que más han crecido
iniciativa privada y podemos afirmar que en los en los últimos 30 años en Salamanca han sido las
últimos 25 años la Palma ha pasado de ser un instalaciones de museos y colecciones artísticas.
cáncer en el centro de la ciudad a convertirse en El ayuntamiento nacido de las elecciones de 1979
uno de los barrios más hermosos y codiciados elige el camino de la construcción de un Museo de
de Salamanca. la Ciudad con el que inaugura su actividad cultural
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
58

el día de reyes de 1980. Se instaló primero en la Torre Salamanca se ha enriquecido con museos
del Clavero y después en el Palacio del Obispo, nacidos de su gran patrimonio histórico. Así podemos
también recuperado de la ruina por el consistorio. hablar del Museo de los Dominicos, donde se
En este mismo edificio se abrió otro museo, que hoy exponen algunas piezas de gran tamaño y belleza
permanece incomprensiblemente cerrado, el diocesano. de marfil además de impresionantes relicarios de
Le siguieron otros museos de gran impacto que marquetería, entre otras muchas obras de arte.
se han convertido en referencia museística en El riquísimo Museo etnográfico que puede verse en
España. La fundación Ramos Andrade, instalada la visita al convento de las Claras, donde se puede
en la Casa de Lis, expropiada para casa de cultura contemplar una de las bellezas más impactante del
por el primer ayuntamiento socialista, se ha patrimonio salmantino, los frescos de su coro bajo.
convertido en el museo más visitado de Castilla y La universidad de Salamanca ha abierto en los
León y uno de los más frecuentados de España. últimos años un museo con algunas de sus
Otros museos salmantinos nacieron auspiciados pertenencias artísticas, en una de las aulas del Patio
por el espacio geográfico donde se sitúa la ciudad. de Escuelas Menores, donde se instaló a mediados
En una provincia que ostenta, junto con Sevilla, el del siglo XX el cielo de Salamanca, trasladado
primer puesto en número de ganaderías de toros desde la primitiva biblioteca y que se debe a la
bravos se comprenderá fácilmente que naciera un mano de Fernando Gallego.
Museo Taurino por iniciativa de las peñas taurinas En la calle Gibraltar, en el colegio de niños
y el ayuntamiento de Salamanca. A estos museos expósitos, obra del arquitecto municipal, autor de
se unen colecciones interesantísimas como la media Plaza Mayor, Andrés García de Quiñones,
instalada en la Filmoteca de Castilla y León, se encuentra un museo curioso y enigmático, la Logia
donada por el director de cine Basilio Martín Masónica, puesta en valor por el primer gobierno
Patino, y que lleva el nombre de Artilugios para socialista de Felipe González y que data de las
Fascinar. En esta magnífica y valiosa exposición incautaciones realizadas a los masones por las
se recogen las máquinas que fueron utilizadas en tropas franquistas durante la Guerra Civil.
los primeros pasos del cine. En sentido semejante Últimamente se han abierto dos nuevos museos,
podemos citar la colección de relojes populares que el del Comercio por el Ayuntamiento y la Cámara
la universidad expone en un local de las Madres de Comercio e Industria, en los antiguos aljibes
Agustinas, en la calle de la Compañía y la colección del paseo del Rollo, y el dedicado al pintor
de aparatos de radio, que con el título Los Sonidos salmantino Zacarías González, por Caja Duero,
del Ayer se pueden ver en el Mercado de San Juan. en la propia casa del artista. Otros dos están
El valioso grupo de relojes populares fueron donados programados, uno por el Estado, el Nacional de
a la universidad de Salamanca por el industrial Arquitectura, y otro por el Ayuntamiento, el de
salmantino Andrés Santiago. Arte Oriental, en la Torre de Abrantes.
El Museo de Automoción, colocado en una A estos museos nacidos en democracia se unen
edificación industrial vecina al río Tormes, nació aquellos que abrieron sus puertas con anterioridad.
de los coches antiguos coleccionados, cuidados y Destaca el Museo Catedralicio, al que últimamente
mimados durante toda su vida por Demetrio se le ha unido la exposición permanente de
Gómez Planché que los donó a la fundación del Jerónimus, el Museo de Salamanca, de titularidad
museo. Completa el circuito de pequeños e intere- autonómica, con piezas que van desde la prehistoria
santísimos museos el Molino de Harina, en la orilla hasta el siglo XIX, el Museo de las Úrsulas o el
derecha del río Tormes, en cuyas instalaciones pequeño Museo de las Madres Dominicas, en los
anexas se emplazó un casino de juego y un hotel. pasillos que dan paso al claustro.
Entre sus dependencias se conservó con gran gusto Con este repaso a las más de 20 colecciones
el molino antiguo, con su maquinaria, sus turbinas expuestas, Salamanca ha pasado a situarse entre
y, lo que es más importante, en perfectas condiciones las ciudades que más museos abiertos tiene en
de funcionamiento. España. De una discreta posición, en pocos años
La construcción de un modelo de ciudad de cultura: Salamanca en los años 80 y 90
59

se ha encumbrado hasta la cima que puede ser más en los próximos años un archivo con dicho nombre,
alta cuando próximamente cuente con un museo que recogerá los documentos depositados en el
nacional, el de Arquitectura, que posiblemente se viejo Archivo Nacional de la Guerra Civil y los
ubique en el magnífico edificio de la Plaza de los documentos que están siendo recabados en España,
Bandos, antigua sede del Banco de España. Europa y América, sean de titularidad institucional,
privada o de los españoles exilados en el extranjero.
La Ley cita a Salamanca como ciudad donde se
Archivos
instalará el archivo, y para tal fin está en fase de
Salamanca contaba con muchos archivos, expropiación el Palacio de Orellana, situado en la
con documentos históricos de gran importancia, calle de San Pablo, en plena Plaza de Colón.
antes de que llegara la democracia. El catedralicio,
los universitario de la Universidad de Salamanca
Salas de exposiciones
y de la Universidad Pontificia de Salamanca,
los muchos archivos conventuales, entre los que Prácticamente todas las salas de exposiciones
destacaba el de las Clarisas y el de los Dominicos, que funcionan en Salamanca en 2006 han sido
el municipal y el provincial, aunque estos dos últimos, inauguradas después de la muerte de Franco.
sin edificio ni lugar para consulta para los investiga- Cada una de las grandes instituciones de la ciudad
dores; entre todos, conformaban un conjunto y la provincia tienen su sala funcionando todo el
inigualable desde el punto de vista archivístico. año. Esta particularidad hace que diariamente se
Entre tantos archivos de titularidad institucional oferten a los salmantinos y visitantes una decena
local se creó uno nacional, el de la Guerra Civil de exposiciones, algunas de primerísima calidad.
Española, que fue colocado en el antiguo colegio El Ayuntamiento de Salamanca posee dos salas,
de San Ambrosio. Este archivo ha sido polémico una en el antiguo colegio menor de Santo Domingo,
durante estos últimos años por almacenar documen- junto al convento de los Padres Dominicos, y el DA2,
tación robada a partidos y sindicatos de izquierdas, en la antigua cárcel vieja, que ofrece exposiciones
gobiernos autonómicos, partidos republicanos, de pintura, fotografía, escultura y otras variedades
rotarios y masones en la contienda 1936-39. de expresiones artísticas vanguardistas, buscando
Una ley aprobada en el parlamento en 2006, las últimas tendencias en el arte.
con la oposición del Partido Popular, ha devuelto Caja Duero también mantiene abiertas dos
parte de estos documentos expoliados a la Generalitat salas, una en el Palacio de Garcigrande, en la plaza
de Cataluña, produciendo una gran contestación de los Bandos, y otra de grandes dimensiones, en
entre los partidarios de la derecha española y de San Eloy, en la Plaza de San Boal, que ha dedicado
muchos ciudadanos salmantinos. a exposiciones de grandes museos nacionales e
A esta larga lista de archivos se han unido otros internacionales. Esta entidad de ahorro ha apostado
en los últimos lustros que han dado a la ciudad por pintura de artistas de reconocido prestigio
notoriedad. En la calle de las Mazas, junto a al internacional con aportaciones de las mejores
Patio de escuelas Menores, se encontraba un solar colecciones de pintura actual y del pasado.
que fue expropiado por el ayuntamiento socialista La Universidad de Salamanca, generadora de
para construir en él el Archivo Provincial. En el Palacio gran número de artistas a través del profesorado y
del Obispo, también rehabilitado por el citado alumnado de su pujante Facultad de Bellas Artes,
ayuntamiento, se establecieron dos archivos, el Dioce- tiene tres salas de exposiciones. Una temática,
sano, dependiente de la iglesia, y el Municipal que dedicada a la fotografía, en el Patio de Escuelas
estaba almacenado, sin posibilidad de ser consultado Menores, otra sala en el Centro del Japón, donde
por los investigadores, en unas dependencias se dan a conocer los movimientos artísticos de este
universitarias del Patio de Escuelas Menores. país asiático, y una tercera, recientemente inaugurada
El Gobierno de España, para dar cumplimiento en la Hospedería del Colegio Mayor Fonseca,
a la Ley de la Memoria Histórica, proyecta construir para todo tipo de expresiones plásticas.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
60

La Universidad Pontificia de Salamanca aprovecha componen uno de los centros historiográficos del
su edificio noble, los Jesuitas de la calle de la séptimo arte más dinámicos de España. Sus activi-
Compañía, para realizar exposiciones de gran dades se extienden por las nueve provincias de
formato, y la Junta de Castilla y León tiene dos Castilla y León y pasan de los dos centenares sus
salas, una para artistas noveles, la sala Lazarillo, publicaciones. Múltiples trabajos de investigación
y la que se encuentra en los sótanos de la magnífica- son realizados por los alumnos de Audiovisual de
mente restaurada por el Ministerio de Cultura las universidades salmantinas en este centro de
Casa de las Conchas, para artistas consagrados. referencia y del estudio de su material se han leído
La Diputación provincial tiene una hermosa y publicado muchas tesis doctorales en varias
sala de exposiciones en la Calle de San Pablo. universidades. Mantiene también un sistema de
Se trata de una casa aneja al Palacio de la Salina préstamos de video y fotografía.
donde exponen artistas de origen salmantino y
donde se dan cabida a los que residen fuera de la
Auditorios
capital, en los pueblos de la provincia. Se completa
el panorama expositivo salmantino con varias salas Salamanca no contaba con auditorio antes de 1980.
de exposiciones privadas. En el primer ayuntamiento democrático, de 1979
a 1983, en la campaña “Salvemos Un Monumento
Cada Año”, la iglesia de San Blas, situada enfrente
Fonotecas
del Colegio Mayor Fonseca” paso a ser el primer
La Biblioteca del Estado, instalada en la Casa auditorio de la ciudad. El templo, que permanecía
de las Conchas, mantiene una fonoteca con oferta en ruinas desde la Guerra de la Independencia,
de préstamos de discos y grabaciones. La Universidad a principios del siglo XIX, fue transferido en uso
de Salamanca, en el Patio de Escuelas Menores, al Ayuntamiento de Salamanca en 1980, por el
conserva abierta una fonoteca para sus profesores entonces obispo Mauro Rubio Repullés. San Blas
y alumnos. estaba sin techumbre y sus paredes acogían una
carbonería cuyo propietario cobró una indemnización
del municipio para que dejase libre la iglesia.
Filmoteca y fototeca de Castilla y León
Este pequeño auditorio, fue una de las primeras
En la Plaza de San Julián de Salamanca, existe referencias culturales del primer ayuntamiento de
una construcción del siglo XVII realizada para una coalición entre el PSOE y el PC. Ha sido la sede
fundación, llamada popularmente “de las Viejas”, de la Banda Municipal de Salamanca y testigo de
donde se acogían ancianas sin recursos económicos. muchas actuaciones musicales memorables.
Dos pequeños patios y una capilla dan forma a un En 1980 Salamanca contaba con un conservatorio
conjunto de estancias donde las ancianas asiladas elemental. En la actualidad, la ciudad cuenta con dos
pasaban el día. Este edificio quedó sin función en conservatorios nuevos, el profesional y el superior.
el último tercio de siglo XX y fue comprado por la En pleno Barrio Chino, en las ruinas del que fuera
Diputación Provincial de Salamanca. En este colegio Menor de Cañizares, se construyó el Conser-
caserón, una vez rehabilitado, estuvo la sede de la vatorio Profesional, con un pequeño, pero entrañable
Fundación Salamanca Emprende y, posterior- auditorio en el que se aprovecharon los pocos
mente, a través de un convenio con la Junta de elementos que quedaban de la capilla del colegio,
Castilla y León, acogió la Filmoteca y Fototeca donde los alumnos y profesores dan, con regularidad,
de la Comunidad Autónoma. conciertos. Así mismo, en este edificio se encuentra
Un museo, con la colección Artilugios para la sede de la orquesta del citado conservatorio.
Fascinar, de Basilio Martín Patino, una biblioteca, En la avenida de San Agustín se construyó,
una sala de cine para el público, salas de investiga- a finales del siglo XX, una edificación nueva para
dores de cine y fotografía, y varios despachos para albergar el único conservatorio superior de
la dirección y los funcionarios de la filmoteca la comunidad autónoma de Castilla y León.
La construcción de un modelo de ciudad de cultura: Salamanca en los años 80 y 90
61

Un magnífico auditorio, con un órgano de grandes En 1992, con motivo de 500 aniversario del
dimensiones construido para la ocasión, conforma Descubrimiento de América por Cristóbal Colón,
un conjunto singular que con el aulario y una se celebró en Salamanca una de las efemérides de
dotación instrumental envidiable, dan cabida a ese año, la Feria Universal Ganadera, que puso a
alumnos y profesores, virtuosos de los instrumentos la ciudad entre acontecimientos tan señeros como
clásicos. En este conservatorio se ha formado, las Olimpiadas de Barcelona, la Capitalidad Cultural
también por profesores y alumnos, una orquesta de Madrid y la Exposición Universal de Sevilla.
de gran calidad que ha cosechado muchos éxitos Desde finales de los ochenta del siglo pasado,
en España y en el extranjero. cuando comenzaron a celebrarse cada año en una
La Universidad de Salamanca cuenta desde ciudad europea actos culturales conjuntos del viejo
hace 15 años con los estudios de Musicología, continente, Salamanca ha optado a ser Capital
enclavados en la Facultad de Geografía Historia. Cultural Europea. Finalista en 1992, perdió frente
En este centro universitario, edificado en las ruinas a Madrid, que quedaba sin acontecimiento alguno
del que fuera Colegio de los Verdes, se construyó en tan señaladas fechas. En 2000 también fue
un auditorio, salón de actos, en el que durante todo finalista y perdió, por un pacto de Felipe González
el año se celebran actos culturales y educativos, y Manuel Fraga Iribarne, dirigentes respectivos de
entre los que destacan los realizados por el alumnado PSOE y PP, para que en ese año, Jacobeo por
de musicología. El Multiusos Sánchez Paraíso es excelencia, fuera Santiago de Compostela la ciudad
también utilizado como lugar para espectáculos propuesta por España. En 2002, con el PP en el
con gran asistencia de público. poder, por fin, Salamanca saltó a la nominación
tan deseada desde hacía tantos años.
Desde entonces, hay que destacar la celebración
Acontecimientos trascendentes
del 250 aniversario de la construcción de la Plaza
En la década de los noventa tiene lugar en Mayor, en 2004, que hizo de recordatorio a los
Salamanca un acontecimiento que cambia definiti- acontecimientos culturales de 2002, y la preparación
vamente el futuro económico de la ciudad. En 1992 de los 800 años de existencia de la universidad más
se celebró una de las ediciones de las Edades del antigua de la Península Ibérica, la de Salamanca.
Hombre, en las dos catedrales de Salamanca, la Para conmemorar esta efeméride el PSOE, en la
románica y la gótica. Cerca de millón y medio de oposición en el ayuntamiento, en su programa
visitantes de toda España, descubrieron no sólo el electoral de 2003, propuso celebrar una Exposición
conjunto catedralicio y las magníficas piezas sacras Universal de la Educación, la Cultura, la Ciencia
allí expuestas, sino también la ciudad, que aunque y la Tecnología para el año 2018.
muy nombrada por la literatura, turísticamente La idea de celebrar en Salamanca acontecimientos
pasaba desapercibida. Desde entonces Salamanca nacionales e internacionales de envergadura supone
es una de las ciudades más visitadas del interior crear tensión y preparar cada pocos años a la ciudad
peninsular y su industria hotelera se ha multiplicado, para retos cada vez mayores. Estos eventos han
así como los recursos económicos que de ella derivan. supuesto revulsivos positivos para Salamanca,
En democracia Salamanca ha sido visitada por inversiones estatales y de la comunidad autónoma
reyes, príncipes, jefes de Estado y de Gobierno, que, de otra forma, tardarían o nunca llegarían a la
ministros de España y de otros países. Así como ciudad. De esta manera Salamanca, en tan sólo
en los años de la dictadura el lugar elegido para las 27 años, ha pasado de ser una ciudad entre tantas
visitas de Estado era solamente Toledo, en los años a destacar como un ejemplo de ciudad monumental.
de reinado de Juan Carlos I Salamanca ha
compartido con la ciudad Imperial este privilegio.
Títulos
Como se deducirá fácilmente ocupar este lugar
destacado en los viajes de Estado, ha catapultado Si a estas celebraciones les unimos los títulos
internacionalmente a la ciudad del Tormes. de gran prestigio internacional obtenidos por la
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
62

ciudad, nos daremos cuenta del paso de gigante suyo. Interpretan repertorios académicos y populares
dado por Salamanca. La obtención del título en las distintas celebraciones universitarias.
Patrimonio de la Humanidad por la UNESCO, Dependiendo de la Pontificia, desgajado de su
merece una pequeña explicación. Este organismo Coro Universitario, funciona desde los ochenta el
internacional quiso, en un primer intento, Coro Francisco Salinas, y más modernamente,
reconocer con tal galardón solamente a la Plaza destacando por la calidad de sus voces, el coro Ars Nova.
Mayor. El ayuntamiento socialista de 1983-87 se
negó a aceptar el nombramiento y propuso toda la
Casas internacionales
ciudad antigua. La UNESCO, por fin, cedió a la
presión de la corporación salmantina y en el La expansión de la universidad de Salamanca
ayuntamiento popular de 1987-1991 se logró que en estos últimos 30 años ha sido espectacular.
Salamanca pasase a figurar entre las ciudades Nuevos Campus como el Miguel de Unamuno o el
Patrimonio de la Humanidad. de Villamayor han supuesto duplicar las facultades,
El Consejo de Europa otorgó a Salamanca el los colegios mayores, los laboratorios y los aularios.
título de “Ciudad para Vivir”, quizás el que mejor Una de las novedades de estos últimos años de
le va y que a mi parecer define como nadie lo que vida universitaria ha sido el nacimiento de casas
es esta hermosa urbe leonesa. La Comunidad educativas y culturales de países vecinos y de otros
Autónoma le concedió otras dos nominaciones que continentes. Así ha surgido la Casa del Japón,
añadir a las de Muy Noble, Muy Leal, Caritativa instalada en el Palacio de San Boal y financiada,
y Hospitalaria, son las de Muy Culta y Docta. en parte, por empresas de ese país asiático, donde
El ayuntamiento actual ha solicitado una nominación se estudia la lengua y la cultura nipona. El interés
más, la de Sabia. Salamanca está en el grupo por Salamanca mostrado por el actual emperador
fundado de Ciudades Educadoras y en el de Ciudades del Japón, entonces príncipe heredero, hizo que la
Patrimonio de la Humanidad de España. pareja imperial visitara varias veces la ciudad y
surgiera en Japón un gran interés por la creación
de este centro que expande por toda España y
Coros y orquestas
Europa la cultura japonesa.
Salamanca cuenta con cuatro orquestas, tres En Salamanca se encuentra también, con un
sinfónicas y una barroca. Los conservatorios profesional rendimiento académico y cultural brillante,
y superior mantienen activas sus respectivas el Centro Superior de Ibero América y Portugal
orquestas formadas por profesores y alumnos de los que ha pasado a ser un lugar de encuentro para
citados centros. El colegio Antonio Machado formó intelectuales de ambas orillas del Atlántico.
a finales del siglo XX una orquesta que en la actualidad Brasil, por expreso deseo de su presidente,
acoge miembros jóvenes y que ha sido auspiciada Lula da Silva, ha querido perpetuar su presencia
por el ayuntamiento de Salamanca pasando a educativa y cultural en España. Para ello ha instalado
llamarse Joven Orquesta Ciudad de Salamanca. en Salamanca un centro nacional en la Casa
Dependiendo de la Universidad de Salamanca Palacio de los Maldonado de Morille, situada en
se creó una Orquesta Barroca para dar a conocer la Plaza de San Benito. A estas tres casas de otros
el rico patrimonio musical acumulado en el estudio tantos países Salamanca añade la sede de la Fundación
salmantino referido a este periodo artístico. Duques de Soria, que programa actos culturales
En el auditorio de San Blas tiene su sede la de gran prestigio internacional a lo largo del año.
Banda Municipal que actúa desde los años 70 en
cuantos actos protocolarios celebra la corporación.
Casas Culturales
Los coros salmantinos de gran calidad artística
son muchos; solamente citaremos, a nuestro juicio, El concepto de casa cultural como lugar donde
los más activos. La Universidad de Salamanca un colectivo de ciudadanos se reúne para desarrollar
mantiene el Coro Universitario y la Pontificia el actos culturales o consumirlos, individualmente o
La construcción de un modelo de ciudad de cultura: Salamanca en los años 80 y 90
63

en común, era totalmente desconocido en Salamanca Colegio Fonseca, las autoridades universitarias se
en los años setenta del último siglo. decantaron por instalar en la Hospedería del
La primera casa de cultura de la ciudad la crea Colegio Mayor Fonseca, en su tiempo Facultad
el primer ayuntamiento democrático, a principios de Medicina, el Centro Cultural de la Universidad
de los ochenta, en la mansión modernista del barrio de Salamanca del que estaban tan necesitados. La
catedralicio, Casa Lis, recién expropiada a su entrada en funcionamiento en 2004, no supuso el
dueño, cuando pretendía tirarla abajo para construir cierre de otros lugares de cultura universitaria que
viviendas en su solar. Esta magnífica y dinámica continuaron aportando, en los edificios centrales
casa de cultura estuvo en activo hasta 1995, cuando y en las diversas facultades, un sin número de actos
se convirtió en Museo Lis, para albergar la culturales de gran calidad.
colección del anticuario Ramos Andrade. Caja Duero pretende construir en la huerta de
Acto seguido a la apertura de la Casa Lis, las Adoratrices, en el lugar que ocupara la Plaza
el modelo se fue extendiendo por los barrios y junto de Toros de la calle de las Úrsulas, un gran centro
a las sedes de las asociaciones de vecinos fueron cultural, con salas de exposiciones, auditorio, salas
naciendo otras muchas casas municipales de de conciertos, salas de ensayo, entre otras muchas
cultura que albergaban una pequeña biblioteca, dependencias para la cultura.
salón de actos, taller de teatro, centro de cultura
tradicional, bordado y traje charro, entre otras
Bibliotecas
actividades. Por su singularidad citamos solamente
una casa de cultura con prestigio nacional, la del El ayuntamiento de la muy culta Salamanca no
barrio de la Vega. En su aula de teatro se formó poseía biblioteca propia en 1980. Quizás la presencia
una escuela que ha sido cantera de grandes artistas de la Universidad había inhibido a la corporación
de éxito. local de iniciativas de este tipo que eran consideradas
En los mismos años, la corporación provincial poco necesarias cuando el vecindario carecía de
abrió en un palacio, junto a la Torre del Clavero, agua, asfaltado o colegio para sus hijos.
de la que en tiempos fue parte, un Centro de La verdad es que la ciudad del Tormes disfrutaba
Cultura Tradicional, dirigido por el malogrado entonces de bibliotecas con gran número de
folclorista Ángel Carril. Todas las formas del rico volúmenes de todas las materias y con colecciones
folclore charro se pueden estudiar y, lo que es más de libros antiguos, únicos en el mundo. Destacaba
interesante, aprender y practicar. De esta forma y destaca aún hoy, la Biblioteca Central de la
los bailes, el bordado, la música, las tradiciones de Universidad de Salamanca, situada en el edificio
cada uno de nuestros pueblos, no se han perdido. de las Escuelas Mayores, donde habían ido a parar
Cientos de publicaciones atestiguan la labor los volúmenes de los cuatro colegios mayores que
inestimable de este centro de cultura de la funcionaron en Salamanca. A esta biblioteca
Diputación Provincial a pesar de la pérdida universitaria por excelencia había que añadir las
temprana de su fundador. de las distintas facultades, la de la Universidad
La Universidad de Salamanca necesitaba un Pontificia, enriquecida con los libros del seminario
gran centro cultural para albergar su orquesta de San Carlos y la biblioteca de los Jesuitas, y las
barroca, el coro universitario, las muchas exposicio- que se encontraban en los muchos conventos, entre
nes de sus profesores y alumnos, sobre todo los de las que destaca la de los Padres Dominicos, que
la Facultad de Bellas Artes, y las conferencias, mantuvieron abierta, hasta mediados del siglo XX,
congresos, simposios, jornadas y mesas redondas una Facultad de Teología de gran prestigio.
que a diario se celebran en esta prestigiosa academia Entre las bibliotecas públicas no universitarias
y que por su escasa concurrencia no precisaban solamente una cabe destacar, la que se encontraba
ocupar las amplias salas del Palacio de Congresos. instalada en el palacio de Maldonado de la calle
Tras el fracaso para trasladar el Parador de Toro, de reducidas dimensiones, con pocos
Turismo de Salamanca desde el Teso de la Feria al volúmenes, aunque muy frecuentada por los
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
64

estudiantes ante la escasez de salas de lectura y las de oro al año, desde el final del Franquismo hasta
nulas condiciones para el estudio de las viviendas los primeros ayuntamientos democráticos, por
de entonces. cesión del marqués de Santa Coloma, familia noble
En estos últimos 25 años una decena de grandes radicada en Andalucía.
bibliotecas se han repartido por la ciudad. Cada La oportunidad de situar la Biblioteca del Estado
una de las instituciones ha contribuido a engrandecer en Salamanca en el edificio más emblemático de
Salamanca con colecciones de libros para el uso y la arquitectura de los Reyes católicos fue aprovechada
disfrute de los salmantinos y cuantos nos visitan por el entonces ministro de cultura Javier Solana
para estudiar en nuestras aulas. La característica que cedió a las presiones del ayuntamiento para
común de todas ellas es que son muy usadas, que restaurara la casa. Hoy es la biblioteca más
llenándose con frecuencia, haciendo de Salamanca frecuentada de Salamanca, con mayor número de
una verdadera ciudad del estudio. lectores y, todo ello, compaginando la visita del
El ayuntamiento de izquierdas de 1979 abrió monumento con la función cultural.
la primera biblioteca municipal de la historia de la La Universidad de Salamanca ha abierto en estos
ciudad en el palacete que ocupó en su día la Policía últimos años algunas bibliotecas singulares, tanto
Municipal y que había sido construido para albergar por su tamaño como por su arquitectura. La biblioteca
la Casa de Socorro, en la Plaza de Gabriel y Galán. del Campus Miguel de Unamuno, popularmente
La gran biblioteca municipal surgiría como llamada “El Tubo” por su forma alargada, está encla-
consecuencia de la lucha de Salamanca por vada en la Plaza de Bolonia y atiende a las facultades
conseguir la biblioteca regional, que las autoridades de Derecho, Políticas y Económicas. En el Campus
autonómicas concedieron a Valladolid. El gobierno de Ciencias se construyó la biblioteca de Abraham
regional, para compensar esta pérdida, construyó Zacut. Junto a la Facultad de Físicas, enfrente de
en colaboración con el ayuntamiento una gran la de Matemáticas, en pleno barrio judío, su
biblioteca en el Barrio de Garrido a la que puso el edificación ha rematado la manzana del Trilingüe.
nombre del escritor residente en Salamanca La universidad del Estado tiene proyectado
Torrente Ballester. construir dos nuevas bibliotecas singulares. En el
La Caja de Ahorros adquirió el antiguo colegio solar del antiguo Colegio de Cuenca la de Humani-
menor de Santa María de los Ángeles, que se dades y en el campus Miguel de Unamuno la
encontraba en ruinas, y lo restauró para biblioteca biblioteca Biosanitaria.
universitaria. Al cederlo a la academia puso como La Universidad Pontificia de Salamanca es una
condición la apertura de la misma en horario institución dependiente de la Iglesia Española,
permanente en las fechas de exámenes parciales o en concreto de su Conferencia Episcopal. Ubicada en
finales. Así, cuantos nos visiten en febrero, junio o el antiguo Colegio del Espíritu Santo de los Jesuitas,
septiembre y paseen por la calle de Libreros podrán mantiene abiertas facultades eclesiásticas y laicas
observar, a altas horas de la noche, un gran número en Salamanca y Madrid. En su sede central, en el
de estudiantes que con libros bajo el brazo claustro denominado de la Comunidad, destruido
deambulan en dirección a la biblioteca de Santa en la Guerra de la Independencia, se ha construido
María de los Ángeles. una biblioteca de grandes dimensiones, utilizando
Caja Salamanca, hoy Caja Duero, sembró de el claustro aludido y sus dependencias para las
bibliotecas los barrios de la ciudad. Desde Pizarrales diversas salas de lectura y para la colocación de los
hasta Garrido, pasando por el Rollo, los vecinos anaqueles con los libros y revistas de actualidad y
disponen de amplias salas de lectura y de colecciones de mayor uso por parte de los alumnos. A su entrada
de libros de actualidad para el lector más exigente. se puede contemplar parte del lienzo de la muralla
El mal estado de la Casa de las Conchas romana de Salamanca. Es quizás, la biblioteca
producía gran inquietud a las distintas corpora- Vargas Zúñiga una de las más vistosas de la ciudad.
ciones municipales. El ayuntamiento fue arrendatario La Fundación Germán Sánchez Ruipérez, creó
de la misma por el simbólico precio de 1 pesetas en Salamanca el Centro Difusor de la Lectura.
La construcción de un modelo de ciudad de cultura: Salamanca en los años 80 y 90
65

Para su sede construyó un amplio edificio de ocho preferidos de las Ciudades Patrimonio de la
pisos donde instaló una biblioteca infantil. Cada Humanidad. A estos dos destinos turísticos se unió
una de las plantas está dedicada a una edad y, el turismo religioso, como etapa previa de los
podemos decir sin temor a equivocarnos, que es grupos que se trasladaban desde centroeuropa hasta
uno de los referentes para los estudiosos del libro Fátima, en Portugal, y el idiomático. En estos años
infantil y juvenil en España y en Europa. miles de estudiantes de Europa, Estados Unidos y
Asia escogen Salamanca como lugar para el
aprendizaje del español. Por último, la ciudad
Educación
ofrece un gran número de actividades culturales
Hablar de Salamanca es hacerlo de su Universidad de gran calidad, más asequibles que en las grandes
y de su vocación educadora. La educación ha estado ciudades, por lo que también se ha convertido en
siempre consustancialmente ligada a la cultura, referente para un turismo selecto cultural.
de tal modo que la decisión de elegir un modelo A estas cuatro formas de atracción turística, la
de ciudad para Salamanca basado en la cultura fue educadora, la idiomática, la religiosa y la cultural
tomada de la experiencia de esta ciudad durante se le une la nada desdeñable del turismo de interior.
ocho siglos en la enseñanza superior. La provincia de Salamanca oferta grandes atractivos
La desaparición de la enseñanza de la Teología naturales, monumentales y paisajísticos que la
y el derecho Canónico de las aulas de la Universidad hacen inigualable. La ciudad es la principal receptora
de Salamanca hizo aparecer, en los primeros años de la gran mayoría de los visitantes de la provincia.
de posguerra, la Universidad Pontificia de Salamanca
que ofrecía los desaparecidos estudios eclesiásticos
El ocio
y algunos otros humanísticos.
Dos universidades con una oferta de cerca de Salamanca fue siempre una ciudad joven
un centenar de carreras, junto a los estudios insertada en una envejecida Castilla y León. Sus
superiores de música en el Conservatorio Superior, miles de estudiantes universitarios deambulan a
pueblan Salamanca con más de 40.000 alumnos. diario por sus calles llenando los cientos de estable-
A estos centros superiores hay que añadir un buen cimientos de ocio y diversión que se desparraman
número de colegios mayores, institutos de por toda la geografía urbana. Pero cuando la ciudad
bachillerato y escuelas especializadas generadoras recoge más visitantes, venidos de todos los lugares
de actos culturales a diario. de España, son los fines de semana. Unos diez mil
jóvenes y no tan jóvenes se desplazan desde
Madrid, Valladolid, Cáceres, Ávila, Zamora o el
Turismo
norte de Portugal para llenar los hoteles, cafeterías,
La Salamanca educadora y cultural, la monumental salas de fiesta, discotecas, cines, teatros o auditorios
y la universitaria, generaba, desde la década de los de Salamanca. Es la denominada movida salmantina
sesenta del pasado siglo, unas corrientes turísticas que comienza los jueves, toma impulso los viernes
de escasas proporciones. Comenzó a entrar en la y sábados y termina los domingos.
industria del turismo con los Cursos de Verano El ocio salmantino mueve una economía
para Extranjeros organizados por la Universidad saneada, en gran parte sumergida, y con mucho
y se fue animando con el crecimiento masivo del empleo precario. Se puede decir, sin temor a
número de turistas llegados desde Europa al resto equivocarnos, que Salamanca se ha convertido en
de España en las décadas sucesivas. uno de los destinos preferidos por los madrileños
Como ya hemos dicho anteriormente, la para su diversión, proceso al que se le dará un nuevo
celebración de la exposición Las Edades del impulso cuando se inaugure, en diciembre de 2008,
Hombre, fue el pistoletazo de salida para colocar la autovía a la capital de España.
a Salamanca en los años noventa entre los primeros La vocación turística basada en el ocio tiene
puestos de turismo interior y en los itinerarios ámbito interregional, así se explica la gran oferta
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
66

hotelera y que para una población tan pequeña La rehabilitación de los grandes monumentos no
estén funcionando a pleno rendimiento tres está finalizada. El edificio antiguo de la Universidad,
campos de golf y estén en proyecto otros dos. las cubiertas de la Plaza Mayor, el claustro y capillas
Al socaire de la movida se han producido de la Catedral Vieja, la torre de las campanas de la
algunas situaciones novedosas que concitan a miles Catedral Nueva, el claustro de la Ceniza del
de jóvenes, como el denominado botellón. Se trata edificio de la Compañía de Jesús son algunas de
de concentraciones masivas para el consumo de las intervenciones pendientes. A los edificios
alcohol, muchas veces descontroladas desde el singulares nombrados habría que añadir otros
punto de vista de la seguridad ciudadana. El botellón pequeños que necesitan de una urgente intervención.
no es exclusivo de Salamanca, se da también en Es el caso de la ermita de la Misericordia, el
otras muchas ciudades con grandes concentra- Colegio Menor de Pan y Carbón, el crucero de
ciones de jóvenes, sobre todo en las ciudades Carvajal, el Seminario de Carvajal, la Casa de los
universitarias. Diego, los restos de San Francisco el Grande, la
iglesia nueva del Arrabal, la casa de Meléndez
Valdés, el Hotel Universal o las ruinas de los
Clasificación cultural de las ciudades españolas
Agustinos, del Colegio de Cuenca o de los Jerónimos.
En España hay un grupo de ciudades que Salamanca debe tener centros promotores de
podemos considerar, desde el punto de vista cultura. En las Cortes de Castilla y León el Grupo
cultural, de primer orden. En este selecto club se Socialista ha solicitado, sin éxito, los Centros Superiores
encuentran las cuatro capitales más habitadas del de Restauración, Artes Escénicas y Danza.
estado, Madrid, Barcelona, Valencia y Sevilla, También el Parlamento Regional ha discutido,
aunque las dos últimas con aportaciones más con el mismo resultado, la construcción en la ciudad
discretas que las primeras. del Tormes de los parques temáticos de la Música,
En un segundo escalón se encuentra Salamanca, Literatura y Medicina Españolas.
que con otras ciudades capitales de provincia o de Otras infraestructuras necesarias para completar
comunidad autónoma ofrecen un aceptable elenco el modelo de ciudad cultural, son la creación de un
de actividades culturales cuya influencia trasciende Centro de Recepción de Turistas, la puesta en valor
los límites de su provincia o de su comunidad. del Archivo Municipal y la reapertura del Museo
Zaragoza, Valladolid, Bilbao, Granada o Santiago de Historia de la Ciudad, ya que sus fondos están
de Compostela son algunas de las ciudades colocadas dispersos desde que salieron del Palacio del Obispo.
en este segundo nivel cultural de excelencia. Así mismo es preciso poner en marcha el Centro
Por detrás de estos dos grupos se encuentran el de Producciones Escénicas prometido por el Gobierno
resto de capitales de provincia y algunas de Regional y abrir el Museo Diocesano en el Palacio
comunidad autónoma que sin tradición cultura han del Obispo prometido por el prelado cuando el ayunta-
realizado un gran esfuerzo en los últimos años para miento devolvió la residencia del obispo antes de
dotarse de infraestructuras y ofrecer un gran concluir los años acordados tras la rehabilitación
número de actos culturales. del edificio a costa de las arcas municipales.
El tiempo transcurrido es el suficiente como
para volver a plantear una nueva definición que ha
Futuro
de hacerse a través de un debate público, con
Salamanca es ahora una ciudad educadora, aportaciones sectoriales y con acuerdos unánimes.
cultural y turística. Su definición cultural se fraguó El recorrido hasta hoy se ha realizado por consenso
en los últimos 26 años, desde la primera corporación de todas las administraciones, y aunque con las
municipal democrática de 1979 hasta la actual divergencias propias de un país democrático,
nacida de las elecciones de 2003. con el apoyo de todos los partidos políticos.
Todavía quedan muchas cosas por hacer para Los colectivos que tienen algo que decir en la
dar por concluido el objetivo de ciudad cultural. ciudad deben ser convocados al debate que, al igual
La construcción de un modelo de ciudad de cultura: Salamanca en los años 80 y 90
67

que en 1979, debe tener dos ingredientes fundamen- Para llegar a la meta se midieron las fuerzas
tales: la originalidad y la creatividad. Las ciudades económicas, políticas, sociales y técnicas con las
que se quedan paradas, estáticas suelen tener un que contaba Salamanca y, con muchos éxitos y no
pequeño espacio en la historia, por el contrario, pocos fracasos, se fueron buscando las diferencias
aquellas que buscan con ahínco, en fuerte huyendo de la homogeneidad.
competencia con las demás, un lugar propio, suelen En el largo recorrido se consiguieron pequeñas
escribir su propia historia, con sus aciertos y errores. metas o logros que fueron la base de los grandes
hitos, se acertó en la temporalización de los
objetivos y se combinó con maestría el tiempo y
Conclusión
el espacio.
Después de transcurridas casi tres décadas de Las diferencias políticas pusieron algunas trabas
la elección de un modelo de ciudad para Salamanca al proceso que podría haber sido de otra manera.
podemos concluir que, en gran medida, el objetivo Valga como ejemplo la ubicación del Teatro Lírico
se ha conseguido. El mérito es de quienes fueron pensado por los socialistas para el convento de
capaces de acertar en la elección y en que la apuesta Trinitarios de la Plaza de Colón y que pasó a
fue unánime, por toda la ciudadanía. construirse en el extrarradio con el PP.
El modelo de ciudad cultural no fue elegido A pesar de algunos inconvenientes y de la
por ninguna otra ciudad del territorio más cercano incredulidad en el proyecto de unos pocos, hoy
y esta opción fue respetada por toda la Comunidad Salamanca presenta un modelo, si se me permite
autónoma de Castilla y León. la redundancia, modélico de ciudad cultural.
El patrimonio cultural como factor
de desarrollo regional y local.
El caso de Las Edades del Hombre
Eva Vicente Hernández
Universidad de Valladolid

1. Introducción

Hasta no hace muchos años el Patrimonio, en tanto que herencia de nuestros antepasados, era admirado
y conservado por su valor cultural, por su capacidad para servir de testigo y testimonio de una época que
ya pasó. Sin embargo, en nuestros días los bienes que integran el Patrimonio Cultural no se valoran tan
sólo como recursos culturales, sino que se viene reconociendo de manera creciente su potencial como
recursos económicos, capaces de convertirse en una fuente de riqueza, empleo y bienestar para la comunidad
a la que pertenecen. El Patrimonio ha adquirido así un valor utilitario, puesto que, como recurso, puede
colaborar, junto con el resto de recursos de una sociedad, a su desarrollo y a la mejora de la calidad de
vida de sus ciudadanos. A ello han contribuido de manera decisiva los nuevos hábitos de disfrute del
tiempo libre por parte de los ciudadanos y el auge del turismo cultural. Prueba de ello es el gran éxito de
iniciativas como las distintas exposiciones de Las Edades del Hombre, que han sido capaces de atraer a un
elevado número de visitantes y turistas a las localidades que las han acogido, con la importante rentabilidad
que ello supone no sólo desde el punto de vista cultural y social, sino también económico.
Antes de adentrarnos en el análisis de esta destacada iniciativa, y con el objeto de tratar de entender
cuáles son los factores que subyacen tras su éxito, examinaremos la evolución y principales tendencias
que se observan actualmente en el sector del Patrimonio Cultural. Ello nos va a permitir entender su
funcionamiento y las razones del importante crecimiento experimentado en las últimas décadas. Del mismo
modo, haremos un repaso del nuevo papel que desempeña el Patrimonio como recurso económico y de
los beneficios que su puesta en valor puede reportar desde el punto de vista del desarrollo.

2. Evolución y nuevas tendencias en el sector del Patrimonio Cultural

En las últimas décadas, el sector del Patrimonio ha estado sometido a profundas transformaciones,
experimentando un desarrollo desconocido hasta el momento. El concepto clásico de Patrimonio se ha
ampliado, apareciendo un nuevo concepto, el de “Patrimonio Cultural”, un término que no sólo hace
referencia a los objetos y artefactos heredados, sino que engloba todos los restos de modos de vida
anteriores, todos aquellos elementos, tangibles e intangibles, que configuran la identidad de un pueblo
o comunidad, distinguiéndola y diferenciándola, y que contribuyen a generar un sentimiento de cohesión
social y de arraigo a un determinado territorio.
Esta evolución de la noción de Patrimonio se ha visto acompañada e impulsada por un fenómeno
relativamente reciente y que presenta un claro potencial desde el punto de vista del desarrollo del sector:
la creciente apreciación social por el Patrimonio. El origen de este fenómeno sociológico, de honda
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
70

trascendencia cultural, es múltiple (González, servicios relacionados tanto con la Cultura y el


1996; Moreno, 1997; Moulinier, 1999). Por un lado, Patrimonio como, en general, con el ocio. Este
se suele destacar la reacción del ser humano frente aumento de su poder adquisitivo ha permitido que
al ritmo vertiginoso de la historia y las presiones familias e individuos, una vez satisfechas sus
ejercidas por un modelo de civilización que tiende necesidades básicas, dispongan aún de una parte
a la igualación. En este contexto, el Patrimonio importante de su renta que pueden gastar de forma
adquiere una función de refugio frente a las incerti- discrecional en toda una serie de bienes y servicios.
dumbres del presente y del futuro.El Patrimonio Otro de los aspectos esenciales para explicar el
ha cobrado importancia, asimismo, como elemento crecimiento de la demanda cultural es la progresiva
identitario y diferencial. Las naciones, regiones y reducción del tiempo dedicado al trabajo por parte
localidades buscan en él sus señas de identidad, del hombre contemporáneo y el consiguiente
que les permitan distinguirse y diferenciarse del resto aumento de su tiempo libre o de ocio. La mayor
de las comunidades. De la misma manera, la mayor disponibilidad de tiempo libre constituye un factor
concienciación social sobre la degradación del muy relevante en este caso, ya que supone un
medio ambiente y sus nocivos efectos genera una importante aumento de las posibilidades de
percepción negativa del futuro y, consecuente- consumo de este tipo de bienes que, por lo general,
mente, un deseo de conservación del medio y la requiere más tiempo que el consumo de otros
cultura. Como consecuencia de esta nueva tendencia bienes y servicios de la economía. Sin embargo,
“conservacionista” el Patrimonio, como recurso no la positiva evolución de esta variable no cobra todo
renovable y escaso, ha adquirido progresivamente su significado si no se la pone en relación con otra
un nuevo y destacado valor. Por último, la serie de cambios que han tenido lugar dentro de
expansión experimentada por el mercado de la este ámbito, y que han tenido también una
cultura y de sus productos derivados en las últimas importancia decisiva sobre la cuestión que nos
décadas ha llevado al Patrimonio Cultural y, sobre ocupa, como es el auge del ocio como valor destacado
todo, a sus componentes tangibles, a jugar un papel en las sociedades contemporáneas y, sobre todo, a las
determinante como nuevo recurso. nuevas formas de utilizar este último. Y es que no
Estrechamente relacionado con este último en vano a nuestra sociedad se la conoce como la
aspecto se encuentra uno de los factores que, Civilización del Ocio debido, precisamente, al lugar
indudablemente, más ha contribuido al desarrollo preeminente que éste ha pasado a ocupar en nuestra
y transformación del sector en las últimas décadas: jerarquía de valores (Ruiz, 1996). Así, en nuestros
el incremento de la demanda cultural y, sobre todo, días, el ocio ha dejado de ser considerado como
la aparición de nuevas demandas relacionadas con algo supletorio, complementario al trabajo, y ha
el Patrimonio. Aunque este incremento se puede pasado a constituir un valor en sí mismo (Greffe,
relacionar, de manera general, con la evolución y 1999). Todos estos cambios suponen, en definitiva,
transformaciones experimentadas por las sociedades que el hombre contemporáneo se enfrenta a una
desarrolladas en las últimas décadas, cabe destacar, nueva necesidad, la de “llenar” ese tiempo de ocio,
no obstante, una serie de factores que están y fruto de ello va a surgir una nueva demanda de
ejerciendo una especial influencia y que, de hecho, todo tipo de actividades y servicios capaces de
se consideran como los principales determinantes satisfacer ese tipo de necesidades. Es en este
de la demanda actual de cultura y Patrimonio. contexto, precisamente, donde hay que situar el
En primer lugar destaca por su importancia el incremento de la demanda de bienes y servicios
aumento de la renta disponible de los individuos. De culturales y patrimoniales como posibles “usos” del
hecho, la mejora en los niveles de vida que se ha mayor tiempo de ocio de los ciudadanos actuales,
registrado en los países desarrollados a lo largo del dentro de los cuales destaca por su importancia el
tiempo se viene considerando como uno de los turismo cultural y patrimonial.
factores que ha ejercido una mayor influencia sobre En la actualidad, por tanto, los ciudadanos de
el crecimiento de la demanda de las actividades y las sociedades avanzadas disponen de más recursos
El patrimonio cultural como factor de desarrollo regional y local. El caso de Las Edades del Hombre
71

para gastar, así como de más tiempo para dedicarse la comunidad a la que pertenecen. Más concreta-
a ello. Aún así, estos dos factores por sí solos no mente, se considera que los Bienes Patrimoniales
permiten explicar por qué los ciudadanos dedican constituyen una nueva forma de capital, el denomi-
parte de esta mayor disponibilidad temporal y nado capital cultural1, que puede y debe coadyuvar,
dineraria a consumir bienes y servicios culturales. junto con el resto de factores productivos
Uno de los aspectos que nos puede ayudar a tradicionales –capital físico, humano y natural–,
explicar, en parte, esta tendencia es la variable al desarrollo económico y social de la sociedad a la
educación y, más concretamente, la mejora en los que pertenece. Así, sobre esta base, en las últimas
niveles medios de educación de la población dos décadas ha ido cobrando cuerpo la idea de que
experimentada en las economías desarrolladas en los Bienes Patrimoniales constituyen un recurso
las últimas décadas. Esta mejora, que se puede estratégico potencial para el desarrollo de un
constatar, por ejemplo, a través del incremento en territorio, discurso que aún resulta más valioso
las tasas de escolarización o en el número de estu- cuando se centra en las potencialidades de las
diantes, se piensa que ha ejercido un importante efecto regiones más desfavorecidas (Caravaca et al., 1996),
positivo directo sobre la demanda de Patrimonio. pero con un legado cultural importante.
Todos estos factores, a los que aún podríamos No obstante, hay que tener en cuenta que la
añadir otros, como el aumento de la movilidad de riqueza en Patrimonio de un país, región o localidad,
las personas, o la reducción de los costes del no se transforma automáticamente en potencia-
transporte, que también inciden de manera muy lidades económicas, ni tan siquiera culturales. Para
positiva sobre la demanda de este tipo de bienes y, conseguirlo es preciso utilizar una serie de instru-
sobre todo, de una de sus principales manifesta- mentos mediadores que van a permitir poner en
ciones, el turismo cultural, hacen del sector cultural valor o valorizar el Patrimonio y convertir, así, los
y, más concretamente, del de Patrimonio, sectores bienes que hemos recibido de nuestros antecesores
con enormes posibilidades de desarrollo y con muy en una fuente de satisfacciones y bienestar para la
buenas perspectivas de cara al futuro. colectividad (Vicente, 2002a y 2002b). Es, preci-
samente, en este proceso de valorización de los
bienes patrimoniales donde residen las nuevas
3. El Patrimonio Cultural como recurso y posibilidades u oportunidades de generar ingresos,
factor de desarrollo económico rentas y empleos de este sector y el motivo por el
que, desde distintos ámbitos, se lo viene conside-
Las transformaciones del contexto socioeconó- rando como uno de los nuevos yacimientos de
mico que han tenido lugar en las últimas décadas empleo, capaz de aportar soluciones al problema
han dado un nuevo protagonismo al Patrimonio, que supone el desempleo para nuestras sociedades
de manera que los recursos patrimoniales están llamados (Vicente, 2004).
a desempeñar un destacado papel y nuevas e impor-
tantes funciones en los distintos ámbitos espaciales.
La valorización de los recursos patrimoniales: la
Esta situación guarda estrecha relación con la
oferta de Patrimonio
nueva consideración de este tipo de bienes como
recursos económicos: en nuestros días se considera Como hemos puesto de manifiesto en los apartados
que los Bienes Patrimoniales, además de constituir precedentes, en las últimas décadas se ha producido
un recurso cultural, tienen un enorme potencial un importante crecimiento de la demanda de
como recursos económicos, capaces de convertirse Patrimonio con fines culturales, de ocio y turismo.
en una fuente de riqueza, empleo y bienestar para Una de las características más importantes de esta

1 Siguiendo a Throsby (2001) el capital cultural puede definirse como un activo que representa, almacena o proporciona
valor cultural además de cualquier otro valor económico que pueda poseer.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
72

demanda, por las implicaciones que conlleva, y productos patrimoniales, adaptados a sus deseos
es que ésta concierne a los servicios que se pueden y necesidades, al tiempo que se garantiza la
obtener del Patrimonio y no directamente al conservación y supervivencia de los Bienes
soporte que constituye un monumento o un sitio Patrimoniales (Vicente, 2005).
patrimonial (Greffe, 1990). Es decir, cuando se A continuación vamos a describir a grandes
demanda un Bien Patrimonial no se pretende rasgos en qué consiste este proceso de valorización,
consumir el bien en cuanto objeto2, sino los valores, lo que, utilizando una terminología más económica,
experiencias y servicios asociados a éste, a los que podríamos describir como el “proceso de producción
el bien sirve de soporte, y que constituyen la de servicios patrimoniales” o modelo de oferta
auténtica fuente de utilidad para el usuario o patrimonial.
consumidor. En definitiva, nos encontramos con Bajo la denominación genérica de “proceso de
una demanda de todo tipo de servicios asociados producción” del Patrimonio cabe considerar una
al Patrimonio Cultural y a los bienes que lo gama muy variada de actividades, entre las que se
integran. Y ¿qué tenemos por el lado de la oferta? incluirían tanto actividades de conservación,
En muchas ocasiones nos encontramos con que renovación, provisión de acceso como, en general,
los bienes patrimoniales no se encuentran todas aquellas actividades relacionadas con la
adecuadamente conservados, o que no son provisión de servicios patrimoniales a partir de un
accesibles al público o, si lo están, suelen ofrecer bien o sitio patrimonial. Más concretamente,
escasos servicios a los visitantes, aparte de la atendiendo a sus particularidades o a su común
oportunidad de verlos o visitarlos. Es aquí donde finalidad es posible distinguir dos grandes grupos
entran en juego los procesos de valorización de los dentro de las mismas (Vicente 2002a y b):
bienes del Patrimonio. • el primero, que podríamos denominar las
En teoría, “valorizar” significa añadir valor a “actividades de conservación”, incluiría todas
los bienes del Patrimonio; en la práctica supone aquellas actividades relacionadas de forma
someter a estos bienes a un proceso de producción directa con el incremento o mantenimiento
o transformación en el que participan múltiples del valor del Bien Patrimonial: conservación,
agentes y factores para ofrecer al público, a los restauración, rehabilitación, acondiciona-
visitantes, una amplia y variada gama de servicios miento, etc.;

Figura 1 - Modelo de oferta Patrimonial o sistema de producción del Patrimonio

Fuente: Tunbridge y Ashworth (1996) con modificaciones propias (Vicente, 2002a y b).

2 Es decir, no se compran las catedrales, las pirámides ni, por lo general, salvo que seamos ricos coleccionistas, obras de
arte destacadas.
El patrimonio cultural como factor de desarrollo regional y local. El caso de Las Edades del Hombre
73

• y, el segundo, las “actividades orientadas a la una serie de actividades inducidas y beneficios de


producción de servicios”, donde se englobarían todo tipo que de otro modo no existirían. Pero
todas aquellas actividades productivas cuyo ¿cuáles son los beneficios que, desde el punto de
objeto sea la provisión de servicios patrimo- vista del desarrollo económico, cabe esperar de los
niales a partir del Bien o del Sitio Patrimonial proyectos de conservación y valorización del
y, en general, la difusión del bien patrimonial3. Patrimonio? De una forma muy general podríamos
resumir dichos beneficios en los siguientes puntos
En definitiva, y expresado en otros términos, ( Junta de Castilla y León, 1997; Graham et al.,
estaríamos hablando de que la provisión de servicios 2000; Dziembowska-Kowalska y Funck, 2000):
patrimoniales, la oferta de los productos patrimoniales a) Efectos directos tangibles o beneficios
que la sociedad reclama, requiere la existencia de derivados del Patrimonio como actividad económica
dos tipos de actividades con unas finalidades en sí misma. En nuestros días el sector cultural y,
claramente diferenciadas: por un lado, la de garantizar más concretamente, el sector del Patrimonio, es
la existencia o conservación del Bien Patrimonial considerado ya por derecho propio uno más de
y, por otro, la de posibilitar su uso y disfrute. entre los múltiples sectores que componen el
A pesar de los inconvenientes que presenta entramado económico y productivo de una
siempre cualquier generalización, creemos que esta economía. Como sector económico en sí mismo,
descripción simplificada permite explicar de forma el sector del Patrimonio usa recursos, produce
bastante clara y concisa el proceso de producción productos y genera importantes retornos en forma
por el que deben pasar la mayor parte de los Bienes de beneficios, ingresos y empleo y, en consecuencia,
del Patrimonio hasta llegar a los ciudadanos, sus contribuye al producto regional o local como
destinatarios. Lógicamente, dependiendo del uso cualquier otro sector de la economía;
que se quiera dar a los bienes, este proceso se puede b) Efectos económicos inducidos o efectos
simplificar o hacerse más complejo. Señalar, indirectos tangibles. Bajo este epígrafe se
además, que en muchas ocasiones este proceso ni englobarían aquellos beneficios y efectos derivados
siquiera tiene lugar y la “oferta” coincide entonces del Patrimonio para otros sectores. La mayor parte
con el Bien o Recurso Patrimonial4. La razón de de los autores suelen destacar la repercusión que
que esto ocurra es que en el ámbito del Patrimonio, las actividades patrimoniales tienen sobre el sector
a diferencia de lo que ocurre en otros campos, la turístico, especialmente en el ámbito del turismo
existencia de un soporte o de un stock no garantiza cultural y los servicios asociados a éste. No en vano
la existencia de un flujo paralelo de servicios esta forma de uso de los Bienes Patrimoniales es
(Greffe, 1990), es decir, el proceso de transfor- uno de los principales mecanismos a través de los
mación que hemos descrito no se produce de cuales la puesta en valor del Patrimonio se
manera espontánea. convierte en una fuente de renta y empleo para la
sociedad a la que pertenece, para el territorio en el
que se halla localizado;
Beneficios económicos derivados del Patrimonio
c) Efectos sobre la imagen del lugar o efectos
El Patrimonio Cultural por su mera existencia directos intangibles. El Patrimonio desempeña,
pero, sobre todo, por las intervenciones y actividades asimismo, un importante y activo papel en la
de todo tipo que sobre él se realizan, da lugar a generación de una imagen de un lugar y, sobre todo,

3 Dentro de este segundo grupo tienen cabida aspectos tan diferentes de la gestión patrimonial como la presentación e
interpretación de los Bienes Patrimoniales, la gestión de los flujos de visitantes, la fijación de horarios, la señalización,
la gestión de servicios derivados y complementarios, la realización de estudios de mercado para conocer las necesidades
de los consumidores-demandantes de Patrimonio, hasta las actividades de promoción y comunicación que tienen por
objeto convertir el producto patrimonial en una oferta efectiva.
4 En realidad en este caso habría que hablar de la existencia de unos servicios mínimos o muy elementales, lo que Greffe
(1990) denomina “servicio naturalmente asociado al soporte patrimonial”: el derecho de mirar o, en el límite, un derecho
de visita del Bien Patrimonial.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
74

de un mayor grado de cohesión social, al incrementar acogida por la sociedad, su repercusión en los
y reforzar la propia imagen que la comunidad tiene medios de comunicación y su temporalidad, las
de sí misma, factores que se revelan esenciales sobre convierten en iniciativas muy atractivas para sus
todo cuando ésta tiene como objetivo incentivar promotores, lo que ha llevado a un momento de
su desarrollo económico; pleno auge y crecimiento de este tipo de oferta
d) Efectos indirectos intangibles. Los bienes y cultural (Chinchilla, 2000; Frey, 2000). El éxito
sitios patrimoniales, su conservación y mejora, de este tipo de actividades se pone de manifiesto
ejercen una influencia positiva sobre las decisiones en la enorme cantidad de exposiciones temporales
de localización de actividades económicas y de celebradas en todo el mundo a lo largo de los
residentes. En la actualidad se considera que el últimos años, la calidad de las obras expuestas y,
nivel, calidad y diversidad de las actividades sobre todo, en sus abultadas cifras de visitantes.
culturales y artísticas, en general, existentes en una Las sucesivas exposiciones de Las Edades del
región o localidad, constituyen un factor importante Hombre constituyen un claro paradigma del éxito
en las decisiones de localización de las empresas, en términos de difusión cultural, impacto mediático
sobre todo de aquellas que precisan de una oferta y repercusión económica y social que pueden
laboral altamente cualificada5. De esta manera alcanzar este tipo de actividades. Prueba de ello,
pueden contribuir al desarrollo de una región y a son las 14 exposiciones realizadas desde 1988, con
su posicionamiento en el entorno competitivo en más de 90 meses de apertura, cerca de 3.400 obras
el que ésta se desenvuelve; expuestas y con una cifra de visitantes que ronda
e) Efectos sobre la economía local y la ordena- los 8 millones de personas6. Estas cifras avalan la
ción y regeneración del entorno urbano. Si tomamos consideración de estas exposiciones como uno de
como base el número de estudios o la literatura los productos culturales de estas características de
existente al respecto, la ciudad y, más concreta- mayor éxito tanto en España, como en el ámbito
mente, las distintas áreas o distritos dentro de ésta, internacional y que, lejos de agotarse, es capaz
constituyen el ámbito más frecuente en el que los además de mantener el interés y expectación del
distintos gobiernos utilizan el Patrimonio como público en cada nueva exposición.
instrumento de sus políticas de planificación.
En los últimos años el Patrimonio se ha venido
Las Edades del Hombre: objetivos y principales
utilizando especialmente como un instrumento de
características
revitalización y renovación urbana, a menudo como
último recurso en zonas con problemas específicos Las Edades del Hombre son una serie de exposi-
que no habían respondido ante otro tipo de ciones de arte religioso, que se vienen celebrando
políticas (Graham et. al, 2000). en las catedrales de Castilla y León desde 1988.
Se trata de una muestra con un doble carácter,
religioso y cultural, bastante peculiar, muy original
4. La exposición Las Edades del Hombre. en cuanto a su forma y a sus fines, y muy diferente
Un ejemplo de producto cultural de éxito a otras exposiciones temporales celebradas tanto
en nuestro País como fuera del mismo (García, 2000).
Las exposiciones temporales son, hoy en día, Se trata de un proyecto impulsado por las
actividades culturales de máximo prestigio y diócesis de la región, a través de la Fundación
relevancia en el ámbito cultural y social. Su magnífica Las Edades del Hombre, y que cuenta con el respaldo

5 Son lo que se denomina un “factor suave de localización” (Dziembowska-Kowalska y Funck, 2000).


6 No se tiene en cuenta en este cómputo las cifras de visitantes correspondientes a la exposición “Inmaculada” celebrada
en Madrid, ni las correspondientes a la exposición Kyrios que en la actualidad de está desarrollando en Ciudad Rodrigo
(Salamanca).
El patrimonio cultural como factor de desarrollo regional y local. El caso de Las Edades del Hombre
75

financiero de distintas instituciones y agentes regional y el propio acierto de realizar las expo-
regionales. Entre ellos destacan la Junta de Castilla siciones en el marco incomparable que suponen
y León, distintas entidades financieras regionales las catedrales regionales, que dan un mayor valor
-Caja Duero en un primer momento y Caja añadido a un producto cultural ya de por sí
España en la actualidad-, y las autoridades locales excelente y de calidad como son las obras expuestas.
de las ciudades sede y provincias en las que se han A estas causas hay que añadir otras, no relacionadas
ido celebrando las distintas exposiciones. La finan- de forma directa con la muestra, y que hacen sobre
ciación de las exposiciones se completa con los todo referencia a la oportunidad del momento en
ingresos obtenidos mediante la venta de catálogos el que se desarrollan estas exposiciones, como es
y otros productos derivados. No existen ingresos el propio contexto de crecimiento de la demanda
por venta de entradas puesto que la exposición patrimonial y del turismo cultural que se ha
es gratuita. producido en nuestro país debido a la confluencia
Los objetivos perseguidos con esta serie de de toda una serie de factores ya analizados
exposiciones van más allá de la mera exhibición anteriormente. Por último, ha habido otro factor
de la riqueza histórico-artística de la iglesia en que, según todas las opiniones, también ha influido
Castilla y León, para buscar algo más profundo y de manera importante, como es el haberlas ofrecido
trascendente. Mediante un complejo proyecto que gratuitamente. Este hecho, lejos de devaluar la
integra lo didáctico y lo artístico, lo religioso y lo exposición como se auguraba desde algunos
cultural, se ha buscado que las imágenes, pinturas, sectores, ha conseguido el objetivo que se perseguía
esculturas, presentadas en un marco secular, con ello: el hacer ver a los visitantes que se les
vuelvan a transmitir su mensaje religioso y cultural. mostraba algo perteneciente a su historia, a su
La idea central del proyecto quedaba así resumida Patrimonio común y que, por lo tanto, no parecía
por el propio Padre Velicia en el prólogo del correcto cobrarles por verlo. Se ha conseguido, así,
catálogo de la primera Exposición: “Contar una otro de los objetivos perseguidos por los organiza-
historia a través del arte y una historia cuyos dores de Las Edades del Hombre: que el público las
protagonistas no fueran los estilos, ni las épocas, ni los viera como algo suyo, que se identificaran con ellas
autores, sino el hombre”. y que valoraran lo que se exponía como propio, algo
Precisamente el haber conseguido que la que se ha conseguido plenamente (García, 2000).
muestra fuera algo más profundo y trascendente En cuanto a las características de las exposiciones,
que una mera exposición artística, y fuera así como señalábamos al principio, Las Edades del Hombre
entendido por los ciudadanos, ha sido una de las han sido unos de los acontecimientos culturales
principales causas de su éxito inicial y de que éste más populares e importantes celebrados en España.
se haya mantenido a lo largo de los años. Sin El número de visitantes a las distintas fases de la
embargo, esta no es la única razón del éxito de Las exposición ha superado los 8 millones de personas,
Edades del Hombre. Entre las múltiples causas que con una media diaria de visitas superior a las 3.300
permiten explicarlo destaca la propia originalidad personas. No obstante, algunas exposiciones
y novedad de la idea inicial: Las Edades del Hombre destacan especialmente en este sentido. Éste es el
ha supuesto un hito en España por lo que a caso, por ejemplo, de la primera exposición, El arte
innovación museográfica se refiere, puesto que en la Iglesia de Castilla y León celebrada en
rompe con el esquema tradicional de presentar una Valladolid, que, con una media de visitas diarias
exposición de acuerdo al desarrollo de los estilos superior a las 6.400 personas, supero con creces
artísticos, siguiendo los criterios museísticos, para las previsiones más optimistas de los organizadores.
dar paso a exposiciones-relato, en las que se cuenta Igualmente destacan las exposiciones de León y
una parábola y las obras de arte son instrumentos Salamanca con un número medio de visitas cercano
que sustituyen a las palabras. Entre los motivos a las 4.000 personas diarias. La exposición de
del éxito de esta muestra cabe destacar igualmente Salamanca fue además la de mayor duración,
la riqueza histórico-artística del Patrimonio cercana al año.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
76

Cuadro 1 - Las cifras de Las Edades del Hombre (1988-2006)

Duración Obras
Exposición Lugar Año Visitantes
(meses) expuestas
El arte en la
Iglesia de Castilla y León
Valladolid 1988/1989 5 1.050.000 209
Libros y documentos en la
Iglesia de Castilla y León
Burgos 1990 6 500.000 482
La música en la
Iglesia de Castilla y León León 1991/1992 10 980.000 219
El contrapunto y su morada Salamanca 1993/1994 11 1.303.000 220
Flandes y Castilla y León Amberes 1995 3 95.000 182
La ciudad de seis pisos El Burgo de Osma 1997 7 458.757 182
Memoria y esplendores Palencia 1999 7 612.000 305
Encrucijadas Astorga 2000 6 460.000 305
Remembranza Zamora 2001 7 510.000 374
Time to Hope Nueva York 2002 2 205.207 100
El Árbol de la Vida Segovia 2003 8 858.977 301
Testigos Ávila 2004 7 859.859 278
Inmaculada Madrid 2005 6 n.d. n.d.
Kyrios Ciudad Rodrigo 2006 6 – 200
Total – – 90 7.892.800 3.357
(*) n.d: datos no disponibles.
Fuente: Elaboración propia a partir de los datos de la Fundación Las Edades del Hombre.

Por lo que respecta a las características y perfil No obstante, el análisis de un acontecimiento


de los visitantes, se trata en su mayoría de personas de esta magnitud no puede limitarse simplemente
que vienen a visitar la exposición de fuera de la a analizar sus objetivos o características, sino que
localidad en la que ésta se celebra, bien de la propia debe ir más allá y tratar de profundizar en las
región o de fuera de ella7. Un aspecto destacable, y distintas repercusiones que ha podido tener en
que no se produce en la asistencia a otras activi- diversos campos. En el caso concreto de la exposición
dades y eventos culturales, es que los visitantes son Las Edades del Hombre las repercusiones más
personas de todos los niveles sociales y educativos. importantes para la región que se pueden destacar
Es decir, frente al carácter minoritario y elitista, son las siguientes (García, 2000):
en el sentido de llegar o atraer únicamente a los • La primera y más importante ha sido la de poner
grupos de población con un perfil educativo y social de manifiesto la importancia del Patrimonio
medio-alto, que por lo general presentan este tipo de Castilla y León, que no es sino el resultado de
de exhibiciones, Las Edades del Hombre ha sido la propia importancia histórica de la región;
capaz de popularizar el Patrimonio y la cultura • Un efecto destacado sobre la imagen de la
atrayendo a ciudadanos de todo tipo y condición. región y su proyección exterior, que ha

7 Se trata de un dato muy positivo no sólo desde el punto de vista de la difusión del Patrimonio, sino también desde la
perspectiva de la repercusión económica de la exposición puesto que las personas que vienen a visitarla desde fuera
tienden a realizar un mayor gasto en alojamiento, restaurantes, etc.
El patrimonio cultural como factor de desarrollo regional y local. El caso de Las Edades del Hombre
77

contribuido a recuperar la presencia cultural variables, todos ellos destacan unos resultados
de Castilla y León dentro del país y también muy favorables. De cualquier manera, las
el protagonismo perdido como consecuencia repercusiones de cada exposición dependerán
de su escaso desarrollo económico y despo- del número de visitantes, de su procedencia,
blación; perfil de gasto y del tiempo de estancia en la
• También han contribuido de manera importante localidad o en la región;
en el proceso de sensibilización y concien- • Otra de las repercusiones más destacadas de
ciación social de los castellano-leoneses por Las Edades del Hombre, que en este caso tiene
el Patrimonio, en el redescubrimiento por un marcado carácter local, son sus efectos
parte de la población y de las instituciones positivos sobre la estructura urbana de las
del destacado valor del legado cultural ciudades que han constituido sede del evento,
regional; así como la mejora y ampliación de la infraes-
• Este fenómeno de concienciación social y de tructura comercial y sobre todo turística de
aprecio por el Patrimonio regional ha llevado estos lugares8.
a los ciudadanos e instituciones de la región Por lo que respecta a la edición actual de la
a preocuparse por la protección y conserva- exposición Las Edades del Hombre, Kyrios, que se
ción del mismo, impulsando la recuperación expone en la Catedral de Ciudad Rodrigo, es aún
de gran parte del Patrimonio hasta el pronto para poder evaluar sus resultados globales
momento olvidado, abandonado o incluso en tanto en términos culturales y sociales, a través del
riesgo de desaparición; número de visitantes y sus impresiones sobre la
• Han contribuido de manera importante al misma, como desde el punto de vista de su propia
proceso de creación de una identidad regional rentabilidad económica. No obstante, sí podemos
común, así como a entender el Patrimonio extraer algunas conclusiones preliminares sobre las
regional como una parte destacada de la implicaciones que está teniendo para la ciudad y
misma; sobre sus posibles efectos y repercusiones desde el
• También han desempeñado un papel destacado punto de vista económico.
en el reconocimiento por parte de ciudadanos El primer aspecto positivo derivado de la
e instituciones regionales de las posibilidades exposición que cabe destacar es el haber convertido
y potencialidades económicas que para la a Ciudad Rodrigo en un destino turístico per se
región ofrece la valorización de sus recursos durante el periodo de duración de la muestra, frente
patrimoniales y de que el Patrimonio regional, al carácter que tradicionalmente ha tenido la ciudad
mediante una adecuada puesta en valor, puede cómo lugar de paso o complementario a otras
ser utilizado como un recurso estratégico visitas turísticas. Las cifras de visitantes así lo
sobre el que basar un proceso de desarrollo muestran. Como se puede apreciar, en cuatro meses
sostenible y duradero en la región; desde su apertura la exposición ha recibido ya más
• Dado el éxito de las distintas fases de las de 300 mil visitantes.
exposiciones de Las Edades del Hombre, cabe
destacar también las importantes repercusiones Cabe destacar también las importantes obras
económicas derivadas de las mismas. A pesar de acondicionamiento y renovación urbana que se
de que los estudios y estimaciones realizados han realizado en la ciudad con objeto de prepararla
hasta el momento arrojan resultados muy para acoger la exposición, así como la creación en

8 Las buenas expectativas ante la celebración de las exposiciones en las distintas sedes han impulsado a las autoridades a
realizar importantes inversiones en el acondicionamiento de las localidades, dando lugar a importantes mejoras
urbanísticas en las mismas. Igualmente, estas exposiciones han constituido un importante incentivo para el sector
privado. Prueba de ello ha sido la apertura y renovación de hoteles y otros tipos de alojamiento o la apertura de nuevos
establecimientos comerciales en los alrededores de las catedrales.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
78

Cuadro 2 - Visitantes a la exposición de Las Edades del Hombre en Ciudad Rodrigo, Kyrios, 2006

Periodo Días de apertura Visitantes Media diaria


10 al 30 de junio 18 43.394 2.411
1 al 31 de julio 28 72.037 2.771
1 al 31 de agosto 27 110.374 4.088
1 al 30 septiembre 26 84.423 3.247
Total 99 310.228 3.134
Fuente: Fundación Las Edades del Hombre.

los últimos años de nuevas infraestructuras ventajas competitivas y aspectos positivos de la


turísticas y de servicios, que aunque no cabe atribuir zona. Entre ellos cabe destacar la riqueza y abun-
en exclusiva a la exposición, sí cabe pensar que ésta dancia de su Patrimonio Cultural, la proyección
ha supuesto un cierto incentivo dadas las favorables exterior derivada de la exposición, el aumento de
expectativas de negocio que siempre trae consigo. la cohesión social y el sentimiento de orgullo de
Las repercusiones económicas que cabe esperar los ciudadanos que se está apreciando como
durante el periodo de tiempo en el que permanezca consecuencia de la exposición y, derivado de lo
abierta la exposición van a depender de múltiples anterior, la dinamización de la sociedad mirobri-
factores y entre ellos, principalmente, del perfil de gense, la toma de conciencia de las oportunidades
gasto de los visitantes y del tiempo de duración de y posibilidades de la zona que puede llevar a la
su estancia en la ciudad9, de ahí la importancia de aparición de nuevas iniciativas empresariales.
ofrecer una oferta turístico-cultural comple- Esta dinamización de la sociedad civil, así como
mentaria y de calidad a los visitantes que les invite la apuesta por un futuro mejor tomando como
a permanecer durante un mayor periodo de tiempo punto de partida la celebración de la exposición
en la localidad. Las perspectivas en este sentido, Las Edades del Hombre queda plasmada en la
dadas las cifras de ocupación de los estableci- aparición de iniciativas de tanto calado e impor-
mientos hoteleros y del sector de la restauración a tancia como es el caso de la Fundación Ciudad
lo largo de los últimos meses permiten hacer unas Rodrigo 200610.
previsiones bastante optimistas en este sentido.
No obstante, a pesar de la evidente importancia
de estos efectos económicos de la exposición a 5. Conclusiones
corto plazo, lo verdaderamente importante son sus
efectos en el largo plazo y, más concretamente, Como se ha puesto de manifiesto a lo largo de
el tratar de conseguir que el impulso inicial que esta exposición, el Patrimonio Cultural tiene en la
han supuesto Las Edades del Hombre para Ciudad actualidad un enorme potencial como recurso
Rodrigo se consolide en un proceso de desarrollo económico, especialmente importante para las
sostenible y estable. Para conseguir este objetivo regiones y localidades desfavorecidas pero con un
es necesario saber aprovechar al máximo todas las rico e importante legado cultural.

9 Con el objeto de tratar de medir este impacto económico desde la Universidad de Valladolid, con el apoyo de la
Consejería de Cultura y Turismo, se está llevando a cabo un estudio de impacto económico de la Exposición sobre la
economía regional y local, cuyos resultados estarán disponibles en los próximos meses.
10 La Fundación Ciudad Rodrigo 2006 es una fundación civil impulsada por el obispo de Ciudad Rodrigo con motivo de
la exposición Las Edades del Hombre y que además de contribuir a la organización y buen desarrollo de la exposición
tiene entre sus fines la promoción del Patrimonio de Ciudad Rodrigo, para lo cuál pretende contribuir a su conservación,
divulgación y mejor conocimiento; la solicitud de declaración de Ciudad Rodrigo como Patrimonio de la Humanidad;
la promoción del desarrollo económico, cultural, social, educativo y turístico; así como potenciar las relaciones económicas,
sociales y culturales con los municipios limítrofes de Portugal.
El patrimonio cultural como factor de desarrollo regional y local. El caso de Las Edades del Hombre
79

No obstante, el Patrimonio no se convierte en Greffe, X. (1990): La valeur economique du


un recurso económico, no desarrolla todo su potencial Patrimoine. Anthropos, Paris.
de generación de renta y empleo, de desarrollo en Greffe, X. (1999): La Gestion du Patrimoine
definitiva, sin una adecuada puesta en valor que lo Culturel. Anthropos, Paris.
convierta en una oferta capaz de satisfacer las Junta de Castilla y León (1997): Cultura y
demandas de visitantes y turistas. Es necesario desarrollo económico en Castilla y León. Junta
ofrecer un producto patrimonial de calidad, basado de Castilla y León, Valladolid.
en una difusión del Patrimonio a partir de un Moreno de Barreda, F. (1997): “La dimensión
conocimiento profundo del mismo, y una presentación económica del Patrimonio Arquitectónico:
profesional y respetuosa con los bienes. Punto de partida para soluciones nuevas”.
Las exposiciones temporales, como es el caso Patrimonio Cultural y Derecho, nº 1.
de Las Edades del Hombre, son un ejemplo de Moulinier, P. (1999): Les Politiques Publiques de
valorización y de producto cultural de excelencia. la Culture en France. Presses Universitaires de
No sólo son uno de los mejores instrumentos para France, Paris.
la difusión y la proyección de la cultura, sino que, Ruiz Olabuenaga, J. I. (1997): “Economía y ocio.
dadas sus características y su capacidad para atraer El mercado de la cultura”. Mercurio. Revista
visitantes, se pueden convertir también en un de Economía y Empresa, nº 1.
importante catalizador del desarrollo de las zonas Throsby, D. (2001): Economía y Cultura.
o localidades en las que se celebran. Cambridge University Press, Madrid.
Tunbridge, J.E. y Ashworth, G.J. (1996): Dissonant
Heritage. John Wiley & Sons Ltd., West Sussex.
Referencias Bibliográficas
Vicente Hernández, E. (2002a): “The supply of
Caravaca, I. et al. (1996): “Patrimonio Cultural y Cultural Heritage in the present societies: an
desarrollo regional”. Eure, vol. XXII, nº 66. approach from the Economic Analysis”. 12th
Chinchilla Gómez, M. (2000): Exposiciones Biennal Conference of the Association for
temporales. Estado de la cuestión. En Iglesias Cultural Economics International, Rótterdam.
Gil, J. M. (ed.) (2000): Actas de los X cursos Vicente Hernández, E. (2002b): “Análisis
monográficos sobre Patrimonio Histórico. económico del proceso de puesta en valor de
Universidad de Cantabria, Santander. los bienes que integran el Patrimonio Cultural”.
Dziembowska-Kowalska, D. J. y Funck, R. H. Actas del 8º Congreso de Economía Regional
(2000): “Cultural Activities as a location factor de Castilla y León. Valladolid.
in european competition betwen regions: Vicente Hernández, E. (2004): “Patrimonio
Concepts and some evidence”. The Annals of Cultural y Empleo. Nuevas Oportunidades para
Regional Science, Springer-Verlag, vol. 34. la Economía Castellano-Leonesa”. Actas del 9º
Frey, B. (2000): Exposiciones especiales y festivales: Congreso de Economía Regional de Castilla y
la explosión de la cultural. En Frey, B. (2000): León, Valladolid.
La economía del arte. Colección estudios Vicente Hernández, E. (2005): Economía y Política
económicos, nº 18. Servicio de estudios de del Patrimonio Cultural. Un estudio de la Política
“La Caixa”, Barcelona. del Patrimonio Arquitectónico en Castilla y León
García Zarza, E. (2000): El turismo cultural en (1985-2002). Tesis Doctoral. Departamento de
Castilla y León. El caso singular de Las Edades Economía Aplicada. Universidad de Valladolid.
del Hombre. En Iglesias Gil, J. M. (ed.) (2000): Vicente Hernández, E.; Carrascal Arranz, U. y
Actas de los X cursos monográficos sobre Patrimo- Arlegui Sánchez, M. (2006): Estudio de las
nio Histórico. Universidad de Cantabria, Santander. repercusiones socioeconómicas de la celebración
Graham, B., Ashworth, G. J., y Tunbridge, J. E. de Las Edades del Hombre en Ciudad Rodrigo.
(2000): A Geography of Heritage. Power, Proyecto financiado por la Consejería de
Culture and Economy. Arnold, Londres. Cultura y Turismo. Junta de Castilla y León.
Emprego cultural

José Soares Neves


Sociólogo
Investigador do Observatório das Actividades Culturais (OAC)

Pretendo, nesta minha comunicação, deixar-vos alguns tópicos, algumas ideias, em torno do que se
vem designando por emprego cultural, em cinco planos - discursos, definições, características, volume e perspectivas.

1. Os discursos sobre o emprego nas políticas culturais

1. No plano dos discursos dos responsáveis pela elaboração e execução de políticas culturais assiste-se
a uma crescente atenção à dimensão económica da cultura, ao nível internacional e ao nível nacional.
Nas décadas mais recentes ganharam maior significado os discursos no sentido de se olhar a cultura
não apenas pelo valor em si mesma, mas como factor de desenvolvimento. Do ponto de vista económico,
isso significa uma inversão da tendência até então dominante para ver o domínio cultural como um
sector gastador, sem preocupações de (auto) financiamento ou sequer de gerar receitas e de minimizar as
despesas. É uma inversão também no sentido em que, ao nível das políticas culturais, se defende que a
despesa com a cultura deve ser percepcionada como um investimento e um factor de desenvolvimento.
Entre as organizações que mais contribuíram nesse sentido estão a UNESCO e o Conselho da Europa,
designadamente através de dois relatórios por elas patrocinados: Notre Diversité Creatrice (Cuellar, 1996:
17) e La Culture au Coeur: Contribution au Débat sur la Culture et le Développement en Europe (Fisher,
Delgado, Heiskanen, Kleberg e Razlogov, 1998).
Deste ponto de vista, são vertentes centrais a criação de emprego, a qualificação e a profissionalização das
actividades artísticas e culturais, em particular na perspectiva do desenvolvimento sustentado, a qual defende
que a criação de emprego, a qualificação e a profissionalização devem incidir nas populações locais.
Um bom exemplo a este propósito – ainda no plano dos discursos – em Portugal é o do Parque Arqueo-
lógico do Vale do Côa, numa tripla perspectiva: 1) na criação de infra-estruturas com forte carga simbólica
(Parque e futuro museu); 2) na atracção de visitantes em volume assinalável; 3) na criação de emprego local.
O emprego cultural está hoje também no centro de um debate mais geral sobre a existência e
mobilização de potenciais novos empregos. Este debate tem a sua contrapartida do lado da procura,
por via de tendências estruturantes das sociedades europeias actuais com consequências nos consumos e nas
práticas culturais das populações, como refere Xavier Greffe (1999) em particular quanto ao crescimento
do tempo livre, à elevação dos níveis de escolaridade e ao processo de urbanização. Este autor, um dos
que mais se tem dedicado ao estudo das questões ligadas ao emprego cultural, identifica três importantes
efeitos da cultura no desenvolvimento (Greffe, 1999: 9):
• Efeito fileira (dois exemplos: turismo cultural e associação entre cultura e novas tecnologias da informação);
• Efeito recursos humanos (criação de competências que melhoram a qualidade dos produtos e serviços
oferecidos);
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
82

• Efeito inovação (que melhora a capacidade Mas, de uma forma geral, pode dizer-se que a
de inovação e criação das empresas). concretização de medidas visando aumentar o
Outros aspectos por ele apontados são: emprego cultural enfrenta diversas resistências
• O crescente reconhecimento das actividades devido aos custos associados e às (bem conhecidas)
culturais na integração social, ou seja, a existência políticas de contenção da despesa pública.
de valores sociais comuns, o património que A este propósito continua a ser útil ter em conta
difunde referências ao conjunto dos membros a lei de Baumol ou lei da doença dos custos
da colectividade e reforça o sentido de pertença (Baumol e Bowen, 1966) que tanta influência tem
a um mesmo conjunto; tido nas políticas públicas direccionadas para o
• A assumpção dos recursos e das actividades financiamento das artes do espectáculo, nos EUA
culturais como imagens de marca, ou seja, como na Europa, embora de diferentes modos.
a diferenciação de um território relativamente Como sabemos – tanto nos EUA (ou, mais generi-
aos outros. camente, no modelo anglo-saxónico) por via da
Deste modo, o lugar do emprego cultural nos iniciativa privada apoiada indirectamente pelo
discursos de diversas instâncias, nacionais e interna- Estado, na Europa Continental pelo apoio directo
cionais, com intervenção na elaboração e execução do Estado.
de políticas culturais, é um lugar central na acção E em Portugal, como em muitos países europeus,
política por via da perspectiva que procura afirmar o sector público tem um peso importante na área
a cultura como factor de desenvolvimento. da cultura em várias vertentes, seja através do
Parece-me pertinente, a este propósito, referir emprego directo nos organismos que tutela (museus,
a título de exemplo, o Programa Operacional da monumentos, teatros, bibliotecas, arquivos, etc.),
Cultura (POC), integrado no III Quadro Comuni- seja através do emprego indirecto por via dos apoios
tário de Apoio, cujo arco temporal vai de 2000 a que concede a criadores e produtores (companhias
2006. Este Programa tem dois objectivos principais: de teatro e dança, orquestras, etc.), seja por via do
um é “promover um maior equilíbrio espacial no emprego que induz, designadamente através da
acesso à cultura” e o outro é precisamente “reforçar aquisição de serviços (a compra de espectáculos
a cultura como factor de desenvolvimento e de por parte das autarquias, por exemplo).
emprego”1. Este segundo objectivo tem como
metas parciais a criação de 2850 postos de trabalho
no quadro da Medida 1.1. “Recuperação e 2. Definições: do que falamos quando falamos
animação de sítios históricos e culturais”; 2150 de emprego cultural?
postos de trabalho no da Medida 1.2. “Moderni-
zação e dinamização dos museus nacionais”; e 800 Até aqui coloquei-me no plano dos discursos,
postos de trabalho no da Medida 2.1. “Criação de dos princípios, das políticas e dos objectivos.
uma rede fundamental de recintos culturais”. Passando ao segundo tópico que me propus tratar,
E como meta global a criação de cerca de 4900 gostava de abordar as características do emprego
novos postos de trabalho na fase de execução dos cultural de acordo com duas preocupações centrais:
projectos e de 900 permanentes. a das definições e a dos instrumentos de medida.
Valerá a pena ter em conta que os valores de Quanto à primeira, a definição de cultura oscila,
emprego cultural estabelecidos pelo POC são, como sabemos, entre um entendimento restrito,
em termos absolutos, significativos, mas relativamente apenas relativo às chamadas obras eruditas, e um
baixos tendo em conta a realidade nacional. É verdade entendimento alargado, em que o qualificativo de
que o balanço do POC e dos seus impactos ainda cultural é atribuído aos aspectos da existência
não está feito (o Programa ainda está em curso). humana em sociedade que comportam elementos

1 Ver POC, “Programa, Enquadramento, Objectivos,” no endereço <http://poc.min-cultura.pt/> acedido em Julho de 2006.
Emprego cultural
83

de sentido – desde as práticas, as ideias e as emoções Interdisciplinar; Outros (Patureau, Jauneau e


quotidianas, até a variados sistemas sociais, das lingua- Cardona, 2005).
gens, dos valores e dos rituais, às ideologias, Isto no tocante à noção de cultura. Quanto à de
tecnologias e instituições (Fisher, Delgado, emprego cultural, vale a pena fazer uma breve
Heiskanen, Kleberg e Razlogov, 1998: 30-31; digressão antes de chegar à definição que irei utilizar,
Santos, Costa, Gomes, Lourenço, Martinho, uma vez que, também neste aspecto, vários exercícios
Neves e Conde, 1999: 12-13). Porém, a primeira têm sido realizados para o delimitar e medir.
está manifestamente desajustada da realidade – Até há bem pouco tempo, um dos exercícios
pela emergência de novas formas de expressão consistia em, a partir da nomenclatura das activi-
artística, de novos domínios, pela crise das categorias dades económicas, definir o domínio da cultura
normalmente utilizadas (cultura de massas, popular como o conjunto das empresas ou organismos que
e erudita) – e a segunda tem-se revelado, na prática, trabalham, como actividade principal, nas activi-
como um instrumento difícil de manejar. dades ditas culturais.
Deste modo, esta perspectiva dicotómica vem Contudo, este exercício apresenta diversas
sendo ultrapassada, em particular no plano das limitações como, por exemplo, as relativas ao sector
políticas culturais, pela adopção de uma definição do livro, sector em que muitas entidades (empresas,
“pragmática” de cultura, a partir dos domínios que institutos públicos, autarquias, etc.) são, de facto,
a compõem. É também a perspectiva utilizada editoras, embora não seja essa a sua actividade
quando se trata de apurar dados estatísticos que principal. Outra limitação decorre do carácter
visam medir o volume e identificar as características independente de parte substancial do trabalho
do emprego cultural. realizado no sector cultural, portanto não apreensível
O que coloca outro problema: quais os domínios através das estatísticas das empresas.
que devem ser considerados como culturais? Um outro exercício parte das classificações das
Uma opção, próxima da definição em sentido lato profissões, tomando como critério dominante o
de cultura, foi adoptada pela UNESCO em 1986. conteúdo das respectivas actividades.
De acordo com a grelha então definida, consideram- Mas um dos mais recentes exercícios é o que
-se os seguintes dez domínios ou “esferas culturais”: vem sendo realizado pelo Eurostat, desde fins dos
Património cultural; Materiais impressos e literatura; anos 90, e cruza, como veremos mais adiante, as
Música; Artes do espectáculo; Artes visuais; Áudio; profissões com os sectores. Será com base nos
Audiovisuais; Actividades sócio-culturais; Desportos dados mais recentes (2002) apurados por este
e jogos; Ambiente e natureza (inclui arquitectura). organismo europeu de estatística que irei procurar
Adiante-se que só muito recentemente, já em mostrar o volume e as características do emprego
Março de 2006, foi iniciado formalmente o cultural numa perspectiva europeia.
processo de revisão desta classificação, o qual Antes disso, importa salientar ainda a dificuldade
deverá estar concluído dentro de dois a três anos em harmonizar definições e procedimentos a nível
(Unesco/Gacd, s/data). europeu, bem como as limitações que a almejada
Uma segunda opção, mais restrita, é ilustrada harmonização por sua vez acarreta. Isto, embora a
pela grelha adoptada pelo Eurostat em 2000 na utilização de fontes comuns aos vários países
sequência das conclusões a que chegou o grupo de (a CNP – Classificação Nacional das Profissões –
trabalho das estatísticas culturais, a qual se circuns- e a CAE – Classificação das Actividades Económicas)
creve a domínios dos sectores da cultura e da constitua, apesar de tudo, uma vantagem raramente
comunicação, e que tem servido de base aos disponível ao nível internacional.
trabalhos desenvolvidos desde então nesse âmbito. Um exemplo remete para a noção de sector
Os dez domínios considerados são os seguintes: criativo/indústrias criativas que vem ganhando
Património cultural; Arquivos; Bibliotecas; significado crescente a partir das políticas culturais
Arquitectura; Artes visuais; Artes do espectáculo; definidas em Inglaterra desde há vários anos. Trata-se
Livros e imprensa; Audiovisual e multimédia; não apenas das actividades culturais e artísticas mas
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
84

de todas aquelas que têm como denominador • Artistas criadores e executantes, escritores e
comum a propriedade intelectual, a exploração dos jornalistas;
direitos de autor e conexos. • Fotógrafos e técnicos de aparelhos de gravação
We define the creative industries as those e de som;
industries which have their origin in individual • Profissões intermédias da criação artística e
creativity, skill and talent and which have a do espectáculo (decoradores, desenhadores,
potential for wealth and job creation through the apresentadores, artistas de rua ou de cabaret,
generation and exploitation of intellectual palhaços, mágicos…);
property. This includes advertising, architecture, the • Arquitectos.
art and antiques market, crafts, design, designer E o sector cultural inclui as seguintes actividades:
fashion, film and video, interactive leisure • Edição (livros, jornais, revistas, fonogramas, …);
software, music, the performing arts, publishing, • Cinematográficas ou de vídeo, rádio e televisão;
software and computer games, television and radio.2 • Espectáculo ao vivo;
Note-se que esta noção corresponde a um • Imprensa;
alargamento das noções de cultura atrás referidas. • Museus, arquivos e bibliotecas;
Voltando ao Eurostat e ao emprego cultural, • Venda por grosso e retalho de bens culturais;
a definição actualmente em vigor é a seguinte: • Arquitectura.
“conjunto dos activos com uma profissão cultural
ou trabalhando numa unidade económica do sector
cultural” (Patureau, Jauneau e Cardona, 2005). 3. Características gerais do emprego cultural
Como se pode observar através do Quadro nº 1,
esta definição resulta do cruzamento da Profissão Gostava, agora, de abordar sucintamente as
com o Sector em causa. características gerais do emprego artístico e cultural,
tal como definidas por Xavier Greffe (1999) e
Quadro nº 1 - Emprego cultural Pierre Michel-Menger (2005[2002]; 2005):
por Sector e por Profissão • Intermitência: embora variando consoante os
sectores, o trabalho artístico é um trabalho
Sector temporário, ao projecto;
Profissão • Fortes disparidades salariais/de remuneração
Cultural Não cultural
que nos são transmitidas pelas imagens do
Cultural 1 2
grande artista mas com baixos rendimentos
Não cultural 3 e a opulência das superestrelas;
Fonte: Patureau, Jauneau e Cardona (2005: 26). • Ambiguidade do conceito de qualificação;
• Pluriactividade;
De acordo com o referido Quadro o emprego • Flexibilidade, ou seja, descontinuidade e alter-
cultural inclui os activos com uma Profissão: 1) Cultural nância entre períodos de emprego e desemprego.
e a trabalhar no Sector Cultural (exemplos: artista Penso que será útil fazer duas referências
de uma sala de espectáculo; jornalista na televisão); ilustrativas adicionais relativamente à ambiguidade
2) Cultural e a trabalhar fora do sector cultural (exemplos: e à pluriactividade. Quanto à ambiguidade do
documentalista a trabalhar numa administração; conceito de qualificação, pretendo recorrer ao caso
desenhador na indústria automóvel); 3) Não cultural do cantor português António Variações. Indepen-
a trabalhar num Sector Cultural (exemplos: dentemente de serem ou não apreciadores já terão
operário num cinema; secretária numa editora, etc.) possivelmente ouvido as suas canções. Trata-se de
Assim, as profissões culturais incluem: um artista que teve uma curta carreira musical
• Arquivistas, bibliotecários e documentalistas; (porque a iniciou em idade avançada e porque

2 Ver DCMS, no endereço <www.culture.gov.uk/> acedido em Julho de 2006.


Emprego cultural
85

faleceu prematuramente), mas nem por isso menos muito bem”, ou “ah! Isso gosto muito”,
influente na cena musical portuguesa. Contudo, a sua mas foi um processo de muitas composições,
qualificação enquanto músico era muito limitada, e muito lento, até porque requeria que investi-
para não dizer inexistente, como mostra, numa gássemos o tipo de acordes, melodias, que
biografia do artista recentemente editada, o relato finalmente púnhamos em som, em música
de um músico com quem trabalhou: através de uma instrumentação, com as colorações
- Perguntámos-lhe de que forma é que nos tímbricas dos instrumentos, a junção, a mescla
iria comunicar a sua informação musical. da guitarra com baixo, baixo com piano, piano
Se nos ia entregar partituras ou músicas. Ele foi com cravo, cravo com sintetizador, até
sempre muito evasivo, até que a certa altura conseguirmos chegar àquilo que ele idealizava
disse que tinha umas cassetes, mal gravadas, na cabeça (Gonzaga, 2006: 246-247).
mas que as podia trazer. Conclusão, fomos Relativamente à característica da pluriactividade,
para estúdio com o único material que eram chamo a vossa atenção para o Quadro nº 2, no qual
umas cassetes, e um órgão, um Casio, com uma é possível observar, a título exemplificativo, a repar-
caixa de ritmos, uma coisa muito foleira, e ele tição do tempo de actividade dos artistas por sector.
a cantar por cima. As coisas estavam fora de Outras características são:
tom, o órgão praticamente era mais só para a • Concentração geográfica dos empregos
bateria, para ter um ritmo. Depois as notas não (os “distritos culturais” como efeito da urbani-
estavam certas, ele não estava no tom da música zação e da sinergia entre actividades culturais);
que estávamos a ouvir, era tudo muito estranho • Emergência de novas qualificações/competências
e, acima de tudo, era muito difícil apanhar a e de novos perfis profissionais, em particular
melodia que nos queria transmitir assim. devido às novas tecnologias;
De modo que se repetiu, no primeiro • Importância do trabalho independente, auto-
álbum o método do maxi single, com António -emprego, free-lancing e outras formas
a cantarolar as suas próprias melodias e os atípicas de emprego (intermitência, tempo
músicos a tirar as notas: parcial, multi-assalariado) como formas
- Dizia: esta música é assim, nananiranana- dominantes de organização do trabalho nas
nanira, narararira, nararara, e cantava, e nós, artes (Menger, 2005[2002]: 109);
com uma guitarra ou um piano, íamos tentando • Grande significado numérico das empresas de
apanhar os acordes. No fim ele intervinha, pequena dimensão (abaixo dos 20 empregados,
dizendo se queria guitarras, ou não, “sim, fica para utilizar um parâmetro de apuramento

Quadro nº 2 - Parte de cada sector de actividade no tempo de trabalho dos artistas (1993)

Artista de Bailarino Artista Artista


Comediante Músico
music hall de ballet lírico de circo
Filmes 12 2 3 1 – –
Radio televisão 6 2 4 2 – –
Exploração distribuição – – – – – –
Imagem e som 8 2 12 – – –
Teatros 55 18 17 19 61 4
Outros espectáculos 12 41 35 66 34 73
Bailes de entretenimento e animação 4 33 26 10 3 20
Diversos 3 2 3 1 - 2
Total 100 100 100 100 100 100
Fonte: Xavier Greffe (1999: 35) a partir de Observatoire de l’Emploi Culturel, L’emploi dans le spectacle vivant et
l’audiovisuel d’après les données du GRISS, Note nº 3, octobre 1994, p. 8.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
86

de dados estatísticos ao nível das empresas) e


muito pequena dimensão (até 5 empregados). Quadro nº 3 - Activos com um emprego cultural
no espaço europeu por País (2002)

4. Volume e perfil sociodemográfico do emprego


Emprego
cultural na União Europeia País
Total (milhares) Cultural (%)
Dadas as suas características, trata-se, portanto, Alemanha 929,7 2,7
de uma realidade que se presta pouco à quantifi- Reino Unido 877,1 3,2
cação. Mas, por outro lado, essa é uma exigência Estónia 19,9 3,7
crescente ao nível da investigação, concomitante
Espanha 307,9 2,0
com a valorização do ponto de vista económico e
político. Qual será então o volume do emprego Portugal 60,4 1,4
cultural no espaço europeu? Eslováquia 27,0 1,4
Retomando a já referida definição adoptada Luxemburgo 3,2 1,8
pelo Eurostat, passarei a apresentar alguns indica- União Europeia 4164,3 2,5
dores numa perspectiva comparativa entre Portugal
Fonte: Patureau, Jauneau e Cardona (2005: 11).
e a média europeia (incluo também referências a
outros países, em especial Espanha).
Como se pode ver no Quadro nº 3, na União De facto, por nível de escolaridade a diferença
Europeia o Emprego Cultural representa 2,5% da é assinalável. Como se pode observar no Quadro
população activa, em Portugal 1,4%. Faço notar nº 4, quanto no nível Universitário e Superior,
que o valor de Portugal é (a par da Eslováquia) o Portugal diverge da União Europeia 13% no Total
mais baixo e que está distante dos países com níveis do emprego, o que significa que o volume é menos
de desenvolvimento similares como são os casos de metade da UE (11% contra 24%) e um pouco
da Grécia e da Eslovénia (ambos com 2,5%) e da menos no Cultural (25% contra 42%).
República Checa (com 1,8%). Por tipo de emprego evidencia-se, na União
Quanto ao perfil sociodemográfico do emprego Europeia, o maior peso do Temporário no emprego
cultural, em termos globais, é similar ao dos demais Cultural (Quadro nº 5). Mas evidencia-se também
activos, mas distingue-se por apresentar níveis de que, em Portugal, esse peso é quase o dobro do da
educação mais elevados, uma proporção mais UE (35% contra 19%).
elevada de trabalhadores independentes e empregos Quanto à situação perante o emprego é visível
mais precários. o desvio do não assalariado relativamente ao assala-
Mantendo a comparação com a média da União riado no conjunto da UE no que toca ao Emprego
Europeia, as distribuições para Portugal por sexo Cultural (Quadro nº 6). Porém, neste caso, o valor
e por idade são similares, mas as semelhanças para Portugal situa-se abaixo da média europeia
ficam-se por aqui. (29% contra 27%).

Quadro nº 4 - Activos por Nível de educação e por País (2002) (% em linha)


Emprego
País Total Cultural
Menos do que universitário Universitário e + Menos do que universitário Universitário e +
Espanha 69 31 49 51
Portugal 89 11 75 25
União Europeia 76 24 58 42

Fonte: Patureau, Jauneau e Cardona (2005: 17).


Emprego cultural
87

4.1. Evolução do volume da população número de 43.416 mil em 2001. Um outro é que
portuguesa em actividades culturais as quatro categorias cresceram, com destaque para
escritores, artistas e executantes (62%) e, embora
Em termos gerais, os dados disponíveis mostram a um nível mais baixo, para profissionais da criação
que em Portugal se tem verificado um crescimento artística, do espectáculo e do desporto (36%).
da população empregada no sector cultural. Como se pode verificar, são também estas as
Crescimento que se deverá em boa medida à profissões com os contingentes mais elevados, em 2001.
chegada das mulheres ao campo dominantemente A mesma fonte, mas agora apenas para 2001,
masculino dos média e da cultura, como referem cruza três das referidas profissões com 3 variáveis
Idalina Conde e João Pinheiro (2000: 16). sociográficas: idade, grau de escolaridade e situação
Uma fonte recente – o relatório do Projecto do profissional (Quadro nº 8).
Observatório das Actividades Culturais (OAC) e Muito sucintamente, quanto à Idade, destaco
do Instituto de Ciências Sociais da Universidade o peso do escalão dos 25 aos 34 anos, maioritário
de Lisboa (ICS-UL) – no âmbito da preparação em qualquer das profissões; relativamente ao grau
do próximo Quadro de Referência Estratégica de escolaridade as diferenças são assinaláveis,
Nacional (2007-2013) de título “Contribuições com os escritores, artistas e executantes a revelarem
para a formulação de políticas públicas no valores de formação universitária substancialmente
horizonte 2013 relativas ao tema cultura, identidades mais elevados; e, quanto à situação profissional,
e património” (Santos, Gomes, Lourenço e Martinho, embora empregado por conta de outrem seja a mais
2005: 21) fornece alguns dados com base nos volumosa (em torno dos três quartos dos efectivos),
Censos de 1991 e 2001 (Quadro nº 7). os empregados por conta própria têm um peso
Um primeiro dado a reter é o crescimento de 34% relativamente mais elevado entre os escritores,
do total das profissões consideradas, que regista o artistas e executantes.

Quadro nº 5 - Activos por Tipo de emprego e por País (2002) (% em linha)


Emprego
País Total Cultural
Permanente Temporário Permanente Temporário
Espanha 70 30 66 34
Portugal 79 21 65 35
União Europeia 88 12 81 19
Fonte: Patureau, Jauneau e Cardona (2005: 21).

Quadro nº 6 - Activos por Situação perante o trabalho e por País (2002) (% em linha)

Emprego
País Total Cultural
Assalariado Não assalariado Assalariado Não assalariado
Espanha 83 17 75 25
Portugal 81 19 73 27
União Europeia 86 14 71 29

Fonte: Patureau, Jauneau e Cardona (2005: 19).


O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
88

Quadro nº 7 - Profissões culturais e artísticas por Censo (1991-2001)


Censos Taxa de
Profissões (CNP)
1991 2001 variação (%)
243 - Arquivistas, bibliotecários e documentalistas 1.719 2.039 18,6
245 - Escritores, artistas e executantes 9.100 14.765 62,2
313 - Operadores de equipamentos ópticos e electrónicos 10.882 12.137 11,5
347 - Profissionais da criação artística, do espectáculo e do desporto 10.661 14.475 35,7
Total 32.362 43.416 34,1
Fonte: Santos, Gomes, Lourenço e Martinho (2005: 21) a partir de INE/Censos 1991 e 2001.

Quadro nº 8 - Profissões culturais e artísticas por Idade, Grau de escolaridade e Situação profissional
(2001) (% em coluna)

245 - Escritores, 313 - Operadores de 347 - Profissionais da criação


Profissões (CNP) artistas e equipamentos ópticos artística, do espectáculo
executantes e electrónicos e do desporto
Idade
Até 24 15,3 15,4 21,9
25-34 39,4 33,4 40,2
35-44 23,0 23,5 20,1
45-54 13,2 17,6 11,5
55-64 6,7 8,1 5,1
Mais de 64 2,2 1,9 1,0
Grau de escolaridade
Sem grau de escolaridade 0,0 0,0 0,0
Escolaridade básica 17,1 34,5 39,4
Escolaridade secundária 25,2 34,5 36,4
Grau universitário 57,5 31,0 24,1
Situação profissional
Patrão 12,1 13,3 11,4
Empregado por conta de outrem 73,3 75,9 76,8
Empregado por conta própria 11,6 8,9 8,6
Outra situação 2,8 1,8 3,1
Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Santos, Gomes, Lourenço e Martinho (2005: 21) a partir de INE/Censos 2001.

5. Perspectivas que se colocam em Portugal Portugal, tanto quando decorre dos estudos
num futuro próximo realizados no OAC.
Um primeiro aspecto refere-se à indispensável
A terminar, gostaria de fazer uma breve referência qualificação dos recursos humanos através da
às perspectivas que se colocam a este nível em formação. Um outro reporta-se ao previsível
Emprego cultural
89

crescimento em número. E um terceiro à diversifi- tenderá a crescer, designadamente as profissões


cação das categorias. técnicas e de gestão e administrativas, e a ser mais
Relativamente à qualificação e institucionali- qualificado. Os empregos por contrato, por conta
zação, designadamente pela formalização dos de outrem, deverão crescer, pelo menos a ter em conta
quadros e pela pressão dos programas de redes de o ritmo e o volume de requalificação/construção
equipamentos (museus, bibliotecas, arquivos, artes de equipamentos culturais, de modo a fazer face
do espectáculo). Por exemplo, no domínio dos museus, ao preenchimento dos respectivos quadros de pessoal.
a recente Lei Quadro dos Museus Portugueses3 Finalmente, gostaria ainda de fazer uma breve
consagra a exigência de um director e de pessoal referência à questão da profissionalização. Como
adequado ao funcionamento e ao desempenho das afirmam Ritva Mitchell e Rod Ficher sobre a
missões dos museus. O mesmo se pode dizer gestão cultural, “na sociedade moderna, toda a
quanto às bibliotecas. E, embora (ainda?) não legitimidade implica um certo grau de profissiona-
regulamentadas, estas preocupações estendem-se lização”, pelo que o trabalho no sector cultural
às artes do espectáculo, muito por via dos teatros necessita de competências artísticas, técnicas ou
recentemente requalificados ou construídos administrativas particulares e observamos desde
de raiz. há alguns anos uma profissionalização crescente
Quanto ao crescimento, pela necessidade de (citados em Fisher, Delgado, Heiskanen, Kleberg
preenchimento das áreas de actividade e de novos e Razlogov, 1998: 69-70).
serviços, em particular nos equipamentos culturais.
E no tocante à diversificação das categorias,
porque os quadros de pessoal das autarquias, Bibliografia citada
proprietárias e gestoras dos equipamentos culturais,
ou das empresas (municipais) criadas com este Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto (Lei Quadro dos
último objectivo, têm de ser adequados às funções Museus Portugueses)
que são hoje exigíveis para um bom funcionamento BAUMOL, W. J e W. G. BOWEN (1966),
nos vários domínios. Performing Arts: The Economic Dilemma, Nova
Iorque, Twentieth Century Fund.
CONDE, Idalina e colab. de João PINHEIRO
Em conclusão (2000), “Profissões artísticas e emprego no
sector cultural”, OBS, 7, pp. 16-22.
A terminar queria apenas sintetizar os vários CUELLAR, Javier Pérez de (coord.) (1996), Notre
aspectos abordados. Assim, e desde logo, trata-se Diversité Créatrice: Rapport de la Commission
de uma realidade heterogénea e em rápida mudança. Mondiale de la Culture et du Développement,
O emprego cultural ocupa um lugar de destaque Paris, UNESCO.
nas políticas culturais, em boa medida sob o chapéu DCMS, no endereço <www.culture.gov.uk/>
da perspectiva da cultura como factor de desenvol- acedido em Julho de 2006.
vimento. Ocupa uma parte relativamente pequena FISHER, Rod (coord.), Eduard DELGADO,
da população, mas as competências que lhe estão Ilkka HEISKANEN, Carl-Johan KLEBERG
associadas (em particular a criatividade) fazem dele e Kirill RAZLOGOV (1998), La Culture au
um sector de ponta. Coeur: Contribution au Débat sur la Culture et le
Apesar do crescimento verificado nas últimas Développement en Europe, Estrasburgo, Edições
décadas, em Portugal, a população ocupada neste do Conselho da Europa.
sector é ainda, proporcionalmente, das mais GONZAGA, Manuela (2006), António Variações.
pequenas da Europa. Por via das políticas públicas Entre Braga e Nova Iorque, Lisboa, Âncora.

3 Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto (Lei Quadro dos Museus Portugueses).


O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
90

GREFFE, Xavier (1999), L’Emploi Culturel à l’Age SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos (coord.),
du Numérique, Paris, Anthropos. Rui Telmo GOMES, Vanda LOURENÇO e
MENGER, Pierre-Michel (2005), Profession Artiste: Teresa Duarte MARTINHO (2005), “Contri-
Extension du Domaine de la Création, Paris, Textuel. buições para a Formulação de Políticas Públicas
MENGER, Pierre-Michel (2005[2002]), Retrato no Horizonte 2013 Relativas ao Tema Cultura,
do Artista Enquanto Trabalhador. Metamorfoses Identidade e Património”, Lisboa, OAC e
do Capitalismo, Lisboa, Roma Editora. ICS-UL, 154 pp.
PATUREAU, Frédérique, Yves JAUNEAU e SANTOS, Maria de Lourdes Lima dos, António
Jeannine CARDONA (2005), L’Emploi Firmino da COSTA, Rui Telmo GOMES, Vanda
Culturel dans l’Union Européenne en 2002: LOURENÇO, Teresa Duarte MARTINHO,
Données de Cadrage et Indicateurs, Paris, OEC/ José Soares NEVES e Idalina CONDE (1999),
EUROSTAT. Impactos Culturais da Expo’98, Lisboa, OAC.
POC, “Programa, Enquadramento, Objectivos,” UNESCO/GACD (s/data), “Understanding creative
no endereço <http://poc.min-cultura.pt/> industries: Cultural statistics for public-policy
acedido em Julho de 2006. making”, s/local, UNESCO e GACD, 8 pp.
Los portugueses y España:
el síndrome de Aljubarrota

Agustín Remesal

Portugueses, castelhanos
Não os quer Deus juntos ver.
Garcia de Resende

1. Lusitania express

El tren cruza la frontera de madrugada en aparente clandestinidad a las 4:39, hora del meridiano de
Greenwich. Nada exige puntualidad en paraje tan desértico y nocturno, como no sea el uso horario
inglés que rige en estos pagos del poniente peninsular. Ese convoy azul y plata es el único que pasa cada
día, es decir cada noche, por el punto internacional de la vía férrea entre Valencia de Alcántara y Marvão
en dirección a Lisboa. No es probable que alguno de sus pasajeros ponga aquí a prueba la puntualidad
ferroviaria ibérica. El Lusitania Express es un tren de viajeros y de viajantes. Los turistas entusiastas del
ferrocarril y los comerciantes desertores del avión que viajan por cuenta de su empresa duermen a esa
hora en confortables literas; los pasajeros con billete barato y con escueto derecho a butaca son jóvenes
que se benefician de las tarifas transeuropeas para estudiantes. Ninguno de ellos está en disposición de
prestar la menor atención a las placas ferrugientas que marcan el paso fronterizo, en el cruce del río Sever.
Esta frontera hispano-lusa, la más antigua y una de las más extensas del viejo continente, es cruzada
en este siglo de las comunicaciones por sólo cuatro servicios ferroviarios cotidianos: dos entre Vigo y
Oporto y el enlace nocturno entre las dos capitales peninsulares. Hace apenas tres décadas esa raya
quebrada de 817 kilómetros, cuyo trazado pétreo y fluvial debería adjudicarse al Todopoderoso, era
traspasada por otras tres líneas férreas, cuyo cierre se decretó en las postrimerías de las dictaduras ibéricas
por su escasa rentabilidad y por la carestía de su mantenimiento. Pero ¿cómo explicar que en la brillante
época de las comunicaciones, de prosperidad y buena vecindad entre Portugal y España no cruce ni un
solo tren el tramo fronterizo entre Valencia de Alcántara y Ayamonte? No se precisan diplomas en
sociología para determinar que el reino y la república que se reparten la península ibérica y los ciudadanos
europeos que la habitan viven de espaldas entre sí, y no sólo a causa de la carestía de servicios ferroviarios.
La crónica ibérica del ferrocarril, la más moderna de las que han servido de barómetro para medir el
grado de entendimiento y el de incomprensión entre España y Portugal, comenzó el día en que un
viajero de nombre Costa Goodolphim llegó a la estación lisboeta de Rossio, sacó de su faltriquera un
pañuelo, lo pasó con mimo por el ala del sombrero para limpiar la carbonilla y se fue derecho a Martinho,
la taberna donde se servía por entonces el mejor vino del Alentejo. El camarero le preguntó:
“- ¿De dónde viene usted, Mr. Costa?
“- De Madrid, de ahí al lado, rapaz.
“- Pues parece que llega de usted de Cacilhas...”
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
92

Aquel 23 de mayo del año 1871, el citado 2. Iberismo: censura y utopía


aventurero inglés dejó dicho ante la clientela selecta
del Martinho que ir en tren desde Madrid a Lisboa Como estimulados por el mismo sentimiento
en menos de un día (en el trayecto, el convoy de patriótico que brotó en Aljubarrota con la victoria
dos coches arrastrados por la máquina de vapor frente las huestes castellanas en 1385, una pléyade
empleaba 10 horas y hacía nueve paradas) era un de escritores, periodistas, historiadores, aristócratas
viaje de recreo, y avisó de que las vías férreas habrían y políticos en cruzada levantan otro bastión contra
de quebrar en poco tiempo el olvido y la ignorancia esta nueva invasión desde España. La batalla de
mutua aplicada con tesón por españoles y ideas y sentimientos librada en la prensa es
portugueses en su compleja relación de vecinos. encarnizada. Los iberistas, partidarios de una
“- Señores míos, concluyó el sajón, en los colaboración económica y política con España
nuestros tiempos mitológicos, el tren deberá hacen escarnio de las ideas pleistocénicas de
representarse por un joven elegante y veloz quienes se oponen a ese entendimiento peninsular.
como una saeta”. El regeneracionista A.P. Lopes de Mendonça se
No había ya guerra pendiente en esas fechas burla así de quienes, con tal de mantener a Portugal
entre las naciones ibéricas ni éstas mantenían incólume frente a las sutilezas españolas, son
conflicto armado alguno con otras del continente. capaces de aherrojar al país a un estado primitivo:
Un ingeniero español había argumentado sin “Debemos destrozar de inmediato nuestras máquinas
embargo ante la Reina Isabel II, cuando se de vapor, romper las lámparas de gas, levantar
proyectaba el ferrocarril entre ambas capitales, que brazas de macadán; y para asegurarnos contra
en la península debían adoptarse unas medidas de cualquier invasión, levantemos como hicieron los
ancho de vía distintas a las del europeo, para chinos hace dos mil años una muralla en nuestras
dificultar posibles invasiones desde el norte. Para fronteras. Hecho lo cual podemos ordenar al
evitar uno más de los aislamientos a los que le corneta llamar a himno y descanso”2.
condenaban los castellanos desde hacía siglos, el Tal propuesta catastrofista refleja una patente
Gobierno portugués hubo de aceptar y aplicar a admiración por España, poderosa y próspera,
su red de caminos de hierro ese ancho de vías que creciente en población y riqueza, y que según
se apellidó ibérico. Mendonça, hará valer ante las demás naciones europeas
He aquí el epicentro del debate, con discusión esa fuerza para absorber a Portugal “háganse o no
ferroviaria de fondo, que ha venido marcando los ferrocarriles”; porque la nueva invasión “no se
desde entonces y hasta hoy el sentimiento de los hará por lar armas, por la violencia, sino por la
portugueses respecto a sus vecinos del este asimilación de intereses económicos y por la identidad
peninsular: el iberismo. “Terrible fatalidad te de ideas.3 La respuesta fulminante a tal calamidad
espera, Portugal – clama el Conde de Trancoso en anunciada llega con una semana de retraso en el
su panfleto anti-ibérico, comparando el efecto semanario patriota O Português, con la letra y la
devastador de ese tren con el de las tropas invasoras irritación de un gran patriota, el historiador luso
de Felipe II en 1580. – Los que ignoran la historia Alexandre Herculano, que rescribió la historia
y los manejos de España creen ciegamente en la compartida de los países ibéricos con el fin de librar
utilidad y provecho de otra unión ibérica... Si en a Portugal de todas las maldades pasadas y futuras
el destino de esta buena tierra (portuguesa) está que le llegaron de la pérfida Castilla. Tanta recie-
eso escrito, permita Dios que jamás sea España el dumbre patriótica y escasamente científica le valió
futuro verdugo del este buen pueblo”.1 la gloria de ser enterrado en una de las capillas del
monasterio lisboeta de Los Jerónimos.

1 Conde de Trancoso. Apontamentos para a historia da la dominaçao castelhana em Portugal. Lisboa, 1870, 13.
2 A.P. Lopes de Mendoça. A revoluçao de setembro. 19 de abril de 1853.
3 Id. Ib.
Los portugueses y España: el síndrome de Aljubarrota
93

Los iberistas quieren ignorar, afirma Herculano, común, genio político y militar”5. No es de extrañar
que “la absorción de Portugal, por la asimilación que en el momento solemne de fijar su uso horario
de intereses económicos y la identidad de ideas nacional, los portugueses opten por apuntarse al
está en la cabeza de todos los estadistas y partidos que marcan las agujas del reloj de Greenwich.
políticos españoles, y forma parte de mensaje de todos Con lujo de grabados, estadísticas y agendas, la
los periódicos castellanos de todos los colores”4. Typographia Nacional de Lisboa lanza al mercado
Por esa vía llegará la nueva invasión, según el en 1869 un Almanaque Patriótico que contiene el
historiador, como hicieran las tropas filipinas en resumen de ese anti-iberismo rabioso. Tal senti-
1580, sin que entonces pudieran aprovecharse de miento ya había calado en todas las clases de la
la moderna invención de los caminos de hierro. sociedad portuguesa, en paralelo a su reacción
Muera el iberismo, Surge Lusitana: he aquí las antiespañola. Es esta una de las publicaciones de
consignas de los nuevos guerreros de Aljubarrota mayor influencia en la ciudadanía lusa de la época,
que publicitan la versión de una crónica ibérica a la cual se insta a celebrar cada día del año un
basada en leyendas como la de la panadera de suceso victorioso o a llorar una derrota de las armas
Aljubarrota, el milagro de Ourique y la maldición lusas. Y en contra de las propuestas de Unión
filipina de la Invencible Armada. El efecto sobre Ibérica, sueño ingrato de mentes ambiciosas, se
la opinión portuguesa de ese reduccionismo sugiere la lectura de las proezas de Viriato frente a
histórico es espectacular y sus reflejos llegan hasta los romanos, cuya labor de expolio de la Lusitania
nuestros días. Una invasión de libelos, hojas siguen con ahínco, según el autor anónimo del
volantes, opúsculos y almanaques (aquella panfleto, los españoles. “¿Qué es lo que nos puede
producción tipográfica de mayor difusión) colma dar España? ¿La libertad que no tiene? ¿La tiranía
las librerías y las tabernas del Chiado lisboeta y las que la oprime? ¿La índole barbárica que la obliga
cantinas de la ribera de Oporto. a fusilar a quien se atreve a dar alas al pensamiento?
Los portugueses se lanzan entonces con mucha ¿La rudeza de sus costumbres? Oh, Portugal está
pasión a considerar si ha llegado el momento de más en la vanguardia de la civilización!”6.
frenar la invasión numero once desde España: han El debate de ideas se prolonga y se aplica a
sido diez las que ya han sufrido, según el opúsculo planes de nuevas vías de comunicación verdadera-
anti-ibérico de José d´Arruella. Afirma este mente extravagantes: una obra hidráulica descomunal
furibundo anglófilo que la exacta frontera de debería unir las cabeceras de los dos ríos ibérico
Inglaterra en el extremo occidental de Europa más caudalosos, el Duero y del Ebro, de modo que
comienza en esa raya entre España y Portugal. se dispusiera así de una vía fluvial para el transporte
Han de ser por eso los ingleses, como los arqueros de mercancías entre el Atlántico y el mar Medi-
escoceses en Aljubarrota en fecha bíblica, quienes terráneo, entre Oporto y la próspera Cataluña.
se encarguen de poner freno a las ambiciones Más verosímil le parecía a los iberistas un canal
españolas. El polígrafo Arruella, acosado quizás fluvial entre Aranjuez y Lisboa aprovechando el discurrir
por los iberistas de la Universidad de Coimbra que del Tajo, cuya construcción aconseja un tratado de
organizaban peregrinaciones a Salamanca para predicar iberismo utópico de gran circulación, cuyo autor
sus nuevas doctrinas redentoras de la Península, se esconde en el anonimato para evitar los improperios
traza al fin el dictamen de lo que los portugueses patrióticos. “Cuál es la razón por la que muchos
opinan de ambas naciones: “Una (España) es portugueses no se atreven a decir que son parti-
perjurio, miseria moral, cobardía, locura cinismo; darios de la unión (ibérica)? Temen incurrir en la
otra (Inglaterra) es lealtad, heroísmo, sentido reputación de malos patriotas o de traidores7.

4 O Português. 25 de abril de 1853.


5 José D’Aruella. O equilibrio peninsular (dez invaçoes españolas). Coimbra.
6 Almanach patriótico e Anti-ibérico para 1869. Lisboa 1868.
7 A Iberia. Memoria scripta en lingua española por un philo-portugués e traducida en lingua portuguesa por el philo-ibérico
Lisboa, 1852. p. 24.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
94

El autor anónimo acusa a la pérfida Inglaterra de historia acerca de tan legítima como patriótica
mantener separadas a las dos naciones ibéricas, con revolución, que será distribuido a la gente… y se
sus embelecos diplomáticos, y presenta un ingenioso levante un monolito con el nombre de los héroes
plan de reclutamiento de soldados iberistas por un de aquella sublevación.¨ La defensa a ultranza de
sistema de encuadramiento piramidal. esa gloriosa historia se convirtió desde entonces,
Esa propuesta optimista de entendimiento en la calle y en las escuelas, en el mejor escudo
entre portugueses y españoles, el iberismo político, frente a España, y perpetuó el mito latente de la
recibía con mucha puntualidad la respuesta eterna invasión.
contundente d quienes también se ocultaban tras La nueva historiografía portuguesa, basada en
el anonimato para romper lanzas a favor de la las modernas tendencias europeas, acentúa
pureza de la nación lusa. La querella toca el punto también la diferencia profunda de la entidad de
más sensible, el del honor y la sangre real, cuando españoles y portugueses. El polígrafo Oliveira
en 1869 los gobernantes españoles buscan un rey Martins desmenuza los componentes vitales y aun
extranjero para salir del embrollo de la primera genéticos de las razas peninsulares, y llega a la
República, proclamada el año anterior con conclusión de que el genio del pueblo portugués
demasiada premura y contra demasiados vientos y surge gracias al predominio en él de sangre celta,
mareas. “Rechacemos las riquezas con que España en la mezcla peninsular de la misma con la africana:
pretende deslumbrar nuestra pobreza, porque es “Esa raíz celta determinó que el genio del pueblo
poco todo el oro , son pequeñas todas las grandezas portugués se haya revelado en las aventuras
para comprar nuestro santo patriotismo”8. Y esta marítimas, en las leyendas mesiánicas, en el lirismo
vez los sagrados derechos de primogenitura, que de nuestra poesía, en la inconsciencia y la pasividad…
“no se venden por ningún plato de lentejas”, tocan que hace nuestro carácter vago y fugitivo, en
ni más ni menos que a la Corona lusa. Así que el contraste con la determinada firmeza del castellano;
Rey consorte Don Fernando advierte a sus hijos hay un heroísmo lusitano, una nobleza que difiere
en una cena solemne celebrada en el Palacio de de la furia de nuestros vecinos”.10 Esa teoría repleta
Queluz: - El Príncipe portugués que aceptara la de prejuicios, basada en la metafísica y en las
Corona de España, sería indigno de reinar allí y ciencias naturales, puso en pie el elemento científico
aquí porque, concluye la arenga del cronista necesario para afianzar la permanente propensión
anónimo, bien saben los príncipes de Braganza que portuguesa a la suspicacia y el rechazo ante lo
“ bajo los esplendores que fulguran en la Corona español y dio alas a la propaganda ultranacionalista.
de Castilla se ocultan odios y venganzas”9.
Esa fragua de antiespañolismo quema el carbón
del patriotismo luso y se incendia con el fuego del 3. Cansados da vida
orgullo histórico, hasta el límite nihilista del
discurso anti-ibérico: si no podemos evitar que nos La polémica iberista en Portugal mereció
traguen (los españoles) hagamos todo lo posible mucha atención popular y modeló en aquellas
para que no nos puedan digerir, remata el predi- décadas centrales del siglo XIX esa agreste imagen
cador anónimo. En la misma clave ultranacionalista, que de los españoles se mantiene todavía al otro
los promotores de la erección de un monumento lado de la raya quebrada. El debate alcanzó su
en Lisboa que conmemorara el levantamiento punto álgido cuando un grupo de intelectuales de
contra los españoles en 1640, proponen la lectura primera fila, autores de la mejor literatura portu-
de la historia para frenar las siempre vivas ambiciones guesa de aquel periodo, se alían en una insólita
españolas: ¨Y que se publique un compendio de sociedad, Os cansados da vida, que tuvo como sede

8 Surge, Lusitana. Lisboa, 1869, p. 9.


9 Id. Ib., p. 13.
10 Oliveira Martins. História de Portugal. Lisboa.
Los portugueses y España: el síndrome de Aljubarrota
95

fundacional el Hotel Bragança y como centro De poco sirvió el espíritu universalista de la


habitual de reuniones el café Tavares, en Lisboa. masonería para frenar los embates de la aristocracia
Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Antero de rancia lusa levantada en armas. “El carácter de
Quental y otros más, hasta once, componen ese cosmopolitismo de esta alta Institución se manifiesta
grupo de jóvenes disidentes que asisten con ironía en extender los brazos para apretar en fraternal abrazo
y rabia a otra agonía portuguesa. a todas las naciones hermanas, extendidas por toda
La llamada cuestión ibérica formó parte esencial la superficie de la tierra, y no en levantar fronteras
de la polémica patriótica propuesta por ese grupo que la idiosincrasia, la raza, la lengua, las gloriosas
de escritores románticos. El alma nacional estaba tradiciones y ante todo la voluntad soberana de
en peligro por culpa de la globalización que cada país quiere mantener erguidas y levantadas”.12
preanunciaban las vías férreas transfronterizas y la Aquella polémica transfronteriza alcanzó su
estulticia de la clase dirigente portuguesa, sostenían punto culminante en las propuestas contenidas en
aquellos rebeldes de mantel blanco e fina inteli- los textos iberistas de los dos feligreses más
gencia. Uno de ellos, el gran novelista Eça de Queiroz, iluminados de esa secta, Latino Coelho y Sinibaldo
afirmaba viajar clandestinamente a España para de Mas: los portugueses, según ellos, dejarán su
determinar el grado de la catástrofe nacional arcaico lamento, los españoles se convertirán al
portuguesa, y se permitía definir a Portugal como respeto de sus vecinos y ambos se presentarán como
apéndice geográfico de España: “Hasta que no haya miembros de una sola nación, La Iberia “formada
una revolución… dejemos de agarrarnos voluntaria- por la fusión espontánea de sus pueblos”. Ingenua
mente a nuestra condición de país, para lo cual solución para tan largo itinerario de agravios.
nos faltan elementos, y pasemos a ser una fértil y
estúpida provincia española, y plantemos más
legumbres”11. En ese ejercicio de autoflagelación, 4. Mitos literarios de la animadversión lusa
Eça propuso en su malograda novela A batalla do Caia
la redención de la nación lusa por medio de un desastre La crónica compartida de los dos países ibéricos
bien conocido: una nueva invasión española, esta da noticia de los diez reyes castellanos que se
vez con caracteres de cataclismo final. casaron con princesas de Portugal y de los dieciséis
La masonería ibérica, que había tenido un papel monarcas portugueses que esposaron a infantas o
notable en la aventura republicana española, con visos nobles damas de la Corte de España. Esa misma
de ser exportada también a Portugal a través de las crónica marca también desde hace casi un milenio
doctrinas iberistas, había establecido un catálogo la raya que deslinda las suspicacias portuguesas y
de propuestas e intereses en favor de ese futuro las ambiciones españolas, factores que determinan
común de los dos países ibéricos. Los masones del asimismo la opinión secular que, con muy sutiles
Gran Oriente Lusitano, al que pertenecían algunas variaciones, mantienen los portugueses acerca de
importantes logias de Andalucía, hubieron de sus únicos vecinos con medianía terrestre.
enfrentarse a los patrocinadores de un antiespañolismo La inteligencia y la heroicidad de su rey fundador
descarnado: los fundadores de la Associação 1º de Afonso Henriques, la bravura y la astucia del vencedor
Dezembro, que restablecieron el canto del Te Deum de Aljubarrota Don Juan de Avis, la sabiduría y
en todas las iglesias de Portugal para recordar tal habilidad diplomática de Juan II, el ganador del
día la expulsión de los españoles, en 1640, y recaudaron Tratado de Tordesillas son, entre otros muchos,
por contribución popular el dinero necesario para los paradigmas de tantas victorias lusas frente a la
la construcción del monumento a los Restauradores prepotencia castellana que se siguen enseñando en
en la plaza lisboeta, frente al palacio del Conde las escuelas sin punto de análisis o crítica. Esa exigencia
de Almada. de afianzar el detalle histórico para asegurar la

11 Eça de Queiroz. Os Maias. II p. 54.


12 Boletim Oficial n 8, 2ª serie II anno. Nov. 1878, p. 159.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
96

identidad nacional alcanza el grado de los mitos, los tiempos modernos han producido en el alma
que se cuentan con ardor patriótico en los manuales castellana; parece que no han pasado los años…
editados en tiempos de dictadura, a veces con El socialista utópico Anselmo de Andrade
ribetes extravagantes: la leyenda de la panadera de recorre, en 1884, media España, visita museos,
Aljubarrota, los viajes secretos para el descubrimiento asiste a corridas de toros, examina universidades,
de Brasil previos a la hazaña de Colón o el levanta- mesones y monasterios y regresa a su Universidad
miento popular frente a la invasión española en 1640 de Coimbra con este apunte sobre la idiosincrasia
forman parte de ese catálogo de fábulas bien adobadas. de los españoles: “El carácter del pueblo español
El tejido de ese tapiz que dibuja en la geografía está hecho de violencia lenta y de furiosa paciencia…
y en la historia la perfidia castellana frente al De las dos mas notables aficiones del alma española,
cuitado portugués alcanza su máxima expresión la religión y el patriotismo, la una va desde la
en tonos bíblicos cuando el jesuita Antonio Vieira, devoción tranquila hasta el fanatismo y la otra
valido espiritual del rey restaurador Pedro II de desde la indiferencia hasta el furor.”15 Ese perfil
Braganza establece en un sermón de Cuaresma la bifronte y contradictorio hace a la gente española,
topografía del Maligno: “El Diablo ascendió de según el economista Andrade, animosa, apasionada
los infiernos, y se precipitó sobre Europa. Se desgarró o trágica; nada explica él acerca de las razones y
entonces en pedazos que se esparcieron por todos mecanismos de esa mudanza de carácter perpetua.
lados. La cabeza, con su cuerno incorporado, cayó Heredero telúrico de los iberistas, el poeta
sobre España, de ahí que los españoles tienen el Miguel Torga revive esa vibración que trasciende
cerebro ardiente…”13. la propuesta política y restaura una antigua
En los versos y la prosa de la literatura portuguesa convivencia entre los visionarios de ambos países
circulan desde el Renacimiento hasta nuestros días ibéricos. “Tengo en mi pecho angustias que
las componentes esenciales de la idiosincrasia precisan de la aridez de Castilla, de la tenacidad
española, y más exactamente castellana, que vasca, de los perfumes de levante y del LUAR
conforman con el tiempo la imagen restrictiva de andaluz. Soy peninsular por la gracia de Dios”.16
esos temidos vecinos. Sirva de ejemplo primordial El poeta trasmontano es el más fiel representante
la obra de Gil Vicente, cuyas piezas teatrales, de una nueva tendencia vital, el paniberismo,
escritas a veces en castellano como algunos de los una propuesta que niega los límites fronterizos en
más espléndidos sonetos de Camões, se representaban el alma, en las ideas, en los sentimientos, y que por
con profusión internacionalista en toda la Penín- eso afecta a la geografía:
sula. Su profundo desprecio por los castellanos,
Povo sem outro nome à flor do seu destino;
salvajes, ruines y embaucadores, se pone en manifiesto
Povo substantivo masculino,
en farsas y comedias del gran escritor luso, uno de los
Seara humana, à mesma intensa luz;
pilares de esa dulce lengua que zahiere con desprecio
Povo vasco, andaluz,
profundo al vecino: “E a mais ruin relé/esta gente
Galego, asturiano,
de Castela/que juro pela bofé/que melhor é a
Catalão, português.17
Guiné/setecentas veces quela”.14
Tres siglos más tarde de esa diatriba de Gil A la crónica doliente de invasiones y engaños,
Vicente, otro portugués se pone en marcha para Torga propone la creación de un territorio compartido,
descubrir las posibles mudanzas que la historia y que trasciende la metáfora literaria, y a congrega

13 Padre A.Vieira. Sermón V domingo de Cuaresma. S. Luis 1654.


14 Gil Vicente Auto da Festa. VI.150.151. (Traducción: Es de la mas ruin calaña/ esta gente de Castilla/ y juro por buena fe/
que es mejor la guineana/ setecientas veces que ella).
15 Anselmo de Andrade. Viagens na Espanha. Coimbra 1923.
16 Miguel Torga. Diario. 18 de mayo de 1944.
17 Poemas Ibéricos. A Vida. Coimbra, 1965.
Los portugueses y España: el síndrome de Aljubarrota
97

los mitos, a las creencias y a los personajes. Por ese esa manera caleidoscópica de ver España a través
procedimiento, reúne en su patria ibérica a Camoês de la raya quebrada.
y a Cervantes, al Padre Vieira y a Santa Teresa,
a los monarcas Sebastián y Felipe (I de Portugal),
a Séneca y Viriato, a Unamuno y a Pessoa… 5. Debilidad en el frente luso: la invasión
economica
Sancho, ouço uma voz etérea
Que nos chama…
Hace más de dos siglos Portugal y España libraron
Ibéria, dizes tu?!... Disseste Ibéria?!
la última de sus batallas sangrientas. Ocurrió en la
Acorda, Sancho, é ela a nossa dama !18
colonia americana Nuevo Sacramento y de aquel
Iberia es para Torga un espacio de libertad y triunfo postrero de la Marina Española tuvieron
sin fronteras, fraterno, comunitario y antifederalista; noticia lejana los Cuarteles generales de los dos
en suma, la realidad fundada sobre el sedimento bandos en la Península sin que la misma produjera
de los siglos: una cultura, dos países y varias naciones. excesiva emoción. Ambos países, exhaustos por el
Cuando José Saramago inició su Viaje a Portugal peso excesivo de sus imperios coloniales siempre
con el memorable “Sermón de los peces”, concluyó sometidos al acoso de la ambición inglesa, entraron
en el lugar exacto de la geografía ibérica (el centro luego en una fase de alejamiento pacífico.
de esa placa granítica que articula el curso del río Tras superar medio siglo de ominosas dictaduras,
Duero) el itinerario de los iberistas vagabundos. los dos países ibéricos desembocaron al fin con
Esa diatriba a los peces del pantano de Miranda entusiasmo en la democracia y en Europa. Las reglas
do Douro brilla más por sus condiciones de epílogo. del juego cambiaron de forma radical, al convertirse
Es difícil construir una mejor parábola literaria en socios voluntarios de un club de intereses que
para dar razón del iberismo que la escrita por absorbía parte de sus poderes soberanos. Todas esas
Saramago en su novela A xangada de pedra: los dos alteraciones y novedades han hecho variar asimismo
países ibéricos, su placa tectónica (otra vez la el referente de los sentimientos de los ciudadanos
geología) navegan juntos y aparentemente a la de los dos países separados por una frontera cada
deriva. El Nóbel, a veces incomprendido ciudadano día más sutil.
portugués y vecino hispano de la isla de Lanzarote, Sin embargo, discurso antiespañol de antaño
condena los mesianismos que ciegan a los se reproduce, con fórmulas renovadas, en ciertos
nacionalistas y denuncia la incomprensión cuando sectores de la opinión pública portuguesa.
no la altanería que España ha aplicado tantas veces La Asamblea de la República de Portugal
en su relación con Portugal y con los portugueses; discutía, en octubre del 2002, la redacción de un
claro que éstos, apunta Saramago, también olvidan documento sobre Estrategia de la Defensa nacional.
cuántas veces y con qué grado de barbarie fueron El ministro socialista Severino Texeira propuso dos
invadidos por ingleses y franceses. nuevas funciones (misiones humanitarias y contra
La reflexión final de este escritor erguido desde el terrorismo) para el Ejército portugués, frente a
la política se contiene en “estas dos palabras que las exigencias de los ultranacionalistas que patroci-
tengo fijas en el espíritu: trans-iberismo. Sospecho naban la compra de más submarinos y aviones para
que hay en ellas algo más que un enunciado no estar a la altura de la “amenaza bélica” española.
carente de sentido lógico… ¿El iberismo está El ministro Texeira zanjó así la discusión: - No merece
muerto? Sí. ¿Podremos vivir sin un iberismo? No la pena construir más castillos a lo largo de la
lo creo”.19 Por arte de vida y proyección literaria, frontera con España, porque El Corte Inglés está
Saramago es hoy el primer referente portugués de aquí en Lisboa, junto al parque de Eduardo VII.

18 M. Torga Poemas Ibéricos. Pesadelo de D.Quixote.


19 J. Saramago. Prologo al libro de C. A. Molina Sobre el iberismo y otros escritos de literatura portuguesa. Madrid 1990.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
98

Esa nueva invasión española, la que tenía por MENSAJE: Los españoles vigilan: se disponen
objetivo según muchos políticos y analistas lusos a comprar las empresas clave del sector energético.
el control de la economía portuguesa, debía obtener REFERENTE: Intercambio de accionariado
en pocos años el control de los sectores estratégicos: entre Iberdrola y la Empresa Electricidad de Portugal.
bancos, energía, telecomunicaciones y comercio. MENSAJE: Los españoles nos cortarán el agua
La opinión pública fue sacudida por dos furibundos del Duero y del Tajo; Portugal se convertirá en un
alegatos del empresariado portugués que denunciaban desierto por culpa de los españoles.
esa estrategia española, sumamente agresiva según REFERENTE: Acuerdo entre los dos Gobiernos
ellos. No hubo encuestas de opinión, pero la calle sobre el Plan Hidráulico que regula el cauce de
y la prensa detectaron de inmediato un resurgi- esos ríos y asegura el suministro de agua a Portugal.
miento de los viejos fantasmas ibéricos, sobre todo MENSAJE: Los españoles controlan todo el
entre las clases menos cultas. sistema financiero portugués.
Un grupo de empresarios y dirigentes de REFERENTE: Compra de los bancos del grupo
grandes empresas firmaron en mayo del 2002 sobre Totta por el español Santander CS; el propietario
el sacrosanto campo de la batalla de Aljubarrota el del grupo Totta toma una participación del 5 por
llamado Manifiesto de los 40 en el que se constituían ciento en el español.
garantes de la independencia de la nación. Algunos MENSAJE: Los españoles compran el Alentejo,
de ellos, por cierto, ya habían vendido sus bancos la tierra, lo más sagrado de la patria.
o sus sociedades mercantiles a empresas españolas. REFERENTE: Varias empresas agrarias de
La ofensiva financiera española, que actuaba en Valencia compran unas 5.000 hectáreas de tereno
un campo de acción muy razonable gracias a la en la nueva zona de regadíos de la presa de Alqueva,
legalidad de la Unión Europea a su favor, fue para plantar cítricos.
denunciada de nuevo por el empresariado luso dos MENSAJE: El Gobierno español impone el
años más tarde. Esta vez la alarma del nuevo trazado del enlace ferroviario de alta velocidad
manifiesto se dirige a los responsables del Gobierno entre Madrid y Lisboa.
para que los sectores económicos sensibles queden REFERENTE: La Comisión mixta hispanolusa
en manos de propietarios portugueses cuando que estudia ese trazado recibe cinco propuestas
algunas empresas lusas hayan de ser privatizadas. portuguesas diferentes en menos de un año.
“Después de nueve siglos de existencia Libre e MENSAJE: Los españoles nos obligan a los
Independiente, hoy gravemente amenazada, portugueses a importar de España bienes de
es tiempo de reflexionar y actuar con circunspección. consumo y de equipo producidos en otros países.
Pero si esperamos demasiado no llegaremos a REFERENTE: Las grandes compañías multi-
tiempo de Restaurar Portugal”.20 nacionales decidieron cerrar sus sucursales en
El debate estrictamente técnico se mezcla con Portugal y ofrecen a sus clientes el mismo servicio
referentes históricos y léxico evocador de antiguas de suministro desde sus agencias en España.
gestas nacionales, de modo que esos destellos de
malestar de los poderosos ciegan al ciudadano de Esa propaganda en cascada acerca de los
a pie, siempre proclive a remediar sus carencias supuestos agravios españoles a la economía
aceptando como ciertos los reflejos de antiguas portuguesa, aventados por la máquina de la opinión
querellas y resentimientos por los peligros que publicada, ha prendido otra vez en los grupos sociales
vienen de fuera. El incendio en la opinión pública menos favorecidos y más incultos. El populismo
está asegurado. He aquí la estrategia de la de algunos políticos portugueses, desde una
tergiversación aplicada por los mentores de ideología de derecha patriotera y recalcitrante,
esa propaganda: y la secular ignorancia de los españoles, reteñida a

20 Manifiesto de los Cuarenta. 8 de marzo 2002.


Los portugueses y España: el síndrome de Aljubarrota
99

veces de prepotente vanidad, han hecho posible imperialismo castellano “y son muchos los que
ese enquistamiento de los malentendidos entre comprenden eso del otro lado de la frontera;
ambos países, que se difuminan mucho en la casi tantos son los que en Cataluña, el País Vasco
relación directa de sus ciudadanos y sobre todo en y Galicia nos envidian el estatuto que desde Afonso
las cercanías de la frontera que los divide. Henriques conservamos con mucho sudor”.22
Un plazo de seis siglos, desde Aljubarrota, es
bastante para que el orador dé los nombres de todos
6. El iluminismo de los ultranacionalistas los españoles que han ansiado consumar el asalto
al pequeño país del oeste peninsular, los anexionistas
Ese baldón español que pesa sobre la gloria y la del pasado siglo: Alfonso XIII, Menéndez y Pelayo,
honra de Portugal y la amenaza permanente de Unamuno, Salvador de Madariaga, Lerroux,
invasión forman el meollo de sentimientos y creencias Manuel Azaña, Largo Caballero, Primo de Rivera,
en torno a los que se ha fraguado en Portugal un el General Franco, Serrano Súñer, Castiella…
grupo heterogéneo de nostálgicos revolucionarios, La actual estrategia es aún más perversa: “España exige
militares desencantados del 25 de abril, jefes de las y Portugal cumple las órdenes de Madrid…España
familias de abolengo rancio; y en la punta de lanza, y Portugal se aproximan de forma irreversible a la
los libertadores del enclave de Olivenza. construcción de un destino común… Portugal y
Forman todos ellos una caterva de ideólogos, España forman ya casi una unidad. Aljubarrota,
activistas de la ecología y la heráldica, militares y y todo lo concerniente a la historia portuguesa debe
profesores, que agitan las aguas de la opinión ser eliminado del conocimiento y de la conciencia
pública con asuntos lejanos para la mayor parte de de los portugueses23. En suma, los miembros de
los portugueses, pero que logran fraguar en esa cofradía antiespañola de muy difícil definición
momentos de mayor tensión. Su referente cercano ideológica truenan con la misma ira del Condestable
podría ser este texto de un panfleto nacionalista de aquella gloriosa batalla para las armas portu-
de la época salazarista que describe así la desdicha guesas, Nuño, Álvarez Pereira, cuya estatua ante
de Portugal: “Esos sesenta años (los de la adminis- el monasterio sigue dando las espaldas a España.
tración de Portugal por los monarcas de la Casa Otro símbolo del desencuentro ibérico.
de Austria) fueron vividos por el pueblo portugués La agresión española más sentida por ese grupo
con un sentimiento de humillación y de amargura, de nostálgicos ultramontanos es el hurto histórico
de nostalgia por la falta de independencia, sólo del enclave de Olivenza. En este litigio, es el suyo
iluminados por el fabuloso culto de “El Encubierto”, un activismo excesivo para el propósito marcado
el Rey Don Sebastián… Mas el pueblo portugués desde la historia, la diplomacia, la geografía y
vive solo pendiente de las profecías, de la hora en últimamente desde las obras públicas.
que recobre, bajo el mando de un Jefe nacional, Olivenza, un territorio de la extensión de un
sus libres destinos”.21 partido judicial, fue anexionado a España por
El más moderno memorial de agravios que Godoy tras la llamada Guerra de las naranjas, en
maneja ese lobby antiespañol se contiene en el 1801. Nunca aceptó Portugal la delimitación de
discurso pronunciado el año 2001 por el historiador esa frontera; un inverosímil desliz de la CIA, la
Mário Rui Rodrigues en la Capella do Fundador agencia de información estadounidense,24 declaró
del Monasterio de Aljubarrota, con motivo del ese enclave como territorio disputado entre Portugal
aniversario de la famosa batalla librada en 1385: y España y posible motivo de reivindicación por
Portugal, dice el orador, logró poner límite al métodos terroristas. Ese exiguo tramo fronterizo

21 Breviario de la patria para los portugueses ausentes. Ediciones SNI. 1949. Lisboa.
22 Mário Rui Rodrigues. Discurso en el Monasterio de Aljubarrota. 14 agosto de 2001.
23 Id. Ib.
24 CIA The World Factbook. Ed, 2002.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
100

es, por cierto, el único disputado en la raya de casi a su autodeterminación e independencia.


817 kilómetros que separa los dos países ibéricos. Portugal garantiza el derecho de asilo a extran-
A pesar de ello, no es hoy motivo de contencioso jeros o apartidas amenazados de persecución”.27
entre ambos Gobiernos. 4 - El Ayuntamiento de la población alentejana
El anacronismo oliventino ha venido a poner de Barrancos logra que la Asamblea de la República
en su real perspectiva la pertenencia de los dos reconozca la legalidad de la celebración de corridas
países a la Unión Europea; sin embargo su de toros “a la española” (con la muerte del toro).
reconquista es el empeño primero del llamado - Los promotores de la legalización de la
Grupo de Amigos de Olivenza (GAO) que fundara corrida española en Barrancos son traidores
un grupo heterogéneo de militares, periodistas y portugueses que promueven la sedición de ese
activistas portugueses como sociedad patriótica en territorio portugués, para anexionarlo a España.28
los tiempos de la dictadura de Oliveira Salazar. El último episodio y más sonado de los desencuen-
Esa asociación es hoy la principal fuente de tros ibéricos, la catástrofe ecológica provocada por
mensajes de discordia entre Portugal y España. el naufragio del petrolero Prestige en noviembre
Sirva como ejemplo el siguiente catálogo de textos del año 2002, dio pie también a que los portavoces
y de hechos: de esos grupos más fanáticos elevaran el nivel de
1 - Los Gobiernos de Portugal y España sus amonestaciones contra España y crearan un
acuerdan la construcción de un nuevo puente entre ambiente de intoxicación de la opinión pública
Olivenza y Elvas y la restauración del Ponte rayano en el tono de una declaración de guerra.
d‘Ayuda, en la frontera que marca el río Guadiana. Esta vez toma parte en esa bacanal de despro-
- “Aceptar que España se encargue de la pósitos hasta un ministro luso, empujado quizás
restauración del viejo puente manuelino por los malos vientos que para él soplaban en los
poner en peligro los derechos portugueses ambientes de la política portuguesa. En efecto, el
sobre Olivenza, y por ello los Tribunales ministro de Defensa Paulo Portas, un radical
Portugueses deben parar esa nueva agresión conservador sazonado al hervor periodístico de
imperial española.”25 publicaciones de denuncia contra la vieja clase
2 - El Presidente de la República Jorge Sampaio política portuguesa, llegó a sugerir el empleo de
condecora con la Gran Cruz del Infante Don sus fuerzas navales para “parar los pies a los
Enrique al presidente de la Junta de Extremadura, españoles” y evitar que el barco y la marea negra
Rodríguez Ibarra: llegaran a aguas portuguesas. El ministro Portas
- “El GAO manifiesta su mas vehemente ordenó el envío a la zona del conflicto de dos navíos
protesta por la concesión de ese honor… pues de guerra. El lenguaje que usaron muchos
la jurisdicción portuguesa considera que portavoces oficiales y los periódicos de mayor
Olivenza (territorio que administra la Junta raigambre antiespañola fue el del oportunismo más
de Extremadura) es un territorio ocupado por primario, auxiliados por la actitud, primero
una potencia extranjera y sigue siendo secretista y luego soberbia, del Gobierno de José
territorio nacional.26 María Aznar; así al menos fue sentida entonces la
3 - El Gobierno español solicita al portugués actitud de los dirigentes españoles desde Portugal,
la extradición del presunto etarra Teletxea Maya, cuando el chapapote del Prestige amenazaba
acusado por un tribunal español de colaborar con ETA. también la plataforma costera lusa.
- “Portugal preconiza la abolición del imperia- Todos los demonios de la invasión española
lismo… y reconoce el derecho de los pueblos soplaron entonces sobre las velas de otro litigio

25 Expresso. 27de julio del 2002.


26 Expresso. 9 de novimbre del 2002.
27 Comunicado de GAO. Lisboa-Leiria. 6 de junio del 2000.
28 Declaración verbal de un dirigente del GAO al autor de este estudio.
Los portugueses y España: el síndrome de Aljubarrota
101

ibérico, que esta vez se libraba en las aguas del fue uno de los vectores de aceleración de la
océano compartido. Al concurso abierto de propaganda adversa a todo lo español.
expresiones furibundas acudieron incluso los Una de las réplicas más contundentes a esa
líderes de partidos políticos extremistas, al socaire alarma escrita con caracteres castrenses la firmó el
de la ecología evidentemente herida y del patrio- economista Álvaro Santos Pereira, de la University
tismo vulnerado por los “hermanos españoles”. El of British Columbia, Canadá. Contra los profetas
diputado del Bloco de Esquerda (BE) Francisco de la desgracia portuguesa y el mito de la pérdida
Louçã visitó el cabo de Finisterre y abrió enseguida de independencia lusa, el Profesor Santos demuestra
la caja de los truenos: España es el “reino de la con estadísticas que Portugal ha mejorado su
mentira”, el Gobierno de Madrid oculta la posición y sus posibilidades económicas respecto
verdadera dimensión de la catástrofe y nadie ha a España más que en ningún oro momento de su
previsto las medidas a tomar si el chapapote invade historia.31 “Nuestra creciente relación con España
las costas portuguesas.29. El Gobierno español, en reforzará nuestra capacidad… Y eso ha de ser
efecto, controló a golpe de censura toda la aprendido de una vez por los defensores (en Portugal)
información sobre el suceso y en esas aguas de un nacionalismo arcaico y anacrónico”.
revueltas los factores de la opinión pública en En las redacciones de las principales publica-
Portugal aprovecharon la oportunidad para lanzar ciones periódicas portuguesas se mueve un activísimo
de nuevo contra España las huestes de Aljubarrota. grupo de periodistas que mantienen ese fuego
redentor frente a España desde dos perspectivas
distintas: los unos, por el ideal asumido de un
7. La prensa de la ira: un ejercicio de propaganda nacionalismo galopante, que ayuda a esconder
carencias y errores internos; los otros actúan como
A tenor del análisis de los textos seleccionados correa de transmisión de poderosos grupos de
en la prensa portuguesa, más de doscientos, entre poder, especialmente de carácter económico y
los años 2001 y 2003, la España codiciosa y su financiero. El famoso Manifiesto de los Cuarenta
invasión de Portugal siempre en marcha forman sigue siendo el vademécum de éstos últimos.
parte del imaginario de los miedos portugueses. Se percibe ya sin embargo un movimiento de
Los extremos del fenómeno se sitúan entre un retorno. Muchos de esos agentes de un antiespaño-
nacionalismo tradicional a ultranza y la mecha lismo trasnochado comienzan a variar el sentido
encendida por la prensa lusa de un castellanismo de sus apetencias y vuelven a mirar hacia España.
fanfarrón que acentúa el sentimiento de rechazo Es el caso del empresario José Manuel de Melo
en la opinión pública lusa. quien preconiza la formación de una Iberia econó-
En un vibrante manifiesto firmado por cinco micamente fuerte. “Lo que deberíamos de hacer
altos Jefes del Ejército, se exigen responsabilidades es unirnos de inmediato a España Debería haber
al Presidente de la República por la manifiesta ahora una inteligencia política capaz de hacer eso,
dejación de funciones a la hora de defender los y muy rápidamente”.32. Eso obligará a Portugal a
intereses de la nación frente a España. El documento, tragar un mal bocado.
con tintes de golpe de Estado, (“hay que cambiar El aznarismo, la gobernación del partido
como sea esa dirección catastrófica”, “España está popular en su segundo mandato en España y el
a punto de ocupar el cuerpo y el alma nacionales”.30 estilo agresivo y a veces agrio de su presidente José
provocó sin embargo menos revuelo que una María Aznar fueron también caldo de cultivo de
derrota de la selección nacional de fútbol, aunque ese rebrote de antiespañolismo en Portugal. Afirma

29 Público. 24 de noviembre de 2002.


30 A independência em perigo. J.P.Caçorino Dias, J.J. Brandâo Ferreira, L.M. Morais Pequeno, B. Dinis de Ayala. (Generales
y Jefes del Ejército). Expresso. 5 de enero de 2002.
31 A União Ibérica. Diário Económico. 3 de diciembre de 2003.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
102

el comentarista político Duarte Lima que España influencias mediterráneas y árabes”, mientras que
“desde Felipe II nunca dejó de contar con una las preferencias de los portugueses “están más
estrategia nacional basada en la idea de la Grande cercanas a la cultura celta más relacionada con la
España, que ayudo a consolidar un poder econó- naturaleza”. Téngase presente que el citado sondeo
mico fuerte… con vocación de intervención en los de opinión fue realizado para determinar las
mercados internacionales.33 Y Aznar, con un posibilidades comerciales de una marca de champú.
equipo de “jóvenes señoritos” es uno de los El Instituto Superior de Psicología Aplicada
paradigmas de ese designio español. de Lisboa ha llevado a cabo la única investigación
Entre la pléyade de “autores de opinión” en fiable acerca de la imagen que los portugueses
Portugal, destaca en ese coro de asuntos ibéricos tienen de los españoles.36 Para llevar a cabo el
un político poeta, diputado del partido socialista y estudio, su autora ha llevado a cabo una recogida
amante de la corrida: - Estoy al lado a veces de de datos (entrevistas personales, elaboradas y
ciertos bárbaros, ironiza Manuel Alegre cuando ordenadas en correlatos etno-metodológicos) útiles
explica las razones por las que gusta de esa barbarie para analizar los referentes psicosociales que
española. Se define a sí mismo culturalmente impregnan esa idea global que de los españoles
ibérico y políticamente portugués, y advierte que han conformado los portugueses.
esa postura personal linda a veces con la delincuencia He aquí los principales referentes:
en Portugal, a causa del tan denostado “hecho 1. Los españoles, y en general la sociedad
español”, que él sitúa con gran lucidez con la española, son violentos en su comportamiento
simetría trágica de la tauromaquia: “los españoles cotidiano, en sus relaciones sociales y en su
matan al toro nosotros lo espetamos cristianamente comportamiento profesional.
con las picas…”34 2. Los españoles transmiten con mayor sinceridad
Ni siquiera sirven ya los ancestros y las liturgias y fuerza su alegría y entusiasmo, en el ámbito
de la tauromaquia para poner de acuerdo a los público y en el privado.
vecinos ibéricos. 3. Los españoles son superiores a los portugueses
en la actividad creativa: literatura, música,
pintura, arquitectura…
Epilogo: una encuesta y siete testimonios 4. Los españoles conservan una religiosidad
radical, a pesar del profundo laicismo
Una encuesta de consumo cuyos resultados instalado tras la muerte del General Franco.
publicó un semanario portugués ponen de 5. Los españoles son un pueblo muy ruidoso,
manifiesto, según sus autores, la distinta idiosin- tanto en sus celebraciones populares como
crasia de ambos pueblos ibéricos: las españolas en la diversión en el ámbito privado.
prefieren a las mujeres rubias, y las portuguesas 6. Los españoles practican una agresividad sin
prescinden del maquillaje nocturno más que las límites para defender sus intereses económicos
españolas.35 Un análisis más profundo de los y comerciales, incluso en los niveles de esa
resultados de esa encuesta de mercado señala la relación a escala transfronteriza de pequeña
raíz prehistórica de esas diferencias: los patrones dimensión.
culturales de los españoles “están asociados a

32 Expresso.30 de setiembre 2002.


33 Expresso. 28 de junio del 2002.
34 Expresso. 6 de julio del 2002.
35 APEME Semanário. 22 de julio 2005.
36 Ins. Superior de Psicologia Aplicada. Maria da Luz Dias Coimbra. O que os portugueses pensam dos espanhóis. Lisboa, 2001.
Los portugueses y España: el síndrome de Aljubarrota
103

Breve antología periodística: Como se sabe, tradicionalmente las élites


así son los españoles. (portuguesas) no niegan a España, y le compete
al pueblo la noble tarea de resistir los ímpetus
Hoy la guerra entre vecinos ya no es bélica, castellanos. En este admirable mundo en que
sino económica, financiera y estratégica. Es por vivimos, se alteró ese orden: se incomodan las élites
ese camino por donde España ha aumentado (o venden sus activos) mientras que el pueblo
su dominio sobre Portugal, permitido por el bueno corre desenfrenado a las tiendas de Zara.
laxismo y la falta de estrategia de sus gobernantes. Victor Cunha. O bom vento.
J.M. Pereira Coutinho. Independência perante Espanha. Independente. 22.11.2002.
Correio da Manhã. 30.06.2002.
Nuestra relación con España no puede estar
A pesar de las relaciones de amistad que, basada en la desconfianza y en el resentimiento
desde hace tiempo, se vienen verificando entre histórico, pero tampoco debe olvidar que la
los dos países, España nunca comprendió ni presión española fue de carácter militar sólo de
aceptó, en lo más profundo de sus sentimientos, forma esporádica, y que ha sido permanen-
la existencia de un pequeño país, Portugal, inde- temente de carácter económico.
pendiente, con plena soberanía, cuyo territorio Duarte Lima. A dependência de Espanha.
se integra en una indiscutible unidad geofísica Expresso. 29.6.2002.
que es la península ibérica, donde la Gran España,
según ella, predomina o debería predominar. En la cultura y en los sentimientos (españoles
General José Lourenço dos Santos. A ameaça. y portugueses) estamos en terrenos contrarios.
Diário de Notícias. 1.11.2002. Nos leemos poco unos a otros, escribimos poco del
otro, nos admiramos aun menos y en la geografía
Las relaciones entre Portugal y España intelectual de los portugueses no entra España,
oscilan entre persistentes declaraciones de amor con la excepción del Quijote y de Picasso.
y esporádicas manifestaciones de miedo y Clara Ferreira Alves. A desunião Ibérica.
desconfianza. Algunos empresarios portugueses Expresso. 14.12.2002.
han pasado ya del lamento murmurado la
denuncia pública y piden protección al Estado. Como hace un siglo y medio, los eruditos ibéricos
El mercado ibérico se consolida con ventaja para que hoy ocupan cátedra en las escuelas técnicas
el más fuerte, España. más que en las facultades humanísticas, están
Rita Siza. A atracção e a desconfiança enzarzados en otra polémica ferroviaria. El ancho
Público. 23-11-2002. de vía, cuya fijación causó tantas suspicacias entonces,
ya no es hoy causa de litigio: se adopta el de la
En el reciente litigio que enfrentó a Castilla Europa continental que acogió a ambos países en
(sic) con Marruecos… sabemos que Marruecos su seno benefactor, tras las dos últimas dictaduras
cedió, que no tendrá Ceuta y Melilla en sus del viejo continente. Y como ocurrió hace ciento
manos; y que Gran Bretaña no tendrá en las cincuenta años, los argumentos técnicos pasarán
suyas a Gibraltar por muchos más años. el filtro de la política para convertirse en opinión
Además, conocemos bien la respuesta de las pública, es decir en materia idónea para que los
fuerzas de seguridad españolas frente a ciertas españoles y los portugueses conformen una nueva
acciones del GAO (Grupo de Amigos de imagen recíproca. Hoy los razonamientos de la
Olivenza) en favor de la población portuguesa ingeniería han ocupado el espacio de la historia y
de la Olivenza usurpada. Si Castilla actua como de sus interpretaciones en esa enredada tarea de la
lo hizo por un islote (Perejil), ¿qué debería hacer formación de prejuicios respecto al vecino.
Portugal por Olivenza? Ocurre, en efecto, que las decisiones técnicas
João Franco. Ainda haverá portugueses em Portugal? para definir el proyecto de enlace con los trenes de
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
104

alta velocidad entre España y Portugal están de las guerras peninsulares, ha empujado a los
generando la misma literatura iberista que cuando responsables políticos y a los actores sociales del
llegó de Madrid a Lisboa el primer convoy del que país vecino a cerrar filas. No es de extrañar que en
descendió reverencioso el soñador inglés Costa plena refriega del debate ibérico el Estatuto del
Goodolphim. Ahora los ingenieros de obras Alumno aprobado por el Ministerio de Instrucción
públicas debaten la conveniencia de que ese patrocine la obligación y el derecho de los niños
ferrocarril atraviese la frontera por Elvas o por portugueses a conocer y respetar activamente los
Alcántara y que alcance el Atlántico por Santa valores constitucionales, la bandera y el himno en
Apolonia o por Ota. La ingeniería se mezcla con cuanto símbolos nacionales…”.37 Ese texto da pie
la política y los informes estratégicos y otra vez los a los ultranacionalistas lusos a exigir mayores
dos países ibéricos juegan la baza de los intereses controles en los textos de enseñanza de la historia
económicos que por extravagantes caminos se compartida con España. Es el último bastión
convierten a veces en opinión adversa. Nadie puede quizás de una resistencia numantina completa-
negar, a pesar de esa abundante saturación de mente inútil.
literatura de la arremetida nacionalista que los Dice un viejo adagio portugués, sanción de esa
dirigentes políticos disponen hoy de más amplio propensión lusa a poner coto a lo que del este llega,
espacio para la toma de decisiones que en ningún que de España no cabe esperar que llegue nunca
otro momento de la historia ibérica, gracias a su ni um bom vento nem um bom casamento. No parece
integración en Europa. que la meteorología y la virtud del matrimonio sean
El reto español, cuyo grado de agresividad es hoy los mejores índices para medir el grado de
sentido por los portugueses como en los tiempos entendimiento entre dos pueblos vecinos.

37 Público. 26 de junio de 2002.


Y Dios creó la Frontera

Agustín Remesal

Los murallones de granito que atajan al Duero, la desmesura geológica de Los Arribes, son el símbolo
natural de una crónica escrita entre los dos vecinos ibéricos que comenzaron a guerrear hace casi un
milenio. Que esa peña tajada se levante entre reinos enemigos sería una bendición divina, como los ríos
caudalosos que los separan; de los 1.300 kilómetros de frontera luso-española, apenas un centenar lo
ocupan terrenos de fácil acceso. Dios creó esta frontera.
A falta de puentes y de túneles, los habitantes de este límite, al cual suelen ellos llamar La Raya,
aplican mucho ingenio para unir lo que los poderes divinos y terrenales pretenden separar desde la
prehistoria: España y Portugal.


Es éste un largo viaje a lo largo de esa raya sinuosa, a través de una confusa geografía habitada por
gentes cercanas, leyendas remotas y hazañas muy notables.

Hitos fronterizos milenarios

- Estamos pintando los hitos de la frontera, advierte con orgullo castrense el caporal Duarte.
Es primavera y la sierra de Geres revienta en la gama colores de un arco iris forestal incontenible y radiante.
El viajero contempla extasiado la escena castrense que tiene lugar en la Sierra de Peneda, entre Montalegre
y Baltar, ante la mole del monte Larouco. Cobijados bajo las aspas gigantes del parque de molinos
eólicos, se divisan dos jeeps, con sendas banderas de Portugal y España ondeando en lo alto de su
carrocería militar. El cabo Arroyo, de Bilbao, y el caporal Duarte, de Coimbra, forman la escuadra de la
demarcación. 5360 hitos componen la línea imaginaria luso-española, desde La Guarda hasta Ayamonte.
El hito número 130 es el de la frontera del viento y tiene dos privilegios: vigilar este parque de
energía eólica recién instalado en territorio portugués y marcar el centro del llamado Coto mixto, entre
Ourense y Trás-os-Montes, tierra de nadie, o de todos, según el tratado de fronteras firmado hace 135
años. A veces la operación obliga a largas caminatas y escaladas.
- Por primavera se revisan cada año todos estos mojones de la raya. Sus únicos enemigos son ahora
las heladas, los tractores de alta montaña o las riadas, asegura el caporal Ferreira
Queda muy escaso orgullo y exaltación bélica a la vera de esa línea que marca el confín de dos países
al fin amigos. Las patrullas de la demarcación, comandadas por los Capitanes Azevedo y Rosas, dan por

Este artículo es una versión periodística del guión del documental Y Dios creó la frontera, que el autor del mismo realizó
para TVE. Televisión Española durante su etapa de Corresponsal en Lisboa.
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
106

terminado aquí el proceso de verificación y el hombre conduce con precisión milenaria las
continúan la tarea hacia el este. El año que viene yuntas que arrastran los carros cargados de estiércol.
aplicarán por vez primera un nuevo sistema de Las mujeres lo esparcen y preparan la tierra para
demarcación por satélite, más exacto y sobre todo la siembra de la patata temprana, esa especie del
más cómodo. A falta de castillos y guardias en tubérculo de alta estima, que llaman cachelos al
escena, se así dibuja esta frontera difusa. Sus norte y al sur de la raya.
habitantes, los rayanos, muestran más emoción que Tocan a misa dominical las campanas de la
fervor patriótico cuando cuentan sus historias, en iglesia de Pexeirós, aldea de Loureses. En tiempos
este viaje a lo largo de La Raya. de economía global y de políticas comunitarias, se
guarda aquí aún memoria del comercio ilegal,
practicado y hasta bendecido por la iglesia católica
Molinos de viento, rebaños y contrabandistas durante los años de duras dictaduras ibéricas,
de rudo subdesarrollo y de abandono rural. Llega el
Entre Loureses y Sandim la sierra se apacigua cura Manuel Rodríguez para decir su cuarta misa
y desemboca en una planicie de herbazales. Las esquilas dominical. Muchos de sus feligreses no tienen
de las cabras rompen el silencio de los molinos. inconveniente en aceptar que contrabandearon,
Dice la leyenda galaica que en este lugar los dioses aunque guardan con mucha cautela el secreto de
abandonaron a los hombres. Los pastores gallegos ese comercio transfronterizo con cuyo beneficio
prefieren aprovechar los pastos compartidos con dieron de comer a sus hijos y construyeron sus
los portugueses de esta Serra da Pena. Manel, el pastor casas. En la Serra da Pena, la jurisdicción de la
de Vilar, señala que este retazo de tierra, el Couto frontera es un asunto aleatorio: con solo arrear el
Mixto, es tan grande como Andorra, y que él tiene rebaño o la manada, los animales atraviesan hoy
derecho a cruzar la frontera con su ganado para esa línea política con la impunidad del viejo
aprovechar la hierba al otro lado del parque eólico. contrabando: camisas, café, obras de arte o mano
Es mediodía. Las cabras triscan los retoños de de obra barata y clandestina… Vacas, corderos,
primavera bajo el batir incesante de los molinos. terneros o cabras… Todo era de utilidad comercial
El pasto mueve el rebaño colectivo (dos centenares para redondear la ganancia.
de cabezas) en busca de hierba fresca, sin respetar
la frontera, porque así lo establece una ley medieval;
aquí el pasto, como el viento, son de libre usanza. Lobos galaico-portugueses
Manuel Mandianes es de Loureses y desde hace
años emplea toda su atención de etnólogo prestigioso Sobre la escarpada sierra de Peneda-Geres se
en la búsqueda de raíces compartidas con los del extiende el más grande robledal de la frontera luso-
otro lado de la raya, sus vecinos, en la aldea portuguesa -española. Uno de sus pagos está en el término de
de Sandim. Viven apenas 55 los habitantes en este Loureses y en él crece también el árbol sagrado de
poblado que el investigador querría proteger en los galaicos: el saúco, el tótem cuya quema esta
un museo. Los carros de ruedas de madera acarrean prohibida por ley divina. Aquí se esconden también
el estiércol hasta los huertos cercanos, detrás del los últimos lobos de la frontera, desde la Sierra de
cementerio. El bebedero de los animales, los pontones Larouco hasta la de la Culebra, en Zamora.
de granito y las jambas y dinteles de las puertas Se calcula que la colonia de lobos asentada en
dan noticia de un pasado celta y romano inacabado, la cresta de esta frontera es de unos 600 ejemplares.
según el profesor Mandianes. Varias organizaciones ecologistas de ambos lados
El censo local indica que para labrar la tierra de la raya protegen esa especie amenazada por la
del municipio se emplean aquí diez yuntas de vacas escasez de rebaños que les daban de comer y el acoso
y ningún tractor. Cuando el sol cae a plomo sobre creciente de los cazadores. Los vecinos de Loureses,
estas laderas fértiles de la Serra da Pena, se representa Lobás y Randin perseguían antaño al animal monte
un cuadro agrícola a punto de desaparecer: arriba hasta obligarle a despeñarse en un paraje
Y Dios creó la F rontera
107

donde se consumaba de forma trágica el acoso y la se hunde y se retuerce entre las peñas. Así son los
huída. Hoy las asociaciones ecologistas han instalado Arribes, o las Arribes, como gustan decir los
detectores en el cuello de los lobos supervivientes y habitantes del lado portugués. Abajo, en el fondo
rastrean por satélite sus movimientos a través de la de las fayas, el río anuncia un paraíso perdido. Sobre
frontera, en su tarea de protección de la especie. estas lastras descomunales, en apariencia muertas,
El periplo fronterizo nos lleva a otro punto de se instala lo más agreste del arca de Noé: rapaces,
contacto rayano emblemático: las aldeas de Río de vencejos, aviones, cigüeñas negras…
Honor de Castilla y Rio d‘Onor de Portugal. Sus Por un camino pedregoso y sobre un vehículo
vecinos han superado la capacidad de los animales todoterreno, llegan desde Freixiosa Antonio Monteiro
para demostrar que la frontera luso-española es y Juan Antonio Renilla. Han cruzado el Duero
un asunto puramente cartográfico. para venir a la Peña del Oso, en Mámoles, donde
Durante las jornadas de trabajo comunal, los han convocado al viajero para iniciar la aventura.
alcaldes de ambas aldeas (15 habitantes en España, Los dos están empeñados en salvar la fauna
35 en Portugal), cruzan la frontera fluvial sobre inconmensurable de esta parte de los Arribes.
un pontón de piedras de granito que formar una Asiste el viajero a una más de las largas jornadas
hilera irregular a través de las frías aguas del río. de observación que llevan a cabo los cuidadores
Ordenan ellos luego en comandita la buena marcha del parque natural portugués. La tarea marcada es
de la faena agrícola: abonado de esta tierra de el seguimiento de una cigüeña negra que anida en
aluvión y sembrado de la patata temprana. Dos parejas estos parajes. Hay que evitar a toda costa dar noticia
de bueyes arrastran cansinos el arado y roturan esta visual del mismo, para disuadir de su persecución
tierra ligera y de inmejorable calidad para el cultivo a los ecologistas falsos, ansiosos y truhanes.
de verduras y tubérculos. Por tierras de Viriato, el pastor lusitano cuya
Ningún estatuto divino o humano logró jamás carta de ciudadanía es aún hoy la razón de la más
poner frontera entre los españoles y los portugueses dura controversia entre zamoranos y trasmontanos,
en Río de Honor. Tampoco se conocieron aquí siguen en activo los cigüeñales para sacar agua del
banderas. Hace pocos años un gobernador se pozo; las chiviteras, refugios de montaña donde se
atrevió a instalar una cadena en medio del puente guardaban los cabritos recién nacidos, y los puentes
internacional: alguien la rompió con nocturnidad de pizarra y lascas de granito, cuyo simple esqueleto
y ni la guardia civil ni los guardiñas pidieron mineral no lograron mejorar ni siquiera los romanos
responsabilidades ni buscaron a los presuntos de paso. Es ésta una prehistoria pegada a la frontera
autores de aquel insólito asalto aduanero. Cuentan cuya utilidad futura, en medio de tanta despoblación
a viajero que a través de este puentecillo entraron y aislamiento, es la de un turismo estrictamente
en España de forma clandestina centenares de mesurado por los ecologistas: para sacudirse la
portugueses que escapaban a las últimas redadas pesadilla de un cementerio nuclear cien veces
de la PIDE, pocas semanas antes de la Revolución anunciado y no espantar a las cigüeñas negras con
de los Claveles. El valle conserva su aspecto de la algarabía de las masas foráneas.
territorio agrícola en medio de sierras graniteras y
la propiedad de estas tierras es muy borrosa, porque
los matrimonios mixtos se repiten hasta el límite Una hazaña hidroeléctrica
de la endogamia entre ambas aldeas.
Cuando el Duero franquea el embalse de
Aldeadávila, sus aguas se precipitan 113 metros.
Los Arribes: un momento de la creación del mundo Es una cascada oculta e industrial, que cae a través
de turbinas y generadores escondidos bajo los
El viaje a lo largo de la raya continúa por tierras despeñaderos. Así es la frontera eléctrica entre
de Zamora y de Miranda do Douro. Aquí el paisaje España y Portugal. El rosario de pantanos transfron-
se condensa y se vuelve granito en carne viva. El Duero terizos (Castro, Miranda, Picote, Bemposta,
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
108

Aldeadávila y Saucelle) pone de manifiesto uno línea, sin embargo, está en condiciones de ser
de los programas de colaboración más notables transitada por estos convoyes de turismo eventual;
entre ambos países ibéricos. los túneles, abiertos a golpe de petardo de dinamita
Si una de las presas fronterizas reventara, la hace 120 años, conservan esa ordenada seguridad
ciudad de Oporto sería arrastrada sin remedio por que sólo presta la piedra de sillería. Por aquí la
las aguas del Duero hasta el Atlántico. La perfecta trashumancia de personas y mercancías a través
coordinación de las descargas de agua evita la de la frontera ha sido siempre un fenómeno
catástrofe y regula el cauce del Duero en el tramo humano natural.
de casi 400 kilómetros que lo separan del océano. Los pilares del puente internacional que cruza
Desde los Arribes se da luz a media Península, y el río para abrir la puerta de Barca d´Alva conservan
se reparte con justicia y a partes iguales entre los sin embargo el signo de la desconfianza ibérica:
dos Países ibéricos el desnivel de la cuenca: ya no hay en ellos nichos o troneras, previstos por los
caben más embalses entre España y Portugal. ingenieros, para colocar una carga explosiva lista
La cadena de pantanos de la raya, (fábricas de para la voladura del puente, en caso de conflicto
luz las llaman a ambos lados de los Arribes), es el bélico o invasión desde el país vecino. El tren
mayor generador de energía eléctrica en Europa. especial llega al término de su itinerario, aunque
La construcción de los seis pantanos que la apenas pueda superar la señal que marca el centro
completan fue una notable hazaña transfronteriza, geométrico del río Águeda y el de la frontera.
cuya épica forma parte de las leyendas rayanas. La estación portuguesa de Barca d´Alva está apenas
Recuerdan en Aldeadávila esa epopeya, y se a 200 metros del puente. Su estado de total abandono
muestran orgullosos porque su colosal orografía impide la llegada del convoy, pero no logra ocultar
sirvió de escenario natural a las más espectaculares por completo la relativa prosperidad de tiempos
escenas del filme Doctor Zivago. Se muestra aquí pasados: granos, harinas, minerales y emigrantes
el mejor perfil de la prosperidad de la raya, aunque pasaban copiosamente hace apenas medio siglo a
los kilovatios emigren con las gentes. través de esta frontera y se almacenaban en estos
tinglados ferroviarios. Hoy la maleza cubre las vías
y los lagartos se pasean sobre el hierro caliente de
El tren fronterizo y otras soledades los raíles.

Con el aliento entrecortado de la locomotora y


mucha voluntad en sus ruedas, alcanza ya el viajero Donde la Raya se desvanece
otro punto rayano a bordo del convoy ferroviario
rescatado en la estación salmantina de La Fregeneda: Hay un puente mítico en la frontera entre
destino Portugal, Barca d‘Álva. Son 17 kilómetros España y Portugal: el puente de Ayuda. Cruza un
de esfuerzo y vía viva tras 14 años de inactividad. territorio disputado, el de la comarca de Olivenza.
Es la imagen quebrada de la decadencia en la raya Va para dos siglos que una guerra napoleónica
y la exótica de esta vegetación a veces tropical, obligó a un General español a ordenar su voladura.
gracias al microclima del valle del río Águeda. Fue un agravio para las quinas portuguesas, pero
Los murciélagos se alborotan al paso del tren, ahí así sigue el puente, cruzando las internacionales
como extrañados por su regreso inesperado; atento aguas del Guadiana, con su perfil fragmentado.
a cualquier contingencia se mantiene sobre la - Venimos a visitar esta ciudad porque en ella
plataforma de mando Antonio José, ayudante de sentimos el espíritu rayano en todo su
maquinista durante décadas en esta línea férrea. esplendor: aquí los vecinos no se sienten ni
Hoy hace su último trayecto, porque le ha llegado portugueses ni españoles; o si usted les apura,
el momento de la jubilación. se sienten las dos cosas al mismo tiempo.
La vegetación invade las vías y algún incendio Así comienza su personal relato e inicia el paseo
desgraciado se ha comido muchas traviesas. La turístico y dominical de una reconquista pacífica
Y Dios creó la F rontera
109

Luis Felipe Arderius. Dice ser nieto de un republi- Ataque aéreo desde Badajoz
cano catalán exiliado en Portugal se dispone a
descubrir la raíz de esa historia compartida en El viajero observa deslumbrado desde la
los portales manuelinos, arcos de muralla y escudos cabecera de la pista de tierra la operación de
reales. Con ese mismo deseo, miles de portu- despegue y apenas logra atisbar la conclusión de la
gueses visitan, cada año, esta villa de Olivenza, misma a causa de la nube de polvo que provoca.
cuya pertenencia al Reino de España nunca ha En su avioneta Grumman, modelo militar de la
sido firmada por la República de Portugal. II Guerra Mundial, El Chondi se abre paso entre
Es esta villa, en efecto, el último territorio las nubes y los cazas F 5 de la cercana base de
incorporado a la Corona española, hace menos de Badajoz y se dirige hacia Portugal. Este piloto es
dos siglos. un caso insólito en el territorio más perturbado de
Las mismas campanas que anunciaron la voladura la frontera: su invasión aérea es tan vistosa como
del puente de Ayuda sirven hoy al campanero oficial, el espectáculo fronterizo.
Manuel Antúnez, para llamar a misa a los fieles. Antonio Chacón, alias El Chondi, sobrevuela
Él se esmera mucho en conservar el arte del doble su Olivenza natal, mide la distancia estricta entre
y redoble, mientras los feligreses de ambas partes la torre y el castillo, admira el albero de la plaza de
de la raya entran en el templo. Se celebra aquí cada toros marcado por tanta arquitectura noble y se
día liturgia en portugués y español. La iglesia de dirige hacia el objetivo. Hoy la tarea se aplica a
Olivenza es otro ejemplo notable del arte barroco unos trigales: lanzamiento desde el aire de fungicidas,
portugués que se conoce como manuelino y que insecticidas y tratamientos varios. Ese es su oficio.
por uno más de esos quiebros asombrosos en la Y sus clientes, los agricultores latifundistas al otro
historia de los países ibéricos está hoy en territorio lado de la raya; campos de maíz y de cereales,
español. El mismo arte de la cantería, los mismos olivares, viñedos, plantaciones de tomates… Entre la
mosaicos que adornan en Lisboa o en Évora exigencia de la seguridad en vuelo rasante, cien veces
templos y palacios se muestran ahora a esta parte puesta a prueba, y las reclamaciones de los ecologistas,
de la raya. El Chondi y su Grumman campean en otoño y
- Que vengan amores nuevos, que los viejos primavera sobre ese territorio fronterizo, desde
me olvidaron… Badajoz a Beja, la capital del Alentejo portugués.
Sobre el puente de Ayuda, los músicos del grupo Sostiene El Chondi que a pesar de las apariencias,
Acetre celebran con su música híbrida otro encuentro él es un buen ciudadano ibérico, con clientes lusos
transfronterizo: ellos cantan, en portugués y español, y ancestros oliventinos; o sea, que todo queda en
alboradas y pindongos extremeños y arrebolas o casa. Su relato al viajero, volando apenas a 50 metros
fados portugueses. Ellos mismos son otro ejemplo de altura sobre los olivares de Elvas, refiere entre
de cruzamiento y mestizaje. otras aventuras apócrifas la de la toma del castillo
- Que vengan amores nuevos que los viejos se de Jurameña a los moros por un aguerrido tropel de
olvidaron… portugueses y españoles, a bordo de dos barquichuelas
Los caballeros del viejo romance llegan ahora que él guarda en su casa de campo, escondidas en
al castillo a lomos de una motocicleta de gran un cobertizo camuflado a orillas del Guadiana.
cilindrada con su enamorada a la grupa. Antonio Concluída la fábula y certificada su escasa
y María, portugués y española, dicen haber veracidad con una estentórea carcajada, El Chondi
abandonado una formación de motoristas ibéricos suelta los 2000 litros de fungicida del depósito de
para visitar el castillo de Juromeña, donde castellanos su Grummam, cuyos planeadores muestran aún la
y portugueses firmaron una de sus paces menos huella de un cable eléctrico de alta tensión que se
duraderas. Al otro lado del Guadiana se percibe le arrebujó en el rotor cierto día de mala fortuna
Olivenza, que para ellos, como para los miles de aérea. El hábil piloto oliventino logró arrastrar los
matrimonios transfronterizos que se celebran cada alambres con suerte y pericia hasta la cabecera de
año, no es motivo de especial litigio. la pista. Aquel día, dice él, salió ileso de entre un
O nosso tempo: nas fronteiras da cultura
110

volcán de chispas. Lleva 20 años combatiendo en provocan en el ánimo del viajero una saudade de
España y Portugal la pasionaria de los pinos, la fado. Estamos atravesando en Guadiana, entre
oruga de la encina y la plaga de la langosta. Y sigue Sanlúcar y Alcoutim. La doctora María comienza
observando con pasión esa frontera cuyos castillos su jornada transfronteriza. Baja hasta el río cada
ya no tienen cañones en sus almenas. mañana por las calles empinadas de su pueblo,
Cuarenta y dos fortalezas guarnecían en la época Sanlúcar, donde vive desde hace 20 años. Estudió
de la pólvora negra la frontera portuguesa. Desde medicina en Sevilla y ejerce su profesión médica
el castillo de Elvas la artillería lusa apuntaba a al otro lado del río, en Alcoutim. Es una más del
Badajoz. Hubo al fin más paces firmadas que millar de médicos españoles que trabajan en
guerras declaradas y hoy esta ciudad, cuyo Portugal. Esa demanda lusa de personal sanitario
acueducto mandó construir el rey de España Felipe no cesa, así que el Ministerio de Lisboa enseña
II, está a punto de convertirse en la gran puerta de portugués a los médicos españoles.
entrada, el paso fronterizo para el tren de gran Apenas dos minutos de travesía fluvial, en barca de
velocidad desde Lisboa a Madrid. servicio público, evitan un rodeo por tierra de más
de 50 kilómetros. Alcoutim y Sanlúcar son dos
pueblos en uno solo, divididos por una raya de agua.
Un río ambíguo y larguísimo
Se navega entre ambos para ir al trabajo o a la romería
desde hace siglos, cruzando el río en las dos direcciones,
Dicen los habitantes de sus riberas que el
sin distinguir el este y el oeste. Las gentes de sus
Guadiana es un río caprichoso e impenetrable.
dos riberas se enamoran y cambian de orilla para
No es muy caudaloso, pero sus últimos 100 kilometros,
amarse y para casarse; han tendido los más firmes
que marcan la frontera luso-española, solo son
puentes de buena vecindad, a la espera del de hierro
cruzados por un puente en el extremo sur de su
que les vienen prometiendo desde hace un siglo.
camino. Así dos pueblos asentados frente a frente
La barca de Vicente Altuna deriva hacia el
en sus orillas, Alcoutim y Sanlucar, se ven obligados
embarcadero. En la otra orilla aguarda su primer
hasta hoy a mantener una relación transfluvial
cliente: José Bautista, marinero portugués de
insólita, el servicio de barca, para evitar un rodeo
guerras coloniales y barquero jubilado. Mira al río
de más de 50 kilómetros. Mas ese Guadiana
cada mañana con triste impaciencia. Se esta
tornadizo ha sido al fin generoso para dar prospe-
quedando ciego, y ha prometido no volver a cruzar
ridad a los habitantes de sus riberas. Unas 150.000
el río hasta que la doctora María le borre las
hectáreas de tierras fronterizas se han de convertir
sombras de sus ojos.
en territorio agrícola de regadío gracias a la presa
Esta frontera fluvial, los últimos 100 kilómetros
de Alqueva. Más de 4000 hectáreas de ese vergel
del río Guadiana, es navegable. Hasta el atracadero
en nacimiento están en tierra española desde el
de Alcoutim llegan cada primavera decenas de
cortijo de la Balsa desde cuyo mirador se divisa el
embarcaciones, veleros y yates, que amarran
lago artificial más grande de Europa.
durante una semana para limpiar fondos. Son los
En los terrenos arenosos de las orillas del Guadiana,
últimos piratas románticos, trotamundos de todos
entre Extremadura y el Alentejo, se recogen ya las
los océanos. El que se hace llamar Peter, Capitán
cosechas centiplicadas de frutas, maíces y verduras.
Sullivan, llegó de Australia hace una década.
El pantano de Alqueva, otro enclave transfronterizo,
Su barco se cansó de navegar y se paró en estos
ha cambiado incluso el perfil de la frontera hispano-
parajes del Guadiana. Es probable que, en verdad,
-portuguesa, intacta desde hace ocho siglos.
a Peter le diera por convertirse en ebanista de agua
dulce, porque su barba blanca ya no lograba retar
Donde el Guadiana desemboca en el océano con vigor suficiente a los vientos alisios. Después
de su metamorfosis lusitana, el marino, trabaja en
El ritmo melancólico de los remos, manejados tierra la madera, hace traducciones para sobrevivir
sabiamente por el barquero Vicente Altuna, y consume cerveza con dignidad y en grandes dosis.
Y Dios creó la F rontera
111

Todo el mundo en Alcoutim, desde la munici- Lancheaba en su pueblo, para llevar a los pescadores
palidad al mercado, conocen a Nick como el Capitán desde puerto hasta los barcos. Faenó en una patera
Silver. Este joven con pinta de hippy tardío llegó de de su padre, pescó marisco en Mozambique y hace
Southampton el pasado otoño y sustituye al barquero 20 años logró su sueño: comprar su propio barco.
Altuna en horas libres. Trabaja día y noche como Todos los días levanta los alcatruces donde se
un forzado para poner a punto su barco, el cascarón esconde el cefalópodo. Un millar tiene anclados
de un patrullero inglés comprado en un desguace aquí. Una buena pesca es encontrar un pulpo cada
que misteriosamente logró arrastrar hasta Alcoutim. 30 alcatruces. A 6 euros el kilo los venden en la
- Llegué aquí desde Inglaterra – cuenta el lonja de Vila Real de Santo Antonio.
Capitán Silver. De allí salí hace 5 años. Atravesé Ha amainado la beligerancia pesquera en este
La Mancha, el Golfo de VIzcaya, el norte de España extremo ibérico de mucho contrabando antaño,
y toda la costa portuguesa. Este barco fue construido en cuya costa se concentran los más ricos caladores
en 1958 por Amorty. Mi plan ahora es poner a de la plataforma continental europea. La vigilancia
punto el Ice Screamer; pienso navegar con él por el portuguesa emplea ahora avionetas para evitar
Amazonas; por ahora es sólo un sueño, pero proyecto incidentes. Los pescadores españoles y portugueses
cruzar el Atlántico con él hasta Brasil. se confunden en el horizonte, afirma el Comandante
Sostiene el joven Nick que se encuentra como Leiva, y conviven en estas aguas como si se tratara
en casa en este territorio confuso y fronterizo, donde de la plaza de un mismo pueblo. Se hacen amigos,
se habla según él la misma lengua en ambas riberas. se habla de los precios en la lonja, de fútbol.
- Aunque con ciertos sonidos más atemperados Los abordajes amistosos son frecuentes. Pero la
en la orilla derecha del río, puntualiza. suspicacia no acaba de disiparse.
El Capitan Silver confía mucho en la suerte.
Le gusta ver reflejado el vikingo de su mascarón
de proa en las aguas dulces del Guadiana, junto a Retorno a la catedral de Zamora
la imponente sombra del castillo de Alcoutim.
Él es un trashumante apátrida en la raya. El viajero, rayano de alma y convicción, regresa
Recala al fin el viajero en los parajes del río que a la tierra que le vio nacer. En la catedral de Zamora
anuncian el océano e ingresa en patria de el audaz Afonso Henriques desafió a su tío el Rey
pescadores. La línea de agua, a la desembocadura de León y se auto-armó caballero. Marcó así el primer
del Guadiana, se proyecta con ímpetu hacia el sur, monarca portugués su decisión de independencia
sobre el Atlántico. El Comandante Leiva patrulla y su primera frontera con el reino leonés, por
esta zona con la convicción de que ninguna frontera entonces imperio.
vale ni un sólo muerto. En esta misma latitud que Junto a la muralla de Zamora, que defendieran
cruzaban las carabelas españolas y portuguesas hace hace 520 años con ardor las tropas portuguesas
cinco siglos hacia nuevos mundos, faenan hoy los frente al asalto castellano, pasa solemne el Duero,
pesqueros de los dos países. La marca de esta raya el río duradero del poeta. Ese río ancestral se hace
fronteriza en el agua es tan sutil que provoca hoy frontera pocos kilómetros aguas abajo y marca la
muchas desavenencias. raya de los 33 puentes, los 40 castillos y las 52
Son las seis de la mañana. Antonio Orta y su aduanas. El Duero es la trinchera más poderosa
tripulación, un cuñado y un sobrino, se preparan de este límite hispano portugués. Así es la frontera
para zarpar del puerto de Punta del Moral hacia más antigua, más larga y más estable de Europa.
los caladeros de pulpo. Son dos horas de travesía. Sus habitantes viven junto a ella con escaso
Antonio Orta es marinero desde los 7 años. patriotismo y con mucho sentimiento.
Prémio Eduardo Lourenço
[2ª edição - 2006]
II Edição
115

O jornalista espanhol, Agustín Remesal, foi o candidato galardoado na II edição do Prémio Eduardo
Lourenço, instituído pelo Centro de Estudos Ibéricos com o nome do seu mentor e Presidente Honorário,
no valor de 10 mil euros. Destinado a distinguir personalidades ou instituições, de língua portuguesa ou
espanhola, que tenham demonstrado intervenção relevante e inovadora na cooperação transfronteiriça
e na promoção da identidade e da cultura das comunidades ibéricas, esta edição recebeu candidaturas de
personalidades e instituições dos dois Países.
Reunido na Guarda, a 24 de Maio, o Júri, formado pelos membros da Direcção do Centro de Estudos
Ibéricos (Magnífico Reitor da Universidade de Salamanca, Prof. D. Enrique Battaner Arias – que
presidiu - Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, Prof. Dr. Fernando Jorge Rama Seabra Santos;
Presidente da Câmara Municipal da Guarda, Eng.º Joaquim Valente), por outros elementos dos Órgãos
Executivo e Científico do Centro (Prof. Doutores Fernando Catroga e Jaime Couto Ferreira,
da Universidade de Coimbra; e Prof. Doutor Valentín Cabero Diéguez, da Universidade de Salamanca)
e ainda três personalidades convidadas (D. Diego Carcedo e D. Antonio Colinas (pelo lado de Espanha)
e Prof. Dr. José Manuel Mendes (pelo lado português)), deliberou, por unanimidade, atribuir o Prémio
ao jornalista Agustín Remesal, pelo seu trabalho literário e profissional ligado a Portugal e Espanha,
incidindo nas culturas e identidades fronteiriças.
Agustín Remesal é jornalista e correspondente da TVE, cargo que exerceu em Lisboa de 2000 a 2003,
estando, actualmente, sedeado em Jerusalém. Licenciado em Ciências Politicas e Ciências da Informação,
realizou cursos de Relações Internacionais nas Universidades de Estrasburgo, Paris e Nova Iorque. É também
autor de vários livros e ensaios sobre variados temas de jornalismo e história.
Natural de Zamora, a sua ligação à fronteira e a Portugal começa na infância, compartilhando vivências
e tradições raianas.
Dos seus inúmeros trabalhos importa realçar o documentário “La Raya Quebrada” – série documental
de VI capítulos, onde descreve a História partilhada entre Espanha e Portugal, sendo, hoje, uma peça de
referência, com elevados índices de audiência em ambos Países.
A Sessão Solene da II Edição do Prémio Eduardo Lourenço teve lugar na Guarda, no dia 23 de Junho,
na Sala da Assembleia Municipal da Guarda.
Prémio Eduardo Lourenço
116

O duplo rosto da fronteira


Eduardo Lourenço

O Prémio que este ano o Centro de Estudos Ibéricos, através do seu júri luso-espanhol, atribui ao homem
da fronteira e jornalista de televisão, Agustín Remesal, tem um significado muito particular. É o primeiro
que é concedido a um homem dos “media” e, ao mesmo tempo, a um intelectual que, ao longo do seu
percurso, se tem interrogado de uma maneira apaixonada acerca da vivência singular de um dos espaços
“raia” da nossa Península, o que, desde há séculos, separa Portugal de Castela e, mais latamente, Portugal
de Espanha.
A História da nossa Península não é propriamente a história de Penélope, uma espécie de tela misteriosa
em perpétua urdidura histórica.
Na Europa, “a raia quebrada” a que Agustín Remesal consagrou um excelente e inédito documentário,
é um autêntico paradoxo. Ela não é propriamente os Pirinéus ou o Reno, ou o Elba ou o Vistúla, realidades
separadoras e obstáculos de densidade palpável, historicamente quase intransponíveis em termos guerreiros.
Fisicamente – geograficamente – nada, nada de diferente separa Portugal da fronteiriça Espanha.
É a mesma meseta que nos continua, a mesma planura da Extremadura e com mais força simbólica,
os mesmos rios que, como se soubessem onde está o mar deles, recortam o nosso País e se perdem no
Oceano. Geograficamente, somos um todo. É a História multi-centenária que nos divide. E essa História
é a de uma separação política cultivada e mantida, não sem dificuldade, durante séculos, com as suas
peripécias conhecidas e cuja compreensão deve mais às comoções intermitentes da política europeia do
que às rivalidades e relações de força do nosso destino comum intra Peninsular.
Há um drama peninsular e nós fazemos parte dele. Mas quando comparamos o nosso destino ao de
outros espaços conflituosos da Europa, ao fim e ao cabo, os nossos dramas – e em particular, o de
Portugal – têm um lado lírico que outros nos podem invejar. A periferia tem-nos preservado da grande
“tragédia europeia”. Uma precoce partida para o largo de toda a tragédia digna desse nome.
Pode pensar-se que esta fuga para o outro lado do Atlântico, onde repetimos a cisão peninsular
– relativizou, afinal, a dramaticidade da nossa famosa “fronteira”. Como se entre Portugal e Espanha,
de Toro mais do que de Aljubarrota – tivéssemos decidido, não ver, não ter em conta «a nossa “raia quebrada”».
Nós sabemos que está lá – aqui mesmo ao lado – como se não estivesse. Tradições culturais de milénios,
religiosas, falas tão próximas, deviam tornar, por assim dizer, invisíveis as nossas mútuas fronteiras – e penso
que, simbolicamente, e não apenas como bem vindos turistas, os nossos amigos espanhóis assim a atravessam.
Paradoxalmente, fizemos da “semelhança” e do mimetismo, para lembrar René Gérard, a mais sólida
das fronteiras, feita de quase nada, apenas da vivência secular de uma diferença local que o estatuto de
Nação, na Europa e fora dela, universalizou com o nome de Portugal.
Tudo isto podia ser apenas coisa do passado, já sem importância, no momento em que a Europa se
desenha como espaço comum – ou assim se sonha – e em que por definição a problemática da fronteira
ou os seus problemas – deixam de ser preocupação política ou militar, como durante séculos. Somos um
continente em paz. Isto parece um dado adquirido. Mas que paz? A antiga paixão que a fronteira
assinalava como signo de confronto mortal está, sem dúvida, adormecida. É uma boa ocasião para
pensar o que é uma fronteira, e não apenas imaginar que desapareceu, magicamente. Mesmo um pequeno
país, como a Bélgica, a fronteira pode ser ainda a rua vizinha da Flandres. A nossa, assumida há muito
como algo natural, não nos interpela ou nos preocupa como drama virtual.
Temos, agora, todo o tempo para revisitar a fronteira que fomos e ainda somos, anexando como algo
familiar e positivo, como faz o nosso premiado Agustín Remesal. Temos sobretudo, tempo para pensar
e viver a fronteira como algo positivo. Não apenas o que separa ou ameaça. Mas como algo que nos põe
II Edição
117

limites que são de espaço e de memória. E que, por isso, paradoxalmente, nos define. E bem pensada é já
um diálogo em si mesma. Devemos estar gratos a Agustín Remesal por ter ilustrado, tão concretamente,
com a sua paixão pela raia que nos separa e une, a virtude nova em folha deste diálogo de fronteiras em
terras da Europa que bem precisa dele.

Vence, 21 de Junho de 2006

Agustín Remesal:
La Palabra y la Imagen más allá de las Fronteras

Valentín Cabero Diéguez

Al glosar ante Uds. la semblanza de Agustín Remesal y de sus reconocidos méritos para ser honrado
con el Premio Eduardo Lourenço, en su segunda convocatoria, he de manifestar y hacer explicita al
galardonado la enhorabuena más sincera y entrañable, en nombre del Centro de Estudios Ibéricos, de la
Cámara de Guarda, de la Universidad de Salamanca, de la Universidad de Coimbra y del Instituto Politécnico
de Guarda. Quienes asistís a este acto de entrega del Premio, os sumáis sin duda a este reconocimiento
y felicitación. En segundo lugar, deseo dejar constancia de mis parabienes personales y agradecer a la
Comisión Ejecutiva del Centro de Estudios Ibéricos la oportunidad que me brinda para hablar con
brevedad ante Uds. del espíritu ibérico y de la cooperación transfronteriza, pues los objetivos fundamentales
de la propuesta de Eduardo Lourenço y del Centro de Estudios Ibéricos se encaminan desde su creación,
hace cinco años, al fortalecimiento de las virtudes y valores que encierra el iberismo desde una cuádruple
perspectiva: la social y territorial, la cultural y económica que de manera tangible e intangible se entrelazan
en nuestras tierras y paisajes. Agustín Remesal se ha sumado por méritos propios a este proyecto, y por
su quehacer intelectual y periodístico en pro de unas relaciones ibéricas en pie de igualdad y apoyadas en
el conocimiento mutuo merece nuestro respeto, reconocimiento, y premio. Que el galardonado sea un
vecino de la raya zamorana, con fuertes convicciones iberistas y universales a favor de la convivencia,
la tolerancia y la paz, le convierten además en una persona cercana y querida. Las imágenes y palabras
que viene transmitiendo en las pantallas de TVE están cargadas de humanidad y de sentido común.
Permitidme que dirija también mis palabras y la felicitación del Centro de Estudios Ibéricos a Eduardo
Lourenço, porque en una feliz coincidencia de los hados, a las pocas horas de haberle concedido el premio
que lleva su nombre a Agustín Remesal, nuestro querido amigo y presidente honorífico era galardonado
con el Premio Extremadura de Creación a la Mejor Trayectoria Literaria de Autor Iberoamericano,
Prémio Eduardo Lourenço
118

por un jurado presidido por el premio Nobel José Saramago. Se trata del mayor galardón que la Extremadura
española concede en el ámbito cultural, y reconoce al pensador y filósofo portugués Eduardo Lourenço
como uno de los grandes ensayistas de nuestro tiempo, siempre atento a los problemas que nos rodean
y preocupado por potenciar en sentido creativo los elementos comunes de nuestra cultura rayana e
iberoamericana. Nuestros parabienes, Profesor.
Retorno a nuestro premiado, Agustín Remesal. Si resumimos su currículum y actividad profesional,
hemos de destacar su trayectoria como corresponsal de TVE y RNE en el extranjero, trabajando en Roma,
París, Nueva York, Londres, Lisboa, y actualmente en Jerusalén, teniendo la oportunidad de asistir a los
grandes acontecimientos de nuestro tiempo y de entrevistar a grandes personalidades políticas y religiosas
como Miterrand, Pertini, Andreotti, Chirac, Clinton, Koffi Anan, Mario Soares, Ariel Sharon, José Saramago
y una larga lista de nombres entre los que debemos recordar su cercanía al papa Juan Pablo II.
Además de los servicios Informativos, tres de los programas de mayor calidad de TVE, Informe
Semanal, Los Reporteros y En Portada, han recibido centenares de crónicas y decenas de reportajes de
Agustín Remesal procedentes de medio centenar de países, siempre con un tono didáctico y objetivo,
acercándonos con sensibilidad y curiosidad al propio entorno de la noticia.
Entre las tareas más queridas y estimadas por la audiencia más sensible, debemos recordar la dirección
de El Lector (1994-96), donde entrevistó a más de 200 autores y logró difundir y transmitir un cierto
cariño por los libros, frente al dominio apabullante de las imágenes virtuales. Pocas veces la TVE ha
cumplido con los fines culturales y sociales que tiene encomendados como en este programa, sin caer en
la erudición o en la cursilería.
Hay dos vertientes de la actividad profesional de Agustín Remesal que nos revelan una inquietud
permanente de carácter intelectual e investigador por las cuestiones ibéricas, y una preocupación didáctica
por la difusión del saber y el conocimiento de los problemas del mundo actual. De lo primero recordemos
trabajos como La Raya de Tordesillas ( JCL, 1994), Las visiones de Zamora (2000) en colaboración con
Claudio Rodríguez, o Seis Siglos de relaciones Ibéricas: de Aljubarrota a Europa (2006). En la misma
línea señalamos los numerosos artículos publicados en distintos medios y revistas, siempre con espíritu
abierto y con sentido iberista. Al respecto recuerdo su interés por difundir entre nosotros en textos e
imágenes la capitalidad cultural de Oporto en el año 2001. De lo segundo, es menester mencionar su
participación activa en diferentes cursos de especialización sobre las relaciones internacionales y
periodismo en las universidades españolas y portuguesas o en varias extranjeras. Y de su preocupación por
la conservación de la naturaleza y de las culturas vernáculas nos hablan sus viajes a las profundidades de
la Amazonía, sin olvidar en esta mirada planetaria las orillas del Duero o del Tajo.
Pero Agustín Remesal guarda un recuerdo entrañable de sus años en Lisboa y ha trabajado de manera
especial en pro del iberismo y del conocimiento de Portugal. Aquí logró hacer realidad los sueños de
niño, cuando se acercaba desde su pueblo a los Arribes del Duero y a Miranda do Douro, compartiendo
vivencias, la lengua, quehaceres y preocupaciones con los vecinos rayanos. Con la Revolución de los Claveles,
1974, y sus crónicas clandestinas para algunos periódicos españoles, la pasión por Portugal y por la
defensa ecológica y cultural de las comarcas fronterizas se convirtió en un compromiso personal. Enlaza así
con una tradición de periodistas y escritores españoles preocupados por el futuro de la raya y de las relaciones
ibéricas, y cuyos antecedentes más relevantes encontramos en La raya del subdesarrollo de Barrenechea y
Pintado, en el trabajo serio y entusiasta de Diego Carcedo, o si nos remontamos en el tiempo, en el
periodista Gaziel (A.Calvet) que sufrió un ingrato “exilio interior” en los primeros años del franquismo.
Continuando el buen hacer de Diego Carcedo en Lisboa, los españoles e iberoamericanos hemos
conocido mejor al mundo político, académico y cultural portugués a través de los numerosos reportajes
sobre la sociedad y la historia de Portugal y de España, o de los documentales sobre la frontera de Agustín
Remesal emitidos en los diferentes canales de TVE. Los reportajes sobre el pantano de Alqueva, sobre
Los Arribes del Duero, sobre el Valle del Duero como Patrimonio de la Humanidad, sobre Las islas
II Edição
119

Azores, sobre el puerto pesquero de Camiña y la amenaza de la marea negra, sobre la producción del
corcho, sobre el Grao Vasco, sobre Maria Joao Pires, sobre Madredeus, sobre el tren de alta velocidad,
entre otros muchos, están cargados de sugerencias y de enseñanzas. Merecen una mención especial el
documental Y Dios creo la frontera y particularmente la dirección y presentación de La raya quebrada, una
serie en seis capítulos producida por TVE y patrocinada por Iberdrola, cuya sensibilidad y preocupación
por el porvenir de las áreas fronterizas debemos subrayar, y agradecemos a los directivos y representantes
de la empresa en Portugal su presencia en este acto. Tanto por los contenidos como por las imágenes sobre
la historia compartida entre España y Portugal, el documental ha sido calificado por los expertos y por la
audiencia de sobresaliente y se ha valorado con especial significado en la concesión del Premio. Los seis
capítulos: El nacimiento de una frontera, La raya de agua, El Imperio Ibérico Universal, El iberismo imposible,
La armonía ibérica, y Encuentro en Europa, nos permiten entender y compartir la historia común y superar
prejuicios y recelos entre los dos vecinos ibéricos, y avanzar solidariamente hacia un espacio común de
cooperación, en línea con los principios que enmarcan el Centro de Estudios Ibéricos.
La candidatura de Agustín Remesal recibió numerosos apoyos, entre los que cabe señalar los de la
Fundación Rei Afonso Henreiques, la Región de Turismo do Alto Minho o el Museo del Agua de
Lisboa, subrayando todos ellos la labor cultural y de difusión de los valores ibéricos realizada en los
documentales emitidos en sus años de corresponsal de TVE española en Lisboa, y valorando especialmente
su sensibilidad y estrecha relación con la cultura portuguesa a través de contactos con los artistas plásticos
y las galerías de arte, así como ensalzando oportunamente las virtudes que encierran los paisajes portugueses,
sus gentes, su patrimonio y su gastronomía.
No quisiera olvidar en esta semblanza sobre Agustín Remesal una referencia específica al sentido
poético de muchas de sus aportaciones, sabiendo unir inteligentemente en sus mensajes orales y escritos
las miradas universales, que le han proporcionado los puntos claves en los que ha ejercido la función
periodística, con las miradas y emociones locales, cuyas raíces y espíritu se hunden en las tierras y
paisajes del noroeste y en las proximidades de la raya ibérica, las mismas raíces que nos ha recordado en
más de una ocasión Eduardo Lourenço al hablarnos de San Pedro de Río Seco y de la Beira Interior.
En la raíz de muchas de las miradas poéticas sobre las gentes y paisajes de la raya topamos con los
versos de Guerra Junqueiro, que recogen los ritmos de las viejas cantigas y romances fronterizos que hoy
nos quedan como una vieja herencia en el mirandés o en las comarcas fronterizas de Zamora y Salamanca.
Y esa voz se reproduce con sin igual belleza y delicadeza en las narraciones orales de nuestras madres y
mujeres transfronterizas. De ahí ha pasado a la voz tan familiar y a la forma tan singular de transmitir las
noticias que tiene Agustín Remesal, como si de un viejo bardo se tratase.
Aí, há quantos anos que eu partí chorando
Deste meu saudoso, cariñoso lar!…
Foi há vinte…?, Há trinta?. Nem eu sei já quando!…
Minha velha ama, que me estás fitando.
Canta-me cantigas para me sembrar!…
(Regresso ao lar, en Os Simples, 1892)

La idea de regreso al lugar y al espíritu de la tierra es una constante existencial que inspira a muchos
escritores y que Miguel Torga lo expresa con la fuerza, belleza y sencillez de estos versos:
Quanto mais longue vou, mais perto fico
De ti, berço infeliz onde nasci
Tudo o que tenho, o tenho aquí
Plantado.
O coraçao e os pés, e as horas que viví,
Ainda nâo sei se livre ou condenado.
Prémio Eduardo Lourenço
120

Cuanto más lejos voy, más cerca quedo


De ti, cuna tan pobre en que nací.
Todo lo que tengo, lo tengo aquí
Plantado.
El corazón y los pies, y las horas que viví,
Ignoro aún si libre o condenado
(Coimbra, 20 de junio de 1973,
traducción J. L. Puerto)
Nuestro amigo Antonio Colinas también participa de esta tradición creativa, uniendo la cumbre con el llano,
el mar con el interior, el pequeño lugar del noroeste con el cosmos infinito, y trascendiendo el manto de la
nieve, el pinar de la ladera, o el discurrir del agua, sus versos nos llegan al alma, como estos dedicados a Claudio
Rodríguez, Ocaso en Zamora, y que sin duda enlazan con los sentimientos que nos transmite Agustín Remesal:
Pasaba el río (lamina de fuego)
y daba su energía a la piedra verdosa,
y la piedra engendraba tiempo eterno.
Pero el milagro de la tarde era
tu palabra en el aire, otro fuego
ya de todos, o acaso una luz
musitada, murmullo en labios del ocaso.

Como el agua del río, de tu río,


Tu palabra era música en las venas
(discurría sin llanto),
Tu palabra era brisa de encinar en las sienes.
Y el verso el son del corazón del mundo
(Ocaso en Zamora, a Claudio Rodríguez)
En la trayectoria vital de Agustín Remesal hay un recuerdo y rincón especial para el poeta zamorano
Claudio Rodríguez, con quién colaboró en algún trabajo; el lenguaje poético de Claudio Rodríguez
como modo de conocimiento y expresión creativa es uno de los más sólidos y coherentes de su promoción.
Podríamos recordar aquí sus versos sobre el río Duero, pero citaré aquellos tan profundos de su libro
quizás más conocido, Don de la ebriedad:
Siempre la claridad viene del cielo;
Es un don: no se halla entre las cosas,
Sino muy por encima, y las ocupa,
Haciendo de ellas vida y labor propias.
Así amanece el día; así la noche
Cierra el gran aposento de sus sombras.
Los fantasmas y sombras que cubrieron durante siglos la longa y antigua raya se han quebrado.
Unos se han roto con la fuerte emigración, otros con la permeabilidad fronteriza y la creación de un nuevo
mercado, y muchos con las nuevas relaciones creadas en torno al “espíritu de Guarda” e impulsadas con
la incorporación de España y Portugal al proyecto europeo en 1986, bajo el liderazgo de Mario Soares
y Felipe González. Ahora bien, los fantasmas no se rasgarán de manera efectiva, sin unos intercambios
y relaciones culturales más permanentes, más abiertas y creativas; benéficas, en definitiva, para el conoci-
miento y desarrollo mutuo. Y nos congratulamos que a ese diálogo cultural ibérico hayan contribuido
decisivamente y con gran cariño los trabajos, las palabras e imágenes de Agustín Remesal, y recordamos
que en esa tarea cargada de utopía y eutopía está empeñado el Centro de Estudios Ibéricos.
II Edição
121

Palavras de agradecimento

Agustín Remesal

Siento la cálida sensación de quien, llegado de lejos y con un confuso bagaje cargado de días,
de crueldad y de odio, acrecentado en un escenario de infamias y dolores humanos, se sienta a la mesa de
los amigos y recupera la calma.
Me rodea aquí la cordialidad y el afecto de aquellos con quienes comparto desde siempre el amor a la
honradez de esta tierra y a la rectitud de los espíritus que la habitan. Son suyos los principios sometidos
a contraste en mi quehacer diario, metido en la caverna de noticias violentas que hemos de difundir cada
día. Y me pregunto si el género humano se atiene al mismo código en todas partes o quizás acontece que
vivimos sometidos, unos y otros, allí y aquí, a diversos géneros de degradación.
Desde esta alta cumbre ibérica de Guarda se impone hoy el sosiego y la reflexión, no el ruido de las
bombas ni la congoja de los muertos cotidianos que asolan aquel territorio estricto, distrito sagrado para
media humanidad, sobre el cual se representan desde hace décadas los más siniestros ejercicios de la ira,
de odio y de barbarie. Créanme, no es fácil salir incólume de esa prueba cotidiana.
Nos queda hoy el recurso de someternos a la instrucción de los hombres cuya autoridad moral se
alimenta de la raíz primigenia de la cultura, y crece al calor de la profunda inteligencia que nos pone
permanentemente en guardia. Nos queda el recurso del maestro.
“Resta-nos o recurso ao mestre.
Sempre admirei em Eduardo Lourenço o raiano radical de São Pedro de Rio Seco, o seu inesgotável
caudal de análises, porventura avivado pela sua qualidade de nómada da cultura. A fórmula é bem
conhecida: da aldeia ao universalismo do pensamento. Eu também tive por Pai um lavrador, mestre….
Dizem do Mestre Lourenço que é ele quem melhor pensou Portugal. Eu acrescento: e a Espanha,
e a Europa…
Nós Espanhóis deveríamos ter aprendido a sua lição primordial de convivência: nada é mais trágico
para um país do que perder a sua própria identidade; e Portugal conserva-a incólume apesar das sete
invasões chegadas do oriente peninsular.
Prémio Eduardo Lourenço
122

Mas, hoje, a nossa pedra angular é comum e chama-se Europa em cujo caminho sempre os cidadãos
desta parte da fronteira nos levaram a dianteira. O mestre avisa-nos que esse barco está em risco de
naufrágio, porque as forças que ameaçam levá-lo para o fundo estão hoje no seu interior.
Nessa perspectiva propusemo-nos, um grupo de profissionais da TVE, levar a cabo uma reflexão ibérica
sob a égide da sacrossanta Europa. A série documental A Raia Quebrada é precisamente isso: nunca os dois
Países ibéricos estiveram mais próximos um do outro do que quando Portugal e Espanha alcançaram um
grau de ambição superior ao do resto da Europa. Mesmo quando a Espanha aqui esteve sem ser bem-vinda,
Portugal conservou esse grau de identidade real que faz os povos grandes. E uma das grandezas que
conseguimos foi demonstrar que a diplomacia e o direito internacional são sumamente úteis: para evitar uma
guerra basta assinar um tratado impossível de aplicar. Portugal e Espanha aplicaram esse método em Tordesilhas;
tenho para mim que esse é um dos pontos alto de uma civilização do diálogo, da aliança e da paz.
Para aqueles que vivem imersos no que o Mestre Lourenço chama de caverna platónica, a televisão
contemporânea que simplifica, recorta e resseca, estes campos do pensamento iberista fazem-nos
retroceder a épocas mais honrosas.
Há mais de cem anos que os fiéis dessa seita saíram precisamente de Coimbra e numa sexta-
-feira Santa viajaram pela Guarda até Salamanca anunciando a Boa Nova aos bons cidadãos dos infelizes
países ibéricos. Não ficaram junto do Tormes (pelo menos que eu tivesse visto) indícios de que esse
sermão tivesse levantado entusiasmos. Mas desses lamentos nasceram novas ideias.
É esse o caminho continuado por este Centro de Estudos Ibéricos da Guarda: um lugar de encontro,
de reflexão, de estudo e divulgação dos nossos problemas e das nossas ambições partilhadas. Foram
poucas as vezes em que convergiram tantos factores positivos para alcançar tal fim.
Duas universidades de referência na história da Europa, Coimbra e Salamanca, uma terra agreste e
de fronteira e umas gentes de espírito aberto como o campo.
Obrigado em primeiro lugar à minha estimada amiga Margarida Ruas que de uma forma tão eficaz
quanto entusiasta (são essas as suas duas marcas de guerreira tenaz) ousou apresentar a minha candidatura
a este prémio com o notável aval do Museu da Água de Lisboa, uma das instituições culturais mais dinâmicas
de Portugal.”
Gracias al ilustre Jurado que por unanimidad y con la generosidad de cada uno de sus miembros me
concedió el galardón.
Como antiguo alumno de la Universidad de Salamanca, siento una especial satisfacción; y como
rayano indomable, un orgullo que comparto hoy, desde este alto nido ibérico de Guarda con muchos de
mis vecinos: los contrabandistas de Sendim y de Fariza; los guardiñas de Miranda, los guardias civiles de
Bermillo; los madereros de Aliste y de Freixo, los portadores de los pendones de Viriato, los comerciantes
de alambiques de cobres de Mirandela, los valerosos ecologistas de los Arribes, o las Arribes …
En esas aguas de frontera humana difusa se ahogó el último diablo que merodeaba entre Aliste y Tras
“Os Montes condenado”, según versión piadosa de mi abuelo Pascual, por el chápiro verde. Que el Todopo-
deroso le conceda aprender pronto el lenguaje de aquel territorio acuático, seguramente el más refinado portuñol,
en que intercambian sabias consejas los peces de los pantanos del Duero. Qué divinidad malhechora se atrevió
a colocar entre vecinos tan bien avenidos ese tajo enormísimo abierto entre los granitos pleistocénicos?
Ellos son en verdad privilegiados, porque ninguna contienda bélica les ha alejado. Mas como dice el
Maestro Lourenco, nos queda aún mucha tierra de nadie que colmar, mucho desconocimiento mutuo,
aunque ninguna querella. Arrastramos en eso un retraso quizás de medio siglo, si comparamos ese páramo
de desconocimiento mutuo con nuestra aparente facilidad para concertar negocios de toda índole.
Bueno será pues en este trance acudir otra vez a las palabras del gran Pessoa: ya que no somos, al fin, un problema
para nadie, la Iberia, los miembros que la integran debe asumir su independencia nacional y su convergencia de
civilización, la formula que el poeta de los heterónimos defendió con ahínco. Al cabo, formamos una de las
más antiguas comunidades culturales del viejo continente. Y eso nos obliga a seguir buscando nuevos mundos.
CEI: Actividades | 2006
A ideia que esteve na génese do Centro de Estudos Ibéricos (CEI) foi a lançada por Eduardo Lourenço.
Estudar a Ibéria e o seu papel no Mundo, tendo Unamuno e Oliveira Martins como figuras precursoras
e tutelares. Sem perder de vista esta perspectiva universalista, a evolução do CEI teve sempre em
consideração dois aspectos importantes:
• O contexto territorial onde está ancorado, a Guarda como centro geográfico das duas cidades que
definem o eixo Coimbra - Salamanca. Embora a importância deste eixo de conhecimento e cultura
tenha residido no capital científico, detido pelas Universidades de Coimbra e de Salamanca, o
Centro não é alheio à realidade da área raiana, dividida pela fronteira política, mas irmanada por
um amplo conjunto de problemas comuns.
• O quadro institucional, a parceria estabelecida entre a Universidade de Coimbra, a Universidade de
Salamanca, o Instituto Politécnico da Guarda e a Câmara Municipal da Guarda, entidades que
têm proporcionado os recursos materiais e os meios humanos indispensáveis à organização do
CEI e das iniciativas que tem vindo a concretizar.

Partindo deste pano de fundo, as actividades promovidas no âmbito do CEI organizaram-se em


torno de quatro núcleos:
I. Ensino e Formação - através de Cursos, Conferências, Seminários e outras acções de Formação;
II. Investigação - nomeadamente com o desenvolvimento do projecto “Culturas Ibéricas, Sociedades
de Fronteira: Territórios, Sociedades e Culturas em tempos de mudança”;
III. Iniciativas e Eventos - onde releva o Prémio Eduardo Lourenço e outras iniciativas envolvendo
instituições de ambos lados da fronteira;
IV. Edições e Comunicação - apostando numa política editorial de qualidade e difusão a nível nacional,
nomeadamente através da colecção “Iberografias”, uma parceria do CEI e da Editora Campo das
Letras, bem como reforçando a imagem e presença do CEI no ciberespaço, através da renovação do
seu portal e da implementação de uma Plataforma de Apoio ao Ensino e à Investigação (e-learning).
CEI: Actividades | 2006
126

I. Ensino e Formação

Curso de Verão

“Cultura, Cooperação e Desenvolvimento” – 3 a 7 de Julho

O VI Curso de Verão do Centro de Estudos Ibéricos, subordinado


ao tema “Cultura, Cooperação e Desenvolvimento”, decorreu entre 3 e 7
de Julho, tendo como objectivos o aprofundar o debate sobre a cultura
e o desenvolvimento das regiões transfronteiriças e o estudo do papel
das redes de cooperação nesta área. A coordenação do Curso esteve a
cargo do Prof. Doutor António Pedro Pita, da Universidade de Coimbra
e Delegado Regional da Cultura do Centro, e do Prof. Doutor Manuel
Ambrosio Sánchez Sánchez, da Universidade de Salamanca.
A sessão de abertura teve lugar no dia 3 de Julho, na Sala da Assembleia Municipal da Guarda,
contando com intervenções de Jesús Málaga Guerrero, Claudino Ferreira, Luis Filipe Comendador e
José Soares Neves. No dia 4 de Julho (Terça-feira) o trabalho de campo constou do seguinte percurso:
Guarda – Foz Côa – Guarda. A jornada constou de duas
conferências: “Parque Arqueológico, Cooperação e
Desenvolvimento” e “A Arte Rupestre e a Arqueologia
do Vale do Côa”, que tiveram lugar na Quinta da Erva
Moira e de uma visita guiada ao Núcleo de Arte
Rupestre da Penascosa.
No dia 5 de Julho (Quarta-Feira), as sessões de
trabalho decorreram novamente na Sala da Assembleia
Municipal da Guarda, onde se debateram “Experiências
de Cooperação Transfronteiriça” entre os responsáveis
das Delegações da Cultura do Norte e do Centro e da Junta de Castilla y Léon. Na sessão da tarde
intervieram Rosa María Cano e Fabio Rodríguez de la Flor. A jornada terminou com uma visita a dois
equipamentos culturais de referência da cidade: o Museu
da Guarda e o Teatro Municipal da Guarda.
No dia 6 de Julho (Quinta-feira) o trabalho de campo
decorreu em Ciudad Rodrigo. De manhã, além das
comunicações sobre “Ciudad Rodrigo y Las Edades del
Hombre” proferidas por Juan Alvarez Quevedo e Eva
Vicente Hernández, visitou-se o Centro de Interpre-
tação das Rotas de Fronteira. A visita guiada à exposição
de arte sacra “Las Edades del Hombre” preencheu a
jornada da parte da tarde.
Ensino e Formação
127

O Curso de Verão terminou no dia 7, com intervenções de Antonio Morán e Nuno Júdice. A sessão
de encerramento contou com a presença dos Coordenadores da iniciativa e com a entrega dos Diplomas.
De referir que o Curso, à semelhança de edições anteriores, mereceu a atribuição de 3 créditos de libré
elección, pela Universidade de Salamanca.

Educação

I Ciclo de Conferências “Escola: Problemas e Desafios”


Decorreu de Março a Outubro de 2006 o Ciclo de Conferências “Escola:
problemas e desafios”, onde foram abordadas as seguintes temáticas: “Políticas
Educacionais”; “Dificuldades de ensino e aprendizagem”; “Da desertificação
à reorganização da rede escolar”; “Novas tecnologias da informação e da
comunicação nas práticas educativas” e “Crise na Educação: fundamentos e
desafios”. Cada jornada contou com duas comunicações, proferidas por
especialistas da área indicados pelas Faculdades de Educação das Universidades
de Coimbra e de Salamanca, estando a coordenação científica a cargo do
Prof. Doutor João Boavida (Universidade de Coimbra), do Prof. Doutor
José María Hernández Díaz (Universidade de Salamanca) e do Prof. Carlos
Reis (Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico da Guarda).
De destacar que a participação nas 5 Conferências do Ciclo “Escola: problemas e desafios” conferiu
direito a um Certificado de Aptitud de Curso de Formación Contínua emitido pela Universidade de Salamanca,
comprovada a assistência a 85% do total das horas de formação.

17 de Março – “Políticas Educacionais


A Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, marcou presença na primeira das conferências
do Ciclo que decorreu no dia 17 de Março, na Guarda, onde dissertou sobre a política educativa que o
Ministério tem vindo a implementar, numa sessão muito participada. Subordinada ao tema “Políticas
CEI: Actividades | 2006
128

Educacionais”, a jornada inaugural contou com intervenções do Prof. Almerindo Afonso, do Instituto
de Educação e Psicologia da Universidade do Minho e do Prof. Leoncio Vega Gil, da Faculdade de
Educação da Universidade de Salamanca. Estiveram presentes na Sessão de Abertura o Senhor Conselheiro
da Educação da Junta de Castilla Y Léon,
D. Francisco Javier Álvarez Guisasola, o
Senhor Director Regional da Educação do
Centro, Prof. José Manuel Silva e o Senhor
Presidente da Câmara de Guarda e
membro da Direcção do CEI, Engº
Joaquim Valente. A representar as duas
Universidades estiveram presentes os
Senhores Vice-Reitores Prof. Doutor
António José Avelãs Nunes (Universidade
de Coimbra) e D. José María Llorente Pinto
(Universidade de Salamanca).

21 de Abril - Dificuldades de Ensino e Aprendizagem


Na segunda conferência do Ciclo, o tema em destaque foi: “Dificuldades de Ensino e Aprendizagem”,
estando as comunicações a cargo do Doutor José Augusto Rebelo e da Doutora Maria Isabel Festas,
da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e da Dra. Pilar Sarto
Martín, da Faculdade de Educação da Universidade de Salamanca.

26 de Maio – Da desertificação à reorganização da rede escolar


A Reorganização da Rede Escolar deu o mote à conferência de 26 de Maio, que contou com a
participação do Dr. Édio Martins, do Gabinete de Informação e Avaliação do Sistema Educativo do
Ministério da Educação, da Dra. Clementina García Crespo, da Faculdade de Educação da Universidade
de Salamanca e do Prof. Doutor António Rochette, da Universidade de Coimbra, a quem coube a
apresentação da “Carta Educativa da Guarda”.

22 de Setembro - “Novas tecnologias da informação e da comunicação nas práticas educativas”


Na abertura do ano lectivo, o tema em discussão foi o papel das novas TIC´s nas práticas educativas.
As comunicações estiveram a cargo da Doutora Teresa Pessoa, da Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação da Universidade de Coimbra, do Doutor Juan Carlos Hernández da Faculdade de Educação
da Universidade de Salamanca e do Prof. Doutor Carlos Correia e Doutora Maria Irene Tomé do
Centro de Investigação para Tecnologias Interactivas, da Universidade Nova de Lisboa.

20 de Outubro - “Crise na Educação: fundamentos e desafios”


A conferência de encerramento do Iº Ciclo “Escola: problemas e desafios”, contou com comunicações
da Profª Doutora Maria das Dores Formosinho, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade de Coimbra e dos coordenadores científicos do Ciclo, o Prof. Doutor João Boavida,
da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e Prof. Doutor José
María Hernández Díaz, da Faculdade de Educação da Universidade de Salamanca e Vice-Reitor da
mesma Universidade, e Prof. Carlos Reis da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico
da Guarda.
Ensino e Formação
129

Saúde

II Ciclo de Conferências “Saúde sem Fronteiras”


O II Ciclo de Conferências “Saúde sem Fronteiras”
é uma organização conjunta do Centro de Estudos
Ibéricos, Ordem dos Médicos, Colégio Oficial de
Médicos de Salamanca, Ordem dos Enfermeiros,
Escola Superior de Saúde da Guarda, Ordem dos
Farmacêuticos e Associação Nacional de Farmácias.
Trata-se de uma iniciativa que decorre desde 2004
e que visa o intercâmbio de conhecimentos e experiências de profissionais da área da Saúde, tanto de
Portugal como de Espanha. Neste IIº Ciclo apostou-se num novo formato e temas atractivos, onde se
destacam “Gripe e doenças emergentes”, “Radiações electromagnéticas e doença”, “Infantários, infecção
e imunidade”, “Antes prevenir que curar” e “Envelhecimento – a eterna realidade”.
O formato é o de um tema por jornada, com dois conferencistas, um português - indicado pela
Universidade de Coimbra - e um espanhol - indicado pela Universidade de Salamanca - seguido de
uma apresentação de alunos da Escola Superior de Saúde ou de Internos de Medicina do Hospital
Sousa Martins, seguida de debate, o que permitirá uma maior interacção entre conferencistas e
participantes. De destacar duas sessões especiais subordinadas aos temas “Alimentação e nutrição - das
sopas aos antioxidantes” e “Stress, exercício físico e vida - do bom ao mau stress”, num formato que vai
para além da conferência em sala.
A coordenação científica do Ciclo está a cargo das entidades organizadoras, sendo as atribuições do
CEI, neste domínio, exercidas pelas referidas Faculdades das Universidades de Coimbra e de Salamanca,
respectivamente pelo Prof. Doutor Manuel Santos Rosa e pelo Prof. Doutor Paz Bouza.
À semelhança do Ciclo de Educação, também esta acção merece acreditação por parte dos Cursos
Extraordinários da Universidade de Salamanca, conferindo direito a um Certificado de Aptitud de Curso
de Formación Contínua comprovada a assistência a 85% do total das horas de formação.

7 de Abril - “Gripe e Doenças Emergentes”


O problema da Gripe e das viroses esteve em debate no dia 7 de Abril. Abriu esta jornada o Prof. Doutor
Manuel Santos Rosa, Catedrático da Universidade de Coimbra e Coordenador científico do Ciclo,
em nome das entidades organizadoras do Ciclo de Conferências. As comunicações estiveram a cargo do
Prof. Doutor Vítor Duque, da mesma Instituição e o Prof. Doutor Miguel Cordero Sánchez, da Universidade
de Salamanca. A anteceder o debate, teve lugar uma apresentação pelo Dr. Luís Paulo Cunha Trindade
e Silva, Interno do Internato Complementar de Medicina Interna do Hospital Sousa Martins.

19 de Maio - “Radiações electromagnéticas e Doença”


As comunicações desta sessão estiveram a cargo da Prof.ª Doutora Filomena Botelho, da Faculdade
de Medicina da Universidade de Coimbra e do Prof. Doutor José Ignacio Paz Bouza, da Faculdade de
Medicina da Universidade de Salamanca, tendo havido ainda lugar a uma apresentação por alunos da
Escola Superior de Saúde da Guarda.

23 de Junho - “Alimentação e nutrição: das sopas aos antioxidantes”


A primeira das Sessões especiais deste Ciclo teve início com uma comunicação do Prof. Doutor
Julián Rivas Gonzalo, Catedrático de Nutrición y Bromatología da Universidade de Salamanca, seguindo-se
o Prof. Doutor Manuel Teixeira Marques Veríssimo, da Universidade de Coimbra. Os alunos da Escola
Superior de Saúde da Guarda tiveram também oportunidade para fazer uma apresentação sobre o tema,
o que motivou a audiência para o debate.
CEI: Actividades | 2006
130

Do programa desta Sessão fez parte uma Rota Gastronómica, que contou com cerca de 50
participantes, com almoço em Celorico da Beira, cuja ementa estava relacionada com o tema da
Conferência: “As sopas e a sua importância” e “O Azeite e a Dieta Mediterrânica”. Depois do almoço,
visitou-se a aldeia histórica de Linhares da Beira. A Rota terminou com a visita ao Solar do Queijo,
onde foi servida a merenda “O Pão, o Queijo e o Vinho”.

14 de Julho - “Respirar para viver; respirar para morrer”


No dia 14 de Julho debateu-se o tema do Oxigénio – como nos dá vida e nos mata, numa sessão que
contou com comunicações da Prof.ª Doutora Ana Bela Sarmento e do Prof. Doutor Manuel Santos
Rosa, da Universidade de Coimbra e com uma apresentação do Dr. Nuno Sousa, Interno de Medicina
do Hospital Sousa Martins.

29 de Setembro - “Stress, Exercício Físico e Vida: do bom ao mau stress”


O tema do Stress deu o mote à Sessão especial de 29 de Setembro, que, para além das Conferências
em sala, contou com um programa “saudável” que se prolongou pela tarde, com um almoço volante, uma
caminhada e um fórum de discussão subordinado ao tema “Vida Saudável e Qualidade de Vida”.
As comunicações estiveram a cargo do Prof. Carlos Moreno, da Faculdade de Medicina da
Universidade de Salamanca e do Prof. Manuel Teixeira Veríssimo, da Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra e da Dra. Celina Torres, Interna de Medicina do Hospital Sousa Martins.

27 de Outubro - “Infantários, Infecção e Imunidade”


Com o objectivo de repensar os infantários e o contributo que podem ter no desencadear ou prevenir
da doença, teve lugar no dia 27 de Outubro, uma sessão sobre o tema “Infantários, Infecção e Imunidade”.
A assistência teve oportunidade de escutar as intervenções do Dr. Carlos Ochôa, da Universidade de
Salamanca e do Prof. Manuel Santos Rosa, Catedrático de Imunologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra. A apresentação dos alunos da Escola Superior de Saúde motivou o debate
que encerrou a sessão.

Sessões seguintes:
24 de Novembro – “Antes prevenir que curar”
15 de Dezembro – “Envelhecimento: a eterna realidade”
Ensino e Formação
131

Direito
Encontros “O Direito e a Cooperação Ibérica 2006”

O Centro de Estudos Ibéricos, o Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados e o


Ilustre Colegio de Abogados de Salamanca, organizaram, pelo quarto ano consecutivo, conferências de
Direito subordinadas ao tema “O Direito e a Cooperação Ibérica”. Esta iniciativa surgiu na sequência
dos três Ciclos anteriores (2003, 2004 e 2005), visando a discussão de temáticas e problemas práticos
decorrentes da legislação e da sua aplicação no espaço ibérico e europeu.
O programa consta de três jornadas: “Direito Biomédico” – 9 de Junho; “O Novo Regime do
Arrendamento Urbano” – 13 de Outubro; “A Indemnização em Acidentes de Viação” – 17 de Novembro.
A coordenação científica dos Encontros esteve a cargo do Prof. Doutor António José Avelãs Nunes,
Catedrático de Direito e Vice-Reitor da Universidade de Coimbra e do Prof. Doutor Jesus Carrera
Hernández, Catedrático de Direito da Universidade de Salamanca.

9 de Junho - “Direito Biomédico”


A jornada sobre “Direito Biomédico”, além das intervenções do Mestre André Dias Pereira,
da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e da Prof.ª Doutora Cármen González León,
da Universidade de Salamanca, contou com uma Mesa Redonda sobre “Medicina, Ética e Direito –
problemas práticos”, com intervenções de profissionais da área da Medicina, articulando este tema com
o Ciclo “Saúde Sem Fronteiras”.

13 de Outubro - “O novo Regime do Arrendamento Urbano”


Sessão eminentemente prática, esta jornada contou com a intervenção do Prof. Doutor Joaquim José
Sousa Ribeiro, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, seguido de uma Mesa Redonda
sobre os “Aspectos técnico-jurídicos do novo Regime do Arrendamento Urbano”.

Sessão seguinte:
17 de Novembro – “A Indemnização em Acidentes de Viação”
CEI: Actividades | 2006
132

Autarquias

Colóquio “A Programação Cultural Hoje” – 8 de Julho


Numa iniciativa conjunta do Centro de Estudos Ibéricos e da Delegação Regional da Cultura do Centro
decorreu, no dia 8 de Julho, na Sala da Assembleia Municipal da Guarda, o Colóquio “A Programação
Cultural Hoje”. Com intervenções de reputados especialistas, gestores e animadores culturais, debateu-se a
programação de equipamentos culturais, o estatuto dos programadores e o seu papel na construção das
identidades dos equipamentos culturais e a importância das programações em rede, entre outros temas.

Outros temas

II Encontro de Solicitadores “Impostos sobre o Património” – 11 de Março


O Centro de Estudos Ibéricos, em conjunto com o Centro de Formação de Solicitadores da Guarda
e com o apoio do Colégio de Procuradores de Salamanca levou a efeito, no dia 11 de Março, no auditório
do Paço da Cultura, uma acção de formação subordinada ao tema “Impostos sobre o Património (I.M.I.
- I.M.T. - I.S.)”.
Esta acção surgiu na sequência do I Encontro de Solicitadores Portugueses e Procuradores Espanhóis
realizada em 2005 sob os auspícios do CEI, onde se procurou a troca de experiências e debate de
problemas comuns a profissionais desta área de Portugal e de Espanha.
As palestras estiveram a cargo do Dr. Carlos Rodrigues, formador da Direcção Geral das Contribuições
e Impostos e de D. Miguel Angel Gómez Castaño, Decano Presidente do Colegio de Procuradores de Salamanca.

II Fórum de Segurança Rodoviária – 5 de Maio


Tendo como objectivo a sensibilização de entidades estatais,
professores, educadores e público em geral para a importância da
Educação Rodoviária enquanto medida de longa duração
fomentada com empenho e rigor científico, o Centro de Estudos
Ibéricos, em conjunto com a Comissão Distrital de Segurança
Rodoviária da Guarda e o Centro Superior de Educación Vial de
Salamanca, organizaram o II Fórum de Segurança Rodoviária.
Ensino e Formação
133

Deram o mote a este II Fórum a “Educação Rodoviária na Família e na Escola” e “Jovens e condução
segura”, tendo as intervenções estado a cargo de reputados especialistas da Dirección General de Tráfego
e da Prevenção Rodoviária Portuguesa.
Os debates que se seguiram às intervenções levaram os organizadores, palestrantes e participantes do
Fórum a considerar pertinente dar conhecimento às entidades governamentais, com responsabilidades
nesta área, das Conclusões resultantes deste evento.

Agostinho da Silva e a Ibéria – 3 de Novembro


Iniciativa conjunta do Centro de Estudos Ibéricos, Teatro Municipal da Guarda e Associação
Agostinho da Silva, que teve lugar no dia 3 de Novembro, na Sala da Assembleia Municipal da Guarda.
Uma jornada de debate e reflexão subordinada ao tema “Agostinho da Silva e a Ibéria”. De destacar a
participação de Paulo Archer, German Labrador, Miguel Real, Sandro Borzoni, Paulo Borges, Ramon
Pinho e Renato Epifâneo, entre outros estudiosos e entusiastas da obra e pensamento agostinianos.
Para além das Conferências comemorativas do Centenário do nascimento do Pensador e Ensaísta,
houve uma recitação de poemas inéditos de Agostinho da Silva e um espectáculo do músico espanhol
Germán Díaz, iniciativas que decorreram no Teatro Municipal da Guarda.

1º Encontro de Património Raiano – Centros Históricos de Fronteira - 16 e 17 de Novembro


Iniciativa promovida pela Câmara Municipal da Guarda, à qual o CEI se associa com contributos
técnicos e científicos, este 1º Encontro pretendeu dar a conhecer o Património – edificado, arqueológico
e histórico – dos territórios de Fronteira da Beira Interior Norte e Castilla Y Léon, com particular
relevo para os processos de recuperação, requalificação e valorização. O Encontro contou com
comunicações de reputados especialistas portugueses e espanhóis, sendo de destacar as participações da
Profª Regina Anacleto, do Prof. Doutor Pedro Navascués Palácio e de vários arquitectos e técnicos
responsáveis por projectos de recuperação patrimonial.
CEI: Actividades | 2006
134

II. Investigação

Apoios à investigação

A Sessão de Entrega dos Apoios a Projectos de Investigação decorreu, no dia 8 de Junho, na sequência
do concurso promovido pelo CEI no âmbito do Projecto “Culturas Ibéricas, Sociedades de Fronteira:
Territórios, Sociedades e Culturas em tempo de mudança”.
Os projectos de investigação têm uma duração prevista de um ano e versam os seguintes temas,
por linha de acção:

Linha de acção I: Territórios, margens e mobilidades: dinâmicas, organização, requalificação


• Recursos Hídricos Superficiais na Bacia Hidrográfica do Rio Côa num contexto de importantes alterações
ambientais e sócio – económicas – Adélia de Jesus Nobre Nunes
• Bases Cartográficas para o Estudo do Espaço Fronteiriço; âmbito da Região Centro e Castela e
Leão – Sérgio Martins Lopes dos Santos

Linha de acção II: Sociedades de fronteira, fronteiras da sociedade: tradição, modernidade, identidades
• Cultura y movilidad del Renacimiento peninsular: El gremio académico en las Universidades de Salamanca
y Coimbra – Noemí Cubas Martín
• Qualidade de Vida dos Idosos no Concelho da Guarda –Maria José Fernandes Granja Ferreira

Linha de acção III: Políticas públicas, desenvolvimento e cooperação internacional


• Portugal e a fronteira ibérica entre a revolução e a integração (1974-1986) – Márcio Sérgio Costa Barbosa
• Património Construído de los Parques Naturales de Arribes del Duero y Douro Internacional – Irene
Diez Ruiz

Linha de acção IV: Ibéria d’ aquém e além fronteiras: diásporas, identidades, culturas
• O Fotojornalismo nas guerras de informação. A cobertura fotojornalística da Guerra Civil Espanhola
pela imprensa ibérica – José Luís Rodrigues dos Santos
• Comunidades Cristãs – novas, em contexto de fronteira e o reconhecimento da sua diáspora como factor
notável nos trânsitos culturais peninsulares – Maria Teresa Gomes Cordeiro
Ensino e Formação
135

II Conferências “Territórios e Culturas Ibéricas” – 8 de Junho de 2006

No âmbito do projecto “Culturas Ibéricas, Sociedades de Fronteira: Territórios,


Sociedades e Culturas em tempo de mudança”, decorreram no dia 8 de Junho, na
Sala da Assembleia Municipal da Guarda, as II Conferências “Territórios e
Culturas Ibéricas”.
As comunicações foram estruturadas em painéis, correspondendo a cada uma
das quatro linhas de investigação que configuram o projecto:

Abertura
Conferência inaugural - “Vertebración territorial de las áreas transfronterizas”
– Valentín Cabero

“Territórios, margens e mobilidades: dinâmicas, organização, requalificação”


Apresentação: Lúcio Cunha; Comentário: Valentín Cabero
• “Integração das questões geo-ambientais nos processos de ordenamento sustentado dos territórios”
– Rui Ferreira de Figueiredo
• “Qualidade percebida e satisfação na prestação de cuidados de saúde no distrito da Guarda” –
Isabel Cristina Antunes Afonso Lopes

“Sociedades de fronteira, fronteiras da sociedade: tradição, modernidade, identidades”


Apresentação: Maria Helena da Cruz Coelho; Comentário: Angel Infestas Gil, Jaime Couto Ferreira
• “O ambiente na imprensa periódica regional 1965 – 1994” – Anabela da Conceição Fernandes
• “Os agentes da electrificação do distrito da Guarda: empresas, empresários e realizações” – João Figueira

“Políticas públicas, desenvolvimento e cooperação internacional”


Apresentação: Pedro Hespanha; Comentário: José Manuel Pureza
• “Políticas de desenvolvimento e cooperação transfronteiriça para a promoção do emprego na região
fronteiriça de Castilla y León / Portugal” – Sérgio Vital Braz Caramelo
• “La población dependiente en la raya fronteriza” - Maria Celestina Trejo Jiménez
• “As expectativas e as aspirações dos jovens no desenho das políticas de educação, emprego e formação
profissional” – Raluca Vieira

“Ibéria d’ aquém e além fronteiras: diásporas, identidades, culturas”


Apresentação: Rui Jacinto; Comentário: Maria Manuela Tavares Ribeiro, Angel Marcos de Dios, Pedro Pita
• “La imagen de Castilla-León y España en los manuales escolares portugueses (1850-1910)” -
David Mota Álvarez
• “Culturas e identidades em mutação no continente americano: o papel do legado ibérico” – Cátia
Miriam da Silva Costa

III Conferências “Territórios e Culturas Ibéricas” - 28 de Novembro de 2006

Conferência de Abertura

“Territórios, margens e mobilidades: dinâmicas, organização, requalificação”


Apresentação: Lúcio Cunha; Comentário: Valentín Cabero
• “Recursos Hídricos Superficiais na Bacia Hidrográfica do Rio Côa num contexto de importantes
alterações ambientais e sócio – económicas” – Adélia Nunes
• “Os “laços invisíveis” como estímulo de valorização da dimensão local” – Sofia Cardoso
CEI: Actividades | 2006
136

“Sociedades de fronteira, fronteiras da sociedade: tradição, modernidade, identidades”


Apresentação: Maria Helena da Cruz Coelho; Comentário: Angel Infestas Gil, Jaime Couto Ferreira
• “Qualidade de Vida dos Idosos no Concelho da Guarda” – Maria José Granja Ferreira
• “Las tumbas excavadas en roca y la organización socio-espacial de la comarca de Riba Côa en la
Alta EdadMedia” - Iñaki Viso
• “Histórica Agrícola na Beira Baixa na Primeira Metade do Século XX” – Cláudia Diogo
• “Cultura y movilidad del Renacimiento peninsular. El gremio academico en las Universidades de
Salamanca y Coimbra” - Noemí Cubas Martín

“Políticas públicas, desenvolvimento e cooperação internacional”


Apresentação: Pedro Hespanha; Comentário: José Manuel Pureza
• “As expectativas e as aspirações dos jovens no desenho das políticas de educação, emprego e formação
profissional” – Raluca Vieira
• “Portugal e a fronteira ibérica entre a revolução e a integração (1974- 1986) ” – Márcio Barbosa

“Ibéria d’ aquém e além fronteiras: diásporas, identidades, culturas”


Apresentação: Rui Jacinto; Comentário: Maria Manuela Tavares Ribeiro, Angel Marcos de Dios
• “Comunidades Cristãs – novas, em contexto de fronteira e o reconhecimento da sua diáspora
como factor notável nos trânsitos culturais peninsulares” – Teresa Cordeiro
• “O espirito da Guarda no relançamento das relações luso-espanholas” – Carlos d´Abreu e Emilio
Rivas Calvo
Ensino e Formação
137

III. Eventos

I Congresso para o Desenvolvimento Socioeconómico nas áreas transfronteiriças de Espanha e


Portugal – 21 e 22 de Abril
Numa iniciativa conjunta do Centro de
Estudos Ibéricos e da Fundación Ciudad
Rodrigo 2006, teve lugar nos dias 21 e 22 de
Abril, em Ciudad Rodrigo (Espanha), o “I
Congresso para o Desenvolvimento Sócio
Económico nas Áreas Transfronteiriças de
Espanha e Portugal”.
Em sessões muito participadas debateu-se
“O atraso económico nas áreas transfrontei-
riças”, as “Novas perspectivas de crescimento
e desenvolvimento”, “O apoio do sector
público ao desenvolvimento de áreas
deprimidas” e as “Propostas de promoção
económica: actuações privadas e públicas”,
com intervenções de professores universitários, responsáveis governamentais, técnicos de associações
públicas e privadas e empresários.
O enunciado das conclusões provisórias do Congresso esteve a cargo de Salvador Sanchéz-Téran,
Presidente do Conselho Social da Universidade de Salamanca.
De referir que o Congresso teve como objectivos promover e dar a conhecer iniciativas públicas e
privadas para o desenvolvimento socioeconómico nas áreas transfronteiriças de Portugal e Espanha,
estabelecendo estruturas e redes estáveis de cooperação institucional e empresarial.

Exposição “Las Edades del Hombre” – 22 de Maio


Teve lugar, no dia 22 de Maio, na Sala
da Assembleia Municipal da Guarda,
a apresentação da Exposição “Las Edades del
Hombre”, que contou com a presença de
Suas Excelências Reverendíssimas os Bispos
de Cidade Rodrigo e da Guarda, D. Atilano
Rodríguez Martín e D. Manuel Felício,
respectivamente, o Alcalde de Cidade
Rodrigo, o Presidente da Câmara Municipal
da Guarda, o Secretário da Fundação
Las Edades Del Hombre, e a Presidente
do Patronato Provincial de Turismo
de Salamanca.
CEI: Actividades | 2006
138

Segunda Edição do Prémio Eduardo Lourenço


A sessão solene de entrega da segunda edição do Prémio Eduardo Lourenço, que distinguiu o jornalista
espanhol Agustín Remesal, teve lugar no dia 23 de Junho, na Sala da Assembleia Municipal da Guarda.
Destinado a distinguir personalidades ou instituições de língua portuguesa ou espanhola que tenham
demonstrado intervenção relevante e inovadora na cooperação transfronteiriça e na promoção da
identidade e da cultura das comunidades ibéricas, esta edição recebeu candidaturas de personalidades e
instituições dos dois países, tendo a escolha recaído no jornalista espanhol, pelo seu trabalho literário e
profissional ligado a Portugal e
Espanha, incidindo nas culturas e
identidades fronteiriças.
O Prémio foi entregue pelo Presi-
dente da Câmara Municipal da
Guarda, Engº Joaquim Carlos Dias
Valente, em nome da Direcção do
Centro de Estudos Ibéricos. De destacar
as intervenções do Prof. Valentín
Cabero Diéguez, da Comissão Executiva
do CEI, que, em representação do
júri, fez o elogio do galardoado, bem
como a leitura da mensagem enviada pelo Prof. Eduardo Lourenço, que não pode estar presente na
sessão por motivos de saúde. No final da sessão, o galardoado proferiu um discurso de agradecimento.
Ensino e Formação
139

IV. Edições

Série Iberografias

6. Saúde sem Fronteiras


O sexto volume da Colecção “Iberografias” resulta da compilação das Actas
do 1º Ciclo de Conferências “Saúde Sem Fronteiras”. Resultado de um
Protocolo estabelecido entre o Centro de Estudos Ibéricos, a Ordem dos
Médicos, o Colégio Oficial de Médicos de Salamanca, a Ordem dos
Enfermeiros, a Escola Superior de Enfermagem da Guarda e a Associação
Nacional de Farmácias, este Ciclo decorreu de Maio de 2004 a Maio de 2005
e visou o intercâmbio de conhecimentos e experiências de profissionais da área
da Saúde de Portugal e de Espanha. O formato constou de uma conferência
por mês, com duas comunicações por sessão, com oradores indicados pelas
Faculdades de Medicina das Universidades de Coimbra e de Salamanca.

7. O Direito e a Cooperação Ibérica II


A colectânea “O Direito e a Cooperação Ibérica II” reúne os trabalhos
apresentados pelos conferencistas convidados a participar no 2º Ciclo de
Conferências “O Direito e a Cooperação Ibérica”, que decorreu em 2004 e nos
Encontros que tiveram lugar em 2005. Os trabalhos apresentados no I Ciclo,
que decorreu em 2003, foram editados pela Campo das Letras em 2004.

8. O interior raiano do centro de Portugal


Os Cursos de Verão são uma imagem de marca do Centro de Estudos Ibéricos,
tendo mobilizado, desde 2001 até 2005, cerca de 250 participantes de distintas
faixas etárias. Esta actividade tem vindo a realizar-se no mês de Julho, durante
uma semana, nela se incluindo conferências, proferidas por ilustres personalidades
portuguesas e espanholas, e de duas saídas de campo, com visitas a localidades
de ambos os lados da fronteira.
A iniciativa abrange uma profusão de temas actuais e de grande importância:
“O Espírito da Guarda: sociedades e culturas de fronteira” (2001), “A Conservação
e Ordenamento das paisagens da Montanha Ibérica: a Serra da Estrela em tempo
de mudança” (2002), “Património e Cultura” (2003), “Novas Fronteiras, Novos Intercâmbios” (2004) e
“Património Natural e Desenvolvimento dos Espaços Marginais” (2005).
O interesse e a oportunidade de publicação das conferências ilustram o sucesso dos Cursos.
CEI: Actividades | 2006
140

Outras publicações

“Manifesto de uma Paixão”


Iniciativa conjunta com o Museu da Guarda, este catálogo resulta da
Exposição de Fotografias a António Correia, um tributo e merecida
homenagem ao fotógrafo que, através do seu olhar, retratou a Guarda das
décadas de 1930 a 1950. A inauguração da Exposição e o lançamento do
catálogo tiveram lugar no dia 13 de Abril.

Catálogos
“Um cruzamento de fronteiras: o discurso dos concelhos da Guarda em Cortes” - Maria Helena da
Cruz Coelho e Luís Miguel Malva de Jesus Rêpas.

Revistas

Iberografias, nº 2
Uma Casa de Causas

Inauguração da sede do Centro de Estudos Ibéricos


Sessão solene da Inauguração da Sede do CEI
10 de Setembro de 2005

Eduardo Lourenço
Director Honorífico do Centro de Estudos Ibéricos

Estou aqui apenas como a pessoa que, por ocasião das Comemorações do Oitavo Centenário da
nossa Cidade, teve a ideia, talvez um pouco onírica, de imaginar que, aqui, nesta Cidade tão bem colocada,
como uma espécie de centro estratégico entre Portugal e Espanha, se poderia imaginar um centro onde
se reflectisse sobre as relações ou não relações dos povos da Península. Na verdade, esta ideia teria
morrido no momento mesmo em que a iniciei, se não estivesse na assistência o Sr. Presidente da República,
a quem a ideia agradou. Já se sabe que só o poder tem força mágica para levar uma simples ideia a um
começo da realidade! Estava também presente, a cara Presidente da Câmara, Dr.ª Maria do Carmo
Borges, que “tomou a peito” o projecto e, com os seus colaboradores, deu corpo a esta ideia. É sobretudo
a eles que se deve a passagem de uma simples ideia à realidade, que já é, e que vai ser concretizada com
a inauguração da sede do Centro de Estudos Ibéricos – no princípio pensado como uma espécie de
instituição com ambições mais vastas, mas que, provavelmente, não poderiam alcançar-se numa Cidade
CEI: Actividades | 2006
142

como a nossa. Este projecto começou a ter possibilidade de existência com a ideia de que a Guarda não
estaria sozinha, mas seria sim o lugar de articulação, na ordem cultural, entre os dois grandes povos
clássicos da cultura da nossa Ibéria, que são Coimbra e Salamanca.
É uma honra que uma ideia tão simples se possa concretizar, porque, de facto, Coimbra de um lado
e Salamanca do outro permitem, com a sua participação, dar um começo de vida e existência a essa ideia
peregrina, mas muito enraizada em mim.
Em criança entretive-me, como Charlie Chaplin num célebre filme, a caminhar de um e outro lado
da real e imaginária linha que separa o pequeno reino lusitano da imensa Espanha apenas adivinhada.
Foi a minha primeira vivência da fronteira! No fundo, não desejaria aboli-la. As fronteiras definem-nos…
Talvez este jogo inocente tenha inspirado, inconscientemente, a sugestão de onde veio a ideia de um
centro ou de uma instituição que abolisse, na ordem do imaginário, que é a da cultura, não tanto esses
estóicos litígios que, durante séculos, separaram, na ordem política, os dois povos da Ibéria e que são, de
algum modo, a condição da identidade de ambos, mas o menos aceitável desconhecimento ou insuficiente
conhecimento que portugueses e espanhóis tiveram uns dos outros, sendo, como Oliveira Martins
mostrou, dois ramos da mesma árvore ibérica. Mais se tornaram quando, tendo saído ambos das ocidentais
praias de Lisboa e de Sevilha, ilustraram essa dualidade gémea do Oriente ao Peru. Esse é, há cinco
séculos, o autêntico espaço da famosa civilização ibérica, de conquistadores conquistados e transfigu-
rados por essa saída pelo mundo, tão ou mais aventurosa que a de D. Quixote.
Abolir as fronteiras ou torná-las de símbolo de separação em sentido de mútua imolação, foi a ideia
que presidiu à criação do Centro que, hoje, será oficialmente inaugurado.
O essencial do projecto, modesto nos meios, mas ambicioso nos fins é, em última análise, o de pensar
em comum a hora de uma Península que é, hoje, muito diferente do que já foi. Uma Península que
reocupou o seu lugar na Europa, numa versão diversa da que foi a nossa no Século de Ouro, e que se
encontra confrontada em conjunto com desafios de dimensão planetária de um género novo.
Celebra-se, este ano, o quarto centenário de um livro que é, não só o espelho e a honra de Espanha,
mas o espelho de uma universalidade e humanidade incomparáveis. Nele se consignou, com alguma
melancolia, a morte de um sonho que foi comum a Portugal e a Espanha durante séculos e cujos ecos
não se extinguiram. Esse sonho prosseguia do que se chamou o espírito de cruzada que da Idade Média
nos vinha. Nesse sentido, D. Quixote era já o seu requiem e nós, os vivos, celebramos os requiam para que os
mortos ressuscitem e não para consagrar essa morte. No sentido Clássico, esse cruzeirismo não pertence ao
espírito do nosso tempo, mas não é razão para que morramos de melancolia como o herói sublime.
A cruzada ibérica é, hoje, outra. Não é a do sentido camoniano da fé e do império, nem é essa cruzada
dos céus da ficção imortalizada por Cervantes, mas é aquela que impõe o estado de uma sociedade de poder
e conhecimento em luta pelo domínio da Natureza, mas mais ainda em luta pelo Mundo, que saiu do
domínio da Natureza por nós inaugurado pela era cartesiana, pelo racionalismo moderno, que afastou,
pouco a pouco, o homem da relação idílica que mantinha com a Natureza. Estamos no século da robótica,
no século da virtualidade, no século em que a nossa meditação sobre o nosso lugar no mundo mudou de
instrumentos e de dimensão. Temos que acompanhar a luta do espírito moderno, que tanto nos custou,
a nós peninsulares, dar-lhe uma continuação, que outros povos na Europa estavam dando, depois de nós
termos sido aqueles que levámos essa Europa ao resto do Mundo. Agora, somos convidados a escolher
um mundo, mas sem saber se a nossa acção e a nossa capacidade de domínio desse Mundo é uma prática
que nos salva ou nos condena.
Fui eu que sugeri a criação deste Centro e, agora, deixo mais uma outra sugestão para materializar,
ainda mais, a função de elo, entre Portugal e Espanha, que o Centro de Estudos Ibéricos se pudesse, um
dia, chamar Oliveira Martins e Unamuno e, assim, ficariam ligados dois grandes vultos da cultura
ibérica. Oliveira Martins, porque chamou a atenção para a pouca força com que tematizámos a nossa
vida, estruturalmente épica, e Unamuno, porque foi um dos grandes agitadores do espírito ibérico.
Uma Casa de Causas
143

Isabel Pires de Lima


Ministra da Cultura

As minhas palavras são, sobretudo, como não podia deixar de ser, palavras de agradecimento e de
felicitação. Agradecimento, pelo honroso convite que tive para estar aqui e testemunhar este momento,
que é um momento pleno de significado, não só para a Guarda, mas para todos nós que somos habitantes
deste espaço ibérico. Estas felicitações quero dirigi-las, em especial, ao mentor deste projecto, o
extraordinário ensaísta e meu querido amigo, Eduardo Lourenço, e naturalmente à Câmara Municipal
da Guarda, pela sua coragem e pela sua capacidade de tornar um sonho, neste caso, um sonho do
sonhador que é Eduardo Lourenço, numa realidade. O sonho do diálogo ibérico, que o século XIX tanto
perseguiu, e já aqui nos foram lembradas as figuras tutelares a esse respeito: Oliveira Martins e Unamuno.
Poderíamos lembrar também, no século XIX, Antero e, mais tarde, Ortega y Gasset e que o século XX
veio, de um modo mais ou menos paulatino, e, enfim, condicionado por muitas curvas e contracurvas da
nossa história comum, a abandonar.
As minhas felicitações vão também para as históricas Universidades de Salamanca e de Coimbra e,
naturalmente, para o Instituto Politécnico da Guarda, que, em momentos diferentes, tiveram a sabedoria
e ousadia de se aliarem a esta fantástica aventura, constituindo-se como garantes da qualidade e da
excelência que este projecto tem e terá.
A inauguração de uma sede própria, após quatro anos de provas dadas, e provas de uma intensa e de
uma fecunda troca de experiências entre académicos e estudiosos de ambos os lados da fronteira, constitui,
sem dúvida, um marco, um momento em que se vira uma página e que só pode congratular-se quem,
como nós e como Eduardo Lourenço, reclama um futuro comum para a Ibéria da Europa onde já
estamos. Utilizando as suas palavras ou, se quiserem, usando a contrariu a metáfora de José Saramago,
talvez não tão a contrariu como parece à primeira vista, nesta jangada que nós não quereremos que se
desprenda da Europa.
Ao chegarmos a este novo e ambicionado capítulo só temos razões para celebrar. O Centro de Estudos
Ibéricos tem, agora, a sua própria casa, magnificamente instalada no coração desta secular Cidade,
de forma a acolher uma Associação criada sob o signo do multiculturalismo e do conhecimento de dois
bens que são, naturalmente, inestimáveis.
O Centro de Estudos Ibéricos revela-se, pois, como um exemplo vivo, bem sucedido e mesmo
paradigmático, de como a interioridade de uma cidade não tem que significar nem isolamento nem
resignação, nem ambição contida.
Num País que se quer desenvolvido, que queremos desenvolvido, não faz sentido assumir que só nas
grandes cidades é que há lugar para grandes projectos de pendor cosmopolita como este.
Em breve, a Biblioteca Eduardo
Lourenço, que integrará a rede
pública das bibliotecas, na qual o
Ministério da Cultura, como é
sabido, tem uma pesada responsa-
bilidade, pesada, mas muito posi-
tiva e muito gostosa. A Biblioteca
Eduardo Lourenço irá dinamizar,
ainda mais, o intercâmbio entre
as Universidades de Coimbra e
Salamanca e o Instituto Politécnico
da Guarda e espero que este
intercâmbio se alargue a muitas
CEI: Actividades | 2006
144

outras universidades da Ibéria no quadro de um louvável projecto, devido à criação de uma rede
transfronteiriça de bibliotecas. No tempo em que vivemos, o estabelecimento de vasos comunicantes
entre instituições académicas de grande relevo e prestígio, assume particular importância. O diálogo
contínuo e sistematizado entre estudantes, professores ou investigadores é condição sine qua none para a
evolução do conhecimento humano que, como sabemos, progride cada vez mais a uma velocidade
estonteante que, por vezes, temos dificuldade em acompanhar. A atribuição de um prémio de inves-
tigação, que de forma tão justa e bem merecida, tem um nome de Eduardo Lourenço, a concessão de
bolsas de estudo, a realização de cursos de verão, conferências, seminários, encontros, como aqui já foi
lembrado, e também da edição do primeiro número da revista Iberografias, são algumas das iniciativas
que marcam, a actividade do Centro de Estudos Ibéricos, e que produziam de forma inquestionável,
todos quantos nasceram de um lado e do outro desta Península que se chama Ibérica. Por este
extraordinário trabalho em prole do desenvolvimento cultural e por todos os novos projectos, que brindo
cada vez mais novas áreas de saber. Todo este extraordinário trabalho e todos estes projectos, estou certa
que muitos deles já estão gizados e prontos a saírem da gaveta – que nos vai permitirão concretizar o
sonho que Eduardo Lourenço sonhou na sua infância e que aqui nos lembrou hoje, o caminhar nos dois
lados da fronteira. Por tudo isto vos saúdo, vos felicito e os meus parabéns e os maiores desejos de bons
êxitos para o trabalho deste Centro.

Salvador Ordoñez Delgado


Secretario de Estado de Universidades e Investigación del Ministerio de Educación y Ciencia

Agradezco, en nombre de la Señora Ministra de Educación y Ciencia, y yo propio, por tener la


oportunidad de participar en el presente acto solemne de Inauguración de la Sede del Centro de Estudios
Ibéricos, en Guarda. Querría iniciar mi intervención haciendo una particular mención a uno de los
puntos de la Declaração de Guarda:
“Con motivo de la reunión de carácter ínter universitario y transfronterizo que la Universidad de
Coimbra, la Universidad de Salamanca, la Universidad de Aveiro, la Universidad de Salamanca,
la Universidad de Valladolid, la Universidad de Léon y la Universidad de Burgos(de la Región de
Castilla y Léon de España), celebran en la ciudad de Guarda, en el marco del Centro de Estudios
Ibéricos, manifiestan conjuntamente: las Universidades arriba citadas mantienen un compromiso histórico
con la función asumida en la construcción de ideas y valores universales, cuya defensa proclaman
una vez más, enfrentándose hoy
al contexto de una globaliza-
ción cargada de incertidumbres
y, al mismo tiempo, de capa-
cidades innovadoras e insos-
pechadas”.
Efectivamente, los retos de
nuestro tiempo, con sus eviden-
tes incertidumbres e injusticias,
nos incitan también a emprender
actuaciones innovadoras, hasta
hace muy poco completamente
insospechadas.
Uma Casa de Causas
145

Déjenme por tanto que me extienda brevemente por algunos de los conceptos y actuaciones
clave que, en el contexto de la Unión Europea, están contribuyendo vigorosamente a mantener una
política de cohesión vinculada al objetivo de conseguir una convergencia real socio-económica entre las
regiones europeas.
En efecto, Europa debe renovar las bases de su competitividad, aumentar su potencial de crecimiento
y su productividad y reforzar la cohesión social apostando, sobre todo, por el conocimiento, la innovación
y la valorización del capital humano.
Para alcanzar estos objetivos, la Unión debe movilizar aún más todos los medios nacionales y
comunitarios adecuados – incluida la política de cohesión – en las tres dimensiones, económica, social y
medioambiental, de la estrategia para explotar mejor sus sinergias en un contexto general de desarrollo
sostenible. Dicho de otro modo, se debe promover una política de cohesión que apoye el desarrollo
equilibrado y sostenible del territorio de la Unión en todas sus dimensiones (local, regional, estatal)
mediante la cooperación transfronteriza y la puesta en común de buenas prácticas tanto de índole
administrativa como de gobernanza.
Las regiones necesitan a Lisboa y Lisboa necesita a las regiones. En todo este esfuerzo a lo largo y
ancho de la Unión, España y Portugal, Portugal y España, deben encontrarse y actuar de mutuo acuerdo
para que las políticas europeas de cohesión desempeñen un papel central en la mejora de las zonas
transfronterizas, especialmente por lo que atañe a su diversificación económica basada en sus características
naturales, infraestructuras tecnológicas y el talento de su capital humano.
El concepto de cohesión territorial rebasa la noción de cohesión económica y social, ya que su objetivo
es contribuir a lograr un desarrollo más equilibrado, construir comunidades sostenibles en las zonas
urbanas y rurales y procurar una mayor coherencia con otras políticas sectoriales que tienen una repercusión
espacial. Este concepto implica también mejorar la integración territorial y promover la cooperación
entre las regiones y dentro de ellas.
El éxito de la cohesión territorial depende, por consiguiente, de una estrategia global que defina el
marco dentro del cual se han de realizar objetivos y acciones específicos.
En este quehacer, no me cabe la menor duda que el Centro de Estudios Ibéricos en la ciudad de
Guarda, atalaya en la busca de un futuro común para una Ibera de la Europa donde ya estamos, tal como
el insigne mentor del Centro, Eduardo Lourenço, nos tiene siempre dicho, está llamado a desempeñar
una tarea de estudio, investigación y diálogo constructivo entre nuestras dos comunidades.
En el marco del objetivo de convergencia la Unión, todos sus Estados miembros se enfrentan a problemas
muy significativos de educación y de formación. De ahí también la necesidad de fortalecer el Espacio
Europeo de la Educación Superior así como el Espacio Europeo de Investigación en todos sus niveles,
investigación básica orientada a la aplicación, desarrollo tecnológico e innovación tecnológica.
Deben movilizarse los recursos financieros para la ejecución de nuevas actuaciones, tales como: asegurar
una oferta adecuada de educación y formación atractivas, accesibles y de alta calidad a todos niveles,
que prevea itinerarios flexibles de formación, una disminución significativa del abandono de la escolaridad
antes de tiempo y tasas más elevadas de terminación de la educación superior; apoyar la modernización
de la educación superior y el desarrollo del potencial humano en investigación e innovación, mediante
estudios de postgrado, formación continua de los investigadores y atracción de un mayor número de
jóvenes hacia los estudios humanísticos, científicos y técnicos; promover la calidad y el atractivo da la
educación y la formación profesionales, incluidos el aprendizaje y la educación empresarial; garantizar,
cuando sea pertinente, una movilidad a nivel regional, nacional o transnacional, y promover marcos y
sistemas de apoyo a la transparencia y al reconocimiento de las calificaciones y la convalidación de la
educación no formal e informal; invertir en infraestructuras de educación y formación, y, en concreto, en
tecnologías de la información y las comunicaciones, cuando estas inversiones sean necesarias para llevar
a cabo las reformas o cuando puedan contribuir significativamente al aumento de la calidad y la eficacia
CEI: Actividades | 2006
146

del sistema de a educación y formación por todo el microespacio intercontinental iberoamericano;


fortalecer la identidad transfronteriza como rasgo de la ciudadanía europea.
Querido Profesor Lourenço, no querría poner punto final a mi intervención sin agradecerle la visión
con tesón que usted nos ha proporcionado para el Centro de Estudos Ibéricos sea una feliz realidad.
Una realidad que nos comprometemos no solo en augurar sino también en potenciar, de acuerdo con las
autoridades de Portugal, un vigoroso desarrollo de todas sus actividades.

Álvaro Guerreiro
Presidente da Câmara Municipal da Guarda

Falar do Centro de Estudos Ibéricos em cinco minutos é dedicar um minuto a cada ano da sua
existência, quando cada minuto da existência deste Centro é feita de séculos de saber.
E porque é de saber que se trata, não há tempo que o limite.
Tranquilizam-se, porém, todos quantos têm a bondade e a paciência de ouvir estas palavras porque a
brevidade das mesmas é ditada pelo reconhecimento do pouco saber de quem vo-las dirige.
Remeto-me, pois, para a apresentação formal desta Associação.
O Centro de Estudos Ibéricos nasceu da ideia do ensaísta Eduardo Lourenço na sessão solene
comemorativa do Oitavo Centenário do Foral da Guarda, em 1999. «Oito séculos de altiva solidão»,
pranteou o admirável orador, enquanto revisitava o lugar que o acolhera na adolescência e que disse ter-lhe
determinado algumas das coisas fundamentais da sua vida. Tornando às origens em romagem pela
História, o pensador agarrou o fio esparso do labirinto da saudade e invocando inovados desígnios e incitando
novas batalhas, Eduardo Lourenço demandou que a Guarda continuasse de atalaia – na busca de «um futuro
comum para uma Ibéria da Europa onde já estamos». E lançou, a 27 de Novembro de 1999, o desafio da
criação de um Instituto da Civilização Ibérica. Com a cidade centenária como centro – e lugar.
Acabou por se chamar Centro de Estudos Ibéricos e surgiu exactamente um ano após ter sido lançado
este repto. Concretizado em pouco tempo pela determinação da Câmara Municipal da Guarda, teve
boa fortuna de ser patrocinado, de um lado e de outro da fronteira, por duas das mais prestigiadas
instituições da Europa e que ao longo dos séculos foram modelo da universidade peninsular: a
Universidade de Coimbra e a Universidade de Salamanca. Às três Instituições viria, numa segunda fase,
a juntar-se o Instituto Politécnico da Guarda.
Cinco anos de actividades,
no âmbito da cooperação
transfronteiriça, resultam já
num acervo valiosíssimo de
ideias e experiências, em que
o CEI se assume como plata-
forma de saber estratégico no
diálogo entre diferentes espaços
ibéricos. Um património para
uma identidade. Um legado
para o saber.
Cursos de Verão, confe-
rências, seminários e encontros
têm marcado a actividade do
Uma Casa de Causas
147

CEI, onde se procura igualmente dar prioridade à investigação nomeadamente com a atribuição
de bolsas.
Especial destaque para o Prémio Eduardo Lourenço, instituído pelo Centro de Estudos Ibéricos para
galardoar personalidades ou instituições, de língua portuguesa ou espanhola, que tenham demonstrado
intervenção relevante e inovadora na cooperação transfronteiriça e na promoção da identidade e da
cultura das comunidades ibéricas, este ano na sua segunda edição. No ano passado foi distinguida a
docente universitária e ensaísta Maria Helena Rocha Pereira, uma figura ímpar e de grandeza internacional
que prestigiou o CEI e o mentor deste galardão.
No âmbito editorial, de destacar a publicação de cinco volumes da Colecção Iberografias, resultado
de um protocolo entre o CEI e a Editora Campo das Letras, (“Iberismo e Cooperação”, “O Direito e a
Cooperação Ibérica”, “O Outro Lado da Lua – A Ibéria segundo Eduardo Lourenço”, “Entre Margens e
Fronteiras” e “Territórios e Culturas Ibéricas”), para além de outras iniciativas editoriais, onde se destacam
“Tempos de Eduardo Lourenço – Fotobiografia”, “ A Guarda Formosa na primeira metade do século
XX” e “Lusitanos e Romanos no Nordeste da Lusitânia”, entre outras.
O Centro de Estudos Ibéricos procura, assim, afirmar-se como plataforma de diálogo, encontro de
culturas e centro de transferência de conhecimentos, com forte componente de aprendizagem e formação,
dinamizando proximidades e reforçando laços de entendimento, na certeza que o conhecimento e a
informação são os mais sólidos alicerces do futuro colectivo.
É assim, em síntese, que se apresenta, “urbi et orbi”, o Centro de Estudos Ibéricos.
Mas o Centro de Estudos Ibéricos é, também, contrariedade incontornável para pessimistas crónicos
que rebuscam na miopia da sua observação sobre o desenvolvimento sustentável, desengonçados argumentos
para, com passes de paupérrima demagogia – já há muitos gastos – anunciarem mirabolantes projectos
nos quais, luz, natureza, pessoas, sombra, argamassa, resíduos, e tantas, tantas outras coisas sérias são
misturadas e metidas – como se isso fosse possível … – num mesmo saco de promessas.
Desiludam-se aqueles que assim pensam!
O Centro de Estudos Ibéricos é, como diz o Prof. Cláudio Guillén, “una hermosa carabela” feita de
filigrana na qual, cada fio, cada conta, é fruto da inteligência, do saber, da reflexão, e da divulgação das
culturas portuguesa e espanhola, entrelaçadas pelo relacionamento, pela cooperação e pela investigação
no campo universitário, caravela que rasga os mares do conhecimento promovendo, em cada momento,
o intercâmbio entre organismos e departamentos de áreas académicas e científicas de Portugal e Espanha,
tendo como destino último o apoio à formação e à investigação.
O CEI tem, como porto de abrigo, como guarda, – na expressão de Maria do Carmo Borges –,
a Guarda, a nossa Cidade.
Este projecto, diz o Prof. Valentín Cabero, “é um compromisso cívico que de ambos os lados da
fronteira, temos de levar por diante, de maneira constante e persistente” aliás, em sintonia, com o nosso
Presidente da Republica, Dr. Jorge Sampaio que reconhece que “o CEI será, sem dúvida, um factor de
desenvolvimento através dos seus projectos de investigação e cooperação transfronteiriça, constituindo
uma base para o desenvolvimento de outras necessária actividades, porque o conhecimento e a informação
são dos mais sólidos alicerces do futuro de todos nós”.
Portanto, a Guarda, há muito inconformada (e, por isso, sempre convictamente lutadora pelo
desenvolvimento) alcançou, com o Centro de Estudos Ibéricos, um estatuto de Plataforma de debate da
Ibéria no contexto da Europa tanto mais importante quanto, – na senda do pensamento do Prof. Eduardo
Lourenço – “não há espaços mais europeus do que a Península, que é uma espécie de Europa antes
da Europa”.
Hoje, ao ser dotado de uma sede própria, o CEI não só adquire maior autonomia como se vê ainda
mais confrontado com a necessidade de prestar serviços mais qualificados e o exigente desafio de
desempenhar um papel mais activo e comprometido com a comunidade que o acolhe.
CEI: Actividades | 2006
148

Expressivamente, o Presidente da República veio à Guarda lançar a primeira pedra da remodelação da


sede do Centro de Estudos Ibéricos em Novembro de 2002. Jorge Sampaio elogiou a «brilhante e visionária
iniciativa» de Eduardo Lourenço. Na ideia do Chefe de Estado, “o envolvimento das duas mais antigas e
prestigiadas universidades da Península Ibérica na prossecução dos objectivos do Centro de Estudos
garante a dinamização das iniciativas dentro dos maiores padrões de qualidade e exigência”.
O edifício do Centro de Estudos Ibéricos e a Biblioteca Eduardo Lourenço, ainda em construção
num espaço contíguo, vão formar uma inovadora plataforma de intercâmbio entre as Universidade de
Coimbra e de Salamanca, no âmbito do projecto da Rede Transfronteiriça de Bibliotecas, em fase de
desenvolvimento.
Num espaço nobre da cidade, que esteve degradado durante décadas, nasce, à luz do visionário desafio
do maior ensaísta português vivo, um lugar de todos – a caminhar para a dimensão universal sonhada –
em cuja realização e construção a Câmara da Guarda investiu, com importante esforço das suas próprias
finanças, com a certeza de que, desta forma, continua a tudo fazer para que promover o conhecimento
e a investigação, pilares fundamentais para sustentabilidade de uma sociedade moderna assente em
sólidos alicerces de cidadania.
O Centro de Estudos Ibéricos continua a ser o verdadeiro percursor do seu lema – o autêntico
“Espírito da Guarda” que existiu ao longo dos séculos, ditado pela posição privilegiada de que a Guarda
sempre gozou, afirmando-se como centralidade, no plano geo-estratégico e nas particulares circunstâncias
sociais, económicas e culturais e se reafirmou, já depois, após Abril de 1974, ao receber o encontro
histórico entre os Ministros dos negócios estrangeiros de Portugal e de Espanha, Melo Antunes e José
Maria Areilza, decisivo para a projecção da moderna Espanha e para a afirmação da Democracia em
ambos os países.
Concluo com uma vénia de agradecimento por tão valioso e incomensurável contributo que, V.Ex.as,
dão à Guarda, reafirmando-nos o legítimo orgulho de sermos Guardenses e de, como Guardenses,
termos tido a honra de colaborar para que o Centro de Estudos Ibéricos seja, hoje, obra ímpar na
História dos Municípios Portugueses.

Enrique Battaner
Magnífico Reitor da Universidade de Salamanca

En busca de un futuro común para una Iberia en la Europa en la que ya estamos, cómo nos ha citado
el Presidente de la Cámara Municipal de Guarda, es una magnifica introducción a esta inauguración del
Centro de Estudios Ibéricos. Con estas palabras, Eduardo Lourenço resumió, magistralmente, el espirito
del evento que nos ocupa: la inauguración de la sede del Centro de Estudios Ibéricos.
No sé si nuestros amigos y compañeros portugueses padecen la misma enfermedad que padecemos
los españoles: el síndrome de la inauguración fantasma. Se conoce con este nombre, la tendencia inaugurar
deseos para el oportuno lucimiento del promotor de la idea o de la administración que la financia,
esperando que esa inauguración, de alguna manera, convierta los deseos en realidad, lo que no siempre
suele suceder, pero, desde luego, no es este el caso que nos ocupa. La inauguración del Centro de Estudios
Ibéricos tiene lugar cuando este es ya una esplendida realidad. De manera que la inauguración es, por así
decirlo, simplemente una facilidad más en el caminar del Centro, una mera herramienta si bien
importantísima en su actividad cuotidiana. Desde ahora, todas las actividades del Centro, que han sido
muchas y muy importantes, encontrarán un espacio mejor y ello dará pie, sin duda, a que podamos
potenciar y ampliar los campos de trabajo propios del Centro.
Uma Casa de Causas
149

En este momento, en el que el Centro va a disponer de una sede propia se hace necesario que, desde
la Universidad de Salamanca, presentemos, ante todos ustedes, nuestro más herviente agradecimiento a
la Cámara Municipal de Guarda, autentico motor de la brillante iniciativa de D. Eduardo Lourenço,
así como a esa gran casa común que es la Unión Europea, cuyos fondos INTERREG han permitido
su culminación.
Ha sido la anterior presidenta de la Cámara Municipal, Exma. Sra. Maria do Carmo Pires de Almeida
Borges, quien ha personificado con incansable actividad e indiscutible acierto el Centro de Estudios
Ibéricos, cosa que su sucesor, sin lugar a dudas, dará pie a que podamos decir exactamente lo mismo.
A ese carácter de Acrópolis y atalaya, que tiene la ciudad de Guarda y que rememora, con legitimo
orgullo, su carácter de frontera en lo que las fronteras tienen de defensa de lo propio y, al mismo tiempo,
abertura a lo ajeno, hemos de unir, sin lugar a dudas, el nuevo carácter de ciudad-encuentro. Encuentro,
en primero lugar, de dos instituciones académicas: la Universidad de Coimbra y la Universidad de
Salamanca, a las que se unió una institución más moderna, pero no menos entregada al servicio público
de la educación, como es el Politécnico de Guarda. Encuentro, también, de nuestras respectivas
administraciones, tan dignamente representadas aquí, por la Sra. Ministra de Cultura de Portugal y por el
Secretario de Estado de Universidades de España, así como con el Director General de Universidades
de Castilla y León y por ultimo, y posiblemente lo más importante de todo, encuentro de estudiantes y
profesores de uno y otro lado de la frontera, que, afortunadamente, cada vez es más virtual en torno a
múltiples actividades relacionadas, muchas de ellas, con nuestro propio encuentro de frontera o de región
transfronteriza, pero con una indiscutible vocación de trascendencia y de ir más allá en proyección europea
y en proyección universal, de acuerdo con las respectivas vocaciones históricas de nuestros dos Países.
El Centro de Estudios Ibéricos se ha caracterizado hasta ahora, desde sus inicios, por una característica
enormemente atractiva: la interdisciplinaridad y la multidisciplinaridad de su labor científica, lo que le
hace extremadamente interesante para todos nuestros estudiantes. Creo que esta característica del Centro
ha de ser cultivada y potenciada, con todo cuidado, por las entidades académicas que participamos en lo
mismo. Hasta ahora, los principales campos de actividad han sido: literatura, historia, filosofía, geografía,
sociología, economía, derecho y relaciones internacionales. Ciertamente es un espectro amplio a
actividades, sin embargo, creo que aún está relativamente restringido y creo que debemos proponer su
extensión a las ciencias experimentales y a la tecnología. Algo se ha hecho ya en el campo de la medicina,
pero, en estos momentos, deberíamos pensar en un espectro de actividades muchísimo mayor.
Quiero dejar claro el compromiso de la Universidad de Salamanca con este Centro de Estudios Ibéricos.
Creo que junto con nuestra Universidad hermana de Coimbra y el Politécnico de Guarda, seremos
capaces de ampliar y de potenciar la vida académica de la ciudad de Guarda en su calidad de espacio y
de encuentro tal como lo dice antes.
La implantación del espacio europeo
de educación superior puede ser una
magnifica ocasión en este sentido,
haciendo que nuestro Centro de Guarda
pueda ser la sede de doctorados o de
postgrados.
Para terminar, quisiera agradecer a todas
las autoridades aquí presentes, el compro-
miso que muestran con su presencia y,
por en cima de todo, a esta Cámara
Municipal de Guarda que siempre nos ha
ofrecido su hospitalidad activa y que siempre
nos permite sentirnos como en nuestra casa.
CEI: Actividades | 2006
150

Jorge Seabra Santos


Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra

Perante uma mesa recheada de tão ilustres personalidades, com prazer, gostosamente e de bom grado
cederia a minha vez e o meu tempo para permitir que outros falassem nesta ocasião. Em particular,
permita-se-me a franqueza ao mais lúcido de todos os portugueses vivos, ao Prof. Eduardo Lourenço.
No entanto, por dever protocolar, que gostosamente cumpro, partilho convosco umas breves reflexões
por esta ocasião.
Da missão e dos objectivos e do que tem feito o Centro de Estudos Ibéricos, já bem referiram,
o Sr. Presidente da Câmara da Guarda e o Sr. Reitor da Universidade de Salamanca. Criado há cerca de
cinco anos, o Centro de Estudos Ibéricos tem já atrás de si um longo passado de intensa actividade de
colaboração, a vários níveis, na formação e na investigação científica na área de intervenção que se
propôs cobrir.
Cumpre-me referir-vos a importância da colaboração entre duas grandes Universidades europeias,
a Universidade de Coimbra e a Universidade de Salamanca. Entre muitos outros projectos, igualmente
irmanados, no âmbito, por exemplo, do grupo de Coimbra, que tem por objectivo a concretização da missão
e da actividade das Universidades Clássicas Europeias e também, por exemplo, do grupo de Tordesilhas,
que tem por missão a colaboração intensa entre as universidades peninsulares e as universidades brasileiras.
Aqui, no âmbito deste projecto, no Centro de Estudo Ibéricos uma vez mais, estas duas Universidades
puseram em comum as suas capacidades e os seus recursos, para levar por diante um objectivo extrema-
mente importante. Deram as mãos e juntaram-se às chamadas forças vivas da Guarda, em primeiro
lugar à Câmara Municipal da Guarda e ao Instituto Politécnico da Guarda para concretizar este projecto:
o Centro de Estudos Ibéricos.
Tive o prazer, na altura como Vice-Reitor do Fernando Rebelo, que aqui está presente e que saúdo,
que juntamente com a actual Governadora Civil, Dr.ª Maria do Carmo Borges, na altura Presidente da
Câmara, deram um impulso a esta iniciativa de participar com a presença, que muito nos honrou,
do Senhor Presidente da República no lançamento da obra da sede que, hoje, vamos inaugurar. Estávamos,
em Novembro de 2002, e o que podemos dizer é que no nosso País as coisas demoram muito tempo.
Compete-nos a nós, que temos a responsabilidade da direcção das instituições, manter a estratégia,
manter a orientação, o tempo suficiente para que elas acabem por se concretizar. Neste caso concreto,
é-me grato verificar que não foi preciso esperar pela infra-estrutura física para que o Centro de Estudos
Ibéricos iniciasse a sua actividade. Foi, assim, com variadíssimas acções de formação, com o lançamento
de iniciativas de investigação científica, com o lançamento do Prémio Eduardo Lourenço, de que já
vamos na segunda edição, e, sobretudo, com a colaboração e potenciação da colaboração intensa entre os
jovens dos dois lados das fronteiras, que têm feito, no âmbito dos seus projectos de investigação e das
suas actividades de formação, um
trabalho exemplar.
Neste momento, cumpre-me, portanto,
apenas como membro da Direcção do
Centro de Estudos Ibéricos e como
Reitor da Universidade de Coimbra,
desejar ao Centro de Estudos Ibéricos um
longo futuro, a concretização dos seus
objectivos e às pessoas, aos seus professores,
aos seus estudantes e aos seus agentes,
as pessoas que, de alguma forma, intervêm
nas suas actividades e nos seus êxitos,
as maiores felicidades.
Uma Casa de Causas
151

Jorge Mendes
Presidente do Instituto Politécnico da Guarda

Permitam-me apenas três breves notas sobre o Centro de Estudo Ibéricos. Notas sobre o passado,
sobre o presente e sobre o futuro. Sobre o passado começaria, e permita-me o Professor Eduardo Lourenço,
com uma pequena citação de um texto de 1999 do Professor Eduardo Lourenço que diz: “Sou um
curioso. Tenho uma curiosidade sem fim. Não para resolver as minhas dúvidas, mas como puro apetite
de conhecer. As pessoas evoluem e aprendem a viver dentro do seu próprio labirinto. Sou um insaciável
do conhecimento.” Penso que o Centro de Estudos Ibéricos nasceu de uma ideia do Professor Eduardo
Lourenço, precisamente uma ideia que vem deste apetite de conhecer. Neste caso, conhecer, aprender,
reflectir, investigar, sobre estes dois povos e as suas culturas. Dois povos tão próximos e tão distantes, tão
iguais e tão diferentes. O sonho ou se quisermos parte dele realizou-se e, hoje, o Centro de Estudos
Ibéricos é uma realidade importante para a Guarda, para a sua região e, obviamente, para o País. Pena
foi que o Instituto Politécnico da Guarda tenha ficado de fora aquando da sua criação como sócio
fundador; é uma mágoa que fica sempre à nossa Instituição. Em termos de presente, queria dizer que
este Centro de Estudos Ibéricos cresceu e desenvolveu-se à custa de pessoas, de ideias e de vontades.
Mas não bastam pessoas, ideias e vontades, é preciso meios. A sede que, hoje, vamos inaugurar faz parte
desses meios necessários para que o Centro de Estudos Ibéricos cumpra os seus objectivos principais, de
investigação e divulgação da ou das culturas ibéricas. Dou os parabéns à Câmara Municipal da Guarda,
ao Centro de Estudos Ibéricos e à sua Comissão Executiva por terem conseguido, num curto espaço de
tempo, erguer esta obra física que hoje vamos inaugurar, que vem materializar a obra, a ideia que presidiu
à criação do Centro de Estudos Ibéricos. Em termos de futuro, o Centro de Estudos Ibéricos, durante
estes anos, criou já as suas próprias rotinas, foi importante tê-lo feito, e fê-lo bem. Também pôs os seus
órgãos a funcionar, fê-lo bem, mas penso que não basta. Agora, o Centro de Estudo Ibéricos tem que
abrir-se definitivamente, tem de deixar de estar virado para si próprio, girando em torno de algumas,
na minha modesta opinião, poucas pessoas e instituições. Tem de abrir-se a novos investigadores, não
bastam os que existem. Existem bons investigadores no Instituto Politécnico da Guarda e noutras
instituições vizinhas. É preciso abrir-se a esses investigadores. Tem que abrir-se também a novas temáticas,
a novas áreas científicas. Como disse, e muito bem, o Senhor Reitor da Universidade de Salamanca, tem
que abrir-se às ciências experimentais, às tecnologias, à economia, à gestão, ao turismo, ao desporto,
entre outros, para além de continuar o seu trabalho nas áreas em que tem apostado preferencialmente.
Termino, em nome da Instituição que orgulhosamente aqui represento, o Instituto Politécnico da
Guarda, queria felicitar o Centro de Estudos Ibéricos e a sua Comissão Executiva pelo trabalho que têm
realizado. Queria felicitar a Câmara Municipal da Guarda pelo efectivo apoio e entusiasmo que sempre
devotou a este projecto.
Tenho a certeza que, no futuro, o Centro de Estudos Ibéricos, irá cumprir, integralmente, a sua missão
de aproximação destes dois povos. Diz-se, muitas vezes, e é conhecido, que: “De Espanha nem bom
vento, nem bom casamento”; e diz-se
também, com muita facilidade, quando nos
referimos a Espanha, que são “nuestros
hermanos”. Penso que de Espanha,
por vezes, vêm “bons ventos” e
“bons casamentos” e também penso que
“somos irmãos”, mas, muitas vezes,
desavindos. É, pois, preciso identificar,
investigar, divulgar as identidades, o que
nos une, as nossas diferenças nos mais
diversos domínios.

Você também pode gostar